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Capítulo 4
Metodologia
Este estudo segue uma metodologia qualitativa, no quadro do paradigma de investigação
interpretativo. O estudo, cuja calendarização se encontra no anexo 3, estrutura-se em três
estudos de caso elaborados no contexto de um trabalho colaborativo de reflexão sobre a prática,
envolvendo professoras dos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico. O presente capítulo organiza-se em
duas grandes secções: a primeira descreve as opções metodológicas que informam todo o
trabalho e a segunda o modo como este foi concebido e realizado.
4.1. Opções metodológicas
O paradigma interpretativo
Aspectos gerais. A adopção de um paradigma de investigação não é neutra. Por um
lado, é bem conhecido que paradigma e problema se condicionam mutuamente (Strauss &
Corbin, 1990) e que o sucesso de um projecto de investigação supõe, antes de mais, uma
harmonização coerente entre ambos. Por outro lado, às escolhas subjacentes a essa adopção
não é estranha a própria mundividência da investigadora, isto é, o seu modo de olhar o mundo,
incluindo a sua experiência e prática profissional (Dezin & Lincoln, 1994). Mundividência que,
Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo
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por sua vez, acaba sempre por ser influenciada pelo modo como a investigadora se assume
enquanto tal, isto é, pelo paradigma que adopta (Guba & Lincoln, 1994). Assim, a escolha do
paradigma interpretativo teve a ver não apenas com a temática do estudo, mas também com o
tipo de questões que nele pretendia abordar, de natureza aberta, globalizante e compreensiva, e
com a convicção da relevância deste paradigma para o tipo de investigação em Educação que
penso que vale a pena empreender.
O paradigma interpretativo valoriza a explicação e compreensão holística das situações,
o carácter complexo e essencialmente humano da actividade de interpretação do real e o papel
privilegiado que nessa actividade toma o plano da intersubjectividade resultante do encontro e
interacção de múltiplos actores sociais entre os quais se inclui a investigadora. O paradigma
introduz uma dimensão que se distancia dos cânones positivistas clássicos. De facto, não visa o
estabelecimento de relações causa-efeito, não se orienta para a verificação de leis gerais, nem
para a previsão de comportamentos, mas, antes, para o desenvolvimento do conhecimento de
situações inseridas em contexto, conhecimento que assume um carácter plural, feito a muitas
vozes e inevitavelmente fragmentário. Como nota Erickson (1989), o objectivo da investigação
neste paradigma situa-se no “significado humano da vida social e na sua clarificação” (p. 196).
Por isso, contesta a possibilidade da investigadora assumir um ponto de observação externo,
pretensamente neutro. Contesta, igualmente, a supremacia das medidas quantitativas na análise
e a validade universal do método hipotético-dedutivo, usualmente associado às ciências exactas
para a compreensão de fenómenos onde se entrecruza a complexidade das interacções
humanas e dos contextos de vida. Daí que este paradigma transporte algumas das perspectivas
geralmente associadas à pós-modernidade (Lyotard, 1979): a recusa de uma verdade única,
exclusiva, externa, objectiva, cuja fonte definitiva fosse a racionalidade positiva; a
indissociabilidade entre o real, o seu contexto e as mediações através das quais um e outro são
percebidos; o processo sempre aberto de construção e desconstrução das significações.
Do ponto de vista deste trabalho é relevante sublinhar que o paradigma interpretativo se
inscreve na corrente mais ampla da investigação qualitativa (Bogdan & Biklen, 1999). Note-se
que a usual distinção qualitativo/quantitativo tem mais a ver com as opções metodológicas de
fundo acima referidas do que, exclusivamente, com os instrumentos de análise utilizados.
Bogdan e Biklen (1999) enumeram um conjunto de características da investigação qualitativa
que vale a pena reter: (i) o seu carácter descritivo; (ii) a valorização do ambiente natural dos
fenómenos; (iii) a atitude indutiva (parte-se de dados e não de premissas); (iv) a importância
Capítulo 4 – Metodologia
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dada ao processo de investigação (por contraposição à valorização exclusiva dos resultados); e
(v) a importância primordial do significado. Psathas sublinha que o ponto fundamental é o
enfoque naquilo que os sujeitos envolvidos “experimentam, o modo como interpretam as suas
experiências e o modo como eles próprios estruturam o mundo social em que vivem” (1973,
citado em Bogdan & Biklen, 1999, p. 51).
É consensual reconhecer as profundas implicações que o paradigma interpretativo e, de
uma forma mais geral, a abordagem qualitativa, tem tido na investigação em Educação. Woods
(1999) classifica-o como uma verdadeira revolução. Esta revolução passa essencialmente pelos
estudos centrados no professor e nas suas concepções, práticas e desenvolvimento profissional.
A tese de Henrique Guimarães (2003) traça uma breve resenha histórica para explicar como, ao
ultrapassar-se a abordagem comportamentalista, o professor deixa de ser encarado como um
ser reactivo, determinado essencialmente por factores exógenos, para emergir, neste novo
paradigma, na complexidade das suas acções e interacções com outros e com os seus próprios
processos de interpretação das situações e construção de significações. No entanto, diversos
outros trabalhos testemunham o impacto e a fecundidade deste tipo de abordagem na
investigação em Educação Matemática em Portugal. A lista é longa e, inclui, se nos restringirmos
à investigação focada no professor, teses de doutoramento como por exemplo, Santos (2000),
Saraiva (2001), Canavarro (2003), Guimarães (2003), Boavida (2005), Menezes (2005) ou
Guimarães (2005). Em todas se reconhece a importância da proximidade às situações vividas no
quotidiano dos professores e às formas como estas são por eles vividas, interpretadas e
tornadas explícitas.
Ludke e André (1986) sublinham a natureza descritiva dos dados que a investigação
qualitativa permite recolher e a sua capacidade de “focar a realidade de forma complexa e
contextualizada” (p. 18). A análise de narrativas e os estudos de casos são, por certo, os dois
tipos de abordagem mais comuns, dentro do paradigma interpretativo, para alcançar estes
objectivos. A pesquisa narrativa procede pela composição e interligação, num determinado (e
muitas vezes longo) horizonte temporal, de acontecimentos, acções, processos e contextos,
construindo desse modo uma história na qual o sujeito emerge e se (re-)interpreta (Huberman,
Thompson & Weiland, 1997; Polkinghorne, 1995). O ponto de partida é o próprio facto de todos
os quotidianos estarem povoados de narrativas que contamos e re-contamos, por vezes para nós
próprios, num processo onde as significações essenciais da vida se produzem. Escreveu Barthes
(1979): “inumeráveis são as narrativas do mundo”. A tese de Guimarães (2005) é exemplo de
Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo
100
uma análise narrativa-biográfica que, através da construção de uma história de vida, estuda o
desenvolvimento profissional de uma professora de Matemática.
O estudo de caso é um tipo de abordagem de investigação que procede por um registo e
análise intensivo e holístico de uma dada situação ou fenómeno empírico (Merriam, 1988, Yin,
1989, Stake, 1994). De acordo com a classificação proposta em Stake (1994) um estudo de
caso pode ser intrínseco (quando o seu foco é a situação particular que se pretende estudar),
instrumental (quando o caso é usado como meio de compreensão de uma problemática mais
vasta) ou agregado (quando procede por agregação de vários casos instrumentais). Comum a
todos é o carácter empírico do estudo, a prevalência da perspectiva interpretativa (o “como” e o
“porquê” referidos em Yin (1989) como as questões de interesse), o elevado nível de
aprofundamento e detalhe, o contacto directo e geralmente prolongado no tempo com as
situações e pessoas em causa e a perspectiva dinâmica que não se fecha sequer às evoluções
imprevisíveis das situações. O estudo de caso, preocupa-se com procura daquilo que nessa
situação particular surge como único e fundamental contribuindo, assim, para uma melhor
compreensão dos fenómenos ou situações em análise (Ponte, 2006).
O paradigma interpretativo, seja qual for a abordagem concreta em que se realiza, tem
implicações concretas no modo como se entende o papel da investigadora e como se avalia a
credibilidade dos resultados. Considere-se brevemente cada um destes pontos.
O papel da investigadora. Como acima se referiu, a investigação interpretativa concede
um lugar amplo à intersubjectividade. Isso significa que o desenho de uma nítida linha de
fronteira entre aquele que estuda e aquilo que se estuda está longe de ter a centralidade que
tem, por exemplo, nas ciências exactas. Pelo contrário, a investigadora situa-se no interior do
processo onde a investigação decorre. Mais até, o lugar do estudo é o da intersubjectividade que
se estabelece entre ela e as outras pessoas envolvidas. Os próprios papéis sociais acabam por
ser confrontados e (re-)determinados pela dinâmica das interacções. No limite, não deixa de ser
válido o aforismo de Barthes (1979): “o verdadeiro lugar da originalidade não está no outro, nem
em mim, mas na relação que conseguirmos estabelecer” (p. 51).
Esta perspectiva do papel da investigadora e da sua relação com as outras pessoas
envolvidas no estudo, levanta questões de alguma complexidade ao nível não só da credibilidade
do estudo, que abordarei de seguida, mas também da pragmática do processo de investigação.
McCracken (1988) alerta para o facto de uma excessiva intimidade entre investigadora e
participantes ser criadora de significações e poder conduzir à viciação das observações
Capítulo 4 – Metodologia
101
(comprometendo, por exemplo, a espontaneidade dos discursos) ou mesmo a um enviesamento
dos caminhos. No entanto, independentemente da intimidade entre investigadora e
participantes, os próprios sentimentos e preconceitos da investigadora podem originar
enviesamentos (Bogdan & Biklen, 1999). A proximidade leva a que a investigadora experimente
alguns dos sentimentos dos participantes e construa desse modo uma certa empatia com eles.
Mas importa ter consciência que “passar a fazer parte de um grupo significa partilhar as
reacções dos seus membros” (Bogdan & Biklen, 1999, p. 133).
Guimarães (2003) retoma uma metáfora muito usada em investigação qualitativa – o
investigador como instrumento – para enfatizar a importância das características pessoais e da
experiência do investigador (Evertson & Green, 1986; Gans, 1982). Como sublinha Ponte
(2006), a perspicácia do investigador na observação e a pertinência na análise são
características fundamentais para o sucesso da investigação. Por outro lado, se a investigadora
(sua personalidade, expectativas e experiência) é participante do estudo, esta presença deve ser
explicitada e discutida por todos e equacionada instrumentalmente em função dos objectivos
propostos e das questões de investigação. Segundo Bogdan e Biklen (1999), a investigadora
pode aproveitar os seus sentimentos no sentido de clarificar e compreender as perspectivas dos
outros. Pode fazê-lo, por exemplo, exprimindo os seus sentimentos no sentido de perceber se os
participantes também sentem ou já sentiram o mesmo, perante uma manifestação da
investigadora podem-se sentir levados a manifestar-se também e assim constituir mais uma
oportunidade de reflexão.
Uma área que merece uma atenção muito particular em investigação qualitativa e na
qual a investigadora tem um papel determinante é a que se relaciona com os aspectos de
natureza ética envolvidos. Insere-se aqui a necessidade de obter um consentimento informado
dos participantes. Como escreve Santos (2000) “as regras do jogo devem ser claras e, em
última análise, negociadas” (p. 190). Além disso, é preciso considerar eventuais implicações
para os participantes ou para terceiros do acesso público ao estudo e a existência de um
benefício partilhado entre investigadora e participantes. Qualquer dos termos do acordo
estabelecido deve ser respeitado pelo investigador em qualquer fase do processo de
investigação. Por exemplo, a investigadora em caso algum deve colocar um gravador sem que
seja do consentimento de todos os intervenientes. Um ponto fundamental tem a ver com a
negociação da esfera de privacidade a resguardar. A utilização de pseudónimos ajuda a proteger
a identidade do sujeito (Bogdan & Biklen, 1999; Merriam, 1988), mas revela-se por vezes
Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo
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insuficiente. Santos (2000), por exemplo, alerta para o facto de o anonimato, obtido através do
recurso a pseudónimos, não ser efectivo se, de uma forma não controlada pelo próprio, o
participante se sentir exposto mais do que aquilo que é “reconhecido pelo próprio como
característico de si e não pertencente ao seu foro íntimo” (p. 191). Igualmente relevante do
ponto de vista ético é a auto-inibição da investigadora na emissão de juízos de valor sobre o
objecto de estudo (Fontana & Frey, 1994), assumindo posturas mais avaliativas que
interpretativas. A consciência destes riscos por parte da investigadora e a explicitação entre
todos dos objectivos do estudo são condições essenciais para os evitar. Um outro aspecto ético
relevante numa investigação tem a ver com fidelidade aos dados obtidos. A investigadora tem
necessariamente que se cingir ao que recolheu com toda a autenticidade, mesmo que os
resultados possam parecer contrários aquilo que desejava (Bogdan & Biklen, 1999). Todos os
aspectos éticos a considerar no processo e no produto da investigação são regidos por um
profundo respeito, respectivamente, pelos participantes e pela comunidade.
Credibilidade. Pela sua própria natureza, a fonte de legitimação científica de
investigações conduzidas neste paradigma é necessariamente distinta da adoptada nas ciências
exactas ou mesmo nas abordagens de carácter mais circunscrito e quantitativo em ciências
humanas. Não se trata aqui de verificar hipóteses ou a aplicabilidade de pressupostos teóricos
previamente estabelecidos. Não se trata sequer de buscar resultados imediatamente
generalizáveis através de procedimentos canónicos – por exemplo, por intervenção na
representatividade das amostras).
O paradigma interpretativo é, essencialmente, indutivo, no sentido lato (não estritamente
técnico) da palavra: parte-se da realidade empírica que se procura compreender e não de
premissas a verificar (Goetz & LeCompte, 1984). A credibilidade dos seus resultados baseia-se
assim (i) na validade conceptual que supõe a caracterização dos conceitos-chave e dos critérios
de classificação de dados (Ponte, 2006); (ii) na construção progressiva de um património de
conhecimentos que aos poucos vai permitindo a emergência de explicações de carácter menos
particular; (iii) na postura da investigadora, que clarifica no início as suas motivações e
concepções de modo a tornar explícito o seu impacto no estudo (Denzin, 1989); (iv) no
envolvimento dos participantes no próprio processo interpretativo (Goetz & LeCompte, 1984),
factor este associado à validade interna que Ponte (2006) refere como essencial para validar o
estudo, em que as conclusões reflectem a realidade reconhecida pelos participantes e não
apenas pela investigadora (Ponte, 2006); e (v) na validade externa, ou seja, na comparabilidade
Capítulo 4 – Metodologia
103
com outros estudos (Erikson, 1989; Ludke e André, 1986) o que, ainda segundo Goetz e
LeCompte (1984) supõe a definição clara dos objectivos, limites e métodos de cada um.
Investigação em contexto colaborativo
Uma segunda opção metodológica deste estudo foi a adopção de uma abordagem que
envolvesse investigadora e participantes num projecto comum que permitisse olhar a prática e
interpretá-la de forma interactiva e continuada. A forma encontrada foi a de realizar um trabalho
colaborativo que proporcionasse a reflexão e a acção sobre a prática no quadro geral do estudo
da comunicação na sala de aula. Neste trabalho, os seus objectivos, estrutura e dinâmica foram
discutidas e definidas em conjunto. A dinâmica da investigação que originou a presente
dissertação, desenvolveu-se ao longo desse processo.
Se se quiser situar esta opção num quadro mais amplo, será pertinente referir a noção
de investigação participativa (Gaventa, 1988; Gayfer, 1992) que propõe um envolvimento
efectivo das pessoas sobre as quais a investigação incide na própria produção de conhecimento.
Esta linha recolhe intuições facilmente reconduzidas a autores como Paulo Freire e à
investigação em Educação de Adultos nas décadas de 60 e 70 (Vieira, 2004). Freire (1975)
estabelece um paralelo entre a educação pelo diálogo e a investigação considerando que esta
tem que ser “igualmente dialógica” (p. 125). Aponta mesmo para uma metodologia quando se
pretende “investigar o pensar dos homens referido à realidade, investigar seu actuar sobre a
realidade” (p. 141): “A metodologia que defendemos exige, por isto mesmo, que, no fluxo da
investigação, se façam ambos sujeitos da mesma – os investigadores e os homens do povo que,
aparentemente, seriam seu objecto” (p. 141).
Re-situando-nos, porém, no contexto específico desta dissertação, importa sublinhar que
a colaboração entre professores e investigadores, tem sido cada vez mais valorizada como
processo transformador em Educação (NCTM, 1994; Tinto, Shelly & Zarach, 1994). Ponte
(1995) refere, por exemplo, a necessidade de formas de cooperação entre professores e
investigadores em torno de projectos de desenvolvimento curricular em que os professores
assumam protagonismo, desempenhando um papel activo na investigação. De facto, estes não
podem ser vistos como meros executores. Têm a sua própria vivência profissional, com as
dificuldades, alegrias e constrangimentos, e é essa realidade que importa conhecer e
compreender (Ponte, 1992; Schön, 1987). Ponte (2002) refere ainda que a investigação sobre a
Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo
104
própria prática pode ser vista como um meio privilegiado de desenvolvimento profissional para
os professores envolvidos.
Uma compreensão mais alargada e profunda dos assuntos efectivamente relevantes na
investigação em Educação pode ser, assim, obtida, através da colaboração (Ponte & Boavida,
2004; Ponte & Santos, 1998). A articulação entre professores e investigadores “empenhados no
propósito comum de aprofundar o conhecimento sobre a natureza do processo de ensino-
aprendizagem desta disciplina, tendo em vista o sucesso de todos os alunos, poderá ser um
contexto particularmente favorável para o aprofundamento do conhecimento neste domínio”
(Ponte & Santos, 1998, p. 30). Uma preocupação semelhante está presente em Bednarz,
Desgagné, Couture, Lebuis e Poirier (1999).
A importância que neste trabalho assume a problemática da colaboração vai muito além
do que seria expectável de uma mera opção metodológica. Tal justifica que esta dissertação lhe
tenha dedicado um capítulo autónomo. A secção seguinte descreve o modo como este estudo foi
concebido, isto é, o modo como se pretenderam concretizar as opções metodológicas aqui
enunciadas.
4.2. Concepção e desenvolvimento do estudo
Concepção do projecto
A investigação estrutura-se em três estudos de caso elaborados no contexto de um
trabalho colaborativo de reflexão sobre a prática, envolvendo professoras dos 2.º e 3.º ciclos do
ensino básico. Trata-se, assim, de uma investigação empírica que investiga cada professora
dentro de um contexto real. Na classificação de Stake (1994), trata-se de um estudo agregado,
dado corresponder ao estudo de vários casos instrumentais. Apesar de cada caso gerar
evidências próprias, todos acabam por ser referentes a uma mesma “história”: a do projecto que
reuniu três professoras e uma investigadora.
A investigação é conduzida pelas questões originalmente colocadas (as questões de
investigação), mas estas são ajustadas e repostas através do desenrolar do projecto de trabalho
Capítulo 4 – Metodologia
105
colaborativo (Evertson & Green, 1986). Assinale-se ainda que os factores de contexto não estão
totalmente controlados nem são deliberadamente excluídos do estudo.
Em cada um dos estudos de caso procurei fazer, logo de início, um levantamento das
concepções e preocupações da professora em torno da comunicação na sala de aula. Tentei
igualmente perceber quais as suas expectativas em relação ao projecto (na fase inicial), bem
como o balanço feito desse envolvimento (na fase final). Ao longo de todo o processo, uma
atenção particular foi dada à sua participação no projecto e à sua reflexão sobre o desempenho
profissional na sala de aula. Deste modo recolhi elementos que ajudassem a perceber de que
forma o envolvimento num projecto de colaboração, onde professores assumem o papel de
investigadores que se debruçam sobre problemas da sua própria prática, pode influenciar essa
mesma prática. Pretendi também contribuir para uma melhor compreensão das concepções,
dificuldades e práticas dos professores relativas à comunicação matemática na sala de aula e à
reflexão que sobre elas produzem.
Para o desenvolvimento do projecto colaborativo, que se detalha numa próxima
subsecção, procurei criar uma relação de trabalho conjunto contando com um envolvimento
idêntico das professoras e da investigadora. Num trabalho colaborativo entre professores e
investigadores é muito importante o diálogo (Clark e tal., 1996). No entanto, o diálogo por si só
não é suficiente; supõe-se ainda o respeito mútuo, a partilha de objectivos, a consideração dos
diversos valores dos participantes e uma boa parcela de trabalho comum (John-Steiner, Weber &
Minnis, 1998). Segundo estes autores, numa verdadeira colaboração, os diferentes elementos
partilham diferentes “leituras” de situações e experiências. Tal diversidade vai criar a estrutura
original de trabalho, que reflecte a mistura das contribuições dos vários participantes. Estas
contribuições podem basear-se no conhecimento, nas dificuldades ou dúvidas. Como refere
Olson (1997) “é a pessoa que deve ser valorizada, e não o seu conhecimento ou estatuto” (p.
21). Segundo a mesma autora, é importante que cada participante aprenda sobre si próprio, os
outros e os assuntos de trabalho, mas não é necessário nem possível que todos aprendam o
mesmo. Todos estes aspectos se podem enquadrar num só, referido por Drake e Basaraba
(1997), a saber, a necessidade de cuidar do espaço de colaboração. Nesse cuidar, pode-se
incluir a confiança, o compromisso, a honestidade e o respeito. Um tal ambiente inspira
segurança e conforto para quem nele se envolve.
Assim, e de acordo com tudo o que foi referido, com o projecto de investigação realizado
com as professoras, procurei criar uma oportunidade de discussão, experiência e partilha num
Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo
106
ambiente estimulante e cuidado, tendo como propósito comum aprofundar o conhecimento, no
sentido de contribuir para o desenvolvimento profissional de cada uma.
Participantes e projecto
A escolha. Um trabalho que privilegia a colaboração tem condições mais favoráveis para
se desenvolver a partir de um pequeno grupo de intervenientes. Assim, propus-me trabalhar com
duas ou três professoras de Matemática. A escolha das participantes não foi um processo linear,
tendo a constituição do grupo sofrido alterações ao longo do processo, conforme se detalha no
próximo capítulo.
Considerando que o projecto colaborativo proposto correspondia a um trabalho exigente,
um dos critérios de selecção requeria que as professoras envolvidas tivessem vivências comuns
e facilidade para se encontrarem. Assim, o facto de trabalharem na mesma escola parecia, à
partida, um elemento facilitador do processo. Deste modo, as participantes que constituíram o
objecto de análise deste estudo, foram as três professoras, Carla1, Eva e Maria que se
encontram a leccionar na mesma escola. Duas professoras do 3.º ciclo, Carla e Eva, ambas com
45 anos e cerca de 23 anos de serviço. A outra, Maria, é professora do 2.º ciclo, tem 52 anos de
idade e 31 de serviço.
Em toda a fase de recolha de dados, o papel da investigadora foi de observadora
participante, uma vez que fazia parte do grupo de trabalho e que foi este o objecto de análise do
presente estudo. Importa destacar que cada um dos participantes tinha conhecimento, desde a
sua inserção no grupo, dos objectivos do estudo bem como do envolvimento da investigadora de
forma interactiva. Também era do conhecimento dos participantes que os produtos resultantes
do trabalho seriam dados a conhecer e discutidos podendo necessitar de reformulações
posteriores.
Projecto. Como atrás referi, este projecto centra-se na problemática da comunicação
matemática na sala de aula. Na sua génese, porém, está o interesse manifestado por todas as
participantes em desenvolver um trabalho colaborativo.
Em traços gerais estava previsto que o grupo fosse construindo uma reflexão sobre as
aulas, mas sempre com um olhar especificamente voltado para os aspectos que interferem com
1 Este, como todos os outros nomes de professores, alunos ou familiares que são referidos neste estudo, correspondem a pseudónimos.
Capítulo 4 – Metodologia
107
a comunicação na sala de aula. Procurar-se-iam identificar os factores que facilitam ou
bloqueiam essa comunicação, em particular no que se relaciona com o tipo de tarefas
propostas, os materiais utilizados e os modos de organização dos alunos. Todo o projecto
pretendia centrar-se no estudo do papel do professor e para isso considerava à partida relevante
a identificação do tipo de dificuldades encontradas pelo professor.
As actividades que se planearam realizar incluíam:
Discussão de tópicos considerados relevantes pelos elementos do grupo;
Discussão de artigos;
Planificação de aulas e de tarefas;
Reflexão sobre as práticas;
Preparação de divulgação do trabalho.
Pretendia ainda que a responsabilização pelas reuniões fosse repartida pelos vários
elementos do grupo. Em particular, que fosse elaborada uma calendarização em grupo e que a
preparação, coordenação e a elaboração de uma síntese de cada reunião contasse com um
responsável.
Previa, também, a organização de um arquivo com todo o material que fosse
considerado relevante para o grupo, por exemplo, artigos, transcrições de aulas e documentos
oficiais. Incluiria aqui igualmente materiais já utilizados ou possíveis de utilizar no futuro, em sala
de aula, de modo a constituir um instrumento a que se poderia recorrer sempre que necessário.
Três fases pareciam necessárias para a elaboração do projecto. Uma primeira de
planificação conjunta, uma segunda fase de desenvolvimento do projecto propriamente dito e,
por fim, uma fase de síntese e divulgação dos resultados.
Este projecto colaborativo para o qual desafiei as três professoras, apesar de ter sido
elaborado a partir de uma ideia por mim lançada, tinha um pressuposto inicial que consistia em
ser considerado genuinamente um trabalho em comum. Consequentemente, tudo tinha que
partir de um consentimento de todas. Não na qualidade de investigadora mas na qualidade de
elemento do grupo, colocava a minhas propostas à consideração do grupo.
O desenvolvimento do projecto, constituiu o pano de fundo para o desenvolvimento
deste estudo. A articulação entre o projecto colaborativo e o projecto de investigação que dele se
alimenta esteve, desde o início, muito clara.
Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo
108
As secções que se seguem detalham os processos de recolha e análise de dados.
Chama-se a atenção do leitor para o facto de que a descrição detalhada do percurso do projecto
e sua vivência no grupo ser feita no capítulo 5.
Recolha dos dados
Processo. Antes de iniciar o processo de recolha de dados, e depois das professoras
Carla e Eva terem aceite nele participar, contactei o conselho executivo da escola no sentido de
lhe solicitar autorização para o desenvolvimento do projecto. Depois de uma explicação breve do
estudo e os seus objectivos, o presidente do conselho executivo manifestou-se inteiramente
disponível desde que as professoras estivessem de acordo. Revelou-se satisfeito com a proposta
de organizarmos um documento a apresentar no conselho pedagógico e chamou à atenção de
que os alunos e respectivos encarregados de educação deveriam estar informados sobre a razão
da presença da investigadora na sala de aula e das respectivas gravações. Importa referir que a
escola disponibilizou uma sala para o desenvolvimento do trabalho do grupo.
O processo de recolha de dados teve início em Fevereiro de 2004 a partir de conversas
informais com Carla e Eva. As técnicas utilizadas foram a observação e as entrevistas. A
proximidade construída ao longo do tempo entre a investigadora e as participantes foi potenciada
por essas técnicas. A proximidade tornou-se um factor relevante para a leitura e percepção da
realidade do ponto de vista das participantes.
A observação é uma técnica de recolha de dados usual em estudos interpretativos.
Tanto Bogdan e Biklen (1999) como Merriam (1988) elegem a observação participante como o
melhor processo de recolha de dados em estudos de caso. Diversos autores distinguem entre
dois extremos: quando o observador é totalmente participante (membro integrante do grupo
observado) e quando é um espectador. Merriam (1988) sublinha, no entanto, que estes
extremos raramente existem em estudos de caso. Entre eles distingue dois tipos de observação
participante, de acordo com o grau de envolvimento do observador com os observados: o
participante como observador e o observador como participante. Se ocorre em contexto natural,
a observação toma contornos naturalistas (Adler & Adler, 1994).
No caso deste estudo, a investigadora recorreu a uma observação participante, dado que
o processo de observação está mergulhado na interacção da investigadora com os participantes
e estes estão conscientes dos objectivos do estudo (Ludke & André, 1986). Essa observação
Capítulo 4 – Metodologia
109
realizou-se em diferentes contextos, nomeadamente, aulas, reuniões e encontros informais.
Note-se que há diferenças entre a observação em contexto-aulas e a observação em contexto-
reuniões/encontros informais. Em relação ao contexto aulas, a investigadora aproxima-se mais,
segundo a classificação de Merriam (1988), do observador como participante dado que a sua
participação é secundária para a recolha de dados. Em relação aos outros contextos, o papel do
observador tende para o de participante como observador tendo em conta que as actividades de
observação são de certa forma subordinadas ao seu próprio papel como participante. Neste tipo
de abordagem o sistema de recolha de observações é descritivo, geralmente feito a partir de
notas de campo e gravações áudio, instrumentos utilizados com frequência pela investigadora
durante todo o processo de recolha de dados.
A entrevista é uma técnica de recolha de dados comum a muitos estudos qualitativos,
em particular quando se pretende conhecer e compreender a actividade e pensamento humano
(Fontana & Frey, 1994; Goetz & LeCompte, 1984). Corresponde a uma técnica alternativa à
observação e torna-se particularmente útil para um estudo individualizado de elementos de um
mesmo grupo (Bogdan & Biklen, 1999). Em particular, fornece informações relevantes para a
construção do historial de cada professora e permite conhecer as suas expectativas
relativamente aos alunos, profissão ou ao próprio projecto (Goetz & LeCompte, 1984). A
entrevista permite aceder, por exemplo, a episódios da vida profissional que cada uma considera
mais significativos, experiências que a marcaram positivamente ou negativamente, frustrações e
dificuldades. Quando são solicitadas opiniões, durante uma entrevista, tanto as posições
individuais como as partilhadas tornam-se mais evidentes.
Neste estudo foi utilizada a entrevista semi-estruturada que permite que se crie um
ambiente natural, que se aproxima de uma conversa. Este tipo de entrevista fornece uma grande
ajuda para obter dados de forma paralela e comparável entre vários sujeitos (Bogdan & Biklen,
1999). Nesse sentido, foi previamente elaborado um guião com as questões que se pretendiam
colocar às professoras. No entanto, foi tida em conta a importância da investigadora não se
encontrar presa ao guião, podendo alterar a sua ordem, omitir questões que já estivessem
contempladas ou perdido relevância ou ainda acrescentar outras questões que surgissem ao
longo da conversa. Tal como sublinham Bogdan e Biklen (1999), quando a entrevista é muito
controlada pelo entrevistador, se “o sujeito não consegue contar a sua história pelas suas
palavras, a entrevista ultrapassa o âmbito qualitativo” (p. 135). Na terminologia de Powney e
Watts (1987), as entrevistas de um estudo podem ser orientadas para a informação ou
Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo
110
orientadas para a resposta. Adoptando essa terminologia, apesar de no guião estar um conjunto
de questões que a investigadora gostaria de ver contempladas, o objectivo primordial não era
conduzir, mas sim deixar fluir uma conversa no sentido de obter informação o mais alargada
possível dentro das temáticas definidas.
Durante o processo de recolha de dados, como os objectivos são conhecidos à partida
pelas participantes, estas podem ter um papel fundamental, estando sempre informadas sobre o
processo, e podem ler e criticar todos os produtos realizados. De seguida, refiro de forma mais
detalhada cada um dos contextos que serviram de suporte à recolha de dados que foram
utilizados neste estudo.
Contextos
1. Encontros informais. São uma forma de estabelecer um contacto mais próximo entre
a investigadora e as professoras, em que não são fixadas quaisquer regras, facilitando assim o
trabalho em colaboração. Estes encontros ajudaram a investigadora a identificar áreas de
interesse profissionais de forma a poder estabelecer propostas de trabalho. Após cada um
destes encontros e por vezes durante, a investigadora registou em notas de campo a maior
quantidade de informação possível. No entanto, a escrita dos casos recorre com pouca
frequência a notas de campo. Perante uma transcrição de uma afirmação gravada e uma nota
de campo a investigadora optou pela primeira, dada a sua maior fiabilidade.
2. Entrevistas semi-estruturadas. Cada professora foi sujeita a duas entrevistas, uma no
início do projecto e a outra no final. A primeira entrevista procurou recolher informação
relativamente às suas concepções e preocupações no que diz respeito à temática do projecto
colaborativo bem como as expectativas que nele colocavam. A segunda entrevista constituiu uma
recolha de dados sobre o que para o professor foi importante ou penoso na participação no
projecto. Esta entrevista também constituiu uma fonte de informação sobre a visão que cada
professora tem de si própria tanto no que se refere ao seu papel no desenvolvimento da
comunicação na sala de aula bem como no que diz respeito ao seu envolvimento e contribuição
para o desenvolvimento do projecto. Foi também dada uma particular atenção a aspectos que
cada uma sentia que tinha ou não alterado no modo de ver e actuar na sua prática bem como
as dificuldades sentidas nessa mesma concretização.
As entrevistas foram individuais, duraram entre hora e meia e duas horas e seguiram
um guião previamente estabelecido (ver Anexos 1 e 2). Foram sujeitas a gravação áudio e,
Capítulo 4 – Metodologia
111
simultaneamente, a investigadora tomou breves anotações. O guião, tal como foi referido acima,
serviu de orientação à investigadora, nunca correspondendo a uma camisa de forças a ser
obedecido rigorosamente. No início de cada entrevista foi lembrada a presença do gravador bem
como garantida a confidencialidade. As dimensões reduzidas do gravador (10x6x1,5 cm) e a sua
colocação na mesa, sem estar muito próximo das professoras, facilitou a naturalidade da
entrevista, pois tornava-se um elemento possivelmente esquecido, ou pelo menos, não
intimidador. As notas de campo da investigadora, foram na sua maioria tomadas no final da
entrevista. Pequenas anotações simbólicas foram colocadas no próprio guião durante a
entrevista. No final a investigadora procurou registar nas notas de campo: momentos cujas
expressões da professora foram mais sugestivas, a forma como estava sentada, a forma como
olhava para a investigadora, o estado de espírito com que respondia a determinadas questões, a
indecisão que colocava numa ou outra resposta, etc. Estas notas tomaram assim contornos
interpretativos e apreciativos, revelando-se úteis para a análise da entrevista.
A investigadora procurou que fosse criado um ambiente de à-vontade para que os
entrevistados falassem livremente dos seus pontos de vista. Para isso, tomou várias medidas,
entre as quais realizar a entrevista no local à escolha de cada entrevistada assegurando, no
entanto, um espaço onde a probabilidade de se ser interrompido fosse reduzida. Um dos locais
escolhido para a primeira entrevista por Eva e Carla foi a Universidade (por sugestão de Eva,
argumentando que na escola estava demasiado barulho e havia poucos espaços disponíveis),
pelo que a investigadora escolheu uma sala de aula e uma mesa de trabalho de alunos, espaço
este familiar a ambas (entrevistada e entrevistadora), de experiências anteriores. Importa
salientar que estas duas entrevistas decorreram em Fevereiro, na época de exames da
Universidade pelo que foi fácil arranjar uma sala disponível. A investigadora marcou como local
de encontro, antes dessas duas entrevistas, na escola e juntas se deslocaram para a
Universidade. Os restantes locais escolhidos foram respectivamente: a casa de Eva para a
segunda entrevista e a escola para a segunda entrevista de Carla e as duas de Maria.
A investigadora antecedeu cada entrevista de uma pequena conversa informal
procurando assim não provocar uma situação desconfortável, quer para a entrevistada quer para
a entrevistadora. A investigadora procurou, durante todo o tempo da entrevista, adoptar uma
postura atenta, continuar no registo da conversa anterior, olhar o mais possível para a
entrevistada e conciliar isso com uma atitude descontraída.
Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo
112
Ainda com o objectivo de cuidar do ambiente da entrevista, a investigadora procurou
seleccionar o tipo de questões mais adequadas. Por um lado, evitou perguntas que conduzissem
a respostas do tipo sim/não e, quando por vezes isso ocorria, formulava imediatamente outra
pergunta que a completasse. Por outro lado, colocou questões de pormenor no sentido de
completar determinado relato, clarificar determinadas histórias e compreender melhor as
opiniões do professor. Este tipo de questões mais cirúrgicas revela atenção e interesse naquilo
que o entrevistado está a dizer e exige do entrevistador uma capacidade de escuta apurada.
Previa-se no final da transcrição de cada entrevista, esta ser sujeita à leitura da
entrevistada. Pretendia-se que esta fizesse uma revisão do que disse, eventualmente corrigisse e
acrescentasse algum aspecto se o entendesse. Este processo foi seguido na primeira entrevista
de Carla e Eva. No entanto, dada a grande extensão que cada entrevista alcançou, tornou-se um
processo moroso, desgastante para as professoras e pouco proveitoso. Por esta razão, não se
repetiu na segunda entrevista destas duas professoras nem nas entrevistas de Maria.
3. Reuniões de trabalho conjunto. Essas reuniões foram momentos essenciais da
investigação, tendo lugar quinzenalmente ao longo de ano lectivo e meio, respeitando as
interrupções escolares. Constituíram o espaço principal de trabalho conjunto dentro da
investigação. Os conteúdos foram muito diversificados, incluindo, por exemplo, discussão de
textos/tópicos relacionados com a temática, criação de instrumentos de trabalho para a sala de
aula, planificação de aulas, discussão das experiências já realizadas, reflexão e análise de aulas.
Nas reuniões, para além das notas de campo, utilizaram-se gravações áudio. As notas de campo
referentes às reuniões constituíram uma mais valia para suporte do processo de transcrições.
Complementavam, por exemplo, a análise das transcrições sobretudo com elementos que o
gravador não conseguia captar, tais como, desenhos, esquemas e notações matemáticas.
4. Observações de aulas. Para o conteúdo da investigação proposta – a comunicação
estabelecida na sala de aula de Matemática – o contexto assume grande importância (Pereira,
1991). Nesse sentido, a observação e discussão das aulas constituíram um elemento de recolha
de dados essencial. Logo no início a investigadora solicitou a cada professora a autorização para
a observação de aulas e cada uma das três aceitou sem qualquer tipo de objecção ou restrição.
As turmas e as aulas sujeitas a observação foram seleccionadas pela professora envolvida. Por
vezes, outro elemento do grupo avançava uma sugestão, mas a decisão final era sempre da
professora. Essa aprovação correspondia essencialmente a uma aceitação da pertinência da
Capítulo 4 – Metodologia
113
aula para o desenvolvimento do trabalho conjunto. Assim, essas aulas foram seleccionadas, em
última instância, tendo em conta as necessidades sentidas pela respectiva professora.
As aulas, tal como estava acordado, foram sempre objecto de discussão nas reuniões de
trabalho conjunto, depois de seleccionados os episódios e transcritos. As aulas observadas
foram sujeitas a gravação áudio de forma integral e a investigadora escreveu notas de campo
que complementaram as gravações. Logo após cada aula a investigadora e a professora
envolvida comentavam a aula e anotavam alguns aspectos que consideravam mais relevantes
para a discussão ou que traduzissem alguma dificuldade encontrada pela professora, saindo daí
uma orientação para a selecção dos episódios a transcrever. A investigadora ouvia toda a
gravação e transcrevia todos os episódios que se enquadrassem nos aspectos elencados.
Tal como foi referido acima, a investigadora recorreu a uma observação participante, o
que pode ser percebido na postura adoptada tanto nas reuniões como nas aulas. Nas reuniões,
a investigadora participava, assumindo-se desde o início como mais um elemento do grupo. O
facto das professoras saberem exactamente aquilo que se pretendia observar durante as aulas e
os aspectos que seriam objecto de discussão no grupo, torna claro que a observação foi
assumidamente participante.
As notas de campo percorreram todo o estudo. De forma sistemática, a investigadora
tomava notas durante e após as reuniões, aulas e entrevistas. Tomava também notas após os
encontros informais onde se incluíram alguns telefonemas. As notas, serviram, por vezes, de um
precioso complemento à análise de dados.
A investigadora procurou proceder às transcrições tão depressa quanto possível para
minimizar o perigo do esquecimento. Para a transcrição das duas primeiras entrevistas a da
primeira reunião recorreu a ajuda exterior o que atrasou ligeiramente o processo. No caso da
reunião, a transcrição tornou-se mais complicada dado o cruzamento de vozes e a
simultaneidade da fala. Para a transcrição era útil o conhecimento das vozes respectivas bem
como a percepção e conhecimento dos assuntos em causa. Por esta razão a investigadora optou
por fazer as restantes transcrição sem ajuda. O tempo gasto a fazer as transcrições revelou-se,
por vezes, excessivo, mas foi-se reduzindo com a experiência. Com a evolução da investigação, e
a concomitante análise de dados, a investigadora tornou-se mais selectiva naquilo que
transcreveu. Foi deixando cair aspectos laterais com mais firmeza e a própria velocidade de
escrita melhorou muito: de mais de 24 h por cada hora de gravação no início, acabou por
demorar cerca de 8 horas por cada hora de gravação.
Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo
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Como síntese da dinâmica de recolha de dados que esteve por detrás deste estudo,
apresenta-se de seguida uma tabela (4.1.) onde se representam, de uma forma mais
sistemática, os processos de recolha de dados e os instrumentos utilizados. Apresenta-se ainda
na mesma tabela a codificação dos dados obtidos de cada um dos contextos referidos. A recolha
de dados cingiu-se quase na totalidade aos períodos apresentados na tabela indicada.
Importa acrescentar que o facto do grupo continuar a reunir, após o termo formal do
projecto permitiu clarificar um ou outro aspecto aquando da escrita desta dissertação. Por outro
lado, no entanto, não permitiu criar um distanciamento dos sujeitos que se tornaria porventura
útil no momento da escrita.
Tabela 4.1. Períodos de recolha de dados correspondente a cada professora e codificação do material obtido
Carla Eva Maria De Fev. 2004 a Set. 2005
De Fev. 2004 a Set. 2005
De Março 2005 a Set. de 2005 Encontros informais
NC: Notas de campo (presentes também nos restantes contextos). Fev. 2004 (EC1) Set. 2005 (EC2)
Fev. 2004 (EE1) Junho 2005 (EE2)
Março 2005 (EM1) Julho 2005 (EM2) Entrevistas semi-
estruturadas TEXn: Transcrição da entrevista n da professora X.
De Março de 2004 a Setembro de 2005
De Março de 2004 a Setembro de 2005
De Março de 2005 a Setembro de 2005 Reuniões de trabalho
conjunto TRn: Transcrição da reunião n (de 1 a 25).
De Junho de 2004 a Junho de 2005
De Junho de 2004 a Junho de 2005
De Abril de 2005 a Junho de 2005.
Observação de aulas Episódios de aulas que estão identificadas as aulas sem codificação. TAXn: Transcrição da aula n da professora X.
Análise de dados
O objectivo da análise de dados é interpretar todo o material recolhido, dar-lhe sentido
para poder ser comunicado aos outros de forma organizada e clara. A recolha e a análise de
dados podem andar a par numa investigação qualitativa. A análise, tal como aponta Merriam
(1988) tem o seu início logo na primeira entrevista ou primeira observação. Desta primeira
análise podem mesmo resultar novas propostas para a subsequente recolha de dados ou até
elementos que conduzam à reformulação das questões de investigação.
Neste estudo, a análise de dados foi feita ao longo de todo o processo de investigação.
Fui acompanhando a recolha de dados e esse processo interactivo levou a que se
Capítulo 4 – Metodologia
115
influenciassem mutuamente. Para tal, adoptei um modelo de análise interactivo, como é
sugerido por Huberman e Miles (1994). Procurei, assim, que a recolha e a análise fossem feitas
em sintonia, podendo mesmo uma ser reformulada em função da outra. Todo o material foi
organizado e categorizado, procurando-se estabelecer de seguida relações entre as diferentes
categorias. No processo de análise de dados é possível distinguir várias fases (ver tabela 4.2.).
A primeira fase, que medeia entre Março e Setembro de 2004, correspondeu à leitura e
classificação de todo o material transcrito. Importa sublinhar que até Julho de 2004 tinham
decorrido apenas 7 reuniões do projecto conjunto, uma entrevista a Eva e outra a Carla, e uma
aula gravada de cada uma destas professoras sem a presença da investigadora. Esta primeira
análise correspondeu a uma leitura integral das transcrições das entrevistas e das reuniões
procedendo-se à marcação de frases, palavras, afirmações, de acordo com as categorias
definidas a partir dos objectivos do estudo. Procedeu-se então à marcação, com o auxílio de
cores distintas, das seguintes categorias: a pessoa (como profissional, experiências anteriores,
interesses pessoais, hábitos); concepções sobre comunicação; práticas de comunicação e
reflexão sobre as práticas (intervenções dos participantes, formulação de perguntas, negociação
de significados).
Tabela 4.2. Desdobramento das categorias ao longo das fases de recolha de dados
Fase 1 Fase 2/Fase 3 Gosta do ensino Envolvimento profissional Papel do professor
A pessoa (profissional, experiências anteriores,
interesses pessoais, hábitos) Modo de fala nas aulas Ambiente na sala de aula Trabalho de grupo Intervenções dos alunos Diferentes abordagens matemáticas Material
Concepções sobre comunicação
Tarefas Práticas de comunicação
Tipo de questões Tipo de interacções Negociação de significados
Práticas de comunicação e reflexão sobre as práticas
(intervenções dos participantes, formulação de perguntas, negociação de
significados)
Reflexão sobre as práticas
Normas sociomatemáticas Experiências anteriores Personalidade Influências Trabalho de projecto
Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo
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Esta primeira fase de análise começou com os dados relativos a Carla. Percorreu os
pontos anteriores e serviu de suporte à escrita de uma primeira versão do “caso Carla” que
constituiu material para discussão no Seminário Luso-Brasileiro de Investigação sobre Saberes
Docentes e Formação de Professores de Matemática, que decorreu em Lisboa a 22 de Setembro
de 2004. Esta primeira análise do “caso Carla” e posterior discussão influenciou a análise dos
restantes casos, em particular no que concerne às categorias aí definidas.
A segunda fase de análise, de Setembro de 2004 a Setembro de 2005, tomou contornos
mais estreitos. Importa salientar que esta fase ainda decorreu em simultâneo com a recolha de
dados. Para além de uma recolha dividida pelas três categorias descritas definidas na primeira
fase, subdividiu-se cada uma destas em categorias mais finas e criou-se mais uma categoria:
influências. Importa também destacar que as categorias anteriormente designadas: práticas e
reflexão sobre as práticas de comunicação foi desdobrada em: práticas de comunicação e
reflexão sobre as práticas. Relativamente à categoria da professora como pessoa, foram
destacadas as seguintes subcategorias: o gosto pelo ensino, o envolvimento profissional, o papel
que atribui ao professor e o modo como fala das suas aulas. Relativamente à categoria das
concepções sobre comunicação, foram destacadas as subcategorias: o ambiente na sala de
aula, o trabalho de grupo, as intervenções dos alunos, as diferentes abordagens matemáticas, o
material manipulável, as tarefas. Quanto à categoria de reflexão sobre a prática, destacaram-se
as subcategorias de reflexão sobre: o tipo de questões formuladas, o tipo de interacção
estabelecida, a negociação de significados, as normas sociomatemáticas. Dentro da nova
categoria, influências, consideram-se as seguintes subcategorias: experiências anteriores,
personalidade, trabalho colaborativo.
Esta análise percorreu os vários casos. O “caso Carla” sofreu nova elaboração e foi
apresentado no Congresso Ibero-Americano de Educação Matemática (CIBEM) em Julho de
2005 (Martinho & Ponte, 2005a). De seguida, o “caso Maria” foi o primeiro a ser trabalhado de
forma completa, em termos de recolha de dados, tendo sido apresentado em Setembro de 2005
no Seminário de Investigação em Educação Matemática (XVI SIEM) em Évora (Martinho e Ponte,
2005b).
Por último, a terceira fase de análise procurou ser de clarificação dos contornos. Importa
referir que esta foi a única fase posterior a toda a recolha de dados. Passou por uma leitura
integral de todo o material compilado – transcrições de reuniões, aulas, notas de campo,
materiais escritos utilizados nas aulas, etc. Foi então estabelecido um confronto com a versão já
Capítulo 4 – Metodologia
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escrita dos casos. Mais uma vez a escrita e organização dos casos sofreu uma nova
reestruturação com o objectivo de tornar mais explícito o tipo de influências que o projecto
colaborativo teve para cada uma das professoras.
Assim, a categoria das influência foi retirada aos casos e reorganizada constituindo um
capítulo autónomo, o capítulo 9, onde se faz uma análise cruzada dos papeis e influências de
cada uma das professoras e do grupo no seu conjunto. Centrou-se esta no papel do projecto
procurando, antes de mais, contextualizá-lo. Assim, procedeu-se a uma análise dos
antecedentes, considerando-se, por um lado, os aspectos de natureza pessoais e, por outro, a
experiência profissional e relação com a Matemática. Seguidamente estudaram-se os aspectos
relacionados com o projecto, considerando quer a contribuição que cada professora trouxe para
o grupo quer as mais valias que nele encontraram.