Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na perspectiva de profissionais a integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 19
Virgiacutenia Gomes Cardoso
HELEN CRISTINY TEODORO COUTO RIBEIRO
Helen Cristiny Teodoro Couto Ribeiro
Belo Horizonte ndash MG
2016
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
Escola de Enfermagem
Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Enfermagem
SEGURANCcedilA DA ASSISTEcircNCIA NO PERIOPERATOacuteRIO
integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar
Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na perspectiva de profissionais a integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 20
HELEN CRISTINY TEODORO COUTO RIBEIRO
Tese apresentada ao Curso de Doutorado da Escola de
Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais
como requisito parcial agrave obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Doutora
em Enfermagem
Aacuterea de concentraccedilatildeo Enfermagem e Sauacutede
Linha de Pesquisa Organizaccedilatildeo e Gestatildeo de Serviccedilos
de Sauacutede e de Enfermagem
Orientadora Profordf Drordf Mariacutelia Alves
Belo Horizonte ndash MG
Escola de Enfermagem ndash UFMG
2016
SEGURANCcedilA DA ASSISTEcircNCIA NO PERIOPERATOacuteRIO
integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar
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Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na perspectiva de profissionais a integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 21
FFi
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Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na perspectiva de profissionais a integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 22
Este trabalho eacute vinculado ao Nuacutecleo de
Pesquisa sobre Administraccedilatildeo em Enfermagem
(NUPAE) da Escola de Enfermagem da
Universidade Federal de Minas Gerais
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O poder da oraccedilatildeo eacute como um efeito borboleta vocecirc ora aqui e o mar vermelho se abre tambeacutem para outras pessoas laacute (Helen Ribeiro)
Teus oacute Senhor satildeo a grandeza o poder a gloacuteria a majestade e o esplendor pois tudo o que haacute nos ceacuteus e na terra eacute teu Teu oacute Senhor eacute o reino tu estaacutes acima de tudo A riqueza e a honra vecircm de ti tu dominas sobre todas as coisas Nas tuas matildeos estatildeo a forccedila e o poder para exaltar e dar forccedila a todos Agora nosso Deus damos-te graccedilas e louvamos o teu glorioso nome (I Crocircnicas 29 11-13)
x x
Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na perspectiva de profissionais a integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 26
A minha heranccedila do Senhor ANA BEATRIZ
que desde meados deste projeto
te gestar te ver nascer sorrir e cuidar de vocecirc
tem-me revelado mais da Graccedila de DEUS
e trouxe grande alegria para meu viver
As DEMAIS HERANCcedilAS que o Senhor
concederaacute a mim e ao meu amado Bruno
ainda natildeo os conhecemos
mas jaacute agradecemos a DEUS
pela nossa famiacutelia
Dedicatoacuteria
Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na perspectiva de profissionais a integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 27
A JESUS filho do DEUS Altiacutessimo por ter me dado a resposta para o Alfa deste desafio o
sustento em cada etapa e me trazido para o Ocircmega Tua fidelidade me constrange
Ao meu eterno namorado meu motivador pessoal homem valoroso Bruno
pelo incentivo constante por me amar tanto e ter sido o Escolhido de DEUS para um projeto
maior construccedilatildeo de uma linda famiacutelia Amo-te cada vez mais
A minha matildeezinha Cida que tanto amo por abdicar da sua casa e emprego para nos ajudar
no cuidado da nossa princesa e da nossa casa possibilitando-me ausentar
para executar esta tese com tranquilidade imensuraacutevel
A minha princesa linda Ana Beatriz
sua alegria contagiante seu charme te ouvir me chamar de ldquomamatildeaaeeerdquo
ganhar seus muitos beijinhos me motivaram a cada dia da construccedilatildeo desta tese
Agrave Profordf Drordf Mariacutelia que aleacutem de orientar este trabalho com esmero tambeacutem apoiou com
todo carinho e se alegrou conosco com o projeto Ana Beatriz
A minha amiga irmatilde confidente conselheira Sandra pelas oraccedilotildees constantes sempre com
uma palavra que me consolou e me fortaleceu em cada um dos momentos difiacuteceis desta tese
Alegrou-se com minhas vitoacuterias Amo vocecirc e sua famiacutelia linda
Aos meus amigos e irmatildeos Gegecirc e Edy pelo companheirismo e amor amigos de toda hora
A disponibilidade do coraccedilatildeo de vocecircs para nos ajudar eacute indescritiacutevel Amo vocecircs
Aos amigos do meu coraccedilatildeo Karine e Leo Naiara e Emerson Jhonatan Alexandra e
Alexandre Aline e Alessandro Dani e Alexandre Raquel Ruacutebia e famiacutelia por torcerem e
orarem por mim
A minha sobrinha Maria Luiza e aos meus sobrinhos do coraccedilatildeo Rafael Davi Bianca Alice
Andreacute e agrave mascotinha princesa Ana Teresa pelos sorrisos que alegram os meus dias
Agradecimentos
Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na perspectiva de profissionais a integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 28
Aos meus familiares de Divinoacutepolis ressalto a presenccedila constante dos tios Faacutetima Osvaldo e
priirmatilde Aliny aos de Belo Horizonte principalmente meus sogros amados Lena e Gilto pelo
apoio de Ipatinga ressalto o amor de cada um dos meus tios do coraccedilatildeo e de Sete Lagoas
por compreenderem minha necessaacuteria ausecircncia agora estaremos mais juntos
Aos colegas da poacutes-graduaccedilatildeo da Escola de Enfermagem e de Administraccedilatildeo da UFMG
Aos colegas e pesquisadores do NUPAE pelo aprendizado ressalto agraves queridas Elana Dani
Bruna Liacutevia Meiry Andreia e Bia Destaco o apoio e oraccedilotildees da Kellen e a ajuda da Ana
Caroline Bredes companheira especial neste percurso
Aos funcionaacuterios do Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo principalmente a Lucilene pelas diversas
orientaccedilotildees e professores da Escola de Enfermagem da UFMG principalmente agraves queridas
Profordf Maria Joseacute e Profordf Kecircnia exemplos que levarei para sempre
Agraves colegas da Secretaria de Estado de Sauacutede de Minas Gerais Soraya Eliane Claacuteudia
Simone Walkiacuteria Camila Dri Fernando Lu Conceiccedilatildeo Aacutegda Nayara
Aos colegas da UFSJ ressalto a torcida pela nomeaccedilatildeo dos professores Juliano Alexandre
Valeacuteria Eliete Heloiacuteza Virginia A acolhida do Profdeg Eduardo Profordf Patriacutecia Isabel e
professores do Grupo Sauacutede do Adulto e Idoso principalmente a ajuda das professoras
Tatiane Luciana Liliane e Aline e a Profordf Letiacutecia que me recebeu com carinho em sua sala
Agrave coordenaccedilatildeo de enfermagem aos coordenadores da Linha de Cuidados Ciruacutergicos e aos
profissionais do hospital cenaacuterio deste estudo pela disponibilidade em atenderam o pedido
para participar desta pesquisa muito obrigada Ressalto a atenccedilatildeo do Og
Aos professores da banca de qualificaccedilatildeo Maria Joseacute Brito e Maacuterio Borges
e aos demais professores da banca de defesa pelas contribuiccedilotildees e aprendizado
Agraves pessoas queridas que aprendi muito sobre Seguranccedila do Paciente Lismar Helidea
Profordm Walter Mendes Profordm Victor Grabois Simone Eacuterika Andreia Acircngela e Gilberto
Agradecimentos
Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na perspectiva de profissionais a integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 29
RESUMO
RIBEIRO HCTC Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma
complexa rede intra-hospitalar 223 f Tese (Doutorado em Enfermagem) ndash Escola de
Enfermagem Universidade Federal de Minas Gerais Belo Horizonte 2016
A seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio eacute promovida tanto por meio de atores natildeo
humanos (como checklist materiais e equipamentos) quanto pela praacutetica dos diversos atores
humanos da rede intra-hospitalar Objetivou-se analisar a seguranccedila da assistecircncia no
perioperatoacuterio na visatildeo de profissionais que atuam direta e indiretamente no ato anesteacutesico-
ciruacutergico focalizando a conexatildeo dos diferentes atores da rede intra-hospitalar Trata-se de um
estudo de caso de natureza qualitativa em que participaram 32 profissionais que atuam no
centro ciruacutergico e nas unidades assistenciais e de apoio ao ato anesteacutesico-ciruacutergico A coleta
de dados foi realizada por meio de entrevistas com roteiro semiestruturado e observaccedilatildeo Os
dados foram analisados empregando-se a teacutecnica da Anaacutelise de Conteuacutedo Temaacutetica Os
resultados da pesquisa foram agrupados em trecircs categorias ldquoRede intra-hospitalar para o
perioperatoacuterio em um hospital puacuteblico referecircncia para urgecircncias e emergecircncias e de ensinordquo
ldquoSituaccedilotildees de seguranccedila e de inseguranccedila nos procedimentos ciruacutergicosrdquo e ldquoLista de
verificaccedilatildeo de seguranccedila ciruacutergica da aparente simplicidade a real complexidaderdquo Na
primeira categoria observou-se uma mistificaccedilatildeo do Centro Ciruacutergico pelos profissionais que
atuam internamente e externamente a este setor A rede intra-hospitalar foi considerada vital
poreacutem encontra-se fragmentada e a maior parte dos participantes natildeo tem uma visatildeo sistecircmica
de todas as fases do perioperatoacuterio Na segunda categoria apresentaram-se situaccedilotildees de
seguranccedila e inseguranccedila no cotidiano da assistecircncia ciruacutergica e como as pequenas accedilotildees
resultam em grandes incidentes ciruacutergicos Emergiram quatro dimensotildees miacutenimas
imprescindiacuteveis inter e co-dependentes para a seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica condiccedilatildeo
estrutural processos de trabalho caracteriacutesticas do paciente e atitudes profissionais As
cirurgias de urgecircncia e emergecircncia foram consideradas os procedimentos mais inseguros
devido ao fato da demanda ser imprevisiacutevel e por exigir tomada de decisatildeo e accedilotildees raacutepidas
Observou-se uma cultura ainda natildeo solidificada para tratar os erros e incidentes O
preenchimento do checklist no hospital estudado se mostrou como um processo mecacircnico que
como tal natildeo tem conseguido ser barreira para os incidentes Foi implantado por um pequeno
grupo de profissionais natildeo sendo amplamente divulgado e natildeo houve sensibilizaccedilatildeo para o
envolvimento e a adesatildeo ao checklist O preenchimento de forma coletiva e a sua valorizaccedilatildeo
pelos profissionais que atuam direta e indiretamente em sala operatoacuteria eacute um desafio Para
tanto dentre outras accedilotildees deve-se formular e executar estrateacutegias de envolvimento de um
nuacutemero maior de profissionais da rede intra-hospitalar considerar a aplicaccedilatildeo do checklist em
um contexto complexo que eacute a sala operatoacuteria e desmistificar a simplicidade do uso do
checklist uma vez que isso interfere na efetividade de sua utilizaccedilatildeo
Descritores Seguranccedila do Paciente Qualidade da Assistecircncia agrave Sauacutede Centro Ciruacutergico
Hospitalar Lista de Checagem
Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na perspectiva de profissionais a integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 30
ABSTRACT
RIBEIROH C T C Safety of perioperative care integration of a complex intra-hospital
network 223 f Thesis (Doctorate in Nursing) - Nursing School Federal University of Minas
Gerais Belo Horizonte 2016
The safety of perioperative care is promoted both by non-human factors (such as checklist
materials and equipment) and the practice of various human actors in-hospital network This
study aimed to analyze the safety of perioperative care in the view of professionals who work
directly and indirectly in the anesthetic-surgical procedure focusing on the connection of the
different actors of intra-network hospital This is a case of qualitative study involving 32
professionals working in the operating room and in medical clinics or supporting the
anesthetic-surgical act Data collection was conducted through interviews with semi-
structured script and observation Data were analyzed using the technique of Thematic
Content Analysis The results of the research were grouped into three categories intra-
hospital network for the surgery in a public reference hospital for emergency care and
education Security Situations and insecurity in surgical procedures and Surgical safety
checklist the apparent simplicity of the real complexity In the first category there was a
mystification of the Surgical Center by professionals working internally and externally to this
sector In-hospital network was considered vital but is fragmented and most of the
participants do not have a systemic view of all phases of the perioperative period In the
second category presented to security and insecurity situations in everyday surgical care and
how small actions result in major surgical incidents Emerged four minimum dimensions
indispensable inter and co-dependent for the safety of surgical care structural condition
work processes patient characteristics and professional attitudes Urgent and emergency
surgeries were considered the most unsafe procedures due to the fact that demand is
unpredictable and require decision making and quick actions It was observed a culture still
unsolidified to handle errors and accidents The completion of the checklist in the studied
hospital showed as a mechanical process which as such has not been able to be barrier to the
incidents Was established by a small group of professionals not being widely reported and
there was no awareness of the involvement and adherence to the checklist Filling collectively
and their valuation by professionals who work directly and indirectly in the operating room is
a challenge To this end among other actions should develop and implement engagement
strategies for a greater number of professionals in-hospital network consider the complex
environment of an operating room and demystify the simplicity of use of the checklist once
that interfere in the effectiveness of its use
Keywords Patient Safety Quality of Health Care Surgical Center Hospital Check list
Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na perspectiva de profissionais a integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 31
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Representaccedilatildeo da assistecircncia ciruacutergica segura 37
Figura 2 - Tetragrama ordemdesordemintegraccedilatildeoorganizaccedilatildeo 70
Figura 3 - Tetragrama ligaccedilatildeointeraccedilatildeo entre os setores 70
Figura 4 - Tetragrama dos processos de trabalho para realizaccedilatildeo da cirurgia 71
Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na perspectiva de profissionais a integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 32
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Etapas da aplicaccedilatildeo do checklist de cirurgia segura da Organizaccedilatildeo Mundial de
Sauacutede (OMS)
32
Quadro 2
- Criteacuterios para escolha dos cenaacuterios de pesquisa Belo Horizonte 2011 44
Quaro 3
- Distribuiccedilatildeo dos leitos do hospital cenaacuterio de estudo (2015)
45
Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na perspectiva de profissionais a integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 33
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ANVISA Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria
APS Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede
ATLS Advanced Trauma Life Support
CC Centro Ciruacutergico
CCIH Comissatildeo de Controle de Infecccedilatildeo Hospitalar
CLT Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho
CME Central de Material de Esterilizaccedilatildeo
CNES Cadastro Nacional de Estabelecimento de Sauacutede
CNS Conselho Nacional de Sauacutede
COFEN Conselho Federal de Enfermagem
COREN-MG Conselho Regional de Enfermagem de Minas Gerais
CTI Centro de Terapia Intensiva
DO-ONA Diagnoacutestico Organizacional
EA Eventos Adversos
ENAEEUFMG Departamento de Enfermagem Aplicada da Escola de Enfermagem da
Universidade Federal de Minas Gerais
EPI Equipamentos de Proteccedilatildeo Individual
FHEMIG Fundaccedilatildeo Hospitalar do estado de Minas Gerais
FIOCRUZ Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz
FUNDEP Fundaccedilatildeo de Desenvolvimento da Pesquisa
GT-SEPAE Grupo de Trabalho sobre Seguranccedila do Paciente na Assistecircncia de
Enfermagem
HJXXIII FHEMIG Hospital Joatildeo XXIII da Fundaccedilatildeo Hospitalar do Estado de Minas Gerais
IACONA Instituiccedilatildeo Acreditadora Credenciada pela ONA
IAM Infarto Agudo do Miocaacuterdio
ICPS International Classification for Patient Safety
ISC Infecccedilatildeo de Siacutetio Ciruacutergico
IAK Iacutendice de Aldrete e Kroulik
JCAHO Joint Commission on Accreditation of Healthcare Organizations
JCI Joint Commission International
LVSC Lista de Verificaccedilatildeo de Seguranccedila Ciruacutergica
Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na perspectiva de profissionais a integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 34
NEPE Nuacutecleo de Ensino Pesquisa e Extensatildeo
NGQ Nuacutecleo de Gestatildeo da Qualidade
OMS Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede
ONA Organizaccedilatildeo Nacional de Acreditaccedilatildeo
PAF Perfuraccedilatildeo por Arma de Fogo
PNSP Programa Nacional de Seguranccedila do Paciente
PRO-HOSP Programa de Fortalecimento e Melhoria da Qualidade dos Hospitais do
Sistema Uacutenico de Sauacutede de Minas Gerais
QI Quality Improvement
RI Residente Iniciante
RNI Razatildeo de Normatizaccedilatildeo Internacional
SAE Sistematizaccedilatildeo da Assistecircncia de Enfermagem
SAEP Sistematizaccedilatildeo da Assistecircncia de Enfermagem Perioperatoacuteria
SAMU Serviccedilo de Atendimento Moacutevel de Urgecircncia
SBA Sistema Brasileiro de Acreditaccedilatildeo
SBAR Situaccedilatildeo Background Avaliaccedilatildeo Recomendaccedilatildeo
SES-MG Secretaria de Estado de Sauacutede de Minas Gerais
SIHSUS Sistema de Informaccedilotildees Hospitalares do SUS
SO Sala Operatoacuteria
SRPA Sala de Recuperaccedilatildeo Poacutes-anesteacutesica
SUS Sistema Uacutenico de Sauacutede
TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UFMG Universidade Federal de Minas Gerais
WHO Word Health Organization
Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na perspectiva de profissionais a integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 35
SUMAacuteRIO
OS PRIMEIROS TRILHOS PERCORRIDOS ATEacute O DESAFIO DESTA
TESE
18
1 PROBLEMAacuteTICA DO ESTUDO CONTEXTUALIZANDO O
DESAFIO PROPOSTO
23
2 ASSISTEcircNCIA CIRUacuteRGICA SUBSIacuteDIOS TEOacuteRICOS PARA ESTE
DESAFIO
28
21 Incidentes na assistecircncia ciruacutergica 28
22 Seguranccedila do paciente breve histoacuterico com foco na aacuterea ciruacutergica
30
23 Checklist de cirurgia segura resultados positivos e limitaccedilotildees
32
24 Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica hospitalar ampliando o olhar
35
3 CAMINHO PERCORRIDO
40
31 Tipo de estudo
40
32 Cenaacuterio do estudo
43
33 Participantes do estudo
45
34 Coleta de dados
47
35 Anaacutelise dos dados
49
36 Aspectos eacuteticos da pesquisa
51
4 APRESENTACcedilAtildeO E DISCUSSAtildeO DOS ACHADOS
53
41 Rede intra-hospitalar para o perioperatoacuterio em um hospital puacuteblico referecircncia
para urgecircncias e emergecircncias e de ensino
53
411 Centro ciruacutergico de um hospital referecircncia para urgecircncias e emergecircncias que
lugar eacute esse
54
412 Rede intra-hospitalar conexotildees para a seguranccedila
ciruacutergica
66
413 Perioperatoacuterio entrelaccedilamento das trecircs fases para a cirurgia segura
78
42 Situaccedilotildees de seguranccedila e de inseguranccedila nos procedimentos ciruacutergicos 93
421 Cirurgia segura e cirurgia insegura imbricaccedilotildees de atores humanos e natildeo
humanos
94
Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na perspectiva de profissionais a integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 36
422 Onda vermelha situaccedilatildeo de caos que salva vidas
115
423 Efeito borboleta pequenas accedilotildees podem resultar em grandes incidentes na
assistecircncia ciruacutergica 131
424
43
431
432
5
Abordagem institucional frente aos incidentes efeitos da cultura
organizacional
Lista de verificaccedilatildeo de seguranccedila ciruacutergica da aparente simplicidade a real
complexidade
Lista de verificaccedilatildeo de seguranccedila ciruacutergica da implantaccedilatildeo aos dias atuais
Melhorias no uso do checklist de cirurgia segura
REFLEXOtildeES FINAIS
139
156
157
174
186
REFEREcircNCIAS
190
GLOSSAacuteRIO
209
APEcircNDICES
ANEXOS
212
216
Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na perspectiva de profissionais a integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 37
Apresentaccedilatildeo
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 18
OS PRIMEIROS TRILHOS PERCORRIDOS ATEacute O DESAFIO DESTA TESE
A ciecircncia eacute e continua a ser uma aventura A ciecircncia natildeo estaacute unicamente na
capitalizaccedilatildeo das verdades adquiridas na verificaccedilatildeo das teorias conhecidas mas no
caraacuteter aberto da aventura que permite melhor dizendo que hoje exige a
contestaccedilatildeo das suas proacuteprias estruturas de pensamento (MORIN 2005)
Os trilhos que me conduziram ao desafio de estudar a temaacutetica ldquoQualidade e
Seguranccedila do Pacienterdquo e de realizar essa tese foram se delineando no decorrer da praacutetica
profissional As inquietaccedilotildees vieram da praacutetica assistencial em um hospital universitaacuterio e das
discussotildees e elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede na Secretaria de Estado de Sauacutede de
Minas Gerais (SES-MG)
Na assistecircncia como enfermeira de pediatria e maternidade de um hospital
universitaacuterio vivenciei vaacuterios incidentes que causaram danos aos pacientes inclusive o oacutebito
Essas vivecircncias foram permeadas algumas vezes por silecircncio e em outras por ruiacutedos nos
corredores da instituiccedilatildeo Havia uma mescla de sentimentos como raiva do residente mesmo
consciente de seu processo de aperfeiccediloando do preceptor por natildeo ter conseguido intervir no
incidente aleacutem de compaixatildeo pelos pacientes e familiares que sofreram o dano e a sensaccedilatildeo
de impotecircncia e desvalorizaccedilatildeo profissional Muitas vezes natildeo foram considerados alguns
posicionamentos por parte da equipe de enfermagem de situaccedilotildees que predispunha a
ocorrecircncia de incidentes mostrando desarticulaccedilatildeo e fragilidades na comunicaccedilatildeo e no
trabalho em equipe
Na SES-MG o interesse pelo tema foi desencadeado por um trabalho de campo
realizado em 2006 que possibilitou constatar que natildeo havia padronizaccedilatildeo nos procedimentos
ciruacutergicos havendo variabilidade dos resultados e custo pois dependendo do cirurgiatildeo
gastava-se maior quantidade de material natildeo estando necessariamente ligada agraves necessidades
do paciente Aleacutem disso atuei no monitoramento da gestatildeo de vaacuterios hospitais do estado o
que possibilitou perceber a contradiccedilatildeo entre os discursos dos gestores e os indicadores
alcanccedilados
Neste percurso iniciei em 2007 o curso de especializaccedilatildeo em gestatildeo hospitalar
promovido pela Escola de Sauacutede Puacuteblica de Minas Gerais No curso as discussotildees com
gestores de hospitais do estado em diferentes niacuteveis hieraacuterquicos eram carregadas de
anguacutestia por natildeo terem autonomia para realizar as mudanccedilas necessaacuterias para melhorar a
qualidade institucional
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 19
Outra vivecircncia que me levou agrave temaacutetica ldquoQualidade e Seguranccedila do Pacienterdquo foi
minha atuaccedilatildeo como avaliadora liacuteder em duas ediccedilotildees do Precircmio Ceacutelio de Castro (2008 e
2009) Por meio desse Precircmio a SES-MG avaliava com base nos criteacuterios da Organizaccedilatildeo
Nacional de Acreditaccedilatildeo (ONA) o grau de incorporaccedilatildeo de praacuteticas de gestatildeo de seguranccedila
de processos e de resultados dos hospitais participantes do Programa de Fortalecimento e
Melhoria da Qualidade dos Hospitais do Sistema Uacutenico de Sauacutede de Minas Gerais (Pro-
Hosp) Durante as avaliaccedilotildees conheci cenaacuterios permeados por processos de trabalho
fragmentados levando a riscos e inseguranccedila tanto para os pacientes quanto para os
profissionais
Essa experiecircncia surgiu mediante a um convite para integrar ao receacutem-criado Nuacutecleo
de Gestatildeo da Qualidade (NGQ) em 2008 Liderado por uma empreendedora puacuteblica o Nuacutecleo
foi composto por profissionais de diversos setores da SES-MG Nessa eacutepoca eu estava
alocada na Assessoria de Gestatildeo Estrateacutegica Havia reuniotildees perioacutedicas para discutir e
planejar accedilotildees para estimular e capacitar profissionais dos hospitais do estado no que se
refere agrave melhoria contiacutenua e avaliaccedilatildeo da qualidade dos serviccedilos prestados Dado o impacto
dos resultados alcanccedilados e da necessidade de ampliar o escopo de trabalho para os demais
serviccedilos de sauacutede em 2009 o NGQ se tornou uma assessoria com servidores proacuteprios ao
qual tambeacutem fui convidada a integrar-me
Posteriormente na ocasiatildeo da saiacuteda de pessoas da gestatildeo que compreendiam a
importacircncia da temaacutetica ldquoQualidade e Seguranccedila do Pacienterdquo essa assessoria foi extinta do
organograma retornando ao status de Nuacutecleo Um processo de desvalorizaccedilatildeo da temaacutetica se
seguiu passando a natildeo ser considerada uma agenda estrateacutegica na SES Atuei como referecircncia
teacutecnica coordenando a partir de 2012 a equipe remanescente Ateacute dezembro de 2014 o NGQ
fez parte da Assessoria de Normalizaccedilatildeo dos Serviccedilos de Sauacutede e em 2015 a nova gestatildeo
estadual sinalizou a intenccedilatildeo de dar continuidade agraves accedilotildees alinhadas com o Ministeacuterio da
Sauacutede Elaborei a pedido da gestatildeo o projeto de criaccedilatildeo do Comitecirc Estadual de Seguranccedila do
Paciente com o objetivo de implantar em acircmbito estadual a prevenccedilatildeo quaternaacuteria por meio
das diretrizes do Programa Nacional de Seguranccedila do Paciente (PNSP)
A SES-MG assumiu com o Banco Mundial a meta de viabilizar ateacute 2010 a
realizaccedilatildeo de 80 diagnoacutesticos organizacionais (DO-ONA) por meio do NGQ o que foi
cumprido conforme previsto O DO-ONA consiste em uma avaliaccedilatildeo dos sistemas de
assistecircncia gestatildeo e qualidade dos serviccedilos de sauacutede por meio da aplicaccedilatildeo da metodologia
do Sistema Brasileiro de Acreditaccedilatildeo (SBA) que deve ser desenvolvido por avaliadores da
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 20
Instituiccedilatildeo Acreditadora Credenciada pela ONA (IACONA) (ONA 2010) Em 2009 foram
realizados 45 DO-ONA e tive a oportunidade de participar como observadora da avaliaccedilatildeo
em alguns hospitais A experiecircncia que obtive com as visitas para realizaccedilatildeo dos DO-ONA
aliada agrave minha vivecircncia no Precircmio Ceacutelio de Castro e meu interesse pela avaliaccedilatildeo dos
serviccedilos de sauacutede ampliaram meu olhar sobre as natildeo conformidades ocorridas em hospitais
do estado ou seja sobre aspectos que contradizem a legislaccedilatildeo vigente e os padrotildees
estabelecidos nacional e internacionalmente para boas praacuteticas nos processos de trabalho
Toda essa vivecircncia me levou a buscar o mestrado na Escola de Enfermagem da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) com o intuito de aprofundar-me nos estudos
sobre a qualidade de serviccedilos de sauacutede Iniciei assim meu percurso acadecircmico estudando as
natildeo conformidades especiacuteficas da enfermagem em 37 hospitais Pro-Hosp avaliados em 2009
Os resultados encontrados revelaram entre outros aspectos que nenhum dos hospitais possuiacutea
uma poliacutetica de gerenciamento dos riscos com foco na seguranccedila do paciente Diante disso e
das discussotildees e participaccedilatildeo em eventos aleacutem do meu inconformismo em relaccedilatildeo agrave forma
como a miacutedia os profissionais de sauacutede e a sociedade em geral lidam com os profissionais
envolvidos em incidentes desenvolvi no doutorado uma pesquisa sobre a seguranccedila do
paciente A ciecircncia da seguranccedila do paciente eacute complexa envolve muacuteltiplos atores para a sua
concepccedilatildeo e eacute uma aacuterea desafiadora para os serviccedilos a gestatildeo o judiciaacuterio a academia e a
sociedade Espero com essa pesquisa contribuir na dissipaccedilatildeo das brumas sobre a cultura de
que o profissional de sauacutede natildeo erra ou natildeo pode errar A falibilidade eacute inerente ao ser
humano natildeo sendo os profissionais da aacuterea da sauacutede uma exceccedilatildeo Assim eacute necessaacuterio
discutir e construir barreiras para prevenir e mitigar a ocorrecircncia de incidentes resultantes da
assistecircncia prestada pelos profissionais
Em 2014 atuei no Grupo de Trabalho sobre Seguranccedila do Paciente na Assistecircncia de
Enfermagem (GT-SEPAE) do Conselho Regional de Enfermagem de Minas Gerais (Coren-
MG) e na tutoria do Curso Internacional de Qualidade em Sauacutede e Seguranccedila do Paciente da
Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz (Fiocruz) duas experiecircncias que me proporcionaram grande
aprendizado
Em outubro de 2015 iniciei minha trajetoacuteria na docecircncia na Universidade Federal de
Satildeo Joatildeo Del Rei Campus Divinoacutepolis onde pretendo dar continuidade ao desafio de buscar
compreender as nuances relacionada agrave qualidade e seguranccedila da assistecircncia agrave sauacutede
contribuindo para a formaccedilatildeo de profissionais criacuteticos capazes de mudarem a atual cultura
punitiva frente aos incidentes
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 21
O presente estudo encontra-se organizado em seis capiacutetulos O primeiro se refere a
esta apresentaccedilatildeo a qual relata a trajetoacuteria acadecircmica e profissional evidenciando os motivos
que suscitaram a escolha do tema No segundo capiacutetulo a introduccedilatildeo busca contextualizar a
temaacutetica principal elaborar o problema e as questotildees norteadoras da pesquisa e descrever o
objetivo do estudo O terceiro capiacutetulo apresenta os elementos teoacutericos que sustentam a
discussatildeo conceitual dos principais assuntos correlacionados ao tema proposto por meio do
resgate da literatura acerca do paciente ciruacutergico O quarto capiacutetulo considera os aspectos
metodoloacutegicos utilizados para viabilizar e embasar a pesquisa No quinto capiacutetulo satildeo
apresentados os resultados obtidos por meio da pesquisa englobando trecircs categorias e suas
respectivas subcategorias No sexto e uacuteltimo capiacutetulo satildeo formuladas as principais reflexotildees
finais acerca do estudo
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 22
Introduccedilatildeo
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 23
1 PROBLEMAacuteTICA DO ESTUDO CONTEXTUALIZANDO O DESAFIO
PROPOSTO
Em situaccedilotildees complexas nas quais num mesmo espaccedilo e tempo natildeo haacute apenas
ordem mas tambeacutem desordem natildeo haacute apenas determinismos mas tambeacutem
imprevistos em situaccedilotildees nas quais emerge a incerteza eacute preciso atitudes
estrateacutegicas dos sujeitos (MORIN CIURANA MOTA 2003)
Inicialmente pretendia-se estudar especificamente a utilizaccedilatildeo do checklist de cirurgia
segura instituiacutedo pela Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) considerando ser este um
instrumento com evidecircncias cientiacuteficas de melhoria nas praacuteticas ciruacutergicas em acircmbito
mundial No entanto focar apenas no checklist da OMS dentro do Centro Ciruacutergico (CC) natildeo
permitiria responder algumas inquietaccedilotildees mais amplas sobre a seguranccedila da assistecircncia
ciruacutergica nas trecircs fases do perioperatoacuterio ou seja no preacute trans e poacutes-operatoacuterio abarcando as
percepccedilotildees dos profissionais sobre o cuidado prestado os incidentes ocorridos e as
oportunidades de melhoria na assistecircncia desde a entrada ateacute a alta hospitalar do paciente
Para a promoccedilatildeo da seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio eacute necessaacuterio integrar
tanto as estrateacutegias de cunho objetivo como o uso de atores natildeo humanos ndash checklist
protocolos materiais e equipamentos em boas condiccedilotildees de uso e suficientes ndash para a
demanda quanto a subjetividade da praacutetica autocircnoma dos diversos atores humanos que
compotildeem o corpo de profissionais da rede intra-hospitalar O conceito de ator neste estudo
segue o sentido de Latour (2012) que descreve que ator eacute qualquer pessoa instituiccedilatildeo ou
coisa que tenha agecircncia ou seja que produz efeitos no mundo e sobre ele Eacute diferente do
sentido socioloacutegico tradicional que tem um significado de accedilatildeo atribuiacuteda a um humano Para
Latour um ator eacute heterogecircneo ele eacute antes uma dupla articulaccedilatildeo entre humanos e natildeo -
humanos e sua construccedilatildeo se faz em rede (LATOUR 2012)
Assim os atores humanos nesta pesquisa satildeo todos os profissionais envolvidos direta
ou indiretamente na cirurgia e os atores natildeo humanos satildeo os instrumentais equipamentos
medicamentos e demais insumos necessaacuterios para a realizaccedilatildeo de uma cirurgia Segundo
Latour (1991) os atores natildeo humanos recebem pouca atenccedilatildeo por parte dos teoacutericos sociais
nas anaacutelises sobre as relaccedilotildees que organizam os indiviacuteduos e as sociedades Entretanto
teacutecnicas materiais e equipamentos ndash em especial na assistecircncia ciruacutergica ndash fazem parte do
cenaacuterio e juntamente com os atores humanos integram uma rede na sociedade
A trajetoacuteria da assistecircncia ciruacutergica eacute permeada por conexotildees entre os atores humanos
profissional-paciente-familiar profissional-profissional e destes com os atores natildeo humanos
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 24
profissional-equipamentos-instrumentos profissional-conhecimento-checklist paciente-sala
operatoacuteria profissional-paciente-incidentes familiar-sala de espera-disclosure dentre muitas
outras Essas conexotildees satildeo o percurso que se estabelece entre um ou mais pontos ou noacutes
formando assim a rede intra-hospitalar e estando presentes em todas as etapas da assistecircncia
perioperatoacuteria Segundo Latour (2012) uma conexatildeo ponto por ponto (noacute por noacute) se
estabelece fisicamente e permite que seja rasteaacutevel e registrada empiricamente Contudo essa
conexatildeo deixa vazia boa parte daquilo que natildeo estaacute conectado mas eacute esse mesmo vazio que eacute
a chave para percorrer os raros condutos por onde o social circula Aleacutem disso uma conexatildeo
natildeo eacute gratuita exige esforccedilo (LATOUR 2012)
Os atores humanos que participam da assistecircncia perioperatoacuteria atuam interna e
externamente ao CC Atuam no CC os cirurgiotildees de diversas especialidades a equipe de
enfermagem os anestesiologistas o pessoal administrativo e da limpeza entre outros Todos
desenvolvem atividades essenciais para uma cirurgia segura Os profissionais de processos
externos ao CC ou seja aqueles que atuam indiretamente na cirurgia satildeo os profissionais que
trabalham em unidades de internaccedilatildeo eou ambulatoacuterios por serem responsaacuteveis pelo cuidado
do paciente no preacute e no poacutes-operatoacuterio aqueles da Central de Material e Esterilizaccedilatildeo (CME)
que realizam o processamento dos instrumentais o farmacecircutico e profissional do
almoxarifado que fornecem medicamentos e materiais a equipe de transporte eou a
enfermagem responsaacutevel por transferir pacientes do CC para outros setores e vice-versa e o
engenheiro hospitalar que realiza a manutenccedilatildeo corretiva e preventiva dos equipamentos
Aleacutem desses haacute os que atuam nos processos administrativos e consequentemente de forma
indireta como direccedilatildeo setor de qualidade suporte administrativo seguranccedila aacuterea de
compras entre outras Cada um dos profissionais atuando interna ou externamente ao CC
direta ou indiretamente no atendimento ao paciente tem sua parcela de responsabilidade para
com a seguranccedila e possui sua importacircncia com objetos proacuteprios de trabalho saberes e
instrumentos especiacuteficos que isoladamente natildeo resultam em uma cirurgia e muito menos em
uma cirurgia segura
Nesse sentido atores natildeo humanos e humanos estatildeo imbricados na linha de cuidados
ciruacutergicos que perpassa a rede intra-hospitalar Contudo as accedilotildees satildeo realizadas de forma
fragmentada e com foco no ato ciruacutergico na execuccedilatildeo de responsabilidade destinada ao
cirurgiatildeo Segundo Reus e Tittoni (2012) a equipe de enfermagem ndash e todos os profissionais
ndash atuam em funccedilatildeo de proporcionar ao cirurgiatildeo materiais e apoio no momento da cirurgia
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 25
As atividades satildeo realizadas para ldquoentregarrdquo ao cirurgiatildeo o ldquocorpordquo a ser trabalhado com a
maacutexima seguranccedila e exposiccedilatildeo do local a ser operado (REUS TITTONI 2012)
Apesar das estrateacutegias e ferramentas disseminadas pela OMS serem para uso em
conjunto da equipe multiprofissional e os dados apontados pelos estudos com uso do checklist
terem favorecido a comunicaccedilatildeo dos profissionais (HAYNES et al 2011) a accedilatildeo articulada e
realizada por meio de uma comunicaccedilatildeo efetiva entre os atores da rede intra-hospitalar nos
cuidados ciruacutergicos ainda eacute um desafio a ser alcanccedilado Essa accedilatildeo articulada eacute complexa ou
seja eacute algo que se tece em conjunto (complexus) sendo que toda accedilatildeo eacute uma decisatildeo uma
escolha e um desafio (MORIN 2011) que depende da subjetividade de cada profissional em
suas relaccedilotildees interpessoais que tem imbricaccedilatildeo direta nas accedilotildees do cotidiano de fazer a
assistecircncia ciruacutergica ldquoA accedilatildeo supotildee a complexidade isto eacute acaso imprevisto iniciativa
decisatildeo consciecircncia das derivas e transformaccedilotildeesrdquo (MORIN 2011 p81)
A accedilatildeo de aplicaccedilatildeo e adesatildeo do checklist de cirurgia segura eacute complexa e embora se
mostre positiva em diversos setores como a aviaccedilatildeo e a engenharia (GAWANDE 2011) haacute
que se levar em consideraccedilatildeo o alerta de Carneiro (2010) de que eacute necessaacuterio natildeo simplificar
o checklist de cirurgia segura com analogias de outras realidades pois em termos de
qualidade eacute bem mais difiacutecil administrar dez medicamentos a um soacute doente do que corrigir
uma falha no motor de um aviatildeo assim como eacute muito mais complexo garantir uma
comunicaccedilatildeo eficaz entre doze pessoas presentes em uma sala operatoacuteria do CC do que entre
o piloto e o copiloto em um aviatildeo O sucesso ou insucesso do uso do checklist de cirurgia
segura dependeraacute acima de tudo do envolvimento entusiasmo e dedicaccedilatildeo de todos os
profissionais envolvidos na assistecircncia ciruacutergica contando ainda com a colaboraccedilatildeo dos
proacuteprios pacientes (CARNEIRO 2010) dos profissionais que atuam indiretamente e de todo
o aparato natildeo humano disponibilizado no hospital
A praacutetica dos profissionais eacute permeada tambeacutem por discursos socialmente construiacutedos
que influenciam as formas como eles se comunicam e se relacionam no cotidiano de trabalho
e consequentemente influenciam o modo de assistir o paciente e a adesatildeo ao checklist de
cirurgia segura e as demais normatizaccedilotildees institucionais Assim foram estabelecidos os
seguintes questionamentos como se conforma as conexotildees dos atores na rede intra-hospitalar
para uma assistecircncia perioperatoacuteria segura na perspectiva dos diferentes profissionais Como
essa rede composta por atores humanos e natildeo humanos influencia na seguranccedila do paciente
Como se configura o uso do checklist de cirurgia segura no centro ciruacutergico
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 26
Neste sentido essa pesquisa parte dos seguintes pressupostos (a) haacute diferenccedilas sobre
as concepccedilotildees da assistecircncia perioperatoacuteria e as implicaccedilotildees para tornaacute-la segura entre
profissionais que atuam direta e indiretamente em sala operatoacuteria uma vez que estatildeo inseridos
de diferentes formas na instituiccedilatildeo e na sociedade (b) a seguranccedila no perioperatoacuterio eacute
promovida por diversos fatores que vatildeo desde a aplicaccedilatildeo de instrumentos objetivos como o
checklist de cirurgia segura ateacute aspectos subjetivos que influenciam a interaccedilatildeo dos
profissionais que atuam direta e indiretamente no ato anesteacutesico-ciruacutergico (c) o discurso da
simplicidade no uso do checklist de cirurgia segura pode estar interferindo na efetividade de
sua utilizaccedilatildeo na praacutetica complexa da sala operatoacuteria
O presente estudo se justifica pela escassez de estudos brasileiros sobre a seguranccedila no
perioperatoacuterio de forma ampla e por meio da percepccedilatildeo de profissionais que atuam interna e
externamente no CC Dessa forma o objetivo do presente estudo foi analisar a seguranccedila da
assistecircncia no perioperatoacuterio na visatildeo de profissionais que atuam direta e indiretamente no ato
anesteacutesico-ciruacutergico focalizando a conexatildeo dos diferentes atores da rede intra-hospitalar
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 27
Aspectos teoacutericos
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 28
2 ASSISTEcircNCIA CIRUacuteRGICA SUBSIacuteDIOS TEOacuteRICOS PARA ESTE DESAFIO
21 Incidentes na assistecircncia ciruacutergica
O nuacutemero de cirurgias tem aumentado ao longo dos anos devido a diversos fatores
como o aprimoramento e a inovaccedilatildeo das teacutecnicas ciruacutergicas e o desenvolvimento tecnoloacutegico
de materiais e equipamentos bem como a raacutepida transiccedilatildeo demograacutefica e epidemioloacutegica da
populaccedilatildeo que respectivamente tem gerado aumento da expectativa de vida e das doenccedilas
crocircnicas e consequentemente a necessidade de procedimentos ciruacutergicos
No mundo haacute informaccedilotildees de que acontecem anualmente 2342 milhotildees de
procedimentos ciruacutergicos extensos ou seja que envolvem incisatildeo excisatildeo manipulaccedilatildeo ou
suturas de tecidos e que geralmente requerem anestesia local geral ou sedaccedilatildeo profunda para
controle da dor (WEISER et al 2008) No Brasil foram realizadas 20022160 cirurgias pelo
Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) no periacuteodo de 2008 a 2012 uma meacutedia de 4004432 por ano
sendo que de 2008 para 2012 houve um aumento de 2 (431424 cirurgias) O estado de
Minas Gerais eacute o segundo maior da federaccedilatildeo em nuacutemero de cirurgias com 2164228 nesse
mesmo periacuteodo e meacutedia anual de 432846 perdendo apenas para Satildeo Paulo que nesse
periacuteodo realizou 4563744 com meacutedia de 912749 cirurgias anuais (BRASIL 2013d)
Com o aumento das cirurgias aumentam tambeacutem as oportunidades de ocorrecircncia de
incidentes Dentre eles haacute os Eventos Adversos (EA) que satildeo aqueles que resultaram em dano
ao paciente sendo que o dano eacute um comprometimento da estrutura ou funccedilatildeo do corpo eou
qualquer efeito dele oriundo incluindo doenccedilas lesotildees sofrimentos morte incapacidades ou
disfunccedilotildees podendo entatildeo ser fiacutesico social ou psicoloacutegico (BRASIL 2013a 2013b)
Satildeo vaacuterios os relatos internacionais e nacionais de recorrentes e persistentes
ocorrecircncias de EA na assistecircncia ciruacutergica Um estudo de revisatildeo sistemaacutetica que considerou
os eventos adversos como uma lesatildeo ou complicaccedilatildeo natildeo intencional causada mais pela
gestatildeo dos cuidados do que pela proacutepria doenccedila do paciente revelou que um em cada dez
pacientes hospitalizados sofreu EA sendo que 41 ocorreram em sala de cirurgia (DE
VRIES et al 2008)
Um estudo de revisatildeo de 7926 prontuaacuterios realizado em 21 hospitais holandeses
encontrou 744 EA sendo que destes 645 foram ciruacutergicos e 405 considerados
evitaacuteveis As lesotildees mais frequentes resultantes destes eventos foram inflamaccedilatildeoinfecccedilatildeo
(39) hemorragiahematoma (23) lesatildeo por causa mecacircnicafiacutesica ou quiacutemica (22) e
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 29
outros comprometimentos funcionais (16) como retenccedilatildeo urinaacuteria insuficiecircncia respiratoacuteria
e renal (ZEGERS et al 2011) Colaboram no desfecho insatisfatoacuterio das cirurgias as
intervenccedilotildees realizadas em local errado e no paciente errado Um em cada 50 a 100000
procedimentos nos Estados Unidos da Ameacuterica (EUA) ocorre esse incidente sendo 1500 a
2500 eventos adversos desse tipo por ano (SEIDEN BARACH 2006)
No Brasil dos EA ocorridos em trecircs hospitais do Rio de Janeiro em 2012 (MOURA
MENDES 2012) a proporccedilatildeo de EA ciruacutergicos evitaacuteveis foi de 683 (28 de 41 eventos) e a
proporccedilatildeo de pacientes com EA ciruacutergicos evitaacuteveis foi de 658 (25 de 38 pacientes) E
ainda persistem cenaacuterios como apontados por uma pesquisa realizada em Minas Gerais em
que nenhum dos 37 hospitais estudados apresentava poliacutetica de gerenciamento dos riscos e
3243 dos hospitais natildeo tinham um planejamento da assistecircncia de enfermagem no
perioperatoacuterio (RIBEIRO 2011)
Ademais os profissionais subestimam os riscos de sua praacutetica Em um estudo
realizado com ortopedistas brasileiros verificou-se que apenas 408 informaram jaacute ter
vivenciado em algum momento de suas carreiras cirurgias em local ou paciente errado
(MOTTA FILHO et al 2013) Nesse estudo foi evidenciado que eles subestimaram os
problemas relativos agraves suas praacuteticas e superestimaram a satisfaccedilatildeo dos pacientes atendidos
Em estudo realizado em hospitais do Rio de Janeiro aproximadamente um em cada cinco
pacientes com EA ciruacutergico evoluiu com incapacidade permanente ou morreu Mais de 60
dos casos foram classificados como pouco ou nada complexos e de baixo risco de ocorrer um
EA relacionado ao cuidado (MOURA MENDES 2012)
Outro estudo que objetivou avaliar a precisatildeo de cirurgiotildees e anestesiologistas na
previsatildeo de perda de sangue intraoperatoacuteria mostrou que em 30 dos pacientes que recebem
uma transfusatildeo tanto o cirurgiatildeo como o anestesiologista subestimaram o risco de perda de
sangue superior a 500 mililitros No entanto a equipe multiprofissional deve estar ciente de
que um em cada 14 pacientes submetidos agrave cirurgia de meacutedio e grande porte teraacute uma perda
de sangue inesperada excedendo 500 mililitros (SOLON EGAN MCNAMARA 2013)
Existe a necessidade de conscientizaccedilatildeo do risco uma vez que os EA sendo evitaacuteveis
oferecem a possibilidade de identificar gerenciar e tratar os fatores que contribuem para a sua
ocorrecircncia Entende-se por fatores contribuintes de acordo com a OMS (2009) as
circunstacircncias as accedilotildees ou as influecircncias que desempenham um papel na origem ou no
desenvolvimento de um incidente ou no aumento de seu risco Esses fatores podem ser
externos organizacionais estarem relacionados ao staff ou a um fator individual do paciente
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 30
Estudo de Zegers et al (2011) em hospitais holandeses evidenciou que as causas dos
EA ciruacutergicos foram predominantemente por fatores humanos (652) como falhas no
desempenho de habilidades despreparo profissional para o procedimento especiacutefico ou
aplicaccedilatildeo inadequada de conhecimento existente e relacionado com os pacientes (353)
como a idade Fatores organizacionais como protocolos inadequados ou inexistentes maacute
comunicaccedilatildeo e aspectos culturais (130) e teacutecnicos (40) como problemas com materiais
equipamentos software etiquetas ou formulaacuterios tambeacutem contribuiacuteram para os EA
ciruacutergicos (ZEGERS et al 2011)
Assim fatores organizacionais e sistemas complexos ndash como o hospital em estudo ndash
podem contribuir para erros e EA nos contextos ciruacutergicos (MEEKER ROTHROCK 2011)
Todo esse contexto explica a movimentaccedilatildeo em prol da seguranccedila do paciente ciruacutergico por
instituiccedilotildees governamentais e privadas em acircmbito nacional e internacional conforme descrito
a seguir
22 Seguranccedila do paciente breve histoacuterico com foco na aacuterea ciruacutergica
A seguranccedila do paciente eacute uma das dimensotildees da assistecircncia agrave sauacutede com qualidade
sendo entendida como um conjunto de medidas e poliacuteticas que visam agrave reduccedilatildeo a um miacutenimo
aceitaacutevel do risco de ocorrecircncia de dano desnecessaacuterio ao paciente durante a assistecircncia agrave
sauacutede (IOM 2000 BRASIL 2013a 2013b)
Atualmente tem-se abordado muito essa temaacutetica e suas implicaccedilotildees estatildeo na pauta
de discussotildees em espaccedilos diversos como a academia o judiciaacuterio e serviccedilos de sauacutede
privados e puacuteblicos A discussatildeo sobre os princiacutepios da seguranccedila do pacientes estaacute tambeacutem
na agenda da Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) e do governo brasileiro nas instacircncias
nacional estaduais e municipais Trata-se portanto de uma questatildeo discutida por diversos
paiacuteses governos profissionais de sauacutede e serviccedilos
Internacionalmente o movimento pela Seguranccedila do Paciente foi desencadeado pelo
relatoacuterio To Erris Human Building a Safer Health System do Instituto de Medicina (IOM)
dos EUA Esse documento revelou que aproximadamente cem mil pessoas morriam todos os
anos nos EUA em consequecircncia de iatrogenias (IOM 2000) Esses dados desencadearam
discussotildees em diversas partes do mundo e em maio de 2002 a Resoluccedilatildeo 5518 da 55ordf
Assembleia Mundial da Sauacutede recomendou agrave Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) e a seus
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 31
Estados Membros uma maior atenccedilatildeo aos problemas relacionados com a seguranccedila do
paciente (OMS 2009)
Em julho de 2003 a Joint Commissionon Accreditation of Healthcare Organizations
(JCAHO) elaborou e obrigou seus hospitais a utilizarem na assistecircncia ciruacutergica o Protocolo
Universal para prevenccedilatildeo do lado procedimento e paciente errado Esse protocolo inclui trecircs
etapas verificaccedilatildeo preacute-operatoacuteria marcaccedilatildeo do siacutetio ciruacutergico e o time out - procedimentos
que devem ser realizados antes do iniacutecio da cirurgia (JCAHO 2016) sendo a sua importacircncia
declarada pelo Coleacutegio Americano de Cirurgiotildees (AMERICAN COLLEGE OF SURGEONS
2002) Esse instrumento foi o embriatildeo do checklist de cirurgia segura instituiacutedo pela OMS
como seraacute abordado na proacutexima seccedilatildeo
Em 2004 a OMS lanccedilou a Alianccedila Mundial para a Seguranccedila do Paciente visando
estabelecer medidas que aumentem a seguranccedila do paciente e a qualidade dos serviccedilos de
sauacutede por meio do comprometimento poliacutetico dos paiacuteses membros (OMS 2009) A Alianccedila
Mundial estabelece desafios globais para direcionar o trabalho para uma aacuterea de risco
identificada como prioridade O primeiro em 2005-2006 tratou das infecccedilotildees relacionadas
com a assistecircncia agrave sauacutede envolvendo as temaacuteticas higienizaccedilatildeo das matildeos procedimentos
cliacutenicos e ciruacutergicos seguros seguranccedila do sangue e de hemoderivados administraccedilatildeo segura
de injetaacuteveis e de imunobioloacutegicos e seguranccedila da aacutegua saneamento baacutesico e manejo de
resiacuteduos O segundo desafio 2007-2008 com o slogan ldquoCirurgias Seguras Salvam Vidasrdquo
focou nos fundamentos e praacuteticas da seguranccedila ciruacutergica contemplando a prevenccedilatildeo de
infecccedilotildees de siacutetio ciruacutergico anestesia segura desenvolvimento de equipes ciruacutergicas seguras
indicadores da assistecircncia ciruacutergica e instituiu o checklist de cirurgia segura para uso na sala
operatoacuteria (OMS 2009) O terceiro desafio global e uacuteltimo ateacute o momento traz a temaacutetica do
enfrentando da resistecircncia microbiana aos antimicrobianos
No intuito de reforccedilar o segundo desafio a OMS em parceria com a Joint Commission
International (JCI) que passou a ser seu centro colaborador para a seguranccedila do paciente
lanccedilou em 2010 as seis metas internacionais para seguranccedila do paciente Dentre essas metas
haacute uma especiacutefica do processo ciruacutergico que busca assegurar que as cirurgias possuam local
de intervenccedilatildeo procedimento e paciente corretos (CBA 2010)
Por meio do desafio ldquoCirurgias Seguras Salvam Vidasrdquo da OMS a equipe ciruacutergica
tem dez objetivos baacutesicos mas essenciais a saber (1) operar o paciente e o local ciruacutergico
certo (2) usar meacutetodos conhecidos para impedir danos na administraccedilatildeo de anesteacutesicos (3)
reconhecer e se preparar para perda de via aeacuterea ou de funccedilatildeo respiratoacuteria que ameace a vida
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 32
do paciente (4) reconhecer e estar preparada para o risco de perdas sanguiacuteneas (5) evitar a
induccedilatildeo de reaccedilatildeo adversa ou aleacutergica a medicamentos de risco ao paciente jaacute constante em
seu histoacuterico (6) usar de maneira sistemaacutetica meacutetodos para minimizar o risco de infecccedilatildeo no
siacutetio ciruacutergico (7) impedir a retenccedilatildeo inadvertida de instrumentais ou compressas nas incisotildees
ciruacutergicas (8) manter seguras e identificar as peccedilas anatocircmicas originadas da cirurgia (9)
comunicar efetivamente e trocar informaccedilotildees para a conduccedilatildeo segura da cirurgia (10)
estabelecer monitoramento da capacidade volume e resultados ciruacutergicos Esse uacuteltimo
objetivo eacute tanto para os hospitais quanto para o sistema de sauacutede como um todo (OMS 2009)
No Brasil o Ministeacuterio da Sauacutede instituiu o Programa Nacional de Seguranccedila do
Paciente (PNSP) por meio da Portaria nordm 5292013 que tem como objetivo contribuir para a
qualificaccedilatildeo do cuidado em todos os serviccedilos de sauacutede nacionais (BRASIL 2013a) A
Resoluccedilatildeo da Diretoria Colegiada da Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria (ANVISA) nordm
36 de 25 de julho de 2013 reforccedila o PNSP instituindo accedilotildees obrigatoacuterias para a promoccedilatildeo da
seguranccedila do paciente e melhoria da qualidade assistencial (BRASIL 2013b)
Dentre as accedilotildees que essas legislaccedilotildees estabelecem haacute aquelas voltadas
especificamente para a seguranccedila ciruacutergica com um protocolo especiacutefico (BRASIL 2013c)
elaborado pelo Ministeacuterio da Sauacutede com base no Programa e Manual ldquoCirurgias Seguras
Salvam Vidasrdquo da OMS (OMS 2009) o qual institui a utilizaccedilatildeo do checklist de cirurgia
segura que inclui algumas tarefas e procedimentos baacutesicos de seguranccedila e deve ser
implementado em todas as organizaccedilotildees com atendimento ciruacutergico
23 Checklist de cirurgia segura resultados positivos e limitaccedilotildees
Em 14 de janeiro de 2009 foi divulgada a lista de verificaccedilatildeo de seguranccedila ciruacutergica
ou checklist de cirurgia segura da OMS (GAWANDE 2011) Desde entatildeo organizaccedilotildees
internacionais tecircm apoiado a sua utilizaccedilatildeo como Accreditation Canada American
Association of Nurse Anesthetists American College of Surgeons Associaccedilatildeo dos
Enfermeiros de Sala de Operacotildees Portugues International Federation of Perioperative
Nurses National Patient Safety Foundation aleacutem de organizaccedilotildees nacionais como Escola
Nacional de Sauacutede Puacuteblica ProqualisFIOCRUZ Coleacutegio Brasileiro de Cirurgiotildees Conselho
de Enfermagem de Satildeo Paulo e de Minas Gerais o Ministeacuterio de Sauacutede dentre outras
Dados de 2012 mostraram que mundialmente havia 1790 instituiccedilotildees utilizando o
checklist em pelo menos uma sala ciruacutergica e outras 4132 demonstraram interesse em utilizaacute-
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 33
lo ateacute o final daquele ano (WHO 2012) sendo esses os uacuteltimos dados disponiacuteveis O checklist
de cirurgia segura da OMS se concentra na comunicaccedilatildeo e praacuteticas seguras em cada um dos
trecircs periacuteodos que corresponde ao fluxo normal de um procedimento anesteacutesico-ciruacutergico I ndash
antes da induccedilatildeo anesteacutesica (sign in) II ndash antes da incisatildeo ciruacutergica da pele (time out) e III ndash
antes do paciente sair da sala de cirurgia (sign out) (Anexo IV)
Estima-se que para a aplicaccedilatildeo do checklist satildeo necessaacuterios trecircs minutos e uma uacutenica
pessoa deveraacute ser responsaacutevel por conduzir a checagem dos itens nas trecircs fases Em cada uma
o condutor deveraacute confirmar se a equipe completou suas tarefas antes de prosseguir para a
proacutexima etapa ou seja esse profissional tem que ter plena autoridade estando apto e
legitimado a interromper o procedimento ou impedir o seu avanccedilo se julgar insatisfatoacuterio
algum dos itens mesmo considerando que essa interrupccedilatildeo possa trazer desgaste da equipe se
esta natildeo tiver maturidade adequada (OMS 2009) O Quadro 1 apresenta sumariamente as
atribuiccedilotildees do condutor em cada uma das etapas do checklist
Quadro 1 Etapas da aplicaccedilatildeo do checklist de cirurgia segura da Organizaccedilatildeo
Mundial da Sauacutede (OMS)
Antes da induccedilatildeo anesteacutesica Antes da incisatildeo ciruacutergica
(a equipe faraacute Pausa Ciruacutergica)
Antes de sair da sala de cirurgia
(a equipe deveraacute revisar em conjunto)
Revisar verbalmente com o paciente
se possiacutevel se sua identificaccedilatildeo estaacute
correta
Apresentaccedilatildeo de cada membro da
equipe pelo nome e funccedilatildeo
Conclusatildeo da contagem de compressas e
instrumentais
Confirmar que o procedimento e o
local da cirurgia estatildeo corretos
Confirmaccedilatildeo da cirurgia paciente e
siacutetio ciruacutergico corretos
Identificaccedilatildeo de qualquer amostra
ciruacutergica obtida
Confirmar o consentimento para
cirurgia e a anestesia
Revisatildeo verbal uns com os outros
dos elementos criacuteticos de seus
planos para a cirurgia usando as
questotildees do checklist como guia
Revisatildeo de qualquer funcionamento
inadequado de equipamentos ou
questotildees que necessitem ser
solucionadas
Confirmar visualmente o siacutetio
ciruacutergico correto e sua demarcaccedilatildeo
Confirmaccedilatildeo da administraccedilatildeo de
antimicrobianos profilaacuteticos nos
uacuteltimos 60 minutos
Revisatildeo do plano de cuidado e
providecircncias no poacutes-operatoacuterio e
recuperaccedilatildeo poacutes-anesteacutesica antes da
remoccedilatildeo do paciente da sala
Confirmar a conexatildeo de monitor
multiparacircmetro ao paciente e seu
funcionamento
Confirmaccedilatildeo da acessibilidade dos
exames de imagens necessaacuterios
Revisar verbalmente com o
anestesiologista o risco de perda
sanguiacutenea dificuldades nas vias
aeacutereas histoacuterico de reaccedilatildeo aleacutergica e
se a verificaccedilatildeo completa de
seguranccedila anesteacutesica foi concluiacuteda
Fonte BRASIL (2013c)
Haacute evidecircncias da reduccedilatildeo de EA com a implantaccedilatildeo do checklist O claacutessico estudo
publicado no New England Journal of Medicine realizado em oito hospitais de paiacuteses com
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 34
diferentes localizaccedilotildees e estruturas socioeconocircmicas ndash Canadaacute Estados Unidos (Ameacuterica do
Norte) Inglaterra (Europa) Jordacircnia (Oriente Meacutedio) Tanzacircnia (Aacutefrica) Iacutendia e Filipinas
(Aacutesia) e Nova Zelacircndia (Oceania) ndash constatou que a taxa de complicaccedilotildees maiores caiu de
11 para 7 e a mortalidade perioperatoacuteria em cirurgia de grande porte de 15 a 08 (13)
(HAYNES et al 2009) Em cirurgias de urgecircncia natildeo cardioloacutegicas um estudo realizado
tambeacutem nesses oito hospitais evidenciou a reduccedilatildeo nas taxas de complicaccedilatildeo de 184 para
117 e nas taxas de mortalidade de 37 para 14 (14) com o uso do checklist (HAYNES
et al 2009) Na Colocircmbia estudo realizado em um hospital geral apontou reduccedilatildeo de eventos
adversos de 726 para 329 apoacutes a implementaccedilatildeo da lista de verificaccedilatildeo (COLLAZOS et
al 2013) Em um estudo realizado em sete paiacuteses 84 dos participantes da pesquisa
relataram que a comunicaccedilatildeo na sala ciruacutergica melhorou (HAYNES et al 2011)
No Brasil o uso do checklist ainda eacute pouco difundido e haacute escassez de estudos que
mostrem meacutetodos de trabalho no processo de implantaccedilatildeo adesatildeo ao instrumento e sua
eficaacutecia em relaccedilatildeo aos EA Estudo recente realizado em dois hospitais de Natal Rio Grande
do Norte sugere que a baixa adesatildeo ao checklist possivelmente tem reflexos sobre a
ocorrecircncia de EA como por exemplo maior permanecircncia do paciente no hospital risco de
reinternaccedilatildeo necessidade de cuidados intensivos mortalidade e outros (FREITAS et al
2014) Os autores concluem apoacutes analisar a implantaccedilatildeo e uso do instrumento que os
hospitais precisam melhorar a adesatildeo ao checklist de cirurgia segura com uma implantaccedilatildeo
mais estruturada visando assegurar a sua utilizaccedilatildeo adequada (FREITAS et al 2014)
Estudos tecircm identificado que mesmo em hospitais que implementaram o checklist
muitos itens satildeo negligenciados principalmente aqueles relacionados agrave comunicaccedilatildeo
(RYDENFAumlLT 2013) O item de menor adesatildeo em estudo realizado na Colocircmbia foi a
apresentaccedilatildeo completa dos membros da equipe ciruacutergica incluindo as suas funccedilotildees
(COLLAZOS et al 2013) Resultado semelhante foi encontrado em um hospital universitaacuterio
da Franccedila onde a dificuldade tambeacutem foi compartilhar informaccedilotildees verbalmente antes da
incisatildeo (RATEAU 2011) Tambeacutem no Brasil um estudo mostrou que nos procedimentos
observados natildeo houve apresentaccedilatildeo da equipe (MAZIERO et al 2015)
Haacute ainda resistecircncia por parte dos profissionais sendo que a adesatildeo do liacuteder da equipe
ao uso do checklist eacute extremamente importante (MUumlLLER 2012) Uma anaacutelise qualitativa de
um estudo em cinco hospitais do estado de Washington com liacutederes de implementaccedilatildeo do
checklist e cirurgiotildees em 2009 sugere que sua eficaacutecia depende da capacidade dos liacutederes na
implementaccedilatildeo para explicar de forma convincente a necessidade do uso da lista de
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 35
verificaccedilatildeo Esforccedilos coordenados para explicar a implementaccedilatildeo do checklist e a educaccedilatildeo
para seu uso resultaram em adesatildeo e uso completo da lista de verificaccedilatildeo (CONLEY 2011)
Por outro lado alguns estudos vecircm trazendo limitaccedilotildees do checklist Segundo
Anderson et al (2012) os resultados de sua pesquisa mostraram que apesar da lista de
verificaccedilatildeo ser um importante lembrete natildeo eacute por si soacute garantia de seguranccedila Para os autores
eacute a forma de agir dos profissionais em resposta a erros ou lapsos que eacute realmente importante
Aleacutem disso para o checklist ter sucesso como um mecanismo para transformar o cuidado
baseado em evidecircncias e protocolo de seguranccedila para a melhor praacutetica ele precisa ser usado
de forma consistente e duradoura E ainda para conseguir isso os hospitais necessitam
promover um ambiente de apoio com uma poliacutetica de seguranccedila em toda a organizaccedilatildeo e uma
abordagem sistemaacutetica por meio de monitoramento e gerenciamento da cultura que abranja
efetivamente a pratica do checklist (ROBBINS 2011 SCHLACK BOERMEESTER 2010)
Outros estudos trazem tambeacutem que o checklist instituiacutedo isoladamente natildeo consegue
garantir a seguranccedila ciruacutergica sendo necessaacuterios outros instrumentos (TRIMMEL et al
2013) A Patient Safety First Campaign da National Patient Safety Agency e estudiosos tecircm
defendido a adiccedilatildeo de outras estrateacutegias como as sessotildees breves de esclarecimento com a
equipe no iniacutecio (brienfing) e no final (debriefing) como chave para o sucesso na mudanccedila
cultural necessaacuteria (NPSA 2013a 2013b SCHLACK BOERMEESTER 2010)
Entretanto mesmo adicionando o brienfing e o debriefing ao checklist de cirurgia
segura da OMS levando em conta que soacute o primeiro jaacute eacute de difiacutecil adesatildeo por parte dos
profissionais o periacuteodo perioperatoacuterio natildeo eacute atendido como um todo (preacute trans e poacutes-
operatoacuterio) sendo que a seguranccedila ciruacutergica envolve tambeacutem accedilotildees no preacute e no poacutes-
operatoacuterio fora do CC tanto relacionadas ao paciente quanto aos instrumentais e
equipamentos
24 Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica hospitalar ampliando o olhar
A seguranccedila ciruacutergica eacute uma importante preocupaccedilatildeo de sauacutede puacuteblica global
(WEISER et al 2008 BRASIL 2013c) sendo necessaacuterio investir na busca de melhorias que
resulte progressivamente em eventos evitaacuteveis (OMS 2009) A OMS reconhece que em se
tratando de cirurgia natildeo haacute uma uacutenica soluccedilatildeo que transformaria a seguranccedila (OMS 2009)
ou seja a aplicaccedilatildeo de um instrumento mesmo que abrangente como o checklist de cirurgia
segura da OMS natildeo consegue sozinho resolver os problemas da assistecircncia ciruacutergica
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 36
O checklist de cirurgia segura tem sido muito comparado aos checklists utilizados na
aviaccedilatildeo e outros setores considerados ultra seguros mas segundo Wachter (2013) haacute uma
deacutecada o entusiasmo com a seguranccedila do paciente foi acompanhado por uma esperanccedila de
encontrar soluccedilotildees simples para os erros Acreditava-se que simplesmente ao adotar algumas
teacutecnicas extraiacutedas da aviaccedilatildeo e outras induacutestrias ldquoseguras a construccedilatildeo de fortes sistemas de
tecnologia da informaccedilatildeo e melhoria da cultura de seguranccedila os pacientes imediatamente
teriam mais seguranccedila em hospitais e cliacutenicas em todos os lugares (WACHTER 2013)
No entanto a ingenuidade desse ponto de vista ajudou a perceber que a seguranccedila dos
pacientes aleacutem de requerer esforccedilos para melhorar as praacuteticas a formaccedilatildeo dos profissionais
as tecnologias da informaccedilatildeo e a cultura exige que liacutederes forneccedilam recursos e lideranccedila
promovendo simultaneamente engajamento e inovaccedilatildeo por parte dos profissionais Isto
depende de uma poliacutetica que crie incentivos adequados para a seguranccedila evitando uma
atmosfera excessivamente riacutegida e prescritiva que poderia minar o entusiasmo e a criatividade
dos prestadores de serviccedilos (WACHTER 2013)
Nesse sentido a seguranccedila requer uma execuccedilatildeo confiaacutevel de muacuteltiplas etapas
necessaacuterias agrave assistecircncia natildeo apenas pelo cirurgiatildeo mas pela equipe de profissionais de
sauacutede trabalhando em conjunto para o benefiacutecio do paciente (OMS 2009) A competecircncia
individual dos profissionais natildeo eacute suficiente para garantir a seguranccedila do paciente A equipe
deve compreender e contribuir para o aperfeiccediloamento dos sistemas em que desenvolvem seu
trabalho contribuindo para um desempenho eficaz da equipe e desenvolvendo o poder de
reconhecimento e resposta a questotildees de seguranccedila do paciente (MEEKER ROTHROCK
2011)
Para tanto satildeo necessaacuterias poliacuteticas e procedimentos aleacutem de um cenaacuterio no qual todas
as atividades da equipe ciruacutergica (profissionais que atuam diretamente) e profissionais
auxiliares (com atuaccedilatildeo indireta) se encaixem resultando em um curso de accedilatildeo eficiente para
o benefiacutecio do paciente Essas poliacuteticas e procedimentos devem ser o padratildeo de cuidados
institucional e fazerem parte de uma abordagem sistematizada envolvendo uma sequecircncia de
eventos a avaliaccedilatildeo preacute-operatoacuteria dos pacientes o procedimento ciruacutergico propriamente dito
e os cuidados poacutes-operatoacuterios apropriados (OMS 2009 MEEKER ROTHROCK 2011)
O periacuteodo perioperatoacuterio compreende as fases preacute-operatoacuteria (mediata e imediata)
transoperatoacuteria e poacutes-operatoacuteria (imediata e mediata) (MORAES CARVALHO 2007) que
devem estar conectadas para oferecer uma assistecircncia ciruacutergica sistematizada e segura Na
fase preacute-operatoacuteria dentre outras accedilotildees eacute importante ressaltar a obtenccedilatildeo do consentimento
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 37
informado a adequada identificaccedilatildeo do paciente do siacutetio ciruacutergico e do procedimento que
seraacute realizado a verificaccedilatildeo do equipamento anesteacutesico e da disponibilidade dos
medicamentos de emergecircncia e a preparaccedilatildeo adequada para eventos transoperatoacuterios sendo
todas etapas suscetiacuteveis agrave intervenccedilatildeo (OMS 2009)
Durante o transoperatoacuterio devem ser assegurados diversos aspectos como o uso
adequado de antibioacuteticos disponibilidade de exames por imagem monitorizaccedilatildeo apropriada
do paciente trabalho em equipe de forma integrada exposiccedilatildeo de pareceres ciruacutergicos e
anesteacutesicos fidedignos teacutecnica ciruacutergica realizada de forma cautelosa e a boa comunicaccedilatildeo
entre cirurgiotildees anestesiologistas e a equipe de enfermagem uma vez que satildeo todos
necessaacuterios para assegurar um bom resultado (OMS 2009)
Apoacutes o ato anesteacutesico-ciruacutergico eacute necessaacuterio o planejamento da assistecircncia poacutes-
operatoacuteria a compreensatildeo dos eventos ocorridos no transoperatoacuterio e um comprometimento
com a monitorizaccedilatildeo do paciente aspectos que podem melhorar a assistecircncia ciruacutergica
promovendo a seguranccedila e alcanccedilando melhores resultados (OMS 2009)
Nessas trecircs fases e com mais ecircnfase na fase transoperatoacuteria a dinacircmica do cuidado eacute
voltada agrave objetividade das accedilotildees cuja intervenccedilatildeo eacute de natureza teacutecnica com foco no oacutergatildeo
fiacutesico visando agrave recuperaccedilatildeo do paciente Aspectos do cuidar que satildeo da ordem da
subjetividade tecircm importacircncia secundaacuteria neste cenaacuterio (SILVA ALVIM 2010) No entanto
a subjetividade dos profissionais com atuaccedilatildeo direta em sala operatoacuteria ou indireta nos
diversos setores de apoio eacute importante para a anaacutelise da seguranccedila ciruacutergica
A produccedilatildeo subjetiva eacute assinalada por constantes desconstruccedilotildees e construccedilotildees de
territoacuterios existenciais Isso acontece segundo criteacuterios que satildeo determinados pelo saber mas
tambeacutem essencialmente acompanhados da dimensatildeo sensiacutevel de percepccedilatildeo da vida e de si
mesmo em fluxos de intensidades contiacutenuas entre sujeitos que atuam na construccedilatildeo de
determinada realidade social O desejo como nuacutecleo propulsor dessa produccedilatildeo social daacute
forma agrave subjetividade como expressatildeo de singularidades Isto eacute um modo singular de
perceber e atuar no mundo em um determinado tempo e espaccedilo podendo modificar-se o
tempo todo Aleacutem disso um mesmo sujeito pode expressar vaacuterias singularidades dependendo
do tempo-espaccedilo em que estaacute vivenciando e dos fatores que estimulam o afeto interpessoal
aos quais estaacute exposto (FRANCO MERHY 2014)
Esse sujeito insere-se na micropoliacutetica do cotidiano de trabalho
entendida como um cenaacuterio de disputa de distintas forccedilas instituintes desde forccedilas nos modos
de produccedilatildeo ateacute as que se apresentam nos processos imaginaacuterios e desejantes e no campo do
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 38
conhecimento que os ldquohomens em accedilatildeordquo constituem (MERHY 2007) As relaccedilotildees
micropoliacuteticas podem ser tanto profissional-usuaacuterio quanto profissional-profissional Aleacutem
dessa interseccedilatildeo humano-humano o que eacute natildeo humano tem elevada importacircncia na
assistecircncia ciruacutergica A categoria meacutedica tem sob seu comando a maior parte dos agentes natildeo
humanos de tecnologias duras como o bisturi e o eletrocauteacuterio enquanto os demais
profissionais ficam com a responsabilidade de repassar esses instrumentos ao cirurgiatildeo o que
constroacutei uma hierarquia entre as profissotildees
As relaccedilotildees assimeacutetricas de poder entre os profissionais dificultam a colaboraccedilatildeo entre
os vaacuterios trabalhadores que dificilmente eacute respeitada no modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede voltada
para o procedimento e que valoriza sobremaneira o ato meacutedico (MALTA MERHY 2010)
Eacute necessaacuterio entatildeo para garantir o desenvolvimento contiacutenuo e a motivaccedilatildeo dos
profissionais promover o envolvimento e a gestatildeo participativa dos serviccedilos a atuaccedilatildeo dos
usuaacuterios e suas famiacutelias no planejamento e avaliaccedilatildeo da assistecircncia assim como o trabalho em
equipe e a educaccedilatildeo no trabalho (MATOS PIRES 2006)
Assim entende-se que a assistecircncia ciruacutergica segura envolve muacuteltiplas accedilotildees
desenvolvidas por atores humanos e natildeo humanos que compotildee a rede intra-hospitalar e se
inserem em um contexto com dimensotildees objetivas e subjetivas desde o preacute-operatoacuterio
perpassando o transoperatoacuterio ateacute o poacutes-operatoacuterio conforme mostrado na Figura 1 a seguir
Figura 1 Representaccedilatildeo da assistecircncia ciruacutergica segura
Fonte Elaborado pela autora
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 39
Caminho percorrido
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 40
3 CAMINHO PERCORRIDO
O meacutetodo como caminho ensaio gerativo e estrateacutegia bdquopara‟ e bdquodo‟ pensamento O
meacutetodo como atividade pensante do sujeito vivente natildeo-abstrato Um sujeito
capaz de aprender inventar e criar bdquoem‟ e bdquodurante‟ o seu caminho (MORIN
CIURANA MOTTA 2003 p18)
31 Tipo de estudo
Trata-se de um estudo de caso de abordagem qualitativa Optou-se por esta
modalidade por entender que diante da natureza complexa do objeto de estudo qual seja a
assistecircncia segura no perioperatoacuterio os objetivos propostos somente seriam atingidos por
meio de um meacutetodo que permitisse uma anaacutelise intensiva do contexto do fenocircmeno para
compreender sua multidimensionalidade configurada pela singularidade dos diversos atores
envolvidos
Nessa perspectiva utilizou-se o estudo de caso por se tratar de um delineamento de
pesquisa que permite analisar em profundidade o grupo a organizaccedilatildeo ou o fenocircmeno
considerando suas muacuteltiplas dimensotildees (GIL 2009) e a abordagem qualitativa por estar
relacionada aos significados atribuiacutedos pelas pessoas aos fenocircmenos a partir de suas
experiecircncias do mundo social e de como compreendem este mundo buscando interpretar as
situaccedilotildees em seus ambientes naturais em vez de ambientes artificiais ou experimentais
oferecendo assim subsiacutedios pertinentes aos pesquisadores que estudam a atenccedilatildeo agrave sauacutede e
os serviccedilos de sauacutede (POPE MAYS 2009)
A utilizaccedilatildeo da abordagem qualitativa neste estudo justifica-se por considerar que as
dimensotildees que promovem a seguranccedila ciruacutergica estatildeo presentes no cotidiano de trabalho dos
profissionais que compotildeem os pontos de atenccedilatildeo da rede intra-hospitalar e ultrapassam a
objetividade da aplicaccedilatildeo de instrumentos como o checklist de cirurgia segura recomendado
pela Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) Eacute necessaacuteria uma abordagem que apreenda a
subjetividade que permeia o contexto das relaccedilotildees interprofissionais para inclusive aplicar o
checklist ou outra ferramenta para a melhoria da qualidade e verificar como esses
profissionais percebem o fenocircmeno da seguranccedila ciruacutergica
A abordagem qualitativa permite uma aproximaccedilatildeo da realidade incorporando a
questatildeo do significado e da intencionalidade como inerentes aos atos relaccedilotildees e estruturas
sociais (MINAYO 2014) Possibilita tambeacutem a compreensatildeo de fenocircmenos complexos
trabalhando um universo de significados manifestaccedilotildees ocorrecircncias motivos fatos eventos
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 41
vivecircncias ideias sentimentos aspiraccedilotildees crenccedilas valores e atitudes em busca da
compreensatildeo da realidade humana vivida socialmente (TURATO 2005 MINAYO 2014
TRIVINtildeOS 1987)
O meacutetodo de estudo de caso que eacute a modalidade de investigaccedilatildeo escolhida para esta
pesquisa vem sendo utilizado em pesquisas tanto em disciplinas tradicionais como a
psicologia e a antropologia quanto nas aacutereas com orientaccedilatildeo praacutetica como administraccedilatildeo
puacuteblica ciecircncia poliacutetica trabalho social educaccedilatildeo e enfermagem (YIN 2015) Independente
do campo que o utiliza a necessidade da pesquisa de estudo de caso surge do desejo de
compreender fenocircmenos sociais complexos e contemporacircneos inseridos em contextos reais
sejam eles individuais organizacionais sociais poliacuteticos ou de grupos (YIN 2015)
Satildeo diversas as definiccedilotildees e autores que versam sobre estudo de caso na literatura
Robert K Yin tem se destacado sendo considerado um dos mais ceacutelebres autores no campo
de estudos de caso (GIL 2009) A definiccedilatildeo apresentada recentemente por Yin (2015) vem
sendo desenvolvida desde 1981 e reflete uma visatildeo em duas partes dos estudos de caso A
primeira inicia-se com o escopo do estudo e a segunda parte da definiccedilatildeo surge devido ao
fato de que o fenocircmeno e o contexto natildeo satildeo faacuteceis de distinguir nas situaccedilotildees do mundo real
1 ndash O estudo de caso eacute uma investigaccedilatildeo empiacuterica que investiga um fenocircmeno
contemporacircneo (o ldquocasordquo) em profundidade e em seu contexto de mundo real
especialmente quando os limites entre o fenocircmeno e o contexto natildeo estatildeo
claramente evidentes 2 ndash A investigaccedilatildeo do estudo de caso enfrenta a situaccedilatildeo
tecnicamente diferenciada em que existiratildeo muito mais variaacuteveis de interesse do
que pontos de dados e como resultado conta com muacuteltiplas fontes de evidecircncia
com os dados precisando convergir de maneira triangular e como outro
resultado beneficia-se do desenvolvimento anterior das proposiccedilotildees teoacutericas para
orientar a coleta e anaacutelise de dados (YIN 2015 p 17-18)
Essa definiccedilatildeo em duas partes ndash abarcando o escopo e as caracteriacutesticas desse meacutetodo
ndash mostra a abrangecircncia do estudo de caso e como ele conserva as caracteriacutesticas holiacutesticas e
significativas dos acontecimentos da vida real (YIN 2015) analisando as inter-relaccedilotildees entre
as variaacuteveis para promover o entendimento do caso o mais completo e profundo possiacutevel
Procedeu-se nessa pesquisa a utilizaccedilatildeo do estudo de caso descritivo que caracteriza o
fenocircmeno dentro de seu contexto como um caso uacutenico pois visa captar e reter uma
perspectiva holiacutestica das circunstacircncias e das condiccedilotildees de uma situaccedilatildeo diaacuteria ou de um lugar
comum (YIN 2015)
Desse modo justifica-se a utilizaccedilatildeo do meacutetodo de estudo de caso nesta pesquisa uma
vez que a compreensatildeo da percepccedilatildeo dos profissionais sobre a promoccedilatildeo de cirurgias seguras
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 42
eacute construiacuteda pelo cotidiano do proacuteprio trabalho desses profissionais dentro da rede intra-
hospitalar De acordo com Pereira Godoy e Terccedilariol (2009) o estudo de caso alarga a visatildeo
do fenocircmeno por apreender o indiviacuteduo em sua integridade e em seu contexto Os
profissionais da pesquisa compotildeem um grupo que embora em diversas funccedilotildees e
responsabilidades partilha do mesmo contexto e suas accedilotildees representam o retrato do
atendimento ciruacutergico real que eacute complexo e permeado de eventos significativos para o
entendimento da seguranccedila dos pacientes Nesse sentido a estrateacutegia de estudo de caso
permite a anaacutelise da dinacircmica dos processos em sua complexidade o que estabelece sua
condiccedilatildeo especiacutefica de contribuiccedilatildeo agrave construccedilatildeo do conhecimento (PEREIRA GODOY
TERCcedilARIOL 2009)
Ademais a utilizaccedilatildeo do estudo de caso se mostra apropriada tambeacutem por se tratar de
um fenocircmeno muito discutido na contemporaneidade e por responder agraves perguntas
relacionadas a como ocorre determinado fenocircmeno natildeo exigindo controle dos eventos
comportamentais (YIN 2015) o que induz tambeacutem ao uso da abordagem qualitativa
A criacutetica mais frequente em se utilizar estudos de caso e abordagem qualitativa refere-
se a natildeo possibilidade de generalizaccedilatildeo A abordagem qualitativa considera as limitaccedilotildees
metodoloacutegicas de generalizaccedilatildeo tendo a preocupaccedilatildeo maior com o aprofundamento e
abrangecircncia da compreensatildeo do objeto estudado (MINAYO 2014) A autora chama a atenccedilatildeo
para o fato de natildeo usar o meacutetodo qualitativo como uma alternativa agraves abordagens
quantitativas mas pensaacute-lo no sentido do aprofundamento do caraacuteter social sendo que o
meacutetodo quantitativo o apreende de forma parcial e inacabado Os estudos de caso segundo
Yin (2015) assim como estudos experimentais satildeo generalizaacuteveis agraves proposiccedilotildees teoacutericas e
natildeo agraves populaccedilotildees ou aos universos O estudo de caso como o experimento natildeo representa
uma ldquoamostragemrdquo e sim uma oportunidade de lanccedilar luz empiacuterica sobre conceitos ou
princiacutepios teoacutericos sendo sua meta expandir e generalizar teorias (generalizaccedilatildeo analiacutetica) e
natildeo inferir probabilidade enumerando as frequecircncias ocorridas (generalizaccedilatildeo estatiacutestica)
(YIN 2015)
Segundo Pereira Godoy e Terccedilariol (2009) para assegurar a condiccedilatildeo de
cientificidade do estudo de caso eacute essencial considerar diversos aspectos que podem
constituir pontos fraacutegeis sendo particularmente a seleccedilatildeo dos casos a coleta e o registro de
dados sua anaacutelise e a interpretaccedilatildeo bem como o planejamento e o preparo do pesquisador
Assim a elaboraccedilatildeo de estudos de caso exige o cumprimento de cinco componentes
essenciais conforme descrito por Yin (2015)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 43
1) Questotildees do estudo de caso o meacutetodo eacute indicado para responder agraves perguntas como e
por que de eventos contemporacircneos onde os comportamentos natildeo podem ser
manipulados Eacute importante utilizar-se da literatura disponiacutevel de forma que o pesquisador
estreite seu interesse a um ou dois toacutepicos-chave analise estudos-chave para identificar
questotildees novas ou lacunas para futuras pesquisas e outros estudos que sugira ou aperfeiccediloe
as questotildees propostas pelo pesquisador (YIN 2015)
2) Proposiccedilotildees o estudo de caso demanda um problema que necessite de uma compreensatildeo
holiacutestica sobre um evento ou uma situaccedilatildeo usando a loacutegica indutiva que eacute do particular ou
do especiacutefico para o geral (YIN 2015)
3) Unidade(s) de anaacutelise eacute aquilo que seraacute examinado dentro do escopo do trabalho
Contribui para identificar onde procurar evidecircncias relevantes uma vez que eacute impossiacutevel
estudar todos os aspectos de um fenocircmeno (YIN 2015) Neste estudo delimitou-se a
seguinte unidade de anaacutelise a seguranccedila no perioperatoacuterio por meio da percepccedilatildeo de
profissionais que atuam direta e indiretamente no ato anesteacutesico-ciruacutergico e a relaccedilatildeo que
estes estabelecem no cotidiano de trabalho de um hospital puacuteblico sendo este tambeacutem o
ldquocasordquo a ser estudado
4) A loacutegica que une os dados agraves proposiccedilotildees indica a vinculaccedilatildeo dos dados agraves proposiccedilotildees
ou seja antecipando-se os passos da anaacutelise de dados com a coleta dos dados necessaacuterios
Os dados natildeo podem ser em demasia a ponto de natildeo serem utilizados na anaacutelise e tambeacutem
natildeo devem ser escassos o que impediria a aplicaccedilatildeo da teacutecnica analiacutetica (YIN 2015) Os
dados foram submetidos agrave anaacutelise de conteuacutedo
5) Criteacuterios para interpretar as constataccedilotildees em pesquisas quantitativas as estimativas
estatiacutesticas servem como criteacuterios para interpretar os resultados Uma alternativa para os
estudos de caso que natildeo utilizam a estatiacutestica eacute identificar e abordar as explicaccedilotildees rivais
para os achados Os resultados se tornam mais fortes dependendo de quanto mais
explicaccedilotildees rivais tiveram sido abordadas e rejeitadas (YIN 2015)
32 Cenaacuterio do estudo
A escolha do hospital baseou-se nos seguintes criteacuterios definidos 1) estar localizado
em Belo Horizonte pela facilidade de acesso ser hospital de referecircncia para o estado aleacutem de
o municiacutepio ser poacutelo da Regiatildeo Ampliada de Sauacutede (macrorregiatildeo) Centro de Minas Gerais
exercendo uma forccedila de atraccedilatildeo da populaccedilatildeo de outros municiacutepios em razatildeo de sua
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 44
capacidade e de seu potencial de equipamentos urbanos e fixaccedilatildeo de recursos humanos
especializados (MINAS GERAIS 2010) (2) quantidade de cirurgias realizadas no periacuteodo de
2009 a 2013 periacuteodo que contemplava os uacuteltimos cinco anos quando se deu a escolha do
cenaacuterio de estudo na fase de projeto de pesquisa (3) ser puacuteblico e (4) ter accedilotildees
implementadas de cirurgia segura conforme recomendaccedilotildees da OMS haacute pelo menos um ano
O Quadro 2 a seguir apresenta esses criteacuterios
Quadro 2 Criteacuterios para escolha dos cenaacuterios de pesquisa Belo Horizonte 2013
Hospitais Cirurgias realizadas
de 2008 a 2012
Hospital puacuteblico
(100 SUS)
Accedilotildees em Cirurgia Segura de acordo com
a Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede
A 67001 natildeo Natildeo possui
B 48422 sim Iniciado em 2013 mas interrompido devido a
problemas de recursos humanos
C 42785 sim Iniciada em 01092010
D 38235 sim Natildeo possui
E 37155 natildeo Natildeo possui
F 31464 sim Iniciada em 14052010
G 23602 natildeo Natildeo possui
H 22939 sim Natildeo possui
() Natildeo identificado para preservar o anonimato () Fonte Ministeacuterio da Sauacutede - Sistema de Informaccedilotildees Hospitalares do
SUS (SIHSUS) Pesquisa realizada em outubro de 2013 () Fonte Cadastro Nacional de Estabelecimento de Sauacutede
(CNES) Pesquisa realizada em outubro de 2013 () Fonte Informaccedilatildeo por telefone dada pelo coordenador dos Centros
Ciruacutergicos dos hospitais em novembro de 2013
O hospital C natildeo conseguiu visualizar o projeto de pesquisa na Plataforma Brasil
Foram realizados vaacuterios contatos com a instituiccedilatildeo e com a equipe da Plataforma Brasil sem
soluccedilatildeo do problema
O hospital F foi o cenaacuterio deste estudo e tem por caracteriacutestica a assistecircncia a
pacientes de urgecircncia cliacutenica e ciruacutergica traumatoloacutegica e natildeo traumatoloacutegica de uma
populaccedilatildeo de cerca de 11 milhatildeo de habitantes no eixo norte da Regiatildeo Metropolitana de
Belo Horizonte englobando os municiacutepios de Ribeiratildeo das Neves Vespasiano Santa Luzia
Pedro Leopoldo Matozinhos Confins Esmeraldas Jaboticatubas e Satildeo Joseacute da Lapa Iniciou
seu funcionamento em junho de 2006 mediante convecircnio com a Secretaria de Estado de
Sauacutede de Minas Gerais (SESMG) Desde 2008 apoacutes avaliaccedilatildeo da Comissatildeo de
Certificadores dos Ministeacuterios da Sauacutede e da Educaccedilatildeo foi considerado um hospital de ensino
O Quadro 3 apresenta o quantitativo de leitos do hospital cenaacuterio deste estudo
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 45
Quadro 3 Distribuiccedilatildeo dos leitos do hospital cenaacuterio do estudo (2015)
Descriccedilatildeo dos Leitos Quantidade
Especialidade Ciruacutergica
Ortopedia traumatologia 35
Cirurgia geral 94
Especialidade Cliacutenica
Cliacutenica geral 150
Neonatologia 4
Complementar
UTI Adulto - Tipo II 35
UTI Neonatal - Tipo II 4
Unidade de Cuidados Intermediaacuterios Neonatal Canguru 2
Unidade de Cuidados Intermediaacuterios Neonatal Convencional 4
Obsteacutetrico
Obstetriacutecia ciruacutergica 21
Obstetriacutecia cliacutenica 7
Pediaacutetrico
Pediatria cliacutenica 12
Total geral 368
Fonte CNES (2015)
O modelo de gestatildeo do hospital estudado eacute por linhas de cuidado e apoio nas quais se
pautam a organizaccedilatildeo do hospital Dentro da linha de cuidado ciruacutergico em 2010 foi
implantado o checklist de cirurgia segura Neste ano tambeacutem o Nuacutecleo de Gestatildeo da
Qualidade (NGQ) foi reformulado e passou a reunir profissionais de diversas aacutereas do hospital
que discutem e realizam accedilotildees voltadas para a qualidade dos processos internos da instituiccedilatildeo
33 Participantes do estudo
Os participantes da pesquisa satildeo membros da equipe multiprofissional que atuam no
Centro Ciruacutergico (CC) e nas unidades assistenciais e de apoio agrave assistecircncia ciruacutergica A maior
parte foi selecionada de forma aleatoacuteria por meio de sorteio No entanto outros participantes
foram intencionalmente escolhidos por exercer alguma funccedilatildeo especiacutefica de interesse ao escopo
do estudo e ainda alguns profissionais foram indicados pelos participantes durante as
entrevistas A escolha de diferentes categorias e locais de atuaccedilatildeo dos profissionais decorreu do
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 46
fato de se buscar diversos acircngulos para uma anaacutelise aprofundada por meio da percepccedilatildeo dos
profissionais que atuavam direta e indiretamente na realizaccedilatildeo do ato ciruacutergico
A questatildeo ldquoquantosrdquo tem importacircncia secundaacuteria em relaccedilatildeo agrave questatildeo ldquoquemrdquo quando
se trata de amostras intencionais como na proposta deste estudo Natildeo eacute a quantidade de seus
elementos o fator mais relevante e sim a forma como se concebe a representatividade desses
elementos e a qualidade das informaccedilotildees provenientes desses Natildeo houve delimitaccedilatildeo a priori
do nuacutemero de entrevistados A base para encerrar as entrevistas obedeceu ao criteacuterio de
saturaccedilatildeo de dados A saturaccedilatildeo eacute uma ferramenta utilizada para estabelecer ou fechar o
tamanho da amostra (FONTANELLA RICAS TURATO 2008) quando as informaccedilotildees
coletadas se tornam repetitivas
Os criteacuterios de inclusatildeo utilizados foram atuar no hospital por no miacutenimo um ano e
trabalhar no CC e em unidades assistenciais e de suporte ao ato ciruacutergico Para os profissionais
que ocupam cargos de chefia foram entrevistados os que estavam em exerciacutecio independente do
tempo haja vista a rotatividade nestes cargos O criteacuterio de exclusatildeo foi estar de feacuterias licenccedila
ou se recusar a participar da pesquisa Assim participaram da pesquisa 32 profissionais de
diferentes categorias e setores de atuaccedilatildeo Destes 660 satildeo do sexo feminino e 340 do sexo
masculino A meacutedia da idade dos entrevistados foi de 36 anos variando de 21 e 58 anos O
tempo meacutedio de trabalho no hospital foi de 46 anos variando entre um ano e 16 anos Entre os
profissionais 500 declararam ter outro viacutenculo empregatiacutecio
Os participantes da pesquisa trabalham em sistema de plantotildees 875 no diurno e
220 no noturno sendo que alguns trabalham nos dois turnos e outros sem padratildeo de horaacuterio
como aqueles em cargo de chefia que apesar de trabalharem mais durante o dia relatam natildeo ter
horaacuterio fixo de trabalho Todos foram contratados no regime celetista pela Consolidaccedilatildeo das
Leis do Trabalho (CLT)
A escolaridade variou de niacutevel meacutedio a mestrado sendo que 63 tecircm ateacute o niacutevel meacutedio
340 realizaram um curso teacutecnico alguns estatildeo fazendo tecnoacutelogo ou graduaccedilatildeo e 594 tecircm
formaccedilatildeo superior Destes com graduaccedilatildeo 219 realizaram residecircncia 281 alguma
especializaccedilatildeo 187 mestrado Havia um profissional com doutoramento em curso A maior
parte dos participantes da pesquisa foi de profissionais da equipe de enfermagem (469 de
enfermeiros e teacutecnicos de enfermagem) seguidos da categoria meacutedica (219 de cirurgiotildees e
anestesiologistas) e 126 de instrumentadores e farmacecircuticos As demais categorias
representaram 190 do total de profissionais
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 47
Os participantes da pesquisa foram agrupados em Grupo 1 profissionais que atuam
internamente na sala operatoacuteria durante o intraoperatoacuterio e diretamente na assistecircncia ciruacutergica
ao paciente e Grupo 2 profissionais que tecircm um papel importante para a realizaccedilatildeo da
assistecircncia ciruacutergica mas seu locus de atuaccedilatildeo natildeo eacute a sala operatoacuteria do CC no intraoperatoacuterio
tendo portanto um papel indireto na assistecircncia ciruacutergica ao paciente
Entre os participantes do Grupo 1 foram escolhidos por meio de sorteio cirurgiotildees
anestesiologistas enfermeiros teacutecnicos de enfermagem e instrumentadores Intencionalmente
foi escolhido o profissional enfermeiro responsaacutevel pelo preenchimento do checklist de cirurgia
segura e o coordenador meacutedico da linha de cuidados ciruacutergicos que tambeacutem realiza cirurgias na
instituiccedilatildeo No decorrer das entrevistas houve indicaccedilatildeo dos profissionais para incluir na
pesquisa o meacutedico e a enfermeira que implantaram o checklist na instituiccedilatildeo Essa
recomendaccedilatildeo foi atendida
Os participantes do Grupo 2 foram escolhidos intencionalmente por exercerem cargos
especiacuteficos em unidades assistenciais e de suporte ao ato ciruacutergico coordenador de enfermagem
da linha de cuidados ciruacutergicos enfermeiro coordenador da Central de Material de Esterilizaccedilatildeo
(CME) responsaacutevel pelo setor de qualidade teacutecnico responsaacutevel pela manutenccedilatildeo dos
equipamentos enfermeiro da Comissatildeo de Controle de Infecccedilatildeo Hospitalar (CCIH) responsaacutevel
pela aacuterea ciruacutergica responsaacutevel pelo laboratoacuterio profissional com funccedilatildeo de coordenaccedilatildeo no
Centro de Terapia Intensiva (CTI) Aleatoriamente foram escolhidos secretaacuteria do CC auxiliar
de serviccedilos gerais teacutecnico de enfermagem da Central de Material de Esterilizaccedilatildeo teacutecnico do
banco de sangue enfermeiro supervisor da unidade de internaccedilatildeo ciruacutergica enfermeiro de
especialidade da cirurgia teacutecnico que atua na farmaacutecia sateacutelite do CC e teacutecnico de radiologia
As entrevistas foram realizadas de acordo com a disponibilidade dos profissionais Estatildeo
identificadas de acordo com a sequencia em que foram realizadas pela letra ldquoErdquo (de entrevista)
seguida da letra ldquodrdquo quando diretamente envolvido no intraoperatoacuterio ao paciente aqueles do
Grupo 1 ou letra ldquoirdquo quando indiretamente envolvido na assistecircncia ciruacutergica que fazem parte
do Grupo 2 Apoacutes essa sequecircncia o nuacutemero da entrevista Exemplos Ei1 Ei2 Ei3 Ed4 Ed32
34 Coleta de dados
A coleta de dados foi realizada no periacuteodo de 14 de maio a 17 de julho de 2014 e para
o alcance dos objetivos propostos foi executada em duas fases que se complementaram para
entender o fenocircmeno pesquisado
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 48
Primeira fase observaccedilatildeo direta A observaccedilatildeo foi realizada pela pesquisadora e por
uma acadecircmica de enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
Observou-se no miacutenimo um procedimento ciruacutergico de cada especialidade incluindo
cirurgias eletivas de urgecircncia e de emergecircncia Foi realizado acompanhamento da
transferecircncia de pacientes do CC para outro setor (centro de terapia intensiva e unidade de
internaccedilatildeo ciruacutergica) As observaccedilotildees incluiacuteram turnos da manhatilde tarde e noite em dias uacuteteis
e em finais de semana do dia 14 de maio a 3 de junho de 2014 Durante as observaccedilotildees foi
utilizado o diaacuterio de campo que segundo Minayo (2014) deve conter informaccedilotildees que natildeo
sejam o registro das entrevistas formais Isto eacute observaccedilotildees sobre conversas informais
comportamentos cerimoniais festas gestos e expressotildees que digam respeito ao tema da
pesquisa Aleacutem de falas comportamentos haacutebitos usos costumes e celebraccedilotildees que
compotildeem as representaccedilotildees sociais que foram utilizadas para enriquecimento da anaacutelise
Segunda fase entrevistas em profundidade com os participantes da pesquisa
utilizando roteiro semiestruturado (Apecircndice II) para compreender a seguranccedila ciruacutergica por
meio da perspectiva de profissionais que vivenciam o cotidiano de trabalho do hospital Foi
solicitado ao final da entrevista que os entrevistados narrassem uma situaccedilatildeo em que ocorreu
um incidente e como foi vivenciar a experiecircncia e a abordagem institucional frente ao
incidente Dessa forma pretendeu-se natildeo incorrer nas armadilhas da coleta de dados
padronizada natildeo recomendada em estudos qualitativos O instrumento foi aplicado para teste e
adaptaccedilatildeo sendo adaptado apoacutes a entrevista
As entrevistas foram realizadas individualmente e gravadas mediante autorizaccedilatildeo dos
participantes que assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)
(Apecircndice I) Foi realizado contato preacutevio com os profissionais explicando os objetivos da
pesquisa e feito o convite para participar do estudo Para os profissionais que aceitaram foi
marcada a data e o horaacuterio Os locais para realizaccedilatildeo das entrevistas foram os espaccedilos do
hospital como salas operatoacuterias vazias sem atendimento ao paciente no momento da
entrevista espaccedilo dentro da farmaacutecia sateacutelite do CC sala de reuniatildeo da diretoria e do setor de
informaacutetica e salas de aula do Nuacutecleo de Ensino Pesquisa e Extensatildeo (NEPE)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 49
35 Anaacutelise dos dados
Os dados foram analisados com base no referencial de Bardin (2008) empregando-se a
teacutecnica da anaacutelise de conteuacutedo temaacutetica tendo em vista a anaacutelise dos ldquosignificadosrdquo
pronunciados pelos entrevistados da pesquisa no que se refere agrave cirurgia segura A anaacutelise de
conteuacutedo proposta por Bardin (2008) se configura como
[] um conjunto de teacutecnicas de anaacutelise das comunicaccedilotildees visando obter por
procedimentos sistemaacuteticos e objetivos de descriccedilatildeo do conteuacutedo das mensagens
indicadores (quantitativos ou natildeo) que permitam a inferecircncia de conhecimentos
relativos agraves condiccedilotildees de produccedilatildeorecepccedilatildeo (variaacuteveis inferidas) destas mensagens
(BARDIN 2008 p44)
O aspecto individual e atual da linguagem a praacutetica da liacutengua realizada por emissores
identificaacuteveis ndash a fala ndash eacute o objeto da anaacutelise de conteuacutedo Esta por trabalhar com a fala e com
as significaccedilotildees possibilita conhecer o que estaacute por traacutes das palavras e sobre as quais se
debruccedila Ou seja eacute uma busca de outras realidades mediante as mensagens emitidas (BARDIN
2008) e se propotildee a apreender tanto uma realidade visiacutevel quanto uma invisiacutevel que pode ser
percebida apenas nas ldquoentrelinhasrdquo do texto (CAVALCANTE CALIXTO PINHEIRO 2014)
A escolha da anaacutelise de conteuacutedo neste estudo pode ser elucidada pela necessidade de
superar as incertezas dos pressupostos pela necessidade de enriquecer a leitura por meio da
compreensatildeo das significaccedilotildees e pela necessidade de desvelar as relaccedilotildees que se estabelecem
aleacutem das falas propriamente ditas (CAVALCANTE CALIXTO PINHEIRO 2014) Em termos
de aplicaccedilatildeo praacutetica esse meacutetodo permite
[] o acesso a diversos conteuacutedos expliacutecitos ou natildeo presentes em um texto sejam eles
expressos na axiologia subjacente ao texto analisado implicaccedilatildeo do contexto poliacutetico
nos discursos exploraccedilatildeo da moralidade de dada eacutepoca anaacutelise das representaccedilotildees
sociais sobre determinado objeto inconsciente coletivo em determinado tema
repertoacuterio semacircntico ou sintaacutetico de determinado grupo social ou profissional anaacutelise
da comunicaccedilatildeo cotidiana seja ela verbal ou escrita entre outros (OLIVEIRA 2008
p570)
Contudo a variedade de conceitos e finalidades da anaacutelise de conteuacutedo tem tornado o
meacutetodo pouco claro e permitido sua utilizaccedilatildeo sem os cuidados metodoloacutegicos necessaacuterios para
uma boa praacutetica tendendo a desenvolvecirc-la como uma teacutecnica intuitiva e natildeo sistematizada
Assim para assegurar o valor cientiacutefico eacute necessaacuterio que os procedimentos utilizados na anaacutelise
de conteuacutedo atendam a algumas regras precisas (OLIVEIRA 2008) Nesse sentido foram
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 50
adotadas as fases da anaacutelise de conteuacutedo que segundo Bardin (2008) se organizam em torno de
trecircs poacutelos cronoloacutegicos primeira fase ndash preacute-anaacutelise segunda fase ndash exploraccedilatildeo do material ou
codificaccedilatildeo terceira fase - tratamento dos resultados inferecircncia e interpretaccedilatildeo
Primeira fase ndash preacute-anaacutelise nesta fase os materiais entrevistas e diaacuterio de campo
foram organizados no sentido de sistematizar as ideias iniciais Foi realizada a transcriccedilatildeo das
entrevistas e conferecircncia das mesmas confrontando as entrevistas transcritas agrave gravaccedilatildeo do
aacuteudio das entrevistas corrigindo palavras e pontuaccedilatildeo Apoacutes esse processo foram separados em
pastas os aacuteudios as entrevistas e os diaacuterios de campo retirando da transcriccedilatildeo todo nome que
pudesse identificar algum profissional da instituiccedilatildeo Esse material somado aos registros das
observaccedilotildees no diaacuterio de campo constituiu o corpus de anaacutelise desta pesquisa Foi feita entatildeo a
leitura flutuante deste corpus deixando-se impregnar pelos relatos Nessa etapa tambeacutem foram
retomados os objetivos e pressupostos iniciais desta pesquisa
Segunda fase ndash exploraccedilatildeo do material foi feita a leitura exaustiva das entrevistas e
realizadas operaccedilotildees de codificaccedilatildeo e categorizaccedilatildeo A codificaccedilatildeo foi o processo sistemaacutetico de
transformar e agrupar os dados brutos dos documentos em unidades de registros (unidade de
significaccedilatildeo) e unidades de contexto (unidade de compreensatildeo para codificar a unidade de
registro) Esses satildeo os elementos que compotildeem a mensagem ou seja satildeo palavras eou frases
que representaram determinadas partes das falas dos entrevistados e que permitiram uma
descriccedilatildeo das propriedades pertinentes aos conteuacutedos Isso viabilizou a definiccedilatildeo dos temas
dado que se adotou a anaacutelise temaacutetica ou seja cada tema foi composto por um conjunto de
unidade de registro Assim a anaacutelise temaacutetica consistiu em descobrir os nuacutecleos de sentido que
compotildeem a mensagem que tiveram aderecircncia ao objetivo analiacutetico estudado (BARDIN 2008)
A categorizaccedilatildeo consistiu na classificaccedilatildeo e agrupamento dos temas em razatildeo das
caracteriacutesticas comuns para permitir a organizaccedilatildeo das mensagens Vaacuterios satildeo os criteacuterios de
categorizaccedilatildeo mencionados por Bardin (2008) Neste estudo optou-se pela anaacutelise temaacutetica
Foram seguidas quatro regras importantes relatadas por Bardin (2008) a saber (1) os
dados foram classificados homogeneamente mantendo o cuidado de natildeo se misturar temas
aparentemente semelhantes (2) o texto foi exaustivamente decomposto esgotando suas
informaccedilotildees (3) um mesmo elemento foi classificado sempre na mesma categoria e (4) os
dados retirados das entrevistas foram alinhados ao conteuacutedo teoacuterico da pesquisa e aos objetivos
Terceira fase ndash tratamentos dos resultados inferecircncia e interpretaccedilatildeo os dados
brutos foram tratados de maneira a serem significativos e vaacutelidos Assim foram realizadas
inferecircncias e interpretaccedilatildeo dos dados de acordo com os objetivos e descobertas inesperadas e agrave
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 51
luz da literatura Foram utilizados dentre outros alguns dos conceitos da teoria do ator-rede de
Bruno Latour e do pensamento complexo de Edgar Morin devido agrave complementariedade entre
elas para aprofundar a compreensatildeo do fenocircmeno estudado a partir dos achados da pesquisa
sem no entanto esgotar estes referenciais teoacutericos As observaccedilotildees registradas no diaacuterio de
campo tambeacutem foram utilizadas nesse processo como forma de enriquecimento da anaacutelise
Ressalta-se ainda que o contexto da mensagem eacute fundamental na anaacutelise de conteuacutedo
natildeo soacute ele mas o contexto exterior a este em que condiccedilotildees de produccedilatildeo foi evocada aquela
mensagem ou seja quem eacute que fala a quem e em que circunstacircncias (BARDIN 2008) Nesse
sentido requer uma preacute-compreensatildeo do ser suas manifestaccedilotildees suas interaccedilotildees com o
contexto e requer um olhar meticuloso do investigador (CAVALCANTE CALIXTO
PINHEIRO 2014) Assim a vivecircncia que se teve no campo de pesquisa foi importante para a
aproximaccedilatildeo com a realidade do fazer ldquoa assistecircncia ciruacutergicardquo no cenaacuterio de estudo ou seja
possibilitou interpretar as entrevistas de forma contextualizada contribuindo para a anaacutelise e
evidenciando a importacircncia da observaccedilatildeo
36 Aspectos eacuteticos da pesquisa
A pesquisa foi aprovada pela Cacircmara do Departamento de Enfermagem Aplicada da
Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais (ENAEEUFMG) pelo
Comitecirc de Eacutetica e Pesquisa do hospital sob o Parecer 072014 (natildeo foi anexado o documento
para assegurar o anonimato do hospital) e pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa da Universidade
Federal de Minas Gerais (COEPUFMG) sob o Parecer nordm 619723 em 16042014 e CAAE
28460314900005149 (Anexo I)
Este percurso visou assegurar procedimentos que garantam a confidencialidade e a
privacidade a proteccedilatildeo da imagem e a natildeo estigmatizaccedilatildeo dos participantes Assegurou-se
que as informaccedilotildees natildeo seratildeo usadas para prejudicar as pessoas eou comunidades inclusive
no que tange a autoestima prestiacutegio eou aspectos econocircmico-financeiros Aleacutem disso os
procedimentos natildeo ofereceram riscos agrave dignidade dos participantes viabilizando o princiacutepio
da natildeo maleficecircncia conforme estabelece a Resoluccedilatildeo nordm 466 de 2012 do Conselho Nacional
de Sauacutede (CNS) (BRASIL 2012a)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 52
Achados da pesquisa
x
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 53
4 APRESENTACcedilAtildeO E DISCUSSAtildeO DOS ACHADOS
Neste estudo o termo ldquocentro ciruacutergicordquo seraacute utilizado de acordo com a RDC ndeg
502002 que o define como ldquo[] a unidade destinada ao desenvolvimento de atividades
ciruacutergicas bem como agrave recuperaccedilatildeo poacutes-anesteacutesica e poacutes-operatoacuteria imediatardquo (ANVISA
2002 p 119) No entanto os profissionais se referem ao centro ciruacutergico tambeacutem como bloco
ciruacutergico e assim seraacute mantido nos depoimentos Os resultados da pesquisa foram agrupados
em trecircs categorias e suas respectivas subcategorias
Categoria 1 - Rede intra-hospitalar para o perioperatoacuterio em um hospital puacuteblico referecircncia
para urgecircncias e emergecircncias e de ensino
Centro ciruacutergico de um hospital referecircncia para urgecircncias e emergecircncias que lugar eacute
esse
Rede intra-hospitalar conexotildees para a seguranccedila ciruacutergica
Perioperatoacuterio entrelaccedilamento das trecircs fases para a cirurgia segura
Categoria 2 - Situaccedilotildees de seguranccedila e de inseguranccedila nos procedimentos ciruacutergicos
Cirurgia segura e cirurgia insegura imbricaccedilotildees de atores humanos e natildeo humanos
Onda Vermelha situaccedilatildeo de caos que salva vidas
Efeito borboleta pequenas accedilotildees podem resultar em grandes incidentes na assistecircncia
ciruacutergica
Abordagem institucional frente aos incidentes efeitos da cultura organizacional
Categoria 3 - Lista de verificaccedilatildeo de seguranccedila ciruacutergica da aparente simplicidade a real
complexidade
Lista de verificaccedilatildeo de seguranccedila ciruacutergica da implantaccedilatildeo aos dias atuais
Melhorias no uso do checklist de cirurgia segura
41 Rede intra-hospitalar para o perioperatoacuterio em um hospital puacuteblico referecircncia para
urgecircncias e emergecircncias e de ensino
O conhecimento natildeo eacute um espelho das coisas ou do mundo externo Todas as
percepccedilotildees satildeo ao mesmo tempo traduccedilotildees e reconstruccedilotildees cerebrais com base em
estiacutemulos ou sinais captados e codificados pelos sentidos (MORIN 2000 p20)
Essa primeira categoria estaacute divida em trecircs subcategorias (411) centro ciruacutergico de
um hospital de urgecircncias e emergecircncias que lugar eacute esse (412) rede intra-hospitalar
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 54
conexotildees para a seguranccedila ciruacutergica e (413) perioperatoacuterio entrelaccedilamento das trecircs fases
para a cirurgia segura Essas subcategorias tratam respectivamente da percepccedilatildeo dos
profissionais participantes desta pesquisa sobre o centro ciruacutergico em que atuam de como se
configura a conexatildeo dos pontos de atenccedilatildeo da rede intra-hospitalar para a seguranccedila ciruacutergica
e das fases do perioperatoacuterio que correspondem ao preacute trans e poacutes-operatoacuterio
Emergiu dos relatos a pluralidade de percepccedilotildees e contradiccedilotildees tendo em vista que os
profissionais participantes da pesquisa estatildeo em diferentes posiccedilotildees e locais de atuaccedilatildeo
possuem experiecircncias profissionais niacuteveis de identificaccedilatildeo organizacional e relaccedilotildees de poder
diferenciadas Aleacutem disso tambeacutem possuem desejos e metas pessoais o que confere ao
ambiente de trabalho uma significaccedilatildeo singular
Pretendeu-se nesta categoria fornecer informaccedilotildees para traduzir e reconstruir a
realidade da seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica e suas muacuteltiplas dimensotildees Assim natildeo foi
levada em consideraccedilatildeo a unidimensionalidade que mutila por buscar a disjunccedilatildeoreduccedilatildeo
para chegar agrave simplificaccedilatildeo Considerou-a como um sistema complexo
Nos sistemas complexos dinacircmicos e natildeo lineares natildeo haacute pontos de equiliacutebrio e em
princiacutepio parecem ser aleatoacuterios e caoacuteticos Sistemas como o de sauacutede satildeo constituiacutedos por
muitos atores (meacutedicos enfermeiros pessoal teacutecnico e administrativo pacientes pagadores
gestores) que tendem a atuar em redes profissionais e sociais mas tambeacutem por interesses
proacuteprios diferentes e natildeo raro conflitantes Esses atores ganham cultura e experiecircncias que
mudam em funccedilatildeo do tempo adaptando-se em um processo de auto-organizaccedilatildeo e talvez o
mais importante natildeo apresentam pontos uacutenicos de controle ou seja ningueacutem estaacute de fato no
controle Consequentemente seratildeo sempre mais facilmente influenciaacuteveis em seu
comportamento do que moviacuteveis por controle direto (FRAGATA SOUSA SANTOS 2014)
411 Centro ciruacutergico de um hospital de urgecircncias e emergecircncias que lugar eacute esse
O hospital em que o Centro Ciruacutergico (CC) estaacute inserido constitui uma das portas de
entrada hospitalar de urgecircncia e emergecircncia da Rede de Atenccedilatildeo agraves Urgecircncias no acircmbito do
SUS A instituiccedilatildeo atende a uma populaccedilatildeo numerosa do Vetor Norte de Belo Horizonte e de
municiacutepios vizinhos Localiza-se em um ponto perifeacuterico do municiacutepio sendo o uacutenico
hospital da regiatildeo Somado ao porte do hospital e seu perfil de demanda espontacircnea para a
assistecircncia de urgecircncia e de emergecircncia ciruacutergica traumatoloacutegica e natildeo traumatoloacutegica o CC
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 55
se revela de grande relevacircncia na percepccedilatildeo dos entrevistados desta pesquisa tanto dos que
atuam internamente quanto dos que atuam externamente
[] o bloco daqui eacute extremamente importante por ser um hospital de urgecircncia
porta-aberta [] soacute tem esse hospital nessa regiatildeo neacute [] A importacircncia de
atender essa populaccedilatildeo extremamente extensa (Ed26)
[somos] referecircncia em trauma [] se natildeo houvesse o bloco o hospital natildeo
caminharia A importacircncia eacute imensuraacutevel Principalmente em uma grande cidade
como Belo Horizonte (Ed29)
O bloco ciruacutergico eacute um setor extremamente importante estrateacutegico (Ei23)
Os termos utilizados pelos entrevistados ao se referirem agrave importacircncia do CC
mostram o reconhecimento e o significado que atribuem a essa unidade ciruacutergica e tambeacutem ao
hospital Os profissionais mencionam o papel estrateacutegico dado pela localizaccedilatildeo e por ser o
uacutenico hospital da regiatildeo e o papel social por meio da assistecircncia prestada agrave populaccedilatildeo de
uma vasta aacuterea A importacircncia do CC eacute mencionada por autores como Gomes (2009) Souza
(2011) sendo considerado o setor de maior importacircncia ou o que atrai mais atenccedilatildeo pela
evidecircncia dos resultados dramaticidade das cirurgias importacircncia demonstrativa e didaacutetica e
principalmente pela accedilatildeo de cura dada aos procedimentos ciruacutergicos (BARRETO BARROS
2009) Haacute poucas descriccedilotildees sobre a importacircncia do CC especificamente em hospitais de
referecircncia para a assistecircncia de urgecircncia e de emergecircncia
As situaccedilotildees de urgecircncia e emergecircncia incluem casos em que o paciente necessita
muitas vezes do acesso a procedimentos ciruacutergicos imediatos pelo risco de morte Esse perfil
do hospital faz com que o CC se torne parte importante da instituiccedilatildeo um local que salva
vidas pelo tratamento adequado que se oferece nessas situaccedilotildees
Em um hospital de pronto socorro porta aberta o paciente jaacute chega direto para a
cirurgia caso de vida ou morte Chega aqui direto para poder ser tratado de forma
adequada e a gente vai salvar vidas neacute (Ed13)
[] uma importacircncia para o perfil dos pacientes Tem uma clientela mais de
pacientes viacutetimas de PAF [perfuraccedilatildeo por arma de fogo] essas coisas (Ei7)
A equipe multiprofissional do CC deve estar inserida no planejamento da assistecircncia
emergencial que se inicia na estrutura no levantamento de prioridades na organizaccedilatildeo e
preparo dos materiais e equipamentos aleacutem da responsabilizaccedilatildeo das accedilotildees de cada um dos
membros da equipe assistencial (CALIL et al 2010)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 56
O papel estrateacutegico pela localizaccedilatildeo do hospital e por ser o uacutenico da regiatildeo e afastado
da aacuterea hospitalar central eacute reforccedilado por ser considerada uma aacuterea de alto risco social
relacionada agrave violecircncia urbana O perfil dos pacientes atendidos tem como caracteriacutestica
principal o fato de que sua maioria eacute viacutetima da violecircncia Apesar da legislaccedilatildeo brasileira
(BRASIL 2001 2002a 2004 2006 2011a 2011b 2012b 2013a 2013b 2013c) para
prevenccedilatildeo e reduccedilatildeo da mortalidade por causas externas (atos relacionados agrave violecircncia e
acidentes) a taxa de mortalidade em razatildeo desse fenocircmeno aumentou 84 de 2001 para
2010 Em 2010 ocupou a terceira posiccedilatildeo entre as mortes da populaccedilatildeo total e a primeira
entre adolescentes e adultos jovens As agressotildees e acidentes de transporte terrestre foram
responsaacuteveis por 67 dos oacutebitos por causas externas A arma de fogo foi o meio utilizado em
mais da metade dos oacutebitos A maior proporccedilatildeo foi de indiviacuteduos do sexo masculino e adultos
de 20 a 39 anos (BRASIL 2012b)
Em Minas Gerais das 8387 internaccedilotildees por traumas em 2009 229 foram a oacutebito Do
total de ocorrecircncias 198 foram em pacientes entre 20 e 29 anos de idade (VIEIRA
MAFRA 2011) Esses dados em niacutevel nacional e estadual se assemelham aos dados do
hospital em estudo presentes em outra pesquisa na qual a maioria dos pacientes assistidos por
trauma eacute jovem do sexo masculino que sofreram agressotildees fiacutesicas acidentes com
motocicleta e perfuraccedilatildeo por arma de fogo (MARQUES GUEDES SIZENANDO 2010)
Essas ocorrecircncias satildeo denominadas ldquocausas externasrdquo e tecircm se apresentado como um
desafio para a agenda da sauacutede puacuteblica O desafio se inicia pelo fato do proacuteprio nome parecer
algo que estaacute externo agrave aacuterea da sauacutede ou a qualquer outra aacuterea como a social a econocircmica a
educacional ou a aacuterea da seguranccedila puacuteblica Ou seja as causas do problema da violecircncia satildeo
sempre externas a uma aacuterea de responsabilidade puacuteblica natildeo haacute responsabilidade exclusiva de
nenhum gestor Satildeo situaccedilotildees nas quais os problemas deveriam ser equacionados
intersetorialmente mas natildeo haacute o dialogo necessaacuterio e os serviccedilos de sauacutede continuam a
receber cotidianamente as consequecircncias da violecircncia e dos acidentes principalmente aqueles
serviccedilos que satildeo referecircncia para a assistecircncia de urgecircncias e de emergecircncias
Neste sentido a funccedilatildeo de um CC de um hospital referecircncia para urgecircncias e
emergecircncias eacute diferente da funccedilatildeo deste setor em hospitais de atendimento ciruacutergico eletivo
Os pacientes em algum momento do processo terapecircutico podem necessitar de intervenccedilatildeo
ciruacutergica
[] a pessoa jaacute entra direto para o CC pela onda Natildeo tem como natildeo ter o bloco
[] se fosse um hospital cliacutenico poderia natildeo existir (Ed32)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 57
[] nosso paciente em algum momento passa pelo bloco [] chega vai ser
estabilizado no bloco ir para o andar e depois retornar para o bloco para uma
intervenccedilatildeo mais completa Ou chega e vai direto para o bloco Ou sai daqui
[hospital] para casa para o ambulatoacuterio e aguarda o bloco (Ei30)
O entrevistado fala que o paciente entra direto ldquopela ondardquo isto significa que eacute um
paciente de emergecircncia com risco de morte que quando se daacute sua chegada ao hospital eacute tocada
uma sirene para alertar os profissionais sobre a necessidade de intervenccedilatildeo raacutepida Esse fluxo
eacute chamado de ldquoOnda Vermelhardquo ou simplesmente ldquoOndardquo
A ldquoOnda Vermelhardquo eacute um protocolo que foi criado como resultado da experiecircncia
adquirida ao longo dos anos pelos profissionais da urgecircncia que atendiam viacutetimas de traumas
graves que apresentavam alta mortalidade O CC eacute um ponto de atenccedilatildeo necessaacuterio para a
assistecircncia da maioria desses pacientes em estado de urgecircncia ou emergecircncia sejam os
pacientes que vecircm por demanda espontacircnea ou aqueles trazidos pelo Serviccedilo de Atendimento
Moacutevel de Urgecircncia (SAMU) poliacutecia militar ou serviccedilo de resgate do corpo de bombeiros Os
pacientes satildeo atendidos primeiro no pronto socorro (PS) nas salas denominadas ldquoPoli 9rdquo
(emergecircncias ciruacutergicas) e ldquoPoli 10rdquo (emergecircncias cliacutenicas) O paciente ciruacutergico eacute
encaminhado agrave sala operatoacuteria pelos profissionais do PS ou algumas vezes pelo profissional
do transporte sanitaacuterio que o trouxe e pode ser submetido a uma cirurgia para estabilizaccedilatildeo e
nova abordagem posterior ou uma cirurgia com intervenccedilatildeo definitiva Aleacutem disso o paciente
pode ser atendido no PS receber alta para acompanhamento no ambulatoacuterio e aguardar a
cirurgia em casa Aleacutem das urgecircncias agraves emergecircncias ciruacutergicas e agraves situaccedilotildees cliacutenicas de
demanda espontacircnea o hospital atende tambeacutem a pacientes eletivos e referenciados
Os diferentes perfis conformam o modo de acesso ao hospital e ao CC Isso exige
atenccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo e aos fluxos para o acesso efetivo do paciente o que muitas vezes
gera problemas no cotidiano de trabalho A acessibilidade eacute um atributo de qualidade
importante do sistema de sauacutede e da atenccedilatildeo agraves urgecircncias (GARLET et al 2009) E este
acesso deve ser organizado humanizado integral efetivo eficiente oportuno e seguro
O CC eacute comparado pelos entrevistados a oacutergatildeos vitais e deve estar funcionando a todo
o tempo para proporcionar vida ao hospital Eacute comparado tambeacutem agraves partes que satildeo visiacuteveis
no corpo do ser humano reforccedilando a visibilidade do CC Essas comparaccedilotildees permitem
visualizar a imagem que os profissionais tecircm do CC
Como o hospital eacute referecircncia em urgecircncia e emergecircncia em trauma eacute como se fosse
o coraccedilatildeo do hospital [] eacute onde vocecirc encaminha os pacientes graves [] Eacute um
setor que deve estar a todo o momento pronto para receber qualquer tipo de trauma
ou outra situaccedilatildeo cliacutenica ciruacutergica (Ei5)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 58
Eacute a cabeccedila do hospital eacute o lugar mais importante do hospital (Ei6)
[] noacutes [do CC] somos a cara aqui da frente do hospital neacute (Ed26)
O bloco eacute quase a menina dos olhos do hospital eacute onde tem perspectiva do
prognoacutestico e gera dinheiro no hospital onde a gente consegue mudar a terapecircutica
do paciente (Ed10)
As comparaccedilotildees do CC com partes vitais do ser humano ndash ldquocoraccedilatildeordquo e ldquocabeccedilardquo ndash e
com partes que satildeo visiacuteveis do corpo ndash ldquocarardquo e ldquomenina dos olhosrdquo ndash satildeo metaacuteforas que
emergem naturalmente nos discursos dos profissionais e reforccedilam a dependecircncia e a
visibilidade do CC Sem o coraccedilatildeo e a cabeccedila uma pessoa natildeo vive assim como o hospital de
referecircncia para urgecircncia e emergecircncia sem o CC natildeo cumpre sua missatildeo O CC eacute um lugar
onde a assistecircncia ao paciente ocorre de forma raacutepida objetiva e transitoacuteria O foco eacute na
soluccedilatildeo dos problemas dos pacientes nas teacutecnicas ciruacutergicas O contato breve do profissional
do CC com o paciente natildeo permite a criaccedilatildeo de viacutenculos e agraves vezes nem mesmo o nome do
paciente eacute assimilado o que contribui para diferenciar esse setor de outros do hospital
Eacute um setor raacutepido Que resolve A gente eacute muito praacutetico [] natildeo tem aquele contato
de ficar muito tempo com o paciente agraves vezes vocecirc natildeo pega nem o nome direito
Laacute fora o pessoal sabe ateacute Tudo Convive com o paciente (Ed31)
[] um local onde o paciente entra para sair melhor [] eu vejo o bloco como um
lugar objetivo pra resolver problemas O meu interesse por essa aacuterea eacute pela
objetividade da cirurgia da anestesia (Ed17)
A dinacircmica do CC eacute voltada para a objetividade das accedilotildees e eacute por natureza um
trabalho teacutecnico que visa agrave recuperaccedilatildeo do paciente A interaccedilatildeo durante a assistecircncia prestada
pelos profissionais eacute limitada sendo o afeto o toque e o diaacutelogo restritos Isto acontece natildeo
no sentido de valorizar os aspectos objetivos e desmerecer os aspectos subjetivos do cuidar
mas porque nesse setor a atenccedilatildeo ao oacutergatildeo fiacutesico eacute imperiosa (SILVA ALVIM 2010) A
objetividade das accedilotildees do CC ao mesmo tempo em que produz a escolha de alguns
profissionais pela aacuterea devido agrave sua caracteriacutestica eacute tambeacutem produto desta escolha sendo um
lugar onde haacute pessoas com caracteriacutesticas mais objetiva praacutetica resolutiva
A rapidez dos processos no CC pode contribuir para a falta de observaccedilatildeo de algumas
accedilotildees importantes pelos profissionais como a identificaccedilatildeo correta do paciente como
apontado por um entrevistado que diz que agraves vezes natildeo se consegue ldquopegar nem o nome
direitordquo do paciente Essa situaccedilatildeo traduz a pouca interaccedilatildeo e o distanciamento entre pacientes
ciruacutergicos e profissionais do CC que pode interferir na seguranccedila do paciente A falta de
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 59
interaccedilatildeo e as falhas na identificaccedilatildeo dos pacientes ganham maior relevacircncia no CC uma vez
que o paciente fica acordado por um tempo curto antes da cirurgia pois logo recebe a
anestesia ficando inconsciente Segundo Reus (2011) a passagem do paciente pelo CC se
assemelha a uma vivecircncia ficcional em funccedilatildeo da anestesia que produz um apagamento
sensorial para a produccedilatildeo de um corpo inerte sujeito a manipulaccedilatildeo ciruacutergica sem consciecircncia
dolorosa Assim a pouca interaccedilatildeo paciente-profissional no CC pode gerar riscos pois a falta
de comunicaccedilatildeo efetiva eacute uma das causas raiacutezes de muitos incidentes
O CC eacute tambeacutem um lugar sofisticado em relaccedilatildeo agrave tecnologia onde o paciente fica
monitorizado e sob manipulaccedilatildeo dos profissionais Essa condiccedilatildeo dentre outras faz com que
haja uma submissatildeo do paciente ao profissional dentro do CC Isso exprime na percepccedilatildeo dos
profissionais certa tranquilidade para o trabalho realizado e o diferencia do trabalho da
enfermaria no qual somente os pacientes graves satildeo monitorizados repercutindo em um
trabalho menos tranquilo
[] muito sofisticado o bloco daqui os aparelhos satildeo oacutetimos bem melhor que os
blocos ciruacutergicos de um hospital Y [hospital particular] A equipe fala que eacute bem
melhor operar aqui que operar laacute (Ei27)
A gente [do CC] manteacutem o paciente monitorizado Na enfermaria nem todo paciente
eacute monitorizado soacute os graves Aqui a gente pode ter essa observaccedilatildeo maior o
paciente estaacute deitado e a gente observando Eacute mais tranquilo (Ed11)
O parque tecnoloacutegico disponiacutevel nos hospitais emergiu como um fator que gera maior
ou menor satisfaccedilatildeo em realizar o trabalho (Ei27) e por outro lado determina a caracteriacutestica
diferenciada do CC onde todos os pacientes encontram-se monitorizados Segundo Morin
(2005) as tecnologias disponiacuteveis criaram modos novos e sutis de manipulaccedilatildeo A
manipulaccedilatildeo exercida sobre as coisas implica a subjugaccedilatildeo dos homens pelas teacutecnicas de
manipulaccedilatildeo Fazem-se maacutequinas a serviccedilo do homem e potildeem-se homens a serviccedilo das
maacutequinas Vecirc-se entatildeo como o homem eacute manipulado pela maacutequina e para ela que manipula
as coisas a fim de libertaacute-lo (MORIN 2005) No CC a manipulaccedilatildeo dos equipamentos dos
instrumentos e dos medicamentos pelo profissional ndash principalmente pelos cirurgiotildees e
anestesistas ndash implica na subjugaccedilatildeo do paciente Isso pode tanto beneficiar o paciente pela
oportunidade dessas tecnologias propiciarem teacutecnicas mais sofisticadas para resolver seu
processo sauacutede-doenccedila com menos dor e maior resolutividade quanto pode prejudicaacute-lo
dado agraves implicaccedilotildees por exemplo de um cuidado mecanizado dos profissionais que por
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 60
vezes focam mais no aprendizado e manipulaccedilatildeo da tecnologia disponiacutevel do que
propriamente no cuidado do ser humano
O CC eacute um lugar restrito desconhecido e constantemente vigiado por seus
profissionais para que ldquoestranhosrdquo natildeo tenham acesso Os participantes da pesquisa que atuam
internamente no CC afirmam que profissionais externos (pessoal administrativo por
exemplo) ao setor natildeo devem ou natildeo teriam motivos para adentrar nesse recinto
[] se tem algueacutem que natildeo eacute do setor o pessoal jaacute fica ldquouai o quecirc que taacute fazendo
aquirdquo Entatildeo natildeo eacute um setor como o pronto socorro que entra todo mundo de outro
setor Aqui no bloco natildeo Aqui eacute bem restrito mesmo (Ed8)
[] eacute um espaccedilo restrito Nem todo mundo pode ficar O administrativo a pessoa do
RH natildeo pode vir aqui trocar de roupa e ver o que estaacute acontecendo aqui dentro []
as pessoas que estatildeo laacute fora natildeo tecircm noccedilatildeo do que se passa aqui O cliacutenico natildeo tem
noccedilatildeo do funcionamento do bloco Eu tenho certeza Pode perguntar pra um (Ed32)
O CC eacute um setor fechado e o acesso restrito eacute amplamente relatado na literatura
(SOUSA 2011 STUMM MACcedilALAI KIRCHNER 2006 BARRETO BARROS 2009) Agrave
primeira vista pode parecer uma atitude que gera seguranccedila o que de fato estaacute exigido na
legislaccedilatildeo (ANVISA 2002b) Contudo parece haver tambeacutem um desejo de manter o local
desconhecido pelos outros Durante a pesquisa de campo uma cena chamou a atenccedilatildeo Uma
profissional entrou no vestiaacuterio feminino para usar o banheiro A enfermeira perguntou aos
que estavam ali se algueacutem a conhecia e como ningueacutem confirmou a enfermeira esperou a
profissional sair para avisar que o vestiaacuterio era apenas para uso dos profissionais do CC e que
era proibida a entrada de outras pessoas A profissional se desculpou disse que trabalhava haacute
pouco tempo no hospital e que algueacutem tinha falado que ela poderia usar mesmo atuando no
pronto socorro
CO C eacute dividido em trecircs partes distintas em relaccedilatildeo ao acesso de profissionais (1)
restrita sala de operaccedilatildeo propriamente dita e lavabos (2) semirrestrita corredores e a sala de
recuperaccedilatildeo anesteacutesica e (3) irrestrita parte de vestiaacuterios e banheiros masculinos e femininos
(SOUZA GUIMARAtildeES 2014) A presenccedila da profissional do pronto socorro no banheiro do
CC poderia ser aceita por se tratar de uma aacuterea irrestrita mas a postura da enfermeira revela
que natildeo eacute permitida a entrada de pessoas que natildeo atuam no CC A enfermeira tem esta
orientaccedilatildeo teacutecnica e administrativa buscando manter os banheiros do CC mais limpos e
organizados que os banheiros externos Haacute uma apropriaccedilatildeo do lugar do CC pelos
profissionais que atuam nesse setor os quais manteacutem este local restrito e desconhecido
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 61
No CC segundo os profissionais eacute realizado um trabalho diferenciado Necessita-se
de um saber-fazer que nem todos detecircm A imagem dos profissionais que atuam interna e
externamente ao CC tambeacutem eacute de ser um lugar limpo Um lugar onde nada pode ser tirado do
lugar e natildeo se pode encostar o que causa receio nos profissionais externos
[Centro Ciruacutergico] Eacute uma aacuterea limpa [] Quando tem cirurgia nada pode encostar
natildeo pode mexer em muita coisa (Ed4)
Pessoal que trabalha na assistecircncia natildeo gosta do bloco [] eles natildeo conseguem
distinguir o quecirc eacute o contaminado e o esteacuteril e aiacute eles tecircm medo de contaminar (Ed8)
[] A maioria [profissionais externos ao CC] natildeo sabe trabalhar aqui Natildeo eacute um
bicho de sete cabeccedilas mas eacute um trabalho diferenciado Natildeo pode pegar uma pessoa
sem noccedilatildeo de bloco pra trabalhar aqui dentro (Ed13)
O saber teacutecnico e o saber fazer dos diferentes profissionais do CC fazem com que haja
fronteiras visiacuteveis entre quem atua interna e externamente ao CC Situaccedilatildeo que aumenta o
poder dos que trabalham no CC O profissional Ed8 se coloca fora da assistecircncia mesmo o
CC tendo sido apontado como extremamente importante vital o coraccedilatildeo do hospital por ser
referecircncia em urgecircncia e emergecircncia Haacute uma identificaccedilatildeo profissional construiacuteda que
estabelece fronteiras riacutegidas com o exterior prejudicando em algumas situaccedilotildees o
intercacircmbio com outras unidades e consequentemente a seguranccedila ciruacutergica
O CC eacute uma unidade fechada que possui particularidades e rigorosas teacutecnicas
asseacutepticas Isso exige dos trabalhadores atenccedilatildeo responsabilidade e organizaccedilatildeo pois
desempenham atividades relacionadas ao manuseio e manutenccedilatildeo de materiais e
equipamentos especiacuteficos (SALBEGO et al 2015) conferindo a eles um saber diferenciado
Para os entrevistados o CC eacute um setor desejado pelos profissionais externos sendo
considerado segundo os profissionais que atuam internamente como elite dentro do hospital
um lugar privilegiado ocioso e que tem salaacuterio melhor Um local que proporciona blindagem
aos profissionais No entanto relatam falta de conhecimento dos profissionais que natildeo atuam
diretamente dentro da sala operatoacuteria sobre a intensidade e responsabilidade do trabalho
realizado no CC uma vez que eacute uma unidade fechada
Os outros setores [] acham que o bloco eacute elite [] que o funcionaacuterio do bloco eacute
diferenciado que tem salaacuterio melhor Acredito que tem mais de cem teacutecnicos
tentando entrar no bloco (Ed12)
O bloco eacute um setor onde os funcionaacuterios desejam trabalhar [] porque eacute um setor
organizado um setor que tem uma rotina definida (Ei30)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 62
[] eles olham como um setor privilegiado porque natildeo tecircm noccedilatildeo da intensidade
que eacute o trabalho aqui Como eacute um setor fechado natildeo conseguem ver a dimensatildeo do
trabalho e da necessidade que tem um bloco dentro de um hospital (Ed13)
[] bloco eacute visto como ldquoAi eacute o ceacuteu Natildeo vou trabalhar como na internaccedilatildeordquo Todo
mundo quer ir para o bloco Por uma ilusatildeo que estaraacute blindada em um setor
fechado Eu passo por isso tambeacutem no J [outro hospital] Os profissionais procuram
o bloco como lugar ocioso (Ed29)
O desejo de trabalhar no CC estaacute relacionado agrave busca de melhores condiccedilotildees de
trabalho e querer sair das enfermarias para trabalhar em um local melhor eacute legiacutetimo porque
nas enfermarias o trabalho eacute aacuterduo contiacutenuo pouco valorizado e muitas vezes faltam
equipamentos e materiais de uso cotidiano Por outro lado os relatos mostram tambeacutem que o
CC eacute um lugar em que os profissionais se consideram superiores e esta posiccedilatildeo eacute evidenciada
nos discursos de profissionais que atuam no CC e por aqueles que atuam externamente
[] o mais importante no hospital eacute o bloco ciruacutergico [] (Ei27)
Enxerga a gente como os chatos os metidos do hospital (riso) Eacute o que passa pra
gente [] Vocecirc chega ao refeitoacuterio o pessoal jaacute olha assim ldquoAh eacute o pessoal do
blocordquo Porque vecirc a roupa diferente E eu natildeo sei eu percebo que eles tecircm tipo
Natildeo eacute inveja natildeo eacute raiva Uns tem ateacute admiraccedilatildeo ldquoAh natildeo sei como que vocecirc
conseguerdquo Tem curiosidade ldquoComo que eacute Como eacute que vocecircs fazemrdquo Na visatildeo
deles somos diferentes [] Eu acho que noacutes somos diferenciados (Ed31)
A tentativa dos profissionais do CC de se diferenciarem dos profissionais que atuam
em outros setores e ao mesmo tempo de serem considerados igualmente importantes entre os
profissionais que trabalham dentro do CC satildeo ideias expressadas nas entrevistas e
confirmadas durante a observaccedilatildeo Tal postura gera conflitos rivalidade e antipatia em
relaccedilatildeo aos profissionais do CC que se posicionam como os mais importantes do hospital e
donos da verdade isolando-se do conjunto e das comunicaccedilotildees essenciais para o sucesso de
seu trabalho e para a seguranccedila ciruacutergica
Os profissionais do CC tecircm um discurso diferenciado desde o vestuaacuterio especiacutefico dos
profissionais que difere da unidade de internaccedilatildeo e demais setores Conforme o relato o
vestuaacuterio assegura-lhes maior destaque que os outros quando por exemplo chegam ao
refeitoacuterio Este aspecto foi mencionado por Reus e Tittoni (2012) ao observarem que devido
ao fato de todos os profissionais usarem vestimenta idecircntica dentro do CC a enfermagem se
sente satisfeita com a possibilidade de poder ser confundida com os meacutedicos principalmente
externamente ao ambiente ciruacutergico Confirma assim um jogo de visibilidades do imaginaacuterio
dos profissionais sustentado pela estrutura hieraacuterquica (REUS TITTONI 2012)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 63
O CC eacute um local considerado de maior complexidade em relaccedilatildeo a outros setores do
hospital A complexidade mencionada se refere agrave rotina e aos procedimentos teacutecnicos
realizados que segundo os profissionais exige responsabilidade concentraccedilatildeo e necessidade
de qualificaccedilatildeo profissional devido agrave iacutentima relaccedilatildeo de vida e morte que se daacute durante as
cirurgias diferente de procedimentos realizados na unidade de internaccedilatildeo por exemplo
Aqui satildeo feitas as coisas mais complexas onde seleciona profissionais mais
especializados qualificados natildeo soacute de medicina de enfermagem tambeacutem (Ed17)
A assistecircncia que a gente daacute natildeo eacute mais importante que do setor de internaccedilatildeo mas eacute
mais complexa [] O grau de importacircncia da cirurgia em relaccedilatildeo agrave vida e morte eacute
maior que na assistecircncia de um banho de um curativo de uma assistecircncia social []
a gente tem um trabalho que tem mais concentraccedilatildeo mais dedicaccedilatildeo tem que ter
capacitaccedilatildeo mais adequada do que do setor de internaccedilatildeo (Ed13)
[] circular sala natildeo eacute a mesma coisa que ficar laacute fora fazendo curativo dando
banho o trabalho eacute mais forte (Ei14)
O bloco eu percebo que eacute o setor de maior complexidade porque tem uma rotina
que eacute totalmente diferente da que tem laacute fora (Ed31)
Tanto os profissionais que atuam na sala operatoacuteria quanto os que natildeo tecircm atuaccedilatildeo
direta relataram que as accedilotildees do CC satildeo complexas e demonstram desmerecimento de
procedimentos como banho e curativos realizados principalmente em unidades de internaccedilatildeo e
nos demais setores No entanto esses procedimentos tidos como baacutesicos satildeo accedilotildees
importantes e preacute-requisitos para o sucesso das atividades do CC O banho por exemplo eacute
uma intervenccedilatildeo importante no preacute-operatoacuterio para prevenccedilatildeo de infecccedilatildeo de siacutetio ciruacutergico
aleacutem de promover o bem-estar fiacutesico psiacutequico e social do paciente aleacutem de ser um momento
iacutempar para a realizaccedilatildeo de um exame fiacutesico e para avaliaccedilatildeo de possiacutevel uacutelcera de pressatildeo em
pacientes acamados Assim natildeo haacute um saber de importacircncia maior que outro Todos os
saberes empregados em teacutecnicas especiacuteficas realizadas pelos profissionais devem estar
articulados para alcanccedilar uma assistecircncia ciruacutergica segura
A complexidade de um CC eacute abordada em diversos estudos (GOMES 2009 SOUSA
2011 SOUZA et al 2011 BARRETO BARROS 2009 VALIDO 2011 LIMA SOUSA
CUNHA 2013) que discutem as caracteriacutesticas singulares do ambiente O significado de
ldquocomplexidaderdquo segundo Morin (2011) tem uma pesada carga semacircntica que expressa
confusatildeo incerteza e desordem Complexo segundo Ferreira (1988) eacute um conjunto de coisas
ligadas por uma loacutegica comum eacute um conjunto de edifiacutecios coordenados para facilitar alguma
atividade eacute aquilo que encerra vaacuterias coisas ou ideias eacute algo que natildeo eacute simples e sim
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 64
complicado que tem complemento Segundo Edgar Morin estudioso do pensamento
complexo ldquo[] eacute complexo o que natildeo pode se resumir numa palavra-chave o que natildeo pode
ser reduzido a uma lei nem a uma ideia simples []rdquo (MORIN 2011 p5)
Etimologicamente a palavra ldquocomplexidaderdquo eacute de origem latina proveacutem de complectere cuja
raiz plectere significa tranccedilar enlaccedilar Remete ao trabalho da fabricaccedilatildeo de cestas que
consiste em entrelaccedilar um ciacuterculo unindo o princiacutepio com o final de pequenos ramos A
presenccedila do prefixo ldquocomrdquo daacute o sentido da dualidade de dois elementos opostos que se
enlaccedilam intimamente mas sem anular sua dualidade A palavra complectere eacute utilizada tanto
para mencionar o combate entre dois guerreiros como o abraccedilo apertado de dois amantes
(MORIN CIURANA MOTTA 2003)
[] complexidade eacute um tecido de elementos heterogecircneos inseparavelmente
associados que apresentam a relaccedilatildeo paradoxal entre o uno e o muacuteltiplo A
complexidade eacute efetivamente a rede de eventos accedilotildees interaccedilotildees retroaccedilotildees
determinaccedilotildees acasos que constituem nosso mundo fenomecircnico A complexidade
apresenta-se assim sob o aspecto perturbador da perplexidade da desordem da
ambiguidade da incerteza ou seja de tudo aquilo que se encontra do emaranhado
inextricaacutevel (MORIN CIURANA MOTTA 2003 p 44)
O autor resume que ldquo[] a complexidade eacute uma palavra-problema e natildeo uma palavra-
soluccedilatildeordquo (MORIN 2011 p 6) demonstrando os desafios das reflexotildees sob esta lente A
complexidade do CC eacute visualizada tambeacutem pela demanda que tem um caraacuteter de natildeo ser
programada e portanto inesperada imprevisiacutevel O imprevisto estaacute dentro do pensamento
complexo de Morin (2011)
[] na enfermaria eacute muito automaacutetico roboacutetico Vou chegar dar o banho no
paciente oito horas tem medicaccedilatildeo dez horas E vai ser todo dia a mesma rotina
Aqui [CC] vocecirc pega plantatildeo e natildeo sabe o que quecirc vai acontecer [] a experiecircncia
aqui eacute muito maior em todos os sentidos Vocecirc vecirc e aprende mais coisas [] (Ed11)
Realmente existe um tempo mais tranquilo mas quando vem a demanda ela eacute meio
inesperada durante a noite [] durante o dia tem as cirurgias programadas (Ed29)
Nos relatos haacute um embate entre ordem e desordem no CC e na enfermaria foi
mencionada somente a ordem No CC natildeo se sabe o que aconteceraacute (desordem) e haacute um
ldquotempo mais tranquilordquo (ordem) mas quando o paciente chega ele vem com uma demanda
que eacute inesperada desconhecida (desordem) Na enfermaria haacute um ldquocronogramardquo uma rotina
diaacuteria vista pelos profissionais como ldquoautomaacuteticordquo ldquoroboacuteticordquo (ordem) Natildeo foi mencionada a
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 65
desordem na enfermaria mas ela existe sendo representada por exemplo pelas complicaccedilotildees
e incidentes que ocorrem com os pacientes os quais por vezes tambeacutem natildeo satildeo previsiacuteveis
Segundo Morin (2011) em tudo haacute uma mistura constante de ordem desordem e
organizaccedilatildeo Natildeo se pode eliminar o acaso o incerto a desordem Temos que viver e lidar
com a desordem A ordem ldquo[] eacute tudo o que eacute repeticcedilatildeo constacircncia invariacircncia tudo o que
pode ser posto sob a eacutegide de uma relaccedilatildeo altamente provaacutevel enquadrado sob a dependecircncia
de uma leirdquo (MORIN 2011 p 89) Jaacute a desordem ldquo[] eacute tudo o que eacute irregularidade desvios
com relaccedilatildeo a uma estrutura dada acaso imprevisibilidaderdquo (MORIN 2011 p 89)
Assim o autor diz que se houvesse uma ordem pura natildeo haveria inovaccedilatildeo criaccedilatildeo e
evoluccedilatildeo (MORIN 2011) Nesse caso a imprevisibilidade da demanda do CC promove
segundo o entrevistado uma experiecircncia ldquomuito maior em todos os sentidosrdquo trazendo
aprendizado e habilidade para agir dependendo da situaccedilatildeo Do mesmo modo na pura
desordem segundo Morin (2011) natildeo seria possiacutevel nenhuma organizaccedilatildeo se sustentar pois
natildeo haveria nenhum elemento de estabilidade para se instituir uma organizaccedilatildeo Tal afirmaccedilatildeo
se relaciona com o relato de que existe sim um tempo ldquotranquilordquo no CC o que possibilita a
organizaccedilatildeo do setor e eacute como se fosse uma recompensa pelo estresse da demanda
inesperada Nesta perspectiva a ordem a desordem e a organizaccedilatildeo existem em todos os
setores de um hospital o que faz com que seja uma das organizaccedilotildees mais complexas da
sociedade
Apesar dos depoimentos de que o CC eacute o setor mais importante o centro ou o nuacutecleo
dos acontecimentos haacute tambeacutem outras perspectivas do CC como uma das partes requeridas
para um atendimento de urgecircncia e emergecircncia e como um elo entre setores do hospital
[] o bloco eacute o centro e ao redor vai circulando tudo em redor dele (Ei2)
[] como se fosse um nuacutecleo que faz tudo acontecer [] se ele [paciente] vai
melhorar se precisar de um procedimento geralmente aqui que ele vai fazer [] Eacute
difiacutecil explicar essas coisas em palavras (Ed11)
Se natildeo tiver a urgecircncia [pronto atendimento] o bloco e o CTI o hospital natildeo anda
De jeito nenhum [] (Ei15)
O bloco [] faz esse elo com o pronto socorro com as alas (Ei25)
A unidade de CC estaacute inserida em um conjunto mais amplo de serviccedilos ou seja eacute
complexa por ser composta por vaacuterias partes que se relacionam para aleacutem de um layout
arquitetocircnico equipamentos e aparelhos sofisticados O relacionamento dessas partes eacute
essencial tendo em vista que seu funcionamento somente ocorre de forma adequada quando
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 66
os criteacuterios dessas relaccedilotildees estiverem bem definidos e integrados (VALIDO 2011 GOMES
2009) Assim natildeo eacute somente o CC que faz todo o cuidado ciruacutergico Satildeo necessaacuterios diversos
setores Eacute impossiacutevel conceber a unidade de CC pelo pensamento disjuntivo que concebe as
coisas fora do contexto global em que estaacute imerso Natildeo eacute possiacutevel conceber o CC por meio de
um pensamento redutor que restringe a unidade a um substrato meramente estrutural-
processual Eacute necessaacuterio conceber o CC por meio do pensamento complexo
Enfim percebeu-se que o CC inserido no contexto de um hospital puacuteblico referecircncia
para urgecircncias e emergecircncias cliacutenicas e ciruacutergicas eacute complexo por abarcar o conjunto das
visotildees e significados mencionados pelos profissionais e de outras possibilidades que natildeo
foram contempladas Essas percepccedilotildees fazem parte da cultura organizacional que segundo
Morin (2003a) eacute um fenocircmeno social que se desenvolve pelas interaccedilotildees entre os indiviacuteduos
que produzem a organizaccedilatildeo e essa organizaccedilatildeo retroage sobre os indiviacuteduos e os produz
enquanto indiviacuteduos dotados dessa cultura Segundo o autor isso faz do ser humano tanto um
produtor quanto um produto (MORIN 2003a) A interaccedilatildeo dos profissionais produz o CC e a
concepccedilatildeo organizacional do que eacute esse lugar isso retroage sobre os proacuteprios profissionais e
os faz desejar esse local para trabalhar
O CC eacute um lugar desejado pelos trabalhadores que jaacute atuam nesse lugar e pelos que
atuam externamente por ser diferente de outros setores Natildeo por realizarem accedilotildees mais
difiacuteceis ou pela ilusatildeo da ociosidade mas por serem accedilotildees especiacuteficas que demandam um
tempo de aprendizado para fazer da melhor forma e com um tempo de resposta suficiente para
os momentos de situaccedilotildees imprevistas como o quadro de um paciente de emergecircncia
Percebe-se que estas caracteriacutesticas e a dinacircmica do trabalho no CC conferem aos
profissionais uma valoraccedilatildeo especial tanto por eles mesmos quanto pelos profissionais que
atuam nos demais setores
412 Rede intra-hospitalar conexotildees para a seguranccedila ciruacutergica
O que conta eacute a possibilidade para o pesquisador de registrar a forma bdquoem rede‟
sempre que possiacutevel em vez de dividir os dados em duas porccedilotildees uma local e outra
global [] Afinal nenhum lugar predomina o bastante para ser global nem eacute
suficientemente autocircnomo para ser local (LATOUR 2012 p257)
O modelo de gestatildeo do hospital em que estaacute inserido o CC foi concebido para
proporcionar uma assistecircncia multiprofissional focada no paciente por meio de linhas de
cuidado e apoio
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 67
Quando criou a Linha de Cuidado estava previsto um modelo mais paciente
centrado menos meacutedico centrado Jaacute era previsto que as equipes atuassem de forma
multidisciplinar [] as profissotildees natildeo tem dificuldade de discutir os casos Muitos
meacutedicos pedem a presenccedila do profissional multi mas isso ainda natildeo eacute uma coisa
bem estabelecida A gente tem dificuldades [] Mas nada igual esses modelos
tradicionais que se vecirc em outros hospitais (Ei23)
O modelo de gestatildeo por linhas de cuidado eacute uma estrateacutegia de articular os recursos e
praacuteticas de produccedilatildeo de sauacutede Essa articulaccedilatildeo para ser conduzida de forma oportuna aacutegil e
singular deve ser guiada por diretrizes cliacutenicas entre os serviccedilos ou entre as unidades de um
mesmo serviccedilo no sentido de responder agraves necessidades epidemioloacutegicas Objetiva a
continuidade assistencial por meio da pactuaccedilatildeo e da conectividade de funccedilotildees de diferentes
pontos de atenccedilatildeo e profissionais Implica em uma resposta global dos profissionais e
serviccedilossetores superando as respostas fragmentadas (BRASIL 2010) comum no modelo
tradicional meacutedico centrado que foca a doenccedila em detrimento do cuidado multidisciplinar
A necessidade de cirurgia para um paciente desencadeia um conjunto de accedilotildees natildeo
somente no CC mas em vaacuterios pontos de atenccedilatildeo no hospital mobilizando diversos recursos
e profissionais em diferentes momentos e lugares
Quando eacute agendada uma cirurgia eacute direcionado no bloco todo um processo de
liberaccedilatildeo de material de sala meacutedico profissional da enfermagem Tem toda uma
logiacutestica de vaacuterios setores de apoio que estatildeo relacionados (Ei5)
A secretaacuteria do bloco faz uma impressatildeo de todos os pacientes que vatildeo fazer
cirurgias no dia seguinte e distribui essa lista pra todos os setores envolvidos (Ed10)
No caso da cirurgia de emergecircncia e de urgecircncia natildeo estaacute programada no mapa O
plantonista do pronto socorro ou do andar comunicam e gera o aviso (Ed10)
Exista uma rede Eacute a rotina [paciente] vai para laacute de laacute vem para o blocotem essa
ligaccedilatildeo Daqui vai ou para o CTI ou para o andar [] (Ed8)
Essa rede eacute vital para o funcionamento do hospital [] (Ed13)
A rede intra-hospitalar por meio do trabalho coletivo dos atores humanos
(profissionais da linha de cuidado ciruacutergico) em constante conexatildeo com os atores natildeo
humanos (lista de pacientes ciruacutergicos agendados mapa e aviso ciruacutergico materiais
medicamentos instrumentais equipamentos sala operatoacuteria) possibilita a intervenccedilatildeo
ciruacutergica Essa rede foi considerada vital para o funcionamento do hospital expressa pela
conexatildeo intersetorial e interprofissional colocada em praacutetica por meio da rotina de
organizaccedilatildeo da logiacutestica para receber e encaminhar pacientes ciruacutergicos de um setor ao outro
e tambeacutem para prever promover e fornecer os atores natildeo humanos para o procedimento a ser
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 68
realizado O hospital eacute como uma ldquoestaccedilatildeordquo no circuito que o paciente percorre na rede para
obter a integralidade do cuidado de sauacutede que necessita (FEUERWERKER CECIacuteLIO 2007)
e o CC eacute um ponto de atenccedilatildeo no hospital Haacute trecircs formas de entrada do paciente no CC (1)
casos eletivos agendamento solicitado pelo meacutedico ou residente nos dias especiacuteficos preacute-
determinados (2) casos de urgecircncia solicitaccedilatildeo de emissatildeo de aviso ciruacutergico a qualquer
momento que se fizer a avaliaccedilatildeo da necessidade do paciente e (3) casos de emergecircncia
entrada imediata sem agendamento ou emissatildeo de aviso ciruacutergico
Segundo Moraes (2013) ldquorederdquo na teoria ator-rede refere-se a fluxos circulaccedilotildees
alianccedilas movimentos Essa rede de atores natildeo se reduz a um uacutenico ator nem a uma uacutenica
rede ela se compotildee de elementos heterogecircneos animados e inanimados conectados e
agenciados Assim uma organizaccedilatildeo consiste no ldquo[] encadeamento de relaccedilotildees entre
componentes ou indiviacuteduos que produz uma unidade complexa ou sistema dotada de
qualidades desconhecidas quanto aos componentes ou indiviacuteduosrdquo (MORIN 2003b p 133)
Para Latour (2012 p 192) ldquo[] rede eacute conceito e natildeo coisa Eacute uma ferramenta que nos
ajuda a descrever algo natildeo algo que esteja sendo descritordquo A rede natildeo eacute o que estaacute
representado no texto mas aquilo que prepara o texto para substituir os atores como
mediadores Natildeo eacute feita de fios de nylon palavras ou substacircncias duraacuteveis ela eacute o traccedilo
deixado por um ator em movimento (LATOUR 2012) Nesse sentido a tentativa de descrever
a rede intra-hospitalar relacionada agrave linha de cuidado ciruacutergico no hospital foi se deparando
com movimentos de recursos materiais e dos profissionais (mudanccedila da coordenaccedilatildeo de
enfermagem trocas de plantatildeo e demissatildeo de profissionais entre outros)
O funcionamento da rede intra-hospitalar pressupotildee um movimento em conjunto de
cada um dos atores que estatildeo em suas unidades e tem um papel especiacutefico Haacute
interdependecircncia do trabalho dos profissionais e o CC por depender de vaacuterios setores
necessita manter-se conectado a todos eles conforme os fragmentos a seguir
[] O bloco funciona se a equipe meacutedica trabalhar se o PS [Pronto Socorro] o
andar e o CTI trouxer um paciente Um baleado chega ao PS vai ter o primeiro
atendimento laacute para vir para caacute Daqui vai pro CTI enfim eacute um conjunto (Ei15)
Cada um tem sua importacircncia Se a enfermaria natildeo deu banho preacute-operatoacuterio natildeo
vai ter como eu dar natildeo tem chuveiro dentro do bloco Se ele natildeo fizer a parte dele a
gente faz a nossa mas o risco de infecccedilatildeo eacute maior (Ed10)
O bloco tem que ter boa articulaccedilatildeo com todos os setores porque depende de todos
[] do CME pra entregar o material o CTI tem que estar com a porta aberta
dependendo da cirurgia [] tem que estar de bem Vamos falar assim pode (risos)
De bem com todo mundo [] ter uma boa ligaccedilatildeo neacute (Ei2)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 69
O CC eacute uma unidade que faz parte dos muacuteltiplos componentes da assistecircncia ciruacutergica
Esse setor deve estar em conexatildeo com todos os demais conformando assim a rede intra-
hospitalar ciruacutergica Isso reflete a ideia do significado da palavra complexus que segundo
Morin (2011) significa aquilo que estaacute ligado em conjunto aquilo que eacute tecido em conjunto
No cuidado ciruacutergico para ocorrer de forma integral e segura necessita que o CC esteja
ligado aos demais setores que compotildeem o conjunto da assistecircncia ciruacutergica
A complexidade em um primeiro momento eacute um fenocircmeno quantitativo pela extrema
quantidade de interaccedilotildees e de interferecircncias entre as diversas unidades Todo sistema auto-
organizador (sistema vivo) desde o mais simples combina grande quantidade de unidades
(por exemplo bilhotildees seja de moleacuteculas em uma uacutenica ceacutelula seja de ceacutelulas em um
organismo) Contudo a complexidade natildeo abarca apenas quantidades de unidades e
interaccedilotildees mas compreendem incertezas indeterminaccedilotildees fenocircmenos aleatoacuterios Em certo
sentido a complexidade sempre tem relaccedilatildeo com o acaso (MORIN 2011) Essa descriccedilatildeo
representa a complexa rede intra-hospitalar ciruacutergica que aleacutem das diversas unidades (CC
setor de internaccedilatildeo CCIH CME e outras) e interaccedilotildees de atores humanos e natildeo humanos que
ocorrem cotidianamente compreende tambeacutem um misto de fenocircmenos incertos mesmo com
todas as formas de normatizar o trabalho Isso porque dentre outras possibilidades
determinadas ou natildeo cada paciente eacute uacutenico e demanda situaccedilotildees singulares as quais
dependem da relaccedilatildeo estabelecida por ator humano-ator humano e por ator humano-ator natildeo
humano aleacutem da autonomia da praacutetica de cada profissional envolvido na situaccedilatildeo especiacutefica
Assim segundo Morin Ciurana e Motta (2003 p 48) ldquoa complexidade eacute um fenocircmeno natildeo
simplificaacutevel e traduz uma incerteza que natildeo se pode erradicar no proacuteprio seio da
cientificidaderdquo
A incerteza estaacute no seio de sistemas organizados em sistemas semialeatoacuterios em que
a ordem eacute inseparaacutevel do acaso A complexidade estaacute ligada agrave mistura de ordem desordem e
organizaccedilatildeo Mistura iacutentima e interdependente Natildeo haacute prioridade uma frente agrave outra e assim
natildeo eacute adequado ldquo[] conduzir a explicaccedilatildeo de um fenocircmeno a um principio de ordem pura
nem o principio de desordem pura nem a um principio de organizaccedilatildeo uacuteltima Eacute preciso
misturar e combinar esses princiacutepiosrdquo (MORIN 2011 p108) O desenho de Morin (2011)
apresentado na Figura 2 embasa a reflexatildeo de alguns fenocircmenos cotidianos da rede intra-
hospitalar ciruacutergica
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 70
Figura 2 Tetragrama ordemdesordeminteraccedilatildeoorganizaccedilatildeo
Fonte Morin (2011)
O contato dos atores na rede intra-hospitalar se daacute a partir de um fluxo preacute-
estabelecido e tambeacutem por meio de necessidades natildeo previstas nas unidades o que provoca
uma reaccedilatildeo como resposta agravequela situaccedilatildeo para resolver os problemas do cotidiano
A gente natildeo mexe com PS soacute recebe de laacute Natildeo tem transaccedilatildeo de paciente daqui
[internaccedilatildeo] para laacute Tem com o CTI quando o paciente agrava E a clinica meacutedica
quando recebem alta ciruacutergica e ficam soacute com a clinica meacutedica (Ei7)
A uacutenica ligaccedilatildeo que a gente tem com eles [CTI] eacute de levar o paciente laacute mas eles
natildeo vecircm aqui e a gente tambeacutem natildeo tem contato laacute (Ed8)
Os leitos de bloco CTI estatildeo previamente montados o que sai da normalidade eles
pedem para a gente Essa integraccedilatildeo na verdade eacute pela demanda do setor (Ei1)
Na realidade soacute eacute procurado o setor quando realmente precisa [] Quando vocecirc
precisa deles eles respondem (Ed12)
Observa-se nas falas que a interaccedilatildeo entre os atores nesta rede segue o fluxo linear
(Pronto Socorro CC CTICliacutenica Ciruacutergica) que eacute da direcionalidade estabelecida na
linha de cuidado ciruacutergico Natildeo haacute interaccedilatildeo dos atores aleacutem desta linearidade (ordem) aleacutem
disso a interaccedilatildeo linear se daacute a partir dos momentos de necessidades natildeo previstas nos setores
(desordem) Nos dois modos haacute uma integraccedilatildeo que culmina em uma resposta favoraacutevel e
gera uma organizaccedilatildeo do trabalho A Figura 3 apresenta esse conjunto de fenocircmenos
Figura 3 Tetragrama ligaccedilatildeointeraccedilatildeo entre os setores
Fluxo definido Anormalidades
(ordem) necessidades setoriais
(desordem)
Demanda do setor Resposta favoraacutevel
Levar paciente - (organizaccedilatildeo)
(integraccedilatildeo)
Fonte Adaptado pela autora (MORIN 20011)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 71
A necessidade de ordem eacute expressa quando o profissional relata acreditar na
organizaccedilatildeo do trabalho por meio de processos bem descritos No entanto a desordem eacute
referida pelo profissional Ed22 ao reconhecer que as relaccedilotildees interpessoais facilitam o
sucesso da execuccedilatildeo dos processos Os profissionais descrevem um cenaacuterio de contradiccedilatildeo de
um lado haacute a necessidade de um trabalho profissional baseado em processos descritos e na
organizaccedilatildeo do sistema (prescrito) e de outro o que se pratica um trabalho baseado no
coleguismo e na amizade que fazem um bom ambiente de trabalho aleacutem de ser baseado nos
favores centralizado em pessoas e nomes (real)
As accedilotildees no hospital deveriam ser baseadas em processos bem descritos O
coleguismo e a amizade viriam para facilitar mas acho que eacute pouco para trabalhar
profissionalmente [] (Ei1)
Se natildeo houver uma pessoa pra fazer as coisas integrarem ou agilizarem natildeo
acontece [] Eacute tudo dependente de pessoas e natildeo da organizaccedilatildeo do sistema Eacute
porque natildeo tem dialogo Satildeo favores (Ed22)
Os processos do bloco satildeo realizados por muitas especialidades [] vaacuterias categorias
[] a gente natildeo consegue estabelecer um processo uniforme [] Cada equipe vem
e faz de um jeito apesar da gente tentar padronizar [] tem que se adaptar ao que a
equipe estaacute precisando e natildeo ao que o hospital preconiza (Ei23)
As falas expressam a necessidade de se descrever os processos padronizar
uniformizar o trabalho conforme relatos de Ei1 e de Ei23 (ordem) No entanto a falta dos
processos descritos e pactuados a falta do diaacutelogo mencionado por Ed22 e a variedade de
especialidades e profissionais que atuam na mesma linha de cuidado (desordem) faz com que
a integraccedilatildeo seja difiacutecil e eacute por meio do coleguismo da amizade e dos favores que muitas
questotildees se resolvem no cotidiano da rede intra-hospitalar segundo Ei1 e Ed22 Frente a isso
o hospital se adapta ao saber-fazer diferenciado das muacuteltiplas especialidades (organizaccedilatildeo) A
Figura 4 representa esse fenocircmeno baseado no tetragrama de Morin (2011)
Figura 4 Tetragrama dos processos de trabalho para realizaccedilatildeo da cirurgia
Fonte Adaptado pela autora (MORIN 2011)
Falta de processos falta de
diaacutelogo falta de padronizaccedilatildeo e
organizaccedilatildeo do sistema vaacuterias
especialidades trabalhando na
mesma linha (desordem)
Processos de trabalho
uniforme padronizado
(ordem)
Relaccedilatildeo interprofissional
coleguismos amizade
favores
(integraccedilatildeo)
Realizaccedilatildeo das cirurgias
Adaptaccedilatildeo da padronizaccedilatildeo do que
o hospital preconizou
(organizaccedilatildeo)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 72
Segundo Franco e Merhy (2009) qualquer unidade de sauacutede se organiza e funciona
em plataformas sobre as quais o cotidiano vai acontecendo A primeira forma estruturada
reflete o instituiacutedo e a segunda natildeo estruturada faz a transversalidade por dentro da
organizaccedilatildeo de modo instituinte A plataforma do instituinte possibilita a accedilatildeo dos sujeitos
pelo seu desejo que trazem em si a forccedila de produccedilatildeo da realidade (FRANCO MERHY
2009) com sua subjetividade impliacutecita Assim a plataforma do instituiacutedo e do instituinte estatildeo
implicadas diretamente no fenocircmeno da conexatildeo e da comunicaccedilatildeo dos profissionais para o
funcionamento da linha de cuidados ciruacutergicos na rede intra-hospitalar Ou seja o trabalho eacute
realizado pela interaccedilatildeo da praacutetica no plano formal e do contato individualizado das relaccedilotildees
pessoais conformando a micropoliacutetica institucional Essa uacuteltima por vezes eacute a via mais
raacutepida para se resolver algum problema e realizar o processo de trabalho mas algumas vezes
tambeacutem eacute uma via que gera riscos para o paciente como por exemplo a quebra de algum
protocolo instituiacutedo devido ao desejo de algum membro da equipe que estaacute em niacutevel maior na
hierarquia institucional
Apesar da importacircncia da trama da rede intra-hospitalar para a resolutividade da linha
de cuidado ciruacutergico a mesma natildeo estaacute funcionando em sua plenitude no hospital
Se essa rede funcionasse de forma adequada a rotatividade ia acontecer e o
benefiacutecio muacutetuo para todo mundo seria gigantesco O problema eacute que essa rede natildeo
funciona 100 da forma que deveria funcionar (Ed13)
[] se por algum motivo haacute alguma falha na rede alguma quebra a cirurgia natildeo
acontece Satildeo muitos setores envolvidos (Ei5)
[] precisa interligar chegada do paciente bloco e banco de sangue Esses trecircs tecircm
que falar a mesma liacutengua E natildeo acontece Haacute discrepacircncias (Ei18)
A gente tem que trabalhar junto gente Natildeo adianta CME sozinha bloco sozinha
internaccedilatildeo sozinha Natildeo adianta (Ei3)
O relato incisivo de Ei3 de que natildeo adianta o trabalho setorial ser realizado
isoladamente leva ao entendimento de que na praacutetica cada setor faz o seu trabalho especiacutefico
de forma solitaacuteria sem interaccedilatildeo com os demais setores As falhas do processo de trabalho de
um dos componentes envolvidos ou o trabalho individual impacta negativamente na
integralidade e na produccedilatildeo dos elementos para um cuidado ciruacutergico em ato e seguro
Nesse sentido a rede natildeo designa o que eacute mapeado e sim como se pode mapear algo
pertencente a determinado territoacuterio Eacute como se fosse um dos equipamentos espalhados sobre
a mesa do geoacutegrafo para lhe permitir projetar formas numa folha de papel (LATOUR 2012)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 73
Embora a rede intra-hospitalar seja reconhecida como necessaacuteria as accedilotildees cotidianas na linha
de cuidados ciruacutergicos natildeo podem ser completamente mapeadas Assim a rede a linha de
cuidados satildeo apenas equipamentos sobre a mesa dos gestores e profissionais da equipe
multiprofissional para planejarem a assistecircncia Aleacutem disso natildeo haacute uma visatildeo sistecircmica de
todos os profissionais sobre o funcionamento desta ferramenta chamada rede e a respeito de
como os atores se interconectam na linha de cuidados
Os demais setores natildeo sei te falar ser clara nessa interaccedilatildeo Pelo que a gente
percebe assim como a CME estaacute com dificuldade com o bloco os outros setores
tambeacutem tem as mesmas dificuldades (Ei3)
Eu sei falar do trans e do poacutes que eacute o que eu convivo aqui dentro Do preacute eu natildeo
tenho muito a dizer (Ed31)
Depreende-se das falas dos profissionais que a rotina do CC que eacute um ambiente
fechado somada agraves dificuldades do dia-a-dia de trabalho ofusca o olhar sistecircmico da rede
intra-hospitalar No entanto a visatildeo sistecircmica eacute um fundamento da qualidade da assistecircncia
que consiste no conhecimento da interdependecircncia entre as diversas partes de uma
organizaccedilatildeo bem como entre ela e o ambiente externo (ONA 2010) A falta de visatildeo
sistecircmica entre outros fatores pode ser justificada pelo fato de o diaacutelogo entre os setores
ocorrer em momentos e com profissionais especiacuteficos e somente para equacionar problemas
administrativos Isso em detrimento de um diaacutelogo sobre as necessidades de cuidado do
paciente e dos problemas surgidos no processo de trabalho de um setor que impacta no outro
A gente tem uma interaccedilatildeo boa [] A comunicaccedilatildeo eacute entre enfermeiros Enfermeiro
da ciruacutergica e do bloco [] a gente passa para eles os leitos e eles passam pra gente
os pacientes que estatildeo na recuperaccedilatildeo (Ed17)
Jaacute aconteceram casos de pacientes que desceram da ala um ou dois dias antes para
garantir vaga do CTI sem ter indicaccedilatildeo que a cirurgia dele fosse garantida no bloco
[] algumas questotildees de processo de trabalho natildeo ficam claras para a gente do por
que todos esses problemas ocorrem (Ei25)
Durante as observaccedilotildees foi possiacutevel verificar que geralmente a comunicaccedilatildeo para
verificaccedilatildeo de leitos ocorre por telefone que eacute um recurso utilizado principalmente pelo
enfermeiro que o leva nos bolsos da roupa do CC tendo em vista que o aparelho eacute sem fio e
permite os deslocamentos Apesar do reconhecimento pelos profissionais da importacircncia da
comunicaccedilatildeo para facilitar os processos ela eacute falha repassada de forma atrasada ou
equivocada natildeo somente no CC mas em todo o hospital Isso causa riscos para pacientes e
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 74
para os profissionais como por exemplo quando a informaccedilatildeo de que o paciente estaacute
colonizado com algum microrganismo multirresistente chega posteriormente ao cuidado
efetuado que ocorreu sem a necessaacuteria precauccedilatildeo de contato pelos profissionais
A comunicaccedilatildeo natildeo eacute efetiva Paciente chega agraves vezes com TBC com suspeita de
outro tipo de doenccedila e agraves vezes a gente fica sem saber Se natildeo correr atraacutes da
informaccedilatildeo ela natildeo vem E essa informaccedilatildeo teria que vir do cirurgiatildeo que estaacute
acompanhando que teve o primeiro contato com o paciente ateacute entrar (Ed29)
A comunicaccedilatildeo facilita ou emperra o processo Hoje a comunicaccedilatildeo eacute truncada natildeo soacute
no bloco No hospitala gente tem muito problema de comunicaccedilatildeo [] para fazer as
notificaccedilotildees as pessoas relatam uma coisa na hora que vocecirc vai conversar ldquoNatildeo natildeo
era issordquo Era algo parecido (Ei23)
No depoimento do profissional o ldquocorrerrdquo atraacutes da informaccedilatildeo sugere que a
comunicaccedilatildeo natildeo ocorre de forma fluida e efetiva na organizaccedilatildeo Essa deficiecircncia eacute
fomentada de certa forma pelo nuacutemero de atores e formas pelas quais satildeo disseminadas as
informaccedilotildees na rede intra-hospitalar A comunicaccedilatildeo efetiva entre os profissionais do serviccedilo
de sauacutede eacute um dos eixos do Programa Nacional de Seguranccedila do Paciente (BRASIL 2013a
2013b) bem como eacute uma das metas internacionais para a seguranccedila do paciente (CBA 2010)
O desconhecimento dos processos de trabalho dos diferentes atores da rede intra-
hospitalar eacute um fator que contribui para a deficiecircncia da comunicaccedilatildeo Os diferentes setores
satildeo desconhecidos entre eles parece ser ldquooutro mundordquo O conhecimento sistecircmico do
trabalho das diversas unidades e natildeo somente entre as coordenaccedilotildees eacute necessaacuterio para a
melhoria da comunicaccedilatildeo
Falta comunicaccedilatildeo falta contato O quecirc eu falo Uma aula ldquoGente como eacute que
funciona o banco de sanguerdquo ldquoAh funciona assim assim assimrdquo Quando vocecirc
souber o beabaacute vocecirc saberaacute se comunicar mais faacutecil (Ei18)
O pessoal desconhece nosso trabalho [do laboratoacuterio] acha que eacute outro mundo Na
coordenaccedilatildeo meacutedica e da enfermagem o diaacutelogo eacute faacutecil e temos tentado aproximar
para os profissionais entenderem Para eu entender as necessidades deles e eles a
nossa (Ei24)
O pessoal natildeo sabe o que fazemos na agecircncia transfusional Pedem ldquoEu quero um
plasma agora correndordquo Falo ldquoPode levar vocecirc vai dar o paciente para chupar Ele
estaacute um picoleacute Leva no miacutenimo 15 a 20 minutos pra descongelarrdquo [] Eles acham
que o plasma eacute igual sangue pegou levou [] [falta] comunicaccedilatildeo (Ei18)
A necessidade de conhecer o outro setor eacute condiccedilatildeo essencial para saber ldquoo querdquo e
ldquocomordquo solicitar algo para atender agraves necessidades dos pacientes Fazer solicitaccedilotildees
equivocadas pressupotildee falta de conhecimento do trabalho dos diferentes setores e dos
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 75
profissionais com os quais se trabalha todos os dias na rede intra-hospitalar Os profissionais
deveriam conhecer as rotinas e competecircncias de cada unidade com as quais interagem para
que natildeo sejam feitas solicitaccedilotildees fora do contexto A solicitaccedilatildeo de plasma inadequada
conforme o exemplo mencionado mostra a falta de integraccedilatildeo uma vez que muitos
profissionais externos agrave agecircncia transfusional desconhecem a necessidade de descongelar e
preparar o plasma a ser disponibilizado para o paciente O setor de Educaccedilatildeo Permanente do
hospital pode desempenhar importante papel nesse aspecto como por exemplo na entrada do
novo colaborador na instituiccedilatildeo apresentando os diversos setores ou no decorrer da atuaccedilatildeo
profissional elaborar um programa educacional que possibilite a interaccedilatildeo interprofissional e
intersetorial
Segundo Morin (2003c) a comunicaccedilatildeo eacute sempre multidimensional complexa feita
de emissores e de receptores Ela ocorre em circunstacircncias concretas ativando ruiacutedos
culturas bagagens diacutespares e cruzando indiviacuteduos diferentes O fenocircmeno comunicacional
natildeo se esgota na presunccedilatildeo de eficaacutecia do emissor pois haacute um receptor dotado de inteligecircncia
na outra ponta da relaccedilatildeo comunicacional A comunicaccedilatildeo enfrenta o desafio da compreensatildeo
(MORIN 2003c) o que depende de informaccedilotildees e de conhecimentos neste caso do
conhecimento dos profissionais sobre o trabalho dos outros nos diversos setores
No hospital em estudo haacute algumas estrateacutegias para a conexatildeo de profissionais e dos
pontos de atenccedilatildeo na rede intra-hospitalar que contribuem para a promoccedilatildeo de uma assistecircncia
integral comunicativa e que gera seguranccedila ao paciente ciruacutergico satildeo elas o anestesiologista
que avalia o preacute-operatoacuterio o enfermeiro de especialidades o coordenador de plantatildeo e a
reuniatildeo da linha de cuidado ciruacutergico
A gente consegue fazer essa interface do bloco com os outros setores por causa
desses profissionais seja o enfermeiro de especialidade seja o anestesiologista que
faz a visita preacute-anesteacutesica (Ed10)
[] se algueacutem me ligar em casa meia noite ldquocomo eacute que estaacute seu Antocircniordquo Eu sei
[] O cuidado eacute globalizado Eacute integral Eu acompanho o paciente ateacute ele ter alta do
ambulatoacuterio Natildeo estou fragmentada dentro do bloco [] a gente tem tido muito
sucesso com o enfermeiro de especialidade tem que ser publicado [] Que seja
reconhecida como especialidade (Ei20)
A gente tem a rotina do coordenador de plantatildeo definir o paciente para o CTI Eacute
muito bom ele tem a visatildeo do pronto socorro do bloco e das unidades Mas falta
uma discussatildeo deste profissional com o intensivista [] muitas vezes o paciente
vem para morrer na ala era limite de esforccedilo terapecircutico foi entubado e veio para o
CTI porque a famiacutelia queria Enquanto um paciente fica prendendo a sala do bloco e
sem proposta de vir Se essa discussatildeo acontecesse eu acho que o paciente ganharia
muito e o profissional se sentira mais valorizado (Ei25)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 76
[] a nova coordenadora tenta deixar os enfermeiros do andar ter mais contato com
o bloco para facilitar a dinacircmica [] sempre a coordenadora da linha ciruacutergica tenta
fazer as reuniotildees juntas para que eles participem dos percalccedilos do bloco e interajam
mais (Ed28)
Chama agrave atenccedilatildeo no hospital a proposiccedilatildeo do enfermeiro referecircncia das especialidades
ciruacutergicas que tem o papel de acompanhar o paciente desde a chegada ao hospital ateacute a sua
alta hospitalar ou ambulatorial quando tem acompanhamento posterior agrave cirurgia Esse
modelo eacute baseado no trauma nurse coordinators que natildeo tem uma traduccedilatildeo para o portuguecircs
mas pode ser compreendido como coordenador de enfermagem de trauma No contrato de
trabalho desses profissionais com o hospital consta enfermeiro de especialidades ou
enfermeiro referecircncia da cirurgia geral da ortopedia e da cirurgia vascular Eles satildeo
conhecidos na instituiccedilatildeo tambeacutem como enfermeiros gerentes de trauma
O trauma de acordo com a OMS eacute a doenccedila do seacuteculo XXI e seu impacto eacute muito
grande na sociedade uma vez que debilita indiviacuteduos em idade produtiva (OMS 2009)
Assim os enfermeiros do trauma nurse coordinator satildeo essenciais para um serviccedilo de trauma
de sucesso (CURTIS LEONARD 2012) Segundo Crouch et al (2015) esses profissionais
tecircm essa funccedilatildeo na Inglaterra desde 1990 e a profissatildeo alcanccedilou abrangecircncia nacional
naquele paiacutes apoacutes a implantaccedilatildeo do sistema de trauma regional em 2012 Eles tecircm
qualificaccedilatildeo no cuidado ao paciente traumatizado facilitando a coordenaccedilatildeo dos cuidados
avaliaccedilatildeo e melhoria da qualidade da educaccedilatildeo da divulgaccedilatildeo e da pesquisa em trauma
sendo considerados ainda defensor do paciente com trauma (CROUCH et al 2015)
Os enfermeiros de especialidades foram introduzidos no hospital em estudo pela
necessidade de se registrar os traumas em termos de diagnoacutesticos tratamentos e resultados
com avaliaccedilatildeo retrospectiva e prospectiva Esses dados satildeo armazenados em um banco de
dados atualizado para melhor conhecer e gerenciar o cuidado do paciente com trauma Isso
faz parte de uma das medidas induzidas pela OMS (2009) para reduzir a morbimortalidade
provocada pelo trauma inserido no Quality Improvemen (QI) que satildeo programas de melhoria
da qualidade de atendimento ao trauma
A primeira enfermeira nessa funccedilatildeo foi contratada em 2010 no hospital para ser
referecircncia da cirurgia geral e como acadecircmica jaacute desempenhava atividades relacionadas ao
cargo Depois foi contratado um enfermeiro para a ortopedia e posteriormente outro para
cirurgia vascular Esses enfermeiros tecircm o papel de articular os atores da rede intra-hospitalar
para que o cuidado ao paciente seja integral desde a sua entrada ateacute a sua alta aleacutem de
acompanharem os residentes da especialidade manter atualizados registros de traumas e
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 77
cirurgias da especialidade participar de reuniotildees entre outras funccedilotildees A contrataccedilatildeo desses
profissionais consiste em uma estrateacutegia que visa assegurar o cuidado continuado e integral ao
paciente bem como aprimorar a articulaccedilatildeo comunicaccedilatildeo e integraccedilatildeo entre os atores da rede
intra-hospitalar e imprimir maior niacutevel de qualidade e seguranccedila aos serviccedilos prestados aos
pacientes viacutetimas de trauma e tambeacutem aos pacientes ciruacutergicos no hospital
Contudo mesmo com essas estrateacutegias os relatos dos profissionais apresentam
fragilidades na conexatildeo e comunicaccedilatildeo dos atores na rede da linha de cuidado ciruacutergico no
perioperatoacuterio Isso pode se justificar pela dificuldade no mapeamento e definiccedilatildeo dos
processos da pactuaccedilatildeo dos acordos intersetoriais (cadeiaclientefornecedor) ficando agrave
mercecirc da ldquopoliacutetica da boa vizinhanccedilardquo para estabelecimento das conexotildees diaacuterias dificuldade
na articulaccedilatildeo entre as pessoasprofissionais interna e externamente ao seu setor de origem e
pela ausecircncia da introjeccedilatildeo da cultura organizacional voltada para a qualidade e seguranccedila
Isso natildeo ocorre apenas pelo fato do CC ser uma unidade fechada eacute algo que ocorre na
instituiccedilatildeo como um todo conforme relatado a seguir
Deveria ser mais articulado mas isso natildeo eacute um problema soacute do bloco ciruacutergico O
hospital ainda tem dificuldade nos acordos intersetoriais [] As pessoas tecircm
dificuldades de se articular natildeo soacute entre os setores mas dentro do mesmo setor
tambeacutem Nas especialidades nas categorias ainda eacute muito fragmentado cada um faz
o seu pedaccedilo [] as pessoas conversam pouco Essa articulaccedilatildeo essas relaccedilotildees
ainda precisam ser trabalhadas (Ei23)
Falta descrever os processos ter a cadeia cliente-fornecedor ajustada para que tenha
um processo realmente eficaz [] Estaacute no dia a dia mas natildeo eacute descrita a gente fica
na poliacutetica da boa vizinhanccedila mas formalmente natildeo tem nada escrito (Ei1)
[] a gente ainda natildeo introjetou a cultura da qualidade como ferramenta que facilita
o trabalho e que deixa o trabalho mais seguro (Ei23)
Os depoimentos evidenciam que ainda eacute necessaacuterio desenvolver uma cultura
organizacional voltada para a qualidade e seguranccedila A cultura da seguranccedila eacute entendida
como um conjunto de valores atitudes competecircncias e comportamentos que determinam o
comprometimento com a gestatildeo da sauacutede e da seguranccedila substituindo a culpa e a puniccedilatildeo
pela oportunidade de aprender com as falhas e melhorar a atenccedilatildeo agrave sauacutede (BRASIL 2013b)
Eacute imprescindiacutevel uma poliacutetica institucional de cultura de seguranccedila mas eacute um desafio para as
instituiccedilotildees hospitalares exigindo um levantamento dos fatores organizacionais que impedem
o desenvolvimento da cultura de seguranccedila (CARVALHO 2011)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 78
Deve-se registrar ainda que o funcionamento da rede intra-hospitalar estaacute tambeacutem
relacionado agrave conexatildeo desta com a rede global ou seja com serviccedilos profissionais e gestores
extra hospital
No CTI em torno de 10 dos pacientes satildeo de cuidado intermediaacuterio Tem
vaacuterias propostas para a diretoria mas natildeo depende dela porque tem uma questatildeo
financeira que demanda discussatildeo com a secretaria municipal de sauacutede []
Alguns pontos dependem da equipe meacutedica outros dependem de financiamento
municipal estadual ou federal que a diretoria tem tentado (Ei25)
A forma bdquoem rede‟ eacute constituiacuteda por duas porccedilotildees a saber uma local e outra global
pois nenhum lugar predomina o bastante para ser global nem eacute suficientemente autocircnomo
para ser local (LATOUR 2012) Neste sentido os profissionais do hospital natildeo tecircm
autonomia e o completo arsenal de recursos necessaacuterios para resolver todos os problemas Haacute
melhorias que satildeo dependentes da accedilatildeo de profissionais da rede global natildeo excluindo a
responsabilidade interna de gestores e profissionais com a qualidade assistencial
Enfim foi possiacutevel identificar por meio das diferentes visotildees dos profissionais que a
articulaccedilatildeo da rede intra-hospitalar eacute vital para a assistecircncia ciruacutergica segura A trama desta
rede que eacute estabelecida pela relaccedilatildeo dos diferentes atores estaacute em constante ordem
desordem interaccedilatildeo e organizaccedilatildeo Este tetragrama deve estar harmocircnico para o pleno
funcionamento da assistecircncia ciruacutergica segura Caso natildeo esteja sob determinada condiccedilatildeo ndash
instabilidade e falha da rede local ou global ndash ocorre uma cascata de problemas com riscos
que podem desencadear incidentes aos pacientes em algum ponto das trecircs fases do
perioperatoacuterio
413 Perioperatoacuterio entrelaccedilamentos das trecircs fases para a cirurgia segura
[] complexas eacute o que estaacute junto eacute o tecido formado por diferentes fios que se
transformaram numa soacute coisa Isto eacute tudo isso se entrecruza tudo se entrelaccedila para
formar a unidade da complexidade poreacutem a unidade do complexus natildeo destroacutei a
variedade e a diversidade das complexidades que o teceram (MORIN 2003a p
188)
A rede intra-hospitalar na qual ocorre a assistecircncia ciruacutergica aos pacientes eacute complexa
Para Morin (2003a) uma organizaccedilatildeo complexa eacute ao mesmo tempo acecircntrica (funciona de
maneira anaacuterquica por interaccedilotildees espontacircneas) policecircntrica (tem muitos centros de controle
ou organizaccedilatildeo) e cecircntrica (dispotildee ao mesmo tempo de um centro de decisatildeo) Esses
aspectos estatildeo presentes na rede intra-hospitalar a qual eacute organizada natildeo soacute a partir de um
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 79
centro de comando-decisatildeo (coordenaccedilatildeo conjunta meacutedica e de enfermagem) mas tambeacutem de
diversos centros de organizaccedilatildeo (como as coordenaccedilotildees das especialidades que atuam no CC
e coordenaccedilotildees dos setores envolvidos) e de interaccedilotildees espontacircneas entre os grupos de
profissionais Nesse sentido discutir o entrelaccedilamento das trecircs fases do perioperatoacuterio no
hospital se faz necessaacuterio sendo reconhecido como importante pelos profissionais No
entanto na praacutetica a organizaccedilatildeo e as accedilotildees de conexatildeo dos atores natildeo ocorrem de forma
efetiva nas trecircs fases do perioperatoacuterio que compreende o preacute-operatoacuterio o transoperatoacuterio e
poacutes-operatoacuterio
O periacuteodo preacute-operatoacuterio compreende desde o momento da decisatildeo de que a cirurgia
seja ela eletiva de urgecircncia ou de emergecircncia seraacute realizada ateacute o momento que precede o
ato ciruacutergico quando o paciente eacute encaminhado ao CC (CHRISTOacuteFORO CARVALHO
2009) As accedilotildees conformam uma fase importante para avaliar por meio do risco ciruacutergico-
anesteacutesico (realizado por cliacutenico geral cardiologista eou anestesiologista) as condiccedilotildees
fisioloacutegicas do paciente o risco-benefiacutecio do procedimento e as informaccedilotildees transmitidas a
pacientes e familiares sobre a cirurgia Essas accedilotildees auxiliam o ato na sala operatoacuteria
principalmente na abordagem inicial do anestesiologista e sendo um hospital de ensino
auxilia o cirurgiatildeo a decidir se o residente poderaacute ou natildeo atuar naquela cirurgia Nas cirurgias
de urgecircncia e emergecircncia natildeo haacute tempo haacutebil para se realizar um preacute-operatoacuterio para
avaliaccedilatildeo do risco-benefiacutecio do procedimento anesteacutesico-ciruacutergico repercutindo na qualidade
e seguranccedila do procedimento
O doente da eletiva a gente tem que levar para o bloco na melhor condiccedilatildeo Se o
benefiacutecio for pouco em relaccedilatildeo ao risco a gente orienta e nem opera [] A
avaliaccedilatildeo preacute-anesteacutesica eacute um dado a mais para o cirurgiatildeo aumentar a seguranccedila Se
tiver um risco muito ruim eu natildeo vou demorar ou deixar o residente operar faccedilo
mais raacutepido O paciente da urgecircncia e da emergecircncia natildeo tem risco ciruacutergico tem
que por no bloco operar e pronto (Ed19)
Quanto mais dados vocecirc tiver escrito do preacute-operatoacuterio preacute-anesteacutesico mais raacutepido
e melhor fica essa abordagem inicial que a gente faz aqui (Ed17)
Pelos relatos se percebe que o objetivo dessa fase eacute o preparo adequado do paciente
no sentido de reduzir ao miacutenimo possiacutevel os riscos de morbimortalidade por complicaccedilotildees
no ato ciruacutergico Segundo Schwartzman et al (2011) o profissional deve avaliar de forma
criteriosa o risco ciruacutergico e anesteacutesico as particularidades do paciente e do procedimento
atuando em possiacuteveis situaccedilotildees de risco Segundo os autores a consulta preacute-anesteacutesica (pelo
anestesiologista) e a consulta preacute-operatoacuteria (pelo cliacutenico ou outro especialista) visam agrave
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 80
seguranccedila do ato anesteacutesico e a diminuiccedilatildeo de complicaccedilotildees Segundo os entrevistados isso
ocorre porque seratildeo observados detalhes que podem natildeo ser percebidos pelo cirurgiatildeo devido
agrave grande demanda de pacientes
No ambulatoacuterio quando tenho que reoperar um paciente quem faz o risco ciruacutergico
eacute o anestesiologista Eacute um risco preacute-anesteacutesico Se o anestesiologista achar que ele
precisa de avaliaccedilatildeo mais detalhada de um cardiologista ele eacute encaminhado para o
posto ou para algum local especiacutefico Essa avaliaccedilatildeo eacute importante porque o
cirurgiatildeo em hospital puacuteblico trabalha sobrecarregado tem detalhe que pode passar
despercebido que natildeo passa para o cliacutenico cardiologista ou anestesiologista (Ed19)
Quando eacute necessaacuterio realizar nova abordagem em um paciente que se submeteu a uma
cirurgia no hospital mas se encontra em sua residecircncia o risco ciruacutergico-anesteacutesico eacute
realizado na Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede (APS) ou em outros serviccedilos da rede Assim a rede
intra-hospitalar se conecta a uma rede extra-hospitalar Haacute atores externos importantes para se
alcanccedilar a seguranccedila ciruacutergica Quando o paciente estaacute internado no hospital quem faz a
avaliaccedilatildeo eacute um anestesiologista no ambulatoacuterio O iniacutecio da realizaccedilatildeo da avaliaccedilatildeo preacute-
anesteacutesica pelo profissional anestesiologista no hospital se deu por duas questotildees que na
eacutepoca representaram desordem mas que proporcionaram a organizaccedilatildeo do serviccedilo
A primeira questatildeo foi relacionada aos nuacutemeros baixos da realizaccedilatildeo do preacute-anesteacutesico
registrados no checklist de cirurgia segura e a segunda agrave gravidez de uma das
anestesiologistas Devido aos riscos para o feto o serviccedilo meacutedico hospitalar natildeo autorizou o
trabalho da mesma no CC durante a gestaccedilatildeo e a profissional foi lotada no ambulatoacuterio
iniciando a organizaccedilatildeo da avaliaccedilatildeo preacute-operatoacuteria pela profissional na instituiccedilatildeo
Depois que o checklist comeccedilou a ser apresentado em dados ficou visiacutevel A gente
natildeo tinha um anestesiologista que fizesse consulta preacute-anesteacutesica quando uma
anestesiologista engravidou foi soacute uma justificativa pra fazer esse trabalho (Ed10)
O deslocamento de anestesiologistas do CC para o ambulatoacuterio era uma das
dificuldades na implantaccedilatildeo universal da avaliaccedilatildeo preacute-anesteacutesica sendo este profissional
mais indicado para realizar a avaliaccedilatildeo com maior seguranccedila e visatildeo ampla do procedimento
anesteacutesico Ele eacute capaz de verificar o estado de sauacutede do paciente e fatores que influenciam o
ato anesteacutesico como as interaccedilotildees medicamentosas dificuldades para intubaccedilatildeo melhor tipo
de anestesia (SCHWARTZMAN et al 2011) Aleacutem disso ao anestesiologista cabe a decisatildeo
de realizar ou natildeo o ato anesteacutesico de modo soberano e intransferiacutevel (CFM 2006) Contudo
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 81
a avaliaccedilatildeo preacute-operatoacuteria pelo anestesiologista no hospital se realiza por meio de
interconsulta que natildeo consegue abranger a totalidade dos pacientes
A anestesiologista do preacute-anesteacutesico fica mais com a ortopedia que geralmente natildeo
pedia exame preacute-ciruacutergico soacute o risco baacutesico e mais nada Aiacute os anestesiologistas
bombavam as cirurgias [] Para a gente [cirurgia] natildeo tem Quando a gente pede
interconsulta geralmente natildeo daacute tempo de atender no tempo que a gente quer Entatildeo
a gente faz todo o preacute-operatoacuterio (Ei20)
Haacute ao mesmo tempo uma disputa (desordem) entre as especialidades para a avaliaccedilatildeo
preacute-operatoacuteria pelo anestesiologista no ambulatoacuterio ou nas enfermarias e uma conformaccedilatildeo
sobre a prioridade dos pacientes atendidos serem de uma especialidade (ordem) E assim se
conforma a organizaccedilatildeo da avaliaccedilatildeo preacute-operatoacuteria com prioridade para pacientes da
ortopedia os pacientes das demais especialidades tecircm a avaliaccedilatildeo preacute-operatoacuteria por vezes
realizada pelo cirurgiatildeo e sua equipe Assim a natildeo abrangecircncia da totalidade dos pacientes
gera desvalorizaccedilatildeo da avaliaccedilatildeo preacute-anesteacutesica pelo anestesiologista no preacute-operatoacuterio
A gente acaba fazendo de novo aqui [no CC] Essa conversa antes isso eacute o preacute-
anesteacutesico [ecircnfase] A gente vecirc exames pergunta se tem hipertensatildeo se jaacute enfartou
se estaacute em jejum Tem uns que jaacute vem com isso feito mas a maioria a gente faz aqui
na hora Eu acho que tem o ambulatoacuterio mas eu natildeo aproveito muito as informaccedilotildees
do ambulatoacuterio faccedilo de novo (Ed17)
Nessa situaccedilatildeo a avaliaccedilatildeo preacute-anesteacutesica foi reduzida agrave conversa do anestesiologista
com o paciente antes da induccedilatildeo anesteacutesica No Brasil os pacientes geralmente satildeo avaliados
no mesmo dia da cirurgia ou no maacuteximo na veacutespera (SCHWARTZMAN et al 2011)
Poreacutem eacute imprescindiacutevel conhecer com a devida antecedecircncia as condiccedilotildees cliacutenicas do
paciente antes de ser realizada qualquer anestesia exceto nas situaccedilotildees de urgecircncia (CFM
2006) Em cirurgias eletivas para aumentar a seguranccedila uma boa avaliaccedilatildeo ambulatorial seraacute
o padratildeo ouro do cuidado anesteacutesico preacute-operatoacuterio (SCHWARTZMAN et al 2011)
Ademais a forma como eacute conduzida a fase preacute-operatoacuteria revela para outras categorias
profissionais o compromisso dos cirurgiotildees com aquele paciente e com o procedimento a ser
realizado No entanto os procedimentos do preacute-operatoacuterio estatildeo fragmentados
Vocecirc fala assim ldquoEssa equipe ciruacutergica tem compromisso com o pacienterdquo se fez
todo esse preacute-operatoacuterio (Ed17)
Foi acordado com a equipe de anestesia fazer o preacute-operatoacuterio com alguns
anestesiologistas que correm leitos Tem uma preparaccedilatildeo tambeacutem com a
enfermagem Esses processos estatildeo um pouco fragmentados [] natildeo estaacute
cumprindo o que foi acordado (Ei23)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 82
O preacute eu natildeo consigo ver porque estaacute laacute fora Entatildeo eles estatildeo laacute (Ed31)
O preacute-operatoacuterio eacute uma fase que estaacute agrave parte algo distante que estaacute ldquolaacute forardquo natildeo eacute
considerado parte da cirurgia pelos profissionais que atuam diretamente no CC Poreacutem o preacute-
operatoacuterio ocorre por meio da interaccedilatildeo de vaacuterios atores da rede intra-hospitalar para a
execuccedilatildeo das accedilotildees
No ambulatoacuterio o paciente recebe as primeiras orientaccedilotildees data de cirurgia
encaminhamento para exames laboratoriais erisco ciruacutergico O enfermeiro orienta o
jejum o banho preacute-operatoacuterio o horaacuterio de chegada o fluxo [] No andar [paciente
internado] tem papel semelhante [] algumas medicaccedilotildees como anticoagulante
suspende na veacutespera orienta o jejum executa o banho preacute-operatoacuterio (Ed28)
O papel nosso [CTI] no preacute-operatoacuterio eacute que o meacutedico observe os exames e discuta
o caso com o cirurgiatildeo [] banho preacute-operatoacuterio pela equipe de enfermagem e que
o antibioacutetico corra antes do paciente ir para o CC(Ei25)
Embora os profissionais participantes da pesquisa tenham em mente o papel dos
diversos atores da rede intra-hospitalar nesta fase do processo ciruacutergico haacute descompasso das
accedilotildees do preacute-operatoacuterio com o estabelecido Alguns procedimentos que fazem parte do
preparo adequado do paciente como banho e a administraccedilatildeo de antibioacutetico profilaacutetico satildeo
realizados fora do tempo seja por desconhecimento displicecircncia ou desvalorizaccedilatildeo pelos
profissionais
As pessoas natildeo datildeo a devida importacircncia de uma rotina simples que eacute o banho preacute-
operatoacuterio que minimiza a infecccedilatildeo do siacutetio ciruacutergico aumenta a possibilidade da
cirurgia ser bem sucedida Agraves vezes as pessoas deixam de fazer por
desconhecimento [] natildeo tem noccedilatildeo de que o banho tem validade de duas horas
que se ele for muito cedo natildeo vai adiantar (Ed10)
O antibioacutetico preacute-operatoacuterio no pronto socorro agraves vezes jaacute podia comeccedilar a
administraccedilatildeo Eles natildeo datildeo importacircncia deixa para comeccedilar no bloco (Ed10)
As duas accedilotildees no preacute-operatoacuterio (antibioacutetico profilaacutetico e banho) satildeo relativamente
simples e impactam no transoperatoacuterio Em um estudo com 129 pacientes de duas instituiccedilotildees
hospitalares no Paranaacute o banho foi realizado para pouco mais da metade dos pacientes antes
do procedimento ciruacutergico (CHRISTOacuteFORO CARVALHO 2009) Os antimicrobianos satildeo
administrados no preacute-operatoacuterio frequentemente cedo demais tarde demais ou de uma
maneira errada (OMS 2009) O antibioacutetico profilaacutetico deve ser iniciado uma hora antes da
incisatildeo ciruacutergica ou duas horas antes da incisatildeo se o paciente recebe vancomicina ou
fluoroquinolonas (SALMAN et al 2012) Um estudo observacional prospectivo com 3836
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 83
pacientes mostrou que o antibioacutetico administrado entre 0 a 29 minutos antes da incisatildeo
ciruacutergica eacute menos efetivo quando comparado com a administraccedilatildeo entre 30 e 59 minutos antes
da cirurgia (WEBER et al 2008)
No periacuteodo preacute-operatoacuterio no hospital em estudo haacute falhas relativas tambeacutem no
preparo do paciente quanto ao acesso venoso adequado e a retirada de acessoacuterios e pertences
do paciente para encaminhaacute-lo ao CC
Nessa aacuterea [preacute-operatoacuterio] tem um pouco de falha Tudo deveria comeccedilar laacute fora
vir puncionado com jelco 18 calibre maior se precisar infundir sangue []
Paciente do pronto socorro vem com jelco 22 para o bloco [] manda de cueca
chinelo [] todo mundo sabe que natildeo pode mas vem com dentadura [] Quanto
mais eles ajudarem melhor o andamento aqui dentro fica mais faacutecil (Ed4)
Falhas nessas accedilotildees simples tambeacutem ocorrem em outros hospitais como no estudo
realizado em dois hospitais no Paranaacute onde a solicitaccedilatildeo de retirada da proacutetese dentaacuteria no
periacuteodo preacute-operatoacuterio se deu somente em 73 dos pacientes que faziam o uso nos demais
pacientes o uso da proacutetese foi identificado no CC (CHRISTOacuteFORO CARVALHO 2009)
Ademais as falhas de comunicaccedilatildeo no preacute-operatoacuterio vatildeo desde profissional para
paciente e vice-versa ateacute profissional para profissional em seus diversos locais de atuaccedilatildeo
No preacute Eles [pacientes] chegam aguardando uma posiccedilatildeo do meacutedico [] a gente
tem uma expectativa junto com eles [] ele [paciente] natildeo sabe quando vai ser a
cirurgia e o quecirc vai acontecer com ele (Ei7)
Paciente chega [no CC] a gente recebe ldquoSabe de que vai ser operadordquo ldquoNatildeo
Falaram pra mim que eu vou operar mas natildeo sei o querdquo [] O paciente natildeo sabe
Opreacute eacute isso (Ed31)
Quando o paciente chega para o trans quantas vezes a gente pergunta ldquoTaacute em
jejumrdquo ldquoNatildeo rdquo Ai a cirurgia eacute cancelada porque o preacute natildeo foi bem feito laacute fora
ldquoNatildeo falaram com vocecircrdquo ldquoNatildeo Ningueacutem me falourdquo (Ed31)
A expressatildeo ldquoa gente tem uma expectativa junto com elesrdquo relatada mostra a falta de
comunicaccedilatildeo entre os profissionais e de planejamento da assistecircncia natildeo multiprofissional
Por outro lado nos relatos de Ed31 foram reafirmadas falhas de comunicaccedilatildeo entre os
profissionais e pacientes A comunicaccedilatildeo o diaacutelogo e a conversa profissional-paciente eacute o elo
para aproximar quem estaacute sendo cuidado e quem estaacute cuidando No encontro as pessoas
estabelecem a partir da relaccedilatildeo e da interaccedilatildeo humana momentos de troca de interesse e
preocupaccedilatildeo com o outro e a maneira de expressatildeo pode ser pela palavra ou mesmo
comportamental Assim o profissional oportuniza e encoraja o cliente a dialogar e a
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 84
expressar-se o que torna possiacutevel aproximaccedilatildeo e compreensatildeo da complexa teia de relaccedilotildees
humanas de cuidado (BAGGIO CALLEGARO ERDMANN 2008) No preacute-operatoacuterio o
bem-estar do paciente deve ser o principal objetivo dos profissionais que o assistem pois
estes podem apresentar alto niacutevel de estresse bem como desenvolver sentimentos que podem
atuar negativamente em seu estado emocional tornando-os vulneraacuteveis Muitas vezes o
estresse independe da cirurgia tem relaccedilatildeo com a desinformaccedilatildeo associada aos procedimentos
da cirurgia da anestesia e dos cuidados (CHRISTOacuteFORO CARVALHO 2009)
A Sistematizaccedilatildeo da Assistecircncia de Enfermagem Perioperatoacuteria (SAEP) seria uma
estrateacutegia importante para integrar todo o perioperatoacuterio no entanto no cenaacuterio deste estudo
ainda natildeo eacute realidade Isso impacta na primeira fase ciruacutergica o preacute-operatoacuterio pela ausecircncia
da visita sistemaacutetica do enfermeiro do CC ao paciente antes das cirurgias
Infelizmente no bloco a gente natildeo tem esse enfermeiro que faz a visita preacute-
operatoacuteria [no leito] para dar continuidade no bloco A gente tentou implantar a
SAEP mas ainda natildeo tem essa ligaccedilatildeo na assistecircncia de enfermagem (Ed10)
O enfermeiro deve considerar a visita preacute-operatoacuteria prioritaacuteria um processo interativo
para promover eou recuperar a integridade dos pacientes Por meio dessa visita o enfermeiro
teraacute informaccedilotildees para ajudar no planejamento da cirurgia no trans e no poacutes-operatoacuterio
(GRITTEM MEIER GAIEVICZ 2006) Segundo Saragiotto e Tramontini (2009) 875
das enfermeiras de diferentes hospitais de Londrina natildeo realizam todas as fases da visita preacute-
operatoacuteria sendo que as estrateacutegias empregadas no preacute-operatoacuterio consistiram em contato
telefocircnico e orientaccedilotildees na enfermaria e na recepccedilatildeo do CC Isso de certa forma coincide
com as observaccedilotildees desta pesquisa no que diz respeito aos enfermeiros do CC Poreacutem haacute um
arcabouccedilo de legislaccedilotildees sobre a obrigatoriedade da utilizaccedilatildeo do processo de enfermagem
como atividade privativa do enfermeiro e que deve ter participaccedilatildeo de toda a equipe de
enfermagem (Lei nordm 74981986 Decreto nordm 944061987 Resoluccedilatildeo COFEN nordm 3582009)
Mesmo assim as recomendaccedilotildees natildeo satildeo ainda incorporadas no hospital cenaacuterio deste estudo
Isso fragiliza a assistecircncia de enfermagem pois o processo de enfermagem eacute um meacutetodo de
trabalho baseado em teorias de enfermagem que satildeo o conhecimento especiacutefico da profissatildeo
Foi possiacutevel perceber pelos depoimentos e observaccedilatildeo que o periacuteodo preacute-operatoacuterio
no hospital eacute ainda uma condiccedilatildeo insegura e que a seguranccedila do paciente nessa fase influencia
na tranquilidade e seguranccedila dos profissionais na sala operatoacuteria
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 85
[] o checklist do preacute-ciruacutergico a gente hoje natildeo faz Isso agraves vezes leva o paciente
numa condiccedilatildeo de mais fragilidade para a cirurgia O preacute-anesteacutesico eu acho que
seguramente eacute uma condiccedilatildeoainda insegura (Ei30)
O planejamento do anestesiologista eacute baseado no preacute-operatoacuterio e no preacute-anesteacutesico
que andam juntas e faz toda a diferenccedila [] Isso natildeo soacute aumenta a seguranccedila da
cirurgia como aumenta a qualidade de vida do profissional Vocecirc chega vecirc tudo ai
vocecirc comeccedila a trabalhar jaacute mais tranquilo (Ed17)
Ressalta-se a necessidade de repensar a articulaccedilatildeo dos atores do hospital na fase preacute-
operatoacuteria para a continuidade integralidade e seguranccedila do cuidado ciruacutergico e tambeacutem
para proporcionar um ambiente seguro para o trabalhador Segundo Pena e Minayo-Gomez
(2010) a seguranccedila do profissional e do paciente tem relaccedilotildees diretas Os autores observaram
que a diminuiccedilatildeo de infecccedilatildeo relacionada agrave sauacutede nos pacientes por exemplo reduz ao
mesmo tempo doenccedilas ocupacionais para os trabalhadores A melhoria da seguranccedila dos
pacientes impacta na reduccedilatildeo de acidentes no trabalho (PENA MINAYO-GOMEZ 2010)
Ao contraacuterio dos vaacuterios problemas citados pelos profissionais na fase preacute-operatoacuteria a
fase intraoperatoacuteria eacute percebida de uma forma mais tranquila pelos participantes da pesquisa
[] depois que o paciente entrou para a cirurgia ela flui tranquilamente Acontece
agraves vezes uma intercorrecircncia mas eacute aceitaacutevel Isso aiacute a gente natildeo pode prever [] o
trans eacute muito tranquilo (Ed13)
O trans eacute mais tranquilo As coisas caminham O raio X vem certinho nada foge do
normal tem um atraso ou outro mas nenhuma observaccedilatildeo maior a fazer natildeo (Ed29)
Os profissionais natildeo satildeo claros no que seria ldquoaceitaacutevelrdquo ldquonormalrdquo ocorrer dentro do
transoperatoacuterio que natildeo impactaria negativamente na assistecircncia ciruacutergica segura Contudo o
atraso mencionado pode gerar maior tempo ciruacutergico e repercutir no resultado final do
procedimento
Haacute tambeacutem nos relatos sobre a fase transoperatoacuteria a necessidade da conexatildeo e da
comunicaccedilatildeo dos diversos atores da rede intra-hospitalar A metaacutefora utilizada para expressar
essa interdependecircncia foi a de um ldquocorpordquo que depende de muacuteltiplos oacutergatildeos para funcionar
[] eacute a mesma coisa do corpo [] primeiro dependemos do pessoal da conservaccedilatildeo
Limpou a sala a sala estaacute pronta Aiacute dependemos do teacutecnico de enfermagem que
montou os carrinhos depende do instrumentador para checar o material Estaacute tudo
ok Aiacute sim pode entrar com o paciente Depende do anestesiologista Fez o trabalho
dele Entra a equipe ciruacutergica que vai do instrumentador ao preceptor [pausa] Para
ter sucesso depende de todo mundo [com ecircnfase] (Ed12)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 86
A cirurgia vai depender do anestesiologista do cirurgiatildeo mas tem um monte de
gente nos bastidores Tem a equipe da enfermagem a farmaacutecia e o banco de sangue
que precisam disponibilizar o que a gente pede o quanto antes (Ed19)
Pelos depoimentos os profissionais que atuam diretamente no ato anesteacutesico-ciruacutergico
estatildeo na cena principal de um filme e os demais profissionais estatildeo nos bastidores apoiando
essa ldquocenardquo da qual participam apenas os protagonistas Segundo Reus e Tittoni (2012) a sala
operatoacuteria eacute o local onde se desenvolve a cena e tudo funciona como num filme onde cada
ator desempenha papeacuteis definidos Uma nova refilmagem acontece em cada cirurgia onde os
atores podem ser diferentes mas as cenas satildeo repetidas detalhadamente Assim como um
piloto de aviatildeo conta com a equipe de solo com a equipe de bordo e os controladores de
traacutefego aeacutereo para um vocirco seguro um cirurgiatildeo eacute um membro essencial mas depende de uma
equipe responsaacutevel para a assistecircncia ciruacutergica segura (OMS 2009)
Entre os vaacuterios profissionais que atuam em um procedimento ciruacutergico cada ldquoatorrdquo
tem um contato distinto com o corpo do paciente o que lhe confere um status nessa relaccedilatildeo
O cirurgiatildeo atua manipulando e modificando o ldquointeriorrdquo do corpo amparado por um saber
teacutecnico e acadecircmico tanto no corpo como no ambiente O anestesiologista interveacutem na
consciecircncia do paciente que se ausenta e se torna vulneraacutevel Os profissionais de enfermagem
manipulam o ldquoexteriorrdquo do corpo com procedimentos ldquonatildeo invasivosrdquo tambeacutem amparados
por um saber (REUS TITTONI 2012) Esses saberes teacutecnicos distinguem os diversos atores
humos da rede intra-hospitalar e os coloca na cena ou nos bastidores o que faz com que cada
um exerccedila um niacutevel de poder nesse espaccedilo ocupado No entanto a seguranccedila ciruacutergica
demanda desempenho confiaacutevel de muacuteltiplas etapas necessaacuterias agrave assistecircncia natildeo apenas pelo
cirurgiatildeo mas pela equipe de profissionais de sauacutede trabalhando em conjunto para o
benefiacutecio do paciente (OMS 2009)
Aleacutem da dependecircncia dos diversos atores da rede intra-hospitalar haacute uma relaccedilatildeo
direta entre as diferentes disciplinas que atuam na aacuterea ciruacutergica No relato para a cirurgia
acontecer eacute necessaacuteria a atuaccedilatildeo da anestesiologia que evoluiu em determinado periacuteodo
tornando-se duas profissotildees distintas embora complementares Isso trouxe vantagens e
desvantagens
Uma cirurgia de laparotomia por uma obstruccedilatildeo intestinal pra ser tranquila precisa
de uma anestesia muito bem feita para a musculatura [do paciente] ficar flexiacutevel
para o cirurgiatildeo acessar A anestesiologia jaacute foi uma subespecialidade da cirurgia
Depois foi ficando tatildeo complexa que teve que separar [] as teacutecnicas ciruacutergicas se
desenvolveram a partir do momento em que a anestesia evoluiu e daacute condiccedilotildees para
o cirurgiatildeo operar [] natildeo existiria cirurgia sem anestesia Cirurgias antes da
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 87
anestesia eram coisas medievais [] paciente sentido dores horriacuteveis As duas aacutereas
se desenvolveram juntas e uma eacute totalmente dependente da outra (Ed17)
Determinadas cliacutenicas tipo ortopedia eacute muito ligada soacute no problema especialista
em joelho vecirc soacute o joelho natildeo consegue ver o resto [] vecirc um ligamento rompido
trata aquilo ali mas o paciente tem outros problemas agraves vezes nem eacute o mais grave
aquilo ali [] quanto mais especialista menos consegue ter visatildeo geral (Ed17)
Segundo Morin (2005) a evoluccedilatildeo disciplinar das ciecircncias trouxe as vantagens da
divisatildeo do trabalho (contribuiccedilatildeo das partes especializadas para a coerecircncia de um todo
organizador) mas tambeacutem os inconvenientes da fragmentaccedilatildeo do saber Haacute necessidade da
equipe multiprofissional para o sucesso das cirurgias na sala ciruacutergica No entanto a conexatildeo
natildeo eacute articulada e a comunicaccedilatildeo natildeo eacute efetiva O ldquocorpordquo falha e repercute na fase trans-
operatoacuteria No CC haacute um desalinhamento um descompasso nos atos de cuidados de um setor
para o outro Isso gera prejuiacutezo para os pacientes e desperdiacutecio de material
O paciente chega do CTI com bomba de infusatildeo medicaccedilotildees IV e tal A gente tira
pra fazer as minhas medicaccedilotildees Agraves vezes estaacute no meio de um antibioacutetico e perde
aquele frasco Acho que poderia integrar mais a prescriccedilatildeo [] A gente natildeo pode
manter a conduta deles cirurgia eacute diferente [] a gente tira tudo [] Se a gente
manda uma bomba de infusatildeo daqui eles trocam porque tecircm outras diluiccedilotildees
padrotildees (Ed17)
O bloco tem interface com todos os setores e nem sempre o paciente chega para a
cirurgia na condiccedilatildeo adequada [] Para que aconteccedila o processo de trabalho do
bloco tudo tem que estar muito acertado (Ei30)
A comunicaccedilatildeo entre a equipe do CC e outras unidades interfere na dinacircmica de
funcionamento do CC sendo a comunicaccedilatildeo identificada como um instrumento de trabalho
(STUMM MACcedilALAI KIRCHNER 2006) Essa comunicaccedilatildeo entre os diversos atores eacute
necessaacuteria entre outras questotildees para que o desperdiacutecio seja evitado e haja continuidade do
tratamento Outros pontos relacionados a questotildees externas e internas ao CC satildeo citados como
problemas no transoperatoacuterio
Vira e mexe tem um material que natildeo estaacute bom falta alguma peccedila no kit mas eacute tudo
mais tranquilo Eacute soacute em caraacuteter de exceccedilatildeo mesmo (Ed29)
No trans algumas vezes acontece alguns percalccedilos [] o cirurgiatildeo pede um monte de
coisa e nada serve e o material fica comprometido ou perdido (Ei23)
Em estudo realizado em hospital universitaacuterio puacuteblico de grande porte de Porto
Alegre o comportamento do cirurgiatildeo foi apontado como uma situaccedilatildeo geradora de estresse e
houve o reconhecimento ateacute por parte deles mesmos Viu-se que quanto mais jovens menos
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 88
seguros e mais agressivos Relacionaram como comportamentos geradores de estresse o
cirurgiatildeo perfeccionista muito exigente irritado e que perde o controle (CAREGNATO
LAUTERT 2005)
No transoperatoacuterio o estresse provocado pela necessidade de uma cirurgia e todo o
percurso percorrido ateacute o CC gera sentimentos como nervosismo medo inseguranccedila e tristeza
no paciente ciruacutergico Os profissionais aleacutem de todas as questotildees teacutecnicas inerentes agraves suas
funccedilotildees tecircm o papel de manter um ambiente harmocircnico tranquilo e seguro aleacutem de orientar
e informar sobre o procedimento ciruacutergico propriamente dito
No trans a gente explica para ele todo o procedimento [] eles chegam nervosos
com medo A gente tenta transmitir a maior seguranccedila possiacutevel Mostrar que estaacute em
um lugar seguro Mesmo com os riscos que isso tem aqui a gente faz tudo para o
paciente [] graccedilas a Deus na maioria das vezes daacute tudo certo (Ed31)
Apesar do relato de Ed31 sugerir uma assistecircncia segura humanizada e eacutetica por
parte dos profissionais do CC percebeu-se que haacute impaciecircncia quando o paciente natildeo
obedece aos comandos da equipe Nas notas do diaacuterio de campo foi registrada uma cena
presenciada Era um paciente em confusatildeo mental de 62 anos com hemorragia subdural
devido a um traumastismo histoacuterico de acidente vascular cerebral que estava contido com
faixas transpassadas pelo abdocircmen e nos braccedilos amarradas agraves grades do leito As faixas da
regiatildeo do toacuterax estavam muito apertadas e o anestesiologista pediu para afrouxaacute-las A
circulante natildeo o fez Entatildeo a acadecircmica que acompanhou a pesquisa pediu licenccedila para
afrouxar a contenccedilatildeo pois se preocupou com a possiacutevel pele lesionada em um paciente idoso
prestes a se submeter a um ato ciruacutergico Foi administrada a medicaccedilatildeo e o paciente manteve-
se agitado As circulantes comeccedilaram a perder a paciecircncia e a dizer ldquoFica quietinho se natildeo
vocecirc vai cair Um homem dessa idade fazendo issordquo Quando houve a perda do acesso
venoso a falta de paciecircncia das circulantes aumentou e chamaram a enfermeira e o
anestesiologista Nesse periacuteodo houve brincadeiras quanto aos procedimentos com o
paciente Quando outro anestesiologista chegou e disse ldquoVou entubar de uma vez ai para de
incomodarrdquo Essa situaccedilatildeo deve ser refletida de forma criacutetica em um hospital de ensino A
interaccedilatildeo entre o profissional e o paciente ciruacutergico deve considerar as caracteriacutesticas de cada
pessoa Isso pode minimizar o estresse a ansiedade e o desgaste que a pessoa vivencia na
cirurgia aleacutem de proporcionar seguranccedila calma e tranquilidade (CALLEGARO et al 2010)
A equipe multiprofissional natildeo atua somente em situaccedilotildees confortaacuteveis (ordem) mas devem
estar organizados para todas as caracteriacutesticas imprevisiacuteveis dos pacientes (desordem)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 89
Por uacuteltimo no que diz respeito agrave fase transoperatoacuteria a observaccedilatildeo possibilitou
perceber que haacute tambeacutem negligecircncia em relaccedilatildeo aos Equipamentos de Proteccedilatildeo Individual
(EPI) como o uso de oacuteculos de proteccedilatildeo Observou-se e foi registrado no diaacuterio de campo que
a natildeo utilizaccedilatildeo do EPI resultou em um acidente com material bioloacutegico que atingiu os olhos
de um cirurgiatildeo e da instrumentadora que natildeo tomaram nenhuma atitude quanto ao fato
Outras condutas de risco foram observadas como o natildeo uso de luvas para a administraccedilatildeo e o
preparo dos medicamentos e a perfuraccedilatildeo da bolsa de soro com o intuito de infundir com
maior velocidade Haacute ainda um ambiente informal de trabalho os profissionais cantam
conversam sobre diversos assuntos riem de piadas e acontecimentos compartilhados no
momento da cirurgia falam ao celular sobre assuntos diversos Como exemplo foi observado
um profissional anestesiologista em uma longa discussatildeo no celular sobre o conserto de seu
carro na oficina em pleno ato ciruacutergico gerando distraccedilotildees e risco Ademais haacute interrupccedilotildees
frequentes durante as cirurgias Essas situaccedilotildees distanciam a atenccedilatildeo e a concentraccedilatildeo dos
profissionais do ato ciruacutergico gerando inseguranccedila ciruacutergica As distraccedilotildees e interrupccedilotildees
frequentes podem contribuir para a ocorrecircncia de erros na assistecircncia agrave sauacutede (LEMOS
SILVA MARTINEZ 2012)
Na fase poacutes-operatoacuteria assim como na preacute-operatoacuteria tambeacutem se encontra uma seacuterie
de dificuldades a comeccedilar pelo poacutes-operatoacuterio imediato que fica a desejar na opiniatildeo de
profissionais que atuam no poacutes-operatoacuterio externo ao CC
A gente teve um caso de paciente que colocaram a placa de cauteacuterio sem gel e teve
uma queimadura extensa de membro inferior Ele veio para o CTI e foi aqui que foi
observada essa lesatildeo [] a gente sente falta de passagem de caso e de um exame
fiacutesico do paciente antes que ele venha [] se esse paciente fosse examinado no poacutes-
operatoacuterio imediato na sala de recuperaccedilatildeo a gente conseguiria fechar todos os elos
da cadeia da cirurgia segura (Ei25)
O exame fiacutesico dos pacientes e a disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees que ocorrem de forma
inadequada segundo o entrevistado satildeo importantes accedilotildees para o poacutes-operatoacuterio imediato
que consiste em uma fase criacutetica para o paciente Segundo Monteiro et al (2014) o paciente
fica vulneraacutevel a diversas complicaccedilotildees principalmente as de origem respiratoacuteria circulatoacuteria
e gastrointestinal Ao admitir o paciente na Sala de Recuperaccedilatildeo Poacutes-anesteacutesica (SRPA) eacute
necessaacuteria uma avaliaccedilatildeo inicial pelo enfermeiro Esse deve inspecionar o paciente
monitorando-o de forma que sejam avaliados todos os paracircmetros vitais aleacutem da realizaccedilatildeo
do exame fiacutesico ceacutefalo-caudal com ecircnfase no local ciruacutergico (MONTEIRO et al 2014) e na
identificaccedilatildeo de eventuais complicaccedilotildees ou incidentes como o citado
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 90
Uma importante ferramenta para a identificaccedilatildeo e anaacutelise das complicaccedilotildees
apresentadas pelos pacientes nessa fase eacute o Iacutendice de Aldrete e Kroulik (IAK) que avalia a
atividade muscular a respiraccedilatildeo a circulaccedilatildeo a consciecircncia e a saturaccedilatildeo de oxigecircnio
(CASTRO et al 2012) No CC em estudo natildeo haacute um enfermeiro exclusivo para a SRPA haacute
dois teacutecnicos de enfermagem nos cuidados aos pacientes que por vezes ultrapassa o nuacutemero
maacuteximo de sete pacientes Esse cenaacuterio coloca em risco o paciente que se encontra
dependente sonolento devido agrave anestesia demandando cuidados dos profissionais o que se
torna difiacutecil tendo em vista o grande nuacutemero de pacientes na sala para prestar uma assistecircncia
segura por sobrecarga de trabalho O excesso de pacientes se daacute pela falta de leitos no CTI e
na unidade de internaccedilatildeo da cliacutenica ciruacutergica
Ainda na SRPA observou-se que apesar de se ter um termocircmetro conforme a
legislaccedilatildeo preconiza a sala permanece com temperaturas baixas Isso pode levar agrave hipotermia
dos pacientes em poacutes-operatoacuterio sendo um fator prejudicial pois de acordo com De Mattia et
al (2012) pode desencadear complicaccedilotildees como alteraccedilotildees respiratoacuterias tegumentares
cardiovasculares dentre outras
A falta de leitos na cliacutenica ciruacutergica e no CTI a falta de profissional a sobrecarga de
trabalho e a atitude dos profissionais em higienizar e agilizar o recebimento dos pacientes satildeo
tambeacutem questotildees pontuadas como problemas
A demanda de pacientes eacute grande o hospital natildeo suporta faltam leitos O paciente
fica preso no bloco aguardando leito [] Agraves vezes ateacute tem o leito mas o paciente
fica mais que deveria por falta de boa vontade [] (Ed13)
A uacutenica dificuldade eacute quando o paciente eacute para admissatildeo no andar [] fica na
recuperaccedilatildeo o dia inteiro estaacute limpando o leito (Ed4)
O pessoal [da internaccedilatildeo ciruacutergica] tem um pouco de resistecircncia pra receber o
paciente por questatildeo de sobrecarga de trabalho falta de funcionaacuterios chega laacute em
cima atendem mal [] Podia ser melhor essa integraccedilatildeo (Ed8)
A uacutenica dificuldade que a gente tem eacute subir com o paciente quando o paciente eacute
admissatildeo no andar [] tem paciente que fica na recuperaccedilatildeo o dia inteiro o leito taacute
limpando limpando de cotonete neacute (Ed4)
As questotildees relatadas como problemas na fase poacutes-operatoacuteria se assemelham aos
relatados da fase preacute-operatoacuteria quanto agraves questotildees que envolvem a conexatildeo e a comunicaccedilatildeo
profissional Por outro lado se diferem por serem questotildees que necessitam de maiores aportes
de recursos como a falta de leitos de retaguarda para o recebimento do paciente no poacutes-
operatoacuterio que estaacute ligada a uma macropoliacutetica que embora possa ser influenciada pelos
atores do hospital estes natildeo tecircm autonomia total
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 91
A falta de leitos tem consequecircncias como cancelamento de cirurgias eletivas atraso
da admissatildeo de pacientes em urgecircncia ciruacutergica e colocaccedilatildeo dos mesmos em leitos
inapropriados (cliacutenico versus ciruacutergico feminino versus masculino) Somado a isso haacute a
dificuldade de transferecircncia de pacientes entre alas e postergaccedilatildeo de altas do CTI elevando o
tempo de permanecircncia hospitalar (FARIA et al 2010) Mesmo quando haacute o leito disponiacutevel
no hospital satildeo relatadas dificuldades de transferecircncia do CC para a unidade ciruacutergica devido
agrave falta de pessoal sobrecarga de trabalho e processos inadequados de trabalho A metaacutefora
utilizada ldquolimpando de cotoneterdquo (os leitos na cliacutenica ciruacutergica) expressa a inconformidade
com a lentidatildeo de liberaccedilatildeo de leitos Portanto as dificuldades satildeo de natureza estrutural e
profissional-pessoal entre outras que comprometem as relaccedilotildees a comunicaccedilatildeo e o
atendimento aos pacientes contribuindo para a inseguranccedila ciruacutergica
A falta de leitos de retaguarda e a impossibilidade de adiar a cirurgia do paciente pela
sua necessidade mesmo natildeo tendo vaga no CTI geram a permanecircncia inadequada do
paciente na sala operatoacuteria ou na SRPA No caso dos pacientes que necessitam de CTI a
permanecircncia no CC gera seacuterios riscos para os pacientes uma vez que ele natildeo tem a assistecircncia
adequada de cuidado intensivo
[] tem um paciente parado ali natildeo tem vaga de CTI Soacute que natildeo vou olhar tatildeo
bem quanto o intensivista que tem o haacutebito de dar atenccedilatildeo ao paciente grave A
gente tem costume com paciente grave soacute no periacuteodo da cirurgia Depois eacute CTI eles
tecircm conduta de exames protocolos que a gente natildeo tem conhecimento e nem
obrigaccedilatildeo de ter Natildeo eacute minha especialidade (Ed17)
Um paciente no uacuteltimo plantatildeo ficou trecircs dias aguardando CTI aqui sem cuidado
intensivista Natildeo que ele fique descuidado de forma alguma O anestesiologista
acompanha a gente estaacute atento a qualquer alteraccedilatildeo mas ele natildeo estaacute no CTI natildeo
tem profissional capacitado para isso aqui [] eacute um problema de fluxo do hospital e
estaacute virando rotina [] a meacutedia estaacute ficando dois dias aguardando e deveria ir de
imediato Fica a desejar Muito (Ed29)
Um anestesiologista relata que natildeo eacute o melhor profissional para acompanhar o
paciente grave no poacutes-operatoacuterio porque as especialidades satildeo bem diferentes A assistecircncia
ldquointensivardquo poacutes-operatoacuteria imediata que tem acontecido no CC aleacutem da seguranccedila do paciente
ser colocada em risco faz com que a relaccedilatildeo dos atores do CC e do CTI seja conflituosa e
gere anguacutestia dos profissionais de ambos os setores Haacute problemas estruturais e uma
justificativa eacute a elevada demanda por hospital publico
[] alguns pacientes que a gente opera aqui eacute fundamental que vaacute direto para o
ambiente de CTI [] se ele continuar no bloco o prognoacutestico natildeo vai ser o mesmo
se ele tivesse ido para o CTI [] a relaccedilatildeo entre bloco e CTI agraves vezes eacute conflituosa
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 92
porque nem sempre o CTI pode receber o nosso doente Mas o CTI de hospital
puacuteblico eacute assim mesmo vive cheio (Ed19)
[] a gente fica na anguacutestia de saber que tem um paciente laacute no bloco prendendo
sala que natildeo recebe naquele momento o cuidado e o tratamento meacutedico mais
adequado porque ele tem indicaccedilatildeo da terapia intensiva Agraves vezes tem paciente de
alta no CTI o dia inteiro mas a gente natildeo consegue tiraacute-lo daqui (Ei25)
O poacutes-operatoacuterio eacute realizado na enfermaria ciruacutergica e no ambulatoacuterio Na enfermaria
de cliacutenica ciruacutergica a transferecircncia de cuidados agrave beira do leito e a corrida de leito individual
e multiprofissional satildeo estrateacutegias para a articulaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo das necessidades para o
cuidado poacutes-operatoacuterio No ambulatoacuterio satildeo acompanhados os pacientes que realizaram
cirurgia no hospital e tambeacutem aqueles que se encontram em tratamento conservador
A gente pega plantatildeo no leito Eacute diferente de pegar dentro da sala Na beira do leito eacute
muito melhor vocecirc consegue observar as coisas para priorizar os cuidados na
corrida de leito que vocecirc faz depois [] eacute diferente vocecirc estar com o meacutedico
discutindo as coisas para agilizar procedimentos Exemplo paciente da cirurgia
geral vai retirar um dreno na corrida de leito a gente sabe ai providecircncia o material
em vez de esperar o meacutedico solicitar (Ei7)
A gente faz o poacutes-operatoacuterio de todos os nossos pacientes no ambulatoacuterio que eacute
eminentemente ciruacutergico [] faz o acompanhamento deles de acordo com a
necessidade inclusive tratamento conservador de fratura que natildeo precisou operar
Se precisar operar ele eacute agendado e marca (Ed21)
A corrida de leito multiprofissional eacute uma estrateacutegia importante para o aprendizado
dos alunos e residentes por ser um hospital de ensino bem como para os profissionais
interagirem e terem um momento de discussatildeo das situaccedilotildees No entanto durante o periacuteodo
de observaccedilatildeo pode-se visualizar que as enfermarias ficam cheias durante a passagem da
equipe multiprofissional Em uma delas havia 12 pessoas entre preceptor enfermeiro
fisioterapeuta residente e acadecircmico aleacutem dos pacientes e seus familiares Isso gera ruiacutedos
principalmente devido agraves conversas paralelas que vatildeo acontecendo tirando o foco do cuidado
Aleacutem disso observou-se curiosidade e certo desconforto dos pacientes em saber o caso do
outro paciente (vizinho de leito) e ao mesmo tempo ter o seu caso exposto para a enfermaria
toda ou seja observou-se falta de privacidade para os pacientes A escuta do paciente por
vezes foi interrompida e as orientaccedilotildees passadas natildeo eram entendidas pelo paciente O
desconforto foi tambeacutem devido agrave corrida de leito coincidir com o horaacuterio de banho dos
pacientes que ficavam sem saber o que fazer Observou-se que o preceptor e os residentes
natildeo lavavam as matildeos entre um paciente e outro apesar de tocaacute-los sem luvas levantando a
roupa para visualizar a ferida operatoacuteria suspendendo um dreno para avaliaccedilatildeo abrindo um
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 93
curativo Outros apoiavam o peacute em uma parte de ferro da cama abaixo do colchatildeo Essas
situaccedilotildees para pacientes com sistema imunoloacutegico fraacutegil geram riscos de infecccedilatildeo Aleacutem
disso na maior parte das vezes a equipe natildeo usou capote para pacientes com indicaccedilatildeo de
precauccedilatildeo por contato inclusive tocavam os mesmos sem o uso de luvas
Em estudo realizado em uma UTI de Natal-Rio Grande do Norte (RN) com objetivo
de compreender os sentimentos de pacientes que vivenciam a passagem de plantatildeo agrave beira
leito o autor recomendou a transferecircncia de cuidados em dois espaccedilos distintos em um
ambiente reservado para serem feitas observaccedilotildees que poderiam causam ansiedade e
constrangimento como questotildees sobre quadro cliacutenico e prognoacutestico grau de dependecircncia
tipo de banho eliminaccedilotildees intercorrecircncias e posteriormente agrave beira leito para abordar
questotildees praacuteticas a respeito de acesso venoso sonda drenos cateteres sempre explicando ao
paciente o procedimento que seraacute realizado e ouvindo as necessidades que ele tem a expor
(PEREIRA 2011) Essa pode ser uma estrateacutegia interessante para ser utilizada no hospital em
estudo para a transferecircncia de cuidados e corrida de leito que os profissionais realizam
O macro jaacute natildeo eacute um local maior que o micro que pode ser encaixado como as
bonecas Matryoshka russas (LATOUR 2012) A rede intra-hospitalar que ocorre todo o
perioperatoacuterio jaacute natildeo eacute um local maior que o micro neste caso os diversos setores
(internaccedilatildeo CC CTI ambulatoacuterio) Eacute um lugar igualmente local e micro conectado a muitos
outros por algum meio que transporta tipos de traccedilos especiacuteficos Ou seja nenhum lugar eacute
maior que outro mas alguns como o CC que eacute o aacutepice do perioperatoacuterio se beneficiam de
conexotildees com outros lugares Esse movimento tem o efeito beneacutefico de manter a paisagem
plana pois o que antes se situava acima ou abaixo (hierarquia de setores e profissionais)
permanece lado a lado inseridos no mesmo plano dos outros locais que tentavam superar ou
incluir
42 Situaccedilotildees de seguranccedila e de inseguranccedila nos procedimentos ciruacutergicos
A construccedilatildeo de um fato eacute um processo tatildeo coletivo que uma pessoa sozinha soacute
constroacutei sonhos alegaccedilotildees e sentimentos mas natildeo fatos (LATOUR 2000 p70)
Procurou-se nesta categoria elucidar as situaccedilotildees de seguranccedila e de inseguranccedila nas
cirurgias na perspectiva dos profissionais Segundo Valido (2011) a seguranccedila do paciente
dimensatildeo essencial da qualidade em sauacutede assume primordial importacircncia em ambiente de
centro ciruacutergico na medida em que se trata de um ambiente teacutecnico de grande diferenciaccedilatildeo
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 94
cuja estrutura aleacutem de ser complexa tem uma dinacircmica especiacutefica que impacta em seus
resultados Esta categoria estaacute estruturada nas seguintes subcategorias (421) cirurgia segura
e cirurgia insegura imbricaccedilotildees de atores humanos e natildeo humanos (422) onda vermelha
situaccedilatildeo de caos que salva vidas (423) efeito borboleta pequenas accedilotildees podem resultar em
grandes incidentes na assistecircncia ciruacutergica e (424) abordagem institucional frente aos
incidentes efeitos da cultura organizacional
421 Cirurgia segura e cirurgia insegura imbricaccedilotildees de atores humanos e natildeo humanos
Buscou-se compreender o sentido que os profissionais atribuem para um procedimento
anesteacutesico-ciruacutergico seguro e um que gera inseguranccedila para o paciente e para o profissional
As expressotildees foram multidimensionais e paradoxalmente a certeza e a duacutevida da seguranccedila
ciruacutergica no hospital estiveram presentes nas falas
Eu acho que apesar das dificuldades a maioria das nossas cirurgias eacute considerada
segura Sem duacutevida (Ed21)
Natildeo sei te falar se a maioria eacute segura ou se a maioria ainda estaacute com essa
inseguranccedila de cumprir todos os processos (Ei23)
Satildeo vaacuterios fatores que se deve levar em conta pra definir se a cirurgia eacute segura ou
natildeo (Ed13)
A reflexatildeo sobre as causas que concorrem para a seguranccedila ou a inseguranccedila
anesteacutesico-ciruacutergica se insere no campo do pensamento complexo o qual eacute articulante e
multidimensional Segundo Morin (2003a) o desafio do pensamento complexo eacute articular os
domiacutenios disciplinares fraturados pelo pensamento desagregador principal caracteriacutestica do
pensamento simplificador Este isola o que separa oculta tudo o que religa diz que o
compreender e o entender significam interferir no real Segundo o autor o pensamento
complexo almeja a um conhecimento multidimensional e poieacutetico (que manifesta novidade
criaccedilatildeo e temporalidade)
A assistecircncia anesteacutesico-ciruacutergica envolve muacuteltiplas etapas que satildeo criacuteticas plenas de
variaccedilatildeo e de incerteza com riscos de falhas e potencial para causar agravos aos pacientes
mesmo em cirurgias mais simples As etapas devem ser acionadas para cada paciente de
forma interdisciplinar com dependecircncia da accedilatildeo individual dos profissionais e satildeo exercidas
em ambientes onde fatores organizacionais e humanos desempenham papel fundamental
numa constante interaccedilatildeo entre humanos maacutequinas e equipamentos (OMS 2009
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 95
FRAGATA 2010) Essa interaccedilatildeo natildeo era possiacutevel na definiccedilatildeo preacute-relativista do social
Primeiro aparecia o participante humano e depois o mundo social mais aleacutem Nada que natildeo
fosse formado por laccedilos sociais podia fazer conexatildeo com os humanos Atualmente eacute o
contraacuterio os humanos e o contexto social foram relegados aos bastidores a luz incide sobre
os mediadores cuja proliferaccedilatildeo engendra entre muitos outros entes o que se chamaria de
quase objetos e quase sujeitos (LATOUR 2012)
Os relatos dos profissionais indicam que o desfecho anesteacutesico-ciruacutergico seguro ou
inseguro se relacionaram agraves conexotildees dos atores humanos e natildeo humanos Os natildeo humanos se
arrolaram agrave capacidade interna do hospital desde as suas condiccedilotildees estruturais ateacute os
processos de preparo do paciente e o ato ciruacutergico em si Os fatores relacionados aos atores
humanos foram aspectos que extrapolam o hospital desencadeados tanto pelas caracteriacutesticas
biopsicossociais do paciente quanto pelas caracteriacutesticas e competecircncia dos profissionais
Segundo Latour (2012 p 341) ldquoo social natildeo eacute um lugar uma coisa um domiacutenio ou um tipo
de mateacuteria e sim um movimento provisoacuterio de associaccedilotildees novasrdquo Assim propotildee-se para esta
discussatildeo a configuraccedilatildeo do tetragrama de atores natildeo humanos e humanos (condiccedilatildeo
estrutural processos de trabalho caracteriacutesticas do paciente e atitudes profissionais) que satildeo
interdependentes para a realizaccedilatildeo de uma assistecircncia ciruacutergica segura
As condiccedilotildees estruturais divididas em quatro subgrupos (espaccedilo fiacutesico equipamentos
materiais e medicamentos) foram aspectos importantes citados pelos profissionais para a
seguranccedila ciruacutergica O espaccedilo fiacutesico do CC foi considerado inadequado apesar da
importacircncia desta unidade pra a missatildeo do hospital
O nuacutemero de salas eacute pequeno Agraves vezes a urgecircncia fica esperando desocupar sala de
eletiva [] A diretoria falou em ampliar mas mais salas tecircm que ter mais
circulante anestesistas [] O valor financeiro acaba sendo alto (Ed16)
Cirurgias eletivas eu tenho que cancelar todos os dias trecircs ou quatro Chegou uma
urgecircncia a gente perde a sala A vascular a neuro e a cirurgia geral tem casos de
urgecircncia a gente perde a sala Natildeo tem CTI a sala fica presa O fluxo de cirurgias
eletivas ortopeacutedicas natildeo funciona (Ed22)
O CC eacute composto por aacuterea de recepccedilatildeo do paciente (secretaria) vestiaacuterio feminino e
masculino para profissionais aacuterea com banheiro para troca de roupas de paciente externo seis
salas ciruacutergicas aacuterea de escovaccedilatildeo sala de enfermagem quarto de descanso para a equipe
meacutedica sala de prescriccedilatildeo farmaacutecia sateacutelite aacuterea acoplada agrave farmaacutecia especiacutefica para a
guarda de oacutertese e proacutetese sala de recuperaccedilatildeo poacutes-anesteacutesica arsenal aacuterea improvisada de
estoque de equipamentos de imagem (raio X e intensificador) sala de equipamentos como
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 96
carro de anestesia aparelhos de pressatildeo intra arterial A sala de espera para pacientes externos
e familiares se localiza distante do CC fazendo com que a espera ocorra nos corredores agrave
frente da secretaria do CC
O CC atende cinco especialidades cirurgia geral vascular cirurgia plaacutestica
neurocirurgia e ortopedia As seis salas foram consideradas insuficientes pela demanda
principalmente de cirurgias ortopeacutedicas O quantitativo de salas eacute determinado por legislaccedilatildeo
de acordo com o nuacutemero de leitos do hospital Satildeo duas salas ciruacutergicas para cada 50 leitos
natildeo especializados ou duas para cada 15 leitos ciruacutergicos (BRASIL 2002b) No hospital satildeo
239 leitos natildeo especializados indicando que seriam necessaacuterias mais trecircs salas ciruacutergicas para
adequar agrave legislaccedilatildeo Pelo caacutelculo do total de leitos ciruacutergicos que satildeo 129 leitos seriam
necessaacuterias mais onze salas para alcanccedilar o miacutenimo solicitado pela legislaccedilatildeo
Esse deacuteficit gera disputa entre as cirurgias eletivas e as de urgecircncia e subsequente
tratamento ineficiente Haacute uma sala especiacutefica para as emergecircncias mas as urgecircncias
dependem da liberaccedilatildeo de salas o que pode gerar riscos para os pacientes aleacutem de atraso ou
cancelamento de cirurgias devido agrave falta de sala ciruacutergica A queixa dos profissionais deve ser
levada em consideraccedilatildeo para maior resolutividade do CC adequaccedilatildeo agrave legislaccedilatildeo e alcance da
visatildeo institucional em ser referecircncia para trauma Aleacutem do nuacutemero de salas haacute problemas
relacionados aos processos de trabalho dos profissionais
[] um bloco de seis salas natildeo consegue operar dez casos por dia A ineficiecircncia
vem desde a limpeza e troca de sala horaacuterio de inicio natildeo funciona antes de oito
Os horaacuterios de almoccedilo se estendem a partir de 1130 horas e soacute se consegue voltar a
operar duas horas da tarde [] Natildeo existe eficiecircncia com o intuito de operar mais
pacientes Pelo contrario O que eu entendo eacute que quanto menos melhor (Ed22)
[] a gente trabalha com muita condiccedilatildeo Extra bloco eacute que eacute o problema []
poderia ser mais produtivo esse bloco (Ed17)
As inadequaccedilotildees da estrutura fiacutesica podem estar ligadas agrave arquitetura antiga e falta de
planejamento financeiro para reformas embasadas nas necessidades de sauacutede e missatildeo do
hospital Por outro lado falta melhoria na estrutura do CC que resulta em baixa
produtividade mas pode ser resolvida com uma lideranccedila eficaz que estabeleccedila metas de
produccedilatildeo que natildeo devem ser riacutegidas para natildeo acarretar maacute qualidade e inseguranccedila ciruacutergica
A resolutividade tambeacutem pode ser mais bem desenvolvida por meio do acompanhamento
dinacircmico das metas estabelecidas no contrato de gestatildeo com a Secretaria Municipal eou a
Secretaria de Estado de Sauacutede O entrevistado fala do problema extra bloco que pode ser
sintetizado pela falta de leitos de retaguarda para os pacientes ciruacutergicos resultando em
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 97
retenccedilatildeo de pacientes de forma inadequada no CC com consequente aumento de riscos para
os pacientes Esse tem sido um problema recorrente na aacuterea de urgecircncia tendo em vista que
leitos de observaccedilatildeo frequentemente se transformam em leitos de internaccedilatildeo
A insuficiecircncia de salas e falta de melhoriadas mesmas acarretam situaccedilotildees inseguras
como cirurgias fora do CC e tratamento intensivo prestado fora do CTI
[] natildeo acontece uma cirurgia segura quando tem laparotomia no CTI que eacute um
ambiente inadequado mas o bloco natildeo conseguiu liberar sala [] nem sempre eacute
porque o paciente natildeo tem condiccedilatildeo na grande maioria ele tem condiccedilatildeo de ir para o
bloco mas natildeo tem sala Aiacute jaacute queimou todas as etapas porque quem vai auxiliar o
meacutedico vai ser a enfermagem do CTI que natildeo tem a experiecircncia para garantir que
essa cirurgia seja organizada da melhor maneira [] satildeo realidades muito
diferentes (Ei25)
O CTI estaacute sempre cheio [com ecircnfase] Quando natildeo tem [leito] o paciente fica na
sala a sala vira um box de CTI aguardando vaga (Ed9)
[] vai fazer cirurgias grandes e natildeo tem CTI isso torna a cirurgia e a anestesia
totalmente inseguras (Ed17)
A indisponibilidade do espaccedilo fiacutesico no momento adequado para o paciente pode ser
um fator de inseguranccedila uma vez que um setor faz o papel do outro sem a devida preparaccedilatildeo
O leito de CTI se torna uma sala operatoacuteria e esta se torna um box de CTI como taacutetica
respectivamente para a falta de sala no CC e de leitos no CTI Essa inversatildeo de funccedilatildeo das
unidades eacute tatildeo frequente que passa a ser natural introduzindo o aspecto de adaptaccedilatildeo como
rotina Outros aspectos estruturais negativos tambeacutem foram mencionados como o local
inadequado do heliporto que fica atraacutes do estacionamento e a falta de uma unidade semi-
intensiva que faz com que muitas vezes se ocupe um leito de CTI sem necessidade
As condiccedilotildees estruturais do ambiente de cuidados eacute um elemento baacutesico para a
qualidade da assistecircncia citado por vaacuterios autores incluindo Florence Nightingale
(NEUHAUSER 2003) e Avedis Donabedian que introduziu em 1966 a estrutura como
elemento de avaliaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede (OMS 2009 DONABEDIAN 2005) Pesquisas
sobre a qualidade hospitalar no paiacutes evidenciam deficiecircncias nas estruturas Muitos hospitais
foram edificados em cumprimento a promessas eleitorais sem preocupaccedilatildeo com fatores
importantes como as necessidades de sauacutede capacidade institucional e sustentabilidade
financeira (LA FORGIA COUTTOLENC 2009)
Em relaccedilatildeo aos equipamentos foram relatadas disparidades tecnoloacutegicas entre
aqueles com e sem densidade tecnoloacutegica Esses uacuteltimos foram considerados precaacuterios com
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 98
necessidade de substituiccedilatildeo e os equipamentos com alto grau tecnoloacutegico foram referidos
como avanccedilados e alguns ateacute melhor do que em hospitais particulares
Nossas mesas ciruacutergicas natildeo satildeo todas adequadas para o bloco [] Precisa trocar
mas satildeo materiais caros Tem o pedido de compra mas ainda aguarda ser viaacutevel a
substituiccedilatildeo (Ed28)
A gente briga por causa de punho de foco coisinhas pequenas pra muita gente natildeo
faz diferenccedila mas na cirurgia faz (Ed4)
Tem uma aparelhagem muito boa tem ultrassom estimulador de nervo pra fazer
bloqueios que muito hospital bom natildeo tem e aqui tem (Ed17)
Uma lesatildeo de diafragma que eu poderia explorar por videocirurgia acaba fazendo
cirurgia aberta fazendo uma morbidade [] todos os hospitais puacuteblicos hoje em dia
tem aparelho de viacutedeo cirurgia a gente natildeo tem (Ei20)
Foi possiacutevel identificar que os atores natildeo humanos interferem nas relaccedilotildees humanas
causando conflito para a sua conquista como no exemplo do punho de foco um acessoacuterio
baacutesico que se coloca no foco de luz ciruacutergico para focalizar melhor o procedimento A
ausecircncia do aparelho de videocirurgia conforme mencionado causa maior sofrimento para os
pacientes devido a realizaccedilatildeo de uma ferida operatoacuteria maior Esses equipamentos seriam
exemplos de conectores conforme sinaliza Latour (2012) pois traccedilam conexotildees sociais natildeo
satildeo conexotildees feitas de social mas novas associaccedilotildees entre elementos natildeo sociais
A inadequaccedilatildeo dos equipamentos considerados simples pode repercutir na ergonomia
dos profissionais ou seja os equipamentos afetam o corpo dos profissionais conforme aponta
Latour (2009) sobre a articulaccedilatildeo e afetaccedilatildeo do corpo em relaccedilatildeo aos natildeo humanos (espaccedilos e
objetos) e aos humanos A pesquisa sobre natildeo conformidades em hospitais de Minas Gerais
tambeacutem mostrou que os equipamentos simples diminuem os riscos para os pacientes mas natildeo
satildeo considerados imprescindiacuteveis por natildeo repercutirem de forma direta na cirurgia sendo de
certa forma desvalorizados no planejamento financeiro e na prioridade de aquisiccedilatildeo em
relaccedilatildeo aos equipamentos com alto grau de tecnologia (RIBEIRO 2011) Os pressupostos
econocircmicos dificultam a implantaccedilatildeo da seguranccedila e intervenccedilatildeo adequada por limitaccedilatildeo
inadequaccedilatildeo ou escassez de recursos materiais e suporte tecnoloacutegico (MARTIacuteNEZ QUES
MONTORO GONZAacuteLE 2010) Alguns equipamentos podem ser considerados pouco
importantes em detrimento de outros mas fazem a diferenccedila para uma assistecircncia segura
Contudo natildeo basta somente ter o equipamento deve-se prezar por sua manutenccedilatildeo corretiva e
preventiva para que sejam utilizados em toda a sua capacidade operacional A rede de gases
em pleno funcionamento tambeacutem foi pontuada como preditor para a cirurgia segura
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 99
Uma [cirurgia] insegura comeccedila por natildeo ter o equipamento Outra Equipamento
descalibrado vocecirc colocou um bisturi 200 watts de potecircncia [mas natildeo eacute garantido]
que ele esteja dando mesmo [] se natildeo conseguir garantir isso eacute muito [ecircnfase]
inseguro criacutetico [] a inseguranccedila nossa eacute garantir que tenha o equipamento em
caso de falha de algum (Ei1)
A cirurgia insegura [] equipamentos de qualidade ruim [] [sem] contrato de
manutenccedilatildeo frequente porque estragam muito [Segura] eacute ter um aparelho reserva
de anestesia caso decirc algum problema Rede de oxigecircnio de vaacutecuo se estaacute tudo
funcionando bem faz muita diferenccedila (Ed17)
Eacute importante que o parque tecnoloacutegico dos hospitais conte com equipamentos extras
para a reposiccedilatildeo daqueles que estatildeo em manutenccedilatildeo uma vez que como os atores humanos
os atores natildeo humanos tambeacutem satildeo passiacuteveis de falhas sendo necessaacuterio o seu reparo Isto se
apresenta como um gargalo na instituiccedilatildeo que deve elaborar e implantar um plano de
gerenciamento de suas tecnologias conforme preconizado na RDC nordm 022010 (BRASIL
2010) possibilitando realizar um histoacuterico institucional para planejar e prever o quantitativo
necessaacuterio de equipamentos para uso e para substituiccedilatildeo
Um importante ponto abordado foi a necessaacuteria rotina de teste dos equipamentos antes
do iniacutecio da cirurgia Essa accedilatildeo eacute um fator criacutetico de sucesso para a cirurgia segura sendo
inclusive item comtemplado no checklist de cirugia segura da OMS
Eu falo sempre ldquogente vai comeccedilar uma cirurgia vocecirc natildeo testa o equipamento
antesrdquo O equipamento pode parar Vocecirc pode pegar seu carro na garagem bater a
chave e ele natildeo ligar Aiacute vocecirc vai abrir o paciente pra depois ver se tem o
equipamento que funciona ou natildeo (Ei1)
As falhas dos equipamentos satildeo multifatoriais como fatores baacutesicos (quebra ou
defeito de fabricaccedilatildeo) fatores externos (falta de eletricidade ou interferecircncia no momento da
desfibrilaccedilatildeo) e causas decorrentes do erro humano Esta uacuteltima eacute a mais comum e decorre de
conhecimento inadequado falta de experiecircncia e de supervisatildeo inadequada checagem diaacuteria e
falta de manutenccedilatildeo preventiva (DYSON SMITH 2002)
Os materiais tambeacutem foram apontados como preditores importantes para a uma
cirurgia segura tanto nos aspectos ligados agrave sua ausecircncia ou dificuldade de aquisiccedilatildeo quanto
no que se refere agraves propriedades de esterilizaccedilatildeo ou fabricaccedilatildeo Os profissionais em sua
maioria consideraram os materiais disponibilizados no hospital de qualidade satisfatoacuteria
Insegura quando coloco o paciente em sala e o material natildeo estaacute esteacuteril (Ei3)
[] cada cirurgiatildeo principalmente o ortopeacutedico tem preferecircncia por um material
[] Sem o material vocecirc natildeo consegue fazer quase nada (Ed12)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 100
[] material tudo que a gente precisa demora porque tem uma limitaccedilatildeo que eacute do
financiamento do hospital eacute uma verba que demora tem que fazer proposta projeto
licitaccedilatildeo Demora um pouco mas chega (Ei30)
[] proacutetese ortopeacutedica neuroloacutegica vasculares satildeo materiais importados caros que
satildeo muito bem armazenados guardados liberados com muita cautela Os nossos
materiais satildeo de primeira linha [com ecircnfase] [] noacutes comeccedilamos a utilizar haacute um
mecircs materiais descartaacuteveis no bloco (Ei5)
A preferecircncia e escolha do fabricante do material eacute uma exceccedilatildeo na realidade de um
hospital puacuteblico Agrave primeira vista pode ser uma vantagem mas haacute o risco de desconsideraccedilatildeo
da padronizaccedilatildeo institucional pelo perfil dos pacientes e aumento de custos E ainda haacute
morosidade na aquisiccedilatildeo em hospitais puacuteblicos
Em relaccedilatildeo ao uso recente de materiais descartaacuteveis no CC alguns materiais jaacute satildeo
descartaacuteveis haacute muito tempo Nesse caso o entrevistado se referiu a campos e aventais
descartaacuteveis que contribuem para a seguranccedila No entanto uma enfermeira da CME relatou
que estaacute sendo difiacutecil a implantaccedilatildeo por resistecircncia dos profissionais A eficaacutecia desses
materiais estaacute na capacidade de se constituir barreira por ser impermeaacutevel a liacutequidos
impedindo a passagem de microorganismos para a incisatildeo ciruacutergica o que vai ao encontro das
melhores praacuteticas para vestuaacuterio e campos orientadas pelo Center for Disease Control
(MANGRAN et al 1999)
Os medicamentos tambeacutem foram apontados como recursos importantes no ato
ciruacutergico Foram relatados pelos profissionais aspectos do abastecimento e dos erros de
administraccedilatildeo que podem levar o paciente ao oacutebito
[] aqui natildeo falta medicaccedilatildeo [com ecircnfase] Se um meacutedico quer um medicamento
que eacute natildeo padratildeo a farmaacutecia compra o hospital libera (Ei15)
Satildeo medicaccedilotildees que podem levar a oacutebito se for dosagens incorretas (Ed13)
Conforme os relatos o abastecimento de medicamentos eacute satisfatoacuterio na instituiccedilatildeo o
que contribui para a qualidade da assistecircncia ciruacutergica Contudo o CC eacute um lugar em que
erros relacionados a medicamentos podem resultar em graves incidentes Estudiosos do IOM
concluiacuteram apoacutes averiguaccedilatildeo de diversos trabalhos publicados sobre erros de medicaccedilatildeo que
cada paciente internado em hospitais nos EUA estaacute sujeito a um erro de medicaccedilatildeo por dia
(ASPDEN et al 2007)
Os eventos adversos relacionados a medicamentos em CC encontrados na literatura
focam mais naqueles relativos agrave anestesiologia Em um estudo canadense dos 1038 eventos
farmacoloacutegicos anesteacutesicos relatados 15 (14) geraram morbidades importantes incluindo
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 101
quatro oacutebitos (ORSER CHEN YEE 2001) Dos 61 anestesiologistas participantes de um
estudo brasileiro em Santa Catarina 918 afirmaram ter cometido algum erro de
administraccedilatildeo de medicamentos somando um total de 274 erros com meacutedia de 47 erros por
entrevistado (ERDMANN et al 2016) O erro mais comum foi substituiccedilatildeo (684) seguido
por erro de dose (491) e omissatildeo (350) Ocorreram principalmente no periacuteodo matutino
(327) na manutenccedilatildeo da anestesia (490) com 478 sem danos ao paciente e 17 com
dano irreversiacutevel Os possiacuteveis fatores mencionados foram distraccedilatildeo fadiga e a leitura errada
dos roacutetulos de ampolas ou seringas (ERDMANN et al 2016) Assim eacute fundamental que
todos os hospitais estabeleccedilam poliacuteticas para garantir a seguranccedila do sistema de medicaccedilatildeo
(WHO 2008) mesmo dentro de um setor fechado como o CC
Os aspectos referentes ao preparo do paciente para o ato ciruacutergico necessitam ser
analisados A identificaccedilatildeo do paciente foi apontada como o primeiro fator para uma cirurgia
segura juntamente com o preenchimento completo do formulaacuterio de solicitaccedilatildeo de
hemocomponentes
Primeiro para uma cirurgia insegura identificaccedilatildeo Eu natildeo recebo [no laboratoacuterio]
nenhum material sem identificaccedilatildeo preciso garantir ao meacutedico que o exame estaacute
com o resultado certo [] preciso passar o resultado fiel pra ele (Ei24)
Eu acho que primeiramente identificaccedilatildeo segura no tubo de amostra do paciente ter
certeza que aquela amostra eacute dele (Ei18)
Pelo relato do profissional haacute uma contradiccedilatildeo ele relata que a identificaccedilatildeo eacute
importante para a seguranccedila no entanto afirma que precisa garantir ldquoao meacutedicordquo a correta
identificaccedilatildeo do paciente A identificaccedilatildeo eacute uma informaccedilatildeo que tem que estar correta para
toda a equipe multidisciplinar para que haja sucesso do conjunto de accedilotildees sendo o paciente o
mais interessado e natildeo o meacutedico
Durante a observaccedilatildeo do cenaacuterio foi possiacutevel verificar cenas de falhas na identificaccedilatildeo
dos pacientes constituindo gargalo para a seguranccedila do paciente como no exemplo descrito a
seguir Um paciente de 85 anos foi admitido em quadro de abdome agudo obstrutivo para
laparotomia exploradora com histoacuterico de ausecircncia de evacuaccedilatildeo por 10 dias e reduccedilatildeo do
niacutevel de consciecircncia e sinais vitais alterados Observou-se que no prontuaacuterio havia folhas
com nomes diferentes e na pulseira do paciente um dos nomes se confirmava A circulante foi
avisada sobre os nomes diferentes e que havia orientaccedilatildeo para precauccedilatildeo por contato
(staphilococcus aureus) A circulante se irritou por natildeo ter percebido ou natildeo ter sido avisada
sobre a precauccedilatildeo de contato Disse que jaacute natildeo adiantava mais nada Quanto aos nomes no
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 102
prontuaacuterio avisou a enfermeira supervisora que saiu da sala sem dizer o que iria fazer A
circulante permaneceu na sala sem saber se podia ou natildeo preparar o paciente Chegou agrave sala
ciruacutergica dizendo ldquoNingueacutem veio a gente nem sabe se eacute o mesmo pacienterdquo e chamava
pessoas em voz alta no corredor Chegaram por fim residentes anestesista e preceptor A
equipe foi informada sobre a identificaccedilatildeo incorreta e eles comeccedilaram a discutir O equiacutevoco
se agravou quando observaram que paciente estava com fralda e havia evacuado A questatildeo
era a seguinte se o diagnoacutestico era abdome agudo por obstruccedilatildeo ou o paciente natildeo precisava
mais de cirurgia ou natildeo era ele para aquela cirurgia O preceptor e a equipe tentavam
solucionar o problema Um residente perguntou ao paciente o seu nome e esse respondeu
duvidosamente Por fim a surpervisora de enfermagem chegou e informou que na noite
anterior na unidade de internaccedilatildeo havia sido feita troca de leitos 513 para o 521 e vice-versa
Nesse movimento houve a troca de papeacuteis dos prontuaacuterios O paciente estava correto Ateacute
aquele momento o quadro de time out disposto na sala operatoacuteria natildeo tinha sido preenchido
Apoacutes o iniacutecio do preparo do paciente o profissional responsaacutevel pelo preenchimento do time
out chegou e comeccedilou a fazer perguntas para a equipe e a preencher o checklist no sistema
informatizado MV Ou seja a falha de identificaccedilatildeo natildeo foi constatada pelo profissional do
checklist foi verificada por uma pessoa externa
Pelo exemplo mencionado foi possiacutevel verificar a importacircncia de se trabalhar com a
correta identificaccedilatildeo dos pacientes nos serviccedilos de sauacutede Tanto que essta foi a primeira meta
nacional de seguranccedila do paciente nos EUA em 2003 e em 2010 se tornou meta
internacional (WHO 2007 CBA 2010) No entanto ainda permanecem cenaacuterios como o
deste estudo e como o encontrado em pesquisa realizada em Minas Gerais na qual 4595
dos 37 hospitais estudados natildeo tinham metodologia para identificaccedilatildeo da totalidade dos
pacientes (RIBEIRO et al 2014)
A maioria dos entrevistados relatou como procedimento anesteacutesico-ciruacutergico seguro o
eletivo realizado com tranquilidade e embasado no conhecimento preacutevio do paciente por
meio do preacute-operatoacuterio As urgecircncias e principalmente as emergecircncias (Onda Vermelha)
foram consideradas inseguras
[] cirurgia insegura eacute a onda e a com seguranccedila eacute a eletiva que tem mais tempo de
fazer tudo bonitinho (Ed4)
[] segura eacute cirurgia marcada Insegura eacute quando eacute urgecircncia (Ei27)
Hoje se tem todos os dispositivos para fazer uma cirurgia segura principalmente a
eletiva Eletiva natildeo tem justificativa pra fazer uma cirurgia insegura daacute pra prever
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 103
tudo (Ed10)
Anestesia segura seriam procedimentos eletivos O paciente estaacute preparado
compensado vocecirc vai ver exames antes escolher a melhor teacutecnica vocecirc tem tempo
Anestesia insegura vocecirc tem que fazer em segundos [] uma emergecircncia [] ter
que fazer sob pressatildeo e em pouco tempo (Ed9)
Uma urgecircncia eacute ldquo[] a ocorrecircncia imprevista de agravo agrave sauacutede com ou sem risco
potencial de vida cujo portador necessita de assistecircncia meacutedica imediatardquo e uma emergecircncia
eacute ldquo[] a constataccedilatildeo meacutedica de condiccedilotildees de agravo agrave sauacutede que impliquem em risco
iminente de vida ou sofrimento intenso exigindo portanto tratamento meacutedico imediatordquo
(CFM 1995) Estudos mostraram que cirurgias de emergecircncia e urgecircncia foram preditoras de
Infeccedilatildeo de Siacutetio Ciruacutergico (ISC) e oacutebito A maioria dos pacientes com ISC em um hospital
puacuteblico de ensino foi submetida a procedimentos de emergecircncia e urgecircncia que predispotildee este
tipo de infecccedilatildeo devido agrave instabilidade do paciente e falta de tempo para o preparo adequado
da pele (BARBOSA et al 2009) Houve associaccedilatildeo entre cirurgias de urgecircncia e emergecircncia
e o risco aumentado de mortalidade (OLIVEIRA et al 2012 PATIL et al 2011 CALIL et
al 2010)
Os pacientes submetidos agrave cirurgia de urgecircncia estatildeo em risco aumentado para
complicaccedilotildees e morte mas mesmo em cirurgia de rotina haacute a interaccedilatildeo complexa entre os
atores humanos e os atores natildeo humanos para o cuidado eficaz e no tempo certo (WEISER et
al 2010) O relato de Ed10 aponta que nas cirurgias eletivas haacute como prever tudo mas haacute
ocorrecircncias imprevisiacuteveis mesmo em um cenaacuterio aparentemente previsiacutevel Essa visatildeo remete
agrave percepccedilatildeo diminuiacuteda dos riscos inerentes agraves cirurgias pelos profissionais
Temos poucas intercorrecircnciasdignas de nota [] que eu saiba natildeo temos relatos de
nenhum erro transfusional que tenha sido fatal ou muito seacuterio (Ed21)
Falar de uma cirurgia insegura (pausa) Eu natildeo sei por que eu nunca passei por isso
[] Ai vou falar uma coisa que eu acho e natildeo que eu jaacute presenciei Por exemplo eu
acho se ali tiver gente que natildeo tem experiecircncia para ocupar aquele cargo (Ed31)
As cirurgias de urgecircncia e emergecircncia por sua imprevisibilidade rapidez e pouco
tempo para uma avaliaccedilatildeo preacutevia do paciente satildeo procedimentos em que haacute mais
risco Cirurgias eletivas satildeo mais previsiacuteveis e o componente tempo eacute favoraacutevel e
grande aliado configurando-se como procedimento de maior seguranccedila Contudo e
apesar da separaccedilatildeo da Hoje se tem todos os dispositivos para fazer uma cirurgia
segura principalmente a eletiva Eletiva natildeo tem justificativa pra fazer uma cirurgia
insegura daacute pra prever tudo (Ed10)
Anestesia segura seriam procedimentos eletivos O paciente estaacute preparado
compensado vocecirc vai ver exames antes escolher a melhor teacutecnica vocecirc tem tempo
Anestesia insegura vocecirc tem que fazer em segundos [] uma emergecircncia [] ter
que fazer sob pressatildeo e em pouco tempo (Ed9)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 104
Uma urgecircncia eacute ldquo[] a ocorrecircncia imprevista de agravo agrave sauacutede com ou sem risco
potencial de vida cujo portador necessita de assistecircncia meacutedica imediatardquo e uma emergecircncia
eacute ldquo[] a constataccedilatildeo meacutedica de condiccedilotildees de agravo agrave sauacutede que impliquem em risco
iminente de vida ou sofrimento intenso exigindo portanto tratamento meacutedico imediatordquo
(CFM 1995) Estudos mostraram que cirurgias de emergecircncia e urgecircncia foram preditoras de
Infeccedilatildeo de Siacutetio Ciruacutergico (ISC) e oacutebito A maioria dos pacientes com ISC em um hospital
puacuteblico de ensino foi submetida a procedimentos de emergecircncia e urgecircncia que predispotildee esse
tipo de infecccedilatildeo devido agrave instabilidade do paciente e falta de tempo para o preparo adequado
da pele (BARBOSA et al 2009) Houve associaccedilatildeo entre cirurgias de urgecircncia e emergecircncia
e o risco aumentado de mortalidade (OLIVEIRA et al 2012 PATIL et al 2011 CALIL et
al 2010)
Os pacientes submetidos agrave cirurgia de urgecircncia estatildeo em risco aumentado para
complicaccedilotildees e morte mas mesmo em cirurgia de rotina haacute a interaccedilatildeo complexa entre
atores humanos e atores natildeo humanos para o cuidado eficaz e no tempo certo (WEISER et al
2010) O relato de Ed10 aponta que nas cirurgias eletivas eacute possiacutevel ter uma maior previsatildeo e
mesmo num cenaacuterio aparentemente seguro ainda haveraacute fatores imprevisiacuteveis Essa visatildeo
remete agrave percepccedilatildeo diminuiacuteda dos riscos inerentes agraves cirurgias pelos profissionais
Temos poucas intercorrecircncias dignas de nota [] que eu saiba natildeo temos relatos de
nenhum erro transfusional que tenha sido fatal ou muito seacuterio (Ed21)
Falar de uma cirurgia insegura (pausa) Eu natildeo sei porque eu nunca passei por isso
[] Aiacute vou falar uma coisa que eu acho natildeo que eu jaacute presenciei Por exemplo eu
acho se ali tiver gente que natildeo tem experiecircncia para ocupar aquele cargo (Ed31)
As cirurgias de urgecircncia e emergecircncia por sua imprevisibilidade rapidez e pouco
tempo para uma avaliaccedilatildeo preacutevia do paciente satildeo procedimentos em que haacute mais risco
Cirurgias eletivas satildeo mais previsiacuteveis jaacute que o componente tempo eacute favoraacutevel e grande
aliado configurando-se como procedimento de maior seguranccedila Contudo apesar da
separaccedilatildeo da natureza das cirurgias ao se falar de seguranccedila vislumbra-se algo paradoxal
sobre a linearidade nas falas a seguir cirurgia eletiva cirurgia segura em hospital de
ensino
Na cirurgia eletiva [] tem cirurgiatildeo que conhece o paciente na mesa ciruacutergica
porque quem olhou foi o residente e ligou para ele ldquoTem um caso posso marcar
para operarrdquo ldquoPode Marca que a gente opera juntordquo O jeito que o residente olha
natildeo eacute o jeito que o preceptor olha o paciente (Ed19)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 105
Primeiro passo [para cirurgia segura] quando o cirurgiatildeo conhece o paciente e jaacute
peguei vaacuterias situaccedilotildees que ele natildeo sabe Entra aqui um kinder ovo neacute uma bolinha
surpresa ali vocecirc vai cavando vocecirc vai descobrindo coisa que eacute muito relevante
para a seguranccedila do paciente (Ed29)
A caracteriacutestica fundamental da seguranccedila citada na cirurgia eletiva foi uma avaliaccedilatildeo
preacutevia do paciente embora muitas vezes a avaliaccedilatildeo tenha sido feita por outro medico e o
cirurgiatildeo toma conhecimento do paciente soacute no momento do ato ciruacutergico Natildeo haacute reuniatildeo de
equipe discussatildeo de caso e avaliaccedilatildeo pelo profissional que daraacute continuidade na assistecircncia
Assim a natureza eletiva urgente ou emergente torna-se apenas uma dimensatildeo e natildeo um
criteacuterio preponderante para a seguranccedila
A especificidade do procedimento a teacutecnica ciruacutergica escolhida a necessidade de
abordagem posterior ao procedimento realizado devido agrave escolha ou falha da teacutecnica e o
niacutevel de cuidado necessaacuterio apoacutes o procedimento ciruacutergico foram mencionados como fatores
importantes que propiciam a seguranccedila
Insegura Uma laparatomia cirurgia de coluna de fecircmur [] (Ei7)
Insegura Paciente entra pra fazer uma apendicite tranquila [] sai com uma
laparotomia enorme a barriga toda aberta por imperiacutecia do cirurgiatildeo (Ed28)
[] caso de fraturas expostas o pessoal faz os primeiros socorros e fica na duacutevida se
faz a cirurgia ou coloca um fixador Agraves vezes coloca o fixador externo e coloca
errado tem que voltar pra refazer o fixador Agraves vezes faz uma cirurgia mas
infecciona natildeo lava direito aiacute tem que fazer a cirurgia de novo colocar outra
proacutetese Isso eacute uma cirurgia insegura (Ei27)
[Cirurgia insegura] as que precisam de um poacutes-operatoacuterio de CTI (Ei7)
As situaccedilotildees mencionadas para uma cirurgia segura ou insegura refletem a experiecircncia
e cultura dos profissionais O acompanhamento em uma unidade intensiva apoacutes a cirurgia
conforme mencionada por Ed17 remete agrave ideia de cirurgia insegura provavelmente ligada ao
niacutevel de agravamento da situaccedilatildeo cliacutenica do paciente Essa percepccedilatildeo reproduz a cultura da
sociedade na qual o CTI eacute um lugar apenas de pacientes em condiccedilotildees extremas O tempo
tambeacutem eacute relatado como fator de mais ou menos risco para os pacientes ou seja o tempo de
preparo para a cirurgia e a duraccedilatildeo da mesma
[] cirurgia insegura tempo [com ecircnfase] Tempo ciruacutergico prolongado
exposiccedilatildeo a anesteacutesico prolongado cavidade aberta (Ed9)
[] ldquoquantas horasrdquo ldquo2 horasrdquo O anestesista anestesia para 2 horas aiacute passa
tem que fazer nova anestesia risco de contaminaccedilatildeo maior (Ei15)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 106
A segura eacute quando tem tempo pra montar a sala Vocecirc abre os materiais todos
esteacutereis [] Quando tudo eacute feito com mais calma (Ed4)
O tempo foi considerado fator determinante para seguranccedila tanto para a realizaccedilatildeo do
procedimento quanto para o preparo da sala e do paciente A montagem da sala operatoacuteria eacute
realizada pelo teacutecnico de enfermagem circulante sob a supervisatildeo do enfermeiro e consiste
na colocaccedilatildeo de equipamentos e materiais para cada tipo de cirurgia Deve ser realizada e
fiscalizada antes mesmo do paciente entrar no CC No entanto este processo parece natildeo
receber a atenccedilatildeo necessaacuteria por ser visto como rotina e natildeo como accedilatildeo essencial para a
seguranccedila do paciente Com a evoluccedilatildeo da tecnologia variedade de materiais e aumento de
intervenccedilotildees ciruacutergicas tem-se exigido maior envolvimento e atualizaccedilatildeo dos profissionais
(LIMA SOUSA CUNHA 2013)
A duraccedilatildeo de uma cirurgia pode ser influenciada por interrupccedilotildees falhas na
comunicaccedilatildeo familiaridade entre membros da equipe ciruacutergica e imprevisibilidade dos casos
natildeo planejados levando agrave ineficiecircncia e aumento dos custos (GILLESPIE CHABOYER
FAIRWEATHER 2012) Cirurgia com mais de duas horas ou um tempo maior do que o
necessaacuterio significa maior exposiccedilatildeo dos tecidos podendo acometer a sua oxigenaccedilatildeo
favorecendo a formaccedilatildeo de uacutelceras por pressatildeo Aleacutem disso provoca fadiga na equipe
propiciando falhas teacutecnicas (MANGRAN et al 1999 LOPES GALVAtildeO 2010) A duraccedilatildeo
da cirurgia estaacute tambeacutem diretamente ligada agrave ocorrecircncia de ISC quanto mais prolongada
maior o risco (ERCOLE et al 2011 KHAN et al 2008)
Uma palavra-chave para a seguranccedila mencionada pelos profissionais foi
ldquocontaminaccedilatildeordquo A profissional da higienizaccedilatildeo relacionou o quantitativo de cirurgias seguras
e inseguras com as limpezas terminal mostrando a interconexatildeo dos processos de trabalho
[Cirurgia segura eacute] sem contaminaccedilatildeo Contaminaccedilatildeo eacute a palavra certa pra
definir uma cirurgia segura (Ed8)
[] profissional preocupa com a natildeo contaminaccedilatildeo A segura E a insegura eacute a
que o profissional natildeo estaacute nem ai Quer nem saber (Ed12)
Quando eacute insegura temos que dar um terminal bater a maacutequina para poder estar
matando bacteacuteria jogando cloro [] satildeo muito poucas e satildeo os pacientes do
CTI que jaacute estatildeo com uma doenccedila transmissiacutevel pelo ar e por encostar [] eles
fazem mais a cirurgia segura [] a gente pode limpar normal sem precisar dar
aquela desinfecccedilatildeo terminal (Ei6)
Estudo apontou que pacientes submetidos a cirurgias consideradas limpas tiveram taxa
de mortalidade inferior quando confrontados aos que foram submetidos aos demais tipos de
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 107
cirurgias (ELIAS et al 2009) Pode-se deduzir que as cirurgias limpas oferecem mais
seguranccedila quando comparadas agraves cirurgias potencialmente contaminadas ou infectadas
A cirurgia eacute tida como uma rotina com princiacutepios baacutesicos aprendidos na academia e
que devem ser praticados por todos os profissionais No entanto foi mencionado que haacute
detalhes da cirurgia que natildeo satildeo passiacuteveis de fazerem parte de protocolos
Os princiacutepios baacutesicos [para cirurgia segura] o cirurgiatildeo aprende na faculdade e na
residecircncia Eu tenho que fazer daquela forma meu colega tambeacutem todo mundo
Mas alguns detalhes no transcorrer da cirurgia natildeo tecircm como protocolar [] Um
exemplo simples cirurgiatildeo que soacute opera ouvindo muacutesica Eu natildeo consigo operar
ouvindo muacutesica prefiro o silecircncio [] mesmo que a minha rotina seja diferente do
outro eu acho que cada um tem que seguir a sua (Ed19)
A cirurgia insegura pode acontecer a qualquer momento Se as travas que foram
criadas pra evitar os erros natildeo acontecerem [] (Ei23)
O exemplo mencionado reflete a valorizaccedilatildeo da autonomia meacutedica na qual cada
cirurgiatildeo se adequa a uma rotina proacutepria que tem por base os princiacutepios apreendidos durante
sua formaccedilatildeo Segundo Gawande (2011) na medicina cultiva-se a ldquoautonomiardquo como um
guia no entanto este princiacutepio se choca diretamente com o da disciplina
Por outro lado a fala de Ei23 remete a uma das barreiras para a seguranccedila elencada
por Amalberti et al (2005) que eacute a transiccedilatildeo da mentalidade de ldquoartesatildeordquo para o de ldquoator
equivalenterdquo Os profissionais de sauacutede precisam abandonar o status e autoimagem como
artesatildeos e adotar uma posiccedilatildeo que valorize a equivalecircncia entre seus pares para que a
qualidade natildeo sofra variaccedilotildees inapropriadas Isso exige condiccedilotildees estaacuteveis as quais satildeo
atingidas em algumas aacutereas como radiologia e anestesiologia mas natildeo em CTI e cirurgia de
emergecircncia em que condiccedilotildees instaacuteveis (mudanccedila constante de profissionais e do paciente)
satildeo normas (AMALBERTI et al 2005)
O checklist e o quadro de time out de cirurgia segura disponibilizados dentro de cada
sala ciruacutergica foram lembrados e mencionados apenas por dois profissionais ao se referirem a
uma cirurgia segura
Uma cirurgia segura eu acredito que ela aconteccedila quando todos os itens do
checklist foram avaliados corretamente (Ei5)
Eacute um conjunto de fatores que a gente tem que sempre levar em conta Por isso
que a gente tem aquele quadro [time out] que infelizmente [ecircnfase] natildeo eacute mais
preenchido (Ed16)
As tentativas dos profissionais de criarem barreiras ndash como o time out e o checklist ndash
promovem ou deveriam promover a seguranccedila ciruacutergica que gera mais responsabilidade dos
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 108
profissionais em manter as barreiras ativas Ou seja quanto mais seguro um sistema eacute mais
responsabilidade exige dos seus profissionais (AMALBERT et al 2005) Isso se insere no
campo do pensamento complexo que eacute algo paradoxal e que se retroalimenta Segundo Morin
(2011) a complexidade surge no seguinte enunciado ldquo[] produz coisas e se autoproduz ao
mesmo tempo o produtor eacute seu proacuteprio produtordquo
Dados esses fatores quanto agrave seguranccedila os profissionais apontam que a inseguranccedila
nas cirurgias principalmente nos processos de urgecircncia e emergecircncia natildeo eacute estabelecida em
funccedilatildeo da teacutecnica ou dos procedimentos mas com o imprevisto relacionado ao paciente e
como ele vai reagir agrave abordagem ciruacutergica
As urgecircncias e ondas satildeo mais inseguras Natildeo em relaccedilatildeo a procedimento eu natildeo
vou ficar inseguro do que fazer Mas em relaccedilatildeo a como o paciente vai reagir
Quando o procedimento eacute eletivo eacute tranquilo geralmente satildeo mais seguros Eu
sei como vai ser (Ed11)
A maioria dos pacientes consegue sair daqui resolvido [] tem pacientes que
complicam mas nem sempre eacute questatildeo de inseguranccedila na cirurgia e sim o
quadro cliacutenico do paciente [] (Ed28)
Apesar da previsibilidade nas situaccedilotildees de cirurgia eletiva e da imprevisibilidade das
cirurgias de urgecircnciaemergecircncia a resposta do paciente eacute um fator importante As
caracteriacutesticas dos pacientes foram apontadas como causas que favorecem uma cirurgia
segura por diversos profissionais Entre essas caracteriacutesticas encontram-se a idade do
paciente e as doenccedilas preacute-existentes como aspectos que aumentam os riscos e diminuem a
seguranccedila
Um paciente de idade menos avanccedilada eu acho que seria uma cirurgia de menor
risco Uma de mais risco um paciente mais idoso (Ei7)
Depende do paciente e aiacute vem idade doenccedilas crocircnicas vaacuterios fatores O paciente
eacute hipertenso eacute diabeacutetico entatildeo os riscos aumentam vai diminuindo o grau de
seguranccedila [] (Ed13)
A idade eacute citada em diversos estudos como um fator importante a ser considerado para
a realizaccedilatildeo de cirurgias (KHAN et al 2008 LOPES GALVAtildeO 2010) Pacientes idosos
precisam ser abordados como um desafio agrave parte jaacute que se trata de indiviacuteduos com alto risco
para intervenccedilatildeo ciruacutergica por apresentarem menor reserva fisioloacutegica e maior co-morbidades
(OLIVEIRA et al 2012) A preacute-existecircncia de hipertensatildeo diabetes infarto agudo do
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 109
miocaacuterdio e doenccedila pulmonar obstrutiva crocircnica eacute preditora de readmissatildeo hospitalar e estaacute
diretamente relacionada agrave mortalidade (OLIVEIRA et al 2012 LOPES GALVAtildeO 2010)
O fator ldquoatenccedilatildeordquo dispensada ao paciente foi considerado como diretamente
relacionado agrave seguranccedila ciruacutergica No entanto esteve atrelada agrave responsabilidade e proteccedilatildeo
profissional e natildeo agrave atenccedilatildeo centrada no paciente
Quando vocecirc natildeo daacute atenccedilatildeo para o paciente aiacute eacute insegura A partir do momento
que entra no bloco ele eacute de sua responsabilidade Vocecirc tem que se resguardar ao
maacuteximo para que esse paciente entre e saia bem Foi cumprido o papel ateacute
quando vocecirc entrega ele no andar [riso] (Ed26)
A preocupaccedilatildeo da responsabilidade profissional mencionada eacute legiacutetima uma vez que
segundo Faria Moreira e Pinto (2014) haacute consideraacutevel aumento do nuacutemero de accedilotildees judiciais
contra profissionais e organizaccedilotildees de sauacutede no Brasil a partir da deacutecada de 1990 (FARIA
MOREIRA PINTO 2014) Os profissionais de sauacutede envolvidos em algum evento adverso
tecircm responsabilidade de natureza civil penal e administrativa expressas respectivamente
nos Coacutedigos Civil Penal Brasileiro e de Defesa do Consumidor Aleacutem dos coacutedigos eacutetico-
profissionais de cada categoria profissional
O dano eacute condiccedilatildeo essencial para que exista a possibilidade de responsabilizaccedilatildeo civil
de um profissional advindo de negligecircncia omissatildeo imprudecircncia e imperiacutecia A negligecircncia
eacute relativa ao descuido ineacutercia passividade desleixo falta de cuidado daquele que deveria
agir O ato omisso eacute quando se deixa de fazer algo que deveria ter sido realizado como o
abandono do paciente ou a omissatildeo de tratamento Jaacute a imprudecircncia eacute relacionada ao agir da
pessoa causadora do dano como atitudes natildeo justificadas descuidadas precipitadas de
maneira intempestiva sem a cautela e a precauccedilatildeo que o profissional deveria ter Por uacuteltimo a
imperiacutecia acontece quando natildeo haacute a observaccedilatildeo das normas por parte da pessoa que deveria
consideraacute-las e executaacute-las incluindo-se a ignoracircncia teacutecnica dos profissionais inexperiecircncia
incompetecircncia desconhecimento e despreparo praacutetico (FARIA MOREIRA PINTO 2014)
Os mecanismos judiciais dos atos que levam a danos aos pacientes tecircm as duas faces
da mesma moeda Ao mesmo tempo em que promovem credibilidade responsabilizando o
profissional que teve um comportamento de risco provocam tambeacutem o medo da
culpabilizaccedilatildeo Assim a cultura punitiva vai se arraigando e faz com que natildeo haja notificaccedilatildeo
dos incidentes pelos profissionais causando mais inseguranccedila pelo fato dos incidentes natildeo
servirem como situaccedilatildeo que promova a educaccedilatildeo continuada dos profissionais A notificaccedilatildeo
tem valor para a instituiccedilatildeo quando eacute realizada e trabalhada com cunho educativo
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 110
Para aleacutem da promoccedilatildeo da seguranccedila ciruacutergica no ambiente hospitalar essa se estende
ateacute o domicilio do paciente sendo um campo de difiacutecil investigaccedilatildeo mas que certamente
influencia o desfecho final do processo operatoacuterio
A cirurgia segura eacute muito mais que o poacutes-operatoacuterio imediato vai muito aleacutem []
depois que esse paciente vai para o andar depois que vai pra casa ainda tem um
processo de cirurgia segura ai (Ed26)
Nesse contexto mais amplo o papel do paciente como ator principal na gestatildeo da sua
proacutepria seguranccedila deve ser levado em consideraccedilatildeo Isso eacute orientado pela OMS (2009) e
tambeacutem foi tema evocado no V Encontro de Enfermagem Baseada em Evidecircncias realizado
em Granada A informaccedilatildeo e educaccedilatildeo do paciente ciruacutergico satildeo uacuteteis para aumentar a
preparaccedilatildeo e a conscientizaccedilatildeo sobre a situaccedilatildeo agrave qual que ele se submeteraacute percebendo suas
expectativas e ajudando a controlar o medo e a ansiedade (OBSERVATORIO EBE DE LA
FUNDACIOacuteN INDEX 2008) Nesse sentido a seguranccedila do paciente eacute uma aacuterea de
intervenccedilatildeo inovadora que ao colocar no centro o paciente e seus familiares obriga a
reinventar o sistema de sauacutede numa perspectiva cada vez mais baseada em aspectos de
cidadania e de ganhos em sauacutede (SOUSA UVA SERRANHEIRA 2010)
Aleacutem das questotildees relacionadas agraves condiccedilotildees estruturais do hospital aos
procedimentos ciruacutergicos e aos pacientes tambeacutem exercem forccedila no aumento ou diminuiccedilatildeo
dos riscos as caracteriacutesticas e a competecircncia (conhecimento habilidade e atitude) dos
profissionais comeccedilando pelo quantitativo de profissionais disponiacuteveis e por atitudes baacutesicas
e importantes para a seguranccedila
A escala hoje eacute uma dificuldade que a gente natildeo consegue administrar (Ei30)
Equipe de anestesia quanto mais completa mais seguranccedila Se vocecirc precisar de
ajuda tem um colega eacute diferente de vocecirc trabalhar sozinho (Ed17)
A parte segura eacute que a gente escuta e vecirc que o aumento de contaminaccedilatildeo eacute pouco
Mas tem coisas que eacute errado [ecircnfase] [] cirurgia com a porta aberta Gente sem
touca que come por aqui faz comida cheira o bloco todo [] o circulante tem que
limpar sua sala uns limpam certo outros natildeo (Ei15)
Os relatos mencionam a coexistecircncia de cirurgias seguras e inseguras no cenaacuterio de
estudo O uso inadequado dos natildeo humanos como a vestimenta incompleta dos profissionais
impacta na seguranccedila dos pacientes e dos proacuteprios profissionais Desde a entrada do paciente
no CC existe a mediaccedilatildeo de atores natildeo humanos como as portas que implicam na praacutetica dos
profissionais As portas do CC abertas durante a cirurgia permitem o contato entre a aacuterea
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 111
semi-restrita (corredor) e a restrita (sala operatoacuteria) Apesar de aparentemente ser rotineiro e
sem problema o fluxo para dentro e fora da sala de cirurgia eacute um fator importante no
desenvolvimento da ISC e esse fluxo tem sido associado ao movimento da porta (SIMONS et
al 2014)
No hospital a escala principalmente de anestesistas no CC e teacutecnicos de enfermagem
em toda a linha de cuidados ciruacutergicos foi uma dificuldade encontrada Ressalta-se que o
nuacutemero adequado de profissionais gera maior possibilidade de qualidade assistencial pela
divisatildeo de trabalho e ajuda muacutetua Durante a pesquisa foi possiacutevel observar que a maior parte
do tempo da coordenadora e da secretaacuteria de enfermagem da linha de cuidados ciruacutergica foi
dedicada a resolver problemas na escala de enfermagem dos setores Se por um lado foi
mencionado que a equipe completa oferece maior seguranccedila por outro mesmo com a equipe
em nuacutemero suficiente se natildeo houver o cumprimento do papel de todos os profissionais a
seguranccedila ciruacutergica natildeo seraacute garantida
Natildeo adianta uma parte fazer a parte dela e o resto natildeo fazer [] se um natildeo faz o
processo jaacute se tornou inseguro (Ei23)
O ldquosaber-fazerrdquo e o ldquosaber o que vai precisarrdquo conforme os depoimentos a seguir satildeo
habilidades necessaacuterias dos profissionais na preparaccedilatildeo do paciente no preacute-operatoacuterio e nas
accedilotildees na sala operatoacuteria para a seguranccedila ciruacutergica tanto em procedimentos eletivos quanto
nos de emergecircncia
Paciente preparado eacute o primeiro passo para ser segura Chegou ao bloco todo
mundo estaacute envolvido teacutecnico anestesista cirurgiatildeo e enfermeiro sabem o que
fazer o que vai precisar O paciente de onda a gente natildeo sabe de nada [] mesmo
assim eacute com seguranccedila [] pra ser segura eacute ter conhecimento de tudo dos atos que
vai fazer [] (Ed31)
Quanto mais qualificada a enfermagem melhor pra gente [anestesiologista] isso faz
uma diferenccedila absurda [ecircnfase] Experiente em bloco porque agraves vezes o enfermeiro
eacute experiente em outro setor de repente ele eacute jogado no bloco natildeo passa por
treinamento [] Natildeo adianta ter uma equipe muito especializada qualificada se natildeo
tem a outra Natildeo adianta a enfermagem ser top de linha e os meacutedicos inexperientes
Nem o contraacuterio [] (Ed17)
O recurso mais criacutetico das equipes ciruacutergicas para o sucesso dos resultados ciruacutergicos
eacute a proacutepria equipe Por vezes os profissionais satildeo alocados no CC e tambeacutem em outras aacutereas
do hospital sem treinamento ou com treinamento inadequado Satildeo poucas as orientaccedilotildees e a
estrutura eacute precaacuteria para a promoccedilatildeo de um trabalho em equipe efetivo na minimizaccedilatildeo dos
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 112
riscos e promoccedilatildeo de uma cirurgia segura (OMS 2009) Eacute necessaacuteria uma equipe qualificada
e conectada para usar seus conhecimentos e habilidades em beneficio e seguranccedila do paciente
Por outro lado diferente da maioria dos profissionais o entrevistado relata que
mesmo natildeo conhecendo o paciente que chegou na ldquoondardquo o saber-fazer faz com seja uma
intervenccedilatildeo segura A seguranccedila ciruacutergica exige portanto posturas e valores individuais e da
equipe ciruacutergica como um todo incluindo o aperfeiccediloamento contiacutenuo Segundo Valido
(2011) este valor deve permanentemente ser colocado em praacutetica no exerciacutecio profissional
objetivando o autodesenvolvimento e a melhoria pessoal Isso natildeo eacute diferente em
procedimentos de emergecircncia e urgecircncia em que haacute necessidade de equipes capacitadas e
treinadas tanto no setor de pronto atendimento quanto no CC para os casos de alta
complexidade (CALIL et al 2010) Ressalta-se que a quantidade de procedimentos
realizados eacute um componente importante para desenvolver habilidades sendo necessaacuterio
treinamento aleacutem de promoccedilatildeo da satisfaccedilatildeo e motivaccedilatildeo profissional
Cirurgia do dia-a-dia eacute mais segura Eles estatildeo mais acostumados a fazer E a gente
mais acostumada a lidar com o material (Ei2)
Natildeo eacute uma coisa [anestesiologia] que todo mundo sabe [] vocecirc consegue
treinando pagando bem qualificando e motivando a trabalhar (Ed17)
Uma singularidade dos serviccedilos de sauacutede eacute a relaccedilatildeo estreita entre escala e qualidade
ou seja entre quantidade e qualidade Quanto mais cirurgias o profissional realiza menor eacute a
taxa de mortalidade entre os seus pacientes (MENDES 2011) Nesse sentido o
acompanhamento contiacutenuo do residente pelo preceptor nas cirurgias foi uma condiccedilatildeo
mencionada como determinante para a seguranccedila ciruacutergica Entretanto alguns profissionais
expuseram que os preceptores permanecem o tempo todo em sala operatoacuteria e outros
relataram que o residente muitas vezes opera sem a presenccedila do cirurgiatildeo
Os preceptores ficam em cima acompanham direto entatildeo ocorre mais a cirurgia
segura (Ei27)
Tem residente que natildeo sabe nem fazer sutura A gente fala ldquoO paciente estaacute assim
vocecirc estaacute fazendo alguma coisa erradardquo e chama o preceptor para avaliar Essas satildeo
as cirurgias mais inseguras o cirurgiatildeo natildeo estaacute presente e mesmo assim os
residentes operam (Ed11)
A despeito da divergecircncia sobre a permanecircncia do preceptor em sala operatoacuteria parece
que o residente provoca certa inseguranccedila ciruacutergica dependendo do estaacutegio de aprendizado em
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 113
que se encontra Os residentes iniciantes (RI) que tecircm menos conhecimento podem gerar
maior risco Segundo a OMS (2009) a assistecircncia ciruacutergica segura requer investimento em
educaccedilatildeo e infraestrutura Aleacutem disso natildeo existe consenso no que se refere a um treinamento
adequado e suficiente e sobre como medir a competecircncia dos profissionais (OMS 2009) A
seguranccedila e inseguranccedila do paciente foram relacionadas tambeacutem ao comportamento do
profissional em relaccedilatildeo ao uso de EPI em sua permanecircncia dentro de sala ciruacutergica sendo
condiccedilotildees que favorecem ou natildeo a seguranccedila no ato anesteacutesico-ciruacutergico
Eu costumo brincar que o anestesista e teacutecnico de enfermagem tecircm boca esteacuteril
Agraves vezes tambeacutem natildeo gostam de ficar na sala durante a cirurgia [] Isso eacute uma
coisa muito perigosa [] vaacuterias vezes eu vi paciente com pressatildeo e saturaccedilatildeo
caindo chamo o teacutecnico de enfermagem correndo Aiacute ele chama o anestesista
que vem e presta socorro (Ed12)
A expressatildeo utilizada de que anestesista e teacutecnico de enfermagem tecircm sempre ldquoboca
esteacuterilrdquo mostra a atitude inadequada dos profissionais em aplicar princiacutepios baacutesicos como o
uso de maacutescaras que eacute importante para assegurar a diminuiccedilatildeo de riscos em sala ciruacutergica O
risco para o profissional tambeacutem foi mencionado pelos participantes da pesquisa
As cirurgias todas tecircm o risco para o paciente e para a gente de sofrer acidentes
durante o procedimento de um corte de furar um dedo [] 100 segura natildeo eacute
[com ecircnfase] (Ed13)
A gente eacute exposta a doenccedila a situaccedilotildees de risco que satildeo agraves vezes surpresa Vocecirc
estaacute mexendo num vaso sanguiacuteneo e aquilo pode jorrar sangue arterial entatildeo vocecirc
tem que ter a noccedilatildeo de que vocecirc tem que estar protegido [] Vocecirc tem que prestar
ajuda a pessoa mas com seguranccedila (Ed32)
A necessidade de uso de EPI eacute amplamente conhecida pelos profissionais para
promoccedilatildeo de sua seguranccedila e consequentemente da seguranccedila no procedimento ciruacutergico
Haacute exigecircncia da execuccedilatildeo de princiacutepios baacutesicos de proteccedilatildeo protocolados mas nem sempre
seguidos
Houve relatos relacionados tambeacutem a comportamentos dos membros da equipe
estresse e qualidade de vida dos profissionais como questotildees que influenciam na seguranccedila ou
inseguranccedila da cirurgia
Quando o cirurgiatildeo eacute estressado ele estressa todo mundo aiacute natildeo fica seguro (Ed8)
Depende da equipe que estaacute operando tem uns que gostam de ser mais estrelas
outros atendem na maior tranquilidade centrados tem outros que satildeo estressantes e
que gritam Eacute um momento de estresse neacute Cada um enfrenta de uma forma (Ed29)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 114
Em um hospital de ensino quem vai fazer uma anastomose eacute o residente Se o
preceptor tem paciecircncia naquele dia ele vai ensinar direitinho Se natildeo vai pensar na
hora de ir para casa dormir almoccedilar e ficar com os filhos Se natildeo tem qualidade de
vida natildeo trabalha direito e quem paga eacute quem estaacute em cima da mesa o paciente []
cirurgia segura eacute paciente preparado e cirurgiatildeo e residente descansados (Ei20)
Os relatos mostraram a importacircncia dos relacionamentos posturas disponibilidade e
comprometimento dos profissionais na formaccedilatildeo e orientaccedilatildeo dos membros da equipe
principalmente residentes As relaccedilotildees interpessoais e a dinacircmica no ambiente ciruacutergico
podem influenciar na seguranccedila do paciente (LIMA SOUSA CUNHA 2013) O fato de os
profissionais natildeo se darem bem uns com os outros e com os seus liacutederes aumenta o risco de
incidentes aleacutem de aumentar tambeacutem a sua gravidade Ao contraacuterio um ambiente de trabalho
bom pode mitigar a maioria dos erros humanos de seguranccedila (MUumlLLER 2012)
A promoccedilatildeo das relaccedilotildees interpessoais tendo como foco manter o ambiente em
condiccedilotildees favoraacuteveis ao desenvolvimento do cuidado de modo a tornaacute-lo promotor de
sauacutedecuidados eacute uma das funccedilotildees do profissional enfermeiro do CC Aleacutem disso deve-se
atuar tambeacutem na organizaccedilatildeo do setor com a previsatildeo e provisatildeo do material instrumental e
humano (SILVA ALVIM 2010) Nesse sentido esta subcategoria tem importante relaccedilatildeo
com a praacutetica do enfermeiro de CC Acrescenta-se ainda que esse profissional seja um
importante ator para a qualidade e seguranccedila ciruacutergica visando assistecircncia integral aleacutem do
ensino e da pesquisa pelo perfil do hospital em estudo (SILVA ALVIM 2010)
Outras dimensotildees natildeo foram abordadas pelos participantes do estudo mas chamam a
atenccedilatildeo pela sua importacircncia para a seguranccedila ciruacutergica como a prevenccedilatildeo de incecircndio
explosatildeo e riscos quiacutemicos e eleacutetricos procedimentos eficazes de despejo de materiais sujos e
de lixo bioloacutegico a organizaccedilatildeo e gestatildeo dos recursos financeiros do hospital os fatores
macropoliacuteticos como as regulaccedilotildees e aspectos legais do paiacutes tanto do SUS quanto dos
conselhos de classe o ar condicionado que eacute um recurso que pode propiciar infecccedilotildees exige
sua constante higienizaccedilatildeo e manutenccedilatildeo natildeo tendo sido abordado por nenhum profissional
Enfim o conjunto de dimensotildees para a seguranccedila ciruacutergica citado ou natildeo pelos participantes
do estudo deve ser discutido para programar e implantar atividades com foco na melhoria
contiacutenua da qualidade na assistecircncia ciruacutergica
Assim a cirurgia eacute um fenocircmeno complexus uma intervenccedilatildeo tecida conjuntamente
Portanto cirurgia segura para os entrevistados eacute uma intervenccedilatildeo bem sucedida a partir de
uma complexa trama que envolve muacuteltiplas etapas e accedilotildees de vaacuterios atores humanos aleacutem da
utilizaccedilatildeo adequada dos atores natildeo humanos Ou seja deve haver um conjunto de
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 115
profissionais e recursos materiais estruturais e de equipamentos aleacutem da conexatildeo de
conhecimentos interdisciplinares
422 Onda Vermelha situaccedilatildeo de caos que salva vidas
O mundo natildeo se parece com um continente soacutelido de fatos pontilhado por algumas
lagoas de incertezas eacute um vasto oceano de incertezas pintalgado de ilhotas de
formas calibradas e estabilizadas (LATOUR 2012 p 348-349)
As reflexotildees aqui se inscrevem com foco em duas questotildees natildeo necessariamente em
sequecircncia A primeira eacute praacutetica e diz respeito agraves condutas e melhorias necessaacuterias na atenccedilatildeo a
eventos imprevisiacuteveis e incertos que satildeo situaccedilotildees de emergecircncia nomeadas no hospital como
ldquoOnda Vermelhardquo em que o paciente estaacute em situaccedilatildeo de risco iminente de morte A outra
questatildeo eacute teoacuterica e decorre da praacutetica interdisciplinar para um procedimento ciruacutergico seguro
com comunicaccedilatildeo efetiva que foi concebida em discursos durante a formaccedilatildeo dos
profissionais de sauacutede mas natildeo completamente vivenciada no cotidiano de trabalho
A cirurgia que ocorre atendendo ao protocolo da Onda Vermelha eacute considerada
insegura para a maioria dos participantes desta pesquisa Aleacutem de que durante a Onda as
demais cirurgias do CC tambeacutem se tornam inseguras uma vez que os profissionais se
deslocam de suas salas movidos pela curiosidade mas com a justificativa de ajudar mesmo
tendo profissionais especiacuteficos para este atendimento
Todas as cirurgias de onda infelizmente eacute uma cirurgia insegura [] vocecirc estaacute
tentando salvar a vida do paciente (Ed12)
A cirurgia insegura eacute a onda O pessoal natildeo preocupa muito [ecircnfase] abre de
qualquer jeito os campos capote caixa [] Paciente estaacute parado faz toracotomia
vai com a matildeo tudo esteacuteril na medida do possiacutevel (Ed4)
A insegura eacute quando chega uma onda e todos os teacutecnicos saem da sua sala (Ed22)
Em Belo Horizonte o protocolo ldquoOnda Vermelhardquo foi implantado inicialmente no
Hospital Joatildeo XXIII da Fundaccedilatildeo Hospitalar do Estado de Minas Gerais (HJXXIII
FHEMIG) em novembro de 2004 Foi resultado da experiecircncia e inquietaccedilatildeo dos
profissionais em face da alta mortalidade apresentada por pacientes viacutetimas de traumas
graves (FHEMIG 2015 COSTA-VAL MIGUEL SIMAtildeO FILHO 2005)
A Onda Vermelha consiste na adaptaccedilatildeo do protocolo internacional ldquoManobra de
Mattoxrdquo criado em 1986 por Kenneth Mattox cirurgiatildeo norte-americano especialista em
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 116
trauma Essa manobra preconiza a realizaccedilatildeo de toracotomia uma abertura toraacutecica no quinto
espaccedilo intercostal acircntero-lateral para uma abordagem direta ao sangramento por meio de um
clamp na arteacuteria aorta descendente Este procedimento divide o corpo do paciente em duas
partes garantindo a circulaccedilatildeo do sangue para o enceacutefalo coraccedilatildeo e pulmotildees por um periacuteodo
limitado (FHEMIG 2015)
A Onda Vermelha consiste em um conjunto de accedilotildees meacutedicas e administrativas que
objetiva prioritariamente a abordagem ciruacutergica dentro do CC em pacientes cuja condiccedilatildeo
implique em morte iminente ao inveacutes deste atendimento ser em sala de emergecircncia no pronto
socorro (COSTA-VAL MIGUEL SIMAtildeO FILHO 2005) conforme concebido
originalmente pela Manobra de Mattox A toracotomia e outros procedimentos ciruacutergicos na
sala de emergecircncia para interrupccedilatildeo imediata da hemorragia fazem parte do atendimento a
pacientes admitidos in extremis No entanto satildeo cercados de controveacutersias em relaccedilatildeo agrave
indicaccedilatildeo e efetividade e tecircm grande potencial de provocar acidentes entre os profissionais
(COSTA-VAL MIGUEL SIMAtildeO FILHO 2005) Diante da grande demanda de situaccedilotildees de
emergecircncia nos hospitais brasileiros a aplicaccedilatildeo da Manobra de Mattox foi adaptada
(FHEMIG 2015)
Eacute necessaacuteria uma sala exclusiva e equipada dentro do CC com materiais e
equipamentos organizados anestesiologista e a disponibilizaccedilatildeo pelo banco de sangue de
duas bolsas de sangue ldquoOrdquo negativo sem a necessidade de teste de tipagem (FHEMIG 2015)
Os profissionais do hospital em estudo reconhecendo os bons resultados da Onda Vermelha
a incorporaram agrave sua rotina Isso ocorreu antes que o hospital em 04 de novembro de 2008 se
tornasse unidade piloto do Projeto de Redes Assistenciais da SESMG implantando a triagem
com classificaccedilatildeo de risco pelo Protocolo de Manchester
O Protocolo de Manchester classifica a partir da identificaccedilatildeo da queixa principal os
riscos dos pacientes que adentram um serviccedilo de urgecircncia e emergecircncia em cinco niacuteveis de
gravidade expressos em um fluxograma orientado por discriminadores utilizando um sistema
de cores vermelho (emergente) laranja (muito urgente) amarelo (urgente) verde (pouco
urgente) azul (natildeo urgente) (FREITAS 2002) A cor vermelha da Onda Vermelha vem desse
Protocolo cujo tempo-alvo de atendimento destes pacientes eacute de zero minuto imediatamente
Quando se aciona a sirene na portaria eacute desencadeado nos diversos setores um
movimento para a organizaccedilatildeo dos atores humanos e natildeo humanos para atender o paciente da
Onda Vermelha Esse som tem um significado simboacutelico para os profissionais podendo
indicar agilidade mas tambeacutem estresse e incertezas
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 117
A onda toca laacute fora e pode ter uma definiccedilatildeo cliacutenica ou ciruacutergica Quando ela eacute uma
onda ciruacutergica os profissionais do bloco jaacute saem para saber qual o paciente e em que
condiccedilatildeo eles o vatildeo receber (Ei30)
Apoacutes o soar da sirene e a entrada do paciente no hospital ocorrem vaacuterias fases no
atendimento deste paciente Na etapa 1 eacute realizada a abordagem inicial pela equipe de trauma
(ainda no pronto socorro ou mesmo no CC) de acordo com os princiacutepios do Advanced
Trauma Life Supportreg
(ATLSreg) De acordo com o protocolo aciona-se a Onda Vermelha que
iraacute desencadear accedilotildees administrativas e dos profissionais visando agrave abordagem imediata do
paciente no CC e agrave disponibilizaccedilatildeo de hemoderivados em poucos minutos (etapas 2 e 3)
Apoacutes o processo ciruacutergico (etapa 4) o paciente eacute transferido para a sala de recuperaccedilatildeo poacutes-
anesteacutesica ou para o CTI (etapa 5) Caso seja necessaacuterio ocorrem intervenccedilotildees ciruacutergicas em
etapas seguintes (etapa 6) (COSTA-VAL MIGUEL SIMAtildeO FILHO 2005)
Durante a entrevista com uma das participantes da pesquisa em uma sala operatoacuteria
que natildeo estava sendo utilizada a sirene soou Ela logo ouviu mas a pesquisadora natildeo Essa
somente ouviu depois que a profissional indicou que estava ouvindo algo Para a
pesquisadora parecia ser um equipamento apitando de longe muito sutil Questionou se o
barulho era baixo segundo ela natildeo era porque a porta estava fechada Ela identificou a sirene
logo no iniacutecio porque seus sentidos estavam aguccedilados para o som marcando o iniacutecio de um
processo de trabalho que a envolve A entrevista foi interrompida e a profissional saiu
correndo para o pronto socorro para ver se era um paciente ciruacutergico A pesquisadora quando
saiu do CC avistou um corre-corre em direccedilatildeo ao ldquoPoli 9rdquo (sala de emergecircncia ciruacutergica) A
profissional jaacute estava voltando e disse que era um paciente vitima de arma de fogo no cracircnio
Olhando para dentro da sala a pesquisadora visualizou somente os peacutes do paciente em meio a
uma grande quantidade de profissionais e dois acompanhantes que saiacuteram apressados pela
porta do Poli 9 onde o paciente se encontrava Aquela situaccedilatildeo desencadeou grande
movimentaccedilatildeo no local tanto dos profissionais quanto dos pacientes para visualizar alguma
coisa A profissional disse que a entrevista poderia ser retomada que o neurologista havia
avaliado o paciente e natildeo entrariam com ele no CC porque o oacutebito jaacute havia sido constatado A
Onda Vermelha apresenta situaccedilotildees diversas sempre de gravidade extrema e que envolve
toda a equipe sendo uma situaccedilatildeo rotineira por se tratar de um hospital referecircncia para
urgecircncia e emergecircncia
A morte no cenaacuterio de atendimento pela Onda Vermelha eacute algo comum que faz parte
do cotidiano dos profissionais Estes relatam que a maior parte dos pacientes atendidos na
emergecircncia geralmente evolui a oacutebito devido agrave sua gravidade Isso segundo os profissionais
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 118
faz com que na Onda Vermelha natildeo ocorram incidentes o oacutebito eacute natural Por outro lado
relatam que todos os procedimentos necessaacuterios para manter a vida satildeo realizados
Grande parte dos pacientes da onda morre Quando vecircm para caacute estatildeo graviacutessimos
(Ed12)
[] chega muito paciente baleado grave que entra quase morrendo na sala [] esse
tipo de paciente vocecirc natildeo pode contar como intercorrecircncia natildeo foi natildeo O paciente
era um moribundo independente da intervenccedilatildeo meacutedica a maior chance dele era
morrer mesmo Entatildeo isso aqui eacute bem comum (Ed17)
O procedimento em si eacute bem realizado porque eles investem ateacute o final da cirurgia
isso aiacute eacute inegaacutevel (Ei15)
As situaccedilotildees de emergecircncia acontecem a qualquer momento com qualquer pessoa e
de forma inesperada A maior parte dessas situaccedilotildees mesmo com todo o avanccedilo tecnoloacutegico
leva o sujeito a se tornar objeto de manipulaccedilatildeo dos profissionais tanto na tentativa de salvaacute-
lo quanto de preparar seu corpo inerte apoacutes a morte
Durante o atendimento a uma viacutetima de Perfuraccedilatildeo por Arma de Fogo (PAF) que
chegou anunciado pela sirene foi observado que o paciente em certo momento recebia uma
quantidade excessiva de noradrenalina Um anestesista disse ldquoVocecircs sabem que esse paciente
estaacute morto neacute Estamos mantendo uma dose de 400 de adrenalina isso natildeo existerdquo Um
cirurgiatildeo disse ldquoJudicialmente ele estaacute vivordquo Apoacutes vaacuterias accedilotildees por cerca de duas horas a
saturaccedilatildeo do paciente era 3 e a frequecircncia cardiacuteaca de 41 batimentos por minuto A sala jaacute
estava vazia e os cirurgiotildees comeccedilaram a restabelecer o diaacutelogo entre si A comunicaccedilatildeo
durante o atendimento foi restrita mas apoacutes o estresse inicial a comunicaccedilatildeo foi
reestabelecida por meio de assuntos cotidianos e comentaacuterios sobre a cirurgia Ao finalizar a
sutura no paciente outro anestesista adentra a sala e diz novamente que o paciente estaacute morto
apoacutes visualizaccedilatildeo dos sinais vitais e gasometria mas verificaram uma fraca pulsaccedilatildeo na
jugular O cirurgiatildeo e o anestesista ficaram no impasse se era oacutebito ou natildeo ateacute chegarem agrave
conclusatildeo que era oacutebito e desligaram os aparelhos Cirurgiotildees saiacuteram sem demonstrar
frustraccedilatildeo dizendo que ainda teriam um plantatildeo para enfrentar Apoacutes um tempo a anestesista
fazia seus registros e chegou mais sangue ela disse ldquoAgora natildeo precisa mais isso que daacute
amarrar sanguerdquo e saiu da sala
Os termos relatados a seguir pelos profissionais ao se referirem a Onda Vermelha e
como eacute vivenciaacute-la indicam um processo permeado por uma carga elevada de estresse Eacute um
momento de lidar com o imprevisiacutevel com o inesperado mas o trabalho continua e outros
pacientes chegaratildeo para serem atendidos
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 119
Nossa Catastroacutefico Oh A onda eacute Eacute muita adrenalina (Ed26)
Vem a bomba e vocecirc natildeo sabe da onde veio Na cirurgia do trauma o sangramento eacute
o maior problema vocecirc natildeo sabe onde o buraco comeccedila e onde termina (Ei20)
[] onda eacute uma adrenalina O paciente estaacute chegando vocecirc natildeo sabe o que tem
Sabe que eacute grave e que tem que correr Se entrou como onda eacute risco e o propoacutesito eacute
salvar eacute salvar Cada um fazendo a sua parte o melhor que pode da forma mais
segura e mais competente possiacutevel Eacute o paciente que estaacute precisando de vocecirc mesmo
[ecircnfase] [] Natildeo pode errar natildeo pode passar eacute naquela hora Isso que eacute uma onda
Eacute uma luta (pausa) Correria contra a morte [] (Ed31)
[] natildeo eacute um cenaacuterio agradaacutevel No geral eacute muito estresse [] O paciente estaacute em
risco eminente de morte ou agraves vezes jaacute entra morto eles querem ressuscitar (Ed29)
Haacute clareza quanto agrave gravidade dos pacientes que chegam pela onda e de certa forma
uma relativizaccedilatildeo do que seja seguranccedila pois naquele momento a vida estaacute em jogo mais que
o risco de uma infeccedilatildeo ou outro risco qualquer As metaacuteforas ldquocatastroacuteficordquo ldquobombardquo
ldquoadrenalinardquo ldquouma lutardquo e ldquocorreria contra a morterdquo que emergiram do discurso dos
profissionais remetem a algo que nasceu ldquo[] do caos da turbulecircncia e precisa resistir a
enormes forccedilas de destruiccedilatildeordquo (MORIN 2003 p56) O caos eacute uma forccedila aparentemente
desorganizadora e oposta agrave ordem Pelas falas dos profissionais a Onda Vermelha traz esse
traccedilo resultando em incerteza imprevisibilidade e desordem
As urgecircncias e emergecircncias satildeo consideradas desordens (ANDRADE et al 2013) ldquoA
desordem eacute aquilo que traz a anguacutestia da incerteza diante do incontrolaacutevel do imprevisiacutevel
do indeterminaacutevelrdquo (MORIN 2005 p 210) A noccedilatildeo de desordem e ordem adespeito das
dificuldades loacutegicas deve ser concebida de modo complementar e natildeo apenas antagocircnico
Isso porque os fenocircmenos de organizaccedilatildeo aparecem em condiccedilotildees de turbulecircncia instalam-se
sob o nome de caos caos organizador (MORIN 2003) Nesse sentido eacute necessaacuterio que os
profissionais reflitam e discutam suas praacuteticas no atendimento agrave emergecircncia para ajudaacute-los na
criaccedilatildeo da ordem e da organizaccedilatildeo em meio agrave desordem e ao caos instalado no hospital apoacutes o
soar da sirene anunciando uma emergecircncia da onda
Dada a essa natureza da assistecircncia ao paciente ciruacutergico na situaccedilatildeo de emergecircncia a
calma e o bom senso devem estar presentes na equipe para evitar condutas tempestuosas e ateacute
mesmo agressotildees desnecessaacuterias entre os profissionais (CALIL et al 2010) A sensaccedilatildeo de
que a adrenalina alcanccedilou niacuteveis altos na corrente sanguiacutenea durante a Onda Vermelha
tambeacutem foi mencionada por um meacutedico residente do HJXXIIIFHEMIG em uma reportagem
da seccedilatildeo Sauacutede da Revista Veja BH (BRASIL 2013) A adrenalina eacute um hormocircnio liberado
pelo organismo em momentos de estresse preparando o individuo para um grande esforccedilo
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 120
fiacutesico por meio do estiacutemulo do coraccedilatildeo elevaccedilatildeo da pressatildeo arterial e relaxamento e
contraccedilatildeo de certos muacutesculos Dessa forma percebe-se mais uma vez a afetaccedilatildeo do corpo de
um humano em relaccedilatildeo a outros humanos e tambeacutem aos natildeo humanos (espaccedilos e objetos)
(LATOUR 2009)
O erro no contexto da Onda Vermelha pode significar a vida do paciente conforme
mencionado por Ed31 O termo ldquoerrordquo eacute complexo eacute multidimensional e frequentemente
usado equivocadamente na literatura assim como vaacuterios outros termos em seguranccedila do
paciente No estudo de Runciman (2006) foram encontrados 149 termos com mais de 296
definiccedilotildees alternadas Havia por exemplo 16 definiccedilotildees para erro 14 para eventos
adversos e cinco para evento adverso a medicamentos Outro estudo encontrou 25
definiccedilotildees de erro na literatura e comparou com a avaliaccedilatildeo de meacutedicos da famiacutelia sobre a
ocorrecircncia de erros em cinco cenaacuterios cliacutenicos propostos quando se encontrou muita
divergecircncia nas opiniotildees (ELDER PALLERLA REGAN 2006) A dificuldade em aceitar e
analisar a ocorrecircncia de erro natildeo eacute diferente no contexto da Onda Vermelha uma vez que o
alvo principal eacute salvar a vida
A Classificaccedilatildeo Internacional de Seguranccedila do Paciente (International Classification
for Patient Safety ndash ICPS) da OMS aborda os principais termos da aacuterea Nesse documento
erro eacute por definiccedilatildeo natildeo intencional Uma falha ou aplicaccedilatildeo incorreta na execuccedilatildeo de um
plano almejado Ocorre por fazer errado (erro de accedilatildeo) ou por falhar em fazer a coisa certa
(erro de omissatildeo) na fase de planejamento ou na execuccedilatildeo (OMS 2009) Considerando esse
conceito e que a Onda Vermelha tem um caraacuteter de imprevisibilidade por mais que haja um
protocolo os profissionais tecircm apresentado dificuldades em cumpri-lo de executar um plano
para avaliar a assistecircncia posteriormente A ocorrecircncia de morte da maior parte dos pacientes
natildeo pode ser considerada falha no plano de salvar vidas Por outro lado natildeo se deve
desconsiderar este desfecho final ndash o oacutebito ndash como uma possiacutevel execuccedilatildeo de um conjunto de
planos natildeo executados de forma adequada Haacute necessidade de se analisar melhor este cenaacuterio
de emergecircncia para melhor clarificar o termo erro
As cirurgias de emergecircncias satildeo inseguras tambeacutem devido agrave rapidez necessaacuteria nas
accedilotildees Em um primeiro momento natildeo haacute a preocupaccedilatildeo direta com a contaminaccedilatildeo sob a
justificativa de que o alvo eacute salvar a vida do paciente e por isso haacute necessidade de priorizar a
estabilizaccedilatildeo em detrimento de prevenccedilatildeo de infecccedilotildees A infecccedilatildeo seraacute controlada
posteriormente por meio de antibioacuteticos
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 121
As cirurgias mais inseguras satildeo as de emergecircncia por causa da velocidade com que
as coisas tecircm que acontecer Muitas vezes vocecirc pode ter dificuldade em realizar o
trabalho da melhor forma natildeo tem tempo para preparar tudo (Ed21)
Na cirurgia da onda agraves vezes natildeo tem tempo pra fazer uma escovaccedilatildeo [] tempo de
campear o paciente de preocupar com contaminaccedilatildeo Isso ai eacute para o futuro [] Eacute
coisa que os antibioacuteticos vatildeo controlar se natildeo controlar Deus controla (Ed12)
Segundo Amalberti et al (2005) quando se exige niacuteveis altos de desempenho e
produccedilatildeo como nas cirurgias de emergecircncia o risco inerente ao procedimento (como ISC)
torna-se secundaacuterio o que gera um cenaacuterio inseguro Aleacutem disso a gravidade do paciente e a
pressatildeo do tempo aumentam o potencial de erros e omissotildees em padrotildees estabelecidos de
cuidados (WEISER et al 2010) para promover a seguranccedila Nesse sentido os profissionais
do CC necessitam estar preparados para mudanccedilas raacutepidas e inesperadas Nas emergecircncias o
tempo de accedilatildeo e reaccedilatildeo dos profissionais eacute fundamental para responder a essas situaccedilotildees de
forma eficaz e eficiente (VALIDO 2011) A padronizaccedilatildeo da assistecircncia a organizaccedilatildeo das
condutas e uma equipe qualificada e atenta agraves particularidades individuais dos pacientes em
emergecircncia poderatildeo tornar esse processo aacutegil e menos difiacutecil (CALIL et al 2010) e tambeacutem
humanizado e seguro
Aleacutem da inseguranccedila pela rapidez o nuacutemero de profissionais que se deslocam para a
sala onde estaacute sendo atendido um paciente do fluxo da Onda Vermelha com a intenccedilatildeo de
ajudar ou somente movidos pela curiosidade provoca a indefiniccedilatildeo dos papeacuteis de cada
profissional A sincronia no atendimento depende de quem estaacute na equipe
[] chega uma onda fica aquela confusatildeo Natildeo sabe quem eacute que vai buscar o
sangue pegar o acesso do paciente auxiliar o anestesista quem vai abrir o material
Ficam trecircs pessoas abrindo o material e ningueacutem com o anestesista Todo mundo
quer fazer quer ajudar e acaba natildeo tendo organizaccedilatildeo (Ed8)
Na onda menos gente com qualidade eacute melhor de que muita gente sem qualidade
[] jaacute atendi onda eu e mais um e foi perfeito Entra cinco e ficam batendo vou
pegar e vocecirc pega junto [] Natildeo eacute sincronizado todo dia direitinho natildeo [] (Ed31)
Nunca contei mas haacute umas 20 pessoas (risos) Na intenccedilatildeo de ajudar acaba tendo
mais contaminaccedilatildeo e risco para o paciente [] lava a matildeo correndo estica campo
ciruacutergico com um tanto de gente do lado falando em cima nem todos de maacutescara
(Ei20)
Laacute no bloco tem 10 meacutedicos em cima do doente mas natildeo tem nenhum que pode
pegar o braccedilo do paciente e colher um sangue [] ldquoAh natildeo deu Manda O
negativordquo Satildeo coisas simples que poderia fazer (Ei18)
Observou-se que os procedimentos na Onda Vermelha satildeo feitos concomitantemente
Assim que o paciente entra na sala enquanto um ou mais cirurgiotildees comeccedilam a se
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 122
paramentar outros cirurgiotildees e demais profissionais residentes e acadecircmicos colocam
somente a maacutescara luva esteacuteril e comeccedilam a ajudar na cirurgia Os anestesistas colhem
amostras de sangue para anaacutelise a circulante leva as amostras para o serviccedilo de hemoterapia
Outros puncionam acesso fazem a monitoraccedilatildeo abrem campos e materiais e vatildeo agrave farmaacutecia
devido agrave falta de materiais nos kits (que deveriam estar completos) Ou seja cada um realiza
alguma accedilatildeo nem sempre em sincronia e ordem
Durante a observaccedilatildeo do atendimento de uma Onda Vermelha havia no miacutenimo 10
pessoas na sala Natildeo foi observada a comunicaccedilatildeo sobre as condutas com o paciente notou-se
que nessas situaccedilotildees natildeo se tem um plano definido Cada um foi identificando o que seria
necessaacuterio e tomaram a posiccedilatildeo que natildeo estava ocupada por ningueacutem na cirurgia Apenas o
anestesista dizia o que estava fazendo em voz alta comunicando-se com a equipe Quando
todos estavam realizando suas funccedilotildees a agitaccedilatildeo diminuiu e os profissionais natildeo
paramentados saiacuteram e foram fazer a escovaccedilatildeo das matildeos e braccedilos e se paramentar Havia
nesse contexto muitos curiosos que tambeacutem tentavam ajudar Por exemplo uma residente
tentava puncionar um acesso central a outra apenas observava demonstrando o deslocamento
dos profissionais de outras salas para a sala da emergecircncia
Para aleacutem da curiosidade segundo os relatos eacute do perfil do profissional do trauma
essa vontade de ajudar na emergecircncia Por um lado haacute algum benefiacutecio pois satildeo necessaacuterios
mais profissionais do que aqueles que estatildeo agrave disposiccedilatildeo da Onda a cada plantatildeo (circulante e
anestesistas de stand by) A responsabilidade de organizaccedilatildeo da sala operatoacuteria no hospital em
estudo eacute do profissional enfermeiro supervisor que por vezes entra em conflito para
controlar o quantitativo de pessoas em sala operatoacuteria
Quando estou no plantatildeo fica na sala da onda teacutecnico de enfermagem anestesista e
quem estaacute envolvido na cirurgia Curiosos Podem aguardar do lado de fora Aquilo
natildeo eacute teatro Quando eu entrei natildeo estava acostumada permitia Hoje natildeo deixo
Muita gente entra escondido Eacute engraccedilado [] Jaacute tive brigas dentro de sala de onda
com acadecircmico e residente Hoje eacute mais organizado Mas natildeo deixa de ser um
tumulto Natildeo tem seguranccedila (Ed26)
O profissional do trauma tem esse perfil de gostar da emergecircncia de querer ajudar
O enfermeiro tem que exercer o papel de supervisatildeoe retirar [] tem o circulante
referecircncia para a onda mas seguramente ele natildeo consegue executar tudo (Ei30)
Posso estar aqui tranquila com vocecirc toca a campainha se tem dois [anestesistas de
plantatildeo] como funciona Um fica para a onda e o outro faz um caso [] aiacute um
cirurgiatildeo quer fazer um caso vai ter que aguardar [] tem um [anestesista] de
stand by para a onda vermelha (Ed9)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 123
No CC em estudo natildeo haacute uma sinalizaccedilatildeo visual restringindo o nuacutemero de pessoas na
sala de emergecircncia e tambeacutem natildeo haacute uma poliacutetica clara em relaccedilatildeo agrave entrada e saiacuteda dos
profissionais e estudantes A falta de clareza da equipe foi a causa principal de circulaccedilatildeo
durante as cirurgias em um estudo que analisou o fluxo de pessoas dentro de sala operatoacuteria
(SIMONS et al 2014) Aleacutem da poliacutetica expliacutecita para todos um fator que contribui para o
acesso agrave sala operatoacuteria eacute a hierarquia Simons et al (2014) concluiacuteram nesse estudo que o
cirurgiatildeo eacute o principal responsaacutevel pela reduccedilatildeo do fluxo durante a cirurgia Na realidade do
hospital em estudo observou-se que essa funccedilatildeo fica delegada agrave enfermeira supervisora mas
caso o cirurgiatildeo permita a presenccedila de algum aluno por exemplo a funccedilatildeo que ele tem na
conduccedilatildeo da cirurgia exerce maior forccedila de autoridade do que a funccedilatildeo exercida pelo
enfermeiro supervisor prevalecendo a decisatildeo do cirurgiatildeo Segundo o participante Ed26
quando era receacutem-contratado pela inexperiecircncia deixava a sala operatoacuteria cheia de pessoas
mas atualmente natildeo permite Poreacutem pela observaccedilatildeo em campo desse mesmo profissional e
pelo conjunto dos relatos ficou evidente que os supervisores de enfermagem aleacutem de natildeo
terem ldquovozrdquo ativa para este controle natildeo tecircm tempo de se preocupar com essa situaccedilatildeo
devido agrave sobrecarga de tarefas durante o atendimento da emergecircncia
Uma das causas do tumulto em sala operatoacuteria em atendimento agrave Onda Vermelha eacute a
curiosidade uma vez que a situaccedilatildeo exerce um poder de encantamento pelas situaccedilotildees
inusitadas que ocorrem Segundo os profissionais que participaram da pesquisa a Onda eacute um
cenaacuterio excitante para quem estaacute aprendendo
Agraves vezes tem uma quantidade ateacute maior de cirurgiatildeo tem uma quantidade maior de
residente movido pela curiosidade sabe (Ei20)
A onda exerce um poder de encantamento das pessoas no sentido de estar perto pela
curiosidade porque satildeo situaccedilotildees inusitadas (Ei30)
[] como eacute um hospital escola Aquilo ali eacute um cenaacuterio maravilhoso Pra quem
estaacute de fora olhando eacute maravilhoso vocecirc vecirc o coraccedilatildeo do cara pra fora as tripas dele
toda de fora do outro lado (Ed26)
Simons et al (2014) sugerem medidas de apoio para monitorar o fluxo de
profissionais em sala operatoacuteria como a fixaccedilatildeo de um contador de porta e de um sinal de
alerta na sala operatoacuteria em forma de lembrete constante aos profissionais Com o uso dessas
medidas intenciona-se a criaccedilatildeo de um senso comum de responsabilidade da equipe e a
lideranccedila do cirurgiatildeo (SIMONS et al 2014) Contudo para se adequar agrave realidade do
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 124
contexto de estudo sugere-se um trabalho que aprofunde a causa do tumulto na situaccedilatildeo de
emergecircncia e um debate entre profissionais e estudantes
Para tanto os gestores e profissionais do hospital podem lanccedilar matildeo das vaacuterias
ferramentas e teacutecnicas de gerenciamento da qualidade como por exemplo o diagrama
Espinha de Peixe Essa ferramenta permite estruturar as causas de determinado problema ou
sua oportunidade de melhoria sendo que as causas ou fatores complexos satildeo decompostos em
causas primaacuterias e secundaacuterias sem com isso perder a visatildeo do conjunto do problema
analisado (DAYCHOUM 2010) Segundo o autor geralmente as causas satildeo levantadas em
reuniotildees do tipo brainstorming (ldquotempestade de ideiasrdquo) que eacute uma atividade desenvolvida
para explorar a potencialidade criativa do individuo colocando-a a serviccedilo dos objetivos
propostos qual seja a coleta de ideias sobre as causas ou soluccedilatildeo de um problema
(DAYCHOUM 2010) A ideia de cada participante neste caso os profissionais do hospital
direcionados por um facilitador deve ser gravada para anaacutelise mais aprofundada
As falas dos profissionais que participam da Onda Vermelha indicam a existecircncia de
um mundo agrave parte do qual histoacuterias de mutilaccedilotildees sofrimento mortes e tambeacutem milagres satildeo
colecionadas e quem tem mais para contar se destaca nesse mundo Ter uma foto da situaccedilatildeo
para comprovar e mostrar o fato eacute algo desejado pelos profissionais e tambeacutem pelos pacientes
que estatildeo nos corredores do hospital presenciando a situaccedilatildeo
[] acontece uma situaccedilatildeo inusitada quer fotografar dizer o que aconteceu Isso
legalmente natildeo eacute permitido [fotos] passava rapidamente para os celulares
fotografava laacute de fora [] tivemos haacute pouco tempo uma situaccedilatildeo [] O paciente
chegou com eu natildeo sei como chama eacute de jardinagem de puxar folha tem os
ganchos e estava na cabeccedila ainda fixo porque soacute remove laacute dentro [] as pessoas
por curiosidade querem mostrar para o familiar Ateacute os proacuteprios pacientes
acompanhando querem fotografar Preservar esse paciente eacute muito difiacutecil (Ei30)
Haacute algo miacutestico em torno da assistecircncia agraves emergecircncias e haacute o desejo de registrar O
acesso amplo agraves tecnologias como os celulares com cacircmera fotograacutefica traz um novo
confronto eacutetico na praacutetica cotidiana hospitalar Esse ator natildeo humano ndash celular ndash facilita a
produccedilatildeo e reproduccedilatildeo de imagens a qualquer momento dos atores humanos no atendimento
No entanto a preservaccedilatildeo da imagem eacute um direito constitucional Satildeo inviolaacuteveis a
intimidade a vida privada a honra e a imagem das pessoas assegurado o direito a
indenizaccedilatildeo pelo dano material ou moral decorrente de sua violaccedilatildeo (BRASIL 1988) A
proteccedilatildeo da imagem tambeacutem estaacute presente no Coacutedigo Civil sendo assegurada a idenizaccedilatildeo
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 125
em caso de exposiccedilatildeo sem preacutevia autorizaccedilatildeo (BRASIL 2002c) e em diversos Coacutedigos de
Eacutetica Profissional como da enfermagem e da medicina (COFEN 2007 CFM 2009)
As situaccedilotildees de emergecircncia fazem com que ateacute os princiacutepios baacutesicos como a
precauccedilatildeo de contato sejam burladas Ateacute mesmo o acesso ao CC deixa de certo modo de
ser restrito pois profissionais do Serviccedilo de Atendimento Moacutevel de Urgecircncia (SAMU) e do
corpo de bombeiros por exemplo adentram ao local sem vestimentas adequadas devido ao
risco de morte dos pacientes
Jaacute vi onda chegando com tanta rapidez que chegou aqui o pessoal do SAMU aqui
dentro [do CC] Jaacute vi bombeiro chegando aqui dentro com a roupa e sapato laacute de
fora entrando com a maca deles [] aiacute jaacute eacute um risco de contaminaccedilatildeo [] (Ei15)
Essas situaccedilotildees geram risco de contaminaccedilatildeo bem como a ruptura de uma condiccedilatildeo
bem estabelecida que seja a restriccedilatildeo de acesso ao CC No entanto eacute uma conduta automaacutetica
de muitos profissionais que chegam com o paciente em risco de vida A postura dos
profissionais externos eacute semelhante ao tumulto interno com a chegada da Onda Aleacutem desse
cenaacuterio de inseguranccedila haacute outros fatores que tornam a cirurgia de emergecircncia insegura
[] paciente acabou de chegar agrave onda toca a campainha e entra para o bloco do jeito
que estiver sem banho antibioacutetico eacute feito depois que comeccedilou a cirurgia [] pode
natildeo ter material para fazer uma cirurgia definitiva [] remedia para uma posterior
[] sangramento grande e natildeo tem uma reserva de sangue ele acabou de entrar no
hospital [] esse tipo de inseguranccedila coisas que podia prever antes que natildeo tem
como na emergecircncia Eacute um risco muito grande O risco benefiacutecio para o paciente eacute
melhor fazer a cirurgia naquele momento (Ed10)
O meacutedico acha que emergecircncia eacute O negativo Pelo contraacuterio Esse sangue vocecirc usa
em uacuteltima situaccedilatildeo eacute um sangue raro Por ser raro tem que ter cautela [] se
mandar uma amostra de sangue o tempo que eu levo pra pegar uma bolsa de O
negativo eu classifico e mando o grupo do paciente (Ei18)
A inseguranccedila na emergecircncia permeia vaacuterios aspectos como a impossibilidade de um
preparo adequado preacute-operatoacuterio e por vezes se realiza uma abordagem inicial com
necessidade de retorno ao CC se o paciente sobreviver Isso ocorre tanto pela condiccedilatildeo do
paciente como por exemplo pela falta de uma proacutetese que deve ser solicitada
antecipadamente Aleacutem disso o uso indiscriminado de sangue ldquoOrdquo negativo nas emergecircncias
pode gerar inseguranccedila aleacutem de reduzir o estoque de um material raro para uso em casos
extremos ou de acordo com o grupo de outros pacientes e cuja reposiccedilatildeo natildeo eacute garantida
O cenaacuterio de inseguranccedila se intensifica em uma situaccedilatildeo de cataacutestrofe de desastres
com muacuteltiplas viacutetimas Torna-se necessaacuterio principalmente em tempos de grandes eventos
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 126
todo um planejamento bem como a qualificaccedilatildeo adequada dos profissionais da rede de
serviccedilos externos e da rede intra-hospitalar para atendimento destes casos Eacute necessaacuterio fazer
simulaccedilatildeo para planejamento de grandes eventos
Situaccedilatildeo de cataacutestrofe vocecirc nem troca de luva Natildeo daacute tempo [] a movimentaccedilatildeo
eacute muito grande Quatro cinco residentes em campo vocecirc vai checar se todos estatildeo
paramentados Natildeo daacute [] A abertura da caixa foi asseacuteptica Eu natildeo tenho essa
seguranccedila natildeo tenho como olhar isso (Ei20)
A copa do mundo eacute que fez a medicina em Belo Horizonte discutir medicina de
cataacutestrofe [] o tripeacute principal na Emergecircncia eacute o pronto socorro CTI e bloco
ciruacutergico Noacutes participamos ativamente do plano de atendimento agraves cataacutestrofes no
hospital Tivemos experiecircncias de pequena monta na copa das confederaccedilotildees na
queda do viaduto agora da Pedro I e trecircs simulados que envolveram a cidade em que
a experiecircncia foi muito positiva (Ed21)
Durante a coleta de dados da pesquisa estava acontecendo no Brasil a Copa do Mundo
de futebol A SES-MG em parceira com o governo francecircs promoveu algumas simulaccedilotildees de
cataacutestrofe na capital de Minas Gerais Os profissionais do Corpo de Bombeiros SAMU
Defesa Civil Guarda Municipal Poliacutecia Militar e Civil e de alguns hospitais participaram do
simulado dentre eles o hospital Em situaccedilotildees de cataacutestrofes eacute necessaacuteria a mobilizaccedilatildeo dos
hospitais para receber muitos pacientes Isso requer a elaboraccedilatildeo de um plano de cataacutestrofes
com as accedilotildees para atender as viacutetimas que chegaratildeo sem deixar que a assistecircncia agravequeles que
jaacute estatildeo internados no hospital seja prejudicada Um destes exerciacutecios foi acompanhado pela
pesquisadora O pronto socorro continuou sendo a porta de entrada e os profissionais jaacute
cientes da chegada dos ldquoferidosrdquo procederam agrave evacuaccedilatildeo dos pacientes do pronto socorro e
tambeacutem do CTI para outras aacutereas do hospital liberando os leitos de retaguarda para a
cataacutestrofe Foi interessante ver como todo este cenaacuterio se desenvolveu observando pequenos
incidentes como uma bala de oxigecircnio que caiu no chatildeo a ocorrecircncia de pequenos choques
entre os profissionais que transportavam pacientes e falta de identificaccedilatildeo dos pacientes Esse
uacuteltimo teve um profissional da lideranccedila do hospital que passou chamando a atenccedilatildeo Natildeo
foram verificados incidentes com danos para os pacientes
A qualidade do atendimento na situaccedilatildeo de emergecircncia depende da qualificaccedilatildeo da
calma e do bom senso dos profissionais para evitar condutas tumultuadas estressantes
prevenir intercorrecircncias e evitar complicaccedilotildees Depois da ocorrecircncia de um desastre somar
uma atuaccedilatildeo profissional improvisada significa aumentar o sofrimento das vitimas sendo
conivente com o risco de negligecircncia imprudecircncia e imperiacutecia pelos proacuteprios profissionais de
sauacutede (SILVA CARVALHO 2013)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 127
As cirurgias de emergecircncia proporcionam tambeacutem risco para o trabalhador tanto para
aqueles que atuam diretamente devido a agilidade das accedilotildees quanto para os que estatildeo
indiretamente envolvidos por exemplo a profissional da higienizaccedilatildeo que encontra um
cenaacuterio que oferece grande risco
[] eacute tudo com muita agilidade Punciona uma PIA [pressatildeo intra-arterial] suturou
mas o cirurgiatildeo jaacute tem que pegar um [acesso] central entatildeo deixa o nylon ali na
mesa e vai precisar da mesa de novo Eu calccedilo a luva natildeo sei se tem fio pego e furo
meu dedo [] (Ed11)
[] Sala dois que eacute a sala da onda [] Natildeo daacute tempo de fazer um exame para saber
se o paciente tem alguma doenccedila [] acabou de cuidar sai da sala para a gente
limpar aiacute o chatildeo eacute cheio de agulha (Ei6)
O caos permanece desde a entrada do paciente ateacute a sua saiacuteda da sala operatoacuteria No
final de um atendimento da onda foi possivel observar que a sala fica suja com bolsas de
sangue embalagens tesoura e pinccedilas espalhadas pelo chatildeo e a bancada com gazes jelcos
soro seringas e caixa de hemocomponentes Essa realidade gera riscos para os profissionais
como por exemplo a ocorrecircncia de acidentes de trabalho Eacute necessaacuterio discutir as situaccedilotildees
de emergecircncia pois tanto trabalhadores como pacientes necessitam respectivamente de
maior seguranccedila no trabalho e na assistecircncia
A questatildeo do risco para o profissional segundo os relatos eacute maior em cirurgias que
envolvem crianccedilas e jovens Haacute um esforccedilo maior dada a pressatildeo cultural de salvar a vida de
quem ainda tem muito tempo para viver Os profissionais colocam-se em risco em funccedilatildeo da
assistecircncia a esses pacientes e apesar disso relatam satisfaccedilatildeo no trabalho poreacutem se queixam
de desvalorizaccedilatildeo
[] tem paciente que entra como uma urgecircncia [] a sirene natildeo tocou mas virou
onda laacute dentro natildeo estaacute na sala da onda mas seguramente eacute uma onda Ontem teve
um paciente que jaacute prendia sala aguardando CTI Viacutetima de acidente de moto com
uma fasceiacutete necrotizante A princiacutepio faacutecil de tratar [] Ele ficou seacuteptico a equipe
achou que a uacutenica chance de sobrevivecircncia seria desarticular o membro inferior O
bloco viveu em funccedilatildeo desse paciente [] E com a pressatildeo de ser um paciente de 16
anos e a matildee laacute fora a psicologia com intervenccedilatildeo com a matildee [] (Ei30)
Eu gosto soacute acho que o trabalho deveria ser mais valorizado [] vocecirc trabalha
tanto se potildee em risco [] agraves vezes chega a Onda vatildeo supor eacute uma crianccedila se tiver
no corredor vocecirc natildeo olha se estaacute com luva [] eacute automaacutetico (Ed11)
Segundo os relatos dos participantes haacute uma pressatildeo maior quando a emergecircncia
envolve crianccedilas e jovens Em um estudo sobre o significado da morte para profissionais de
enfermagem que atuam em CC de urgecircncia e emergecircncia foi identificada uma capacidade
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 128
emocional prejudicada para elaborar as perdas vivenciadas nesse local principalmente quando
a morte envolve crianccedilas e jovens A infacircncia e a juventude culturalmente satildeo periacuteodos de
expectativa e a crianccedila eacute vista como fraacutegil e inocente Isso faz com que o profissional sinta
maior responsabilidade pela cura Quando isso natildeo ocorre e o profissional se depara com a
morte desses pacientes haacute o sentimento de impotecircncia (BOSCO 2008)
O paciente que mesmo natildeo tendo entrado como Onda Vermelha (tocado a sirene
colocado em sala reservada acionado anestesista e circulante especiacutefica e desencadeado
processo no banco de sangue) e se torna uma emergecircncia eacute algo que tem que ser reconhecido
pois apesar de natildeo ter todo o som que acompanha a Onda faz ldquobarulhordquo e movimenta o CC
Esse cenaacuterio de imprevisibilidade da emergecircncia ou da urgecircncia mesmo com o paciente jaacute
admitido eacute realidade em qualquer setor da rede intra-hospitalar sendo que pode ocorrer a
qualquer momento mesmo com os pacientes considerados estaacuteveis Nesse sentido Calil et al
(2010) traz agrave tona a responsabilidade da equipe no preparo para uma atuaccedilatildeo segura e precisa
O reconhecimento precoce das situaccedilotildees potencialmente ciruacutergicas a elaboraccedilatildeo de
protocolos de atendimento a qualificaccedilatildeo sistematizada da assistecircncia na rede intra-hospitalar
entre as diversas equipes a discussatildeo dos casos cliacutenicos as rotinas de atendimento ao
paciente ciruacutergico na situaccedilatildeo de emergecircncia devem ser pensadas pelas equipes de sauacutede
comprometidas com a qualidade da assistecircncia (CALIL et al 2010)
Ademais a comunicaccedilatildeo institucional principalmente em uma situaccedilatildeo de
emergecircncia foi referida como ldquotorre de Babelrdquo Cada profissional fala em uma liacutengua
diferente o que gera discrepacircncias que devem ser corrigidas para assegurar a seguranccedila dos
pacientes
A comunicaccedilatildeo eacute como a torre de Babel Precisa sincronizar Haacute discrepacircncia
Exemplo de uma onda paciente entrou no poli A enfermeira [do pronto socorro]
colhe sangue e manda o pedido A gente fala ldquoO que eacute o casordquo ldquoBaleadordquo A gente
jaacute adianta ldquoIsso pode dar pepinordquo Tiro esfaqueado politraumatismo grave a gente
deixa tudo encaixado [] Chega ao bloco toca a sirene ldquomanda sangue O negativordquo
[] ldquoColhe amostrardquo ldquoNatildeo daacute para colher agorardquo Quando vai ver tem uma amostra
do paciente na nossa matildeo [enviado pelo PS] Ou ldquovocecirc sabe o nomerdquo ldquoNatildeo chegou
agorardquo ldquoNoacutes [banco de sangue] recebemos um sangue haacute menos de 15 minutos Foi
tirordquo ldquoAh o que taacute laacute eacute tirordquo No final das contas vocecirc manda sangue O negativo soacute
que vocecirc tinha a classificaccedilatildeo real do paciente (Ei18)
A metaacutefora da ldquotorre de Babelrdquo eacute utilizada pelo profissional para explicar que a
comunicaccedilatildeo estaacute sendo realizada e compreendida de diferentes formas ou natildeo estaacute sendo
realizada como o exemplo mencionado por Ei18 em que os profissionais do pronto socorro
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 129
enviaram a amostra de sangue mas natildeo foi comunicado para os profissionais do CC As
informaccedilotildees satildeo fragmentadas impossibilitando a compreensatildeo do todo
Segundo um participante seria necessaacuterio um ator que viabilizasse o contato direto
entre o profissional que recebeu o paciente no Pronto Socorro e o que iraacute receber no CC para
dar sequencia ao cuidado ou preparaccedilatildeo dos elementos para o cuidado
Vai receber o paciente que estaacute vindo pra cirurgia do PA [pronto atendimento]
chegou na onda E aiacute fala ldquoo paciente taacute assim assimrdquo Quando vocecirc vai receber o
paciente ele natildeo estaacute assim Faltou comunicaccedilatildeo Vatildeo passando de um pro outro e ateacute
chegar aqui chega diferente Acho que tinha que ter uma ligaccedilatildeo direta Aquele que
recebeu eacute que vai passar o caso (Ed31)
A transferecircncia de informaccedilotildees entre equipes e setores (handoffs) eacute reconhecida
internacionalmente como momentos criacuteticos e decisivos para a seguranccedila do paciente No
entanto natildeo existe a possibilidade do profissional que recebeu o paciente no pronto socorro
ser ele mesmo o portador da transferecircncia para todos os demais setores que o paciente iraacute
percorrer Isso porque satildeo diversas as condiccedilotildees funccedilotildees e profissionais que recebem o
paciente na linha de cuidados ciruacutergico Contudo haacute algumas teacutecnicas de comunicaccedilatildeo que
podem ajudar O SBAR (do inglecircs Situation Background Assessment Recommendation ou
Situaccedilatildeo Background Avaliaccedilatildeo Recomendaccedilatildeo) eacute um exemplo que fornece uma estrutura
mnemocircnica para uma mensagem Inicia-se o esclarecimento do problema com informaccedilotildees
baacutesicas seguido por uma avaliaccedilatildeo da situaccedilatildeo e uma recomendaccedilatildeo Essa ferramenta
melhora a eficiecircncia da comunicaccedilatildeo por permitir maior acuraacutecia das informaccedilotildees
transmitidas e traz benefiacutecios aos profissionais pois se cria uma linguagem comum concisa e
estruturada promovendo a seguranccedila do paciente (SALMAN et al 2012)
Segundo Morin (2003) a compreensatildeo perpassa pela relaccedilatildeo subjetiva com o outro de
simpatia o que pode ser favorecido pela projeccedilatildeo pela identificaccedilatildeo A compreensatildeo eacute
assim o grande problema atual da humanidade mais do que a comunicaccedilatildeo ou em
consequecircncia dela Contraditoriamente para a compreensatildeo natildeo basta a comunicaccedilatildeo a
primeira pode ser afetada ou ajudada pela comunicaccedilatildeo seja tecnicamente (telefone e-mail)
seja pelo domiacutenio do coacutedigo (liacutengua) Mas eacute preciso que a compreensatildeo aconteccedila pois a
comunicaccedilatildeo por si mesma natildeo pode gerar a compreensatildeo (MORIN 2003)
Os profissionais mencionaram algumas oportunidades de melhoria para o caos que eacute a
Onda Vermelha a saber maior organizaccedilatildeo revisatildeo de medicamentos e materiais
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 130
disponiacuteveis melhoria da comunicaccedilatildeo criteacuterio e equidade no uso de bolsas de sangue ldquoOrdquo
negativo
Eacute um processo muito raacutepido e precisam estar muito ensaiadas Natildeo ensaiadas no
sentido real da palavra a gente nunca vai conseguir ensaiar um atendimento de
emergecircncia mas muito organizadas (Ei30)
A anestesia traz alguns questionamentos de material que queriam deixar pronto
precisa ver com a CCIH [] (Ei30)
[] podia ter mais treinamento de organizaccedilatildeo de uma parada cardiacuteaca por
exemplo Chega uma onda uma urgecircncia fica aquela confusatildeo Natildeo sabe quem eacute
que vai buscar o sangue quem vai pegar o acesso do paciente quem que vai auxiliar
o anestesista quem que vai abrir o material (Ed8)
[] entra na sala de politraumatismo punciona para ligar o soro colhe amostra e
identifica [] No bloco a primeira coisa colher e enviar para o banco de sangue
Natildeo haacute condiccedilatildeo de suprir um paciente de politraumatismo de 10 15 bolsas de
sangue O negativo Faz 15 bolsas O negativo o cara morre Aiacute tem uma parturiente
vai sensibilizar ela Uma menina de 20 25 anos [] tem que ter esses cuidados
para natildeo fazer demais para um e faltar para o outro [] Qualquer gratildeozinho de
sangue numa emergecircncia 1ml jaacute daacute uma ajuda enorme [] Vai ser beneacutefico pra ele
[paciente] e para o banco de sangue Na transfusatildeo na real vocecirc estaacute fazendo um
transplante (Ei18)
O profissional Ei18 tambeacutem sugere que na reorganizaccedilatildeo do processo de trabalho na
Onda Vermelha tenha uma pessoa responsaacutevel (elo) para solicitar o hemoderivado Segundo
o profissional basta 1 ml de sangue porque a teacutecnica de classificaccedilatildeo para uma emergecircncia eacute
em tubo e natildeo em gel o que leva menos de um minuto que eacute o mesmo tempo de
disponibilizar uma bolsa de ldquoOrdquo negativo Posteriormente os teacutecnicos do banco de sangue
utilizam a teacutecnica em gel que leva 10 minutos para a classificaccedilatildeo do grupo sanguiacuteneo e que eacute
mais fidedigna Eacute necessaacuterio que isso seja de conhecimento de todos os profissionais no
sentido de racionalizar o uso de bolsas de sangue ldquoOrdquo negativo
A ampliaccedilatildeo da seguranccedila em procedimentos ciruacutergicos requer investimentos no
conhecimento em relaccedilatildeo ao ato ciruacutergico (PANCIERI et al 2013) e tudo o que o permeia A
qualidade no atendimento ao paciente em situaccedilatildeo de emergecircncia depende da accedilatildeo de todas as
pessoas envolvidas nessa missatildeo (CALIL et al 2010) Algumas melhorias foram
mencionadas pelos profissionais mas natildeo se almejou descrever a totalidade ateacute porque ldquo[] a
totalidade eacute a natildeo verdaderdquo (ADORNO apud Morin 2003) Um dos axiomas da
complexidade eacute a impossibilidade do saber completo inclusive teoricamente (MORIN 2003)
A dimensatildeo dos problemas de seguranccedila do paciente em estado de emergecircncia surgiu
como um problema de sauacutede puacuteblica e de sauacutede do trabalhador apesar do pouco
reconhecimento da sua extensatildeo Foi observado que os profissionais do CC em questatildeo bem
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 131
como dos setores que fazem interface no atendimento agrave Onda Vermelha estatildeo na aurora de
um esforccedilo que ainda necessita de muacuteltiplas accedilotildees a fim de alcanccedilar meios para a
organizaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo de princiacutepios de cirurgia segura na situaccedilatildeo de emergecircncia com
comunicaccedilatildeo efetiva
Apesar de todas as arestas que necessitam serem modificadas no momento da
emergecircncia as questotildees mudam de significado haacute maior envolvimento da equipe e um
trabalho interdisciplinar O conjunto dos atores humanos ndash profissionais alunos pacientes ndash
e natildeo humanos ndash materiais equipamentos e medicamentos ndash produz um movimento e
promove a assistecircncia ciruacutergica de emergecircncia
423 Efeito borboleta pequenas accedilotildees podem resultar em grandes incidentes na
assistecircncia ciruacutergica
O titulo desta subcategoria tem origem na pergunta ldquoPredictability Does the flap of a
butterflyrsquoswings in Brazil set off a tornado in Texasrdquo(LORENZ 1972 p 1) que em
traduccedilatildeo livre para o portuguecircs quer dizer O bater das asas de uma borboleta no Brasil
dispararia um tornado no Texas
Por meio deste questionamento Edward Norton Lorenz um meteorologista
matemaacutetico e filoacutesofo norte-americano iniciou sua apresentaccedilatildeo na 139ordf reuniatildeo anual da
Sociedade Americana para o Progresso da Ciecircncia em 1972 (LORENZ 1972) Seus estudos
asseveram entre outras questotildees que uma simples e pequena accedilatildeo no iniacutecio ou decorrer de
um evento ndash como o suave bater de asas de uma ou vaacuterias borboletas ndash afetaraacute o desfecho de
tal evento na sucessatildeo de fatos que venham a ocorrer gerando algo imprevisiacutevel como um
tornado em outro local do mundo pela leve movimentaccedilatildeo do ar pela borboleta (LORENZ
1972 LORENZ 1963)
Apesar de a frase ser apenas uma afirmaccedilatildeo simboacutelica dentro da Teoria do Caos
significa que accedilotildees aparentemente insignificantes tecircm potencialidade para provocar grandes
consequecircncias Este eacute o objetivo desta subcategoria tecer por meio de relatos dos
profissionais como as pequenas accedilotildees concorrem para a ocorrecircncia ou ateacute mesmo a
prevenccedilatildeo de incidentes ciruacutergicos
Como jaacute abordado anteriormente os incidentes satildeo eventos ou circunstacircncias que
poderiam ter resultado ou resultaram em dano desnecessaacuterio ao paciente O termo
ldquodesnecessaacuteriordquo significa que haacute certos danos que satildeo necessaacuterios na assistecircncia agrave sauacutede
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 132
como por exemplo uma incisatildeo para realizaccedilatildeo de laparotomia natildeo sendo considerados
portanto como incidentes (OMS 2009)
Os incidentes originam-se de atos intencionais dos profissionais (violaccedilotildees) ou de atos
natildeo intencionais e incluem as seguintes situaccedilotildees (1) circunstacircncia notificaacutevel (2) near miss
(3) incidente sem dano e (4) incidente com dano ou evento adverso (OMS 2009) A seguir
seratildeo discutidas estas situaccedilotildees a partir dos conceitos da Classificaccedilatildeo Internacional de
Seguranccedila do Paciente (International Classification for Patient Safety ndash ICPS) (OMS 2009) e
dos relatos dos profissionais desta pesquisa Vale ponderar que foram escolhidos somente
alguns casos relatados para exemplificaccedilatildeo e que encaixaacute-los na taxonomia ICPS foi difiacutecil
dada a interpretaccedilatildeo dos conceitos e a falta de informaccedilotildees detalhadas do desfecho final dos
casos
A primeira situaccedilatildeo eacute de uma ldquocircunstacircncia notificaacutevelrdquo que consiste em uma
situaccedilatildeo com grande capacidade de causar dano ao paciente mas que natildeo produziu nenhum
incidente (WHO 2009) conforme os exemplos a seguir
[] campo com defeito avental curto avental rasgado ou cerzido foi notificado agrave
CCIH [] optou ao inveacutes de comprar tecido novo jaacute atendendo a RDC 15 utilizar o
material [descartaacutevel] [] preccedilo consideraacutevel mas melhor pra garantir a seguranccedila
do paciente O objetivo eacute melhorar o quantitativo para que todas as cirurgias
utilizem material de primeira linha (Ei5)
Os incidentes relatados sobre os defeitos no material apesar de terem potencial natildeo
causaram nenhum dano para o paciente pelo relato do profissional Contudo esses tipos de
incidentes devem ser notificados pelos profissionais e conforme o relato de Ei15 devem
resultar em discussatildeo e melhoria como foi a tomada de decisatildeo para a troca por material
descartaacutevel Esse eacute o alvo principal de se notificar quaisquer incidentes ou seja a discussatildeo e
a realizaccedilatildeo de um plano de accedilatildeo para melhoria contiacutenua da qualidade da assistecircncia ciruacutergica
Percebe-se que a mudanccedila nos processos de trabalho natildeo se daacute por aspectos lineares mas por
vezes eacute decorrente de uma rede de situaccedilotildees provenientes da desordem e da incerteza
A segunda situaccedilatildeo eacute de um ldquonear missrdquo que se refere a um incidente que natildeo atingiu
o paciente (OMS 2009) conforme os relatos a seguir
Jaacute quase contaminaram mesa de cirurgia mas natildeo contaminaram Contaminou
tesoura despreza Jaacute aconteceu de abrir caixa e ela estar molhada aiacute despreza e abre
outra (Ed4)
Vieram pedir sala ah paciente hiacutegido Natildeo tem nada soacute taacute com apendicectomia
Nunca foi no hospital [] mas eu descobri que o paciente haacute um ano ficou
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 133
internado mais de um mecircs no CTI por IAM [Infarto Agudo do Miocaacuterdio] e estava
sem tratamento Suspendeu as medicaccedilotildees e estava sentindo dores desconforto e ia
entrar para a cirurgia eu que avisei o anestesiologista Porque o cirurgiatildeo falou que
ele natildeo tinha nada [] Natildeo causou dano diretamente e eu consegui cercar mas eacute um
absurdo [] entram com paciente contaminado e que natildeo tomaram precauccedilatildeo de
contato aerossol paciente com TBC [] (Ed29)
O primeiro caso relata incidentes com relaccedilatildeo agrave contaminaccedilatildeo de materiais ciruacutergicos
que natildeo provocaram nenhum dano porque os profissionais percebendo o ocorrido
desprezaram o material No segundo caso o near miss consistiu em natildeo identificar ou natildeo
repassar a histoacuteria pregressa de forma fidedigna para os profissionais do CC uma falha de
comunicaccedilatildeo na transferecircncia de cuidados do preacute para o transoperatoacuterio Isso poderia levar o
paciente a um dano pela exposiccedilatildeo a drogas e outros procedimentos sem considerar o seu
histoacuterico Eacute importante que os serviccedilos de sauacutede identifiquem e notifiquem os incidentes que
natildeo atingiram o paciente (near miss) pois esses contribuem para identificar a fragilidade na
assistecircncia que no futuro pode levar a um evento adverso evitaacutevel (O‟KANE et al 2008)
A terceira situaccedilatildeo eacute de um ldquoincidente sem danosrdquo que consiste em um evento que
atingiu o paciente mas natildeo causou dano discerniacutevel (OMS 2009) conforme os relatos
[] Preciso do rapaz da radiografia ldquoTaacute nas outras duas salas Natildeo temrdquo Tem que
esperar (Ed22)
[] teve falha de profissional colheu amostra trocada de paciente [] Ele teve duas
sortes que o sangue que foi era O positivo Passou dois trecircs dias veio outra amostra
do paciente ldquoArdquo positivo Eu falei ldquoNatildeo pode Esse paciente eacuterdquo que a gente tem
um registro ldquoColhe outra amostrardquo ldquoArdquo positivo Amostra foi coletada trocada
[] Isso eacute muito grave Coletou de um identificou de outro (Ei18)
Os incidentes sem dano ocorrem tambeacutem de forma imprevisiacutevel como aquele
relatado de ordem estrutural e o incidente de identificaccedilatildeo errada da amostra de sangue preacute-
transfusional de ordem processual O processo transfusional segundo Souza Oliveira e Teles
(2014) eacute complexo e abrange vaacuterios atores e procedimentos Engloba um conjunto de pontos
criacuteticos em que haacute a efetiva possibilidade de ocorrecircncia de erro E embora haja reaccedilotildees que
derivam de complicaccedilotildees inevitaacuteveis em sua grande maioria essas se devem a erros humanos
e como tal evitaacuteveis (SOUSA et al 2014)
Em relaccedilatildeo ao grupo sanguiacuteneo da primeira amostra o sangue ldquoOrdquo positivo que foi
encaminhado para administraccedilatildeo no paciente era compatiacutevel com o seu grupo sanguiacuteneo ldquoArdquo
positivo identificado posteriormente No entanto cuidados devem ser tomados nesse sentido
pois o erro humano tem sido uma das principais causas de fatalidades relacionadas com
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 134
transfusotildees por incompatibilidade do sistema ABO Essa eacute uma reaccedilatildeo grave do sistema
imunoloacutegico em razatildeo da transfusatildeo de componente sanguiacuteneo cujo grupo eacute diferente e
incompatiacutevel com o do paciente (SOUSA et al 2014) Nos EUA a frequecircncia de mortes
evitaacuteveis por transfusatildeo atribuiacutedas agrave falha na identificaccedilatildeo da amostra de sangue preacute-
transfusional da unidade de sangue ou do destinataacuterio varia de 1600000 a 1800000
transfusotildees (KROMBACH et al 2002)
Por fim a quarta possibilidade de um incidente e talvez a mais complexa pelo
desfecho final eacute o incidente com dano tambeacutem denominado evento adverso (WHO 2009) O
primeiro caso dessa quarta possibilidade de incidente foi marcante para o conjunto dos
profissionais do hospital em estudo sendo relatado por vaacuterios deles
Um rapaz veio fazer apendicectomia e parece que deu defeito no carrinho de
anestesia [] ficou sem ventilar muito tempo e fez uma hipoxemia grave Morte
cerebral Uma apendicite em fase um que faz todo dia e ele morreu [] o
anestesista natildeo fez o checklist do aparelho [] Jornal e televisatildeo Anestesista
afastado Confusatildeo Da pior forma possiacutevel (Ei20)
Um paciente veio operar apendicite Parece que o carrinho de anestesia estava com
problema Uma chave que devia estar virada e natildeo estava O paciente foi a oacutebito []
Eacute triste A gente imagina que naquele lugar podia estar um amigo um familiar Foi
uma fatalidade Abala [ecircnfase] (Ed31)
[] homem de 32 anos veio para o bloco com apendicite agrave noite Quem fez a
anestesia ao inveacutes de conectar o oxigecircnio e ar comprimido soacute fez a conexatildeo do ar
comprimido [] teve um dano neuroloacutegico irreversiacutevel [] foi para o CTI Como
as janelas natildeo eram teladas o paciente teve uma miiacutease [] Ao contraacuterio do CTI que
teve cuidado com o bloco de natildeo dizer que foi uma falha do anestesista foi o oposto
com o CTI [] Queriam ver quem era o culpado O CTI tinha um problema de aacuterea
fiacutesica jaacute notificada agrave diretoria mas naquele momento natildeo tinha como resolver e a
equipe do bloco foi muito dura Foi uma decepccedilatildeo a maneira como foi tratado o
caso Para nenhum profissional eacute agradaacutevel o erro mas eacute complicado resolver erros
procurando culpado sem olhar o entorno o processo de trabalho [] (Ei25)
Tivemos um caso que foi um evento seriacutessimo [] paciente operado de apendicite
relativamente simples e teve um problema na oxigenaccedilatildeo durante o procedimento
[] evoluiu com uma hipoacutexia transoperatoacuteria [] natildeo se identificou o motivo dessa
baixa oxigenaccedilatildeo [] Teve uma internaccedilatildeo prolongada em CTI vindo a falecer []
foi um marco negativo a gente tenta sempre aprender [] foi feita revisatildeo completa
de todos os carrinhos feito uma nova revisatildeo A fabricante do carrinho participou
das avaliaccedilotildees [] Houve substituiccedilatildeo por modelos mais modernos que talvez
evitassem esse problema A gente fica mais atento por causa desse fato foi isolado
mas muito negativo marcante e a gente natildeo quer que aconteccedila de novo (Ed21)
Os relatos mostram um caso com dano irreversiacutevel ao paciente que poderiam ser
evitados com observaccedilatildeo rigorosa de pequenos detalhes e se fosse admitido pelos
profissionais que toda cirurgia implica riscos Os detalhes as causas e as repercussotildees do
incidente com o paciente operado devido a uma apendicite em fase inicial eletiva
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 135
considerado um procedimento simples foram variadas indo do fator humano agrave falha no
equipamento Em um estudo sobre eventos adversos na aacuterea da anestesiologia em hospitais
de Boston a desconexatildeo do circuito respiratoacuterio foi a categoria mais frequente (COOPER
NEWBOWER KITZ 1984) No entanto segundo Fortis (2009) atualmente eacute possiacutevel
avaliar de forma contiacutenua de maneira segura qualitativa e quantitativamente mediante
monitorizaccedilatildeo diversos paracircmetros do equipamento de anestesia e do medicamento como
fluxos pressotildees volumes concentraccedilotildees Tais recursos possibilitam verificar se o
equipamento estaacute cumprindo aquilo para o qual foi programado (FORTIS 2009) Para tanto eacute
necessaacuterio um equipamento anesteacutesico moderno que corresponda agraves exigecircncias normativas e
agrave qualificaccedilatildeo dos profissionais para operacionalizaacute-lo bem como a um ambiente livre de
distraccedilotildees e interrupccedilotildees
O paciente antes da constataccedilatildeo do oacutebito teve um episoacutedio de miiacutease devido agraves maacutes
condiccedilotildees da estrutura fiacutesica (janelas sem telas) do CTI Ressalta-se que haacute mais de 150
espeacutecies de insetos que podem causar miiacutease em humanos suas larvas podem gerar necrose e
destruiccedilatildeo dos tecidos infestados com vaacuterios sintomas dependendo dos locais acometidos e
da intensidade da infestaccedilatildeo (SILVEIRA et al 2015) Este acontecimento aleacutem do dano ao
paciente gerou conflito entre as equipes do CC e do CTI
Apesar do entrevistado dizer que foi um fato isolado e que a lideranccedila e profissionais
trabalharam para que os incidentes natildeo tivessem recidiva o mesmo problema ocorreu com
outra paciente Desta vez foi percebido antes que houvesse uma lesatildeo tatildeo seacuteria mas foi
necessaacuterio tratamento intensivo e portanto classificado como um evento adverso
[] menina de 15 anos com abdome agudo parecia apendicite e o residente me
pediu pra operar com ele Cheguei examinei vi os exames irritaccedilatildeo peritoneal []
No bloco ela foi anestesiada entubada e quando a gente incisou a pele subcutacircnea o
sangue estava muito escuro e tinha uns 5 minutos que tinha sido entubada []
perguntei ao anestesista ldquoO sangue taacute escuro estaacute bem ventiladardquo Parecia um
sangue natildeo oxigenado Ele olhou ela estava sem ser oxigenada No monitor estava
bradicardizando Teve uma parada cardiacuteaca [] massageamos ela voltou [] foi
para o CTI [] natildeo teve nenhuma sequela por sorte Eacute uma sensaccedilatildeo peacutessima para
quem estaacute operando [] para quem taacute anestesiando [] nessa eacutepoca teve um
paciente com sequela neuroloacutegica grave acabou morrendo no CTI porque deixou de
ser ventilado por falha do carrinho de anestesia uma falha na vaacutelvula []
Aconteceu comigo a sorte eacute que a menina natildeo teve sequela Aneuro fez TC de
cracircnio tudo normal Imagina se a menina morre Entrou na cadeira despediu da
matildee na porta do bloco [] Pode acontecer Mas eacute muito doloroso para todo mundo
[] o anestesista falou ldquoNatildeo sei o quecirc que aconteceu entubei a menina Coloquei
pra ventilar ventilou bem O bocal do ventilador natildeo desconectou do tubordquo os gases
que ele usou estavam ok A gente natildeo conseguiu chegar a uma conclusatildeo do que
aconteceu (Ed19)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 136
A comparaccedilatildeo dos episoacutedios leva a algumas reflexotildees Embora no primeiro caso agrave
primeira vista o erro tenha sido do anestesiologista que natildeo manipulou adequadamente o
carrinho de anestesia o cirurgiatildeo daquele procedimento poderia ter percebido a coloraccedilatildeo do
sangue natildeo oxigenado e alertado o anestesiologista assim como o profissional do uacuteltimo caso
(incidente com a menina) o fez Assim evidenciam-se duas questotildees Primeira o incidente
ocorre por fatores sistecircmicos e natildeo individuais Segunda mostra uma contradiccedilatildeo ao ditado
popular que diz que ldquoo raio natildeo cai duas vezes no mesmo lugarrdquo Os erros podem sim
ocorrer mais de uma vez na mesma instituiccedilatildeo ou de forma semelhante ou idecircntica em
diferentes locais Por isso quando haacute a ocorrecircncia de um incidente eacute importante que seja
amplamente discutido com toda a equipe multiprofissional para que todos possam participar
da discussatildeo no sentido de se criar barreiras Tambeacutem eacute importante que uma instituiccedilatildeo
aprenda com as falhas de outras Nesse sentido se natildeo houver um gerenciamento do erro ou
da falha ele se repetiraacute uma vez que o risco natildeo encontraraacute barreiras que impeccedila a ocorrecircncia
de incidentes (REASON 2000)
O risco segundo a WHO (2009) eacute a probabilidade de ocorrecircncia de um incidente ou
seja a probabilidade de um indiviacuteduo sofrer algum dano em razatildeo da exposiccedilatildeo a um perigo
Perigo eacute uma circunstacircncia um agente ou uma accedilatildeo com potencial para provocar danos
(WHO 2009) Para mitigaccedilatildeo de perigos e do risco eacute necessaacuterio analisar a causa raiz dos
incidentes para adotar barreiras eficazes que impeccedilam a reincidecircncia dos incidentes Segundo
Vendramini et al (2010) a anaacutelise da causa raiz envolve uma abordagem baseada em
sistemas que avalie todas as atividades na organizaccedilatildeo contribuindo para a manutenccedilatildeo e a
melhoria da seguranccedila tais como o progresso no desempenho dos processos e a administraccedilatildeo
dos riscos
Assim o efeito borboleta conforma-se tambeacutem no sentido da prevenccedilatildeo aos
incidentes ou seja accedilotildees positivas como a realizaccedilatildeo do checklist do aparelho (barreira) tecircm
potencialidade para prevenir grandes eventos como no primeiro caso citado no qual ocorreu
um dano irreversiacutevel que resultou no oacutebito do paciente operado por uma apendicectomia
Dos participantes da pesquisa apenas um dos profissionais relatou um incidente em
que ele esteve diretamente envolvido e que consistiu em um evento adverso
Eu acho que todo anestesista tem muita intercorrecircncia para contar Agora
intercorrecircncias que geraram oacutebito do paciente assim satildeo raras [com ecircnfase] Mas
eu jaacute tive Eu fiz uma raqui um bloqueio anesteacutesico e o paciente logo depois teve
uma parada fez uma hipotensatildeo muito grande parou e natildeo voltou (Ed17)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 137
Esse evento adverso ocorreu quando o profissional estava ainda na residecircncia Ele natildeo
deu detalhes sobre as possiacuteveis causas mas de certa forma assumiu a responsabilidade e
conta por meio de depoimento que eacute uma situaccedilatildeo difiacutecil de vivenciar O clima no ambiente
de trabalho fica tenso no momento do incidente Os profissionais satildeo acometidos por uma
miscelacircnea de sentimentos como consternaccedilatildeo e preocupaccedilatildeo aleacutem de alguns ficarem sem
accedilatildeo apavorados e em estado de choque com choro inconsolaacutevel e outros tecircm o humor
alterado chegando a agredir os colegas verbalmente conforme relatos a seguir O oacutebito
principalmente decorrente de um incidente eacute o desfecho mais dramaacutetico traacutegico
Considerando-se ainda que esses incidentes ocorrem em um hospital referecircncia para
urgecircncias e emergecircncias onde o morrer eacute um acontecimento frequente e tratado com mais
naturalidade que em outros setores da rede intra-hospitalar ou extramuros do hospital
Diferente do meacutedico do CTI que todo dia tem um oacutebito [] O meacutedico que trabalha
com resgate na estrada chega e a pessoa estaacute morta Isso eacute mais comum Na
anestesia isso eacute incomum graccedilas a Deus As pessoas podem pensar o contraacuterio
anestesia eacute um negoacutecio perigoso demais entatildeo deve morrer gente toda hora natildeo
[] passa meses e meses sem acontecer um caso desses [] intercorrecircncias menores
o paciente parar de respirar ter que acudir rapidamente momentos estressantes isso
eacute comum Toda hora (Ed17)
Foi peacutessimo Eacute uma cirurgia que 999 das vezes a alta eacute no dia seguinte [] a natildeo
ser quando eacute uma apendicite complicada Mas no caso dele era uma apendicite em
fase inicial e tem um resultado traacutegico Os profissionais envolvidos ficaram
extremamente consternados preocupados Eacute Muito chateados (Ed21)
Um anestesista preparou as drogas para uma intubaccedilatildeo Pediu para o teacutecnico de
enfermagem administrar o que era de responsabilidade dela [ecircnfase] [] Aramim
que era dois mL mandou fazer a seringa inteira [] a pressatildeo da paciente foi a
duzentos e sessenta [] Ela ficou louca a meacutedica quando viu que a menina tinha
feito tudo Mandou fazer o antagonista [] deu um grito [com ecircnfase] com a
teacutecnica A teacutecnica ficou mais apavorada do que ela Foi um caos total A menina
ficou em choque foi substituiacuteda [] comeccedilou a chorar E natildeo parava Eacute uma
menina nova com pouca experiecircncia Primeiro emprego (Ed26)
Nas situaccedilotildees de incidentes em sala ciruacutergica nota-se um ldquocaosrdquo conforme
mencionado por Ed26 Por se tratar de um incidente imprevisiacutevel o equiliacutebrio entre razatildeo
para agir e tomar as decisotildees e a tranquilidade para isso eacute instaacutevel e subjetivo de profissional
para profissional Esse (des) equiliacutebrio em meio ao caos provocado pelo incidente eacute um
desafio para todos os profissionais envolvidos principalmente para aqueles com pouca
experiecircncia como no caso da circulante envolvida em seu primeiro emprego
Um estudo com o objetivo de identificar os sentimentos dos profissionais de
enfermagem frente aos erros de medicaccedilatildeo tambeacutem mostrou diversos sentimentos como
pacircnico desespero preocupaccedilatildeo culpa vergonha medo e inseguranccedila causando instabilidade
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 138
pessoal e profissional e tambeacutem omissatildeo dos episoacutedios (SANTOS et al 2007) Esses
sentimentos interferiram na assistecircncia e perduraram na lembranccedila dos profissionais
associados ao medo de errar novamente Contudo os participantes do estudo reconheceram o
valor dessa experiecircncia para seu aprendizado e a importacircncia de transformaacute-la em estrateacutegias
pessoais de prevenccedilatildeo para evitar novos erros (SANTOS et al 2007)
Enfim pelos dados desta pesquisa somados ao incidente sem dano relatado a seguir
foi possiacutevel perceber que geralmente um incidente ocorre a partir de pequenas accedilotildees ou de
um conjunto de pequenas accedilotildees ou acontecimentos gerando um efeito borboleta E quando
ocorrem haacute uma desestabilizaccedilatildeo da ordem e o caos impera no ambiente
O dia que entornou mais de dois litros de formol dentro do bloco [] Noacutes alisamos
cabelo sem querer [risos] Foi um caos [ecircnfase] Um caos Paciente dentro de sala
entubada [] eacute um evento que sai completamente do nosso controle Pode acontecer
Qualquer hora qualquer local [] todo dia a gente coloca material dentro do formol
no bloco mas a partir desse evento a gente tomou mais cuidado e outras condutas
para administrar esse material (Ed26)
Teve um derramamento de formol no bloco [] a peccedila era muito grande um
intestino inteiro rompeu o plaacutestico A gente estaacute providenciando vasilhames
maiores [] O bloco veio aqui porque a gente tem a FISC que eacute a ficha de
seguranccedila de cada reagente e laacute ele indica o que fazer [] teve cinco atestados de
funcionaacuterios porque eles iam para outro emprego [] Um acidente que acontece
tem que ter uma coisa errado o que O volume daquilo dentro daquele plaacutestico natildeo
comportava [] Isso deve ser discutido na SIPA do hospital onde se discute todos
os acidentes com os envolvidos [] tentaram terminar a cirurgia ou dar andamento
e depois foi esvaziado e a seguranccedila do trabalho acompanha [] (Ei24)
O caso mostra que situaccedilotildees simples como a incompatibilidade do tamanho da peccedila
anatocircmica com o recipiente geram incidentes de forma imprevista Nessa situaccedilatildeo estava
sendo atendido um paciente proveniente de Onda Vermelha na sala de emergecircncia desviando
a atenccedilatildeo dos profissionais desse atendimento pois o cheiro do formol se espalhou por todo o
CC e os profissionais colocaram maacutescaras de proteccedilatildeo N95 (especiacutefica para tuberculose)
Essa desordem presente nesta parte do sistema (sala operatoacuteria) resultou em transtorno
em todo o CC Repercutiu tambeacutem no laboratoacuterio que foi acionado por que possuiacuteam uma
ficha que descreve as accedilotildees apoacutes algum acidente com produto quiacutemico e tambeacutem por ser o
setor que encaminha as peccedilas anatocircmicas para a empresa terceirizada responsaacutevel pela anaacutelise
do material O setor de seguranccedila do trabalho tambeacutem foi envolvido para abordar os
profissionais presentes no incidente Percebe-se que as partes satildeo constituiacutedas e conectadas
por diferentes atores humanos (pacienteprofissionais) e natildeo humanos (formol plaacutestico para
colocar a peccedila anatocircmica retirada do paciente ficha de descriccedilatildeo de accedilotildees poacutes-acidente com
produto quiacutemico) Percebe-se tambeacutem que alguns incidentes ocorrem de forma imprevisiacutevel
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 139
mesmo em accedilotildees realizadas rotineiramente Ou seja um efeito borboleta pode mudar o
cotidiano de trabalho do CC
Por outro lado essa desordem fez com que os profissionais fizessem revisatildeo dos
processos mesmo aqueles rotineiros para alcanccedilarem uma organizaccedilatildeo Eacute possiacutevel afirmar
que haacute uma riqueza na desordem na casualidade e na complexidade ou seja essas situaccedilotildees
oportunizam aprendizado e mudanccedila nos processos de trabalho O sistema encontra sempre
meios para sair do caos por meio de mudanccedilas integraccedilatildeo e organizaccedilatildeo ocorrendo de forma
dinacircmica e proporcionando crescimento e flexibilidade
Enfim os relatos dos profissionais e a metaacutefora do bater de asas de uma borboleta
escolhida para esta subcategoria onde uma pequena accedilatildeo pode transformar todo um processo
mostraram que a complexidade dos incidentes e o caos proveniente deles potencializam a
transformaccedilatildeo dos processos de trabalho Aleacutem disso contribuiacuteram para a abordagem frente
aos incidentes podendo profissionais pacientes e seus familiares se posicionarem dentro do
contexto nunca linear e do caos ocorrido quando do incidente
424 Abordagem institucional frente aos incidentes efeitos da cultura organizacional
O engenheiro erra a terra mostra O meacutedico erra e a terra encobre (Ed12)
O que mais preocupa natildeo eacute o grito dos violentos dos corruptos desonestos dos sem
eacutetica O que mais preocupa eacute o silecircncio dos bons (MARTIN LUTHER KING)
Esta subcategoria busca conhecer a forma com que os profissionais do hospital em
estudo lidam com os incidentes que ocorrem na instituiccedilatildeo Ou seja a percepccedilatildeo sobre os
incidentes bem como a realizaccedilatildeo de notificaccedilotildees discussatildeo treinamentos tratamento e
divulgaccedilatildeo dos incidentes no sentido de possibilitar o aprendizado e o redesenho de todo o
processo de trabalho por meio do ocorrido Perpassando pelo acompanhamento dos familiares
e pacientes que estiveram envolvidos em uma situaccedilatildeo indesejada
Essas reflexotildees ajudaratildeo a entender como se configura no hospital em estudo a
complexa e imprecisa cultura organizacional Segundo Morin (2000) haacute uma relaccedilatildeo triaacutedica
entre indiviacuteduosociedadeespeacutecie Os indiviacuteduos satildeo produtos da reproduccedilatildeo da espeacutecie
humana que acontece por meio de dois indiviacuteduos As conexotildees entre os indiviacuteduos produzem
a sociedade que assiste o nascimento da cultura e que retroage sobre os indiviacuteduos pela
cultura Assim ldquo[] eacute a cultura e a sociedade que garantem a realizaccedilatildeo dos indiviacuteduos e satildeo
as interaccedilotildees entre indiviacuteduos que permitem a perpetuaccedilatildeo da cultura e a auto-organizaccedilatildeo da
sociedaderdquo (MORIN 2000 p 55)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 140
A cultura de uma organizaccedilatildeo pode ser um grande empecilho para qualquer mudanccedila
significativa mas tambeacutem pode ser uma importante arma na batalha contiacutenua pela seguranccedila
(VICENT 2009) assim eacute imprescindiacutevel uma poliacutetica institucional de seguranccedila instituiacuteda
pela lideranccedila para promoccedilatildeo de uma cultura de seguranccedila A cultura de seguranccedila se insere
no campo do pensamento complexo sendo difiacutecil de mensurar e deve ser refletida de forma
multidimensional considerando o todo e as partes como um tecido uacutenico que forma o
cotidiano de trabalho no hospital e fomenta a propagaccedilatildeo da seguranccedila institucional ao longo
do tempo A cultura interfere na assistecircncia desde a admissatildeo ateacute a alta do paciente bem
como influencia na perenidade da confianccedila seguranccedila e reputaccedilatildeo institucional
Mesmo com tantos incidentes relatados no CC em estudo na subcategoria anterior
ainda haacute um mito de que o erro natildeo acontece Eacute algo que estaacute longe no noticiaacuterio dos
telejornais Ou se acontece foi em outro plantatildeo em outra especialidade em outra sala
operatoacuteria na qual o profissional faz questatildeo de natildeo estar presente
No meu plantatildeo pelo menos natildeo [] A gente ouve falar assim na televisatildeo essas
coisas [] (Ei14)
Na cirurgia X [nome da especialidade] em nenhum momento aconteceu
[incidentes] Nas outras cliacutenicas eu natildeo estou nas salas pra saber (Ed16)
O reconhecimento dos riscos institucionais e da falibilidade humana satildeo um dos
principais pilares de uma cultura de seguranccedila fortalecida madura natildeo sendo identificado no
hospital em estudo Essa tendecircncia agrave negaccedilatildeo pode advir da cultura punitiva que impera ainda
nos serviccedilos de sauacutede de uma forma geral principalmente nos hospitais em que ainda
prevalece o poder pelo saber-fazer e a questatildeo hieraacuterquica tem forccedila no cotidiano entre os
profissionais de sauacutede
A baixa percepccedilatildeo da ocorrecircncia de incidentes pode advir tambeacutem do foco do
procedimento ciruacutergico ser a cura da doenccedila Por isso haacute a necessidade de estar ausente do
cenaacuterio em que ocorreu um incidente Tambeacutem por questotildees oacutebvias da tensatildeo gerada e que
desde a formaccedilatildeo o discurso eacute de que os profissionais da sauacutede natildeo podem errar Nesse
sentido segundo Morin (2003) a universidade eacute conservadora por memorizar e ritualizar
uma heranccedila cultural de saberes ideias valores eacute regeneradora por reexaminar atualizar e
transmitir essa heranccedila e eacute geradora de saberes ideias e valores que passam entatildeo a fazer
parte da heranccedila (MORIN 2003) A heranccedila acadecircmica nega que o erro vem de longos
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 141
tempos perpetuando no cotidiano de trabalho nos dias atuais sendo necessaacuterio repensar esse
discurso enraizado
Haacute tambeacutem um paradoxo do silecircncio versus ruiacutedos transmitidos pela ldquoraacutedio peatildeordquo
quando algo indesejaacutevel ocorre na assistecircncia ciruacutergica ao paciente Os comentaacuterios sobre o
incidente ocorrido tanto perpassam entre os profissionais mascarados de um segredo quanto
ficam enterrados em um silecircncio ensurdecedor
Quando acontece [incidente] natildeo eacute divulgado [com ecircnfase] Ningueacutem conta
ldquoOperei o lado erradordquo ldquoDeixei uma compressa na barriga do pacienterdquo A coisa
fica no grupinho que viu que participou e que sabe (Ed16)
O plantatildeo da noite foi passando pra gente do dia mas ficou aquela coisa Oh
aconteceu isso issordquo ldquoNossardquo ldquoMas aiacute natildeo fica comentando (Ed31)
Eu costumo brincar que o meacutedico o cirurgiatildeo tem uma vantagem muito grande
sobre o engenheiro ldquoO engenheiro erra a terra mostra O meacutedico erra e a terra
encobrerdquo [risos] [] O engenheiro faz uma casa torta todo mundo vecirc Se o paciente
morreu a terra vai encobrir (risos) [] (Ed12)
A expressatildeo ldquoO engenheiro erra a terra mostra O meacutedico erra e a terra encobrerdquo
denota algo da cultura de ocultaccedilatildeo e subnotificaccedilatildeo do erro A citaccedilatildeo de Martin Luther
King no inicio desta subcategoria expressa os malefiacutecios do silecircncio dos profissionais diante
dos incidentes sendo algo preocupante por natildeo trazer melhoria aos processos de trabalho
Pode ser que esse silecircncio seja resultado de um rumor constante de milhotildees de vozes na
sociedade que nega a falibilidade humana principalmente do profissional de sauacutede Fernandes
e Queiroacutes (2011) confirmam que haacute evidecircncias de um paradigma da ocultaccedilatildeo e puniccedilatildeo do
erro No estudo desses autores os enfermeiros relataram que quando notificam um incidente
eles mesmos se tornam o centro da atenccedilatildeo e natildeo o incidente (FERNANDES QUEIROacuteS
2011) Esse comportamento de imputar culpa tambeacutem ocorre na instituiccedilatildeo em estudo
conforme a seguir
[] o pessoal ficou meio olhando assim pra ele [faz um barulho de leatildeo] ldquoAh vocecirc
foi culpadordquo Sabe Ficou um clima bem chato (Ed8)
Dizem que errar eacute humano mas mais humano ainda eacute apontar um culpado Eacute um
ditado popular que vai ao encontro da situaccedilatildeo de ocorrecircncia de um erro na assistecircncia agrave
sauacutede Erro pela classificaccedilatildeo da OMS eacute uma falha natildeo intencional na execuccedilatildeo de um plano
de accedilatildeo conforme esperado ou a sua execuccedilatildeo de forma incorreta Ocorre tanto por fazer a
coisa errada (erro de accedilatildeo) quanto por falhar em fazer a coisa certa (erro de omissatildeo) no
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 142
momento de planejar ou executar (WHO 2009) Apoacutes um erro as pessoas fazem julgamentos
raacutepidos e acusam quem estaacute mais obviamente relacionado agravequela ocorrecircncia Isso revela o que
estaacute por traacutes nos bastidores do incidente Os fatores reais e toda a complexidade do incidente
satildeo desvelados somente apoacutes investigaccedilotildees cuidadosas e detalhadas (VICENT 2009) Esse
tipo de julgamento raacutepido eacute tiacutepico tambeacutem da miacutedia que rompe o silecircncio institucional
promovido e arraigado na cultura organizacional Isso ocorre principalmente no caso de erros
graves e que geraram a morte de pacientes
Todo mundo soube O Super [jornal sensacionalista] soube [] Aiacute natildeo teve como
[incidente foi grave com oacutebito] (Ed11)
No Brasil nos uacuteltimos tempos assistiu-se agrave exposiccedilatildeo dos profissionais da linha de
frente na miacutedia principalmente por meio da acusaccedilatildeo de profissionais de enfermagem pelos
erros decorridos da assistecircncia Segundo Wachter (2010) a miacutedia eacute vista por muitos como um
mecanismo favoraacutevel por garantir a responsabilizaccedilatildeo levar os profissionais a reforccedilarem
regras e garantirem os recursos necessaacuterios para melhoria da qualidade De fato segundo o
autor eacute difiacutecil encontrar serviccedilos de sauacutede tatildeo energizados quanto aqueles que tiveram
expostos os seus erros na miacutedia e satildeo vaacuterios os exemplos que turbinados por erros
midiaacuteticos reforccedilaram a seguranccedila institucional (WACHTER 2010)
No entanto a exposiccedilatildeo na miacutedia pode levar tambeacutem ao medo institucional e
individual estimulando ainda mais a atmosfera de silecircncio aumentando tambeacutem as chances
de natildeo discutir e aprender com os erros ocorridos (WACHTER 2010) Aleacutem disso a
exposiccedilatildeo na miacutedia ocorre por vezes de forma desnecessaacuteria ou incoerente envergonhando
publicamente os profissionais e destruindo suas carreiras Por outro lado essas notiacutecias
midiaacuteticas sobre erros geram tambeacutem uma seacuterie de discussotildees positivas no paiacutes com foco
sobre a formaccedilatildeo dos profissionais e condiccedilotildees de trabalho
Aleacutem de achar um culpado haacute na fala dos profissionais do estudo a necessidade
talvez predominante ainda de puniccedilatildeo Existe ateacute mesmo uma indignaccedilatildeo de natildeo se ver
alguma penalidade sendo para eles um recurso de prevenccedilatildeo da recorrecircncia do incidente
sendo que os que buscam culpados podem estar envolvidos em incidentes no futuro Por outro
lado o medo da accedilatildeo judicial prejudica o diaacutelogo sobre incidentes
Falha acontece mas aiacute tem de punir a pessoa [] errar eacute humano mas dependendo
natildeo pode ter aquele erro [ecircnfase] Porque eacute vida neacute Tem de ter uma puniccedilatildeo sim
Uma advertecircncia Alguma coisa para natildeo acontecer de novo (Ei14)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 143
Nunca vi ningueacutem ser mandado embora [com ecircnfase] ou receber uma advertecircncia
uma suspensatildeo por nada que aconteceu com o paciente [] deveria ser levado ateacute
mesmo se acontecer uma coisa muito grave [com ecircnfase] aos oacutergatildeos cabiacuteveis Uma
coisa que natildeo acontece (Ei15)
O medo da responsabilizaccedilatildeo penal dificulta o diaacutelogo para saber [] para tentar
evitar e melhorar e mudar alguma poliacutetica (Ed17)
[] a famiacutelia entrou com accedilatildeo judicial [] parece que tinha meacutedico na famiacutelia
entatildeo assim foi um caso muito complicado [] (Ei1)
Pela experiecircncia dos profissionais as medidas disciplinares inclusive o acionamento
da justiccedila satildeo pequenas frente agraves ocorrecircncias de erros e incidentes sendo dependente do
conhecimento das famiacutelias sobre seus direitos Na sauacutede muitos erros envolvem lapsos que
satildeo falhas nos comportamentos automaacuteticos que podem atingir os profissionais mais
competentes e experientes Os lapsos natildeo satildeo intencionais e natildeo podem ser prevenidos pelo
medo de accedilotildees judiciais aleacutem de que os profissionais da linha de frente natildeo satildeo realmente os
culpados pois satildeo apenas os uacuteltimos da linha em uma longa cadeia de erros (WACHTER
2010) Entre os muacuteltiplos problemas complexos da aacuterea de seguranccedila do paciente nenhum eacute
mais difiacutecil do que o equiliacutebrio entre a abordagem sistecircmica da ldquonatildeo culpabilidade e a
necessidade de responsabilizaccedilatildeo (individual administrativo e organizacional) (WACHTER
2010)
Ainda que esteja correto o princiacutepio basilar da seguranccedila do paciente qual seja que
os erros envolvem sistemas disfuncionais em vez de maus profissionais percebe-se tambeacutem
que a responsabilizaccedilatildeo eacute um atributo fundamental de um sistema seguro Isso para que se
tenha credibilidade entre os profissionais e populaccedilatildeo frente agrave ocorrecircncia de accedilotildees inseguras
como por exemplo erros cometidos por profissionais embriagados habitualmente
descuidados ou que natildeo seguem normas baacutesicas (WACHTER 2010)
Aleacutem disso as agecircncias regulatoacuterias e o legislativo podem avaliar a abordagem da
ldquonatildeo culpabilidaderdquo como comportamento corporativista e natildeo como uma estrateacutegia para
trabalhar as causas raiz da maioria dos erros Se chegarem a essa conclusatildeo poderatildeo interferir
mais sobre a praacutetica da sauacutede utilizando penas duras frequentemente politizadas dos
sistemas juriacutedico regulatoacuterio e de pagamentos (WACHTER PRONOVOST 2009) Assim
James Reason citado por Wachter (2010) diz que eacute necessaacuteria uma cultura justa para se
desenvolver um ambiente de confianccedila no qual os profissionais sejam estimulados e
recompensados por agirem com foco na seguranccedila mas que tambeacutem esteja claro o limite
entre o comportamento aceitaacutevel e o inaceitaacutevel para garantir a seguranccedila dos pacientes
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 144
Haacute uma diferenciaccedilatildeo na visatildeo e na forma de abordar o erro dependendo da categoria
profissional Isto eacute fortemente influenciado segundo os profissionais pelo corporativismo
profissional e pelo saber-fazer
O meacutedico nunca erra [] Essa eacute a visatildeo deles [] Acho que eacute o saber neacute Como
ele estaacute laacute no topo Estudou mais ou continua estudando ele acha ldquoSou superiorrdquo
Em conhecimento ele eacute superior sim [com ecircnfase] (Ed12)
[] os meacutedicos satildeo o que eu queria que a enfermagem fosse unida Erros meacutedicos
se a gente natildeo vecirc natildeo sabe o assunto morreu ali [ecircnfase] Natildeo eacute como a gente
ldquoNossa Fizeram isso issordquo natildeo Eles natildeo tecircm isso (Ed11)
Se um teacutecnico faz coisa errada eacute chamado atenccedilatildeo se o enfermeiro cometer qualquer
falha a supervisatildeo eacute acionada [ecircnfase] Isso tambeacutem deveria acontecer com os
meacutedicos e natildeo acontece [ecircnfase] [] meacutedicos acham que mandam que sabem tudo
que satildeo deuses neacute (Ei15)
Essa discrepacircncia nas abordagens disciplinares segundo Wachter (2013) tambeacutem
ocorre nos EUA onde haacute dois pesos e duas medidas Os hospitais satildeo treinados em cultura
justa mas evitam disciplinar principalmente os meacutedicos Esses satildeo autocircnomos e podem
mudar de hospital natildeo sendo atrativo para a direccedilatildeo aplicar alguma penalidade em funccedilatildeo do
seu comportamento e praacutetica O resultado disso eacute uma cultura de natildeo responsabilizaccedilatildeo dos
meacutedicos mesmo em hospitais com medidas disciplinares para enfermeiros (WACHTER
2013)
Aleacutem da forma de lidar com o erro ser diferente dependendo da categoria profissional
haacute uma disputa para encontrar o culpado entre os diferentes profissionais
[] carrinho de anestesia natildeo estava funcionando e o paciente teve sequelas No
empurra-empurra de culpados a corda sempre arrebenta do lado mais fraco Soacute que a
gente mostrou que o responsaacutevel era x [] [O anestesista disse] que foi o teacutecnico
que natildeo observou mas o responsaacutevel eacute o anestesista [] durante a cirurgia se ele
tem que ir ao banheiro ele pede a gente pra observar mas ele estava na sala e natildeo
notou o mau funcionamento Quando chegou outro anestesista e notou A gente
achou que era problema do equipamento mas depois viu que natildeo O dispositivo que
libera ou natildeo o oxigecircnio estava desligado O anestesista natildeo ligou (Ed13)
Inicialmente caiu tudo em cima da engenharia hospitalar E aiacute conseguiu comprovar
isso [que a falha natildeo foi no equipamento] a diretoria entrou no meio [] (Ei1)
Haacute um jogo de responsabilidades no enfrentamento dos incidentes influenciado pelas
diferenccedilas nas categorias e funccedilotildees Aleacutem disso os atores natildeo humanos tambeacutem influenciam
nas relaccedilotildees interprofissionais Os cirurgiotildees e anestesistas comandam as tecnologias duras
como o carrinho de anestesia e o bisturi enquanto os demais profissionais satildeo responsaacuteveis
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 145
por auxiliar no uso dos natildeo humanos ou mantecirc-los em funcionamento como no caso da
engenharia hospitalar Na ocorrecircncia do incidente a relaccedilatildeo que se estabelece eacute fortemente
influenciada pelas diferenccedilas dadas entre as funccedilotildees e pelos elevados gradientes de hierarquia
entre as categorias profissionais Segundo Wachter (2013) os gradientes de hierarquia entre
profissionais satildeo caracteriacutesticos da cultura presente nos serviccedilos de sauacutede e versam na
distacircncia psicoloacutegica entre o colaborador e o seu supervisor
No caso relatado por Ed13 o anestesista tinha uma posiccedilatildeo hieraacuterquica culturalmente
maior ficando numa relaccedilatildeo assimeacutetrica com o teacutecnico de enfermagem e com o profissional
da engenharia hospitalar Percebe-se que os gradientes de hierarquia estatildeo presentes natildeo
somente entre os profissionais que atuam diretamente na assistecircncia ao paciente ciruacutergico
mas tambeacutem na relaccedilatildeo destes com os que atuam indiretamente Eacute desprezado de certa forma
um saber-fazer das accedilotildees indiretas mas que pode auxiliar na prevenccedilatildeo e mitigaccedilatildeo de
incidentes na assistecircncia direta ao paciente
Tudo isso faz com que instintivamente os profissionais tenham um comportamento
defensivo no que se refere a relatar e discutir a ocorrecircncia de incidentes e erros em seu
trabalho dado o medo de puniccedilatildeo
[o caso] da anestesia da paciente que operou e faleceu na mesa A primeira coisa que
o ortopedista do outro lado fez foi levantar a matildeo ldquoEu natildeo fiz nadardquo Com medo da
gente da anestesia culpaacute-lo de alguma coisa [] (Ed17)
Defender-se se isentando da responsabilidade por algum ato tambeacutem eacute humano
Segundo Keatings et al (2006) isso eacute histoacuterico devido agrave cultura de imputar culpa fazendo
com que os profissionais se posicionem instintivamente de forma relutante e defensiva
Ademais este comportamento pode advir da atmosfera social vivenciada desde crianccedila das
penalidades exageradas quando o erro era evidenciado e da falta de diaacutelogo que foi sendo
cultivada na sua educaccedilatildeo Inclua-se tambeacutem o fato de ser difiacutecil para um profissional que
dedicou tanto para sua atuaccedilatildeo profissional vivenciar uma situaccedilatildeo que ele aprendeu que era
inconcebiacutevel para um bom profissional dando a entender que quando erra eacute sinocircnimo de natildeo
ser bom profissional Vivenciar um incidente no qual se foi agrave uacuteltima barreira para evitar o erro
eacute ldquoum negoacutecio muito solitaacuteriordquo
Na hora do evento adverso entra gente ajuda e tal mas na hora de assumir a
complicaccedilatildeo aiacute eacute sempre um negoacutecio muito solitaacuterio [] quando eu vi eu era
residente ainda estava soacute eu e meu preceptor Desapareceu todo mundo [com
ecircnfase] (Ed17)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 146
Conforme relatado por Ed17 e tambeacutem Vicent (2009) afirma que o erro eacute vivenciado
em dramaacutetica solidatildeo Desse erro pode resultar processo penal censura expliacutecita ou
silenciosa da sociedade e dos pares (MARTINS FRAGATA 2014) Nesse sentido eacute
necessaacuterio o acompanhamento do profissional sendo este considerado a segunda viacutetima que
vivencia com grande sofrimento o ocorrido
Para o profissional ele jaacute estava cumprindo aviso preacutevio [] foi um negoacutecio ateacute
difiacutecil de abordar [] ele acabou carregando esse peso para onde quer que tenha
ido As pessoas se conhecem de outros hospitais e a gente tem de vez em quando
notiacutecia que realmente foi um trauma muito grande (Ed21)
Ela teve o apoio da supervisatildeo de enfermagem Na hora tentamos acalmaacute-la porque
estava em estado de choque Natildeo tinha a menor [ecircnfase] condiccedilatildeo de escutar que ela
natildeo pode administrar uma droga que outra pessoa prepara [] no outro dia eacute que
chamamos para conversar [] Foi bom ter acontecido ela eacute nova receacutem-formada e
a orientamos [] Todo mundo perguntou para ela e para os outros colegas querendo
saber o que tinha acontecido Foi um clima muito ruim pra ela Todo mundo falando
pelos corredores [] (Ed26)
A expressatildeo de Ed21 ldquofoi um trauma muito granderdquo se referindo ao profissional
diretamente envolvido no incidente mostra que a ocorrecircncia de incidentes gera um impacto
negativo pessoal e profissional segundo Mira et al (2015) os profissionais satildeo a segunda
vitima do incidente ocorrido Os eventos adversos podem causar ansiedade insocircnia perda de
confianccedila e concentraccedilatildeo no trabalho sentimento de derrota depressatildeo anguacutestia e outros
sintomas nervosos foram respostas comuns de profissionais que estavam na linha de frente na
ocorrecircncia de erros (VICENT 2009 MIRA et al 2015) Contudo segundo Vicent (2009)
uma pequena proporccedilatildeo dos erros eacute muito traumaacutetica para os profissionais Um erro se torna
traumaacutetico quando o desfecho ou seja a consequecircncia para o paciente e famiacutelia eacute grave
quando haacute raiva ou anguacutestia do paciente ou famiacutelia se o erro for resultado de uma conduta em
desacordo claro com os padrotildees recomentados depende da reaccedilatildeo dos colegas de trabalho
seja de apoio ou criacutetica falta de apoio da famiacutelia e dos amigos e se o profissional for muito
autocriacutetico (VICENT 2009) Independente se foi muito ou pouco traumaacutetico para o
profissional eacute necessaacuterio que este seja acompanhado por profissionais que o ajudem a superar
os traumas Poreacutem segundo Mira et al (2015) a maioria raramente recebe qualquer
treinamento ou educaccedilatildeo sobre estrateacutegias de enfrentamento para este fenocircmeno incluindo o
apoio necessaacuterio para lidar com a tarefa de contar os pacientes e familiares sobre o evento
adverso ocorrido
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 147
No entanto eacute necessaacuterio revelar e acompanhar os pacientes e familiares envolvidos em
situaccedilotildees indesejaacuteveis provocados pela assistecircncia agrave sauacutede A comunicaccedilatildeo dos incidentes
ocorridos aos pacientes e famiacutelias (disclosure) eacute considerada um dos pilares para promoccedilatildeo da
cultura de seguranccedila mas eacute um processo que exige muito treinamento e a participaccedilatildeo de
outros profissionais principalmente da psicologia
O paciente foi levado pro CTI teve uma atenccedilatildeo diferenciada principalmente no
suporte psicoloacutegico agrave famiacutelia A psicoacuteloga [] deu o celular dela pra famiacutelia [] a
relaccedilatildeo ficou muito interessante a famiacutelia teve atenccedilatildeo direto Foi um caso que foi
realmente cercado pra minimizar o que jaacute estava muito ruim pra natildeo ficar pior []
A diretoria com a psicologia presente [contaram para a famiacutelia sobre o incidente]
[] Eu particularmente natildeo participei dessa conversa (Ed21)
O sofrimento vivenciado tanto pelos profissionais quanto pelos pacientes e familiares
apoacutes um incidente eacute ainda maior se este incidente tiver como draacutestico resultado a morte Haacute
como esperado e relatado nos discursos dos sujeitos desta pesquisa e na literatura um grande
sofrimento Contudo mesmo sendo obrigatoacuterio moral e eticamente revelar os erros eacute algo
pouco realizado devido agrave incerteza sobre como os pacientes ndash e familiares ndash reagiratildeo bem
como devido ao receio das medidas disciplinares e legais (HOBGOOD et al 2005
GARBUTT et al 2007) Aleacutem de que eacute uma situaccedilatildeo muito difiacutecil para a qual em geral haacute
pouca orientaccedilatildeo ou treinamento (VICENT 2009) e natildeo eacute um tema abordado durante a
formaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede No estudo de Belela et al (2010) realizado em um
hospital de Satildeo Paulo em 2008 dos 110 erros de medicaccedilatildeo notificados 958 natildeo foram
informados aos pacientes e familiares Natildeo revelar o ocorrido para quem sofreu o dano eacute
considerado um comportamento desleal para com os pacientes famiacutelias e comunidade aleacutem
de desperdiccedilar valiosa ocasiatildeo para melhorar o cuidado prestado (KEATINGS et al 2006)
Haacute tambeacutem resistecircncia para a realizaccedilatildeo das notificaccedilotildees Isso eacute maior quando o
incidente envolve diferentes categorias profissionais havendo um embate e novamente um
jogo causado tambeacutem pelos diferentes gradientes de hierarquia
O anestesista natildeo queria que abrisse a notificaccedilatildeo do evento adverso (pausa) [] eu
natildeo posso omitir um fato desses Ateacute porque eacute uma coisa que todo mundo viu []
Natildeo soacute por isso mesmo que ningueacutem tivesse visto Eu enquanto profissional
jamais omitiria O erro aconteceu (Ed26)
[] as pessoas ainda natildeo acolheram o evento como oportunidade de revisar processo
e melhorar condiccedilatildeo de trabalho Ainda entendem principalmente quando satildeo de
categorias diferentes o evento adverso como Uma Uma entrega do outro ldquoEstou
denunciando o outrordquo [] (Ei30)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 148
Os dois relatos acima satildeo do mesmo incidente de administraccedilatildeo de medicamento em
que estiveram envolvidos um anestesista e um teacutecnico de enfermagem sendo relatada a
dificuldade e tensatildeo gerada no ato de notificar Segundo Martins e Fragata (2014) os meacutedicos
nunca souberam lidar com o erro por muacuteltiplas razotildees Dentre elas devido agrave cultura
tradicional baseada na perfeiccedilatildeo que condecora modelos infaliacuteveis ignorando a fragilidade da
ciecircncia e o pressuposto de que a partir do erro o conhecimento avanccedila o erro eacute quase sempre
sinocircnimo de negligecircncia ou falha de caraacuteter e por fim devido agraves consequecircncias penais e de
censura dentro e fora da instituiccedilatildeo (MARTINS FRAGATA 2014) Contudo mesmo que
haja profissionais sejam meacutedicos ou natildeo que acham que natildeo erram eles natildeo satildeo
ldquosuperprofissionaisrdquo e tecircm a mesma inclinaccedilatildeo para o erro como qualquer outro ser humano
Assim Morin (2000 p 47) afirma que os seres humanos onde quer que se encontrem ldquo[]
devem reconhecer-se em sua humanidade comum e ao mesmo tempo reconhecer a
diversidade cultural inerente a tudo que eacute humanordquo
A maturidade no quesito notificaccedilatildeo pelos diversos profissionais eacute um processo que
leva tempo e se desenvolve a partir da evoluccedilatildeo da cultura da seguranccedila No entanto haacute casos
que satildeo mais faacuteceis de serem notificados como os incidentes devido agrave queda
[] funciona bem para alguns eventos Outros ainda em construccedilatildeo [] no
primeiro semestre eu tive 16 quedas na ciruacutergica [] os profissionais estatildeo muito
afiados na notificaccedilatildeo Caiu notificam [] para outros eventos isso natildeo eacute tatildeo claro
natildeo eacute tatildeo faacutecil de trabalhar A queda eacute como se natildeo tivesse um culpado quando eacute
um erro de administraccedilatildeo de medicaccedilatildeo eacute como se para aquela situaccedilatildeo tivesse que
eleger um culpado pra notificar (Ei30)
[] nos uacuteltimos tempos as notificaccedilotildees aumentaram em volume e mudaram de
perfil Antes era muito mais a equipe de enfermagem que notificava agora estaacute
equilibrando com a equipe meacutedica e as outras categorias (Ei23)
Os profissionais de enfermagem sempre foram os que mais notificaram Segundo
Garbutt et al (2007) as barreiras para que os meacutedicos notifiquem vecircm da cultura da
autonomia profissional a qual enfatizou ao longo do tempo a responsabilidade individual
pelos resultados da assistecircncia aos pacientes
Haacute maior facilidade em notificar alguns casos que outros por exemplo os incidentes
por queda mencionado por Ei30 e tambeacutem por Souza et al (2014) Essa facilidade eacute devido
ao pensamento de que a queda natildeo tem um responsaacutevel direto ou talvez que foi ldquoculpardquo do
paciente ou do familiar que estava o acompanhando
No processo de maturidade do sistema de notificaccedilatildeo a qualidade das notificaccedilotildees foi
citada pelos profissionais Foram realizados diversos treinamentos pelo setor de qualidade
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 149
com o objetivo de disseminar o uso do formulaacuterio de notificaccedilatildeo mas muitos profissionais
afirmam que natildeo o conhecem
Foram realizados vaacuterios treinamentos referentes agrave notificaccedilatildeo de evento adverso []
A gente queria que notificassem mas depois que comeccedilou a gente viu que natildeo
estava legal [] eu natildeo divulgo natildeo faccedilo discussatildeo do perfil e iacutendice das
notificaccedilotildees por que natildeo tenho fidedignidade dos dados [] tem muita dificuldade
com a qualidade dos relatos (Ei23)
Vi um dia um meacutedico fazer uma notificaccedilatildeo de uma enfermeira e a enfermeira fazer
a notificaccedilatildeo do mesmo meacutedico Em dois computadores e salas diferentes Isso eacute
briguinha pessoal natildeo eacute pra ser notificado (Ed16)
Notificou no prontuaacuterio [] formulaacuterio especiacutefico de notificaccedilatildeo adversa estou
sabendo que existe agora que vocecirc estaacute me falando [] (Ed19)
Nunca usei [formulaacuterio de notificaccedilatildeo] [] Por natildeo precisar E se um dia precisar
vou saber natildeo Vou ter que pedir algueacutem pra me mostrar (Ed31)
Todos conhecem [formulaacuterio de notificaccedilatildeo] Atualmente as notificaccedilotildees estatildeo mais
focadas no cuidado do paciente e natildeo em problemas pessoais ou problemas de
relaccedilatildeo com o chefe ou qualquer pessoa que seja (Ed21)
Interessante que segundo o relato de um entrevistado que ocupa cargo de chefia todos
conhecem a metodologia de notificaccedilatildeo mas muitos profissionais nem sabiam da existecircncia
de um formulaacuterio proacuteprio para notificaccedilatildeo No estudo de Garbutt et al (2007) 40 dos
sujeitos da pesquisa tambeacutem natildeo sabiam se em sua instituiccedilatildeo havia um sistema de
notificaccedilatildeo e 9 disseram que natildeo estava disponiacutevel mesmo tendo o sistema na instituiccedilatildeo
Para Ed21 a qualidade das notificaccedilotildees jaacute ultrapassou as falhas iniciais mas segundo
outros profissionais muitas notificaccedilotildees realizadas natildeo tecircm o menor sentido satildeo questotildees de
cunho pessoal por maacute relaccedilatildeo interprofissional ou pequenas questotildees que natildeo configuram um
incidente Percebe-se assim uma necessidade de alinhamento conceitual entre os diversos
profissionais aleacutem de treinamento com foco na qualidade das notificaccedilotildees A falta de dados
fidedignos e qualidade das notificaccedilotildees podem ser devido agrave cultura organizacional que indica
ldquo[] uma poderosa influecircncia das forccedilas sociais para moldar o comportamentordquo (VICENT
2009 p 101) refletindo o comprometimento dos profissionais desde a notificaccedilatildeo ateacute a
prevenccedilatildeo e mitigaccedilatildeo de incidentes
A falta de qualidade dos dados segundo os profissionais tem gerado a natildeo divulgaccedilatildeo
de estatiacutesticas de incidentes Parece ser uma justificativa plausiacutevel no sentido de natildeo propagar
uma informaccedilatildeo incompleta Poreacutem indica imaturidade organizacional e falhas no sistema de
notificaccedilatildeo de incidentes Uma das principais falhas no sistema de notificaccedilatildeo de incidentes
do hospital para os profissionais eacute a metodologia escolhida de natildeo identificar o notificador
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 150
Aqui vocecirc faz uma notificaccedilatildeo e natildeo precisa se identificar [] Natildeo tem muito
sentido natildeo [] quando eu notifico eu me identifico Eu natildeo estou notificando pra
brincar pra acusar ningueacutem eu estou notificando pra que aquilo natildeo se repita e que
a gente possa corrigir o erro (Ed16)
Existem trecircs principais meacutetodos de se notificar incidentes anocircnimo confidencial e
aberto No meacutetodo anocircnimo natildeo se identifica o profissional isso encoraja a notificaccedilatildeo mas
natildeo permite o acompanhamento uma vez que natildeo eacute possiacutevel responder agraves questotildees surgidas
com a investigaccedilatildeo Nas notificaccedilotildees confidenciais o nome do notificador eacute conhecido mas
protegido pela instituiccedilatildeo exceto em caso de maacute conduta ou ato criminoso quando eacute revelado
para as autoridades cabiacuteveis Esse meacutetodo permite que possam ser realizados questionamentos
ao autor da notificaccedilatildeo Por fim nos sistemas de notificaccedilatildeo abertos todos os profissionais e
locais de atuaccedilatildeo satildeo publicamente identificados Esses raramente satildeo usados na sauacutede pois
haacute grande possibilidade de publicidade indesejada e acusaccedilatildeo (WACHTER 2013)
No hospital em estudo o formulaacuterio de notificaccedilatildeo fica disponiacutevel na intranet e os
profissionais acessam voluntariamente Segundo Lorenzini Santi e Baacuteo (2014) a notificaccedilatildeo
voluntaacuteria eacute o procedimento mais empregado para detectar incidentes No entanto tem-se
como limitaccedilatildeo a subnotificaccedilatildeo devido a limitaccedilotildees de tempo a falta de sistemas de
informaccedilatildeo apropriados o receio de litiacutegio a resistecircncia em relatar os proacuteprios erros a falta
de conhecimento sobre a importacircncia dos incidentes e a falta de mudanccedilas apoacutes a notificaccedilatildeo
(LORENZINI SANTI BAacuteO 2014) Aleacutem disso os sistemas voluntaacuterios natildeo podem ser
utilizados de forma isolada para avaliar taxas de erros Eacute necessaacuterio lanccedilar matildeo de outras
teacutecnicas que possibilitem identificar erros e situaccedilotildees de risco como busca em prontuaacuterio e
trigger tool (identificaccedilatildeo de elementos rastreadores que podem dar pistas de que tenha
ocorrido um incidente) Por outro lado o meacutetodo voluntaacuterio de comunicaccedilatildeo eacute o mais uacutetil
para a induccedilatildeo de alteraccedilotildees comportamentais (LORENZINI SANTI BAacuteO 2014)
As notificaccedilotildees realizadas pelos profissionais do hospital em estudo vatildeo para o e-mail
do setor de qualidade sendo separados e enviados para a chefia do local em que ocorreu o
incidente para que este responda agrave notificaccedilatildeo Quando eacute algo grave o setor de qualidade e
muitas vezes a proacutepria diretoria trabalham juntos com a chefia na investigaccedilatildeo do incidente
Em vaacuterios relatos sobre o tratamento dos incidentes principalmente os graves a participaccedilatildeo
da diretoria foi mencionada pelos profissionais evidenciando a importacircncia dada pelos
sujeitos sobre o comportamento da lideranccedila O liacuteder eacute o modelo a ser seguido eacute este que
influencia o desenvolvimento de comportamentos valores e crenccedilas dos colaboradores da
instituiccedilatildeo fortalecendo ou natildeo a cultura organizacional (YAFANG 2011)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 151
Observou-se outra falha do sistema de notificaccedilatildeo que eacute a ausecircncia de discussatildeo
multiprofissional sobre os incidentes ocorridos por medo da culpabilizaccedilatildeo embora alguns
profissionais em cargo de lideranccedila tenham afirmado que se tecircm discutido os casos graves
[] era pra ter mais diaacutelogo [] para a pessoa ter liberdade ateacute de pensar em
hipoacuteteses do evento adverso pra tentar melhorar a assistecircncia Natildeo pra punir Mas
uma coisa puxa a outra [] eacute difiacutecil a pessoa abordar esse tema sem se expor sem
gerar provas aquele princiacutepio da justiccedila que ningueacutem eacute obrigado a gerar prova
contra vocecirc mesmo [] quando acontece um evento adverso tem que ter mecanismo
para driblar isso tudo porque esses eventos adversos fazem a equipe crescer (Ed17)
A gente passa no corredor eacute possiacutevel ve-los falando com o preceptor e o preceptor
puxando a orelha [risos] [] Quando eacute com a gente eacute discutido chamado pra
reuniatildeo conversa com a pessoa depois abre reuniatildeo pra natildeo acontecer de novo A
supervisatildeo [de enfermagem] fica mais em cima [] de meacutedico quando acontece
algum erro [] natildeo eacute aberto com a gente (Ed8)
Teve umas notificaccedilotildees graves num passado recente [] que a gente conseguiu
apresentar de uma forma tranquila [] conseguiu um espaccedilo pra discutir Apesar
das pessoas ainda ficarem na defensiva [] infelizmente a gente ainda natildeo
conseguiu partir para os encaminhamentos Todo mundo viu todo mundo ficou
chocado com o que aconteceu a gente conseguiu discutir [] mas noacutes natildeo
conseguimos encaminhar accedilotildees concretas [] Mas jaacute foi um ganho pelo menos a
gente conseguiu discutir Porque isso eacute uma coisa assim ldquoNoacute isso natildeo pode nem
sair daquirdquo (Ei23)
Os profissionais de sauacutede satildeo instados a discutir com os colegas os erros para que o
evento possa ser analisado e sua recorrecircncia evitada mas muitas vezes tal iniciativa se ateacutem
agrave discussatildeo informal entre os colegas (GARBUTT et al 2007) A ausecircncia de discussatildeo
multiprofissional seja diante de um incidente ou mesmo no planejamento da assistecircncia ao
paciente eacute um forte paradigma a ser superado na cultura dos serviccedilos de sauacutede Isso soacute
fortalece a conhecida distacircncia que existe entre o que se sabe em teoria nas diversas
disciplinas e o que se aplica no cotidiano (know-do gap) que eacute complexo e ocorre pelo
conjunto de accedilotildees dos diversos profissionais Segundo Garbutt et al (2007) a disposiccedilatildeo dos
meacutedicos para relatar discutir com colegas e pacientes os erros eacute ameaccedilada pelo medo de
litiacutegios e preocupaccedilatildeo em manchar a reputaccedilatildeo profissional
A falta de discussatildeo aberta na equipe multiprofissional pode resultar tambeacutem no
desconhecimento dos profissionais sobre o desfecho final dos incidentes Natildeo haacute um retorno
para quem notificou e natildeo haacute divulgaccedilatildeo para os demais colaboradores visando o redesenho
dos processos de trabalho como pode ser constatado nos relatos a seguir
Isso foi notificado deu processo mas nunca mais ouvi falar Natildeo sei que rumo
levou (Ed4)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 152
Eu jaacute fiz formulaacuterios [de notificaccedilatildeo de eventos adversos] e jaacute enviei nunca recebi
nunca obtive resposta [] nunca a minha chefe chegou e falou ldquoOlha chegou uma
resposta sobre uma notificaccedilatildeordquo (Ei15)
Acho que o processo judicial permaneceu o fim que [gaguejo] teve natildeo sei A
diretoria entrou no meio e tudo mas natildeo sei qual a conclusatildeo [] depois natildeo me
interessou mais e eles natildeo iam passar informaccedilatildeo [] cabia eu provar que natildeo foi
falha do equipamento e graccedilas a Deus eu consegui (Ei1)
Haacute um sigilo sobre as investigaccedilotildees do incidente seja no niacutevel local no hospital seja
quando haacute alguma accedilatildeo judicial A transparecircncia requerida para uma cultura de seguranccedila
forte ainda natildeo eacute norma no hospital em estudo e nas instituiccedilotildees de sauacutede em geral De certa
forma os profissionais se sentem ateacute aliviados por terem saiacutedo da discussatildeo do caso Aleacutem da
falta de discussatildeo e feedback das notificaccedilotildees natildeo haacute treinamento para todos os profissionais
apoacutes a ocorrecircncia do incidente
E a situaccedilatildeo foi levada inclusive pra diretoria que me chamou pra saber o que tinha
acontecido [] Natildeo foi feito treinamento com a equipe (Ed26)
[] depois desse acontecido toda vez eu olho pra chave (pausa) [] Ficou marcado
Vou lembrar sempre Nunca um paciente entra na minha sala que eu natildeo confiro
essa chavinha no carrinho [] No dia tinha uma anestesista que estava comigo na
sala [] Ela me mostrou falou ldquoessa chave aquirdquo E me explicou o funcionamento
que eu natildeo sabia [] Natildeo Que me chamasse pra treinamento natildeo Eu comentei
com a anestesista e ela me explicou me mostrou [] Ningueacutem [dos colegas
tiveram aquele treinamento em serviccedilo] Acho que natildeo (pausa) (Ed31)
No incidente do paciente que veio a oacutebito devido a um lapso do profissional natildeo ter se
atentado para uma vaacutelvula do oxigecircnio no carrinho de anestesia pelos depoimentos somente
um profissional movido pela curiosidade recebeu ldquotreinamentordquo mesmo que informal dentro
da sala ciruacutergica Eacute necessaacuterio que frente aos incidentes ocorridos se realize accedilotildees educativas
abrangentes para promover a capacitaccedilatildeo e o aperfeiccediloamento dos profissionais que atuam
direta e indiretamente na assistecircncia ciruacutergica com vistas agrave melhoria sistecircmica dos processos
de trabalho Assim mais atenccedilatildeo precisa ser dada agrave qualificaccedilatildeo dos atores humanos uma vez
que segundo Vicente (2009) as falhas teacutecnicas ndash dos atores natildeo humanos ndash embora possam
ser importantes exercem geralmente um papel secundaacuterio na ocorrecircncia do incidente
Apesar de ainda natildeo fazer parte da rotina os profissionais acreditam apesar das
diversas barreiras que a discussatildeo tanto poacutes-ocorrecircncia de um incidente quanto discussotildees
cientiacuteficas e administrativas minimizaria diversos problemas
Muitas coisas pequenas que acontecem podiam ser resolvido se fosse mais
discutido [] Seria oacutetimo Mas natildeo eacute discutido (Ed8)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 153
Natildeo tem corrida de leito com todos os cirurgiotildees [] soacute de cada preceptor com o
residente Quando a gente tem aula com o residente eacute porque eles pediram um tema
especiacutefico natildeo existe um programa Reuniatildeo cientiacutefica discussatildeo em equipe faz
muita falta [] Taacute faltando essa parte acadecircmica Natildeo basta eu querer o S1
[coordenador meacutedico] ou qualquer outro querer fazer Tem que ser determinado pela
coordenaccedilatildeo junto com a diretoria [] eacute uma falha e eu acho que aumentaria a
seguranccedila na assistecircncia (Ed19)
Na correria do dia a dia essas coisas vatildeo sendo deixadas pra traacutes [] Imagina
querer que uma pessoa saia de outro emprego pra vir aqui numa reuniatildeo eacute difiacutecil O
ideal eacute que fosse dentro da carga horaacuteria mas a gente tem falta de pessoal [] Mas
tudo eacute uma questatildeo de prioridade se a prioridade for qualidade entatildeo tem que ter
gente discutindo isso no horaacuterio de trabalho neacute (Ed17)
As causas citadas pelos profissionais sobre a ausecircncia de reuniotildees ateacute mesmo para
discussatildeo de aspectos fundamentais para a praacutetica multiprofissional foram muacuteltiplas mas
todas as causas satildeo devido agrave falta de prioridade na qualidade Isso eacute uma responsabilidade da
lideranccedila Ateacute mesmo a comissatildeo de morbimortalidade que eacute obrigatoacuteria legalmente natildeo tem
funcionado efetivamente no hospital E quando funcionava era cercada de discussotildees natildeo
produtivas revelando uma cultura organizacional ainda imatura
A discussatildeo de morbi mortalidade de um ano e meio para caacute natildeo existe [] a gente
pegava um caso para discutir dava muita briga [] Os cirurgiotildees brigam muito
[ecircnfase] entre eles A gente natildeo fazia uma reuniatildeo fazia um ringue (risos) [] vocecirc
chama todos os sujeitos envolvidos no caso aiacute o meacutedico briga com a enfermeira a
enfermeira com a fisioterapeuta A gente estava criando inimizades natildeo haacute
maturidade para discutir o caso (Ed19)
Eacute necessaacuterio que haja uma comissatildeo em permanente funcionamento para revisatildeo de
oacutebitos nas instituiccedilotildees hospitalares de ensino (BRASIL 2007) Compete agrave essa comissatildeo a
avaliaccedilatildeo de todos os oacutebitos ocorridos devendo ainda manter estreita relaccedilatildeo com a comissatildeo
de eacutetica meacutedica do hospital com a qual deveratildeo ser discutidos os resultados das avaliaccedilotildees
(BRASIL 1993) A comissatildeo de revisatildeo de oacutebito aleacutem de obrigaccedilatildeo legal eacute um mecanismo
fundamental para garantia da qualidade e seguranccedila sendo que o trabalho realizado mesmo
retrospectivamente tem grande potencial de promover a correccedilatildeo e o aprimoramento de
deficiecircncias ocorridas na assistecircncia ao paciente No entanto eacute um local de disputa de
desentendimento dos profissionais na discussatildeo dos casos Nesse sentido segundo Morin
(2005 p 50) ldquo[] o drama das comissotildees eacute que elas satildeo compostas de mentes notaacuteveis
individualmente poreacutem a originalidade delas faz com que se anulem umas agraves outrasrdquo
A ausecircncia de conclusatildeo dos casos e consequentemente de melhorias pode causar
falta de interesse levando ateacute mesmo os profissionais que notificavam a pararem de notificar
Os casos ficam ldquoenterradosrdquo no passado ldquoFoi um casordquo entre outros
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 154
[] uma notificaccedilatildeo o bloco afirma que enviou um apecircndice de uma paciente No
livro do anaacutetomo patoloacutegico do bloco taacute laacute paciente fulano apecircndice horaacuterio e a
assinatura por exemplo Maria e eu natildeo tenho ningueacutem chamada Maria Inclusive
eu faccedilo controle de assinatura dos meus funcionaacuterios [] tudo leva a crer que a peccedila
natildeo veio [] Ateacute o momento natildeo [foi identificado o que aconteceu] [] Agora laacute
[no setor de Qualidade] eu natildeo sei como tem sido a apuraccedilatildeo [] a Qualidade se
achar alguma coisa grave vai cobrar o andamento ldquoProcurou o outro setorrdquo Nesse
caso eu nem procurei Todos os indiacutecios eacute que eu natildeo recebi Entatildeo eu nem sei se
foi retirado [o processo de investigaccedilatildeo] se natildeo foi eu natildeo sei (Ei24)
[] jaacute preenchi formulaacuterio de evento adverso por alguns motivos casos cancelados
falta de sala [] pra mim eacute um Um grande evento adverso Insuficiecircncia do bloco
ciruacutergico evento adverso Falta de anestesista evento adverso Soacute que natildeo mudou
nada Entatildeo Eu parei de preencher Porque eu gastava mais tempo [] Nenhum
[feedback das notificaccedilotildees] (Ed22)
O retorno da notificaccedilatildeo para o notificador eacute um fator de sucesso para a perenidade de
um sistema efetivo de notificaccedilatildeo de incidentes Caso natildeo seja realizado todo o esforccedilo de
implantaccedilatildeo gera falta de credibilidade e abandono pelo profissional Nesse sentido segundo
Vicent (2009) quando de fato se investiga um incidente essa anaacutelise reforccedila o respeito
necessaacuterio aos profissionais de sauacutede e aos seres humanos em geral pois ldquo[] impressionante
natildeo eacute o nuacutemero de erros que ocorrem mas sim dadas as numerosas oportunidade de
confusatildeo como tudo vai bem tatildeo frequentementerdquo (VICENT 2009 p 110)
Se por um lado existe falta de conclusatildeo dos incidentes de outro se tem dificuldade
em analisaacute-los Haacute um constrangimento do profissional em responsabilizar o colega pois ele
se coloca em seu lugar em um contexto que a falibidade humana eacute inerente agrave praacutetica
Eacute desagradaacutevel estar numa comissatildeo de sindicacircncia discutir o erro do colega um
erro que vocecirc jaacute poderia ter feito que natildeo teve culpa Eacute difiacutecil atribuir culpa quando
se trabalha com possibilidades de evento adverso (Ed17)
[] recebi uma comunicaccedilatildeo de uma notificaccedilatildeo de outro colega que uma paciente
reclamou na ouvidoria que ele a teria desrespeitado Pedindo pra eu apurar Como
Eu natildeo estava no dia A paciente natildeo estaacute mais no hospital Vou conversar com o
colega ele vai falar que natildeo teve nada daquilo Conversei com o teacutecnico de
enfermagem ele falou que natildeo teve (Ed16)
Aleacutem da dificuldade de julgamento haacute tambeacutem barreiras para se procurar o colega
para conversar sendo mais faacutecil perguntar para uma pessoa que possui um niacutevel de hierarquia
profissional inferior Satildeo muacuteltiplas as maneiras e perspectivas de se realizar uma investigaccedilatildeo
dos incidentes e erros ocorridos como jaacute visto na abordagem com foco no indiviacuteduo e na
abordagem com foco no sistema Na primeira as accedilotildees de melhoria satildeo voltadas pra reduzir a
variabilidade indesejada no comportamento humano como exortaccedilotildees cartazes que trazem a
sensaccedilatildeo de medo das pessoas medidas disciplinares ameaccedilas de litiacutegio treinamentos
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 155
medidas voltadas para investigar o culpado e envergonhaacute-lo perante seus pares e sociedade
por meio da miacutedia (REASON 2000) suspensotildees e demissatildeo do trabalho Segundo Reason
(2000) essa abordagem tende a tratar os erros como questotildees morais assumindo que os
mesmos acontecem por meio de profissionais ruins Na abordagem de sistema as
contramedidas partem do pressuposto de que embora natildeo se possa alterar a condiccedilatildeo humana
eacute possiacutevel mudar as condiccedilotildees em que os profissionais trabalham O foco eacute nas barreiras nas
defesas que devem ser construiacutedas no sistema (REASON 2000)
Foi relatado que haacute falta de accedilotildees concretas apoacutes a notificaccedilatildeo dos incidentes no
entanto mesmo sem essa formalizaccedilatildeo alguns incidentes geram mudanccedilas nos processo de
trabalho como pode ser visto a seguir
Paciente com peacute diabeacutetico precisou de cultura para guiar o tratamentono poacutes-
operatoacuterio [] jaacute aconteceu do bloco perder essas amostras e a gente ter que usar
empiacuterico com o espectro maior mais tempo e se natildeo adiantar ter que voltar para o
CC fazer tudo de novo [] teve que comeccedilar a descobrir porque que perdia
Descuido mesmo Agraves vezes separou numa gaze e algueacutem jogou a gaze fora []
colocou no aacutelcool e danificou Pela gente natildeo [notificou] nenhuma vez Eu natildeo sei
se pela CCIH [] como aconteceu uma vez duas trecircs vezes a gente vai atraacutes e
muda uma coisa sem ter feito a notificaccedilatildeo sem ter escrito Mudou o jeito de fazer
passou a colher cinco ao inveacutes de uma [amostra] Natildeo foi porque notificou a gente
chegou a um acordo com a CCIH (Ed32)
Os incidentes principalmente os graves satildeo frequentemente um estiacutemulo para
promover de forma abrangente melhorias na qualidade e seguranccedila (VICENT 2009)
notificados ou natildeo No entanto a mudanccedila sem a notificaccedilatildeo deve levar a uma reflexatildeo do
sistema de notificaccedilatildeo de incidentes da instituiccedilatildeo e do papel do setor de qualidade
responsaacutevel em promover o desenvolvimento de uma cultura voltada para a seguranccedila
Contudo alguns profissionais elencaram formas positivas de tratamento dos incidentes
e de mudanccedilas realizadas apoacutes algumas notificaccedilotildees como se vecirc nos fragmentos a seguir
Esse caso foi discutido na diretoria [] eles conduziram de uma maneira muito boa
A notificaccedilatildeo da miiacutease teve [] a gente melhorou muitas coisas as janelas foram
teladas a engenharia participou desse processo de mudar a aacuterea fiacutesica para que natildeo
ocorresse mais [] Foi uma discussatildeo interessante A gente conseguiu mudar o
processo que foi o mais importante (Ei25)
[] foram todos [carrinhos de anestesia] mandados pra anaacutelise e voltaram
modificados Trocaram uma vaacutelvula e natildeo tem mais o copo de vidro com a
mangueirinha dentro com oacuteleo pra lubrificar o sistema do manocircmetro (Ed8)
Todo paciente que tem reaccedilatildeo transfusional tem que ser notificado para o banco de
sangue A gente faz rastreabilidade se houve contaminaccedilatildeo se foi sangue errado
sangue trocado [] Tem uma amostra preacute-transfusional depois da reaccedilatildeo tem que
colher outro para fazer os mesmos testes e ver se tem alguma discrepacircncia [] a lei
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 156
pede que o hemoterapeuta decirc resposta agrave equipe meacutedica [] avalia e daacute resposta no
prontuaacuterio do paciente dar uma medicaccedilatildeo preacutevia fazer o sangue dele localizado
[] Esses detalhes ele passa para o meacutedico agir na proacutexima transfusatildeo [] (Ei18)
Para uma gestatildeo operativa da mudanccedila em seguranccedila eacute preciso que exista uma anaacutelise
completa pois eacute no acircmbito cliacutenico que se identificam barreiras e fortalezas para a expansatildeo da
cultura em seguranccedila (QUES MONTORO GONZAacuteLEZ 2010) Nesse sentido a
transformaccedilatildeo do sistema de notificaccedilatildeo de incidentes no hospital em estudo necessita de uma
anaacutelise do cotidiano de trabalho e de reforma do modo dos profissionais olharem os
incidentes Isso depende de outras reformas principalmente da consciecircncia da lideranccedila e da
alta direccedilatildeo para o olhar sistecircmico do erro do incidente havendo interdependecircncia geral dos
modos como se enxerga os problemas dos incidentes seja pelos profissionais que executam a
assistecircncia ciruacutergica direta ou indireta dos pacientes seja pelos liacutederes
Eacute necessaacuterio que o hospital em estudo torne-se resiliente que ininterruptamente
previna detecte mitigue e diminua o perigo (circunstacircncia com potencial de causar dano) e a
ocorrecircncia de incidentes (WHO 2009) Assim a cultura de seguranccedila deve ser constituiacuteda por
(1) cultura justa consenso entre os profissionais no que concerne a comportamentos
aceitaacuteveis e inaceitaacuteveis (2) cultura natildeo punitiva priorizaccedilatildeo da busca das causas dos
incidentes (3) cultura de notificaccedilatildeo privilegie a informaccedilatildeo de incidentes (coleta anaacutelise e
divulgaccedilatildeo) e encoraje as pessoas a falar sobre seus erros e (4) cultura de aprendizagem se a
organizaccedilatildeo constituir uma memoacuteria dos incidentes ela pode direcionar o aprendizado a partir
deles (WHO 2008) Enfim essas reflexotildees mostram que a abordagem institucional frente aos
incidentes e erros eacute influenciada pela cultura organizacional do hospital a qual eacute mais
complexa fluida e dinacircmica do que se pensava
43 Lista de verificaccedilatildeo de seguranccedila ciruacutergica da aparente simplicidade a real
complexidade
A obsessatildeo da simplicidade conduziu a aventura cientiacutefica agraves descobertas
impossiacuteveis de conceber em termos de simplicidade (MORIN 2011 p 60)
A OMS lanccedilou em 2008 a campanha Save Surgery Saves Lives (Cirurgia Segura
Salvam Vidas) e vem recomendando a utilizaccedilatildeo de um conjunto de medidas agrupadas em
um instrumento denominado Lista de Verificaccedilatildeo de Seguranccedila Ciruacutergica ou Checklist de
Cirurgia Segura que deve ser seguido durante a realizaccedilatildeo de uma cirurgia para promover a
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 157
seguranccedila do procedimento Difunde-se que a sua utilizaccedilatildeo eacute simples e raacutepida No entanto
muitas vezes desconsidera-se o contexto complexo de uma sala operatoacuteria na qual haacute uma
equipe multidisciplinar com saberes e interesses diferenciados aleacutem de muacuteltiplas situaccedilotildees
sejam com os materiais ou com o proacuteprio paciente as quais concorrem para a efetiva
aplicaccedilatildeo do checklist Assim o discurso da simplicidade no uso dessa ferramenta tem gerado
um mito teoacuterico de uma facilidade que natildeo procede no ambiente da sala operatoacuteria onde se
utiliza o checklist Isso pode estar interferindo na efetividade de sua utilizaccedilatildeo na praacutetica
Nessa perspectiva esta categoria estaacute subdividida em duas subcategorias a saber
(431) lista de verificaccedilatildeo de seguranccedila ciruacutergica da implantaccedilatildeo aos dias atuais e (432)
melhorias no uso das ferramentas do checklist de cirurgia segura
431 Lista de verificaccedilatildeo de seguranccedila ciruacutergica da implantaccedilatildeo aos dias atuais
[] taacute o quadro [Time Out] laacute mas eles natildeo preenchem [] Eu vejo o quadro como
se fosse um quadro normal como se fosse um reloacutegio pregado na parede (Ei27)
No CC do hospital foi introduzida a partir de 2010 a Lista de Verificaccedilatildeo de
Seguranccedila Ciruacutergica (LVSC) ou checklist com adaptaccedilotildees do modelo preconizado pela OMS
(Anexo II) Esse instrumento estaacute disponiacutevel no prontuaacuterio eletrocircnico do paciente de forma
completa e alguns dos itens de verificaccedilatildeo contidos no checklist foram dispostos em um
quadro denominado time out (Anexo III) e afixado na parede de cada uma das seis salas
operatoacuterias do CC para preenchimento durante a realizaccedilatildeo das cirurgias Nas falas dos
profissionais se percebe uma distinccedilatildeo quando se referem a essas duas formas de
apresentaccedilatildeo da LVSC Na maioria das vezes os profissionais referem-se ao checklist como
sendo o instrumento disposto eletronicamente e o time out ao quadro afixado nas salas
ciruacutergicas Ambas as formas tecircm o mesmo propoacutesito que eacute o estabelecimento de itens de
checagem para a promoccedilatildeo da seguranccedila ciruacutergica e estatildeo divididos em trecircs partes antes da
induccedilatildeo anesteacutesica antes da incisatildeo ciruacutergica e antes do paciente sair da sala de operaccedilotildees
A utilizaccedilatildeo de listas e sistemas de verificaccedilatildeo eacute uma praacutetica comum na rotina da
construccedilatildeo civil nas induacutestrias como a de aviaccedilatildeo e a nuclear e tambeacutem na aacuterea financeira
onde alguns investidores tecircm tido sucesso com a ajuda destas ferramentas (GAWANDE
2011 SCHELKUN 2014) Na aacuterea da sauacutede foi recentemente introduzida e por isso tem
merecido investigaccedilotildees de como se tem configurado o seu uso Esta subcategoria descreve o
processo de implantaccedilatildeo do checklist de cirurgia segura no hospital em estudo a escolha do
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 158
profissional condutor e a percepccedilatildeo dos profissionais sobre como se configura o uso dessa
ferramenta no cotidiano do CC nos dias atuais
A implantaccedilatildeo do checklist decorreu da motivaccedilatildeo advinda da realizaccedilatildeo de um curso
e uma visita teacutecnica a um hospital em Satildeo Paulo em dezembro de 2009 pelo entatildeo
coordenador meacutedico da linha de cuidados ciruacutergico demais meacutedicos e diretores do hospital
Eu estava fazendo um curso no hospital Siacuterio Libanecircs e fui conhecer o bloco Na
porta tinha um quadro com os dados [] mecircs a mecircs [] se os pacientes passaram
pelo checklist Aquilo me chamou atenccedilatildeo [com ecircnfase] Eu nunca vi em lugar
nenhum [] tinha uma enfermeira responsaacutevel conversei com ela e achei super
[com ecircnfase] interessante e muitiacutessimo importante [] (Ed16)
[] a diretoria abraccedilou a causa e em Belo Horizonte [este] foi o primeiro hospital a
implantar na iacutentegra o checklist de cirurgia segura (Ei5)
Apesar do aumento do uso de listas de verificaccedilatildeo na aacuterea da sauacutede em todo o mundo
poucos estudos exploraram as experiecircncias de pessoal na utilizaccedilatildeo dessa ferramenta e pouco
se sabe sobre o processo de introduccedilatildeo da ferramenta no ambiente de cuidados de sauacutede
(THOMASSEN et al 2010) Segundo os profissionais o hospital em estudo foi o primeiro de
Belo Horizonte a trabalhar com o checklist de cirurgia segura A conscientizaccedilatildeo sobre a
importacircncia do uso dessa ferramenta pela alta direccedilatildeo e o apoio desta para a sua implantaccedilatildeo
foram fatores criacuteticos de sucesso para o iniacutecio do uso no cotidiano de trabalho do CC em
estudo No estudo de Freitas et al (2014) a decisatildeo da direccedilatildeo de um dos hospitais em
empregar de forma sistemaacutetica e obrigatoacuteria o checklist nas cirurgias tambeacutem influenciou
positivamente na sua maior adesatildeo quando comparado com o outro hospital da pesquisa em
que a implantaccedilatildeo foi voluntaacuteria e negociada por uma equipe especiacutefica Outro estudo
tambeacutem reconheceu que seria muito difiacutecil implementar a lista de verificaccedilatildeo se a chefia natildeo
desse apoio ou se tivesse uma atitude negativa (THOMASSEN et al 2010)
O projeto de implantaccedilatildeo do checklist foi elaborado e posteriormente apresentado
pelo coordenador da linha de cuidados ciruacutergicos em uma reuniatildeo semanal entre a diretoria e
todos os coordenadores assistenciais e administrativos Iniciou-se assim a organizaccedilatildeo e a
execuccedilatildeo da logiacutestica de aplicaccedilatildeo desse instrumento
Dr K coordenador na eacutepoca do bloco foi quem trouxe o checklist e noacutes
implantamos [] ele que escreveu apresentou o projeto ao hospital em uma reuniatildeo
com todos os coordenadores assistenciais e administrativos (Ei10)
[] sentei com a A1 noacutes fomos organizando [] compramos esses quadros [Time
Out] fizemos aquela divisatildeo do que seria interessante e agrave medida que foi passando
fomos aprimorando [] dessa maneira foi implantado (Ed16)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 159
A gente adaptou o checklist agrave nossa realidade foi mudando ele aos poucos ldquoAh eu
acho que a gente tem que melhorar isso melhorar aquilordquo (Ei10)
Pela anaacutelise dos relatos a discussatildeo para a adaptaccedilatildeo inicial do modelo de checklist da
OMS pelo hospital se deu entre o coordenador meacutedico a enfermeira que ficaria responsaacutevel
pela conduccedilatildeo do checklist e profissionais da CCIH uma vez que os itens incluiacutedos em sua
maioria satildeo relativos agrave infecccedilatildeo de siacutetio ciruacutergico e que esse setor eacute bem atuante na
instituiccedilatildeo Os profissionais do setor de qualidade e os representantes de cada uma das
especialidades natildeo participaram do processo de adaptaccedilatildeo
Os estudos sobre a implementaccedilatildeo do checklist verificaram que haacute sempre a
necessidade ajustes agraves caracteriacutesticas de cada realidade e especialidade e tambeacutem adaptaccedilotildees
advindas da administraccedilatildeo institucional (FREITAS et al 2014 DACKIEWICZ et al 2012
ARAUacuteJO OLIVEIRA 2015) No entanto para a realizaccedilatildeo dessas modificaccedilotildees deve-se
envolver uma equipe multidisciplinar que represente as diversas especialidades e categorias
da equipe ciruacutergica e que se reuacutena periodicamente para discussotildees Aleacutem disso as mudanccedilas
no instrumento devem ser validadas pela alta direccedilatildeo pelos profissionais e ainda passar por
um teste piloto para posteriormente se tornar o instrumento definitivo (CONLEY et al
2011) Essas etapas natildeo foram contempladas no hospital o que interferiu na sua implantaccedilatildeo
e principalmente na sua manutenccedilatildeo ao longo do tempo
O checklist preconizado pela OMS possui 19 itens avaliados e validados
cientificamente A adaptaccedilatildeo a este instrumento realizada pelos profissionais que
implantaram o checklist no hospital conformou a adiccedilatildeo de outros 19 itens principalmente
aqueles relacionados agrave infecccedilatildeo ciruacutergica Foram modificadas as descriccedilotildees de alguns itens e
excluiacutedos outros Em alguns dos itens haacute ausecircncia de espaccedilo para checagem servindo apenas
como lembrete para os profissionais Nesse caso a falta de campos de checagem prejudica a
verificaccedilatildeo da adesatildeo agravequeles itens Os itens preconizados pela OMS excluiacutedos mostram uma
percepccedilatildeo diminuiacuteda da importacircncia daquele aspecto para a seguranccedila ciruacutergica Um exemplo
eacute a apresentaccedilatildeo da equipe requisito que foi relatado entre os profissionais como dispensaacutevel
uma vez que todos se conhecem Apenas um profissional disse que a apresentaccedilatildeo faz falta
devido agrave rotatividade dos residentes
A OMS orienta que na adequaccedilatildeo do instrumento sejam incluiacutedos itens segundo a
realidade de cada serviccedilo mas natildeo orienta excluir itens jaacute preconizados (OMS 2009
BURBOS MORRIS 2011) e com evidecircncia cientiacutefica favoraacutevel (HAYNES et al 2009)
Nesse sentido a adaptaccedilatildeo do instrumento utilizado no hospital natildeo considerou essas
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 160
recomendaccedilotildees Faz-se necessaacuteria uma revisatildeo com a participaccedilatildeo do maior nuacutemero possiacutevel
de profissionais da rede intra-hospitalar envolvidos direta ou indiretamente na assistecircncia
ciruacutergica Assunto da proacutexima subcategoria
Apoacutes a reuniatildeo com os coordenadores estes ficaram com a responsabilidade de
repassar as informaccedilotildees do projeto sobre a implantaccedilatildeo do checklist para os demais
colaboradores das respectivas especialidades tendo o papel de multiplicar a proposta Poreacutem
natildeo haacute evidecircncias por meio de atas de reuniatildeo ou listas de presenccedila de encontros para essa
replicaccedilatildeo e natildeo foi realizado um movimento que envolvesse todos os colaboradores na
discussatildeo sobre cirurgia segura
[] ficou do coordenador da ortopedia passar para os ortopedistas A cirurgia
plaacutestica passar para os cirurgiotildees plaacutesticos (Ed16)
[] com os coordenadores essa movimentaccedilatildeo foi feita agora se cada um fez com
sua equipe eu natildeo consigo informar Com os enfermeiros a gente fez nas reuniotildees
de supervisatildeo Com a equipe teacutecnica de enfermagem natildeo me lembro de replicar []
foi mais no dia a dia mesmo [] A gente pecou nisso Natildeo foi orientado o porquecirc
daquilo como que era a finalidade (Ei10)
A gente sempre procura eventualmente tomar uma conduta ou outra pra melhorar a
seguranccedila na cirurgia [] um movimento geral insistente mais incisivo regular
isso natildeo existe Existem accedilotildees pontuais (Ed19)
Tem muita palestra de prevenccedilatildeo de acidente mas cirurgia segura eu nunca vi
(Ed4)
A tarefa de divulgaccedilatildeo da implantaccedilatildeo do checklist foi dada para os coordenadores e
supervisores de enfermagem do CC em reuniotildees especiacuteficas e para os teacutecnicos de
enfermagem do CC de maneira informal no dia a dia de trabalho De acordo com a fala da
maior parte dos profissionais natildeo teve uma campanha visiacutevel natildeo houve um movimento
amplo com o uso de folders banner ou folhetos palestras de sensibilizaccedilatildeo inicial e
abrangente sobre a temaacutetica seguranccedila ciruacutergica e educaccedilatildeo continuada e simulaccedilatildeo do uso
correto do checklist A equipe de implantaccedilatildeo natildeo discutiu os objetivos o significado e a
maneira correta de se utilizar o checklist assim como o quadro de time out para os
profissionais
Um estudo que incluiu cinco hospitais de Washington realizado por Conley et al
(2011) em que foram entrevistados liacutederes de implementaccedilatildeo e cirurgiotildees sobre os processos
de implementaccedilatildeo da lista de verificaccedilatildeo observou que a eficaacutecia da implantaccedilatildeo depende da
capacidade dos liacutederes de explicar o motivo e demostrar o uso do checklist Nos hospitais em
que os esforccedilos foram sistemaacuteticos e houve educaccedilatildeo continuada ocorreu a adesatildeo e o uso
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 161
completo da ferramenta pela equipe ciruacutergica Em outros quando os liacutederes de
implementaccedilatildeo deixaram de explicar e mostrar como a lista de verificaccedilatildeo deve ser usada os
profissionais natildeo entenderam o objetivo o que levou agrave frustraccedilatildeo desinteresse e ateacute mesmo
abandono por parte de um dos hospitais (CONLEY et al 2011)
Assim a contribuiccedilatildeo da lista de verificaccedilatildeo para a seguranccedila ciruacutergica estaacute
diretamente relacionada a sua implementaccedilatildeo e sua execuccedilatildeo Aleacutem da exigecircncia institucional
devem-se ter estrateacutegias de educaccedilatildeo continuada e ainda processos de recrutamento que
identifiquem profissionais comprometidos com o checklist e conscientes da sua importacircncia
para a seguranccedila ciruacutergica (ARAUacuteJO OLIVEIRA 2015)
No Instituto do Cacircncer do Estado de Satildeo Paulo por exemplo foram treinados todos os
enfermeiros teacutecnicos de enfermagem instrumentadores meacutedicos e anestesiologistas para a
implantaccedilatildeo do Protocolo Universal para prevenccedilatildeo do lado errado procedimento errado e
paciente errado da Joint Commission on Accreditation of Healthcare Organizations
(JCAHO) Foram abordados toacutepicos sobre a definiccedilatildeo e o perfil no CC de erro e evento
adverso etapas de implantaccedilatildeo do Protocolo Universal e como preencher o checklist Os
profissionais foram inclusive avaliados por questotildees abertas e fechadas sendo atribuiacutedos
conceitos que os tornavam habilitados ou que devessem realizar novamente o treinamento
(VENDRAMINI et al 2010)
Aleacutem da falta de divulgaccedilatildeo e capacitaccedilatildeo de profissionais do CC os demais setores
que participam da assistecircncia ciruacutergica no preacute e no poacutes-operatoacuterio e os setores que fornecem
insumos ao CC ou seja os profissionais que atuam de forma indireta natildeo foram envolvidos
Natildeo teve uma divulgaccedilatildeo poucas pessoas sabem que eacute implantado no hospital o
checklist da cirurgia segura Foi muito no bloco eles definiram laacute [] natildeo sabemos
como eacute estruturado Aiacute existe uma quebra porque a cirurgia segura natildeo depende soacute
do bloco ela vai muito [com ecircnfase] aleacutem Todos os setores que tem paciente com
possibilidade de realizar cirurgia deveriam ter sido inseridos nesse processo (Ei25)
A sensibilizaccedilatildeo dos outros setores cliacutenica meacutedica ciruacutergica natildeo Essa
movimentaccedilatildeo natildeo foi feita (Ei10)
As falas dos participantes da pesquisa mostram que o checklist foi implantado de
forma pontual no CC natildeo envolveu todos os profissionais que participam da assistecircncia
ciruacutergica seja direta ou indiretamente e assim natildeo foi inserido como parte de uma
reestruturaccedilatildeo de todo o processo da assistecircncia ciruacutergica desde o preacute-operatoacuterio ateacute o poacutes-
operatoacuterio em prol da promoccedilatildeo da seguranccedila ciruacutergica Nesse cenaacuterio os profissionais tanto
os que atuam externamente quanto internamento no CC principalmente os que trabalham no
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 162
periacuteodo noturno ficaram agrave parte do processo e soacute conhecem por ouvirem falar ou
desconhecem totalmente os princiacutepios de uma cirurgia segura
Soacute ouvi falar [sobre Cirurgia Segura] Os acadecircmicos estavam conversando na sala
dos meacutedicos mas eu natildeo fiquei pra poder ver o que era [] (Ei7)
Eu era enfermeira na cliacutenica ciruacutergica no noturno pra ser muito honesta eu natildeo
tinha conhecimento que se trabalhava com cirurgia segura (Ei30)
Apesar de ainda natildeo haver uma discussatildeo sobre accedilotildees para promover a seguranccedila
ciruacutergica os participantes expressaram esse desejo O envolvimento dos profissionais dos
demais setores aleacutem daqueles que atuam no CC seria importante para que estrateacutegias fossem
implementadas em todos os pontos de atenccedilatildeo da rede intra-hospitalar para promoccedilatildeo de uma
cirurgia segura Isso possibilitaria a soluccedilatildeo preacutevia de natildeo conformidades reconhecidas
somente quando se aplica a lista de verificaccedilatildeo com o paciente dentro do CC Assim
defende-se neste estudo a inclusatildeo dos diversos setores nas discussotildees que abordem a
promoccedilatildeo de cirurgias seguras uma vez que cada um deles faz parte e tem sua importacircncia e
responsabilidade dentro da rede intra-hospitalar para promover o sucesso dos procedimentos
ciruacutergicos realizados
A ausecircncia de sensibilizaccedilatildeo capaz de envolver os profissionais desde o iniacutecio do
processo de implantaccedilatildeo do checklist no hospital aleacutem de natildeo favorecer o desenvolvimento
de uma cultura que abarque a mudanccedila acarreta em resistecircncia dos profissionais agravequelas
accedilotildees O enfrentamento dessa resistecircncia com accedilotildees posteriores natildeo conseguiu envolver
naturalmente os profissionais do hospital uma vez que ocorreu de forma reativa apoacutes o
processo ter sido implantado
A resistecircncia maior foi da equipe meacutedica [] aiacute foi feita essa movimentaccedilatildeo mas
posterior agrave implantaccedilatildeo (Ei10)
Depois que apresentamos um trabalho na SBAIT [Sociedade Brasileira de
Atendimento Integrado ao Traumatizado] sobre a cirurgia segura a gente expocircs o
banner muito tempo mas foi uma coisa posterior (Ei10)
Se ele [enfermeiro checklist] for parar eu vou xingar Jaacute perdi uma hora pra poder
comeccedilar a cirurgia e ele ainda vai parar todo mundo pra pode escrever um negoacutecio
no quadro que eu jaacute fiz Natildeo Ele tinha que ter feito isso antes ou entatildeo o bloco
tinha que funcionar bem pra eu poder concordar (Ed22)
A resistecircncia ao uso da lista de verificaccedilatildeo no hospital em estudo ocorreu no iniacutecio da
implantaccedilatildeo e permanece entre os profissionais tanto de maneira explicita como velada
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 163
Muitos profissionais entrevistados apesar de natildeo terem exposto claramente sua resistecircncia agrave
aplicaccedilatildeo do checklist a demonstra nas entrelinhas de seus discursos A resistecircncia eacute um
fenocircmeno relatado por autores como Gawande (2011) As falas dos profissionais mostraram
receio de perder a autonomia e de enrijecer ou atrasar o processo de trabalho que jaacute possui
seus atrasos pela falta de planejamento e organizaccedilatildeo para o iniacutecio de cada cirurgia
Contudo quando os profissionais resistentes entendem a proposta ateacute se tornam
ldquogarotos-propagandardquo ou seja motivadores da adesatildeo dos demais profissionais conforme
ocorreu em um dos hospitais do estudo de Conley et al (2011) O checklist de cirurgia segura
da OMS segue as diretrizes da aviaccedilatildeo se mostrando um instrumento claro e de raacutepida
aplicaccedilatildeo caso seja realizado da forma correta Foi adotado o formato ldquofaccedila-confirmerdquo em
vez do formato ldquoleia-faccedilardquo para dar aos usuaacuterios maior flexibilidade na execuccedilatildeo de suas
tarefas E haacute uma pausa em certos pontos-chave para confirmar a execuccedilatildeo das tarefas mais
importantes (GAWANDE 2011)
A resistecircncia por parte dos cirurgiotildees no hospital desencadeou um processo de
sensibilizaccedilatildeo posterior agrave implantaccedilatildeo A exposiccedilatildeo de um banner apoacutes participaccedilatildeo de
alguns profissionais em um evento cientiacutefico tambeacutem foi uma accedilatildeo posterior agrave implantaccedilatildeo
das ferramentas de time out e checklist Natildeo se deve desconsiderar a importacircncia dos
profissionais que atuam no serviccedilo mostrarem os resultados para o puacuteblico externo em
eventos cientiacuteficos no entanto melhor seria se os profissionais da rede intra-hospitalar
tambeacutem tivessem ciecircncia e participaccedilatildeo nos processos divulgados Fora que esta medida natildeo
divulga a importacircncia e sim os atores envolvidos
A conduccedilatildeo do checklist desde a implantaccedilatildeo no hospital em estudo eacute de
responsabilidade de um enfermeiro contratado especificamente para essa funccedilatildeo no horaacuterio de
07 agraves 16 horas Nesse periacuteodo esse profissional se desloca de uma sala a outra para iniciar e
fechar o preenchimento das ferramentas natildeo conseguindo estar presente durante todo o tempo
do procedimento ciruacutergico Aleacutem disso nos horaacuterios sem a presenccedila desse profissional a
aplicaccedilatildeo dos instrumentos fica sob a responsabilidade do enfermeiro supervisor que muitas
vezes natildeo consegue conduzi-los principalmente no periacuteodo noturno
Durante o dia ele funciona mais porque tem o responsaacutevel mas a noite eacute uma
supervisora soacute pra tudo [ecircnfase] [] eacute inviaacutevel fazer todos os time outs de vaacuterias
cirurgias e ainda ficar responsaacutevel por outras coisas (Ed13)
[] eu tento ficar na sala quando o paciente chega ateacute a induccedilatildeo anesteacutesica Depois
saio porque tem outros time outs [] eu volto pra conferir as questotildees para o
paciente sair da sala contagem das compressas tento olhar os instrumentais a
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 164
identificaccedilatildeo dos anaacutetomos [] Essa uacuteltima parte eacute mais raacutepida vocecirc chega confere
e jaacute fecha o checklist e o time out [] de alguma forma eu tenho que fechar fazer
isso in loco em 100 eacute inviaacutevel (Ed28)
[] estava comeccedilando duas cirurgias ao mesmo tempo qual que ela ia entrar Ela
escolhia uma a outra ficava sem Foi o que ela relatou (Ei23)
[] na medida do possiacutevel ela [enfermeiro do checklist] tenta preencher mas a
gente ainda natildeo atendeu 100 de preenchimento Mas 100 eacute a nossa meta mesmo
pra casos de extrema urgecircncia que eacute o caso da onda (Ed21)
A meta da adesatildeo da aplicaccedilatildeo do instrumento em todas as cirurgias mencionada por
um dos profissionais se contrasta com a metodologia adotada A proposta de se ter uma uacutenica
pessoa responsaacutevel pela conduccedilatildeo na praacutetica natildeo assegurou a aplicaccedilatildeo do checklist em todas
as cirurgias observando-se uma pequena diferenccedila quando se analisa o uso em geral Em uma
anaacutelise realizada neste hospital o preenchimento do checklist foi de 583 do total de
cirurgias (n=24421) realizadas em todas as especialidades nos cinco anos (2010 a 2015)
sendo que nenhum foi completamente preenchido Nos dias uacuteteis de 7 agraves 16 horas quando haacute
a presenccedila de um profissional responsaacutevel pelo checklist foram realizadas 14266 cirurgias e
preenchidos 8148 checklist conferindo uma adesatildeo de 571 (RIBEIRO et al mimeo)
Dentre as orientaccedilotildees da OMS e do Ministeacuterio da Sauacutede ANVISA eacute fator de sucesso
ter um uacutenico profissional na lideranccedila do processo do checklist no complexo cenaacuterio de uma
sala de operaccedilotildees Esse profissional confirmaraacute a realizaccedilatildeo de todas as etapas dessa
ferramenta para assegurar que cada uma delas natildeo seja omitida na pressa de seguir adiante
para a proacutexima fase da operaccedilatildeo (BRASIL 2013b BRASIL 2013c OMS 2009)
Na experiecircncia do Instituto do Cacircncer do Estado de Satildeo Paulo a execuccedilatildeo do
Protocolo Universal da Joint Commission ndash precursor do checklist de cirurgia segura da OMS
ndash natildeo incluiu profissionais adicionais na equipe de enfermagem do CC A estrateacutegia utilizada
foi a designaccedilatildeo na escala diaacuteria de um enfermeiro por sala operatoacuteria que fica responsaacutevel
por garantir a execuccedilatildeo de todas as etapas do protocolo de cirurgia segura (VENDRAMINI et
al 2010) Assim o entendimento eacute de que em cada sala de operaccedilatildeo tenha um condutor do
checklist que acompanhe todas as trecircs fases deste instrumento e natildeo um uacutenico profissional
para a aplicaccedilatildeo dessa ferramenta em todas as cirurgias de todas as salas operatoacuterias do CC
como no hospital em estudo sendo uma concepccedilatildeo errada conforme o relato de uma
participante da pesquisa do setor da qualidade
As falas denotam que essa estrateacutegia natildeo tem conseguido a aplicaccedilatildeo dessas
ferramentas em todos os procedimentos ciruacutergicos pois aleacutem do horaacuterio de trabalho do
profissional especiacutefico ser de oito horas natildeo abarcando todo o funcionamento do CC esse
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 165
profissional ainda tem o horaacuterio de almoccedilo legal para realizar Esse e outros horaacuterios ficam
condicionados agrave disponibilidade dos demais enfermeiros em conduzirem o preenchimento
desse instrumento o que foi relatado que de forma geral natildeo se aplica
Aleacutem disso foi relatado e visto na observaccedilatildeo que esse profissional auxilia na
assistecircncia principalmente na punccedilatildeo de acesso venoso e nas emergecircncias e de alguma
forma eacute acionado na discussatildeo da organizaccedilatildeo da agenda do CC Mostra-se assim que a
funccedilatildeo do enfermeiro do checklist na verdade natildeo eacute tatildeo especiacutefica pois as demais funccedilotildees
em que esse profissional se envolve natildeo satildeo exatamente relacionadas aos itens da lista de
verificaccedilatildeo Isso contribui para que o profissional do checklist natildeo consiga aplicar a
ferramenta adequadamente Como taacutetica esse profissional recorre agrave informaccedilatildeo dos teacutecnicos
de enfermagem para perguntar algo que ocorreu durante a cirurgia em que ele natildeo esteve
presente e com essas informaccedilotildees realiza o fechamento dos instrumentos no sistema jaacute que
natildeo consegue acompanhar as trecircs fases da lista de verificaccedilatildeo em todas as cirurgias por terem
procedimentos concomitantes Isso compromete a seguranccedila ciruacutergica pois natildeo consegue
apreender possiacuteveis incidentes em curso sendo algo apenas cartorial e realizado a posteriori
A despeito da dificuldade do profissional do checklist em estar na sala durante todo o
tempo os profissionais relatam que no iniacutecio da implantaccedilatildeo o time out era preenchido em
todas as cirurgias mas que este quadro natildeo estaacute sendo sempre preenchido atualmente
No comeccedilo anotava Depois o quadro estaacute em branco e a cirurgia acontecendo
(Ed31)
Aqui tem o quadro normalmente tem nome mas nem sempre O resto natildeo preenche
natildeo (Ed32)
Muitas vezes vocecirc passa laacute o quadro taacute em branco ou taacute assim da uacuteltima cirurgia
que algueacutem escreveu [] (Ei15)
Nunca vi em procedimento meu um quadro que natildeo fosse preenchido pelo
enfermeiro [] Preenche uma uacutenica vez antes da induccedilatildeo anesteacutesica A gente vai
perceber o quadro preenchido acho que tem gente que nem percebe [] natildeo eacute uma
coisa que ele divulga pra todo mundo dentro da sala Ateacute porque o quadro eacute grande
Todo mundo pode ler o que estaacute escrito laacute (Ed19)
Os participantes da pesquisa mencionaram que na eacutepoca em que o meacutedico que
implantou o checklist e a enfermeira que foi a primeira responsaacutevel pelo checklist
conduziram esse processo ele funcionava Eacute como se esses profissionais fossem para os
demais respectivamente ldquopairdquo e ldquomatildeerdquo do checklist na instituiccedilatildeo Isso remete ao imprinting
revelado pela etologia (estudo do comportamento animal) e mencionado por Morin (2005)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 166
Quando o passarinho sai do ovo sua matildee passa ao lado e ele a segue O primeiro ser que
passa perto do ovo de onde o passarinho saiu eacute a sua matildee Isso eacute o imprinting ou seja uma
marca original irreversiacutevel que eacute impressa no ceacuterebro (MORIN 2005) No hospital em estudo
o meacutedico e a enfermeira por iniciarem o processo ldquopassaram ao lado do ovordquo os
profissionais tomaram-nos como seu pai e sua matildee e haacute uma ninhada de passarinhos-
profissionais que ainda vivem somente com as recordaccedilotildees daquela eacutepoca Morin (2005) diz
que a invenccedilatildeo aconteceraacute entre aqueles que sofreram menor impacto do imprinting e que
foram considerados como discordantes Esses conseguiratildeo dar continuidade ao processo por
conseguirem inovar o uso da ferramenta de checklist Poreacutem como a implantaccedilatildeo se deu sem
a participaccedilatildeo de todos sem que todos soubessem a importacircncia da ferramenta natildeo houve
discordantes no que diz respeito agrave metodologia ou seja os profissionais apenas seguiram
mas natildeo aprenderam a voar Como o pai e a matildee do checklist natildeo estatildeo mais agrave frente do uso
da ferramenta na praacutetica cotidiana os profissionais perderam a referecircncia e o checklist caiu no
descreacutedito no uso automaacutetico Os profissionais natildeo percebem que o seu uso agrega valor
evita incidentes e proporciona maior seguranccedila agraves cirurgias realizadas
Aleacutem dos relatos da maioria dos profissionais durante a observaccedilatildeo em campo
percebeu-se que na maior parte das cirurgias natildeo haacute preenchimento do quadro de time out e
quando eacute realizado o preenchimento tem sido incompleto e fragmentado O enfermeiro
responsaacutevel entra na sala muitas vezes sem ser percebido pergunta sobre alguns itens para o
paciente outros para o cirurgiatildeo que dependendo de quem seja satildeo incluiacutedos mais ou menos
itens e ao anestesista questiona outros itens Tudo isso de forma fragmentada em momentos
isolados e restritos agravequela pessoa natildeo envolvendo toda a equipe
Alguns participantes disseram que principalmente em cirurgias raacutepidas com tempo
inferior a uma hora o quadro de time out natildeo eacute preenchido A literatura mostra uma relaccedilatildeo
direta entre duraccedilatildeo maior da cirurgia e maior preenchimento do checklist Nas cirurgias mais
longas o fato de envolverem grande nuacutemero de etapas criacuteticas pode ser a justificativa da
maior preocupaccedilatildeo dos profissionais em se utilizar o checklist (FREITAS et al 2014)
A maioria dos profissionais desta pesquisa disse que em cirurgias de urgecircncia e
principalmente de emergecircncia eacute muito difiacutecil preencher o quadro de time out ou aplicar o
checklist Segundo Weiser et al (2010) em situaccedilotildees que exijam uma intervenccedilatildeo urgente
tem havido mesmo a preocupaccedilatildeo de que o uso do checklist iraacute interromper o fluxo de
trabalho e atrasar o tratamento terapecircutico de forma a aumentar o risco para os pacientes
Atrasos satildeo reconhecidos por aumentar o risco no tratamento de apendicite e fraturas
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 167
expostas por exemplo Natildeo obstante esses atrasos satildeo medidos em horas em vez de minutos
e um breve checklist pode evitar erros que satildeo comuns em uma cirurgia de urgecircncia Assim a
hipoacutetese desses autores eacute de que a implementaccedilatildeo do checklist em casos ciruacutergicos urgentes
melhora o cumprimento das normas baacutesicas de cuidados e reduz as taxas de mortalidade e
complicaccedilotildees apoacutes a cirurgia (WEISER et al 2010)
Outro problema identificado foi a permanecircncia de registros no quadro de time out
relativos agrave cirurgia anterior Isso ocorre segundo o responsaacutevel pelo checklist em cirurgias
que se prolongam apoacutes 16 horas quando termina seu expediente Apesar de suas solicitaccedilotildees
nenhum profissional se dispotildee a apagar o quadro quando o paciente sai de sala Isso traz um
descreacutedito para a ferramenta aleacutem de ser um fator gerador de incidentes como a identificaccedilatildeo
do paciente ou procedimento de forma equivocada
Percebeu-se ainda que o profissional responsaacutevel pelo checklist tem valorizado mais o
preenchimento individual no sistema em detrimento do preenchimento do quadro em sala
operatoacuteria envolvendo toda a equipe
[] natildeo eacute feito com a gente Natildeo eacute assim ldquoVamos fazer o time out junto []rdquo
Aquele quadro natildeo eacute preenchido sendo que temos um profissional que fica soacute para o
time out Ele faz no papel a gente natildeo vecirc porque a senha eacute dele ele faz e imprime
[] (Ed11)
[] natildeo estatildeo preenchendo o time out no quadro Preenchem no sistema no quadro
natildeo Eles tecircm falhado nisso Natildeo sei por quecirc Acho que falta mesmo uma
coordenaccedilatildeo atuante no bloco ciruacutergico (Ei5)
Segundo os profissionais a causa do responsaacutevel pelo checklist estar deixando de
preencher o quadro de time out estaacute ligado agrave lideranccedila do CC que natildeo tem cobrado a
aplicaccedilatildeo do instrumento de forma consistente e tambeacutem que a coordenaccedilatildeo constantemente
estaacute sendo mudada Contudo mesmo nos procedimentos ciruacutergicos em que satildeo aplicados os
itens de checagem no quadro de time out eou do checklist observa-se uma discrepacircncia entre
o modo como deveria ser conduzido e a forma com que atualmente tecircm sido aplicadas essas
ferramentas Observou-se uma preocupaccedilatildeo em se registrar mas o registro pelo registro sem
participaccedilatildeo ativa da equipe multiprofissional natildeo alcanccedilaraacute os objetivos que levaratildeo de fato
a uma cirurgia segura
Uma pesquisa realizada na regiatildeo sul do Brasil tambeacutem observou que na maioria das
vezes os itens natildeo foram confirmados verbalmente com a equipe como preconizado pela
OMS e a verificaccedilatildeo ocorreu predominantemente de forma individual e natildeo verbal e
frequentemente foram registrados sem verificaccedilatildeo (MAZIERO et al 2015) No entanto esse
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 168
processo de verificaccedilatildeo dos itens do checklist deve ser interdisciplinar contando com a
participaccedilatildeo de toda a equipe sendo exigida a comunicaccedilatildeo ativa entre todos os profissionais
(VENDRAMINI et al 2010)
O preenchimento sem a verificaccedilatildeo incide em aspectos legais e eacuteticos implicados a
todos os profissionais da equipe ciruacutergica (MAZIERO et al 2015) Mas sobre esse
preenchimento que gera registro de informaccedilotildees do checklist tem-se um contraponto de maacute
interpretaccedilatildeo da metodologia do checklist pelos profissionais que o implantaram tanto na
instituiccedilatildeo em estudo quanto em outros hospitais que o utilizam O checklist natildeo foi
elaborado para se tornar uma informaccedilatildeo registrada Segundo Gawande (2011) natildeo haacute
necessidade de fazer marcas de verificaccedilatildeo no checklist natildeo haacute necessidade de produzir
registros O propoacutesito eacute promover verificaccedilotildees e conversas entre os membros da equipe a fim
de garantir que todas as tarefas sejam executadas e que todos faccedilam o necessaacuterio para obter o
melhor resultado possiacutevel (GAWANDE 2011) Nesse sentido o uso da lista de verificaccedilatildeo no
hospital em estudo perde todo o seu sentido sendo apenas registrado no sistema
informatizado e natildeo impactando portanto na mitigaccedilatildeo e prevenccedilatildeo de incidentes O proacuteprio
profissional do checklist relatou que natildeo se lembra desse instrumento ter impedido algum
erro Por outro lado a informante chave que iniciou o processo relatou em sua entrevista
diversos benefiacutecios com a implantaccedilatildeo do instrumento
Apesar de alguns profissionais considerarem o preenchimento do checklist como um
instrumento para aumentar a organizaccedilatildeo e a seguranccedila do procedimento eles tambeacutem
confessam que muitas vezes quando percebem o quadro o mesmo jaacute se encontra preenchido
sem terem tido participaccedilatildeo Aleacutem disso os profissionais percebem esse instrumento como
algo burocraacutetico sem efeito praacutetico ou ateacute mesmo que o time out eacute como um quadro ou
instrumento qualquer afixado na parede
Eacute bom estar escrito mas natildeo sei se esse seria um grande problema o fato de natildeo
estaacute escrito [] Mas organizaccedilatildeo quanto mais melhor (Ed17)
[] eacute uma questatildeo mais burocraacutetica do que praacutetica (Ed13)
Eacute mais uma coisa burocraacutetica que taacute sendo feita sem nenhuma utilizaccedilatildeo Nenhuma
(Ed16)
[]o quadro estaacute laacute mas eles natildeo preenchem natildeo preenche mais Natildeo preenche
mesmo Entatildeo assim eu vejo o quadro como se fosse um quadro normal um
quadro como se fosse um reloacutegio pregado na parede (Ei27)
Hoje eu natildeo vejo preencher mais [] se preenchesse pelo menos vocecirc tirava
duacutevida saberia o nome do paciente neacute (Ei27)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 169
A comparaccedilatildeo do quadro de time out a um ldquoquadro normalrdquo um ldquoreloacutegiordquo mostra o
quatildeo desvalorizado estaacute o uso desta ferramenta na instituiccedilatildeo em estudo E revela algo da
praacutetica que merece reflexatildeo planejamento e accedilotildees dos gestores do hospital no sentido de
tomarem decisotildees que enfrentem essa percepccedilatildeo desqualificada de um instrumento validado
internacionalmente e nacionalmente Essa desvalorizaccedilatildeo eacute resultado da falta de
conhecimento da importacircncia uma vez que isso natildeo foi trabalhado com os profissionais
Quando nos relatos os profissionais mencionam a importacircncia do uso do checklist
minimizam a funccedilatildeo dessa lista de verificaccedilatildeo reduzindo-a a funccedilatildeo de apenas esclarecer
alguma duacutevida como por exemplo a identificaccedilatildeo do paciente Isso ocorre devido agrave
metodologia e forma de conduccedilatildeo atual A seguir satildeo apresentados relatos de como foi agrave
preparaccedilatildeo dos enfermeiros para aplicarem o checklist de cirurgia segura
Eu acompanhei observei vi fazendo ldquoolha eacute assim assim assadordquo e pronto E aiacute
fiz tambeacutem [] ldquoTem que preencher isso aquirdquo ldquoAh taacute como eacute que eacuterdquo ldquoAh marca
um xisinho assim assimrdquo Foi isso (Ed29)
Conversei um pouco com as enfermeiras e O Dr K pra me inteirar [] A enfermeira
que participou do iniacutecio de todo o processo me passou fontes bibliograacuteficas me
contou um pouco da experiecircncia dela [] Eu fiquei dois dias acompanhando a antiga
enfermeira do checklist [] no terceiro dia ela jaacute subiu pra exercer outra funccedilatildeo e eu
fiquei por conta do checklist [] surgiu algumas duacutevidas eu entrava em contato
com a coordenaccedilatildeo [] um dia ela desceu pra tirar algumas duacutevidas pra fazer as
estatiacutesticas do checklist mas assim o treinamento mesmo eu natildeo cheguei a ter
(Ed28)
Os enfermeiros tanto o responsaacutevel pelo checklist em seu horaacuterio de atuaccedilatildeo quanto
os demais natildeo foram qualificados adequadamente para preencher a lista de verificaccedilatildeo O
treinamento ocorreu informalmente no campo da praacutetica profissional sem um embasamento
teoacuterico sem um entendimento da importacircncia de cada item disposto para verificaccedilatildeo ou
momentos de simulaccedilatildeo da aplicaccedilatildeo Em uma pesquisa realizada com ortopedistas
brasileiros em 2012 por meio de um questionaacuterio sobre o uso do protocolo de cirurgia segura
da OMS dos 502 ortopedistas que responderam o questionaacuterio 653 desconheciam total ou
parcialmente o protocolo e 721 nunca foram treinados para o uso do instrumento (MOTA
FILHO et al 2013) A falta de treinamento especiacutefico e envolvimento de toda a equipe pode
ser um dos motivos para a causa de muitos itens serem negligenciados quando a ferramenta eacute
executada tanto no hospital em estudo quanto em outras realidades
Essa ausecircncia de qualificaccedilatildeo adequada pode tambeacutem por exemplo natildeo ter sanado
uma das preocupaccedilotildees importantes que certamente todos os enfermeiros tiveram a saber a
autonomia do condutor da lista de verificaccedilatildeo
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 170
Eu fiquei muito insegura no sentido de encontrar alguma coisa errada eu tinha
autonomia pra barrar uma cirurgia [] Qual era a autonomia que eu tinha como
enfermeiro do checklist [] tinha muitos meacutedicos que natildeo gostavam de responder
as perguntas Ateacute que isso foi imposto pela diretoria que vestiu a camisa que o
pessoal tinha que me responder gostando ou natildeo E eles comeccedilaram a se acostumar
com isso (Ei10)
A autonomia do liacuteder do checklist eacute fator criacutetico de sucesso para a efetividade do
mesmo Ele deve ter autonomia para impedir que a equipe prossiga para a proacutexima etapa da
cirurgia ateacute que cada uma esteja totalmente resolvida mas com isso pode-se criar uma
relaccedilatildeo antagocircnica com os outros membros da equipe ofendendo-os ou irritando-os
(BRASIL 2013b OMS 2009) Esta relaccedilatildeo pode ser ainda mais significativa sendo um
uacutenico profissional designado para aplicaccedilatildeo do checklist em todas as cirurgias como no
hospital em estudo A fala de Ei10 tambeacutem revela que a diretoria teve que intervir junto aos
profissionais que natildeo gostavam de responder aos questionamentos que apesar de
continuarem natildeo gostando tiveram que fazer por imposiccedilatildeo Desenvolveu-se entatildeo um
processo de obrigatoriedade de cima para baixo e natildeo um processo de convencimento da
importacircncia sobre a seguranccedila ciruacutergica e em relaccedilatildeo agrave apropriaccedilatildeo da metodologia do
checklist
Nesse sentido Gawande (2011) faz um questionamento em seu livro se apesar de
toda a resistecircncia os cirurgiotildees decidirem usar checklist ainda assim eacute importante que o
utilizem mesmo de maacute vontade O autor mesmo responde que importa sim pois o objetivo
final do instrumento natildeo eacute apenas ticar itens o propoacutesito eacute fomentar uma cultura de trabalho
em equipe e de disciplina (GAWANDE 2011)
Nesse sentido eacute primordial a sensibilizaccedilatildeo e o entendimento sobre o impacto que o
uso do checklist tem na praacutetica cotidiana da assistecircncia ciruacutergica Ou seja eacute necessaacuterio fazer
sentido para o proacuteprio profissional responsaacutevel pelo checklist para que ele proacuteprio se
convencendo tenha motivaccedilatildeo na aplicaccedilatildeo e consiga envolver os demais da equipe no uso
conjunto da ferramenta Ademais eacute necessaacuteria para o bom ecircxito da aplicaccedilatildeo da ferramenta
uma conscientizaccedilatildeo da importacircncia pela lideranccedila hospitalar que respaldaraacute o uso cotidiano
[] natildeo preencher na parede [o quadro] porque um dia a secretaacuteria esqueceu de
pedir pincel [] natildeo eacute justificativa a gente tem o almoxarifado que funciona o
tempo todo [] a motivaccedilatildeo de ter um sentido e um porque [] me parece um
preenchimento automaacutetico Cumprir uma tarefa designada (Ei30)
Conscientizaccedilatildeo eacute a palavra-chave se vocecirc natildeo conscientizar a diretoria os
coordenadores os meacutedicos o corpo de enfermagem e o pessoal da limpeza natildeo
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 171
funciona [] Ningueacutem tem nenhuma consciecircncia disso Ningueacutem daacute nenhuma
importacircncia Pura perda de tempo que taacute sendo feito (Ed16)
[] todos conhecem a campanha neacute [tosse] [] acho que falta o engajamento
mesmo de todo mundo pra conseguir que fosse contemplado todos os momentos
assim com toda a equipe (Ed28)
Observou-se que o responsaacutevel pelo checklist o preenche de modo mecanizado e
tambeacutem assim como os demais profissionais ele mesmo natildeo acredita no trabalho que
executa Desenvolve-se entatildeo uma cultura de ausecircncia de credibilidade no uso da ferramenta
no cotidiano de trabalho tanto pelo responsaacutevel pelo preenchimento quanto pelos demais
enfermeiros
Haacute uma falsa ideia por parte das lideranccedilas do hospital e do responsaacutevel pelo checklist
de que todos conhecem a ferramenta Um dos liacutederes afirmou que o checklist atualmente faz
parte da rotina do CC uma vez que este jaacute eacute amplamente divulgado difundido e aceito No
entanto aceitar a aplicaccedilatildeo do instrumento e saber da existecircncia eacute diferente de conhecer a
importacircncia por meio das evidecircncias de reduccedilatildeo de incidentes A maioria inclusive a atual
lideranccedila natildeo entendeu que cada item eacute fruto de padrotildees de erros e omissotildees constantes na
assistecircncia ciruacutergica e que portanto esse eacute um valioso instrumento para a rotina diaacuteria
Assim natildeo datildeo a importacircncia devida a essa ferramenta Ademais o profissional responsaacutevel
pelo cheklist natildeo eacute reconhecido por todos como tal
[] Tem [responsaacutevel pelo checklist] Quem eacute [Muita surpresa] [] V1 [nome do
enfermeiro do checklist] vai ver que ele faz pra ele mas eu acho que eacute importante
perguntar pro outro [] Dividir a informaccedilatildeo (Ed32)
O natildeo reconhecimento por toda a equipe de quem seja o profissional que foi
contratado especificamente para a funccedilatildeo de conduzir o checklist mostra que essa estrateacutegia
adotada pelo hospital em estudo natildeo tem alcanccedilado resultados positivos sendo necessaacuterio ser
repensada Por outro lado a conduccedilatildeo adequada destas ferramentas eacute influenciada por
muacuteltiplos fatores aleacutem dos jaacute mencionados como o perfil do profissional responsaacutevel a
sobrecarga de trabalho e a falta de profissionais a rotatividade tanto de profissionais quanto
da lideranccedila da linha de cuidados ciruacutergicos que incorre na falta de cobranccedila no uso das
ferramentas
Depende da pessoa Quando a P [enfermeiro do checklist] estava no time out ela
tem a voz alta [] Jaacute chegava avisava todo mundo [] Os outros enfermeiros que
eu vejo natildeo Entra laacute mudo sai calado preenchem o quadrinho [] Sinto falta
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 172
mesmo eacute da P chegar e falar [] Muito respeitava ela aparecia ela tinha o espiacuterito
de lideranccedila (Ei20)
A pessoa [profissional do checklist] entra na sala e pergunta para o teacutecnico ldquoQue
horas o paciente entrou na salardquo Pergunta pra mim ldquoQual a previsatildeo de duraccedilatildeo da
cirurgia Eacute limpa ou eacute contaminadardquo Acabou Soacute isso O resto ele preenche da
cabeccedila dele Isso natildeo tem o menor sentido (Ed16)
[] de laacute [da implantaccedilatildeo] pra caacute a gente jaacute mudou a coordenaccedilatildeo tanto meacutedica
quanto de enfermagem [] Na eacutepoca da B as coisas eram bem conduzidas e depois
se perdeu O bloco passou por uns momentos de grande rotatividade sofreu com
falta de anestesista A equipe trabalhava com sobrecarga (Ei23)
Eu acho mais desmotivaccedilatildeo ou falta de cobranccedila Eu tento orientaacute-los No final do
meu plantatildeo deixo a relaccedilatildeo no relatoacuterio dos quadros abertos porque algueacutem tem
que fechar no final da cirurgia [] falta cobranccedila por parte da coordenaccedilatildeo de
orientar e cobrar que seja executado (Ed28)
A desmotivaccedilatildeo mencionada por Ed28 se refere aos enfermeiros que ficam
incumbidos da conduccedilatildeo do checklist no horaacuterio em que o responsaacutevel natildeo estaacute presente No
entanto essa desmotivaccedilatildeo pode se referir a ele proacuteprio uma vez que sua funccedilatildeo natildeo eacute
reconhecida e valorizada em seu contexto de atuaccedilatildeo A motivaccedilatildeo e a percepccedilatildeo dos outros
no sentido de se fazer o trabalho sob sua responsabilidade satildeo aliadas para que o profissional
desenvolva-o de forma efetiva Uma vez que eacute dada tatildeo pouca atenccedilatildeo a esses instrumentos
pela equipe perde-se a importacircncia de se aplicaacute-los pelo responsaacutevel e vice versa
Diante deste contexto a complexidade do uso do checklist eacute marcada pela
subjetividade de quem o conduz e dos que ali participam do processo que seraacute realizado em
favor da seguranccedila ciruacutergica ou natildeo conforme relatado a seguir
[] foi esquecida uma compressa dentro do paciente e quando foi conferir o
checklist estava tudo ok [] colocou o nuacutemero de compressas abertas o nuacutemero
que [foi desprezado] Entatildeo esse caso foi uma falha de quem preencheu eacute muito
ser humano dependente Depende de como vocecirc estaacute no dia do quecirc que vocecirc estaacute
fazendo sua sobrecarga de trabalho seu estado psicoloacutegico eu acho que depende de
muita coisa e a pessoa tem que ser muito honesta tambeacutem de natildeo inventar nada ali
[risos] (Ei10)
Em um estudo sobre retenccedilatildeo de corpo estranho realizado por Gawande et al (2003)
aos 54 pacientes participantes somou-se um total de 61 corpos estranhos retidos dos quais
69 eram compressas ou gases e 31 instrumentais Dos 37 pacientes com corpos estranhos
retidos 69 necessitaram de uma nova intervenccedilatildeo ciruacutergica para a remoccedilatildeo do objeto e
complicaccedilotildees e um morreu No restante o corpo estranho foi expelido ou foi descoberto por
acaso e removido no momento de outra cirurgia Essas retenccedilotildees ocorreram mais em cirurgias
de emergecircncia (33) ou em uma mudanccedila inesperada no procedimento ciruacutergico (34) Os
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 173
pacientes com corpos estranhos retidos tambeacutem tinham um iacutendice de massa corporal meacutedia
superior e eram menos propensos a ter contagens de esponjas e instrumentos realizados Mais
de metade dos corpos estranhos (54) foram deixados no abdoacutemen 22 na vagina 74 no
toacuterax e 17 em outras partes incluindo o canal espinal ceacuterebro e extremidades (GAWANDE
et al 2003)
O relato de Ei10 demonstra que natildeo eacute simples a utilizaccedilatildeo do checklist uma vez que o
preenchimento por si soacute natildeo gera os benefiacutecios propostos do instrumento No estudo de
Gawande et al (2003) enquanto um terccedilo das compressas e instrumentais retidas natildeo foi
submetido a processo documentado de contagem dois terccedilos dos casos apresentaram
coerecircncia entre o nuacutemero aberto no iniacutecio do procedimento e o do final assim como no caso
relatado Eacute necessaacuteria conscientizaccedilatildeo e maior atenccedilatildeo na contagem e anotaccedilatildeo fidedigna dos
dados
Enfim a aplicaccedilatildeo do checklist em sala operatoacuteria natildeo eacute simples Eacute complexa por
envolver muacuteltiplos aspectos Contudo por mais que as accedilotildees contempladas no checklist sejam
variadas abarcando vaacuterios aspectos a seguranccedila ciruacutergica natildeo pode ser reduzida a apenas os
19 itens e a aplicaccedilatildeo dessa ferramenta
[] agraves vezes o que eu percebo eacute que tem uma reduccedilatildeo da cirurgia segura em relaccedilatildeo
a esse checklist E natildeo eacute correto Porque se soacute o checklist for feito mas todos os
outros passos natildeo foram seguidos exemplo um paciente que chega para o CTI
depois de uma cirurgia complexa se natildeo tiver observaccedilatildeo natildeo for feito
gerenciamento do risco a cirurgia dele pode ateacute ter sido segura no preacute e no
transoperatoacuterio mas natildeo seraacute no poacutes-operatoacuterio [] (Ei25)
Ainda que se pese a importacircncia e a complexidade a garantia de uma cirurgia segura
natildeo pode ser reduzida aos itens da lista de verificaccedilatildeo da OMS Eacute importante reconhecer a sua
importacircncia mas esse instrumento eacute parte de um conjunto complexo de accedilotildees para uma
cirurgia segura Gawande (2011) afirma que ele eacute apenas o comeccedilo de uma jornada pois foi
concebido para detectar poucos problemas comuns em todas as cirurgias no mundo todo
Assim cabe aos profissionais dar continuidade a essa jornada desenvolvendo outros
checklists e aperfeiccediloando-os como faz o setor de aviaccedilatildeo (GAWANDE 2011)
Assim para a promoccedilatildeo da seguranccedila ciruacutergica eacute necessaacuterio aleacutem de obedecer aos
itens jaacute validados da lista de verificaccedilatildeo observar tambeacutem aspectos relacionados ao preacute e ao
poacutes-operatoacuterio abarcando assim o processo como um todo Ou seja eacute necessaacuterio estudar o
checklist dentro da assistecircncia ciruacutergica sob o ponto de vista do pensamento complexo que
propotildee uma nova forma de pensar a realidade em que cada objeto do conhecimento seja ele
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 174
qual for natildeo pode ser estudado em si mesmo mas em relaccedilatildeo aos seus contornos Por isso
toda a realidade eacute o sistema estando em relaccedilatildeo agrave aacuterea envolvida Aleacutem disso o paradigma da
complexidade reconhece que a compreensatildeo da realidade eacute sempre um processo inacabado
(MORIN 2011)
Nesse sentido defende-se neste estudo por todas as questotildees relatadas e evidenciadas
pelos profissionais e durante a observaccedilatildeo em campo que a conduccedilatildeo do checklist seja de
responsabilidade de um profissional em cada sala operatoacuteria o qual deve permanecer durante
todo o periacuteodo da realizaccedilatildeo da cirurgia Esse conjunto de profissionais deve ser
supervisionado por uma uacutenica pessoa que seraacute responsaacutevel por acompanhar a forma com que
estiver sendo conduzido o checklist no intraoperatorio aleacutem de outras funccedilotildees como a
melhoria contiacutenua avaliaccedilatildeo e divulgaccedilatildeo dos resultados da aplicaccedilatildeo do checklist bem como
elaborar fomentar e acompanhar o uso de listas de verificaccedilatildeo em todo o processo
perioperatoacuterio
432 Melhorias no uso do checklist de cirurgia segura
No jogo de palavras cruzadas a precisatildeo de cada palavra eacute resultado da adequaccedilatildeo de
sua definiccedilatildeo e da sua congruecircncia com as outras palavras com letras comuns A
concordacircncia entre todas as palavras compotildee o conjunto e confirma a validade das
distintas palavras deste jogo A vida diferente das palavras cruzadas compreende
espaccedilos sem definiccedilatildeo com falsas definiccedilotildees e sobretudo a ausecircncia de um quadro
geral fechado (MORIN 2000)
A frase de Morin (2000) que inicia esta subcategoria vem ao encontro do que foi
observado durante a pesquisa realizada sobre o uso do checklist Esse instrumento natildeo eacute como
um jogo fechado de palavras cruzadas pois a complexidade do seu uso nos diferentes
procedimentos ciruacutergicos impossibilita a ocupaccedilatildeo de espaccedilos fixos pelos profissionais e de
definiccedilatildeo engessada dos itens propostos Deve ser uma ferramenta dinacircmica considerando a
melhoria contiacutenua bem como a sensibilizaccedilatildeo e a motivaccedilatildeo dos profissionais
permanentemente Assim seratildeo discutidas as oportunidades de melhorias sejam aquelas
apontadas pelos participantes da pesquisa ou observadas durante o estudo de campo no que
tange o uso da lista de verificaccedilatildeo de seguranccedila ciruacutergica
Nesse sentido eacute reconhecido pelos entrevistados que melhorias na qualidade dos
processos de trabalho sempre devem ocorrer Por mais que se atente e se mova esforccedilos para
a realizaccedilatildeo bem feita das accedilotildees no cotidiano de trabalho da assistecircncia ciruacutergica haacute sempre o
que inovar e aprender mediante as observaccedilotildees e vivecircncias da praacutetica
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 175
A cirurgia segura ela ainda tem muito muito muito que caminhar Muito [ecircnfase a
palavra] [] [o checklist] Eacute uma ferramenta bacana que bem aplicada ia minimizar
muita coisa Mas ela ainda precisa de envolvimento das pessoas (Ed26)
Cada dia vocecirc vai aprendendo Eacute a mesma cirurgia mas cada paciente eacute cada
paciente O meacutedico cada um trabalha de um jeito (Ei14)
[] por mais que a gente trabalhe e tente melhorar os processos tem sempre o que
melhorar tem sempre pessoas com ideias novas (Ei1)
Segundo Ovretveit (2009) a melhoria da qualidade eacute alcanccedilada quando se atinge uma
melhor satisfaccedilatildeo do paciente e os melhores resultados da assistecircncia mediante a mudanccedila no
comportamento dos profissionais e da organizaccedilatildeo do trabalho por meio de mudanccedilas
sistemaacuteticas nos meacutetodos e estrateacutegias Para tanto eacute imprescindiacutevel compreender o problema
e os sistemas em particular avaliando o percurso do paciente analisar a demanda a
capacidade e o fluxo do serviccedilo escolher os instrumentos de mudanccedilas como o envolvimento
e a capacitaccedilatildeo da lideranccedila e dos profissionais medir o impacto das mudanccedilas (HEALTH
FOUNDATION 2013) Estes satildeo fatores de sucesso na implantaccedilatildeo de quaisquer accedilotildees de
melhoria da qualidade incluindo o checklist de cirurgia segura
Os participantes da pesquisa relatam a necessidade de diversas mudanccedilas nos
processos de trabalho da rede intra-hospitalar para uma assistecircncia ciruacutergica segura e de
melhor qualidade em todas as fases do perioperatoacuterio As melhorias especiacuteficas no uso do
checklist focaram principalmente na maior adesatildeo ao instrumento nas mudanccedilas da
metodologia de conduccedilatildeo que atualmente eacute responsabilidade de um soacute profissional e sem o
envolvimento da equipe em conjunto na aplicaccedilatildeo e da mudanccedila da estrutura dos itens de
verificaccedilatildeo do checklist atualmente utilizado na instituiccedilatildeo
O problema da baixa adesatildeo e desvalorizaccedilatildeo do uso do checklist em sua versatildeo
completa ou do quadro de time out eacute constante no discurso de quase todos profissionais
[] eu acho que eacute soacute feito durante o dia o time out Durante a noite pelo menos eu
natildeo vejo elas fazendo (Ed8)
[] se todos os enfermeiros tivessem essa visatildeo da importacircncia do quadro de
manter atualizado sempre que os cirurgiotildees precisar das informaccedilotildees poder
consultar o quadro a gente aumentaria a credibilidade neacute (Ed28)
Os resultados desta pesquisa mostram que a adesatildeo ao checklist de cirurgia segura pela
equipe ciruacutergica estaacute diretamente relacionada agrave existecircncia de atitudes e percepccedilotildees positivas
em relaccedilatildeo agrave sua importacircncia utilidade e aplicabilidade Em um estudo observacional um
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 176
grupo composto por estudantes de medicina e enfermeiras registrou a conformidade de
aplicaccedilatildeo dos 11 itens padronizados no time out Apenas um dos itens (procedimento a ser
realizado) alcanccedilou cumprimento maior que 950 Trecircs itens (siacutetio ciruacutergico disponibilidade
de hemocomponentes e material de implantes e dispositivos e iniacutecio de antibioacuteticos)
alcanccedilaram 80-95 de cumprimento Os outros sete itens alcanccedilaram menos de 80 de
conformidade (POON et al 2013) Nesse sentido as estrateacutegias de aumento da adesatildeo devem
ser elaboradas pelos diversos profissionais conjuntamente para que estes se envolvam e
possam se empoderar dessas ferramentas que aleacutem da seguranccedila promovem a gestatildeo do
cuidado do paciente ciruacutergico no intraoperatoacuterio
Outra melhoria que deve ser implementada e que foi relatada por diversos
profissionais e observada durante a pesquisa de campo diz respeito agrave forma de conduccedilatildeo do
checklist Eacute necessaacuterio que o condutor permaneccedila por todo o tempo no intraoperatoacuterio e que
os itens sejam verificados em conjunto com todos os profissionais para otimizar os benefiacutecios
potenciais associados a esses instrumentos
Existem trecircs momentos o antes e o apoacutes a induccedilatildeo anesteacutesica e antes da retirada do
paciente da sala [] teria que ser algueacutem que tivesse dentro de sala durante o
transoperatoacuterio inteiro pra conseguir acompanhar do iniacutecio ao fim [] talvez o
circulante fosse o responsaacutevel pelo checklist [] ele taacute ali exclusivo na sala [] no
meu caso eu estou na sala um entra um paciente na sala dois eu tenho que correr
[] agraves vezes entram quatro salas de uma vez soacute (Ed28)
[] quem deveria fazer o checklist eacute a equipe que estaacute dentro da sala ciruacutergica Pode
ser tanto enfermeiro quanto o proacuteprio cirurgiatildeo (Ei23)
Atualmente o profissional que lidera a aplicaccedilatildeo do checklist eacute um enfermeiro Aleacutem
da necessidade de profissionais com esta funccedilatildeo em cada sala operatoacuteria para aumentar a
adesatildeo ao instrumento os participantes da pesquisa cogitaram outras categorias profissionais
aleacutem do circulante e do cirurgiatildeo mencionados por Ed28 e Ei23 como um auxiliar
administrativo treinado Mas outros argumentaram que o auxiliar administrativo natildeo tem
embasamento e senso criacutetico para argumentar e que o cirurgiatildeo e o anestesista sendo
plantonistas em sua maioria natildeo dariam continuidade ao processo de conduccedilatildeo da
ferramenta Um profissional disse que na implantaccedilatildeo chegaram a pensar no teacutecnico de
enfermagem que eacute o circulante em cada sala como propocircs Ed28 Poreacutem disseram que teria
que ser algueacutem ldquoseparado da assistecircnciardquo para ser imparcial e que o circulante natildeo iria
interromper a cirurgia se algo estivesse em natildeo conformidade com o checklist ora porque eles
natildeo iriam querer atrasar a sua cirurgia ora para natildeo se indispor com os cirurgiotildees e
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 177
anestesistas Assim a maioria defendeu o enfermeiro como o melhor profissional para aplicar
o checklist devido ao conhecimento teacutecnico habilidade e atitude para exercer lideranccedila
Eacute fundamental que o profissional seja capaz de conseguir a atenccedilatildeo de todos durante
uma cirurgia independente de sua categoria profissional Isso exige alto grau de assertividade
e alto niacutevel de controle que segundo o idealizador do checklist de cirurgia segura da OMS
geralmente eacute exclusivo do cirurgiatildeo sendo este em um primeiro momento tido como o
melhor profissional para conduzir a lista de verificaccedilatildeo (GAWANDE 2011) No entanto essa
possibilidade foi descartada por esse autor e sua equipe uma vez que seguindo as liccedilotildees da
aviaccedilatildeo o ldquopiloto que natildeo estaacute pilotandordquo eacute quem inicia o checklist pois aquele que estaacute na
lideranccedila tende a se concentrar nas tarefas de voo e esquecer o checklist Essa divisatildeo
corresponsabiliza todos os profissionais para o bem-estar do voo e os daacute autoridade para
questionar Assim chegou-se a conclusatildeo de que para o checklist fazer a diferenccedila deve-se
distribuir a responsabilidade e a autoridade para questionar (GAWANDE 2011) Esse autor e
sua equipe escolheram o enfermeiro-chefe para conduzir o checklist durante o teste realizado
em suas proacuteprias cirurgias e este tem sido o profissional incumbido para a aplicaccedilatildeo do
checklist em diversas instituiccedilotildees como no hospital em estudo
A vantagem do enfermeiro se responsabilizar pela conduccedilatildeo da lista de verificaccedilatildeo eacute
que sua atuaccedilatildeo o permite transitar durante todo o perioperatoacuterio do paciente e portanto ter
uma visatildeo sistecircmica do cuidado dispensado ao paciente Aleacutem disso sua atuaccedilatildeo possibilita
vivenciar tanto a realidade praacutetica quanto a realidade burocraacutetica da organizaccedilatildeo Mais
importante que escolher a categoria profissional seria identificar na equipe o perfil necessaacuterio
para este condutor da lista de verificaccedilatildeo por que a efetividade do preenchimento eacute ldquopessoa
dependenterdquo segundo um dos participantes
[] eacute muito ldquopessoa dependenterdquo depende de quem estaacute preenchendo (Ei10)
[] tem que ter um jogo de cintura de saber lidar com todas as equipes e tem que ter
o pulso firme espiacuterito de lideranccedila Para poder ter habilidade de ligar para outro
setor ldquoOh os pacientes estatildeo descendo sem banhordquo Perguntar o coordenador da
anestesia porque natildeo estaacute sendo feito o preacute-anesteacutesico Do que ficar acomodada com
aquele resultado ldquoAh jaacute fiz minha parterdquo (Ei10)
Outros profissionais tambeacutem citaram caracteriacutesticas importantes para o profissional
responsaacutevel pela aplicaccedilatildeo do time out e checklist como conhecimento da ferramenta
disciplina meacutetodo ser um profissional proativo dinacircmico atento e com facilidade de
relacionamento interpessoal E foi dito tambeacutem que mesmo com toda essa competecircncia se
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 178
natildeo tiver o respaldo da diretoria natildeo adianta a tentativa do uso correto pois eacute necessaacuterio que a
lideranccedila faccedila a gestatildeo da mudanccedila no dia a dia de trabalho
Outra questatildeo bastante enunciada pelos participantes da pesquisa e que jaacute estaacute em
discussatildeo interna diz respeito agrave mudanccedila da estrutura dos instrumentos conforme as falas
representativas que se seguem
[] a gente tem que melhorar o checklist para o profissional que executa direcionar
as perguntar e o olhar [] o checklist tem que taacute sempre sendo revisado [] tem
algumas questotildees que seguramente a gente tinha que ou excluir ou modificar a
forma que taacute perguntado (Ei30)
[] discutindo algumas questotildees do formulaacuterio que taacute em execuccedilatildeo hoje noacutes
iniciamos uma discussatildeo com a CCIH com a diretoria de uma proposta de
modificar esse formulaacuterio (Ei30)
De fato segundo Gawande (2011) o checklist natildeo deve se transformar em imposiccedilotildees
calcificadas que inibem os profissionais em vez de ajudaacute-los Segundo esse autor o checklist
exige revisotildees e aprimoramentos constantes Na aviaccedilatildeo eacute inserida data de emissatildeo em todos
os checklists uma vez que o cheklist deve mudar com o passar do tempo Eacute uma ajuda mas se
natildeo estiver servindo para contribuir na melhoria dos procedimentos haacute algo errado e deve ser
corrigido (GAWANDE 2011)
Pela anaacutelise dos dados o checklist natildeo foi aplicado em nenhum caso de Onda
Vermelha sendo a justificativa devido aos itens natildeo se aplicarem para um caso de
emergecircncia O participante da pesquisa que no periacuteodo da coleta de dados era o responsaacutevel
pelo checklist durante a entrevista leu cada item e foi se questionando se aquele item se
aplicaria ou natildeo a uma situaccedilatildeo de emergecircncia Apoacutes essa anaacutelise conclui que
No primeiro momento acho que nenhum [item] daria pra preencher no caso da
emergecircncia seria tudo natildeo se aplica E poucos dados seriam aproveitados do
checklist no caso da emergecircncia (Ed28)
Para a onda vermelha acho que natildeo tem muita aplicabilidade natildeo [] Tem um
quadro aqui [sala da emergecircncia] com orientaccedilatildeo igual das outras salas No caso da
onda esse quadro nunca foi preenchido Ateacute porque natildeo daria tempo e tambeacutem natildeo
teria nenhuma ou quase nenhuma aplicabilidade a natildeo ser colocar o nome do
paciente Que muitas vezes o paciente entra como NI [Natildeo Identificado] Entatildeo nem
a identificaccedilatildeo do paciente conseguiria contemplar no quadro (Ed28)
Poucos estudos tratam da aplicaccedilatildeo do checklist em cirurgias de urgecircncia Em um deles
evidenciou-se a reduccedilatildeo nas taxas de complicaccedilatildeo de 184 para 117 e nas taxas de
mortalidade de 37 para 14 (WEISER et al 2010) Os grupos de trabalho do Programa
Cirurgia Segura idealizaram uma lista de verificaccedilatildeo de seguranccedila ciruacutergica baseada em uma
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 179
gama de protocolos avaliaram as evidecircncias de suas conclusotildees e estimaram seus possiacuteveis
impactos para a seguranccedila mas a meta natildeo foi prescrever uma uacutenica maneira de
implementaccedilatildeo ou criar uma ferramenta regulatoacuteria Mais do que isso pela introduccedilatildeo de
elementos-chave de seguranccedila na rotina operatoacuteria as equipes poderiam maximizar a
probabilidade de melhorar seus resultados sem gerar um ocircnus excessivo no sistema ou para
os prestadores de sauacutede (OMS 2009) Assim uma das oportunidades de melhoria eacute a
elaboraccedilatildeo de checklist por tipo de cirurgia (eletiva urgecircncia e emergecircncia) pois segundo os
participantes o uso de um instrumento apenas para quaisquer procedimentos produz dados
natildeo fidedignos quanto a alguns aspectos que satildeo mensurados
[] tem cinco ou seis itens que ldquonatildeo se aplicardquo agrave cirurgia de emergecircncia O
enfermeiro preenche como natildeo se aplica quando posso ter outra ferramenta que
exclui esses itens da cirurgia de emergecircncia pra facilitar o preenchimento [] se o
enfermeiro preencher que natildeo se aplica o preacute-anesteacutesico pra emergecircncia isso gera
um dado baixo quando eu tenho na verdade uma escala de anestesia desfalcada []
o quecirc que mais vai entrar Cirurgia de urgecircncia e emergecircncia porque as eletivas vatildeo
ser adiadas Entatildeo gera um dado pra mim que eacute irreal (Ei30)
Nesse sentido melhorias satildeo necessaacuterias nos itens do checklist uma vez que na forma
em que foi concebido tem excluiacutedo a aleatoriedade ou seja a quebra da ordem em sua
execuccedilatildeo Gawande (2011) orienta a elaboraccedilatildeo de checklists especiacuteficos para os diversos
procedimentos especificamente aqueles que tenham mais fases e riscos em sua realizaccedilatildeo
Aleacutem da possibilidade de construccedilatildeo de checklists especiacuteficos dentro do
transoperatoacuterio foi relatada a necessidade de elaboraccedilatildeo de um checklist no preacute-ciruacutergico
Preciso fazer tambeacutem o checklist preacute-ciruacutergico Antes de o paciente chegar [no CC]
precisa ter algumas questotildees jaacute organizadas [] laacute dentro descubro que o paciente
natildeo tem reserva de sangue pra seguranccedila vou pedir Mas para otimizar o bloco natildeo
funcionou Vou ter que coletar amostra esperar ser processada no banco de sangue
para o banco me responder se eacute possiacutevel ou natildeo Aiacute eu perco tempo que eacute precioso
(Ei30)
Aleacutem de promover a seguranccedila do paciente uma lista de verificaccedilatildeo no preacute-operatoacuterio
possibilitaria uma maior organizaccedilatildeo e otimizaccedilatildeo do tempo do CC A resolutividade pequena
do CC foi algo muito mencionado pelos participantes que relataram as dificuldades de
consolidar os agendamentos das cirurgias eletivas pois haacute uma concorrecircncia com as cirurgias
de urgecircncia e emergecircncias entre outros fatores
A marcaccedilatildeo de sitio ciruacutergico natildeo foi evidenciada durante as observaccedilotildees de campo
sendo uma accedilatildeo quando realizada pela atitude do profissional e natildeo por uma orientaccedilatildeo ou
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 180
normatizaccedilatildeo da instituiccedilatildeo a qual natildeo tem disponibilizado inclusive os recursos materiais
para a sua realizaccedilatildeo
Paciente natildeo entra na sala se eu natildeo tiver marcado o membro Eacute meu protocolo
(riso) Natildeo do hospital [] natildeo tem nem caneta pra marcar Eu tenho que usar a
minha (Ed22)
A gente natildeo marca A gente nunca teve nenhum problema [] A vantagem do
paciente da vascular eacute que ele estaacute sempre com o peacute enfaixado ou um dedo preto A
gente sabe que eacute a perna do dedo preto que vai mexer Mas eacute importante pra ter uma
seguranccedila a mais [] Natildeo sei Vai ver que num viram necessidade que as coisas
tem andado certas neacute (E32)
Haacute uma contradiccedilatildeo sobre a marcaccedilatildeo ciruacutergica pelos profissionais ao mesmo tempo
em que desconsidera a necessidade pelo fato da condiccedilatildeo do paciente mostrar o local da
cirurgia relata que eacute mais um ponto que colabora na seguranccedila do paciente O ldquopeacute enfaixado
ou um dedo pretordquo conforme citado por Ed32 natildeo podem ser paracircmetros de identificaccedilatildeo do
local da cirurgia haja vista que o paciente pode ter outra demanda ciruacutergica e incorrer em
dubiedade Segundo Vendramini et al (2010) a marcaccedilatildeo ciruacutergica objetiva identificar sem
ambiguidade o local da cirurgia principalmente aquelas que envolvem partes bilaterais
(direita e esquerda) estruturas diversas como os dedos das matildeos e dos peacutes ou niacuteveis
muacuteltiplos como a coluna vertebral Eacute uma accedilatildeo importante e obrigatoacuteria em todas as
cirurgias exceto quando a cirurgia eacute em oacutergatildeo uacutenico nos procedimentos em que natildeo se
predetermina o local de inserccedilatildeo do cateterinstrumento quando houver recusa do paciente e
em cirurgias de emergecircncia (VENDRAMINI et al 2010)
Segundo um dos participantes houve no iniacutecio da implantaccedilatildeo do checklist uma
discussatildeo sobre marcaccedilatildeo de lateralidade no entanto mesmo com o ator natildeo humano
adquirido (ldquocaneta do tipo caneta de retroprojetorrdquo) os atores humanos ficaram na discussatildeo
de como iriam marcar Queriam colocar um ldquoxrdquo mas como a literatura desaconselha porque
pode significar que natildeo era pra fazer naquele membro a conversa se perdeu natildeo se discutiu
mais essa accedilatildeo para promover a seguranccedila As melhores praacuteticas quanto agrave marcaccedilatildeo da
lateralidade recomendam o desenho de um ciacuterculo um alvo ou as iniciais do paciente ou do
cirurgiatildeo no local da cirurgia
A identificaccedilatildeo do local da cirurgia eacute um encargo do cirurgiatildeo responsaacutevel pelo
procedimento ciruacutergico ou do procedimento terapecircutico invasivo No entanto a participaccedilatildeo
do enfermeiro ndash ou algum membro da equipe de enfermagem ndash eacute essencial sendo importante
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 181
para garantir que os siacutetios ciruacutergicos sejam marcados e a participaccedilatildeo do paciente eacute
incentivada (VENDRAMINI et al 2010)
Outro ponto abordado eacute o gap existente entre o iniacutecio e a atual rotina do uso do
checklist Pelo conjunto dos relatos e observaccedilatildeo da pesquisa percebe-se que no iniacutecio de seu
uso quando da implantaccedilatildeo do checklist este instrumento era aplicado de forma mais
completa se discutia inclusive a melhor forma de comunicaccedilatildeo com o paciente
A conversa com o paciente eacute importantiacutessima Antes a A1 [enfermeiro do checklist]
se apresentava e conversava com o paciente ldquoO senhor sabe do quecirc que o senhor vai
operarrdquo ldquoQue lado que eacuterdquo ldquoTem alergia a algum remeacutediordquo [] Ela fazia todas
essas perguntas ldquoO seu uacuteltimo banho foi ontem ou foi hojerdquo Era uma maneira
polida de perguntar sem ofender Com isso se o iacutendice de infecccedilatildeo aumentar vocecirc
vai naqueles paracircmetros [] ldquoAh o paciente natildeo tomou banho no dia da cirurgiardquo
A gente conseguia melhorar essas coisas mas hoje tudo se perdeu (Ed16)
O relato de Ed16 aponta que no iniacutecio havia atuaccedilatildeo ativa e que na atualidade ldquotudo
se perdeurdquo mostra a necessidade de entender a utilizaccedilatildeo do checklist como estrateacutegia e natildeo
como programa Segundo Morin (2000) o programa estabelece uma sequecircncia de accedilotildees que
devem ser executadas sem variaccedilatildeo em um ambiente estaacutevel Caso haja alteraccedilatildeo das
condiccedilotildees externas bloqueia-se o programa A estrateacutegia ao contraacuterio prepara um cenaacuterio de
accedilatildeo que analisa as certezas e as incertezas as probabilidades e as improbabilidades Isso
porque o cenaacuterio pode e deve ser modificado de acordo com as informaccedilotildees recolhidas os
acasos contratempos ou boas oportunidades encontradas ao longo do caminho (MORIN
2000) A saiacuteda dos profissionais que introduziram o checklist na instituiccedilatildeo bloqueou de certa
forma a efetividade do seu uso Natildeo foi arquitetado um cenaacuterio que permitisse sua efetiva
continuidade com a participaccedilatildeo de todos os profissionais
De acordo com Morin (2000) no cerne das estrateacutegias pode ateacute serem utilizadas curtas
sequecircncias programadas mas para tudo que se efetua em ambiente instaacutevel e incerto impotildee-
se a estrateacutegia Ou seja em primeiro momento podia-se ter realizado um programa piloto
para implantaccedilatildeo do checklist na instituiccedilatildeo mas dado o ambiente instaacutevel esse programa
deveria ter sido ampliado envolvendo mais profissionais para se tornar uma estrateacutegia
Seraacute necessaacuterio considerar as dificuldades para tornar o checklist uma estrateacutegia a
serviccedilo de uma finalidade complexa que eacute a seguranccedila ciruacutergica Para isso Morin (2000) traz
trecircs termos complementares e ao mesmo tempo antagocircnicos a saber liberdade igualdade
fraternidade ldquoA liberdade tende a destruir a igualdade esta se for imposta tende a destruir a
liberdade enfim a fraternidade natildeo pode ser nem decretada nem imposta mas incitadardquo
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 182
(MORIN 2000 p 91) Ainda segundo Morin (2000) conforme as condiccedilotildees histoacutericas uma
estrateacutegia deveraacute favorecer a liberdade a igualdade e a fraternidade e ainda deve em um
momento privilegiar a prudecircncia em outro a audaacutecia e se possiacutevel as duas ao mesmo
tempo Assim a estrateacutegia do uso do checklist no hospital em estudo precisa ser flexiacutevel o
bastante para dar liberdade aos profissionais ser normatizado apoacutes articulaccedilatildeo de atores
humanos e disponibilidade dos atores natildeo humanos para que tenha a igualdade no seu uso em
todos os procedimentos e monitorado e valorizado com vistas agrave fraternidade ou seja entre
profissionais-profissionais por meio da maior articulaccedilatildeo e satisfaccedilatildeo no trabalho e
profissional-paciente com foco na seguranccedila ciruacutergica
Nesse sentido a melhoria da seguranccedila na assistecircncia ciruacutergica requer tambeacutem a
forma de comunicaccedilatildeo com o paciente em todas as fases do perioperatoacuterio como a seguir
[] uma paciente com fratura de mandiacutebula de raacutedio e de fecircmur [] uma coisa era
do lado esquerdo e as outras eram do outro lado Perguntei qual cirurgia que ela ia
fazer ela falou ldquoOh eu natildeo sei porque eu tenho isso isso e isso ningueacutem me falou
a cirurgia que vou fazer Se for tal eacute desse lado se for isso eacute nesse lado aquirdquo []
havia desinformaccedilatildeo do paciente perante o que ia fazer E a gente foi discutir como
afirmar lateralidade se a paciente natildeo sabe o quecirc ela vai fazer e o meacutedico afirma que
eacute de um lado ela afirma que pode ser do outro [] a gente acaba colocando que natildeo
tinha lateralidade definida [] porque a informaccedilatildeo dela natildeo foi condizente com a
informaccedilatildeo do meacutedico (Ei10)
Como jaacute discutido a comunicaccedilatildeo efetiva entre profissionais e pacientes eacute um fator
criacutetico de sucesso para a seguranccedila do paciente Nesse sentido os projetos desenvolvidos
desenhados e implementados com a participaccedilatildeo dos pacientes tecircm mais probabilidade de
resultar em mudanccedilas sustentaacuteveis do que os projetos baseados num modelo de comando e
controle implementados de cima para baixo Por outro lado cada profissional precisa se
responsabilizar pela melhoria da qualidade mas se eles natildeo forem empoderados para fazecirc-lo
os resultados seratildeo limitados Nesse sentido a melhoria da qualidade eacute um processo contiacutenuo
que faz parte dos negoacutecios e do trabalho cotidiano (HEALTH FUNDATION 2013)
No entanto natildeo haacute educaccedilatildeo continuada discussatildeo dos resultados do uso das
ferramentas checklist e time out como existiam no iniacutecio do uso do checklist sendo esse um
ponto considerado para a melhoria e promoccedilatildeo da cirurgia segura
Nenhum treinamento ldquoHoje tem treinamento de Cirurgia Segurardquo natildeo (Ei20)
[] na eacutepoca que a gente implantou o checklist a gente fazia uma reuniatildeo trimestral
pra apresentar e monitorar os dados com o grupo gestor da cirurgia (coordenaccedilotildees de
todas as especialidades diretoria e CCIH) (Ei10)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 183
Depois que assumi ainda natildeo tive reuniatildeo para tratar dos dados Nem fui
comunicada que existe a reuniatildeo entatildeo se tinha ela natildeo estaacute acontecendo (Ei30)
A Qualidade nunca participou [reuniotildees trimestrais para discussatildeo dos resultados
do checklist] Se ela existe a gente natildeo sabe Natildeo fomos chamados nem
demandados [] E natildeo demandamos tambeacutem [risos] a gente poderia ter feito esse
movimento mas hoje a gente natildeo tem pernas pra isso (Ei23)
Mesmo quando havia reuniotildees sobre os dados e resultados do checklist no iniacutecio de
seu uso eram para um grupo restrito da diretoria Esses dados do resultado do uso do
checklist tecircm mesmo que ser discutidos com a lideranccedila maior e no entanto envolver
tambeacutem os demais profissionais do CC e da rede intra-hospitalar que estaacute envolvida com a
assistecircncia ciruacutergica se faz necessaacuterio para sua legitimaccedilatildeo diante de toda a equipe
multiprofissional Viabilizar isso na rotina caoacutetica eacute um desafio sendo necessaacuterio pensar
estrateacutegias e promover a discussatildeo dos resultados das cirurgias e do checklist Nesse mesmo
sentido tambeacutem ainda natildeo se realiza uma anaacutelise sistemaacutetica dos dados de adesatildeo ao checklist
e como esse instrumento tem impactado nos indicadores que medem a qualidade da
assistecircncia Haacute pequenas anaacutelises realizadas pelo interesse de um dos profissionais de forma
isolada e natildeo amplamente divulgada e discutida
Eu ainda natildeo levantei a estatiacutestica de cobertura de checklist e time out [] Mesmo
durante o dia eu estando exclusivamente para o checklist natildeo eacute 100 de cobertura
finais de semana e a noite eu natildeo tenho esse dado [] Acredito que natildeo seja 100
dos pacientes que consegue cobrir (Ed28)
[] eu fiz uma anaacutelise descritiva [] cruzando desde o iniacutecio do checklist e
avaliando a taxa de infecccedilatildeo em cirurgia limpa que eacute o meu marcador [] teve
diminuiccedilatildeo na taxa de infecccedilatildeo de cirurgia limpa consideraacutevel [] um ano atraacutes eu
fiz esse trabalho [] mais ningueacutem fez trabalho nenhum com o checklist [] O
checklist soacute eacute preenchido natildeo eacute analisado (Ei5)
Natildeo eacute possiacutevel promover uma seguranccedila na assistecircncia ciruacutergica sem avaliaacute-la
sistematicamente e periodicamente com indicadores para abarcar questotildees de cunho objetivo
mas tambeacutem utilizando outras estrateacutegias que apreendam a percepccedilatildeo dos profissionais sobre
sua praacutetica Nesse sentido a cirurgia segura demanda a garantia de monitoramento da
qualidade de forma contiacutenua (OMS 2009) Aleacutem das dificuldades de anaacutelise e discussatildeo dos
resultados do trabalho a avaliaccedilatildeo do checklist eacute dificultada pelo acesso restrito aos dados
[] eu natildeo tenho acesso E eacute de enfermeiro para enfermeiro Eles fazem uma relaccedilatildeo
todo mecircs e mandam para a diretoria (Ei14)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 184
Conforme jaacute discutido eacute necessaacuterio ampliar a participaccedilatildeo dos profissionais no uso do
checklist fazendo dele uma estrateacutegia de melhoria da qualidade Assim deve-se repensar o
acesso ao sistema informatizado onde fica disponibilizado o checklist no prontuaacuterio
eletrocircnico natildeo desprezando a fidedignidade dos dados e a confidencialidade dos pacientes
mas possibilitando informaccedilotildees para todo o corpo funcional
Por fim a uacuteltima melhoria deste trabalho sobre o uso do checklist na instituiccedilatildeo sem
pretensatildeo de apontar todas as melhorias necessaacuterias eacute a de se envolver a lideranccedila nessas
discussotildees iniciando assim um processo de mudanccedila da cultura organizacional
Estamos agora com uma estrateacutegia de envolver a diretoria no processo de discussatildeo
da seguranccedila levar para eles os casos mais graves de eventos adversos (Ei23)
A importacircncia do envolvimento da lideranccedila jaacute foi amplamente discutida neste
trabalho Ressalta-se que apesar do apoio inicial da lideranccedila para a introduccedilatildeo do checklist
no hospital em estudo esse apoio natildeo foi suficiente para ultrapassar os imprevistos as
incertezas Apesar de haver uma perenidade jaacute satildeo cinco anos de utilizaccedilatildeo do checklist na
instituiccedilatildeo haacute pouca adesatildeo e eacute aplicado de forma incipiente Assim percebe-se que eacute
imprescindiacutevel o envolvimento da lideranccedila de forma contiacutenua e sistemaacutetica desde a
implantaccedilatildeo ateacute a execuccedilatildeo no dia a dia de trabalho
Aleacutem das mudanccedilas especiacuteficas do uso do quadro de time out e checklist foco desta
subcategoria outras mudanccedilas foram mencionadas para melhoria da qualidade e seguranccedila da
assistecircncia ciruacutergica no hospital Algumas delas foram planejamento das cirurgias
implantaccedilatildeo do consentimento livre e esclarecido sistema de informaccedilatildeo do CC kits
disponiacuteveis nas salas operatoacuterias mais completos para agilizar as cirurgias escala completa de
profissionais principalmente anestesistas reduccedilatildeo do fluxo de pessoas dentro de sala
operatoacuteria sugerindo um vidro unidirecional para visualizaccedilatildeo de residentes e acadecircmicos
divulgaccedilatildeo de trabalhos pouco conhecidos no hospital como a proacutepria lista de verificaccedilatildeo de
cirurgia segura e o ambulatoacuterio de controle de anticoagulaccedilatildeo pelo modelo de calibraccedilatildeo RNI
(Razatildeo de Normatizaccedilatildeo Internacional) Enfim sem uma cultura desenvolvida e madura para
as questotildees da seguranccedila com comunicaccedilatildeo e conexatildeo entre os diversos atores as
intervenccedilotildees podem ocorrer na instituiccedilatildeo mas seratildeo de forma superficial meramente para
cumprir uma normatizaccedilatildeo dando uma falsa ideia de seguranccedila
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 185
Reflexotildees finais
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 186
5 REFLEXOtildeES FINAIS
O drama de qualquer escrita reside na tensatildeo entre seu inacabamento e a necessidade
de se colocar um ponto final ou seja a obra acabada e a uacuteltima interpretaccedilatildeo
possiacutevel (MORIN CIURANA MOTTA 2003 p 39)
Tendo plena consciecircncia do inacabaacutevel conhecimento sobre a seguranccedila na assistecircncia
ciruacutergica uma vez que essa eacute complexa e natildeo pode ser simplificada por envolver a conexatildeo
entre os atores humanos e tambeacutem desses com os atores natildeo humanos e que no cotidiano da
rede intra-hospitalar emergem incertezas e imprevistos que natildeo se pode erradicar totalmente eacute
que se pretende tecer as uacuteltimas reflexotildees desta tese sem a pretensatildeo de ser conclusiva
A concepccedilatildeo primaacuteria foi de se analisar a utilizaccedilatildeo do checklist de cirurgia segura
mas a estrateacutegia foi modificada durante o percurso e o objetivo ampliado para analisar a
seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na visatildeo de profissionais que atuam direta e indiretamente
no ato anesteacutesico-ciruacutergico Considera-se que o objetivo foi alcanccedilado sendo possiacutevel
perceber similaridades e diferenccedilas entre a perspectiva da assistecircncia ciruacutergica segura tanto
entre os dois grupos de profissionais (os atuam direta e os que atuam indiretamente em sala
operatoacuteria) quanto entre os profissionais do mesmo grupo
Ambos os grupos consideram que a seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica eacute um requisito
importante em todo perioperatoacuterio poreacutem a desconhecem na praacutetica e por isso natildeo
contribuem o quanto poderiam para o trabalho da fase subsequente Falta visatildeo sistecircmica e
integraccedilatildeo dos profissionais que atuam de forma direta ou natildeo para o ato ciruacutergico Pelo
conjunto dos depoimentos a seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica eacute um fenocircmeno
multidimensional
Emergiram quatro dimensotildees miacutenimas para a seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica
condiccedilatildeo estrutural processos de trabalho caracteriacutesticas do paciente e atitudes profissionais
Essas satildeo inter e co-dependentes e envolvem atores humanos e natildeo humanos As relaccedilotildees
subjetivas da praacutetica autocircnoma dos profissionais interferem na necessaacuteria intersetorialidade
para o funcionamento da rede intra-hospitalar e gera discrepacircncia entre a existecircncia do
trabalho conjunto no plano formal (padronizado normatizado instituiacutedo) e um contato
setorializadoindividualizado por meio das relaccedilotildees pessoais
Os profissionais dos dois grupos revelaram que o CC eacute um lugar desejado e valorizado
pelos profissionais que atuam direto e indiretamente no ato anesteacutesico-ciruacutergico Este setor foi
considerado complexo pela caracteriacutestica da atividade do arsenal tecnoloacutegico envolvido da
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 187
iacutenfima relaccedilatildeo vida e morte que permeia o cotidiano da sala operatoacuteria e pela demanda natildeo
programada que envolve imprevisto e incerteza Sendo por isso requerido dos profissionais
competecircncias teacutecnica e agilidade para utilizar o tempo a favor da vida dos pacientes e a
disponibilidade e a sofisticaccedilatildeo de atores natildeo humanos
A rede intra-hospitalar conforma-se com o entrecruzamento da ordem e da desordem
que promove a interaccedilatildeo entre os atores humanos e natildeo humanos para a organizaccedilatildeo da
assistecircncia ciruacutergica A falta de interaccedilatildeo dos diversos atores nas fases do perioperatoacuterio por
vezes e principalmente nos atendimentos de urgecircncia e emergecircncia gera conflitos dilemas e
sofrimento dos profissionais com implicaccedilotildees para a seguranccedila da assistecircncia ao paciente
ciruacutergico
As situaccedilotildees ciruacutergicas de urgecircncia e principalmente as de emergecircncias foram
consideradas de maior inseguranccedila Convivem e mistura-se uma suposta disciplina de
movimentos ldquoensaiadosrdquo por saberes especiacuteficos em um tempo preciso e oportuno para cada
procedimento agraves imagens ldquoencantadorasrdquo e ldquoinusitadasrdquo que chegam para atendimento e agrave
falta de articulaccedilatildeo entre os setores da rede intra-hospitalar levando a riscos ao paciente e
profissionais
Os depoimentos sobre os incidentes ocorridos no hospital e a vivecircncia dos
profissionais nestas situaccedilotildees mostraram sofrimento em um cenaacuterio ainda com uma cultura
punitiva Os exemplos praacuteticos relatados mostram que pequenas intervenccedilotildees violaccedilotildees que
se faz como se fora uma exceccedilatildeo repercute no desfecho final do atendimento ao paciente Ou
seja as accedilotildees de cada profissional da rede inter-hospitalar estatildeo intimamente interconectadas
tanto que mesmo as pequenas accedilotildees sejam dos que atuam diretamente sejam dos que atuam
indiretamente no ato ciruacutergico podem gerar um efeito com impacto na seguranccedila do paciente
com incidentes por vezes com danos irreversiacuteveis
O hospital possui accedilotildees para monitorar esses incidentes mas de forma geral precisam
de maior robustez para superar as limitaccedilotildees do sistema de notificaccedilotildees principalmente no
que diz respeito ao feedback para os profissionais que relatam alguns incidentes Aleacutem disso
as accedilotildees devem ser mais bem discutidas e metodicamente ampliadas e divulgadas para o
conjunto de profissionais uma vez que natildeo tecircm sido evidentes para todos os participantes
O preenchimento do checklist no hospital se mostrou como um processo mecacircnico e
meramente burocraacutetico que como tal natildeo tem conseguido ser barreira para os incidentes
Embora se tenha um profissional responsaacutevel para preencher o instrumento essa estrateacutegia
natildeo garantiu o preenchimento em todas as cirurgias Dessa forma viu-se que apenas a
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 188
inserccedilatildeo da ferramenta natildeo assegura a qualidade das praacuteticas eacute necessaacuterio considerar o
contexto complexo de uma sala operatoacuteria na qual haacute uma equipe multidisciplinar com
saberes e interesses diferenciados aleacutem de muacuteltiplas situaccedilotildees com o paciente que concorrem
para a efetiva aplicaccedilatildeo do checklist Aleacutem disso eacute preciso desmistificar a obsessatildeo pela
simplicidade do uso do checklist pois isso pode interferir na efetividade de sua implantaccedilatildeo e
utilizaccedilatildeo na praacutetica O modo como se utiliza o checklist de cirurgia segura tem
comprometido a legitimidade dada pelos profissionais que atuam diretamente em sala
operatoacuteria e muitos dos profissionais que atuam indiretamente natildeo conhecem como eacute este uso
Enfim a forma de tratar os erros a percepccedilatildeo de risco diminuiacuteda pelos profissionais e
a falta de reconhecimento da falibilidade humana mostra uma cultura de seguranccedila ainda em
desenvolvimento Sem uma cultura institucional desenvolvida e madura para as questotildees da
seguranccedila com comunicaccedilatildeo e conexatildeo entre os diversos atores as intervenccedilotildees podem
ocorrer mas seratildeo de forma superficial meramente para cumprir uma normatizaccedilatildeo dando
uma falsa ideia de seguranccedila Tem-se que investir na construccedilatildeo de uma cultura de seguranccedila
organizacional com base em planejamento sistemaacutetico dos processos de trabalho de acordo
com os riscos e as necessidades especiacuteficas das partes (cada setor) sem comprometer o todo
(a rede intra-hospitalar) estrateacutegias para execuccedilatildeo de accedilotildees de melhoria e avaliaccedilatildeo da
assistecircncia realizada buscando ter resiliecircncia ou seja que continuamente previna detecte
mitigue e diminua os incidentes
As limitaccedilotildees desta pesquisa se inserem agrave inerente limitaccedilatildeo da observaccedilatildeo do cenaacuterio
que eacute o chamado efeito hawthorne o qual o profissional ao ser observado modifica o seu
comportamento podendo interferir nos resultados No iniacutecio da coleta de dados houve uma
estranheza em relaccedilatildeo agrave presenccedila da pesquisadora e agrave acadecircmica que a acompanhou No
entanto apoacutes alguns dias os profissionais jaacute as tinham incorporado em seu cotidiano e
deixaram de ser estranhas diminuindo assim o efeito hawthorne Outra limitaccedilatildeo reside no
fato da pesquisa ter sido realizada em um uacutenico hospital natildeo podendo ser generalizaacutevel Para
suprir esta limitaccedilatildeo apresenta-se como sugestatildeo a realizaccedilatildeo de pesquisas que focalizem
maior nuacutemero de hospitais com outros perfis e tambeacutem que busquem analisar com mais
profundidade o impacto da cultura organizacional para a seguranccedila ciruacutergica
Almeja-se que este estudo proporcione informaccedilotildees que estimulem discussotildees e
reflexotildees sobre a seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio de forma mais ampla e a
importacircncia da conexatildeo entre atores humanos e natildeo humanos para a promoccedilatildeo da cirurgia
segura
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 189
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Glossaacuterio
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 209
GLOSSAacuteRIO
Ato anesteacutesico-ciruacutergico accedilotildees desenvolvidas para realizar no paciente a sedaccedilatildeo
(anestesia) abertura ato principal e fechamento (cirurgia) com finalidades esteacuteticas curativas
ou paliativas (CARVALHO BIANCHI 2007)
Circunstacircncia notificaacutevel situaccedilatildeo com grande capacidade de causar dano ao paciente mas
que natildeo produziu nenhum incidente (WHO 2009)
Cirurgia origem grega significa trabalho manual isto eacute o exerciacutecio ou praacutetica de uma
ocupaccedilatildeo (LOacutePEZ LA CRUZ 2002)
Cuidado de sauacutede serviccedilos recebidos por indiviacuteduos ou comunidades para promover
manter monitorar ou restaurar a sauacutede Pela ICPS esse termo tambeacutem inclui o auto-cuidado
(OMS 2009)
Fatores contribuintes circunstacircncias accedilotildees ou influecircncias que tem um papel na origem ou
no desenvolvimento de um incidente ou no aumento do risco de incidente Eles podem ser
externos organizacionais estarem relacionados ao staff ou a um fator individual do paciente
(OMS 2009)
Incidente com dano ou evento adverso situaccedilatildeo que causou dano ao paciente (WHO
2009)
Incidente sem danos evento que atingiu o paciente mas natildeo causou dano discerniacutevel
(WHO 2009)
Near miss incidente que natildeo atingiu o paciente (WHO 2009)
Paciente pessoa que recebe cuidado de sauacutede Pela ICPS se usa o termo paciente no lugar
dos termos consumidores ou clientes pois eacute mais abrangente (OMS 2009)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 210
Perigo circunstacircncia um agente ou uma accedilatildeo com potencial para provocar danos (WHO
2009)
Risco probabilidade de ocorrecircncia de um incidente probabilidade de um indiviacuteduo sofrer
algum dano em razatildeo da exposiccedilatildeo a um perigo (WHO 2009)
Sala de operaccedilotildees ou sala de cirurgia ou sala operatoacuteria local de acesso restrito onde o
paciente eacute submetido ao procedimento anesteacutesico-ciruacutergico com caracteriacutesticas determinadas
na legislaccedilatildeo quanto agrave construccedilatildeo e ao acabamento (CARVALHO BIANCHI 2007)
Seguranccedila do paciente reduccedilatildeo a um miacutenimo aceitaacutevel do risco de dano desnecessaacuterio
associado ao cuidado de sauacutede (OMS 2009)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 211
Apecircndices
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 212
APEcircNDICE I
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Convidamos vocecirc a participar da pesquisa intitulada ldquoCIRURGIA SEGURA perspectivas da equipe
multiprofissional de hospitais puacuteblicosrdquo desenvolvida pela doutoranda Helen Cristiny Teodoro Couto Ribeiro
sob orientaccedilatildeo da Professora Doutora Mariacutelia Alves da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG) A referida pesquisa objetiva compreender a cirurgia segura na perspectiva de
profissionais que atuam direta e indiretamente na assistecircncia ciruacutergica em hospitais puacuteblicos de Belo Horizonte
Trata-se de estudo qualitativo e a coleta de dados seraacute realizada por meio de entrevista e observaccedilatildeo Assim
vocecirc responderaacute perguntas sobre a assistecircncia ciruacutergica realizada no hospital e sua colaboraccedilatildeo neste processo
seja atuando direta ou indiretamente no bloco ciruacutergico Se concordar vocecirc participaraacute de uma entrevista com
uso de roteiro semiestruturado e figuras (buscadas na internet) sobre a assistecircncia ciruacutergica suas respostas seratildeo
gravadas posteriormente ouvidas e transcritas para ser o mais fidedigno a elas e estaraacute disponiacutevel para vocecirc
ouvir se assim o desejar
As observaccedilotildees seratildeo voltadas para o cotidiano do trabalho dos profissionais e ocorreratildeo desde a entrada do
paciente ciruacutergico ateacute a sua alta hospitalar perpassando principalmente pelo procedimento ciruacutergico se vocecirc
permitir Aleacutem disso seratildeo observadas reuniotildees da equipe pretendendo-se no miacutenimo observar uma reuniatildeo da
enfermagem e outra dos cirurgiotildees eou anestesistas Estas observaccedilotildees seratildeo registradas no diaacuterio de campo que
vocecirc poderaacute ler depois para autorizar sua utilizaccedilatildeo ou natildeo
Sua participaccedilatildeo eacute voluntaacuteria e os riscos satildeo miacutenimos poreacutem caso se sinta constrangido em dar alguma resposta
vocecirc estaraacute livre para natildeo responder Afirmamos que seraacute garantido o seu anonimato as entrevistas seratildeo
identificadas apenas pela letra ldquoErdquo enumerada de acordo com a realizaccedilatildeo natildeo identificando portanto o seu
nome Firmamos o compromisso que as declaraccedilotildees seratildeo utilizadas apenas para fins desta pesquisa e veiacuteculos
de divulgaccedilatildeo cientiacutefica e as gravaccedilotildees e o diaacuterio de campo ficaratildeo sob nossa responsabilidade por um periacuteodo
de 5 anos sendo posteriormente totalmente destruiacutedos
Esperamos que este estudo contribua para reflexatildeo da cirurgia segura sobre a oacutetica dos profissionais que atuam
diretamente na assistecircncia perioperatoacuteria e indiretamente no suporte para o ato ciruacutergico e como essa visatildeo a
partir de suas subjetividades ideologias e praacuteticas influenciam nas estrateacutegias de mudanccedila dos processos de
trabalho para uma assistecircncia ciruacutergica de qualidade e segura para o paciente
Informamos que vocecirc poderaacute solicitar informaccedilotildees e fazer perguntas agraves pesquisadoras caso tenha alguma
duacutevida a qualquer momento do estudo e ainda retirar o seu consentimento sem nenhum ocircnus ou prejuiacutezo
pessoal ou relacionado ao seu trabalho Esclarecemos ainda que vocecirc natildeo teraacute nenhum gasto adicional e nenhum
benefiacutecio financeiro
Recebemos autorizaccedilatildeo da instituiccedilatildeo que vocecirc trabalha para realizar a pesquisa e o projeto foi aprovado pelo
Comitecirc de Eacutetica da UFMG Assim se vocecirc estiver de acordo e as declaraccedilotildees tiverem sido satisfatoacuterias
solicitamos assinar o presente Termo dando consentimento para a sua participaccedilatildeo no estudo supracitado
___________________________ __________________________________
Profordf Drordf Mariacutelia Alves Helen Cristiny Teodoro Couto Ribeiro
Eu _______________________________________ declaro que recebi este Termo de forma voluntaacuteria fui
esclarecido(a) sobre a finalidade da pesquisa e concordo em participar dela sabendo que meu nome natildeo seraacute
divulgado e os resultados seratildeo utilizados apenas para fins cientiacuteficos
___________________________________________________
Assinatura do profissional entrevistado
Belo Horizonte ___ de _________________________ de 2014
APEcircNDICE II
Contato com as pesquisadoras
- Prof Drordf Marilia Alves
Av Alfredo Balena 190 Sl 514 ndash Stordf Efigecircnia
CEP 30130-000 - Belo HorizonteMG
- Helen Cristiny Teodoro Couto Ribeiro
Rua Nicolina Pacheco 600101- Palmares
CEP 31155-680 - Belo HorizonteMG
Telefones 31-3582721431-84375228
E-mail helenctcoutoyahoocombr
Contato Comitecirc de Eacutetica e Pesquisa da UFMG
Av Presidente Antonio Carlos 667 -
Unidade Administrativa II ndash 2ordm Andar sala
2005 Campus Pampulha CEP 31270-901
Belo HorizonteMGTelefone 31-34094592
Email coepprpqufmgbr
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 213
APEcircNDICE II
Roteiro de Entrevista Semiestruturado
Nuacutemero da Entrevista E_________Data ______
Horaacuterio de Iniacutecio ______ Horaacuterio de Teacutermino ______ Duraccedilatildeo _________
Sexo ( ) Masculino ( ) Feminino
Idade _____ anos Estado civil _______________________
Formaccedilatildeo( ) curso teacutecnico ( ) graduaccedilatildeo Aacuterea e escola ________________
Ano eou tempo de formaccedilatildeo __________________
Niacutevel de qualificaccedilatildeo( ) especializaccedilatildeoMBA ( ) mestrado ( ) doutorado
Aacuterea eConclusatildeo _____________________________________
FunccedilatildeoCargo exercido na instituiccedilatildeo _____________________________________
Data de admissatildeo eou tempo de trabalho na instituiccedilatildeo ______________________
Forma de admissatildeo ________________________________________________
Local de atuaccedilatildeo na instituiccedilatildeo _________________ Haacute quanto tempo _________
Carga horaacuteria neste hospital ___________Turno neste hospital _____________
Vinculo com outra instituiccedilatildeo _____________ Haacute quanto tempo _______
1- Como vocecirc percebe o Bloco Ciruacutergico dentro do hospital Como vocecirc pensa que os
profissionais do Bloco percebem o seu setor
2- Como eacute a relaccedilatildeoarticulaccedilatildeointegraccedilatildeo entre os diversos setores e profissionais para a
realizaccedilatildeo de uma cirurgia
3- Descreva para mim as condiccedilotildees de trabalho neste hospital para a realizaccedilatildeo de cirurgias
4- Fale-me sobre seu trabalho no hospital Como ele contribui para a realizaccedilatildeo das
cirurgias Para o Meacutedico Como eacute seu trabalho na realizaccedilatildeo das cirurgias no hospital
5- Na sua experiecircncia quando ocorre uma Cirurgia Segura e quando ocorre uma Cirurgia
Insegura
6- Fale-me sobre a implantaccedilatildeo da Cirurgia Segura neste hospital
Como estaacute sendo utilizado o checklist de cirurgia seguratime out em seu cotidiano de
trabalho
Para os que atuam indiretamente Vocecirc conhece o checklist de cirurgia seguratime out do
hospital Como foi sua implantaccedilatildeo e como estaacute sendo utilizado
7- Como eacute realizada a mensuraccedilatildeo da assistecircncia ciruacutergica
8- Fale-me de uma situaccedilatildeo em que ocorreu um erro ou evento adverso relacionado a
cirurgia em que vocecirc estava envolvido ou ficou sabendo
Qual foi a reaccedilatildeo dos colegas da coordenaccedilatildeo da unidade e da direccedilatildeo do hospital frente
ao evento
Essa situaccedilatildeo foi notificada eou discutida com a equipe
9- Vocecirc gostaria de acrescentar mais alguma coisa
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 214
APENDICE III
Tabela 1 Adesatildeo ao checklist de cirurgia segura por ano de aplicabilidade Belo
Horizonte ndash MG (2010 a 2015)
Ano de
uso
Cirurgias
realizadas (n)
Checklist
aplicados (n)
Adesatildeo
()
Todos os
dias
2ordf a 6ordf feira
07 agraves 16h
Todos os
dias
2ordf a 6ordf feira
07 agraves 16h
Todos os
dias
2ordf a 6ordf feira
07 agraves 16h
1deg 4798 2657 3076 2014 641 758
2deg 5363 3062 2898 1585 540 518
3deg 5116 3093 2944 1532 575 495
4deg 4957 2845 2890 1451 583 510
5ordm 4187 2609 2480 1566 578 600
Total 24421 14266 14288 8148 583 571
Fonte Ribeiro et al (mimeo)
Nota dias e horaacuterio haacute um profissional responsaacutevel pelo preenchimento do checklist de cirurgia segura
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 215
Anexos
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 216
ANEXO I
Parecer Consubstanciado do CEP
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 217
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 218
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 219
ANEXO II
Checklist utilizado no hospital em estudo
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 220
ANEXO III
Quadro de Time Out
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 221
ANEXO IV
Lista de Verificaccedilatildeo de Seguranccedila Ciruacutergica (checklist)
Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na perspectiva de profissionais a integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 20
HELEN CRISTINY TEODORO COUTO RIBEIRO
Tese apresentada ao Curso de Doutorado da Escola de
Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais
como requisito parcial agrave obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Doutora
em Enfermagem
Aacuterea de concentraccedilatildeo Enfermagem e Sauacutede
Linha de Pesquisa Organizaccedilatildeo e Gestatildeo de Serviccedilos
de Sauacutede e de Enfermagem
Orientadora Profordf Drordf Mariacutelia Alves
Belo Horizonte ndash MG
Escola de Enfermagem ndash UFMG
2016
SEGURANCcedilA DA ASSISTEcircNCIA NO PERIOPERATOacuteRIO
integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar
x
Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na perspectiva de profissionais a integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 21
FFi
x
x
Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na perspectiva de profissionais a integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 22
Este trabalho eacute vinculado ao Nuacutecleo de
Pesquisa sobre Administraccedilatildeo em Enfermagem
(NUPAE) da Escola de Enfermagem da
Universidade Federal de Minas Gerais
x
x
Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na perspectiva de profissionais a integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 23
x
Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na perspectiva de profissionais a integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 24
x
Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na perspectiva de profissionais a integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 25
O poder da oraccedilatildeo eacute como um efeito borboleta vocecirc ora aqui e o mar vermelho se abre tambeacutem para outras pessoas laacute (Helen Ribeiro)
Teus oacute Senhor satildeo a grandeza o poder a gloacuteria a majestade e o esplendor pois tudo o que haacute nos ceacuteus e na terra eacute teu Teu oacute Senhor eacute o reino tu estaacutes acima de tudo A riqueza e a honra vecircm de ti tu dominas sobre todas as coisas Nas tuas matildeos estatildeo a forccedila e o poder para exaltar e dar forccedila a todos Agora nosso Deus damos-te graccedilas e louvamos o teu glorioso nome (I Crocircnicas 29 11-13)
x x
Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na perspectiva de profissionais a integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 26
A minha heranccedila do Senhor ANA BEATRIZ
que desde meados deste projeto
te gestar te ver nascer sorrir e cuidar de vocecirc
tem-me revelado mais da Graccedila de DEUS
e trouxe grande alegria para meu viver
As DEMAIS HERANCcedilAS que o Senhor
concederaacute a mim e ao meu amado Bruno
ainda natildeo os conhecemos
mas jaacute agradecemos a DEUS
pela nossa famiacutelia
Dedicatoacuteria
Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na perspectiva de profissionais a integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 27
A JESUS filho do DEUS Altiacutessimo por ter me dado a resposta para o Alfa deste desafio o
sustento em cada etapa e me trazido para o Ocircmega Tua fidelidade me constrange
Ao meu eterno namorado meu motivador pessoal homem valoroso Bruno
pelo incentivo constante por me amar tanto e ter sido o Escolhido de DEUS para um projeto
maior construccedilatildeo de uma linda famiacutelia Amo-te cada vez mais
A minha matildeezinha Cida que tanto amo por abdicar da sua casa e emprego para nos ajudar
no cuidado da nossa princesa e da nossa casa possibilitando-me ausentar
para executar esta tese com tranquilidade imensuraacutevel
A minha princesa linda Ana Beatriz
sua alegria contagiante seu charme te ouvir me chamar de ldquomamatildeaaeeerdquo
ganhar seus muitos beijinhos me motivaram a cada dia da construccedilatildeo desta tese
Agrave Profordf Drordf Mariacutelia que aleacutem de orientar este trabalho com esmero tambeacutem apoiou com
todo carinho e se alegrou conosco com o projeto Ana Beatriz
A minha amiga irmatilde confidente conselheira Sandra pelas oraccedilotildees constantes sempre com
uma palavra que me consolou e me fortaleceu em cada um dos momentos difiacuteceis desta tese
Alegrou-se com minhas vitoacuterias Amo vocecirc e sua famiacutelia linda
Aos meus amigos e irmatildeos Gegecirc e Edy pelo companheirismo e amor amigos de toda hora
A disponibilidade do coraccedilatildeo de vocecircs para nos ajudar eacute indescritiacutevel Amo vocecircs
Aos amigos do meu coraccedilatildeo Karine e Leo Naiara e Emerson Jhonatan Alexandra e
Alexandre Aline e Alessandro Dani e Alexandre Raquel Ruacutebia e famiacutelia por torcerem e
orarem por mim
A minha sobrinha Maria Luiza e aos meus sobrinhos do coraccedilatildeo Rafael Davi Bianca Alice
Andreacute e agrave mascotinha princesa Ana Teresa pelos sorrisos que alegram os meus dias
Agradecimentos
Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na perspectiva de profissionais a integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 28
Aos meus familiares de Divinoacutepolis ressalto a presenccedila constante dos tios Faacutetima Osvaldo e
priirmatilde Aliny aos de Belo Horizonte principalmente meus sogros amados Lena e Gilto pelo
apoio de Ipatinga ressalto o amor de cada um dos meus tios do coraccedilatildeo e de Sete Lagoas
por compreenderem minha necessaacuteria ausecircncia agora estaremos mais juntos
Aos colegas da poacutes-graduaccedilatildeo da Escola de Enfermagem e de Administraccedilatildeo da UFMG
Aos colegas e pesquisadores do NUPAE pelo aprendizado ressalto agraves queridas Elana Dani
Bruna Liacutevia Meiry Andreia e Bia Destaco o apoio e oraccedilotildees da Kellen e a ajuda da Ana
Caroline Bredes companheira especial neste percurso
Aos funcionaacuterios do Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo principalmente a Lucilene pelas diversas
orientaccedilotildees e professores da Escola de Enfermagem da UFMG principalmente agraves queridas
Profordf Maria Joseacute e Profordf Kecircnia exemplos que levarei para sempre
Agraves colegas da Secretaria de Estado de Sauacutede de Minas Gerais Soraya Eliane Claacuteudia
Simone Walkiacuteria Camila Dri Fernando Lu Conceiccedilatildeo Aacutegda Nayara
Aos colegas da UFSJ ressalto a torcida pela nomeaccedilatildeo dos professores Juliano Alexandre
Valeacuteria Eliete Heloiacuteza Virginia A acolhida do Profdeg Eduardo Profordf Patriacutecia Isabel e
professores do Grupo Sauacutede do Adulto e Idoso principalmente a ajuda das professoras
Tatiane Luciana Liliane e Aline e a Profordf Letiacutecia que me recebeu com carinho em sua sala
Agrave coordenaccedilatildeo de enfermagem aos coordenadores da Linha de Cuidados Ciruacutergicos e aos
profissionais do hospital cenaacuterio deste estudo pela disponibilidade em atenderam o pedido
para participar desta pesquisa muito obrigada Ressalto a atenccedilatildeo do Og
Aos professores da banca de qualificaccedilatildeo Maria Joseacute Brito e Maacuterio Borges
e aos demais professores da banca de defesa pelas contribuiccedilotildees e aprendizado
Agraves pessoas queridas que aprendi muito sobre Seguranccedila do Paciente Lismar Helidea
Profordm Walter Mendes Profordm Victor Grabois Simone Eacuterika Andreia Acircngela e Gilberto
Agradecimentos
Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na perspectiva de profissionais a integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 29
RESUMO
RIBEIRO HCTC Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma
complexa rede intra-hospitalar 223 f Tese (Doutorado em Enfermagem) ndash Escola de
Enfermagem Universidade Federal de Minas Gerais Belo Horizonte 2016
A seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio eacute promovida tanto por meio de atores natildeo
humanos (como checklist materiais e equipamentos) quanto pela praacutetica dos diversos atores
humanos da rede intra-hospitalar Objetivou-se analisar a seguranccedila da assistecircncia no
perioperatoacuterio na visatildeo de profissionais que atuam direta e indiretamente no ato anesteacutesico-
ciruacutergico focalizando a conexatildeo dos diferentes atores da rede intra-hospitalar Trata-se de um
estudo de caso de natureza qualitativa em que participaram 32 profissionais que atuam no
centro ciruacutergico e nas unidades assistenciais e de apoio ao ato anesteacutesico-ciruacutergico A coleta
de dados foi realizada por meio de entrevistas com roteiro semiestruturado e observaccedilatildeo Os
dados foram analisados empregando-se a teacutecnica da Anaacutelise de Conteuacutedo Temaacutetica Os
resultados da pesquisa foram agrupados em trecircs categorias ldquoRede intra-hospitalar para o
perioperatoacuterio em um hospital puacuteblico referecircncia para urgecircncias e emergecircncias e de ensinordquo
ldquoSituaccedilotildees de seguranccedila e de inseguranccedila nos procedimentos ciruacutergicosrdquo e ldquoLista de
verificaccedilatildeo de seguranccedila ciruacutergica da aparente simplicidade a real complexidaderdquo Na
primeira categoria observou-se uma mistificaccedilatildeo do Centro Ciruacutergico pelos profissionais que
atuam internamente e externamente a este setor A rede intra-hospitalar foi considerada vital
poreacutem encontra-se fragmentada e a maior parte dos participantes natildeo tem uma visatildeo sistecircmica
de todas as fases do perioperatoacuterio Na segunda categoria apresentaram-se situaccedilotildees de
seguranccedila e inseguranccedila no cotidiano da assistecircncia ciruacutergica e como as pequenas accedilotildees
resultam em grandes incidentes ciruacutergicos Emergiram quatro dimensotildees miacutenimas
imprescindiacuteveis inter e co-dependentes para a seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica condiccedilatildeo
estrutural processos de trabalho caracteriacutesticas do paciente e atitudes profissionais As
cirurgias de urgecircncia e emergecircncia foram consideradas os procedimentos mais inseguros
devido ao fato da demanda ser imprevisiacutevel e por exigir tomada de decisatildeo e accedilotildees raacutepidas
Observou-se uma cultura ainda natildeo solidificada para tratar os erros e incidentes O
preenchimento do checklist no hospital estudado se mostrou como um processo mecacircnico que
como tal natildeo tem conseguido ser barreira para os incidentes Foi implantado por um pequeno
grupo de profissionais natildeo sendo amplamente divulgado e natildeo houve sensibilizaccedilatildeo para o
envolvimento e a adesatildeo ao checklist O preenchimento de forma coletiva e a sua valorizaccedilatildeo
pelos profissionais que atuam direta e indiretamente em sala operatoacuteria eacute um desafio Para
tanto dentre outras accedilotildees deve-se formular e executar estrateacutegias de envolvimento de um
nuacutemero maior de profissionais da rede intra-hospitalar considerar a aplicaccedilatildeo do checklist em
um contexto complexo que eacute a sala operatoacuteria e desmistificar a simplicidade do uso do
checklist uma vez que isso interfere na efetividade de sua utilizaccedilatildeo
Descritores Seguranccedila do Paciente Qualidade da Assistecircncia agrave Sauacutede Centro Ciruacutergico
Hospitalar Lista de Checagem
Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na perspectiva de profissionais a integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 30
ABSTRACT
RIBEIROH C T C Safety of perioperative care integration of a complex intra-hospital
network 223 f Thesis (Doctorate in Nursing) - Nursing School Federal University of Minas
Gerais Belo Horizonte 2016
The safety of perioperative care is promoted both by non-human factors (such as checklist
materials and equipment) and the practice of various human actors in-hospital network This
study aimed to analyze the safety of perioperative care in the view of professionals who work
directly and indirectly in the anesthetic-surgical procedure focusing on the connection of the
different actors of intra-network hospital This is a case of qualitative study involving 32
professionals working in the operating room and in medical clinics or supporting the
anesthetic-surgical act Data collection was conducted through interviews with semi-
structured script and observation Data were analyzed using the technique of Thematic
Content Analysis The results of the research were grouped into three categories intra-
hospital network for the surgery in a public reference hospital for emergency care and
education Security Situations and insecurity in surgical procedures and Surgical safety
checklist the apparent simplicity of the real complexity In the first category there was a
mystification of the Surgical Center by professionals working internally and externally to this
sector In-hospital network was considered vital but is fragmented and most of the
participants do not have a systemic view of all phases of the perioperative period In the
second category presented to security and insecurity situations in everyday surgical care and
how small actions result in major surgical incidents Emerged four minimum dimensions
indispensable inter and co-dependent for the safety of surgical care structural condition
work processes patient characteristics and professional attitudes Urgent and emergency
surgeries were considered the most unsafe procedures due to the fact that demand is
unpredictable and require decision making and quick actions It was observed a culture still
unsolidified to handle errors and accidents The completion of the checklist in the studied
hospital showed as a mechanical process which as such has not been able to be barrier to the
incidents Was established by a small group of professionals not being widely reported and
there was no awareness of the involvement and adherence to the checklist Filling collectively
and their valuation by professionals who work directly and indirectly in the operating room is
a challenge To this end among other actions should develop and implement engagement
strategies for a greater number of professionals in-hospital network consider the complex
environment of an operating room and demystify the simplicity of use of the checklist once
that interfere in the effectiveness of its use
Keywords Patient Safety Quality of Health Care Surgical Center Hospital Check list
Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na perspectiva de profissionais a integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 31
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Representaccedilatildeo da assistecircncia ciruacutergica segura 37
Figura 2 - Tetragrama ordemdesordemintegraccedilatildeoorganizaccedilatildeo 70
Figura 3 - Tetragrama ligaccedilatildeointeraccedilatildeo entre os setores 70
Figura 4 - Tetragrama dos processos de trabalho para realizaccedilatildeo da cirurgia 71
Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na perspectiva de profissionais a integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 32
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Etapas da aplicaccedilatildeo do checklist de cirurgia segura da Organizaccedilatildeo Mundial de
Sauacutede (OMS)
32
Quadro 2
- Criteacuterios para escolha dos cenaacuterios de pesquisa Belo Horizonte 2011 44
Quaro 3
- Distribuiccedilatildeo dos leitos do hospital cenaacuterio de estudo (2015)
45
Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na perspectiva de profissionais a integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 33
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ANVISA Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria
APS Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede
ATLS Advanced Trauma Life Support
CC Centro Ciruacutergico
CCIH Comissatildeo de Controle de Infecccedilatildeo Hospitalar
CLT Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho
CME Central de Material de Esterilizaccedilatildeo
CNES Cadastro Nacional de Estabelecimento de Sauacutede
CNS Conselho Nacional de Sauacutede
COFEN Conselho Federal de Enfermagem
COREN-MG Conselho Regional de Enfermagem de Minas Gerais
CTI Centro de Terapia Intensiva
DO-ONA Diagnoacutestico Organizacional
EA Eventos Adversos
ENAEEUFMG Departamento de Enfermagem Aplicada da Escola de Enfermagem da
Universidade Federal de Minas Gerais
EPI Equipamentos de Proteccedilatildeo Individual
FHEMIG Fundaccedilatildeo Hospitalar do estado de Minas Gerais
FIOCRUZ Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz
FUNDEP Fundaccedilatildeo de Desenvolvimento da Pesquisa
GT-SEPAE Grupo de Trabalho sobre Seguranccedila do Paciente na Assistecircncia de
Enfermagem
HJXXIII FHEMIG Hospital Joatildeo XXIII da Fundaccedilatildeo Hospitalar do Estado de Minas Gerais
IACONA Instituiccedilatildeo Acreditadora Credenciada pela ONA
IAM Infarto Agudo do Miocaacuterdio
ICPS International Classification for Patient Safety
ISC Infecccedilatildeo de Siacutetio Ciruacutergico
IAK Iacutendice de Aldrete e Kroulik
JCAHO Joint Commission on Accreditation of Healthcare Organizations
JCI Joint Commission International
LVSC Lista de Verificaccedilatildeo de Seguranccedila Ciruacutergica
Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na perspectiva de profissionais a integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 34
NEPE Nuacutecleo de Ensino Pesquisa e Extensatildeo
NGQ Nuacutecleo de Gestatildeo da Qualidade
OMS Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede
ONA Organizaccedilatildeo Nacional de Acreditaccedilatildeo
PAF Perfuraccedilatildeo por Arma de Fogo
PNSP Programa Nacional de Seguranccedila do Paciente
PRO-HOSP Programa de Fortalecimento e Melhoria da Qualidade dos Hospitais do
Sistema Uacutenico de Sauacutede de Minas Gerais
QI Quality Improvement
RI Residente Iniciante
RNI Razatildeo de Normatizaccedilatildeo Internacional
SAE Sistematizaccedilatildeo da Assistecircncia de Enfermagem
SAEP Sistematizaccedilatildeo da Assistecircncia de Enfermagem Perioperatoacuteria
SAMU Serviccedilo de Atendimento Moacutevel de Urgecircncia
SBA Sistema Brasileiro de Acreditaccedilatildeo
SBAR Situaccedilatildeo Background Avaliaccedilatildeo Recomendaccedilatildeo
SES-MG Secretaria de Estado de Sauacutede de Minas Gerais
SIHSUS Sistema de Informaccedilotildees Hospitalares do SUS
SO Sala Operatoacuteria
SRPA Sala de Recuperaccedilatildeo Poacutes-anesteacutesica
SUS Sistema Uacutenico de Sauacutede
TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UFMG Universidade Federal de Minas Gerais
WHO Word Health Organization
Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na perspectiva de profissionais a integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 35
SUMAacuteRIO
OS PRIMEIROS TRILHOS PERCORRIDOS ATEacute O DESAFIO DESTA
TESE
18
1 PROBLEMAacuteTICA DO ESTUDO CONTEXTUALIZANDO O
DESAFIO PROPOSTO
23
2 ASSISTEcircNCIA CIRUacuteRGICA SUBSIacuteDIOS TEOacuteRICOS PARA ESTE
DESAFIO
28
21 Incidentes na assistecircncia ciruacutergica 28
22 Seguranccedila do paciente breve histoacuterico com foco na aacuterea ciruacutergica
30
23 Checklist de cirurgia segura resultados positivos e limitaccedilotildees
32
24 Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica hospitalar ampliando o olhar
35
3 CAMINHO PERCORRIDO
40
31 Tipo de estudo
40
32 Cenaacuterio do estudo
43
33 Participantes do estudo
45
34 Coleta de dados
47
35 Anaacutelise dos dados
49
36 Aspectos eacuteticos da pesquisa
51
4 APRESENTACcedilAtildeO E DISCUSSAtildeO DOS ACHADOS
53
41 Rede intra-hospitalar para o perioperatoacuterio em um hospital puacuteblico referecircncia
para urgecircncias e emergecircncias e de ensino
53
411 Centro ciruacutergico de um hospital referecircncia para urgecircncias e emergecircncias que
lugar eacute esse
54
412 Rede intra-hospitalar conexotildees para a seguranccedila
ciruacutergica
66
413 Perioperatoacuterio entrelaccedilamento das trecircs fases para a cirurgia segura
78
42 Situaccedilotildees de seguranccedila e de inseguranccedila nos procedimentos ciruacutergicos 93
421 Cirurgia segura e cirurgia insegura imbricaccedilotildees de atores humanos e natildeo
humanos
94
Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na perspectiva de profissionais a integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 36
422 Onda vermelha situaccedilatildeo de caos que salva vidas
115
423 Efeito borboleta pequenas accedilotildees podem resultar em grandes incidentes na
assistecircncia ciruacutergica 131
424
43
431
432
5
Abordagem institucional frente aos incidentes efeitos da cultura
organizacional
Lista de verificaccedilatildeo de seguranccedila ciruacutergica da aparente simplicidade a real
complexidade
Lista de verificaccedilatildeo de seguranccedila ciruacutergica da implantaccedilatildeo aos dias atuais
Melhorias no uso do checklist de cirurgia segura
REFLEXOtildeES FINAIS
139
156
157
174
186
REFEREcircNCIAS
190
GLOSSAacuteRIO
209
APEcircNDICES
ANEXOS
212
216
Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na perspectiva de profissionais a integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 37
Apresentaccedilatildeo
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 18
OS PRIMEIROS TRILHOS PERCORRIDOS ATEacute O DESAFIO DESTA TESE
A ciecircncia eacute e continua a ser uma aventura A ciecircncia natildeo estaacute unicamente na
capitalizaccedilatildeo das verdades adquiridas na verificaccedilatildeo das teorias conhecidas mas no
caraacuteter aberto da aventura que permite melhor dizendo que hoje exige a
contestaccedilatildeo das suas proacuteprias estruturas de pensamento (MORIN 2005)
Os trilhos que me conduziram ao desafio de estudar a temaacutetica ldquoQualidade e
Seguranccedila do Pacienterdquo e de realizar essa tese foram se delineando no decorrer da praacutetica
profissional As inquietaccedilotildees vieram da praacutetica assistencial em um hospital universitaacuterio e das
discussotildees e elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede na Secretaria de Estado de Sauacutede de
Minas Gerais (SES-MG)
Na assistecircncia como enfermeira de pediatria e maternidade de um hospital
universitaacuterio vivenciei vaacuterios incidentes que causaram danos aos pacientes inclusive o oacutebito
Essas vivecircncias foram permeadas algumas vezes por silecircncio e em outras por ruiacutedos nos
corredores da instituiccedilatildeo Havia uma mescla de sentimentos como raiva do residente mesmo
consciente de seu processo de aperfeiccediloando do preceptor por natildeo ter conseguido intervir no
incidente aleacutem de compaixatildeo pelos pacientes e familiares que sofreram o dano e a sensaccedilatildeo
de impotecircncia e desvalorizaccedilatildeo profissional Muitas vezes natildeo foram considerados alguns
posicionamentos por parte da equipe de enfermagem de situaccedilotildees que predispunha a
ocorrecircncia de incidentes mostrando desarticulaccedilatildeo e fragilidades na comunicaccedilatildeo e no
trabalho em equipe
Na SES-MG o interesse pelo tema foi desencadeado por um trabalho de campo
realizado em 2006 que possibilitou constatar que natildeo havia padronizaccedilatildeo nos procedimentos
ciruacutergicos havendo variabilidade dos resultados e custo pois dependendo do cirurgiatildeo
gastava-se maior quantidade de material natildeo estando necessariamente ligada agraves necessidades
do paciente Aleacutem disso atuei no monitoramento da gestatildeo de vaacuterios hospitais do estado o
que possibilitou perceber a contradiccedilatildeo entre os discursos dos gestores e os indicadores
alcanccedilados
Neste percurso iniciei em 2007 o curso de especializaccedilatildeo em gestatildeo hospitalar
promovido pela Escola de Sauacutede Puacuteblica de Minas Gerais No curso as discussotildees com
gestores de hospitais do estado em diferentes niacuteveis hieraacuterquicos eram carregadas de
anguacutestia por natildeo terem autonomia para realizar as mudanccedilas necessaacuterias para melhorar a
qualidade institucional
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 19
Outra vivecircncia que me levou agrave temaacutetica ldquoQualidade e Seguranccedila do Pacienterdquo foi
minha atuaccedilatildeo como avaliadora liacuteder em duas ediccedilotildees do Precircmio Ceacutelio de Castro (2008 e
2009) Por meio desse Precircmio a SES-MG avaliava com base nos criteacuterios da Organizaccedilatildeo
Nacional de Acreditaccedilatildeo (ONA) o grau de incorporaccedilatildeo de praacuteticas de gestatildeo de seguranccedila
de processos e de resultados dos hospitais participantes do Programa de Fortalecimento e
Melhoria da Qualidade dos Hospitais do Sistema Uacutenico de Sauacutede de Minas Gerais (Pro-
Hosp) Durante as avaliaccedilotildees conheci cenaacuterios permeados por processos de trabalho
fragmentados levando a riscos e inseguranccedila tanto para os pacientes quanto para os
profissionais
Essa experiecircncia surgiu mediante a um convite para integrar ao receacutem-criado Nuacutecleo
de Gestatildeo da Qualidade (NGQ) em 2008 Liderado por uma empreendedora puacuteblica o Nuacutecleo
foi composto por profissionais de diversos setores da SES-MG Nessa eacutepoca eu estava
alocada na Assessoria de Gestatildeo Estrateacutegica Havia reuniotildees perioacutedicas para discutir e
planejar accedilotildees para estimular e capacitar profissionais dos hospitais do estado no que se
refere agrave melhoria contiacutenua e avaliaccedilatildeo da qualidade dos serviccedilos prestados Dado o impacto
dos resultados alcanccedilados e da necessidade de ampliar o escopo de trabalho para os demais
serviccedilos de sauacutede em 2009 o NGQ se tornou uma assessoria com servidores proacuteprios ao
qual tambeacutem fui convidada a integrar-me
Posteriormente na ocasiatildeo da saiacuteda de pessoas da gestatildeo que compreendiam a
importacircncia da temaacutetica ldquoQualidade e Seguranccedila do Pacienterdquo essa assessoria foi extinta do
organograma retornando ao status de Nuacutecleo Um processo de desvalorizaccedilatildeo da temaacutetica se
seguiu passando a natildeo ser considerada uma agenda estrateacutegica na SES Atuei como referecircncia
teacutecnica coordenando a partir de 2012 a equipe remanescente Ateacute dezembro de 2014 o NGQ
fez parte da Assessoria de Normalizaccedilatildeo dos Serviccedilos de Sauacutede e em 2015 a nova gestatildeo
estadual sinalizou a intenccedilatildeo de dar continuidade agraves accedilotildees alinhadas com o Ministeacuterio da
Sauacutede Elaborei a pedido da gestatildeo o projeto de criaccedilatildeo do Comitecirc Estadual de Seguranccedila do
Paciente com o objetivo de implantar em acircmbito estadual a prevenccedilatildeo quaternaacuteria por meio
das diretrizes do Programa Nacional de Seguranccedila do Paciente (PNSP)
A SES-MG assumiu com o Banco Mundial a meta de viabilizar ateacute 2010 a
realizaccedilatildeo de 80 diagnoacutesticos organizacionais (DO-ONA) por meio do NGQ o que foi
cumprido conforme previsto O DO-ONA consiste em uma avaliaccedilatildeo dos sistemas de
assistecircncia gestatildeo e qualidade dos serviccedilos de sauacutede por meio da aplicaccedilatildeo da metodologia
do Sistema Brasileiro de Acreditaccedilatildeo (SBA) que deve ser desenvolvido por avaliadores da
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 20
Instituiccedilatildeo Acreditadora Credenciada pela ONA (IACONA) (ONA 2010) Em 2009 foram
realizados 45 DO-ONA e tive a oportunidade de participar como observadora da avaliaccedilatildeo
em alguns hospitais A experiecircncia que obtive com as visitas para realizaccedilatildeo dos DO-ONA
aliada agrave minha vivecircncia no Precircmio Ceacutelio de Castro e meu interesse pela avaliaccedilatildeo dos
serviccedilos de sauacutede ampliaram meu olhar sobre as natildeo conformidades ocorridas em hospitais
do estado ou seja sobre aspectos que contradizem a legislaccedilatildeo vigente e os padrotildees
estabelecidos nacional e internacionalmente para boas praacuteticas nos processos de trabalho
Toda essa vivecircncia me levou a buscar o mestrado na Escola de Enfermagem da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) com o intuito de aprofundar-me nos estudos
sobre a qualidade de serviccedilos de sauacutede Iniciei assim meu percurso acadecircmico estudando as
natildeo conformidades especiacuteficas da enfermagem em 37 hospitais Pro-Hosp avaliados em 2009
Os resultados encontrados revelaram entre outros aspectos que nenhum dos hospitais possuiacutea
uma poliacutetica de gerenciamento dos riscos com foco na seguranccedila do paciente Diante disso e
das discussotildees e participaccedilatildeo em eventos aleacutem do meu inconformismo em relaccedilatildeo agrave forma
como a miacutedia os profissionais de sauacutede e a sociedade em geral lidam com os profissionais
envolvidos em incidentes desenvolvi no doutorado uma pesquisa sobre a seguranccedila do
paciente A ciecircncia da seguranccedila do paciente eacute complexa envolve muacuteltiplos atores para a sua
concepccedilatildeo e eacute uma aacuterea desafiadora para os serviccedilos a gestatildeo o judiciaacuterio a academia e a
sociedade Espero com essa pesquisa contribuir na dissipaccedilatildeo das brumas sobre a cultura de
que o profissional de sauacutede natildeo erra ou natildeo pode errar A falibilidade eacute inerente ao ser
humano natildeo sendo os profissionais da aacuterea da sauacutede uma exceccedilatildeo Assim eacute necessaacuterio
discutir e construir barreiras para prevenir e mitigar a ocorrecircncia de incidentes resultantes da
assistecircncia prestada pelos profissionais
Em 2014 atuei no Grupo de Trabalho sobre Seguranccedila do Paciente na Assistecircncia de
Enfermagem (GT-SEPAE) do Conselho Regional de Enfermagem de Minas Gerais (Coren-
MG) e na tutoria do Curso Internacional de Qualidade em Sauacutede e Seguranccedila do Paciente da
Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz (Fiocruz) duas experiecircncias que me proporcionaram grande
aprendizado
Em outubro de 2015 iniciei minha trajetoacuteria na docecircncia na Universidade Federal de
Satildeo Joatildeo Del Rei Campus Divinoacutepolis onde pretendo dar continuidade ao desafio de buscar
compreender as nuances relacionada agrave qualidade e seguranccedila da assistecircncia agrave sauacutede
contribuindo para a formaccedilatildeo de profissionais criacuteticos capazes de mudarem a atual cultura
punitiva frente aos incidentes
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 21
O presente estudo encontra-se organizado em seis capiacutetulos O primeiro se refere a
esta apresentaccedilatildeo a qual relata a trajetoacuteria acadecircmica e profissional evidenciando os motivos
que suscitaram a escolha do tema No segundo capiacutetulo a introduccedilatildeo busca contextualizar a
temaacutetica principal elaborar o problema e as questotildees norteadoras da pesquisa e descrever o
objetivo do estudo O terceiro capiacutetulo apresenta os elementos teoacutericos que sustentam a
discussatildeo conceitual dos principais assuntos correlacionados ao tema proposto por meio do
resgate da literatura acerca do paciente ciruacutergico O quarto capiacutetulo considera os aspectos
metodoloacutegicos utilizados para viabilizar e embasar a pesquisa No quinto capiacutetulo satildeo
apresentados os resultados obtidos por meio da pesquisa englobando trecircs categorias e suas
respectivas subcategorias No sexto e uacuteltimo capiacutetulo satildeo formuladas as principais reflexotildees
finais acerca do estudo
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 22
Introduccedilatildeo
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 23
1 PROBLEMAacuteTICA DO ESTUDO CONTEXTUALIZANDO O DESAFIO
PROPOSTO
Em situaccedilotildees complexas nas quais num mesmo espaccedilo e tempo natildeo haacute apenas
ordem mas tambeacutem desordem natildeo haacute apenas determinismos mas tambeacutem
imprevistos em situaccedilotildees nas quais emerge a incerteza eacute preciso atitudes
estrateacutegicas dos sujeitos (MORIN CIURANA MOTA 2003)
Inicialmente pretendia-se estudar especificamente a utilizaccedilatildeo do checklist de cirurgia
segura instituiacutedo pela Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) considerando ser este um
instrumento com evidecircncias cientiacuteficas de melhoria nas praacuteticas ciruacutergicas em acircmbito
mundial No entanto focar apenas no checklist da OMS dentro do Centro Ciruacutergico (CC) natildeo
permitiria responder algumas inquietaccedilotildees mais amplas sobre a seguranccedila da assistecircncia
ciruacutergica nas trecircs fases do perioperatoacuterio ou seja no preacute trans e poacutes-operatoacuterio abarcando as
percepccedilotildees dos profissionais sobre o cuidado prestado os incidentes ocorridos e as
oportunidades de melhoria na assistecircncia desde a entrada ateacute a alta hospitalar do paciente
Para a promoccedilatildeo da seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio eacute necessaacuterio integrar
tanto as estrateacutegias de cunho objetivo como o uso de atores natildeo humanos ndash checklist
protocolos materiais e equipamentos em boas condiccedilotildees de uso e suficientes ndash para a
demanda quanto a subjetividade da praacutetica autocircnoma dos diversos atores humanos que
compotildeem o corpo de profissionais da rede intra-hospitalar O conceito de ator neste estudo
segue o sentido de Latour (2012) que descreve que ator eacute qualquer pessoa instituiccedilatildeo ou
coisa que tenha agecircncia ou seja que produz efeitos no mundo e sobre ele Eacute diferente do
sentido socioloacutegico tradicional que tem um significado de accedilatildeo atribuiacuteda a um humano Para
Latour um ator eacute heterogecircneo ele eacute antes uma dupla articulaccedilatildeo entre humanos e natildeo -
humanos e sua construccedilatildeo se faz em rede (LATOUR 2012)
Assim os atores humanos nesta pesquisa satildeo todos os profissionais envolvidos direta
ou indiretamente na cirurgia e os atores natildeo humanos satildeo os instrumentais equipamentos
medicamentos e demais insumos necessaacuterios para a realizaccedilatildeo de uma cirurgia Segundo
Latour (1991) os atores natildeo humanos recebem pouca atenccedilatildeo por parte dos teoacutericos sociais
nas anaacutelises sobre as relaccedilotildees que organizam os indiviacuteduos e as sociedades Entretanto
teacutecnicas materiais e equipamentos ndash em especial na assistecircncia ciruacutergica ndash fazem parte do
cenaacuterio e juntamente com os atores humanos integram uma rede na sociedade
A trajetoacuteria da assistecircncia ciruacutergica eacute permeada por conexotildees entre os atores humanos
profissional-paciente-familiar profissional-profissional e destes com os atores natildeo humanos
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 24
profissional-equipamentos-instrumentos profissional-conhecimento-checklist paciente-sala
operatoacuteria profissional-paciente-incidentes familiar-sala de espera-disclosure dentre muitas
outras Essas conexotildees satildeo o percurso que se estabelece entre um ou mais pontos ou noacutes
formando assim a rede intra-hospitalar e estando presentes em todas as etapas da assistecircncia
perioperatoacuteria Segundo Latour (2012) uma conexatildeo ponto por ponto (noacute por noacute) se
estabelece fisicamente e permite que seja rasteaacutevel e registrada empiricamente Contudo essa
conexatildeo deixa vazia boa parte daquilo que natildeo estaacute conectado mas eacute esse mesmo vazio que eacute
a chave para percorrer os raros condutos por onde o social circula Aleacutem disso uma conexatildeo
natildeo eacute gratuita exige esforccedilo (LATOUR 2012)
Os atores humanos que participam da assistecircncia perioperatoacuteria atuam interna e
externamente ao CC Atuam no CC os cirurgiotildees de diversas especialidades a equipe de
enfermagem os anestesiologistas o pessoal administrativo e da limpeza entre outros Todos
desenvolvem atividades essenciais para uma cirurgia segura Os profissionais de processos
externos ao CC ou seja aqueles que atuam indiretamente na cirurgia satildeo os profissionais que
trabalham em unidades de internaccedilatildeo eou ambulatoacuterios por serem responsaacuteveis pelo cuidado
do paciente no preacute e no poacutes-operatoacuterio aqueles da Central de Material e Esterilizaccedilatildeo (CME)
que realizam o processamento dos instrumentais o farmacecircutico e profissional do
almoxarifado que fornecem medicamentos e materiais a equipe de transporte eou a
enfermagem responsaacutevel por transferir pacientes do CC para outros setores e vice-versa e o
engenheiro hospitalar que realiza a manutenccedilatildeo corretiva e preventiva dos equipamentos
Aleacutem desses haacute os que atuam nos processos administrativos e consequentemente de forma
indireta como direccedilatildeo setor de qualidade suporte administrativo seguranccedila aacuterea de
compras entre outras Cada um dos profissionais atuando interna ou externamente ao CC
direta ou indiretamente no atendimento ao paciente tem sua parcela de responsabilidade para
com a seguranccedila e possui sua importacircncia com objetos proacuteprios de trabalho saberes e
instrumentos especiacuteficos que isoladamente natildeo resultam em uma cirurgia e muito menos em
uma cirurgia segura
Nesse sentido atores natildeo humanos e humanos estatildeo imbricados na linha de cuidados
ciruacutergicos que perpassa a rede intra-hospitalar Contudo as accedilotildees satildeo realizadas de forma
fragmentada e com foco no ato ciruacutergico na execuccedilatildeo de responsabilidade destinada ao
cirurgiatildeo Segundo Reus e Tittoni (2012) a equipe de enfermagem ndash e todos os profissionais
ndash atuam em funccedilatildeo de proporcionar ao cirurgiatildeo materiais e apoio no momento da cirurgia
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 25
As atividades satildeo realizadas para ldquoentregarrdquo ao cirurgiatildeo o ldquocorpordquo a ser trabalhado com a
maacutexima seguranccedila e exposiccedilatildeo do local a ser operado (REUS TITTONI 2012)
Apesar das estrateacutegias e ferramentas disseminadas pela OMS serem para uso em
conjunto da equipe multiprofissional e os dados apontados pelos estudos com uso do checklist
terem favorecido a comunicaccedilatildeo dos profissionais (HAYNES et al 2011) a accedilatildeo articulada e
realizada por meio de uma comunicaccedilatildeo efetiva entre os atores da rede intra-hospitalar nos
cuidados ciruacutergicos ainda eacute um desafio a ser alcanccedilado Essa accedilatildeo articulada eacute complexa ou
seja eacute algo que se tece em conjunto (complexus) sendo que toda accedilatildeo eacute uma decisatildeo uma
escolha e um desafio (MORIN 2011) que depende da subjetividade de cada profissional em
suas relaccedilotildees interpessoais que tem imbricaccedilatildeo direta nas accedilotildees do cotidiano de fazer a
assistecircncia ciruacutergica ldquoA accedilatildeo supotildee a complexidade isto eacute acaso imprevisto iniciativa
decisatildeo consciecircncia das derivas e transformaccedilotildeesrdquo (MORIN 2011 p81)
A accedilatildeo de aplicaccedilatildeo e adesatildeo do checklist de cirurgia segura eacute complexa e embora se
mostre positiva em diversos setores como a aviaccedilatildeo e a engenharia (GAWANDE 2011) haacute
que se levar em consideraccedilatildeo o alerta de Carneiro (2010) de que eacute necessaacuterio natildeo simplificar
o checklist de cirurgia segura com analogias de outras realidades pois em termos de
qualidade eacute bem mais difiacutecil administrar dez medicamentos a um soacute doente do que corrigir
uma falha no motor de um aviatildeo assim como eacute muito mais complexo garantir uma
comunicaccedilatildeo eficaz entre doze pessoas presentes em uma sala operatoacuteria do CC do que entre
o piloto e o copiloto em um aviatildeo O sucesso ou insucesso do uso do checklist de cirurgia
segura dependeraacute acima de tudo do envolvimento entusiasmo e dedicaccedilatildeo de todos os
profissionais envolvidos na assistecircncia ciruacutergica contando ainda com a colaboraccedilatildeo dos
proacuteprios pacientes (CARNEIRO 2010) dos profissionais que atuam indiretamente e de todo
o aparato natildeo humano disponibilizado no hospital
A praacutetica dos profissionais eacute permeada tambeacutem por discursos socialmente construiacutedos
que influenciam as formas como eles se comunicam e se relacionam no cotidiano de trabalho
e consequentemente influenciam o modo de assistir o paciente e a adesatildeo ao checklist de
cirurgia segura e as demais normatizaccedilotildees institucionais Assim foram estabelecidos os
seguintes questionamentos como se conforma as conexotildees dos atores na rede intra-hospitalar
para uma assistecircncia perioperatoacuteria segura na perspectiva dos diferentes profissionais Como
essa rede composta por atores humanos e natildeo humanos influencia na seguranccedila do paciente
Como se configura o uso do checklist de cirurgia segura no centro ciruacutergico
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 26
Neste sentido essa pesquisa parte dos seguintes pressupostos (a) haacute diferenccedilas sobre
as concepccedilotildees da assistecircncia perioperatoacuteria e as implicaccedilotildees para tornaacute-la segura entre
profissionais que atuam direta e indiretamente em sala operatoacuteria uma vez que estatildeo inseridos
de diferentes formas na instituiccedilatildeo e na sociedade (b) a seguranccedila no perioperatoacuterio eacute
promovida por diversos fatores que vatildeo desde a aplicaccedilatildeo de instrumentos objetivos como o
checklist de cirurgia segura ateacute aspectos subjetivos que influenciam a interaccedilatildeo dos
profissionais que atuam direta e indiretamente no ato anesteacutesico-ciruacutergico (c) o discurso da
simplicidade no uso do checklist de cirurgia segura pode estar interferindo na efetividade de
sua utilizaccedilatildeo na praacutetica complexa da sala operatoacuteria
O presente estudo se justifica pela escassez de estudos brasileiros sobre a seguranccedila no
perioperatoacuterio de forma ampla e por meio da percepccedilatildeo de profissionais que atuam interna e
externamente no CC Dessa forma o objetivo do presente estudo foi analisar a seguranccedila da
assistecircncia no perioperatoacuterio na visatildeo de profissionais que atuam direta e indiretamente no ato
anesteacutesico-ciruacutergico focalizando a conexatildeo dos diferentes atores da rede intra-hospitalar
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 27
Aspectos teoacutericos
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 28
2 ASSISTEcircNCIA CIRUacuteRGICA SUBSIacuteDIOS TEOacuteRICOS PARA ESTE DESAFIO
21 Incidentes na assistecircncia ciruacutergica
O nuacutemero de cirurgias tem aumentado ao longo dos anos devido a diversos fatores
como o aprimoramento e a inovaccedilatildeo das teacutecnicas ciruacutergicas e o desenvolvimento tecnoloacutegico
de materiais e equipamentos bem como a raacutepida transiccedilatildeo demograacutefica e epidemioloacutegica da
populaccedilatildeo que respectivamente tem gerado aumento da expectativa de vida e das doenccedilas
crocircnicas e consequentemente a necessidade de procedimentos ciruacutergicos
No mundo haacute informaccedilotildees de que acontecem anualmente 2342 milhotildees de
procedimentos ciruacutergicos extensos ou seja que envolvem incisatildeo excisatildeo manipulaccedilatildeo ou
suturas de tecidos e que geralmente requerem anestesia local geral ou sedaccedilatildeo profunda para
controle da dor (WEISER et al 2008) No Brasil foram realizadas 20022160 cirurgias pelo
Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) no periacuteodo de 2008 a 2012 uma meacutedia de 4004432 por ano
sendo que de 2008 para 2012 houve um aumento de 2 (431424 cirurgias) O estado de
Minas Gerais eacute o segundo maior da federaccedilatildeo em nuacutemero de cirurgias com 2164228 nesse
mesmo periacuteodo e meacutedia anual de 432846 perdendo apenas para Satildeo Paulo que nesse
periacuteodo realizou 4563744 com meacutedia de 912749 cirurgias anuais (BRASIL 2013d)
Com o aumento das cirurgias aumentam tambeacutem as oportunidades de ocorrecircncia de
incidentes Dentre eles haacute os Eventos Adversos (EA) que satildeo aqueles que resultaram em dano
ao paciente sendo que o dano eacute um comprometimento da estrutura ou funccedilatildeo do corpo eou
qualquer efeito dele oriundo incluindo doenccedilas lesotildees sofrimentos morte incapacidades ou
disfunccedilotildees podendo entatildeo ser fiacutesico social ou psicoloacutegico (BRASIL 2013a 2013b)
Satildeo vaacuterios os relatos internacionais e nacionais de recorrentes e persistentes
ocorrecircncias de EA na assistecircncia ciruacutergica Um estudo de revisatildeo sistemaacutetica que considerou
os eventos adversos como uma lesatildeo ou complicaccedilatildeo natildeo intencional causada mais pela
gestatildeo dos cuidados do que pela proacutepria doenccedila do paciente revelou que um em cada dez
pacientes hospitalizados sofreu EA sendo que 41 ocorreram em sala de cirurgia (DE
VRIES et al 2008)
Um estudo de revisatildeo de 7926 prontuaacuterios realizado em 21 hospitais holandeses
encontrou 744 EA sendo que destes 645 foram ciruacutergicos e 405 considerados
evitaacuteveis As lesotildees mais frequentes resultantes destes eventos foram inflamaccedilatildeoinfecccedilatildeo
(39) hemorragiahematoma (23) lesatildeo por causa mecacircnicafiacutesica ou quiacutemica (22) e
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 29
outros comprometimentos funcionais (16) como retenccedilatildeo urinaacuteria insuficiecircncia respiratoacuteria
e renal (ZEGERS et al 2011) Colaboram no desfecho insatisfatoacuterio das cirurgias as
intervenccedilotildees realizadas em local errado e no paciente errado Um em cada 50 a 100000
procedimentos nos Estados Unidos da Ameacuterica (EUA) ocorre esse incidente sendo 1500 a
2500 eventos adversos desse tipo por ano (SEIDEN BARACH 2006)
No Brasil dos EA ocorridos em trecircs hospitais do Rio de Janeiro em 2012 (MOURA
MENDES 2012) a proporccedilatildeo de EA ciruacutergicos evitaacuteveis foi de 683 (28 de 41 eventos) e a
proporccedilatildeo de pacientes com EA ciruacutergicos evitaacuteveis foi de 658 (25 de 38 pacientes) E
ainda persistem cenaacuterios como apontados por uma pesquisa realizada em Minas Gerais em
que nenhum dos 37 hospitais estudados apresentava poliacutetica de gerenciamento dos riscos e
3243 dos hospitais natildeo tinham um planejamento da assistecircncia de enfermagem no
perioperatoacuterio (RIBEIRO 2011)
Ademais os profissionais subestimam os riscos de sua praacutetica Em um estudo
realizado com ortopedistas brasileiros verificou-se que apenas 408 informaram jaacute ter
vivenciado em algum momento de suas carreiras cirurgias em local ou paciente errado
(MOTTA FILHO et al 2013) Nesse estudo foi evidenciado que eles subestimaram os
problemas relativos agraves suas praacuteticas e superestimaram a satisfaccedilatildeo dos pacientes atendidos
Em estudo realizado em hospitais do Rio de Janeiro aproximadamente um em cada cinco
pacientes com EA ciruacutergico evoluiu com incapacidade permanente ou morreu Mais de 60
dos casos foram classificados como pouco ou nada complexos e de baixo risco de ocorrer um
EA relacionado ao cuidado (MOURA MENDES 2012)
Outro estudo que objetivou avaliar a precisatildeo de cirurgiotildees e anestesiologistas na
previsatildeo de perda de sangue intraoperatoacuteria mostrou que em 30 dos pacientes que recebem
uma transfusatildeo tanto o cirurgiatildeo como o anestesiologista subestimaram o risco de perda de
sangue superior a 500 mililitros No entanto a equipe multiprofissional deve estar ciente de
que um em cada 14 pacientes submetidos agrave cirurgia de meacutedio e grande porte teraacute uma perda
de sangue inesperada excedendo 500 mililitros (SOLON EGAN MCNAMARA 2013)
Existe a necessidade de conscientizaccedilatildeo do risco uma vez que os EA sendo evitaacuteveis
oferecem a possibilidade de identificar gerenciar e tratar os fatores que contribuem para a sua
ocorrecircncia Entende-se por fatores contribuintes de acordo com a OMS (2009) as
circunstacircncias as accedilotildees ou as influecircncias que desempenham um papel na origem ou no
desenvolvimento de um incidente ou no aumento de seu risco Esses fatores podem ser
externos organizacionais estarem relacionados ao staff ou a um fator individual do paciente
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 30
Estudo de Zegers et al (2011) em hospitais holandeses evidenciou que as causas dos
EA ciruacutergicos foram predominantemente por fatores humanos (652) como falhas no
desempenho de habilidades despreparo profissional para o procedimento especiacutefico ou
aplicaccedilatildeo inadequada de conhecimento existente e relacionado com os pacientes (353)
como a idade Fatores organizacionais como protocolos inadequados ou inexistentes maacute
comunicaccedilatildeo e aspectos culturais (130) e teacutecnicos (40) como problemas com materiais
equipamentos software etiquetas ou formulaacuterios tambeacutem contribuiacuteram para os EA
ciruacutergicos (ZEGERS et al 2011)
Assim fatores organizacionais e sistemas complexos ndash como o hospital em estudo ndash
podem contribuir para erros e EA nos contextos ciruacutergicos (MEEKER ROTHROCK 2011)
Todo esse contexto explica a movimentaccedilatildeo em prol da seguranccedila do paciente ciruacutergico por
instituiccedilotildees governamentais e privadas em acircmbito nacional e internacional conforme descrito
a seguir
22 Seguranccedila do paciente breve histoacuterico com foco na aacuterea ciruacutergica
A seguranccedila do paciente eacute uma das dimensotildees da assistecircncia agrave sauacutede com qualidade
sendo entendida como um conjunto de medidas e poliacuteticas que visam agrave reduccedilatildeo a um miacutenimo
aceitaacutevel do risco de ocorrecircncia de dano desnecessaacuterio ao paciente durante a assistecircncia agrave
sauacutede (IOM 2000 BRASIL 2013a 2013b)
Atualmente tem-se abordado muito essa temaacutetica e suas implicaccedilotildees estatildeo na pauta
de discussotildees em espaccedilos diversos como a academia o judiciaacuterio e serviccedilos de sauacutede
privados e puacuteblicos A discussatildeo sobre os princiacutepios da seguranccedila do pacientes estaacute tambeacutem
na agenda da Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) e do governo brasileiro nas instacircncias
nacional estaduais e municipais Trata-se portanto de uma questatildeo discutida por diversos
paiacuteses governos profissionais de sauacutede e serviccedilos
Internacionalmente o movimento pela Seguranccedila do Paciente foi desencadeado pelo
relatoacuterio To Erris Human Building a Safer Health System do Instituto de Medicina (IOM)
dos EUA Esse documento revelou que aproximadamente cem mil pessoas morriam todos os
anos nos EUA em consequecircncia de iatrogenias (IOM 2000) Esses dados desencadearam
discussotildees em diversas partes do mundo e em maio de 2002 a Resoluccedilatildeo 5518 da 55ordf
Assembleia Mundial da Sauacutede recomendou agrave Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) e a seus
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 31
Estados Membros uma maior atenccedilatildeo aos problemas relacionados com a seguranccedila do
paciente (OMS 2009)
Em julho de 2003 a Joint Commissionon Accreditation of Healthcare Organizations
(JCAHO) elaborou e obrigou seus hospitais a utilizarem na assistecircncia ciruacutergica o Protocolo
Universal para prevenccedilatildeo do lado procedimento e paciente errado Esse protocolo inclui trecircs
etapas verificaccedilatildeo preacute-operatoacuteria marcaccedilatildeo do siacutetio ciruacutergico e o time out - procedimentos
que devem ser realizados antes do iniacutecio da cirurgia (JCAHO 2016) sendo a sua importacircncia
declarada pelo Coleacutegio Americano de Cirurgiotildees (AMERICAN COLLEGE OF SURGEONS
2002) Esse instrumento foi o embriatildeo do checklist de cirurgia segura instituiacutedo pela OMS
como seraacute abordado na proacutexima seccedilatildeo
Em 2004 a OMS lanccedilou a Alianccedila Mundial para a Seguranccedila do Paciente visando
estabelecer medidas que aumentem a seguranccedila do paciente e a qualidade dos serviccedilos de
sauacutede por meio do comprometimento poliacutetico dos paiacuteses membros (OMS 2009) A Alianccedila
Mundial estabelece desafios globais para direcionar o trabalho para uma aacuterea de risco
identificada como prioridade O primeiro em 2005-2006 tratou das infecccedilotildees relacionadas
com a assistecircncia agrave sauacutede envolvendo as temaacuteticas higienizaccedilatildeo das matildeos procedimentos
cliacutenicos e ciruacutergicos seguros seguranccedila do sangue e de hemoderivados administraccedilatildeo segura
de injetaacuteveis e de imunobioloacutegicos e seguranccedila da aacutegua saneamento baacutesico e manejo de
resiacuteduos O segundo desafio 2007-2008 com o slogan ldquoCirurgias Seguras Salvam Vidasrdquo
focou nos fundamentos e praacuteticas da seguranccedila ciruacutergica contemplando a prevenccedilatildeo de
infecccedilotildees de siacutetio ciruacutergico anestesia segura desenvolvimento de equipes ciruacutergicas seguras
indicadores da assistecircncia ciruacutergica e instituiu o checklist de cirurgia segura para uso na sala
operatoacuteria (OMS 2009) O terceiro desafio global e uacuteltimo ateacute o momento traz a temaacutetica do
enfrentando da resistecircncia microbiana aos antimicrobianos
No intuito de reforccedilar o segundo desafio a OMS em parceria com a Joint Commission
International (JCI) que passou a ser seu centro colaborador para a seguranccedila do paciente
lanccedilou em 2010 as seis metas internacionais para seguranccedila do paciente Dentre essas metas
haacute uma especiacutefica do processo ciruacutergico que busca assegurar que as cirurgias possuam local
de intervenccedilatildeo procedimento e paciente corretos (CBA 2010)
Por meio do desafio ldquoCirurgias Seguras Salvam Vidasrdquo da OMS a equipe ciruacutergica
tem dez objetivos baacutesicos mas essenciais a saber (1) operar o paciente e o local ciruacutergico
certo (2) usar meacutetodos conhecidos para impedir danos na administraccedilatildeo de anesteacutesicos (3)
reconhecer e se preparar para perda de via aeacuterea ou de funccedilatildeo respiratoacuteria que ameace a vida
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 32
do paciente (4) reconhecer e estar preparada para o risco de perdas sanguiacuteneas (5) evitar a
induccedilatildeo de reaccedilatildeo adversa ou aleacutergica a medicamentos de risco ao paciente jaacute constante em
seu histoacuterico (6) usar de maneira sistemaacutetica meacutetodos para minimizar o risco de infecccedilatildeo no
siacutetio ciruacutergico (7) impedir a retenccedilatildeo inadvertida de instrumentais ou compressas nas incisotildees
ciruacutergicas (8) manter seguras e identificar as peccedilas anatocircmicas originadas da cirurgia (9)
comunicar efetivamente e trocar informaccedilotildees para a conduccedilatildeo segura da cirurgia (10)
estabelecer monitoramento da capacidade volume e resultados ciruacutergicos Esse uacuteltimo
objetivo eacute tanto para os hospitais quanto para o sistema de sauacutede como um todo (OMS 2009)
No Brasil o Ministeacuterio da Sauacutede instituiu o Programa Nacional de Seguranccedila do
Paciente (PNSP) por meio da Portaria nordm 5292013 que tem como objetivo contribuir para a
qualificaccedilatildeo do cuidado em todos os serviccedilos de sauacutede nacionais (BRASIL 2013a) A
Resoluccedilatildeo da Diretoria Colegiada da Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria (ANVISA) nordm
36 de 25 de julho de 2013 reforccedila o PNSP instituindo accedilotildees obrigatoacuterias para a promoccedilatildeo da
seguranccedila do paciente e melhoria da qualidade assistencial (BRASIL 2013b)
Dentre as accedilotildees que essas legislaccedilotildees estabelecem haacute aquelas voltadas
especificamente para a seguranccedila ciruacutergica com um protocolo especiacutefico (BRASIL 2013c)
elaborado pelo Ministeacuterio da Sauacutede com base no Programa e Manual ldquoCirurgias Seguras
Salvam Vidasrdquo da OMS (OMS 2009) o qual institui a utilizaccedilatildeo do checklist de cirurgia
segura que inclui algumas tarefas e procedimentos baacutesicos de seguranccedila e deve ser
implementado em todas as organizaccedilotildees com atendimento ciruacutergico
23 Checklist de cirurgia segura resultados positivos e limitaccedilotildees
Em 14 de janeiro de 2009 foi divulgada a lista de verificaccedilatildeo de seguranccedila ciruacutergica
ou checklist de cirurgia segura da OMS (GAWANDE 2011) Desde entatildeo organizaccedilotildees
internacionais tecircm apoiado a sua utilizaccedilatildeo como Accreditation Canada American
Association of Nurse Anesthetists American College of Surgeons Associaccedilatildeo dos
Enfermeiros de Sala de Operacotildees Portugues International Federation of Perioperative
Nurses National Patient Safety Foundation aleacutem de organizaccedilotildees nacionais como Escola
Nacional de Sauacutede Puacuteblica ProqualisFIOCRUZ Coleacutegio Brasileiro de Cirurgiotildees Conselho
de Enfermagem de Satildeo Paulo e de Minas Gerais o Ministeacuterio de Sauacutede dentre outras
Dados de 2012 mostraram que mundialmente havia 1790 instituiccedilotildees utilizando o
checklist em pelo menos uma sala ciruacutergica e outras 4132 demonstraram interesse em utilizaacute-
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 33
lo ateacute o final daquele ano (WHO 2012) sendo esses os uacuteltimos dados disponiacuteveis O checklist
de cirurgia segura da OMS se concentra na comunicaccedilatildeo e praacuteticas seguras em cada um dos
trecircs periacuteodos que corresponde ao fluxo normal de um procedimento anesteacutesico-ciruacutergico I ndash
antes da induccedilatildeo anesteacutesica (sign in) II ndash antes da incisatildeo ciruacutergica da pele (time out) e III ndash
antes do paciente sair da sala de cirurgia (sign out) (Anexo IV)
Estima-se que para a aplicaccedilatildeo do checklist satildeo necessaacuterios trecircs minutos e uma uacutenica
pessoa deveraacute ser responsaacutevel por conduzir a checagem dos itens nas trecircs fases Em cada uma
o condutor deveraacute confirmar se a equipe completou suas tarefas antes de prosseguir para a
proacutexima etapa ou seja esse profissional tem que ter plena autoridade estando apto e
legitimado a interromper o procedimento ou impedir o seu avanccedilo se julgar insatisfatoacuterio
algum dos itens mesmo considerando que essa interrupccedilatildeo possa trazer desgaste da equipe se
esta natildeo tiver maturidade adequada (OMS 2009) O Quadro 1 apresenta sumariamente as
atribuiccedilotildees do condutor em cada uma das etapas do checklist
Quadro 1 Etapas da aplicaccedilatildeo do checklist de cirurgia segura da Organizaccedilatildeo
Mundial da Sauacutede (OMS)
Antes da induccedilatildeo anesteacutesica Antes da incisatildeo ciruacutergica
(a equipe faraacute Pausa Ciruacutergica)
Antes de sair da sala de cirurgia
(a equipe deveraacute revisar em conjunto)
Revisar verbalmente com o paciente
se possiacutevel se sua identificaccedilatildeo estaacute
correta
Apresentaccedilatildeo de cada membro da
equipe pelo nome e funccedilatildeo
Conclusatildeo da contagem de compressas e
instrumentais
Confirmar que o procedimento e o
local da cirurgia estatildeo corretos
Confirmaccedilatildeo da cirurgia paciente e
siacutetio ciruacutergico corretos
Identificaccedilatildeo de qualquer amostra
ciruacutergica obtida
Confirmar o consentimento para
cirurgia e a anestesia
Revisatildeo verbal uns com os outros
dos elementos criacuteticos de seus
planos para a cirurgia usando as
questotildees do checklist como guia
Revisatildeo de qualquer funcionamento
inadequado de equipamentos ou
questotildees que necessitem ser
solucionadas
Confirmar visualmente o siacutetio
ciruacutergico correto e sua demarcaccedilatildeo
Confirmaccedilatildeo da administraccedilatildeo de
antimicrobianos profilaacuteticos nos
uacuteltimos 60 minutos
Revisatildeo do plano de cuidado e
providecircncias no poacutes-operatoacuterio e
recuperaccedilatildeo poacutes-anesteacutesica antes da
remoccedilatildeo do paciente da sala
Confirmar a conexatildeo de monitor
multiparacircmetro ao paciente e seu
funcionamento
Confirmaccedilatildeo da acessibilidade dos
exames de imagens necessaacuterios
Revisar verbalmente com o
anestesiologista o risco de perda
sanguiacutenea dificuldades nas vias
aeacutereas histoacuterico de reaccedilatildeo aleacutergica e
se a verificaccedilatildeo completa de
seguranccedila anesteacutesica foi concluiacuteda
Fonte BRASIL (2013c)
Haacute evidecircncias da reduccedilatildeo de EA com a implantaccedilatildeo do checklist O claacutessico estudo
publicado no New England Journal of Medicine realizado em oito hospitais de paiacuteses com
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 34
diferentes localizaccedilotildees e estruturas socioeconocircmicas ndash Canadaacute Estados Unidos (Ameacuterica do
Norte) Inglaterra (Europa) Jordacircnia (Oriente Meacutedio) Tanzacircnia (Aacutefrica) Iacutendia e Filipinas
(Aacutesia) e Nova Zelacircndia (Oceania) ndash constatou que a taxa de complicaccedilotildees maiores caiu de
11 para 7 e a mortalidade perioperatoacuteria em cirurgia de grande porte de 15 a 08 (13)
(HAYNES et al 2009) Em cirurgias de urgecircncia natildeo cardioloacutegicas um estudo realizado
tambeacutem nesses oito hospitais evidenciou a reduccedilatildeo nas taxas de complicaccedilatildeo de 184 para
117 e nas taxas de mortalidade de 37 para 14 (14) com o uso do checklist (HAYNES
et al 2009) Na Colocircmbia estudo realizado em um hospital geral apontou reduccedilatildeo de eventos
adversos de 726 para 329 apoacutes a implementaccedilatildeo da lista de verificaccedilatildeo (COLLAZOS et
al 2013) Em um estudo realizado em sete paiacuteses 84 dos participantes da pesquisa
relataram que a comunicaccedilatildeo na sala ciruacutergica melhorou (HAYNES et al 2011)
No Brasil o uso do checklist ainda eacute pouco difundido e haacute escassez de estudos que
mostrem meacutetodos de trabalho no processo de implantaccedilatildeo adesatildeo ao instrumento e sua
eficaacutecia em relaccedilatildeo aos EA Estudo recente realizado em dois hospitais de Natal Rio Grande
do Norte sugere que a baixa adesatildeo ao checklist possivelmente tem reflexos sobre a
ocorrecircncia de EA como por exemplo maior permanecircncia do paciente no hospital risco de
reinternaccedilatildeo necessidade de cuidados intensivos mortalidade e outros (FREITAS et al
2014) Os autores concluem apoacutes analisar a implantaccedilatildeo e uso do instrumento que os
hospitais precisam melhorar a adesatildeo ao checklist de cirurgia segura com uma implantaccedilatildeo
mais estruturada visando assegurar a sua utilizaccedilatildeo adequada (FREITAS et al 2014)
Estudos tecircm identificado que mesmo em hospitais que implementaram o checklist
muitos itens satildeo negligenciados principalmente aqueles relacionados agrave comunicaccedilatildeo
(RYDENFAumlLT 2013) O item de menor adesatildeo em estudo realizado na Colocircmbia foi a
apresentaccedilatildeo completa dos membros da equipe ciruacutergica incluindo as suas funccedilotildees
(COLLAZOS et al 2013) Resultado semelhante foi encontrado em um hospital universitaacuterio
da Franccedila onde a dificuldade tambeacutem foi compartilhar informaccedilotildees verbalmente antes da
incisatildeo (RATEAU 2011) Tambeacutem no Brasil um estudo mostrou que nos procedimentos
observados natildeo houve apresentaccedilatildeo da equipe (MAZIERO et al 2015)
Haacute ainda resistecircncia por parte dos profissionais sendo que a adesatildeo do liacuteder da equipe
ao uso do checklist eacute extremamente importante (MUumlLLER 2012) Uma anaacutelise qualitativa de
um estudo em cinco hospitais do estado de Washington com liacutederes de implementaccedilatildeo do
checklist e cirurgiotildees em 2009 sugere que sua eficaacutecia depende da capacidade dos liacutederes na
implementaccedilatildeo para explicar de forma convincente a necessidade do uso da lista de
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 35
verificaccedilatildeo Esforccedilos coordenados para explicar a implementaccedilatildeo do checklist e a educaccedilatildeo
para seu uso resultaram em adesatildeo e uso completo da lista de verificaccedilatildeo (CONLEY 2011)
Por outro lado alguns estudos vecircm trazendo limitaccedilotildees do checklist Segundo
Anderson et al (2012) os resultados de sua pesquisa mostraram que apesar da lista de
verificaccedilatildeo ser um importante lembrete natildeo eacute por si soacute garantia de seguranccedila Para os autores
eacute a forma de agir dos profissionais em resposta a erros ou lapsos que eacute realmente importante
Aleacutem disso para o checklist ter sucesso como um mecanismo para transformar o cuidado
baseado em evidecircncias e protocolo de seguranccedila para a melhor praacutetica ele precisa ser usado
de forma consistente e duradoura E ainda para conseguir isso os hospitais necessitam
promover um ambiente de apoio com uma poliacutetica de seguranccedila em toda a organizaccedilatildeo e uma
abordagem sistemaacutetica por meio de monitoramento e gerenciamento da cultura que abranja
efetivamente a pratica do checklist (ROBBINS 2011 SCHLACK BOERMEESTER 2010)
Outros estudos trazem tambeacutem que o checklist instituiacutedo isoladamente natildeo consegue
garantir a seguranccedila ciruacutergica sendo necessaacuterios outros instrumentos (TRIMMEL et al
2013) A Patient Safety First Campaign da National Patient Safety Agency e estudiosos tecircm
defendido a adiccedilatildeo de outras estrateacutegias como as sessotildees breves de esclarecimento com a
equipe no iniacutecio (brienfing) e no final (debriefing) como chave para o sucesso na mudanccedila
cultural necessaacuteria (NPSA 2013a 2013b SCHLACK BOERMEESTER 2010)
Entretanto mesmo adicionando o brienfing e o debriefing ao checklist de cirurgia
segura da OMS levando em conta que soacute o primeiro jaacute eacute de difiacutecil adesatildeo por parte dos
profissionais o periacuteodo perioperatoacuterio natildeo eacute atendido como um todo (preacute trans e poacutes-
operatoacuterio) sendo que a seguranccedila ciruacutergica envolve tambeacutem accedilotildees no preacute e no poacutes-
operatoacuterio fora do CC tanto relacionadas ao paciente quanto aos instrumentais e
equipamentos
24 Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica hospitalar ampliando o olhar
A seguranccedila ciruacutergica eacute uma importante preocupaccedilatildeo de sauacutede puacuteblica global
(WEISER et al 2008 BRASIL 2013c) sendo necessaacuterio investir na busca de melhorias que
resulte progressivamente em eventos evitaacuteveis (OMS 2009) A OMS reconhece que em se
tratando de cirurgia natildeo haacute uma uacutenica soluccedilatildeo que transformaria a seguranccedila (OMS 2009)
ou seja a aplicaccedilatildeo de um instrumento mesmo que abrangente como o checklist de cirurgia
segura da OMS natildeo consegue sozinho resolver os problemas da assistecircncia ciruacutergica
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 36
O checklist de cirurgia segura tem sido muito comparado aos checklists utilizados na
aviaccedilatildeo e outros setores considerados ultra seguros mas segundo Wachter (2013) haacute uma
deacutecada o entusiasmo com a seguranccedila do paciente foi acompanhado por uma esperanccedila de
encontrar soluccedilotildees simples para os erros Acreditava-se que simplesmente ao adotar algumas
teacutecnicas extraiacutedas da aviaccedilatildeo e outras induacutestrias ldquoseguras a construccedilatildeo de fortes sistemas de
tecnologia da informaccedilatildeo e melhoria da cultura de seguranccedila os pacientes imediatamente
teriam mais seguranccedila em hospitais e cliacutenicas em todos os lugares (WACHTER 2013)
No entanto a ingenuidade desse ponto de vista ajudou a perceber que a seguranccedila dos
pacientes aleacutem de requerer esforccedilos para melhorar as praacuteticas a formaccedilatildeo dos profissionais
as tecnologias da informaccedilatildeo e a cultura exige que liacutederes forneccedilam recursos e lideranccedila
promovendo simultaneamente engajamento e inovaccedilatildeo por parte dos profissionais Isto
depende de uma poliacutetica que crie incentivos adequados para a seguranccedila evitando uma
atmosfera excessivamente riacutegida e prescritiva que poderia minar o entusiasmo e a criatividade
dos prestadores de serviccedilos (WACHTER 2013)
Nesse sentido a seguranccedila requer uma execuccedilatildeo confiaacutevel de muacuteltiplas etapas
necessaacuterias agrave assistecircncia natildeo apenas pelo cirurgiatildeo mas pela equipe de profissionais de
sauacutede trabalhando em conjunto para o benefiacutecio do paciente (OMS 2009) A competecircncia
individual dos profissionais natildeo eacute suficiente para garantir a seguranccedila do paciente A equipe
deve compreender e contribuir para o aperfeiccediloamento dos sistemas em que desenvolvem seu
trabalho contribuindo para um desempenho eficaz da equipe e desenvolvendo o poder de
reconhecimento e resposta a questotildees de seguranccedila do paciente (MEEKER ROTHROCK
2011)
Para tanto satildeo necessaacuterias poliacuteticas e procedimentos aleacutem de um cenaacuterio no qual todas
as atividades da equipe ciruacutergica (profissionais que atuam diretamente) e profissionais
auxiliares (com atuaccedilatildeo indireta) se encaixem resultando em um curso de accedilatildeo eficiente para
o benefiacutecio do paciente Essas poliacuteticas e procedimentos devem ser o padratildeo de cuidados
institucional e fazerem parte de uma abordagem sistematizada envolvendo uma sequecircncia de
eventos a avaliaccedilatildeo preacute-operatoacuteria dos pacientes o procedimento ciruacutergico propriamente dito
e os cuidados poacutes-operatoacuterios apropriados (OMS 2009 MEEKER ROTHROCK 2011)
O periacuteodo perioperatoacuterio compreende as fases preacute-operatoacuteria (mediata e imediata)
transoperatoacuteria e poacutes-operatoacuteria (imediata e mediata) (MORAES CARVALHO 2007) que
devem estar conectadas para oferecer uma assistecircncia ciruacutergica sistematizada e segura Na
fase preacute-operatoacuteria dentre outras accedilotildees eacute importante ressaltar a obtenccedilatildeo do consentimento
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 37
informado a adequada identificaccedilatildeo do paciente do siacutetio ciruacutergico e do procedimento que
seraacute realizado a verificaccedilatildeo do equipamento anesteacutesico e da disponibilidade dos
medicamentos de emergecircncia e a preparaccedilatildeo adequada para eventos transoperatoacuterios sendo
todas etapas suscetiacuteveis agrave intervenccedilatildeo (OMS 2009)
Durante o transoperatoacuterio devem ser assegurados diversos aspectos como o uso
adequado de antibioacuteticos disponibilidade de exames por imagem monitorizaccedilatildeo apropriada
do paciente trabalho em equipe de forma integrada exposiccedilatildeo de pareceres ciruacutergicos e
anesteacutesicos fidedignos teacutecnica ciruacutergica realizada de forma cautelosa e a boa comunicaccedilatildeo
entre cirurgiotildees anestesiologistas e a equipe de enfermagem uma vez que satildeo todos
necessaacuterios para assegurar um bom resultado (OMS 2009)
Apoacutes o ato anesteacutesico-ciruacutergico eacute necessaacuterio o planejamento da assistecircncia poacutes-
operatoacuteria a compreensatildeo dos eventos ocorridos no transoperatoacuterio e um comprometimento
com a monitorizaccedilatildeo do paciente aspectos que podem melhorar a assistecircncia ciruacutergica
promovendo a seguranccedila e alcanccedilando melhores resultados (OMS 2009)
Nessas trecircs fases e com mais ecircnfase na fase transoperatoacuteria a dinacircmica do cuidado eacute
voltada agrave objetividade das accedilotildees cuja intervenccedilatildeo eacute de natureza teacutecnica com foco no oacutergatildeo
fiacutesico visando agrave recuperaccedilatildeo do paciente Aspectos do cuidar que satildeo da ordem da
subjetividade tecircm importacircncia secundaacuteria neste cenaacuterio (SILVA ALVIM 2010) No entanto
a subjetividade dos profissionais com atuaccedilatildeo direta em sala operatoacuteria ou indireta nos
diversos setores de apoio eacute importante para a anaacutelise da seguranccedila ciruacutergica
A produccedilatildeo subjetiva eacute assinalada por constantes desconstruccedilotildees e construccedilotildees de
territoacuterios existenciais Isso acontece segundo criteacuterios que satildeo determinados pelo saber mas
tambeacutem essencialmente acompanhados da dimensatildeo sensiacutevel de percepccedilatildeo da vida e de si
mesmo em fluxos de intensidades contiacutenuas entre sujeitos que atuam na construccedilatildeo de
determinada realidade social O desejo como nuacutecleo propulsor dessa produccedilatildeo social daacute
forma agrave subjetividade como expressatildeo de singularidades Isto eacute um modo singular de
perceber e atuar no mundo em um determinado tempo e espaccedilo podendo modificar-se o
tempo todo Aleacutem disso um mesmo sujeito pode expressar vaacuterias singularidades dependendo
do tempo-espaccedilo em que estaacute vivenciando e dos fatores que estimulam o afeto interpessoal
aos quais estaacute exposto (FRANCO MERHY 2014)
Esse sujeito insere-se na micropoliacutetica do cotidiano de trabalho
entendida como um cenaacuterio de disputa de distintas forccedilas instituintes desde forccedilas nos modos
de produccedilatildeo ateacute as que se apresentam nos processos imaginaacuterios e desejantes e no campo do
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 38
conhecimento que os ldquohomens em accedilatildeordquo constituem (MERHY 2007) As relaccedilotildees
micropoliacuteticas podem ser tanto profissional-usuaacuterio quanto profissional-profissional Aleacutem
dessa interseccedilatildeo humano-humano o que eacute natildeo humano tem elevada importacircncia na
assistecircncia ciruacutergica A categoria meacutedica tem sob seu comando a maior parte dos agentes natildeo
humanos de tecnologias duras como o bisturi e o eletrocauteacuterio enquanto os demais
profissionais ficam com a responsabilidade de repassar esses instrumentos ao cirurgiatildeo o que
constroacutei uma hierarquia entre as profissotildees
As relaccedilotildees assimeacutetricas de poder entre os profissionais dificultam a colaboraccedilatildeo entre
os vaacuterios trabalhadores que dificilmente eacute respeitada no modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede voltada
para o procedimento e que valoriza sobremaneira o ato meacutedico (MALTA MERHY 2010)
Eacute necessaacuterio entatildeo para garantir o desenvolvimento contiacutenuo e a motivaccedilatildeo dos
profissionais promover o envolvimento e a gestatildeo participativa dos serviccedilos a atuaccedilatildeo dos
usuaacuterios e suas famiacutelias no planejamento e avaliaccedilatildeo da assistecircncia assim como o trabalho em
equipe e a educaccedilatildeo no trabalho (MATOS PIRES 2006)
Assim entende-se que a assistecircncia ciruacutergica segura envolve muacuteltiplas accedilotildees
desenvolvidas por atores humanos e natildeo humanos que compotildee a rede intra-hospitalar e se
inserem em um contexto com dimensotildees objetivas e subjetivas desde o preacute-operatoacuterio
perpassando o transoperatoacuterio ateacute o poacutes-operatoacuterio conforme mostrado na Figura 1 a seguir
Figura 1 Representaccedilatildeo da assistecircncia ciruacutergica segura
Fonte Elaborado pela autora
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 39
Caminho percorrido
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 40
3 CAMINHO PERCORRIDO
O meacutetodo como caminho ensaio gerativo e estrateacutegia bdquopara‟ e bdquodo‟ pensamento O
meacutetodo como atividade pensante do sujeito vivente natildeo-abstrato Um sujeito
capaz de aprender inventar e criar bdquoem‟ e bdquodurante‟ o seu caminho (MORIN
CIURANA MOTTA 2003 p18)
31 Tipo de estudo
Trata-se de um estudo de caso de abordagem qualitativa Optou-se por esta
modalidade por entender que diante da natureza complexa do objeto de estudo qual seja a
assistecircncia segura no perioperatoacuterio os objetivos propostos somente seriam atingidos por
meio de um meacutetodo que permitisse uma anaacutelise intensiva do contexto do fenocircmeno para
compreender sua multidimensionalidade configurada pela singularidade dos diversos atores
envolvidos
Nessa perspectiva utilizou-se o estudo de caso por se tratar de um delineamento de
pesquisa que permite analisar em profundidade o grupo a organizaccedilatildeo ou o fenocircmeno
considerando suas muacuteltiplas dimensotildees (GIL 2009) e a abordagem qualitativa por estar
relacionada aos significados atribuiacutedos pelas pessoas aos fenocircmenos a partir de suas
experiecircncias do mundo social e de como compreendem este mundo buscando interpretar as
situaccedilotildees em seus ambientes naturais em vez de ambientes artificiais ou experimentais
oferecendo assim subsiacutedios pertinentes aos pesquisadores que estudam a atenccedilatildeo agrave sauacutede e
os serviccedilos de sauacutede (POPE MAYS 2009)
A utilizaccedilatildeo da abordagem qualitativa neste estudo justifica-se por considerar que as
dimensotildees que promovem a seguranccedila ciruacutergica estatildeo presentes no cotidiano de trabalho dos
profissionais que compotildeem os pontos de atenccedilatildeo da rede intra-hospitalar e ultrapassam a
objetividade da aplicaccedilatildeo de instrumentos como o checklist de cirurgia segura recomendado
pela Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) Eacute necessaacuteria uma abordagem que apreenda a
subjetividade que permeia o contexto das relaccedilotildees interprofissionais para inclusive aplicar o
checklist ou outra ferramenta para a melhoria da qualidade e verificar como esses
profissionais percebem o fenocircmeno da seguranccedila ciruacutergica
A abordagem qualitativa permite uma aproximaccedilatildeo da realidade incorporando a
questatildeo do significado e da intencionalidade como inerentes aos atos relaccedilotildees e estruturas
sociais (MINAYO 2014) Possibilita tambeacutem a compreensatildeo de fenocircmenos complexos
trabalhando um universo de significados manifestaccedilotildees ocorrecircncias motivos fatos eventos
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 41
vivecircncias ideias sentimentos aspiraccedilotildees crenccedilas valores e atitudes em busca da
compreensatildeo da realidade humana vivida socialmente (TURATO 2005 MINAYO 2014
TRIVINtildeOS 1987)
O meacutetodo de estudo de caso que eacute a modalidade de investigaccedilatildeo escolhida para esta
pesquisa vem sendo utilizado em pesquisas tanto em disciplinas tradicionais como a
psicologia e a antropologia quanto nas aacutereas com orientaccedilatildeo praacutetica como administraccedilatildeo
puacuteblica ciecircncia poliacutetica trabalho social educaccedilatildeo e enfermagem (YIN 2015) Independente
do campo que o utiliza a necessidade da pesquisa de estudo de caso surge do desejo de
compreender fenocircmenos sociais complexos e contemporacircneos inseridos em contextos reais
sejam eles individuais organizacionais sociais poliacuteticos ou de grupos (YIN 2015)
Satildeo diversas as definiccedilotildees e autores que versam sobre estudo de caso na literatura
Robert K Yin tem se destacado sendo considerado um dos mais ceacutelebres autores no campo
de estudos de caso (GIL 2009) A definiccedilatildeo apresentada recentemente por Yin (2015) vem
sendo desenvolvida desde 1981 e reflete uma visatildeo em duas partes dos estudos de caso A
primeira inicia-se com o escopo do estudo e a segunda parte da definiccedilatildeo surge devido ao
fato de que o fenocircmeno e o contexto natildeo satildeo faacuteceis de distinguir nas situaccedilotildees do mundo real
1 ndash O estudo de caso eacute uma investigaccedilatildeo empiacuterica que investiga um fenocircmeno
contemporacircneo (o ldquocasordquo) em profundidade e em seu contexto de mundo real
especialmente quando os limites entre o fenocircmeno e o contexto natildeo estatildeo
claramente evidentes 2 ndash A investigaccedilatildeo do estudo de caso enfrenta a situaccedilatildeo
tecnicamente diferenciada em que existiratildeo muito mais variaacuteveis de interesse do
que pontos de dados e como resultado conta com muacuteltiplas fontes de evidecircncia
com os dados precisando convergir de maneira triangular e como outro
resultado beneficia-se do desenvolvimento anterior das proposiccedilotildees teoacutericas para
orientar a coleta e anaacutelise de dados (YIN 2015 p 17-18)
Essa definiccedilatildeo em duas partes ndash abarcando o escopo e as caracteriacutesticas desse meacutetodo
ndash mostra a abrangecircncia do estudo de caso e como ele conserva as caracteriacutesticas holiacutesticas e
significativas dos acontecimentos da vida real (YIN 2015) analisando as inter-relaccedilotildees entre
as variaacuteveis para promover o entendimento do caso o mais completo e profundo possiacutevel
Procedeu-se nessa pesquisa a utilizaccedilatildeo do estudo de caso descritivo que caracteriza o
fenocircmeno dentro de seu contexto como um caso uacutenico pois visa captar e reter uma
perspectiva holiacutestica das circunstacircncias e das condiccedilotildees de uma situaccedilatildeo diaacuteria ou de um lugar
comum (YIN 2015)
Desse modo justifica-se a utilizaccedilatildeo do meacutetodo de estudo de caso nesta pesquisa uma
vez que a compreensatildeo da percepccedilatildeo dos profissionais sobre a promoccedilatildeo de cirurgias seguras
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 42
eacute construiacuteda pelo cotidiano do proacuteprio trabalho desses profissionais dentro da rede intra-
hospitalar De acordo com Pereira Godoy e Terccedilariol (2009) o estudo de caso alarga a visatildeo
do fenocircmeno por apreender o indiviacuteduo em sua integridade e em seu contexto Os
profissionais da pesquisa compotildeem um grupo que embora em diversas funccedilotildees e
responsabilidades partilha do mesmo contexto e suas accedilotildees representam o retrato do
atendimento ciruacutergico real que eacute complexo e permeado de eventos significativos para o
entendimento da seguranccedila dos pacientes Nesse sentido a estrateacutegia de estudo de caso
permite a anaacutelise da dinacircmica dos processos em sua complexidade o que estabelece sua
condiccedilatildeo especiacutefica de contribuiccedilatildeo agrave construccedilatildeo do conhecimento (PEREIRA GODOY
TERCcedilARIOL 2009)
Ademais a utilizaccedilatildeo do estudo de caso se mostra apropriada tambeacutem por se tratar de
um fenocircmeno muito discutido na contemporaneidade e por responder agraves perguntas
relacionadas a como ocorre determinado fenocircmeno natildeo exigindo controle dos eventos
comportamentais (YIN 2015) o que induz tambeacutem ao uso da abordagem qualitativa
A criacutetica mais frequente em se utilizar estudos de caso e abordagem qualitativa refere-
se a natildeo possibilidade de generalizaccedilatildeo A abordagem qualitativa considera as limitaccedilotildees
metodoloacutegicas de generalizaccedilatildeo tendo a preocupaccedilatildeo maior com o aprofundamento e
abrangecircncia da compreensatildeo do objeto estudado (MINAYO 2014) A autora chama a atenccedilatildeo
para o fato de natildeo usar o meacutetodo qualitativo como uma alternativa agraves abordagens
quantitativas mas pensaacute-lo no sentido do aprofundamento do caraacuteter social sendo que o
meacutetodo quantitativo o apreende de forma parcial e inacabado Os estudos de caso segundo
Yin (2015) assim como estudos experimentais satildeo generalizaacuteveis agraves proposiccedilotildees teoacutericas e
natildeo agraves populaccedilotildees ou aos universos O estudo de caso como o experimento natildeo representa
uma ldquoamostragemrdquo e sim uma oportunidade de lanccedilar luz empiacuterica sobre conceitos ou
princiacutepios teoacutericos sendo sua meta expandir e generalizar teorias (generalizaccedilatildeo analiacutetica) e
natildeo inferir probabilidade enumerando as frequecircncias ocorridas (generalizaccedilatildeo estatiacutestica)
(YIN 2015)
Segundo Pereira Godoy e Terccedilariol (2009) para assegurar a condiccedilatildeo de
cientificidade do estudo de caso eacute essencial considerar diversos aspectos que podem
constituir pontos fraacutegeis sendo particularmente a seleccedilatildeo dos casos a coleta e o registro de
dados sua anaacutelise e a interpretaccedilatildeo bem como o planejamento e o preparo do pesquisador
Assim a elaboraccedilatildeo de estudos de caso exige o cumprimento de cinco componentes
essenciais conforme descrito por Yin (2015)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 43
1) Questotildees do estudo de caso o meacutetodo eacute indicado para responder agraves perguntas como e
por que de eventos contemporacircneos onde os comportamentos natildeo podem ser
manipulados Eacute importante utilizar-se da literatura disponiacutevel de forma que o pesquisador
estreite seu interesse a um ou dois toacutepicos-chave analise estudos-chave para identificar
questotildees novas ou lacunas para futuras pesquisas e outros estudos que sugira ou aperfeiccediloe
as questotildees propostas pelo pesquisador (YIN 2015)
2) Proposiccedilotildees o estudo de caso demanda um problema que necessite de uma compreensatildeo
holiacutestica sobre um evento ou uma situaccedilatildeo usando a loacutegica indutiva que eacute do particular ou
do especiacutefico para o geral (YIN 2015)
3) Unidade(s) de anaacutelise eacute aquilo que seraacute examinado dentro do escopo do trabalho
Contribui para identificar onde procurar evidecircncias relevantes uma vez que eacute impossiacutevel
estudar todos os aspectos de um fenocircmeno (YIN 2015) Neste estudo delimitou-se a
seguinte unidade de anaacutelise a seguranccedila no perioperatoacuterio por meio da percepccedilatildeo de
profissionais que atuam direta e indiretamente no ato anesteacutesico-ciruacutergico e a relaccedilatildeo que
estes estabelecem no cotidiano de trabalho de um hospital puacuteblico sendo este tambeacutem o
ldquocasordquo a ser estudado
4) A loacutegica que une os dados agraves proposiccedilotildees indica a vinculaccedilatildeo dos dados agraves proposiccedilotildees
ou seja antecipando-se os passos da anaacutelise de dados com a coleta dos dados necessaacuterios
Os dados natildeo podem ser em demasia a ponto de natildeo serem utilizados na anaacutelise e tambeacutem
natildeo devem ser escassos o que impediria a aplicaccedilatildeo da teacutecnica analiacutetica (YIN 2015) Os
dados foram submetidos agrave anaacutelise de conteuacutedo
5) Criteacuterios para interpretar as constataccedilotildees em pesquisas quantitativas as estimativas
estatiacutesticas servem como criteacuterios para interpretar os resultados Uma alternativa para os
estudos de caso que natildeo utilizam a estatiacutestica eacute identificar e abordar as explicaccedilotildees rivais
para os achados Os resultados se tornam mais fortes dependendo de quanto mais
explicaccedilotildees rivais tiveram sido abordadas e rejeitadas (YIN 2015)
32 Cenaacuterio do estudo
A escolha do hospital baseou-se nos seguintes criteacuterios definidos 1) estar localizado
em Belo Horizonte pela facilidade de acesso ser hospital de referecircncia para o estado aleacutem de
o municiacutepio ser poacutelo da Regiatildeo Ampliada de Sauacutede (macrorregiatildeo) Centro de Minas Gerais
exercendo uma forccedila de atraccedilatildeo da populaccedilatildeo de outros municiacutepios em razatildeo de sua
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 44
capacidade e de seu potencial de equipamentos urbanos e fixaccedilatildeo de recursos humanos
especializados (MINAS GERAIS 2010) (2) quantidade de cirurgias realizadas no periacuteodo de
2009 a 2013 periacuteodo que contemplava os uacuteltimos cinco anos quando se deu a escolha do
cenaacuterio de estudo na fase de projeto de pesquisa (3) ser puacuteblico e (4) ter accedilotildees
implementadas de cirurgia segura conforme recomendaccedilotildees da OMS haacute pelo menos um ano
O Quadro 2 a seguir apresenta esses criteacuterios
Quadro 2 Criteacuterios para escolha dos cenaacuterios de pesquisa Belo Horizonte 2013
Hospitais Cirurgias realizadas
de 2008 a 2012
Hospital puacuteblico
(100 SUS)
Accedilotildees em Cirurgia Segura de acordo com
a Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede
A 67001 natildeo Natildeo possui
B 48422 sim Iniciado em 2013 mas interrompido devido a
problemas de recursos humanos
C 42785 sim Iniciada em 01092010
D 38235 sim Natildeo possui
E 37155 natildeo Natildeo possui
F 31464 sim Iniciada em 14052010
G 23602 natildeo Natildeo possui
H 22939 sim Natildeo possui
() Natildeo identificado para preservar o anonimato () Fonte Ministeacuterio da Sauacutede - Sistema de Informaccedilotildees Hospitalares do
SUS (SIHSUS) Pesquisa realizada em outubro de 2013 () Fonte Cadastro Nacional de Estabelecimento de Sauacutede
(CNES) Pesquisa realizada em outubro de 2013 () Fonte Informaccedilatildeo por telefone dada pelo coordenador dos Centros
Ciruacutergicos dos hospitais em novembro de 2013
O hospital C natildeo conseguiu visualizar o projeto de pesquisa na Plataforma Brasil
Foram realizados vaacuterios contatos com a instituiccedilatildeo e com a equipe da Plataforma Brasil sem
soluccedilatildeo do problema
O hospital F foi o cenaacuterio deste estudo e tem por caracteriacutestica a assistecircncia a
pacientes de urgecircncia cliacutenica e ciruacutergica traumatoloacutegica e natildeo traumatoloacutegica de uma
populaccedilatildeo de cerca de 11 milhatildeo de habitantes no eixo norte da Regiatildeo Metropolitana de
Belo Horizonte englobando os municiacutepios de Ribeiratildeo das Neves Vespasiano Santa Luzia
Pedro Leopoldo Matozinhos Confins Esmeraldas Jaboticatubas e Satildeo Joseacute da Lapa Iniciou
seu funcionamento em junho de 2006 mediante convecircnio com a Secretaria de Estado de
Sauacutede de Minas Gerais (SESMG) Desde 2008 apoacutes avaliaccedilatildeo da Comissatildeo de
Certificadores dos Ministeacuterios da Sauacutede e da Educaccedilatildeo foi considerado um hospital de ensino
O Quadro 3 apresenta o quantitativo de leitos do hospital cenaacuterio deste estudo
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 45
Quadro 3 Distribuiccedilatildeo dos leitos do hospital cenaacuterio do estudo (2015)
Descriccedilatildeo dos Leitos Quantidade
Especialidade Ciruacutergica
Ortopedia traumatologia 35
Cirurgia geral 94
Especialidade Cliacutenica
Cliacutenica geral 150
Neonatologia 4
Complementar
UTI Adulto - Tipo II 35
UTI Neonatal - Tipo II 4
Unidade de Cuidados Intermediaacuterios Neonatal Canguru 2
Unidade de Cuidados Intermediaacuterios Neonatal Convencional 4
Obsteacutetrico
Obstetriacutecia ciruacutergica 21
Obstetriacutecia cliacutenica 7
Pediaacutetrico
Pediatria cliacutenica 12
Total geral 368
Fonte CNES (2015)
O modelo de gestatildeo do hospital estudado eacute por linhas de cuidado e apoio nas quais se
pautam a organizaccedilatildeo do hospital Dentro da linha de cuidado ciruacutergico em 2010 foi
implantado o checklist de cirurgia segura Neste ano tambeacutem o Nuacutecleo de Gestatildeo da
Qualidade (NGQ) foi reformulado e passou a reunir profissionais de diversas aacutereas do hospital
que discutem e realizam accedilotildees voltadas para a qualidade dos processos internos da instituiccedilatildeo
33 Participantes do estudo
Os participantes da pesquisa satildeo membros da equipe multiprofissional que atuam no
Centro Ciruacutergico (CC) e nas unidades assistenciais e de apoio agrave assistecircncia ciruacutergica A maior
parte foi selecionada de forma aleatoacuteria por meio de sorteio No entanto outros participantes
foram intencionalmente escolhidos por exercer alguma funccedilatildeo especiacutefica de interesse ao escopo
do estudo e ainda alguns profissionais foram indicados pelos participantes durante as
entrevistas A escolha de diferentes categorias e locais de atuaccedilatildeo dos profissionais decorreu do
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 46
fato de se buscar diversos acircngulos para uma anaacutelise aprofundada por meio da percepccedilatildeo dos
profissionais que atuavam direta e indiretamente na realizaccedilatildeo do ato ciruacutergico
A questatildeo ldquoquantosrdquo tem importacircncia secundaacuteria em relaccedilatildeo agrave questatildeo ldquoquemrdquo quando
se trata de amostras intencionais como na proposta deste estudo Natildeo eacute a quantidade de seus
elementos o fator mais relevante e sim a forma como se concebe a representatividade desses
elementos e a qualidade das informaccedilotildees provenientes desses Natildeo houve delimitaccedilatildeo a priori
do nuacutemero de entrevistados A base para encerrar as entrevistas obedeceu ao criteacuterio de
saturaccedilatildeo de dados A saturaccedilatildeo eacute uma ferramenta utilizada para estabelecer ou fechar o
tamanho da amostra (FONTANELLA RICAS TURATO 2008) quando as informaccedilotildees
coletadas se tornam repetitivas
Os criteacuterios de inclusatildeo utilizados foram atuar no hospital por no miacutenimo um ano e
trabalhar no CC e em unidades assistenciais e de suporte ao ato ciruacutergico Para os profissionais
que ocupam cargos de chefia foram entrevistados os que estavam em exerciacutecio independente do
tempo haja vista a rotatividade nestes cargos O criteacuterio de exclusatildeo foi estar de feacuterias licenccedila
ou se recusar a participar da pesquisa Assim participaram da pesquisa 32 profissionais de
diferentes categorias e setores de atuaccedilatildeo Destes 660 satildeo do sexo feminino e 340 do sexo
masculino A meacutedia da idade dos entrevistados foi de 36 anos variando de 21 e 58 anos O
tempo meacutedio de trabalho no hospital foi de 46 anos variando entre um ano e 16 anos Entre os
profissionais 500 declararam ter outro viacutenculo empregatiacutecio
Os participantes da pesquisa trabalham em sistema de plantotildees 875 no diurno e
220 no noturno sendo que alguns trabalham nos dois turnos e outros sem padratildeo de horaacuterio
como aqueles em cargo de chefia que apesar de trabalharem mais durante o dia relatam natildeo ter
horaacuterio fixo de trabalho Todos foram contratados no regime celetista pela Consolidaccedilatildeo das
Leis do Trabalho (CLT)
A escolaridade variou de niacutevel meacutedio a mestrado sendo que 63 tecircm ateacute o niacutevel meacutedio
340 realizaram um curso teacutecnico alguns estatildeo fazendo tecnoacutelogo ou graduaccedilatildeo e 594 tecircm
formaccedilatildeo superior Destes com graduaccedilatildeo 219 realizaram residecircncia 281 alguma
especializaccedilatildeo 187 mestrado Havia um profissional com doutoramento em curso A maior
parte dos participantes da pesquisa foi de profissionais da equipe de enfermagem (469 de
enfermeiros e teacutecnicos de enfermagem) seguidos da categoria meacutedica (219 de cirurgiotildees e
anestesiologistas) e 126 de instrumentadores e farmacecircuticos As demais categorias
representaram 190 do total de profissionais
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 47
Os participantes da pesquisa foram agrupados em Grupo 1 profissionais que atuam
internamente na sala operatoacuteria durante o intraoperatoacuterio e diretamente na assistecircncia ciruacutergica
ao paciente e Grupo 2 profissionais que tecircm um papel importante para a realizaccedilatildeo da
assistecircncia ciruacutergica mas seu locus de atuaccedilatildeo natildeo eacute a sala operatoacuteria do CC no intraoperatoacuterio
tendo portanto um papel indireto na assistecircncia ciruacutergica ao paciente
Entre os participantes do Grupo 1 foram escolhidos por meio de sorteio cirurgiotildees
anestesiologistas enfermeiros teacutecnicos de enfermagem e instrumentadores Intencionalmente
foi escolhido o profissional enfermeiro responsaacutevel pelo preenchimento do checklist de cirurgia
segura e o coordenador meacutedico da linha de cuidados ciruacutergicos que tambeacutem realiza cirurgias na
instituiccedilatildeo No decorrer das entrevistas houve indicaccedilatildeo dos profissionais para incluir na
pesquisa o meacutedico e a enfermeira que implantaram o checklist na instituiccedilatildeo Essa
recomendaccedilatildeo foi atendida
Os participantes do Grupo 2 foram escolhidos intencionalmente por exercerem cargos
especiacuteficos em unidades assistenciais e de suporte ao ato ciruacutergico coordenador de enfermagem
da linha de cuidados ciruacutergicos enfermeiro coordenador da Central de Material de Esterilizaccedilatildeo
(CME) responsaacutevel pelo setor de qualidade teacutecnico responsaacutevel pela manutenccedilatildeo dos
equipamentos enfermeiro da Comissatildeo de Controle de Infecccedilatildeo Hospitalar (CCIH) responsaacutevel
pela aacuterea ciruacutergica responsaacutevel pelo laboratoacuterio profissional com funccedilatildeo de coordenaccedilatildeo no
Centro de Terapia Intensiva (CTI) Aleatoriamente foram escolhidos secretaacuteria do CC auxiliar
de serviccedilos gerais teacutecnico de enfermagem da Central de Material de Esterilizaccedilatildeo teacutecnico do
banco de sangue enfermeiro supervisor da unidade de internaccedilatildeo ciruacutergica enfermeiro de
especialidade da cirurgia teacutecnico que atua na farmaacutecia sateacutelite do CC e teacutecnico de radiologia
As entrevistas foram realizadas de acordo com a disponibilidade dos profissionais Estatildeo
identificadas de acordo com a sequencia em que foram realizadas pela letra ldquoErdquo (de entrevista)
seguida da letra ldquodrdquo quando diretamente envolvido no intraoperatoacuterio ao paciente aqueles do
Grupo 1 ou letra ldquoirdquo quando indiretamente envolvido na assistecircncia ciruacutergica que fazem parte
do Grupo 2 Apoacutes essa sequecircncia o nuacutemero da entrevista Exemplos Ei1 Ei2 Ei3 Ed4 Ed32
34 Coleta de dados
A coleta de dados foi realizada no periacuteodo de 14 de maio a 17 de julho de 2014 e para
o alcance dos objetivos propostos foi executada em duas fases que se complementaram para
entender o fenocircmeno pesquisado
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 48
Primeira fase observaccedilatildeo direta A observaccedilatildeo foi realizada pela pesquisadora e por
uma acadecircmica de enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
Observou-se no miacutenimo um procedimento ciruacutergico de cada especialidade incluindo
cirurgias eletivas de urgecircncia e de emergecircncia Foi realizado acompanhamento da
transferecircncia de pacientes do CC para outro setor (centro de terapia intensiva e unidade de
internaccedilatildeo ciruacutergica) As observaccedilotildees incluiacuteram turnos da manhatilde tarde e noite em dias uacuteteis
e em finais de semana do dia 14 de maio a 3 de junho de 2014 Durante as observaccedilotildees foi
utilizado o diaacuterio de campo que segundo Minayo (2014) deve conter informaccedilotildees que natildeo
sejam o registro das entrevistas formais Isto eacute observaccedilotildees sobre conversas informais
comportamentos cerimoniais festas gestos e expressotildees que digam respeito ao tema da
pesquisa Aleacutem de falas comportamentos haacutebitos usos costumes e celebraccedilotildees que
compotildeem as representaccedilotildees sociais que foram utilizadas para enriquecimento da anaacutelise
Segunda fase entrevistas em profundidade com os participantes da pesquisa
utilizando roteiro semiestruturado (Apecircndice II) para compreender a seguranccedila ciruacutergica por
meio da perspectiva de profissionais que vivenciam o cotidiano de trabalho do hospital Foi
solicitado ao final da entrevista que os entrevistados narrassem uma situaccedilatildeo em que ocorreu
um incidente e como foi vivenciar a experiecircncia e a abordagem institucional frente ao
incidente Dessa forma pretendeu-se natildeo incorrer nas armadilhas da coleta de dados
padronizada natildeo recomendada em estudos qualitativos O instrumento foi aplicado para teste e
adaptaccedilatildeo sendo adaptado apoacutes a entrevista
As entrevistas foram realizadas individualmente e gravadas mediante autorizaccedilatildeo dos
participantes que assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)
(Apecircndice I) Foi realizado contato preacutevio com os profissionais explicando os objetivos da
pesquisa e feito o convite para participar do estudo Para os profissionais que aceitaram foi
marcada a data e o horaacuterio Os locais para realizaccedilatildeo das entrevistas foram os espaccedilos do
hospital como salas operatoacuterias vazias sem atendimento ao paciente no momento da
entrevista espaccedilo dentro da farmaacutecia sateacutelite do CC sala de reuniatildeo da diretoria e do setor de
informaacutetica e salas de aula do Nuacutecleo de Ensino Pesquisa e Extensatildeo (NEPE)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 49
35 Anaacutelise dos dados
Os dados foram analisados com base no referencial de Bardin (2008) empregando-se a
teacutecnica da anaacutelise de conteuacutedo temaacutetica tendo em vista a anaacutelise dos ldquosignificadosrdquo
pronunciados pelos entrevistados da pesquisa no que se refere agrave cirurgia segura A anaacutelise de
conteuacutedo proposta por Bardin (2008) se configura como
[] um conjunto de teacutecnicas de anaacutelise das comunicaccedilotildees visando obter por
procedimentos sistemaacuteticos e objetivos de descriccedilatildeo do conteuacutedo das mensagens
indicadores (quantitativos ou natildeo) que permitam a inferecircncia de conhecimentos
relativos agraves condiccedilotildees de produccedilatildeorecepccedilatildeo (variaacuteveis inferidas) destas mensagens
(BARDIN 2008 p44)
O aspecto individual e atual da linguagem a praacutetica da liacutengua realizada por emissores
identificaacuteveis ndash a fala ndash eacute o objeto da anaacutelise de conteuacutedo Esta por trabalhar com a fala e com
as significaccedilotildees possibilita conhecer o que estaacute por traacutes das palavras e sobre as quais se
debruccedila Ou seja eacute uma busca de outras realidades mediante as mensagens emitidas (BARDIN
2008) e se propotildee a apreender tanto uma realidade visiacutevel quanto uma invisiacutevel que pode ser
percebida apenas nas ldquoentrelinhasrdquo do texto (CAVALCANTE CALIXTO PINHEIRO 2014)
A escolha da anaacutelise de conteuacutedo neste estudo pode ser elucidada pela necessidade de
superar as incertezas dos pressupostos pela necessidade de enriquecer a leitura por meio da
compreensatildeo das significaccedilotildees e pela necessidade de desvelar as relaccedilotildees que se estabelecem
aleacutem das falas propriamente ditas (CAVALCANTE CALIXTO PINHEIRO 2014) Em termos
de aplicaccedilatildeo praacutetica esse meacutetodo permite
[] o acesso a diversos conteuacutedos expliacutecitos ou natildeo presentes em um texto sejam eles
expressos na axiologia subjacente ao texto analisado implicaccedilatildeo do contexto poliacutetico
nos discursos exploraccedilatildeo da moralidade de dada eacutepoca anaacutelise das representaccedilotildees
sociais sobre determinado objeto inconsciente coletivo em determinado tema
repertoacuterio semacircntico ou sintaacutetico de determinado grupo social ou profissional anaacutelise
da comunicaccedilatildeo cotidiana seja ela verbal ou escrita entre outros (OLIVEIRA 2008
p570)
Contudo a variedade de conceitos e finalidades da anaacutelise de conteuacutedo tem tornado o
meacutetodo pouco claro e permitido sua utilizaccedilatildeo sem os cuidados metodoloacutegicos necessaacuterios para
uma boa praacutetica tendendo a desenvolvecirc-la como uma teacutecnica intuitiva e natildeo sistematizada
Assim para assegurar o valor cientiacutefico eacute necessaacuterio que os procedimentos utilizados na anaacutelise
de conteuacutedo atendam a algumas regras precisas (OLIVEIRA 2008) Nesse sentido foram
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 50
adotadas as fases da anaacutelise de conteuacutedo que segundo Bardin (2008) se organizam em torno de
trecircs poacutelos cronoloacutegicos primeira fase ndash preacute-anaacutelise segunda fase ndash exploraccedilatildeo do material ou
codificaccedilatildeo terceira fase - tratamento dos resultados inferecircncia e interpretaccedilatildeo
Primeira fase ndash preacute-anaacutelise nesta fase os materiais entrevistas e diaacuterio de campo
foram organizados no sentido de sistematizar as ideias iniciais Foi realizada a transcriccedilatildeo das
entrevistas e conferecircncia das mesmas confrontando as entrevistas transcritas agrave gravaccedilatildeo do
aacuteudio das entrevistas corrigindo palavras e pontuaccedilatildeo Apoacutes esse processo foram separados em
pastas os aacuteudios as entrevistas e os diaacuterios de campo retirando da transcriccedilatildeo todo nome que
pudesse identificar algum profissional da instituiccedilatildeo Esse material somado aos registros das
observaccedilotildees no diaacuterio de campo constituiu o corpus de anaacutelise desta pesquisa Foi feita entatildeo a
leitura flutuante deste corpus deixando-se impregnar pelos relatos Nessa etapa tambeacutem foram
retomados os objetivos e pressupostos iniciais desta pesquisa
Segunda fase ndash exploraccedilatildeo do material foi feita a leitura exaustiva das entrevistas e
realizadas operaccedilotildees de codificaccedilatildeo e categorizaccedilatildeo A codificaccedilatildeo foi o processo sistemaacutetico de
transformar e agrupar os dados brutos dos documentos em unidades de registros (unidade de
significaccedilatildeo) e unidades de contexto (unidade de compreensatildeo para codificar a unidade de
registro) Esses satildeo os elementos que compotildeem a mensagem ou seja satildeo palavras eou frases
que representaram determinadas partes das falas dos entrevistados e que permitiram uma
descriccedilatildeo das propriedades pertinentes aos conteuacutedos Isso viabilizou a definiccedilatildeo dos temas
dado que se adotou a anaacutelise temaacutetica ou seja cada tema foi composto por um conjunto de
unidade de registro Assim a anaacutelise temaacutetica consistiu em descobrir os nuacutecleos de sentido que
compotildeem a mensagem que tiveram aderecircncia ao objetivo analiacutetico estudado (BARDIN 2008)
A categorizaccedilatildeo consistiu na classificaccedilatildeo e agrupamento dos temas em razatildeo das
caracteriacutesticas comuns para permitir a organizaccedilatildeo das mensagens Vaacuterios satildeo os criteacuterios de
categorizaccedilatildeo mencionados por Bardin (2008) Neste estudo optou-se pela anaacutelise temaacutetica
Foram seguidas quatro regras importantes relatadas por Bardin (2008) a saber (1) os
dados foram classificados homogeneamente mantendo o cuidado de natildeo se misturar temas
aparentemente semelhantes (2) o texto foi exaustivamente decomposto esgotando suas
informaccedilotildees (3) um mesmo elemento foi classificado sempre na mesma categoria e (4) os
dados retirados das entrevistas foram alinhados ao conteuacutedo teoacuterico da pesquisa e aos objetivos
Terceira fase ndash tratamentos dos resultados inferecircncia e interpretaccedilatildeo os dados
brutos foram tratados de maneira a serem significativos e vaacutelidos Assim foram realizadas
inferecircncias e interpretaccedilatildeo dos dados de acordo com os objetivos e descobertas inesperadas e agrave
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 51
luz da literatura Foram utilizados dentre outros alguns dos conceitos da teoria do ator-rede de
Bruno Latour e do pensamento complexo de Edgar Morin devido agrave complementariedade entre
elas para aprofundar a compreensatildeo do fenocircmeno estudado a partir dos achados da pesquisa
sem no entanto esgotar estes referenciais teoacutericos As observaccedilotildees registradas no diaacuterio de
campo tambeacutem foram utilizadas nesse processo como forma de enriquecimento da anaacutelise
Ressalta-se ainda que o contexto da mensagem eacute fundamental na anaacutelise de conteuacutedo
natildeo soacute ele mas o contexto exterior a este em que condiccedilotildees de produccedilatildeo foi evocada aquela
mensagem ou seja quem eacute que fala a quem e em que circunstacircncias (BARDIN 2008) Nesse
sentido requer uma preacute-compreensatildeo do ser suas manifestaccedilotildees suas interaccedilotildees com o
contexto e requer um olhar meticuloso do investigador (CAVALCANTE CALIXTO
PINHEIRO 2014) Assim a vivecircncia que se teve no campo de pesquisa foi importante para a
aproximaccedilatildeo com a realidade do fazer ldquoa assistecircncia ciruacutergicardquo no cenaacuterio de estudo ou seja
possibilitou interpretar as entrevistas de forma contextualizada contribuindo para a anaacutelise e
evidenciando a importacircncia da observaccedilatildeo
36 Aspectos eacuteticos da pesquisa
A pesquisa foi aprovada pela Cacircmara do Departamento de Enfermagem Aplicada da
Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais (ENAEEUFMG) pelo
Comitecirc de Eacutetica e Pesquisa do hospital sob o Parecer 072014 (natildeo foi anexado o documento
para assegurar o anonimato do hospital) e pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa da Universidade
Federal de Minas Gerais (COEPUFMG) sob o Parecer nordm 619723 em 16042014 e CAAE
28460314900005149 (Anexo I)
Este percurso visou assegurar procedimentos que garantam a confidencialidade e a
privacidade a proteccedilatildeo da imagem e a natildeo estigmatizaccedilatildeo dos participantes Assegurou-se
que as informaccedilotildees natildeo seratildeo usadas para prejudicar as pessoas eou comunidades inclusive
no que tange a autoestima prestiacutegio eou aspectos econocircmico-financeiros Aleacutem disso os
procedimentos natildeo ofereceram riscos agrave dignidade dos participantes viabilizando o princiacutepio
da natildeo maleficecircncia conforme estabelece a Resoluccedilatildeo nordm 466 de 2012 do Conselho Nacional
de Sauacutede (CNS) (BRASIL 2012a)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 52
Achados da pesquisa
x
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 53
4 APRESENTACcedilAtildeO E DISCUSSAtildeO DOS ACHADOS
Neste estudo o termo ldquocentro ciruacutergicordquo seraacute utilizado de acordo com a RDC ndeg
502002 que o define como ldquo[] a unidade destinada ao desenvolvimento de atividades
ciruacutergicas bem como agrave recuperaccedilatildeo poacutes-anesteacutesica e poacutes-operatoacuteria imediatardquo (ANVISA
2002 p 119) No entanto os profissionais se referem ao centro ciruacutergico tambeacutem como bloco
ciruacutergico e assim seraacute mantido nos depoimentos Os resultados da pesquisa foram agrupados
em trecircs categorias e suas respectivas subcategorias
Categoria 1 - Rede intra-hospitalar para o perioperatoacuterio em um hospital puacuteblico referecircncia
para urgecircncias e emergecircncias e de ensino
Centro ciruacutergico de um hospital referecircncia para urgecircncias e emergecircncias que lugar eacute
esse
Rede intra-hospitalar conexotildees para a seguranccedila ciruacutergica
Perioperatoacuterio entrelaccedilamento das trecircs fases para a cirurgia segura
Categoria 2 - Situaccedilotildees de seguranccedila e de inseguranccedila nos procedimentos ciruacutergicos
Cirurgia segura e cirurgia insegura imbricaccedilotildees de atores humanos e natildeo humanos
Onda Vermelha situaccedilatildeo de caos que salva vidas
Efeito borboleta pequenas accedilotildees podem resultar em grandes incidentes na assistecircncia
ciruacutergica
Abordagem institucional frente aos incidentes efeitos da cultura organizacional
Categoria 3 - Lista de verificaccedilatildeo de seguranccedila ciruacutergica da aparente simplicidade a real
complexidade
Lista de verificaccedilatildeo de seguranccedila ciruacutergica da implantaccedilatildeo aos dias atuais
Melhorias no uso do checklist de cirurgia segura
41 Rede intra-hospitalar para o perioperatoacuterio em um hospital puacuteblico referecircncia para
urgecircncias e emergecircncias e de ensino
O conhecimento natildeo eacute um espelho das coisas ou do mundo externo Todas as
percepccedilotildees satildeo ao mesmo tempo traduccedilotildees e reconstruccedilotildees cerebrais com base em
estiacutemulos ou sinais captados e codificados pelos sentidos (MORIN 2000 p20)
Essa primeira categoria estaacute divida em trecircs subcategorias (411) centro ciruacutergico de
um hospital de urgecircncias e emergecircncias que lugar eacute esse (412) rede intra-hospitalar
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 54
conexotildees para a seguranccedila ciruacutergica e (413) perioperatoacuterio entrelaccedilamento das trecircs fases
para a cirurgia segura Essas subcategorias tratam respectivamente da percepccedilatildeo dos
profissionais participantes desta pesquisa sobre o centro ciruacutergico em que atuam de como se
configura a conexatildeo dos pontos de atenccedilatildeo da rede intra-hospitalar para a seguranccedila ciruacutergica
e das fases do perioperatoacuterio que correspondem ao preacute trans e poacutes-operatoacuterio
Emergiu dos relatos a pluralidade de percepccedilotildees e contradiccedilotildees tendo em vista que os
profissionais participantes da pesquisa estatildeo em diferentes posiccedilotildees e locais de atuaccedilatildeo
possuem experiecircncias profissionais niacuteveis de identificaccedilatildeo organizacional e relaccedilotildees de poder
diferenciadas Aleacutem disso tambeacutem possuem desejos e metas pessoais o que confere ao
ambiente de trabalho uma significaccedilatildeo singular
Pretendeu-se nesta categoria fornecer informaccedilotildees para traduzir e reconstruir a
realidade da seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica e suas muacuteltiplas dimensotildees Assim natildeo foi
levada em consideraccedilatildeo a unidimensionalidade que mutila por buscar a disjunccedilatildeoreduccedilatildeo
para chegar agrave simplificaccedilatildeo Considerou-a como um sistema complexo
Nos sistemas complexos dinacircmicos e natildeo lineares natildeo haacute pontos de equiliacutebrio e em
princiacutepio parecem ser aleatoacuterios e caoacuteticos Sistemas como o de sauacutede satildeo constituiacutedos por
muitos atores (meacutedicos enfermeiros pessoal teacutecnico e administrativo pacientes pagadores
gestores) que tendem a atuar em redes profissionais e sociais mas tambeacutem por interesses
proacuteprios diferentes e natildeo raro conflitantes Esses atores ganham cultura e experiecircncias que
mudam em funccedilatildeo do tempo adaptando-se em um processo de auto-organizaccedilatildeo e talvez o
mais importante natildeo apresentam pontos uacutenicos de controle ou seja ningueacutem estaacute de fato no
controle Consequentemente seratildeo sempre mais facilmente influenciaacuteveis em seu
comportamento do que moviacuteveis por controle direto (FRAGATA SOUSA SANTOS 2014)
411 Centro ciruacutergico de um hospital de urgecircncias e emergecircncias que lugar eacute esse
O hospital em que o Centro Ciruacutergico (CC) estaacute inserido constitui uma das portas de
entrada hospitalar de urgecircncia e emergecircncia da Rede de Atenccedilatildeo agraves Urgecircncias no acircmbito do
SUS A instituiccedilatildeo atende a uma populaccedilatildeo numerosa do Vetor Norte de Belo Horizonte e de
municiacutepios vizinhos Localiza-se em um ponto perifeacuterico do municiacutepio sendo o uacutenico
hospital da regiatildeo Somado ao porte do hospital e seu perfil de demanda espontacircnea para a
assistecircncia de urgecircncia e de emergecircncia ciruacutergica traumatoloacutegica e natildeo traumatoloacutegica o CC
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 55
se revela de grande relevacircncia na percepccedilatildeo dos entrevistados desta pesquisa tanto dos que
atuam internamente quanto dos que atuam externamente
[] o bloco daqui eacute extremamente importante por ser um hospital de urgecircncia
porta-aberta [] soacute tem esse hospital nessa regiatildeo neacute [] A importacircncia de
atender essa populaccedilatildeo extremamente extensa (Ed26)
[somos] referecircncia em trauma [] se natildeo houvesse o bloco o hospital natildeo
caminharia A importacircncia eacute imensuraacutevel Principalmente em uma grande cidade
como Belo Horizonte (Ed29)
O bloco ciruacutergico eacute um setor extremamente importante estrateacutegico (Ei23)
Os termos utilizados pelos entrevistados ao se referirem agrave importacircncia do CC
mostram o reconhecimento e o significado que atribuem a essa unidade ciruacutergica e tambeacutem ao
hospital Os profissionais mencionam o papel estrateacutegico dado pela localizaccedilatildeo e por ser o
uacutenico hospital da regiatildeo e o papel social por meio da assistecircncia prestada agrave populaccedilatildeo de
uma vasta aacuterea A importacircncia do CC eacute mencionada por autores como Gomes (2009) Souza
(2011) sendo considerado o setor de maior importacircncia ou o que atrai mais atenccedilatildeo pela
evidecircncia dos resultados dramaticidade das cirurgias importacircncia demonstrativa e didaacutetica e
principalmente pela accedilatildeo de cura dada aos procedimentos ciruacutergicos (BARRETO BARROS
2009) Haacute poucas descriccedilotildees sobre a importacircncia do CC especificamente em hospitais de
referecircncia para a assistecircncia de urgecircncia e de emergecircncia
As situaccedilotildees de urgecircncia e emergecircncia incluem casos em que o paciente necessita
muitas vezes do acesso a procedimentos ciruacutergicos imediatos pelo risco de morte Esse perfil
do hospital faz com que o CC se torne parte importante da instituiccedilatildeo um local que salva
vidas pelo tratamento adequado que se oferece nessas situaccedilotildees
Em um hospital de pronto socorro porta aberta o paciente jaacute chega direto para a
cirurgia caso de vida ou morte Chega aqui direto para poder ser tratado de forma
adequada e a gente vai salvar vidas neacute (Ed13)
[] uma importacircncia para o perfil dos pacientes Tem uma clientela mais de
pacientes viacutetimas de PAF [perfuraccedilatildeo por arma de fogo] essas coisas (Ei7)
A equipe multiprofissional do CC deve estar inserida no planejamento da assistecircncia
emergencial que se inicia na estrutura no levantamento de prioridades na organizaccedilatildeo e
preparo dos materiais e equipamentos aleacutem da responsabilizaccedilatildeo das accedilotildees de cada um dos
membros da equipe assistencial (CALIL et al 2010)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 56
O papel estrateacutegico pela localizaccedilatildeo do hospital e por ser o uacutenico da regiatildeo e afastado
da aacuterea hospitalar central eacute reforccedilado por ser considerada uma aacuterea de alto risco social
relacionada agrave violecircncia urbana O perfil dos pacientes atendidos tem como caracteriacutestica
principal o fato de que sua maioria eacute viacutetima da violecircncia Apesar da legislaccedilatildeo brasileira
(BRASIL 2001 2002a 2004 2006 2011a 2011b 2012b 2013a 2013b 2013c) para
prevenccedilatildeo e reduccedilatildeo da mortalidade por causas externas (atos relacionados agrave violecircncia e
acidentes) a taxa de mortalidade em razatildeo desse fenocircmeno aumentou 84 de 2001 para
2010 Em 2010 ocupou a terceira posiccedilatildeo entre as mortes da populaccedilatildeo total e a primeira
entre adolescentes e adultos jovens As agressotildees e acidentes de transporte terrestre foram
responsaacuteveis por 67 dos oacutebitos por causas externas A arma de fogo foi o meio utilizado em
mais da metade dos oacutebitos A maior proporccedilatildeo foi de indiviacuteduos do sexo masculino e adultos
de 20 a 39 anos (BRASIL 2012b)
Em Minas Gerais das 8387 internaccedilotildees por traumas em 2009 229 foram a oacutebito Do
total de ocorrecircncias 198 foram em pacientes entre 20 e 29 anos de idade (VIEIRA
MAFRA 2011) Esses dados em niacutevel nacional e estadual se assemelham aos dados do
hospital em estudo presentes em outra pesquisa na qual a maioria dos pacientes assistidos por
trauma eacute jovem do sexo masculino que sofreram agressotildees fiacutesicas acidentes com
motocicleta e perfuraccedilatildeo por arma de fogo (MARQUES GUEDES SIZENANDO 2010)
Essas ocorrecircncias satildeo denominadas ldquocausas externasrdquo e tecircm se apresentado como um
desafio para a agenda da sauacutede puacuteblica O desafio se inicia pelo fato do proacuteprio nome parecer
algo que estaacute externo agrave aacuterea da sauacutede ou a qualquer outra aacuterea como a social a econocircmica a
educacional ou a aacuterea da seguranccedila puacuteblica Ou seja as causas do problema da violecircncia satildeo
sempre externas a uma aacuterea de responsabilidade puacuteblica natildeo haacute responsabilidade exclusiva de
nenhum gestor Satildeo situaccedilotildees nas quais os problemas deveriam ser equacionados
intersetorialmente mas natildeo haacute o dialogo necessaacuterio e os serviccedilos de sauacutede continuam a
receber cotidianamente as consequecircncias da violecircncia e dos acidentes principalmente aqueles
serviccedilos que satildeo referecircncia para a assistecircncia de urgecircncias e de emergecircncias
Neste sentido a funccedilatildeo de um CC de um hospital referecircncia para urgecircncias e
emergecircncias eacute diferente da funccedilatildeo deste setor em hospitais de atendimento ciruacutergico eletivo
Os pacientes em algum momento do processo terapecircutico podem necessitar de intervenccedilatildeo
ciruacutergica
[] a pessoa jaacute entra direto para o CC pela onda Natildeo tem como natildeo ter o bloco
[] se fosse um hospital cliacutenico poderia natildeo existir (Ed32)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 57
[] nosso paciente em algum momento passa pelo bloco [] chega vai ser
estabilizado no bloco ir para o andar e depois retornar para o bloco para uma
intervenccedilatildeo mais completa Ou chega e vai direto para o bloco Ou sai daqui
[hospital] para casa para o ambulatoacuterio e aguarda o bloco (Ei30)
O entrevistado fala que o paciente entra direto ldquopela ondardquo isto significa que eacute um
paciente de emergecircncia com risco de morte que quando se daacute sua chegada ao hospital eacute tocada
uma sirene para alertar os profissionais sobre a necessidade de intervenccedilatildeo raacutepida Esse fluxo
eacute chamado de ldquoOnda Vermelhardquo ou simplesmente ldquoOndardquo
A ldquoOnda Vermelhardquo eacute um protocolo que foi criado como resultado da experiecircncia
adquirida ao longo dos anos pelos profissionais da urgecircncia que atendiam viacutetimas de traumas
graves que apresentavam alta mortalidade O CC eacute um ponto de atenccedilatildeo necessaacuterio para a
assistecircncia da maioria desses pacientes em estado de urgecircncia ou emergecircncia sejam os
pacientes que vecircm por demanda espontacircnea ou aqueles trazidos pelo Serviccedilo de Atendimento
Moacutevel de Urgecircncia (SAMU) poliacutecia militar ou serviccedilo de resgate do corpo de bombeiros Os
pacientes satildeo atendidos primeiro no pronto socorro (PS) nas salas denominadas ldquoPoli 9rdquo
(emergecircncias ciruacutergicas) e ldquoPoli 10rdquo (emergecircncias cliacutenicas) O paciente ciruacutergico eacute
encaminhado agrave sala operatoacuteria pelos profissionais do PS ou algumas vezes pelo profissional
do transporte sanitaacuterio que o trouxe e pode ser submetido a uma cirurgia para estabilizaccedilatildeo e
nova abordagem posterior ou uma cirurgia com intervenccedilatildeo definitiva Aleacutem disso o paciente
pode ser atendido no PS receber alta para acompanhamento no ambulatoacuterio e aguardar a
cirurgia em casa Aleacutem das urgecircncias agraves emergecircncias ciruacutergicas e agraves situaccedilotildees cliacutenicas de
demanda espontacircnea o hospital atende tambeacutem a pacientes eletivos e referenciados
Os diferentes perfis conformam o modo de acesso ao hospital e ao CC Isso exige
atenccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo e aos fluxos para o acesso efetivo do paciente o que muitas vezes
gera problemas no cotidiano de trabalho A acessibilidade eacute um atributo de qualidade
importante do sistema de sauacutede e da atenccedilatildeo agraves urgecircncias (GARLET et al 2009) E este
acesso deve ser organizado humanizado integral efetivo eficiente oportuno e seguro
O CC eacute comparado pelos entrevistados a oacutergatildeos vitais e deve estar funcionando a todo
o tempo para proporcionar vida ao hospital Eacute comparado tambeacutem agraves partes que satildeo visiacuteveis
no corpo do ser humano reforccedilando a visibilidade do CC Essas comparaccedilotildees permitem
visualizar a imagem que os profissionais tecircm do CC
Como o hospital eacute referecircncia em urgecircncia e emergecircncia em trauma eacute como se fosse
o coraccedilatildeo do hospital [] eacute onde vocecirc encaminha os pacientes graves [] Eacute um
setor que deve estar a todo o momento pronto para receber qualquer tipo de trauma
ou outra situaccedilatildeo cliacutenica ciruacutergica (Ei5)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 58
Eacute a cabeccedila do hospital eacute o lugar mais importante do hospital (Ei6)
[] noacutes [do CC] somos a cara aqui da frente do hospital neacute (Ed26)
O bloco eacute quase a menina dos olhos do hospital eacute onde tem perspectiva do
prognoacutestico e gera dinheiro no hospital onde a gente consegue mudar a terapecircutica
do paciente (Ed10)
As comparaccedilotildees do CC com partes vitais do ser humano ndash ldquocoraccedilatildeordquo e ldquocabeccedilardquo ndash e
com partes que satildeo visiacuteveis do corpo ndash ldquocarardquo e ldquomenina dos olhosrdquo ndash satildeo metaacuteforas que
emergem naturalmente nos discursos dos profissionais e reforccedilam a dependecircncia e a
visibilidade do CC Sem o coraccedilatildeo e a cabeccedila uma pessoa natildeo vive assim como o hospital de
referecircncia para urgecircncia e emergecircncia sem o CC natildeo cumpre sua missatildeo O CC eacute um lugar
onde a assistecircncia ao paciente ocorre de forma raacutepida objetiva e transitoacuteria O foco eacute na
soluccedilatildeo dos problemas dos pacientes nas teacutecnicas ciruacutergicas O contato breve do profissional
do CC com o paciente natildeo permite a criaccedilatildeo de viacutenculos e agraves vezes nem mesmo o nome do
paciente eacute assimilado o que contribui para diferenciar esse setor de outros do hospital
Eacute um setor raacutepido Que resolve A gente eacute muito praacutetico [] natildeo tem aquele contato
de ficar muito tempo com o paciente agraves vezes vocecirc natildeo pega nem o nome direito
Laacute fora o pessoal sabe ateacute Tudo Convive com o paciente (Ed31)
[] um local onde o paciente entra para sair melhor [] eu vejo o bloco como um
lugar objetivo pra resolver problemas O meu interesse por essa aacuterea eacute pela
objetividade da cirurgia da anestesia (Ed17)
A dinacircmica do CC eacute voltada para a objetividade das accedilotildees e eacute por natureza um
trabalho teacutecnico que visa agrave recuperaccedilatildeo do paciente A interaccedilatildeo durante a assistecircncia prestada
pelos profissionais eacute limitada sendo o afeto o toque e o diaacutelogo restritos Isto acontece natildeo
no sentido de valorizar os aspectos objetivos e desmerecer os aspectos subjetivos do cuidar
mas porque nesse setor a atenccedilatildeo ao oacutergatildeo fiacutesico eacute imperiosa (SILVA ALVIM 2010) A
objetividade das accedilotildees do CC ao mesmo tempo em que produz a escolha de alguns
profissionais pela aacuterea devido agrave sua caracteriacutestica eacute tambeacutem produto desta escolha sendo um
lugar onde haacute pessoas com caracteriacutesticas mais objetiva praacutetica resolutiva
A rapidez dos processos no CC pode contribuir para a falta de observaccedilatildeo de algumas
accedilotildees importantes pelos profissionais como a identificaccedilatildeo correta do paciente como
apontado por um entrevistado que diz que agraves vezes natildeo se consegue ldquopegar nem o nome
direitordquo do paciente Essa situaccedilatildeo traduz a pouca interaccedilatildeo e o distanciamento entre pacientes
ciruacutergicos e profissionais do CC que pode interferir na seguranccedila do paciente A falta de
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 59
interaccedilatildeo e as falhas na identificaccedilatildeo dos pacientes ganham maior relevacircncia no CC uma vez
que o paciente fica acordado por um tempo curto antes da cirurgia pois logo recebe a
anestesia ficando inconsciente Segundo Reus (2011) a passagem do paciente pelo CC se
assemelha a uma vivecircncia ficcional em funccedilatildeo da anestesia que produz um apagamento
sensorial para a produccedilatildeo de um corpo inerte sujeito a manipulaccedilatildeo ciruacutergica sem consciecircncia
dolorosa Assim a pouca interaccedilatildeo paciente-profissional no CC pode gerar riscos pois a falta
de comunicaccedilatildeo efetiva eacute uma das causas raiacutezes de muitos incidentes
O CC eacute tambeacutem um lugar sofisticado em relaccedilatildeo agrave tecnologia onde o paciente fica
monitorizado e sob manipulaccedilatildeo dos profissionais Essa condiccedilatildeo dentre outras faz com que
haja uma submissatildeo do paciente ao profissional dentro do CC Isso exprime na percepccedilatildeo dos
profissionais certa tranquilidade para o trabalho realizado e o diferencia do trabalho da
enfermaria no qual somente os pacientes graves satildeo monitorizados repercutindo em um
trabalho menos tranquilo
[] muito sofisticado o bloco daqui os aparelhos satildeo oacutetimos bem melhor que os
blocos ciruacutergicos de um hospital Y [hospital particular] A equipe fala que eacute bem
melhor operar aqui que operar laacute (Ei27)
A gente [do CC] manteacutem o paciente monitorizado Na enfermaria nem todo paciente
eacute monitorizado soacute os graves Aqui a gente pode ter essa observaccedilatildeo maior o
paciente estaacute deitado e a gente observando Eacute mais tranquilo (Ed11)
O parque tecnoloacutegico disponiacutevel nos hospitais emergiu como um fator que gera maior
ou menor satisfaccedilatildeo em realizar o trabalho (Ei27) e por outro lado determina a caracteriacutestica
diferenciada do CC onde todos os pacientes encontram-se monitorizados Segundo Morin
(2005) as tecnologias disponiacuteveis criaram modos novos e sutis de manipulaccedilatildeo A
manipulaccedilatildeo exercida sobre as coisas implica a subjugaccedilatildeo dos homens pelas teacutecnicas de
manipulaccedilatildeo Fazem-se maacutequinas a serviccedilo do homem e potildeem-se homens a serviccedilo das
maacutequinas Vecirc-se entatildeo como o homem eacute manipulado pela maacutequina e para ela que manipula
as coisas a fim de libertaacute-lo (MORIN 2005) No CC a manipulaccedilatildeo dos equipamentos dos
instrumentos e dos medicamentos pelo profissional ndash principalmente pelos cirurgiotildees e
anestesistas ndash implica na subjugaccedilatildeo do paciente Isso pode tanto beneficiar o paciente pela
oportunidade dessas tecnologias propiciarem teacutecnicas mais sofisticadas para resolver seu
processo sauacutede-doenccedila com menos dor e maior resolutividade quanto pode prejudicaacute-lo
dado agraves implicaccedilotildees por exemplo de um cuidado mecanizado dos profissionais que por
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 60
vezes focam mais no aprendizado e manipulaccedilatildeo da tecnologia disponiacutevel do que
propriamente no cuidado do ser humano
O CC eacute um lugar restrito desconhecido e constantemente vigiado por seus
profissionais para que ldquoestranhosrdquo natildeo tenham acesso Os participantes da pesquisa que atuam
internamente no CC afirmam que profissionais externos (pessoal administrativo por
exemplo) ao setor natildeo devem ou natildeo teriam motivos para adentrar nesse recinto
[] se tem algueacutem que natildeo eacute do setor o pessoal jaacute fica ldquouai o quecirc que taacute fazendo
aquirdquo Entatildeo natildeo eacute um setor como o pronto socorro que entra todo mundo de outro
setor Aqui no bloco natildeo Aqui eacute bem restrito mesmo (Ed8)
[] eacute um espaccedilo restrito Nem todo mundo pode ficar O administrativo a pessoa do
RH natildeo pode vir aqui trocar de roupa e ver o que estaacute acontecendo aqui dentro []
as pessoas que estatildeo laacute fora natildeo tecircm noccedilatildeo do que se passa aqui O cliacutenico natildeo tem
noccedilatildeo do funcionamento do bloco Eu tenho certeza Pode perguntar pra um (Ed32)
O CC eacute um setor fechado e o acesso restrito eacute amplamente relatado na literatura
(SOUSA 2011 STUMM MACcedilALAI KIRCHNER 2006 BARRETO BARROS 2009) Agrave
primeira vista pode parecer uma atitude que gera seguranccedila o que de fato estaacute exigido na
legislaccedilatildeo (ANVISA 2002b) Contudo parece haver tambeacutem um desejo de manter o local
desconhecido pelos outros Durante a pesquisa de campo uma cena chamou a atenccedilatildeo Uma
profissional entrou no vestiaacuterio feminino para usar o banheiro A enfermeira perguntou aos
que estavam ali se algueacutem a conhecia e como ningueacutem confirmou a enfermeira esperou a
profissional sair para avisar que o vestiaacuterio era apenas para uso dos profissionais do CC e que
era proibida a entrada de outras pessoas A profissional se desculpou disse que trabalhava haacute
pouco tempo no hospital e que algueacutem tinha falado que ela poderia usar mesmo atuando no
pronto socorro
CO C eacute dividido em trecircs partes distintas em relaccedilatildeo ao acesso de profissionais (1)
restrita sala de operaccedilatildeo propriamente dita e lavabos (2) semirrestrita corredores e a sala de
recuperaccedilatildeo anesteacutesica e (3) irrestrita parte de vestiaacuterios e banheiros masculinos e femininos
(SOUZA GUIMARAtildeES 2014) A presenccedila da profissional do pronto socorro no banheiro do
CC poderia ser aceita por se tratar de uma aacuterea irrestrita mas a postura da enfermeira revela
que natildeo eacute permitida a entrada de pessoas que natildeo atuam no CC A enfermeira tem esta
orientaccedilatildeo teacutecnica e administrativa buscando manter os banheiros do CC mais limpos e
organizados que os banheiros externos Haacute uma apropriaccedilatildeo do lugar do CC pelos
profissionais que atuam nesse setor os quais manteacutem este local restrito e desconhecido
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 61
No CC segundo os profissionais eacute realizado um trabalho diferenciado Necessita-se
de um saber-fazer que nem todos detecircm A imagem dos profissionais que atuam interna e
externamente ao CC tambeacutem eacute de ser um lugar limpo Um lugar onde nada pode ser tirado do
lugar e natildeo se pode encostar o que causa receio nos profissionais externos
[Centro Ciruacutergico] Eacute uma aacuterea limpa [] Quando tem cirurgia nada pode encostar
natildeo pode mexer em muita coisa (Ed4)
Pessoal que trabalha na assistecircncia natildeo gosta do bloco [] eles natildeo conseguem
distinguir o quecirc eacute o contaminado e o esteacuteril e aiacute eles tecircm medo de contaminar (Ed8)
[] A maioria [profissionais externos ao CC] natildeo sabe trabalhar aqui Natildeo eacute um
bicho de sete cabeccedilas mas eacute um trabalho diferenciado Natildeo pode pegar uma pessoa
sem noccedilatildeo de bloco pra trabalhar aqui dentro (Ed13)
O saber teacutecnico e o saber fazer dos diferentes profissionais do CC fazem com que haja
fronteiras visiacuteveis entre quem atua interna e externamente ao CC Situaccedilatildeo que aumenta o
poder dos que trabalham no CC O profissional Ed8 se coloca fora da assistecircncia mesmo o
CC tendo sido apontado como extremamente importante vital o coraccedilatildeo do hospital por ser
referecircncia em urgecircncia e emergecircncia Haacute uma identificaccedilatildeo profissional construiacuteda que
estabelece fronteiras riacutegidas com o exterior prejudicando em algumas situaccedilotildees o
intercacircmbio com outras unidades e consequentemente a seguranccedila ciruacutergica
O CC eacute uma unidade fechada que possui particularidades e rigorosas teacutecnicas
asseacutepticas Isso exige dos trabalhadores atenccedilatildeo responsabilidade e organizaccedilatildeo pois
desempenham atividades relacionadas ao manuseio e manutenccedilatildeo de materiais e
equipamentos especiacuteficos (SALBEGO et al 2015) conferindo a eles um saber diferenciado
Para os entrevistados o CC eacute um setor desejado pelos profissionais externos sendo
considerado segundo os profissionais que atuam internamente como elite dentro do hospital
um lugar privilegiado ocioso e que tem salaacuterio melhor Um local que proporciona blindagem
aos profissionais No entanto relatam falta de conhecimento dos profissionais que natildeo atuam
diretamente dentro da sala operatoacuteria sobre a intensidade e responsabilidade do trabalho
realizado no CC uma vez que eacute uma unidade fechada
Os outros setores [] acham que o bloco eacute elite [] que o funcionaacuterio do bloco eacute
diferenciado que tem salaacuterio melhor Acredito que tem mais de cem teacutecnicos
tentando entrar no bloco (Ed12)
O bloco eacute um setor onde os funcionaacuterios desejam trabalhar [] porque eacute um setor
organizado um setor que tem uma rotina definida (Ei30)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 62
[] eles olham como um setor privilegiado porque natildeo tecircm noccedilatildeo da intensidade
que eacute o trabalho aqui Como eacute um setor fechado natildeo conseguem ver a dimensatildeo do
trabalho e da necessidade que tem um bloco dentro de um hospital (Ed13)
[] bloco eacute visto como ldquoAi eacute o ceacuteu Natildeo vou trabalhar como na internaccedilatildeordquo Todo
mundo quer ir para o bloco Por uma ilusatildeo que estaraacute blindada em um setor
fechado Eu passo por isso tambeacutem no J [outro hospital] Os profissionais procuram
o bloco como lugar ocioso (Ed29)
O desejo de trabalhar no CC estaacute relacionado agrave busca de melhores condiccedilotildees de
trabalho e querer sair das enfermarias para trabalhar em um local melhor eacute legiacutetimo porque
nas enfermarias o trabalho eacute aacuterduo contiacutenuo pouco valorizado e muitas vezes faltam
equipamentos e materiais de uso cotidiano Por outro lado os relatos mostram tambeacutem que o
CC eacute um lugar em que os profissionais se consideram superiores e esta posiccedilatildeo eacute evidenciada
nos discursos de profissionais que atuam no CC e por aqueles que atuam externamente
[] o mais importante no hospital eacute o bloco ciruacutergico [] (Ei27)
Enxerga a gente como os chatos os metidos do hospital (riso) Eacute o que passa pra
gente [] Vocecirc chega ao refeitoacuterio o pessoal jaacute olha assim ldquoAh eacute o pessoal do
blocordquo Porque vecirc a roupa diferente E eu natildeo sei eu percebo que eles tecircm tipo
Natildeo eacute inveja natildeo eacute raiva Uns tem ateacute admiraccedilatildeo ldquoAh natildeo sei como que vocecirc
conseguerdquo Tem curiosidade ldquoComo que eacute Como eacute que vocecircs fazemrdquo Na visatildeo
deles somos diferentes [] Eu acho que noacutes somos diferenciados (Ed31)
A tentativa dos profissionais do CC de se diferenciarem dos profissionais que atuam
em outros setores e ao mesmo tempo de serem considerados igualmente importantes entre os
profissionais que trabalham dentro do CC satildeo ideias expressadas nas entrevistas e
confirmadas durante a observaccedilatildeo Tal postura gera conflitos rivalidade e antipatia em
relaccedilatildeo aos profissionais do CC que se posicionam como os mais importantes do hospital e
donos da verdade isolando-se do conjunto e das comunicaccedilotildees essenciais para o sucesso de
seu trabalho e para a seguranccedila ciruacutergica
Os profissionais do CC tecircm um discurso diferenciado desde o vestuaacuterio especiacutefico dos
profissionais que difere da unidade de internaccedilatildeo e demais setores Conforme o relato o
vestuaacuterio assegura-lhes maior destaque que os outros quando por exemplo chegam ao
refeitoacuterio Este aspecto foi mencionado por Reus e Tittoni (2012) ao observarem que devido
ao fato de todos os profissionais usarem vestimenta idecircntica dentro do CC a enfermagem se
sente satisfeita com a possibilidade de poder ser confundida com os meacutedicos principalmente
externamente ao ambiente ciruacutergico Confirma assim um jogo de visibilidades do imaginaacuterio
dos profissionais sustentado pela estrutura hieraacuterquica (REUS TITTONI 2012)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 63
O CC eacute um local considerado de maior complexidade em relaccedilatildeo a outros setores do
hospital A complexidade mencionada se refere agrave rotina e aos procedimentos teacutecnicos
realizados que segundo os profissionais exige responsabilidade concentraccedilatildeo e necessidade
de qualificaccedilatildeo profissional devido agrave iacutentima relaccedilatildeo de vida e morte que se daacute durante as
cirurgias diferente de procedimentos realizados na unidade de internaccedilatildeo por exemplo
Aqui satildeo feitas as coisas mais complexas onde seleciona profissionais mais
especializados qualificados natildeo soacute de medicina de enfermagem tambeacutem (Ed17)
A assistecircncia que a gente daacute natildeo eacute mais importante que do setor de internaccedilatildeo mas eacute
mais complexa [] O grau de importacircncia da cirurgia em relaccedilatildeo agrave vida e morte eacute
maior que na assistecircncia de um banho de um curativo de uma assistecircncia social []
a gente tem um trabalho que tem mais concentraccedilatildeo mais dedicaccedilatildeo tem que ter
capacitaccedilatildeo mais adequada do que do setor de internaccedilatildeo (Ed13)
[] circular sala natildeo eacute a mesma coisa que ficar laacute fora fazendo curativo dando
banho o trabalho eacute mais forte (Ei14)
O bloco eu percebo que eacute o setor de maior complexidade porque tem uma rotina
que eacute totalmente diferente da que tem laacute fora (Ed31)
Tanto os profissionais que atuam na sala operatoacuteria quanto os que natildeo tecircm atuaccedilatildeo
direta relataram que as accedilotildees do CC satildeo complexas e demonstram desmerecimento de
procedimentos como banho e curativos realizados principalmente em unidades de internaccedilatildeo e
nos demais setores No entanto esses procedimentos tidos como baacutesicos satildeo accedilotildees
importantes e preacute-requisitos para o sucesso das atividades do CC O banho por exemplo eacute
uma intervenccedilatildeo importante no preacute-operatoacuterio para prevenccedilatildeo de infecccedilatildeo de siacutetio ciruacutergico
aleacutem de promover o bem-estar fiacutesico psiacutequico e social do paciente aleacutem de ser um momento
iacutempar para a realizaccedilatildeo de um exame fiacutesico e para avaliaccedilatildeo de possiacutevel uacutelcera de pressatildeo em
pacientes acamados Assim natildeo haacute um saber de importacircncia maior que outro Todos os
saberes empregados em teacutecnicas especiacuteficas realizadas pelos profissionais devem estar
articulados para alcanccedilar uma assistecircncia ciruacutergica segura
A complexidade de um CC eacute abordada em diversos estudos (GOMES 2009 SOUSA
2011 SOUZA et al 2011 BARRETO BARROS 2009 VALIDO 2011 LIMA SOUSA
CUNHA 2013) que discutem as caracteriacutesticas singulares do ambiente O significado de
ldquocomplexidaderdquo segundo Morin (2011) tem uma pesada carga semacircntica que expressa
confusatildeo incerteza e desordem Complexo segundo Ferreira (1988) eacute um conjunto de coisas
ligadas por uma loacutegica comum eacute um conjunto de edifiacutecios coordenados para facilitar alguma
atividade eacute aquilo que encerra vaacuterias coisas ou ideias eacute algo que natildeo eacute simples e sim
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 64
complicado que tem complemento Segundo Edgar Morin estudioso do pensamento
complexo ldquo[] eacute complexo o que natildeo pode se resumir numa palavra-chave o que natildeo pode
ser reduzido a uma lei nem a uma ideia simples []rdquo (MORIN 2011 p5)
Etimologicamente a palavra ldquocomplexidaderdquo eacute de origem latina proveacutem de complectere cuja
raiz plectere significa tranccedilar enlaccedilar Remete ao trabalho da fabricaccedilatildeo de cestas que
consiste em entrelaccedilar um ciacuterculo unindo o princiacutepio com o final de pequenos ramos A
presenccedila do prefixo ldquocomrdquo daacute o sentido da dualidade de dois elementos opostos que se
enlaccedilam intimamente mas sem anular sua dualidade A palavra complectere eacute utilizada tanto
para mencionar o combate entre dois guerreiros como o abraccedilo apertado de dois amantes
(MORIN CIURANA MOTTA 2003)
[] complexidade eacute um tecido de elementos heterogecircneos inseparavelmente
associados que apresentam a relaccedilatildeo paradoxal entre o uno e o muacuteltiplo A
complexidade eacute efetivamente a rede de eventos accedilotildees interaccedilotildees retroaccedilotildees
determinaccedilotildees acasos que constituem nosso mundo fenomecircnico A complexidade
apresenta-se assim sob o aspecto perturbador da perplexidade da desordem da
ambiguidade da incerteza ou seja de tudo aquilo que se encontra do emaranhado
inextricaacutevel (MORIN CIURANA MOTTA 2003 p 44)
O autor resume que ldquo[] a complexidade eacute uma palavra-problema e natildeo uma palavra-
soluccedilatildeordquo (MORIN 2011 p 6) demonstrando os desafios das reflexotildees sob esta lente A
complexidade do CC eacute visualizada tambeacutem pela demanda que tem um caraacuteter de natildeo ser
programada e portanto inesperada imprevisiacutevel O imprevisto estaacute dentro do pensamento
complexo de Morin (2011)
[] na enfermaria eacute muito automaacutetico roboacutetico Vou chegar dar o banho no
paciente oito horas tem medicaccedilatildeo dez horas E vai ser todo dia a mesma rotina
Aqui [CC] vocecirc pega plantatildeo e natildeo sabe o que quecirc vai acontecer [] a experiecircncia
aqui eacute muito maior em todos os sentidos Vocecirc vecirc e aprende mais coisas [] (Ed11)
Realmente existe um tempo mais tranquilo mas quando vem a demanda ela eacute meio
inesperada durante a noite [] durante o dia tem as cirurgias programadas (Ed29)
Nos relatos haacute um embate entre ordem e desordem no CC e na enfermaria foi
mencionada somente a ordem No CC natildeo se sabe o que aconteceraacute (desordem) e haacute um
ldquotempo mais tranquilordquo (ordem) mas quando o paciente chega ele vem com uma demanda
que eacute inesperada desconhecida (desordem) Na enfermaria haacute um ldquocronogramardquo uma rotina
diaacuteria vista pelos profissionais como ldquoautomaacuteticordquo ldquoroboacuteticordquo (ordem) Natildeo foi mencionada a
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 65
desordem na enfermaria mas ela existe sendo representada por exemplo pelas complicaccedilotildees
e incidentes que ocorrem com os pacientes os quais por vezes tambeacutem natildeo satildeo previsiacuteveis
Segundo Morin (2011) em tudo haacute uma mistura constante de ordem desordem e
organizaccedilatildeo Natildeo se pode eliminar o acaso o incerto a desordem Temos que viver e lidar
com a desordem A ordem ldquo[] eacute tudo o que eacute repeticcedilatildeo constacircncia invariacircncia tudo o que
pode ser posto sob a eacutegide de uma relaccedilatildeo altamente provaacutevel enquadrado sob a dependecircncia
de uma leirdquo (MORIN 2011 p 89) Jaacute a desordem ldquo[] eacute tudo o que eacute irregularidade desvios
com relaccedilatildeo a uma estrutura dada acaso imprevisibilidaderdquo (MORIN 2011 p 89)
Assim o autor diz que se houvesse uma ordem pura natildeo haveria inovaccedilatildeo criaccedilatildeo e
evoluccedilatildeo (MORIN 2011) Nesse caso a imprevisibilidade da demanda do CC promove
segundo o entrevistado uma experiecircncia ldquomuito maior em todos os sentidosrdquo trazendo
aprendizado e habilidade para agir dependendo da situaccedilatildeo Do mesmo modo na pura
desordem segundo Morin (2011) natildeo seria possiacutevel nenhuma organizaccedilatildeo se sustentar pois
natildeo haveria nenhum elemento de estabilidade para se instituir uma organizaccedilatildeo Tal afirmaccedilatildeo
se relaciona com o relato de que existe sim um tempo ldquotranquilordquo no CC o que possibilita a
organizaccedilatildeo do setor e eacute como se fosse uma recompensa pelo estresse da demanda
inesperada Nesta perspectiva a ordem a desordem e a organizaccedilatildeo existem em todos os
setores de um hospital o que faz com que seja uma das organizaccedilotildees mais complexas da
sociedade
Apesar dos depoimentos de que o CC eacute o setor mais importante o centro ou o nuacutecleo
dos acontecimentos haacute tambeacutem outras perspectivas do CC como uma das partes requeridas
para um atendimento de urgecircncia e emergecircncia e como um elo entre setores do hospital
[] o bloco eacute o centro e ao redor vai circulando tudo em redor dele (Ei2)
[] como se fosse um nuacutecleo que faz tudo acontecer [] se ele [paciente] vai
melhorar se precisar de um procedimento geralmente aqui que ele vai fazer [] Eacute
difiacutecil explicar essas coisas em palavras (Ed11)
Se natildeo tiver a urgecircncia [pronto atendimento] o bloco e o CTI o hospital natildeo anda
De jeito nenhum [] (Ei15)
O bloco [] faz esse elo com o pronto socorro com as alas (Ei25)
A unidade de CC estaacute inserida em um conjunto mais amplo de serviccedilos ou seja eacute
complexa por ser composta por vaacuterias partes que se relacionam para aleacutem de um layout
arquitetocircnico equipamentos e aparelhos sofisticados O relacionamento dessas partes eacute
essencial tendo em vista que seu funcionamento somente ocorre de forma adequada quando
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 66
os criteacuterios dessas relaccedilotildees estiverem bem definidos e integrados (VALIDO 2011 GOMES
2009) Assim natildeo eacute somente o CC que faz todo o cuidado ciruacutergico Satildeo necessaacuterios diversos
setores Eacute impossiacutevel conceber a unidade de CC pelo pensamento disjuntivo que concebe as
coisas fora do contexto global em que estaacute imerso Natildeo eacute possiacutevel conceber o CC por meio de
um pensamento redutor que restringe a unidade a um substrato meramente estrutural-
processual Eacute necessaacuterio conceber o CC por meio do pensamento complexo
Enfim percebeu-se que o CC inserido no contexto de um hospital puacuteblico referecircncia
para urgecircncias e emergecircncias cliacutenicas e ciruacutergicas eacute complexo por abarcar o conjunto das
visotildees e significados mencionados pelos profissionais e de outras possibilidades que natildeo
foram contempladas Essas percepccedilotildees fazem parte da cultura organizacional que segundo
Morin (2003a) eacute um fenocircmeno social que se desenvolve pelas interaccedilotildees entre os indiviacuteduos
que produzem a organizaccedilatildeo e essa organizaccedilatildeo retroage sobre os indiviacuteduos e os produz
enquanto indiviacuteduos dotados dessa cultura Segundo o autor isso faz do ser humano tanto um
produtor quanto um produto (MORIN 2003a) A interaccedilatildeo dos profissionais produz o CC e a
concepccedilatildeo organizacional do que eacute esse lugar isso retroage sobre os proacuteprios profissionais e
os faz desejar esse local para trabalhar
O CC eacute um lugar desejado pelos trabalhadores que jaacute atuam nesse lugar e pelos que
atuam externamente por ser diferente de outros setores Natildeo por realizarem accedilotildees mais
difiacuteceis ou pela ilusatildeo da ociosidade mas por serem accedilotildees especiacuteficas que demandam um
tempo de aprendizado para fazer da melhor forma e com um tempo de resposta suficiente para
os momentos de situaccedilotildees imprevistas como o quadro de um paciente de emergecircncia
Percebe-se que estas caracteriacutesticas e a dinacircmica do trabalho no CC conferem aos
profissionais uma valoraccedilatildeo especial tanto por eles mesmos quanto pelos profissionais que
atuam nos demais setores
412 Rede intra-hospitalar conexotildees para a seguranccedila ciruacutergica
O que conta eacute a possibilidade para o pesquisador de registrar a forma bdquoem rede‟
sempre que possiacutevel em vez de dividir os dados em duas porccedilotildees uma local e outra
global [] Afinal nenhum lugar predomina o bastante para ser global nem eacute
suficientemente autocircnomo para ser local (LATOUR 2012 p257)
O modelo de gestatildeo do hospital em que estaacute inserido o CC foi concebido para
proporcionar uma assistecircncia multiprofissional focada no paciente por meio de linhas de
cuidado e apoio
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 67
Quando criou a Linha de Cuidado estava previsto um modelo mais paciente
centrado menos meacutedico centrado Jaacute era previsto que as equipes atuassem de forma
multidisciplinar [] as profissotildees natildeo tem dificuldade de discutir os casos Muitos
meacutedicos pedem a presenccedila do profissional multi mas isso ainda natildeo eacute uma coisa
bem estabelecida A gente tem dificuldades [] Mas nada igual esses modelos
tradicionais que se vecirc em outros hospitais (Ei23)
O modelo de gestatildeo por linhas de cuidado eacute uma estrateacutegia de articular os recursos e
praacuteticas de produccedilatildeo de sauacutede Essa articulaccedilatildeo para ser conduzida de forma oportuna aacutegil e
singular deve ser guiada por diretrizes cliacutenicas entre os serviccedilos ou entre as unidades de um
mesmo serviccedilo no sentido de responder agraves necessidades epidemioloacutegicas Objetiva a
continuidade assistencial por meio da pactuaccedilatildeo e da conectividade de funccedilotildees de diferentes
pontos de atenccedilatildeo e profissionais Implica em uma resposta global dos profissionais e
serviccedilossetores superando as respostas fragmentadas (BRASIL 2010) comum no modelo
tradicional meacutedico centrado que foca a doenccedila em detrimento do cuidado multidisciplinar
A necessidade de cirurgia para um paciente desencadeia um conjunto de accedilotildees natildeo
somente no CC mas em vaacuterios pontos de atenccedilatildeo no hospital mobilizando diversos recursos
e profissionais em diferentes momentos e lugares
Quando eacute agendada uma cirurgia eacute direcionado no bloco todo um processo de
liberaccedilatildeo de material de sala meacutedico profissional da enfermagem Tem toda uma
logiacutestica de vaacuterios setores de apoio que estatildeo relacionados (Ei5)
A secretaacuteria do bloco faz uma impressatildeo de todos os pacientes que vatildeo fazer
cirurgias no dia seguinte e distribui essa lista pra todos os setores envolvidos (Ed10)
No caso da cirurgia de emergecircncia e de urgecircncia natildeo estaacute programada no mapa O
plantonista do pronto socorro ou do andar comunicam e gera o aviso (Ed10)
Exista uma rede Eacute a rotina [paciente] vai para laacute de laacute vem para o blocotem essa
ligaccedilatildeo Daqui vai ou para o CTI ou para o andar [] (Ed8)
Essa rede eacute vital para o funcionamento do hospital [] (Ed13)
A rede intra-hospitalar por meio do trabalho coletivo dos atores humanos
(profissionais da linha de cuidado ciruacutergico) em constante conexatildeo com os atores natildeo
humanos (lista de pacientes ciruacutergicos agendados mapa e aviso ciruacutergico materiais
medicamentos instrumentais equipamentos sala operatoacuteria) possibilita a intervenccedilatildeo
ciruacutergica Essa rede foi considerada vital para o funcionamento do hospital expressa pela
conexatildeo intersetorial e interprofissional colocada em praacutetica por meio da rotina de
organizaccedilatildeo da logiacutestica para receber e encaminhar pacientes ciruacutergicos de um setor ao outro
e tambeacutem para prever promover e fornecer os atores natildeo humanos para o procedimento a ser
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 68
realizado O hospital eacute como uma ldquoestaccedilatildeordquo no circuito que o paciente percorre na rede para
obter a integralidade do cuidado de sauacutede que necessita (FEUERWERKER CECIacuteLIO 2007)
e o CC eacute um ponto de atenccedilatildeo no hospital Haacute trecircs formas de entrada do paciente no CC (1)
casos eletivos agendamento solicitado pelo meacutedico ou residente nos dias especiacuteficos preacute-
determinados (2) casos de urgecircncia solicitaccedilatildeo de emissatildeo de aviso ciruacutergico a qualquer
momento que se fizer a avaliaccedilatildeo da necessidade do paciente e (3) casos de emergecircncia
entrada imediata sem agendamento ou emissatildeo de aviso ciruacutergico
Segundo Moraes (2013) ldquorederdquo na teoria ator-rede refere-se a fluxos circulaccedilotildees
alianccedilas movimentos Essa rede de atores natildeo se reduz a um uacutenico ator nem a uma uacutenica
rede ela se compotildee de elementos heterogecircneos animados e inanimados conectados e
agenciados Assim uma organizaccedilatildeo consiste no ldquo[] encadeamento de relaccedilotildees entre
componentes ou indiviacuteduos que produz uma unidade complexa ou sistema dotada de
qualidades desconhecidas quanto aos componentes ou indiviacuteduosrdquo (MORIN 2003b p 133)
Para Latour (2012 p 192) ldquo[] rede eacute conceito e natildeo coisa Eacute uma ferramenta que nos
ajuda a descrever algo natildeo algo que esteja sendo descritordquo A rede natildeo eacute o que estaacute
representado no texto mas aquilo que prepara o texto para substituir os atores como
mediadores Natildeo eacute feita de fios de nylon palavras ou substacircncias duraacuteveis ela eacute o traccedilo
deixado por um ator em movimento (LATOUR 2012) Nesse sentido a tentativa de descrever
a rede intra-hospitalar relacionada agrave linha de cuidado ciruacutergico no hospital foi se deparando
com movimentos de recursos materiais e dos profissionais (mudanccedila da coordenaccedilatildeo de
enfermagem trocas de plantatildeo e demissatildeo de profissionais entre outros)
O funcionamento da rede intra-hospitalar pressupotildee um movimento em conjunto de
cada um dos atores que estatildeo em suas unidades e tem um papel especiacutefico Haacute
interdependecircncia do trabalho dos profissionais e o CC por depender de vaacuterios setores
necessita manter-se conectado a todos eles conforme os fragmentos a seguir
[] O bloco funciona se a equipe meacutedica trabalhar se o PS [Pronto Socorro] o
andar e o CTI trouxer um paciente Um baleado chega ao PS vai ter o primeiro
atendimento laacute para vir para caacute Daqui vai pro CTI enfim eacute um conjunto (Ei15)
Cada um tem sua importacircncia Se a enfermaria natildeo deu banho preacute-operatoacuterio natildeo
vai ter como eu dar natildeo tem chuveiro dentro do bloco Se ele natildeo fizer a parte dele a
gente faz a nossa mas o risco de infecccedilatildeo eacute maior (Ed10)
O bloco tem que ter boa articulaccedilatildeo com todos os setores porque depende de todos
[] do CME pra entregar o material o CTI tem que estar com a porta aberta
dependendo da cirurgia [] tem que estar de bem Vamos falar assim pode (risos)
De bem com todo mundo [] ter uma boa ligaccedilatildeo neacute (Ei2)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 69
O CC eacute uma unidade que faz parte dos muacuteltiplos componentes da assistecircncia ciruacutergica
Esse setor deve estar em conexatildeo com todos os demais conformando assim a rede intra-
hospitalar ciruacutergica Isso reflete a ideia do significado da palavra complexus que segundo
Morin (2011) significa aquilo que estaacute ligado em conjunto aquilo que eacute tecido em conjunto
No cuidado ciruacutergico para ocorrer de forma integral e segura necessita que o CC esteja
ligado aos demais setores que compotildeem o conjunto da assistecircncia ciruacutergica
A complexidade em um primeiro momento eacute um fenocircmeno quantitativo pela extrema
quantidade de interaccedilotildees e de interferecircncias entre as diversas unidades Todo sistema auto-
organizador (sistema vivo) desde o mais simples combina grande quantidade de unidades
(por exemplo bilhotildees seja de moleacuteculas em uma uacutenica ceacutelula seja de ceacutelulas em um
organismo) Contudo a complexidade natildeo abarca apenas quantidades de unidades e
interaccedilotildees mas compreendem incertezas indeterminaccedilotildees fenocircmenos aleatoacuterios Em certo
sentido a complexidade sempre tem relaccedilatildeo com o acaso (MORIN 2011) Essa descriccedilatildeo
representa a complexa rede intra-hospitalar ciruacutergica que aleacutem das diversas unidades (CC
setor de internaccedilatildeo CCIH CME e outras) e interaccedilotildees de atores humanos e natildeo humanos que
ocorrem cotidianamente compreende tambeacutem um misto de fenocircmenos incertos mesmo com
todas as formas de normatizar o trabalho Isso porque dentre outras possibilidades
determinadas ou natildeo cada paciente eacute uacutenico e demanda situaccedilotildees singulares as quais
dependem da relaccedilatildeo estabelecida por ator humano-ator humano e por ator humano-ator natildeo
humano aleacutem da autonomia da praacutetica de cada profissional envolvido na situaccedilatildeo especiacutefica
Assim segundo Morin Ciurana e Motta (2003 p 48) ldquoa complexidade eacute um fenocircmeno natildeo
simplificaacutevel e traduz uma incerteza que natildeo se pode erradicar no proacuteprio seio da
cientificidaderdquo
A incerteza estaacute no seio de sistemas organizados em sistemas semialeatoacuterios em que
a ordem eacute inseparaacutevel do acaso A complexidade estaacute ligada agrave mistura de ordem desordem e
organizaccedilatildeo Mistura iacutentima e interdependente Natildeo haacute prioridade uma frente agrave outra e assim
natildeo eacute adequado ldquo[] conduzir a explicaccedilatildeo de um fenocircmeno a um principio de ordem pura
nem o principio de desordem pura nem a um principio de organizaccedilatildeo uacuteltima Eacute preciso
misturar e combinar esses princiacutepiosrdquo (MORIN 2011 p108) O desenho de Morin (2011)
apresentado na Figura 2 embasa a reflexatildeo de alguns fenocircmenos cotidianos da rede intra-
hospitalar ciruacutergica
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 70
Figura 2 Tetragrama ordemdesordeminteraccedilatildeoorganizaccedilatildeo
Fonte Morin (2011)
O contato dos atores na rede intra-hospitalar se daacute a partir de um fluxo preacute-
estabelecido e tambeacutem por meio de necessidades natildeo previstas nas unidades o que provoca
uma reaccedilatildeo como resposta agravequela situaccedilatildeo para resolver os problemas do cotidiano
A gente natildeo mexe com PS soacute recebe de laacute Natildeo tem transaccedilatildeo de paciente daqui
[internaccedilatildeo] para laacute Tem com o CTI quando o paciente agrava E a clinica meacutedica
quando recebem alta ciruacutergica e ficam soacute com a clinica meacutedica (Ei7)
A uacutenica ligaccedilatildeo que a gente tem com eles [CTI] eacute de levar o paciente laacute mas eles
natildeo vecircm aqui e a gente tambeacutem natildeo tem contato laacute (Ed8)
Os leitos de bloco CTI estatildeo previamente montados o que sai da normalidade eles
pedem para a gente Essa integraccedilatildeo na verdade eacute pela demanda do setor (Ei1)
Na realidade soacute eacute procurado o setor quando realmente precisa [] Quando vocecirc
precisa deles eles respondem (Ed12)
Observa-se nas falas que a interaccedilatildeo entre os atores nesta rede segue o fluxo linear
(Pronto Socorro CC CTICliacutenica Ciruacutergica) que eacute da direcionalidade estabelecida na
linha de cuidado ciruacutergico Natildeo haacute interaccedilatildeo dos atores aleacutem desta linearidade (ordem) aleacutem
disso a interaccedilatildeo linear se daacute a partir dos momentos de necessidades natildeo previstas nos setores
(desordem) Nos dois modos haacute uma integraccedilatildeo que culmina em uma resposta favoraacutevel e
gera uma organizaccedilatildeo do trabalho A Figura 3 apresenta esse conjunto de fenocircmenos
Figura 3 Tetragrama ligaccedilatildeointeraccedilatildeo entre os setores
Fluxo definido Anormalidades
(ordem) necessidades setoriais
(desordem)
Demanda do setor Resposta favoraacutevel
Levar paciente - (organizaccedilatildeo)
(integraccedilatildeo)
Fonte Adaptado pela autora (MORIN 20011)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 71
A necessidade de ordem eacute expressa quando o profissional relata acreditar na
organizaccedilatildeo do trabalho por meio de processos bem descritos No entanto a desordem eacute
referida pelo profissional Ed22 ao reconhecer que as relaccedilotildees interpessoais facilitam o
sucesso da execuccedilatildeo dos processos Os profissionais descrevem um cenaacuterio de contradiccedilatildeo de
um lado haacute a necessidade de um trabalho profissional baseado em processos descritos e na
organizaccedilatildeo do sistema (prescrito) e de outro o que se pratica um trabalho baseado no
coleguismo e na amizade que fazem um bom ambiente de trabalho aleacutem de ser baseado nos
favores centralizado em pessoas e nomes (real)
As accedilotildees no hospital deveriam ser baseadas em processos bem descritos O
coleguismo e a amizade viriam para facilitar mas acho que eacute pouco para trabalhar
profissionalmente [] (Ei1)
Se natildeo houver uma pessoa pra fazer as coisas integrarem ou agilizarem natildeo
acontece [] Eacute tudo dependente de pessoas e natildeo da organizaccedilatildeo do sistema Eacute
porque natildeo tem dialogo Satildeo favores (Ed22)
Os processos do bloco satildeo realizados por muitas especialidades [] vaacuterias categorias
[] a gente natildeo consegue estabelecer um processo uniforme [] Cada equipe vem
e faz de um jeito apesar da gente tentar padronizar [] tem que se adaptar ao que a
equipe estaacute precisando e natildeo ao que o hospital preconiza (Ei23)
As falas expressam a necessidade de se descrever os processos padronizar
uniformizar o trabalho conforme relatos de Ei1 e de Ei23 (ordem) No entanto a falta dos
processos descritos e pactuados a falta do diaacutelogo mencionado por Ed22 e a variedade de
especialidades e profissionais que atuam na mesma linha de cuidado (desordem) faz com que
a integraccedilatildeo seja difiacutecil e eacute por meio do coleguismo da amizade e dos favores que muitas
questotildees se resolvem no cotidiano da rede intra-hospitalar segundo Ei1 e Ed22 Frente a isso
o hospital se adapta ao saber-fazer diferenciado das muacuteltiplas especialidades (organizaccedilatildeo) A
Figura 4 representa esse fenocircmeno baseado no tetragrama de Morin (2011)
Figura 4 Tetragrama dos processos de trabalho para realizaccedilatildeo da cirurgia
Fonte Adaptado pela autora (MORIN 2011)
Falta de processos falta de
diaacutelogo falta de padronizaccedilatildeo e
organizaccedilatildeo do sistema vaacuterias
especialidades trabalhando na
mesma linha (desordem)
Processos de trabalho
uniforme padronizado
(ordem)
Relaccedilatildeo interprofissional
coleguismos amizade
favores
(integraccedilatildeo)
Realizaccedilatildeo das cirurgias
Adaptaccedilatildeo da padronizaccedilatildeo do que
o hospital preconizou
(organizaccedilatildeo)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 72
Segundo Franco e Merhy (2009) qualquer unidade de sauacutede se organiza e funciona
em plataformas sobre as quais o cotidiano vai acontecendo A primeira forma estruturada
reflete o instituiacutedo e a segunda natildeo estruturada faz a transversalidade por dentro da
organizaccedilatildeo de modo instituinte A plataforma do instituinte possibilita a accedilatildeo dos sujeitos
pelo seu desejo que trazem em si a forccedila de produccedilatildeo da realidade (FRANCO MERHY
2009) com sua subjetividade impliacutecita Assim a plataforma do instituiacutedo e do instituinte estatildeo
implicadas diretamente no fenocircmeno da conexatildeo e da comunicaccedilatildeo dos profissionais para o
funcionamento da linha de cuidados ciruacutergicos na rede intra-hospitalar Ou seja o trabalho eacute
realizado pela interaccedilatildeo da praacutetica no plano formal e do contato individualizado das relaccedilotildees
pessoais conformando a micropoliacutetica institucional Essa uacuteltima por vezes eacute a via mais
raacutepida para se resolver algum problema e realizar o processo de trabalho mas algumas vezes
tambeacutem eacute uma via que gera riscos para o paciente como por exemplo a quebra de algum
protocolo instituiacutedo devido ao desejo de algum membro da equipe que estaacute em niacutevel maior na
hierarquia institucional
Apesar da importacircncia da trama da rede intra-hospitalar para a resolutividade da linha
de cuidado ciruacutergico a mesma natildeo estaacute funcionando em sua plenitude no hospital
Se essa rede funcionasse de forma adequada a rotatividade ia acontecer e o
benefiacutecio muacutetuo para todo mundo seria gigantesco O problema eacute que essa rede natildeo
funciona 100 da forma que deveria funcionar (Ed13)
[] se por algum motivo haacute alguma falha na rede alguma quebra a cirurgia natildeo
acontece Satildeo muitos setores envolvidos (Ei5)
[] precisa interligar chegada do paciente bloco e banco de sangue Esses trecircs tecircm
que falar a mesma liacutengua E natildeo acontece Haacute discrepacircncias (Ei18)
A gente tem que trabalhar junto gente Natildeo adianta CME sozinha bloco sozinha
internaccedilatildeo sozinha Natildeo adianta (Ei3)
O relato incisivo de Ei3 de que natildeo adianta o trabalho setorial ser realizado
isoladamente leva ao entendimento de que na praacutetica cada setor faz o seu trabalho especiacutefico
de forma solitaacuteria sem interaccedilatildeo com os demais setores As falhas do processo de trabalho de
um dos componentes envolvidos ou o trabalho individual impacta negativamente na
integralidade e na produccedilatildeo dos elementos para um cuidado ciruacutergico em ato e seguro
Nesse sentido a rede natildeo designa o que eacute mapeado e sim como se pode mapear algo
pertencente a determinado territoacuterio Eacute como se fosse um dos equipamentos espalhados sobre
a mesa do geoacutegrafo para lhe permitir projetar formas numa folha de papel (LATOUR 2012)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 73
Embora a rede intra-hospitalar seja reconhecida como necessaacuteria as accedilotildees cotidianas na linha
de cuidados ciruacutergicos natildeo podem ser completamente mapeadas Assim a rede a linha de
cuidados satildeo apenas equipamentos sobre a mesa dos gestores e profissionais da equipe
multiprofissional para planejarem a assistecircncia Aleacutem disso natildeo haacute uma visatildeo sistecircmica de
todos os profissionais sobre o funcionamento desta ferramenta chamada rede e a respeito de
como os atores se interconectam na linha de cuidados
Os demais setores natildeo sei te falar ser clara nessa interaccedilatildeo Pelo que a gente
percebe assim como a CME estaacute com dificuldade com o bloco os outros setores
tambeacutem tem as mesmas dificuldades (Ei3)
Eu sei falar do trans e do poacutes que eacute o que eu convivo aqui dentro Do preacute eu natildeo
tenho muito a dizer (Ed31)
Depreende-se das falas dos profissionais que a rotina do CC que eacute um ambiente
fechado somada agraves dificuldades do dia-a-dia de trabalho ofusca o olhar sistecircmico da rede
intra-hospitalar No entanto a visatildeo sistecircmica eacute um fundamento da qualidade da assistecircncia
que consiste no conhecimento da interdependecircncia entre as diversas partes de uma
organizaccedilatildeo bem como entre ela e o ambiente externo (ONA 2010) A falta de visatildeo
sistecircmica entre outros fatores pode ser justificada pelo fato de o diaacutelogo entre os setores
ocorrer em momentos e com profissionais especiacuteficos e somente para equacionar problemas
administrativos Isso em detrimento de um diaacutelogo sobre as necessidades de cuidado do
paciente e dos problemas surgidos no processo de trabalho de um setor que impacta no outro
A gente tem uma interaccedilatildeo boa [] A comunicaccedilatildeo eacute entre enfermeiros Enfermeiro
da ciruacutergica e do bloco [] a gente passa para eles os leitos e eles passam pra gente
os pacientes que estatildeo na recuperaccedilatildeo (Ed17)
Jaacute aconteceram casos de pacientes que desceram da ala um ou dois dias antes para
garantir vaga do CTI sem ter indicaccedilatildeo que a cirurgia dele fosse garantida no bloco
[] algumas questotildees de processo de trabalho natildeo ficam claras para a gente do por
que todos esses problemas ocorrem (Ei25)
Durante as observaccedilotildees foi possiacutevel verificar que geralmente a comunicaccedilatildeo para
verificaccedilatildeo de leitos ocorre por telefone que eacute um recurso utilizado principalmente pelo
enfermeiro que o leva nos bolsos da roupa do CC tendo em vista que o aparelho eacute sem fio e
permite os deslocamentos Apesar do reconhecimento pelos profissionais da importacircncia da
comunicaccedilatildeo para facilitar os processos ela eacute falha repassada de forma atrasada ou
equivocada natildeo somente no CC mas em todo o hospital Isso causa riscos para pacientes e
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 74
para os profissionais como por exemplo quando a informaccedilatildeo de que o paciente estaacute
colonizado com algum microrganismo multirresistente chega posteriormente ao cuidado
efetuado que ocorreu sem a necessaacuteria precauccedilatildeo de contato pelos profissionais
A comunicaccedilatildeo natildeo eacute efetiva Paciente chega agraves vezes com TBC com suspeita de
outro tipo de doenccedila e agraves vezes a gente fica sem saber Se natildeo correr atraacutes da
informaccedilatildeo ela natildeo vem E essa informaccedilatildeo teria que vir do cirurgiatildeo que estaacute
acompanhando que teve o primeiro contato com o paciente ateacute entrar (Ed29)
A comunicaccedilatildeo facilita ou emperra o processo Hoje a comunicaccedilatildeo eacute truncada natildeo soacute
no bloco No hospitala gente tem muito problema de comunicaccedilatildeo [] para fazer as
notificaccedilotildees as pessoas relatam uma coisa na hora que vocecirc vai conversar ldquoNatildeo natildeo
era issordquo Era algo parecido (Ei23)
No depoimento do profissional o ldquocorrerrdquo atraacutes da informaccedilatildeo sugere que a
comunicaccedilatildeo natildeo ocorre de forma fluida e efetiva na organizaccedilatildeo Essa deficiecircncia eacute
fomentada de certa forma pelo nuacutemero de atores e formas pelas quais satildeo disseminadas as
informaccedilotildees na rede intra-hospitalar A comunicaccedilatildeo efetiva entre os profissionais do serviccedilo
de sauacutede eacute um dos eixos do Programa Nacional de Seguranccedila do Paciente (BRASIL 2013a
2013b) bem como eacute uma das metas internacionais para a seguranccedila do paciente (CBA 2010)
O desconhecimento dos processos de trabalho dos diferentes atores da rede intra-
hospitalar eacute um fator que contribui para a deficiecircncia da comunicaccedilatildeo Os diferentes setores
satildeo desconhecidos entre eles parece ser ldquooutro mundordquo O conhecimento sistecircmico do
trabalho das diversas unidades e natildeo somente entre as coordenaccedilotildees eacute necessaacuterio para a
melhoria da comunicaccedilatildeo
Falta comunicaccedilatildeo falta contato O quecirc eu falo Uma aula ldquoGente como eacute que
funciona o banco de sanguerdquo ldquoAh funciona assim assim assimrdquo Quando vocecirc
souber o beabaacute vocecirc saberaacute se comunicar mais faacutecil (Ei18)
O pessoal desconhece nosso trabalho [do laboratoacuterio] acha que eacute outro mundo Na
coordenaccedilatildeo meacutedica e da enfermagem o diaacutelogo eacute faacutecil e temos tentado aproximar
para os profissionais entenderem Para eu entender as necessidades deles e eles a
nossa (Ei24)
O pessoal natildeo sabe o que fazemos na agecircncia transfusional Pedem ldquoEu quero um
plasma agora correndordquo Falo ldquoPode levar vocecirc vai dar o paciente para chupar Ele
estaacute um picoleacute Leva no miacutenimo 15 a 20 minutos pra descongelarrdquo [] Eles acham
que o plasma eacute igual sangue pegou levou [] [falta] comunicaccedilatildeo (Ei18)
A necessidade de conhecer o outro setor eacute condiccedilatildeo essencial para saber ldquoo querdquo e
ldquocomordquo solicitar algo para atender agraves necessidades dos pacientes Fazer solicitaccedilotildees
equivocadas pressupotildee falta de conhecimento do trabalho dos diferentes setores e dos
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 75
profissionais com os quais se trabalha todos os dias na rede intra-hospitalar Os profissionais
deveriam conhecer as rotinas e competecircncias de cada unidade com as quais interagem para
que natildeo sejam feitas solicitaccedilotildees fora do contexto A solicitaccedilatildeo de plasma inadequada
conforme o exemplo mencionado mostra a falta de integraccedilatildeo uma vez que muitos
profissionais externos agrave agecircncia transfusional desconhecem a necessidade de descongelar e
preparar o plasma a ser disponibilizado para o paciente O setor de Educaccedilatildeo Permanente do
hospital pode desempenhar importante papel nesse aspecto como por exemplo na entrada do
novo colaborador na instituiccedilatildeo apresentando os diversos setores ou no decorrer da atuaccedilatildeo
profissional elaborar um programa educacional que possibilite a interaccedilatildeo interprofissional e
intersetorial
Segundo Morin (2003c) a comunicaccedilatildeo eacute sempre multidimensional complexa feita
de emissores e de receptores Ela ocorre em circunstacircncias concretas ativando ruiacutedos
culturas bagagens diacutespares e cruzando indiviacuteduos diferentes O fenocircmeno comunicacional
natildeo se esgota na presunccedilatildeo de eficaacutecia do emissor pois haacute um receptor dotado de inteligecircncia
na outra ponta da relaccedilatildeo comunicacional A comunicaccedilatildeo enfrenta o desafio da compreensatildeo
(MORIN 2003c) o que depende de informaccedilotildees e de conhecimentos neste caso do
conhecimento dos profissionais sobre o trabalho dos outros nos diversos setores
No hospital em estudo haacute algumas estrateacutegias para a conexatildeo de profissionais e dos
pontos de atenccedilatildeo na rede intra-hospitalar que contribuem para a promoccedilatildeo de uma assistecircncia
integral comunicativa e que gera seguranccedila ao paciente ciruacutergico satildeo elas o anestesiologista
que avalia o preacute-operatoacuterio o enfermeiro de especialidades o coordenador de plantatildeo e a
reuniatildeo da linha de cuidado ciruacutergico
A gente consegue fazer essa interface do bloco com os outros setores por causa
desses profissionais seja o enfermeiro de especialidade seja o anestesiologista que
faz a visita preacute-anesteacutesica (Ed10)
[] se algueacutem me ligar em casa meia noite ldquocomo eacute que estaacute seu Antocircniordquo Eu sei
[] O cuidado eacute globalizado Eacute integral Eu acompanho o paciente ateacute ele ter alta do
ambulatoacuterio Natildeo estou fragmentada dentro do bloco [] a gente tem tido muito
sucesso com o enfermeiro de especialidade tem que ser publicado [] Que seja
reconhecida como especialidade (Ei20)
A gente tem a rotina do coordenador de plantatildeo definir o paciente para o CTI Eacute
muito bom ele tem a visatildeo do pronto socorro do bloco e das unidades Mas falta
uma discussatildeo deste profissional com o intensivista [] muitas vezes o paciente
vem para morrer na ala era limite de esforccedilo terapecircutico foi entubado e veio para o
CTI porque a famiacutelia queria Enquanto um paciente fica prendendo a sala do bloco e
sem proposta de vir Se essa discussatildeo acontecesse eu acho que o paciente ganharia
muito e o profissional se sentira mais valorizado (Ei25)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 76
[] a nova coordenadora tenta deixar os enfermeiros do andar ter mais contato com
o bloco para facilitar a dinacircmica [] sempre a coordenadora da linha ciruacutergica tenta
fazer as reuniotildees juntas para que eles participem dos percalccedilos do bloco e interajam
mais (Ed28)
Chama agrave atenccedilatildeo no hospital a proposiccedilatildeo do enfermeiro referecircncia das especialidades
ciruacutergicas que tem o papel de acompanhar o paciente desde a chegada ao hospital ateacute a sua
alta hospitalar ou ambulatorial quando tem acompanhamento posterior agrave cirurgia Esse
modelo eacute baseado no trauma nurse coordinators que natildeo tem uma traduccedilatildeo para o portuguecircs
mas pode ser compreendido como coordenador de enfermagem de trauma No contrato de
trabalho desses profissionais com o hospital consta enfermeiro de especialidades ou
enfermeiro referecircncia da cirurgia geral da ortopedia e da cirurgia vascular Eles satildeo
conhecidos na instituiccedilatildeo tambeacutem como enfermeiros gerentes de trauma
O trauma de acordo com a OMS eacute a doenccedila do seacuteculo XXI e seu impacto eacute muito
grande na sociedade uma vez que debilita indiviacuteduos em idade produtiva (OMS 2009)
Assim os enfermeiros do trauma nurse coordinator satildeo essenciais para um serviccedilo de trauma
de sucesso (CURTIS LEONARD 2012) Segundo Crouch et al (2015) esses profissionais
tecircm essa funccedilatildeo na Inglaterra desde 1990 e a profissatildeo alcanccedilou abrangecircncia nacional
naquele paiacutes apoacutes a implantaccedilatildeo do sistema de trauma regional em 2012 Eles tecircm
qualificaccedilatildeo no cuidado ao paciente traumatizado facilitando a coordenaccedilatildeo dos cuidados
avaliaccedilatildeo e melhoria da qualidade da educaccedilatildeo da divulgaccedilatildeo e da pesquisa em trauma
sendo considerados ainda defensor do paciente com trauma (CROUCH et al 2015)
Os enfermeiros de especialidades foram introduzidos no hospital em estudo pela
necessidade de se registrar os traumas em termos de diagnoacutesticos tratamentos e resultados
com avaliaccedilatildeo retrospectiva e prospectiva Esses dados satildeo armazenados em um banco de
dados atualizado para melhor conhecer e gerenciar o cuidado do paciente com trauma Isso
faz parte de uma das medidas induzidas pela OMS (2009) para reduzir a morbimortalidade
provocada pelo trauma inserido no Quality Improvemen (QI) que satildeo programas de melhoria
da qualidade de atendimento ao trauma
A primeira enfermeira nessa funccedilatildeo foi contratada em 2010 no hospital para ser
referecircncia da cirurgia geral e como acadecircmica jaacute desempenhava atividades relacionadas ao
cargo Depois foi contratado um enfermeiro para a ortopedia e posteriormente outro para
cirurgia vascular Esses enfermeiros tecircm o papel de articular os atores da rede intra-hospitalar
para que o cuidado ao paciente seja integral desde a sua entrada ateacute a sua alta aleacutem de
acompanharem os residentes da especialidade manter atualizados registros de traumas e
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 77
cirurgias da especialidade participar de reuniotildees entre outras funccedilotildees A contrataccedilatildeo desses
profissionais consiste em uma estrateacutegia que visa assegurar o cuidado continuado e integral ao
paciente bem como aprimorar a articulaccedilatildeo comunicaccedilatildeo e integraccedilatildeo entre os atores da rede
intra-hospitalar e imprimir maior niacutevel de qualidade e seguranccedila aos serviccedilos prestados aos
pacientes viacutetimas de trauma e tambeacutem aos pacientes ciruacutergicos no hospital
Contudo mesmo com essas estrateacutegias os relatos dos profissionais apresentam
fragilidades na conexatildeo e comunicaccedilatildeo dos atores na rede da linha de cuidado ciruacutergico no
perioperatoacuterio Isso pode se justificar pela dificuldade no mapeamento e definiccedilatildeo dos
processos da pactuaccedilatildeo dos acordos intersetoriais (cadeiaclientefornecedor) ficando agrave
mercecirc da ldquopoliacutetica da boa vizinhanccedilardquo para estabelecimento das conexotildees diaacuterias dificuldade
na articulaccedilatildeo entre as pessoasprofissionais interna e externamente ao seu setor de origem e
pela ausecircncia da introjeccedilatildeo da cultura organizacional voltada para a qualidade e seguranccedila
Isso natildeo ocorre apenas pelo fato do CC ser uma unidade fechada eacute algo que ocorre na
instituiccedilatildeo como um todo conforme relatado a seguir
Deveria ser mais articulado mas isso natildeo eacute um problema soacute do bloco ciruacutergico O
hospital ainda tem dificuldade nos acordos intersetoriais [] As pessoas tecircm
dificuldades de se articular natildeo soacute entre os setores mas dentro do mesmo setor
tambeacutem Nas especialidades nas categorias ainda eacute muito fragmentado cada um faz
o seu pedaccedilo [] as pessoas conversam pouco Essa articulaccedilatildeo essas relaccedilotildees
ainda precisam ser trabalhadas (Ei23)
Falta descrever os processos ter a cadeia cliente-fornecedor ajustada para que tenha
um processo realmente eficaz [] Estaacute no dia a dia mas natildeo eacute descrita a gente fica
na poliacutetica da boa vizinhanccedila mas formalmente natildeo tem nada escrito (Ei1)
[] a gente ainda natildeo introjetou a cultura da qualidade como ferramenta que facilita
o trabalho e que deixa o trabalho mais seguro (Ei23)
Os depoimentos evidenciam que ainda eacute necessaacuterio desenvolver uma cultura
organizacional voltada para a qualidade e seguranccedila A cultura da seguranccedila eacute entendida
como um conjunto de valores atitudes competecircncias e comportamentos que determinam o
comprometimento com a gestatildeo da sauacutede e da seguranccedila substituindo a culpa e a puniccedilatildeo
pela oportunidade de aprender com as falhas e melhorar a atenccedilatildeo agrave sauacutede (BRASIL 2013b)
Eacute imprescindiacutevel uma poliacutetica institucional de cultura de seguranccedila mas eacute um desafio para as
instituiccedilotildees hospitalares exigindo um levantamento dos fatores organizacionais que impedem
o desenvolvimento da cultura de seguranccedila (CARVALHO 2011)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 78
Deve-se registrar ainda que o funcionamento da rede intra-hospitalar estaacute tambeacutem
relacionado agrave conexatildeo desta com a rede global ou seja com serviccedilos profissionais e gestores
extra hospital
No CTI em torno de 10 dos pacientes satildeo de cuidado intermediaacuterio Tem
vaacuterias propostas para a diretoria mas natildeo depende dela porque tem uma questatildeo
financeira que demanda discussatildeo com a secretaria municipal de sauacutede []
Alguns pontos dependem da equipe meacutedica outros dependem de financiamento
municipal estadual ou federal que a diretoria tem tentado (Ei25)
A forma bdquoem rede‟ eacute constituiacuteda por duas porccedilotildees a saber uma local e outra global
pois nenhum lugar predomina o bastante para ser global nem eacute suficientemente autocircnomo
para ser local (LATOUR 2012) Neste sentido os profissionais do hospital natildeo tecircm
autonomia e o completo arsenal de recursos necessaacuterios para resolver todos os problemas Haacute
melhorias que satildeo dependentes da accedilatildeo de profissionais da rede global natildeo excluindo a
responsabilidade interna de gestores e profissionais com a qualidade assistencial
Enfim foi possiacutevel identificar por meio das diferentes visotildees dos profissionais que a
articulaccedilatildeo da rede intra-hospitalar eacute vital para a assistecircncia ciruacutergica segura A trama desta
rede que eacute estabelecida pela relaccedilatildeo dos diferentes atores estaacute em constante ordem
desordem interaccedilatildeo e organizaccedilatildeo Este tetragrama deve estar harmocircnico para o pleno
funcionamento da assistecircncia ciruacutergica segura Caso natildeo esteja sob determinada condiccedilatildeo ndash
instabilidade e falha da rede local ou global ndash ocorre uma cascata de problemas com riscos
que podem desencadear incidentes aos pacientes em algum ponto das trecircs fases do
perioperatoacuterio
413 Perioperatoacuterio entrelaccedilamentos das trecircs fases para a cirurgia segura
[] complexas eacute o que estaacute junto eacute o tecido formado por diferentes fios que se
transformaram numa soacute coisa Isto eacute tudo isso se entrecruza tudo se entrelaccedila para
formar a unidade da complexidade poreacutem a unidade do complexus natildeo destroacutei a
variedade e a diversidade das complexidades que o teceram (MORIN 2003a p
188)
A rede intra-hospitalar na qual ocorre a assistecircncia ciruacutergica aos pacientes eacute complexa
Para Morin (2003a) uma organizaccedilatildeo complexa eacute ao mesmo tempo acecircntrica (funciona de
maneira anaacuterquica por interaccedilotildees espontacircneas) policecircntrica (tem muitos centros de controle
ou organizaccedilatildeo) e cecircntrica (dispotildee ao mesmo tempo de um centro de decisatildeo) Esses
aspectos estatildeo presentes na rede intra-hospitalar a qual eacute organizada natildeo soacute a partir de um
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 79
centro de comando-decisatildeo (coordenaccedilatildeo conjunta meacutedica e de enfermagem) mas tambeacutem de
diversos centros de organizaccedilatildeo (como as coordenaccedilotildees das especialidades que atuam no CC
e coordenaccedilotildees dos setores envolvidos) e de interaccedilotildees espontacircneas entre os grupos de
profissionais Nesse sentido discutir o entrelaccedilamento das trecircs fases do perioperatoacuterio no
hospital se faz necessaacuterio sendo reconhecido como importante pelos profissionais No
entanto na praacutetica a organizaccedilatildeo e as accedilotildees de conexatildeo dos atores natildeo ocorrem de forma
efetiva nas trecircs fases do perioperatoacuterio que compreende o preacute-operatoacuterio o transoperatoacuterio e
poacutes-operatoacuterio
O periacuteodo preacute-operatoacuterio compreende desde o momento da decisatildeo de que a cirurgia
seja ela eletiva de urgecircncia ou de emergecircncia seraacute realizada ateacute o momento que precede o
ato ciruacutergico quando o paciente eacute encaminhado ao CC (CHRISTOacuteFORO CARVALHO
2009) As accedilotildees conformam uma fase importante para avaliar por meio do risco ciruacutergico-
anesteacutesico (realizado por cliacutenico geral cardiologista eou anestesiologista) as condiccedilotildees
fisioloacutegicas do paciente o risco-benefiacutecio do procedimento e as informaccedilotildees transmitidas a
pacientes e familiares sobre a cirurgia Essas accedilotildees auxiliam o ato na sala operatoacuteria
principalmente na abordagem inicial do anestesiologista e sendo um hospital de ensino
auxilia o cirurgiatildeo a decidir se o residente poderaacute ou natildeo atuar naquela cirurgia Nas cirurgias
de urgecircncia e emergecircncia natildeo haacute tempo haacutebil para se realizar um preacute-operatoacuterio para
avaliaccedilatildeo do risco-benefiacutecio do procedimento anesteacutesico-ciruacutergico repercutindo na qualidade
e seguranccedila do procedimento
O doente da eletiva a gente tem que levar para o bloco na melhor condiccedilatildeo Se o
benefiacutecio for pouco em relaccedilatildeo ao risco a gente orienta e nem opera [] A
avaliaccedilatildeo preacute-anesteacutesica eacute um dado a mais para o cirurgiatildeo aumentar a seguranccedila Se
tiver um risco muito ruim eu natildeo vou demorar ou deixar o residente operar faccedilo
mais raacutepido O paciente da urgecircncia e da emergecircncia natildeo tem risco ciruacutergico tem
que por no bloco operar e pronto (Ed19)
Quanto mais dados vocecirc tiver escrito do preacute-operatoacuterio preacute-anesteacutesico mais raacutepido
e melhor fica essa abordagem inicial que a gente faz aqui (Ed17)
Pelos relatos se percebe que o objetivo dessa fase eacute o preparo adequado do paciente
no sentido de reduzir ao miacutenimo possiacutevel os riscos de morbimortalidade por complicaccedilotildees
no ato ciruacutergico Segundo Schwartzman et al (2011) o profissional deve avaliar de forma
criteriosa o risco ciruacutergico e anesteacutesico as particularidades do paciente e do procedimento
atuando em possiacuteveis situaccedilotildees de risco Segundo os autores a consulta preacute-anesteacutesica (pelo
anestesiologista) e a consulta preacute-operatoacuteria (pelo cliacutenico ou outro especialista) visam agrave
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 80
seguranccedila do ato anesteacutesico e a diminuiccedilatildeo de complicaccedilotildees Segundo os entrevistados isso
ocorre porque seratildeo observados detalhes que podem natildeo ser percebidos pelo cirurgiatildeo devido
agrave grande demanda de pacientes
No ambulatoacuterio quando tenho que reoperar um paciente quem faz o risco ciruacutergico
eacute o anestesiologista Eacute um risco preacute-anesteacutesico Se o anestesiologista achar que ele
precisa de avaliaccedilatildeo mais detalhada de um cardiologista ele eacute encaminhado para o
posto ou para algum local especiacutefico Essa avaliaccedilatildeo eacute importante porque o
cirurgiatildeo em hospital puacuteblico trabalha sobrecarregado tem detalhe que pode passar
despercebido que natildeo passa para o cliacutenico cardiologista ou anestesiologista (Ed19)
Quando eacute necessaacuterio realizar nova abordagem em um paciente que se submeteu a uma
cirurgia no hospital mas se encontra em sua residecircncia o risco ciruacutergico-anesteacutesico eacute
realizado na Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede (APS) ou em outros serviccedilos da rede Assim a rede
intra-hospitalar se conecta a uma rede extra-hospitalar Haacute atores externos importantes para se
alcanccedilar a seguranccedila ciruacutergica Quando o paciente estaacute internado no hospital quem faz a
avaliaccedilatildeo eacute um anestesiologista no ambulatoacuterio O iniacutecio da realizaccedilatildeo da avaliaccedilatildeo preacute-
anesteacutesica pelo profissional anestesiologista no hospital se deu por duas questotildees que na
eacutepoca representaram desordem mas que proporcionaram a organizaccedilatildeo do serviccedilo
A primeira questatildeo foi relacionada aos nuacutemeros baixos da realizaccedilatildeo do preacute-anesteacutesico
registrados no checklist de cirurgia segura e a segunda agrave gravidez de uma das
anestesiologistas Devido aos riscos para o feto o serviccedilo meacutedico hospitalar natildeo autorizou o
trabalho da mesma no CC durante a gestaccedilatildeo e a profissional foi lotada no ambulatoacuterio
iniciando a organizaccedilatildeo da avaliaccedilatildeo preacute-operatoacuteria pela profissional na instituiccedilatildeo
Depois que o checklist comeccedilou a ser apresentado em dados ficou visiacutevel A gente
natildeo tinha um anestesiologista que fizesse consulta preacute-anesteacutesica quando uma
anestesiologista engravidou foi soacute uma justificativa pra fazer esse trabalho (Ed10)
O deslocamento de anestesiologistas do CC para o ambulatoacuterio era uma das
dificuldades na implantaccedilatildeo universal da avaliaccedilatildeo preacute-anesteacutesica sendo este profissional
mais indicado para realizar a avaliaccedilatildeo com maior seguranccedila e visatildeo ampla do procedimento
anesteacutesico Ele eacute capaz de verificar o estado de sauacutede do paciente e fatores que influenciam o
ato anesteacutesico como as interaccedilotildees medicamentosas dificuldades para intubaccedilatildeo melhor tipo
de anestesia (SCHWARTZMAN et al 2011) Aleacutem disso ao anestesiologista cabe a decisatildeo
de realizar ou natildeo o ato anesteacutesico de modo soberano e intransferiacutevel (CFM 2006) Contudo
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 81
a avaliaccedilatildeo preacute-operatoacuteria pelo anestesiologista no hospital se realiza por meio de
interconsulta que natildeo consegue abranger a totalidade dos pacientes
A anestesiologista do preacute-anesteacutesico fica mais com a ortopedia que geralmente natildeo
pedia exame preacute-ciruacutergico soacute o risco baacutesico e mais nada Aiacute os anestesiologistas
bombavam as cirurgias [] Para a gente [cirurgia] natildeo tem Quando a gente pede
interconsulta geralmente natildeo daacute tempo de atender no tempo que a gente quer Entatildeo
a gente faz todo o preacute-operatoacuterio (Ei20)
Haacute ao mesmo tempo uma disputa (desordem) entre as especialidades para a avaliaccedilatildeo
preacute-operatoacuteria pelo anestesiologista no ambulatoacuterio ou nas enfermarias e uma conformaccedilatildeo
sobre a prioridade dos pacientes atendidos serem de uma especialidade (ordem) E assim se
conforma a organizaccedilatildeo da avaliaccedilatildeo preacute-operatoacuteria com prioridade para pacientes da
ortopedia os pacientes das demais especialidades tecircm a avaliaccedilatildeo preacute-operatoacuteria por vezes
realizada pelo cirurgiatildeo e sua equipe Assim a natildeo abrangecircncia da totalidade dos pacientes
gera desvalorizaccedilatildeo da avaliaccedilatildeo preacute-anesteacutesica pelo anestesiologista no preacute-operatoacuterio
A gente acaba fazendo de novo aqui [no CC] Essa conversa antes isso eacute o preacute-
anesteacutesico [ecircnfase] A gente vecirc exames pergunta se tem hipertensatildeo se jaacute enfartou
se estaacute em jejum Tem uns que jaacute vem com isso feito mas a maioria a gente faz aqui
na hora Eu acho que tem o ambulatoacuterio mas eu natildeo aproveito muito as informaccedilotildees
do ambulatoacuterio faccedilo de novo (Ed17)
Nessa situaccedilatildeo a avaliaccedilatildeo preacute-anesteacutesica foi reduzida agrave conversa do anestesiologista
com o paciente antes da induccedilatildeo anesteacutesica No Brasil os pacientes geralmente satildeo avaliados
no mesmo dia da cirurgia ou no maacuteximo na veacutespera (SCHWARTZMAN et al 2011)
Poreacutem eacute imprescindiacutevel conhecer com a devida antecedecircncia as condiccedilotildees cliacutenicas do
paciente antes de ser realizada qualquer anestesia exceto nas situaccedilotildees de urgecircncia (CFM
2006) Em cirurgias eletivas para aumentar a seguranccedila uma boa avaliaccedilatildeo ambulatorial seraacute
o padratildeo ouro do cuidado anesteacutesico preacute-operatoacuterio (SCHWARTZMAN et al 2011)
Ademais a forma como eacute conduzida a fase preacute-operatoacuteria revela para outras categorias
profissionais o compromisso dos cirurgiotildees com aquele paciente e com o procedimento a ser
realizado No entanto os procedimentos do preacute-operatoacuterio estatildeo fragmentados
Vocecirc fala assim ldquoEssa equipe ciruacutergica tem compromisso com o pacienterdquo se fez
todo esse preacute-operatoacuterio (Ed17)
Foi acordado com a equipe de anestesia fazer o preacute-operatoacuterio com alguns
anestesiologistas que correm leitos Tem uma preparaccedilatildeo tambeacutem com a
enfermagem Esses processos estatildeo um pouco fragmentados [] natildeo estaacute
cumprindo o que foi acordado (Ei23)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 82
O preacute eu natildeo consigo ver porque estaacute laacute fora Entatildeo eles estatildeo laacute (Ed31)
O preacute-operatoacuterio eacute uma fase que estaacute agrave parte algo distante que estaacute ldquolaacute forardquo natildeo eacute
considerado parte da cirurgia pelos profissionais que atuam diretamente no CC Poreacutem o preacute-
operatoacuterio ocorre por meio da interaccedilatildeo de vaacuterios atores da rede intra-hospitalar para a
execuccedilatildeo das accedilotildees
No ambulatoacuterio o paciente recebe as primeiras orientaccedilotildees data de cirurgia
encaminhamento para exames laboratoriais erisco ciruacutergico O enfermeiro orienta o
jejum o banho preacute-operatoacuterio o horaacuterio de chegada o fluxo [] No andar [paciente
internado] tem papel semelhante [] algumas medicaccedilotildees como anticoagulante
suspende na veacutespera orienta o jejum executa o banho preacute-operatoacuterio (Ed28)
O papel nosso [CTI] no preacute-operatoacuterio eacute que o meacutedico observe os exames e discuta
o caso com o cirurgiatildeo [] banho preacute-operatoacuterio pela equipe de enfermagem e que
o antibioacutetico corra antes do paciente ir para o CC(Ei25)
Embora os profissionais participantes da pesquisa tenham em mente o papel dos
diversos atores da rede intra-hospitalar nesta fase do processo ciruacutergico haacute descompasso das
accedilotildees do preacute-operatoacuterio com o estabelecido Alguns procedimentos que fazem parte do
preparo adequado do paciente como banho e a administraccedilatildeo de antibioacutetico profilaacutetico satildeo
realizados fora do tempo seja por desconhecimento displicecircncia ou desvalorizaccedilatildeo pelos
profissionais
As pessoas natildeo datildeo a devida importacircncia de uma rotina simples que eacute o banho preacute-
operatoacuterio que minimiza a infecccedilatildeo do siacutetio ciruacutergico aumenta a possibilidade da
cirurgia ser bem sucedida Agraves vezes as pessoas deixam de fazer por
desconhecimento [] natildeo tem noccedilatildeo de que o banho tem validade de duas horas
que se ele for muito cedo natildeo vai adiantar (Ed10)
O antibioacutetico preacute-operatoacuterio no pronto socorro agraves vezes jaacute podia comeccedilar a
administraccedilatildeo Eles natildeo datildeo importacircncia deixa para comeccedilar no bloco (Ed10)
As duas accedilotildees no preacute-operatoacuterio (antibioacutetico profilaacutetico e banho) satildeo relativamente
simples e impactam no transoperatoacuterio Em um estudo com 129 pacientes de duas instituiccedilotildees
hospitalares no Paranaacute o banho foi realizado para pouco mais da metade dos pacientes antes
do procedimento ciruacutergico (CHRISTOacuteFORO CARVALHO 2009) Os antimicrobianos satildeo
administrados no preacute-operatoacuterio frequentemente cedo demais tarde demais ou de uma
maneira errada (OMS 2009) O antibioacutetico profilaacutetico deve ser iniciado uma hora antes da
incisatildeo ciruacutergica ou duas horas antes da incisatildeo se o paciente recebe vancomicina ou
fluoroquinolonas (SALMAN et al 2012) Um estudo observacional prospectivo com 3836
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 83
pacientes mostrou que o antibioacutetico administrado entre 0 a 29 minutos antes da incisatildeo
ciruacutergica eacute menos efetivo quando comparado com a administraccedilatildeo entre 30 e 59 minutos antes
da cirurgia (WEBER et al 2008)
No periacuteodo preacute-operatoacuterio no hospital em estudo haacute falhas relativas tambeacutem no
preparo do paciente quanto ao acesso venoso adequado e a retirada de acessoacuterios e pertences
do paciente para encaminhaacute-lo ao CC
Nessa aacuterea [preacute-operatoacuterio] tem um pouco de falha Tudo deveria comeccedilar laacute fora
vir puncionado com jelco 18 calibre maior se precisar infundir sangue []
Paciente do pronto socorro vem com jelco 22 para o bloco [] manda de cueca
chinelo [] todo mundo sabe que natildeo pode mas vem com dentadura [] Quanto
mais eles ajudarem melhor o andamento aqui dentro fica mais faacutecil (Ed4)
Falhas nessas accedilotildees simples tambeacutem ocorrem em outros hospitais como no estudo
realizado em dois hospitais no Paranaacute onde a solicitaccedilatildeo de retirada da proacutetese dentaacuteria no
periacuteodo preacute-operatoacuterio se deu somente em 73 dos pacientes que faziam o uso nos demais
pacientes o uso da proacutetese foi identificado no CC (CHRISTOacuteFORO CARVALHO 2009)
Ademais as falhas de comunicaccedilatildeo no preacute-operatoacuterio vatildeo desde profissional para
paciente e vice-versa ateacute profissional para profissional em seus diversos locais de atuaccedilatildeo
No preacute Eles [pacientes] chegam aguardando uma posiccedilatildeo do meacutedico [] a gente
tem uma expectativa junto com eles [] ele [paciente] natildeo sabe quando vai ser a
cirurgia e o quecirc vai acontecer com ele (Ei7)
Paciente chega [no CC] a gente recebe ldquoSabe de que vai ser operadordquo ldquoNatildeo
Falaram pra mim que eu vou operar mas natildeo sei o querdquo [] O paciente natildeo sabe
Opreacute eacute isso (Ed31)
Quando o paciente chega para o trans quantas vezes a gente pergunta ldquoTaacute em
jejumrdquo ldquoNatildeo rdquo Ai a cirurgia eacute cancelada porque o preacute natildeo foi bem feito laacute fora
ldquoNatildeo falaram com vocecircrdquo ldquoNatildeo Ningueacutem me falourdquo (Ed31)
A expressatildeo ldquoa gente tem uma expectativa junto com elesrdquo relatada mostra a falta de
comunicaccedilatildeo entre os profissionais e de planejamento da assistecircncia natildeo multiprofissional
Por outro lado nos relatos de Ed31 foram reafirmadas falhas de comunicaccedilatildeo entre os
profissionais e pacientes A comunicaccedilatildeo o diaacutelogo e a conversa profissional-paciente eacute o elo
para aproximar quem estaacute sendo cuidado e quem estaacute cuidando No encontro as pessoas
estabelecem a partir da relaccedilatildeo e da interaccedilatildeo humana momentos de troca de interesse e
preocupaccedilatildeo com o outro e a maneira de expressatildeo pode ser pela palavra ou mesmo
comportamental Assim o profissional oportuniza e encoraja o cliente a dialogar e a
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 84
expressar-se o que torna possiacutevel aproximaccedilatildeo e compreensatildeo da complexa teia de relaccedilotildees
humanas de cuidado (BAGGIO CALLEGARO ERDMANN 2008) No preacute-operatoacuterio o
bem-estar do paciente deve ser o principal objetivo dos profissionais que o assistem pois
estes podem apresentar alto niacutevel de estresse bem como desenvolver sentimentos que podem
atuar negativamente em seu estado emocional tornando-os vulneraacuteveis Muitas vezes o
estresse independe da cirurgia tem relaccedilatildeo com a desinformaccedilatildeo associada aos procedimentos
da cirurgia da anestesia e dos cuidados (CHRISTOacuteFORO CARVALHO 2009)
A Sistematizaccedilatildeo da Assistecircncia de Enfermagem Perioperatoacuteria (SAEP) seria uma
estrateacutegia importante para integrar todo o perioperatoacuterio no entanto no cenaacuterio deste estudo
ainda natildeo eacute realidade Isso impacta na primeira fase ciruacutergica o preacute-operatoacuterio pela ausecircncia
da visita sistemaacutetica do enfermeiro do CC ao paciente antes das cirurgias
Infelizmente no bloco a gente natildeo tem esse enfermeiro que faz a visita preacute-
operatoacuteria [no leito] para dar continuidade no bloco A gente tentou implantar a
SAEP mas ainda natildeo tem essa ligaccedilatildeo na assistecircncia de enfermagem (Ed10)
O enfermeiro deve considerar a visita preacute-operatoacuteria prioritaacuteria um processo interativo
para promover eou recuperar a integridade dos pacientes Por meio dessa visita o enfermeiro
teraacute informaccedilotildees para ajudar no planejamento da cirurgia no trans e no poacutes-operatoacuterio
(GRITTEM MEIER GAIEVICZ 2006) Segundo Saragiotto e Tramontini (2009) 875
das enfermeiras de diferentes hospitais de Londrina natildeo realizam todas as fases da visita preacute-
operatoacuteria sendo que as estrateacutegias empregadas no preacute-operatoacuterio consistiram em contato
telefocircnico e orientaccedilotildees na enfermaria e na recepccedilatildeo do CC Isso de certa forma coincide
com as observaccedilotildees desta pesquisa no que diz respeito aos enfermeiros do CC Poreacutem haacute um
arcabouccedilo de legislaccedilotildees sobre a obrigatoriedade da utilizaccedilatildeo do processo de enfermagem
como atividade privativa do enfermeiro e que deve ter participaccedilatildeo de toda a equipe de
enfermagem (Lei nordm 74981986 Decreto nordm 944061987 Resoluccedilatildeo COFEN nordm 3582009)
Mesmo assim as recomendaccedilotildees natildeo satildeo ainda incorporadas no hospital cenaacuterio deste estudo
Isso fragiliza a assistecircncia de enfermagem pois o processo de enfermagem eacute um meacutetodo de
trabalho baseado em teorias de enfermagem que satildeo o conhecimento especiacutefico da profissatildeo
Foi possiacutevel perceber pelos depoimentos e observaccedilatildeo que o periacuteodo preacute-operatoacuterio
no hospital eacute ainda uma condiccedilatildeo insegura e que a seguranccedila do paciente nessa fase influencia
na tranquilidade e seguranccedila dos profissionais na sala operatoacuteria
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 85
[] o checklist do preacute-ciruacutergico a gente hoje natildeo faz Isso agraves vezes leva o paciente
numa condiccedilatildeo de mais fragilidade para a cirurgia O preacute-anesteacutesico eu acho que
seguramente eacute uma condiccedilatildeoainda insegura (Ei30)
O planejamento do anestesiologista eacute baseado no preacute-operatoacuterio e no preacute-anesteacutesico
que andam juntas e faz toda a diferenccedila [] Isso natildeo soacute aumenta a seguranccedila da
cirurgia como aumenta a qualidade de vida do profissional Vocecirc chega vecirc tudo ai
vocecirc comeccedila a trabalhar jaacute mais tranquilo (Ed17)
Ressalta-se a necessidade de repensar a articulaccedilatildeo dos atores do hospital na fase preacute-
operatoacuteria para a continuidade integralidade e seguranccedila do cuidado ciruacutergico e tambeacutem
para proporcionar um ambiente seguro para o trabalhador Segundo Pena e Minayo-Gomez
(2010) a seguranccedila do profissional e do paciente tem relaccedilotildees diretas Os autores observaram
que a diminuiccedilatildeo de infecccedilatildeo relacionada agrave sauacutede nos pacientes por exemplo reduz ao
mesmo tempo doenccedilas ocupacionais para os trabalhadores A melhoria da seguranccedila dos
pacientes impacta na reduccedilatildeo de acidentes no trabalho (PENA MINAYO-GOMEZ 2010)
Ao contraacuterio dos vaacuterios problemas citados pelos profissionais na fase preacute-operatoacuteria a
fase intraoperatoacuteria eacute percebida de uma forma mais tranquila pelos participantes da pesquisa
[] depois que o paciente entrou para a cirurgia ela flui tranquilamente Acontece
agraves vezes uma intercorrecircncia mas eacute aceitaacutevel Isso aiacute a gente natildeo pode prever [] o
trans eacute muito tranquilo (Ed13)
O trans eacute mais tranquilo As coisas caminham O raio X vem certinho nada foge do
normal tem um atraso ou outro mas nenhuma observaccedilatildeo maior a fazer natildeo (Ed29)
Os profissionais natildeo satildeo claros no que seria ldquoaceitaacutevelrdquo ldquonormalrdquo ocorrer dentro do
transoperatoacuterio que natildeo impactaria negativamente na assistecircncia ciruacutergica segura Contudo o
atraso mencionado pode gerar maior tempo ciruacutergico e repercutir no resultado final do
procedimento
Haacute tambeacutem nos relatos sobre a fase transoperatoacuteria a necessidade da conexatildeo e da
comunicaccedilatildeo dos diversos atores da rede intra-hospitalar A metaacutefora utilizada para expressar
essa interdependecircncia foi a de um ldquocorpordquo que depende de muacuteltiplos oacutergatildeos para funcionar
[] eacute a mesma coisa do corpo [] primeiro dependemos do pessoal da conservaccedilatildeo
Limpou a sala a sala estaacute pronta Aiacute dependemos do teacutecnico de enfermagem que
montou os carrinhos depende do instrumentador para checar o material Estaacute tudo
ok Aiacute sim pode entrar com o paciente Depende do anestesiologista Fez o trabalho
dele Entra a equipe ciruacutergica que vai do instrumentador ao preceptor [pausa] Para
ter sucesso depende de todo mundo [com ecircnfase] (Ed12)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 86
A cirurgia vai depender do anestesiologista do cirurgiatildeo mas tem um monte de
gente nos bastidores Tem a equipe da enfermagem a farmaacutecia e o banco de sangue
que precisam disponibilizar o que a gente pede o quanto antes (Ed19)
Pelos depoimentos os profissionais que atuam diretamente no ato anesteacutesico-ciruacutergico
estatildeo na cena principal de um filme e os demais profissionais estatildeo nos bastidores apoiando
essa ldquocenardquo da qual participam apenas os protagonistas Segundo Reus e Tittoni (2012) a sala
operatoacuteria eacute o local onde se desenvolve a cena e tudo funciona como num filme onde cada
ator desempenha papeacuteis definidos Uma nova refilmagem acontece em cada cirurgia onde os
atores podem ser diferentes mas as cenas satildeo repetidas detalhadamente Assim como um
piloto de aviatildeo conta com a equipe de solo com a equipe de bordo e os controladores de
traacutefego aeacutereo para um vocirco seguro um cirurgiatildeo eacute um membro essencial mas depende de uma
equipe responsaacutevel para a assistecircncia ciruacutergica segura (OMS 2009)
Entre os vaacuterios profissionais que atuam em um procedimento ciruacutergico cada ldquoatorrdquo
tem um contato distinto com o corpo do paciente o que lhe confere um status nessa relaccedilatildeo
O cirurgiatildeo atua manipulando e modificando o ldquointeriorrdquo do corpo amparado por um saber
teacutecnico e acadecircmico tanto no corpo como no ambiente O anestesiologista interveacutem na
consciecircncia do paciente que se ausenta e se torna vulneraacutevel Os profissionais de enfermagem
manipulam o ldquoexteriorrdquo do corpo com procedimentos ldquonatildeo invasivosrdquo tambeacutem amparados
por um saber (REUS TITTONI 2012) Esses saberes teacutecnicos distinguem os diversos atores
humos da rede intra-hospitalar e os coloca na cena ou nos bastidores o que faz com que cada
um exerccedila um niacutevel de poder nesse espaccedilo ocupado No entanto a seguranccedila ciruacutergica
demanda desempenho confiaacutevel de muacuteltiplas etapas necessaacuterias agrave assistecircncia natildeo apenas pelo
cirurgiatildeo mas pela equipe de profissionais de sauacutede trabalhando em conjunto para o
benefiacutecio do paciente (OMS 2009)
Aleacutem da dependecircncia dos diversos atores da rede intra-hospitalar haacute uma relaccedilatildeo
direta entre as diferentes disciplinas que atuam na aacuterea ciruacutergica No relato para a cirurgia
acontecer eacute necessaacuteria a atuaccedilatildeo da anestesiologia que evoluiu em determinado periacuteodo
tornando-se duas profissotildees distintas embora complementares Isso trouxe vantagens e
desvantagens
Uma cirurgia de laparotomia por uma obstruccedilatildeo intestinal pra ser tranquila precisa
de uma anestesia muito bem feita para a musculatura [do paciente] ficar flexiacutevel
para o cirurgiatildeo acessar A anestesiologia jaacute foi uma subespecialidade da cirurgia
Depois foi ficando tatildeo complexa que teve que separar [] as teacutecnicas ciruacutergicas se
desenvolveram a partir do momento em que a anestesia evoluiu e daacute condiccedilotildees para
o cirurgiatildeo operar [] natildeo existiria cirurgia sem anestesia Cirurgias antes da
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 87
anestesia eram coisas medievais [] paciente sentido dores horriacuteveis As duas aacutereas
se desenvolveram juntas e uma eacute totalmente dependente da outra (Ed17)
Determinadas cliacutenicas tipo ortopedia eacute muito ligada soacute no problema especialista
em joelho vecirc soacute o joelho natildeo consegue ver o resto [] vecirc um ligamento rompido
trata aquilo ali mas o paciente tem outros problemas agraves vezes nem eacute o mais grave
aquilo ali [] quanto mais especialista menos consegue ter visatildeo geral (Ed17)
Segundo Morin (2005) a evoluccedilatildeo disciplinar das ciecircncias trouxe as vantagens da
divisatildeo do trabalho (contribuiccedilatildeo das partes especializadas para a coerecircncia de um todo
organizador) mas tambeacutem os inconvenientes da fragmentaccedilatildeo do saber Haacute necessidade da
equipe multiprofissional para o sucesso das cirurgias na sala ciruacutergica No entanto a conexatildeo
natildeo eacute articulada e a comunicaccedilatildeo natildeo eacute efetiva O ldquocorpordquo falha e repercute na fase trans-
operatoacuteria No CC haacute um desalinhamento um descompasso nos atos de cuidados de um setor
para o outro Isso gera prejuiacutezo para os pacientes e desperdiacutecio de material
O paciente chega do CTI com bomba de infusatildeo medicaccedilotildees IV e tal A gente tira
pra fazer as minhas medicaccedilotildees Agraves vezes estaacute no meio de um antibioacutetico e perde
aquele frasco Acho que poderia integrar mais a prescriccedilatildeo [] A gente natildeo pode
manter a conduta deles cirurgia eacute diferente [] a gente tira tudo [] Se a gente
manda uma bomba de infusatildeo daqui eles trocam porque tecircm outras diluiccedilotildees
padrotildees (Ed17)
O bloco tem interface com todos os setores e nem sempre o paciente chega para a
cirurgia na condiccedilatildeo adequada [] Para que aconteccedila o processo de trabalho do
bloco tudo tem que estar muito acertado (Ei30)
A comunicaccedilatildeo entre a equipe do CC e outras unidades interfere na dinacircmica de
funcionamento do CC sendo a comunicaccedilatildeo identificada como um instrumento de trabalho
(STUMM MACcedilALAI KIRCHNER 2006) Essa comunicaccedilatildeo entre os diversos atores eacute
necessaacuteria entre outras questotildees para que o desperdiacutecio seja evitado e haja continuidade do
tratamento Outros pontos relacionados a questotildees externas e internas ao CC satildeo citados como
problemas no transoperatoacuterio
Vira e mexe tem um material que natildeo estaacute bom falta alguma peccedila no kit mas eacute tudo
mais tranquilo Eacute soacute em caraacuteter de exceccedilatildeo mesmo (Ed29)
No trans algumas vezes acontece alguns percalccedilos [] o cirurgiatildeo pede um monte de
coisa e nada serve e o material fica comprometido ou perdido (Ei23)
Em estudo realizado em hospital universitaacuterio puacuteblico de grande porte de Porto
Alegre o comportamento do cirurgiatildeo foi apontado como uma situaccedilatildeo geradora de estresse e
houve o reconhecimento ateacute por parte deles mesmos Viu-se que quanto mais jovens menos
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 88
seguros e mais agressivos Relacionaram como comportamentos geradores de estresse o
cirurgiatildeo perfeccionista muito exigente irritado e que perde o controle (CAREGNATO
LAUTERT 2005)
No transoperatoacuterio o estresse provocado pela necessidade de uma cirurgia e todo o
percurso percorrido ateacute o CC gera sentimentos como nervosismo medo inseguranccedila e tristeza
no paciente ciruacutergico Os profissionais aleacutem de todas as questotildees teacutecnicas inerentes agraves suas
funccedilotildees tecircm o papel de manter um ambiente harmocircnico tranquilo e seguro aleacutem de orientar
e informar sobre o procedimento ciruacutergico propriamente dito
No trans a gente explica para ele todo o procedimento [] eles chegam nervosos
com medo A gente tenta transmitir a maior seguranccedila possiacutevel Mostrar que estaacute em
um lugar seguro Mesmo com os riscos que isso tem aqui a gente faz tudo para o
paciente [] graccedilas a Deus na maioria das vezes daacute tudo certo (Ed31)
Apesar do relato de Ed31 sugerir uma assistecircncia segura humanizada e eacutetica por
parte dos profissionais do CC percebeu-se que haacute impaciecircncia quando o paciente natildeo
obedece aos comandos da equipe Nas notas do diaacuterio de campo foi registrada uma cena
presenciada Era um paciente em confusatildeo mental de 62 anos com hemorragia subdural
devido a um traumastismo histoacuterico de acidente vascular cerebral que estava contido com
faixas transpassadas pelo abdocircmen e nos braccedilos amarradas agraves grades do leito As faixas da
regiatildeo do toacuterax estavam muito apertadas e o anestesiologista pediu para afrouxaacute-las A
circulante natildeo o fez Entatildeo a acadecircmica que acompanhou a pesquisa pediu licenccedila para
afrouxar a contenccedilatildeo pois se preocupou com a possiacutevel pele lesionada em um paciente idoso
prestes a se submeter a um ato ciruacutergico Foi administrada a medicaccedilatildeo e o paciente manteve-
se agitado As circulantes comeccedilaram a perder a paciecircncia e a dizer ldquoFica quietinho se natildeo
vocecirc vai cair Um homem dessa idade fazendo issordquo Quando houve a perda do acesso
venoso a falta de paciecircncia das circulantes aumentou e chamaram a enfermeira e o
anestesiologista Nesse periacuteodo houve brincadeiras quanto aos procedimentos com o
paciente Quando outro anestesiologista chegou e disse ldquoVou entubar de uma vez ai para de
incomodarrdquo Essa situaccedilatildeo deve ser refletida de forma criacutetica em um hospital de ensino A
interaccedilatildeo entre o profissional e o paciente ciruacutergico deve considerar as caracteriacutesticas de cada
pessoa Isso pode minimizar o estresse a ansiedade e o desgaste que a pessoa vivencia na
cirurgia aleacutem de proporcionar seguranccedila calma e tranquilidade (CALLEGARO et al 2010)
A equipe multiprofissional natildeo atua somente em situaccedilotildees confortaacuteveis (ordem) mas devem
estar organizados para todas as caracteriacutesticas imprevisiacuteveis dos pacientes (desordem)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 89
Por uacuteltimo no que diz respeito agrave fase transoperatoacuteria a observaccedilatildeo possibilitou
perceber que haacute tambeacutem negligecircncia em relaccedilatildeo aos Equipamentos de Proteccedilatildeo Individual
(EPI) como o uso de oacuteculos de proteccedilatildeo Observou-se e foi registrado no diaacuterio de campo que
a natildeo utilizaccedilatildeo do EPI resultou em um acidente com material bioloacutegico que atingiu os olhos
de um cirurgiatildeo e da instrumentadora que natildeo tomaram nenhuma atitude quanto ao fato
Outras condutas de risco foram observadas como o natildeo uso de luvas para a administraccedilatildeo e o
preparo dos medicamentos e a perfuraccedilatildeo da bolsa de soro com o intuito de infundir com
maior velocidade Haacute ainda um ambiente informal de trabalho os profissionais cantam
conversam sobre diversos assuntos riem de piadas e acontecimentos compartilhados no
momento da cirurgia falam ao celular sobre assuntos diversos Como exemplo foi observado
um profissional anestesiologista em uma longa discussatildeo no celular sobre o conserto de seu
carro na oficina em pleno ato ciruacutergico gerando distraccedilotildees e risco Ademais haacute interrupccedilotildees
frequentes durante as cirurgias Essas situaccedilotildees distanciam a atenccedilatildeo e a concentraccedilatildeo dos
profissionais do ato ciruacutergico gerando inseguranccedila ciruacutergica As distraccedilotildees e interrupccedilotildees
frequentes podem contribuir para a ocorrecircncia de erros na assistecircncia agrave sauacutede (LEMOS
SILVA MARTINEZ 2012)
Na fase poacutes-operatoacuteria assim como na preacute-operatoacuteria tambeacutem se encontra uma seacuterie
de dificuldades a comeccedilar pelo poacutes-operatoacuterio imediato que fica a desejar na opiniatildeo de
profissionais que atuam no poacutes-operatoacuterio externo ao CC
A gente teve um caso de paciente que colocaram a placa de cauteacuterio sem gel e teve
uma queimadura extensa de membro inferior Ele veio para o CTI e foi aqui que foi
observada essa lesatildeo [] a gente sente falta de passagem de caso e de um exame
fiacutesico do paciente antes que ele venha [] se esse paciente fosse examinado no poacutes-
operatoacuterio imediato na sala de recuperaccedilatildeo a gente conseguiria fechar todos os elos
da cadeia da cirurgia segura (Ei25)
O exame fiacutesico dos pacientes e a disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees que ocorrem de forma
inadequada segundo o entrevistado satildeo importantes accedilotildees para o poacutes-operatoacuterio imediato
que consiste em uma fase criacutetica para o paciente Segundo Monteiro et al (2014) o paciente
fica vulneraacutevel a diversas complicaccedilotildees principalmente as de origem respiratoacuteria circulatoacuteria
e gastrointestinal Ao admitir o paciente na Sala de Recuperaccedilatildeo Poacutes-anesteacutesica (SRPA) eacute
necessaacuteria uma avaliaccedilatildeo inicial pelo enfermeiro Esse deve inspecionar o paciente
monitorando-o de forma que sejam avaliados todos os paracircmetros vitais aleacutem da realizaccedilatildeo
do exame fiacutesico ceacutefalo-caudal com ecircnfase no local ciruacutergico (MONTEIRO et al 2014) e na
identificaccedilatildeo de eventuais complicaccedilotildees ou incidentes como o citado
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 90
Uma importante ferramenta para a identificaccedilatildeo e anaacutelise das complicaccedilotildees
apresentadas pelos pacientes nessa fase eacute o Iacutendice de Aldrete e Kroulik (IAK) que avalia a
atividade muscular a respiraccedilatildeo a circulaccedilatildeo a consciecircncia e a saturaccedilatildeo de oxigecircnio
(CASTRO et al 2012) No CC em estudo natildeo haacute um enfermeiro exclusivo para a SRPA haacute
dois teacutecnicos de enfermagem nos cuidados aos pacientes que por vezes ultrapassa o nuacutemero
maacuteximo de sete pacientes Esse cenaacuterio coloca em risco o paciente que se encontra
dependente sonolento devido agrave anestesia demandando cuidados dos profissionais o que se
torna difiacutecil tendo em vista o grande nuacutemero de pacientes na sala para prestar uma assistecircncia
segura por sobrecarga de trabalho O excesso de pacientes se daacute pela falta de leitos no CTI e
na unidade de internaccedilatildeo da cliacutenica ciruacutergica
Ainda na SRPA observou-se que apesar de se ter um termocircmetro conforme a
legislaccedilatildeo preconiza a sala permanece com temperaturas baixas Isso pode levar agrave hipotermia
dos pacientes em poacutes-operatoacuterio sendo um fator prejudicial pois de acordo com De Mattia et
al (2012) pode desencadear complicaccedilotildees como alteraccedilotildees respiratoacuterias tegumentares
cardiovasculares dentre outras
A falta de leitos na cliacutenica ciruacutergica e no CTI a falta de profissional a sobrecarga de
trabalho e a atitude dos profissionais em higienizar e agilizar o recebimento dos pacientes satildeo
tambeacutem questotildees pontuadas como problemas
A demanda de pacientes eacute grande o hospital natildeo suporta faltam leitos O paciente
fica preso no bloco aguardando leito [] Agraves vezes ateacute tem o leito mas o paciente
fica mais que deveria por falta de boa vontade [] (Ed13)
A uacutenica dificuldade eacute quando o paciente eacute para admissatildeo no andar [] fica na
recuperaccedilatildeo o dia inteiro estaacute limpando o leito (Ed4)
O pessoal [da internaccedilatildeo ciruacutergica] tem um pouco de resistecircncia pra receber o
paciente por questatildeo de sobrecarga de trabalho falta de funcionaacuterios chega laacute em
cima atendem mal [] Podia ser melhor essa integraccedilatildeo (Ed8)
A uacutenica dificuldade que a gente tem eacute subir com o paciente quando o paciente eacute
admissatildeo no andar [] tem paciente que fica na recuperaccedilatildeo o dia inteiro o leito taacute
limpando limpando de cotonete neacute (Ed4)
As questotildees relatadas como problemas na fase poacutes-operatoacuteria se assemelham aos
relatados da fase preacute-operatoacuteria quanto agraves questotildees que envolvem a conexatildeo e a comunicaccedilatildeo
profissional Por outro lado se diferem por serem questotildees que necessitam de maiores aportes
de recursos como a falta de leitos de retaguarda para o recebimento do paciente no poacutes-
operatoacuterio que estaacute ligada a uma macropoliacutetica que embora possa ser influenciada pelos
atores do hospital estes natildeo tecircm autonomia total
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 91
A falta de leitos tem consequecircncias como cancelamento de cirurgias eletivas atraso
da admissatildeo de pacientes em urgecircncia ciruacutergica e colocaccedilatildeo dos mesmos em leitos
inapropriados (cliacutenico versus ciruacutergico feminino versus masculino) Somado a isso haacute a
dificuldade de transferecircncia de pacientes entre alas e postergaccedilatildeo de altas do CTI elevando o
tempo de permanecircncia hospitalar (FARIA et al 2010) Mesmo quando haacute o leito disponiacutevel
no hospital satildeo relatadas dificuldades de transferecircncia do CC para a unidade ciruacutergica devido
agrave falta de pessoal sobrecarga de trabalho e processos inadequados de trabalho A metaacutefora
utilizada ldquolimpando de cotoneterdquo (os leitos na cliacutenica ciruacutergica) expressa a inconformidade
com a lentidatildeo de liberaccedilatildeo de leitos Portanto as dificuldades satildeo de natureza estrutural e
profissional-pessoal entre outras que comprometem as relaccedilotildees a comunicaccedilatildeo e o
atendimento aos pacientes contribuindo para a inseguranccedila ciruacutergica
A falta de leitos de retaguarda e a impossibilidade de adiar a cirurgia do paciente pela
sua necessidade mesmo natildeo tendo vaga no CTI geram a permanecircncia inadequada do
paciente na sala operatoacuteria ou na SRPA No caso dos pacientes que necessitam de CTI a
permanecircncia no CC gera seacuterios riscos para os pacientes uma vez que ele natildeo tem a assistecircncia
adequada de cuidado intensivo
[] tem um paciente parado ali natildeo tem vaga de CTI Soacute que natildeo vou olhar tatildeo
bem quanto o intensivista que tem o haacutebito de dar atenccedilatildeo ao paciente grave A
gente tem costume com paciente grave soacute no periacuteodo da cirurgia Depois eacute CTI eles
tecircm conduta de exames protocolos que a gente natildeo tem conhecimento e nem
obrigaccedilatildeo de ter Natildeo eacute minha especialidade (Ed17)
Um paciente no uacuteltimo plantatildeo ficou trecircs dias aguardando CTI aqui sem cuidado
intensivista Natildeo que ele fique descuidado de forma alguma O anestesiologista
acompanha a gente estaacute atento a qualquer alteraccedilatildeo mas ele natildeo estaacute no CTI natildeo
tem profissional capacitado para isso aqui [] eacute um problema de fluxo do hospital e
estaacute virando rotina [] a meacutedia estaacute ficando dois dias aguardando e deveria ir de
imediato Fica a desejar Muito (Ed29)
Um anestesiologista relata que natildeo eacute o melhor profissional para acompanhar o
paciente grave no poacutes-operatoacuterio porque as especialidades satildeo bem diferentes A assistecircncia
ldquointensivardquo poacutes-operatoacuteria imediata que tem acontecido no CC aleacutem da seguranccedila do paciente
ser colocada em risco faz com que a relaccedilatildeo dos atores do CC e do CTI seja conflituosa e
gere anguacutestia dos profissionais de ambos os setores Haacute problemas estruturais e uma
justificativa eacute a elevada demanda por hospital publico
[] alguns pacientes que a gente opera aqui eacute fundamental que vaacute direto para o
ambiente de CTI [] se ele continuar no bloco o prognoacutestico natildeo vai ser o mesmo
se ele tivesse ido para o CTI [] a relaccedilatildeo entre bloco e CTI agraves vezes eacute conflituosa
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 92
porque nem sempre o CTI pode receber o nosso doente Mas o CTI de hospital
puacuteblico eacute assim mesmo vive cheio (Ed19)
[] a gente fica na anguacutestia de saber que tem um paciente laacute no bloco prendendo
sala que natildeo recebe naquele momento o cuidado e o tratamento meacutedico mais
adequado porque ele tem indicaccedilatildeo da terapia intensiva Agraves vezes tem paciente de
alta no CTI o dia inteiro mas a gente natildeo consegue tiraacute-lo daqui (Ei25)
O poacutes-operatoacuterio eacute realizado na enfermaria ciruacutergica e no ambulatoacuterio Na enfermaria
de cliacutenica ciruacutergica a transferecircncia de cuidados agrave beira do leito e a corrida de leito individual
e multiprofissional satildeo estrateacutegias para a articulaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo das necessidades para o
cuidado poacutes-operatoacuterio No ambulatoacuterio satildeo acompanhados os pacientes que realizaram
cirurgia no hospital e tambeacutem aqueles que se encontram em tratamento conservador
A gente pega plantatildeo no leito Eacute diferente de pegar dentro da sala Na beira do leito eacute
muito melhor vocecirc consegue observar as coisas para priorizar os cuidados na
corrida de leito que vocecirc faz depois [] eacute diferente vocecirc estar com o meacutedico
discutindo as coisas para agilizar procedimentos Exemplo paciente da cirurgia
geral vai retirar um dreno na corrida de leito a gente sabe ai providecircncia o material
em vez de esperar o meacutedico solicitar (Ei7)
A gente faz o poacutes-operatoacuterio de todos os nossos pacientes no ambulatoacuterio que eacute
eminentemente ciruacutergico [] faz o acompanhamento deles de acordo com a
necessidade inclusive tratamento conservador de fratura que natildeo precisou operar
Se precisar operar ele eacute agendado e marca (Ed21)
A corrida de leito multiprofissional eacute uma estrateacutegia importante para o aprendizado
dos alunos e residentes por ser um hospital de ensino bem como para os profissionais
interagirem e terem um momento de discussatildeo das situaccedilotildees No entanto durante o periacuteodo
de observaccedilatildeo pode-se visualizar que as enfermarias ficam cheias durante a passagem da
equipe multiprofissional Em uma delas havia 12 pessoas entre preceptor enfermeiro
fisioterapeuta residente e acadecircmico aleacutem dos pacientes e seus familiares Isso gera ruiacutedos
principalmente devido agraves conversas paralelas que vatildeo acontecendo tirando o foco do cuidado
Aleacutem disso observou-se curiosidade e certo desconforto dos pacientes em saber o caso do
outro paciente (vizinho de leito) e ao mesmo tempo ter o seu caso exposto para a enfermaria
toda ou seja observou-se falta de privacidade para os pacientes A escuta do paciente por
vezes foi interrompida e as orientaccedilotildees passadas natildeo eram entendidas pelo paciente O
desconforto foi tambeacutem devido agrave corrida de leito coincidir com o horaacuterio de banho dos
pacientes que ficavam sem saber o que fazer Observou-se que o preceptor e os residentes
natildeo lavavam as matildeos entre um paciente e outro apesar de tocaacute-los sem luvas levantando a
roupa para visualizar a ferida operatoacuteria suspendendo um dreno para avaliaccedilatildeo abrindo um
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 93
curativo Outros apoiavam o peacute em uma parte de ferro da cama abaixo do colchatildeo Essas
situaccedilotildees para pacientes com sistema imunoloacutegico fraacutegil geram riscos de infecccedilatildeo Aleacutem
disso na maior parte das vezes a equipe natildeo usou capote para pacientes com indicaccedilatildeo de
precauccedilatildeo por contato inclusive tocavam os mesmos sem o uso de luvas
Em estudo realizado em uma UTI de Natal-Rio Grande do Norte (RN) com objetivo
de compreender os sentimentos de pacientes que vivenciam a passagem de plantatildeo agrave beira
leito o autor recomendou a transferecircncia de cuidados em dois espaccedilos distintos em um
ambiente reservado para serem feitas observaccedilotildees que poderiam causam ansiedade e
constrangimento como questotildees sobre quadro cliacutenico e prognoacutestico grau de dependecircncia
tipo de banho eliminaccedilotildees intercorrecircncias e posteriormente agrave beira leito para abordar
questotildees praacuteticas a respeito de acesso venoso sonda drenos cateteres sempre explicando ao
paciente o procedimento que seraacute realizado e ouvindo as necessidades que ele tem a expor
(PEREIRA 2011) Essa pode ser uma estrateacutegia interessante para ser utilizada no hospital em
estudo para a transferecircncia de cuidados e corrida de leito que os profissionais realizam
O macro jaacute natildeo eacute um local maior que o micro que pode ser encaixado como as
bonecas Matryoshka russas (LATOUR 2012) A rede intra-hospitalar que ocorre todo o
perioperatoacuterio jaacute natildeo eacute um local maior que o micro neste caso os diversos setores
(internaccedilatildeo CC CTI ambulatoacuterio) Eacute um lugar igualmente local e micro conectado a muitos
outros por algum meio que transporta tipos de traccedilos especiacuteficos Ou seja nenhum lugar eacute
maior que outro mas alguns como o CC que eacute o aacutepice do perioperatoacuterio se beneficiam de
conexotildees com outros lugares Esse movimento tem o efeito beneacutefico de manter a paisagem
plana pois o que antes se situava acima ou abaixo (hierarquia de setores e profissionais)
permanece lado a lado inseridos no mesmo plano dos outros locais que tentavam superar ou
incluir
42 Situaccedilotildees de seguranccedila e de inseguranccedila nos procedimentos ciruacutergicos
A construccedilatildeo de um fato eacute um processo tatildeo coletivo que uma pessoa sozinha soacute
constroacutei sonhos alegaccedilotildees e sentimentos mas natildeo fatos (LATOUR 2000 p70)
Procurou-se nesta categoria elucidar as situaccedilotildees de seguranccedila e de inseguranccedila nas
cirurgias na perspectiva dos profissionais Segundo Valido (2011) a seguranccedila do paciente
dimensatildeo essencial da qualidade em sauacutede assume primordial importacircncia em ambiente de
centro ciruacutergico na medida em que se trata de um ambiente teacutecnico de grande diferenciaccedilatildeo
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 94
cuja estrutura aleacutem de ser complexa tem uma dinacircmica especiacutefica que impacta em seus
resultados Esta categoria estaacute estruturada nas seguintes subcategorias (421) cirurgia segura
e cirurgia insegura imbricaccedilotildees de atores humanos e natildeo humanos (422) onda vermelha
situaccedilatildeo de caos que salva vidas (423) efeito borboleta pequenas accedilotildees podem resultar em
grandes incidentes na assistecircncia ciruacutergica e (424) abordagem institucional frente aos
incidentes efeitos da cultura organizacional
421 Cirurgia segura e cirurgia insegura imbricaccedilotildees de atores humanos e natildeo humanos
Buscou-se compreender o sentido que os profissionais atribuem para um procedimento
anesteacutesico-ciruacutergico seguro e um que gera inseguranccedila para o paciente e para o profissional
As expressotildees foram multidimensionais e paradoxalmente a certeza e a duacutevida da seguranccedila
ciruacutergica no hospital estiveram presentes nas falas
Eu acho que apesar das dificuldades a maioria das nossas cirurgias eacute considerada
segura Sem duacutevida (Ed21)
Natildeo sei te falar se a maioria eacute segura ou se a maioria ainda estaacute com essa
inseguranccedila de cumprir todos os processos (Ei23)
Satildeo vaacuterios fatores que se deve levar em conta pra definir se a cirurgia eacute segura ou
natildeo (Ed13)
A reflexatildeo sobre as causas que concorrem para a seguranccedila ou a inseguranccedila
anesteacutesico-ciruacutergica se insere no campo do pensamento complexo o qual eacute articulante e
multidimensional Segundo Morin (2003a) o desafio do pensamento complexo eacute articular os
domiacutenios disciplinares fraturados pelo pensamento desagregador principal caracteriacutestica do
pensamento simplificador Este isola o que separa oculta tudo o que religa diz que o
compreender e o entender significam interferir no real Segundo o autor o pensamento
complexo almeja a um conhecimento multidimensional e poieacutetico (que manifesta novidade
criaccedilatildeo e temporalidade)
A assistecircncia anesteacutesico-ciruacutergica envolve muacuteltiplas etapas que satildeo criacuteticas plenas de
variaccedilatildeo e de incerteza com riscos de falhas e potencial para causar agravos aos pacientes
mesmo em cirurgias mais simples As etapas devem ser acionadas para cada paciente de
forma interdisciplinar com dependecircncia da accedilatildeo individual dos profissionais e satildeo exercidas
em ambientes onde fatores organizacionais e humanos desempenham papel fundamental
numa constante interaccedilatildeo entre humanos maacutequinas e equipamentos (OMS 2009
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 95
FRAGATA 2010) Essa interaccedilatildeo natildeo era possiacutevel na definiccedilatildeo preacute-relativista do social
Primeiro aparecia o participante humano e depois o mundo social mais aleacutem Nada que natildeo
fosse formado por laccedilos sociais podia fazer conexatildeo com os humanos Atualmente eacute o
contraacuterio os humanos e o contexto social foram relegados aos bastidores a luz incide sobre
os mediadores cuja proliferaccedilatildeo engendra entre muitos outros entes o que se chamaria de
quase objetos e quase sujeitos (LATOUR 2012)
Os relatos dos profissionais indicam que o desfecho anesteacutesico-ciruacutergico seguro ou
inseguro se relacionaram agraves conexotildees dos atores humanos e natildeo humanos Os natildeo humanos se
arrolaram agrave capacidade interna do hospital desde as suas condiccedilotildees estruturais ateacute os
processos de preparo do paciente e o ato ciruacutergico em si Os fatores relacionados aos atores
humanos foram aspectos que extrapolam o hospital desencadeados tanto pelas caracteriacutesticas
biopsicossociais do paciente quanto pelas caracteriacutesticas e competecircncia dos profissionais
Segundo Latour (2012 p 341) ldquoo social natildeo eacute um lugar uma coisa um domiacutenio ou um tipo
de mateacuteria e sim um movimento provisoacuterio de associaccedilotildees novasrdquo Assim propotildee-se para esta
discussatildeo a configuraccedilatildeo do tetragrama de atores natildeo humanos e humanos (condiccedilatildeo
estrutural processos de trabalho caracteriacutesticas do paciente e atitudes profissionais) que satildeo
interdependentes para a realizaccedilatildeo de uma assistecircncia ciruacutergica segura
As condiccedilotildees estruturais divididas em quatro subgrupos (espaccedilo fiacutesico equipamentos
materiais e medicamentos) foram aspectos importantes citados pelos profissionais para a
seguranccedila ciruacutergica O espaccedilo fiacutesico do CC foi considerado inadequado apesar da
importacircncia desta unidade pra a missatildeo do hospital
O nuacutemero de salas eacute pequeno Agraves vezes a urgecircncia fica esperando desocupar sala de
eletiva [] A diretoria falou em ampliar mas mais salas tecircm que ter mais
circulante anestesistas [] O valor financeiro acaba sendo alto (Ed16)
Cirurgias eletivas eu tenho que cancelar todos os dias trecircs ou quatro Chegou uma
urgecircncia a gente perde a sala A vascular a neuro e a cirurgia geral tem casos de
urgecircncia a gente perde a sala Natildeo tem CTI a sala fica presa O fluxo de cirurgias
eletivas ortopeacutedicas natildeo funciona (Ed22)
O CC eacute composto por aacuterea de recepccedilatildeo do paciente (secretaria) vestiaacuterio feminino e
masculino para profissionais aacuterea com banheiro para troca de roupas de paciente externo seis
salas ciruacutergicas aacuterea de escovaccedilatildeo sala de enfermagem quarto de descanso para a equipe
meacutedica sala de prescriccedilatildeo farmaacutecia sateacutelite aacuterea acoplada agrave farmaacutecia especiacutefica para a
guarda de oacutertese e proacutetese sala de recuperaccedilatildeo poacutes-anesteacutesica arsenal aacuterea improvisada de
estoque de equipamentos de imagem (raio X e intensificador) sala de equipamentos como
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 96
carro de anestesia aparelhos de pressatildeo intra arterial A sala de espera para pacientes externos
e familiares se localiza distante do CC fazendo com que a espera ocorra nos corredores agrave
frente da secretaria do CC
O CC atende cinco especialidades cirurgia geral vascular cirurgia plaacutestica
neurocirurgia e ortopedia As seis salas foram consideradas insuficientes pela demanda
principalmente de cirurgias ortopeacutedicas O quantitativo de salas eacute determinado por legislaccedilatildeo
de acordo com o nuacutemero de leitos do hospital Satildeo duas salas ciruacutergicas para cada 50 leitos
natildeo especializados ou duas para cada 15 leitos ciruacutergicos (BRASIL 2002b) No hospital satildeo
239 leitos natildeo especializados indicando que seriam necessaacuterias mais trecircs salas ciruacutergicas para
adequar agrave legislaccedilatildeo Pelo caacutelculo do total de leitos ciruacutergicos que satildeo 129 leitos seriam
necessaacuterias mais onze salas para alcanccedilar o miacutenimo solicitado pela legislaccedilatildeo
Esse deacuteficit gera disputa entre as cirurgias eletivas e as de urgecircncia e subsequente
tratamento ineficiente Haacute uma sala especiacutefica para as emergecircncias mas as urgecircncias
dependem da liberaccedilatildeo de salas o que pode gerar riscos para os pacientes aleacutem de atraso ou
cancelamento de cirurgias devido agrave falta de sala ciruacutergica A queixa dos profissionais deve ser
levada em consideraccedilatildeo para maior resolutividade do CC adequaccedilatildeo agrave legislaccedilatildeo e alcance da
visatildeo institucional em ser referecircncia para trauma Aleacutem do nuacutemero de salas haacute problemas
relacionados aos processos de trabalho dos profissionais
[] um bloco de seis salas natildeo consegue operar dez casos por dia A ineficiecircncia
vem desde a limpeza e troca de sala horaacuterio de inicio natildeo funciona antes de oito
Os horaacuterios de almoccedilo se estendem a partir de 1130 horas e soacute se consegue voltar a
operar duas horas da tarde [] Natildeo existe eficiecircncia com o intuito de operar mais
pacientes Pelo contrario O que eu entendo eacute que quanto menos melhor (Ed22)
[] a gente trabalha com muita condiccedilatildeo Extra bloco eacute que eacute o problema []
poderia ser mais produtivo esse bloco (Ed17)
As inadequaccedilotildees da estrutura fiacutesica podem estar ligadas agrave arquitetura antiga e falta de
planejamento financeiro para reformas embasadas nas necessidades de sauacutede e missatildeo do
hospital Por outro lado falta melhoria na estrutura do CC que resulta em baixa
produtividade mas pode ser resolvida com uma lideranccedila eficaz que estabeleccedila metas de
produccedilatildeo que natildeo devem ser riacutegidas para natildeo acarretar maacute qualidade e inseguranccedila ciruacutergica
A resolutividade tambeacutem pode ser mais bem desenvolvida por meio do acompanhamento
dinacircmico das metas estabelecidas no contrato de gestatildeo com a Secretaria Municipal eou a
Secretaria de Estado de Sauacutede O entrevistado fala do problema extra bloco que pode ser
sintetizado pela falta de leitos de retaguarda para os pacientes ciruacutergicos resultando em
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 97
retenccedilatildeo de pacientes de forma inadequada no CC com consequente aumento de riscos para
os pacientes Esse tem sido um problema recorrente na aacuterea de urgecircncia tendo em vista que
leitos de observaccedilatildeo frequentemente se transformam em leitos de internaccedilatildeo
A insuficiecircncia de salas e falta de melhoriadas mesmas acarretam situaccedilotildees inseguras
como cirurgias fora do CC e tratamento intensivo prestado fora do CTI
[] natildeo acontece uma cirurgia segura quando tem laparotomia no CTI que eacute um
ambiente inadequado mas o bloco natildeo conseguiu liberar sala [] nem sempre eacute
porque o paciente natildeo tem condiccedilatildeo na grande maioria ele tem condiccedilatildeo de ir para o
bloco mas natildeo tem sala Aiacute jaacute queimou todas as etapas porque quem vai auxiliar o
meacutedico vai ser a enfermagem do CTI que natildeo tem a experiecircncia para garantir que
essa cirurgia seja organizada da melhor maneira [] satildeo realidades muito
diferentes (Ei25)
O CTI estaacute sempre cheio [com ecircnfase] Quando natildeo tem [leito] o paciente fica na
sala a sala vira um box de CTI aguardando vaga (Ed9)
[] vai fazer cirurgias grandes e natildeo tem CTI isso torna a cirurgia e a anestesia
totalmente inseguras (Ed17)
A indisponibilidade do espaccedilo fiacutesico no momento adequado para o paciente pode ser
um fator de inseguranccedila uma vez que um setor faz o papel do outro sem a devida preparaccedilatildeo
O leito de CTI se torna uma sala operatoacuteria e esta se torna um box de CTI como taacutetica
respectivamente para a falta de sala no CC e de leitos no CTI Essa inversatildeo de funccedilatildeo das
unidades eacute tatildeo frequente que passa a ser natural introduzindo o aspecto de adaptaccedilatildeo como
rotina Outros aspectos estruturais negativos tambeacutem foram mencionados como o local
inadequado do heliporto que fica atraacutes do estacionamento e a falta de uma unidade semi-
intensiva que faz com que muitas vezes se ocupe um leito de CTI sem necessidade
As condiccedilotildees estruturais do ambiente de cuidados eacute um elemento baacutesico para a
qualidade da assistecircncia citado por vaacuterios autores incluindo Florence Nightingale
(NEUHAUSER 2003) e Avedis Donabedian que introduziu em 1966 a estrutura como
elemento de avaliaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede (OMS 2009 DONABEDIAN 2005) Pesquisas
sobre a qualidade hospitalar no paiacutes evidenciam deficiecircncias nas estruturas Muitos hospitais
foram edificados em cumprimento a promessas eleitorais sem preocupaccedilatildeo com fatores
importantes como as necessidades de sauacutede capacidade institucional e sustentabilidade
financeira (LA FORGIA COUTTOLENC 2009)
Em relaccedilatildeo aos equipamentos foram relatadas disparidades tecnoloacutegicas entre
aqueles com e sem densidade tecnoloacutegica Esses uacuteltimos foram considerados precaacuterios com
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 98
necessidade de substituiccedilatildeo e os equipamentos com alto grau tecnoloacutegico foram referidos
como avanccedilados e alguns ateacute melhor do que em hospitais particulares
Nossas mesas ciruacutergicas natildeo satildeo todas adequadas para o bloco [] Precisa trocar
mas satildeo materiais caros Tem o pedido de compra mas ainda aguarda ser viaacutevel a
substituiccedilatildeo (Ed28)
A gente briga por causa de punho de foco coisinhas pequenas pra muita gente natildeo
faz diferenccedila mas na cirurgia faz (Ed4)
Tem uma aparelhagem muito boa tem ultrassom estimulador de nervo pra fazer
bloqueios que muito hospital bom natildeo tem e aqui tem (Ed17)
Uma lesatildeo de diafragma que eu poderia explorar por videocirurgia acaba fazendo
cirurgia aberta fazendo uma morbidade [] todos os hospitais puacuteblicos hoje em dia
tem aparelho de viacutedeo cirurgia a gente natildeo tem (Ei20)
Foi possiacutevel identificar que os atores natildeo humanos interferem nas relaccedilotildees humanas
causando conflito para a sua conquista como no exemplo do punho de foco um acessoacuterio
baacutesico que se coloca no foco de luz ciruacutergico para focalizar melhor o procedimento A
ausecircncia do aparelho de videocirurgia conforme mencionado causa maior sofrimento para os
pacientes devido a realizaccedilatildeo de uma ferida operatoacuteria maior Esses equipamentos seriam
exemplos de conectores conforme sinaliza Latour (2012) pois traccedilam conexotildees sociais natildeo
satildeo conexotildees feitas de social mas novas associaccedilotildees entre elementos natildeo sociais
A inadequaccedilatildeo dos equipamentos considerados simples pode repercutir na ergonomia
dos profissionais ou seja os equipamentos afetam o corpo dos profissionais conforme aponta
Latour (2009) sobre a articulaccedilatildeo e afetaccedilatildeo do corpo em relaccedilatildeo aos natildeo humanos (espaccedilos e
objetos) e aos humanos A pesquisa sobre natildeo conformidades em hospitais de Minas Gerais
tambeacutem mostrou que os equipamentos simples diminuem os riscos para os pacientes mas natildeo
satildeo considerados imprescindiacuteveis por natildeo repercutirem de forma direta na cirurgia sendo de
certa forma desvalorizados no planejamento financeiro e na prioridade de aquisiccedilatildeo em
relaccedilatildeo aos equipamentos com alto grau de tecnologia (RIBEIRO 2011) Os pressupostos
econocircmicos dificultam a implantaccedilatildeo da seguranccedila e intervenccedilatildeo adequada por limitaccedilatildeo
inadequaccedilatildeo ou escassez de recursos materiais e suporte tecnoloacutegico (MARTIacuteNEZ QUES
MONTORO GONZAacuteLE 2010) Alguns equipamentos podem ser considerados pouco
importantes em detrimento de outros mas fazem a diferenccedila para uma assistecircncia segura
Contudo natildeo basta somente ter o equipamento deve-se prezar por sua manutenccedilatildeo corretiva e
preventiva para que sejam utilizados em toda a sua capacidade operacional A rede de gases
em pleno funcionamento tambeacutem foi pontuada como preditor para a cirurgia segura
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 99
Uma [cirurgia] insegura comeccedila por natildeo ter o equipamento Outra Equipamento
descalibrado vocecirc colocou um bisturi 200 watts de potecircncia [mas natildeo eacute garantido]
que ele esteja dando mesmo [] se natildeo conseguir garantir isso eacute muito [ecircnfase]
inseguro criacutetico [] a inseguranccedila nossa eacute garantir que tenha o equipamento em
caso de falha de algum (Ei1)
A cirurgia insegura [] equipamentos de qualidade ruim [] [sem] contrato de
manutenccedilatildeo frequente porque estragam muito [Segura] eacute ter um aparelho reserva
de anestesia caso decirc algum problema Rede de oxigecircnio de vaacutecuo se estaacute tudo
funcionando bem faz muita diferenccedila (Ed17)
Eacute importante que o parque tecnoloacutegico dos hospitais conte com equipamentos extras
para a reposiccedilatildeo daqueles que estatildeo em manutenccedilatildeo uma vez que como os atores humanos
os atores natildeo humanos tambeacutem satildeo passiacuteveis de falhas sendo necessaacuterio o seu reparo Isto se
apresenta como um gargalo na instituiccedilatildeo que deve elaborar e implantar um plano de
gerenciamento de suas tecnologias conforme preconizado na RDC nordm 022010 (BRASIL
2010) possibilitando realizar um histoacuterico institucional para planejar e prever o quantitativo
necessaacuterio de equipamentos para uso e para substituiccedilatildeo
Um importante ponto abordado foi a necessaacuteria rotina de teste dos equipamentos antes
do iniacutecio da cirurgia Essa accedilatildeo eacute um fator criacutetico de sucesso para a cirurgia segura sendo
inclusive item comtemplado no checklist de cirugia segura da OMS
Eu falo sempre ldquogente vai comeccedilar uma cirurgia vocecirc natildeo testa o equipamento
antesrdquo O equipamento pode parar Vocecirc pode pegar seu carro na garagem bater a
chave e ele natildeo ligar Aiacute vocecirc vai abrir o paciente pra depois ver se tem o
equipamento que funciona ou natildeo (Ei1)
As falhas dos equipamentos satildeo multifatoriais como fatores baacutesicos (quebra ou
defeito de fabricaccedilatildeo) fatores externos (falta de eletricidade ou interferecircncia no momento da
desfibrilaccedilatildeo) e causas decorrentes do erro humano Esta uacuteltima eacute a mais comum e decorre de
conhecimento inadequado falta de experiecircncia e de supervisatildeo inadequada checagem diaacuteria e
falta de manutenccedilatildeo preventiva (DYSON SMITH 2002)
Os materiais tambeacutem foram apontados como preditores importantes para a uma
cirurgia segura tanto nos aspectos ligados agrave sua ausecircncia ou dificuldade de aquisiccedilatildeo quanto
no que se refere agraves propriedades de esterilizaccedilatildeo ou fabricaccedilatildeo Os profissionais em sua
maioria consideraram os materiais disponibilizados no hospital de qualidade satisfatoacuteria
Insegura quando coloco o paciente em sala e o material natildeo estaacute esteacuteril (Ei3)
[] cada cirurgiatildeo principalmente o ortopeacutedico tem preferecircncia por um material
[] Sem o material vocecirc natildeo consegue fazer quase nada (Ed12)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 100
[] material tudo que a gente precisa demora porque tem uma limitaccedilatildeo que eacute do
financiamento do hospital eacute uma verba que demora tem que fazer proposta projeto
licitaccedilatildeo Demora um pouco mas chega (Ei30)
[] proacutetese ortopeacutedica neuroloacutegica vasculares satildeo materiais importados caros que
satildeo muito bem armazenados guardados liberados com muita cautela Os nossos
materiais satildeo de primeira linha [com ecircnfase] [] noacutes comeccedilamos a utilizar haacute um
mecircs materiais descartaacuteveis no bloco (Ei5)
A preferecircncia e escolha do fabricante do material eacute uma exceccedilatildeo na realidade de um
hospital puacuteblico Agrave primeira vista pode ser uma vantagem mas haacute o risco de desconsideraccedilatildeo
da padronizaccedilatildeo institucional pelo perfil dos pacientes e aumento de custos E ainda haacute
morosidade na aquisiccedilatildeo em hospitais puacuteblicos
Em relaccedilatildeo ao uso recente de materiais descartaacuteveis no CC alguns materiais jaacute satildeo
descartaacuteveis haacute muito tempo Nesse caso o entrevistado se referiu a campos e aventais
descartaacuteveis que contribuem para a seguranccedila No entanto uma enfermeira da CME relatou
que estaacute sendo difiacutecil a implantaccedilatildeo por resistecircncia dos profissionais A eficaacutecia desses
materiais estaacute na capacidade de se constituir barreira por ser impermeaacutevel a liacutequidos
impedindo a passagem de microorganismos para a incisatildeo ciruacutergica o que vai ao encontro das
melhores praacuteticas para vestuaacuterio e campos orientadas pelo Center for Disease Control
(MANGRAN et al 1999)
Os medicamentos tambeacutem foram apontados como recursos importantes no ato
ciruacutergico Foram relatados pelos profissionais aspectos do abastecimento e dos erros de
administraccedilatildeo que podem levar o paciente ao oacutebito
[] aqui natildeo falta medicaccedilatildeo [com ecircnfase] Se um meacutedico quer um medicamento
que eacute natildeo padratildeo a farmaacutecia compra o hospital libera (Ei15)
Satildeo medicaccedilotildees que podem levar a oacutebito se for dosagens incorretas (Ed13)
Conforme os relatos o abastecimento de medicamentos eacute satisfatoacuterio na instituiccedilatildeo o
que contribui para a qualidade da assistecircncia ciruacutergica Contudo o CC eacute um lugar em que
erros relacionados a medicamentos podem resultar em graves incidentes Estudiosos do IOM
concluiacuteram apoacutes averiguaccedilatildeo de diversos trabalhos publicados sobre erros de medicaccedilatildeo que
cada paciente internado em hospitais nos EUA estaacute sujeito a um erro de medicaccedilatildeo por dia
(ASPDEN et al 2007)
Os eventos adversos relacionados a medicamentos em CC encontrados na literatura
focam mais naqueles relativos agrave anestesiologia Em um estudo canadense dos 1038 eventos
farmacoloacutegicos anesteacutesicos relatados 15 (14) geraram morbidades importantes incluindo
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 101
quatro oacutebitos (ORSER CHEN YEE 2001) Dos 61 anestesiologistas participantes de um
estudo brasileiro em Santa Catarina 918 afirmaram ter cometido algum erro de
administraccedilatildeo de medicamentos somando um total de 274 erros com meacutedia de 47 erros por
entrevistado (ERDMANN et al 2016) O erro mais comum foi substituiccedilatildeo (684) seguido
por erro de dose (491) e omissatildeo (350) Ocorreram principalmente no periacuteodo matutino
(327) na manutenccedilatildeo da anestesia (490) com 478 sem danos ao paciente e 17 com
dano irreversiacutevel Os possiacuteveis fatores mencionados foram distraccedilatildeo fadiga e a leitura errada
dos roacutetulos de ampolas ou seringas (ERDMANN et al 2016) Assim eacute fundamental que
todos os hospitais estabeleccedilam poliacuteticas para garantir a seguranccedila do sistema de medicaccedilatildeo
(WHO 2008) mesmo dentro de um setor fechado como o CC
Os aspectos referentes ao preparo do paciente para o ato ciruacutergico necessitam ser
analisados A identificaccedilatildeo do paciente foi apontada como o primeiro fator para uma cirurgia
segura juntamente com o preenchimento completo do formulaacuterio de solicitaccedilatildeo de
hemocomponentes
Primeiro para uma cirurgia insegura identificaccedilatildeo Eu natildeo recebo [no laboratoacuterio]
nenhum material sem identificaccedilatildeo preciso garantir ao meacutedico que o exame estaacute
com o resultado certo [] preciso passar o resultado fiel pra ele (Ei24)
Eu acho que primeiramente identificaccedilatildeo segura no tubo de amostra do paciente ter
certeza que aquela amostra eacute dele (Ei18)
Pelo relato do profissional haacute uma contradiccedilatildeo ele relata que a identificaccedilatildeo eacute
importante para a seguranccedila no entanto afirma que precisa garantir ldquoao meacutedicordquo a correta
identificaccedilatildeo do paciente A identificaccedilatildeo eacute uma informaccedilatildeo que tem que estar correta para
toda a equipe multidisciplinar para que haja sucesso do conjunto de accedilotildees sendo o paciente o
mais interessado e natildeo o meacutedico
Durante a observaccedilatildeo do cenaacuterio foi possiacutevel verificar cenas de falhas na identificaccedilatildeo
dos pacientes constituindo gargalo para a seguranccedila do paciente como no exemplo descrito a
seguir Um paciente de 85 anos foi admitido em quadro de abdome agudo obstrutivo para
laparotomia exploradora com histoacuterico de ausecircncia de evacuaccedilatildeo por 10 dias e reduccedilatildeo do
niacutevel de consciecircncia e sinais vitais alterados Observou-se que no prontuaacuterio havia folhas
com nomes diferentes e na pulseira do paciente um dos nomes se confirmava A circulante foi
avisada sobre os nomes diferentes e que havia orientaccedilatildeo para precauccedilatildeo por contato
(staphilococcus aureus) A circulante se irritou por natildeo ter percebido ou natildeo ter sido avisada
sobre a precauccedilatildeo de contato Disse que jaacute natildeo adiantava mais nada Quanto aos nomes no
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 102
prontuaacuterio avisou a enfermeira supervisora que saiu da sala sem dizer o que iria fazer A
circulante permaneceu na sala sem saber se podia ou natildeo preparar o paciente Chegou agrave sala
ciruacutergica dizendo ldquoNingueacutem veio a gente nem sabe se eacute o mesmo pacienterdquo e chamava
pessoas em voz alta no corredor Chegaram por fim residentes anestesista e preceptor A
equipe foi informada sobre a identificaccedilatildeo incorreta e eles comeccedilaram a discutir O equiacutevoco
se agravou quando observaram que paciente estava com fralda e havia evacuado A questatildeo
era a seguinte se o diagnoacutestico era abdome agudo por obstruccedilatildeo ou o paciente natildeo precisava
mais de cirurgia ou natildeo era ele para aquela cirurgia O preceptor e a equipe tentavam
solucionar o problema Um residente perguntou ao paciente o seu nome e esse respondeu
duvidosamente Por fim a surpervisora de enfermagem chegou e informou que na noite
anterior na unidade de internaccedilatildeo havia sido feita troca de leitos 513 para o 521 e vice-versa
Nesse movimento houve a troca de papeacuteis dos prontuaacuterios O paciente estava correto Ateacute
aquele momento o quadro de time out disposto na sala operatoacuteria natildeo tinha sido preenchido
Apoacutes o iniacutecio do preparo do paciente o profissional responsaacutevel pelo preenchimento do time
out chegou e comeccedilou a fazer perguntas para a equipe e a preencher o checklist no sistema
informatizado MV Ou seja a falha de identificaccedilatildeo natildeo foi constatada pelo profissional do
checklist foi verificada por uma pessoa externa
Pelo exemplo mencionado foi possiacutevel verificar a importacircncia de se trabalhar com a
correta identificaccedilatildeo dos pacientes nos serviccedilos de sauacutede Tanto que essta foi a primeira meta
nacional de seguranccedila do paciente nos EUA em 2003 e em 2010 se tornou meta
internacional (WHO 2007 CBA 2010) No entanto ainda permanecem cenaacuterios como o
deste estudo e como o encontrado em pesquisa realizada em Minas Gerais na qual 4595
dos 37 hospitais estudados natildeo tinham metodologia para identificaccedilatildeo da totalidade dos
pacientes (RIBEIRO et al 2014)
A maioria dos entrevistados relatou como procedimento anesteacutesico-ciruacutergico seguro o
eletivo realizado com tranquilidade e embasado no conhecimento preacutevio do paciente por
meio do preacute-operatoacuterio As urgecircncias e principalmente as emergecircncias (Onda Vermelha)
foram consideradas inseguras
[] cirurgia insegura eacute a onda e a com seguranccedila eacute a eletiva que tem mais tempo de
fazer tudo bonitinho (Ed4)
[] segura eacute cirurgia marcada Insegura eacute quando eacute urgecircncia (Ei27)
Hoje se tem todos os dispositivos para fazer uma cirurgia segura principalmente a
eletiva Eletiva natildeo tem justificativa pra fazer uma cirurgia insegura daacute pra prever
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 103
tudo (Ed10)
Anestesia segura seriam procedimentos eletivos O paciente estaacute preparado
compensado vocecirc vai ver exames antes escolher a melhor teacutecnica vocecirc tem tempo
Anestesia insegura vocecirc tem que fazer em segundos [] uma emergecircncia [] ter
que fazer sob pressatildeo e em pouco tempo (Ed9)
Uma urgecircncia eacute ldquo[] a ocorrecircncia imprevista de agravo agrave sauacutede com ou sem risco
potencial de vida cujo portador necessita de assistecircncia meacutedica imediatardquo e uma emergecircncia
eacute ldquo[] a constataccedilatildeo meacutedica de condiccedilotildees de agravo agrave sauacutede que impliquem em risco
iminente de vida ou sofrimento intenso exigindo portanto tratamento meacutedico imediatordquo
(CFM 1995) Estudos mostraram que cirurgias de emergecircncia e urgecircncia foram preditoras de
Infeccedilatildeo de Siacutetio Ciruacutergico (ISC) e oacutebito A maioria dos pacientes com ISC em um hospital
puacuteblico de ensino foi submetida a procedimentos de emergecircncia e urgecircncia que predispotildee este
tipo de infecccedilatildeo devido agrave instabilidade do paciente e falta de tempo para o preparo adequado
da pele (BARBOSA et al 2009) Houve associaccedilatildeo entre cirurgias de urgecircncia e emergecircncia
e o risco aumentado de mortalidade (OLIVEIRA et al 2012 PATIL et al 2011 CALIL et
al 2010)
Os pacientes submetidos agrave cirurgia de urgecircncia estatildeo em risco aumentado para
complicaccedilotildees e morte mas mesmo em cirurgia de rotina haacute a interaccedilatildeo complexa entre os
atores humanos e os atores natildeo humanos para o cuidado eficaz e no tempo certo (WEISER et
al 2010) O relato de Ed10 aponta que nas cirurgias eletivas haacute como prever tudo mas haacute
ocorrecircncias imprevisiacuteveis mesmo em um cenaacuterio aparentemente previsiacutevel Essa visatildeo remete
agrave percepccedilatildeo diminuiacuteda dos riscos inerentes agraves cirurgias pelos profissionais
Temos poucas intercorrecircnciasdignas de nota [] que eu saiba natildeo temos relatos de
nenhum erro transfusional que tenha sido fatal ou muito seacuterio (Ed21)
Falar de uma cirurgia insegura (pausa) Eu natildeo sei por que eu nunca passei por isso
[] Ai vou falar uma coisa que eu acho e natildeo que eu jaacute presenciei Por exemplo eu
acho se ali tiver gente que natildeo tem experiecircncia para ocupar aquele cargo (Ed31)
As cirurgias de urgecircncia e emergecircncia por sua imprevisibilidade rapidez e pouco
tempo para uma avaliaccedilatildeo preacutevia do paciente satildeo procedimentos em que haacute mais
risco Cirurgias eletivas satildeo mais previsiacuteveis e o componente tempo eacute favoraacutevel e
grande aliado configurando-se como procedimento de maior seguranccedila Contudo e
apesar da separaccedilatildeo da Hoje se tem todos os dispositivos para fazer uma cirurgia
segura principalmente a eletiva Eletiva natildeo tem justificativa pra fazer uma cirurgia
insegura daacute pra prever tudo (Ed10)
Anestesia segura seriam procedimentos eletivos O paciente estaacute preparado
compensado vocecirc vai ver exames antes escolher a melhor teacutecnica vocecirc tem tempo
Anestesia insegura vocecirc tem que fazer em segundos [] uma emergecircncia [] ter
que fazer sob pressatildeo e em pouco tempo (Ed9)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 104
Uma urgecircncia eacute ldquo[] a ocorrecircncia imprevista de agravo agrave sauacutede com ou sem risco
potencial de vida cujo portador necessita de assistecircncia meacutedica imediatardquo e uma emergecircncia
eacute ldquo[] a constataccedilatildeo meacutedica de condiccedilotildees de agravo agrave sauacutede que impliquem em risco
iminente de vida ou sofrimento intenso exigindo portanto tratamento meacutedico imediatordquo
(CFM 1995) Estudos mostraram que cirurgias de emergecircncia e urgecircncia foram preditoras de
Infeccedilatildeo de Siacutetio Ciruacutergico (ISC) e oacutebito A maioria dos pacientes com ISC em um hospital
puacuteblico de ensino foi submetida a procedimentos de emergecircncia e urgecircncia que predispotildee esse
tipo de infecccedilatildeo devido agrave instabilidade do paciente e falta de tempo para o preparo adequado
da pele (BARBOSA et al 2009) Houve associaccedilatildeo entre cirurgias de urgecircncia e emergecircncia
e o risco aumentado de mortalidade (OLIVEIRA et al 2012 PATIL et al 2011 CALIL et
al 2010)
Os pacientes submetidos agrave cirurgia de urgecircncia estatildeo em risco aumentado para
complicaccedilotildees e morte mas mesmo em cirurgia de rotina haacute a interaccedilatildeo complexa entre
atores humanos e atores natildeo humanos para o cuidado eficaz e no tempo certo (WEISER et al
2010) O relato de Ed10 aponta que nas cirurgias eletivas eacute possiacutevel ter uma maior previsatildeo e
mesmo num cenaacuterio aparentemente seguro ainda haveraacute fatores imprevisiacuteveis Essa visatildeo
remete agrave percepccedilatildeo diminuiacuteda dos riscos inerentes agraves cirurgias pelos profissionais
Temos poucas intercorrecircncias dignas de nota [] que eu saiba natildeo temos relatos de
nenhum erro transfusional que tenha sido fatal ou muito seacuterio (Ed21)
Falar de uma cirurgia insegura (pausa) Eu natildeo sei porque eu nunca passei por isso
[] Aiacute vou falar uma coisa que eu acho natildeo que eu jaacute presenciei Por exemplo eu
acho se ali tiver gente que natildeo tem experiecircncia para ocupar aquele cargo (Ed31)
As cirurgias de urgecircncia e emergecircncia por sua imprevisibilidade rapidez e pouco
tempo para uma avaliaccedilatildeo preacutevia do paciente satildeo procedimentos em que haacute mais risco
Cirurgias eletivas satildeo mais previsiacuteveis jaacute que o componente tempo eacute favoraacutevel e grande
aliado configurando-se como procedimento de maior seguranccedila Contudo apesar da
separaccedilatildeo da natureza das cirurgias ao se falar de seguranccedila vislumbra-se algo paradoxal
sobre a linearidade nas falas a seguir cirurgia eletiva cirurgia segura em hospital de
ensino
Na cirurgia eletiva [] tem cirurgiatildeo que conhece o paciente na mesa ciruacutergica
porque quem olhou foi o residente e ligou para ele ldquoTem um caso posso marcar
para operarrdquo ldquoPode Marca que a gente opera juntordquo O jeito que o residente olha
natildeo eacute o jeito que o preceptor olha o paciente (Ed19)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 105
Primeiro passo [para cirurgia segura] quando o cirurgiatildeo conhece o paciente e jaacute
peguei vaacuterias situaccedilotildees que ele natildeo sabe Entra aqui um kinder ovo neacute uma bolinha
surpresa ali vocecirc vai cavando vocecirc vai descobrindo coisa que eacute muito relevante
para a seguranccedila do paciente (Ed29)
A caracteriacutestica fundamental da seguranccedila citada na cirurgia eletiva foi uma avaliaccedilatildeo
preacutevia do paciente embora muitas vezes a avaliaccedilatildeo tenha sido feita por outro medico e o
cirurgiatildeo toma conhecimento do paciente soacute no momento do ato ciruacutergico Natildeo haacute reuniatildeo de
equipe discussatildeo de caso e avaliaccedilatildeo pelo profissional que daraacute continuidade na assistecircncia
Assim a natureza eletiva urgente ou emergente torna-se apenas uma dimensatildeo e natildeo um
criteacuterio preponderante para a seguranccedila
A especificidade do procedimento a teacutecnica ciruacutergica escolhida a necessidade de
abordagem posterior ao procedimento realizado devido agrave escolha ou falha da teacutecnica e o
niacutevel de cuidado necessaacuterio apoacutes o procedimento ciruacutergico foram mencionados como fatores
importantes que propiciam a seguranccedila
Insegura Uma laparatomia cirurgia de coluna de fecircmur [] (Ei7)
Insegura Paciente entra pra fazer uma apendicite tranquila [] sai com uma
laparotomia enorme a barriga toda aberta por imperiacutecia do cirurgiatildeo (Ed28)
[] caso de fraturas expostas o pessoal faz os primeiros socorros e fica na duacutevida se
faz a cirurgia ou coloca um fixador Agraves vezes coloca o fixador externo e coloca
errado tem que voltar pra refazer o fixador Agraves vezes faz uma cirurgia mas
infecciona natildeo lava direito aiacute tem que fazer a cirurgia de novo colocar outra
proacutetese Isso eacute uma cirurgia insegura (Ei27)
[Cirurgia insegura] as que precisam de um poacutes-operatoacuterio de CTI (Ei7)
As situaccedilotildees mencionadas para uma cirurgia segura ou insegura refletem a experiecircncia
e cultura dos profissionais O acompanhamento em uma unidade intensiva apoacutes a cirurgia
conforme mencionada por Ed17 remete agrave ideia de cirurgia insegura provavelmente ligada ao
niacutevel de agravamento da situaccedilatildeo cliacutenica do paciente Essa percepccedilatildeo reproduz a cultura da
sociedade na qual o CTI eacute um lugar apenas de pacientes em condiccedilotildees extremas O tempo
tambeacutem eacute relatado como fator de mais ou menos risco para os pacientes ou seja o tempo de
preparo para a cirurgia e a duraccedilatildeo da mesma
[] cirurgia insegura tempo [com ecircnfase] Tempo ciruacutergico prolongado
exposiccedilatildeo a anesteacutesico prolongado cavidade aberta (Ed9)
[] ldquoquantas horasrdquo ldquo2 horasrdquo O anestesista anestesia para 2 horas aiacute passa
tem que fazer nova anestesia risco de contaminaccedilatildeo maior (Ei15)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 106
A segura eacute quando tem tempo pra montar a sala Vocecirc abre os materiais todos
esteacutereis [] Quando tudo eacute feito com mais calma (Ed4)
O tempo foi considerado fator determinante para seguranccedila tanto para a realizaccedilatildeo do
procedimento quanto para o preparo da sala e do paciente A montagem da sala operatoacuteria eacute
realizada pelo teacutecnico de enfermagem circulante sob a supervisatildeo do enfermeiro e consiste
na colocaccedilatildeo de equipamentos e materiais para cada tipo de cirurgia Deve ser realizada e
fiscalizada antes mesmo do paciente entrar no CC No entanto este processo parece natildeo
receber a atenccedilatildeo necessaacuteria por ser visto como rotina e natildeo como accedilatildeo essencial para a
seguranccedila do paciente Com a evoluccedilatildeo da tecnologia variedade de materiais e aumento de
intervenccedilotildees ciruacutergicas tem-se exigido maior envolvimento e atualizaccedilatildeo dos profissionais
(LIMA SOUSA CUNHA 2013)
A duraccedilatildeo de uma cirurgia pode ser influenciada por interrupccedilotildees falhas na
comunicaccedilatildeo familiaridade entre membros da equipe ciruacutergica e imprevisibilidade dos casos
natildeo planejados levando agrave ineficiecircncia e aumento dos custos (GILLESPIE CHABOYER
FAIRWEATHER 2012) Cirurgia com mais de duas horas ou um tempo maior do que o
necessaacuterio significa maior exposiccedilatildeo dos tecidos podendo acometer a sua oxigenaccedilatildeo
favorecendo a formaccedilatildeo de uacutelceras por pressatildeo Aleacutem disso provoca fadiga na equipe
propiciando falhas teacutecnicas (MANGRAN et al 1999 LOPES GALVAtildeO 2010) A duraccedilatildeo
da cirurgia estaacute tambeacutem diretamente ligada agrave ocorrecircncia de ISC quanto mais prolongada
maior o risco (ERCOLE et al 2011 KHAN et al 2008)
Uma palavra-chave para a seguranccedila mencionada pelos profissionais foi
ldquocontaminaccedilatildeordquo A profissional da higienizaccedilatildeo relacionou o quantitativo de cirurgias seguras
e inseguras com as limpezas terminal mostrando a interconexatildeo dos processos de trabalho
[Cirurgia segura eacute] sem contaminaccedilatildeo Contaminaccedilatildeo eacute a palavra certa pra
definir uma cirurgia segura (Ed8)
[] profissional preocupa com a natildeo contaminaccedilatildeo A segura E a insegura eacute a
que o profissional natildeo estaacute nem ai Quer nem saber (Ed12)
Quando eacute insegura temos que dar um terminal bater a maacutequina para poder estar
matando bacteacuteria jogando cloro [] satildeo muito poucas e satildeo os pacientes do
CTI que jaacute estatildeo com uma doenccedila transmissiacutevel pelo ar e por encostar [] eles
fazem mais a cirurgia segura [] a gente pode limpar normal sem precisar dar
aquela desinfecccedilatildeo terminal (Ei6)
Estudo apontou que pacientes submetidos a cirurgias consideradas limpas tiveram taxa
de mortalidade inferior quando confrontados aos que foram submetidos aos demais tipos de
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 107
cirurgias (ELIAS et al 2009) Pode-se deduzir que as cirurgias limpas oferecem mais
seguranccedila quando comparadas agraves cirurgias potencialmente contaminadas ou infectadas
A cirurgia eacute tida como uma rotina com princiacutepios baacutesicos aprendidos na academia e
que devem ser praticados por todos os profissionais No entanto foi mencionado que haacute
detalhes da cirurgia que natildeo satildeo passiacuteveis de fazerem parte de protocolos
Os princiacutepios baacutesicos [para cirurgia segura] o cirurgiatildeo aprende na faculdade e na
residecircncia Eu tenho que fazer daquela forma meu colega tambeacutem todo mundo
Mas alguns detalhes no transcorrer da cirurgia natildeo tecircm como protocolar [] Um
exemplo simples cirurgiatildeo que soacute opera ouvindo muacutesica Eu natildeo consigo operar
ouvindo muacutesica prefiro o silecircncio [] mesmo que a minha rotina seja diferente do
outro eu acho que cada um tem que seguir a sua (Ed19)
A cirurgia insegura pode acontecer a qualquer momento Se as travas que foram
criadas pra evitar os erros natildeo acontecerem [] (Ei23)
O exemplo mencionado reflete a valorizaccedilatildeo da autonomia meacutedica na qual cada
cirurgiatildeo se adequa a uma rotina proacutepria que tem por base os princiacutepios apreendidos durante
sua formaccedilatildeo Segundo Gawande (2011) na medicina cultiva-se a ldquoautonomiardquo como um
guia no entanto este princiacutepio se choca diretamente com o da disciplina
Por outro lado a fala de Ei23 remete a uma das barreiras para a seguranccedila elencada
por Amalberti et al (2005) que eacute a transiccedilatildeo da mentalidade de ldquoartesatildeordquo para o de ldquoator
equivalenterdquo Os profissionais de sauacutede precisam abandonar o status e autoimagem como
artesatildeos e adotar uma posiccedilatildeo que valorize a equivalecircncia entre seus pares para que a
qualidade natildeo sofra variaccedilotildees inapropriadas Isso exige condiccedilotildees estaacuteveis as quais satildeo
atingidas em algumas aacutereas como radiologia e anestesiologia mas natildeo em CTI e cirurgia de
emergecircncia em que condiccedilotildees instaacuteveis (mudanccedila constante de profissionais e do paciente)
satildeo normas (AMALBERTI et al 2005)
O checklist e o quadro de time out de cirurgia segura disponibilizados dentro de cada
sala ciruacutergica foram lembrados e mencionados apenas por dois profissionais ao se referirem a
uma cirurgia segura
Uma cirurgia segura eu acredito que ela aconteccedila quando todos os itens do
checklist foram avaliados corretamente (Ei5)
Eacute um conjunto de fatores que a gente tem que sempre levar em conta Por isso
que a gente tem aquele quadro [time out] que infelizmente [ecircnfase] natildeo eacute mais
preenchido (Ed16)
As tentativas dos profissionais de criarem barreiras ndash como o time out e o checklist ndash
promovem ou deveriam promover a seguranccedila ciruacutergica que gera mais responsabilidade dos
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 108
profissionais em manter as barreiras ativas Ou seja quanto mais seguro um sistema eacute mais
responsabilidade exige dos seus profissionais (AMALBERT et al 2005) Isso se insere no
campo do pensamento complexo que eacute algo paradoxal e que se retroalimenta Segundo Morin
(2011) a complexidade surge no seguinte enunciado ldquo[] produz coisas e se autoproduz ao
mesmo tempo o produtor eacute seu proacuteprio produtordquo
Dados esses fatores quanto agrave seguranccedila os profissionais apontam que a inseguranccedila
nas cirurgias principalmente nos processos de urgecircncia e emergecircncia natildeo eacute estabelecida em
funccedilatildeo da teacutecnica ou dos procedimentos mas com o imprevisto relacionado ao paciente e
como ele vai reagir agrave abordagem ciruacutergica
As urgecircncias e ondas satildeo mais inseguras Natildeo em relaccedilatildeo a procedimento eu natildeo
vou ficar inseguro do que fazer Mas em relaccedilatildeo a como o paciente vai reagir
Quando o procedimento eacute eletivo eacute tranquilo geralmente satildeo mais seguros Eu
sei como vai ser (Ed11)
A maioria dos pacientes consegue sair daqui resolvido [] tem pacientes que
complicam mas nem sempre eacute questatildeo de inseguranccedila na cirurgia e sim o
quadro cliacutenico do paciente [] (Ed28)
Apesar da previsibilidade nas situaccedilotildees de cirurgia eletiva e da imprevisibilidade das
cirurgias de urgecircnciaemergecircncia a resposta do paciente eacute um fator importante As
caracteriacutesticas dos pacientes foram apontadas como causas que favorecem uma cirurgia
segura por diversos profissionais Entre essas caracteriacutesticas encontram-se a idade do
paciente e as doenccedilas preacute-existentes como aspectos que aumentam os riscos e diminuem a
seguranccedila
Um paciente de idade menos avanccedilada eu acho que seria uma cirurgia de menor
risco Uma de mais risco um paciente mais idoso (Ei7)
Depende do paciente e aiacute vem idade doenccedilas crocircnicas vaacuterios fatores O paciente
eacute hipertenso eacute diabeacutetico entatildeo os riscos aumentam vai diminuindo o grau de
seguranccedila [] (Ed13)
A idade eacute citada em diversos estudos como um fator importante a ser considerado para
a realizaccedilatildeo de cirurgias (KHAN et al 2008 LOPES GALVAtildeO 2010) Pacientes idosos
precisam ser abordados como um desafio agrave parte jaacute que se trata de indiviacuteduos com alto risco
para intervenccedilatildeo ciruacutergica por apresentarem menor reserva fisioloacutegica e maior co-morbidades
(OLIVEIRA et al 2012) A preacute-existecircncia de hipertensatildeo diabetes infarto agudo do
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 109
miocaacuterdio e doenccedila pulmonar obstrutiva crocircnica eacute preditora de readmissatildeo hospitalar e estaacute
diretamente relacionada agrave mortalidade (OLIVEIRA et al 2012 LOPES GALVAtildeO 2010)
O fator ldquoatenccedilatildeordquo dispensada ao paciente foi considerado como diretamente
relacionado agrave seguranccedila ciruacutergica No entanto esteve atrelada agrave responsabilidade e proteccedilatildeo
profissional e natildeo agrave atenccedilatildeo centrada no paciente
Quando vocecirc natildeo daacute atenccedilatildeo para o paciente aiacute eacute insegura A partir do momento
que entra no bloco ele eacute de sua responsabilidade Vocecirc tem que se resguardar ao
maacuteximo para que esse paciente entre e saia bem Foi cumprido o papel ateacute
quando vocecirc entrega ele no andar [riso] (Ed26)
A preocupaccedilatildeo da responsabilidade profissional mencionada eacute legiacutetima uma vez que
segundo Faria Moreira e Pinto (2014) haacute consideraacutevel aumento do nuacutemero de accedilotildees judiciais
contra profissionais e organizaccedilotildees de sauacutede no Brasil a partir da deacutecada de 1990 (FARIA
MOREIRA PINTO 2014) Os profissionais de sauacutede envolvidos em algum evento adverso
tecircm responsabilidade de natureza civil penal e administrativa expressas respectivamente
nos Coacutedigos Civil Penal Brasileiro e de Defesa do Consumidor Aleacutem dos coacutedigos eacutetico-
profissionais de cada categoria profissional
O dano eacute condiccedilatildeo essencial para que exista a possibilidade de responsabilizaccedilatildeo civil
de um profissional advindo de negligecircncia omissatildeo imprudecircncia e imperiacutecia A negligecircncia
eacute relativa ao descuido ineacutercia passividade desleixo falta de cuidado daquele que deveria
agir O ato omisso eacute quando se deixa de fazer algo que deveria ter sido realizado como o
abandono do paciente ou a omissatildeo de tratamento Jaacute a imprudecircncia eacute relacionada ao agir da
pessoa causadora do dano como atitudes natildeo justificadas descuidadas precipitadas de
maneira intempestiva sem a cautela e a precauccedilatildeo que o profissional deveria ter Por uacuteltimo a
imperiacutecia acontece quando natildeo haacute a observaccedilatildeo das normas por parte da pessoa que deveria
consideraacute-las e executaacute-las incluindo-se a ignoracircncia teacutecnica dos profissionais inexperiecircncia
incompetecircncia desconhecimento e despreparo praacutetico (FARIA MOREIRA PINTO 2014)
Os mecanismos judiciais dos atos que levam a danos aos pacientes tecircm as duas faces
da mesma moeda Ao mesmo tempo em que promovem credibilidade responsabilizando o
profissional que teve um comportamento de risco provocam tambeacutem o medo da
culpabilizaccedilatildeo Assim a cultura punitiva vai se arraigando e faz com que natildeo haja notificaccedilatildeo
dos incidentes pelos profissionais causando mais inseguranccedila pelo fato dos incidentes natildeo
servirem como situaccedilatildeo que promova a educaccedilatildeo continuada dos profissionais A notificaccedilatildeo
tem valor para a instituiccedilatildeo quando eacute realizada e trabalhada com cunho educativo
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 110
Para aleacutem da promoccedilatildeo da seguranccedila ciruacutergica no ambiente hospitalar essa se estende
ateacute o domicilio do paciente sendo um campo de difiacutecil investigaccedilatildeo mas que certamente
influencia o desfecho final do processo operatoacuterio
A cirurgia segura eacute muito mais que o poacutes-operatoacuterio imediato vai muito aleacutem []
depois que esse paciente vai para o andar depois que vai pra casa ainda tem um
processo de cirurgia segura ai (Ed26)
Nesse contexto mais amplo o papel do paciente como ator principal na gestatildeo da sua
proacutepria seguranccedila deve ser levado em consideraccedilatildeo Isso eacute orientado pela OMS (2009) e
tambeacutem foi tema evocado no V Encontro de Enfermagem Baseada em Evidecircncias realizado
em Granada A informaccedilatildeo e educaccedilatildeo do paciente ciruacutergico satildeo uacuteteis para aumentar a
preparaccedilatildeo e a conscientizaccedilatildeo sobre a situaccedilatildeo agrave qual que ele se submeteraacute percebendo suas
expectativas e ajudando a controlar o medo e a ansiedade (OBSERVATORIO EBE DE LA
FUNDACIOacuteN INDEX 2008) Nesse sentido a seguranccedila do paciente eacute uma aacuterea de
intervenccedilatildeo inovadora que ao colocar no centro o paciente e seus familiares obriga a
reinventar o sistema de sauacutede numa perspectiva cada vez mais baseada em aspectos de
cidadania e de ganhos em sauacutede (SOUSA UVA SERRANHEIRA 2010)
Aleacutem das questotildees relacionadas agraves condiccedilotildees estruturais do hospital aos
procedimentos ciruacutergicos e aos pacientes tambeacutem exercem forccedila no aumento ou diminuiccedilatildeo
dos riscos as caracteriacutesticas e a competecircncia (conhecimento habilidade e atitude) dos
profissionais comeccedilando pelo quantitativo de profissionais disponiacuteveis e por atitudes baacutesicas
e importantes para a seguranccedila
A escala hoje eacute uma dificuldade que a gente natildeo consegue administrar (Ei30)
Equipe de anestesia quanto mais completa mais seguranccedila Se vocecirc precisar de
ajuda tem um colega eacute diferente de vocecirc trabalhar sozinho (Ed17)
A parte segura eacute que a gente escuta e vecirc que o aumento de contaminaccedilatildeo eacute pouco
Mas tem coisas que eacute errado [ecircnfase] [] cirurgia com a porta aberta Gente sem
touca que come por aqui faz comida cheira o bloco todo [] o circulante tem que
limpar sua sala uns limpam certo outros natildeo (Ei15)
Os relatos mencionam a coexistecircncia de cirurgias seguras e inseguras no cenaacuterio de
estudo O uso inadequado dos natildeo humanos como a vestimenta incompleta dos profissionais
impacta na seguranccedila dos pacientes e dos proacuteprios profissionais Desde a entrada do paciente
no CC existe a mediaccedilatildeo de atores natildeo humanos como as portas que implicam na praacutetica dos
profissionais As portas do CC abertas durante a cirurgia permitem o contato entre a aacuterea
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 111
semi-restrita (corredor) e a restrita (sala operatoacuteria) Apesar de aparentemente ser rotineiro e
sem problema o fluxo para dentro e fora da sala de cirurgia eacute um fator importante no
desenvolvimento da ISC e esse fluxo tem sido associado ao movimento da porta (SIMONS et
al 2014)
No hospital a escala principalmente de anestesistas no CC e teacutecnicos de enfermagem
em toda a linha de cuidados ciruacutergicos foi uma dificuldade encontrada Ressalta-se que o
nuacutemero adequado de profissionais gera maior possibilidade de qualidade assistencial pela
divisatildeo de trabalho e ajuda muacutetua Durante a pesquisa foi possiacutevel observar que a maior parte
do tempo da coordenadora e da secretaacuteria de enfermagem da linha de cuidados ciruacutergica foi
dedicada a resolver problemas na escala de enfermagem dos setores Se por um lado foi
mencionado que a equipe completa oferece maior seguranccedila por outro mesmo com a equipe
em nuacutemero suficiente se natildeo houver o cumprimento do papel de todos os profissionais a
seguranccedila ciruacutergica natildeo seraacute garantida
Natildeo adianta uma parte fazer a parte dela e o resto natildeo fazer [] se um natildeo faz o
processo jaacute se tornou inseguro (Ei23)
O ldquosaber-fazerrdquo e o ldquosaber o que vai precisarrdquo conforme os depoimentos a seguir satildeo
habilidades necessaacuterias dos profissionais na preparaccedilatildeo do paciente no preacute-operatoacuterio e nas
accedilotildees na sala operatoacuteria para a seguranccedila ciruacutergica tanto em procedimentos eletivos quanto
nos de emergecircncia
Paciente preparado eacute o primeiro passo para ser segura Chegou ao bloco todo
mundo estaacute envolvido teacutecnico anestesista cirurgiatildeo e enfermeiro sabem o que
fazer o que vai precisar O paciente de onda a gente natildeo sabe de nada [] mesmo
assim eacute com seguranccedila [] pra ser segura eacute ter conhecimento de tudo dos atos que
vai fazer [] (Ed31)
Quanto mais qualificada a enfermagem melhor pra gente [anestesiologista] isso faz
uma diferenccedila absurda [ecircnfase] Experiente em bloco porque agraves vezes o enfermeiro
eacute experiente em outro setor de repente ele eacute jogado no bloco natildeo passa por
treinamento [] Natildeo adianta ter uma equipe muito especializada qualificada se natildeo
tem a outra Natildeo adianta a enfermagem ser top de linha e os meacutedicos inexperientes
Nem o contraacuterio [] (Ed17)
O recurso mais criacutetico das equipes ciruacutergicas para o sucesso dos resultados ciruacutergicos
eacute a proacutepria equipe Por vezes os profissionais satildeo alocados no CC e tambeacutem em outras aacutereas
do hospital sem treinamento ou com treinamento inadequado Satildeo poucas as orientaccedilotildees e a
estrutura eacute precaacuteria para a promoccedilatildeo de um trabalho em equipe efetivo na minimizaccedilatildeo dos
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 112
riscos e promoccedilatildeo de uma cirurgia segura (OMS 2009) Eacute necessaacuteria uma equipe qualificada
e conectada para usar seus conhecimentos e habilidades em beneficio e seguranccedila do paciente
Por outro lado diferente da maioria dos profissionais o entrevistado relata que
mesmo natildeo conhecendo o paciente que chegou na ldquoondardquo o saber-fazer faz com seja uma
intervenccedilatildeo segura A seguranccedila ciruacutergica exige portanto posturas e valores individuais e da
equipe ciruacutergica como um todo incluindo o aperfeiccediloamento contiacutenuo Segundo Valido
(2011) este valor deve permanentemente ser colocado em praacutetica no exerciacutecio profissional
objetivando o autodesenvolvimento e a melhoria pessoal Isso natildeo eacute diferente em
procedimentos de emergecircncia e urgecircncia em que haacute necessidade de equipes capacitadas e
treinadas tanto no setor de pronto atendimento quanto no CC para os casos de alta
complexidade (CALIL et al 2010) Ressalta-se que a quantidade de procedimentos
realizados eacute um componente importante para desenvolver habilidades sendo necessaacuterio
treinamento aleacutem de promoccedilatildeo da satisfaccedilatildeo e motivaccedilatildeo profissional
Cirurgia do dia-a-dia eacute mais segura Eles estatildeo mais acostumados a fazer E a gente
mais acostumada a lidar com o material (Ei2)
Natildeo eacute uma coisa [anestesiologia] que todo mundo sabe [] vocecirc consegue
treinando pagando bem qualificando e motivando a trabalhar (Ed17)
Uma singularidade dos serviccedilos de sauacutede eacute a relaccedilatildeo estreita entre escala e qualidade
ou seja entre quantidade e qualidade Quanto mais cirurgias o profissional realiza menor eacute a
taxa de mortalidade entre os seus pacientes (MENDES 2011) Nesse sentido o
acompanhamento contiacutenuo do residente pelo preceptor nas cirurgias foi uma condiccedilatildeo
mencionada como determinante para a seguranccedila ciruacutergica Entretanto alguns profissionais
expuseram que os preceptores permanecem o tempo todo em sala operatoacuteria e outros
relataram que o residente muitas vezes opera sem a presenccedila do cirurgiatildeo
Os preceptores ficam em cima acompanham direto entatildeo ocorre mais a cirurgia
segura (Ei27)
Tem residente que natildeo sabe nem fazer sutura A gente fala ldquoO paciente estaacute assim
vocecirc estaacute fazendo alguma coisa erradardquo e chama o preceptor para avaliar Essas satildeo
as cirurgias mais inseguras o cirurgiatildeo natildeo estaacute presente e mesmo assim os
residentes operam (Ed11)
A despeito da divergecircncia sobre a permanecircncia do preceptor em sala operatoacuteria parece
que o residente provoca certa inseguranccedila ciruacutergica dependendo do estaacutegio de aprendizado em
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 113
que se encontra Os residentes iniciantes (RI) que tecircm menos conhecimento podem gerar
maior risco Segundo a OMS (2009) a assistecircncia ciruacutergica segura requer investimento em
educaccedilatildeo e infraestrutura Aleacutem disso natildeo existe consenso no que se refere a um treinamento
adequado e suficiente e sobre como medir a competecircncia dos profissionais (OMS 2009) A
seguranccedila e inseguranccedila do paciente foram relacionadas tambeacutem ao comportamento do
profissional em relaccedilatildeo ao uso de EPI em sua permanecircncia dentro de sala ciruacutergica sendo
condiccedilotildees que favorecem ou natildeo a seguranccedila no ato anesteacutesico-ciruacutergico
Eu costumo brincar que o anestesista e teacutecnico de enfermagem tecircm boca esteacuteril
Agraves vezes tambeacutem natildeo gostam de ficar na sala durante a cirurgia [] Isso eacute uma
coisa muito perigosa [] vaacuterias vezes eu vi paciente com pressatildeo e saturaccedilatildeo
caindo chamo o teacutecnico de enfermagem correndo Aiacute ele chama o anestesista
que vem e presta socorro (Ed12)
A expressatildeo utilizada de que anestesista e teacutecnico de enfermagem tecircm sempre ldquoboca
esteacuterilrdquo mostra a atitude inadequada dos profissionais em aplicar princiacutepios baacutesicos como o
uso de maacutescaras que eacute importante para assegurar a diminuiccedilatildeo de riscos em sala ciruacutergica O
risco para o profissional tambeacutem foi mencionado pelos participantes da pesquisa
As cirurgias todas tecircm o risco para o paciente e para a gente de sofrer acidentes
durante o procedimento de um corte de furar um dedo [] 100 segura natildeo eacute
[com ecircnfase] (Ed13)
A gente eacute exposta a doenccedila a situaccedilotildees de risco que satildeo agraves vezes surpresa Vocecirc
estaacute mexendo num vaso sanguiacuteneo e aquilo pode jorrar sangue arterial entatildeo vocecirc
tem que ter a noccedilatildeo de que vocecirc tem que estar protegido [] Vocecirc tem que prestar
ajuda a pessoa mas com seguranccedila (Ed32)
A necessidade de uso de EPI eacute amplamente conhecida pelos profissionais para
promoccedilatildeo de sua seguranccedila e consequentemente da seguranccedila no procedimento ciruacutergico
Haacute exigecircncia da execuccedilatildeo de princiacutepios baacutesicos de proteccedilatildeo protocolados mas nem sempre
seguidos
Houve relatos relacionados tambeacutem a comportamentos dos membros da equipe
estresse e qualidade de vida dos profissionais como questotildees que influenciam na seguranccedila ou
inseguranccedila da cirurgia
Quando o cirurgiatildeo eacute estressado ele estressa todo mundo aiacute natildeo fica seguro (Ed8)
Depende da equipe que estaacute operando tem uns que gostam de ser mais estrelas
outros atendem na maior tranquilidade centrados tem outros que satildeo estressantes e
que gritam Eacute um momento de estresse neacute Cada um enfrenta de uma forma (Ed29)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 114
Em um hospital de ensino quem vai fazer uma anastomose eacute o residente Se o
preceptor tem paciecircncia naquele dia ele vai ensinar direitinho Se natildeo vai pensar na
hora de ir para casa dormir almoccedilar e ficar com os filhos Se natildeo tem qualidade de
vida natildeo trabalha direito e quem paga eacute quem estaacute em cima da mesa o paciente []
cirurgia segura eacute paciente preparado e cirurgiatildeo e residente descansados (Ei20)
Os relatos mostraram a importacircncia dos relacionamentos posturas disponibilidade e
comprometimento dos profissionais na formaccedilatildeo e orientaccedilatildeo dos membros da equipe
principalmente residentes As relaccedilotildees interpessoais e a dinacircmica no ambiente ciruacutergico
podem influenciar na seguranccedila do paciente (LIMA SOUSA CUNHA 2013) O fato de os
profissionais natildeo se darem bem uns com os outros e com os seus liacutederes aumenta o risco de
incidentes aleacutem de aumentar tambeacutem a sua gravidade Ao contraacuterio um ambiente de trabalho
bom pode mitigar a maioria dos erros humanos de seguranccedila (MUumlLLER 2012)
A promoccedilatildeo das relaccedilotildees interpessoais tendo como foco manter o ambiente em
condiccedilotildees favoraacuteveis ao desenvolvimento do cuidado de modo a tornaacute-lo promotor de
sauacutedecuidados eacute uma das funccedilotildees do profissional enfermeiro do CC Aleacutem disso deve-se
atuar tambeacutem na organizaccedilatildeo do setor com a previsatildeo e provisatildeo do material instrumental e
humano (SILVA ALVIM 2010) Nesse sentido esta subcategoria tem importante relaccedilatildeo
com a praacutetica do enfermeiro de CC Acrescenta-se ainda que esse profissional seja um
importante ator para a qualidade e seguranccedila ciruacutergica visando assistecircncia integral aleacutem do
ensino e da pesquisa pelo perfil do hospital em estudo (SILVA ALVIM 2010)
Outras dimensotildees natildeo foram abordadas pelos participantes do estudo mas chamam a
atenccedilatildeo pela sua importacircncia para a seguranccedila ciruacutergica como a prevenccedilatildeo de incecircndio
explosatildeo e riscos quiacutemicos e eleacutetricos procedimentos eficazes de despejo de materiais sujos e
de lixo bioloacutegico a organizaccedilatildeo e gestatildeo dos recursos financeiros do hospital os fatores
macropoliacuteticos como as regulaccedilotildees e aspectos legais do paiacutes tanto do SUS quanto dos
conselhos de classe o ar condicionado que eacute um recurso que pode propiciar infecccedilotildees exige
sua constante higienizaccedilatildeo e manutenccedilatildeo natildeo tendo sido abordado por nenhum profissional
Enfim o conjunto de dimensotildees para a seguranccedila ciruacutergica citado ou natildeo pelos participantes
do estudo deve ser discutido para programar e implantar atividades com foco na melhoria
contiacutenua da qualidade na assistecircncia ciruacutergica
Assim a cirurgia eacute um fenocircmeno complexus uma intervenccedilatildeo tecida conjuntamente
Portanto cirurgia segura para os entrevistados eacute uma intervenccedilatildeo bem sucedida a partir de
uma complexa trama que envolve muacuteltiplas etapas e accedilotildees de vaacuterios atores humanos aleacutem da
utilizaccedilatildeo adequada dos atores natildeo humanos Ou seja deve haver um conjunto de
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 115
profissionais e recursos materiais estruturais e de equipamentos aleacutem da conexatildeo de
conhecimentos interdisciplinares
422 Onda Vermelha situaccedilatildeo de caos que salva vidas
O mundo natildeo se parece com um continente soacutelido de fatos pontilhado por algumas
lagoas de incertezas eacute um vasto oceano de incertezas pintalgado de ilhotas de
formas calibradas e estabilizadas (LATOUR 2012 p 348-349)
As reflexotildees aqui se inscrevem com foco em duas questotildees natildeo necessariamente em
sequecircncia A primeira eacute praacutetica e diz respeito agraves condutas e melhorias necessaacuterias na atenccedilatildeo a
eventos imprevisiacuteveis e incertos que satildeo situaccedilotildees de emergecircncia nomeadas no hospital como
ldquoOnda Vermelhardquo em que o paciente estaacute em situaccedilatildeo de risco iminente de morte A outra
questatildeo eacute teoacuterica e decorre da praacutetica interdisciplinar para um procedimento ciruacutergico seguro
com comunicaccedilatildeo efetiva que foi concebida em discursos durante a formaccedilatildeo dos
profissionais de sauacutede mas natildeo completamente vivenciada no cotidiano de trabalho
A cirurgia que ocorre atendendo ao protocolo da Onda Vermelha eacute considerada
insegura para a maioria dos participantes desta pesquisa Aleacutem de que durante a Onda as
demais cirurgias do CC tambeacutem se tornam inseguras uma vez que os profissionais se
deslocam de suas salas movidos pela curiosidade mas com a justificativa de ajudar mesmo
tendo profissionais especiacuteficos para este atendimento
Todas as cirurgias de onda infelizmente eacute uma cirurgia insegura [] vocecirc estaacute
tentando salvar a vida do paciente (Ed12)
A cirurgia insegura eacute a onda O pessoal natildeo preocupa muito [ecircnfase] abre de
qualquer jeito os campos capote caixa [] Paciente estaacute parado faz toracotomia
vai com a matildeo tudo esteacuteril na medida do possiacutevel (Ed4)
A insegura eacute quando chega uma onda e todos os teacutecnicos saem da sua sala (Ed22)
Em Belo Horizonte o protocolo ldquoOnda Vermelhardquo foi implantado inicialmente no
Hospital Joatildeo XXIII da Fundaccedilatildeo Hospitalar do Estado de Minas Gerais (HJXXIII
FHEMIG) em novembro de 2004 Foi resultado da experiecircncia e inquietaccedilatildeo dos
profissionais em face da alta mortalidade apresentada por pacientes viacutetimas de traumas
graves (FHEMIG 2015 COSTA-VAL MIGUEL SIMAtildeO FILHO 2005)
A Onda Vermelha consiste na adaptaccedilatildeo do protocolo internacional ldquoManobra de
Mattoxrdquo criado em 1986 por Kenneth Mattox cirurgiatildeo norte-americano especialista em
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 116
trauma Essa manobra preconiza a realizaccedilatildeo de toracotomia uma abertura toraacutecica no quinto
espaccedilo intercostal acircntero-lateral para uma abordagem direta ao sangramento por meio de um
clamp na arteacuteria aorta descendente Este procedimento divide o corpo do paciente em duas
partes garantindo a circulaccedilatildeo do sangue para o enceacutefalo coraccedilatildeo e pulmotildees por um periacuteodo
limitado (FHEMIG 2015)
A Onda Vermelha consiste em um conjunto de accedilotildees meacutedicas e administrativas que
objetiva prioritariamente a abordagem ciruacutergica dentro do CC em pacientes cuja condiccedilatildeo
implique em morte iminente ao inveacutes deste atendimento ser em sala de emergecircncia no pronto
socorro (COSTA-VAL MIGUEL SIMAtildeO FILHO 2005) conforme concebido
originalmente pela Manobra de Mattox A toracotomia e outros procedimentos ciruacutergicos na
sala de emergecircncia para interrupccedilatildeo imediata da hemorragia fazem parte do atendimento a
pacientes admitidos in extremis No entanto satildeo cercados de controveacutersias em relaccedilatildeo agrave
indicaccedilatildeo e efetividade e tecircm grande potencial de provocar acidentes entre os profissionais
(COSTA-VAL MIGUEL SIMAtildeO FILHO 2005) Diante da grande demanda de situaccedilotildees de
emergecircncia nos hospitais brasileiros a aplicaccedilatildeo da Manobra de Mattox foi adaptada
(FHEMIG 2015)
Eacute necessaacuteria uma sala exclusiva e equipada dentro do CC com materiais e
equipamentos organizados anestesiologista e a disponibilizaccedilatildeo pelo banco de sangue de
duas bolsas de sangue ldquoOrdquo negativo sem a necessidade de teste de tipagem (FHEMIG 2015)
Os profissionais do hospital em estudo reconhecendo os bons resultados da Onda Vermelha
a incorporaram agrave sua rotina Isso ocorreu antes que o hospital em 04 de novembro de 2008 se
tornasse unidade piloto do Projeto de Redes Assistenciais da SESMG implantando a triagem
com classificaccedilatildeo de risco pelo Protocolo de Manchester
O Protocolo de Manchester classifica a partir da identificaccedilatildeo da queixa principal os
riscos dos pacientes que adentram um serviccedilo de urgecircncia e emergecircncia em cinco niacuteveis de
gravidade expressos em um fluxograma orientado por discriminadores utilizando um sistema
de cores vermelho (emergente) laranja (muito urgente) amarelo (urgente) verde (pouco
urgente) azul (natildeo urgente) (FREITAS 2002) A cor vermelha da Onda Vermelha vem desse
Protocolo cujo tempo-alvo de atendimento destes pacientes eacute de zero minuto imediatamente
Quando se aciona a sirene na portaria eacute desencadeado nos diversos setores um
movimento para a organizaccedilatildeo dos atores humanos e natildeo humanos para atender o paciente da
Onda Vermelha Esse som tem um significado simboacutelico para os profissionais podendo
indicar agilidade mas tambeacutem estresse e incertezas
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 117
A onda toca laacute fora e pode ter uma definiccedilatildeo cliacutenica ou ciruacutergica Quando ela eacute uma
onda ciruacutergica os profissionais do bloco jaacute saem para saber qual o paciente e em que
condiccedilatildeo eles o vatildeo receber (Ei30)
Apoacutes o soar da sirene e a entrada do paciente no hospital ocorrem vaacuterias fases no
atendimento deste paciente Na etapa 1 eacute realizada a abordagem inicial pela equipe de trauma
(ainda no pronto socorro ou mesmo no CC) de acordo com os princiacutepios do Advanced
Trauma Life Supportreg
(ATLSreg) De acordo com o protocolo aciona-se a Onda Vermelha que
iraacute desencadear accedilotildees administrativas e dos profissionais visando agrave abordagem imediata do
paciente no CC e agrave disponibilizaccedilatildeo de hemoderivados em poucos minutos (etapas 2 e 3)
Apoacutes o processo ciruacutergico (etapa 4) o paciente eacute transferido para a sala de recuperaccedilatildeo poacutes-
anesteacutesica ou para o CTI (etapa 5) Caso seja necessaacuterio ocorrem intervenccedilotildees ciruacutergicas em
etapas seguintes (etapa 6) (COSTA-VAL MIGUEL SIMAtildeO FILHO 2005)
Durante a entrevista com uma das participantes da pesquisa em uma sala operatoacuteria
que natildeo estava sendo utilizada a sirene soou Ela logo ouviu mas a pesquisadora natildeo Essa
somente ouviu depois que a profissional indicou que estava ouvindo algo Para a
pesquisadora parecia ser um equipamento apitando de longe muito sutil Questionou se o
barulho era baixo segundo ela natildeo era porque a porta estava fechada Ela identificou a sirene
logo no iniacutecio porque seus sentidos estavam aguccedilados para o som marcando o iniacutecio de um
processo de trabalho que a envolve A entrevista foi interrompida e a profissional saiu
correndo para o pronto socorro para ver se era um paciente ciruacutergico A pesquisadora quando
saiu do CC avistou um corre-corre em direccedilatildeo ao ldquoPoli 9rdquo (sala de emergecircncia ciruacutergica) A
profissional jaacute estava voltando e disse que era um paciente vitima de arma de fogo no cracircnio
Olhando para dentro da sala a pesquisadora visualizou somente os peacutes do paciente em meio a
uma grande quantidade de profissionais e dois acompanhantes que saiacuteram apressados pela
porta do Poli 9 onde o paciente se encontrava Aquela situaccedilatildeo desencadeou grande
movimentaccedilatildeo no local tanto dos profissionais quanto dos pacientes para visualizar alguma
coisa A profissional disse que a entrevista poderia ser retomada que o neurologista havia
avaliado o paciente e natildeo entrariam com ele no CC porque o oacutebito jaacute havia sido constatado A
Onda Vermelha apresenta situaccedilotildees diversas sempre de gravidade extrema e que envolve
toda a equipe sendo uma situaccedilatildeo rotineira por se tratar de um hospital referecircncia para
urgecircncia e emergecircncia
A morte no cenaacuterio de atendimento pela Onda Vermelha eacute algo comum que faz parte
do cotidiano dos profissionais Estes relatam que a maior parte dos pacientes atendidos na
emergecircncia geralmente evolui a oacutebito devido agrave sua gravidade Isso segundo os profissionais
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 118
faz com que na Onda Vermelha natildeo ocorram incidentes o oacutebito eacute natural Por outro lado
relatam que todos os procedimentos necessaacuterios para manter a vida satildeo realizados
Grande parte dos pacientes da onda morre Quando vecircm para caacute estatildeo graviacutessimos
(Ed12)
[] chega muito paciente baleado grave que entra quase morrendo na sala [] esse
tipo de paciente vocecirc natildeo pode contar como intercorrecircncia natildeo foi natildeo O paciente
era um moribundo independente da intervenccedilatildeo meacutedica a maior chance dele era
morrer mesmo Entatildeo isso aqui eacute bem comum (Ed17)
O procedimento em si eacute bem realizado porque eles investem ateacute o final da cirurgia
isso aiacute eacute inegaacutevel (Ei15)
As situaccedilotildees de emergecircncia acontecem a qualquer momento com qualquer pessoa e
de forma inesperada A maior parte dessas situaccedilotildees mesmo com todo o avanccedilo tecnoloacutegico
leva o sujeito a se tornar objeto de manipulaccedilatildeo dos profissionais tanto na tentativa de salvaacute-
lo quanto de preparar seu corpo inerte apoacutes a morte
Durante o atendimento a uma viacutetima de Perfuraccedilatildeo por Arma de Fogo (PAF) que
chegou anunciado pela sirene foi observado que o paciente em certo momento recebia uma
quantidade excessiva de noradrenalina Um anestesista disse ldquoVocecircs sabem que esse paciente
estaacute morto neacute Estamos mantendo uma dose de 400 de adrenalina isso natildeo existerdquo Um
cirurgiatildeo disse ldquoJudicialmente ele estaacute vivordquo Apoacutes vaacuterias accedilotildees por cerca de duas horas a
saturaccedilatildeo do paciente era 3 e a frequecircncia cardiacuteaca de 41 batimentos por minuto A sala jaacute
estava vazia e os cirurgiotildees comeccedilaram a restabelecer o diaacutelogo entre si A comunicaccedilatildeo
durante o atendimento foi restrita mas apoacutes o estresse inicial a comunicaccedilatildeo foi
reestabelecida por meio de assuntos cotidianos e comentaacuterios sobre a cirurgia Ao finalizar a
sutura no paciente outro anestesista adentra a sala e diz novamente que o paciente estaacute morto
apoacutes visualizaccedilatildeo dos sinais vitais e gasometria mas verificaram uma fraca pulsaccedilatildeo na
jugular O cirurgiatildeo e o anestesista ficaram no impasse se era oacutebito ou natildeo ateacute chegarem agrave
conclusatildeo que era oacutebito e desligaram os aparelhos Cirurgiotildees saiacuteram sem demonstrar
frustraccedilatildeo dizendo que ainda teriam um plantatildeo para enfrentar Apoacutes um tempo a anestesista
fazia seus registros e chegou mais sangue ela disse ldquoAgora natildeo precisa mais isso que daacute
amarrar sanguerdquo e saiu da sala
Os termos relatados a seguir pelos profissionais ao se referirem a Onda Vermelha e
como eacute vivenciaacute-la indicam um processo permeado por uma carga elevada de estresse Eacute um
momento de lidar com o imprevisiacutevel com o inesperado mas o trabalho continua e outros
pacientes chegaratildeo para serem atendidos
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 119
Nossa Catastroacutefico Oh A onda eacute Eacute muita adrenalina (Ed26)
Vem a bomba e vocecirc natildeo sabe da onde veio Na cirurgia do trauma o sangramento eacute
o maior problema vocecirc natildeo sabe onde o buraco comeccedila e onde termina (Ei20)
[] onda eacute uma adrenalina O paciente estaacute chegando vocecirc natildeo sabe o que tem
Sabe que eacute grave e que tem que correr Se entrou como onda eacute risco e o propoacutesito eacute
salvar eacute salvar Cada um fazendo a sua parte o melhor que pode da forma mais
segura e mais competente possiacutevel Eacute o paciente que estaacute precisando de vocecirc mesmo
[ecircnfase] [] Natildeo pode errar natildeo pode passar eacute naquela hora Isso que eacute uma onda
Eacute uma luta (pausa) Correria contra a morte [] (Ed31)
[] natildeo eacute um cenaacuterio agradaacutevel No geral eacute muito estresse [] O paciente estaacute em
risco eminente de morte ou agraves vezes jaacute entra morto eles querem ressuscitar (Ed29)
Haacute clareza quanto agrave gravidade dos pacientes que chegam pela onda e de certa forma
uma relativizaccedilatildeo do que seja seguranccedila pois naquele momento a vida estaacute em jogo mais que
o risco de uma infeccedilatildeo ou outro risco qualquer As metaacuteforas ldquocatastroacuteficordquo ldquobombardquo
ldquoadrenalinardquo ldquouma lutardquo e ldquocorreria contra a morterdquo que emergiram do discurso dos
profissionais remetem a algo que nasceu ldquo[] do caos da turbulecircncia e precisa resistir a
enormes forccedilas de destruiccedilatildeordquo (MORIN 2003 p56) O caos eacute uma forccedila aparentemente
desorganizadora e oposta agrave ordem Pelas falas dos profissionais a Onda Vermelha traz esse
traccedilo resultando em incerteza imprevisibilidade e desordem
As urgecircncias e emergecircncias satildeo consideradas desordens (ANDRADE et al 2013) ldquoA
desordem eacute aquilo que traz a anguacutestia da incerteza diante do incontrolaacutevel do imprevisiacutevel
do indeterminaacutevelrdquo (MORIN 2005 p 210) A noccedilatildeo de desordem e ordem adespeito das
dificuldades loacutegicas deve ser concebida de modo complementar e natildeo apenas antagocircnico
Isso porque os fenocircmenos de organizaccedilatildeo aparecem em condiccedilotildees de turbulecircncia instalam-se
sob o nome de caos caos organizador (MORIN 2003) Nesse sentido eacute necessaacuterio que os
profissionais reflitam e discutam suas praacuteticas no atendimento agrave emergecircncia para ajudaacute-los na
criaccedilatildeo da ordem e da organizaccedilatildeo em meio agrave desordem e ao caos instalado no hospital apoacutes o
soar da sirene anunciando uma emergecircncia da onda
Dada a essa natureza da assistecircncia ao paciente ciruacutergico na situaccedilatildeo de emergecircncia a
calma e o bom senso devem estar presentes na equipe para evitar condutas tempestuosas e ateacute
mesmo agressotildees desnecessaacuterias entre os profissionais (CALIL et al 2010) A sensaccedilatildeo de
que a adrenalina alcanccedilou niacuteveis altos na corrente sanguiacutenea durante a Onda Vermelha
tambeacutem foi mencionada por um meacutedico residente do HJXXIIIFHEMIG em uma reportagem
da seccedilatildeo Sauacutede da Revista Veja BH (BRASIL 2013) A adrenalina eacute um hormocircnio liberado
pelo organismo em momentos de estresse preparando o individuo para um grande esforccedilo
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 120
fiacutesico por meio do estiacutemulo do coraccedilatildeo elevaccedilatildeo da pressatildeo arterial e relaxamento e
contraccedilatildeo de certos muacutesculos Dessa forma percebe-se mais uma vez a afetaccedilatildeo do corpo de
um humano em relaccedilatildeo a outros humanos e tambeacutem aos natildeo humanos (espaccedilos e objetos)
(LATOUR 2009)
O erro no contexto da Onda Vermelha pode significar a vida do paciente conforme
mencionado por Ed31 O termo ldquoerrordquo eacute complexo eacute multidimensional e frequentemente
usado equivocadamente na literatura assim como vaacuterios outros termos em seguranccedila do
paciente No estudo de Runciman (2006) foram encontrados 149 termos com mais de 296
definiccedilotildees alternadas Havia por exemplo 16 definiccedilotildees para erro 14 para eventos
adversos e cinco para evento adverso a medicamentos Outro estudo encontrou 25
definiccedilotildees de erro na literatura e comparou com a avaliaccedilatildeo de meacutedicos da famiacutelia sobre a
ocorrecircncia de erros em cinco cenaacuterios cliacutenicos propostos quando se encontrou muita
divergecircncia nas opiniotildees (ELDER PALLERLA REGAN 2006) A dificuldade em aceitar e
analisar a ocorrecircncia de erro natildeo eacute diferente no contexto da Onda Vermelha uma vez que o
alvo principal eacute salvar a vida
A Classificaccedilatildeo Internacional de Seguranccedila do Paciente (International Classification
for Patient Safety ndash ICPS) da OMS aborda os principais termos da aacuterea Nesse documento
erro eacute por definiccedilatildeo natildeo intencional Uma falha ou aplicaccedilatildeo incorreta na execuccedilatildeo de um
plano almejado Ocorre por fazer errado (erro de accedilatildeo) ou por falhar em fazer a coisa certa
(erro de omissatildeo) na fase de planejamento ou na execuccedilatildeo (OMS 2009) Considerando esse
conceito e que a Onda Vermelha tem um caraacuteter de imprevisibilidade por mais que haja um
protocolo os profissionais tecircm apresentado dificuldades em cumpri-lo de executar um plano
para avaliar a assistecircncia posteriormente A ocorrecircncia de morte da maior parte dos pacientes
natildeo pode ser considerada falha no plano de salvar vidas Por outro lado natildeo se deve
desconsiderar este desfecho final ndash o oacutebito ndash como uma possiacutevel execuccedilatildeo de um conjunto de
planos natildeo executados de forma adequada Haacute necessidade de se analisar melhor este cenaacuterio
de emergecircncia para melhor clarificar o termo erro
As cirurgias de emergecircncias satildeo inseguras tambeacutem devido agrave rapidez necessaacuteria nas
accedilotildees Em um primeiro momento natildeo haacute a preocupaccedilatildeo direta com a contaminaccedilatildeo sob a
justificativa de que o alvo eacute salvar a vida do paciente e por isso haacute necessidade de priorizar a
estabilizaccedilatildeo em detrimento de prevenccedilatildeo de infecccedilotildees A infecccedilatildeo seraacute controlada
posteriormente por meio de antibioacuteticos
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 121
As cirurgias mais inseguras satildeo as de emergecircncia por causa da velocidade com que
as coisas tecircm que acontecer Muitas vezes vocecirc pode ter dificuldade em realizar o
trabalho da melhor forma natildeo tem tempo para preparar tudo (Ed21)
Na cirurgia da onda agraves vezes natildeo tem tempo pra fazer uma escovaccedilatildeo [] tempo de
campear o paciente de preocupar com contaminaccedilatildeo Isso ai eacute para o futuro [] Eacute
coisa que os antibioacuteticos vatildeo controlar se natildeo controlar Deus controla (Ed12)
Segundo Amalberti et al (2005) quando se exige niacuteveis altos de desempenho e
produccedilatildeo como nas cirurgias de emergecircncia o risco inerente ao procedimento (como ISC)
torna-se secundaacuterio o que gera um cenaacuterio inseguro Aleacutem disso a gravidade do paciente e a
pressatildeo do tempo aumentam o potencial de erros e omissotildees em padrotildees estabelecidos de
cuidados (WEISER et al 2010) para promover a seguranccedila Nesse sentido os profissionais
do CC necessitam estar preparados para mudanccedilas raacutepidas e inesperadas Nas emergecircncias o
tempo de accedilatildeo e reaccedilatildeo dos profissionais eacute fundamental para responder a essas situaccedilotildees de
forma eficaz e eficiente (VALIDO 2011) A padronizaccedilatildeo da assistecircncia a organizaccedilatildeo das
condutas e uma equipe qualificada e atenta agraves particularidades individuais dos pacientes em
emergecircncia poderatildeo tornar esse processo aacutegil e menos difiacutecil (CALIL et al 2010) e tambeacutem
humanizado e seguro
Aleacutem da inseguranccedila pela rapidez o nuacutemero de profissionais que se deslocam para a
sala onde estaacute sendo atendido um paciente do fluxo da Onda Vermelha com a intenccedilatildeo de
ajudar ou somente movidos pela curiosidade provoca a indefiniccedilatildeo dos papeacuteis de cada
profissional A sincronia no atendimento depende de quem estaacute na equipe
[] chega uma onda fica aquela confusatildeo Natildeo sabe quem eacute que vai buscar o
sangue pegar o acesso do paciente auxiliar o anestesista quem vai abrir o material
Ficam trecircs pessoas abrindo o material e ningueacutem com o anestesista Todo mundo
quer fazer quer ajudar e acaba natildeo tendo organizaccedilatildeo (Ed8)
Na onda menos gente com qualidade eacute melhor de que muita gente sem qualidade
[] jaacute atendi onda eu e mais um e foi perfeito Entra cinco e ficam batendo vou
pegar e vocecirc pega junto [] Natildeo eacute sincronizado todo dia direitinho natildeo [] (Ed31)
Nunca contei mas haacute umas 20 pessoas (risos) Na intenccedilatildeo de ajudar acaba tendo
mais contaminaccedilatildeo e risco para o paciente [] lava a matildeo correndo estica campo
ciruacutergico com um tanto de gente do lado falando em cima nem todos de maacutescara
(Ei20)
Laacute no bloco tem 10 meacutedicos em cima do doente mas natildeo tem nenhum que pode
pegar o braccedilo do paciente e colher um sangue [] ldquoAh natildeo deu Manda O
negativordquo Satildeo coisas simples que poderia fazer (Ei18)
Observou-se que os procedimentos na Onda Vermelha satildeo feitos concomitantemente
Assim que o paciente entra na sala enquanto um ou mais cirurgiotildees comeccedilam a se
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 122
paramentar outros cirurgiotildees e demais profissionais residentes e acadecircmicos colocam
somente a maacutescara luva esteacuteril e comeccedilam a ajudar na cirurgia Os anestesistas colhem
amostras de sangue para anaacutelise a circulante leva as amostras para o serviccedilo de hemoterapia
Outros puncionam acesso fazem a monitoraccedilatildeo abrem campos e materiais e vatildeo agrave farmaacutecia
devido agrave falta de materiais nos kits (que deveriam estar completos) Ou seja cada um realiza
alguma accedilatildeo nem sempre em sincronia e ordem
Durante a observaccedilatildeo do atendimento de uma Onda Vermelha havia no miacutenimo 10
pessoas na sala Natildeo foi observada a comunicaccedilatildeo sobre as condutas com o paciente notou-se
que nessas situaccedilotildees natildeo se tem um plano definido Cada um foi identificando o que seria
necessaacuterio e tomaram a posiccedilatildeo que natildeo estava ocupada por ningueacutem na cirurgia Apenas o
anestesista dizia o que estava fazendo em voz alta comunicando-se com a equipe Quando
todos estavam realizando suas funccedilotildees a agitaccedilatildeo diminuiu e os profissionais natildeo
paramentados saiacuteram e foram fazer a escovaccedilatildeo das matildeos e braccedilos e se paramentar Havia
nesse contexto muitos curiosos que tambeacutem tentavam ajudar Por exemplo uma residente
tentava puncionar um acesso central a outra apenas observava demonstrando o deslocamento
dos profissionais de outras salas para a sala da emergecircncia
Para aleacutem da curiosidade segundo os relatos eacute do perfil do profissional do trauma
essa vontade de ajudar na emergecircncia Por um lado haacute algum benefiacutecio pois satildeo necessaacuterios
mais profissionais do que aqueles que estatildeo agrave disposiccedilatildeo da Onda a cada plantatildeo (circulante e
anestesistas de stand by) A responsabilidade de organizaccedilatildeo da sala operatoacuteria no hospital em
estudo eacute do profissional enfermeiro supervisor que por vezes entra em conflito para
controlar o quantitativo de pessoas em sala operatoacuteria
Quando estou no plantatildeo fica na sala da onda teacutecnico de enfermagem anestesista e
quem estaacute envolvido na cirurgia Curiosos Podem aguardar do lado de fora Aquilo
natildeo eacute teatro Quando eu entrei natildeo estava acostumada permitia Hoje natildeo deixo
Muita gente entra escondido Eacute engraccedilado [] Jaacute tive brigas dentro de sala de onda
com acadecircmico e residente Hoje eacute mais organizado Mas natildeo deixa de ser um
tumulto Natildeo tem seguranccedila (Ed26)
O profissional do trauma tem esse perfil de gostar da emergecircncia de querer ajudar
O enfermeiro tem que exercer o papel de supervisatildeoe retirar [] tem o circulante
referecircncia para a onda mas seguramente ele natildeo consegue executar tudo (Ei30)
Posso estar aqui tranquila com vocecirc toca a campainha se tem dois [anestesistas de
plantatildeo] como funciona Um fica para a onda e o outro faz um caso [] aiacute um
cirurgiatildeo quer fazer um caso vai ter que aguardar [] tem um [anestesista] de
stand by para a onda vermelha (Ed9)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 123
No CC em estudo natildeo haacute uma sinalizaccedilatildeo visual restringindo o nuacutemero de pessoas na
sala de emergecircncia e tambeacutem natildeo haacute uma poliacutetica clara em relaccedilatildeo agrave entrada e saiacuteda dos
profissionais e estudantes A falta de clareza da equipe foi a causa principal de circulaccedilatildeo
durante as cirurgias em um estudo que analisou o fluxo de pessoas dentro de sala operatoacuteria
(SIMONS et al 2014) Aleacutem da poliacutetica expliacutecita para todos um fator que contribui para o
acesso agrave sala operatoacuteria eacute a hierarquia Simons et al (2014) concluiacuteram nesse estudo que o
cirurgiatildeo eacute o principal responsaacutevel pela reduccedilatildeo do fluxo durante a cirurgia Na realidade do
hospital em estudo observou-se que essa funccedilatildeo fica delegada agrave enfermeira supervisora mas
caso o cirurgiatildeo permita a presenccedila de algum aluno por exemplo a funccedilatildeo que ele tem na
conduccedilatildeo da cirurgia exerce maior forccedila de autoridade do que a funccedilatildeo exercida pelo
enfermeiro supervisor prevalecendo a decisatildeo do cirurgiatildeo Segundo o participante Ed26
quando era receacutem-contratado pela inexperiecircncia deixava a sala operatoacuteria cheia de pessoas
mas atualmente natildeo permite Poreacutem pela observaccedilatildeo em campo desse mesmo profissional e
pelo conjunto dos relatos ficou evidente que os supervisores de enfermagem aleacutem de natildeo
terem ldquovozrdquo ativa para este controle natildeo tecircm tempo de se preocupar com essa situaccedilatildeo
devido agrave sobrecarga de tarefas durante o atendimento da emergecircncia
Uma das causas do tumulto em sala operatoacuteria em atendimento agrave Onda Vermelha eacute a
curiosidade uma vez que a situaccedilatildeo exerce um poder de encantamento pelas situaccedilotildees
inusitadas que ocorrem Segundo os profissionais que participaram da pesquisa a Onda eacute um
cenaacuterio excitante para quem estaacute aprendendo
Agraves vezes tem uma quantidade ateacute maior de cirurgiatildeo tem uma quantidade maior de
residente movido pela curiosidade sabe (Ei20)
A onda exerce um poder de encantamento das pessoas no sentido de estar perto pela
curiosidade porque satildeo situaccedilotildees inusitadas (Ei30)
[] como eacute um hospital escola Aquilo ali eacute um cenaacuterio maravilhoso Pra quem
estaacute de fora olhando eacute maravilhoso vocecirc vecirc o coraccedilatildeo do cara pra fora as tripas dele
toda de fora do outro lado (Ed26)
Simons et al (2014) sugerem medidas de apoio para monitorar o fluxo de
profissionais em sala operatoacuteria como a fixaccedilatildeo de um contador de porta e de um sinal de
alerta na sala operatoacuteria em forma de lembrete constante aos profissionais Com o uso dessas
medidas intenciona-se a criaccedilatildeo de um senso comum de responsabilidade da equipe e a
lideranccedila do cirurgiatildeo (SIMONS et al 2014) Contudo para se adequar agrave realidade do
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 124
contexto de estudo sugere-se um trabalho que aprofunde a causa do tumulto na situaccedilatildeo de
emergecircncia e um debate entre profissionais e estudantes
Para tanto os gestores e profissionais do hospital podem lanccedilar matildeo das vaacuterias
ferramentas e teacutecnicas de gerenciamento da qualidade como por exemplo o diagrama
Espinha de Peixe Essa ferramenta permite estruturar as causas de determinado problema ou
sua oportunidade de melhoria sendo que as causas ou fatores complexos satildeo decompostos em
causas primaacuterias e secundaacuterias sem com isso perder a visatildeo do conjunto do problema
analisado (DAYCHOUM 2010) Segundo o autor geralmente as causas satildeo levantadas em
reuniotildees do tipo brainstorming (ldquotempestade de ideiasrdquo) que eacute uma atividade desenvolvida
para explorar a potencialidade criativa do individuo colocando-a a serviccedilo dos objetivos
propostos qual seja a coleta de ideias sobre as causas ou soluccedilatildeo de um problema
(DAYCHOUM 2010) A ideia de cada participante neste caso os profissionais do hospital
direcionados por um facilitador deve ser gravada para anaacutelise mais aprofundada
As falas dos profissionais que participam da Onda Vermelha indicam a existecircncia de
um mundo agrave parte do qual histoacuterias de mutilaccedilotildees sofrimento mortes e tambeacutem milagres satildeo
colecionadas e quem tem mais para contar se destaca nesse mundo Ter uma foto da situaccedilatildeo
para comprovar e mostrar o fato eacute algo desejado pelos profissionais e tambeacutem pelos pacientes
que estatildeo nos corredores do hospital presenciando a situaccedilatildeo
[] acontece uma situaccedilatildeo inusitada quer fotografar dizer o que aconteceu Isso
legalmente natildeo eacute permitido [fotos] passava rapidamente para os celulares
fotografava laacute de fora [] tivemos haacute pouco tempo uma situaccedilatildeo [] O paciente
chegou com eu natildeo sei como chama eacute de jardinagem de puxar folha tem os
ganchos e estava na cabeccedila ainda fixo porque soacute remove laacute dentro [] as pessoas
por curiosidade querem mostrar para o familiar Ateacute os proacuteprios pacientes
acompanhando querem fotografar Preservar esse paciente eacute muito difiacutecil (Ei30)
Haacute algo miacutestico em torno da assistecircncia agraves emergecircncias e haacute o desejo de registrar O
acesso amplo agraves tecnologias como os celulares com cacircmera fotograacutefica traz um novo
confronto eacutetico na praacutetica cotidiana hospitalar Esse ator natildeo humano ndash celular ndash facilita a
produccedilatildeo e reproduccedilatildeo de imagens a qualquer momento dos atores humanos no atendimento
No entanto a preservaccedilatildeo da imagem eacute um direito constitucional Satildeo inviolaacuteveis a
intimidade a vida privada a honra e a imagem das pessoas assegurado o direito a
indenizaccedilatildeo pelo dano material ou moral decorrente de sua violaccedilatildeo (BRASIL 1988) A
proteccedilatildeo da imagem tambeacutem estaacute presente no Coacutedigo Civil sendo assegurada a idenizaccedilatildeo
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 125
em caso de exposiccedilatildeo sem preacutevia autorizaccedilatildeo (BRASIL 2002c) e em diversos Coacutedigos de
Eacutetica Profissional como da enfermagem e da medicina (COFEN 2007 CFM 2009)
As situaccedilotildees de emergecircncia fazem com que ateacute os princiacutepios baacutesicos como a
precauccedilatildeo de contato sejam burladas Ateacute mesmo o acesso ao CC deixa de certo modo de
ser restrito pois profissionais do Serviccedilo de Atendimento Moacutevel de Urgecircncia (SAMU) e do
corpo de bombeiros por exemplo adentram ao local sem vestimentas adequadas devido ao
risco de morte dos pacientes
Jaacute vi onda chegando com tanta rapidez que chegou aqui o pessoal do SAMU aqui
dentro [do CC] Jaacute vi bombeiro chegando aqui dentro com a roupa e sapato laacute de
fora entrando com a maca deles [] aiacute jaacute eacute um risco de contaminaccedilatildeo [] (Ei15)
Essas situaccedilotildees geram risco de contaminaccedilatildeo bem como a ruptura de uma condiccedilatildeo
bem estabelecida que seja a restriccedilatildeo de acesso ao CC No entanto eacute uma conduta automaacutetica
de muitos profissionais que chegam com o paciente em risco de vida A postura dos
profissionais externos eacute semelhante ao tumulto interno com a chegada da Onda Aleacutem desse
cenaacuterio de inseguranccedila haacute outros fatores que tornam a cirurgia de emergecircncia insegura
[] paciente acabou de chegar agrave onda toca a campainha e entra para o bloco do jeito
que estiver sem banho antibioacutetico eacute feito depois que comeccedilou a cirurgia [] pode
natildeo ter material para fazer uma cirurgia definitiva [] remedia para uma posterior
[] sangramento grande e natildeo tem uma reserva de sangue ele acabou de entrar no
hospital [] esse tipo de inseguranccedila coisas que podia prever antes que natildeo tem
como na emergecircncia Eacute um risco muito grande O risco benefiacutecio para o paciente eacute
melhor fazer a cirurgia naquele momento (Ed10)
O meacutedico acha que emergecircncia eacute O negativo Pelo contraacuterio Esse sangue vocecirc usa
em uacuteltima situaccedilatildeo eacute um sangue raro Por ser raro tem que ter cautela [] se
mandar uma amostra de sangue o tempo que eu levo pra pegar uma bolsa de O
negativo eu classifico e mando o grupo do paciente (Ei18)
A inseguranccedila na emergecircncia permeia vaacuterios aspectos como a impossibilidade de um
preparo adequado preacute-operatoacuterio e por vezes se realiza uma abordagem inicial com
necessidade de retorno ao CC se o paciente sobreviver Isso ocorre tanto pela condiccedilatildeo do
paciente como por exemplo pela falta de uma proacutetese que deve ser solicitada
antecipadamente Aleacutem disso o uso indiscriminado de sangue ldquoOrdquo negativo nas emergecircncias
pode gerar inseguranccedila aleacutem de reduzir o estoque de um material raro para uso em casos
extremos ou de acordo com o grupo de outros pacientes e cuja reposiccedilatildeo natildeo eacute garantida
O cenaacuterio de inseguranccedila se intensifica em uma situaccedilatildeo de cataacutestrofe de desastres
com muacuteltiplas viacutetimas Torna-se necessaacuterio principalmente em tempos de grandes eventos
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 126
todo um planejamento bem como a qualificaccedilatildeo adequada dos profissionais da rede de
serviccedilos externos e da rede intra-hospitalar para atendimento destes casos Eacute necessaacuterio fazer
simulaccedilatildeo para planejamento de grandes eventos
Situaccedilatildeo de cataacutestrofe vocecirc nem troca de luva Natildeo daacute tempo [] a movimentaccedilatildeo
eacute muito grande Quatro cinco residentes em campo vocecirc vai checar se todos estatildeo
paramentados Natildeo daacute [] A abertura da caixa foi asseacuteptica Eu natildeo tenho essa
seguranccedila natildeo tenho como olhar isso (Ei20)
A copa do mundo eacute que fez a medicina em Belo Horizonte discutir medicina de
cataacutestrofe [] o tripeacute principal na Emergecircncia eacute o pronto socorro CTI e bloco
ciruacutergico Noacutes participamos ativamente do plano de atendimento agraves cataacutestrofes no
hospital Tivemos experiecircncias de pequena monta na copa das confederaccedilotildees na
queda do viaduto agora da Pedro I e trecircs simulados que envolveram a cidade em que
a experiecircncia foi muito positiva (Ed21)
Durante a coleta de dados da pesquisa estava acontecendo no Brasil a Copa do Mundo
de futebol A SES-MG em parceira com o governo francecircs promoveu algumas simulaccedilotildees de
cataacutestrofe na capital de Minas Gerais Os profissionais do Corpo de Bombeiros SAMU
Defesa Civil Guarda Municipal Poliacutecia Militar e Civil e de alguns hospitais participaram do
simulado dentre eles o hospital Em situaccedilotildees de cataacutestrofes eacute necessaacuteria a mobilizaccedilatildeo dos
hospitais para receber muitos pacientes Isso requer a elaboraccedilatildeo de um plano de cataacutestrofes
com as accedilotildees para atender as viacutetimas que chegaratildeo sem deixar que a assistecircncia agravequeles que
jaacute estatildeo internados no hospital seja prejudicada Um destes exerciacutecios foi acompanhado pela
pesquisadora O pronto socorro continuou sendo a porta de entrada e os profissionais jaacute
cientes da chegada dos ldquoferidosrdquo procederam agrave evacuaccedilatildeo dos pacientes do pronto socorro e
tambeacutem do CTI para outras aacutereas do hospital liberando os leitos de retaguarda para a
cataacutestrofe Foi interessante ver como todo este cenaacuterio se desenvolveu observando pequenos
incidentes como uma bala de oxigecircnio que caiu no chatildeo a ocorrecircncia de pequenos choques
entre os profissionais que transportavam pacientes e falta de identificaccedilatildeo dos pacientes Esse
uacuteltimo teve um profissional da lideranccedila do hospital que passou chamando a atenccedilatildeo Natildeo
foram verificados incidentes com danos para os pacientes
A qualidade do atendimento na situaccedilatildeo de emergecircncia depende da qualificaccedilatildeo da
calma e do bom senso dos profissionais para evitar condutas tumultuadas estressantes
prevenir intercorrecircncias e evitar complicaccedilotildees Depois da ocorrecircncia de um desastre somar
uma atuaccedilatildeo profissional improvisada significa aumentar o sofrimento das vitimas sendo
conivente com o risco de negligecircncia imprudecircncia e imperiacutecia pelos proacuteprios profissionais de
sauacutede (SILVA CARVALHO 2013)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 127
As cirurgias de emergecircncia proporcionam tambeacutem risco para o trabalhador tanto para
aqueles que atuam diretamente devido a agilidade das accedilotildees quanto para os que estatildeo
indiretamente envolvidos por exemplo a profissional da higienizaccedilatildeo que encontra um
cenaacuterio que oferece grande risco
[] eacute tudo com muita agilidade Punciona uma PIA [pressatildeo intra-arterial] suturou
mas o cirurgiatildeo jaacute tem que pegar um [acesso] central entatildeo deixa o nylon ali na
mesa e vai precisar da mesa de novo Eu calccedilo a luva natildeo sei se tem fio pego e furo
meu dedo [] (Ed11)
[] Sala dois que eacute a sala da onda [] Natildeo daacute tempo de fazer um exame para saber
se o paciente tem alguma doenccedila [] acabou de cuidar sai da sala para a gente
limpar aiacute o chatildeo eacute cheio de agulha (Ei6)
O caos permanece desde a entrada do paciente ateacute a sua saiacuteda da sala operatoacuteria No
final de um atendimento da onda foi possivel observar que a sala fica suja com bolsas de
sangue embalagens tesoura e pinccedilas espalhadas pelo chatildeo e a bancada com gazes jelcos
soro seringas e caixa de hemocomponentes Essa realidade gera riscos para os profissionais
como por exemplo a ocorrecircncia de acidentes de trabalho Eacute necessaacuterio discutir as situaccedilotildees
de emergecircncia pois tanto trabalhadores como pacientes necessitam respectivamente de
maior seguranccedila no trabalho e na assistecircncia
A questatildeo do risco para o profissional segundo os relatos eacute maior em cirurgias que
envolvem crianccedilas e jovens Haacute um esforccedilo maior dada a pressatildeo cultural de salvar a vida de
quem ainda tem muito tempo para viver Os profissionais colocam-se em risco em funccedilatildeo da
assistecircncia a esses pacientes e apesar disso relatam satisfaccedilatildeo no trabalho poreacutem se queixam
de desvalorizaccedilatildeo
[] tem paciente que entra como uma urgecircncia [] a sirene natildeo tocou mas virou
onda laacute dentro natildeo estaacute na sala da onda mas seguramente eacute uma onda Ontem teve
um paciente que jaacute prendia sala aguardando CTI Viacutetima de acidente de moto com
uma fasceiacutete necrotizante A princiacutepio faacutecil de tratar [] Ele ficou seacuteptico a equipe
achou que a uacutenica chance de sobrevivecircncia seria desarticular o membro inferior O
bloco viveu em funccedilatildeo desse paciente [] E com a pressatildeo de ser um paciente de 16
anos e a matildee laacute fora a psicologia com intervenccedilatildeo com a matildee [] (Ei30)
Eu gosto soacute acho que o trabalho deveria ser mais valorizado [] vocecirc trabalha
tanto se potildee em risco [] agraves vezes chega a Onda vatildeo supor eacute uma crianccedila se tiver
no corredor vocecirc natildeo olha se estaacute com luva [] eacute automaacutetico (Ed11)
Segundo os relatos dos participantes haacute uma pressatildeo maior quando a emergecircncia
envolve crianccedilas e jovens Em um estudo sobre o significado da morte para profissionais de
enfermagem que atuam em CC de urgecircncia e emergecircncia foi identificada uma capacidade
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 128
emocional prejudicada para elaborar as perdas vivenciadas nesse local principalmente quando
a morte envolve crianccedilas e jovens A infacircncia e a juventude culturalmente satildeo periacuteodos de
expectativa e a crianccedila eacute vista como fraacutegil e inocente Isso faz com que o profissional sinta
maior responsabilidade pela cura Quando isso natildeo ocorre e o profissional se depara com a
morte desses pacientes haacute o sentimento de impotecircncia (BOSCO 2008)
O paciente que mesmo natildeo tendo entrado como Onda Vermelha (tocado a sirene
colocado em sala reservada acionado anestesista e circulante especiacutefica e desencadeado
processo no banco de sangue) e se torna uma emergecircncia eacute algo que tem que ser reconhecido
pois apesar de natildeo ter todo o som que acompanha a Onda faz ldquobarulhordquo e movimenta o CC
Esse cenaacuterio de imprevisibilidade da emergecircncia ou da urgecircncia mesmo com o paciente jaacute
admitido eacute realidade em qualquer setor da rede intra-hospitalar sendo que pode ocorrer a
qualquer momento mesmo com os pacientes considerados estaacuteveis Nesse sentido Calil et al
(2010) traz agrave tona a responsabilidade da equipe no preparo para uma atuaccedilatildeo segura e precisa
O reconhecimento precoce das situaccedilotildees potencialmente ciruacutergicas a elaboraccedilatildeo de
protocolos de atendimento a qualificaccedilatildeo sistematizada da assistecircncia na rede intra-hospitalar
entre as diversas equipes a discussatildeo dos casos cliacutenicos as rotinas de atendimento ao
paciente ciruacutergico na situaccedilatildeo de emergecircncia devem ser pensadas pelas equipes de sauacutede
comprometidas com a qualidade da assistecircncia (CALIL et al 2010)
Ademais a comunicaccedilatildeo institucional principalmente em uma situaccedilatildeo de
emergecircncia foi referida como ldquotorre de Babelrdquo Cada profissional fala em uma liacutengua
diferente o que gera discrepacircncias que devem ser corrigidas para assegurar a seguranccedila dos
pacientes
A comunicaccedilatildeo eacute como a torre de Babel Precisa sincronizar Haacute discrepacircncia
Exemplo de uma onda paciente entrou no poli A enfermeira [do pronto socorro]
colhe sangue e manda o pedido A gente fala ldquoO que eacute o casordquo ldquoBaleadordquo A gente
jaacute adianta ldquoIsso pode dar pepinordquo Tiro esfaqueado politraumatismo grave a gente
deixa tudo encaixado [] Chega ao bloco toca a sirene ldquomanda sangue O negativordquo
[] ldquoColhe amostrardquo ldquoNatildeo daacute para colher agorardquo Quando vai ver tem uma amostra
do paciente na nossa matildeo [enviado pelo PS] Ou ldquovocecirc sabe o nomerdquo ldquoNatildeo chegou
agorardquo ldquoNoacutes [banco de sangue] recebemos um sangue haacute menos de 15 minutos Foi
tirordquo ldquoAh o que taacute laacute eacute tirordquo No final das contas vocecirc manda sangue O negativo soacute
que vocecirc tinha a classificaccedilatildeo real do paciente (Ei18)
A metaacutefora da ldquotorre de Babelrdquo eacute utilizada pelo profissional para explicar que a
comunicaccedilatildeo estaacute sendo realizada e compreendida de diferentes formas ou natildeo estaacute sendo
realizada como o exemplo mencionado por Ei18 em que os profissionais do pronto socorro
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 129
enviaram a amostra de sangue mas natildeo foi comunicado para os profissionais do CC As
informaccedilotildees satildeo fragmentadas impossibilitando a compreensatildeo do todo
Segundo um participante seria necessaacuterio um ator que viabilizasse o contato direto
entre o profissional que recebeu o paciente no Pronto Socorro e o que iraacute receber no CC para
dar sequencia ao cuidado ou preparaccedilatildeo dos elementos para o cuidado
Vai receber o paciente que estaacute vindo pra cirurgia do PA [pronto atendimento]
chegou na onda E aiacute fala ldquoo paciente taacute assim assimrdquo Quando vocecirc vai receber o
paciente ele natildeo estaacute assim Faltou comunicaccedilatildeo Vatildeo passando de um pro outro e ateacute
chegar aqui chega diferente Acho que tinha que ter uma ligaccedilatildeo direta Aquele que
recebeu eacute que vai passar o caso (Ed31)
A transferecircncia de informaccedilotildees entre equipes e setores (handoffs) eacute reconhecida
internacionalmente como momentos criacuteticos e decisivos para a seguranccedila do paciente No
entanto natildeo existe a possibilidade do profissional que recebeu o paciente no pronto socorro
ser ele mesmo o portador da transferecircncia para todos os demais setores que o paciente iraacute
percorrer Isso porque satildeo diversas as condiccedilotildees funccedilotildees e profissionais que recebem o
paciente na linha de cuidados ciruacutergico Contudo haacute algumas teacutecnicas de comunicaccedilatildeo que
podem ajudar O SBAR (do inglecircs Situation Background Assessment Recommendation ou
Situaccedilatildeo Background Avaliaccedilatildeo Recomendaccedilatildeo) eacute um exemplo que fornece uma estrutura
mnemocircnica para uma mensagem Inicia-se o esclarecimento do problema com informaccedilotildees
baacutesicas seguido por uma avaliaccedilatildeo da situaccedilatildeo e uma recomendaccedilatildeo Essa ferramenta
melhora a eficiecircncia da comunicaccedilatildeo por permitir maior acuraacutecia das informaccedilotildees
transmitidas e traz benefiacutecios aos profissionais pois se cria uma linguagem comum concisa e
estruturada promovendo a seguranccedila do paciente (SALMAN et al 2012)
Segundo Morin (2003) a compreensatildeo perpassa pela relaccedilatildeo subjetiva com o outro de
simpatia o que pode ser favorecido pela projeccedilatildeo pela identificaccedilatildeo A compreensatildeo eacute
assim o grande problema atual da humanidade mais do que a comunicaccedilatildeo ou em
consequecircncia dela Contraditoriamente para a compreensatildeo natildeo basta a comunicaccedilatildeo a
primeira pode ser afetada ou ajudada pela comunicaccedilatildeo seja tecnicamente (telefone e-mail)
seja pelo domiacutenio do coacutedigo (liacutengua) Mas eacute preciso que a compreensatildeo aconteccedila pois a
comunicaccedilatildeo por si mesma natildeo pode gerar a compreensatildeo (MORIN 2003)
Os profissionais mencionaram algumas oportunidades de melhoria para o caos que eacute a
Onda Vermelha a saber maior organizaccedilatildeo revisatildeo de medicamentos e materiais
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 130
disponiacuteveis melhoria da comunicaccedilatildeo criteacuterio e equidade no uso de bolsas de sangue ldquoOrdquo
negativo
Eacute um processo muito raacutepido e precisam estar muito ensaiadas Natildeo ensaiadas no
sentido real da palavra a gente nunca vai conseguir ensaiar um atendimento de
emergecircncia mas muito organizadas (Ei30)
A anestesia traz alguns questionamentos de material que queriam deixar pronto
precisa ver com a CCIH [] (Ei30)
[] podia ter mais treinamento de organizaccedilatildeo de uma parada cardiacuteaca por
exemplo Chega uma onda uma urgecircncia fica aquela confusatildeo Natildeo sabe quem eacute
que vai buscar o sangue quem vai pegar o acesso do paciente quem que vai auxiliar
o anestesista quem que vai abrir o material (Ed8)
[] entra na sala de politraumatismo punciona para ligar o soro colhe amostra e
identifica [] No bloco a primeira coisa colher e enviar para o banco de sangue
Natildeo haacute condiccedilatildeo de suprir um paciente de politraumatismo de 10 15 bolsas de
sangue O negativo Faz 15 bolsas O negativo o cara morre Aiacute tem uma parturiente
vai sensibilizar ela Uma menina de 20 25 anos [] tem que ter esses cuidados
para natildeo fazer demais para um e faltar para o outro [] Qualquer gratildeozinho de
sangue numa emergecircncia 1ml jaacute daacute uma ajuda enorme [] Vai ser beneacutefico pra ele
[paciente] e para o banco de sangue Na transfusatildeo na real vocecirc estaacute fazendo um
transplante (Ei18)
O profissional Ei18 tambeacutem sugere que na reorganizaccedilatildeo do processo de trabalho na
Onda Vermelha tenha uma pessoa responsaacutevel (elo) para solicitar o hemoderivado Segundo
o profissional basta 1 ml de sangue porque a teacutecnica de classificaccedilatildeo para uma emergecircncia eacute
em tubo e natildeo em gel o que leva menos de um minuto que eacute o mesmo tempo de
disponibilizar uma bolsa de ldquoOrdquo negativo Posteriormente os teacutecnicos do banco de sangue
utilizam a teacutecnica em gel que leva 10 minutos para a classificaccedilatildeo do grupo sanguiacuteneo e que eacute
mais fidedigna Eacute necessaacuterio que isso seja de conhecimento de todos os profissionais no
sentido de racionalizar o uso de bolsas de sangue ldquoOrdquo negativo
A ampliaccedilatildeo da seguranccedila em procedimentos ciruacutergicos requer investimentos no
conhecimento em relaccedilatildeo ao ato ciruacutergico (PANCIERI et al 2013) e tudo o que o permeia A
qualidade no atendimento ao paciente em situaccedilatildeo de emergecircncia depende da accedilatildeo de todas as
pessoas envolvidas nessa missatildeo (CALIL et al 2010) Algumas melhorias foram
mencionadas pelos profissionais mas natildeo se almejou descrever a totalidade ateacute porque ldquo[] a
totalidade eacute a natildeo verdaderdquo (ADORNO apud Morin 2003) Um dos axiomas da
complexidade eacute a impossibilidade do saber completo inclusive teoricamente (MORIN 2003)
A dimensatildeo dos problemas de seguranccedila do paciente em estado de emergecircncia surgiu
como um problema de sauacutede puacuteblica e de sauacutede do trabalhador apesar do pouco
reconhecimento da sua extensatildeo Foi observado que os profissionais do CC em questatildeo bem
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 131
como dos setores que fazem interface no atendimento agrave Onda Vermelha estatildeo na aurora de
um esforccedilo que ainda necessita de muacuteltiplas accedilotildees a fim de alcanccedilar meios para a
organizaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo de princiacutepios de cirurgia segura na situaccedilatildeo de emergecircncia com
comunicaccedilatildeo efetiva
Apesar de todas as arestas que necessitam serem modificadas no momento da
emergecircncia as questotildees mudam de significado haacute maior envolvimento da equipe e um
trabalho interdisciplinar O conjunto dos atores humanos ndash profissionais alunos pacientes ndash
e natildeo humanos ndash materiais equipamentos e medicamentos ndash produz um movimento e
promove a assistecircncia ciruacutergica de emergecircncia
423 Efeito borboleta pequenas accedilotildees podem resultar em grandes incidentes na
assistecircncia ciruacutergica
O titulo desta subcategoria tem origem na pergunta ldquoPredictability Does the flap of a
butterflyrsquoswings in Brazil set off a tornado in Texasrdquo(LORENZ 1972 p 1) que em
traduccedilatildeo livre para o portuguecircs quer dizer O bater das asas de uma borboleta no Brasil
dispararia um tornado no Texas
Por meio deste questionamento Edward Norton Lorenz um meteorologista
matemaacutetico e filoacutesofo norte-americano iniciou sua apresentaccedilatildeo na 139ordf reuniatildeo anual da
Sociedade Americana para o Progresso da Ciecircncia em 1972 (LORENZ 1972) Seus estudos
asseveram entre outras questotildees que uma simples e pequena accedilatildeo no iniacutecio ou decorrer de
um evento ndash como o suave bater de asas de uma ou vaacuterias borboletas ndash afetaraacute o desfecho de
tal evento na sucessatildeo de fatos que venham a ocorrer gerando algo imprevisiacutevel como um
tornado em outro local do mundo pela leve movimentaccedilatildeo do ar pela borboleta (LORENZ
1972 LORENZ 1963)
Apesar de a frase ser apenas uma afirmaccedilatildeo simboacutelica dentro da Teoria do Caos
significa que accedilotildees aparentemente insignificantes tecircm potencialidade para provocar grandes
consequecircncias Este eacute o objetivo desta subcategoria tecer por meio de relatos dos
profissionais como as pequenas accedilotildees concorrem para a ocorrecircncia ou ateacute mesmo a
prevenccedilatildeo de incidentes ciruacutergicos
Como jaacute abordado anteriormente os incidentes satildeo eventos ou circunstacircncias que
poderiam ter resultado ou resultaram em dano desnecessaacuterio ao paciente O termo
ldquodesnecessaacuteriordquo significa que haacute certos danos que satildeo necessaacuterios na assistecircncia agrave sauacutede
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 132
como por exemplo uma incisatildeo para realizaccedilatildeo de laparotomia natildeo sendo considerados
portanto como incidentes (OMS 2009)
Os incidentes originam-se de atos intencionais dos profissionais (violaccedilotildees) ou de atos
natildeo intencionais e incluem as seguintes situaccedilotildees (1) circunstacircncia notificaacutevel (2) near miss
(3) incidente sem dano e (4) incidente com dano ou evento adverso (OMS 2009) A seguir
seratildeo discutidas estas situaccedilotildees a partir dos conceitos da Classificaccedilatildeo Internacional de
Seguranccedila do Paciente (International Classification for Patient Safety ndash ICPS) (OMS 2009) e
dos relatos dos profissionais desta pesquisa Vale ponderar que foram escolhidos somente
alguns casos relatados para exemplificaccedilatildeo e que encaixaacute-los na taxonomia ICPS foi difiacutecil
dada a interpretaccedilatildeo dos conceitos e a falta de informaccedilotildees detalhadas do desfecho final dos
casos
A primeira situaccedilatildeo eacute de uma ldquocircunstacircncia notificaacutevelrdquo que consiste em uma
situaccedilatildeo com grande capacidade de causar dano ao paciente mas que natildeo produziu nenhum
incidente (WHO 2009) conforme os exemplos a seguir
[] campo com defeito avental curto avental rasgado ou cerzido foi notificado agrave
CCIH [] optou ao inveacutes de comprar tecido novo jaacute atendendo a RDC 15 utilizar o
material [descartaacutevel] [] preccedilo consideraacutevel mas melhor pra garantir a seguranccedila
do paciente O objetivo eacute melhorar o quantitativo para que todas as cirurgias
utilizem material de primeira linha (Ei5)
Os incidentes relatados sobre os defeitos no material apesar de terem potencial natildeo
causaram nenhum dano para o paciente pelo relato do profissional Contudo esses tipos de
incidentes devem ser notificados pelos profissionais e conforme o relato de Ei15 devem
resultar em discussatildeo e melhoria como foi a tomada de decisatildeo para a troca por material
descartaacutevel Esse eacute o alvo principal de se notificar quaisquer incidentes ou seja a discussatildeo e
a realizaccedilatildeo de um plano de accedilatildeo para melhoria contiacutenua da qualidade da assistecircncia ciruacutergica
Percebe-se que a mudanccedila nos processos de trabalho natildeo se daacute por aspectos lineares mas por
vezes eacute decorrente de uma rede de situaccedilotildees provenientes da desordem e da incerteza
A segunda situaccedilatildeo eacute de um ldquonear missrdquo que se refere a um incidente que natildeo atingiu
o paciente (OMS 2009) conforme os relatos a seguir
Jaacute quase contaminaram mesa de cirurgia mas natildeo contaminaram Contaminou
tesoura despreza Jaacute aconteceu de abrir caixa e ela estar molhada aiacute despreza e abre
outra (Ed4)
Vieram pedir sala ah paciente hiacutegido Natildeo tem nada soacute taacute com apendicectomia
Nunca foi no hospital [] mas eu descobri que o paciente haacute um ano ficou
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 133
internado mais de um mecircs no CTI por IAM [Infarto Agudo do Miocaacuterdio] e estava
sem tratamento Suspendeu as medicaccedilotildees e estava sentindo dores desconforto e ia
entrar para a cirurgia eu que avisei o anestesiologista Porque o cirurgiatildeo falou que
ele natildeo tinha nada [] Natildeo causou dano diretamente e eu consegui cercar mas eacute um
absurdo [] entram com paciente contaminado e que natildeo tomaram precauccedilatildeo de
contato aerossol paciente com TBC [] (Ed29)
O primeiro caso relata incidentes com relaccedilatildeo agrave contaminaccedilatildeo de materiais ciruacutergicos
que natildeo provocaram nenhum dano porque os profissionais percebendo o ocorrido
desprezaram o material No segundo caso o near miss consistiu em natildeo identificar ou natildeo
repassar a histoacuteria pregressa de forma fidedigna para os profissionais do CC uma falha de
comunicaccedilatildeo na transferecircncia de cuidados do preacute para o transoperatoacuterio Isso poderia levar o
paciente a um dano pela exposiccedilatildeo a drogas e outros procedimentos sem considerar o seu
histoacuterico Eacute importante que os serviccedilos de sauacutede identifiquem e notifiquem os incidentes que
natildeo atingiram o paciente (near miss) pois esses contribuem para identificar a fragilidade na
assistecircncia que no futuro pode levar a um evento adverso evitaacutevel (O‟KANE et al 2008)
A terceira situaccedilatildeo eacute de um ldquoincidente sem danosrdquo que consiste em um evento que
atingiu o paciente mas natildeo causou dano discerniacutevel (OMS 2009) conforme os relatos
[] Preciso do rapaz da radiografia ldquoTaacute nas outras duas salas Natildeo temrdquo Tem que
esperar (Ed22)
[] teve falha de profissional colheu amostra trocada de paciente [] Ele teve duas
sortes que o sangue que foi era O positivo Passou dois trecircs dias veio outra amostra
do paciente ldquoArdquo positivo Eu falei ldquoNatildeo pode Esse paciente eacuterdquo que a gente tem
um registro ldquoColhe outra amostrardquo ldquoArdquo positivo Amostra foi coletada trocada
[] Isso eacute muito grave Coletou de um identificou de outro (Ei18)
Os incidentes sem dano ocorrem tambeacutem de forma imprevisiacutevel como aquele
relatado de ordem estrutural e o incidente de identificaccedilatildeo errada da amostra de sangue preacute-
transfusional de ordem processual O processo transfusional segundo Souza Oliveira e Teles
(2014) eacute complexo e abrange vaacuterios atores e procedimentos Engloba um conjunto de pontos
criacuteticos em que haacute a efetiva possibilidade de ocorrecircncia de erro E embora haja reaccedilotildees que
derivam de complicaccedilotildees inevitaacuteveis em sua grande maioria essas se devem a erros humanos
e como tal evitaacuteveis (SOUSA et al 2014)
Em relaccedilatildeo ao grupo sanguiacuteneo da primeira amostra o sangue ldquoOrdquo positivo que foi
encaminhado para administraccedilatildeo no paciente era compatiacutevel com o seu grupo sanguiacuteneo ldquoArdquo
positivo identificado posteriormente No entanto cuidados devem ser tomados nesse sentido
pois o erro humano tem sido uma das principais causas de fatalidades relacionadas com
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 134
transfusotildees por incompatibilidade do sistema ABO Essa eacute uma reaccedilatildeo grave do sistema
imunoloacutegico em razatildeo da transfusatildeo de componente sanguiacuteneo cujo grupo eacute diferente e
incompatiacutevel com o do paciente (SOUSA et al 2014) Nos EUA a frequecircncia de mortes
evitaacuteveis por transfusatildeo atribuiacutedas agrave falha na identificaccedilatildeo da amostra de sangue preacute-
transfusional da unidade de sangue ou do destinataacuterio varia de 1600000 a 1800000
transfusotildees (KROMBACH et al 2002)
Por fim a quarta possibilidade de um incidente e talvez a mais complexa pelo
desfecho final eacute o incidente com dano tambeacutem denominado evento adverso (WHO 2009) O
primeiro caso dessa quarta possibilidade de incidente foi marcante para o conjunto dos
profissionais do hospital em estudo sendo relatado por vaacuterios deles
Um rapaz veio fazer apendicectomia e parece que deu defeito no carrinho de
anestesia [] ficou sem ventilar muito tempo e fez uma hipoxemia grave Morte
cerebral Uma apendicite em fase um que faz todo dia e ele morreu [] o
anestesista natildeo fez o checklist do aparelho [] Jornal e televisatildeo Anestesista
afastado Confusatildeo Da pior forma possiacutevel (Ei20)
Um paciente veio operar apendicite Parece que o carrinho de anestesia estava com
problema Uma chave que devia estar virada e natildeo estava O paciente foi a oacutebito []
Eacute triste A gente imagina que naquele lugar podia estar um amigo um familiar Foi
uma fatalidade Abala [ecircnfase] (Ed31)
[] homem de 32 anos veio para o bloco com apendicite agrave noite Quem fez a
anestesia ao inveacutes de conectar o oxigecircnio e ar comprimido soacute fez a conexatildeo do ar
comprimido [] teve um dano neuroloacutegico irreversiacutevel [] foi para o CTI Como
as janelas natildeo eram teladas o paciente teve uma miiacutease [] Ao contraacuterio do CTI que
teve cuidado com o bloco de natildeo dizer que foi uma falha do anestesista foi o oposto
com o CTI [] Queriam ver quem era o culpado O CTI tinha um problema de aacuterea
fiacutesica jaacute notificada agrave diretoria mas naquele momento natildeo tinha como resolver e a
equipe do bloco foi muito dura Foi uma decepccedilatildeo a maneira como foi tratado o
caso Para nenhum profissional eacute agradaacutevel o erro mas eacute complicado resolver erros
procurando culpado sem olhar o entorno o processo de trabalho [] (Ei25)
Tivemos um caso que foi um evento seriacutessimo [] paciente operado de apendicite
relativamente simples e teve um problema na oxigenaccedilatildeo durante o procedimento
[] evoluiu com uma hipoacutexia transoperatoacuteria [] natildeo se identificou o motivo dessa
baixa oxigenaccedilatildeo [] Teve uma internaccedilatildeo prolongada em CTI vindo a falecer []
foi um marco negativo a gente tenta sempre aprender [] foi feita revisatildeo completa
de todos os carrinhos feito uma nova revisatildeo A fabricante do carrinho participou
das avaliaccedilotildees [] Houve substituiccedilatildeo por modelos mais modernos que talvez
evitassem esse problema A gente fica mais atento por causa desse fato foi isolado
mas muito negativo marcante e a gente natildeo quer que aconteccedila de novo (Ed21)
Os relatos mostram um caso com dano irreversiacutevel ao paciente que poderiam ser
evitados com observaccedilatildeo rigorosa de pequenos detalhes e se fosse admitido pelos
profissionais que toda cirurgia implica riscos Os detalhes as causas e as repercussotildees do
incidente com o paciente operado devido a uma apendicite em fase inicial eletiva
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 135
considerado um procedimento simples foram variadas indo do fator humano agrave falha no
equipamento Em um estudo sobre eventos adversos na aacuterea da anestesiologia em hospitais
de Boston a desconexatildeo do circuito respiratoacuterio foi a categoria mais frequente (COOPER
NEWBOWER KITZ 1984) No entanto segundo Fortis (2009) atualmente eacute possiacutevel
avaliar de forma contiacutenua de maneira segura qualitativa e quantitativamente mediante
monitorizaccedilatildeo diversos paracircmetros do equipamento de anestesia e do medicamento como
fluxos pressotildees volumes concentraccedilotildees Tais recursos possibilitam verificar se o
equipamento estaacute cumprindo aquilo para o qual foi programado (FORTIS 2009) Para tanto eacute
necessaacuterio um equipamento anesteacutesico moderno que corresponda agraves exigecircncias normativas e
agrave qualificaccedilatildeo dos profissionais para operacionalizaacute-lo bem como a um ambiente livre de
distraccedilotildees e interrupccedilotildees
O paciente antes da constataccedilatildeo do oacutebito teve um episoacutedio de miiacutease devido agraves maacutes
condiccedilotildees da estrutura fiacutesica (janelas sem telas) do CTI Ressalta-se que haacute mais de 150
espeacutecies de insetos que podem causar miiacutease em humanos suas larvas podem gerar necrose e
destruiccedilatildeo dos tecidos infestados com vaacuterios sintomas dependendo dos locais acometidos e
da intensidade da infestaccedilatildeo (SILVEIRA et al 2015) Este acontecimento aleacutem do dano ao
paciente gerou conflito entre as equipes do CC e do CTI
Apesar do entrevistado dizer que foi um fato isolado e que a lideranccedila e profissionais
trabalharam para que os incidentes natildeo tivessem recidiva o mesmo problema ocorreu com
outra paciente Desta vez foi percebido antes que houvesse uma lesatildeo tatildeo seacuteria mas foi
necessaacuterio tratamento intensivo e portanto classificado como um evento adverso
[] menina de 15 anos com abdome agudo parecia apendicite e o residente me
pediu pra operar com ele Cheguei examinei vi os exames irritaccedilatildeo peritoneal []
No bloco ela foi anestesiada entubada e quando a gente incisou a pele subcutacircnea o
sangue estava muito escuro e tinha uns 5 minutos que tinha sido entubada []
perguntei ao anestesista ldquoO sangue taacute escuro estaacute bem ventiladardquo Parecia um
sangue natildeo oxigenado Ele olhou ela estava sem ser oxigenada No monitor estava
bradicardizando Teve uma parada cardiacuteaca [] massageamos ela voltou [] foi
para o CTI [] natildeo teve nenhuma sequela por sorte Eacute uma sensaccedilatildeo peacutessima para
quem estaacute operando [] para quem taacute anestesiando [] nessa eacutepoca teve um
paciente com sequela neuroloacutegica grave acabou morrendo no CTI porque deixou de
ser ventilado por falha do carrinho de anestesia uma falha na vaacutelvula []
Aconteceu comigo a sorte eacute que a menina natildeo teve sequela Aneuro fez TC de
cracircnio tudo normal Imagina se a menina morre Entrou na cadeira despediu da
matildee na porta do bloco [] Pode acontecer Mas eacute muito doloroso para todo mundo
[] o anestesista falou ldquoNatildeo sei o quecirc que aconteceu entubei a menina Coloquei
pra ventilar ventilou bem O bocal do ventilador natildeo desconectou do tubordquo os gases
que ele usou estavam ok A gente natildeo conseguiu chegar a uma conclusatildeo do que
aconteceu (Ed19)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 136
A comparaccedilatildeo dos episoacutedios leva a algumas reflexotildees Embora no primeiro caso agrave
primeira vista o erro tenha sido do anestesiologista que natildeo manipulou adequadamente o
carrinho de anestesia o cirurgiatildeo daquele procedimento poderia ter percebido a coloraccedilatildeo do
sangue natildeo oxigenado e alertado o anestesiologista assim como o profissional do uacuteltimo caso
(incidente com a menina) o fez Assim evidenciam-se duas questotildees Primeira o incidente
ocorre por fatores sistecircmicos e natildeo individuais Segunda mostra uma contradiccedilatildeo ao ditado
popular que diz que ldquoo raio natildeo cai duas vezes no mesmo lugarrdquo Os erros podem sim
ocorrer mais de uma vez na mesma instituiccedilatildeo ou de forma semelhante ou idecircntica em
diferentes locais Por isso quando haacute a ocorrecircncia de um incidente eacute importante que seja
amplamente discutido com toda a equipe multiprofissional para que todos possam participar
da discussatildeo no sentido de se criar barreiras Tambeacutem eacute importante que uma instituiccedilatildeo
aprenda com as falhas de outras Nesse sentido se natildeo houver um gerenciamento do erro ou
da falha ele se repetiraacute uma vez que o risco natildeo encontraraacute barreiras que impeccedila a ocorrecircncia
de incidentes (REASON 2000)
O risco segundo a WHO (2009) eacute a probabilidade de ocorrecircncia de um incidente ou
seja a probabilidade de um indiviacuteduo sofrer algum dano em razatildeo da exposiccedilatildeo a um perigo
Perigo eacute uma circunstacircncia um agente ou uma accedilatildeo com potencial para provocar danos
(WHO 2009) Para mitigaccedilatildeo de perigos e do risco eacute necessaacuterio analisar a causa raiz dos
incidentes para adotar barreiras eficazes que impeccedilam a reincidecircncia dos incidentes Segundo
Vendramini et al (2010) a anaacutelise da causa raiz envolve uma abordagem baseada em
sistemas que avalie todas as atividades na organizaccedilatildeo contribuindo para a manutenccedilatildeo e a
melhoria da seguranccedila tais como o progresso no desempenho dos processos e a administraccedilatildeo
dos riscos
Assim o efeito borboleta conforma-se tambeacutem no sentido da prevenccedilatildeo aos
incidentes ou seja accedilotildees positivas como a realizaccedilatildeo do checklist do aparelho (barreira) tecircm
potencialidade para prevenir grandes eventos como no primeiro caso citado no qual ocorreu
um dano irreversiacutevel que resultou no oacutebito do paciente operado por uma apendicectomia
Dos participantes da pesquisa apenas um dos profissionais relatou um incidente em
que ele esteve diretamente envolvido e que consistiu em um evento adverso
Eu acho que todo anestesista tem muita intercorrecircncia para contar Agora
intercorrecircncias que geraram oacutebito do paciente assim satildeo raras [com ecircnfase] Mas
eu jaacute tive Eu fiz uma raqui um bloqueio anesteacutesico e o paciente logo depois teve
uma parada fez uma hipotensatildeo muito grande parou e natildeo voltou (Ed17)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 137
Esse evento adverso ocorreu quando o profissional estava ainda na residecircncia Ele natildeo
deu detalhes sobre as possiacuteveis causas mas de certa forma assumiu a responsabilidade e
conta por meio de depoimento que eacute uma situaccedilatildeo difiacutecil de vivenciar O clima no ambiente
de trabalho fica tenso no momento do incidente Os profissionais satildeo acometidos por uma
miscelacircnea de sentimentos como consternaccedilatildeo e preocupaccedilatildeo aleacutem de alguns ficarem sem
accedilatildeo apavorados e em estado de choque com choro inconsolaacutevel e outros tecircm o humor
alterado chegando a agredir os colegas verbalmente conforme relatos a seguir O oacutebito
principalmente decorrente de um incidente eacute o desfecho mais dramaacutetico traacutegico
Considerando-se ainda que esses incidentes ocorrem em um hospital referecircncia para
urgecircncias e emergecircncias onde o morrer eacute um acontecimento frequente e tratado com mais
naturalidade que em outros setores da rede intra-hospitalar ou extramuros do hospital
Diferente do meacutedico do CTI que todo dia tem um oacutebito [] O meacutedico que trabalha
com resgate na estrada chega e a pessoa estaacute morta Isso eacute mais comum Na
anestesia isso eacute incomum graccedilas a Deus As pessoas podem pensar o contraacuterio
anestesia eacute um negoacutecio perigoso demais entatildeo deve morrer gente toda hora natildeo
[] passa meses e meses sem acontecer um caso desses [] intercorrecircncias menores
o paciente parar de respirar ter que acudir rapidamente momentos estressantes isso
eacute comum Toda hora (Ed17)
Foi peacutessimo Eacute uma cirurgia que 999 das vezes a alta eacute no dia seguinte [] a natildeo
ser quando eacute uma apendicite complicada Mas no caso dele era uma apendicite em
fase inicial e tem um resultado traacutegico Os profissionais envolvidos ficaram
extremamente consternados preocupados Eacute Muito chateados (Ed21)
Um anestesista preparou as drogas para uma intubaccedilatildeo Pediu para o teacutecnico de
enfermagem administrar o que era de responsabilidade dela [ecircnfase] [] Aramim
que era dois mL mandou fazer a seringa inteira [] a pressatildeo da paciente foi a
duzentos e sessenta [] Ela ficou louca a meacutedica quando viu que a menina tinha
feito tudo Mandou fazer o antagonista [] deu um grito [com ecircnfase] com a
teacutecnica A teacutecnica ficou mais apavorada do que ela Foi um caos total A menina
ficou em choque foi substituiacuteda [] comeccedilou a chorar E natildeo parava Eacute uma
menina nova com pouca experiecircncia Primeiro emprego (Ed26)
Nas situaccedilotildees de incidentes em sala ciruacutergica nota-se um ldquocaosrdquo conforme
mencionado por Ed26 Por se tratar de um incidente imprevisiacutevel o equiliacutebrio entre razatildeo
para agir e tomar as decisotildees e a tranquilidade para isso eacute instaacutevel e subjetivo de profissional
para profissional Esse (des) equiliacutebrio em meio ao caos provocado pelo incidente eacute um
desafio para todos os profissionais envolvidos principalmente para aqueles com pouca
experiecircncia como no caso da circulante envolvida em seu primeiro emprego
Um estudo com o objetivo de identificar os sentimentos dos profissionais de
enfermagem frente aos erros de medicaccedilatildeo tambeacutem mostrou diversos sentimentos como
pacircnico desespero preocupaccedilatildeo culpa vergonha medo e inseguranccedila causando instabilidade
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 138
pessoal e profissional e tambeacutem omissatildeo dos episoacutedios (SANTOS et al 2007) Esses
sentimentos interferiram na assistecircncia e perduraram na lembranccedila dos profissionais
associados ao medo de errar novamente Contudo os participantes do estudo reconheceram o
valor dessa experiecircncia para seu aprendizado e a importacircncia de transformaacute-la em estrateacutegias
pessoais de prevenccedilatildeo para evitar novos erros (SANTOS et al 2007)
Enfim pelos dados desta pesquisa somados ao incidente sem dano relatado a seguir
foi possiacutevel perceber que geralmente um incidente ocorre a partir de pequenas accedilotildees ou de
um conjunto de pequenas accedilotildees ou acontecimentos gerando um efeito borboleta E quando
ocorrem haacute uma desestabilizaccedilatildeo da ordem e o caos impera no ambiente
O dia que entornou mais de dois litros de formol dentro do bloco [] Noacutes alisamos
cabelo sem querer [risos] Foi um caos [ecircnfase] Um caos Paciente dentro de sala
entubada [] eacute um evento que sai completamente do nosso controle Pode acontecer
Qualquer hora qualquer local [] todo dia a gente coloca material dentro do formol
no bloco mas a partir desse evento a gente tomou mais cuidado e outras condutas
para administrar esse material (Ed26)
Teve um derramamento de formol no bloco [] a peccedila era muito grande um
intestino inteiro rompeu o plaacutestico A gente estaacute providenciando vasilhames
maiores [] O bloco veio aqui porque a gente tem a FISC que eacute a ficha de
seguranccedila de cada reagente e laacute ele indica o que fazer [] teve cinco atestados de
funcionaacuterios porque eles iam para outro emprego [] Um acidente que acontece
tem que ter uma coisa errado o que O volume daquilo dentro daquele plaacutestico natildeo
comportava [] Isso deve ser discutido na SIPA do hospital onde se discute todos
os acidentes com os envolvidos [] tentaram terminar a cirurgia ou dar andamento
e depois foi esvaziado e a seguranccedila do trabalho acompanha [] (Ei24)
O caso mostra que situaccedilotildees simples como a incompatibilidade do tamanho da peccedila
anatocircmica com o recipiente geram incidentes de forma imprevista Nessa situaccedilatildeo estava
sendo atendido um paciente proveniente de Onda Vermelha na sala de emergecircncia desviando
a atenccedilatildeo dos profissionais desse atendimento pois o cheiro do formol se espalhou por todo o
CC e os profissionais colocaram maacutescaras de proteccedilatildeo N95 (especiacutefica para tuberculose)
Essa desordem presente nesta parte do sistema (sala operatoacuteria) resultou em transtorno
em todo o CC Repercutiu tambeacutem no laboratoacuterio que foi acionado por que possuiacuteam uma
ficha que descreve as accedilotildees apoacutes algum acidente com produto quiacutemico e tambeacutem por ser o
setor que encaminha as peccedilas anatocircmicas para a empresa terceirizada responsaacutevel pela anaacutelise
do material O setor de seguranccedila do trabalho tambeacutem foi envolvido para abordar os
profissionais presentes no incidente Percebe-se que as partes satildeo constituiacutedas e conectadas
por diferentes atores humanos (pacienteprofissionais) e natildeo humanos (formol plaacutestico para
colocar a peccedila anatocircmica retirada do paciente ficha de descriccedilatildeo de accedilotildees poacutes-acidente com
produto quiacutemico) Percebe-se tambeacutem que alguns incidentes ocorrem de forma imprevisiacutevel
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 139
mesmo em accedilotildees realizadas rotineiramente Ou seja um efeito borboleta pode mudar o
cotidiano de trabalho do CC
Por outro lado essa desordem fez com que os profissionais fizessem revisatildeo dos
processos mesmo aqueles rotineiros para alcanccedilarem uma organizaccedilatildeo Eacute possiacutevel afirmar
que haacute uma riqueza na desordem na casualidade e na complexidade ou seja essas situaccedilotildees
oportunizam aprendizado e mudanccedila nos processos de trabalho O sistema encontra sempre
meios para sair do caos por meio de mudanccedilas integraccedilatildeo e organizaccedilatildeo ocorrendo de forma
dinacircmica e proporcionando crescimento e flexibilidade
Enfim os relatos dos profissionais e a metaacutefora do bater de asas de uma borboleta
escolhida para esta subcategoria onde uma pequena accedilatildeo pode transformar todo um processo
mostraram que a complexidade dos incidentes e o caos proveniente deles potencializam a
transformaccedilatildeo dos processos de trabalho Aleacutem disso contribuiacuteram para a abordagem frente
aos incidentes podendo profissionais pacientes e seus familiares se posicionarem dentro do
contexto nunca linear e do caos ocorrido quando do incidente
424 Abordagem institucional frente aos incidentes efeitos da cultura organizacional
O engenheiro erra a terra mostra O meacutedico erra e a terra encobre (Ed12)
O que mais preocupa natildeo eacute o grito dos violentos dos corruptos desonestos dos sem
eacutetica O que mais preocupa eacute o silecircncio dos bons (MARTIN LUTHER KING)
Esta subcategoria busca conhecer a forma com que os profissionais do hospital em
estudo lidam com os incidentes que ocorrem na instituiccedilatildeo Ou seja a percepccedilatildeo sobre os
incidentes bem como a realizaccedilatildeo de notificaccedilotildees discussatildeo treinamentos tratamento e
divulgaccedilatildeo dos incidentes no sentido de possibilitar o aprendizado e o redesenho de todo o
processo de trabalho por meio do ocorrido Perpassando pelo acompanhamento dos familiares
e pacientes que estiveram envolvidos em uma situaccedilatildeo indesejada
Essas reflexotildees ajudaratildeo a entender como se configura no hospital em estudo a
complexa e imprecisa cultura organizacional Segundo Morin (2000) haacute uma relaccedilatildeo triaacutedica
entre indiviacuteduosociedadeespeacutecie Os indiviacuteduos satildeo produtos da reproduccedilatildeo da espeacutecie
humana que acontece por meio de dois indiviacuteduos As conexotildees entre os indiviacuteduos produzem
a sociedade que assiste o nascimento da cultura e que retroage sobre os indiviacuteduos pela
cultura Assim ldquo[] eacute a cultura e a sociedade que garantem a realizaccedilatildeo dos indiviacuteduos e satildeo
as interaccedilotildees entre indiviacuteduos que permitem a perpetuaccedilatildeo da cultura e a auto-organizaccedilatildeo da
sociedaderdquo (MORIN 2000 p 55)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 140
A cultura de uma organizaccedilatildeo pode ser um grande empecilho para qualquer mudanccedila
significativa mas tambeacutem pode ser uma importante arma na batalha contiacutenua pela seguranccedila
(VICENT 2009) assim eacute imprescindiacutevel uma poliacutetica institucional de seguranccedila instituiacuteda
pela lideranccedila para promoccedilatildeo de uma cultura de seguranccedila A cultura de seguranccedila se insere
no campo do pensamento complexo sendo difiacutecil de mensurar e deve ser refletida de forma
multidimensional considerando o todo e as partes como um tecido uacutenico que forma o
cotidiano de trabalho no hospital e fomenta a propagaccedilatildeo da seguranccedila institucional ao longo
do tempo A cultura interfere na assistecircncia desde a admissatildeo ateacute a alta do paciente bem
como influencia na perenidade da confianccedila seguranccedila e reputaccedilatildeo institucional
Mesmo com tantos incidentes relatados no CC em estudo na subcategoria anterior
ainda haacute um mito de que o erro natildeo acontece Eacute algo que estaacute longe no noticiaacuterio dos
telejornais Ou se acontece foi em outro plantatildeo em outra especialidade em outra sala
operatoacuteria na qual o profissional faz questatildeo de natildeo estar presente
No meu plantatildeo pelo menos natildeo [] A gente ouve falar assim na televisatildeo essas
coisas [] (Ei14)
Na cirurgia X [nome da especialidade] em nenhum momento aconteceu
[incidentes] Nas outras cliacutenicas eu natildeo estou nas salas pra saber (Ed16)
O reconhecimento dos riscos institucionais e da falibilidade humana satildeo um dos
principais pilares de uma cultura de seguranccedila fortalecida madura natildeo sendo identificado no
hospital em estudo Essa tendecircncia agrave negaccedilatildeo pode advir da cultura punitiva que impera ainda
nos serviccedilos de sauacutede de uma forma geral principalmente nos hospitais em que ainda
prevalece o poder pelo saber-fazer e a questatildeo hieraacuterquica tem forccedila no cotidiano entre os
profissionais de sauacutede
A baixa percepccedilatildeo da ocorrecircncia de incidentes pode advir tambeacutem do foco do
procedimento ciruacutergico ser a cura da doenccedila Por isso haacute a necessidade de estar ausente do
cenaacuterio em que ocorreu um incidente Tambeacutem por questotildees oacutebvias da tensatildeo gerada e que
desde a formaccedilatildeo o discurso eacute de que os profissionais da sauacutede natildeo podem errar Nesse
sentido segundo Morin (2003) a universidade eacute conservadora por memorizar e ritualizar
uma heranccedila cultural de saberes ideias valores eacute regeneradora por reexaminar atualizar e
transmitir essa heranccedila e eacute geradora de saberes ideias e valores que passam entatildeo a fazer
parte da heranccedila (MORIN 2003) A heranccedila acadecircmica nega que o erro vem de longos
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 141
tempos perpetuando no cotidiano de trabalho nos dias atuais sendo necessaacuterio repensar esse
discurso enraizado
Haacute tambeacutem um paradoxo do silecircncio versus ruiacutedos transmitidos pela ldquoraacutedio peatildeordquo
quando algo indesejaacutevel ocorre na assistecircncia ciruacutergica ao paciente Os comentaacuterios sobre o
incidente ocorrido tanto perpassam entre os profissionais mascarados de um segredo quanto
ficam enterrados em um silecircncio ensurdecedor
Quando acontece [incidente] natildeo eacute divulgado [com ecircnfase] Ningueacutem conta
ldquoOperei o lado erradordquo ldquoDeixei uma compressa na barriga do pacienterdquo A coisa
fica no grupinho que viu que participou e que sabe (Ed16)
O plantatildeo da noite foi passando pra gente do dia mas ficou aquela coisa Oh
aconteceu isso issordquo ldquoNossardquo ldquoMas aiacute natildeo fica comentando (Ed31)
Eu costumo brincar que o meacutedico o cirurgiatildeo tem uma vantagem muito grande
sobre o engenheiro ldquoO engenheiro erra a terra mostra O meacutedico erra e a terra
encobrerdquo [risos] [] O engenheiro faz uma casa torta todo mundo vecirc Se o paciente
morreu a terra vai encobrir (risos) [] (Ed12)
A expressatildeo ldquoO engenheiro erra a terra mostra O meacutedico erra e a terra encobrerdquo
denota algo da cultura de ocultaccedilatildeo e subnotificaccedilatildeo do erro A citaccedilatildeo de Martin Luther
King no inicio desta subcategoria expressa os malefiacutecios do silecircncio dos profissionais diante
dos incidentes sendo algo preocupante por natildeo trazer melhoria aos processos de trabalho
Pode ser que esse silecircncio seja resultado de um rumor constante de milhotildees de vozes na
sociedade que nega a falibilidade humana principalmente do profissional de sauacutede Fernandes
e Queiroacutes (2011) confirmam que haacute evidecircncias de um paradigma da ocultaccedilatildeo e puniccedilatildeo do
erro No estudo desses autores os enfermeiros relataram que quando notificam um incidente
eles mesmos se tornam o centro da atenccedilatildeo e natildeo o incidente (FERNANDES QUEIROacuteS
2011) Esse comportamento de imputar culpa tambeacutem ocorre na instituiccedilatildeo em estudo
conforme a seguir
[] o pessoal ficou meio olhando assim pra ele [faz um barulho de leatildeo] ldquoAh vocecirc
foi culpadordquo Sabe Ficou um clima bem chato (Ed8)
Dizem que errar eacute humano mas mais humano ainda eacute apontar um culpado Eacute um
ditado popular que vai ao encontro da situaccedilatildeo de ocorrecircncia de um erro na assistecircncia agrave
sauacutede Erro pela classificaccedilatildeo da OMS eacute uma falha natildeo intencional na execuccedilatildeo de um plano
de accedilatildeo conforme esperado ou a sua execuccedilatildeo de forma incorreta Ocorre tanto por fazer a
coisa errada (erro de accedilatildeo) quanto por falhar em fazer a coisa certa (erro de omissatildeo) no
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 142
momento de planejar ou executar (WHO 2009) Apoacutes um erro as pessoas fazem julgamentos
raacutepidos e acusam quem estaacute mais obviamente relacionado agravequela ocorrecircncia Isso revela o que
estaacute por traacutes nos bastidores do incidente Os fatores reais e toda a complexidade do incidente
satildeo desvelados somente apoacutes investigaccedilotildees cuidadosas e detalhadas (VICENT 2009) Esse
tipo de julgamento raacutepido eacute tiacutepico tambeacutem da miacutedia que rompe o silecircncio institucional
promovido e arraigado na cultura organizacional Isso ocorre principalmente no caso de erros
graves e que geraram a morte de pacientes
Todo mundo soube O Super [jornal sensacionalista] soube [] Aiacute natildeo teve como
[incidente foi grave com oacutebito] (Ed11)
No Brasil nos uacuteltimos tempos assistiu-se agrave exposiccedilatildeo dos profissionais da linha de
frente na miacutedia principalmente por meio da acusaccedilatildeo de profissionais de enfermagem pelos
erros decorridos da assistecircncia Segundo Wachter (2010) a miacutedia eacute vista por muitos como um
mecanismo favoraacutevel por garantir a responsabilizaccedilatildeo levar os profissionais a reforccedilarem
regras e garantirem os recursos necessaacuterios para melhoria da qualidade De fato segundo o
autor eacute difiacutecil encontrar serviccedilos de sauacutede tatildeo energizados quanto aqueles que tiveram
expostos os seus erros na miacutedia e satildeo vaacuterios os exemplos que turbinados por erros
midiaacuteticos reforccedilaram a seguranccedila institucional (WACHTER 2010)
No entanto a exposiccedilatildeo na miacutedia pode levar tambeacutem ao medo institucional e
individual estimulando ainda mais a atmosfera de silecircncio aumentando tambeacutem as chances
de natildeo discutir e aprender com os erros ocorridos (WACHTER 2010) Aleacutem disso a
exposiccedilatildeo na miacutedia ocorre por vezes de forma desnecessaacuteria ou incoerente envergonhando
publicamente os profissionais e destruindo suas carreiras Por outro lado essas notiacutecias
midiaacuteticas sobre erros geram tambeacutem uma seacuterie de discussotildees positivas no paiacutes com foco
sobre a formaccedilatildeo dos profissionais e condiccedilotildees de trabalho
Aleacutem de achar um culpado haacute na fala dos profissionais do estudo a necessidade
talvez predominante ainda de puniccedilatildeo Existe ateacute mesmo uma indignaccedilatildeo de natildeo se ver
alguma penalidade sendo para eles um recurso de prevenccedilatildeo da recorrecircncia do incidente
sendo que os que buscam culpados podem estar envolvidos em incidentes no futuro Por outro
lado o medo da accedilatildeo judicial prejudica o diaacutelogo sobre incidentes
Falha acontece mas aiacute tem de punir a pessoa [] errar eacute humano mas dependendo
natildeo pode ter aquele erro [ecircnfase] Porque eacute vida neacute Tem de ter uma puniccedilatildeo sim
Uma advertecircncia Alguma coisa para natildeo acontecer de novo (Ei14)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 143
Nunca vi ningueacutem ser mandado embora [com ecircnfase] ou receber uma advertecircncia
uma suspensatildeo por nada que aconteceu com o paciente [] deveria ser levado ateacute
mesmo se acontecer uma coisa muito grave [com ecircnfase] aos oacutergatildeos cabiacuteveis Uma
coisa que natildeo acontece (Ei15)
O medo da responsabilizaccedilatildeo penal dificulta o diaacutelogo para saber [] para tentar
evitar e melhorar e mudar alguma poliacutetica (Ed17)
[] a famiacutelia entrou com accedilatildeo judicial [] parece que tinha meacutedico na famiacutelia
entatildeo assim foi um caso muito complicado [] (Ei1)
Pela experiecircncia dos profissionais as medidas disciplinares inclusive o acionamento
da justiccedila satildeo pequenas frente agraves ocorrecircncias de erros e incidentes sendo dependente do
conhecimento das famiacutelias sobre seus direitos Na sauacutede muitos erros envolvem lapsos que
satildeo falhas nos comportamentos automaacuteticos que podem atingir os profissionais mais
competentes e experientes Os lapsos natildeo satildeo intencionais e natildeo podem ser prevenidos pelo
medo de accedilotildees judiciais aleacutem de que os profissionais da linha de frente natildeo satildeo realmente os
culpados pois satildeo apenas os uacuteltimos da linha em uma longa cadeia de erros (WACHTER
2010) Entre os muacuteltiplos problemas complexos da aacuterea de seguranccedila do paciente nenhum eacute
mais difiacutecil do que o equiliacutebrio entre a abordagem sistecircmica da ldquonatildeo culpabilidade e a
necessidade de responsabilizaccedilatildeo (individual administrativo e organizacional) (WACHTER
2010)
Ainda que esteja correto o princiacutepio basilar da seguranccedila do paciente qual seja que
os erros envolvem sistemas disfuncionais em vez de maus profissionais percebe-se tambeacutem
que a responsabilizaccedilatildeo eacute um atributo fundamental de um sistema seguro Isso para que se
tenha credibilidade entre os profissionais e populaccedilatildeo frente agrave ocorrecircncia de accedilotildees inseguras
como por exemplo erros cometidos por profissionais embriagados habitualmente
descuidados ou que natildeo seguem normas baacutesicas (WACHTER 2010)
Aleacutem disso as agecircncias regulatoacuterias e o legislativo podem avaliar a abordagem da
ldquonatildeo culpabilidaderdquo como comportamento corporativista e natildeo como uma estrateacutegia para
trabalhar as causas raiz da maioria dos erros Se chegarem a essa conclusatildeo poderatildeo interferir
mais sobre a praacutetica da sauacutede utilizando penas duras frequentemente politizadas dos
sistemas juriacutedico regulatoacuterio e de pagamentos (WACHTER PRONOVOST 2009) Assim
James Reason citado por Wachter (2010) diz que eacute necessaacuteria uma cultura justa para se
desenvolver um ambiente de confianccedila no qual os profissionais sejam estimulados e
recompensados por agirem com foco na seguranccedila mas que tambeacutem esteja claro o limite
entre o comportamento aceitaacutevel e o inaceitaacutevel para garantir a seguranccedila dos pacientes
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 144
Haacute uma diferenciaccedilatildeo na visatildeo e na forma de abordar o erro dependendo da categoria
profissional Isto eacute fortemente influenciado segundo os profissionais pelo corporativismo
profissional e pelo saber-fazer
O meacutedico nunca erra [] Essa eacute a visatildeo deles [] Acho que eacute o saber neacute Como
ele estaacute laacute no topo Estudou mais ou continua estudando ele acha ldquoSou superiorrdquo
Em conhecimento ele eacute superior sim [com ecircnfase] (Ed12)
[] os meacutedicos satildeo o que eu queria que a enfermagem fosse unida Erros meacutedicos
se a gente natildeo vecirc natildeo sabe o assunto morreu ali [ecircnfase] Natildeo eacute como a gente
ldquoNossa Fizeram isso issordquo natildeo Eles natildeo tecircm isso (Ed11)
Se um teacutecnico faz coisa errada eacute chamado atenccedilatildeo se o enfermeiro cometer qualquer
falha a supervisatildeo eacute acionada [ecircnfase] Isso tambeacutem deveria acontecer com os
meacutedicos e natildeo acontece [ecircnfase] [] meacutedicos acham que mandam que sabem tudo
que satildeo deuses neacute (Ei15)
Essa discrepacircncia nas abordagens disciplinares segundo Wachter (2013) tambeacutem
ocorre nos EUA onde haacute dois pesos e duas medidas Os hospitais satildeo treinados em cultura
justa mas evitam disciplinar principalmente os meacutedicos Esses satildeo autocircnomos e podem
mudar de hospital natildeo sendo atrativo para a direccedilatildeo aplicar alguma penalidade em funccedilatildeo do
seu comportamento e praacutetica O resultado disso eacute uma cultura de natildeo responsabilizaccedilatildeo dos
meacutedicos mesmo em hospitais com medidas disciplinares para enfermeiros (WACHTER
2013)
Aleacutem da forma de lidar com o erro ser diferente dependendo da categoria profissional
haacute uma disputa para encontrar o culpado entre os diferentes profissionais
[] carrinho de anestesia natildeo estava funcionando e o paciente teve sequelas No
empurra-empurra de culpados a corda sempre arrebenta do lado mais fraco Soacute que a
gente mostrou que o responsaacutevel era x [] [O anestesista disse] que foi o teacutecnico
que natildeo observou mas o responsaacutevel eacute o anestesista [] durante a cirurgia se ele
tem que ir ao banheiro ele pede a gente pra observar mas ele estava na sala e natildeo
notou o mau funcionamento Quando chegou outro anestesista e notou A gente
achou que era problema do equipamento mas depois viu que natildeo O dispositivo que
libera ou natildeo o oxigecircnio estava desligado O anestesista natildeo ligou (Ed13)
Inicialmente caiu tudo em cima da engenharia hospitalar E aiacute conseguiu comprovar
isso [que a falha natildeo foi no equipamento] a diretoria entrou no meio [] (Ei1)
Haacute um jogo de responsabilidades no enfrentamento dos incidentes influenciado pelas
diferenccedilas nas categorias e funccedilotildees Aleacutem disso os atores natildeo humanos tambeacutem influenciam
nas relaccedilotildees interprofissionais Os cirurgiotildees e anestesistas comandam as tecnologias duras
como o carrinho de anestesia e o bisturi enquanto os demais profissionais satildeo responsaacuteveis
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 145
por auxiliar no uso dos natildeo humanos ou mantecirc-los em funcionamento como no caso da
engenharia hospitalar Na ocorrecircncia do incidente a relaccedilatildeo que se estabelece eacute fortemente
influenciada pelas diferenccedilas dadas entre as funccedilotildees e pelos elevados gradientes de hierarquia
entre as categorias profissionais Segundo Wachter (2013) os gradientes de hierarquia entre
profissionais satildeo caracteriacutesticos da cultura presente nos serviccedilos de sauacutede e versam na
distacircncia psicoloacutegica entre o colaborador e o seu supervisor
No caso relatado por Ed13 o anestesista tinha uma posiccedilatildeo hieraacuterquica culturalmente
maior ficando numa relaccedilatildeo assimeacutetrica com o teacutecnico de enfermagem e com o profissional
da engenharia hospitalar Percebe-se que os gradientes de hierarquia estatildeo presentes natildeo
somente entre os profissionais que atuam diretamente na assistecircncia ao paciente ciruacutergico
mas tambeacutem na relaccedilatildeo destes com os que atuam indiretamente Eacute desprezado de certa forma
um saber-fazer das accedilotildees indiretas mas que pode auxiliar na prevenccedilatildeo e mitigaccedilatildeo de
incidentes na assistecircncia direta ao paciente
Tudo isso faz com que instintivamente os profissionais tenham um comportamento
defensivo no que se refere a relatar e discutir a ocorrecircncia de incidentes e erros em seu
trabalho dado o medo de puniccedilatildeo
[o caso] da anestesia da paciente que operou e faleceu na mesa A primeira coisa que
o ortopedista do outro lado fez foi levantar a matildeo ldquoEu natildeo fiz nadardquo Com medo da
gente da anestesia culpaacute-lo de alguma coisa [] (Ed17)
Defender-se se isentando da responsabilidade por algum ato tambeacutem eacute humano
Segundo Keatings et al (2006) isso eacute histoacuterico devido agrave cultura de imputar culpa fazendo
com que os profissionais se posicionem instintivamente de forma relutante e defensiva
Ademais este comportamento pode advir da atmosfera social vivenciada desde crianccedila das
penalidades exageradas quando o erro era evidenciado e da falta de diaacutelogo que foi sendo
cultivada na sua educaccedilatildeo Inclua-se tambeacutem o fato de ser difiacutecil para um profissional que
dedicou tanto para sua atuaccedilatildeo profissional vivenciar uma situaccedilatildeo que ele aprendeu que era
inconcebiacutevel para um bom profissional dando a entender que quando erra eacute sinocircnimo de natildeo
ser bom profissional Vivenciar um incidente no qual se foi agrave uacuteltima barreira para evitar o erro
eacute ldquoum negoacutecio muito solitaacuteriordquo
Na hora do evento adverso entra gente ajuda e tal mas na hora de assumir a
complicaccedilatildeo aiacute eacute sempre um negoacutecio muito solitaacuterio [] quando eu vi eu era
residente ainda estava soacute eu e meu preceptor Desapareceu todo mundo [com
ecircnfase] (Ed17)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 146
Conforme relatado por Ed17 e tambeacutem Vicent (2009) afirma que o erro eacute vivenciado
em dramaacutetica solidatildeo Desse erro pode resultar processo penal censura expliacutecita ou
silenciosa da sociedade e dos pares (MARTINS FRAGATA 2014) Nesse sentido eacute
necessaacuterio o acompanhamento do profissional sendo este considerado a segunda viacutetima que
vivencia com grande sofrimento o ocorrido
Para o profissional ele jaacute estava cumprindo aviso preacutevio [] foi um negoacutecio ateacute
difiacutecil de abordar [] ele acabou carregando esse peso para onde quer que tenha
ido As pessoas se conhecem de outros hospitais e a gente tem de vez em quando
notiacutecia que realmente foi um trauma muito grande (Ed21)
Ela teve o apoio da supervisatildeo de enfermagem Na hora tentamos acalmaacute-la porque
estava em estado de choque Natildeo tinha a menor [ecircnfase] condiccedilatildeo de escutar que ela
natildeo pode administrar uma droga que outra pessoa prepara [] no outro dia eacute que
chamamos para conversar [] Foi bom ter acontecido ela eacute nova receacutem-formada e
a orientamos [] Todo mundo perguntou para ela e para os outros colegas querendo
saber o que tinha acontecido Foi um clima muito ruim pra ela Todo mundo falando
pelos corredores [] (Ed26)
A expressatildeo de Ed21 ldquofoi um trauma muito granderdquo se referindo ao profissional
diretamente envolvido no incidente mostra que a ocorrecircncia de incidentes gera um impacto
negativo pessoal e profissional segundo Mira et al (2015) os profissionais satildeo a segunda
vitima do incidente ocorrido Os eventos adversos podem causar ansiedade insocircnia perda de
confianccedila e concentraccedilatildeo no trabalho sentimento de derrota depressatildeo anguacutestia e outros
sintomas nervosos foram respostas comuns de profissionais que estavam na linha de frente na
ocorrecircncia de erros (VICENT 2009 MIRA et al 2015) Contudo segundo Vicent (2009)
uma pequena proporccedilatildeo dos erros eacute muito traumaacutetica para os profissionais Um erro se torna
traumaacutetico quando o desfecho ou seja a consequecircncia para o paciente e famiacutelia eacute grave
quando haacute raiva ou anguacutestia do paciente ou famiacutelia se o erro for resultado de uma conduta em
desacordo claro com os padrotildees recomentados depende da reaccedilatildeo dos colegas de trabalho
seja de apoio ou criacutetica falta de apoio da famiacutelia e dos amigos e se o profissional for muito
autocriacutetico (VICENT 2009) Independente se foi muito ou pouco traumaacutetico para o
profissional eacute necessaacuterio que este seja acompanhado por profissionais que o ajudem a superar
os traumas Poreacutem segundo Mira et al (2015) a maioria raramente recebe qualquer
treinamento ou educaccedilatildeo sobre estrateacutegias de enfrentamento para este fenocircmeno incluindo o
apoio necessaacuterio para lidar com a tarefa de contar os pacientes e familiares sobre o evento
adverso ocorrido
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 147
No entanto eacute necessaacuterio revelar e acompanhar os pacientes e familiares envolvidos em
situaccedilotildees indesejaacuteveis provocados pela assistecircncia agrave sauacutede A comunicaccedilatildeo dos incidentes
ocorridos aos pacientes e famiacutelias (disclosure) eacute considerada um dos pilares para promoccedilatildeo da
cultura de seguranccedila mas eacute um processo que exige muito treinamento e a participaccedilatildeo de
outros profissionais principalmente da psicologia
O paciente foi levado pro CTI teve uma atenccedilatildeo diferenciada principalmente no
suporte psicoloacutegico agrave famiacutelia A psicoacuteloga [] deu o celular dela pra famiacutelia [] a
relaccedilatildeo ficou muito interessante a famiacutelia teve atenccedilatildeo direto Foi um caso que foi
realmente cercado pra minimizar o que jaacute estava muito ruim pra natildeo ficar pior []
A diretoria com a psicologia presente [contaram para a famiacutelia sobre o incidente]
[] Eu particularmente natildeo participei dessa conversa (Ed21)
O sofrimento vivenciado tanto pelos profissionais quanto pelos pacientes e familiares
apoacutes um incidente eacute ainda maior se este incidente tiver como draacutestico resultado a morte Haacute
como esperado e relatado nos discursos dos sujeitos desta pesquisa e na literatura um grande
sofrimento Contudo mesmo sendo obrigatoacuterio moral e eticamente revelar os erros eacute algo
pouco realizado devido agrave incerteza sobre como os pacientes ndash e familiares ndash reagiratildeo bem
como devido ao receio das medidas disciplinares e legais (HOBGOOD et al 2005
GARBUTT et al 2007) Aleacutem de que eacute uma situaccedilatildeo muito difiacutecil para a qual em geral haacute
pouca orientaccedilatildeo ou treinamento (VICENT 2009) e natildeo eacute um tema abordado durante a
formaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede No estudo de Belela et al (2010) realizado em um
hospital de Satildeo Paulo em 2008 dos 110 erros de medicaccedilatildeo notificados 958 natildeo foram
informados aos pacientes e familiares Natildeo revelar o ocorrido para quem sofreu o dano eacute
considerado um comportamento desleal para com os pacientes famiacutelias e comunidade aleacutem
de desperdiccedilar valiosa ocasiatildeo para melhorar o cuidado prestado (KEATINGS et al 2006)
Haacute tambeacutem resistecircncia para a realizaccedilatildeo das notificaccedilotildees Isso eacute maior quando o
incidente envolve diferentes categorias profissionais havendo um embate e novamente um
jogo causado tambeacutem pelos diferentes gradientes de hierarquia
O anestesista natildeo queria que abrisse a notificaccedilatildeo do evento adverso (pausa) [] eu
natildeo posso omitir um fato desses Ateacute porque eacute uma coisa que todo mundo viu []
Natildeo soacute por isso mesmo que ningueacutem tivesse visto Eu enquanto profissional
jamais omitiria O erro aconteceu (Ed26)
[] as pessoas ainda natildeo acolheram o evento como oportunidade de revisar processo
e melhorar condiccedilatildeo de trabalho Ainda entendem principalmente quando satildeo de
categorias diferentes o evento adverso como Uma Uma entrega do outro ldquoEstou
denunciando o outrordquo [] (Ei30)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 148
Os dois relatos acima satildeo do mesmo incidente de administraccedilatildeo de medicamento em
que estiveram envolvidos um anestesista e um teacutecnico de enfermagem sendo relatada a
dificuldade e tensatildeo gerada no ato de notificar Segundo Martins e Fragata (2014) os meacutedicos
nunca souberam lidar com o erro por muacuteltiplas razotildees Dentre elas devido agrave cultura
tradicional baseada na perfeiccedilatildeo que condecora modelos infaliacuteveis ignorando a fragilidade da
ciecircncia e o pressuposto de que a partir do erro o conhecimento avanccedila o erro eacute quase sempre
sinocircnimo de negligecircncia ou falha de caraacuteter e por fim devido agraves consequecircncias penais e de
censura dentro e fora da instituiccedilatildeo (MARTINS FRAGATA 2014) Contudo mesmo que
haja profissionais sejam meacutedicos ou natildeo que acham que natildeo erram eles natildeo satildeo
ldquosuperprofissionaisrdquo e tecircm a mesma inclinaccedilatildeo para o erro como qualquer outro ser humano
Assim Morin (2000 p 47) afirma que os seres humanos onde quer que se encontrem ldquo[]
devem reconhecer-se em sua humanidade comum e ao mesmo tempo reconhecer a
diversidade cultural inerente a tudo que eacute humanordquo
A maturidade no quesito notificaccedilatildeo pelos diversos profissionais eacute um processo que
leva tempo e se desenvolve a partir da evoluccedilatildeo da cultura da seguranccedila No entanto haacute casos
que satildeo mais faacuteceis de serem notificados como os incidentes devido agrave queda
[] funciona bem para alguns eventos Outros ainda em construccedilatildeo [] no
primeiro semestre eu tive 16 quedas na ciruacutergica [] os profissionais estatildeo muito
afiados na notificaccedilatildeo Caiu notificam [] para outros eventos isso natildeo eacute tatildeo claro
natildeo eacute tatildeo faacutecil de trabalhar A queda eacute como se natildeo tivesse um culpado quando eacute
um erro de administraccedilatildeo de medicaccedilatildeo eacute como se para aquela situaccedilatildeo tivesse que
eleger um culpado pra notificar (Ei30)
[] nos uacuteltimos tempos as notificaccedilotildees aumentaram em volume e mudaram de
perfil Antes era muito mais a equipe de enfermagem que notificava agora estaacute
equilibrando com a equipe meacutedica e as outras categorias (Ei23)
Os profissionais de enfermagem sempre foram os que mais notificaram Segundo
Garbutt et al (2007) as barreiras para que os meacutedicos notifiquem vecircm da cultura da
autonomia profissional a qual enfatizou ao longo do tempo a responsabilidade individual
pelos resultados da assistecircncia aos pacientes
Haacute maior facilidade em notificar alguns casos que outros por exemplo os incidentes
por queda mencionado por Ei30 e tambeacutem por Souza et al (2014) Essa facilidade eacute devido
ao pensamento de que a queda natildeo tem um responsaacutevel direto ou talvez que foi ldquoculpardquo do
paciente ou do familiar que estava o acompanhando
No processo de maturidade do sistema de notificaccedilatildeo a qualidade das notificaccedilotildees foi
citada pelos profissionais Foram realizados diversos treinamentos pelo setor de qualidade
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 149
com o objetivo de disseminar o uso do formulaacuterio de notificaccedilatildeo mas muitos profissionais
afirmam que natildeo o conhecem
Foram realizados vaacuterios treinamentos referentes agrave notificaccedilatildeo de evento adverso []
A gente queria que notificassem mas depois que comeccedilou a gente viu que natildeo
estava legal [] eu natildeo divulgo natildeo faccedilo discussatildeo do perfil e iacutendice das
notificaccedilotildees por que natildeo tenho fidedignidade dos dados [] tem muita dificuldade
com a qualidade dos relatos (Ei23)
Vi um dia um meacutedico fazer uma notificaccedilatildeo de uma enfermeira e a enfermeira fazer
a notificaccedilatildeo do mesmo meacutedico Em dois computadores e salas diferentes Isso eacute
briguinha pessoal natildeo eacute pra ser notificado (Ed16)
Notificou no prontuaacuterio [] formulaacuterio especiacutefico de notificaccedilatildeo adversa estou
sabendo que existe agora que vocecirc estaacute me falando [] (Ed19)
Nunca usei [formulaacuterio de notificaccedilatildeo] [] Por natildeo precisar E se um dia precisar
vou saber natildeo Vou ter que pedir algueacutem pra me mostrar (Ed31)
Todos conhecem [formulaacuterio de notificaccedilatildeo] Atualmente as notificaccedilotildees estatildeo mais
focadas no cuidado do paciente e natildeo em problemas pessoais ou problemas de
relaccedilatildeo com o chefe ou qualquer pessoa que seja (Ed21)
Interessante que segundo o relato de um entrevistado que ocupa cargo de chefia todos
conhecem a metodologia de notificaccedilatildeo mas muitos profissionais nem sabiam da existecircncia
de um formulaacuterio proacuteprio para notificaccedilatildeo No estudo de Garbutt et al (2007) 40 dos
sujeitos da pesquisa tambeacutem natildeo sabiam se em sua instituiccedilatildeo havia um sistema de
notificaccedilatildeo e 9 disseram que natildeo estava disponiacutevel mesmo tendo o sistema na instituiccedilatildeo
Para Ed21 a qualidade das notificaccedilotildees jaacute ultrapassou as falhas iniciais mas segundo
outros profissionais muitas notificaccedilotildees realizadas natildeo tecircm o menor sentido satildeo questotildees de
cunho pessoal por maacute relaccedilatildeo interprofissional ou pequenas questotildees que natildeo configuram um
incidente Percebe-se assim uma necessidade de alinhamento conceitual entre os diversos
profissionais aleacutem de treinamento com foco na qualidade das notificaccedilotildees A falta de dados
fidedignos e qualidade das notificaccedilotildees podem ser devido agrave cultura organizacional que indica
ldquo[] uma poderosa influecircncia das forccedilas sociais para moldar o comportamentordquo (VICENT
2009 p 101) refletindo o comprometimento dos profissionais desde a notificaccedilatildeo ateacute a
prevenccedilatildeo e mitigaccedilatildeo de incidentes
A falta de qualidade dos dados segundo os profissionais tem gerado a natildeo divulgaccedilatildeo
de estatiacutesticas de incidentes Parece ser uma justificativa plausiacutevel no sentido de natildeo propagar
uma informaccedilatildeo incompleta Poreacutem indica imaturidade organizacional e falhas no sistema de
notificaccedilatildeo de incidentes Uma das principais falhas no sistema de notificaccedilatildeo de incidentes
do hospital para os profissionais eacute a metodologia escolhida de natildeo identificar o notificador
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 150
Aqui vocecirc faz uma notificaccedilatildeo e natildeo precisa se identificar [] Natildeo tem muito
sentido natildeo [] quando eu notifico eu me identifico Eu natildeo estou notificando pra
brincar pra acusar ningueacutem eu estou notificando pra que aquilo natildeo se repita e que
a gente possa corrigir o erro (Ed16)
Existem trecircs principais meacutetodos de se notificar incidentes anocircnimo confidencial e
aberto No meacutetodo anocircnimo natildeo se identifica o profissional isso encoraja a notificaccedilatildeo mas
natildeo permite o acompanhamento uma vez que natildeo eacute possiacutevel responder agraves questotildees surgidas
com a investigaccedilatildeo Nas notificaccedilotildees confidenciais o nome do notificador eacute conhecido mas
protegido pela instituiccedilatildeo exceto em caso de maacute conduta ou ato criminoso quando eacute revelado
para as autoridades cabiacuteveis Esse meacutetodo permite que possam ser realizados questionamentos
ao autor da notificaccedilatildeo Por fim nos sistemas de notificaccedilatildeo abertos todos os profissionais e
locais de atuaccedilatildeo satildeo publicamente identificados Esses raramente satildeo usados na sauacutede pois
haacute grande possibilidade de publicidade indesejada e acusaccedilatildeo (WACHTER 2013)
No hospital em estudo o formulaacuterio de notificaccedilatildeo fica disponiacutevel na intranet e os
profissionais acessam voluntariamente Segundo Lorenzini Santi e Baacuteo (2014) a notificaccedilatildeo
voluntaacuteria eacute o procedimento mais empregado para detectar incidentes No entanto tem-se
como limitaccedilatildeo a subnotificaccedilatildeo devido a limitaccedilotildees de tempo a falta de sistemas de
informaccedilatildeo apropriados o receio de litiacutegio a resistecircncia em relatar os proacuteprios erros a falta
de conhecimento sobre a importacircncia dos incidentes e a falta de mudanccedilas apoacutes a notificaccedilatildeo
(LORENZINI SANTI BAacuteO 2014) Aleacutem disso os sistemas voluntaacuterios natildeo podem ser
utilizados de forma isolada para avaliar taxas de erros Eacute necessaacuterio lanccedilar matildeo de outras
teacutecnicas que possibilitem identificar erros e situaccedilotildees de risco como busca em prontuaacuterio e
trigger tool (identificaccedilatildeo de elementos rastreadores que podem dar pistas de que tenha
ocorrido um incidente) Por outro lado o meacutetodo voluntaacuterio de comunicaccedilatildeo eacute o mais uacutetil
para a induccedilatildeo de alteraccedilotildees comportamentais (LORENZINI SANTI BAacuteO 2014)
As notificaccedilotildees realizadas pelos profissionais do hospital em estudo vatildeo para o e-mail
do setor de qualidade sendo separados e enviados para a chefia do local em que ocorreu o
incidente para que este responda agrave notificaccedilatildeo Quando eacute algo grave o setor de qualidade e
muitas vezes a proacutepria diretoria trabalham juntos com a chefia na investigaccedilatildeo do incidente
Em vaacuterios relatos sobre o tratamento dos incidentes principalmente os graves a participaccedilatildeo
da diretoria foi mencionada pelos profissionais evidenciando a importacircncia dada pelos
sujeitos sobre o comportamento da lideranccedila O liacuteder eacute o modelo a ser seguido eacute este que
influencia o desenvolvimento de comportamentos valores e crenccedilas dos colaboradores da
instituiccedilatildeo fortalecendo ou natildeo a cultura organizacional (YAFANG 2011)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 151
Observou-se outra falha do sistema de notificaccedilatildeo que eacute a ausecircncia de discussatildeo
multiprofissional sobre os incidentes ocorridos por medo da culpabilizaccedilatildeo embora alguns
profissionais em cargo de lideranccedila tenham afirmado que se tecircm discutido os casos graves
[] era pra ter mais diaacutelogo [] para a pessoa ter liberdade ateacute de pensar em
hipoacuteteses do evento adverso pra tentar melhorar a assistecircncia Natildeo pra punir Mas
uma coisa puxa a outra [] eacute difiacutecil a pessoa abordar esse tema sem se expor sem
gerar provas aquele princiacutepio da justiccedila que ningueacutem eacute obrigado a gerar prova
contra vocecirc mesmo [] quando acontece um evento adverso tem que ter mecanismo
para driblar isso tudo porque esses eventos adversos fazem a equipe crescer (Ed17)
A gente passa no corredor eacute possiacutevel ve-los falando com o preceptor e o preceptor
puxando a orelha [risos] [] Quando eacute com a gente eacute discutido chamado pra
reuniatildeo conversa com a pessoa depois abre reuniatildeo pra natildeo acontecer de novo A
supervisatildeo [de enfermagem] fica mais em cima [] de meacutedico quando acontece
algum erro [] natildeo eacute aberto com a gente (Ed8)
Teve umas notificaccedilotildees graves num passado recente [] que a gente conseguiu
apresentar de uma forma tranquila [] conseguiu um espaccedilo pra discutir Apesar
das pessoas ainda ficarem na defensiva [] infelizmente a gente ainda natildeo
conseguiu partir para os encaminhamentos Todo mundo viu todo mundo ficou
chocado com o que aconteceu a gente conseguiu discutir [] mas noacutes natildeo
conseguimos encaminhar accedilotildees concretas [] Mas jaacute foi um ganho pelo menos a
gente conseguiu discutir Porque isso eacute uma coisa assim ldquoNoacute isso natildeo pode nem
sair daquirdquo (Ei23)
Os profissionais de sauacutede satildeo instados a discutir com os colegas os erros para que o
evento possa ser analisado e sua recorrecircncia evitada mas muitas vezes tal iniciativa se ateacutem
agrave discussatildeo informal entre os colegas (GARBUTT et al 2007) A ausecircncia de discussatildeo
multiprofissional seja diante de um incidente ou mesmo no planejamento da assistecircncia ao
paciente eacute um forte paradigma a ser superado na cultura dos serviccedilos de sauacutede Isso soacute
fortalece a conhecida distacircncia que existe entre o que se sabe em teoria nas diversas
disciplinas e o que se aplica no cotidiano (know-do gap) que eacute complexo e ocorre pelo
conjunto de accedilotildees dos diversos profissionais Segundo Garbutt et al (2007) a disposiccedilatildeo dos
meacutedicos para relatar discutir com colegas e pacientes os erros eacute ameaccedilada pelo medo de
litiacutegios e preocupaccedilatildeo em manchar a reputaccedilatildeo profissional
A falta de discussatildeo aberta na equipe multiprofissional pode resultar tambeacutem no
desconhecimento dos profissionais sobre o desfecho final dos incidentes Natildeo haacute um retorno
para quem notificou e natildeo haacute divulgaccedilatildeo para os demais colaboradores visando o redesenho
dos processos de trabalho como pode ser constatado nos relatos a seguir
Isso foi notificado deu processo mas nunca mais ouvi falar Natildeo sei que rumo
levou (Ed4)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 152
Eu jaacute fiz formulaacuterios [de notificaccedilatildeo de eventos adversos] e jaacute enviei nunca recebi
nunca obtive resposta [] nunca a minha chefe chegou e falou ldquoOlha chegou uma
resposta sobre uma notificaccedilatildeordquo (Ei15)
Acho que o processo judicial permaneceu o fim que [gaguejo] teve natildeo sei A
diretoria entrou no meio e tudo mas natildeo sei qual a conclusatildeo [] depois natildeo me
interessou mais e eles natildeo iam passar informaccedilatildeo [] cabia eu provar que natildeo foi
falha do equipamento e graccedilas a Deus eu consegui (Ei1)
Haacute um sigilo sobre as investigaccedilotildees do incidente seja no niacutevel local no hospital seja
quando haacute alguma accedilatildeo judicial A transparecircncia requerida para uma cultura de seguranccedila
forte ainda natildeo eacute norma no hospital em estudo e nas instituiccedilotildees de sauacutede em geral De certa
forma os profissionais se sentem ateacute aliviados por terem saiacutedo da discussatildeo do caso Aleacutem da
falta de discussatildeo e feedback das notificaccedilotildees natildeo haacute treinamento para todos os profissionais
apoacutes a ocorrecircncia do incidente
E a situaccedilatildeo foi levada inclusive pra diretoria que me chamou pra saber o que tinha
acontecido [] Natildeo foi feito treinamento com a equipe (Ed26)
[] depois desse acontecido toda vez eu olho pra chave (pausa) [] Ficou marcado
Vou lembrar sempre Nunca um paciente entra na minha sala que eu natildeo confiro
essa chavinha no carrinho [] No dia tinha uma anestesista que estava comigo na
sala [] Ela me mostrou falou ldquoessa chave aquirdquo E me explicou o funcionamento
que eu natildeo sabia [] Natildeo Que me chamasse pra treinamento natildeo Eu comentei
com a anestesista e ela me explicou me mostrou [] Ningueacutem [dos colegas
tiveram aquele treinamento em serviccedilo] Acho que natildeo (pausa) (Ed31)
No incidente do paciente que veio a oacutebito devido a um lapso do profissional natildeo ter se
atentado para uma vaacutelvula do oxigecircnio no carrinho de anestesia pelos depoimentos somente
um profissional movido pela curiosidade recebeu ldquotreinamentordquo mesmo que informal dentro
da sala ciruacutergica Eacute necessaacuterio que frente aos incidentes ocorridos se realize accedilotildees educativas
abrangentes para promover a capacitaccedilatildeo e o aperfeiccediloamento dos profissionais que atuam
direta e indiretamente na assistecircncia ciruacutergica com vistas agrave melhoria sistecircmica dos processos
de trabalho Assim mais atenccedilatildeo precisa ser dada agrave qualificaccedilatildeo dos atores humanos uma vez
que segundo Vicente (2009) as falhas teacutecnicas ndash dos atores natildeo humanos ndash embora possam
ser importantes exercem geralmente um papel secundaacuterio na ocorrecircncia do incidente
Apesar de ainda natildeo fazer parte da rotina os profissionais acreditam apesar das
diversas barreiras que a discussatildeo tanto poacutes-ocorrecircncia de um incidente quanto discussotildees
cientiacuteficas e administrativas minimizaria diversos problemas
Muitas coisas pequenas que acontecem podiam ser resolvido se fosse mais
discutido [] Seria oacutetimo Mas natildeo eacute discutido (Ed8)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 153
Natildeo tem corrida de leito com todos os cirurgiotildees [] soacute de cada preceptor com o
residente Quando a gente tem aula com o residente eacute porque eles pediram um tema
especiacutefico natildeo existe um programa Reuniatildeo cientiacutefica discussatildeo em equipe faz
muita falta [] Taacute faltando essa parte acadecircmica Natildeo basta eu querer o S1
[coordenador meacutedico] ou qualquer outro querer fazer Tem que ser determinado pela
coordenaccedilatildeo junto com a diretoria [] eacute uma falha e eu acho que aumentaria a
seguranccedila na assistecircncia (Ed19)
Na correria do dia a dia essas coisas vatildeo sendo deixadas pra traacutes [] Imagina
querer que uma pessoa saia de outro emprego pra vir aqui numa reuniatildeo eacute difiacutecil O
ideal eacute que fosse dentro da carga horaacuteria mas a gente tem falta de pessoal [] Mas
tudo eacute uma questatildeo de prioridade se a prioridade for qualidade entatildeo tem que ter
gente discutindo isso no horaacuterio de trabalho neacute (Ed17)
As causas citadas pelos profissionais sobre a ausecircncia de reuniotildees ateacute mesmo para
discussatildeo de aspectos fundamentais para a praacutetica multiprofissional foram muacuteltiplas mas
todas as causas satildeo devido agrave falta de prioridade na qualidade Isso eacute uma responsabilidade da
lideranccedila Ateacute mesmo a comissatildeo de morbimortalidade que eacute obrigatoacuteria legalmente natildeo tem
funcionado efetivamente no hospital E quando funcionava era cercada de discussotildees natildeo
produtivas revelando uma cultura organizacional ainda imatura
A discussatildeo de morbi mortalidade de um ano e meio para caacute natildeo existe [] a gente
pegava um caso para discutir dava muita briga [] Os cirurgiotildees brigam muito
[ecircnfase] entre eles A gente natildeo fazia uma reuniatildeo fazia um ringue (risos) [] vocecirc
chama todos os sujeitos envolvidos no caso aiacute o meacutedico briga com a enfermeira a
enfermeira com a fisioterapeuta A gente estava criando inimizades natildeo haacute
maturidade para discutir o caso (Ed19)
Eacute necessaacuterio que haja uma comissatildeo em permanente funcionamento para revisatildeo de
oacutebitos nas instituiccedilotildees hospitalares de ensino (BRASIL 2007) Compete agrave essa comissatildeo a
avaliaccedilatildeo de todos os oacutebitos ocorridos devendo ainda manter estreita relaccedilatildeo com a comissatildeo
de eacutetica meacutedica do hospital com a qual deveratildeo ser discutidos os resultados das avaliaccedilotildees
(BRASIL 1993) A comissatildeo de revisatildeo de oacutebito aleacutem de obrigaccedilatildeo legal eacute um mecanismo
fundamental para garantia da qualidade e seguranccedila sendo que o trabalho realizado mesmo
retrospectivamente tem grande potencial de promover a correccedilatildeo e o aprimoramento de
deficiecircncias ocorridas na assistecircncia ao paciente No entanto eacute um local de disputa de
desentendimento dos profissionais na discussatildeo dos casos Nesse sentido segundo Morin
(2005 p 50) ldquo[] o drama das comissotildees eacute que elas satildeo compostas de mentes notaacuteveis
individualmente poreacutem a originalidade delas faz com que se anulem umas agraves outrasrdquo
A ausecircncia de conclusatildeo dos casos e consequentemente de melhorias pode causar
falta de interesse levando ateacute mesmo os profissionais que notificavam a pararem de notificar
Os casos ficam ldquoenterradosrdquo no passado ldquoFoi um casordquo entre outros
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 154
[] uma notificaccedilatildeo o bloco afirma que enviou um apecircndice de uma paciente No
livro do anaacutetomo patoloacutegico do bloco taacute laacute paciente fulano apecircndice horaacuterio e a
assinatura por exemplo Maria e eu natildeo tenho ningueacutem chamada Maria Inclusive
eu faccedilo controle de assinatura dos meus funcionaacuterios [] tudo leva a crer que a peccedila
natildeo veio [] Ateacute o momento natildeo [foi identificado o que aconteceu] [] Agora laacute
[no setor de Qualidade] eu natildeo sei como tem sido a apuraccedilatildeo [] a Qualidade se
achar alguma coisa grave vai cobrar o andamento ldquoProcurou o outro setorrdquo Nesse
caso eu nem procurei Todos os indiacutecios eacute que eu natildeo recebi Entatildeo eu nem sei se
foi retirado [o processo de investigaccedilatildeo] se natildeo foi eu natildeo sei (Ei24)
[] jaacute preenchi formulaacuterio de evento adverso por alguns motivos casos cancelados
falta de sala [] pra mim eacute um Um grande evento adverso Insuficiecircncia do bloco
ciruacutergico evento adverso Falta de anestesista evento adverso Soacute que natildeo mudou
nada Entatildeo Eu parei de preencher Porque eu gastava mais tempo [] Nenhum
[feedback das notificaccedilotildees] (Ed22)
O retorno da notificaccedilatildeo para o notificador eacute um fator de sucesso para a perenidade de
um sistema efetivo de notificaccedilatildeo de incidentes Caso natildeo seja realizado todo o esforccedilo de
implantaccedilatildeo gera falta de credibilidade e abandono pelo profissional Nesse sentido segundo
Vicent (2009) quando de fato se investiga um incidente essa anaacutelise reforccedila o respeito
necessaacuterio aos profissionais de sauacutede e aos seres humanos em geral pois ldquo[] impressionante
natildeo eacute o nuacutemero de erros que ocorrem mas sim dadas as numerosas oportunidade de
confusatildeo como tudo vai bem tatildeo frequentementerdquo (VICENT 2009 p 110)
Se por um lado existe falta de conclusatildeo dos incidentes de outro se tem dificuldade
em analisaacute-los Haacute um constrangimento do profissional em responsabilizar o colega pois ele
se coloca em seu lugar em um contexto que a falibidade humana eacute inerente agrave praacutetica
Eacute desagradaacutevel estar numa comissatildeo de sindicacircncia discutir o erro do colega um
erro que vocecirc jaacute poderia ter feito que natildeo teve culpa Eacute difiacutecil atribuir culpa quando
se trabalha com possibilidades de evento adverso (Ed17)
[] recebi uma comunicaccedilatildeo de uma notificaccedilatildeo de outro colega que uma paciente
reclamou na ouvidoria que ele a teria desrespeitado Pedindo pra eu apurar Como
Eu natildeo estava no dia A paciente natildeo estaacute mais no hospital Vou conversar com o
colega ele vai falar que natildeo teve nada daquilo Conversei com o teacutecnico de
enfermagem ele falou que natildeo teve (Ed16)
Aleacutem da dificuldade de julgamento haacute tambeacutem barreiras para se procurar o colega
para conversar sendo mais faacutecil perguntar para uma pessoa que possui um niacutevel de hierarquia
profissional inferior Satildeo muacuteltiplas as maneiras e perspectivas de se realizar uma investigaccedilatildeo
dos incidentes e erros ocorridos como jaacute visto na abordagem com foco no indiviacuteduo e na
abordagem com foco no sistema Na primeira as accedilotildees de melhoria satildeo voltadas pra reduzir a
variabilidade indesejada no comportamento humano como exortaccedilotildees cartazes que trazem a
sensaccedilatildeo de medo das pessoas medidas disciplinares ameaccedilas de litiacutegio treinamentos
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 155
medidas voltadas para investigar o culpado e envergonhaacute-lo perante seus pares e sociedade
por meio da miacutedia (REASON 2000) suspensotildees e demissatildeo do trabalho Segundo Reason
(2000) essa abordagem tende a tratar os erros como questotildees morais assumindo que os
mesmos acontecem por meio de profissionais ruins Na abordagem de sistema as
contramedidas partem do pressuposto de que embora natildeo se possa alterar a condiccedilatildeo humana
eacute possiacutevel mudar as condiccedilotildees em que os profissionais trabalham O foco eacute nas barreiras nas
defesas que devem ser construiacutedas no sistema (REASON 2000)
Foi relatado que haacute falta de accedilotildees concretas apoacutes a notificaccedilatildeo dos incidentes no
entanto mesmo sem essa formalizaccedilatildeo alguns incidentes geram mudanccedilas nos processo de
trabalho como pode ser visto a seguir
Paciente com peacute diabeacutetico precisou de cultura para guiar o tratamentono poacutes-
operatoacuterio [] jaacute aconteceu do bloco perder essas amostras e a gente ter que usar
empiacuterico com o espectro maior mais tempo e se natildeo adiantar ter que voltar para o
CC fazer tudo de novo [] teve que comeccedilar a descobrir porque que perdia
Descuido mesmo Agraves vezes separou numa gaze e algueacutem jogou a gaze fora []
colocou no aacutelcool e danificou Pela gente natildeo [notificou] nenhuma vez Eu natildeo sei
se pela CCIH [] como aconteceu uma vez duas trecircs vezes a gente vai atraacutes e
muda uma coisa sem ter feito a notificaccedilatildeo sem ter escrito Mudou o jeito de fazer
passou a colher cinco ao inveacutes de uma [amostra] Natildeo foi porque notificou a gente
chegou a um acordo com a CCIH (Ed32)
Os incidentes principalmente os graves satildeo frequentemente um estiacutemulo para
promover de forma abrangente melhorias na qualidade e seguranccedila (VICENT 2009)
notificados ou natildeo No entanto a mudanccedila sem a notificaccedilatildeo deve levar a uma reflexatildeo do
sistema de notificaccedilatildeo de incidentes da instituiccedilatildeo e do papel do setor de qualidade
responsaacutevel em promover o desenvolvimento de uma cultura voltada para a seguranccedila
Contudo alguns profissionais elencaram formas positivas de tratamento dos incidentes
e de mudanccedilas realizadas apoacutes algumas notificaccedilotildees como se vecirc nos fragmentos a seguir
Esse caso foi discutido na diretoria [] eles conduziram de uma maneira muito boa
A notificaccedilatildeo da miiacutease teve [] a gente melhorou muitas coisas as janelas foram
teladas a engenharia participou desse processo de mudar a aacuterea fiacutesica para que natildeo
ocorresse mais [] Foi uma discussatildeo interessante A gente conseguiu mudar o
processo que foi o mais importante (Ei25)
[] foram todos [carrinhos de anestesia] mandados pra anaacutelise e voltaram
modificados Trocaram uma vaacutelvula e natildeo tem mais o copo de vidro com a
mangueirinha dentro com oacuteleo pra lubrificar o sistema do manocircmetro (Ed8)
Todo paciente que tem reaccedilatildeo transfusional tem que ser notificado para o banco de
sangue A gente faz rastreabilidade se houve contaminaccedilatildeo se foi sangue errado
sangue trocado [] Tem uma amostra preacute-transfusional depois da reaccedilatildeo tem que
colher outro para fazer os mesmos testes e ver se tem alguma discrepacircncia [] a lei
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 156
pede que o hemoterapeuta decirc resposta agrave equipe meacutedica [] avalia e daacute resposta no
prontuaacuterio do paciente dar uma medicaccedilatildeo preacutevia fazer o sangue dele localizado
[] Esses detalhes ele passa para o meacutedico agir na proacutexima transfusatildeo [] (Ei18)
Para uma gestatildeo operativa da mudanccedila em seguranccedila eacute preciso que exista uma anaacutelise
completa pois eacute no acircmbito cliacutenico que se identificam barreiras e fortalezas para a expansatildeo da
cultura em seguranccedila (QUES MONTORO GONZAacuteLEZ 2010) Nesse sentido a
transformaccedilatildeo do sistema de notificaccedilatildeo de incidentes no hospital em estudo necessita de uma
anaacutelise do cotidiano de trabalho e de reforma do modo dos profissionais olharem os
incidentes Isso depende de outras reformas principalmente da consciecircncia da lideranccedila e da
alta direccedilatildeo para o olhar sistecircmico do erro do incidente havendo interdependecircncia geral dos
modos como se enxerga os problemas dos incidentes seja pelos profissionais que executam a
assistecircncia ciruacutergica direta ou indireta dos pacientes seja pelos liacutederes
Eacute necessaacuterio que o hospital em estudo torne-se resiliente que ininterruptamente
previna detecte mitigue e diminua o perigo (circunstacircncia com potencial de causar dano) e a
ocorrecircncia de incidentes (WHO 2009) Assim a cultura de seguranccedila deve ser constituiacuteda por
(1) cultura justa consenso entre os profissionais no que concerne a comportamentos
aceitaacuteveis e inaceitaacuteveis (2) cultura natildeo punitiva priorizaccedilatildeo da busca das causas dos
incidentes (3) cultura de notificaccedilatildeo privilegie a informaccedilatildeo de incidentes (coleta anaacutelise e
divulgaccedilatildeo) e encoraje as pessoas a falar sobre seus erros e (4) cultura de aprendizagem se a
organizaccedilatildeo constituir uma memoacuteria dos incidentes ela pode direcionar o aprendizado a partir
deles (WHO 2008) Enfim essas reflexotildees mostram que a abordagem institucional frente aos
incidentes e erros eacute influenciada pela cultura organizacional do hospital a qual eacute mais
complexa fluida e dinacircmica do que se pensava
43 Lista de verificaccedilatildeo de seguranccedila ciruacutergica da aparente simplicidade a real
complexidade
A obsessatildeo da simplicidade conduziu a aventura cientiacutefica agraves descobertas
impossiacuteveis de conceber em termos de simplicidade (MORIN 2011 p 60)
A OMS lanccedilou em 2008 a campanha Save Surgery Saves Lives (Cirurgia Segura
Salvam Vidas) e vem recomendando a utilizaccedilatildeo de um conjunto de medidas agrupadas em
um instrumento denominado Lista de Verificaccedilatildeo de Seguranccedila Ciruacutergica ou Checklist de
Cirurgia Segura que deve ser seguido durante a realizaccedilatildeo de uma cirurgia para promover a
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 157
seguranccedila do procedimento Difunde-se que a sua utilizaccedilatildeo eacute simples e raacutepida No entanto
muitas vezes desconsidera-se o contexto complexo de uma sala operatoacuteria na qual haacute uma
equipe multidisciplinar com saberes e interesses diferenciados aleacutem de muacuteltiplas situaccedilotildees
sejam com os materiais ou com o proacuteprio paciente as quais concorrem para a efetiva
aplicaccedilatildeo do checklist Assim o discurso da simplicidade no uso dessa ferramenta tem gerado
um mito teoacuterico de uma facilidade que natildeo procede no ambiente da sala operatoacuteria onde se
utiliza o checklist Isso pode estar interferindo na efetividade de sua utilizaccedilatildeo na praacutetica
Nessa perspectiva esta categoria estaacute subdividida em duas subcategorias a saber
(431) lista de verificaccedilatildeo de seguranccedila ciruacutergica da implantaccedilatildeo aos dias atuais e (432)
melhorias no uso das ferramentas do checklist de cirurgia segura
431 Lista de verificaccedilatildeo de seguranccedila ciruacutergica da implantaccedilatildeo aos dias atuais
[] taacute o quadro [Time Out] laacute mas eles natildeo preenchem [] Eu vejo o quadro como
se fosse um quadro normal como se fosse um reloacutegio pregado na parede (Ei27)
No CC do hospital foi introduzida a partir de 2010 a Lista de Verificaccedilatildeo de
Seguranccedila Ciruacutergica (LVSC) ou checklist com adaptaccedilotildees do modelo preconizado pela OMS
(Anexo II) Esse instrumento estaacute disponiacutevel no prontuaacuterio eletrocircnico do paciente de forma
completa e alguns dos itens de verificaccedilatildeo contidos no checklist foram dispostos em um
quadro denominado time out (Anexo III) e afixado na parede de cada uma das seis salas
operatoacuterias do CC para preenchimento durante a realizaccedilatildeo das cirurgias Nas falas dos
profissionais se percebe uma distinccedilatildeo quando se referem a essas duas formas de
apresentaccedilatildeo da LVSC Na maioria das vezes os profissionais referem-se ao checklist como
sendo o instrumento disposto eletronicamente e o time out ao quadro afixado nas salas
ciruacutergicas Ambas as formas tecircm o mesmo propoacutesito que eacute o estabelecimento de itens de
checagem para a promoccedilatildeo da seguranccedila ciruacutergica e estatildeo divididos em trecircs partes antes da
induccedilatildeo anesteacutesica antes da incisatildeo ciruacutergica e antes do paciente sair da sala de operaccedilotildees
A utilizaccedilatildeo de listas e sistemas de verificaccedilatildeo eacute uma praacutetica comum na rotina da
construccedilatildeo civil nas induacutestrias como a de aviaccedilatildeo e a nuclear e tambeacutem na aacuterea financeira
onde alguns investidores tecircm tido sucesso com a ajuda destas ferramentas (GAWANDE
2011 SCHELKUN 2014) Na aacuterea da sauacutede foi recentemente introduzida e por isso tem
merecido investigaccedilotildees de como se tem configurado o seu uso Esta subcategoria descreve o
processo de implantaccedilatildeo do checklist de cirurgia segura no hospital em estudo a escolha do
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 158
profissional condutor e a percepccedilatildeo dos profissionais sobre como se configura o uso dessa
ferramenta no cotidiano do CC nos dias atuais
A implantaccedilatildeo do checklist decorreu da motivaccedilatildeo advinda da realizaccedilatildeo de um curso
e uma visita teacutecnica a um hospital em Satildeo Paulo em dezembro de 2009 pelo entatildeo
coordenador meacutedico da linha de cuidados ciruacutergico demais meacutedicos e diretores do hospital
Eu estava fazendo um curso no hospital Siacuterio Libanecircs e fui conhecer o bloco Na
porta tinha um quadro com os dados [] mecircs a mecircs [] se os pacientes passaram
pelo checklist Aquilo me chamou atenccedilatildeo [com ecircnfase] Eu nunca vi em lugar
nenhum [] tinha uma enfermeira responsaacutevel conversei com ela e achei super
[com ecircnfase] interessante e muitiacutessimo importante [] (Ed16)
[] a diretoria abraccedilou a causa e em Belo Horizonte [este] foi o primeiro hospital a
implantar na iacutentegra o checklist de cirurgia segura (Ei5)
Apesar do aumento do uso de listas de verificaccedilatildeo na aacuterea da sauacutede em todo o mundo
poucos estudos exploraram as experiecircncias de pessoal na utilizaccedilatildeo dessa ferramenta e pouco
se sabe sobre o processo de introduccedilatildeo da ferramenta no ambiente de cuidados de sauacutede
(THOMASSEN et al 2010) Segundo os profissionais o hospital em estudo foi o primeiro de
Belo Horizonte a trabalhar com o checklist de cirurgia segura A conscientizaccedilatildeo sobre a
importacircncia do uso dessa ferramenta pela alta direccedilatildeo e o apoio desta para a sua implantaccedilatildeo
foram fatores criacuteticos de sucesso para o iniacutecio do uso no cotidiano de trabalho do CC em
estudo No estudo de Freitas et al (2014) a decisatildeo da direccedilatildeo de um dos hospitais em
empregar de forma sistemaacutetica e obrigatoacuteria o checklist nas cirurgias tambeacutem influenciou
positivamente na sua maior adesatildeo quando comparado com o outro hospital da pesquisa em
que a implantaccedilatildeo foi voluntaacuteria e negociada por uma equipe especiacutefica Outro estudo
tambeacutem reconheceu que seria muito difiacutecil implementar a lista de verificaccedilatildeo se a chefia natildeo
desse apoio ou se tivesse uma atitude negativa (THOMASSEN et al 2010)
O projeto de implantaccedilatildeo do checklist foi elaborado e posteriormente apresentado
pelo coordenador da linha de cuidados ciruacutergicos em uma reuniatildeo semanal entre a diretoria e
todos os coordenadores assistenciais e administrativos Iniciou-se assim a organizaccedilatildeo e a
execuccedilatildeo da logiacutestica de aplicaccedilatildeo desse instrumento
Dr K coordenador na eacutepoca do bloco foi quem trouxe o checklist e noacutes
implantamos [] ele que escreveu apresentou o projeto ao hospital em uma reuniatildeo
com todos os coordenadores assistenciais e administrativos (Ei10)
[] sentei com a A1 noacutes fomos organizando [] compramos esses quadros [Time
Out] fizemos aquela divisatildeo do que seria interessante e agrave medida que foi passando
fomos aprimorando [] dessa maneira foi implantado (Ed16)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 159
A gente adaptou o checklist agrave nossa realidade foi mudando ele aos poucos ldquoAh eu
acho que a gente tem que melhorar isso melhorar aquilordquo (Ei10)
Pela anaacutelise dos relatos a discussatildeo para a adaptaccedilatildeo inicial do modelo de checklist da
OMS pelo hospital se deu entre o coordenador meacutedico a enfermeira que ficaria responsaacutevel
pela conduccedilatildeo do checklist e profissionais da CCIH uma vez que os itens incluiacutedos em sua
maioria satildeo relativos agrave infecccedilatildeo de siacutetio ciruacutergico e que esse setor eacute bem atuante na
instituiccedilatildeo Os profissionais do setor de qualidade e os representantes de cada uma das
especialidades natildeo participaram do processo de adaptaccedilatildeo
Os estudos sobre a implementaccedilatildeo do checklist verificaram que haacute sempre a
necessidade ajustes agraves caracteriacutesticas de cada realidade e especialidade e tambeacutem adaptaccedilotildees
advindas da administraccedilatildeo institucional (FREITAS et al 2014 DACKIEWICZ et al 2012
ARAUacuteJO OLIVEIRA 2015) No entanto para a realizaccedilatildeo dessas modificaccedilotildees deve-se
envolver uma equipe multidisciplinar que represente as diversas especialidades e categorias
da equipe ciruacutergica e que se reuacutena periodicamente para discussotildees Aleacutem disso as mudanccedilas
no instrumento devem ser validadas pela alta direccedilatildeo pelos profissionais e ainda passar por
um teste piloto para posteriormente se tornar o instrumento definitivo (CONLEY et al
2011) Essas etapas natildeo foram contempladas no hospital o que interferiu na sua implantaccedilatildeo
e principalmente na sua manutenccedilatildeo ao longo do tempo
O checklist preconizado pela OMS possui 19 itens avaliados e validados
cientificamente A adaptaccedilatildeo a este instrumento realizada pelos profissionais que
implantaram o checklist no hospital conformou a adiccedilatildeo de outros 19 itens principalmente
aqueles relacionados agrave infecccedilatildeo ciruacutergica Foram modificadas as descriccedilotildees de alguns itens e
excluiacutedos outros Em alguns dos itens haacute ausecircncia de espaccedilo para checagem servindo apenas
como lembrete para os profissionais Nesse caso a falta de campos de checagem prejudica a
verificaccedilatildeo da adesatildeo agravequeles itens Os itens preconizados pela OMS excluiacutedos mostram uma
percepccedilatildeo diminuiacuteda da importacircncia daquele aspecto para a seguranccedila ciruacutergica Um exemplo
eacute a apresentaccedilatildeo da equipe requisito que foi relatado entre os profissionais como dispensaacutevel
uma vez que todos se conhecem Apenas um profissional disse que a apresentaccedilatildeo faz falta
devido agrave rotatividade dos residentes
A OMS orienta que na adequaccedilatildeo do instrumento sejam incluiacutedos itens segundo a
realidade de cada serviccedilo mas natildeo orienta excluir itens jaacute preconizados (OMS 2009
BURBOS MORRIS 2011) e com evidecircncia cientiacutefica favoraacutevel (HAYNES et al 2009)
Nesse sentido a adaptaccedilatildeo do instrumento utilizado no hospital natildeo considerou essas
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 160
recomendaccedilotildees Faz-se necessaacuteria uma revisatildeo com a participaccedilatildeo do maior nuacutemero possiacutevel
de profissionais da rede intra-hospitalar envolvidos direta ou indiretamente na assistecircncia
ciruacutergica Assunto da proacutexima subcategoria
Apoacutes a reuniatildeo com os coordenadores estes ficaram com a responsabilidade de
repassar as informaccedilotildees do projeto sobre a implantaccedilatildeo do checklist para os demais
colaboradores das respectivas especialidades tendo o papel de multiplicar a proposta Poreacutem
natildeo haacute evidecircncias por meio de atas de reuniatildeo ou listas de presenccedila de encontros para essa
replicaccedilatildeo e natildeo foi realizado um movimento que envolvesse todos os colaboradores na
discussatildeo sobre cirurgia segura
[] ficou do coordenador da ortopedia passar para os ortopedistas A cirurgia
plaacutestica passar para os cirurgiotildees plaacutesticos (Ed16)
[] com os coordenadores essa movimentaccedilatildeo foi feita agora se cada um fez com
sua equipe eu natildeo consigo informar Com os enfermeiros a gente fez nas reuniotildees
de supervisatildeo Com a equipe teacutecnica de enfermagem natildeo me lembro de replicar []
foi mais no dia a dia mesmo [] A gente pecou nisso Natildeo foi orientado o porquecirc
daquilo como que era a finalidade (Ei10)
A gente sempre procura eventualmente tomar uma conduta ou outra pra melhorar a
seguranccedila na cirurgia [] um movimento geral insistente mais incisivo regular
isso natildeo existe Existem accedilotildees pontuais (Ed19)
Tem muita palestra de prevenccedilatildeo de acidente mas cirurgia segura eu nunca vi
(Ed4)
A tarefa de divulgaccedilatildeo da implantaccedilatildeo do checklist foi dada para os coordenadores e
supervisores de enfermagem do CC em reuniotildees especiacuteficas e para os teacutecnicos de
enfermagem do CC de maneira informal no dia a dia de trabalho De acordo com a fala da
maior parte dos profissionais natildeo teve uma campanha visiacutevel natildeo houve um movimento
amplo com o uso de folders banner ou folhetos palestras de sensibilizaccedilatildeo inicial e
abrangente sobre a temaacutetica seguranccedila ciruacutergica e educaccedilatildeo continuada e simulaccedilatildeo do uso
correto do checklist A equipe de implantaccedilatildeo natildeo discutiu os objetivos o significado e a
maneira correta de se utilizar o checklist assim como o quadro de time out para os
profissionais
Um estudo que incluiu cinco hospitais de Washington realizado por Conley et al
(2011) em que foram entrevistados liacutederes de implementaccedilatildeo e cirurgiotildees sobre os processos
de implementaccedilatildeo da lista de verificaccedilatildeo observou que a eficaacutecia da implantaccedilatildeo depende da
capacidade dos liacutederes de explicar o motivo e demostrar o uso do checklist Nos hospitais em
que os esforccedilos foram sistemaacuteticos e houve educaccedilatildeo continuada ocorreu a adesatildeo e o uso
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 161
completo da ferramenta pela equipe ciruacutergica Em outros quando os liacutederes de
implementaccedilatildeo deixaram de explicar e mostrar como a lista de verificaccedilatildeo deve ser usada os
profissionais natildeo entenderam o objetivo o que levou agrave frustraccedilatildeo desinteresse e ateacute mesmo
abandono por parte de um dos hospitais (CONLEY et al 2011)
Assim a contribuiccedilatildeo da lista de verificaccedilatildeo para a seguranccedila ciruacutergica estaacute
diretamente relacionada a sua implementaccedilatildeo e sua execuccedilatildeo Aleacutem da exigecircncia institucional
devem-se ter estrateacutegias de educaccedilatildeo continuada e ainda processos de recrutamento que
identifiquem profissionais comprometidos com o checklist e conscientes da sua importacircncia
para a seguranccedila ciruacutergica (ARAUacuteJO OLIVEIRA 2015)
No Instituto do Cacircncer do Estado de Satildeo Paulo por exemplo foram treinados todos os
enfermeiros teacutecnicos de enfermagem instrumentadores meacutedicos e anestesiologistas para a
implantaccedilatildeo do Protocolo Universal para prevenccedilatildeo do lado errado procedimento errado e
paciente errado da Joint Commission on Accreditation of Healthcare Organizations
(JCAHO) Foram abordados toacutepicos sobre a definiccedilatildeo e o perfil no CC de erro e evento
adverso etapas de implantaccedilatildeo do Protocolo Universal e como preencher o checklist Os
profissionais foram inclusive avaliados por questotildees abertas e fechadas sendo atribuiacutedos
conceitos que os tornavam habilitados ou que devessem realizar novamente o treinamento
(VENDRAMINI et al 2010)
Aleacutem da falta de divulgaccedilatildeo e capacitaccedilatildeo de profissionais do CC os demais setores
que participam da assistecircncia ciruacutergica no preacute e no poacutes-operatoacuterio e os setores que fornecem
insumos ao CC ou seja os profissionais que atuam de forma indireta natildeo foram envolvidos
Natildeo teve uma divulgaccedilatildeo poucas pessoas sabem que eacute implantado no hospital o
checklist da cirurgia segura Foi muito no bloco eles definiram laacute [] natildeo sabemos
como eacute estruturado Aiacute existe uma quebra porque a cirurgia segura natildeo depende soacute
do bloco ela vai muito [com ecircnfase] aleacutem Todos os setores que tem paciente com
possibilidade de realizar cirurgia deveriam ter sido inseridos nesse processo (Ei25)
A sensibilizaccedilatildeo dos outros setores cliacutenica meacutedica ciruacutergica natildeo Essa
movimentaccedilatildeo natildeo foi feita (Ei10)
As falas dos participantes da pesquisa mostram que o checklist foi implantado de
forma pontual no CC natildeo envolveu todos os profissionais que participam da assistecircncia
ciruacutergica seja direta ou indiretamente e assim natildeo foi inserido como parte de uma
reestruturaccedilatildeo de todo o processo da assistecircncia ciruacutergica desde o preacute-operatoacuterio ateacute o poacutes-
operatoacuterio em prol da promoccedilatildeo da seguranccedila ciruacutergica Nesse cenaacuterio os profissionais tanto
os que atuam externamente quanto internamento no CC principalmente os que trabalham no
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 162
periacuteodo noturno ficaram agrave parte do processo e soacute conhecem por ouvirem falar ou
desconhecem totalmente os princiacutepios de uma cirurgia segura
Soacute ouvi falar [sobre Cirurgia Segura] Os acadecircmicos estavam conversando na sala
dos meacutedicos mas eu natildeo fiquei pra poder ver o que era [] (Ei7)
Eu era enfermeira na cliacutenica ciruacutergica no noturno pra ser muito honesta eu natildeo
tinha conhecimento que se trabalhava com cirurgia segura (Ei30)
Apesar de ainda natildeo haver uma discussatildeo sobre accedilotildees para promover a seguranccedila
ciruacutergica os participantes expressaram esse desejo O envolvimento dos profissionais dos
demais setores aleacutem daqueles que atuam no CC seria importante para que estrateacutegias fossem
implementadas em todos os pontos de atenccedilatildeo da rede intra-hospitalar para promoccedilatildeo de uma
cirurgia segura Isso possibilitaria a soluccedilatildeo preacutevia de natildeo conformidades reconhecidas
somente quando se aplica a lista de verificaccedilatildeo com o paciente dentro do CC Assim
defende-se neste estudo a inclusatildeo dos diversos setores nas discussotildees que abordem a
promoccedilatildeo de cirurgias seguras uma vez que cada um deles faz parte e tem sua importacircncia e
responsabilidade dentro da rede intra-hospitalar para promover o sucesso dos procedimentos
ciruacutergicos realizados
A ausecircncia de sensibilizaccedilatildeo capaz de envolver os profissionais desde o iniacutecio do
processo de implantaccedilatildeo do checklist no hospital aleacutem de natildeo favorecer o desenvolvimento
de uma cultura que abarque a mudanccedila acarreta em resistecircncia dos profissionais agravequelas
accedilotildees O enfrentamento dessa resistecircncia com accedilotildees posteriores natildeo conseguiu envolver
naturalmente os profissionais do hospital uma vez que ocorreu de forma reativa apoacutes o
processo ter sido implantado
A resistecircncia maior foi da equipe meacutedica [] aiacute foi feita essa movimentaccedilatildeo mas
posterior agrave implantaccedilatildeo (Ei10)
Depois que apresentamos um trabalho na SBAIT [Sociedade Brasileira de
Atendimento Integrado ao Traumatizado] sobre a cirurgia segura a gente expocircs o
banner muito tempo mas foi uma coisa posterior (Ei10)
Se ele [enfermeiro checklist] for parar eu vou xingar Jaacute perdi uma hora pra poder
comeccedilar a cirurgia e ele ainda vai parar todo mundo pra pode escrever um negoacutecio
no quadro que eu jaacute fiz Natildeo Ele tinha que ter feito isso antes ou entatildeo o bloco
tinha que funcionar bem pra eu poder concordar (Ed22)
A resistecircncia ao uso da lista de verificaccedilatildeo no hospital em estudo ocorreu no iniacutecio da
implantaccedilatildeo e permanece entre os profissionais tanto de maneira explicita como velada
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 163
Muitos profissionais entrevistados apesar de natildeo terem exposto claramente sua resistecircncia agrave
aplicaccedilatildeo do checklist a demonstra nas entrelinhas de seus discursos A resistecircncia eacute um
fenocircmeno relatado por autores como Gawande (2011) As falas dos profissionais mostraram
receio de perder a autonomia e de enrijecer ou atrasar o processo de trabalho que jaacute possui
seus atrasos pela falta de planejamento e organizaccedilatildeo para o iniacutecio de cada cirurgia
Contudo quando os profissionais resistentes entendem a proposta ateacute se tornam
ldquogarotos-propagandardquo ou seja motivadores da adesatildeo dos demais profissionais conforme
ocorreu em um dos hospitais do estudo de Conley et al (2011) O checklist de cirurgia segura
da OMS segue as diretrizes da aviaccedilatildeo se mostrando um instrumento claro e de raacutepida
aplicaccedilatildeo caso seja realizado da forma correta Foi adotado o formato ldquofaccedila-confirmerdquo em
vez do formato ldquoleia-faccedilardquo para dar aos usuaacuterios maior flexibilidade na execuccedilatildeo de suas
tarefas E haacute uma pausa em certos pontos-chave para confirmar a execuccedilatildeo das tarefas mais
importantes (GAWANDE 2011)
A resistecircncia por parte dos cirurgiotildees no hospital desencadeou um processo de
sensibilizaccedilatildeo posterior agrave implantaccedilatildeo A exposiccedilatildeo de um banner apoacutes participaccedilatildeo de
alguns profissionais em um evento cientiacutefico tambeacutem foi uma accedilatildeo posterior agrave implantaccedilatildeo
das ferramentas de time out e checklist Natildeo se deve desconsiderar a importacircncia dos
profissionais que atuam no serviccedilo mostrarem os resultados para o puacuteblico externo em
eventos cientiacuteficos no entanto melhor seria se os profissionais da rede intra-hospitalar
tambeacutem tivessem ciecircncia e participaccedilatildeo nos processos divulgados Fora que esta medida natildeo
divulga a importacircncia e sim os atores envolvidos
A conduccedilatildeo do checklist desde a implantaccedilatildeo no hospital em estudo eacute de
responsabilidade de um enfermeiro contratado especificamente para essa funccedilatildeo no horaacuterio de
07 agraves 16 horas Nesse periacuteodo esse profissional se desloca de uma sala a outra para iniciar e
fechar o preenchimento das ferramentas natildeo conseguindo estar presente durante todo o tempo
do procedimento ciruacutergico Aleacutem disso nos horaacuterios sem a presenccedila desse profissional a
aplicaccedilatildeo dos instrumentos fica sob a responsabilidade do enfermeiro supervisor que muitas
vezes natildeo consegue conduzi-los principalmente no periacuteodo noturno
Durante o dia ele funciona mais porque tem o responsaacutevel mas a noite eacute uma
supervisora soacute pra tudo [ecircnfase] [] eacute inviaacutevel fazer todos os time outs de vaacuterias
cirurgias e ainda ficar responsaacutevel por outras coisas (Ed13)
[] eu tento ficar na sala quando o paciente chega ateacute a induccedilatildeo anesteacutesica Depois
saio porque tem outros time outs [] eu volto pra conferir as questotildees para o
paciente sair da sala contagem das compressas tento olhar os instrumentais a
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 164
identificaccedilatildeo dos anaacutetomos [] Essa uacuteltima parte eacute mais raacutepida vocecirc chega confere
e jaacute fecha o checklist e o time out [] de alguma forma eu tenho que fechar fazer
isso in loco em 100 eacute inviaacutevel (Ed28)
[] estava comeccedilando duas cirurgias ao mesmo tempo qual que ela ia entrar Ela
escolhia uma a outra ficava sem Foi o que ela relatou (Ei23)
[] na medida do possiacutevel ela [enfermeiro do checklist] tenta preencher mas a
gente ainda natildeo atendeu 100 de preenchimento Mas 100 eacute a nossa meta mesmo
pra casos de extrema urgecircncia que eacute o caso da onda (Ed21)
A meta da adesatildeo da aplicaccedilatildeo do instrumento em todas as cirurgias mencionada por
um dos profissionais se contrasta com a metodologia adotada A proposta de se ter uma uacutenica
pessoa responsaacutevel pela conduccedilatildeo na praacutetica natildeo assegurou a aplicaccedilatildeo do checklist em todas
as cirurgias observando-se uma pequena diferenccedila quando se analisa o uso em geral Em uma
anaacutelise realizada neste hospital o preenchimento do checklist foi de 583 do total de
cirurgias (n=24421) realizadas em todas as especialidades nos cinco anos (2010 a 2015)
sendo que nenhum foi completamente preenchido Nos dias uacuteteis de 7 agraves 16 horas quando haacute
a presenccedila de um profissional responsaacutevel pelo checklist foram realizadas 14266 cirurgias e
preenchidos 8148 checklist conferindo uma adesatildeo de 571 (RIBEIRO et al mimeo)
Dentre as orientaccedilotildees da OMS e do Ministeacuterio da Sauacutede ANVISA eacute fator de sucesso
ter um uacutenico profissional na lideranccedila do processo do checklist no complexo cenaacuterio de uma
sala de operaccedilotildees Esse profissional confirmaraacute a realizaccedilatildeo de todas as etapas dessa
ferramenta para assegurar que cada uma delas natildeo seja omitida na pressa de seguir adiante
para a proacutexima fase da operaccedilatildeo (BRASIL 2013b BRASIL 2013c OMS 2009)
Na experiecircncia do Instituto do Cacircncer do Estado de Satildeo Paulo a execuccedilatildeo do
Protocolo Universal da Joint Commission ndash precursor do checklist de cirurgia segura da OMS
ndash natildeo incluiu profissionais adicionais na equipe de enfermagem do CC A estrateacutegia utilizada
foi a designaccedilatildeo na escala diaacuteria de um enfermeiro por sala operatoacuteria que fica responsaacutevel
por garantir a execuccedilatildeo de todas as etapas do protocolo de cirurgia segura (VENDRAMINI et
al 2010) Assim o entendimento eacute de que em cada sala de operaccedilatildeo tenha um condutor do
checklist que acompanhe todas as trecircs fases deste instrumento e natildeo um uacutenico profissional
para a aplicaccedilatildeo dessa ferramenta em todas as cirurgias de todas as salas operatoacuterias do CC
como no hospital em estudo sendo uma concepccedilatildeo errada conforme o relato de uma
participante da pesquisa do setor da qualidade
As falas denotam que essa estrateacutegia natildeo tem conseguido a aplicaccedilatildeo dessas
ferramentas em todos os procedimentos ciruacutergicos pois aleacutem do horaacuterio de trabalho do
profissional especiacutefico ser de oito horas natildeo abarcando todo o funcionamento do CC esse
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 165
profissional ainda tem o horaacuterio de almoccedilo legal para realizar Esse e outros horaacuterios ficam
condicionados agrave disponibilidade dos demais enfermeiros em conduzirem o preenchimento
desse instrumento o que foi relatado que de forma geral natildeo se aplica
Aleacutem disso foi relatado e visto na observaccedilatildeo que esse profissional auxilia na
assistecircncia principalmente na punccedilatildeo de acesso venoso e nas emergecircncias e de alguma
forma eacute acionado na discussatildeo da organizaccedilatildeo da agenda do CC Mostra-se assim que a
funccedilatildeo do enfermeiro do checklist na verdade natildeo eacute tatildeo especiacutefica pois as demais funccedilotildees
em que esse profissional se envolve natildeo satildeo exatamente relacionadas aos itens da lista de
verificaccedilatildeo Isso contribui para que o profissional do checklist natildeo consiga aplicar a
ferramenta adequadamente Como taacutetica esse profissional recorre agrave informaccedilatildeo dos teacutecnicos
de enfermagem para perguntar algo que ocorreu durante a cirurgia em que ele natildeo esteve
presente e com essas informaccedilotildees realiza o fechamento dos instrumentos no sistema jaacute que
natildeo consegue acompanhar as trecircs fases da lista de verificaccedilatildeo em todas as cirurgias por terem
procedimentos concomitantes Isso compromete a seguranccedila ciruacutergica pois natildeo consegue
apreender possiacuteveis incidentes em curso sendo algo apenas cartorial e realizado a posteriori
A despeito da dificuldade do profissional do checklist em estar na sala durante todo o
tempo os profissionais relatam que no iniacutecio da implantaccedilatildeo o time out era preenchido em
todas as cirurgias mas que este quadro natildeo estaacute sendo sempre preenchido atualmente
No comeccedilo anotava Depois o quadro estaacute em branco e a cirurgia acontecendo
(Ed31)
Aqui tem o quadro normalmente tem nome mas nem sempre O resto natildeo preenche
natildeo (Ed32)
Muitas vezes vocecirc passa laacute o quadro taacute em branco ou taacute assim da uacuteltima cirurgia
que algueacutem escreveu [] (Ei15)
Nunca vi em procedimento meu um quadro que natildeo fosse preenchido pelo
enfermeiro [] Preenche uma uacutenica vez antes da induccedilatildeo anesteacutesica A gente vai
perceber o quadro preenchido acho que tem gente que nem percebe [] natildeo eacute uma
coisa que ele divulga pra todo mundo dentro da sala Ateacute porque o quadro eacute grande
Todo mundo pode ler o que estaacute escrito laacute (Ed19)
Os participantes da pesquisa mencionaram que na eacutepoca em que o meacutedico que
implantou o checklist e a enfermeira que foi a primeira responsaacutevel pelo checklist
conduziram esse processo ele funcionava Eacute como se esses profissionais fossem para os
demais respectivamente ldquopairdquo e ldquomatildeerdquo do checklist na instituiccedilatildeo Isso remete ao imprinting
revelado pela etologia (estudo do comportamento animal) e mencionado por Morin (2005)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 166
Quando o passarinho sai do ovo sua matildee passa ao lado e ele a segue O primeiro ser que
passa perto do ovo de onde o passarinho saiu eacute a sua matildee Isso eacute o imprinting ou seja uma
marca original irreversiacutevel que eacute impressa no ceacuterebro (MORIN 2005) No hospital em estudo
o meacutedico e a enfermeira por iniciarem o processo ldquopassaram ao lado do ovordquo os
profissionais tomaram-nos como seu pai e sua matildee e haacute uma ninhada de passarinhos-
profissionais que ainda vivem somente com as recordaccedilotildees daquela eacutepoca Morin (2005) diz
que a invenccedilatildeo aconteceraacute entre aqueles que sofreram menor impacto do imprinting e que
foram considerados como discordantes Esses conseguiratildeo dar continuidade ao processo por
conseguirem inovar o uso da ferramenta de checklist Poreacutem como a implantaccedilatildeo se deu sem
a participaccedilatildeo de todos sem que todos soubessem a importacircncia da ferramenta natildeo houve
discordantes no que diz respeito agrave metodologia ou seja os profissionais apenas seguiram
mas natildeo aprenderam a voar Como o pai e a matildee do checklist natildeo estatildeo mais agrave frente do uso
da ferramenta na praacutetica cotidiana os profissionais perderam a referecircncia e o checklist caiu no
descreacutedito no uso automaacutetico Os profissionais natildeo percebem que o seu uso agrega valor
evita incidentes e proporciona maior seguranccedila agraves cirurgias realizadas
Aleacutem dos relatos da maioria dos profissionais durante a observaccedilatildeo em campo
percebeu-se que na maior parte das cirurgias natildeo haacute preenchimento do quadro de time out e
quando eacute realizado o preenchimento tem sido incompleto e fragmentado O enfermeiro
responsaacutevel entra na sala muitas vezes sem ser percebido pergunta sobre alguns itens para o
paciente outros para o cirurgiatildeo que dependendo de quem seja satildeo incluiacutedos mais ou menos
itens e ao anestesista questiona outros itens Tudo isso de forma fragmentada em momentos
isolados e restritos agravequela pessoa natildeo envolvendo toda a equipe
Alguns participantes disseram que principalmente em cirurgias raacutepidas com tempo
inferior a uma hora o quadro de time out natildeo eacute preenchido A literatura mostra uma relaccedilatildeo
direta entre duraccedilatildeo maior da cirurgia e maior preenchimento do checklist Nas cirurgias mais
longas o fato de envolverem grande nuacutemero de etapas criacuteticas pode ser a justificativa da
maior preocupaccedilatildeo dos profissionais em se utilizar o checklist (FREITAS et al 2014)
A maioria dos profissionais desta pesquisa disse que em cirurgias de urgecircncia e
principalmente de emergecircncia eacute muito difiacutecil preencher o quadro de time out ou aplicar o
checklist Segundo Weiser et al (2010) em situaccedilotildees que exijam uma intervenccedilatildeo urgente
tem havido mesmo a preocupaccedilatildeo de que o uso do checklist iraacute interromper o fluxo de
trabalho e atrasar o tratamento terapecircutico de forma a aumentar o risco para os pacientes
Atrasos satildeo reconhecidos por aumentar o risco no tratamento de apendicite e fraturas
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 167
expostas por exemplo Natildeo obstante esses atrasos satildeo medidos em horas em vez de minutos
e um breve checklist pode evitar erros que satildeo comuns em uma cirurgia de urgecircncia Assim a
hipoacutetese desses autores eacute de que a implementaccedilatildeo do checklist em casos ciruacutergicos urgentes
melhora o cumprimento das normas baacutesicas de cuidados e reduz as taxas de mortalidade e
complicaccedilotildees apoacutes a cirurgia (WEISER et al 2010)
Outro problema identificado foi a permanecircncia de registros no quadro de time out
relativos agrave cirurgia anterior Isso ocorre segundo o responsaacutevel pelo checklist em cirurgias
que se prolongam apoacutes 16 horas quando termina seu expediente Apesar de suas solicitaccedilotildees
nenhum profissional se dispotildee a apagar o quadro quando o paciente sai de sala Isso traz um
descreacutedito para a ferramenta aleacutem de ser um fator gerador de incidentes como a identificaccedilatildeo
do paciente ou procedimento de forma equivocada
Percebeu-se ainda que o profissional responsaacutevel pelo checklist tem valorizado mais o
preenchimento individual no sistema em detrimento do preenchimento do quadro em sala
operatoacuteria envolvendo toda a equipe
[] natildeo eacute feito com a gente Natildeo eacute assim ldquoVamos fazer o time out junto []rdquo
Aquele quadro natildeo eacute preenchido sendo que temos um profissional que fica soacute para o
time out Ele faz no papel a gente natildeo vecirc porque a senha eacute dele ele faz e imprime
[] (Ed11)
[] natildeo estatildeo preenchendo o time out no quadro Preenchem no sistema no quadro
natildeo Eles tecircm falhado nisso Natildeo sei por quecirc Acho que falta mesmo uma
coordenaccedilatildeo atuante no bloco ciruacutergico (Ei5)
Segundo os profissionais a causa do responsaacutevel pelo checklist estar deixando de
preencher o quadro de time out estaacute ligado agrave lideranccedila do CC que natildeo tem cobrado a
aplicaccedilatildeo do instrumento de forma consistente e tambeacutem que a coordenaccedilatildeo constantemente
estaacute sendo mudada Contudo mesmo nos procedimentos ciruacutergicos em que satildeo aplicados os
itens de checagem no quadro de time out eou do checklist observa-se uma discrepacircncia entre
o modo como deveria ser conduzido e a forma com que atualmente tecircm sido aplicadas essas
ferramentas Observou-se uma preocupaccedilatildeo em se registrar mas o registro pelo registro sem
participaccedilatildeo ativa da equipe multiprofissional natildeo alcanccedilaraacute os objetivos que levaratildeo de fato
a uma cirurgia segura
Uma pesquisa realizada na regiatildeo sul do Brasil tambeacutem observou que na maioria das
vezes os itens natildeo foram confirmados verbalmente com a equipe como preconizado pela
OMS e a verificaccedilatildeo ocorreu predominantemente de forma individual e natildeo verbal e
frequentemente foram registrados sem verificaccedilatildeo (MAZIERO et al 2015) No entanto esse
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 168
processo de verificaccedilatildeo dos itens do checklist deve ser interdisciplinar contando com a
participaccedilatildeo de toda a equipe sendo exigida a comunicaccedilatildeo ativa entre todos os profissionais
(VENDRAMINI et al 2010)
O preenchimento sem a verificaccedilatildeo incide em aspectos legais e eacuteticos implicados a
todos os profissionais da equipe ciruacutergica (MAZIERO et al 2015) Mas sobre esse
preenchimento que gera registro de informaccedilotildees do checklist tem-se um contraponto de maacute
interpretaccedilatildeo da metodologia do checklist pelos profissionais que o implantaram tanto na
instituiccedilatildeo em estudo quanto em outros hospitais que o utilizam O checklist natildeo foi
elaborado para se tornar uma informaccedilatildeo registrada Segundo Gawande (2011) natildeo haacute
necessidade de fazer marcas de verificaccedilatildeo no checklist natildeo haacute necessidade de produzir
registros O propoacutesito eacute promover verificaccedilotildees e conversas entre os membros da equipe a fim
de garantir que todas as tarefas sejam executadas e que todos faccedilam o necessaacuterio para obter o
melhor resultado possiacutevel (GAWANDE 2011) Nesse sentido o uso da lista de verificaccedilatildeo no
hospital em estudo perde todo o seu sentido sendo apenas registrado no sistema
informatizado e natildeo impactando portanto na mitigaccedilatildeo e prevenccedilatildeo de incidentes O proacuteprio
profissional do checklist relatou que natildeo se lembra desse instrumento ter impedido algum
erro Por outro lado a informante chave que iniciou o processo relatou em sua entrevista
diversos benefiacutecios com a implantaccedilatildeo do instrumento
Apesar de alguns profissionais considerarem o preenchimento do checklist como um
instrumento para aumentar a organizaccedilatildeo e a seguranccedila do procedimento eles tambeacutem
confessam que muitas vezes quando percebem o quadro o mesmo jaacute se encontra preenchido
sem terem tido participaccedilatildeo Aleacutem disso os profissionais percebem esse instrumento como
algo burocraacutetico sem efeito praacutetico ou ateacute mesmo que o time out eacute como um quadro ou
instrumento qualquer afixado na parede
Eacute bom estar escrito mas natildeo sei se esse seria um grande problema o fato de natildeo
estaacute escrito [] Mas organizaccedilatildeo quanto mais melhor (Ed17)
[] eacute uma questatildeo mais burocraacutetica do que praacutetica (Ed13)
Eacute mais uma coisa burocraacutetica que taacute sendo feita sem nenhuma utilizaccedilatildeo Nenhuma
(Ed16)
[]o quadro estaacute laacute mas eles natildeo preenchem natildeo preenche mais Natildeo preenche
mesmo Entatildeo assim eu vejo o quadro como se fosse um quadro normal um
quadro como se fosse um reloacutegio pregado na parede (Ei27)
Hoje eu natildeo vejo preencher mais [] se preenchesse pelo menos vocecirc tirava
duacutevida saberia o nome do paciente neacute (Ei27)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 169
A comparaccedilatildeo do quadro de time out a um ldquoquadro normalrdquo um ldquoreloacutegiordquo mostra o
quatildeo desvalorizado estaacute o uso desta ferramenta na instituiccedilatildeo em estudo E revela algo da
praacutetica que merece reflexatildeo planejamento e accedilotildees dos gestores do hospital no sentido de
tomarem decisotildees que enfrentem essa percepccedilatildeo desqualificada de um instrumento validado
internacionalmente e nacionalmente Essa desvalorizaccedilatildeo eacute resultado da falta de
conhecimento da importacircncia uma vez que isso natildeo foi trabalhado com os profissionais
Quando nos relatos os profissionais mencionam a importacircncia do uso do checklist
minimizam a funccedilatildeo dessa lista de verificaccedilatildeo reduzindo-a a funccedilatildeo de apenas esclarecer
alguma duacutevida como por exemplo a identificaccedilatildeo do paciente Isso ocorre devido agrave
metodologia e forma de conduccedilatildeo atual A seguir satildeo apresentados relatos de como foi agrave
preparaccedilatildeo dos enfermeiros para aplicarem o checklist de cirurgia segura
Eu acompanhei observei vi fazendo ldquoolha eacute assim assim assadordquo e pronto E aiacute
fiz tambeacutem [] ldquoTem que preencher isso aquirdquo ldquoAh taacute como eacute que eacuterdquo ldquoAh marca
um xisinho assim assimrdquo Foi isso (Ed29)
Conversei um pouco com as enfermeiras e O Dr K pra me inteirar [] A enfermeira
que participou do iniacutecio de todo o processo me passou fontes bibliograacuteficas me
contou um pouco da experiecircncia dela [] Eu fiquei dois dias acompanhando a antiga
enfermeira do checklist [] no terceiro dia ela jaacute subiu pra exercer outra funccedilatildeo e eu
fiquei por conta do checklist [] surgiu algumas duacutevidas eu entrava em contato
com a coordenaccedilatildeo [] um dia ela desceu pra tirar algumas duacutevidas pra fazer as
estatiacutesticas do checklist mas assim o treinamento mesmo eu natildeo cheguei a ter
(Ed28)
Os enfermeiros tanto o responsaacutevel pelo checklist em seu horaacuterio de atuaccedilatildeo quanto
os demais natildeo foram qualificados adequadamente para preencher a lista de verificaccedilatildeo O
treinamento ocorreu informalmente no campo da praacutetica profissional sem um embasamento
teoacuterico sem um entendimento da importacircncia de cada item disposto para verificaccedilatildeo ou
momentos de simulaccedilatildeo da aplicaccedilatildeo Em uma pesquisa realizada com ortopedistas
brasileiros em 2012 por meio de um questionaacuterio sobre o uso do protocolo de cirurgia segura
da OMS dos 502 ortopedistas que responderam o questionaacuterio 653 desconheciam total ou
parcialmente o protocolo e 721 nunca foram treinados para o uso do instrumento (MOTA
FILHO et al 2013) A falta de treinamento especiacutefico e envolvimento de toda a equipe pode
ser um dos motivos para a causa de muitos itens serem negligenciados quando a ferramenta eacute
executada tanto no hospital em estudo quanto em outras realidades
Essa ausecircncia de qualificaccedilatildeo adequada pode tambeacutem por exemplo natildeo ter sanado
uma das preocupaccedilotildees importantes que certamente todos os enfermeiros tiveram a saber a
autonomia do condutor da lista de verificaccedilatildeo
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 170
Eu fiquei muito insegura no sentido de encontrar alguma coisa errada eu tinha
autonomia pra barrar uma cirurgia [] Qual era a autonomia que eu tinha como
enfermeiro do checklist [] tinha muitos meacutedicos que natildeo gostavam de responder
as perguntas Ateacute que isso foi imposto pela diretoria que vestiu a camisa que o
pessoal tinha que me responder gostando ou natildeo E eles comeccedilaram a se acostumar
com isso (Ei10)
A autonomia do liacuteder do checklist eacute fator criacutetico de sucesso para a efetividade do
mesmo Ele deve ter autonomia para impedir que a equipe prossiga para a proacutexima etapa da
cirurgia ateacute que cada uma esteja totalmente resolvida mas com isso pode-se criar uma
relaccedilatildeo antagocircnica com os outros membros da equipe ofendendo-os ou irritando-os
(BRASIL 2013b OMS 2009) Esta relaccedilatildeo pode ser ainda mais significativa sendo um
uacutenico profissional designado para aplicaccedilatildeo do checklist em todas as cirurgias como no
hospital em estudo A fala de Ei10 tambeacutem revela que a diretoria teve que intervir junto aos
profissionais que natildeo gostavam de responder aos questionamentos que apesar de
continuarem natildeo gostando tiveram que fazer por imposiccedilatildeo Desenvolveu-se entatildeo um
processo de obrigatoriedade de cima para baixo e natildeo um processo de convencimento da
importacircncia sobre a seguranccedila ciruacutergica e em relaccedilatildeo agrave apropriaccedilatildeo da metodologia do
checklist
Nesse sentido Gawande (2011) faz um questionamento em seu livro se apesar de
toda a resistecircncia os cirurgiotildees decidirem usar checklist ainda assim eacute importante que o
utilizem mesmo de maacute vontade O autor mesmo responde que importa sim pois o objetivo
final do instrumento natildeo eacute apenas ticar itens o propoacutesito eacute fomentar uma cultura de trabalho
em equipe e de disciplina (GAWANDE 2011)
Nesse sentido eacute primordial a sensibilizaccedilatildeo e o entendimento sobre o impacto que o
uso do checklist tem na praacutetica cotidiana da assistecircncia ciruacutergica Ou seja eacute necessaacuterio fazer
sentido para o proacuteprio profissional responsaacutevel pelo checklist para que ele proacuteprio se
convencendo tenha motivaccedilatildeo na aplicaccedilatildeo e consiga envolver os demais da equipe no uso
conjunto da ferramenta Ademais eacute necessaacuteria para o bom ecircxito da aplicaccedilatildeo da ferramenta
uma conscientizaccedilatildeo da importacircncia pela lideranccedila hospitalar que respaldaraacute o uso cotidiano
[] natildeo preencher na parede [o quadro] porque um dia a secretaacuteria esqueceu de
pedir pincel [] natildeo eacute justificativa a gente tem o almoxarifado que funciona o
tempo todo [] a motivaccedilatildeo de ter um sentido e um porque [] me parece um
preenchimento automaacutetico Cumprir uma tarefa designada (Ei30)
Conscientizaccedilatildeo eacute a palavra-chave se vocecirc natildeo conscientizar a diretoria os
coordenadores os meacutedicos o corpo de enfermagem e o pessoal da limpeza natildeo
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 171
funciona [] Ningueacutem tem nenhuma consciecircncia disso Ningueacutem daacute nenhuma
importacircncia Pura perda de tempo que taacute sendo feito (Ed16)
[] todos conhecem a campanha neacute [tosse] [] acho que falta o engajamento
mesmo de todo mundo pra conseguir que fosse contemplado todos os momentos
assim com toda a equipe (Ed28)
Observou-se que o responsaacutevel pelo checklist o preenche de modo mecanizado e
tambeacutem assim como os demais profissionais ele mesmo natildeo acredita no trabalho que
executa Desenvolve-se entatildeo uma cultura de ausecircncia de credibilidade no uso da ferramenta
no cotidiano de trabalho tanto pelo responsaacutevel pelo preenchimento quanto pelos demais
enfermeiros
Haacute uma falsa ideia por parte das lideranccedilas do hospital e do responsaacutevel pelo checklist
de que todos conhecem a ferramenta Um dos liacutederes afirmou que o checklist atualmente faz
parte da rotina do CC uma vez que este jaacute eacute amplamente divulgado difundido e aceito No
entanto aceitar a aplicaccedilatildeo do instrumento e saber da existecircncia eacute diferente de conhecer a
importacircncia por meio das evidecircncias de reduccedilatildeo de incidentes A maioria inclusive a atual
lideranccedila natildeo entendeu que cada item eacute fruto de padrotildees de erros e omissotildees constantes na
assistecircncia ciruacutergica e que portanto esse eacute um valioso instrumento para a rotina diaacuteria
Assim natildeo datildeo a importacircncia devida a essa ferramenta Ademais o profissional responsaacutevel
pelo cheklist natildeo eacute reconhecido por todos como tal
[] Tem [responsaacutevel pelo checklist] Quem eacute [Muita surpresa] [] V1 [nome do
enfermeiro do checklist] vai ver que ele faz pra ele mas eu acho que eacute importante
perguntar pro outro [] Dividir a informaccedilatildeo (Ed32)
O natildeo reconhecimento por toda a equipe de quem seja o profissional que foi
contratado especificamente para a funccedilatildeo de conduzir o checklist mostra que essa estrateacutegia
adotada pelo hospital em estudo natildeo tem alcanccedilado resultados positivos sendo necessaacuterio ser
repensada Por outro lado a conduccedilatildeo adequada destas ferramentas eacute influenciada por
muacuteltiplos fatores aleacutem dos jaacute mencionados como o perfil do profissional responsaacutevel a
sobrecarga de trabalho e a falta de profissionais a rotatividade tanto de profissionais quanto
da lideranccedila da linha de cuidados ciruacutergicos que incorre na falta de cobranccedila no uso das
ferramentas
Depende da pessoa Quando a P [enfermeiro do checklist] estava no time out ela
tem a voz alta [] Jaacute chegava avisava todo mundo [] Os outros enfermeiros que
eu vejo natildeo Entra laacute mudo sai calado preenchem o quadrinho [] Sinto falta
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 172
mesmo eacute da P chegar e falar [] Muito respeitava ela aparecia ela tinha o espiacuterito
de lideranccedila (Ei20)
A pessoa [profissional do checklist] entra na sala e pergunta para o teacutecnico ldquoQue
horas o paciente entrou na salardquo Pergunta pra mim ldquoQual a previsatildeo de duraccedilatildeo da
cirurgia Eacute limpa ou eacute contaminadardquo Acabou Soacute isso O resto ele preenche da
cabeccedila dele Isso natildeo tem o menor sentido (Ed16)
[] de laacute [da implantaccedilatildeo] pra caacute a gente jaacute mudou a coordenaccedilatildeo tanto meacutedica
quanto de enfermagem [] Na eacutepoca da B as coisas eram bem conduzidas e depois
se perdeu O bloco passou por uns momentos de grande rotatividade sofreu com
falta de anestesista A equipe trabalhava com sobrecarga (Ei23)
Eu acho mais desmotivaccedilatildeo ou falta de cobranccedila Eu tento orientaacute-los No final do
meu plantatildeo deixo a relaccedilatildeo no relatoacuterio dos quadros abertos porque algueacutem tem
que fechar no final da cirurgia [] falta cobranccedila por parte da coordenaccedilatildeo de
orientar e cobrar que seja executado (Ed28)
A desmotivaccedilatildeo mencionada por Ed28 se refere aos enfermeiros que ficam
incumbidos da conduccedilatildeo do checklist no horaacuterio em que o responsaacutevel natildeo estaacute presente No
entanto essa desmotivaccedilatildeo pode se referir a ele proacuteprio uma vez que sua funccedilatildeo natildeo eacute
reconhecida e valorizada em seu contexto de atuaccedilatildeo A motivaccedilatildeo e a percepccedilatildeo dos outros
no sentido de se fazer o trabalho sob sua responsabilidade satildeo aliadas para que o profissional
desenvolva-o de forma efetiva Uma vez que eacute dada tatildeo pouca atenccedilatildeo a esses instrumentos
pela equipe perde-se a importacircncia de se aplicaacute-los pelo responsaacutevel e vice versa
Diante deste contexto a complexidade do uso do checklist eacute marcada pela
subjetividade de quem o conduz e dos que ali participam do processo que seraacute realizado em
favor da seguranccedila ciruacutergica ou natildeo conforme relatado a seguir
[] foi esquecida uma compressa dentro do paciente e quando foi conferir o
checklist estava tudo ok [] colocou o nuacutemero de compressas abertas o nuacutemero
que [foi desprezado] Entatildeo esse caso foi uma falha de quem preencheu eacute muito
ser humano dependente Depende de como vocecirc estaacute no dia do quecirc que vocecirc estaacute
fazendo sua sobrecarga de trabalho seu estado psicoloacutegico eu acho que depende de
muita coisa e a pessoa tem que ser muito honesta tambeacutem de natildeo inventar nada ali
[risos] (Ei10)
Em um estudo sobre retenccedilatildeo de corpo estranho realizado por Gawande et al (2003)
aos 54 pacientes participantes somou-se um total de 61 corpos estranhos retidos dos quais
69 eram compressas ou gases e 31 instrumentais Dos 37 pacientes com corpos estranhos
retidos 69 necessitaram de uma nova intervenccedilatildeo ciruacutergica para a remoccedilatildeo do objeto e
complicaccedilotildees e um morreu No restante o corpo estranho foi expelido ou foi descoberto por
acaso e removido no momento de outra cirurgia Essas retenccedilotildees ocorreram mais em cirurgias
de emergecircncia (33) ou em uma mudanccedila inesperada no procedimento ciruacutergico (34) Os
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 173
pacientes com corpos estranhos retidos tambeacutem tinham um iacutendice de massa corporal meacutedia
superior e eram menos propensos a ter contagens de esponjas e instrumentos realizados Mais
de metade dos corpos estranhos (54) foram deixados no abdoacutemen 22 na vagina 74 no
toacuterax e 17 em outras partes incluindo o canal espinal ceacuterebro e extremidades (GAWANDE
et al 2003)
O relato de Ei10 demonstra que natildeo eacute simples a utilizaccedilatildeo do checklist uma vez que o
preenchimento por si soacute natildeo gera os benefiacutecios propostos do instrumento No estudo de
Gawande et al (2003) enquanto um terccedilo das compressas e instrumentais retidas natildeo foi
submetido a processo documentado de contagem dois terccedilos dos casos apresentaram
coerecircncia entre o nuacutemero aberto no iniacutecio do procedimento e o do final assim como no caso
relatado Eacute necessaacuteria conscientizaccedilatildeo e maior atenccedilatildeo na contagem e anotaccedilatildeo fidedigna dos
dados
Enfim a aplicaccedilatildeo do checklist em sala operatoacuteria natildeo eacute simples Eacute complexa por
envolver muacuteltiplos aspectos Contudo por mais que as accedilotildees contempladas no checklist sejam
variadas abarcando vaacuterios aspectos a seguranccedila ciruacutergica natildeo pode ser reduzida a apenas os
19 itens e a aplicaccedilatildeo dessa ferramenta
[] agraves vezes o que eu percebo eacute que tem uma reduccedilatildeo da cirurgia segura em relaccedilatildeo
a esse checklist E natildeo eacute correto Porque se soacute o checklist for feito mas todos os
outros passos natildeo foram seguidos exemplo um paciente que chega para o CTI
depois de uma cirurgia complexa se natildeo tiver observaccedilatildeo natildeo for feito
gerenciamento do risco a cirurgia dele pode ateacute ter sido segura no preacute e no
transoperatoacuterio mas natildeo seraacute no poacutes-operatoacuterio [] (Ei25)
Ainda que se pese a importacircncia e a complexidade a garantia de uma cirurgia segura
natildeo pode ser reduzida aos itens da lista de verificaccedilatildeo da OMS Eacute importante reconhecer a sua
importacircncia mas esse instrumento eacute parte de um conjunto complexo de accedilotildees para uma
cirurgia segura Gawande (2011) afirma que ele eacute apenas o comeccedilo de uma jornada pois foi
concebido para detectar poucos problemas comuns em todas as cirurgias no mundo todo
Assim cabe aos profissionais dar continuidade a essa jornada desenvolvendo outros
checklists e aperfeiccediloando-os como faz o setor de aviaccedilatildeo (GAWANDE 2011)
Assim para a promoccedilatildeo da seguranccedila ciruacutergica eacute necessaacuterio aleacutem de obedecer aos
itens jaacute validados da lista de verificaccedilatildeo observar tambeacutem aspectos relacionados ao preacute e ao
poacutes-operatoacuterio abarcando assim o processo como um todo Ou seja eacute necessaacuterio estudar o
checklist dentro da assistecircncia ciruacutergica sob o ponto de vista do pensamento complexo que
propotildee uma nova forma de pensar a realidade em que cada objeto do conhecimento seja ele
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 174
qual for natildeo pode ser estudado em si mesmo mas em relaccedilatildeo aos seus contornos Por isso
toda a realidade eacute o sistema estando em relaccedilatildeo agrave aacuterea envolvida Aleacutem disso o paradigma da
complexidade reconhece que a compreensatildeo da realidade eacute sempre um processo inacabado
(MORIN 2011)
Nesse sentido defende-se neste estudo por todas as questotildees relatadas e evidenciadas
pelos profissionais e durante a observaccedilatildeo em campo que a conduccedilatildeo do checklist seja de
responsabilidade de um profissional em cada sala operatoacuteria o qual deve permanecer durante
todo o periacuteodo da realizaccedilatildeo da cirurgia Esse conjunto de profissionais deve ser
supervisionado por uma uacutenica pessoa que seraacute responsaacutevel por acompanhar a forma com que
estiver sendo conduzido o checklist no intraoperatorio aleacutem de outras funccedilotildees como a
melhoria contiacutenua avaliaccedilatildeo e divulgaccedilatildeo dos resultados da aplicaccedilatildeo do checklist bem como
elaborar fomentar e acompanhar o uso de listas de verificaccedilatildeo em todo o processo
perioperatoacuterio
432 Melhorias no uso do checklist de cirurgia segura
No jogo de palavras cruzadas a precisatildeo de cada palavra eacute resultado da adequaccedilatildeo de
sua definiccedilatildeo e da sua congruecircncia com as outras palavras com letras comuns A
concordacircncia entre todas as palavras compotildee o conjunto e confirma a validade das
distintas palavras deste jogo A vida diferente das palavras cruzadas compreende
espaccedilos sem definiccedilatildeo com falsas definiccedilotildees e sobretudo a ausecircncia de um quadro
geral fechado (MORIN 2000)
A frase de Morin (2000) que inicia esta subcategoria vem ao encontro do que foi
observado durante a pesquisa realizada sobre o uso do checklist Esse instrumento natildeo eacute como
um jogo fechado de palavras cruzadas pois a complexidade do seu uso nos diferentes
procedimentos ciruacutergicos impossibilita a ocupaccedilatildeo de espaccedilos fixos pelos profissionais e de
definiccedilatildeo engessada dos itens propostos Deve ser uma ferramenta dinacircmica considerando a
melhoria contiacutenua bem como a sensibilizaccedilatildeo e a motivaccedilatildeo dos profissionais
permanentemente Assim seratildeo discutidas as oportunidades de melhorias sejam aquelas
apontadas pelos participantes da pesquisa ou observadas durante o estudo de campo no que
tange o uso da lista de verificaccedilatildeo de seguranccedila ciruacutergica
Nesse sentido eacute reconhecido pelos entrevistados que melhorias na qualidade dos
processos de trabalho sempre devem ocorrer Por mais que se atente e se mova esforccedilos para
a realizaccedilatildeo bem feita das accedilotildees no cotidiano de trabalho da assistecircncia ciruacutergica haacute sempre o
que inovar e aprender mediante as observaccedilotildees e vivecircncias da praacutetica
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 175
A cirurgia segura ela ainda tem muito muito muito que caminhar Muito [ecircnfase a
palavra] [] [o checklist] Eacute uma ferramenta bacana que bem aplicada ia minimizar
muita coisa Mas ela ainda precisa de envolvimento das pessoas (Ed26)
Cada dia vocecirc vai aprendendo Eacute a mesma cirurgia mas cada paciente eacute cada
paciente O meacutedico cada um trabalha de um jeito (Ei14)
[] por mais que a gente trabalhe e tente melhorar os processos tem sempre o que
melhorar tem sempre pessoas com ideias novas (Ei1)
Segundo Ovretveit (2009) a melhoria da qualidade eacute alcanccedilada quando se atinge uma
melhor satisfaccedilatildeo do paciente e os melhores resultados da assistecircncia mediante a mudanccedila no
comportamento dos profissionais e da organizaccedilatildeo do trabalho por meio de mudanccedilas
sistemaacuteticas nos meacutetodos e estrateacutegias Para tanto eacute imprescindiacutevel compreender o problema
e os sistemas em particular avaliando o percurso do paciente analisar a demanda a
capacidade e o fluxo do serviccedilo escolher os instrumentos de mudanccedilas como o envolvimento
e a capacitaccedilatildeo da lideranccedila e dos profissionais medir o impacto das mudanccedilas (HEALTH
FOUNDATION 2013) Estes satildeo fatores de sucesso na implantaccedilatildeo de quaisquer accedilotildees de
melhoria da qualidade incluindo o checklist de cirurgia segura
Os participantes da pesquisa relatam a necessidade de diversas mudanccedilas nos
processos de trabalho da rede intra-hospitalar para uma assistecircncia ciruacutergica segura e de
melhor qualidade em todas as fases do perioperatoacuterio As melhorias especiacuteficas no uso do
checklist focaram principalmente na maior adesatildeo ao instrumento nas mudanccedilas da
metodologia de conduccedilatildeo que atualmente eacute responsabilidade de um soacute profissional e sem o
envolvimento da equipe em conjunto na aplicaccedilatildeo e da mudanccedila da estrutura dos itens de
verificaccedilatildeo do checklist atualmente utilizado na instituiccedilatildeo
O problema da baixa adesatildeo e desvalorizaccedilatildeo do uso do checklist em sua versatildeo
completa ou do quadro de time out eacute constante no discurso de quase todos profissionais
[] eu acho que eacute soacute feito durante o dia o time out Durante a noite pelo menos eu
natildeo vejo elas fazendo (Ed8)
[] se todos os enfermeiros tivessem essa visatildeo da importacircncia do quadro de
manter atualizado sempre que os cirurgiotildees precisar das informaccedilotildees poder
consultar o quadro a gente aumentaria a credibilidade neacute (Ed28)
Os resultados desta pesquisa mostram que a adesatildeo ao checklist de cirurgia segura pela
equipe ciruacutergica estaacute diretamente relacionada agrave existecircncia de atitudes e percepccedilotildees positivas
em relaccedilatildeo agrave sua importacircncia utilidade e aplicabilidade Em um estudo observacional um
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 176
grupo composto por estudantes de medicina e enfermeiras registrou a conformidade de
aplicaccedilatildeo dos 11 itens padronizados no time out Apenas um dos itens (procedimento a ser
realizado) alcanccedilou cumprimento maior que 950 Trecircs itens (siacutetio ciruacutergico disponibilidade
de hemocomponentes e material de implantes e dispositivos e iniacutecio de antibioacuteticos)
alcanccedilaram 80-95 de cumprimento Os outros sete itens alcanccedilaram menos de 80 de
conformidade (POON et al 2013) Nesse sentido as estrateacutegias de aumento da adesatildeo devem
ser elaboradas pelos diversos profissionais conjuntamente para que estes se envolvam e
possam se empoderar dessas ferramentas que aleacutem da seguranccedila promovem a gestatildeo do
cuidado do paciente ciruacutergico no intraoperatoacuterio
Outra melhoria que deve ser implementada e que foi relatada por diversos
profissionais e observada durante a pesquisa de campo diz respeito agrave forma de conduccedilatildeo do
checklist Eacute necessaacuterio que o condutor permaneccedila por todo o tempo no intraoperatoacuterio e que
os itens sejam verificados em conjunto com todos os profissionais para otimizar os benefiacutecios
potenciais associados a esses instrumentos
Existem trecircs momentos o antes e o apoacutes a induccedilatildeo anesteacutesica e antes da retirada do
paciente da sala [] teria que ser algueacutem que tivesse dentro de sala durante o
transoperatoacuterio inteiro pra conseguir acompanhar do iniacutecio ao fim [] talvez o
circulante fosse o responsaacutevel pelo checklist [] ele taacute ali exclusivo na sala [] no
meu caso eu estou na sala um entra um paciente na sala dois eu tenho que correr
[] agraves vezes entram quatro salas de uma vez soacute (Ed28)
[] quem deveria fazer o checklist eacute a equipe que estaacute dentro da sala ciruacutergica Pode
ser tanto enfermeiro quanto o proacuteprio cirurgiatildeo (Ei23)
Atualmente o profissional que lidera a aplicaccedilatildeo do checklist eacute um enfermeiro Aleacutem
da necessidade de profissionais com esta funccedilatildeo em cada sala operatoacuteria para aumentar a
adesatildeo ao instrumento os participantes da pesquisa cogitaram outras categorias profissionais
aleacutem do circulante e do cirurgiatildeo mencionados por Ed28 e Ei23 como um auxiliar
administrativo treinado Mas outros argumentaram que o auxiliar administrativo natildeo tem
embasamento e senso criacutetico para argumentar e que o cirurgiatildeo e o anestesista sendo
plantonistas em sua maioria natildeo dariam continuidade ao processo de conduccedilatildeo da
ferramenta Um profissional disse que na implantaccedilatildeo chegaram a pensar no teacutecnico de
enfermagem que eacute o circulante em cada sala como propocircs Ed28 Poreacutem disseram que teria
que ser algueacutem ldquoseparado da assistecircnciardquo para ser imparcial e que o circulante natildeo iria
interromper a cirurgia se algo estivesse em natildeo conformidade com o checklist ora porque eles
natildeo iriam querer atrasar a sua cirurgia ora para natildeo se indispor com os cirurgiotildees e
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 177
anestesistas Assim a maioria defendeu o enfermeiro como o melhor profissional para aplicar
o checklist devido ao conhecimento teacutecnico habilidade e atitude para exercer lideranccedila
Eacute fundamental que o profissional seja capaz de conseguir a atenccedilatildeo de todos durante
uma cirurgia independente de sua categoria profissional Isso exige alto grau de assertividade
e alto niacutevel de controle que segundo o idealizador do checklist de cirurgia segura da OMS
geralmente eacute exclusivo do cirurgiatildeo sendo este em um primeiro momento tido como o
melhor profissional para conduzir a lista de verificaccedilatildeo (GAWANDE 2011) No entanto essa
possibilidade foi descartada por esse autor e sua equipe uma vez que seguindo as liccedilotildees da
aviaccedilatildeo o ldquopiloto que natildeo estaacute pilotandordquo eacute quem inicia o checklist pois aquele que estaacute na
lideranccedila tende a se concentrar nas tarefas de voo e esquecer o checklist Essa divisatildeo
corresponsabiliza todos os profissionais para o bem-estar do voo e os daacute autoridade para
questionar Assim chegou-se a conclusatildeo de que para o checklist fazer a diferenccedila deve-se
distribuir a responsabilidade e a autoridade para questionar (GAWANDE 2011) Esse autor e
sua equipe escolheram o enfermeiro-chefe para conduzir o checklist durante o teste realizado
em suas proacuteprias cirurgias e este tem sido o profissional incumbido para a aplicaccedilatildeo do
checklist em diversas instituiccedilotildees como no hospital em estudo
A vantagem do enfermeiro se responsabilizar pela conduccedilatildeo da lista de verificaccedilatildeo eacute
que sua atuaccedilatildeo o permite transitar durante todo o perioperatoacuterio do paciente e portanto ter
uma visatildeo sistecircmica do cuidado dispensado ao paciente Aleacutem disso sua atuaccedilatildeo possibilita
vivenciar tanto a realidade praacutetica quanto a realidade burocraacutetica da organizaccedilatildeo Mais
importante que escolher a categoria profissional seria identificar na equipe o perfil necessaacuterio
para este condutor da lista de verificaccedilatildeo por que a efetividade do preenchimento eacute ldquopessoa
dependenterdquo segundo um dos participantes
[] eacute muito ldquopessoa dependenterdquo depende de quem estaacute preenchendo (Ei10)
[] tem que ter um jogo de cintura de saber lidar com todas as equipes e tem que ter
o pulso firme espiacuterito de lideranccedila Para poder ter habilidade de ligar para outro
setor ldquoOh os pacientes estatildeo descendo sem banhordquo Perguntar o coordenador da
anestesia porque natildeo estaacute sendo feito o preacute-anesteacutesico Do que ficar acomodada com
aquele resultado ldquoAh jaacute fiz minha parterdquo (Ei10)
Outros profissionais tambeacutem citaram caracteriacutesticas importantes para o profissional
responsaacutevel pela aplicaccedilatildeo do time out e checklist como conhecimento da ferramenta
disciplina meacutetodo ser um profissional proativo dinacircmico atento e com facilidade de
relacionamento interpessoal E foi dito tambeacutem que mesmo com toda essa competecircncia se
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 178
natildeo tiver o respaldo da diretoria natildeo adianta a tentativa do uso correto pois eacute necessaacuterio que a
lideranccedila faccedila a gestatildeo da mudanccedila no dia a dia de trabalho
Outra questatildeo bastante enunciada pelos participantes da pesquisa e que jaacute estaacute em
discussatildeo interna diz respeito agrave mudanccedila da estrutura dos instrumentos conforme as falas
representativas que se seguem
[] a gente tem que melhorar o checklist para o profissional que executa direcionar
as perguntar e o olhar [] o checklist tem que taacute sempre sendo revisado [] tem
algumas questotildees que seguramente a gente tinha que ou excluir ou modificar a
forma que taacute perguntado (Ei30)
[] discutindo algumas questotildees do formulaacuterio que taacute em execuccedilatildeo hoje noacutes
iniciamos uma discussatildeo com a CCIH com a diretoria de uma proposta de
modificar esse formulaacuterio (Ei30)
De fato segundo Gawande (2011) o checklist natildeo deve se transformar em imposiccedilotildees
calcificadas que inibem os profissionais em vez de ajudaacute-los Segundo esse autor o checklist
exige revisotildees e aprimoramentos constantes Na aviaccedilatildeo eacute inserida data de emissatildeo em todos
os checklists uma vez que o cheklist deve mudar com o passar do tempo Eacute uma ajuda mas se
natildeo estiver servindo para contribuir na melhoria dos procedimentos haacute algo errado e deve ser
corrigido (GAWANDE 2011)
Pela anaacutelise dos dados o checklist natildeo foi aplicado em nenhum caso de Onda
Vermelha sendo a justificativa devido aos itens natildeo se aplicarem para um caso de
emergecircncia O participante da pesquisa que no periacuteodo da coleta de dados era o responsaacutevel
pelo checklist durante a entrevista leu cada item e foi se questionando se aquele item se
aplicaria ou natildeo a uma situaccedilatildeo de emergecircncia Apoacutes essa anaacutelise conclui que
No primeiro momento acho que nenhum [item] daria pra preencher no caso da
emergecircncia seria tudo natildeo se aplica E poucos dados seriam aproveitados do
checklist no caso da emergecircncia (Ed28)
Para a onda vermelha acho que natildeo tem muita aplicabilidade natildeo [] Tem um
quadro aqui [sala da emergecircncia] com orientaccedilatildeo igual das outras salas No caso da
onda esse quadro nunca foi preenchido Ateacute porque natildeo daria tempo e tambeacutem natildeo
teria nenhuma ou quase nenhuma aplicabilidade a natildeo ser colocar o nome do
paciente Que muitas vezes o paciente entra como NI [Natildeo Identificado] Entatildeo nem
a identificaccedilatildeo do paciente conseguiria contemplar no quadro (Ed28)
Poucos estudos tratam da aplicaccedilatildeo do checklist em cirurgias de urgecircncia Em um deles
evidenciou-se a reduccedilatildeo nas taxas de complicaccedilatildeo de 184 para 117 e nas taxas de
mortalidade de 37 para 14 (WEISER et al 2010) Os grupos de trabalho do Programa
Cirurgia Segura idealizaram uma lista de verificaccedilatildeo de seguranccedila ciruacutergica baseada em uma
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 179
gama de protocolos avaliaram as evidecircncias de suas conclusotildees e estimaram seus possiacuteveis
impactos para a seguranccedila mas a meta natildeo foi prescrever uma uacutenica maneira de
implementaccedilatildeo ou criar uma ferramenta regulatoacuteria Mais do que isso pela introduccedilatildeo de
elementos-chave de seguranccedila na rotina operatoacuteria as equipes poderiam maximizar a
probabilidade de melhorar seus resultados sem gerar um ocircnus excessivo no sistema ou para
os prestadores de sauacutede (OMS 2009) Assim uma das oportunidades de melhoria eacute a
elaboraccedilatildeo de checklist por tipo de cirurgia (eletiva urgecircncia e emergecircncia) pois segundo os
participantes o uso de um instrumento apenas para quaisquer procedimentos produz dados
natildeo fidedignos quanto a alguns aspectos que satildeo mensurados
[] tem cinco ou seis itens que ldquonatildeo se aplicardquo agrave cirurgia de emergecircncia O
enfermeiro preenche como natildeo se aplica quando posso ter outra ferramenta que
exclui esses itens da cirurgia de emergecircncia pra facilitar o preenchimento [] se o
enfermeiro preencher que natildeo se aplica o preacute-anesteacutesico pra emergecircncia isso gera
um dado baixo quando eu tenho na verdade uma escala de anestesia desfalcada []
o quecirc que mais vai entrar Cirurgia de urgecircncia e emergecircncia porque as eletivas vatildeo
ser adiadas Entatildeo gera um dado pra mim que eacute irreal (Ei30)
Nesse sentido melhorias satildeo necessaacuterias nos itens do checklist uma vez que na forma
em que foi concebido tem excluiacutedo a aleatoriedade ou seja a quebra da ordem em sua
execuccedilatildeo Gawande (2011) orienta a elaboraccedilatildeo de checklists especiacuteficos para os diversos
procedimentos especificamente aqueles que tenham mais fases e riscos em sua realizaccedilatildeo
Aleacutem da possibilidade de construccedilatildeo de checklists especiacuteficos dentro do
transoperatoacuterio foi relatada a necessidade de elaboraccedilatildeo de um checklist no preacute-ciruacutergico
Preciso fazer tambeacutem o checklist preacute-ciruacutergico Antes de o paciente chegar [no CC]
precisa ter algumas questotildees jaacute organizadas [] laacute dentro descubro que o paciente
natildeo tem reserva de sangue pra seguranccedila vou pedir Mas para otimizar o bloco natildeo
funcionou Vou ter que coletar amostra esperar ser processada no banco de sangue
para o banco me responder se eacute possiacutevel ou natildeo Aiacute eu perco tempo que eacute precioso
(Ei30)
Aleacutem de promover a seguranccedila do paciente uma lista de verificaccedilatildeo no preacute-operatoacuterio
possibilitaria uma maior organizaccedilatildeo e otimizaccedilatildeo do tempo do CC A resolutividade pequena
do CC foi algo muito mencionado pelos participantes que relataram as dificuldades de
consolidar os agendamentos das cirurgias eletivas pois haacute uma concorrecircncia com as cirurgias
de urgecircncia e emergecircncias entre outros fatores
A marcaccedilatildeo de sitio ciruacutergico natildeo foi evidenciada durante as observaccedilotildees de campo
sendo uma accedilatildeo quando realizada pela atitude do profissional e natildeo por uma orientaccedilatildeo ou
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 180
normatizaccedilatildeo da instituiccedilatildeo a qual natildeo tem disponibilizado inclusive os recursos materiais
para a sua realizaccedilatildeo
Paciente natildeo entra na sala se eu natildeo tiver marcado o membro Eacute meu protocolo
(riso) Natildeo do hospital [] natildeo tem nem caneta pra marcar Eu tenho que usar a
minha (Ed22)
A gente natildeo marca A gente nunca teve nenhum problema [] A vantagem do
paciente da vascular eacute que ele estaacute sempre com o peacute enfaixado ou um dedo preto A
gente sabe que eacute a perna do dedo preto que vai mexer Mas eacute importante pra ter uma
seguranccedila a mais [] Natildeo sei Vai ver que num viram necessidade que as coisas
tem andado certas neacute (E32)
Haacute uma contradiccedilatildeo sobre a marcaccedilatildeo ciruacutergica pelos profissionais ao mesmo tempo
em que desconsidera a necessidade pelo fato da condiccedilatildeo do paciente mostrar o local da
cirurgia relata que eacute mais um ponto que colabora na seguranccedila do paciente O ldquopeacute enfaixado
ou um dedo pretordquo conforme citado por Ed32 natildeo podem ser paracircmetros de identificaccedilatildeo do
local da cirurgia haja vista que o paciente pode ter outra demanda ciruacutergica e incorrer em
dubiedade Segundo Vendramini et al (2010) a marcaccedilatildeo ciruacutergica objetiva identificar sem
ambiguidade o local da cirurgia principalmente aquelas que envolvem partes bilaterais
(direita e esquerda) estruturas diversas como os dedos das matildeos e dos peacutes ou niacuteveis
muacuteltiplos como a coluna vertebral Eacute uma accedilatildeo importante e obrigatoacuteria em todas as
cirurgias exceto quando a cirurgia eacute em oacutergatildeo uacutenico nos procedimentos em que natildeo se
predetermina o local de inserccedilatildeo do cateterinstrumento quando houver recusa do paciente e
em cirurgias de emergecircncia (VENDRAMINI et al 2010)
Segundo um dos participantes houve no iniacutecio da implantaccedilatildeo do checklist uma
discussatildeo sobre marcaccedilatildeo de lateralidade no entanto mesmo com o ator natildeo humano
adquirido (ldquocaneta do tipo caneta de retroprojetorrdquo) os atores humanos ficaram na discussatildeo
de como iriam marcar Queriam colocar um ldquoxrdquo mas como a literatura desaconselha porque
pode significar que natildeo era pra fazer naquele membro a conversa se perdeu natildeo se discutiu
mais essa accedilatildeo para promover a seguranccedila As melhores praacuteticas quanto agrave marcaccedilatildeo da
lateralidade recomendam o desenho de um ciacuterculo um alvo ou as iniciais do paciente ou do
cirurgiatildeo no local da cirurgia
A identificaccedilatildeo do local da cirurgia eacute um encargo do cirurgiatildeo responsaacutevel pelo
procedimento ciruacutergico ou do procedimento terapecircutico invasivo No entanto a participaccedilatildeo
do enfermeiro ndash ou algum membro da equipe de enfermagem ndash eacute essencial sendo importante
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 181
para garantir que os siacutetios ciruacutergicos sejam marcados e a participaccedilatildeo do paciente eacute
incentivada (VENDRAMINI et al 2010)
Outro ponto abordado eacute o gap existente entre o iniacutecio e a atual rotina do uso do
checklist Pelo conjunto dos relatos e observaccedilatildeo da pesquisa percebe-se que no iniacutecio de seu
uso quando da implantaccedilatildeo do checklist este instrumento era aplicado de forma mais
completa se discutia inclusive a melhor forma de comunicaccedilatildeo com o paciente
A conversa com o paciente eacute importantiacutessima Antes a A1 [enfermeiro do checklist]
se apresentava e conversava com o paciente ldquoO senhor sabe do quecirc que o senhor vai
operarrdquo ldquoQue lado que eacuterdquo ldquoTem alergia a algum remeacutediordquo [] Ela fazia todas
essas perguntas ldquoO seu uacuteltimo banho foi ontem ou foi hojerdquo Era uma maneira
polida de perguntar sem ofender Com isso se o iacutendice de infecccedilatildeo aumentar vocecirc
vai naqueles paracircmetros [] ldquoAh o paciente natildeo tomou banho no dia da cirurgiardquo
A gente conseguia melhorar essas coisas mas hoje tudo se perdeu (Ed16)
O relato de Ed16 aponta que no iniacutecio havia atuaccedilatildeo ativa e que na atualidade ldquotudo
se perdeurdquo mostra a necessidade de entender a utilizaccedilatildeo do checklist como estrateacutegia e natildeo
como programa Segundo Morin (2000) o programa estabelece uma sequecircncia de accedilotildees que
devem ser executadas sem variaccedilatildeo em um ambiente estaacutevel Caso haja alteraccedilatildeo das
condiccedilotildees externas bloqueia-se o programa A estrateacutegia ao contraacuterio prepara um cenaacuterio de
accedilatildeo que analisa as certezas e as incertezas as probabilidades e as improbabilidades Isso
porque o cenaacuterio pode e deve ser modificado de acordo com as informaccedilotildees recolhidas os
acasos contratempos ou boas oportunidades encontradas ao longo do caminho (MORIN
2000) A saiacuteda dos profissionais que introduziram o checklist na instituiccedilatildeo bloqueou de certa
forma a efetividade do seu uso Natildeo foi arquitetado um cenaacuterio que permitisse sua efetiva
continuidade com a participaccedilatildeo de todos os profissionais
De acordo com Morin (2000) no cerne das estrateacutegias pode ateacute serem utilizadas curtas
sequecircncias programadas mas para tudo que se efetua em ambiente instaacutevel e incerto impotildee-
se a estrateacutegia Ou seja em primeiro momento podia-se ter realizado um programa piloto
para implantaccedilatildeo do checklist na instituiccedilatildeo mas dado o ambiente instaacutevel esse programa
deveria ter sido ampliado envolvendo mais profissionais para se tornar uma estrateacutegia
Seraacute necessaacuterio considerar as dificuldades para tornar o checklist uma estrateacutegia a
serviccedilo de uma finalidade complexa que eacute a seguranccedila ciruacutergica Para isso Morin (2000) traz
trecircs termos complementares e ao mesmo tempo antagocircnicos a saber liberdade igualdade
fraternidade ldquoA liberdade tende a destruir a igualdade esta se for imposta tende a destruir a
liberdade enfim a fraternidade natildeo pode ser nem decretada nem imposta mas incitadardquo
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 182
(MORIN 2000 p 91) Ainda segundo Morin (2000) conforme as condiccedilotildees histoacutericas uma
estrateacutegia deveraacute favorecer a liberdade a igualdade e a fraternidade e ainda deve em um
momento privilegiar a prudecircncia em outro a audaacutecia e se possiacutevel as duas ao mesmo
tempo Assim a estrateacutegia do uso do checklist no hospital em estudo precisa ser flexiacutevel o
bastante para dar liberdade aos profissionais ser normatizado apoacutes articulaccedilatildeo de atores
humanos e disponibilidade dos atores natildeo humanos para que tenha a igualdade no seu uso em
todos os procedimentos e monitorado e valorizado com vistas agrave fraternidade ou seja entre
profissionais-profissionais por meio da maior articulaccedilatildeo e satisfaccedilatildeo no trabalho e
profissional-paciente com foco na seguranccedila ciruacutergica
Nesse sentido a melhoria da seguranccedila na assistecircncia ciruacutergica requer tambeacutem a
forma de comunicaccedilatildeo com o paciente em todas as fases do perioperatoacuterio como a seguir
[] uma paciente com fratura de mandiacutebula de raacutedio e de fecircmur [] uma coisa era
do lado esquerdo e as outras eram do outro lado Perguntei qual cirurgia que ela ia
fazer ela falou ldquoOh eu natildeo sei porque eu tenho isso isso e isso ningueacutem me falou
a cirurgia que vou fazer Se for tal eacute desse lado se for isso eacute nesse lado aquirdquo []
havia desinformaccedilatildeo do paciente perante o que ia fazer E a gente foi discutir como
afirmar lateralidade se a paciente natildeo sabe o quecirc ela vai fazer e o meacutedico afirma que
eacute de um lado ela afirma que pode ser do outro [] a gente acaba colocando que natildeo
tinha lateralidade definida [] porque a informaccedilatildeo dela natildeo foi condizente com a
informaccedilatildeo do meacutedico (Ei10)
Como jaacute discutido a comunicaccedilatildeo efetiva entre profissionais e pacientes eacute um fator
criacutetico de sucesso para a seguranccedila do paciente Nesse sentido os projetos desenvolvidos
desenhados e implementados com a participaccedilatildeo dos pacientes tecircm mais probabilidade de
resultar em mudanccedilas sustentaacuteveis do que os projetos baseados num modelo de comando e
controle implementados de cima para baixo Por outro lado cada profissional precisa se
responsabilizar pela melhoria da qualidade mas se eles natildeo forem empoderados para fazecirc-lo
os resultados seratildeo limitados Nesse sentido a melhoria da qualidade eacute um processo contiacutenuo
que faz parte dos negoacutecios e do trabalho cotidiano (HEALTH FUNDATION 2013)
No entanto natildeo haacute educaccedilatildeo continuada discussatildeo dos resultados do uso das
ferramentas checklist e time out como existiam no iniacutecio do uso do checklist sendo esse um
ponto considerado para a melhoria e promoccedilatildeo da cirurgia segura
Nenhum treinamento ldquoHoje tem treinamento de Cirurgia Segurardquo natildeo (Ei20)
[] na eacutepoca que a gente implantou o checklist a gente fazia uma reuniatildeo trimestral
pra apresentar e monitorar os dados com o grupo gestor da cirurgia (coordenaccedilotildees de
todas as especialidades diretoria e CCIH) (Ei10)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 183
Depois que assumi ainda natildeo tive reuniatildeo para tratar dos dados Nem fui
comunicada que existe a reuniatildeo entatildeo se tinha ela natildeo estaacute acontecendo (Ei30)
A Qualidade nunca participou [reuniotildees trimestrais para discussatildeo dos resultados
do checklist] Se ela existe a gente natildeo sabe Natildeo fomos chamados nem
demandados [] E natildeo demandamos tambeacutem [risos] a gente poderia ter feito esse
movimento mas hoje a gente natildeo tem pernas pra isso (Ei23)
Mesmo quando havia reuniotildees sobre os dados e resultados do checklist no iniacutecio de
seu uso eram para um grupo restrito da diretoria Esses dados do resultado do uso do
checklist tecircm mesmo que ser discutidos com a lideranccedila maior e no entanto envolver
tambeacutem os demais profissionais do CC e da rede intra-hospitalar que estaacute envolvida com a
assistecircncia ciruacutergica se faz necessaacuterio para sua legitimaccedilatildeo diante de toda a equipe
multiprofissional Viabilizar isso na rotina caoacutetica eacute um desafio sendo necessaacuterio pensar
estrateacutegias e promover a discussatildeo dos resultados das cirurgias e do checklist Nesse mesmo
sentido tambeacutem ainda natildeo se realiza uma anaacutelise sistemaacutetica dos dados de adesatildeo ao checklist
e como esse instrumento tem impactado nos indicadores que medem a qualidade da
assistecircncia Haacute pequenas anaacutelises realizadas pelo interesse de um dos profissionais de forma
isolada e natildeo amplamente divulgada e discutida
Eu ainda natildeo levantei a estatiacutestica de cobertura de checklist e time out [] Mesmo
durante o dia eu estando exclusivamente para o checklist natildeo eacute 100 de cobertura
finais de semana e a noite eu natildeo tenho esse dado [] Acredito que natildeo seja 100
dos pacientes que consegue cobrir (Ed28)
[] eu fiz uma anaacutelise descritiva [] cruzando desde o iniacutecio do checklist e
avaliando a taxa de infecccedilatildeo em cirurgia limpa que eacute o meu marcador [] teve
diminuiccedilatildeo na taxa de infecccedilatildeo de cirurgia limpa consideraacutevel [] um ano atraacutes eu
fiz esse trabalho [] mais ningueacutem fez trabalho nenhum com o checklist [] O
checklist soacute eacute preenchido natildeo eacute analisado (Ei5)
Natildeo eacute possiacutevel promover uma seguranccedila na assistecircncia ciruacutergica sem avaliaacute-la
sistematicamente e periodicamente com indicadores para abarcar questotildees de cunho objetivo
mas tambeacutem utilizando outras estrateacutegias que apreendam a percepccedilatildeo dos profissionais sobre
sua praacutetica Nesse sentido a cirurgia segura demanda a garantia de monitoramento da
qualidade de forma contiacutenua (OMS 2009) Aleacutem das dificuldades de anaacutelise e discussatildeo dos
resultados do trabalho a avaliaccedilatildeo do checklist eacute dificultada pelo acesso restrito aos dados
[] eu natildeo tenho acesso E eacute de enfermeiro para enfermeiro Eles fazem uma relaccedilatildeo
todo mecircs e mandam para a diretoria (Ei14)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 184
Conforme jaacute discutido eacute necessaacuterio ampliar a participaccedilatildeo dos profissionais no uso do
checklist fazendo dele uma estrateacutegia de melhoria da qualidade Assim deve-se repensar o
acesso ao sistema informatizado onde fica disponibilizado o checklist no prontuaacuterio
eletrocircnico natildeo desprezando a fidedignidade dos dados e a confidencialidade dos pacientes
mas possibilitando informaccedilotildees para todo o corpo funcional
Por fim a uacuteltima melhoria deste trabalho sobre o uso do checklist na instituiccedilatildeo sem
pretensatildeo de apontar todas as melhorias necessaacuterias eacute a de se envolver a lideranccedila nessas
discussotildees iniciando assim um processo de mudanccedila da cultura organizacional
Estamos agora com uma estrateacutegia de envolver a diretoria no processo de discussatildeo
da seguranccedila levar para eles os casos mais graves de eventos adversos (Ei23)
A importacircncia do envolvimento da lideranccedila jaacute foi amplamente discutida neste
trabalho Ressalta-se que apesar do apoio inicial da lideranccedila para a introduccedilatildeo do checklist
no hospital em estudo esse apoio natildeo foi suficiente para ultrapassar os imprevistos as
incertezas Apesar de haver uma perenidade jaacute satildeo cinco anos de utilizaccedilatildeo do checklist na
instituiccedilatildeo haacute pouca adesatildeo e eacute aplicado de forma incipiente Assim percebe-se que eacute
imprescindiacutevel o envolvimento da lideranccedila de forma contiacutenua e sistemaacutetica desde a
implantaccedilatildeo ateacute a execuccedilatildeo no dia a dia de trabalho
Aleacutem das mudanccedilas especiacuteficas do uso do quadro de time out e checklist foco desta
subcategoria outras mudanccedilas foram mencionadas para melhoria da qualidade e seguranccedila da
assistecircncia ciruacutergica no hospital Algumas delas foram planejamento das cirurgias
implantaccedilatildeo do consentimento livre e esclarecido sistema de informaccedilatildeo do CC kits
disponiacuteveis nas salas operatoacuterias mais completos para agilizar as cirurgias escala completa de
profissionais principalmente anestesistas reduccedilatildeo do fluxo de pessoas dentro de sala
operatoacuteria sugerindo um vidro unidirecional para visualizaccedilatildeo de residentes e acadecircmicos
divulgaccedilatildeo de trabalhos pouco conhecidos no hospital como a proacutepria lista de verificaccedilatildeo de
cirurgia segura e o ambulatoacuterio de controle de anticoagulaccedilatildeo pelo modelo de calibraccedilatildeo RNI
(Razatildeo de Normatizaccedilatildeo Internacional) Enfim sem uma cultura desenvolvida e madura para
as questotildees da seguranccedila com comunicaccedilatildeo e conexatildeo entre os diversos atores as
intervenccedilotildees podem ocorrer na instituiccedilatildeo mas seratildeo de forma superficial meramente para
cumprir uma normatizaccedilatildeo dando uma falsa ideia de seguranccedila
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 185
Reflexotildees finais
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 186
5 REFLEXOtildeES FINAIS
O drama de qualquer escrita reside na tensatildeo entre seu inacabamento e a necessidade
de se colocar um ponto final ou seja a obra acabada e a uacuteltima interpretaccedilatildeo
possiacutevel (MORIN CIURANA MOTTA 2003 p 39)
Tendo plena consciecircncia do inacabaacutevel conhecimento sobre a seguranccedila na assistecircncia
ciruacutergica uma vez que essa eacute complexa e natildeo pode ser simplificada por envolver a conexatildeo
entre os atores humanos e tambeacutem desses com os atores natildeo humanos e que no cotidiano da
rede intra-hospitalar emergem incertezas e imprevistos que natildeo se pode erradicar totalmente eacute
que se pretende tecer as uacuteltimas reflexotildees desta tese sem a pretensatildeo de ser conclusiva
A concepccedilatildeo primaacuteria foi de se analisar a utilizaccedilatildeo do checklist de cirurgia segura
mas a estrateacutegia foi modificada durante o percurso e o objetivo ampliado para analisar a
seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na visatildeo de profissionais que atuam direta e indiretamente
no ato anesteacutesico-ciruacutergico Considera-se que o objetivo foi alcanccedilado sendo possiacutevel
perceber similaridades e diferenccedilas entre a perspectiva da assistecircncia ciruacutergica segura tanto
entre os dois grupos de profissionais (os atuam direta e os que atuam indiretamente em sala
operatoacuteria) quanto entre os profissionais do mesmo grupo
Ambos os grupos consideram que a seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica eacute um requisito
importante em todo perioperatoacuterio poreacutem a desconhecem na praacutetica e por isso natildeo
contribuem o quanto poderiam para o trabalho da fase subsequente Falta visatildeo sistecircmica e
integraccedilatildeo dos profissionais que atuam de forma direta ou natildeo para o ato ciruacutergico Pelo
conjunto dos depoimentos a seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica eacute um fenocircmeno
multidimensional
Emergiram quatro dimensotildees miacutenimas para a seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica
condiccedilatildeo estrutural processos de trabalho caracteriacutesticas do paciente e atitudes profissionais
Essas satildeo inter e co-dependentes e envolvem atores humanos e natildeo humanos As relaccedilotildees
subjetivas da praacutetica autocircnoma dos profissionais interferem na necessaacuteria intersetorialidade
para o funcionamento da rede intra-hospitalar e gera discrepacircncia entre a existecircncia do
trabalho conjunto no plano formal (padronizado normatizado instituiacutedo) e um contato
setorializadoindividualizado por meio das relaccedilotildees pessoais
Os profissionais dos dois grupos revelaram que o CC eacute um lugar desejado e valorizado
pelos profissionais que atuam direto e indiretamente no ato anesteacutesico-ciruacutergico Este setor foi
considerado complexo pela caracteriacutestica da atividade do arsenal tecnoloacutegico envolvido da
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 187
iacutenfima relaccedilatildeo vida e morte que permeia o cotidiano da sala operatoacuteria e pela demanda natildeo
programada que envolve imprevisto e incerteza Sendo por isso requerido dos profissionais
competecircncias teacutecnica e agilidade para utilizar o tempo a favor da vida dos pacientes e a
disponibilidade e a sofisticaccedilatildeo de atores natildeo humanos
A rede intra-hospitalar conforma-se com o entrecruzamento da ordem e da desordem
que promove a interaccedilatildeo entre os atores humanos e natildeo humanos para a organizaccedilatildeo da
assistecircncia ciruacutergica A falta de interaccedilatildeo dos diversos atores nas fases do perioperatoacuterio por
vezes e principalmente nos atendimentos de urgecircncia e emergecircncia gera conflitos dilemas e
sofrimento dos profissionais com implicaccedilotildees para a seguranccedila da assistecircncia ao paciente
ciruacutergico
As situaccedilotildees ciruacutergicas de urgecircncia e principalmente as de emergecircncias foram
consideradas de maior inseguranccedila Convivem e mistura-se uma suposta disciplina de
movimentos ldquoensaiadosrdquo por saberes especiacuteficos em um tempo preciso e oportuno para cada
procedimento agraves imagens ldquoencantadorasrdquo e ldquoinusitadasrdquo que chegam para atendimento e agrave
falta de articulaccedilatildeo entre os setores da rede intra-hospitalar levando a riscos ao paciente e
profissionais
Os depoimentos sobre os incidentes ocorridos no hospital e a vivecircncia dos
profissionais nestas situaccedilotildees mostraram sofrimento em um cenaacuterio ainda com uma cultura
punitiva Os exemplos praacuteticos relatados mostram que pequenas intervenccedilotildees violaccedilotildees que
se faz como se fora uma exceccedilatildeo repercute no desfecho final do atendimento ao paciente Ou
seja as accedilotildees de cada profissional da rede inter-hospitalar estatildeo intimamente interconectadas
tanto que mesmo as pequenas accedilotildees sejam dos que atuam diretamente sejam dos que atuam
indiretamente no ato ciruacutergico podem gerar um efeito com impacto na seguranccedila do paciente
com incidentes por vezes com danos irreversiacuteveis
O hospital possui accedilotildees para monitorar esses incidentes mas de forma geral precisam
de maior robustez para superar as limitaccedilotildees do sistema de notificaccedilotildees principalmente no
que diz respeito ao feedback para os profissionais que relatam alguns incidentes Aleacutem disso
as accedilotildees devem ser mais bem discutidas e metodicamente ampliadas e divulgadas para o
conjunto de profissionais uma vez que natildeo tecircm sido evidentes para todos os participantes
O preenchimento do checklist no hospital se mostrou como um processo mecacircnico e
meramente burocraacutetico que como tal natildeo tem conseguido ser barreira para os incidentes
Embora se tenha um profissional responsaacutevel para preencher o instrumento essa estrateacutegia
natildeo garantiu o preenchimento em todas as cirurgias Dessa forma viu-se que apenas a
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 188
inserccedilatildeo da ferramenta natildeo assegura a qualidade das praacuteticas eacute necessaacuterio considerar o
contexto complexo de uma sala operatoacuteria na qual haacute uma equipe multidisciplinar com
saberes e interesses diferenciados aleacutem de muacuteltiplas situaccedilotildees com o paciente que concorrem
para a efetiva aplicaccedilatildeo do checklist Aleacutem disso eacute preciso desmistificar a obsessatildeo pela
simplicidade do uso do checklist pois isso pode interferir na efetividade de sua implantaccedilatildeo e
utilizaccedilatildeo na praacutetica O modo como se utiliza o checklist de cirurgia segura tem
comprometido a legitimidade dada pelos profissionais que atuam diretamente em sala
operatoacuteria e muitos dos profissionais que atuam indiretamente natildeo conhecem como eacute este uso
Enfim a forma de tratar os erros a percepccedilatildeo de risco diminuiacuteda pelos profissionais e
a falta de reconhecimento da falibilidade humana mostra uma cultura de seguranccedila ainda em
desenvolvimento Sem uma cultura institucional desenvolvida e madura para as questotildees da
seguranccedila com comunicaccedilatildeo e conexatildeo entre os diversos atores as intervenccedilotildees podem
ocorrer mas seratildeo de forma superficial meramente para cumprir uma normatizaccedilatildeo dando
uma falsa ideia de seguranccedila Tem-se que investir na construccedilatildeo de uma cultura de seguranccedila
organizacional com base em planejamento sistemaacutetico dos processos de trabalho de acordo
com os riscos e as necessidades especiacuteficas das partes (cada setor) sem comprometer o todo
(a rede intra-hospitalar) estrateacutegias para execuccedilatildeo de accedilotildees de melhoria e avaliaccedilatildeo da
assistecircncia realizada buscando ter resiliecircncia ou seja que continuamente previna detecte
mitigue e diminua os incidentes
As limitaccedilotildees desta pesquisa se inserem agrave inerente limitaccedilatildeo da observaccedilatildeo do cenaacuterio
que eacute o chamado efeito hawthorne o qual o profissional ao ser observado modifica o seu
comportamento podendo interferir nos resultados No iniacutecio da coleta de dados houve uma
estranheza em relaccedilatildeo agrave presenccedila da pesquisadora e agrave acadecircmica que a acompanhou No
entanto apoacutes alguns dias os profissionais jaacute as tinham incorporado em seu cotidiano e
deixaram de ser estranhas diminuindo assim o efeito hawthorne Outra limitaccedilatildeo reside no
fato da pesquisa ter sido realizada em um uacutenico hospital natildeo podendo ser generalizaacutevel Para
suprir esta limitaccedilatildeo apresenta-se como sugestatildeo a realizaccedilatildeo de pesquisas que focalizem
maior nuacutemero de hospitais com outros perfis e tambeacutem que busquem analisar com mais
profundidade o impacto da cultura organizacional para a seguranccedila ciruacutergica
Almeja-se que este estudo proporcione informaccedilotildees que estimulem discussotildees e
reflexotildees sobre a seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio de forma mais ampla e a
importacircncia da conexatildeo entre atores humanos e natildeo humanos para a promoccedilatildeo da cirurgia
segura
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 189
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Glossaacuterio
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 209
GLOSSAacuteRIO
Ato anesteacutesico-ciruacutergico accedilotildees desenvolvidas para realizar no paciente a sedaccedilatildeo
(anestesia) abertura ato principal e fechamento (cirurgia) com finalidades esteacuteticas curativas
ou paliativas (CARVALHO BIANCHI 2007)
Circunstacircncia notificaacutevel situaccedilatildeo com grande capacidade de causar dano ao paciente mas
que natildeo produziu nenhum incidente (WHO 2009)
Cirurgia origem grega significa trabalho manual isto eacute o exerciacutecio ou praacutetica de uma
ocupaccedilatildeo (LOacutePEZ LA CRUZ 2002)
Cuidado de sauacutede serviccedilos recebidos por indiviacuteduos ou comunidades para promover
manter monitorar ou restaurar a sauacutede Pela ICPS esse termo tambeacutem inclui o auto-cuidado
(OMS 2009)
Fatores contribuintes circunstacircncias accedilotildees ou influecircncias que tem um papel na origem ou
no desenvolvimento de um incidente ou no aumento do risco de incidente Eles podem ser
externos organizacionais estarem relacionados ao staff ou a um fator individual do paciente
(OMS 2009)
Incidente com dano ou evento adverso situaccedilatildeo que causou dano ao paciente (WHO
2009)
Incidente sem danos evento que atingiu o paciente mas natildeo causou dano discerniacutevel
(WHO 2009)
Near miss incidente que natildeo atingiu o paciente (WHO 2009)
Paciente pessoa que recebe cuidado de sauacutede Pela ICPS se usa o termo paciente no lugar
dos termos consumidores ou clientes pois eacute mais abrangente (OMS 2009)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 210
Perigo circunstacircncia um agente ou uma accedilatildeo com potencial para provocar danos (WHO
2009)
Risco probabilidade de ocorrecircncia de um incidente probabilidade de um indiviacuteduo sofrer
algum dano em razatildeo da exposiccedilatildeo a um perigo (WHO 2009)
Sala de operaccedilotildees ou sala de cirurgia ou sala operatoacuteria local de acesso restrito onde o
paciente eacute submetido ao procedimento anesteacutesico-ciruacutergico com caracteriacutesticas determinadas
na legislaccedilatildeo quanto agrave construccedilatildeo e ao acabamento (CARVALHO BIANCHI 2007)
Seguranccedila do paciente reduccedilatildeo a um miacutenimo aceitaacutevel do risco de dano desnecessaacuterio
associado ao cuidado de sauacutede (OMS 2009)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 211
Apecircndices
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 212
APEcircNDICE I
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Convidamos vocecirc a participar da pesquisa intitulada ldquoCIRURGIA SEGURA perspectivas da equipe
multiprofissional de hospitais puacuteblicosrdquo desenvolvida pela doutoranda Helen Cristiny Teodoro Couto Ribeiro
sob orientaccedilatildeo da Professora Doutora Mariacutelia Alves da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG) A referida pesquisa objetiva compreender a cirurgia segura na perspectiva de
profissionais que atuam direta e indiretamente na assistecircncia ciruacutergica em hospitais puacuteblicos de Belo Horizonte
Trata-se de estudo qualitativo e a coleta de dados seraacute realizada por meio de entrevista e observaccedilatildeo Assim
vocecirc responderaacute perguntas sobre a assistecircncia ciruacutergica realizada no hospital e sua colaboraccedilatildeo neste processo
seja atuando direta ou indiretamente no bloco ciruacutergico Se concordar vocecirc participaraacute de uma entrevista com
uso de roteiro semiestruturado e figuras (buscadas na internet) sobre a assistecircncia ciruacutergica suas respostas seratildeo
gravadas posteriormente ouvidas e transcritas para ser o mais fidedigno a elas e estaraacute disponiacutevel para vocecirc
ouvir se assim o desejar
As observaccedilotildees seratildeo voltadas para o cotidiano do trabalho dos profissionais e ocorreratildeo desde a entrada do
paciente ciruacutergico ateacute a sua alta hospitalar perpassando principalmente pelo procedimento ciruacutergico se vocecirc
permitir Aleacutem disso seratildeo observadas reuniotildees da equipe pretendendo-se no miacutenimo observar uma reuniatildeo da
enfermagem e outra dos cirurgiotildees eou anestesistas Estas observaccedilotildees seratildeo registradas no diaacuterio de campo que
vocecirc poderaacute ler depois para autorizar sua utilizaccedilatildeo ou natildeo
Sua participaccedilatildeo eacute voluntaacuteria e os riscos satildeo miacutenimos poreacutem caso se sinta constrangido em dar alguma resposta
vocecirc estaraacute livre para natildeo responder Afirmamos que seraacute garantido o seu anonimato as entrevistas seratildeo
identificadas apenas pela letra ldquoErdquo enumerada de acordo com a realizaccedilatildeo natildeo identificando portanto o seu
nome Firmamos o compromisso que as declaraccedilotildees seratildeo utilizadas apenas para fins desta pesquisa e veiacuteculos
de divulgaccedilatildeo cientiacutefica e as gravaccedilotildees e o diaacuterio de campo ficaratildeo sob nossa responsabilidade por um periacuteodo
de 5 anos sendo posteriormente totalmente destruiacutedos
Esperamos que este estudo contribua para reflexatildeo da cirurgia segura sobre a oacutetica dos profissionais que atuam
diretamente na assistecircncia perioperatoacuteria e indiretamente no suporte para o ato ciruacutergico e como essa visatildeo a
partir de suas subjetividades ideologias e praacuteticas influenciam nas estrateacutegias de mudanccedila dos processos de
trabalho para uma assistecircncia ciruacutergica de qualidade e segura para o paciente
Informamos que vocecirc poderaacute solicitar informaccedilotildees e fazer perguntas agraves pesquisadoras caso tenha alguma
duacutevida a qualquer momento do estudo e ainda retirar o seu consentimento sem nenhum ocircnus ou prejuiacutezo
pessoal ou relacionado ao seu trabalho Esclarecemos ainda que vocecirc natildeo teraacute nenhum gasto adicional e nenhum
benefiacutecio financeiro
Recebemos autorizaccedilatildeo da instituiccedilatildeo que vocecirc trabalha para realizar a pesquisa e o projeto foi aprovado pelo
Comitecirc de Eacutetica da UFMG Assim se vocecirc estiver de acordo e as declaraccedilotildees tiverem sido satisfatoacuterias
solicitamos assinar o presente Termo dando consentimento para a sua participaccedilatildeo no estudo supracitado
___________________________ __________________________________
Profordf Drordf Mariacutelia Alves Helen Cristiny Teodoro Couto Ribeiro
Eu _______________________________________ declaro que recebi este Termo de forma voluntaacuteria fui
esclarecido(a) sobre a finalidade da pesquisa e concordo em participar dela sabendo que meu nome natildeo seraacute
divulgado e os resultados seratildeo utilizados apenas para fins cientiacuteficos
___________________________________________________
Assinatura do profissional entrevistado
Belo Horizonte ___ de _________________________ de 2014
APEcircNDICE II
Contato com as pesquisadoras
- Prof Drordf Marilia Alves
Av Alfredo Balena 190 Sl 514 ndash Stordf Efigecircnia
CEP 30130-000 - Belo HorizonteMG
- Helen Cristiny Teodoro Couto Ribeiro
Rua Nicolina Pacheco 600101- Palmares
CEP 31155-680 - Belo HorizonteMG
Telefones 31-3582721431-84375228
E-mail helenctcoutoyahoocombr
Contato Comitecirc de Eacutetica e Pesquisa da UFMG
Av Presidente Antonio Carlos 667 -
Unidade Administrativa II ndash 2ordm Andar sala
2005 Campus Pampulha CEP 31270-901
Belo HorizonteMGTelefone 31-34094592
Email coepprpqufmgbr
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 213
APEcircNDICE II
Roteiro de Entrevista Semiestruturado
Nuacutemero da Entrevista E_________Data ______
Horaacuterio de Iniacutecio ______ Horaacuterio de Teacutermino ______ Duraccedilatildeo _________
Sexo ( ) Masculino ( ) Feminino
Idade _____ anos Estado civil _______________________
Formaccedilatildeo( ) curso teacutecnico ( ) graduaccedilatildeo Aacuterea e escola ________________
Ano eou tempo de formaccedilatildeo __________________
Niacutevel de qualificaccedilatildeo( ) especializaccedilatildeoMBA ( ) mestrado ( ) doutorado
Aacuterea eConclusatildeo _____________________________________
FunccedilatildeoCargo exercido na instituiccedilatildeo _____________________________________
Data de admissatildeo eou tempo de trabalho na instituiccedilatildeo ______________________
Forma de admissatildeo ________________________________________________
Local de atuaccedilatildeo na instituiccedilatildeo _________________ Haacute quanto tempo _________
Carga horaacuteria neste hospital ___________Turno neste hospital _____________
Vinculo com outra instituiccedilatildeo _____________ Haacute quanto tempo _______
1- Como vocecirc percebe o Bloco Ciruacutergico dentro do hospital Como vocecirc pensa que os
profissionais do Bloco percebem o seu setor
2- Como eacute a relaccedilatildeoarticulaccedilatildeointegraccedilatildeo entre os diversos setores e profissionais para a
realizaccedilatildeo de uma cirurgia
3- Descreva para mim as condiccedilotildees de trabalho neste hospital para a realizaccedilatildeo de cirurgias
4- Fale-me sobre seu trabalho no hospital Como ele contribui para a realizaccedilatildeo das
cirurgias Para o Meacutedico Como eacute seu trabalho na realizaccedilatildeo das cirurgias no hospital
5- Na sua experiecircncia quando ocorre uma Cirurgia Segura e quando ocorre uma Cirurgia
Insegura
6- Fale-me sobre a implantaccedilatildeo da Cirurgia Segura neste hospital
Como estaacute sendo utilizado o checklist de cirurgia seguratime out em seu cotidiano de
trabalho
Para os que atuam indiretamente Vocecirc conhece o checklist de cirurgia seguratime out do
hospital Como foi sua implantaccedilatildeo e como estaacute sendo utilizado
7- Como eacute realizada a mensuraccedilatildeo da assistecircncia ciruacutergica
8- Fale-me de uma situaccedilatildeo em que ocorreu um erro ou evento adverso relacionado a
cirurgia em que vocecirc estava envolvido ou ficou sabendo
Qual foi a reaccedilatildeo dos colegas da coordenaccedilatildeo da unidade e da direccedilatildeo do hospital frente
ao evento
Essa situaccedilatildeo foi notificada eou discutida com a equipe
9- Vocecirc gostaria de acrescentar mais alguma coisa
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 214
APENDICE III
Tabela 1 Adesatildeo ao checklist de cirurgia segura por ano de aplicabilidade Belo
Horizonte ndash MG (2010 a 2015)
Ano de
uso
Cirurgias
realizadas (n)
Checklist
aplicados (n)
Adesatildeo
()
Todos os
dias
2ordf a 6ordf feira
07 agraves 16h
Todos os
dias
2ordf a 6ordf feira
07 agraves 16h
Todos os
dias
2ordf a 6ordf feira
07 agraves 16h
1deg 4798 2657 3076 2014 641 758
2deg 5363 3062 2898 1585 540 518
3deg 5116 3093 2944 1532 575 495
4deg 4957 2845 2890 1451 583 510
5ordm 4187 2609 2480 1566 578 600
Total 24421 14266 14288 8148 583 571
Fonte Ribeiro et al (mimeo)
Nota dias e horaacuterio haacute um profissional responsaacutevel pelo preenchimento do checklist de cirurgia segura
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 215
Anexos
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 216
ANEXO I
Parecer Consubstanciado do CEP
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 217
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 218
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 219
ANEXO II
Checklist utilizado no hospital em estudo
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 220
ANEXO III
Quadro de Time Out
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 221
ANEXO IV
Lista de Verificaccedilatildeo de Seguranccedila Ciruacutergica (checklist)
Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na perspectiva de profissionais a integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 21
FFi
x
x
Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na perspectiva de profissionais a integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 22
Este trabalho eacute vinculado ao Nuacutecleo de
Pesquisa sobre Administraccedilatildeo em Enfermagem
(NUPAE) da Escola de Enfermagem da
Universidade Federal de Minas Gerais
x
x
Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na perspectiva de profissionais a integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 23
x
Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na perspectiva de profissionais a integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 24
x
Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na perspectiva de profissionais a integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 25
O poder da oraccedilatildeo eacute como um efeito borboleta vocecirc ora aqui e o mar vermelho se abre tambeacutem para outras pessoas laacute (Helen Ribeiro)
Teus oacute Senhor satildeo a grandeza o poder a gloacuteria a majestade e o esplendor pois tudo o que haacute nos ceacuteus e na terra eacute teu Teu oacute Senhor eacute o reino tu estaacutes acima de tudo A riqueza e a honra vecircm de ti tu dominas sobre todas as coisas Nas tuas matildeos estatildeo a forccedila e o poder para exaltar e dar forccedila a todos Agora nosso Deus damos-te graccedilas e louvamos o teu glorioso nome (I Crocircnicas 29 11-13)
x x
Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na perspectiva de profissionais a integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 26
A minha heranccedila do Senhor ANA BEATRIZ
que desde meados deste projeto
te gestar te ver nascer sorrir e cuidar de vocecirc
tem-me revelado mais da Graccedila de DEUS
e trouxe grande alegria para meu viver
As DEMAIS HERANCcedilAS que o Senhor
concederaacute a mim e ao meu amado Bruno
ainda natildeo os conhecemos
mas jaacute agradecemos a DEUS
pela nossa famiacutelia
Dedicatoacuteria
Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na perspectiva de profissionais a integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 27
A JESUS filho do DEUS Altiacutessimo por ter me dado a resposta para o Alfa deste desafio o
sustento em cada etapa e me trazido para o Ocircmega Tua fidelidade me constrange
Ao meu eterno namorado meu motivador pessoal homem valoroso Bruno
pelo incentivo constante por me amar tanto e ter sido o Escolhido de DEUS para um projeto
maior construccedilatildeo de uma linda famiacutelia Amo-te cada vez mais
A minha matildeezinha Cida que tanto amo por abdicar da sua casa e emprego para nos ajudar
no cuidado da nossa princesa e da nossa casa possibilitando-me ausentar
para executar esta tese com tranquilidade imensuraacutevel
A minha princesa linda Ana Beatriz
sua alegria contagiante seu charme te ouvir me chamar de ldquomamatildeaaeeerdquo
ganhar seus muitos beijinhos me motivaram a cada dia da construccedilatildeo desta tese
Agrave Profordf Drordf Mariacutelia que aleacutem de orientar este trabalho com esmero tambeacutem apoiou com
todo carinho e se alegrou conosco com o projeto Ana Beatriz
A minha amiga irmatilde confidente conselheira Sandra pelas oraccedilotildees constantes sempre com
uma palavra que me consolou e me fortaleceu em cada um dos momentos difiacuteceis desta tese
Alegrou-se com minhas vitoacuterias Amo vocecirc e sua famiacutelia linda
Aos meus amigos e irmatildeos Gegecirc e Edy pelo companheirismo e amor amigos de toda hora
A disponibilidade do coraccedilatildeo de vocecircs para nos ajudar eacute indescritiacutevel Amo vocecircs
Aos amigos do meu coraccedilatildeo Karine e Leo Naiara e Emerson Jhonatan Alexandra e
Alexandre Aline e Alessandro Dani e Alexandre Raquel Ruacutebia e famiacutelia por torcerem e
orarem por mim
A minha sobrinha Maria Luiza e aos meus sobrinhos do coraccedilatildeo Rafael Davi Bianca Alice
Andreacute e agrave mascotinha princesa Ana Teresa pelos sorrisos que alegram os meus dias
Agradecimentos
Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na perspectiva de profissionais a integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 28
Aos meus familiares de Divinoacutepolis ressalto a presenccedila constante dos tios Faacutetima Osvaldo e
priirmatilde Aliny aos de Belo Horizonte principalmente meus sogros amados Lena e Gilto pelo
apoio de Ipatinga ressalto o amor de cada um dos meus tios do coraccedilatildeo e de Sete Lagoas
por compreenderem minha necessaacuteria ausecircncia agora estaremos mais juntos
Aos colegas da poacutes-graduaccedilatildeo da Escola de Enfermagem e de Administraccedilatildeo da UFMG
Aos colegas e pesquisadores do NUPAE pelo aprendizado ressalto agraves queridas Elana Dani
Bruna Liacutevia Meiry Andreia e Bia Destaco o apoio e oraccedilotildees da Kellen e a ajuda da Ana
Caroline Bredes companheira especial neste percurso
Aos funcionaacuterios do Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo principalmente a Lucilene pelas diversas
orientaccedilotildees e professores da Escola de Enfermagem da UFMG principalmente agraves queridas
Profordf Maria Joseacute e Profordf Kecircnia exemplos que levarei para sempre
Agraves colegas da Secretaria de Estado de Sauacutede de Minas Gerais Soraya Eliane Claacuteudia
Simone Walkiacuteria Camila Dri Fernando Lu Conceiccedilatildeo Aacutegda Nayara
Aos colegas da UFSJ ressalto a torcida pela nomeaccedilatildeo dos professores Juliano Alexandre
Valeacuteria Eliete Heloiacuteza Virginia A acolhida do Profdeg Eduardo Profordf Patriacutecia Isabel e
professores do Grupo Sauacutede do Adulto e Idoso principalmente a ajuda das professoras
Tatiane Luciana Liliane e Aline e a Profordf Letiacutecia que me recebeu com carinho em sua sala
Agrave coordenaccedilatildeo de enfermagem aos coordenadores da Linha de Cuidados Ciruacutergicos e aos
profissionais do hospital cenaacuterio deste estudo pela disponibilidade em atenderam o pedido
para participar desta pesquisa muito obrigada Ressalto a atenccedilatildeo do Og
Aos professores da banca de qualificaccedilatildeo Maria Joseacute Brito e Maacuterio Borges
e aos demais professores da banca de defesa pelas contribuiccedilotildees e aprendizado
Agraves pessoas queridas que aprendi muito sobre Seguranccedila do Paciente Lismar Helidea
Profordm Walter Mendes Profordm Victor Grabois Simone Eacuterika Andreia Acircngela e Gilberto
Agradecimentos
Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na perspectiva de profissionais a integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 29
RESUMO
RIBEIRO HCTC Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma
complexa rede intra-hospitalar 223 f Tese (Doutorado em Enfermagem) ndash Escola de
Enfermagem Universidade Federal de Minas Gerais Belo Horizonte 2016
A seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio eacute promovida tanto por meio de atores natildeo
humanos (como checklist materiais e equipamentos) quanto pela praacutetica dos diversos atores
humanos da rede intra-hospitalar Objetivou-se analisar a seguranccedila da assistecircncia no
perioperatoacuterio na visatildeo de profissionais que atuam direta e indiretamente no ato anesteacutesico-
ciruacutergico focalizando a conexatildeo dos diferentes atores da rede intra-hospitalar Trata-se de um
estudo de caso de natureza qualitativa em que participaram 32 profissionais que atuam no
centro ciruacutergico e nas unidades assistenciais e de apoio ao ato anesteacutesico-ciruacutergico A coleta
de dados foi realizada por meio de entrevistas com roteiro semiestruturado e observaccedilatildeo Os
dados foram analisados empregando-se a teacutecnica da Anaacutelise de Conteuacutedo Temaacutetica Os
resultados da pesquisa foram agrupados em trecircs categorias ldquoRede intra-hospitalar para o
perioperatoacuterio em um hospital puacuteblico referecircncia para urgecircncias e emergecircncias e de ensinordquo
ldquoSituaccedilotildees de seguranccedila e de inseguranccedila nos procedimentos ciruacutergicosrdquo e ldquoLista de
verificaccedilatildeo de seguranccedila ciruacutergica da aparente simplicidade a real complexidaderdquo Na
primeira categoria observou-se uma mistificaccedilatildeo do Centro Ciruacutergico pelos profissionais que
atuam internamente e externamente a este setor A rede intra-hospitalar foi considerada vital
poreacutem encontra-se fragmentada e a maior parte dos participantes natildeo tem uma visatildeo sistecircmica
de todas as fases do perioperatoacuterio Na segunda categoria apresentaram-se situaccedilotildees de
seguranccedila e inseguranccedila no cotidiano da assistecircncia ciruacutergica e como as pequenas accedilotildees
resultam em grandes incidentes ciruacutergicos Emergiram quatro dimensotildees miacutenimas
imprescindiacuteveis inter e co-dependentes para a seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica condiccedilatildeo
estrutural processos de trabalho caracteriacutesticas do paciente e atitudes profissionais As
cirurgias de urgecircncia e emergecircncia foram consideradas os procedimentos mais inseguros
devido ao fato da demanda ser imprevisiacutevel e por exigir tomada de decisatildeo e accedilotildees raacutepidas
Observou-se uma cultura ainda natildeo solidificada para tratar os erros e incidentes O
preenchimento do checklist no hospital estudado se mostrou como um processo mecacircnico que
como tal natildeo tem conseguido ser barreira para os incidentes Foi implantado por um pequeno
grupo de profissionais natildeo sendo amplamente divulgado e natildeo houve sensibilizaccedilatildeo para o
envolvimento e a adesatildeo ao checklist O preenchimento de forma coletiva e a sua valorizaccedilatildeo
pelos profissionais que atuam direta e indiretamente em sala operatoacuteria eacute um desafio Para
tanto dentre outras accedilotildees deve-se formular e executar estrateacutegias de envolvimento de um
nuacutemero maior de profissionais da rede intra-hospitalar considerar a aplicaccedilatildeo do checklist em
um contexto complexo que eacute a sala operatoacuteria e desmistificar a simplicidade do uso do
checklist uma vez que isso interfere na efetividade de sua utilizaccedilatildeo
Descritores Seguranccedila do Paciente Qualidade da Assistecircncia agrave Sauacutede Centro Ciruacutergico
Hospitalar Lista de Checagem
Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na perspectiva de profissionais a integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 30
ABSTRACT
RIBEIROH C T C Safety of perioperative care integration of a complex intra-hospital
network 223 f Thesis (Doctorate in Nursing) - Nursing School Federal University of Minas
Gerais Belo Horizonte 2016
The safety of perioperative care is promoted both by non-human factors (such as checklist
materials and equipment) and the practice of various human actors in-hospital network This
study aimed to analyze the safety of perioperative care in the view of professionals who work
directly and indirectly in the anesthetic-surgical procedure focusing on the connection of the
different actors of intra-network hospital This is a case of qualitative study involving 32
professionals working in the operating room and in medical clinics or supporting the
anesthetic-surgical act Data collection was conducted through interviews with semi-
structured script and observation Data were analyzed using the technique of Thematic
Content Analysis The results of the research were grouped into three categories intra-
hospital network for the surgery in a public reference hospital for emergency care and
education Security Situations and insecurity in surgical procedures and Surgical safety
checklist the apparent simplicity of the real complexity In the first category there was a
mystification of the Surgical Center by professionals working internally and externally to this
sector In-hospital network was considered vital but is fragmented and most of the
participants do not have a systemic view of all phases of the perioperative period In the
second category presented to security and insecurity situations in everyday surgical care and
how small actions result in major surgical incidents Emerged four minimum dimensions
indispensable inter and co-dependent for the safety of surgical care structural condition
work processes patient characteristics and professional attitudes Urgent and emergency
surgeries were considered the most unsafe procedures due to the fact that demand is
unpredictable and require decision making and quick actions It was observed a culture still
unsolidified to handle errors and accidents The completion of the checklist in the studied
hospital showed as a mechanical process which as such has not been able to be barrier to the
incidents Was established by a small group of professionals not being widely reported and
there was no awareness of the involvement and adherence to the checklist Filling collectively
and their valuation by professionals who work directly and indirectly in the operating room is
a challenge To this end among other actions should develop and implement engagement
strategies for a greater number of professionals in-hospital network consider the complex
environment of an operating room and demystify the simplicity of use of the checklist once
that interfere in the effectiveness of its use
Keywords Patient Safety Quality of Health Care Surgical Center Hospital Check list
Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na perspectiva de profissionais a integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 31
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Representaccedilatildeo da assistecircncia ciruacutergica segura 37
Figura 2 - Tetragrama ordemdesordemintegraccedilatildeoorganizaccedilatildeo 70
Figura 3 - Tetragrama ligaccedilatildeointeraccedilatildeo entre os setores 70
Figura 4 - Tetragrama dos processos de trabalho para realizaccedilatildeo da cirurgia 71
Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na perspectiva de profissionais a integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 32
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Etapas da aplicaccedilatildeo do checklist de cirurgia segura da Organizaccedilatildeo Mundial de
Sauacutede (OMS)
32
Quadro 2
- Criteacuterios para escolha dos cenaacuterios de pesquisa Belo Horizonte 2011 44
Quaro 3
- Distribuiccedilatildeo dos leitos do hospital cenaacuterio de estudo (2015)
45
Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na perspectiva de profissionais a integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 33
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ANVISA Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria
APS Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede
ATLS Advanced Trauma Life Support
CC Centro Ciruacutergico
CCIH Comissatildeo de Controle de Infecccedilatildeo Hospitalar
CLT Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho
CME Central de Material de Esterilizaccedilatildeo
CNES Cadastro Nacional de Estabelecimento de Sauacutede
CNS Conselho Nacional de Sauacutede
COFEN Conselho Federal de Enfermagem
COREN-MG Conselho Regional de Enfermagem de Minas Gerais
CTI Centro de Terapia Intensiva
DO-ONA Diagnoacutestico Organizacional
EA Eventos Adversos
ENAEEUFMG Departamento de Enfermagem Aplicada da Escola de Enfermagem da
Universidade Federal de Minas Gerais
EPI Equipamentos de Proteccedilatildeo Individual
FHEMIG Fundaccedilatildeo Hospitalar do estado de Minas Gerais
FIOCRUZ Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz
FUNDEP Fundaccedilatildeo de Desenvolvimento da Pesquisa
GT-SEPAE Grupo de Trabalho sobre Seguranccedila do Paciente na Assistecircncia de
Enfermagem
HJXXIII FHEMIG Hospital Joatildeo XXIII da Fundaccedilatildeo Hospitalar do Estado de Minas Gerais
IACONA Instituiccedilatildeo Acreditadora Credenciada pela ONA
IAM Infarto Agudo do Miocaacuterdio
ICPS International Classification for Patient Safety
ISC Infecccedilatildeo de Siacutetio Ciruacutergico
IAK Iacutendice de Aldrete e Kroulik
JCAHO Joint Commission on Accreditation of Healthcare Organizations
JCI Joint Commission International
LVSC Lista de Verificaccedilatildeo de Seguranccedila Ciruacutergica
Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na perspectiva de profissionais a integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 34
NEPE Nuacutecleo de Ensino Pesquisa e Extensatildeo
NGQ Nuacutecleo de Gestatildeo da Qualidade
OMS Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede
ONA Organizaccedilatildeo Nacional de Acreditaccedilatildeo
PAF Perfuraccedilatildeo por Arma de Fogo
PNSP Programa Nacional de Seguranccedila do Paciente
PRO-HOSP Programa de Fortalecimento e Melhoria da Qualidade dos Hospitais do
Sistema Uacutenico de Sauacutede de Minas Gerais
QI Quality Improvement
RI Residente Iniciante
RNI Razatildeo de Normatizaccedilatildeo Internacional
SAE Sistematizaccedilatildeo da Assistecircncia de Enfermagem
SAEP Sistematizaccedilatildeo da Assistecircncia de Enfermagem Perioperatoacuteria
SAMU Serviccedilo de Atendimento Moacutevel de Urgecircncia
SBA Sistema Brasileiro de Acreditaccedilatildeo
SBAR Situaccedilatildeo Background Avaliaccedilatildeo Recomendaccedilatildeo
SES-MG Secretaria de Estado de Sauacutede de Minas Gerais
SIHSUS Sistema de Informaccedilotildees Hospitalares do SUS
SO Sala Operatoacuteria
SRPA Sala de Recuperaccedilatildeo Poacutes-anesteacutesica
SUS Sistema Uacutenico de Sauacutede
TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UFMG Universidade Federal de Minas Gerais
WHO Word Health Organization
Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na perspectiva de profissionais a integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 35
SUMAacuteRIO
OS PRIMEIROS TRILHOS PERCORRIDOS ATEacute O DESAFIO DESTA
TESE
18
1 PROBLEMAacuteTICA DO ESTUDO CONTEXTUALIZANDO O
DESAFIO PROPOSTO
23
2 ASSISTEcircNCIA CIRUacuteRGICA SUBSIacuteDIOS TEOacuteRICOS PARA ESTE
DESAFIO
28
21 Incidentes na assistecircncia ciruacutergica 28
22 Seguranccedila do paciente breve histoacuterico com foco na aacuterea ciruacutergica
30
23 Checklist de cirurgia segura resultados positivos e limitaccedilotildees
32
24 Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica hospitalar ampliando o olhar
35
3 CAMINHO PERCORRIDO
40
31 Tipo de estudo
40
32 Cenaacuterio do estudo
43
33 Participantes do estudo
45
34 Coleta de dados
47
35 Anaacutelise dos dados
49
36 Aspectos eacuteticos da pesquisa
51
4 APRESENTACcedilAtildeO E DISCUSSAtildeO DOS ACHADOS
53
41 Rede intra-hospitalar para o perioperatoacuterio em um hospital puacuteblico referecircncia
para urgecircncias e emergecircncias e de ensino
53
411 Centro ciruacutergico de um hospital referecircncia para urgecircncias e emergecircncias que
lugar eacute esse
54
412 Rede intra-hospitalar conexotildees para a seguranccedila
ciruacutergica
66
413 Perioperatoacuterio entrelaccedilamento das trecircs fases para a cirurgia segura
78
42 Situaccedilotildees de seguranccedila e de inseguranccedila nos procedimentos ciruacutergicos 93
421 Cirurgia segura e cirurgia insegura imbricaccedilotildees de atores humanos e natildeo
humanos
94
Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na perspectiva de profissionais a integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 36
422 Onda vermelha situaccedilatildeo de caos que salva vidas
115
423 Efeito borboleta pequenas accedilotildees podem resultar em grandes incidentes na
assistecircncia ciruacutergica 131
424
43
431
432
5
Abordagem institucional frente aos incidentes efeitos da cultura
organizacional
Lista de verificaccedilatildeo de seguranccedila ciruacutergica da aparente simplicidade a real
complexidade
Lista de verificaccedilatildeo de seguranccedila ciruacutergica da implantaccedilatildeo aos dias atuais
Melhorias no uso do checklist de cirurgia segura
REFLEXOtildeES FINAIS
139
156
157
174
186
REFEREcircNCIAS
190
GLOSSAacuteRIO
209
APEcircNDICES
ANEXOS
212
216
Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na perspectiva de profissionais a integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 37
Apresentaccedilatildeo
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 18
OS PRIMEIROS TRILHOS PERCORRIDOS ATEacute O DESAFIO DESTA TESE
A ciecircncia eacute e continua a ser uma aventura A ciecircncia natildeo estaacute unicamente na
capitalizaccedilatildeo das verdades adquiridas na verificaccedilatildeo das teorias conhecidas mas no
caraacuteter aberto da aventura que permite melhor dizendo que hoje exige a
contestaccedilatildeo das suas proacuteprias estruturas de pensamento (MORIN 2005)
Os trilhos que me conduziram ao desafio de estudar a temaacutetica ldquoQualidade e
Seguranccedila do Pacienterdquo e de realizar essa tese foram se delineando no decorrer da praacutetica
profissional As inquietaccedilotildees vieram da praacutetica assistencial em um hospital universitaacuterio e das
discussotildees e elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede na Secretaria de Estado de Sauacutede de
Minas Gerais (SES-MG)
Na assistecircncia como enfermeira de pediatria e maternidade de um hospital
universitaacuterio vivenciei vaacuterios incidentes que causaram danos aos pacientes inclusive o oacutebito
Essas vivecircncias foram permeadas algumas vezes por silecircncio e em outras por ruiacutedos nos
corredores da instituiccedilatildeo Havia uma mescla de sentimentos como raiva do residente mesmo
consciente de seu processo de aperfeiccediloando do preceptor por natildeo ter conseguido intervir no
incidente aleacutem de compaixatildeo pelos pacientes e familiares que sofreram o dano e a sensaccedilatildeo
de impotecircncia e desvalorizaccedilatildeo profissional Muitas vezes natildeo foram considerados alguns
posicionamentos por parte da equipe de enfermagem de situaccedilotildees que predispunha a
ocorrecircncia de incidentes mostrando desarticulaccedilatildeo e fragilidades na comunicaccedilatildeo e no
trabalho em equipe
Na SES-MG o interesse pelo tema foi desencadeado por um trabalho de campo
realizado em 2006 que possibilitou constatar que natildeo havia padronizaccedilatildeo nos procedimentos
ciruacutergicos havendo variabilidade dos resultados e custo pois dependendo do cirurgiatildeo
gastava-se maior quantidade de material natildeo estando necessariamente ligada agraves necessidades
do paciente Aleacutem disso atuei no monitoramento da gestatildeo de vaacuterios hospitais do estado o
que possibilitou perceber a contradiccedilatildeo entre os discursos dos gestores e os indicadores
alcanccedilados
Neste percurso iniciei em 2007 o curso de especializaccedilatildeo em gestatildeo hospitalar
promovido pela Escola de Sauacutede Puacuteblica de Minas Gerais No curso as discussotildees com
gestores de hospitais do estado em diferentes niacuteveis hieraacuterquicos eram carregadas de
anguacutestia por natildeo terem autonomia para realizar as mudanccedilas necessaacuterias para melhorar a
qualidade institucional
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 19
Outra vivecircncia que me levou agrave temaacutetica ldquoQualidade e Seguranccedila do Pacienterdquo foi
minha atuaccedilatildeo como avaliadora liacuteder em duas ediccedilotildees do Precircmio Ceacutelio de Castro (2008 e
2009) Por meio desse Precircmio a SES-MG avaliava com base nos criteacuterios da Organizaccedilatildeo
Nacional de Acreditaccedilatildeo (ONA) o grau de incorporaccedilatildeo de praacuteticas de gestatildeo de seguranccedila
de processos e de resultados dos hospitais participantes do Programa de Fortalecimento e
Melhoria da Qualidade dos Hospitais do Sistema Uacutenico de Sauacutede de Minas Gerais (Pro-
Hosp) Durante as avaliaccedilotildees conheci cenaacuterios permeados por processos de trabalho
fragmentados levando a riscos e inseguranccedila tanto para os pacientes quanto para os
profissionais
Essa experiecircncia surgiu mediante a um convite para integrar ao receacutem-criado Nuacutecleo
de Gestatildeo da Qualidade (NGQ) em 2008 Liderado por uma empreendedora puacuteblica o Nuacutecleo
foi composto por profissionais de diversos setores da SES-MG Nessa eacutepoca eu estava
alocada na Assessoria de Gestatildeo Estrateacutegica Havia reuniotildees perioacutedicas para discutir e
planejar accedilotildees para estimular e capacitar profissionais dos hospitais do estado no que se
refere agrave melhoria contiacutenua e avaliaccedilatildeo da qualidade dos serviccedilos prestados Dado o impacto
dos resultados alcanccedilados e da necessidade de ampliar o escopo de trabalho para os demais
serviccedilos de sauacutede em 2009 o NGQ se tornou uma assessoria com servidores proacuteprios ao
qual tambeacutem fui convidada a integrar-me
Posteriormente na ocasiatildeo da saiacuteda de pessoas da gestatildeo que compreendiam a
importacircncia da temaacutetica ldquoQualidade e Seguranccedila do Pacienterdquo essa assessoria foi extinta do
organograma retornando ao status de Nuacutecleo Um processo de desvalorizaccedilatildeo da temaacutetica se
seguiu passando a natildeo ser considerada uma agenda estrateacutegica na SES Atuei como referecircncia
teacutecnica coordenando a partir de 2012 a equipe remanescente Ateacute dezembro de 2014 o NGQ
fez parte da Assessoria de Normalizaccedilatildeo dos Serviccedilos de Sauacutede e em 2015 a nova gestatildeo
estadual sinalizou a intenccedilatildeo de dar continuidade agraves accedilotildees alinhadas com o Ministeacuterio da
Sauacutede Elaborei a pedido da gestatildeo o projeto de criaccedilatildeo do Comitecirc Estadual de Seguranccedila do
Paciente com o objetivo de implantar em acircmbito estadual a prevenccedilatildeo quaternaacuteria por meio
das diretrizes do Programa Nacional de Seguranccedila do Paciente (PNSP)
A SES-MG assumiu com o Banco Mundial a meta de viabilizar ateacute 2010 a
realizaccedilatildeo de 80 diagnoacutesticos organizacionais (DO-ONA) por meio do NGQ o que foi
cumprido conforme previsto O DO-ONA consiste em uma avaliaccedilatildeo dos sistemas de
assistecircncia gestatildeo e qualidade dos serviccedilos de sauacutede por meio da aplicaccedilatildeo da metodologia
do Sistema Brasileiro de Acreditaccedilatildeo (SBA) que deve ser desenvolvido por avaliadores da
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 20
Instituiccedilatildeo Acreditadora Credenciada pela ONA (IACONA) (ONA 2010) Em 2009 foram
realizados 45 DO-ONA e tive a oportunidade de participar como observadora da avaliaccedilatildeo
em alguns hospitais A experiecircncia que obtive com as visitas para realizaccedilatildeo dos DO-ONA
aliada agrave minha vivecircncia no Precircmio Ceacutelio de Castro e meu interesse pela avaliaccedilatildeo dos
serviccedilos de sauacutede ampliaram meu olhar sobre as natildeo conformidades ocorridas em hospitais
do estado ou seja sobre aspectos que contradizem a legislaccedilatildeo vigente e os padrotildees
estabelecidos nacional e internacionalmente para boas praacuteticas nos processos de trabalho
Toda essa vivecircncia me levou a buscar o mestrado na Escola de Enfermagem da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) com o intuito de aprofundar-me nos estudos
sobre a qualidade de serviccedilos de sauacutede Iniciei assim meu percurso acadecircmico estudando as
natildeo conformidades especiacuteficas da enfermagem em 37 hospitais Pro-Hosp avaliados em 2009
Os resultados encontrados revelaram entre outros aspectos que nenhum dos hospitais possuiacutea
uma poliacutetica de gerenciamento dos riscos com foco na seguranccedila do paciente Diante disso e
das discussotildees e participaccedilatildeo em eventos aleacutem do meu inconformismo em relaccedilatildeo agrave forma
como a miacutedia os profissionais de sauacutede e a sociedade em geral lidam com os profissionais
envolvidos em incidentes desenvolvi no doutorado uma pesquisa sobre a seguranccedila do
paciente A ciecircncia da seguranccedila do paciente eacute complexa envolve muacuteltiplos atores para a sua
concepccedilatildeo e eacute uma aacuterea desafiadora para os serviccedilos a gestatildeo o judiciaacuterio a academia e a
sociedade Espero com essa pesquisa contribuir na dissipaccedilatildeo das brumas sobre a cultura de
que o profissional de sauacutede natildeo erra ou natildeo pode errar A falibilidade eacute inerente ao ser
humano natildeo sendo os profissionais da aacuterea da sauacutede uma exceccedilatildeo Assim eacute necessaacuterio
discutir e construir barreiras para prevenir e mitigar a ocorrecircncia de incidentes resultantes da
assistecircncia prestada pelos profissionais
Em 2014 atuei no Grupo de Trabalho sobre Seguranccedila do Paciente na Assistecircncia de
Enfermagem (GT-SEPAE) do Conselho Regional de Enfermagem de Minas Gerais (Coren-
MG) e na tutoria do Curso Internacional de Qualidade em Sauacutede e Seguranccedila do Paciente da
Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz (Fiocruz) duas experiecircncias que me proporcionaram grande
aprendizado
Em outubro de 2015 iniciei minha trajetoacuteria na docecircncia na Universidade Federal de
Satildeo Joatildeo Del Rei Campus Divinoacutepolis onde pretendo dar continuidade ao desafio de buscar
compreender as nuances relacionada agrave qualidade e seguranccedila da assistecircncia agrave sauacutede
contribuindo para a formaccedilatildeo de profissionais criacuteticos capazes de mudarem a atual cultura
punitiva frente aos incidentes
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 21
O presente estudo encontra-se organizado em seis capiacutetulos O primeiro se refere a
esta apresentaccedilatildeo a qual relata a trajetoacuteria acadecircmica e profissional evidenciando os motivos
que suscitaram a escolha do tema No segundo capiacutetulo a introduccedilatildeo busca contextualizar a
temaacutetica principal elaborar o problema e as questotildees norteadoras da pesquisa e descrever o
objetivo do estudo O terceiro capiacutetulo apresenta os elementos teoacutericos que sustentam a
discussatildeo conceitual dos principais assuntos correlacionados ao tema proposto por meio do
resgate da literatura acerca do paciente ciruacutergico O quarto capiacutetulo considera os aspectos
metodoloacutegicos utilizados para viabilizar e embasar a pesquisa No quinto capiacutetulo satildeo
apresentados os resultados obtidos por meio da pesquisa englobando trecircs categorias e suas
respectivas subcategorias No sexto e uacuteltimo capiacutetulo satildeo formuladas as principais reflexotildees
finais acerca do estudo
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 22
Introduccedilatildeo
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 23
1 PROBLEMAacuteTICA DO ESTUDO CONTEXTUALIZANDO O DESAFIO
PROPOSTO
Em situaccedilotildees complexas nas quais num mesmo espaccedilo e tempo natildeo haacute apenas
ordem mas tambeacutem desordem natildeo haacute apenas determinismos mas tambeacutem
imprevistos em situaccedilotildees nas quais emerge a incerteza eacute preciso atitudes
estrateacutegicas dos sujeitos (MORIN CIURANA MOTA 2003)
Inicialmente pretendia-se estudar especificamente a utilizaccedilatildeo do checklist de cirurgia
segura instituiacutedo pela Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) considerando ser este um
instrumento com evidecircncias cientiacuteficas de melhoria nas praacuteticas ciruacutergicas em acircmbito
mundial No entanto focar apenas no checklist da OMS dentro do Centro Ciruacutergico (CC) natildeo
permitiria responder algumas inquietaccedilotildees mais amplas sobre a seguranccedila da assistecircncia
ciruacutergica nas trecircs fases do perioperatoacuterio ou seja no preacute trans e poacutes-operatoacuterio abarcando as
percepccedilotildees dos profissionais sobre o cuidado prestado os incidentes ocorridos e as
oportunidades de melhoria na assistecircncia desde a entrada ateacute a alta hospitalar do paciente
Para a promoccedilatildeo da seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio eacute necessaacuterio integrar
tanto as estrateacutegias de cunho objetivo como o uso de atores natildeo humanos ndash checklist
protocolos materiais e equipamentos em boas condiccedilotildees de uso e suficientes ndash para a
demanda quanto a subjetividade da praacutetica autocircnoma dos diversos atores humanos que
compotildeem o corpo de profissionais da rede intra-hospitalar O conceito de ator neste estudo
segue o sentido de Latour (2012) que descreve que ator eacute qualquer pessoa instituiccedilatildeo ou
coisa que tenha agecircncia ou seja que produz efeitos no mundo e sobre ele Eacute diferente do
sentido socioloacutegico tradicional que tem um significado de accedilatildeo atribuiacuteda a um humano Para
Latour um ator eacute heterogecircneo ele eacute antes uma dupla articulaccedilatildeo entre humanos e natildeo -
humanos e sua construccedilatildeo se faz em rede (LATOUR 2012)
Assim os atores humanos nesta pesquisa satildeo todos os profissionais envolvidos direta
ou indiretamente na cirurgia e os atores natildeo humanos satildeo os instrumentais equipamentos
medicamentos e demais insumos necessaacuterios para a realizaccedilatildeo de uma cirurgia Segundo
Latour (1991) os atores natildeo humanos recebem pouca atenccedilatildeo por parte dos teoacutericos sociais
nas anaacutelises sobre as relaccedilotildees que organizam os indiviacuteduos e as sociedades Entretanto
teacutecnicas materiais e equipamentos ndash em especial na assistecircncia ciruacutergica ndash fazem parte do
cenaacuterio e juntamente com os atores humanos integram uma rede na sociedade
A trajetoacuteria da assistecircncia ciruacutergica eacute permeada por conexotildees entre os atores humanos
profissional-paciente-familiar profissional-profissional e destes com os atores natildeo humanos
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 24
profissional-equipamentos-instrumentos profissional-conhecimento-checklist paciente-sala
operatoacuteria profissional-paciente-incidentes familiar-sala de espera-disclosure dentre muitas
outras Essas conexotildees satildeo o percurso que se estabelece entre um ou mais pontos ou noacutes
formando assim a rede intra-hospitalar e estando presentes em todas as etapas da assistecircncia
perioperatoacuteria Segundo Latour (2012) uma conexatildeo ponto por ponto (noacute por noacute) se
estabelece fisicamente e permite que seja rasteaacutevel e registrada empiricamente Contudo essa
conexatildeo deixa vazia boa parte daquilo que natildeo estaacute conectado mas eacute esse mesmo vazio que eacute
a chave para percorrer os raros condutos por onde o social circula Aleacutem disso uma conexatildeo
natildeo eacute gratuita exige esforccedilo (LATOUR 2012)
Os atores humanos que participam da assistecircncia perioperatoacuteria atuam interna e
externamente ao CC Atuam no CC os cirurgiotildees de diversas especialidades a equipe de
enfermagem os anestesiologistas o pessoal administrativo e da limpeza entre outros Todos
desenvolvem atividades essenciais para uma cirurgia segura Os profissionais de processos
externos ao CC ou seja aqueles que atuam indiretamente na cirurgia satildeo os profissionais que
trabalham em unidades de internaccedilatildeo eou ambulatoacuterios por serem responsaacuteveis pelo cuidado
do paciente no preacute e no poacutes-operatoacuterio aqueles da Central de Material e Esterilizaccedilatildeo (CME)
que realizam o processamento dos instrumentais o farmacecircutico e profissional do
almoxarifado que fornecem medicamentos e materiais a equipe de transporte eou a
enfermagem responsaacutevel por transferir pacientes do CC para outros setores e vice-versa e o
engenheiro hospitalar que realiza a manutenccedilatildeo corretiva e preventiva dos equipamentos
Aleacutem desses haacute os que atuam nos processos administrativos e consequentemente de forma
indireta como direccedilatildeo setor de qualidade suporte administrativo seguranccedila aacuterea de
compras entre outras Cada um dos profissionais atuando interna ou externamente ao CC
direta ou indiretamente no atendimento ao paciente tem sua parcela de responsabilidade para
com a seguranccedila e possui sua importacircncia com objetos proacuteprios de trabalho saberes e
instrumentos especiacuteficos que isoladamente natildeo resultam em uma cirurgia e muito menos em
uma cirurgia segura
Nesse sentido atores natildeo humanos e humanos estatildeo imbricados na linha de cuidados
ciruacutergicos que perpassa a rede intra-hospitalar Contudo as accedilotildees satildeo realizadas de forma
fragmentada e com foco no ato ciruacutergico na execuccedilatildeo de responsabilidade destinada ao
cirurgiatildeo Segundo Reus e Tittoni (2012) a equipe de enfermagem ndash e todos os profissionais
ndash atuam em funccedilatildeo de proporcionar ao cirurgiatildeo materiais e apoio no momento da cirurgia
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 25
As atividades satildeo realizadas para ldquoentregarrdquo ao cirurgiatildeo o ldquocorpordquo a ser trabalhado com a
maacutexima seguranccedila e exposiccedilatildeo do local a ser operado (REUS TITTONI 2012)
Apesar das estrateacutegias e ferramentas disseminadas pela OMS serem para uso em
conjunto da equipe multiprofissional e os dados apontados pelos estudos com uso do checklist
terem favorecido a comunicaccedilatildeo dos profissionais (HAYNES et al 2011) a accedilatildeo articulada e
realizada por meio de uma comunicaccedilatildeo efetiva entre os atores da rede intra-hospitalar nos
cuidados ciruacutergicos ainda eacute um desafio a ser alcanccedilado Essa accedilatildeo articulada eacute complexa ou
seja eacute algo que se tece em conjunto (complexus) sendo que toda accedilatildeo eacute uma decisatildeo uma
escolha e um desafio (MORIN 2011) que depende da subjetividade de cada profissional em
suas relaccedilotildees interpessoais que tem imbricaccedilatildeo direta nas accedilotildees do cotidiano de fazer a
assistecircncia ciruacutergica ldquoA accedilatildeo supotildee a complexidade isto eacute acaso imprevisto iniciativa
decisatildeo consciecircncia das derivas e transformaccedilotildeesrdquo (MORIN 2011 p81)
A accedilatildeo de aplicaccedilatildeo e adesatildeo do checklist de cirurgia segura eacute complexa e embora se
mostre positiva em diversos setores como a aviaccedilatildeo e a engenharia (GAWANDE 2011) haacute
que se levar em consideraccedilatildeo o alerta de Carneiro (2010) de que eacute necessaacuterio natildeo simplificar
o checklist de cirurgia segura com analogias de outras realidades pois em termos de
qualidade eacute bem mais difiacutecil administrar dez medicamentos a um soacute doente do que corrigir
uma falha no motor de um aviatildeo assim como eacute muito mais complexo garantir uma
comunicaccedilatildeo eficaz entre doze pessoas presentes em uma sala operatoacuteria do CC do que entre
o piloto e o copiloto em um aviatildeo O sucesso ou insucesso do uso do checklist de cirurgia
segura dependeraacute acima de tudo do envolvimento entusiasmo e dedicaccedilatildeo de todos os
profissionais envolvidos na assistecircncia ciruacutergica contando ainda com a colaboraccedilatildeo dos
proacuteprios pacientes (CARNEIRO 2010) dos profissionais que atuam indiretamente e de todo
o aparato natildeo humano disponibilizado no hospital
A praacutetica dos profissionais eacute permeada tambeacutem por discursos socialmente construiacutedos
que influenciam as formas como eles se comunicam e se relacionam no cotidiano de trabalho
e consequentemente influenciam o modo de assistir o paciente e a adesatildeo ao checklist de
cirurgia segura e as demais normatizaccedilotildees institucionais Assim foram estabelecidos os
seguintes questionamentos como se conforma as conexotildees dos atores na rede intra-hospitalar
para uma assistecircncia perioperatoacuteria segura na perspectiva dos diferentes profissionais Como
essa rede composta por atores humanos e natildeo humanos influencia na seguranccedila do paciente
Como se configura o uso do checklist de cirurgia segura no centro ciruacutergico
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 26
Neste sentido essa pesquisa parte dos seguintes pressupostos (a) haacute diferenccedilas sobre
as concepccedilotildees da assistecircncia perioperatoacuteria e as implicaccedilotildees para tornaacute-la segura entre
profissionais que atuam direta e indiretamente em sala operatoacuteria uma vez que estatildeo inseridos
de diferentes formas na instituiccedilatildeo e na sociedade (b) a seguranccedila no perioperatoacuterio eacute
promovida por diversos fatores que vatildeo desde a aplicaccedilatildeo de instrumentos objetivos como o
checklist de cirurgia segura ateacute aspectos subjetivos que influenciam a interaccedilatildeo dos
profissionais que atuam direta e indiretamente no ato anesteacutesico-ciruacutergico (c) o discurso da
simplicidade no uso do checklist de cirurgia segura pode estar interferindo na efetividade de
sua utilizaccedilatildeo na praacutetica complexa da sala operatoacuteria
O presente estudo se justifica pela escassez de estudos brasileiros sobre a seguranccedila no
perioperatoacuterio de forma ampla e por meio da percepccedilatildeo de profissionais que atuam interna e
externamente no CC Dessa forma o objetivo do presente estudo foi analisar a seguranccedila da
assistecircncia no perioperatoacuterio na visatildeo de profissionais que atuam direta e indiretamente no ato
anesteacutesico-ciruacutergico focalizando a conexatildeo dos diferentes atores da rede intra-hospitalar
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 27
Aspectos teoacutericos
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 28
2 ASSISTEcircNCIA CIRUacuteRGICA SUBSIacuteDIOS TEOacuteRICOS PARA ESTE DESAFIO
21 Incidentes na assistecircncia ciruacutergica
O nuacutemero de cirurgias tem aumentado ao longo dos anos devido a diversos fatores
como o aprimoramento e a inovaccedilatildeo das teacutecnicas ciruacutergicas e o desenvolvimento tecnoloacutegico
de materiais e equipamentos bem como a raacutepida transiccedilatildeo demograacutefica e epidemioloacutegica da
populaccedilatildeo que respectivamente tem gerado aumento da expectativa de vida e das doenccedilas
crocircnicas e consequentemente a necessidade de procedimentos ciruacutergicos
No mundo haacute informaccedilotildees de que acontecem anualmente 2342 milhotildees de
procedimentos ciruacutergicos extensos ou seja que envolvem incisatildeo excisatildeo manipulaccedilatildeo ou
suturas de tecidos e que geralmente requerem anestesia local geral ou sedaccedilatildeo profunda para
controle da dor (WEISER et al 2008) No Brasil foram realizadas 20022160 cirurgias pelo
Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) no periacuteodo de 2008 a 2012 uma meacutedia de 4004432 por ano
sendo que de 2008 para 2012 houve um aumento de 2 (431424 cirurgias) O estado de
Minas Gerais eacute o segundo maior da federaccedilatildeo em nuacutemero de cirurgias com 2164228 nesse
mesmo periacuteodo e meacutedia anual de 432846 perdendo apenas para Satildeo Paulo que nesse
periacuteodo realizou 4563744 com meacutedia de 912749 cirurgias anuais (BRASIL 2013d)
Com o aumento das cirurgias aumentam tambeacutem as oportunidades de ocorrecircncia de
incidentes Dentre eles haacute os Eventos Adversos (EA) que satildeo aqueles que resultaram em dano
ao paciente sendo que o dano eacute um comprometimento da estrutura ou funccedilatildeo do corpo eou
qualquer efeito dele oriundo incluindo doenccedilas lesotildees sofrimentos morte incapacidades ou
disfunccedilotildees podendo entatildeo ser fiacutesico social ou psicoloacutegico (BRASIL 2013a 2013b)
Satildeo vaacuterios os relatos internacionais e nacionais de recorrentes e persistentes
ocorrecircncias de EA na assistecircncia ciruacutergica Um estudo de revisatildeo sistemaacutetica que considerou
os eventos adversos como uma lesatildeo ou complicaccedilatildeo natildeo intencional causada mais pela
gestatildeo dos cuidados do que pela proacutepria doenccedila do paciente revelou que um em cada dez
pacientes hospitalizados sofreu EA sendo que 41 ocorreram em sala de cirurgia (DE
VRIES et al 2008)
Um estudo de revisatildeo de 7926 prontuaacuterios realizado em 21 hospitais holandeses
encontrou 744 EA sendo que destes 645 foram ciruacutergicos e 405 considerados
evitaacuteveis As lesotildees mais frequentes resultantes destes eventos foram inflamaccedilatildeoinfecccedilatildeo
(39) hemorragiahematoma (23) lesatildeo por causa mecacircnicafiacutesica ou quiacutemica (22) e
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 29
outros comprometimentos funcionais (16) como retenccedilatildeo urinaacuteria insuficiecircncia respiratoacuteria
e renal (ZEGERS et al 2011) Colaboram no desfecho insatisfatoacuterio das cirurgias as
intervenccedilotildees realizadas em local errado e no paciente errado Um em cada 50 a 100000
procedimentos nos Estados Unidos da Ameacuterica (EUA) ocorre esse incidente sendo 1500 a
2500 eventos adversos desse tipo por ano (SEIDEN BARACH 2006)
No Brasil dos EA ocorridos em trecircs hospitais do Rio de Janeiro em 2012 (MOURA
MENDES 2012) a proporccedilatildeo de EA ciruacutergicos evitaacuteveis foi de 683 (28 de 41 eventos) e a
proporccedilatildeo de pacientes com EA ciruacutergicos evitaacuteveis foi de 658 (25 de 38 pacientes) E
ainda persistem cenaacuterios como apontados por uma pesquisa realizada em Minas Gerais em
que nenhum dos 37 hospitais estudados apresentava poliacutetica de gerenciamento dos riscos e
3243 dos hospitais natildeo tinham um planejamento da assistecircncia de enfermagem no
perioperatoacuterio (RIBEIRO 2011)
Ademais os profissionais subestimam os riscos de sua praacutetica Em um estudo
realizado com ortopedistas brasileiros verificou-se que apenas 408 informaram jaacute ter
vivenciado em algum momento de suas carreiras cirurgias em local ou paciente errado
(MOTTA FILHO et al 2013) Nesse estudo foi evidenciado que eles subestimaram os
problemas relativos agraves suas praacuteticas e superestimaram a satisfaccedilatildeo dos pacientes atendidos
Em estudo realizado em hospitais do Rio de Janeiro aproximadamente um em cada cinco
pacientes com EA ciruacutergico evoluiu com incapacidade permanente ou morreu Mais de 60
dos casos foram classificados como pouco ou nada complexos e de baixo risco de ocorrer um
EA relacionado ao cuidado (MOURA MENDES 2012)
Outro estudo que objetivou avaliar a precisatildeo de cirurgiotildees e anestesiologistas na
previsatildeo de perda de sangue intraoperatoacuteria mostrou que em 30 dos pacientes que recebem
uma transfusatildeo tanto o cirurgiatildeo como o anestesiologista subestimaram o risco de perda de
sangue superior a 500 mililitros No entanto a equipe multiprofissional deve estar ciente de
que um em cada 14 pacientes submetidos agrave cirurgia de meacutedio e grande porte teraacute uma perda
de sangue inesperada excedendo 500 mililitros (SOLON EGAN MCNAMARA 2013)
Existe a necessidade de conscientizaccedilatildeo do risco uma vez que os EA sendo evitaacuteveis
oferecem a possibilidade de identificar gerenciar e tratar os fatores que contribuem para a sua
ocorrecircncia Entende-se por fatores contribuintes de acordo com a OMS (2009) as
circunstacircncias as accedilotildees ou as influecircncias que desempenham um papel na origem ou no
desenvolvimento de um incidente ou no aumento de seu risco Esses fatores podem ser
externos organizacionais estarem relacionados ao staff ou a um fator individual do paciente
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 30
Estudo de Zegers et al (2011) em hospitais holandeses evidenciou que as causas dos
EA ciruacutergicos foram predominantemente por fatores humanos (652) como falhas no
desempenho de habilidades despreparo profissional para o procedimento especiacutefico ou
aplicaccedilatildeo inadequada de conhecimento existente e relacionado com os pacientes (353)
como a idade Fatores organizacionais como protocolos inadequados ou inexistentes maacute
comunicaccedilatildeo e aspectos culturais (130) e teacutecnicos (40) como problemas com materiais
equipamentos software etiquetas ou formulaacuterios tambeacutem contribuiacuteram para os EA
ciruacutergicos (ZEGERS et al 2011)
Assim fatores organizacionais e sistemas complexos ndash como o hospital em estudo ndash
podem contribuir para erros e EA nos contextos ciruacutergicos (MEEKER ROTHROCK 2011)
Todo esse contexto explica a movimentaccedilatildeo em prol da seguranccedila do paciente ciruacutergico por
instituiccedilotildees governamentais e privadas em acircmbito nacional e internacional conforme descrito
a seguir
22 Seguranccedila do paciente breve histoacuterico com foco na aacuterea ciruacutergica
A seguranccedila do paciente eacute uma das dimensotildees da assistecircncia agrave sauacutede com qualidade
sendo entendida como um conjunto de medidas e poliacuteticas que visam agrave reduccedilatildeo a um miacutenimo
aceitaacutevel do risco de ocorrecircncia de dano desnecessaacuterio ao paciente durante a assistecircncia agrave
sauacutede (IOM 2000 BRASIL 2013a 2013b)
Atualmente tem-se abordado muito essa temaacutetica e suas implicaccedilotildees estatildeo na pauta
de discussotildees em espaccedilos diversos como a academia o judiciaacuterio e serviccedilos de sauacutede
privados e puacuteblicos A discussatildeo sobre os princiacutepios da seguranccedila do pacientes estaacute tambeacutem
na agenda da Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) e do governo brasileiro nas instacircncias
nacional estaduais e municipais Trata-se portanto de uma questatildeo discutida por diversos
paiacuteses governos profissionais de sauacutede e serviccedilos
Internacionalmente o movimento pela Seguranccedila do Paciente foi desencadeado pelo
relatoacuterio To Erris Human Building a Safer Health System do Instituto de Medicina (IOM)
dos EUA Esse documento revelou que aproximadamente cem mil pessoas morriam todos os
anos nos EUA em consequecircncia de iatrogenias (IOM 2000) Esses dados desencadearam
discussotildees em diversas partes do mundo e em maio de 2002 a Resoluccedilatildeo 5518 da 55ordf
Assembleia Mundial da Sauacutede recomendou agrave Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) e a seus
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 31
Estados Membros uma maior atenccedilatildeo aos problemas relacionados com a seguranccedila do
paciente (OMS 2009)
Em julho de 2003 a Joint Commissionon Accreditation of Healthcare Organizations
(JCAHO) elaborou e obrigou seus hospitais a utilizarem na assistecircncia ciruacutergica o Protocolo
Universal para prevenccedilatildeo do lado procedimento e paciente errado Esse protocolo inclui trecircs
etapas verificaccedilatildeo preacute-operatoacuteria marcaccedilatildeo do siacutetio ciruacutergico e o time out - procedimentos
que devem ser realizados antes do iniacutecio da cirurgia (JCAHO 2016) sendo a sua importacircncia
declarada pelo Coleacutegio Americano de Cirurgiotildees (AMERICAN COLLEGE OF SURGEONS
2002) Esse instrumento foi o embriatildeo do checklist de cirurgia segura instituiacutedo pela OMS
como seraacute abordado na proacutexima seccedilatildeo
Em 2004 a OMS lanccedilou a Alianccedila Mundial para a Seguranccedila do Paciente visando
estabelecer medidas que aumentem a seguranccedila do paciente e a qualidade dos serviccedilos de
sauacutede por meio do comprometimento poliacutetico dos paiacuteses membros (OMS 2009) A Alianccedila
Mundial estabelece desafios globais para direcionar o trabalho para uma aacuterea de risco
identificada como prioridade O primeiro em 2005-2006 tratou das infecccedilotildees relacionadas
com a assistecircncia agrave sauacutede envolvendo as temaacuteticas higienizaccedilatildeo das matildeos procedimentos
cliacutenicos e ciruacutergicos seguros seguranccedila do sangue e de hemoderivados administraccedilatildeo segura
de injetaacuteveis e de imunobioloacutegicos e seguranccedila da aacutegua saneamento baacutesico e manejo de
resiacuteduos O segundo desafio 2007-2008 com o slogan ldquoCirurgias Seguras Salvam Vidasrdquo
focou nos fundamentos e praacuteticas da seguranccedila ciruacutergica contemplando a prevenccedilatildeo de
infecccedilotildees de siacutetio ciruacutergico anestesia segura desenvolvimento de equipes ciruacutergicas seguras
indicadores da assistecircncia ciruacutergica e instituiu o checklist de cirurgia segura para uso na sala
operatoacuteria (OMS 2009) O terceiro desafio global e uacuteltimo ateacute o momento traz a temaacutetica do
enfrentando da resistecircncia microbiana aos antimicrobianos
No intuito de reforccedilar o segundo desafio a OMS em parceria com a Joint Commission
International (JCI) que passou a ser seu centro colaborador para a seguranccedila do paciente
lanccedilou em 2010 as seis metas internacionais para seguranccedila do paciente Dentre essas metas
haacute uma especiacutefica do processo ciruacutergico que busca assegurar que as cirurgias possuam local
de intervenccedilatildeo procedimento e paciente corretos (CBA 2010)
Por meio do desafio ldquoCirurgias Seguras Salvam Vidasrdquo da OMS a equipe ciruacutergica
tem dez objetivos baacutesicos mas essenciais a saber (1) operar o paciente e o local ciruacutergico
certo (2) usar meacutetodos conhecidos para impedir danos na administraccedilatildeo de anesteacutesicos (3)
reconhecer e se preparar para perda de via aeacuterea ou de funccedilatildeo respiratoacuteria que ameace a vida
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 32
do paciente (4) reconhecer e estar preparada para o risco de perdas sanguiacuteneas (5) evitar a
induccedilatildeo de reaccedilatildeo adversa ou aleacutergica a medicamentos de risco ao paciente jaacute constante em
seu histoacuterico (6) usar de maneira sistemaacutetica meacutetodos para minimizar o risco de infecccedilatildeo no
siacutetio ciruacutergico (7) impedir a retenccedilatildeo inadvertida de instrumentais ou compressas nas incisotildees
ciruacutergicas (8) manter seguras e identificar as peccedilas anatocircmicas originadas da cirurgia (9)
comunicar efetivamente e trocar informaccedilotildees para a conduccedilatildeo segura da cirurgia (10)
estabelecer monitoramento da capacidade volume e resultados ciruacutergicos Esse uacuteltimo
objetivo eacute tanto para os hospitais quanto para o sistema de sauacutede como um todo (OMS 2009)
No Brasil o Ministeacuterio da Sauacutede instituiu o Programa Nacional de Seguranccedila do
Paciente (PNSP) por meio da Portaria nordm 5292013 que tem como objetivo contribuir para a
qualificaccedilatildeo do cuidado em todos os serviccedilos de sauacutede nacionais (BRASIL 2013a) A
Resoluccedilatildeo da Diretoria Colegiada da Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria (ANVISA) nordm
36 de 25 de julho de 2013 reforccedila o PNSP instituindo accedilotildees obrigatoacuterias para a promoccedilatildeo da
seguranccedila do paciente e melhoria da qualidade assistencial (BRASIL 2013b)
Dentre as accedilotildees que essas legislaccedilotildees estabelecem haacute aquelas voltadas
especificamente para a seguranccedila ciruacutergica com um protocolo especiacutefico (BRASIL 2013c)
elaborado pelo Ministeacuterio da Sauacutede com base no Programa e Manual ldquoCirurgias Seguras
Salvam Vidasrdquo da OMS (OMS 2009) o qual institui a utilizaccedilatildeo do checklist de cirurgia
segura que inclui algumas tarefas e procedimentos baacutesicos de seguranccedila e deve ser
implementado em todas as organizaccedilotildees com atendimento ciruacutergico
23 Checklist de cirurgia segura resultados positivos e limitaccedilotildees
Em 14 de janeiro de 2009 foi divulgada a lista de verificaccedilatildeo de seguranccedila ciruacutergica
ou checklist de cirurgia segura da OMS (GAWANDE 2011) Desde entatildeo organizaccedilotildees
internacionais tecircm apoiado a sua utilizaccedilatildeo como Accreditation Canada American
Association of Nurse Anesthetists American College of Surgeons Associaccedilatildeo dos
Enfermeiros de Sala de Operacotildees Portugues International Federation of Perioperative
Nurses National Patient Safety Foundation aleacutem de organizaccedilotildees nacionais como Escola
Nacional de Sauacutede Puacuteblica ProqualisFIOCRUZ Coleacutegio Brasileiro de Cirurgiotildees Conselho
de Enfermagem de Satildeo Paulo e de Minas Gerais o Ministeacuterio de Sauacutede dentre outras
Dados de 2012 mostraram que mundialmente havia 1790 instituiccedilotildees utilizando o
checklist em pelo menos uma sala ciruacutergica e outras 4132 demonstraram interesse em utilizaacute-
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 33
lo ateacute o final daquele ano (WHO 2012) sendo esses os uacuteltimos dados disponiacuteveis O checklist
de cirurgia segura da OMS se concentra na comunicaccedilatildeo e praacuteticas seguras em cada um dos
trecircs periacuteodos que corresponde ao fluxo normal de um procedimento anesteacutesico-ciruacutergico I ndash
antes da induccedilatildeo anesteacutesica (sign in) II ndash antes da incisatildeo ciruacutergica da pele (time out) e III ndash
antes do paciente sair da sala de cirurgia (sign out) (Anexo IV)
Estima-se que para a aplicaccedilatildeo do checklist satildeo necessaacuterios trecircs minutos e uma uacutenica
pessoa deveraacute ser responsaacutevel por conduzir a checagem dos itens nas trecircs fases Em cada uma
o condutor deveraacute confirmar se a equipe completou suas tarefas antes de prosseguir para a
proacutexima etapa ou seja esse profissional tem que ter plena autoridade estando apto e
legitimado a interromper o procedimento ou impedir o seu avanccedilo se julgar insatisfatoacuterio
algum dos itens mesmo considerando que essa interrupccedilatildeo possa trazer desgaste da equipe se
esta natildeo tiver maturidade adequada (OMS 2009) O Quadro 1 apresenta sumariamente as
atribuiccedilotildees do condutor em cada uma das etapas do checklist
Quadro 1 Etapas da aplicaccedilatildeo do checklist de cirurgia segura da Organizaccedilatildeo
Mundial da Sauacutede (OMS)
Antes da induccedilatildeo anesteacutesica Antes da incisatildeo ciruacutergica
(a equipe faraacute Pausa Ciruacutergica)
Antes de sair da sala de cirurgia
(a equipe deveraacute revisar em conjunto)
Revisar verbalmente com o paciente
se possiacutevel se sua identificaccedilatildeo estaacute
correta
Apresentaccedilatildeo de cada membro da
equipe pelo nome e funccedilatildeo
Conclusatildeo da contagem de compressas e
instrumentais
Confirmar que o procedimento e o
local da cirurgia estatildeo corretos
Confirmaccedilatildeo da cirurgia paciente e
siacutetio ciruacutergico corretos
Identificaccedilatildeo de qualquer amostra
ciruacutergica obtida
Confirmar o consentimento para
cirurgia e a anestesia
Revisatildeo verbal uns com os outros
dos elementos criacuteticos de seus
planos para a cirurgia usando as
questotildees do checklist como guia
Revisatildeo de qualquer funcionamento
inadequado de equipamentos ou
questotildees que necessitem ser
solucionadas
Confirmar visualmente o siacutetio
ciruacutergico correto e sua demarcaccedilatildeo
Confirmaccedilatildeo da administraccedilatildeo de
antimicrobianos profilaacuteticos nos
uacuteltimos 60 minutos
Revisatildeo do plano de cuidado e
providecircncias no poacutes-operatoacuterio e
recuperaccedilatildeo poacutes-anesteacutesica antes da
remoccedilatildeo do paciente da sala
Confirmar a conexatildeo de monitor
multiparacircmetro ao paciente e seu
funcionamento
Confirmaccedilatildeo da acessibilidade dos
exames de imagens necessaacuterios
Revisar verbalmente com o
anestesiologista o risco de perda
sanguiacutenea dificuldades nas vias
aeacutereas histoacuterico de reaccedilatildeo aleacutergica e
se a verificaccedilatildeo completa de
seguranccedila anesteacutesica foi concluiacuteda
Fonte BRASIL (2013c)
Haacute evidecircncias da reduccedilatildeo de EA com a implantaccedilatildeo do checklist O claacutessico estudo
publicado no New England Journal of Medicine realizado em oito hospitais de paiacuteses com
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 34
diferentes localizaccedilotildees e estruturas socioeconocircmicas ndash Canadaacute Estados Unidos (Ameacuterica do
Norte) Inglaterra (Europa) Jordacircnia (Oriente Meacutedio) Tanzacircnia (Aacutefrica) Iacutendia e Filipinas
(Aacutesia) e Nova Zelacircndia (Oceania) ndash constatou que a taxa de complicaccedilotildees maiores caiu de
11 para 7 e a mortalidade perioperatoacuteria em cirurgia de grande porte de 15 a 08 (13)
(HAYNES et al 2009) Em cirurgias de urgecircncia natildeo cardioloacutegicas um estudo realizado
tambeacutem nesses oito hospitais evidenciou a reduccedilatildeo nas taxas de complicaccedilatildeo de 184 para
117 e nas taxas de mortalidade de 37 para 14 (14) com o uso do checklist (HAYNES
et al 2009) Na Colocircmbia estudo realizado em um hospital geral apontou reduccedilatildeo de eventos
adversos de 726 para 329 apoacutes a implementaccedilatildeo da lista de verificaccedilatildeo (COLLAZOS et
al 2013) Em um estudo realizado em sete paiacuteses 84 dos participantes da pesquisa
relataram que a comunicaccedilatildeo na sala ciruacutergica melhorou (HAYNES et al 2011)
No Brasil o uso do checklist ainda eacute pouco difundido e haacute escassez de estudos que
mostrem meacutetodos de trabalho no processo de implantaccedilatildeo adesatildeo ao instrumento e sua
eficaacutecia em relaccedilatildeo aos EA Estudo recente realizado em dois hospitais de Natal Rio Grande
do Norte sugere que a baixa adesatildeo ao checklist possivelmente tem reflexos sobre a
ocorrecircncia de EA como por exemplo maior permanecircncia do paciente no hospital risco de
reinternaccedilatildeo necessidade de cuidados intensivos mortalidade e outros (FREITAS et al
2014) Os autores concluem apoacutes analisar a implantaccedilatildeo e uso do instrumento que os
hospitais precisam melhorar a adesatildeo ao checklist de cirurgia segura com uma implantaccedilatildeo
mais estruturada visando assegurar a sua utilizaccedilatildeo adequada (FREITAS et al 2014)
Estudos tecircm identificado que mesmo em hospitais que implementaram o checklist
muitos itens satildeo negligenciados principalmente aqueles relacionados agrave comunicaccedilatildeo
(RYDENFAumlLT 2013) O item de menor adesatildeo em estudo realizado na Colocircmbia foi a
apresentaccedilatildeo completa dos membros da equipe ciruacutergica incluindo as suas funccedilotildees
(COLLAZOS et al 2013) Resultado semelhante foi encontrado em um hospital universitaacuterio
da Franccedila onde a dificuldade tambeacutem foi compartilhar informaccedilotildees verbalmente antes da
incisatildeo (RATEAU 2011) Tambeacutem no Brasil um estudo mostrou que nos procedimentos
observados natildeo houve apresentaccedilatildeo da equipe (MAZIERO et al 2015)
Haacute ainda resistecircncia por parte dos profissionais sendo que a adesatildeo do liacuteder da equipe
ao uso do checklist eacute extremamente importante (MUumlLLER 2012) Uma anaacutelise qualitativa de
um estudo em cinco hospitais do estado de Washington com liacutederes de implementaccedilatildeo do
checklist e cirurgiotildees em 2009 sugere que sua eficaacutecia depende da capacidade dos liacutederes na
implementaccedilatildeo para explicar de forma convincente a necessidade do uso da lista de
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 35
verificaccedilatildeo Esforccedilos coordenados para explicar a implementaccedilatildeo do checklist e a educaccedilatildeo
para seu uso resultaram em adesatildeo e uso completo da lista de verificaccedilatildeo (CONLEY 2011)
Por outro lado alguns estudos vecircm trazendo limitaccedilotildees do checklist Segundo
Anderson et al (2012) os resultados de sua pesquisa mostraram que apesar da lista de
verificaccedilatildeo ser um importante lembrete natildeo eacute por si soacute garantia de seguranccedila Para os autores
eacute a forma de agir dos profissionais em resposta a erros ou lapsos que eacute realmente importante
Aleacutem disso para o checklist ter sucesso como um mecanismo para transformar o cuidado
baseado em evidecircncias e protocolo de seguranccedila para a melhor praacutetica ele precisa ser usado
de forma consistente e duradoura E ainda para conseguir isso os hospitais necessitam
promover um ambiente de apoio com uma poliacutetica de seguranccedila em toda a organizaccedilatildeo e uma
abordagem sistemaacutetica por meio de monitoramento e gerenciamento da cultura que abranja
efetivamente a pratica do checklist (ROBBINS 2011 SCHLACK BOERMEESTER 2010)
Outros estudos trazem tambeacutem que o checklist instituiacutedo isoladamente natildeo consegue
garantir a seguranccedila ciruacutergica sendo necessaacuterios outros instrumentos (TRIMMEL et al
2013) A Patient Safety First Campaign da National Patient Safety Agency e estudiosos tecircm
defendido a adiccedilatildeo de outras estrateacutegias como as sessotildees breves de esclarecimento com a
equipe no iniacutecio (brienfing) e no final (debriefing) como chave para o sucesso na mudanccedila
cultural necessaacuteria (NPSA 2013a 2013b SCHLACK BOERMEESTER 2010)
Entretanto mesmo adicionando o brienfing e o debriefing ao checklist de cirurgia
segura da OMS levando em conta que soacute o primeiro jaacute eacute de difiacutecil adesatildeo por parte dos
profissionais o periacuteodo perioperatoacuterio natildeo eacute atendido como um todo (preacute trans e poacutes-
operatoacuterio) sendo que a seguranccedila ciruacutergica envolve tambeacutem accedilotildees no preacute e no poacutes-
operatoacuterio fora do CC tanto relacionadas ao paciente quanto aos instrumentais e
equipamentos
24 Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica hospitalar ampliando o olhar
A seguranccedila ciruacutergica eacute uma importante preocupaccedilatildeo de sauacutede puacuteblica global
(WEISER et al 2008 BRASIL 2013c) sendo necessaacuterio investir na busca de melhorias que
resulte progressivamente em eventos evitaacuteveis (OMS 2009) A OMS reconhece que em se
tratando de cirurgia natildeo haacute uma uacutenica soluccedilatildeo que transformaria a seguranccedila (OMS 2009)
ou seja a aplicaccedilatildeo de um instrumento mesmo que abrangente como o checklist de cirurgia
segura da OMS natildeo consegue sozinho resolver os problemas da assistecircncia ciruacutergica
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 36
O checklist de cirurgia segura tem sido muito comparado aos checklists utilizados na
aviaccedilatildeo e outros setores considerados ultra seguros mas segundo Wachter (2013) haacute uma
deacutecada o entusiasmo com a seguranccedila do paciente foi acompanhado por uma esperanccedila de
encontrar soluccedilotildees simples para os erros Acreditava-se que simplesmente ao adotar algumas
teacutecnicas extraiacutedas da aviaccedilatildeo e outras induacutestrias ldquoseguras a construccedilatildeo de fortes sistemas de
tecnologia da informaccedilatildeo e melhoria da cultura de seguranccedila os pacientes imediatamente
teriam mais seguranccedila em hospitais e cliacutenicas em todos os lugares (WACHTER 2013)
No entanto a ingenuidade desse ponto de vista ajudou a perceber que a seguranccedila dos
pacientes aleacutem de requerer esforccedilos para melhorar as praacuteticas a formaccedilatildeo dos profissionais
as tecnologias da informaccedilatildeo e a cultura exige que liacutederes forneccedilam recursos e lideranccedila
promovendo simultaneamente engajamento e inovaccedilatildeo por parte dos profissionais Isto
depende de uma poliacutetica que crie incentivos adequados para a seguranccedila evitando uma
atmosfera excessivamente riacutegida e prescritiva que poderia minar o entusiasmo e a criatividade
dos prestadores de serviccedilos (WACHTER 2013)
Nesse sentido a seguranccedila requer uma execuccedilatildeo confiaacutevel de muacuteltiplas etapas
necessaacuterias agrave assistecircncia natildeo apenas pelo cirurgiatildeo mas pela equipe de profissionais de
sauacutede trabalhando em conjunto para o benefiacutecio do paciente (OMS 2009) A competecircncia
individual dos profissionais natildeo eacute suficiente para garantir a seguranccedila do paciente A equipe
deve compreender e contribuir para o aperfeiccediloamento dos sistemas em que desenvolvem seu
trabalho contribuindo para um desempenho eficaz da equipe e desenvolvendo o poder de
reconhecimento e resposta a questotildees de seguranccedila do paciente (MEEKER ROTHROCK
2011)
Para tanto satildeo necessaacuterias poliacuteticas e procedimentos aleacutem de um cenaacuterio no qual todas
as atividades da equipe ciruacutergica (profissionais que atuam diretamente) e profissionais
auxiliares (com atuaccedilatildeo indireta) se encaixem resultando em um curso de accedilatildeo eficiente para
o benefiacutecio do paciente Essas poliacuteticas e procedimentos devem ser o padratildeo de cuidados
institucional e fazerem parte de uma abordagem sistematizada envolvendo uma sequecircncia de
eventos a avaliaccedilatildeo preacute-operatoacuteria dos pacientes o procedimento ciruacutergico propriamente dito
e os cuidados poacutes-operatoacuterios apropriados (OMS 2009 MEEKER ROTHROCK 2011)
O periacuteodo perioperatoacuterio compreende as fases preacute-operatoacuteria (mediata e imediata)
transoperatoacuteria e poacutes-operatoacuteria (imediata e mediata) (MORAES CARVALHO 2007) que
devem estar conectadas para oferecer uma assistecircncia ciruacutergica sistematizada e segura Na
fase preacute-operatoacuteria dentre outras accedilotildees eacute importante ressaltar a obtenccedilatildeo do consentimento
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 37
informado a adequada identificaccedilatildeo do paciente do siacutetio ciruacutergico e do procedimento que
seraacute realizado a verificaccedilatildeo do equipamento anesteacutesico e da disponibilidade dos
medicamentos de emergecircncia e a preparaccedilatildeo adequada para eventos transoperatoacuterios sendo
todas etapas suscetiacuteveis agrave intervenccedilatildeo (OMS 2009)
Durante o transoperatoacuterio devem ser assegurados diversos aspectos como o uso
adequado de antibioacuteticos disponibilidade de exames por imagem monitorizaccedilatildeo apropriada
do paciente trabalho em equipe de forma integrada exposiccedilatildeo de pareceres ciruacutergicos e
anesteacutesicos fidedignos teacutecnica ciruacutergica realizada de forma cautelosa e a boa comunicaccedilatildeo
entre cirurgiotildees anestesiologistas e a equipe de enfermagem uma vez que satildeo todos
necessaacuterios para assegurar um bom resultado (OMS 2009)
Apoacutes o ato anesteacutesico-ciruacutergico eacute necessaacuterio o planejamento da assistecircncia poacutes-
operatoacuteria a compreensatildeo dos eventos ocorridos no transoperatoacuterio e um comprometimento
com a monitorizaccedilatildeo do paciente aspectos que podem melhorar a assistecircncia ciruacutergica
promovendo a seguranccedila e alcanccedilando melhores resultados (OMS 2009)
Nessas trecircs fases e com mais ecircnfase na fase transoperatoacuteria a dinacircmica do cuidado eacute
voltada agrave objetividade das accedilotildees cuja intervenccedilatildeo eacute de natureza teacutecnica com foco no oacutergatildeo
fiacutesico visando agrave recuperaccedilatildeo do paciente Aspectos do cuidar que satildeo da ordem da
subjetividade tecircm importacircncia secundaacuteria neste cenaacuterio (SILVA ALVIM 2010) No entanto
a subjetividade dos profissionais com atuaccedilatildeo direta em sala operatoacuteria ou indireta nos
diversos setores de apoio eacute importante para a anaacutelise da seguranccedila ciruacutergica
A produccedilatildeo subjetiva eacute assinalada por constantes desconstruccedilotildees e construccedilotildees de
territoacuterios existenciais Isso acontece segundo criteacuterios que satildeo determinados pelo saber mas
tambeacutem essencialmente acompanhados da dimensatildeo sensiacutevel de percepccedilatildeo da vida e de si
mesmo em fluxos de intensidades contiacutenuas entre sujeitos que atuam na construccedilatildeo de
determinada realidade social O desejo como nuacutecleo propulsor dessa produccedilatildeo social daacute
forma agrave subjetividade como expressatildeo de singularidades Isto eacute um modo singular de
perceber e atuar no mundo em um determinado tempo e espaccedilo podendo modificar-se o
tempo todo Aleacutem disso um mesmo sujeito pode expressar vaacuterias singularidades dependendo
do tempo-espaccedilo em que estaacute vivenciando e dos fatores que estimulam o afeto interpessoal
aos quais estaacute exposto (FRANCO MERHY 2014)
Esse sujeito insere-se na micropoliacutetica do cotidiano de trabalho
entendida como um cenaacuterio de disputa de distintas forccedilas instituintes desde forccedilas nos modos
de produccedilatildeo ateacute as que se apresentam nos processos imaginaacuterios e desejantes e no campo do
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 38
conhecimento que os ldquohomens em accedilatildeordquo constituem (MERHY 2007) As relaccedilotildees
micropoliacuteticas podem ser tanto profissional-usuaacuterio quanto profissional-profissional Aleacutem
dessa interseccedilatildeo humano-humano o que eacute natildeo humano tem elevada importacircncia na
assistecircncia ciruacutergica A categoria meacutedica tem sob seu comando a maior parte dos agentes natildeo
humanos de tecnologias duras como o bisturi e o eletrocauteacuterio enquanto os demais
profissionais ficam com a responsabilidade de repassar esses instrumentos ao cirurgiatildeo o que
constroacutei uma hierarquia entre as profissotildees
As relaccedilotildees assimeacutetricas de poder entre os profissionais dificultam a colaboraccedilatildeo entre
os vaacuterios trabalhadores que dificilmente eacute respeitada no modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede voltada
para o procedimento e que valoriza sobremaneira o ato meacutedico (MALTA MERHY 2010)
Eacute necessaacuterio entatildeo para garantir o desenvolvimento contiacutenuo e a motivaccedilatildeo dos
profissionais promover o envolvimento e a gestatildeo participativa dos serviccedilos a atuaccedilatildeo dos
usuaacuterios e suas famiacutelias no planejamento e avaliaccedilatildeo da assistecircncia assim como o trabalho em
equipe e a educaccedilatildeo no trabalho (MATOS PIRES 2006)
Assim entende-se que a assistecircncia ciruacutergica segura envolve muacuteltiplas accedilotildees
desenvolvidas por atores humanos e natildeo humanos que compotildee a rede intra-hospitalar e se
inserem em um contexto com dimensotildees objetivas e subjetivas desde o preacute-operatoacuterio
perpassando o transoperatoacuterio ateacute o poacutes-operatoacuterio conforme mostrado na Figura 1 a seguir
Figura 1 Representaccedilatildeo da assistecircncia ciruacutergica segura
Fonte Elaborado pela autora
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 39
Caminho percorrido
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 40
3 CAMINHO PERCORRIDO
O meacutetodo como caminho ensaio gerativo e estrateacutegia bdquopara‟ e bdquodo‟ pensamento O
meacutetodo como atividade pensante do sujeito vivente natildeo-abstrato Um sujeito
capaz de aprender inventar e criar bdquoem‟ e bdquodurante‟ o seu caminho (MORIN
CIURANA MOTTA 2003 p18)
31 Tipo de estudo
Trata-se de um estudo de caso de abordagem qualitativa Optou-se por esta
modalidade por entender que diante da natureza complexa do objeto de estudo qual seja a
assistecircncia segura no perioperatoacuterio os objetivos propostos somente seriam atingidos por
meio de um meacutetodo que permitisse uma anaacutelise intensiva do contexto do fenocircmeno para
compreender sua multidimensionalidade configurada pela singularidade dos diversos atores
envolvidos
Nessa perspectiva utilizou-se o estudo de caso por se tratar de um delineamento de
pesquisa que permite analisar em profundidade o grupo a organizaccedilatildeo ou o fenocircmeno
considerando suas muacuteltiplas dimensotildees (GIL 2009) e a abordagem qualitativa por estar
relacionada aos significados atribuiacutedos pelas pessoas aos fenocircmenos a partir de suas
experiecircncias do mundo social e de como compreendem este mundo buscando interpretar as
situaccedilotildees em seus ambientes naturais em vez de ambientes artificiais ou experimentais
oferecendo assim subsiacutedios pertinentes aos pesquisadores que estudam a atenccedilatildeo agrave sauacutede e
os serviccedilos de sauacutede (POPE MAYS 2009)
A utilizaccedilatildeo da abordagem qualitativa neste estudo justifica-se por considerar que as
dimensotildees que promovem a seguranccedila ciruacutergica estatildeo presentes no cotidiano de trabalho dos
profissionais que compotildeem os pontos de atenccedilatildeo da rede intra-hospitalar e ultrapassam a
objetividade da aplicaccedilatildeo de instrumentos como o checklist de cirurgia segura recomendado
pela Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) Eacute necessaacuteria uma abordagem que apreenda a
subjetividade que permeia o contexto das relaccedilotildees interprofissionais para inclusive aplicar o
checklist ou outra ferramenta para a melhoria da qualidade e verificar como esses
profissionais percebem o fenocircmeno da seguranccedila ciruacutergica
A abordagem qualitativa permite uma aproximaccedilatildeo da realidade incorporando a
questatildeo do significado e da intencionalidade como inerentes aos atos relaccedilotildees e estruturas
sociais (MINAYO 2014) Possibilita tambeacutem a compreensatildeo de fenocircmenos complexos
trabalhando um universo de significados manifestaccedilotildees ocorrecircncias motivos fatos eventos
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 41
vivecircncias ideias sentimentos aspiraccedilotildees crenccedilas valores e atitudes em busca da
compreensatildeo da realidade humana vivida socialmente (TURATO 2005 MINAYO 2014
TRIVINtildeOS 1987)
O meacutetodo de estudo de caso que eacute a modalidade de investigaccedilatildeo escolhida para esta
pesquisa vem sendo utilizado em pesquisas tanto em disciplinas tradicionais como a
psicologia e a antropologia quanto nas aacutereas com orientaccedilatildeo praacutetica como administraccedilatildeo
puacuteblica ciecircncia poliacutetica trabalho social educaccedilatildeo e enfermagem (YIN 2015) Independente
do campo que o utiliza a necessidade da pesquisa de estudo de caso surge do desejo de
compreender fenocircmenos sociais complexos e contemporacircneos inseridos em contextos reais
sejam eles individuais organizacionais sociais poliacuteticos ou de grupos (YIN 2015)
Satildeo diversas as definiccedilotildees e autores que versam sobre estudo de caso na literatura
Robert K Yin tem se destacado sendo considerado um dos mais ceacutelebres autores no campo
de estudos de caso (GIL 2009) A definiccedilatildeo apresentada recentemente por Yin (2015) vem
sendo desenvolvida desde 1981 e reflete uma visatildeo em duas partes dos estudos de caso A
primeira inicia-se com o escopo do estudo e a segunda parte da definiccedilatildeo surge devido ao
fato de que o fenocircmeno e o contexto natildeo satildeo faacuteceis de distinguir nas situaccedilotildees do mundo real
1 ndash O estudo de caso eacute uma investigaccedilatildeo empiacuterica que investiga um fenocircmeno
contemporacircneo (o ldquocasordquo) em profundidade e em seu contexto de mundo real
especialmente quando os limites entre o fenocircmeno e o contexto natildeo estatildeo
claramente evidentes 2 ndash A investigaccedilatildeo do estudo de caso enfrenta a situaccedilatildeo
tecnicamente diferenciada em que existiratildeo muito mais variaacuteveis de interesse do
que pontos de dados e como resultado conta com muacuteltiplas fontes de evidecircncia
com os dados precisando convergir de maneira triangular e como outro
resultado beneficia-se do desenvolvimento anterior das proposiccedilotildees teoacutericas para
orientar a coleta e anaacutelise de dados (YIN 2015 p 17-18)
Essa definiccedilatildeo em duas partes ndash abarcando o escopo e as caracteriacutesticas desse meacutetodo
ndash mostra a abrangecircncia do estudo de caso e como ele conserva as caracteriacutesticas holiacutesticas e
significativas dos acontecimentos da vida real (YIN 2015) analisando as inter-relaccedilotildees entre
as variaacuteveis para promover o entendimento do caso o mais completo e profundo possiacutevel
Procedeu-se nessa pesquisa a utilizaccedilatildeo do estudo de caso descritivo que caracteriza o
fenocircmeno dentro de seu contexto como um caso uacutenico pois visa captar e reter uma
perspectiva holiacutestica das circunstacircncias e das condiccedilotildees de uma situaccedilatildeo diaacuteria ou de um lugar
comum (YIN 2015)
Desse modo justifica-se a utilizaccedilatildeo do meacutetodo de estudo de caso nesta pesquisa uma
vez que a compreensatildeo da percepccedilatildeo dos profissionais sobre a promoccedilatildeo de cirurgias seguras
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 42
eacute construiacuteda pelo cotidiano do proacuteprio trabalho desses profissionais dentro da rede intra-
hospitalar De acordo com Pereira Godoy e Terccedilariol (2009) o estudo de caso alarga a visatildeo
do fenocircmeno por apreender o indiviacuteduo em sua integridade e em seu contexto Os
profissionais da pesquisa compotildeem um grupo que embora em diversas funccedilotildees e
responsabilidades partilha do mesmo contexto e suas accedilotildees representam o retrato do
atendimento ciruacutergico real que eacute complexo e permeado de eventos significativos para o
entendimento da seguranccedila dos pacientes Nesse sentido a estrateacutegia de estudo de caso
permite a anaacutelise da dinacircmica dos processos em sua complexidade o que estabelece sua
condiccedilatildeo especiacutefica de contribuiccedilatildeo agrave construccedilatildeo do conhecimento (PEREIRA GODOY
TERCcedilARIOL 2009)
Ademais a utilizaccedilatildeo do estudo de caso se mostra apropriada tambeacutem por se tratar de
um fenocircmeno muito discutido na contemporaneidade e por responder agraves perguntas
relacionadas a como ocorre determinado fenocircmeno natildeo exigindo controle dos eventos
comportamentais (YIN 2015) o que induz tambeacutem ao uso da abordagem qualitativa
A criacutetica mais frequente em se utilizar estudos de caso e abordagem qualitativa refere-
se a natildeo possibilidade de generalizaccedilatildeo A abordagem qualitativa considera as limitaccedilotildees
metodoloacutegicas de generalizaccedilatildeo tendo a preocupaccedilatildeo maior com o aprofundamento e
abrangecircncia da compreensatildeo do objeto estudado (MINAYO 2014) A autora chama a atenccedilatildeo
para o fato de natildeo usar o meacutetodo qualitativo como uma alternativa agraves abordagens
quantitativas mas pensaacute-lo no sentido do aprofundamento do caraacuteter social sendo que o
meacutetodo quantitativo o apreende de forma parcial e inacabado Os estudos de caso segundo
Yin (2015) assim como estudos experimentais satildeo generalizaacuteveis agraves proposiccedilotildees teoacutericas e
natildeo agraves populaccedilotildees ou aos universos O estudo de caso como o experimento natildeo representa
uma ldquoamostragemrdquo e sim uma oportunidade de lanccedilar luz empiacuterica sobre conceitos ou
princiacutepios teoacutericos sendo sua meta expandir e generalizar teorias (generalizaccedilatildeo analiacutetica) e
natildeo inferir probabilidade enumerando as frequecircncias ocorridas (generalizaccedilatildeo estatiacutestica)
(YIN 2015)
Segundo Pereira Godoy e Terccedilariol (2009) para assegurar a condiccedilatildeo de
cientificidade do estudo de caso eacute essencial considerar diversos aspectos que podem
constituir pontos fraacutegeis sendo particularmente a seleccedilatildeo dos casos a coleta e o registro de
dados sua anaacutelise e a interpretaccedilatildeo bem como o planejamento e o preparo do pesquisador
Assim a elaboraccedilatildeo de estudos de caso exige o cumprimento de cinco componentes
essenciais conforme descrito por Yin (2015)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 43
1) Questotildees do estudo de caso o meacutetodo eacute indicado para responder agraves perguntas como e
por que de eventos contemporacircneos onde os comportamentos natildeo podem ser
manipulados Eacute importante utilizar-se da literatura disponiacutevel de forma que o pesquisador
estreite seu interesse a um ou dois toacutepicos-chave analise estudos-chave para identificar
questotildees novas ou lacunas para futuras pesquisas e outros estudos que sugira ou aperfeiccediloe
as questotildees propostas pelo pesquisador (YIN 2015)
2) Proposiccedilotildees o estudo de caso demanda um problema que necessite de uma compreensatildeo
holiacutestica sobre um evento ou uma situaccedilatildeo usando a loacutegica indutiva que eacute do particular ou
do especiacutefico para o geral (YIN 2015)
3) Unidade(s) de anaacutelise eacute aquilo que seraacute examinado dentro do escopo do trabalho
Contribui para identificar onde procurar evidecircncias relevantes uma vez que eacute impossiacutevel
estudar todos os aspectos de um fenocircmeno (YIN 2015) Neste estudo delimitou-se a
seguinte unidade de anaacutelise a seguranccedila no perioperatoacuterio por meio da percepccedilatildeo de
profissionais que atuam direta e indiretamente no ato anesteacutesico-ciruacutergico e a relaccedilatildeo que
estes estabelecem no cotidiano de trabalho de um hospital puacuteblico sendo este tambeacutem o
ldquocasordquo a ser estudado
4) A loacutegica que une os dados agraves proposiccedilotildees indica a vinculaccedilatildeo dos dados agraves proposiccedilotildees
ou seja antecipando-se os passos da anaacutelise de dados com a coleta dos dados necessaacuterios
Os dados natildeo podem ser em demasia a ponto de natildeo serem utilizados na anaacutelise e tambeacutem
natildeo devem ser escassos o que impediria a aplicaccedilatildeo da teacutecnica analiacutetica (YIN 2015) Os
dados foram submetidos agrave anaacutelise de conteuacutedo
5) Criteacuterios para interpretar as constataccedilotildees em pesquisas quantitativas as estimativas
estatiacutesticas servem como criteacuterios para interpretar os resultados Uma alternativa para os
estudos de caso que natildeo utilizam a estatiacutestica eacute identificar e abordar as explicaccedilotildees rivais
para os achados Os resultados se tornam mais fortes dependendo de quanto mais
explicaccedilotildees rivais tiveram sido abordadas e rejeitadas (YIN 2015)
32 Cenaacuterio do estudo
A escolha do hospital baseou-se nos seguintes criteacuterios definidos 1) estar localizado
em Belo Horizonte pela facilidade de acesso ser hospital de referecircncia para o estado aleacutem de
o municiacutepio ser poacutelo da Regiatildeo Ampliada de Sauacutede (macrorregiatildeo) Centro de Minas Gerais
exercendo uma forccedila de atraccedilatildeo da populaccedilatildeo de outros municiacutepios em razatildeo de sua
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 44
capacidade e de seu potencial de equipamentos urbanos e fixaccedilatildeo de recursos humanos
especializados (MINAS GERAIS 2010) (2) quantidade de cirurgias realizadas no periacuteodo de
2009 a 2013 periacuteodo que contemplava os uacuteltimos cinco anos quando se deu a escolha do
cenaacuterio de estudo na fase de projeto de pesquisa (3) ser puacuteblico e (4) ter accedilotildees
implementadas de cirurgia segura conforme recomendaccedilotildees da OMS haacute pelo menos um ano
O Quadro 2 a seguir apresenta esses criteacuterios
Quadro 2 Criteacuterios para escolha dos cenaacuterios de pesquisa Belo Horizonte 2013
Hospitais Cirurgias realizadas
de 2008 a 2012
Hospital puacuteblico
(100 SUS)
Accedilotildees em Cirurgia Segura de acordo com
a Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede
A 67001 natildeo Natildeo possui
B 48422 sim Iniciado em 2013 mas interrompido devido a
problemas de recursos humanos
C 42785 sim Iniciada em 01092010
D 38235 sim Natildeo possui
E 37155 natildeo Natildeo possui
F 31464 sim Iniciada em 14052010
G 23602 natildeo Natildeo possui
H 22939 sim Natildeo possui
() Natildeo identificado para preservar o anonimato () Fonte Ministeacuterio da Sauacutede - Sistema de Informaccedilotildees Hospitalares do
SUS (SIHSUS) Pesquisa realizada em outubro de 2013 () Fonte Cadastro Nacional de Estabelecimento de Sauacutede
(CNES) Pesquisa realizada em outubro de 2013 () Fonte Informaccedilatildeo por telefone dada pelo coordenador dos Centros
Ciruacutergicos dos hospitais em novembro de 2013
O hospital C natildeo conseguiu visualizar o projeto de pesquisa na Plataforma Brasil
Foram realizados vaacuterios contatos com a instituiccedilatildeo e com a equipe da Plataforma Brasil sem
soluccedilatildeo do problema
O hospital F foi o cenaacuterio deste estudo e tem por caracteriacutestica a assistecircncia a
pacientes de urgecircncia cliacutenica e ciruacutergica traumatoloacutegica e natildeo traumatoloacutegica de uma
populaccedilatildeo de cerca de 11 milhatildeo de habitantes no eixo norte da Regiatildeo Metropolitana de
Belo Horizonte englobando os municiacutepios de Ribeiratildeo das Neves Vespasiano Santa Luzia
Pedro Leopoldo Matozinhos Confins Esmeraldas Jaboticatubas e Satildeo Joseacute da Lapa Iniciou
seu funcionamento em junho de 2006 mediante convecircnio com a Secretaria de Estado de
Sauacutede de Minas Gerais (SESMG) Desde 2008 apoacutes avaliaccedilatildeo da Comissatildeo de
Certificadores dos Ministeacuterios da Sauacutede e da Educaccedilatildeo foi considerado um hospital de ensino
O Quadro 3 apresenta o quantitativo de leitos do hospital cenaacuterio deste estudo
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 45
Quadro 3 Distribuiccedilatildeo dos leitos do hospital cenaacuterio do estudo (2015)
Descriccedilatildeo dos Leitos Quantidade
Especialidade Ciruacutergica
Ortopedia traumatologia 35
Cirurgia geral 94
Especialidade Cliacutenica
Cliacutenica geral 150
Neonatologia 4
Complementar
UTI Adulto - Tipo II 35
UTI Neonatal - Tipo II 4
Unidade de Cuidados Intermediaacuterios Neonatal Canguru 2
Unidade de Cuidados Intermediaacuterios Neonatal Convencional 4
Obsteacutetrico
Obstetriacutecia ciruacutergica 21
Obstetriacutecia cliacutenica 7
Pediaacutetrico
Pediatria cliacutenica 12
Total geral 368
Fonte CNES (2015)
O modelo de gestatildeo do hospital estudado eacute por linhas de cuidado e apoio nas quais se
pautam a organizaccedilatildeo do hospital Dentro da linha de cuidado ciruacutergico em 2010 foi
implantado o checklist de cirurgia segura Neste ano tambeacutem o Nuacutecleo de Gestatildeo da
Qualidade (NGQ) foi reformulado e passou a reunir profissionais de diversas aacutereas do hospital
que discutem e realizam accedilotildees voltadas para a qualidade dos processos internos da instituiccedilatildeo
33 Participantes do estudo
Os participantes da pesquisa satildeo membros da equipe multiprofissional que atuam no
Centro Ciruacutergico (CC) e nas unidades assistenciais e de apoio agrave assistecircncia ciruacutergica A maior
parte foi selecionada de forma aleatoacuteria por meio de sorteio No entanto outros participantes
foram intencionalmente escolhidos por exercer alguma funccedilatildeo especiacutefica de interesse ao escopo
do estudo e ainda alguns profissionais foram indicados pelos participantes durante as
entrevistas A escolha de diferentes categorias e locais de atuaccedilatildeo dos profissionais decorreu do
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 46
fato de se buscar diversos acircngulos para uma anaacutelise aprofundada por meio da percepccedilatildeo dos
profissionais que atuavam direta e indiretamente na realizaccedilatildeo do ato ciruacutergico
A questatildeo ldquoquantosrdquo tem importacircncia secundaacuteria em relaccedilatildeo agrave questatildeo ldquoquemrdquo quando
se trata de amostras intencionais como na proposta deste estudo Natildeo eacute a quantidade de seus
elementos o fator mais relevante e sim a forma como se concebe a representatividade desses
elementos e a qualidade das informaccedilotildees provenientes desses Natildeo houve delimitaccedilatildeo a priori
do nuacutemero de entrevistados A base para encerrar as entrevistas obedeceu ao criteacuterio de
saturaccedilatildeo de dados A saturaccedilatildeo eacute uma ferramenta utilizada para estabelecer ou fechar o
tamanho da amostra (FONTANELLA RICAS TURATO 2008) quando as informaccedilotildees
coletadas se tornam repetitivas
Os criteacuterios de inclusatildeo utilizados foram atuar no hospital por no miacutenimo um ano e
trabalhar no CC e em unidades assistenciais e de suporte ao ato ciruacutergico Para os profissionais
que ocupam cargos de chefia foram entrevistados os que estavam em exerciacutecio independente do
tempo haja vista a rotatividade nestes cargos O criteacuterio de exclusatildeo foi estar de feacuterias licenccedila
ou se recusar a participar da pesquisa Assim participaram da pesquisa 32 profissionais de
diferentes categorias e setores de atuaccedilatildeo Destes 660 satildeo do sexo feminino e 340 do sexo
masculino A meacutedia da idade dos entrevistados foi de 36 anos variando de 21 e 58 anos O
tempo meacutedio de trabalho no hospital foi de 46 anos variando entre um ano e 16 anos Entre os
profissionais 500 declararam ter outro viacutenculo empregatiacutecio
Os participantes da pesquisa trabalham em sistema de plantotildees 875 no diurno e
220 no noturno sendo que alguns trabalham nos dois turnos e outros sem padratildeo de horaacuterio
como aqueles em cargo de chefia que apesar de trabalharem mais durante o dia relatam natildeo ter
horaacuterio fixo de trabalho Todos foram contratados no regime celetista pela Consolidaccedilatildeo das
Leis do Trabalho (CLT)
A escolaridade variou de niacutevel meacutedio a mestrado sendo que 63 tecircm ateacute o niacutevel meacutedio
340 realizaram um curso teacutecnico alguns estatildeo fazendo tecnoacutelogo ou graduaccedilatildeo e 594 tecircm
formaccedilatildeo superior Destes com graduaccedilatildeo 219 realizaram residecircncia 281 alguma
especializaccedilatildeo 187 mestrado Havia um profissional com doutoramento em curso A maior
parte dos participantes da pesquisa foi de profissionais da equipe de enfermagem (469 de
enfermeiros e teacutecnicos de enfermagem) seguidos da categoria meacutedica (219 de cirurgiotildees e
anestesiologistas) e 126 de instrumentadores e farmacecircuticos As demais categorias
representaram 190 do total de profissionais
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 47
Os participantes da pesquisa foram agrupados em Grupo 1 profissionais que atuam
internamente na sala operatoacuteria durante o intraoperatoacuterio e diretamente na assistecircncia ciruacutergica
ao paciente e Grupo 2 profissionais que tecircm um papel importante para a realizaccedilatildeo da
assistecircncia ciruacutergica mas seu locus de atuaccedilatildeo natildeo eacute a sala operatoacuteria do CC no intraoperatoacuterio
tendo portanto um papel indireto na assistecircncia ciruacutergica ao paciente
Entre os participantes do Grupo 1 foram escolhidos por meio de sorteio cirurgiotildees
anestesiologistas enfermeiros teacutecnicos de enfermagem e instrumentadores Intencionalmente
foi escolhido o profissional enfermeiro responsaacutevel pelo preenchimento do checklist de cirurgia
segura e o coordenador meacutedico da linha de cuidados ciruacutergicos que tambeacutem realiza cirurgias na
instituiccedilatildeo No decorrer das entrevistas houve indicaccedilatildeo dos profissionais para incluir na
pesquisa o meacutedico e a enfermeira que implantaram o checklist na instituiccedilatildeo Essa
recomendaccedilatildeo foi atendida
Os participantes do Grupo 2 foram escolhidos intencionalmente por exercerem cargos
especiacuteficos em unidades assistenciais e de suporte ao ato ciruacutergico coordenador de enfermagem
da linha de cuidados ciruacutergicos enfermeiro coordenador da Central de Material de Esterilizaccedilatildeo
(CME) responsaacutevel pelo setor de qualidade teacutecnico responsaacutevel pela manutenccedilatildeo dos
equipamentos enfermeiro da Comissatildeo de Controle de Infecccedilatildeo Hospitalar (CCIH) responsaacutevel
pela aacuterea ciruacutergica responsaacutevel pelo laboratoacuterio profissional com funccedilatildeo de coordenaccedilatildeo no
Centro de Terapia Intensiva (CTI) Aleatoriamente foram escolhidos secretaacuteria do CC auxiliar
de serviccedilos gerais teacutecnico de enfermagem da Central de Material de Esterilizaccedilatildeo teacutecnico do
banco de sangue enfermeiro supervisor da unidade de internaccedilatildeo ciruacutergica enfermeiro de
especialidade da cirurgia teacutecnico que atua na farmaacutecia sateacutelite do CC e teacutecnico de radiologia
As entrevistas foram realizadas de acordo com a disponibilidade dos profissionais Estatildeo
identificadas de acordo com a sequencia em que foram realizadas pela letra ldquoErdquo (de entrevista)
seguida da letra ldquodrdquo quando diretamente envolvido no intraoperatoacuterio ao paciente aqueles do
Grupo 1 ou letra ldquoirdquo quando indiretamente envolvido na assistecircncia ciruacutergica que fazem parte
do Grupo 2 Apoacutes essa sequecircncia o nuacutemero da entrevista Exemplos Ei1 Ei2 Ei3 Ed4 Ed32
34 Coleta de dados
A coleta de dados foi realizada no periacuteodo de 14 de maio a 17 de julho de 2014 e para
o alcance dos objetivos propostos foi executada em duas fases que se complementaram para
entender o fenocircmeno pesquisado
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 48
Primeira fase observaccedilatildeo direta A observaccedilatildeo foi realizada pela pesquisadora e por
uma acadecircmica de enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
Observou-se no miacutenimo um procedimento ciruacutergico de cada especialidade incluindo
cirurgias eletivas de urgecircncia e de emergecircncia Foi realizado acompanhamento da
transferecircncia de pacientes do CC para outro setor (centro de terapia intensiva e unidade de
internaccedilatildeo ciruacutergica) As observaccedilotildees incluiacuteram turnos da manhatilde tarde e noite em dias uacuteteis
e em finais de semana do dia 14 de maio a 3 de junho de 2014 Durante as observaccedilotildees foi
utilizado o diaacuterio de campo que segundo Minayo (2014) deve conter informaccedilotildees que natildeo
sejam o registro das entrevistas formais Isto eacute observaccedilotildees sobre conversas informais
comportamentos cerimoniais festas gestos e expressotildees que digam respeito ao tema da
pesquisa Aleacutem de falas comportamentos haacutebitos usos costumes e celebraccedilotildees que
compotildeem as representaccedilotildees sociais que foram utilizadas para enriquecimento da anaacutelise
Segunda fase entrevistas em profundidade com os participantes da pesquisa
utilizando roteiro semiestruturado (Apecircndice II) para compreender a seguranccedila ciruacutergica por
meio da perspectiva de profissionais que vivenciam o cotidiano de trabalho do hospital Foi
solicitado ao final da entrevista que os entrevistados narrassem uma situaccedilatildeo em que ocorreu
um incidente e como foi vivenciar a experiecircncia e a abordagem institucional frente ao
incidente Dessa forma pretendeu-se natildeo incorrer nas armadilhas da coleta de dados
padronizada natildeo recomendada em estudos qualitativos O instrumento foi aplicado para teste e
adaptaccedilatildeo sendo adaptado apoacutes a entrevista
As entrevistas foram realizadas individualmente e gravadas mediante autorizaccedilatildeo dos
participantes que assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)
(Apecircndice I) Foi realizado contato preacutevio com os profissionais explicando os objetivos da
pesquisa e feito o convite para participar do estudo Para os profissionais que aceitaram foi
marcada a data e o horaacuterio Os locais para realizaccedilatildeo das entrevistas foram os espaccedilos do
hospital como salas operatoacuterias vazias sem atendimento ao paciente no momento da
entrevista espaccedilo dentro da farmaacutecia sateacutelite do CC sala de reuniatildeo da diretoria e do setor de
informaacutetica e salas de aula do Nuacutecleo de Ensino Pesquisa e Extensatildeo (NEPE)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 49
35 Anaacutelise dos dados
Os dados foram analisados com base no referencial de Bardin (2008) empregando-se a
teacutecnica da anaacutelise de conteuacutedo temaacutetica tendo em vista a anaacutelise dos ldquosignificadosrdquo
pronunciados pelos entrevistados da pesquisa no que se refere agrave cirurgia segura A anaacutelise de
conteuacutedo proposta por Bardin (2008) se configura como
[] um conjunto de teacutecnicas de anaacutelise das comunicaccedilotildees visando obter por
procedimentos sistemaacuteticos e objetivos de descriccedilatildeo do conteuacutedo das mensagens
indicadores (quantitativos ou natildeo) que permitam a inferecircncia de conhecimentos
relativos agraves condiccedilotildees de produccedilatildeorecepccedilatildeo (variaacuteveis inferidas) destas mensagens
(BARDIN 2008 p44)
O aspecto individual e atual da linguagem a praacutetica da liacutengua realizada por emissores
identificaacuteveis ndash a fala ndash eacute o objeto da anaacutelise de conteuacutedo Esta por trabalhar com a fala e com
as significaccedilotildees possibilita conhecer o que estaacute por traacutes das palavras e sobre as quais se
debruccedila Ou seja eacute uma busca de outras realidades mediante as mensagens emitidas (BARDIN
2008) e se propotildee a apreender tanto uma realidade visiacutevel quanto uma invisiacutevel que pode ser
percebida apenas nas ldquoentrelinhasrdquo do texto (CAVALCANTE CALIXTO PINHEIRO 2014)
A escolha da anaacutelise de conteuacutedo neste estudo pode ser elucidada pela necessidade de
superar as incertezas dos pressupostos pela necessidade de enriquecer a leitura por meio da
compreensatildeo das significaccedilotildees e pela necessidade de desvelar as relaccedilotildees que se estabelecem
aleacutem das falas propriamente ditas (CAVALCANTE CALIXTO PINHEIRO 2014) Em termos
de aplicaccedilatildeo praacutetica esse meacutetodo permite
[] o acesso a diversos conteuacutedos expliacutecitos ou natildeo presentes em um texto sejam eles
expressos na axiologia subjacente ao texto analisado implicaccedilatildeo do contexto poliacutetico
nos discursos exploraccedilatildeo da moralidade de dada eacutepoca anaacutelise das representaccedilotildees
sociais sobre determinado objeto inconsciente coletivo em determinado tema
repertoacuterio semacircntico ou sintaacutetico de determinado grupo social ou profissional anaacutelise
da comunicaccedilatildeo cotidiana seja ela verbal ou escrita entre outros (OLIVEIRA 2008
p570)
Contudo a variedade de conceitos e finalidades da anaacutelise de conteuacutedo tem tornado o
meacutetodo pouco claro e permitido sua utilizaccedilatildeo sem os cuidados metodoloacutegicos necessaacuterios para
uma boa praacutetica tendendo a desenvolvecirc-la como uma teacutecnica intuitiva e natildeo sistematizada
Assim para assegurar o valor cientiacutefico eacute necessaacuterio que os procedimentos utilizados na anaacutelise
de conteuacutedo atendam a algumas regras precisas (OLIVEIRA 2008) Nesse sentido foram
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 50
adotadas as fases da anaacutelise de conteuacutedo que segundo Bardin (2008) se organizam em torno de
trecircs poacutelos cronoloacutegicos primeira fase ndash preacute-anaacutelise segunda fase ndash exploraccedilatildeo do material ou
codificaccedilatildeo terceira fase - tratamento dos resultados inferecircncia e interpretaccedilatildeo
Primeira fase ndash preacute-anaacutelise nesta fase os materiais entrevistas e diaacuterio de campo
foram organizados no sentido de sistematizar as ideias iniciais Foi realizada a transcriccedilatildeo das
entrevistas e conferecircncia das mesmas confrontando as entrevistas transcritas agrave gravaccedilatildeo do
aacuteudio das entrevistas corrigindo palavras e pontuaccedilatildeo Apoacutes esse processo foram separados em
pastas os aacuteudios as entrevistas e os diaacuterios de campo retirando da transcriccedilatildeo todo nome que
pudesse identificar algum profissional da instituiccedilatildeo Esse material somado aos registros das
observaccedilotildees no diaacuterio de campo constituiu o corpus de anaacutelise desta pesquisa Foi feita entatildeo a
leitura flutuante deste corpus deixando-se impregnar pelos relatos Nessa etapa tambeacutem foram
retomados os objetivos e pressupostos iniciais desta pesquisa
Segunda fase ndash exploraccedilatildeo do material foi feita a leitura exaustiva das entrevistas e
realizadas operaccedilotildees de codificaccedilatildeo e categorizaccedilatildeo A codificaccedilatildeo foi o processo sistemaacutetico de
transformar e agrupar os dados brutos dos documentos em unidades de registros (unidade de
significaccedilatildeo) e unidades de contexto (unidade de compreensatildeo para codificar a unidade de
registro) Esses satildeo os elementos que compotildeem a mensagem ou seja satildeo palavras eou frases
que representaram determinadas partes das falas dos entrevistados e que permitiram uma
descriccedilatildeo das propriedades pertinentes aos conteuacutedos Isso viabilizou a definiccedilatildeo dos temas
dado que se adotou a anaacutelise temaacutetica ou seja cada tema foi composto por um conjunto de
unidade de registro Assim a anaacutelise temaacutetica consistiu em descobrir os nuacutecleos de sentido que
compotildeem a mensagem que tiveram aderecircncia ao objetivo analiacutetico estudado (BARDIN 2008)
A categorizaccedilatildeo consistiu na classificaccedilatildeo e agrupamento dos temas em razatildeo das
caracteriacutesticas comuns para permitir a organizaccedilatildeo das mensagens Vaacuterios satildeo os criteacuterios de
categorizaccedilatildeo mencionados por Bardin (2008) Neste estudo optou-se pela anaacutelise temaacutetica
Foram seguidas quatro regras importantes relatadas por Bardin (2008) a saber (1) os
dados foram classificados homogeneamente mantendo o cuidado de natildeo se misturar temas
aparentemente semelhantes (2) o texto foi exaustivamente decomposto esgotando suas
informaccedilotildees (3) um mesmo elemento foi classificado sempre na mesma categoria e (4) os
dados retirados das entrevistas foram alinhados ao conteuacutedo teoacuterico da pesquisa e aos objetivos
Terceira fase ndash tratamentos dos resultados inferecircncia e interpretaccedilatildeo os dados
brutos foram tratados de maneira a serem significativos e vaacutelidos Assim foram realizadas
inferecircncias e interpretaccedilatildeo dos dados de acordo com os objetivos e descobertas inesperadas e agrave
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 51
luz da literatura Foram utilizados dentre outros alguns dos conceitos da teoria do ator-rede de
Bruno Latour e do pensamento complexo de Edgar Morin devido agrave complementariedade entre
elas para aprofundar a compreensatildeo do fenocircmeno estudado a partir dos achados da pesquisa
sem no entanto esgotar estes referenciais teoacutericos As observaccedilotildees registradas no diaacuterio de
campo tambeacutem foram utilizadas nesse processo como forma de enriquecimento da anaacutelise
Ressalta-se ainda que o contexto da mensagem eacute fundamental na anaacutelise de conteuacutedo
natildeo soacute ele mas o contexto exterior a este em que condiccedilotildees de produccedilatildeo foi evocada aquela
mensagem ou seja quem eacute que fala a quem e em que circunstacircncias (BARDIN 2008) Nesse
sentido requer uma preacute-compreensatildeo do ser suas manifestaccedilotildees suas interaccedilotildees com o
contexto e requer um olhar meticuloso do investigador (CAVALCANTE CALIXTO
PINHEIRO 2014) Assim a vivecircncia que se teve no campo de pesquisa foi importante para a
aproximaccedilatildeo com a realidade do fazer ldquoa assistecircncia ciruacutergicardquo no cenaacuterio de estudo ou seja
possibilitou interpretar as entrevistas de forma contextualizada contribuindo para a anaacutelise e
evidenciando a importacircncia da observaccedilatildeo
36 Aspectos eacuteticos da pesquisa
A pesquisa foi aprovada pela Cacircmara do Departamento de Enfermagem Aplicada da
Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais (ENAEEUFMG) pelo
Comitecirc de Eacutetica e Pesquisa do hospital sob o Parecer 072014 (natildeo foi anexado o documento
para assegurar o anonimato do hospital) e pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa da Universidade
Federal de Minas Gerais (COEPUFMG) sob o Parecer nordm 619723 em 16042014 e CAAE
28460314900005149 (Anexo I)
Este percurso visou assegurar procedimentos que garantam a confidencialidade e a
privacidade a proteccedilatildeo da imagem e a natildeo estigmatizaccedilatildeo dos participantes Assegurou-se
que as informaccedilotildees natildeo seratildeo usadas para prejudicar as pessoas eou comunidades inclusive
no que tange a autoestima prestiacutegio eou aspectos econocircmico-financeiros Aleacutem disso os
procedimentos natildeo ofereceram riscos agrave dignidade dos participantes viabilizando o princiacutepio
da natildeo maleficecircncia conforme estabelece a Resoluccedilatildeo nordm 466 de 2012 do Conselho Nacional
de Sauacutede (CNS) (BRASIL 2012a)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 52
Achados da pesquisa
x
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 53
4 APRESENTACcedilAtildeO E DISCUSSAtildeO DOS ACHADOS
Neste estudo o termo ldquocentro ciruacutergicordquo seraacute utilizado de acordo com a RDC ndeg
502002 que o define como ldquo[] a unidade destinada ao desenvolvimento de atividades
ciruacutergicas bem como agrave recuperaccedilatildeo poacutes-anesteacutesica e poacutes-operatoacuteria imediatardquo (ANVISA
2002 p 119) No entanto os profissionais se referem ao centro ciruacutergico tambeacutem como bloco
ciruacutergico e assim seraacute mantido nos depoimentos Os resultados da pesquisa foram agrupados
em trecircs categorias e suas respectivas subcategorias
Categoria 1 - Rede intra-hospitalar para o perioperatoacuterio em um hospital puacuteblico referecircncia
para urgecircncias e emergecircncias e de ensino
Centro ciruacutergico de um hospital referecircncia para urgecircncias e emergecircncias que lugar eacute
esse
Rede intra-hospitalar conexotildees para a seguranccedila ciruacutergica
Perioperatoacuterio entrelaccedilamento das trecircs fases para a cirurgia segura
Categoria 2 - Situaccedilotildees de seguranccedila e de inseguranccedila nos procedimentos ciruacutergicos
Cirurgia segura e cirurgia insegura imbricaccedilotildees de atores humanos e natildeo humanos
Onda Vermelha situaccedilatildeo de caos que salva vidas
Efeito borboleta pequenas accedilotildees podem resultar em grandes incidentes na assistecircncia
ciruacutergica
Abordagem institucional frente aos incidentes efeitos da cultura organizacional
Categoria 3 - Lista de verificaccedilatildeo de seguranccedila ciruacutergica da aparente simplicidade a real
complexidade
Lista de verificaccedilatildeo de seguranccedila ciruacutergica da implantaccedilatildeo aos dias atuais
Melhorias no uso do checklist de cirurgia segura
41 Rede intra-hospitalar para o perioperatoacuterio em um hospital puacuteblico referecircncia para
urgecircncias e emergecircncias e de ensino
O conhecimento natildeo eacute um espelho das coisas ou do mundo externo Todas as
percepccedilotildees satildeo ao mesmo tempo traduccedilotildees e reconstruccedilotildees cerebrais com base em
estiacutemulos ou sinais captados e codificados pelos sentidos (MORIN 2000 p20)
Essa primeira categoria estaacute divida em trecircs subcategorias (411) centro ciruacutergico de
um hospital de urgecircncias e emergecircncias que lugar eacute esse (412) rede intra-hospitalar
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 54
conexotildees para a seguranccedila ciruacutergica e (413) perioperatoacuterio entrelaccedilamento das trecircs fases
para a cirurgia segura Essas subcategorias tratam respectivamente da percepccedilatildeo dos
profissionais participantes desta pesquisa sobre o centro ciruacutergico em que atuam de como se
configura a conexatildeo dos pontos de atenccedilatildeo da rede intra-hospitalar para a seguranccedila ciruacutergica
e das fases do perioperatoacuterio que correspondem ao preacute trans e poacutes-operatoacuterio
Emergiu dos relatos a pluralidade de percepccedilotildees e contradiccedilotildees tendo em vista que os
profissionais participantes da pesquisa estatildeo em diferentes posiccedilotildees e locais de atuaccedilatildeo
possuem experiecircncias profissionais niacuteveis de identificaccedilatildeo organizacional e relaccedilotildees de poder
diferenciadas Aleacutem disso tambeacutem possuem desejos e metas pessoais o que confere ao
ambiente de trabalho uma significaccedilatildeo singular
Pretendeu-se nesta categoria fornecer informaccedilotildees para traduzir e reconstruir a
realidade da seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica e suas muacuteltiplas dimensotildees Assim natildeo foi
levada em consideraccedilatildeo a unidimensionalidade que mutila por buscar a disjunccedilatildeoreduccedilatildeo
para chegar agrave simplificaccedilatildeo Considerou-a como um sistema complexo
Nos sistemas complexos dinacircmicos e natildeo lineares natildeo haacute pontos de equiliacutebrio e em
princiacutepio parecem ser aleatoacuterios e caoacuteticos Sistemas como o de sauacutede satildeo constituiacutedos por
muitos atores (meacutedicos enfermeiros pessoal teacutecnico e administrativo pacientes pagadores
gestores) que tendem a atuar em redes profissionais e sociais mas tambeacutem por interesses
proacuteprios diferentes e natildeo raro conflitantes Esses atores ganham cultura e experiecircncias que
mudam em funccedilatildeo do tempo adaptando-se em um processo de auto-organizaccedilatildeo e talvez o
mais importante natildeo apresentam pontos uacutenicos de controle ou seja ningueacutem estaacute de fato no
controle Consequentemente seratildeo sempre mais facilmente influenciaacuteveis em seu
comportamento do que moviacuteveis por controle direto (FRAGATA SOUSA SANTOS 2014)
411 Centro ciruacutergico de um hospital de urgecircncias e emergecircncias que lugar eacute esse
O hospital em que o Centro Ciruacutergico (CC) estaacute inserido constitui uma das portas de
entrada hospitalar de urgecircncia e emergecircncia da Rede de Atenccedilatildeo agraves Urgecircncias no acircmbito do
SUS A instituiccedilatildeo atende a uma populaccedilatildeo numerosa do Vetor Norte de Belo Horizonte e de
municiacutepios vizinhos Localiza-se em um ponto perifeacuterico do municiacutepio sendo o uacutenico
hospital da regiatildeo Somado ao porte do hospital e seu perfil de demanda espontacircnea para a
assistecircncia de urgecircncia e de emergecircncia ciruacutergica traumatoloacutegica e natildeo traumatoloacutegica o CC
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 55
se revela de grande relevacircncia na percepccedilatildeo dos entrevistados desta pesquisa tanto dos que
atuam internamente quanto dos que atuam externamente
[] o bloco daqui eacute extremamente importante por ser um hospital de urgecircncia
porta-aberta [] soacute tem esse hospital nessa regiatildeo neacute [] A importacircncia de
atender essa populaccedilatildeo extremamente extensa (Ed26)
[somos] referecircncia em trauma [] se natildeo houvesse o bloco o hospital natildeo
caminharia A importacircncia eacute imensuraacutevel Principalmente em uma grande cidade
como Belo Horizonte (Ed29)
O bloco ciruacutergico eacute um setor extremamente importante estrateacutegico (Ei23)
Os termos utilizados pelos entrevistados ao se referirem agrave importacircncia do CC
mostram o reconhecimento e o significado que atribuem a essa unidade ciruacutergica e tambeacutem ao
hospital Os profissionais mencionam o papel estrateacutegico dado pela localizaccedilatildeo e por ser o
uacutenico hospital da regiatildeo e o papel social por meio da assistecircncia prestada agrave populaccedilatildeo de
uma vasta aacuterea A importacircncia do CC eacute mencionada por autores como Gomes (2009) Souza
(2011) sendo considerado o setor de maior importacircncia ou o que atrai mais atenccedilatildeo pela
evidecircncia dos resultados dramaticidade das cirurgias importacircncia demonstrativa e didaacutetica e
principalmente pela accedilatildeo de cura dada aos procedimentos ciruacutergicos (BARRETO BARROS
2009) Haacute poucas descriccedilotildees sobre a importacircncia do CC especificamente em hospitais de
referecircncia para a assistecircncia de urgecircncia e de emergecircncia
As situaccedilotildees de urgecircncia e emergecircncia incluem casos em que o paciente necessita
muitas vezes do acesso a procedimentos ciruacutergicos imediatos pelo risco de morte Esse perfil
do hospital faz com que o CC se torne parte importante da instituiccedilatildeo um local que salva
vidas pelo tratamento adequado que se oferece nessas situaccedilotildees
Em um hospital de pronto socorro porta aberta o paciente jaacute chega direto para a
cirurgia caso de vida ou morte Chega aqui direto para poder ser tratado de forma
adequada e a gente vai salvar vidas neacute (Ed13)
[] uma importacircncia para o perfil dos pacientes Tem uma clientela mais de
pacientes viacutetimas de PAF [perfuraccedilatildeo por arma de fogo] essas coisas (Ei7)
A equipe multiprofissional do CC deve estar inserida no planejamento da assistecircncia
emergencial que se inicia na estrutura no levantamento de prioridades na organizaccedilatildeo e
preparo dos materiais e equipamentos aleacutem da responsabilizaccedilatildeo das accedilotildees de cada um dos
membros da equipe assistencial (CALIL et al 2010)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 56
O papel estrateacutegico pela localizaccedilatildeo do hospital e por ser o uacutenico da regiatildeo e afastado
da aacuterea hospitalar central eacute reforccedilado por ser considerada uma aacuterea de alto risco social
relacionada agrave violecircncia urbana O perfil dos pacientes atendidos tem como caracteriacutestica
principal o fato de que sua maioria eacute viacutetima da violecircncia Apesar da legislaccedilatildeo brasileira
(BRASIL 2001 2002a 2004 2006 2011a 2011b 2012b 2013a 2013b 2013c) para
prevenccedilatildeo e reduccedilatildeo da mortalidade por causas externas (atos relacionados agrave violecircncia e
acidentes) a taxa de mortalidade em razatildeo desse fenocircmeno aumentou 84 de 2001 para
2010 Em 2010 ocupou a terceira posiccedilatildeo entre as mortes da populaccedilatildeo total e a primeira
entre adolescentes e adultos jovens As agressotildees e acidentes de transporte terrestre foram
responsaacuteveis por 67 dos oacutebitos por causas externas A arma de fogo foi o meio utilizado em
mais da metade dos oacutebitos A maior proporccedilatildeo foi de indiviacuteduos do sexo masculino e adultos
de 20 a 39 anos (BRASIL 2012b)
Em Minas Gerais das 8387 internaccedilotildees por traumas em 2009 229 foram a oacutebito Do
total de ocorrecircncias 198 foram em pacientes entre 20 e 29 anos de idade (VIEIRA
MAFRA 2011) Esses dados em niacutevel nacional e estadual se assemelham aos dados do
hospital em estudo presentes em outra pesquisa na qual a maioria dos pacientes assistidos por
trauma eacute jovem do sexo masculino que sofreram agressotildees fiacutesicas acidentes com
motocicleta e perfuraccedilatildeo por arma de fogo (MARQUES GUEDES SIZENANDO 2010)
Essas ocorrecircncias satildeo denominadas ldquocausas externasrdquo e tecircm se apresentado como um
desafio para a agenda da sauacutede puacuteblica O desafio se inicia pelo fato do proacuteprio nome parecer
algo que estaacute externo agrave aacuterea da sauacutede ou a qualquer outra aacuterea como a social a econocircmica a
educacional ou a aacuterea da seguranccedila puacuteblica Ou seja as causas do problema da violecircncia satildeo
sempre externas a uma aacuterea de responsabilidade puacuteblica natildeo haacute responsabilidade exclusiva de
nenhum gestor Satildeo situaccedilotildees nas quais os problemas deveriam ser equacionados
intersetorialmente mas natildeo haacute o dialogo necessaacuterio e os serviccedilos de sauacutede continuam a
receber cotidianamente as consequecircncias da violecircncia e dos acidentes principalmente aqueles
serviccedilos que satildeo referecircncia para a assistecircncia de urgecircncias e de emergecircncias
Neste sentido a funccedilatildeo de um CC de um hospital referecircncia para urgecircncias e
emergecircncias eacute diferente da funccedilatildeo deste setor em hospitais de atendimento ciruacutergico eletivo
Os pacientes em algum momento do processo terapecircutico podem necessitar de intervenccedilatildeo
ciruacutergica
[] a pessoa jaacute entra direto para o CC pela onda Natildeo tem como natildeo ter o bloco
[] se fosse um hospital cliacutenico poderia natildeo existir (Ed32)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 57
[] nosso paciente em algum momento passa pelo bloco [] chega vai ser
estabilizado no bloco ir para o andar e depois retornar para o bloco para uma
intervenccedilatildeo mais completa Ou chega e vai direto para o bloco Ou sai daqui
[hospital] para casa para o ambulatoacuterio e aguarda o bloco (Ei30)
O entrevistado fala que o paciente entra direto ldquopela ondardquo isto significa que eacute um
paciente de emergecircncia com risco de morte que quando se daacute sua chegada ao hospital eacute tocada
uma sirene para alertar os profissionais sobre a necessidade de intervenccedilatildeo raacutepida Esse fluxo
eacute chamado de ldquoOnda Vermelhardquo ou simplesmente ldquoOndardquo
A ldquoOnda Vermelhardquo eacute um protocolo que foi criado como resultado da experiecircncia
adquirida ao longo dos anos pelos profissionais da urgecircncia que atendiam viacutetimas de traumas
graves que apresentavam alta mortalidade O CC eacute um ponto de atenccedilatildeo necessaacuterio para a
assistecircncia da maioria desses pacientes em estado de urgecircncia ou emergecircncia sejam os
pacientes que vecircm por demanda espontacircnea ou aqueles trazidos pelo Serviccedilo de Atendimento
Moacutevel de Urgecircncia (SAMU) poliacutecia militar ou serviccedilo de resgate do corpo de bombeiros Os
pacientes satildeo atendidos primeiro no pronto socorro (PS) nas salas denominadas ldquoPoli 9rdquo
(emergecircncias ciruacutergicas) e ldquoPoli 10rdquo (emergecircncias cliacutenicas) O paciente ciruacutergico eacute
encaminhado agrave sala operatoacuteria pelos profissionais do PS ou algumas vezes pelo profissional
do transporte sanitaacuterio que o trouxe e pode ser submetido a uma cirurgia para estabilizaccedilatildeo e
nova abordagem posterior ou uma cirurgia com intervenccedilatildeo definitiva Aleacutem disso o paciente
pode ser atendido no PS receber alta para acompanhamento no ambulatoacuterio e aguardar a
cirurgia em casa Aleacutem das urgecircncias agraves emergecircncias ciruacutergicas e agraves situaccedilotildees cliacutenicas de
demanda espontacircnea o hospital atende tambeacutem a pacientes eletivos e referenciados
Os diferentes perfis conformam o modo de acesso ao hospital e ao CC Isso exige
atenccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo e aos fluxos para o acesso efetivo do paciente o que muitas vezes
gera problemas no cotidiano de trabalho A acessibilidade eacute um atributo de qualidade
importante do sistema de sauacutede e da atenccedilatildeo agraves urgecircncias (GARLET et al 2009) E este
acesso deve ser organizado humanizado integral efetivo eficiente oportuno e seguro
O CC eacute comparado pelos entrevistados a oacutergatildeos vitais e deve estar funcionando a todo
o tempo para proporcionar vida ao hospital Eacute comparado tambeacutem agraves partes que satildeo visiacuteveis
no corpo do ser humano reforccedilando a visibilidade do CC Essas comparaccedilotildees permitem
visualizar a imagem que os profissionais tecircm do CC
Como o hospital eacute referecircncia em urgecircncia e emergecircncia em trauma eacute como se fosse
o coraccedilatildeo do hospital [] eacute onde vocecirc encaminha os pacientes graves [] Eacute um
setor que deve estar a todo o momento pronto para receber qualquer tipo de trauma
ou outra situaccedilatildeo cliacutenica ciruacutergica (Ei5)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 58
Eacute a cabeccedila do hospital eacute o lugar mais importante do hospital (Ei6)
[] noacutes [do CC] somos a cara aqui da frente do hospital neacute (Ed26)
O bloco eacute quase a menina dos olhos do hospital eacute onde tem perspectiva do
prognoacutestico e gera dinheiro no hospital onde a gente consegue mudar a terapecircutica
do paciente (Ed10)
As comparaccedilotildees do CC com partes vitais do ser humano ndash ldquocoraccedilatildeordquo e ldquocabeccedilardquo ndash e
com partes que satildeo visiacuteveis do corpo ndash ldquocarardquo e ldquomenina dos olhosrdquo ndash satildeo metaacuteforas que
emergem naturalmente nos discursos dos profissionais e reforccedilam a dependecircncia e a
visibilidade do CC Sem o coraccedilatildeo e a cabeccedila uma pessoa natildeo vive assim como o hospital de
referecircncia para urgecircncia e emergecircncia sem o CC natildeo cumpre sua missatildeo O CC eacute um lugar
onde a assistecircncia ao paciente ocorre de forma raacutepida objetiva e transitoacuteria O foco eacute na
soluccedilatildeo dos problemas dos pacientes nas teacutecnicas ciruacutergicas O contato breve do profissional
do CC com o paciente natildeo permite a criaccedilatildeo de viacutenculos e agraves vezes nem mesmo o nome do
paciente eacute assimilado o que contribui para diferenciar esse setor de outros do hospital
Eacute um setor raacutepido Que resolve A gente eacute muito praacutetico [] natildeo tem aquele contato
de ficar muito tempo com o paciente agraves vezes vocecirc natildeo pega nem o nome direito
Laacute fora o pessoal sabe ateacute Tudo Convive com o paciente (Ed31)
[] um local onde o paciente entra para sair melhor [] eu vejo o bloco como um
lugar objetivo pra resolver problemas O meu interesse por essa aacuterea eacute pela
objetividade da cirurgia da anestesia (Ed17)
A dinacircmica do CC eacute voltada para a objetividade das accedilotildees e eacute por natureza um
trabalho teacutecnico que visa agrave recuperaccedilatildeo do paciente A interaccedilatildeo durante a assistecircncia prestada
pelos profissionais eacute limitada sendo o afeto o toque e o diaacutelogo restritos Isto acontece natildeo
no sentido de valorizar os aspectos objetivos e desmerecer os aspectos subjetivos do cuidar
mas porque nesse setor a atenccedilatildeo ao oacutergatildeo fiacutesico eacute imperiosa (SILVA ALVIM 2010) A
objetividade das accedilotildees do CC ao mesmo tempo em que produz a escolha de alguns
profissionais pela aacuterea devido agrave sua caracteriacutestica eacute tambeacutem produto desta escolha sendo um
lugar onde haacute pessoas com caracteriacutesticas mais objetiva praacutetica resolutiva
A rapidez dos processos no CC pode contribuir para a falta de observaccedilatildeo de algumas
accedilotildees importantes pelos profissionais como a identificaccedilatildeo correta do paciente como
apontado por um entrevistado que diz que agraves vezes natildeo se consegue ldquopegar nem o nome
direitordquo do paciente Essa situaccedilatildeo traduz a pouca interaccedilatildeo e o distanciamento entre pacientes
ciruacutergicos e profissionais do CC que pode interferir na seguranccedila do paciente A falta de
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 59
interaccedilatildeo e as falhas na identificaccedilatildeo dos pacientes ganham maior relevacircncia no CC uma vez
que o paciente fica acordado por um tempo curto antes da cirurgia pois logo recebe a
anestesia ficando inconsciente Segundo Reus (2011) a passagem do paciente pelo CC se
assemelha a uma vivecircncia ficcional em funccedilatildeo da anestesia que produz um apagamento
sensorial para a produccedilatildeo de um corpo inerte sujeito a manipulaccedilatildeo ciruacutergica sem consciecircncia
dolorosa Assim a pouca interaccedilatildeo paciente-profissional no CC pode gerar riscos pois a falta
de comunicaccedilatildeo efetiva eacute uma das causas raiacutezes de muitos incidentes
O CC eacute tambeacutem um lugar sofisticado em relaccedilatildeo agrave tecnologia onde o paciente fica
monitorizado e sob manipulaccedilatildeo dos profissionais Essa condiccedilatildeo dentre outras faz com que
haja uma submissatildeo do paciente ao profissional dentro do CC Isso exprime na percepccedilatildeo dos
profissionais certa tranquilidade para o trabalho realizado e o diferencia do trabalho da
enfermaria no qual somente os pacientes graves satildeo monitorizados repercutindo em um
trabalho menos tranquilo
[] muito sofisticado o bloco daqui os aparelhos satildeo oacutetimos bem melhor que os
blocos ciruacutergicos de um hospital Y [hospital particular] A equipe fala que eacute bem
melhor operar aqui que operar laacute (Ei27)
A gente [do CC] manteacutem o paciente monitorizado Na enfermaria nem todo paciente
eacute monitorizado soacute os graves Aqui a gente pode ter essa observaccedilatildeo maior o
paciente estaacute deitado e a gente observando Eacute mais tranquilo (Ed11)
O parque tecnoloacutegico disponiacutevel nos hospitais emergiu como um fator que gera maior
ou menor satisfaccedilatildeo em realizar o trabalho (Ei27) e por outro lado determina a caracteriacutestica
diferenciada do CC onde todos os pacientes encontram-se monitorizados Segundo Morin
(2005) as tecnologias disponiacuteveis criaram modos novos e sutis de manipulaccedilatildeo A
manipulaccedilatildeo exercida sobre as coisas implica a subjugaccedilatildeo dos homens pelas teacutecnicas de
manipulaccedilatildeo Fazem-se maacutequinas a serviccedilo do homem e potildeem-se homens a serviccedilo das
maacutequinas Vecirc-se entatildeo como o homem eacute manipulado pela maacutequina e para ela que manipula
as coisas a fim de libertaacute-lo (MORIN 2005) No CC a manipulaccedilatildeo dos equipamentos dos
instrumentos e dos medicamentos pelo profissional ndash principalmente pelos cirurgiotildees e
anestesistas ndash implica na subjugaccedilatildeo do paciente Isso pode tanto beneficiar o paciente pela
oportunidade dessas tecnologias propiciarem teacutecnicas mais sofisticadas para resolver seu
processo sauacutede-doenccedila com menos dor e maior resolutividade quanto pode prejudicaacute-lo
dado agraves implicaccedilotildees por exemplo de um cuidado mecanizado dos profissionais que por
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 60
vezes focam mais no aprendizado e manipulaccedilatildeo da tecnologia disponiacutevel do que
propriamente no cuidado do ser humano
O CC eacute um lugar restrito desconhecido e constantemente vigiado por seus
profissionais para que ldquoestranhosrdquo natildeo tenham acesso Os participantes da pesquisa que atuam
internamente no CC afirmam que profissionais externos (pessoal administrativo por
exemplo) ao setor natildeo devem ou natildeo teriam motivos para adentrar nesse recinto
[] se tem algueacutem que natildeo eacute do setor o pessoal jaacute fica ldquouai o quecirc que taacute fazendo
aquirdquo Entatildeo natildeo eacute um setor como o pronto socorro que entra todo mundo de outro
setor Aqui no bloco natildeo Aqui eacute bem restrito mesmo (Ed8)
[] eacute um espaccedilo restrito Nem todo mundo pode ficar O administrativo a pessoa do
RH natildeo pode vir aqui trocar de roupa e ver o que estaacute acontecendo aqui dentro []
as pessoas que estatildeo laacute fora natildeo tecircm noccedilatildeo do que se passa aqui O cliacutenico natildeo tem
noccedilatildeo do funcionamento do bloco Eu tenho certeza Pode perguntar pra um (Ed32)
O CC eacute um setor fechado e o acesso restrito eacute amplamente relatado na literatura
(SOUSA 2011 STUMM MACcedilALAI KIRCHNER 2006 BARRETO BARROS 2009) Agrave
primeira vista pode parecer uma atitude que gera seguranccedila o que de fato estaacute exigido na
legislaccedilatildeo (ANVISA 2002b) Contudo parece haver tambeacutem um desejo de manter o local
desconhecido pelos outros Durante a pesquisa de campo uma cena chamou a atenccedilatildeo Uma
profissional entrou no vestiaacuterio feminino para usar o banheiro A enfermeira perguntou aos
que estavam ali se algueacutem a conhecia e como ningueacutem confirmou a enfermeira esperou a
profissional sair para avisar que o vestiaacuterio era apenas para uso dos profissionais do CC e que
era proibida a entrada de outras pessoas A profissional se desculpou disse que trabalhava haacute
pouco tempo no hospital e que algueacutem tinha falado que ela poderia usar mesmo atuando no
pronto socorro
CO C eacute dividido em trecircs partes distintas em relaccedilatildeo ao acesso de profissionais (1)
restrita sala de operaccedilatildeo propriamente dita e lavabos (2) semirrestrita corredores e a sala de
recuperaccedilatildeo anesteacutesica e (3) irrestrita parte de vestiaacuterios e banheiros masculinos e femininos
(SOUZA GUIMARAtildeES 2014) A presenccedila da profissional do pronto socorro no banheiro do
CC poderia ser aceita por se tratar de uma aacuterea irrestrita mas a postura da enfermeira revela
que natildeo eacute permitida a entrada de pessoas que natildeo atuam no CC A enfermeira tem esta
orientaccedilatildeo teacutecnica e administrativa buscando manter os banheiros do CC mais limpos e
organizados que os banheiros externos Haacute uma apropriaccedilatildeo do lugar do CC pelos
profissionais que atuam nesse setor os quais manteacutem este local restrito e desconhecido
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 61
No CC segundo os profissionais eacute realizado um trabalho diferenciado Necessita-se
de um saber-fazer que nem todos detecircm A imagem dos profissionais que atuam interna e
externamente ao CC tambeacutem eacute de ser um lugar limpo Um lugar onde nada pode ser tirado do
lugar e natildeo se pode encostar o que causa receio nos profissionais externos
[Centro Ciruacutergico] Eacute uma aacuterea limpa [] Quando tem cirurgia nada pode encostar
natildeo pode mexer em muita coisa (Ed4)
Pessoal que trabalha na assistecircncia natildeo gosta do bloco [] eles natildeo conseguem
distinguir o quecirc eacute o contaminado e o esteacuteril e aiacute eles tecircm medo de contaminar (Ed8)
[] A maioria [profissionais externos ao CC] natildeo sabe trabalhar aqui Natildeo eacute um
bicho de sete cabeccedilas mas eacute um trabalho diferenciado Natildeo pode pegar uma pessoa
sem noccedilatildeo de bloco pra trabalhar aqui dentro (Ed13)
O saber teacutecnico e o saber fazer dos diferentes profissionais do CC fazem com que haja
fronteiras visiacuteveis entre quem atua interna e externamente ao CC Situaccedilatildeo que aumenta o
poder dos que trabalham no CC O profissional Ed8 se coloca fora da assistecircncia mesmo o
CC tendo sido apontado como extremamente importante vital o coraccedilatildeo do hospital por ser
referecircncia em urgecircncia e emergecircncia Haacute uma identificaccedilatildeo profissional construiacuteda que
estabelece fronteiras riacutegidas com o exterior prejudicando em algumas situaccedilotildees o
intercacircmbio com outras unidades e consequentemente a seguranccedila ciruacutergica
O CC eacute uma unidade fechada que possui particularidades e rigorosas teacutecnicas
asseacutepticas Isso exige dos trabalhadores atenccedilatildeo responsabilidade e organizaccedilatildeo pois
desempenham atividades relacionadas ao manuseio e manutenccedilatildeo de materiais e
equipamentos especiacuteficos (SALBEGO et al 2015) conferindo a eles um saber diferenciado
Para os entrevistados o CC eacute um setor desejado pelos profissionais externos sendo
considerado segundo os profissionais que atuam internamente como elite dentro do hospital
um lugar privilegiado ocioso e que tem salaacuterio melhor Um local que proporciona blindagem
aos profissionais No entanto relatam falta de conhecimento dos profissionais que natildeo atuam
diretamente dentro da sala operatoacuteria sobre a intensidade e responsabilidade do trabalho
realizado no CC uma vez que eacute uma unidade fechada
Os outros setores [] acham que o bloco eacute elite [] que o funcionaacuterio do bloco eacute
diferenciado que tem salaacuterio melhor Acredito que tem mais de cem teacutecnicos
tentando entrar no bloco (Ed12)
O bloco eacute um setor onde os funcionaacuterios desejam trabalhar [] porque eacute um setor
organizado um setor que tem uma rotina definida (Ei30)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 62
[] eles olham como um setor privilegiado porque natildeo tecircm noccedilatildeo da intensidade
que eacute o trabalho aqui Como eacute um setor fechado natildeo conseguem ver a dimensatildeo do
trabalho e da necessidade que tem um bloco dentro de um hospital (Ed13)
[] bloco eacute visto como ldquoAi eacute o ceacuteu Natildeo vou trabalhar como na internaccedilatildeordquo Todo
mundo quer ir para o bloco Por uma ilusatildeo que estaraacute blindada em um setor
fechado Eu passo por isso tambeacutem no J [outro hospital] Os profissionais procuram
o bloco como lugar ocioso (Ed29)
O desejo de trabalhar no CC estaacute relacionado agrave busca de melhores condiccedilotildees de
trabalho e querer sair das enfermarias para trabalhar em um local melhor eacute legiacutetimo porque
nas enfermarias o trabalho eacute aacuterduo contiacutenuo pouco valorizado e muitas vezes faltam
equipamentos e materiais de uso cotidiano Por outro lado os relatos mostram tambeacutem que o
CC eacute um lugar em que os profissionais se consideram superiores e esta posiccedilatildeo eacute evidenciada
nos discursos de profissionais que atuam no CC e por aqueles que atuam externamente
[] o mais importante no hospital eacute o bloco ciruacutergico [] (Ei27)
Enxerga a gente como os chatos os metidos do hospital (riso) Eacute o que passa pra
gente [] Vocecirc chega ao refeitoacuterio o pessoal jaacute olha assim ldquoAh eacute o pessoal do
blocordquo Porque vecirc a roupa diferente E eu natildeo sei eu percebo que eles tecircm tipo
Natildeo eacute inveja natildeo eacute raiva Uns tem ateacute admiraccedilatildeo ldquoAh natildeo sei como que vocecirc
conseguerdquo Tem curiosidade ldquoComo que eacute Como eacute que vocecircs fazemrdquo Na visatildeo
deles somos diferentes [] Eu acho que noacutes somos diferenciados (Ed31)
A tentativa dos profissionais do CC de se diferenciarem dos profissionais que atuam
em outros setores e ao mesmo tempo de serem considerados igualmente importantes entre os
profissionais que trabalham dentro do CC satildeo ideias expressadas nas entrevistas e
confirmadas durante a observaccedilatildeo Tal postura gera conflitos rivalidade e antipatia em
relaccedilatildeo aos profissionais do CC que se posicionam como os mais importantes do hospital e
donos da verdade isolando-se do conjunto e das comunicaccedilotildees essenciais para o sucesso de
seu trabalho e para a seguranccedila ciruacutergica
Os profissionais do CC tecircm um discurso diferenciado desde o vestuaacuterio especiacutefico dos
profissionais que difere da unidade de internaccedilatildeo e demais setores Conforme o relato o
vestuaacuterio assegura-lhes maior destaque que os outros quando por exemplo chegam ao
refeitoacuterio Este aspecto foi mencionado por Reus e Tittoni (2012) ao observarem que devido
ao fato de todos os profissionais usarem vestimenta idecircntica dentro do CC a enfermagem se
sente satisfeita com a possibilidade de poder ser confundida com os meacutedicos principalmente
externamente ao ambiente ciruacutergico Confirma assim um jogo de visibilidades do imaginaacuterio
dos profissionais sustentado pela estrutura hieraacuterquica (REUS TITTONI 2012)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 63
O CC eacute um local considerado de maior complexidade em relaccedilatildeo a outros setores do
hospital A complexidade mencionada se refere agrave rotina e aos procedimentos teacutecnicos
realizados que segundo os profissionais exige responsabilidade concentraccedilatildeo e necessidade
de qualificaccedilatildeo profissional devido agrave iacutentima relaccedilatildeo de vida e morte que se daacute durante as
cirurgias diferente de procedimentos realizados na unidade de internaccedilatildeo por exemplo
Aqui satildeo feitas as coisas mais complexas onde seleciona profissionais mais
especializados qualificados natildeo soacute de medicina de enfermagem tambeacutem (Ed17)
A assistecircncia que a gente daacute natildeo eacute mais importante que do setor de internaccedilatildeo mas eacute
mais complexa [] O grau de importacircncia da cirurgia em relaccedilatildeo agrave vida e morte eacute
maior que na assistecircncia de um banho de um curativo de uma assistecircncia social []
a gente tem um trabalho que tem mais concentraccedilatildeo mais dedicaccedilatildeo tem que ter
capacitaccedilatildeo mais adequada do que do setor de internaccedilatildeo (Ed13)
[] circular sala natildeo eacute a mesma coisa que ficar laacute fora fazendo curativo dando
banho o trabalho eacute mais forte (Ei14)
O bloco eu percebo que eacute o setor de maior complexidade porque tem uma rotina
que eacute totalmente diferente da que tem laacute fora (Ed31)
Tanto os profissionais que atuam na sala operatoacuteria quanto os que natildeo tecircm atuaccedilatildeo
direta relataram que as accedilotildees do CC satildeo complexas e demonstram desmerecimento de
procedimentos como banho e curativos realizados principalmente em unidades de internaccedilatildeo e
nos demais setores No entanto esses procedimentos tidos como baacutesicos satildeo accedilotildees
importantes e preacute-requisitos para o sucesso das atividades do CC O banho por exemplo eacute
uma intervenccedilatildeo importante no preacute-operatoacuterio para prevenccedilatildeo de infecccedilatildeo de siacutetio ciruacutergico
aleacutem de promover o bem-estar fiacutesico psiacutequico e social do paciente aleacutem de ser um momento
iacutempar para a realizaccedilatildeo de um exame fiacutesico e para avaliaccedilatildeo de possiacutevel uacutelcera de pressatildeo em
pacientes acamados Assim natildeo haacute um saber de importacircncia maior que outro Todos os
saberes empregados em teacutecnicas especiacuteficas realizadas pelos profissionais devem estar
articulados para alcanccedilar uma assistecircncia ciruacutergica segura
A complexidade de um CC eacute abordada em diversos estudos (GOMES 2009 SOUSA
2011 SOUZA et al 2011 BARRETO BARROS 2009 VALIDO 2011 LIMA SOUSA
CUNHA 2013) que discutem as caracteriacutesticas singulares do ambiente O significado de
ldquocomplexidaderdquo segundo Morin (2011) tem uma pesada carga semacircntica que expressa
confusatildeo incerteza e desordem Complexo segundo Ferreira (1988) eacute um conjunto de coisas
ligadas por uma loacutegica comum eacute um conjunto de edifiacutecios coordenados para facilitar alguma
atividade eacute aquilo que encerra vaacuterias coisas ou ideias eacute algo que natildeo eacute simples e sim
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 64
complicado que tem complemento Segundo Edgar Morin estudioso do pensamento
complexo ldquo[] eacute complexo o que natildeo pode se resumir numa palavra-chave o que natildeo pode
ser reduzido a uma lei nem a uma ideia simples []rdquo (MORIN 2011 p5)
Etimologicamente a palavra ldquocomplexidaderdquo eacute de origem latina proveacutem de complectere cuja
raiz plectere significa tranccedilar enlaccedilar Remete ao trabalho da fabricaccedilatildeo de cestas que
consiste em entrelaccedilar um ciacuterculo unindo o princiacutepio com o final de pequenos ramos A
presenccedila do prefixo ldquocomrdquo daacute o sentido da dualidade de dois elementos opostos que se
enlaccedilam intimamente mas sem anular sua dualidade A palavra complectere eacute utilizada tanto
para mencionar o combate entre dois guerreiros como o abraccedilo apertado de dois amantes
(MORIN CIURANA MOTTA 2003)
[] complexidade eacute um tecido de elementos heterogecircneos inseparavelmente
associados que apresentam a relaccedilatildeo paradoxal entre o uno e o muacuteltiplo A
complexidade eacute efetivamente a rede de eventos accedilotildees interaccedilotildees retroaccedilotildees
determinaccedilotildees acasos que constituem nosso mundo fenomecircnico A complexidade
apresenta-se assim sob o aspecto perturbador da perplexidade da desordem da
ambiguidade da incerteza ou seja de tudo aquilo que se encontra do emaranhado
inextricaacutevel (MORIN CIURANA MOTTA 2003 p 44)
O autor resume que ldquo[] a complexidade eacute uma palavra-problema e natildeo uma palavra-
soluccedilatildeordquo (MORIN 2011 p 6) demonstrando os desafios das reflexotildees sob esta lente A
complexidade do CC eacute visualizada tambeacutem pela demanda que tem um caraacuteter de natildeo ser
programada e portanto inesperada imprevisiacutevel O imprevisto estaacute dentro do pensamento
complexo de Morin (2011)
[] na enfermaria eacute muito automaacutetico roboacutetico Vou chegar dar o banho no
paciente oito horas tem medicaccedilatildeo dez horas E vai ser todo dia a mesma rotina
Aqui [CC] vocecirc pega plantatildeo e natildeo sabe o que quecirc vai acontecer [] a experiecircncia
aqui eacute muito maior em todos os sentidos Vocecirc vecirc e aprende mais coisas [] (Ed11)
Realmente existe um tempo mais tranquilo mas quando vem a demanda ela eacute meio
inesperada durante a noite [] durante o dia tem as cirurgias programadas (Ed29)
Nos relatos haacute um embate entre ordem e desordem no CC e na enfermaria foi
mencionada somente a ordem No CC natildeo se sabe o que aconteceraacute (desordem) e haacute um
ldquotempo mais tranquilordquo (ordem) mas quando o paciente chega ele vem com uma demanda
que eacute inesperada desconhecida (desordem) Na enfermaria haacute um ldquocronogramardquo uma rotina
diaacuteria vista pelos profissionais como ldquoautomaacuteticordquo ldquoroboacuteticordquo (ordem) Natildeo foi mencionada a
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 65
desordem na enfermaria mas ela existe sendo representada por exemplo pelas complicaccedilotildees
e incidentes que ocorrem com os pacientes os quais por vezes tambeacutem natildeo satildeo previsiacuteveis
Segundo Morin (2011) em tudo haacute uma mistura constante de ordem desordem e
organizaccedilatildeo Natildeo se pode eliminar o acaso o incerto a desordem Temos que viver e lidar
com a desordem A ordem ldquo[] eacute tudo o que eacute repeticcedilatildeo constacircncia invariacircncia tudo o que
pode ser posto sob a eacutegide de uma relaccedilatildeo altamente provaacutevel enquadrado sob a dependecircncia
de uma leirdquo (MORIN 2011 p 89) Jaacute a desordem ldquo[] eacute tudo o que eacute irregularidade desvios
com relaccedilatildeo a uma estrutura dada acaso imprevisibilidaderdquo (MORIN 2011 p 89)
Assim o autor diz que se houvesse uma ordem pura natildeo haveria inovaccedilatildeo criaccedilatildeo e
evoluccedilatildeo (MORIN 2011) Nesse caso a imprevisibilidade da demanda do CC promove
segundo o entrevistado uma experiecircncia ldquomuito maior em todos os sentidosrdquo trazendo
aprendizado e habilidade para agir dependendo da situaccedilatildeo Do mesmo modo na pura
desordem segundo Morin (2011) natildeo seria possiacutevel nenhuma organizaccedilatildeo se sustentar pois
natildeo haveria nenhum elemento de estabilidade para se instituir uma organizaccedilatildeo Tal afirmaccedilatildeo
se relaciona com o relato de que existe sim um tempo ldquotranquilordquo no CC o que possibilita a
organizaccedilatildeo do setor e eacute como se fosse uma recompensa pelo estresse da demanda
inesperada Nesta perspectiva a ordem a desordem e a organizaccedilatildeo existem em todos os
setores de um hospital o que faz com que seja uma das organizaccedilotildees mais complexas da
sociedade
Apesar dos depoimentos de que o CC eacute o setor mais importante o centro ou o nuacutecleo
dos acontecimentos haacute tambeacutem outras perspectivas do CC como uma das partes requeridas
para um atendimento de urgecircncia e emergecircncia e como um elo entre setores do hospital
[] o bloco eacute o centro e ao redor vai circulando tudo em redor dele (Ei2)
[] como se fosse um nuacutecleo que faz tudo acontecer [] se ele [paciente] vai
melhorar se precisar de um procedimento geralmente aqui que ele vai fazer [] Eacute
difiacutecil explicar essas coisas em palavras (Ed11)
Se natildeo tiver a urgecircncia [pronto atendimento] o bloco e o CTI o hospital natildeo anda
De jeito nenhum [] (Ei15)
O bloco [] faz esse elo com o pronto socorro com as alas (Ei25)
A unidade de CC estaacute inserida em um conjunto mais amplo de serviccedilos ou seja eacute
complexa por ser composta por vaacuterias partes que se relacionam para aleacutem de um layout
arquitetocircnico equipamentos e aparelhos sofisticados O relacionamento dessas partes eacute
essencial tendo em vista que seu funcionamento somente ocorre de forma adequada quando
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 66
os criteacuterios dessas relaccedilotildees estiverem bem definidos e integrados (VALIDO 2011 GOMES
2009) Assim natildeo eacute somente o CC que faz todo o cuidado ciruacutergico Satildeo necessaacuterios diversos
setores Eacute impossiacutevel conceber a unidade de CC pelo pensamento disjuntivo que concebe as
coisas fora do contexto global em que estaacute imerso Natildeo eacute possiacutevel conceber o CC por meio de
um pensamento redutor que restringe a unidade a um substrato meramente estrutural-
processual Eacute necessaacuterio conceber o CC por meio do pensamento complexo
Enfim percebeu-se que o CC inserido no contexto de um hospital puacuteblico referecircncia
para urgecircncias e emergecircncias cliacutenicas e ciruacutergicas eacute complexo por abarcar o conjunto das
visotildees e significados mencionados pelos profissionais e de outras possibilidades que natildeo
foram contempladas Essas percepccedilotildees fazem parte da cultura organizacional que segundo
Morin (2003a) eacute um fenocircmeno social que se desenvolve pelas interaccedilotildees entre os indiviacuteduos
que produzem a organizaccedilatildeo e essa organizaccedilatildeo retroage sobre os indiviacuteduos e os produz
enquanto indiviacuteduos dotados dessa cultura Segundo o autor isso faz do ser humano tanto um
produtor quanto um produto (MORIN 2003a) A interaccedilatildeo dos profissionais produz o CC e a
concepccedilatildeo organizacional do que eacute esse lugar isso retroage sobre os proacuteprios profissionais e
os faz desejar esse local para trabalhar
O CC eacute um lugar desejado pelos trabalhadores que jaacute atuam nesse lugar e pelos que
atuam externamente por ser diferente de outros setores Natildeo por realizarem accedilotildees mais
difiacuteceis ou pela ilusatildeo da ociosidade mas por serem accedilotildees especiacuteficas que demandam um
tempo de aprendizado para fazer da melhor forma e com um tempo de resposta suficiente para
os momentos de situaccedilotildees imprevistas como o quadro de um paciente de emergecircncia
Percebe-se que estas caracteriacutesticas e a dinacircmica do trabalho no CC conferem aos
profissionais uma valoraccedilatildeo especial tanto por eles mesmos quanto pelos profissionais que
atuam nos demais setores
412 Rede intra-hospitalar conexotildees para a seguranccedila ciruacutergica
O que conta eacute a possibilidade para o pesquisador de registrar a forma bdquoem rede‟
sempre que possiacutevel em vez de dividir os dados em duas porccedilotildees uma local e outra
global [] Afinal nenhum lugar predomina o bastante para ser global nem eacute
suficientemente autocircnomo para ser local (LATOUR 2012 p257)
O modelo de gestatildeo do hospital em que estaacute inserido o CC foi concebido para
proporcionar uma assistecircncia multiprofissional focada no paciente por meio de linhas de
cuidado e apoio
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 67
Quando criou a Linha de Cuidado estava previsto um modelo mais paciente
centrado menos meacutedico centrado Jaacute era previsto que as equipes atuassem de forma
multidisciplinar [] as profissotildees natildeo tem dificuldade de discutir os casos Muitos
meacutedicos pedem a presenccedila do profissional multi mas isso ainda natildeo eacute uma coisa
bem estabelecida A gente tem dificuldades [] Mas nada igual esses modelos
tradicionais que se vecirc em outros hospitais (Ei23)
O modelo de gestatildeo por linhas de cuidado eacute uma estrateacutegia de articular os recursos e
praacuteticas de produccedilatildeo de sauacutede Essa articulaccedilatildeo para ser conduzida de forma oportuna aacutegil e
singular deve ser guiada por diretrizes cliacutenicas entre os serviccedilos ou entre as unidades de um
mesmo serviccedilo no sentido de responder agraves necessidades epidemioloacutegicas Objetiva a
continuidade assistencial por meio da pactuaccedilatildeo e da conectividade de funccedilotildees de diferentes
pontos de atenccedilatildeo e profissionais Implica em uma resposta global dos profissionais e
serviccedilossetores superando as respostas fragmentadas (BRASIL 2010) comum no modelo
tradicional meacutedico centrado que foca a doenccedila em detrimento do cuidado multidisciplinar
A necessidade de cirurgia para um paciente desencadeia um conjunto de accedilotildees natildeo
somente no CC mas em vaacuterios pontos de atenccedilatildeo no hospital mobilizando diversos recursos
e profissionais em diferentes momentos e lugares
Quando eacute agendada uma cirurgia eacute direcionado no bloco todo um processo de
liberaccedilatildeo de material de sala meacutedico profissional da enfermagem Tem toda uma
logiacutestica de vaacuterios setores de apoio que estatildeo relacionados (Ei5)
A secretaacuteria do bloco faz uma impressatildeo de todos os pacientes que vatildeo fazer
cirurgias no dia seguinte e distribui essa lista pra todos os setores envolvidos (Ed10)
No caso da cirurgia de emergecircncia e de urgecircncia natildeo estaacute programada no mapa O
plantonista do pronto socorro ou do andar comunicam e gera o aviso (Ed10)
Exista uma rede Eacute a rotina [paciente] vai para laacute de laacute vem para o blocotem essa
ligaccedilatildeo Daqui vai ou para o CTI ou para o andar [] (Ed8)
Essa rede eacute vital para o funcionamento do hospital [] (Ed13)
A rede intra-hospitalar por meio do trabalho coletivo dos atores humanos
(profissionais da linha de cuidado ciruacutergico) em constante conexatildeo com os atores natildeo
humanos (lista de pacientes ciruacutergicos agendados mapa e aviso ciruacutergico materiais
medicamentos instrumentais equipamentos sala operatoacuteria) possibilita a intervenccedilatildeo
ciruacutergica Essa rede foi considerada vital para o funcionamento do hospital expressa pela
conexatildeo intersetorial e interprofissional colocada em praacutetica por meio da rotina de
organizaccedilatildeo da logiacutestica para receber e encaminhar pacientes ciruacutergicos de um setor ao outro
e tambeacutem para prever promover e fornecer os atores natildeo humanos para o procedimento a ser
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 68
realizado O hospital eacute como uma ldquoestaccedilatildeordquo no circuito que o paciente percorre na rede para
obter a integralidade do cuidado de sauacutede que necessita (FEUERWERKER CECIacuteLIO 2007)
e o CC eacute um ponto de atenccedilatildeo no hospital Haacute trecircs formas de entrada do paciente no CC (1)
casos eletivos agendamento solicitado pelo meacutedico ou residente nos dias especiacuteficos preacute-
determinados (2) casos de urgecircncia solicitaccedilatildeo de emissatildeo de aviso ciruacutergico a qualquer
momento que se fizer a avaliaccedilatildeo da necessidade do paciente e (3) casos de emergecircncia
entrada imediata sem agendamento ou emissatildeo de aviso ciruacutergico
Segundo Moraes (2013) ldquorederdquo na teoria ator-rede refere-se a fluxos circulaccedilotildees
alianccedilas movimentos Essa rede de atores natildeo se reduz a um uacutenico ator nem a uma uacutenica
rede ela se compotildee de elementos heterogecircneos animados e inanimados conectados e
agenciados Assim uma organizaccedilatildeo consiste no ldquo[] encadeamento de relaccedilotildees entre
componentes ou indiviacuteduos que produz uma unidade complexa ou sistema dotada de
qualidades desconhecidas quanto aos componentes ou indiviacuteduosrdquo (MORIN 2003b p 133)
Para Latour (2012 p 192) ldquo[] rede eacute conceito e natildeo coisa Eacute uma ferramenta que nos
ajuda a descrever algo natildeo algo que esteja sendo descritordquo A rede natildeo eacute o que estaacute
representado no texto mas aquilo que prepara o texto para substituir os atores como
mediadores Natildeo eacute feita de fios de nylon palavras ou substacircncias duraacuteveis ela eacute o traccedilo
deixado por um ator em movimento (LATOUR 2012) Nesse sentido a tentativa de descrever
a rede intra-hospitalar relacionada agrave linha de cuidado ciruacutergico no hospital foi se deparando
com movimentos de recursos materiais e dos profissionais (mudanccedila da coordenaccedilatildeo de
enfermagem trocas de plantatildeo e demissatildeo de profissionais entre outros)
O funcionamento da rede intra-hospitalar pressupotildee um movimento em conjunto de
cada um dos atores que estatildeo em suas unidades e tem um papel especiacutefico Haacute
interdependecircncia do trabalho dos profissionais e o CC por depender de vaacuterios setores
necessita manter-se conectado a todos eles conforme os fragmentos a seguir
[] O bloco funciona se a equipe meacutedica trabalhar se o PS [Pronto Socorro] o
andar e o CTI trouxer um paciente Um baleado chega ao PS vai ter o primeiro
atendimento laacute para vir para caacute Daqui vai pro CTI enfim eacute um conjunto (Ei15)
Cada um tem sua importacircncia Se a enfermaria natildeo deu banho preacute-operatoacuterio natildeo
vai ter como eu dar natildeo tem chuveiro dentro do bloco Se ele natildeo fizer a parte dele a
gente faz a nossa mas o risco de infecccedilatildeo eacute maior (Ed10)
O bloco tem que ter boa articulaccedilatildeo com todos os setores porque depende de todos
[] do CME pra entregar o material o CTI tem que estar com a porta aberta
dependendo da cirurgia [] tem que estar de bem Vamos falar assim pode (risos)
De bem com todo mundo [] ter uma boa ligaccedilatildeo neacute (Ei2)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 69
O CC eacute uma unidade que faz parte dos muacuteltiplos componentes da assistecircncia ciruacutergica
Esse setor deve estar em conexatildeo com todos os demais conformando assim a rede intra-
hospitalar ciruacutergica Isso reflete a ideia do significado da palavra complexus que segundo
Morin (2011) significa aquilo que estaacute ligado em conjunto aquilo que eacute tecido em conjunto
No cuidado ciruacutergico para ocorrer de forma integral e segura necessita que o CC esteja
ligado aos demais setores que compotildeem o conjunto da assistecircncia ciruacutergica
A complexidade em um primeiro momento eacute um fenocircmeno quantitativo pela extrema
quantidade de interaccedilotildees e de interferecircncias entre as diversas unidades Todo sistema auto-
organizador (sistema vivo) desde o mais simples combina grande quantidade de unidades
(por exemplo bilhotildees seja de moleacuteculas em uma uacutenica ceacutelula seja de ceacutelulas em um
organismo) Contudo a complexidade natildeo abarca apenas quantidades de unidades e
interaccedilotildees mas compreendem incertezas indeterminaccedilotildees fenocircmenos aleatoacuterios Em certo
sentido a complexidade sempre tem relaccedilatildeo com o acaso (MORIN 2011) Essa descriccedilatildeo
representa a complexa rede intra-hospitalar ciruacutergica que aleacutem das diversas unidades (CC
setor de internaccedilatildeo CCIH CME e outras) e interaccedilotildees de atores humanos e natildeo humanos que
ocorrem cotidianamente compreende tambeacutem um misto de fenocircmenos incertos mesmo com
todas as formas de normatizar o trabalho Isso porque dentre outras possibilidades
determinadas ou natildeo cada paciente eacute uacutenico e demanda situaccedilotildees singulares as quais
dependem da relaccedilatildeo estabelecida por ator humano-ator humano e por ator humano-ator natildeo
humano aleacutem da autonomia da praacutetica de cada profissional envolvido na situaccedilatildeo especiacutefica
Assim segundo Morin Ciurana e Motta (2003 p 48) ldquoa complexidade eacute um fenocircmeno natildeo
simplificaacutevel e traduz uma incerteza que natildeo se pode erradicar no proacuteprio seio da
cientificidaderdquo
A incerteza estaacute no seio de sistemas organizados em sistemas semialeatoacuterios em que
a ordem eacute inseparaacutevel do acaso A complexidade estaacute ligada agrave mistura de ordem desordem e
organizaccedilatildeo Mistura iacutentima e interdependente Natildeo haacute prioridade uma frente agrave outra e assim
natildeo eacute adequado ldquo[] conduzir a explicaccedilatildeo de um fenocircmeno a um principio de ordem pura
nem o principio de desordem pura nem a um principio de organizaccedilatildeo uacuteltima Eacute preciso
misturar e combinar esses princiacutepiosrdquo (MORIN 2011 p108) O desenho de Morin (2011)
apresentado na Figura 2 embasa a reflexatildeo de alguns fenocircmenos cotidianos da rede intra-
hospitalar ciruacutergica
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 70
Figura 2 Tetragrama ordemdesordeminteraccedilatildeoorganizaccedilatildeo
Fonte Morin (2011)
O contato dos atores na rede intra-hospitalar se daacute a partir de um fluxo preacute-
estabelecido e tambeacutem por meio de necessidades natildeo previstas nas unidades o que provoca
uma reaccedilatildeo como resposta agravequela situaccedilatildeo para resolver os problemas do cotidiano
A gente natildeo mexe com PS soacute recebe de laacute Natildeo tem transaccedilatildeo de paciente daqui
[internaccedilatildeo] para laacute Tem com o CTI quando o paciente agrava E a clinica meacutedica
quando recebem alta ciruacutergica e ficam soacute com a clinica meacutedica (Ei7)
A uacutenica ligaccedilatildeo que a gente tem com eles [CTI] eacute de levar o paciente laacute mas eles
natildeo vecircm aqui e a gente tambeacutem natildeo tem contato laacute (Ed8)
Os leitos de bloco CTI estatildeo previamente montados o que sai da normalidade eles
pedem para a gente Essa integraccedilatildeo na verdade eacute pela demanda do setor (Ei1)
Na realidade soacute eacute procurado o setor quando realmente precisa [] Quando vocecirc
precisa deles eles respondem (Ed12)
Observa-se nas falas que a interaccedilatildeo entre os atores nesta rede segue o fluxo linear
(Pronto Socorro CC CTICliacutenica Ciruacutergica) que eacute da direcionalidade estabelecida na
linha de cuidado ciruacutergico Natildeo haacute interaccedilatildeo dos atores aleacutem desta linearidade (ordem) aleacutem
disso a interaccedilatildeo linear se daacute a partir dos momentos de necessidades natildeo previstas nos setores
(desordem) Nos dois modos haacute uma integraccedilatildeo que culmina em uma resposta favoraacutevel e
gera uma organizaccedilatildeo do trabalho A Figura 3 apresenta esse conjunto de fenocircmenos
Figura 3 Tetragrama ligaccedilatildeointeraccedilatildeo entre os setores
Fluxo definido Anormalidades
(ordem) necessidades setoriais
(desordem)
Demanda do setor Resposta favoraacutevel
Levar paciente - (organizaccedilatildeo)
(integraccedilatildeo)
Fonte Adaptado pela autora (MORIN 20011)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 71
A necessidade de ordem eacute expressa quando o profissional relata acreditar na
organizaccedilatildeo do trabalho por meio de processos bem descritos No entanto a desordem eacute
referida pelo profissional Ed22 ao reconhecer que as relaccedilotildees interpessoais facilitam o
sucesso da execuccedilatildeo dos processos Os profissionais descrevem um cenaacuterio de contradiccedilatildeo de
um lado haacute a necessidade de um trabalho profissional baseado em processos descritos e na
organizaccedilatildeo do sistema (prescrito) e de outro o que se pratica um trabalho baseado no
coleguismo e na amizade que fazem um bom ambiente de trabalho aleacutem de ser baseado nos
favores centralizado em pessoas e nomes (real)
As accedilotildees no hospital deveriam ser baseadas em processos bem descritos O
coleguismo e a amizade viriam para facilitar mas acho que eacute pouco para trabalhar
profissionalmente [] (Ei1)
Se natildeo houver uma pessoa pra fazer as coisas integrarem ou agilizarem natildeo
acontece [] Eacute tudo dependente de pessoas e natildeo da organizaccedilatildeo do sistema Eacute
porque natildeo tem dialogo Satildeo favores (Ed22)
Os processos do bloco satildeo realizados por muitas especialidades [] vaacuterias categorias
[] a gente natildeo consegue estabelecer um processo uniforme [] Cada equipe vem
e faz de um jeito apesar da gente tentar padronizar [] tem que se adaptar ao que a
equipe estaacute precisando e natildeo ao que o hospital preconiza (Ei23)
As falas expressam a necessidade de se descrever os processos padronizar
uniformizar o trabalho conforme relatos de Ei1 e de Ei23 (ordem) No entanto a falta dos
processos descritos e pactuados a falta do diaacutelogo mencionado por Ed22 e a variedade de
especialidades e profissionais que atuam na mesma linha de cuidado (desordem) faz com que
a integraccedilatildeo seja difiacutecil e eacute por meio do coleguismo da amizade e dos favores que muitas
questotildees se resolvem no cotidiano da rede intra-hospitalar segundo Ei1 e Ed22 Frente a isso
o hospital se adapta ao saber-fazer diferenciado das muacuteltiplas especialidades (organizaccedilatildeo) A
Figura 4 representa esse fenocircmeno baseado no tetragrama de Morin (2011)
Figura 4 Tetragrama dos processos de trabalho para realizaccedilatildeo da cirurgia
Fonte Adaptado pela autora (MORIN 2011)
Falta de processos falta de
diaacutelogo falta de padronizaccedilatildeo e
organizaccedilatildeo do sistema vaacuterias
especialidades trabalhando na
mesma linha (desordem)
Processos de trabalho
uniforme padronizado
(ordem)
Relaccedilatildeo interprofissional
coleguismos amizade
favores
(integraccedilatildeo)
Realizaccedilatildeo das cirurgias
Adaptaccedilatildeo da padronizaccedilatildeo do que
o hospital preconizou
(organizaccedilatildeo)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 72
Segundo Franco e Merhy (2009) qualquer unidade de sauacutede se organiza e funciona
em plataformas sobre as quais o cotidiano vai acontecendo A primeira forma estruturada
reflete o instituiacutedo e a segunda natildeo estruturada faz a transversalidade por dentro da
organizaccedilatildeo de modo instituinte A plataforma do instituinte possibilita a accedilatildeo dos sujeitos
pelo seu desejo que trazem em si a forccedila de produccedilatildeo da realidade (FRANCO MERHY
2009) com sua subjetividade impliacutecita Assim a plataforma do instituiacutedo e do instituinte estatildeo
implicadas diretamente no fenocircmeno da conexatildeo e da comunicaccedilatildeo dos profissionais para o
funcionamento da linha de cuidados ciruacutergicos na rede intra-hospitalar Ou seja o trabalho eacute
realizado pela interaccedilatildeo da praacutetica no plano formal e do contato individualizado das relaccedilotildees
pessoais conformando a micropoliacutetica institucional Essa uacuteltima por vezes eacute a via mais
raacutepida para se resolver algum problema e realizar o processo de trabalho mas algumas vezes
tambeacutem eacute uma via que gera riscos para o paciente como por exemplo a quebra de algum
protocolo instituiacutedo devido ao desejo de algum membro da equipe que estaacute em niacutevel maior na
hierarquia institucional
Apesar da importacircncia da trama da rede intra-hospitalar para a resolutividade da linha
de cuidado ciruacutergico a mesma natildeo estaacute funcionando em sua plenitude no hospital
Se essa rede funcionasse de forma adequada a rotatividade ia acontecer e o
benefiacutecio muacutetuo para todo mundo seria gigantesco O problema eacute que essa rede natildeo
funciona 100 da forma que deveria funcionar (Ed13)
[] se por algum motivo haacute alguma falha na rede alguma quebra a cirurgia natildeo
acontece Satildeo muitos setores envolvidos (Ei5)
[] precisa interligar chegada do paciente bloco e banco de sangue Esses trecircs tecircm
que falar a mesma liacutengua E natildeo acontece Haacute discrepacircncias (Ei18)
A gente tem que trabalhar junto gente Natildeo adianta CME sozinha bloco sozinha
internaccedilatildeo sozinha Natildeo adianta (Ei3)
O relato incisivo de Ei3 de que natildeo adianta o trabalho setorial ser realizado
isoladamente leva ao entendimento de que na praacutetica cada setor faz o seu trabalho especiacutefico
de forma solitaacuteria sem interaccedilatildeo com os demais setores As falhas do processo de trabalho de
um dos componentes envolvidos ou o trabalho individual impacta negativamente na
integralidade e na produccedilatildeo dos elementos para um cuidado ciruacutergico em ato e seguro
Nesse sentido a rede natildeo designa o que eacute mapeado e sim como se pode mapear algo
pertencente a determinado territoacuterio Eacute como se fosse um dos equipamentos espalhados sobre
a mesa do geoacutegrafo para lhe permitir projetar formas numa folha de papel (LATOUR 2012)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 73
Embora a rede intra-hospitalar seja reconhecida como necessaacuteria as accedilotildees cotidianas na linha
de cuidados ciruacutergicos natildeo podem ser completamente mapeadas Assim a rede a linha de
cuidados satildeo apenas equipamentos sobre a mesa dos gestores e profissionais da equipe
multiprofissional para planejarem a assistecircncia Aleacutem disso natildeo haacute uma visatildeo sistecircmica de
todos os profissionais sobre o funcionamento desta ferramenta chamada rede e a respeito de
como os atores se interconectam na linha de cuidados
Os demais setores natildeo sei te falar ser clara nessa interaccedilatildeo Pelo que a gente
percebe assim como a CME estaacute com dificuldade com o bloco os outros setores
tambeacutem tem as mesmas dificuldades (Ei3)
Eu sei falar do trans e do poacutes que eacute o que eu convivo aqui dentro Do preacute eu natildeo
tenho muito a dizer (Ed31)
Depreende-se das falas dos profissionais que a rotina do CC que eacute um ambiente
fechado somada agraves dificuldades do dia-a-dia de trabalho ofusca o olhar sistecircmico da rede
intra-hospitalar No entanto a visatildeo sistecircmica eacute um fundamento da qualidade da assistecircncia
que consiste no conhecimento da interdependecircncia entre as diversas partes de uma
organizaccedilatildeo bem como entre ela e o ambiente externo (ONA 2010) A falta de visatildeo
sistecircmica entre outros fatores pode ser justificada pelo fato de o diaacutelogo entre os setores
ocorrer em momentos e com profissionais especiacuteficos e somente para equacionar problemas
administrativos Isso em detrimento de um diaacutelogo sobre as necessidades de cuidado do
paciente e dos problemas surgidos no processo de trabalho de um setor que impacta no outro
A gente tem uma interaccedilatildeo boa [] A comunicaccedilatildeo eacute entre enfermeiros Enfermeiro
da ciruacutergica e do bloco [] a gente passa para eles os leitos e eles passam pra gente
os pacientes que estatildeo na recuperaccedilatildeo (Ed17)
Jaacute aconteceram casos de pacientes que desceram da ala um ou dois dias antes para
garantir vaga do CTI sem ter indicaccedilatildeo que a cirurgia dele fosse garantida no bloco
[] algumas questotildees de processo de trabalho natildeo ficam claras para a gente do por
que todos esses problemas ocorrem (Ei25)
Durante as observaccedilotildees foi possiacutevel verificar que geralmente a comunicaccedilatildeo para
verificaccedilatildeo de leitos ocorre por telefone que eacute um recurso utilizado principalmente pelo
enfermeiro que o leva nos bolsos da roupa do CC tendo em vista que o aparelho eacute sem fio e
permite os deslocamentos Apesar do reconhecimento pelos profissionais da importacircncia da
comunicaccedilatildeo para facilitar os processos ela eacute falha repassada de forma atrasada ou
equivocada natildeo somente no CC mas em todo o hospital Isso causa riscos para pacientes e
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 74
para os profissionais como por exemplo quando a informaccedilatildeo de que o paciente estaacute
colonizado com algum microrganismo multirresistente chega posteriormente ao cuidado
efetuado que ocorreu sem a necessaacuteria precauccedilatildeo de contato pelos profissionais
A comunicaccedilatildeo natildeo eacute efetiva Paciente chega agraves vezes com TBC com suspeita de
outro tipo de doenccedila e agraves vezes a gente fica sem saber Se natildeo correr atraacutes da
informaccedilatildeo ela natildeo vem E essa informaccedilatildeo teria que vir do cirurgiatildeo que estaacute
acompanhando que teve o primeiro contato com o paciente ateacute entrar (Ed29)
A comunicaccedilatildeo facilita ou emperra o processo Hoje a comunicaccedilatildeo eacute truncada natildeo soacute
no bloco No hospitala gente tem muito problema de comunicaccedilatildeo [] para fazer as
notificaccedilotildees as pessoas relatam uma coisa na hora que vocecirc vai conversar ldquoNatildeo natildeo
era issordquo Era algo parecido (Ei23)
No depoimento do profissional o ldquocorrerrdquo atraacutes da informaccedilatildeo sugere que a
comunicaccedilatildeo natildeo ocorre de forma fluida e efetiva na organizaccedilatildeo Essa deficiecircncia eacute
fomentada de certa forma pelo nuacutemero de atores e formas pelas quais satildeo disseminadas as
informaccedilotildees na rede intra-hospitalar A comunicaccedilatildeo efetiva entre os profissionais do serviccedilo
de sauacutede eacute um dos eixos do Programa Nacional de Seguranccedila do Paciente (BRASIL 2013a
2013b) bem como eacute uma das metas internacionais para a seguranccedila do paciente (CBA 2010)
O desconhecimento dos processos de trabalho dos diferentes atores da rede intra-
hospitalar eacute um fator que contribui para a deficiecircncia da comunicaccedilatildeo Os diferentes setores
satildeo desconhecidos entre eles parece ser ldquooutro mundordquo O conhecimento sistecircmico do
trabalho das diversas unidades e natildeo somente entre as coordenaccedilotildees eacute necessaacuterio para a
melhoria da comunicaccedilatildeo
Falta comunicaccedilatildeo falta contato O quecirc eu falo Uma aula ldquoGente como eacute que
funciona o banco de sanguerdquo ldquoAh funciona assim assim assimrdquo Quando vocecirc
souber o beabaacute vocecirc saberaacute se comunicar mais faacutecil (Ei18)
O pessoal desconhece nosso trabalho [do laboratoacuterio] acha que eacute outro mundo Na
coordenaccedilatildeo meacutedica e da enfermagem o diaacutelogo eacute faacutecil e temos tentado aproximar
para os profissionais entenderem Para eu entender as necessidades deles e eles a
nossa (Ei24)
O pessoal natildeo sabe o que fazemos na agecircncia transfusional Pedem ldquoEu quero um
plasma agora correndordquo Falo ldquoPode levar vocecirc vai dar o paciente para chupar Ele
estaacute um picoleacute Leva no miacutenimo 15 a 20 minutos pra descongelarrdquo [] Eles acham
que o plasma eacute igual sangue pegou levou [] [falta] comunicaccedilatildeo (Ei18)
A necessidade de conhecer o outro setor eacute condiccedilatildeo essencial para saber ldquoo querdquo e
ldquocomordquo solicitar algo para atender agraves necessidades dos pacientes Fazer solicitaccedilotildees
equivocadas pressupotildee falta de conhecimento do trabalho dos diferentes setores e dos
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 75
profissionais com os quais se trabalha todos os dias na rede intra-hospitalar Os profissionais
deveriam conhecer as rotinas e competecircncias de cada unidade com as quais interagem para
que natildeo sejam feitas solicitaccedilotildees fora do contexto A solicitaccedilatildeo de plasma inadequada
conforme o exemplo mencionado mostra a falta de integraccedilatildeo uma vez que muitos
profissionais externos agrave agecircncia transfusional desconhecem a necessidade de descongelar e
preparar o plasma a ser disponibilizado para o paciente O setor de Educaccedilatildeo Permanente do
hospital pode desempenhar importante papel nesse aspecto como por exemplo na entrada do
novo colaborador na instituiccedilatildeo apresentando os diversos setores ou no decorrer da atuaccedilatildeo
profissional elaborar um programa educacional que possibilite a interaccedilatildeo interprofissional e
intersetorial
Segundo Morin (2003c) a comunicaccedilatildeo eacute sempre multidimensional complexa feita
de emissores e de receptores Ela ocorre em circunstacircncias concretas ativando ruiacutedos
culturas bagagens diacutespares e cruzando indiviacuteduos diferentes O fenocircmeno comunicacional
natildeo se esgota na presunccedilatildeo de eficaacutecia do emissor pois haacute um receptor dotado de inteligecircncia
na outra ponta da relaccedilatildeo comunicacional A comunicaccedilatildeo enfrenta o desafio da compreensatildeo
(MORIN 2003c) o que depende de informaccedilotildees e de conhecimentos neste caso do
conhecimento dos profissionais sobre o trabalho dos outros nos diversos setores
No hospital em estudo haacute algumas estrateacutegias para a conexatildeo de profissionais e dos
pontos de atenccedilatildeo na rede intra-hospitalar que contribuem para a promoccedilatildeo de uma assistecircncia
integral comunicativa e que gera seguranccedila ao paciente ciruacutergico satildeo elas o anestesiologista
que avalia o preacute-operatoacuterio o enfermeiro de especialidades o coordenador de plantatildeo e a
reuniatildeo da linha de cuidado ciruacutergico
A gente consegue fazer essa interface do bloco com os outros setores por causa
desses profissionais seja o enfermeiro de especialidade seja o anestesiologista que
faz a visita preacute-anesteacutesica (Ed10)
[] se algueacutem me ligar em casa meia noite ldquocomo eacute que estaacute seu Antocircniordquo Eu sei
[] O cuidado eacute globalizado Eacute integral Eu acompanho o paciente ateacute ele ter alta do
ambulatoacuterio Natildeo estou fragmentada dentro do bloco [] a gente tem tido muito
sucesso com o enfermeiro de especialidade tem que ser publicado [] Que seja
reconhecida como especialidade (Ei20)
A gente tem a rotina do coordenador de plantatildeo definir o paciente para o CTI Eacute
muito bom ele tem a visatildeo do pronto socorro do bloco e das unidades Mas falta
uma discussatildeo deste profissional com o intensivista [] muitas vezes o paciente
vem para morrer na ala era limite de esforccedilo terapecircutico foi entubado e veio para o
CTI porque a famiacutelia queria Enquanto um paciente fica prendendo a sala do bloco e
sem proposta de vir Se essa discussatildeo acontecesse eu acho que o paciente ganharia
muito e o profissional se sentira mais valorizado (Ei25)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 76
[] a nova coordenadora tenta deixar os enfermeiros do andar ter mais contato com
o bloco para facilitar a dinacircmica [] sempre a coordenadora da linha ciruacutergica tenta
fazer as reuniotildees juntas para que eles participem dos percalccedilos do bloco e interajam
mais (Ed28)
Chama agrave atenccedilatildeo no hospital a proposiccedilatildeo do enfermeiro referecircncia das especialidades
ciruacutergicas que tem o papel de acompanhar o paciente desde a chegada ao hospital ateacute a sua
alta hospitalar ou ambulatorial quando tem acompanhamento posterior agrave cirurgia Esse
modelo eacute baseado no trauma nurse coordinators que natildeo tem uma traduccedilatildeo para o portuguecircs
mas pode ser compreendido como coordenador de enfermagem de trauma No contrato de
trabalho desses profissionais com o hospital consta enfermeiro de especialidades ou
enfermeiro referecircncia da cirurgia geral da ortopedia e da cirurgia vascular Eles satildeo
conhecidos na instituiccedilatildeo tambeacutem como enfermeiros gerentes de trauma
O trauma de acordo com a OMS eacute a doenccedila do seacuteculo XXI e seu impacto eacute muito
grande na sociedade uma vez que debilita indiviacuteduos em idade produtiva (OMS 2009)
Assim os enfermeiros do trauma nurse coordinator satildeo essenciais para um serviccedilo de trauma
de sucesso (CURTIS LEONARD 2012) Segundo Crouch et al (2015) esses profissionais
tecircm essa funccedilatildeo na Inglaterra desde 1990 e a profissatildeo alcanccedilou abrangecircncia nacional
naquele paiacutes apoacutes a implantaccedilatildeo do sistema de trauma regional em 2012 Eles tecircm
qualificaccedilatildeo no cuidado ao paciente traumatizado facilitando a coordenaccedilatildeo dos cuidados
avaliaccedilatildeo e melhoria da qualidade da educaccedilatildeo da divulgaccedilatildeo e da pesquisa em trauma
sendo considerados ainda defensor do paciente com trauma (CROUCH et al 2015)
Os enfermeiros de especialidades foram introduzidos no hospital em estudo pela
necessidade de se registrar os traumas em termos de diagnoacutesticos tratamentos e resultados
com avaliaccedilatildeo retrospectiva e prospectiva Esses dados satildeo armazenados em um banco de
dados atualizado para melhor conhecer e gerenciar o cuidado do paciente com trauma Isso
faz parte de uma das medidas induzidas pela OMS (2009) para reduzir a morbimortalidade
provocada pelo trauma inserido no Quality Improvemen (QI) que satildeo programas de melhoria
da qualidade de atendimento ao trauma
A primeira enfermeira nessa funccedilatildeo foi contratada em 2010 no hospital para ser
referecircncia da cirurgia geral e como acadecircmica jaacute desempenhava atividades relacionadas ao
cargo Depois foi contratado um enfermeiro para a ortopedia e posteriormente outro para
cirurgia vascular Esses enfermeiros tecircm o papel de articular os atores da rede intra-hospitalar
para que o cuidado ao paciente seja integral desde a sua entrada ateacute a sua alta aleacutem de
acompanharem os residentes da especialidade manter atualizados registros de traumas e
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 77
cirurgias da especialidade participar de reuniotildees entre outras funccedilotildees A contrataccedilatildeo desses
profissionais consiste em uma estrateacutegia que visa assegurar o cuidado continuado e integral ao
paciente bem como aprimorar a articulaccedilatildeo comunicaccedilatildeo e integraccedilatildeo entre os atores da rede
intra-hospitalar e imprimir maior niacutevel de qualidade e seguranccedila aos serviccedilos prestados aos
pacientes viacutetimas de trauma e tambeacutem aos pacientes ciruacutergicos no hospital
Contudo mesmo com essas estrateacutegias os relatos dos profissionais apresentam
fragilidades na conexatildeo e comunicaccedilatildeo dos atores na rede da linha de cuidado ciruacutergico no
perioperatoacuterio Isso pode se justificar pela dificuldade no mapeamento e definiccedilatildeo dos
processos da pactuaccedilatildeo dos acordos intersetoriais (cadeiaclientefornecedor) ficando agrave
mercecirc da ldquopoliacutetica da boa vizinhanccedilardquo para estabelecimento das conexotildees diaacuterias dificuldade
na articulaccedilatildeo entre as pessoasprofissionais interna e externamente ao seu setor de origem e
pela ausecircncia da introjeccedilatildeo da cultura organizacional voltada para a qualidade e seguranccedila
Isso natildeo ocorre apenas pelo fato do CC ser uma unidade fechada eacute algo que ocorre na
instituiccedilatildeo como um todo conforme relatado a seguir
Deveria ser mais articulado mas isso natildeo eacute um problema soacute do bloco ciruacutergico O
hospital ainda tem dificuldade nos acordos intersetoriais [] As pessoas tecircm
dificuldades de se articular natildeo soacute entre os setores mas dentro do mesmo setor
tambeacutem Nas especialidades nas categorias ainda eacute muito fragmentado cada um faz
o seu pedaccedilo [] as pessoas conversam pouco Essa articulaccedilatildeo essas relaccedilotildees
ainda precisam ser trabalhadas (Ei23)
Falta descrever os processos ter a cadeia cliente-fornecedor ajustada para que tenha
um processo realmente eficaz [] Estaacute no dia a dia mas natildeo eacute descrita a gente fica
na poliacutetica da boa vizinhanccedila mas formalmente natildeo tem nada escrito (Ei1)
[] a gente ainda natildeo introjetou a cultura da qualidade como ferramenta que facilita
o trabalho e que deixa o trabalho mais seguro (Ei23)
Os depoimentos evidenciam que ainda eacute necessaacuterio desenvolver uma cultura
organizacional voltada para a qualidade e seguranccedila A cultura da seguranccedila eacute entendida
como um conjunto de valores atitudes competecircncias e comportamentos que determinam o
comprometimento com a gestatildeo da sauacutede e da seguranccedila substituindo a culpa e a puniccedilatildeo
pela oportunidade de aprender com as falhas e melhorar a atenccedilatildeo agrave sauacutede (BRASIL 2013b)
Eacute imprescindiacutevel uma poliacutetica institucional de cultura de seguranccedila mas eacute um desafio para as
instituiccedilotildees hospitalares exigindo um levantamento dos fatores organizacionais que impedem
o desenvolvimento da cultura de seguranccedila (CARVALHO 2011)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 78
Deve-se registrar ainda que o funcionamento da rede intra-hospitalar estaacute tambeacutem
relacionado agrave conexatildeo desta com a rede global ou seja com serviccedilos profissionais e gestores
extra hospital
No CTI em torno de 10 dos pacientes satildeo de cuidado intermediaacuterio Tem
vaacuterias propostas para a diretoria mas natildeo depende dela porque tem uma questatildeo
financeira que demanda discussatildeo com a secretaria municipal de sauacutede []
Alguns pontos dependem da equipe meacutedica outros dependem de financiamento
municipal estadual ou federal que a diretoria tem tentado (Ei25)
A forma bdquoem rede‟ eacute constituiacuteda por duas porccedilotildees a saber uma local e outra global
pois nenhum lugar predomina o bastante para ser global nem eacute suficientemente autocircnomo
para ser local (LATOUR 2012) Neste sentido os profissionais do hospital natildeo tecircm
autonomia e o completo arsenal de recursos necessaacuterios para resolver todos os problemas Haacute
melhorias que satildeo dependentes da accedilatildeo de profissionais da rede global natildeo excluindo a
responsabilidade interna de gestores e profissionais com a qualidade assistencial
Enfim foi possiacutevel identificar por meio das diferentes visotildees dos profissionais que a
articulaccedilatildeo da rede intra-hospitalar eacute vital para a assistecircncia ciruacutergica segura A trama desta
rede que eacute estabelecida pela relaccedilatildeo dos diferentes atores estaacute em constante ordem
desordem interaccedilatildeo e organizaccedilatildeo Este tetragrama deve estar harmocircnico para o pleno
funcionamento da assistecircncia ciruacutergica segura Caso natildeo esteja sob determinada condiccedilatildeo ndash
instabilidade e falha da rede local ou global ndash ocorre uma cascata de problemas com riscos
que podem desencadear incidentes aos pacientes em algum ponto das trecircs fases do
perioperatoacuterio
413 Perioperatoacuterio entrelaccedilamentos das trecircs fases para a cirurgia segura
[] complexas eacute o que estaacute junto eacute o tecido formado por diferentes fios que se
transformaram numa soacute coisa Isto eacute tudo isso se entrecruza tudo se entrelaccedila para
formar a unidade da complexidade poreacutem a unidade do complexus natildeo destroacutei a
variedade e a diversidade das complexidades que o teceram (MORIN 2003a p
188)
A rede intra-hospitalar na qual ocorre a assistecircncia ciruacutergica aos pacientes eacute complexa
Para Morin (2003a) uma organizaccedilatildeo complexa eacute ao mesmo tempo acecircntrica (funciona de
maneira anaacuterquica por interaccedilotildees espontacircneas) policecircntrica (tem muitos centros de controle
ou organizaccedilatildeo) e cecircntrica (dispotildee ao mesmo tempo de um centro de decisatildeo) Esses
aspectos estatildeo presentes na rede intra-hospitalar a qual eacute organizada natildeo soacute a partir de um
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 79
centro de comando-decisatildeo (coordenaccedilatildeo conjunta meacutedica e de enfermagem) mas tambeacutem de
diversos centros de organizaccedilatildeo (como as coordenaccedilotildees das especialidades que atuam no CC
e coordenaccedilotildees dos setores envolvidos) e de interaccedilotildees espontacircneas entre os grupos de
profissionais Nesse sentido discutir o entrelaccedilamento das trecircs fases do perioperatoacuterio no
hospital se faz necessaacuterio sendo reconhecido como importante pelos profissionais No
entanto na praacutetica a organizaccedilatildeo e as accedilotildees de conexatildeo dos atores natildeo ocorrem de forma
efetiva nas trecircs fases do perioperatoacuterio que compreende o preacute-operatoacuterio o transoperatoacuterio e
poacutes-operatoacuterio
O periacuteodo preacute-operatoacuterio compreende desde o momento da decisatildeo de que a cirurgia
seja ela eletiva de urgecircncia ou de emergecircncia seraacute realizada ateacute o momento que precede o
ato ciruacutergico quando o paciente eacute encaminhado ao CC (CHRISTOacuteFORO CARVALHO
2009) As accedilotildees conformam uma fase importante para avaliar por meio do risco ciruacutergico-
anesteacutesico (realizado por cliacutenico geral cardiologista eou anestesiologista) as condiccedilotildees
fisioloacutegicas do paciente o risco-benefiacutecio do procedimento e as informaccedilotildees transmitidas a
pacientes e familiares sobre a cirurgia Essas accedilotildees auxiliam o ato na sala operatoacuteria
principalmente na abordagem inicial do anestesiologista e sendo um hospital de ensino
auxilia o cirurgiatildeo a decidir se o residente poderaacute ou natildeo atuar naquela cirurgia Nas cirurgias
de urgecircncia e emergecircncia natildeo haacute tempo haacutebil para se realizar um preacute-operatoacuterio para
avaliaccedilatildeo do risco-benefiacutecio do procedimento anesteacutesico-ciruacutergico repercutindo na qualidade
e seguranccedila do procedimento
O doente da eletiva a gente tem que levar para o bloco na melhor condiccedilatildeo Se o
benefiacutecio for pouco em relaccedilatildeo ao risco a gente orienta e nem opera [] A
avaliaccedilatildeo preacute-anesteacutesica eacute um dado a mais para o cirurgiatildeo aumentar a seguranccedila Se
tiver um risco muito ruim eu natildeo vou demorar ou deixar o residente operar faccedilo
mais raacutepido O paciente da urgecircncia e da emergecircncia natildeo tem risco ciruacutergico tem
que por no bloco operar e pronto (Ed19)
Quanto mais dados vocecirc tiver escrito do preacute-operatoacuterio preacute-anesteacutesico mais raacutepido
e melhor fica essa abordagem inicial que a gente faz aqui (Ed17)
Pelos relatos se percebe que o objetivo dessa fase eacute o preparo adequado do paciente
no sentido de reduzir ao miacutenimo possiacutevel os riscos de morbimortalidade por complicaccedilotildees
no ato ciruacutergico Segundo Schwartzman et al (2011) o profissional deve avaliar de forma
criteriosa o risco ciruacutergico e anesteacutesico as particularidades do paciente e do procedimento
atuando em possiacuteveis situaccedilotildees de risco Segundo os autores a consulta preacute-anesteacutesica (pelo
anestesiologista) e a consulta preacute-operatoacuteria (pelo cliacutenico ou outro especialista) visam agrave
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 80
seguranccedila do ato anesteacutesico e a diminuiccedilatildeo de complicaccedilotildees Segundo os entrevistados isso
ocorre porque seratildeo observados detalhes que podem natildeo ser percebidos pelo cirurgiatildeo devido
agrave grande demanda de pacientes
No ambulatoacuterio quando tenho que reoperar um paciente quem faz o risco ciruacutergico
eacute o anestesiologista Eacute um risco preacute-anesteacutesico Se o anestesiologista achar que ele
precisa de avaliaccedilatildeo mais detalhada de um cardiologista ele eacute encaminhado para o
posto ou para algum local especiacutefico Essa avaliaccedilatildeo eacute importante porque o
cirurgiatildeo em hospital puacuteblico trabalha sobrecarregado tem detalhe que pode passar
despercebido que natildeo passa para o cliacutenico cardiologista ou anestesiologista (Ed19)
Quando eacute necessaacuterio realizar nova abordagem em um paciente que se submeteu a uma
cirurgia no hospital mas se encontra em sua residecircncia o risco ciruacutergico-anesteacutesico eacute
realizado na Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede (APS) ou em outros serviccedilos da rede Assim a rede
intra-hospitalar se conecta a uma rede extra-hospitalar Haacute atores externos importantes para se
alcanccedilar a seguranccedila ciruacutergica Quando o paciente estaacute internado no hospital quem faz a
avaliaccedilatildeo eacute um anestesiologista no ambulatoacuterio O iniacutecio da realizaccedilatildeo da avaliaccedilatildeo preacute-
anesteacutesica pelo profissional anestesiologista no hospital se deu por duas questotildees que na
eacutepoca representaram desordem mas que proporcionaram a organizaccedilatildeo do serviccedilo
A primeira questatildeo foi relacionada aos nuacutemeros baixos da realizaccedilatildeo do preacute-anesteacutesico
registrados no checklist de cirurgia segura e a segunda agrave gravidez de uma das
anestesiologistas Devido aos riscos para o feto o serviccedilo meacutedico hospitalar natildeo autorizou o
trabalho da mesma no CC durante a gestaccedilatildeo e a profissional foi lotada no ambulatoacuterio
iniciando a organizaccedilatildeo da avaliaccedilatildeo preacute-operatoacuteria pela profissional na instituiccedilatildeo
Depois que o checklist comeccedilou a ser apresentado em dados ficou visiacutevel A gente
natildeo tinha um anestesiologista que fizesse consulta preacute-anesteacutesica quando uma
anestesiologista engravidou foi soacute uma justificativa pra fazer esse trabalho (Ed10)
O deslocamento de anestesiologistas do CC para o ambulatoacuterio era uma das
dificuldades na implantaccedilatildeo universal da avaliaccedilatildeo preacute-anesteacutesica sendo este profissional
mais indicado para realizar a avaliaccedilatildeo com maior seguranccedila e visatildeo ampla do procedimento
anesteacutesico Ele eacute capaz de verificar o estado de sauacutede do paciente e fatores que influenciam o
ato anesteacutesico como as interaccedilotildees medicamentosas dificuldades para intubaccedilatildeo melhor tipo
de anestesia (SCHWARTZMAN et al 2011) Aleacutem disso ao anestesiologista cabe a decisatildeo
de realizar ou natildeo o ato anesteacutesico de modo soberano e intransferiacutevel (CFM 2006) Contudo
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 81
a avaliaccedilatildeo preacute-operatoacuteria pelo anestesiologista no hospital se realiza por meio de
interconsulta que natildeo consegue abranger a totalidade dos pacientes
A anestesiologista do preacute-anesteacutesico fica mais com a ortopedia que geralmente natildeo
pedia exame preacute-ciruacutergico soacute o risco baacutesico e mais nada Aiacute os anestesiologistas
bombavam as cirurgias [] Para a gente [cirurgia] natildeo tem Quando a gente pede
interconsulta geralmente natildeo daacute tempo de atender no tempo que a gente quer Entatildeo
a gente faz todo o preacute-operatoacuterio (Ei20)
Haacute ao mesmo tempo uma disputa (desordem) entre as especialidades para a avaliaccedilatildeo
preacute-operatoacuteria pelo anestesiologista no ambulatoacuterio ou nas enfermarias e uma conformaccedilatildeo
sobre a prioridade dos pacientes atendidos serem de uma especialidade (ordem) E assim se
conforma a organizaccedilatildeo da avaliaccedilatildeo preacute-operatoacuteria com prioridade para pacientes da
ortopedia os pacientes das demais especialidades tecircm a avaliaccedilatildeo preacute-operatoacuteria por vezes
realizada pelo cirurgiatildeo e sua equipe Assim a natildeo abrangecircncia da totalidade dos pacientes
gera desvalorizaccedilatildeo da avaliaccedilatildeo preacute-anesteacutesica pelo anestesiologista no preacute-operatoacuterio
A gente acaba fazendo de novo aqui [no CC] Essa conversa antes isso eacute o preacute-
anesteacutesico [ecircnfase] A gente vecirc exames pergunta se tem hipertensatildeo se jaacute enfartou
se estaacute em jejum Tem uns que jaacute vem com isso feito mas a maioria a gente faz aqui
na hora Eu acho que tem o ambulatoacuterio mas eu natildeo aproveito muito as informaccedilotildees
do ambulatoacuterio faccedilo de novo (Ed17)
Nessa situaccedilatildeo a avaliaccedilatildeo preacute-anesteacutesica foi reduzida agrave conversa do anestesiologista
com o paciente antes da induccedilatildeo anesteacutesica No Brasil os pacientes geralmente satildeo avaliados
no mesmo dia da cirurgia ou no maacuteximo na veacutespera (SCHWARTZMAN et al 2011)
Poreacutem eacute imprescindiacutevel conhecer com a devida antecedecircncia as condiccedilotildees cliacutenicas do
paciente antes de ser realizada qualquer anestesia exceto nas situaccedilotildees de urgecircncia (CFM
2006) Em cirurgias eletivas para aumentar a seguranccedila uma boa avaliaccedilatildeo ambulatorial seraacute
o padratildeo ouro do cuidado anesteacutesico preacute-operatoacuterio (SCHWARTZMAN et al 2011)
Ademais a forma como eacute conduzida a fase preacute-operatoacuteria revela para outras categorias
profissionais o compromisso dos cirurgiotildees com aquele paciente e com o procedimento a ser
realizado No entanto os procedimentos do preacute-operatoacuterio estatildeo fragmentados
Vocecirc fala assim ldquoEssa equipe ciruacutergica tem compromisso com o pacienterdquo se fez
todo esse preacute-operatoacuterio (Ed17)
Foi acordado com a equipe de anestesia fazer o preacute-operatoacuterio com alguns
anestesiologistas que correm leitos Tem uma preparaccedilatildeo tambeacutem com a
enfermagem Esses processos estatildeo um pouco fragmentados [] natildeo estaacute
cumprindo o que foi acordado (Ei23)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 82
O preacute eu natildeo consigo ver porque estaacute laacute fora Entatildeo eles estatildeo laacute (Ed31)
O preacute-operatoacuterio eacute uma fase que estaacute agrave parte algo distante que estaacute ldquolaacute forardquo natildeo eacute
considerado parte da cirurgia pelos profissionais que atuam diretamente no CC Poreacutem o preacute-
operatoacuterio ocorre por meio da interaccedilatildeo de vaacuterios atores da rede intra-hospitalar para a
execuccedilatildeo das accedilotildees
No ambulatoacuterio o paciente recebe as primeiras orientaccedilotildees data de cirurgia
encaminhamento para exames laboratoriais erisco ciruacutergico O enfermeiro orienta o
jejum o banho preacute-operatoacuterio o horaacuterio de chegada o fluxo [] No andar [paciente
internado] tem papel semelhante [] algumas medicaccedilotildees como anticoagulante
suspende na veacutespera orienta o jejum executa o banho preacute-operatoacuterio (Ed28)
O papel nosso [CTI] no preacute-operatoacuterio eacute que o meacutedico observe os exames e discuta
o caso com o cirurgiatildeo [] banho preacute-operatoacuterio pela equipe de enfermagem e que
o antibioacutetico corra antes do paciente ir para o CC(Ei25)
Embora os profissionais participantes da pesquisa tenham em mente o papel dos
diversos atores da rede intra-hospitalar nesta fase do processo ciruacutergico haacute descompasso das
accedilotildees do preacute-operatoacuterio com o estabelecido Alguns procedimentos que fazem parte do
preparo adequado do paciente como banho e a administraccedilatildeo de antibioacutetico profilaacutetico satildeo
realizados fora do tempo seja por desconhecimento displicecircncia ou desvalorizaccedilatildeo pelos
profissionais
As pessoas natildeo datildeo a devida importacircncia de uma rotina simples que eacute o banho preacute-
operatoacuterio que minimiza a infecccedilatildeo do siacutetio ciruacutergico aumenta a possibilidade da
cirurgia ser bem sucedida Agraves vezes as pessoas deixam de fazer por
desconhecimento [] natildeo tem noccedilatildeo de que o banho tem validade de duas horas
que se ele for muito cedo natildeo vai adiantar (Ed10)
O antibioacutetico preacute-operatoacuterio no pronto socorro agraves vezes jaacute podia comeccedilar a
administraccedilatildeo Eles natildeo datildeo importacircncia deixa para comeccedilar no bloco (Ed10)
As duas accedilotildees no preacute-operatoacuterio (antibioacutetico profilaacutetico e banho) satildeo relativamente
simples e impactam no transoperatoacuterio Em um estudo com 129 pacientes de duas instituiccedilotildees
hospitalares no Paranaacute o banho foi realizado para pouco mais da metade dos pacientes antes
do procedimento ciruacutergico (CHRISTOacuteFORO CARVALHO 2009) Os antimicrobianos satildeo
administrados no preacute-operatoacuterio frequentemente cedo demais tarde demais ou de uma
maneira errada (OMS 2009) O antibioacutetico profilaacutetico deve ser iniciado uma hora antes da
incisatildeo ciruacutergica ou duas horas antes da incisatildeo se o paciente recebe vancomicina ou
fluoroquinolonas (SALMAN et al 2012) Um estudo observacional prospectivo com 3836
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 83
pacientes mostrou que o antibioacutetico administrado entre 0 a 29 minutos antes da incisatildeo
ciruacutergica eacute menos efetivo quando comparado com a administraccedilatildeo entre 30 e 59 minutos antes
da cirurgia (WEBER et al 2008)
No periacuteodo preacute-operatoacuterio no hospital em estudo haacute falhas relativas tambeacutem no
preparo do paciente quanto ao acesso venoso adequado e a retirada de acessoacuterios e pertences
do paciente para encaminhaacute-lo ao CC
Nessa aacuterea [preacute-operatoacuterio] tem um pouco de falha Tudo deveria comeccedilar laacute fora
vir puncionado com jelco 18 calibre maior se precisar infundir sangue []
Paciente do pronto socorro vem com jelco 22 para o bloco [] manda de cueca
chinelo [] todo mundo sabe que natildeo pode mas vem com dentadura [] Quanto
mais eles ajudarem melhor o andamento aqui dentro fica mais faacutecil (Ed4)
Falhas nessas accedilotildees simples tambeacutem ocorrem em outros hospitais como no estudo
realizado em dois hospitais no Paranaacute onde a solicitaccedilatildeo de retirada da proacutetese dentaacuteria no
periacuteodo preacute-operatoacuterio se deu somente em 73 dos pacientes que faziam o uso nos demais
pacientes o uso da proacutetese foi identificado no CC (CHRISTOacuteFORO CARVALHO 2009)
Ademais as falhas de comunicaccedilatildeo no preacute-operatoacuterio vatildeo desde profissional para
paciente e vice-versa ateacute profissional para profissional em seus diversos locais de atuaccedilatildeo
No preacute Eles [pacientes] chegam aguardando uma posiccedilatildeo do meacutedico [] a gente
tem uma expectativa junto com eles [] ele [paciente] natildeo sabe quando vai ser a
cirurgia e o quecirc vai acontecer com ele (Ei7)
Paciente chega [no CC] a gente recebe ldquoSabe de que vai ser operadordquo ldquoNatildeo
Falaram pra mim que eu vou operar mas natildeo sei o querdquo [] O paciente natildeo sabe
Opreacute eacute isso (Ed31)
Quando o paciente chega para o trans quantas vezes a gente pergunta ldquoTaacute em
jejumrdquo ldquoNatildeo rdquo Ai a cirurgia eacute cancelada porque o preacute natildeo foi bem feito laacute fora
ldquoNatildeo falaram com vocecircrdquo ldquoNatildeo Ningueacutem me falourdquo (Ed31)
A expressatildeo ldquoa gente tem uma expectativa junto com elesrdquo relatada mostra a falta de
comunicaccedilatildeo entre os profissionais e de planejamento da assistecircncia natildeo multiprofissional
Por outro lado nos relatos de Ed31 foram reafirmadas falhas de comunicaccedilatildeo entre os
profissionais e pacientes A comunicaccedilatildeo o diaacutelogo e a conversa profissional-paciente eacute o elo
para aproximar quem estaacute sendo cuidado e quem estaacute cuidando No encontro as pessoas
estabelecem a partir da relaccedilatildeo e da interaccedilatildeo humana momentos de troca de interesse e
preocupaccedilatildeo com o outro e a maneira de expressatildeo pode ser pela palavra ou mesmo
comportamental Assim o profissional oportuniza e encoraja o cliente a dialogar e a
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 84
expressar-se o que torna possiacutevel aproximaccedilatildeo e compreensatildeo da complexa teia de relaccedilotildees
humanas de cuidado (BAGGIO CALLEGARO ERDMANN 2008) No preacute-operatoacuterio o
bem-estar do paciente deve ser o principal objetivo dos profissionais que o assistem pois
estes podem apresentar alto niacutevel de estresse bem como desenvolver sentimentos que podem
atuar negativamente em seu estado emocional tornando-os vulneraacuteveis Muitas vezes o
estresse independe da cirurgia tem relaccedilatildeo com a desinformaccedilatildeo associada aos procedimentos
da cirurgia da anestesia e dos cuidados (CHRISTOacuteFORO CARVALHO 2009)
A Sistematizaccedilatildeo da Assistecircncia de Enfermagem Perioperatoacuteria (SAEP) seria uma
estrateacutegia importante para integrar todo o perioperatoacuterio no entanto no cenaacuterio deste estudo
ainda natildeo eacute realidade Isso impacta na primeira fase ciruacutergica o preacute-operatoacuterio pela ausecircncia
da visita sistemaacutetica do enfermeiro do CC ao paciente antes das cirurgias
Infelizmente no bloco a gente natildeo tem esse enfermeiro que faz a visita preacute-
operatoacuteria [no leito] para dar continuidade no bloco A gente tentou implantar a
SAEP mas ainda natildeo tem essa ligaccedilatildeo na assistecircncia de enfermagem (Ed10)
O enfermeiro deve considerar a visita preacute-operatoacuteria prioritaacuteria um processo interativo
para promover eou recuperar a integridade dos pacientes Por meio dessa visita o enfermeiro
teraacute informaccedilotildees para ajudar no planejamento da cirurgia no trans e no poacutes-operatoacuterio
(GRITTEM MEIER GAIEVICZ 2006) Segundo Saragiotto e Tramontini (2009) 875
das enfermeiras de diferentes hospitais de Londrina natildeo realizam todas as fases da visita preacute-
operatoacuteria sendo que as estrateacutegias empregadas no preacute-operatoacuterio consistiram em contato
telefocircnico e orientaccedilotildees na enfermaria e na recepccedilatildeo do CC Isso de certa forma coincide
com as observaccedilotildees desta pesquisa no que diz respeito aos enfermeiros do CC Poreacutem haacute um
arcabouccedilo de legislaccedilotildees sobre a obrigatoriedade da utilizaccedilatildeo do processo de enfermagem
como atividade privativa do enfermeiro e que deve ter participaccedilatildeo de toda a equipe de
enfermagem (Lei nordm 74981986 Decreto nordm 944061987 Resoluccedilatildeo COFEN nordm 3582009)
Mesmo assim as recomendaccedilotildees natildeo satildeo ainda incorporadas no hospital cenaacuterio deste estudo
Isso fragiliza a assistecircncia de enfermagem pois o processo de enfermagem eacute um meacutetodo de
trabalho baseado em teorias de enfermagem que satildeo o conhecimento especiacutefico da profissatildeo
Foi possiacutevel perceber pelos depoimentos e observaccedilatildeo que o periacuteodo preacute-operatoacuterio
no hospital eacute ainda uma condiccedilatildeo insegura e que a seguranccedila do paciente nessa fase influencia
na tranquilidade e seguranccedila dos profissionais na sala operatoacuteria
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 85
[] o checklist do preacute-ciruacutergico a gente hoje natildeo faz Isso agraves vezes leva o paciente
numa condiccedilatildeo de mais fragilidade para a cirurgia O preacute-anesteacutesico eu acho que
seguramente eacute uma condiccedilatildeoainda insegura (Ei30)
O planejamento do anestesiologista eacute baseado no preacute-operatoacuterio e no preacute-anesteacutesico
que andam juntas e faz toda a diferenccedila [] Isso natildeo soacute aumenta a seguranccedila da
cirurgia como aumenta a qualidade de vida do profissional Vocecirc chega vecirc tudo ai
vocecirc comeccedila a trabalhar jaacute mais tranquilo (Ed17)
Ressalta-se a necessidade de repensar a articulaccedilatildeo dos atores do hospital na fase preacute-
operatoacuteria para a continuidade integralidade e seguranccedila do cuidado ciruacutergico e tambeacutem
para proporcionar um ambiente seguro para o trabalhador Segundo Pena e Minayo-Gomez
(2010) a seguranccedila do profissional e do paciente tem relaccedilotildees diretas Os autores observaram
que a diminuiccedilatildeo de infecccedilatildeo relacionada agrave sauacutede nos pacientes por exemplo reduz ao
mesmo tempo doenccedilas ocupacionais para os trabalhadores A melhoria da seguranccedila dos
pacientes impacta na reduccedilatildeo de acidentes no trabalho (PENA MINAYO-GOMEZ 2010)
Ao contraacuterio dos vaacuterios problemas citados pelos profissionais na fase preacute-operatoacuteria a
fase intraoperatoacuteria eacute percebida de uma forma mais tranquila pelos participantes da pesquisa
[] depois que o paciente entrou para a cirurgia ela flui tranquilamente Acontece
agraves vezes uma intercorrecircncia mas eacute aceitaacutevel Isso aiacute a gente natildeo pode prever [] o
trans eacute muito tranquilo (Ed13)
O trans eacute mais tranquilo As coisas caminham O raio X vem certinho nada foge do
normal tem um atraso ou outro mas nenhuma observaccedilatildeo maior a fazer natildeo (Ed29)
Os profissionais natildeo satildeo claros no que seria ldquoaceitaacutevelrdquo ldquonormalrdquo ocorrer dentro do
transoperatoacuterio que natildeo impactaria negativamente na assistecircncia ciruacutergica segura Contudo o
atraso mencionado pode gerar maior tempo ciruacutergico e repercutir no resultado final do
procedimento
Haacute tambeacutem nos relatos sobre a fase transoperatoacuteria a necessidade da conexatildeo e da
comunicaccedilatildeo dos diversos atores da rede intra-hospitalar A metaacutefora utilizada para expressar
essa interdependecircncia foi a de um ldquocorpordquo que depende de muacuteltiplos oacutergatildeos para funcionar
[] eacute a mesma coisa do corpo [] primeiro dependemos do pessoal da conservaccedilatildeo
Limpou a sala a sala estaacute pronta Aiacute dependemos do teacutecnico de enfermagem que
montou os carrinhos depende do instrumentador para checar o material Estaacute tudo
ok Aiacute sim pode entrar com o paciente Depende do anestesiologista Fez o trabalho
dele Entra a equipe ciruacutergica que vai do instrumentador ao preceptor [pausa] Para
ter sucesso depende de todo mundo [com ecircnfase] (Ed12)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 86
A cirurgia vai depender do anestesiologista do cirurgiatildeo mas tem um monte de
gente nos bastidores Tem a equipe da enfermagem a farmaacutecia e o banco de sangue
que precisam disponibilizar o que a gente pede o quanto antes (Ed19)
Pelos depoimentos os profissionais que atuam diretamente no ato anesteacutesico-ciruacutergico
estatildeo na cena principal de um filme e os demais profissionais estatildeo nos bastidores apoiando
essa ldquocenardquo da qual participam apenas os protagonistas Segundo Reus e Tittoni (2012) a sala
operatoacuteria eacute o local onde se desenvolve a cena e tudo funciona como num filme onde cada
ator desempenha papeacuteis definidos Uma nova refilmagem acontece em cada cirurgia onde os
atores podem ser diferentes mas as cenas satildeo repetidas detalhadamente Assim como um
piloto de aviatildeo conta com a equipe de solo com a equipe de bordo e os controladores de
traacutefego aeacutereo para um vocirco seguro um cirurgiatildeo eacute um membro essencial mas depende de uma
equipe responsaacutevel para a assistecircncia ciruacutergica segura (OMS 2009)
Entre os vaacuterios profissionais que atuam em um procedimento ciruacutergico cada ldquoatorrdquo
tem um contato distinto com o corpo do paciente o que lhe confere um status nessa relaccedilatildeo
O cirurgiatildeo atua manipulando e modificando o ldquointeriorrdquo do corpo amparado por um saber
teacutecnico e acadecircmico tanto no corpo como no ambiente O anestesiologista interveacutem na
consciecircncia do paciente que se ausenta e se torna vulneraacutevel Os profissionais de enfermagem
manipulam o ldquoexteriorrdquo do corpo com procedimentos ldquonatildeo invasivosrdquo tambeacutem amparados
por um saber (REUS TITTONI 2012) Esses saberes teacutecnicos distinguem os diversos atores
humos da rede intra-hospitalar e os coloca na cena ou nos bastidores o que faz com que cada
um exerccedila um niacutevel de poder nesse espaccedilo ocupado No entanto a seguranccedila ciruacutergica
demanda desempenho confiaacutevel de muacuteltiplas etapas necessaacuterias agrave assistecircncia natildeo apenas pelo
cirurgiatildeo mas pela equipe de profissionais de sauacutede trabalhando em conjunto para o
benefiacutecio do paciente (OMS 2009)
Aleacutem da dependecircncia dos diversos atores da rede intra-hospitalar haacute uma relaccedilatildeo
direta entre as diferentes disciplinas que atuam na aacuterea ciruacutergica No relato para a cirurgia
acontecer eacute necessaacuteria a atuaccedilatildeo da anestesiologia que evoluiu em determinado periacuteodo
tornando-se duas profissotildees distintas embora complementares Isso trouxe vantagens e
desvantagens
Uma cirurgia de laparotomia por uma obstruccedilatildeo intestinal pra ser tranquila precisa
de uma anestesia muito bem feita para a musculatura [do paciente] ficar flexiacutevel
para o cirurgiatildeo acessar A anestesiologia jaacute foi uma subespecialidade da cirurgia
Depois foi ficando tatildeo complexa que teve que separar [] as teacutecnicas ciruacutergicas se
desenvolveram a partir do momento em que a anestesia evoluiu e daacute condiccedilotildees para
o cirurgiatildeo operar [] natildeo existiria cirurgia sem anestesia Cirurgias antes da
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 87
anestesia eram coisas medievais [] paciente sentido dores horriacuteveis As duas aacutereas
se desenvolveram juntas e uma eacute totalmente dependente da outra (Ed17)
Determinadas cliacutenicas tipo ortopedia eacute muito ligada soacute no problema especialista
em joelho vecirc soacute o joelho natildeo consegue ver o resto [] vecirc um ligamento rompido
trata aquilo ali mas o paciente tem outros problemas agraves vezes nem eacute o mais grave
aquilo ali [] quanto mais especialista menos consegue ter visatildeo geral (Ed17)
Segundo Morin (2005) a evoluccedilatildeo disciplinar das ciecircncias trouxe as vantagens da
divisatildeo do trabalho (contribuiccedilatildeo das partes especializadas para a coerecircncia de um todo
organizador) mas tambeacutem os inconvenientes da fragmentaccedilatildeo do saber Haacute necessidade da
equipe multiprofissional para o sucesso das cirurgias na sala ciruacutergica No entanto a conexatildeo
natildeo eacute articulada e a comunicaccedilatildeo natildeo eacute efetiva O ldquocorpordquo falha e repercute na fase trans-
operatoacuteria No CC haacute um desalinhamento um descompasso nos atos de cuidados de um setor
para o outro Isso gera prejuiacutezo para os pacientes e desperdiacutecio de material
O paciente chega do CTI com bomba de infusatildeo medicaccedilotildees IV e tal A gente tira
pra fazer as minhas medicaccedilotildees Agraves vezes estaacute no meio de um antibioacutetico e perde
aquele frasco Acho que poderia integrar mais a prescriccedilatildeo [] A gente natildeo pode
manter a conduta deles cirurgia eacute diferente [] a gente tira tudo [] Se a gente
manda uma bomba de infusatildeo daqui eles trocam porque tecircm outras diluiccedilotildees
padrotildees (Ed17)
O bloco tem interface com todos os setores e nem sempre o paciente chega para a
cirurgia na condiccedilatildeo adequada [] Para que aconteccedila o processo de trabalho do
bloco tudo tem que estar muito acertado (Ei30)
A comunicaccedilatildeo entre a equipe do CC e outras unidades interfere na dinacircmica de
funcionamento do CC sendo a comunicaccedilatildeo identificada como um instrumento de trabalho
(STUMM MACcedilALAI KIRCHNER 2006) Essa comunicaccedilatildeo entre os diversos atores eacute
necessaacuteria entre outras questotildees para que o desperdiacutecio seja evitado e haja continuidade do
tratamento Outros pontos relacionados a questotildees externas e internas ao CC satildeo citados como
problemas no transoperatoacuterio
Vira e mexe tem um material que natildeo estaacute bom falta alguma peccedila no kit mas eacute tudo
mais tranquilo Eacute soacute em caraacuteter de exceccedilatildeo mesmo (Ed29)
No trans algumas vezes acontece alguns percalccedilos [] o cirurgiatildeo pede um monte de
coisa e nada serve e o material fica comprometido ou perdido (Ei23)
Em estudo realizado em hospital universitaacuterio puacuteblico de grande porte de Porto
Alegre o comportamento do cirurgiatildeo foi apontado como uma situaccedilatildeo geradora de estresse e
houve o reconhecimento ateacute por parte deles mesmos Viu-se que quanto mais jovens menos
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 88
seguros e mais agressivos Relacionaram como comportamentos geradores de estresse o
cirurgiatildeo perfeccionista muito exigente irritado e que perde o controle (CAREGNATO
LAUTERT 2005)
No transoperatoacuterio o estresse provocado pela necessidade de uma cirurgia e todo o
percurso percorrido ateacute o CC gera sentimentos como nervosismo medo inseguranccedila e tristeza
no paciente ciruacutergico Os profissionais aleacutem de todas as questotildees teacutecnicas inerentes agraves suas
funccedilotildees tecircm o papel de manter um ambiente harmocircnico tranquilo e seguro aleacutem de orientar
e informar sobre o procedimento ciruacutergico propriamente dito
No trans a gente explica para ele todo o procedimento [] eles chegam nervosos
com medo A gente tenta transmitir a maior seguranccedila possiacutevel Mostrar que estaacute em
um lugar seguro Mesmo com os riscos que isso tem aqui a gente faz tudo para o
paciente [] graccedilas a Deus na maioria das vezes daacute tudo certo (Ed31)
Apesar do relato de Ed31 sugerir uma assistecircncia segura humanizada e eacutetica por
parte dos profissionais do CC percebeu-se que haacute impaciecircncia quando o paciente natildeo
obedece aos comandos da equipe Nas notas do diaacuterio de campo foi registrada uma cena
presenciada Era um paciente em confusatildeo mental de 62 anos com hemorragia subdural
devido a um traumastismo histoacuterico de acidente vascular cerebral que estava contido com
faixas transpassadas pelo abdocircmen e nos braccedilos amarradas agraves grades do leito As faixas da
regiatildeo do toacuterax estavam muito apertadas e o anestesiologista pediu para afrouxaacute-las A
circulante natildeo o fez Entatildeo a acadecircmica que acompanhou a pesquisa pediu licenccedila para
afrouxar a contenccedilatildeo pois se preocupou com a possiacutevel pele lesionada em um paciente idoso
prestes a se submeter a um ato ciruacutergico Foi administrada a medicaccedilatildeo e o paciente manteve-
se agitado As circulantes comeccedilaram a perder a paciecircncia e a dizer ldquoFica quietinho se natildeo
vocecirc vai cair Um homem dessa idade fazendo issordquo Quando houve a perda do acesso
venoso a falta de paciecircncia das circulantes aumentou e chamaram a enfermeira e o
anestesiologista Nesse periacuteodo houve brincadeiras quanto aos procedimentos com o
paciente Quando outro anestesiologista chegou e disse ldquoVou entubar de uma vez ai para de
incomodarrdquo Essa situaccedilatildeo deve ser refletida de forma criacutetica em um hospital de ensino A
interaccedilatildeo entre o profissional e o paciente ciruacutergico deve considerar as caracteriacutesticas de cada
pessoa Isso pode minimizar o estresse a ansiedade e o desgaste que a pessoa vivencia na
cirurgia aleacutem de proporcionar seguranccedila calma e tranquilidade (CALLEGARO et al 2010)
A equipe multiprofissional natildeo atua somente em situaccedilotildees confortaacuteveis (ordem) mas devem
estar organizados para todas as caracteriacutesticas imprevisiacuteveis dos pacientes (desordem)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 89
Por uacuteltimo no que diz respeito agrave fase transoperatoacuteria a observaccedilatildeo possibilitou
perceber que haacute tambeacutem negligecircncia em relaccedilatildeo aos Equipamentos de Proteccedilatildeo Individual
(EPI) como o uso de oacuteculos de proteccedilatildeo Observou-se e foi registrado no diaacuterio de campo que
a natildeo utilizaccedilatildeo do EPI resultou em um acidente com material bioloacutegico que atingiu os olhos
de um cirurgiatildeo e da instrumentadora que natildeo tomaram nenhuma atitude quanto ao fato
Outras condutas de risco foram observadas como o natildeo uso de luvas para a administraccedilatildeo e o
preparo dos medicamentos e a perfuraccedilatildeo da bolsa de soro com o intuito de infundir com
maior velocidade Haacute ainda um ambiente informal de trabalho os profissionais cantam
conversam sobre diversos assuntos riem de piadas e acontecimentos compartilhados no
momento da cirurgia falam ao celular sobre assuntos diversos Como exemplo foi observado
um profissional anestesiologista em uma longa discussatildeo no celular sobre o conserto de seu
carro na oficina em pleno ato ciruacutergico gerando distraccedilotildees e risco Ademais haacute interrupccedilotildees
frequentes durante as cirurgias Essas situaccedilotildees distanciam a atenccedilatildeo e a concentraccedilatildeo dos
profissionais do ato ciruacutergico gerando inseguranccedila ciruacutergica As distraccedilotildees e interrupccedilotildees
frequentes podem contribuir para a ocorrecircncia de erros na assistecircncia agrave sauacutede (LEMOS
SILVA MARTINEZ 2012)
Na fase poacutes-operatoacuteria assim como na preacute-operatoacuteria tambeacutem se encontra uma seacuterie
de dificuldades a comeccedilar pelo poacutes-operatoacuterio imediato que fica a desejar na opiniatildeo de
profissionais que atuam no poacutes-operatoacuterio externo ao CC
A gente teve um caso de paciente que colocaram a placa de cauteacuterio sem gel e teve
uma queimadura extensa de membro inferior Ele veio para o CTI e foi aqui que foi
observada essa lesatildeo [] a gente sente falta de passagem de caso e de um exame
fiacutesico do paciente antes que ele venha [] se esse paciente fosse examinado no poacutes-
operatoacuterio imediato na sala de recuperaccedilatildeo a gente conseguiria fechar todos os elos
da cadeia da cirurgia segura (Ei25)
O exame fiacutesico dos pacientes e a disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees que ocorrem de forma
inadequada segundo o entrevistado satildeo importantes accedilotildees para o poacutes-operatoacuterio imediato
que consiste em uma fase criacutetica para o paciente Segundo Monteiro et al (2014) o paciente
fica vulneraacutevel a diversas complicaccedilotildees principalmente as de origem respiratoacuteria circulatoacuteria
e gastrointestinal Ao admitir o paciente na Sala de Recuperaccedilatildeo Poacutes-anesteacutesica (SRPA) eacute
necessaacuteria uma avaliaccedilatildeo inicial pelo enfermeiro Esse deve inspecionar o paciente
monitorando-o de forma que sejam avaliados todos os paracircmetros vitais aleacutem da realizaccedilatildeo
do exame fiacutesico ceacutefalo-caudal com ecircnfase no local ciruacutergico (MONTEIRO et al 2014) e na
identificaccedilatildeo de eventuais complicaccedilotildees ou incidentes como o citado
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 90
Uma importante ferramenta para a identificaccedilatildeo e anaacutelise das complicaccedilotildees
apresentadas pelos pacientes nessa fase eacute o Iacutendice de Aldrete e Kroulik (IAK) que avalia a
atividade muscular a respiraccedilatildeo a circulaccedilatildeo a consciecircncia e a saturaccedilatildeo de oxigecircnio
(CASTRO et al 2012) No CC em estudo natildeo haacute um enfermeiro exclusivo para a SRPA haacute
dois teacutecnicos de enfermagem nos cuidados aos pacientes que por vezes ultrapassa o nuacutemero
maacuteximo de sete pacientes Esse cenaacuterio coloca em risco o paciente que se encontra
dependente sonolento devido agrave anestesia demandando cuidados dos profissionais o que se
torna difiacutecil tendo em vista o grande nuacutemero de pacientes na sala para prestar uma assistecircncia
segura por sobrecarga de trabalho O excesso de pacientes se daacute pela falta de leitos no CTI e
na unidade de internaccedilatildeo da cliacutenica ciruacutergica
Ainda na SRPA observou-se que apesar de se ter um termocircmetro conforme a
legislaccedilatildeo preconiza a sala permanece com temperaturas baixas Isso pode levar agrave hipotermia
dos pacientes em poacutes-operatoacuterio sendo um fator prejudicial pois de acordo com De Mattia et
al (2012) pode desencadear complicaccedilotildees como alteraccedilotildees respiratoacuterias tegumentares
cardiovasculares dentre outras
A falta de leitos na cliacutenica ciruacutergica e no CTI a falta de profissional a sobrecarga de
trabalho e a atitude dos profissionais em higienizar e agilizar o recebimento dos pacientes satildeo
tambeacutem questotildees pontuadas como problemas
A demanda de pacientes eacute grande o hospital natildeo suporta faltam leitos O paciente
fica preso no bloco aguardando leito [] Agraves vezes ateacute tem o leito mas o paciente
fica mais que deveria por falta de boa vontade [] (Ed13)
A uacutenica dificuldade eacute quando o paciente eacute para admissatildeo no andar [] fica na
recuperaccedilatildeo o dia inteiro estaacute limpando o leito (Ed4)
O pessoal [da internaccedilatildeo ciruacutergica] tem um pouco de resistecircncia pra receber o
paciente por questatildeo de sobrecarga de trabalho falta de funcionaacuterios chega laacute em
cima atendem mal [] Podia ser melhor essa integraccedilatildeo (Ed8)
A uacutenica dificuldade que a gente tem eacute subir com o paciente quando o paciente eacute
admissatildeo no andar [] tem paciente que fica na recuperaccedilatildeo o dia inteiro o leito taacute
limpando limpando de cotonete neacute (Ed4)
As questotildees relatadas como problemas na fase poacutes-operatoacuteria se assemelham aos
relatados da fase preacute-operatoacuteria quanto agraves questotildees que envolvem a conexatildeo e a comunicaccedilatildeo
profissional Por outro lado se diferem por serem questotildees que necessitam de maiores aportes
de recursos como a falta de leitos de retaguarda para o recebimento do paciente no poacutes-
operatoacuterio que estaacute ligada a uma macropoliacutetica que embora possa ser influenciada pelos
atores do hospital estes natildeo tecircm autonomia total
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 91
A falta de leitos tem consequecircncias como cancelamento de cirurgias eletivas atraso
da admissatildeo de pacientes em urgecircncia ciruacutergica e colocaccedilatildeo dos mesmos em leitos
inapropriados (cliacutenico versus ciruacutergico feminino versus masculino) Somado a isso haacute a
dificuldade de transferecircncia de pacientes entre alas e postergaccedilatildeo de altas do CTI elevando o
tempo de permanecircncia hospitalar (FARIA et al 2010) Mesmo quando haacute o leito disponiacutevel
no hospital satildeo relatadas dificuldades de transferecircncia do CC para a unidade ciruacutergica devido
agrave falta de pessoal sobrecarga de trabalho e processos inadequados de trabalho A metaacutefora
utilizada ldquolimpando de cotoneterdquo (os leitos na cliacutenica ciruacutergica) expressa a inconformidade
com a lentidatildeo de liberaccedilatildeo de leitos Portanto as dificuldades satildeo de natureza estrutural e
profissional-pessoal entre outras que comprometem as relaccedilotildees a comunicaccedilatildeo e o
atendimento aos pacientes contribuindo para a inseguranccedila ciruacutergica
A falta de leitos de retaguarda e a impossibilidade de adiar a cirurgia do paciente pela
sua necessidade mesmo natildeo tendo vaga no CTI geram a permanecircncia inadequada do
paciente na sala operatoacuteria ou na SRPA No caso dos pacientes que necessitam de CTI a
permanecircncia no CC gera seacuterios riscos para os pacientes uma vez que ele natildeo tem a assistecircncia
adequada de cuidado intensivo
[] tem um paciente parado ali natildeo tem vaga de CTI Soacute que natildeo vou olhar tatildeo
bem quanto o intensivista que tem o haacutebito de dar atenccedilatildeo ao paciente grave A
gente tem costume com paciente grave soacute no periacuteodo da cirurgia Depois eacute CTI eles
tecircm conduta de exames protocolos que a gente natildeo tem conhecimento e nem
obrigaccedilatildeo de ter Natildeo eacute minha especialidade (Ed17)
Um paciente no uacuteltimo plantatildeo ficou trecircs dias aguardando CTI aqui sem cuidado
intensivista Natildeo que ele fique descuidado de forma alguma O anestesiologista
acompanha a gente estaacute atento a qualquer alteraccedilatildeo mas ele natildeo estaacute no CTI natildeo
tem profissional capacitado para isso aqui [] eacute um problema de fluxo do hospital e
estaacute virando rotina [] a meacutedia estaacute ficando dois dias aguardando e deveria ir de
imediato Fica a desejar Muito (Ed29)
Um anestesiologista relata que natildeo eacute o melhor profissional para acompanhar o
paciente grave no poacutes-operatoacuterio porque as especialidades satildeo bem diferentes A assistecircncia
ldquointensivardquo poacutes-operatoacuteria imediata que tem acontecido no CC aleacutem da seguranccedila do paciente
ser colocada em risco faz com que a relaccedilatildeo dos atores do CC e do CTI seja conflituosa e
gere anguacutestia dos profissionais de ambos os setores Haacute problemas estruturais e uma
justificativa eacute a elevada demanda por hospital publico
[] alguns pacientes que a gente opera aqui eacute fundamental que vaacute direto para o
ambiente de CTI [] se ele continuar no bloco o prognoacutestico natildeo vai ser o mesmo
se ele tivesse ido para o CTI [] a relaccedilatildeo entre bloco e CTI agraves vezes eacute conflituosa
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 92
porque nem sempre o CTI pode receber o nosso doente Mas o CTI de hospital
puacuteblico eacute assim mesmo vive cheio (Ed19)
[] a gente fica na anguacutestia de saber que tem um paciente laacute no bloco prendendo
sala que natildeo recebe naquele momento o cuidado e o tratamento meacutedico mais
adequado porque ele tem indicaccedilatildeo da terapia intensiva Agraves vezes tem paciente de
alta no CTI o dia inteiro mas a gente natildeo consegue tiraacute-lo daqui (Ei25)
O poacutes-operatoacuterio eacute realizado na enfermaria ciruacutergica e no ambulatoacuterio Na enfermaria
de cliacutenica ciruacutergica a transferecircncia de cuidados agrave beira do leito e a corrida de leito individual
e multiprofissional satildeo estrateacutegias para a articulaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo das necessidades para o
cuidado poacutes-operatoacuterio No ambulatoacuterio satildeo acompanhados os pacientes que realizaram
cirurgia no hospital e tambeacutem aqueles que se encontram em tratamento conservador
A gente pega plantatildeo no leito Eacute diferente de pegar dentro da sala Na beira do leito eacute
muito melhor vocecirc consegue observar as coisas para priorizar os cuidados na
corrida de leito que vocecirc faz depois [] eacute diferente vocecirc estar com o meacutedico
discutindo as coisas para agilizar procedimentos Exemplo paciente da cirurgia
geral vai retirar um dreno na corrida de leito a gente sabe ai providecircncia o material
em vez de esperar o meacutedico solicitar (Ei7)
A gente faz o poacutes-operatoacuterio de todos os nossos pacientes no ambulatoacuterio que eacute
eminentemente ciruacutergico [] faz o acompanhamento deles de acordo com a
necessidade inclusive tratamento conservador de fratura que natildeo precisou operar
Se precisar operar ele eacute agendado e marca (Ed21)
A corrida de leito multiprofissional eacute uma estrateacutegia importante para o aprendizado
dos alunos e residentes por ser um hospital de ensino bem como para os profissionais
interagirem e terem um momento de discussatildeo das situaccedilotildees No entanto durante o periacuteodo
de observaccedilatildeo pode-se visualizar que as enfermarias ficam cheias durante a passagem da
equipe multiprofissional Em uma delas havia 12 pessoas entre preceptor enfermeiro
fisioterapeuta residente e acadecircmico aleacutem dos pacientes e seus familiares Isso gera ruiacutedos
principalmente devido agraves conversas paralelas que vatildeo acontecendo tirando o foco do cuidado
Aleacutem disso observou-se curiosidade e certo desconforto dos pacientes em saber o caso do
outro paciente (vizinho de leito) e ao mesmo tempo ter o seu caso exposto para a enfermaria
toda ou seja observou-se falta de privacidade para os pacientes A escuta do paciente por
vezes foi interrompida e as orientaccedilotildees passadas natildeo eram entendidas pelo paciente O
desconforto foi tambeacutem devido agrave corrida de leito coincidir com o horaacuterio de banho dos
pacientes que ficavam sem saber o que fazer Observou-se que o preceptor e os residentes
natildeo lavavam as matildeos entre um paciente e outro apesar de tocaacute-los sem luvas levantando a
roupa para visualizar a ferida operatoacuteria suspendendo um dreno para avaliaccedilatildeo abrindo um
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 93
curativo Outros apoiavam o peacute em uma parte de ferro da cama abaixo do colchatildeo Essas
situaccedilotildees para pacientes com sistema imunoloacutegico fraacutegil geram riscos de infecccedilatildeo Aleacutem
disso na maior parte das vezes a equipe natildeo usou capote para pacientes com indicaccedilatildeo de
precauccedilatildeo por contato inclusive tocavam os mesmos sem o uso de luvas
Em estudo realizado em uma UTI de Natal-Rio Grande do Norte (RN) com objetivo
de compreender os sentimentos de pacientes que vivenciam a passagem de plantatildeo agrave beira
leito o autor recomendou a transferecircncia de cuidados em dois espaccedilos distintos em um
ambiente reservado para serem feitas observaccedilotildees que poderiam causam ansiedade e
constrangimento como questotildees sobre quadro cliacutenico e prognoacutestico grau de dependecircncia
tipo de banho eliminaccedilotildees intercorrecircncias e posteriormente agrave beira leito para abordar
questotildees praacuteticas a respeito de acesso venoso sonda drenos cateteres sempre explicando ao
paciente o procedimento que seraacute realizado e ouvindo as necessidades que ele tem a expor
(PEREIRA 2011) Essa pode ser uma estrateacutegia interessante para ser utilizada no hospital em
estudo para a transferecircncia de cuidados e corrida de leito que os profissionais realizam
O macro jaacute natildeo eacute um local maior que o micro que pode ser encaixado como as
bonecas Matryoshka russas (LATOUR 2012) A rede intra-hospitalar que ocorre todo o
perioperatoacuterio jaacute natildeo eacute um local maior que o micro neste caso os diversos setores
(internaccedilatildeo CC CTI ambulatoacuterio) Eacute um lugar igualmente local e micro conectado a muitos
outros por algum meio que transporta tipos de traccedilos especiacuteficos Ou seja nenhum lugar eacute
maior que outro mas alguns como o CC que eacute o aacutepice do perioperatoacuterio se beneficiam de
conexotildees com outros lugares Esse movimento tem o efeito beneacutefico de manter a paisagem
plana pois o que antes se situava acima ou abaixo (hierarquia de setores e profissionais)
permanece lado a lado inseridos no mesmo plano dos outros locais que tentavam superar ou
incluir
42 Situaccedilotildees de seguranccedila e de inseguranccedila nos procedimentos ciruacutergicos
A construccedilatildeo de um fato eacute um processo tatildeo coletivo que uma pessoa sozinha soacute
constroacutei sonhos alegaccedilotildees e sentimentos mas natildeo fatos (LATOUR 2000 p70)
Procurou-se nesta categoria elucidar as situaccedilotildees de seguranccedila e de inseguranccedila nas
cirurgias na perspectiva dos profissionais Segundo Valido (2011) a seguranccedila do paciente
dimensatildeo essencial da qualidade em sauacutede assume primordial importacircncia em ambiente de
centro ciruacutergico na medida em que se trata de um ambiente teacutecnico de grande diferenciaccedilatildeo
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 94
cuja estrutura aleacutem de ser complexa tem uma dinacircmica especiacutefica que impacta em seus
resultados Esta categoria estaacute estruturada nas seguintes subcategorias (421) cirurgia segura
e cirurgia insegura imbricaccedilotildees de atores humanos e natildeo humanos (422) onda vermelha
situaccedilatildeo de caos que salva vidas (423) efeito borboleta pequenas accedilotildees podem resultar em
grandes incidentes na assistecircncia ciruacutergica e (424) abordagem institucional frente aos
incidentes efeitos da cultura organizacional
421 Cirurgia segura e cirurgia insegura imbricaccedilotildees de atores humanos e natildeo humanos
Buscou-se compreender o sentido que os profissionais atribuem para um procedimento
anesteacutesico-ciruacutergico seguro e um que gera inseguranccedila para o paciente e para o profissional
As expressotildees foram multidimensionais e paradoxalmente a certeza e a duacutevida da seguranccedila
ciruacutergica no hospital estiveram presentes nas falas
Eu acho que apesar das dificuldades a maioria das nossas cirurgias eacute considerada
segura Sem duacutevida (Ed21)
Natildeo sei te falar se a maioria eacute segura ou se a maioria ainda estaacute com essa
inseguranccedila de cumprir todos os processos (Ei23)
Satildeo vaacuterios fatores que se deve levar em conta pra definir se a cirurgia eacute segura ou
natildeo (Ed13)
A reflexatildeo sobre as causas que concorrem para a seguranccedila ou a inseguranccedila
anesteacutesico-ciruacutergica se insere no campo do pensamento complexo o qual eacute articulante e
multidimensional Segundo Morin (2003a) o desafio do pensamento complexo eacute articular os
domiacutenios disciplinares fraturados pelo pensamento desagregador principal caracteriacutestica do
pensamento simplificador Este isola o que separa oculta tudo o que religa diz que o
compreender e o entender significam interferir no real Segundo o autor o pensamento
complexo almeja a um conhecimento multidimensional e poieacutetico (que manifesta novidade
criaccedilatildeo e temporalidade)
A assistecircncia anesteacutesico-ciruacutergica envolve muacuteltiplas etapas que satildeo criacuteticas plenas de
variaccedilatildeo e de incerteza com riscos de falhas e potencial para causar agravos aos pacientes
mesmo em cirurgias mais simples As etapas devem ser acionadas para cada paciente de
forma interdisciplinar com dependecircncia da accedilatildeo individual dos profissionais e satildeo exercidas
em ambientes onde fatores organizacionais e humanos desempenham papel fundamental
numa constante interaccedilatildeo entre humanos maacutequinas e equipamentos (OMS 2009
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 95
FRAGATA 2010) Essa interaccedilatildeo natildeo era possiacutevel na definiccedilatildeo preacute-relativista do social
Primeiro aparecia o participante humano e depois o mundo social mais aleacutem Nada que natildeo
fosse formado por laccedilos sociais podia fazer conexatildeo com os humanos Atualmente eacute o
contraacuterio os humanos e o contexto social foram relegados aos bastidores a luz incide sobre
os mediadores cuja proliferaccedilatildeo engendra entre muitos outros entes o que se chamaria de
quase objetos e quase sujeitos (LATOUR 2012)
Os relatos dos profissionais indicam que o desfecho anesteacutesico-ciruacutergico seguro ou
inseguro se relacionaram agraves conexotildees dos atores humanos e natildeo humanos Os natildeo humanos se
arrolaram agrave capacidade interna do hospital desde as suas condiccedilotildees estruturais ateacute os
processos de preparo do paciente e o ato ciruacutergico em si Os fatores relacionados aos atores
humanos foram aspectos que extrapolam o hospital desencadeados tanto pelas caracteriacutesticas
biopsicossociais do paciente quanto pelas caracteriacutesticas e competecircncia dos profissionais
Segundo Latour (2012 p 341) ldquoo social natildeo eacute um lugar uma coisa um domiacutenio ou um tipo
de mateacuteria e sim um movimento provisoacuterio de associaccedilotildees novasrdquo Assim propotildee-se para esta
discussatildeo a configuraccedilatildeo do tetragrama de atores natildeo humanos e humanos (condiccedilatildeo
estrutural processos de trabalho caracteriacutesticas do paciente e atitudes profissionais) que satildeo
interdependentes para a realizaccedilatildeo de uma assistecircncia ciruacutergica segura
As condiccedilotildees estruturais divididas em quatro subgrupos (espaccedilo fiacutesico equipamentos
materiais e medicamentos) foram aspectos importantes citados pelos profissionais para a
seguranccedila ciruacutergica O espaccedilo fiacutesico do CC foi considerado inadequado apesar da
importacircncia desta unidade pra a missatildeo do hospital
O nuacutemero de salas eacute pequeno Agraves vezes a urgecircncia fica esperando desocupar sala de
eletiva [] A diretoria falou em ampliar mas mais salas tecircm que ter mais
circulante anestesistas [] O valor financeiro acaba sendo alto (Ed16)
Cirurgias eletivas eu tenho que cancelar todos os dias trecircs ou quatro Chegou uma
urgecircncia a gente perde a sala A vascular a neuro e a cirurgia geral tem casos de
urgecircncia a gente perde a sala Natildeo tem CTI a sala fica presa O fluxo de cirurgias
eletivas ortopeacutedicas natildeo funciona (Ed22)
O CC eacute composto por aacuterea de recepccedilatildeo do paciente (secretaria) vestiaacuterio feminino e
masculino para profissionais aacuterea com banheiro para troca de roupas de paciente externo seis
salas ciruacutergicas aacuterea de escovaccedilatildeo sala de enfermagem quarto de descanso para a equipe
meacutedica sala de prescriccedilatildeo farmaacutecia sateacutelite aacuterea acoplada agrave farmaacutecia especiacutefica para a
guarda de oacutertese e proacutetese sala de recuperaccedilatildeo poacutes-anesteacutesica arsenal aacuterea improvisada de
estoque de equipamentos de imagem (raio X e intensificador) sala de equipamentos como
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 96
carro de anestesia aparelhos de pressatildeo intra arterial A sala de espera para pacientes externos
e familiares se localiza distante do CC fazendo com que a espera ocorra nos corredores agrave
frente da secretaria do CC
O CC atende cinco especialidades cirurgia geral vascular cirurgia plaacutestica
neurocirurgia e ortopedia As seis salas foram consideradas insuficientes pela demanda
principalmente de cirurgias ortopeacutedicas O quantitativo de salas eacute determinado por legislaccedilatildeo
de acordo com o nuacutemero de leitos do hospital Satildeo duas salas ciruacutergicas para cada 50 leitos
natildeo especializados ou duas para cada 15 leitos ciruacutergicos (BRASIL 2002b) No hospital satildeo
239 leitos natildeo especializados indicando que seriam necessaacuterias mais trecircs salas ciruacutergicas para
adequar agrave legislaccedilatildeo Pelo caacutelculo do total de leitos ciruacutergicos que satildeo 129 leitos seriam
necessaacuterias mais onze salas para alcanccedilar o miacutenimo solicitado pela legislaccedilatildeo
Esse deacuteficit gera disputa entre as cirurgias eletivas e as de urgecircncia e subsequente
tratamento ineficiente Haacute uma sala especiacutefica para as emergecircncias mas as urgecircncias
dependem da liberaccedilatildeo de salas o que pode gerar riscos para os pacientes aleacutem de atraso ou
cancelamento de cirurgias devido agrave falta de sala ciruacutergica A queixa dos profissionais deve ser
levada em consideraccedilatildeo para maior resolutividade do CC adequaccedilatildeo agrave legislaccedilatildeo e alcance da
visatildeo institucional em ser referecircncia para trauma Aleacutem do nuacutemero de salas haacute problemas
relacionados aos processos de trabalho dos profissionais
[] um bloco de seis salas natildeo consegue operar dez casos por dia A ineficiecircncia
vem desde a limpeza e troca de sala horaacuterio de inicio natildeo funciona antes de oito
Os horaacuterios de almoccedilo se estendem a partir de 1130 horas e soacute se consegue voltar a
operar duas horas da tarde [] Natildeo existe eficiecircncia com o intuito de operar mais
pacientes Pelo contrario O que eu entendo eacute que quanto menos melhor (Ed22)
[] a gente trabalha com muita condiccedilatildeo Extra bloco eacute que eacute o problema []
poderia ser mais produtivo esse bloco (Ed17)
As inadequaccedilotildees da estrutura fiacutesica podem estar ligadas agrave arquitetura antiga e falta de
planejamento financeiro para reformas embasadas nas necessidades de sauacutede e missatildeo do
hospital Por outro lado falta melhoria na estrutura do CC que resulta em baixa
produtividade mas pode ser resolvida com uma lideranccedila eficaz que estabeleccedila metas de
produccedilatildeo que natildeo devem ser riacutegidas para natildeo acarretar maacute qualidade e inseguranccedila ciruacutergica
A resolutividade tambeacutem pode ser mais bem desenvolvida por meio do acompanhamento
dinacircmico das metas estabelecidas no contrato de gestatildeo com a Secretaria Municipal eou a
Secretaria de Estado de Sauacutede O entrevistado fala do problema extra bloco que pode ser
sintetizado pela falta de leitos de retaguarda para os pacientes ciruacutergicos resultando em
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 97
retenccedilatildeo de pacientes de forma inadequada no CC com consequente aumento de riscos para
os pacientes Esse tem sido um problema recorrente na aacuterea de urgecircncia tendo em vista que
leitos de observaccedilatildeo frequentemente se transformam em leitos de internaccedilatildeo
A insuficiecircncia de salas e falta de melhoriadas mesmas acarretam situaccedilotildees inseguras
como cirurgias fora do CC e tratamento intensivo prestado fora do CTI
[] natildeo acontece uma cirurgia segura quando tem laparotomia no CTI que eacute um
ambiente inadequado mas o bloco natildeo conseguiu liberar sala [] nem sempre eacute
porque o paciente natildeo tem condiccedilatildeo na grande maioria ele tem condiccedilatildeo de ir para o
bloco mas natildeo tem sala Aiacute jaacute queimou todas as etapas porque quem vai auxiliar o
meacutedico vai ser a enfermagem do CTI que natildeo tem a experiecircncia para garantir que
essa cirurgia seja organizada da melhor maneira [] satildeo realidades muito
diferentes (Ei25)
O CTI estaacute sempre cheio [com ecircnfase] Quando natildeo tem [leito] o paciente fica na
sala a sala vira um box de CTI aguardando vaga (Ed9)
[] vai fazer cirurgias grandes e natildeo tem CTI isso torna a cirurgia e a anestesia
totalmente inseguras (Ed17)
A indisponibilidade do espaccedilo fiacutesico no momento adequado para o paciente pode ser
um fator de inseguranccedila uma vez que um setor faz o papel do outro sem a devida preparaccedilatildeo
O leito de CTI se torna uma sala operatoacuteria e esta se torna um box de CTI como taacutetica
respectivamente para a falta de sala no CC e de leitos no CTI Essa inversatildeo de funccedilatildeo das
unidades eacute tatildeo frequente que passa a ser natural introduzindo o aspecto de adaptaccedilatildeo como
rotina Outros aspectos estruturais negativos tambeacutem foram mencionados como o local
inadequado do heliporto que fica atraacutes do estacionamento e a falta de uma unidade semi-
intensiva que faz com que muitas vezes se ocupe um leito de CTI sem necessidade
As condiccedilotildees estruturais do ambiente de cuidados eacute um elemento baacutesico para a
qualidade da assistecircncia citado por vaacuterios autores incluindo Florence Nightingale
(NEUHAUSER 2003) e Avedis Donabedian que introduziu em 1966 a estrutura como
elemento de avaliaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede (OMS 2009 DONABEDIAN 2005) Pesquisas
sobre a qualidade hospitalar no paiacutes evidenciam deficiecircncias nas estruturas Muitos hospitais
foram edificados em cumprimento a promessas eleitorais sem preocupaccedilatildeo com fatores
importantes como as necessidades de sauacutede capacidade institucional e sustentabilidade
financeira (LA FORGIA COUTTOLENC 2009)
Em relaccedilatildeo aos equipamentos foram relatadas disparidades tecnoloacutegicas entre
aqueles com e sem densidade tecnoloacutegica Esses uacuteltimos foram considerados precaacuterios com
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 98
necessidade de substituiccedilatildeo e os equipamentos com alto grau tecnoloacutegico foram referidos
como avanccedilados e alguns ateacute melhor do que em hospitais particulares
Nossas mesas ciruacutergicas natildeo satildeo todas adequadas para o bloco [] Precisa trocar
mas satildeo materiais caros Tem o pedido de compra mas ainda aguarda ser viaacutevel a
substituiccedilatildeo (Ed28)
A gente briga por causa de punho de foco coisinhas pequenas pra muita gente natildeo
faz diferenccedila mas na cirurgia faz (Ed4)
Tem uma aparelhagem muito boa tem ultrassom estimulador de nervo pra fazer
bloqueios que muito hospital bom natildeo tem e aqui tem (Ed17)
Uma lesatildeo de diafragma que eu poderia explorar por videocirurgia acaba fazendo
cirurgia aberta fazendo uma morbidade [] todos os hospitais puacuteblicos hoje em dia
tem aparelho de viacutedeo cirurgia a gente natildeo tem (Ei20)
Foi possiacutevel identificar que os atores natildeo humanos interferem nas relaccedilotildees humanas
causando conflito para a sua conquista como no exemplo do punho de foco um acessoacuterio
baacutesico que se coloca no foco de luz ciruacutergico para focalizar melhor o procedimento A
ausecircncia do aparelho de videocirurgia conforme mencionado causa maior sofrimento para os
pacientes devido a realizaccedilatildeo de uma ferida operatoacuteria maior Esses equipamentos seriam
exemplos de conectores conforme sinaliza Latour (2012) pois traccedilam conexotildees sociais natildeo
satildeo conexotildees feitas de social mas novas associaccedilotildees entre elementos natildeo sociais
A inadequaccedilatildeo dos equipamentos considerados simples pode repercutir na ergonomia
dos profissionais ou seja os equipamentos afetam o corpo dos profissionais conforme aponta
Latour (2009) sobre a articulaccedilatildeo e afetaccedilatildeo do corpo em relaccedilatildeo aos natildeo humanos (espaccedilos e
objetos) e aos humanos A pesquisa sobre natildeo conformidades em hospitais de Minas Gerais
tambeacutem mostrou que os equipamentos simples diminuem os riscos para os pacientes mas natildeo
satildeo considerados imprescindiacuteveis por natildeo repercutirem de forma direta na cirurgia sendo de
certa forma desvalorizados no planejamento financeiro e na prioridade de aquisiccedilatildeo em
relaccedilatildeo aos equipamentos com alto grau de tecnologia (RIBEIRO 2011) Os pressupostos
econocircmicos dificultam a implantaccedilatildeo da seguranccedila e intervenccedilatildeo adequada por limitaccedilatildeo
inadequaccedilatildeo ou escassez de recursos materiais e suporte tecnoloacutegico (MARTIacuteNEZ QUES
MONTORO GONZAacuteLE 2010) Alguns equipamentos podem ser considerados pouco
importantes em detrimento de outros mas fazem a diferenccedila para uma assistecircncia segura
Contudo natildeo basta somente ter o equipamento deve-se prezar por sua manutenccedilatildeo corretiva e
preventiva para que sejam utilizados em toda a sua capacidade operacional A rede de gases
em pleno funcionamento tambeacutem foi pontuada como preditor para a cirurgia segura
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 99
Uma [cirurgia] insegura comeccedila por natildeo ter o equipamento Outra Equipamento
descalibrado vocecirc colocou um bisturi 200 watts de potecircncia [mas natildeo eacute garantido]
que ele esteja dando mesmo [] se natildeo conseguir garantir isso eacute muito [ecircnfase]
inseguro criacutetico [] a inseguranccedila nossa eacute garantir que tenha o equipamento em
caso de falha de algum (Ei1)
A cirurgia insegura [] equipamentos de qualidade ruim [] [sem] contrato de
manutenccedilatildeo frequente porque estragam muito [Segura] eacute ter um aparelho reserva
de anestesia caso decirc algum problema Rede de oxigecircnio de vaacutecuo se estaacute tudo
funcionando bem faz muita diferenccedila (Ed17)
Eacute importante que o parque tecnoloacutegico dos hospitais conte com equipamentos extras
para a reposiccedilatildeo daqueles que estatildeo em manutenccedilatildeo uma vez que como os atores humanos
os atores natildeo humanos tambeacutem satildeo passiacuteveis de falhas sendo necessaacuterio o seu reparo Isto se
apresenta como um gargalo na instituiccedilatildeo que deve elaborar e implantar um plano de
gerenciamento de suas tecnologias conforme preconizado na RDC nordm 022010 (BRASIL
2010) possibilitando realizar um histoacuterico institucional para planejar e prever o quantitativo
necessaacuterio de equipamentos para uso e para substituiccedilatildeo
Um importante ponto abordado foi a necessaacuteria rotina de teste dos equipamentos antes
do iniacutecio da cirurgia Essa accedilatildeo eacute um fator criacutetico de sucesso para a cirurgia segura sendo
inclusive item comtemplado no checklist de cirugia segura da OMS
Eu falo sempre ldquogente vai comeccedilar uma cirurgia vocecirc natildeo testa o equipamento
antesrdquo O equipamento pode parar Vocecirc pode pegar seu carro na garagem bater a
chave e ele natildeo ligar Aiacute vocecirc vai abrir o paciente pra depois ver se tem o
equipamento que funciona ou natildeo (Ei1)
As falhas dos equipamentos satildeo multifatoriais como fatores baacutesicos (quebra ou
defeito de fabricaccedilatildeo) fatores externos (falta de eletricidade ou interferecircncia no momento da
desfibrilaccedilatildeo) e causas decorrentes do erro humano Esta uacuteltima eacute a mais comum e decorre de
conhecimento inadequado falta de experiecircncia e de supervisatildeo inadequada checagem diaacuteria e
falta de manutenccedilatildeo preventiva (DYSON SMITH 2002)
Os materiais tambeacutem foram apontados como preditores importantes para a uma
cirurgia segura tanto nos aspectos ligados agrave sua ausecircncia ou dificuldade de aquisiccedilatildeo quanto
no que se refere agraves propriedades de esterilizaccedilatildeo ou fabricaccedilatildeo Os profissionais em sua
maioria consideraram os materiais disponibilizados no hospital de qualidade satisfatoacuteria
Insegura quando coloco o paciente em sala e o material natildeo estaacute esteacuteril (Ei3)
[] cada cirurgiatildeo principalmente o ortopeacutedico tem preferecircncia por um material
[] Sem o material vocecirc natildeo consegue fazer quase nada (Ed12)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 100
[] material tudo que a gente precisa demora porque tem uma limitaccedilatildeo que eacute do
financiamento do hospital eacute uma verba que demora tem que fazer proposta projeto
licitaccedilatildeo Demora um pouco mas chega (Ei30)
[] proacutetese ortopeacutedica neuroloacutegica vasculares satildeo materiais importados caros que
satildeo muito bem armazenados guardados liberados com muita cautela Os nossos
materiais satildeo de primeira linha [com ecircnfase] [] noacutes comeccedilamos a utilizar haacute um
mecircs materiais descartaacuteveis no bloco (Ei5)
A preferecircncia e escolha do fabricante do material eacute uma exceccedilatildeo na realidade de um
hospital puacuteblico Agrave primeira vista pode ser uma vantagem mas haacute o risco de desconsideraccedilatildeo
da padronizaccedilatildeo institucional pelo perfil dos pacientes e aumento de custos E ainda haacute
morosidade na aquisiccedilatildeo em hospitais puacuteblicos
Em relaccedilatildeo ao uso recente de materiais descartaacuteveis no CC alguns materiais jaacute satildeo
descartaacuteveis haacute muito tempo Nesse caso o entrevistado se referiu a campos e aventais
descartaacuteveis que contribuem para a seguranccedila No entanto uma enfermeira da CME relatou
que estaacute sendo difiacutecil a implantaccedilatildeo por resistecircncia dos profissionais A eficaacutecia desses
materiais estaacute na capacidade de se constituir barreira por ser impermeaacutevel a liacutequidos
impedindo a passagem de microorganismos para a incisatildeo ciruacutergica o que vai ao encontro das
melhores praacuteticas para vestuaacuterio e campos orientadas pelo Center for Disease Control
(MANGRAN et al 1999)
Os medicamentos tambeacutem foram apontados como recursos importantes no ato
ciruacutergico Foram relatados pelos profissionais aspectos do abastecimento e dos erros de
administraccedilatildeo que podem levar o paciente ao oacutebito
[] aqui natildeo falta medicaccedilatildeo [com ecircnfase] Se um meacutedico quer um medicamento
que eacute natildeo padratildeo a farmaacutecia compra o hospital libera (Ei15)
Satildeo medicaccedilotildees que podem levar a oacutebito se for dosagens incorretas (Ed13)
Conforme os relatos o abastecimento de medicamentos eacute satisfatoacuterio na instituiccedilatildeo o
que contribui para a qualidade da assistecircncia ciruacutergica Contudo o CC eacute um lugar em que
erros relacionados a medicamentos podem resultar em graves incidentes Estudiosos do IOM
concluiacuteram apoacutes averiguaccedilatildeo de diversos trabalhos publicados sobre erros de medicaccedilatildeo que
cada paciente internado em hospitais nos EUA estaacute sujeito a um erro de medicaccedilatildeo por dia
(ASPDEN et al 2007)
Os eventos adversos relacionados a medicamentos em CC encontrados na literatura
focam mais naqueles relativos agrave anestesiologia Em um estudo canadense dos 1038 eventos
farmacoloacutegicos anesteacutesicos relatados 15 (14) geraram morbidades importantes incluindo
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 101
quatro oacutebitos (ORSER CHEN YEE 2001) Dos 61 anestesiologistas participantes de um
estudo brasileiro em Santa Catarina 918 afirmaram ter cometido algum erro de
administraccedilatildeo de medicamentos somando um total de 274 erros com meacutedia de 47 erros por
entrevistado (ERDMANN et al 2016) O erro mais comum foi substituiccedilatildeo (684) seguido
por erro de dose (491) e omissatildeo (350) Ocorreram principalmente no periacuteodo matutino
(327) na manutenccedilatildeo da anestesia (490) com 478 sem danos ao paciente e 17 com
dano irreversiacutevel Os possiacuteveis fatores mencionados foram distraccedilatildeo fadiga e a leitura errada
dos roacutetulos de ampolas ou seringas (ERDMANN et al 2016) Assim eacute fundamental que
todos os hospitais estabeleccedilam poliacuteticas para garantir a seguranccedila do sistema de medicaccedilatildeo
(WHO 2008) mesmo dentro de um setor fechado como o CC
Os aspectos referentes ao preparo do paciente para o ato ciruacutergico necessitam ser
analisados A identificaccedilatildeo do paciente foi apontada como o primeiro fator para uma cirurgia
segura juntamente com o preenchimento completo do formulaacuterio de solicitaccedilatildeo de
hemocomponentes
Primeiro para uma cirurgia insegura identificaccedilatildeo Eu natildeo recebo [no laboratoacuterio]
nenhum material sem identificaccedilatildeo preciso garantir ao meacutedico que o exame estaacute
com o resultado certo [] preciso passar o resultado fiel pra ele (Ei24)
Eu acho que primeiramente identificaccedilatildeo segura no tubo de amostra do paciente ter
certeza que aquela amostra eacute dele (Ei18)
Pelo relato do profissional haacute uma contradiccedilatildeo ele relata que a identificaccedilatildeo eacute
importante para a seguranccedila no entanto afirma que precisa garantir ldquoao meacutedicordquo a correta
identificaccedilatildeo do paciente A identificaccedilatildeo eacute uma informaccedilatildeo que tem que estar correta para
toda a equipe multidisciplinar para que haja sucesso do conjunto de accedilotildees sendo o paciente o
mais interessado e natildeo o meacutedico
Durante a observaccedilatildeo do cenaacuterio foi possiacutevel verificar cenas de falhas na identificaccedilatildeo
dos pacientes constituindo gargalo para a seguranccedila do paciente como no exemplo descrito a
seguir Um paciente de 85 anos foi admitido em quadro de abdome agudo obstrutivo para
laparotomia exploradora com histoacuterico de ausecircncia de evacuaccedilatildeo por 10 dias e reduccedilatildeo do
niacutevel de consciecircncia e sinais vitais alterados Observou-se que no prontuaacuterio havia folhas
com nomes diferentes e na pulseira do paciente um dos nomes se confirmava A circulante foi
avisada sobre os nomes diferentes e que havia orientaccedilatildeo para precauccedilatildeo por contato
(staphilococcus aureus) A circulante se irritou por natildeo ter percebido ou natildeo ter sido avisada
sobre a precauccedilatildeo de contato Disse que jaacute natildeo adiantava mais nada Quanto aos nomes no
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 102
prontuaacuterio avisou a enfermeira supervisora que saiu da sala sem dizer o que iria fazer A
circulante permaneceu na sala sem saber se podia ou natildeo preparar o paciente Chegou agrave sala
ciruacutergica dizendo ldquoNingueacutem veio a gente nem sabe se eacute o mesmo pacienterdquo e chamava
pessoas em voz alta no corredor Chegaram por fim residentes anestesista e preceptor A
equipe foi informada sobre a identificaccedilatildeo incorreta e eles comeccedilaram a discutir O equiacutevoco
se agravou quando observaram que paciente estava com fralda e havia evacuado A questatildeo
era a seguinte se o diagnoacutestico era abdome agudo por obstruccedilatildeo ou o paciente natildeo precisava
mais de cirurgia ou natildeo era ele para aquela cirurgia O preceptor e a equipe tentavam
solucionar o problema Um residente perguntou ao paciente o seu nome e esse respondeu
duvidosamente Por fim a surpervisora de enfermagem chegou e informou que na noite
anterior na unidade de internaccedilatildeo havia sido feita troca de leitos 513 para o 521 e vice-versa
Nesse movimento houve a troca de papeacuteis dos prontuaacuterios O paciente estava correto Ateacute
aquele momento o quadro de time out disposto na sala operatoacuteria natildeo tinha sido preenchido
Apoacutes o iniacutecio do preparo do paciente o profissional responsaacutevel pelo preenchimento do time
out chegou e comeccedilou a fazer perguntas para a equipe e a preencher o checklist no sistema
informatizado MV Ou seja a falha de identificaccedilatildeo natildeo foi constatada pelo profissional do
checklist foi verificada por uma pessoa externa
Pelo exemplo mencionado foi possiacutevel verificar a importacircncia de se trabalhar com a
correta identificaccedilatildeo dos pacientes nos serviccedilos de sauacutede Tanto que essta foi a primeira meta
nacional de seguranccedila do paciente nos EUA em 2003 e em 2010 se tornou meta
internacional (WHO 2007 CBA 2010) No entanto ainda permanecem cenaacuterios como o
deste estudo e como o encontrado em pesquisa realizada em Minas Gerais na qual 4595
dos 37 hospitais estudados natildeo tinham metodologia para identificaccedilatildeo da totalidade dos
pacientes (RIBEIRO et al 2014)
A maioria dos entrevistados relatou como procedimento anesteacutesico-ciruacutergico seguro o
eletivo realizado com tranquilidade e embasado no conhecimento preacutevio do paciente por
meio do preacute-operatoacuterio As urgecircncias e principalmente as emergecircncias (Onda Vermelha)
foram consideradas inseguras
[] cirurgia insegura eacute a onda e a com seguranccedila eacute a eletiva que tem mais tempo de
fazer tudo bonitinho (Ed4)
[] segura eacute cirurgia marcada Insegura eacute quando eacute urgecircncia (Ei27)
Hoje se tem todos os dispositivos para fazer uma cirurgia segura principalmente a
eletiva Eletiva natildeo tem justificativa pra fazer uma cirurgia insegura daacute pra prever
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 103
tudo (Ed10)
Anestesia segura seriam procedimentos eletivos O paciente estaacute preparado
compensado vocecirc vai ver exames antes escolher a melhor teacutecnica vocecirc tem tempo
Anestesia insegura vocecirc tem que fazer em segundos [] uma emergecircncia [] ter
que fazer sob pressatildeo e em pouco tempo (Ed9)
Uma urgecircncia eacute ldquo[] a ocorrecircncia imprevista de agravo agrave sauacutede com ou sem risco
potencial de vida cujo portador necessita de assistecircncia meacutedica imediatardquo e uma emergecircncia
eacute ldquo[] a constataccedilatildeo meacutedica de condiccedilotildees de agravo agrave sauacutede que impliquem em risco
iminente de vida ou sofrimento intenso exigindo portanto tratamento meacutedico imediatordquo
(CFM 1995) Estudos mostraram que cirurgias de emergecircncia e urgecircncia foram preditoras de
Infeccedilatildeo de Siacutetio Ciruacutergico (ISC) e oacutebito A maioria dos pacientes com ISC em um hospital
puacuteblico de ensino foi submetida a procedimentos de emergecircncia e urgecircncia que predispotildee este
tipo de infecccedilatildeo devido agrave instabilidade do paciente e falta de tempo para o preparo adequado
da pele (BARBOSA et al 2009) Houve associaccedilatildeo entre cirurgias de urgecircncia e emergecircncia
e o risco aumentado de mortalidade (OLIVEIRA et al 2012 PATIL et al 2011 CALIL et
al 2010)
Os pacientes submetidos agrave cirurgia de urgecircncia estatildeo em risco aumentado para
complicaccedilotildees e morte mas mesmo em cirurgia de rotina haacute a interaccedilatildeo complexa entre os
atores humanos e os atores natildeo humanos para o cuidado eficaz e no tempo certo (WEISER et
al 2010) O relato de Ed10 aponta que nas cirurgias eletivas haacute como prever tudo mas haacute
ocorrecircncias imprevisiacuteveis mesmo em um cenaacuterio aparentemente previsiacutevel Essa visatildeo remete
agrave percepccedilatildeo diminuiacuteda dos riscos inerentes agraves cirurgias pelos profissionais
Temos poucas intercorrecircnciasdignas de nota [] que eu saiba natildeo temos relatos de
nenhum erro transfusional que tenha sido fatal ou muito seacuterio (Ed21)
Falar de uma cirurgia insegura (pausa) Eu natildeo sei por que eu nunca passei por isso
[] Ai vou falar uma coisa que eu acho e natildeo que eu jaacute presenciei Por exemplo eu
acho se ali tiver gente que natildeo tem experiecircncia para ocupar aquele cargo (Ed31)
As cirurgias de urgecircncia e emergecircncia por sua imprevisibilidade rapidez e pouco
tempo para uma avaliaccedilatildeo preacutevia do paciente satildeo procedimentos em que haacute mais
risco Cirurgias eletivas satildeo mais previsiacuteveis e o componente tempo eacute favoraacutevel e
grande aliado configurando-se como procedimento de maior seguranccedila Contudo e
apesar da separaccedilatildeo da Hoje se tem todos os dispositivos para fazer uma cirurgia
segura principalmente a eletiva Eletiva natildeo tem justificativa pra fazer uma cirurgia
insegura daacute pra prever tudo (Ed10)
Anestesia segura seriam procedimentos eletivos O paciente estaacute preparado
compensado vocecirc vai ver exames antes escolher a melhor teacutecnica vocecirc tem tempo
Anestesia insegura vocecirc tem que fazer em segundos [] uma emergecircncia [] ter
que fazer sob pressatildeo e em pouco tempo (Ed9)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 104
Uma urgecircncia eacute ldquo[] a ocorrecircncia imprevista de agravo agrave sauacutede com ou sem risco
potencial de vida cujo portador necessita de assistecircncia meacutedica imediatardquo e uma emergecircncia
eacute ldquo[] a constataccedilatildeo meacutedica de condiccedilotildees de agravo agrave sauacutede que impliquem em risco
iminente de vida ou sofrimento intenso exigindo portanto tratamento meacutedico imediatordquo
(CFM 1995) Estudos mostraram que cirurgias de emergecircncia e urgecircncia foram preditoras de
Infeccedilatildeo de Siacutetio Ciruacutergico (ISC) e oacutebito A maioria dos pacientes com ISC em um hospital
puacuteblico de ensino foi submetida a procedimentos de emergecircncia e urgecircncia que predispotildee esse
tipo de infecccedilatildeo devido agrave instabilidade do paciente e falta de tempo para o preparo adequado
da pele (BARBOSA et al 2009) Houve associaccedilatildeo entre cirurgias de urgecircncia e emergecircncia
e o risco aumentado de mortalidade (OLIVEIRA et al 2012 PATIL et al 2011 CALIL et
al 2010)
Os pacientes submetidos agrave cirurgia de urgecircncia estatildeo em risco aumentado para
complicaccedilotildees e morte mas mesmo em cirurgia de rotina haacute a interaccedilatildeo complexa entre
atores humanos e atores natildeo humanos para o cuidado eficaz e no tempo certo (WEISER et al
2010) O relato de Ed10 aponta que nas cirurgias eletivas eacute possiacutevel ter uma maior previsatildeo e
mesmo num cenaacuterio aparentemente seguro ainda haveraacute fatores imprevisiacuteveis Essa visatildeo
remete agrave percepccedilatildeo diminuiacuteda dos riscos inerentes agraves cirurgias pelos profissionais
Temos poucas intercorrecircncias dignas de nota [] que eu saiba natildeo temos relatos de
nenhum erro transfusional que tenha sido fatal ou muito seacuterio (Ed21)
Falar de uma cirurgia insegura (pausa) Eu natildeo sei porque eu nunca passei por isso
[] Aiacute vou falar uma coisa que eu acho natildeo que eu jaacute presenciei Por exemplo eu
acho se ali tiver gente que natildeo tem experiecircncia para ocupar aquele cargo (Ed31)
As cirurgias de urgecircncia e emergecircncia por sua imprevisibilidade rapidez e pouco
tempo para uma avaliaccedilatildeo preacutevia do paciente satildeo procedimentos em que haacute mais risco
Cirurgias eletivas satildeo mais previsiacuteveis jaacute que o componente tempo eacute favoraacutevel e grande
aliado configurando-se como procedimento de maior seguranccedila Contudo apesar da
separaccedilatildeo da natureza das cirurgias ao se falar de seguranccedila vislumbra-se algo paradoxal
sobre a linearidade nas falas a seguir cirurgia eletiva cirurgia segura em hospital de
ensino
Na cirurgia eletiva [] tem cirurgiatildeo que conhece o paciente na mesa ciruacutergica
porque quem olhou foi o residente e ligou para ele ldquoTem um caso posso marcar
para operarrdquo ldquoPode Marca que a gente opera juntordquo O jeito que o residente olha
natildeo eacute o jeito que o preceptor olha o paciente (Ed19)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 105
Primeiro passo [para cirurgia segura] quando o cirurgiatildeo conhece o paciente e jaacute
peguei vaacuterias situaccedilotildees que ele natildeo sabe Entra aqui um kinder ovo neacute uma bolinha
surpresa ali vocecirc vai cavando vocecirc vai descobrindo coisa que eacute muito relevante
para a seguranccedila do paciente (Ed29)
A caracteriacutestica fundamental da seguranccedila citada na cirurgia eletiva foi uma avaliaccedilatildeo
preacutevia do paciente embora muitas vezes a avaliaccedilatildeo tenha sido feita por outro medico e o
cirurgiatildeo toma conhecimento do paciente soacute no momento do ato ciruacutergico Natildeo haacute reuniatildeo de
equipe discussatildeo de caso e avaliaccedilatildeo pelo profissional que daraacute continuidade na assistecircncia
Assim a natureza eletiva urgente ou emergente torna-se apenas uma dimensatildeo e natildeo um
criteacuterio preponderante para a seguranccedila
A especificidade do procedimento a teacutecnica ciruacutergica escolhida a necessidade de
abordagem posterior ao procedimento realizado devido agrave escolha ou falha da teacutecnica e o
niacutevel de cuidado necessaacuterio apoacutes o procedimento ciruacutergico foram mencionados como fatores
importantes que propiciam a seguranccedila
Insegura Uma laparatomia cirurgia de coluna de fecircmur [] (Ei7)
Insegura Paciente entra pra fazer uma apendicite tranquila [] sai com uma
laparotomia enorme a barriga toda aberta por imperiacutecia do cirurgiatildeo (Ed28)
[] caso de fraturas expostas o pessoal faz os primeiros socorros e fica na duacutevida se
faz a cirurgia ou coloca um fixador Agraves vezes coloca o fixador externo e coloca
errado tem que voltar pra refazer o fixador Agraves vezes faz uma cirurgia mas
infecciona natildeo lava direito aiacute tem que fazer a cirurgia de novo colocar outra
proacutetese Isso eacute uma cirurgia insegura (Ei27)
[Cirurgia insegura] as que precisam de um poacutes-operatoacuterio de CTI (Ei7)
As situaccedilotildees mencionadas para uma cirurgia segura ou insegura refletem a experiecircncia
e cultura dos profissionais O acompanhamento em uma unidade intensiva apoacutes a cirurgia
conforme mencionada por Ed17 remete agrave ideia de cirurgia insegura provavelmente ligada ao
niacutevel de agravamento da situaccedilatildeo cliacutenica do paciente Essa percepccedilatildeo reproduz a cultura da
sociedade na qual o CTI eacute um lugar apenas de pacientes em condiccedilotildees extremas O tempo
tambeacutem eacute relatado como fator de mais ou menos risco para os pacientes ou seja o tempo de
preparo para a cirurgia e a duraccedilatildeo da mesma
[] cirurgia insegura tempo [com ecircnfase] Tempo ciruacutergico prolongado
exposiccedilatildeo a anesteacutesico prolongado cavidade aberta (Ed9)
[] ldquoquantas horasrdquo ldquo2 horasrdquo O anestesista anestesia para 2 horas aiacute passa
tem que fazer nova anestesia risco de contaminaccedilatildeo maior (Ei15)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 106
A segura eacute quando tem tempo pra montar a sala Vocecirc abre os materiais todos
esteacutereis [] Quando tudo eacute feito com mais calma (Ed4)
O tempo foi considerado fator determinante para seguranccedila tanto para a realizaccedilatildeo do
procedimento quanto para o preparo da sala e do paciente A montagem da sala operatoacuteria eacute
realizada pelo teacutecnico de enfermagem circulante sob a supervisatildeo do enfermeiro e consiste
na colocaccedilatildeo de equipamentos e materiais para cada tipo de cirurgia Deve ser realizada e
fiscalizada antes mesmo do paciente entrar no CC No entanto este processo parece natildeo
receber a atenccedilatildeo necessaacuteria por ser visto como rotina e natildeo como accedilatildeo essencial para a
seguranccedila do paciente Com a evoluccedilatildeo da tecnologia variedade de materiais e aumento de
intervenccedilotildees ciruacutergicas tem-se exigido maior envolvimento e atualizaccedilatildeo dos profissionais
(LIMA SOUSA CUNHA 2013)
A duraccedilatildeo de uma cirurgia pode ser influenciada por interrupccedilotildees falhas na
comunicaccedilatildeo familiaridade entre membros da equipe ciruacutergica e imprevisibilidade dos casos
natildeo planejados levando agrave ineficiecircncia e aumento dos custos (GILLESPIE CHABOYER
FAIRWEATHER 2012) Cirurgia com mais de duas horas ou um tempo maior do que o
necessaacuterio significa maior exposiccedilatildeo dos tecidos podendo acometer a sua oxigenaccedilatildeo
favorecendo a formaccedilatildeo de uacutelceras por pressatildeo Aleacutem disso provoca fadiga na equipe
propiciando falhas teacutecnicas (MANGRAN et al 1999 LOPES GALVAtildeO 2010) A duraccedilatildeo
da cirurgia estaacute tambeacutem diretamente ligada agrave ocorrecircncia de ISC quanto mais prolongada
maior o risco (ERCOLE et al 2011 KHAN et al 2008)
Uma palavra-chave para a seguranccedila mencionada pelos profissionais foi
ldquocontaminaccedilatildeordquo A profissional da higienizaccedilatildeo relacionou o quantitativo de cirurgias seguras
e inseguras com as limpezas terminal mostrando a interconexatildeo dos processos de trabalho
[Cirurgia segura eacute] sem contaminaccedilatildeo Contaminaccedilatildeo eacute a palavra certa pra
definir uma cirurgia segura (Ed8)
[] profissional preocupa com a natildeo contaminaccedilatildeo A segura E a insegura eacute a
que o profissional natildeo estaacute nem ai Quer nem saber (Ed12)
Quando eacute insegura temos que dar um terminal bater a maacutequina para poder estar
matando bacteacuteria jogando cloro [] satildeo muito poucas e satildeo os pacientes do
CTI que jaacute estatildeo com uma doenccedila transmissiacutevel pelo ar e por encostar [] eles
fazem mais a cirurgia segura [] a gente pode limpar normal sem precisar dar
aquela desinfecccedilatildeo terminal (Ei6)
Estudo apontou que pacientes submetidos a cirurgias consideradas limpas tiveram taxa
de mortalidade inferior quando confrontados aos que foram submetidos aos demais tipos de
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 107
cirurgias (ELIAS et al 2009) Pode-se deduzir que as cirurgias limpas oferecem mais
seguranccedila quando comparadas agraves cirurgias potencialmente contaminadas ou infectadas
A cirurgia eacute tida como uma rotina com princiacutepios baacutesicos aprendidos na academia e
que devem ser praticados por todos os profissionais No entanto foi mencionado que haacute
detalhes da cirurgia que natildeo satildeo passiacuteveis de fazerem parte de protocolos
Os princiacutepios baacutesicos [para cirurgia segura] o cirurgiatildeo aprende na faculdade e na
residecircncia Eu tenho que fazer daquela forma meu colega tambeacutem todo mundo
Mas alguns detalhes no transcorrer da cirurgia natildeo tecircm como protocolar [] Um
exemplo simples cirurgiatildeo que soacute opera ouvindo muacutesica Eu natildeo consigo operar
ouvindo muacutesica prefiro o silecircncio [] mesmo que a minha rotina seja diferente do
outro eu acho que cada um tem que seguir a sua (Ed19)
A cirurgia insegura pode acontecer a qualquer momento Se as travas que foram
criadas pra evitar os erros natildeo acontecerem [] (Ei23)
O exemplo mencionado reflete a valorizaccedilatildeo da autonomia meacutedica na qual cada
cirurgiatildeo se adequa a uma rotina proacutepria que tem por base os princiacutepios apreendidos durante
sua formaccedilatildeo Segundo Gawande (2011) na medicina cultiva-se a ldquoautonomiardquo como um
guia no entanto este princiacutepio se choca diretamente com o da disciplina
Por outro lado a fala de Ei23 remete a uma das barreiras para a seguranccedila elencada
por Amalberti et al (2005) que eacute a transiccedilatildeo da mentalidade de ldquoartesatildeordquo para o de ldquoator
equivalenterdquo Os profissionais de sauacutede precisam abandonar o status e autoimagem como
artesatildeos e adotar uma posiccedilatildeo que valorize a equivalecircncia entre seus pares para que a
qualidade natildeo sofra variaccedilotildees inapropriadas Isso exige condiccedilotildees estaacuteveis as quais satildeo
atingidas em algumas aacutereas como radiologia e anestesiologia mas natildeo em CTI e cirurgia de
emergecircncia em que condiccedilotildees instaacuteveis (mudanccedila constante de profissionais e do paciente)
satildeo normas (AMALBERTI et al 2005)
O checklist e o quadro de time out de cirurgia segura disponibilizados dentro de cada
sala ciruacutergica foram lembrados e mencionados apenas por dois profissionais ao se referirem a
uma cirurgia segura
Uma cirurgia segura eu acredito que ela aconteccedila quando todos os itens do
checklist foram avaliados corretamente (Ei5)
Eacute um conjunto de fatores que a gente tem que sempre levar em conta Por isso
que a gente tem aquele quadro [time out] que infelizmente [ecircnfase] natildeo eacute mais
preenchido (Ed16)
As tentativas dos profissionais de criarem barreiras ndash como o time out e o checklist ndash
promovem ou deveriam promover a seguranccedila ciruacutergica que gera mais responsabilidade dos
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 108
profissionais em manter as barreiras ativas Ou seja quanto mais seguro um sistema eacute mais
responsabilidade exige dos seus profissionais (AMALBERT et al 2005) Isso se insere no
campo do pensamento complexo que eacute algo paradoxal e que se retroalimenta Segundo Morin
(2011) a complexidade surge no seguinte enunciado ldquo[] produz coisas e se autoproduz ao
mesmo tempo o produtor eacute seu proacuteprio produtordquo
Dados esses fatores quanto agrave seguranccedila os profissionais apontam que a inseguranccedila
nas cirurgias principalmente nos processos de urgecircncia e emergecircncia natildeo eacute estabelecida em
funccedilatildeo da teacutecnica ou dos procedimentos mas com o imprevisto relacionado ao paciente e
como ele vai reagir agrave abordagem ciruacutergica
As urgecircncias e ondas satildeo mais inseguras Natildeo em relaccedilatildeo a procedimento eu natildeo
vou ficar inseguro do que fazer Mas em relaccedilatildeo a como o paciente vai reagir
Quando o procedimento eacute eletivo eacute tranquilo geralmente satildeo mais seguros Eu
sei como vai ser (Ed11)
A maioria dos pacientes consegue sair daqui resolvido [] tem pacientes que
complicam mas nem sempre eacute questatildeo de inseguranccedila na cirurgia e sim o
quadro cliacutenico do paciente [] (Ed28)
Apesar da previsibilidade nas situaccedilotildees de cirurgia eletiva e da imprevisibilidade das
cirurgias de urgecircnciaemergecircncia a resposta do paciente eacute um fator importante As
caracteriacutesticas dos pacientes foram apontadas como causas que favorecem uma cirurgia
segura por diversos profissionais Entre essas caracteriacutesticas encontram-se a idade do
paciente e as doenccedilas preacute-existentes como aspectos que aumentam os riscos e diminuem a
seguranccedila
Um paciente de idade menos avanccedilada eu acho que seria uma cirurgia de menor
risco Uma de mais risco um paciente mais idoso (Ei7)
Depende do paciente e aiacute vem idade doenccedilas crocircnicas vaacuterios fatores O paciente
eacute hipertenso eacute diabeacutetico entatildeo os riscos aumentam vai diminuindo o grau de
seguranccedila [] (Ed13)
A idade eacute citada em diversos estudos como um fator importante a ser considerado para
a realizaccedilatildeo de cirurgias (KHAN et al 2008 LOPES GALVAtildeO 2010) Pacientes idosos
precisam ser abordados como um desafio agrave parte jaacute que se trata de indiviacuteduos com alto risco
para intervenccedilatildeo ciruacutergica por apresentarem menor reserva fisioloacutegica e maior co-morbidades
(OLIVEIRA et al 2012) A preacute-existecircncia de hipertensatildeo diabetes infarto agudo do
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 109
miocaacuterdio e doenccedila pulmonar obstrutiva crocircnica eacute preditora de readmissatildeo hospitalar e estaacute
diretamente relacionada agrave mortalidade (OLIVEIRA et al 2012 LOPES GALVAtildeO 2010)
O fator ldquoatenccedilatildeordquo dispensada ao paciente foi considerado como diretamente
relacionado agrave seguranccedila ciruacutergica No entanto esteve atrelada agrave responsabilidade e proteccedilatildeo
profissional e natildeo agrave atenccedilatildeo centrada no paciente
Quando vocecirc natildeo daacute atenccedilatildeo para o paciente aiacute eacute insegura A partir do momento
que entra no bloco ele eacute de sua responsabilidade Vocecirc tem que se resguardar ao
maacuteximo para que esse paciente entre e saia bem Foi cumprido o papel ateacute
quando vocecirc entrega ele no andar [riso] (Ed26)
A preocupaccedilatildeo da responsabilidade profissional mencionada eacute legiacutetima uma vez que
segundo Faria Moreira e Pinto (2014) haacute consideraacutevel aumento do nuacutemero de accedilotildees judiciais
contra profissionais e organizaccedilotildees de sauacutede no Brasil a partir da deacutecada de 1990 (FARIA
MOREIRA PINTO 2014) Os profissionais de sauacutede envolvidos em algum evento adverso
tecircm responsabilidade de natureza civil penal e administrativa expressas respectivamente
nos Coacutedigos Civil Penal Brasileiro e de Defesa do Consumidor Aleacutem dos coacutedigos eacutetico-
profissionais de cada categoria profissional
O dano eacute condiccedilatildeo essencial para que exista a possibilidade de responsabilizaccedilatildeo civil
de um profissional advindo de negligecircncia omissatildeo imprudecircncia e imperiacutecia A negligecircncia
eacute relativa ao descuido ineacutercia passividade desleixo falta de cuidado daquele que deveria
agir O ato omisso eacute quando se deixa de fazer algo que deveria ter sido realizado como o
abandono do paciente ou a omissatildeo de tratamento Jaacute a imprudecircncia eacute relacionada ao agir da
pessoa causadora do dano como atitudes natildeo justificadas descuidadas precipitadas de
maneira intempestiva sem a cautela e a precauccedilatildeo que o profissional deveria ter Por uacuteltimo a
imperiacutecia acontece quando natildeo haacute a observaccedilatildeo das normas por parte da pessoa que deveria
consideraacute-las e executaacute-las incluindo-se a ignoracircncia teacutecnica dos profissionais inexperiecircncia
incompetecircncia desconhecimento e despreparo praacutetico (FARIA MOREIRA PINTO 2014)
Os mecanismos judiciais dos atos que levam a danos aos pacientes tecircm as duas faces
da mesma moeda Ao mesmo tempo em que promovem credibilidade responsabilizando o
profissional que teve um comportamento de risco provocam tambeacutem o medo da
culpabilizaccedilatildeo Assim a cultura punitiva vai se arraigando e faz com que natildeo haja notificaccedilatildeo
dos incidentes pelos profissionais causando mais inseguranccedila pelo fato dos incidentes natildeo
servirem como situaccedilatildeo que promova a educaccedilatildeo continuada dos profissionais A notificaccedilatildeo
tem valor para a instituiccedilatildeo quando eacute realizada e trabalhada com cunho educativo
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 110
Para aleacutem da promoccedilatildeo da seguranccedila ciruacutergica no ambiente hospitalar essa se estende
ateacute o domicilio do paciente sendo um campo de difiacutecil investigaccedilatildeo mas que certamente
influencia o desfecho final do processo operatoacuterio
A cirurgia segura eacute muito mais que o poacutes-operatoacuterio imediato vai muito aleacutem []
depois que esse paciente vai para o andar depois que vai pra casa ainda tem um
processo de cirurgia segura ai (Ed26)
Nesse contexto mais amplo o papel do paciente como ator principal na gestatildeo da sua
proacutepria seguranccedila deve ser levado em consideraccedilatildeo Isso eacute orientado pela OMS (2009) e
tambeacutem foi tema evocado no V Encontro de Enfermagem Baseada em Evidecircncias realizado
em Granada A informaccedilatildeo e educaccedilatildeo do paciente ciruacutergico satildeo uacuteteis para aumentar a
preparaccedilatildeo e a conscientizaccedilatildeo sobre a situaccedilatildeo agrave qual que ele se submeteraacute percebendo suas
expectativas e ajudando a controlar o medo e a ansiedade (OBSERVATORIO EBE DE LA
FUNDACIOacuteN INDEX 2008) Nesse sentido a seguranccedila do paciente eacute uma aacuterea de
intervenccedilatildeo inovadora que ao colocar no centro o paciente e seus familiares obriga a
reinventar o sistema de sauacutede numa perspectiva cada vez mais baseada em aspectos de
cidadania e de ganhos em sauacutede (SOUSA UVA SERRANHEIRA 2010)
Aleacutem das questotildees relacionadas agraves condiccedilotildees estruturais do hospital aos
procedimentos ciruacutergicos e aos pacientes tambeacutem exercem forccedila no aumento ou diminuiccedilatildeo
dos riscos as caracteriacutesticas e a competecircncia (conhecimento habilidade e atitude) dos
profissionais comeccedilando pelo quantitativo de profissionais disponiacuteveis e por atitudes baacutesicas
e importantes para a seguranccedila
A escala hoje eacute uma dificuldade que a gente natildeo consegue administrar (Ei30)
Equipe de anestesia quanto mais completa mais seguranccedila Se vocecirc precisar de
ajuda tem um colega eacute diferente de vocecirc trabalhar sozinho (Ed17)
A parte segura eacute que a gente escuta e vecirc que o aumento de contaminaccedilatildeo eacute pouco
Mas tem coisas que eacute errado [ecircnfase] [] cirurgia com a porta aberta Gente sem
touca que come por aqui faz comida cheira o bloco todo [] o circulante tem que
limpar sua sala uns limpam certo outros natildeo (Ei15)
Os relatos mencionam a coexistecircncia de cirurgias seguras e inseguras no cenaacuterio de
estudo O uso inadequado dos natildeo humanos como a vestimenta incompleta dos profissionais
impacta na seguranccedila dos pacientes e dos proacuteprios profissionais Desde a entrada do paciente
no CC existe a mediaccedilatildeo de atores natildeo humanos como as portas que implicam na praacutetica dos
profissionais As portas do CC abertas durante a cirurgia permitem o contato entre a aacuterea
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 111
semi-restrita (corredor) e a restrita (sala operatoacuteria) Apesar de aparentemente ser rotineiro e
sem problema o fluxo para dentro e fora da sala de cirurgia eacute um fator importante no
desenvolvimento da ISC e esse fluxo tem sido associado ao movimento da porta (SIMONS et
al 2014)
No hospital a escala principalmente de anestesistas no CC e teacutecnicos de enfermagem
em toda a linha de cuidados ciruacutergicos foi uma dificuldade encontrada Ressalta-se que o
nuacutemero adequado de profissionais gera maior possibilidade de qualidade assistencial pela
divisatildeo de trabalho e ajuda muacutetua Durante a pesquisa foi possiacutevel observar que a maior parte
do tempo da coordenadora e da secretaacuteria de enfermagem da linha de cuidados ciruacutergica foi
dedicada a resolver problemas na escala de enfermagem dos setores Se por um lado foi
mencionado que a equipe completa oferece maior seguranccedila por outro mesmo com a equipe
em nuacutemero suficiente se natildeo houver o cumprimento do papel de todos os profissionais a
seguranccedila ciruacutergica natildeo seraacute garantida
Natildeo adianta uma parte fazer a parte dela e o resto natildeo fazer [] se um natildeo faz o
processo jaacute se tornou inseguro (Ei23)
O ldquosaber-fazerrdquo e o ldquosaber o que vai precisarrdquo conforme os depoimentos a seguir satildeo
habilidades necessaacuterias dos profissionais na preparaccedilatildeo do paciente no preacute-operatoacuterio e nas
accedilotildees na sala operatoacuteria para a seguranccedila ciruacutergica tanto em procedimentos eletivos quanto
nos de emergecircncia
Paciente preparado eacute o primeiro passo para ser segura Chegou ao bloco todo
mundo estaacute envolvido teacutecnico anestesista cirurgiatildeo e enfermeiro sabem o que
fazer o que vai precisar O paciente de onda a gente natildeo sabe de nada [] mesmo
assim eacute com seguranccedila [] pra ser segura eacute ter conhecimento de tudo dos atos que
vai fazer [] (Ed31)
Quanto mais qualificada a enfermagem melhor pra gente [anestesiologista] isso faz
uma diferenccedila absurda [ecircnfase] Experiente em bloco porque agraves vezes o enfermeiro
eacute experiente em outro setor de repente ele eacute jogado no bloco natildeo passa por
treinamento [] Natildeo adianta ter uma equipe muito especializada qualificada se natildeo
tem a outra Natildeo adianta a enfermagem ser top de linha e os meacutedicos inexperientes
Nem o contraacuterio [] (Ed17)
O recurso mais criacutetico das equipes ciruacutergicas para o sucesso dos resultados ciruacutergicos
eacute a proacutepria equipe Por vezes os profissionais satildeo alocados no CC e tambeacutem em outras aacutereas
do hospital sem treinamento ou com treinamento inadequado Satildeo poucas as orientaccedilotildees e a
estrutura eacute precaacuteria para a promoccedilatildeo de um trabalho em equipe efetivo na minimizaccedilatildeo dos
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 112
riscos e promoccedilatildeo de uma cirurgia segura (OMS 2009) Eacute necessaacuteria uma equipe qualificada
e conectada para usar seus conhecimentos e habilidades em beneficio e seguranccedila do paciente
Por outro lado diferente da maioria dos profissionais o entrevistado relata que
mesmo natildeo conhecendo o paciente que chegou na ldquoondardquo o saber-fazer faz com seja uma
intervenccedilatildeo segura A seguranccedila ciruacutergica exige portanto posturas e valores individuais e da
equipe ciruacutergica como um todo incluindo o aperfeiccediloamento contiacutenuo Segundo Valido
(2011) este valor deve permanentemente ser colocado em praacutetica no exerciacutecio profissional
objetivando o autodesenvolvimento e a melhoria pessoal Isso natildeo eacute diferente em
procedimentos de emergecircncia e urgecircncia em que haacute necessidade de equipes capacitadas e
treinadas tanto no setor de pronto atendimento quanto no CC para os casos de alta
complexidade (CALIL et al 2010) Ressalta-se que a quantidade de procedimentos
realizados eacute um componente importante para desenvolver habilidades sendo necessaacuterio
treinamento aleacutem de promoccedilatildeo da satisfaccedilatildeo e motivaccedilatildeo profissional
Cirurgia do dia-a-dia eacute mais segura Eles estatildeo mais acostumados a fazer E a gente
mais acostumada a lidar com o material (Ei2)
Natildeo eacute uma coisa [anestesiologia] que todo mundo sabe [] vocecirc consegue
treinando pagando bem qualificando e motivando a trabalhar (Ed17)
Uma singularidade dos serviccedilos de sauacutede eacute a relaccedilatildeo estreita entre escala e qualidade
ou seja entre quantidade e qualidade Quanto mais cirurgias o profissional realiza menor eacute a
taxa de mortalidade entre os seus pacientes (MENDES 2011) Nesse sentido o
acompanhamento contiacutenuo do residente pelo preceptor nas cirurgias foi uma condiccedilatildeo
mencionada como determinante para a seguranccedila ciruacutergica Entretanto alguns profissionais
expuseram que os preceptores permanecem o tempo todo em sala operatoacuteria e outros
relataram que o residente muitas vezes opera sem a presenccedila do cirurgiatildeo
Os preceptores ficam em cima acompanham direto entatildeo ocorre mais a cirurgia
segura (Ei27)
Tem residente que natildeo sabe nem fazer sutura A gente fala ldquoO paciente estaacute assim
vocecirc estaacute fazendo alguma coisa erradardquo e chama o preceptor para avaliar Essas satildeo
as cirurgias mais inseguras o cirurgiatildeo natildeo estaacute presente e mesmo assim os
residentes operam (Ed11)
A despeito da divergecircncia sobre a permanecircncia do preceptor em sala operatoacuteria parece
que o residente provoca certa inseguranccedila ciruacutergica dependendo do estaacutegio de aprendizado em
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 113
que se encontra Os residentes iniciantes (RI) que tecircm menos conhecimento podem gerar
maior risco Segundo a OMS (2009) a assistecircncia ciruacutergica segura requer investimento em
educaccedilatildeo e infraestrutura Aleacutem disso natildeo existe consenso no que se refere a um treinamento
adequado e suficiente e sobre como medir a competecircncia dos profissionais (OMS 2009) A
seguranccedila e inseguranccedila do paciente foram relacionadas tambeacutem ao comportamento do
profissional em relaccedilatildeo ao uso de EPI em sua permanecircncia dentro de sala ciruacutergica sendo
condiccedilotildees que favorecem ou natildeo a seguranccedila no ato anesteacutesico-ciruacutergico
Eu costumo brincar que o anestesista e teacutecnico de enfermagem tecircm boca esteacuteril
Agraves vezes tambeacutem natildeo gostam de ficar na sala durante a cirurgia [] Isso eacute uma
coisa muito perigosa [] vaacuterias vezes eu vi paciente com pressatildeo e saturaccedilatildeo
caindo chamo o teacutecnico de enfermagem correndo Aiacute ele chama o anestesista
que vem e presta socorro (Ed12)
A expressatildeo utilizada de que anestesista e teacutecnico de enfermagem tecircm sempre ldquoboca
esteacuterilrdquo mostra a atitude inadequada dos profissionais em aplicar princiacutepios baacutesicos como o
uso de maacutescaras que eacute importante para assegurar a diminuiccedilatildeo de riscos em sala ciruacutergica O
risco para o profissional tambeacutem foi mencionado pelos participantes da pesquisa
As cirurgias todas tecircm o risco para o paciente e para a gente de sofrer acidentes
durante o procedimento de um corte de furar um dedo [] 100 segura natildeo eacute
[com ecircnfase] (Ed13)
A gente eacute exposta a doenccedila a situaccedilotildees de risco que satildeo agraves vezes surpresa Vocecirc
estaacute mexendo num vaso sanguiacuteneo e aquilo pode jorrar sangue arterial entatildeo vocecirc
tem que ter a noccedilatildeo de que vocecirc tem que estar protegido [] Vocecirc tem que prestar
ajuda a pessoa mas com seguranccedila (Ed32)
A necessidade de uso de EPI eacute amplamente conhecida pelos profissionais para
promoccedilatildeo de sua seguranccedila e consequentemente da seguranccedila no procedimento ciruacutergico
Haacute exigecircncia da execuccedilatildeo de princiacutepios baacutesicos de proteccedilatildeo protocolados mas nem sempre
seguidos
Houve relatos relacionados tambeacutem a comportamentos dos membros da equipe
estresse e qualidade de vida dos profissionais como questotildees que influenciam na seguranccedila ou
inseguranccedila da cirurgia
Quando o cirurgiatildeo eacute estressado ele estressa todo mundo aiacute natildeo fica seguro (Ed8)
Depende da equipe que estaacute operando tem uns que gostam de ser mais estrelas
outros atendem na maior tranquilidade centrados tem outros que satildeo estressantes e
que gritam Eacute um momento de estresse neacute Cada um enfrenta de uma forma (Ed29)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 114
Em um hospital de ensino quem vai fazer uma anastomose eacute o residente Se o
preceptor tem paciecircncia naquele dia ele vai ensinar direitinho Se natildeo vai pensar na
hora de ir para casa dormir almoccedilar e ficar com os filhos Se natildeo tem qualidade de
vida natildeo trabalha direito e quem paga eacute quem estaacute em cima da mesa o paciente []
cirurgia segura eacute paciente preparado e cirurgiatildeo e residente descansados (Ei20)
Os relatos mostraram a importacircncia dos relacionamentos posturas disponibilidade e
comprometimento dos profissionais na formaccedilatildeo e orientaccedilatildeo dos membros da equipe
principalmente residentes As relaccedilotildees interpessoais e a dinacircmica no ambiente ciruacutergico
podem influenciar na seguranccedila do paciente (LIMA SOUSA CUNHA 2013) O fato de os
profissionais natildeo se darem bem uns com os outros e com os seus liacutederes aumenta o risco de
incidentes aleacutem de aumentar tambeacutem a sua gravidade Ao contraacuterio um ambiente de trabalho
bom pode mitigar a maioria dos erros humanos de seguranccedila (MUumlLLER 2012)
A promoccedilatildeo das relaccedilotildees interpessoais tendo como foco manter o ambiente em
condiccedilotildees favoraacuteveis ao desenvolvimento do cuidado de modo a tornaacute-lo promotor de
sauacutedecuidados eacute uma das funccedilotildees do profissional enfermeiro do CC Aleacutem disso deve-se
atuar tambeacutem na organizaccedilatildeo do setor com a previsatildeo e provisatildeo do material instrumental e
humano (SILVA ALVIM 2010) Nesse sentido esta subcategoria tem importante relaccedilatildeo
com a praacutetica do enfermeiro de CC Acrescenta-se ainda que esse profissional seja um
importante ator para a qualidade e seguranccedila ciruacutergica visando assistecircncia integral aleacutem do
ensino e da pesquisa pelo perfil do hospital em estudo (SILVA ALVIM 2010)
Outras dimensotildees natildeo foram abordadas pelos participantes do estudo mas chamam a
atenccedilatildeo pela sua importacircncia para a seguranccedila ciruacutergica como a prevenccedilatildeo de incecircndio
explosatildeo e riscos quiacutemicos e eleacutetricos procedimentos eficazes de despejo de materiais sujos e
de lixo bioloacutegico a organizaccedilatildeo e gestatildeo dos recursos financeiros do hospital os fatores
macropoliacuteticos como as regulaccedilotildees e aspectos legais do paiacutes tanto do SUS quanto dos
conselhos de classe o ar condicionado que eacute um recurso que pode propiciar infecccedilotildees exige
sua constante higienizaccedilatildeo e manutenccedilatildeo natildeo tendo sido abordado por nenhum profissional
Enfim o conjunto de dimensotildees para a seguranccedila ciruacutergica citado ou natildeo pelos participantes
do estudo deve ser discutido para programar e implantar atividades com foco na melhoria
contiacutenua da qualidade na assistecircncia ciruacutergica
Assim a cirurgia eacute um fenocircmeno complexus uma intervenccedilatildeo tecida conjuntamente
Portanto cirurgia segura para os entrevistados eacute uma intervenccedilatildeo bem sucedida a partir de
uma complexa trama que envolve muacuteltiplas etapas e accedilotildees de vaacuterios atores humanos aleacutem da
utilizaccedilatildeo adequada dos atores natildeo humanos Ou seja deve haver um conjunto de
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 115
profissionais e recursos materiais estruturais e de equipamentos aleacutem da conexatildeo de
conhecimentos interdisciplinares
422 Onda Vermelha situaccedilatildeo de caos que salva vidas
O mundo natildeo se parece com um continente soacutelido de fatos pontilhado por algumas
lagoas de incertezas eacute um vasto oceano de incertezas pintalgado de ilhotas de
formas calibradas e estabilizadas (LATOUR 2012 p 348-349)
As reflexotildees aqui se inscrevem com foco em duas questotildees natildeo necessariamente em
sequecircncia A primeira eacute praacutetica e diz respeito agraves condutas e melhorias necessaacuterias na atenccedilatildeo a
eventos imprevisiacuteveis e incertos que satildeo situaccedilotildees de emergecircncia nomeadas no hospital como
ldquoOnda Vermelhardquo em que o paciente estaacute em situaccedilatildeo de risco iminente de morte A outra
questatildeo eacute teoacuterica e decorre da praacutetica interdisciplinar para um procedimento ciruacutergico seguro
com comunicaccedilatildeo efetiva que foi concebida em discursos durante a formaccedilatildeo dos
profissionais de sauacutede mas natildeo completamente vivenciada no cotidiano de trabalho
A cirurgia que ocorre atendendo ao protocolo da Onda Vermelha eacute considerada
insegura para a maioria dos participantes desta pesquisa Aleacutem de que durante a Onda as
demais cirurgias do CC tambeacutem se tornam inseguras uma vez que os profissionais se
deslocam de suas salas movidos pela curiosidade mas com a justificativa de ajudar mesmo
tendo profissionais especiacuteficos para este atendimento
Todas as cirurgias de onda infelizmente eacute uma cirurgia insegura [] vocecirc estaacute
tentando salvar a vida do paciente (Ed12)
A cirurgia insegura eacute a onda O pessoal natildeo preocupa muito [ecircnfase] abre de
qualquer jeito os campos capote caixa [] Paciente estaacute parado faz toracotomia
vai com a matildeo tudo esteacuteril na medida do possiacutevel (Ed4)
A insegura eacute quando chega uma onda e todos os teacutecnicos saem da sua sala (Ed22)
Em Belo Horizonte o protocolo ldquoOnda Vermelhardquo foi implantado inicialmente no
Hospital Joatildeo XXIII da Fundaccedilatildeo Hospitalar do Estado de Minas Gerais (HJXXIII
FHEMIG) em novembro de 2004 Foi resultado da experiecircncia e inquietaccedilatildeo dos
profissionais em face da alta mortalidade apresentada por pacientes viacutetimas de traumas
graves (FHEMIG 2015 COSTA-VAL MIGUEL SIMAtildeO FILHO 2005)
A Onda Vermelha consiste na adaptaccedilatildeo do protocolo internacional ldquoManobra de
Mattoxrdquo criado em 1986 por Kenneth Mattox cirurgiatildeo norte-americano especialista em
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 116
trauma Essa manobra preconiza a realizaccedilatildeo de toracotomia uma abertura toraacutecica no quinto
espaccedilo intercostal acircntero-lateral para uma abordagem direta ao sangramento por meio de um
clamp na arteacuteria aorta descendente Este procedimento divide o corpo do paciente em duas
partes garantindo a circulaccedilatildeo do sangue para o enceacutefalo coraccedilatildeo e pulmotildees por um periacuteodo
limitado (FHEMIG 2015)
A Onda Vermelha consiste em um conjunto de accedilotildees meacutedicas e administrativas que
objetiva prioritariamente a abordagem ciruacutergica dentro do CC em pacientes cuja condiccedilatildeo
implique em morte iminente ao inveacutes deste atendimento ser em sala de emergecircncia no pronto
socorro (COSTA-VAL MIGUEL SIMAtildeO FILHO 2005) conforme concebido
originalmente pela Manobra de Mattox A toracotomia e outros procedimentos ciruacutergicos na
sala de emergecircncia para interrupccedilatildeo imediata da hemorragia fazem parte do atendimento a
pacientes admitidos in extremis No entanto satildeo cercados de controveacutersias em relaccedilatildeo agrave
indicaccedilatildeo e efetividade e tecircm grande potencial de provocar acidentes entre os profissionais
(COSTA-VAL MIGUEL SIMAtildeO FILHO 2005) Diante da grande demanda de situaccedilotildees de
emergecircncia nos hospitais brasileiros a aplicaccedilatildeo da Manobra de Mattox foi adaptada
(FHEMIG 2015)
Eacute necessaacuteria uma sala exclusiva e equipada dentro do CC com materiais e
equipamentos organizados anestesiologista e a disponibilizaccedilatildeo pelo banco de sangue de
duas bolsas de sangue ldquoOrdquo negativo sem a necessidade de teste de tipagem (FHEMIG 2015)
Os profissionais do hospital em estudo reconhecendo os bons resultados da Onda Vermelha
a incorporaram agrave sua rotina Isso ocorreu antes que o hospital em 04 de novembro de 2008 se
tornasse unidade piloto do Projeto de Redes Assistenciais da SESMG implantando a triagem
com classificaccedilatildeo de risco pelo Protocolo de Manchester
O Protocolo de Manchester classifica a partir da identificaccedilatildeo da queixa principal os
riscos dos pacientes que adentram um serviccedilo de urgecircncia e emergecircncia em cinco niacuteveis de
gravidade expressos em um fluxograma orientado por discriminadores utilizando um sistema
de cores vermelho (emergente) laranja (muito urgente) amarelo (urgente) verde (pouco
urgente) azul (natildeo urgente) (FREITAS 2002) A cor vermelha da Onda Vermelha vem desse
Protocolo cujo tempo-alvo de atendimento destes pacientes eacute de zero minuto imediatamente
Quando se aciona a sirene na portaria eacute desencadeado nos diversos setores um
movimento para a organizaccedilatildeo dos atores humanos e natildeo humanos para atender o paciente da
Onda Vermelha Esse som tem um significado simboacutelico para os profissionais podendo
indicar agilidade mas tambeacutem estresse e incertezas
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 117
A onda toca laacute fora e pode ter uma definiccedilatildeo cliacutenica ou ciruacutergica Quando ela eacute uma
onda ciruacutergica os profissionais do bloco jaacute saem para saber qual o paciente e em que
condiccedilatildeo eles o vatildeo receber (Ei30)
Apoacutes o soar da sirene e a entrada do paciente no hospital ocorrem vaacuterias fases no
atendimento deste paciente Na etapa 1 eacute realizada a abordagem inicial pela equipe de trauma
(ainda no pronto socorro ou mesmo no CC) de acordo com os princiacutepios do Advanced
Trauma Life Supportreg
(ATLSreg) De acordo com o protocolo aciona-se a Onda Vermelha que
iraacute desencadear accedilotildees administrativas e dos profissionais visando agrave abordagem imediata do
paciente no CC e agrave disponibilizaccedilatildeo de hemoderivados em poucos minutos (etapas 2 e 3)
Apoacutes o processo ciruacutergico (etapa 4) o paciente eacute transferido para a sala de recuperaccedilatildeo poacutes-
anesteacutesica ou para o CTI (etapa 5) Caso seja necessaacuterio ocorrem intervenccedilotildees ciruacutergicas em
etapas seguintes (etapa 6) (COSTA-VAL MIGUEL SIMAtildeO FILHO 2005)
Durante a entrevista com uma das participantes da pesquisa em uma sala operatoacuteria
que natildeo estava sendo utilizada a sirene soou Ela logo ouviu mas a pesquisadora natildeo Essa
somente ouviu depois que a profissional indicou que estava ouvindo algo Para a
pesquisadora parecia ser um equipamento apitando de longe muito sutil Questionou se o
barulho era baixo segundo ela natildeo era porque a porta estava fechada Ela identificou a sirene
logo no iniacutecio porque seus sentidos estavam aguccedilados para o som marcando o iniacutecio de um
processo de trabalho que a envolve A entrevista foi interrompida e a profissional saiu
correndo para o pronto socorro para ver se era um paciente ciruacutergico A pesquisadora quando
saiu do CC avistou um corre-corre em direccedilatildeo ao ldquoPoli 9rdquo (sala de emergecircncia ciruacutergica) A
profissional jaacute estava voltando e disse que era um paciente vitima de arma de fogo no cracircnio
Olhando para dentro da sala a pesquisadora visualizou somente os peacutes do paciente em meio a
uma grande quantidade de profissionais e dois acompanhantes que saiacuteram apressados pela
porta do Poli 9 onde o paciente se encontrava Aquela situaccedilatildeo desencadeou grande
movimentaccedilatildeo no local tanto dos profissionais quanto dos pacientes para visualizar alguma
coisa A profissional disse que a entrevista poderia ser retomada que o neurologista havia
avaliado o paciente e natildeo entrariam com ele no CC porque o oacutebito jaacute havia sido constatado A
Onda Vermelha apresenta situaccedilotildees diversas sempre de gravidade extrema e que envolve
toda a equipe sendo uma situaccedilatildeo rotineira por se tratar de um hospital referecircncia para
urgecircncia e emergecircncia
A morte no cenaacuterio de atendimento pela Onda Vermelha eacute algo comum que faz parte
do cotidiano dos profissionais Estes relatam que a maior parte dos pacientes atendidos na
emergecircncia geralmente evolui a oacutebito devido agrave sua gravidade Isso segundo os profissionais
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 118
faz com que na Onda Vermelha natildeo ocorram incidentes o oacutebito eacute natural Por outro lado
relatam que todos os procedimentos necessaacuterios para manter a vida satildeo realizados
Grande parte dos pacientes da onda morre Quando vecircm para caacute estatildeo graviacutessimos
(Ed12)
[] chega muito paciente baleado grave que entra quase morrendo na sala [] esse
tipo de paciente vocecirc natildeo pode contar como intercorrecircncia natildeo foi natildeo O paciente
era um moribundo independente da intervenccedilatildeo meacutedica a maior chance dele era
morrer mesmo Entatildeo isso aqui eacute bem comum (Ed17)
O procedimento em si eacute bem realizado porque eles investem ateacute o final da cirurgia
isso aiacute eacute inegaacutevel (Ei15)
As situaccedilotildees de emergecircncia acontecem a qualquer momento com qualquer pessoa e
de forma inesperada A maior parte dessas situaccedilotildees mesmo com todo o avanccedilo tecnoloacutegico
leva o sujeito a se tornar objeto de manipulaccedilatildeo dos profissionais tanto na tentativa de salvaacute-
lo quanto de preparar seu corpo inerte apoacutes a morte
Durante o atendimento a uma viacutetima de Perfuraccedilatildeo por Arma de Fogo (PAF) que
chegou anunciado pela sirene foi observado que o paciente em certo momento recebia uma
quantidade excessiva de noradrenalina Um anestesista disse ldquoVocecircs sabem que esse paciente
estaacute morto neacute Estamos mantendo uma dose de 400 de adrenalina isso natildeo existerdquo Um
cirurgiatildeo disse ldquoJudicialmente ele estaacute vivordquo Apoacutes vaacuterias accedilotildees por cerca de duas horas a
saturaccedilatildeo do paciente era 3 e a frequecircncia cardiacuteaca de 41 batimentos por minuto A sala jaacute
estava vazia e os cirurgiotildees comeccedilaram a restabelecer o diaacutelogo entre si A comunicaccedilatildeo
durante o atendimento foi restrita mas apoacutes o estresse inicial a comunicaccedilatildeo foi
reestabelecida por meio de assuntos cotidianos e comentaacuterios sobre a cirurgia Ao finalizar a
sutura no paciente outro anestesista adentra a sala e diz novamente que o paciente estaacute morto
apoacutes visualizaccedilatildeo dos sinais vitais e gasometria mas verificaram uma fraca pulsaccedilatildeo na
jugular O cirurgiatildeo e o anestesista ficaram no impasse se era oacutebito ou natildeo ateacute chegarem agrave
conclusatildeo que era oacutebito e desligaram os aparelhos Cirurgiotildees saiacuteram sem demonstrar
frustraccedilatildeo dizendo que ainda teriam um plantatildeo para enfrentar Apoacutes um tempo a anestesista
fazia seus registros e chegou mais sangue ela disse ldquoAgora natildeo precisa mais isso que daacute
amarrar sanguerdquo e saiu da sala
Os termos relatados a seguir pelos profissionais ao se referirem a Onda Vermelha e
como eacute vivenciaacute-la indicam um processo permeado por uma carga elevada de estresse Eacute um
momento de lidar com o imprevisiacutevel com o inesperado mas o trabalho continua e outros
pacientes chegaratildeo para serem atendidos
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 119
Nossa Catastroacutefico Oh A onda eacute Eacute muita adrenalina (Ed26)
Vem a bomba e vocecirc natildeo sabe da onde veio Na cirurgia do trauma o sangramento eacute
o maior problema vocecirc natildeo sabe onde o buraco comeccedila e onde termina (Ei20)
[] onda eacute uma adrenalina O paciente estaacute chegando vocecirc natildeo sabe o que tem
Sabe que eacute grave e que tem que correr Se entrou como onda eacute risco e o propoacutesito eacute
salvar eacute salvar Cada um fazendo a sua parte o melhor que pode da forma mais
segura e mais competente possiacutevel Eacute o paciente que estaacute precisando de vocecirc mesmo
[ecircnfase] [] Natildeo pode errar natildeo pode passar eacute naquela hora Isso que eacute uma onda
Eacute uma luta (pausa) Correria contra a morte [] (Ed31)
[] natildeo eacute um cenaacuterio agradaacutevel No geral eacute muito estresse [] O paciente estaacute em
risco eminente de morte ou agraves vezes jaacute entra morto eles querem ressuscitar (Ed29)
Haacute clareza quanto agrave gravidade dos pacientes que chegam pela onda e de certa forma
uma relativizaccedilatildeo do que seja seguranccedila pois naquele momento a vida estaacute em jogo mais que
o risco de uma infeccedilatildeo ou outro risco qualquer As metaacuteforas ldquocatastroacuteficordquo ldquobombardquo
ldquoadrenalinardquo ldquouma lutardquo e ldquocorreria contra a morterdquo que emergiram do discurso dos
profissionais remetem a algo que nasceu ldquo[] do caos da turbulecircncia e precisa resistir a
enormes forccedilas de destruiccedilatildeordquo (MORIN 2003 p56) O caos eacute uma forccedila aparentemente
desorganizadora e oposta agrave ordem Pelas falas dos profissionais a Onda Vermelha traz esse
traccedilo resultando em incerteza imprevisibilidade e desordem
As urgecircncias e emergecircncias satildeo consideradas desordens (ANDRADE et al 2013) ldquoA
desordem eacute aquilo que traz a anguacutestia da incerteza diante do incontrolaacutevel do imprevisiacutevel
do indeterminaacutevelrdquo (MORIN 2005 p 210) A noccedilatildeo de desordem e ordem adespeito das
dificuldades loacutegicas deve ser concebida de modo complementar e natildeo apenas antagocircnico
Isso porque os fenocircmenos de organizaccedilatildeo aparecem em condiccedilotildees de turbulecircncia instalam-se
sob o nome de caos caos organizador (MORIN 2003) Nesse sentido eacute necessaacuterio que os
profissionais reflitam e discutam suas praacuteticas no atendimento agrave emergecircncia para ajudaacute-los na
criaccedilatildeo da ordem e da organizaccedilatildeo em meio agrave desordem e ao caos instalado no hospital apoacutes o
soar da sirene anunciando uma emergecircncia da onda
Dada a essa natureza da assistecircncia ao paciente ciruacutergico na situaccedilatildeo de emergecircncia a
calma e o bom senso devem estar presentes na equipe para evitar condutas tempestuosas e ateacute
mesmo agressotildees desnecessaacuterias entre os profissionais (CALIL et al 2010) A sensaccedilatildeo de
que a adrenalina alcanccedilou niacuteveis altos na corrente sanguiacutenea durante a Onda Vermelha
tambeacutem foi mencionada por um meacutedico residente do HJXXIIIFHEMIG em uma reportagem
da seccedilatildeo Sauacutede da Revista Veja BH (BRASIL 2013) A adrenalina eacute um hormocircnio liberado
pelo organismo em momentos de estresse preparando o individuo para um grande esforccedilo
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 120
fiacutesico por meio do estiacutemulo do coraccedilatildeo elevaccedilatildeo da pressatildeo arterial e relaxamento e
contraccedilatildeo de certos muacutesculos Dessa forma percebe-se mais uma vez a afetaccedilatildeo do corpo de
um humano em relaccedilatildeo a outros humanos e tambeacutem aos natildeo humanos (espaccedilos e objetos)
(LATOUR 2009)
O erro no contexto da Onda Vermelha pode significar a vida do paciente conforme
mencionado por Ed31 O termo ldquoerrordquo eacute complexo eacute multidimensional e frequentemente
usado equivocadamente na literatura assim como vaacuterios outros termos em seguranccedila do
paciente No estudo de Runciman (2006) foram encontrados 149 termos com mais de 296
definiccedilotildees alternadas Havia por exemplo 16 definiccedilotildees para erro 14 para eventos
adversos e cinco para evento adverso a medicamentos Outro estudo encontrou 25
definiccedilotildees de erro na literatura e comparou com a avaliaccedilatildeo de meacutedicos da famiacutelia sobre a
ocorrecircncia de erros em cinco cenaacuterios cliacutenicos propostos quando se encontrou muita
divergecircncia nas opiniotildees (ELDER PALLERLA REGAN 2006) A dificuldade em aceitar e
analisar a ocorrecircncia de erro natildeo eacute diferente no contexto da Onda Vermelha uma vez que o
alvo principal eacute salvar a vida
A Classificaccedilatildeo Internacional de Seguranccedila do Paciente (International Classification
for Patient Safety ndash ICPS) da OMS aborda os principais termos da aacuterea Nesse documento
erro eacute por definiccedilatildeo natildeo intencional Uma falha ou aplicaccedilatildeo incorreta na execuccedilatildeo de um
plano almejado Ocorre por fazer errado (erro de accedilatildeo) ou por falhar em fazer a coisa certa
(erro de omissatildeo) na fase de planejamento ou na execuccedilatildeo (OMS 2009) Considerando esse
conceito e que a Onda Vermelha tem um caraacuteter de imprevisibilidade por mais que haja um
protocolo os profissionais tecircm apresentado dificuldades em cumpri-lo de executar um plano
para avaliar a assistecircncia posteriormente A ocorrecircncia de morte da maior parte dos pacientes
natildeo pode ser considerada falha no plano de salvar vidas Por outro lado natildeo se deve
desconsiderar este desfecho final ndash o oacutebito ndash como uma possiacutevel execuccedilatildeo de um conjunto de
planos natildeo executados de forma adequada Haacute necessidade de se analisar melhor este cenaacuterio
de emergecircncia para melhor clarificar o termo erro
As cirurgias de emergecircncias satildeo inseguras tambeacutem devido agrave rapidez necessaacuteria nas
accedilotildees Em um primeiro momento natildeo haacute a preocupaccedilatildeo direta com a contaminaccedilatildeo sob a
justificativa de que o alvo eacute salvar a vida do paciente e por isso haacute necessidade de priorizar a
estabilizaccedilatildeo em detrimento de prevenccedilatildeo de infecccedilotildees A infecccedilatildeo seraacute controlada
posteriormente por meio de antibioacuteticos
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 121
As cirurgias mais inseguras satildeo as de emergecircncia por causa da velocidade com que
as coisas tecircm que acontecer Muitas vezes vocecirc pode ter dificuldade em realizar o
trabalho da melhor forma natildeo tem tempo para preparar tudo (Ed21)
Na cirurgia da onda agraves vezes natildeo tem tempo pra fazer uma escovaccedilatildeo [] tempo de
campear o paciente de preocupar com contaminaccedilatildeo Isso ai eacute para o futuro [] Eacute
coisa que os antibioacuteticos vatildeo controlar se natildeo controlar Deus controla (Ed12)
Segundo Amalberti et al (2005) quando se exige niacuteveis altos de desempenho e
produccedilatildeo como nas cirurgias de emergecircncia o risco inerente ao procedimento (como ISC)
torna-se secundaacuterio o que gera um cenaacuterio inseguro Aleacutem disso a gravidade do paciente e a
pressatildeo do tempo aumentam o potencial de erros e omissotildees em padrotildees estabelecidos de
cuidados (WEISER et al 2010) para promover a seguranccedila Nesse sentido os profissionais
do CC necessitam estar preparados para mudanccedilas raacutepidas e inesperadas Nas emergecircncias o
tempo de accedilatildeo e reaccedilatildeo dos profissionais eacute fundamental para responder a essas situaccedilotildees de
forma eficaz e eficiente (VALIDO 2011) A padronizaccedilatildeo da assistecircncia a organizaccedilatildeo das
condutas e uma equipe qualificada e atenta agraves particularidades individuais dos pacientes em
emergecircncia poderatildeo tornar esse processo aacutegil e menos difiacutecil (CALIL et al 2010) e tambeacutem
humanizado e seguro
Aleacutem da inseguranccedila pela rapidez o nuacutemero de profissionais que se deslocam para a
sala onde estaacute sendo atendido um paciente do fluxo da Onda Vermelha com a intenccedilatildeo de
ajudar ou somente movidos pela curiosidade provoca a indefiniccedilatildeo dos papeacuteis de cada
profissional A sincronia no atendimento depende de quem estaacute na equipe
[] chega uma onda fica aquela confusatildeo Natildeo sabe quem eacute que vai buscar o
sangue pegar o acesso do paciente auxiliar o anestesista quem vai abrir o material
Ficam trecircs pessoas abrindo o material e ningueacutem com o anestesista Todo mundo
quer fazer quer ajudar e acaba natildeo tendo organizaccedilatildeo (Ed8)
Na onda menos gente com qualidade eacute melhor de que muita gente sem qualidade
[] jaacute atendi onda eu e mais um e foi perfeito Entra cinco e ficam batendo vou
pegar e vocecirc pega junto [] Natildeo eacute sincronizado todo dia direitinho natildeo [] (Ed31)
Nunca contei mas haacute umas 20 pessoas (risos) Na intenccedilatildeo de ajudar acaba tendo
mais contaminaccedilatildeo e risco para o paciente [] lava a matildeo correndo estica campo
ciruacutergico com um tanto de gente do lado falando em cima nem todos de maacutescara
(Ei20)
Laacute no bloco tem 10 meacutedicos em cima do doente mas natildeo tem nenhum que pode
pegar o braccedilo do paciente e colher um sangue [] ldquoAh natildeo deu Manda O
negativordquo Satildeo coisas simples que poderia fazer (Ei18)
Observou-se que os procedimentos na Onda Vermelha satildeo feitos concomitantemente
Assim que o paciente entra na sala enquanto um ou mais cirurgiotildees comeccedilam a se
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 122
paramentar outros cirurgiotildees e demais profissionais residentes e acadecircmicos colocam
somente a maacutescara luva esteacuteril e comeccedilam a ajudar na cirurgia Os anestesistas colhem
amostras de sangue para anaacutelise a circulante leva as amostras para o serviccedilo de hemoterapia
Outros puncionam acesso fazem a monitoraccedilatildeo abrem campos e materiais e vatildeo agrave farmaacutecia
devido agrave falta de materiais nos kits (que deveriam estar completos) Ou seja cada um realiza
alguma accedilatildeo nem sempre em sincronia e ordem
Durante a observaccedilatildeo do atendimento de uma Onda Vermelha havia no miacutenimo 10
pessoas na sala Natildeo foi observada a comunicaccedilatildeo sobre as condutas com o paciente notou-se
que nessas situaccedilotildees natildeo se tem um plano definido Cada um foi identificando o que seria
necessaacuterio e tomaram a posiccedilatildeo que natildeo estava ocupada por ningueacutem na cirurgia Apenas o
anestesista dizia o que estava fazendo em voz alta comunicando-se com a equipe Quando
todos estavam realizando suas funccedilotildees a agitaccedilatildeo diminuiu e os profissionais natildeo
paramentados saiacuteram e foram fazer a escovaccedilatildeo das matildeos e braccedilos e se paramentar Havia
nesse contexto muitos curiosos que tambeacutem tentavam ajudar Por exemplo uma residente
tentava puncionar um acesso central a outra apenas observava demonstrando o deslocamento
dos profissionais de outras salas para a sala da emergecircncia
Para aleacutem da curiosidade segundo os relatos eacute do perfil do profissional do trauma
essa vontade de ajudar na emergecircncia Por um lado haacute algum benefiacutecio pois satildeo necessaacuterios
mais profissionais do que aqueles que estatildeo agrave disposiccedilatildeo da Onda a cada plantatildeo (circulante e
anestesistas de stand by) A responsabilidade de organizaccedilatildeo da sala operatoacuteria no hospital em
estudo eacute do profissional enfermeiro supervisor que por vezes entra em conflito para
controlar o quantitativo de pessoas em sala operatoacuteria
Quando estou no plantatildeo fica na sala da onda teacutecnico de enfermagem anestesista e
quem estaacute envolvido na cirurgia Curiosos Podem aguardar do lado de fora Aquilo
natildeo eacute teatro Quando eu entrei natildeo estava acostumada permitia Hoje natildeo deixo
Muita gente entra escondido Eacute engraccedilado [] Jaacute tive brigas dentro de sala de onda
com acadecircmico e residente Hoje eacute mais organizado Mas natildeo deixa de ser um
tumulto Natildeo tem seguranccedila (Ed26)
O profissional do trauma tem esse perfil de gostar da emergecircncia de querer ajudar
O enfermeiro tem que exercer o papel de supervisatildeoe retirar [] tem o circulante
referecircncia para a onda mas seguramente ele natildeo consegue executar tudo (Ei30)
Posso estar aqui tranquila com vocecirc toca a campainha se tem dois [anestesistas de
plantatildeo] como funciona Um fica para a onda e o outro faz um caso [] aiacute um
cirurgiatildeo quer fazer um caso vai ter que aguardar [] tem um [anestesista] de
stand by para a onda vermelha (Ed9)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 123
No CC em estudo natildeo haacute uma sinalizaccedilatildeo visual restringindo o nuacutemero de pessoas na
sala de emergecircncia e tambeacutem natildeo haacute uma poliacutetica clara em relaccedilatildeo agrave entrada e saiacuteda dos
profissionais e estudantes A falta de clareza da equipe foi a causa principal de circulaccedilatildeo
durante as cirurgias em um estudo que analisou o fluxo de pessoas dentro de sala operatoacuteria
(SIMONS et al 2014) Aleacutem da poliacutetica expliacutecita para todos um fator que contribui para o
acesso agrave sala operatoacuteria eacute a hierarquia Simons et al (2014) concluiacuteram nesse estudo que o
cirurgiatildeo eacute o principal responsaacutevel pela reduccedilatildeo do fluxo durante a cirurgia Na realidade do
hospital em estudo observou-se que essa funccedilatildeo fica delegada agrave enfermeira supervisora mas
caso o cirurgiatildeo permita a presenccedila de algum aluno por exemplo a funccedilatildeo que ele tem na
conduccedilatildeo da cirurgia exerce maior forccedila de autoridade do que a funccedilatildeo exercida pelo
enfermeiro supervisor prevalecendo a decisatildeo do cirurgiatildeo Segundo o participante Ed26
quando era receacutem-contratado pela inexperiecircncia deixava a sala operatoacuteria cheia de pessoas
mas atualmente natildeo permite Poreacutem pela observaccedilatildeo em campo desse mesmo profissional e
pelo conjunto dos relatos ficou evidente que os supervisores de enfermagem aleacutem de natildeo
terem ldquovozrdquo ativa para este controle natildeo tecircm tempo de se preocupar com essa situaccedilatildeo
devido agrave sobrecarga de tarefas durante o atendimento da emergecircncia
Uma das causas do tumulto em sala operatoacuteria em atendimento agrave Onda Vermelha eacute a
curiosidade uma vez que a situaccedilatildeo exerce um poder de encantamento pelas situaccedilotildees
inusitadas que ocorrem Segundo os profissionais que participaram da pesquisa a Onda eacute um
cenaacuterio excitante para quem estaacute aprendendo
Agraves vezes tem uma quantidade ateacute maior de cirurgiatildeo tem uma quantidade maior de
residente movido pela curiosidade sabe (Ei20)
A onda exerce um poder de encantamento das pessoas no sentido de estar perto pela
curiosidade porque satildeo situaccedilotildees inusitadas (Ei30)
[] como eacute um hospital escola Aquilo ali eacute um cenaacuterio maravilhoso Pra quem
estaacute de fora olhando eacute maravilhoso vocecirc vecirc o coraccedilatildeo do cara pra fora as tripas dele
toda de fora do outro lado (Ed26)
Simons et al (2014) sugerem medidas de apoio para monitorar o fluxo de
profissionais em sala operatoacuteria como a fixaccedilatildeo de um contador de porta e de um sinal de
alerta na sala operatoacuteria em forma de lembrete constante aos profissionais Com o uso dessas
medidas intenciona-se a criaccedilatildeo de um senso comum de responsabilidade da equipe e a
lideranccedila do cirurgiatildeo (SIMONS et al 2014) Contudo para se adequar agrave realidade do
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 124
contexto de estudo sugere-se um trabalho que aprofunde a causa do tumulto na situaccedilatildeo de
emergecircncia e um debate entre profissionais e estudantes
Para tanto os gestores e profissionais do hospital podem lanccedilar matildeo das vaacuterias
ferramentas e teacutecnicas de gerenciamento da qualidade como por exemplo o diagrama
Espinha de Peixe Essa ferramenta permite estruturar as causas de determinado problema ou
sua oportunidade de melhoria sendo que as causas ou fatores complexos satildeo decompostos em
causas primaacuterias e secundaacuterias sem com isso perder a visatildeo do conjunto do problema
analisado (DAYCHOUM 2010) Segundo o autor geralmente as causas satildeo levantadas em
reuniotildees do tipo brainstorming (ldquotempestade de ideiasrdquo) que eacute uma atividade desenvolvida
para explorar a potencialidade criativa do individuo colocando-a a serviccedilo dos objetivos
propostos qual seja a coleta de ideias sobre as causas ou soluccedilatildeo de um problema
(DAYCHOUM 2010) A ideia de cada participante neste caso os profissionais do hospital
direcionados por um facilitador deve ser gravada para anaacutelise mais aprofundada
As falas dos profissionais que participam da Onda Vermelha indicam a existecircncia de
um mundo agrave parte do qual histoacuterias de mutilaccedilotildees sofrimento mortes e tambeacutem milagres satildeo
colecionadas e quem tem mais para contar se destaca nesse mundo Ter uma foto da situaccedilatildeo
para comprovar e mostrar o fato eacute algo desejado pelos profissionais e tambeacutem pelos pacientes
que estatildeo nos corredores do hospital presenciando a situaccedilatildeo
[] acontece uma situaccedilatildeo inusitada quer fotografar dizer o que aconteceu Isso
legalmente natildeo eacute permitido [fotos] passava rapidamente para os celulares
fotografava laacute de fora [] tivemos haacute pouco tempo uma situaccedilatildeo [] O paciente
chegou com eu natildeo sei como chama eacute de jardinagem de puxar folha tem os
ganchos e estava na cabeccedila ainda fixo porque soacute remove laacute dentro [] as pessoas
por curiosidade querem mostrar para o familiar Ateacute os proacuteprios pacientes
acompanhando querem fotografar Preservar esse paciente eacute muito difiacutecil (Ei30)
Haacute algo miacutestico em torno da assistecircncia agraves emergecircncias e haacute o desejo de registrar O
acesso amplo agraves tecnologias como os celulares com cacircmera fotograacutefica traz um novo
confronto eacutetico na praacutetica cotidiana hospitalar Esse ator natildeo humano ndash celular ndash facilita a
produccedilatildeo e reproduccedilatildeo de imagens a qualquer momento dos atores humanos no atendimento
No entanto a preservaccedilatildeo da imagem eacute um direito constitucional Satildeo inviolaacuteveis a
intimidade a vida privada a honra e a imagem das pessoas assegurado o direito a
indenizaccedilatildeo pelo dano material ou moral decorrente de sua violaccedilatildeo (BRASIL 1988) A
proteccedilatildeo da imagem tambeacutem estaacute presente no Coacutedigo Civil sendo assegurada a idenizaccedilatildeo
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 125
em caso de exposiccedilatildeo sem preacutevia autorizaccedilatildeo (BRASIL 2002c) e em diversos Coacutedigos de
Eacutetica Profissional como da enfermagem e da medicina (COFEN 2007 CFM 2009)
As situaccedilotildees de emergecircncia fazem com que ateacute os princiacutepios baacutesicos como a
precauccedilatildeo de contato sejam burladas Ateacute mesmo o acesso ao CC deixa de certo modo de
ser restrito pois profissionais do Serviccedilo de Atendimento Moacutevel de Urgecircncia (SAMU) e do
corpo de bombeiros por exemplo adentram ao local sem vestimentas adequadas devido ao
risco de morte dos pacientes
Jaacute vi onda chegando com tanta rapidez que chegou aqui o pessoal do SAMU aqui
dentro [do CC] Jaacute vi bombeiro chegando aqui dentro com a roupa e sapato laacute de
fora entrando com a maca deles [] aiacute jaacute eacute um risco de contaminaccedilatildeo [] (Ei15)
Essas situaccedilotildees geram risco de contaminaccedilatildeo bem como a ruptura de uma condiccedilatildeo
bem estabelecida que seja a restriccedilatildeo de acesso ao CC No entanto eacute uma conduta automaacutetica
de muitos profissionais que chegam com o paciente em risco de vida A postura dos
profissionais externos eacute semelhante ao tumulto interno com a chegada da Onda Aleacutem desse
cenaacuterio de inseguranccedila haacute outros fatores que tornam a cirurgia de emergecircncia insegura
[] paciente acabou de chegar agrave onda toca a campainha e entra para o bloco do jeito
que estiver sem banho antibioacutetico eacute feito depois que comeccedilou a cirurgia [] pode
natildeo ter material para fazer uma cirurgia definitiva [] remedia para uma posterior
[] sangramento grande e natildeo tem uma reserva de sangue ele acabou de entrar no
hospital [] esse tipo de inseguranccedila coisas que podia prever antes que natildeo tem
como na emergecircncia Eacute um risco muito grande O risco benefiacutecio para o paciente eacute
melhor fazer a cirurgia naquele momento (Ed10)
O meacutedico acha que emergecircncia eacute O negativo Pelo contraacuterio Esse sangue vocecirc usa
em uacuteltima situaccedilatildeo eacute um sangue raro Por ser raro tem que ter cautela [] se
mandar uma amostra de sangue o tempo que eu levo pra pegar uma bolsa de O
negativo eu classifico e mando o grupo do paciente (Ei18)
A inseguranccedila na emergecircncia permeia vaacuterios aspectos como a impossibilidade de um
preparo adequado preacute-operatoacuterio e por vezes se realiza uma abordagem inicial com
necessidade de retorno ao CC se o paciente sobreviver Isso ocorre tanto pela condiccedilatildeo do
paciente como por exemplo pela falta de uma proacutetese que deve ser solicitada
antecipadamente Aleacutem disso o uso indiscriminado de sangue ldquoOrdquo negativo nas emergecircncias
pode gerar inseguranccedila aleacutem de reduzir o estoque de um material raro para uso em casos
extremos ou de acordo com o grupo de outros pacientes e cuja reposiccedilatildeo natildeo eacute garantida
O cenaacuterio de inseguranccedila se intensifica em uma situaccedilatildeo de cataacutestrofe de desastres
com muacuteltiplas viacutetimas Torna-se necessaacuterio principalmente em tempos de grandes eventos
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 126
todo um planejamento bem como a qualificaccedilatildeo adequada dos profissionais da rede de
serviccedilos externos e da rede intra-hospitalar para atendimento destes casos Eacute necessaacuterio fazer
simulaccedilatildeo para planejamento de grandes eventos
Situaccedilatildeo de cataacutestrofe vocecirc nem troca de luva Natildeo daacute tempo [] a movimentaccedilatildeo
eacute muito grande Quatro cinco residentes em campo vocecirc vai checar se todos estatildeo
paramentados Natildeo daacute [] A abertura da caixa foi asseacuteptica Eu natildeo tenho essa
seguranccedila natildeo tenho como olhar isso (Ei20)
A copa do mundo eacute que fez a medicina em Belo Horizonte discutir medicina de
cataacutestrofe [] o tripeacute principal na Emergecircncia eacute o pronto socorro CTI e bloco
ciruacutergico Noacutes participamos ativamente do plano de atendimento agraves cataacutestrofes no
hospital Tivemos experiecircncias de pequena monta na copa das confederaccedilotildees na
queda do viaduto agora da Pedro I e trecircs simulados que envolveram a cidade em que
a experiecircncia foi muito positiva (Ed21)
Durante a coleta de dados da pesquisa estava acontecendo no Brasil a Copa do Mundo
de futebol A SES-MG em parceira com o governo francecircs promoveu algumas simulaccedilotildees de
cataacutestrofe na capital de Minas Gerais Os profissionais do Corpo de Bombeiros SAMU
Defesa Civil Guarda Municipal Poliacutecia Militar e Civil e de alguns hospitais participaram do
simulado dentre eles o hospital Em situaccedilotildees de cataacutestrofes eacute necessaacuteria a mobilizaccedilatildeo dos
hospitais para receber muitos pacientes Isso requer a elaboraccedilatildeo de um plano de cataacutestrofes
com as accedilotildees para atender as viacutetimas que chegaratildeo sem deixar que a assistecircncia agravequeles que
jaacute estatildeo internados no hospital seja prejudicada Um destes exerciacutecios foi acompanhado pela
pesquisadora O pronto socorro continuou sendo a porta de entrada e os profissionais jaacute
cientes da chegada dos ldquoferidosrdquo procederam agrave evacuaccedilatildeo dos pacientes do pronto socorro e
tambeacutem do CTI para outras aacutereas do hospital liberando os leitos de retaguarda para a
cataacutestrofe Foi interessante ver como todo este cenaacuterio se desenvolveu observando pequenos
incidentes como uma bala de oxigecircnio que caiu no chatildeo a ocorrecircncia de pequenos choques
entre os profissionais que transportavam pacientes e falta de identificaccedilatildeo dos pacientes Esse
uacuteltimo teve um profissional da lideranccedila do hospital que passou chamando a atenccedilatildeo Natildeo
foram verificados incidentes com danos para os pacientes
A qualidade do atendimento na situaccedilatildeo de emergecircncia depende da qualificaccedilatildeo da
calma e do bom senso dos profissionais para evitar condutas tumultuadas estressantes
prevenir intercorrecircncias e evitar complicaccedilotildees Depois da ocorrecircncia de um desastre somar
uma atuaccedilatildeo profissional improvisada significa aumentar o sofrimento das vitimas sendo
conivente com o risco de negligecircncia imprudecircncia e imperiacutecia pelos proacuteprios profissionais de
sauacutede (SILVA CARVALHO 2013)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 127
As cirurgias de emergecircncia proporcionam tambeacutem risco para o trabalhador tanto para
aqueles que atuam diretamente devido a agilidade das accedilotildees quanto para os que estatildeo
indiretamente envolvidos por exemplo a profissional da higienizaccedilatildeo que encontra um
cenaacuterio que oferece grande risco
[] eacute tudo com muita agilidade Punciona uma PIA [pressatildeo intra-arterial] suturou
mas o cirurgiatildeo jaacute tem que pegar um [acesso] central entatildeo deixa o nylon ali na
mesa e vai precisar da mesa de novo Eu calccedilo a luva natildeo sei se tem fio pego e furo
meu dedo [] (Ed11)
[] Sala dois que eacute a sala da onda [] Natildeo daacute tempo de fazer um exame para saber
se o paciente tem alguma doenccedila [] acabou de cuidar sai da sala para a gente
limpar aiacute o chatildeo eacute cheio de agulha (Ei6)
O caos permanece desde a entrada do paciente ateacute a sua saiacuteda da sala operatoacuteria No
final de um atendimento da onda foi possivel observar que a sala fica suja com bolsas de
sangue embalagens tesoura e pinccedilas espalhadas pelo chatildeo e a bancada com gazes jelcos
soro seringas e caixa de hemocomponentes Essa realidade gera riscos para os profissionais
como por exemplo a ocorrecircncia de acidentes de trabalho Eacute necessaacuterio discutir as situaccedilotildees
de emergecircncia pois tanto trabalhadores como pacientes necessitam respectivamente de
maior seguranccedila no trabalho e na assistecircncia
A questatildeo do risco para o profissional segundo os relatos eacute maior em cirurgias que
envolvem crianccedilas e jovens Haacute um esforccedilo maior dada a pressatildeo cultural de salvar a vida de
quem ainda tem muito tempo para viver Os profissionais colocam-se em risco em funccedilatildeo da
assistecircncia a esses pacientes e apesar disso relatam satisfaccedilatildeo no trabalho poreacutem se queixam
de desvalorizaccedilatildeo
[] tem paciente que entra como uma urgecircncia [] a sirene natildeo tocou mas virou
onda laacute dentro natildeo estaacute na sala da onda mas seguramente eacute uma onda Ontem teve
um paciente que jaacute prendia sala aguardando CTI Viacutetima de acidente de moto com
uma fasceiacutete necrotizante A princiacutepio faacutecil de tratar [] Ele ficou seacuteptico a equipe
achou que a uacutenica chance de sobrevivecircncia seria desarticular o membro inferior O
bloco viveu em funccedilatildeo desse paciente [] E com a pressatildeo de ser um paciente de 16
anos e a matildee laacute fora a psicologia com intervenccedilatildeo com a matildee [] (Ei30)
Eu gosto soacute acho que o trabalho deveria ser mais valorizado [] vocecirc trabalha
tanto se potildee em risco [] agraves vezes chega a Onda vatildeo supor eacute uma crianccedila se tiver
no corredor vocecirc natildeo olha se estaacute com luva [] eacute automaacutetico (Ed11)
Segundo os relatos dos participantes haacute uma pressatildeo maior quando a emergecircncia
envolve crianccedilas e jovens Em um estudo sobre o significado da morte para profissionais de
enfermagem que atuam em CC de urgecircncia e emergecircncia foi identificada uma capacidade
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 128
emocional prejudicada para elaborar as perdas vivenciadas nesse local principalmente quando
a morte envolve crianccedilas e jovens A infacircncia e a juventude culturalmente satildeo periacuteodos de
expectativa e a crianccedila eacute vista como fraacutegil e inocente Isso faz com que o profissional sinta
maior responsabilidade pela cura Quando isso natildeo ocorre e o profissional se depara com a
morte desses pacientes haacute o sentimento de impotecircncia (BOSCO 2008)
O paciente que mesmo natildeo tendo entrado como Onda Vermelha (tocado a sirene
colocado em sala reservada acionado anestesista e circulante especiacutefica e desencadeado
processo no banco de sangue) e se torna uma emergecircncia eacute algo que tem que ser reconhecido
pois apesar de natildeo ter todo o som que acompanha a Onda faz ldquobarulhordquo e movimenta o CC
Esse cenaacuterio de imprevisibilidade da emergecircncia ou da urgecircncia mesmo com o paciente jaacute
admitido eacute realidade em qualquer setor da rede intra-hospitalar sendo que pode ocorrer a
qualquer momento mesmo com os pacientes considerados estaacuteveis Nesse sentido Calil et al
(2010) traz agrave tona a responsabilidade da equipe no preparo para uma atuaccedilatildeo segura e precisa
O reconhecimento precoce das situaccedilotildees potencialmente ciruacutergicas a elaboraccedilatildeo de
protocolos de atendimento a qualificaccedilatildeo sistematizada da assistecircncia na rede intra-hospitalar
entre as diversas equipes a discussatildeo dos casos cliacutenicos as rotinas de atendimento ao
paciente ciruacutergico na situaccedilatildeo de emergecircncia devem ser pensadas pelas equipes de sauacutede
comprometidas com a qualidade da assistecircncia (CALIL et al 2010)
Ademais a comunicaccedilatildeo institucional principalmente em uma situaccedilatildeo de
emergecircncia foi referida como ldquotorre de Babelrdquo Cada profissional fala em uma liacutengua
diferente o que gera discrepacircncias que devem ser corrigidas para assegurar a seguranccedila dos
pacientes
A comunicaccedilatildeo eacute como a torre de Babel Precisa sincronizar Haacute discrepacircncia
Exemplo de uma onda paciente entrou no poli A enfermeira [do pronto socorro]
colhe sangue e manda o pedido A gente fala ldquoO que eacute o casordquo ldquoBaleadordquo A gente
jaacute adianta ldquoIsso pode dar pepinordquo Tiro esfaqueado politraumatismo grave a gente
deixa tudo encaixado [] Chega ao bloco toca a sirene ldquomanda sangue O negativordquo
[] ldquoColhe amostrardquo ldquoNatildeo daacute para colher agorardquo Quando vai ver tem uma amostra
do paciente na nossa matildeo [enviado pelo PS] Ou ldquovocecirc sabe o nomerdquo ldquoNatildeo chegou
agorardquo ldquoNoacutes [banco de sangue] recebemos um sangue haacute menos de 15 minutos Foi
tirordquo ldquoAh o que taacute laacute eacute tirordquo No final das contas vocecirc manda sangue O negativo soacute
que vocecirc tinha a classificaccedilatildeo real do paciente (Ei18)
A metaacutefora da ldquotorre de Babelrdquo eacute utilizada pelo profissional para explicar que a
comunicaccedilatildeo estaacute sendo realizada e compreendida de diferentes formas ou natildeo estaacute sendo
realizada como o exemplo mencionado por Ei18 em que os profissionais do pronto socorro
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 129
enviaram a amostra de sangue mas natildeo foi comunicado para os profissionais do CC As
informaccedilotildees satildeo fragmentadas impossibilitando a compreensatildeo do todo
Segundo um participante seria necessaacuterio um ator que viabilizasse o contato direto
entre o profissional que recebeu o paciente no Pronto Socorro e o que iraacute receber no CC para
dar sequencia ao cuidado ou preparaccedilatildeo dos elementos para o cuidado
Vai receber o paciente que estaacute vindo pra cirurgia do PA [pronto atendimento]
chegou na onda E aiacute fala ldquoo paciente taacute assim assimrdquo Quando vocecirc vai receber o
paciente ele natildeo estaacute assim Faltou comunicaccedilatildeo Vatildeo passando de um pro outro e ateacute
chegar aqui chega diferente Acho que tinha que ter uma ligaccedilatildeo direta Aquele que
recebeu eacute que vai passar o caso (Ed31)
A transferecircncia de informaccedilotildees entre equipes e setores (handoffs) eacute reconhecida
internacionalmente como momentos criacuteticos e decisivos para a seguranccedila do paciente No
entanto natildeo existe a possibilidade do profissional que recebeu o paciente no pronto socorro
ser ele mesmo o portador da transferecircncia para todos os demais setores que o paciente iraacute
percorrer Isso porque satildeo diversas as condiccedilotildees funccedilotildees e profissionais que recebem o
paciente na linha de cuidados ciruacutergico Contudo haacute algumas teacutecnicas de comunicaccedilatildeo que
podem ajudar O SBAR (do inglecircs Situation Background Assessment Recommendation ou
Situaccedilatildeo Background Avaliaccedilatildeo Recomendaccedilatildeo) eacute um exemplo que fornece uma estrutura
mnemocircnica para uma mensagem Inicia-se o esclarecimento do problema com informaccedilotildees
baacutesicas seguido por uma avaliaccedilatildeo da situaccedilatildeo e uma recomendaccedilatildeo Essa ferramenta
melhora a eficiecircncia da comunicaccedilatildeo por permitir maior acuraacutecia das informaccedilotildees
transmitidas e traz benefiacutecios aos profissionais pois se cria uma linguagem comum concisa e
estruturada promovendo a seguranccedila do paciente (SALMAN et al 2012)
Segundo Morin (2003) a compreensatildeo perpassa pela relaccedilatildeo subjetiva com o outro de
simpatia o que pode ser favorecido pela projeccedilatildeo pela identificaccedilatildeo A compreensatildeo eacute
assim o grande problema atual da humanidade mais do que a comunicaccedilatildeo ou em
consequecircncia dela Contraditoriamente para a compreensatildeo natildeo basta a comunicaccedilatildeo a
primeira pode ser afetada ou ajudada pela comunicaccedilatildeo seja tecnicamente (telefone e-mail)
seja pelo domiacutenio do coacutedigo (liacutengua) Mas eacute preciso que a compreensatildeo aconteccedila pois a
comunicaccedilatildeo por si mesma natildeo pode gerar a compreensatildeo (MORIN 2003)
Os profissionais mencionaram algumas oportunidades de melhoria para o caos que eacute a
Onda Vermelha a saber maior organizaccedilatildeo revisatildeo de medicamentos e materiais
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 130
disponiacuteveis melhoria da comunicaccedilatildeo criteacuterio e equidade no uso de bolsas de sangue ldquoOrdquo
negativo
Eacute um processo muito raacutepido e precisam estar muito ensaiadas Natildeo ensaiadas no
sentido real da palavra a gente nunca vai conseguir ensaiar um atendimento de
emergecircncia mas muito organizadas (Ei30)
A anestesia traz alguns questionamentos de material que queriam deixar pronto
precisa ver com a CCIH [] (Ei30)
[] podia ter mais treinamento de organizaccedilatildeo de uma parada cardiacuteaca por
exemplo Chega uma onda uma urgecircncia fica aquela confusatildeo Natildeo sabe quem eacute
que vai buscar o sangue quem vai pegar o acesso do paciente quem que vai auxiliar
o anestesista quem que vai abrir o material (Ed8)
[] entra na sala de politraumatismo punciona para ligar o soro colhe amostra e
identifica [] No bloco a primeira coisa colher e enviar para o banco de sangue
Natildeo haacute condiccedilatildeo de suprir um paciente de politraumatismo de 10 15 bolsas de
sangue O negativo Faz 15 bolsas O negativo o cara morre Aiacute tem uma parturiente
vai sensibilizar ela Uma menina de 20 25 anos [] tem que ter esses cuidados
para natildeo fazer demais para um e faltar para o outro [] Qualquer gratildeozinho de
sangue numa emergecircncia 1ml jaacute daacute uma ajuda enorme [] Vai ser beneacutefico pra ele
[paciente] e para o banco de sangue Na transfusatildeo na real vocecirc estaacute fazendo um
transplante (Ei18)
O profissional Ei18 tambeacutem sugere que na reorganizaccedilatildeo do processo de trabalho na
Onda Vermelha tenha uma pessoa responsaacutevel (elo) para solicitar o hemoderivado Segundo
o profissional basta 1 ml de sangue porque a teacutecnica de classificaccedilatildeo para uma emergecircncia eacute
em tubo e natildeo em gel o que leva menos de um minuto que eacute o mesmo tempo de
disponibilizar uma bolsa de ldquoOrdquo negativo Posteriormente os teacutecnicos do banco de sangue
utilizam a teacutecnica em gel que leva 10 minutos para a classificaccedilatildeo do grupo sanguiacuteneo e que eacute
mais fidedigna Eacute necessaacuterio que isso seja de conhecimento de todos os profissionais no
sentido de racionalizar o uso de bolsas de sangue ldquoOrdquo negativo
A ampliaccedilatildeo da seguranccedila em procedimentos ciruacutergicos requer investimentos no
conhecimento em relaccedilatildeo ao ato ciruacutergico (PANCIERI et al 2013) e tudo o que o permeia A
qualidade no atendimento ao paciente em situaccedilatildeo de emergecircncia depende da accedilatildeo de todas as
pessoas envolvidas nessa missatildeo (CALIL et al 2010) Algumas melhorias foram
mencionadas pelos profissionais mas natildeo se almejou descrever a totalidade ateacute porque ldquo[] a
totalidade eacute a natildeo verdaderdquo (ADORNO apud Morin 2003) Um dos axiomas da
complexidade eacute a impossibilidade do saber completo inclusive teoricamente (MORIN 2003)
A dimensatildeo dos problemas de seguranccedila do paciente em estado de emergecircncia surgiu
como um problema de sauacutede puacuteblica e de sauacutede do trabalhador apesar do pouco
reconhecimento da sua extensatildeo Foi observado que os profissionais do CC em questatildeo bem
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 131
como dos setores que fazem interface no atendimento agrave Onda Vermelha estatildeo na aurora de
um esforccedilo que ainda necessita de muacuteltiplas accedilotildees a fim de alcanccedilar meios para a
organizaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo de princiacutepios de cirurgia segura na situaccedilatildeo de emergecircncia com
comunicaccedilatildeo efetiva
Apesar de todas as arestas que necessitam serem modificadas no momento da
emergecircncia as questotildees mudam de significado haacute maior envolvimento da equipe e um
trabalho interdisciplinar O conjunto dos atores humanos ndash profissionais alunos pacientes ndash
e natildeo humanos ndash materiais equipamentos e medicamentos ndash produz um movimento e
promove a assistecircncia ciruacutergica de emergecircncia
423 Efeito borboleta pequenas accedilotildees podem resultar em grandes incidentes na
assistecircncia ciruacutergica
O titulo desta subcategoria tem origem na pergunta ldquoPredictability Does the flap of a
butterflyrsquoswings in Brazil set off a tornado in Texasrdquo(LORENZ 1972 p 1) que em
traduccedilatildeo livre para o portuguecircs quer dizer O bater das asas de uma borboleta no Brasil
dispararia um tornado no Texas
Por meio deste questionamento Edward Norton Lorenz um meteorologista
matemaacutetico e filoacutesofo norte-americano iniciou sua apresentaccedilatildeo na 139ordf reuniatildeo anual da
Sociedade Americana para o Progresso da Ciecircncia em 1972 (LORENZ 1972) Seus estudos
asseveram entre outras questotildees que uma simples e pequena accedilatildeo no iniacutecio ou decorrer de
um evento ndash como o suave bater de asas de uma ou vaacuterias borboletas ndash afetaraacute o desfecho de
tal evento na sucessatildeo de fatos que venham a ocorrer gerando algo imprevisiacutevel como um
tornado em outro local do mundo pela leve movimentaccedilatildeo do ar pela borboleta (LORENZ
1972 LORENZ 1963)
Apesar de a frase ser apenas uma afirmaccedilatildeo simboacutelica dentro da Teoria do Caos
significa que accedilotildees aparentemente insignificantes tecircm potencialidade para provocar grandes
consequecircncias Este eacute o objetivo desta subcategoria tecer por meio de relatos dos
profissionais como as pequenas accedilotildees concorrem para a ocorrecircncia ou ateacute mesmo a
prevenccedilatildeo de incidentes ciruacutergicos
Como jaacute abordado anteriormente os incidentes satildeo eventos ou circunstacircncias que
poderiam ter resultado ou resultaram em dano desnecessaacuterio ao paciente O termo
ldquodesnecessaacuteriordquo significa que haacute certos danos que satildeo necessaacuterios na assistecircncia agrave sauacutede
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 132
como por exemplo uma incisatildeo para realizaccedilatildeo de laparotomia natildeo sendo considerados
portanto como incidentes (OMS 2009)
Os incidentes originam-se de atos intencionais dos profissionais (violaccedilotildees) ou de atos
natildeo intencionais e incluem as seguintes situaccedilotildees (1) circunstacircncia notificaacutevel (2) near miss
(3) incidente sem dano e (4) incidente com dano ou evento adverso (OMS 2009) A seguir
seratildeo discutidas estas situaccedilotildees a partir dos conceitos da Classificaccedilatildeo Internacional de
Seguranccedila do Paciente (International Classification for Patient Safety ndash ICPS) (OMS 2009) e
dos relatos dos profissionais desta pesquisa Vale ponderar que foram escolhidos somente
alguns casos relatados para exemplificaccedilatildeo e que encaixaacute-los na taxonomia ICPS foi difiacutecil
dada a interpretaccedilatildeo dos conceitos e a falta de informaccedilotildees detalhadas do desfecho final dos
casos
A primeira situaccedilatildeo eacute de uma ldquocircunstacircncia notificaacutevelrdquo que consiste em uma
situaccedilatildeo com grande capacidade de causar dano ao paciente mas que natildeo produziu nenhum
incidente (WHO 2009) conforme os exemplos a seguir
[] campo com defeito avental curto avental rasgado ou cerzido foi notificado agrave
CCIH [] optou ao inveacutes de comprar tecido novo jaacute atendendo a RDC 15 utilizar o
material [descartaacutevel] [] preccedilo consideraacutevel mas melhor pra garantir a seguranccedila
do paciente O objetivo eacute melhorar o quantitativo para que todas as cirurgias
utilizem material de primeira linha (Ei5)
Os incidentes relatados sobre os defeitos no material apesar de terem potencial natildeo
causaram nenhum dano para o paciente pelo relato do profissional Contudo esses tipos de
incidentes devem ser notificados pelos profissionais e conforme o relato de Ei15 devem
resultar em discussatildeo e melhoria como foi a tomada de decisatildeo para a troca por material
descartaacutevel Esse eacute o alvo principal de se notificar quaisquer incidentes ou seja a discussatildeo e
a realizaccedilatildeo de um plano de accedilatildeo para melhoria contiacutenua da qualidade da assistecircncia ciruacutergica
Percebe-se que a mudanccedila nos processos de trabalho natildeo se daacute por aspectos lineares mas por
vezes eacute decorrente de uma rede de situaccedilotildees provenientes da desordem e da incerteza
A segunda situaccedilatildeo eacute de um ldquonear missrdquo que se refere a um incidente que natildeo atingiu
o paciente (OMS 2009) conforme os relatos a seguir
Jaacute quase contaminaram mesa de cirurgia mas natildeo contaminaram Contaminou
tesoura despreza Jaacute aconteceu de abrir caixa e ela estar molhada aiacute despreza e abre
outra (Ed4)
Vieram pedir sala ah paciente hiacutegido Natildeo tem nada soacute taacute com apendicectomia
Nunca foi no hospital [] mas eu descobri que o paciente haacute um ano ficou
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 133
internado mais de um mecircs no CTI por IAM [Infarto Agudo do Miocaacuterdio] e estava
sem tratamento Suspendeu as medicaccedilotildees e estava sentindo dores desconforto e ia
entrar para a cirurgia eu que avisei o anestesiologista Porque o cirurgiatildeo falou que
ele natildeo tinha nada [] Natildeo causou dano diretamente e eu consegui cercar mas eacute um
absurdo [] entram com paciente contaminado e que natildeo tomaram precauccedilatildeo de
contato aerossol paciente com TBC [] (Ed29)
O primeiro caso relata incidentes com relaccedilatildeo agrave contaminaccedilatildeo de materiais ciruacutergicos
que natildeo provocaram nenhum dano porque os profissionais percebendo o ocorrido
desprezaram o material No segundo caso o near miss consistiu em natildeo identificar ou natildeo
repassar a histoacuteria pregressa de forma fidedigna para os profissionais do CC uma falha de
comunicaccedilatildeo na transferecircncia de cuidados do preacute para o transoperatoacuterio Isso poderia levar o
paciente a um dano pela exposiccedilatildeo a drogas e outros procedimentos sem considerar o seu
histoacuterico Eacute importante que os serviccedilos de sauacutede identifiquem e notifiquem os incidentes que
natildeo atingiram o paciente (near miss) pois esses contribuem para identificar a fragilidade na
assistecircncia que no futuro pode levar a um evento adverso evitaacutevel (O‟KANE et al 2008)
A terceira situaccedilatildeo eacute de um ldquoincidente sem danosrdquo que consiste em um evento que
atingiu o paciente mas natildeo causou dano discerniacutevel (OMS 2009) conforme os relatos
[] Preciso do rapaz da radiografia ldquoTaacute nas outras duas salas Natildeo temrdquo Tem que
esperar (Ed22)
[] teve falha de profissional colheu amostra trocada de paciente [] Ele teve duas
sortes que o sangue que foi era O positivo Passou dois trecircs dias veio outra amostra
do paciente ldquoArdquo positivo Eu falei ldquoNatildeo pode Esse paciente eacuterdquo que a gente tem
um registro ldquoColhe outra amostrardquo ldquoArdquo positivo Amostra foi coletada trocada
[] Isso eacute muito grave Coletou de um identificou de outro (Ei18)
Os incidentes sem dano ocorrem tambeacutem de forma imprevisiacutevel como aquele
relatado de ordem estrutural e o incidente de identificaccedilatildeo errada da amostra de sangue preacute-
transfusional de ordem processual O processo transfusional segundo Souza Oliveira e Teles
(2014) eacute complexo e abrange vaacuterios atores e procedimentos Engloba um conjunto de pontos
criacuteticos em que haacute a efetiva possibilidade de ocorrecircncia de erro E embora haja reaccedilotildees que
derivam de complicaccedilotildees inevitaacuteveis em sua grande maioria essas se devem a erros humanos
e como tal evitaacuteveis (SOUSA et al 2014)
Em relaccedilatildeo ao grupo sanguiacuteneo da primeira amostra o sangue ldquoOrdquo positivo que foi
encaminhado para administraccedilatildeo no paciente era compatiacutevel com o seu grupo sanguiacuteneo ldquoArdquo
positivo identificado posteriormente No entanto cuidados devem ser tomados nesse sentido
pois o erro humano tem sido uma das principais causas de fatalidades relacionadas com
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 134
transfusotildees por incompatibilidade do sistema ABO Essa eacute uma reaccedilatildeo grave do sistema
imunoloacutegico em razatildeo da transfusatildeo de componente sanguiacuteneo cujo grupo eacute diferente e
incompatiacutevel com o do paciente (SOUSA et al 2014) Nos EUA a frequecircncia de mortes
evitaacuteveis por transfusatildeo atribuiacutedas agrave falha na identificaccedilatildeo da amostra de sangue preacute-
transfusional da unidade de sangue ou do destinataacuterio varia de 1600000 a 1800000
transfusotildees (KROMBACH et al 2002)
Por fim a quarta possibilidade de um incidente e talvez a mais complexa pelo
desfecho final eacute o incidente com dano tambeacutem denominado evento adverso (WHO 2009) O
primeiro caso dessa quarta possibilidade de incidente foi marcante para o conjunto dos
profissionais do hospital em estudo sendo relatado por vaacuterios deles
Um rapaz veio fazer apendicectomia e parece que deu defeito no carrinho de
anestesia [] ficou sem ventilar muito tempo e fez uma hipoxemia grave Morte
cerebral Uma apendicite em fase um que faz todo dia e ele morreu [] o
anestesista natildeo fez o checklist do aparelho [] Jornal e televisatildeo Anestesista
afastado Confusatildeo Da pior forma possiacutevel (Ei20)
Um paciente veio operar apendicite Parece que o carrinho de anestesia estava com
problema Uma chave que devia estar virada e natildeo estava O paciente foi a oacutebito []
Eacute triste A gente imagina que naquele lugar podia estar um amigo um familiar Foi
uma fatalidade Abala [ecircnfase] (Ed31)
[] homem de 32 anos veio para o bloco com apendicite agrave noite Quem fez a
anestesia ao inveacutes de conectar o oxigecircnio e ar comprimido soacute fez a conexatildeo do ar
comprimido [] teve um dano neuroloacutegico irreversiacutevel [] foi para o CTI Como
as janelas natildeo eram teladas o paciente teve uma miiacutease [] Ao contraacuterio do CTI que
teve cuidado com o bloco de natildeo dizer que foi uma falha do anestesista foi o oposto
com o CTI [] Queriam ver quem era o culpado O CTI tinha um problema de aacuterea
fiacutesica jaacute notificada agrave diretoria mas naquele momento natildeo tinha como resolver e a
equipe do bloco foi muito dura Foi uma decepccedilatildeo a maneira como foi tratado o
caso Para nenhum profissional eacute agradaacutevel o erro mas eacute complicado resolver erros
procurando culpado sem olhar o entorno o processo de trabalho [] (Ei25)
Tivemos um caso que foi um evento seriacutessimo [] paciente operado de apendicite
relativamente simples e teve um problema na oxigenaccedilatildeo durante o procedimento
[] evoluiu com uma hipoacutexia transoperatoacuteria [] natildeo se identificou o motivo dessa
baixa oxigenaccedilatildeo [] Teve uma internaccedilatildeo prolongada em CTI vindo a falecer []
foi um marco negativo a gente tenta sempre aprender [] foi feita revisatildeo completa
de todos os carrinhos feito uma nova revisatildeo A fabricante do carrinho participou
das avaliaccedilotildees [] Houve substituiccedilatildeo por modelos mais modernos que talvez
evitassem esse problema A gente fica mais atento por causa desse fato foi isolado
mas muito negativo marcante e a gente natildeo quer que aconteccedila de novo (Ed21)
Os relatos mostram um caso com dano irreversiacutevel ao paciente que poderiam ser
evitados com observaccedilatildeo rigorosa de pequenos detalhes e se fosse admitido pelos
profissionais que toda cirurgia implica riscos Os detalhes as causas e as repercussotildees do
incidente com o paciente operado devido a uma apendicite em fase inicial eletiva
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 135
considerado um procedimento simples foram variadas indo do fator humano agrave falha no
equipamento Em um estudo sobre eventos adversos na aacuterea da anestesiologia em hospitais
de Boston a desconexatildeo do circuito respiratoacuterio foi a categoria mais frequente (COOPER
NEWBOWER KITZ 1984) No entanto segundo Fortis (2009) atualmente eacute possiacutevel
avaliar de forma contiacutenua de maneira segura qualitativa e quantitativamente mediante
monitorizaccedilatildeo diversos paracircmetros do equipamento de anestesia e do medicamento como
fluxos pressotildees volumes concentraccedilotildees Tais recursos possibilitam verificar se o
equipamento estaacute cumprindo aquilo para o qual foi programado (FORTIS 2009) Para tanto eacute
necessaacuterio um equipamento anesteacutesico moderno que corresponda agraves exigecircncias normativas e
agrave qualificaccedilatildeo dos profissionais para operacionalizaacute-lo bem como a um ambiente livre de
distraccedilotildees e interrupccedilotildees
O paciente antes da constataccedilatildeo do oacutebito teve um episoacutedio de miiacutease devido agraves maacutes
condiccedilotildees da estrutura fiacutesica (janelas sem telas) do CTI Ressalta-se que haacute mais de 150
espeacutecies de insetos que podem causar miiacutease em humanos suas larvas podem gerar necrose e
destruiccedilatildeo dos tecidos infestados com vaacuterios sintomas dependendo dos locais acometidos e
da intensidade da infestaccedilatildeo (SILVEIRA et al 2015) Este acontecimento aleacutem do dano ao
paciente gerou conflito entre as equipes do CC e do CTI
Apesar do entrevistado dizer que foi um fato isolado e que a lideranccedila e profissionais
trabalharam para que os incidentes natildeo tivessem recidiva o mesmo problema ocorreu com
outra paciente Desta vez foi percebido antes que houvesse uma lesatildeo tatildeo seacuteria mas foi
necessaacuterio tratamento intensivo e portanto classificado como um evento adverso
[] menina de 15 anos com abdome agudo parecia apendicite e o residente me
pediu pra operar com ele Cheguei examinei vi os exames irritaccedilatildeo peritoneal []
No bloco ela foi anestesiada entubada e quando a gente incisou a pele subcutacircnea o
sangue estava muito escuro e tinha uns 5 minutos que tinha sido entubada []
perguntei ao anestesista ldquoO sangue taacute escuro estaacute bem ventiladardquo Parecia um
sangue natildeo oxigenado Ele olhou ela estava sem ser oxigenada No monitor estava
bradicardizando Teve uma parada cardiacuteaca [] massageamos ela voltou [] foi
para o CTI [] natildeo teve nenhuma sequela por sorte Eacute uma sensaccedilatildeo peacutessima para
quem estaacute operando [] para quem taacute anestesiando [] nessa eacutepoca teve um
paciente com sequela neuroloacutegica grave acabou morrendo no CTI porque deixou de
ser ventilado por falha do carrinho de anestesia uma falha na vaacutelvula []
Aconteceu comigo a sorte eacute que a menina natildeo teve sequela Aneuro fez TC de
cracircnio tudo normal Imagina se a menina morre Entrou na cadeira despediu da
matildee na porta do bloco [] Pode acontecer Mas eacute muito doloroso para todo mundo
[] o anestesista falou ldquoNatildeo sei o quecirc que aconteceu entubei a menina Coloquei
pra ventilar ventilou bem O bocal do ventilador natildeo desconectou do tubordquo os gases
que ele usou estavam ok A gente natildeo conseguiu chegar a uma conclusatildeo do que
aconteceu (Ed19)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 136
A comparaccedilatildeo dos episoacutedios leva a algumas reflexotildees Embora no primeiro caso agrave
primeira vista o erro tenha sido do anestesiologista que natildeo manipulou adequadamente o
carrinho de anestesia o cirurgiatildeo daquele procedimento poderia ter percebido a coloraccedilatildeo do
sangue natildeo oxigenado e alertado o anestesiologista assim como o profissional do uacuteltimo caso
(incidente com a menina) o fez Assim evidenciam-se duas questotildees Primeira o incidente
ocorre por fatores sistecircmicos e natildeo individuais Segunda mostra uma contradiccedilatildeo ao ditado
popular que diz que ldquoo raio natildeo cai duas vezes no mesmo lugarrdquo Os erros podem sim
ocorrer mais de uma vez na mesma instituiccedilatildeo ou de forma semelhante ou idecircntica em
diferentes locais Por isso quando haacute a ocorrecircncia de um incidente eacute importante que seja
amplamente discutido com toda a equipe multiprofissional para que todos possam participar
da discussatildeo no sentido de se criar barreiras Tambeacutem eacute importante que uma instituiccedilatildeo
aprenda com as falhas de outras Nesse sentido se natildeo houver um gerenciamento do erro ou
da falha ele se repetiraacute uma vez que o risco natildeo encontraraacute barreiras que impeccedila a ocorrecircncia
de incidentes (REASON 2000)
O risco segundo a WHO (2009) eacute a probabilidade de ocorrecircncia de um incidente ou
seja a probabilidade de um indiviacuteduo sofrer algum dano em razatildeo da exposiccedilatildeo a um perigo
Perigo eacute uma circunstacircncia um agente ou uma accedilatildeo com potencial para provocar danos
(WHO 2009) Para mitigaccedilatildeo de perigos e do risco eacute necessaacuterio analisar a causa raiz dos
incidentes para adotar barreiras eficazes que impeccedilam a reincidecircncia dos incidentes Segundo
Vendramini et al (2010) a anaacutelise da causa raiz envolve uma abordagem baseada em
sistemas que avalie todas as atividades na organizaccedilatildeo contribuindo para a manutenccedilatildeo e a
melhoria da seguranccedila tais como o progresso no desempenho dos processos e a administraccedilatildeo
dos riscos
Assim o efeito borboleta conforma-se tambeacutem no sentido da prevenccedilatildeo aos
incidentes ou seja accedilotildees positivas como a realizaccedilatildeo do checklist do aparelho (barreira) tecircm
potencialidade para prevenir grandes eventos como no primeiro caso citado no qual ocorreu
um dano irreversiacutevel que resultou no oacutebito do paciente operado por uma apendicectomia
Dos participantes da pesquisa apenas um dos profissionais relatou um incidente em
que ele esteve diretamente envolvido e que consistiu em um evento adverso
Eu acho que todo anestesista tem muita intercorrecircncia para contar Agora
intercorrecircncias que geraram oacutebito do paciente assim satildeo raras [com ecircnfase] Mas
eu jaacute tive Eu fiz uma raqui um bloqueio anesteacutesico e o paciente logo depois teve
uma parada fez uma hipotensatildeo muito grande parou e natildeo voltou (Ed17)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 137
Esse evento adverso ocorreu quando o profissional estava ainda na residecircncia Ele natildeo
deu detalhes sobre as possiacuteveis causas mas de certa forma assumiu a responsabilidade e
conta por meio de depoimento que eacute uma situaccedilatildeo difiacutecil de vivenciar O clima no ambiente
de trabalho fica tenso no momento do incidente Os profissionais satildeo acometidos por uma
miscelacircnea de sentimentos como consternaccedilatildeo e preocupaccedilatildeo aleacutem de alguns ficarem sem
accedilatildeo apavorados e em estado de choque com choro inconsolaacutevel e outros tecircm o humor
alterado chegando a agredir os colegas verbalmente conforme relatos a seguir O oacutebito
principalmente decorrente de um incidente eacute o desfecho mais dramaacutetico traacutegico
Considerando-se ainda que esses incidentes ocorrem em um hospital referecircncia para
urgecircncias e emergecircncias onde o morrer eacute um acontecimento frequente e tratado com mais
naturalidade que em outros setores da rede intra-hospitalar ou extramuros do hospital
Diferente do meacutedico do CTI que todo dia tem um oacutebito [] O meacutedico que trabalha
com resgate na estrada chega e a pessoa estaacute morta Isso eacute mais comum Na
anestesia isso eacute incomum graccedilas a Deus As pessoas podem pensar o contraacuterio
anestesia eacute um negoacutecio perigoso demais entatildeo deve morrer gente toda hora natildeo
[] passa meses e meses sem acontecer um caso desses [] intercorrecircncias menores
o paciente parar de respirar ter que acudir rapidamente momentos estressantes isso
eacute comum Toda hora (Ed17)
Foi peacutessimo Eacute uma cirurgia que 999 das vezes a alta eacute no dia seguinte [] a natildeo
ser quando eacute uma apendicite complicada Mas no caso dele era uma apendicite em
fase inicial e tem um resultado traacutegico Os profissionais envolvidos ficaram
extremamente consternados preocupados Eacute Muito chateados (Ed21)
Um anestesista preparou as drogas para uma intubaccedilatildeo Pediu para o teacutecnico de
enfermagem administrar o que era de responsabilidade dela [ecircnfase] [] Aramim
que era dois mL mandou fazer a seringa inteira [] a pressatildeo da paciente foi a
duzentos e sessenta [] Ela ficou louca a meacutedica quando viu que a menina tinha
feito tudo Mandou fazer o antagonista [] deu um grito [com ecircnfase] com a
teacutecnica A teacutecnica ficou mais apavorada do que ela Foi um caos total A menina
ficou em choque foi substituiacuteda [] comeccedilou a chorar E natildeo parava Eacute uma
menina nova com pouca experiecircncia Primeiro emprego (Ed26)
Nas situaccedilotildees de incidentes em sala ciruacutergica nota-se um ldquocaosrdquo conforme
mencionado por Ed26 Por se tratar de um incidente imprevisiacutevel o equiliacutebrio entre razatildeo
para agir e tomar as decisotildees e a tranquilidade para isso eacute instaacutevel e subjetivo de profissional
para profissional Esse (des) equiliacutebrio em meio ao caos provocado pelo incidente eacute um
desafio para todos os profissionais envolvidos principalmente para aqueles com pouca
experiecircncia como no caso da circulante envolvida em seu primeiro emprego
Um estudo com o objetivo de identificar os sentimentos dos profissionais de
enfermagem frente aos erros de medicaccedilatildeo tambeacutem mostrou diversos sentimentos como
pacircnico desespero preocupaccedilatildeo culpa vergonha medo e inseguranccedila causando instabilidade
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 138
pessoal e profissional e tambeacutem omissatildeo dos episoacutedios (SANTOS et al 2007) Esses
sentimentos interferiram na assistecircncia e perduraram na lembranccedila dos profissionais
associados ao medo de errar novamente Contudo os participantes do estudo reconheceram o
valor dessa experiecircncia para seu aprendizado e a importacircncia de transformaacute-la em estrateacutegias
pessoais de prevenccedilatildeo para evitar novos erros (SANTOS et al 2007)
Enfim pelos dados desta pesquisa somados ao incidente sem dano relatado a seguir
foi possiacutevel perceber que geralmente um incidente ocorre a partir de pequenas accedilotildees ou de
um conjunto de pequenas accedilotildees ou acontecimentos gerando um efeito borboleta E quando
ocorrem haacute uma desestabilizaccedilatildeo da ordem e o caos impera no ambiente
O dia que entornou mais de dois litros de formol dentro do bloco [] Noacutes alisamos
cabelo sem querer [risos] Foi um caos [ecircnfase] Um caos Paciente dentro de sala
entubada [] eacute um evento que sai completamente do nosso controle Pode acontecer
Qualquer hora qualquer local [] todo dia a gente coloca material dentro do formol
no bloco mas a partir desse evento a gente tomou mais cuidado e outras condutas
para administrar esse material (Ed26)
Teve um derramamento de formol no bloco [] a peccedila era muito grande um
intestino inteiro rompeu o plaacutestico A gente estaacute providenciando vasilhames
maiores [] O bloco veio aqui porque a gente tem a FISC que eacute a ficha de
seguranccedila de cada reagente e laacute ele indica o que fazer [] teve cinco atestados de
funcionaacuterios porque eles iam para outro emprego [] Um acidente que acontece
tem que ter uma coisa errado o que O volume daquilo dentro daquele plaacutestico natildeo
comportava [] Isso deve ser discutido na SIPA do hospital onde se discute todos
os acidentes com os envolvidos [] tentaram terminar a cirurgia ou dar andamento
e depois foi esvaziado e a seguranccedila do trabalho acompanha [] (Ei24)
O caso mostra que situaccedilotildees simples como a incompatibilidade do tamanho da peccedila
anatocircmica com o recipiente geram incidentes de forma imprevista Nessa situaccedilatildeo estava
sendo atendido um paciente proveniente de Onda Vermelha na sala de emergecircncia desviando
a atenccedilatildeo dos profissionais desse atendimento pois o cheiro do formol se espalhou por todo o
CC e os profissionais colocaram maacutescaras de proteccedilatildeo N95 (especiacutefica para tuberculose)
Essa desordem presente nesta parte do sistema (sala operatoacuteria) resultou em transtorno
em todo o CC Repercutiu tambeacutem no laboratoacuterio que foi acionado por que possuiacuteam uma
ficha que descreve as accedilotildees apoacutes algum acidente com produto quiacutemico e tambeacutem por ser o
setor que encaminha as peccedilas anatocircmicas para a empresa terceirizada responsaacutevel pela anaacutelise
do material O setor de seguranccedila do trabalho tambeacutem foi envolvido para abordar os
profissionais presentes no incidente Percebe-se que as partes satildeo constituiacutedas e conectadas
por diferentes atores humanos (pacienteprofissionais) e natildeo humanos (formol plaacutestico para
colocar a peccedila anatocircmica retirada do paciente ficha de descriccedilatildeo de accedilotildees poacutes-acidente com
produto quiacutemico) Percebe-se tambeacutem que alguns incidentes ocorrem de forma imprevisiacutevel
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 139
mesmo em accedilotildees realizadas rotineiramente Ou seja um efeito borboleta pode mudar o
cotidiano de trabalho do CC
Por outro lado essa desordem fez com que os profissionais fizessem revisatildeo dos
processos mesmo aqueles rotineiros para alcanccedilarem uma organizaccedilatildeo Eacute possiacutevel afirmar
que haacute uma riqueza na desordem na casualidade e na complexidade ou seja essas situaccedilotildees
oportunizam aprendizado e mudanccedila nos processos de trabalho O sistema encontra sempre
meios para sair do caos por meio de mudanccedilas integraccedilatildeo e organizaccedilatildeo ocorrendo de forma
dinacircmica e proporcionando crescimento e flexibilidade
Enfim os relatos dos profissionais e a metaacutefora do bater de asas de uma borboleta
escolhida para esta subcategoria onde uma pequena accedilatildeo pode transformar todo um processo
mostraram que a complexidade dos incidentes e o caos proveniente deles potencializam a
transformaccedilatildeo dos processos de trabalho Aleacutem disso contribuiacuteram para a abordagem frente
aos incidentes podendo profissionais pacientes e seus familiares se posicionarem dentro do
contexto nunca linear e do caos ocorrido quando do incidente
424 Abordagem institucional frente aos incidentes efeitos da cultura organizacional
O engenheiro erra a terra mostra O meacutedico erra e a terra encobre (Ed12)
O que mais preocupa natildeo eacute o grito dos violentos dos corruptos desonestos dos sem
eacutetica O que mais preocupa eacute o silecircncio dos bons (MARTIN LUTHER KING)
Esta subcategoria busca conhecer a forma com que os profissionais do hospital em
estudo lidam com os incidentes que ocorrem na instituiccedilatildeo Ou seja a percepccedilatildeo sobre os
incidentes bem como a realizaccedilatildeo de notificaccedilotildees discussatildeo treinamentos tratamento e
divulgaccedilatildeo dos incidentes no sentido de possibilitar o aprendizado e o redesenho de todo o
processo de trabalho por meio do ocorrido Perpassando pelo acompanhamento dos familiares
e pacientes que estiveram envolvidos em uma situaccedilatildeo indesejada
Essas reflexotildees ajudaratildeo a entender como se configura no hospital em estudo a
complexa e imprecisa cultura organizacional Segundo Morin (2000) haacute uma relaccedilatildeo triaacutedica
entre indiviacuteduosociedadeespeacutecie Os indiviacuteduos satildeo produtos da reproduccedilatildeo da espeacutecie
humana que acontece por meio de dois indiviacuteduos As conexotildees entre os indiviacuteduos produzem
a sociedade que assiste o nascimento da cultura e que retroage sobre os indiviacuteduos pela
cultura Assim ldquo[] eacute a cultura e a sociedade que garantem a realizaccedilatildeo dos indiviacuteduos e satildeo
as interaccedilotildees entre indiviacuteduos que permitem a perpetuaccedilatildeo da cultura e a auto-organizaccedilatildeo da
sociedaderdquo (MORIN 2000 p 55)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 140
A cultura de uma organizaccedilatildeo pode ser um grande empecilho para qualquer mudanccedila
significativa mas tambeacutem pode ser uma importante arma na batalha contiacutenua pela seguranccedila
(VICENT 2009) assim eacute imprescindiacutevel uma poliacutetica institucional de seguranccedila instituiacuteda
pela lideranccedila para promoccedilatildeo de uma cultura de seguranccedila A cultura de seguranccedila se insere
no campo do pensamento complexo sendo difiacutecil de mensurar e deve ser refletida de forma
multidimensional considerando o todo e as partes como um tecido uacutenico que forma o
cotidiano de trabalho no hospital e fomenta a propagaccedilatildeo da seguranccedila institucional ao longo
do tempo A cultura interfere na assistecircncia desde a admissatildeo ateacute a alta do paciente bem
como influencia na perenidade da confianccedila seguranccedila e reputaccedilatildeo institucional
Mesmo com tantos incidentes relatados no CC em estudo na subcategoria anterior
ainda haacute um mito de que o erro natildeo acontece Eacute algo que estaacute longe no noticiaacuterio dos
telejornais Ou se acontece foi em outro plantatildeo em outra especialidade em outra sala
operatoacuteria na qual o profissional faz questatildeo de natildeo estar presente
No meu plantatildeo pelo menos natildeo [] A gente ouve falar assim na televisatildeo essas
coisas [] (Ei14)
Na cirurgia X [nome da especialidade] em nenhum momento aconteceu
[incidentes] Nas outras cliacutenicas eu natildeo estou nas salas pra saber (Ed16)
O reconhecimento dos riscos institucionais e da falibilidade humana satildeo um dos
principais pilares de uma cultura de seguranccedila fortalecida madura natildeo sendo identificado no
hospital em estudo Essa tendecircncia agrave negaccedilatildeo pode advir da cultura punitiva que impera ainda
nos serviccedilos de sauacutede de uma forma geral principalmente nos hospitais em que ainda
prevalece o poder pelo saber-fazer e a questatildeo hieraacuterquica tem forccedila no cotidiano entre os
profissionais de sauacutede
A baixa percepccedilatildeo da ocorrecircncia de incidentes pode advir tambeacutem do foco do
procedimento ciruacutergico ser a cura da doenccedila Por isso haacute a necessidade de estar ausente do
cenaacuterio em que ocorreu um incidente Tambeacutem por questotildees oacutebvias da tensatildeo gerada e que
desde a formaccedilatildeo o discurso eacute de que os profissionais da sauacutede natildeo podem errar Nesse
sentido segundo Morin (2003) a universidade eacute conservadora por memorizar e ritualizar
uma heranccedila cultural de saberes ideias valores eacute regeneradora por reexaminar atualizar e
transmitir essa heranccedila e eacute geradora de saberes ideias e valores que passam entatildeo a fazer
parte da heranccedila (MORIN 2003) A heranccedila acadecircmica nega que o erro vem de longos
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 141
tempos perpetuando no cotidiano de trabalho nos dias atuais sendo necessaacuterio repensar esse
discurso enraizado
Haacute tambeacutem um paradoxo do silecircncio versus ruiacutedos transmitidos pela ldquoraacutedio peatildeordquo
quando algo indesejaacutevel ocorre na assistecircncia ciruacutergica ao paciente Os comentaacuterios sobre o
incidente ocorrido tanto perpassam entre os profissionais mascarados de um segredo quanto
ficam enterrados em um silecircncio ensurdecedor
Quando acontece [incidente] natildeo eacute divulgado [com ecircnfase] Ningueacutem conta
ldquoOperei o lado erradordquo ldquoDeixei uma compressa na barriga do pacienterdquo A coisa
fica no grupinho que viu que participou e que sabe (Ed16)
O plantatildeo da noite foi passando pra gente do dia mas ficou aquela coisa Oh
aconteceu isso issordquo ldquoNossardquo ldquoMas aiacute natildeo fica comentando (Ed31)
Eu costumo brincar que o meacutedico o cirurgiatildeo tem uma vantagem muito grande
sobre o engenheiro ldquoO engenheiro erra a terra mostra O meacutedico erra e a terra
encobrerdquo [risos] [] O engenheiro faz uma casa torta todo mundo vecirc Se o paciente
morreu a terra vai encobrir (risos) [] (Ed12)
A expressatildeo ldquoO engenheiro erra a terra mostra O meacutedico erra e a terra encobrerdquo
denota algo da cultura de ocultaccedilatildeo e subnotificaccedilatildeo do erro A citaccedilatildeo de Martin Luther
King no inicio desta subcategoria expressa os malefiacutecios do silecircncio dos profissionais diante
dos incidentes sendo algo preocupante por natildeo trazer melhoria aos processos de trabalho
Pode ser que esse silecircncio seja resultado de um rumor constante de milhotildees de vozes na
sociedade que nega a falibilidade humana principalmente do profissional de sauacutede Fernandes
e Queiroacutes (2011) confirmam que haacute evidecircncias de um paradigma da ocultaccedilatildeo e puniccedilatildeo do
erro No estudo desses autores os enfermeiros relataram que quando notificam um incidente
eles mesmos se tornam o centro da atenccedilatildeo e natildeo o incidente (FERNANDES QUEIROacuteS
2011) Esse comportamento de imputar culpa tambeacutem ocorre na instituiccedilatildeo em estudo
conforme a seguir
[] o pessoal ficou meio olhando assim pra ele [faz um barulho de leatildeo] ldquoAh vocecirc
foi culpadordquo Sabe Ficou um clima bem chato (Ed8)
Dizem que errar eacute humano mas mais humano ainda eacute apontar um culpado Eacute um
ditado popular que vai ao encontro da situaccedilatildeo de ocorrecircncia de um erro na assistecircncia agrave
sauacutede Erro pela classificaccedilatildeo da OMS eacute uma falha natildeo intencional na execuccedilatildeo de um plano
de accedilatildeo conforme esperado ou a sua execuccedilatildeo de forma incorreta Ocorre tanto por fazer a
coisa errada (erro de accedilatildeo) quanto por falhar em fazer a coisa certa (erro de omissatildeo) no
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 142
momento de planejar ou executar (WHO 2009) Apoacutes um erro as pessoas fazem julgamentos
raacutepidos e acusam quem estaacute mais obviamente relacionado agravequela ocorrecircncia Isso revela o que
estaacute por traacutes nos bastidores do incidente Os fatores reais e toda a complexidade do incidente
satildeo desvelados somente apoacutes investigaccedilotildees cuidadosas e detalhadas (VICENT 2009) Esse
tipo de julgamento raacutepido eacute tiacutepico tambeacutem da miacutedia que rompe o silecircncio institucional
promovido e arraigado na cultura organizacional Isso ocorre principalmente no caso de erros
graves e que geraram a morte de pacientes
Todo mundo soube O Super [jornal sensacionalista] soube [] Aiacute natildeo teve como
[incidente foi grave com oacutebito] (Ed11)
No Brasil nos uacuteltimos tempos assistiu-se agrave exposiccedilatildeo dos profissionais da linha de
frente na miacutedia principalmente por meio da acusaccedilatildeo de profissionais de enfermagem pelos
erros decorridos da assistecircncia Segundo Wachter (2010) a miacutedia eacute vista por muitos como um
mecanismo favoraacutevel por garantir a responsabilizaccedilatildeo levar os profissionais a reforccedilarem
regras e garantirem os recursos necessaacuterios para melhoria da qualidade De fato segundo o
autor eacute difiacutecil encontrar serviccedilos de sauacutede tatildeo energizados quanto aqueles que tiveram
expostos os seus erros na miacutedia e satildeo vaacuterios os exemplos que turbinados por erros
midiaacuteticos reforccedilaram a seguranccedila institucional (WACHTER 2010)
No entanto a exposiccedilatildeo na miacutedia pode levar tambeacutem ao medo institucional e
individual estimulando ainda mais a atmosfera de silecircncio aumentando tambeacutem as chances
de natildeo discutir e aprender com os erros ocorridos (WACHTER 2010) Aleacutem disso a
exposiccedilatildeo na miacutedia ocorre por vezes de forma desnecessaacuteria ou incoerente envergonhando
publicamente os profissionais e destruindo suas carreiras Por outro lado essas notiacutecias
midiaacuteticas sobre erros geram tambeacutem uma seacuterie de discussotildees positivas no paiacutes com foco
sobre a formaccedilatildeo dos profissionais e condiccedilotildees de trabalho
Aleacutem de achar um culpado haacute na fala dos profissionais do estudo a necessidade
talvez predominante ainda de puniccedilatildeo Existe ateacute mesmo uma indignaccedilatildeo de natildeo se ver
alguma penalidade sendo para eles um recurso de prevenccedilatildeo da recorrecircncia do incidente
sendo que os que buscam culpados podem estar envolvidos em incidentes no futuro Por outro
lado o medo da accedilatildeo judicial prejudica o diaacutelogo sobre incidentes
Falha acontece mas aiacute tem de punir a pessoa [] errar eacute humano mas dependendo
natildeo pode ter aquele erro [ecircnfase] Porque eacute vida neacute Tem de ter uma puniccedilatildeo sim
Uma advertecircncia Alguma coisa para natildeo acontecer de novo (Ei14)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 143
Nunca vi ningueacutem ser mandado embora [com ecircnfase] ou receber uma advertecircncia
uma suspensatildeo por nada que aconteceu com o paciente [] deveria ser levado ateacute
mesmo se acontecer uma coisa muito grave [com ecircnfase] aos oacutergatildeos cabiacuteveis Uma
coisa que natildeo acontece (Ei15)
O medo da responsabilizaccedilatildeo penal dificulta o diaacutelogo para saber [] para tentar
evitar e melhorar e mudar alguma poliacutetica (Ed17)
[] a famiacutelia entrou com accedilatildeo judicial [] parece que tinha meacutedico na famiacutelia
entatildeo assim foi um caso muito complicado [] (Ei1)
Pela experiecircncia dos profissionais as medidas disciplinares inclusive o acionamento
da justiccedila satildeo pequenas frente agraves ocorrecircncias de erros e incidentes sendo dependente do
conhecimento das famiacutelias sobre seus direitos Na sauacutede muitos erros envolvem lapsos que
satildeo falhas nos comportamentos automaacuteticos que podem atingir os profissionais mais
competentes e experientes Os lapsos natildeo satildeo intencionais e natildeo podem ser prevenidos pelo
medo de accedilotildees judiciais aleacutem de que os profissionais da linha de frente natildeo satildeo realmente os
culpados pois satildeo apenas os uacuteltimos da linha em uma longa cadeia de erros (WACHTER
2010) Entre os muacuteltiplos problemas complexos da aacuterea de seguranccedila do paciente nenhum eacute
mais difiacutecil do que o equiliacutebrio entre a abordagem sistecircmica da ldquonatildeo culpabilidade e a
necessidade de responsabilizaccedilatildeo (individual administrativo e organizacional) (WACHTER
2010)
Ainda que esteja correto o princiacutepio basilar da seguranccedila do paciente qual seja que
os erros envolvem sistemas disfuncionais em vez de maus profissionais percebe-se tambeacutem
que a responsabilizaccedilatildeo eacute um atributo fundamental de um sistema seguro Isso para que se
tenha credibilidade entre os profissionais e populaccedilatildeo frente agrave ocorrecircncia de accedilotildees inseguras
como por exemplo erros cometidos por profissionais embriagados habitualmente
descuidados ou que natildeo seguem normas baacutesicas (WACHTER 2010)
Aleacutem disso as agecircncias regulatoacuterias e o legislativo podem avaliar a abordagem da
ldquonatildeo culpabilidaderdquo como comportamento corporativista e natildeo como uma estrateacutegia para
trabalhar as causas raiz da maioria dos erros Se chegarem a essa conclusatildeo poderatildeo interferir
mais sobre a praacutetica da sauacutede utilizando penas duras frequentemente politizadas dos
sistemas juriacutedico regulatoacuterio e de pagamentos (WACHTER PRONOVOST 2009) Assim
James Reason citado por Wachter (2010) diz que eacute necessaacuteria uma cultura justa para se
desenvolver um ambiente de confianccedila no qual os profissionais sejam estimulados e
recompensados por agirem com foco na seguranccedila mas que tambeacutem esteja claro o limite
entre o comportamento aceitaacutevel e o inaceitaacutevel para garantir a seguranccedila dos pacientes
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 144
Haacute uma diferenciaccedilatildeo na visatildeo e na forma de abordar o erro dependendo da categoria
profissional Isto eacute fortemente influenciado segundo os profissionais pelo corporativismo
profissional e pelo saber-fazer
O meacutedico nunca erra [] Essa eacute a visatildeo deles [] Acho que eacute o saber neacute Como
ele estaacute laacute no topo Estudou mais ou continua estudando ele acha ldquoSou superiorrdquo
Em conhecimento ele eacute superior sim [com ecircnfase] (Ed12)
[] os meacutedicos satildeo o que eu queria que a enfermagem fosse unida Erros meacutedicos
se a gente natildeo vecirc natildeo sabe o assunto morreu ali [ecircnfase] Natildeo eacute como a gente
ldquoNossa Fizeram isso issordquo natildeo Eles natildeo tecircm isso (Ed11)
Se um teacutecnico faz coisa errada eacute chamado atenccedilatildeo se o enfermeiro cometer qualquer
falha a supervisatildeo eacute acionada [ecircnfase] Isso tambeacutem deveria acontecer com os
meacutedicos e natildeo acontece [ecircnfase] [] meacutedicos acham que mandam que sabem tudo
que satildeo deuses neacute (Ei15)
Essa discrepacircncia nas abordagens disciplinares segundo Wachter (2013) tambeacutem
ocorre nos EUA onde haacute dois pesos e duas medidas Os hospitais satildeo treinados em cultura
justa mas evitam disciplinar principalmente os meacutedicos Esses satildeo autocircnomos e podem
mudar de hospital natildeo sendo atrativo para a direccedilatildeo aplicar alguma penalidade em funccedilatildeo do
seu comportamento e praacutetica O resultado disso eacute uma cultura de natildeo responsabilizaccedilatildeo dos
meacutedicos mesmo em hospitais com medidas disciplinares para enfermeiros (WACHTER
2013)
Aleacutem da forma de lidar com o erro ser diferente dependendo da categoria profissional
haacute uma disputa para encontrar o culpado entre os diferentes profissionais
[] carrinho de anestesia natildeo estava funcionando e o paciente teve sequelas No
empurra-empurra de culpados a corda sempre arrebenta do lado mais fraco Soacute que a
gente mostrou que o responsaacutevel era x [] [O anestesista disse] que foi o teacutecnico
que natildeo observou mas o responsaacutevel eacute o anestesista [] durante a cirurgia se ele
tem que ir ao banheiro ele pede a gente pra observar mas ele estava na sala e natildeo
notou o mau funcionamento Quando chegou outro anestesista e notou A gente
achou que era problema do equipamento mas depois viu que natildeo O dispositivo que
libera ou natildeo o oxigecircnio estava desligado O anestesista natildeo ligou (Ed13)
Inicialmente caiu tudo em cima da engenharia hospitalar E aiacute conseguiu comprovar
isso [que a falha natildeo foi no equipamento] a diretoria entrou no meio [] (Ei1)
Haacute um jogo de responsabilidades no enfrentamento dos incidentes influenciado pelas
diferenccedilas nas categorias e funccedilotildees Aleacutem disso os atores natildeo humanos tambeacutem influenciam
nas relaccedilotildees interprofissionais Os cirurgiotildees e anestesistas comandam as tecnologias duras
como o carrinho de anestesia e o bisturi enquanto os demais profissionais satildeo responsaacuteveis
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 145
por auxiliar no uso dos natildeo humanos ou mantecirc-los em funcionamento como no caso da
engenharia hospitalar Na ocorrecircncia do incidente a relaccedilatildeo que se estabelece eacute fortemente
influenciada pelas diferenccedilas dadas entre as funccedilotildees e pelos elevados gradientes de hierarquia
entre as categorias profissionais Segundo Wachter (2013) os gradientes de hierarquia entre
profissionais satildeo caracteriacutesticos da cultura presente nos serviccedilos de sauacutede e versam na
distacircncia psicoloacutegica entre o colaborador e o seu supervisor
No caso relatado por Ed13 o anestesista tinha uma posiccedilatildeo hieraacuterquica culturalmente
maior ficando numa relaccedilatildeo assimeacutetrica com o teacutecnico de enfermagem e com o profissional
da engenharia hospitalar Percebe-se que os gradientes de hierarquia estatildeo presentes natildeo
somente entre os profissionais que atuam diretamente na assistecircncia ao paciente ciruacutergico
mas tambeacutem na relaccedilatildeo destes com os que atuam indiretamente Eacute desprezado de certa forma
um saber-fazer das accedilotildees indiretas mas que pode auxiliar na prevenccedilatildeo e mitigaccedilatildeo de
incidentes na assistecircncia direta ao paciente
Tudo isso faz com que instintivamente os profissionais tenham um comportamento
defensivo no que se refere a relatar e discutir a ocorrecircncia de incidentes e erros em seu
trabalho dado o medo de puniccedilatildeo
[o caso] da anestesia da paciente que operou e faleceu na mesa A primeira coisa que
o ortopedista do outro lado fez foi levantar a matildeo ldquoEu natildeo fiz nadardquo Com medo da
gente da anestesia culpaacute-lo de alguma coisa [] (Ed17)
Defender-se se isentando da responsabilidade por algum ato tambeacutem eacute humano
Segundo Keatings et al (2006) isso eacute histoacuterico devido agrave cultura de imputar culpa fazendo
com que os profissionais se posicionem instintivamente de forma relutante e defensiva
Ademais este comportamento pode advir da atmosfera social vivenciada desde crianccedila das
penalidades exageradas quando o erro era evidenciado e da falta de diaacutelogo que foi sendo
cultivada na sua educaccedilatildeo Inclua-se tambeacutem o fato de ser difiacutecil para um profissional que
dedicou tanto para sua atuaccedilatildeo profissional vivenciar uma situaccedilatildeo que ele aprendeu que era
inconcebiacutevel para um bom profissional dando a entender que quando erra eacute sinocircnimo de natildeo
ser bom profissional Vivenciar um incidente no qual se foi agrave uacuteltima barreira para evitar o erro
eacute ldquoum negoacutecio muito solitaacuteriordquo
Na hora do evento adverso entra gente ajuda e tal mas na hora de assumir a
complicaccedilatildeo aiacute eacute sempre um negoacutecio muito solitaacuterio [] quando eu vi eu era
residente ainda estava soacute eu e meu preceptor Desapareceu todo mundo [com
ecircnfase] (Ed17)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 146
Conforme relatado por Ed17 e tambeacutem Vicent (2009) afirma que o erro eacute vivenciado
em dramaacutetica solidatildeo Desse erro pode resultar processo penal censura expliacutecita ou
silenciosa da sociedade e dos pares (MARTINS FRAGATA 2014) Nesse sentido eacute
necessaacuterio o acompanhamento do profissional sendo este considerado a segunda viacutetima que
vivencia com grande sofrimento o ocorrido
Para o profissional ele jaacute estava cumprindo aviso preacutevio [] foi um negoacutecio ateacute
difiacutecil de abordar [] ele acabou carregando esse peso para onde quer que tenha
ido As pessoas se conhecem de outros hospitais e a gente tem de vez em quando
notiacutecia que realmente foi um trauma muito grande (Ed21)
Ela teve o apoio da supervisatildeo de enfermagem Na hora tentamos acalmaacute-la porque
estava em estado de choque Natildeo tinha a menor [ecircnfase] condiccedilatildeo de escutar que ela
natildeo pode administrar uma droga que outra pessoa prepara [] no outro dia eacute que
chamamos para conversar [] Foi bom ter acontecido ela eacute nova receacutem-formada e
a orientamos [] Todo mundo perguntou para ela e para os outros colegas querendo
saber o que tinha acontecido Foi um clima muito ruim pra ela Todo mundo falando
pelos corredores [] (Ed26)
A expressatildeo de Ed21 ldquofoi um trauma muito granderdquo se referindo ao profissional
diretamente envolvido no incidente mostra que a ocorrecircncia de incidentes gera um impacto
negativo pessoal e profissional segundo Mira et al (2015) os profissionais satildeo a segunda
vitima do incidente ocorrido Os eventos adversos podem causar ansiedade insocircnia perda de
confianccedila e concentraccedilatildeo no trabalho sentimento de derrota depressatildeo anguacutestia e outros
sintomas nervosos foram respostas comuns de profissionais que estavam na linha de frente na
ocorrecircncia de erros (VICENT 2009 MIRA et al 2015) Contudo segundo Vicent (2009)
uma pequena proporccedilatildeo dos erros eacute muito traumaacutetica para os profissionais Um erro se torna
traumaacutetico quando o desfecho ou seja a consequecircncia para o paciente e famiacutelia eacute grave
quando haacute raiva ou anguacutestia do paciente ou famiacutelia se o erro for resultado de uma conduta em
desacordo claro com os padrotildees recomentados depende da reaccedilatildeo dos colegas de trabalho
seja de apoio ou criacutetica falta de apoio da famiacutelia e dos amigos e se o profissional for muito
autocriacutetico (VICENT 2009) Independente se foi muito ou pouco traumaacutetico para o
profissional eacute necessaacuterio que este seja acompanhado por profissionais que o ajudem a superar
os traumas Poreacutem segundo Mira et al (2015) a maioria raramente recebe qualquer
treinamento ou educaccedilatildeo sobre estrateacutegias de enfrentamento para este fenocircmeno incluindo o
apoio necessaacuterio para lidar com a tarefa de contar os pacientes e familiares sobre o evento
adverso ocorrido
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 147
No entanto eacute necessaacuterio revelar e acompanhar os pacientes e familiares envolvidos em
situaccedilotildees indesejaacuteveis provocados pela assistecircncia agrave sauacutede A comunicaccedilatildeo dos incidentes
ocorridos aos pacientes e famiacutelias (disclosure) eacute considerada um dos pilares para promoccedilatildeo da
cultura de seguranccedila mas eacute um processo que exige muito treinamento e a participaccedilatildeo de
outros profissionais principalmente da psicologia
O paciente foi levado pro CTI teve uma atenccedilatildeo diferenciada principalmente no
suporte psicoloacutegico agrave famiacutelia A psicoacuteloga [] deu o celular dela pra famiacutelia [] a
relaccedilatildeo ficou muito interessante a famiacutelia teve atenccedilatildeo direto Foi um caso que foi
realmente cercado pra minimizar o que jaacute estava muito ruim pra natildeo ficar pior []
A diretoria com a psicologia presente [contaram para a famiacutelia sobre o incidente]
[] Eu particularmente natildeo participei dessa conversa (Ed21)
O sofrimento vivenciado tanto pelos profissionais quanto pelos pacientes e familiares
apoacutes um incidente eacute ainda maior se este incidente tiver como draacutestico resultado a morte Haacute
como esperado e relatado nos discursos dos sujeitos desta pesquisa e na literatura um grande
sofrimento Contudo mesmo sendo obrigatoacuterio moral e eticamente revelar os erros eacute algo
pouco realizado devido agrave incerteza sobre como os pacientes ndash e familiares ndash reagiratildeo bem
como devido ao receio das medidas disciplinares e legais (HOBGOOD et al 2005
GARBUTT et al 2007) Aleacutem de que eacute uma situaccedilatildeo muito difiacutecil para a qual em geral haacute
pouca orientaccedilatildeo ou treinamento (VICENT 2009) e natildeo eacute um tema abordado durante a
formaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede No estudo de Belela et al (2010) realizado em um
hospital de Satildeo Paulo em 2008 dos 110 erros de medicaccedilatildeo notificados 958 natildeo foram
informados aos pacientes e familiares Natildeo revelar o ocorrido para quem sofreu o dano eacute
considerado um comportamento desleal para com os pacientes famiacutelias e comunidade aleacutem
de desperdiccedilar valiosa ocasiatildeo para melhorar o cuidado prestado (KEATINGS et al 2006)
Haacute tambeacutem resistecircncia para a realizaccedilatildeo das notificaccedilotildees Isso eacute maior quando o
incidente envolve diferentes categorias profissionais havendo um embate e novamente um
jogo causado tambeacutem pelos diferentes gradientes de hierarquia
O anestesista natildeo queria que abrisse a notificaccedilatildeo do evento adverso (pausa) [] eu
natildeo posso omitir um fato desses Ateacute porque eacute uma coisa que todo mundo viu []
Natildeo soacute por isso mesmo que ningueacutem tivesse visto Eu enquanto profissional
jamais omitiria O erro aconteceu (Ed26)
[] as pessoas ainda natildeo acolheram o evento como oportunidade de revisar processo
e melhorar condiccedilatildeo de trabalho Ainda entendem principalmente quando satildeo de
categorias diferentes o evento adverso como Uma Uma entrega do outro ldquoEstou
denunciando o outrordquo [] (Ei30)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 148
Os dois relatos acima satildeo do mesmo incidente de administraccedilatildeo de medicamento em
que estiveram envolvidos um anestesista e um teacutecnico de enfermagem sendo relatada a
dificuldade e tensatildeo gerada no ato de notificar Segundo Martins e Fragata (2014) os meacutedicos
nunca souberam lidar com o erro por muacuteltiplas razotildees Dentre elas devido agrave cultura
tradicional baseada na perfeiccedilatildeo que condecora modelos infaliacuteveis ignorando a fragilidade da
ciecircncia e o pressuposto de que a partir do erro o conhecimento avanccedila o erro eacute quase sempre
sinocircnimo de negligecircncia ou falha de caraacuteter e por fim devido agraves consequecircncias penais e de
censura dentro e fora da instituiccedilatildeo (MARTINS FRAGATA 2014) Contudo mesmo que
haja profissionais sejam meacutedicos ou natildeo que acham que natildeo erram eles natildeo satildeo
ldquosuperprofissionaisrdquo e tecircm a mesma inclinaccedilatildeo para o erro como qualquer outro ser humano
Assim Morin (2000 p 47) afirma que os seres humanos onde quer que se encontrem ldquo[]
devem reconhecer-se em sua humanidade comum e ao mesmo tempo reconhecer a
diversidade cultural inerente a tudo que eacute humanordquo
A maturidade no quesito notificaccedilatildeo pelos diversos profissionais eacute um processo que
leva tempo e se desenvolve a partir da evoluccedilatildeo da cultura da seguranccedila No entanto haacute casos
que satildeo mais faacuteceis de serem notificados como os incidentes devido agrave queda
[] funciona bem para alguns eventos Outros ainda em construccedilatildeo [] no
primeiro semestre eu tive 16 quedas na ciruacutergica [] os profissionais estatildeo muito
afiados na notificaccedilatildeo Caiu notificam [] para outros eventos isso natildeo eacute tatildeo claro
natildeo eacute tatildeo faacutecil de trabalhar A queda eacute como se natildeo tivesse um culpado quando eacute
um erro de administraccedilatildeo de medicaccedilatildeo eacute como se para aquela situaccedilatildeo tivesse que
eleger um culpado pra notificar (Ei30)
[] nos uacuteltimos tempos as notificaccedilotildees aumentaram em volume e mudaram de
perfil Antes era muito mais a equipe de enfermagem que notificava agora estaacute
equilibrando com a equipe meacutedica e as outras categorias (Ei23)
Os profissionais de enfermagem sempre foram os que mais notificaram Segundo
Garbutt et al (2007) as barreiras para que os meacutedicos notifiquem vecircm da cultura da
autonomia profissional a qual enfatizou ao longo do tempo a responsabilidade individual
pelos resultados da assistecircncia aos pacientes
Haacute maior facilidade em notificar alguns casos que outros por exemplo os incidentes
por queda mencionado por Ei30 e tambeacutem por Souza et al (2014) Essa facilidade eacute devido
ao pensamento de que a queda natildeo tem um responsaacutevel direto ou talvez que foi ldquoculpardquo do
paciente ou do familiar que estava o acompanhando
No processo de maturidade do sistema de notificaccedilatildeo a qualidade das notificaccedilotildees foi
citada pelos profissionais Foram realizados diversos treinamentos pelo setor de qualidade
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 149
com o objetivo de disseminar o uso do formulaacuterio de notificaccedilatildeo mas muitos profissionais
afirmam que natildeo o conhecem
Foram realizados vaacuterios treinamentos referentes agrave notificaccedilatildeo de evento adverso []
A gente queria que notificassem mas depois que comeccedilou a gente viu que natildeo
estava legal [] eu natildeo divulgo natildeo faccedilo discussatildeo do perfil e iacutendice das
notificaccedilotildees por que natildeo tenho fidedignidade dos dados [] tem muita dificuldade
com a qualidade dos relatos (Ei23)
Vi um dia um meacutedico fazer uma notificaccedilatildeo de uma enfermeira e a enfermeira fazer
a notificaccedilatildeo do mesmo meacutedico Em dois computadores e salas diferentes Isso eacute
briguinha pessoal natildeo eacute pra ser notificado (Ed16)
Notificou no prontuaacuterio [] formulaacuterio especiacutefico de notificaccedilatildeo adversa estou
sabendo que existe agora que vocecirc estaacute me falando [] (Ed19)
Nunca usei [formulaacuterio de notificaccedilatildeo] [] Por natildeo precisar E se um dia precisar
vou saber natildeo Vou ter que pedir algueacutem pra me mostrar (Ed31)
Todos conhecem [formulaacuterio de notificaccedilatildeo] Atualmente as notificaccedilotildees estatildeo mais
focadas no cuidado do paciente e natildeo em problemas pessoais ou problemas de
relaccedilatildeo com o chefe ou qualquer pessoa que seja (Ed21)
Interessante que segundo o relato de um entrevistado que ocupa cargo de chefia todos
conhecem a metodologia de notificaccedilatildeo mas muitos profissionais nem sabiam da existecircncia
de um formulaacuterio proacuteprio para notificaccedilatildeo No estudo de Garbutt et al (2007) 40 dos
sujeitos da pesquisa tambeacutem natildeo sabiam se em sua instituiccedilatildeo havia um sistema de
notificaccedilatildeo e 9 disseram que natildeo estava disponiacutevel mesmo tendo o sistema na instituiccedilatildeo
Para Ed21 a qualidade das notificaccedilotildees jaacute ultrapassou as falhas iniciais mas segundo
outros profissionais muitas notificaccedilotildees realizadas natildeo tecircm o menor sentido satildeo questotildees de
cunho pessoal por maacute relaccedilatildeo interprofissional ou pequenas questotildees que natildeo configuram um
incidente Percebe-se assim uma necessidade de alinhamento conceitual entre os diversos
profissionais aleacutem de treinamento com foco na qualidade das notificaccedilotildees A falta de dados
fidedignos e qualidade das notificaccedilotildees podem ser devido agrave cultura organizacional que indica
ldquo[] uma poderosa influecircncia das forccedilas sociais para moldar o comportamentordquo (VICENT
2009 p 101) refletindo o comprometimento dos profissionais desde a notificaccedilatildeo ateacute a
prevenccedilatildeo e mitigaccedilatildeo de incidentes
A falta de qualidade dos dados segundo os profissionais tem gerado a natildeo divulgaccedilatildeo
de estatiacutesticas de incidentes Parece ser uma justificativa plausiacutevel no sentido de natildeo propagar
uma informaccedilatildeo incompleta Poreacutem indica imaturidade organizacional e falhas no sistema de
notificaccedilatildeo de incidentes Uma das principais falhas no sistema de notificaccedilatildeo de incidentes
do hospital para os profissionais eacute a metodologia escolhida de natildeo identificar o notificador
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 150
Aqui vocecirc faz uma notificaccedilatildeo e natildeo precisa se identificar [] Natildeo tem muito
sentido natildeo [] quando eu notifico eu me identifico Eu natildeo estou notificando pra
brincar pra acusar ningueacutem eu estou notificando pra que aquilo natildeo se repita e que
a gente possa corrigir o erro (Ed16)
Existem trecircs principais meacutetodos de se notificar incidentes anocircnimo confidencial e
aberto No meacutetodo anocircnimo natildeo se identifica o profissional isso encoraja a notificaccedilatildeo mas
natildeo permite o acompanhamento uma vez que natildeo eacute possiacutevel responder agraves questotildees surgidas
com a investigaccedilatildeo Nas notificaccedilotildees confidenciais o nome do notificador eacute conhecido mas
protegido pela instituiccedilatildeo exceto em caso de maacute conduta ou ato criminoso quando eacute revelado
para as autoridades cabiacuteveis Esse meacutetodo permite que possam ser realizados questionamentos
ao autor da notificaccedilatildeo Por fim nos sistemas de notificaccedilatildeo abertos todos os profissionais e
locais de atuaccedilatildeo satildeo publicamente identificados Esses raramente satildeo usados na sauacutede pois
haacute grande possibilidade de publicidade indesejada e acusaccedilatildeo (WACHTER 2013)
No hospital em estudo o formulaacuterio de notificaccedilatildeo fica disponiacutevel na intranet e os
profissionais acessam voluntariamente Segundo Lorenzini Santi e Baacuteo (2014) a notificaccedilatildeo
voluntaacuteria eacute o procedimento mais empregado para detectar incidentes No entanto tem-se
como limitaccedilatildeo a subnotificaccedilatildeo devido a limitaccedilotildees de tempo a falta de sistemas de
informaccedilatildeo apropriados o receio de litiacutegio a resistecircncia em relatar os proacuteprios erros a falta
de conhecimento sobre a importacircncia dos incidentes e a falta de mudanccedilas apoacutes a notificaccedilatildeo
(LORENZINI SANTI BAacuteO 2014) Aleacutem disso os sistemas voluntaacuterios natildeo podem ser
utilizados de forma isolada para avaliar taxas de erros Eacute necessaacuterio lanccedilar matildeo de outras
teacutecnicas que possibilitem identificar erros e situaccedilotildees de risco como busca em prontuaacuterio e
trigger tool (identificaccedilatildeo de elementos rastreadores que podem dar pistas de que tenha
ocorrido um incidente) Por outro lado o meacutetodo voluntaacuterio de comunicaccedilatildeo eacute o mais uacutetil
para a induccedilatildeo de alteraccedilotildees comportamentais (LORENZINI SANTI BAacuteO 2014)
As notificaccedilotildees realizadas pelos profissionais do hospital em estudo vatildeo para o e-mail
do setor de qualidade sendo separados e enviados para a chefia do local em que ocorreu o
incidente para que este responda agrave notificaccedilatildeo Quando eacute algo grave o setor de qualidade e
muitas vezes a proacutepria diretoria trabalham juntos com a chefia na investigaccedilatildeo do incidente
Em vaacuterios relatos sobre o tratamento dos incidentes principalmente os graves a participaccedilatildeo
da diretoria foi mencionada pelos profissionais evidenciando a importacircncia dada pelos
sujeitos sobre o comportamento da lideranccedila O liacuteder eacute o modelo a ser seguido eacute este que
influencia o desenvolvimento de comportamentos valores e crenccedilas dos colaboradores da
instituiccedilatildeo fortalecendo ou natildeo a cultura organizacional (YAFANG 2011)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 151
Observou-se outra falha do sistema de notificaccedilatildeo que eacute a ausecircncia de discussatildeo
multiprofissional sobre os incidentes ocorridos por medo da culpabilizaccedilatildeo embora alguns
profissionais em cargo de lideranccedila tenham afirmado que se tecircm discutido os casos graves
[] era pra ter mais diaacutelogo [] para a pessoa ter liberdade ateacute de pensar em
hipoacuteteses do evento adverso pra tentar melhorar a assistecircncia Natildeo pra punir Mas
uma coisa puxa a outra [] eacute difiacutecil a pessoa abordar esse tema sem se expor sem
gerar provas aquele princiacutepio da justiccedila que ningueacutem eacute obrigado a gerar prova
contra vocecirc mesmo [] quando acontece um evento adverso tem que ter mecanismo
para driblar isso tudo porque esses eventos adversos fazem a equipe crescer (Ed17)
A gente passa no corredor eacute possiacutevel ve-los falando com o preceptor e o preceptor
puxando a orelha [risos] [] Quando eacute com a gente eacute discutido chamado pra
reuniatildeo conversa com a pessoa depois abre reuniatildeo pra natildeo acontecer de novo A
supervisatildeo [de enfermagem] fica mais em cima [] de meacutedico quando acontece
algum erro [] natildeo eacute aberto com a gente (Ed8)
Teve umas notificaccedilotildees graves num passado recente [] que a gente conseguiu
apresentar de uma forma tranquila [] conseguiu um espaccedilo pra discutir Apesar
das pessoas ainda ficarem na defensiva [] infelizmente a gente ainda natildeo
conseguiu partir para os encaminhamentos Todo mundo viu todo mundo ficou
chocado com o que aconteceu a gente conseguiu discutir [] mas noacutes natildeo
conseguimos encaminhar accedilotildees concretas [] Mas jaacute foi um ganho pelo menos a
gente conseguiu discutir Porque isso eacute uma coisa assim ldquoNoacute isso natildeo pode nem
sair daquirdquo (Ei23)
Os profissionais de sauacutede satildeo instados a discutir com os colegas os erros para que o
evento possa ser analisado e sua recorrecircncia evitada mas muitas vezes tal iniciativa se ateacutem
agrave discussatildeo informal entre os colegas (GARBUTT et al 2007) A ausecircncia de discussatildeo
multiprofissional seja diante de um incidente ou mesmo no planejamento da assistecircncia ao
paciente eacute um forte paradigma a ser superado na cultura dos serviccedilos de sauacutede Isso soacute
fortalece a conhecida distacircncia que existe entre o que se sabe em teoria nas diversas
disciplinas e o que se aplica no cotidiano (know-do gap) que eacute complexo e ocorre pelo
conjunto de accedilotildees dos diversos profissionais Segundo Garbutt et al (2007) a disposiccedilatildeo dos
meacutedicos para relatar discutir com colegas e pacientes os erros eacute ameaccedilada pelo medo de
litiacutegios e preocupaccedilatildeo em manchar a reputaccedilatildeo profissional
A falta de discussatildeo aberta na equipe multiprofissional pode resultar tambeacutem no
desconhecimento dos profissionais sobre o desfecho final dos incidentes Natildeo haacute um retorno
para quem notificou e natildeo haacute divulgaccedilatildeo para os demais colaboradores visando o redesenho
dos processos de trabalho como pode ser constatado nos relatos a seguir
Isso foi notificado deu processo mas nunca mais ouvi falar Natildeo sei que rumo
levou (Ed4)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 152
Eu jaacute fiz formulaacuterios [de notificaccedilatildeo de eventos adversos] e jaacute enviei nunca recebi
nunca obtive resposta [] nunca a minha chefe chegou e falou ldquoOlha chegou uma
resposta sobre uma notificaccedilatildeordquo (Ei15)
Acho que o processo judicial permaneceu o fim que [gaguejo] teve natildeo sei A
diretoria entrou no meio e tudo mas natildeo sei qual a conclusatildeo [] depois natildeo me
interessou mais e eles natildeo iam passar informaccedilatildeo [] cabia eu provar que natildeo foi
falha do equipamento e graccedilas a Deus eu consegui (Ei1)
Haacute um sigilo sobre as investigaccedilotildees do incidente seja no niacutevel local no hospital seja
quando haacute alguma accedilatildeo judicial A transparecircncia requerida para uma cultura de seguranccedila
forte ainda natildeo eacute norma no hospital em estudo e nas instituiccedilotildees de sauacutede em geral De certa
forma os profissionais se sentem ateacute aliviados por terem saiacutedo da discussatildeo do caso Aleacutem da
falta de discussatildeo e feedback das notificaccedilotildees natildeo haacute treinamento para todos os profissionais
apoacutes a ocorrecircncia do incidente
E a situaccedilatildeo foi levada inclusive pra diretoria que me chamou pra saber o que tinha
acontecido [] Natildeo foi feito treinamento com a equipe (Ed26)
[] depois desse acontecido toda vez eu olho pra chave (pausa) [] Ficou marcado
Vou lembrar sempre Nunca um paciente entra na minha sala que eu natildeo confiro
essa chavinha no carrinho [] No dia tinha uma anestesista que estava comigo na
sala [] Ela me mostrou falou ldquoessa chave aquirdquo E me explicou o funcionamento
que eu natildeo sabia [] Natildeo Que me chamasse pra treinamento natildeo Eu comentei
com a anestesista e ela me explicou me mostrou [] Ningueacutem [dos colegas
tiveram aquele treinamento em serviccedilo] Acho que natildeo (pausa) (Ed31)
No incidente do paciente que veio a oacutebito devido a um lapso do profissional natildeo ter se
atentado para uma vaacutelvula do oxigecircnio no carrinho de anestesia pelos depoimentos somente
um profissional movido pela curiosidade recebeu ldquotreinamentordquo mesmo que informal dentro
da sala ciruacutergica Eacute necessaacuterio que frente aos incidentes ocorridos se realize accedilotildees educativas
abrangentes para promover a capacitaccedilatildeo e o aperfeiccediloamento dos profissionais que atuam
direta e indiretamente na assistecircncia ciruacutergica com vistas agrave melhoria sistecircmica dos processos
de trabalho Assim mais atenccedilatildeo precisa ser dada agrave qualificaccedilatildeo dos atores humanos uma vez
que segundo Vicente (2009) as falhas teacutecnicas ndash dos atores natildeo humanos ndash embora possam
ser importantes exercem geralmente um papel secundaacuterio na ocorrecircncia do incidente
Apesar de ainda natildeo fazer parte da rotina os profissionais acreditam apesar das
diversas barreiras que a discussatildeo tanto poacutes-ocorrecircncia de um incidente quanto discussotildees
cientiacuteficas e administrativas minimizaria diversos problemas
Muitas coisas pequenas que acontecem podiam ser resolvido se fosse mais
discutido [] Seria oacutetimo Mas natildeo eacute discutido (Ed8)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 153
Natildeo tem corrida de leito com todos os cirurgiotildees [] soacute de cada preceptor com o
residente Quando a gente tem aula com o residente eacute porque eles pediram um tema
especiacutefico natildeo existe um programa Reuniatildeo cientiacutefica discussatildeo em equipe faz
muita falta [] Taacute faltando essa parte acadecircmica Natildeo basta eu querer o S1
[coordenador meacutedico] ou qualquer outro querer fazer Tem que ser determinado pela
coordenaccedilatildeo junto com a diretoria [] eacute uma falha e eu acho que aumentaria a
seguranccedila na assistecircncia (Ed19)
Na correria do dia a dia essas coisas vatildeo sendo deixadas pra traacutes [] Imagina
querer que uma pessoa saia de outro emprego pra vir aqui numa reuniatildeo eacute difiacutecil O
ideal eacute que fosse dentro da carga horaacuteria mas a gente tem falta de pessoal [] Mas
tudo eacute uma questatildeo de prioridade se a prioridade for qualidade entatildeo tem que ter
gente discutindo isso no horaacuterio de trabalho neacute (Ed17)
As causas citadas pelos profissionais sobre a ausecircncia de reuniotildees ateacute mesmo para
discussatildeo de aspectos fundamentais para a praacutetica multiprofissional foram muacuteltiplas mas
todas as causas satildeo devido agrave falta de prioridade na qualidade Isso eacute uma responsabilidade da
lideranccedila Ateacute mesmo a comissatildeo de morbimortalidade que eacute obrigatoacuteria legalmente natildeo tem
funcionado efetivamente no hospital E quando funcionava era cercada de discussotildees natildeo
produtivas revelando uma cultura organizacional ainda imatura
A discussatildeo de morbi mortalidade de um ano e meio para caacute natildeo existe [] a gente
pegava um caso para discutir dava muita briga [] Os cirurgiotildees brigam muito
[ecircnfase] entre eles A gente natildeo fazia uma reuniatildeo fazia um ringue (risos) [] vocecirc
chama todos os sujeitos envolvidos no caso aiacute o meacutedico briga com a enfermeira a
enfermeira com a fisioterapeuta A gente estava criando inimizades natildeo haacute
maturidade para discutir o caso (Ed19)
Eacute necessaacuterio que haja uma comissatildeo em permanente funcionamento para revisatildeo de
oacutebitos nas instituiccedilotildees hospitalares de ensino (BRASIL 2007) Compete agrave essa comissatildeo a
avaliaccedilatildeo de todos os oacutebitos ocorridos devendo ainda manter estreita relaccedilatildeo com a comissatildeo
de eacutetica meacutedica do hospital com a qual deveratildeo ser discutidos os resultados das avaliaccedilotildees
(BRASIL 1993) A comissatildeo de revisatildeo de oacutebito aleacutem de obrigaccedilatildeo legal eacute um mecanismo
fundamental para garantia da qualidade e seguranccedila sendo que o trabalho realizado mesmo
retrospectivamente tem grande potencial de promover a correccedilatildeo e o aprimoramento de
deficiecircncias ocorridas na assistecircncia ao paciente No entanto eacute um local de disputa de
desentendimento dos profissionais na discussatildeo dos casos Nesse sentido segundo Morin
(2005 p 50) ldquo[] o drama das comissotildees eacute que elas satildeo compostas de mentes notaacuteveis
individualmente poreacutem a originalidade delas faz com que se anulem umas agraves outrasrdquo
A ausecircncia de conclusatildeo dos casos e consequentemente de melhorias pode causar
falta de interesse levando ateacute mesmo os profissionais que notificavam a pararem de notificar
Os casos ficam ldquoenterradosrdquo no passado ldquoFoi um casordquo entre outros
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 154
[] uma notificaccedilatildeo o bloco afirma que enviou um apecircndice de uma paciente No
livro do anaacutetomo patoloacutegico do bloco taacute laacute paciente fulano apecircndice horaacuterio e a
assinatura por exemplo Maria e eu natildeo tenho ningueacutem chamada Maria Inclusive
eu faccedilo controle de assinatura dos meus funcionaacuterios [] tudo leva a crer que a peccedila
natildeo veio [] Ateacute o momento natildeo [foi identificado o que aconteceu] [] Agora laacute
[no setor de Qualidade] eu natildeo sei como tem sido a apuraccedilatildeo [] a Qualidade se
achar alguma coisa grave vai cobrar o andamento ldquoProcurou o outro setorrdquo Nesse
caso eu nem procurei Todos os indiacutecios eacute que eu natildeo recebi Entatildeo eu nem sei se
foi retirado [o processo de investigaccedilatildeo] se natildeo foi eu natildeo sei (Ei24)
[] jaacute preenchi formulaacuterio de evento adverso por alguns motivos casos cancelados
falta de sala [] pra mim eacute um Um grande evento adverso Insuficiecircncia do bloco
ciruacutergico evento adverso Falta de anestesista evento adverso Soacute que natildeo mudou
nada Entatildeo Eu parei de preencher Porque eu gastava mais tempo [] Nenhum
[feedback das notificaccedilotildees] (Ed22)
O retorno da notificaccedilatildeo para o notificador eacute um fator de sucesso para a perenidade de
um sistema efetivo de notificaccedilatildeo de incidentes Caso natildeo seja realizado todo o esforccedilo de
implantaccedilatildeo gera falta de credibilidade e abandono pelo profissional Nesse sentido segundo
Vicent (2009) quando de fato se investiga um incidente essa anaacutelise reforccedila o respeito
necessaacuterio aos profissionais de sauacutede e aos seres humanos em geral pois ldquo[] impressionante
natildeo eacute o nuacutemero de erros que ocorrem mas sim dadas as numerosas oportunidade de
confusatildeo como tudo vai bem tatildeo frequentementerdquo (VICENT 2009 p 110)
Se por um lado existe falta de conclusatildeo dos incidentes de outro se tem dificuldade
em analisaacute-los Haacute um constrangimento do profissional em responsabilizar o colega pois ele
se coloca em seu lugar em um contexto que a falibidade humana eacute inerente agrave praacutetica
Eacute desagradaacutevel estar numa comissatildeo de sindicacircncia discutir o erro do colega um
erro que vocecirc jaacute poderia ter feito que natildeo teve culpa Eacute difiacutecil atribuir culpa quando
se trabalha com possibilidades de evento adverso (Ed17)
[] recebi uma comunicaccedilatildeo de uma notificaccedilatildeo de outro colega que uma paciente
reclamou na ouvidoria que ele a teria desrespeitado Pedindo pra eu apurar Como
Eu natildeo estava no dia A paciente natildeo estaacute mais no hospital Vou conversar com o
colega ele vai falar que natildeo teve nada daquilo Conversei com o teacutecnico de
enfermagem ele falou que natildeo teve (Ed16)
Aleacutem da dificuldade de julgamento haacute tambeacutem barreiras para se procurar o colega
para conversar sendo mais faacutecil perguntar para uma pessoa que possui um niacutevel de hierarquia
profissional inferior Satildeo muacuteltiplas as maneiras e perspectivas de se realizar uma investigaccedilatildeo
dos incidentes e erros ocorridos como jaacute visto na abordagem com foco no indiviacuteduo e na
abordagem com foco no sistema Na primeira as accedilotildees de melhoria satildeo voltadas pra reduzir a
variabilidade indesejada no comportamento humano como exortaccedilotildees cartazes que trazem a
sensaccedilatildeo de medo das pessoas medidas disciplinares ameaccedilas de litiacutegio treinamentos
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 155
medidas voltadas para investigar o culpado e envergonhaacute-lo perante seus pares e sociedade
por meio da miacutedia (REASON 2000) suspensotildees e demissatildeo do trabalho Segundo Reason
(2000) essa abordagem tende a tratar os erros como questotildees morais assumindo que os
mesmos acontecem por meio de profissionais ruins Na abordagem de sistema as
contramedidas partem do pressuposto de que embora natildeo se possa alterar a condiccedilatildeo humana
eacute possiacutevel mudar as condiccedilotildees em que os profissionais trabalham O foco eacute nas barreiras nas
defesas que devem ser construiacutedas no sistema (REASON 2000)
Foi relatado que haacute falta de accedilotildees concretas apoacutes a notificaccedilatildeo dos incidentes no
entanto mesmo sem essa formalizaccedilatildeo alguns incidentes geram mudanccedilas nos processo de
trabalho como pode ser visto a seguir
Paciente com peacute diabeacutetico precisou de cultura para guiar o tratamentono poacutes-
operatoacuterio [] jaacute aconteceu do bloco perder essas amostras e a gente ter que usar
empiacuterico com o espectro maior mais tempo e se natildeo adiantar ter que voltar para o
CC fazer tudo de novo [] teve que comeccedilar a descobrir porque que perdia
Descuido mesmo Agraves vezes separou numa gaze e algueacutem jogou a gaze fora []
colocou no aacutelcool e danificou Pela gente natildeo [notificou] nenhuma vez Eu natildeo sei
se pela CCIH [] como aconteceu uma vez duas trecircs vezes a gente vai atraacutes e
muda uma coisa sem ter feito a notificaccedilatildeo sem ter escrito Mudou o jeito de fazer
passou a colher cinco ao inveacutes de uma [amostra] Natildeo foi porque notificou a gente
chegou a um acordo com a CCIH (Ed32)
Os incidentes principalmente os graves satildeo frequentemente um estiacutemulo para
promover de forma abrangente melhorias na qualidade e seguranccedila (VICENT 2009)
notificados ou natildeo No entanto a mudanccedila sem a notificaccedilatildeo deve levar a uma reflexatildeo do
sistema de notificaccedilatildeo de incidentes da instituiccedilatildeo e do papel do setor de qualidade
responsaacutevel em promover o desenvolvimento de uma cultura voltada para a seguranccedila
Contudo alguns profissionais elencaram formas positivas de tratamento dos incidentes
e de mudanccedilas realizadas apoacutes algumas notificaccedilotildees como se vecirc nos fragmentos a seguir
Esse caso foi discutido na diretoria [] eles conduziram de uma maneira muito boa
A notificaccedilatildeo da miiacutease teve [] a gente melhorou muitas coisas as janelas foram
teladas a engenharia participou desse processo de mudar a aacuterea fiacutesica para que natildeo
ocorresse mais [] Foi uma discussatildeo interessante A gente conseguiu mudar o
processo que foi o mais importante (Ei25)
[] foram todos [carrinhos de anestesia] mandados pra anaacutelise e voltaram
modificados Trocaram uma vaacutelvula e natildeo tem mais o copo de vidro com a
mangueirinha dentro com oacuteleo pra lubrificar o sistema do manocircmetro (Ed8)
Todo paciente que tem reaccedilatildeo transfusional tem que ser notificado para o banco de
sangue A gente faz rastreabilidade se houve contaminaccedilatildeo se foi sangue errado
sangue trocado [] Tem uma amostra preacute-transfusional depois da reaccedilatildeo tem que
colher outro para fazer os mesmos testes e ver se tem alguma discrepacircncia [] a lei
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 156
pede que o hemoterapeuta decirc resposta agrave equipe meacutedica [] avalia e daacute resposta no
prontuaacuterio do paciente dar uma medicaccedilatildeo preacutevia fazer o sangue dele localizado
[] Esses detalhes ele passa para o meacutedico agir na proacutexima transfusatildeo [] (Ei18)
Para uma gestatildeo operativa da mudanccedila em seguranccedila eacute preciso que exista uma anaacutelise
completa pois eacute no acircmbito cliacutenico que se identificam barreiras e fortalezas para a expansatildeo da
cultura em seguranccedila (QUES MONTORO GONZAacuteLEZ 2010) Nesse sentido a
transformaccedilatildeo do sistema de notificaccedilatildeo de incidentes no hospital em estudo necessita de uma
anaacutelise do cotidiano de trabalho e de reforma do modo dos profissionais olharem os
incidentes Isso depende de outras reformas principalmente da consciecircncia da lideranccedila e da
alta direccedilatildeo para o olhar sistecircmico do erro do incidente havendo interdependecircncia geral dos
modos como se enxerga os problemas dos incidentes seja pelos profissionais que executam a
assistecircncia ciruacutergica direta ou indireta dos pacientes seja pelos liacutederes
Eacute necessaacuterio que o hospital em estudo torne-se resiliente que ininterruptamente
previna detecte mitigue e diminua o perigo (circunstacircncia com potencial de causar dano) e a
ocorrecircncia de incidentes (WHO 2009) Assim a cultura de seguranccedila deve ser constituiacuteda por
(1) cultura justa consenso entre os profissionais no que concerne a comportamentos
aceitaacuteveis e inaceitaacuteveis (2) cultura natildeo punitiva priorizaccedilatildeo da busca das causas dos
incidentes (3) cultura de notificaccedilatildeo privilegie a informaccedilatildeo de incidentes (coleta anaacutelise e
divulgaccedilatildeo) e encoraje as pessoas a falar sobre seus erros e (4) cultura de aprendizagem se a
organizaccedilatildeo constituir uma memoacuteria dos incidentes ela pode direcionar o aprendizado a partir
deles (WHO 2008) Enfim essas reflexotildees mostram que a abordagem institucional frente aos
incidentes e erros eacute influenciada pela cultura organizacional do hospital a qual eacute mais
complexa fluida e dinacircmica do que se pensava
43 Lista de verificaccedilatildeo de seguranccedila ciruacutergica da aparente simplicidade a real
complexidade
A obsessatildeo da simplicidade conduziu a aventura cientiacutefica agraves descobertas
impossiacuteveis de conceber em termos de simplicidade (MORIN 2011 p 60)
A OMS lanccedilou em 2008 a campanha Save Surgery Saves Lives (Cirurgia Segura
Salvam Vidas) e vem recomendando a utilizaccedilatildeo de um conjunto de medidas agrupadas em
um instrumento denominado Lista de Verificaccedilatildeo de Seguranccedila Ciruacutergica ou Checklist de
Cirurgia Segura que deve ser seguido durante a realizaccedilatildeo de uma cirurgia para promover a
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 157
seguranccedila do procedimento Difunde-se que a sua utilizaccedilatildeo eacute simples e raacutepida No entanto
muitas vezes desconsidera-se o contexto complexo de uma sala operatoacuteria na qual haacute uma
equipe multidisciplinar com saberes e interesses diferenciados aleacutem de muacuteltiplas situaccedilotildees
sejam com os materiais ou com o proacuteprio paciente as quais concorrem para a efetiva
aplicaccedilatildeo do checklist Assim o discurso da simplicidade no uso dessa ferramenta tem gerado
um mito teoacuterico de uma facilidade que natildeo procede no ambiente da sala operatoacuteria onde se
utiliza o checklist Isso pode estar interferindo na efetividade de sua utilizaccedilatildeo na praacutetica
Nessa perspectiva esta categoria estaacute subdividida em duas subcategorias a saber
(431) lista de verificaccedilatildeo de seguranccedila ciruacutergica da implantaccedilatildeo aos dias atuais e (432)
melhorias no uso das ferramentas do checklist de cirurgia segura
431 Lista de verificaccedilatildeo de seguranccedila ciruacutergica da implantaccedilatildeo aos dias atuais
[] taacute o quadro [Time Out] laacute mas eles natildeo preenchem [] Eu vejo o quadro como
se fosse um quadro normal como se fosse um reloacutegio pregado na parede (Ei27)
No CC do hospital foi introduzida a partir de 2010 a Lista de Verificaccedilatildeo de
Seguranccedila Ciruacutergica (LVSC) ou checklist com adaptaccedilotildees do modelo preconizado pela OMS
(Anexo II) Esse instrumento estaacute disponiacutevel no prontuaacuterio eletrocircnico do paciente de forma
completa e alguns dos itens de verificaccedilatildeo contidos no checklist foram dispostos em um
quadro denominado time out (Anexo III) e afixado na parede de cada uma das seis salas
operatoacuterias do CC para preenchimento durante a realizaccedilatildeo das cirurgias Nas falas dos
profissionais se percebe uma distinccedilatildeo quando se referem a essas duas formas de
apresentaccedilatildeo da LVSC Na maioria das vezes os profissionais referem-se ao checklist como
sendo o instrumento disposto eletronicamente e o time out ao quadro afixado nas salas
ciruacutergicas Ambas as formas tecircm o mesmo propoacutesito que eacute o estabelecimento de itens de
checagem para a promoccedilatildeo da seguranccedila ciruacutergica e estatildeo divididos em trecircs partes antes da
induccedilatildeo anesteacutesica antes da incisatildeo ciruacutergica e antes do paciente sair da sala de operaccedilotildees
A utilizaccedilatildeo de listas e sistemas de verificaccedilatildeo eacute uma praacutetica comum na rotina da
construccedilatildeo civil nas induacutestrias como a de aviaccedilatildeo e a nuclear e tambeacutem na aacuterea financeira
onde alguns investidores tecircm tido sucesso com a ajuda destas ferramentas (GAWANDE
2011 SCHELKUN 2014) Na aacuterea da sauacutede foi recentemente introduzida e por isso tem
merecido investigaccedilotildees de como se tem configurado o seu uso Esta subcategoria descreve o
processo de implantaccedilatildeo do checklist de cirurgia segura no hospital em estudo a escolha do
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 158
profissional condutor e a percepccedilatildeo dos profissionais sobre como se configura o uso dessa
ferramenta no cotidiano do CC nos dias atuais
A implantaccedilatildeo do checklist decorreu da motivaccedilatildeo advinda da realizaccedilatildeo de um curso
e uma visita teacutecnica a um hospital em Satildeo Paulo em dezembro de 2009 pelo entatildeo
coordenador meacutedico da linha de cuidados ciruacutergico demais meacutedicos e diretores do hospital
Eu estava fazendo um curso no hospital Siacuterio Libanecircs e fui conhecer o bloco Na
porta tinha um quadro com os dados [] mecircs a mecircs [] se os pacientes passaram
pelo checklist Aquilo me chamou atenccedilatildeo [com ecircnfase] Eu nunca vi em lugar
nenhum [] tinha uma enfermeira responsaacutevel conversei com ela e achei super
[com ecircnfase] interessante e muitiacutessimo importante [] (Ed16)
[] a diretoria abraccedilou a causa e em Belo Horizonte [este] foi o primeiro hospital a
implantar na iacutentegra o checklist de cirurgia segura (Ei5)
Apesar do aumento do uso de listas de verificaccedilatildeo na aacuterea da sauacutede em todo o mundo
poucos estudos exploraram as experiecircncias de pessoal na utilizaccedilatildeo dessa ferramenta e pouco
se sabe sobre o processo de introduccedilatildeo da ferramenta no ambiente de cuidados de sauacutede
(THOMASSEN et al 2010) Segundo os profissionais o hospital em estudo foi o primeiro de
Belo Horizonte a trabalhar com o checklist de cirurgia segura A conscientizaccedilatildeo sobre a
importacircncia do uso dessa ferramenta pela alta direccedilatildeo e o apoio desta para a sua implantaccedilatildeo
foram fatores criacuteticos de sucesso para o iniacutecio do uso no cotidiano de trabalho do CC em
estudo No estudo de Freitas et al (2014) a decisatildeo da direccedilatildeo de um dos hospitais em
empregar de forma sistemaacutetica e obrigatoacuteria o checklist nas cirurgias tambeacutem influenciou
positivamente na sua maior adesatildeo quando comparado com o outro hospital da pesquisa em
que a implantaccedilatildeo foi voluntaacuteria e negociada por uma equipe especiacutefica Outro estudo
tambeacutem reconheceu que seria muito difiacutecil implementar a lista de verificaccedilatildeo se a chefia natildeo
desse apoio ou se tivesse uma atitude negativa (THOMASSEN et al 2010)
O projeto de implantaccedilatildeo do checklist foi elaborado e posteriormente apresentado
pelo coordenador da linha de cuidados ciruacutergicos em uma reuniatildeo semanal entre a diretoria e
todos os coordenadores assistenciais e administrativos Iniciou-se assim a organizaccedilatildeo e a
execuccedilatildeo da logiacutestica de aplicaccedilatildeo desse instrumento
Dr K coordenador na eacutepoca do bloco foi quem trouxe o checklist e noacutes
implantamos [] ele que escreveu apresentou o projeto ao hospital em uma reuniatildeo
com todos os coordenadores assistenciais e administrativos (Ei10)
[] sentei com a A1 noacutes fomos organizando [] compramos esses quadros [Time
Out] fizemos aquela divisatildeo do que seria interessante e agrave medida que foi passando
fomos aprimorando [] dessa maneira foi implantado (Ed16)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 159
A gente adaptou o checklist agrave nossa realidade foi mudando ele aos poucos ldquoAh eu
acho que a gente tem que melhorar isso melhorar aquilordquo (Ei10)
Pela anaacutelise dos relatos a discussatildeo para a adaptaccedilatildeo inicial do modelo de checklist da
OMS pelo hospital se deu entre o coordenador meacutedico a enfermeira que ficaria responsaacutevel
pela conduccedilatildeo do checklist e profissionais da CCIH uma vez que os itens incluiacutedos em sua
maioria satildeo relativos agrave infecccedilatildeo de siacutetio ciruacutergico e que esse setor eacute bem atuante na
instituiccedilatildeo Os profissionais do setor de qualidade e os representantes de cada uma das
especialidades natildeo participaram do processo de adaptaccedilatildeo
Os estudos sobre a implementaccedilatildeo do checklist verificaram que haacute sempre a
necessidade ajustes agraves caracteriacutesticas de cada realidade e especialidade e tambeacutem adaptaccedilotildees
advindas da administraccedilatildeo institucional (FREITAS et al 2014 DACKIEWICZ et al 2012
ARAUacuteJO OLIVEIRA 2015) No entanto para a realizaccedilatildeo dessas modificaccedilotildees deve-se
envolver uma equipe multidisciplinar que represente as diversas especialidades e categorias
da equipe ciruacutergica e que se reuacutena periodicamente para discussotildees Aleacutem disso as mudanccedilas
no instrumento devem ser validadas pela alta direccedilatildeo pelos profissionais e ainda passar por
um teste piloto para posteriormente se tornar o instrumento definitivo (CONLEY et al
2011) Essas etapas natildeo foram contempladas no hospital o que interferiu na sua implantaccedilatildeo
e principalmente na sua manutenccedilatildeo ao longo do tempo
O checklist preconizado pela OMS possui 19 itens avaliados e validados
cientificamente A adaptaccedilatildeo a este instrumento realizada pelos profissionais que
implantaram o checklist no hospital conformou a adiccedilatildeo de outros 19 itens principalmente
aqueles relacionados agrave infecccedilatildeo ciruacutergica Foram modificadas as descriccedilotildees de alguns itens e
excluiacutedos outros Em alguns dos itens haacute ausecircncia de espaccedilo para checagem servindo apenas
como lembrete para os profissionais Nesse caso a falta de campos de checagem prejudica a
verificaccedilatildeo da adesatildeo agravequeles itens Os itens preconizados pela OMS excluiacutedos mostram uma
percepccedilatildeo diminuiacuteda da importacircncia daquele aspecto para a seguranccedila ciruacutergica Um exemplo
eacute a apresentaccedilatildeo da equipe requisito que foi relatado entre os profissionais como dispensaacutevel
uma vez que todos se conhecem Apenas um profissional disse que a apresentaccedilatildeo faz falta
devido agrave rotatividade dos residentes
A OMS orienta que na adequaccedilatildeo do instrumento sejam incluiacutedos itens segundo a
realidade de cada serviccedilo mas natildeo orienta excluir itens jaacute preconizados (OMS 2009
BURBOS MORRIS 2011) e com evidecircncia cientiacutefica favoraacutevel (HAYNES et al 2009)
Nesse sentido a adaptaccedilatildeo do instrumento utilizado no hospital natildeo considerou essas
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 160
recomendaccedilotildees Faz-se necessaacuteria uma revisatildeo com a participaccedilatildeo do maior nuacutemero possiacutevel
de profissionais da rede intra-hospitalar envolvidos direta ou indiretamente na assistecircncia
ciruacutergica Assunto da proacutexima subcategoria
Apoacutes a reuniatildeo com os coordenadores estes ficaram com a responsabilidade de
repassar as informaccedilotildees do projeto sobre a implantaccedilatildeo do checklist para os demais
colaboradores das respectivas especialidades tendo o papel de multiplicar a proposta Poreacutem
natildeo haacute evidecircncias por meio de atas de reuniatildeo ou listas de presenccedila de encontros para essa
replicaccedilatildeo e natildeo foi realizado um movimento que envolvesse todos os colaboradores na
discussatildeo sobre cirurgia segura
[] ficou do coordenador da ortopedia passar para os ortopedistas A cirurgia
plaacutestica passar para os cirurgiotildees plaacutesticos (Ed16)
[] com os coordenadores essa movimentaccedilatildeo foi feita agora se cada um fez com
sua equipe eu natildeo consigo informar Com os enfermeiros a gente fez nas reuniotildees
de supervisatildeo Com a equipe teacutecnica de enfermagem natildeo me lembro de replicar []
foi mais no dia a dia mesmo [] A gente pecou nisso Natildeo foi orientado o porquecirc
daquilo como que era a finalidade (Ei10)
A gente sempre procura eventualmente tomar uma conduta ou outra pra melhorar a
seguranccedila na cirurgia [] um movimento geral insistente mais incisivo regular
isso natildeo existe Existem accedilotildees pontuais (Ed19)
Tem muita palestra de prevenccedilatildeo de acidente mas cirurgia segura eu nunca vi
(Ed4)
A tarefa de divulgaccedilatildeo da implantaccedilatildeo do checklist foi dada para os coordenadores e
supervisores de enfermagem do CC em reuniotildees especiacuteficas e para os teacutecnicos de
enfermagem do CC de maneira informal no dia a dia de trabalho De acordo com a fala da
maior parte dos profissionais natildeo teve uma campanha visiacutevel natildeo houve um movimento
amplo com o uso de folders banner ou folhetos palestras de sensibilizaccedilatildeo inicial e
abrangente sobre a temaacutetica seguranccedila ciruacutergica e educaccedilatildeo continuada e simulaccedilatildeo do uso
correto do checklist A equipe de implantaccedilatildeo natildeo discutiu os objetivos o significado e a
maneira correta de se utilizar o checklist assim como o quadro de time out para os
profissionais
Um estudo que incluiu cinco hospitais de Washington realizado por Conley et al
(2011) em que foram entrevistados liacutederes de implementaccedilatildeo e cirurgiotildees sobre os processos
de implementaccedilatildeo da lista de verificaccedilatildeo observou que a eficaacutecia da implantaccedilatildeo depende da
capacidade dos liacutederes de explicar o motivo e demostrar o uso do checklist Nos hospitais em
que os esforccedilos foram sistemaacuteticos e houve educaccedilatildeo continuada ocorreu a adesatildeo e o uso
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 161
completo da ferramenta pela equipe ciruacutergica Em outros quando os liacutederes de
implementaccedilatildeo deixaram de explicar e mostrar como a lista de verificaccedilatildeo deve ser usada os
profissionais natildeo entenderam o objetivo o que levou agrave frustraccedilatildeo desinteresse e ateacute mesmo
abandono por parte de um dos hospitais (CONLEY et al 2011)
Assim a contribuiccedilatildeo da lista de verificaccedilatildeo para a seguranccedila ciruacutergica estaacute
diretamente relacionada a sua implementaccedilatildeo e sua execuccedilatildeo Aleacutem da exigecircncia institucional
devem-se ter estrateacutegias de educaccedilatildeo continuada e ainda processos de recrutamento que
identifiquem profissionais comprometidos com o checklist e conscientes da sua importacircncia
para a seguranccedila ciruacutergica (ARAUacuteJO OLIVEIRA 2015)
No Instituto do Cacircncer do Estado de Satildeo Paulo por exemplo foram treinados todos os
enfermeiros teacutecnicos de enfermagem instrumentadores meacutedicos e anestesiologistas para a
implantaccedilatildeo do Protocolo Universal para prevenccedilatildeo do lado errado procedimento errado e
paciente errado da Joint Commission on Accreditation of Healthcare Organizations
(JCAHO) Foram abordados toacutepicos sobre a definiccedilatildeo e o perfil no CC de erro e evento
adverso etapas de implantaccedilatildeo do Protocolo Universal e como preencher o checklist Os
profissionais foram inclusive avaliados por questotildees abertas e fechadas sendo atribuiacutedos
conceitos que os tornavam habilitados ou que devessem realizar novamente o treinamento
(VENDRAMINI et al 2010)
Aleacutem da falta de divulgaccedilatildeo e capacitaccedilatildeo de profissionais do CC os demais setores
que participam da assistecircncia ciruacutergica no preacute e no poacutes-operatoacuterio e os setores que fornecem
insumos ao CC ou seja os profissionais que atuam de forma indireta natildeo foram envolvidos
Natildeo teve uma divulgaccedilatildeo poucas pessoas sabem que eacute implantado no hospital o
checklist da cirurgia segura Foi muito no bloco eles definiram laacute [] natildeo sabemos
como eacute estruturado Aiacute existe uma quebra porque a cirurgia segura natildeo depende soacute
do bloco ela vai muito [com ecircnfase] aleacutem Todos os setores que tem paciente com
possibilidade de realizar cirurgia deveriam ter sido inseridos nesse processo (Ei25)
A sensibilizaccedilatildeo dos outros setores cliacutenica meacutedica ciruacutergica natildeo Essa
movimentaccedilatildeo natildeo foi feita (Ei10)
As falas dos participantes da pesquisa mostram que o checklist foi implantado de
forma pontual no CC natildeo envolveu todos os profissionais que participam da assistecircncia
ciruacutergica seja direta ou indiretamente e assim natildeo foi inserido como parte de uma
reestruturaccedilatildeo de todo o processo da assistecircncia ciruacutergica desde o preacute-operatoacuterio ateacute o poacutes-
operatoacuterio em prol da promoccedilatildeo da seguranccedila ciruacutergica Nesse cenaacuterio os profissionais tanto
os que atuam externamente quanto internamento no CC principalmente os que trabalham no
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 162
periacuteodo noturno ficaram agrave parte do processo e soacute conhecem por ouvirem falar ou
desconhecem totalmente os princiacutepios de uma cirurgia segura
Soacute ouvi falar [sobre Cirurgia Segura] Os acadecircmicos estavam conversando na sala
dos meacutedicos mas eu natildeo fiquei pra poder ver o que era [] (Ei7)
Eu era enfermeira na cliacutenica ciruacutergica no noturno pra ser muito honesta eu natildeo
tinha conhecimento que se trabalhava com cirurgia segura (Ei30)
Apesar de ainda natildeo haver uma discussatildeo sobre accedilotildees para promover a seguranccedila
ciruacutergica os participantes expressaram esse desejo O envolvimento dos profissionais dos
demais setores aleacutem daqueles que atuam no CC seria importante para que estrateacutegias fossem
implementadas em todos os pontos de atenccedilatildeo da rede intra-hospitalar para promoccedilatildeo de uma
cirurgia segura Isso possibilitaria a soluccedilatildeo preacutevia de natildeo conformidades reconhecidas
somente quando se aplica a lista de verificaccedilatildeo com o paciente dentro do CC Assim
defende-se neste estudo a inclusatildeo dos diversos setores nas discussotildees que abordem a
promoccedilatildeo de cirurgias seguras uma vez que cada um deles faz parte e tem sua importacircncia e
responsabilidade dentro da rede intra-hospitalar para promover o sucesso dos procedimentos
ciruacutergicos realizados
A ausecircncia de sensibilizaccedilatildeo capaz de envolver os profissionais desde o iniacutecio do
processo de implantaccedilatildeo do checklist no hospital aleacutem de natildeo favorecer o desenvolvimento
de uma cultura que abarque a mudanccedila acarreta em resistecircncia dos profissionais agravequelas
accedilotildees O enfrentamento dessa resistecircncia com accedilotildees posteriores natildeo conseguiu envolver
naturalmente os profissionais do hospital uma vez que ocorreu de forma reativa apoacutes o
processo ter sido implantado
A resistecircncia maior foi da equipe meacutedica [] aiacute foi feita essa movimentaccedilatildeo mas
posterior agrave implantaccedilatildeo (Ei10)
Depois que apresentamos um trabalho na SBAIT [Sociedade Brasileira de
Atendimento Integrado ao Traumatizado] sobre a cirurgia segura a gente expocircs o
banner muito tempo mas foi uma coisa posterior (Ei10)
Se ele [enfermeiro checklist] for parar eu vou xingar Jaacute perdi uma hora pra poder
comeccedilar a cirurgia e ele ainda vai parar todo mundo pra pode escrever um negoacutecio
no quadro que eu jaacute fiz Natildeo Ele tinha que ter feito isso antes ou entatildeo o bloco
tinha que funcionar bem pra eu poder concordar (Ed22)
A resistecircncia ao uso da lista de verificaccedilatildeo no hospital em estudo ocorreu no iniacutecio da
implantaccedilatildeo e permanece entre os profissionais tanto de maneira explicita como velada
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 163
Muitos profissionais entrevistados apesar de natildeo terem exposto claramente sua resistecircncia agrave
aplicaccedilatildeo do checklist a demonstra nas entrelinhas de seus discursos A resistecircncia eacute um
fenocircmeno relatado por autores como Gawande (2011) As falas dos profissionais mostraram
receio de perder a autonomia e de enrijecer ou atrasar o processo de trabalho que jaacute possui
seus atrasos pela falta de planejamento e organizaccedilatildeo para o iniacutecio de cada cirurgia
Contudo quando os profissionais resistentes entendem a proposta ateacute se tornam
ldquogarotos-propagandardquo ou seja motivadores da adesatildeo dos demais profissionais conforme
ocorreu em um dos hospitais do estudo de Conley et al (2011) O checklist de cirurgia segura
da OMS segue as diretrizes da aviaccedilatildeo se mostrando um instrumento claro e de raacutepida
aplicaccedilatildeo caso seja realizado da forma correta Foi adotado o formato ldquofaccedila-confirmerdquo em
vez do formato ldquoleia-faccedilardquo para dar aos usuaacuterios maior flexibilidade na execuccedilatildeo de suas
tarefas E haacute uma pausa em certos pontos-chave para confirmar a execuccedilatildeo das tarefas mais
importantes (GAWANDE 2011)
A resistecircncia por parte dos cirurgiotildees no hospital desencadeou um processo de
sensibilizaccedilatildeo posterior agrave implantaccedilatildeo A exposiccedilatildeo de um banner apoacutes participaccedilatildeo de
alguns profissionais em um evento cientiacutefico tambeacutem foi uma accedilatildeo posterior agrave implantaccedilatildeo
das ferramentas de time out e checklist Natildeo se deve desconsiderar a importacircncia dos
profissionais que atuam no serviccedilo mostrarem os resultados para o puacuteblico externo em
eventos cientiacuteficos no entanto melhor seria se os profissionais da rede intra-hospitalar
tambeacutem tivessem ciecircncia e participaccedilatildeo nos processos divulgados Fora que esta medida natildeo
divulga a importacircncia e sim os atores envolvidos
A conduccedilatildeo do checklist desde a implantaccedilatildeo no hospital em estudo eacute de
responsabilidade de um enfermeiro contratado especificamente para essa funccedilatildeo no horaacuterio de
07 agraves 16 horas Nesse periacuteodo esse profissional se desloca de uma sala a outra para iniciar e
fechar o preenchimento das ferramentas natildeo conseguindo estar presente durante todo o tempo
do procedimento ciruacutergico Aleacutem disso nos horaacuterios sem a presenccedila desse profissional a
aplicaccedilatildeo dos instrumentos fica sob a responsabilidade do enfermeiro supervisor que muitas
vezes natildeo consegue conduzi-los principalmente no periacuteodo noturno
Durante o dia ele funciona mais porque tem o responsaacutevel mas a noite eacute uma
supervisora soacute pra tudo [ecircnfase] [] eacute inviaacutevel fazer todos os time outs de vaacuterias
cirurgias e ainda ficar responsaacutevel por outras coisas (Ed13)
[] eu tento ficar na sala quando o paciente chega ateacute a induccedilatildeo anesteacutesica Depois
saio porque tem outros time outs [] eu volto pra conferir as questotildees para o
paciente sair da sala contagem das compressas tento olhar os instrumentais a
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 164
identificaccedilatildeo dos anaacutetomos [] Essa uacuteltima parte eacute mais raacutepida vocecirc chega confere
e jaacute fecha o checklist e o time out [] de alguma forma eu tenho que fechar fazer
isso in loco em 100 eacute inviaacutevel (Ed28)
[] estava comeccedilando duas cirurgias ao mesmo tempo qual que ela ia entrar Ela
escolhia uma a outra ficava sem Foi o que ela relatou (Ei23)
[] na medida do possiacutevel ela [enfermeiro do checklist] tenta preencher mas a
gente ainda natildeo atendeu 100 de preenchimento Mas 100 eacute a nossa meta mesmo
pra casos de extrema urgecircncia que eacute o caso da onda (Ed21)
A meta da adesatildeo da aplicaccedilatildeo do instrumento em todas as cirurgias mencionada por
um dos profissionais se contrasta com a metodologia adotada A proposta de se ter uma uacutenica
pessoa responsaacutevel pela conduccedilatildeo na praacutetica natildeo assegurou a aplicaccedilatildeo do checklist em todas
as cirurgias observando-se uma pequena diferenccedila quando se analisa o uso em geral Em uma
anaacutelise realizada neste hospital o preenchimento do checklist foi de 583 do total de
cirurgias (n=24421) realizadas em todas as especialidades nos cinco anos (2010 a 2015)
sendo que nenhum foi completamente preenchido Nos dias uacuteteis de 7 agraves 16 horas quando haacute
a presenccedila de um profissional responsaacutevel pelo checklist foram realizadas 14266 cirurgias e
preenchidos 8148 checklist conferindo uma adesatildeo de 571 (RIBEIRO et al mimeo)
Dentre as orientaccedilotildees da OMS e do Ministeacuterio da Sauacutede ANVISA eacute fator de sucesso
ter um uacutenico profissional na lideranccedila do processo do checklist no complexo cenaacuterio de uma
sala de operaccedilotildees Esse profissional confirmaraacute a realizaccedilatildeo de todas as etapas dessa
ferramenta para assegurar que cada uma delas natildeo seja omitida na pressa de seguir adiante
para a proacutexima fase da operaccedilatildeo (BRASIL 2013b BRASIL 2013c OMS 2009)
Na experiecircncia do Instituto do Cacircncer do Estado de Satildeo Paulo a execuccedilatildeo do
Protocolo Universal da Joint Commission ndash precursor do checklist de cirurgia segura da OMS
ndash natildeo incluiu profissionais adicionais na equipe de enfermagem do CC A estrateacutegia utilizada
foi a designaccedilatildeo na escala diaacuteria de um enfermeiro por sala operatoacuteria que fica responsaacutevel
por garantir a execuccedilatildeo de todas as etapas do protocolo de cirurgia segura (VENDRAMINI et
al 2010) Assim o entendimento eacute de que em cada sala de operaccedilatildeo tenha um condutor do
checklist que acompanhe todas as trecircs fases deste instrumento e natildeo um uacutenico profissional
para a aplicaccedilatildeo dessa ferramenta em todas as cirurgias de todas as salas operatoacuterias do CC
como no hospital em estudo sendo uma concepccedilatildeo errada conforme o relato de uma
participante da pesquisa do setor da qualidade
As falas denotam que essa estrateacutegia natildeo tem conseguido a aplicaccedilatildeo dessas
ferramentas em todos os procedimentos ciruacutergicos pois aleacutem do horaacuterio de trabalho do
profissional especiacutefico ser de oito horas natildeo abarcando todo o funcionamento do CC esse
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 165
profissional ainda tem o horaacuterio de almoccedilo legal para realizar Esse e outros horaacuterios ficam
condicionados agrave disponibilidade dos demais enfermeiros em conduzirem o preenchimento
desse instrumento o que foi relatado que de forma geral natildeo se aplica
Aleacutem disso foi relatado e visto na observaccedilatildeo que esse profissional auxilia na
assistecircncia principalmente na punccedilatildeo de acesso venoso e nas emergecircncias e de alguma
forma eacute acionado na discussatildeo da organizaccedilatildeo da agenda do CC Mostra-se assim que a
funccedilatildeo do enfermeiro do checklist na verdade natildeo eacute tatildeo especiacutefica pois as demais funccedilotildees
em que esse profissional se envolve natildeo satildeo exatamente relacionadas aos itens da lista de
verificaccedilatildeo Isso contribui para que o profissional do checklist natildeo consiga aplicar a
ferramenta adequadamente Como taacutetica esse profissional recorre agrave informaccedilatildeo dos teacutecnicos
de enfermagem para perguntar algo que ocorreu durante a cirurgia em que ele natildeo esteve
presente e com essas informaccedilotildees realiza o fechamento dos instrumentos no sistema jaacute que
natildeo consegue acompanhar as trecircs fases da lista de verificaccedilatildeo em todas as cirurgias por terem
procedimentos concomitantes Isso compromete a seguranccedila ciruacutergica pois natildeo consegue
apreender possiacuteveis incidentes em curso sendo algo apenas cartorial e realizado a posteriori
A despeito da dificuldade do profissional do checklist em estar na sala durante todo o
tempo os profissionais relatam que no iniacutecio da implantaccedilatildeo o time out era preenchido em
todas as cirurgias mas que este quadro natildeo estaacute sendo sempre preenchido atualmente
No comeccedilo anotava Depois o quadro estaacute em branco e a cirurgia acontecendo
(Ed31)
Aqui tem o quadro normalmente tem nome mas nem sempre O resto natildeo preenche
natildeo (Ed32)
Muitas vezes vocecirc passa laacute o quadro taacute em branco ou taacute assim da uacuteltima cirurgia
que algueacutem escreveu [] (Ei15)
Nunca vi em procedimento meu um quadro que natildeo fosse preenchido pelo
enfermeiro [] Preenche uma uacutenica vez antes da induccedilatildeo anesteacutesica A gente vai
perceber o quadro preenchido acho que tem gente que nem percebe [] natildeo eacute uma
coisa que ele divulga pra todo mundo dentro da sala Ateacute porque o quadro eacute grande
Todo mundo pode ler o que estaacute escrito laacute (Ed19)
Os participantes da pesquisa mencionaram que na eacutepoca em que o meacutedico que
implantou o checklist e a enfermeira que foi a primeira responsaacutevel pelo checklist
conduziram esse processo ele funcionava Eacute como se esses profissionais fossem para os
demais respectivamente ldquopairdquo e ldquomatildeerdquo do checklist na instituiccedilatildeo Isso remete ao imprinting
revelado pela etologia (estudo do comportamento animal) e mencionado por Morin (2005)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 166
Quando o passarinho sai do ovo sua matildee passa ao lado e ele a segue O primeiro ser que
passa perto do ovo de onde o passarinho saiu eacute a sua matildee Isso eacute o imprinting ou seja uma
marca original irreversiacutevel que eacute impressa no ceacuterebro (MORIN 2005) No hospital em estudo
o meacutedico e a enfermeira por iniciarem o processo ldquopassaram ao lado do ovordquo os
profissionais tomaram-nos como seu pai e sua matildee e haacute uma ninhada de passarinhos-
profissionais que ainda vivem somente com as recordaccedilotildees daquela eacutepoca Morin (2005) diz
que a invenccedilatildeo aconteceraacute entre aqueles que sofreram menor impacto do imprinting e que
foram considerados como discordantes Esses conseguiratildeo dar continuidade ao processo por
conseguirem inovar o uso da ferramenta de checklist Poreacutem como a implantaccedilatildeo se deu sem
a participaccedilatildeo de todos sem que todos soubessem a importacircncia da ferramenta natildeo houve
discordantes no que diz respeito agrave metodologia ou seja os profissionais apenas seguiram
mas natildeo aprenderam a voar Como o pai e a matildee do checklist natildeo estatildeo mais agrave frente do uso
da ferramenta na praacutetica cotidiana os profissionais perderam a referecircncia e o checklist caiu no
descreacutedito no uso automaacutetico Os profissionais natildeo percebem que o seu uso agrega valor
evita incidentes e proporciona maior seguranccedila agraves cirurgias realizadas
Aleacutem dos relatos da maioria dos profissionais durante a observaccedilatildeo em campo
percebeu-se que na maior parte das cirurgias natildeo haacute preenchimento do quadro de time out e
quando eacute realizado o preenchimento tem sido incompleto e fragmentado O enfermeiro
responsaacutevel entra na sala muitas vezes sem ser percebido pergunta sobre alguns itens para o
paciente outros para o cirurgiatildeo que dependendo de quem seja satildeo incluiacutedos mais ou menos
itens e ao anestesista questiona outros itens Tudo isso de forma fragmentada em momentos
isolados e restritos agravequela pessoa natildeo envolvendo toda a equipe
Alguns participantes disseram que principalmente em cirurgias raacutepidas com tempo
inferior a uma hora o quadro de time out natildeo eacute preenchido A literatura mostra uma relaccedilatildeo
direta entre duraccedilatildeo maior da cirurgia e maior preenchimento do checklist Nas cirurgias mais
longas o fato de envolverem grande nuacutemero de etapas criacuteticas pode ser a justificativa da
maior preocupaccedilatildeo dos profissionais em se utilizar o checklist (FREITAS et al 2014)
A maioria dos profissionais desta pesquisa disse que em cirurgias de urgecircncia e
principalmente de emergecircncia eacute muito difiacutecil preencher o quadro de time out ou aplicar o
checklist Segundo Weiser et al (2010) em situaccedilotildees que exijam uma intervenccedilatildeo urgente
tem havido mesmo a preocupaccedilatildeo de que o uso do checklist iraacute interromper o fluxo de
trabalho e atrasar o tratamento terapecircutico de forma a aumentar o risco para os pacientes
Atrasos satildeo reconhecidos por aumentar o risco no tratamento de apendicite e fraturas
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 167
expostas por exemplo Natildeo obstante esses atrasos satildeo medidos em horas em vez de minutos
e um breve checklist pode evitar erros que satildeo comuns em uma cirurgia de urgecircncia Assim a
hipoacutetese desses autores eacute de que a implementaccedilatildeo do checklist em casos ciruacutergicos urgentes
melhora o cumprimento das normas baacutesicas de cuidados e reduz as taxas de mortalidade e
complicaccedilotildees apoacutes a cirurgia (WEISER et al 2010)
Outro problema identificado foi a permanecircncia de registros no quadro de time out
relativos agrave cirurgia anterior Isso ocorre segundo o responsaacutevel pelo checklist em cirurgias
que se prolongam apoacutes 16 horas quando termina seu expediente Apesar de suas solicitaccedilotildees
nenhum profissional se dispotildee a apagar o quadro quando o paciente sai de sala Isso traz um
descreacutedito para a ferramenta aleacutem de ser um fator gerador de incidentes como a identificaccedilatildeo
do paciente ou procedimento de forma equivocada
Percebeu-se ainda que o profissional responsaacutevel pelo checklist tem valorizado mais o
preenchimento individual no sistema em detrimento do preenchimento do quadro em sala
operatoacuteria envolvendo toda a equipe
[] natildeo eacute feito com a gente Natildeo eacute assim ldquoVamos fazer o time out junto []rdquo
Aquele quadro natildeo eacute preenchido sendo que temos um profissional que fica soacute para o
time out Ele faz no papel a gente natildeo vecirc porque a senha eacute dele ele faz e imprime
[] (Ed11)
[] natildeo estatildeo preenchendo o time out no quadro Preenchem no sistema no quadro
natildeo Eles tecircm falhado nisso Natildeo sei por quecirc Acho que falta mesmo uma
coordenaccedilatildeo atuante no bloco ciruacutergico (Ei5)
Segundo os profissionais a causa do responsaacutevel pelo checklist estar deixando de
preencher o quadro de time out estaacute ligado agrave lideranccedila do CC que natildeo tem cobrado a
aplicaccedilatildeo do instrumento de forma consistente e tambeacutem que a coordenaccedilatildeo constantemente
estaacute sendo mudada Contudo mesmo nos procedimentos ciruacutergicos em que satildeo aplicados os
itens de checagem no quadro de time out eou do checklist observa-se uma discrepacircncia entre
o modo como deveria ser conduzido e a forma com que atualmente tecircm sido aplicadas essas
ferramentas Observou-se uma preocupaccedilatildeo em se registrar mas o registro pelo registro sem
participaccedilatildeo ativa da equipe multiprofissional natildeo alcanccedilaraacute os objetivos que levaratildeo de fato
a uma cirurgia segura
Uma pesquisa realizada na regiatildeo sul do Brasil tambeacutem observou que na maioria das
vezes os itens natildeo foram confirmados verbalmente com a equipe como preconizado pela
OMS e a verificaccedilatildeo ocorreu predominantemente de forma individual e natildeo verbal e
frequentemente foram registrados sem verificaccedilatildeo (MAZIERO et al 2015) No entanto esse
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 168
processo de verificaccedilatildeo dos itens do checklist deve ser interdisciplinar contando com a
participaccedilatildeo de toda a equipe sendo exigida a comunicaccedilatildeo ativa entre todos os profissionais
(VENDRAMINI et al 2010)
O preenchimento sem a verificaccedilatildeo incide em aspectos legais e eacuteticos implicados a
todos os profissionais da equipe ciruacutergica (MAZIERO et al 2015) Mas sobre esse
preenchimento que gera registro de informaccedilotildees do checklist tem-se um contraponto de maacute
interpretaccedilatildeo da metodologia do checklist pelos profissionais que o implantaram tanto na
instituiccedilatildeo em estudo quanto em outros hospitais que o utilizam O checklist natildeo foi
elaborado para se tornar uma informaccedilatildeo registrada Segundo Gawande (2011) natildeo haacute
necessidade de fazer marcas de verificaccedilatildeo no checklist natildeo haacute necessidade de produzir
registros O propoacutesito eacute promover verificaccedilotildees e conversas entre os membros da equipe a fim
de garantir que todas as tarefas sejam executadas e que todos faccedilam o necessaacuterio para obter o
melhor resultado possiacutevel (GAWANDE 2011) Nesse sentido o uso da lista de verificaccedilatildeo no
hospital em estudo perde todo o seu sentido sendo apenas registrado no sistema
informatizado e natildeo impactando portanto na mitigaccedilatildeo e prevenccedilatildeo de incidentes O proacuteprio
profissional do checklist relatou que natildeo se lembra desse instrumento ter impedido algum
erro Por outro lado a informante chave que iniciou o processo relatou em sua entrevista
diversos benefiacutecios com a implantaccedilatildeo do instrumento
Apesar de alguns profissionais considerarem o preenchimento do checklist como um
instrumento para aumentar a organizaccedilatildeo e a seguranccedila do procedimento eles tambeacutem
confessam que muitas vezes quando percebem o quadro o mesmo jaacute se encontra preenchido
sem terem tido participaccedilatildeo Aleacutem disso os profissionais percebem esse instrumento como
algo burocraacutetico sem efeito praacutetico ou ateacute mesmo que o time out eacute como um quadro ou
instrumento qualquer afixado na parede
Eacute bom estar escrito mas natildeo sei se esse seria um grande problema o fato de natildeo
estaacute escrito [] Mas organizaccedilatildeo quanto mais melhor (Ed17)
[] eacute uma questatildeo mais burocraacutetica do que praacutetica (Ed13)
Eacute mais uma coisa burocraacutetica que taacute sendo feita sem nenhuma utilizaccedilatildeo Nenhuma
(Ed16)
[]o quadro estaacute laacute mas eles natildeo preenchem natildeo preenche mais Natildeo preenche
mesmo Entatildeo assim eu vejo o quadro como se fosse um quadro normal um
quadro como se fosse um reloacutegio pregado na parede (Ei27)
Hoje eu natildeo vejo preencher mais [] se preenchesse pelo menos vocecirc tirava
duacutevida saberia o nome do paciente neacute (Ei27)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 169
A comparaccedilatildeo do quadro de time out a um ldquoquadro normalrdquo um ldquoreloacutegiordquo mostra o
quatildeo desvalorizado estaacute o uso desta ferramenta na instituiccedilatildeo em estudo E revela algo da
praacutetica que merece reflexatildeo planejamento e accedilotildees dos gestores do hospital no sentido de
tomarem decisotildees que enfrentem essa percepccedilatildeo desqualificada de um instrumento validado
internacionalmente e nacionalmente Essa desvalorizaccedilatildeo eacute resultado da falta de
conhecimento da importacircncia uma vez que isso natildeo foi trabalhado com os profissionais
Quando nos relatos os profissionais mencionam a importacircncia do uso do checklist
minimizam a funccedilatildeo dessa lista de verificaccedilatildeo reduzindo-a a funccedilatildeo de apenas esclarecer
alguma duacutevida como por exemplo a identificaccedilatildeo do paciente Isso ocorre devido agrave
metodologia e forma de conduccedilatildeo atual A seguir satildeo apresentados relatos de como foi agrave
preparaccedilatildeo dos enfermeiros para aplicarem o checklist de cirurgia segura
Eu acompanhei observei vi fazendo ldquoolha eacute assim assim assadordquo e pronto E aiacute
fiz tambeacutem [] ldquoTem que preencher isso aquirdquo ldquoAh taacute como eacute que eacuterdquo ldquoAh marca
um xisinho assim assimrdquo Foi isso (Ed29)
Conversei um pouco com as enfermeiras e O Dr K pra me inteirar [] A enfermeira
que participou do iniacutecio de todo o processo me passou fontes bibliograacuteficas me
contou um pouco da experiecircncia dela [] Eu fiquei dois dias acompanhando a antiga
enfermeira do checklist [] no terceiro dia ela jaacute subiu pra exercer outra funccedilatildeo e eu
fiquei por conta do checklist [] surgiu algumas duacutevidas eu entrava em contato
com a coordenaccedilatildeo [] um dia ela desceu pra tirar algumas duacutevidas pra fazer as
estatiacutesticas do checklist mas assim o treinamento mesmo eu natildeo cheguei a ter
(Ed28)
Os enfermeiros tanto o responsaacutevel pelo checklist em seu horaacuterio de atuaccedilatildeo quanto
os demais natildeo foram qualificados adequadamente para preencher a lista de verificaccedilatildeo O
treinamento ocorreu informalmente no campo da praacutetica profissional sem um embasamento
teoacuterico sem um entendimento da importacircncia de cada item disposto para verificaccedilatildeo ou
momentos de simulaccedilatildeo da aplicaccedilatildeo Em uma pesquisa realizada com ortopedistas
brasileiros em 2012 por meio de um questionaacuterio sobre o uso do protocolo de cirurgia segura
da OMS dos 502 ortopedistas que responderam o questionaacuterio 653 desconheciam total ou
parcialmente o protocolo e 721 nunca foram treinados para o uso do instrumento (MOTA
FILHO et al 2013) A falta de treinamento especiacutefico e envolvimento de toda a equipe pode
ser um dos motivos para a causa de muitos itens serem negligenciados quando a ferramenta eacute
executada tanto no hospital em estudo quanto em outras realidades
Essa ausecircncia de qualificaccedilatildeo adequada pode tambeacutem por exemplo natildeo ter sanado
uma das preocupaccedilotildees importantes que certamente todos os enfermeiros tiveram a saber a
autonomia do condutor da lista de verificaccedilatildeo
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 170
Eu fiquei muito insegura no sentido de encontrar alguma coisa errada eu tinha
autonomia pra barrar uma cirurgia [] Qual era a autonomia que eu tinha como
enfermeiro do checklist [] tinha muitos meacutedicos que natildeo gostavam de responder
as perguntas Ateacute que isso foi imposto pela diretoria que vestiu a camisa que o
pessoal tinha que me responder gostando ou natildeo E eles comeccedilaram a se acostumar
com isso (Ei10)
A autonomia do liacuteder do checklist eacute fator criacutetico de sucesso para a efetividade do
mesmo Ele deve ter autonomia para impedir que a equipe prossiga para a proacutexima etapa da
cirurgia ateacute que cada uma esteja totalmente resolvida mas com isso pode-se criar uma
relaccedilatildeo antagocircnica com os outros membros da equipe ofendendo-os ou irritando-os
(BRASIL 2013b OMS 2009) Esta relaccedilatildeo pode ser ainda mais significativa sendo um
uacutenico profissional designado para aplicaccedilatildeo do checklist em todas as cirurgias como no
hospital em estudo A fala de Ei10 tambeacutem revela que a diretoria teve que intervir junto aos
profissionais que natildeo gostavam de responder aos questionamentos que apesar de
continuarem natildeo gostando tiveram que fazer por imposiccedilatildeo Desenvolveu-se entatildeo um
processo de obrigatoriedade de cima para baixo e natildeo um processo de convencimento da
importacircncia sobre a seguranccedila ciruacutergica e em relaccedilatildeo agrave apropriaccedilatildeo da metodologia do
checklist
Nesse sentido Gawande (2011) faz um questionamento em seu livro se apesar de
toda a resistecircncia os cirurgiotildees decidirem usar checklist ainda assim eacute importante que o
utilizem mesmo de maacute vontade O autor mesmo responde que importa sim pois o objetivo
final do instrumento natildeo eacute apenas ticar itens o propoacutesito eacute fomentar uma cultura de trabalho
em equipe e de disciplina (GAWANDE 2011)
Nesse sentido eacute primordial a sensibilizaccedilatildeo e o entendimento sobre o impacto que o
uso do checklist tem na praacutetica cotidiana da assistecircncia ciruacutergica Ou seja eacute necessaacuterio fazer
sentido para o proacuteprio profissional responsaacutevel pelo checklist para que ele proacuteprio se
convencendo tenha motivaccedilatildeo na aplicaccedilatildeo e consiga envolver os demais da equipe no uso
conjunto da ferramenta Ademais eacute necessaacuteria para o bom ecircxito da aplicaccedilatildeo da ferramenta
uma conscientizaccedilatildeo da importacircncia pela lideranccedila hospitalar que respaldaraacute o uso cotidiano
[] natildeo preencher na parede [o quadro] porque um dia a secretaacuteria esqueceu de
pedir pincel [] natildeo eacute justificativa a gente tem o almoxarifado que funciona o
tempo todo [] a motivaccedilatildeo de ter um sentido e um porque [] me parece um
preenchimento automaacutetico Cumprir uma tarefa designada (Ei30)
Conscientizaccedilatildeo eacute a palavra-chave se vocecirc natildeo conscientizar a diretoria os
coordenadores os meacutedicos o corpo de enfermagem e o pessoal da limpeza natildeo
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 171
funciona [] Ningueacutem tem nenhuma consciecircncia disso Ningueacutem daacute nenhuma
importacircncia Pura perda de tempo que taacute sendo feito (Ed16)
[] todos conhecem a campanha neacute [tosse] [] acho que falta o engajamento
mesmo de todo mundo pra conseguir que fosse contemplado todos os momentos
assim com toda a equipe (Ed28)
Observou-se que o responsaacutevel pelo checklist o preenche de modo mecanizado e
tambeacutem assim como os demais profissionais ele mesmo natildeo acredita no trabalho que
executa Desenvolve-se entatildeo uma cultura de ausecircncia de credibilidade no uso da ferramenta
no cotidiano de trabalho tanto pelo responsaacutevel pelo preenchimento quanto pelos demais
enfermeiros
Haacute uma falsa ideia por parte das lideranccedilas do hospital e do responsaacutevel pelo checklist
de que todos conhecem a ferramenta Um dos liacutederes afirmou que o checklist atualmente faz
parte da rotina do CC uma vez que este jaacute eacute amplamente divulgado difundido e aceito No
entanto aceitar a aplicaccedilatildeo do instrumento e saber da existecircncia eacute diferente de conhecer a
importacircncia por meio das evidecircncias de reduccedilatildeo de incidentes A maioria inclusive a atual
lideranccedila natildeo entendeu que cada item eacute fruto de padrotildees de erros e omissotildees constantes na
assistecircncia ciruacutergica e que portanto esse eacute um valioso instrumento para a rotina diaacuteria
Assim natildeo datildeo a importacircncia devida a essa ferramenta Ademais o profissional responsaacutevel
pelo cheklist natildeo eacute reconhecido por todos como tal
[] Tem [responsaacutevel pelo checklist] Quem eacute [Muita surpresa] [] V1 [nome do
enfermeiro do checklist] vai ver que ele faz pra ele mas eu acho que eacute importante
perguntar pro outro [] Dividir a informaccedilatildeo (Ed32)
O natildeo reconhecimento por toda a equipe de quem seja o profissional que foi
contratado especificamente para a funccedilatildeo de conduzir o checklist mostra que essa estrateacutegia
adotada pelo hospital em estudo natildeo tem alcanccedilado resultados positivos sendo necessaacuterio ser
repensada Por outro lado a conduccedilatildeo adequada destas ferramentas eacute influenciada por
muacuteltiplos fatores aleacutem dos jaacute mencionados como o perfil do profissional responsaacutevel a
sobrecarga de trabalho e a falta de profissionais a rotatividade tanto de profissionais quanto
da lideranccedila da linha de cuidados ciruacutergicos que incorre na falta de cobranccedila no uso das
ferramentas
Depende da pessoa Quando a P [enfermeiro do checklist] estava no time out ela
tem a voz alta [] Jaacute chegava avisava todo mundo [] Os outros enfermeiros que
eu vejo natildeo Entra laacute mudo sai calado preenchem o quadrinho [] Sinto falta
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 172
mesmo eacute da P chegar e falar [] Muito respeitava ela aparecia ela tinha o espiacuterito
de lideranccedila (Ei20)
A pessoa [profissional do checklist] entra na sala e pergunta para o teacutecnico ldquoQue
horas o paciente entrou na salardquo Pergunta pra mim ldquoQual a previsatildeo de duraccedilatildeo da
cirurgia Eacute limpa ou eacute contaminadardquo Acabou Soacute isso O resto ele preenche da
cabeccedila dele Isso natildeo tem o menor sentido (Ed16)
[] de laacute [da implantaccedilatildeo] pra caacute a gente jaacute mudou a coordenaccedilatildeo tanto meacutedica
quanto de enfermagem [] Na eacutepoca da B as coisas eram bem conduzidas e depois
se perdeu O bloco passou por uns momentos de grande rotatividade sofreu com
falta de anestesista A equipe trabalhava com sobrecarga (Ei23)
Eu acho mais desmotivaccedilatildeo ou falta de cobranccedila Eu tento orientaacute-los No final do
meu plantatildeo deixo a relaccedilatildeo no relatoacuterio dos quadros abertos porque algueacutem tem
que fechar no final da cirurgia [] falta cobranccedila por parte da coordenaccedilatildeo de
orientar e cobrar que seja executado (Ed28)
A desmotivaccedilatildeo mencionada por Ed28 se refere aos enfermeiros que ficam
incumbidos da conduccedilatildeo do checklist no horaacuterio em que o responsaacutevel natildeo estaacute presente No
entanto essa desmotivaccedilatildeo pode se referir a ele proacuteprio uma vez que sua funccedilatildeo natildeo eacute
reconhecida e valorizada em seu contexto de atuaccedilatildeo A motivaccedilatildeo e a percepccedilatildeo dos outros
no sentido de se fazer o trabalho sob sua responsabilidade satildeo aliadas para que o profissional
desenvolva-o de forma efetiva Uma vez que eacute dada tatildeo pouca atenccedilatildeo a esses instrumentos
pela equipe perde-se a importacircncia de se aplicaacute-los pelo responsaacutevel e vice versa
Diante deste contexto a complexidade do uso do checklist eacute marcada pela
subjetividade de quem o conduz e dos que ali participam do processo que seraacute realizado em
favor da seguranccedila ciruacutergica ou natildeo conforme relatado a seguir
[] foi esquecida uma compressa dentro do paciente e quando foi conferir o
checklist estava tudo ok [] colocou o nuacutemero de compressas abertas o nuacutemero
que [foi desprezado] Entatildeo esse caso foi uma falha de quem preencheu eacute muito
ser humano dependente Depende de como vocecirc estaacute no dia do quecirc que vocecirc estaacute
fazendo sua sobrecarga de trabalho seu estado psicoloacutegico eu acho que depende de
muita coisa e a pessoa tem que ser muito honesta tambeacutem de natildeo inventar nada ali
[risos] (Ei10)
Em um estudo sobre retenccedilatildeo de corpo estranho realizado por Gawande et al (2003)
aos 54 pacientes participantes somou-se um total de 61 corpos estranhos retidos dos quais
69 eram compressas ou gases e 31 instrumentais Dos 37 pacientes com corpos estranhos
retidos 69 necessitaram de uma nova intervenccedilatildeo ciruacutergica para a remoccedilatildeo do objeto e
complicaccedilotildees e um morreu No restante o corpo estranho foi expelido ou foi descoberto por
acaso e removido no momento de outra cirurgia Essas retenccedilotildees ocorreram mais em cirurgias
de emergecircncia (33) ou em uma mudanccedila inesperada no procedimento ciruacutergico (34) Os
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 173
pacientes com corpos estranhos retidos tambeacutem tinham um iacutendice de massa corporal meacutedia
superior e eram menos propensos a ter contagens de esponjas e instrumentos realizados Mais
de metade dos corpos estranhos (54) foram deixados no abdoacutemen 22 na vagina 74 no
toacuterax e 17 em outras partes incluindo o canal espinal ceacuterebro e extremidades (GAWANDE
et al 2003)
O relato de Ei10 demonstra que natildeo eacute simples a utilizaccedilatildeo do checklist uma vez que o
preenchimento por si soacute natildeo gera os benefiacutecios propostos do instrumento No estudo de
Gawande et al (2003) enquanto um terccedilo das compressas e instrumentais retidas natildeo foi
submetido a processo documentado de contagem dois terccedilos dos casos apresentaram
coerecircncia entre o nuacutemero aberto no iniacutecio do procedimento e o do final assim como no caso
relatado Eacute necessaacuteria conscientizaccedilatildeo e maior atenccedilatildeo na contagem e anotaccedilatildeo fidedigna dos
dados
Enfim a aplicaccedilatildeo do checklist em sala operatoacuteria natildeo eacute simples Eacute complexa por
envolver muacuteltiplos aspectos Contudo por mais que as accedilotildees contempladas no checklist sejam
variadas abarcando vaacuterios aspectos a seguranccedila ciruacutergica natildeo pode ser reduzida a apenas os
19 itens e a aplicaccedilatildeo dessa ferramenta
[] agraves vezes o que eu percebo eacute que tem uma reduccedilatildeo da cirurgia segura em relaccedilatildeo
a esse checklist E natildeo eacute correto Porque se soacute o checklist for feito mas todos os
outros passos natildeo foram seguidos exemplo um paciente que chega para o CTI
depois de uma cirurgia complexa se natildeo tiver observaccedilatildeo natildeo for feito
gerenciamento do risco a cirurgia dele pode ateacute ter sido segura no preacute e no
transoperatoacuterio mas natildeo seraacute no poacutes-operatoacuterio [] (Ei25)
Ainda que se pese a importacircncia e a complexidade a garantia de uma cirurgia segura
natildeo pode ser reduzida aos itens da lista de verificaccedilatildeo da OMS Eacute importante reconhecer a sua
importacircncia mas esse instrumento eacute parte de um conjunto complexo de accedilotildees para uma
cirurgia segura Gawande (2011) afirma que ele eacute apenas o comeccedilo de uma jornada pois foi
concebido para detectar poucos problemas comuns em todas as cirurgias no mundo todo
Assim cabe aos profissionais dar continuidade a essa jornada desenvolvendo outros
checklists e aperfeiccediloando-os como faz o setor de aviaccedilatildeo (GAWANDE 2011)
Assim para a promoccedilatildeo da seguranccedila ciruacutergica eacute necessaacuterio aleacutem de obedecer aos
itens jaacute validados da lista de verificaccedilatildeo observar tambeacutem aspectos relacionados ao preacute e ao
poacutes-operatoacuterio abarcando assim o processo como um todo Ou seja eacute necessaacuterio estudar o
checklist dentro da assistecircncia ciruacutergica sob o ponto de vista do pensamento complexo que
propotildee uma nova forma de pensar a realidade em que cada objeto do conhecimento seja ele
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 174
qual for natildeo pode ser estudado em si mesmo mas em relaccedilatildeo aos seus contornos Por isso
toda a realidade eacute o sistema estando em relaccedilatildeo agrave aacuterea envolvida Aleacutem disso o paradigma da
complexidade reconhece que a compreensatildeo da realidade eacute sempre um processo inacabado
(MORIN 2011)
Nesse sentido defende-se neste estudo por todas as questotildees relatadas e evidenciadas
pelos profissionais e durante a observaccedilatildeo em campo que a conduccedilatildeo do checklist seja de
responsabilidade de um profissional em cada sala operatoacuteria o qual deve permanecer durante
todo o periacuteodo da realizaccedilatildeo da cirurgia Esse conjunto de profissionais deve ser
supervisionado por uma uacutenica pessoa que seraacute responsaacutevel por acompanhar a forma com que
estiver sendo conduzido o checklist no intraoperatorio aleacutem de outras funccedilotildees como a
melhoria contiacutenua avaliaccedilatildeo e divulgaccedilatildeo dos resultados da aplicaccedilatildeo do checklist bem como
elaborar fomentar e acompanhar o uso de listas de verificaccedilatildeo em todo o processo
perioperatoacuterio
432 Melhorias no uso do checklist de cirurgia segura
No jogo de palavras cruzadas a precisatildeo de cada palavra eacute resultado da adequaccedilatildeo de
sua definiccedilatildeo e da sua congruecircncia com as outras palavras com letras comuns A
concordacircncia entre todas as palavras compotildee o conjunto e confirma a validade das
distintas palavras deste jogo A vida diferente das palavras cruzadas compreende
espaccedilos sem definiccedilatildeo com falsas definiccedilotildees e sobretudo a ausecircncia de um quadro
geral fechado (MORIN 2000)
A frase de Morin (2000) que inicia esta subcategoria vem ao encontro do que foi
observado durante a pesquisa realizada sobre o uso do checklist Esse instrumento natildeo eacute como
um jogo fechado de palavras cruzadas pois a complexidade do seu uso nos diferentes
procedimentos ciruacutergicos impossibilita a ocupaccedilatildeo de espaccedilos fixos pelos profissionais e de
definiccedilatildeo engessada dos itens propostos Deve ser uma ferramenta dinacircmica considerando a
melhoria contiacutenua bem como a sensibilizaccedilatildeo e a motivaccedilatildeo dos profissionais
permanentemente Assim seratildeo discutidas as oportunidades de melhorias sejam aquelas
apontadas pelos participantes da pesquisa ou observadas durante o estudo de campo no que
tange o uso da lista de verificaccedilatildeo de seguranccedila ciruacutergica
Nesse sentido eacute reconhecido pelos entrevistados que melhorias na qualidade dos
processos de trabalho sempre devem ocorrer Por mais que se atente e se mova esforccedilos para
a realizaccedilatildeo bem feita das accedilotildees no cotidiano de trabalho da assistecircncia ciruacutergica haacute sempre o
que inovar e aprender mediante as observaccedilotildees e vivecircncias da praacutetica
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 175
A cirurgia segura ela ainda tem muito muito muito que caminhar Muito [ecircnfase a
palavra] [] [o checklist] Eacute uma ferramenta bacana que bem aplicada ia minimizar
muita coisa Mas ela ainda precisa de envolvimento das pessoas (Ed26)
Cada dia vocecirc vai aprendendo Eacute a mesma cirurgia mas cada paciente eacute cada
paciente O meacutedico cada um trabalha de um jeito (Ei14)
[] por mais que a gente trabalhe e tente melhorar os processos tem sempre o que
melhorar tem sempre pessoas com ideias novas (Ei1)
Segundo Ovretveit (2009) a melhoria da qualidade eacute alcanccedilada quando se atinge uma
melhor satisfaccedilatildeo do paciente e os melhores resultados da assistecircncia mediante a mudanccedila no
comportamento dos profissionais e da organizaccedilatildeo do trabalho por meio de mudanccedilas
sistemaacuteticas nos meacutetodos e estrateacutegias Para tanto eacute imprescindiacutevel compreender o problema
e os sistemas em particular avaliando o percurso do paciente analisar a demanda a
capacidade e o fluxo do serviccedilo escolher os instrumentos de mudanccedilas como o envolvimento
e a capacitaccedilatildeo da lideranccedila e dos profissionais medir o impacto das mudanccedilas (HEALTH
FOUNDATION 2013) Estes satildeo fatores de sucesso na implantaccedilatildeo de quaisquer accedilotildees de
melhoria da qualidade incluindo o checklist de cirurgia segura
Os participantes da pesquisa relatam a necessidade de diversas mudanccedilas nos
processos de trabalho da rede intra-hospitalar para uma assistecircncia ciruacutergica segura e de
melhor qualidade em todas as fases do perioperatoacuterio As melhorias especiacuteficas no uso do
checklist focaram principalmente na maior adesatildeo ao instrumento nas mudanccedilas da
metodologia de conduccedilatildeo que atualmente eacute responsabilidade de um soacute profissional e sem o
envolvimento da equipe em conjunto na aplicaccedilatildeo e da mudanccedila da estrutura dos itens de
verificaccedilatildeo do checklist atualmente utilizado na instituiccedilatildeo
O problema da baixa adesatildeo e desvalorizaccedilatildeo do uso do checklist em sua versatildeo
completa ou do quadro de time out eacute constante no discurso de quase todos profissionais
[] eu acho que eacute soacute feito durante o dia o time out Durante a noite pelo menos eu
natildeo vejo elas fazendo (Ed8)
[] se todos os enfermeiros tivessem essa visatildeo da importacircncia do quadro de
manter atualizado sempre que os cirurgiotildees precisar das informaccedilotildees poder
consultar o quadro a gente aumentaria a credibilidade neacute (Ed28)
Os resultados desta pesquisa mostram que a adesatildeo ao checklist de cirurgia segura pela
equipe ciruacutergica estaacute diretamente relacionada agrave existecircncia de atitudes e percepccedilotildees positivas
em relaccedilatildeo agrave sua importacircncia utilidade e aplicabilidade Em um estudo observacional um
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 176
grupo composto por estudantes de medicina e enfermeiras registrou a conformidade de
aplicaccedilatildeo dos 11 itens padronizados no time out Apenas um dos itens (procedimento a ser
realizado) alcanccedilou cumprimento maior que 950 Trecircs itens (siacutetio ciruacutergico disponibilidade
de hemocomponentes e material de implantes e dispositivos e iniacutecio de antibioacuteticos)
alcanccedilaram 80-95 de cumprimento Os outros sete itens alcanccedilaram menos de 80 de
conformidade (POON et al 2013) Nesse sentido as estrateacutegias de aumento da adesatildeo devem
ser elaboradas pelos diversos profissionais conjuntamente para que estes se envolvam e
possam se empoderar dessas ferramentas que aleacutem da seguranccedila promovem a gestatildeo do
cuidado do paciente ciruacutergico no intraoperatoacuterio
Outra melhoria que deve ser implementada e que foi relatada por diversos
profissionais e observada durante a pesquisa de campo diz respeito agrave forma de conduccedilatildeo do
checklist Eacute necessaacuterio que o condutor permaneccedila por todo o tempo no intraoperatoacuterio e que
os itens sejam verificados em conjunto com todos os profissionais para otimizar os benefiacutecios
potenciais associados a esses instrumentos
Existem trecircs momentos o antes e o apoacutes a induccedilatildeo anesteacutesica e antes da retirada do
paciente da sala [] teria que ser algueacutem que tivesse dentro de sala durante o
transoperatoacuterio inteiro pra conseguir acompanhar do iniacutecio ao fim [] talvez o
circulante fosse o responsaacutevel pelo checklist [] ele taacute ali exclusivo na sala [] no
meu caso eu estou na sala um entra um paciente na sala dois eu tenho que correr
[] agraves vezes entram quatro salas de uma vez soacute (Ed28)
[] quem deveria fazer o checklist eacute a equipe que estaacute dentro da sala ciruacutergica Pode
ser tanto enfermeiro quanto o proacuteprio cirurgiatildeo (Ei23)
Atualmente o profissional que lidera a aplicaccedilatildeo do checklist eacute um enfermeiro Aleacutem
da necessidade de profissionais com esta funccedilatildeo em cada sala operatoacuteria para aumentar a
adesatildeo ao instrumento os participantes da pesquisa cogitaram outras categorias profissionais
aleacutem do circulante e do cirurgiatildeo mencionados por Ed28 e Ei23 como um auxiliar
administrativo treinado Mas outros argumentaram que o auxiliar administrativo natildeo tem
embasamento e senso criacutetico para argumentar e que o cirurgiatildeo e o anestesista sendo
plantonistas em sua maioria natildeo dariam continuidade ao processo de conduccedilatildeo da
ferramenta Um profissional disse que na implantaccedilatildeo chegaram a pensar no teacutecnico de
enfermagem que eacute o circulante em cada sala como propocircs Ed28 Poreacutem disseram que teria
que ser algueacutem ldquoseparado da assistecircnciardquo para ser imparcial e que o circulante natildeo iria
interromper a cirurgia se algo estivesse em natildeo conformidade com o checklist ora porque eles
natildeo iriam querer atrasar a sua cirurgia ora para natildeo se indispor com os cirurgiotildees e
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 177
anestesistas Assim a maioria defendeu o enfermeiro como o melhor profissional para aplicar
o checklist devido ao conhecimento teacutecnico habilidade e atitude para exercer lideranccedila
Eacute fundamental que o profissional seja capaz de conseguir a atenccedilatildeo de todos durante
uma cirurgia independente de sua categoria profissional Isso exige alto grau de assertividade
e alto niacutevel de controle que segundo o idealizador do checklist de cirurgia segura da OMS
geralmente eacute exclusivo do cirurgiatildeo sendo este em um primeiro momento tido como o
melhor profissional para conduzir a lista de verificaccedilatildeo (GAWANDE 2011) No entanto essa
possibilidade foi descartada por esse autor e sua equipe uma vez que seguindo as liccedilotildees da
aviaccedilatildeo o ldquopiloto que natildeo estaacute pilotandordquo eacute quem inicia o checklist pois aquele que estaacute na
lideranccedila tende a se concentrar nas tarefas de voo e esquecer o checklist Essa divisatildeo
corresponsabiliza todos os profissionais para o bem-estar do voo e os daacute autoridade para
questionar Assim chegou-se a conclusatildeo de que para o checklist fazer a diferenccedila deve-se
distribuir a responsabilidade e a autoridade para questionar (GAWANDE 2011) Esse autor e
sua equipe escolheram o enfermeiro-chefe para conduzir o checklist durante o teste realizado
em suas proacuteprias cirurgias e este tem sido o profissional incumbido para a aplicaccedilatildeo do
checklist em diversas instituiccedilotildees como no hospital em estudo
A vantagem do enfermeiro se responsabilizar pela conduccedilatildeo da lista de verificaccedilatildeo eacute
que sua atuaccedilatildeo o permite transitar durante todo o perioperatoacuterio do paciente e portanto ter
uma visatildeo sistecircmica do cuidado dispensado ao paciente Aleacutem disso sua atuaccedilatildeo possibilita
vivenciar tanto a realidade praacutetica quanto a realidade burocraacutetica da organizaccedilatildeo Mais
importante que escolher a categoria profissional seria identificar na equipe o perfil necessaacuterio
para este condutor da lista de verificaccedilatildeo por que a efetividade do preenchimento eacute ldquopessoa
dependenterdquo segundo um dos participantes
[] eacute muito ldquopessoa dependenterdquo depende de quem estaacute preenchendo (Ei10)
[] tem que ter um jogo de cintura de saber lidar com todas as equipes e tem que ter
o pulso firme espiacuterito de lideranccedila Para poder ter habilidade de ligar para outro
setor ldquoOh os pacientes estatildeo descendo sem banhordquo Perguntar o coordenador da
anestesia porque natildeo estaacute sendo feito o preacute-anesteacutesico Do que ficar acomodada com
aquele resultado ldquoAh jaacute fiz minha parterdquo (Ei10)
Outros profissionais tambeacutem citaram caracteriacutesticas importantes para o profissional
responsaacutevel pela aplicaccedilatildeo do time out e checklist como conhecimento da ferramenta
disciplina meacutetodo ser um profissional proativo dinacircmico atento e com facilidade de
relacionamento interpessoal E foi dito tambeacutem que mesmo com toda essa competecircncia se
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 178
natildeo tiver o respaldo da diretoria natildeo adianta a tentativa do uso correto pois eacute necessaacuterio que a
lideranccedila faccedila a gestatildeo da mudanccedila no dia a dia de trabalho
Outra questatildeo bastante enunciada pelos participantes da pesquisa e que jaacute estaacute em
discussatildeo interna diz respeito agrave mudanccedila da estrutura dos instrumentos conforme as falas
representativas que se seguem
[] a gente tem que melhorar o checklist para o profissional que executa direcionar
as perguntar e o olhar [] o checklist tem que taacute sempre sendo revisado [] tem
algumas questotildees que seguramente a gente tinha que ou excluir ou modificar a
forma que taacute perguntado (Ei30)
[] discutindo algumas questotildees do formulaacuterio que taacute em execuccedilatildeo hoje noacutes
iniciamos uma discussatildeo com a CCIH com a diretoria de uma proposta de
modificar esse formulaacuterio (Ei30)
De fato segundo Gawande (2011) o checklist natildeo deve se transformar em imposiccedilotildees
calcificadas que inibem os profissionais em vez de ajudaacute-los Segundo esse autor o checklist
exige revisotildees e aprimoramentos constantes Na aviaccedilatildeo eacute inserida data de emissatildeo em todos
os checklists uma vez que o cheklist deve mudar com o passar do tempo Eacute uma ajuda mas se
natildeo estiver servindo para contribuir na melhoria dos procedimentos haacute algo errado e deve ser
corrigido (GAWANDE 2011)
Pela anaacutelise dos dados o checklist natildeo foi aplicado em nenhum caso de Onda
Vermelha sendo a justificativa devido aos itens natildeo se aplicarem para um caso de
emergecircncia O participante da pesquisa que no periacuteodo da coleta de dados era o responsaacutevel
pelo checklist durante a entrevista leu cada item e foi se questionando se aquele item se
aplicaria ou natildeo a uma situaccedilatildeo de emergecircncia Apoacutes essa anaacutelise conclui que
No primeiro momento acho que nenhum [item] daria pra preencher no caso da
emergecircncia seria tudo natildeo se aplica E poucos dados seriam aproveitados do
checklist no caso da emergecircncia (Ed28)
Para a onda vermelha acho que natildeo tem muita aplicabilidade natildeo [] Tem um
quadro aqui [sala da emergecircncia] com orientaccedilatildeo igual das outras salas No caso da
onda esse quadro nunca foi preenchido Ateacute porque natildeo daria tempo e tambeacutem natildeo
teria nenhuma ou quase nenhuma aplicabilidade a natildeo ser colocar o nome do
paciente Que muitas vezes o paciente entra como NI [Natildeo Identificado] Entatildeo nem
a identificaccedilatildeo do paciente conseguiria contemplar no quadro (Ed28)
Poucos estudos tratam da aplicaccedilatildeo do checklist em cirurgias de urgecircncia Em um deles
evidenciou-se a reduccedilatildeo nas taxas de complicaccedilatildeo de 184 para 117 e nas taxas de
mortalidade de 37 para 14 (WEISER et al 2010) Os grupos de trabalho do Programa
Cirurgia Segura idealizaram uma lista de verificaccedilatildeo de seguranccedila ciruacutergica baseada em uma
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 179
gama de protocolos avaliaram as evidecircncias de suas conclusotildees e estimaram seus possiacuteveis
impactos para a seguranccedila mas a meta natildeo foi prescrever uma uacutenica maneira de
implementaccedilatildeo ou criar uma ferramenta regulatoacuteria Mais do que isso pela introduccedilatildeo de
elementos-chave de seguranccedila na rotina operatoacuteria as equipes poderiam maximizar a
probabilidade de melhorar seus resultados sem gerar um ocircnus excessivo no sistema ou para
os prestadores de sauacutede (OMS 2009) Assim uma das oportunidades de melhoria eacute a
elaboraccedilatildeo de checklist por tipo de cirurgia (eletiva urgecircncia e emergecircncia) pois segundo os
participantes o uso de um instrumento apenas para quaisquer procedimentos produz dados
natildeo fidedignos quanto a alguns aspectos que satildeo mensurados
[] tem cinco ou seis itens que ldquonatildeo se aplicardquo agrave cirurgia de emergecircncia O
enfermeiro preenche como natildeo se aplica quando posso ter outra ferramenta que
exclui esses itens da cirurgia de emergecircncia pra facilitar o preenchimento [] se o
enfermeiro preencher que natildeo se aplica o preacute-anesteacutesico pra emergecircncia isso gera
um dado baixo quando eu tenho na verdade uma escala de anestesia desfalcada []
o quecirc que mais vai entrar Cirurgia de urgecircncia e emergecircncia porque as eletivas vatildeo
ser adiadas Entatildeo gera um dado pra mim que eacute irreal (Ei30)
Nesse sentido melhorias satildeo necessaacuterias nos itens do checklist uma vez que na forma
em que foi concebido tem excluiacutedo a aleatoriedade ou seja a quebra da ordem em sua
execuccedilatildeo Gawande (2011) orienta a elaboraccedilatildeo de checklists especiacuteficos para os diversos
procedimentos especificamente aqueles que tenham mais fases e riscos em sua realizaccedilatildeo
Aleacutem da possibilidade de construccedilatildeo de checklists especiacuteficos dentro do
transoperatoacuterio foi relatada a necessidade de elaboraccedilatildeo de um checklist no preacute-ciruacutergico
Preciso fazer tambeacutem o checklist preacute-ciruacutergico Antes de o paciente chegar [no CC]
precisa ter algumas questotildees jaacute organizadas [] laacute dentro descubro que o paciente
natildeo tem reserva de sangue pra seguranccedila vou pedir Mas para otimizar o bloco natildeo
funcionou Vou ter que coletar amostra esperar ser processada no banco de sangue
para o banco me responder se eacute possiacutevel ou natildeo Aiacute eu perco tempo que eacute precioso
(Ei30)
Aleacutem de promover a seguranccedila do paciente uma lista de verificaccedilatildeo no preacute-operatoacuterio
possibilitaria uma maior organizaccedilatildeo e otimizaccedilatildeo do tempo do CC A resolutividade pequena
do CC foi algo muito mencionado pelos participantes que relataram as dificuldades de
consolidar os agendamentos das cirurgias eletivas pois haacute uma concorrecircncia com as cirurgias
de urgecircncia e emergecircncias entre outros fatores
A marcaccedilatildeo de sitio ciruacutergico natildeo foi evidenciada durante as observaccedilotildees de campo
sendo uma accedilatildeo quando realizada pela atitude do profissional e natildeo por uma orientaccedilatildeo ou
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 180
normatizaccedilatildeo da instituiccedilatildeo a qual natildeo tem disponibilizado inclusive os recursos materiais
para a sua realizaccedilatildeo
Paciente natildeo entra na sala se eu natildeo tiver marcado o membro Eacute meu protocolo
(riso) Natildeo do hospital [] natildeo tem nem caneta pra marcar Eu tenho que usar a
minha (Ed22)
A gente natildeo marca A gente nunca teve nenhum problema [] A vantagem do
paciente da vascular eacute que ele estaacute sempre com o peacute enfaixado ou um dedo preto A
gente sabe que eacute a perna do dedo preto que vai mexer Mas eacute importante pra ter uma
seguranccedila a mais [] Natildeo sei Vai ver que num viram necessidade que as coisas
tem andado certas neacute (E32)
Haacute uma contradiccedilatildeo sobre a marcaccedilatildeo ciruacutergica pelos profissionais ao mesmo tempo
em que desconsidera a necessidade pelo fato da condiccedilatildeo do paciente mostrar o local da
cirurgia relata que eacute mais um ponto que colabora na seguranccedila do paciente O ldquopeacute enfaixado
ou um dedo pretordquo conforme citado por Ed32 natildeo podem ser paracircmetros de identificaccedilatildeo do
local da cirurgia haja vista que o paciente pode ter outra demanda ciruacutergica e incorrer em
dubiedade Segundo Vendramini et al (2010) a marcaccedilatildeo ciruacutergica objetiva identificar sem
ambiguidade o local da cirurgia principalmente aquelas que envolvem partes bilaterais
(direita e esquerda) estruturas diversas como os dedos das matildeos e dos peacutes ou niacuteveis
muacuteltiplos como a coluna vertebral Eacute uma accedilatildeo importante e obrigatoacuteria em todas as
cirurgias exceto quando a cirurgia eacute em oacutergatildeo uacutenico nos procedimentos em que natildeo se
predetermina o local de inserccedilatildeo do cateterinstrumento quando houver recusa do paciente e
em cirurgias de emergecircncia (VENDRAMINI et al 2010)
Segundo um dos participantes houve no iniacutecio da implantaccedilatildeo do checklist uma
discussatildeo sobre marcaccedilatildeo de lateralidade no entanto mesmo com o ator natildeo humano
adquirido (ldquocaneta do tipo caneta de retroprojetorrdquo) os atores humanos ficaram na discussatildeo
de como iriam marcar Queriam colocar um ldquoxrdquo mas como a literatura desaconselha porque
pode significar que natildeo era pra fazer naquele membro a conversa se perdeu natildeo se discutiu
mais essa accedilatildeo para promover a seguranccedila As melhores praacuteticas quanto agrave marcaccedilatildeo da
lateralidade recomendam o desenho de um ciacuterculo um alvo ou as iniciais do paciente ou do
cirurgiatildeo no local da cirurgia
A identificaccedilatildeo do local da cirurgia eacute um encargo do cirurgiatildeo responsaacutevel pelo
procedimento ciruacutergico ou do procedimento terapecircutico invasivo No entanto a participaccedilatildeo
do enfermeiro ndash ou algum membro da equipe de enfermagem ndash eacute essencial sendo importante
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 181
para garantir que os siacutetios ciruacutergicos sejam marcados e a participaccedilatildeo do paciente eacute
incentivada (VENDRAMINI et al 2010)
Outro ponto abordado eacute o gap existente entre o iniacutecio e a atual rotina do uso do
checklist Pelo conjunto dos relatos e observaccedilatildeo da pesquisa percebe-se que no iniacutecio de seu
uso quando da implantaccedilatildeo do checklist este instrumento era aplicado de forma mais
completa se discutia inclusive a melhor forma de comunicaccedilatildeo com o paciente
A conversa com o paciente eacute importantiacutessima Antes a A1 [enfermeiro do checklist]
se apresentava e conversava com o paciente ldquoO senhor sabe do quecirc que o senhor vai
operarrdquo ldquoQue lado que eacuterdquo ldquoTem alergia a algum remeacutediordquo [] Ela fazia todas
essas perguntas ldquoO seu uacuteltimo banho foi ontem ou foi hojerdquo Era uma maneira
polida de perguntar sem ofender Com isso se o iacutendice de infecccedilatildeo aumentar vocecirc
vai naqueles paracircmetros [] ldquoAh o paciente natildeo tomou banho no dia da cirurgiardquo
A gente conseguia melhorar essas coisas mas hoje tudo se perdeu (Ed16)
O relato de Ed16 aponta que no iniacutecio havia atuaccedilatildeo ativa e que na atualidade ldquotudo
se perdeurdquo mostra a necessidade de entender a utilizaccedilatildeo do checklist como estrateacutegia e natildeo
como programa Segundo Morin (2000) o programa estabelece uma sequecircncia de accedilotildees que
devem ser executadas sem variaccedilatildeo em um ambiente estaacutevel Caso haja alteraccedilatildeo das
condiccedilotildees externas bloqueia-se o programa A estrateacutegia ao contraacuterio prepara um cenaacuterio de
accedilatildeo que analisa as certezas e as incertezas as probabilidades e as improbabilidades Isso
porque o cenaacuterio pode e deve ser modificado de acordo com as informaccedilotildees recolhidas os
acasos contratempos ou boas oportunidades encontradas ao longo do caminho (MORIN
2000) A saiacuteda dos profissionais que introduziram o checklist na instituiccedilatildeo bloqueou de certa
forma a efetividade do seu uso Natildeo foi arquitetado um cenaacuterio que permitisse sua efetiva
continuidade com a participaccedilatildeo de todos os profissionais
De acordo com Morin (2000) no cerne das estrateacutegias pode ateacute serem utilizadas curtas
sequecircncias programadas mas para tudo que se efetua em ambiente instaacutevel e incerto impotildee-
se a estrateacutegia Ou seja em primeiro momento podia-se ter realizado um programa piloto
para implantaccedilatildeo do checklist na instituiccedilatildeo mas dado o ambiente instaacutevel esse programa
deveria ter sido ampliado envolvendo mais profissionais para se tornar uma estrateacutegia
Seraacute necessaacuterio considerar as dificuldades para tornar o checklist uma estrateacutegia a
serviccedilo de uma finalidade complexa que eacute a seguranccedila ciruacutergica Para isso Morin (2000) traz
trecircs termos complementares e ao mesmo tempo antagocircnicos a saber liberdade igualdade
fraternidade ldquoA liberdade tende a destruir a igualdade esta se for imposta tende a destruir a
liberdade enfim a fraternidade natildeo pode ser nem decretada nem imposta mas incitadardquo
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 182
(MORIN 2000 p 91) Ainda segundo Morin (2000) conforme as condiccedilotildees histoacutericas uma
estrateacutegia deveraacute favorecer a liberdade a igualdade e a fraternidade e ainda deve em um
momento privilegiar a prudecircncia em outro a audaacutecia e se possiacutevel as duas ao mesmo
tempo Assim a estrateacutegia do uso do checklist no hospital em estudo precisa ser flexiacutevel o
bastante para dar liberdade aos profissionais ser normatizado apoacutes articulaccedilatildeo de atores
humanos e disponibilidade dos atores natildeo humanos para que tenha a igualdade no seu uso em
todos os procedimentos e monitorado e valorizado com vistas agrave fraternidade ou seja entre
profissionais-profissionais por meio da maior articulaccedilatildeo e satisfaccedilatildeo no trabalho e
profissional-paciente com foco na seguranccedila ciruacutergica
Nesse sentido a melhoria da seguranccedila na assistecircncia ciruacutergica requer tambeacutem a
forma de comunicaccedilatildeo com o paciente em todas as fases do perioperatoacuterio como a seguir
[] uma paciente com fratura de mandiacutebula de raacutedio e de fecircmur [] uma coisa era
do lado esquerdo e as outras eram do outro lado Perguntei qual cirurgia que ela ia
fazer ela falou ldquoOh eu natildeo sei porque eu tenho isso isso e isso ningueacutem me falou
a cirurgia que vou fazer Se for tal eacute desse lado se for isso eacute nesse lado aquirdquo []
havia desinformaccedilatildeo do paciente perante o que ia fazer E a gente foi discutir como
afirmar lateralidade se a paciente natildeo sabe o quecirc ela vai fazer e o meacutedico afirma que
eacute de um lado ela afirma que pode ser do outro [] a gente acaba colocando que natildeo
tinha lateralidade definida [] porque a informaccedilatildeo dela natildeo foi condizente com a
informaccedilatildeo do meacutedico (Ei10)
Como jaacute discutido a comunicaccedilatildeo efetiva entre profissionais e pacientes eacute um fator
criacutetico de sucesso para a seguranccedila do paciente Nesse sentido os projetos desenvolvidos
desenhados e implementados com a participaccedilatildeo dos pacientes tecircm mais probabilidade de
resultar em mudanccedilas sustentaacuteveis do que os projetos baseados num modelo de comando e
controle implementados de cima para baixo Por outro lado cada profissional precisa se
responsabilizar pela melhoria da qualidade mas se eles natildeo forem empoderados para fazecirc-lo
os resultados seratildeo limitados Nesse sentido a melhoria da qualidade eacute um processo contiacutenuo
que faz parte dos negoacutecios e do trabalho cotidiano (HEALTH FUNDATION 2013)
No entanto natildeo haacute educaccedilatildeo continuada discussatildeo dos resultados do uso das
ferramentas checklist e time out como existiam no iniacutecio do uso do checklist sendo esse um
ponto considerado para a melhoria e promoccedilatildeo da cirurgia segura
Nenhum treinamento ldquoHoje tem treinamento de Cirurgia Segurardquo natildeo (Ei20)
[] na eacutepoca que a gente implantou o checklist a gente fazia uma reuniatildeo trimestral
pra apresentar e monitorar os dados com o grupo gestor da cirurgia (coordenaccedilotildees de
todas as especialidades diretoria e CCIH) (Ei10)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 183
Depois que assumi ainda natildeo tive reuniatildeo para tratar dos dados Nem fui
comunicada que existe a reuniatildeo entatildeo se tinha ela natildeo estaacute acontecendo (Ei30)
A Qualidade nunca participou [reuniotildees trimestrais para discussatildeo dos resultados
do checklist] Se ela existe a gente natildeo sabe Natildeo fomos chamados nem
demandados [] E natildeo demandamos tambeacutem [risos] a gente poderia ter feito esse
movimento mas hoje a gente natildeo tem pernas pra isso (Ei23)
Mesmo quando havia reuniotildees sobre os dados e resultados do checklist no iniacutecio de
seu uso eram para um grupo restrito da diretoria Esses dados do resultado do uso do
checklist tecircm mesmo que ser discutidos com a lideranccedila maior e no entanto envolver
tambeacutem os demais profissionais do CC e da rede intra-hospitalar que estaacute envolvida com a
assistecircncia ciruacutergica se faz necessaacuterio para sua legitimaccedilatildeo diante de toda a equipe
multiprofissional Viabilizar isso na rotina caoacutetica eacute um desafio sendo necessaacuterio pensar
estrateacutegias e promover a discussatildeo dos resultados das cirurgias e do checklist Nesse mesmo
sentido tambeacutem ainda natildeo se realiza uma anaacutelise sistemaacutetica dos dados de adesatildeo ao checklist
e como esse instrumento tem impactado nos indicadores que medem a qualidade da
assistecircncia Haacute pequenas anaacutelises realizadas pelo interesse de um dos profissionais de forma
isolada e natildeo amplamente divulgada e discutida
Eu ainda natildeo levantei a estatiacutestica de cobertura de checklist e time out [] Mesmo
durante o dia eu estando exclusivamente para o checklist natildeo eacute 100 de cobertura
finais de semana e a noite eu natildeo tenho esse dado [] Acredito que natildeo seja 100
dos pacientes que consegue cobrir (Ed28)
[] eu fiz uma anaacutelise descritiva [] cruzando desde o iniacutecio do checklist e
avaliando a taxa de infecccedilatildeo em cirurgia limpa que eacute o meu marcador [] teve
diminuiccedilatildeo na taxa de infecccedilatildeo de cirurgia limpa consideraacutevel [] um ano atraacutes eu
fiz esse trabalho [] mais ningueacutem fez trabalho nenhum com o checklist [] O
checklist soacute eacute preenchido natildeo eacute analisado (Ei5)
Natildeo eacute possiacutevel promover uma seguranccedila na assistecircncia ciruacutergica sem avaliaacute-la
sistematicamente e periodicamente com indicadores para abarcar questotildees de cunho objetivo
mas tambeacutem utilizando outras estrateacutegias que apreendam a percepccedilatildeo dos profissionais sobre
sua praacutetica Nesse sentido a cirurgia segura demanda a garantia de monitoramento da
qualidade de forma contiacutenua (OMS 2009) Aleacutem das dificuldades de anaacutelise e discussatildeo dos
resultados do trabalho a avaliaccedilatildeo do checklist eacute dificultada pelo acesso restrito aos dados
[] eu natildeo tenho acesso E eacute de enfermeiro para enfermeiro Eles fazem uma relaccedilatildeo
todo mecircs e mandam para a diretoria (Ei14)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 184
Conforme jaacute discutido eacute necessaacuterio ampliar a participaccedilatildeo dos profissionais no uso do
checklist fazendo dele uma estrateacutegia de melhoria da qualidade Assim deve-se repensar o
acesso ao sistema informatizado onde fica disponibilizado o checklist no prontuaacuterio
eletrocircnico natildeo desprezando a fidedignidade dos dados e a confidencialidade dos pacientes
mas possibilitando informaccedilotildees para todo o corpo funcional
Por fim a uacuteltima melhoria deste trabalho sobre o uso do checklist na instituiccedilatildeo sem
pretensatildeo de apontar todas as melhorias necessaacuterias eacute a de se envolver a lideranccedila nessas
discussotildees iniciando assim um processo de mudanccedila da cultura organizacional
Estamos agora com uma estrateacutegia de envolver a diretoria no processo de discussatildeo
da seguranccedila levar para eles os casos mais graves de eventos adversos (Ei23)
A importacircncia do envolvimento da lideranccedila jaacute foi amplamente discutida neste
trabalho Ressalta-se que apesar do apoio inicial da lideranccedila para a introduccedilatildeo do checklist
no hospital em estudo esse apoio natildeo foi suficiente para ultrapassar os imprevistos as
incertezas Apesar de haver uma perenidade jaacute satildeo cinco anos de utilizaccedilatildeo do checklist na
instituiccedilatildeo haacute pouca adesatildeo e eacute aplicado de forma incipiente Assim percebe-se que eacute
imprescindiacutevel o envolvimento da lideranccedila de forma contiacutenua e sistemaacutetica desde a
implantaccedilatildeo ateacute a execuccedilatildeo no dia a dia de trabalho
Aleacutem das mudanccedilas especiacuteficas do uso do quadro de time out e checklist foco desta
subcategoria outras mudanccedilas foram mencionadas para melhoria da qualidade e seguranccedila da
assistecircncia ciruacutergica no hospital Algumas delas foram planejamento das cirurgias
implantaccedilatildeo do consentimento livre e esclarecido sistema de informaccedilatildeo do CC kits
disponiacuteveis nas salas operatoacuterias mais completos para agilizar as cirurgias escala completa de
profissionais principalmente anestesistas reduccedilatildeo do fluxo de pessoas dentro de sala
operatoacuteria sugerindo um vidro unidirecional para visualizaccedilatildeo de residentes e acadecircmicos
divulgaccedilatildeo de trabalhos pouco conhecidos no hospital como a proacutepria lista de verificaccedilatildeo de
cirurgia segura e o ambulatoacuterio de controle de anticoagulaccedilatildeo pelo modelo de calibraccedilatildeo RNI
(Razatildeo de Normatizaccedilatildeo Internacional) Enfim sem uma cultura desenvolvida e madura para
as questotildees da seguranccedila com comunicaccedilatildeo e conexatildeo entre os diversos atores as
intervenccedilotildees podem ocorrer na instituiccedilatildeo mas seratildeo de forma superficial meramente para
cumprir uma normatizaccedilatildeo dando uma falsa ideia de seguranccedila
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 185
Reflexotildees finais
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 186
5 REFLEXOtildeES FINAIS
O drama de qualquer escrita reside na tensatildeo entre seu inacabamento e a necessidade
de se colocar um ponto final ou seja a obra acabada e a uacuteltima interpretaccedilatildeo
possiacutevel (MORIN CIURANA MOTTA 2003 p 39)
Tendo plena consciecircncia do inacabaacutevel conhecimento sobre a seguranccedila na assistecircncia
ciruacutergica uma vez que essa eacute complexa e natildeo pode ser simplificada por envolver a conexatildeo
entre os atores humanos e tambeacutem desses com os atores natildeo humanos e que no cotidiano da
rede intra-hospitalar emergem incertezas e imprevistos que natildeo se pode erradicar totalmente eacute
que se pretende tecer as uacuteltimas reflexotildees desta tese sem a pretensatildeo de ser conclusiva
A concepccedilatildeo primaacuteria foi de se analisar a utilizaccedilatildeo do checklist de cirurgia segura
mas a estrateacutegia foi modificada durante o percurso e o objetivo ampliado para analisar a
seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na visatildeo de profissionais que atuam direta e indiretamente
no ato anesteacutesico-ciruacutergico Considera-se que o objetivo foi alcanccedilado sendo possiacutevel
perceber similaridades e diferenccedilas entre a perspectiva da assistecircncia ciruacutergica segura tanto
entre os dois grupos de profissionais (os atuam direta e os que atuam indiretamente em sala
operatoacuteria) quanto entre os profissionais do mesmo grupo
Ambos os grupos consideram que a seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica eacute um requisito
importante em todo perioperatoacuterio poreacutem a desconhecem na praacutetica e por isso natildeo
contribuem o quanto poderiam para o trabalho da fase subsequente Falta visatildeo sistecircmica e
integraccedilatildeo dos profissionais que atuam de forma direta ou natildeo para o ato ciruacutergico Pelo
conjunto dos depoimentos a seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica eacute um fenocircmeno
multidimensional
Emergiram quatro dimensotildees miacutenimas para a seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica
condiccedilatildeo estrutural processos de trabalho caracteriacutesticas do paciente e atitudes profissionais
Essas satildeo inter e co-dependentes e envolvem atores humanos e natildeo humanos As relaccedilotildees
subjetivas da praacutetica autocircnoma dos profissionais interferem na necessaacuteria intersetorialidade
para o funcionamento da rede intra-hospitalar e gera discrepacircncia entre a existecircncia do
trabalho conjunto no plano formal (padronizado normatizado instituiacutedo) e um contato
setorializadoindividualizado por meio das relaccedilotildees pessoais
Os profissionais dos dois grupos revelaram que o CC eacute um lugar desejado e valorizado
pelos profissionais que atuam direto e indiretamente no ato anesteacutesico-ciruacutergico Este setor foi
considerado complexo pela caracteriacutestica da atividade do arsenal tecnoloacutegico envolvido da
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 187
iacutenfima relaccedilatildeo vida e morte que permeia o cotidiano da sala operatoacuteria e pela demanda natildeo
programada que envolve imprevisto e incerteza Sendo por isso requerido dos profissionais
competecircncias teacutecnica e agilidade para utilizar o tempo a favor da vida dos pacientes e a
disponibilidade e a sofisticaccedilatildeo de atores natildeo humanos
A rede intra-hospitalar conforma-se com o entrecruzamento da ordem e da desordem
que promove a interaccedilatildeo entre os atores humanos e natildeo humanos para a organizaccedilatildeo da
assistecircncia ciruacutergica A falta de interaccedilatildeo dos diversos atores nas fases do perioperatoacuterio por
vezes e principalmente nos atendimentos de urgecircncia e emergecircncia gera conflitos dilemas e
sofrimento dos profissionais com implicaccedilotildees para a seguranccedila da assistecircncia ao paciente
ciruacutergico
As situaccedilotildees ciruacutergicas de urgecircncia e principalmente as de emergecircncias foram
consideradas de maior inseguranccedila Convivem e mistura-se uma suposta disciplina de
movimentos ldquoensaiadosrdquo por saberes especiacuteficos em um tempo preciso e oportuno para cada
procedimento agraves imagens ldquoencantadorasrdquo e ldquoinusitadasrdquo que chegam para atendimento e agrave
falta de articulaccedilatildeo entre os setores da rede intra-hospitalar levando a riscos ao paciente e
profissionais
Os depoimentos sobre os incidentes ocorridos no hospital e a vivecircncia dos
profissionais nestas situaccedilotildees mostraram sofrimento em um cenaacuterio ainda com uma cultura
punitiva Os exemplos praacuteticos relatados mostram que pequenas intervenccedilotildees violaccedilotildees que
se faz como se fora uma exceccedilatildeo repercute no desfecho final do atendimento ao paciente Ou
seja as accedilotildees de cada profissional da rede inter-hospitalar estatildeo intimamente interconectadas
tanto que mesmo as pequenas accedilotildees sejam dos que atuam diretamente sejam dos que atuam
indiretamente no ato ciruacutergico podem gerar um efeito com impacto na seguranccedila do paciente
com incidentes por vezes com danos irreversiacuteveis
O hospital possui accedilotildees para monitorar esses incidentes mas de forma geral precisam
de maior robustez para superar as limitaccedilotildees do sistema de notificaccedilotildees principalmente no
que diz respeito ao feedback para os profissionais que relatam alguns incidentes Aleacutem disso
as accedilotildees devem ser mais bem discutidas e metodicamente ampliadas e divulgadas para o
conjunto de profissionais uma vez que natildeo tecircm sido evidentes para todos os participantes
O preenchimento do checklist no hospital se mostrou como um processo mecacircnico e
meramente burocraacutetico que como tal natildeo tem conseguido ser barreira para os incidentes
Embora se tenha um profissional responsaacutevel para preencher o instrumento essa estrateacutegia
natildeo garantiu o preenchimento em todas as cirurgias Dessa forma viu-se que apenas a
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 188
inserccedilatildeo da ferramenta natildeo assegura a qualidade das praacuteticas eacute necessaacuterio considerar o
contexto complexo de uma sala operatoacuteria na qual haacute uma equipe multidisciplinar com
saberes e interesses diferenciados aleacutem de muacuteltiplas situaccedilotildees com o paciente que concorrem
para a efetiva aplicaccedilatildeo do checklist Aleacutem disso eacute preciso desmistificar a obsessatildeo pela
simplicidade do uso do checklist pois isso pode interferir na efetividade de sua implantaccedilatildeo e
utilizaccedilatildeo na praacutetica O modo como se utiliza o checklist de cirurgia segura tem
comprometido a legitimidade dada pelos profissionais que atuam diretamente em sala
operatoacuteria e muitos dos profissionais que atuam indiretamente natildeo conhecem como eacute este uso
Enfim a forma de tratar os erros a percepccedilatildeo de risco diminuiacuteda pelos profissionais e
a falta de reconhecimento da falibilidade humana mostra uma cultura de seguranccedila ainda em
desenvolvimento Sem uma cultura institucional desenvolvida e madura para as questotildees da
seguranccedila com comunicaccedilatildeo e conexatildeo entre os diversos atores as intervenccedilotildees podem
ocorrer mas seratildeo de forma superficial meramente para cumprir uma normatizaccedilatildeo dando
uma falsa ideia de seguranccedila Tem-se que investir na construccedilatildeo de uma cultura de seguranccedila
organizacional com base em planejamento sistemaacutetico dos processos de trabalho de acordo
com os riscos e as necessidades especiacuteficas das partes (cada setor) sem comprometer o todo
(a rede intra-hospitalar) estrateacutegias para execuccedilatildeo de accedilotildees de melhoria e avaliaccedilatildeo da
assistecircncia realizada buscando ter resiliecircncia ou seja que continuamente previna detecte
mitigue e diminua os incidentes
As limitaccedilotildees desta pesquisa se inserem agrave inerente limitaccedilatildeo da observaccedilatildeo do cenaacuterio
que eacute o chamado efeito hawthorne o qual o profissional ao ser observado modifica o seu
comportamento podendo interferir nos resultados No iniacutecio da coleta de dados houve uma
estranheza em relaccedilatildeo agrave presenccedila da pesquisadora e agrave acadecircmica que a acompanhou No
entanto apoacutes alguns dias os profissionais jaacute as tinham incorporado em seu cotidiano e
deixaram de ser estranhas diminuindo assim o efeito hawthorne Outra limitaccedilatildeo reside no
fato da pesquisa ter sido realizada em um uacutenico hospital natildeo podendo ser generalizaacutevel Para
suprir esta limitaccedilatildeo apresenta-se como sugestatildeo a realizaccedilatildeo de pesquisas que focalizem
maior nuacutemero de hospitais com outros perfis e tambeacutem que busquem analisar com mais
profundidade o impacto da cultura organizacional para a seguranccedila ciruacutergica
Almeja-se que este estudo proporcione informaccedilotildees que estimulem discussotildees e
reflexotildees sobre a seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio de forma mais ampla e a
importacircncia da conexatildeo entre atores humanos e natildeo humanos para a promoccedilatildeo da cirurgia
segura
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 189
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Glossaacuterio
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 209
GLOSSAacuteRIO
Ato anesteacutesico-ciruacutergico accedilotildees desenvolvidas para realizar no paciente a sedaccedilatildeo
(anestesia) abertura ato principal e fechamento (cirurgia) com finalidades esteacuteticas curativas
ou paliativas (CARVALHO BIANCHI 2007)
Circunstacircncia notificaacutevel situaccedilatildeo com grande capacidade de causar dano ao paciente mas
que natildeo produziu nenhum incidente (WHO 2009)
Cirurgia origem grega significa trabalho manual isto eacute o exerciacutecio ou praacutetica de uma
ocupaccedilatildeo (LOacutePEZ LA CRUZ 2002)
Cuidado de sauacutede serviccedilos recebidos por indiviacuteduos ou comunidades para promover
manter monitorar ou restaurar a sauacutede Pela ICPS esse termo tambeacutem inclui o auto-cuidado
(OMS 2009)
Fatores contribuintes circunstacircncias accedilotildees ou influecircncias que tem um papel na origem ou
no desenvolvimento de um incidente ou no aumento do risco de incidente Eles podem ser
externos organizacionais estarem relacionados ao staff ou a um fator individual do paciente
(OMS 2009)
Incidente com dano ou evento adverso situaccedilatildeo que causou dano ao paciente (WHO
2009)
Incidente sem danos evento que atingiu o paciente mas natildeo causou dano discerniacutevel
(WHO 2009)
Near miss incidente que natildeo atingiu o paciente (WHO 2009)
Paciente pessoa que recebe cuidado de sauacutede Pela ICPS se usa o termo paciente no lugar
dos termos consumidores ou clientes pois eacute mais abrangente (OMS 2009)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 210
Perigo circunstacircncia um agente ou uma accedilatildeo com potencial para provocar danos (WHO
2009)
Risco probabilidade de ocorrecircncia de um incidente probabilidade de um indiviacuteduo sofrer
algum dano em razatildeo da exposiccedilatildeo a um perigo (WHO 2009)
Sala de operaccedilotildees ou sala de cirurgia ou sala operatoacuteria local de acesso restrito onde o
paciente eacute submetido ao procedimento anesteacutesico-ciruacutergico com caracteriacutesticas determinadas
na legislaccedilatildeo quanto agrave construccedilatildeo e ao acabamento (CARVALHO BIANCHI 2007)
Seguranccedila do paciente reduccedilatildeo a um miacutenimo aceitaacutevel do risco de dano desnecessaacuterio
associado ao cuidado de sauacutede (OMS 2009)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 211
Apecircndices
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 212
APEcircNDICE I
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Convidamos vocecirc a participar da pesquisa intitulada ldquoCIRURGIA SEGURA perspectivas da equipe
multiprofissional de hospitais puacuteblicosrdquo desenvolvida pela doutoranda Helen Cristiny Teodoro Couto Ribeiro
sob orientaccedilatildeo da Professora Doutora Mariacutelia Alves da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG) A referida pesquisa objetiva compreender a cirurgia segura na perspectiva de
profissionais que atuam direta e indiretamente na assistecircncia ciruacutergica em hospitais puacuteblicos de Belo Horizonte
Trata-se de estudo qualitativo e a coleta de dados seraacute realizada por meio de entrevista e observaccedilatildeo Assim
vocecirc responderaacute perguntas sobre a assistecircncia ciruacutergica realizada no hospital e sua colaboraccedilatildeo neste processo
seja atuando direta ou indiretamente no bloco ciruacutergico Se concordar vocecirc participaraacute de uma entrevista com
uso de roteiro semiestruturado e figuras (buscadas na internet) sobre a assistecircncia ciruacutergica suas respostas seratildeo
gravadas posteriormente ouvidas e transcritas para ser o mais fidedigno a elas e estaraacute disponiacutevel para vocecirc
ouvir se assim o desejar
As observaccedilotildees seratildeo voltadas para o cotidiano do trabalho dos profissionais e ocorreratildeo desde a entrada do
paciente ciruacutergico ateacute a sua alta hospitalar perpassando principalmente pelo procedimento ciruacutergico se vocecirc
permitir Aleacutem disso seratildeo observadas reuniotildees da equipe pretendendo-se no miacutenimo observar uma reuniatildeo da
enfermagem e outra dos cirurgiotildees eou anestesistas Estas observaccedilotildees seratildeo registradas no diaacuterio de campo que
vocecirc poderaacute ler depois para autorizar sua utilizaccedilatildeo ou natildeo
Sua participaccedilatildeo eacute voluntaacuteria e os riscos satildeo miacutenimos poreacutem caso se sinta constrangido em dar alguma resposta
vocecirc estaraacute livre para natildeo responder Afirmamos que seraacute garantido o seu anonimato as entrevistas seratildeo
identificadas apenas pela letra ldquoErdquo enumerada de acordo com a realizaccedilatildeo natildeo identificando portanto o seu
nome Firmamos o compromisso que as declaraccedilotildees seratildeo utilizadas apenas para fins desta pesquisa e veiacuteculos
de divulgaccedilatildeo cientiacutefica e as gravaccedilotildees e o diaacuterio de campo ficaratildeo sob nossa responsabilidade por um periacuteodo
de 5 anos sendo posteriormente totalmente destruiacutedos
Esperamos que este estudo contribua para reflexatildeo da cirurgia segura sobre a oacutetica dos profissionais que atuam
diretamente na assistecircncia perioperatoacuteria e indiretamente no suporte para o ato ciruacutergico e como essa visatildeo a
partir de suas subjetividades ideologias e praacuteticas influenciam nas estrateacutegias de mudanccedila dos processos de
trabalho para uma assistecircncia ciruacutergica de qualidade e segura para o paciente
Informamos que vocecirc poderaacute solicitar informaccedilotildees e fazer perguntas agraves pesquisadoras caso tenha alguma
duacutevida a qualquer momento do estudo e ainda retirar o seu consentimento sem nenhum ocircnus ou prejuiacutezo
pessoal ou relacionado ao seu trabalho Esclarecemos ainda que vocecirc natildeo teraacute nenhum gasto adicional e nenhum
benefiacutecio financeiro
Recebemos autorizaccedilatildeo da instituiccedilatildeo que vocecirc trabalha para realizar a pesquisa e o projeto foi aprovado pelo
Comitecirc de Eacutetica da UFMG Assim se vocecirc estiver de acordo e as declaraccedilotildees tiverem sido satisfatoacuterias
solicitamos assinar o presente Termo dando consentimento para a sua participaccedilatildeo no estudo supracitado
___________________________ __________________________________
Profordf Drordf Mariacutelia Alves Helen Cristiny Teodoro Couto Ribeiro
Eu _______________________________________ declaro que recebi este Termo de forma voluntaacuteria fui
esclarecido(a) sobre a finalidade da pesquisa e concordo em participar dela sabendo que meu nome natildeo seraacute
divulgado e os resultados seratildeo utilizados apenas para fins cientiacuteficos
___________________________________________________
Assinatura do profissional entrevistado
Belo Horizonte ___ de _________________________ de 2014
APEcircNDICE II
Contato com as pesquisadoras
- Prof Drordf Marilia Alves
Av Alfredo Balena 190 Sl 514 ndash Stordf Efigecircnia
CEP 30130-000 - Belo HorizonteMG
- Helen Cristiny Teodoro Couto Ribeiro
Rua Nicolina Pacheco 600101- Palmares
CEP 31155-680 - Belo HorizonteMG
Telefones 31-3582721431-84375228
E-mail helenctcoutoyahoocombr
Contato Comitecirc de Eacutetica e Pesquisa da UFMG
Av Presidente Antonio Carlos 667 -
Unidade Administrativa II ndash 2ordm Andar sala
2005 Campus Pampulha CEP 31270-901
Belo HorizonteMGTelefone 31-34094592
Email coepprpqufmgbr
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 213
APEcircNDICE II
Roteiro de Entrevista Semiestruturado
Nuacutemero da Entrevista E_________Data ______
Horaacuterio de Iniacutecio ______ Horaacuterio de Teacutermino ______ Duraccedilatildeo _________
Sexo ( ) Masculino ( ) Feminino
Idade _____ anos Estado civil _______________________
Formaccedilatildeo( ) curso teacutecnico ( ) graduaccedilatildeo Aacuterea e escola ________________
Ano eou tempo de formaccedilatildeo __________________
Niacutevel de qualificaccedilatildeo( ) especializaccedilatildeoMBA ( ) mestrado ( ) doutorado
Aacuterea eConclusatildeo _____________________________________
FunccedilatildeoCargo exercido na instituiccedilatildeo _____________________________________
Data de admissatildeo eou tempo de trabalho na instituiccedilatildeo ______________________
Forma de admissatildeo ________________________________________________
Local de atuaccedilatildeo na instituiccedilatildeo _________________ Haacute quanto tempo _________
Carga horaacuteria neste hospital ___________Turno neste hospital _____________
Vinculo com outra instituiccedilatildeo _____________ Haacute quanto tempo _______
1- Como vocecirc percebe o Bloco Ciruacutergico dentro do hospital Como vocecirc pensa que os
profissionais do Bloco percebem o seu setor
2- Como eacute a relaccedilatildeoarticulaccedilatildeointegraccedilatildeo entre os diversos setores e profissionais para a
realizaccedilatildeo de uma cirurgia
3- Descreva para mim as condiccedilotildees de trabalho neste hospital para a realizaccedilatildeo de cirurgias
4- Fale-me sobre seu trabalho no hospital Como ele contribui para a realizaccedilatildeo das
cirurgias Para o Meacutedico Como eacute seu trabalho na realizaccedilatildeo das cirurgias no hospital
5- Na sua experiecircncia quando ocorre uma Cirurgia Segura e quando ocorre uma Cirurgia
Insegura
6- Fale-me sobre a implantaccedilatildeo da Cirurgia Segura neste hospital
Como estaacute sendo utilizado o checklist de cirurgia seguratime out em seu cotidiano de
trabalho
Para os que atuam indiretamente Vocecirc conhece o checklist de cirurgia seguratime out do
hospital Como foi sua implantaccedilatildeo e como estaacute sendo utilizado
7- Como eacute realizada a mensuraccedilatildeo da assistecircncia ciruacutergica
8- Fale-me de uma situaccedilatildeo em que ocorreu um erro ou evento adverso relacionado a
cirurgia em que vocecirc estava envolvido ou ficou sabendo
Qual foi a reaccedilatildeo dos colegas da coordenaccedilatildeo da unidade e da direccedilatildeo do hospital frente
ao evento
Essa situaccedilatildeo foi notificada eou discutida com a equipe
9- Vocecirc gostaria de acrescentar mais alguma coisa
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 214
APENDICE III
Tabela 1 Adesatildeo ao checklist de cirurgia segura por ano de aplicabilidade Belo
Horizonte ndash MG (2010 a 2015)
Ano de
uso
Cirurgias
realizadas (n)
Checklist
aplicados (n)
Adesatildeo
()
Todos os
dias
2ordf a 6ordf feira
07 agraves 16h
Todos os
dias
2ordf a 6ordf feira
07 agraves 16h
Todos os
dias
2ordf a 6ordf feira
07 agraves 16h
1deg 4798 2657 3076 2014 641 758
2deg 5363 3062 2898 1585 540 518
3deg 5116 3093 2944 1532 575 495
4deg 4957 2845 2890 1451 583 510
5ordm 4187 2609 2480 1566 578 600
Total 24421 14266 14288 8148 583 571
Fonte Ribeiro et al (mimeo)
Nota dias e horaacuterio haacute um profissional responsaacutevel pelo preenchimento do checklist de cirurgia segura
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 215
Anexos
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 216
ANEXO I
Parecer Consubstanciado do CEP
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 217
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 218
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 219
ANEXO II
Checklist utilizado no hospital em estudo
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 220
ANEXO III
Quadro de Time Out
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 221
ANEXO IV
Lista de Verificaccedilatildeo de Seguranccedila Ciruacutergica (checklist)
Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na perspectiva de profissionais a integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 22
Este trabalho eacute vinculado ao Nuacutecleo de
Pesquisa sobre Administraccedilatildeo em Enfermagem
(NUPAE) da Escola de Enfermagem da
Universidade Federal de Minas Gerais
x
x
Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na perspectiva de profissionais a integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 23
x
Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na perspectiva de profissionais a integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 24
x
Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na perspectiva de profissionais a integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 25
O poder da oraccedilatildeo eacute como um efeito borboleta vocecirc ora aqui e o mar vermelho se abre tambeacutem para outras pessoas laacute (Helen Ribeiro)
Teus oacute Senhor satildeo a grandeza o poder a gloacuteria a majestade e o esplendor pois tudo o que haacute nos ceacuteus e na terra eacute teu Teu oacute Senhor eacute o reino tu estaacutes acima de tudo A riqueza e a honra vecircm de ti tu dominas sobre todas as coisas Nas tuas matildeos estatildeo a forccedila e o poder para exaltar e dar forccedila a todos Agora nosso Deus damos-te graccedilas e louvamos o teu glorioso nome (I Crocircnicas 29 11-13)
x x
Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na perspectiva de profissionais a integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 26
A minha heranccedila do Senhor ANA BEATRIZ
que desde meados deste projeto
te gestar te ver nascer sorrir e cuidar de vocecirc
tem-me revelado mais da Graccedila de DEUS
e trouxe grande alegria para meu viver
As DEMAIS HERANCcedilAS que o Senhor
concederaacute a mim e ao meu amado Bruno
ainda natildeo os conhecemos
mas jaacute agradecemos a DEUS
pela nossa famiacutelia
Dedicatoacuteria
Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na perspectiva de profissionais a integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 27
A JESUS filho do DEUS Altiacutessimo por ter me dado a resposta para o Alfa deste desafio o
sustento em cada etapa e me trazido para o Ocircmega Tua fidelidade me constrange
Ao meu eterno namorado meu motivador pessoal homem valoroso Bruno
pelo incentivo constante por me amar tanto e ter sido o Escolhido de DEUS para um projeto
maior construccedilatildeo de uma linda famiacutelia Amo-te cada vez mais
A minha matildeezinha Cida que tanto amo por abdicar da sua casa e emprego para nos ajudar
no cuidado da nossa princesa e da nossa casa possibilitando-me ausentar
para executar esta tese com tranquilidade imensuraacutevel
A minha princesa linda Ana Beatriz
sua alegria contagiante seu charme te ouvir me chamar de ldquomamatildeaaeeerdquo
ganhar seus muitos beijinhos me motivaram a cada dia da construccedilatildeo desta tese
Agrave Profordf Drordf Mariacutelia que aleacutem de orientar este trabalho com esmero tambeacutem apoiou com
todo carinho e se alegrou conosco com o projeto Ana Beatriz
A minha amiga irmatilde confidente conselheira Sandra pelas oraccedilotildees constantes sempre com
uma palavra que me consolou e me fortaleceu em cada um dos momentos difiacuteceis desta tese
Alegrou-se com minhas vitoacuterias Amo vocecirc e sua famiacutelia linda
Aos meus amigos e irmatildeos Gegecirc e Edy pelo companheirismo e amor amigos de toda hora
A disponibilidade do coraccedilatildeo de vocecircs para nos ajudar eacute indescritiacutevel Amo vocecircs
Aos amigos do meu coraccedilatildeo Karine e Leo Naiara e Emerson Jhonatan Alexandra e
Alexandre Aline e Alessandro Dani e Alexandre Raquel Ruacutebia e famiacutelia por torcerem e
orarem por mim
A minha sobrinha Maria Luiza e aos meus sobrinhos do coraccedilatildeo Rafael Davi Bianca Alice
Andreacute e agrave mascotinha princesa Ana Teresa pelos sorrisos que alegram os meus dias
Agradecimentos
Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na perspectiva de profissionais a integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 28
Aos meus familiares de Divinoacutepolis ressalto a presenccedila constante dos tios Faacutetima Osvaldo e
priirmatilde Aliny aos de Belo Horizonte principalmente meus sogros amados Lena e Gilto pelo
apoio de Ipatinga ressalto o amor de cada um dos meus tios do coraccedilatildeo e de Sete Lagoas
por compreenderem minha necessaacuteria ausecircncia agora estaremos mais juntos
Aos colegas da poacutes-graduaccedilatildeo da Escola de Enfermagem e de Administraccedilatildeo da UFMG
Aos colegas e pesquisadores do NUPAE pelo aprendizado ressalto agraves queridas Elana Dani
Bruna Liacutevia Meiry Andreia e Bia Destaco o apoio e oraccedilotildees da Kellen e a ajuda da Ana
Caroline Bredes companheira especial neste percurso
Aos funcionaacuterios do Programa de Poacutes Graduaccedilatildeo principalmente a Lucilene pelas diversas
orientaccedilotildees e professores da Escola de Enfermagem da UFMG principalmente agraves queridas
Profordf Maria Joseacute e Profordf Kecircnia exemplos que levarei para sempre
Agraves colegas da Secretaria de Estado de Sauacutede de Minas Gerais Soraya Eliane Claacuteudia
Simone Walkiacuteria Camila Dri Fernando Lu Conceiccedilatildeo Aacutegda Nayara
Aos colegas da UFSJ ressalto a torcida pela nomeaccedilatildeo dos professores Juliano Alexandre
Valeacuteria Eliete Heloiacuteza Virginia A acolhida do Profdeg Eduardo Profordf Patriacutecia Isabel e
professores do Grupo Sauacutede do Adulto e Idoso principalmente a ajuda das professoras
Tatiane Luciana Liliane e Aline e a Profordf Letiacutecia que me recebeu com carinho em sua sala
Agrave coordenaccedilatildeo de enfermagem aos coordenadores da Linha de Cuidados Ciruacutergicos e aos
profissionais do hospital cenaacuterio deste estudo pela disponibilidade em atenderam o pedido
para participar desta pesquisa muito obrigada Ressalto a atenccedilatildeo do Og
Aos professores da banca de qualificaccedilatildeo Maria Joseacute Brito e Maacuterio Borges
e aos demais professores da banca de defesa pelas contribuiccedilotildees e aprendizado
Agraves pessoas queridas que aprendi muito sobre Seguranccedila do Paciente Lismar Helidea
Profordm Walter Mendes Profordm Victor Grabois Simone Eacuterika Andreia Acircngela e Gilberto
Agradecimentos
Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na perspectiva de profissionais a integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 29
RESUMO
RIBEIRO HCTC Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma
complexa rede intra-hospitalar 223 f Tese (Doutorado em Enfermagem) ndash Escola de
Enfermagem Universidade Federal de Minas Gerais Belo Horizonte 2016
A seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio eacute promovida tanto por meio de atores natildeo
humanos (como checklist materiais e equipamentos) quanto pela praacutetica dos diversos atores
humanos da rede intra-hospitalar Objetivou-se analisar a seguranccedila da assistecircncia no
perioperatoacuterio na visatildeo de profissionais que atuam direta e indiretamente no ato anesteacutesico-
ciruacutergico focalizando a conexatildeo dos diferentes atores da rede intra-hospitalar Trata-se de um
estudo de caso de natureza qualitativa em que participaram 32 profissionais que atuam no
centro ciruacutergico e nas unidades assistenciais e de apoio ao ato anesteacutesico-ciruacutergico A coleta
de dados foi realizada por meio de entrevistas com roteiro semiestruturado e observaccedilatildeo Os
dados foram analisados empregando-se a teacutecnica da Anaacutelise de Conteuacutedo Temaacutetica Os
resultados da pesquisa foram agrupados em trecircs categorias ldquoRede intra-hospitalar para o
perioperatoacuterio em um hospital puacuteblico referecircncia para urgecircncias e emergecircncias e de ensinordquo
ldquoSituaccedilotildees de seguranccedila e de inseguranccedila nos procedimentos ciruacutergicosrdquo e ldquoLista de
verificaccedilatildeo de seguranccedila ciruacutergica da aparente simplicidade a real complexidaderdquo Na
primeira categoria observou-se uma mistificaccedilatildeo do Centro Ciruacutergico pelos profissionais que
atuam internamente e externamente a este setor A rede intra-hospitalar foi considerada vital
poreacutem encontra-se fragmentada e a maior parte dos participantes natildeo tem uma visatildeo sistecircmica
de todas as fases do perioperatoacuterio Na segunda categoria apresentaram-se situaccedilotildees de
seguranccedila e inseguranccedila no cotidiano da assistecircncia ciruacutergica e como as pequenas accedilotildees
resultam em grandes incidentes ciruacutergicos Emergiram quatro dimensotildees miacutenimas
imprescindiacuteveis inter e co-dependentes para a seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica condiccedilatildeo
estrutural processos de trabalho caracteriacutesticas do paciente e atitudes profissionais As
cirurgias de urgecircncia e emergecircncia foram consideradas os procedimentos mais inseguros
devido ao fato da demanda ser imprevisiacutevel e por exigir tomada de decisatildeo e accedilotildees raacutepidas
Observou-se uma cultura ainda natildeo solidificada para tratar os erros e incidentes O
preenchimento do checklist no hospital estudado se mostrou como um processo mecacircnico que
como tal natildeo tem conseguido ser barreira para os incidentes Foi implantado por um pequeno
grupo de profissionais natildeo sendo amplamente divulgado e natildeo houve sensibilizaccedilatildeo para o
envolvimento e a adesatildeo ao checklist O preenchimento de forma coletiva e a sua valorizaccedilatildeo
pelos profissionais que atuam direta e indiretamente em sala operatoacuteria eacute um desafio Para
tanto dentre outras accedilotildees deve-se formular e executar estrateacutegias de envolvimento de um
nuacutemero maior de profissionais da rede intra-hospitalar considerar a aplicaccedilatildeo do checklist em
um contexto complexo que eacute a sala operatoacuteria e desmistificar a simplicidade do uso do
checklist uma vez que isso interfere na efetividade de sua utilizaccedilatildeo
Descritores Seguranccedila do Paciente Qualidade da Assistecircncia agrave Sauacutede Centro Ciruacutergico
Hospitalar Lista de Checagem
Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na perspectiva de profissionais a integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 30
ABSTRACT
RIBEIROH C T C Safety of perioperative care integration of a complex intra-hospital
network 223 f Thesis (Doctorate in Nursing) - Nursing School Federal University of Minas
Gerais Belo Horizonte 2016
The safety of perioperative care is promoted both by non-human factors (such as checklist
materials and equipment) and the practice of various human actors in-hospital network This
study aimed to analyze the safety of perioperative care in the view of professionals who work
directly and indirectly in the anesthetic-surgical procedure focusing on the connection of the
different actors of intra-network hospital This is a case of qualitative study involving 32
professionals working in the operating room and in medical clinics or supporting the
anesthetic-surgical act Data collection was conducted through interviews with semi-
structured script and observation Data were analyzed using the technique of Thematic
Content Analysis The results of the research were grouped into three categories intra-
hospital network for the surgery in a public reference hospital for emergency care and
education Security Situations and insecurity in surgical procedures and Surgical safety
checklist the apparent simplicity of the real complexity In the first category there was a
mystification of the Surgical Center by professionals working internally and externally to this
sector In-hospital network was considered vital but is fragmented and most of the
participants do not have a systemic view of all phases of the perioperative period In the
second category presented to security and insecurity situations in everyday surgical care and
how small actions result in major surgical incidents Emerged four minimum dimensions
indispensable inter and co-dependent for the safety of surgical care structural condition
work processes patient characteristics and professional attitudes Urgent and emergency
surgeries were considered the most unsafe procedures due to the fact that demand is
unpredictable and require decision making and quick actions It was observed a culture still
unsolidified to handle errors and accidents The completion of the checklist in the studied
hospital showed as a mechanical process which as such has not been able to be barrier to the
incidents Was established by a small group of professionals not being widely reported and
there was no awareness of the involvement and adherence to the checklist Filling collectively
and their valuation by professionals who work directly and indirectly in the operating room is
a challenge To this end among other actions should develop and implement engagement
strategies for a greater number of professionals in-hospital network consider the complex
environment of an operating room and demystify the simplicity of use of the checklist once
that interfere in the effectiveness of its use
Keywords Patient Safety Quality of Health Care Surgical Center Hospital Check list
Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na perspectiva de profissionais a integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 31
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Representaccedilatildeo da assistecircncia ciruacutergica segura 37
Figura 2 - Tetragrama ordemdesordemintegraccedilatildeoorganizaccedilatildeo 70
Figura 3 - Tetragrama ligaccedilatildeointeraccedilatildeo entre os setores 70
Figura 4 - Tetragrama dos processos de trabalho para realizaccedilatildeo da cirurgia 71
Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na perspectiva de profissionais a integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 32
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Etapas da aplicaccedilatildeo do checklist de cirurgia segura da Organizaccedilatildeo Mundial de
Sauacutede (OMS)
32
Quadro 2
- Criteacuterios para escolha dos cenaacuterios de pesquisa Belo Horizonte 2011 44
Quaro 3
- Distribuiccedilatildeo dos leitos do hospital cenaacuterio de estudo (2015)
45
Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na perspectiva de profissionais a integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 33
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ANVISA Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria
APS Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede
ATLS Advanced Trauma Life Support
CC Centro Ciruacutergico
CCIH Comissatildeo de Controle de Infecccedilatildeo Hospitalar
CLT Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho
CME Central de Material de Esterilizaccedilatildeo
CNES Cadastro Nacional de Estabelecimento de Sauacutede
CNS Conselho Nacional de Sauacutede
COFEN Conselho Federal de Enfermagem
COREN-MG Conselho Regional de Enfermagem de Minas Gerais
CTI Centro de Terapia Intensiva
DO-ONA Diagnoacutestico Organizacional
EA Eventos Adversos
ENAEEUFMG Departamento de Enfermagem Aplicada da Escola de Enfermagem da
Universidade Federal de Minas Gerais
EPI Equipamentos de Proteccedilatildeo Individual
FHEMIG Fundaccedilatildeo Hospitalar do estado de Minas Gerais
FIOCRUZ Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz
FUNDEP Fundaccedilatildeo de Desenvolvimento da Pesquisa
GT-SEPAE Grupo de Trabalho sobre Seguranccedila do Paciente na Assistecircncia de
Enfermagem
HJXXIII FHEMIG Hospital Joatildeo XXIII da Fundaccedilatildeo Hospitalar do Estado de Minas Gerais
IACONA Instituiccedilatildeo Acreditadora Credenciada pela ONA
IAM Infarto Agudo do Miocaacuterdio
ICPS International Classification for Patient Safety
ISC Infecccedilatildeo de Siacutetio Ciruacutergico
IAK Iacutendice de Aldrete e Kroulik
JCAHO Joint Commission on Accreditation of Healthcare Organizations
JCI Joint Commission International
LVSC Lista de Verificaccedilatildeo de Seguranccedila Ciruacutergica
Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na perspectiva de profissionais a integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 34
NEPE Nuacutecleo de Ensino Pesquisa e Extensatildeo
NGQ Nuacutecleo de Gestatildeo da Qualidade
OMS Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede
ONA Organizaccedilatildeo Nacional de Acreditaccedilatildeo
PAF Perfuraccedilatildeo por Arma de Fogo
PNSP Programa Nacional de Seguranccedila do Paciente
PRO-HOSP Programa de Fortalecimento e Melhoria da Qualidade dos Hospitais do
Sistema Uacutenico de Sauacutede de Minas Gerais
QI Quality Improvement
RI Residente Iniciante
RNI Razatildeo de Normatizaccedilatildeo Internacional
SAE Sistematizaccedilatildeo da Assistecircncia de Enfermagem
SAEP Sistematizaccedilatildeo da Assistecircncia de Enfermagem Perioperatoacuteria
SAMU Serviccedilo de Atendimento Moacutevel de Urgecircncia
SBA Sistema Brasileiro de Acreditaccedilatildeo
SBAR Situaccedilatildeo Background Avaliaccedilatildeo Recomendaccedilatildeo
SES-MG Secretaria de Estado de Sauacutede de Minas Gerais
SIHSUS Sistema de Informaccedilotildees Hospitalares do SUS
SO Sala Operatoacuteria
SRPA Sala de Recuperaccedilatildeo Poacutes-anesteacutesica
SUS Sistema Uacutenico de Sauacutede
TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UFMG Universidade Federal de Minas Gerais
WHO Word Health Organization
Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na perspectiva de profissionais a integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 35
SUMAacuteRIO
OS PRIMEIROS TRILHOS PERCORRIDOS ATEacute O DESAFIO DESTA
TESE
18
1 PROBLEMAacuteTICA DO ESTUDO CONTEXTUALIZANDO O
DESAFIO PROPOSTO
23
2 ASSISTEcircNCIA CIRUacuteRGICA SUBSIacuteDIOS TEOacuteRICOS PARA ESTE
DESAFIO
28
21 Incidentes na assistecircncia ciruacutergica 28
22 Seguranccedila do paciente breve histoacuterico com foco na aacuterea ciruacutergica
30
23 Checklist de cirurgia segura resultados positivos e limitaccedilotildees
32
24 Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica hospitalar ampliando o olhar
35
3 CAMINHO PERCORRIDO
40
31 Tipo de estudo
40
32 Cenaacuterio do estudo
43
33 Participantes do estudo
45
34 Coleta de dados
47
35 Anaacutelise dos dados
49
36 Aspectos eacuteticos da pesquisa
51
4 APRESENTACcedilAtildeO E DISCUSSAtildeO DOS ACHADOS
53
41 Rede intra-hospitalar para o perioperatoacuterio em um hospital puacuteblico referecircncia
para urgecircncias e emergecircncias e de ensino
53
411 Centro ciruacutergico de um hospital referecircncia para urgecircncias e emergecircncias que
lugar eacute esse
54
412 Rede intra-hospitalar conexotildees para a seguranccedila
ciruacutergica
66
413 Perioperatoacuterio entrelaccedilamento das trecircs fases para a cirurgia segura
78
42 Situaccedilotildees de seguranccedila e de inseguranccedila nos procedimentos ciruacutergicos 93
421 Cirurgia segura e cirurgia insegura imbricaccedilotildees de atores humanos e natildeo
humanos
94
Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na perspectiva de profissionais a integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 36
422 Onda vermelha situaccedilatildeo de caos que salva vidas
115
423 Efeito borboleta pequenas accedilotildees podem resultar em grandes incidentes na
assistecircncia ciruacutergica 131
424
43
431
432
5
Abordagem institucional frente aos incidentes efeitos da cultura
organizacional
Lista de verificaccedilatildeo de seguranccedila ciruacutergica da aparente simplicidade a real
complexidade
Lista de verificaccedilatildeo de seguranccedila ciruacutergica da implantaccedilatildeo aos dias atuais
Melhorias no uso do checklist de cirurgia segura
REFLEXOtildeES FINAIS
139
156
157
174
186
REFEREcircNCIAS
190
GLOSSAacuteRIO
209
APEcircNDICES
ANEXOS
212
216
Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na perspectiva de profissionais a integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 37
Apresentaccedilatildeo
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 18
OS PRIMEIROS TRILHOS PERCORRIDOS ATEacute O DESAFIO DESTA TESE
A ciecircncia eacute e continua a ser uma aventura A ciecircncia natildeo estaacute unicamente na
capitalizaccedilatildeo das verdades adquiridas na verificaccedilatildeo das teorias conhecidas mas no
caraacuteter aberto da aventura que permite melhor dizendo que hoje exige a
contestaccedilatildeo das suas proacuteprias estruturas de pensamento (MORIN 2005)
Os trilhos que me conduziram ao desafio de estudar a temaacutetica ldquoQualidade e
Seguranccedila do Pacienterdquo e de realizar essa tese foram se delineando no decorrer da praacutetica
profissional As inquietaccedilotildees vieram da praacutetica assistencial em um hospital universitaacuterio e das
discussotildees e elaboraccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de sauacutede na Secretaria de Estado de Sauacutede de
Minas Gerais (SES-MG)
Na assistecircncia como enfermeira de pediatria e maternidade de um hospital
universitaacuterio vivenciei vaacuterios incidentes que causaram danos aos pacientes inclusive o oacutebito
Essas vivecircncias foram permeadas algumas vezes por silecircncio e em outras por ruiacutedos nos
corredores da instituiccedilatildeo Havia uma mescla de sentimentos como raiva do residente mesmo
consciente de seu processo de aperfeiccediloando do preceptor por natildeo ter conseguido intervir no
incidente aleacutem de compaixatildeo pelos pacientes e familiares que sofreram o dano e a sensaccedilatildeo
de impotecircncia e desvalorizaccedilatildeo profissional Muitas vezes natildeo foram considerados alguns
posicionamentos por parte da equipe de enfermagem de situaccedilotildees que predispunha a
ocorrecircncia de incidentes mostrando desarticulaccedilatildeo e fragilidades na comunicaccedilatildeo e no
trabalho em equipe
Na SES-MG o interesse pelo tema foi desencadeado por um trabalho de campo
realizado em 2006 que possibilitou constatar que natildeo havia padronizaccedilatildeo nos procedimentos
ciruacutergicos havendo variabilidade dos resultados e custo pois dependendo do cirurgiatildeo
gastava-se maior quantidade de material natildeo estando necessariamente ligada agraves necessidades
do paciente Aleacutem disso atuei no monitoramento da gestatildeo de vaacuterios hospitais do estado o
que possibilitou perceber a contradiccedilatildeo entre os discursos dos gestores e os indicadores
alcanccedilados
Neste percurso iniciei em 2007 o curso de especializaccedilatildeo em gestatildeo hospitalar
promovido pela Escola de Sauacutede Puacuteblica de Minas Gerais No curso as discussotildees com
gestores de hospitais do estado em diferentes niacuteveis hieraacuterquicos eram carregadas de
anguacutestia por natildeo terem autonomia para realizar as mudanccedilas necessaacuterias para melhorar a
qualidade institucional
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 19
Outra vivecircncia que me levou agrave temaacutetica ldquoQualidade e Seguranccedila do Pacienterdquo foi
minha atuaccedilatildeo como avaliadora liacuteder em duas ediccedilotildees do Precircmio Ceacutelio de Castro (2008 e
2009) Por meio desse Precircmio a SES-MG avaliava com base nos criteacuterios da Organizaccedilatildeo
Nacional de Acreditaccedilatildeo (ONA) o grau de incorporaccedilatildeo de praacuteticas de gestatildeo de seguranccedila
de processos e de resultados dos hospitais participantes do Programa de Fortalecimento e
Melhoria da Qualidade dos Hospitais do Sistema Uacutenico de Sauacutede de Minas Gerais (Pro-
Hosp) Durante as avaliaccedilotildees conheci cenaacuterios permeados por processos de trabalho
fragmentados levando a riscos e inseguranccedila tanto para os pacientes quanto para os
profissionais
Essa experiecircncia surgiu mediante a um convite para integrar ao receacutem-criado Nuacutecleo
de Gestatildeo da Qualidade (NGQ) em 2008 Liderado por uma empreendedora puacuteblica o Nuacutecleo
foi composto por profissionais de diversos setores da SES-MG Nessa eacutepoca eu estava
alocada na Assessoria de Gestatildeo Estrateacutegica Havia reuniotildees perioacutedicas para discutir e
planejar accedilotildees para estimular e capacitar profissionais dos hospitais do estado no que se
refere agrave melhoria contiacutenua e avaliaccedilatildeo da qualidade dos serviccedilos prestados Dado o impacto
dos resultados alcanccedilados e da necessidade de ampliar o escopo de trabalho para os demais
serviccedilos de sauacutede em 2009 o NGQ se tornou uma assessoria com servidores proacuteprios ao
qual tambeacutem fui convidada a integrar-me
Posteriormente na ocasiatildeo da saiacuteda de pessoas da gestatildeo que compreendiam a
importacircncia da temaacutetica ldquoQualidade e Seguranccedila do Pacienterdquo essa assessoria foi extinta do
organograma retornando ao status de Nuacutecleo Um processo de desvalorizaccedilatildeo da temaacutetica se
seguiu passando a natildeo ser considerada uma agenda estrateacutegica na SES Atuei como referecircncia
teacutecnica coordenando a partir de 2012 a equipe remanescente Ateacute dezembro de 2014 o NGQ
fez parte da Assessoria de Normalizaccedilatildeo dos Serviccedilos de Sauacutede e em 2015 a nova gestatildeo
estadual sinalizou a intenccedilatildeo de dar continuidade agraves accedilotildees alinhadas com o Ministeacuterio da
Sauacutede Elaborei a pedido da gestatildeo o projeto de criaccedilatildeo do Comitecirc Estadual de Seguranccedila do
Paciente com o objetivo de implantar em acircmbito estadual a prevenccedilatildeo quaternaacuteria por meio
das diretrizes do Programa Nacional de Seguranccedila do Paciente (PNSP)
A SES-MG assumiu com o Banco Mundial a meta de viabilizar ateacute 2010 a
realizaccedilatildeo de 80 diagnoacutesticos organizacionais (DO-ONA) por meio do NGQ o que foi
cumprido conforme previsto O DO-ONA consiste em uma avaliaccedilatildeo dos sistemas de
assistecircncia gestatildeo e qualidade dos serviccedilos de sauacutede por meio da aplicaccedilatildeo da metodologia
do Sistema Brasileiro de Acreditaccedilatildeo (SBA) que deve ser desenvolvido por avaliadores da
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 20
Instituiccedilatildeo Acreditadora Credenciada pela ONA (IACONA) (ONA 2010) Em 2009 foram
realizados 45 DO-ONA e tive a oportunidade de participar como observadora da avaliaccedilatildeo
em alguns hospitais A experiecircncia que obtive com as visitas para realizaccedilatildeo dos DO-ONA
aliada agrave minha vivecircncia no Precircmio Ceacutelio de Castro e meu interesse pela avaliaccedilatildeo dos
serviccedilos de sauacutede ampliaram meu olhar sobre as natildeo conformidades ocorridas em hospitais
do estado ou seja sobre aspectos que contradizem a legislaccedilatildeo vigente e os padrotildees
estabelecidos nacional e internacionalmente para boas praacuteticas nos processos de trabalho
Toda essa vivecircncia me levou a buscar o mestrado na Escola de Enfermagem da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) com o intuito de aprofundar-me nos estudos
sobre a qualidade de serviccedilos de sauacutede Iniciei assim meu percurso acadecircmico estudando as
natildeo conformidades especiacuteficas da enfermagem em 37 hospitais Pro-Hosp avaliados em 2009
Os resultados encontrados revelaram entre outros aspectos que nenhum dos hospitais possuiacutea
uma poliacutetica de gerenciamento dos riscos com foco na seguranccedila do paciente Diante disso e
das discussotildees e participaccedilatildeo em eventos aleacutem do meu inconformismo em relaccedilatildeo agrave forma
como a miacutedia os profissionais de sauacutede e a sociedade em geral lidam com os profissionais
envolvidos em incidentes desenvolvi no doutorado uma pesquisa sobre a seguranccedila do
paciente A ciecircncia da seguranccedila do paciente eacute complexa envolve muacuteltiplos atores para a sua
concepccedilatildeo e eacute uma aacuterea desafiadora para os serviccedilos a gestatildeo o judiciaacuterio a academia e a
sociedade Espero com essa pesquisa contribuir na dissipaccedilatildeo das brumas sobre a cultura de
que o profissional de sauacutede natildeo erra ou natildeo pode errar A falibilidade eacute inerente ao ser
humano natildeo sendo os profissionais da aacuterea da sauacutede uma exceccedilatildeo Assim eacute necessaacuterio
discutir e construir barreiras para prevenir e mitigar a ocorrecircncia de incidentes resultantes da
assistecircncia prestada pelos profissionais
Em 2014 atuei no Grupo de Trabalho sobre Seguranccedila do Paciente na Assistecircncia de
Enfermagem (GT-SEPAE) do Conselho Regional de Enfermagem de Minas Gerais (Coren-
MG) e na tutoria do Curso Internacional de Qualidade em Sauacutede e Seguranccedila do Paciente da
Fundaccedilatildeo Oswaldo Cruz (Fiocruz) duas experiecircncias que me proporcionaram grande
aprendizado
Em outubro de 2015 iniciei minha trajetoacuteria na docecircncia na Universidade Federal de
Satildeo Joatildeo Del Rei Campus Divinoacutepolis onde pretendo dar continuidade ao desafio de buscar
compreender as nuances relacionada agrave qualidade e seguranccedila da assistecircncia agrave sauacutede
contribuindo para a formaccedilatildeo de profissionais criacuteticos capazes de mudarem a atual cultura
punitiva frente aos incidentes
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 21
O presente estudo encontra-se organizado em seis capiacutetulos O primeiro se refere a
esta apresentaccedilatildeo a qual relata a trajetoacuteria acadecircmica e profissional evidenciando os motivos
que suscitaram a escolha do tema No segundo capiacutetulo a introduccedilatildeo busca contextualizar a
temaacutetica principal elaborar o problema e as questotildees norteadoras da pesquisa e descrever o
objetivo do estudo O terceiro capiacutetulo apresenta os elementos teoacutericos que sustentam a
discussatildeo conceitual dos principais assuntos correlacionados ao tema proposto por meio do
resgate da literatura acerca do paciente ciruacutergico O quarto capiacutetulo considera os aspectos
metodoloacutegicos utilizados para viabilizar e embasar a pesquisa No quinto capiacutetulo satildeo
apresentados os resultados obtidos por meio da pesquisa englobando trecircs categorias e suas
respectivas subcategorias No sexto e uacuteltimo capiacutetulo satildeo formuladas as principais reflexotildees
finais acerca do estudo
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 22
Introduccedilatildeo
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 23
1 PROBLEMAacuteTICA DO ESTUDO CONTEXTUALIZANDO O DESAFIO
PROPOSTO
Em situaccedilotildees complexas nas quais num mesmo espaccedilo e tempo natildeo haacute apenas
ordem mas tambeacutem desordem natildeo haacute apenas determinismos mas tambeacutem
imprevistos em situaccedilotildees nas quais emerge a incerteza eacute preciso atitudes
estrateacutegicas dos sujeitos (MORIN CIURANA MOTA 2003)
Inicialmente pretendia-se estudar especificamente a utilizaccedilatildeo do checklist de cirurgia
segura instituiacutedo pela Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) considerando ser este um
instrumento com evidecircncias cientiacuteficas de melhoria nas praacuteticas ciruacutergicas em acircmbito
mundial No entanto focar apenas no checklist da OMS dentro do Centro Ciruacutergico (CC) natildeo
permitiria responder algumas inquietaccedilotildees mais amplas sobre a seguranccedila da assistecircncia
ciruacutergica nas trecircs fases do perioperatoacuterio ou seja no preacute trans e poacutes-operatoacuterio abarcando as
percepccedilotildees dos profissionais sobre o cuidado prestado os incidentes ocorridos e as
oportunidades de melhoria na assistecircncia desde a entrada ateacute a alta hospitalar do paciente
Para a promoccedilatildeo da seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio eacute necessaacuterio integrar
tanto as estrateacutegias de cunho objetivo como o uso de atores natildeo humanos ndash checklist
protocolos materiais e equipamentos em boas condiccedilotildees de uso e suficientes ndash para a
demanda quanto a subjetividade da praacutetica autocircnoma dos diversos atores humanos que
compotildeem o corpo de profissionais da rede intra-hospitalar O conceito de ator neste estudo
segue o sentido de Latour (2012) que descreve que ator eacute qualquer pessoa instituiccedilatildeo ou
coisa que tenha agecircncia ou seja que produz efeitos no mundo e sobre ele Eacute diferente do
sentido socioloacutegico tradicional que tem um significado de accedilatildeo atribuiacuteda a um humano Para
Latour um ator eacute heterogecircneo ele eacute antes uma dupla articulaccedilatildeo entre humanos e natildeo -
humanos e sua construccedilatildeo se faz em rede (LATOUR 2012)
Assim os atores humanos nesta pesquisa satildeo todos os profissionais envolvidos direta
ou indiretamente na cirurgia e os atores natildeo humanos satildeo os instrumentais equipamentos
medicamentos e demais insumos necessaacuterios para a realizaccedilatildeo de uma cirurgia Segundo
Latour (1991) os atores natildeo humanos recebem pouca atenccedilatildeo por parte dos teoacutericos sociais
nas anaacutelises sobre as relaccedilotildees que organizam os indiviacuteduos e as sociedades Entretanto
teacutecnicas materiais e equipamentos ndash em especial na assistecircncia ciruacutergica ndash fazem parte do
cenaacuterio e juntamente com os atores humanos integram uma rede na sociedade
A trajetoacuteria da assistecircncia ciruacutergica eacute permeada por conexotildees entre os atores humanos
profissional-paciente-familiar profissional-profissional e destes com os atores natildeo humanos
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 24
profissional-equipamentos-instrumentos profissional-conhecimento-checklist paciente-sala
operatoacuteria profissional-paciente-incidentes familiar-sala de espera-disclosure dentre muitas
outras Essas conexotildees satildeo o percurso que se estabelece entre um ou mais pontos ou noacutes
formando assim a rede intra-hospitalar e estando presentes em todas as etapas da assistecircncia
perioperatoacuteria Segundo Latour (2012) uma conexatildeo ponto por ponto (noacute por noacute) se
estabelece fisicamente e permite que seja rasteaacutevel e registrada empiricamente Contudo essa
conexatildeo deixa vazia boa parte daquilo que natildeo estaacute conectado mas eacute esse mesmo vazio que eacute
a chave para percorrer os raros condutos por onde o social circula Aleacutem disso uma conexatildeo
natildeo eacute gratuita exige esforccedilo (LATOUR 2012)
Os atores humanos que participam da assistecircncia perioperatoacuteria atuam interna e
externamente ao CC Atuam no CC os cirurgiotildees de diversas especialidades a equipe de
enfermagem os anestesiologistas o pessoal administrativo e da limpeza entre outros Todos
desenvolvem atividades essenciais para uma cirurgia segura Os profissionais de processos
externos ao CC ou seja aqueles que atuam indiretamente na cirurgia satildeo os profissionais que
trabalham em unidades de internaccedilatildeo eou ambulatoacuterios por serem responsaacuteveis pelo cuidado
do paciente no preacute e no poacutes-operatoacuterio aqueles da Central de Material e Esterilizaccedilatildeo (CME)
que realizam o processamento dos instrumentais o farmacecircutico e profissional do
almoxarifado que fornecem medicamentos e materiais a equipe de transporte eou a
enfermagem responsaacutevel por transferir pacientes do CC para outros setores e vice-versa e o
engenheiro hospitalar que realiza a manutenccedilatildeo corretiva e preventiva dos equipamentos
Aleacutem desses haacute os que atuam nos processos administrativos e consequentemente de forma
indireta como direccedilatildeo setor de qualidade suporte administrativo seguranccedila aacuterea de
compras entre outras Cada um dos profissionais atuando interna ou externamente ao CC
direta ou indiretamente no atendimento ao paciente tem sua parcela de responsabilidade para
com a seguranccedila e possui sua importacircncia com objetos proacuteprios de trabalho saberes e
instrumentos especiacuteficos que isoladamente natildeo resultam em uma cirurgia e muito menos em
uma cirurgia segura
Nesse sentido atores natildeo humanos e humanos estatildeo imbricados na linha de cuidados
ciruacutergicos que perpassa a rede intra-hospitalar Contudo as accedilotildees satildeo realizadas de forma
fragmentada e com foco no ato ciruacutergico na execuccedilatildeo de responsabilidade destinada ao
cirurgiatildeo Segundo Reus e Tittoni (2012) a equipe de enfermagem ndash e todos os profissionais
ndash atuam em funccedilatildeo de proporcionar ao cirurgiatildeo materiais e apoio no momento da cirurgia
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 25
As atividades satildeo realizadas para ldquoentregarrdquo ao cirurgiatildeo o ldquocorpordquo a ser trabalhado com a
maacutexima seguranccedila e exposiccedilatildeo do local a ser operado (REUS TITTONI 2012)
Apesar das estrateacutegias e ferramentas disseminadas pela OMS serem para uso em
conjunto da equipe multiprofissional e os dados apontados pelos estudos com uso do checklist
terem favorecido a comunicaccedilatildeo dos profissionais (HAYNES et al 2011) a accedilatildeo articulada e
realizada por meio de uma comunicaccedilatildeo efetiva entre os atores da rede intra-hospitalar nos
cuidados ciruacutergicos ainda eacute um desafio a ser alcanccedilado Essa accedilatildeo articulada eacute complexa ou
seja eacute algo que se tece em conjunto (complexus) sendo que toda accedilatildeo eacute uma decisatildeo uma
escolha e um desafio (MORIN 2011) que depende da subjetividade de cada profissional em
suas relaccedilotildees interpessoais que tem imbricaccedilatildeo direta nas accedilotildees do cotidiano de fazer a
assistecircncia ciruacutergica ldquoA accedilatildeo supotildee a complexidade isto eacute acaso imprevisto iniciativa
decisatildeo consciecircncia das derivas e transformaccedilotildeesrdquo (MORIN 2011 p81)
A accedilatildeo de aplicaccedilatildeo e adesatildeo do checklist de cirurgia segura eacute complexa e embora se
mostre positiva em diversos setores como a aviaccedilatildeo e a engenharia (GAWANDE 2011) haacute
que se levar em consideraccedilatildeo o alerta de Carneiro (2010) de que eacute necessaacuterio natildeo simplificar
o checklist de cirurgia segura com analogias de outras realidades pois em termos de
qualidade eacute bem mais difiacutecil administrar dez medicamentos a um soacute doente do que corrigir
uma falha no motor de um aviatildeo assim como eacute muito mais complexo garantir uma
comunicaccedilatildeo eficaz entre doze pessoas presentes em uma sala operatoacuteria do CC do que entre
o piloto e o copiloto em um aviatildeo O sucesso ou insucesso do uso do checklist de cirurgia
segura dependeraacute acima de tudo do envolvimento entusiasmo e dedicaccedilatildeo de todos os
profissionais envolvidos na assistecircncia ciruacutergica contando ainda com a colaboraccedilatildeo dos
proacuteprios pacientes (CARNEIRO 2010) dos profissionais que atuam indiretamente e de todo
o aparato natildeo humano disponibilizado no hospital
A praacutetica dos profissionais eacute permeada tambeacutem por discursos socialmente construiacutedos
que influenciam as formas como eles se comunicam e se relacionam no cotidiano de trabalho
e consequentemente influenciam o modo de assistir o paciente e a adesatildeo ao checklist de
cirurgia segura e as demais normatizaccedilotildees institucionais Assim foram estabelecidos os
seguintes questionamentos como se conforma as conexotildees dos atores na rede intra-hospitalar
para uma assistecircncia perioperatoacuteria segura na perspectiva dos diferentes profissionais Como
essa rede composta por atores humanos e natildeo humanos influencia na seguranccedila do paciente
Como se configura o uso do checklist de cirurgia segura no centro ciruacutergico
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 26
Neste sentido essa pesquisa parte dos seguintes pressupostos (a) haacute diferenccedilas sobre
as concepccedilotildees da assistecircncia perioperatoacuteria e as implicaccedilotildees para tornaacute-la segura entre
profissionais que atuam direta e indiretamente em sala operatoacuteria uma vez que estatildeo inseridos
de diferentes formas na instituiccedilatildeo e na sociedade (b) a seguranccedila no perioperatoacuterio eacute
promovida por diversos fatores que vatildeo desde a aplicaccedilatildeo de instrumentos objetivos como o
checklist de cirurgia segura ateacute aspectos subjetivos que influenciam a interaccedilatildeo dos
profissionais que atuam direta e indiretamente no ato anesteacutesico-ciruacutergico (c) o discurso da
simplicidade no uso do checklist de cirurgia segura pode estar interferindo na efetividade de
sua utilizaccedilatildeo na praacutetica complexa da sala operatoacuteria
O presente estudo se justifica pela escassez de estudos brasileiros sobre a seguranccedila no
perioperatoacuterio de forma ampla e por meio da percepccedilatildeo de profissionais que atuam interna e
externamente no CC Dessa forma o objetivo do presente estudo foi analisar a seguranccedila da
assistecircncia no perioperatoacuterio na visatildeo de profissionais que atuam direta e indiretamente no ato
anesteacutesico-ciruacutergico focalizando a conexatildeo dos diferentes atores da rede intra-hospitalar
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 27
Aspectos teoacutericos
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 28
2 ASSISTEcircNCIA CIRUacuteRGICA SUBSIacuteDIOS TEOacuteRICOS PARA ESTE DESAFIO
21 Incidentes na assistecircncia ciruacutergica
O nuacutemero de cirurgias tem aumentado ao longo dos anos devido a diversos fatores
como o aprimoramento e a inovaccedilatildeo das teacutecnicas ciruacutergicas e o desenvolvimento tecnoloacutegico
de materiais e equipamentos bem como a raacutepida transiccedilatildeo demograacutefica e epidemioloacutegica da
populaccedilatildeo que respectivamente tem gerado aumento da expectativa de vida e das doenccedilas
crocircnicas e consequentemente a necessidade de procedimentos ciruacutergicos
No mundo haacute informaccedilotildees de que acontecem anualmente 2342 milhotildees de
procedimentos ciruacutergicos extensos ou seja que envolvem incisatildeo excisatildeo manipulaccedilatildeo ou
suturas de tecidos e que geralmente requerem anestesia local geral ou sedaccedilatildeo profunda para
controle da dor (WEISER et al 2008) No Brasil foram realizadas 20022160 cirurgias pelo
Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) no periacuteodo de 2008 a 2012 uma meacutedia de 4004432 por ano
sendo que de 2008 para 2012 houve um aumento de 2 (431424 cirurgias) O estado de
Minas Gerais eacute o segundo maior da federaccedilatildeo em nuacutemero de cirurgias com 2164228 nesse
mesmo periacuteodo e meacutedia anual de 432846 perdendo apenas para Satildeo Paulo que nesse
periacuteodo realizou 4563744 com meacutedia de 912749 cirurgias anuais (BRASIL 2013d)
Com o aumento das cirurgias aumentam tambeacutem as oportunidades de ocorrecircncia de
incidentes Dentre eles haacute os Eventos Adversos (EA) que satildeo aqueles que resultaram em dano
ao paciente sendo que o dano eacute um comprometimento da estrutura ou funccedilatildeo do corpo eou
qualquer efeito dele oriundo incluindo doenccedilas lesotildees sofrimentos morte incapacidades ou
disfunccedilotildees podendo entatildeo ser fiacutesico social ou psicoloacutegico (BRASIL 2013a 2013b)
Satildeo vaacuterios os relatos internacionais e nacionais de recorrentes e persistentes
ocorrecircncias de EA na assistecircncia ciruacutergica Um estudo de revisatildeo sistemaacutetica que considerou
os eventos adversos como uma lesatildeo ou complicaccedilatildeo natildeo intencional causada mais pela
gestatildeo dos cuidados do que pela proacutepria doenccedila do paciente revelou que um em cada dez
pacientes hospitalizados sofreu EA sendo que 41 ocorreram em sala de cirurgia (DE
VRIES et al 2008)
Um estudo de revisatildeo de 7926 prontuaacuterios realizado em 21 hospitais holandeses
encontrou 744 EA sendo que destes 645 foram ciruacutergicos e 405 considerados
evitaacuteveis As lesotildees mais frequentes resultantes destes eventos foram inflamaccedilatildeoinfecccedilatildeo
(39) hemorragiahematoma (23) lesatildeo por causa mecacircnicafiacutesica ou quiacutemica (22) e
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 29
outros comprometimentos funcionais (16) como retenccedilatildeo urinaacuteria insuficiecircncia respiratoacuteria
e renal (ZEGERS et al 2011) Colaboram no desfecho insatisfatoacuterio das cirurgias as
intervenccedilotildees realizadas em local errado e no paciente errado Um em cada 50 a 100000
procedimentos nos Estados Unidos da Ameacuterica (EUA) ocorre esse incidente sendo 1500 a
2500 eventos adversos desse tipo por ano (SEIDEN BARACH 2006)
No Brasil dos EA ocorridos em trecircs hospitais do Rio de Janeiro em 2012 (MOURA
MENDES 2012) a proporccedilatildeo de EA ciruacutergicos evitaacuteveis foi de 683 (28 de 41 eventos) e a
proporccedilatildeo de pacientes com EA ciruacutergicos evitaacuteveis foi de 658 (25 de 38 pacientes) E
ainda persistem cenaacuterios como apontados por uma pesquisa realizada em Minas Gerais em
que nenhum dos 37 hospitais estudados apresentava poliacutetica de gerenciamento dos riscos e
3243 dos hospitais natildeo tinham um planejamento da assistecircncia de enfermagem no
perioperatoacuterio (RIBEIRO 2011)
Ademais os profissionais subestimam os riscos de sua praacutetica Em um estudo
realizado com ortopedistas brasileiros verificou-se que apenas 408 informaram jaacute ter
vivenciado em algum momento de suas carreiras cirurgias em local ou paciente errado
(MOTTA FILHO et al 2013) Nesse estudo foi evidenciado que eles subestimaram os
problemas relativos agraves suas praacuteticas e superestimaram a satisfaccedilatildeo dos pacientes atendidos
Em estudo realizado em hospitais do Rio de Janeiro aproximadamente um em cada cinco
pacientes com EA ciruacutergico evoluiu com incapacidade permanente ou morreu Mais de 60
dos casos foram classificados como pouco ou nada complexos e de baixo risco de ocorrer um
EA relacionado ao cuidado (MOURA MENDES 2012)
Outro estudo que objetivou avaliar a precisatildeo de cirurgiotildees e anestesiologistas na
previsatildeo de perda de sangue intraoperatoacuteria mostrou que em 30 dos pacientes que recebem
uma transfusatildeo tanto o cirurgiatildeo como o anestesiologista subestimaram o risco de perda de
sangue superior a 500 mililitros No entanto a equipe multiprofissional deve estar ciente de
que um em cada 14 pacientes submetidos agrave cirurgia de meacutedio e grande porte teraacute uma perda
de sangue inesperada excedendo 500 mililitros (SOLON EGAN MCNAMARA 2013)
Existe a necessidade de conscientizaccedilatildeo do risco uma vez que os EA sendo evitaacuteveis
oferecem a possibilidade de identificar gerenciar e tratar os fatores que contribuem para a sua
ocorrecircncia Entende-se por fatores contribuintes de acordo com a OMS (2009) as
circunstacircncias as accedilotildees ou as influecircncias que desempenham um papel na origem ou no
desenvolvimento de um incidente ou no aumento de seu risco Esses fatores podem ser
externos organizacionais estarem relacionados ao staff ou a um fator individual do paciente
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 30
Estudo de Zegers et al (2011) em hospitais holandeses evidenciou que as causas dos
EA ciruacutergicos foram predominantemente por fatores humanos (652) como falhas no
desempenho de habilidades despreparo profissional para o procedimento especiacutefico ou
aplicaccedilatildeo inadequada de conhecimento existente e relacionado com os pacientes (353)
como a idade Fatores organizacionais como protocolos inadequados ou inexistentes maacute
comunicaccedilatildeo e aspectos culturais (130) e teacutecnicos (40) como problemas com materiais
equipamentos software etiquetas ou formulaacuterios tambeacutem contribuiacuteram para os EA
ciruacutergicos (ZEGERS et al 2011)
Assim fatores organizacionais e sistemas complexos ndash como o hospital em estudo ndash
podem contribuir para erros e EA nos contextos ciruacutergicos (MEEKER ROTHROCK 2011)
Todo esse contexto explica a movimentaccedilatildeo em prol da seguranccedila do paciente ciruacutergico por
instituiccedilotildees governamentais e privadas em acircmbito nacional e internacional conforme descrito
a seguir
22 Seguranccedila do paciente breve histoacuterico com foco na aacuterea ciruacutergica
A seguranccedila do paciente eacute uma das dimensotildees da assistecircncia agrave sauacutede com qualidade
sendo entendida como um conjunto de medidas e poliacuteticas que visam agrave reduccedilatildeo a um miacutenimo
aceitaacutevel do risco de ocorrecircncia de dano desnecessaacuterio ao paciente durante a assistecircncia agrave
sauacutede (IOM 2000 BRASIL 2013a 2013b)
Atualmente tem-se abordado muito essa temaacutetica e suas implicaccedilotildees estatildeo na pauta
de discussotildees em espaccedilos diversos como a academia o judiciaacuterio e serviccedilos de sauacutede
privados e puacuteblicos A discussatildeo sobre os princiacutepios da seguranccedila do pacientes estaacute tambeacutem
na agenda da Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) e do governo brasileiro nas instacircncias
nacional estaduais e municipais Trata-se portanto de uma questatildeo discutida por diversos
paiacuteses governos profissionais de sauacutede e serviccedilos
Internacionalmente o movimento pela Seguranccedila do Paciente foi desencadeado pelo
relatoacuterio To Erris Human Building a Safer Health System do Instituto de Medicina (IOM)
dos EUA Esse documento revelou que aproximadamente cem mil pessoas morriam todos os
anos nos EUA em consequecircncia de iatrogenias (IOM 2000) Esses dados desencadearam
discussotildees em diversas partes do mundo e em maio de 2002 a Resoluccedilatildeo 5518 da 55ordf
Assembleia Mundial da Sauacutede recomendou agrave Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede (OMS) e a seus
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 31
Estados Membros uma maior atenccedilatildeo aos problemas relacionados com a seguranccedila do
paciente (OMS 2009)
Em julho de 2003 a Joint Commissionon Accreditation of Healthcare Organizations
(JCAHO) elaborou e obrigou seus hospitais a utilizarem na assistecircncia ciruacutergica o Protocolo
Universal para prevenccedilatildeo do lado procedimento e paciente errado Esse protocolo inclui trecircs
etapas verificaccedilatildeo preacute-operatoacuteria marcaccedilatildeo do siacutetio ciruacutergico e o time out - procedimentos
que devem ser realizados antes do iniacutecio da cirurgia (JCAHO 2016) sendo a sua importacircncia
declarada pelo Coleacutegio Americano de Cirurgiotildees (AMERICAN COLLEGE OF SURGEONS
2002) Esse instrumento foi o embriatildeo do checklist de cirurgia segura instituiacutedo pela OMS
como seraacute abordado na proacutexima seccedilatildeo
Em 2004 a OMS lanccedilou a Alianccedila Mundial para a Seguranccedila do Paciente visando
estabelecer medidas que aumentem a seguranccedila do paciente e a qualidade dos serviccedilos de
sauacutede por meio do comprometimento poliacutetico dos paiacuteses membros (OMS 2009) A Alianccedila
Mundial estabelece desafios globais para direcionar o trabalho para uma aacuterea de risco
identificada como prioridade O primeiro em 2005-2006 tratou das infecccedilotildees relacionadas
com a assistecircncia agrave sauacutede envolvendo as temaacuteticas higienizaccedilatildeo das matildeos procedimentos
cliacutenicos e ciruacutergicos seguros seguranccedila do sangue e de hemoderivados administraccedilatildeo segura
de injetaacuteveis e de imunobioloacutegicos e seguranccedila da aacutegua saneamento baacutesico e manejo de
resiacuteduos O segundo desafio 2007-2008 com o slogan ldquoCirurgias Seguras Salvam Vidasrdquo
focou nos fundamentos e praacuteticas da seguranccedila ciruacutergica contemplando a prevenccedilatildeo de
infecccedilotildees de siacutetio ciruacutergico anestesia segura desenvolvimento de equipes ciruacutergicas seguras
indicadores da assistecircncia ciruacutergica e instituiu o checklist de cirurgia segura para uso na sala
operatoacuteria (OMS 2009) O terceiro desafio global e uacuteltimo ateacute o momento traz a temaacutetica do
enfrentando da resistecircncia microbiana aos antimicrobianos
No intuito de reforccedilar o segundo desafio a OMS em parceria com a Joint Commission
International (JCI) que passou a ser seu centro colaborador para a seguranccedila do paciente
lanccedilou em 2010 as seis metas internacionais para seguranccedila do paciente Dentre essas metas
haacute uma especiacutefica do processo ciruacutergico que busca assegurar que as cirurgias possuam local
de intervenccedilatildeo procedimento e paciente corretos (CBA 2010)
Por meio do desafio ldquoCirurgias Seguras Salvam Vidasrdquo da OMS a equipe ciruacutergica
tem dez objetivos baacutesicos mas essenciais a saber (1) operar o paciente e o local ciruacutergico
certo (2) usar meacutetodos conhecidos para impedir danos na administraccedilatildeo de anesteacutesicos (3)
reconhecer e se preparar para perda de via aeacuterea ou de funccedilatildeo respiratoacuteria que ameace a vida
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 32
do paciente (4) reconhecer e estar preparada para o risco de perdas sanguiacuteneas (5) evitar a
induccedilatildeo de reaccedilatildeo adversa ou aleacutergica a medicamentos de risco ao paciente jaacute constante em
seu histoacuterico (6) usar de maneira sistemaacutetica meacutetodos para minimizar o risco de infecccedilatildeo no
siacutetio ciruacutergico (7) impedir a retenccedilatildeo inadvertida de instrumentais ou compressas nas incisotildees
ciruacutergicas (8) manter seguras e identificar as peccedilas anatocircmicas originadas da cirurgia (9)
comunicar efetivamente e trocar informaccedilotildees para a conduccedilatildeo segura da cirurgia (10)
estabelecer monitoramento da capacidade volume e resultados ciruacutergicos Esse uacuteltimo
objetivo eacute tanto para os hospitais quanto para o sistema de sauacutede como um todo (OMS 2009)
No Brasil o Ministeacuterio da Sauacutede instituiu o Programa Nacional de Seguranccedila do
Paciente (PNSP) por meio da Portaria nordm 5292013 que tem como objetivo contribuir para a
qualificaccedilatildeo do cuidado em todos os serviccedilos de sauacutede nacionais (BRASIL 2013a) A
Resoluccedilatildeo da Diretoria Colegiada da Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria (ANVISA) nordm
36 de 25 de julho de 2013 reforccedila o PNSP instituindo accedilotildees obrigatoacuterias para a promoccedilatildeo da
seguranccedila do paciente e melhoria da qualidade assistencial (BRASIL 2013b)
Dentre as accedilotildees que essas legislaccedilotildees estabelecem haacute aquelas voltadas
especificamente para a seguranccedila ciruacutergica com um protocolo especiacutefico (BRASIL 2013c)
elaborado pelo Ministeacuterio da Sauacutede com base no Programa e Manual ldquoCirurgias Seguras
Salvam Vidasrdquo da OMS (OMS 2009) o qual institui a utilizaccedilatildeo do checklist de cirurgia
segura que inclui algumas tarefas e procedimentos baacutesicos de seguranccedila e deve ser
implementado em todas as organizaccedilotildees com atendimento ciruacutergico
23 Checklist de cirurgia segura resultados positivos e limitaccedilotildees
Em 14 de janeiro de 2009 foi divulgada a lista de verificaccedilatildeo de seguranccedila ciruacutergica
ou checklist de cirurgia segura da OMS (GAWANDE 2011) Desde entatildeo organizaccedilotildees
internacionais tecircm apoiado a sua utilizaccedilatildeo como Accreditation Canada American
Association of Nurse Anesthetists American College of Surgeons Associaccedilatildeo dos
Enfermeiros de Sala de Operacotildees Portugues International Federation of Perioperative
Nurses National Patient Safety Foundation aleacutem de organizaccedilotildees nacionais como Escola
Nacional de Sauacutede Puacuteblica ProqualisFIOCRUZ Coleacutegio Brasileiro de Cirurgiotildees Conselho
de Enfermagem de Satildeo Paulo e de Minas Gerais o Ministeacuterio de Sauacutede dentre outras
Dados de 2012 mostraram que mundialmente havia 1790 instituiccedilotildees utilizando o
checklist em pelo menos uma sala ciruacutergica e outras 4132 demonstraram interesse em utilizaacute-
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 33
lo ateacute o final daquele ano (WHO 2012) sendo esses os uacuteltimos dados disponiacuteveis O checklist
de cirurgia segura da OMS se concentra na comunicaccedilatildeo e praacuteticas seguras em cada um dos
trecircs periacuteodos que corresponde ao fluxo normal de um procedimento anesteacutesico-ciruacutergico I ndash
antes da induccedilatildeo anesteacutesica (sign in) II ndash antes da incisatildeo ciruacutergica da pele (time out) e III ndash
antes do paciente sair da sala de cirurgia (sign out) (Anexo IV)
Estima-se que para a aplicaccedilatildeo do checklist satildeo necessaacuterios trecircs minutos e uma uacutenica
pessoa deveraacute ser responsaacutevel por conduzir a checagem dos itens nas trecircs fases Em cada uma
o condutor deveraacute confirmar se a equipe completou suas tarefas antes de prosseguir para a
proacutexima etapa ou seja esse profissional tem que ter plena autoridade estando apto e
legitimado a interromper o procedimento ou impedir o seu avanccedilo se julgar insatisfatoacuterio
algum dos itens mesmo considerando que essa interrupccedilatildeo possa trazer desgaste da equipe se
esta natildeo tiver maturidade adequada (OMS 2009) O Quadro 1 apresenta sumariamente as
atribuiccedilotildees do condutor em cada uma das etapas do checklist
Quadro 1 Etapas da aplicaccedilatildeo do checklist de cirurgia segura da Organizaccedilatildeo
Mundial da Sauacutede (OMS)
Antes da induccedilatildeo anesteacutesica Antes da incisatildeo ciruacutergica
(a equipe faraacute Pausa Ciruacutergica)
Antes de sair da sala de cirurgia
(a equipe deveraacute revisar em conjunto)
Revisar verbalmente com o paciente
se possiacutevel se sua identificaccedilatildeo estaacute
correta
Apresentaccedilatildeo de cada membro da
equipe pelo nome e funccedilatildeo
Conclusatildeo da contagem de compressas e
instrumentais
Confirmar que o procedimento e o
local da cirurgia estatildeo corretos
Confirmaccedilatildeo da cirurgia paciente e
siacutetio ciruacutergico corretos
Identificaccedilatildeo de qualquer amostra
ciruacutergica obtida
Confirmar o consentimento para
cirurgia e a anestesia
Revisatildeo verbal uns com os outros
dos elementos criacuteticos de seus
planos para a cirurgia usando as
questotildees do checklist como guia
Revisatildeo de qualquer funcionamento
inadequado de equipamentos ou
questotildees que necessitem ser
solucionadas
Confirmar visualmente o siacutetio
ciruacutergico correto e sua demarcaccedilatildeo
Confirmaccedilatildeo da administraccedilatildeo de
antimicrobianos profilaacuteticos nos
uacuteltimos 60 minutos
Revisatildeo do plano de cuidado e
providecircncias no poacutes-operatoacuterio e
recuperaccedilatildeo poacutes-anesteacutesica antes da
remoccedilatildeo do paciente da sala
Confirmar a conexatildeo de monitor
multiparacircmetro ao paciente e seu
funcionamento
Confirmaccedilatildeo da acessibilidade dos
exames de imagens necessaacuterios
Revisar verbalmente com o
anestesiologista o risco de perda
sanguiacutenea dificuldades nas vias
aeacutereas histoacuterico de reaccedilatildeo aleacutergica e
se a verificaccedilatildeo completa de
seguranccedila anesteacutesica foi concluiacuteda
Fonte BRASIL (2013c)
Haacute evidecircncias da reduccedilatildeo de EA com a implantaccedilatildeo do checklist O claacutessico estudo
publicado no New England Journal of Medicine realizado em oito hospitais de paiacuteses com
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 34
diferentes localizaccedilotildees e estruturas socioeconocircmicas ndash Canadaacute Estados Unidos (Ameacuterica do
Norte) Inglaterra (Europa) Jordacircnia (Oriente Meacutedio) Tanzacircnia (Aacutefrica) Iacutendia e Filipinas
(Aacutesia) e Nova Zelacircndia (Oceania) ndash constatou que a taxa de complicaccedilotildees maiores caiu de
11 para 7 e a mortalidade perioperatoacuteria em cirurgia de grande porte de 15 a 08 (13)
(HAYNES et al 2009) Em cirurgias de urgecircncia natildeo cardioloacutegicas um estudo realizado
tambeacutem nesses oito hospitais evidenciou a reduccedilatildeo nas taxas de complicaccedilatildeo de 184 para
117 e nas taxas de mortalidade de 37 para 14 (14) com o uso do checklist (HAYNES
et al 2009) Na Colocircmbia estudo realizado em um hospital geral apontou reduccedilatildeo de eventos
adversos de 726 para 329 apoacutes a implementaccedilatildeo da lista de verificaccedilatildeo (COLLAZOS et
al 2013) Em um estudo realizado em sete paiacuteses 84 dos participantes da pesquisa
relataram que a comunicaccedilatildeo na sala ciruacutergica melhorou (HAYNES et al 2011)
No Brasil o uso do checklist ainda eacute pouco difundido e haacute escassez de estudos que
mostrem meacutetodos de trabalho no processo de implantaccedilatildeo adesatildeo ao instrumento e sua
eficaacutecia em relaccedilatildeo aos EA Estudo recente realizado em dois hospitais de Natal Rio Grande
do Norte sugere que a baixa adesatildeo ao checklist possivelmente tem reflexos sobre a
ocorrecircncia de EA como por exemplo maior permanecircncia do paciente no hospital risco de
reinternaccedilatildeo necessidade de cuidados intensivos mortalidade e outros (FREITAS et al
2014) Os autores concluem apoacutes analisar a implantaccedilatildeo e uso do instrumento que os
hospitais precisam melhorar a adesatildeo ao checklist de cirurgia segura com uma implantaccedilatildeo
mais estruturada visando assegurar a sua utilizaccedilatildeo adequada (FREITAS et al 2014)
Estudos tecircm identificado que mesmo em hospitais que implementaram o checklist
muitos itens satildeo negligenciados principalmente aqueles relacionados agrave comunicaccedilatildeo
(RYDENFAumlLT 2013) O item de menor adesatildeo em estudo realizado na Colocircmbia foi a
apresentaccedilatildeo completa dos membros da equipe ciruacutergica incluindo as suas funccedilotildees
(COLLAZOS et al 2013) Resultado semelhante foi encontrado em um hospital universitaacuterio
da Franccedila onde a dificuldade tambeacutem foi compartilhar informaccedilotildees verbalmente antes da
incisatildeo (RATEAU 2011) Tambeacutem no Brasil um estudo mostrou que nos procedimentos
observados natildeo houve apresentaccedilatildeo da equipe (MAZIERO et al 2015)
Haacute ainda resistecircncia por parte dos profissionais sendo que a adesatildeo do liacuteder da equipe
ao uso do checklist eacute extremamente importante (MUumlLLER 2012) Uma anaacutelise qualitativa de
um estudo em cinco hospitais do estado de Washington com liacutederes de implementaccedilatildeo do
checklist e cirurgiotildees em 2009 sugere que sua eficaacutecia depende da capacidade dos liacutederes na
implementaccedilatildeo para explicar de forma convincente a necessidade do uso da lista de
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 35
verificaccedilatildeo Esforccedilos coordenados para explicar a implementaccedilatildeo do checklist e a educaccedilatildeo
para seu uso resultaram em adesatildeo e uso completo da lista de verificaccedilatildeo (CONLEY 2011)
Por outro lado alguns estudos vecircm trazendo limitaccedilotildees do checklist Segundo
Anderson et al (2012) os resultados de sua pesquisa mostraram que apesar da lista de
verificaccedilatildeo ser um importante lembrete natildeo eacute por si soacute garantia de seguranccedila Para os autores
eacute a forma de agir dos profissionais em resposta a erros ou lapsos que eacute realmente importante
Aleacutem disso para o checklist ter sucesso como um mecanismo para transformar o cuidado
baseado em evidecircncias e protocolo de seguranccedila para a melhor praacutetica ele precisa ser usado
de forma consistente e duradoura E ainda para conseguir isso os hospitais necessitam
promover um ambiente de apoio com uma poliacutetica de seguranccedila em toda a organizaccedilatildeo e uma
abordagem sistemaacutetica por meio de monitoramento e gerenciamento da cultura que abranja
efetivamente a pratica do checklist (ROBBINS 2011 SCHLACK BOERMEESTER 2010)
Outros estudos trazem tambeacutem que o checklist instituiacutedo isoladamente natildeo consegue
garantir a seguranccedila ciruacutergica sendo necessaacuterios outros instrumentos (TRIMMEL et al
2013) A Patient Safety First Campaign da National Patient Safety Agency e estudiosos tecircm
defendido a adiccedilatildeo de outras estrateacutegias como as sessotildees breves de esclarecimento com a
equipe no iniacutecio (brienfing) e no final (debriefing) como chave para o sucesso na mudanccedila
cultural necessaacuteria (NPSA 2013a 2013b SCHLACK BOERMEESTER 2010)
Entretanto mesmo adicionando o brienfing e o debriefing ao checklist de cirurgia
segura da OMS levando em conta que soacute o primeiro jaacute eacute de difiacutecil adesatildeo por parte dos
profissionais o periacuteodo perioperatoacuterio natildeo eacute atendido como um todo (preacute trans e poacutes-
operatoacuterio) sendo que a seguranccedila ciruacutergica envolve tambeacutem accedilotildees no preacute e no poacutes-
operatoacuterio fora do CC tanto relacionadas ao paciente quanto aos instrumentais e
equipamentos
24 Seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica hospitalar ampliando o olhar
A seguranccedila ciruacutergica eacute uma importante preocupaccedilatildeo de sauacutede puacuteblica global
(WEISER et al 2008 BRASIL 2013c) sendo necessaacuterio investir na busca de melhorias que
resulte progressivamente em eventos evitaacuteveis (OMS 2009) A OMS reconhece que em se
tratando de cirurgia natildeo haacute uma uacutenica soluccedilatildeo que transformaria a seguranccedila (OMS 2009)
ou seja a aplicaccedilatildeo de um instrumento mesmo que abrangente como o checklist de cirurgia
segura da OMS natildeo consegue sozinho resolver os problemas da assistecircncia ciruacutergica
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 36
O checklist de cirurgia segura tem sido muito comparado aos checklists utilizados na
aviaccedilatildeo e outros setores considerados ultra seguros mas segundo Wachter (2013) haacute uma
deacutecada o entusiasmo com a seguranccedila do paciente foi acompanhado por uma esperanccedila de
encontrar soluccedilotildees simples para os erros Acreditava-se que simplesmente ao adotar algumas
teacutecnicas extraiacutedas da aviaccedilatildeo e outras induacutestrias ldquoseguras a construccedilatildeo de fortes sistemas de
tecnologia da informaccedilatildeo e melhoria da cultura de seguranccedila os pacientes imediatamente
teriam mais seguranccedila em hospitais e cliacutenicas em todos os lugares (WACHTER 2013)
No entanto a ingenuidade desse ponto de vista ajudou a perceber que a seguranccedila dos
pacientes aleacutem de requerer esforccedilos para melhorar as praacuteticas a formaccedilatildeo dos profissionais
as tecnologias da informaccedilatildeo e a cultura exige que liacutederes forneccedilam recursos e lideranccedila
promovendo simultaneamente engajamento e inovaccedilatildeo por parte dos profissionais Isto
depende de uma poliacutetica que crie incentivos adequados para a seguranccedila evitando uma
atmosfera excessivamente riacutegida e prescritiva que poderia minar o entusiasmo e a criatividade
dos prestadores de serviccedilos (WACHTER 2013)
Nesse sentido a seguranccedila requer uma execuccedilatildeo confiaacutevel de muacuteltiplas etapas
necessaacuterias agrave assistecircncia natildeo apenas pelo cirurgiatildeo mas pela equipe de profissionais de
sauacutede trabalhando em conjunto para o benefiacutecio do paciente (OMS 2009) A competecircncia
individual dos profissionais natildeo eacute suficiente para garantir a seguranccedila do paciente A equipe
deve compreender e contribuir para o aperfeiccediloamento dos sistemas em que desenvolvem seu
trabalho contribuindo para um desempenho eficaz da equipe e desenvolvendo o poder de
reconhecimento e resposta a questotildees de seguranccedila do paciente (MEEKER ROTHROCK
2011)
Para tanto satildeo necessaacuterias poliacuteticas e procedimentos aleacutem de um cenaacuterio no qual todas
as atividades da equipe ciruacutergica (profissionais que atuam diretamente) e profissionais
auxiliares (com atuaccedilatildeo indireta) se encaixem resultando em um curso de accedilatildeo eficiente para
o benefiacutecio do paciente Essas poliacuteticas e procedimentos devem ser o padratildeo de cuidados
institucional e fazerem parte de uma abordagem sistematizada envolvendo uma sequecircncia de
eventos a avaliaccedilatildeo preacute-operatoacuteria dos pacientes o procedimento ciruacutergico propriamente dito
e os cuidados poacutes-operatoacuterios apropriados (OMS 2009 MEEKER ROTHROCK 2011)
O periacuteodo perioperatoacuterio compreende as fases preacute-operatoacuteria (mediata e imediata)
transoperatoacuteria e poacutes-operatoacuteria (imediata e mediata) (MORAES CARVALHO 2007) que
devem estar conectadas para oferecer uma assistecircncia ciruacutergica sistematizada e segura Na
fase preacute-operatoacuteria dentre outras accedilotildees eacute importante ressaltar a obtenccedilatildeo do consentimento
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 37
informado a adequada identificaccedilatildeo do paciente do siacutetio ciruacutergico e do procedimento que
seraacute realizado a verificaccedilatildeo do equipamento anesteacutesico e da disponibilidade dos
medicamentos de emergecircncia e a preparaccedilatildeo adequada para eventos transoperatoacuterios sendo
todas etapas suscetiacuteveis agrave intervenccedilatildeo (OMS 2009)
Durante o transoperatoacuterio devem ser assegurados diversos aspectos como o uso
adequado de antibioacuteticos disponibilidade de exames por imagem monitorizaccedilatildeo apropriada
do paciente trabalho em equipe de forma integrada exposiccedilatildeo de pareceres ciruacutergicos e
anesteacutesicos fidedignos teacutecnica ciruacutergica realizada de forma cautelosa e a boa comunicaccedilatildeo
entre cirurgiotildees anestesiologistas e a equipe de enfermagem uma vez que satildeo todos
necessaacuterios para assegurar um bom resultado (OMS 2009)
Apoacutes o ato anesteacutesico-ciruacutergico eacute necessaacuterio o planejamento da assistecircncia poacutes-
operatoacuteria a compreensatildeo dos eventos ocorridos no transoperatoacuterio e um comprometimento
com a monitorizaccedilatildeo do paciente aspectos que podem melhorar a assistecircncia ciruacutergica
promovendo a seguranccedila e alcanccedilando melhores resultados (OMS 2009)
Nessas trecircs fases e com mais ecircnfase na fase transoperatoacuteria a dinacircmica do cuidado eacute
voltada agrave objetividade das accedilotildees cuja intervenccedilatildeo eacute de natureza teacutecnica com foco no oacutergatildeo
fiacutesico visando agrave recuperaccedilatildeo do paciente Aspectos do cuidar que satildeo da ordem da
subjetividade tecircm importacircncia secundaacuteria neste cenaacuterio (SILVA ALVIM 2010) No entanto
a subjetividade dos profissionais com atuaccedilatildeo direta em sala operatoacuteria ou indireta nos
diversos setores de apoio eacute importante para a anaacutelise da seguranccedila ciruacutergica
A produccedilatildeo subjetiva eacute assinalada por constantes desconstruccedilotildees e construccedilotildees de
territoacuterios existenciais Isso acontece segundo criteacuterios que satildeo determinados pelo saber mas
tambeacutem essencialmente acompanhados da dimensatildeo sensiacutevel de percepccedilatildeo da vida e de si
mesmo em fluxos de intensidades contiacutenuas entre sujeitos que atuam na construccedilatildeo de
determinada realidade social O desejo como nuacutecleo propulsor dessa produccedilatildeo social daacute
forma agrave subjetividade como expressatildeo de singularidades Isto eacute um modo singular de
perceber e atuar no mundo em um determinado tempo e espaccedilo podendo modificar-se o
tempo todo Aleacutem disso um mesmo sujeito pode expressar vaacuterias singularidades dependendo
do tempo-espaccedilo em que estaacute vivenciando e dos fatores que estimulam o afeto interpessoal
aos quais estaacute exposto (FRANCO MERHY 2014)
Esse sujeito insere-se na micropoliacutetica do cotidiano de trabalho
entendida como um cenaacuterio de disputa de distintas forccedilas instituintes desde forccedilas nos modos
de produccedilatildeo ateacute as que se apresentam nos processos imaginaacuterios e desejantes e no campo do
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 38
conhecimento que os ldquohomens em accedilatildeordquo constituem (MERHY 2007) As relaccedilotildees
micropoliacuteticas podem ser tanto profissional-usuaacuterio quanto profissional-profissional Aleacutem
dessa interseccedilatildeo humano-humano o que eacute natildeo humano tem elevada importacircncia na
assistecircncia ciruacutergica A categoria meacutedica tem sob seu comando a maior parte dos agentes natildeo
humanos de tecnologias duras como o bisturi e o eletrocauteacuterio enquanto os demais
profissionais ficam com a responsabilidade de repassar esses instrumentos ao cirurgiatildeo o que
constroacutei uma hierarquia entre as profissotildees
As relaccedilotildees assimeacutetricas de poder entre os profissionais dificultam a colaboraccedilatildeo entre
os vaacuterios trabalhadores que dificilmente eacute respeitada no modelo de atenccedilatildeo agrave sauacutede voltada
para o procedimento e que valoriza sobremaneira o ato meacutedico (MALTA MERHY 2010)
Eacute necessaacuterio entatildeo para garantir o desenvolvimento contiacutenuo e a motivaccedilatildeo dos
profissionais promover o envolvimento e a gestatildeo participativa dos serviccedilos a atuaccedilatildeo dos
usuaacuterios e suas famiacutelias no planejamento e avaliaccedilatildeo da assistecircncia assim como o trabalho em
equipe e a educaccedilatildeo no trabalho (MATOS PIRES 2006)
Assim entende-se que a assistecircncia ciruacutergica segura envolve muacuteltiplas accedilotildees
desenvolvidas por atores humanos e natildeo humanos que compotildee a rede intra-hospitalar e se
inserem em um contexto com dimensotildees objetivas e subjetivas desde o preacute-operatoacuterio
perpassando o transoperatoacuterio ateacute o poacutes-operatoacuterio conforme mostrado na Figura 1 a seguir
Figura 1 Representaccedilatildeo da assistecircncia ciruacutergica segura
Fonte Elaborado pela autora
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 39
Caminho percorrido
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 40
3 CAMINHO PERCORRIDO
O meacutetodo como caminho ensaio gerativo e estrateacutegia bdquopara‟ e bdquodo‟ pensamento O
meacutetodo como atividade pensante do sujeito vivente natildeo-abstrato Um sujeito
capaz de aprender inventar e criar bdquoem‟ e bdquodurante‟ o seu caminho (MORIN
CIURANA MOTTA 2003 p18)
31 Tipo de estudo
Trata-se de um estudo de caso de abordagem qualitativa Optou-se por esta
modalidade por entender que diante da natureza complexa do objeto de estudo qual seja a
assistecircncia segura no perioperatoacuterio os objetivos propostos somente seriam atingidos por
meio de um meacutetodo que permitisse uma anaacutelise intensiva do contexto do fenocircmeno para
compreender sua multidimensionalidade configurada pela singularidade dos diversos atores
envolvidos
Nessa perspectiva utilizou-se o estudo de caso por se tratar de um delineamento de
pesquisa que permite analisar em profundidade o grupo a organizaccedilatildeo ou o fenocircmeno
considerando suas muacuteltiplas dimensotildees (GIL 2009) e a abordagem qualitativa por estar
relacionada aos significados atribuiacutedos pelas pessoas aos fenocircmenos a partir de suas
experiecircncias do mundo social e de como compreendem este mundo buscando interpretar as
situaccedilotildees em seus ambientes naturais em vez de ambientes artificiais ou experimentais
oferecendo assim subsiacutedios pertinentes aos pesquisadores que estudam a atenccedilatildeo agrave sauacutede e
os serviccedilos de sauacutede (POPE MAYS 2009)
A utilizaccedilatildeo da abordagem qualitativa neste estudo justifica-se por considerar que as
dimensotildees que promovem a seguranccedila ciruacutergica estatildeo presentes no cotidiano de trabalho dos
profissionais que compotildeem os pontos de atenccedilatildeo da rede intra-hospitalar e ultrapassam a
objetividade da aplicaccedilatildeo de instrumentos como o checklist de cirurgia segura recomendado
pela Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) Eacute necessaacuteria uma abordagem que apreenda a
subjetividade que permeia o contexto das relaccedilotildees interprofissionais para inclusive aplicar o
checklist ou outra ferramenta para a melhoria da qualidade e verificar como esses
profissionais percebem o fenocircmeno da seguranccedila ciruacutergica
A abordagem qualitativa permite uma aproximaccedilatildeo da realidade incorporando a
questatildeo do significado e da intencionalidade como inerentes aos atos relaccedilotildees e estruturas
sociais (MINAYO 2014) Possibilita tambeacutem a compreensatildeo de fenocircmenos complexos
trabalhando um universo de significados manifestaccedilotildees ocorrecircncias motivos fatos eventos
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 41
vivecircncias ideias sentimentos aspiraccedilotildees crenccedilas valores e atitudes em busca da
compreensatildeo da realidade humana vivida socialmente (TURATO 2005 MINAYO 2014
TRIVINtildeOS 1987)
O meacutetodo de estudo de caso que eacute a modalidade de investigaccedilatildeo escolhida para esta
pesquisa vem sendo utilizado em pesquisas tanto em disciplinas tradicionais como a
psicologia e a antropologia quanto nas aacutereas com orientaccedilatildeo praacutetica como administraccedilatildeo
puacuteblica ciecircncia poliacutetica trabalho social educaccedilatildeo e enfermagem (YIN 2015) Independente
do campo que o utiliza a necessidade da pesquisa de estudo de caso surge do desejo de
compreender fenocircmenos sociais complexos e contemporacircneos inseridos em contextos reais
sejam eles individuais organizacionais sociais poliacuteticos ou de grupos (YIN 2015)
Satildeo diversas as definiccedilotildees e autores que versam sobre estudo de caso na literatura
Robert K Yin tem se destacado sendo considerado um dos mais ceacutelebres autores no campo
de estudos de caso (GIL 2009) A definiccedilatildeo apresentada recentemente por Yin (2015) vem
sendo desenvolvida desde 1981 e reflete uma visatildeo em duas partes dos estudos de caso A
primeira inicia-se com o escopo do estudo e a segunda parte da definiccedilatildeo surge devido ao
fato de que o fenocircmeno e o contexto natildeo satildeo faacuteceis de distinguir nas situaccedilotildees do mundo real
1 ndash O estudo de caso eacute uma investigaccedilatildeo empiacuterica que investiga um fenocircmeno
contemporacircneo (o ldquocasordquo) em profundidade e em seu contexto de mundo real
especialmente quando os limites entre o fenocircmeno e o contexto natildeo estatildeo
claramente evidentes 2 ndash A investigaccedilatildeo do estudo de caso enfrenta a situaccedilatildeo
tecnicamente diferenciada em que existiratildeo muito mais variaacuteveis de interesse do
que pontos de dados e como resultado conta com muacuteltiplas fontes de evidecircncia
com os dados precisando convergir de maneira triangular e como outro
resultado beneficia-se do desenvolvimento anterior das proposiccedilotildees teoacutericas para
orientar a coleta e anaacutelise de dados (YIN 2015 p 17-18)
Essa definiccedilatildeo em duas partes ndash abarcando o escopo e as caracteriacutesticas desse meacutetodo
ndash mostra a abrangecircncia do estudo de caso e como ele conserva as caracteriacutesticas holiacutesticas e
significativas dos acontecimentos da vida real (YIN 2015) analisando as inter-relaccedilotildees entre
as variaacuteveis para promover o entendimento do caso o mais completo e profundo possiacutevel
Procedeu-se nessa pesquisa a utilizaccedilatildeo do estudo de caso descritivo que caracteriza o
fenocircmeno dentro de seu contexto como um caso uacutenico pois visa captar e reter uma
perspectiva holiacutestica das circunstacircncias e das condiccedilotildees de uma situaccedilatildeo diaacuteria ou de um lugar
comum (YIN 2015)
Desse modo justifica-se a utilizaccedilatildeo do meacutetodo de estudo de caso nesta pesquisa uma
vez que a compreensatildeo da percepccedilatildeo dos profissionais sobre a promoccedilatildeo de cirurgias seguras
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 42
eacute construiacuteda pelo cotidiano do proacuteprio trabalho desses profissionais dentro da rede intra-
hospitalar De acordo com Pereira Godoy e Terccedilariol (2009) o estudo de caso alarga a visatildeo
do fenocircmeno por apreender o indiviacuteduo em sua integridade e em seu contexto Os
profissionais da pesquisa compotildeem um grupo que embora em diversas funccedilotildees e
responsabilidades partilha do mesmo contexto e suas accedilotildees representam o retrato do
atendimento ciruacutergico real que eacute complexo e permeado de eventos significativos para o
entendimento da seguranccedila dos pacientes Nesse sentido a estrateacutegia de estudo de caso
permite a anaacutelise da dinacircmica dos processos em sua complexidade o que estabelece sua
condiccedilatildeo especiacutefica de contribuiccedilatildeo agrave construccedilatildeo do conhecimento (PEREIRA GODOY
TERCcedilARIOL 2009)
Ademais a utilizaccedilatildeo do estudo de caso se mostra apropriada tambeacutem por se tratar de
um fenocircmeno muito discutido na contemporaneidade e por responder agraves perguntas
relacionadas a como ocorre determinado fenocircmeno natildeo exigindo controle dos eventos
comportamentais (YIN 2015) o que induz tambeacutem ao uso da abordagem qualitativa
A criacutetica mais frequente em se utilizar estudos de caso e abordagem qualitativa refere-
se a natildeo possibilidade de generalizaccedilatildeo A abordagem qualitativa considera as limitaccedilotildees
metodoloacutegicas de generalizaccedilatildeo tendo a preocupaccedilatildeo maior com o aprofundamento e
abrangecircncia da compreensatildeo do objeto estudado (MINAYO 2014) A autora chama a atenccedilatildeo
para o fato de natildeo usar o meacutetodo qualitativo como uma alternativa agraves abordagens
quantitativas mas pensaacute-lo no sentido do aprofundamento do caraacuteter social sendo que o
meacutetodo quantitativo o apreende de forma parcial e inacabado Os estudos de caso segundo
Yin (2015) assim como estudos experimentais satildeo generalizaacuteveis agraves proposiccedilotildees teoacutericas e
natildeo agraves populaccedilotildees ou aos universos O estudo de caso como o experimento natildeo representa
uma ldquoamostragemrdquo e sim uma oportunidade de lanccedilar luz empiacuterica sobre conceitos ou
princiacutepios teoacutericos sendo sua meta expandir e generalizar teorias (generalizaccedilatildeo analiacutetica) e
natildeo inferir probabilidade enumerando as frequecircncias ocorridas (generalizaccedilatildeo estatiacutestica)
(YIN 2015)
Segundo Pereira Godoy e Terccedilariol (2009) para assegurar a condiccedilatildeo de
cientificidade do estudo de caso eacute essencial considerar diversos aspectos que podem
constituir pontos fraacutegeis sendo particularmente a seleccedilatildeo dos casos a coleta e o registro de
dados sua anaacutelise e a interpretaccedilatildeo bem como o planejamento e o preparo do pesquisador
Assim a elaboraccedilatildeo de estudos de caso exige o cumprimento de cinco componentes
essenciais conforme descrito por Yin (2015)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 43
1) Questotildees do estudo de caso o meacutetodo eacute indicado para responder agraves perguntas como e
por que de eventos contemporacircneos onde os comportamentos natildeo podem ser
manipulados Eacute importante utilizar-se da literatura disponiacutevel de forma que o pesquisador
estreite seu interesse a um ou dois toacutepicos-chave analise estudos-chave para identificar
questotildees novas ou lacunas para futuras pesquisas e outros estudos que sugira ou aperfeiccediloe
as questotildees propostas pelo pesquisador (YIN 2015)
2) Proposiccedilotildees o estudo de caso demanda um problema que necessite de uma compreensatildeo
holiacutestica sobre um evento ou uma situaccedilatildeo usando a loacutegica indutiva que eacute do particular ou
do especiacutefico para o geral (YIN 2015)
3) Unidade(s) de anaacutelise eacute aquilo que seraacute examinado dentro do escopo do trabalho
Contribui para identificar onde procurar evidecircncias relevantes uma vez que eacute impossiacutevel
estudar todos os aspectos de um fenocircmeno (YIN 2015) Neste estudo delimitou-se a
seguinte unidade de anaacutelise a seguranccedila no perioperatoacuterio por meio da percepccedilatildeo de
profissionais que atuam direta e indiretamente no ato anesteacutesico-ciruacutergico e a relaccedilatildeo que
estes estabelecem no cotidiano de trabalho de um hospital puacuteblico sendo este tambeacutem o
ldquocasordquo a ser estudado
4) A loacutegica que une os dados agraves proposiccedilotildees indica a vinculaccedilatildeo dos dados agraves proposiccedilotildees
ou seja antecipando-se os passos da anaacutelise de dados com a coleta dos dados necessaacuterios
Os dados natildeo podem ser em demasia a ponto de natildeo serem utilizados na anaacutelise e tambeacutem
natildeo devem ser escassos o que impediria a aplicaccedilatildeo da teacutecnica analiacutetica (YIN 2015) Os
dados foram submetidos agrave anaacutelise de conteuacutedo
5) Criteacuterios para interpretar as constataccedilotildees em pesquisas quantitativas as estimativas
estatiacutesticas servem como criteacuterios para interpretar os resultados Uma alternativa para os
estudos de caso que natildeo utilizam a estatiacutestica eacute identificar e abordar as explicaccedilotildees rivais
para os achados Os resultados se tornam mais fortes dependendo de quanto mais
explicaccedilotildees rivais tiveram sido abordadas e rejeitadas (YIN 2015)
32 Cenaacuterio do estudo
A escolha do hospital baseou-se nos seguintes criteacuterios definidos 1) estar localizado
em Belo Horizonte pela facilidade de acesso ser hospital de referecircncia para o estado aleacutem de
o municiacutepio ser poacutelo da Regiatildeo Ampliada de Sauacutede (macrorregiatildeo) Centro de Minas Gerais
exercendo uma forccedila de atraccedilatildeo da populaccedilatildeo de outros municiacutepios em razatildeo de sua
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 44
capacidade e de seu potencial de equipamentos urbanos e fixaccedilatildeo de recursos humanos
especializados (MINAS GERAIS 2010) (2) quantidade de cirurgias realizadas no periacuteodo de
2009 a 2013 periacuteodo que contemplava os uacuteltimos cinco anos quando se deu a escolha do
cenaacuterio de estudo na fase de projeto de pesquisa (3) ser puacuteblico e (4) ter accedilotildees
implementadas de cirurgia segura conforme recomendaccedilotildees da OMS haacute pelo menos um ano
O Quadro 2 a seguir apresenta esses criteacuterios
Quadro 2 Criteacuterios para escolha dos cenaacuterios de pesquisa Belo Horizonte 2013
Hospitais Cirurgias realizadas
de 2008 a 2012
Hospital puacuteblico
(100 SUS)
Accedilotildees em Cirurgia Segura de acordo com
a Organizaccedilatildeo Mundial da Sauacutede
A 67001 natildeo Natildeo possui
B 48422 sim Iniciado em 2013 mas interrompido devido a
problemas de recursos humanos
C 42785 sim Iniciada em 01092010
D 38235 sim Natildeo possui
E 37155 natildeo Natildeo possui
F 31464 sim Iniciada em 14052010
G 23602 natildeo Natildeo possui
H 22939 sim Natildeo possui
() Natildeo identificado para preservar o anonimato () Fonte Ministeacuterio da Sauacutede - Sistema de Informaccedilotildees Hospitalares do
SUS (SIHSUS) Pesquisa realizada em outubro de 2013 () Fonte Cadastro Nacional de Estabelecimento de Sauacutede
(CNES) Pesquisa realizada em outubro de 2013 () Fonte Informaccedilatildeo por telefone dada pelo coordenador dos Centros
Ciruacutergicos dos hospitais em novembro de 2013
O hospital C natildeo conseguiu visualizar o projeto de pesquisa na Plataforma Brasil
Foram realizados vaacuterios contatos com a instituiccedilatildeo e com a equipe da Plataforma Brasil sem
soluccedilatildeo do problema
O hospital F foi o cenaacuterio deste estudo e tem por caracteriacutestica a assistecircncia a
pacientes de urgecircncia cliacutenica e ciruacutergica traumatoloacutegica e natildeo traumatoloacutegica de uma
populaccedilatildeo de cerca de 11 milhatildeo de habitantes no eixo norte da Regiatildeo Metropolitana de
Belo Horizonte englobando os municiacutepios de Ribeiratildeo das Neves Vespasiano Santa Luzia
Pedro Leopoldo Matozinhos Confins Esmeraldas Jaboticatubas e Satildeo Joseacute da Lapa Iniciou
seu funcionamento em junho de 2006 mediante convecircnio com a Secretaria de Estado de
Sauacutede de Minas Gerais (SESMG) Desde 2008 apoacutes avaliaccedilatildeo da Comissatildeo de
Certificadores dos Ministeacuterios da Sauacutede e da Educaccedilatildeo foi considerado um hospital de ensino
O Quadro 3 apresenta o quantitativo de leitos do hospital cenaacuterio deste estudo
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 45
Quadro 3 Distribuiccedilatildeo dos leitos do hospital cenaacuterio do estudo (2015)
Descriccedilatildeo dos Leitos Quantidade
Especialidade Ciruacutergica
Ortopedia traumatologia 35
Cirurgia geral 94
Especialidade Cliacutenica
Cliacutenica geral 150
Neonatologia 4
Complementar
UTI Adulto - Tipo II 35
UTI Neonatal - Tipo II 4
Unidade de Cuidados Intermediaacuterios Neonatal Canguru 2
Unidade de Cuidados Intermediaacuterios Neonatal Convencional 4
Obsteacutetrico
Obstetriacutecia ciruacutergica 21
Obstetriacutecia cliacutenica 7
Pediaacutetrico
Pediatria cliacutenica 12
Total geral 368
Fonte CNES (2015)
O modelo de gestatildeo do hospital estudado eacute por linhas de cuidado e apoio nas quais se
pautam a organizaccedilatildeo do hospital Dentro da linha de cuidado ciruacutergico em 2010 foi
implantado o checklist de cirurgia segura Neste ano tambeacutem o Nuacutecleo de Gestatildeo da
Qualidade (NGQ) foi reformulado e passou a reunir profissionais de diversas aacutereas do hospital
que discutem e realizam accedilotildees voltadas para a qualidade dos processos internos da instituiccedilatildeo
33 Participantes do estudo
Os participantes da pesquisa satildeo membros da equipe multiprofissional que atuam no
Centro Ciruacutergico (CC) e nas unidades assistenciais e de apoio agrave assistecircncia ciruacutergica A maior
parte foi selecionada de forma aleatoacuteria por meio de sorteio No entanto outros participantes
foram intencionalmente escolhidos por exercer alguma funccedilatildeo especiacutefica de interesse ao escopo
do estudo e ainda alguns profissionais foram indicados pelos participantes durante as
entrevistas A escolha de diferentes categorias e locais de atuaccedilatildeo dos profissionais decorreu do
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 46
fato de se buscar diversos acircngulos para uma anaacutelise aprofundada por meio da percepccedilatildeo dos
profissionais que atuavam direta e indiretamente na realizaccedilatildeo do ato ciruacutergico
A questatildeo ldquoquantosrdquo tem importacircncia secundaacuteria em relaccedilatildeo agrave questatildeo ldquoquemrdquo quando
se trata de amostras intencionais como na proposta deste estudo Natildeo eacute a quantidade de seus
elementos o fator mais relevante e sim a forma como se concebe a representatividade desses
elementos e a qualidade das informaccedilotildees provenientes desses Natildeo houve delimitaccedilatildeo a priori
do nuacutemero de entrevistados A base para encerrar as entrevistas obedeceu ao criteacuterio de
saturaccedilatildeo de dados A saturaccedilatildeo eacute uma ferramenta utilizada para estabelecer ou fechar o
tamanho da amostra (FONTANELLA RICAS TURATO 2008) quando as informaccedilotildees
coletadas se tornam repetitivas
Os criteacuterios de inclusatildeo utilizados foram atuar no hospital por no miacutenimo um ano e
trabalhar no CC e em unidades assistenciais e de suporte ao ato ciruacutergico Para os profissionais
que ocupam cargos de chefia foram entrevistados os que estavam em exerciacutecio independente do
tempo haja vista a rotatividade nestes cargos O criteacuterio de exclusatildeo foi estar de feacuterias licenccedila
ou se recusar a participar da pesquisa Assim participaram da pesquisa 32 profissionais de
diferentes categorias e setores de atuaccedilatildeo Destes 660 satildeo do sexo feminino e 340 do sexo
masculino A meacutedia da idade dos entrevistados foi de 36 anos variando de 21 e 58 anos O
tempo meacutedio de trabalho no hospital foi de 46 anos variando entre um ano e 16 anos Entre os
profissionais 500 declararam ter outro viacutenculo empregatiacutecio
Os participantes da pesquisa trabalham em sistema de plantotildees 875 no diurno e
220 no noturno sendo que alguns trabalham nos dois turnos e outros sem padratildeo de horaacuterio
como aqueles em cargo de chefia que apesar de trabalharem mais durante o dia relatam natildeo ter
horaacuterio fixo de trabalho Todos foram contratados no regime celetista pela Consolidaccedilatildeo das
Leis do Trabalho (CLT)
A escolaridade variou de niacutevel meacutedio a mestrado sendo que 63 tecircm ateacute o niacutevel meacutedio
340 realizaram um curso teacutecnico alguns estatildeo fazendo tecnoacutelogo ou graduaccedilatildeo e 594 tecircm
formaccedilatildeo superior Destes com graduaccedilatildeo 219 realizaram residecircncia 281 alguma
especializaccedilatildeo 187 mestrado Havia um profissional com doutoramento em curso A maior
parte dos participantes da pesquisa foi de profissionais da equipe de enfermagem (469 de
enfermeiros e teacutecnicos de enfermagem) seguidos da categoria meacutedica (219 de cirurgiotildees e
anestesiologistas) e 126 de instrumentadores e farmacecircuticos As demais categorias
representaram 190 do total de profissionais
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 47
Os participantes da pesquisa foram agrupados em Grupo 1 profissionais que atuam
internamente na sala operatoacuteria durante o intraoperatoacuterio e diretamente na assistecircncia ciruacutergica
ao paciente e Grupo 2 profissionais que tecircm um papel importante para a realizaccedilatildeo da
assistecircncia ciruacutergica mas seu locus de atuaccedilatildeo natildeo eacute a sala operatoacuteria do CC no intraoperatoacuterio
tendo portanto um papel indireto na assistecircncia ciruacutergica ao paciente
Entre os participantes do Grupo 1 foram escolhidos por meio de sorteio cirurgiotildees
anestesiologistas enfermeiros teacutecnicos de enfermagem e instrumentadores Intencionalmente
foi escolhido o profissional enfermeiro responsaacutevel pelo preenchimento do checklist de cirurgia
segura e o coordenador meacutedico da linha de cuidados ciruacutergicos que tambeacutem realiza cirurgias na
instituiccedilatildeo No decorrer das entrevistas houve indicaccedilatildeo dos profissionais para incluir na
pesquisa o meacutedico e a enfermeira que implantaram o checklist na instituiccedilatildeo Essa
recomendaccedilatildeo foi atendida
Os participantes do Grupo 2 foram escolhidos intencionalmente por exercerem cargos
especiacuteficos em unidades assistenciais e de suporte ao ato ciruacutergico coordenador de enfermagem
da linha de cuidados ciruacutergicos enfermeiro coordenador da Central de Material de Esterilizaccedilatildeo
(CME) responsaacutevel pelo setor de qualidade teacutecnico responsaacutevel pela manutenccedilatildeo dos
equipamentos enfermeiro da Comissatildeo de Controle de Infecccedilatildeo Hospitalar (CCIH) responsaacutevel
pela aacuterea ciruacutergica responsaacutevel pelo laboratoacuterio profissional com funccedilatildeo de coordenaccedilatildeo no
Centro de Terapia Intensiva (CTI) Aleatoriamente foram escolhidos secretaacuteria do CC auxiliar
de serviccedilos gerais teacutecnico de enfermagem da Central de Material de Esterilizaccedilatildeo teacutecnico do
banco de sangue enfermeiro supervisor da unidade de internaccedilatildeo ciruacutergica enfermeiro de
especialidade da cirurgia teacutecnico que atua na farmaacutecia sateacutelite do CC e teacutecnico de radiologia
As entrevistas foram realizadas de acordo com a disponibilidade dos profissionais Estatildeo
identificadas de acordo com a sequencia em que foram realizadas pela letra ldquoErdquo (de entrevista)
seguida da letra ldquodrdquo quando diretamente envolvido no intraoperatoacuterio ao paciente aqueles do
Grupo 1 ou letra ldquoirdquo quando indiretamente envolvido na assistecircncia ciruacutergica que fazem parte
do Grupo 2 Apoacutes essa sequecircncia o nuacutemero da entrevista Exemplos Ei1 Ei2 Ei3 Ed4 Ed32
34 Coleta de dados
A coleta de dados foi realizada no periacuteodo de 14 de maio a 17 de julho de 2014 e para
o alcance dos objetivos propostos foi executada em duas fases que se complementaram para
entender o fenocircmeno pesquisado
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 48
Primeira fase observaccedilatildeo direta A observaccedilatildeo foi realizada pela pesquisadora e por
uma acadecircmica de enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
Observou-se no miacutenimo um procedimento ciruacutergico de cada especialidade incluindo
cirurgias eletivas de urgecircncia e de emergecircncia Foi realizado acompanhamento da
transferecircncia de pacientes do CC para outro setor (centro de terapia intensiva e unidade de
internaccedilatildeo ciruacutergica) As observaccedilotildees incluiacuteram turnos da manhatilde tarde e noite em dias uacuteteis
e em finais de semana do dia 14 de maio a 3 de junho de 2014 Durante as observaccedilotildees foi
utilizado o diaacuterio de campo que segundo Minayo (2014) deve conter informaccedilotildees que natildeo
sejam o registro das entrevistas formais Isto eacute observaccedilotildees sobre conversas informais
comportamentos cerimoniais festas gestos e expressotildees que digam respeito ao tema da
pesquisa Aleacutem de falas comportamentos haacutebitos usos costumes e celebraccedilotildees que
compotildeem as representaccedilotildees sociais que foram utilizadas para enriquecimento da anaacutelise
Segunda fase entrevistas em profundidade com os participantes da pesquisa
utilizando roteiro semiestruturado (Apecircndice II) para compreender a seguranccedila ciruacutergica por
meio da perspectiva de profissionais que vivenciam o cotidiano de trabalho do hospital Foi
solicitado ao final da entrevista que os entrevistados narrassem uma situaccedilatildeo em que ocorreu
um incidente e como foi vivenciar a experiecircncia e a abordagem institucional frente ao
incidente Dessa forma pretendeu-se natildeo incorrer nas armadilhas da coleta de dados
padronizada natildeo recomendada em estudos qualitativos O instrumento foi aplicado para teste e
adaptaccedilatildeo sendo adaptado apoacutes a entrevista
As entrevistas foram realizadas individualmente e gravadas mediante autorizaccedilatildeo dos
participantes que assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)
(Apecircndice I) Foi realizado contato preacutevio com os profissionais explicando os objetivos da
pesquisa e feito o convite para participar do estudo Para os profissionais que aceitaram foi
marcada a data e o horaacuterio Os locais para realizaccedilatildeo das entrevistas foram os espaccedilos do
hospital como salas operatoacuterias vazias sem atendimento ao paciente no momento da
entrevista espaccedilo dentro da farmaacutecia sateacutelite do CC sala de reuniatildeo da diretoria e do setor de
informaacutetica e salas de aula do Nuacutecleo de Ensino Pesquisa e Extensatildeo (NEPE)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 49
35 Anaacutelise dos dados
Os dados foram analisados com base no referencial de Bardin (2008) empregando-se a
teacutecnica da anaacutelise de conteuacutedo temaacutetica tendo em vista a anaacutelise dos ldquosignificadosrdquo
pronunciados pelos entrevistados da pesquisa no que se refere agrave cirurgia segura A anaacutelise de
conteuacutedo proposta por Bardin (2008) se configura como
[] um conjunto de teacutecnicas de anaacutelise das comunicaccedilotildees visando obter por
procedimentos sistemaacuteticos e objetivos de descriccedilatildeo do conteuacutedo das mensagens
indicadores (quantitativos ou natildeo) que permitam a inferecircncia de conhecimentos
relativos agraves condiccedilotildees de produccedilatildeorecepccedilatildeo (variaacuteveis inferidas) destas mensagens
(BARDIN 2008 p44)
O aspecto individual e atual da linguagem a praacutetica da liacutengua realizada por emissores
identificaacuteveis ndash a fala ndash eacute o objeto da anaacutelise de conteuacutedo Esta por trabalhar com a fala e com
as significaccedilotildees possibilita conhecer o que estaacute por traacutes das palavras e sobre as quais se
debruccedila Ou seja eacute uma busca de outras realidades mediante as mensagens emitidas (BARDIN
2008) e se propotildee a apreender tanto uma realidade visiacutevel quanto uma invisiacutevel que pode ser
percebida apenas nas ldquoentrelinhasrdquo do texto (CAVALCANTE CALIXTO PINHEIRO 2014)
A escolha da anaacutelise de conteuacutedo neste estudo pode ser elucidada pela necessidade de
superar as incertezas dos pressupostos pela necessidade de enriquecer a leitura por meio da
compreensatildeo das significaccedilotildees e pela necessidade de desvelar as relaccedilotildees que se estabelecem
aleacutem das falas propriamente ditas (CAVALCANTE CALIXTO PINHEIRO 2014) Em termos
de aplicaccedilatildeo praacutetica esse meacutetodo permite
[] o acesso a diversos conteuacutedos expliacutecitos ou natildeo presentes em um texto sejam eles
expressos na axiologia subjacente ao texto analisado implicaccedilatildeo do contexto poliacutetico
nos discursos exploraccedilatildeo da moralidade de dada eacutepoca anaacutelise das representaccedilotildees
sociais sobre determinado objeto inconsciente coletivo em determinado tema
repertoacuterio semacircntico ou sintaacutetico de determinado grupo social ou profissional anaacutelise
da comunicaccedilatildeo cotidiana seja ela verbal ou escrita entre outros (OLIVEIRA 2008
p570)
Contudo a variedade de conceitos e finalidades da anaacutelise de conteuacutedo tem tornado o
meacutetodo pouco claro e permitido sua utilizaccedilatildeo sem os cuidados metodoloacutegicos necessaacuterios para
uma boa praacutetica tendendo a desenvolvecirc-la como uma teacutecnica intuitiva e natildeo sistematizada
Assim para assegurar o valor cientiacutefico eacute necessaacuterio que os procedimentos utilizados na anaacutelise
de conteuacutedo atendam a algumas regras precisas (OLIVEIRA 2008) Nesse sentido foram
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 50
adotadas as fases da anaacutelise de conteuacutedo que segundo Bardin (2008) se organizam em torno de
trecircs poacutelos cronoloacutegicos primeira fase ndash preacute-anaacutelise segunda fase ndash exploraccedilatildeo do material ou
codificaccedilatildeo terceira fase - tratamento dos resultados inferecircncia e interpretaccedilatildeo
Primeira fase ndash preacute-anaacutelise nesta fase os materiais entrevistas e diaacuterio de campo
foram organizados no sentido de sistematizar as ideias iniciais Foi realizada a transcriccedilatildeo das
entrevistas e conferecircncia das mesmas confrontando as entrevistas transcritas agrave gravaccedilatildeo do
aacuteudio das entrevistas corrigindo palavras e pontuaccedilatildeo Apoacutes esse processo foram separados em
pastas os aacuteudios as entrevistas e os diaacuterios de campo retirando da transcriccedilatildeo todo nome que
pudesse identificar algum profissional da instituiccedilatildeo Esse material somado aos registros das
observaccedilotildees no diaacuterio de campo constituiu o corpus de anaacutelise desta pesquisa Foi feita entatildeo a
leitura flutuante deste corpus deixando-se impregnar pelos relatos Nessa etapa tambeacutem foram
retomados os objetivos e pressupostos iniciais desta pesquisa
Segunda fase ndash exploraccedilatildeo do material foi feita a leitura exaustiva das entrevistas e
realizadas operaccedilotildees de codificaccedilatildeo e categorizaccedilatildeo A codificaccedilatildeo foi o processo sistemaacutetico de
transformar e agrupar os dados brutos dos documentos em unidades de registros (unidade de
significaccedilatildeo) e unidades de contexto (unidade de compreensatildeo para codificar a unidade de
registro) Esses satildeo os elementos que compotildeem a mensagem ou seja satildeo palavras eou frases
que representaram determinadas partes das falas dos entrevistados e que permitiram uma
descriccedilatildeo das propriedades pertinentes aos conteuacutedos Isso viabilizou a definiccedilatildeo dos temas
dado que se adotou a anaacutelise temaacutetica ou seja cada tema foi composto por um conjunto de
unidade de registro Assim a anaacutelise temaacutetica consistiu em descobrir os nuacutecleos de sentido que
compotildeem a mensagem que tiveram aderecircncia ao objetivo analiacutetico estudado (BARDIN 2008)
A categorizaccedilatildeo consistiu na classificaccedilatildeo e agrupamento dos temas em razatildeo das
caracteriacutesticas comuns para permitir a organizaccedilatildeo das mensagens Vaacuterios satildeo os criteacuterios de
categorizaccedilatildeo mencionados por Bardin (2008) Neste estudo optou-se pela anaacutelise temaacutetica
Foram seguidas quatro regras importantes relatadas por Bardin (2008) a saber (1) os
dados foram classificados homogeneamente mantendo o cuidado de natildeo se misturar temas
aparentemente semelhantes (2) o texto foi exaustivamente decomposto esgotando suas
informaccedilotildees (3) um mesmo elemento foi classificado sempre na mesma categoria e (4) os
dados retirados das entrevistas foram alinhados ao conteuacutedo teoacuterico da pesquisa e aos objetivos
Terceira fase ndash tratamentos dos resultados inferecircncia e interpretaccedilatildeo os dados
brutos foram tratados de maneira a serem significativos e vaacutelidos Assim foram realizadas
inferecircncias e interpretaccedilatildeo dos dados de acordo com os objetivos e descobertas inesperadas e agrave
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 51
luz da literatura Foram utilizados dentre outros alguns dos conceitos da teoria do ator-rede de
Bruno Latour e do pensamento complexo de Edgar Morin devido agrave complementariedade entre
elas para aprofundar a compreensatildeo do fenocircmeno estudado a partir dos achados da pesquisa
sem no entanto esgotar estes referenciais teoacutericos As observaccedilotildees registradas no diaacuterio de
campo tambeacutem foram utilizadas nesse processo como forma de enriquecimento da anaacutelise
Ressalta-se ainda que o contexto da mensagem eacute fundamental na anaacutelise de conteuacutedo
natildeo soacute ele mas o contexto exterior a este em que condiccedilotildees de produccedilatildeo foi evocada aquela
mensagem ou seja quem eacute que fala a quem e em que circunstacircncias (BARDIN 2008) Nesse
sentido requer uma preacute-compreensatildeo do ser suas manifestaccedilotildees suas interaccedilotildees com o
contexto e requer um olhar meticuloso do investigador (CAVALCANTE CALIXTO
PINHEIRO 2014) Assim a vivecircncia que se teve no campo de pesquisa foi importante para a
aproximaccedilatildeo com a realidade do fazer ldquoa assistecircncia ciruacutergicardquo no cenaacuterio de estudo ou seja
possibilitou interpretar as entrevistas de forma contextualizada contribuindo para a anaacutelise e
evidenciando a importacircncia da observaccedilatildeo
36 Aspectos eacuteticos da pesquisa
A pesquisa foi aprovada pela Cacircmara do Departamento de Enfermagem Aplicada da
Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais (ENAEEUFMG) pelo
Comitecirc de Eacutetica e Pesquisa do hospital sob o Parecer 072014 (natildeo foi anexado o documento
para assegurar o anonimato do hospital) e pelo Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa da Universidade
Federal de Minas Gerais (COEPUFMG) sob o Parecer nordm 619723 em 16042014 e CAAE
28460314900005149 (Anexo I)
Este percurso visou assegurar procedimentos que garantam a confidencialidade e a
privacidade a proteccedilatildeo da imagem e a natildeo estigmatizaccedilatildeo dos participantes Assegurou-se
que as informaccedilotildees natildeo seratildeo usadas para prejudicar as pessoas eou comunidades inclusive
no que tange a autoestima prestiacutegio eou aspectos econocircmico-financeiros Aleacutem disso os
procedimentos natildeo ofereceram riscos agrave dignidade dos participantes viabilizando o princiacutepio
da natildeo maleficecircncia conforme estabelece a Resoluccedilatildeo nordm 466 de 2012 do Conselho Nacional
de Sauacutede (CNS) (BRASIL 2012a)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 52
Achados da pesquisa
x
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 53
4 APRESENTACcedilAtildeO E DISCUSSAtildeO DOS ACHADOS
Neste estudo o termo ldquocentro ciruacutergicordquo seraacute utilizado de acordo com a RDC ndeg
502002 que o define como ldquo[] a unidade destinada ao desenvolvimento de atividades
ciruacutergicas bem como agrave recuperaccedilatildeo poacutes-anesteacutesica e poacutes-operatoacuteria imediatardquo (ANVISA
2002 p 119) No entanto os profissionais se referem ao centro ciruacutergico tambeacutem como bloco
ciruacutergico e assim seraacute mantido nos depoimentos Os resultados da pesquisa foram agrupados
em trecircs categorias e suas respectivas subcategorias
Categoria 1 - Rede intra-hospitalar para o perioperatoacuterio em um hospital puacuteblico referecircncia
para urgecircncias e emergecircncias e de ensino
Centro ciruacutergico de um hospital referecircncia para urgecircncias e emergecircncias que lugar eacute
esse
Rede intra-hospitalar conexotildees para a seguranccedila ciruacutergica
Perioperatoacuterio entrelaccedilamento das trecircs fases para a cirurgia segura
Categoria 2 - Situaccedilotildees de seguranccedila e de inseguranccedila nos procedimentos ciruacutergicos
Cirurgia segura e cirurgia insegura imbricaccedilotildees de atores humanos e natildeo humanos
Onda Vermelha situaccedilatildeo de caos que salva vidas
Efeito borboleta pequenas accedilotildees podem resultar em grandes incidentes na assistecircncia
ciruacutergica
Abordagem institucional frente aos incidentes efeitos da cultura organizacional
Categoria 3 - Lista de verificaccedilatildeo de seguranccedila ciruacutergica da aparente simplicidade a real
complexidade
Lista de verificaccedilatildeo de seguranccedila ciruacutergica da implantaccedilatildeo aos dias atuais
Melhorias no uso do checklist de cirurgia segura
41 Rede intra-hospitalar para o perioperatoacuterio em um hospital puacuteblico referecircncia para
urgecircncias e emergecircncias e de ensino
O conhecimento natildeo eacute um espelho das coisas ou do mundo externo Todas as
percepccedilotildees satildeo ao mesmo tempo traduccedilotildees e reconstruccedilotildees cerebrais com base em
estiacutemulos ou sinais captados e codificados pelos sentidos (MORIN 2000 p20)
Essa primeira categoria estaacute divida em trecircs subcategorias (411) centro ciruacutergico de
um hospital de urgecircncias e emergecircncias que lugar eacute esse (412) rede intra-hospitalar
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 54
conexotildees para a seguranccedila ciruacutergica e (413) perioperatoacuterio entrelaccedilamento das trecircs fases
para a cirurgia segura Essas subcategorias tratam respectivamente da percepccedilatildeo dos
profissionais participantes desta pesquisa sobre o centro ciruacutergico em que atuam de como se
configura a conexatildeo dos pontos de atenccedilatildeo da rede intra-hospitalar para a seguranccedila ciruacutergica
e das fases do perioperatoacuterio que correspondem ao preacute trans e poacutes-operatoacuterio
Emergiu dos relatos a pluralidade de percepccedilotildees e contradiccedilotildees tendo em vista que os
profissionais participantes da pesquisa estatildeo em diferentes posiccedilotildees e locais de atuaccedilatildeo
possuem experiecircncias profissionais niacuteveis de identificaccedilatildeo organizacional e relaccedilotildees de poder
diferenciadas Aleacutem disso tambeacutem possuem desejos e metas pessoais o que confere ao
ambiente de trabalho uma significaccedilatildeo singular
Pretendeu-se nesta categoria fornecer informaccedilotildees para traduzir e reconstruir a
realidade da seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica e suas muacuteltiplas dimensotildees Assim natildeo foi
levada em consideraccedilatildeo a unidimensionalidade que mutila por buscar a disjunccedilatildeoreduccedilatildeo
para chegar agrave simplificaccedilatildeo Considerou-a como um sistema complexo
Nos sistemas complexos dinacircmicos e natildeo lineares natildeo haacute pontos de equiliacutebrio e em
princiacutepio parecem ser aleatoacuterios e caoacuteticos Sistemas como o de sauacutede satildeo constituiacutedos por
muitos atores (meacutedicos enfermeiros pessoal teacutecnico e administrativo pacientes pagadores
gestores) que tendem a atuar em redes profissionais e sociais mas tambeacutem por interesses
proacuteprios diferentes e natildeo raro conflitantes Esses atores ganham cultura e experiecircncias que
mudam em funccedilatildeo do tempo adaptando-se em um processo de auto-organizaccedilatildeo e talvez o
mais importante natildeo apresentam pontos uacutenicos de controle ou seja ningueacutem estaacute de fato no
controle Consequentemente seratildeo sempre mais facilmente influenciaacuteveis em seu
comportamento do que moviacuteveis por controle direto (FRAGATA SOUSA SANTOS 2014)
411 Centro ciruacutergico de um hospital de urgecircncias e emergecircncias que lugar eacute esse
O hospital em que o Centro Ciruacutergico (CC) estaacute inserido constitui uma das portas de
entrada hospitalar de urgecircncia e emergecircncia da Rede de Atenccedilatildeo agraves Urgecircncias no acircmbito do
SUS A instituiccedilatildeo atende a uma populaccedilatildeo numerosa do Vetor Norte de Belo Horizonte e de
municiacutepios vizinhos Localiza-se em um ponto perifeacuterico do municiacutepio sendo o uacutenico
hospital da regiatildeo Somado ao porte do hospital e seu perfil de demanda espontacircnea para a
assistecircncia de urgecircncia e de emergecircncia ciruacutergica traumatoloacutegica e natildeo traumatoloacutegica o CC
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 55
se revela de grande relevacircncia na percepccedilatildeo dos entrevistados desta pesquisa tanto dos que
atuam internamente quanto dos que atuam externamente
[] o bloco daqui eacute extremamente importante por ser um hospital de urgecircncia
porta-aberta [] soacute tem esse hospital nessa regiatildeo neacute [] A importacircncia de
atender essa populaccedilatildeo extremamente extensa (Ed26)
[somos] referecircncia em trauma [] se natildeo houvesse o bloco o hospital natildeo
caminharia A importacircncia eacute imensuraacutevel Principalmente em uma grande cidade
como Belo Horizonte (Ed29)
O bloco ciruacutergico eacute um setor extremamente importante estrateacutegico (Ei23)
Os termos utilizados pelos entrevistados ao se referirem agrave importacircncia do CC
mostram o reconhecimento e o significado que atribuem a essa unidade ciruacutergica e tambeacutem ao
hospital Os profissionais mencionam o papel estrateacutegico dado pela localizaccedilatildeo e por ser o
uacutenico hospital da regiatildeo e o papel social por meio da assistecircncia prestada agrave populaccedilatildeo de
uma vasta aacuterea A importacircncia do CC eacute mencionada por autores como Gomes (2009) Souza
(2011) sendo considerado o setor de maior importacircncia ou o que atrai mais atenccedilatildeo pela
evidecircncia dos resultados dramaticidade das cirurgias importacircncia demonstrativa e didaacutetica e
principalmente pela accedilatildeo de cura dada aos procedimentos ciruacutergicos (BARRETO BARROS
2009) Haacute poucas descriccedilotildees sobre a importacircncia do CC especificamente em hospitais de
referecircncia para a assistecircncia de urgecircncia e de emergecircncia
As situaccedilotildees de urgecircncia e emergecircncia incluem casos em que o paciente necessita
muitas vezes do acesso a procedimentos ciruacutergicos imediatos pelo risco de morte Esse perfil
do hospital faz com que o CC se torne parte importante da instituiccedilatildeo um local que salva
vidas pelo tratamento adequado que se oferece nessas situaccedilotildees
Em um hospital de pronto socorro porta aberta o paciente jaacute chega direto para a
cirurgia caso de vida ou morte Chega aqui direto para poder ser tratado de forma
adequada e a gente vai salvar vidas neacute (Ed13)
[] uma importacircncia para o perfil dos pacientes Tem uma clientela mais de
pacientes viacutetimas de PAF [perfuraccedilatildeo por arma de fogo] essas coisas (Ei7)
A equipe multiprofissional do CC deve estar inserida no planejamento da assistecircncia
emergencial que se inicia na estrutura no levantamento de prioridades na organizaccedilatildeo e
preparo dos materiais e equipamentos aleacutem da responsabilizaccedilatildeo das accedilotildees de cada um dos
membros da equipe assistencial (CALIL et al 2010)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 56
O papel estrateacutegico pela localizaccedilatildeo do hospital e por ser o uacutenico da regiatildeo e afastado
da aacuterea hospitalar central eacute reforccedilado por ser considerada uma aacuterea de alto risco social
relacionada agrave violecircncia urbana O perfil dos pacientes atendidos tem como caracteriacutestica
principal o fato de que sua maioria eacute viacutetima da violecircncia Apesar da legislaccedilatildeo brasileira
(BRASIL 2001 2002a 2004 2006 2011a 2011b 2012b 2013a 2013b 2013c) para
prevenccedilatildeo e reduccedilatildeo da mortalidade por causas externas (atos relacionados agrave violecircncia e
acidentes) a taxa de mortalidade em razatildeo desse fenocircmeno aumentou 84 de 2001 para
2010 Em 2010 ocupou a terceira posiccedilatildeo entre as mortes da populaccedilatildeo total e a primeira
entre adolescentes e adultos jovens As agressotildees e acidentes de transporte terrestre foram
responsaacuteveis por 67 dos oacutebitos por causas externas A arma de fogo foi o meio utilizado em
mais da metade dos oacutebitos A maior proporccedilatildeo foi de indiviacuteduos do sexo masculino e adultos
de 20 a 39 anos (BRASIL 2012b)
Em Minas Gerais das 8387 internaccedilotildees por traumas em 2009 229 foram a oacutebito Do
total de ocorrecircncias 198 foram em pacientes entre 20 e 29 anos de idade (VIEIRA
MAFRA 2011) Esses dados em niacutevel nacional e estadual se assemelham aos dados do
hospital em estudo presentes em outra pesquisa na qual a maioria dos pacientes assistidos por
trauma eacute jovem do sexo masculino que sofreram agressotildees fiacutesicas acidentes com
motocicleta e perfuraccedilatildeo por arma de fogo (MARQUES GUEDES SIZENANDO 2010)
Essas ocorrecircncias satildeo denominadas ldquocausas externasrdquo e tecircm se apresentado como um
desafio para a agenda da sauacutede puacuteblica O desafio se inicia pelo fato do proacuteprio nome parecer
algo que estaacute externo agrave aacuterea da sauacutede ou a qualquer outra aacuterea como a social a econocircmica a
educacional ou a aacuterea da seguranccedila puacuteblica Ou seja as causas do problema da violecircncia satildeo
sempre externas a uma aacuterea de responsabilidade puacuteblica natildeo haacute responsabilidade exclusiva de
nenhum gestor Satildeo situaccedilotildees nas quais os problemas deveriam ser equacionados
intersetorialmente mas natildeo haacute o dialogo necessaacuterio e os serviccedilos de sauacutede continuam a
receber cotidianamente as consequecircncias da violecircncia e dos acidentes principalmente aqueles
serviccedilos que satildeo referecircncia para a assistecircncia de urgecircncias e de emergecircncias
Neste sentido a funccedilatildeo de um CC de um hospital referecircncia para urgecircncias e
emergecircncias eacute diferente da funccedilatildeo deste setor em hospitais de atendimento ciruacutergico eletivo
Os pacientes em algum momento do processo terapecircutico podem necessitar de intervenccedilatildeo
ciruacutergica
[] a pessoa jaacute entra direto para o CC pela onda Natildeo tem como natildeo ter o bloco
[] se fosse um hospital cliacutenico poderia natildeo existir (Ed32)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 57
[] nosso paciente em algum momento passa pelo bloco [] chega vai ser
estabilizado no bloco ir para o andar e depois retornar para o bloco para uma
intervenccedilatildeo mais completa Ou chega e vai direto para o bloco Ou sai daqui
[hospital] para casa para o ambulatoacuterio e aguarda o bloco (Ei30)
O entrevistado fala que o paciente entra direto ldquopela ondardquo isto significa que eacute um
paciente de emergecircncia com risco de morte que quando se daacute sua chegada ao hospital eacute tocada
uma sirene para alertar os profissionais sobre a necessidade de intervenccedilatildeo raacutepida Esse fluxo
eacute chamado de ldquoOnda Vermelhardquo ou simplesmente ldquoOndardquo
A ldquoOnda Vermelhardquo eacute um protocolo que foi criado como resultado da experiecircncia
adquirida ao longo dos anos pelos profissionais da urgecircncia que atendiam viacutetimas de traumas
graves que apresentavam alta mortalidade O CC eacute um ponto de atenccedilatildeo necessaacuterio para a
assistecircncia da maioria desses pacientes em estado de urgecircncia ou emergecircncia sejam os
pacientes que vecircm por demanda espontacircnea ou aqueles trazidos pelo Serviccedilo de Atendimento
Moacutevel de Urgecircncia (SAMU) poliacutecia militar ou serviccedilo de resgate do corpo de bombeiros Os
pacientes satildeo atendidos primeiro no pronto socorro (PS) nas salas denominadas ldquoPoli 9rdquo
(emergecircncias ciruacutergicas) e ldquoPoli 10rdquo (emergecircncias cliacutenicas) O paciente ciruacutergico eacute
encaminhado agrave sala operatoacuteria pelos profissionais do PS ou algumas vezes pelo profissional
do transporte sanitaacuterio que o trouxe e pode ser submetido a uma cirurgia para estabilizaccedilatildeo e
nova abordagem posterior ou uma cirurgia com intervenccedilatildeo definitiva Aleacutem disso o paciente
pode ser atendido no PS receber alta para acompanhamento no ambulatoacuterio e aguardar a
cirurgia em casa Aleacutem das urgecircncias agraves emergecircncias ciruacutergicas e agraves situaccedilotildees cliacutenicas de
demanda espontacircnea o hospital atende tambeacutem a pacientes eletivos e referenciados
Os diferentes perfis conformam o modo de acesso ao hospital e ao CC Isso exige
atenccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo e aos fluxos para o acesso efetivo do paciente o que muitas vezes
gera problemas no cotidiano de trabalho A acessibilidade eacute um atributo de qualidade
importante do sistema de sauacutede e da atenccedilatildeo agraves urgecircncias (GARLET et al 2009) E este
acesso deve ser organizado humanizado integral efetivo eficiente oportuno e seguro
O CC eacute comparado pelos entrevistados a oacutergatildeos vitais e deve estar funcionando a todo
o tempo para proporcionar vida ao hospital Eacute comparado tambeacutem agraves partes que satildeo visiacuteveis
no corpo do ser humano reforccedilando a visibilidade do CC Essas comparaccedilotildees permitem
visualizar a imagem que os profissionais tecircm do CC
Como o hospital eacute referecircncia em urgecircncia e emergecircncia em trauma eacute como se fosse
o coraccedilatildeo do hospital [] eacute onde vocecirc encaminha os pacientes graves [] Eacute um
setor que deve estar a todo o momento pronto para receber qualquer tipo de trauma
ou outra situaccedilatildeo cliacutenica ciruacutergica (Ei5)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 58
Eacute a cabeccedila do hospital eacute o lugar mais importante do hospital (Ei6)
[] noacutes [do CC] somos a cara aqui da frente do hospital neacute (Ed26)
O bloco eacute quase a menina dos olhos do hospital eacute onde tem perspectiva do
prognoacutestico e gera dinheiro no hospital onde a gente consegue mudar a terapecircutica
do paciente (Ed10)
As comparaccedilotildees do CC com partes vitais do ser humano ndash ldquocoraccedilatildeordquo e ldquocabeccedilardquo ndash e
com partes que satildeo visiacuteveis do corpo ndash ldquocarardquo e ldquomenina dos olhosrdquo ndash satildeo metaacuteforas que
emergem naturalmente nos discursos dos profissionais e reforccedilam a dependecircncia e a
visibilidade do CC Sem o coraccedilatildeo e a cabeccedila uma pessoa natildeo vive assim como o hospital de
referecircncia para urgecircncia e emergecircncia sem o CC natildeo cumpre sua missatildeo O CC eacute um lugar
onde a assistecircncia ao paciente ocorre de forma raacutepida objetiva e transitoacuteria O foco eacute na
soluccedilatildeo dos problemas dos pacientes nas teacutecnicas ciruacutergicas O contato breve do profissional
do CC com o paciente natildeo permite a criaccedilatildeo de viacutenculos e agraves vezes nem mesmo o nome do
paciente eacute assimilado o que contribui para diferenciar esse setor de outros do hospital
Eacute um setor raacutepido Que resolve A gente eacute muito praacutetico [] natildeo tem aquele contato
de ficar muito tempo com o paciente agraves vezes vocecirc natildeo pega nem o nome direito
Laacute fora o pessoal sabe ateacute Tudo Convive com o paciente (Ed31)
[] um local onde o paciente entra para sair melhor [] eu vejo o bloco como um
lugar objetivo pra resolver problemas O meu interesse por essa aacuterea eacute pela
objetividade da cirurgia da anestesia (Ed17)
A dinacircmica do CC eacute voltada para a objetividade das accedilotildees e eacute por natureza um
trabalho teacutecnico que visa agrave recuperaccedilatildeo do paciente A interaccedilatildeo durante a assistecircncia prestada
pelos profissionais eacute limitada sendo o afeto o toque e o diaacutelogo restritos Isto acontece natildeo
no sentido de valorizar os aspectos objetivos e desmerecer os aspectos subjetivos do cuidar
mas porque nesse setor a atenccedilatildeo ao oacutergatildeo fiacutesico eacute imperiosa (SILVA ALVIM 2010) A
objetividade das accedilotildees do CC ao mesmo tempo em que produz a escolha de alguns
profissionais pela aacuterea devido agrave sua caracteriacutestica eacute tambeacutem produto desta escolha sendo um
lugar onde haacute pessoas com caracteriacutesticas mais objetiva praacutetica resolutiva
A rapidez dos processos no CC pode contribuir para a falta de observaccedilatildeo de algumas
accedilotildees importantes pelos profissionais como a identificaccedilatildeo correta do paciente como
apontado por um entrevistado que diz que agraves vezes natildeo se consegue ldquopegar nem o nome
direitordquo do paciente Essa situaccedilatildeo traduz a pouca interaccedilatildeo e o distanciamento entre pacientes
ciruacutergicos e profissionais do CC que pode interferir na seguranccedila do paciente A falta de
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 59
interaccedilatildeo e as falhas na identificaccedilatildeo dos pacientes ganham maior relevacircncia no CC uma vez
que o paciente fica acordado por um tempo curto antes da cirurgia pois logo recebe a
anestesia ficando inconsciente Segundo Reus (2011) a passagem do paciente pelo CC se
assemelha a uma vivecircncia ficcional em funccedilatildeo da anestesia que produz um apagamento
sensorial para a produccedilatildeo de um corpo inerte sujeito a manipulaccedilatildeo ciruacutergica sem consciecircncia
dolorosa Assim a pouca interaccedilatildeo paciente-profissional no CC pode gerar riscos pois a falta
de comunicaccedilatildeo efetiva eacute uma das causas raiacutezes de muitos incidentes
O CC eacute tambeacutem um lugar sofisticado em relaccedilatildeo agrave tecnologia onde o paciente fica
monitorizado e sob manipulaccedilatildeo dos profissionais Essa condiccedilatildeo dentre outras faz com que
haja uma submissatildeo do paciente ao profissional dentro do CC Isso exprime na percepccedilatildeo dos
profissionais certa tranquilidade para o trabalho realizado e o diferencia do trabalho da
enfermaria no qual somente os pacientes graves satildeo monitorizados repercutindo em um
trabalho menos tranquilo
[] muito sofisticado o bloco daqui os aparelhos satildeo oacutetimos bem melhor que os
blocos ciruacutergicos de um hospital Y [hospital particular] A equipe fala que eacute bem
melhor operar aqui que operar laacute (Ei27)
A gente [do CC] manteacutem o paciente monitorizado Na enfermaria nem todo paciente
eacute monitorizado soacute os graves Aqui a gente pode ter essa observaccedilatildeo maior o
paciente estaacute deitado e a gente observando Eacute mais tranquilo (Ed11)
O parque tecnoloacutegico disponiacutevel nos hospitais emergiu como um fator que gera maior
ou menor satisfaccedilatildeo em realizar o trabalho (Ei27) e por outro lado determina a caracteriacutestica
diferenciada do CC onde todos os pacientes encontram-se monitorizados Segundo Morin
(2005) as tecnologias disponiacuteveis criaram modos novos e sutis de manipulaccedilatildeo A
manipulaccedilatildeo exercida sobre as coisas implica a subjugaccedilatildeo dos homens pelas teacutecnicas de
manipulaccedilatildeo Fazem-se maacutequinas a serviccedilo do homem e potildeem-se homens a serviccedilo das
maacutequinas Vecirc-se entatildeo como o homem eacute manipulado pela maacutequina e para ela que manipula
as coisas a fim de libertaacute-lo (MORIN 2005) No CC a manipulaccedilatildeo dos equipamentos dos
instrumentos e dos medicamentos pelo profissional ndash principalmente pelos cirurgiotildees e
anestesistas ndash implica na subjugaccedilatildeo do paciente Isso pode tanto beneficiar o paciente pela
oportunidade dessas tecnologias propiciarem teacutecnicas mais sofisticadas para resolver seu
processo sauacutede-doenccedila com menos dor e maior resolutividade quanto pode prejudicaacute-lo
dado agraves implicaccedilotildees por exemplo de um cuidado mecanizado dos profissionais que por
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 60
vezes focam mais no aprendizado e manipulaccedilatildeo da tecnologia disponiacutevel do que
propriamente no cuidado do ser humano
O CC eacute um lugar restrito desconhecido e constantemente vigiado por seus
profissionais para que ldquoestranhosrdquo natildeo tenham acesso Os participantes da pesquisa que atuam
internamente no CC afirmam que profissionais externos (pessoal administrativo por
exemplo) ao setor natildeo devem ou natildeo teriam motivos para adentrar nesse recinto
[] se tem algueacutem que natildeo eacute do setor o pessoal jaacute fica ldquouai o quecirc que taacute fazendo
aquirdquo Entatildeo natildeo eacute um setor como o pronto socorro que entra todo mundo de outro
setor Aqui no bloco natildeo Aqui eacute bem restrito mesmo (Ed8)
[] eacute um espaccedilo restrito Nem todo mundo pode ficar O administrativo a pessoa do
RH natildeo pode vir aqui trocar de roupa e ver o que estaacute acontecendo aqui dentro []
as pessoas que estatildeo laacute fora natildeo tecircm noccedilatildeo do que se passa aqui O cliacutenico natildeo tem
noccedilatildeo do funcionamento do bloco Eu tenho certeza Pode perguntar pra um (Ed32)
O CC eacute um setor fechado e o acesso restrito eacute amplamente relatado na literatura
(SOUSA 2011 STUMM MACcedilALAI KIRCHNER 2006 BARRETO BARROS 2009) Agrave
primeira vista pode parecer uma atitude que gera seguranccedila o que de fato estaacute exigido na
legislaccedilatildeo (ANVISA 2002b) Contudo parece haver tambeacutem um desejo de manter o local
desconhecido pelos outros Durante a pesquisa de campo uma cena chamou a atenccedilatildeo Uma
profissional entrou no vestiaacuterio feminino para usar o banheiro A enfermeira perguntou aos
que estavam ali se algueacutem a conhecia e como ningueacutem confirmou a enfermeira esperou a
profissional sair para avisar que o vestiaacuterio era apenas para uso dos profissionais do CC e que
era proibida a entrada de outras pessoas A profissional se desculpou disse que trabalhava haacute
pouco tempo no hospital e que algueacutem tinha falado que ela poderia usar mesmo atuando no
pronto socorro
CO C eacute dividido em trecircs partes distintas em relaccedilatildeo ao acesso de profissionais (1)
restrita sala de operaccedilatildeo propriamente dita e lavabos (2) semirrestrita corredores e a sala de
recuperaccedilatildeo anesteacutesica e (3) irrestrita parte de vestiaacuterios e banheiros masculinos e femininos
(SOUZA GUIMARAtildeES 2014) A presenccedila da profissional do pronto socorro no banheiro do
CC poderia ser aceita por se tratar de uma aacuterea irrestrita mas a postura da enfermeira revela
que natildeo eacute permitida a entrada de pessoas que natildeo atuam no CC A enfermeira tem esta
orientaccedilatildeo teacutecnica e administrativa buscando manter os banheiros do CC mais limpos e
organizados que os banheiros externos Haacute uma apropriaccedilatildeo do lugar do CC pelos
profissionais que atuam nesse setor os quais manteacutem este local restrito e desconhecido
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 61
No CC segundo os profissionais eacute realizado um trabalho diferenciado Necessita-se
de um saber-fazer que nem todos detecircm A imagem dos profissionais que atuam interna e
externamente ao CC tambeacutem eacute de ser um lugar limpo Um lugar onde nada pode ser tirado do
lugar e natildeo se pode encostar o que causa receio nos profissionais externos
[Centro Ciruacutergico] Eacute uma aacuterea limpa [] Quando tem cirurgia nada pode encostar
natildeo pode mexer em muita coisa (Ed4)
Pessoal que trabalha na assistecircncia natildeo gosta do bloco [] eles natildeo conseguem
distinguir o quecirc eacute o contaminado e o esteacuteril e aiacute eles tecircm medo de contaminar (Ed8)
[] A maioria [profissionais externos ao CC] natildeo sabe trabalhar aqui Natildeo eacute um
bicho de sete cabeccedilas mas eacute um trabalho diferenciado Natildeo pode pegar uma pessoa
sem noccedilatildeo de bloco pra trabalhar aqui dentro (Ed13)
O saber teacutecnico e o saber fazer dos diferentes profissionais do CC fazem com que haja
fronteiras visiacuteveis entre quem atua interna e externamente ao CC Situaccedilatildeo que aumenta o
poder dos que trabalham no CC O profissional Ed8 se coloca fora da assistecircncia mesmo o
CC tendo sido apontado como extremamente importante vital o coraccedilatildeo do hospital por ser
referecircncia em urgecircncia e emergecircncia Haacute uma identificaccedilatildeo profissional construiacuteda que
estabelece fronteiras riacutegidas com o exterior prejudicando em algumas situaccedilotildees o
intercacircmbio com outras unidades e consequentemente a seguranccedila ciruacutergica
O CC eacute uma unidade fechada que possui particularidades e rigorosas teacutecnicas
asseacutepticas Isso exige dos trabalhadores atenccedilatildeo responsabilidade e organizaccedilatildeo pois
desempenham atividades relacionadas ao manuseio e manutenccedilatildeo de materiais e
equipamentos especiacuteficos (SALBEGO et al 2015) conferindo a eles um saber diferenciado
Para os entrevistados o CC eacute um setor desejado pelos profissionais externos sendo
considerado segundo os profissionais que atuam internamente como elite dentro do hospital
um lugar privilegiado ocioso e que tem salaacuterio melhor Um local que proporciona blindagem
aos profissionais No entanto relatam falta de conhecimento dos profissionais que natildeo atuam
diretamente dentro da sala operatoacuteria sobre a intensidade e responsabilidade do trabalho
realizado no CC uma vez que eacute uma unidade fechada
Os outros setores [] acham que o bloco eacute elite [] que o funcionaacuterio do bloco eacute
diferenciado que tem salaacuterio melhor Acredito que tem mais de cem teacutecnicos
tentando entrar no bloco (Ed12)
O bloco eacute um setor onde os funcionaacuterios desejam trabalhar [] porque eacute um setor
organizado um setor que tem uma rotina definida (Ei30)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 62
[] eles olham como um setor privilegiado porque natildeo tecircm noccedilatildeo da intensidade
que eacute o trabalho aqui Como eacute um setor fechado natildeo conseguem ver a dimensatildeo do
trabalho e da necessidade que tem um bloco dentro de um hospital (Ed13)
[] bloco eacute visto como ldquoAi eacute o ceacuteu Natildeo vou trabalhar como na internaccedilatildeordquo Todo
mundo quer ir para o bloco Por uma ilusatildeo que estaraacute blindada em um setor
fechado Eu passo por isso tambeacutem no J [outro hospital] Os profissionais procuram
o bloco como lugar ocioso (Ed29)
O desejo de trabalhar no CC estaacute relacionado agrave busca de melhores condiccedilotildees de
trabalho e querer sair das enfermarias para trabalhar em um local melhor eacute legiacutetimo porque
nas enfermarias o trabalho eacute aacuterduo contiacutenuo pouco valorizado e muitas vezes faltam
equipamentos e materiais de uso cotidiano Por outro lado os relatos mostram tambeacutem que o
CC eacute um lugar em que os profissionais se consideram superiores e esta posiccedilatildeo eacute evidenciada
nos discursos de profissionais que atuam no CC e por aqueles que atuam externamente
[] o mais importante no hospital eacute o bloco ciruacutergico [] (Ei27)
Enxerga a gente como os chatos os metidos do hospital (riso) Eacute o que passa pra
gente [] Vocecirc chega ao refeitoacuterio o pessoal jaacute olha assim ldquoAh eacute o pessoal do
blocordquo Porque vecirc a roupa diferente E eu natildeo sei eu percebo que eles tecircm tipo
Natildeo eacute inveja natildeo eacute raiva Uns tem ateacute admiraccedilatildeo ldquoAh natildeo sei como que vocecirc
conseguerdquo Tem curiosidade ldquoComo que eacute Como eacute que vocecircs fazemrdquo Na visatildeo
deles somos diferentes [] Eu acho que noacutes somos diferenciados (Ed31)
A tentativa dos profissionais do CC de se diferenciarem dos profissionais que atuam
em outros setores e ao mesmo tempo de serem considerados igualmente importantes entre os
profissionais que trabalham dentro do CC satildeo ideias expressadas nas entrevistas e
confirmadas durante a observaccedilatildeo Tal postura gera conflitos rivalidade e antipatia em
relaccedilatildeo aos profissionais do CC que se posicionam como os mais importantes do hospital e
donos da verdade isolando-se do conjunto e das comunicaccedilotildees essenciais para o sucesso de
seu trabalho e para a seguranccedila ciruacutergica
Os profissionais do CC tecircm um discurso diferenciado desde o vestuaacuterio especiacutefico dos
profissionais que difere da unidade de internaccedilatildeo e demais setores Conforme o relato o
vestuaacuterio assegura-lhes maior destaque que os outros quando por exemplo chegam ao
refeitoacuterio Este aspecto foi mencionado por Reus e Tittoni (2012) ao observarem que devido
ao fato de todos os profissionais usarem vestimenta idecircntica dentro do CC a enfermagem se
sente satisfeita com a possibilidade de poder ser confundida com os meacutedicos principalmente
externamente ao ambiente ciruacutergico Confirma assim um jogo de visibilidades do imaginaacuterio
dos profissionais sustentado pela estrutura hieraacuterquica (REUS TITTONI 2012)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 63
O CC eacute um local considerado de maior complexidade em relaccedilatildeo a outros setores do
hospital A complexidade mencionada se refere agrave rotina e aos procedimentos teacutecnicos
realizados que segundo os profissionais exige responsabilidade concentraccedilatildeo e necessidade
de qualificaccedilatildeo profissional devido agrave iacutentima relaccedilatildeo de vida e morte que se daacute durante as
cirurgias diferente de procedimentos realizados na unidade de internaccedilatildeo por exemplo
Aqui satildeo feitas as coisas mais complexas onde seleciona profissionais mais
especializados qualificados natildeo soacute de medicina de enfermagem tambeacutem (Ed17)
A assistecircncia que a gente daacute natildeo eacute mais importante que do setor de internaccedilatildeo mas eacute
mais complexa [] O grau de importacircncia da cirurgia em relaccedilatildeo agrave vida e morte eacute
maior que na assistecircncia de um banho de um curativo de uma assistecircncia social []
a gente tem um trabalho que tem mais concentraccedilatildeo mais dedicaccedilatildeo tem que ter
capacitaccedilatildeo mais adequada do que do setor de internaccedilatildeo (Ed13)
[] circular sala natildeo eacute a mesma coisa que ficar laacute fora fazendo curativo dando
banho o trabalho eacute mais forte (Ei14)
O bloco eu percebo que eacute o setor de maior complexidade porque tem uma rotina
que eacute totalmente diferente da que tem laacute fora (Ed31)
Tanto os profissionais que atuam na sala operatoacuteria quanto os que natildeo tecircm atuaccedilatildeo
direta relataram que as accedilotildees do CC satildeo complexas e demonstram desmerecimento de
procedimentos como banho e curativos realizados principalmente em unidades de internaccedilatildeo e
nos demais setores No entanto esses procedimentos tidos como baacutesicos satildeo accedilotildees
importantes e preacute-requisitos para o sucesso das atividades do CC O banho por exemplo eacute
uma intervenccedilatildeo importante no preacute-operatoacuterio para prevenccedilatildeo de infecccedilatildeo de siacutetio ciruacutergico
aleacutem de promover o bem-estar fiacutesico psiacutequico e social do paciente aleacutem de ser um momento
iacutempar para a realizaccedilatildeo de um exame fiacutesico e para avaliaccedilatildeo de possiacutevel uacutelcera de pressatildeo em
pacientes acamados Assim natildeo haacute um saber de importacircncia maior que outro Todos os
saberes empregados em teacutecnicas especiacuteficas realizadas pelos profissionais devem estar
articulados para alcanccedilar uma assistecircncia ciruacutergica segura
A complexidade de um CC eacute abordada em diversos estudos (GOMES 2009 SOUSA
2011 SOUZA et al 2011 BARRETO BARROS 2009 VALIDO 2011 LIMA SOUSA
CUNHA 2013) que discutem as caracteriacutesticas singulares do ambiente O significado de
ldquocomplexidaderdquo segundo Morin (2011) tem uma pesada carga semacircntica que expressa
confusatildeo incerteza e desordem Complexo segundo Ferreira (1988) eacute um conjunto de coisas
ligadas por uma loacutegica comum eacute um conjunto de edifiacutecios coordenados para facilitar alguma
atividade eacute aquilo que encerra vaacuterias coisas ou ideias eacute algo que natildeo eacute simples e sim
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 64
complicado que tem complemento Segundo Edgar Morin estudioso do pensamento
complexo ldquo[] eacute complexo o que natildeo pode se resumir numa palavra-chave o que natildeo pode
ser reduzido a uma lei nem a uma ideia simples []rdquo (MORIN 2011 p5)
Etimologicamente a palavra ldquocomplexidaderdquo eacute de origem latina proveacutem de complectere cuja
raiz plectere significa tranccedilar enlaccedilar Remete ao trabalho da fabricaccedilatildeo de cestas que
consiste em entrelaccedilar um ciacuterculo unindo o princiacutepio com o final de pequenos ramos A
presenccedila do prefixo ldquocomrdquo daacute o sentido da dualidade de dois elementos opostos que se
enlaccedilam intimamente mas sem anular sua dualidade A palavra complectere eacute utilizada tanto
para mencionar o combate entre dois guerreiros como o abraccedilo apertado de dois amantes
(MORIN CIURANA MOTTA 2003)
[] complexidade eacute um tecido de elementos heterogecircneos inseparavelmente
associados que apresentam a relaccedilatildeo paradoxal entre o uno e o muacuteltiplo A
complexidade eacute efetivamente a rede de eventos accedilotildees interaccedilotildees retroaccedilotildees
determinaccedilotildees acasos que constituem nosso mundo fenomecircnico A complexidade
apresenta-se assim sob o aspecto perturbador da perplexidade da desordem da
ambiguidade da incerteza ou seja de tudo aquilo que se encontra do emaranhado
inextricaacutevel (MORIN CIURANA MOTTA 2003 p 44)
O autor resume que ldquo[] a complexidade eacute uma palavra-problema e natildeo uma palavra-
soluccedilatildeordquo (MORIN 2011 p 6) demonstrando os desafios das reflexotildees sob esta lente A
complexidade do CC eacute visualizada tambeacutem pela demanda que tem um caraacuteter de natildeo ser
programada e portanto inesperada imprevisiacutevel O imprevisto estaacute dentro do pensamento
complexo de Morin (2011)
[] na enfermaria eacute muito automaacutetico roboacutetico Vou chegar dar o banho no
paciente oito horas tem medicaccedilatildeo dez horas E vai ser todo dia a mesma rotina
Aqui [CC] vocecirc pega plantatildeo e natildeo sabe o que quecirc vai acontecer [] a experiecircncia
aqui eacute muito maior em todos os sentidos Vocecirc vecirc e aprende mais coisas [] (Ed11)
Realmente existe um tempo mais tranquilo mas quando vem a demanda ela eacute meio
inesperada durante a noite [] durante o dia tem as cirurgias programadas (Ed29)
Nos relatos haacute um embate entre ordem e desordem no CC e na enfermaria foi
mencionada somente a ordem No CC natildeo se sabe o que aconteceraacute (desordem) e haacute um
ldquotempo mais tranquilordquo (ordem) mas quando o paciente chega ele vem com uma demanda
que eacute inesperada desconhecida (desordem) Na enfermaria haacute um ldquocronogramardquo uma rotina
diaacuteria vista pelos profissionais como ldquoautomaacuteticordquo ldquoroboacuteticordquo (ordem) Natildeo foi mencionada a
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 65
desordem na enfermaria mas ela existe sendo representada por exemplo pelas complicaccedilotildees
e incidentes que ocorrem com os pacientes os quais por vezes tambeacutem natildeo satildeo previsiacuteveis
Segundo Morin (2011) em tudo haacute uma mistura constante de ordem desordem e
organizaccedilatildeo Natildeo se pode eliminar o acaso o incerto a desordem Temos que viver e lidar
com a desordem A ordem ldquo[] eacute tudo o que eacute repeticcedilatildeo constacircncia invariacircncia tudo o que
pode ser posto sob a eacutegide de uma relaccedilatildeo altamente provaacutevel enquadrado sob a dependecircncia
de uma leirdquo (MORIN 2011 p 89) Jaacute a desordem ldquo[] eacute tudo o que eacute irregularidade desvios
com relaccedilatildeo a uma estrutura dada acaso imprevisibilidaderdquo (MORIN 2011 p 89)
Assim o autor diz que se houvesse uma ordem pura natildeo haveria inovaccedilatildeo criaccedilatildeo e
evoluccedilatildeo (MORIN 2011) Nesse caso a imprevisibilidade da demanda do CC promove
segundo o entrevistado uma experiecircncia ldquomuito maior em todos os sentidosrdquo trazendo
aprendizado e habilidade para agir dependendo da situaccedilatildeo Do mesmo modo na pura
desordem segundo Morin (2011) natildeo seria possiacutevel nenhuma organizaccedilatildeo se sustentar pois
natildeo haveria nenhum elemento de estabilidade para se instituir uma organizaccedilatildeo Tal afirmaccedilatildeo
se relaciona com o relato de que existe sim um tempo ldquotranquilordquo no CC o que possibilita a
organizaccedilatildeo do setor e eacute como se fosse uma recompensa pelo estresse da demanda
inesperada Nesta perspectiva a ordem a desordem e a organizaccedilatildeo existem em todos os
setores de um hospital o que faz com que seja uma das organizaccedilotildees mais complexas da
sociedade
Apesar dos depoimentos de que o CC eacute o setor mais importante o centro ou o nuacutecleo
dos acontecimentos haacute tambeacutem outras perspectivas do CC como uma das partes requeridas
para um atendimento de urgecircncia e emergecircncia e como um elo entre setores do hospital
[] o bloco eacute o centro e ao redor vai circulando tudo em redor dele (Ei2)
[] como se fosse um nuacutecleo que faz tudo acontecer [] se ele [paciente] vai
melhorar se precisar de um procedimento geralmente aqui que ele vai fazer [] Eacute
difiacutecil explicar essas coisas em palavras (Ed11)
Se natildeo tiver a urgecircncia [pronto atendimento] o bloco e o CTI o hospital natildeo anda
De jeito nenhum [] (Ei15)
O bloco [] faz esse elo com o pronto socorro com as alas (Ei25)
A unidade de CC estaacute inserida em um conjunto mais amplo de serviccedilos ou seja eacute
complexa por ser composta por vaacuterias partes que se relacionam para aleacutem de um layout
arquitetocircnico equipamentos e aparelhos sofisticados O relacionamento dessas partes eacute
essencial tendo em vista que seu funcionamento somente ocorre de forma adequada quando
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 66
os criteacuterios dessas relaccedilotildees estiverem bem definidos e integrados (VALIDO 2011 GOMES
2009) Assim natildeo eacute somente o CC que faz todo o cuidado ciruacutergico Satildeo necessaacuterios diversos
setores Eacute impossiacutevel conceber a unidade de CC pelo pensamento disjuntivo que concebe as
coisas fora do contexto global em que estaacute imerso Natildeo eacute possiacutevel conceber o CC por meio de
um pensamento redutor que restringe a unidade a um substrato meramente estrutural-
processual Eacute necessaacuterio conceber o CC por meio do pensamento complexo
Enfim percebeu-se que o CC inserido no contexto de um hospital puacuteblico referecircncia
para urgecircncias e emergecircncias cliacutenicas e ciruacutergicas eacute complexo por abarcar o conjunto das
visotildees e significados mencionados pelos profissionais e de outras possibilidades que natildeo
foram contempladas Essas percepccedilotildees fazem parte da cultura organizacional que segundo
Morin (2003a) eacute um fenocircmeno social que se desenvolve pelas interaccedilotildees entre os indiviacuteduos
que produzem a organizaccedilatildeo e essa organizaccedilatildeo retroage sobre os indiviacuteduos e os produz
enquanto indiviacuteduos dotados dessa cultura Segundo o autor isso faz do ser humano tanto um
produtor quanto um produto (MORIN 2003a) A interaccedilatildeo dos profissionais produz o CC e a
concepccedilatildeo organizacional do que eacute esse lugar isso retroage sobre os proacuteprios profissionais e
os faz desejar esse local para trabalhar
O CC eacute um lugar desejado pelos trabalhadores que jaacute atuam nesse lugar e pelos que
atuam externamente por ser diferente de outros setores Natildeo por realizarem accedilotildees mais
difiacuteceis ou pela ilusatildeo da ociosidade mas por serem accedilotildees especiacuteficas que demandam um
tempo de aprendizado para fazer da melhor forma e com um tempo de resposta suficiente para
os momentos de situaccedilotildees imprevistas como o quadro de um paciente de emergecircncia
Percebe-se que estas caracteriacutesticas e a dinacircmica do trabalho no CC conferem aos
profissionais uma valoraccedilatildeo especial tanto por eles mesmos quanto pelos profissionais que
atuam nos demais setores
412 Rede intra-hospitalar conexotildees para a seguranccedila ciruacutergica
O que conta eacute a possibilidade para o pesquisador de registrar a forma bdquoem rede‟
sempre que possiacutevel em vez de dividir os dados em duas porccedilotildees uma local e outra
global [] Afinal nenhum lugar predomina o bastante para ser global nem eacute
suficientemente autocircnomo para ser local (LATOUR 2012 p257)
O modelo de gestatildeo do hospital em que estaacute inserido o CC foi concebido para
proporcionar uma assistecircncia multiprofissional focada no paciente por meio de linhas de
cuidado e apoio
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 67
Quando criou a Linha de Cuidado estava previsto um modelo mais paciente
centrado menos meacutedico centrado Jaacute era previsto que as equipes atuassem de forma
multidisciplinar [] as profissotildees natildeo tem dificuldade de discutir os casos Muitos
meacutedicos pedem a presenccedila do profissional multi mas isso ainda natildeo eacute uma coisa
bem estabelecida A gente tem dificuldades [] Mas nada igual esses modelos
tradicionais que se vecirc em outros hospitais (Ei23)
O modelo de gestatildeo por linhas de cuidado eacute uma estrateacutegia de articular os recursos e
praacuteticas de produccedilatildeo de sauacutede Essa articulaccedilatildeo para ser conduzida de forma oportuna aacutegil e
singular deve ser guiada por diretrizes cliacutenicas entre os serviccedilos ou entre as unidades de um
mesmo serviccedilo no sentido de responder agraves necessidades epidemioloacutegicas Objetiva a
continuidade assistencial por meio da pactuaccedilatildeo e da conectividade de funccedilotildees de diferentes
pontos de atenccedilatildeo e profissionais Implica em uma resposta global dos profissionais e
serviccedilossetores superando as respostas fragmentadas (BRASIL 2010) comum no modelo
tradicional meacutedico centrado que foca a doenccedila em detrimento do cuidado multidisciplinar
A necessidade de cirurgia para um paciente desencadeia um conjunto de accedilotildees natildeo
somente no CC mas em vaacuterios pontos de atenccedilatildeo no hospital mobilizando diversos recursos
e profissionais em diferentes momentos e lugares
Quando eacute agendada uma cirurgia eacute direcionado no bloco todo um processo de
liberaccedilatildeo de material de sala meacutedico profissional da enfermagem Tem toda uma
logiacutestica de vaacuterios setores de apoio que estatildeo relacionados (Ei5)
A secretaacuteria do bloco faz uma impressatildeo de todos os pacientes que vatildeo fazer
cirurgias no dia seguinte e distribui essa lista pra todos os setores envolvidos (Ed10)
No caso da cirurgia de emergecircncia e de urgecircncia natildeo estaacute programada no mapa O
plantonista do pronto socorro ou do andar comunicam e gera o aviso (Ed10)
Exista uma rede Eacute a rotina [paciente] vai para laacute de laacute vem para o blocotem essa
ligaccedilatildeo Daqui vai ou para o CTI ou para o andar [] (Ed8)
Essa rede eacute vital para o funcionamento do hospital [] (Ed13)
A rede intra-hospitalar por meio do trabalho coletivo dos atores humanos
(profissionais da linha de cuidado ciruacutergico) em constante conexatildeo com os atores natildeo
humanos (lista de pacientes ciruacutergicos agendados mapa e aviso ciruacutergico materiais
medicamentos instrumentais equipamentos sala operatoacuteria) possibilita a intervenccedilatildeo
ciruacutergica Essa rede foi considerada vital para o funcionamento do hospital expressa pela
conexatildeo intersetorial e interprofissional colocada em praacutetica por meio da rotina de
organizaccedilatildeo da logiacutestica para receber e encaminhar pacientes ciruacutergicos de um setor ao outro
e tambeacutem para prever promover e fornecer os atores natildeo humanos para o procedimento a ser
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 68
realizado O hospital eacute como uma ldquoestaccedilatildeordquo no circuito que o paciente percorre na rede para
obter a integralidade do cuidado de sauacutede que necessita (FEUERWERKER CECIacuteLIO 2007)
e o CC eacute um ponto de atenccedilatildeo no hospital Haacute trecircs formas de entrada do paciente no CC (1)
casos eletivos agendamento solicitado pelo meacutedico ou residente nos dias especiacuteficos preacute-
determinados (2) casos de urgecircncia solicitaccedilatildeo de emissatildeo de aviso ciruacutergico a qualquer
momento que se fizer a avaliaccedilatildeo da necessidade do paciente e (3) casos de emergecircncia
entrada imediata sem agendamento ou emissatildeo de aviso ciruacutergico
Segundo Moraes (2013) ldquorederdquo na teoria ator-rede refere-se a fluxos circulaccedilotildees
alianccedilas movimentos Essa rede de atores natildeo se reduz a um uacutenico ator nem a uma uacutenica
rede ela se compotildee de elementos heterogecircneos animados e inanimados conectados e
agenciados Assim uma organizaccedilatildeo consiste no ldquo[] encadeamento de relaccedilotildees entre
componentes ou indiviacuteduos que produz uma unidade complexa ou sistema dotada de
qualidades desconhecidas quanto aos componentes ou indiviacuteduosrdquo (MORIN 2003b p 133)
Para Latour (2012 p 192) ldquo[] rede eacute conceito e natildeo coisa Eacute uma ferramenta que nos
ajuda a descrever algo natildeo algo que esteja sendo descritordquo A rede natildeo eacute o que estaacute
representado no texto mas aquilo que prepara o texto para substituir os atores como
mediadores Natildeo eacute feita de fios de nylon palavras ou substacircncias duraacuteveis ela eacute o traccedilo
deixado por um ator em movimento (LATOUR 2012) Nesse sentido a tentativa de descrever
a rede intra-hospitalar relacionada agrave linha de cuidado ciruacutergico no hospital foi se deparando
com movimentos de recursos materiais e dos profissionais (mudanccedila da coordenaccedilatildeo de
enfermagem trocas de plantatildeo e demissatildeo de profissionais entre outros)
O funcionamento da rede intra-hospitalar pressupotildee um movimento em conjunto de
cada um dos atores que estatildeo em suas unidades e tem um papel especiacutefico Haacute
interdependecircncia do trabalho dos profissionais e o CC por depender de vaacuterios setores
necessita manter-se conectado a todos eles conforme os fragmentos a seguir
[] O bloco funciona se a equipe meacutedica trabalhar se o PS [Pronto Socorro] o
andar e o CTI trouxer um paciente Um baleado chega ao PS vai ter o primeiro
atendimento laacute para vir para caacute Daqui vai pro CTI enfim eacute um conjunto (Ei15)
Cada um tem sua importacircncia Se a enfermaria natildeo deu banho preacute-operatoacuterio natildeo
vai ter como eu dar natildeo tem chuveiro dentro do bloco Se ele natildeo fizer a parte dele a
gente faz a nossa mas o risco de infecccedilatildeo eacute maior (Ed10)
O bloco tem que ter boa articulaccedilatildeo com todos os setores porque depende de todos
[] do CME pra entregar o material o CTI tem que estar com a porta aberta
dependendo da cirurgia [] tem que estar de bem Vamos falar assim pode (risos)
De bem com todo mundo [] ter uma boa ligaccedilatildeo neacute (Ei2)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 69
O CC eacute uma unidade que faz parte dos muacuteltiplos componentes da assistecircncia ciruacutergica
Esse setor deve estar em conexatildeo com todos os demais conformando assim a rede intra-
hospitalar ciruacutergica Isso reflete a ideia do significado da palavra complexus que segundo
Morin (2011) significa aquilo que estaacute ligado em conjunto aquilo que eacute tecido em conjunto
No cuidado ciruacutergico para ocorrer de forma integral e segura necessita que o CC esteja
ligado aos demais setores que compotildeem o conjunto da assistecircncia ciruacutergica
A complexidade em um primeiro momento eacute um fenocircmeno quantitativo pela extrema
quantidade de interaccedilotildees e de interferecircncias entre as diversas unidades Todo sistema auto-
organizador (sistema vivo) desde o mais simples combina grande quantidade de unidades
(por exemplo bilhotildees seja de moleacuteculas em uma uacutenica ceacutelula seja de ceacutelulas em um
organismo) Contudo a complexidade natildeo abarca apenas quantidades de unidades e
interaccedilotildees mas compreendem incertezas indeterminaccedilotildees fenocircmenos aleatoacuterios Em certo
sentido a complexidade sempre tem relaccedilatildeo com o acaso (MORIN 2011) Essa descriccedilatildeo
representa a complexa rede intra-hospitalar ciruacutergica que aleacutem das diversas unidades (CC
setor de internaccedilatildeo CCIH CME e outras) e interaccedilotildees de atores humanos e natildeo humanos que
ocorrem cotidianamente compreende tambeacutem um misto de fenocircmenos incertos mesmo com
todas as formas de normatizar o trabalho Isso porque dentre outras possibilidades
determinadas ou natildeo cada paciente eacute uacutenico e demanda situaccedilotildees singulares as quais
dependem da relaccedilatildeo estabelecida por ator humano-ator humano e por ator humano-ator natildeo
humano aleacutem da autonomia da praacutetica de cada profissional envolvido na situaccedilatildeo especiacutefica
Assim segundo Morin Ciurana e Motta (2003 p 48) ldquoa complexidade eacute um fenocircmeno natildeo
simplificaacutevel e traduz uma incerteza que natildeo se pode erradicar no proacuteprio seio da
cientificidaderdquo
A incerteza estaacute no seio de sistemas organizados em sistemas semialeatoacuterios em que
a ordem eacute inseparaacutevel do acaso A complexidade estaacute ligada agrave mistura de ordem desordem e
organizaccedilatildeo Mistura iacutentima e interdependente Natildeo haacute prioridade uma frente agrave outra e assim
natildeo eacute adequado ldquo[] conduzir a explicaccedilatildeo de um fenocircmeno a um principio de ordem pura
nem o principio de desordem pura nem a um principio de organizaccedilatildeo uacuteltima Eacute preciso
misturar e combinar esses princiacutepiosrdquo (MORIN 2011 p108) O desenho de Morin (2011)
apresentado na Figura 2 embasa a reflexatildeo de alguns fenocircmenos cotidianos da rede intra-
hospitalar ciruacutergica
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 70
Figura 2 Tetragrama ordemdesordeminteraccedilatildeoorganizaccedilatildeo
Fonte Morin (2011)
O contato dos atores na rede intra-hospitalar se daacute a partir de um fluxo preacute-
estabelecido e tambeacutem por meio de necessidades natildeo previstas nas unidades o que provoca
uma reaccedilatildeo como resposta agravequela situaccedilatildeo para resolver os problemas do cotidiano
A gente natildeo mexe com PS soacute recebe de laacute Natildeo tem transaccedilatildeo de paciente daqui
[internaccedilatildeo] para laacute Tem com o CTI quando o paciente agrava E a clinica meacutedica
quando recebem alta ciruacutergica e ficam soacute com a clinica meacutedica (Ei7)
A uacutenica ligaccedilatildeo que a gente tem com eles [CTI] eacute de levar o paciente laacute mas eles
natildeo vecircm aqui e a gente tambeacutem natildeo tem contato laacute (Ed8)
Os leitos de bloco CTI estatildeo previamente montados o que sai da normalidade eles
pedem para a gente Essa integraccedilatildeo na verdade eacute pela demanda do setor (Ei1)
Na realidade soacute eacute procurado o setor quando realmente precisa [] Quando vocecirc
precisa deles eles respondem (Ed12)
Observa-se nas falas que a interaccedilatildeo entre os atores nesta rede segue o fluxo linear
(Pronto Socorro CC CTICliacutenica Ciruacutergica) que eacute da direcionalidade estabelecida na
linha de cuidado ciruacutergico Natildeo haacute interaccedilatildeo dos atores aleacutem desta linearidade (ordem) aleacutem
disso a interaccedilatildeo linear se daacute a partir dos momentos de necessidades natildeo previstas nos setores
(desordem) Nos dois modos haacute uma integraccedilatildeo que culmina em uma resposta favoraacutevel e
gera uma organizaccedilatildeo do trabalho A Figura 3 apresenta esse conjunto de fenocircmenos
Figura 3 Tetragrama ligaccedilatildeointeraccedilatildeo entre os setores
Fluxo definido Anormalidades
(ordem) necessidades setoriais
(desordem)
Demanda do setor Resposta favoraacutevel
Levar paciente - (organizaccedilatildeo)
(integraccedilatildeo)
Fonte Adaptado pela autora (MORIN 20011)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 71
A necessidade de ordem eacute expressa quando o profissional relata acreditar na
organizaccedilatildeo do trabalho por meio de processos bem descritos No entanto a desordem eacute
referida pelo profissional Ed22 ao reconhecer que as relaccedilotildees interpessoais facilitam o
sucesso da execuccedilatildeo dos processos Os profissionais descrevem um cenaacuterio de contradiccedilatildeo de
um lado haacute a necessidade de um trabalho profissional baseado em processos descritos e na
organizaccedilatildeo do sistema (prescrito) e de outro o que se pratica um trabalho baseado no
coleguismo e na amizade que fazem um bom ambiente de trabalho aleacutem de ser baseado nos
favores centralizado em pessoas e nomes (real)
As accedilotildees no hospital deveriam ser baseadas em processos bem descritos O
coleguismo e a amizade viriam para facilitar mas acho que eacute pouco para trabalhar
profissionalmente [] (Ei1)
Se natildeo houver uma pessoa pra fazer as coisas integrarem ou agilizarem natildeo
acontece [] Eacute tudo dependente de pessoas e natildeo da organizaccedilatildeo do sistema Eacute
porque natildeo tem dialogo Satildeo favores (Ed22)
Os processos do bloco satildeo realizados por muitas especialidades [] vaacuterias categorias
[] a gente natildeo consegue estabelecer um processo uniforme [] Cada equipe vem
e faz de um jeito apesar da gente tentar padronizar [] tem que se adaptar ao que a
equipe estaacute precisando e natildeo ao que o hospital preconiza (Ei23)
As falas expressam a necessidade de se descrever os processos padronizar
uniformizar o trabalho conforme relatos de Ei1 e de Ei23 (ordem) No entanto a falta dos
processos descritos e pactuados a falta do diaacutelogo mencionado por Ed22 e a variedade de
especialidades e profissionais que atuam na mesma linha de cuidado (desordem) faz com que
a integraccedilatildeo seja difiacutecil e eacute por meio do coleguismo da amizade e dos favores que muitas
questotildees se resolvem no cotidiano da rede intra-hospitalar segundo Ei1 e Ed22 Frente a isso
o hospital se adapta ao saber-fazer diferenciado das muacuteltiplas especialidades (organizaccedilatildeo) A
Figura 4 representa esse fenocircmeno baseado no tetragrama de Morin (2011)
Figura 4 Tetragrama dos processos de trabalho para realizaccedilatildeo da cirurgia
Fonte Adaptado pela autora (MORIN 2011)
Falta de processos falta de
diaacutelogo falta de padronizaccedilatildeo e
organizaccedilatildeo do sistema vaacuterias
especialidades trabalhando na
mesma linha (desordem)
Processos de trabalho
uniforme padronizado
(ordem)
Relaccedilatildeo interprofissional
coleguismos amizade
favores
(integraccedilatildeo)
Realizaccedilatildeo das cirurgias
Adaptaccedilatildeo da padronizaccedilatildeo do que
o hospital preconizou
(organizaccedilatildeo)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 72
Segundo Franco e Merhy (2009) qualquer unidade de sauacutede se organiza e funciona
em plataformas sobre as quais o cotidiano vai acontecendo A primeira forma estruturada
reflete o instituiacutedo e a segunda natildeo estruturada faz a transversalidade por dentro da
organizaccedilatildeo de modo instituinte A plataforma do instituinte possibilita a accedilatildeo dos sujeitos
pelo seu desejo que trazem em si a forccedila de produccedilatildeo da realidade (FRANCO MERHY
2009) com sua subjetividade impliacutecita Assim a plataforma do instituiacutedo e do instituinte estatildeo
implicadas diretamente no fenocircmeno da conexatildeo e da comunicaccedilatildeo dos profissionais para o
funcionamento da linha de cuidados ciruacutergicos na rede intra-hospitalar Ou seja o trabalho eacute
realizado pela interaccedilatildeo da praacutetica no plano formal e do contato individualizado das relaccedilotildees
pessoais conformando a micropoliacutetica institucional Essa uacuteltima por vezes eacute a via mais
raacutepida para se resolver algum problema e realizar o processo de trabalho mas algumas vezes
tambeacutem eacute uma via que gera riscos para o paciente como por exemplo a quebra de algum
protocolo instituiacutedo devido ao desejo de algum membro da equipe que estaacute em niacutevel maior na
hierarquia institucional
Apesar da importacircncia da trama da rede intra-hospitalar para a resolutividade da linha
de cuidado ciruacutergico a mesma natildeo estaacute funcionando em sua plenitude no hospital
Se essa rede funcionasse de forma adequada a rotatividade ia acontecer e o
benefiacutecio muacutetuo para todo mundo seria gigantesco O problema eacute que essa rede natildeo
funciona 100 da forma que deveria funcionar (Ed13)
[] se por algum motivo haacute alguma falha na rede alguma quebra a cirurgia natildeo
acontece Satildeo muitos setores envolvidos (Ei5)
[] precisa interligar chegada do paciente bloco e banco de sangue Esses trecircs tecircm
que falar a mesma liacutengua E natildeo acontece Haacute discrepacircncias (Ei18)
A gente tem que trabalhar junto gente Natildeo adianta CME sozinha bloco sozinha
internaccedilatildeo sozinha Natildeo adianta (Ei3)
O relato incisivo de Ei3 de que natildeo adianta o trabalho setorial ser realizado
isoladamente leva ao entendimento de que na praacutetica cada setor faz o seu trabalho especiacutefico
de forma solitaacuteria sem interaccedilatildeo com os demais setores As falhas do processo de trabalho de
um dos componentes envolvidos ou o trabalho individual impacta negativamente na
integralidade e na produccedilatildeo dos elementos para um cuidado ciruacutergico em ato e seguro
Nesse sentido a rede natildeo designa o que eacute mapeado e sim como se pode mapear algo
pertencente a determinado territoacuterio Eacute como se fosse um dos equipamentos espalhados sobre
a mesa do geoacutegrafo para lhe permitir projetar formas numa folha de papel (LATOUR 2012)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 73
Embora a rede intra-hospitalar seja reconhecida como necessaacuteria as accedilotildees cotidianas na linha
de cuidados ciruacutergicos natildeo podem ser completamente mapeadas Assim a rede a linha de
cuidados satildeo apenas equipamentos sobre a mesa dos gestores e profissionais da equipe
multiprofissional para planejarem a assistecircncia Aleacutem disso natildeo haacute uma visatildeo sistecircmica de
todos os profissionais sobre o funcionamento desta ferramenta chamada rede e a respeito de
como os atores se interconectam na linha de cuidados
Os demais setores natildeo sei te falar ser clara nessa interaccedilatildeo Pelo que a gente
percebe assim como a CME estaacute com dificuldade com o bloco os outros setores
tambeacutem tem as mesmas dificuldades (Ei3)
Eu sei falar do trans e do poacutes que eacute o que eu convivo aqui dentro Do preacute eu natildeo
tenho muito a dizer (Ed31)
Depreende-se das falas dos profissionais que a rotina do CC que eacute um ambiente
fechado somada agraves dificuldades do dia-a-dia de trabalho ofusca o olhar sistecircmico da rede
intra-hospitalar No entanto a visatildeo sistecircmica eacute um fundamento da qualidade da assistecircncia
que consiste no conhecimento da interdependecircncia entre as diversas partes de uma
organizaccedilatildeo bem como entre ela e o ambiente externo (ONA 2010) A falta de visatildeo
sistecircmica entre outros fatores pode ser justificada pelo fato de o diaacutelogo entre os setores
ocorrer em momentos e com profissionais especiacuteficos e somente para equacionar problemas
administrativos Isso em detrimento de um diaacutelogo sobre as necessidades de cuidado do
paciente e dos problemas surgidos no processo de trabalho de um setor que impacta no outro
A gente tem uma interaccedilatildeo boa [] A comunicaccedilatildeo eacute entre enfermeiros Enfermeiro
da ciruacutergica e do bloco [] a gente passa para eles os leitos e eles passam pra gente
os pacientes que estatildeo na recuperaccedilatildeo (Ed17)
Jaacute aconteceram casos de pacientes que desceram da ala um ou dois dias antes para
garantir vaga do CTI sem ter indicaccedilatildeo que a cirurgia dele fosse garantida no bloco
[] algumas questotildees de processo de trabalho natildeo ficam claras para a gente do por
que todos esses problemas ocorrem (Ei25)
Durante as observaccedilotildees foi possiacutevel verificar que geralmente a comunicaccedilatildeo para
verificaccedilatildeo de leitos ocorre por telefone que eacute um recurso utilizado principalmente pelo
enfermeiro que o leva nos bolsos da roupa do CC tendo em vista que o aparelho eacute sem fio e
permite os deslocamentos Apesar do reconhecimento pelos profissionais da importacircncia da
comunicaccedilatildeo para facilitar os processos ela eacute falha repassada de forma atrasada ou
equivocada natildeo somente no CC mas em todo o hospital Isso causa riscos para pacientes e
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 74
para os profissionais como por exemplo quando a informaccedilatildeo de que o paciente estaacute
colonizado com algum microrganismo multirresistente chega posteriormente ao cuidado
efetuado que ocorreu sem a necessaacuteria precauccedilatildeo de contato pelos profissionais
A comunicaccedilatildeo natildeo eacute efetiva Paciente chega agraves vezes com TBC com suspeita de
outro tipo de doenccedila e agraves vezes a gente fica sem saber Se natildeo correr atraacutes da
informaccedilatildeo ela natildeo vem E essa informaccedilatildeo teria que vir do cirurgiatildeo que estaacute
acompanhando que teve o primeiro contato com o paciente ateacute entrar (Ed29)
A comunicaccedilatildeo facilita ou emperra o processo Hoje a comunicaccedilatildeo eacute truncada natildeo soacute
no bloco No hospitala gente tem muito problema de comunicaccedilatildeo [] para fazer as
notificaccedilotildees as pessoas relatam uma coisa na hora que vocecirc vai conversar ldquoNatildeo natildeo
era issordquo Era algo parecido (Ei23)
No depoimento do profissional o ldquocorrerrdquo atraacutes da informaccedilatildeo sugere que a
comunicaccedilatildeo natildeo ocorre de forma fluida e efetiva na organizaccedilatildeo Essa deficiecircncia eacute
fomentada de certa forma pelo nuacutemero de atores e formas pelas quais satildeo disseminadas as
informaccedilotildees na rede intra-hospitalar A comunicaccedilatildeo efetiva entre os profissionais do serviccedilo
de sauacutede eacute um dos eixos do Programa Nacional de Seguranccedila do Paciente (BRASIL 2013a
2013b) bem como eacute uma das metas internacionais para a seguranccedila do paciente (CBA 2010)
O desconhecimento dos processos de trabalho dos diferentes atores da rede intra-
hospitalar eacute um fator que contribui para a deficiecircncia da comunicaccedilatildeo Os diferentes setores
satildeo desconhecidos entre eles parece ser ldquooutro mundordquo O conhecimento sistecircmico do
trabalho das diversas unidades e natildeo somente entre as coordenaccedilotildees eacute necessaacuterio para a
melhoria da comunicaccedilatildeo
Falta comunicaccedilatildeo falta contato O quecirc eu falo Uma aula ldquoGente como eacute que
funciona o banco de sanguerdquo ldquoAh funciona assim assim assimrdquo Quando vocecirc
souber o beabaacute vocecirc saberaacute se comunicar mais faacutecil (Ei18)
O pessoal desconhece nosso trabalho [do laboratoacuterio] acha que eacute outro mundo Na
coordenaccedilatildeo meacutedica e da enfermagem o diaacutelogo eacute faacutecil e temos tentado aproximar
para os profissionais entenderem Para eu entender as necessidades deles e eles a
nossa (Ei24)
O pessoal natildeo sabe o que fazemos na agecircncia transfusional Pedem ldquoEu quero um
plasma agora correndordquo Falo ldquoPode levar vocecirc vai dar o paciente para chupar Ele
estaacute um picoleacute Leva no miacutenimo 15 a 20 minutos pra descongelarrdquo [] Eles acham
que o plasma eacute igual sangue pegou levou [] [falta] comunicaccedilatildeo (Ei18)
A necessidade de conhecer o outro setor eacute condiccedilatildeo essencial para saber ldquoo querdquo e
ldquocomordquo solicitar algo para atender agraves necessidades dos pacientes Fazer solicitaccedilotildees
equivocadas pressupotildee falta de conhecimento do trabalho dos diferentes setores e dos
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 75
profissionais com os quais se trabalha todos os dias na rede intra-hospitalar Os profissionais
deveriam conhecer as rotinas e competecircncias de cada unidade com as quais interagem para
que natildeo sejam feitas solicitaccedilotildees fora do contexto A solicitaccedilatildeo de plasma inadequada
conforme o exemplo mencionado mostra a falta de integraccedilatildeo uma vez que muitos
profissionais externos agrave agecircncia transfusional desconhecem a necessidade de descongelar e
preparar o plasma a ser disponibilizado para o paciente O setor de Educaccedilatildeo Permanente do
hospital pode desempenhar importante papel nesse aspecto como por exemplo na entrada do
novo colaborador na instituiccedilatildeo apresentando os diversos setores ou no decorrer da atuaccedilatildeo
profissional elaborar um programa educacional que possibilite a interaccedilatildeo interprofissional e
intersetorial
Segundo Morin (2003c) a comunicaccedilatildeo eacute sempre multidimensional complexa feita
de emissores e de receptores Ela ocorre em circunstacircncias concretas ativando ruiacutedos
culturas bagagens diacutespares e cruzando indiviacuteduos diferentes O fenocircmeno comunicacional
natildeo se esgota na presunccedilatildeo de eficaacutecia do emissor pois haacute um receptor dotado de inteligecircncia
na outra ponta da relaccedilatildeo comunicacional A comunicaccedilatildeo enfrenta o desafio da compreensatildeo
(MORIN 2003c) o que depende de informaccedilotildees e de conhecimentos neste caso do
conhecimento dos profissionais sobre o trabalho dos outros nos diversos setores
No hospital em estudo haacute algumas estrateacutegias para a conexatildeo de profissionais e dos
pontos de atenccedilatildeo na rede intra-hospitalar que contribuem para a promoccedilatildeo de uma assistecircncia
integral comunicativa e que gera seguranccedila ao paciente ciruacutergico satildeo elas o anestesiologista
que avalia o preacute-operatoacuterio o enfermeiro de especialidades o coordenador de plantatildeo e a
reuniatildeo da linha de cuidado ciruacutergico
A gente consegue fazer essa interface do bloco com os outros setores por causa
desses profissionais seja o enfermeiro de especialidade seja o anestesiologista que
faz a visita preacute-anesteacutesica (Ed10)
[] se algueacutem me ligar em casa meia noite ldquocomo eacute que estaacute seu Antocircniordquo Eu sei
[] O cuidado eacute globalizado Eacute integral Eu acompanho o paciente ateacute ele ter alta do
ambulatoacuterio Natildeo estou fragmentada dentro do bloco [] a gente tem tido muito
sucesso com o enfermeiro de especialidade tem que ser publicado [] Que seja
reconhecida como especialidade (Ei20)
A gente tem a rotina do coordenador de plantatildeo definir o paciente para o CTI Eacute
muito bom ele tem a visatildeo do pronto socorro do bloco e das unidades Mas falta
uma discussatildeo deste profissional com o intensivista [] muitas vezes o paciente
vem para morrer na ala era limite de esforccedilo terapecircutico foi entubado e veio para o
CTI porque a famiacutelia queria Enquanto um paciente fica prendendo a sala do bloco e
sem proposta de vir Se essa discussatildeo acontecesse eu acho que o paciente ganharia
muito e o profissional se sentira mais valorizado (Ei25)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 76
[] a nova coordenadora tenta deixar os enfermeiros do andar ter mais contato com
o bloco para facilitar a dinacircmica [] sempre a coordenadora da linha ciruacutergica tenta
fazer as reuniotildees juntas para que eles participem dos percalccedilos do bloco e interajam
mais (Ed28)
Chama agrave atenccedilatildeo no hospital a proposiccedilatildeo do enfermeiro referecircncia das especialidades
ciruacutergicas que tem o papel de acompanhar o paciente desde a chegada ao hospital ateacute a sua
alta hospitalar ou ambulatorial quando tem acompanhamento posterior agrave cirurgia Esse
modelo eacute baseado no trauma nurse coordinators que natildeo tem uma traduccedilatildeo para o portuguecircs
mas pode ser compreendido como coordenador de enfermagem de trauma No contrato de
trabalho desses profissionais com o hospital consta enfermeiro de especialidades ou
enfermeiro referecircncia da cirurgia geral da ortopedia e da cirurgia vascular Eles satildeo
conhecidos na instituiccedilatildeo tambeacutem como enfermeiros gerentes de trauma
O trauma de acordo com a OMS eacute a doenccedila do seacuteculo XXI e seu impacto eacute muito
grande na sociedade uma vez que debilita indiviacuteduos em idade produtiva (OMS 2009)
Assim os enfermeiros do trauma nurse coordinator satildeo essenciais para um serviccedilo de trauma
de sucesso (CURTIS LEONARD 2012) Segundo Crouch et al (2015) esses profissionais
tecircm essa funccedilatildeo na Inglaterra desde 1990 e a profissatildeo alcanccedilou abrangecircncia nacional
naquele paiacutes apoacutes a implantaccedilatildeo do sistema de trauma regional em 2012 Eles tecircm
qualificaccedilatildeo no cuidado ao paciente traumatizado facilitando a coordenaccedilatildeo dos cuidados
avaliaccedilatildeo e melhoria da qualidade da educaccedilatildeo da divulgaccedilatildeo e da pesquisa em trauma
sendo considerados ainda defensor do paciente com trauma (CROUCH et al 2015)
Os enfermeiros de especialidades foram introduzidos no hospital em estudo pela
necessidade de se registrar os traumas em termos de diagnoacutesticos tratamentos e resultados
com avaliaccedilatildeo retrospectiva e prospectiva Esses dados satildeo armazenados em um banco de
dados atualizado para melhor conhecer e gerenciar o cuidado do paciente com trauma Isso
faz parte de uma das medidas induzidas pela OMS (2009) para reduzir a morbimortalidade
provocada pelo trauma inserido no Quality Improvemen (QI) que satildeo programas de melhoria
da qualidade de atendimento ao trauma
A primeira enfermeira nessa funccedilatildeo foi contratada em 2010 no hospital para ser
referecircncia da cirurgia geral e como acadecircmica jaacute desempenhava atividades relacionadas ao
cargo Depois foi contratado um enfermeiro para a ortopedia e posteriormente outro para
cirurgia vascular Esses enfermeiros tecircm o papel de articular os atores da rede intra-hospitalar
para que o cuidado ao paciente seja integral desde a sua entrada ateacute a sua alta aleacutem de
acompanharem os residentes da especialidade manter atualizados registros de traumas e
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 77
cirurgias da especialidade participar de reuniotildees entre outras funccedilotildees A contrataccedilatildeo desses
profissionais consiste em uma estrateacutegia que visa assegurar o cuidado continuado e integral ao
paciente bem como aprimorar a articulaccedilatildeo comunicaccedilatildeo e integraccedilatildeo entre os atores da rede
intra-hospitalar e imprimir maior niacutevel de qualidade e seguranccedila aos serviccedilos prestados aos
pacientes viacutetimas de trauma e tambeacutem aos pacientes ciruacutergicos no hospital
Contudo mesmo com essas estrateacutegias os relatos dos profissionais apresentam
fragilidades na conexatildeo e comunicaccedilatildeo dos atores na rede da linha de cuidado ciruacutergico no
perioperatoacuterio Isso pode se justificar pela dificuldade no mapeamento e definiccedilatildeo dos
processos da pactuaccedilatildeo dos acordos intersetoriais (cadeiaclientefornecedor) ficando agrave
mercecirc da ldquopoliacutetica da boa vizinhanccedilardquo para estabelecimento das conexotildees diaacuterias dificuldade
na articulaccedilatildeo entre as pessoasprofissionais interna e externamente ao seu setor de origem e
pela ausecircncia da introjeccedilatildeo da cultura organizacional voltada para a qualidade e seguranccedila
Isso natildeo ocorre apenas pelo fato do CC ser uma unidade fechada eacute algo que ocorre na
instituiccedilatildeo como um todo conforme relatado a seguir
Deveria ser mais articulado mas isso natildeo eacute um problema soacute do bloco ciruacutergico O
hospital ainda tem dificuldade nos acordos intersetoriais [] As pessoas tecircm
dificuldades de se articular natildeo soacute entre os setores mas dentro do mesmo setor
tambeacutem Nas especialidades nas categorias ainda eacute muito fragmentado cada um faz
o seu pedaccedilo [] as pessoas conversam pouco Essa articulaccedilatildeo essas relaccedilotildees
ainda precisam ser trabalhadas (Ei23)
Falta descrever os processos ter a cadeia cliente-fornecedor ajustada para que tenha
um processo realmente eficaz [] Estaacute no dia a dia mas natildeo eacute descrita a gente fica
na poliacutetica da boa vizinhanccedila mas formalmente natildeo tem nada escrito (Ei1)
[] a gente ainda natildeo introjetou a cultura da qualidade como ferramenta que facilita
o trabalho e que deixa o trabalho mais seguro (Ei23)
Os depoimentos evidenciam que ainda eacute necessaacuterio desenvolver uma cultura
organizacional voltada para a qualidade e seguranccedila A cultura da seguranccedila eacute entendida
como um conjunto de valores atitudes competecircncias e comportamentos que determinam o
comprometimento com a gestatildeo da sauacutede e da seguranccedila substituindo a culpa e a puniccedilatildeo
pela oportunidade de aprender com as falhas e melhorar a atenccedilatildeo agrave sauacutede (BRASIL 2013b)
Eacute imprescindiacutevel uma poliacutetica institucional de cultura de seguranccedila mas eacute um desafio para as
instituiccedilotildees hospitalares exigindo um levantamento dos fatores organizacionais que impedem
o desenvolvimento da cultura de seguranccedila (CARVALHO 2011)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 78
Deve-se registrar ainda que o funcionamento da rede intra-hospitalar estaacute tambeacutem
relacionado agrave conexatildeo desta com a rede global ou seja com serviccedilos profissionais e gestores
extra hospital
No CTI em torno de 10 dos pacientes satildeo de cuidado intermediaacuterio Tem
vaacuterias propostas para a diretoria mas natildeo depende dela porque tem uma questatildeo
financeira que demanda discussatildeo com a secretaria municipal de sauacutede []
Alguns pontos dependem da equipe meacutedica outros dependem de financiamento
municipal estadual ou federal que a diretoria tem tentado (Ei25)
A forma bdquoem rede‟ eacute constituiacuteda por duas porccedilotildees a saber uma local e outra global
pois nenhum lugar predomina o bastante para ser global nem eacute suficientemente autocircnomo
para ser local (LATOUR 2012) Neste sentido os profissionais do hospital natildeo tecircm
autonomia e o completo arsenal de recursos necessaacuterios para resolver todos os problemas Haacute
melhorias que satildeo dependentes da accedilatildeo de profissionais da rede global natildeo excluindo a
responsabilidade interna de gestores e profissionais com a qualidade assistencial
Enfim foi possiacutevel identificar por meio das diferentes visotildees dos profissionais que a
articulaccedilatildeo da rede intra-hospitalar eacute vital para a assistecircncia ciruacutergica segura A trama desta
rede que eacute estabelecida pela relaccedilatildeo dos diferentes atores estaacute em constante ordem
desordem interaccedilatildeo e organizaccedilatildeo Este tetragrama deve estar harmocircnico para o pleno
funcionamento da assistecircncia ciruacutergica segura Caso natildeo esteja sob determinada condiccedilatildeo ndash
instabilidade e falha da rede local ou global ndash ocorre uma cascata de problemas com riscos
que podem desencadear incidentes aos pacientes em algum ponto das trecircs fases do
perioperatoacuterio
413 Perioperatoacuterio entrelaccedilamentos das trecircs fases para a cirurgia segura
[] complexas eacute o que estaacute junto eacute o tecido formado por diferentes fios que se
transformaram numa soacute coisa Isto eacute tudo isso se entrecruza tudo se entrelaccedila para
formar a unidade da complexidade poreacutem a unidade do complexus natildeo destroacutei a
variedade e a diversidade das complexidades que o teceram (MORIN 2003a p
188)
A rede intra-hospitalar na qual ocorre a assistecircncia ciruacutergica aos pacientes eacute complexa
Para Morin (2003a) uma organizaccedilatildeo complexa eacute ao mesmo tempo acecircntrica (funciona de
maneira anaacuterquica por interaccedilotildees espontacircneas) policecircntrica (tem muitos centros de controle
ou organizaccedilatildeo) e cecircntrica (dispotildee ao mesmo tempo de um centro de decisatildeo) Esses
aspectos estatildeo presentes na rede intra-hospitalar a qual eacute organizada natildeo soacute a partir de um
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 79
centro de comando-decisatildeo (coordenaccedilatildeo conjunta meacutedica e de enfermagem) mas tambeacutem de
diversos centros de organizaccedilatildeo (como as coordenaccedilotildees das especialidades que atuam no CC
e coordenaccedilotildees dos setores envolvidos) e de interaccedilotildees espontacircneas entre os grupos de
profissionais Nesse sentido discutir o entrelaccedilamento das trecircs fases do perioperatoacuterio no
hospital se faz necessaacuterio sendo reconhecido como importante pelos profissionais No
entanto na praacutetica a organizaccedilatildeo e as accedilotildees de conexatildeo dos atores natildeo ocorrem de forma
efetiva nas trecircs fases do perioperatoacuterio que compreende o preacute-operatoacuterio o transoperatoacuterio e
poacutes-operatoacuterio
O periacuteodo preacute-operatoacuterio compreende desde o momento da decisatildeo de que a cirurgia
seja ela eletiva de urgecircncia ou de emergecircncia seraacute realizada ateacute o momento que precede o
ato ciruacutergico quando o paciente eacute encaminhado ao CC (CHRISTOacuteFORO CARVALHO
2009) As accedilotildees conformam uma fase importante para avaliar por meio do risco ciruacutergico-
anesteacutesico (realizado por cliacutenico geral cardiologista eou anestesiologista) as condiccedilotildees
fisioloacutegicas do paciente o risco-benefiacutecio do procedimento e as informaccedilotildees transmitidas a
pacientes e familiares sobre a cirurgia Essas accedilotildees auxiliam o ato na sala operatoacuteria
principalmente na abordagem inicial do anestesiologista e sendo um hospital de ensino
auxilia o cirurgiatildeo a decidir se o residente poderaacute ou natildeo atuar naquela cirurgia Nas cirurgias
de urgecircncia e emergecircncia natildeo haacute tempo haacutebil para se realizar um preacute-operatoacuterio para
avaliaccedilatildeo do risco-benefiacutecio do procedimento anesteacutesico-ciruacutergico repercutindo na qualidade
e seguranccedila do procedimento
O doente da eletiva a gente tem que levar para o bloco na melhor condiccedilatildeo Se o
benefiacutecio for pouco em relaccedilatildeo ao risco a gente orienta e nem opera [] A
avaliaccedilatildeo preacute-anesteacutesica eacute um dado a mais para o cirurgiatildeo aumentar a seguranccedila Se
tiver um risco muito ruim eu natildeo vou demorar ou deixar o residente operar faccedilo
mais raacutepido O paciente da urgecircncia e da emergecircncia natildeo tem risco ciruacutergico tem
que por no bloco operar e pronto (Ed19)
Quanto mais dados vocecirc tiver escrito do preacute-operatoacuterio preacute-anesteacutesico mais raacutepido
e melhor fica essa abordagem inicial que a gente faz aqui (Ed17)
Pelos relatos se percebe que o objetivo dessa fase eacute o preparo adequado do paciente
no sentido de reduzir ao miacutenimo possiacutevel os riscos de morbimortalidade por complicaccedilotildees
no ato ciruacutergico Segundo Schwartzman et al (2011) o profissional deve avaliar de forma
criteriosa o risco ciruacutergico e anesteacutesico as particularidades do paciente e do procedimento
atuando em possiacuteveis situaccedilotildees de risco Segundo os autores a consulta preacute-anesteacutesica (pelo
anestesiologista) e a consulta preacute-operatoacuteria (pelo cliacutenico ou outro especialista) visam agrave
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 80
seguranccedila do ato anesteacutesico e a diminuiccedilatildeo de complicaccedilotildees Segundo os entrevistados isso
ocorre porque seratildeo observados detalhes que podem natildeo ser percebidos pelo cirurgiatildeo devido
agrave grande demanda de pacientes
No ambulatoacuterio quando tenho que reoperar um paciente quem faz o risco ciruacutergico
eacute o anestesiologista Eacute um risco preacute-anesteacutesico Se o anestesiologista achar que ele
precisa de avaliaccedilatildeo mais detalhada de um cardiologista ele eacute encaminhado para o
posto ou para algum local especiacutefico Essa avaliaccedilatildeo eacute importante porque o
cirurgiatildeo em hospital puacuteblico trabalha sobrecarregado tem detalhe que pode passar
despercebido que natildeo passa para o cliacutenico cardiologista ou anestesiologista (Ed19)
Quando eacute necessaacuterio realizar nova abordagem em um paciente que se submeteu a uma
cirurgia no hospital mas se encontra em sua residecircncia o risco ciruacutergico-anesteacutesico eacute
realizado na Atenccedilatildeo Primaacuteria agrave Sauacutede (APS) ou em outros serviccedilos da rede Assim a rede
intra-hospitalar se conecta a uma rede extra-hospitalar Haacute atores externos importantes para se
alcanccedilar a seguranccedila ciruacutergica Quando o paciente estaacute internado no hospital quem faz a
avaliaccedilatildeo eacute um anestesiologista no ambulatoacuterio O iniacutecio da realizaccedilatildeo da avaliaccedilatildeo preacute-
anesteacutesica pelo profissional anestesiologista no hospital se deu por duas questotildees que na
eacutepoca representaram desordem mas que proporcionaram a organizaccedilatildeo do serviccedilo
A primeira questatildeo foi relacionada aos nuacutemeros baixos da realizaccedilatildeo do preacute-anesteacutesico
registrados no checklist de cirurgia segura e a segunda agrave gravidez de uma das
anestesiologistas Devido aos riscos para o feto o serviccedilo meacutedico hospitalar natildeo autorizou o
trabalho da mesma no CC durante a gestaccedilatildeo e a profissional foi lotada no ambulatoacuterio
iniciando a organizaccedilatildeo da avaliaccedilatildeo preacute-operatoacuteria pela profissional na instituiccedilatildeo
Depois que o checklist comeccedilou a ser apresentado em dados ficou visiacutevel A gente
natildeo tinha um anestesiologista que fizesse consulta preacute-anesteacutesica quando uma
anestesiologista engravidou foi soacute uma justificativa pra fazer esse trabalho (Ed10)
O deslocamento de anestesiologistas do CC para o ambulatoacuterio era uma das
dificuldades na implantaccedilatildeo universal da avaliaccedilatildeo preacute-anesteacutesica sendo este profissional
mais indicado para realizar a avaliaccedilatildeo com maior seguranccedila e visatildeo ampla do procedimento
anesteacutesico Ele eacute capaz de verificar o estado de sauacutede do paciente e fatores que influenciam o
ato anesteacutesico como as interaccedilotildees medicamentosas dificuldades para intubaccedilatildeo melhor tipo
de anestesia (SCHWARTZMAN et al 2011) Aleacutem disso ao anestesiologista cabe a decisatildeo
de realizar ou natildeo o ato anesteacutesico de modo soberano e intransferiacutevel (CFM 2006) Contudo
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 81
a avaliaccedilatildeo preacute-operatoacuteria pelo anestesiologista no hospital se realiza por meio de
interconsulta que natildeo consegue abranger a totalidade dos pacientes
A anestesiologista do preacute-anesteacutesico fica mais com a ortopedia que geralmente natildeo
pedia exame preacute-ciruacutergico soacute o risco baacutesico e mais nada Aiacute os anestesiologistas
bombavam as cirurgias [] Para a gente [cirurgia] natildeo tem Quando a gente pede
interconsulta geralmente natildeo daacute tempo de atender no tempo que a gente quer Entatildeo
a gente faz todo o preacute-operatoacuterio (Ei20)
Haacute ao mesmo tempo uma disputa (desordem) entre as especialidades para a avaliaccedilatildeo
preacute-operatoacuteria pelo anestesiologista no ambulatoacuterio ou nas enfermarias e uma conformaccedilatildeo
sobre a prioridade dos pacientes atendidos serem de uma especialidade (ordem) E assim se
conforma a organizaccedilatildeo da avaliaccedilatildeo preacute-operatoacuteria com prioridade para pacientes da
ortopedia os pacientes das demais especialidades tecircm a avaliaccedilatildeo preacute-operatoacuteria por vezes
realizada pelo cirurgiatildeo e sua equipe Assim a natildeo abrangecircncia da totalidade dos pacientes
gera desvalorizaccedilatildeo da avaliaccedilatildeo preacute-anesteacutesica pelo anestesiologista no preacute-operatoacuterio
A gente acaba fazendo de novo aqui [no CC] Essa conversa antes isso eacute o preacute-
anesteacutesico [ecircnfase] A gente vecirc exames pergunta se tem hipertensatildeo se jaacute enfartou
se estaacute em jejum Tem uns que jaacute vem com isso feito mas a maioria a gente faz aqui
na hora Eu acho que tem o ambulatoacuterio mas eu natildeo aproveito muito as informaccedilotildees
do ambulatoacuterio faccedilo de novo (Ed17)
Nessa situaccedilatildeo a avaliaccedilatildeo preacute-anesteacutesica foi reduzida agrave conversa do anestesiologista
com o paciente antes da induccedilatildeo anesteacutesica No Brasil os pacientes geralmente satildeo avaliados
no mesmo dia da cirurgia ou no maacuteximo na veacutespera (SCHWARTZMAN et al 2011)
Poreacutem eacute imprescindiacutevel conhecer com a devida antecedecircncia as condiccedilotildees cliacutenicas do
paciente antes de ser realizada qualquer anestesia exceto nas situaccedilotildees de urgecircncia (CFM
2006) Em cirurgias eletivas para aumentar a seguranccedila uma boa avaliaccedilatildeo ambulatorial seraacute
o padratildeo ouro do cuidado anesteacutesico preacute-operatoacuterio (SCHWARTZMAN et al 2011)
Ademais a forma como eacute conduzida a fase preacute-operatoacuteria revela para outras categorias
profissionais o compromisso dos cirurgiotildees com aquele paciente e com o procedimento a ser
realizado No entanto os procedimentos do preacute-operatoacuterio estatildeo fragmentados
Vocecirc fala assim ldquoEssa equipe ciruacutergica tem compromisso com o pacienterdquo se fez
todo esse preacute-operatoacuterio (Ed17)
Foi acordado com a equipe de anestesia fazer o preacute-operatoacuterio com alguns
anestesiologistas que correm leitos Tem uma preparaccedilatildeo tambeacutem com a
enfermagem Esses processos estatildeo um pouco fragmentados [] natildeo estaacute
cumprindo o que foi acordado (Ei23)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 82
O preacute eu natildeo consigo ver porque estaacute laacute fora Entatildeo eles estatildeo laacute (Ed31)
O preacute-operatoacuterio eacute uma fase que estaacute agrave parte algo distante que estaacute ldquolaacute forardquo natildeo eacute
considerado parte da cirurgia pelos profissionais que atuam diretamente no CC Poreacutem o preacute-
operatoacuterio ocorre por meio da interaccedilatildeo de vaacuterios atores da rede intra-hospitalar para a
execuccedilatildeo das accedilotildees
No ambulatoacuterio o paciente recebe as primeiras orientaccedilotildees data de cirurgia
encaminhamento para exames laboratoriais erisco ciruacutergico O enfermeiro orienta o
jejum o banho preacute-operatoacuterio o horaacuterio de chegada o fluxo [] No andar [paciente
internado] tem papel semelhante [] algumas medicaccedilotildees como anticoagulante
suspende na veacutespera orienta o jejum executa o banho preacute-operatoacuterio (Ed28)
O papel nosso [CTI] no preacute-operatoacuterio eacute que o meacutedico observe os exames e discuta
o caso com o cirurgiatildeo [] banho preacute-operatoacuterio pela equipe de enfermagem e que
o antibioacutetico corra antes do paciente ir para o CC(Ei25)
Embora os profissionais participantes da pesquisa tenham em mente o papel dos
diversos atores da rede intra-hospitalar nesta fase do processo ciruacutergico haacute descompasso das
accedilotildees do preacute-operatoacuterio com o estabelecido Alguns procedimentos que fazem parte do
preparo adequado do paciente como banho e a administraccedilatildeo de antibioacutetico profilaacutetico satildeo
realizados fora do tempo seja por desconhecimento displicecircncia ou desvalorizaccedilatildeo pelos
profissionais
As pessoas natildeo datildeo a devida importacircncia de uma rotina simples que eacute o banho preacute-
operatoacuterio que minimiza a infecccedilatildeo do siacutetio ciruacutergico aumenta a possibilidade da
cirurgia ser bem sucedida Agraves vezes as pessoas deixam de fazer por
desconhecimento [] natildeo tem noccedilatildeo de que o banho tem validade de duas horas
que se ele for muito cedo natildeo vai adiantar (Ed10)
O antibioacutetico preacute-operatoacuterio no pronto socorro agraves vezes jaacute podia comeccedilar a
administraccedilatildeo Eles natildeo datildeo importacircncia deixa para comeccedilar no bloco (Ed10)
As duas accedilotildees no preacute-operatoacuterio (antibioacutetico profilaacutetico e banho) satildeo relativamente
simples e impactam no transoperatoacuterio Em um estudo com 129 pacientes de duas instituiccedilotildees
hospitalares no Paranaacute o banho foi realizado para pouco mais da metade dos pacientes antes
do procedimento ciruacutergico (CHRISTOacuteFORO CARVALHO 2009) Os antimicrobianos satildeo
administrados no preacute-operatoacuterio frequentemente cedo demais tarde demais ou de uma
maneira errada (OMS 2009) O antibioacutetico profilaacutetico deve ser iniciado uma hora antes da
incisatildeo ciruacutergica ou duas horas antes da incisatildeo se o paciente recebe vancomicina ou
fluoroquinolonas (SALMAN et al 2012) Um estudo observacional prospectivo com 3836
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 83
pacientes mostrou que o antibioacutetico administrado entre 0 a 29 minutos antes da incisatildeo
ciruacutergica eacute menos efetivo quando comparado com a administraccedilatildeo entre 30 e 59 minutos antes
da cirurgia (WEBER et al 2008)
No periacuteodo preacute-operatoacuterio no hospital em estudo haacute falhas relativas tambeacutem no
preparo do paciente quanto ao acesso venoso adequado e a retirada de acessoacuterios e pertences
do paciente para encaminhaacute-lo ao CC
Nessa aacuterea [preacute-operatoacuterio] tem um pouco de falha Tudo deveria comeccedilar laacute fora
vir puncionado com jelco 18 calibre maior se precisar infundir sangue []
Paciente do pronto socorro vem com jelco 22 para o bloco [] manda de cueca
chinelo [] todo mundo sabe que natildeo pode mas vem com dentadura [] Quanto
mais eles ajudarem melhor o andamento aqui dentro fica mais faacutecil (Ed4)
Falhas nessas accedilotildees simples tambeacutem ocorrem em outros hospitais como no estudo
realizado em dois hospitais no Paranaacute onde a solicitaccedilatildeo de retirada da proacutetese dentaacuteria no
periacuteodo preacute-operatoacuterio se deu somente em 73 dos pacientes que faziam o uso nos demais
pacientes o uso da proacutetese foi identificado no CC (CHRISTOacuteFORO CARVALHO 2009)
Ademais as falhas de comunicaccedilatildeo no preacute-operatoacuterio vatildeo desde profissional para
paciente e vice-versa ateacute profissional para profissional em seus diversos locais de atuaccedilatildeo
No preacute Eles [pacientes] chegam aguardando uma posiccedilatildeo do meacutedico [] a gente
tem uma expectativa junto com eles [] ele [paciente] natildeo sabe quando vai ser a
cirurgia e o quecirc vai acontecer com ele (Ei7)
Paciente chega [no CC] a gente recebe ldquoSabe de que vai ser operadordquo ldquoNatildeo
Falaram pra mim que eu vou operar mas natildeo sei o querdquo [] O paciente natildeo sabe
Opreacute eacute isso (Ed31)
Quando o paciente chega para o trans quantas vezes a gente pergunta ldquoTaacute em
jejumrdquo ldquoNatildeo rdquo Ai a cirurgia eacute cancelada porque o preacute natildeo foi bem feito laacute fora
ldquoNatildeo falaram com vocecircrdquo ldquoNatildeo Ningueacutem me falourdquo (Ed31)
A expressatildeo ldquoa gente tem uma expectativa junto com elesrdquo relatada mostra a falta de
comunicaccedilatildeo entre os profissionais e de planejamento da assistecircncia natildeo multiprofissional
Por outro lado nos relatos de Ed31 foram reafirmadas falhas de comunicaccedilatildeo entre os
profissionais e pacientes A comunicaccedilatildeo o diaacutelogo e a conversa profissional-paciente eacute o elo
para aproximar quem estaacute sendo cuidado e quem estaacute cuidando No encontro as pessoas
estabelecem a partir da relaccedilatildeo e da interaccedilatildeo humana momentos de troca de interesse e
preocupaccedilatildeo com o outro e a maneira de expressatildeo pode ser pela palavra ou mesmo
comportamental Assim o profissional oportuniza e encoraja o cliente a dialogar e a
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 84
expressar-se o que torna possiacutevel aproximaccedilatildeo e compreensatildeo da complexa teia de relaccedilotildees
humanas de cuidado (BAGGIO CALLEGARO ERDMANN 2008) No preacute-operatoacuterio o
bem-estar do paciente deve ser o principal objetivo dos profissionais que o assistem pois
estes podem apresentar alto niacutevel de estresse bem como desenvolver sentimentos que podem
atuar negativamente em seu estado emocional tornando-os vulneraacuteveis Muitas vezes o
estresse independe da cirurgia tem relaccedilatildeo com a desinformaccedilatildeo associada aos procedimentos
da cirurgia da anestesia e dos cuidados (CHRISTOacuteFORO CARVALHO 2009)
A Sistematizaccedilatildeo da Assistecircncia de Enfermagem Perioperatoacuteria (SAEP) seria uma
estrateacutegia importante para integrar todo o perioperatoacuterio no entanto no cenaacuterio deste estudo
ainda natildeo eacute realidade Isso impacta na primeira fase ciruacutergica o preacute-operatoacuterio pela ausecircncia
da visita sistemaacutetica do enfermeiro do CC ao paciente antes das cirurgias
Infelizmente no bloco a gente natildeo tem esse enfermeiro que faz a visita preacute-
operatoacuteria [no leito] para dar continuidade no bloco A gente tentou implantar a
SAEP mas ainda natildeo tem essa ligaccedilatildeo na assistecircncia de enfermagem (Ed10)
O enfermeiro deve considerar a visita preacute-operatoacuteria prioritaacuteria um processo interativo
para promover eou recuperar a integridade dos pacientes Por meio dessa visita o enfermeiro
teraacute informaccedilotildees para ajudar no planejamento da cirurgia no trans e no poacutes-operatoacuterio
(GRITTEM MEIER GAIEVICZ 2006) Segundo Saragiotto e Tramontini (2009) 875
das enfermeiras de diferentes hospitais de Londrina natildeo realizam todas as fases da visita preacute-
operatoacuteria sendo que as estrateacutegias empregadas no preacute-operatoacuterio consistiram em contato
telefocircnico e orientaccedilotildees na enfermaria e na recepccedilatildeo do CC Isso de certa forma coincide
com as observaccedilotildees desta pesquisa no que diz respeito aos enfermeiros do CC Poreacutem haacute um
arcabouccedilo de legislaccedilotildees sobre a obrigatoriedade da utilizaccedilatildeo do processo de enfermagem
como atividade privativa do enfermeiro e que deve ter participaccedilatildeo de toda a equipe de
enfermagem (Lei nordm 74981986 Decreto nordm 944061987 Resoluccedilatildeo COFEN nordm 3582009)
Mesmo assim as recomendaccedilotildees natildeo satildeo ainda incorporadas no hospital cenaacuterio deste estudo
Isso fragiliza a assistecircncia de enfermagem pois o processo de enfermagem eacute um meacutetodo de
trabalho baseado em teorias de enfermagem que satildeo o conhecimento especiacutefico da profissatildeo
Foi possiacutevel perceber pelos depoimentos e observaccedilatildeo que o periacuteodo preacute-operatoacuterio
no hospital eacute ainda uma condiccedilatildeo insegura e que a seguranccedila do paciente nessa fase influencia
na tranquilidade e seguranccedila dos profissionais na sala operatoacuteria
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 85
[] o checklist do preacute-ciruacutergico a gente hoje natildeo faz Isso agraves vezes leva o paciente
numa condiccedilatildeo de mais fragilidade para a cirurgia O preacute-anesteacutesico eu acho que
seguramente eacute uma condiccedilatildeoainda insegura (Ei30)
O planejamento do anestesiologista eacute baseado no preacute-operatoacuterio e no preacute-anesteacutesico
que andam juntas e faz toda a diferenccedila [] Isso natildeo soacute aumenta a seguranccedila da
cirurgia como aumenta a qualidade de vida do profissional Vocecirc chega vecirc tudo ai
vocecirc comeccedila a trabalhar jaacute mais tranquilo (Ed17)
Ressalta-se a necessidade de repensar a articulaccedilatildeo dos atores do hospital na fase preacute-
operatoacuteria para a continuidade integralidade e seguranccedila do cuidado ciruacutergico e tambeacutem
para proporcionar um ambiente seguro para o trabalhador Segundo Pena e Minayo-Gomez
(2010) a seguranccedila do profissional e do paciente tem relaccedilotildees diretas Os autores observaram
que a diminuiccedilatildeo de infecccedilatildeo relacionada agrave sauacutede nos pacientes por exemplo reduz ao
mesmo tempo doenccedilas ocupacionais para os trabalhadores A melhoria da seguranccedila dos
pacientes impacta na reduccedilatildeo de acidentes no trabalho (PENA MINAYO-GOMEZ 2010)
Ao contraacuterio dos vaacuterios problemas citados pelos profissionais na fase preacute-operatoacuteria a
fase intraoperatoacuteria eacute percebida de uma forma mais tranquila pelos participantes da pesquisa
[] depois que o paciente entrou para a cirurgia ela flui tranquilamente Acontece
agraves vezes uma intercorrecircncia mas eacute aceitaacutevel Isso aiacute a gente natildeo pode prever [] o
trans eacute muito tranquilo (Ed13)
O trans eacute mais tranquilo As coisas caminham O raio X vem certinho nada foge do
normal tem um atraso ou outro mas nenhuma observaccedilatildeo maior a fazer natildeo (Ed29)
Os profissionais natildeo satildeo claros no que seria ldquoaceitaacutevelrdquo ldquonormalrdquo ocorrer dentro do
transoperatoacuterio que natildeo impactaria negativamente na assistecircncia ciruacutergica segura Contudo o
atraso mencionado pode gerar maior tempo ciruacutergico e repercutir no resultado final do
procedimento
Haacute tambeacutem nos relatos sobre a fase transoperatoacuteria a necessidade da conexatildeo e da
comunicaccedilatildeo dos diversos atores da rede intra-hospitalar A metaacutefora utilizada para expressar
essa interdependecircncia foi a de um ldquocorpordquo que depende de muacuteltiplos oacutergatildeos para funcionar
[] eacute a mesma coisa do corpo [] primeiro dependemos do pessoal da conservaccedilatildeo
Limpou a sala a sala estaacute pronta Aiacute dependemos do teacutecnico de enfermagem que
montou os carrinhos depende do instrumentador para checar o material Estaacute tudo
ok Aiacute sim pode entrar com o paciente Depende do anestesiologista Fez o trabalho
dele Entra a equipe ciruacutergica que vai do instrumentador ao preceptor [pausa] Para
ter sucesso depende de todo mundo [com ecircnfase] (Ed12)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 86
A cirurgia vai depender do anestesiologista do cirurgiatildeo mas tem um monte de
gente nos bastidores Tem a equipe da enfermagem a farmaacutecia e o banco de sangue
que precisam disponibilizar o que a gente pede o quanto antes (Ed19)
Pelos depoimentos os profissionais que atuam diretamente no ato anesteacutesico-ciruacutergico
estatildeo na cena principal de um filme e os demais profissionais estatildeo nos bastidores apoiando
essa ldquocenardquo da qual participam apenas os protagonistas Segundo Reus e Tittoni (2012) a sala
operatoacuteria eacute o local onde se desenvolve a cena e tudo funciona como num filme onde cada
ator desempenha papeacuteis definidos Uma nova refilmagem acontece em cada cirurgia onde os
atores podem ser diferentes mas as cenas satildeo repetidas detalhadamente Assim como um
piloto de aviatildeo conta com a equipe de solo com a equipe de bordo e os controladores de
traacutefego aeacutereo para um vocirco seguro um cirurgiatildeo eacute um membro essencial mas depende de uma
equipe responsaacutevel para a assistecircncia ciruacutergica segura (OMS 2009)
Entre os vaacuterios profissionais que atuam em um procedimento ciruacutergico cada ldquoatorrdquo
tem um contato distinto com o corpo do paciente o que lhe confere um status nessa relaccedilatildeo
O cirurgiatildeo atua manipulando e modificando o ldquointeriorrdquo do corpo amparado por um saber
teacutecnico e acadecircmico tanto no corpo como no ambiente O anestesiologista interveacutem na
consciecircncia do paciente que se ausenta e se torna vulneraacutevel Os profissionais de enfermagem
manipulam o ldquoexteriorrdquo do corpo com procedimentos ldquonatildeo invasivosrdquo tambeacutem amparados
por um saber (REUS TITTONI 2012) Esses saberes teacutecnicos distinguem os diversos atores
humos da rede intra-hospitalar e os coloca na cena ou nos bastidores o que faz com que cada
um exerccedila um niacutevel de poder nesse espaccedilo ocupado No entanto a seguranccedila ciruacutergica
demanda desempenho confiaacutevel de muacuteltiplas etapas necessaacuterias agrave assistecircncia natildeo apenas pelo
cirurgiatildeo mas pela equipe de profissionais de sauacutede trabalhando em conjunto para o
benefiacutecio do paciente (OMS 2009)
Aleacutem da dependecircncia dos diversos atores da rede intra-hospitalar haacute uma relaccedilatildeo
direta entre as diferentes disciplinas que atuam na aacuterea ciruacutergica No relato para a cirurgia
acontecer eacute necessaacuteria a atuaccedilatildeo da anestesiologia que evoluiu em determinado periacuteodo
tornando-se duas profissotildees distintas embora complementares Isso trouxe vantagens e
desvantagens
Uma cirurgia de laparotomia por uma obstruccedilatildeo intestinal pra ser tranquila precisa
de uma anestesia muito bem feita para a musculatura [do paciente] ficar flexiacutevel
para o cirurgiatildeo acessar A anestesiologia jaacute foi uma subespecialidade da cirurgia
Depois foi ficando tatildeo complexa que teve que separar [] as teacutecnicas ciruacutergicas se
desenvolveram a partir do momento em que a anestesia evoluiu e daacute condiccedilotildees para
o cirurgiatildeo operar [] natildeo existiria cirurgia sem anestesia Cirurgias antes da
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 87
anestesia eram coisas medievais [] paciente sentido dores horriacuteveis As duas aacutereas
se desenvolveram juntas e uma eacute totalmente dependente da outra (Ed17)
Determinadas cliacutenicas tipo ortopedia eacute muito ligada soacute no problema especialista
em joelho vecirc soacute o joelho natildeo consegue ver o resto [] vecirc um ligamento rompido
trata aquilo ali mas o paciente tem outros problemas agraves vezes nem eacute o mais grave
aquilo ali [] quanto mais especialista menos consegue ter visatildeo geral (Ed17)
Segundo Morin (2005) a evoluccedilatildeo disciplinar das ciecircncias trouxe as vantagens da
divisatildeo do trabalho (contribuiccedilatildeo das partes especializadas para a coerecircncia de um todo
organizador) mas tambeacutem os inconvenientes da fragmentaccedilatildeo do saber Haacute necessidade da
equipe multiprofissional para o sucesso das cirurgias na sala ciruacutergica No entanto a conexatildeo
natildeo eacute articulada e a comunicaccedilatildeo natildeo eacute efetiva O ldquocorpordquo falha e repercute na fase trans-
operatoacuteria No CC haacute um desalinhamento um descompasso nos atos de cuidados de um setor
para o outro Isso gera prejuiacutezo para os pacientes e desperdiacutecio de material
O paciente chega do CTI com bomba de infusatildeo medicaccedilotildees IV e tal A gente tira
pra fazer as minhas medicaccedilotildees Agraves vezes estaacute no meio de um antibioacutetico e perde
aquele frasco Acho que poderia integrar mais a prescriccedilatildeo [] A gente natildeo pode
manter a conduta deles cirurgia eacute diferente [] a gente tira tudo [] Se a gente
manda uma bomba de infusatildeo daqui eles trocam porque tecircm outras diluiccedilotildees
padrotildees (Ed17)
O bloco tem interface com todos os setores e nem sempre o paciente chega para a
cirurgia na condiccedilatildeo adequada [] Para que aconteccedila o processo de trabalho do
bloco tudo tem que estar muito acertado (Ei30)
A comunicaccedilatildeo entre a equipe do CC e outras unidades interfere na dinacircmica de
funcionamento do CC sendo a comunicaccedilatildeo identificada como um instrumento de trabalho
(STUMM MACcedilALAI KIRCHNER 2006) Essa comunicaccedilatildeo entre os diversos atores eacute
necessaacuteria entre outras questotildees para que o desperdiacutecio seja evitado e haja continuidade do
tratamento Outros pontos relacionados a questotildees externas e internas ao CC satildeo citados como
problemas no transoperatoacuterio
Vira e mexe tem um material que natildeo estaacute bom falta alguma peccedila no kit mas eacute tudo
mais tranquilo Eacute soacute em caraacuteter de exceccedilatildeo mesmo (Ed29)
No trans algumas vezes acontece alguns percalccedilos [] o cirurgiatildeo pede um monte de
coisa e nada serve e o material fica comprometido ou perdido (Ei23)
Em estudo realizado em hospital universitaacuterio puacuteblico de grande porte de Porto
Alegre o comportamento do cirurgiatildeo foi apontado como uma situaccedilatildeo geradora de estresse e
houve o reconhecimento ateacute por parte deles mesmos Viu-se que quanto mais jovens menos
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 88
seguros e mais agressivos Relacionaram como comportamentos geradores de estresse o
cirurgiatildeo perfeccionista muito exigente irritado e que perde o controle (CAREGNATO
LAUTERT 2005)
No transoperatoacuterio o estresse provocado pela necessidade de uma cirurgia e todo o
percurso percorrido ateacute o CC gera sentimentos como nervosismo medo inseguranccedila e tristeza
no paciente ciruacutergico Os profissionais aleacutem de todas as questotildees teacutecnicas inerentes agraves suas
funccedilotildees tecircm o papel de manter um ambiente harmocircnico tranquilo e seguro aleacutem de orientar
e informar sobre o procedimento ciruacutergico propriamente dito
No trans a gente explica para ele todo o procedimento [] eles chegam nervosos
com medo A gente tenta transmitir a maior seguranccedila possiacutevel Mostrar que estaacute em
um lugar seguro Mesmo com os riscos que isso tem aqui a gente faz tudo para o
paciente [] graccedilas a Deus na maioria das vezes daacute tudo certo (Ed31)
Apesar do relato de Ed31 sugerir uma assistecircncia segura humanizada e eacutetica por
parte dos profissionais do CC percebeu-se que haacute impaciecircncia quando o paciente natildeo
obedece aos comandos da equipe Nas notas do diaacuterio de campo foi registrada uma cena
presenciada Era um paciente em confusatildeo mental de 62 anos com hemorragia subdural
devido a um traumastismo histoacuterico de acidente vascular cerebral que estava contido com
faixas transpassadas pelo abdocircmen e nos braccedilos amarradas agraves grades do leito As faixas da
regiatildeo do toacuterax estavam muito apertadas e o anestesiologista pediu para afrouxaacute-las A
circulante natildeo o fez Entatildeo a acadecircmica que acompanhou a pesquisa pediu licenccedila para
afrouxar a contenccedilatildeo pois se preocupou com a possiacutevel pele lesionada em um paciente idoso
prestes a se submeter a um ato ciruacutergico Foi administrada a medicaccedilatildeo e o paciente manteve-
se agitado As circulantes comeccedilaram a perder a paciecircncia e a dizer ldquoFica quietinho se natildeo
vocecirc vai cair Um homem dessa idade fazendo issordquo Quando houve a perda do acesso
venoso a falta de paciecircncia das circulantes aumentou e chamaram a enfermeira e o
anestesiologista Nesse periacuteodo houve brincadeiras quanto aos procedimentos com o
paciente Quando outro anestesiologista chegou e disse ldquoVou entubar de uma vez ai para de
incomodarrdquo Essa situaccedilatildeo deve ser refletida de forma criacutetica em um hospital de ensino A
interaccedilatildeo entre o profissional e o paciente ciruacutergico deve considerar as caracteriacutesticas de cada
pessoa Isso pode minimizar o estresse a ansiedade e o desgaste que a pessoa vivencia na
cirurgia aleacutem de proporcionar seguranccedila calma e tranquilidade (CALLEGARO et al 2010)
A equipe multiprofissional natildeo atua somente em situaccedilotildees confortaacuteveis (ordem) mas devem
estar organizados para todas as caracteriacutesticas imprevisiacuteveis dos pacientes (desordem)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 89
Por uacuteltimo no que diz respeito agrave fase transoperatoacuteria a observaccedilatildeo possibilitou
perceber que haacute tambeacutem negligecircncia em relaccedilatildeo aos Equipamentos de Proteccedilatildeo Individual
(EPI) como o uso de oacuteculos de proteccedilatildeo Observou-se e foi registrado no diaacuterio de campo que
a natildeo utilizaccedilatildeo do EPI resultou em um acidente com material bioloacutegico que atingiu os olhos
de um cirurgiatildeo e da instrumentadora que natildeo tomaram nenhuma atitude quanto ao fato
Outras condutas de risco foram observadas como o natildeo uso de luvas para a administraccedilatildeo e o
preparo dos medicamentos e a perfuraccedilatildeo da bolsa de soro com o intuito de infundir com
maior velocidade Haacute ainda um ambiente informal de trabalho os profissionais cantam
conversam sobre diversos assuntos riem de piadas e acontecimentos compartilhados no
momento da cirurgia falam ao celular sobre assuntos diversos Como exemplo foi observado
um profissional anestesiologista em uma longa discussatildeo no celular sobre o conserto de seu
carro na oficina em pleno ato ciruacutergico gerando distraccedilotildees e risco Ademais haacute interrupccedilotildees
frequentes durante as cirurgias Essas situaccedilotildees distanciam a atenccedilatildeo e a concentraccedilatildeo dos
profissionais do ato ciruacutergico gerando inseguranccedila ciruacutergica As distraccedilotildees e interrupccedilotildees
frequentes podem contribuir para a ocorrecircncia de erros na assistecircncia agrave sauacutede (LEMOS
SILVA MARTINEZ 2012)
Na fase poacutes-operatoacuteria assim como na preacute-operatoacuteria tambeacutem se encontra uma seacuterie
de dificuldades a comeccedilar pelo poacutes-operatoacuterio imediato que fica a desejar na opiniatildeo de
profissionais que atuam no poacutes-operatoacuterio externo ao CC
A gente teve um caso de paciente que colocaram a placa de cauteacuterio sem gel e teve
uma queimadura extensa de membro inferior Ele veio para o CTI e foi aqui que foi
observada essa lesatildeo [] a gente sente falta de passagem de caso e de um exame
fiacutesico do paciente antes que ele venha [] se esse paciente fosse examinado no poacutes-
operatoacuterio imediato na sala de recuperaccedilatildeo a gente conseguiria fechar todos os elos
da cadeia da cirurgia segura (Ei25)
O exame fiacutesico dos pacientes e a disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees que ocorrem de forma
inadequada segundo o entrevistado satildeo importantes accedilotildees para o poacutes-operatoacuterio imediato
que consiste em uma fase criacutetica para o paciente Segundo Monteiro et al (2014) o paciente
fica vulneraacutevel a diversas complicaccedilotildees principalmente as de origem respiratoacuteria circulatoacuteria
e gastrointestinal Ao admitir o paciente na Sala de Recuperaccedilatildeo Poacutes-anesteacutesica (SRPA) eacute
necessaacuteria uma avaliaccedilatildeo inicial pelo enfermeiro Esse deve inspecionar o paciente
monitorando-o de forma que sejam avaliados todos os paracircmetros vitais aleacutem da realizaccedilatildeo
do exame fiacutesico ceacutefalo-caudal com ecircnfase no local ciruacutergico (MONTEIRO et al 2014) e na
identificaccedilatildeo de eventuais complicaccedilotildees ou incidentes como o citado
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 90
Uma importante ferramenta para a identificaccedilatildeo e anaacutelise das complicaccedilotildees
apresentadas pelos pacientes nessa fase eacute o Iacutendice de Aldrete e Kroulik (IAK) que avalia a
atividade muscular a respiraccedilatildeo a circulaccedilatildeo a consciecircncia e a saturaccedilatildeo de oxigecircnio
(CASTRO et al 2012) No CC em estudo natildeo haacute um enfermeiro exclusivo para a SRPA haacute
dois teacutecnicos de enfermagem nos cuidados aos pacientes que por vezes ultrapassa o nuacutemero
maacuteximo de sete pacientes Esse cenaacuterio coloca em risco o paciente que se encontra
dependente sonolento devido agrave anestesia demandando cuidados dos profissionais o que se
torna difiacutecil tendo em vista o grande nuacutemero de pacientes na sala para prestar uma assistecircncia
segura por sobrecarga de trabalho O excesso de pacientes se daacute pela falta de leitos no CTI e
na unidade de internaccedilatildeo da cliacutenica ciruacutergica
Ainda na SRPA observou-se que apesar de se ter um termocircmetro conforme a
legislaccedilatildeo preconiza a sala permanece com temperaturas baixas Isso pode levar agrave hipotermia
dos pacientes em poacutes-operatoacuterio sendo um fator prejudicial pois de acordo com De Mattia et
al (2012) pode desencadear complicaccedilotildees como alteraccedilotildees respiratoacuterias tegumentares
cardiovasculares dentre outras
A falta de leitos na cliacutenica ciruacutergica e no CTI a falta de profissional a sobrecarga de
trabalho e a atitude dos profissionais em higienizar e agilizar o recebimento dos pacientes satildeo
tambeacutem questotildees pontuadas como problemas
A demanda de pacientes eacute grande o hospital natildeo suporta faltam leitos O paciente
fica preso no bloco aguardando leito [] Agraves vezes ateacute tem o leito mas o paciente
fica mais que deveria por falta de boa vontade [] (Ed13)
A uacutenica dificuldade eacute quando o paciente eacute para admissatildeo no andar [] fica na
recuperaccedilatildeo o dia inteiro estaacute limpando o leito (Ed4)
O pessoal [da internaccedilatildeo ciruacutergica] tem um pouco de resistecircncia pra receber o
paciente por questatildeo de sobrecarga de trabalho falta de funcionaacuterios chega laacute em
cima atendem mal [] Podia ser melhor essa integraccedilatildeo (Ed8)
A uacutenica dificuldade que a gente tem eacute subir com o paciente quando o paciente eacute
admissatildeo no andar [] tem paciente que fica na recuperaccedilatildeo o dia inteiro o leito taacute
limpando limpando de cotonete neacute (Ed4)
As questotildees relatadas como problemas na fase poacutes-operatoacuteria se assemelham aos
relatados da fase preacute-operatoacuteria quanto agraves questotildees que envolvem a conexatildeo e a comunicaccedilatildeo
profissional Por outro lado se diferem por serem questotildees que necessitam de maiores aportes
de recursos como a falta de leitos de retaguarda para o recebimento do paciente no poacutes-
operatoacuterio que estaacute ligada a uma macropoliacutetica que embora possa ser influenciada pelos
atores do hospital estes natildeo tecircm autonomia total
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 91
A falta de leitos tem consequecircncias como cancelamento de cirurgias eletivas atraso
da admissatildeo de pacientes em urgecircncia ciruacutergica e colocaccedilatildeo dos mesmos em leitos
inapropriados (cliacutenico versus ciruacutergico feminino versus masculino) Somado a isso haacute a
dificuldade de transferecircncia de pacientes entre alas e postergaccedilatildeo de altas do CTI elevando o
tempo de permanecircncia hospitalar (FARIA et al 2010) Mesmo quando haacute o leito disponiacutevel
no hospital satildeo relatadas dificuldades de transferecircncia do CC para a unidade ciruacutergica devido
agrave falta de pessoal sobrecarga de trabalho e processos inadequados de trabalho A metaacutefora
utilizada ldquolimpando de cotoneterdquo (os leitos na cliacutenica ciruacutergica) expressa a inconformidade
com a lentidatildeo de liberaccedilatildeo de leitos Portanto as dificuldades satildeo de natureza estrutural e
profissional-pessoal entre outras que comprometem as relaccedilotildees a comunicaccedilatildeo e o
atendimento aos pacientes contribuindo para a inseguranccedila ciruacutergica
A falta de leitos de retaguarda e a impossibilidade de adiar a cirurgia do paciente pela
sua necessidade mesmo natildeo tendo vaga no CTI geram a permanecircncia inadequada do
paciente na sala operatoacuteria ou na SRPA No caso dos pacientes que necessitam de CTI a
permanecircncia no CC gera seacuterios riscos para os pacientes uma vez que ele natildeo tem a assistecircncia
adequada de cuidado intensivo
[] tem um paciente parado ali natildeo tem vaga de CTI Soacute que natildeo vou olhar tatildeo
bem quanto o intensivista que tem o haacutebito de dar atenccedilatildeo ao paciente grave A
gente tem costume com paciente grave soacute no periacuteodo da cirurgia Depois eacute CTI eles
tecircm conduta de exames protocolos que a gente natildeo tem conhecimento e nem
obrigaccedilatildeo de ter Natildeo eacute minha especialidade (Ed17)
Um paciente no uacuteltimo plantatildeo ficou trecircs dias aguardando CTI aqui sem cuidado
intensivista Natildeo que ele fique descuidado de forma alguma O anestesiologista
acompanha a gente estaacute atento a qualquer alteraccedilatildeo mas ele natildeo estaacute no CTI natildeo
tem profissional capacitado para isso aqui [] eacute um problema de fluxo do hospital e
estaacute virando rotina [] a meacutedia estaacute ficando dois dias aguardando e deveria ir de
imediato Fica a desejar Muito (Ed29)
Um anestesiologista relata que natildeo eacute o melhor profissional para acompanhar o
paciente grave no poacutes-operatoacuterio porque as especialidades satildeo bem diferentes A assistecircncia
ldquointensivardquo poacutes-operatoacuteria imediata que tem acontecido no CC aleacutem da seguranccedila do paciente
ser colocada em risco faz com que a relaccedilatildeo dos atores do CC e do CTI seja conflituosa e
gere anguacutestia dos profissionais de ambos os setores Haacute problemas estruturais e uma
justificativa eacute a elevada demanda por hospital publico
[] alguns pacientes que a gente opera aqui eacute fundamental que vaacute direto para o
ambiente de CTI [] se ele continuar no bloco o prognoacutestico natildeo vai ser o mesmo
se ele tivesse ido para o CTI [] a relaccedilatildeo entre bloco e CTI agraves vezes eacute conflituosa
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 92
porque nem sempre o CTI pode receber o nosso doente Mas o CTI de hospital
puacuteblico eacute assim mesmo vive cheio (Ed19)
[] a gente fica na anguacutestia de saber que tem um paciente laacute no bloco prendendo
sala que natildeo recebe naquele momento o cuidado e o tratamento meacutedico mais
adequado porque ele tem indicaccedilatildeo da terapia intensiva Agraves vezes tem paciente de
alta no CTI o dia inteiro mas a gente natildeo consegue tiraacute-lo daqui (Ei25)
O poacutes-operatoacuterio eacute realizado na enfermaria ciruacutergica e no ambulatoacuterio Na enfermaria
de cliacutenica ciruacutergica a transferecircncia de cuidados agrave beira do leito e a corrida de leito individual
e multiprofissional satildeo estrateacutegias para a articulaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo das necessidades para o
cuidado poacutes-operatoacuterio No ambulatoacuterio satildeo acompanhados os pacientes que realizaram
cirurgia no hospital e tambeacutem aqueles que se encontram em tratamento conservador
A gente pega plantatildeo no leito Eacute diferente de pegar dentro da sala Na beira do leito eacute
muito melhor vocecirc consegue observar as coisas para priorizar os cuidados na
corrida de leito que vocecirc faz depois [] eacute diferente vocecirc estar com o meacutedico
discutindo as coisas para agilizar procedimentos Exemplo paciente da cirurgia
geral vai retirar um dreno na corrida de leito a gente sabe ai providecircncia o material
em vez de esperar o meacutedico solicitar (Ei7)
A gente faz o poacutes-operatoacuterio de todos os nossos pacientes no ambulatoacuterio que eacute
eminentemente ciruacutergico [] faz o acompanhamento deles de acordo com a
necessidade inclusive tratamento conservador de fratura que natildeo precisou operar
Se precisar operar ele eacute agendado e marca (Ed21)
A corrida de leito multiprofissional eacute uma estrateacutegia importante para o aprendizado
dos alunos e residentes por ser um hospital de ensino bem como para os profissionais
interagirem e terem um momento de discussatildeo das situaccedilotildees No entanto durante o periacuteodo
de observaccedilatildeo pode-se visualizar que as enfermarias ficam cheias durante a passagem da
equipe multiprofissional Em uma delas havia 12 pessoas entre preceptor enfermeiro
fisioterapeuta residente e acadecircmico aleacutem dos pacientes e seus familiares Isso gera ruiacutedos
principalmente devido agraves conversas paralelas que vatildeo acontecendo tirando o foco do cuidado
Aleacutem disso observou-se curiosidade e certo desconforto dos pacientes em saber o caso do
outro paciente (vizinho de leito) e ao mesmo tempo ter o seu caso exposto para a enfermaria
toda ou seja observou-se falta de privacidade para os pacientes A escuta do paciente por
vezes foi interrompida e as orientaccedilotildees passadas natildeo eram entendidas pelo paciente O
desconforto foi tambeacutem devido agrave corrida de leito coincidir com o horaacuterio de banho dos
pacientes que ficavam sem saber o que fazer Observou-se que o preceptor e os residentes
natildeo lavavam as matildeos entre um paciente e outro apesar de tocaacute-los sem luvas levantando a
roupa para visualizar a ferida operatoacuteria suspendendo um dreno para avaliaccedilatildeo abrindo um
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 93
curativo Outros apoiavam o peacute em uma parte de ferro da cama abaixo do colchatildeo Essas
situaccedilotildees para pacientes com sistema imunoloacutegico fraacutegil geram riscos de infecccedilatildeo Aleacutem
disso na maior parte das vezes a equipe natildeo usou capote para pacientes com indicaccedilatildeo de
precauccedilatildeo por contato inclusive tocavam os mesmos sem o uso de luvas
Em estudo realizado em uma UTI de Natal-Rio Grande do Norte (RN) com objetivo
de compreender os sentimentos de pacientes que vivenciam a passagem de plantatildeo agrave beira
leito o autor recomendou a transferecircncia de cuidados em dois espaccedilos distintos em um
ambiente reservado para serem feitas observaccedilotildees que poderiam causam ansiedade e
constrangimento como questotildees sobre quadro cliacutenico e prognoacutestico grau de dependecircncia
tipo de banho eliminaccedilotildees intercorrecircncias e posteriormente agrave beira leito para abordar
questotildees praacuteticas a respeito de acesso venoso sonda drenos cateteres sempre explicando ao
paciente o procedimento que seraacute realizado e ouvindo as necessidades que ele tem a expor
(PEREIRA 2011) Essa pode ser uma estrateacutegia interessante para ser utilizada no hospital em
estudo para a transferecircncia de cuidados e corrida de leito que os profissionais realizam
O macro jaacute natildeo eacute um local maior que o micro que pode ser encaixado como as
bonecas Matryoshka russas (LATOUR 2012) A rede intra-hospitalar que ocorre todo o
perioperatoacuterio jaacute natildeo eacute um local maior que o micro neste caso os diversos setores
(internaccedilatildeo CC CTI ambulatoacuterio) Eacute um lugar igualmente local e micro conectado a muitos
outros por algum meio que transporta tipos de traccedilos especiacuteficos Ou seja nenhum lugar eacute
maior que outro mas alguns como o CC que eacute o aacutepice do perioperatoacuterio se beneficiam de
conexotildees com outros lugares Esse movimento tem o efeito beneacutefico de manter a paisagem
plana pois o que antes se situava acima ou abaixo (hierarquia de setores e profissionais)
permanece lado a lado inseridos no mesmo plano dos outros locais que tentavam superar ou
incluir
42 Situaccedilotildees de seguranccedila e de inseguranccedila nos procedimentos ciruacutergicos
A construccedilatildeo de um fato eacute um processo tatildeo coletivo que uma pessoa sozinha soacute
constroacutei sonhos alegaccedilotildees e sentimentos mas natildeo fatos (LATOUR 2000 p70)
Procurou-se nesta categoria elucidar as situaccedilotildees de seguranccedila e de inseguranccedila nas
cirurgias na perspectiva dos profissionais Segundo Valido (2011) a seguranccedila do paciente
dimensatildeo essencial da qualidade em sauacutede assume primordial importacircncia em ambiente de
centro ciruacutergico na medida em que se trata de um ambiente teacutecnico de grande diferenciaccedilatildeo
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 94
cuja estrutura aleacutem de ser complexa tem uma dinacircmica especiacutefica que impacta em seus
resultados Esta categoria estaacute estruturada nas seguintes subcategorias (421) cirurgia segura
e cirurgia insegura imbricaccedilotildees de atores humanos e natildeo humanos (422) onda vermelha
situaccedilatildeo de caos que salva vidas (423) efeito borboleta pequenas accedilotildees podem resultar em
grandes incidentes na assistecircncia ciruacutergica e (424) abordagem institucional frente aos
incidentes efeitos da cultura organizacional
421 Cirurgia segura e cirurgia insegura imbricaccedilotildees de atores humanos e natildeo humanos
Buscou-se compreender o sentido que os profissionais atribuem para um procedimento
anesteacutesico-ciruacutergico seguro e um que gera inseguranccedila para o paciente e para o profissional
As expressotildees foram multidimensionais e paradoxalmente a certeza e a duacutevida da seguranccedila
ciruacutergica no hospital estiveram presentes nas falas
Eu acho que apesar das dificuldades a maioria das nossas cirurgias eacute considerada
segura Sem duacutevida (Ed21)
Natildeo sei te falar se a maioria eacute segura ou se a maioria ainda estaacute com essa
inseguranccedila de cumprir todos os processos (Ei23)
Satildeo vaacuterios fatores que se deve levar em conta pra definir se a cirurgia eacute segura ou
natildeo (Ed13)
A reflexatildeo sobre as causas que concorrem para a seguranccedila ou a inseguranccedila
anesteacutesico-ciruacutergica se insere no campo do pensamento complexo o qual eacute articulante e
multidimensional Segundo Morin (2003a) o desafio do pensamento complexo eacute articular os
domiacutenios disciplinares fraturados pelo pensamento desagregador principal caracteriacutestica do
pensamento simplificador Este isola o que separa oculta tudo o que religa diz que o
compreender e o entender significam interferir no real Segundo o autor o pensamento
complexo almeja a um conhecimento multidimensional e poieacutetico (que manifesta novidade
criaccedilatildeo e temporalidade)
A assistecircncia anesteacutesico-ciruacutergica envolve muacuteltiplas etapas que satildeo criacuteticas plenas de
variaccedilatildeo e de incerteza com riscos de falhas e potencial para causar agravos aos pacientes
mesmo em cirurgias mais simples As etapas devem ser acionadas para cada paciente de
forma interdisciplinar com dependecircncia da accedilatildeo individual dos profissionais e satildeo exercidas
em ambientes onde fatores organizacionais e humanos desempenham papel fundamental
numa constante interaccedilatildeo entre humanos maacutequinas e equipamentos (OMS 2009
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 95
FRAGATA 2010) Essa interaccedilatildeo natildeo era possiacutevel na definiccedilatildeo preacute-relativista do social
Primeiro aparecia o participante humano e depois o mundo social mais aleacutem Nada que natildeo
fosse formado por laccedilos sociais podia fazer conexatildeo com os humanos Atualmente eacute o
contraacuterio os humanos e o contexto social foram relegados aos bastidores a luz incide sobre
os mediadores cuja proliferaccedilatildeo engendra entre muitos outros entes o que se chamaria de
quase objetos e quase sujeitos (LATOUR 2012)
Os relatos dos profissionais indicam que o desfecho anesteacutesico-ciruacutergico seguro ou
inseguro se relacionaram agraves conexotildees dos atores humanos e natildeo humanos Os natildeo humanos se
arrolaram agrave capacidade interna do hospital desde as suas condiccedilotildees estruturais ateacute os
processos de preparo do paciente e o ato ciruacutergico em si Os fatores relacionados aos atores
humanos foram aspectos que extrapolam o hospital desencadeados tanto pelas caracteriacutesticas
biopsicossociais do paciente quanto pelas caracteriacutesticas e competecircncia dos profissionais
Segundo Latour (2012 p 341) ldquoo social natildeo eacute um lugar uma coisa um domiacutenio ou um tipo
de mateacuteria e sim um movimento provisoacuterio de associaccedilotildees novasrdquo Assim propotildee-se para esta
discussatildeo a configuraccedilatildeo do tetragrama de atores natildeo humanos e humanos (condiccedilatildeo
estrutural processos de trabalho caracteriacutesticas do paciente e atitudes profissionais) que satildeo
interdependentes para a realizaccedilatildeo de uma assistecircncia ciruacutergica segura
As condiccedilotildees estruturais divididas em quatro subgrupos (espaccedilo fiacutesico equipamentos
materiais e medicamentos) foram aspectos importantes citados pelos profissionais para a
seguranccedila ciruacutergica O espaccedilo fiacutesico do CC foi considerado inadequado apesar da
importacircncia desta unidade pra a missatildeo do hospital
O nuacutemero de salas eacute pequeno Agraves vezes a urgecircncia fica esperando desocupar sala de
eletiva [] A diretoria falou em ampliar mas mais salas tecircm que ter mais
circulante anestesistas [] O valor financeiro acaba sendo alto (Ed16)
Cirurgias eletivas eu tenho que cancelar todos os dias trecircs ou quatro Chegou uma
urgecircncia a gente perde a sala A vascular a neuro e a cirurgia geral tem casos de
urgecircncia a gente perde a sala Natildeo tem CTI a sala fica presa O fluxo de cirurgias
eletivas ortopeacutedicas natildeo funciona (Ed22)
O CC eacute composto por aacuterea de recepccedilatildeo do paciente (secretaria) vestiaacuterio feminino e
masculino para profissionais aacuterea com banheiro para troca de roupas de paciente externo seis
salas ciruacutergicas aacuterea de escovaccedilatildeo sala de enfermagem quarto de descanso para a equipe
meacutedica sala de prescriccedilatildeo farmaacutecia sateacutelite aacuterea acoplada agrave farmaacutecia especiacutefica para a
guarda de oacutertese e proacutetese sala de recuperaccedilatildeo poacutes-anesteacutesica arsenal aacuterea improvisada de
estoque de equipamentos de imagem (raio X e intensificador) sala de equipamentos como
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 96
carro de anestesia aparelhos de pressatildeo intra arterial A sala de espera para pacientes externos
e familiares se localiza distante do CC fazendo com que a espera ocorra nos corredores agrave
frente da secretaria do CC
O CC atende cinco especialidades cirurgia geral vascular cirurgia plaacutestica
neurocirurgia e ortopedia As seis salas foram consideradas insuficientes pela demanda
principalmente de cirurgias ortopeacutedicas O quantitativo de salas eacute determinado por legislaccedilatildeo
de acordo com o nuacutemero de leitos do hospital Satildeo duas salas ciruacutergicas para cada 50 leitos
natildeo especializados ou duas para cada 15 leitos ciruacutergicos (BRASIL 2002b) No hospital satildeo
239 leitos natildeo especializados indicando que seriam necessaacuterias mais trecircs salas ciruacutergicas para
adequar agrave legislaccedilatildeo Pelo caacutelculo do total de leitos ciruacutergicos que satildeo 129 leitos seriam
necessaacuterias mais onze salas para alcanccedilar o miacutenimo solicitado pela legislaccedilatildeo
Esse deacuteficit gera disputa entre as cirurgias eletivas e as de urgecircncia e subsequente
tratamento ineficiente Haacute uma sala especiacutefica para as emergecircncias mas as urgecircncias
dependem da liberaccedilatildeo de salas o que pode gerar riscos para os pacientes aleacutem de atraso ou
cancelamento de cirurgias devido agrave falta de sala ciruacutergica A queixa dos profissionais deve ser
levada em consideraccedilatildeo para maior resolutividade do CC adequaccedilatildeo agrave legislaccedilatildeo e alcance da
visatildeo institucional em ser referecircncia para trauma Aleacutem do nuacutemero de salas haacute problemas
relacionados aos processos de trabalho dos profissionais
[] um bloco de seis salas natildeo consegue operar dez casos por dia A ineficiecircncia
vem desde a limpeza e troca de sala horaacuterio de inicio natildeo funciona antes de oito
Os horaacuterios de almoccedilo se estendem a partir de 1130 horas e soacute se consegue voltar a
operar duas horas da tarde [] Natildeo existe eficiecircncia com o intuito de operar mais
pacientes Pelo contrario O que eu entendo eacute que quanto menos melhor (Ed22)
[] a gente trabalha com muita condiccedilatildeo Extra bloco eacute que eacute o problema []
poderia ser mais produtivo esse bloco (Ed17)
As inadequaccedilotildees da estrutura fiacutesica podem estar ligadas agrave arquitetura antiga e falta de
planejamento financeiro para reformas embasadas nas necessidades de sauacutede e missatildeo do
hospital Por outro lado falta melhoria na estrutura do CC que resulta em baixa
produtividade mas pode ser resolvida com uma lideranccedila eficaz que estabeleccedila metas de
produccedilatildeo que natildeo devem ser riacutegidas para natildeo acarretar maacute qualidade e inseguranccedila ciruacutergica
A resolutividade tambeacutem pode ser mais bem desenvolvida por meio do acompanhamento
dinacircmico das metas estabelecidas no contrato de gestatildeo com a Secretaria Municipal eou a
Secretaria de Estado de Sauacutede O entrevistado fala do problema extra bloco que pode ser
sintetizado pela falta de leitos de retaguarda para os pacientes ciruacutergicos resultando em
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 97
retenccedilatildeo de pacientes de forma inadequada no CC com consequente aumento de riscos para
os pacientes Esse tem sido um problema recorrente na aacuterea de urgecircncia tendo em vista que
leitos de observaccedilatildeo frequentemente se transformam em leitos de internaccedilatildeo
A insuficiecircncia de salas e falta de melhoriadas mesmas acarretam situaccedilotildees inseguras
como cirurgias fora do CC e tratamento intensivo prestado fora do CTI
[] natildeo acontece uma cirurgia segura quando tem laparotomia no CTI que eacute um
ambiente inadequado mas o bloco natildeo conseguiu liberar sala [] nem sempre eacute
porque o paciente natildeo tem condiccedilatildeo na grande maioria ele tem condiccedilatildeo de ir para o
bloco mas natildeo tem sala Aiacute jaacute queimou todas as etapas porque quem vai auxiliar o
meacutedico vai ser a enfermagem do CTI que natildeo tem a experiecircncia para garantir que
essa cirurgia seja organizada da melhor maneira [] satildeo realidades muito
diferentes (Ei25)
O CTI estaacute sempre cheio [com ecircnfase] Quando natildeo tem [leito] o paciente fica na
sala a sala vira um box de CTI aguardando vaga (Ed9)
[] vai fazer cirurgias grandes e natildeo tem CTI isso torna a cirurgia e a anestesia
totalmente inseguras (Ed17)
A indisponibilidade do espaccedilo fiacutesico no momento adequado para o paciente pode ser
um fator de inseguranccedila uma vez que um setor faz o papel do outro sem a devida preparaccedilatildeo
O leito de CTI se torna uma sala operatoacuteria e esta se torna um box de CTI como taacutetica
respectivamente para a falta de sala no CC e de leitos no CTI Essa inversatildeo de funccedilatildeo das
unidades eacute tatildeo frequente que passa a ser natural introduzindo o aspecto de adaptaccedilatildeo como
rotina Outros aspectos estruturais negativos tambeacutem foram mencionados como o local
inadequado do heliporto que fica atraacutes do estacionamento e a falta de uma unidade semi-
intensiva que faz com que muitas vezes se ocupe um leito de CTI sem necessidade
As condiccedilotildees estruturais do ambiente de cuidados eacute um elemento baacutesico para a
qualidade da assistecircncia citado por vaacuterios autores incluindo Florence Nightingale
(NEUHAUSER 2003) e Avedis Donabedian que introduziu em 1966 a estrutura como
elemento de avaliaccedilatildeo dos serviccedilos de sauacutede (OMS 2009 DONABEDIAN 2005) Pesquisas
sobre a qualidade hospitalar no paiacutes evidenciam deficiecircncias nas estruturas Muitos hospitais
foram edificados em cumprimento a promessas eleitorais sem preocupaccedilatildeo com fatores
importantes como as necessidades de sauacutede capacidade institucional e sustentabilidade
financeira (LA FORGIA COUTTOLENC 2009)
Em relaccedilatildeo aos equipamentos foram relatadas disparidades tecnoloacutegicas entre
aqueles com e sem densidade tecnoloacutegica Esses uacuteltimos foram considerados precaacuterios com
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 98
necessidade de substituiccedilatildeo e os equipamentos com alto grau tecnoloacutegico foram referidos
como avanccedilados e alguns ateacute melhor do que em hospitais particulares
Nossas mesas ciruacutergicas natildeo satildeo todas adequadas para o bloco [] Precisa trocar
mas satildeo materiais caros Tem o pedido de compra mas ainda aguarda ser viaacutevel a
substituiccedilatildeo (Ed28)
A gente briga por causa de punho de foco coisinhas pequenas pra muita gente natildeo
faz diferenccedila mas na cirurgia faz (Ed4)
Tem uma aparelhagem muito boa tem ultrassom estimulador de nervo pra fazer
bloqueios que muito hospital bom natildeo tem e aqui tem (Ed17)
Uma lesatildeo de diafragma que eu poderia explorar por videocirurgia acaba fazendo
cirurgia aberta fazendo uma morbidade [] todos os hospitais puacuteblicos hoje em dia
tem aparelho de viacutedeo cirurgia a gente natildeo tem (Ei20)
Foi possiacutevel identificar que os atores natildeo humanos interferem nas relaccedilotildees humanas
causando conflito para a sua conquista como no exemplo do punho de foco um acessoacuterio
baacutesico que se coloca no foco de luz ciruacutergico para focalizar melhor o procedimento A
ausecircncia do aparelho de videocirurgia conforme mencionado causa maior sofrimento para os
pacientes devido a realizaccedilatildeo de uma ferida operatoacuteria maior Esses equipamentos seriam
exemplos de conectores conforme sinaliza Latour (2012) pois traccedilam conexotildees sociais natildeo
satildeo conexotildees feitas de social mas novas associaccedilotildees entre elementos natildeo sociais
A inadequaccedilatildeo dos equipamentos considerados simples pode repercutir na ergonomia
dos profissionais ou seja os equipamentos afetam o corpo dos profissionais conforme aponta
Latour (2009) sobre a articulaccedilatildeo e afetaccedilatildeo do corpo em relaccedilatildeo aos natildeo humanos (espaccedilos e
objetos) e aos humanos A pesquisa sobre natildeo conformidades em hospitais de Minas Gerais
tambeacutem mostrou que os equipamentos simples diminuem os riscos para os pacientes mas natildeo
satildeo considerados imprescindiacuteveis por natildeo repercutirem de forma direta na cirurgia sendo de
certa forma desvalorizados no planejamento financeiro e na prioridade de aquisiccedilatildeo em
relaccedilatildeo aos equipamentos com alto grau de tecnologia (RIBEIRO 2011) Os pressupostos
econocircmicos dificultam a implantaccedilatildeo da seguranccedila e intervenccedilatildeo adequada por limitaccedilatildeo
inadequaccedilatildeo ou escassez de recursos materiais e suporte tecnoloacutegico (MARTIacuteNEZ QUES
MONTORO GONZAacuteLE 2010) Alguns equipamentos podem ser considerados pouco
importantes em detrimento de outros mas fazem a diferenccedila para uma assistecircncia segura
Contudo natildeo basta somente ter o equipamento deve-se prezar por sua manutenccedilatildeo corretiva e
preventiva para que sejam utilizados em toda a sua capacidade operacional A rede de gases
em pleno funcionamento tambeacutem foi pontuada como preditor para a cirurgia segura
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 99
Uma [cirurgia] insegura comeccedila por natildeo ter o equipamento Outra Equipamento
descalibrado vocecirc colocou um bisturi 200 watts de potecircncia [mas natildeo eacute garantido]
que ele esteja dando mesmo [] se natildeo conseguir garantir isso eacute muito [ecircnfase]
inseguro criacutetico [] a inseguranccedila nossa eacute garantir que tenha o equipamento em
caso de falha de algum (Ei1)
A cirurgia insegura [] equipamentos de qualidade ruim [] [sem] contrato de
manutenccedilatildeo frequente porque estragam muito [Segura] eacute ter um aparelho reserva
de anestesia caso decirc algum problema Rede de oxigecircnio de vaacutecuo se estaacute tudo
funcionando bem faz muita diferenccedila (Ed17)
Eacute importante que o parque tecnoloacutegico dos hospitais conte com equipamentos extras
para a reposiccedilatildeo daqueles que estatildeo em manutenccedilatildeo uma vez que como os atores humanos
os atores natildeo humanos tambeacutem satildeo passiacuteveis de falhas sendo necessaacuterio o seu reparo Isto se
apresenta como um gargalo na instituiccedilatildeo que deve elaborar e implantar um plano de
gerenciamento de suas tecnologias conforme preconizado na RDC nordm 022010 (BRASIL
2010) possibilitando realizar um histoacuterico institucional para planejar e prever o quantitativo
necessaacuterio de equipamentos para uso e para substituiccedilatildeo
Um importante ponto abordado foi a necessaacuteria rotina de teste dos equipamentos antes
do iniacutecio da cirurgia Essa accedilatildeo eacute um fator criacutetico de sucesso para a cirurgia segura sendo
inclusive item comtemplado no checklist de cirugia segura da OMS
Eu falo sempre ldquogente vai comeccedilar uma cirurgia vocecirc natildeo testa o equipamento
antesrdquo O equipamento pode parar Vocecirc pode pegar seu carro na garagem bater a
chave e ele natildeo ligar Aiacute vocecirc vai abrir o paciente pra depois ver se tem o
equipamento que funciona ou natildeo (Ei1)
As falhas dos equipamentos satildeo multifatoriais como fatores baacutesicos (quebra ou
defeito de fabricaccedilatildeo) fatores externos (falta de eletricidade ou interferecircncia no momento da
desfibrilaccedilatildeo) e causas decorrentes do erro humano Esta uacuteltima eacute a mais comum e decorre de
conhecimento inadequado falta de experiecircncia e de supervisatildeo inadequada checagem diaacuteria e
falta de manutenccedilatildeo preventiva (DYSON SMITH 2002)
Os materiais tambeacutem foram apontados como preditores importantes para a uma
cirurgia segura tanto nos aspectos ligados agrave sua ausecircncia ou dificuldade de aquisiccedilatildeo quanto
no que se refere agraves propriedades de esterilizaccedilatildeo ou fabricaccedilatildeo Os profissionais em sua
maioria consideraram os materiais disponibilizados no hospital de qualidade satisfatoacuteria
Insegura quando coloco o paciente em sala e o material natildeo estaacute esteacuteril (Ei3)
[] cada cirurgiatildeo principalmente o ortopeacutedico tem preferecircncia por um material
[] Sem o material vocecirc natildeo consegue fazer quase nada (Ed12)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 100
[] material tudo que a gente precisa demora porque tem uma limitaccedilatildeo que eacute do
financiamento do hospital eacute uma verba que demora tem que fazer proposta projeto
licitaccedilatildeo Demora um pouco mas chega (Ei30)
[] proacutetese ortopeacutedica neuroloacutegica vasculares satildeo materiais importados caros que
satildeo muito bem armazenados guardados liberados com muita cautela Os nossos
materiais satildeo de primeira linha [com ecircnfase] [] noacutes comeccedilamos a utilizar haacute um
mecircs materiais descartaacuteveis no bloco (Ei5)
A preferecircncia e escolha do fabricante do material eacute uma exceccedilatildeo na realidade de um
hospital puacuteblico Agrave primeira vista pode ser uma vantagem mas haacute o risco de desconsideraccedilatildeo
da padronizaccedilatildeo institucional pelo perfil dos pacientes e aumento de custos E ainda haacute
morosidade na aquisiccedilatildeo em hospitais puacuteblicos
Em relaccedilatildeo ao uso recente de materiais descartaacuteveis no CC alguns materiais jaacute satildeo
descartaacuteveis haacute muito tempo Nesse caso o entrevistado se referiu a campos e aventais
descartaacuteveis que contribuem para a seguranccedila No entanto uma enfermeira da CME relatou
que estaacute sendo difiacutecil a implantaccedilatildeo por resistecircncia dos profissionais A eficaacutecia desses
materiais estaacute na capacidade de se constituir barreira por ser impermeaacutevel a liacutequidos
impedindo a passagem de microorganismos para a incisatildeo ciruacutergica o que vai ao encontro das
melhores praacuteticas para vestuaacuterio e campos orientadas pelo Center for Disease Control
(MANGRAN et al 1999)
Os medicamentos tambeacutem foram apontados como recursos importantes no ato
ciruacutergico Foram relatados pelos profissionais aspectos do abastecimento e dos erros de
administraccedilatildeo que podem levar o paciente ao oacutebito
[] aqui natildeo falta medicaccedilatildeo [com ecircnfase] Se um meacutedico quer um medicamento
que eacute natildeo padratildeo a farmaacutecia compra o hospital libera (Ei15)
Satildeo medicaccedilotildees que podem levar a oacutebito se for dosagens incorretas (Ed13)
Conforme os relatos o abastecimento de medicamentos eacute satisfatoacuterio na instituiccedilatildeo o
que contribui para a qualidade da assistecircncia ciruacutergica Contudo o CC eacute um lugar em que
erros relacionados a medicamentos podem resultar em graves incidentes Estudiosos do IOM
concluiacuteram apoacutes averiguaccedilatildeo de diversos trabalhos publicados sobre erros de medicaccedilatildeo que
cada paciente internado em hospitais nos EUA estaacute sujeito a um erro de medicaccedilatildeo por dia
(ASPDEN et al 2007)
Os eventos adversos relacionados a medicamentos em CC encontrados na literatura
focam mais naqueles relativos agrave anestesiologia Em um estudo canadense dos 1038 eventos
farmacoloacutegicos anesteacutesicos relatados 15 (14) geraram morbidades importantes incluindo
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 101
quatro oacutebitos (ORSER CHEN YEE 2001) Dos 61 anestesiologistas participantes de um
estudo brasileiro em Santa Catarina 918 afirmaram ter cometido algum erro de
administraccedilatildeo de medicamentos somando um total de 274 erros com meacutedia de 47 erros por
entrevistado (ERDMANN et al 2016) O erro mais comum foi substituiccedilatildeo (684) seguido
por erro de dose (491) e omissatildeo (350) Ocorreram principalmente no periacuteodo matutino
(327) na manutenccedilatildeo da anestesia (490) com 478 sem danos ao paciente e 17 com
dano irreversiacutevel Os possiacuteveis fatores mencionados foram distraccedilatildeo fadiga e a leitura errada
dos roacutetulos de ampolas ou seringas (ERDMANN et al 2016) Assim eacute fundamental que
todos os hospitais estabeleccedilam poliacuteticas para garantir a seguranccedila do sistema de medicaccedilatildeo
(WHO 2008) mesmo dentro de um setor fechado como o CC
Os aspectos referentes ao preparo do paciente para o ato ciruacutergico necessitam ser
analisados A identificaccedilatildeo do paciente foi apontada como o primeiro fator para uma cirurgia
segura juntamente com o preenchimento completo do formulaacuterio de solicitaccedilatildeo de
hemocomponentes
Primeiro para uma cirurgia insegura identificaccedilatildeo Eu natildeo recebo [no laboratoacuterio]
nenhum material sem identificaccedilatildeo preciso garantir ao meacutedico que o exame estaacute
com o resultado certo [] preciso passar o resultado fiel pra ele (Ei24)
Eu acho que primeiramente identificaccedilatildeo segura no tubo de amostra do paciente ter
certeza que aquela amostra eacute dele (Ei18)
Pelo relato do profissional haacute uma contradiccedilatildeo ele relata que a identificaccedilatildeo eacute
importante para a seguranccedila no entanto afirma que precisa garantir ldquoao meacutedicordquo a correta
identificaccedilatildeo do paciente A identificaccedilatildeo eacute uma informaccedilatildeo que tem que estar correta para
toda a equipe multidisciplinar para que haja sucesso do conjunto de accedilotildees sendo o paciente o
mais interessado e natildeo o meacutedico
Durante a observaccedilatildeo do cenaacuterio foi possiacutevel verificar cenas de falhas na identificaccedilatildeo
dos pacientes constituindo gargalo para a seguranccedila do paciente como no exemplo descrito a
seguir Um paciente de 85 anos foi admitido em quadro de abdome agudo obstrutivo para
laparotomia exploradora com histoacuterico de ausecircncia de evacuaccedilatildeo por 10 dias e reduccedilatildeo do
niacutevel de consciecircncia e sinais vitais alterados Observou-se que no prontuaacuterio havia folhas
com nomes diferentes e na pulseira do paciente um dos nomes se confirmava A circulante foi
avisada sobre os nomes diferentes e que havia orientaccedilatildeo para precauccedilatildeo por contato
(staphilococcus aureus) A circulante se irritou por natildeo ter percebido ou natildeo ter sido avisada
sobre a precauccedilatildeo de contato Disse que jaacute natildeo adiantava mais nada Quanto aos nomes no
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 102
prontuaacuterio avisou a enfermeira supervisora que saiu da sala sem dizer o que iria fazer A
circulante permaneceu na sala sem saber se podia ou natildeo preparar o paciente Chegou agrave sala
ciruacutergica dizendo ldquoNingueacutem veio a gente nem sabe se eacute o mesmo pacienterdquo e chamava
pessoas em voz alta no corredor Chegaram por fim residentes anestesista e preceptor A
equipe foi informada sobre a identificaccedilatildeo incorreta e eles comeccedilaram a discutir O equiacutevoco
se agravou quando observaram que paciente estava com fralda e havia evacuado A questatildeo
era a seguinte se o diagnoacutestico era abdome agudo por obstruccedilatildeo ou o paciente natildeo precisava
mais de cirurgia ou natildeo era ele para aquela cirurgia O preceptor e a equipe tentavam
solucionar o problema Um residente perguntou ao paciente o seu nome e esse respondeu
duvidosamente Por fim a surpervisora de enfermagem chegou e informou que na noite
anterior na unidade de internaccedilatildeo havia sido feita troca de leitos 513 para o 521 e vice-versa
Nesse movimento houve a troca de papeacuteis dos prontuaacuterios O paciente estava correto Ateacute
aquele momento o quadro de time out disposto na sala operatoacuteria natildeo tinha sido preenchido
Apoacutes o iniacutecio do preparo do paciente o profissional responsaacutevel pelo preenchimento do time
out chegou e comeccedilou a fazer perguntas para a equipe e a preencher o checklist no sistema
informatizado MV Ou seja a falha de identificaccedilatildeo natildeo foi constatada pelo profissional do
checklist foi verificada por uma pessoa externa
Pelo exemplo mencionado foi possiacutevel verificar a importacircncia de se trabalhar com a
correta identificaccedilatildeo dos pacientes nos serviccedilos de sauacutede Tanto que essta foi a primeira meta
nacional de seguranccedila do paciente nos EUA em 2003 e em 2010 se tornou meta
internacional (WHO 2007 CBA 2010) No entanto ainda permanecem cenaacuterios como o
deste estudo e como o encontrado em pesquisa realizada em Minas Gerais na qual 4595
dos 37 hospitais estudados natildeo tinham metodologia para identificaccedilatildeo da totalidade dos
pacientes (RIBEIRO et al 2014)
A maioria dos entrevistados relatou como procedimento anesteacutesico-ciruacutergico seguro o
eletivo realizado com tranquilidade e embasado no conhecimento preacutevio do paciente por
meio do preacute-operatoacuterio As urgecircncias e principalmente as emergecircncias (Onda Vermelha)
foram consideradas inseguras
[] cirurgia insegura eacute a onda e a com seguranccedila eacute a eletiva que tem mais tempo de
fazer tudo bonitinho (Ed4)
[] segura eacute cirurgia marcada Insegura eacute quando eacute urgecircncia (Ei27)
Hoje se tem todos os dispositivos para fazer uma cirurgia segura principalmente a
eletiva Eletiva natildeo tem justificativa pra fazer uma cirurgia insegura daacute pra prever
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 103
tudo (Ed10)
Anestesia segura seriam procedimentos eletivos O paciente estaacute preparado
compensado vocecirc vai ver exames antes escolher a melhor teacutecnica vocecirc tem tempo
Anestesia insegura vocecirc tem que fazer em segundos [] uma emergecircncia [] ter
que fazer sob pressatildeo e em pouco tempo (Ed9)
Uma urgecircncia eacute ldquo[] a ocorrecircncia imprevista de agravo agrave sauacutede com ou sem risco
potencial de vida cujo portador necessita de assistecircncia meacutedica imediatardquo e uma emergecircncia
eacute ldquo[] a constataccedilatildeo meacutedica de condiccedilotildees de agravo agrave sauacutede que impliquem em risco
iminente de vida ou sofrimento intenso exigindo portanto tratamento meacutedico imediatordquo
(CFM 1995) Estudos mostraram que cirurgias de emergecircncia e urgecircncia foram preditoras de
Infeccedilatildeo de Siacutetio Ciruacutergico (ISC) e oacutebito A maioria dos pacientes com ISC em um hospital
puacuteblico de ensino foi submetida a procedimentos de emergecircncia e urgecircncia que predispotildee este
tipo de infecccedilatildeo devido agrave instabilidade do paciente e falta de tempo para o preparo adequado
da pele (BARBOSA et al 2009) Houve associaccedilatildeo entre cirurgias de urgecircncia e emergecircncia
e o risco aumentado de mortalidade (OLIVEIRA et al 2012 PATIL et al 2011 CALIL et
al 2010)
Os pacientes submetidos agrave cirurgia de urgecircncia estatildeo em risco aumentado para
complicaccedilotildees e morte mas mesmo em cirurgia de rotina haacute a interaccedilatildeo complexa entre os
atores humanos e os atores natildeo humanos para o cuidado eficaz e no tempo certo (WEISER et
al 2010) O relato de Ed10 aponta que nas cirurgias eletivas haacute como prever tudo mas haacute
ocorrecircncias imprevisiacuteveis mesmo em um cenaacuterio aparentemente previsiacutevel Essa visatildeo remete
agrave percepccedilatildeo diminuiacuteda dos riscos inerentes agraves cirurgias pelos profissionais
Temos poucas intercorrecircnciasdignas de nota [] que eu saiba natildeo temos relatos de
nenhum erro transfusional que tenha sido fatal ou muito seacuterio (Ed21)
Falar de uma cirurgia insegura (pausa) Eu natildeo sei por que eu nunca passei por isso
[] Ai vou falar uma coisa que eu acho e natildeo que eu jaacute presenciei Por exemplo eu
acho se ali tiver gente que natildeo tem experiecircncia para ocupar aquele cargo (Ed31)
As cirurgias de urgecircncia e emergecircncia por sua imprevisibilidade rapidez e pouco
tempo para uma avaliaccedilatildeo preacutevia do paciente satildeo procedimentos em que haacute mais
risco Cirurgias eletivas satildeo mais previsiacuteveis e o componente tempo eacute favoraacutevel e
grande aliado configurando-se como procedimento de maior seguranccedila Contudo e
apesar da separaccedilatildeo da Hoje se tem todos os dispositivos para fazer uma cirurgia
segura principalmente a eletiva Eletiva natildeo tem justificativa pra fazer uma cirurgia
insegura daacute pra prever tudo (Ed10)
Anestesia segura seriam procedimentos eletivos O paciente estaacute preparado
compensado vocecirc vai ver exames antes escolher a melhor teacutecnica vocecirc tem tempo
Anestesia insegura vocecirc tem que fazer em segundos [] uma emergecircncia [] ter
que fazer sob pressatildeo e em pouco tempo (Ed9)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 104
Uma urgecircncia eacute ldquo[] a ocorrecircncia imprevista de agravo agrave sauacutede com ou sem risco
potencial de vida cujo portador necessita de assistecircncia meacutedica imediatardquo e uma emergecircncia
eacute ldquo[] a constataccedilatildeo meacutedica de condiccedilotildees de agravo agrave sauacutede que impliquem em risco
iminente de vida ou sofrimento intenso exigindo portanto tratamento meacutedico imediatordquo
(CFM 1995) Estudos mostraram que cirurgias de emergecircncia e urgecircncia foram preditoras de
Infeccedilatildeo de Siacutetio Ciruacutergico (ISC) e oacutebito A maioria dos pacientes com ISC em um hospital
puacuteblico de ensino foi submetida a procedimentos de emergecircncia e urgecircncia que predispotildee esse
tipo de infecccedilatildeo devido agrave instabilidade do paciente e falta de tempo para o preparo adequado
da pele (BARBOSA et al 2009) Houve associaccedilatildeo entre cirurgias de urgecircncia e emergecircncia
e o risco aumentado de mortalidade (OLIVEIRA et al 2012 PATIL et al 2011 CALIL et
al 2010)
Os pacientes submetidos agrave cirurgia de urgecircncia estatildeo em risco aumentado para
complicaccedilotildees e morte mas mesmo em cirurgia de rotina haacute a interaccedilatildeo complexa entre
atores humanos e atores natildeo humanos para o cuidado eficaz e no tempo certo (WEISER et al
2010) O relato de Ed10 aponta que nas cirurgias eletivas eacute possiacutevel ter uma maior previsatildeo e
mesmo num cenaacuterio aparentemente seguro ainda haveraacute fatores imprevisiacuteveis Essa visatildeo
remete agrave percepccedilatildeo diminuiacuteda dos riscos inerentes agraves cirurgias pelos profissionais
Temos poucas intercorrecircncias dignas de nota [] que eu saiba natildeo temos relatos de
nenhum erro transfusional que tenha sido fatal ou muito seacuterio (Ed21)
Falar de uma cirurgia insegura (pausa) Eu natildeo sei porque eu nunca passei por isso
[] Aiacute vou falar uma coisa que eu acho natildeo que eu jaacute presenciei Por exemplo eu
acho se ali tiver gente que natildeo tem experiecircncia para ocupar aquele cargo (Ed31)
As cirurgias de urgecircncia e emergecircncia por sua imprevisibilidade rapidez e pouco
tempo para uma avaliaccedilatildeo preacutevia do paciente satildeo procedimentos em que haacute mais risco
Cirurgias eletivas satildeo mais previsiacuteveis jaacute que o componente tempo eacute favoraacutevel e grande
aliado configurando-se como procedimento de maior seguranccedila Contudo apesar da
separaccedilatildeo da natureza das cirurgias ao se falar de seguranccedila vislumbra-se algo paradoxal
sobre a linearidade nas falas a seguir cirurgia eletiva cirurgia segura em hospital de
ensino
Na cirurgia eletiva [] tem cirurgiatildeo que conhece o paciente na mesa ciruacutergica
porque quem olhou foi o residente e ligou para ele ldquoTem um caso posso marcar
para operarrdquo ldquoPode Marca que a gente opera juntordquo O jeito que o residente olha
natildeo eacute o jeito que o preceptor olha o paciente (Ed19)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 105
Primeiro passo [para cirurgia segura] quando o cirurgiatildeo conhece o paciente e jaacute
peguei vaacuterias situaccedilotildees que ele natildeo sabe Entra aqui um kinder ovo neacute uma bolinha
surpresa ali vocecirc vai cavando vocecirc vai descobrindo coisa que eacute muito relevante
para a seguranccedila do paciente (Ed29)
A caracteriacutestica fundamental da seguranccedila citada na cirurgia eletiva foi uma avaliaccedilatildeo
preacutevia do paciente embora muitas vezes a avaliaccedilatildeo tenha sido feita por outro medico e o
cirurgiatildeo toma conhecimento do paciente soacute no momento do ato ciruacutergico Natildeo haacute reuniatildeo de
equipe discussatildeo de caso e avaliaccedilatildeo pelo profissional que daraacute continuidade na assistecircncia
Assim a natureza eletiva urgente ou emergente torna-se apenas uma dimensatildeo e natildeo um
criteacuterio preponderante para a seguranccedila
A especificidade do procedimento a teacutecnica ciruacutergica escolhida a necessidade de
abordagem posterior ao procedimento realizado devido agrave escolha ou falha da teacutecnica e o
niacutevel de cuidado necessaacuterio apoacutes o procedimento ciruacutergico foram mencionados como fatores
importantes que propiciam a seguranccedila
Insegura Uma laparatomia cirurgia de coluna de fecircmur [] (Ei7)
Insegura Paciente entra pra fazer uma apendicite tranquila [] sai com uma
laparotomia enorme a barriga toda aberta por imperiacutecia do cirurgiatildeo (Ed28)
[] caso de fraturas expostas o pessoal faz os primeiros socorros e fica na duacutevida se
faz a cirurgia ou coloca um fixador Agraves vezes coloca o fixador externo e coloca
errado tem que voltar pra refazer o fixador Agraves vezes faz uma cirurgia mas
infecciona natildeo lava direito aiacute tem que fazer a cirurgia de novo colocar outra
proacutetese Isso eacute uma cirurgia insegura (Ei27)
[Cirurgia insegura] as que precisam de um poacutes-operatoacuterio de CTI (Ei7)
As situaccedilotildees mencionadas para uma cirurgia segura ou insegura refletem a experiecircncia
e cultura dos profissionais O acompanhamento em uma unidade intensiva apoacutes a cirurgia
conforme mencionada por Ed17 remete agrave ideia de cirurgia insegura provavelmente ligada ao
niacutevel de agravamento da situaccedilatildeo cliacutenica do paciente Essa percepccedilatildeo reproduz a cultura da
sociedade na qual o CTI eacute um lugar apenas de pacientes em condiccedilotildees extremas O tempo
tambeacutem eacute relatado como fator de mais ou menos risco para os pacientes ou seja o tempo de
preparo para a cirurgia e a duraccedilatildeo da mesma
[] cirurgia insegura tempo [com ecircnfase] Tempo ciruacutergico prolongado
exposiccedilatildeo a anesteacutesico prolongado cavidade aberta (Ed9)
[] ldquoquantas horasrdquo ldquo2 horasrdquo O anestesista anestesia para 2 horas aiacute passa
tem que fazer nova anestesia risco de contaminaccedilatildeo maior (Ei15)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 106
A segura eacute quando tem tempo pra montar a sala Vocecirc abre os materiais todos
esteacutereis [] Quando tudo eacute feito com mais calma (Ed4)
O tempo foi considerado fator determinante para seguranccedila tanto para a realizaccedilatildeo do
procedimento quanto para o preparo da sala e do paciente A montagem da sala operatoacuteria eacute
realizada pelo teacutecnico de enfermagem circulante sob a supervisatildeo do enfermeiro e consiste
na colocaccedilatildeo de equipamentos e materiais para cada tipo de cirurgia Deve ser realizada e
fiscalizada antes mesmo do paciente entrar no CC No entanto este processo parece natildeo
receber a atenccedilatildeo necessaacuteria por ser visto como rotina e natildeo como accedilatildeo essencial para a
seguranccedila do paciente Com a evoluccedilatildeo da tecnologia variedade de materiais e aumento de
intervenccedilotildees ciruacutergicas tem-se exigido maior envolvimento e atualizaccedilatildeo dos profissionais
(LIMA SOUSA CUNHA 2013)
A duraccedilatildeo de uma cirurgia pode ser influenciada por interrupccedilotildees falhas na
comunicaccedilatildeo familiaridade entre membros da equipe ciruacutergica e imprevisibilidade dos casos
natildeo planejados levando agrave ineficiecircncia e aumento dos custos (GILLESPIE CHABOYER
FAIRWEATHER 2012) Cirurgia com mais de duas horas ou um tempo maior do que o
necessaacuterio significa maior exposiccedilatildeo dos tecidos podendo acometer a sua oxigenaccedilatildeo
favorecendo a formaccedilatildeo de uacutelceras por pressatildeo Aleacutem disso provoca fadiga na equipe
propiciando falhas teacutecnicas (MANGRAN et al 1999 LOPES GALVAtildeO 2010) A duraccedilatildeo
da cirurgia estaacute tambeacutem diretamente ligada agrave ocorrecircncia de ISC quanto mais prolongada
maior o risco (ERCOLE et al 2011 KHAN et al 2008)
Uma palavra-chave para a seguranccedila mencionada pelos profissionais foi
ldquocontaminaccedilatildeordquo A profissional da higienizaccedilatildeo relacionou o quantitativo de cirurgias seguras
e inseguras com as limpezas terminal mostrando a interconexatildeo dos processos de trabalho
[Cirurgia segura eacute] sem contaminaccedilatildeo Contaminaccedilatildeo eacute a palavra certa pra
definir uma cirurgia segura (Ed8)
[] profissional preocupa com a natildeo contaminaccedilatildeo A segura E a insegura eacute a
que o profissional natildeo estaacute nem ai Quer nem saber (Ed12)
Quando eacute insegura temos que dar um terminal bater a maacutequina para poder estar
matando bacteacuteria jogando cloro [] satildeo muito poucas e satildeo os pacientes do
CTI que jaacute estatildeo com uma doenccedila transmissiacutevel pelo ar e por encostar [] eles
fazem mais a cirurgia segura [] a gente pode limpar normal sem precisar dar
aquela desinfecccedilatildeo terminal (Ei6)
Estudo apontou que pacientes submetidos a cirurgias consideradas limpas tiveram taxa
de mortalidade inferior quando confrontados aos que foram submetidos aos demais tipos de
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 107
cirurgias (ELIAS et al 2009) Pode-se deduzir que as cirurgias limpas oferecem mais
seguranccedila quando comparadas agraves cirurgias potencialmente contaminadas ou infectadas
A cirurgia eacute tida como uma rotina com princiacutepios baacutesicos aprendidos na academia e
que devem ser praticados por todos os profissionais No entanto foi mencionado que haacute
detalhes da cirurgia que natildeo satildeo passiacuteveis de fazerem parte de protocolos
Os princiacutepios baacutesicos [para cirurgia segura] o cirurgiatildeo aprende na faculdade e na
residecircncia Eu tenho que fazer daquela forma meu colega tambeacutem todo mundo
Mas alguns detalhes no transcorrer da cirurgia natildeo tecircm como protocolar [] Um
exemplo simples cirurgiatildeo que soacute opera ouvindo muacutesica Eu natildeo consigo operar
ouvindo muacutesica prefiro o silecircncio [] mesmo que a minha rotina seja diferente do
outro eu acho que cada um tem que seguir a sua (Ed19)
A cirurgia insegura pode acontecer a qualquer momento Se as travas que foram
criadas pra evitar os erros natildeo acontecerem [] (Ei23)
O exemplo mencionado reflete a valorizaccedilatildeo da autonomia meacutedica na qual cada
cirurgiatildeo se adequa a uma rotina proacutepria que tem por base os princiacutepios apreendidos durante
sua formaccedilatildeo Segundo Gawande (2011) na medicina cultiva-se a ldquoautonomiardquo como um
guia no entanto este princiacutepio se choca diretamente com o da disciplina
Por outro lado a fala de Ei23 remete a uma das barreiras para a seguranccedila elencada
por Amalberti et al (2005) que eacute a transiccedilatildeo da mentalidade de ldquoartesatildeordquo para o de ldquoator
equivalenterdquo Os profissionais de sauacutede precisam abandonar o status e autoimagem como
artesatildeos e adotar uma posiccedilatildeo que valorize a equivalecircncia entre seus pares para que a
qualidade natildeo sofra variaccedilotildees inapropriadas Isso exige condiccedilotildees estaacuteveis as quais satildeo
atingidas em algumas aacutereas como radiologia e anestesiologia mas natildeo em CTI e cirurgia de
emergecircncia em que condiccedilotildees instaacuteveis (mudanccedila constante de profissionais e do paciente)
satildeo normas (AMALBERTI et al 2005)
O checklist e o quadro de time out de cirurgia segura disponibilizados dentro de cada
sala ciruacutergica foram lembrados e mencionados apenas por dois profissionais ao se referirem a
uma cirurgia segura
Uma cirurgia segura eu acredito que ela aconteccedila quando todos os itens do
checklist foram avaliados corretamente (Ei5)
Eacute um conjunto de fatores que a gente tem que sempre levar em conta Por isso
que a gente tem aquele quadro [time out] que infelizmente [ecircnfase] natildeo eacute mais
preenchido (Ed16)
As tentativas dos profissionais de criarem barreiras ndash como o time out e o checklist ndash
promovem ou deveriam promover a seguranccedila ciruacutergica que gera mais responsabilidade dos
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 108
profissionais em manter as barreiras ativas Ou seja quanto mais seguro um sistema eacute mais
responsabilidade exige dos seus profissionais (AMALBERT et al 2005) Isso se insere no
campo do pensamento complexo que eacute algo paradoxal e que se retroalimenta Segundo Morin
(2011) a complexidade surge no seguinte enunciado ldquo[] produz coisas e se autoproduz ao
mesmo tempo o produtor eacute seu proacuteprio produtordquo
Dados esses fatores quanto agrave seguranccedila os profissionais apontam que a inseguranccedila
nas cirurgias principalmente nos processos de urgecircncia e emergecircncia natildeo eacute estabelecida em
funccedilatildeo da teacutecnica ou dos procedimentos mas com o imprevisto relacionado ao paciente e
como ele vai reagir agrave abordagem ciruacutergica
As urgecircncias e ondas satildeo mais inseguras Natildeo em relaccedilatildeo a procedimento eu natildeo
vou ficar inseguro do que fazer Mas em relaccedilatildeo a como o paciente vai reagir
Quando o procedimento eacute eletivo eacute tranquilo geralmente satildeo mais seguros Eu
sei como vai ser (Ed11)
A maioria dos pacientes consegue sair daqui resolvido [] tem pacientes que
complicam mas nem sempre eacute questatildeo de inseguranccedila na cirurgia e sim o
quadro cliacutenico do paciente [] (Ed28)
Apesar da previsibilidade nas situaccedilotildees de cirurgia eletiva e da imprevisibilidade das
cirurgias de urgecircnciaemergecircncia a resposta do paciente eacute um fator importante As
caracteriacutesticas dos pacientes foram apontadas como causas que favorecem uma cirurgia
segura por diversos profissionais Entre essas caracteriacutesticas encontram-se a idade do
paciente e as doenccedilas preacute-existentes como aspectos que aumentam os riscos e diminuem a
seguranccedila
Um paciente de idade menos avanccedilada eu acho que seria uma cirurgia de menor
risco Uma de mais risco um paciente mais idoso (Ei7)
Depende do paciente e aiacute vem idade doenccedilas crocircnicas vaacuterios fatores O paciente
eacute hipertenso eacute diabeacutetico entatildeo os riscos aumentam vai diminuindo o grau de
seguranccedila [] (Ed13)
A idade eacute citada em diversos estudos como um fator importante a ser considerado para
a realizaccedilatildeo de cirurgias (KHAN et al 2008 LOPES GALVAtildeO 2010) Pacientes idosos
precisam ser abordados como um desafio agrave parte jaacute que se trata de indiviacuteduos com alto risco
para intervenccedilatildeo ciruacutergica por apresentarem menor reserva fisioloacutegica e maior co-morbidades
(OLIVEIRA et al 2012) A preacute-existecircncia de hipertensatildeo diabetes infarto agudo do
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 109
miocaacuterdio e doenccedila pulmonar obstrutiva crocircnica eacute preditora de readmissatildeo hospitalar e estaacute
diretamente relacionada agrave mortalidade (OLIVEIRA et al 2012 LOPES GALVAtildeO 2010)
O fator ldquoatenccedilatildeordquo dispensada ao paciente foi considerado como diretamente
relacionado agrave seguranccedila ciruacutergica No entanto esteve atrelada agrave responsabilidade e proteccedilatildeo
profissional e natildeo agrave atenccedilatildeo centrada no paciente
Quando vocecirc natildeo daacute atenccedilatildeo para o paciente aiacute eacute insegura A partir do momento
que entra no bloco ele eacute de sua responsabilidade Vocecirc tem que se resguardar ao
maacuteximo para que esse paciente entre e saia bem Foi cumprido o papel ateacute
quando vocecirc entrega ele no andar [riso] (Ed26)
A preocupaccedilatildeo da responsabilidade profissional mencionada eacute legiacutetima uma vez que
segundo Faria Moreira e Pinto (2014) haacute consideraacutevel aumento do nuacutemero de accedilotildees judiciais
contra profissionais e organizaccedilotildees de sauacutede no Brasil a partir da deacutecada de 1990 (FARIA
MOREIRA PINTO 2014) Os profissionais de sauacutede envolvidos em algum evento adverso
tecircm responsabilidade de natureza civil penal e administrativa expressas respectivamente
nos Coacutedigos Civil Penal Brasileiro e de Defesa do Consumidor Aleacutem dos coacutedigos eacutetico-
profissionais de cada categoria profissional
O dano eacute condiccedilatildeo essencial para que exista a possibilidade de responsabilizaccedilatildeo civil
de um profissional advindo de negligecircncia omissatildeo imprudecircncia e imperiacutecia A negligecircncia
eacute relativa ao descuido ineacutercia passividade desleixo falta de cuidado daquele que deveria
agir O ato omisso eacute quando se deixa de fazer algo que deveria ter sido realizado como o
abandono do paciente ou a omissatildeo de tratamento Jaacute a imprudecircncia eacute relacionada ao agir da
pessoa causadora do dano como atitudes natildeo justificadas descuidadas precipitadas de
maneira intempestiva sem a cautela e a precauccedilatildeo que o profissional deveria ter Por uacuteltimo a
imperiacutecia acontece quando natildeo haacute a observaccedilatildeo das normas por parte da pessoa que deveria
consideraacute-las e executaacute-las incluindo-se a ignoracircncia teacutecnica dos profissionais inexperiecircncia
incompetecircncia desconhecimento e despreparo praacutetico (FARIA MOREIRA PINTO 2014)
Os mecanismos judiciais dos atos que levam a danos aos pacientes tecircm as duas faces
da mesma moeda Ao mesmo tempo em que promovem credibilidade responsabilizando o
profissional que teve um comportamento de risco provocam tambeacutem o medo da
culpabilizaccedilatildeo Assim a cultura punitiva vai se arraigando e faz com que natildeo haja notificaccedilatildeo
dos incidentes pelos profissionais causando mais inseguranccedila pelo fato dos incidentes natildeo
servirem como situaccedilatildeo que promova a educaccedilatildeo continuada dos profissionais A notificaccedilatildeo
tem valor para a instituiccedilatildeo quando eacute realizada e trabalhada com cunho educativo
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 110
Para aleacutem da promoccedilatildeo da seguranccedila ciruacutergica no ambiente hospitalar essa se estende
ateacute o domicilio do paciente sendo um campo de difiacutecil investigaccedilatildeo mas que certamente
influencia o desfecho final do processo operatoacuterio
A cirurgia segura eacute muito mais que o poacutes-operatoacuterio imediato vai muito aleacutem []
depois que esse paciente vai para o andar depois que vai pra casa ainda tem um
processo de cirurgia segura ai (Ed26)
Nesse contexto mais amplo o papel do paciente como ator principal na gestatildeo da sua
proacutepria seguranccedila deve ser levado em consideraccedilatildeo Isso eacute orientado pela OMS (2009) e
tambeacutem foi tema evocado no V Encontro de Enfermagem Baseada em Evidecircncias realizado
em Granada A informaccedilatildeo e educaccedilatildeo do paciente ciruacutergico satildeo uacuteteis para aumentar a
preparaccedilatildeo e a conscientizaccedilatildeo sobre a situaccedilatildeo agrave qual que ele se submeteraacute percebendo suas
expectativas e ajudando a controlar o medo e a ansiedade (OBSERVATORIO EBE DE LA
FUNDACIOacuteN INDEX 2008) Nesse sentido a seguranccedila do paciente eacute uma aacuterea de
intervenccedilatildeo inovadora que ao colocar no centro o paciente e seus familiares obriga a
reinventar o sistema de sauacutede numa perspectiva cada vez mais baseada em aspectos de
cidadania e de ganhos em sauacutede (SOUSA UVA SERRANHEIRA 2010)
Aleacutem das questotildees relacionadas agraves condiccedilotildees estruturais do hospital aos
procedimentos ciruacutergicos e aos pacientes tambeacutem exercem forccedila no aumento ou diminuiccedilatildeo
dos riscos as caracteriacutesticas e a competecircncia (conhecimento habilidade e atitude) dos
profissionais comeccedilando pelo quantitativo de profissionais disponiacuteveis e por atitudes baacutesicas
e importantes para a seguranccedila
A escala hoje eacute uma dificuldade que a gente natildeo consegue administrar (Ei30)
Equipe de anestesia quanto mais completa mais seguranccedila Se vocecirc precisar de
ajuda tem um colega eacute diferente de vocecirc trabalhar sozinho (Ed17)
A parte segura eacute que a gente escuta e vecirc que o aumento de contaminaccedilatildeo eacute pouco
Mas tem coisas que eacute errado [ecircnfase] [] cirurgia com a porta aberta Gente sem
touca que come por aqui faz comida cheira o bloco todo [] o circulante tem que
limpar sua sala uns limpam certo outros natildeo (Ei15)
Os relatos mencionam a coexistecircncia de cirurgias seguras e inseguras no cenaacuterio de
estudo O uso inadequado dos natildeo humanos como a vestimenta incompleta dos profissionais
impacta na seguranccedila dos pacientes e dos proacuteprios profissionais Desde a entrada do paciente
no CC existe a mediaccedilatildeo de atores natildeo humanos como as portas que implicam na praacutetica dos
profissionais As portas do CC abertas durante a cirurgia permitem o contato entre a aacuterea
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 111
semi-restrita (corredor) e a restrita (sala operatoacuteria) Apesar de aparentemente ser rotineiro e
sem problema o fluxo para dentro e fora da sala de cirurgia eacute um fator importante no
desenvolvimento da ISC e esse fluxo tem sido associado ao movimento da porta (SIMONS et
al 2014)
No hospital a escala principalmente de anestesistas no CC e teacutecnicos de enfermagem
em toda a linha de cuidados ciruacutergicos foi uma dificuldade encontrada Ressalta-se que o
nuacutemero adequado de profissionais gera maior possibilidade de qualidade assistencial pela
divisatildeo de trabalho e ajuda muacutetua Durante a pesquisa foi possiacutevel observar que a maior parte
do tempo da coordenadora e da secretaacuteria de enfermagem da linha de cuidados ciruacutergica foi
dedicada a resolver problemas na escala de enfermagem dos setores Se por um lado foi
mencionado que a equipe completa oferece maior seguranccedila por outro mesmo com a equipe
em nuacutemero suficiente se natildeo houver o cumprimento do papel de todos os profissionais a
seguranccedila ciruacutergica natildeo seraacute garantida
Natildeo adianta uma parte fazer a parte dela e o resto natildeo fazer [] se um natildeo faz o
processo jaacute se tornou inseguro (Ei23)
O ldquosaber-fazerrdquo e o ldquosaber o que vai precisarrdquo conforme os depoimentos a seguir satildeo
habilidades necessaacuterias dos profissionais na preparaccedilatildeo do paciente no preacute-operatoacuterio e nas
accedilotildees na sala operatoacuteria para a seguranccedila ciruacutergica tanto em procedimentos eletivos quanto
nos de emergecircncia
Paciente preparado eacute o primeiro passo para ser segura Chegou ao bloco todo
mundo estaacute envolvido teacutecnico anestesista cirurgiatildeo e enfermeiro sabem o que
fazer o que vai precisar O paciente de onda a gente natildeo sabe de nada [] mesmo
assim eacute com seguranccedila [] pra ser segura eacute ter conhecimento de tudo dos atos que
vai fazer [] (Ed31)
Quanto mais qualificada a enfermagem melhor pra gente [anestesiologista] isso faz
uma diferenccedila absurda [ecircnfase] Experiente em bloco porque agraves vezes o enfermeiro
eacute experiente em outro setor de repente ele eacute jogado no bloco natildeo passa por
treinamento [] Natildeo adianta ter uma equipe muito especializada qualificada se natildeo
tem a outra Natildeo adianta a enfermagem ser top de linha e os meacutedicos inexperientes
Nem o contraacuterio [] (Ed17)
O recurso mais criacutetico das equipes ciruacutergicas para o sucesso dos resultados ciruacutergicos
eacute a proacutepria equipe Por vezes os profissionais satildeo alocados no CC e tambeacutem em outras aacutereas
do hospital sem treinamento ou com treinamento inadequado Satildeo poucas as orientaccedilotildees e a
estrutura eacute precaacuteria para a promoccedilatildeo de um trabalho em equipe efetivo na minimizaccedilatildeo dos
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 112
riscos e promoccedilatildeo de uma cirurgia segura (OMS 2009) Eacute necessaacuteria uma equipe qualificada
e conectada para usar seus conhecimentos e habilidades em beneficio e seguranccedila do paciente
Por outro lado diferente da maioria dos profissionais o entrevistado relata que
mesmo natildeo conhecendo o paciente que chegou na ldquoondardquo o saber-fazer faz com seja uma
intervenccedilatildeo segura A seguranccedila ciruacutergica exige portanto posturas e valores individuais e da
equipe ciruacutergica como um todo incluindo o aperfeiccediloamento contiacutenuo Segundo Valido
(2011) este valor deve permanentemente ser colocado em praacutetica no exerciacutecio profissional
objetivando o autodesenvolvimento e a melhoria pessoal Isso natildeo eacute diferente em
procedimentos de emergecircncia e urgecircncia em que haacute necessidade de equipes capacitadas e
treinadas tanto no setor de pronto atendimento quanto no CC para os casos de alta
complexidade (CALIL et al 2010) Ressalta-se que a quantidade de procedimentos
realizados eacute um componente importante para desenvolver habilidades sendo necessaacuterio
treinamento aleacutem de promoccedilatildeo da satisfaccedilatildeo e motivaccedilatildeo profissional
Cirurgia do dia-a-dia eacute mais segura Eles estatildeo mais acostumados a fazer E a gente
mais acostumada a lidar com o material (Ei2)
Natildeo eacute uma coisa [anestesiologia] que todo mundo sabe [] vocecirc consegue
treinando pagando bem qualificando e motivando a trabalhar (Ed17)
Uma singularidade dos serviccedilos de sauacutede eacute a relaccedilatildeo estreita entre escala e qualidade
ou seja entre quantidade e qualidade Quanto mais cirurgias o profissional realiza menor eacute a
taxa de mortalidade entre os seus pacientes (MENDES 2011) Nesse sentido o
acompanhamento contiacutenuo do residente pelo preceptor nas cirurgias foi uma condiccedilatildeo
mencionada como determinante para a seguranccedila ciruacutergica Entretanto alguns profissionais
expuseram que os preceptores permanecem o tempo todo em sala operatoacuteria e outros
relataram que o residente muitas vezes opera sem a presenccedila do cirurgiatildeo
Os preceptores ficam em cima acompanham direto entatildeo ocorre mais a cirurgia
segura (Ei27)
Tem residente que natildeo sabe nem fazer sutura A gente fala ldquoO paciente estaacute assim
vocecirc estaacute fazendo alguma coisa erradardquo e chama o preceptor para avaliar Essas satildeo
as cirurgias mais inseguras o cirurgiatildeo natildeo estaacute presente e mesmo assim os
residentes operam (Ed11)
A despeito da divergecircncia sobre a permanecircncia do preceptor em sala operatoacuteria parece
que o residente provoca certa inseguranccedila ciruacutergica dependendo do estaacutegio de aprendizado em
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 113
que se encontra Os residentes iniciantes (RI) que tecircm menos conhecimento podem gerar
maior risco Segundo a OMS (2009) a assistecircncia ciruacutergica segura requer investimento em
educaccedilatildeo e infraestrutura Aleacutem disso natildeo existe consenso no que se refere a um treinamento
adequado e suficiente e sobre como medir a competecircncia dos profissionais (OMS 2009) A
seguranccedila e inseguranccedila do paciente foram relacionadas tambeacutem ao comportamento do
profissional em relaccedilatildeo ao uso de EPI em sua permanecircncia dentro de sala ciruacutergica sendo
condiccedilotildees que favorecem ou natildeo a seguranccedila no ato anesteacutesico-ciruacutergico
Eu costumo brincar que o anestesista e teacutecnico de enfermagem tecircm boca esteacuteril
Agraves vezes tambeacutem natildeo gostam de ficar na sala durante a cirurgia [] Isso eacute uma
coisa muito perigosa [] vaacuterias vezes eu vi paciente com pressatildeo e saturaccedilatildeo
caindo chamo o teacutecnico de enfermagem correndo Aiacute ele chama o anestesista
que vem e presta socorro (Ed12)
A expressatildeo utilizada de que anestesista e teacutecnico de enfermagem tecircm sempre ldquoboca
esteacuterilrdquo mostra a atitude inadequada dos profissionais em aplicar princiacutepios baacutesicos como o
uso de maacutescaras que eacute importante para assegurar a diminuiccedilatildeo de riscos em sala ciruacutergica O
risco para o profissional tambeacutem foi mencionado pelos participantes da pesquisa
As cirurgias todas tecircm o risco para o paciente e para a gente de sofrer acidentes
durante o procedimento de um corte de furar um dedo [] 100 segura natildeo eacute
[com ecircnfase] (Ed13)
A gente eacute exposta a doenccedila a situaccedilotildees de risco que satildeo agraves vezes surpresa Vocecirc
estaacute mexendo num vaso sanguiacuteneo e aquilo pode jorrar sangue arterial entatildeo vocecirc
tem que ter a noccedilatildeo de que vocecirc tem que estar protegido [] Vocecirc tem que prestar
ajuda a pessoa mas com seguranccedila (Ed32)
A necessidade de uso de EPI eacute amplamente conhecida pelos profissionais para
promoccedilatildeo de sua seguranccedila e consequentemente da seguranccedila no procedimento ciruacutergico
Haacute exigecircncia da execuccedilatildeo de princiacutepios baacutesicos de proteccedilatildeo protocolados mas nem sempre
seguidos
Houve relatos relacionados tambeacutem a comportamentos dos membros da equipe
estresse e qualidade de vida dos profissionais como questotildees que influenciam na seguranccedila ou
inseguranccedila da cirurgia
Quando o cirurgiatildeo eacute estressado ele estressa todo mundo aiacute natildeo fica seguro (Ed8)
Depende da equipe que estaacute operando tem uns que gostam de ser mais estrelas
outros atendem na maior tranquilidade centrados tem outros que satildeo estressantes e
que gritam Eacute um momento de estresse neacute Cada um enfrenta de uma forma (Ed29)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 114
Em um hospital de ensino quem vai fazer uma anastomose eacute o residente Se o
preceptor tem paciecircncia naquele dia ele vai ensinar direitinho Se natildeo vai pensar na
hora de ir para casa dormir almoccedilar e ficar com os filhos Se natildeo tem qualidade de
vida natildeo trabalha direito e quem paga eacute quem estaacute em cima da mesa o paciente []
cirurgia segura eacute paciente preparado e cirurgiatildeo e residente descansados (Ei20)
Os relatos mostraram a importacircncia dos relacionamentos posturas disponibilidade e
comprometimento dos profissionais na formaccedilatildeo e orientaccedilatildeo dos membros da equipe
principalmente residentes As relaccedilotildees interpessoais e a dinacircmica no ambiente ciruacutergico
podem influenciar na seguranccedila do paciente (LIMA SOUSA CUNHA 2013) O fato de os
profissionais natildeo se darem bem uns com os outros e com os seus liacutederes aumenta o risco de
incidentes aleacutem de aumentar tambeacutem a sua gravidade Ao contraacuterio um ambiente de trabalho
bom pode mitigar a maioria dos erros humanos de seguranccedila (MUumlLLER 2012)
A promoccedilatildeo das relaccedilotildees interpessoais tendo como foco manter o ambiente em
condiccedilotildees favoraacuteveis ao desenvolvimento do cuidado de modo a tornaacute-lo promotor de
sauacutedecuidados eacute uma das funccedilotildees do profissional enfermeiro do CC Aleacutem disso deve-se
atuar tambeacutem na organizaccedilatildeo do setor com a previsatildeo e provisatildeo do material instrumental e
humano (SILVA ALVIM 2010) Nesse sentido esta subcategoria tem importante relaccedilatildeo
com a praacutetica do enfermeiro de CC Acrescenta-se ainda que esse profissional seja um
importante ator para a qualidade e seguranccedila ciruacutergica visando assistecircncia integral aleacutem do
ensino e da pesquisa pelo perfil do hospital em estudo (SILVA ALVIM 2010)
Outras dimensotildees natildeo foram abordadas pelos participantes do estudo mas chamam a
atenccedilatildeo pela sua importacircncia para a seguranccedila ciruacutergica como a prevenccedilatildeo de incecircndio
explosatildeo e riscos quiacutemicos e eleacutetricos procedimentos eficazes de despejo de materiais sujos e
de lixo bioloacutegico a organizaccedilatildeo e gestatildeo dos recursos financeiros do hospital os fatores
macropoliacuteticos como as regulaccedilotildees e aspectos legais do paiacutes tanto do SUS quanto dos
conselhos de classe o ar condicionado que eacute um recurso que pode propiciar infecccedilotildees exige
sua constante higienizaccedilatildeo e manutenccedilatildeo natildeo tendo sido abordado por nenhum profissional
Enfim o conjunto de dimensotildees para a seguranccedila ciruacutergica citado ou natildeo pelos participantes
do estudo deve ser discutido para programar e implantar atividades com foco na melhoria
contiacutenua da qualidade na assistecircncia ciruacutergica
Assim a cirurgia eacute um fenocircmeno complexus uma intervenccedilatildeo tecida conjuntamente
Portanto cirurgia segura para os entrevistados eacute uma intervenccedilatildeo bem sucedida a partir de
uma complexa trama que envolve muacuteltiplas etapas e accedilotildees de vaacuterios atores humanos aleacutem da
utilizaccedilatildeo adequada dos atores natildeo humanos Ou seja deve haver um conjunto de
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 115
profissionais e recursos materiais estruturais e de equipamentos aleacutem da conexatildeo de
conhecimentos interdisciplinares
422 Onda Vermelha situaccedilatildeo de caos que salva vidas
O mundo natildeo se parece com um continente soacutelido de fatos pontilhado por algumas
lagoas de incertezas eacute um vasto oceano de incertezas pintalgado de ilhotas de
formas calibradas e estabilizadas (LATOUR 2012 p 348-349)
As reflexotildees aqui se inscrevem com foco em duas questotildees natildeo necessariamente em
sequecircncia A primeira eacute praacutetica e diz respeito agraves condutas e melhorias necessaacuterias na atenccedilatildeo a
eventos imprevisiacuteveis e incertos que satildeo situaccedilotildees de emergecircncia nomeadas no hospital como
ldquoOnda Vermelhardquo em que o paciente estaacute em situaccedilatildeo de risco iminente de morte A outra
questatildeo eacute teoacuterica e decorre da praacutetica interdisciplinar para um procedimento ciruacutergico seguro
com comunicaccedilatildeo efetiva que foi concebida em discursos durante a formaccedilatildeo dos
profissionais de sauacutede mas natildeo completamente vivenciada no cotidiano de trabalho
A cirurgia que ocorre atendendo ao protocolo da Onda Vermelha eacute considerada
insegura para a maioria dos participantes desta pesquisa Aleacutem de que durante a Onda as
demais cirurgias do CC tambeacutem se tornam inseguras uma vez que os profissionais se
deslocam de suas salas movidos pela curiosidade mas com a justificativa de ajudar mesmo
tendo profissionais especiacuteficos para este atendimento
Todas as cirurgias de onda infelizmente eacute uma cirurgia insegura [] vocecirc estaacute
tentando salvar a vida do paciente (Ed12)
A cirurgia insegura eacute a onda O pessoal natildeo preocupa muito [ecircnfase] abre de
qualquer jeito os campos capote caixa [] Paciente estaacute parado faz toracotomia
vai com a matildeo tudo esteacuteril na medida do possiacutevel (Ed4)
A insegura eacute quando chega uma onda e todos os teacutecnicos saem da sua sala (Ed22)
Em Belo Horizonte o protocolo ldquoOnda Vermelhardquo foi implantado inicialmente no
Hospital Joatildeo XXIII da Fundaccedilatildeo Hospitalar do Estado de Minas Gerais (HJXXIII
FHEMIG) em novembro de 2004 Foi resultado da experiecircncia e inquietaccedilatildeo dos
profissionais em face da alta mortalidade apresentada por pacientes viacutetimas de traumas
graves (FHEMIG 2015 COSTA-VAL MIGUEL SIMAtildeO FILHO 2005)
A Onda Vermelha consiste na adaptaccedilatildeo do protocolo internacional ldquoManobra de
Mattoxrdquo criado em 1986 por Kenneth Mattox cirurgiatildeo norte-americano especialista em
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 116
trauma Essa manobra preconiza a realizaccedilatildeo de toracotomia uma abertura toraacutecica no quinto
espaccedilo intercostal acircntero-lateral para uma abordagem direta ao sangramento por meio de um
clamp na arteacuteria aorta descendente Este procedimento divide o corpo do paciente em duas
partes garantindo a circulaccedilatildeo do sangue para o enceacutefalo coraccedilatildeo e pulmotildees por um periacuteodo
limitado (FHEMIG 2015)
A Onda Vermelha consiste em um conjunto de accedilotildees meacutedicas e administrativas que
objetiva prioritariamente a abordagem ciruacutergica dentro do CC em pacientes cuja condiccedilatildeo
implique em morte iminente ao inveacutes deste atendimento ser em sala de emergecircncia no pronto
socorro (COSTA-VAL MIGUEL SIMAtildeO FILHO 2005) conforme concebido
originalmente pela Manobra de Mattox A toracotomia e outros procedimentos ciruacutergicos na
sala de emergecircncia para interrupccedilatildeo imediata da hemorragia fazem parte do atendimento a
pacientes admitidos in extremis No entanto satildeo cercados de controveacutersias em relaccedilatildeo agrave
indicaccedilatildeo e efetividade e tecircm grande potencial de provocar acidentes entre os profissionais
(COSTA-VAL MIGUEL SIMAtildeO FILHO 2005) Diante da grande demanda de situaccedilotildees de
emergecircncia nos hospitais brasileiros a aplicaccedilatildeo da Manobra de Mattox foi adaptada
(FHEMIG 2015)
Eacute necessaacuteria uma sala exclusiva e equipada dentro do CC com materiais e
equipamentos organizados anestesiologista e a disponibilizaccedilatildeo pelo banco de sangue de
duas bolsas de sangue ldquoOrdquo negativo sem a necessidade de teste de tipagem (FHEMIG 2015)
Os profissionais do hospital em estudo reconhecendo os bons resultados da Onda Vermelha
a incorporaram agrave sua rotina Isso ocorreu antes que o hospital em 04 de novembro de 2008 se
tornasse unidade piloto do Projeto de Redes Assistenciais da SESMG implantando a triagem
com classificaccedilatildeo de risco pelo Protocolo de Manchester
O Protocolo de Manchester classifica a partir da identificaccedilatildeo da queixa principal os
riscos dos pacientes que adentram um serviccedilo de urgecircncia e emergecircncia em cinco niacuteveis de
gravidade expressos em um fluxograma orientado por discriminadores utilizando um sistema
de cores vermelho (emergente) laranja (muito urgente) amarelo (urgente) verde (pouco
urgente) azul (natildeo urgente) (FREITAS 2002) A cor vermelha da Onda Vermelha vem desse
Protocolo cujo tempo-alvo de atendimento destes pacientes eacute de zero minuto imediatamente
Quando se aciona a sirene na portaria eacute desencadeado nos diversos setores um
movimento para a organizaccedilatildeo dos atores humanos e natildeo humanos para atender o paciente da
Onda Vermelha Esse som tem um significado simboacutelico para os profissionais podendo
indicar agilidade mas tambeacutem estresse e incertezas
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 117
A onda toca laacute fora e pode ter uma definiccedilatildeo cliacutenica ou ciruacutergica Quando ela eacute uma
onda ciruacutergica os profissionais do bloco jaacute saem para saber qual o paciente e em que
condiccedilatildeo eles o vatildeo receber (Ei30)
Apoacutes o soar da sirene e a entrada do paciente no hospital ocorrem vaacuterias fases no
atendimento deste paciente Na etapa 1 eacute realizada a abordagem inicial pela equipe de trauma
(ainda no pronto socorro ou mesmo no CC) de acordo com os princiacutepios do Advanced
Trauma Life Supportreg
(ATLSreg) De acordo com o protocolo aciona-se a Onda Vermelha que
iraacute desencadear accedilotildees administrativas e dos profissionais visando agrave abordagem imediata do
paciente no CC e agrave disponibilizaccedilatildeo de hemoderivados em poucos minutos (etapas 2 e 3)
Apoacutes o processo ciruacutergico (etapa 4) o paciente eacute transferido para a sala de recuperaccedilatildeo poacutes-
anesteacutesica ou para o CTI (etapa 5) Caso seja necessaacuterio ocorrem intervenccedilotildees ciruacutergicas em
etapas seguintes (etapa 6) (COSTA-VAL MIGUEL SIMAtildeO FILHO 2005)
Durante a entrevista com uma das participantes da pesquisa em uma sala operatoacuteria
que natildeo estava sendo utilizada a sirene soou Ela logo ouviu mas a pesquisadora natildeo Essa
somente ouviu depois que a profissional indicou que estava ouvindo algo Para a
pesquisadora parecia ser um equipamento apitando de longe muito sutil Questionou se o
barulho era baixo segundo ela natildeo era porque a porta estava fechada Ela identificou a sirene
logo no iniacutecio porque seus sentidos estavam aguccedilados para o som marcando o iniacutecio de um
processo de trabalho que a envolve A entrevista foi interrompida e a profissional saiu
correndo para o pronto socorro para ver se era um paciente ciruacutergico A pesquisadora quando
saiu do CC avistou um corre-corre em direccedilatildeo ao ldquoPoli 9rdquo (sala de emergecircncia ciruacutergica) A
profissional jaacute estava voltando e disse que era um paciente vitima de arma de fogo no cracircnio
Olhando para dentro da sala a pesquisadora visualizou somente os peacutes do paciente em meio a
uma grande quantidade de profissionais e dois acompanhantes que saiacuteram apressados pela
porta do Poli 9 onde o paciente se encontrava Aquela situaccedilatildeo desencadeou grande
movimentaccedilatildeo no local tanto dos profissionais quanto dos pacientes para visualizar alguma
coisa A profissional disse que a entrevista poderia ser retomada que o neurologista havia
avaliado o paciente e natildeo entrariam com ele no CC porque o oacutebito jaacute havia sido constatado A
Onda Vermelha apresenta situaccedilotildees diversas sempre de gravidade extrema e que envolve
toda a equipe sendo uma situaccedilatildeo rotineira por se tratar de um hospital referecircncia para
urgecircncia e emergecircncia
A morte no cenaacuterio de atendimento pela Onda Vermelha eacute algo comum que faz parte
do cotidiano dos profissionais Estes relatam que a maior parte dos pacientes atendidos na
emergecircncia geralmente evolui a oacutebito devido agrave sua gravidade Isso segundo os profissionais
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 118
faz com que na Onda Vermelha natildeo ocorram incidentes o oacutebito eacute natural Por outro lado
relatam que todos os procedimentos necessaacuterios para manter a vida satildeo realizados
Grande parte dos pacientes da onda morre Quando vecircm para caacute estatildeo graviacutessimos
(Ed12)
[] chega muito paciente baleado grave que entra quase morrendo na sala [] esse
tipo de paciente vocecirc natildeo pode contar como intercorrecircncia natildeo foi natildeo O paciente
era um moribundo independente da intervenccedilatildeo meacutedica a maior chance dele era
morrer mesmo Entatildeo isso aqui eacute bem comum (Ed17)
O procedimento em si eacute bem realizado porque eles investem ateacute o final da cirurgia
isso aiacute eacute inegaacutevel (Ei15)
As situaccedilotildees de emergecircncia acontecem a qualquer momento com qualquer pessoa e
de forma inesperada A maior parte dessas situaccedilotildees mesmo com todo o avanccedilo tecnoloacutegico
leva o sujeito a se tornar objeto de manipulaccedilatildeo dos profissionais tanto na tentativa de salvaacute-
lo quanto de preparar seu corpo inerte apoacutes a morte
Durante o atendimento a uma viacutetima de Perfuraccedilatildeo por Arma de Fogo (PAF) que
chegou anunciado pela sirene foi observado que o paciente em certo momento recebia uma
quantidade excessiva de noradrenalina Um anestesista disse ldquoVocecircs sabem que esse paciente
estaacute morto neacute Estamos mantendo uma dose de 400 de adrenalina isso natildeo existerdquo Um
cirurgiatildeo disse ldquoJudicialmente ele estaacute vivordquo Apoacutes vaacuterias accedilotildees por cerca de duas horas a
saturaccedilatildeo do paciente era 3 e a frequecircncia cardiacuteaca de 41 batimentos por minuto A sala jaacute
estava vazia e os cirurgiotildees comeccedilaram a restabelecer o diaacutelogo entre si A comunicaccedilatildeo
durante o atendimento foi restrita mas apoacutes o estresse inicial a comunicaccedilatildeo foi
reestabelecida por meio de assuntos cotidianos e comentaacuterios sobre a cirurgia Ao finalizar a
sutura no paciente outro anestesista adentra a sala e diz novamente que o paciente estaacute morto
apoacutes visualizaccedilatildeo dos sinais vitais e gasometria mas verificaram uma fraca pulsaccedilatildeo na
jugular O cirurgiatildeo e o anestesista ficaram no impasse se era oacutebito ou natildeo ateacute chegarem agrave
conclusatildeo que era oacutebito e desligaram os aparelhos Cirurgiotildees saiacuteram sem demonstrar
frustraccedilatildeo dizendo que ainda teriam um plantatildeo para enfrentar Apoacutes um tempo a anestesista
fazia seus registros e chegou mais sangue ela disse ldquoAgora natildeo precisa mais isso que daacute
amarrar sanguerdquo e saiu da sala
Os termos relatados a seguir pelos profissionais ao se referirem a Onda Vermelha e
como eacute vivenciaacute-la indicam um processo permeado por uma carga elevada de estresse Eacute um
momento de lidar com o imprevisiacutevel com o inesperado mas o trabalho continua e outros
pacientes chegaratildeo para serem atendidos
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 119
Nossa Catastroacutefico Oh A onda eacute Eacute muita adrenalina (Ed26)
Vem a bomba e vocecirc natildeo sabe da onde veio Na cirurgia do trauma o sangramento eacute
o maior problema vocecirc natildeo sabe onde o buraco comeccedila e onde termina (Ei20)
[] onda eacute uma adrenalina O paciente estaacute chegando vocecirc natildeo sabe o que tem
Sabe que eacute grave e que tem que correr Se entrou como onda eacute risco e o propoacutesito eacute
salvar eacute salvar Cada um fazendo a sua parte o melhor que pode da forma mais
segura e mais competente possiacutevel Eacute o paciente que estaacute precisando de vocecirc mesmo
[ecircnfase] [] Natildeo pode errar natildeo pode passar eacute naquela hora Isso que eacute uma onda
Eacute uma luta (pausa) Correria contra a morte [] (Ed31)
[] natildeo eacute um cenaacuterio agradaacutevel No geral eacute muito estresse [] O paciente estaacute em
risco eminente de morte ou agraves vezes jaacute entra morto eles querem ressuscitar (Ed29)
Haacute clareza quanto agrave gravidade dos pacientes que chegam pela onda e de certa forma
uma relativizaccedilatildeo do que seja seguranccedila pois naquele momento a vida estaacute em jogo mais que
o risco de uma infeccedilatildeo ou outro risco qualquer As metaacuteforas ldquocatastroacuteficordquo ldquobombardquo
ldquoadrenalinardquo ldquouma lutardquo e ldquocorreria contra a morterdquo que emergiram do discurso dos
profissionais remetem a algo que nasceu ldquo[] do caos da turbulecircncia e precisa resistir a
enormes forccedilas de destruiccedilatildeordquo (MORIN 2003 p56) O caos eacute uma forccedila aparentemente
desorganizadora e oposta agrave ordem Pelas falas dos profissionais a Onda Vermelha traz esse
traccedilo resultando em incerteza imprevisibilidade e desordem
As urgecircncias e emergecircncias satildeo consideradas desordens (ANDRADE et al 2013) ldquoA
desordem eacute aquilo que traz a anguacutestia da incerteza diante do incontrolaacutevel do imprevisiacutevel
do indeterminaacutevelrdquo (MORIN 2005 p 210) A noccedilatildeo de desordem e ordem adespeito das
dificuldades loacutegicas deve ser concebida de modo complementar e natildeo apenas antagocircnico
Isso porque os fenocircmenos de organizaccedilatildeo aparecem em condiccedilotildees de turbulecircncia instalam-se
sob o nome de caos caos organizador (MORIN 2003) Nesse sentido eacute necessaacuterio que os
profissionais reflitam e discutam suas praacuteticas no atendimento agrave emergecircncia para ajudaacute-los na
criaccedilatildeo da ordem e da organizaccedilatildeo em meio agrave desordem e ao caos instalado no hospital apoacutes o
soar da sirene anunciando uma emergecircncia da onda
Dada a essa natureza da assistecircncia ao paciente ciruacutergico na situaccedilatildeo de emergecircncia a
calma e o bom senso devem estar presentes na equipe para evitar condutas tempestuosas e ateacute
mesmo agressotildees desnecessaacuterias entre os profissionais (CALIL et al 2010) A sensaccedilatildeo de
que a adrenalina alcanccedilou niacuteveis altos na corrente sanguiacutenea durante a Onda Vermelha
tambeacutem foi mencionada por um meacutedico residente do HJXXIIIFHEMIG em uma reportagem
da seccedilatildeo Sauacutede da Revista Veja BH (BRASIL 2013) A adrenalina eacute um hormocircnio liberado
pelo organismo em momentos de estresse preparando o individuo para um grande esforccedilo
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 120
fiacutesico por meio do estiacutemulo do coraccedilatildeo elevaccedilatildeo da pressatildeo arterial e relaxamento e
contraccedilatildeo de certos muacutesculos Dessa forma percebe-se mais uma vez a afetaccedilatildeo do corpo de
um humano em relaccedilatildeo a outros humanos e tambeacutem aos natildeo humanos (espaccedilos e objetos)
(LATOUR 2009)
O erro no contexto da Onda Vermelha pode significar a vida do paciente conforme
mencionado por Ed31 O termo ldquoerrordquo eacute complexo eacute multidimensional e frequentemente
usado equivocadamente na literatura assim como vaacuterios outros termos em seguranccedila do
paciente No estudo de Runciman (2006) foram encontrados 149 termos com mais de 296
definiccedilotildees alternadas Havia por exemplo 16 definiccedilotildees para erro 14 para eventos
adversos e cinco para evento adverso a medicamentos Outro estudo encontrou 25
definiccedilotildees de erro na literatura e comparou com a avaliaccedilatildeo de meacutedicos da famiacutelia sobre a
ocorrecircncia de erros em cinco cenaacuterios cliacutenicos propostos quando se encontrou muita
divergecircncia nas opiniotildees (ELDER PALLERLA REGAN 2006) A dificuldade em aceitar e
analisar a ocorrecircncia de erro natildeo eacute diferente no contexto da Onda Vermelha uma vez que o
alvo principal eacute salvar a vida
A Classificaccedilatildeo Internacional de Seguranccedila do Paciente (International Classification
for Patient Safety ndash ICPS) da OMS aborda os principais termos da aacuterea Nesse documento
erro eacute por definiccedilatildeo natildeo intencional Uma falha ou aplicaccedilatildeo incorreta na execuccedilatildeo de um
plano almejado Ocorre por fazer errado (erro de accedilatildeo) ou por falhar em fazer a coisa certa
(erro de omissatildeo) na fase de planejamento ou na execuccedilatildeo (OMS 2009) Considerando esse
conceito e que a Onda Vermelha tem um caraacuteter de imprevisibilidade por mais que haja um
protocolo os profissionais tecircm apresentado dificuldades em cumpri-lo de executar um plano
para avaliar a assistecircncia posteriormente A ocorrecircncia de morte da maior parte dos pacientes
natildeo pode ser considerada falha no plano de salvar vidas Por outro lado natildeo se deve
desconsiderar este desfecho final ndash o oacutebito ndash como uma possiacutevel execuccedilatildeo de um conjunto de
planos natildeo executados de forma adequada Haacute necessidade de se analisar melhor este cenaacuterio
de emergecircncia para melhor clarificar o termo erro
As cirurgias de emergecircncias satildeo inseguras tambeacutem devido agrave rapidez necessaacuteria nas
accedilotildees Em um primeiro momento natildeo haacute a preocupaccedilatildeo direta com a contaminaccedilatildeo sob a
justificativa de que o alvo eacute salvar a vida do paciente e por isso haacute necessidade de priorizar a
estabilizaccedilatildeo em detrimento de prevenccedilatildeo de infecccedilotildees A infecccedilatildeo seraacute controlada
posteriormente por meio de antibioacuteticos
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 121
As cirurgias mais inseguras satildeo as de emergecircncia por causa da velocidade com que
as coisas tecircm que acontecer Muitas vezes vocecirc pode ter dificuldade em realizar o
trabalho da melhor forma natildeo tem tempo para preparar tudo (Ed21)
Na cirurgia da onda agraves vezes natildeo tem tempo pra fazer uma escovaccedilatildeo [] tempo de
campear o paciente de preocupar com contaminaccedilatildeo Isso ai eacute para o futuro [] Eacute
coisa que os antibioacuteticos vatildeo controlar se natildeo controlar Deus controla (Ed12)
Segundo Amalberti et al (2005) quando se exige niacuteveis altos de desempenho e
produccedilatildeo como nas cirurgias de emergecircncia o risco inerente ao procedimento (como ISC)
torna-se secundaacuterio o que gera um cenaacuterio inseguro Aleacutem disso a gravidade do paciente e a
pressatildeo do tempo aumentam o potencial de erros e omissotildees em padrotildees estabelecidos de
cuidados (WEISER et al 2010) para promover a seguranccedila Nesse sentido os profissionais
do CC necessitam estar preparados para mudanccedilas raacutepidas e inesperadas Nas emergecircncias o
tempo de accedilatildeo e reaccedilatildeo dos profissionais eacute fundamental para responder a essas situaccedilotildees de
forma eficaz e eficiente (VALIDO 2011) A padronizaccedilatildeo da assistecircncia a organizaccedilatildeo das
condutas e uma equipe qualificada e atenta agraves particularidades individuais dos pacientes em
emergecircncia poderatildeo tornar esse processo aacutegil e menos difiacutecil (CALIL et al 2010) e tambeacutem
humanizado e seguro
Aleacutem da inseguranccedila pela rapidez o nuacutemero de profissionais que se deslocam para a
sala onde estaacute sendo atendido um paciente do fluxo da Onda Vermelha com a intenccedilatildeo de
ajudar ou somente movidos pela curiosidade provoca a indefiniccedilatildeo dos papeacuteis de cada
profissional A sincronia no atendimento depende de quem estaacute na equipe
[] chega uma onda fica aquela confusatildeo Natildeo sabe quem eacute que vai buscar o
sangue pegar o acesso do paciente auxiliar o anestesista quem vai abrir o material
Ficam trecircs pessoas abrindo o material e ningueacutem com o anestesista Todo mundo
quer fazer quer ajudar e acaba natildeo tendo organizaccedilatildeo (Ed8)
Na onda menos gente com qualidade eacute melhor de que muita gente sem qualidade
[] jaacute atendi onda eu e mais um e foi perfeito Entra cinco e ficam batendo vou
pegar e vocecirc pega junto [] Natildeo eacute sincronizado todo dia direitinho natildeo [] (Ed31)
Nunca contei mas haacute umas 20 pessoas (risos) Na intenccedilatildeo de ajudar acaba tendo
mais contaminaccedilatildeo e risco para o paciente [] lava a matildeo correndo estica campo
ciruacutergico com um tanto de gente do lado falando em cima nem todos de maacutescara
(Ei20)
Laacute no bloco tem 10 meacutedicos em cima do doente mas natildeo tem nenhum que pode
pegar o braccedilo do paciente e colher um sangue [] ldquoAh natildeo deu Manda O
negativordquo Satildeo coisas simples que poderia fazer (Ei18)
Observou-se que os procedimentos na Onda Vermelha satildeo feitos concomitantemente
Assim que o paciente entra na sala enquanto um ou mais cirurgiotildees comeccedilam a se
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 122
paramentar outros cirurgiotildees e demais profissionais residentes e acadecircmicos colocam
somente a maacutescara luva esteacuteril e comeccedilam a ajudar na cirurgia Os anestesistas colhem
amostras de sangue para anaacutelise a circulante leva as amostras para o serviccedilo de hemoterapia
Outros puncionam acesso fazem a monitoraccedilatildeo abrem campos e materiais e vatildeo agrave farmaacutecia
devido agrave falta de materiais nos kits (que deveriam estar completos) Ou seja cada um realiza
alguma accedilatildeo nem sempre em sincronia e ordem
Durante a observaccedilatildeo do atendimento de uma Onda Vermelha havia no miacutenimo 10
pessoas na sala Natildeo foi observada a comunicaccedilatildeo sobre as condutas com o paciente notou-se
que nessas situaccedilotildees natildeo se tem um plano definido Cada um foi identificando o que seria
necessaacuterio e tomaram a posiccedilatildeo que natildeo estava ocupada por ningueacutem na cirurgia Apenas o
anestesista dizia o que estava fazendo em voz alta comunicando-se com a equipe Quando
todos estavam realizando suas funccedilotildees a agitaccedilatildeo diminuiu e os profissionais natildeo
paramentados saiacuteram e foram fazer a escovaccedilatildeo das matildeos e braccedilos e se paramentar Havia
nesse contexto muitos curiosos que tambeacutem tentavam ajudar Por exemplo uma residente
tentava puncionar um acesso central a outra apenas observava demonstrando o deslocamento
dos profissionais de outras salas para a sala da emergecircncia
Para aleacutem da curiosidade segundo os relatos eacute do perfil do profissional do trauma
essa vontade de ajudar na emergecircncia Por um lado haacute algum benefiacutecio pois satildeo necessaacuterios
mais profissionais do que aqueles que estatildeo agrave disposiccedilatildeo da Onda a cada plantatildeo (circulante e
anestesistas de stand by) A responsabilidade de organizaccedilatildeo da sala operatoacuteria no hospital em
estudo eacute do profissional enfermeiro supervisor que por vezes entra em conflito para
controlar o quantitativo de pessoas em sala operatoacuteria
Quando estou no plantatildeo fica na sala da onda teacutecnico de enfermagem anestesista e
quem estaacute envolvido na cirurgia Curiosos Podem aguardar do lado de fora Aquilo
natildeo eacute teatro Quando eu entrei natildeo estava acostumada permitia Hoje natildeo deixo
Muita gente entra escondido Eacute engraccedilado [] Jaacute tive brigas dentro de sala de onda
com acadecircmico e residente Hoje eacute mais organizado Mas natildeo deixa de ser um
tumulto Natildeo tem seguranccedila (Ed26)
O profissional do trauma tem esse perfil de gostar da emergecircncia de querer ajudar
O enfermeiro tem que exercer o papel de supervisatildeoe retirar [] tem o circulante
referecircncia para a onda mas seguramente ele natildeo consegue executar tudo (Ei30)
Posso estar aqui tranquila com vocecirc toca a campainha se tem dois [anestesistas de
plantatildeo] como funciona Um fica para a onda e o outro faz um caso [] aiacute um
cirurgiatildeo quer fazer um caso vai ter que aguardar [] tem um [anestesista] de
stand by para a onda vermelha (Ed9)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 123
No CC em estudo natildeo haacute uma sinalizaccedilatildeo visual restringindo o nuacutemero de pessoas na
sala de emergecircncia e tambeacutem natildeo haacute uma poliacutetica clara em relaccedilatildeo agrave entrada e saiacuteda dos
profissionais e estudantes A falta de clareza da equipe foi a causa principal de circulaccedilatildeo
durante as cirurgias em um estudo que analisou o fluxo de pessoas dentro de sala operatoacuteria
(SIMONS et al 2014) Aleacutem da poliacutetica expliacutecita para todos um fator que contribui para o
acesso agrave sala operatoacuteria eacute a hierarquia Simons et al (2014) concluiacuteram nesse estudo que o
cirurgiatildeo eacute o principal responsaacutevel pela reduccedilatildeo do fluxo durante a cirurgia Na realidade do
hospital em estudo observou-se que essa funccedilatildeo fica delegada agrave enfermeira supervisora mas
caso o cirurgiatildeo permita a presenccedila de algum aluno por exemplo a funccedilatildeo que ele tem na
conduccedilatildeo da cirurgia exerce maior forccedila de autoridade do que a funccedilatildeo exercida pelo
enfermeiro supervisor prevalecendo a decisatildeo do cirurgiatildeo Segundo o participante Ed26
quando era receacutem-contratado pela inexperiecircncia deixava a sala operatoacuteria cheia de pessoas
mas atualmente natildeo permite Poreacutem pela observaccedilatildeo em campo desse mesmo profissional e
pelo conjunto dos relatos ficou evidente que os supervisores de enfermagem aleacutem de natildeo
terem ldquovozrdquo ativa para este controle natildeo tecircm tempo de se preocupar com essa situaccedilatildeo
devido agrave sobrecarga de tarefas durante o atendimento da emergecircncia
Uma das causas do tumulto em sala operatoacuteria em atendimento agrave Onda Vermelha eacute a
curiosidade uma vez que a situaccedilatildeo exerce um poder de encantamento pelas situaccedilotildees
inusitadas que ocorrem Segundo os profissionais que participaram da pesquisa a Onda eacute um
cenaacuterio excitante para quem estaacute aprendendo
Agraves vezes tem uma quantidade ateacute maior de cirurgiatildeo tem uma quantidade maior de
residente movido pela curiosidade sabe (Ei20)
A onda exerce um poder de encantamento das pessoas no sentido de estar perto pela
curiosidade porque satildeo situaccedilotildees inusitadas (Ei30)
[] como eacute um hospital escola Aquilo ali eacute um cenaacuterio maravilhoso Pra quem
estaacute de fora olhando eacute maravilhoso vocecirc vecirc o coraccedilatildeo do cara pra fora as tripas dele
toda de fora do outro lado (Ed26)
Simons et al (2014) sugerem medidas de apoio para monitorar o fluxo de
profissionais em sala operatoacuteria como a fixaccedilatildeo de um contador de porta e de um sinal de
alerta na sala operatoacuteria em forma de lembrete constante aos profissionais Com o uso dessas
medidas intenciona-se a criaccedilatildeo de um senso comum de responsabilidade da equipe e a
lideranccedila do cirurgiatildeo (SIMONS et al 2014) Contudo para se adequar agrave realidade do
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 124
contexto de estudo sugere-se um trabalho que aprofunde a causa do tumulto na situaccedilatildeo de
emergecircncia e um debate entre profissionais e estudantes
Para tanto os gestores e profissionais do hospital podem lanccedilar matildeo das vaacuterias
ferramentas e teacutecnicas de gerenciamento da qualidade como por exemplo o diagrama
Espinha de Peixe Essa ferramenta permite estruturar as causas de determinado problema ou
sua oportunidade de melhoria sendo que as causas ou fatores complexos satildeo decompostos em
causas primaacuterias e secundaacuterias sem com isso perder a visatildeo do conjunto do problema
analisado (DAYCHOUM 2010) Segundo o autor geralmente as causas satildeo levantadas em
reuniotildees do tipo brainstorming (ldquotempestade de ideiasrdquo) que eacute uma atividade desenvolvida
para explorar a potencialidade criativa do individuo colocando-a a serviccedilo dos objetivos
propostos qual seja a coleta de ideias sobre as causas ou soluccedilatildeo de um problema
(DAYCHOUM 2010) A ideia de cada participante neste caso os profissionais do hospital
direcionados por um facilitador deve ser gravada para anaacutelise mais aprofundada
As falas dos profissionais que participam da Onda Vermelha indicam a existecircncia de
um mundo agrave parte do qual histoacuterias de mutilaccedilotildees sofrimento mortes e tambeacutem milagres satildeo
colecionadas e quem tem mais para contar se destaca nesse mundo Ter uma foto da situaccedilatildeo
para comprovar e mostrar o fato eacute algo desejado pelos profissionais e tambeacutem pelos pacientes
que estatildeo nos corredores do hospital presenciando a situaccedilatildeo
[] acontece uma situaccedilatildeo inusitada quer fotografar dizer o que aconteceu Isso
legalmente natildeo eacute permitido [fotos] passava rapidamente para os celulares
fotografava laacute de fora [] tivemos haacute pouco tempo uma situaccedilatildeo [] O paciente
chegou com eu natildeo sei como chama eacute de jardinagem de puxar folha tem os
ganchos e estava na cabeccedila ainda fixo porque soacute remove laacute dentro [] as pessoas
por curiosidade querem mostrar para o familiar Ateacute os proacuteprios pacientes
acompanhando querem fotografar Preservar esse paciente eacute muito difiacutecil (Ei30)
Haacute algo miacutestico em torno da assistecircncia agraves emergecircncias e haacute o desejo de registrar O
acesso amplo agraves tecnologias como os celulares com cacircmera fotograacutefica traz um novo
confronto eacutetico na praacutetica cotidiana hospitalar Esse ator natildeo humano ndash celular ndash facilita a
produccedilatildeo e reproduccedilatildeo de imagens a qualquer momento dos atores humanos no atendimento
No entanto a preservaccedilatildeo da imagem eacute um direito constitucional Satildeo inviolaacuteveis a
intimidade a vida privada a honra e a imagem das pessoas assegurado o direito a
indenizaccedilatildeo pelo dano material ou moral decorrente de sua violaccedilatildeo (BRASIL 1988) A
proteccedilatildeo da imagem tambeacutem estaacute presente no Coacutedigo Civil sendo assegurada a idenizaccedilatildeo
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 125
em caso de exposiccedilatildeo sem preacutevia autorizaccedilatildeo (BRASIL 2002c) e em diversos Coacutedigos de
Eacutetica Profissional como da enfermagem e da medicina (COFEN 2007 CFM 2009)
As situaccedilotildees de emergecircncia fazem com que ateacute os princiacutepios baacutesicos como a
precauccedilatildeo de contato sejam burladas Ateacute mesmo o acesso ao CC deixa de certo modo de
ser restrito pois profissionais do Serviccedilo de Atendimento Moacutevel de Urgecircncia (SAMU) e do
corpo de bombeiros por exemplo adentram ao local sem vestimentas adequadas devido ao
risco de morte dos pacientes
Jaacute vi onda chegando com tanta rapidez que chegou aqui o pessoal do SAMU aqui
dentro [do CC] Jaacute vi bombeiro chegando aqui dentro com a roupa e sapato laacute de
fora entrando com a maca deles [] aiacute jaacute eacute um risco de contaminaccedilatildeo [] (Ei15)
Essas situaccedilotildees geram risco de contaminaccedilatildeo bem como a ruptura de uma condiccedilatildeo
bem estabelecida que seja a restriccedilatildeo de acesso ao CC No entanto eacute uma conduta automaacutetica
de muitos profissionais que chegam com o paciente em risco de vida A postura dos
profissionais externos eacute semelhante ao tumulto interno com a chegada da Onda Aleacutem desse
cenaacuterio de inseguranccedila haacute outros fatores que tornam a cirurgia de emergecircncia insegura
[] paciente acabou de chegar agrave onda toca a campainha e entra para o bloco do jeito
que estiver sem banho antibioacutetico eacute feito depois que comeccedilou a cirurgia [] pode
natildeo ter material para fazer uma cirurgia definitiva [] remedia para uma posterior
[] sangramento grande e natildeo tem uma reserva de sangue ele acabou de entrar no
hospital [] esse tipo de inseguranccedila coisas que podia prever antes que natildeo tem
como na emergecircncia Eacute um risco muito grande O risco benefiacutecio para o paciente eacute
melhor fazer a cirurgia naquele momento (Ed10)
O meacutedico acha que emergecircncia eacute O negativo Pelo contraacuterio Esse sangue vocecirc usa
em uacuteltima situaccedilatildeo eacute um sangue raro Por ser raro tem que ter cautela [] se
mandar uma amostra de sangue o tempo que eu levo pra pegar uma bolsa de O
negativo eu classifico e mando o grupo do paciente (Ei18)
A inseguranccedila na emergecircncia permeia vaacuterios aspectos como a impossibilidade de um
preparo adequado preacute-operatoacuterio e por vezes se realiza uma abordagem inicial com
necessidade de retorno ao CC se o paciente sobreviver Isso ocorre tanto pela condiccedilatildeo do
paciente como por exemplo pela falta de uma proacutetese que deve ser solicitada
antecipadamente Aleacutem disso o uso indiscriminado de sangue ldquoOrdquo negativo nas emergecircncias
pode gerar inseguranccedila aleacutem de reduzir o estoque de um material raro para uso em casos
extremos ou de acordo com o grupo de outros pacientes e cuja reposiccedilatildeo natildeo eacute garantida
O cenaacuterio de inseguranccedila se intensifica em uma situaccedilatildeo de cataacutestrofe de desastres
com muacuteltiplas viacutetimas Torna-se necessaacuterio principalmente em tempos de grandes eventos
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 126
todo um planejamento bem como a qualificaccedilatildeo adequada dos profissionais da rede de
serviccedilos externos e da rede intra-hospitalar para atendimento destes casos Eacute necessaacuterio fazer
simulaccedilatildeo para planejamento de grandes eventos
Situaccedilatildeo de cataacutestrofe vocecirc nem troca de luva Natildeo daacute tempo [] a movimentaccedilatildeo
eacute muito grande Quatro cinco residentes em campo vocecirc vai checar se todos estatildeo
paramentados Natildeo daacute [] A abertura da caixa foi asseacuteptica Eu natildeo tenho essa
seguranccedila natildeo tenho como olhar isso (Ei20)
A copa do mundo eacute que fez a medicina em Belo Horizonte discutir medicina de
cataacutestrofe [] o tripeacute principal na Emergecircncia eacute o pronto socorro CTI e bloco
ciruacutergico Noacutes participamos ativamente do plano de atendimento agraves cataacutestrofes no
hospital Tivemos experiecircncias de pequena monta na copa das confederaccedilotildees na
queda do viaduto agora da Pedro I e trecircs simulados que envolveram a cidade em que
a experiecircncia foi muito positiva (Ed21)
Durante a coleta de dados da pesquisa estava acontecendo no Brasil a Copa do Mundo
de futebol A SES-MG em parceira com o governo francecircs promoveu algumas simulaccedilotildees de
cataacutestrofe na capital de Minas Gerais Os profissionais do Corpo de Bombeiros SAMU
Defesa Civil Guarda Municipal Poliacutecia Militar e Civil e de alguns hospitais participaram do
simulado dentre eles o hospital Em situaccedilotildees de cataacutestrofes eacute necessaacuteria a mobilizaccedilatildeo dos
hospitais para receber muitos pacientes Isso requer a elaboraccedilatildeo de um plano de cataacutestrofes
com as accedilotildees para atender as viacutetimas que chegaratildeo sem deixar que a assistecircncia agravequeles que
jaacute estatildeo internados no hospital seja prejudicada Um destes exerciacutecios foi acompanhado pela
pesquisadora O pronto socorro continuou sendo a porta de entrada e os profissionais jaacute
cientes da chegada dos ldquoferidosrdquo procederam agrave evacuaccedilatildeo dos pacientes do pronto socorro e
tambeacutem do CTI para outras aacutereas do hospital liberando os leitos de retaguarda para a
cataacutestrofe Foi interessante ver como todo este cenaacuterio se desenvolveu observando pequenos
incidentes como uma bala de oxigecircnio que caiu no chatildeo a ocorrecircncia de pequenos choques
entre os profissionais que transportavam pacientes e falta de identificaccedilatildeo dos pacientes Esse
uacuteltimo teve um profissional da lideranccedila do hospital que passou chamando a atenccedilatildeo Natildeo
foram verificados incidentes com danos para os pacientes
A qualidade do atendimento na situaccedilatildeo de emergecircncia depende da qualificaccedilatildeo da
calma e do bom senso dos profissionais para evitar condutas tumultuadas estressantes
prevenir intercorrecircncias e evitar complicaccedilotildees Depois da ocorrecircncia de um desastre somar
uma atuaccedilatildeo profissional improvisada significa aumentar o sofrimento das vitimas sendo
conivente com o risco de negligecircncia imprudecircncia e imperiacutecia pelos proacuteprios profissionais de
sauacutede (SILVA CARVALHO 2013)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 127
As cirurgias de emergecircncia proporcionam tambeacutem risco para o trabalhador tanto para
aqueles que atuam diretamente devido a agilidade das accedilotildees quanto para os que estatildeo
indiretamente envolvidos por exemplo a profissional da higienizaccedilatildeo que encontra um
cenaacuterio que oferece grande risco
[] eacute tudo com muita agilidade Punciona uma PIA [pressatildeo intra-arterial] suturou
mas o cirurgiatildeo jaacute tem que pegar um [acesso] central entatildeo deixa o nylon ali na
mesa e vai precisar da mesa de novo Eu calccedilo a luva natildeo sei se tem fio pego e furo
meu dedo [] (Ed11)
[] Sala dois que eacute a sala da onda [] Natildeo daacute tempo de fazer um exame para saber
se o paciente tem alguma doenccedila [] acabou de cuidar sai da sala para a gente
limpar aiacute o chatildeo eacute cheio de agulha (Ei6)
O caos permanece desde a entrada do paciente ateacute a sua saiacuteda da sala operatoacuteria No
final de um atendimento da onda foi possivel observar que a sala fica suja com bolsas de
sangue embalagens tesoura e pinccedilas espalhadas pelo chatildeo e a bancada com gazes jelcos
soro seringas e caixa de hemocomponentes Essa realidade gera riscos para os profissionais
como por exemplo a ocorrecircncia de acidentes de trabalho Eacute necessaacuterio discutir as situaccedilotildees
de emergecircncia pois tanto trabalhadores como pacientes necessitam respectivamente de
maior seguranccedila no trabalho e na assistecircncia
A questatildeo do risco para o profissional segundo os relatos eacute maior em cirurgias que
envolvem crianccedilas e jovens Haacute um esforccedilo maior dada a pressatildeo cultural de salvar a vida de
quem ainda tem muito tempo para viver Os profissionais colocam-se em risco em funccedilatildeo da
assistecircncia a esses pacientes e apesar disso relatam satisfaccedilatildeo no trabalho poreacutem se queixam
de desvalorizaccedilatildeo
[] tem paciente que entra como uma urgecircncia [] a sirene natildeo tocou mas virou
onda laacute dentro natildeo estaacute na sala da onda mas seguramente eacute uma onda Ontem teve
um paciente que jaacute prendia sala aguardando CTI Viacutetima de acidente de moto com
uma fasceiacutete necrotizante A princiacutepio faacutecil de tratar [] Ele ficou seacuteptico a equipe
achou que a uacutenica chance de sobrevivecircncia seria desarticular o membro inferior O
bloco viveu em funccedilatildeo desse paciente [] E com a pressatildeo de ser um paciente de 16
anos e a matildee laacute fora a psicologia com intervenccedilatildeo com a matildee [] (Ei30)
Eu gosto soacute acho que o trabalho deveria ser mais valorizado [] vocecirc trabalha
tanto se potildee em risco [] agraves vezes chega a Onda vatildeo supor eacute uma crianccedila se tiver
no corredor vocecirc natildeo olha se estaacute com luva [] eacute automaacutetico (Ed11)
Segundo os relatos dos participantes haacute uma pressatildeo maior quando a emergecircncia
envolve crianccedilas e jovens Em um estudo sobre o significado da morte para profissionais de
enfermagem que atuam em CC de urgecircncia e emergecircncia foi identificada uma capacidade
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 128
emocional prejudicada para elaborar as perdas vivenciadas nesse local principalmente quando
a morte envolve crianccedilas e jovens A infacircncia e a juventude culturalmente satildeo periacuteodos de
expectativa e a crianccedila eacute vista como fraacutegil e inocente Isso faz com que o profissional sinta
maior responsabilidade pela cura Quando isso natildeo ocorre e o profissional se depara com a
morte desses pacientes haacute o sentimento de impotecircncia (BOSCO 2008)
O paciente que mesmo natildeo tendo entrado como Onda Vermelha (tocado a sirene
colocado em sala reservada acionado anestesista e circulante especiacutefica e desencadeado
processo no banco de sangue) e se torna uma emergecircncia eacute algo que tem que ser reconhecido
pois apesar de natildeo ter todo o som que acompanha a Onda faz ldquobarulhordquo e movimenta o CC
Esse cenaacuterio de imprevisibilidade da emergecircncia ou da urgecircncia mesmo com o paciente jaacute
admitido eacute realidade em qualquer setor da rede intra-hospitalar sendo que pode ocorrer a
qualquer momento mesmo com os pacientes considerados estaacuteveis Nesse sentido Calil et al
(2010) traz agrave tona a responsabilidade da equipe no preparo para uma atuaccedilatildeo segura e precisa
O reconhecimento precoce das situaccedilotildees potencialmente ciruacutergicas a elaboraccedilatildeo de
protocolos de atendimento a qualificaccedilatildeo sistematizada da assistecircncia na rede intra-hospitalar
entre as diversas equipes a discussatildeo dos casos cliacutenicos as rotinas de atendimento ao
paciente ciruacutergico na situaccedilatildeo de emergecircncia devem ser pensadas pelas equipes de sauacutede
comprometidas com a qualidade da assistecircncia (CALIL et al 2010)
Ademais a comunicaccedilatildeo institucional principalmente em uma situaccedilatildeo de
emergecircncia foi referida como ldquotorre de Babelrdquo Cada profissional fala em uma liacutengua
diferente o que gera discrepacircncias que devem ser corrigidas para assegurar a seguranccedila dos
pacientes
A comunicaccedilatildeo eacute como a torre de Babel Precisa sincronizar Haacute discrepacircncia
Exemplo de uma onda paciente entrou no poli A enfermeira [do pronto socorro]
colhe sangue e manda o pedido A gente fala ldquoO que eacute o casordquo ldquoBaleadordquo A gente
jaacute adianta ldquoIsso pode dar pepinordquo Tiro esfaqueado politraumatismo grave a gente
deixa tudo encaixado [] Chega ao bloco toca a sirene ldquomanda sangue O negativordquo
[] ldquoColhe amostrardquo ldquoNatildeo daacute para colher agorardquo Quando vai ver tem uma amostra
do paciente na nossa matildeo [enviado pelo PS] Ou ldquovocecirc sabe o nomerdquo ldquoNatildeo chegou
agorardquo ldquoNoacutes [banco de sangue] recebemos um sangue haacute menos de 15 minutos Foi
tirordquo ldquoAh o que taacute laacute eacute tirordquo No final das contas vocecirc manda sangue O negativo soacute
que vocecirc tinha a classificaccedilatildeo real do paciente (Ei18)
A metaacutefora da ldquotorre de Babelrdquo eacute utilizada pelo profissional para explicar que a
comunicaccedilatildeo estaacute sendo realizada e compreendida de diferentes formas ou natildeo estaacute sendo
realizada como o exemplo mencionado por Ei18 em que os profissionais do pronto socorro
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 129
enviaram a amostra de sangue mas natildeo foi comunicado para os profissionais do CC As
informaccedilotildees satildeo fragmentadas impossibilitando a compreensatildeo do todo
Segundo um participante seria necessaacuterio um ator que viabilizasse o contato direto
entre o profissional que recebeu o paciente no Pronto Socorro e o que iraacute receber no CC para
dar sequencia ao cuidado ou preparaccedilatildeo dos elementos para o cuidado
Vai receber o paciente que estaacute vindo pra cirurgia do PA [pronto atendimento]
chegou na onda E aiacute fala ldquoo paciente taacute assim assimrdquo Quando vocecirc vai receber o
paciente ele natildeo estaacute assim Faltou comunicaccedilatildeo Vatildeo passando de um pro outro e ateacute
chegar aqui chega diferente Acho que tinha que ter uma ligaccedilatildeo direta Aquele que
recebeu eacute que vai passar o caso (Ed31)
A transferecircncia de informaccedilotildees entre equipes e setores (handoffs) eacute reconhecida
internacionalmente como momentos criacuteticos e decisivos para a seguranccedila do paciente No
entanto natildeo existe a possibilidade do profissional que recebeu o paciente no pronto socorro
ser ele mesmo o portador da transferecircncia para todos os demais setores que o paciente iraacute
percorrer Isso porque satildeo diversas as condiccedilotildees funccedilotildees e profissionais que recebem o
paciente na linha de cuidados ciruacutergico Contudo haacute algumas teacutecnicas de comunicaccedilatildeo que
podem ajudar O SBAR (do inglecircs Situation Background Assessment Recommendation ou
Situaccedilatildeo Background Avaliaccedilatildeo Recomendaccedilatildeo) eacute um exemplo que fornece uma estrutura
mnemocircnica para uma mensagem Inicia-se o esclarecimento do problema com informaccedilotildees
baacutesicas seguido por uma avaliaccedilatildeo da situaccedilatildeo e uma recomendaccedilatildeo Essa ferramenta
melhora a eficiecircncia da comunicaccedilatildeo por permitir maior acuraacutecia das informaccedilotildees
transmitidas e traz benefiacutecios aos profissionais pois se cria uma linguagem comum concisa e
estruturada promovendo a seguranccedila do paciente (SALMAN et al 2012)
Segundo Morin (2003) a compreensatildeo perpassa pela relaccedilatildeo subjetiva com o outro de
simpatia o que pode ser favorecido pela projeccedilatildeo pela identificaccedilatildeo A compreensatildeo eacute
assim o grande problema atual da humanidade mais do que a comunicaccedilatildeo ou em
consequecircncia dela Contraditoriamente para a compreensatildeo natildeo basta a comunicaccedilatildeo a
primeira pode ser afetada ou ajudada pela comunicaccedilatildeo seja tecnicamente (telefone e-mail)
seja pelo domiacutenio do coacutedigo (liacutengua) Mas eacute preciso que a compreensatildeo aconteccedila pois a
comunicaccedilatildeo por si mesma natildeo pode gerar a compreensatildeo (MORIN 2003)
Os profissionais mencionaram algumas oportunidades de melhoria para o caos que eacute a
Onda Vermelha a saber maior organizaccedilatildeo revisatildeo de medicamentos e materiais
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 130
disponiacuteveis melhoria da comunicaccedilatildeo criteacuterio e equidade no uso de bolsas de sangue ldquoOrdquo
negativo
Eacute um processo muito raacutepido e precisam estar muito ensaiadas Natildeo ensaiadas no
sentido real da palavra a gente nunca vai conseguir ensaiar um atendimento de
emergecircncia mas muito organizadas (Ei30)
A anestesia traz alguns questionamentos de material que queriam deixar pronto
precisa ver com a CCIH [] (Ei30)
[] podia ter mais treinamento de organizaccedilatildeo de uma parada cardiacuteaca por
exemplo Chega uma onda uma urgecircncia fica aquela confusatildeo Natildeo sabe quem eacute
que vai buscar o sangue quem vai pegar o acesso do paciente quem que vai auxiliar
o anestesista quem que vai abrir o material (Ed8)
[] entra na sala de politraumatismo punciona para ligar o soro colhe amostra e
identifica [] No bloco a primeira coisa colher e enviar para o banco de sangue
Natildeo haacute condiccedilatildeo de suprir um paciente de politraumatismo de 10 15 bolsas de
sangue O negativo Faz 15 bolsas O negativo o cara morre Aiacute tem uma parturiente
vai sensibilizar ela Uma menina de 20 25 anos [] tem que ter esses cuidados
para natildeo fazer demais para um e faltar para o outro [] Qualquer gratildeozinho de
sangue numa emergecircncia 1ml jaacute daacute uma ajuda enorme [] Vai ser beneacutefico pra ele
[paciente] e para o banco de sangue Na transfusatildeo na real vocecirc estaacute fazendo um
transplante (Ei18)
O profissional Ei18 tambeacutem sugere que na reorganizaccedilatildeo do processo de trabalho na
Onda Vermelha tenha uma pessoa responsaacutevel (elo) para solicitar o hemoderivado Segundo
o profissional basta 1 ml de sangue porque a teacutecnica de classificaccedilatildeo para uma emergecircncia eacute
em tubo e natildeo em gel o que leva menos de um minuto que eacute o mesmo tempo de
disponibilizar uma bolsa de ldquoOrdquo negativo Posteriormente os teacutecnicos do banco de sangue
utilizam a teacutecnica em gel que leva 10 minutos para a classificaccedilatildeo do grupo sanguiacuteneo e que eacute
mais fidedigna Eacute necessaacuterio que isso seja de conhecimento de todos os profissionais no
sentido de racionalizar o uso de bolsas de sangue ldquoOrdquo negativo
A ampliaccedilatildeo da seguranccedila em procedimentos ciruacutergicos requer investimentos no
conhecimento em relaccedilatildeo ao ato ciruacutergico (PANCIERI et al 2013) e tudo o que o permeia A
qualidade no atendimento ao paciente em situaccedilatildeo de emergecircncia depende da accedilatildeo de todas as
pessoas envolvidas nessa missatildeo (CALIL et al 2010) Algumas melhorias foram
mencionadas pelos profissionais mas natildeo se almejou descrever a totalidade ateacute porque ldquo[] a
totalidade eacute a natildeo verdaderdquo (ADORNO apud Morin 2003) Um dos axiomas da
complexidade eacute a impossibilidade do saber completo inclusive teoricamente (MORIN 2003)
A dimensatildeo dos problemas de seguranccedila do paciente em estado de emergecircncia surgiu
como um problema de sauacutede puacuteblica e de sauacutede do trabalhador apesar do pouco
reconhecimento da sua extensatildeo Foi observado que os profissionais do CC em questatildeo bem
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 131
como dos setores que fazem interface no atendimento agrave Onda Vermelha estatildeo na aurora de
um esforccedilo que ainda necessita de muacuteltiplas accedilotildees a fim de alcanccedilar meios para a
organizaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo de princiacutepios de cirurgia segura na situaccedilatildeo de emergecircncia com
comunicaccedilatildeo efetiva
Apesar de todas as arestas que necessitam serem modificadas no momento da
emergecircncia as questotildees mudam de significado haacute maior envolvimento da equipe e um
trabalho interdisciplinar O conjunto dos atores humanos ndash profissionais alunos pacientes ndash
e natildeo humanos ndash materiais equipamentos e medicamentos ndash produz um movimento e
promove a assistecircncia ciruacutergica de emergecircncia
423 Efeito borboleta pequenas accedilotildees podem resultar em grandes incidentes na
assistecircncia ciruacutergica
O titulo desta subcategoria tem origem na pergunta ldquoPredictability Does the flap of a
butterflyrsquoswings in Brazil set off a tornado in Texasrdquo(LORENZ 1972 p 1) que em
traduccedilatildeo livre para o portuguecircs quer dizer O bater das asas de uma borboleta no Brasil
dispararia um tornado no Texas
Por meio deste questionamento Edward Norton Lorenz um meteorologista
matemaacutetico e filoacutesofo norte-americano iniciou sua apresentaccedilatildeo na 139ordf reuniatildeo anual da
Sociedade Americana para o Progresso da Ciecircncia em 1972 (LORENZ 1972) Seus estudos
asseveram entre outras questotildees que uma simples e pequena accedilatildeo no iniacutecio ou decorrer de
um evento ndash como o suave bater de asas de uma ou vaacuterias borboletas ndash afetaraacute o desfecho de
tal evento na sucessatildeo de fatos que venham a ocorrer gerando algo imprevisiacutevel como um
tornado em outro local do mundo pela leve movimentaccedilatildeo do ar pela borboleta (LORENZ
1972 LORENZ 1963)
Apesar de a frase ser apenas uma afirmaccedilatildeo simboacutelica dentro da Teoria do Caos
significa que accedilotildees aparentemente insignificantes tecircm potencialidade para provocar grandes
consequecircncias Este eacute o objetivo desta subcategoria tecer por meio de relatos dos
profissionais como as pequenas accedilotildees concorrem para a ocorrecircncia ou ateacute mesmo a
prevenccedilatildeo de incidentes ciruacutergicos
Como jaacute abordado anteriormente os incidentes satildeo eventos ou circunstacircncias que
poderiam ter resultado ou resultaram em dano desnecessaacuterio ao paciente O termo
ldquodesnecessaacuteriordquo significa que haacute certos danos que satildeo necessaacuterios na assistecircncia agrave sauacutede
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 132
como por exemplo uma incisatildeo para realizaccedilatildeo de laparotomia natildeo sendo considerados
portanto como incidentes (OMS 2009)
Os incidentes originam-se de atos intencionais dos profissionais (violaccedilotildees) ou de atos
natildeo intencionais e incluem as seguintes situaccedilotildees (1) circunstacircncia notificaacutevel (2) near miss
(3) incidente sem dano e (4) incidente com dano ou evento adverso (OMS 2009) A seguir
seratildeo discutidas estas situaccedilotildees a partir dos conceitos da Classificaccedilatildeo Internacional de
Seguranccedila do Paciente (International Classification for Patient Safety ndash ICPS) (OMS 2009) e
dos relatos dos profissionais desta pesquisa Vale ponderar que foram escolhidos somente
alguns casos relatados para exemplificaccedilatildeo e que encaixaacute-los na taxonomia ICPS foi difiacutecil
dada a interpretaccedilatildeo dos conceitos e a falta de informaccedilotildees detalhadas do desfecho final dos
casos
A primeira situaccedilatildeo eacute de uma ldquocircunstacircncia notificaacutevelrdquo que consiste em uma
situaccedilatildeo com grande capacidade de causar dano ao paciente mas que natildeo produziu nenhum
incidente (WHO 2009) conforme os exemplos a seguir
[] campo com defeito avental curto avental rasgado ou cerzido foi notificado agrave
CCIH [] optou ao inveacutes de comprar tecido novo jaacute atendendo a RDC 15 utilizar o
material [descartaacutevel] [] preccedilo consideraacutevel mas melhor pra garantir a seguranccedila
do paciente O objetivo eacute melhorar o quantitativo para que todas as cirurgias
utilizem material de primeira linha (Ei5)
Os incidentes relatados sobre os defeitos no material apesar de terem potencial natildeo
causaram nenhum dano para o paciente pelo relato do profissional Contudo esses tipos de
incidentes devem ser notificados pelos profissionais e conforme o relato de Ei15 devem
resultar em discussatildeo e melhoria como foi a tomada de decisatildeo para a troca por material
descartaacutevel Esse eacute o alvo principal de se notificar quaisquer incidentes ou seja a discussatildeo e
a realizaccedilatildeo de um plano de accedilatildeo para melhoria contiacutenua da qualidade da assistecircncia ciruacutergica
Percebe-se que a mudanccedila nos processos de trabalho natildeo se daacute por aspectos lineares mas por
vezes eacute decorrente de uma rede de situaccedilotildees provenientes da desordem e da incerteza
A segunda situaccedilatildeo eacute de um ldquonear missrdquo que se refere a um incidente que natildeo atingiu
o paciente (OMS 2009) conforme os relatos a seguir
Jaacute quase contaminaram mesa de cirurgia mas natildeo contaminaram Contaminou
tesoura despreza Jaacute aconteceu de abrir caixa e ela estar molhada aiacute despreza e abre
outra (Ed4)
Vieram pedir sala ah paciente hiacutegido Natildeo tem nada soacute taacute com apendicectomia
Nunca foi no hospital [] mas eu descobri que o paciente haacute um ano ficou
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 133
internado mais de um mecircs no CTI por IAM [Infarto Agudo do Miocaacuterdio] e estava
sem tratamento Suspendeu as medicaccedilotildees e estava sentindo dores desconforto e ia
entrar para a cirurgia eu que avisei o anestesiologista Porque o cirurgiatildeo falou que
ele natildeo tinha nada [] Natildeo causou dano diretamente e eu consegui cercar mas eacute um
absurdo [] entram com paciente contaminado e que natildeo tomaram precauccedilatildeo de
contato aerossol paciente com TBC [] (Ed29)
O primeiro caso relata incidentes com relaccedilatildeo agrave contaminaccedilatildeo de materiais ciruacutergicos
que natildeo provocaram nenhum dano porque os profissionais percebendo o ocorrido
desprezaram o material No segundo caso o near miss consistiu em natildeo identificar ou natildeo
repassar a histoacuteria pregressa de forma fidedigna para os profissionais do CC uma falha de
comunicaccedilatildeo na transferecircncia de cuidados do preacute para o transoperatoacuterio Isso poderia levar o
paciente a um dano pela exposiccedilatildeo a drogas e outros procedimentos sem considerar o seu
histoacuterico Eacute importante que os serviccedilos de sauacutede identifiquem e notifiquem os incidentes que
natildeo atingiram o paciente (near miss) pois esses contribuem para identificar a fragilidade na
assistecircncia que no futuro pode levar a um evento adverso evitaacutevel (O‟KANE et al 2008)
A terceira situaccedilatildeo eacute de um ldquoincidente sem danosrdquo que consiste em um evento que
atingiu o paciente mas natildeo causou dano discerniacutevel (OMS 2009) conforme os relatos
[] Preciso do rapaz da radiografia ldquoTaacute nas outras duas salas Natildeo temrdquo Tem que
esperar (Ed22)
[] teve falha de profissional colheu amostra trocada de paciente [] Ele teve duas
sortes que o sangue que foi era O positivo Passou dois trecircs dias veio outra amostra
do paciente ldquoArdquo positivo Eu falei ldquoNatildeo pode Esse paciente eacuterdquo que a gente tem
um registro ldquoColhe outra amostrardquo ldquoArdquo positivo Amostra foi coletada trocada
[] Isso eacute muito grave Coletou de um identificou de outro (Ei18)
Os incidentes sem dano ocorrem tambeacutem de forma imprevisiacutevel como aquele
relatado de ordem estrutural e o incidente de identificaccedilatildeo errada da amostra de sangue preacute-
transfusional de ordem processual O processo transfusional segundo Souza Oliveira e Teles
(2014) eacute complexo e abrange vaacuterios atores e procedimentos Engloba um conjunto de pontos
criacuteticos em que haacute a efetiva possibilidade de ocorrecircncia de erro E embora haja reaccedilotildees que
derivam de complicaccedilotildees inevitaacuteveis em sua grande maioria essas se devem a erros humanos
e como tal evitaacuteveis (SOUSA et al 2014)
Em relaccedilatildeo ao grupo sanguiacuteneo da primeira amostra o sangue ldquoOrdquo positivo que foi
encaminhado para administraccedilatildeo no paciente era compatiacutevel com o seu grupo sanguiacuteneo ldquoArdquo
positivo identificado posteriormente No entanto cuidados devem ser tomados nesse sentido
pois o erro humano tem sido uma das principais causas de fatalidades relacionadas com
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 134
transfusotildees por incompatibilidade do sistema ABO Essa eacute uma reaccedilatildeo grave do sistema
imunoloacutegico em razatildeo da transfusatildeo de componente sanguiacuteneo cujo grupo eacute diferente e
incompatiacutevel com o do paciente (SOUSA et al 2014) Nos EUA a frequecircncia de mortes
evitaacuteveis por transfusatildeo atribuiacutedas agrave falha na identificaccedilatildeo da amostra de sangue preacute-
transfusional da unidade de sangue ou do destinataacuterio varia de 1600000 a 1800000
transfusotildees (KROMBACH et al 2002)
Por fim a quarta possibilidade de um incidente e talvez a mais complexa pelo
desfecho final eacute o incidente com dano tambeacutem denominado evento adverso (WHO 2009) O
primeiro caso dessa quarta possibilidade de incidente foi marcante para o conjunto dos
profissionais do hospital em estudo sendo relatado por vaacuterios deles
Um rapaz veio fazer apendicectomia e parece que deu defeito no carrinho de
anestesia [] ficou sem ventilar muito tempo e fez uma hipoxemia grave Morte
cerebral Uma apendicite em fase um que faz todo dia e ele morreu [] o
anestesista natildeo fez o checklist do aparelho [] Jornal e televisatildeo Anestesista
afastado Confusatildeo Da pior forma possiacutevel (Ei20)
Um paciente veio operar apendicite Parece que o carrinho de anestesia estava com
problema Uma chave que devia estar virada e natildeo estava O paciente foi a oacutebito []
Eacute triste A gente imagina que naquele lugar podia estar um amigo um familiar Foi
uma fatalidade Abala [ecircnfase] (Ed31)
[] homem de 32 anos veio para o bloco com apendicite agrave noite Quem fez a
anestesia ao inveacutes de conectar o oxigecircnio e ar comprimido soacute fez a conexatildeo do ar
comprimido [] teve um dano neuroloacutegico irreversiacutevel [] foi para o CTI Como
as janelas natildeo eram teladas o paciente teve uma miiacutease [] Ao contraacuterio do CTI que
teve cuidado com o bloco de natildeo dizer que foi uma falha do anestesista foi o oposto
com o CTI [] Queriam ver quem era o culpado O CTI tinha um problema de aacuterea
fiacutesica jaacute notificada agrave diretoria mas naquele momento natildeo tinha como resolver e a
equipe do bloco foi muito dura Foi uma decepccedilatildeo a maneira como foi tratado o
caso Para nenhum profissional eacute agradaacutevel o erro mas eacute complicado resolver erros
procurando culpado sem olhar o entorno o processo de trabalho [] (Ei25)
Tivemos um caso que foi um evento seriacutessimo [] paciente operado de apendicite
relativamente simples e teve um problema na oxigenaccedilatildeo durante o procedimento
[] evoluiu com uma hipoacutexia transoperatoacuteria [] natildeo se identificou o motivo dessa
baixa oxigenaccedilatildeo [] Teve uma internaccedilatildeo prolongada em CTI vindo a falecer []
foi um marco negativo a gente tenta sempre aprender [] foi feita revisatildeo completa
de todos os carrinhos feito uma nova revisatildeo A fabricante do carrinho participou
das avaliaccedilotildees [] Houve substituiccedilatildeo por modelos mais modernos que talvez
evitassem esse problema A gente fica mais atento por causa desse fato foi isolado
mas muito negativo marcante e a gente natildeo quer que aconteccedila de novo (Ed21)
Os relatos mostram um caso com dano irreversiacutevel ao paciente que poderiam ser
evitados com observaccedilatildeo rigorosa de pequenos detalhes e se fosse admitido pelos
profissionais que toda cirurgia implica riscos Os detalhes as causas e as repercussotildees do
incidente com o paciente operado devido a uma apendicite em fase inicial eletiva
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 135
considerado um procedimento simples foram variadas indo do fator humano agrave falha no
equipamento Em um estudo sobre eventos adversos na aacuterea da anestesiologia em hospitais
de Boston a desconexatildeo do circuito respiratoacuterio foi a categoria mais frequente (COOPER
NEWBOWER KITZ 1984) No entanto segundo Fortis (2009) atualmente eacute possiacutevel
avaliar de forma contiacutenua de maneira segura qualitativa e quantitativamente mediante
monitorizaccedilatildeo diversos paracircmetros do equipamento de anestesia e do medicamento como
fluxos pressotildees volumes concentraccedilotildees Tais recursos possibilitam verificar se o
equipamento estaacute cumprindo aquilo para o qual foi programado (FORTIS 2009) Para tanto eacute
necessaacuterio um equipamento anesteacutesico moderno que corresponda agraves exigecircncias normativas e
agrave qualificaccedilatildeo dos profissionais para operacionalizaacute-lo bem como a um ambiente livre de
distraccedilotildees e interrupccedilotildees
O paciente antes da constataccedilatildeo do oacutebito teve um episoacutedio de miiacutease devido agraves maacutes
condiccedilotildees da estrutura fiacutesica (janelas sem telas) do CTI Ressalta-se que haacute mais de 150
espeacutecies de insetos que podem causar miiacutease em humanos suas larvas podem gerar necrose e
destruiccedilatildeo dos tecidos infestados com vaacuterios sintomas dependendo dos locais acometidos e
da intensidade da infestaccedilatildeo (SILVEIRA et al 2015) Este acontecimento aleacutem do dano ao
paciente gerou conflito entre as equipes do CC e do CTI
Apesar do entrevistado dizer que foi um fato isolado e que a lideranccedila e profissionais
trabalharam para que os incidentes natildeo tivessem recidiva o mesmo problema ocorreu com
outra paciente Desta vez foi percebido antes que houvesse uma lesatildeo tatildeo seacuteria mas foi
necessaacuterio tratamento intensivo e portanto classificado como um evento adverso
[] menina de 15 anos com abdome agudo parecia apendicite e o residente me
pediu pra operar com ele Cheguei examinei vi os exames irritaccedilatildeo peritoneal []
No bloco ela foi anestesiada entubada e quando a gente incisou a pele subcutacircnea o
sangue estava muito escuro e tinha uns 5 minutos que tinha sido entubada []
perguntei ao anestesista ldquoO sangue taacute escuro estaacute bem ventiladardquo Parecia um
sangue natildeo oxigenado Ele olhou ela estava sem ser oxigenada No monitor estava
bradicardizando Teve uma parada cardiacuteaca [] massageamos ela voltou [] foi
para o CTI [] natildeo teve nenhuma sequela por sorte Eacute uma sensaccedilatildeo peacutessima para
quem estaacute operando [] para quem taacute anestesiando [] nessa eacutepoca teve um
paciente com sequela neuroloacutegica grave acabou morrendo no CTI porque deixou de
ser ventilado por falha do carrinho de anestesia uma falha na vaacutelvula []
Aconteceu comigo a sorte eacute que a menina natildeo teve sequela Aneuro fez TC de
cracircnio tudo normal Imagina se a menina morre Entrou na cadeira despediu da
matildee na porta do bloco [] Pode acontecer Mas eacute muito doloroso para todo mundo
[] o anestesista falou ldquoNatildeo sei o quecirc que aconteceu entubei a menina Coloquei
pra ventilar ventilou bem O bocal do ventilador natildeo desconectou do tubordquo os gases
que ele usou estavam ok A gente natildeo conseguiu chegar a uma conclusatildeo do que
aconteceu (Ed19)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 136
A comparaccedilatildeo dos episoacutedios leva a algumas reflexotildees Embora no primeiro caso agrave
primeira vista o erro tenha sido do anestesiologista que natildeo manipulou adequadamente o
carrinho de anestesia o cirurgiatildeo daquele procedimento poderia ter percebido a coloraccedilatildeo do
sangue natildeo oxigenado e alertado o anestesiologista assim como o profissional do uacuteltimo caso
(incidente com a menina) o fez Assim evidenciam-se duas questotildees Primeira o incidente
ocorre por fatores sistecircmicos e natildeo individuais Segunda mostra uma contradiccedilatildeo ao ditado
popular que diz que ldquoo raio natildeo cai duas vezes no mesmo lugarrdquo Os erros podem sim
ocorrer mais de uma vez na mesma instituiccedilatildeo ou de forma semelhante ou idecircntica em
diferentes locais Por isso quando haacute a ocorrecircncia de um incidente eacute importante que seja
amplamente discutido com toda a equipe multiprofissional para que todos possam participar
da discussatildeo no sentido de se criar barreiras Tambeacutem eacute importante que uma instituiccedilatildeo
aprenda com as falhas de outras Nesse sentido se natildeo houver um gerenciamento do erro ou
da falha ele se repetiraacute uma vez que o risco natildeo encontraraacute barreiras que impeccedila a ocorrecircncia
de incidentes (REASON 2000)
O risco segundo a WHO (2009) eacute a probabilidade de ocorrecircncia de um incidente ou
seja a probabilidade de um indiviacuteduo sofrer algum dano em razatildeo da exposiccedilatildeo a um perigo
Perigo eacute uma circunstacircncia um agente ou uma accedilatildeo com potencial para provocar danos
(WHO 2009) Para mitigaccedilatildeo de perigos e do risco eacute necessaacuterio analisar a causa raiz dos
incidentes para adotar barreiras eficazes que impeccedilam a reincidecircncia dos incidentes Segundo
Vendramini et al (2010) a anaacutelise da causa raiz envolve uma abordagem baseada em
sistemas que avalie todas as atividades na organizaccedilatildeo contribuindo para a manutenccedilatildeo e a
melhoria da seguranccedila tais como o progresso no desempenho dos processos e a administraccedilatildeo
dos riscos
Assim o efeito borboleta conforma-se tambeacutem no sentido da prevenccedilatildeo aos
incidentes ou seja accedilotildees positivas como a realizaccedilatildeo do checklist do aparelho (barreira) tecircm
potencialidade para prevenir grandes eventos como no primeiro caso citado no qual ocorreu
um dano irreversiacutevel que resultou no oacutebito do paciente operado por uma apendicectomia
Dos participantes da pesquisa apenas um dos profissionais relatou um incidente em
que ele esteve diretamente envolvido e que consistiu em um evento adverso
Eu acho que todo anestesista tem muita intercorrecircncia para contar Agora
intercorrecircncias que geraram oacutebito do paciente assim satildeo raras [com ecircnfase] Mas
eu jaacute tive Eu fiz uma raqui um bloqueio anesteacutesico e o paciente logo depois teve
uma parada fez uma hipotensatildeo muito grande parou e natildeo voltou (Ed17)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 137
Esse evento adverso ocorreu quando o profissional estava ainda na residecircncia Ele natildeo
deu detalhes sobre as possiacuteveis causas mas de certa forma assumiu a responsabilidade e
conta por meio de depoimento que eacute uma situaccedilatildeo difiacutecil de vivenciar O clima no ambiente
de trabalho fica tenso no momento do incidente Os profissionais satildeo acometidos por uma
miscelacircnea de sentimentos como consternaccedilatildeo e preocupaccedilatildeo aleacutem de alguns ficarem sem
accedilatildeo apavorados e em estado de choque com choro inconsolaacutevel e outros tecircm o humor
alterado chegando a agredir os colegas verbalmente conforme relatos a seguir O oacutebito
principalmente decorrente de um incidente eacute o desfecho mais dramaacutetico traacutegico
Considerando-se ainda que esses incidentes ocorrem em um hospital referecircncia para
urgecircncias e emergecircncias onde o morrer eacute um acontecimento frequente e tratado com mais
naturalidade que em outros setores da rede intra-hospitalar ou extramuros do hospital
Diferente do meacutedico do CTI que todo dia tem um oacutebito [] O meacutedico que trabalha
com resgate na estrada chega e a pessoa estaacute morta Isso eacute mais comum Na
anestesia isso eacute incomum graccedilas a Deus As pessoas podem pensar o contraacuterio
anestesia eacute um negoacutecio perigoso demais entatildeo deve morrer gente toda hora natildeo
[] passa meses e meses sem acontecer um caso desses [] intercorrecircncias menores
o paciente parar de respirar ter que acudir rapidamente momentos estressantes isso
eacute comum Toda hora (Ed17)
Foi peacutessimo Eacute uma cirurgia que 999 das vezes a alta eacute no dia seguinte [] a natildeo
ser quando eacute uma apendicite complicada Mas no caso dele era uma apendicite em
fase inicial e tem um resultado traacutegico Os profissionais envolvidos ficaram
extremamente consternados preocupados Eacute Muito chateados (Ed21)
Um anestesista preparou as drogas para uma intubaccedilatildeo Pediu para o teacutecnico de
enfermagem administrar o que era de responsabilidade dela [ecircnfase] [] Aramim
que era dois mL mandou fazer a seringa inteira [] a pressatildeo da paciente foi a
duzentos e sessenta [] Ela ficou louca a meacutedica quando viu que a menina tinha
feito tudo Mandou fazer o antagonista [] deu um grito [com ecircnfase] com a
teacutecnica A teacutecnica ficou mais apavorada do que ela Foi um caos total A menina
ficou em choque foi substituiacuteda [] comeccedilou a chorar E natildeo parava Eacute uma
menina nova com pouca experiecircncia Primeiro emprego (Ed26)
Nas situaccedilotildees de incidentes em sala ciruacutergica nota-se um ldquocaosrdquo conforme
mencionado por Ed26 Por se tratar de um incidente imprevisiacutevel o equiliacutebrio entre razatildeo
para agir e tomar as decisotildees e a tranquilidade para isso eacute instaacutevel e subjetivo de profissional
para profissional Esse (des) equiliacutebrio em meio ao caos provocado pelo incidente eacute um
desafio para todos os profissionais envolvidos principalmente para aqueles com pouca
experiecircncia como no caso da circulante envolvida em seu primeiro emprego
Um estudo com o objetivo de identificar os sentimentos dos profissionais de
enfermagem frente aos erros de medicaccedilatildeo tambeacutem mostrou diversos sentimentos como
pacircnico desespero preocupaccedilatildeo culpa vergonha medo e inseguranccedila causando instabilidade
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 138
pessoal e profissional e tambeacutem omissatildeo dos episoacutedios (SANTOS et al 2007) Esses
sentimentos interferiram na assistecircncia e perduraram na lembranccedila dos profissionais
associados ao medo de errar novamente Contudo os participantes do estudo reconheceram o
valor dessa experiecircncia para seu aprendizado e a importacircncia de transformaacute-la em estrateacutegias
pessoais de prevenccedilatildeo para evitar novos erros (SANTOS et al 2007)
Enfim pelos dados desta pesquisa somados ao incidente sem dano relatado a seguir
foi possiacutevel perceber que geralmente um incidente ocorre a partir de pequenas accedilotildees ou de
um conjunto de pequenas accedilotildees ou acontecimentos gerando um efeito borboleta E quando
ocorrem haacute uma desestabilizaccedilatildeo da ordem e o caos impera no ambiente
O dia que entornou mais de dois litros de formol dentro do bloco [] Noacutes alisamos
cabelo sem querer [risos] Foi um caos [ecircnfase] Um caos Paciente dentro de sala
entubada [] eacute um evento que sai completamente do nosso controle Pode acontecer
Qualquer hora qualquer local [] todo dia a gente coloca material dentro do formol
no bloco mas a partir desse evento a gente tomou mais cuidado e outras condutas
para administrar esse material (Ed26)
Teve um derramamento de formol no bloco [] a peccedila era muito grande um
intestino inteiro rompeu o plaacutestico A gente estaacute providenciando vasilhames
maiores [] O bloco veio aqui porque a gente tem a FISC que eacute a ficha de
seguranccedila de cada reagente e laacute ele indica o que fazer [] teve cinco atestados de
funcionaacuterios porque eles iam para outro emprego [] Um acidente que acontece
tem que ter uma coisa errado o que O volume daquilo dentro daquele plaacutestico natildeo
comportava [] Isso deve ser discutido na SIPA do hospital onde se discute todos
os acidentes com os envolvidos [] tentaram terminar a cirurgia ou dar andamento
e depois foi esvaziado e a seguranccedila do trabalho acompanha [] (Ei24)
O caso mostra que situaccedilotildees simples como a incompatibilidade do tamanho da peccedila
anatocircmica com o recipiente geram incidentes de forma imprevista Nessa situaccedilatildeo estava
sendo atendido um paciente proveniente de Onda Vermelha na sala de emergecircncia desviando
a atenccedilatildeo dos profissionais desse atendimento pois o cheiro do formol se espalhou por todo o
CC e os profissionais colocaram maacutescaras de proteccedilatildeo N95 (especiacutefica para tuberculose)
Essa desordem presente nesta parte do sistema (sala operatoacuteria) resultou em transtorno
em todo o CC Repercutiu tambeacutem no laboratoacuterio que foi acionado por que possuiacuteam uma
ficha que descreve as accedilotildees apoacutes algum acidente com produto quiacutemico e tambeacutem por ser o
setor que encaminha as peccedilas anatocircmicas para a empresa terceirizada responsaacutevel pela anaacutelise
do material O setor de seguranccedila do trabalho tambeacutem foi envolvido para abordar os
profissionais presentes no incidente Percebe-se que as partes satildeo constituiacutedas e conectadas
por diferentes atores humanos (pacienteprofissionais) e natildeo humanos (formol plaacutestico para
colocar a peccedila anatocircmica retirada do paciente ficha de descriccedilatildeo de accedilotildees poacutes-acidente com
produto quiacutemico) Percebe-se tambeacutem que alguns incidentes ocorrem de forma imprevisiacutevel
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 139
mesmo em accedilotildees realizadas rotineiramente Ou seja um efeito borboleta pode mudar o
cotidiano de trabalho do CC
Por outro lado essa desordem fez com que os profissionais fizessem revisatildeo dos
processos mesmo aqueles rotineiros para alcanccedilarem uma organizaccedilatildeo Eacute possiacutevel afirmar
que haacute uma riqueza na desordem na casualidade e na complexidade ou seja essas situaccedilotildees
oportunizam aprendizado e mudanccedila nos processos de trabalho O sistema encontra sempre
meios para sair do caos por meio de mudanccedilas integraccedilatildeo e organizaccedilatildeo ocorrendo de forma
dinacircmica e proporcionando crescimento e flexibilidade
Enfim os relatos dos profissionais e a metaacutefora do bater de asas de uma borboleta
escolhida para esta subcategoria onde uma pequena accedilatildeo pode transformar todo um processo
mostraram que a complexidade dos incidentes e o caos proveniente deles potencializam a
transformaccedilatildeo dos processos de trabalho Aleacutem disso contribuiacuteram para a abordagem frente
aos incidentes podendo profissionais pacientes e seus familiares se posicionarem dentro do
contexto nunca linear e do caos ocorrido quando do incidente
424 Abordagem institucional frente aos incidentes efeitos da cultura organizacional
O engenheiro erra a terra mostra O meacutedico erra e a terra encobre (Ed12)
O que mais preocupa natildeo eacute o grito dos violentos dos corruptos desonestos dos sem
eacutetica O que mais preocupa eacute o silecircncio dos bons (MARTIN LUTHER KING)
Esta subcategoria busca conhecer a forma com que os profissionais do hospital em
estudo lidam com os incidentes que ocorrem na instituiccedilatildeo Ou seja a percepccedilatildeo sobre os
incidentes bem como a realizaccedilatildeo de notificaccedilotildees discussatildeo treinamentos tratamento e
divulgaccedilatildeo dos incidentes no sentido de possibilitar o aprendizado e o redesenho de todo o
processo de trabalho por meio do ocorrido Perpassando pelo acompanhamento dos familiares
e pacientes que estiveram envolvidos em uma situaccedilatildeo indesejada
Essas reflexotildees ajudaratildeo a entender como se configura no hospital em estudo a
complexa e imprecisa cultura organizacional Segundo Morin (2000) haacute uma relaccedilatildeo triaacutedica
entre indiviacuteduosociedadeespeacutecie Os indiviacuteduos satildeo produtos da reproduccedilatildeo da espeacutecie
humana que acontece por meio de dois indiviacuteduos As conexotildees entre os indiviacuteduos produzem
a sociedade que assiste o nascimento da cultura e que retroage sobre os indiviacuteduos pela
cultura Assim ldquo[] eacute a cultura e a sociedade que garantem a realizaccedilatildeo dos indiviacuteduos e satildeo
as interaccedilotildees entre indiviacuteduos que permitem a perpetuaccedilatildeo da cultura e a auto-organizaccedilatildeo da
sociedaderdquo (MORIN 2000 p 55)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 140
A cultura de uma organizaccedilatildeo pode ser um grande empecilho para qualquer mudanccedila
significativa mas tambeacutem pode ser uma importante arma na batalha contiacutenua pela seguranccedila
(VICENT 2009) assim eacute imprescindiacutevel uma poliacutetica institucional de seguranccedila instituiacuteda
pela lideranccedila para promoccedilatildeo de uma cultura de seguranccedila A cultura de seguranccedila se insere
no campo do pensamento complexo sendo difiacutecil de mensurar e deve ser refletida de forma
multidimensional considerando o todo e as partes como um tecido uacutenico que forma o
cotidiano de trabalho no hospital e fomenta a propagaccedilatildeo da seguranccedila institucional ao longo
do tempo A cultura interfere na assistecircncia desde a admissatildeo ateacute a alta do paciente bem
como influencia na perenidade da confianccedila seguranccedila e reputaccedilatildeo institucional
Mesmo com tantos incidentes relatados no CC em estudo na subcategoria anterior
ainda haacute um mito de que o erro natildeo acontece Eacute algo que estaacute longe no noticiaacuterio dos
telejornais Ou se acontece foi em outro plantatildeo em outra especialidade em outra sala
operatoacuteria na qual o profissional faz questatildeo de natildeo estar presente
No meu plantatildeo pelo menos natildeo [] A gente ouve falar assim na televisatildeo essas
coisas [] (Ei14)
Na cirurgia X [nome da especialidade] em nenhum momento aconteceu
[incidentes] Nas outras cliacutenicas eu natildeo estou nas salas pra saber (Ed16)
O reconhecimento dos riscos institucionais e da falibilidade humana satildeo um dos
principais pilares de uma cultura de seguranccedila fortalecida madura natildeo sendo identificado no
hospital em estudo Essa tendecircncia agrave negaccedilatildeo pode advir da cultura punitiva que impera ainda
nos serviccedilos de sauacutede de uma forma geral principalmente nos hospitais em que ainda
prevalece o poder pelo saber-fazer e a questatildeo hieraacuterquica tem forccedila no cotidiano entre os
profissionais de sauacutede
A baixa percepccedilatildeo da ocorrecircncia de incidentes pode advir tambeacutem do foco do
procedimento ciruacutergico ser a cura da doenccedila Por isso haacute a necessidade de estar ausente do
cenaacuterio em que ocorreu um incidente Tambeacutem por questotildees oacutebvias da tensatildeo gerada e que
desde a formaccedilatildeo o discurso eacute de que os profissionais da sauacutede natildeo podem errar Nesse
sentido segundo Morin (2003) a universidade eacute conservadora por memorizar e ritualizar
uma heranccedila cultural de saberes ideias valores eacute regeneradora por reexaminar atualizar e
transmitir essa heranccedila e eacute geradora de saberes ideias e valores que passam entatildeo a fazer
parte da heranccedila (MORIN 2003) A heranccedila acadecircmica nega que o erro vem de longos
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 141
tempos perpetuando no cotidiano de trabalho nos dias atuais sendo necessaacuterio repensar esse
discurso enraizado
Haacute tambeacutem um paradoxo do silecircncio versus ruiacutedos transmitidos pela ldquoraacutedio peatildeordquo
quando algo indesejaacutevel ocorre na assistecircncia ciruacutergica ao paciente Os comentaacuterios sobre o
incidente ocorrido tanto perpassam entre os profissionais mascarados de um segredo quanto
ficam enterrados em um silecircncio ensurdecedor
Quando acontece [incidente] natildeo eacute divulgado [com ecircnfase] Ningueacutem conta
ldquoOperei o lado erradordquo ldquoDeixei uma compressa na barriga do pacienterdquo A coisa
fica no grupinho que viu que participou e que sabe (Ed16)
O plantatildeo da noite foi passando pra gente do dia mas ficou aquela coisa Oh
aconteceu isso issordquo ldquoNossardquo ldquoMas aiacute natildeo fica comentando (Ed31)
Eu costumo brincar que o meacutedico o cirurgiatildeo tem uma vantagem muito grande
sobre o engenheiro ldquoO engenheiro erra a terra mostra O meacutedico erra e a terra
encobrerdquo [risos] [] O engenheiro faz uma casa torta todo mundo vecirc Se o paciente
morreu a terra vai encobrir (risos) [] (Ed12)
A expressatildeo ldquoO engenheiro erra a terra mostra O meacutedico erra e a terra encobrerdquo
denota algo da cultura de ocultaccedilatildeo e subnotificaccedilatildeo do erro A citaccedilatildeo de Martin Luther
King no inicio desta subcategoria expressa os malefiacutecios do silecircncio dos profissionais diante
dos incidentes sendo algo preocupante por natildeo trazer melhoria aos processos de trabalho
Pode ser que esse silecircncio seja resultado de um rumor constante de milhotildees de vozes na
sociedade que nega a falibilidade humana principalmente do profissional de sauacutede Fernandes
e Queiroacutes (2011) confirmam que haacute evidecircncias de um paradigma da ocultaccedilatildeo e puniccedilatildeo do
erro No estudo desses autores os enfermeiros relataram que quando notificam um incidente
eles mesmos se tornam o centro da atenccedilatildeo e natildeo o incidente (FERNANDES QUEIROacuteS
2011) Esse comportamento de imputar culpa tambeacutem ocorre na instituiccedilatildeo em estudo
conforme a seguir
[] o pessoal ficou meio olhando assim pra ele [faz um barulho de leatildeo] ldquoAh vocecirc
foi culpadordquo Sabe Ficou um clima bem chato (Ed8)
Dizem que errar eacute humano mas mais humano ainda eacute apontar um culpado Eacute um
ditado popular que vai ao encontro da situaccedilatildeo de ocorrecircncia de um erro na assistecircncia agrave
sauacutede Erro pela classificaccedilatildeo da OMS eacute uma falha natildeo intencional na execuccedilatildeo de um plano
de accedilatildeo conforme esperado ou a sua execuccedilatildeo de forma incorreta Ocorre tanto por fazer a
coisa errada (erro de accedilatildeo) quanto por falhar em fazer a coisa certa (erro de omissatildeo) no
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 142
momento de planejar ou executar (WHO 2009) Apoacutes um erro as pessoas fazem julgamentos
raacutepidos e acusam quem estaacute mais obviamente relacionado agravequela ocorrecircncia Isso revela o que
estaacute por traacutes nos bastidores do incidente Os fatores reais e toda a complexidade do incidente
satildeo desvelados somente apoacutes investigaccedilotildees cuidadosas e detalhadas (VICENT 2009) Esse
tipo de julgamento raacutepido eacute tiacutepico tambeacutem da miacutedia que rompe o silecircncio institucional
promovido e arraigado na cultura organizacional Isso ocorre principalmente no caso de erros
graves e que geraram a morte de pacientes
Todo mundo soube O Super [jornal sensacionalista] soube [] Aiacute natildeo teve como
[incidente foi grave com oacutebito] (Ed11)
No Brasil nos uacuteltimos tempos assistiu-se agrave exposiccedilatildeo dos profissionais da linha de
frente na miacutedia principalmente por meio da acusaccedilatildeo de profissionais de enfermagem pelos
erros decorridos da assistecircncia Segundo Wachter (2010) a miacutedia eacute vista por muitos como um
mecanismo favoraacutevel por garantir a responsabilizaccedilatildeo levar os profissionais a reforccedilarem
regras e garantirem os recursos necessaacuterios para melhoria da qualidade De fato segundo o
autor eacute difiacutecil encontrar serviccedilos de sauacutede tatildeo energizados quanto aqueles que tiveram
expostos os seus erros na miacutedia e satildeo vaacuterios os exemplos que turbinados por erros
midiaacuteticos reforccedilaram a seguranccedila institucional (WACHTER 2010)
No entanto a exposiccedilatildeo na miacutedia pode levar tambeacutem ao medo institucional e
individual estimulando ainda mais a atmosfera de silecircncio aumentando tambeacutem as chances
de natildeo discutir e aprender com os erros ocorridos (WACHTER 2010) Aleacutem disso a
exposiccedilatildeo na miacutedia ocorre por vezes de forma desnecessaacuteria ou incoerente envergonhando
publicamente os profissionais e destruindo suas carreiras Por outro lado essas notiacutecias
midiaacuteticas sobre erros geram tambeacutem uma seacuterie de discussotildees positivas no paiacutes com foco
sobre a formaccedilatildeo dos profissionais e condiccedilotildees de trabalho
Aleacutem de achar um culpado haacute na fala dos profissionais do estudo a necessidade
talvez predominante ainda de puniccedilatildeo Existe ateacute mesmo uma indignaccedilatildeo de natildeo se ver
alguma penalidade sendo para eles um recurso de prevenccedilatildeo da recorrecircncia do incidente
sendo que os que buscam culpados podem estar envolvidos em incidentes no futuro Por outro
lado o medo da accedilatildeo judicial prejudica o diaacutelogo sobre incidentes
Falha acontece mas aiacute tem de punir a pessoa [] errar eacute humano mas dependendo
natildeo pode ter aquele erro [ecircnfase] Porque eacute vida neacute Tem de ter uma puniccedilatildeo sim
Uma advertecircncia Alguma coisa para natildeo acontecer de novo (Ei14)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 143
Nunca vi ningueacutem ser mandado embora [com ecircnfase] ou receber uma advertecircncia
uma suspensatildeo por nada que aconteceu com o paciente [] deveria ser levado ateacute
mesmo se acontecer uma coisa muito grave [com ecircnfase] aos oacutergatildeos cabiacuteveis Uma
coisa que natildeo acontece (Ei15)
O medo da responsabilizaccedilatildeo penal dificulta o diaacutelogo para saber [] para tentar
evitar e melhorar e mudar alguma poliacutetica (Ed17)
[] a famiacutelia entrou com accedilatildeo judicial [] parece que tinha meacutedico na famiacutelia
entatildeo assim foi um caso muito complicado [] (Ei1)
Pela experiecircncia dos profissionais as medidas disciplinares inclusive o acionamento
da justiccedila satildeo pequenas frente agraves ocorrecircncias de erros e incidentes sendo dependente do
conhecimento das famiacutelias sobre seus direitos Na sauacutede muitos erros envolvem lapsos que
satildeo falhas nos comportamentos automaacuteticos que podem atingir os profissionais mais
competentes e experientes Os lapsos natildeo satildeo intencionais e natildeo podem ser prevenidos pelo
medo de accedilotildees judiciais aleacutem de que os profissionais da linha de frente natildeo satildeo realmente os
culpados pois satildeo apenas os uacuteltimos da linha em uma longa cadeia de erros (WACHTER
2010) Entre os muacuteltiplos problemas complexos da aacuterea de seguranccedila do paciente nenhum eacute
mais difiacutecil do que o equiliacutebrio entre a abordagem sistecircmica da ldquonatildeo culpabilidade e a
necessidade de responsabilizaccedilatildeo (individual administrativo e organizacional) (WACHTER
2010)
Ainda que esteja correto o princiacutepio basilar da seguranccedila do paciente qual seja que
os erros envolvem sistemas disfuncionais em vez de maus profissionais percebe-se tambeacutem
que a responsabilizaccedilatildeo eacute um atributo fundamental de um sistema seguro Isso para que se
tenha credibilidade entre os profissionais e populaccedilatildeo frente agrave ocorrecircncia de accedilotildees inseguras
como por exemplo erros cometidos por profissionais embriagados habitualmente
descuidados ou que natildeo seguem normas baacutesicas (WACHTER 2010)
Aleacutem disso as agecircncias regulatoacuterias e o legislativo podem avaliar a abordagem da
ldquonatildeo culpabilidaderdquo como comportamento corporativista e natildeo como uma estrateacutegia para
trabalhar as causas raiz da maioria dos erros Se chegarem a essa conclusatildeo poderatildeo interferir
mais sobre a praacutetica da sauacutede utilizando penas duras frequentemente politizadas dos
sistemas juriacutedico regulatoacuterio e de pagamentos (WACHTER PRONOVOST 2009) Assim
James Reason citado por Wachter (2010) diz que eacute necessaacuteria uma cultura justa para se
desenvolver um ambiente de confianccedila no qual os profissionais sejam estimulados e
recompensados por agirem com foco na seguranccedila mas que tambeacutem esteja claro o limite
entre o comportamento aceitaacutevel e o inaceitaacutevel para garantir a seguranccedila dos pacientes
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 144
Haacute uma diferenciaccedilatildeo na visatildeo e na forma de abordar o erro dependendo da categoria
profissional Isto eacute fortemente influenciado segundo os profissionais pelo corporativismo
profissional e pelo saber-fazer
O meacutedico nunca erra [] Essa eacute a visatildeo deles [] Acho que eacute o saber neacute Como
ele estaacute laacute no topo Estudou mais ou continua estudando ele acha ldquoSou superiorrdquo
Em conhecimento ele eacute superior sim [com ecircnfase] (Ed12)
[] os meacutedicos satildeo o que eu queria que a enfermagem fosse unida Erros meacutedicos
se a gente natildeo vecirc natildeo sabe o assunto morreu ali [ecircnfase] Natildeo eacute como a gente
ldquoNossa Fizeram isso issordquo natildeo Eles natildeo tecircm isso (Ed11)
Se um teacutecnico faz coisa errada eacute chamado atenccedilatildeo se o enfermeiro cometer qualquer
falha a supervisatildeo eacute acionada [ecircnfase] Isso tambeacutem deveria acontecer com os
meacutedicos e natildeo acontece [ecircnfase] [] meacutedicos acham que mandam que sabem tudo
que satildeo deuses neacute (Ei15)
Essa discrepacircncia nas abordagens disciplinares segundo Wachter (2013) tambeacutem
ocorre nos EUA onde haacute dois pesos e duas medidas Os hospitais satildeo treinados em cultura
justa mas evitam disciplinar principalmente os meacutedicos Esses satildeo autocircnomos e podem
mudar de hospital natildeo sendo atrativo para a direccedilatildeo aplicar alguma penalidade em funccedilatildeo do
seu comportamento e praacutetica O resultado disso eacute uma cultura de natildeo responsabilizaccedilatildeo dos
meacutedicos mesmo em hospitais com medidas disciplinares para enfermeiros (WACHTER
2013)
Aleacutem da forma de lidar com o erro ser diferente dependendo da categoria profissional
haacute uma disputa para encontrar o culpado entre os diferentes profissionais
[] carrinho de anestesia natildeo estava funcionando e o paciente teve sequelas No
empurra-empurra de culpados a corda sempre arrebenta do lado mais fraco Soacute que a
gente mostrou que o responsaacutevel era x [] [O anestesista disse] que foi o teacutecnico
que natildeo observou mas o responsaacutevel eacute o anestesista [] durante a cirurgia se ele
tem que ir ao banheiro ele pede a gente pra observar mas ele estava na sala e natildeo
notou o mau funcionamento Quando chegou outro anestesista e notou A gente
achou que era problema do equipamento mas depois viu que natildeo O dispositivo que
libera ou natildeo o oxigecircnio estava desligado O anestesista natildeo ligou (Ed13)
Inicialmente caiu tudo em cima da engenharia hospitalar E aiacute conseguiu comprovar
isso [que a falha natildeo foi no equipamento] a diretoria entrou no meio [] (Ei1)
Haacute um jogo de responsabilidades no enfrentamento dos incidentes influenciado pelas
diferenccedilas nas categorias e funccedilotildees Aleacutem disso os atores natildeo humanos tambeacutem influenciam
nas relaccedilotildees interprofissionais Os cirurgiotildees e anestesistas comandam as tecnologias duras
como o carrinho de anestesia e o bisturi enquanto os demais profissionais satildeo responsaacuteveis
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 145
por auxiliar no uso dos natildeo humanos ou mantecirc-los em funcionamento como no caso da
engenharia hospitalar Na ocorrecircncia do incidente a relaccedilatildeo que se estabelece eacute fortemente
influenciada pelas diferenccedilas dadas entre as funccedilotildees e pelos elevados gradientes de hierarquia
entre as categorias profissionais Segundo Wachter (2013) os gradientes de hierarquia entre
profissionais satildeo caracteriacutesticos da cultura presente nos serviccedilos de sauacutede e versam na
distacircncia psicoloacutegica entre o colaborador e o seu supervisor
No caso relatado por Ed13 o anestesista tinha uma posiccedilatildeo hieraacuterquica culturalmente
maior ficando numa relaccedilatildeo assimeacutetrica com o teacutecnico de enfermagem e com o profissional
da engenharia hospitalar Percebe-se que os gradientes de hierarquia estatildeo presentes natildeo
somente entre os profissionais que atuam diretamente na assistecircncia ao paciente ciruacutergico
mas tambeacutem na relaccedilatildeo destes com os que atuam indiretamente Eacute desprezado de certa forma
um saber-fazer das accedilotildees indiretas mas que pode auxiliar na prevenccedilatildeo e mitigaccedilatildeo de
incidentes na assistecircncia direta ao paciente
Tudo isso faz com que instintivamente os profissionais tenham um comportamento
defensivo no que se refere a relatar e discutir a ocorrecircncia de incidentes e erros em seu
trabalho dado o medo de puniccedilatildeo
[o caso] da anestesia da paciente que operou e faleceu na mesa A primeira coisa que
o ortopedista do outro lado fez foi levantar a matildeo ldquoEu natildeo fiz nadardquo Com medo da
gente da anestesia culpaacute-lo de alguma coisa [] (Ed17)
Defender-se se isentando da responsabilidade por algum ato tambeacutem eacute humano
Segundo Keatings et al (2006) isso eacute histoacuterico devido agrave cultura de imputar culpa fazendo
com que os profissionais se posicionem instintivamente de forma relutante e defensiva
Ademais este comportamento pode advir da atmosfera social vivenciada desde crianccedila das
penalidades exageradas quando o erro era evidenciado e da falta de diaacutelogo que foi sendo
cultivada na sua educaccedilatildeo Inclua-se tambeacutem o fato de ser difiacutecil para um profissional que
dedicou tanto para sua atuaccedilatildeo profissional vivenciar uma situaccedilatildeo que ele aprendeu que era
inconcebiacutevel para um bom profissional dando a entender que quando erra eacute sinocircnimo de natildeo
ser bom profissional Vivenciar um incidente no qual se foi agrave uacuteltima barreira para evitar o erro
eacute ldquoum negoacutecio muito solitaacuteriordquo
Na hora do evento adverso entra gente ajuda e tal mas na hora de assumir a
complicaccedilatildeo aiacute eacute sempre um negoacutecio muito solitaacuterio [] quando eu vi eu era
residente ainda estava soacute eu e meu preceptor Desapareceu todo mundo [com
ecircnfase] (Ed17)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 146
Conforme relatado por Ed17 e tambeacutem Vicent (2009) afirma que o erro eacute vivenciado
em dramaacutetica solidatildeo Desse erro pode resultar processo penal censura expliacutecita ou
silenciosa da sociedade e dos pares (MARTINS FRAGATA 2014) Nesse sentido eacute
necessaacuterio o acompanhamento do profissional sendo este considerado a segunda viacutetima que
vivencia com grande sofrimento o ocorrido
Para o profissional ele jaacute estava cumprindo aviso preacutevio [] foi um negoacutecio ateacute
difiacutecil de abordar [] ele acabou carregando esse peso para onde quer que tenha
ido As pessoas se conhecem de outros hospitais e a gente tem de vez em quando
notiacutecia que realmente foi um trauma muito grande (Ed21)
Ela teve o apoio da supervisatildeo de enfermagem Na hora tentamos acalmaacute-la porque
estava em estado de choque Natildeo tinha a menor [ecircnfase] condiccedilatildeo de escutar que ela
natildeo pode administrar uma droga que outra pessoa prepara [] no outro dia eacute que
chamamos para conversar [] Foi bom ter acontecido ela eacute nova receacutem-formada e
a orientamos [] Todo mundo perguntou para ela e para os outros colegas querendo
saber o que tinha acontecido Foi um clima muito ruim pra ela Todo mundo falando
pelos corredores [] (Ed26)
A expressatildeo de Ed21 ldquofoi um trauma muito granderdquo se referindo ao profissional
diretamente envolvido no incidente mostra que a ocorrecircncia de incidentes gera um impacto
negativo pessoal e profissional segundo Mira et al (2015) os profissionais satildeo a segunda
vitima do incidente ocorrido Os eventos adversos podem causar ansiedade insocircnia perda de
confianccedila e concentraccedilatildeo no trabalho sentimento de derrota depressatildeo anguacutestia e outros
sintomas nervosos foram respostas comuns de profissionais que estavam na linha de frente na
ocorrecircncia de erros (VICENT 2009 MIRA et al 2015) Contudo segundo Vicent (2009)
uma pequena proporccedilatildeo dos erros eacute muito traumaacutetica para os profissionais Um erro se torna
traumaacutetico quando o desfecho ou seja a consequecircncia para o paciente e famiacutelia eacute grave
quando haacute raiva ou anguacutestia do paciente ou famiacutelia se o erro for resultado de uma conduta em
desacordo claro com os padrotildees recomentados depende da reaccedilatildeo dos colegas de trabalho
seja de apoio ou criacutetica falta de apoio da famiacutelia e dos amigos e se o profissional for muito
autocriacutetico (VICENT 2009) Independente se foi muito ou pouco traumaacutetico para o
profissional eacute necessaacuterio que este seja acompanhado por profissionais que o ajudem a superar
os traumas Poreacutem segundo Mira et al (2015) a maioria raramente recebe qualquer
treinamento ou educaccedilatildeo sobre estrateacutegias de enfrentamento para este fenocircmeno incluindo o
apoio necessaacuterio para lidar com a tarefa de contar os pacientes e familiares sobre o evento
adverso ocorrido
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 147
No entanto eacute necessaacuterio revelar e acompanhar os pacientes e familiares envolvidos em
situaccedilotildees indesejaacuteveis provocados pela assistecircncia agrave sauacutede A comunicaccedilatildeo dos incidentes
ocorridos aos pacientes e famiacutelias (disclosure) eacute considerada um dos pilares para promoccedilatildeo da
cultura de seguranccedila mas eacute um processo que exige muito treinamento e a participaccedilatildeo de
outros profissionais principalmente da psicologia
O paciente foi levado pro CTI teve uma atenccedilatildeo diferenciada principalmente no
suporte psicoloacutegico agrave famiacutelia A psicoacuteloga [] deu o celular dela pra famiacutelia [] a
relaccedilatildeo ficou muito interessante a famiacutelia teve atenccedilatildeo direto Foi um caso que foi
realmente cercado pra minimizar o que jaacute estava muito ruim pra natildeo ficar pior []
A diretoria com a psicologia presente [contaram para a famiacutelia sobre o incidente]
[] Eu particularmente natildeo participei dessa conversa (Ed21)
O sofrimento vivenciado tanto pelos profissionais quanto pelos pacientes e familiares
apoacutes um incidente eacute ainda maior se este incidente tiver como draacutestico resultado a morte Haacute
como esperado e relatado nos discursos dos sujeitos desta pesquisa e na literatura um grande
sofrimento Contudo mesmo sendo obrigatoacuterio moral e eticamente revelar os erros eacute algo
pouco realizado devido agrave incerteza sobre como os pacientes ndash e familiares ndash reagiratildeo bem
como devido ao receio das medidas disciplinares e legais (HOBGOOD et al 2005
GARBUTT et al 2007) Aleacutem de que eacute uma situaccedilatildeo muito difiacutecil para a qual em geral haacute
pouca orientaccedilatildeo ou treinamento (VICENT 2009) e natildeo eacute um tema abordado durante a
formaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede No estudo de Belela et al (2010) realizado em um
hospital de Satildeo Paulo em 2008 dos 110 erros de medicaccedilatildeo notificados 958 natildeo foram
informados aos pacientes e familiares Natildeo revelar o ocorrido para quem sofreu o dano eacute
considerado um comportamento desleal para com os pacientes famiacutelias e comunidade aleacutem
de desperdiccedilar valiosa ocasiatildeo para melhorar o cuidado prestado (KEATINGS et al 2006)
Haacute tambeacutem resistecircncia para a realizaccedilatildeo das notificaccedilotildees Isso eacute maior quando o
incidente envolve diferentes categorias profissionais havendo um embate e novamente um
jogo causado tambeacutem pelos diferentes gradientes de hierarquia
O anestesista natildeo queria que abrisse a notificaccedilatildeo do evento adverso (pausa) [] eu
natildeo posso omitir um fato desses Ateacute porque eacute uma coisa que todo mundo viu []
Natildeo soacute por isso mesmo que ningueacutem tivesse visto Eu enquanto profissional
jamais omitiria O erro aconteceu (Ed26)
[] as pessoas ainda natildeo acolheram o evento como oportunidade de revisar processo
e melhorar condiccedilatildeo de trabalho Ainda entendem principalmente quando satildeo de
categorias diferentes o evento adverso como Uma Uma entrega do outro ldquoEstou
denunciando o outrordquo [] (Ei30)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 148
Os dois relatos acima satildeo do mesmo incidente de administraccedilatildeo de medicamento em
que estiveram envolvidos um anestesista e um teacutecnico de enfermagem sendo relatada a
dificuldade e tensatildeo gerada no ato de notificar Segundo Martins e Fragata (2014) os meacutedicos
nunca souberam lidar com o erro por muacuteltiplas razotildees Dentre elas devido agrave cultura
tradicional baseada na perfeiccedilatildeo que condecora modelos infaliacuteveis ignorando a fragilidade da
ciecircncia e o pressuposto de que a partir do erro o conhecimento avanccedila o erro eacute quase sempre
sinocircnimo de negligecircncia ou falha de caraacuteter e por fim devido agraves consequecircncias penais e de
censura dentro e fora da instituiccedilatildeo (MARTINS FRAGATA 2014) Contudo mesmo que
haja profissionais sejam meacutedicos ou natildeo que acham que natildeo erram eles natildeo satildeo
ldquosuperprofissionaisrdquo e tecircm a mesma inclinaccedilatildeo para o erro como qualquer outro ser humano
Assim Morin (2000 p 47) afirma que os seres humanos onde quer que se encontrem ldquo[]
devem reconhecer-se em sua humanidade comum e ao mesmo tempo reconhecer a
diversidade cultural inerente a tudo que eacute humanordquo
A maturidade no quesito notificaccedilatildeo pelos diversos profissionais eacute um processo que
leva tempo e se desenvolve a partir da evoluccedilatildeo da cultura da seguranccedila No entanto haacute casos
que satildeo mais faacuteceis de serem notificados como os incidentes devido agrave queda
[] funciona bem para alguns eventos Outros ainda em construccedilatildeo [] no
primeiro semestre eu tive 16 quedas na ciruacutergica [] os profissionais estatildeo muito
afiados na notificaccedilatildeo Caiu notificam [] para outros eventos isso natildeo eacute tatildeo claro
natildeo eacute tatildeo faacutecil de trabalhar A queda eacute como se natildeo tivesse um culpado quando eacute
um erro de administraccedilatildeo de medicaccedilatildeo eacute como se para aquela situaccedilatildeo tivesse que
eleger um culpado pra notificar (Ei30)
[] nos uacuteltimos tempos as notificaccedilotildees aumentaram em volume e mudaram de
perfil Antes era muito mais a equipe de enfermagem que notificava agora estaacute
equilibrando com a equipe meacutedica e as outras categorias (Ei23)
Os profissionais de enfermagem sempre foram os que mais notificaram Segundo
Garbutt et al (2007) as barreiras para que os meacutedicos notifiquem vecircm da cultura da
autonomia profissional a qual enfatizou ao longo do tempo a responsabilidade individual
pelos resultados da assistecircncia aos pacientes
Haacute maior facilidade em notificar alguns casos que outros por exemplo os incidentes
por queda mencionado por Ei30 e tambeacutem por Souza et al (2014) Essa facilidade eacute devido
ao pensamento de que a queda natildeo tem um responsaacutevel direto ou talvez que foi ldquoculpardquo do
paciente ou do familiar que estava o acompanhando
No processo de maturidade do sistema de notificaccedilatildeo a qualidade das notificaccedilotildees foi
citada pelos profissionais Foram realizados diversos treinamentos pelo setor de qualidade
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 149
com o objetivo de disseminar o uso do formulaacuterio de notificaccedilatildeo mas muitos profissionais
afirmam que natildeo o conhecem
Foram realizados vaacuterios treinamentos referentes agrave notificaccedilatildeo de evento adverso []
A gente queria que notificassem mas depois que comeccedilou a gente viu que natildeo
estava legal [] eu natildeo divulgo natildeo faccedilo discussatildeo do perfil e iacutendice das
notificaccedilotildees por que natildeo tenho fidedignidade dos dados [] tem muita dificuldade
com a qualidade dos relatos (Ei23)
Vi um dia um meacutedico fazer uma notificaccedilatildeo de uma enfermeira e a enfermeira fazer
a notificaccedilatildeo do mesmo meacutedico Em dois computadores e salas diferentes Isso eacute
briguinha pessoal natildeo eacute pra ser notificado (Ed16)
Notificou no prontuaacuterio [] formulaacuterio especiacutefico de notificaccedilatildeo adversa estou
sabendo que existe agora que vocecirc estaacute me falando [] (Ed19)
Nunca usei [formulaacuterio de notificaccedilatildeo] [] Por natildeo precisar E se um dia precisar
vou saber natildeo Vou ter que pedir algueacutem pra me mostrar (Ed31)
Todos conhecem [formulaacuterio de notificaccedilatildeo] Atualmente as notificaccedilotildees estatildeo mais
focadas no cuidado do paciente e natildeo em problemas pessoais ou problemas de
relaccedilatildeo com o chefe ou qualquer pessoa que seja (Ed21)
Interessante que segundo o relato de um entrevistado que ocupa cargo de chefia todos
conhecem a metodologia de notificaccedilatildeo mas muitos profissionais nem sabiam da existecircncia
de um formulaacuterio proacuteprio para notificaccedilatildeo No estudo de Garbutt et al (2007) 40 dos
sujeitos da pesquisa tambeacutem natildeo sabiam se em sua instituiccedilatildeo havia um sistema de
notificaccedilatildeo e 9 disseram que natildeo estava disponiacutevel mesmo tendo o sistema na instituiccedilatildeo
Para Ed21 a qualidade das notificaccedilotildees jaacute ultrapassou as falhas iniciais mas segundo
outros profissionais muitas notificaccedilotildees realizadas natildeo tecircm o menor sentido satildeo questotildees de
cunho pessoal por maacute relaccedilatildeo interprofissional ou pequenas questotildees que natildeo configuram um
incidente Percebe-se assim uma necessidade de alinhamento conceitual entre os diversos
profissionais aleacutem de treinamento com foco na qualidade das notificaccedilotildees A falta de dados
fidedignos e qualidade das notificaccedilotildees podem ser devido agrave cultura organizacional que indica
ldquo[] uma poderosa influecircncia das forccedilas sociais para moldar o comportamentordquo (VICENT
2009 p 101) refletindo o comprometimento dos profissionais desde a notificaccedilatildeo ateacute a
prevenccedilatildeo e mitigaccedilatildeo de incidentes
A falta de qualidade dos dados segundo os profissionais tem gerado a natildeo divulgaccedilatildeo
de estatiacutesticas de incidentes Parece ser uma justificativa plausiacutevel no sentido de natildeo propagar
uma informaccedilatildeo incompleta Poreacutem indica imaturidade organizacional e falhas no sistema de
notificaccedilatildeo de incidentes Uma das principais falhas no sistema de notificaccedilatildeo de incidentes
do hospital para os profissionais eacute a metodologia escolhida de natildeo identificar o notificador
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 150
Aqui vocecirc faz uma notificaccedilatildeo e natildeo precisa se identificar [] Natildeo tem muito
sentido natildeo [] quando eu notifico eu me identifico Eu natildeo estou notificando pra
brincar pra acusar ningueacutem eu estou notificando pra que aquilo natildeo se repita e que
a gente possa corrigir o erro (Ed16)
Existem trecircs principais meacutetodos de se notificar incidentes anocircnimo confidencial e
aberto No meacutetodo anocircnimo natildeo se identifica o profissional isso encoraja a notificaccedilatildeo mas
natildeo permite o acompanhamento uma vez que natildeo eacute possiacutevel responder agraves questotildees surgidas
com a investigaccedilatildeo Nas notificaccedilotildees confidenciais o nome do notificador eacute conhecido mas
protegido pela instituiccedilatildeo exceto em caso de maacute conduta ou ato criminoso quando eacute revelado
para as autoridades cabiacuteveis Esse meacutetodo permite que possam ser realizados questionamentos
ao autor da notificaccedilatildeo Por fim nos sistemas de notificaccedilatildeo abertos todos os profissionais e
locais de atuaccedilatildeo satildeo publicamente identificados Esses raramente satildeo usados na sauacutede pois
haacute grande possibilidade de publicidade indesejada e acusaccedilatildeo (WACHTER 2013)
No hospital em estudo o formulaacuterio de notificaccedilatildeo fica disponiacutevel na intranet e os
profissionais acessam voluntariamente Segundo Lorenzini Santi e Baacuteo (2014) a notificaccedilatildeo
voluntaacuteria eacute o procedimento mais empregado para detectar incidentes No entanto tem-se
como limitaccedilatildeo a subnotificaccedilatildeo devido a limitaccedilotildees de tempo a falta de sistemas de
informaccedilatildeo apropriados o receio de litiacutegio a resistecircncia em relatar os proacuteprios erros a falta
de conhecimento sobre a importacircncia dos incidentes e a falta de mudanccedilas apoacutes a notificaccedilatildeo
(LORENZINI SANTI BAacuteO 2014) Aleacutem disso os sistemas voluntaacuterios natildeo podem ser
utilizados de forma isolada para avaliar taxas de erros Eacute necessaacuterio lanccedilar matildeo de outras
teacutecnicas que possibilitem identificar erros e situaccedilotildees de risco como busca em prontuaacuterio e
trigger tool (identificaccedilatildeo de elementos rastreadores que podem dar pistas de que tenha
ocorrido um incidente) Por outro lado o meacutetodo voluntaacuterio de comunicaccedilatildeo eacute o mais uacutetil
para a induccedilatildeo de alteraccedilotildees comportamentais (LORENZINI SANTI BAacuteO 2014)
As notificaccedilotildees realizadas pelos profissionais do hospital em estudo vatildeo para o e-mail
do setor de qualidade sendo separados e enviados para a chefia do local em que ocorreu o
incidente para que este responda agrave notificaccedilatildeo Quando eacute algo grave o setor de qualidade e
muitas vezes a proacutepria diretoria trabalham juntos com a chefia na investigaccedilatildeo do incidente
Em vaacuterios relatos sobre o tratamento dos incidentes principalmente os graves a participaccedilatildeo
da diretoria foi mencionada pelos profissionais evidenciando a importacircncia dada pelos
sujeitos sobre o comportamento da lideranccedila O liacuteder eacute o modelo a ser seguido eacute este que
influencia o desenvolvimento de comportamentos valores e crenccedilas dos colaboradores da
instituiccedilatildeo fortalecendo ou natildeo a cultura organizacional (YAFANG 2011)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 151
Observou-se outra falha do sistema de notificaccedilatildeo que eacute a ausecircncia de discussatildeo
multiprofissional sobre os incidentes ocorridos por medo da culpabilizaccedilatildeo embora alguns
profissionais em cargo de lideranccedila tenham afirmado que se tecircm discutido os casos graves
[] era pra ter mais diaacutelogo [] para a pessoa ter liberdade ateacute de pensar em
hipoacuteteses do evento adverso pra tentar melhorar a assistecircncia Natildeo pra punir Mas
uma coisa puxa a outra [] eacute difiacutecil a pessoa abordar esse tema sem se expor sem
gerar provas aquele princiacutepio da justiccedila que ningueacutem eacute obrigado a gerar prova
contra vocecirc mesmo [] quando acontece um evento adverso tem que ter mecanismo
para driblar isso tudo porque esses eventos adversos fazem a equipe crescer (Ed17)
A gente passa no corredor eacute possiacutevel ve-los falando com o preceptor e o preceptor
puxando a orelha [risos] [] Quando eacute com a gente eacute discutido chamado pra
reuniatildeo conversa com a pessoa depois abre reuniatildeo pra natildeo acontecer de novo A
supervisatildeo [de enfermagem] fica mais em cima [] de meacutedico quando acontece
algum erro [] natildeo eacute aberto com a gente (Ed8)
Teve umas notificaccedilotildees graves num passado recente [] que a gente conseguiu
apresentar de uma forma tranquila [] conseguiu um espaccedilo pra discutir Apesar
das pessoas ainda ficarem na defensiva [] infelizmente a gente ainda natildeo
conseguiu partir para os encaminhamentos Todo mundo viu todo mundo ficou
chocado com o que aconteceu a gente conseguiu discutir [] mas noacutes natildeo
conseguimos encaminhar accedilotildees concretas [] Mas jaacute foi um ganho pelo menos a
gente conseguiu discutir Porque isso eacute uma coisa assim ldquoNoacute isso natildeo pode nem
sair daquirdquo (Ei23)
Os profissionais de sauacutede satildeo instados a discutir com os colegas os erros para que o
evento possa ser analisado e sua recorrecircncia evitada mas muitas vezes tal iniciativa se ateacutem
agrave discussatildeo informal entre os colegas (GARBUTT et al 2007) A ausecircncia de discussatildeo
multiprofissional seja diante de um incidente ou mesmo no planejamento da assistecircncia ao
paciente eacute um forte paradigma a ser superado na cultura dos serviccedilos de sauacutede Isso soacute
fortalece a conhecida distacircncia que existe entre o que se sabe em teoria nas diversas
disciplinas e o que se aplica no cotidiano (know-do gap) que eacute complexo e ocorre pelo
conjunto de accedilotildees dos diversos profissionais Segundo Garbutt et al (2007) a disposiccedilatildeo dos
meacutedicos para relatar discutir com colegas e pacientes os erros eacute ameaccedilada pelo medo de
litiacutegios e preocupaccedilatildeo em manchar a reputaccedilatildeo profissional
A falta de discussatildeo aberta na equipe multiprofissional pode resultar tambeacutem no
desconhecimento dos profissionais sobre o desfecho final dos incidentes Natildeo haacute um retorno
para quem notificou e natildeo haacute divulgaccedilatildeo para os demais colaboradores visando o redesenho
dos processos de trabalho como pode ser constatado nos relatos a seguir
Isso foi notificado deu processo mas nunca mais ouvi falar Natildeo sei que rumo
levou (Ed4)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 152
Eu jaacute fiz formulaacuterios [de notificaccedilatildeo de eventos adversos] e jaacute enviei nunca recebi
nunca obtive resposta [] nunca a minha chefe chegou e falou ldquoOlha chegou uma
resposta sobre uma notificaccedilatildeordquo (Ei15)
Acho que o processo judicial permaneceu o fim que [gaguejo] teve natildeo sei A
diretoria entrou no meio e tudo mas natildeo sei qual a conclusatildeo [] depois natildeo me
interessou mais e eles natildeo iam passar informaccedilatildeo [] cabia eu provar que natildeo foi
falha do equipamento e graccedilas a Deus eu consegui (Ei1)
Haacute um sigilo sobre as investigaccedilotildees do incidente seja no niacutevel local no hospital seja
quando haacute alguma accedilatildeo judicial A transparecircncia requerida para uma cultura de seguranccedila
forte ainda natildeo eacute norma no hospital em estudo e nas instituiccedilotildees de sauacutede em geral De certa
forma os profissionais se sentem ateacute aliviados por terem saiacutedo da discussatildeo do caso Aleacutem da
falta de discussatildeo e feedback das notificaccedilotildees natildeo haacute treinamento para todos os profissionais
apoacutes a ocorrecircncia do incidente
E a situaccedilatildeo foi levada inclusive pra diretoria que me chamou pra saber o que tinha
acontecido [] Natildeo foi feito treinamento com a equipe (Ed26)
[] depois desse acontecido toda vez eu olho pra chave (pausa) [] Ficou marcado
Vou lembrar sempre Nunca um paciente entra na minha sala que eu natildeo confiro
essa chavinha no carrinho [] No dia tinha uma anestesista que estava comigo na
sala [] Ela me mostrou falou ldquoessa chave aquirdquo E me explicou o funcionamento
que eu natildeo sabia [] Natildeo Que me chamasse pra treinamento natildeo Eu comentei
com a anestesista e ela me explicou me mostrou [] Ningueacutem [dos colegas
tiveram aquele treinamento em serviccedilo] Acho que natildeo (pausa) (Ed31)
No incidente do paciente que veio a oacutebito devido a um lapso do profissional natildeo ter se
atentado para uma vaacutelvula do oxigecircnio no carrinho de anestesia pelos depoimentos somente
um profissional movido pela curiosidade recebeu ldquotreinamentordquo mesmo que informal dentro
da sala ciruacutergica Eacute necessaacuterio que frente aos incidentes ocorridos se realize accedilotildees educativas
abrangentes para promover a capacitaccedilatildeo e o aperfeiccediloamento dos profissionais que atuam
direta e indiretamente na assistecircncia ciruacutergica com vistas agrave melhoria sistecircmica dos processos
de trabalho Assim mais atenccedilatildeo precisa ser dada agrave qualificaccedilatildeo dos atores humanos uma vez
que segundo Vicente (2009) as falhas teacutecnicas ndash dos atores natildeo humanos ndash embora possam
ser importantes exercem geralmente um papel secundaacuterio na ocorrecircncia do incidente
Apesar de ainda natildeo fazer parte da rotina os profissionais acreditam apesar das
diversas barreiras que a discussatildeo tanto poacutes-ocorrecircncia de um incidente quanto discussotildees
cientiacuteficas e administrativas minimizaria diversos problemas
Muitas coisas pequenas que acontecem podiam ser resolvido se fosse mais
discutido [] Seria oacutetimo Mas natildeo eacute discutido (Ed8)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 153
Natildeo tem corrida de leito com todos os cirurgiotildees [] soacute de cada preceptor com o
residente Quando a gente tem aula com o residente eacute porque eles pediram um tema
especiacutefico natildeo existe um programa Reuniatildeo cientiacutefica discussatildeo em equipe faz
muita falta [] Taacute faltando essa parte acadecircmica Natildeo basta eu querer o S1
[coordenador meacutedico] ou qualquer outro querer fazer Tem que ser determinado pela
coordenaccedilatildeo junto com a diretoria [] eacute uma falha e eu acho que aumentaria a
seguranccedila na assistecircncia (Ed19)
Na correria do dia a dia essas coisas vatildeo sendo deixadas pra traacutes [] Imagina
querer que uma pessoa saia de outro emprego pra vir aqui numa reuniatildeo eacute difiacutecil O
ideal eacute que fosse dentro da carga horaacuteria mas a gente tem falta de pessoal [] Mas
tudo eacute uma questatildeo de prioridade se a prioridade for qualidade entatildeo tem que ter
gente discutindo isso no horaacuterio de trabalho neacute (Ed17)
As causas citadas pelos profissionais sobre a ausecircncia de reuniotildees ateacute mesmo para
discussatildeo de aspectos fundamentais para a praacutetica multiprofissional foram muacuteltiplas mas
todas as causas satildeo devido agrave falta de prioridade na qualidade Isso eacute uma responsabilidade da
lideranccedila Ateacute mesmo a comissatildeo de morbimortalidade que eacute obrigatoacuteria legalmente natildeo tem
funcionado efetivamente no hospital E quando funcionava era cercada de discussotildees natildeo
produtivas revelando uma cultura organizacional ainda imatura
A discussatildeo de morbi mortalidade de um ano e meio para caacute natildeo existe [] a gente
pegava um caso para discutir dava muita briga [] Os cirurgiotildees brigam muito
[ecircnfase] entre eles A gente natildeo fazia uma reuniatildeo fazia um ringue (risos) [] vocecirc
chama todos os sujeitos envolvidos no caso aiacute o meacutedico briga com a enfermeira a
enfermeira com a fisioterapeuta A gente estava criando inimizades natildeo haacute
maturidade para discutir o caso (Ed19)
Eacute necessaacuterio que haja uma comissatildeo em permanente funcionamento para revisatildeo de
oacutebitos nas instituiccedilotildees hospitalares de ensino (BRASIL 2007) Compete agrave essa comissatildeo a
avaliaccedilatildeo de todos os oacutebitos ocorridos devendo ainda manter estreita relaccedilatildeo com a comissatildeo
de eacutetica meacutedica do hospital com a qual deveratildeo ser discutidos os resultados das avaliaccedilotildees
(BRASIL 1993) A comissatildeo de revisatildeo de oacutebito aleacutem de obrigaccedilatildeo legal eacute um mecanismo
fundamental para garantia da qualidade e seguranccedila sendo que o trabalho realizado mesmo
retrospectivamente tem grande potencial de promover a correccedilatildeo e o aprimoramento de
deficiecircncias ocorridas na assistecircncia ao paciente No entanto eacute um local de disputa de
desentendimento dos profissionais na discussatildeo dos casos Nesse sentido segundo Morin
(2005 p 50) ldquo[] o drama das comissotildees eacute que elas satildeo compostas de mentes notaacuteveis
individualmente poreacutem a originalidade delas faz com que se anulem umas agraves outrasrdquo
A ausecircncia de conclusatildeo dos casos e consequentemente de melhorias pode causar
falta de interesse levando ateacute mesmo os profissionais que notificavam a pararem de notificar
Os casos ficam ldquoenterradosrdquo no passado ldquoFoi um casordquo entre outros
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 154
[] uma notificaccedilatildeo o bloco afirma que enviou um apecircndice de uma paciente No
livro do anaacutetomo patoloacutegico do bloco taacute laacute paciente fulano apecircndice horaacuterio e a
assinatura por exemplo Maria e eu natildeo tenho ningueacutem chamada Maria Inclusive
eu faccedilo controle de assinatura dos meus funcionaacuterios [] tudo leva a crer que a peccedila
natildeo veio [] Ateacute o momento natildeo [foi identificado o que aconteceu] [] Agora laacute
[no setor de Qualidade] eu natildeo sei como tem sido a apuraccedilatildeo [] a Qualidade se
achar alguma coisa grave vai cobrar o andamento ldquoProcurou o outro setorrdquo Nesse
caso eu nem procurei Todos os indiacutecios eacute que eu natildeo recebi Entatildeo eu nem sei se
foi retirado [o processo de investigaccedilatildeo] se natildeo foi eu natildeo sei (Ei24)
[] jaacute preenchi formulaacuterio de evento adverso por alguns motivos casos cancelados
falta de sala [] pra mim eacute um Um grande evento adverso Insuficiecircncia do bloco
ciruacutergico evento adverso Falta de anestesista evento adverso Soacute que natildeo mudou
nada Entatildeo Eu parei de preencher Porque eu gastava mais tempo [] Nenhum
[feedback das notificaccedilotildees] (Ed22)
O retorno da notificaccedilatildeo para o notificador eacute um fator de sucesso para a perenidade de
um sistema efetivo de notificaccedilatildeo de incidentes Caso natildeo seja realizado todo o esforccedilo de
implantaccedilatildeo gera falta de credibilidade e abandono pelo profissional Nesse sentido segundo
Vicent (2009) quando de fato se investiga um incidente essa anaacutelise reforccedila o respeito
necessaacuterio aos profissionais de sauacutede e aos seres humanos em geral pois ldquo[] impressionante
natildeo eacute o nuacutemero de erros que ocorrem mas sim dadas as numerosas oportunidade de
confusatildeo como tudo vai bem tatildeo frequentementerdquo (VICENT 2009 p 110)
Se por um lado existe falta de conclusatildeo dos incidentes de outro se tem dificuldade
em analisaacute-los Haacute um constrangimento do profissional em responsabilizar o colega pois ele
se coloca em seu lugar em um contexto que a falibidade humana eacute inerente agrave praacutetica
Eacute desagradaacutevel estar numa comissatildeo de sindicacircncia discutir o erro do colega um
erro que vocecirc jaacute poderia ter feito que natildeo teve culpa Eacute difiacutecil atribuir culpa quando
se trabalha com possibilidades de evento adverso (Ed17)
[] recebi uma comunicaccedilatildeo de uma notificaccedilatildeo de outro colega que uma paciente
reclamou na ouvidoria que ele a teria desrespeitado Pedindo pra eu apurar Como
Eu natildeo estava no dia A paciente natildeo estaacute mais no hospital Vou conversar com o
colega ele vai falar que natildeo teve nada daquilo Conversei com o teacutecnico de
enfermagem ele falou que natildeo teve (Ed16)
Aleacutem da dificuldade de julgamento haacute tambeacutem barreiras para se procurar o colega
para conversar sendo mais faacutecil perguntar para uma pessoa que possui um niacutevel de hierarquia
profissional inferior Satildeo muacuteltiplas as maneiras e perspectivas de se realizar uma investigaccedilatildeo
dos incidentes e erros ocorridos como jaacute visto na abordagem com foco no indiviacuteduo e na
abordagem com foco no sistema Na primeira as accedilotildees de melhoria satildeo voltadas pra reduzir a
variabilidade indesejada no comportamento humano como exortaccedilotildees cartazes que trazem a
sensaccedilatildeo de medo das pessoas medidas disciplinares ameaccedilas de litiacutegio treinamentos
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 155
medidas voltadas para investigar o culpado e envergonhaacute-lo perante seus pares e sociedade
por meio da miacutedia (REASON 2000) suspensotildees e demissatildeo do trabalho Segundo Reason
(2000) essa abordagem tende a tratar os erros como questotildees morais assumindo que os
mesmos acontecem por meio de profissionais ruins Na abordagem de sistema as
contramedidas partem do pressuposto de que embora natildeo se possa alterar a condiccedilatildeo humana
eacute possiacutevel mudar as condiccedilotildees em que os profissionais trabalham O foco eacute nas barreiras nas
defesas que devem ser construiacutedas no sistema (REASON 2000)
Foi relatado que haacute falta de accedilotildees concretas apoacutes a notificaccedilatildeo dos incidentes no
entanto mesmo sem essa formalizaccedilatildeo alguns incidentes geram mudanccedilas nos processo de
trabalho como pode ser visto a seguir
Paciente com peacute diabeacutetico precisou de cultura para guiar o tratamentono poacutes-
operatoacuterio [] jaacute aconteceu do bloco perder essas amostras e a gente ter que usar
empiacuterico com o espectro maior mais tempo e se natildeo adiantar ter que voltar para o
CC fazer tudo de novo [] teve que comeccedilar a descobrir porque que perdia
Descuido mesmo Agraves vezes separou numa gaze e algueacutem jogou a gaze fora []
colocou no aacutelcool e danificou Pela gente natildeo [notificou] nenhuma vez Eu natildeo sei
se pela CCIH [] como aconteceu uma vez duas trecircs vezes a gente vai atraacutes e
muda uma coisa sem ter feito a notificaccedilatildeo sem ter escrito Mudou o jeito de fazer
passou a colher cinco ao inveacutes de uma [amostra] Natildeo foi porque notificou a gente
chegou a um acordo com a CCIH (Ed32)
Os incidentes principalmente os graves satildeo frequentemente um estiacutemulo para
promover de forma abrangente melhorias na qualidade e seguranccedila (VICENT 2009)
notificados ou natildeo No entanto a mudanccedila sem a notificaccedilatildeo deve levar a uma reflexatildeo do
sistema de notificaccedilatildeo de incidentes da instituiccedilatildeo e do papel do setor de qualidade
responsaacutevel em promover o desenvolvimento de uma cultura voltada para a seguranccedila
Contudo alguns profissionais elencaram formas positivas de tratamento dos incidentes
e de mudanccedilas realizadas apoacutes algumas notificaccedilotildees como se vecirc nos fragmentos a seguir
Esse caso foi discutido na diretoria [] eles conduziram de uma maneira muito boa
A notificaccedilatildeo da miiacutease teve [] a gente melhorou muitas coisas as janelas foram
teladas a engenharia participou desse processo de mudar a aacuterea fiacutesica para que natildeo
ocorresse mais [] Foi uma discussatildeo interessante A gente conseguiu mudar o
processo que foi o mais importante (Ei25)
[] foram todos [carrinhos de anestesia] mandados pra anaacutelise e voltaram
modificados Trocaram uma vaacutelvula e natildeo tem mais o copo de vidro com a
mangueirinha dentro com oacuteleo pra lubrificar o sistema do manocircmetro (Ed8)
Todo paciente que tem reaccedilatildeo transfusional tem que ser notificado para o banco de
sangue A gente faz rastreabilidade se houve contaminaccedilatildeo se foi sangue errado
sangue trocado [] Tem uma amostra preacute-transfusional depois da reaccedilatildeo tem que
colher outro para fazer os mesmos testes e ver se tem alguma discrepacircncia [] a lei
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 156
pede que o hemoterapeuta decirc resposta agrave equipe meacutedica [] avalia e daacute resposta no
prontuaacuterio do paciente dar uma medicaccedilatildeo preacutevia fazer o sangue dele localizado
[] Esses detalhes ele passa para o meacutedico agir na proacutexima transfusatildeo [] (Ei18)
Para uma gestatildeo operativa da mudanccedila em seguranccedila eacute preciso que exista uma anaacutelise
completa pois eacute no acircmbito cliacutenico que se identificam barreiras e fortalezas para a expansatildeo da
cultura em seguranccedila (QUES MONTORO GONZAacuteLEZ 2010) Nesse sentido a
transformaccedilatildeo do sistema de notificaccedilatildeo de incidentes no hospital em estudo necessita de uma
anaacutelise do cotidiano de trabalho e de reforma do modo dos profissionais olharem os
incidentes Isso depende de outras reformas principalmente da consciecircncia da lideranccedila e da
alta direccedilatildeo para o olhar sistecircmico do erro do incidente havendo interdependecircncia geral dos
modos como se enxerga os problemas dos incidentes seja pelos profissionais que executam a
assistecircncia ciruacutergica direta ou indireta dos pacientes seja pelos liacutederes
Eacute necessaacuterio que o hospital em estudo torne-se resiliente que ininterruptamente
previna detecte mitigue e diminua o perigo (circunstacircncia com potencial de causar dano) e a
ocorrecircncia de incidentes (WHO 2009) Assim a cultura de seguranccedila deve ser constituiacuteda por
(1) cultura justa consenso entre os profissionais no que concerne a comportamentos
aceitaacuteveis e inaceitaacuteveis (2) cultura natildeo punitiva priorizaccedilatildeo da busca das causas dos
incidentes (3) cultura de notificaccedilatildeo privilegie a informaccedilatildeo de incidentes (coleta anaacutelise e
divulgaccedilatildeo) e encoraje as pessoas a falar sobre seus erros e (4) cultura de aprendizagem se a
organizaccedilatildeo constituir uma memoacuteria dos incidentes ela pode direcionar o aprendizado a partir
deles (WHO 2008) Enfim essas reflexotildees mostram que a abordagem institucional frente aos
incidentes e erros eacute influenciada pela cultura organizacional do hospital a qual eacute mais
complexa fluida e dinacircmica do que se pensava
43 Lista de verificaccedilatildeo de seguranccedila ciruacutergica da aparente simplicidade a real
complexidade
A obsessatildeo da simplicidade conduziu a aventura cientiacutefica agraves descobertas
impossiacuteveis de conceber em termos de simplicidade (MORIN 2011 p 60)
A OMS lanccedilou em 2008 a campanha Save Surgery Saves Lives (Cirurgia Segura
Salvam Vidas) e vem recomendando a utilizaccedilatildeo de um conjunto de medidas agrupadas em
um instrumento denominado Lista de Verificaccedilatildeo de Seguranccedila Ciruacutergica ou Checklist de
Cirurgia Segura que deve ser seguido durante a realizaccedilatildeo de uma cirurgia para promover a
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 157
seguranccedila do procedimento Difunde-se que a sua utilizaccedilatildeo eacute simples e raacutepida No entanto
muitas vezes desconsidera-se o contexto complexo de uma sala operatoacuteria na qual haacute uma
equipe multidisciplinar com saberes e interesses diferenciados aleacutem de muacuteltiplas situaccedilotildees
sejam com os materiais ou com o proacuteprio paciente as quais concorrem para a efetiva
aplicaccedilatildeo do checklist Assim o discurso da simplicidade no uso dessa ferramenta tem gerado
um mito teoacuterico de uma facilidade que natildeo procede no ambiente da sala operatoacuteria onde se
utiliza o checklist Isso pode estar interferindo na efetividade de sua utilizaccedilatildeo na praacutetica
Nessa perspectiva esta categoria estaacute subdividida em duas subcategorias a saber
(431) lista de verificaccedilatildeo de seguranccedila ciruacutergica da implantaccedilatildeo aos dias atuais e (432)
melhorias no uso das ferramentas do checklist de cirurgia segura
431 Lista de verificaccedilatildeo de seguranccedila ciruacutergica da implantaccedilatildeo aos dias atuais
[] taacute o quadro [Time Out] laacute mas eles natildeo preenchem [] Eu vejo o quadro como
se fosse um quadro normal como se fosse um reloacutegio pregado na parede (Ei27)
No CC do hospital foi introduzida a partir de 2010 a Lista de Verificaccedilatildeo de
Seguranccedila Ciruacutergica (LVSC) ou checklist com adaptaccedilotildees do modelo preconizado pela OMS
(Anexo II) Esse instrumento estaacute disponiacutevel no prontuaacuterio eletrocircnico do paciente de forma
completa e alguns dos itens de verificaccedilatildeo contidos no checklist foram dispostos em um
quadro denominado time out (Anexo III) e afixado na parede de cada uma das seis salas
operatoacuterias do CC para preenchimento durante a realizaccedilatildeo das cirurgias Nas falas dos
profissionais se percebe uma distinccedilatildeo quando se referem a essas duas formas de
apresentaccedilatildeo da LVSC Na maioria das vezes os profissionais referem-se ao checklist como
sendo o instrumento disposto eletronicamente e o time out ao quadro afixado nas salas
ciruacutergicas Ambas as formas tecircm o mesmo propoacutesito que eacute o estabelecimento de itens de
checagem para a promoccedilatildeo da seguranccedila ciruacutergica e estatildeo divididos em trecircs partes antes da
induccedilatildeo anesteacutesica antes da incisatildeo ciruacutergica e antes do paciente sair da sala de operaccedilotildees
A utilizaccedilatildeo de listas e sistemas de verificaccedilatildeo eacute uma praacutetica comum na rotina da
construccedilatildeo civil nas induacutestrias como a de aviaccedilatildeo e a nuclear e tambeacutem na aacuterea financeira
onde alguns investidores tecircm tido sucesso com a ajuda destas ferramentas (GAWANDE
2011 SCHELKUN 2014) Na aacuterea da sauacutede foi recentemente introduzida e por isso tem
merecido investigaccedilotildees de como se tem configurado o seu uso Esta subcategoria descreve o
processo de implantaccedilatildeo do checklist de cirurgia segura no hospital em estudo a escolha do
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 158
profissional condutor e a percepccedilatildeo dos profissionais sobre como se configura o uso dessa
ferramenta no cotidiano do CC nos dias atuais
A implantaccedilatildeo do checklist decorreu da motivaccedilatildeo advinda da realizaccedilatildeo de um curso
e uma visita teacutecnica a um hospital em Satildeo Paulo em dezembro de 2009 pelo entatildeo
coordenador meacutedico da linha de cuidados ciruacutergico demais meacutedicos e diretores do hospital
Eu estava fazendo um curso no hospital Siacuterio Libanecircs e fui conhecer o bloco Na
porta tinha um quadro com os dados [] mecircs a mecircs [] se os pacientes passaram
pelo checklist Aquilo me chamou atenccedilatildeo [com ecircnfase] Eu nunca vi em lugar
nenhum [] tinha uma enfermeira responsaacutevel conversei com ela e achei super
[com ecircnfase] interessante e muitiacutessimo importante [] (Ed16)
[] a diretoria abraccedilou a causa e em Belo Horizonte [este] foi o primeiro hospital a
implantar na iacutentegra o checklist de cirurgia segura (Ei5)
Apesar do aumento do uso de listas de verificaccedilatildeo na aacuterea da sauacutede em todo o mundo
poucos estudos exploraram as experiecircncias de pessoal na utilizaccedilatildeo dessa ferramenta e pouco
se sabe sobre o processo de introduccedilatildeo da ferramenta no ambiente de cuidados de sauacutede
(THOMASSEN et al 2010) Segundo os profissionais o hospital em estudo foi o primeiro de
Belo Horizonte a trabalhar com o checklist de cirurgia segura A conscientizaccedilatildeo sobre a
importacircncia do uso dessa ferramenta pela alta direccedilatildeo e o apoio desta para a sua implantaccedilatildeo
foram fatores criacuteticos de sucesso para o iniacutecio do uso no cotidiano de trabalho do CC em
estudo No estudo de Freitas et al (2014) a decisatildeo da direccedilatildeo de um dos hospitais em
empregar de forma sistemaacutetica e obrigatoacuteria o checklist nas cirurgias tambeacutem influenciou
positivamente na sua maior adesatildeo quando comparado com o outro hospital da pesquisa em
que a implantaccedilatildeo foi voluntaacuteria e negociada por uma equipe especiacutefica Outro estudo
tambeacutem reconheceu que seria muito difiacutecil implementar a lista de verificaccedilatildeo se a chefia natildeo
desse apoio ou se tivesse uma atitude negativa (THOMASSEN et al 2010)
O projeto de implantaccedilatildeo do checklist foi elaborado e posteriormente apresentado
pelo coordenador da linha de cuidados ciruacutergicos em uma reuniatildeo semanal entre a diretoria e
todos os coordenadores assistenciais e administrativos Iniciou-se assim a organizaccedilatildeo e a
execuccedilatildeo da logiacutestica de aplicaccedilatildeo desse instrumento
Dr K coordenador na eacutepoca do bloco foi quem trouxe o checklist e noacutes
implantamos [] ele que escreveu apresentou o projeto ao hospital em uma reuniatildeo
com todos os coordenadores assistenciais e administrativos (Ei10)
[] sentei com a A1 noacutes fomos organizando [] compramos esses quadros [Time
Out] fizemos aquela divisatildeo do que seria interessante e agrave medida que foi passando
fomos aprimorando [] dessa maneira foi implantado (Ed16)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 159
A gente adaptou o checklist agrave nossa realidade foi mudando ele aos poucos ldquoAh eu
acho que a gente tem que melhorar isso melhorar aquilordquo (Ei10)
Pela anaacutelise dos relatos a discussatildeo para a adaptaccedilatildeo inicial do modelo de checklist da
OMS pelo hospital se deu entre o coordenador meacutedico a enfermeira que ficaria responsaacutevel
pela conduccedilatildeo do checklist e profissionais da CCIH uma vez que os itens incluiacutedos em sua
maioria satildeo relativos agrave infecccedilatildeo de siacutetio ciruacutergico e que esse setor eacute bem atuante na
instituiccedilatildeo Os profissionais do setor de qualidade e os representantes de cada uma das
especialidades natildeo participaram do processo de adaptaccedilatildeo
Os estudos sobre a implementaccedilatildeo do checklist verificaram que haacute sempre a
necessidade ajustes agraves caracteriacutesticas de cada realidade e especialidade e tambeacutem adaptaccedilotildees
advindas da administraccedilatildeo institucional (FREITAS et al 2014 DACKIEWICZ et al 2012
ARAUacuteJO OLIVEIRA 2015) No entanto para a realizaccedilatildeo dessas modificaccedilotildees deve-se
envolver uma equipe multidisciplinar que represente as diversas especialidades e categorias
da equipe ciruacutergica e que se reuacutena periodicamente para discussotildees Aleacutem disso as mudanccedilas
no instrumento devem ser validadas pela alta direccedilatildeo pelos profissionais e ainda passar por
um teste piloto para posteriormente se tornar o instrumento definitivo (CONLEY et al
2011) Essas etapas natildeo foram contempladas no hospital o que interferiu na sua implantaccedilatildeo
e principalmente na sua manutenccedilatildeo ao longo do tempo
O checklist preconizado pela OMS possui 19 itens avaliados e validados
cientificamente A adaptaccedilatildeo a este instrumento realizada pelos profissionais que
implantaram o checklist no hospital conformou a adiccedilatildeo de outros 19 itens principalmente
aqueles relacionados agrave infecccedilatildeo ciruacutergica Foram modificadas as descriccedilotildees de alguns itens e
excluiacutedos outros Em alguns dos itens haacute ausecircncia de espaccedilo para checagem servindo apenas
como lembrete para os profissionais Nesse caso a falta de campos de checagem prejudica a
verificaccedilatildeo da adesatildeo agravequeles itens Os itens preconizados pela OMS excluiacutedos mostram uma
percepccedilatildeo diminuiacuteda da importacircncia daquele aspecto para a seguranccedila ciruacutergica Um exemplo
eacute a apresentaccedilatildeo da equipe requisito que foi relatado entre os profissionais como dispensaacutevel
uma vez que todos se conhecem Apenas um profissional disse que a apresentaccedilatildeo faz falta
devido agrave rotatividade dos residentes
A OMS orienta que na adequaccedilatildeo do instrumento sejam incluiacutedos itens segundo a
realidade de cada serviccedilo mas natildeo orienta excluir itens jaacute preconizados (OMS 2009
BURBOS MORRIS 2011) e com evidecircncia cientiacutefica favoraacutevel (HAYNES et al 2009)
Nesse sentido a adaptaccedilatildeo do instrumento utilizado no hospital natildeo considerou essas
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 160
recomendaccedilotildees Faz-se necessaacuteria uma revisatildeo com a participaccedilatildeo do maior nuacutemero possiacutevel
de profissionais da rede intra-hospitalar envolvidos direta ou indiretamente na assistecircncia
ciruacutergica Assunto da proacutexima subcategoria
Apoacutes a reuniatildeo com os coordenadores estes ficaram com a responsabilidade de
repassar as informaccedilotildees do projeto sobre a implantaccedilatildeo do checklist para os demais
colaboradores das respectivas especialidades tendo o papel de multiplicar a proposta Poreacutem
natildeo haacute evidecircncias por meio de atas de reuniatildeo ou listas de presenccedila de encontros para essa
replicaccedilatildeo e natildeo foi realizado um movimento que envolvesse todos os colaboradores na
discussatildeo sobre cirurgia segura
[] ficou do coordenador da ortopedia passar para os ortopedistas A cirurgia
plaacutestica passar para os cirurgiotildees plaacutesticos (Ed16)
[] com os coordenadores essa movimentaccedilatildeo foi feita agora se cada um fez com
sua equipe eu natildeo consigo informar Com os enfermeiros a gente fez nas reuniotildees
de supervisatildeo Com a equipe teacutecnica de enfermagem natildeo me lembro de replicar []
foi mais no dia a dia mesmo [] A gente pecou nisso Natildeo foi orientado o porquecirc
daquilo como que era a finalidade (Ei10)
A gente sempre procura eventualmente tomar uma conduta ou outra pra melhorar a
seguranccedila na cirurgia [] um movimento geral insistente mais incisivo regular
isso natildeo existe Existem accedilotildees pontuais (Ed19)
Tem muita palestra de prevenccedilatildeo de acidente mas cirurgia segura eu nunca vi
(Ed4)
A tarefa de divulgaccedilatildeo da implantaccedilatildeo do checklist foi dada para os coordenadores e
supervisores de enfermagem do CC em reuniotildees especiacuteficas e para os teacutecnicos de
enfermagem do CC de maneira informal no dia a dia de trabalho De acordo com a fala da
maior parte dos profissionais natildeo teve uma campanha visiacutevel natildeo houve um movimento
amplo com o uso de folders banner ou folhetos palestras de sensibilizaccedilatildeo inicial e
abrangente sobre a temaacutetica seguranccedila ciruacutergica e educaccedilatildeo continuada e simulaccedilatildeo do uso
correto do checklist A equipe de implantaccedilatildeo natildeo discutiu os objetivos o significado e a
maneira correta de se utilizar o checklist assim como o quadro de time out para os
profissionais
Um estudo que incluiu cinco hospitais de Washington realizado por Conley et al
(2011) em que foram entrevistados liacutederes de implementaccedilatildeo e cirurgiotildees sobre os processos
de implementaccedilatildeo da lista de verificaccedilatildeo observou que a eficaacutecia da implantaccedilatildeo depende da
capacidade dos liacutederes de explicar o motivo e demostrar o uso do checklist Nos hospitais em
que os esforccedilos foram sistemaacuteticos e houve educaccedilatildeo continuada ocorreu a adesatildeo e o uso
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 161
completo da ferramenta pela equipe ciruacutergica Em outros quando os liacutederes de
implementaccedilatildeo deixaram de explicar e mostrar como a lista de verificaccedilatildeo deve ser usada os
profissionais natildeo entenderam o objetivo o que levou agrave frustraccedilatildeo desinteresse e ateacute mesmo
abandono por parte de um dos hospitais (CONLEY et al 2011)
Assim a contribuiccedilatildeo da lista de verificaccedilatildeo para a seguranccedila ciruacutergica estaacute
diretamente relacionada a sua implementaccedilatildeo e sua execuccedilatildeo Aleacutem da exigecircncia institucional
devem-se ter estrateacutegias de educaccedilatildeo continuada e ainda processos de recrutamento que
identifiquem profissionais comprometidos com o checklist e conscientes da sua importacircncia
para a seguranccedila ciruacutergica (ARAUacuteJO OLIVEIRA 2015)
No Instituto do Cacircncer do Estado de Satildeo Paulo por exemplo foram treinados todos os
enfermeiros teacutecnicos de enfermagem instrumentadores meacutedicos e anestesiologistas para a
implantaccedilatildeo do Protocolo Universal para prevenccedilatildeo do lado errado procedimento errado e
paciente errado da Joint Commission on Accreditation of Healthcare Organizations
(JCAHO) Foram abordados toacutepicos sobre a definiccedilatildeo e o perfil no CC de erro e evento
adverso etapas de implantaccedilatildeo do Protocolo Universal e como preencher o checklist Os
profissionais foram inclusive avaliados por questotildees abertas e fechadas sendo atribuiacutedos
conceitos que os tornavam habilitados ou que devessem realizar novamente o treinamento
(VENDRAMINI et al 2010)
Aleacutem da falta de divulgaccedilatildeo e capacitaccedilatildeo de profissionais do CC os demais setores
que participam da assistecircncia ciruacutergica no preacute e no poacutes-operatoacuterio e os setores que fornecem
insumos ao CC ou seja os profissionais que atuam de forma indireta natildeo foram envolvidos
Natildeo teve uma divulgaccedilatildeo poucas pessoas sabem que eacute implantado no hospital o
checklist da cirurgia segura Foi muito no bloco eles definiram laacute [] natildeo sabemos
como eacute estruturado Aiacute existe uma quebra porque a cirurgia segura natildeo depende soacute
do bloco ela vai muito [com ecircnfase] aleacutem Todos os setores que tem paciente com
possibilidade de realizar cirurgia deveriam ter sido inseridos nesse processo (Ei25)
A sensibilizaccedilatildeo dos outros setores cliacutenica meacutedica ciruacutergica natildeo Essa
movimentaccedilatildeo natildeo foi feita (Ei10)
As falas dos participantes da pesquisa mostram que o checklist foi implantado de
forma pontual no CC natildeo envolveu todos os profissionais que participam da assistecircncia
ciruacutergica seja direta ou indiretamente e assim natildeo foi inserido como parte de uma
reestruturaccedilatildeo de todo o processo da assistecircncia ciruacutergica desde o preacute-operatoacuterio ateacute o poacutes-
operatoacuterio em prol da promoccedilatildeo da seguranccedila ciruacutergica Nesse cenaacuterio os profissionais tanto
os que atuam externamente quanto internamento no CC principalmente os que trabalham no
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 162
periacuteodo noturno ficaram agrave parte do processo e soacute conhecem por ouvirem falar ou
desconhecem totalmente os princiacutepios de uma cirurgia segura
Soacute ouvi falar [sobre Cirurgia Segura] Os acadecircmicos estavam conversando na sala
dos meacutedicos mas eu natildeo fiquei pra poder ver o que era [] (Ei7)
Eu era enfermeira na cliacutenica ciruacutergica no noturno pra ser muito honesta eu natildeo
tinha conhecimento que se trabalhava com cirurgia segura (Ei30)
Apesar de ainda natildeo haver uma discussatildeo sobre accedilotildees para promover a seguranccedila
ciruacutergica os participantes expressaram esse desejo O envolvimento dos profissionais dos
demais setores aleacutem daqueles que atuam no CC seria importante para que estrateacutegias fossem
implementadas em todos os pontos de atenccedilatildeo da rede intra-hospitalar para promoccedilatildeo de uma
cirurgia segura Isso possibilitaria a soluccedilatildeo preacutevia de natildeo conformidades reconhecidas
somente quando se aplica a lista de verificaccedilatildeo com o paciente dentro do CC Assim
defende-se neste estudo a inclusatildeo dos diversos setores nas discussotildees que abordem a
promoccedilatildeo de cirurgias seguras uma vez que cada um deles faz parte e tem sua importacircncia e
responsabilidade dentro da rede intra-hospitalar para promover o sucesso dos procedimentos
ciruacutergicos realizados
A ausecircncia de sensibilizaccedilatildeo capaz de envolver os profissionais desde o iniacutecio do
processo de implantaccedilatildeo do checklist no hospital aleacutem de natildeo favorecer o desenvolvimento
de uma cultura que abarque a mudanccedila acarreta em resistecircncia dos profissionais agravequelas
accedilotildees O enfrentamento dessa resistecircncia com accedilotildees posteriores natildeo conseguiu envolver
naturalmente os profissionais do hospital uma vez que ocorreu de forma reativa apoacutes o
processo ter sido implantado
A resistecircncia maior foi da equipe meacutedica [] aiacute foi feita essa movimentaccedilatildeo mas
posterior agrave implantaccedilatildeo (Ei10)
Depois que apresentamos um trabalho na SBAIT [Sociedade Brasileira de
Atendimento Integrado ao Traumatizado] sobre a cirurgia segura a gente expocircs o
banner muito tempo mas foi uma coisa posterior (Ei10)
Se ele [enfermeiro checklist] for parar eu vou xingar Jaacute perdi uma hora pra poder
comeccedilar a cirurgia e ele ainda vai parar todo mundo pra pode escrever um negoacutecio
no quadro que eu jaacute fiz Natildeo Ele tinha que ter feito isso antes ou entatildeo o bloco
tinha que funcionar bem pra eu poder concordar (Ed22)
A resistecircncia ao uso da lista de verificaccedilatildeo no hospital em estudo ocorreu no iniacutecio da
implantaccedilatildeo e permanece entre os profissionais tanto de maneira explicita como velada
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 163
Muitos profissionais entrevistados apesar de natildeo terem exposto claramente sua resistecircncia agrave
aplicaccedilatildeo do checklist a demonstra nas entrelinhas de seus discursos A resistecircncia eacute um
fenocircmeno relatado por autores como Gawande (2011) As falas dos profissionais mostraram
receio de perder a autonomia e de enrijecer ou atrasar o processo de trabalho que jaacute possui
seus atrasos pela falta de planejamento e organizaccedilatildeo para o iniacutecio de cada cirurgia
Contudo quando os profissionais resistentes entendem a proposta ateacute se tornam
ldquogarotos-propagandardquo ou seja motivadores da adesatildeo dos demais profissionais conforme
ocorreu em um dos hospitais do estudo de Conley et al (2011) O checklist de cirurgia segura
da OMS segue as diretrizes da aviaccedilatildeo se mostrando um instrumento claro e de raacutepida
aplicaccedilatildeo caso seja realizado da forma correta Foi adotado o formato ldquofaccedila-confirmerdquo em
vez do formato ldquoleia-faccedilardquo para dar aos usuaacuterios maior flexibilidade na execuccedilatildeo de suas
tarefas E haacute uma pausa em certos pontos-chave para confirmar a execuccedilatildeo das tarefas mais
importantes (GAWANDE 2011)
A resistecircncia por parte dos cirurgiotildees no hospital desencadeou um processo de
sensibilizaccedilatildeo posterior agrave implantaccedilatildeo A exposiccedilatildeo de um banner apoacutes participaccedilatildeo de
alguns profissionais em um evento cientiacutefico tambeacutem foi uma accedilatildeo posterior agrave implantaccedilatildeo
das ferramentas de time out e checklist Natildeo se deve desconsiderar a importacircncia dos
profissionais que atuam no serviccedilo mostrarem os resultados para o puacuteblico externo em
eventos cientiacuteficos no entanto melhor seria se os profissionais da rede intra-hospitalar
tambeacutem tivessem ciecircncia e participaccedilatildeo nos processos divulgados Fora que esta medida natildeo
divulga a importacircncia e sim os atores envolvidos
A conduccedilatildeo do checklist desde a implantaccedilatildeo no hospital em estudo eacute de
responsabilidade de um enfermeiro contratado especificamente para essa funccedilatildeo no horaacuterio de
07 agraves 16 horas Nesse periacuteodo esse profissional se desloca de uma sala a outra para iniciar e
fechar o preenchimento das ferramentas natildeo conseguindo estar presente durante todo o tempo
do procedimento ciruacutergico Aleacutem disso nos horaacuterios sem a presenccedila desse profissional a
aplicaccedilatildeo dos instrumentos fica sob a responsabilidade do enfermeiro supervisor que muitas
vezes natildeo consegue conduzi-los principalmente no periacuteodo noturno
Durante o dia ele funciona mais porque tem o responsaacutevel mas a noite eacute uma
supervisora soacute pra tudo [ecircnfase] [] eacute inviaacutevel fazer todos os time outs de vaacuterias
cirurgias e ainda ficar responsaacutevel por outras coisas (Ed13)
[] eu tento ficar na sala quando o paciente chega ateacute a induccedilatildeo anesteacutesica Depois
saio porque tem outros time outs [] eu volto pra conferir as questotildees para o
paciente sair da sala contagem das compressas tento olhar os instrumentais a
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 164
identificaccedilatildeo dos anaacutetomos [] Essa uacuteltima parte eacute mais raacutepida vocecirc chega confere
e jaacute fecha o checklist e o time out [] de alguma forma eu tenho que fechar fazer
isso in loco em 100 eacute inviaacutevel (Ed28)
[] estava comeccedilando duas cirurgias ao mesmo tempo qual que ela ia entrar Ela
escolhia uma a outra ficava sem Foi o que ela relatou (Ei23)
[] na medida do possiacutevel ela [enfermeiro do checklist] tenta preencher mas a
gente ainda natildeo atendeu 100 de preenchimento Mas 100 eacute a nossa meta mesmo
pra casos de extrema urgecircncia que eacute o caso da onda (Ed21)
A meta da adesatildeo da aplicaccedilatildeo do instrumento em todas as cirurgias mencionada por
um dos profissionais se contrasta com a metodologia adotada A proposta de se ter uma uacutenica
pessoa responsaacutevel pela conduccedilatildeo na praacutetica natildeo assegurou a aplicaccedilatildeo do checklist em todas
as cirurgias observando-se uma pequena diferenccedila quando se analisa o uso em geral Em uma
anaacutelise realizada neste hospital o preenchimento do checklist foi de 583 do total de
cirurgias (n=24421) realizadas em todas as especialidades nos cinco anos (2010 a 2015)
sendo que nenhum foi completamente preenchido Nos dias uacuteteis de 7 agraves 16 horas quando haacute
a presenccedila de um profissional responsaacutevel pelo checklist foram realizadas 14266 cirurgias e
preenchidos 8148 checklist conferindo uma adesatildeo de 571 (RIBEIRO et al mimeo)
Dentre as orientaccedilotildees da OMS e do Ministeacuterio da Sauacutede ANVISA eacute fator de sucesso
ter um uacutenico profissional na lideranccedila do processo do checklist no complexo cenaacuterio de uma
sala de operaccedilotildees Esse profissional confirmaraacute a realizaccedilatildeo de todas as etapas dessa
ferramenta para assegurar que cada uma delas natildeo seja omitida na pressa de seguir adiante
para a proacutexima fase da operaccedilatildeo (BRASIL 2013b BRASIL 2013c OMS 2009)
Na experiecircncia do Instituto do Cacircncer do Estado de Satildeo Paulo a execuccedilatildeo do
Protocolo Universal da Joint Commission ndash precursor do checklist de cirurgia segura da OMS
ndash natildeo incluiu profissionais adicionais na equipe de enfermagem do CC A estrateacutegia utilizada
foi a designaccedilatildeo na escala diaacuteria de um enfermeiro por sala operatoacuteria que fica responsaacutevel
por garantir a execuccedilatildeo de todas as etapas do protocolo de cirurgia segura (VENDRAMINI et
al 2010) Assim o entendimento eacute de que em cada sala de operaccedilatildeo tenha um condutor do
checklist que acompanhe todas as trecircs fases deste instrumento e natildeo um uacutenico profissional
para a aplicaccedilatildeo dessa ferramenta em todas as cirurgias de todas as salas operatoacuterias do CC
como no hospital em estudo sendo uma concepccedilatildeo errada conforme o relato de uma
participante da pesquisa do setor da qualidade
As falas denotam que essa estrateacutegia natildeo tem conseguido a aplicaccedilatildeo dessas
ferramentas em todos os procedimentos ciruacutergicos pois aleacutem do horaacuterio de trabalho do
profissional especiacutefico ser de oito horas natildeo abarcando todo o funcionamento do CC esse
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 165
profissional ainda tem o horaacuterio de almoccedilo legal para realizar Esse e outros horaacuterios ficam
condicionados agrave disponibilidade dos demais enfermeiros em conduzirem o preenchimento
desse instrumento o que foi relatado que de forma geral natildeo se aplica
Aleacutem disso foi relatado e visto na observaccedilatildeo que esse profissional auxilia na
assistecircncia principalmente na punccedilatildeo de acesso venoso e nas emergecircncias e de alguma
forma eacute acionado na discussatildeo da organizaccedilatildeo da agenda do CC Mostra-se assim que a
funccedilatildeo do enfermeiro do checklist na verdade natildeo eacute tatildeo especiacutefica pois as demais funccedilotildees
em que esse profissional se envolve natildeo satildeo exatamente relacionadas aos itens da lista de
verificaccedilatildeo Isso contribui para que o profissional do checklist natildeo consiga aplicar a
ferramenta adequadamente Como taacutetica esse profissional recorre agrave informaccedilatildeo dos teacutecnicos
de enfermagem para perguntar algo que ocorreu durante a cirurgia em que ele natildeo esteve
presente e com essas informaccedilotildees realiza o fechamento dos instrumentos no sistema jaacute que
natildeo consegue acompanhar as trecircs fases da lista de verificaccedilatildeo em todas as cirurgias por terem
procedimentos concomitantes Isso compromete a seguranccedila ciruacutergica pois natildeo consegue
apreender possiacuteveis incidentes em curso sendo algo apenas cartorial e realizado a posteriori
A despeito da dificuldade do profissional do checklist em estar na sala durante todo o
tempo os profissionais relatam que no iniacutecio da implantaccedilatildeo o time out era preenchido em
todas as cirurgias mas que este quadro natildeo estaacute sendo sempre preenchido atualmente
No comeccedilo anotava Depois o quadro estaacute em branco e a cirurgia acontecendo
(Ed31)
Aqui tem o quadro normalmente tem nome mas nem sempre O resto natildeo preenche
natildeo (Ed32)
Muitas vezes vocecirc passa laacute o quadro taacute em branco ou taacute assim da uacuteltima cirurgia
que algueacutem escreveu [] (Ei15)
Nunca vi em procedimento meu um quadro que natildeo fosse preenchido pelo
enfermeiro [] Preenche uma uacutenica vez antes da induccedilatildeo anesteacutesica A gente vai
perceber o quadro preenchido acho que tem gente que nem percebe [] natildeo eacute uma
coisa que ele divulga pra todo mundo dentro da sala Ateacute porque o quadro eacute grande
Todo mundo pode ler o que estaacute escrito laacute (Ed19)
Os participantes da pesquisa mencionaram que na eacutepoca em que o meacutedico que
implantou o checklist e a enfermeira que foi a primeira responsaacutevel pelo checklist
conduziram esse processo ele funcionava Eacute como se esses profissionais fossem para os
demais respectivamente ldquopairdquo e ldquomatildeerdquo do checklist na instituiccedilatildeo Isso remete ao imprinting
revelado pela etologia (estudo do comportamento animal) e mencionado por Morin (2005)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 166
Quando o passarinho sai do ovo sua matildee passa ao lado e ele a segue O primeiro ser que
passa perto do ovo de onde o passarinho saiu eacute a sua matildee Isso eacute o imprinting ou seja uma
marca original irreversiacutevel que eacute impressa no ceacuterebro (MORIN 2005) No hospital em estudo
o meacutedico e a enfermeira por iniciarem o processo ldquopassaram ao lado do ovordquo os
profissionais tomaram-nos como seu pai e sua matildee e haacute uma ninhada de passarinhos-
profissionais que ainda vivem somente com as recordaccedilotildees daquela eacutepoca Morin (2005) diz
que a invenccedilatildeo aconteceraacute entre aqueles que sofreram menor impacto do imprinting e que
foram considerados como discordantes Esses conseguiratildeo dar continuidade ao processo por
conseguirem inovar o uso da ferramenta de checklist Poreacutem como a implantaccedilatildeo se deu sem
a participaccedilatildeo de todos sem que todos soubessem a importacircncia da ferramenta natildeo houve
discordantes no que diz respeito agrave metodologia ou seja os profissionais apenas seguiram
mas natildeo aprenderam a voar Como o pai e a matildee do checklist natildeo estatildeo mais agrave frente do uso
da ferramenta na praacutetica cotidiana os profissionais perderam a referecircncia e o checklist caiu no
descreacutedito no uso automaacutetico Os profissionais natildeo percebem que o seu uso agrega valor
evita incidentes e proporciona maior seguranccedila agraves cirurgias realizadas
Aleacutem dos relatos da maioria dos profissionais durante a observaccedilatildeo em campo
percebeu-se que na maior parte das cirurgias natildeo haacute preenchimento do quadro de time out e
quando eacute realizado o preenchimento tem sido incompleto e fragmentado O enfermeiro
responsaacutevel entra na sala muitas vezes sem ser percebido pergunta sobre alguns itens para o
paciente outros para o cirurgiatildeo que dependendo de quem seja satildeo incluiacutedos mais ou menos
itens e ao anestesista questiona outros itens Tudo isso de forma fragmentada em momentos
isolados e restritos agravequela pessoa natildeo envolvendo toda a equipe
Alguns participantes disseram que principalmente em cirurgias raacutepidas com tempo
inferior a uma hora o quadro de time out natildeo eacute preenchido A literatura mostra uma relaccedilatildeo
direta entre duraccedilatildeo maior da cirurgia e maior preenchimento do checklist Nas cirurgias mais
longas o fato de envolverem grande nuacutemero de etapas criacuteticas pode ser a justificativa da
maior preocupaccedilatildeo dos profissionais em se utilizar o checklist (FREITAS et al 2014)
A maioria dos profissionais desta pesquisa disse que em cirurgias de urgecircncia e
principalmente de emergecircncia eacute muito difiacutecil preencher o quadro de time out ou aplicar o
checklist Segundo Weiser et al (2010) em situaccedilotildees que exijam uma intervenccedilatildeo urgente
tem havido mesmo a preocupaccedilatildeo de que o uso do checklist iraacute interromper o fluxo de
trabalho e atrasar o tratamento terapecircutico de forma a aumentar o risco para os pacientes
Atrasos satildeo reconhecidos por aumentar o risco no tratamento de apendicite e fraturas
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 167
expostas por exemplo Natildeo obstante esses atrasos satildeo medidos em horas em vez de minutos
e um breve checklist pode evitar erros que satildeo comuns em uma cirurgia de urgecircncia Assim a
hipoacutetese desses autores eacute de que a implementaccedilatildeo do checklist em casos ciruacutergicos urgentes
melhora o cumprimento das normas baacutesicas de cuidados e reduz as taxas de mortalidade e
complicaccedilotildees apoacutes a cirurgia (WEISER et al 2010)
Outro problema identificado foi a permanecircncia de registros no quadro de time out
relativos agrave cirurgia anterior Isso ocorre segundo o responsaacutevel pelo checklist em cirurgias
que se prolongam apoacutes 16 horas quando termina seu expediente Apesar de suas solicitaccedilotildees
nenhum profissional se dispotildee a apagar o quadro quando o paciente sai de sala Isso traz um
descreacutedito para a ferramenta aleacutem de ser um fator gerador de incidentes como a identificaccedilatildeo
do paciente ou procedimento de forma equivocada
Percebeu-se ainda que o profissional responsaacutevel pelo checklist tem valorizado mais o
preenchimento individual no sistema em detrimento do preenchimento do quadro em sala
operatoacuteria envolvendo toda a equipe
[] natildeo eacute feito com a gente Natildeo eacute assim ldquoVamos fazer o time out junto []rdquo
Aquele quadro natildeo eacute preenchido sendo que temos um profissional que fica soacute para o
time out Ele faz no papel a gente natildeo vecirc porque a senha eacute dele ele faz e imprime
[] (Ed11)
[] natildeo estatildeo preenchendo o time out no quadro Preenchem no sistema no quadro
natildeo Eles tecircm falhado nisso Natildeo sei por quecirc Acho que falta mesmo uma
coordenaccedilatildeo atuante no bloco ciruacutergico (Ei5)
Segundo os profissionais a causa do responsaacutevel pelo checklist estar deixando de
preencher o quadro de time out estaacute ligado agrave lideranccedila do CC que natildeo tem cobrado a
aplicaccedilatildeo do instrumento de forma consistente e tambeacutem que a coordenaccedilatildeo constantemente
estaacute sendo mudada Contudo mesmo nos procedimentos ciruacutergicos em que satildeo aplicados os
itens de checagem no quadro de time out eou do checklist observa-se uma discrepacircncia entre
o modo como deveria ser conduzido e a forma com que atualmente tecircm sido aplicadas essas
ferramentas Observou-se uma preocupaccedilatildeo em se registrar mas o registro pelo registro sem
participaccedilatildeo ativa da equipe multiprofissional natildeo alcanccedilaraacute os objetivos que levaratildeo de fato
a uma cirurgia segura
Uma pesquisa realizada na regiatildeo sul do Brasil tambeacutem observou que na maioria das
vezes os itens natildeo foram confirmados verbalmente com a equipe como preconizado pela
OMS e a verificaccedilatildeo ocorreu predominantemente de forma individual e natildeo verbal e
frequentemente foram registrados sem verificaccedilatildeo (MAZIERO et al 2015) No entanto esse
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 168
processo de verificaccedilatildeo dos itens do checklist deve ser interdisciplinar contando com a
participaccedilatildeo de toda a equipe sendo exigida a comunicaccedilatildeo ativa entre todos os profissionais
(VENDRAMINI et al 2010)
O preenchimento sem a verificaccedilatildeo incide em aspectos legais e eacuteticos implicados a
todos os profissionais da equipe ciruacutergica (MAZIERO et al 2015) Mas sobre esse
preenchimento que gera registro de informaccedilotildees do checklist tem-se um contraponto de maacute
interpretaccedilatildeo da metodologia do checklist pelos profissionais que o implantaram tanto na
instituiccedilatildeo em estudo quanto em outros hospitais que o utilizam O checklist natildeo foi
elaborado para se tornar uma informaccedilatildeo registrada Segundo Gawande (2011) natildeo haacute
necessidade de fazer marcas de verificaccedilatildeo no checklist natildeo haacute necessidade de produzir
registros O propoacutesito eacute promover verificaccedilotildees e conversas entre os membros da equipe a fim
de garantir que todas as tarefas sejam executadas e que todos faccedilam o necessaacuterio para obter o
melhor resultado possiacutevel (GAWANDE 2011) Nesse sentido o uso da lista de verificaccedilatildeo no
hospital em estudo perde todo o seu sentido sendo apenas registrado no sistema
informatizado e natildeo impactando portanto na mitigaccedilatildeo e prevenccedilatildeo de incidentes O proacuteprio
profissional do checklist relatou que natildeo se lembra desse instrumento ter impedido algum
erro Por outro lado a informante chave que iniciou o processo relatou em sua entrevista
diversos benefiacutecios com a implantaccedilatildeo do instrumento
Apesar de alguns profissionais considerarem o preenchimento do checklist como um
instrumento para aumentar a organizaccedilatildeo e a seguranccedila do procedimento eles tambeacutem
confessam que muitas vezes quando percebem o quadro o mesmo jaacute se encontra preenchido
sem terem tido participaccedilatildeo Aleacutem disso os profissionais percebem esse instrumento como
algo burocraacutetico sem efeito praacutetico ou ateacute mesmo que o time out eacute como um quadro ou
instrumento qualquer afixado na parede
Eacute bom estar escrito mas natildeo sei se esse seria um grande problema o fato de natildeo
estaacute escrito [] Mas organizaccedilatildeo quanto mais melhor (Ed17)
[] eacute uma questatildeo mais burocraacutetica do que praacutetica (Ed13)
Eacute mais uma coisa burocraacutetica que taacute sendo feita sem nenhuma utilizaccedilatildeo Nenhuma
(Ed16)
[]o quadro estaacute laacute mas eles natildeo preenchem natildeo preenche mais Natildeo preenche
mesmo Entatildeo assim eu vejo o quadro como se fosse um quadro normal um
quadro como se fosse um reloacutegio pregado na parede (Ei27)
Hoje eu natildeo vejo preencher mais [] se preenchesse pelo menos vocecirc tirava
duacutevida saberia o nome do paciente neacute (Ei27)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 169
A comparaccedilatildeo do quadro de time out a um ldquoquadro normalrdquo um ldquoreloacutegiordquo mostra o
quatildeo desvalorizado estaacute o uso desta ferramenta na instituiccedilatildeo em estudo E revela algo da
praacutetica que merece reflexatildeo planejamento e accedilotildees dos gestores do hospital no sentido de
tomarem decisotildees que enfrentem essa percepccedilatildeo desqualificada de um instrumento validado
internacionalmente e nacionalmente Essa desvalorizaccedilatildeo eacute resultado da falta de
conhecimento da importacircncia uma vez que isso natildeo foi trabalhado com os profissionais
Quando nos relatos os profissionais mencionam a importacircncia do uso do checklist
minimizam a funccedilatildeo dessa lista de verificaccedilatildeo reduzindo-a a funccedilatildeo de apenas esclarecer
alguma duacutevida como por exemplo a identificaccedilatildeo do paciente Isso ocorre devido agrave
metodologia e forma de conduccedilatildeo atual A seguir satildeo apresentados relatos de como foi agrave
preparaccedilatildeo dos enfermeiros para aplicarem o checklist de cirurgia segura
Eu acompanhei observei vi fazendo ldquoolha eacute assim assim assadordquo e pronto E aiacute
fiz tambeacutem [] ldquoTem que preencher isso aquirdquo ldquoAh taacute como eacute que eacuterdquo ldquoAh marca
um xisinho assim assimrdquo Foi isso (Ed29)
Conversei um pouco com as enfermeiras e O Dr K pra me inteirar [] A enfermeira
que participou do iniacutecio de todo o processo me passou fontes bibliograacuteficas me
contou um pouco da experiecircncia dela [] Eu fiquei dois dias acompanhando a antiga
enfermeira do checklist [] no terceiro dia ela jaacute subiu pra exercer outra funccedilatildeo e eu
fiquei por conta do checklist [] surgiu algumas duacutevidas eu entrava em contato
com a coordenaccedilatildeo [] um dia ela desceu pra tirar algumas duacutevidas pra fazer as
estatiacutesticas do checklist mas assim o treinamento mesmo eu natildeo cheguei a ter
(Ed28)
Os enfermeiros tanto o responsaacutevel pelo checklist em seu horaacuterio de atuaccedilatildeo quanto
os demais natildeo foram qualificados adequadamente para preencher a lista de verificaccedilatildeo O
treinamento ocorreu informalmente no campo da praacutetica profissional sem um embasamento
teoacuterico sem um entendimento da importacircncia de cada item disposto para verificaccedilatildeo ou
momentos de simulaccedilatildeo da aplicaccedilatildeo Em uma pesquisa realizada com ortopedistas
brasileiros em 2012 por meio de um questionaacuterio sobre o uso do protocolo de cirurgia segura
da OMS dos 502 ortopedistas que responderam o questionaacuterio 653 desconheciam total ou
parcialmente o protocolo e 721 nunca foram treinados para o uso do instrumento (MOTA
FILHO et al 2013) A falta de treinamento especiacutefico e envolvimento de toda a equipe pode
ser um dos motivos para a causa de muitos itens serem negligenciados quando a ferramenta eacute
executada tanto no hospital em estudo quanto em outras realidades
Essa ausecircncia de qualificaccedilatildeo adequada pode tambeacutem por exemplo natildeo ter sanado
uma das preocupaccedilotildees importantes que certamente todos os enfermeiros tiveram a saber a
autonomia do condutor da lista de verificaccedilatildeo
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 170
Eu fiquei muito insegura no sentido de encontrar alguma coisa errada eu tinha
autonomia pra barrar uma cirurgia [] Qual era a autonomia que eu tinha como
enfermeiro do checklist [] tinha muitos meacutedicos que natildeo gostavam de responder
as perguntas Ateacute que isso foi imposto pela diretoria que vestiu a camisa que o
pessoal tinha que me responder gostando ou natildeo E eles comeccedilaram a se acostumar
com isso (Ei10)
A autonomia do liacuteder do checklist eacute fator criacutetico de sucesso para a efetividade do
mesmo Ele deve ter autonomia para impedir que a equipe prossiga para a proacutexima etapa da
cirurgia ateacute que cada uma esteja totalmente resolvida mas com isso pode-se criar uma
relaccedilatildeo antagocircnica com os outros membros da equipe ofendendo-os ou irritando-os
(BRASIL 2013b OMS 2009) Esta relaccedilatildeo pode ser ainda mais significativa sendo um
uacutenico profissional designado para aplicaccedilatildeo do checklist em todas as cirurgias como no
hospital em estudo A fala de Ei10 tambeacutem revela que a diretoria teve que intervir junto aos
profissionais que natildeo gostavam de responder aos questionamentos que apesar de
continuarem natildeo gostando tiveram que fazer por imposiccedilatildeo Desenvolveu-se entatildeo um
processo de obrigatoriedade de cima para baixo e natildeo um processo de convencimento da
importacircncia sobre a seguranccedila ciruacutergica e em relaccedilatildeo agrave apropriaccedilatildeo da metodologia do
checklist
Nesse sentido Gawande (2011) faz um questionamento em seu livro se apesar de
toda a resistecircncia os cirurgiotildees decidirem usar checklist ainda assim eacute importante que o
utilizem mesmo de maacute vontade O autor mesmo responde que importa sim pois o objetivo
final do instrumento natildeo eacute apenas ticar itens o propoacutesito eacute fomentar uma cultura de trabalho
em equipe e de disciplina (GAWANDE 2011)
Nesse sentido eacute primordial a sensibilizaccedilatildeo e o entendimento sobre o impacto que o
uso do checklist tem na praacutetica cotidiana da assistecircncia ciruacutergica Ou seja eacute necessaacuterio fazer
sentido para o proacuteprio profissional responsaacutevel pelo checklist para que ele proacuteprio se
convencendo tenha motivaccedilatildeo na aplicaccedilatildeo e consiga envolver os demais da equipe no uso
conjunto da ferramenta Ademais eacute necessaacuteria para o bom ecircxito da aplicaccedilatildeo da ferramenta
uma conscientizaccedilatildeo da importacircncia pela lideranccedila hospitalar que respaldaraacute o uso cotidiano
[] natildeo preencher na parede [o quadro] porque um dia a secretaacuteria esqueceu de
pedir pincel [] natildeo eacute justificativa a gente tem o almoxarifado que funciona o
tempo todo [] a motivaccedilatildeo de ter um sentido e um porque [] me parece um
preenchimento automaacutetico Cumprir uma tarefa designada (Ei30)
Conscientizaccedilatildeo eacute a palavra-chave se vocecirc natildeo conscientizar a diretoria os
coordenadores os meacutedicos o corpo de enfermagem e o pessoal da limpeza natildeo
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 171
funciona [] Ningueacutem tem nenhuma consciecircncia disso Ningueacutem daacute nenhuma
importacircncia Pura perda de tempo que taacute sendo feito (Ed16)
[] todos conhecem a campanha neacute [tosse] [] acho que falta o engajamento
mesmo de todo mundo pra conseguir que fosse contemplado todos os momentos
assim com toda a equipe (Ed28)
Observou-se que o responsaacutevel pelo checklist o preenche de modo mecanizado e
tambeacutem assim como os demais profissionais ele mesmo natildeo acredita no trabalho que
executa Desenvolve-se entatildeo uma cultura de ausecircncia de credibilidade no uso da ferramenta
no cotidiano de trabalho tanto pelo responsaacutevel pelo preenchimento quanto pelos demais
enfermeiros
Haacute uma falsa ideia por parte das lideranccedilas do hospital e do responsaacutevel pelo checklist
de que todos conhecem a ferramenta Um dos liacutederes afirmou que o checklist atualmente faz
parte da rotina do CC uma vez que este jaacute eacute amplamente divulgado difundido e aceito No
entanto aceitar a aplicaccedilatildeo do instrumento e saber da existecircncia eacute diferente de conhecer a
importacircncia por meio das evidecircncias de reduccedilatildeo de incidentes A maioria inclusive a atual
lideranccedila natildeo entendeu que cada item eacute fruto de padrotildees de erros e omissotildees constantes na
assistecircncia ciruacutergica e que portanto esse eacute um valioso instrumento para a rotina diaacuteria
Assim natildeo datildeo a importacircncia devida a essa ferramenta Ademais o profissional responsaacutevel
pelo cheklist natildeo eacute reconhecido por todos como tal
[] Tem [responsaacutevel pelo checklist] Quem eacute [Muita surpresa] [] V1 [nome do
enfermeiro do checklist] vai ver que ele faz pra ele mas eu acho que eacute importante
perguntar pro outro [] Dividir a informaccedilatildeo (Ed32)
O natildeo reconhecimento por toda a equipe de quem seja o profissional que foi
contratado especificamente para a funccedilatildeo de conduzir o checklist mostra que essa estrateacutegia
adotada pelo hospital em estudo natildeo tem alcanccedilado resultados positivos sendo necessaacuterio ser
repensada Por outro lado a conduccedilatildeo adequada destas ferramentas eacute influenciada por
muacuteltiplos fatores aleacutem dos jaacute mencionados como o perfil do profissional responsaacutevel a
sobrecarga de trabalho e a falta de profissionais a rotatividade tanto de profissionais quanto
da lideranccedila da linha de cuidados ciruacutergicos que incorre na falta de cobranccedila no uso das
ferramentas
Depende da pessoa Quando a P [enfermeiro do checklist] estava no time out ela
tem a voz alta [] Jaacute chegava avisava todo mundo [] Os outros enfermeiros que
eu vejo natildeo Entra laacute mudo sai calado preenchem o quadrinho [] Sinto falta
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 172
mesmo eacute da P chegar e falar [] Muito respeitava ela aparecia ela tinha o espiacuterito
de lideranccedila (Ei20)
A pessoa [profissional do checklist] entra na sala e pergunta para o teacutecnico ldquoQue
horas o paciente entrou na salardquo Pergunta pra mim ldquoQual a previsatildeo de duraccedilatildeo da
cirurgia Eacute limpa ou eacute contaminadardquo Acabou Soacute isso O resto ele preenche da
cabeccedila dele Isso natildeo tem o menor sentido (Ed16)
[] de laacute [da implantaccedilatildeo] pra caacute a gente jaacute mudou a coordenaccedilatildeo tanto meacutedica
quanto de enfermagem [] Na eacutepoca da B as coisas eram bem conduzidas e depois
se perdeu O bloco passou por uns momentos de grande rotatividade sofreu com
falta de anestesista A equipe trabalhava com sobrecarga (Ei23)
Eu acho mais desmotivaccedilatildeo ou falta de cobranccedila Eu tento orientaacute-los No final do
meu plantatildeo deixo a relaccedilatildeo no relatoacuterio dos quadros abertos porque algueacutem tem
que fechar no final da cirurgia [] falta cobranccedila por parte da coordenaccedilatildeo de
orientar e cobrar que seja executado (Ed28)
A desmotivaccedilatildeo mencionada por Ed28 se refere aos enfermeiros que ficam
incumbidos da conduccedilatildeo do checklist no horaacuterio em que o responsaacutevel natildeo estaacute presente No
entanto essa desmotivaccedilatildeo pode se referir a ele proacuteprio uma vez que sua funccedilatildeo natildeo eacute
reconhecida e valorizada em seu contexto de atuaccedilatildeo A motivaccedilatildeo e a percepccedilatildeo dos outros
no sentido de se fazer o trabalho sob sua responsabilidade satildeo aliadas para que o profissional
desenvolva-o de forma efetiva Uma vez que eacute dada tatildeo pouca atenccedilatildeo a esses instrumentos
pela equipe perde-se a importacircncia de se aplicaacute-los pelo responsaacutevel e vice versa
Diante deste contexto a complexidade do uso do checklist eacute marcada pela
subjetividade de quem o conduz e dos que ali participam do processo que seraacute realizado em
favor da seguranccedila ciruacutergica ou natildeo conforme relatado a seguir
[] foi esquecida uma compressa dentro do paciente e quando foi conferir o
checklist estava tudo ok [] colocou o nuacutemero de compressas abertas o nuacutemero
que [foi desprezado] Entatildeo esse caso foi uma falha de quem preencheu eacute muito
ser humano dependente Depende de como vocecirc estaacute no dia do quecirc que vocecirc estaacute
fazendo sua sobrecarga de trabalho seu estado psicoloacutegico eu acho que depende de
muita coisa e a pessoa tem que ser muito honesta tambeacutem de natildeo inventar nada ali
[risos] (Ei10)
Em um estudo sobre retenccedilatildeo de corpo estranho realizado por Gawande et al (2003)
aos 54 pacientes participantes somou-se um total de 61 corpos estranhos retidos dos quais
69 eram compressas ou gases e 31 instrumentais Dos 37 pacientes com corpos estranhos
retidos 69 necessitaram de uma nova intervenccedilatildeo ciruacutergica para a remoccedilatildeo do objeto e
complicaccedilotildees e um morreu No restante o corpo estranho foi expelido ou foi descoberto por
acaso e removido no momento de outra cirurgia Essas retenccedilotildees ocorreram mais em cirurgias
de emergecircncia (33) ou em uma mudanccedila inesperada no procedimento ciruacutergico (34) Os
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 173
pacientes com corpos estranhos retidos tambeacutem tinham um iacutendice de massa corporal meacutedia
superior e eram menos propensos a ter contagens de esponjas e instrumentos realizados Mais
de metade dos corpos estranhos (54) foram deixados no abdoacutemen 22 na vagina 74 no
toacuterax e 17 em outras partes incluindo o canal espinal ceacuterebro e extremidades (GAWANDE
et al 2003)
O relato de Ei10 demonstra que natildeo eacute simples a utilizaccedilatildeo do checklist uma vez que o
preenchimento por si soacute natildeo gera os benefiacutecios propostos do instrumento No estudo de
Gawande et al (2003) enquanto um terccedilo das compressas e instrumentais retidas natildeo foi
submetido a processo documentado de contagem dois terccedilos dos casos apresentaram
coerecircncia entre o nuacutemero aberto no iniacutecio do procedimento e o do final assim como no caso
relatado Eacute necessaacuteria conscientizaccedilatildeo e maior atenccedilatildeo na contagem e anotaccedilatildeo fidedigna dos
dados
Enfim a aplicaccedilatildeo do checklist em sala operatoacuteria natildeo eacute simples Eacute complexa por
envolver muacuteltiplos aspectos Contudo por mais que as accedilotildees contempladas no checklist sejam
variadas abarcando vaacuterios aspectos a seguranccedila ciruacutergica natildeo pode ser reduzida a apenas os
19 itens e a aplicaccedilatildeo dessa ferramenta
[] agraves vezes o que eu percebo eacute que tem uma reduccedilatildeo da cirurgia segura em relaccedilatildeo
a esse checklist E natildeo eacute correto Porque se soacute o checklist for feito mas todos os
outros passos natildeo foram seguidos exemplo um paciente que chega para o CTI
depois de uma cirurgia complexa se natildeo tiver observaccedilatildeo natildeo for feito
gerenciamento do risco a cirurgia dele pode ateacute ter sido segura no preacute e no
transoperatoacuterio mas natildeo seraacute no poacutes-operatoacuterio [] (Ei25)
Ainda que se pese a importacircncia e a complexidade a garantia de uma cirurgia segura
natildeo pode ser reduzida aos itens da lista de verificaccedilatildeo da OMS Eacute importante reconhecer a sua
importacircncia mas esse instrumento eacute parte de um conjunto complexo de accedilotildees para uma
cirurgia segura Gawande (2011) afirma que ele eacute apenas o comeccedilo de uma jornada pois foi
concebido para detectar poucos problemas comuns em todas as cirurgias no mundo todo
Assim cabe aos profissionais dar continuidade a essa jornada desenvolvendo outros
checklists e aperfeiccediloando-os como faz o setor de aviaccedilatildeo (GAWANDE 2011)
Assim para a promoccedilatildeo da seguranccedila ciruacutergica eacute necessaacuterio aleacutem de obedecer aos
itens jaacute validados da lista de verificaccedilatildeo observar tambeacutem aspectos relacionados ao preacute e ao
poacutes-operatoacuterio abarcando assim o processo como um todo Ou seja eacute necessaacuterio estudar o
checklist dentro da assistecircncia ciruacutergica sob o ponto de vista do pensamento complexo que
propotildee uma nova forma de pensar a realidade em que cada objeto do conhecimento seja ele
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 174
qual for natildeo pode ser estudado em si mesmo mas em relaccedilatildeo aos seus contornos Por isso
toda a realidade eacute o sistema estando em relaccedilatildeo agrave aacuterea envolvida Aleacutem disso o paradigma da
complexidade reconhece que a compreensatildeo da realidade eacute sempre um processo inacabado
(MORIN 2011)
Nesse sentido defende-se neste estudo por todas as questotildees relatadas e evidenciadas
pelos profissionais e durante a observaccedilatildeo em campo que a conduccedilatildeo do checklist seja de
responsabilidade de um profissional em cada sala operatoacuteria o qual deve permanecer durante
todo o periacuteodo da realizaccedilatildeo da cirurgia Esse conjunto de profissionais deve ser
supervisionado por uma uacutenica pessoa que seraacute responsaacutevel por acompanhar a forma com que
estiver sendo conduzido o checklist no intraoperatorio aleacutem de outras funccedilotildees como a
melhoria contiacutenua avaliaccedilatildeo e divulgaccedilatildeo dos resultados da aplicaccedilatildeo do checklist bem como
elaborar fomentar e acompanhar o uso de listas de verificaccedilatildeo em todo o processo
perioperatoacuterio
432 Melhorias no uso do checklist de cirurgia segura
No jogo de palavras cruzadas a precisatildeo de cada palavra eacute resultado da adequaccedilatildeo de
sua definiccedilatildeo e da sua congruecircncia com as outras palavras com letras comuns A
concordacircncia entre todas as palavras compotildee o conjunto e confirma a validade das
distintas palavras deste jogo A vida diferente das palavras cruzadas compreende
espaccedilos sem definiccedilatildeo com falsas definiccedilotildees e sobretudo a ausecircncia de um quadro
geral fechado (MORIN 2000)
A frase de Morin (2000) que inicia esta subcategoria vem ao encontro do que foi
observado durante a pesquisa realizada sobre o uso do checklist Esse instrumento natildeo eacute como
um jogo fechado de palavras cruzadas pois a complexidade do seu uso nos diferentes
procedimentos ciruacutergicos impossibilita a ocupaccedilatildeo de espaccedilos fixos pelos profissionais e de
definiccedilatildeo engessada dos itens propostos Deve ser uma ferramenta dinacircmica considerando a
melhoria contiacutenua bem como a sensibilizaccedilatildeo e a motivaccedilatildeo dos profissionais
permanentemente Assim seratildeo discutidas as oportunidades de melhorias sejam aquelas
apontadas pelos participantes da pesquisa ou observadas durante o estudo de campo no que
tange o uso da lista de verificaccedilatildeo de seguranccedila ciruacutergica
Nesse sentido eacute reconhecido pelos entrevistados que melhorias na qualidade dos
processos de trabalho sempre devem ocorrer Por mais que se atente e se mova esforccedilos para
a realizaccedilatildeo bem feita das accedilotildees no cotidiano de trabalho da assistecircncia ciruacutergica haacute sempre o
que inovar e aprender mediante as observaccedilotildees e vivecircncias da praacutetica
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 175
A cirurgia segura ela ainda tem muito muito muito que caminhar Muito [ecircnfase a
palavra] [] [o checklist] Eacute uma ferramenta bacana que bem aplicada ia minimizar
muita coisa Mas ela ainda precisa de envolvimento das pessoas (Ed26)
Cada dia vocecirc vai aprendendo Eacute a mesma cirurgia mas cada paciente eacute cada
paciente O meacutedico cada um trabalha de um jeito (Ei14)
[] por mais que a gente trabalhe e tente melhorar os processos tem sempre o que
melhorar tem sempre pessoas com ideias novas (Ei1)
Segundo Ovretveit (2009) a melhoria da qualidade eacute alcanccedilada quando se atinge uma
melhor satisfaccedilatildeo do paciente e os melhores resultados da assistecircncia mediante a mudanccedila no
comportamento dos profissionais e da organizaccedilatildeo do trabalho por meio de mudanccedilas
sistemaacuteticas nos meacutetodos e estrateacutegias Para tanto eacute imprescindiacutevel compreender o problema
e os sistemas em particular avaliando o percurso do paciente analisar a demanda a
capacidade e o fluxo do serviccedilo escolher os instrumentos de mudanccedilas como o envolvimento
e a capacitaccedilatildeo da lideranccedila e dos profissionais medir o impacto das mudanccedilas (HEALTH
FOUNDATION 2013) Estes satildeo fatores de sucesso na implantaccedilatildeo de quaisquer accedilotildees de
melhoria da qualidade incluindo o checklist de cirurgia segura
Os participantes da pesquisa relatam a necessidade de diversas mudanccedilas nos
processos de trabalho da rede intra-hospitalar para uma assistecircncia ciruacutergica segura e de
melhor qualidade em todas as fases do perioperatoacuterio As melhorias especiacuteficas no uso do
checklist focaram principalmente na maior adesatildeo ao instrumento nas mudanccedilas da
metodologia de conduccedilatildeo que atualmente eacute responsabilidade de um soacute profissional e sem o
envolvimento da equipe em conjunto na aplicaccedilatildeo e da mudanccedila da estrutura dos itens de
verificaccedilatildeo do checklist atualmente utilizado na instituiccedilatildeo
O problema da baixa adesatildeo e desvalorizaccedilatildeo do uso do checklist em sua versatildeo
completa ou do quadro de time out eacute constante no discurso de quase todos profissionais
[] eu acho que eacute soacute feito durante o dia o time out Durante a noite pelo menos eu
natildeo vejo elas fazendo (Ed8)
[] se todos os enfermeiros tivessem essa visatildeo da importacircncia do quadro de
manter atualizado sempre que os cirurgiotildees precisar das informaccedilotildees poder
consultar o quadro a gente aumentaria a credibilidade neacute (Ed28)
Os resultados desta pesquisa mostram que a adesatildeo ao checklist de cirurgia segura pela
equipe ciruacutergica estaacute diretamente relacionada agrave existecircncia de atitudes e percepccedilotildees positivas
em relaccedilatildeo agrave sua importacircncia utilidade e aplicabilidade Em um estudo observacional um
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 176
grupo composto por estudantes de medicina e enfermeiras registrou a conformidade de
aplicaccedilatildeo dos 11 itens padronizados no time out Apenas um dos itens (procedimento a ser
realizado) alcanccedilou cumprimento maior que 950 Trecircs itens (siacutetio ciruacutergico disponibilidade
de hemocomponentes e material de implantes e dispositivos e iniacutecio de antibioacuteticos)
alcanccedilaram 80-95 de cumprimento Os outros sete itens alcanccedilaram menos de 80 de
conformidade (POON et al 2013) Nesse sentido as estrateacutegias de aumento da adesatildeo devem
ser elaboradas pelos diversos profissionais conjuntamente para que estes se envolvam e
possam se empoderar dessas ferramentas que aleacutem da seguranccedila promovem a gestatildeo do
cuidado do paciente ciruacutergico no intraoperatoacuterio
Outra melhoria que deve ser implementada e que foi relatada por diversos
profissionais e observada durante a pesquisa de campo diz respeito agrave forma de conduccedilatildeo do
checklist Eacute necessaacuterio que o condutor permaneccedila por todo o tempo no intraoperatoacuterio e que
os itens sejam verificados em conjunto com todos os profissionais para otimizar os benefiacutecios
potenciais associados a esses instrumentos
Existem trecircs momentos o antes e o apoacutes a induccedilatildeo anesteacutesica e antes da retirada do
paciente da sala [] teria que ser algueacutem que tivesse dentro de sala durante o
transoperatoacuterio inteiro pra conseguir acompanhar do iniacutecio ao fim [] talvez o
circulante fosse o responsaacutevel pelo checklist [] ele taacute ali exclusivo na sala [] no
meu caso eu estou na sala um entra um paciente na sala dois eu tenho que correr
[] agraves vezes entram quatro salas de uma vez soacute (Ed28)
[] quem deveria fazer o checklist eacute a equipe que estaacute dentro da sala ciruacutergica Pode
ser tanto enfermeiro quanto o proacuteprio cirurgiatildeo (Ei23)
Atualmente o profissional que lidera a aplicaccedilatildeo do checklist eacute um enfermeiro Aleacutem
da necessidade de profissionais com esta funccedilatildeo em cada sala operatoacuteria para aumentar a
adesatildeo ao instrumento os participantes da pesquisa cogitaram outras categorias profissionais
aleacutem do circulante e do cirurgiatildeo mencionados por Ed28 e Ei23 como um auxiliar
administrativo treinado Mas outros argumentaram que o auxiliar administrativo natildeo tem
embasamento e senso criacutetico para argumentar e que o cirurgiatildeo e o anestesista sendo
plantonistas em sua maioria natildeo dariam continuidade ao processo de conduccedilatildeo da
ferramenta Um profissional disse que na implantaccedilatildeo chegaram a pensar no teacutecnico de
enfermagem que eacute o circulante em cada sala como propocircs Ed28 Poreacutem disseram que teria
que ser algueacutem ldquoseparado da assistecircnciardquo para ser imparcial e que o circulante natildeo iria
interromper a cirurgia se algo estivesse em natildeo conformidade com o checklist ora porque eles
natildeo iriam querer atrasar a sua cirurgia ora para natildeo se indispor com os cirurgiotildees e
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 177
anestesistas Assim a maioria defendeu o enfermeiro como o melhor profissional para aplicar
o checklist devido ao conhecimento teacutecnico habilidade e atitude para exercer lideranccedila
Eacute fundamental que o profissional seja capaz de conseguir a atenccedilatildeo de todos durante
uma cirurgia independente de sua categoria profissional Isso exige alto grau de assertividade
e alto niacutevel de controle que segundo o idealizador do checklist de cirurgia segura da OMS
geralmente eacute exclusivo do cirurgiatildeo sendo este em um primeiro momento tido como o
melhor profissional para conduzir a lista de verificaccedilatildeo (GAWANDE 2011) No entanto essa
possibilidade foi descartada por esse autor e sua equipe uma vez que seguindo as liccedilotildees da
aviaccedilatildeo o ldquopiloto que natildeo estaacute pilotandordquo eacute quem inicia o checklist pois aquele que estaacute na
lideranccedila tende a se concentrar nas tarefas de voo e esquecer o checklist Essa divisatildeo
corresponsabiliza todos os profissionais para o bem-estar do voo e os daacute autoridade para
questionar Assim chegou-se a conclusatildeo de que para o checklist fazer a diferenccedila deve-se
distribuir a responsabilidade e a autoridade para questionar (GAWANDE 2011) Esse autor e
sua equipe escolheram o enfermeiro-chefe para conduzir o checklist durante o teste realizado
em suas proacuteprias cirurgias e este tem sido o profissional incumbido para a aplicaccedilatildeo do
checklist em diversas instituiccedilotildees como no hospital em estudo
A vantagem do enfermeiro se responsabilizar pela conduccedilatildeo da lista de verificaccedilatildeo eacute
que sua atuaccedilatildeo o permite transitar durante todo o perioperatoacuterio do paciente e portanto ter
uma visatildeo sistecircmica do cuidado dispensado ao paciente Aleacutem disso sua atuaccedilatildeo possibilita
vivenciar tanto a realidade praacutetica quanto a realidade burocraacutetica da organizaccedilatildeo Mais
importante que escolher a categoria profissional seria identificar na equipe o perfil necessaacuterio
para este condutor da lista de verificaccedilatildeo por que a efetividade do preenchimento eacute ldquopessoa
dependenterdquo segundo um dos participantes
[] eacute muito ldquopessoa dependenterdquo depende de quem estaacute preenchendo (Ei10)
[] tem que ter um jogo de cintura de saber lidar com todas as equipes e tem que ter
o pulso firme espiacuterito de lideranccedila Para poder ter habilidade de ligar para outro
setor ldquoOh os pacientes estatildeo descendo sem banhordquo Perguntar o coordenador da
anestesia porque natildeo estaacute sendo feito o preacute-anesteacutesico Do que ficar acomodada com
aquele resultado ldquoAh jaacute fiz minha parterdquo (Ei10)
Outros profissionais tambeacutem citaram caracteriacutesticas importantes para o profissional
responsaacutevel pela aplicaccedilatildeo do time out e checklist como conhecimento da ferramenta
disciplina meacutetodo ser um profissional proativo dinacircmico atento e com facilidade de
relacionamento interpessoal E foi dito tambeacutem que mesmo com toda essa competecircncia se
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 178
natildeo tiver o respaldo da diretoria natildeo adianta a tentativa do uso correto pois eacute necessaacuterio que a
lideranccedila faccedila a gestatildeo da mudanccedila no dia a dia de trabalho
Outra questatildeo bastante enunciada pelos participantes da pesquisa e que jaacute estaacute em
discussatildeo interna diz respeito agrave mudanccedila da estrutura dos instrumentos conforme as falas
representativas que se seguem
[] a gente tem que melhorar o checklist para o profissional que executa direcionar
as perguntar e o olhar [] o checklist tem que taacute sempre sendo revisado [] tem
algumas questotildees que seguramente a gente tinha que ou excluir ou modificar a
forma que taacute perguntado (Ei30)
[] discutindo algumas questotildees do formulaacuterio que taacute em execuccedilatildeo hoje noacutes
iniciamos uma discussatildeo com a CCIH com a diretoria de uma proposta de
modificar esse formulaacuterio (Ei30)
De fato segundo Gawande (2011) o checklist natildeo deve se transformar em imposiccedilotildees
calcificadas que inibem os profissionais em vez de ajudaacute-los Segundo esse autor o checklist
exige revisotildees e aprimoramentos constantes Na aviaccedilatildeo eacute inserida data de emissatildeo em todos
os checklists uma vez que o cheklist deve mudar com o passar do tempo Eacute uma ajuda mas se
natildeo estiver servindo para contribuir na melhoria dos procedimentos haacute algo errado e deve ser
corrigido (GAWANDE 2011)
Pela anaacutelise dos dados o checklist natildeo foi aplicado em nenhum caso de Onda
Vermelha sendo a justificativa devido aos itens natildeo se aplicarem para um caso de
emergecircncia O participante da pesquisa que no periacuteodo da coleta de dados era o responsaacutevel
pelo checklist durante a entrevista leu cada item e foi se questionando se aquele item se
aplicaria ou natildeo a uma situaccedilatildeo de emergecircncia Apoacutes essa anaacutelise conclui que
No primeiro momento acho que nenhum [item] daria pra preencher no caso da
emergecircncia seria tudo natildeo se aplica E poucos dados seriam aproveitados do
checklist no caso da emergecircncia (Ed28)
Para a onda vermelha acho que natildeo tem muita aplicabilidade natildeo [] Tem um
quadro aqui [sala da emergecircncia] com orientaccedilatildeo igual das outras salas No caso da
onda esse quadro nunca foi preenchido Ateacute porque natildeo daria tempo e tambeacutem natildeo
teria nenhuma ou quase nenhuma aplicabilidade a natildeo ser colocar o nome do
paciente Que muitas vezes o paciente entra como NI [Natildeo Identificado] Entatildeo nem
a identificaccedilatildeo do paciente conseguiria contemplar no quadro (Ed28)
Poucos estudos tratam da aplicaccedilatildeo do checklist em cirurgias de urgecircncia Em um deles
evidenciou-se a reduccedilatildeo nas taxas de complicaccedilatildeo de 184 para 117 e nas taxas de
mortalidade de 37 para 14 (WEISER et al 2010) Os grupos de trabalho do Programa
Cirurgia Segura idealizaram uma lista de verificaccedilatildeo de seguranccedila ciruacutergica baseada em uma
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 179
gama de protocolos avaliaram as evidecircncias de suas conclusotildees e estimaram seus possiacuteveis
impactos para a seguranccedila mas a meta natildeo foi prescrever uma uacutenica maneira de
implementaccedilatildeo ou criar uma ferramenta regulatoacuteria Mais do que isso pela introduccedilatildeo de
elementos-chave de seguranccedila na rotina operatoacuteria as equipes poderiam maximizar a
probabilidade de melhorar seus resultados sem gerar um ocircnus excessivo no sistema ou para
os prestadores de sauacutede (OMS 2009) Assim uma das oportunidades de melhoria eacute a
elaboraccedilatildeo de checklist por tipo de cirurgia (eletiva urgecircncia e emergecircncia) pois segundo os
participantes o uso de um instrumento apenas para quaisquer procedimentos produz dados
natildeo fidedignos quanto a alguns aspectos que satildeo mensurados
[] tem cinco ou seis itens que ldquonatildeo se aplicardquo agrave cirurgia de emergecircncia O
enfermeiro preenche como natildeo se aplica quando posso ter outra ferramenta que
exclui esses itens da cirurgia de emergecircncia pra facilitar o preenchimento [] se o
enfermeiro preencher que natildeo se aplica o preacute-anesteacutesico pra emergecircncia isso gera
um dado baixo quando eu tenho na verdade uma escala de anestesia desfalcada []
o quecirc que mais vai entrar Cirurgia de urgecircncia e emergecircncia porque as eletivas vatildeo
ser adiadas Entatildeo gera um dado pra mim que eacute irreal (Ei30)
Nesse sentido melhorias satildeo necessaacuterias nos itens do checklist uma vez que na forma
em que foi concebido tem excluiacutedo a aleatoriedade ou seja a quebra da ordem em sua
execuccedilatildeo Gawande (2011) orienta a elaboraccedilatildeo de checklists especiacuteficos para os diversos
procedimentos especificamente aqueles que tenham mais fases e riscos em sua realizaccedilatildeo
Aleacutem da possibilidade de construccedilatildeo de checklists especiacuteficos dentro do
transoperatoacuterio foi relatada a necessidade de elaboraccedilatildeo de um checklist no preacute-ciruacutergico
Preciso fazer tambeacutem o checklist preacute-ciruacutergico Antes de o paciente chegar [no CC]
precisa ter algumas questotildees jaacute organizadas [] laacute dentro descubro que o paciente
natildeo tem reserva de sangue pra seguranccedila vou pedir Mas para otimizar o bloco natildeo
funcionou Vou ter que coletar amostra esperar ser processada no banco de sangue
para o banco me responder se eacute possiacutevel ou natildeo Aiacute eu perco tempo que eacute precioso
(Ei30)
Aleacutem de promover a seguranccedila do paciente uma lista de verificaccedilatildeo no preacute-operatoacuterio
possibilitaria uma maior organizaccedilatildeo e otimizaccedilatildeo do tempo do CC A resolutividade pequena
do CC foi algo muito mencionado pelos participantes que relataram as dificuldades de
consolidar os agendamentos das cirurgias eletivas pois haacute uma concorrecircncia com as cirurgias
de urgecircncia e emergecircncias entre outros fatores
A marcaccedilatildeo de sitio ciruacutergico natildeo foi evidenciada durante as observaccedilotildees de campo
sendo uma accedilatildeo quando realizada pela atitude do profissional e natildeo por uma orientaccedilatildeo ou
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 180
normatizaccedilatildeo da instituiccedilatildeo a qual natildeo tem disponibilizado inclusive os recursos materiais
para a sua realizaccedilatildeo
Paciente natildeo entra na sala se eu natildeo tiver marcado o membro Eacute meu protocolo
(riso) Natildeo do hospital [] natildeo tem nem caneta pra marcar Eu tenho que usar a
minha (Ed22)
A gente natildeo marca A gente nunca teve nenhum problema [] A vantagem do
paciente da vascular eacute que ele estaacute sempre com o peacute enfaixado ou um dedo preto A
gente sabe que eacute a perna do dedo preto que vai mexer Mas eacute importante pra ter uma
seguranccedila a mais [] Natildeo sei Vai ver que num viram necessidade que as coisas
tem andado certas neacute (E32)
Haacute uma contradiccedilatildeo sobre a marcaccedilatildeo ciruacutergica pelos profissionais ao mesmo tempo
em que desconsidera a necessidade pelo fato da condiccedilatildeo do paciente mostrar o local da
cirurgia relata que eacute mais um ponto que colabora na seguranccedila do paciente O ldquopeacute enfaixado
ou um dedo pretordquo conforme citado por Ed32 natildeo podem ser paracircmetros de identificaccedilatildeo do
local da cirurgia haja vista que o paciente pode ter outra demanda ciruacutergica e incorrer em
dubiedade Segundo Vendramini et al (2010) a marcaccedilatildeo ciruacutergica objetiva identificar sem
ambiguidade o local da cirurgia principalmente aquelas que envolvem partes bilaterais
(direita e esquerda) estruturas diversas como os dedos das matildeos e dos peacutes ou niacuteveis
muacuteltiplos como a coluna vertebral Eacute uma accedilatildeo importante e obrigatoacuteria em todas as
cirurgias exceto quando a cirurgia eacute em oacutergatildeo uacutenico nos procedimentos em que natildeo se
predetermina o local de inserccedilatildeo do cateterinstrumento quando houver recusa do paciente e
em cirurgias de emergecircncia (VENDRAMINI et al 2010)
Segundo um dos participantes houve no iniacutecio da implantaccedilatildeo do checklist uma
discussatildeo sobre marcaccedilatildeo de lateralidade no entanto mesmo com o ator natildeo humano
adquirido (ldquocaneta do tipo caneta de retroprojetorrdquo) os atores humanos ficaram na discussatildeo
de como iriam marcar Queriam colocar um ldquoxrdquo mas como a literatura desaconselha porque
pode significar que natildeo era pra fazer naquele membro a conversa se perdeu natildeo se discutiu
mais essa accedilatildeo para promover a seguranccedila As melhores praacuteticas quanto agrave marcaccedilatildeo da
lateralidade recomendam o desenho de um ciacuterculo um alvo ou as iniciais do paciente ou do
cirurgiatildeo no local da cirurgia
A identificaccedilatildeo do local da cirurgia eacute um encargo do cirurgiatildeo responsaacutevel pelo
procedimento ciruacutergico ou do procedimento terapecircutico invasivo No entanto a participaccedilatildeo
do enfermeiro ndash ou algum membro da equipe de enfermagem ndash eacute essencial sendo importante
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 181
para garantir que os siacutetios ciruacutergicos sejam marcados e a participaccedilatildeo do paciente eacute
incentivada (VENDRAMINI et al 2010)
Outro ponto abordado eacute o gap existente entre o iniacutecio e a atual rotina do uso do
checklist Pelo conjunto dos relatos e observaccedilatildeo da pesquisa percebe-se que no iniacutecio de seu
uso quando da implantaccedilatildeo do checklist este instrumento era aplicado de forma mais
completa se discutia inclusive a melhor forma de comunicaccedilatildeo com o paciente
A conversa com o paciente eacute importantiacutessima Antes a A1 [enfermeiro do checklist]
se apresentava e conversava com o paciente ldquoO senhor sabe do quecirc que o senhor vai
operarrdquo ldquoQue lado que eacuterdquo ldquoTem alergia a algum remeacutediordquo [] Ela fazia todas
essas perguntas ldquoO seu uacuteltimo banho foi ontem ou foi hojerdquo Era uma maneira
polida de perguntar sem ofender Com isso se o iacutendice de infecccedilatildeo aumentar vocecirc
vai naqueles paracircmetros [] ldquoAh o paciente natildeo tomou banho no dia da cirurgiardquo
A gente conseguia melhorar essas coisas mas hoje tudo se perdeu (Ed16)
O relato de Ed16 aponta que no iniacutecio havia atuaccedilatildeo ativa e que na atualidade ldquotudo
se perdeurdquo mostra a necessidade de entender a utilizaccedilatildeo do checklist como estrateacutegia e natildeo
como programa Segundo Morin (2000) o programa estabelece uma sequecircncia de accedilotildees que
devem ser executadas sem variaccedilatildeo em um ambiente estaacutevel Caso haja alteraccedilatildeo das
condiccedilotildees externas bloqueia-se o programa A estrateacutegia ao contraacuterio prepara um cenaacuterio de
accedilatildeo que analisa as certezas e as incertezas as probabilidades e as improbabilidades Isso
porque o cenaacuterio pode e deve ser modificado de acordo com as informaccedilotildees recolhidas os
acasos contratempos ou boas oportunidades encontradas ao longo do caminho (MORIN
2000) A saiacuteda dos profissionais que introduziram o checklist na instituiccedilatildeo bloqueou de certa
forma a efetividade do seu uso Natildeo foi arquitetado um cenaacuterio que permitisse sua efetiva
continuidade com a participaccedilatildeo de todos os profissionais
De acordo com Morin (2000) no cerne das estrateacutegias pode ateacute serem utilizadas curtas
sequecircncias programadas mas para tudo que se efetua em ambiente instaacutevel e incerto impotildee-
se a estrateacutegia Ou seja em primeiro momento podia-se ter realizado um programa piloto
para implantaccedilatildeo do checklist na instituiccedilatildeo mas dado o ambiente instaacutevel esse programa
deveria ter sido ampliado envolvendo mais profissionais para se tornar uma estrateacutegia
Seraacute necessaacuterio considerar as dificuldades para tornar o checklist uma estrateacutegia a
serviccedilo de uma finalidade complexa que eacute a seguranccedila ciruacutergica Para isso Morin (2000) traz
trecircs termos complementares e ao mesmo tempo antagocircnicos a saber liberdade igualdade
fraternidade ldquoA liberdade tende a destruir a igualdade esta se for imposta tende a destruir a
liberdade enfim a fraternidade natildeo pode ser nem decretada nem imposta mas incitadardquo
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 182
(MORIN 2000 p 91) Ainda segundo Morin (2000) conforme as condiccedilotildees histoacutericas uma
estrateacutegia deveraacute favorecer a liberdade a igualdade e a fraternidade e ainda deve em um
momento privilegiar a prudecircncia em outro a audaacutecia e se possiacutevel as duas ao mesmo
tempo Assim a estrateacutegia do uso do checklist no hospital em estudo precisa ser flexiacutevel o
bastante para dar liberdade aos profissionais ser normatizado apoacutes articulaccedilatildeo de atores
humanos e disponibilidade dos atores natildeo humanos para que tenha a igualdade no seu uso em
todos os procedimentos e monitorado e valorizado com vistas agrave fraternidade ou seja entre
profissionais-profissionais por meio da maior articulaccedilatildeo e satisfaccedilatildeo no trabalho e
profissional-paciente com foco na seguranccedila ciruacutergica
Nesse sentido a melhoria da seguranccedila na assistecircncia ciruacutergica requer tambeacutem a
forma de comunicaccedilatildeo com o paciente em todas as fases do perioperatoacuterio como a seguir
[] uma paciente com fratura de mandiacutebula de raacutedio e de fecircmur [] uma coisa era
do lado esquerdo e as outras eram do outro lado Perguntei qual cirurgia que ela ia
fazer ela falou ldquoOh eu natildeo sei porque eu tenho isso isso e isso ningueacutem me falou
a cirurgia que vou fazer Se for tal eacute desse lado se for isso eacute nesse lado aquirdquo []
havia desinformaccedilatildeo do paciente perante o que ia fazer E a gente foi discutir como
afirmar lateralidade se a paciente natildeo sabe o quecirc ela vai fazer e o meacutedico afirma que
eacute de um lado ela afirma que pode ser do outro [] a gente acaba colocando que natildeo
tinha lateralidade definida [] porque a informaccedilatildeo dela natildeo foi condizente com a
informaccedilatildeo do meacutedico (Ei10)
Como jaacute discutido a comunicaccedilatildeo efetiva entre profissionais e pacientes eacute um fator
criacutetico de sucesso para a seguranccedila do paciente Nesse sentido os projetos desenvolvidos
desenhados e implementados com a participaccedilatildeo dos pacientes tecircm mais probabilidade de
resultar em mudanccedilas sustentaacuteveis do que os projetos baseados num modelo de comando e
controle implementados de cima para baixo Por outro lado cada profissional precisa se
responsabilizar pela melhoria da qualidade mas se eles natildeo forem empoderados para fazecirc-lo
os resultados seratildeo limitados Nesse sentido a melhoria da qualidade eacute um processo contiacutenuo
que faz parte dos negoacutecios e do trabalho cotidiano (HEALTH FUNDATION 2013)
No entanto natildeo haacute educaccedilatildeo continuada discussatildeo dos resultados do uso das
ferramentas checklist e time out como existiam no iniacutecio do uso do checklist sendo esse um
ponto considerado para a melhoria e promoccedilatildeo da cirurgia segura
Nenhum treinamento ldquoHoje tem treinamento de Cirurgia Segurardquo natildeo (Ei20)
[] na eacutepoca que a gente implantou o checklist a gente fazia uma reuniatildeo trimestral
pra apresentar e monitorar os dados com o grupo gestor da cirurgia (coordenaccedilotildees de
todas as especialidades diretoria e CCIH) (Ei10)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 183
Depois que assumi ainda natildeo tive reuniatildeo para tratar dos dados Nem fui
comunicada que existe a reuniatildeo entatildeo se tinha ela natildeo estaacute acontecendo (Ei30)
A Qualidade nunca participou [reuniotildees trimestrais para discussatildeo dos resultados
do checklist] Se ela existe a gente natildeo sabe Natildeo fomos chamados nem
demandados [] E natildeo demandamos tambeacutem [risos] a gente poderia ter feito esse
movimento mas hoje a gente natildeo tem pernas pra isso (Ei23)
Mesmo quando havia reuniotildees sobre os dados e resultados do checklist no iniacutecio de
seu uso eram para um grupo restrito da diretoria Esses dados do resultado do uso do
checklist tecircm mesmo que ser discutidos com a lideranccedila maior e no entanto envolver
tambeacutem os demais profissionais do CC e da rede intra-hospitalar que estaacute envolvida com a
assistecircncia ciruacutergica se faz necessaacuterio para sua legitimaccedilatildeo diante de toda a equipe
multiprofissional Viabilizar isso na rotina caoacutetica eacute um desafio sendo necessaacuterio pensar
estrateacutegias e promover a discussatildeo dos resultados das cirurgias e do checklist Nesse mesmo
sentido tambeacutem ainda natildeo se realiza uma anaacutelise sistemaacutetica dos dados de adesatildeo ao checklist
e como esse instrumento tem impactado nos indicadores que medem a qualidade da
assistecircncia Haacute pequenas anaacutelises realizadas pelo interesse de um dos profissionais de forma
isolada e natildeo amplamente divulgada e discutida
Eu ainda natildeo levantei a estatiacutestica de cobertura de checklist e time out [] Mesmo
durante o dia eu estando exclusivamente para o checklist natildeo eacute 100 de cobertura
finais de semana e a noite eu natildeo tenho esse dado [] Acredito que natildeo seja 100
dos pacientes que consegue cobrir (Ed28)
[] eu fiz uma anaacutelise descritiva [] cruzando desde o iniacutecio do checklist e
avaliando a taxa de infecccedilatildeo em cirurgia limpa que eacute o meu marcador [] teve
diminuiccedilatildeo na taxa de infecccedilatildeo de cirurgia limpa consideraacutevel [] um ano atraacutes eu
fiz esse trabalho [] mais ningueacutem fez trabalho nenhum com o checklist [] O
checklist soacute eacute preenchido natildeo eacute analisado (Ei5)
Natildeo eacute possiacutevel promover uma seguranccedila na assistecircncia ciruacutergica sem avaliaacute-la
sistematicamente e periodicamente com indicadores para abarcar questotildees de cunho objetivo
mas tambeacutem utilizando outras estrateacutegias que apreendam a percepccedilatildeo dos profissionais sobre
sua praacutetica Nesse sentido a cirurgia segura demanda a garantia de monitoramento da
qualidade de forma contiacutenua (OMS 2009) Aleacutem das dificuldades de anaacutelise e discussatildeo dos
resultados do trabalho a avaliaccedilatildeo do checklist eacute dificultada pelo acesso restrito aos dados
[] eu natildeo tenho acesso E eacute de enfermeiro para enfermeiro Eles fazem uma relaccedilatildeo
todo mecircs e mandam para a diretoria (Ei14)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 184
Conforme jaacute discutido eacute necessaacuterio ampliar a participaccedilatildeo dos profissionais no uso do
checklist fazendo dele uma estrateacutegia de melhoria da qualidade Assim deve-se repensar o
acesso ao sistema informatizado onde fica disponibilizado o checklist no prontuaacuterio
eletrocircnico natildeo desprezando a fidedignidade dos dados e a confidencialidade dos pacientes
mas possibilitando informaccedilotildees para todo o corpo funcional
Por fim a uacuteltima melhoria deste trabalho sobre o uso do checklist na instituiccedilatildeo sem
pretensatildeo de apontar todas as melhorias necessaacuterias eacute a de se envolver a lideranccedila nessas
discussotildees iniciando assim um processo de mudanccedila da cultura organizacional
Estamos agora com uma estrateacutegia de envolver a diretoria no processo de discussatildeo
da seguranccedila levar para eles os casos mais graves de eventos adversos (Ei23)
A importacircncia do envolvimento da lideranccedila jaacute foi amplamente discutida neste
trabalho Ressalta-se que apesar do apoio inicial da lideranccedila para a introduccedilatildeo do checklist
no hospital em estudo esse apoio natildeo foi suficiente para ultrapassar os imprevistos as
incertezas Apesar de haver uma perenidade jaacute satildeo cinco anos de utilizaccedilatildeo do checklist na
instituiccedilatildeo haacute pouca adesatildeo e eacute aplicado de forma incipiente Assim percebe-se que eacute
imprescindiacutevel o envolvimento da lideranccedila de forma contiacutenua e sistemaacutetica desde a
implantaccedilatildeo ateacute a execuccedilatildeo no dia a dia de trabalho
Aleacutem das mudanccedilas especiacuteficas do uso do quadro de time out e checklist foco desta
subcategoria outras mudanccedilas foram mencionadas para melhoria da qualidade e seguranccedila da
assistecircncia ciruacutergica no hospital Algumas delas foram planejamento das cirurgias
implantaccedilatildeo do consentimento livre e esclarecido sistema de informaccedilatildeo do CC kits
disponiacuteveis nas salas operatoacuterias mais completos para agilizar as cirurgias escala completa de
profissionais principalmente anestesistas reduccedilatildeo do fluxo de pessoas dentro de sala
operatoacuteria sugerindo um vidro unidirecional para visualizaccedilatildeo de residentes e acadecircmicos
divulgaccedilatildeo de trabalhos pouco conhecidos no hospital como a proacutepria lista de verificaccedilatildeo de
cirurgia segura e o ambulatoacuterio de controle de anticoagulaccedilatildeo pelo modelo de calibraccedilatildeo RNI
(Razatildeo de Normatizaccedilatildeo Internacional) Enfim sem uma cultura desenvolvida e madura para
as questotildees da seguranccedila com comunicaccedilatildeo e conexatildeo entre os diversos atores as
intervenccedilotildees podem ocorrer na instituiccedilatildeo mas seratildeo de forma superficial meramente para
cumprir uma normatizaccedilatildeo dando uma falsa ideia de seguranccedila
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 185
Reflexotildees finais
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 186
5 REFLEXOtildeES FINAIS
O drama de qualquer escrita reside na tensatildeo entre seu inacabamento e a necessidade
de se colocar um ponto final ou seja a obra acabada e a uacuteltima interpretaccedilatildeo
possiacutevel (MORIN CIURANA MOTTA 2003 p 39)
Tendo plena consciecircncia do inacabaacutevel conhecimento sobre a seguranccedila na assistecircncia
ciruacutergica uma vez que essa eacute complexa e natildeo pode ser simplificada por envolver a conexatildeo
entre os atores humanos e tambeacutem desses com os atores natildeo humanos e que no cotidiano da
rede intra-hospitalar emergem incertezas e imprevistos que natildeo se pode erradicar totalmente eacute
que se pretende tecer as uacuteltimas reflexotildees desta tese sem a pretensatildeo de ser conclusiva
A concepccedilatildeo primaacuteria foi de se analisar a utilizaccedilatildeo do checklist de cirurgia segura
mas a estrateacutegia foi modificada durante o percurso e o objetivo ampliado para analisar a
seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica na visatildeo de profissionais que atuam direta e indiretamente
no ato anesteacutesico-ciruacutergico Considera-se que o objetivo foi alcanccedilado sendo possiacutevel
perceber similaridades e diferenccedilas entre a perspectiva da assistecircncia ciruacutergica segura tanto
entre os dois grupos de profissionais (os atuam direta e os que atuam indiretamente em sala
operatoacuteria) quanto entre os profissionais do mesmo grupo
Ambos os grupos consideram que a seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica eacute um requisito
importante em todo perioperatoacuterio poreacutem a desconhecem na praacutetica e por isso natildeo
contribuem o quanto poderiam para o trabalho da fase subsequente Falta visatildeo sistecircmica e
integraccedilatildeo dos profissionais que atuam de forma direta ou natildeo para o ato ciruacutergico Pelo
conjunto dos depoimentos a seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica eacute um fenocircmeno
multidimensional
Emergiram quatro dimensotildees miacutenimas para a seguranccedila da assistecircncia ciruacutergica
condiccedilatildeo estrutural processos de trabalho caracteriacutesticas do paciente e atitudes profissionais
Essas satildeo inter e co-dependentes e envolvem atores humanos e natildeo humanos As relaccedilotildees
subjetivas da praacutetica autocircnoma dos profissionais interferem na necessaacuteria intersetorialidade
para o funcionamento da rede intra-hospitalar e gera discrepacircncia entre a existecircncia do
trabalho conjunto no plano formal (padronizado normatizado instituiacutedo) e um contato
setorializadoindividualizado por meio das relaccedilotildees pessoais
Os profissionais dos dois grupos revelaram que o CC eacute um lugar desejado e valorizado
pelos profissionais que atuam direto e indiretamente no ato anesteacutesico-ciruacutergico Este setor foi
considerado complexo pela caracteriacutestica da atividade do arsenal tecnoloacutegico envolvido da
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 187
iacutenfima relaccedilatildeo vida e morte que permeia o cotidiano da sala operatoacuteria e pela demanda natildeo
programada que envolve imprevisto e incerteza Sendo por isso requerido dos profissionais
competecircncias teacutecnica e agilidade para utilizar o tempo a favor da vida dos pacientes e a
disponibilidade e a sofisticaccedilatildeo de atores natildeo humanos
A rede intra-hospitalar conforma-se com o entrecruzamento da ordem e da desordem
que promove a interaccedilatildeo entre os atores humanos e natildeo humanos para a organizaccedilatildeo da
assistecircncia ciruacutergica A falta de interaccedilatildeo dos diversos atores nas fases do perioperatoacuterio por
vezes e principalmente nos atendimentos de urgecircncia e emergecircncia gera conflitos dilemas e
sofrimento dos profissionais com implicaccedilotildees para a seguranccedila da assistecircncia ao paciente
ciruacutergico
As situaccedilotildees ciruacutergicas de urgecircncia e principalmente as de emergecircncias foram
consideradas de maior inseguranccedila Convivem e mistura-se uma suposta disciplina de
movimentos ldquoensaiadosrdquo por saberes especiacuteficos em um tempo preciso e oportuno para cada
procedimento agraves imagens ldquoencantadorasrdquo e ldquoinusitadasrdquo que chegam para atendimento e agrave
falta de articulaccedilatildeo entre os setores da rede intra-hospitalar levando a riscos ao paciente e
profissionais
Os depoimentos sobre os incidentes ocorridos no hospital e a vivecircncia dos
profissionais nestas situaccedilotildees mostraram sofrimento em um cenaacuterio ainda com uma cultura
punitiva Os exemplos praacuteticos relatados mostram que pequenas intervenccedilotildees violaccedilotildees que
se faz como se fora uma exceccedilatildeo repercute no desfecho final do atendimento ao paciente Ou
seja as accedilotildees de cada profissional da rede inter-hospitalar estatildeo intimamente interconectadas
tanto que mesmo as pequenas accedilotildees sejam dos que atuam diretamente sejam dos que atuam
indiretamente no ato ciruacutergico podem gerar um efeito com impacto na seguranccedila do paciente
com incidentes por vezes com danos irreversiacuteveis
O hospital possui accedilotildees para monitorar esses incidentes mas de forma geral precisam
de maior robustez para superar as limitaccedilotildees do sistema de notificaccedilotildees principalmente no
que diz respeito ao feedback para os profissionais que relatam alguns incidentes Aleacutem disso
as accedilotildees devem ser mais bem discutidas e metodicamente ampliadas e divulgadas para o
conjunto de profissionais uma vez que natildeo tecircm sido evidentes para todos os participantes
O preenchimento do checklist no hospital se mostrou como um processo mecacircnico e
meramente burocraacutetico que como tal natildeo tem conseguido ser barreira para os incidentes
Embora se tenha um profissional responsaacutevel para preencher o instrumento essa estrateacutegia
natildeo garantiu o preenchimento em todas as cirurgias Dessa forma viu-se que apenas a
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 188
inserccedilatildeo da ferramenta natildeo assegura a qualidade das praacuteticas eacute necessaacuterio considerar o
contexto complexo de uma sala operatoacuteria na qual haacute uma equipe multidisciplinar com
saberes e interesses diferenciados aleacutem de muacuteltiplas situaccedilotildees com o paciente que concorrem
para a efetiva aplicaccedilatildeo do checklist Aleacutem disso eacute preciso desmistificar a obsessatildeo pela
simplicidade do uso do checklist pois isso pode interferir na efetividade de sua implantaccedilatildeo e
utilizaccedilatildeo na praacutetica O modo como se utiliza o checklist de cirurgia segura tem
comprometido a legitimidade dada pelos profissionais que atuam diretamente em sala
operatoacuteria e muitos dos profissionais que atuam indiretamente natildeo conhecem como eacute este uso
Enfim a forma de tratar os erros a percepccedilatildeo de risco diminuiacuteda pelos profissionais e
a falta de reconhecimento da falibilidade humana mostra uma cultura de seguranccedila ainda em
desenvolvimento Sem uma cultura institucional desenvolvida e madura para as questotildees da
seguranccedila com comunicaccedilatildeo e conexatildeo entre os diversos atores as intervenccedilotildees podem
ocorrer mas seratildeo de forma superficial meramente para cumprir uma normatizaccedilatildeo dando
uma falsa ideia de seguranccedila Tem-se que investir na construccedilatildeo de uma cultura de seguranccedila
organizacional com base em planejamento sistemaacutetico dos processos de trabalho de acordo
com os riscos e as necessidades especiacuteficas das partes (cada setor) sem comprometer o todo
(a rede intra-hospitalar) estrateacutegias para execuccedilatildeo de accedilotildees de melhoria e avaliaccedilatildeo da
assistecircncia realizada buscando ter resiliecircncia ou seja que continuamente previna detecte
mitigue e diminua os incidentes
As limitaccedilotildees desta pesquisa se inserem agrave inerente limitaccedilatildeo da observaccedilatildeo do cenaacuterio
que eacute o chamado efeito hawthorne o qual o profissional ao ser observado modifica o seu
comportamento podendo interferir nos resultados No iniacutecio da coleta de dados houve uma
estranheza em relaccedilatildeo agrave presenccedila da pesquisadora e agrave acadecircmica que a acompanhou No
entanto apoacutes alguns dias os profissionais jaacute as tinham incorporado em seu cotidiano e
deixaram de ser estranhas diminuindo assim o efeito hawthorne Outra limitaccedilatildeo reside no
fato da pesquisa ter sido realizada em um uacutenico hospital natildeo podendo ser generalizaacutevel Para
suprir esta limitaccedilatildeo apresenta-se como sugestatildeo a realizaccedilatildeo de pesquisas que focalizem
maior nuacutemero de hospitais com outros perfis e tambeacutem que busquem analisar com mais
profundidade o impacto da cultura organizacional para a seguranccedila ciruacutergica
Almeja-se que este estudo proporcione informaccedilotildees que estimulem discussotildees e
reflexotildees sobre a seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio de forma mais ampla e a
importacircncia da conexatildeo entre atores humanos e natildeo humanos para a promoccedilatildeo da cirurgia
segura
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 189
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Glossaacuterio
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 209
GLOSSAacuteRIO
Ato anesteacutesico-ciruacutergico accedilotildees desenvolvidas para realizar no paciente a sedaccedilatildeo
(anestesia) abertura ato principal e fechamento (cirurgia) com finalidades esteacuteticas curativas
ou paliativas (CARVALHO BIANCHI 2007)
Circunstacircncia notificaacutevel situaccedilatildeo com grande capacidade de causar dano ao paciente mas
que natildeo produziu nenhum incidente (WHO 2009)
Cirurgia origem grega significa trabalho manual isto eacute o exerciacutecio ou praacutetica de uma
ocupaccedilatildeo (LOacutePEZ LA CRUZ 2002)
Cuidado de sauacutede serviccedilos recebidos por indiviacuteduos ou comunidades para promover
manter monitorar ou restaurar a sauacutede Pela ICPS esse termo tambeacutem inclui o auto-cuidado
(OMS 2009)
Fatores contribuintes circunstacircncias accedilotildees ou influecircncias que tem um papel na origem ou
no desenvolvimento de um incidente ou no aumento do risco de incidente Eles podem ser
externos organizacionais estarem relacionados ao staff ou a um fator individual do paciente
(OMS 2009)
Incidente com dano ou evento adverso situaccedilatildeo que causou dano ao paciente (WHO
2009)
Incidente sem danos evento que atingiu o paciente mas natildeo causou dano discerniacutevel
(WHO 2009)
Near miss incidente que natildeo atingiu o paciente (WHO 2009)
Paciente pessoa que recebe cuidado de sauacutede Pela ICPS se usa o termo paciente no lugar
dos termos consumidores ou clientes pois eacute mais abrangente (OMS 2009)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 210
Perigo circunstacircncia um agente ou uma accedilatildeo com potencial para provocar danos (WHO
2009)
Risco probabilidade de ocorrecircncia de um incidente probabilidade de um indiviacuteduo sofrer
algum dano em razatildeo da exposiccedilatildeo a um perigo (WHO 2009)
Sala de operaccedilotildees ou sala de cirurgia ou sala operatoacuteria local de acesso restrito onde o
paciente eacute submetido ao procedimento anesteacutesico-ciruacutergico com caracteriacutesticas determinadas
na legislaccedilatildeo quanto agrave construccedilatildeo e ao acabamento (CARVALHO BIANCHI 2007)
Seguranccedila do paciente reduccedilatildeo a um miacutenimo aceitaacutevel do risco de dano desnecessaacuterio
associado ao cuidado de sauacutede (OMS 2009)
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 211
Apecircndices
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 212
APEcircNDICE I
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Convidamos vocecirc a participar da pesquisa intitulada ldquoCIRURGIA SEGURA perspectivas da equipe
multiprofissional de hospitais puacuteblicosrdquo desenvolvida pela doutoranda Helen Cristiny Teodoro Couto Ribeiro
sob orientaccedilatildeo da Professora Doutora Mariacutelia Alves da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG) A referida pesquisa objetiva compreender a cirurgia segura na perspectiva de
profissionais que atuam direta e indiretamente na assistecircncia ciruacutergica em hospitais puacuteblicos de Belo Horizonte
Trata-se de estudo qualitativo e a coleta de dados seraacute realizada por meio de entrevista e observaccedilatildeo Assim
vocecirc responderaacute perguntas sobre a assistecircncia ciruacutergica realizada no hospital e sua colaboraccedilatildeo neste processo
seja atuando direta ou indiretamente no bloco ciruacutergico Se concordar vocecirc participaraacute de uma entrevista com
uso de roteiro semiestruturado e figuras (buscadas na internet) sobre a assistecircncia ciruacutergica suas respostas seratildeo
gravadas posteriormente ouvidas e transcritas para ser o mais fidedigno a elas e estaraacute disponiacutevel para vocecirc
ouvir se assim o desejar
As observaccedilotildees seratildeo voltadas para o cotidiano do trabalho dos profissionais e ocorreratildeo desde a entrada do
paciente ciruacutergico ateacute a sua alta hospitalar perpassando principalmente pelo procedimento ciruacutergico se vocecirc
permitir Aleacutem disso seratildeo observadas reuniotildees da equipe pretendendo-se no miacutenimo observar uma reuniatildeo da
enfermagem e outra dos cirurgiotildees eou anestesistas Estas observaccedilotildees seratildeo registradas no diaacuterio de campo que
vocecirc poderaacute ler depois para autorizar sua utilizaccedilatildeo ou natildeo
Sua participaccedilatildeo eacute voluntaacuteria e os riscos satildeo miacutenimos poreacutem caso se sinta constrangido em dar alguma resposta
vocecirc estaraacute livre para natildeo responder Afirmamos que seraacute garantido o seu anonimato as entrevistas seratildeo
identificadas apenas pela letra ldquoErdquo enumerada de acordo com a realizaccedilatildeo natildeo identificando portanto o seu
nome Firmamos o compromisso que as declaraccedilotildees seratildeo utilizadas apenas para fins desta pesquisa e veiacuteculos
de divulgaccedilatildeo cientiacutefica e as gravaccedilotildees e o diaacuterio de campo ficaratildeo sob nossa responsabilidade por um periacuteodo
de 5 anos sendo posteriormente totalmente destruiacutedos
Esperamos que este estudo contribua para reflexatildeo da cirurgia segura sobre a oacutetica dos profissionais que atuam
diretamente na assistecircncia perioperatoacuteria e indiretamente no suporte para o ato ciruacutergico e como essa visatildeo a
partir de suas subjetividades ideologias e praacuteticas influenciam nas estrateacutegias de mudanccedila dos processos de
trabalho para uma assistecircncia ciruacutergica de qualidade e segura para o paciente
Informamos que vocecirc poderaacute solicitar informaccedilotildees e fazer perguntas agraves pesquisadoras caso tenha alguma
duacutevida a qualquer momento do estudo e ainda retirar o seu consentimento sem nenhum ocircnus ou prejuiacutezo
pessoal ou relacionado ao seu trabalho Esclarecemos ainda que vocecirc natildeo teraacute nenhum gasto adicional e nenhum
benefiacutecio financeiro
Recebemos autorizaccedilatildeo da instituiccedilatildeo que vocecirc trabalha para realizar a pesquisa e o projeto foi aprovado pelo
Comitecirc de Eacutetica da UFMG Assim se vocecirc estiver de acordo e as declaraccedilotildees tiverem sido satisfatoacuterias
solicitamos assinar o presente Termo dando consentimento para a sua participaccedilatildeo no estudo supracitado
___________________________ __________________________________
Profordf Drordf Mariacutelia Alves Helen Cristiny Teodoro Couto Ribeiro
Eu _______________________________________ declaro que recebi este Termo de forma voluntaacuteria fui
esclarecido(a) sobre a finalidade da pesquisa e concordo em participar dela sabendo que meu nome natildeo seraacute
divulgado e os resultados seratildeo utilizados apenas para fins cientiacuteficos
___________________________________________________
Assinatura do profissional entrevistado
Belo Horizonte ___ de _________________________ de 2014
APEcircNDICE II
Contato com as pesquisadoras
- Prof Drordf Marilia Alves
Av Alfredo Balena 190 Sl 514 ndash Stordf Efigecircnia
CEP 30130-000 - Belo HorizonteMG
- Helen Cristiny Teodoro Couto Ribeiro
Rua Nicolina Pacheco 600101- Palmares
CEP 31155-680 - Belo HorizonteMG
Telefones 31-3582721431-84375228
E-mail helenctcoutoyahoocombr
Contato Comitecirc de Eacutetica e Pesquisa da UFMG
Av Presidente Antonio Carlos 667 -
Unidade Administrativa II ndash 2ordm Andar sala
2005 Campus Pampulha CEP 31270-901
Belo HorizonteMGTelefone 31-34094592
Email coepprpqufmgbr
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 213
APEcircNDICE II
Roteiro de Entrevista Semiestruturado
Nuacutemero da Entrevista E_________Data ______
Horaacuterio de Iniacutecio ______ Horaacuterio de Teacutermino ______ Duraccedilatildeo _________
Sexo ( ) Masculino ( ) Feminino
Idade _____ anos Estado civil _______________________
Formaccedilatildeo( ) curso teacutecnico ( ) graduaccedilatildeo Aacuterea e escola ________________
Ano eou tempo de formaccedilatildeo __________________
Niacutevel de qualificaccedilatildeo( ) especializaccedilatildeoMBA ( ) mestrado ( ) doutorado
Aacuterea eConclusatildeo _____________________________________
FunccedilatildeoCargo exercido na instituiccedilatildeo _____________________________________
Data de admissatildeo eou tempo de trabalho na instituiccedilatildeo ______________________
Forma de admissatildeo ________________________________________________
Local de atuaccedilatildeo na instituiccedilatildeo _________________ Haacute quanto tempo _________
Carga horaacuteria neste hospital ___________Turno neste hospital _____________
Vinculo com outra instituiccedilatildeo _____________ Haacute quanto tempo _______
1- Como vocecirc percebe o Bloco Ciruacutergico dentro do hospital Como vocecirc pensa que os
profissionais do Bloco percebem o seu setor
2- Como eacute a relaccedilatildeoarticulaccedilatildeointegraccedilatildeo entre os diversos setores e profissionais para a
realizaccedilatildeo de uma cirurgia
3- Descreva para mim as condiccedilotildees de trabalho neste hospital para a realizaccedilatildeo de cirurgias
4- Fale-me sobre seu trabalho no hospital Como ele contribui para a realizaccedilatildeo das
cirurgias Para o Meacutedico Como eacute seu trabalho na realizaccedilatildeo das cirurgias no hospital
5- Na sua experiecircncia quando ocorre uma Cirurgia Segura e quando ocorre uma Cirurgia
Insegura
6- Fale-me sobre a implantaccedilatildeo da Cirurgia Segura neste hospital
Como estaacute sendo utilizado o checklist de cirurgia seguratime out em seu cotidiano de
trabalho
Para os que atuam indiretamente Vocecirc conhece o checklist de cirurgia seguratime out do
hospital Como foi sua implantaccedilatildeo e como estaacute sendo utilizado
7- Como eacute realizada a mensuraccedilatildeo da assistecircncia ciruacutergica
8- Fale-me de uma situaccedilatildeo em que ocorreu um erro ou evento adverso relacionado a
cirurgia em que vocecirc estava envolvido ou ficou sabendo
Qual foi a reaccedilatildeo dos colegas da coordenaccedilatildeo da unidade e da direccedilatildeo do hospital frente
ao evento
Essa situaccedilatildeo foi notificada eou discutida com a equipe
9- Vocecirc gostaria de acrescentar mais alguma coisa
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 214
APENDICE III
Tabela 1 Adesatildeo ao checklist de cirurgia segura por ano de aplicabilidade Belo
Horizonte ndash MG (2010 a 2015)
Ano de
uso
Cirurgias
realizadas (n)
Checklist
aplicados (n)
Adesatildeo
()
Todos os
dias
2ordf a 6ordf feira
07 agraves 16h
Todos os
dias
2ordf a 6ordf feira
07 agraves 16h
Todos os
dias
2ordf a 6ordf feira
07 agraves 16h
1deg 4798 2657 3076 2014 641 758
2deg 5363 3062 2898 1585 540 518
3deg 5116 3093 2944 1532 575 495
4deg 4957 2845 2890 1451 583 510
5ordm 4187 2609 2480 1566 578 600
Total 24421 14266 14288 8148 583 571
Fonte Ribeiro et al (mimeo)
Nota dias e horaacuterio haacute um profissional responsaacutevel pelo preenchimento do checklist de cirurgia segura
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 215
Anexos
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 216
ANEXO I
Parecer Consubstanciado do CEP
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 217
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 218
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 219
ANEXO II
Checklist utilizado no hospital em estudo
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 220
ANEXO III
Quadro de Time Out
Seguranccedila da assistecircncia no perioperatoacuterio integraccedilatildeo de uma complexa rede intra-hospitalar 221
ANEXO IV
Lista de Verificaccedilatildeo de Seguranccedila Ciruacutergica (checklist)