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Volumen 29 • Número 1 2008 1 Aluna de Doutorado da Escola de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Mestre em Engenharia de Produção pela Escola de Engenharia da Universidade Federal Fluminense, Tecnologista em Propriedade Industrial no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI-Brasil). E-mail: [email protected] 2. Professor titular da Escola de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro e do Instituto Militar de Engenharia, Pesquisador visitante do Centro de Tecnologia Mineral, Doutor e Mestre em Química pela Universidade da Califórnia. E-mail: [email protected] 3. Pesquisador do Núcleo de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense, Doutor e Mestre em Engenharia e Ciência dos Materiais e Metalurgia pela Universidade da Florida. E-mail: wlongo@nitnet. com.br A DIVERSIDADE BIOLÓGICA UMA POTENCIAL FONTE DE VANTAGEM COMPETITIVA PARA A INDÚSTRIA FARMACÊUTICA BRASILEIRA The biological diversity – a potential source of competitive advantage for brazilian pharmaceutical industry La diversidad biológica - una posible fuente de ventaja competitiva para la industria farmacéutica brasileña VERA MARIA COSTA MARINHO 1 , PETER RUDOLF SEIDL 2 Y WALDIMIR PIRRÓ E LONGO 3 RESUMO: No Brasil, principalmente nos anos 1980, oco- rreram importantes estímulos governamentais que fomentaram uma promissora indústria farmacêutica nacional, mas, com as políticas dos anos 1990 muitas empresas do setor foram extintas e a produção caiu significativamente. A atual Política Industrial aponta para a retomada do crescimento da indústria no País, propiciando investimentos e novas condições competitivas. Este artigo tem como objetivo explanar como as ações governamentais relacionadas às questões de acesso, ao aproveitamento industrial do conhe- cimento tradicional e à apropriação dos benefícios decorrentes da biodiversidade brasileira podem propiciar um importante diferencial competitivo para as empresas nacionais de fármacos e medi- camentos. Palavras chiaves: Diversidade biológica, indu- stria farmacêutica, Brasil. ABSTRACT: In Brazil, mainly during the eighties, the government offered important incentives to a promising national pharmaceutical industry but, with the shifts in policies that followed in the nineties, several companies in the sector closed down and production fell significantly. The present industrial policy indicates that growth will pick up again, resulting in investments and competitive conditions. The present paper has as an objective to explain how governmental measures related to access, to taking industrial advantage of traditional knowledge and to appropriation of the benefits of the country’s biodiversity can provide a competitive differential for Brazilian pharmaceutical companies. Key words: Biological diversity, pharmaceutical industry, Brasil. RESUMEN: En Brasil, principalmente en los años 1980, ocurrieron importantes estímulos gubernamentales que fomentaron una promisoria industria farmacéutica nacional. Sin embargo, con las políticas de los años 1990, muchas compañías del sector se extinguieron y la producción se redujo de forma importante. La actual política industrial despunta hacia la vuelta del crecimiento de la industria en el País, pro- moviendo nuevas inversiones y nuevas condiciones competitivas. Este artículo tiene como objetivo

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1 Aluna de Doutorado da Escola de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Mestre em Engenharia de Produção pela Escola de Engenharia da Universidade Federal Fluminense, Tecnologista em Propriedade Industrial no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI-Brasil). E-mail: [email protected]

2. Professor titular da Escola de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro e do Instituto Militar de Engenharia, Pesquisador visitante do Centro de Tecnologia Mineral, Doutor e Mestre em Química pela Universidade da Califórnia. E-mail: [email protected]

3. Pesquisador do Núcleo de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense, Doutor e Mestre em Engenharia e Ciência dos Materiais e Metalurgia pela Universidade da Florida. E-mail: [email protected]

A diversidAde biológicA – uMA potenciAl fonte de vAntAgeM coMpetitivA pArA A indústriA fArMAcêuticA

brAsileirA

The biological diversity – a potential source of competitive advantage for brazilian pharmaceutical industry

La diversidad biológica - una posible fuente de ventaja competitiva para la industria farmacéutica brasileña

verA MAriA costA MArinho1, peter rudolf seidl2 y WAldiMir pirró e longo3

RESUMO:No Brasil, principalmente nos anos 1980, oco-rreram importantes estímulos governamentais que fomentaram uma promissora indústria farmacêutica nacional, mas, com as políticas dos anos 1990 muitas empresas do setor foram extintas e a produção caiu significativamente. A atual Política Industrial aponta para a retomada do crescimento da indústria no País, propiciando investimentos e novas condições competitivas. Este artigo tem como objetivo explanar como as ações governamentais relacionadas às questões de acesso, ao aproveitamento industrial do conhe-cimento tradicional e à apropriação dos benefícios decorrentes da biodiversidade brasileira podem propiciar um importante diferencial competitivo para as empresas nacionais de fármacos e medi-camentos.Palavras chiaves: Diversidade biológica, indu-stria farmacêutica, Brasil.

ABSTRACT:In Brazil, mainly during the eighties, the government offered important incentives to a promising national pharmaceutical industry but, with the shifts in policies that followed in the nineties, several companies in the sector closed down and production fell significantly. The present industrial policy indicates that growth will pick up again, resulting in investments and competitive conditions. The present paper has as an objective to explain how governmental measures related to access, to taking industrial advantage of traditional knowledge and to appropriation of the benefits of the country’s biodiversity can provide a competitive differential for Brazilian pharmaceutical companies.Key words: Biological diversity, pharmaceutical industry, Brasil.

RESUMEN:En Brasil, principalmente en los años 1980, ocurrieron importantes estímulos gubernamentales que fomentaron una promisoria industria farmacéutica nacional. Sin embargo, con las políticas de los años 1990, muchas compañías del sector se extinguieron y la producción se redujo de forma importante. La actual política industrial despunta hacia la vuelta del crecimiento de la industria en el País, pro-moviendo nuevas inversiones y nuevas condiciones competitivas. Este artículo tiene como objetivo

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discurrir sobre las acciones gubernamentales, relacionadas a las cuestiones del acceso al aprovecha-miento industrial del conocimiento tradicional y a la apropiación de los beneficios decurrentes de la biodiversidad brasileña, que puedan representar un diferencial competitivo importante para las compañías nacionales de fármacos y de medicinas.Palabras claves: Diversidad biológica, industria farmacéutica, Brasil

1. O CENÁRIO ATUAL DA INDÚSTRIA FARMACÊUTICAPrincipalmente nas últimas décadas, a indústria farmacêutica mundial tem

sido intensamente marcada por mudanças tecnológicas e organizacionais e por transformações na estrutura e geografia da própria indústria e de seus mercados. A ocorrência de um intenso e contínuo fluxo de fusões e aquisições foi causada, essencialmente, pela busca por maiores rentabilidade, poder de investimento e penetração no mercado. O processo culminou na formação de uma estrutura indus-trial de natureza mundial dominada por grandes conglomerados farmacêuticos – as “Big Pharma’s” – que dividem entre si um mercado bilionário. Continuamente, as empresas necessitam de produtos inovadores para manterem as suas posições no mercado e, para tal, buscam acessar os avanços cientifico-tecnológicos originados das pesquisas acadêmicas e são obrigadas a arcar com os custos e riscos associados à realização de várias etapas de P&D.

Uma das principais características da indústria nos anos correntes é a oco-rrência de vários “blockbusters” (medicamentos responsáveis por milhões de dóla-res em vendas) e a mudança do foco da pesquisa farmacêutica da visão tradicional - química orgânica/farmacologia/síntese - para uma visão multidisciplinar que inclui as “life sciences” (por exemplo, bioquímica, biofísica, botânica. endocrino-logia; entomologia; genética; imunologia; microbiologia; toxicologia; virologia). Além disso, a indústria é fortemente influenciada por mudanças no mercado e na estrutura da concorrência entre as empresas (como, por exemplo, a introdução dos medicamentos genéricos) e por mudanças nas estruturas organizacionais através de megafusões/aquisições e da ênfase em descentralização/terceirização de atividades.

Atualmente, tem sido debatido um possível colapso das “Big Pharma’s” devido, principalmente, às perdas de parcelas de mercado para concorrentes ge-néricos, às maiores pressões para controle de preços e à proximidade da perda de proteção patentária em vários “blockbusters”. Mas, quando são considerados o aumento da sobrevida da população e o aumento da capacidade de acesso a me-dicamentos em mercados emergentes (como a China, a América Latina e o Leste Europeu), pode-se afirmar que o mercado global está em expansão.

O que parece ocorrer é uma nova etapa que consolida transformações ocorridas nos últimos anos. Muitos acreditam na mudança de um modelo de produção em grande escala de medicamentos padronizados para um modelo que atenda às demandas de grupos definidos, utilizando os avanços biotecnoló-

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gicos e a pesquisa genética. No futuro, as empresas precisarão definir ações que assegurem sua continuidade no mercado, utilizando metodologias de estudos farmacoeconômicos mais precisas e estratégias bem delineadas para a entrada nos mercados emergentes.

2. A CADEIA PRODUTIVA FARMACÊUTICAFarmoquímicos e medicamentos prontos constituem um importante seg-

mento da indústria química com singularidades em todos os pontos da cadeia produtiva. Tais singularidades tornam tal segmento um constante objeto de estudo nas mais diversas áreas do conhecimento..

Para Queiroz e González (2001) as atividades da cadeia produtiva farma-cêutica podem ser agrupadas em quatro estágios básicos, cada um incorporando conhecimentos diferenciados. No 1º estágio ocorre a P&D de novos fármacos em duas fases (clínica e pré-clínica), onde são identificados, analisados e testados os potenciais terapêuticos de um composto, demandando grandes recursos financeiros e onde é imensa a incerteza com relação ao sucesso do empreendimento. No 2º estágio os fármacos são produzidos, sendo desenvolvidos processos de fabricação em laboratórios e plantas-piloto. No 3º estágio são produzidos os medicamen-tos, ocorrendo o tratamento físico dos fármacos e sua mistura com substâncias adjuvantes que possibilitam o uso posterior. No 4º estágio ocorrem as etapas de marketing e comercialização de medicamentos envolvendo, normalmente, um grande volume de recursos financeiros.

Com relação à pesquisa, a indústria farmacêutica busca continuamente novos compostos para geração de novos medicamentos e novas técnicas relacio-nadas a formas de administração, dosagem, absorção e ação dos medicamentos. As grandes empresas do setor investem milhões de dólares em P&D de produtos inovadores, inovações em produtos existentes e inovações em processos, incluindo uma complexa cadeia de testes pré-clinicos e clínicos (indispensáveis para obtenção de autorização para a comercialização por parte de agências governamentais). Durante o ano de 2005, empresas ligadas à PHARMA - Pharmaceutical Research and Manufacturers of América, (associação das maiores empresas farmacêuticas sediadas nos Estados Unidos e, portanto, as maiores em operação na atualidade) investiram cerca de 39,4 bilhões de dólares em P&D, o que representou 6,5¨% a mais do que no ano anterior. (PhARMA, 2006).

A análise do custo para o desenvolvimento de um novo medicamento, nor-malmente, considera despesas realizadas em todas as etapas da P&D, incluindo custos de projetos que não foram bem sucedidos (pesquisas canceladas durante o desenvolvimento) e os impactos financeiros do tempo gasto. Segundo DiMasi et al (2003) o custo médio de desenvolvimento variou de 231 milhões de dólares

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(em 1987) para 802 milhões de dólares no ano de 2000. Se tal custo tivesse acom-panhado, simplesmente, a variação da inflação, seria de 318 milhões de dólares em 2000 e, portanto, ocorreu aumento real da ordem de 484 milhões causado, em grande parte, pelo aumento dos custos dos testes clínicos.

A pesquisa por um novo fármaco pode ser resultado da observação de eventos e interações entre eles (contando com a “sorte” – serendipity); pela busca sistemática de princípios potencialmente existentes em produtos naturais de forma aleatória ou norteada por fontes de conhecimento tradicional, pela modificação de fármacos existentes; por consultas a bancos de substâncias; utilizando a tecnologia da síntese combinatória ou as técnicas de “rational drug design”. Na prática, a indústria farmacêutica atual ainda é bastante dependente de moléculas presentes em organismos vivos, muitas das quais não podem ser sintetizadas em laboratórios e são coletadas em seus ambientes naturais.

3. O VALOR DOS PRODUTOS NATURAIS NA FARMACÊU-TICADesde o início da civilização o ser humano tem buscado elementos curati-

vos nas espécies naturais. Mesmo com os avanços obtidos nos séculos XIX e XX muitas vezes não é possível sintetizar moléculas existentes na natureza, cujas interações com processos biológicos e fisiológicos as tornam capazes de curar ou aliviar os sintomas de diversas doenças. Só a partir do início do século XIX o uso terapêutico de produtos naturais passou a ser tratado como atributo da ciência. O isolamento da morfina em 1806 deflagrou uma onda de pesquisas que, resultaram no isolamento e aplicação terapêutica de centenas de novas entidades químicas a partir de plantas e até o final do século os produtos naturais mantiveram-se como a principal fonte de medicamentos. (Seidl, 2002). De acordo com Newman (2003) 23% das 1.031 novas entidades químicas introduzidas no mercado entre 1981-2002 veio de fontes naturais, 10% foram químicos sintetizados a partir da observação de produtos naturais e 5% derivados de fontes naturais sem alterações, conforme mostrado na Figura 1.

A busca por fármacos a partir de espécies vegetais é iniciada pela decisão de qual espécie será pesquisada. Tal decisão pode ser baseada no conhecimento antecipado de efeitos terapêuticos (pesquisa etnobotânica – utiliza o conheci-mento pré-existente nas comunidades nativas), por acesso a bancos de moléculas disponíveis ou por pesquisa aleatória (em espécies existentes e disponíveis em local previamente escolhido). Para diminuição dos riscos e tempos da P&D, em-presas podem buscar estabelecer parcerias com instituições governamentais de pesquisa e acadêmicas, contratar serviços especializados em coleta, “screening”, identificação e modelagem molecular ou obter facilidades de acesso a bancos de amostras e de moléculas.

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4. A ESTRUTURA DE MERCADO FARMACÊUTICO NO BRASILO mercado brasileiro de medicamentos é um dos 10 maiores do mundo

(Quadro 1) e está em expansão, devida, principalmente, ao aumento da expectativa de vida e à previsão de crescimento econômico nos próximos anos. De acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) a expectativa de vida dos brasileiros aumentou de 42,7 anos, em 1940, para 71,9 anos em 2005. Segundo a ONU (United Nations, 2005) a população do Brasil continuará representando 38% e 2,8% na população total da América Latina e do Mundo, respectivamente, nas projeções para os anos de 2015 e 2030.

No caso de medicamentos genéricos, as autorizações concedidas no Brasil pela ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) têm crescido de forma exponencial, totalizando, até agosto de 2006, 317 fármacos, 1994 medicamentos e 10.703 apresentações farmacêuticas (forma como medicamento é utilizado, por exemplo, comprimidos, injeções, patches, etc). (Figura 2) sendo que mais de 80% dos insumos usados para fabricação de genéricos no País ainda são importados (OLIVEIRA, 2003). No Brasil, as vendas de medicamentos genéricos cresceram

Figura 1 Novas Entidades Químicas, classificadas de acordo com a

fonte – período 1981-2002.

Fonte: Newman (2003)

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Quadro 1 Os 13 maiores mercados de medicamentos (valores

em milhões de dólares relativos a junho de 2006).

Classificação Pais Jun/061 Estados Unidos 189.1302 Japão 57.7013 Alemanha 26.8744 França 24.4465 Reino Unido 14.8636 Itália 14.6377 Canadá 12.9128 Espanha 10.3979 Brasil 8.14910 México 7.82411 Austrália/Nova Zelândia 5.66712 Argentin 2.14813 Demais países europeus 0.540

Fonte: IMS Retail Drug Monitor: 12 months to june 2006

Figura 2 Registros de medicamentos genéricos no Brasil – valores

acumulados até 2006.

Fonte: ANVISA (agosto de 2006)

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42% entre 2003 e 2004 enquanto que o setor farmacêutico em geral cresceu 20%. As empresas nacionais detêm, atualmente, mais de 80% do mercado e, dentre as 5 maiores, somente a empresa Ranbaxy não é de capital nacional. De acordo com Capanema e Palmeira Filho (2004) os laboratórios nacionais substituíram as em-presas multinacionais numa grande parcela do mercado brasileiro de genéricos

O Brasil também possui uma rede de laboratórios públicos composta por 18 entidades ligadas a instituições públicas tais como: Ministério da Saúde, Forças Armadas, Governos Estaduais e Universidades produzindo medicamentos para atender as demandas do sistema público de saúde. De acordo com Bermudez e Oliveira (2004) tal rede é responsável por cerca de 3% da produção nacional (em valores monetários) e atende a quase 10% das compras totais de medicamentos do Ministério da Saúde. O principal laboratório público no País é Far-Manguinhos atuando como órgão de apoio técnico para a formulação das políticas públicas de saúde e fabricando medicamentos em diversas classes: antiinflamatórios, antiin-fecciosos, antipsicóticos, analgésicos, antiretrovirais e antimaláricos.

O significativo contraste entre a baixa produção interna e o imenso mer-cado consumidor de medicamentos tem sido uma das principais características da indústria no Brasil Consequentemente, o saldo da balança comercial é sempre negativo, tanto em fármacos quanto em medicamentos. Para os produtos farma-cêuticos, embora a taxa de crescimento das exportações, a partir de 1997, tenha se mantido acima da taxa de crescimento das importações, a diferença nos níveis é muito grande, sendo as importações cerca de quatro vezes superiores às expor-tações (Figura 3)

Com relação à natureza dos produtos, durante o ano de 2005 os 10 principais farmoquímicos importados, em ordem decrescente, foram: Amoxicilina e seus sais, Ivermectina, Acetato de Alfa-Tocoferol, Vitamina C, Clonazepam, Acetato de Ciproterona, Bromazepan, Cefaclor/Cefalexina/Cefalotinal, Zidovudina e Metildopa, representado um total de 117 milhões de dólares FOB (Free on Board – mercadoria entregue embarcada).

5. A PARTICIPAÇÃO GOVERNAMENTAL NA EVOLUÇÃO DA INDÚSTRIA NO BRASILNo Brasil, como em muitos outros países, as mudanças tecnológicas logo

após a 2ª. Guerra Mundial e a supremacia norte-americana na indústria (basea-da, principalmente, na intensificação das atividades de P&D e nas descobertas cientificas), deram início a um acelerado e intenso processo de desnacionalização do setor. O cenário nacional apresentava nos anos 70, segundo Bermudez (1997), uma participação de 75% de empresas multinacionais realizando somente as eta-pas finais da produção no País. O comportamento das empresas estrangeiras era

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Figura 3 Balança Comercial de produtos

farmacêuticos no período 1997-2005

Fonte: SECEX/MDIC

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como regra geral, realizar P&D nas matrizes e/ou filiais localizadas nos países do primeiro mundo, onde usufruíam de uma extraordinária infra-estrutura científica e tecnológica e vigorosos incentivos governamentais (LONGO & SEIDL, 1999).

Em todos os países que conseguiram desenvolver fortes indústrias farma-cêuticas nacionais as políticas públicas de estímulo ao setor representaram um papel essencial. No caso do Brasil, algumas importantes iniciativas neste sentido foram implementadas e os itens abaixo relacionam os principais marcos legais/institucionais que afetaram a indústria farmacêutica nacional:

Assinatura da CUP - Convenção da União de Paris - para a Proteção da Propriedade Industrial, em 1883;

Decreto Lei 7903 de 1945 (Código da Propriedade Industrial de 1945): não permitia patenteamento de invenções que tivessem por objeto substância ou produtos alimentícios e medicamentos de qualquer gênero e matérias ou substâncias obtidas por meio ou processos químico;

Lei 3.740 de 1958: limitou os valores de dedutibilidade em impostos relativa a pagamentos de royalties e assistência técnica;

Lei 5.648 de 1970: criou o INPI (Instituto Nacional de Propriedade Indus-trial);

Lei 5.772 de 1971 (Código de Propriedade Industrial): permaneceram não patenteáveis as: substâncias, matérias ou produtos obtidos por meios ou processos químicos (ressalvando-se, porém, os respectivos processos de obtenção ou modificação) e substâncias, matérias, misturas ou produtos alimentícios, químico-farmacêuticos e medicamentos, de qualquer espécie, bem como os respectivos processos de obtenção ou modificação;

Decreto 68.806 de 1971: criou a CEME (Central de Medicamentos), que passou a definir as políticas para o setor e centralizar as compras governa-mentais de medicamentos, atuando como instrumento governamental para incentivo ao desenvolvimento e à comercialização. A CEME foi desativada em 1997 e suas competências e programas foram distribuídos entre órgãos do Ministério da Saúde, Estados e Municípios;

Homologação da Relação Nacional de Medicamentos Básicos em 1976. Após 1982, a denominação adotada passaria a ser RENAME (Relação Nacional de Medicamentos Essenciais)

Lei 8.661 de 1993: estabeleceu incentivos fiscais para a capacitação tecno-lógica da indústria e da agropecuária, através dos Programas PDTI (Pro-grama de Desenvolvimento Tecnológico Industrial) e PDTA (Programa de Desenvolvimento Tecnológico Agropecuário);

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Lei 9.279 de 1996 (nova Lei de Propriedade Industrial): assegurou privilé-gios de propriedade para os setores alimentícios, químico-farmacêutico e de medicamentos; tanto para produtos quanto para processos;

Portaria 3.916 de 1998: criou a Política Nacional de Medicamentos;

Lei 9.787 de 1999: regulamentou os medicamentos genéricos no país;

Lei 10.973 de 2004 (Lei de Inovação): dispôs vários incentivos à inovação científico-tecnológica, enfatizando a necessidade de que os esforços fossem voltados para o aumento da competitividade das empresas. Estão cobertas ações como: alianças estratégicas entre os institutos públicos e as empresas privadas, compartilhamento de infra-estrutura pública, facilidades para transferência de tecnologia; mecanismos de fomento direto; contratações através de encomendas, ganhos econômicos dos pesquisadores envolvidos, etc...

Lei 10.972 de 2004: criou a HEMOBRÁS (Empresa Brasileira de Hemoderi-vados e Biotecnologia);

Lei 11.196 de 2005 (“Lei do Bem”):No Capítulo III dispôs incentivos fiscais automáticos para empresas que realizem P&D&I e permite que o uso de recursos públicos para custear parte da remuneração dos pesquisadores (mestre e doutores) que executem P&D nas empresas;

Decreto 5.649 de 2005: regulamentou o RECAP (Regime Especial de Aqui-sição de Bens de Capital para Empresas Exportadoras) que suspende a exigência da Contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS;

Lei 11.105 de 2005 (“Lei de Biossegurança”): regulamente atividades de biotecnologia, de produção e comercialização de organismos geneticamente modificados (a CTNBio – Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – fica responsável pela analise técnica dos pedidos de plantio de transgênicos) e estabelece diretrizes para uso de células-tronco em pesquisa.

As políticas adotadas nos anos 80 conseguiram, em certa medida, estimular o setor. De acordo com Magalhães et al (2003), em 1985 as empresas nacionais investiram quase 60 milhões de dólares em aquisições e melhorias no ativo imo-bilizado - representando cerca de 57% do investimento total da indústria para tal fim – o que parece refletir a reação das empresas aos incentivos governamentais da época, principalmente através da CEME. A importância da criação da CEME é que não pode ser considerado um evento isolado, mas sim era parte integrante de uma estratégia federal voltada para o “desenvolvimento de uma indústria farma-cêutica genuinamente nacional e alcançar autonomia na produção de fármacos” (LUCCHESI, 1993).

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Os anos 80 pareciam apontar para uma real expansão do setor com a en-trada de novas empresas na indústria farmacêutica, a maioria delas oriundas de outros setores da indústria química nacional e, a ausência de proteção patentária permitiu que empresas nacionais tentassem desenvolver tecnologias próprias. A CODETEC/UNICAMP (Companhia de Desenvolvimento Tecnológico), com apoio da CEME, desenvolveu na época um total de 140 tecnologias de processo, privilegiando os produtos da RENAME (Relação Nacional de Medicamentos Essenciais) (LISBOA, 2001).

Ainda de acordo com Lucchesi (1991) a CEME era parte de uma estratégia mais ampla de desenvolver uma indústria farmacêutica “genuinamente nacional” e alcançar a autonomia na produção de fármacos. Portanto, em 1990 já existiam mais de 30 empresas produzindo fármacos no Brasil e a CEME lançava um pro-grama de estímulo à pesquisa de produtos existentes na biodiversidade brasileira (o Programa PPPM - Programa de Pesquisa de Plantas Medicinais) estimulando o surgimento de importantes estudos em farmacologia e toxicologia de plantas presentes nos diversos ecossistemas nacionais. Com o passar dos anos, políticas adotadas fizeram com que a CEME se transformasse num mero comprador e distribuidor de medicamentos (94,26% de seu orçamento) e, finalmente, fosse extinta em 1997. Nos trabalhos iniciais, o PPPM selecionou 65 espécies vegetais para realização de P&D voltada para medicamentos fitoterápicos. Os projetos aprovados (114 projetos no período 1983-1996) contavam com recursos destina-dos a implantação de núcleos para coleta, cultivo e fornecimento das plantas. Embora contasse com competências científico-tecnológicas para tal, o Programa não consegui lançar nenhum fitoterápico inteiramente nacional no mercado de-vido, principalmente, a descontinuidade do aporte de recursos a partir de 1990 e a extinção da CEME em 1997.

O fim dos anos 90 foi marcado por profundas mudanças macroeconômicas e na própria estrutura da indústria farmacêutica brasileira. O aumento em grande escala das importações de princípios ativos e medicamentos prontos resultante da abertura econômica, o fim da política de controle de preços sobre medicamentos, a nova Lei de Propriedade Industrial de 1996 (que reintroduzia a proteção para produtos e processos farmacêuticos) e a introdução dos medicamentos genéricos foram fatores decisivos para o desmantelamento da indústria de química fina no Brasil.

Mudanças recentes nas políticas brasileiras resultaram no lançamento, em março de 2004, de uma política industrial – denominada Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE) - que inclui a indústria de fármacos e medicamentos como uma de suas prioridades e opções estratégicas (Quadro 2). A PITCE, elaborada como parte de um conjunto de ações que compõem a estratégia de desenvolvimento adotada pelo Governo Federal do Brasil, objetiva aumentar

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a eficiência da estrutura produtiva, a capacidade de inovação das empresas e a expansão das exportações.

Quadro 2 Eixos da Política Industrial, Tecnológica

e de Comércio Exterior - PITCE

EIXOS1) Linhas de Ação Hori-zontais

2) Opções estratégicas 3) Atividades portadoras de futuro

a) Inovação e desenvolvi-mento tecnológicos

a) Semiconductores a) Biotecnologia

b) Inserção externa b) Software b) Nanotecnologiac) Modernização indus-trial

c) Bens de capital c) Biomasa/Energias renováveis

d) Ambiente institucional d) Fármacos o medica-mentos

Fonte: Elaboração dos autores

Dentre as ações previstas na PITCE para o setor de fármacos e medicamentos algumas já se encontram em execução, como por exemplo:

Criação da HEMOBRÁS (Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotec-nologia): responsável, entre outras coisas, pela captação, armazenagem e transporte de plasma para fracionamento; fracionamento do plasma ou produtos intermediários para produção de hemoderivados; distribuição de hemoderivados e desenvolvimento de programas de P&D na área de hemoderivados, entre outras;

PROFARMA (Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Cadeia Produti-va Farmacêutica) que objetiva fortalecer aspectos econômicos, financeiros, comerciais e tecnológicos das empresas nacionais, estimulando a produção de medicamentos e seus insumos no País e as atividades de P&D&I. Suas linhas de financiamento são grupadas em 3 subprogramas denominados Produção, Fortalecimento das Empresas de Controle Nacional e PD&I e, de acordo com dados disponibilizados pelo BNDES, do total dos recursos aportados no Programa até agosto de 2006, quase 90% foram destinados aos subprogramas Produção e Fortalecimento das Empresas de Controle Nacional.

ABDI: A Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial foi criada em 2004 para promoção do desenvolvimento industrial e tecnológico brasileiro por meio do aumento da competitividade e da inovação. Executa e promo-

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ve a execução de políticas de desenvolvimento industrial em consonância com as políticas de comércio exterior e de ciência e tecnologia. O principal enfoque está nos programas e projetos estabelecidos pela PITCE, da qual é coordenadora, articuladora e promotora, funcionando como ligação entre as diretrizes estratégicas discutidas em várias instâncias governamentais e na sociedade civil e os executores de políticas públicas.

FCCPF (Fórum da Competitividade da Cadeia Produtiva Farmacêutica): Integrando o Programa “Competitividade das Cadeias Produtivas” – parte do PPA (Plano Plurianual) de investimentos do Governo Federal 2004-2007 - foram estabelecidos os Fóruns de Competitividade, como ferramenta es-tratégica no contexto da PITCE. O FCCPF, específico para a Cadeia Farma-cêutica foi instalado em maio de 2003 envolvendo setores governamentais, privados e representantes da sociedade civil. O objetivo principal do Fórum é elevar a competitividade industrial da cadeia farmacêutica no mercado mundial, envolvendo questões relacionadas à geração de emprego, ocupação e renda, ao desenvolvimento e à desconcentração regional da produção, ao aumento das exportações, à substituição competitiva das importações e à capacitação tecnológica das empresas. O trabalho em conjunto de represen-tantes da indústria, dos trabalhadores e do Governo é voltado para a busca de oportunidades e solução dos gargalos percebidos nos elos da Cadeia e para definição de metas e ações relacionadas à implantação da política industrial.

6. A BIODIVERSIDADE, A CONVENÇÃO DA DIVERSIDADE BIOLÓGICA E AS LEGISLAÇÕES NACIONAISQuestões relativas ao uso e preservação dos recursos naturais têm sido, cada

vez mais, objeto de estudos nos mais diversos fóruns – desde os debates acadêmicos sobre questões de aproveitamento econômico e de manutenção da vida de espécies ameaçadas ao uso de meios de comunicação de maior abrangência para informação e conscientização da sociedade sobre os benefícios da biodiversidade para a vida humana e sobre as crescentes ameaças à sua conservação. Buscando uniformizar o entendimento sobre o termo, a Convenção da Diversidade Biológica (CDB), rea-lizada em 1992, definiu Biodiversidade como sendo “A variedade de organismos vivos de todo o tipo de fonte, incluindo, inter alia, organismos terrestres, marinhos e de outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos dos quais fazem parte; isso abrange a diversidade dentro das próprias espécies, entre as espécies e os ecossistemas.” (CDB, 1992). Portanto, ela pode ser entendida como a variedade de vida, incluindo as diversas populações geneticamente distintas presentes em cada espécie, todas as espécies, todas as comunidades nas quais estão inseridas e, portanto, inclui todos os ecossistemas, seus funcionamentos e evolução.

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O objetivo principal da CDB foi estimular e auxiliar todos os países a con-servarem suas biodiversidades, usarem seus componentes de maneira sustentável e repartirem eqüitativamente os benefícios advindos de sua utilização. Por sua qualidade estrutural, suas decisões são aplicáveis no nível nacional de cada um dos países signatários. Para disciplinar a correlação entre as atividades econômi-cas, inclusive as de caráter extrativo, e a preservação dos recursos naturais, a CDB - e suas posteriores revisões - tentou montar um elenco de estratégias globais e orientações para que empresas pudessem montar planos de ação baseados na conservação e/ou recuperação de tais recursos, incorporando a biodiversidade nos seus modelos de negócios.

Até a assinatura da CDB, os recursos naturais eram tidos como patrimônio comum da humanidade e, portanto, as empresas farmacêuticas não eram obrigadas a dar nenhum tipo de retorno para os países onde fossem encontrados os recursos naturais que originaram produtos comercializados (REID ET AL, 1993). A entrada em vigor da Convenção, em 1993, incorporou diversas diretrizes relacionadas a acesso, conhecimento tradicional e repartição de benefícios e os países signatários se comprometeram a segui-las, estabelecendo, para tal, legislações especificas que obedecessem também as condições sobre seus patrimônios biológicos.

O Brasil tem buscado construir instrumentos em tal sentido e, dentre as medidas existentes, foi estipulada a exigência de registro prévio junto ao CGEN (Conselho de Gestão do Patrimônio Genético) para qualquer pesquisa em recursos biológicos – o que inclui, entre outras coisas, a comprovação de consentimento prévio em caso de envolvimento de conhecimento tradicional, mantendo-se o debate sobre a precisa diferenciação entre pesquisa de cunho puramente cien-tifico e atividade relacionada à bioprospecção. Uma outra medida disciplina as sanções aplicáveis às condutas e atividades lesivas ao patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado. A dificuldade de se estabelecer legislação especifica para o tema não é, “privilégio” brasileiro já que poucos países entre os 17 que juntos possuem 70% da diversidade biológica do planeta conseguiram êxito pleno na tarefa.

7. A BIODIVERSIDADE BRASILEIRA E SEU POTENCIAL USO ECONÔMICO Em termos de biodiversidade, o Brasil oferece imensas possibilidades na

área de pesquisa e desenvolvimento. A Amazônia, por exemplo, reúne 20% de toda a água doce do planeta e 35% das espécies vegetais superiores, além de 220 mil organismos vivos já catalogados. O crescente interesse pelos fitoterápicos tem feito com que diversos laboratórios aumentem o número de pesquisas neste segmento e, consequentemente, o número de patentes de produtos desenvolvidos no Brasil

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tem aumentado gradualmente (embora ainda seja pequeno e o potencial do País não esteja sendo plenamente utilizado).

No Brasil, a biodiversidade existente, principalmente na Amazônia e redu-tos remanescentes da Mata Atlântica, tem atraído a atenção de pesquisadores e empresas de todo o mundo. No País são encontradas cerca de 55.000 espécies de plantas superiores e muitas plantas medicinais estão incluídas no arsenal terapêu-tico utilizado por boa parte da população. De acordo com pesquisas realizadas em universidades e institutos de pesquisa, tanto no País quanto no exterior, muitas das espécies revelam conter substâncias ativas promissoras para desenvolvimento de agentes terapêuticos oncológicos, antibióticos e antiretrovirais, entre outros (MARINHO, 2004).

Na Amazônia Brasileira, a floresta contem espécies nos quais são encon-trados princípios ativos, muitas das quais identificadas a partir de relatos de uso das populações indígenas, sem contudo, em boa parte dos casos, ter ocorrido o reconhecimento do direito a participação de benefícios. Outros biomas brasileiros também são importantes fontes de espécies únicas cujo mapeamento e localização ainda são disponibilizadas de forma incipiente. O conhecimento tradicional existente – entendido como a informação dinâmica sobre plantas, seus usos e o meio-ambiente ao qual pertencem, acumulada através das gerações de uma dada comunidade – é muitas vezes composto de arranjos específicos de diferentes elementos da flora que apresentam uma dada sinergia ainda não de todo com-preendida pelos pesquisadores.

O estudo de representatividade ecológica nos biomas brasileiros já apontou a existência de 49 ecorregiões e concluiu que, o Brasil – ao se considerar as uni-dades de conservação de proteção integral federais–, além de ser um dos países com a menor porcentagem de áreas especialmente protegidas, apenas 1,99%, tem esta rede mal distribuída entre seus biomas. Dentre outras conclusões, o estudo demonstrou que o Cerrado, o segundo maior bioma brasileiro, é um dos mais ameaçados do mundo e tem somente 0,85% de sua área em unidades de conser-vação. O bioma Mata Atlântica, o mais ameaçado de todos, com apenas 73% da sua cobertura original, tem 0,69% de áreas especialmente protegidas. O bioma Caatinga possui, também, apenas 0,65% conservado por unidades de conservação. (IBAMA, 2006)

Atualmente, a anteriormente citada Far-Manguinhos executa um programa de pesquisa baseado na biodiversidade e já identificou e patenteou 20 moléculas (RICHÉ, 2006). Além disso, de acordo com ENRÍQUEZ (2004), existem no País algumas experiências de interação entre comunidades indígenas e empresas in-ternacionais para exploração dos produtos naturais, que resultaram em estudos e uso de espécies nativas com aplicações medicinais (anticoagulantes, tratamento de glaucoma, etc...) mas que muitas vezes, infelizmente, respeitam questões re-

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lativas à sobrevivência das espécies e à correta repartição de benefícios com as comunidades envolvidas.

A realização dos chamados “acordos de bioprospecção” para o aproveita-mento comercial da biodiversidade tem sido alvo de amplas discussões. Alguns apontam que tais acordos são feitos de modo a que a parceria entre as empresas e as comunidades locais é bastante desigual: as comunidades gradativamente estão perdendo o acesso aos recursos e as empresas ficam praticamente com todo o lucro gerado, inclusive com os direitos decorrentes das patentes. Os defensores de tais acordos afirmam que a atividade de bioprospecção pode ser útil para o desenvolvimento dos países ricos em biodiversidade bastando que sejam bem definidos os direitos de propriedade intelectual e royalties que resultariam dos processos biotecnológicos derivados da exploração de amostras de produtos na-turais extraídos da biodiversidade nacional.

Uma iniciativa importante foi a construção, concluída em 2001 do CBA (Centro de Biotecnologia da Amazônia), com modernas instalações para implan-tação de laboratórios e incubação de empresas de biotecnologia. Os objetivos es-senciais do CBA são promover o conhecimento da biodiversidade amazônica com agregação de valor na região amazônica; incentivar o desenvolvimento regional de produtos, processos e serviços biotecnológicos; incubar, consolidar e projetar empresas de base biotecnológica e estabelecer parques bioindustriais de projeção internacional.

Com relação à propriedade industrial, como regra geral, os produtos da di-versidade biológica não são patenteáveis no Brasil (Lei 9279/96) por não atenderem ao requisito da inventividade necessário à concessão de uma patente. A Lei não considera invenção “o todo ou parte de seres vivos naturais e materiais biológicos encontrados na natureza, ou ainda que dela isolados, inclusive o genoma ou ger-moplasma de qualquer ser vivo natural e os processos biológicos naturais” (Art.10) e não reconhece como patenteáveis “o todo ou parte dos seres vivos, exceto os microorganismos transgênicos que atendam os três requisitos de patenteabilidade: novidade, atividade inventiva e aplicação industrial “ (Art.18).

No caso de composições, para serem patenteáveis, o extrato aquoso ou etéreo de uma determinada planta, quando diluído em outro solvente necessário (como, por exemplo, utilizado para tornar o ativo absorvível) tem que representar uma composição de fato, e não uma “mera diluição”, isto é, tem que ser demonstrado que a composição é composta de mais de um ingrediente, todos apresentando efeito técnico novo de fato. Além disso, compostos químicos obtidos sinteticamente que possuam correspondentes de ocorrência natural (dos quais não podem ser distinguidos) também não são considerados invenção.

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Nos Estados Unidos, produtos e processos naturais eram considerados como “produtos da natureza” e, portanto, não patenteáveis. A partir de 1977, foram permitidos pedidos de patentes para “novas” formas ou composições de produtos naturais, mas não para os produtos naturais per se, ou seja, na forma como se encontravam na natureza e, consequentemente, os produtos naturais purificados (extraídos de matéria viva) passaram a ser considerados “novos” e, portanto, passíveis de patenteamento. Para o Escritório Europeu de Patentes, uma substância que ocorra livremente na natureza é mera descoberta e, portanto, não-patenteável. Mas, se tal substância foi isolada do seu meio e um processo foi desenvolvido para obtê-la, o processo pode ser patenteado. Uma outra exceção é quando uma substância, após sua caracterização, é considerada como “nova” (no sentido absoluto da palavra, isto é, não havia tido até então sua existência reconhecida) pode ser patenteada “per se”.

Estudo sobre patentes realizado por Moreira et al (2006), analisou solici-tações de patentes ou patentes concedidas relacionadas às plantas brasileiras, identificando o tipo de invenção envolvida (processo, produto e/ou uso) e quem eram os detentores das patentes. Como resultado foi identificado que 186 de 278 plantas brasileiras (67%) são objeto de patentes (pedidos ou concessões); 94,2% dos 738 documentos analisados eram solicitações feitas por empresas estrangei-ras; 89,3% dos pedidos foram para aplicações terapêuticas (principalmente para para uso dermatológico) e 57,4% dos pedidos era relacionado ao uso dos extratos ou ingredientes ativos na forma de composições farmacêuticas (enquanto 24,6% eram associados a métodos terapêuticos, 12,5% a processos de extração, 4,3% aos próprios extratos e 1,2% a moléculas).

CONCLUSÕES A indústria farmacêutica mundial, mesmo com todos os avanços tecnoló-

gicos das últimas décadas em técnicas associadas a processos de síntese química para obtenção de novos medicamentos, continua bastante dependente dos insumos naturais – moléculas encontradas em organismos vivos. No caso do Brasil, existe uma enorme lacuna no volume de produção interna tanto de fármacos quanto de medicamentos prontos apesar da existência de fatores favoráveis ao desenvol-vimento da indústria nacional, tais como, o tamanho do mercado, a capacidade potencial da infra-estrutura científico-tecnológica instalada, o parque industrial já existente e sua megadiversidade biológica.

A existência de tais fatores favoráveis, entretanto, não foi suficiente para impedir que a indústria farmacêutica brasileira, principalmente nas últimas dé-cadas do século XX, passasse – como várias outras indústrias nacionais - por um avassalador processo de desmantelamento, justificado à época pela necessidade do país se adequar aos processos de globalização e de auto-regulação econômica.

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Atualmente, a correta e oportuna inserção do setor como uma das prioridades da Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior tem gerado uma série de medidas governamentais no sentido de estimulá-lo. Realmente, os fármacos constituem-se numa das mais graves vulnerabilidades estratégicas do Brasil., quando as conseqüências da debilidade da produção nacional são observadas pelos ângulos social, econômico ou mesmo militar.

Finalmente, salienta-se que, no momento, a questão da proteção e do uso adequado da biodiversidade nacional é extremamente importante. A regulamen-tação de sua proteção e utilização, associada ao estímulo governamental à P&D em produtos naturais, pode ser um dos mais importantes fatores para geração de ino-vações tecnológicas e de aumento da competitividade das empresas nacionais.

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