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.⁄ .⁄ . , º - 171 Ceticismo dogmático e dogmatismo sem dogmas * Resumo Em alguns artigos, Roberto Bolzani Filho, considerando a natureza do filosofar e do discurso cético, inclui o ceticismo no conflito das filosofias, que, à primeira vista, diria respeito somente às filosofias dogmáticas. Podemos vislumbrar, nessa crítica ao ceticismo, uma posição pessoal sofisticada sobre a própria idéia de filosofia. Apresento uma sistematização de sua metafilosofia em torno de três eixos principais: primeiro, a idéia de crítica ao ceticismo, e não de refutação; segundo, a distinção entre dois aspectos da filosofia, “pôr o real” e “pôr-se a si mesma”; terceiro, as exigências necessárias do discurso filosófico. A idéia central de Roberto é que o exame do ceticismo revela que este tem pressupostos implícitos que são questionáveis e que o comprometem com uma forma de dogmatismo. Palavras-chave ceticismo, dogmatismo, conflito das filosofias. Title Dogmatic Skepticism and Dogmatism with no Dogmas Abstract In some of his articles, Roberto Bolzani Filho, when considering the nature of making philosophy and the skeptical discourse, includes skepticism in the conflict of philosophies that, at first sight, would include exclusively dogmatic philosophies. In this criticism of skepticism, we can realize a sophisticated personal standpoint on the very idea of philosophy. I present a systematization of his meta-philosophy around three main axes: first, the idea of criticism of skepticism, and not its refutation; secondly, the distinction between two aspects of philosophy, ‘put the real’ and ‘put it to itself’; thirdly, the necessary demands of the philosophical discourse. Roberto’s central ideal is that the examination of skepticism reveals that it has implicit presuppositions that are questionable, and compromise it with a certain form of dogmatism. Keywords skepticism, dogmatism, conflict of philosophies. Data de recebimento: 09/02/2004. Data de aceitação: 27/02/2004. * Professor da USJT, pesquisador do CNPq e participante do Projeto Temático Ceticismo (Fapesp). E-mail: [email protected]. . O ceticismo tem despertado muita atenção, tanto entre os historiadores da filosofia, conscientes do papel desempenhado por essa corrente na Anti- güidade e na constituição da filosofia moderna, como entre os filósofos, que tentam determinar suas próprias posições em face do desafio cético. Com relação a estes últimos, alguns esboçaram novas formas de ceticismo, atualizando e depuran- do as formas tradicionais dessa corrente, enquanto outros procuraram mostrar a inviabilidade da postura cética, não somente daquelas formas tradicionais, como também de suas atualizações e depurações. De duas maneiras desqualifica-se o ceticismo como uma proposta filosófica aceitável, seja afirmando alguma espécie de realismo filosó- fico, seja refletindo sobre a natureza do filosofar e sobre as características do discurso cético. Essa segunda linha de reflexão é desenvolvida em alguns artigos por Roberto Bolzani Filho, ao incluir o ceticismo no conflito das filosofias, que, à primeira vista, diria respeito somente aos dogmatis- mos. Das críticas de Roberto ao ceticismo, podemos vislumbrar uma posição pessoal diante da filo- sofia, que infelizmente ainda não se acha inteira- mente desenvolvida, nem claramente formulada. Tentarei identificar, em seus artigos, uma filosofia pessoal 1 , simultaneamente crítica 2 e dogmática 3 , que lhe serve de base para sua rejeição do ceticismo e examinarei alguns aspectos dessa filosofia com a finalidade de contribuir para o eventual aperfei- çoamento da posição de Roberto. Antes de tudo, é preciso identificar o ponto de partida de nosso autor e compreender qual o sen- tido de sua rejeição do ceticismo 4 . Há duas manei- ras de rejeitar o ceticismo. Uma é pela via rápida da refutação e a outra, pela via da crítica. A refutação

Ceticismo Dogmático e Dogmatismo Sem Dogmas

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Em alguns artigos, Roberto Bolzani Filho, considerando a natureza do filosofar e do discursocético, inclui o ceticismo no conflito das filosofias, que, à primeira vista, diria respeito somente às filosofiasdogmáticas. Podemos vislumbrar, nessa crítica ao ceticismo, uma posição pessoal sofisticada sobre aprópria idéia de filosofia. Apresento uma sistematização de sua metafilosofia em torno de três eixosprincipais: primeiro, a idéia de crítica ao ceticismo, e não de refutação; segundo, a distinção entre doisaspectos da filosofia, “pôr o real” e “pôr-se a si mesma”; terceiro, as exigências necessárias do discursofilosófico. A idéia central de Roberto é que o exame do ceticismo revela que este tem pressupostosimplícitos que são questionáveis e que o comprometem com uma forma de dogmatismo.Palavras-chave ● ceticismo, dogmatismo, conflito das filosofias.

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.nv. x.i. )ux. :ooo .xo xii, x , I,I-I8, ix1vcv.1o 171Ceticismo dogmtico e dogmatismo sem dogmasvixio )uxquviv. sxi1u*Resumo Em alguns artigos, Roberto Bolzani Filho, considerando a natureza do filosofar e do discursoctico, inclui o ceticismo no conflito das filosofias, que, primeira vista, diria respeito somente s filosofiasdogmticas.Podemosvislumbrar,nessacrticaaoceticismo,umaposiopessoalsofisticadasobreaprpriaidiadefilosofia.Apresentoumasistematizaodesuametafilosofiaemtornodetrseixosprincipais: primeiro, a idia de crtica ao ceticismo, e no de refutao; segundo, a distino entre doisaspectos da filosofia, pr o real e pr-se a si mesma;terceiro, as exigncias necessrias do discursofilosfico.AidiacentraldeRobertoqueoexamedoceticismorevelaqueestetempressupostosimplcitos que so questionveis e que o comprometem com uma forma de dogmatismo.Palavras-chave ceticismo, dogmatismo, conflito das filosofias.Title Dogmatic Skepticism and Dogmatism with no DogmasAbstractInsomeofhisarticles,RobertoBolzaniFilho,whenconsideringthenatureofmakingphilosophy and the skeptical discourse, includes skepticism in the conflict of philosophies that, at firstsight, would include exclusively dogmatic philosophies. In this criticism of skepticism, we can realize asophisticatedpersonalstandpointontheveryideaofphilosophy.Ipresentasystematizationofhismeta-philosophy around three main axes: first, the idea of criticism of skepticism, and not its refutation;secondly, the distinction between two aspects of philosophy, put the real and put it to itself ; thirdly, thenecessarydemandsofthephilosophicaldiscourse.Robertoscentralidealisthattheexaminationofskepticism reveals that it has implicit presuppositions that are questionable, and compromise it with acertain form of dogmatism.Keywords skepticism, dogmatism, conflict of philosophies.Data de recebimento: 09/02/2004.Data de aceitao: 27/02/2004.* Professor da USJT, pesquisador do CNPq e participante doProjeto Temtico Ceticismo (Fapesp).E-mail: [email protected]. . invi. nv ux. cv1ic. .ocv1icisxoO ceticismo tem despertado muita ateno, tantoentre os historiadores da filosofia, conscientes dopapeldesempenhadoporessacorrentenaAnti-gidadeenaconstituiodafilosofiamoderna,comoentreosfilsofos,quetentamdeterminarsuas prprias posies em face do desafio ctico.Comrelaoaestesltimos,algunsesboaramnovas formas de ceticismo, atualizando e depuran-do as formas tradicionais dessa corrente, enquantooutrosprocurarammostrarainviabilidadedaposturactica,nosomentedaquelasformastradicionais, como tambm de suas atualizaes edepuraes.Deduasmaneirasdesqualifica-seoceticismo como uma proposta filosfica aceitvel,seja afirmando alguma espcie de realismo filos-fico, seja refletindo sobre a natureza do filosofar esobre as caractersticas do discurso ctico.Essa segunda linha de reflexo desenvolvidaemalgunsartigos por RobertoBolzaniFilho,aoincluir o ceticismo no conflito das filosofias, que, primeira vista, diria respeito somente aos dogmatis-mos. Das crticas de Roberto ao ceticismo, podemosvislumbrarumaposiopessoaldiantedafilo-sofia, que infelizmente ainda no se acha inteira-mente desenvolvida, nem claramente formulada.Tentarei identificar, em seus artigos, uma filosofiapessoal1, simultaneamente crtica2 e dogmtica3, quelhe serve de base para sua rejeio do ceticismo eexaminarei alguns aspectos dessa filosofia com afinalidade de contribuirpara o eventualaperfei-oamento da posio de Roberto.Antes de tudo, preciso identificar o ponto departida de nosso autor e compreender qual o sen-tido de sua rejeio do ceticismo4. H duas manei-ras de rejeitar o ceticismo. Uma pela via rpida darefutaoeaoutra, pelaviadacrtica. Arefutao172 ix1vcv.1o sxi1u Ceticismo dogmticoconsiste em estabelecer algumas verdades sobre omundo, em elaborar um discurso definitivo sobrecomo as coisas so. Uma vez que o ctico suspendeo juzo sobre as doutrinas filosficas que preten-dem estabelecerverdades ou impor um discursocomo definitivo, seguir-se-ia imediatamente a falsi-dade do ceticismo. Essas verdades definitivas sobreo mundo poderiam ser filosficas ou no-filosfi-cas (pertencentes Vida Comum). Roberto no crqueessasmaneirasderefutaroceticismosejamplausveis. No primeiro caso, porque cada filosofiaquepretendeestabelecerumaverdadedefinitivadeve desqualificar as demais filosofias, isto , deveenfrentar todas ou, ao menos, boa parte das filoso-fias elaboradas ao longo da histria da filosofia, eessa , talvez, uma tarefa insupervel. No segundocaso, a refutao do ceticismo no somente recorrea um ncleo reduzido e seleto de verdades, comotambm admite somente verdades pr-filosficas,concedendo ao ceticismo total domnio no campoda filosofia.Robertoapresenta-nos,ainda,consideraesgerais adicionais de por que a estratgia de refuta-o do ceticismo estaria fadada ao fracasso. Comoincidem sobre os argumentos que os cticos pro-pem,essasduasespciesderefutao(afilos-fica e a no-filosfica) no podem seno fracassar,j que no entendem o papel desempenhado pelosassim chamados argumentos cticos e desconhe-cem a natureza do ceticismo. A refutao do ceti-cismopormeiodatematizaodosargumentoscticosignoraofatodequeoceticismonosedefine por esses argumentos. Propriamente falando,no h argumentos cticos, mas somente argumen-tosdogmticosquesustentamtesesdogmticascontrrias entre si. Essa estratgia cometeria, assim,uma ignoratio elenchi, e procuraria atingir o cticonum lugar em que este no se encontra.Uma vez que a refutao do ceticismo umavia pouco promissora, resta-nos,ento, segundoRoberto, a opo de criticar o ceticismo. Em vez dedeixar o ctico desferir o primeiro golpe e, depois,tentar reagir, golpeando o vazio, deveramos tomara iniciativa e abertamente critic-lo no que propecomoalternativaaosdogmatismos.Ora,oceticis-moapresenta-secomoumaformadevida,nocomo uma doutrina ou teoria. Assim, uma maneiratradicionaldepressionarocticofoimostrarasconseqncias prticas desastrosas de seus princ-pios. Roberto, entretanto, afasta-se dessa tradicio-nal objeo ao ceticismo. Em nenhum momento,pretenderetomaravelhaidiadequeumavidactica seria impossvel, pois, a seu ver, no h rigo-rosamentenenhumproblemaemviversegundoos princpios cticos5. Ao ctico, possvel, no so-mente agir, mas tambm conhecer, e que o ceticis-mo antigo , na sua interpretao, uma forma deempirismo com profundas afinidades com o empi-rismo moderno (BOLZANI, 1990).Octicoprope,ainda,umdiscursoemquecaracterizaseuprpriopensamentoedescreveretrospectivamente sua trajetria. Em linhas gerais,o ctico perturba-se com um conflito entre as filoso-fias dogmticas, investiga-as em busca da verdade,constataaeqipolnciaentreessas,suspendeojuzoeatingeatranqilidade.Nessadescriodesuatrajetria,octicoelaboraumdiscursoprprio, assumido francamente como sua posiofilosfica.Ointeressede Robertoresideemcom-preender melhor o ceticismo como filosofia, comomodo de pensar, precisamente esse modo de pen-sarqueopeumatesedogmticasuaanttesedogmtica, mostrando que os argumentos a favorde ambas se equivaleriam. Ora, ao oferecer umacaracterizao desse modo de pensar, o ctico abreo flanco para ser examinado como uma filosofiaespecfica.Oexameeaavaliaodessacaracteri-zao do modo ctico de filosofar consiste na crti-ca filosofia ctica. A idia central de Roberto queo exame do ceticismo revela que este tem pressupos-tos implcitos, e a avaliao mostraria que esses soquestionveis, integrando o conflito das filosofiastanto quanto as teses dogmticas.H, a meu ver, dois tipos de pressupostos queRoberto atribui aos cticos. Primeiro, o ctico pres-suporia algumas doutrinas ou teses substantivas, porexemplo, sobre a racionalidade, sobre qual seria aboa racionalidade, em oposio racionalidadedogmtica, considerada pelo ctico como uma racio-nalidade doentia (idem, 1996). Roberto dedica-seamostraroqueseriaumpressupostoopcionaldo ceticismo neopirrnico: uma concepo prag-mtica, naturalista e biologista da razo humana(ib.,ibid,1996,pp.50-5).Adefiniodeuma.nv. x.i. )ux. :ooo .xo xii, x , I,I-I8, ix1vcv.1o 173racionalidadeseriairrecusveltambmparaoctico (BOLZANI, 2003, pp. 106-15). Em seu entender,todas as filosofias, dogmticas ou cticas, arrogam-se o direito de instituir a boa racionalidade,emgeral indita, que doravante se dever seguir (id.,ibid.,p.114).E,dirigindo-secontraoceticismodepurado,Robertotambmidentificaumaracionalidadepretendidapeloctico6.Assim,aodefinir uma racionalidade especfica, o ctico aceita-ria um pressupostotocontroverso e questionvelcomo os pressupostos que critica nos dogmatismos.Segundo pressuposto: o ctico, em seu discursopositivo,estariaobrigadoapressuporalgunsprocedimentos formais, como o de justificar-se diante do interlocutor ou o de excluir as demaisposiesfilosficas(id.,ibid.,idem,2005a).Essesprocedimentos formais, entretanto, seriam compar-tilhados com os dogmticos e, portanto, o ctico sesituaria no mesmo plano que estes. Assim, o cticopassaria a integrar, apesar de suas afirmaes emcontrrio, o conflito das filosofias, de forma que seudiscurso poderia ser tratado do mesmo modo queo discurso dogmtico. De duas maneiras, portanto,Roberto busca pr o ctico no mesmo campo dodogmtico.OpensamentodeRobertopareceinserir-se,de maneira bastante original, na linha kantiana.A inspirao kantiana do termo crtica ineg-vel, sobretudo porque Roberto no pretende esta-belecerverdadesquenegariamoceticismo,massomente denunciar as condies de possibilidadedo ceticismo, condies sem as quais o ctico jamaispoderia justificar a aporia em si mesma, ou por simesma. Com essas condies, entretanto, o cticointegraria o conflito das filosofias do qual pretendeestar livre. Com efeito, um dos objetivos da crtica precisamente identificar o campo de batalha queuneigualmentedogmticosecticosesituar-sefora dele. Outra caracterstica do pensamento deRoberto que se assemelha a uma posio de tipokantiano a separao entre filosofia e cincia, aautonomia da filosofia em face do conhecimentocientfico e, mesmo, da vida comum.TambmoargumentoqueRobertoesgrimecontra o ctico tem uma feio kantiana. Esse seriao dilema que a crtica de Roberto apresentaria aoceticismo:ouaceitarseuspressupostosparaqueseumodocticodefilosofarestejajustificado,incorrendo assim em dogmatismo; ou abandonaresses pressupostos e, assim, perder todo e qualquerpoderdeconverterseusleitoresaoceticismo.Acrtica ao ceticismo no pretende estabelecer ne-nhumaverdade,masto-somentemostrarumacontradiopresentenodiscursoctico.Nessesentido, pode-se ver, na argumentao de Robertocontraoceticismo,umacontribuiooriginalaosassimchamadosargumentostranscenden-tais. Um argumento transcendentalrevelaria quea dvida ctica pretende negar precisamente aquiloque condio de possibilidade de sua existncia.Mostrar uma contradio na dvida ctica umadasmarcasdosargumentostranscendentais.Robertoveria,notantonadvidactica,masno discurso ctico, uma alternativa filosfica quesomente seria possvel se certos pressupostos fos-sem aceitos previamente. Mas, se aceitarmos essespressupostos, seremos dogmticos, pois so ques-tionveis e controversos. E, se no os aceitarmos, o prprio discurso ctico que perde seu sentido.Um ponto, entretanto, permanece ambguo naposioesboadaporRoberto.Deumlado,eledizqueoproblemadarefutaodoceticismoque recorre ao senso comum ou Vida Comum admitir somente um reduzido e seleto ncleo deverdadespr-filosficas,concedendotudo,emfilosofia,aoceticismo.Comovimos,essaviaderefutaodoceticismopareceinsatisfatriaaRoberto. Mas qual a razo invocada por Roberto?Qual a sua insatisfao com esse tipo de respostaao ceticismo? A razo principal, a meu ver, queele quer verdades filosficas. A idia mesma deuma crtica ao ceticismo sugere, contudo, que nosepretendeestabelecerverdadenenhuma,massomente denunciar uma contradio inerente aodiscurso ctico, j que este deve necessariamentesecomprometercompressupostosdogmticosparaqueseudiscursotenhasentido.Noestmuito clara a relao entre esses dois lados do pen-samento de Roberto.TalvezocorraumahesitaosimilarquandoRobertopareceoscilarentreaidiadesimples-mente enumerar e comentar as exigncias neces-srias do discurso filosfico e a idia de garantir aautonomia da filosofia como um discurso cognitivo174 ix1vcv.1o sxi1u Ceticismo dogmticodiferente das cincias, mas que tem objetos, proce-dimentos demonstrativos e verdades prprias. Noest claro se ele pensa que a crtica filosfica queempreende pode resultar em algum conhecimentoespecificamente filosfico ou se somente descreve-r as condies de possibilidade de todo e qualquerdiscurso filosfico. Assim, uma questo acerca dosentido mais geral da reflexo de Roberto saberseelepretendesomenteumacrticanosentidoacima definido, que se limita a descrever as condi-es de possibilidade de todo e qualquer discursofilosfico, ou se ele pretende uma filosofia que esta-belea verdades filosficas sobre objetos metafsi-cos; ou se essas duas pretenses combinam-se emuma nica filosofia.:. vv o vv.ivvv-sv . si xvsx.:nois svx1inos v.v. o coxvii1on.s viiosovi.sRoberto traa uma distino, fundamental para suaconcepo de filosofia e sua crtica ao ceticismo,entre pr o real e pr-se a si mesma7. Ao conside-rar a natureza e o sentido da filosofia8, nosso autorpretende assegurar a possibilidade daquela crticaao ceticismo que identificou e questionou os pres-supostos doutrinais, por exemplo, a boa raciona-lidade. Diante de uma possvel objeo ctica, queressaltaria as diferenas entre o discurso ctico e odiscurso dogmtico, torna-se necessria uma refle-xo que justifique o tratamento do ceticismo comoumdiscursofilosficotendoumalgicainternaprpria como a dos dogmatismos (BOLZANI, 2003,pp. 93-4). Roberto mostrar que, de um certo pontodevista,essasdiferenassoefetivaseinegveis,como quer o ctico, mas que, de outro, so anu-ladas em favor de semelhanas mais bsicas. Paracompreendermos o pensamento de Roberto, deve-mos investigar cuidadosamente essa distino quepermite aatribuiodeumnovosentidoparaoconflito das filosofias. Nesse novo sentido, o con-flito passar a incluir tambm o ceticismo, e nosomente as filosofias dogmticas.No entender de Roberto, o ceticismo teria umacompreenso demasiado estreita e limitada do que filosofia. Esta pretenderia explicar os fenmenose,indoalmdestes,teriaaintenodeeditaroreal,deespelharfielmentearealidadenumdis-cursoverdadeiro.MasissopareceequivocadoaRoberto9. A seu ver, o ceticismo tem essa concep-odafilosofiaporqueaindatemasfilosofiasgregascomomodelodefilosofiadogmtica.Nocontexto da filosofia grega, encontramos, de fato,essas caractersticas retomadas pelo ctico em suadescrio da filosofia. Por exemplo, o ctico retmo ideal da absoluta objetividade do conhecimentofilosfico,segundooqualosujeitodeveserumreceptculo inteiramente passivo no conhecimentodo real (idem, 1996, p. 46). Esse ideal transpareceriaclaramentenafilosofiaaristotlica.Outro exem-ploimportanteaidiadesistemapresentenafilosofia estica: o sistema estico deve reprodu-zir o sistema do mundo (idem, 2003, pp. 95-6).Entretanto,Robertosustentaqueafilosofiatornou-se mais complexa na modernidade e exibiucaractersticas diferentes dessas acima mencionadas.Afilosofiamodernadeixoudeconsiderarorealcomo algo a ser meramente reproduzido em dis-curso e substituiu essa reproduo do real por umaconstruo do real. Assim, embora, num sentido,o sujeito ainda seja pensado como um receptculopassivo do conhecimento, j que continua valendoa idia de que a verdade impe-se por evidncia,o sujeito moderno tambm deveria conter um ele-mento ativo na prpria construo do real, o realsendo instaurado no interior do discurso filosfi-co, e no mais sendo concebido como algo prvioeindependentedodiscursofilosfico.Porissomesmo, a idia estica de que a filosofia deve serum sistema, porque o mundo seria um sistema, cedelugar idia de que a filosofia, por ser sistemtica,pode construir o real e, assim, quanto mais sistem-tica for uma filosofia, tanto mais verdadeira esta ser.O que Roberto pretende uma crtica concep-ocientificistadafilosofia,assimchamadapor atribuir filosofia caractersticas que seriampeculiares s cincias. Segundo essa concepo, afilosofiaseriaumdiscursoterico,sistemticoeexplicativodosfenmenos.Nosepode,entre-tanto,verosfenmenoscomoamatria brutaaser explicada pela filosofia, nem se deve pensar queuma teoria filosfica esteja submetida a algum testeemprico para sercorroborada. As verdades filo-sficasnoseriamverificveisempiricamente..nv. x.i. )ux. :ooo .xo xii, x , I,I-I8, ix1vcv.1o 175Emsuma,afilosofianopodeserconfundidacomumdiscursocognitivopositivonosmoldesda cincia.Roberto faz uma defesa da autonomia do dis-cursofilosficoemrelaosteoriascientficas.Paraentenderessaautonomiademaneiramaisprecisa,deve-seinvestigaropapeldomtodoestrutural no interior do prprio ceticismo, j que,segundoRoberto,aexploraodopotencialdoestruturalismopermitealcanarumaconcepomais sofisticada e complexa da filosofia10. Parte doque Roberto se prope a fazer, ento, retomar asnoes-chave do mtodo estrutural, que acreditacompartilhar com o ctico, para mostrar-lhe queo exame cuidadoso dessas noes e de seu poten-cial filosfico no conduziria idia de que a filo-sofia pretende somente pr o real, no sentido deexplicar os fenmenos e reproduzir o real com umdiscursoverdadeiro,comoascinciasfazem,mas tambm idia de que a filosofia pe-se asi mesma, isto , tem de justificar-se perante seusleitores e ouvintes numa ordem de razes, numalgica interna e numa racionalidade que lhe soprprias,muitodiferentesdasqueencontramosem outros discursos, como o cientfico. Somentepor pr-se a si mesma que a filosofia poderia,posteriormente11, pr o real (ou suspender o ju-zo com relao ao que real). As noes de estru-tura, detempolgico, deordemdasrazesedeverdadeformalrevelariamessaautonomiadodiscurso filosfico e permitiriam distinguir a filo-sofia das cincias.Adistinoentreessesdoisaspectosdeumafilosofia, o aspecto que pe o real e o aspecto emqueessafilosofia sepeasimesma,permitiruma distino entre dois sentidos de conflito dasfilosofias.Comefeito,umaetapaessencialnopensamento de Roberto mostrar que o conflitodas filosofias pode ser pensado de dois pontos devista. O primeiro ponto de vista aquele do ctico,em que se concebe a filosofia de forma cientfica,cadaumadasfilosofiasdogmticascompetindopara ser a verdadeira descrio e explicao de umreal prvio e independente. Concebido dessa ma-neira, o ctico ter inteira razo em suspender ojuzo, e os dogmticos no conseguiro jamais re-futar o ctico. Se as filosofias dogmticas somentepretendessem proreal,entooconflitonoseria passvel de deciso, e o ctico triunfaria. Desseponto de vista, o ceticismo no uma filosofia queintegraoconflito,mas,aocontrrio,aquelaposiofilosficaqueconsisteemabster-sedequalquer posio no interior do conflito.Mas, segundo Roberto, existe ainda um outroponto de vista para pensarmos o conflito das filo-sofias. Se concebermos a filosofia como, antes detudo, pondo-se a si mesma, ento o conflito dasfilosofiasadquirirumsentidobemdiferentedaquele que pretende o ctico. O conflito no serentreteseseanttesesarespeitodarealidadedascoisas,masoconflitosedentrefilosofias,cadauma das quais tentando justificar-se diante de umauditrio universal que dever ser convertido a estaouquela filosofia, segundo tticas de persuaso,que incluem tanto a argumentao rigorosa, comoa retrica (em sentido no pejorativo). Todo dis-curso filosfico dever utilizar-se dessas tticas depersuaso e apresentar-se ao leitor (ou ouvinte) comumdiscursosuperioraosoutros,convertendo-oaessediscurso.Nestenovosentido,oceticismointegrar o conflito das filosofias tanto quanto osdogmatismos, j que tambm o ceticismo deverpr-se a si mesmo, se que o ceticismo ou pre-tende ser uma filosofia. Afinal de contas, tambmo ceticismo procura ganhar adeptos e fazer de seuleitor (ou ouvinte) um ctico12.Nosedevever,nessainserodoceticismono interior do conflito das filosofias em seu novosentido, uma refutao do ceticismo. Uma refuta-odoceticismodizrespeitocaractersticadafilosofia que pe o real, e Roberto no pretendelidarcomesseaspectodafilosofia.Paranossoautor, desse ponto de vista, o ceticismo insupe-rvel. Entretanto, quando uma filosofia se pe asi mesma, o ceticismo, como mais uma filosofia,integrar o conflito e ser apenas mais uma alter-nativa entre tantas alternativas filosficas. Isso no refut-lo ou mostrar sua falsidade, mas somentemostrar que o ceticismo opcional, de modo que,mesmosenoaceitarmosnenhumaformadedogmatismo,noestamosobrigados,ouconde-nados, a ser cticos13.MinhaprimeiraobjeoaopensamentodeRobertodizrespeitoaousoqueeleparecefazer176 ix1vcv.1o sxi1u Ceticismo dogmticodo mtodo estrutural em sua argumentao paradefenderaautonomiafilosfica.vezes,pareceque o estruturalismo ocupa um lugar fundamen-tal na argumentao, a saber, o de conduzir a umaconcepo de filosofia em que a autonomia umelemento essencial. Mas, se a distino entre pr oreal e pr-se a si mesma resulta da explorao dopotencial filosfico das noes de estrutura, tempolgicoeordemdasrazes,ento,serecusarmosessas noes como centrais na compreenso de umafilosofia, no haveriapor que aceitar essa distin-o. Existe, certamente, um conflito a respeito domelhormtodoaserempregadoemhistriadafilosofia e existe um conflito sobre como ler as filo-sofias do passado. Assim, um ctico suspenderia ojuzo sobre a validade filosfica dessas noes doestruturalismo e, portanto, no aceitaria suas su-postas implicaes filosficas.Alm disso, preciso investigar mais cuidado-samente se as noes-chave do mtodo estruturaltmasimplicaesalegadas,especialmenteadepermitir uma reformulao da concepo de filo-sofia.Ameuver,Robertovailongedemaisnasimplicaes das noes-chave do mtodo estrutu-ral. Vou concentrar a discusso numa nica noo,que fundamental para a questo da autonomiadafilosofia.Roberto,comovimos,pretendeouaceita verdades filosficas, em distino s verda-des cientficas. Como entender essa suposta ver-dadefilosfica?Oestruturalismopermiteumcomentrio mais especfico do que seria essa ver-dade filosfica e da prpria distino entre pr oreal e pr-se a si mesma.O estruturalismo, ao distinguir entre a verdadeformal e a verdade material, fornece a Robertoa chave para distinguir precisamente entre a filo-sofia autnoma e a filosofia cientfica: filosofiaautnoma corresponde uma verdade formal e filosofiacientficacorrespondea verdademate-rial. A verdade material a verdade sobre as coisas, a adequao do discurso que descreve e explicaos fenmenos previamente existentes ao discurso, a correspondncia entre nosso discurso e as coi-sas, que poderia ser verificada empiricamente. Ain-da que alguns filsofos a problematizem, essa umanootrivialdeverdadequetodoscomumenteaceitamos. O ponto importante, entretanto, saberse h um conflito das filosofias no segundo dom-nio (pr-se a si mesma), se existe uma verdadeformal especfica a esse domnio, que se distingui-riadaverdadecomocorrespondnciascoisas.Mas o que uma verdade formal? Eis onde residemeu embarao: tenho dificuldades em aceitar essasuposta verdade formal.Roberto refere-se vrias vezes ao carter siste-mtico e insiste na idia de que quanto mais siste-mtica,maisverdadeiraumafilosofia. Aidiade sistema parece implicar a de coerncia. Seriaaverdadeformalequivalenteverdadecomocoerncia? Mas so bem conhecidas as objees teoria coerentista da verdade, como, por exemplo,a de que dois sistemas coerentes podem ser contra-ditrios entre si. Se a verdade formal for equivalen-te verdade como coerncia, a posio de Robertome parecer inaceitvel. Uma soluo seria dizerque um sistema mais do que a mera coerncia,porquesupeumaarticulaoargumentadanaqual teses engendram teses segundo uma lgicainterna e uma ordem das razes. Essa sugesto,entretanto, no resolve o problema, uma vez quecontinuamosacomentaraverdadeemtermosmeramente epistemolgicos: a verdade se reduzi-riaaumprocedimentoargumentativoquenosjustificaria em aceitar certas teses. Mas podemosestar justificados em aceitar teses segundo diferen-tes lgicas internas, e as teses geradas por cada lgi-ca interna poderiam ser contraditrias entre si.Finalmente, um ctico alegaria a existncia deum conflito das filosofias acerca da noo de verda-de e no teria por que aceitar a verdade formal,seja qual for o sentido preciso dessa noo. Mesmoqueoestruturalistaconsigaesclarecerosentidodessa expresso, ainda assim permanece a questode saber se essa noo aceitvel, se merece nossoassentimento. Ora, dadas as vrias teorias filosfi-cas sobre a verdade e os diversos argumentos empre-gados em favor de cada uma, o ctico reteria seujuzo acerca de cada uma dessas teorias, at mesmoa teoria estruturalista que distingue entre verdadematerial e verdade formal.Sem dispor da noo de verdade formal, novejo qual seria o sentido de um conflito filosficono domnio do pr-se a si mesma. Se h conflitoentreasfilosofias,porqueapretensoauma.nv. x.i. )ux. :ooo .xo xii, x , I,I-I8, ix1vcv.1o 177verdade transforma a mera diferena num confli-toreal;casocontrrio,adiferenapermaneceriauma diferena sem implicar conflito. o que ocor-re, por exemplo, entre duas tendncias artsticas,pois, embora diferentes, no h propriamente con-flitoentreessas,jquenocompetementresi.Assim, sem uma verdade formal, no h por quedizerquehaveriaumconflitoentreasfilosofiasque se pem a si mesmas.Talvez o vocabulrioda verdade, formal ou filosfica, seja inteiramen-te inadequado nesse domnio.Passemos a outras consideraes sobre o pen-samento de Roberto, pois talvez se possa dizer queadistinoentre proreal e pr-seasimes-ma no depende da aceitao do mtodo estru-turaloudesuassupostasimplicaes.Como,ento,Robertoadescobreearevelaparans?Nesse ponto, sua argumentao recorre s diferen-as entre a filosofia antiga e a moderna. So as ino-vaes da filosofia moderna que trariam tona aautonomia da filosofia. A filosofia moderna seriaautnoma em relao cincia porque, enquantoas verdades cientficas submetem-se verificao,as verdades filosficas no se submetem ao proce-dimento verificacionista, embora certamente pre-cisem de demonstrao. Essa diferena na maneiraem que nos certificamos das verdades cientficas edasverdadesfilosficasresidenofatodequeosobjetos cientficos so observveis ou controlveispor meio de observaes e experincias, ao passoque os objetos da filosofia seriam inobservveis. Afilosofia moderna seria autnoma, ainda, por seranterior cincia, e por fundamentar a cincia. Emvez de receber instruo das cincias empricas ematemticas,afilosofiadeveproveraessasseufundamento legtimo, sob pena de o prprio co-nhecimentocientficopermanecerquestionvelem alguma medida.Vemos, assim, que Roberto atribui um segun-do sentido autonomia filosfica e reserva, parao mtodo estrutural, um papel bem diferente da-quele das consideraes anteriores. O mtodo es-trutural,poraplicar-seperfeitamentefilosofiacartesiana, ressaltaria claramente esses pontos ino-vadores da filosofia moderna, que, de outro modo,poderiampassardespercebidos.Robertoempre-garia o mtodo estrutural somente como um ins-trumento til para lanar uma luz mais clara so-bre uma distino sutil e de difcil percepo, masno para reformular o conceito de filosofia.Essa resposta, entretanto, talvez no seja intei-ramente satisfatria, j que traz outras dificulda-des. Em primeiro lugar, no se v por que recorrerespecialmenteaomtodoestruturalpararessal-tar essas caractersticas que constituiriam a auto-nomia da filosofia moderna em face das cincias,poissobemevidentesparatodos.Emsegundolugar,nosepoderiafalardafilosofiamodernacomoumtodo,massomente dealgumasfiloso-fias modernas. Por exemplo, que sentido teria, emPascal, a autonomia da filosofia, entendida comoanterior cincia e lhe servindo de fundamento? bem sabido que Pascal julgou Descartes incer-toeintilporquenosomentelhepareciaim-possvelfundamentaracincia,comoestanoprecisadeumafundamentaofilosfica,entreoutras razes. E o que dizer de Hume, para quema filosofia deve converter-se numa cincia do ho-mem?Tambmparaessefilsofomodernonohaveria nenhuma autonomia da filosofia no sen-tido pretendido.Mesmoseamaioriadasfilosofiasmodernastivesse,cadaumadelas,autonomia,Robertore-conhece que as antigas e medievais no o tm. Sesurge apenas com Descartes, a autonomia no se-ria algo presente em toda e qualquer filosofia, massomentenumaspoucasdelas.Essarestrionoseriaproblemtica, se quisermos,com a idia deautonomia, enfrentar o ceticismo? O conflito, nessesegundo sentido, no deveria, igualmente, ser res-trito a essas poucas filosofias que so autnomas?Se a autonomia no existe nem mesmo na maio-ria dos dogmatismos, por que o ceticismo deveriaserautnomo?Comoincluiroceticismonumsupostosegundoconflitodasfilosofiasse,porexemplo, o pirronismo de Sexto, o ceticismo aca-dmico de Arcesilau e Carnades, o ceticismo deMontaigne e o ceticismo de Hume no so seriamautnomos?Noestclaro,paramim,seoqueRobertopensa sobre a autonomia da filosofia uma carac-terstica intrnseca e inevitvel de toda filosofia ede todo discurso filosfico que se apresenta paraum ouvinte ou leitor, visando persuaso, ou se 178 ix1vcv.1o sxi1u Ceticismo dogmticouma caracterstica que surge somente na filosofiamoderna e que pertence a alguns dogmatismos.Aimportnciaatribudaaomtodoestruturalsugere que a autonomia deveria ser uma caracte-rsticadetodaequalquerfilosofia,nosomentedesta ou daquela filosofia. Desse ponto de vista, aposiodeRobertoapia-senaquelasquelheparecem ser as implicaes das noes do mtodoestrutural. Vimos, entretanto, como essas implica-es so problemticas. Se, por outro lado, Robertoentender que a autonomia uma caracterstica so-mentedafilosofiacartesianaedemaisalgumasfilosofias modernas, como sugere sua comparaoentre a filosofia antiga e moderna, ento no have-ria por que ver, nessa caracterstica peculiar, qual-quer uso que pudesse consistir numa objeo oudificuldade para o ceticismo. Uma filosofia poderiaser autnoma ou no. E o ceticismo poderia sim-plesmente abdicar dessa autonomia, mostrando queessa no se encontraria presente, por exemplo, emPlato, Aristteles, nos esticos ou em Pascal. Emsuma, Roberto confronta-se com o seguinte dile-ma: ou a autonomia limita-se a poucas filosofias, e,portanto, no pode ser invocada contra o ctico;ou a autonomia est presente em todas as filoso-fias,e,nessecaso,asdiferenasalegadasentreafilosofia antiga e moderna seriam irrelevantes.,. .s vxicixci.s xvcvss\vi.s,ou coxniovs xxix.s, nv uxniscuvsoviiosvicoA segunda idia central da crtica que Roberto di-rige ao ceticismo que este, por ser uma filosofiaou um modo de pensar, tem um itinerrio lgico-conceitual e um discurso de instaurao filosfica.Nessacrticaaoceticismo,Robertoelaboraumaconcepodefilosofia,queelepareceentendercomo um passo prvio necessrio a todo e qualquerfilosofar. Uma minuciosa anlise desse itinerriopermitiria a deteco de caractersticas presentes noceticismo, que este compartilharia com a filosofiatradicional e dogmtica.So, no fundo, caractersticas inerentes ao dis-curso filosfico, das quais nem mesmo o ceticismopoderia escapar, porque tambm este se constituicomo uma filosofia.Emseusvriostextos, Robertoaludeacertasexignciasfilosficas,acondiesnecessriasoucondies sine quibus non do discurso filosfico, aleis fundamentais do gnero filosfico, a caracters-ticas do discurso filosfico, ao carter filosfico deum discurso, a uma necessidade de essncia da filoso-fia. No distingue de maneira precisa ou rigorosaentre condies, exigncias e caractersticas, embo-ra parea, por vezes, distinguir entre caractersticasessenciaiseno-essenciais14.Nemencontramos,numa descrio sumria, uma lista completa e siste-mtica dessas condies, exigncias e caractersticas.Mas a impreciso e a ausncia de um tratamentosistemtico no so problemas, uma vez que, sobreesse assunto, seu pensamento bastante claro.Entre as condies, exigncias e caractersticas,estoaautonomia,apersuaso,ajustificao,aexclusividade,auniversalidade,anecessidade,aatemporalizao e o localizar-se na histria da filo-sofia. Essas condies, exigncias e caractersticasessenciais esto estreitamente entrelaadas, de modoqueumanopodeserpensadasemasdemais.Robertofaladeumaautonomiaexclusivista(BOLZANI, 2003), o que sugere ser a exclusividadeuma caracterstica essencial produzida pelo carterautnomo do discurso filosfico. Numa passagem(idem,2005a,pp.205-6),estabeleceumvnculoentre a exclusividade e a racionalidade. Tanto emidem,1996, pp.51-5,quantoem idem,2005a, p.200ep.203),associaaracionalidadeeaneces-sidade. Em outro texto (idem, 2006, p. 11), Robertofaladauniversalidadedessaverdadeeaconse-qentenecessidadeparatodosdesegui-la.Per-cebe-se,assim,quetodosessesconceitosestointimamente relacionados.Deve-se pr, como caracterstica absolutamenteessencial da filosofia, a sua autonomia. J tratamosdesse tema no item anterior, e no cabe retom-loaqui. fundamental, contudo, notar que a autono-mia da filosofia diante das cincias e a recusa deuma concepo cientificista da filosofia permitema identificao dessas condies, exigncias e carac-tersticasinerentesatododiscursofilosfico. Aautonomiadafilosofiaocupa,assim,umlugarprivilegiado entre as caractersticas da filosofia, semasquaisasdemaiscaractersticasprovavelmenteno teriam o papel que Roberto lhes atribui..nv. x.i. )ux. :ooo .xo xii, x , I,I-I8, ix1vcv.1o 179Outro elemento primordial de toda e qualquerfilosofia, e mesmo do ceticismo, a inteno, outalvez necessidade intrnseca, de persuadir15.A tpica da adeso, da converso e da persuasoassumeoprimeiroplano.Parapensarumsolocomum aos dogmatismos e ao ceticismo, Robertorecorrenoode tticasdeconversoeexploraasimplicaesdapretensodefazerdointerlo-cutorumadeptodesuafilosofia.Essapretensode convencer imporia uma srie de condies aodiscurso filosfico. As tticas de converso podembeneficiar-setantodademonstrao,quantodaretrica, que visa persuaso. A filosofia seria umdiscursoarticulado,emquesesustentamtesesapartir de certos argumentos, dirigido a outras pes-soas16, concebidas como seres racionais que deve-ro ceder s provas racionais. Assim, uma filosofia,na medida em que comunicada, deve convencerum auditrio universal17.Dada a necessidade intrnseca de comunicar epersuadir o interlocutor, a filosofia far, ento, umaexignciaadicional,adajustificao18.nessesentidoqueumafilosofiadevejustificar-sepormeio de razes internas19. Introduz-se, assim, umtema filosfico fundamental, o da racionalidade.Toda filosofia, levando em conta sua autonomia20,produz sua prpria lgica interna, constri suaordemdasrazesparticular,chegamesmoainventar seu outro, seu interlocutor para per-suadi-lo melhor, para que a aceitao de sua filo-sofiaporumoutrocomproveaforadesuajustificao.Essaexignciafilosficatambmincontornvel, uma vez que todo e qualquer fil-sofo deve supor que um interlocutor srio e, sobre-tudo,racionaldeveriacederdiantedasprovaseargumentos em favor de sua filosofia.Entre as condies ou caractersticas necessriasidentificadas por Roberto para que um discurso sejaconsideradofilosfico,certamentecabedestacartrs:exclusividade,universalidadeenecessidade. desta maneira que ele comenta essas trs carac-tersticas do discurso dogmtico: exclusividade tododiscursodogmtico,presumindo-severda-deiro, automaticamente almeja excluir como falsostodos os outros; universalidade se um discurso verdadeiro, objetivo e, portanto, se impor uni-versalmente como tal em virtude de sua evidncia;necessidade a verdade de um discurso no podeser evitada, no h como, se seguirmos fielmenteos ditames da razo, furtar-se s suas exigncias.A atemporalizao , ainda, outra caracterstica ine-vitvel do discurso filosfico (BOLZANI, 2003, p. 115).Finalmente, o discurso filosfico deve localizar-se na histria da filosofia (idem, 2005a, pp. 200-2).Com efeito, Roberto (idem, 2006, p. 16) afirma queexiste algoaqueofilosofarnosepodefurtar,sob pena de perder sua prpria consistncia: olharparaasuahistria,paraahistriadafilosofia.Trata-se de uma caracterstica inevitvel que o im-pele a examinar as filosofias que com essa confli-tam. O filosofar , por causa do carter histricoe polmico que essencialmente o define, uma aten-o constante argumentao contrria quela quedefendemos e s posies que com a nossa confli-tam (id., ibid., p. 21). Mais do que isso, Robertovumvnculoindissocivelentreafilosofiaeahistria da filosofia, porque esta se converte numproblema genuinamente filosfico. Filosofar im-pe incondicionalmente a avaliao de um certoestadodecoisaspostopelahistriadafilosofia,que se torna ento, tambm ela, uma questo filo-sfica (ib., ibid., pp. 21-2). O filsofo deve acomo-dar duas presses contrrias: de um lado, ele devedialogarcomumacertacorrentefilosfica,parabeneficiar-sedessainterlocuo,paravalorizarseus problemas e solues; de outro, deve marcarsua contribuio e originalidade em relao a essacorrente, e, assim, romper, ao menos em parte, comessa tradio21.Roberto usa essas exigncias, condies e carac-tersticas contra o ceticismo. Para ele, o ceticismo,porserumafilosofia,simplesmentenopodedeixardecumpriresatisfazeressascondieseexigncias.Porexemplo,atentativadocticodepurado de abandonar a persuaso somente con-firma a necessidade intrnseca e essencial da persua-so22. Em sua polmica com o ceticismo depurado,Roberto faz voltar contra este aquelas trs caracte-rsticas do discurso dogmtico, que nenhum cticopoderiadispensar,mesmoqueopretendesse:aexclusividade, a universalidade e a necessidade23.Nem mesmo o ctico neopirrnico pode escapardessas exigncias24 e como que obrigado a elabo-rar sua prpria concepo de racionalidade, como180 ix1vcv.1o sxi1u Ceticismo dogmticovimos no item 1. Assim, o ceticismo, em qualquerde suas formas, no se diferenciaria dos dogmatis-mos. Embora o ctico pretenda produzir um discur-so diferente do discurso dogmtico, uma anlise dascondiesde possibilidadedodiscursofilosfi-co mostraria que o discurso ctico tem as mesmascaractersticas, que obedece s mesmas exignciase que satisfaz as mesmas condies que os discur-sosdogmticos.Dessamaneira,oceticismointe-graria o conflito das filosofias, sendo somente maisuma alternativa entre tantas alternativas filosficas.Ser possvel, entretanto, argumentar contra oceticismo a partir dessas caractersticas do discursofilosfico? Mesmo que estejam presentes no discur-so ctico, como quer Roberto, essas caractersticasno parecem comprometer o ctico com algumaforma de dogmatismo, j que so caractersticas,por assim dizer, formais do discurso e no impli-cam que as afirmaes feitas pelo ctico sejam afir-maesdogmticassobreoreal.Naverdade,algumas dessas caractersticas so muito genricas,no se limitando ao discurso filosfico. uma re-gra que, quando algum faz uma afirmao, sem-pre se pode perguntar-lhe por que afirma isso, porquecrnissoou,ainda,comosabeisso.Assim,tambm no caso do filsofo, se este faz uma afir-mao, natural que se lhe pea uma justificaoparasuaafirmao,sobretudoquandoestaforcontroversa. No h a uma caracterstica espec-fica do discurso filosfico, mas uma banalidade daconversao cotidiana.Consideremos agora a caracterstica da exclusi-vidade. Tambm aqui o que se observa uma carac-tersticagenricadaafirmaoaplicadaaocasoespecfico do discurso filosfico. Quando se afirmaalgo, exclui-se o que lhe contraditrio, de modoque todo discurso afirmativo sempre exclui algu-ma coisa. Se uma pessoa disser isto um pintas-silgo, ento ela exclui a possibilidade de dizer isto um canrio ou isto um leo. A exclusividade uma caracterstica comum de qualquer discursoafirmativo, que decorre de uma relao lgica entrefrases, e no uma caracterstica intrnseca do dis-curso filosfico.Consideremos,comoumterceiroexemplo,acaracterstica da necessidade. Tambm nas conver-saes cotidianas existe uma certa necessidade, porexemplo,quandoaspessoascobramcoernciaumas das outras e exigem que, se algum aceita umacoisa, deve aceitar certas outras. Essa necessidadepode ser a estrita coerncia lgica, mas mais freqen-temente no passar de uma consistncia impre-cisa. O discurso afirmativo cotidiano tem muitasdas caractersticas que Roberto atribui ao discursofilosfico.No h por que negar ao ctico o direito de falarcomo todo o mundo. Por exemplo, o ctico podedizer dia, quando dia, e, se perguntado por queele afirma ou como sabe que dia, ele pode respon-der que foi at a janela, olhou para fora e viu que osol j se levantou faz algum tempo. No somenteestar justificado em afirmar que dia, mas tam-bm excluir que noite e entender que, aceitan-do que o sol levantou-se cerca de uma hora antes,devemos necessariamente aceitar que dia, e nonoite, e isso de forma universal, isto , para todosaqueles que entendem que, tendo se levantado osol, ento j de dia. E tambm no h por que,quandoexpeseuceticismo,negaraocticoodireito de afirmar, justificar, excluir, pretender umacertanecessidadeeuniversalidade,domesmomodo que todo o mundo faz em sua vida cotidia-na. Se o ctico disser suspendo meu juzo a respei-to da natureza do espao e for perguntado por quesuspendeuojuzo,dirque,apsexaminarasdiversasdoutrinasdogmticassobreanaturezadoespao,constatarquetodasseequivalememtermos de persuaso e no se decidir por nenhumdessas, acabou por no afirmar, nem negar nada.Mas, a meu ver, quando nos referimos s afir-maes do discurso dogmtico, justificao, univer-salidade, exclusividade etc. so concebidas de umamaneira peculiar, e no da maneira comum, comoexpus acima. Por exemplo, a justificao dogmtica mais rigorosa do que a justificao comum, poisos dogmticos pensam que a justificao garantede maneira absoluta e irrefutvel a verdade de umaproposio. E, quando se deve excluir uma alterna-tiva,nosetratadesomenteexcluiraalternativarelevante num dado contexto, mas de excluir todae qualquer alternativa que contradiga a afirmao,independentemente do contexto e por mais extra-vagante que seja, como, por exemplo, a possibili-dade de que somos um crebro num balde, ou um.nv. x.i. )ux. :ooo .xo xii, x , I,I-I8, ix1vcv.1o 181gnio maligno est nos enganando. Os dogmticosentendemauniversalidadecomovalendoparatodo serracional, e no somente para as pessoascom quem, de fato, se est conversando. Definemracionalidade de acordo com seus prprios parme-tros dogmticos, seu mtodo de construir teses apartir de teses ou sua lgica interna; na vida coti-diana, no h uma definio precisa e rigorosa deracionalidade, mas apenas uma prtica de racioci-nar e argumentar. E, quando se fala em necessidadeno interior de um discurso dogmtico, pretende-sesejaumadeduoemsentidoestrito,seja,namaioriadoscasos,umraciocniono-dedutivo,mascuja conclusoseriainevitveleverdadeira.Ao associarem justificao, universalidade, exclusi-vidade, necessidade e racionalidade a um tipo dediscurso que no meramente afirmativo em sen-tido ordinrio, mas que pe o real e pretende sera verdadeira edio do real, essas caractersticasadquiremumsentidomaisforteepreciso,rece-bem uma conotao controversa e problemtica.Emsuma,octicopodeefazafirmaesemsentido ordinrio e, portanto, est obrigado a darrazes, se estas lhe so pedidas. Seu discurso tem,efetivamente,ascaractersticasqueRobertolheatribui.Socaractersticas,contudo,talcomoqualquer discurso afirmativo tem, sem as conota-es dogmticas. Se assim , o ctico compartilha,numsentido,ascaractersticasdodiscursodog-mtico,quandoestassoentendidasemsentidofrouxo.Emoutrosentido,porm,octiconocompartilha as caractersticas do discurso dogm-tico, j que estas assumem outra feio, mais pre-cisa e rigorosa, quando se associam pretenso depr o real.Alm disso, o discurso ctico, assim j sugeriaSexto Emprico, pode ser entendido de outra ma-neira, no como um conjunto de afirmaes, mascomo expressando ou anunciando sua afeco. Seo entendermos como um mero relato da experin-cia intelectual, e no como um discurso afirmativo,j no haveria por que pretender a universalidadeou a excluso dos demais discursos, nem mesmono sentido frouxo e ordinrio. Assim como umaforma artstica de representar pode ser diferente deoutra, sem contradiz-la, mas ainda assim consti-tuir-se numa alternativa, tambm o discurso cticopodeserdiferentedodiscursodogmtico,semcontradiz-lo, mas ainda assim constituir-se numaalternativa.Por essa razo, o ctico pode comunicar-se comoutros filsofos, sem comprometer-se com a idiade persuadir. Quando afirmamos algo, empenhamosnossa palavra de que algo assim e, em algumamedida, pretendemos que o interlocutor aceite que,de fato, seja assim. Mas nem toda comunicao uma afirmao, vale dizer, nem toda comunicaovisa persuaso. Eu posso simplesmente, ao dizerque belo dia!, expressar meu contentamento oupartilhar minha alegria, o que no a mesma coisaque convencer o outro de que estou contente oude que ele deveria ficar alegre tambm. A comu-nicao tem inmeras funes, entre as quais a depersuadir, e talvez somente no caso da afirmaopode-sedizerqueapersuasoumelementocentral.Nosepodeconceberacomunicaonica e exclusivamente nos moldes da afirmao.Robertoconfessa-seumdoentededogma-tismo a ser curado pelo ctico e endossa a idiade que o tratamento de si e do outro vo de mosdadas,queumnosefazsemooutro,comooexemplo de Scrates j nos teria mostrado25. Apa-rece-me, admito, que o conhecimento de si indis-socivel do conhecimento do outro, assim como oconhecimento do outro implica, em alguma medi-da, o conhecimento de si. Portanto, assim como aleitura dos textos de Roberto ajudou-me a conhe-cer meus prprios pensamentos, isto , a desenvol-v-losmaisclaraedistintamente,tambmpossvelqueestasminhasobservaestenhamalgum impacto sobre Roberto, mesmo que seja umaprofundamentodeseudogmatismo.Sempre-tender tratar de sua doena, posso relatar a im-pressoquealeituradeseustextosmecausou,comunicando-lhe minha afeco pessoal. o prprio Roberto quem caracteriza, com certaironia, seu dogmatismo como doena. Em que sen-tido se poderia caracterizar o dogmatismo comouma doena? A terapia pirrnica, tal como no-la descreve Sexto, faz-se por meio da oposio dediscursoserazesesupequeosdogmticossofrem de precipitao e arrogncia, que se mani-festariam na adeso apressada a uma tese e a umdiscurso argumentativo em detrimento da tese e182 ix1vcv.1o sxi1u Ceticismo dogmticodiscurso argumentativo opostos. O problema dodogmtico no consiste na adoo desta ou daque-la tese filosfica, mas numa atitude que se caracte-riza pela precipitao e arrogncia. essa atitude,segundo Sexto, que deve ser tratada. Alm disso, aidia pirrnica que essa atitude dogmtica fontede perturbao e de uma vida pior. Assim, proporum tratamento que elimine a atitude arrogante eprecipitadasignificadesejarumavidamelhoreajud-lo, se possvel, nesse sentido. A atitude ctica,por sua vez, que nos faz examinar os dois lados deuma questo e constatar sua eqipolncia, condu-ziria tranqilidade e a uma vida melhor.Cabe, entretanto, a meu ver, uma reflexo sobreas relaes entre, de um lado, ceticismo e tranqili-dade e, de outro, dogmatismo e perturbao. Essasrelaessocertamentecontingentes,podendovariar de poca para poca ou de indivduo paraindivduo. Por exemplo, para um filsofo que vivenuma cultura em que a crena e a f so vitais, asuspensodojuzoconduzaodesespero,comorevela o caso de Pascal. Hume tambm entendia quea suspenso universal do juzo trazia desespero emorte. No contexto da filosofia grega, entretanto,em que a crena objeto de censura filosfica, asuspensodojuzocertamentepodeconduzirtranqilidade. Assim, o dogmatismo uma doenasomente na medida em que causa um mal-estar ouum problema para o dogmtico. Nesse sentido, oceticismo pode igualmente ser uma doena, desdeque a suspenso do juzo seja uma fonte de pertur-baoparaquemsuspendeojuzo.Paracertaspessoas, creio que somente o dogmatismo permi-tiria uma vida feliz e saudvel. Este parece o casode Roberto. Por isso, pretender transform-lo numctico, por meio da argumentao dos dois ladosde uma questo, seria no apenas intil, mas mes-mo nocivo.Estaria Roberto doente no sentido pirrnico?Com efeito, poder-se-ia dizer que Roberto arroga-se o direito de definir a filosofia, precipitadamentejulgando que apreendeu a verdadeira natureza dofilosofar e captou a essncia do discurso filosfi-co, por exemplo, sua autonomia diante da cincia.Entretanto, a meu ver, arrogncia e precipitao nocaracterizam a atitude de Roberto. O dogmatismopode manifestar-se das mais diversas maneiras e preciso estar atento a suas sutis e insidiosas mani-festaes. A psicologia de Sexto no contempla asespecificidades de cada filsofo, nem busca as cau-sas do comportamento dogmtico. Qual a formaespecficadodogmatismodeRoberto?Dequaldoena ele padece?A meu ver, o dogmatismo de Roberto pode sercaracterizado como uma doena por no ser umdogmatismo pleno, por ser somente um dogmatis-mo sem dogmas. Se ele quer ser um dogmtico,porquenoelaboraseudogmatismo?Oqueoimpede? Qual a vantagem de criticar o ceticismose,nofinaldascontas,nosesustentanenhumdogma? Aparece-mequeh,nessaposio,algoque parece insatisfatrio do prprio ponto de vistade Roberto. O dogmatismo de nosso autor aparececomoumaenfermidadesomenteporqueficamuito aqum de sua potencialidade, porque algu-ma coisa impede seu florescimento. Quando umapessoa no consegue realizar o que capaz de reali-zar, porque algo o perturba, tolhe sua liberdade einibe seu desenvolvimento26. Essa , a meu ver, aforma especfica de dogmatismo da qual ele pade-ce e que pede um tratamento filosfico27.Digo isso porque um aspecto de seus textos queme chamou a ateno a idia obsessiva de que afilosofia,poruma necessidadedeessncia,nosexige mundos e fundos. Vimos a enorme lista deexignciasaseremcumpridas,decondiesaserem satisfeitas, de caractersticas essenciais quedevem ser atendidas pelo discurso que se preten-de filosfico, tudo isso para que esse discurso pos-sa, de fato, merecer o glorioso28 nome de filosofia29.O leitor que leu as citaes dos textos do Robertonasnotaspoderterobservadoaquantidadedevezesquepalavrascomo exigncia, condio,impe, necessidade etc. aparecem de maneiraexaustiva em seus textos. Diante de tantas exign-cias e condies necessrias, inevitveis e essencia-is, natural que um ser humano se sinta paralisado.Como satisfazer tudo isso ao mesmo tempo? Antesde tudo, antes mesmo de filosofar, Roberto descre-ve a filosofia como uma tarefa monumental. Produ-zir ou inventar uma filosofia estaria alm de nossasforas.O ponto que estou levantando no que seriaimpossvelsatisfazertodasessasexignciasou.nv. x.i. )ux. :ooo .xo xii, x , I,I-I8, ix1vcv.1o 183cumprirtodasessascondies,poisobviamentemuitosfilsofosassatisfizerameascumpriram,mas que Roberto defronta-se com uma srie de exi-gncias e condies que so vividas como obstcu-los ou, ao menos, so introduzidas como elementosprvios de que precisamos estar conscientes paraquepossamos,depois,filosofaradequadamente.No por acaso que Roberto somente nos ofereceuma caracterizao da filosofia, uma metafilosofia,por assim dizer, mas no elabora uma filosofia quepe o real e se pe a si mesma. Essas exigncias econdies podem ser descritas, para quem analisamuitas das filosofias historicamente constitudas,comonecessriasemnimas,mas,paraquemasexamina antes de construir sua prpria filosofia,podemtornar-seexageradasedesestimulantes,poispodemservivenciadascomoumaauto-imposio de obstculos infindveis. Na verdade,a prpria metafilosofia de Roberto parece-me umobstculo a mais, j que ele prope-se a caracteri-zar a filosofia antes mesmo de filosofar. A meta-filosofia, assim, no seria seno um adiamento sinediedafilosofia.Dar-secontadessaatitudequedificulta e posterga o filosofar permitiria um aper-feioamento e, no seu caso, talvez por meio da ela-borao de um dogmatismo pleno, provavelmentejamaispormeiodoceticismo,darumpassonadireo de uma vida mais livre e feliz30.Referncias bibliogrficasBOLZANI Filho, R. Ceticismo e empirismo. Discurso, n18, 1990, ISSN 0103-328X, pp. 37-67.__________. A epoch ctica e seus pressupostos. Discurso,n 27, 1996, ISSN 0103-328X, pp. 37-60.__________. Oswaldo Porchat, a filosofia e necessidadesde essncia. In: SMITH, P. J. & WRIGLEY, M. (orgs.).O filsofo e sua histria: Uma homenagem a OswaldoPorchat, Col. CLE, Vol. 36. Campinas: Editora daUnicamp, 2003, ISSN 0103-3147, pp. 87-130.__________. Pirronismo e moral. Texto apresentado noColquio de Filosofia Antiga, maio de 2004, USP.__________. Ceticismo como autobiografia e autoterapia.In: SILVA, W. da (org.). Ceticismo e a possibilidade dafilosofia. Rio de Janeiro: DP&A, 2005a.__________. O chamado da histria. Integrao, Vol. XI,n 42, jul./ago./set. de 2005b, ISSN 1413-6147, pp. 259-72.__________ . Sobre filosofia e filosofar. Discurso, n 35,2006, ISSN 0103-328X (no prelo).Notas1 Roberto pretende extrair de sua formao algumasformulaes que ousaria considerar pessoais (BOLZANI,2003, p. 94).2 O termo crtica usado por exemplo em (idem, 1996, p.40); (p. 93) e (id., ibid., p. 94).3 Como doente de dogmatismo a quem o ctico devercurar, no me contento com ver a noo de verdadedenunciada em toda sua problematicidade (id., ibid., p. 112).4 Para as consideraes que seguem, ver idem, 1996, pp. 37-42. Ver tambm idem, 2003, pp. 92-4.5 No somente isso sugerido em idem, 1996, p. 40, masparece ser uma das idias que norteiam seu textoPirronismo e moral (idem, 2004), em que Roberto mostracomo seria a vida de um pirrnico. Nada, neste ltimotexto, sugere remotamente que o pirrnico no possa vivercomo um homem qualquer; ao contrrio, a idia parece sera de que, sendo uma vida ctica possvel, resta-nos entendercomo seria essa vida.6 Temos a, afinal, uma formulao do que significa serracional, uma descrio do conceito de racionalidade, umacarta de intenes que o ceticismo depurado por assimdizer se compromete a executar [...] ser racional significa,entre outras coisas, no ter nenhuma inteno depersuaso ou dissuaso; ora, somente se aceitarmos oceticismo depurado, poderemos assumir que temos a umacaracterstica da racionalidade (idem, 2005a, pp. 205-6).7 Para as consideraes que seguem, ver idem, 2003, pp. 95-104.8 Uma conseqncia de uma abordagem crtica aoceticismo, talvez inevitvel, que nos obriga a considerar,por assim dizer, a natureza e o sentido mesmos do discursofilosfico (id., ibid., p. 94).9 Roberto diz que o ceticismo entende que a promessa dodiscurso dogmtico a posse de uma Verdadeproporcionada pela Filosofia, maneira de um discursocientfico tradicionalmente concebido como veculo dereproduo do real (id., ibid., p. 102). Nosso autor dirige-se tambm a uma opinio disseminada entre alunos, masparece atribuir algo muito semelhante ao ceticismo: Doisequvocos ocorrem a: uma filosofia, essencialmente umdiscurso conceitual composto de teses e argumentos, nopretende reproduzir o real, e sim explic-lo no pode eportanto no deve ser comparada com esse real (idem,2006, p. 23). Roberto entende que a filosofia no devesomente explicar os fenmenos ou o real, mas deveultrapass-los e obedecer a critrios prprios (cf. idem,2003, pp. 101-2), o real no pode ser nosso critrio dejulgamento ele , afinal, a meta problemtica do filosofar(idem, 1996, p. 23).10 Faamos, de incio, como Porchat: busquemosexplorar o potencial filosfico que a idia de estruturapoderia sugerir (idem, 2003, p. 95); Assim, segundo alinguagem das estruturas e o contedo filosfico queparece conter, h que concluir que a verdade de uma184 ix1vcv.1o sxi1u Ceticismo dogmticofilosofia est essencialmente na via (BOLZANI, p. 99); Se correto inferir da concepo estrutural das filosofias o queacima se inferiu, assim interpretando a autonomia queexibem, abre-se espao para pensar uma espcie dedistino de razo entre instaurao do real e instauraofilosfica (id., ibid., p. 103).11 Posteriormente em sentido lgico, j que se trata de umadistino de razo.12 Tudo isso implica apelar a outra instncia para pensar aidia mesma do conflito das filosofias, que incluir talvez oprprio ceticismo (id., ibid., p. 104). Tambm: Nesteponto, podem-se perceber elementos comuns aosdogmatismos e ao ceticismo, suficientes, a meu ver, paraestabelec-los todos como integrantes de um mesmoconflito (id., ibid., p. 113), e assim, parece-me quetambm a posio proposta pelo ceticismo depurado seapresenta como o modo de satisfazer tais exigncias,entrando, em certo sentido, numa disputa a esse respeito(idem, 2005a, pp. 205-6; grifo meu).13 No se obtm com isto nenhuma chave para a refutaodo ceticismo, o dogmatismo permanece sujeito crticactica. Mas no era disto que se tratava. O que se disseacima nos parece importante por permitir a elaborao deuma questo: se uma filosofia, como o caso do ceticismo,pode abster-se de instaurar o real, pode tambm abster-sede instaurar-se a si mesma em, digamos, sua verdadeformal? (idem, 2003, p. 104).14 Por exemplo: [...] certas exigncias que seriamimprescindveis para todo discurso filosfico... Minhacrtica assume, portanto, a existncia de tais condiesnecessrias... ao postular a existncia de tais caractersticaspor assim dizer essenciaisde todo e qualquer discursofilosfico... essas condies necessrias constituem umconjunto de exigncias mnimas imprescindveis a qualquerdiscurso filosfico (idem, 2005a, p. 202; grifos meus, excetoo ltimo: mnimas).15 Mas difcil afastar a impresso de que a exposio dariqueza e dos benefcios do ceticismo pretende, por si s,convencer o leitor a aderir (idem, 2003, p. 106); Parece-me, ento, necessrio que a aspirao arquitetnica acimareferida se deve a uma necessidade que , afinal, intrnseca atoda proposta filosfica: dirigindo-se ao outro, o filsofoevoca certa racionalidade mnima, em certo sentidouniversal, com vistas persuaso (idem, 2005a, pp. 203-4).16 a existncia desse outro o que move o filsofo aexteriorizar seu lgos interior, a fix-lo e constru-lo emdiscurso, para ento comunic-lo (idem, 2003, p. 108); Afilosofia no se d sem que o filosofar ao menosinicialmente almeje universalizar o saber que professar(idem, 2006, p. 11); O filosofar se v determinado por umadupla exigncia, que j estava com Scrates: uma exignciaao mesmo tempo solitria e solidria, que impe a tarefaconcomitante do autoconhecimento e da comunicao eatuao (id., ibid., p. 14).17 Quando um filsofo se dispe a apresentar aos outrosuma posio filosfica que, por algum motivo, nopretende dirigir-se aos outros, ele permanece reconhecendonesses outros uma instncia de julgamento e avaliaodessa proposta, apresentando-a ento segundo parmetrosde inteligibilidade compartilhados, que s podem visar aoconvencimento. (idem, 2005a, p. 203); A aceitao pelooutro, pelo auditrio universal , ao mesmo tempo, ademonstrao de uma verdade a respeito de algo que nocomporta verificao (idem, 2003, p. 110).18 Pode-se mesmo dizer que, doravante, a dvida ser omeio, o elemento do filosofar, e que somente a partir delase poder satisfazer exigncia filosfica defundamentao (idem, 2005a, p. 203).19 Quero tambm conhecer e avaliar a filosofia dessadenncia [o ceticismo], as razes internas que a justificamcomo filosofia (idem, 2003, p. 112).20 Estou supondo que, corretamente entendida, aautonomia da filosofia, e no desta ou daquela filosofia.21 A respeito das relaes entre filosofia e histria dafilosofia, ver idem, 2005b.22 Trata-se, digamos assim, de formular uma espcie deparadoxo da comunicao: quando renuncio pretenso depersuadir e ento comunico essa renncia, bem como asrazes que a isso me levam, assumo, queira ou no,independentemente do estatuto epistemolgico que confiroa meu discurso, uma expectativa de converso de meuinterlocutor ou leitor, subentendida na simplescomunicao argumentada e justificada (idem, 2005a, p.204). Na nota 10, na mesma pgina, l-se: Cabe dizer que apretenso de persuadir , analogamente, uma espcie decondio de possibilidade da comunicao e que, quandocomunico meu discurso, filosfico e argumentado, jpretendo convencer em seu favor.23 Minha tese geral aqui, uma conjectura apenas, que talforma de ceticismo estaria, afinal, propondo algoimpossvel: o abandono de tais condies sine quibus nonpara o discurso filosfico (id., ibid., p. 183). impossvelfilosofar sem [...] tentar satisfazer a certas exignciasfilosficas, as quais, por isso, acabaram, na exposio de suaposio, por retornar pela porta dos fundos (id., ibid., p.208).24 Do mesmo modo, com Porchat somos tentados asubentender algo do tipo: Se voc leitor, srio,rigoroso, racional e dotado de esprito crtico, consulteseu aparecer: por que no pensaria como eu? (idem,2003, p. 107). Com efeito, uma coisa dizer que o discursoexplicativo do ceticismo no fala do real, bem outra pretender que ele no se ponha a si mesmo como, digamos,o modo de pensar a que sero conduzidos aqueles que sepem a filosofar de modo srio e racional (id., ibid., p.113). Eis a outra exigncia que, a meu ver, inevitavelmentese impe, e, explicitamente ou no, trata-se sempre mesmo ali onde se pretende falar de irracionalismo dereivindicar o correto exerccio da racionalidade [...] Assim,parece-me que tambm a posio proposta pelo ceticismodepurado se apresenta como o modo de satisfazer taisexigncias, entrando, em certo sentido, numa disputa a esse.nv. x.i. )ux. :ooo .xo xii, x , I,I-I8, ix1vcv.1o 185respeito, apresentando suas razes prprias que oqualificariam como racional e, ao faz-lo, inevitavelmenteaspirando a certa exclusividade (BOLZANI, 2005a, p. 205).25 Assim, tambm Scrates pretende, para usar umaexpresso tpica da mentalidade de que partimos, curar-se,mantendo-se na verdade; mas no pode faz-lo se, aomesmo tempo, no curar os outros. Estamos a peranteuma caracterstica fundamental do filosofar (idem, 2006, p.10). Eis o tipo de terapia a que o filsofo [Scrates] se vlevado: curar a si mesmo s pode ser uma etapa na direoda cura dos outros mais do que isso, ambas essas curasesto inter-relacionadas: sua cura depende da dos outros,de fato est nela, sua verdade s ser Verdade se o fortambm para os outros (id., ibid., 2006, p. 11).26 J vimos, no final do item 1, a ambigidade, ouhesitao, de Roberto no que diz respeito a no se contentarcom a mera crtica ao ceticismo e passar a uma filosofiapositiva que prope verdades filosficas.27 Roberto nos alerta para o equvoco de pensar que afilosofia poderia substituir, de maneira mais barata, aanlise e os antidepressivos (id., ibid., p. 4). No supomos,aqui, certamente que o tratamento filosfico possasubstituir, seja a anlise, seja o antidepressivo. Mas talvezuma terapia filosfica no seja inteiramente intil e possade alguma maneira, ainda que modesta, contribuir parauma pessoa que leva a filosofia a srio e para quem adimenso filosfica da vida grande e inegvel. Ele mesmoparece reconhecer alguma coisa similar nesta passagem, emque se refere relao visceral entre vida e filosofia: Areflexo filosfica, eminentemente abstrata e terica, podeinfluenciar poderosamente nossa existncia (id., ibid., p. 5).28 Parece-me impor-se a indagao sobre se existem equais seriam as condies necessrias para que umdiscurso se pudesse arrogar o ttulo, cada vez menoshonorfico, de filosfico (idem, 2005a, p. 183).29 Eu, para ser sincero, prefiro que o meu discurso no sejafilosfico, se tiver de preencher todos esses quesitos...30 A idia de que a filosofia almeja uma vida livre eautnoma aparece em idem, 2006, p. 12: a filosofia veiculaa pretenso de autonomia e liberdade. Ver tambm id.,ibid., p. 5.186 ix1vcv.1o sxi1u Ceticismo dogmtico