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UNIVERSIDADE DE BRASIacuteLIA INSTITUTO DE LETRAS
DEPARTAMENTO DE LIacuteNGUAS ESTRANGEIRAS E TRADUCcedilAtildeO PROGRAMA DE MESTRADO EM LINGUumlIacuteSTICA APLICADA
JOHNWILL COSTA FARIA
OF MICE AND MEN DE JOHN STEINBECK A ORALIDADE NA LITERATURA COMO PROBLEMA DE TRADUCcedilAtildeO
BRASIacuteLIA 2009
1
JOHNWILL COSTA FARIA
OF MICE AND MEN DE JOHN STEINBECK A ORALIDADE NA LITERATURA COMO PROBLEMA DE TRADUCcedilAtildeO
Dissertaccedilatildeo de mestrado apresentada como requisito parcial agrave obtenccedilatildeo do grau de Mestre em Estudos de Traduccedilatildeo pelo Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Linguumliacutestica Aplicada da Universidade de Brasiacutelia
Orientadora Professora Doutora Vaacutelmi Hatje-Faggion
BRASIacuteLIA 2009
2
F224o Faria Johnwill Costa
Of mice and men de John Steinbeck a oralidade na literatura como
problema de traduccedilatildeo Johnwill Costa Faria Brasiacutelia UnB Instituto de Letras 2009 xi 219 f il 30 cm
Orientador(a) Vaacutelmi Hatje-Faggion Dissertaccedilatildeo (mestrado) Universidade de Brasiacutelia Instituto de Letras Departamento de Liacutenguas Estrangeiras e Traduccedilatildeo 2009
1 Estudos de traduccedilatildeo 2 Traduccedilatildeo literaacuteria 3 Reescritura 4 Oralidade I Hatje-Faggion Vaacutelmi II Universidade de Brasiacutelia IIITiacutetulo
CDU 82035
3
COMISSAtildeO EXAMINADORA
_____________________________________________________
Professora Doutora Vaacutelmi Hatje-Faggion Orientadora
Universidade de Brasiacutelia (UnB)
Professora Doutora Sudha Swarnakar Examinadora Externa
Universidade Estadual da Paraiacuteba (UEPB)
____________________________________________________
Professora Doutora Cynthia Ann Bell dos Santos Examinadora Interna
Universidade de Brasiacutelia (UnB)
________________________________________________________________
Professora Doutora Germana Henriques Pereira de Sousa Suplente
Universidade de Brasiacutelia (UnB)
Brasiacutelia 17 de julho de 2009
4
DEDICATOacuteRIA
Ao meu saudoso pai Seu Joatildeo
que do plano eteacutereo onde agora habita
por certo contempla feliz minha conquista
Agrave minha querida matildee Dona Vilma
a quem principalmente devo
o incentivo para minha formaccedilatildeo cultural
Agrave minha doce esposa Patriacutecia Emanuelle
que com sua ternura intelecto e amor
desempenhou um papel fundamental neste mestrado
5
AGRADECIMENTOS
Ao Criador Agente Supremo por minha vida e pela capacidade que me dotou
Agrave minha orientadora professora Vaacutelmi Hatje-Faggion por sua atenccedilatildeo vigilante
seus conselhos valiosos e sobretudo por seu carinho apoio e caraacuteter
Agraves examinadoras da banca professoras Sudha Swarnakar Cynthia Ann Bell dos
Santos e Germana Henrique Pereira de Sousa pela honra de tecirc-las presentes no aacutepice deste
processo
Aos professores da Universidade de Brasiacutelia que direta ou indiretamente me
ajudaram durante as etapas deste mestrado
em especial ao professor Aacutelvaro Faleiros por
sua simpatia e pelo seu conhecimento transmitido
A todos os funcionaacuterios principalmente agrave Thelma agrave Eliane e ao Guilherme
Aos meus colegas de mestrado pela amizade e companheirismo nas horas de
anguacutestia e de alegria
Ao Ivan Pinheiro Machado editor da LampPM por sua atenccedilatildeo e tempo
dispensados nas respostas ao questionaacuterio que lhe enviei
Agrave tradutora Ana Ban por sua importante contribuiccedilatildeo ao responder as minhas
questotildees e tambeacutem por sua prontidatildeo e desejo de me ajudar
Aos meus mestres do passado e colegas de infacircncia e juventude companheiros
que me ajudaram a formar e a consolidar minha bagagem intelectual e humana Saudades
6
O que vale na vida natildeo eacute o ponto de partida e sim a caminhada
Caminhando e semeando no fim teraacutes o que colher
Cora Coralina
Valeu a pena Tudo vale a pena
Se a alma natildeo eacute pequena
Quem quer passar aleacutem do Bojador
Tem que passar aleacutem da dor
Deus ao mar o perigo e o abismo deu
Mas nele eacute que espelhou o ceacuteu
Fernando Pessoa
7
RESUMO
Esta dissertaccedilatildeo investiga a atividade tradutoacuteria como reescritura ou seja a traduccedilatildeo compreendida como um novo texto construiacutedo conforme a subjetividade do tradutor o qual tambeacutem dirige seu olhar para o autor o texto e a cultura de partida e para a recepccedilatildeo em seus aspectos de aceitabilidade do que seraacute o produto final Entende-se que a recepccedilatildeo eacute constituiacuteda natildeo soacute pelo puacuteblico leitor geral mas tambeacutem por vaacuterios agentes inseridos na complexa dinacircmica social onde sempre imperam conceitos de ordem ideoloacutegica e de poder que consequumlentemente vatildeo interferir de alguma forma no processo de escolha seleccedilatildeo e publicaccedilatildeo da traduccedilatildeo Estas ideacuteias encontram subsiacutedio na teoria dos polissistemas particularmente na contribuiccedilatildeo de intelectuais como Itamar Even-Zohar Gideon Toury e Andreacute Lefevere dentre outros Eacute esta a base teoacuterica principal que fundamentaraacute este trabalho que consiste no estudo de alguns problemas de traduccedilatildeo ou seja as diferenccedilas nem sempre conciliaacuteveis entre a cultura do texto de partida e a cultura do texto de chegada Dentre esses problemas que causam dificuldades ao tradutor destaca-se a questatildeo de como traduzir a liacutengua oral utilizada pelos personagens de John Steinbeck em seu romance Of mice and men Logo seraacute realizada uma anaacutelise descritiva e comparativa de trecircs traduccedilotildees desse romance publicadas no Brasil em diferentes eacutepocas todas sob o tiacutetulo comum Ratos e homens a primeira traduccedilatildeo eacute de Eacuterico Veriacutessimo (Porto Alegre Editora do Globo 1940) a segunda eacute de Myriam Campello (Satildeo Paulo Ciacuterculo do Livro 1991) e a terceira eacute de Ana Ban (Porto Alegre LampPM 2005) Para este propoacutesito como referecircncia teoacuterica de anaacutelise seraacute utilizado como ponto de partida o esquema teoacuterico de descriccedilatildeo de traduccedilotildees literaacuterias de Lambert e Van Gorp (1985) (dividido em quatro estaacutegios dados preliminares macroestrutura microestrutura e contexto sistecircmico) Os dados deste estudo indicam como a dinacircmica social e seus agentes interferem no processo de elaboraccedilatildeo de uma reescritura tendo os usos da liacutengua oral como uma dificuldade relevante para o tradutor Deste modo observa-se como e por que os tradutores de Steinbeck analisados aqui propotildeem soluccedilotildees diferentes para a linguagem dos diaacutelogos em Of mice and men caracterizada como um dialeto estigmatizado da liacutengua inglesa mas que ganha perfis diferenciados nestas traduccedilotildees brasileiras
Palavras-chave traduccedilatildeo literaacuteria
oralidade
variedades linguumliacutesticas
reescrituras
John Steinbeck
Of mice and men
8
ABSTRACT
This master s thesis investigates translating as a rewriting activity that is the translation is understood as a new text constructed according to the translators subjectivity while looking towards the author the text and the source culture and towards the reception in terms of the acceptability of what is to become the final product It is understood that reception includes not only readers in general but also several agents who are part of the complex social dynamics where ideological and power concepts prevail the consequence being that they will exert some manner of intervention in the processes involved in the choice selection and publication of a given translation These ideas find subsidies in the polysystem theory particularly in contributions given by intellectuals such as Itamar Even-Zohar Gideon Toury and Andreacute Lefevere among others This is the main theoretical basis sustaining this paper consisting in the study of some translation problems that is differences that arent always reconcilable between the culture that gave rise to the original text and the target culture of that text Of special notice among the problems causing difficulties for the translator is the question of how to translate the oral language used by John Steinbecks characters in his novel Of mice and men A descriptive and comparative analysis of three translations of this novel published in Brazil in different periods all under the common title Ratos e homens will follow The first translation is by Eacuterico Veriacutessimo (Porto Alegre Editora do Globo 1940) the second by Myriam Campello (Satildeo Paulo Ciacuterculo do Livro 1991) and the third by Ana Ban (Porto Alegre LampPM 2005) To this end as theoretical reference for our analysis Lambert amp Van Gorps (1985) description scheme of literary translations (divided in four stages preliminary data macro-level micro-level and systemic context) will be used as a starting point The data on this paper indicate how the social dynamics and its agents interfere in the development process of a rewriting when the use of oral language becomes a relevant difficulty for the translator They make it possible to note how and why the Steinbecks translators analyzed in this paper proposed different solutions for the language used in the dialogs found in Of mice and men characterized as a stigmatized dialect of the English language but which gains differing profiles in these Brazilian translations
Key words literary translation orality linguistic varieties rewritings John Steinbeck
Of mice and men
9
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO12
1 CONSIDERACcedilOtildeES SOBRE A ATIVIDADE TRADUTOacuteRIA E FUNDAMENTOS
DA TEORIA DOS POLISSISTEMAS18
11 A atividade tradutoacuteria algumas consideraccedilotildees19
12 A teoria dos polissistemas23
121 Fundamentos23
122 Conceito de sistema e polissistema25
123 Polissistema cultural28
124 Sistema literaacuterio30
125 Literatura traduzida como sistema sistema canonizado vs sistema natildeo
canonizado31
13 O papel das normas na traduccedilatildeo literaacuteria35
14 As teorias da reescritura e das refraccedilotildees41
15 O esquema teoacuterico de Lambert e Van Gorp para descriccedilatildeo de traduccedilotildees
literaacuterias45
16 Paratextos47
2 CULTURA LINGUAGEM E A TRADUCcedilAtildeO DE VARIEDADES LINGUumlIacuteSTICAS
NA LITERATURA50
21 A necessidade de novas traduccedilotildees50
22 Aspectos culturais na traduccedilatildeo55
221 Visotildees de mundo diferenccedilas culturais e juiacutezos de valor55
222 Expressotildees idiomaacuteticas57
223 A sugestividade do tiacutetulo59
224 Nomes proacuteprios61
225 Formas de tratamento e vocativos66
23 Linguagem e traduccedilatildeo68
231 Terminologia e conceitos da Linguumliacutestica68
2311 Idioma68
2312 Liacutengua68
10
2313 Dialeto70
2314 Idioleto71
2315 Variedade linguumliacutestica72
2316 Registro73
2317 Norma-padratildeo76
232 A linguagem na literatura escrita e traduzida78
2321 O prestiacutegio da norma-padratildeo78
2322 Variedades linguumliacutesticas na literatura escrita e traduzida81
24 A traduccedilatildeo de variedades linguumliacutesticas e desvios da norma-padratildeo da liacutengua83
3 OF MICE AND MEN ASPECTOS GERAIS E TRADUCcedilOtildeES 95
31 O escritor John Steinbeck biobibliografia95
32 John Steinbeck no sistema literaacuterio dos Estados Unidos98
33 A obra Of mice and men 102
331 Resumo expandido102
332 A linguagem106
34 Traduccedilotildees de Of mice and men110
35 Os tradutores112
351 Eacuterico Veriacutessimo um escritor-tradutor na Era Vargas112
352 Myriam Campello116
353 Ana Ban117
36 As editoras119
361 A editora da Livraria do Globo120
362 O Ciacuterculo do Livro124
363 A editora LampPM125
4 ANAacuteLISE COMPARATIVA DE TREcircS TRADUCcedilOtildeES DE OF MICE AND MEN
ASPECTOS GERAIS129
41 Dados preliminares130
42 Macroestrutura 134
43 Microestrutura137
44 Contexto sistecircmico147
11
5 A LINGUAGEM DE OF MICE AND MEN NAS TRADUCcedilOtildeES EM PORTUGUEcircS
BRASILEIRO OUTROS ASPECTOS153
51 A linguagem da narrativa153
52 A linguagem dos diaacutelogos159
521 O dialeto dos personagens164
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS179
REFEREcircNCIAS187
ANEXOS197
ANEXO I EDICcedilOtildeES DE OF MICE AND MENRATOS E HOMENS198
A
Of mice and men Oxford Heineman Educational Books Ltd sd 198
B
Ratos e homens Traduccedilatildeo de Eacuterico Veriacutessimo Porto Alegre Livraria do Globo
1940202
C
Ratos e homens Traduccedilatildeo de Myriam Campello Satildeo Paulo Ciacuterculo do Livro
1991205
D
Ratos e homens Traduccedilatildeo de Ana Ban Porto Alegre LPampM 2005208
ANEXO II DADOS DA PECcedilA TEATRAL ENCENADA EM 26 DE SETEMBRO DE
1956 NO TEATRO DE ARENA SAtildeO PAULO211
ANEXO III FILME DIRIGIDO POR GARY SINISE (1992)212
ANEXO IV QUESTIONAacuteRIO RESPONDIDO PELA TRADUTORA ANA
BAN213
ANEXO V
QUESTIONAacuteRIO RESPONDIDO POR IVAN PINHEIRO MACHADO
EDITOR DA LampPM POCKET215
ANEXO VI CRONOLOGIA DA GLOBOLIVROS217
12
INTRODUCcedilAtildeO
Chega mais perto e contempla as palavras cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra e te pergunta sem interesse pela resposta
pobre ou terriacutevel que lhe deres Trouxeste a chave
Carlos Drummond de Andrade
Dentre as modalidades de traduccedilatildeo escrita a traduccedilatildeo literaacuteria constitui um grande
desafio pelo alto grau de subjetividade dos textos de partida a emoccedilatildeo e a sensibilidade satildeo
suas linhas mestras que podem se apoiar em metaacuteforas jogos de palavras e todo tipo de
metalinguagem que pode resultar em interpretaccedilotildees variadas de acordo com os propoacutesitos de
cada autor Nesse acircmbito os gecircneros literaacuterios (eg a poesia o conto o romance etc) por
suas particularidades exigem do tradutor um grande esforccedilo no sentido de preservar ou
adaptar sua estrutura de maneira adequada Cada um desses gecircneros estaacute submetido a uma
forma mais ou menos riacutegida de composiccedilatildeo seguindo ou natildeo as tendecircncias de seu tempo e de
sua cultura e que ao serem traduzidas para outra liacutengua natildeo encontram necessariamente a
mesma tipologia e tradiccedilatildeo na cultura da liacutengua de chegada Outro complicador satildeo os
recursos literaacuterios como ocorre na versificaccedilatildeo (meacutetrica rimas ritmo) e em efeitos sonoros
mais comuns na poesia como a aliteraccedilatildeo e a assonacircncia
O romance embora geralmente liberado das pressotildees da meacutetrica e da rima em
que os efeitos sonoros desempenham um papel menor ainda conteacutem caracteriacutesticas que
representam dificuldades para o tradutor a sugestividade do tiacutetulo os nomes proacuteprios a
composiccedilatildeo dos personagens e suas caracteriacutesticas em relaccedilatildeo com a cultura de chegada as
variedades linguumliacutesticas (idioma liacutengua socioleto dialeto idioleto norma-padratildeo e seus
desvios etc) tom e registro dentre outras A composiccedilatildeo dos personagens aleacutem do seu
aspecto descritivo pode lanccedilar matildeo de outro recurso os efeitos da liacutengua oral com toda a sua
riqueza e peculiaridade que podem caracterizar a informalidade da fala reflexos
momentacircneos da emoccedilatildeo ou mesmo definir o seu perfil por exemplo de acordo com a sua
etnia grupo social niacutevel social gecircnero faixa etaacuteria etc Este uacuteltimo item representa um
grande desafio para o tradutor sobretudo quando a liacutengua ajuda a compor o perfil dos
personagens quando estes fazem uso dela em diaacutelogos ou monoacutelogos com efeitos muitas
vezes caracteriacutesticos da expressatildeo oral com toda a sua riqueza e peculiaridade em situaccedilotildees
do discurso que expressam principalmente os niacuteveis formal e informal da fala
13
O presente estudo por isso realizaraacute uma investigaccedilatildeo detalhada do fenocircmeno
traduccedilatildeo de uma variedade linguumliacutestica estigmatizada1 do inglecircs escrita representando a
oralidade e submetida a variaacuteveis que influenciam o modo como as traduccedilotildees satildeo elaboradas
o proacuteprio autor e a sua obra (o texto de partida) a subjetividade de quem traduz as
preferecircncias do puacuteblico leitor e os agentes institucionais Estas variaacuteveis estatildeo submetidas a
outros itens fundamentais a cultura e o tempo que satildeo determinantes sobre as transformaccedilotildees
da liacutengua e as preferecircncias e o gosto em relaccedilatildeo aos seus usos
Cada tradutor representa um universo sem igual idiossincraacutetico e sua
subjetividade e personalidade se refletem no seu produto voluntaacuteria ou involuntariamente Se
um mesmo texto for traduzido por vaacuterias pessoas o resultado disso seratildeo novos textos
diferentes entre si Portanto este estudo utilizaraacute o romance Of mice and men de John
Steinbeck em trecircs traduccedilotildees brasileiras para a liacutengua portuguesa todas sob o tiacutetulo Ratos e
homens a primeira publicada em 1940 pela editora Livraria do Globo
Porto Alegre
RS
de Eacuterico Veriacutessimo2 a segunda de Myriam Campello publicada em 1991 pela editora
Ciacuterculo do Livro
Satildeo Paulo SP e a terceira de Ana Ban publicada em 2005 pela editora
LampPM
Porto Alegre
RS as quais seratildeo analisadas e comparadas a fim de se verificar as
motivaccedilotildees e escolhas de cada tradutor ou dos agentes institucionais levando em
consideraccedilatildeo as barreiras e limitaccedilotildees de duas culturas diferentes nesse intercacircmbio e a
dinacircmica das liacutenguas Deste modo percebe-se de um lado o escritor John Steinbeck a eacutepoca
do lanccedilamento do seu livro Of mice and men (1937) e seu puacuteblico leitor angloacutefono de outro
1 Variedade linguumliacutestica estigmatizada
conforme proposta terminoloacutegica de Marcos Bagno Na literatura sociolinguumliacutestica eacute comum opor prestiacutegio a estigma O estigma em termos socioloacutegicos eacute um julgamento extremamente negativo lanccedilado pelos grupos sociais dominantes sobre os grupos subalternos e oprimidos e por extensatildeo sobre tudo o que caracteriza seu modo de ser sua cultura e obviamente sua liacutengua Assim para designar as variedades linguumliacutesticas que caracterizam os grupos sociais desprestigiados do Brasil () sugiro que a gente passe a empregar a expressatildeo variedades estigmatizadas (BAGNO 2005 67)
Bagno se refere agraves variedades linguumliacutesticas dos grupos sociais desprestigiados do Brasil entretanto por se entender que a questatildeo prestiacutegio versus estigma se trata de um fenocircmeno comum a vaacuterias sociedades humanas inclusive agrave sociedade estadunidense o termo variedade linguumliacutestica estigmatizada ganhou amplitude aqui aplicando-se tambeacutem ao dialeto da liacutengua inglesa usado pelos personagens de Of mice and men de John Steinbeck foco desta dissertaccedilatildeo de mestrado Outros termos de uso frequumlente neste trabalho oriundos da Linguumliacutestica (idioma liacutengua variedade linguumliacutestica dialeto registro tom etc) seratildeo discutidos e conceituados no capiacutetulo 2
2 Outra editora que tambeacutem publicou a traduccedilatildeo de Eacuterico Veriacutessimo de Of mice and men (1968) foi a Bruguera Segundo Liacutevio Lima de Oliveira (2007 5) a Bruguera era outra editora importante que surgiu em meados de 1970 e tentou conquistar o puacuteblico com uma coleccedilatildeo de livros de bolso Tratava-se de uma filial de uma grande editora argentina comandada por Francisco Bruguera em Buenos Aires Fazia parte da sua coleccedilatildeo o cataacutelogo Livro Amigo constituiacutedo por ficccedilatildeo brasileira e estrangeira (a maioria jaacute em domiacutenio puacuteblico) e anunciava um novo tiacutetulo a cada quinze dias conforme Hallewell (1985 564) e Coutinho apud Oliveira (2007 5) A traduccedilatildeo de 1940 portanto foi atualizada na ediccedilatildeo de 1968 por causa da vigecircncia de outro acordo ortograacutefico da liacutengua portuguesa de 1942
14
os tradutores Eacuterico Veriacutessimo Myriam Campello e Ana Ban cada qual com seu puacuteblico leitor
brasileiro situado em eacutepocas distintas (deacutecadas de 1940 1960 1990 e anos 2000
respectivamente) e suas traduccedilotildees
A metodologia de anaacutelise das traduccedilotildees utilizada adota o esquema descritivo de
Lambert e Van Gorp (1985 42-53) disposto em quatro estaacutegios nesta ordem dados
preliminares macroestrutura microestrutura e contexto sistecircmico3 Este esquema favorece o
estudo dos resultados na investigaccedilatildeo de fatores de influecircncia sobre as traduccedilotildees em questatildeo
em aspectos amplos incluindo-se natildeo apenas as estrateacutegias dos tradutores mas tambeacutem as
dos agentes institucionais (editoras revisores) o mercado de consumo e o proacuteprio produto
publicado (a traduccedilatildeo) dentre outros componentes de decisatildeo no processo tradutoacuterio
Os exemplos para anaacutelise seratildeo selecionados considerando-se trechos do texto de
partida em que a liacutengua inglesa esteja expressa no dialeto inglecircs mencionado acima em
diaacutelogos mas tambeacutem onde houver trechos relevantes da narrativa em inglecircs padratildeo (a
tipologia textual onde predomina a escrita formal de prestiacutegio em contraste com aquela
variedade linguumliacutestica estigmatizada caracteriacutestica da liacutengua falada) De ambos os registros
linguumliacutesticos ou no texto como um todo outros itens que representem problemas de traduccedilatildeo
seratildeo expostos como o tiacutetulo os nomes proacuteprios itens lexicais dentre outros
Visando esclarecer questotildees pertinentes agraves traduccedilotildees sob o ponto de vista dos
tradutores e das suas respectivas editoras haacute neste trabalho dados obtidos por pesquisa em
registros diversos em documentos impressos (pesquisa bibliograacutefica) na rede mundial de
computadores a Internet Os questionaacuterios foram utilizados com o objetivo de complementar
dados como as estrateacutegias de cada tradutor e as poliacuteticas de cada editora
Eacute sempre interessante buscar informaccedilotildees sobre os profissionais da traduccedilatildeo a
fim de consolidar a pesquisa com argumentos e justificativas de quem realizou o trabalho No
caso de Eacuterico Veriacutessimo jaacute falecido as alternativas foram a pesquisa bibliograacutefica e a busca
na Internet Quanto agraves tradutoras Myriam Campello e Ana Ban tentou-se em primeiro lugar
realizar contatos pessoais A partir dessas tentativas apenas se conseguiu comunicaccedilatildeo com
Ana Ban que respondeu a um questionaacuterio enviado por e-mail Os dados obtidos esclarecem
questotildees por exemplo sobre a composiccedilatildeo de seu perfil como tradutora sua argumentaccedilatildeo
sobre algumas soluccedilotildees e preferecircncias na traduccedilatildeo de Of mice and men informaccedilotildees de
motivaccedilatildeo mercadoloacutegica mencionando quais criteacuterios foram utilizados para publicar sua
traduccedilatildeo e ateacute que ponto ela teve autonomia para executar a sua tarefa De modo similar foi
3 Preliminary Data Macro-Level Micro-Level Systemic Context
15
obtido contato com a Editora LampPM representada por Ivan Pinheiro Machado o qual
tambeacutem respondeu a um questionaacuterio enviado por e-mail tambeacutem com questotildees que
abrangiam o mesmo assunto mas na perspectiva do editor Visto que a editora Ciacuterculo do
Livro jaacute natildeo mais existe as informaccedilotildees sobre ela foram obtidas apenas pelas vias da pesquisa
bibliograacutefica e da Internet o que aliaacutes foi tambeacutem o caminho da pesquisa sobre a Editora do
Globo de Porto Alegre incorporada agraves Organizaccedilotildees Globo em 1986 (TORRESINI 1998
apud TORRESINI 2004 12)
A escolha de Of mice and men como objeto deste estudo se deve por ser de um
autor premiado John Steinbeck (por exemplo precircmios Pulitzer de 1940 e Nobel de 1962)
reconhecido mundialmente com obras traduzidas para vaacuterios idiomas De acordo com
Goldstone e Payne (1974) apud Holmes (2004 22-40) Of mice and men destaca-se entre as
obras mais conhecidas e traduzidas de Steinbeck aleacutem de apresentar personagens que
utilizam em seus diaacutelogos uma variedade linguumliacutestica regional e estigmatizada do inglecircs
estadunidense O autor procurou representar na escrita dos diaacutelogos as marcas da oralidade o
que pelos motivos apresentados aqui pode ser um problema relevante para o tradutor
literaacuterio Essa linguagem estaacute diretamente ligada ao contexto sociocultural em que a histoacuteria
se passa (zona rural da Califoacuternia Estados Unidos deacutecada de 1930 no periacuteodo da Grande
Depressatildeo) o que pode derivar outras questotildees para o estudo de traduccedilotildees O problema da
traduccedilatildeo da oralidade como seraacute visto estaacute relacionado a como diferentes tradutores
encontram suas soluccedilotildees diante da sua perspectiva pessoal e de valores agregados conforme
seu tempo sua cultura e outras variaacuteveis que podem exercer influecircncia sobre o modo de
traduzir como os agentes institucionais
Durante as anaacutelises das trecircs traduccedilotildees supracitadas por conseguinte foram
constatados diferentes tratamentos dados a esse dialeto por parte de cada tradutor resultando
em diferenccedilas notaacuteveis principalmente no niacutevel do registro escolhido decrescente em grau de
formalidade desde a traduccedilatildeo de Veriacutessimo (1940) passando pelo trabalho de Myriam
Campello (1991) ateacute a traduccedilatildeo de Ana Ban (2005) esta a que mais tenta se aproximar do
niacutevel de linguagem do texto de partida Um dos problemas levantados considera o estudo de
John Milton (2002) sobre romances claacutessicos traduzidos para o portuguecircs entre 1945 e 1975
em que ele salienta que a praacutetica do mercado editorial brasileiro tentava evitar a maacutecula dos
desvios da norma-padratildeo do portuguecircs em traduccedilotildees de romances claacutessicos estrangeiros As
razotildees para essa conduta
anular variedades linguumliacutesticas de baixo prestiacutegio
merecem
portanto serem abordados de forma mais sistemaacutetica
16
As especificidades de uma liacutengua na sua tentativa de transposiccedilatildeo para outra
podem se revelar inconciliaacuteveis e apenas remediadas em compensaccedilotildees perdas e acreacutescimos
(manipulaccedilotildees) em virtude das diferenccedilas entre as culturas do texto de partida e do texto de
chegada Assim por exemplo considerando-se o caraacuteter evolutivo das liacutenguas dentro das
perspectivas histoacuterica geograacutefica e sociolinguumliacutestica algueacutem poderia cogitar ao traduzir ser
possiacutevel encontrar ou ateacute mesmo criar uma variedade linguumliacutestica correspondente agrave do texto
de partida Por outro lado haveria tambeacutem a opccedilatildeo de estrangeirizaacute-la (VENUTTI 1998
240-244) O que importa saber no tocante a qualquer uma dessas opccedilotildees eacute ateacute onde isso seria
possiacutevel e adequado se o que realmente se almeja eacute ser fiel ao texto original ou de outro
modo lanccedilar matildeo de algumas liberdades e traiccedilotildees segundo a cultura do puacuteblico leitor da
traduccedilatildeo
Quando se considera o puacuteblico leitor a recepccedilatildeo eacute notaacutevel o fato de que se o
objetivo de um tradutor eacute ser lido e remunerado por seu trabalho o seu produto deveraacute
alcanccedilar uma ampla divulgaccedilatildeo e a maneira mais comum eacute fazer isso pelo lado comercial O
tradutor entatildeo natildeo poderaacute mais realizar sua tarefa a seu bel-prazer e deveraacute submeter-se a
certas tendecircncias de mercado e agraves normas expliacutecitas e impliacutecitas dos agentes institucionais
que envolvem por exemplo a editora que conta com suas normas para publicaccedilatildeo (projetos
de traduccedilatildeo) e revisores e a complexa rede que compotildee a sociedade seu tempo seu espaccedilo e
sua cultura Para refletir sobre esses aspectos pode-se encontrar respaldo na teoria dos
polissistemas literaacuterios idealizada e discutida por intelectuais como Itamar Even-Zohar
Gideon Toury e Andreacute Lefevere que entendem a Literatura como um sistema manipulado
obedecendo a regras e restriccedilotildees ditadas pela cultura das sociedades num tempo e num
espaccedilo determinados
Esta dissertaccedilatildeo eacute composta de seis capiacutetulos No Capiacutetulo 1 seratildeo apresentadas
consideraccedilotildees gerais sobre traduccedilatildeo da teoria dos polissistemas A partir daiacute seraacute configurado
um segundo momento da exposiccedilatildeo em que se discorreraacute sobre essa teoria no que concerne a
sua origem seus fundamentos e seus desmembramentos aleacutem de se explorar em detalhes as
colocaccedilotildees de alguns teoacutericos dessa corrente que abordam o conceito de polissistema a
traduccedilatildeo como reescritura razotildees e criteacuterios que justificam novas traduccedilotildees Tambeacutem faratildeo
parte deste arcabouccedilo teoacuterico consideraccedilotildees sobre o esquema de anaacutelise descritiva de
traduccedilotildees de Lambert e Van Gorp (1985)
O capiacutetulo 2 se divide em trecircs partes Na primeira parte satildeo feitas reflexotildees sobre
dificuldades que o tradutor encontra na traduccedilatildeo literaacuteria e sobre o caraacuteter temporaacuterio das
traduccedilotildees devido agraves inconstacircncias da liacutengua sob influecircncia da cultura e do tempo tornando
17
necessaacuteria a renovaccedilatildeo pelo surgimento de novas traduccedilotildees de uma mesma obra Na segunda
parte satildeo abordadas questotildees da linguagem no que concerne a conceitos da Linguumliacutestica
adotados nesta dissertaccedilatildeo e os usos da liacutengua na literatura como problema de traduccedilatildeo E na
terceira parte seraacute dado um tratamento mais especiacutefico da linguagem na traduccedilatildeo dedicada agrave
traduccedilatildeo de variedades linguumliacutesticas estigmatizadas na literatura
No capiacutetulo 3 seratildeo apresentados o texto de partida e suas respectivas traduccedilotildees
Essas informaccedilotildees incluem a biobibliografia do autor John Steinbeck sua presenccedila no sistema
literaacuterio estadunidense e sua repercussatildeo perante a criacutetica e o puacuteblico mundial aleacutem de dados
sobre os tradutores brasileiros as editoras e os diferentes contextos em que o texto de partida
e suas reescrituras foram produzidos
No capiacutetulo 4 o esquema teoacuterico de descriccedilatildeo de traduccedilotildees literaacuterias de Lambert e
Van Gorp (1985) seraacute adotado como ponto de partida para uma anaacutelise comparativa do texto
de partida e suas respectivas traduccedilotildees
O capiacutetulo 5 trataraacute de questotildees de estilo e linguagem das traduccedilotildees analisadas
sobretudo a traduccedilatildeo do dialeto utilizado pelos personagens de Of mice and men
O capiacutetulo 6 constituiraacute as Consideraccedilotildees Finais em que satildeo retomados os
principais aspectos do trabalho desenvolvido com enfoque sobre os resultados das anaacutelises
das traduccedilotildees e seu respectivo texto de partida
Natildeo haacute a pretensatildeo aqui de apenas descrever o que ocorre nessas trecircs traduccedilotildees
publicadas mas sim comparaacute-las criticamente tentando interpretar cada texto no sentido de
examinar o comportamento e as tendecircncias de cada tradutor em suas escolhas tradutoacuterias Tais
interpretaccedilotildees poderatildeo gerar pontos de vista relevantes aos profissionais da traduccedilatildeo que se
depararem com a questatildeo da traduccedilatildeo de dialetos de baixo prestiacutegio deixando espaccedilo para
futuras pesquisas nesse campo onde a abordagem natildeo tenha se mostrado suficiente ou ateacute
mesmo onde ela seja omissa
18
1 CONSIDERACcedilOtildeES SOBRE A ATIVIDADE TRADUTOacuteRIA E FUNDAMENTOS
DA TEORIA DOS POLISSISTEMAS
Por entre as linhas incautas da leitura ideacuteia insidiosa se insinua
como se sugerisse um outro texto mais vivo extremo e verdadeiro
Paulo Henriques Britto
Este capiacutetulo destaca alguns pontos a respeito de pensamentos e tendecircncias acerca
da traduccedilatildeo dentro de um percurso histoacuterico que se estende ateacute o seacuteculo XX com o advento
dos estudos poacutes-coloniais Esta exposiccedilatildeo visa abordar alguns aspectos sobre como a
atividade tradutoacuteria viveu momentos diferentes transiccedilotildees e mudanccedilas de pensamento e
atitude ateacute a chegada dos pressupostos teoacutericos mais relevantes para este trabalho de
dissertaccedilatildeo a teoria dos polissistemas As reflexotildees advindas de um passado mais remoto
contrastadas com essa teoria criada no final da deacutecada de 1970 pelo israelense Itamar Even-
Zohar deixam entrever repercussotildees ou ecos que ainda satildeo percebidos hoje como no caso
especiacutefico da influecircncia francesa na cultura brasileira via Portugal por meio do classicismo
das belles infidegraveles conforme estudos de Milton (1998 e 2002) Daiacute cogita-se por exemplo
que em traduccedilotildees anteriores ao surgimento da teoria dos polissistemas (caso da traduccedilatildeo de Of
mice and men por Eacuterico Veriacutessimo de 1940) a forccedila dessa influecircncia francesa seria mais
marcante
Com o advento dos estudos poacutes-coloniais jaacute no seacuteculo XX a postura criacutetica sobre
a literatura a linguumliacutestica e o modus operandi tradicional no traduzir deu gecircnese a outros
fundamentos como por exemplo o formalismo russo uma fonte que Even-Zohar utilizou
para criar a sua teoria embasada no conceito de sistemas A partir desse ponto seraacute dado maior
destaque aos fundamentos teoacutericos da teoria dos polissistemas aperfeiccediloada por Gideon
Toury e explorada por outros estudiosos em suas derivaccedilotildees encontradas por exemplo na
teoria das refraccedilotildees e da teoria da reescritura de Andreacute Lefevere Neste acircmbito Lambert e
Van Gorp (1985 42-53) propotildeem um esquema teoacuterico de descriccedilatildeo de traduccedilotildees literaacuterias o
qual seraacute tambeacutem apresentado
19
11 A atividade tradutoacuteria algumas consideraccedilotildees
Por muitos seacuteculos desde a origem das liacutenguas e da inserccedilatildeo e inter-relaccedilatildeo do
homem nas mais diversas culturas e sua necessidade de comunicar e fazer-se entender a
traduccedilatildeo lhe serviu para esse fim Observando-se a atividade tradutoacuteria no percurso histoacuterico
vaacuterias opiniotildees e pontos de vista jaacute foram emitidos Na tradiccedilatildeo ocidental desde a
Antiguumlidade passando pela Idade Meacutedia e Renascimento a ideacuteia central sobre o tradutor e a
traduccedilatildeo escrita estaacute associada agrave imitaccedilatildeo do texto original e ao respeito profundo ao seu
autor Durante os seacuteculos XVII e XVIII destacam-se duas tendecircncias com caracteriacutesticas bem
particulares na Inglaterra o periacuteodo Augustan e na Franccedila a corrente das belles infidegraveles
Milton (1998) aborda o periacuteodo Augustan situando-o numa atitude dos tradutores
ingleses que tendiam a fazer versotildees livres ou libertinas mas que natildeo assinalavam a
liberdade completa Bassnett (2003 104) exemplifica isso com John Denham o qual via
igualdade entre o tradutor e o autor original que operavam em contextos sociais e temporais
bem diferenciados Ele salientava que o dever do tradutor seria extrair do texto de partida
aquilo que considera ser o nuacutecleo essencial da obra e reproduzir ou recriar a obra na liacutengua
de chegada De maneira geral os tradutores do classicismo inglecircs estatildeo ligados a uma teoria
em que haacute certo balanccedilo certa flexibilidade no tocante agrave traduccedilatildeo por vezes mais riacutegida
outras vezes mais livre segundo a sensibilidade de quem a executa Assim os Augustans
fornecem subsiacutedios para reflexatildeo no tocante a essa certa liberdade tradutoacuteria num pecircndulo
que oscila entre a obediecircncia servil ao autor e ao gosto do puacuteblico
Essa preocupaccedilatildeo com o gosto do puacuteblico se acentua nos tradutores franceses
dos seacuteculos XVII e XVIII fazendo com que a liberdade relativa nos ingleses encontrasse
toda a sua forccedila e plenitude na Franccedila das belles infidegraveles Assim os franceses a fim de
chegar agrave clareza de expressatildeo e agrave harmonia de som muitas vezes faziam acreacutescimos
alteraccedilotildees e omissotildees nas suas traduccedilotildees (MILTON 1998 55) Seligmann-Silva (2003)
afirma que naquela eacutepoca a traduccedilatildeo era basicamente concebida como imitaccedilatildeo de um
original pensada no sentido da tradiccedilatildeo claacutessica renascentista de imitaccedilatildeo vinculada ao
trabalho de eleiccedilatildeo imitaccedilatildeo que embeleza o modelo segundo a tradiccedilatildeo da Antiguumlidade de
que natildeo existe mimesis sem criaccedilatildeo poiesis No caso das traduccedilotildees do francecircs Perrot
d Ablancourt o que importa tambeacutem eacute a recepccedilatildeo ou seja agradar o leitor
Segundo Bassnett (2003 8) na Europa imperialista do seacuteculo XIX quando o seu
mundo conquistado se repartia em colocircnias constituiacutedas nas Ameacutericas Aacutefrica Aacutesia e
20
Oceania surge uma concepccedilatildeo marcante de traduccedilatildeo que continha ideacuteias associaacuteveis ao
colonialismo
um original era sempre visto como superior agrave sua coacutepia precisamente do mesmo modo que o modelo do colonialismo se baseava na noccedilatildeo da apropriaccedilatildeo de uma cultura inferior por uma cultura superior Como tal a traduccedilatildeo estava condenada a ocupar uma posiccedilatildeo de inferioridade relativamente ao texto de partida do qual se considerava proveniente
Desse modo o tradutor mantinha uma relaccedilatildeo servil com o texto de partida
supostamente superior ao texto traduzido agrave maneira de Dante Gabriel Rossetti apud Bassnett
(2003 22-23) em sua afirmaccedilatildeo de que o tradutor
fosse dono de sua proacutepria vontade e muitas vezes teria aproveitado determinada graccedila especial do seu idioma e da sua eacutepoca muitas vezes determinado ritmo lhe teria servido se natildeo fosse a estrutura do autor
ou determinada estrutura se natildeo fosse o ritmo do autor
Numa outra postura o tradutor tomaria o texto do original para ser melhorado e
civilizado conforme Edward Fitzgerald apud Bassnett (2003 23) Eacute para mim um deleite
seja que liberdades forem com estes persas que (penso eu) natildeo satildeo Poetas o suficiente para
intimidarem quem o queira fazer e que realmente carecem de um pouco de Arte para lhes dar
o retoque final
Agrave medida que o seacuteculo XX se aproximava percebiam-se mudanccedilas de natureza e
de metodologia nos estudos literaacuterios rompendo os limites da Europa Para Bassnett (2003
XX-XXI) essas transformaccedilotildees tambeacutem eram percebidas nos estudos de traduccedilatildeo antes de
caraacuteter demasiadamente eurocecircntrico agora com ramificaccedilotildees por exemplo na Iacutendia na
China nos paiacuteses aacuterabes na Ameacuterica Latina e na Aacutefrica Houve uma ecircnfase no fator
ideoloacutegico e tambeacutem no linguumliacutestico abrindo caminho para discussotildees bem amplas segundo o
discurso poacutes-colonial
Bassnett e Trivedi (1999 1-18) afirmam que durante o periacuteodo poacutes-colonial as
ex-colocircnias comeccedilaram a rebater as tendecircncias eurocecircntricas fazendo surgir conceitos
radicais de traduccedilatildeo Isso fica demonstrado por exemplo nas traduccedilotildees de feministas
canadenses na presenccedila do Brasil e da escola indiana de traduccedilatildeo os quais propuseram
modos alternativos de se referir agrave traduccedilatildeo em vez de trataacute-la como uma atividade
marginalizada Bassnett (2003 XX-XXI) cita alguns exemplos dessa nova tendecircncia de
pensamento como a perspectiva de Wole Soyinka ao perceber o racismo impliacutecito em textos
literaacuterios ou a metaacutefora brasileira do canibalismo cunhada pelo movimento modernista a
21
antropofagia a imagem do tradutor como canibal devorando o texto original num ritual que
resulta na criaccedilatildeo de algo completamente novo ou seja
os antropoacutefagos natildeo desejam copiar a cultura Europeacuteia mas devoraacute-la aproveitando seus aspectos positivos e rejeitando os negativos criando uma cultura nacional original que seria uma fonte de expressatildeo artiacutestica em vez de um receptaacuteculo de formas de expressatildeo cultural elaboradas em outro lugar (JOHNSON 1987 apud BASSNETT e LEFEVERE 1998 128-129)4
A questatildeo da ideologia comeccedila a ser discutida com mais ecircnfase numa posiccedilatildeo de
confronto em relaccedilatildeo agraves normas europeacuteias de se compreender as questotildees ligadas agrave praacutetica
tradutoacuteria por exemplo a velha visatildeo imperialista sobre o estatuto inferior das traduccedilotildees
frente aos originais Conforme Bassnett e Trivedi (1999 5) a traduccedilatildeo foi por seacuteculos um
processo de matildeo uacutenica em que os textos eram traduzidos para as liacutenguas europeacuteias e para o
consumo europeu ao inveacutes de se constituir um processo de intercacircmbio verdadeiro reciacuteproco
Surgiu a metaacutefora da colocircnia como traduccedilatildeo ou seja os paiacuteses colonizados eram a coacutepia
(traduccedilatildeo) de um original (Europa) Algumas dicotomias principalmente nas questotildees
literaacuterias como centro (Europa) versus periferia (Impeacuterio) sistema canonizado versus sistema
natildeo canonizado forccedilas conservadoras versus forccedilas inovadoras etc ao serem debatidas
deram margem ao surgimento de novas teorias que enxergavam as sociedades e a cultura
como elementos dinacircmicos que interagem e se influenciam de modo reciacuteproco
Os formalistas russos
sobretudo com os trabalhos de Tynianov entre outros na
deacutecada de 1920 foram os primeiros a entenderem a literatura como sistema A ideacuteia central eacute
a de que nesse sistema sempre existem disputas entre forccedilas conservadoras e inovadoras
entre obras canonizadas e natildeo canonizadas entre modelos no centro do sistema e modelos na
periferia e entre as vaacuterias tendecircncias e gecircneros (MILTON 1998 184) e que o texto literaacuterio
natildeo constitui um fato estaacutetico e isolado mas parte de uma tradiccedilatildeo e de um processo
comunicativo (FOKKEMA apud VIEIRA 1996 106) A vertente estruturalista do Ciacuterculo
Linguumliacutestico de Praga por sua vez retomou alguns conceitos dos formalistas russos e
valorizava a traduccedilatildeo como uma tarefa complexa difiacutecil que para o seu desempenho
necessitava de muito mais que o mero conhecimento multilinguumliacutestico
A partir da deacutecada de 1960 houve mudanccedilas importantes na aacuterea dos estudos de
traduccedilatildeo graccedilas agrave crescente aceitaccedilatildeo da Linguumliacutestica e da Estiliacutestica como elementos
relevantes no estudo da criacutetica literaacuteria e tambeacutem pela influecircncia do formalismo russo e do
4 The antropofagos do not want to copy European culture but rather to devour it taking advantage of its positive aspects rejecting the negative and creating an original national culture that would be a source of artistic expression rather than a receptacle for forms of cultural expression elaborated elsewhere
22
ciacuterculo linguumliacutestico de Praga Surgem daiacute a teoria da recepccedilatildeo de Jauss e Iser (Escola de
Constacircncia) de abordagem geral a teoria dos polissistemas de Itamar Even-Zohar e Gideon
Toury bem como as teorias da reescritura e das refraccedilotildees de Andreacute Lefevere Estas trecircs
uacuteltimas estatildeo geralmente associadas aos estudos de traduccedilatildeo (VIEIRA 1996 106) Durante
esse tempo os conceitos de equivalecircncia e fidelidade por exemplo foram redefinidos
relativizados e o leitor e a recepccedilatildeo ocuparam papeacuteis importantes para o processo tradutoacuterio
graccedilas a ideacuteias herdadas do Poacutes-Estruturalismo de intelectuais franceses como Jacques
Derrida Michel Foucault e Roland Barthes
A tomada de consciecircncia por parte dos estudiosos da traduccedilatildeo comeccedilou a explorar
os textos traduzidos identificando neles a presenccedila do discurso ideoloacutegico Um exemplo disso
eacute a coletacircnea de ensaios de Theo Hermans publicada em 1985 intitulada The Manipulation of
Literature e seus colaboradores afirmavam que a traduccedilatildeo tal como a criacutetica a ediccedilatildeo e
outras formas de reescrita eacute um processo manipulador (BASSNETT 2003 XVII) Essa
manipulaccedilatildeo pode ser explicada da seguinte forma5
a escrita natildeo acontece num vaacutecuo mas num contexto e o processo de traduzir textos de um sistema cultural para outro natildeo eacute uma atividade neutra inocente transparente Pelo contraacuterio a traduccedilatildeo eacute uma atividade altamente controlada e transgressiva assim as poliacuteticas da traduccedilatildeo e do traduzir merecem uma atenccedilatildeo muito maior do que receberam no passado A traduccedilatildeo tem exercido um papel fundamental na mudanccedila cultural e quando consideramos a praacutetica tradutoacuteria diacronicamente podemos aprender muito acerca da posiccedilatildeo das culturas receptoras em relaccedilatildeo agraves culturas do texto de partida (BASSNETT 1993 160)6
Tambeacutem Lefevere apud Bassnett (2003 XXIII) se refere agrave traduccedilatildeo como um
dos processos de manipulaccedilatildeo literaacuteria uma vez que os textos satildeo reescritos atravessando
fronteiras linguumliacutesticas e que essa reescrita ocorre num contexto histoacuterico-cultural definido E
Lia Wyler (2003 11) por sua vez estabelece que toda reescritura () reflete uma certa
ideologia e uma poeacutetica cuja funccedilatildeo eacute levar o receptor a reagir de uma dada maneira Para
Moya apud Santos (2008 9) as ideacuteias contidas em The Manipulation of Literature
sintetizam reuacutenem e fundem duas correntes de pensamento sobre a traduccedilatildeo estabelecidas jaacute
no final da deacutecada de 1970 os Estudos de Traduccedilatildeo de James Holmes em Amsterdam e a
5 Todos os textos em inglecircs ou outra liacutengua em notas de rodapeacute foram traduzidos pelo autor desta dissertaccedilatildeo exceto em alguns casos quando a autoria dessas traduccedilotildees eacute referida
6 Writing does not happen in a vacuum it happens in a context and the process of translating texts from one cultural system into another is not a neutral innocent transparent activity Translation is instead a highly charged transgressive activity and the politics of translation and translating deserve much greater attention than has been paid in the past Translation has played a fundamental role in cultural change and as we consider the diachronics of translation practice we can learn a great deal about the position of receiving cultures in relation to source text cultures
23
teoria dos polissistemas de Itamar Even-Zohar e Gideon Toury do grupo de Tel-Aviv
Forma-se entatildeo a Escola de Manipulaccedilatildeo embora haja algumas divergecircncias com essa
classificaccedilatildeo Tambeacutem satildeo considerados integrantes da Escola de Manipulaccedilatildeo intelectuais
como Andreacute Lefevere Joseacute Lambert Susan Bassnett entre outros
12 A teoria dos polissistemas
121 Fundamentos
A teoria dos polissistemas foi desenvolvida por Itamar Even-Zohar a qual
recebeu tambeacutem a contribuiccedilatildeo de Gideon Toury consolidando-se no final da deacutecada de
1970 Os teoacutericos desta linha vecircem a literatura como um sistema dinacircmico e complexo em
que os valores mudam constantemente em relaccedilatildeo agraves vaacuterias obras e gecircneros Uma traduccedilatildeo
portanto natildeo pode ser analisada isoladamente mas eacute vista como parte de uma rede de
relaccedilotildees que inclui todos os aspectos da liacutengua de partida e este papel pode ser central ou
perifeacuterico dentro do sistema de chegada Esses teoacutericos tambeacutem fazem suas reflexotildees sob o
prisma da recepccedilatildeo diferentemente do dogma antigo que relegava agraves traduccedilotildees um papel
menor ancilar e que se preocupava essencialmente com o original refletido com
fidelidade Tambeacutem se antes o tradutor deveria ficar invisiacutevel e submisso ao texto de
partida agora deixaria suas marcas visiacuteveis numa posiccedilatildeo de elemento criador e criativo
Outro nome importante dessa teoria eacute o de Andreacute Lefevere um autor que demonstra uma
preocupaccedilatildeo maior com as implicaccedilotildees ideoloacutegicas da traduccedilatildeo tendo desenvolvido
ramificaccedilotildees da teoria dos polissistemas ou seja a teoria da reescritura que analisa os
mecanismos de poder e a teoria das refraccedilotildees7 relacionada ao conceito de sistema
As bases da teoria dos polissistemas encontram-se principalmente no formalismo
russo e no ciacuterculo linguumliacutestico de Praga A teoria dos polissistemas (ou abordagem sistecircmica)
contribuiu muito para o estabelecimento dos estudos de traduccedilatildeo como disciplina seacuteria a partir
dos anos de 1980 quando houve um grande despertar de interesse pela teoria e praacutetica da
traduccedilatildeo Ao lado da teoria da recepccedilatildeo ajudou a instituir os novos paradigmas que fizeram
com que os estudos de traduccedilatildeo abandonassem os antigos referenciais centrados em estudos
7 Embora apresentem caracteriacutesticas especiacuteficas que as definem a teoria da reescritura e a teoria das refraccedilotildees podem ser entendidas como ramificaccedilotildees da teoria dos polissistemas conforme explicaccedilatildeo dada mais adiante ainda neste capiacutetulo
24
estritamente linguumliacutesticos que se preocupavam essencialmente em avaliar e prescrever as
traduccedilotildees e que destacavam conceitos como equivalecircncia e fidelidade ao texto de partida
Even-Zohar (1990 9-10) entendia que os sistemas semioacuteticos (cultura linguagem literatura
sociedade por exemplo) poderiam ser mais bem compreendidos e estudados se fossem
considerados como sistemas em vez de meros conglomerados de elementos diferentes entre si
e adotou uma abordagem funcionalista baseada em relaccedilotildees que podiam ser vistas entre tais
elementos
Uma postura anterior positivista reunia dados e confiava no empirismo levando
em conta a sua substacircncia material Segundo Even-Zohar (1990) a abordagem funcionalista
baseada nas relaccedilotildees portanto tomou o lugar do positivismo possibilitando conjeturar
hipoacuteteses sobre como os vaacuterios agregados semioacuteticos operavam abrindo-se um caminho para
perceber leis que regem a diversidade e complexidade dos fenocircmenos em vez de apenas
registraacute-los e classificaacute-los Deste modo os elementos semioacuteticos comeccedilaram a ser analisados
natildeo soacute pelo espectro diacrocircnico e sincrocircnico mas tambeacutem por sua dinacircmica complexa de
inter-relaccedilotildees Essa rede de inter-relaccedilotildees eacute integrada por esses elementos semioacuteticos cada
qual dentro de seu sistema se existem interaccedilotildees entre esses sistemas pode-se compreender a
soma desses sistemas como um polissistema
Um polissistema entatildeo eacute uma estrutura aberta composta de vaacuterios sistemas ou
redes simultacircneas de relaccedilotildees que se interpenetram e se sobrepotildeem em um processo
incessante dinacircmico e flexiacutevel (EVEN-ZOHAR 1990) Nesses sistemas haacute uma organizaccedilatildeo
hieraacuterquica em funccedilatildeo das relaccedilotildees de poder neles existentes Haacute num polissistema portanto
uma posiccedilatildeo dominante central e posiccedilotildees perifeacutericas variando em seu grau de forccedila A isso
Even-Zohar chamou de sistema canonizado (central mais forte) e de sistemas natildeo
canonizados (perifeacutericos mais fracos)
Os elementos do polissistema entretanto estatildeo em luta incessante Nessa disputa
elementos outrora perifeacutericos podem ganhar forccedila e se constituiacuterem como centrais
canonizando-se Por outro lado se houver a perda da posiccedilatildeo hegemocircnica haacute a
descanonizaccedilatildeo Num sistema literaacuterio por exemplo valores esteacuteticos constituiacutedos
anteriormente valorizados podem sentir a accedilatildeo de mudanccedilas provocadas por certas forccedilas
diversas e dinacircmicas como o tempo e a cultura e perder forccedila cedendo lugar a novos valores
mais prestigiados
A vertente da teoria dos polissistemas de caraacuteter descritivista que foi
desenvolvida em meados da deacutecada de 1970 por nomes como Gideon Toury Andreacute Lefevere
Joseacute Lambert Theo Hermans Dirk Delabastita e Lieven D hulst e que se fundamenta no
25
entendimento de que a traduccedilatildeo eacute orientada por normas culturais e histoacutericas isto eacute trata-se
de uma atividade influenciada por diferentes contextos socioculturais localizados em certos
momentos histoacutericos Essa influecircncia se faz por exemplo sobre as motivaccedilotildees e a escolha dos
textos a serem traduzidos visando propoacutesitos preacute-determinados O processo tradutoacuterio
depende tambeacutem de certas orientaccedilotildees recomendaccedilotildees ou mesmo a censura por parte da
editora ou de outros agentes institucionais Outras questotildees como o que diz respeito agrave
divulgaccedilatildeo a recepccedilatildeo e a avaliaccedilatildeo das traduccedilotildees tambeacutem satildeo determinadas segundo o
interesse e a participaccedilatildeo de outros agentes natildeo soacute dos tradutores
Os adeptos do descritivismo baseiam-se nos fundamentos da teoria dos
polissistemas e seu referencial eacute a recepccedilatildeo reconhecendo a traduccedilatildeo como um sistema que
interage com vaacuterios outros sistemas semioacuteticos do poacutelo receptor (num primeiro momento) e
apresentam uma visatildeo sistecircmica da literatura Assim no polissistema literaacuterio esses
estudiosos consideram a literatura traduzida como um dos seus sistemas Nos estudos
descritivos eles se direcionam para o sistema da literatura traduzida no intuito de examinar o
comportamento dos tradutores o qual eacute regido por normas no processo tradutoacuterio
122 Conceito de sistema e polissistema
Even-Zohar (1990 10-11) distingue o seu conceito de sistema daquele empregado
por Saussure da Escola de Genebra que se refere a sistema como uma rede de relaccedilotildees
estaacuteticas ( sincrocircnicas ) Para Even-Zohar essa rede de relaccedilotildees eacute dinacircmica suscetiacutevel a
mudanccedilas constantes
Segundo Mark Shuttleworth (1998 176) os vocaacutebulos sistema e polissistema
empregados por Even-Zohar satildeo sinocircnimos entretanto polissistema surge como ecircnfase
especial agrave natureza dinacircmica do conceito de sistema de modo a estabelecer um contraste uma
oposiccedilatildeo mais forte ao sentido adotado pela tradiccedilatildeo da escola linguumliacutestica de Genebra
Shuttleworth (1998 176) ainda assevera a diferenccedila de emprego dos conceitos relativos a
sistema sistecircmico por parte de Even-Zohar quando se leva em conta a teoria da gramaacutetica
funcional
ou sistecircmica
de Michael Halliday Assim o modelo de Even-Zohar concebe o
polissistema como um conglomerado (ou sistema) heterogecircneo hierarquizado de sistemas
26
que interagem e provocam um processo dinacircmico contiacutenuo de evoluccedilatildeo dentro do
polissistema como um todo (SHUTTLEWORTH 1998 176) 8
Lefevere (1985 223-224) preocupa-se em esclarecer o uso que faz do vocaacutebulo
sistema que natildeo tem nada a ver com Sistema
que tem sido usado comumente num sentido
sinistro no que diz respeito a formas de poder contra as quais natildeo se pode lutar num tom
kafkiano Muito pelo contraacuterio esse criacutetico atribui a esse vocaacutebulo um sentido utilizado para
designar um conjunto de elementos inter-relacionados que por acaso compartilham certas
caracteriacutesticas que os distinguem de outros elementos natildeo pertencentes ao sistema 9 ou nas
palavras de Rapoport apud Lefevere (1985 224) um sistema eacute uma porccedilatildeo do mundo que eacute
percebida como uma unidade e que eacute capaz de manter sua identidade a despeito de
mudanccedilas que acontecem nele 10
Even-Zohar em seus artigos The Function of the Literary Polysystem in the
History of Literature e The Relations Between Primary and Secondary Systems in the Literary
Polysystem publicados em 1978 estabelece algumas ideacuteias acerca do sistema literaacuterio o qual
por se tratar de um fenocircmeno heterogecircneo
um sistema de sistemas
seria por isso um
polissistema com vaacuterias subdivisotildees
No intuito de buscar uma definiccedilatildeo para o vocaacutebulo sistema Ubiratan Paiva de
Oliveira (1996 67-74) apoacuteia-se em Antocircnio Cacircndido (1975) e sua respectiva obra Formaccedilatildeo
da Literatura Brasileira em que a literatura eacute tratada como um sistema de obras ligadas por
denominadores comuns que permitem reconhecer as notas dominantes de uma fase onde
esses denominadores seriam um conjunto de pessoas que se constituiriam nos produtores
literaacuterios os receptores (o puacuteblico) e um mecanismo transmissor ligando-os entre si e
embora a obra literaacuteria seja sempre uacutenica e pessoal na medida em que ela natildeo alcanccedilar
ressonacircncia natildeo tornar-se coletiva atraveacutes da aceitaccedilatildeo de um puacuteblico tal obra natildeo existiraacute
como literatura (CAcircNDIDO 1975)
A partir dessas ideacuteias pode-se concluir que esses trecircs elementos constituintes do
sistema literaacuterio
produtor literaacuterio (o escritor) o puacuteblico e o mecanismo transmissor (eg as
editoras)
mantecircm entre si uma ligaccedilatildeo estabelecida por meio de normas que regem essa
8 a heterogeneous hierarchized conglomerate (or system) of systems which interact to bring about an ongoing dynamic process of evolution within the polysystem as a whole
9 designate a set of interrelated elements which happen to share certain characteristics which set them apart from other elements perceived as not belonging to the system
Citaccedilatildeo traduzida para o portuguecircs por Vieira (1996 143)
10 a system is a portion of the world that is perceived as a unit and that is able to maintain its identity in spite of changes going on in it
27
relaccedilatildeo Essas normas podem ser impliacutecitas ou expliacutecitas Por um lado deve-se supor que
tendecircncias satisfazem o puacuteblico leitor as quais muitas vezes estatildeo subentendidas sob o prisma
da ideacuteia geral que se faz da cultura receptora (normas impliacutecitas) Por outro lado os agentes
de divulgaccedilatildeo e distribuiccedilatildeo da obra geralmente com interesse pecuniaacuterio lucrativo voltado
ao comeacutercio devem estabelecer criteacuterios (normas expliacutecitas) a fim de obter sucesso
Para Cacircndido o mecanismo transmissor (as editoras e a criacutetica especializada por
exemplo) deve assegurar uma continuidade uma tradiccedilatildeo sem as quais o processo seria
interrompido
quando a atividade dos escritores de um dado periacuteodo se integra em tal sistema ocorre outro elemento decisivo a formaccedilatildeo da continuidade literaacuteria
espeacutecie de transmissatildeo da tocha entre corredores que assegura no tempo o movimento conjunto definindo os lineamentos de um todo Eacute uma tradiccedilatildeo no sentido completo do vocaacutebulo isto eacute transmissatildeo de algo entre os homens e o conjunto de elementos transmitidos formando padrotildees que se impotildeem ao pensamento ou ao comportamento e aos quais somos obrigados a nos referir para aceitar ou rejeitar Sem esta tradiccedilatildeo natildeo haacute literatura como fenocircmeno de civilizaccedilatildeo (CAcircNDIDO 1975 24)
A partir destas reflexotildees de Cacircndido chega-se a um conceito de sistema que
consiste portanto na reuniatildeo de vaacuterios elementos que interagem regidos por normas
inconscientes ou conscientes impliacutecitas ou expliacutecitas
as quais determinam e constituem
padrotildees tendecircncias e sobretudo uma tradiccedilatildeo cultural Polissistema pode entatildeo ser definido
como o agrupamento de vaacuterios desses sistemas integrados e que interagem e se influenciam
numa relaccedilatildeo muacutetua dentro de uma dinacircmica complexa
Quando se aplicam os conceitos acima agrave noccedilatildeo de sistema literaacuterio percebe-se na
verdade que se trata de um polissistema seus elementos constituintes satildeo os escritores e seu
puacuteblico visado mediados pelos agentes institucionais (editores revisores criacuteticos etc)
responsaacuteveis pela seleccedilatildeo publicaccedilatildeo divulgaccedilatildeo distribuiccedilatildeo e venda de livros Cada um
desses observados isoladamente tambeacutem pode ser considerado como sistema individual com
caracteriacutesticas proacuteprias Mas conforme o que jaacute foi mencionado anteriormente estes sistemas
individuais interagem e satildeo submetidos a influecircncias muacutetuas resultando na caracterizaccedilatildeo do
sistema maior a que estatildeo de certa forma hierarquicamente submetidos o (poli)sistema
literaacuterio Com isso chega-se agrave noccedilatildeo de polissistema como um sistema de subsistemas
28
123 Polissistema cultural
Leila Darin (2006 65-71) numa resenha do livro Translating Cultures de David
Katan (2004) dispotildee algumas colocaccedilotildees que Katan faz sobre cultura Num desses
momentos ela expotildee como Katan aborda a influecircncia que a cultura exerce sobre a
comunicaccedilatildeo em todas as suas manifestaccedilotildees de ordem cultural e linguumliacutestica Darin entatildeo
sintetiza essas ideacuteias no pressuposto de que todo e qualquer produto gerado por um contexto
cultural eacute moldado de acordo com certas convenccedilotildees de acordo com os ditames de uma dada
cultura Esse contexto cultural continua Darin embora seja amplo e partilhado eacute tambeacutem em
grande parte impliacutecito e inconsciente
Segundo Darin (2006) Katan entende a cultura como um sistema partilhado que
interpreta a realidade e organiza as experiecircncias Esse criacutetico baseia-se em teoacutericos como
Robinson (1988) e Bourdieu (1990) e desse modo concebe a cultura como um processo
dinacircmico e complexo ou seja como sistema histoacuterico criativo de siacutembolos e
significados (ROBINSON apud DARIN 2006 66) e tambeacutem como um sistema de
estruturas internalizadas esquemas comuns de percepccedilatildeo concepccedilatildeo e accedilatildeo resultantes de
inculcaccedilatildeo e costume (BOURDIEU apud DARIN 2006 66)
Outro ponto relevante relatado por Darin (2006) eacute que Katan afirma que cada um
dos aspectos que fazem parte da cultura interliga-se a um sistema maior ou seja a Cultura
que compotildee um todo bem marcado com identidade proacutepria apesar das diferenccedilas ou da
heterogeneidade que esse sistema abarca Darin (2006 66) resume outras consideraccedilotildees de
Katan assim toda cultura implica um conjunto impliacutecito natildeo aprendido de crenccedilas
valores comportamentos estrateacutegias e processos cognitivos Esses itens reunidos em
conjuntos (sistemas internalizados) e por sua natureza dinacircmica satildeo negociados com a
realidade externa (a qual Katan chama de representaccedilatildeo )
Even-Zohar (2005 35) reconhece no funcionalismo dinacircmico (o formalismo
russo tardio o estruturalismo tcheco a semioacutetica sovieacutetica etc) como as bases da sua teoria
dos polissistemas a teoria dos polissistemas eacute basicamente uma continuaccedilatildeo do
funcionalismo dinacircmico 11 Essa heranccedila diz respeito principalmente ao conceito de sistema
(aberto dinacircmico e heterogecircneo) que segundo esse criacutetico cria condiccedilotildees favoraacuteveis para as
avaliaccedilotildees do pensamento relacional (isto eacute a observaccedilatildeo e anaacutelise do mundo semioacutetico em
suas redes de sistemas que interagem entre si) Trata-se de uma visatildeo que a exemplo de
11 Polysystem theory is basically a continuation of dynamic functionalism
29
Lotman e da escola de Moscou-Tartu (apud EVEN-ZOHAR 2005 36) coloca as pessoas
como leitoras tanto de textos como do mundo de modo que se chegou a um conceito de como
o mundo eacute modelado o que permite concluir que tudo isso reunido constitui uma cultura ou
seja um conjunto de ferramentas de compreensatildeo que permitem a vida social
12
Pode-se afirmar entatildeo que a teoria dos polissistemas apresenta a cultura como
um sistema maior (ou polissistema) que reuacutene outros sistemas e tambeacutem se relaciona com
outros sistemas paralelos em siacutentese o pensamento relacional especialmente em conexatildeo
com os sistemas dinacircmicos levou quase todos a estudar a cultura como um sistema geral um
conjunto heterogecircneo de paracircmetros com o auxiacutelio do qual as pessoas organizam sua vida 13
A partir dessas consideraccedilotildees sobre cultura Even-Zohar (2005 7-8) apresenta os conceitos de
bens e ferramentas culturais
Os bens culturais satildeo um conjunto de bens que conferem ao seu possuidor
riqueza prestiacutegio e um alto status entretanto a posse de tais bens estaacute relacionada agrave sua
transformaccedilatildeo para o consumo de mercado e logo trata-se de valores de maior ou de menor
apelo em que os itens mais valorizados podem ser exemplificados por objetos ideacuteias
atividades e artefatos rotulados como originais artiacutesticos espirituais e assim por
diante A sua posse assinala esse criacutetico pode ser utilizada por pessoas ou entidades como
forma de assumir algum tipo de controle sobre a sua respectiva comunidade assim o acesso a
esses bens eacute restrito a grupos privilegiados da sociedade os quais tambeacutem definem o valor
dessas posses Compreende-se a partir daiacute que o acesso a esses bens motiva certas aspiraccedilotildees
ou o desejo de reconhecimento que nas palavras de Even-Zohar (2005 8) esta aspiraccedilatildeo
natildeo eacute a busca abstrata de um vago sentido de respeitabilidade mas sim um sentimento
concreto que sempre funcionou no empenho pela sobrevivecircncia e pela aquisiccedilatildeo de poder
determinante 14 Eacute importante destacar que esses bens culturais de natureza tangiacutevel ou
intangiacutevel possuem valor sujeito a mudanccedilas conforme os mecanismos e a dinacircmica que
atuam sobre a sociedade e seus sistemas um determinado bem cultural pode ter alto valor
mas isso pode mudar decaindo por outro lado o baixo prestiacutegio de outro bem cultural pode
se elevar
12 all of which together constitute a culture an ensemble of comprehension tools which enable social life
13 In short relational thinking especially in connection with dynamic systems has led almost everybody to studying culture as an overall system a heterogeneous set of parameters with the help of which human beings organize their life
14 This aspiration is not an abstract pursuit of some vague sense of respectability but a concrete sentiment which has always worked in endeavors for survival and achieving deterring power
30
No conceito de ferramentas culturais a cultura eacute considerada como um conjunto
de ferramentas operacionais para a organizaccedilatildeo da vida tanto no niacutevel coletivo quanto no
niacutevel individual (EVEN-ZOHAR 2005 10)15 essas ferramentas culturais se constituem em
dois tipos as ferramentas passivas e as ferramentas ativas
As ferramentas passivas segundo Even-Zohar (2005 10) satildeo procedimentos que
ajudam a analisar explicar e dar sentido agrave realidade para os seres humanos e pelos seres
humanos conforme a tradiccedilatildeo hermenecircutica ou seja a visatildeo do mundo como um conjunto
de signos que precisam ser interpretados de modo a dar algum sentido agrave vida 16 Segundo os
semioacuteticos sovieacuteticos Lotman e Uspenskij (1971 e 1978 apud EVEN-ZOHAR 2005 10) O
principal trabalho da cultura [] eacute a organizaccedilatildeo estrutural do mundo que nos cerca A
cultura eacute um gerador de caraacuteter estrutural e cria a esfera social ao redor do homem o que
como a biosfera torna a vida possiacutevel (neste caso social e natildeo orgacircnica) 17
As ferramentas ativas se diferenciam das passivas por estarem mais ligadas ao
agir em vez do compreender Segundo Even-Zohar (2005 10) satildeo procedimentos que
com os quais tanto um indiviacuteduo como uma entidade coletiva podem lidar com qualquer
situaccedilatildeo e tambeacutem produzir qualquer situaccedilatildeo18 Na conceituaccedilatildeo de Swidler (1986) apud
Even-Zohar (2005 10) a cultura eacute um repertoacuterio ou kit de ferramentas de haacutebitos
habilidades e estilos com os quais as pessoas constroem estrateacutegias de accedilatildeo 19
124 Sistema literaacuterio
Um polissistema pode ser entendido como um conjunto de sistemas menores de
modo similar a uma teoria matemaacutetica de conjuntos Assim o polissistema cultural por
exemplo engloba outros sistemas menores (esses sistemas menores por serem tambeacutem
complexos tambeacutem podem ser chamados de polissistemas) Um desses sistemas englobados
15 a set of operating tools for the organization of life on both the collective and individual level
16 a set of signs which need to be interpreted in order to make some sense of life
17 The main work of culture [] is the structural organization of the surrounding world Culture is a generator of structuredness and it creates social sphere around man which like biosphere makes life possible (in this case social and not organic) Traduccedilatildeo para o inglecircs de Segal (1974 94
95 apud EVEN-ZOHAR 2005 10)
18 Active tools are procedures with the help of which both an individual and a collective entity may handle any situation encountered as well as produce any such situation
19 a repertoire or tool kit of habits skills and styles from which people construct strategies of action
31
pelo polissistema cultural eacute o polissistema literaacuterio do qual naturalmente faz parte a
literatura
Na perspectiva da teoria dos polissistemas a literatura eacute apresentada como um
fator ligado agraves atividades humanas em geral e natildeo como uma atividade social isolada
regulada por leis exclusivas Natildeo eacute mais enxergada como estaacutetica e distante mas altamente
cineacutetica com seus elementos em constante mutaccedilatildeo (SNELL-HORNBY 1988 24) Assim
todas as manifestaccedilotildees observadas centrais ou perifeacutericas satildeo consideradas elementos do sistema e como tal relevantes enquanto objeto de pesquisa A consequumlecircncia imediata de tal fato eacute o interesse por parte dos pesquisadores no estudo de gecircneros temaacuteticas ou modelos textuais vistos como menores ou menos nobres como eacute o caso da literatura traduzida (MARTINS 2008)
Even-Zohar (1990) afirma que dentro dos polissistemas literaacuterios existe o sistema
de literatura traduzida Segundo esse criacutetico natildeo se pode deixar de considerar o impacto das
traduccedilotildees e da sua funccedilatildeo na sincronia e na diacronia de uma dada literatura a literatura
traduzida pode ser inovadora ou conservadora e ocupar uma posiccedilatildeo central ou perifeacuterica
Eacute natural portanto concluir que essa posiccedilatildeo da literatura traduzida afeta as
normas tradutoacuterias as preferecircncias literaacuterias e a poliacutetica editorial com respeito a material
traduzido quando as obras traduzidas ocupam uma posiccedilatildeo central cria-se um clima
propiacutecio agrave introduccedilatildeo de novos modelos poeacuteticos baseados na forma do texto de partida que
disputam espaccedilo com os modelos disponiacuteveis na literatura do sistema-meta (MARTINS
2008)
125 Literatura traduzida como sistema sistema canonizado vs sistema natildeo canonizado
O processo de continuidade literaacuteria segundo as ideacuteias de Cacircndido (1975 24)
mencionadas anteriormente aproxima-se da concepccedilatildeo de sistema literaacuterio canonizado de
Even-Zohar bem como deixa margem para reflexotildees tambeacutem acerca de uma descontinuidade
ou renovaccedilatildeo dos cacircnones literaacuterios Diante do que Even-Zohar dispotildee sobre sistema
canonizado e sistema natildeo canonizado percebem-se semelhanccedilas disso com o que Cacircndido
(1975) chama de arte de agregaccedilatildeo e arte de segregaccedilatildeo a arte de agregaccedilatildeo estaacute
relacionada agrave experiecircncia coletiva visando a meios comunicativos acessiacuteveis e portanto
procura incorporar-se a um sistema simboacutelico vigente utilizando o que jaacute estaacute estabelecido
como forma de expressatildeo de determinada sociedade A arte da segregaccedilatildeo por seu turno
32
empenha-se em renovar o sistema simboacutelico em criar novos recursos expressivos e para esse
fim dirige-se inicialmente a um nuacutemero miacutenimo reduzido de receptores mas que se
destacam da sociedade
Desse modo segundo Oliveira (1996 69) a arte de agregaccedilatildeo assemelha-se ao
conceito de sistema canonizado pois ambos os vocaacutebulos reuacutenem a ideacuteia da utilizaccedilatildeo de
foacutermulas jaacute consagradas em busca de uma mais faacutecil aceitaccedilatildeo por um puacuteblico menos
exigente Por outro lado a arte de segregaccedilatildeo estaacute associada a sistema natildeo canonizado haacute
uma preocupaccedilatildeo em evoluir renovando-se
Esses postulados podem ser observados em Even-Zohar que elaborou um
discurso referente a uma tensatildeo permanente no polissistema literaacuterio existe uma disputa entre
essas forccedilas que podem se movimentar do centro (sistema canonizado) para a periferia
(sistema natildeo canonizado)
numa accedilatildeo centriacutefuga
ou no sentido contraacuterio da periferia para
o centro
o que constitui uma accedilatildeo centriacutepeta Essa luta acontece numa perspectiva
sincrocircnica resultando numa transformaccedilatildeo do eixo diacrocircnico quando uma tendecircncia se
sobrepotildee agrave outra Haacute entretanto vaacuterios centros e vaacuterias periferias dentro de um polissistema
Para Even-Zohar essas tensotildees dinacircmicas e perpeacutetuas satildeo essenciais pois os sistemas
semioacuteticos ficariam estagnados sem a renovaccedilatildeo resultante desses processos
Essa dinacircmica pode ser ilustrada pela dialeacutetica entre a arte e a sociedade as quais
estabelecem influecircncias reciacuteprocas o artista pode criar sua obra em funccedilatildeo do puacuteblico
obedecendo a certas regras e tendecircncias tradicionalmente aceitas ou entatildeo de modo
contraacuterio eacute o puacuteblico que eacute cativado por novas tendecircncias criadas pelo artista Assim quando
um escritor estaacute passivo agrave vontade do puacuteblico ele estaacute obedecendo a um sistema jaacute
consagrado canonizado Quando acontece o contraacuterio o que haacute eacute a realizaccedilatildeo de uma
vontade de transformaccedilatildeo com um novo exemplo com novas ideacuteias e percepccedilotildees do escritor
que se arrisca tentando criar seu puacuteblico Agora os elementos pertencentes a um sistema
natildeo canonizado tentam se canonizar Oliveira oferece alguns exemplos dessa uacuteltima
postura a transgressatildeo dos escritores
na literatura inglesa tivemos o caso do romance O Amante de Lady Chatterley de D H Lawrence que por utilizar descriccedilotildees agrave eacutepoca consideradas exclusividade da literatura pornograacutefica foi mantido sob proibiccedilatildeo durante muitos anos O mesmo aconteceu com Ulisses de James Joyce (OLIVEIRA 1996 70)
Oliveira (1996) destaca ainda a influecircncia da imprensa como forccedila transformadora
das artes Os romances de folhetim em moda no seacuteculo XIX constituiacuteam uma espeacutecie de
subcultura por suas caracteriacutesticas de sempre procurar atender agraves expectativas de um puacuteblico
33
leitor menos exigente de gosto tido agraves vezes como duvidoso que natildeo seguia exatamente as
normas mais requintadas de um sistema superior canonizado A consequumlecircncia poreacutem eram
vendas mais lucrativas dos jornais
Sabe-se que vaacuterios claacutessicos da literatura tiveram origem nessas publicaccedilotildees
diaacuterias Os folhetins por serem considerados naquela eacutepoca como parte integrante de uma
subcultura constituindo-se como uma subliteratura pertenciam portanto a um estrato do
sistema natildeo canonizado Depois que esses folhetins se transformaram em claacutessicos da
literatura universal foram canonizados Nesse sentido Even-Zohar menciona Dostoievski e
Charles Dickens destacando a atitude destes escritores em seguirem os paracircmetros
popularescos para sua produccedilatildeo literaacuteria Sobre Dickens Oliveira traccedila algumas
caracteriacutesticas da sua escrita
flagrantemente sentimental por vezes de tal modo que algumas de suas obras aparecem hoje envelhecidas embora outras permaneccedilam na verdade ao utilizar elementos natildeo-canonizados Dickens acabou por trazer um novo alento agrave arte de seu tempo Outra fraqueza de seus romances a estrutura de seus enredos pode ser diretamente atribuiacuteda ao fato de serem escritas para publicaccedilatildeo seriada Agraves vezes o autor tinha pouca ideacuteia do que viria a seguir quanto seus leitores Um outro aspecto em que fica evidente a presenccedila do aspecto natildeo-canonizado eacute o uso de estereoacutetipos tiacutepico da literatura perifeacuterica e que permanece sendo considerado um motivo para criacuteticas agrave sua obra Eacute que ao delinear personagens sua tendecircncia era de exagerar os traccedilos e carregar nas cores o que fazia com que suas criaccedilotildees constantemente se equilibrassem na fronteira entre o aceitaacutevel e a caricatura (OLIVEIRA 1996 71)
De modo semelhante o tradutor literaacuterio diante do exposto acerca de sistema
literaacuterio canonizado e natildeo canonizado estaacute por conseguinte obrigado a tomar um rumo
definido em seu labor e sua forma de traduzir deveraacute tambeacutem seguir certas normas ou optar
por uma espeacutecie de transgressatildeo Um exemplo desse desafio eacute a liacutengua do texto de partida ela
proacutepria inserida nessa questatildeo paradigmaacutetica no que tange agrave conversatildeo da mensagem que ela
expressa para uma cultura diferente falante de outro idioma O uso de dialetos ou variedades
linguumliacutesticas que conferem aspectos da oralidade ao texto que fogem agrave norma linguumliacutestica
padratildeo num romance ou conto constitui um problema de traduccedilatildeo que pode ser encarado de
duas maneiras uma consiste em traduzir essas variedades anulando os seus efeitos pelo uso
da linguagem correta a outra se daacute na tentativa de adequar da melhor forma possiacutevel a
liacutengua utilizada na traduccedilatildeo aos efeitos produzidos pelos desvios da gramaacutetica prescritiva da
liacutengua de partida
Even-Zohar (1990 47) argumenta que existem correlaccedilotildees entre trabalhos
traduzidos da seguinte maneira (a) no modo como seus textos de partida satildeo selecionados
pela literatura de chegada e (b) no modo que normas especiacuteficas comportamentos e poliacuteticas
34
satildeo adotados Ao desenvolver esse raciociacutenio Even-Zohar (1990 54-59) estabelece leis de
interferecircncia literaacuteria em que considera literatura como a totalidade de atividades envolvidas
com o sistema literaacuterio em questatildeo Segundo esse criacutetico a interferecircncia literaacuteria se define
como um relacionamento entre literaturas em que certa literatura A (literatura de partida)
pode se tornar uma fonte de empreacutestimos diretos e indiretos para uma outra literatura B
(literatura de chegada) Tais interferecircncias que podem ser de natureza unilateral ou bilateral
seguiriam princiacutepios gerais condiccedilotildees procedimentos e processos (EVEN-ZOHAR 1990
58-59) Dentre os princiacutepios gerais de interferecircncia estabelecidos por Even-Zohar destaca-se
que sempre ocorre a interferecircncia entre as literaturas unilateral na maioria das vezes Entre as
condiccedilotildees para o surgimento e a ocorrecircncia da interferecircncia por exemplo Even-Zohar afirma
que uma literatura de partida eacute selecionada por seu prestiacutegio e domiacutenio
No caso especiacutefico das traduccedilotildees em portuguecircs brasileiro de Of mice and men
examinadas nesta dissertaccedilatildeo alguns pontos da interferecircncia discutida por Even-Zohar se
realizam da seguinte forma a seleccedilatildeo da literatura de partida por domiacutenio pode ser vista pela
atual posiccedilatildeo hegemocircnica dos Estados Unidos e da liacutengua inglesa em niacutevel mundial Neste
caso Of mice and men do escritor norte-americano John Steinbeck ocupa uma posiccedilatildeo
privilegiada graccedilas ao poder poliacutetico econocircmico e cultural exercido pelos Estados Unidos
desde as primeiras deacutecadas do seacuteculo XX quando esse paiacutes surgiu como potecircncia mundial
No caso do romance supracitado como em outros o seu prestiacutegio alcanccedilou uma visatildeo niacutetida
pelo papel desempenhado por exemplo pela sua difusatildeo em outros meios semioacuteticos como o
teatro e o cinema hollywoodiano que atingiu outros paiacuteses como o Brasil conforme expotildee
Milton (2002 13)
A questatildeo do domiacutenio como fator de interferecircncia segundo Even-Zohar (1990
68-69) estaacute sob condiccedilotildees extra-culturais eacute natural que uma literatura dominante tenha
prestiacutegio mas essa posiccedilatildeo de domiacutenio natildeo eacute necessariamente resultante desse prestiacutegio
Desta forma o domiacutenio pelo poder do tipo imperialista forccedila o contato sobre um sistema e
pode assim engendrar a interferecircncia apesar de encontrar alguma resistecircncia pelo sistema
dominado Entretanto tal questatildeo natildeo parece se aplicar ao caso de Of mice and men em que
se percebe a influecircncia sobre o sistema brasileiro sob o prisma cultural devido ao prestiacutegio
de modo geral de senso comum que a cultura brasileira recebe a cultura dos Estados Unidos
graccedilas pelo menos em parte aos seus meios de difusatildeo
As pesquisas de Milton (2002 52-62) sobre traduccedilotildees em portuguecircs brasileiro de
romances claacutessicos estrangeiros revelam que a anulaccedilatildeo da oralidade em dialetos
estigmatizados ou sem prestiacutegio foi a tocircnica geral ateacute pelo menos a deacutecada de 1970
35
Entretanto percebem-se mudanccedilas em relaccedilatildeo a este comportamento conservador Isto se
deve em grande parte ao papel que a Linguumliacutestica assumiu a partir do final dos anos de 1960
lanccedilando reflexotildees acerca do papel da liacutengua e dos falantes com ramificaccedilotildees de estudo em
novas aacutereas como a Sociolinguumliacutestica ou seja o estudo da liacutengua em relaccedilatildeo a fatores sociais
(classe social niacutevel escolar idade sexo origem eacutetnica etc) repensando as variedades
linguumliacutesticas Como reflexo disso
apesar da persistecircncia da postura purista ainda fortemente
disseminada
as disciplinas ou aacutereas do saber ligadas ao estudo das liacutenguas comeccedilaram a se
preocupar com as implicaccedilotildees que existem por traacutes do uso da liacutengua quando por exemplo
um determinado dialeto eacute sinocircnimo de poder e prestiacutegio social ocupando uma posiccedilatildeo de
pretensa superioridade em relaccedilatildeo agraves outras variedades
Tais mudanccedilas satildeo visiacuteveis tambeacutem na atividade tradutoacuteria quando se observam
tentativas de respeitar a variaccedilatildeo linguumliacutestica utilizada na literatura resultando em traduccedilotildees
que mal ou bem se esforccedilam em recriar as impressotildees do texto de partida Mas isso natildeo
impede que a visatildeo anterior conservadora ainda produza traduccedilotildees que corrigem os desvios
da norma-padratildeo Algumas traduccedilotildees brasileiras que utilizam a outra opccedilatildeo podem ser vistas
nos seguintes exemplos a traduccedilatildeo do Ulysses por Antocircnio Houaiss de 1965 que procura
recriar muitos dos traccedilos estiliacutesticos originais ainda que de uma maneira pessoal Mais
recentemente a traduccedilatildeo do The Color Purple (1986) tentou reproduzir o inglecircs norte-
americano dos negros (MILTON 2002 59) O mesmo Ulysses tem outra traduccedilatildeo em
portuguecircs mais atual realizada por Bernardina da Silveira Pinheiro publicada em 2005 e
tambeacutem tenta recriar os dialetos dos personagens de modo relativamente semelhante ao do
texto de James Joyce A tradutora Ana Ban por sua vez traduziu Of mice and men de John
Steinbeck (Ratos e homens 2005) tambeacutem com a intenccedilatildeo de respeitar o dialeto dos
personagens utilizando um dialeto brasileiro segundo as convicccedilotildees que essa tradutora
julgou mais adequadas agrave tentativa de reproduccedilatildeo dos efeitos do texto de partida
13 O papel das normas na traduccedilatildeo literaacuteria
Gideon Toury contribuiu para a teoria dos polissistemas dando a ela uma maior
formalizaccedilatildeo e tomando uma postura mais radical focalizando o produto e natildeo o processo da
traduccedilatildeo A discussatildeo volta-se para o poacutelo receptor pois eacute em funccedilatildeo dele que a maioria das
traduccedilotildees existe Eacute pela perspectiva da recepccedilatildeo que os objetivos da traduccedilatildeo satildeo traccedilados e
determinados As traduccedilotildees existem pela necessidade que o puacuteblico tem de compreender
36
mensagens e significados expostos numa cultura diferente da sua os quais devem ser
decodificados da melhor maneira possiacutevel Toury apud Vieira (1996 133) afirma que as
teorias da traduccedilatildeo precedentes satildeo centradas na origem e por isso tecircm uma natureza
inevitavelmente diretiva e normativa por considerarem a traduccedilatildeo como uma reconstruccedilatildeo
do texto original pois focalizam o ato da traduccedilatildeo que de fato procede do original assim
as traduccedilotildees satildeo descritas pelo que elas natildeo satildeo
Tal criacutetica revela certa incoerecircncia das teorias tradicionais no que tange a
conceitos bastante discutidos e discutiacuteveis como fidelidade e equivalecircncia (abordagem
prescritiva) na traduccedilatildeo Se um texto traduzido pode ser considerado uma reconstruccedilatildeo do
original essa reconstruccedilatildeo jamais o resgataraacute em sua integridade pois os significados nunca
satildeo estaacuteveis Para Derrida apud Bassnett (2003 15) a traduccedilatildeo ao mesmo tempo em que
assegura a sobrevivecircncia do texto torna-se de fato um novo original numa outra liacutengua
Desse modo quando se privilegia a atenccedilatildeo ao texto de partida forccedilosamente se chegaraacute agrave
observaccedilatildeo de perdas e traiccedilotildees na traduccedilatildeo numa abordagem prescritiva sobre o que se
deve ou natildeo se deve fazer
A teoria dos polissistemas portanto desvia o centro das atenccedilotildees dos debates
sobre fidelidade e equivalecircncia e examina o papel do texto traduzido no seu novo contexto
sem julgamentos sobre os procedimentos adotados na traduccedilatildeo Em vez disso procura
compreender as mudanccedilas de ecircnfase durante a transferecircncia de textos de um sistema literaacuterio
para outro
Outra contribuiccedilatildeo de Toury consiste na sua preocupaccedilatildeo em fazer consideraccedilotildees
sobre o conceito de norma tomando-o como ponto importante para os Estudos da Traduccedilatildeo
literaacuteria descrevendo em alguns detalhes a sua natureza e o seu papel na traduccedilatildeo literaacuteria e
tentando resolver questotildees que envolvem possiacuteveis fontes e meacutetodos para o estudo das
normas de traduccedilatildeo Em primeiro lugar este criacutetico afirma que a traduccedilatildeo literaacuteria estaacute sujeita
a forccedilas que restringem limitam e de certa forma direcionam norteiam esta atividade Ele
classifica essas forccedilas entre dois extremos regras objetivas e relativamente absolutas (que se
aplicam de forma geral) de um lado e de outro idiossincrasias completamente subjetivas
(que se aplicam de forma especiacutefica)
Entre estes dois poacutelos natildeo haacute uma fronteira claramente distinta mas sim uma
situaccedilatildeo intermediaacuteria que Toury designa por normas constituiacutedas por fatores intersubjetivos
ou seja tipos de coerccedilatildeo
mais leves ou mais riacutegidos
que se inter-relacionam Essa
tipologia entretanto natildeo eacute de todo riacutegida Ela apresenta graus de relatividade conforme o
sistema ou subsistema em que estaacute inserida as normas satildeo especiacuteficas de acordo com cada
37
cultura e ao mesmo tempo satildeo instaacuteveis moldando-se conforme as pressotildees sociais Toury
propotildee o seguinte conceito de norma
socioacutelogos e psicoacutelogos sociais haacute muito tempo se referem a normas como a traduccedilatildeo de valores gerais ou ideacuteias compartilhadas por uma comunidade
sobre o
que eacute certo ou errado adequado ou inadequado
em instruccedilotildees de desempenho
apropriado e aplicaacutevel a situaccedilotildees particulares especificando o que estaacute prescrito e o que eacute proibido bem como o que eacute tolerado e permitido numa certa dimensatildeo comportamental () (TOURY 1995 54-55)20
Segundo Toury (1995 55) as normas satildeo adquiridas pelo indiviacuteduo durante a sua
socializaccedilatildeo e isso sempre implica em sanccedilotildees
reais ou potenciais negativas e tambeacutem
positivas Para Wexler apud Toury (1995 55) a existecircncia de normas eacute uma condiccedilatildeo sine
qua non em exemplos de rotulaccedilatildeo e regulamentaccedilatildeo sem uma norma todos os desvios
perdem sentido e se tornam casos de variaccedilatildeo livre 21
Estas consideraccedilotildees de Wexler sobre normas satildeo aplicaacuteveis em sentido geral
Toury (1995 56-57) deixa isso mais especiacutefico no campo da atividade tradutoacuteria a qual
envolve pelo menos duas liacutenguas e duas tradiccedilotildees culturais ou seja dois conjuntos separados
de normas as quais satildeo diferentes e incompatiacuteveis por natureza O tradutor bem como outros
segmentos envolvidos no processo da traduccedilatildeo tem de lidar com normas
conforme dito
relativamente instaacuteveis Toury (1995 57-59) as divide em categorias ou grupos normas
iniciais normas preliminares e normas operacionais
Por normas iniciais Toury entende a forma como a traduccedilatildeo eacute orientada ou seja
segundo o texto e a cultura de partida (source oriented) ou segundo a cultura e o texto de
chegada (target oriented) Neste caso se a traduccedilatildeo eacute orientada conforme o texto e a cultura
de partida certamente haveraacute incompatibilidades com as normas e praacuteticas da cultura e do
texto de chegada principalmente agravequelas que vatildeo aleacutem das normas e praacuteticas meramente
linguumliacutesticas Se por outro lado a segunda opccedilatildeo eacute tomada os sistemas normativos da cultura
de chegada seratildeo postos em accedilatildeo e haveraacute mudanccedilas no texto de partida que de modo quase
inevitaacutevel exigiratildeo um preccedilo a ser pago (perdas acreacutescimos manipulaccedilotildees) Entatildeo e com
20 Sociologists and social psychologists have long regarded norms as the translation of general values or ideas shared by a community as to what is right and wrong adequate and inadequate into performance instructions appropriate for and applicable to particular situations specifying what is prescribed and forbidden as well as what is tolerated and permitted in a certain behavioural dimension ( )
21 The existence of norms is a sine qua non in instances of labeling and regulating without a norm all deviations are meaningless and become cases of free variation
38
base em Even-Zohar22 enquanto que aderir agraves normas da cultura e do texto de partida
determina uma traduccedilatildeo adequada aceitar as normas da cultura e do texto de chegada
determina a sua aceitabilidade
As normas preliminares satildeo aquelas que envolvem a seleccedilatildeo de textos para
traduccedilatildeo considerando a accedilatildeo de leitores especializados (tais como editores e revisores)
durante o processo e o teacutermino do trabalho de traduccedilatildeo quando afinal avalia-se o produto
gerado (a reescritura) Segundo Toury (1995 59) estas normas estatildeo vinculadas a dois grupos
de consideraccedilotildees que natildeo raro estatildeo interconectados aquelas consideraccedilotildees ligadas agrave
existecircncia e agrave natureza real de uma poliacutetica de traduccedilatildeo definida responsaacutevel pela seleccedilatildeo de
textos segundo criteacuterios especiacuteficos a serem traduzidos num determinado momento do tempo
e aquelas relacionadas agrave orientaccedilatildeo da traduccedilatildeo Poliacuteticas diferentes podem se aplicar a
diferentes subgrupos seja em termos de tipos textuais (por exemplo literaacuterios versus natildeo
literaacuterios) ou agentes humanos (por exemplo diferentes editoras)
A relaccedilatildeo desses subgrupos favorece amplo terreno para discussotildees que
examinam as poliacuteticas de traduccedilatildeo No caso das traduccedilotildees indiretas (ie quando a traduccedilatildeo
natildeo eacute feita a partir da liacutengua em que o texto foi originalmente produzido) por exemplo
existem niacuteveis de toleracircncia segundo um polissistema determinado Assim Toury faz os
seguintes questionamentos
a traduccedilatildeo indireta eacute afinal de contas permitida Ao se traduzir a partir de que liacutenguastipos de textoperiacuteodos (etc) isso permitidoproibidotolerado preferido Quais satildeo as liacutenguas mediadoras permitidasproibidastoleradaspreferidas Existe uma tendecircnciaobrigaccedilatildeo de marcar um trabalho traduzido como mediado ou este fato eacute ignoradocamufladonegado E se for mencionado a identidade da liacutengua mediadora eacute fornecida tambeacutem (TOURY 1995 58)23
As normas operacionais se referem agraves decisotildees e escolhas tradutoacuterias que
envolvem o processo de traduccedilatildeo Estas por afetarem a matriz do texto regem tambeacutem direta
ou indiretamente os relacionamentos obtidos entre os textos de partida e de chegada ou seja
o que mais provavelmente permaneceria imutaacutevel e o que mudaria Deste modo Toury
22 An adequate translation is a translation which realizes in the target language the textual relationships of a source text with no breach of its own [basic] linguistic system (EVEN-ZOHAR 1975 43 apud TOURY 1995 57) ( Uma traduccedilatildeo adequada eacute a que realiza as relaccedilotildees textuais de um texto de partida na liacutengua de chegada sem nenhuma falha de seu proacuteprio sistema linguumliacutestico [baacutesico] )
23 is indirect translation permitted at all In translating from what source languagestext-typesperiods (etc) is it permittedprohibitedtoleratedpreferred What are the permittedprohibitedtoleratedpreferred mediating languages Is there a tendencyobligation to mark a translated work as having been mediated or is this fact ignoredcamouflageddenied If it is mentioned is the identity of the mediating language supplied as well
39
estabelece duas subcategorias para as normas operacionais as normas matriciais e as normas
linguumliacutestico-textuais
A razatildeo de ser das normas matriciais eacute a correspondecircncia em grau de similaridade
entre o material linguumliacutestico do texto de chegada e o texto de partida ou seja quando existe
material da liacutengua de partida para substituir o material correspondente da liacutengua de partida
Deste modo as normas operacionais (matriciais) determinam tambeacutem a plenitude da
traduccedilatildeo a posiccedilatildeo ou distribuiccedilatildeo desse material no texto e a sua segmentaccedilatildeo textual
(SANTOS 2008 28)
As normas linguumliacutestico-textuais por sua vez governam a seleccedilatildeo de material para
formular o texto de chegada ou substituir o material textual e linguumliacutestico original Podem ser
tanto gerais (aplicando-se agrave traduccedilatildeo qua traduccedilatildeo) como particulares (quando elas se aplicam
somente a um tipo textual especiacutefico eou modo de traduccedilatildeo)
Theo Hermans (1998 51-72) tambeacutem reconhece que as normas se expressam em
prescriccedilotildees proibiccedilotildees preferecircncias e permissotildees e que essas mesmas normas se legitimam
por meio de valores institucionais e satildeo transmitidas por meio de preceitos e exemplos
exercendo uma funccedilatildeo reguladora geral Esse criacutetico no intuito de elaborar mais
consideraccedilotildees acerca desse tema utiliza um exemplo documental verificando implicaccedilotildees
sobre os processos e resultados de uma traduccedilatildeo de um padre flamengo Adrianus de Buck no
contexto do seacuteculo XVII nos Paiacuteses Baixos Trata-se do trabalho desse religioso catoacutelico em
traduzir do latim para o holandecircs uma obra de Boeacutecio em 1653 O Consolo da Filosofia (De
Consolatio Philosophiae) De Buck viveu num periacuteodo em que o contexto poliacutetico e religioso
dos Paiacuteses Baixos se dividia em dois segmentos a regiatildeo norte de tradiccedilatildeo protestante
calvinista (por causa da influecircncia francesa) e a regiatildeo sul (Flandres) de tradiccedilatildeo catoacutelica
(devido agrave influecircncia espanhola)
Essa obra de Boeacutecio com influecircncia de Platatildeo e Aristoacuteteles trata basicamente de
momentos em que o autor preso e agraves veacutesperas de ser executado tenta se confortar com ideacuteias
filosoacuteficas numa postura estoacuteica Entretanto Hermans (1998 52) percebeu nessa traduccedilatildeo de
De Buck a presenccedila da ideologia catoacutelica contra-reformista pois esse padre tradutor
apropriou-se do tema do texto de partida usando-o com um propoacutesito especiacutefico os leitores da
traduccedilatildeo leriam Boeacutecio num momento de necessidade pois a expansatildeo francesa (calvinista)
jaacute estava chegando agravequeles arredores Aleacutem disso De Buck tomou o discurso de Boeacutecio como
catoacutelico por exemplo a noccedilatildeo cristatilde do livre-arbiacutetrio refutada pelos calvinistas uma das
razotildees por que Boeacutecio natildeo era traduzido por eles assim o Boeacutecio de De Buck afirma
40
Hermans representa uma tradiccedilatildeo tradutoacuteria diferente daquela da regiatildeo norte francesa dos
Paiacuteses Baixos durante o seacuteculo XVII
Hermans (1998 55) afirma que as convenccedilotildees sociais as normas e regras estatildeo
intimamente ligadas a valores sendo que uma norma abrange o entendimento do que uma
dada comunidade se refere como correta e apropriada Entatildeo a forccedila diretiva de uma norma
estaacute ali para assegurar e manter esses valores daiacute Hermans conclui que se as normas satildeo
relevantes para o ato da traduccedilatildeo entatildeo a traduccedilatildeo nunca estaacute livre de valores Deste modo ao
tomar Boeacutecio como escritor catoacutelico De Buck demonstra uma percepccedilatildeo eacute ideoloacutegica
perspectiva sobredeterminada e manipuladora
Num trabalho anterior Hermans (1993 69-88) discute sobre o papel da traduccedilatildeo
como modelo em dois sentidos como a construccedilatildeo de um modelo de um texto de partida
(quando esse criacutetico faz analogias com a teoria dos modelos de Max Black) e como um tema
relacionado a implicaccedilotildees socioculturais em que se percebe a presenccedila de normas que regem
o processo tradutoacuterio (quando Hermans leva tambeacutem em conta o lugar e a funccedilatildeo de modelos
discursivos e protoacutetipos em relaccedilatildeo a normas) Ao tomar o segundo aspecto o das normas
Hermans considera a traduccedilatildeo como uma atividade que envolve uma rede de agentes ativos
retomando alguns aspectos que estatildeo ligados agrave discussatildeo sobre o papel das relaccedilotildees
socioculturais em que os sujeitos constroem e reconhecem relaccedilotildees e como seres sociais
vistos tanto como individualmente como em grupos reconhecidos por uma identidade que
sempre tecircm certos preconceitos e interesses
A traduccedilatildeo portanto conclui Hermans eacute uma questatildeo de transaccedilotildees entre grupos
que tecircm interesses Assim se traduzir significa realizar transformaccedilotildees semioacuteticas em que haacute
escolhas alternativas decisotildees estrateacutegias fins e objetivos regidos por normas (1993 77) As
normas continua o criacutetico satildeo como versotildees mais fortes das convenccedilotildees sociais Hermans
explica que as convenccedilotildees sociais entretanto satildeo apenas uma questatildeo de haacutebitos precedentes
e compartilhados e por isso satildeo expectativas compartilhadas enquanto que as normas
sociais apesar de guardar semelhanccedilas com as convenccedilotildees satildeo mais arbitraacuterias e diretivas
assim natildeo apenas se esperam determinados comportamentos mas tambeacutem como se deve
comportar Portanto ao se considerar normas haacute natildeo soacute expectativas mas tambeacutem
obrigaccedilotildees proibiccedilotildees toleracircncias e permissotildees (HERMANS 1993 80-81)
Aplicando-se isso ao exemplo da traduccedilatildeo de Boeacutecio realizada por De Buck
supracitada pode-se refletir sobre duas perspectivas naquele contexto dos Paiacuteses Baixos do
seacuteculo XVII Boeacutecio natildeo traduzido pela parte norte protestante versus Boeacutecio traduzido por
De Buck na parte sul ou seja valores antagocircnicos colocados frente a frente sob a perspectiva
41
de um texto de partida negado ou aceito mas manipulado Dessa forma duas ideologias
tomam um mesmo texto conforme seus propoacutesitos (escolhas alternativas decisotildees
estrateacutegias fins e objetivos regidos por normas) individuais e divergentes
Chesterman (1993 1-20) por sua vez leva em conta os processos e resultados da
traduccedilatildeo ao que denomina normas de traduccedilatildeo alegando que o estudo dessas normas de
traduccedilatildeo possibilita aos estudos de traduccedilatildeo o agrupamento de dados uma preparaccedilatildeo para
que se destina tanto agrave descriccedilatildeo quanto agrave avaliaccedilatildeo das traduccedilotildees Chesterman divide as
normas de traduccedilatildeo dois segmentos (a) as normas profissionais que se relacionam com o
processo de traduccedilatildeo (normas de responsabilidade comunicaccedilatildeo e de relaccedilatildeo entre a
culturatexto de partida e a culturatexto de chegada) e (b) as normas de expectativa que se
referem ao resultado da traduccedilatildeo (o produto final) levando em conta as expectativas do
puacuteblico leitor
14 As teorias da reescritura e das refraccedilotildees
Andreacute Lefevere referindo-se agrave teoria literaacuteria moderna e citando Steiner afirma
que os formalistas russos viam a cultura como
um sistema de sistemas complexo composto de vaacuterios subsistemas como a literatura a ciecircncia e a tecnologia Inseridos nesse sistema geral os fenocircmenos extra literaacuterios natildeo se relacionam com a literatura de uma maneira simples mas em interaccedilatildeo com os subsistemas segundo a loacutegica da cultura a que pertencem (LEFEVERE 1992 11)24
Lefevere (1992 11-25) tambeacutem afirma que dentro desse conjunto complexo de
inter-relaccedilotildees entre subsistemas a Literatura eacute um sistema manipulado pois consiste de
textos (objetos) e agentes humanos que lecircem escrevem e reescrevem textos Sob esta oacutetica
podemos enxergar os tradutores os criacuteticos os historioacutegrafos os editores e antologistas
emitindo suas opiniotildees e juiacutezos segundo as suas concepccedilotildees a respeito de um trabalho
literaacuterio Essa atuaccedilatildeo consiste em que de certa forma podemos considerar como a
reescritura de uma obra Dentro da abordagem sistecircmica o sistema maior (sistema social)
engloba outros os quais natildeo satildeo estanques imutaacuteveis pois estatildeo abertos agrave influecircncia muacutetua
24 a complex system of systems composed of various subsystems such as literature science and technology Within this general system extraliterary phenomena relate to literature not in a piecemeal fashion but as an interplay among subsystems determined by the logic of the culture to which they belong
42
segundo a loacutegica da cultura Lefevere (1992 14) entatildeo faz a seguinte pergunta () quem
controla a loacutegica da cultura Eacute ele mesmo quem daacute a resposta afirmando que haacute dois
fatores atuantes O primeiro fator eacute interno e pertencente ao sistema literaacuterio o segundo por
sua vez eacute externo estaacute fora desse sistema O primeiro
constituiacutedo por profissionais como
criacuteticos revisores professores tradutores
tenta controlar o sistema literaacuterio internamente a
partir dos paracircmetros definidos pelo segundo a patronagem ou seja
( ) algo como as forccedilas (pessoas instituiccedilotildees) que datildeo impulso ou causam empecilhos agrave leitura agrave escrita e agrave reescrita da literatura ( ) Em geral a patronagem estaacute mais interessada na ideologia da literatura do que em sua poeacutetica e pode-se dizer que o patrono delega autoridade ao profissional no que diz respeito agrave poeacutetica (LEFEVERE 1992 15)25
Lefevere explica que a patronagem normalmente estaacute mais interessada na
ideologia da literatura do que em sua poeacutetica Isso pode ser determinante por exemplo na
traduccedilatildeo literaacuteria que por objetivos comerciais ou morais por exemplo devem-se seguir
algumas normas e natildeo necessariamente o livre arbiacutetrio e o gosto do tradutor Esse criacutetico
afirma que a patronagem consiste de trecircs elementos a ideologia o aspecto econocircmico e o
status os quais podem interagir em vaacuterias combinaccedilotildees A ideologia age como imposiccedilotildees
sobre a escolha e o desenvolvimento tanto da forma quanto do conteuacutedo em questatildeo num
sentido que natildeo se aplica somente agrave esfera poliacutetica a ideologia seria vista como o produto
acabado da forma da convenccedilatildeo e da crenccedila que comanda nossas accedilotildees 26 (JAMESON apud
LEFEVERE 1992 16) O componente econocircmico diz respeito aos ganhos materiais por
exemplo o pagamento do tradutor ou escritor feito pelo patrono incluindo-se aiacute os direitos
autorais sobre a venda de livros ou o emprego desses profissionais da escrita como
professores ou revisores Lefevere assinala que o componente econocircmico muitas vezes natildeo se
dissocia do componente ideoloacutegico eacute preciso agradar ou pelo menos natildeo contrariar a fonte
de rendimentos Do contraacuterio perde-se o favor em troca de possiacuteveis retaliaccedilotildees as quais em
tempos mais antigos como o de Chaucer ou o de Shakespeare podiam significar ateacute mesmo a
prisatildeo ou a morte Por uacuteltimo o status liga-se ao fato de que a aceitaccedilatildeo da patronagem
implica uma integraccedilatildeo do profissional a certo grupo social de prestiacutegio e seu estilo de vida
por vezes requintado
25 () something like the powers (persons institutions) that can further or hinder the reading writing and rewriting of literature ( ) Patronage is usually more interested in the ideology of literature than in its poetics and it could be said that the patron delegates authority to the professional where poetics is concerned
26 Ideology would seem to be that grillwork of form convention and belief which orders our actions
43
A patronagem conforme explica Lefevere eacute exercida por indiviacuteduos isolados ou
grupos de pessoas como um grupo religioso um partido poliacutetico uma classe social a realeza
e sua corte publicadores e tambeacutem os meios de comunicaccedilatildeo Percebe-se assim a forccedila da
ideologia agindo sobre a sociedade e a cultura Portanto a accedilatildeo das academias da censura da
criacutetica especializada e dos estabelecimentos educacionais se natildeo regulam diretamente a
escrita da literatura pelo menos regulam a sua distribuiccedilatildeo Desta forma se algueacutem deseja
expressar sua criaccedilatildeo artiacutestica ela deve estar de acordo com a ideologia da patronagem
Lefevere classifica a patronagem em diferenciada e natildeo diferenciada ela eacute natildeo diferenciada
quando seus trecircs componentes (a ideologia o fator econocircmico e o status) estatildeo sob o controle
de um soacute patrono como num exemplo que ocorria no passado quando um rei absolutista
fazia com que um escritor ingressasse na sua corte dando-lhe uma pensatildeo Eacute diferenciada
quando o sucesso econocircmico eacute relativamente independente de fatores ideoloacutegicos e natildeo traz
necessariamente status consigo conforme o caso da maioria dos autores de best-sellers
contemporacircneos
A palavra refraccedilatildeo cunhado por Lefevere e aplicado aos estudos da traduccedilatildeo
surgiu nos anos de 1980 substituindo metaacuteforas tradicionais como a da traduccedilatildeo como
pintura ou espelho do original A pintura remete agrave imitaccedilatildeo enquanto que o espelho deixa um
reflexo Este dois vocaacutebulos tambeacutem deixam transparecer a ideacuteia de um produto ou resultado
em funccedilatildeo de um original ou seja um ponto de partida focado no emissor a cultura e a
liacutengua de partida e a preocupaccedilatildeo de reproduzi-las com fidelidade Refraccedilatildeo pode significar
no contexto da Fiacutesica a modificaccedilatildeo da forma ou da direccedilatildeo de uma onda ao atravessar uma
interface que separa dois meios Tambeacutem se refere ao fenocircmeno da luz atravessando um
espectro acontecendo um desvio A partir destas definiccedilotildees pode-se afirmar que quando haacute
modificaccedilatildeo da forma ocorre uma distorccedilatildeo quando haacute modificaccedilatildeo da direccedilatildeo ocorre um
desvio Conclui-se daiacute que refraccedilatildeo no sentido mais literal deste exemplo natildeo possui caraacuteter
ativo mas passivo a luz atravessa um espectro e eacute refratada sofrendo desvio ou distorccedilatildeo
Quando o conceito de refraccedilatildeo foi aplicado aos estudos de traduccedilatildeo criou-se uma
nova metaacutefora pode-se entender a luz como a cultura e a liacutengua de partida incorporadas num
texto escrito o espectro satildeo os agentes da recepccedilatildeo responsaacuteveis pela interpretaccedilatildeo
adaptaccedilatildeo adequaccedilatildeo e reconstruccedilatildeo desse texto resultando na sua refraccedilatildeo (desvio
modificaccedilatildeo) ou seja num novo produto sendo que os agentes da recepccedilatildeo atuam conforme
regras ou normas ditadas por seu sistema ou subsistema Portanto entende-se que esta
concepccedilatildeo estaacute voltada natildeo para o emissor mas para o receptor encaixando-se nas ideacuteias
apregoadas pela Escola de Manipulaccedilatildeo agrave qual estatildeo vinculados os teoacutericos da teoria dos
44
polissistemas Assim Lefevere (1982 4) explica as refraccedilotildees como a adaptaccedilatildeo de uma obra
literaacuteria a um puacuteblico diferente com a intenccedilatildeo de influenciar a forma como o puacuteblico lecirc a
obra e constituem um fato e se manifestam na traduccedilatildeo criacutetica historiografia ensino
antologias etc
Lefevere ao desenvolver suas ideacuteias acabou encontrando um elemento que aliaacutes
jaacute estava impliacutecito nos seus argumentos sobre refraccedilotildees os mecanismos de poder Se uma
obra literaacuteria pode sofrer adaptaccedilotildees com a intenccedilatildeo de influenciar a forma como o puacuteblico a
lecirc fica claro que tais alteraccedilotildees natildeo podem ser gratuitas Se haacute uma intenccedilatildeo existe natildeo raro
a atuaccedilatildeo de formas de poder que resultam numa reescritura do texto Eis entatildeo o pressuposto
da teoria da reescritura
Conforme Else Vieira (1996 143) foi em meados da deacutecada de 1980 que
Lefevere pouco a pouco comeccedilou a substituir o termo refraccedilotildees por reescrita expandindo
o constructo teoacuterico de sistema designado por um conjunto de elementos inter-relacionados
que por acaso compartilham certas caracteriacutesticas que os distinguem de outros elementos natildeo
pertencentes ao sistema (LEFEVERE 1985 223-224)27
Voltando agraves ideacuteias de Lefevere supramencionadas pode-se afirmar que se haacute
controle este eacute exercido por elementos internos e externos ao sistema Os elementos internos
satildeo os inteacuterpretes os criacuteticos os revisores os professores de literatura etc (refratores ou
reescritores) que exercem formas de repressatildeo que pode ocorrer pela simples exclusatildeo da
obra literaacuteria ou mais comumente pela sua adaptaccedilatildeo de forma que ela atinja o grau
necessaacuterio de correspondecircncia agrave poeacutetica ou agrave ideologia da sua eacutepoca O segundo elemento
externo eacute a patronagem ou as pessoas e instituiccedilotildees que tanto podem promover incentivar ou
reprimir restringir e obstruir a escrita a leitura ou reescrita da literatura
Eacute bem visiacutevel o grau de identificaccedilatildeo entre os termos refraccedilatildeo e reescrita
chegando agraves vezes a serem usados como sinocircnimos um do outro Se refraccedilatildeo estaacute ligada a
sistema e reescritura estaacute ligada a mecanismos de poder percebe-se uma relaccedilatildeo que consiste
nas refraccedilotildees produzidas sob influecircncia das normas de um sistema mas estas normas podem
estar sob o uso de pessoas que detecircm alguma espeacutecie de poder Entatildeo o elemento principal
que distingue o primeiro termo do outro satildeo os mecanismos de poder
Em seu estudo sobre as traduccedilotildees de contos de Machado de Assis para o inglecircs
Hatje-Faggion (2006) destaca que no caso desse escritor brasileiro dentre as inuacutemeras
influecircncias que podem ser determinantes na traduccedilatildeo literaacuteria as razotildees comerciais por
27 Vide Vieira (1996 141) e nota nordm 9 desta dissertaccedilatildeo
45
exemplo podem interferir em certas decisotildees quem vai ser traduzido quais obras seratildeo
selecionadas quando e com que impacto Nesse sentido Ria Vanderauwera (1985 37)
distingue dois tipos de traduccedilatildeo a embaixadora ou metaliteraacuteria e a de consumo Se a
traduccedilatildeo eacute de caraacuteter embaixador ou metaliteraacuterio os propoacutesitos natildeo satildeo comerciais mas sim
culturais com a intenccedilatildeo de valorizar determinada cultura por exemplo oferecendo a
estudantes da liacutengua eou da literatura de partida um material baacutesico Assim autores e obras
relevantes dessa cultura em evidecircncia tornam-se disponiacuteveis a outro puacuteblico pertencente a
outra cultura No caso da traduccedilatildeo de consumo os textos satildeo escolhidos para traduccedilatildeo
recebendo um tratamento uma apresentaccedilatildeo conforme as rotinas de ediccedilatildeo de texto e
preferecircncias literaacuterias da cultura de chegada
O seguinte comentaacuterio de Bagby Juacutenior apud Hatje-Faggion (2001 144) por
exemplo atesta a funccedilatildeo embaixadora das traduccedilotildees para o inglecircs do romance Dom
Casmurro de Machado de Assis realizadas por Helen Caldwell a traduccedilatildeo eacute boa e praacutetica
para alunos pouco familiarizados com o autor o que comprova que se trata de uma traduccedilatildeo
indicada para um puacuteblico de chegada falante de inglecircs com intenccedilatildeo educativa Em resumo a
traduccedilatildeo embaixadora ou metaliteraacuteria tem a motivaccedilatildeo de valorizar a cultura do texto de
partida e o seu intercacircmbio com a cultura de chegada enquanto que a traduccedilatildeo de consumo
prima pelo lucro seguindo as expectativas comerciais Cada qual portanto desempenha um
papel de grande importacircncia sobre a escolha da obra literaacuteria a ser traduzida sustentando a
formulaccedilatildeo e a apresentaccedilatildeo do texto de chegada em proporccedilotildees e maneiras diversas com
impacto variado segundo o objetivo especiacutefico da traduccedilatildeo o tipo de texto envolvido o
tradutor o editor e suas suposiccedilotildees sobre as expectativas do leitor (HATJE-FAGGION
2006 3)
15 O esquema teoacuterico de Lambert e Van Gorp para descriccedilatildeo de traduccedilotildees literaacuterias
De acordo com Joseacute Lambert e Henrik Van Gorp (1985 42-53) o fortalecimento
dos estudos de traduccedilatildeo (meados da deacutecada de 1970) como objeto legiacutetimo da investigaccedilatildeo
cientiacutefica em geral tem tido contribuiccedilotildees mais importantes no campo da teoria da traduccedilatildeo
Esses dois criacuteticos entretanto sentiram necessidade de contribuir para esse campo no sentido
de suprir certas falhas ou deficiecircncias no que diz respeito aos estudos descritivos apontadas
por vaacuterios teoacutericos como Toury (1980) Um desses problemas seria o isolamento do estudo
de traduccedilotildees e do comportamento tradutoacuterio em certos contextos socioculturais em relaccedilatildeo agrave
46
pesquisa teoacuterica da traduccedilatildeo havendo lacunas entre as abordagens teoacuterica e descritiva
Lambert e Van Gorp sentiram a falta de uma sistematizaccedilatildeo para os estudos descritivos e
assim conceberam uma proposta teoacuterica para a descriccedilatildeo de traduccedilotildees
O estudo comparativo de traduccedilotildees de uma obra de acordo com as ideacuteias de
Lambert e Van Gorp (1985 42-53) contribui para um melhor entendimento dos meios e
processos pelos quais estes textos de chegada satildeo construiacutedos verificando-se como as normas
de cada contexto influenciam na concepccedilatildeo do produto final levando-se em conta as
expectativas dos agentes institucionais e da recepccedilatildeo de modo geral aleacutem das proacuteprias
concepccedilotildees e ideais dos tradutores tudo isso inserido numa cultura e numa eacutepoca especiacutefica
Deste modo satildeo abertas novas possibilidades para que haja mudanccedilas de atitude em relaccedilatildeo
aos tradutores e agraves suas respectivas traduccedilotildees em diferentes periacuteodos de tempo muitas vezes
haacute julgamentos de valor feitos gratuitamente sobre esta ou aquela traduccedilatildeo como a melhor a
pior sem relativizar os fatos e fatores que influenciaram cada uma dessas reescrituras
Susan Bassnett (2003 129) ao abordar a traduccedilatildeo de obras literaacuterias por meio de
exemplos analisados em pormenores justifica que ao fazer isso natildeo pretende avaliar tais
traduccedilotildees mas sim mostrar como a escolha de criteacuterios por parte do tradutor pode dar azo a
problemas especiacuteficos de traduccedilatildeo Os estudos de caso em estudos de traduccedilatildeo portanto satildeo
relevantes porque se verifica na transferecircncia de contextos (do texto de partida para textos de
chegada) a existecircncia de variedades de processos diferentes que estatildeo envolvidos O esquema
descritivo de Lambert e Van Gorp (1985 42-53) nesse intuito divide-se em quatro estaacutegios
conforme exposiccedilatildeo abaixo
O primeiro estaacutegio denominado dados preliminares examina dados que natildeo
fazem parte do texto do escritor traduzido ou seja trata dos aspectos extratextuais constantes
numa ediccedilatildeo caracteriacutesticas fiacutesicas da publicaccedilatildeo a sua embalagem (capa contracapa
folha de rosto etc) em que podem constar dados como o nome da editora ano de publicaccedilatildeo
nuacutemero de reimpressatildeo direitos autorais ou os paratextos (prefaacutecio posfaacutecio introduccedilatildeo
notas de rodapeacute etc) quantidade de capiacutetulos de paacuteginas Estas informaccedilotildees permitem que o
leitor faccedila uma ideacuteia geral do produto que vai ler obtendo assim as primeiras impressotildees que
possivelmente recaem sobre as publicaccedilotildees Os leitores satildeo convidados a ler o produto o
qual dependendo dessas impressotildees pode atrair a atenccedilatildeo das pessoas provocar recusas ou
indiferenccedila A relevacircncia dessas informaccedilotildees diz respeito portanto aos objetivos pretendidos
pelos agentes responsaacuteveis pela publicaccedilatildeo com suas pretensotildees que envolvem por exemplo
accedilotildees de cunho mercadoloacutegico eou ideoloacutegico incluindo-se aiacute algumas estrateacutegias de
traduccedilatildeo colocadas em praacutetica Neste estaacutegio portanto a atenccedilatildeo se volta para as estrateacutegias
47
de seduccedilatildeo do consumidor elaboradas pelos agentes responsaacuteveis pela publicaccedilatildeo Aqui o
papel do tradutor parece ficar mais submetido agrave aprovaccedilatildeo dos revisores eou editores no que
conta por exemplo na escolha e adequaccedilatildeo do tiacutetulo traduzido ao peso do proacuteprio nome do
tradutor se eacute relevante mencionaacute-lo ou natildeo
O segundo estaacutegio a macroestrutura faz uma comparaccedilatildeo entre a estrutura do
texto de partida e a estrutura desse texto traduzido Trata-se do exame da estrutura geral do
texto em que constam a sua composiccedilatildeo e divisatildeo em partes (capiacutetulos paraacutegrafos frases
etc) Tambeacutem se verifica se os capiacutetulos tecircm tiacutetulo e numeraccedilatildeo e como satildeo caracterizados
bem como as caracteriacutesticas da narrativa e dos diaacutelogos e a indicaccedilatildeo das formas do discurso
(direto indireto indireto-livre)
O terceiro estaacutegio a microestrutura considera o texto em unidades menores
verificando no que concerne a linguagem em si a seleccedilatildeo lexical os padrotildees gramaticais
dominantes caracteriacutesticas de estilo formas de discurso (direto indireto indireto-livre) a
narrativa perspectivas pontos de vista niacuteveis da liacutengua (variedades linguumliacutesticas socioletos
dialetos etc) O foco tambeacutem se dirige a outros toacutepicos como o tiacutetulo da obra formas de
tratamento nomes de pessoas de lugares unidades de medida tiacutetulos de livros jornais e
similares bem como dados especiacuteficos do ambiente sociocultural Trata-se de verificar o
modo como o tradutor lida com as escolhas para traduzir
O quarto estaacutegio o contexto sistecircmico contrapotildee os niacuteveis macro e micro o texto
e a teoria (normas modelos etc) relaccedilotildees intertextuais (outras traduccedilotildees e o relacionamento
entre esses textos e o texto traduzido em questatildeo e o texto de partida adotado) relaccedilotildees
intersistecircmicas (gecircnero textual estilo) leitor e criacutetica
Cada estaacutegio desse modo contribui com resultados uacuteteis para o proacuteximo estaacutegio
numa relaccedilatildeo de interdependecircncia Assim este modelo serviraacute de base para as anaacutelises das
quatro traduccedilotildees de Of mice and men examinadas no quarto capiacutetulo desta dissertaccedilatildeo
16 Paratextos
Conforme jaacute mencionado os paratextos satildeo um dos itens que constituem o
primeiro estaacutegio do esquema descritivo de traduccedilotildees de Lambert e Van Gorp (1985) os dados
preliminares Macksey (1997 xvii) em seu prefaacutecio agrave obra de Genette traduzida para o inglecircs
48
como Paratexts
Thresholds of Interpretation28 explica a relaccedilatildeo entre o vocaacutebulo
paratextos e a palavra inglesa thresholds ou seja as convenccedilotildees literaacuterias e editoriais que
fazem mediaccedilatildeo entre o mundo das publicaccedilotildees e o mundo do texto 29 Figueiredo por sua
vez afirma que os paratextos no sentido atribuiacutedo por Genette (1982) satildeo constituiacutedos por
tiacutetulos subtiacutetulos epiacutegrafes dedicatoacuterias proacutelogos prefaacutecios posfaacutecios advertecircncias notas preacutevias nome de autor e de tradutor (ou a ausecircncia de um ou de outro ou de ambos) capas contracapas frontispiacutecios introduccedilotildees notas editoriais informaccedilotildees nas badanas [orelhas] notas de rodapeacute notas agrave margem ilustraccedilotildees notas do tradutor notas finais apecircndices anexos publicidade informaccedilotildees bibliograacuteficas e legais ou quaisquer outros sinais que mantecircm qualquer relaccedilatildeo com o texto que acompanham fisicamente (FIGUEIREDO 2004)
As funccedilotildees dos paratextos para Figueiredo (2004) satildeo variaacuteveis mas todos eles
funcionam como mediadores entre o texto e o leitor e logo podem influenciar a leitura e a
recepccedilatildeo do texto Os prefaacutecios ou notas preacutevias por exemplo possibilitam o esclarecimento
antecipado dos leitores sobre o texto principal a ser lido (ou natildeo dependendo do interesse
gerado no receptor-leitor) Este tipo de paratexto por exemplo pode trazer informaccedilotildees a
respeito de um autor criacutetico ou tradutor com suas consideraccedilotildees gerais que geralmente
atribuem valor positivo agrave obra
Maingueneau (1996) apud Andrade (2004 12) destaca que um recurso utilizado
em obras inovadoras ou desviantes dos padrotildees eacute justamente o uso de paratextos na proacutepria
obra que explicam esses desvios e tentam conquistar o leitor A funccedilatildeo desses paratextos
entatildeo pode ser comparada agrave de guias de leitura
Assim atraveacutes dos paratextos guias de leitura por excelecircncia o texto procura seduzir o leitor e ao mesmo tempo controlar o percurso de seu olhar orientar a leitura de modo a obter os resultados desejados Nesse espaccedilo de autolegitimaccedilatildeo discursiva podemos encontrar a chave interpretativa da obra (p 27) pois nele o autor indica seu projeto esteacutetico (ANDRADE 2004 12)
A funccedilatildeo dos paratextos como fonte de orientaccedilatildeo e ou seduccedilatildeo do leitor eacute
mencionada por Genette (1997 1-2) quando ele destaca que um trabalho literaacuterio raramente eacute
apresentado sem um propoacutesito definido sem algum tipo de suporte ou acompanhamento de
produccedilotildees verbais ou natildeo-verbais como o nome do autor o tiacutetulo o prefaacutecio e ilustraccedilotildees e
28 Tiacutetulo original em francecircs Seuiles (Editions du Seuil 1987)
29 the literary and printerly conventions that mediate between the world of publishing and the world of the text
49
mesmo que o leitor natildeo se decirc conta se estes recursos pertencem ou natildeo ao texto principal (a
obra literaacuteria em si mesma) de qualquer maneira esses recursos estatildeo ali agraves margens da
obra estendendo-a justamente com a intenccedilatildeo de apresentaacute-la Genette atribui um sentido
especial ao verbo apresentar
E embora nem sempre saibamos se estas produccedilotildees devem ser consideradas como pertencentes ao texto de qualquer maneira elas o cercam e o expandem justamente no intuito de apresentaacute-lo no sentido comum deste verbo mas tambeacutem no seu sentido mais forte tornar presente garantir a presenccedila do texto no mundo a sua recepccedilatildeo e consumo na forma (hoje em dia pelo menos) de um livro Estas
produccedilotildees acessoacuterias que variam em dimensatildeo e aparecircncia constituem o que eu chamei em outro trabalho de o paratexto de uma obra () (GENETTE 1997 1-2) 30
A exposiccedilatildeo dessas palavras de Genette permite perceber como os paratextos tecircm
uma funccedilatildeo essencial necessaacuteria que contribui para o sucesso ou fracasso comercial de uma
obra literaacuteria Pode-se inferir a partir da citaccedilatildeo acima que os paratextos reuacutenem expectativas
dos agentes responsaacuteveis por uma publicaccedilatildeo os quais tentam inculcar desejo ou curiosidade
no puacuteblico leitor
30 And although we do not always know whether these productions are to be regarded as belonging to the text in any case they surround it and extend it precisely in order to present it in the usual sense of this verb but also in the strongest sense to make present to ensure the texts presence in the world its reception and consumption in the form (nowadays at least) of a book These accompanying productions which vary in extent and appearance constitute what I have called elsewhere the works paratext ( )
Esta obra escrita originalmente em francecircs intitulada Seuil (1987) foi traduzida para o inglecircs por Jane E Lewin De acordo com essa tradutora a referecircncia ao termo paratexto aparece em outra obra de Genette intitulada Palimpsestes de 1981
50
2 CULTURA LINGUAGEM E A TRADUCcedilAtildeO DE VARIEDADES LINGUumlIacuteSTICAS
NA LITERATURA
Toda liacutengua satildeo rastros de velhos misteacuterios
Guimaratildees Rosa
Cultura e linguagem satildeo dois sistemas que se inter-relacionam resultando na
totalidade num polissistema Por intermeacutedio dessas relaccedilotildees unindo o primeiro e o segundo
aspecto surge como tema central desta pesquisa a questatildeo de traduzir variedades linguumliacutesticas
estigmatizadas na literatura sob dois aspectos problemaacuteticos neutralizar esses dialetos pelo
uso de uma variedade de prestiacutegio ou adotar um dialeto equivalente
Os temas cultura e linguagem tambeacutem sempre remetem a outros problemas
procedimentos ou escolhas tradutoacuterias Existe tambeacutem a discussatildeo sobre aspectos linguumliacutesticos
na traduccedilatildeo em que o entendimento de variedades linguumliacutesticas se coloca e entatildeo eacute comum o
uso de termos da Linguumliacutestica Aplicada momento em que eacute preciso deixar claras suas
definiccedilotildees muitas vezes em acepccedilotildees diferentes conforme variados autores Este segundo
capiacutetulo trata basicamente desses aspectos relacionados agrave traduccedilatildeo que envolvem cultura
linguagem e traduccedilatildeo de dialetos literaacuterios
21 A necessidade de novas traduccedilotildees
Ao olhar comum parece agraves vezes haver um entendimento de que ao se deparar
com uma obra traduzida e publicada ela eacute para todos os efeitos a traduccedilatildeo ou seja a
palavra final algo incontestaacutevel como se as liacutenguas tivessem um caraacuteter estaacutetico Um exame
mais atento entretanto confirma a existecircncia de vaacuterias traduccedilotildees de uma mesma obra para
uma mesma liacutengua a exemplo de autores consagrados como Shakespeare Homero Cervantes
e tantos outros cujos trabalhos jaacute foram e ainda satildeo traduzidos repetidamente em diversas
liacutenguas Landers a esse respeito diz que
a meia-vida de uma traduccedilatildeo eacute de cerca de 30 ou 40 anos a cada 30 anos (ateacute mesmo 40 ou 50
isso varia) ela perde metade da sua vitalidade do seu frescor da sua habilidade de comunicar ao leitor numa voz contemporacircnea Se isso eacute verdadeiro conclui-se que os principais trabalhos de literatura devem ser
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retraduzidos periodicamente de modo que eles mantenham sua funccedilatildeo de ponte entre as culturas e os seacuteculos (LANDERS 2001 10 11)31
Landers cita o exemplo de Tuciacutedides traduzido para o inglecircs em pelo menos trecircs
momentos
a traduccedilatildeo de 1629 que Thomas Hobbes fez de Tuciacutedides eacute praticamente impossiacutevel de ser lida pelo falante moderno de inglecircs pois estaacute repleta dos pronomes thee e thou e de sentenccedilas complexas e barrocas A traduccedilatildeo de R Crawley de 1874 eacute muito mais faacutecil de compreender todavia seu vocabulaacuterio um pouco ultrapassado deixa no ar um cheiro leve de naftalina Somente a traduccedilatildeo de 1952 de Rex Warner transmite fluecircncia precisatildeo e modernidade falando a liacutengua contemporacircnea do leitor de maneira direta e eficaz (LANDERS 2001 11)32
Landers (2001 11) esclarece que apesar desse julgamento de valor natildeo haacute na
verdade como estabelecer que a traduccedilatildeo de Rex Warner seja melhor do que as suas
antecessoras A impressatildeo de que ela eacute melhor somente se aplica no que diz respeito agrave
familiaridade que o leitor dos dias de hoje tem com a liacutengua utilizada um inglecircs com
upgrade Cada traduccedilatildeo cumpre o seu papel em seu devido tempo Nada poderaacute impedir que a
traduccedilatildeo de Warner tambeacutem fique ultrapassadadatada
Milton (1998 40) afirma que todas as traduccedilotildees ficam ultrapassadas e tecircm de
ser refeitas pelas novas geraccedilotildees Tal declaraccedilatildeo justificada pela questatildeo do caraacuteter
evolutivo das liacutenguas tambeacutem encontra suporte em Walter Benjamin
elementos que agrave eacutepoca do autor podem ter obedecido a uma tendecircncia de sua linguagem poeacutetica poderatildeo mais tarde ter-se esgotado tendecircncias impliacutecitas podem destacar-se ex-novo daquilo que jaacute possui forma Aquilo que antes era novidade mais tarde poderaacute soar gasto o que antes era de uso corrente pode vir a soar arcaico (BENJAMIN 2001 197)
Benjamin prossegue em seu argumento com referecircncia agraves mudanccedilas que a
passagem dos seacuteculos exerce sobre as criaccedilotildees literaacuterias considerando que toda traduccedilatildeo
possui um status provisoacuterio em relaccedilatildeo agrave atualidade de seus efeitos que intermedeiam a
estranheza das liacutenguas Da mesma forma com que tom e significado das grandes obras
poeacuteticas se transformam completamente ao longo dos seacuteculos tambeacutem a liacutengua materna do
31 The half-life of a translation it has been said is from 30 to 40 years every 30 years (or 40 or 50 take your pick) the translation loses half its vitality its freshness its ability to communicate to the reader in a contemporary voice If this is true it follows that major works of literature must be retranslated periodically if they are to retain their function as a bridge between cultures and eras
32 Thomas Hobbes 1629 rendering of Thucydides is virtually unreadable to the modern speaker of English cluttered with thee and thou and complex baroque sentences The R Crawley 1874 version is much easier to absorb but its slightly obsolescent vocabulary nonetheless gives off the faint scent of mothballs Only Rex Warner s lively 1952 translation communicates with fluency precision and modernity speaking the contemporary reader s language directly and forcefully
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tradutor se transforma (BENJAMIN 2001 197) Ele considera que a liacutengua do escritor
impotildee uma percepccedilatildeo mais duradoura do que a liacutengua do tradutor Enquanto a palavra do
poeta perdura em sua liacutengua materna mesmo a melhor traduccedilatildeo estaacute fadada a desaparecer
dentro da evoluccedilatildeo de sua liacutengua e soccedilobrar em sua renovaccedilatildeo (BENJAMIN 2001 197)
Todavia quanto a esta uacuteltima afirmaccedilatildeo paira uma duacutevida sobre a maior
durabilidade das palavras do texto de partida em relaccedilatildeo agraves suas traduccedilotildees pois Benjamin natildeo
oferece nenhum exemplo O fato eacute que se pode facilmente constatar que uma obra literaacuteria
depois de certo espaccedilo de tempo tambeacutem precisa ser atualizada cultural e linguumlisticamente
Isso fica muito claro quando se manuseia um livro antigo numa ediccedilatildeo de cinquumlenta cem
anos ou mais No caso especiacutefico do Brasil aleacutem do curso natural de transformaccedilatildeo da liacutengua
portuguesa e dos costumes houve mudanccedilas na ortografia oficial Estas transformaccedilotildees satildeo
evidenciadas no texto Antigamente de Carlos Drummond de Andrade (1970)
ANTIGAMENTE as moccedilas chamavam-se mademoiselles e eram todas mimosas e muito prendadas Natildeo faziam anos completavam primaveras em geral dezoito Os janotas mesmo natildeo sendo rapagotildees faziam-lhes peacute-de-alferes arrastando a asa mas ficavam longos meses debaixo do balaio E se levavam taacutebua o remeacutedio era tirar o cavalo da chuva e ir pregar em outra freguesia As pessoas quando corriam antigamente era para tirar o pai da forca e natildeo caiacuteam de cavalo magro Algumas jogavam verde para colher maduro e sabiam com quantos paus se faz uma canoa O que natildeo impedia que nesse entrementes esse ou aquele embarcasse em canoa furada Encontravam algueacutem que lhes passasse a manta e azulava dando agraves de vila-diogo Os mais idosos depois da janta faziam o quilo saindo para tomar fresca e tambeacutem tomavam cautela de natildeo apanhar sereno Os mais jovens esses iam ao animatoacutegrafo e mais tarde ao cinematoacutegrafo chupando balas de alteacuteia Ou sonhavam em andar de aeroplano os quais de pouco siso se metiam em camisa de onze varas e ateacute em calccedilas pardas natildeo admira que dessem com os burros n aacutegua ()
Para quem eacute brasileiro ou possui uma grande vivecircncia em relaccedilatildeo agrave cultura
brasileira ficam niacutetidas as diferenccedilas marcantes entre os costumes do iniacutecio do seacuteculo XX ateacute
a eacutepoca em que o texto de Drummond foi publicado 1962 republicado em 1970 Hoje e com
o fluxo incessante do tempo as diferenccedilas se acentuam ainda mais principalmente quando se
vecirc neste mesmo texto a grafia de algumas palavras (aqui em itaacutelico) Doenccedila nefasta era a
phtysica feia era o gaacutelico Antigamente os sobrados tinham assombraccedilotildees os meninos
lombrigas asthma os gatos (DRUMMOND 1970)
Diante do exposto poderia-se perguntar como seria ler por exemplo Machado
de Assis num portuguecircs do seacuteculo XIX Percebe-se que as ediccedilotildees mais atuais das obras dele
passaram por uma atualizaccedilatildeo necessaacuteria Do contraacuterio ainda se leriam os textos machadianos
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nos moldes de uma cultura brasileira antiga e de um tempo remoto visualizados nos PH s
nas casas de pasto e em outros elementos daquela eacutepoca
Rainer Schulte apud Hatje-Faggion (2001 13) por sua vez assevera que
o estudo das diferenccedilas que se tornam visiacuteveis de uma traduccedilatildeo anterior para a outra deixa patente a necessidade de novas traduccedilotildees como um esforccedilo contiacutenuo para expandir e aprofundar o ato de ler e interpretar e para lanccedilar uma luz sobre como as culturas interpretam o seu mundo em momentos particulares da histoacuteria33
O argumento fundado nas diferenccedilas entre duas culturas e nas mudanccedilas que as
liacutenguas sofrem em virtude da passagem do tempo encontra outro bom exemplo no escritor
argentino Jorge Luiacutes Borges apud Milton (1998 155) e seu conto Pierre Menard autor del
Quijote em que
o autor imaginaacuterio francecircs consegue criar uma coacutepia exata de dois capiacutetulos da obra original de Cervantes mediante um processo em que ele proacuteprio imagina ser Cervantes Poreacutem esta coacutepia da obra de Cervantes escrita por um autor do seacuteculo XX parece ser arcaica e afetada tanto no seu estilo como no seu conteuacutedo
Neste caso o personagem de Borges tentou produzir uma traduccedilatildeo
do espanhol
para o francecircs
com a fidelidade precisa ao autor Entretanto o resultado natildeo foi muito feliz
o seu Dom Quixote traduzido refletia por seu exagerado capricho natildeo a percepccedilatildeo linguumliacutestica
da liacutengua francesa do seacuteculo XX mas do seacuteculo XVII pois o original de Cervantes data do
ano de 1605
Esse conto tambeacutem faz ressurgir a discussatildeo sobre fidelidade e equivalecircncia dois
palavrotildees para os estudiosos da traduccedilatildeo pois satildeo dois conceitos imprecisos e impossiacuteveis de
atingir plenamente a partir da perspectiva do poacutes-estruturalismo Octavio Paz (1971 9)
reflete sobre o caraacuteter individual uacutenico do texto escrito
As pessoas quando dizem as mesmas coisas embora as expressem em idiomas distintos respondem agrave confusatildeo babeacutelica com a universalidade do espiacuterito apesar das diferenccedilas entre os indiviacuteduos sociedades e eacutepocas Cada texto eacute uacutenico e eacute ao mesmo tempo a traduccedilatildeo de outro texto Nenhum texto eacute inteiramente original porque a proacutepria liacutengua na sua essecircncia jaacute eacute uma traduccedilatildeo primeiramente do mundo natildeo-verbal e em segundo lugar porque cada signo e cada frase eacute a traduccedilatildeo de outro signo e de outra frase Este argumento pode poreacutem ser revertido sem perder nenhuma da sua validade todos os textos satildeo originais porque todas as
33 the study of the differences that become visible from one translation to the next affirms the necessity for new translations as a continuous effort to expand and deepen the act of reading and interpretation and to shed light on how cultures interpret their world at particular moments of history
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traduccedilotildees satildeo diferentes Ateacute certo ponto todas as traduccedilotildees satildeo uma invenccedilatildeo e enquanto tal uacutenicas 34
Esta caracteriacutestica proacutepria do texto estaacute vinculada agrave eacutepoca em que ele foi
produzido submetendo-se agravequela realidade social e cultural conforme assinala Maria Corti
apud Bassnett (2003 134)
cada eacutepoca produz os seus proacuteprios signos que se manifestam em modelos sociais e literaacuterios Logo que estes modelos se consomem e a realidade parece desaparecer satildeo necessaacuterios novos signos para recapturar a realidade e isto permite-nos atribuir um valor de informaccedilatildeo agraves estruturas dinacircmicas da literatura Vista deste modo a literatura eacute ao mesmo tempo a condiccedilatildeo e o lugar da comunicaccedilatildeo artiacutestica entre emissores e destinataacuterios ou puacuteblico As mensagens trilham o seu caminho no tempo lenta ou rapidamente algumas mensagens aventuram-se em encontros que desfazem completamente uma linha de comunicaccedilatildeo mas com enorme esforccedilo outra linha se constroacutei Este uacuteltimo facto eacute o mais significativo ele requer aprendizagem e dedicaccedilatildeo da parte daqueles que querem percebecirc-lo porque a funccedilatildeo hipersiacutegnica das grandes obras literaacuterias transforma o coacutedigo da nossa visatildeo do mundo
Se cada eacutepoca produz seus proacuteprios signos e estes se manifestam em modelos
sociais e literaacuterios constantemente alterados e renovados sob a perspectiva de uma cultura e
uma liacutengua eacute natural concluir que tal fato se complica ainda mais quando se trata do caso das
traduccedilotildees onde esta dinacircmica se coloca entre duas culturas e duas liacutenguas postas frente a
frente cada qual obedecendo a tendecircncias variaacuteveis natildeo coincidentes em sua totalidade e com
estranhezas entre as duas partes em intercacircmbio Tais diferenccedilas ao serem mediadas pela
traduccedilatildeo exigem natildeo soacute um oacutetimo conhecimento da liacutengua e da cultura de partida mas
tambeacutem estrateacutegias de traduccedilatildeo muito bem pensadas
Venuti (1998 240-244) discute estrateacutegias de traduccedilatildeo que envolvem a escolha do
texto estrangeiro e um meacutetodo para traduzi-lo e estas duas tarefas satildeo determinadas pela
diversidade colocada entre vaacuterios aspectos como o cultural o econocircmico e o poliacutetico dentre
tantos outros Ao estabelecer estas estrateacutegias Venuti coloca duas opccedilotildees (ou meacutetodos) de
traduccedilatildeo os quais denominou domesticaccedilatildeo e estrangeirizaccedilatildeo Segundo Venuti (1998 240)
um projeto de traduccedilatildeo pode se adequar a valores vigentes que dominam a cultura da liacutengua
de chegada tomando uma abordagem conservadora e bastante assimiladora em relaccedilatildeo ao
34 Los seres humanos cuando dicen las mismas cosas aunque las expresen en distintos idiomas responden a la confusioacuten babeacutelica con la universalidad del espiacuteritu pese a las diferencias entre individuos sociedades y eacutepocas Cada texto es uacutenico y simultaacuteneamente es la traduccioacuten de otro Ninguacuten texto es enteramente original porque el lenguaje mismo en su esencia es ya una traduccioacuten primero del mundo no-verbal y despueacutes porque cada signo y cada frase es la traduccioacuten de otro signo y de otra frase Pero ese razonamiento puede invertirse sin perder validez todos los textos son originales porque cada traduccioacuten es distinta
55
texto de partida apropriando-o a fim de apoiar os cacircnones domeacutesticos tendecircncias de
publicaccedilatildeo e alinhamentos poliacuteticos 35 ou pode () resistir e ter por objetivo revisar o
dominante lanccedilando matildeo do marginal restaurando textos estrangeiros excluiacutedos pelos
cacircnones domeacutesticos recuperando valores residuais como textos arcaicos e meacutetodos de
traduccedilatildeo e cultivar meacutetodos emergentes (por exemplo novas formas culturais) 36 Assim
este criacutetico afirma que algumas estrateacutegias de traduccedilatildeo podem ser domesticadoras
naturalizando o exoacutetico ou o estranho da cultura estrangeira enquanto que outras podem ser
estrangeirizadoras preservando as diferenccedilas culturais e linguumliacutesticas pelo desvio dos valores
domeacutesticos
22 Aspectos culturais na traduccedilatildeo
221 Visotildees de mundo diferenccedilas culturais e juiacutezos de valor
A traduccedilatildeo natildeo eacute apenas um movimento entre duas liacutenguas mas tambeacutem entre
duas culturas quando as percepccedilotildees de mundo natildeo se encaixam de forma plena ou mesmo
destoam completamente Entatildeo agraves vezes e dependendo do tema abordado uma traduccedilatildeo
literal ou mais colada ao texto de partida com foco no emissor pode soar bastante similar
agravequela fonte
ou natildeo eacute muito frequumlente ocorrerem incompatibilidades entre as duas culturas
envolvidas quando a traduccedilatildeo por mais que se esforce em respeitar o texto de partida resulta
numa perda total ou parcial daquela essecircncia ou ainda em acreacutescimos Num caso extremo
mesmo numa tentativa de adaptaccedilatildeo conforme os costumes e o conhecimento da cultura de
chegada essa traduccedilatildeo pode natildeo alcanccedilar o efeito desejado
Louise M Haywood (2005) cita o exemplo de Laura Bohannan que traduziu
Hamlet de Shakespeare para uma tribo africana desejando testar se a peccedila agregava valores
humanos universais Para este ensejo levou em consideraccedilatildeo a cultura daquelas pessoas
tomando algumas estrateacutegias e medidas de adaptaccedilatildeo dentre elas
35 A translation project may conform to values currently dominating the target-language culture taking a conservative and openly assimilationist approach to the foreign text appropriating it to support domestic canons publishing trends political arguments (VENUTI ibidem)
36 () resist and aim to revise the dominant by drawing on the marginal restoring foreign texts excluded by domestic canons recovering residual values such as archaic texts and translation methods and cultivating emergent ones (for example new cultural forms)
(VENUTI ibidem)
56
Uma vez que o grupo natildeo acreditava na vida apoacutes a morte omitiu a apariccedilatildeo do
fantasma do rei Hamlet
Visto que a noccedilatildeo de um erudito de formaccedilatildeo acadecircmica como o priacutencipe Hamlet era
desconhecida para eles ela optou pela figura de um misto de feiticeiro e pajeacute detentor
de vasto conhecimento sobre curas costumes e tradiccedilotildees da tribo gozando alto
prestiacutegio entre eles por isso
No duelo do final da peccedila entre Laertes e Hamlet a tradutora substituiu as espadas por
machetes
Natildeo obstante o esforccedilo de Bohannan os integrantes da tribo estranharam a
histoacuteria pois ainda que tivesse sido adaptada continha elementos totalmente fora daquele
contexto cultural parecendo-lhes uma peccedila exoacutetica A partir dessa experiecircncia pode-se
perceber que as condiccedilotildees os valores e a moral humanos natildeo satildeo universais e algumas
discrepacircncias se revelam ateacute mesmo entre culturas tidas como similares
Sobre diferenccedilas culturais eacute comum surgir em traduccedilatildeo discussotildees sobre como
solucionar certos problemas pertencentes ao escopo da intraduzibilidade cultural quando eacute
comum tambeacutem o uso do termo equivalecircncia37 Desse modo Baker (1992 17-42) menciona
uma ampla variedade de fatores dos quais a escolha de um equivalente adequado depende
fatores estritamente linguumliacutesticos (como colocaccedilotildees e expressotildees idiomaacuteticas) ou extra-
linguumliacutesticos mas Baker adverte que eacute praticamente impossiacutevel oferecer orientaccedilotildees absolutas
precisas para se lidar com os vaacuterios tipos de natildeo-equivalecircncia Sua primeira orientaccedilatildeo eacute
compreender a diferenccedila na estrutura de campos semacircnticos das liacutenguas de partida e de
chegada o que permite ao tradutor acessar o valor de um dado item dentro de um conjunto
lexical por exemplo no campo semacircntico temperatura a liacutengua inglesa possui quatro
divisotildees principais cold cool hot e warm38 em contraste com a liacutengua aacuterabe tambeacutem com
quatro divisotildees principais mas com diferenccedilas em relaccedilatildeo ao inglecircs baarid (coldcool) haar
(hot referindo-se ao tempo ou clima) saakhin (hot referindo-se a objetos) e daafi (warm)
37 Com as devidas reservas agrave relatividade do que se entende sobre equivalecircncia em traduccedilatildeo Conforme disposto no capiacutetulo anterior desta dissertaccedilatildeo seria mais seguro reportar a semelhanccedila similaridade adequaccedilatildeo etc evitando-se principalmente o conceito matemaacutetico desta expressatildeo (na acepccedilatildeo de Catford 1980) ou relativizando-se o que Vinay e Darbelnet (1957) Nida (apud BASSNETT 2003 55) e outros autores dizem sobre o assunto Entretanto o termo equivalecircncia ainda eacute frequumlente em textos de autores renomados dos estudos de traduccedilatildeo como no caso de Mona Baker (1992)
38 Em portuguecircs aproximadamente gelado frio quente e morno
57
Acerca do que diz Baker acima todavia percebe-se que mesmo que se
compreendam essas diferenccedilas restam as dificuldades de traduccedilatildeo que competem ao tradutor
resolver em aspecto bastante razoaacutevel ou mesmo exato ou entatildeo em aspecto aproximado ou
de efeito similar semelhante com evidentes perdas ou acreacutescimos No niacutevel das palavras as
estrateacutegias expostas por Baker compreendem resoluccedilotildees relativas a itens ou categorias a)
conceitos especiacuteficos da cultura b) quando o conceito da liacutengua de partida natildeo possui item
lexical na liacutengua de chegada c) quando a palavra da liacutengua de partida eacute de significado
complexo d) quando o significado eacute distinto na liacutengua de partida e na liacutengua de chegada e)
quando falta agrave lingua de chegada uma palavra geral (superordenada) 39 para reger o campo
semacircntico apesar da existecircncia de hipocircnimos (palavras especiacuteficas) f) quando falta um
vocaacutebulo especiacutefico na liacutengua de chegada (hipocircnimo) g) quando haacute diferenccedilas na perspectiva
fiacutesica ou interpessoal h) quando haacute diferenccedilas no significado expressivo i) quando haacute
diferenccedilas na forma j) quando haacute diferenccedilas na frequumlecircncia e no propoacutesito ao se usar formas
especiacuteficas k) no uso de empreacutestimos no texto de partida
Baker (1992 26-42) menciona algumas estrateacutegias utilizadas por tradutores
profissionais a respeito de alguns dos problemas relatados das quais se destacam a
substituiccedilatildeo cultural o uso de um empreacutestimo ou deste acrescido de uma explicaccedilatildeo a
paraacutefrase com o uso de uma palavra relacionada ou com palavras natildeo relacionadas a omissatildeo
222 Expressotildees idiomaacuteticas
Segundo Pedersen (1997 109) natildeo haacute um acordo definitivo sobre como definir
expressatildeo idiomaacutetica Pedersen entretanto usa o termo expressatildeo idiomaacutetica no sentido de
um modo caracteriacutestico de se expressar Baker (1992 63) por sua vez coloca as expressotildees
idiomaacuteticas dentro dos tipos de colocaccedilotildees As colocaccedilotildees para ela satildeo padrotildees da liacutengua
relativamente flexiacuteveis que permitem diversas variaccedilotildees na forma 40 por exemplo deliver a
letter delivery of a letter a letter has been delivered having delivered a letter
Baker afirma que as expressotildees idiomaacuteticas e as expressotildees fixas satildeo tambeacutem
colocaccedilotildees mas que estatildeo no fim da escala das variaccedilotildees pois satildeo padrotildees riacutegidos da
linguagem que permitem pouca ou nenhuma variaccedilatildeo na forma ou no caso das expressotildees
39 Segundo Baker superordinate
40 fairly flexible patterns of language which allow several variations in form
58
idiomaacuteticas frequumlentemente trazem significados que natildeo podem ser deduzidos a partir de seus
componentes individuais 41 Alguns exemplos de expressotildees idiomaacuteticas da liacutengua inglesa
It s raining cats and dogs storm in a tea cup like water off a duck s back etc
(BAKER 1992 65)
Como se pode perceber a partir desses exemplos as expressotildees idiomaacuteticas
podem ou natildeo encontrar correspondentes em outras liacutenguas Muitas vezes essa
correspondecircncia natildeo eacute exata e depende muito do universo sociocultural e linguumliacutestico de uma
dada cultura Assim ao se tentar traduzir para o portuguecircs as expressotildees idiomaacuteticas citadas
por Baker algumas diferenccedilas satildeo notadas nessa transferecircncia devido ao modo particular que
cada cultura emprega essas expressotildees It s raining cats and dogs encontra na sua traduccedilatildeo
literal algo como Estaacute chovendo gatos e cachorros o que pode causar estranhamento assim
a traduccedilatildeo mais adequada deve relativizar como uma expressatildeo funciona na liacutengua de partida
e se haacute algo semelhante na liacutengua de chegada assim em portuguecircs a expressatildeo poderia ser
solucionada como Estaacute caindo um toroacute ou ainda Que aguaceiro Estaacute chovendo
canivete que exprimem o mesmo teor semacircntico em inglecircs que se refere de fato ao
excesso de chuva De modo semelhante storm in a tea cup encontra em portuguecircs a
expressatildeo tempestade em copo d aacutegua (enquanto que a traduccedilatildeo literal seria tempestade
numa xiacutecara de chaacute ) e like water off a duck s back teria a expressatildeo relativa em chover
no molhado ou fazer risco na aacutegua
Para Pedersen (1997 109) as expressotildees idiomaacuteticas datildeo sabor ao texto e que a
sua ausecircncia o empobrece Entretanto na traduccedilatildeo existe o problema de que a expressatildeo
idiomaacutetica pode natildeo ter correspondecircncia na liacutengua de chegada Nesse caso Pedersen na
traduccedilatildeo sugere o uso de uma expressatildeo natildeo idiomaacutetica ou o uso de uma palavra que seja
mais adequada possiacutevel obviamente com o risco de a traduccedilatildeo ficar empobrecida em relaccedilatildeo
ao texto de partida caso esses recursos sejam utilizados com frequumlecircncia
Baker (1992 65) expotildee as principais dificuldades de traduzir expressotildees
idiomaacuteticas e expressotildees fixas a) quando natildeo haacute equivalente na liacutengua de chegada b) quando
haacute equivalente na liacutengua de chegada mas o contexto de uso pode ser diferente c) quando uma
expressatildeo idiomaacutetica pode ser usada no texto de partida tanto em sentido literal ou em sentido
idiomaacutetico e d) quando a convenccedilatildeo de uso de expressotildees idiomaacuteticas no discurso escrito os
contextos nos quais elas podem ser usadas e sua frequumlecircncia de uso pode ser diferente na
liacutengua de partida e na liacutengua de chegada
41 frozen patterns of language which allow little or no variation in form and in the case of idioms often carry meanings which cannot be deduced from their individual components
59
223 A sugestividade do tiacutetulo
Toda criaccedilatildeo deve receber um nome um tiacutetulo ou algo parecido a fim de que se
tenha uma referecircncia Trata-se de algo comparaacutevel agrave situaccedilatildeo em que os pais de uma crianccedila
sentem a necessidade de identificar seus filhos conferindo-lhes reconhecimento e
personificaccedilatildeo perante a sociedade No campo das artes isso tem a sua importacircncia por
chamar a atenccedilatildeo do espectador ouvinte ou leitor para algo que talvez lhe desperte a
curiosidade ou interesse pela obra O tiacutetulo cria um impacto inicial eacute um ponto de partida que
pode antecipar claramente por exemplo o enredo o conteuacutedo da histoacuteria e pode ser um
determinante para o sucesso da obra Quando ele natildeo oferece clareza imediata isso talvez
constitua um problema real ou um equiacutevoco ou tambeacutem uma soluccedilatildeo feliz que traz algo
enigmaacutetico ou sutil que muitas vezes instiga a curiosidade e a perspicaacutecia do leitor
Independentemente da escolha do tiacutetulo ser bem ou mal-sucedida a verdade eacute
que quando acontece a motivaccedilatildeo para traduzir a obra para outra liacutengua eis um importante
problema como traduzi-la Um exemplo bem comum estaacute nos filmes que com muita
frequumlecircncia sofrem alteraccedilotildees muitas vezes em virtude da cultura de chegada A produccedilatildeo
binacional BrasilEstados Unidos intitulada Jenipapo (1996) de Monique Gardenberg por
exemplo transformou-se em The Interview quando lanccedilada em paiacuteses de liacutengua inglesa por
outro lado filmes estrangeiros lanccedilados no Brasil tecircm seus tiacutetulos alterados como Tubaratildeo
(1975) de Steven Spielberg que na verdade em inglecircs se chama Jaws Ou o musical West
Side Story (1961) dirigido por Robert Wise rebatizado de Amor Sublime Amor Essas
alteraccedilotildees por vezes satildeo acidentais advindas de erros de traduccedilatildeo Na literatura Clifford
Landers (2001 140) menciona que alguns erros de traduccedilatildeo jaacute se tornaram tatildeo consagrados
em tiacutetulos que de outra forma trariam estranhamento The Stranger de Albert Camus na
verdade em respeito ao original deveria ser The Foreigner Les Quatre Cents Coups no
francecircs de Franccedilois Truffaut transformou-se no incompreensiacutevel 400 Blows em inglecircs
Segundo Landers (2001 140) mudanccedilas no tiacutetulo podem ocorrer devido a
disparidades entre a liacutengua de partida e a liacutengua de chegada de ordem cultural linguumliacutestica
histoacuterica ou geograacutefica A intenccedilatildeo eacute possibilitar que o leitor da liacutengua de chegada consiga ter
acesso mais faacutecil agrave obra diminuindo as potenciais estranhezas do outro Entretanto ele faz
uma ressalva deve-se fazer isso sem adulterar ou melhorar o original Aleacutem disso apesar
das sugestotildees do tradutor realmente serem criativas e apropriadas a decisatildeo final cabe ao
editor que muitas vezes avalia e prioriza um tiacutetulo chamativo e que ajude em propoacutesitos
lucrativos a comercializaccedilatildeo (LANDERS 2001 145)
60
Pelo menos aparentemente as diferenccedilas entre as liacutenguas e as culturas parecem se
atenuar ou se asseverar conforme o seu grau de parentesco a exemplo da anaacutelise de Landers
(2001 141-142) tomando como ponto de partida obras literaacuterias escritas em inglecircs e
traduzidas em francecircs alematildeo italiano e espanhol citadas no Dictionary of Translated Names
and Titles de Adrian Room Examinando o tiacutetulo As I Lay Dying ele percebe a semelhanccedila
entre o inglecircs e a traduccedilatildeo alematilde por serem ambas as liacutenguas germacircnicas com a
caracteriacutestica peculiar de compor palavras e conceitos por agrupamento ou justaposiccedilatildeo
resultam num efeito idecircntico Por outro lado as outras liacutenguas citadas neste exemplo
romacircnicasneolatinas apresentam soluccedilotildees semelhantes entre si distanciando-se um pouco do
original soando como As (While) I Lie Dying pois utilizam o tempo verbal no tempo presente
simples talvez em decorrecircncia do presente habitual caracteriacutestico dessas culturas que permite
recontar eventos do passado no presente criando impressatildeo de linguagem direta imediata
Trata-se de um exemplo interessante todavia eacute necessaacuterio ter grande cautela quanto ao
argumento da familiaridade ou parentesco entre as liacutenguas pois existem tantas
particularidades que a traduccedilatildeo fica suscetiacutevel a armadilhas ateacute mesmo no niacutevel
intralinguumliacutestico isto eacute nas diferenccedilas que ocorrem dentro de uma mesma liacutengua sob a
perspectiva das suas variedades (idioma liacutengua dialeto socioleto idioleto) e variaccedilotildees (tom
registro)
Ainda segundo Landers (2001 145) as mudanccedilas de tiacutetulo podem ser de vaacuterios
tipos opcionais onde o objetivo eacute chegar a um tiacutetulo melhor mais propiacutecio para as vendas ou
mais acessiacutevel para o consumidor caprichosas as quais natildeo mostram uma razatildeo evidente a
natildeo ser exibir a engenhosidade de algueacutem desastrosas quando o tiacutetulo traduzido provoca
equiacutevocos ou eacute menos atrativo e por fim as obrigatoacuterias em situaccedilotildees em que natildeo haacute
conciliaccedilatildeo pois o tiacutetulo original apesar de agraves vezes ser muito claro para os leitores da liacutengua
de partida natildeo oferece a mesma clareza para os leitores da traduccedilatildeo
Dentre vaacuterios exemplos de traduccedilotildees literaacuterias brasileiras Animal Farm de
George Orwell obteve sucesso com o seu tiacutetulo adaptado para A Revoluccedilatildeo dos Bichos na
traduccedilatildeo de Heitor Aquino Ferreira publicada pela Editora Globo Satildeo Paulo 2000 Trata-se
de uma mudanccedila necessaacuteria dentre as obrigatoacuterias pois simplesmente traduzir Animal Farm
ao peacute da letra (algo como A Fazenda Animal ou A Fazenda dos Animais) provavelmente natildeo
diria muita coisa ao puacuteblico brasileiro A vantagem desta soluccedilatildeo se realiza pela associaccedilatildeo
imediata do tiacutetulo em portuguecircs com o enredo da obra trata-se de um romance que possui
contornos de faacutebula moderna em que os animais de uma propriedade rural revoltados com os
maus tratos e exploraccedilatildeo por seu senhor rebelam-se e sob a lideranccedila dos porcos promovem
61
uma revoluccedilatildeo expulsam aquele fazendeiro tomando a propriedade Eacute necessaacuterio no entanto
compreender que sua histoacuteria eacute uma saacutetira agrave Revoluccedilatildeo Russa de 1917 e que muitos desses
animais tecircm perfil sugestivo satildeo caricaturas de pessoas reais envolvidas naquele
acontecimento histoacuterico
224 Nomes proacuteprios
Os nomes de personagens muitas vezes vatildeo aleacutem da mera funccedilatildeo de batismo e
atendem ao propoacutesito de atribuir aspectos fiacutesicos eou psicoloacutegicos ao seu possuidor Boa
parte dos escritores utiliza sua criatividade em sugerir alguma coisa impliacutecita ou
implicitamente pelo nome que datildeo a seus personagens Hermans (1988 11-13 e 1996 35)
afirma que os nomes proacuteprios na traduccedilatildeo podem ser divididos em duas categorias a
convencional
em que natildeo haacute motivaccedilatildeo por traacutes da origem e significado dos nomes e a
intencional
em que os nomes literaacuterios satildeo motivados e por isso satildeo sugestivos ou
expressivos dos quais podem advir associaccedilotildees histoacutericas ou culturais no contexto de certa
cultura Lefevere com base em Burton Raffel destaca que
os escritores agraves vezes usam nomes natildeo apenas para identificar personagens num poema conto romance ou peccedila teatral mas tambeacutem para descrever esses personagens O nome geralmente conteacutem uma alusatildeo a certa palavra na liacutengua e essa alusatildeo permite que os leitores caracterizem os personagens muito melhor do que nomes como Smith
ou Brown o nome do protagonista em Young Goodman Brown de Hawthorne (Raffel 45-57) Brown eacute um nome neutro mas Goodman que originalmente significava algo como mister
[senhor] e que natildeo estaacute mais em uso corrente tende a acrescentar uma sombra positiva de significado precisamente
e de forma irocircnica porque natildeo eacute mais de uso corrente (LEFEVERE 1994 39) 42
Outros exemplos aproveitando a menccedilatildeo feita a Hawthorne encontram-se em
The Scarlet Letter (A Letra Escarlate) ambientado no seacuteculo XVII durante a colonizaccedilatildeo dos
Estados Unidos pelos puritanos cuja trama envolve um caso de adulteacuterio entre a heroiacutena
Hester Prynne e um pastor local Arthur Dimmensdale Alguns nomes satildeo sugestivos em
consonacircncia com o papel desempenhado pelo seu possuidor
42 Writers sometimes use names not just to name characters in a poem story novel or play but also to describe those characters The name usually contains an allusion to a certain word in the language and that allusion allows readers to characterize characters to a greater extent than names like Smith would
or Brown the name of the protagonist in Hawthorne s Young Goodman Brown (Raffel 45-57) Brown itself is a neutral name but Goodman which originally meant something like mister and is no longer in current usage tends to add a positive shade of meaning precisely ironically because it is no longer current
62
O reverendo Arthur Dimmensdale
seu sobrenome revela algo sobre sua fraqueza de
caraacuteter e hesitaccedilatildeo pois a derivaccedilatildeo do verbo inglecircs dim possui tal conotaccedilatildeo
O vilatildeo esposo de Hester Prynne Roger Chillingworth
o verbo chill (arrepiar-se
sentir calafrio gelar) associado ao substantivo worth (valor qualidade) neste
contexto diz literalmente que este personagem inspira medo
Pearl (peacuterola) a menina fruto desse amor proibido remete a algo valioso mas que foi
resultado de sofrimento (a peacuterola se forma em virtude de uma reaccedilatildeo uma rejeiccedilatildeo
provocada por um pequeno corpo estranho na ostra)
Dom Casmurro personagem de Machado de Assis eacute tambeacutem um nome que
revela uma intenccedilatildeo por parte do autor explicitada pelo proacuteprio narrador-personagem Natildeo
consultes dicionaacuterios Casmurro natildeo estaacute aqui no sentido que eles lhe datildeo mas no que lhe pocircs
o vulgo de homem calado e metido consigo Dom veio por ironia para atribuir-me fumos de
fidalgo (MACHADO DE ASSIS 1994 1)43
Scott-Buccleuch apud Hatje-Faggion (2001 199) explica suas dificuldades de
traduccedilatildeo para o inglecircs do romance Dom Casmurro (1992) dentre elas o nome-tiacutetulo
as dificuldades do tradutor apresentam trecircs dimensotildees Em primeiro lugar haacute palavras em portuguecircs que natildeo tecircm equivalente exato em inglecircs ou que Machado de Assis usa deliberadamente num sentido incomum O tiacutetulo eacute uma ilustraccedilatildeo disso Casmurro significa sombrio introvertido irritadiccedilo teimoso sugerindo ainda um ar de tristeza que natildeo se traduz completamente por taciturno 44
A traduccedilatildeo para o portuguecircs de Animal Farm romance de George Orwell (A
Revoluccedilatildeo dos Bichos) realizada por Heitor Aquino Ferreira apresenta as seguintes soluccedilotildees
para nomes dos porcos MajorMajor NapoleonNapoleatildeo SnowballBola-de-Neve
SquealerGarganta e MinimusMinimus dos catildees JessieBranca BluebellLulu e
PincherCata-Vento do cavalo BoxerSansatildeo das eacuteguas CloverQuiteacuteria e MollieMimosa da
cabra branca Muriel Maricota do burro BenjaminBenjamim do corvo MosesMoiseacutes do
proprietaacuterio da Manor Farm Granja do Solar Mr JonesSenhor Jones e de outros homens
43 Don t bother to look up in the dictionary Taciturn is not used literally but in the more popular sense of a man who says little and keeps to himself The Lord is ironic to endow me with aristocratic airs (SCOTT-BUCCLEUCH apud HATJE-FAGGION 2001 200)
44 The difficulties of the translator are threefold In the first place there are words in Portuguese that have no exact equivalent in English or that Machado de Assis deliberately uses in an unusual sense The very title is an illustration of this Casmurro means gloomy withdrawn irritable stubborn with an overlying air of sadness which is not completely rendered by taciturn
63
como Mr FrederickSr Frederick Mr PilkingtonSr Pilkington e Mr WhymperSr
Whymper
Pelos exemplos acima percebe-se que alguns nomes satildeo mantidos (Major
Minimus Jones Frederick Pilkington Whymper) adaptadosaportuguesados com
transliteraccedilatildeo (Napoleatildeo Benjamim Moiseacutes) traduzidos (Bola-de-Neve) ou ateacute mesmo
trocados (Garganta Branca Lulu Cata-Vento Sansatildeo Quiteacuteria Mimosa Maricota Granja
do Solar) Isso faz supor que deve haver certos criteacuterios quando a questatildeo eacute lidar com nomes
proacuteprios ao se traduzir uma obra literaacuteria
Haacute outros numerosos nomes sugestivos em obras da literatura mundial entretanto
os exemplos acima jaacute podem servir para se perceber algumas possiacuteveis dores de cabeccedila para o
tradutor que procure transmitir em portuguecircs brasileiro o mesmo recado embutido nestes
nomes ateacute mesmo para a personagem Pearl de Hawthorne mencionada acima facilmente
identificaacutevel como Peacuterola mas que eacute um nome incomum no Brasil o que talvez resulte para
alguns leitores numa pequena esquisitice
Alguns criteacuterios e sugestotildees satildeo dados por Peter Newmark (1988 214-216) que
discorre sobre a traduccedilatildeo de nomes proacuteprios de pessoas aleacutem de nomes de objetos e termos
geograacuteficos Em relaccedilatildeo a nomes de pessoas a primeira sugestatildeo citada por Newmark eacute
normalmente transferir os nomes e sobrenomes preservando sua nacionalidade assumindo
que natildeo haacute nenhuma conotaccedilatildeo por traacutes desses nomes no texto45 Entretanto ele alerta que
esta eacute uma questatildeo relativa e que haacute exceccedilotildees
haacute exceccedilotildees nomes de santos e de monarcas agraves vezes satildeo traduzidos quando satildeo transparentes mas alguns reis franceses (Louis Franccedilois) satildeo transferidos Nomes
de papas satildeo traduzidos Algumas figuras importantes da Greacutecia claacutessica () e da Renascenccedila satildeo naturalizados nas principais liacutenguas europeacuteias (NEWMARK 1988 214-215)46
Especificamente na traduccedilatildeo literaacuteria Newmark esclarece
ainda resta a questatildeo dos nomes que tecircm conotaccedilotildees na literatura imaginativa Nas comeacutedias alegorias contos de fadas e em algumas histoacuterias para crianccedilas os nomes
45 Normally people s names and surnames are transferred thus preserving their nationality and assuming that their names have no connotations in the text (NEWMARK 1988 214)
46 There are exceptions the names of saints and monarchs are sometimes translated if they are transparent but some French kings (Louis Franccedilois are transferred The names of popes are translated Some prominent figures of classical Greece ( ) and the Renaissance ( ) are naturalised in the main European languages
64
satildeo traduzidos () a menos que como nos contos folcloacutericos a nacionalidade seja importante (NEWMARK 1988 215)47
Nos casos em que Newmark considera as conotaccedilotildees e a nacionalidade como
importantes ele faz as seguintes sugestotildees
quando tanto as conotaccedilotildees (feitas por meio de efeitos sonoros eou nomes transparentes) como a nacionalidade satildeo significantes tenho sugerido que o melhor meacutetodo eacute primeiro traduzir a palavra que faz parte do nome proacuteprio da liacutengua de partida para a liacutengua de chegada e entatildeo naturalizar essa palavra traduzida de volta num novo nome proacuteprio da liacutengua de partida
mas normalmente soacute quando o nome do personagem ainda natildeo eacute corrente entre leitores de bom niacutevel escolar da liacutengua de chegada (NEWMARK 1988 215)48
Neste sentido Newmark cita este procedimento adotado com eficaacutecia por Michael
Holman ao traduzir para o inglecircs a obra Ressurreiccedilatildeo de Tolstoacutei Os nomes dos personagens
sofreram transformaccedilotildees Nabatov alarm Alarmov Toksinsky Toporov axe
Hackitov Hatchetinsky Khororshavka pretty Belle Chi-Chi
(NEWMARK 1988 215)
Haacute ateacute mesmo casos em que os nomes precisam ser trocados segundo a
perspectiva da recepccedilatildeo pois de outra forma o efeito poderia se perder por completo Este eacute
um dos motivos que Newmark coloca por exemplo em se traduzir Harriet
uma galinha
personagem de P G Wodehouse em Love among the Chickens por Laura em sueco
(1) Como se trata de um romance de tom leve natildeo haacute nada de sacrossanto acerca do nome proacuteprio da liacutengua de partida (2) O nome natildeo combina [com uma galinha] e deve [por esta razatildeo] suscitar o riso ou a gargalhada (3) Harriet eacute especificamente inglecircs e conota um preciosismo antiquado (4) Esta conotaccedilatildeo seria perdida em qualquer liacutengua de chegada e logo eacute caso para adotar um nome proacuteprio que faccedila uma compensaccedilatildeo cultural como Laura (5) Laura eacute um nome frequumlentemente considerado romacircntico belo e idealizado (relacionado com Petrarca) Novamente natildeo combina com uma galinha (6) Quaisquer conotaccedilotildees especiais devem ser consideradas para Laura em sueco () (NEWMARK 1988 215) 49
47 There remains the question of names that have connotations in imaginative literature In comedies allegories fairy tales and some children s stories names are translated ( ) unless as in folk tales nationality is important
48 Where both connotations (rendered through sound-effects andor transparent names) and nationality are significant I have suggested that the best method is first to translate the word that underlies the SL proper name into the TL and then to naturalise the translated word back into a new SL proper name
but normally only when the character s name is not yet current amongst an educated TL readership
49(1) As this is a light novel there is nothing sacrosant about the SL proper name (2) The name is incongruous and should raise a smile or a laugh (3) Harriet is specifically English and connotes an old-fashioned fussiness ( ) (4) This connotation would be lost in any TL and therefore there is a case for adopting a culturally overlapping proper name such as Laura
65
Quanto a nomes de ruas e de lugares Newmark (1988 214) sugere que se adotem
as formas jaacute estabelecidas Nesse caso entatildeo haveraacute a transcriccedilatildeo dos nomes tais como
aparecem no texto de partida o que no entanto natildeo constitui uma regra riacutegida conforme
aponta Hatje-Faggion referindo-se a dois romances de Machado de Assis traduzidos para o
inglecircs por Clotilde Wilson (Quincas BorbaThe Heritage of Quincas Borba) e William L
Grossman (Memoacuterias Poacutestumas de Braacutes CubasEpitaph of a Small Winner)
() os tradutores dos romances de Machado de Assis fazem opccedilotildees diferentes Wilson (The Heritage) por exemplo verte para Milan (p 215) Praia Vermelha para Vermelha Beach (p 215) Rua da Harmonia se torna Harmonia Street (p 128) e Praccedila do Comeacutercio se transforma em Comeacutercio Square (p 145) Grossman (Epitaph) tende a transcrever os nomes das ruas como Rua dos Barbonos (p 114) mas verte os nomes de lugares como Praia do Flamengo que se torna Flamengo Beach (p 167) e Banco do Brasil que eacute vertido em Bank of Brazil (p 108) (HATJE-FAGGION 2001 151)50
Lefevere (1992 40) afirma que tambeacutem eacute possiacutevel fazer alusotildees literaacuterias por
meio de nomes como no poema The Journal of Society de Godfrey Turner onde um
personagem pergunta a outro Oh have you seen the Tattlesnake and have you read what s
in it Tatler era o nome de um jornal inglecircs do seacuteculo XVIII dirigido por Joseph Addison e
Richard Steele que influenciou no desenvolvimento do ensaio como gecircnero na Inglaterra
Sobre este exemplo Lefevere ainda esclarece que tal nome foi adotado por muitos outros
jornais geralmente muito mais devotados agraves fofocas do que para algo que inspirasse o
desenvolvimento de gecircneros literaacuterios de valor
Assim tentar traduzir Tatler ou manter esta palavra intacta invariavelmente
produziraacute uma perda de significado porque este estaacute muito ligado agrave cultura de origem como
no caso de uma espeacutecie de planta ou animal endecircmicos isto eacute que somente existem num local
determinado uacutenico e sua compreensatildeo somente eacute plena para os nativos daquele lugar Nesta
situaccedilatildeo e em outras semelhantes o tradutor poderaacute adotar as seguintes alternativas conforme
a terminologia proposta por Heloiacutesa Gonccedilalves Barbosa (2004 71-77) realizar uma
transferecircncia
que consiste em introduzir material textual da LO [liacutengua original] no TLT
(5) Laura is often considered to be a romantic beautiful idealised name (connected with Petrarch) Again incongruous for a chicken (6) Any special connotations have to be considered for Laura in Swedish ( )
50 () the translators of Machado de Assis novels make different options Wilson (The Heritage) for example renders Milatildeo as Milan (p 115) Praia Vermelha as Vermelha Beach (p 215) Rua da Harmonia becomes Harmonia Street (p 128 and Praccedila do Comeacutercio is turned into Comeacutercio Square (p 145) Grossman (Epitaph) tends to transfer the name of the streets as in Rua dos Barbonos (p 114) but renders the name of places such as Praia do Flamengo which becomes Flamengo Beach (p 167) and Banco do Brasil which is turned into Bank of Brazil (p 108)
66
[texto na liacutengua da traduccedilatildeo] (BARBOSA 2004 71)
por estrangeirismo
que consiste
em transferir (transcrever ou copiar) para o TLT vocaacutebulos ou expressotildees da LO que se
refiram a um conceito teacutecnica ou objeto mencionado no TLO [texto na liacutengua original]
(BARBOSA 2004 71) acrescentar a essa transferecircncia por estrangeirismo uma explicaccedilatildeo
de seu significado por uma nota de rodapeacute nota no final do capiacutetulo pela diluiccedilatildeo do texto ou
nota como parte de um glossaacuterio no final do livro optar pela explicaccedilatildeo eliminando o
estrangeirismo para facilitar a compreensatildeo ou por fim fazer uma adaptaccedilatildeo
que aplica-
se em casos onde a situaccedilatildeo toda a que se refere a TLO natildeo existe na realidade
extralinguumliacutestica dos falantes da LT [liacutengua da traduccedilatildeo] Esta situaccedilatildeo pode ser recriada por
uma outra equivalente na realidade extralinguumliacutestica da LT (BARBOSA 2004 75)
A transferecircncia por estrangeirismo talvez seria a soluccedilatildeo mais faacutecil entretanto
existe a possibilidade de que ela cause dificuldades ao leitor de chegada uma estranheza que
ateacute mesmo poderia resultar num texto hermeacutetico A explicaccedilatildeo por sua vez quebraria o
impacto imediato suscitado pela palavra expressatildeo ou frase pelo desvio da atenccedilatildeo do leitor
para uma explicaccedilatildeo que necessariamente exigiria mais tempo A adaptaccedilatildeo por seu turno
obviamente resultaria ou em acreacutescimos ou em perdas ou em algum tipo de manipulaccedilatildeo
Apesar desses problemas deve-se chegar a uma soluccedilatildeo e essa difiacutecil tarefa
depende do bom-senso do tradutor que faraacute sua escolha sempre ponderando as
consequumlecircncias quando natildeo existir nenhum ponto paciacutefico Sua opccedilatildeo seraacute entatildeo aquela
que provavelmente resulte no menor prejuiacutezo e na menor alteraccedilatildeo possiacutevel do significado
225 Formas de tratamento e vocativos
Garcez (1992 155) ao discutir sobre as dificuldades de traduzir formas de
tratamento estabelece diferenccedilas entre o portuguecircs brasileiro e o inglecircs O direcionamento da
traduccedilatildeo colocado na ordem inglecircs (liacutengua de partida)
portuguecircs (liacutengua de chegada)
evidencia praacuteticas comuns arraigadas de tradutores as quais esse criacutetico questiona e
apresenta alternativas
A primeira diferenccedila diz respeito ao problema do pronome pessoal you que natildeo eacute
muito claro agraves vezes traduzido por o senhora senhora neste caso segundo Garcez (1992
155) marca uma distinccedilatildeo em grau de poder O criacutetico natildeo faz referecircncia a outros significados
possiacuteveis para you que tambeacutem pode ser traduzido por os senhoresas senhoras tuvoacutes
vocecircvocecircs o que deixa clara a relativa neutralidade dessa palavra inglesa
67
O principal problema apontado por Garcez eacute referente ao uso padratildeo em inglecircs
dos tiacutetulos Mr Mrs Miss Ms (por exemplo Mr Burton Miss Marple Mrs Wilson e Ms
Brown) que conquanto tenham no uso brasileiro padratildeo de uso mais comum
respectivamente os vocaacutebulos Seu e Dona muitas vezes na traduccedilatildeo do inglecircs para o
portuguecircs brasileiro satildeo anglicizados ou seja Mr = Sr (Senhor) Mrs = Sra (Senhora)
MissMs = Srta (Senhorita) Entretanto o criacutetico assinala que no caso de histoacuterias de
detetives o que ele chama de anglicismos para pronomes de tratamento jaacute eacute natural pois esse
gecircnero literaacuterio (de tradiccedilatildeo anglo-saxatilde)51 jaacute foi absorvido ou naturalizado na cultura
brasileira (GARCEZ 1992 158)
Rosa (2000 35) afirma que a escolha de formas de tratamento pode criar
problemas especiacuteficos de traduccedilatildeo em conformidade com ideacuteias expressadas por Baker
a dimensatildeo da familiaridaderespeito no sistema de pronomes estaacute entre os aspectos mais fascinantes da gramaacutetica e entre os mais problemaacuteticos em traduccedilatildeo Ela reflete o tom [ecircnfase de Baker] do discurso () e pode conceber toda uma gama de significados sutis As escolhas sutis envolvidas no uso de pronomes em liacutenguas que fazem distinccedilatildeo entre pronomes familiares [que designam intimidade] e natildeo familiares [que designam respeito] ficam mais complicadas pelo fato de que esse uso difere significantemente de um grupo social para outro e que ele muda o tempo todo de modo a refletir valores e atitudes sociais (BAKER 1992 98) 52
Entatildeo pode-se notar que o uso especial de pronomes por parte de certas liacutenguas
exige cuidados especiais do tradutor quando por exemplo um pronome designa intimidade
ou respeito (pronomes familiares ou natildeo familiares respectivamente segundo Baker) e tais
usos natildeo tecircm correspondecircncia simeacutetrica exata na liacutengua de chegada
51 Edgar Allan Poe escritor estadunidense eacute o primeiro nome importante a ser citado sobre histoacuterias de detetives no seacuteculo XIX por meio de seus contos e sobretudo do personagem criado por ele o detetive Dupin Outro nome que se destaca eacute do escocecircs Sir Arthur Conan Doyle o criador de Sherlock Holmes
52 the familiaritydeference dimension in the pronoun system is among the most fascinating aspects of grammar and the most problematic in translation It reflects the tenor of discourse ( ) and can convey a whole range of rather subtle meanings The subtle choices involved in pronoun usage in languages which distinguish between familiar and non-familiar pronouns is further complicated by the fact that this use differs significantly from one social group to another and that it changes all the time in a way that reflects changes in social values and attitudes
68
23 Linguagem e traduccedilatildeo
231 Terminologia e conceitos da Linguumliacutestica
2311 Idioma
Toda liacutengua estaacute sujeita a transformaccedilotildees decorrentes da aacuterea geograacutefica em que
se insere da cultura e do fator cronoloacutegico Pelo menos sob o prisma geograacutefico estas
diferenciaccedilotildees podem ser classificadas hierarquicamente desde o que se entende por
exemplo ser um idioma comum utilizado no Brasil em Portugal em Cabo Verde
Moccedilambique Angola etc Celso Ferrarezi Junior (sd1) propotildee o seguinte conceito para
idioma53
O conceito de idioma se confunde em muitos trechos da literatura linguumliacutestica com o conceito de liacutengua Historicamente poreacutem o conceito de idioma decorre do conceito de estado organizado e da necessidade (mais ideoloacutegica do que real diga-se) de estabelecer liacutenguas oficiais nesses estados A ideacuteia de idioma acaba evoluindo entatildeo para o que seria por definiccedilatildeo a liacutengua oficial de um estado organizado Essa liacutengua oficial como era de se esperar acaba se diferenciando de naccedilatildeo para naccedilatildeo em que uma mesma liacutengua eacute oficialmente falada (pex inglecircs dos Estados Unidos e inglecircs da Inglaterra portuguecircs do Brasil (brasileiro) e portuguecircs de Portugal)
Nesse campo Catford (1980 93) entende que o conceito de uma liacutengua
global 54 por ser tatildeo vasto e heterogecircneo natildeo eacute operacionalmente uacutetil para muitos fins
linguumliacutesticos descritivos comparativos e pedagoacutegicos Assim esse criacutetico apresenta um
esquema de categorias menores dentro do que chama de liacutengua global formadas por
idioletos dialetos registros estilos e modos
2312 Liacutengua
Ferrarezi Junior ao propor uma definiccedilatildeo de liacutengua expotildee algumas ideacuteias sobre a
complexidade desse assunto
53 Para facilitar a compreensatildeo o conceito de idioma pelo menos aqui adquire um aspecto geral enquanto que o conceito de liacutengua se encontra num niacutevel abaixo idioma portuguecircs (falado em vaacuterios paiacuteses e regiotildees do mundo) liacutengua portuguesa do Brasil liacutengua portuguesa de Portugal etc A questatildeo ainda permanece confusa quando por exemplo levamos em consideraccedilatildeo o inglecircs em que language se refere aos termos idioma liacutengua e linguagem neste contexto
54 Aqui o termo liacutengua global equipara-se a idioma
69
em muitas circunstacircncias a liacutengua eacute mais do que um mero sistema de comunicaccedilatildeo e funciona como um depoacutesito das experiecircncias culturais de uma comunidade experiecircncias essas que se revelam em construccedilotildees atiacutepicas em figuras que soacute fazem sentido em cenaacuterios muito especiacuteficos em estruturaccedilotildees sintaacuteticas que parecem fugir aos paracircmetros gramaticais impostos pela liacutengua e que em suma formam um conjunto peculiar de fatos da liacutengua como falada em uma comunidade que soacute podem ser justificados como o resultado de uma longa e complexa construccedilatildeo cultural por parte dessa comunidade de falantes (JUNIOR sd 1)
Ronald W Langacker (1972 51) por sua vez fala sobre as dificuldades de
conceituar o que eacute liacutengua enquanto que temos uma ideacuteia mal delineada e intuitiva do que
significa o termo liacutengua os usos da liacutengua satildeo tais que muitas vezes eacute extremamente difiacutecil na
praacutetica decidir quando o vocaacutebulo eacute bem empregado Ele destaca que
agrave primeira vista pode parecer natildeo haver problema O inglecircs eacute uma liacutengua assim como o francecircs e o holandecircs O inglecircs eacute a liacutengua falada nos Estados Unidos Inglaterra Canadaacute e alguns outros lugares o francecircs eacute a liacutengua falada na Franccedila parte do Canadaacute e assim por diante o holandecircs eacute a liacutengua falada nos Paiacuteses Baixos Mas as coisas natildeo satildeo de fato assim tatildeo simples Quando tentamos determinar fronteiras linguumliacutesticas verificamos que elas natildeo podem ser marcadas num mapa da mesma exata maneira como o satildeo as fronteiras nacionais pelo menos sem uma simplificaccedilatildeo grosseira (LANGACKER 1972 51)
Com estes argumentos Langacker se refere agrave dificuldade de se estabelecer
fronteiras linguumliacutesticas entre paiacuteses e regiotildees isto eacute as fronteiras geograacuteficas natildeo coincidem
plenamente com as fronteiras linguumliacutesticas como ele exemplifica
A fronteira entre o Meacutexico e os Estados Unidos por exemplo seraacute uma linha de demarcaccedilatildeo adequada entre o inglecircs e o espanhol Mas mesmo nesse caso algumas ressalvas devem ser feitas Muitas pessoas que moram perto da fronteira do lado americano falam espanhol melhor do que inglecircs e muitas falam apenas espanhol Aleacutem disso muitas pessoas do lado mexicano sabem inglecircs (LANGACKER 1972 52-53)
Desse modo o criacutetico expotildee a imprecisatildeo das fronteiras linguumliacutesticas
Entre a aacuterea na qual o inglecircs eacute falado com exclusatildeo total do espanhol e a aacuterea onde a situaccedilatildeo eacute inversa existe uma regiatildeo bastante grande onde ambas as liacutenguas satildeo usadas onde palavras inglesas se insinuam numa conversa em espanhol e assim por diante Mesmo nesse caso portanto qualquer linha riacutegida de demarcaccedilatildeo representa uma simplificaccedilatildeo grosseira (LANGACKER 1972 52-53)
Estas consideraccedilotildees tambeacutem se aplicam nos domiacutenios das liacutenguas
individualmente onde haacute uma suposta uniformidade jaacute que
mesmo nos Estados Unidos onde haacute relativamente pouca diversidade linguumliacutestica verificamos natildeo ser isso [a uniformidade linguumliacutestica] verdade mesmo se deixarmos
70
de lado as exceccedilotildees oacutebvias como o caso de pessoas que falam mais de uma liacutengua e as aacutereas (principalmente as grandes cidades) onde coexistem espanhol chinecircs italiano ou outras liacutenguas estrangeiras A liacutengua falada no Texas natildeo eacute igual agrave falada na Nova Inglaterra os habitantes do centro do paiacutes natildeo falam da mesma maneira que os habitantes do sul Temos todos ateacute certo ponto consciecircncia dessas diferenccedilas superficiais e mesmo nos divertimos agraves vezes agraves custas de outros dialetos (LANGACKER 1972 54)
Todas essas formulaccedilotildees encontram base em Saussure pois
assim como natildeo se poderia dizer onde termina o alto alematildeo e onde comeccedila o plattdeutsch assim tambeacutem eacute impossiacutevel traccedilar uma linha de demarcaccedilatildeo entre o alematildeo e o holandecircs entre o francecircs e o italiano Existem pontos extremos nos quais se pode dizer com seguranccedila Aqui impera o francecircs aqui o italiano entretanto quando entramos nas regiotildees intermediaacuterias vemos essa distinccedilatildeo se apagar uma zona compacta mais restrita imaginada para servir de transiccedilatildeo entre as duas liacutenguas como por exemplo o provenccedilal entre o francecircs e o italiano natildeo tem realidade (SAUSSURE 1974 236)
Diante disso esse criacutetico eacute conclusivo
como aliaacutes representar sob uma forma ou outra um limite linguumliacutestico preciso num territoacuterio coberto de um extremo a outro de dialetos gradualmente diferenciados As delimitaccedilotildees das liacutenguas se encontram sufocadas tanto quanto as dos dialetos nas transiccedilotildees Assim como os dialetos natildeo passam de subdivisotildees arbitraacuterias da superfiacutecie total da liacutengua assim tambeacutem o limite que se acredita separe duas liacutenguas soacute pode ser convencional (SAUSSURE 1974 236)
2313 Dialeto
Quando se fala em idioma portanto haacute diferenccedilas e peculiaridades entre os
falantes em relaccedilatildeo a este recurso de comunicaccedilatildeo Existe todavia uma unidade aparente que
vai se desfazendo agrave medida que o espaccedilo geograacutefico muda ou diminui (e tambeacutem por outras
razotildees como se veraacute adiante nesta dissertaccedilatildeo) As diferenccedilas se acentuam ocorrendo a
dialetaccedilatildeo Os dialetos por sua vez podem apresentar outras divisotildees sucessivamente Tais
divisotildees e subdivisotildees encontram ainda outros termos socioleto e idioleto
Baker (1992 15) define e classifica dialeto como uma variedade da liacutengua que
tem uso corrente dentro de uma comunidade ou grupo de falantes especiacuteficos
55 Ela ainda
classifica esse termo conforme as dimensotildees geograacutefica temporal e social Para a dimensatildeo
geograacutefica Baker utiliza como exemplos caracteriacutesticos um dialeto escocecircs ou dos Estados
Unidos em oposiccedilatildeo ao inglecircs britacircnico Assim como ilustraccedilatildeo o substantivo elevador em
55 a variety of language which has currency within a specific community or group of speakers
71
inglecircs apresenta pelo menos duas formas lift na Inglaterra e elevator nos Estados Unidos
No caso da dimensatildeo temporal Baker cita o exemplo de palavras e estruturas utilizadas em
periacuteodos diferentes na histoacuteria da liacutengua conforme verily (de uso mais antigo) e really (de uso
mais atual)56 Por fim ela expotildee o caso da dimensatildeo social em que palavras e estruturas satildeo
utilizadas por membros de classes sociais diferentes conforme scent e perfume napkin e
serviette57
Catford (1980 95) por sua vez denomina dialeto como a variante de liacutengua
relacionada com a proveniecircncia ou as filiaccedilotildees do performador numa dimensatildeo geograacutefica
temporal ou social Este teoacuterico classifica o dialeto em tipos o dialeto (propriamente dito)
ou dialeto geograacutefico que constitui a variante relacionada com a proveniecircncia geograacutefica do
performador por exemplo inglecircs americano inglecircs britacircnico inglecircs escocecircs dialeto
dos escoceses a eacutetat de langue ou dialeto temporal que eacute a variante relacionada com a
proveniecircncia do performador ou do texto por ele produzido na dimensatildeo do tempo por
exemplo inglecircs contemporacircneo inglecircs elisabetano inglecircs medieval dialeto social que
se consubstancia na variante relacionada com a classe ou o status social do performador por
exemplo E e natildeo-E (E = classe social mais elevada)
2314 Idioleto
O uacuteltimo niacutevel destas divisotildees (o idioleto seguindo a sequumlecircncia decrescente
idioma liacutengua dialeto) eacute aquele que se refere ao indiviacuteduo tomado isoladamente uacutenico
falante do seu proacuteprio dialeto A este respeito Langacker (1972 57-58) diz que natildeo haacute duas
pessoas com sistemas linguumliacutesticos absolutamente idecircnticos havendo sempre distinccedilatildeo entre
qualquer par de falantes seja por alguns pontos de sintaxe fonologia e vocabulaacuterio
Desenvolvendo esse argumento esse teoacuterico considera que cada falante tem seu proacuteprio
dialeto ou seja o idioleto
Por conseguinte se levarmos agraves uacuteltimas conclusotildees a proposiccedilatildeo de que um simples traccedilo eacute suficiente para estabelecer uma fronteira dialetal terminaremos por afirmar que cada falante tem o seu proacuteprio dialeto o qual natildeo eacute partilhado por nenhum outro falante () O termo idioleto eacute portanto frequumlentemente usado para designar o
56 Verily = really (adveacuterbios) realmente verdadeiramente
57 Scent = perfume perfume Napkin = serviette guardanapo Neste caso eacute atribuiacutedo um valor de sofisticaccedilatildeo para as palavras perfume e serviette por serem de origem francesa e por isso seu uso mais comum seria feito por pessoas de status social mais elevado
72
dialeto de uma pessoa e o termo dialeto eacute mais largamente definido (LANGACKER 1972 57-58)
O idioleto portanto eacute a expressatildeo linguumliacutestica particular de cada indiviacuteduo por
meio da qual cada ser humano eacute identificaacutevel sem que haja outro igual como se fosse uma
impressatildeo digital no niacutevel da liacutengua Nos termos de Catford (1980 95) eacute a variante de
liacutengua relacionada com a identidade pessoal do performador
2315 Variedade linguumliacutestica
William Labov importante linguumlista norte-americano da vertente
sociolinguumliacutestica desenvolveu a partir de estudos na deacutecada de 1960 a teoria da variaccedilatildeo
linguumliacutestica Trata-se de uma reaccedilatildeo ao modelo gerativo o qual natildeo inclui o componente social
como fator importante nos estudos linguumliacutesticos A sociologia da linguagem de Labov tenta
entender a liacutengua em seu contexto social considerando as mudanccedilas provocadas na liacutengua em
diversos contextos ou momentos em que os falantes atuam
o ponto de vista deste estudo consiste em que natildeo se pode compreender o desenvolvimento da mudanccedila de uma liacutengua fora da vida social da comunidade em que ela ocorre Ou falando de outra maneira as pressotildees sociais operam continuamente sobre a liacutengua natildeo apenas desde um ponto remoto no passado mas tambeacutem como uma forccedila social imanente que atua no presente vivenciado (LABOV apud SANTOS 2000)58
A partir destas formulaccedilotildees de Labov surge o termo variaccedilatildeo linguumliacutestica Assim
segundo R L Trask (2004 303) uma mesma liacutengua natildeo eacute usada de maneira totalmente
homogecircnea no interior de uma mesma comunidade Trask considera que essa variaccedilatildeo
acontece natildeo soacute no contexto de vaacuterios falantes (conforme sua profissatildeo ocupaccedilatildeo sexo faixa
etaacuteria regiatildeo geograacutefica etc) diferentes em momentos ou situaccedilotildees diferentes mas ateacute mesmo
no niacutevel de um soacute indiviacuteduo num uacutenico contexto quando haacute uma escolha livre em que ele
deseja se expressar variando sua linguagem Essa variaccedilatildeo portanto ocorre em vaacuterios niacuteveis
e remete a conceitos subjacentes discutidos pela Linguumliacutestica e pela Sociolinguumliacutestica citados
58 El punto de vista de este estuacutedio consiste en que no se puede comprender el desarrolo del cambio de un lenguaje fuera de la vida social de la comunidad en la que ocurre O dicho de outra manera las presiones sociales estaacuten operando continuamente sobre el lenguaje no desde un punto remoto del pasado sino como una fuerza social inmanente que actuacutea en el presente vivido
73
nos toacutepicos anteriores (idioma liacutengua dialeto socioleto idioleto) aleacutem dos conceitos de
variedade linguumliacutestica registro e tom
Langacker ao discutir sobre a natildeo coincidecircncia entre as fronteiras geograacuteficas e as
fronteiras linguumliacutesticas e sobre os dialetos de uma mesma liacutengua num mesmo territoacuterio afirma
a diversidade linguumliacutestica natildeo pode ser totalmente apreciada em termos geograacuteficos tem pelo menos duas outras dimensotildees Uma delas eacute a dimensatildeo dos grupos e classes sociais Dentro de uma aacuterea geograacutefica dada especialmente em aacutereas urbanas haacute diferenccedilas linguumliacutesticas relacionadas com a estrutura social Os membros da alta sociedade e os trabalhadores de classes econocircmicas inferiores em geral se distinguem de maneira bastante niacutetida quanto agrave sua fala ()(LANGACKER 1972 59)
Ainda segundo Langacker a diversidade linguumliacutestica possui outra dimensatildeo que
estaacute ligada aos proacuteprios falantes tomados individualmente
Cada falante tem natildeo apenas seu sistema linguumliacutestico uacutenico mas tem tambeacutem diferentes estilos de fala que emprega em circunstacircncias diversas O estilo usado quando se eacute entrevistado para um emprego eacute consideravelmente diferente do usado numa conversa com amigos por exemplo (LANGACKER 1972 59)
O conceito de variedade linguumliacutestica59 revela em si o conhecimento de que existe
uma grande diversificaccedilatildeo linguumliacutestica por exemplo no uso de vaacuterios dialetos que ateacute podem
ser semelhantes entre si mas que apresentam caracteriacutesticas proacuteprias Entretanto falta ao
conceito de variedade linguumliacutestica exprimir claramente que a liacutengua tambeacutem possui uma
flexibilidade associada ao momento em que ela eacute expressa em conjunto com outras variaacuteveis
os agentes humanos ao se comunicarem pela liacutengua tecircm uma grande versatilidade e dispotildeem
de um grande conjunto de dialetos sobre os quais tecircm a liberdade de acesso e podem assim
variar o seu uso conforme seu desejo com o uso de um ou outro dialeto sob as constantes
flutuaccedilotildees de referente as caracteriacutesticas do falante (sexo faixa etaacuteria ocupaccedilatildeo niacutevel de
escolaridade estado de humor etc) o ambiente ou situaccedilatildeo (formal informal) em que ele se
encontra aleacutem do perfil do seu interlocutor Para exprimir essas outras diferenccedilas existem
outros termos como registro e tom
59 Platt amp Platt e Richards (1992 347 397) tambeacutem utilizam os termos correlatos variedade (variety) e variedade do discurso (speech variety) Este uacuteltimo eacute assim definido a term sometimes used instead of LANGUAGE DIALECT SOCIOLECT PIDGIN CREOLE etc because it is considered more neutral than such terms It may also be used for different varieties of one language eg American English Australian English Indian English
( um termo agraves vezes utilizado em vez de LIacuteNGUA DIALETO SOCIOLETO PIDGIN CRIOULO etc porque eacute considerado mais neutro do que esses termos Tambeacutem pode ser utilizado para designar variedades diferentes de uma liacutengua eg inglecircs americano inglecircs australiano inglecircs indiano )
74
2316 Registro
Joaquim Mattoso Cacircmara Jr define assim registro
Termo adotado pela escola (v) linguumliacutestica de Londres para designar as mudanccedilas no uso da liacutengua por parte de um falante conforme a situaccedilatildeo social Assim o registro da conversaccedilatildeo familiar eacute diferente do de uma conversaccedilatildeo cerimoniosa o registro da liacutengua escrita diverge do da liacutengua oral e na literatura haacute um registro especial (v liacutengua) (CAcircMARA JR 1985 207)
Para David Crystal (1987 429) registro diz respeito a uma variedade linguumliacutestica
socialmente definida por exemplo cientiacutefica legal etc 60 Landers (2001 59) procura
esclarecer mais e apresenta este conceito dividindo-o em vaacuterias categorias natildeo
teacutecnicoteacutecnico informalformal urbanorural padratildeoregional jargatildeonatildeo jargatildeo
vulgarpolido Ele tambeacutem considera o registro como um ato contiacutenuo que varia desde o niacutevel
informal ao formal do niacutevel mais baixo ao mais elevado
Segundo Costa (1992 36-40) registro tem ligaccedilotildees com a gramaacutetica funcional
especialmente com o trabalho de Halliday Assim Halliday et al (1964) apud Costa (1992
36) utilizam os seguintes conceitos dialeto eacute uma variedade de acordo com o usuaacuterio 61 e
registro uma variedade de acordo com o uso 62
Entretanto o proacuteprio Halliday (1978 110-111) apud Costa (1992 36) faz outras
observaccedilotildees esta distinccedilatildeo geral [entre dialeto e registro] pode ser aceita mas em vez de se
caracterizar o registro mais por suas propriedades lexicogramaticais devemos sugerir
com
um texto por exemplo
uma definiccedilatildeo mais abstrata em termos semacircnticos 63 Halliday
entatildeo elabora outra definiccedilatildeo um registro pode ser definido como a configuraccedilatildeo de
recursos semacircnticos que um membro de uma cultura normalmente associa com um tipo de
situaccedilatildeo
(HALLIDAY 1978 110-111 apud COSTA 1992 36)64
Esse conceito de registro todavia tem sido amplamente criticado por outros
teoacutericos de acordo com Costa (1992 36) que menciona dentre eles Coulthard (1985 39)
60 a socially defined variety of language eg scientific legal etc
61 a variety according to the user
62 a variety according to the use
63 this general distinction can be accepted but instead of characterising a register largely by its lexicogrammatical properties we shall suggest as with text a more abstract definition in semantic terms
64 A register can be defined as the configuration of semantic resources that the member of a culture typically associates with a situation type
75
Crystal e Davy (1969 61) Assim apoacutes uma longa discussatildeo Costa (1992 30-40) apresenta o
termo registro numa acepccedilatildeo mais flexiacutevel que caracteriza a linguagem conforme campos
especiacuteficos do conhecimento humano (jargotildees profissionais a fala entre os diversos grupos
sociais heterogecircneos) o niacutevel de formalidade ou contextos especiacuteficos
Para Baker (1992 15-16) registro eacute uma variedade da liacutengua que um falante
considera apropriado para uma situaccedilatildeo especiacutefica 65 (ecircnfase da autora) Isso quer dizer que
dependendo do campo do discurso (field of discourse) do tom do discurso (tenor of
discourse) e do modo do discurso (mode of discourse) haveraacute mudanccedilas de registro Baker
(1992 16) explica esses trecircs fatores
Campo do discurso eacute aquilo que estaacute acontecendo durante o momento da fala em
que os participantes escolhem os itens linguumliacutesticos ou seja enquanto existe accedilatildeo ou debate
que envolve determinado assunto ou praacutetica Assim variaccedilotildees no campo do discurso
promovem variaccedilotildees de registro por exemplo se o falante estaacute jogando ou discutindo sobre
futebol fazendo amor ou discutindo sobre o amor fazendo um discurso poliacutetico ou discutindo
sobre poliacutetica realizando uma operaccedilatildeo meacutedica ou discutindo medicina
O tom do discurso eacute um termo abstrato para os relacionamentos entre as pessoas
que tomam parte no discurso 66 isto eacute satildeo mudanccedilas realizadas na linguagem por uma pessoa
dependendo com quem ela fala as relaccedilotildees interpessoais que estabelecem certos padrotildees
tiacutepicos de discurso segundo as diferenccedilas pessoais em termos de idade grau de intimidade
hierarquia ou posiccedilatildeo social etc matildeefilho meacutedicopaciente status superiorinferior etc Vale
observar tambeacutem o que Cacircmara Jr diz a respeito de tom apresentando-o como sinocircnimo de
acento
[acento] eacute a maior intensidade (acento de intensidade ou ICTO) ou a maior altura (acento de altura ou TOM) com que a emissatildeo de uma siacutelaba se opotildee agraves que lhe ficam contiacuteguas numa enunciaccedilatildeo O acento de intensidade ou de altura conforme a liacutengua entra na estruturaccedilatildeo focircnica do vocaacutebulo (v) criando um contraste na emissatildeo das siacutelabas ()(CAcircMARA JR 1985 39)
Esse teoacuterico tambeacutem destaca que na ortografia da liacutengua portuguesa o acento
tocircnico eacute representado por sinais graacuteficos ou seja o acento agudo e o acento circunflexo e
tambeacutem haacute o que ele chama de acento frasal que consiste na elevaccedilatildeo da voz em
determinado ponto da enunciaccedilatildeo da frase o resultado eacute uma escala de altura vocal
65 Register is a variety of language that a language user considers appropriate to a specific situation
66 An abstract term for the relationships between the people taking part in the discourse
76
ascendente descendente ou ascendente-descendente a que se daacute o nome de entoaccedilatildeo
(CAcircMARA JR 1985 39)
Para os propoacutesitos desta dissertaccedilatildeo o conceito de tom
equiparado ao de acento
segundo Cacircmara Jr deve se ater agrave uacuteltima acepccedilatildeo relacionada ao que esse teoacuterico chama
de acento frasal ou entoaccedilatildeo67 A partir disso pode-se dizer que o tom portanto estaacute aqui
associado agrave emoccedilatildeo de quem fala revelando nuances derivados do humor da ironia deixando
tambeacutem outras impressotildees a respeito do emissor sinceridade ingenuidade rancor fuacuteria
enfim qualquer tipo de sentimento ou aspecto ligado a uma situaccedilatildeo momentacircnea ou a algo
inerente ao proacuteprio caraacuteter da pessoa
Por fim Baker (1992 16) define modo de discurso como um termo abstrato para
o papel que a linguagem estaacute desempenhando (discurso ensaio palestra instruccedilotildees) e para o
meio de transmissatildeo (fala escrita) Assim as escolhas linguumliacutesticas satildeo influenciadas por
essas dimensotildees por exemplo como o uso de vocaacutebulos mais apropriados para uma carta
comercial do que para a fala informal
Catford (1980 95) de modo semelhante a Baker afirma que registro eacute a
variante relacionada com o papel social mais amplo desempenhado pelo performador no
momento da elocuccedilatildeo por exemplo cientiacutefico religioso ciacutevico etc Esse teoacuterico fala
em mais duas variantes linguumliacutesticas estilo ou a variante relacionada com o nuacutemero e a
natureza dos destinataacuterios e a relaccedilatildeo do performador com eles por exemplo formal
coloquial iacutentimo e modo ou seja a variante relacionada com o meio pelo qual opera o
performador falado escrito
2317 Norma-padratildeo
Toda essa riqueza linguumliacutestica pode ser explorada por oradores ou escritores
criativos Aqui interessa uma ecircnfase na liacutengua escrita da criaccedilatildeo literaacuteria a qual muitas vezes
reproduz imita a oralidade e assim enriquece as possibilidades de expressatildeo e intenccedilotildees que o
autor deseja causar no seu destinataacuterio o leitor Da mesma forma na traduccedilatildeo o tradutor deve
observar esses aspectos em relaccedilatildeo ao novo leitor conforme sugere Lefevere referindo-se aos
desvios da norma-padratildeo (que Lefevere neste caso chama de erros )
67 Para R L Trask (2004 91) por exemplo intonation (entonaccedilatildeo)
77
escritores agraves vezes desviam do uso gramatical aceito de seu tempo natildeo porque sejam incapazes de escrever bem mas porque eles desejam chamar a atenccedilatildeo para o seu erro Os tradutores deveriam tentar relacionar o erro gramatical da liacutengua de partida com um erro gramatical na liacutengua de chegada se considerarem o erro de importacircncia suficiente dentro do quadro da composiccedilatildeo geral do texto de partida
(LEFEVERE 1992 35)68
Saussure (1974 224-227) tambeacutem admite que as fronteiras geograacuteficas natildeo
coincidem com as fronteiras linguumliacutesticas e quando toma estas liacutenguas individualmente
reconhece que em cada uma delas ocorre a dialetaccedilatildeo Logo pode-se concluir que essa
dialetaccedilatildeo resulta em variedades de uma mesma liacutengua tanto em relaccedilatildeo com outros paiacuteses
(eg o francecircs da Franccedila que difere do que eacute falado na Beacutelgica na Suiacuteccedila no Canadaacute etc)
como dentro de um mesmo paiacutes quando se percebe a existecircncia dos dialetos regionais Nesse
ponto aparece uma diferenciaccedilatildeo que Saussure chama de liacutengua literaacuteria e idioma local
por liacutengua literaacuteria entendemos natildeo somente a liacutengua da literatura como tambeacutem em sentido mais geral toda espeacutecie de liacutengua culta oficial ou natildeo ao serviccedilo da comunidade inteira Abandonada a si mesma a liacutengua conhece apenas dialetos nenhum dos quais se impotildee aos demais pelo que ela estaacute destinada a um fracionamento indefinido (SAUSSURE 1974 226)
Logo quando esse teoacuterico afirma que a liacutengua literaacuteria eacute toda espeacutecie de liacutengua
culta
ou de maior prestiacutegio em outras palavras
a serviccedilo da comunidade inteira fica clara
a necessidade de haver pelo menos uma liacutengua padratildeo para o bem comum e para a integraccedilatildeo
dos grupos sociais Essa entatildeo eacute para Saussure a liacutengua literaacuteria
agrave qual logicamente se
enquadra a norma-padratildeo da liacutengua Os outros dialetos
ou idiomas locais
por causa de
seu papel mais restrito aleacutem de outros fatores
ficam agrave margem de um dialeto escolhido
como modelo geral
Mas como a civilizaccedilatildeo ao se desenvolver multiplica as comunicaccedilotildees escolhe-se por uma espeacutecie de convenccedilatildeo taacutecita um dos dialetos existentes para dele fazer o veiacuteculo de tudo quanto interesse agrave naccedilatildeo no seu conjunto Os motivos de tal escolha satildeo diversos umas vezes se daacute preferecircncia ao dialeto da regiatildeo onde a civilizaccedilatildeo eacute mais avanccedilada outras ao da proviacutencia que tem hegemonia poliacutetica e onde estaacute sediado o poder central outras eacute um corte que impotildee seu falar agrave naccedilatildeo (SAUSSURE 1974 226)
68 Writers sometimes deviate from the accepted grammatical usage of their time not because they are incapable of writing well but because they wish to focus attention on their mistake Translators should try to match the grammatical error in the source language with a grammatical error in the target language if they consider the error of sufficient importance within the framework of the overall composition of the source text
78
Considerando estas palavras pode-se facilmente entender que idioma local na
acepccedilatildeo de Saussure entatildeo refere-se a todos os outros dialetos que natildeo foram escolhidos
como o tipo padratildeo ou modelo geral de uma liacutengua A partir do momento em que a liacutengua
literaacuteria se oficializa tem-se o conceito de norma culta ou norma-padratildeo69
232 A linguagem na literatura escrita e traduzida
2321 O prestiacutegio da norma-padratildeo
Saussure (1974 34-36) tambeacutem discorre sobre a questatildeo do maior prestiacutegio da
liacutengua escrita sobre a liacutengua falada Ressalta-se que quando se menciona a palavra prestiacutegio
ligada agrave expressatildeo linguumliacutestica escrita percebe-se que esta variedade escrita se refere ao uso da
norma-padratildeo A liacutengua tem pois uma tradiccedilatildeo oral independente da escrita e bem
diversamente fixa todavia o prestiacutegio da forma escrita nos impede de vecirc-lo (SAUSSURE
1974 35)
Dentre as razotildees que Saussure expotildee acerca desse prestiacutegio destaca-se sobre os
motivos da norma-padratildeo (ou liacutengua literaacuteria conforme este linguumlista suiacuteccedilo)
A liacutengua literaacuteria aumenta ainda mais a importacircncia imerecida da escrita Possui seus dicionaacuterios suas gramaacuteticas eacute conforme o livro e pelo livro que se ensina na escola a liacutengua aparece regulamentada por um coacutedigo ora tal coacutedigo eacute ele proacuteprio uma regra escrita submetida a um uso rigoroso a ortografia e eis o que confere agrave escrita uma importacircncia primordial Acabamos por esquecer que aprendemos a falar antes de aprender a escrever e inverte-se a relaccedilatildeo natural (SAUSSURE 1974 35)
A liacutengua oral ou escrita por sua flexibilidade oscila entre vaacuterios niacuteveis desde a
informalidade de um bate-papo casual ateacute a postura seacuteria e impecaacutevel de um candidato a
emprego diante de uma entrevista ou no caso de um bilhete informal ou lembrete que uma
matildee deixa para seu filho e de uma carta formal dirigida ao diretor de uma corporaccedilatildeo etc
Lefevere (1992 58) comenta isso salientando que exceto nos livros de gramaacutetica ou em
69 Nesta dissertaccedilatildeo prefere-se o termo norma-padratildeo (BAGNO 2005 64-65) em vez de norma culta por se entender que cultura eacute um termo abrangente e complexo e natildeo pode ser sinocircnimo exclusivo de conhecimento formal escolar ou de algo que denote prestiacutegio ou formas de preconceito Lyons apresenta duas definiccedilotildees para cultura () Baseia-se em uacuteltima instacircncia na concepccedilatildeo claacutessica do que constitui excelecircncia em arte literatura maneiras e instituiccedilotildees sociais (LYONS 1987 273) E tambeacutem cultura num sentido antropoloacutegico sem nenhuma implicaccedilatildeo de progresso humano uniforme do barbarismo agrave civilizaccedilatildeo e sem nenhum
julgamento de valor a priori quanto agrave qualidade esteacutetica ou intelectual da arte literatura das instituiccedilotildees etc de determinada sociedade (LYONS 1987 274)
79
manuais de estilo a liacutengua nunca eacute usada num vaacutecuo ela eacute sempre usada numa certa situaccedilatildeo
Em culturas diferentes um uso especiacutefico da liacutengua eacute considerado apropriado (ou
inapropriado) numa situaccedilatildeo especiacutefica 70 Nos casos em que haacute formalidade existe uma
preocupaccedilatildeo maior com o uso de um dialeto de maior prestiacutegio a norma-padratildeo da gramaacutetica
prescritiva um modelo que normalmente eacute adotado como referecircncia de polidez boa
educaccedilatildeo refinamento Entretanto na maioria das vezes em que ocorre algum desvio dessa
norma geralmente as pessoas classificam esse fato como um erro independentemente da
situaccedilatildeo ser formal ou informal
Na traduccedilatildeo de Of mice and men realizada por Veriacutessimo (Ratos e homens
ediccedilotildees de 1940 e 1968) o uso de um dialeto de prestiacutegio nos diaacutelogos em seu trabalho chama
atenccedilatildeo pois essa variedade ainda que coloquial destoa daquela utilizada pelo autor John
Steinbeck uma variedade da liacutengua inglesa estadunidense desprestigiadaestigmatizada Em
relaccedilatildeo agrave traduccedilatildeo de Campello (1991) percebe-se maior aproximaccedilatildeo relativa daquela
variedade inglesa em niacutevel coloquial mas que tambeacutem ainda soa mais educado
do que a
liacutengua dos personagens do texto de partida A traduccedilatildeo de Ban (2005) eacute a que mais tenta se
aproximar daquele inglecircs estigmatizado
A expressatildeo desvio gramatical equivocadamente adquiriu um sentido
generalizado com conotaccedilotildees associadas a erros cometidos contra o bom uso da liacutengua
No entanto cabe aqui esclarecer o que se entende por gramaacutetica Fromkim e Rodman (1993
12-13) fazem distinccedilatildeo entre o que chamam de gramaacutetica descritiva e gramaacutetica prescritiva
todo ser humano que fala uma liacutengua sabe gramaacutetica Ao pretenderem descrever uma liacutengua os linguistas tentam descrever a gramaacutetica da liacutengua presente no espiacuterito dos falantes Podem evidentemente verificar-se algumas divergecircncias entre o conhecimento que os vaacuterios falantes tecircm da liacutengua Mas existe um conhecimento comum
a gramaacutetica
que permite aos falantes falarem e compreenderem-se A descriccedilatildeo do linguista seraacute uma boa ou maacute descriccedilatildeo da gramaacutetica da liacutengua ou mesmo da proacutepria liacutengua consoante constitua ou natildeo um verdadeiro modelo de capacidade linguumliacutestica do falante Esse modelo designa-se por gramaacutetica descritiva (ecircnfase dos autores)
Assim pode-se entender que existe uma espeacutecie de gramaacutetica geral denominada
como descritiva que tatildeo somente trata da ordenaccedilatildeo loacutegica da liacutengua desde as suas menores
unidades de sentido (os sons) passando agrave formaccedilatildeo das palavras da organizaccedilatildeo dessas
palavras em grupos maiores (sintagmas frases oraccedilotildees periacuteodos e textos) de forma que estes
70 Except in grammar books or primers on style language is never used in a vacuum it is always used in a certain situation In different cultures a specific use of language is considered appropriate (or inappropriate) in a specific situation
80
sejam inteligiacuteveis compreensiacuteveis tornando possiacutevel a comunicaccedilatildeo Desta forma se algueacutem
diz Noacuteis vai na festa esta construccedilatildeo eacute gramatical pois faz sentido e estabelece a
exteriorizaccedilatildeo clara de um pensamento ou ideacuteia Entretanto para que haja compreensatildeo a
posiccedilatildeo destes vocaacutebulos na oraccedilatildeo deve obedecer a regras caracteriacutesticas da liacutengua
portuguesa do tipo SUJEITO (Noacuteis) VERBO (vai) e COMPLEMENTO (na festa) sob pena
de que se natildeo houver esta ordem pode natildeo haver compreensatildeo da mensagem Este mesmo
exemplo possui a variaccedilatildeo Noacutes vamos agrave festa adequando-se agrave gramaacutetica prescritiva A esse
respeito Fromkim e Rodman enfatizam que
dos tempos antigos ateacute hoje tem havido puristas que pensam que a mutaccedilatildeo linguiacutestica eacute uma forma de corrupccedilatildeo e que defendem a existecircncia de certas formas correctas que todas as pessoas educadas deveriam utilizar na fala e na escrita Os gregos de Alexandria no seacuteculo I os eruditos aacuterabes em Basra no seacuteculo VIII e inuacutemeros gramaacuteticos ingleses nos seacuteculos XVIII e XIX defenderam esta perspectiva Pretendiam prescrever regras gramaticais e natildeo propriamente descrevecirc-las Para isso se escreveram as gramaacuteticas prescritivas (FROMKIM e RODMAN 1993 14-15)
Existe uma relaccedilatildeo entre o que as gramaacuteticas prescritivas apregoam e a questatildeo do
poder social travestido num dialeto mais prestigiado a norma-padratildeo da liacutengua
com o advento do capitalismo e o despontar de uma nova classe meacutedia surgiu o desejo por parte deste novo grupo social de que os seus filhos fossem educados e aprendessem a falar o dialecto das classes superiores E assim surgiram muitas gramaacuteticas prescritivas (FROMKIM e RODMAN 1993)
Todavia natildeo se trata apenas de uma preferecircncia estimulada pelo desejo de
espelhar um alto status social A norma-padratildeo adquiriu um oficialismo dotado de preconceito
em relaccedilatildeo agraves outras variedades ganhando um grau de hierarquia acima delas
() Em 1908 um gramaacutetico americano Thomas R Lounsbury escreveu Parece ter existido em todos os periacuteodos do passado tal como agora uma niacutetida apreensatildeo no espiacuterito de muitas pessoas honradas quanto ao estado de quase colapso iminente da liacutengua inglesa e quanto agrave necessidade de constantemente se desenvolverem esforccedilos aacuterduos que a salvem da destruiccedilatildeo (FROMKIM e RODMAN 1993)
John Lyons ao esclarecer sobre diferenccedilas entre dialeto e sotaque acaba tambeacutem
por fazer consideraccedilotildees sobre a norma-padratildeo da liacutengua tida como superior Como isso natildeo
bastasse a ideacuteia generalizada eacute a de que na oralidade este dialeto preferido deve ser tambeacutem
usado de forma especial com um sotaque prestigiado
a questatildeo eacute que certas diferenccedilas foneacuteticas entre sotaque podem ser estigmatizadas pela sociedade da mesma forma como certas diferenccedilas lexicais e gramaticais entre
81
dialetos o satildeo Pais e professores tentam frequumlentemente eliminar o que consideram como marcas de status social inferior ou como regionalismos Mesmo se natildeo satildeo bem-sucedidos eles teratildeo desempenhado a sua funccedilatildeo no perpetuamento na crenccedila geral na comunidade linguumliacutestica de que a pronuacutencia tal eacute indicadora de inferioridade social ou de educaccedilatildeo e isto tem como efeito aumentar a sensibilidade da maioria das pessoas em relaccedilatildeo ao assunto (LYONS 1987 249)
2322 Variedades linguumliacutesticas na literatura escrita e traduzida
A postura tradicional da educaccedilatildeo prima pela formalidade da gramaacutetica
prescritiva agindo imperiosamente sobre o modo um tanto pretensioso que se deve falar e
escrever Quando esta questatildeo chega aos domiacutenios da criaccedilatildeo literaacuteria eis o ponto alto da
discussatildeo tratando-se de uma forma de expressatildeo artiacutestica um escritor tem toda liberdade
para usar e abusar da liacutengua em todas as suas variedades e niacuteveis dependendo das suas
intenccedilotildees obedecendo mais agrave sua sensibilidade do que agrave sua razatildeo Tal versatilidade pode ou
natildeo criar problemas de aceitaccedilatildeo por parte dos leitores de uma obra quando aspectos da fala
ganham destaque na escritura de uma obra literaacuteria Haacute exemplos notaacuteveis e abundantes de
escritores que diversificam o uso da liacutengua de modo criativo desde os brasileiros Jorge
Amado e Guimaratildees Rosa ao irlandecircs James Joyce
Este uacuteltimo em seu romance Ulysses chega ao capricho de criar idioletos para
alguns personagens em niacutevel coloquial inerente agrave fala mesmo quando esta natildeo se realiza
sonoramente mas em pensamento sob a forma de monoacutelogo interior Ganham destaque
tambeacutem vaacuterias palavras inventadas Assim segundo a tradutora Bernardina da Silveira
Pinheiro (2005) a fala do personagem Leopold Bloom se caracteriza desta forma
[em] staccatto com o ritmo brusco de algueacutem capaz de superar as proacuteprias dificuldades se constituiraacute de frases primordialmente curtas de omissatildeo de sujeitos de palavras frequumlentemente monossilaacutebicas agraves vezes mesmo reduzidas por afeacuterese refletindo o seu ser interior que sempre tenta imaginar um sentido loacutegico nas coisas
Nesse sentido a fala de Leopold Bloom eacute assim ilustrada
seraacute um dia quente imagino Especialmente nestas roupas pretas vou sentir mais O preto conduz reflete (seraacute refrata) o calor Mas eu natildeo podia ir com aquele terno claro Fazer disso um piquenique [] A caminhonete do patildeo de Boland entregando em bandejas o nosso de cada dia mas ela prefere patildees dormidos pasteacuteis tostados com
82
a parte de cima quente Faz vocecirc se sentir jovem (JOYCE 2005 67 Episoacutedio 4
Calypso Traduccedilatildeo de Bernardina da Silveira Pinheiro)71
Tambeacutem vale destacar as caracteriacutesticas do pensamento (ou fala) da personagem
Molly Bloom sem pontuaccedilatildeo sem maiuacutesculas sem fazer diferenccedila entre os homens
todos
eles satildeo he fluiraacute incontido e incontrolaacutevel de uma mente liberta de qualquer grilhatildeo
(Pinheiro 2005)
Em Ulysses a fala de Molly eacute ilustrada no seguinte fragmento
SIM PORQUE ELE NUNCA FEZ UMA COISA dessas como pedir para tomar seu cafeacute da manhatilde na cama com dois ovos desde o hotel City Arms quando ele costumava fingir ter de ficar de cama com uma voz de doente bancando importante para se fazer de interessante para a velha encarquilhada Sra Riordan sobre quem ele pensava ter grande influecircncia e ela nunca nos deixou nenhum niacutequel tudo para missas para ela e para a sua alma [] (JOYCE 2005 764 Episoacutedio 18
Penelope Traduccedilatildeo de Bernardina da Silveira Pinheiro)72
A versatilidade da liacutengua tanto em sua expressatildeo oral como escrita estaacute atrelada a
fatores ou situaccedilotildees muacuteltiplos em que existe a participaccedilatildeo dos seres humanos A liacutengua por
sua maleabilidade e capacidade de adaptaccedilatildeo se manifesta de formas diversificadas
perceptiacuteveis em variedades linguumliacutesticas as quais satildeo moldadas de acordo com vaacuterios fatores
inseridos numa cultura num espaccedilo geograacutefico e num tempo Este uacuteltimo pode se
compreender em escalas que vatildeo desde um momento instantacircneo (que marca a mudanccedila ou
adaptaccedilatildeo linguumliacutestica situacional segundo o indiviacuteduo falante seu dialeto ou idioleto) ateacute
seacuteculos ou milecircnios (que marcam a diferenciaccedilatildeo e evoluccedilatildeo das liacutenguas segundo os grupos
sociais heterogecircneos)
Agraves vezes os usos da liacutengua chegam ao niacutevel de uma obrigaccedilatildeo como no caso
dos defensores da chamada norma culta ou norma-padratildeo da liacutengua um modelo idealizado
como sinocircnimo de bom gosto refinamento e de boa educaccedilatildeo mas que segundo Marcos
Bagno (2003) por ser norma natildeo pode ser entendida como liacutengua real mas sim ideal
Quanto mais uma variedade linguumliacutestica se aproxima dessa norma tida como a liacutengua
correta tanto mais prestigiada seraacute ao passo que quanto maior for o distanciamento deste
71 Be a warm day I fancy Specially in these black clothes feel it more Black conducts reflects (refracts is it) the heat But I couldnt go in that light suit Make a picnic of it [ ] Bolands breadvan delivering with trays our daily but she prefers yesterdays loaves turnovers crisp crowns hot Makes you feel young
72 YES BECAUSE HE NEVER DID A THING LIKE THAT BEFORE AS ASK TO get his breakfast in bed with a couple of eggs since the City arms hotel when he used to be pretending to be laid up with a sick voice doing his highness to make himself interesting to that old faggot Mrs Riordan that he thought he had a great leg of and she never left us a farthing all for masses for herself and her soul
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modelo tatildeo maior seraacute a estigmatizaccedilatildeo da liacutengua Este modelo configurado na norma-
padratildeo entretanto eacute alvo de discussotildees viscerais entre estudiosos da liacutengua uns partidaacuterios
da pureza linguumliacutestica de visatildeo tradicional e outros que tentam desconstruir essa postura
valorizando as diferenccedilas com base em criacuteticas que colocam em evidecircncia certas implicaccedilotildees
de cunho ideoloacutegico e de poder no uso de variedades mais prestigiadas Tais diferenccedilas vez
por outra surgem na produccedilatildeo literaacuteria quando o tom informal aparece incorporado
intencionalmente na linguagem coloquial ou nos desvios da gramaacutetica prescritiva
constituindo-se num desafio incriacutevel para o tradutor devido a significados difiacuteceis ou ateacute
mesmo impossiacuteveis de transferir de uma cultura para outra
Segundo Landers (2001 116-117) a definiccedilatildeo popular de dialeto muitas vezes
denota um padratildeo do discurso supostamente inferior ou que estaacute abaixo da norma linguumliacutestica
socialmente aceita a norma-padratildeo ou norma culta O teoacuterico esclarece entretanto que
essa norma-padratildeo eacute tambeacutem um dialeto com a diferenccedila de que eacute falado por um segmento
privilegiado da sociedade liacutederes poliacuteticos formadores de opiniatildeo e literatos
eacute a chamada
liacutengua correta
24 A traduccedilatildeo de variedades linguumliacutesticas e desvios da norma-padratildeo da liacutengua
Landers afirma que os problemas de traduzir dialetos comeccedilam quando se deseja
transferir as peculiaridades do dialeto para a liacutengua de chegada Isso parece ficar ainda mais
seacuterio quando se trata de um dialeto desviante da norma-padratildeo expresso em variaccedilotildees
regionais socioletos idioletos registros tons diferentes etc O que fazer Como fazer Talvez
se possa pensar numa linguagem equivalente O resultado disso todavia pode natildeo ser feliz
ou mesmo o horror dos horrores segundo Landers ao ouvir um inglecircs caribenho na
dublagem do portuguecircs carioca do filme brasileiro Orfeu Negro dirigido por Marcel
Camus Tal choque provavelmente o fez expressar a seguinte opiniatildeo nenhum dialeto soa
bem na traduccedilatildeo Muito embora tenha certa relutacircncia o tradutor deve reconhecer que o
dialeto pelo menos no niacutevel da transferecircncia em par de igualdades eacute intraduziacutevel
(LANDERS 2001 117)73
73 No dialect travels well in translation However reluctantly the translator must recognize that dialect at least at the level of one-to-one transference is untranslatable
84
Logo a opiniatildeo de Landers (2001 117) eacute de que o dialeto (entendido aqui como
desvios da norma-padratildeo) estaacute totalmente enraizado no tempo e no espaccedilo e o ouvinte associa
inconscientemente esse padratildeo de discurso com uma regiatildeo ou com um periacuteodo cronoloacutegico
Em siacutentese o dialeto estaacute sempre ligado geograacutefica e culturalmente a um ambiente social
que natildeo existe na liacutengua de chegada e a substituiccedilatildeo com um dialeto equivalente estaacute
fadada ao fracasso O conselho desse criacutetico sobre tentar traduzir dialetos parece soar como
um veredito natildeo faccedila isso
Apesar deste conselho draacutestico Landers (2001 68) examina e critica a traduccedilatildeo
de Samuel Putnam para o inglecircs da obra Terras do Sem Fim de Jorge Amado no trecho -
Vosmececirc me adisculpe seu coronel mas noacutes queria saber quando eacute que a gente passa a
escritura da terra () Mas vosmececirc natildeo se arrecorda que nos vendeu esse pedaccedilo de mata
Pelo dinheiro do contrato de cacau (AMADO 1942 21)
Putnam (1945 apud LANDERS 2001) resolve este fragmento traduzindo-o da
seguinte maneira You will pardon me colonel but we would like to know when we may
have the deed to the land ( ) Don t you remember that you sold us that piece of forest In
place of money on the cacao contract
Landers considera esta soluccedilatildeo como uma violaccedilatildeo de tom pois acha que a fala
reproduzida em inglecircs se assemelha muito mais agrave de um indiviacuteduo de bom niacutevel escolar
talvez um advogado ou um professor universitaacuterio entre outros fatores pelo uso de may em
vez de can o que contraria o perfil do personagem original que na verdade se mostra como
um trabalhador rural no interior do Brasil cuja fala conteacutem desvios do portuguecircs padratildeo
mas quem estaacute falando Um indiviacuteduo bem educado com certeza perceba o uso de may em vez de can Na verdade entretanto o texto original mostra que o falante eacute um agricultor analfabeto do sertatildeo brasileiro cujo discurso estaacute repleto de provincianismos como arrecordar em lugar de recordar () e de erros gramaticais do tipo noacutes queria () A julgar pelo tom ele estaria mais para um advogado ou professor universitaacuterio (LANDERS 2001 68)74
Com estes argumentos Landers faz o que natildeo aconselha ningueacutem a fazer
melhorando o fragmento assim Beggin the colonel pardon but we d like to know when
we can have the deed to the land Don t the colonel recollect sellin that piece of forest to
us Instead of the cacao contract (LANDERS 2001 68)
74 Just who is speaking A well-educated individual surely note the use of may rather than can In reality however the original text shows the speaker to be an illiterate agricultural laborer in the Brazilian backlands whose speech abounds with such provincialisms as arrecordar
for recordar
( ) and grammatical errors like noacutes queria ( ) But judging by the tone he could be a lawyer or college professor
85
Trata-se de um trabalhador rural analfabeto mas o registro discursivo utilizado
por Putnam soa bastante formal civilizado Por outro lado a soluccedilatildeo de Landers pode ateacute
talvez ser mais adequada encaixando o personagem num perfil mais assemelhado ao do texto
de partida no que diz respeito ao seu niacutevel social ao tom utilizado etc poreacutem traduzido num
agricultor pobre
por sua condiccedilatildeo econocircmica
e tambeacutem num pobre agricultor
por ser
apaacutetrida natildeo pode ser brasileiro e muito menos de algum paiacutes anglofocircnico A situaccedilatildeo eacute
estranha pois se vecirc um personagem da zona rural com perfil brasileiro da Bahia mas
falando um inglecircs que o tradutor natildeo deixa claro de onde vem se eacute algum dialeto especiacutefico
bem localizado no tempo no espaccedilo e a que grupo social pertence Jorge Amado deu voz ao
seu personagem com um falar tiacutepico da liacutengua portuguesa brasileira com caracteriacutesticas locais
num dialeto do interior da Bahia entretanto qualquer dialeto da liacutengua inglesa que seja
utilizado nessa suposta correspondecircncia da traduccedilatildeo traraacute sempre consigo algo de exoacutetico ou
estranho
Logo torna-se forccediloso voltar agrave opiniatildeo de Landers (2001 117) de que o dialeto
estaacute sempre ligado geograacutefica e culturalmente a um ambiente social que natildeo existe na
liacutengua de chegada e a substituiccedilatildeo com um dialeto equivalente estaacute fadada ao fracasso 75
John Milton (2002 52) tem uma opiniatildeo semelhante a esse respeito
a traduccedilatildeo de dialeto tem sido descrita como uma aporia em traduccedilatildeo (Folkart apud Lane-Mercier 1997 p 53) Seja qual for a decisatildeo que tome o tradutor seraacute sempre um desacerto um disparate O dialeto escolhido quer seja mimeacutetico anaacutelogo ou pertencente agrave norma culta nunca teraacute a autenticidade do original ()
Anthony Pym (2000) a respeito dessa temaacutetica coloca a seguinte questatildeo os
marcadores das variedades linguumliacutesticas (sotaques dialetos socioletos estilos de classe e
assim por diante) devem ser traduzidos como tal As respostas que esse criacutetico apresenta
revelam o dilema de se lidar com o assunto pois esses posicionamentos satildeo com frequumlecircncia
antagocircnicos como as respostas extremas sim e natildeo No caso da resposta afirmativa leva-se
em conta a importacircncia de transmitir com fidedignidade o que essa linguagem pode
representar ao receptor Quanto agrave resposta negativa o argumento apresentado eacute aquele em que
os valores de uma variedade natildeo podem ser mapeados de cultura para cultura
Pym apresenta alternativas a opccedilatildeo binaacuteria que consiste em deixar a variedade
sem ser traduzida o que resulta na perda de valor ou traduzi-la com uma variedade enganosa
75 Summing up dialect is always tied geographically and culturally to a milieu that does not exist in the target-language setting Substitution of an equivalent dialect is foredoomed to failure The best advice about trying to translate dialect don t (LANDERS 2001 117)
86
(dada a incongruecircncia entre as culturas e as liacutenguas) e assim perde-se a verossimilhanccedila a
estacircncia descritiva a qual diz respeito agrave remuneraccedilatildeo do tradutor o qual natildeo eacute pago para
resolver esses problemas aleacutem do fato de que o leitor em geral natildeo se importa com a
traduccedilatildeo das variedades e por isso o tradutor muitas vezes opta pela opccedilatildeo mais faacutecil de
consertar os desvios linguumliacutesticos conforme Milton (2002) a liberaccedilatildeo existencial com o
argumento de que natildeo haacute uma resposta clara para o problema e portanto as teorias satildeo
incompletas e o tradutor por si mesmo fica livre e responsaacutevel pelos seus atos ou decisotildees
de acordo com Lane-Mercier (1997 apud PYM 2000)
Ao tentar ser conclusivo Pym afirma que a resposta agrave questatildeo principal pode
parecer faacutecil
quando os tradutores se deparam com os marcadores de uma variedade linguumliacutestica o que deve ser traduzido natildeo eacute a variedade do texto de partida (isso natildeo se move e a traduccedilatildeo eacute em qualquer caso a substituiccedilatildeo da variedade base do texto de partida por definiccedilatildeo) O que deve ser traduzido eacute a variaccedilatildeo a alteraccedilatildeo sintagmaacutetica da distacircncia o desvio relativo de uma norma textual ou geneacuterica Se estas mudanccedilas podem ser traduzidas como normalmente eacute o caso entatildeo se pode dizer que os marcadores foram traduzidos e logo natildeo haacute mais o que discutir (PYM 2000) 76
Isso quer dizer que para Pym o mais importante eacute na traduccedilatildeo de uma variedade
linguumliacutestica natildeo-padratildeo (ou estigmatizada) deixar os elementos essenciais que constituem a
liacutengua de chegada (marcadores baacutesicos do dialeto) como uma variedade ao mesmo tempo
diferente da norma-padratildeo mas semelhante agrave funccedilatildeo desempenhada pela liacutengua do texto de
partida segundo o provaacutevel objetivo do autor e ao seu provaacutevel efeito na recepccedilatildeo Isso
consiste entatildeo natildeo em traduzir por exemplo um dialeto estigmatizado por outro dialeto
estigmatizado mas deixar na liacutengua de chegada elementos que caracterizem essa liacutengua
segundo a sua funccedilatildeo principalmente na maioria dos casos a oralidade expressa nas mais
diversas situaccedilotildees veiculada por agentes (personagens de um romance por exemplo)
caracterizados conforme o significado dessa linguagem denotando aspectos como classe
social niacutevel de escolaridade etnia em variaccedilotildees de registro tom gecircnero idade etc
dependendo de cada caso segundo a proposta do autor traduzido num niacutevel aproximado
A obra de Mark Twain intitulada Huckeberry Finn em que aparecem sete
variedades da liacutengua inglesa eacute um exemplo citado por Pym (2000) que para serem traduzidas
76 When translators are confronted with the markers of a variety the thing to be rendered is not the source-text variety (such things by definition do not move and translation is in any case the replacement of the base source-text variety by definition) The thing to be rendered is the variation the syntagmatic alteration of distance the relative deviation from a textual or generic norm If those shifts can be rendered as is usually the case then the markers may be said to have been translated and no complaint should ensue
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natildeo seria necessaacuterio decidir que variedades seriam as mais proacuteximas ou correspondentes
Pym desse modo sustenta que seria mais produtivo compreender muito bem quando a liacutengua
utilizada eacute uma paroacutedia ou eacute autecircntica77 Assim no caso da liacutengua parodiada ou no caso da
liacutengua autecircntica seriam utilizadas na liacutengua de chegada apenas as suas caracteriacutesticas
baacutesicas
Lenita R M Esteves ao discutir sobre as diferenccedilas linguumliacutesticas na traduccedilatildeo
literaacuteria potildee em duacutevida a eficaacutecia do processo de traduzir uma variedade regional por outra
variedade regional por exemplo brasileira Esteves relata que quando se deseja incorporar
essa diferenccedila linguumliacutestica para que haja uma correspondecircncia no texto de chegada em
portuguecircs o personagem deveria ser identificado com alguma regiatildeo especiacutefica Mas aiacute
surgem as duacutevidas como a que diz respeito a que regiatildeo a liacutengua de chegada seria
identificada
Com uma regiatildeo brasileira Caso a traduccedilatildeo fosse levar em conta e tentar reproduzir a diferenccedila regional da fala do tal personagem como fazer isso em portuguecircs Que regiatildeo do paiacutes poderia ser escolhida Qual falar brasileiro ficaria mais adequadomenos estranho nessa caracterizaccedilatildeo o caipira de Satildeo Paulo O gauacutecho O nordestino (ESTEVES 2005 341)
De acordo com Esteves substituir um dialeto regional por outro dialeto regional
na traduccedilatildeo eacute uma postura defendida por Lane-Mercier mas criticada por Milton
Milton78 cita a teoacuterica Gillian Lane-Mercier canadense que abordando essa questatildeo defende a postura de substituir o dialeto ou a variante natildeo padratildeo que aparece no original por um dialeto ou variante natildeo padratildeo da liacutengua de chegada Essa postura seria inspirada na proposta de traduccedilatildeo eacutetica de Antoine Berman Milton ainda comenta que Lane-Mercier insiste que o tradutor deve assumir a responsabilidade sobre suas escolhas e se possiacutevel explicaacute-las aos leitores em notas do tradutor Milton de certa forma critica Lane-Mercier dizendo justamente que aos tradutores natildeo eacute dada tanta liberdade nem tanto espaccedilo para exercitar seu poder de escolha e nem para justificaacute-lo () (ESTEVES 2005 342)
77 Pym aponta a autenticidade linguumliacutestica em contraposiccedilatildeo agrave sua paroacutedia a representaccedilatildeo de variedades linguumliacutesticas num canal semioacutetico pode natildeo espelhar a realidade o que se vecirc com frequumlecircncia por exemplo na TV em comeacutedias ou programas humoriacutesticos quando o uso de certas variedades linguumliacutesticas tem a finalidade de produzir o riso Muitas vezes trata-se de impressotildees gerais sem necessariamente haver pesquisa e aplicaccedilatildeo metoacutedica sobre a caracterizaccedilatildeo verossiacutemil de dado dialeto como Pym ilustra com a suposta reproduccedilatildeo do dialeto inglecircs da classe operaacuteria de Yorkshire pelo grupo Monty Python em certa produccedilatildeo cocircmica que continha elementos do dialeto cockney O uso de uma variedade linguumliacutestica como paroacutedia pode ser identificado tambeacutem da seguinte maneira Sabemos que uma paroacutedia estaacute sendo feita quando percebemos que estamos recebendo apenas marcadores reduzidos e extremos de uma variedade verdadeira (PYM 2000) Todavia para outros autores como Esteves (2005) natildeo haacute como representar com fidelidade na escrita uma fala padratildeo ou natildeo padratildeo
78 Vide tambeacutem referecircncias desta dissertaccedilatildeo Milton (2002 60-61)
88
Em siacutentese Esteves contesta em parte a soluccedilatildeo tradutoacuteria dialeto por dialeto
adotada por Lane-Mercier em primeiro lugar por causa da incongruecircncia ou falta de
paralelismo entre as liacutenguas (conforme as opiniotildees de Landers 2001 Milton 2002 Pym
2000 por exemplo jaacute referidas neste toacutepico) ou pela relativa falta de autonomia dos
tradutores que natildeo fariam suas escolhas livremente (conforme Milton 2002) Todavia
Esteves compartilha das ideacuteias de Lane-Mercier no que diz respeito ao dever do tradutor de se
conscientizar dos efeitos do texto que ele produz Assim Esteves sugere uma soluccedilatildeo
mesmo que natildeo goze de tanta liberdade ou autonomia o tradutor eacute um produtor de sentidos e precisa estar atento para os efeitos do que escreve Uma das soluccedilotildees possiacuteveis eacute assumir explicitamente o caraacuteter de representaccedilatildeo estilizada e na medida do possiacutevel criar um falar que natildeo tente identificar especificamente uma regiatildeo ou estado (ESTEVES 2005 343)
O argumento de Esteves parte do princiacutepio de que ela considera com base em
Lane-Mercier (1999 45) apud Esteves (2005 342) que nenhuma espeacutecie de dialeto seja a
norma-padratildeo ou seus desvios pode ser representada na escrita com precisatildeo e portanto num
romance os dialetos apenas seriam uma representaccedilatildeo da liacutengua real viva e presente na fala
cotidiana
ningueacutem negaria que existe uma abismal diferenccedila entre uma descriccedilatildeo linguumliacutestica de uma variante dialetal (seja ela padratildeo ou natildeo) e sua representaccedilatildeo dentro de um romance O problema estaria justamente em julgar que o autor ou tradutor deve ou pode representar uma variante dialetal de forma exata e sem distorccedilotildees (ESTEVES 2005 342)
Por conseguinte a representaccedilatildeo de um dialeto na traduccedilatildeo que natildeo configure
uma regiatildeo ou um estado seria conforme Esteves (2005 343) uma opccedilatildeo que apesar de
perder a caracterizaccedilatildeo dessas identidades especiacuteficas ganharia uma diferenccedila discursiva
nessa opccedilatildeo o tradutor estaria perdendo a caracterizaccedilatildeo regional (que de qualquer maneira seria artificial jaacute que natildeo existe correspondecircncia entre regiotildees e falares de paiacuteses diferentes) mas ganharia ao marcar uma diferenccedila discursiva que com quase toda a certeza eacute relevante para o texto em questatildeo (senatildeo o autor provavelmente natildeo a teria usado) (ESTEVES 2005 343)
Essa opccedilatildeo vem em termos ao encontro da argumentaccedilatildeo de Pym (2000) exposta
acima o que embora pareccedila ser a melhor resposta para o problema diante das outras opccedilotildees
merece cautela dada a complexidade do assunto e portanto natildeo se trata de uma resposta
definitiva
89
Levando-se em conta o problema da traduccedilatildeo de variedades estigmatizadas na
literatura poder-se-ia recair no argumento de que a traduccedilatildeo eacute algo impossiacutevel
consubstanciando-se na opiniatildeo de que ela eacute o escacircndalo da Linguumliacutestica de acordo com
Mounin apud ROacuteNAI (1987) Entretanto deve ser lembrada a opiniatildeo relevante de Lefevere
(1992 35) de que os desvios da norma-padratildeo linguumliacutestica na literatura deveriam ser
relacionados de modo semelhante na liacutengua de chegada Outro argumento em defesa desse
procedimento
de certo modo nas entrelinhas
estaacute nas palavras de Umberto Eco (1993
65) ao afirmar que quando se conhece um aspecto de uma obra de arte mesmo que
superficialmente isso serve para receber um pouco da fruiccedilatildeo da vitalidade formativa que a
obra ostenta ainda que nos seus aspectos mais superficiais Essas ideacuteias encontram base
tambeacutem em Lyons
embora possa ser impossiacutevel traduzir todas as sentenccedilas de uma liacutengua em sentenccedilas de outra sem distorccedilotildees ou substitutos conciliadores normalmente eacute possiacutevel conseguir que uma pessoa que natildeo conhece nem a liacutengua nem a cultura do original entenda mais ou menos satisfatoriamente ateacute mesmo aquelas expressotildees dependentes de cultura que resistem agrave traduccedilatildeo em qualquer liacutengua com a qual esteja familiarizada (Lyons 1987 292)
Ao se trazer para discussatildeo o problema da traduccedilatildeo de desvios da norma-padratildeo
linguumliacutestica para a praacutetica tradutoacuteria brasileira eacute necessaacuterio antes refletir sobre a histoacuteria da
formaccedilatildeo cultural do Brasil de modo a compreender certas razotildees adotadas como estrateacutegia
ou dogmas de traduccedilatildeo que repercutiram no passado e que encontram reminiscecircncias ateacute os
dias de hoje (2009)
Lia Wyler (2003 57-61) ao analisar o percurso da traduccedilatildeo ao longo da histoacuteria
do Brasil trata da influecircncia cultural francesa e portuguesa sobre a nossa cultura resultando
num fenocircmeno que ela chama de estrangeiramento das elites brasileiras Wyler afirma que
tal estrangeiramento se deu de uma maneira incomum pois natildeo se enquadrou no modelo
milenar de dominaccedilatildeo em que a cultura do colonizador se sobrepotildee agrave do colonizado
caracterizando-se por uma dupla exposiccedilatildeo cultural a portuguesa e por seu intermeacutedio a
francesa que durou mais de trecircs seacuteculos e foi decisiva para formar nossa visatildeo de mundo e
consequumlentemente nossa visatildeo da traduccedilatildeo como parte desse mundo (WYLER 2003 57)
Wyler explica o afrancesamento brasileiro pelo fato de que os portugueses jaacute
possuiacuteam uma tradiccedilatildeo cultural haacute muito tempo influenciada pela Franccedila desde meados do
seacuteculo XI ou seja antes mesmo da constituiccedilatildeo de Portugal como reino independente
(WYLER 2003 59) Wyler aleacutem de comentar sobre essa dependecircncia cultural histoacuterica de
90
Portugal em relaccedilatildeo agrave Franccedila destaca que tambeacutem houve a partir do final do seacuteculo XIV
uma dependecircncia econocircmica da Inglaterra condiccedilotildees que se reproduziriam no Brasil e nas
demais colocircnias portuguesas (WYLER ibidem) Assim em vaacuterios momentos da histoacuteria
brasileira a influecircncia francesa (e tambeacutem inglesa) se fez presente
a cultura brasileira registra tanto a influecircncia dos trovadores provenccedilais no folclore nordestino quanto a dos pensadores franceses na Conjuraccedilatildeo Mineira (1789) nas conspiraccedilotildees do Rio de Janeiro (1794) e da Bahia (1798) e na Revoluccedilatildeo Pernambucana (1817) Mas foi a transferecircncia da corte portuguesa para o Brasil em 1808 que tornou mais visiacuteveis os papeacuteis determinantes da Franccedila em nossa cultura e da Inglaterra em nossa economia ambos relevantes em momentos diferentes para a formaccedilatildeo e o estiolamento de uma induacutestria livreira em nossa terra (WYLER 2003 59)
A presenccedila dos elementos culturais franceses perdura durante todo o seacuteculo XIX e
se estende ateacute o seacuteculo XX quando comeccedila o seu decliacutenio com a ascensatildeo dos Estados
Unidos como nova potecircncia mundial Eacute importante lembrar que a liacutengua francesa
principalmente por meio do classicismo francecircs das belles infidegraveles ficou pretensiosamente
associada agrave concepccedilatildeo de bom gosto beleza e refinamento e portanto numa
superioridade atestada por vaacuterias figuras de destaque no mundo intelectual e sua crenccedila de
que a liacutengua francesa natildeo seria inferior agraves liacutenguas claacutessicas possuindo suas proacuteprias
qualidades e possibilidades de alcanccedilar uma perfeiccedilatildeo ateacute maior do que a do latim e do grego
(MILTON 1998 56) conforme Antoine le Maistre
Eacute preciso tentar traduzir beleza por beleza e figura por figura imitar o estilo do autor e dele se aproximar ateacute o limite do possiacutevel variar as figuras e as falas e ao final fazer de nossa traduccedilatildeo um quadro e uma representaccedilatildeo viva da obra que se traduz de maneira que se possa dizer que o francecircs eacute tatildeo belo quanto o latim e citar com seguranccedila o francecircs em vez do latim (LE MAISTRE apud MILTON 1998 56)
O francecircs como sinocircnimo de perfeiccedilatildeo encontra a opiniatildeo de Roger Zuber sobre o
talento de D Ablancourt como tradutor
Taacutecito emaranha-se na geografia D Ablancourt vem em seu socorro e retifica os fatos Ariano confunde a Siacuteria com a Assiacuteria O francecircs natildeo se esquece de restabelecer o texto As contradiccedilotildees as lendas os problemas histoacutericos satildeo sempre por sua proacutepria natureza vigilante uma ocasiatildeo em que d Ablancourt afirma seu domiacutenio e sua maestria (ZUBER apud MILTON 1998 59)
A influecircncia cultural francesa sobre o Brasil depois de tanto tempo comeccedilou a
declinar a partir das primeiras deacutecadas do seacuteculo XX principalmente no periacuteodo
compreendido entre as duas Grandes Guerras Mundiais em que houve a ascensatildeo e projeccedilatildeo
91
dos Estados Unidos como potecircncia mundial de ideologia colonizadora Essa tendecircncia no
mercado literaacuterio ficou bem marcada na publicaccedilatildeo de traduccedilotildees de obras em liacutengua inglesa
conforme explica Wyler no contexto da eacutepoca de Getuacutelio Vargas
A Era Vargas (1930
1953) marcou natildeo apenas um decisivo progresso em nossa
induacutestria livreira mas tambeacutem o iniacutecio da induacutestria de traduccedilotildees nacionais e da substituiccedilatildeo da influecircncia francesa pela influecircncia americana em nossa cultura consolidando um processo que vinha desde o iniacutecio do seacuteculo (WYLER 2003 116-117)
Milton (2002 12-13) a esse respeito enfatiza que
A obra de Socircnia Amorim [Em Busca de um Tempo Perdido] sobre a Editora Globo de Porto Alegre mostra a importacircncia da literatura traduzida dentro dos ideais nacionalistas dominantes nos ciacuterculos gauacutechos do fim dos anos 20 e iniacutecio dos anos 30 aleacutem do nuacutemero crescente das traduccedilotildees do inglecircs que entre 1930 e 1960 substituiu o francecircs como a liacutengua principal estudada falada e traduzida no Brasil
Esse autor ainda destaca que a Editora Globo salvo seu grande projeto de
traduccedilatildeo da Comeacutedia humana traduzia quase exclusivamente do inglecircs e editoras como a
Saraiva e a Joseacute Olympio por exemplo publicavam cada vez mais traduccedilotildees do inglecircs
Milton (2002 13) explica que essa mudanccedila de interesse ocorreu por causa da
crescente influecircncia da induacutestria cinematograacutefica de Hollywood vista por exemplo em
vaacuterias publicaccedilotildees da Livraria do Globo (agrave qual a Editora do Globo pertencia) ou seja
traduccedilotildees de novelas policiais ou de romances convertidos na linguagem do cinema e
posteriormente exibidos no Brasil Morro dos Ventos Uivantes (Wuthering Heights) Os 39
degraus (39 Steps) de John Buchan Reliacutequia Macabra (The Maltese Falcon) de Dashiell
Hammett e Como era verde meu vale (How Green Was My Valley) de Richard Llewellyn 79
Esse teoacuterico percebeu que muitas traduccedilotildees brasileiras consertavam os desvios
da norma-padratildeo da liacutengua portuguesa presentes em romances estrangeiros conforme
pesquisa que realizou sobre livros publicados entre 1945 e 1975 (MILTON 2002 52-62)
Tambeacutem notou essa praacutetica em exemplos de traduccedilotildees feitas em outros paiacuteses em liacutenguas
como o espanhol padratildeo (SANCHEZ ORTIZ 1995 apud MILTON 2002 55) e hebraico
padratildeo (TOURY apud MILTON 2002 55)
79 Este comentaacuterio tambeacutem se aplica a obras de Steinbeck como eacute o caso de Of mice and men adaptado para o cinema em 1939 sob direccedilatildeo de Lewis Milestone (Of mice and menCariacutecia Fatal) e refilmado em 1992 estrelado e dirigido por Gary Sinise (Of mice and menRatos e homens)
92
Apoacutes essas constataccedilotildees Milton busca razotildees que motivam tal praacutetica A primeira
delas que ele chama de essencialista e platocircnica seria o fato de que as variedades
linguumliacutesticas de baixo prestiacutegio (que Milton chama de dialeto) natildeo tecircm grande importacircncia para
o resultado da obra literaacuteria importando sim o que diz a personagem e natildeo como diz
(MILTON 2002 55) Seguem-se outras hipoacuteteses
() a segunda razatildeo a giacuteria eacute algo errado e o seu uso natildeo deveria ser permitido para que natildeo se manchasse as paacuteginas de um romance claacutessico () Podemos enumerar adiante outras razotildees especificamente brasileiras Primeiro um desenvolvimento tardio dos estudos acerca dos dialetos e formas de baixo padratildeo no Brasil () Aleacutem disso a visatildeo conservadora por parte de uma classe meacutedia predominante tanto poliacutetica quanto economicamente reflete-se em um comeacutercio de livros que eacute bastante conservador na maioria dos casos um negoacutecio familiar que evita novidades (MILTON 2002 56-58)
A noccedilatildeo de civilidade beleza e esteacutetica assimilada pelo puacuteblico brasileiro
leitor demonstra como valores derivados do domiacutenio cultural exercido por paiacuteses como a
Franccedila (as belles infidegraveles) satildeo sutilmente agregados agraves culturas submetidas criando posturas
preconceituosas ou discriminatoacuterias alienantes noccedilotildees de verdade e juiacutezos de valor que
formam tendecircncias no mercado consumidor Muita dependecircncia do puacuteblico leitor agraves vezes
resulta num estilo pouco aventureiro algo comercial (MILTON 2002 56)
O importante papel da traduccedilatildeo como veiacuteculo de intercacircmbio de cultura entre os
povos do mundo natildeo deixa de ter em si todavia algo digno de nota e de reflexatildeo a relaccedilatildeo
entre dominante e dominado ou seja o imperialismo pode exercer sua influecircncia
pela
traduccedilatildeo
tambeacutem na cultura de um povo subjugado ou sem a forccedila necessaacuteria para se impor
e resistir As belas infieacuteis e o classicismo francecircs de alguma forma produziram algumas
ressonacircncias no Brasil a partir do seacuteculo XIX e de certo modo avanccedilaram pelo seacuteculo XX e
alguns de seus ecos ainda podem ser percebidos ateacute mesmo na atualidade por exemplo pelo
que se pode chamar de bom gosto no que estaacute ligado agrave expressatildeo linguumliacutestica oral ou escrita
O modelo cultural francecircs de padratildeo esteacutetico e de refinamento estaacute muito ligado
ao preconceito linguumliacutestico como um dos fatores que inibem a traduccedilatildeo de desvios da norma-
padratildeo presentes em romances estrangeiros Milton faz algumas consideraccedilotildees a esse respeito
Quanto menor for o uso da giacuteria mais bem considerado o autor seraacute Podemos indicar razotildees especificamente brasileiras para isso como uma ressaca provocada pelo domiacutenio cultural francecircs sobre a cultura brasileira ateacute a Segunda Guerra Literatura significa belles lettres o tradutor deve preservar le bon goucirct e cortar e alterar as traduccedilotildees aux belles infidegraveles (MILTON 2002 57)
93
Sobre a chamada norma culta Marcos Bagno (2006 73) faz muitas reflexotildees
sobre os preconceitos atrelados a esse termo dentre as quais relaciona a gramaacutetica
tradicional os meacutetodos tradicionais de ensino e os livros didaacuteticos como elementos
disseminadores do preconceito linguumliacutestico a gramaacutetica tradicional inspira a praacutetica de
ensino que por sua vez provoca o surgimento do livro didaacutetico cujos autores () recorrem agrave
gramaacutetica tradicional como fonte de concepccedilotildees e teorias sobre as liacutenguas Assim surge uma
hipoacutetese de que os livros didaacuteticos e suas preconizaccedilotildees sobre a liacutengua correta poderiam
influenciar as traduccedilotildees literaacuterias uma vez que o bom uso da liacutengua eacute ditado pela ideacuteia e
costume de se enxergar as produccedilotildees da literatura como um complemento agrave didaacutetica escolar
A liacutengua portuguesa das traduccedilotildees do periacuteodo entre 1945
1975 conforme a
pesquisa de Milton (2002) em geral primava por um estilo mais polido oscilando entre o
ideal da norma-padratildeo e de variedades de prestiacutegio em contraponto com a liacutengua do texto de
partida por vezes caracterizada como variedades estigmatizadas segundo a voz e o perfil de
personagens literaacuterios Assim a liacutengua portuguesa deveria refletir o ideal da cultura brasileira
pensado pelos agentes institucionais (leitores especializados) tornado como expectativa pelo
puacuteblico geral (leitores natildeo especializados) A recepccedilatildeo (puacuteblico leitor especializado e natildeo
especializado) neste caso em sua maior parte talvez esperasse nas publicaccedilotildees uma liacutengua
seguindo os preceitos das elites dominantes calcados na norma linguumliacutestica padratildeo ou pelo
menos numa variedade de prestiacutegio que pudesse refletir ateacute mesmo a linguagem coloquial
mas melhorada
Por isso presume-se que o tradutor naquele contexto deveria seguir as normas
daquele tempo a fim de conseguir espaccedilo e projeccedilatildeo segundo os objetivos e a ideologia dos
agentes institucionais vendas lucrativas preceitos morais ideais de valor esteacutetico (como no
caso do uso de uma variedade linguumliacutestica que espelhasse beleza ordem civilidade polidez
superioridade etc) Deste modo as obras estrangeiras eram refratadas segundo as
tendecircncias do sistema de chegada brasileiro No caso especiacutefico da liacutengua utilizada nas
traduccedilotildees a liacutengua portuguesa que atendia a essas expectativas era expressa pela norma-
padratildeo ou por variedades de prestiacutegio
Cabe aqui outra vez mencionar a linguagem de Steinbeck em Of mice and men
sabendo-se que seus diaacutelogos satildeo uma amostra de um inglecircs popular e estigmatizado
distanciado do inglecircs padratildeo estadunidense Quando o assunto eacute a traduccedilatildeo desse romance
surgem questotildees sobre como proceder nessa transposiccedilatildeo Uma delas diz respeito agraves
implicaccedilotildees de se buscar similaridade de efeitos desse dialeto da liacutengua inglesa em portuguecircs
94
por exemplo ou simplesmente anular essa linguagem pelo uso de uma variedade de prestiacutegio
mais proacutexima do ideal da norma-padratildeo
Em ambos os casos alguns problemas ficam evidenciados pois se por um lado
anular uma variedade linguumliacutestica estigmatizada da liacutengua inglesa numa traduccedilatildeo em portuguecircs
mais polido resulta em perdas por exemplo no sentido de natildeo caracterizar os personagens
social e culturalmente por sua fala por outro lado tentar reproduzir essa fala num portuguecircs
mais rude perifeacuterico tambeacutem produz problemas na traduccedilatildeo a escolha de um determinado
dialeto estigmatizado da liacutengua portuguesa do Brasil por exemplo ateacute poderia se aproximar
do perfil social dos personagens mas esse linguajar por causa das caracteriacutesticas e
peculiaridades que fazem toda liacutengua iacutempar natildeo reproduziriam com perfeiccedilatildeo jamais o ideal
do texto de partida
Entretanto as traduccedilotildees existem e de alguma forma cumprem seu papel Assim
por meio de uma anaacutelise descritiva das traduccedilotildees de Of mice and men realizadas por Eacuterico
Veriacutessimo Myriam Campello e Ana Ban no que diz respeito agrave linguagem utilizada por cada
tradutor e tambeacutem a outras questotildees seratildeo buscadas informaccedilotildees e reflexotildees que possam
contribuir para os estudos de traduccedilatildeo
95
3 OF MICE AND MEN ASPECTOS GERAIS E TRADUCcedilOtildeES
A essecircncia da traduccedilatildeo eacute ser abertura diaacutelogo mesticcedilagem descentralizaccedilatildeo Ela eacute relaccedilatildeo ou natildeo eacute nada
Antoine Berman
Tendo em vista as reflexotildees preacutevias sobre o caraacuteter dinacircmico das liacutenguas e a
necessidade constante de renovar as traduccedilotildees o romance Of mice and men e as suas trecircs
respectivas traduccedilotildees em portuguecircs podem servir de referecircncia e de exemplo ilustrativo destas
consideraccedilotildees sem deixar de lado as outras implicaccedilotildees da traduccedilatildeo os contextos culturais de
povos diferentes (liacutengua e cultura dos Estados Unidos versus liacutengua e cultura do Brasil) em
eacutepocas distintas suas semelhanccedilas diferenccedilas manipulaccedilotildees e tentativas de conciliaccedilatildeo nos
novos textos produzidos a sugestividade do tiacutetulo os nomes dos personagens e sobretudo a
linguagem utilizada quando esta eacute uma variedade de prestiacutegio ou natildeo quando neste uacuteltimo
caso o texto reproduz um modo de falar por meio de um dialeto estigmatizado
Neste capiacutetulo seratildeo apresentados uma biobibliografia do autor John Steinbeck
bem como informaccedilotildees sobre a sua obra Of mice and men e respectivas traduccedilotildees em
portuguecircs dados sobre os tradutores as editoras e os diferentes contextos em que o texto de
partida e suas reescrituras foram produzidos Em relaccedilatildeo ao romance examinado o
conhecimento da sua simbologia e temas presentes satildeo tambeacutem importantes para a
compreensatildeo das questotildees a serem tratadas especificamente dirigidas agraves soluccedilotildees encontradas
pelos trecircs tradutores de modo a perceber nuances e caracteriacutesticas primordiais desse romance
na sua ambientaccedilatildeo e no perfil dos personagens bem como o tratamento da linguagem dado
por Steinbeck
31 O escritor John Steinbeck biobibliografia
Na biografia apresentada pelo Ciacuterculo do Livro na traduccedilatildeo de Of mice and men
realizada por Myriam Campello (Ratos e homens 1991 101-102) John Ernst Alcibiade
Socrate Steinbeck (ou tambeacutem John Ernst Steinbeck conforme o National Steinbeck
Center)80 desde crianccedila desejava ser escritor e lia desde muito jovem grandes escritores
80 Em sua paacutegina da Internet lthttpwwwsteinbeckorgMainFramehtmlgt Acesso em 1ordm de junho de 2009
96
como Dostoieacutevski John Milton Flaubert George Eliot e Thomas Hardy mas tambeacutem foi
bastante influenciado pela Biacuteblia
Segundo o National Steinbeck Center Steinbeck nasceu em Salinas Califoacuternia
em 27 de fevereiro de 1902 descendente de alematildees e irlandeses Seu pai era contador
enquanto que sua matildee Olive Hamilton Steinbeck ex-professora incentivou o gosto de seu
filho pela leitura e escrita Durante os verotildees ele trabalhava como empregado nos ranchos da
vizinhanccedila alimentando suas impressotildees sobre a zona rural da Califoacuternia e aquelas pessoas
Sobre esses trabalhos eventuais do escritor a biografia apresentada pela Editora
LampPM Pocket (Ratos e homens 2005) menciona que Steinbeck presenciava a vida dos
trabalhadores da cidade de Salinas e do feacutertil Vale de Salinas centros agriacutecolas a cerca de 20
quilocircmetros do oceano Paciacutefico assinalando que tanto o vale quanto a costa mariacutetima
californiana serviriam como pano de fundo de grande parte da sua ficccedilatildeo Tambeacutem o bioacutegrafo
Jay Parini (1998 21) menciona que essa regiatildeo foi uma fonte inspiradora para o escritor A
Califoacuternia foi o cenaacuterio de grande parte de sua ficccedilatildeo uma espeacutecie de Eacuteden imperfeito que ele
de vez em quando perdia e recuperava
Moacyr Scliar (2004) num artigo agrave Revista Veja81 fala sobre a influecircncia dessas
experiecircncias na vida de Steinbeck
para sobreviver [John Steinbeck] trabalhou na colheita de frutas na construccedilatildeo de rodovias e foi repoacuterter A Depressatildeo converteu-o em escritor engajado Identificava-se com a luta dos trabalhadores rurais que transformou em personagens de romances como Ratos e homens e As Vinhas da Ira mas nunca foi comunista () (SCLIAR 2004)
O Ciacuterculo do Livro (Ratos e homens 1991 101-102) destaca que Steinbeck
frequumlentou a Universidade de Stanford por cerca de cinco anos mas abandonou o curso em
1925 sem se formar tempo em que decidiu ir para Nova York na intenccedilatildeo de se tornar
romancista Entretanto com o sonho frustrado volta para a Califoacuternia onde se emprega numa
fazenda e nas horas livres dedica-se agrave literatura
Essa mesma fonte indica que o primeiro livro de Steinbeck A taccedila de ouro
publicada em 1929 jaacute apresentava a caracteriacutestica mais marcante de seu estilo ou seja o tom
alegoacuterico expressando-se por meio de siacutembolos e metaacuteforas Outras obras desse escritor satildeo
tambeacutem mencionadas Boecircmios errantes de 1935 o primeiro sucesso de puacuteblico vendida
para o cinema Ratos e homens de 1937 responsaacutevel pela consolidaccedilatildeo de sua reputaccedilatildeo
81 Disponiacutevel em lthttpvejaabrilcombr090604p_160htmlgt Acesso em 1ordm de junho de 2009
97
literaacuteria a coletacircnea de contos O grande vale de 1938 As vinhas da ira (sua obra-prima que
recebeu o Precircmio Pulitzer e consequumlentemente fez com que Steinbeck fosse eleito membro
do Instituto Nacional de Artes e Letras aleacutem do fato de o livro ter sido adaptado para o
cinema de Hollywood) Noite sem lua de 1942 rejeitado pela criacutetica Caravana de destinos
de 1945 A peacuterola e O destino viaja de ocircnibus ambos de 1947 que tiveram repercussatildeo
negativa em 1949 escreve o roteiro para o filme Viva Zapata A leste do Eacuteden de 1949
filmado por Elia Kazan e estrelado por James Dean O inverno de nossa desesperanccedila de
1961 a sua uacuteltima obra tambeacutem desse ano foi Viagem com Charlie
Ainda nessa mesma fonte consta que em meados de 1967 eacutepoca em que
Steinbeck escrevia artigos sobre a Guerra do Vietnam esse escritor sofreu um enfarte depois
de uma operaccedilatildeo na coluna vertebral A sua morte entretanto ocorreu um pouco mais tarde
em 20 de dezembro de 1968 em Nova York aos sessenta e seis anos de idade
A paacutegina da Internet do National Steinbeck Center apresenta uma relaccedilatildeo de
precircmios e honrarias a John Steinbeck dentre os quais em ordem cronoloacutegica destacam-se
1935
medalha de ouro de melhor romance (Tortilla Flat) concedida pelo Commonwealth
Club of California 1936
medalha de ouro de melhor romance (In dubious battle) concedida
pelo Commonwealth Club of Califoacuternia 1938
precircmio do New York Drama Critics Circle
(Of Mice and Men) 1939
eleito membro do Instituto Nacional de Artes e Letras (National
Institute of Arts and Letters) American Booksellers Award 1940
Precircmio Pulitzer (The
grapes of wrath) 1946
King Haakon Liberty Cross (The moon is down) 1948
eleito
membro da Academia Americana de Artes e Letras 1962
Precircmio Nobel de Literatura 1963
assume o cargo de Consultor Honoraacuterio de Literatura Americana da Biblioteca do
Congresso 1964
United States Medal of Freedom torna-se curador da Biblioteca
Memorial John F Kennedy recebe o precircmio Annual Paperback of the Year e a Press Medal
of Freedom 1966
eleito membro do Conselho Nacional de Artes 1979
um selo
comemorativo dos correios dos EUA (US Postal Service) eacute criado em homenagem a John
Steinbeck 1983
criaccedilatildeo da Fundaccedilatildeo Steinbeck (Steinbeck Center Foundation) em Salinas
Califoacuternia 1984
criaccedilatildeo da Medalha de Ouro Americana Steinbeck de Artes pela Casa da
Moeda dos EUA
98
32 John Steinbeck no sistema literaacuterio dos Estados Unidos
O talento literaacuterio de Steinbeck o colocou ao lado de grandes escritores norte-
americanos gozando de fama prestiacutegio e precircmios Segundo Jay Parini
John Steinbeck foi o uacuteltimo de uma geraccedilatildeo de escritores norte-americanos que incluiu entre outros F Scott Fitzgerald Gertrude Stein Ernest Hemingway e William Faulkner Quando morreu em 1968 alguns anos depois de ganhar o Precircmio Nobel de Literatura jaacute gozava de fama mundial embora o futuro de sua reputaccedilatildeo como romancista natildeo estivesse de modo algum assegurado (PARINI 1998 11)
Ainda segundo Parini muitos criacuteticos influentes achavam que sua obra declinara
desde a publicaccedilatildeo de As vinhas da ira (The grapes of wrath) em 1939 Poreacutem a resposta do
puacuteblico mostrava-se bem diferente
() Alegremente ignorando esses criacuteticos leitores do Cairo a Beijing continuaram a procurar traduccedilotildees de seus livros enquanto legiotildees de adolescentes americanos e britacircnicos rompiam a primeira denticcedilatildeo literaacuteria em livros como Ratos e homens (Of mice and men) A peacuterola (The Pearl) e O menino e o alazatildeo (The Red Pony) (PARINI 1998 11)
O criacutetico literaacuterio Robert E Spiller (1967 235) tambeacutem cita Steinbeck como
integrante desse grupo de escritores acrescentando agravequela lista nomes como Thomas Wolfe
James T Farrell e Erksine Caldwell e assinala tendecircncias dessa geraccedilatildeo da deacutecada de 1930
Todos eram naturalistas em sua inspiraccedilatildeo literaacuteria fundamental escritores que desenvolveram em graus diferentes as possibilidades do simbolismo e que seguiram de modo geral a rota traccedilada por SHERWOOD ANDERSON () que os levaria a utilizar mais a imaginaccedilatildeo e afastar-se de um realismo literal (SPILLER 1967 235)
De modo mais especiacutefico Spiller destaca o ambiente retratado na criaccedilatildeo literaacuteria
de Steinbeck conjugado a outros elementos comuns
O mundo da realidade comeccedila a tornar-se mais remoto nas novelas de JOHN STEINBECK () Talvez uma razatildeo disso resida no fato de o ambiente de suas novelas transferir-se para a costa da Califoacuternia onde o impossiacutevel parece germinar luxuriantemente nos produtos literaacuterios do Vale de Salinas e nos pomares vinhas e seitas religiosas fantaacutesticos dessa regiatildeo Outra razatildeo talvez seja a mistura de raccedilas irlandesa e alematilde que produziu a histoacuteria romacircntica de Cup of Gold (1929) e os estudos pseudo-realistas do povo de um vale isolado The Pastures of Heaven (1932) (SPILLER 1967 236)
Spiller tambeacutem destaca que
99
A atitude fundamental do proacuteprio STEINBECK para suas criaccedilotildees artiacutesticas eacute a de um afastamento cocircmico que lhe permitiu misturar sua preocupaccedilatildeo social com o riso bem-humorado diante da irresponsabilidade de seus paisanos A cadecircncia da prosa irlandesa escrita em inglecircs estaacute presente ateacute mesmo nas histoacuterias dos habitantes despreocupados de Tortilla Flat (1935) seguidas quase imediatamente pela situaccedilatildeo miacutesera dos trabalhadores migratoacuterios dos pomares In Dubious Battle (1936) ao passo que os elementos contrastantes da fantasia e da realidade estatildeo indissoluvelmente fundidos em Of mice and men () uma novela curta escrita com o propoacutesito de ser adaptada tanto para o teatro quanto para o cinema (SPILLER 1967 236)
O criacutetico literaacuterio Morton Dauwen Zabel (2004) preocupou-se em definir quatro
movimentos literaacuterios dos Estados Unidos durante o seacuteculo XX estabelecendo as linhas
gerais de cada um Sobre este periacuteodo ele afirma a ficccedilatildeo dos Estados Unidos entre 1920 e
1945 eacute prodigiosamente abundante regurgita de talentos de toda espeacutecie e qualidade reflete
todos os interesses modas e reaccedilotildees possiacuteveis durante trecircs das mais agitadas deacutecadas da
histoacuteria moderna Os quatro movimentos satildeo assim definidos por Zabel (2004 30-31)
1) O Movimento que expressou o ceticismo a irreverecircncia e a ironia da nova geraccedilatildeo surgida por volta de 1920 em consequumlecircncia da Guerra
2) A tentativa de recuperar como um antiacutedoto do desengano sofisticado a feacute na mateacuteria-prima da experiecircncia humana mediante a redescoberta do povo os problemas da sociedade a solidariedade baacutesica da vida social e a responsabilidade do romancista como seu cronista e criacutetico
3) Uma tendecircncia experimental o esforccedilo de levar todos os recursos da inteligecircncia moderna a influiacuterem sobre a anaacutelise dos fatores psiacutequicos e morais que atuam na experiecircncia contemporacircnea e de traduzir esta inteligecircncia em palavras atraveacutes de todos os meios ao alcance do artista moderno
4) Um movimento em direccedilatildeo agrave siacutentese e agrave reconstruccedilatildeo um esforccedilo para reconciliar a criacutetica com o idealismo a experimentaccedilatildeo com a probidade moral e para fazer retornar a sensibilidade moderna com todas as suas duacutevidas e problemas a alguma espeacutecie de afirmaccedilatildeo de objetivo humano e feacute nos valores espirituais
Dentre esses quatro movimentos eacute no segundo de temaacutetica social em que se
enquadra John Steinbeck que Zabel cita entre outros escritores como Sinclair Lewis
Sherwood Anderson Ellen Glasgow Willa Cather Elizabeth Madox Roberts O Henry Ring
Lardner John dos Passos Erskine Caldwell Thomas Wolfe e William Faulkner Esses
escritores estavam redescobrindo o povo e tentando reconduzir a humanidade a uma posiccedilatildeo
de primazia na ficccedilatildeo quer com o objetivo de recuperar suas qualidades baacutesicas de energia
espiacuterito e resistecircncia quer com o intuito de expliacutecita criacutetica social e econocircmica (e moral)
(ZABEL ibidem) Zabel expotildee alguns motivos que inspiraram essa corrente
100
a ficccedilatildeo norte-americana revelara desde o iniacutecio uma forte e obstinada tendecircncia social No fim da deacutecada de 1920 dois fatos motivaram um retorno agrave inspiraccedilatildeo social O senso de futilidade e niilismo que ameaccedilava despojar o artista de suas faculdades se natildeo encontrasse uma nova fonte de energia moral para sua arte e o crescente senso de criacutetica social gerado pelas injusticcedilas e lutas de classe do mundo de apoacutes-guerra Quando a falsa prosperidade daquela eacutepoca foi varrida pelo grande desastre econocircmico de 1929 soou a hora do retorno do ceticismo ao realismo da desilusatildeo agrave responsabilidade social (ZABEL 2003 33-34)
Segundo Spiller (1967 236) Steinbeck se recusava a ser classificado numa
categoria literaacuteria riacutegida ateacute a publicaccedilatildeo de Of mice and men em 1937 A criacutetica entretanto
o considera como um dos uacuteltimos integrantes do movimento naturalista norte-americano
movimento que havia iniciado no fim do seacuteculo XIX com Stephen Crane (1871
1900) e se
desenvolvido por outros escritores como Frank Norris Theodore Dreiser e Jack London
Segundo Hart e Leininger (1995)82 o Naturalismo pode ser definido como o
movimento que surgiu do pensamento cientiacutefico do seacuteculo XIX seguindo em geral o
determinismo bioloacutegico da teoria de Darwin ou o determinismo econocircmico de Marx
Hart e Leininger (1995) ainda destacam que se trata de
um termo criacutetico aplicado ao meacutetodo de composiccedilatildeo literaacuteria que procura estabelecer uma objetividade cientiacutefica destacada no tratamento do homem natural Assim eacute mais inclusivo e menos seletivo que o Realismo e estaacute ligado agrave filosofia do determinismo O homem eacute concebido como um ser controlado por seus instintos ou por suas paixotildees ou pelo ambiente econocircmico e social e circunstacircncias Uma vez que nesta visatildeo o homem natildeo tem livre arbiacutetrio o escritor naturalista natildeo tenta fazer julgamentos morais e como determinista ele tende ao pessimismo83
Com base nessas caracteriacutesticas Of mice and men pode ser considerado um
romance naturalista pois haacute nele elementos com niacutetido encaixe com este movimento o
tratamento do homem natural eacute visto na escolha da composiccedilatildeo dos personagens homens
simples de vida dura envolvidos num ambiente social tiacutepico (zona rural dos EUA) e num
ambiente econocircmico (a crise dos anos de 1930) Satildeo seres humanos movidos pelas
circunstacircncias geradas pela necessidade de sobreviver (instinto de sobrevivecircncia) e pelo
82 Disponiacutevel em lthttpwwwencyclopediacomdoc1O123-Naturalismhtmlgt Acesso em 20 de dezembro de 2008 O nuacutemero da paacutegina natildeo eacute informado
83 critical term applied to the method of literary composition that aims at a detached scientific objectivity in the treatment of natural man It is thus more inclusive and less selective than realism and holds to the philosophy of determinism It conceives of man as controlled by his instincts or his passions or by his social and economic environment and circumstances Since in this view man has no free will the naturalistic writer does not attempt to make moral judgments and as a determinist he tends toward pessimism The movement is an outgrowth of 19th-century scientific thought following in general the biological determinism of Darwins theory or the economic determinism of Marx Vide referecircncia da nota de rodapeacute anterior nordm 82
101
sonho de uma vida melhor (fantasia paixatildeo) As privaccedilotildees e a necessidade neste caso satildeo
tatildeo fortes que se sobrepotildeem ao livre arbiacutetrio Natildeo haacute escolha a vida oferece poucas
oportunidades as quais ainda assim natildeo deixam o homem viver mas tatildeo somente
sobreviver Como consequumlecircncia haacute a desumanizaccedilatildeobestializaccedilatildeo do ser humano
frequumlentemente comparado a bichos que remetem agrave brutalidade fragilidade e imundiacutecie
Alguns personagens tambeacutem satildeo descritos com defeitos fiacutesicos ou aparecircncia decadente (ex
Candy eacute idoso e perdeu uma das matildeos e conforme argumento impliacutecito na histoacuteria sua
imagem pode ser associada ao seu catildeo tambeacutem velho e decadente) Logo o tom natildeo poderia
ser outro senatildeo o de pessimismo temperado com uma solidatildeo imensa vivenciada por grande
parte dos personagens aleacutem de haver nesta histoacuteria metaforicamente uma situaccedilatildeo frequumlente
na natureza o predador e a presa o mais fraco esmagado pelo mais forte
Apesar da popularidade de John Steinbeck que vendeu ateacute cerca de 2 milhotildees de
coacutepias por ano (ARNOLD 2002) este nome nunca foi uma unanimidade Of mice and men
por exemplo considerado por muitos criacuteticos como a maior realizaccedilatildeo de Steinbeck eacute visto
por outros de modo natildeo totalmente positivo para estes a obra perde um pouco da sua virtude
por conter personagens muito planos e um enredo excessivamente determinista que confere
mais importacircncia agrave liccedilatildeo da histoacuteria do que agraves pessoas que atuam nela aleacutem de recair no
sentimentalismo84 O criacutetico Morton Dauwen Zabel formulou estas palavras acerca de
Steinbeck
sua essecircncia artiacutestica corre sempre o risco de sobrecarregar-se com teses morais e ambiccedilotildees socioloacutegicas que escapam de sua alccedilada Ameaccedila-o constantemente a tendecircncia para o melodrama e o sentimentalismo e quando esses comeccedilam a transparecer em suas paacuteginas causam-lhes graves danos aos dotes naturais de observaccedilatildeo e precisatildeo dramaacutetica Aqui temos novamente o problema de um escritor bem dotado que se deixou impressionar demais pelas abstratas doutrinas sociais (ZABEL 2004 41)
Jonathan Yardly por exemplo num artigo para o Washington Post Book Review
afirmou que algumas obras de Steinbeck natildeo eram de genuiacuteno interesse literaacuterio como In
Dubious Battle Tortilla Flat e Of mice and men elas satildeo na melhor das hipoacuteteses
curiosidades o trabalho de aprendiz de um escritor cuja proacutepria ficccedilatildeo madura merece muito
84 Conforme anaacutelise disponiacutevel no site lthttpwwwsparknotescomlitmicemencontexthtmlgt many critics have faulted his works for being superficial sentimental and overly moralistic Though Of mice and men is regarded by some as his greatest achievement many critics argue that it suffers from one-dimensional characters and an excessively deterministic plot which renders the lesson of the novel more important than the people in it Acesso em 31 de dezembro de 2008
102
pouca distinccedilatildeo literaacuteria (MORSBERGER 2003 32-33)85 Seguindo esse tom Martin
Arnold escreveu no New York Times [Steinbeck] nunca foi tatildeo popular entre os maiores
acadecircmicos de literatura mas seu trabalho eacute considerado sentimental demais para a grande
arte e sua escrita simplesmente natildeo eacute boa o bastante (ARNOLD 2002 MORSBERGER
2003 33 THE NEW YORK TIMES 2008)86 E Harold Bloom apud Arnold (2002) natildeo eacute
nem um pouco condescendente vocecirc natildeo pode ler trecircs paraacutegrafos de Steinbeck sem pensar
num Hemingway empobrecido com caracterizaccedilotildees que satildeo artificiais 87
A despeito de tantas criacuteticas negativas veiculadas por jornais americanos de
grande prestiacutegio a presenccedila deste romance eacute bem marcante no sistema literaacuterio e artiacutestico dos
Estados Unidos devido ao seu grande sucesso entre o puacuteblico tanto na linguagem literaacuteria
como nas suas adaptaccedilotildees para o teatro e para o cinema E Zabel (2004 41) apesar de
ressaltar pontos fracos da obra de Steinbeck reconhece a importacircncia desse escritor situando-
o entre os grandes nomes da literatura norte-americana da deacutecada de 1930
33 A obra Of mice and men
331 Resumo expandido
Publicado pela primeira vez em 1937 Of mice and men situa-se no contexto da
Grande Depressatildeo dos anos de 1930 com a quebra da bolsa de valores de Nova York
George Milton e Lennie Small amigos de infacircncia satildeo bem diferentes um do
outro Lennie eacute enorme de forccedila fiacutesica incriacutevel mas sua inteligecircncia eacute deacutebil comparada agrave de
um menino de quatro ou cinco anos por isso eacute a todo o momento protegido por George um
homem pequeno mas sagaz e haacutebil ao se comunicar Os dois vagueiam por fazendas do vale
de Salinas na Califoacuternia procurando emprego nas colheitas e alimentam um sonho juntar as
economias e comprar uma terra para viverem e produzirem seu proacuteprio sustento um lugar
onde Lennie entre outras coisas imagina uma criaccedilatildeo de coelhos de que cuidaria e lhes faria
carinho Lennie sente atraccedilatildeo por coisas macias que gosta de pegar Tem o haacutebito de acariciar
85 At best they are curiosities the apprentice work of a writer whose mature fiction itself fell considerably short of literary distinction
86 [Steinbeck] has never been too popular among the higher academics of literature his work considered too sentimental for great art his writing simply not good enough
87 You can t read three paragraphs of Steinbeck without thinking of a poorer Hemingway with characterizations that are contrived
103
camundongos que carrega em seu bolso mas sempre os mata sem querer Pensa que coelhos
satildeo grandes o suficiente para suportar sua forccedila descontrolada
Os dois contratados numa fazenda de cevada em Soledad comeccedilam a trabalhar e
ter um conviacutevio amistoso com os outros empregados Entretanto Curley o filho do patratildeo eacute
de temperamento difiacutecil sempre arrumando alguma desculpa para criar confusatildeo e brigas
ocasiotildees em que gosta de mostrar suas habilidades como boxeador Eacute casado com uma mulher
muito bela poreacutem fuacutetil e provocante
outra fonte de problemas pois sempre flerta com
todos Essa mulher agrave qual o autor natildeo daacute nome apesar de ganhar contornos de vilatilde eacute tambeacutem
uma viacutetima com sonhos frustrados queria muito ser atriz em Hollywood o que natildeo
conseguiu restando-lhe apenas a opccedilatildeo de um casamento infeliz com Curley George faz
amizade com Slim o simpaacutetico condutor de mulas Lennie fica um tanto isolado mas sua
produtividade na colheita eacute fantaacutestica porque eacute muito mais forte do que qualquer outro
homem Slim daacute a Lennie um filhote de cachorro
Em certa ocasiatildeo na presenccedila dos trabalhadores Curley arma outra confusatildeo
achando que sua esposa o estava traindo com Slim Mas Slim se inocenta natildeo soacute apresentando
boa argumentaccedilatildeo mas zombando do boxeador momento em que Carlson e Candy acham o
momento propiacutecio para tambeacutem ridicularizaacute-lo Sem alternativa Curley vecirc Lennie como
viacutetima e o comeccedila a agredir O gigante eacute indefeso e soacute finalmente reage quando George lhe
ordena acabando por segurar e esmagar uma das matildeos do boxeador que humilhado aceita a
mentira inventada por Slim de que sua matildeo ficara presa numa maacutequina
Na fazenda trabalham tambeacutem um negro Crooks viacutetima de preconceito racial e
torto por causa de um coice e um velho que perdeu uma das matildeos Candy acompanhado de
seu cachorro velho desdentado e fedorento Carlson insiste em querer matar o catildeo de Candy
porque o animal estaacute velho demais inuacutetil e sofrendo Candy pesaroso acaba concordando
Carlson leva o catildeo para o mato onde lhe daacute um tiro na nuca provocando uma morte raacutepida e
indolor Candy pensa em seu destino quando for totalmente incapaz de trabalhar
O cliacutemax se daacute quando Lennie ao constatar que matou seu cachorrinho sem
querer por causa do seu excesso de forccedila eacute encontrado pela mulher de Curley Esta aos
poucos se aproxima e envolve Lennie num jogo de seduccedilatildeo convidando-o a afagar seus
cabelos sedosos Lennie cede e deste modo ela morre acidentalmente com o pescoccedilo
quebrado pelas matildeos descuidadas de Lennie Os empregados ao se darem conta do
acontecido apontam a culpa para Lennie que jaacute havia fugido para um lugar nas matas
vizinhas exatamente onde George precavido lhe havia indicado para o caso de algum
problema antes mesmo de chegarem agrave sede da fazenda de cevada Os homens liderados por
104
Curley procuram por Lennie e certamente lhe afligiratildeo uma morte terriacutevel George antecipa-
se aos outros e acha Lennie Aproximando-se e em tom de desalento George conta a velha
histoacuteria dos planos de um futuro melhor para eles numa terra proacutepria e com a arma de
Carlson
a mesma que matou o cachorro de Candy
mata o amigo com um tiro tambeacutem na
nuca Assim o sonho de um Eacuteden americano eacute completamente destruiacutedo
A simbologia eacute um elemento relevante neste romance Vaacuterias anaacutelises apontam
para o poema de Robert Burns (1759
1796) To a Mouse on turning her up in her nest with
the plough como a fonte que Steinbeck escolheu para dar tiacutetulo ao seu romance Eis um
trecho retirado da seacutetima estrofe traduzido em prosa por Otto Maria Carpeaux (1968 7) os
projetos melhor elaborados sejam de ratinhos ou sejam de homens fracassam muitas vecirczes e
nos fornecem soacute tristeza e sofrimento em vez do precircmio prometido 88
Burns por meio deste poema mostra como os planos dos homens natildeo satildeo mais
seguros do que os de um camundongo ideacuteia repetida por Steinbeck no tiacutetulo de Of mice and
men O que motiva os sonhos dos personagens eacute o seu descontentamento com o presente mas
o seu futuro natildeo pode ser melhor e suas vidas seguem um destino em que a fatalidade e o
pessimismo datildeo o tom quando os homens satildeo comparados a criaturas fraacutegeis pequenas e
cercadas de imundiacutecie como os ratos89
A cor vermelha ganha significado nas unhas nas roupas nos calccedilados e na
maquiagem da mulher de Curley como um sinal de paixatildeo e desejo ou de perigo o que a
torna ao mesmo tempo viacutetima e agente do Destino A figura de Lennie eacute frequumlentemente
associada com animais (urso cavalo cachorro etc) Suas matildeos satildeo muitas vezes referidas
como patas Isso parece ser apropriado para Lennie pois ele frequumlentemente age do modo
88 Conforme pesquisa no siacutetio lthttpwwwcummingsstudyguidesnetGuides4Mousehtmlgt - acesso em 29 de dezembro de 2008 Robert Burns poeta escocecircs escreveu To a Mouse em linguagem vernacular num dialeto inglecircs denominado Scots em 1785 com publicaccedilatildeo em Kilmarnock Escoacutecia em 31 de julho de 1786 como parte de uma coleccedilatildeo de poemas de Burns intitulada Poems Chiefly in the Scottish Dialect A paacutegina da Internet consultada aleacutem de fornecer uma anaacutelise literaacuteria tambeacutem disponibiliza o poema em duas versotildees em dialeto Scots seguindo a escrita de Burns e em inglecircs padratildeo moderno Abaixo se encontram os trechos correspondentes agrave traduccedilatildeo em portuguecircs de Otto Maria Carpeaux
Em dialeto Scots Em inglecircs padratildeo moderno
The best-laid schemes o mice an men Gang aft agley
An lea e us nought but grief an pain For promis d joy
The best-laid schemes of mice and men Go often astray
And leave us nothing but grief and pain For promised joy
89 Fonte lthttpuniversalteacherorgukproseofmiceandmenhtm13gt Acesso em 29122008
105
simples e natural de um bicho A solidatildeo eacute um dos temas principais da histoacuteria e se mostra
pelo nome simboacutelico da cidade mais proacutexima Soledad
ou solidatildeo em espanhol90
A anaacutelise de Haebig et al (2008) considera como um dos maiores temas desta
histoacuteria a solidatildeo e tambeacutem a busca pelo American Dream (o Sonho Americano ) A solidatildeo
eacute expressa por alguns personagens Candy fica sozinho na casa dos peotildees por causa de sua
matildeo perdida e seu catildeo velho eacute motivo de gozaccedilatildeo dos outros trabalhadores Lennie fica soacute
quando George e os outros vatildeo agrave cidade no dia do pagamento Crooks eacute segregado em virtude
de ser negro morando no estaacutebulo a mulher de Curley busca constantemente chamar a
atenccedilatildeo dos homens como um modo de se consolar do seu sonho fracassado de ser estrela de
cinema e do seu casamento sem amor o proacuteprio Curley eacute solitaacuterio pois sua mulher natildeo o
suporta e tampouco os trabalhadores ele se casou numa tentativa de superar a solidatildeo mas
escolheu uma mulher totalmente inapropriada para o seu estilo de vida
tudo isso contribui
para o seu comportamento agressivo (HAEBIG et al 2008)
A busca do chamado American Dream se mostra na forma do sonho
compartilhado por George e Lennie de comprarem uma terra para si onde poderiam desfrutar
de liberdade e independecircncia na comunhatildeo de sua amizade fraterna A mulher de Curley
sonha constantemente sobre como sua vida teria sido diferente se ela natildeo tivesse aceitado se
casar com Curley O sonho de Candy eacute compartilhar sua vida com aqueles que o tratassem
como um homem de verdade mais humanizado A busca da liberdade de todos estes
personagens estaacute cercada pelos eventos traacutegicos que envolvem Lennie e a esposa de Curley
(HAEBIG et al 2008) Aos temas da solidatildeo e da busca do sonho americano em outra
anaacutelise91 acrescenta-se o tema da violecircncia ilustrado pelos seguintes exemplos Candy conta
como o patratildeo lhes deu uiacutesque e permitiu que houvesse uma briga na casa dos peotildees Curley
o personagem mais violento sempre deixa uma tensatildeo no ar todas as vezes que aparece e se
revela num problema seacuterio para Lennie provocando-o e apoacutes a sequumlecircncia de fatos infelizes
que culmina com a morte de sua esposa por Lennie a uacuteltima expressatildeo de fuacuteria de Curley em
relaccedilatildeo a Lennie eacute o seu desejo de furar suas tripas a balas ( shoot him in the guts)
Carlson natildeo se preocupa nem um pouco em matar o catildeo de Candy limpando a arma na
presenccedila do velho Ele se diverte quando Slim caccediloa de Curley e nessa ocasiatildeo afirma para
90 Conforme pesquisa na paacutegina da Internet disponiacutevel no seguinte endereccedilo eletrocircnico lthttpwwwnewiacukenglishresourcesworkunitsks4fictionofmicemensmallheaththemeshtmlgt Acesso em 29 de dezembro de 2008
91 Disponiacutevel em lthttpwwwnewiacukenglishresourcesworkunitsks4fictionofmicemensmallheaththemeshtmlgt Acesso em 29 de dezembro de 2008
106
Curley que eacute capaz de kick your head off ( arrancar sua cabeccedila ) Eacute Carlson que
dirigindo-se a Curley sobre a conversa entre Slim e George
diz as uacuteltimas palavras do livro
( Now what the hell ya suppose is eatin them two guys ) que revelam sua incapacidade de
compreender os sentimentos de George sobre a morte de Lennie A violecircncia de Lennie por
outro lado natildeo eacute intencional Suas accedilotildees satildeo comparadas agraves de um animal
forte mas que
natildeo pensa Ironicamente eacute a forccedila de Lennie que faz com que a esposa de Curley se sinta
atraiacuteda por ele Por fim eacute a ameaccedila da violecircncia contra Lennie que faz com que George tome
a atitude de matar seu amigo
A natureza por sua vez eacute tambeacutem referida como tema nesta anaacutelise e eacute retratada
como um mundo de beleza e paz mas que eacute ameaccedilado pelas accedilotildees do homem no iniacutecio da
histoacuteria os animais na aacutegua se agitam com a aproximaccedilatildeo de George e Lennie O rancho e as
construccedilotildees agrave sua volta por serem criaccedilotildees humanas contrastam com o mundo natural
Candy e Crooks satildeo desnaturalizados por sua aparecircncia porque ambos possuem deformidades
no corpo (o primeiro perdeu uma matildeo o outro eacute torto) Lennie contrasta com estes dois
personagens pois parece fazer parte do mundo natural quando eacute descrito em termos que se
referem a animais (seu andar de urso suas patas etc)
332 A linguagem
A linguagem92 de Of mice and men se destaca por Steinbeck ter planejado sua
obra como romance literaacuterio mas tambeacutem com o objetivo de adaptaacute-la para o teatro cada
seccedilatildeo ou capiacutetulo se dispotildee num lugar claramente definido como numa cena de teatro O
iniacutecio de cada seccedilatildeo conteacutem descriccedilotildees detalhadas como roteiros para uma peccedila teatral
enquanto que o restante em sua maior parte toma a forma de diaacutelogos Logo a linguagem eacute
simples direta e resumida e se distingue entre dois usos da liacutengua inglesa estadunidense a
narrativa na liacutengua padratildeo e os diaacutelogos representados num dialeto estigmatizado da
Califoacuternia A esse respeito Li e Schultz (2005 145) afirmam que o estilo direto e sequumlencial
aleacutem do uso extensivo de diaacutelogos foram recursos que Steinbeck utilizou por que estava
preocupado em alcanccedilar tambeacutem um puacuteblico em especial os trabalhadores pobres que natildeo
liam livros mas que eventualmente poderiam ir ao teatro
92 Conforme anaacutelise disponiacutevel em lthttpwwwnewiacukenglishresourcesworkunitsks4fictionofmicemensmallheathlanghtmlgt Acesso em 29 de dezembro de 2008
107
John Steinbeck eacute um autor que costuma apresentar a temaacutetica social como nuacutecleo
de suas obras literaacuterias muitas vezes daacute a voz popular caracteriacutestica aos seus personagens por
meio de uma linguagem desviante do inglecircs padratildeo dos Estados Unidos Natildeo soacute em Of mice
and men mas tambeacutem em outras obras como em The grapes of wrath
Ain t
got the call no more Got a lot of sinful idears but they seem kinda
sensible
(STEINBECK 2002 20)
I got thinkin
how we was
holy when we was
one thing an mankin
was holy when it was one thing An it ony got unholy when one misable little fella got the bit in his teeth an run off his own way kickin an draggin an fightin Fella
like that bust the holi-ness But when theyre all workin
together not one fella
for another fella but one fella
kind of harnessed to the whole shebang thats right thats holy (STEINBECK 2002 81)
I gotta see them folks
that s gone out on the road I got a feelin I got to see them They gonna
need help no preachers can give em Hope of heaven when their lives ain t
lived Holy sperit
when their own sperit
is down-cast cast an
sad They gonna
need help They got to live before they can afford to die
(STEINBECK 2002 52)
Em Of mice and men os personagens satildeo trabalhadores rurais de baixa
escolaridade Esse perfil eacute evidenciado pela linguagem que eles utilizam caracteriacutestica da
fala numa oralidade que se distancia do inglecircs padratildeo dos Estados Unidos Schilling-Estes e
Wolfram (2006 14) apud Seppaumllauml (2008 1) bem como Yule (2006 212) classificam as
variedades linguumliacutesticas natildeo-padratildeo pelo termo vernacular dialect (dialeto vernaacuteculo)93 Outros
teoacutericos citados por Christiana (2001) tais como Janet Holmes (1992) Hans P Guth (1973)
William Labov (1989) Pride (1981) e Francis (1965) estabelecem caracteriacutesticas desse tipo
de linguagem que se apresentam como desvios da norma-padratildeo Guth (1973) apud
Christiana (2001 11-12) apresenta alguns exemplos da liacutengua inglesa vernaacutecula94
(estigmatizada) dos Estados Unidos
93 Conforme exposiccedilatildeo teoacuterica anterior feita nesta dissertaccedilatildeo a noccedilatildeo de variedade linguumliacutestica eacute complexa seguindo o que alguns teoacutericos (Catford 1980 Baker 1992 e outros) expotildeem sobre esse assunto abrangendo noccedilotildees do que se entende por exemplo por idioletos dialetos registros estilos e modos etc Em outras palavras portanto o termo dialeto vernaacuteculo aplica-se a dialetos ou variedades linguumliacutesticas estigmatizados conforme terminologia proposta por Bagno (2003 67) e adotada neste trabalho
94 Apesar da existecircncia de vaacuterios dialetos ou variaccedilotildees regionais do inglecircs dos Estados Unidos como David Crystal (1995 299 312
317) por exemplo trata e ilustra as informaccedilotildees trazidas por Christiana (2001) e Seppaumllauml (2008) ao citarem esses autores sobre o chamado vernacular English bem como Yule (2006) natildeo fazem relaccedilatildeo clara a um dialeto especiacutefico Logo subentende-se uma abordagem geral com os fenocircmenos linguumliacutesticos mais comuns da liacutengua inglesa estadunidense desviante da norma-padratildeo Entretanto eacute possiacutevel relacionar alguns desses exemplos com a linguagem utilizada por Steinbeck em Of mice and men
108
1 Formas verbais he don t you was I says have wrote I seen him
2 Formas pronominais hisself theirself this here book that there animal them
potatoes
3 Ausecircncia de conectivos being as she couldn t come (being as if
she couldn t come)
4 A dupla negativa We don t have no time I don t want none
5 O uso de ain t You ain t going to no heaven I ain t got it
6 Inversatildeo entre o sujeito e o verbo (ou first auxiliary) (em inglecircs padratildeo esse uso
acontece normalmente nas formas interrogativas enquanto que no inglecircs natildeo-padratildeo
isso tambeacutem se aplica a certos padrotildees frasais Ain t nobody gonna boss me around
didn t nobody hear him
7 Inversatildeo entre o sujeito e o verbo (ou first auxiliary) tanto em perguntas diretas como
em perguntas indiretas Ask him can he come I don t know can
Robert play
8 Sujeito duplicado My mother she
don t like me
9 Troca do uso de there por it ou they It s
no one there They s
a difference
Schilling-Estes e Wolfram (2006 183) apud Seppaumllauml (2008 1) afirmam que uma
caracteriacutestica comum de dialetos de baixo prestiacutegio (variedades estigmatizadas) estaacute em
diferenccedilas na concordacircncia verbal com o sujeito em que haacute uma tendecircncia em regularizar as
formas verbais ao se eliminar o s final da terceira pessoa do singular ou de forma contraacuteria
colocando-se essa letra em todas as formas verbais conforme Marckwardt (1980 153) apud
Seppaumllauml (2008 1) Em Of mice and men isso pode ser observado nas expressotildees sublinhadas
(com suas formas na liacutengua padratildeo o Standard American English entre parecircnteses)
1) Formas verbais regularizadas como na terceira pessoa do singular The hell with what I
says (STEINBECK sd 5) (I say) I remember some girls come by and you says you
says (STEINBECK sd 5) (you say) () so I comes
running ()
(STEINBECK sd
44) (I come) Me an him goes
ever place together
(STEINBECK sd 7) (go)
2) Uso generalizado da terceira pessoa do singular no passado simples do verbo to be como
padratildeo They was
so little ( ) (STEINBECK sd 10) (they were) Says we was
here when
we wasn t
(STEINBECK sd 22) (we werewe weren t) You wasn t big enough
(STEINBECK sd 91) (you weren t)
109
3) Terceira pessoa do singular com o verbo to do regularizado A guy on a ranch don t
never listen nor he don t
ast no questions (STEINBECK sd 25) (A guy doesn the
doesn t)
Outra caracteriacutestica desses dialetos eacute a omissatildeo do verbo to have como auxiliar do
present perfect I been
mean ain t I (STEINBECK sd 13) (I ve been) Well I never seen
one guy take so much trouble for another guy
(STEINBECK sd 23) (I ve never seen)
Schilling-Estes e Wolfram (2006 183) apud Seppaumllauml (2008) com relaccedilatildeo aos
verbos irregulares afirmam que estes tendem a assumir formas regularizadas por analogia aos
verbos regulares com terminaccedilatildeo -ed
no passado simples I think I knowed
from the very
first I think I knowed
we d never do her (STEINBECK p 100) (knew)
A oralidade desse chamado inglecircs vernaacuteculo (ou variedade estigmatizada) fica
marcante tambeacutem pela reduccedilatildeo de palavras quando faltam letras ou no seu iniacutecio ou meio ou
fim de acordo com Schilling-Estes e Wolfram (2006 183) apud Seppaumllauml (2008) Uma
simplificaccedilatildeo muito comum eacute o uso de -in em vez de -ing (YULE 2006 214) Abaixo
exemplos em Of mice and men
a) Omissatildeo de letras no iniacutecio das palavras
Gi
me that mouse (STEINBECK sd 8) (give)
Won t ever get canned cause
his old man s the boss (STEINBECK sd 28)
(because)
Bout half an hour ago maybe (STEINBECK sd 38) (about)
I guess we gotta get im
an lock im
up (STEINBECK sd 99) (him)
When you got a piece of pie you always got half or more n
half
(STEINBECK
sd 107) (than)
b) Omissatildeo de letras no meio das palavras
S pose he don t want to talk
(STEINBECK sd 26) (suppose)
() las Sat day night (STEINBECK sd 55) (last)
110
It s on y
about four o clock (STEINBECK sd 91) (only)
c) Omissatildeo de letras no final das palavras
I was only foolin George (STEINBECK sd 12) (fooling)
() las
Sat day night (STEINBECK sd 55) (last)
Por uacuteltimo ao se considerar a totalidade das falas segundo cada personagem de Of
mice and men observa-se certa regularidade no tratamento do dialeto utilizado isto eacute natildeo se
apresentam formas muito distintas entre o falar de um personagem em relaccedilatildeo aos outros o
que poderia se configurar em outras subvariaccedilotildees dialetais ou mesmo no uso de idioletos
34 Traduccedilotildees de Of mice and men
Um fator que pode indicar o sucesso de um autor eacute o quanto ele eacute traduzido
Goldstone e Payne (1974) apud Holmes (2004 22-40) exibem estatiacutesticas da produccedilatildeo
literaacuteria de Steinbeck traduzida para vaacuterios idiomas listando em seu cataacutelogo 57 liacutenguas para
as quais Steinbeck foi traduzido e dentre as demais obras ateacute entatildeo havia 55 traduccedilotildees de
Of mice and men distribuiacutedas em 32 liacutenguas superando o nuacutemero de The grapes of wrath que
contava com 40 traduccedilotildees em 26 liacutenguas
Of mice and men portanto eacute um dos livros mais disponibilizados de Steinbeck e
seu histoacuterico de publicaccedilotildees em inglecircs95 se inicia em 1937 nos Estados Unidos pela editora
Covici Friede Inc Seguem-se outras publicaccedilotildees por diferentes editoras dentre as quais a
Viking Press Inc (1938) e a Penguin Books (1978 e 1986) Em portuguecircs96 haacute pelo menos
trecircs traduccedilotildees tambeacutem jaacute em vaacuterias ediccedilotildees A primeira foi realizada pelo escritor brasileiro
95 De acordo com informaccedilotildees do site lthttpwwwedstephanorgSteinbeckmicehtmlgt Acesso em 22 de julho de 2009
96 Estes dados constam no Index Translationum disponiacutevel na Internet em lthttpdatabasesunescoorgxtransaopenisisaa=steinbeckampstxt_1=ampstxt_2=ampstxt_3=ampsl=ENGampl=PORampc=amppla=amppub=amptr=ampe=ampudc=ampd=ampfrom=ampto=amptie=andgt (acesso em 23122008) Entretanto natildeo constam neste siacutetio nenhum dado relativo agraves traduccedilotildees brasileiras de Eacuterico Veriacutessimo de 1940 (e outras) de Myriam Campello de 1991 (e outras) e de Ana Ban de 2005 as quais foram adquiridas e serviratildeo como a base principal desta pesquisa durante as anaacutelises comparativas
111
Eacuterico Veriacutessimo com publicaccedilatildeo em 1940 pela Livraria do Globo de Porto Alegre
RS97 a
segunda de Myriam Campello teve a sua primeira ediccedilatildeo publicada no Rio de Janeiro pela
Editora Record em 1985 e a uacuteltima pela Editora Ciacuterculo do Livro em 1991 A terceira
traduccedilatildeo eacute de 2005 publicada pela editora LampPM de Porto Alegre
RS realizada por Ana
Ban
Haacute tambeacutem adaptaccedilotildees para o teatro para o cinema e uma produccedilatildeo para a
televisatildeo norte-americana Existem pelo menos duas peccedilas teatrais em liacutengua portuguesa uma
brasileira traduzida por Brutus Pedreira e dirigida por Augusto Boal em 1956 (Ratos e
homens Teatro de Arena Satildeo Paulo encenada em 26 de setembro de 1956 com destaque
para a atuaccedilatildeo do ator iacutetalo-brasileiro Gianfrancesco Guarnieri como o personagem
George)98 e outra portuguesa com a traduccedilatildeo de Correia Alves dirigida por Antocircnio Pedro
em 1957 (Ratos e homens Porto Ciacuterculo de Cultura Teatral Teatro Experimental)99 Em
filmes de liacutengua inglesa para o cinema segundo Li e Schultz (2005 151 363-364) haacute duas
versotildees ambas sob o tiacutetulo Of mice and men de 1939 dirigido por Lewis Milestone e de
1992 dirigido e estrelado por Gary Sinise (no papel de George) Destaca-se que esses dois
filmes foram exibidos no Brasil o primeiro com o tiacutetulo Cariacutecia Fatal e o segundo o mais
recente com o tiacutetulo Ratos e homens
Em liacutengua inglesa de acordo com Li e Schultz (2005 365) haacute pelo menos dois
filmes homocircnimos (Of mice and men) concebidos especialmente para exibiccedilatildeo na TV o
primeiro de 1970 estrelado por George Seagal (no papel de George) e Nicol Williamson (no
papel de Lennie) o segundo de 1981 produzido por Robert Blake (que tambeacutem atuou no
filme interpretando o personagem George) Gino Grimaldi e Robert Hargrove dirigido por
Reza Badiyi Para o teatro Li e Schultz (2005 366) destacam as seguintes adaptaccedilotildees
97 Esta traduccedilatildeo possui outras publicaccedilotildees posteriores dentre as quais pode ser citada uma ediccedilatildeo portuguesa (Lisboa Livros do Brasil) de 1984 num volume que abriga tambeacutem uma traduccedilatildeo de The Red Pony outro romance de Steinbeck (O Potro Vermelho traduzido por Rebelo de Bettencourt) e tambeacutem outra ediccedilatildeo brasileira pela Editorial Bruguera de 1968 com a atualizaccedilatildeo da linguagem conforme a reforma ortograacutefica de 1942
98 Fonte revista eletrocircnica Coleccedilatildeo Cadernos de Pesquisa Teatro de Arena 2008 p 16 Disponiacutevel em lthttpwwwcentroculturalspgovbrcadernoslightboxlightboxpdfsTeatro20de20Arenapdfgt Acesso em 12 de dezembro de 2008
99 Fontes Base Nacional de Dados Bibliograacuteficos
Cataacutelogo Colectivo das Bibliotecas Portuguesas Disponiacutevel em lthttpopacporbaseorgipac20ipacjspsession=11974TB726C14410279ampmenu=searchampaspect=basicampnpp=20ampipp=20ampprofile=porbaseampri=ampterm=john+steinbeck+ratos+e+homens+correia+alvesampindex=GWampaspect=basicfocusgt e na paacutegina eletrocircnica da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra lthttpwebopacsibucptsearchpor~S0qauthor=steinbeck2C+johnamptitle=Ratos+e+homensampsearchscope=74ampsortdropdown=tampx=22ampy=16gt Acesso em 17 de dezembro de 2008
112
igualmente intituladas Of mice and men peccedila teatral encenada em 21 de maio de 1937 no
Green Street Theatre de Satildeo Francisco (Califoacuternia) e em 23 de novembro de 1937 no Music
Box Theatre de Nova York e oacutepera encenada em 22 de janeiro de 1970 em Seattle
(Washington)
35 Os tradutores
Nesta subseccedilatildeo apresentados os trecircs tradutores que elaboraram as traduccedilotildees de Of
mice and men Buscando-se compreender as motivaccedilotildees problemas e escolhas dos tradutores
em questatildeo incluiacuteram-se nesta pesquisa dados colhidos em vaacuterias fontes por meio da
pesquisa bibliograacutefica da Internet bem como pelo uso de um questionaacuterio
No caso do questionaacuterio destinado aos tradutores somente um foi encaminhado
visto que natildeo foi possiacutevel estabelecer contato com todos os tradutores pois Eacuterico Veriacutessimo
faleceu em 1975 e Myriam Campello natildeo pocircde ser localizada ou contatada
Portanto somente a tradutora Ana Ban respondeu o questionaacuterio Suas respostas
abordam questotildees como por exemplo as motivaccedilotildees de traduzir uma obra literaacuteria como eacute
feita a seleccedilatildeo dos autores aleacutem das atitudes dessa profissional diante de problemas de
traduccedilatildeo Esse questionaacuterio com suas respostas encontra-se no Anexo IV
351 Eacuterico Veriacutessimo um escritor-tradutor na Era Vargas
Segundo Arnaldo Nogueira Jr (2007) a partir da sua paacutegina da Internet
Releituras
Resumo Biograacutefico e Bibliograacutefico Eacuterico Lopes Veriacutessimo nasceu em Cruz Alta
(RS) no dia 17 de dezembro de 1905 e aos 13 anos jaacute lia autores nacionais tais como Coelho
Neto Aluiacutesio Azevedo Joaquim Manoel de Macedo Afracircnio Peixoto e Afonso Arinos bem
como autores estrangeiros como Walter Scott Tolstoacutei Eccedila de Queiroacutes Eacutemile Zola e
Dostoieacutevski
A partir da informaccedilatildeo de Nogueira Jr (2007) abaixo pode-se supor que um
ponto de partida para a carreira literaacuteria de Veriacutessimo foi a publicaccedilatildeo de contos de sua
autoria em revistas e impressos da regiatildeo incluindo a Revista do Globo de Porto Alegre
113
o mensaacuterio Cruz Alta em Revista publica em 1929 Chico um conto de Natal que por insistecircncia do jornalista Prado Juacutenior Eacuterico havia consentido O colega de boticaacuterio e escritor Manoelito de Ornellas envia ao editor da Revista do Globo em Porto Alegre os contos Ladratildeo de gado e A trageacutedia dum homem gordo onde aprovadas foram publicadas
Seu primeiro reconhecimento de maior escala vem a partir de outro conto
publicado no jornal Correio do Povo Eacuterico remete a De Souza Juacutenior diretor do suplemento
literaacuterio Correio do Povo o conto A lacircmpada maacutegica Esse segundo testemunhas o
publica sem ler o que daacute ao autor notoriedade no meio literaacuterio local (NOGUEIRA JR
2007)
Em 1932 Veriacutessimo eacute promovido a Diretor da Revista do Globo ocasiatildeo em que
eacute convidado por Henrique Bertaso gerente do departamento editorial da Livraria do Globo a
atuar naquela seccedilatildeo indicando livros para traduccedilatildeo e publicaccedilatildeo
Outras obras suas autoria incluem contos como Fantoche (1932) As matildeos de meu
filho (1942) e O ataque (1958) e os romances Clarissa (1933) Caminhos cruzados (1935)
Olhai os liacuterios do campo (1938) O tempo e o vento (em trecircs partes O continente
1949 O
retrato
1951 O arquipeacutelago
1961) Incidente em Antares (1971) etc Veriacutessimo tambeacutem
produziu obras para a literatura infanto-juvenil e autobiografias Seus livros foram traduzidos
para o alematildeo espanhol finlandecircs francecircs holandecircs huacutengaro indoneacutesio inglecircs italiano
japonecircs norueguecircs polonecircs romeno russo sueco e tcheco (NOGUEIRA JR 2007)
Lia Wyler (2003 124) assinala que Veriacutessimo traduziu mais de cinquumlenta obras
desde novelas policiais e aventuras a literatura culta aleacutem de numerosos artigos adaptados do
inglecircs francecircs e espanhol Dentre as muitas traduccedilotildees de sua autoria podem ser citados
Contraponto de Aldous Huxley (1935) Ratos e homens de John Steinbeck Adeus Mr Chips
e Natildeo estamos soacutes de James Hilton Felicidade e O meu primeiro baile de Katherine
Mansfield Faleceu em 1975
Eacuterico Veriacutessimo viveu durante um periacuteodo importante para a histoacuteria do Brasil a
Era Vargas (1930
1945 e 1951
1954) que segundo Wyler (2003 108) com a ascensatildeo
de Getuacutelio Vargas agrave presidecircncia da Repuacuteblica instaurou-se um movimento marcado por
vaacuterias accedilotildees de cunho nacionalista com a industrializaccedilatildeo brasileira a aprovaccedilatildeo de novas
leis trabalhistas educacionais e eleitorais aleacutem de uma nova Constituiccedilatildeo Wyler destaca o
papel delegado agrave educaccedilatildeo
a educaccedilatildeo deveria servir ao duplo propoacutesito de produzir matildeo-de-obra qualificada e difundir o ideaacuterio estadonovista o que incluiacutea necessariamente a alfabetizaccedilatildeo bem como a publicaccedilatildeo local de livros de ensino e literatura revistas e jornais de
114
interesse educativo Incluiacutea ainda a traduccedilatildeo de obras ineacuteditas a reediccedilatildeo de obras esgotadas e a criaccedilatildeo de bibliotecas puacuteblicas permanentes e circulantes
o conjunto
todo implicando um decidido estiacutemulo oficial agrave produccedilatildeo de papel e livros (WYLER 2003 108-109)
Segundo Wyler (2003) Vargas criou o Instituto Nacional do Livro em 1937 e
pouco depois com a decretaccedilatildeo do Estado Novo o Serviccedilo de Divulgaccedilatildeo da Chefatura de
Poliacutecia os quais serviam a propoacutesitos muito bem definidos inclusive com censura e puniccedilotildees
ao que fosse contraacuterio ao desejo de um presidente com perfil de ditador Assim surgiu
tambeacutem em 1939 logo apoacutes o iniacutecio da Segunda Guerra Mundial e as suas decorrentes
restriccedilotildees de importaccedilotildees da Europa outro oacutergatildeo repressor e de censura o Departamento de
Imprensa e Propaganda DIP (WYLER 2003 111)
Nesse contexto vaacuterias editoras surgiram ou se expandiram valendo-se de praacuteticas
voltadas para atrair o consumidor Uma delas era contratar escritores brasileiros famosos para
traduzirem as obras principalmente as de ficccedilatildeo Deste modo escritores-tradutores como
Rachel de Queiroacutes Joseacute Lins do Rego Alceu Amoroso Lima Guilherme de Almeida eram
disputados pelas editoras ou atuavam eles mesmos como editores cuidando da seleccedilatildeo
traduccedilatildeo revisatildeo e divulgaccedilatildeo dos seus produtos Tal era o caso por exemplo de Monteiro
Lobato e Eacuterico Veriacutessimo (WYLER 2003)
Wyler (2003 124-130) faz uma pequena historiografia marcando o perfil e as
realizaccedilotildees de Eacuterico Veriacutessimo como tradutor colaborador e por uacuteltimo editor da Livraria do
Globo Esta que iniciou suas atividades em 1883 lanccedilou-se no seacuteculo XX com novas
estrateacutegias comerciais sobretudo na deacutecada de 1930 quando entre outros fatos houve a
criaccedilatildeo da Revista do Globo onde Veriacutessimo tambeacutem atuava
() Veriacutessimo foi a equipe editorial dirigia redigia ilustrava paginava e ocasionalmente fazia as vezes de escritor inglecircs americano ou poeta aacuterabe chinecircs persa japonecircs personagens que ia inventando para preencher os claros da diagramaccedilatildeo Havia tambeacutem uns tais Gilbert Sorrow e Dennis Kent e outro mais permanentemente Gilberto Miranda que fazia criacuteticas literaacuterias traduccedilotildees moda feminina e masculina poliacutetica internacional psicologia histoacuteria natural trabalhos manuais o que fosse preciso (WYLER 2003 125-126)
Elizabeth W Rochadel Torresini destaca que Eacuterico Veriacutessimo foi conselheiro
editorial da Seccedilatildeo Editora da Livraria do Globo a partir de 1935
Eacuterico colabora para o ecircxito das coleccedilotildees e dos novos empreendimentos ao lado de Henrique Bertaso Participa do planejamento de programas editoriais contribui para a seleccedilatildeo de novas obras fiscaliza as traduccedilotildees estuda o formato as capas e a
115
composiccedilatildeo dos livros e os seus lanccedilamentos Os dois editores empenham-se na publicaccedilatildeo de claacutessicos da literatura ocidental (TORRESINI 2004 11)
O proacuteprio Veriacutessimo salienta que fazia seleccedilatildeo de obras para serem traduzidas
() fui eu quem escolheu os autores Thomas Mann Andreacute Gide Charles Morgan G K Chesterton Willa Cather Norma Douglas Aldous Huxley Romain Rolland Roger Martin du Gard Sinclair Lewis William Faulkner Pearl Buck Graham Greene James Joyce Katherine Mansfield (VERIacuteSSIMO 2000 299-300 apud BARCELLOS 2002 6)
Segundo Wyler (2003 124) Veriacutessimo traduzia para complementar o orccedilamento
domeacutestico agraves vezes dando a elas algo mais Em A morte mora em Chicago [de Edgar
Wallace] ele confessa que resolveu colaborar com o autor modificando-lhe o estilo e
produzindo uma traduccedilatildeo melhor que o original (WYLER 2003 126) Outra amostra dessa
praacutetica se verifica quando ele passou a trabalhar em colaboraccedilatildeo mais proacutexima de Henrique
Bertaso como conselheiro literaacuterio do departamento editorial Ali teve de pocircr meias-solas
em traduccedilotildees alheias malfeitas e passar para o nosso idioma livros estrangeiros que detestou
Se natildeo tinha tradutori de verdade caccedilava com traditori (VERIacuteSSIMO apud WYLER
2003 127) Essa interferecircncia de Veriacutessimo nas traduccedilotildees eacute confirmada por Mariacutelia de Arauacutejo
Barcellos (2002 6) quando ela afirma que os textos estrangeiros nem sempre estavam de
acordo com o seu gosto pessoal
Ao se examinar o contexto da eacutepoca de Getuacutelio Vargas e sua poliacutetica para a
educaccedilatildeo e para a cultura brasileira em conjunto com os propoacutesitos da Livraria do Globo
conforme explicitado anteriormente algumas tendecircncias podem ser notadas em relaccedilatildeo agrave
escolha da obra Of mice and men para ser traduzida para o mercado brasileiro na eacutepoca de
Veriacutessimo
A ascensatildeo de Getuacutelio Vargas agrave presidecircncia da Repuacuteblica com um consequumlente
movimento marcadamente nacionalista veio influenciar os modos de produccedilatildeo bibliograacutefica
Nesse intuito se houve o estiacutemulo agrave traduccedilatildeo de obras ineacuteditas certamente havia diretrizes a
serem tomadas aleacutem de restriccedilotildees e repressatildeo de modo que nada viesse na contramatildeo da
ideologia getulista Todavia esse contexto se aplica mais a como deveriam ser as traduccedilotildees
Um indiacutecio sobre as motivaccedilotildees da escolha de Of mice and men encontra-se na
contracapa da ediccedilatildeo de Ratos e homens de 1940 fiel ao seu programa de possibilitar ao
puacuteblico brasileiro a leitura das maiores obras da literatura mundial contemporacircnea a
LIVRARIA DO GLOBO apresenta JOHN STEINBECK () A inclusatildeo de Of mice and
116
men entre as grandes obras da literatura mundial daquele momento certamente natildeo se trata
somente de uma opiniatildeo da Livraria do Globo mas sobretudo a opiniatildeo da criacutetica literaacuteria
das editoras que publicaram e republicaram esta obra em inglecircs e ao mercado consumidor
mundial que lia Steinbeck traduzido para diversas liacutenguas
De modo geral a criacutetica literaacuteria seja com tom positivo ou negativo acaba sendo
um agente divulgador contribuindo agrave sua maneira na repercussatildeo de uma obra As editoras e
o puacuteblico por sua vez produzem suas opiniotildees ao mesmo tempo em que a criacutetica
especializada ou agem posteriormente em funccedilatildeo dessas ideacuteias emitidas pelos criacuteticos
Analisando o papel de Steinbeck no sistema literaacuterio mundial e sua repercussatildeo e sucesso
como escritor fica mais faacutecil portanto entender por que sua obra Of mice and men foi
escolhida para divulgaccedilatildeo numa traduccedilatildeo brasileira da editora da Livraria do Globo (ou
Editora do Globo)
352 Myriam Campello100
Myriam Campello Macedo Fragoso nasceu no Rio de Janeiro (RJ) em 1940
Romancista contista diplomada em jornalismo e tradutora Como escritora destacou-se com
seus romances Cerimocircnia da Noite (1972
Precircmio Fernando Chinaglia para romance
ineacutedito) Sortilegiu (1981) Satildeo Sebastiatildeo blues (1993) e sua coletacircnea de contos Sons e
Outros Frutos (1998) Recebeu o Precircmio Uniatildeo Latina
Concurso Guimaratildees Rosa para
conto ineacutedito em 1997 Participou de diversas antologias brasileiras entre elas Os cem
melhores contos brasileiros do seacuteculo (2000) Tem contos publicados na Polocircnia Alemanha
Holanda Franccedila e Estados Unidos Seu uacuteltimo livro Como esquecer anotaccedilotildees quase
inglesas (2003) foi adaptado para o cinema brasileiro (ineacutedito)
Como tradutora sua lista de trabalhos publicados eacute extensa e variada constando
desde artigos de revistas biografias (por exemplo Faltou dizer a vida de Ingrid Bergman de
Laurence Learner) ateacute livros literaacuterios e natildeo literaacuterios (por exemplo da aacuterea da sauacutede O
democircnio do meio-dia uma anatomia da depressatildeo de Andrew Solomon educativos O
Renascimento de Paul Johnson e O tempo na literatura de Meyerhoff) Dentre algumas
100 Fontes de pesquisa utilizadas para esta biografia Biblioteca digital
NUPILL Disponiacutevel em lthttpwwwliteraturabrasileiraufscbrConsultaAutor_navphpautor=1038gt Acesso em 18 de fevereiro de 2009 paacutegina da Internet da Editora Escrituras Disponiacutevel em lthttpwwwescriturascombrlivrophpisbn=85753109849788575310984gt Acesso em 22 de fevereiro de 2009
117
traduccedilotildees literaacuterias de sua autoria a tiacutetulo de exemplo destacam-se do francecircs Os irmatildeos
corsos
de Alexandre Dumas (adaptaccedilatildeo infanto-juvenil) e O Capitatildeo Fracasso
de
Theophile Gautier (infanto-juvenil) do inglecircs Tudo eacute eventual
de Stephen King (Editora
Objetiva) e Cenas londrinas de Virginia Woolf (Editora Joseacute Olympio)
353 Ana Ban101
Jornalista e tradutora com especializaccedilatildeo em traduccedilatildeo (Curso de Formaccedilatildeo de
Tradutores e Inteacuterpretes
inglecircs) pela Associaccedilatildeo Alumni Satildeo Paulo
SP (2004) Aleacutem de
exercer a traduccedilatildeo escrita eacute inteacuterprete consecutiva e inteacuterprete simultacircnea
(InglecircsPortuguecircsInglecircs) Consta em seu blog na Internet que ela traduziu 71 livros
literaacuterios desde 2001 dentre os quais aleacutem de Ratos e homens (2005) e O Inverno da nossa
desesperanccedila (2006) de John Steinbeck destacam-se Flush a vida de um catildeo de Virginia
Woolf As crocircnicas marcianas de Ray Bradbury O evangelho de Judas (ediccedilatildeo de Kasser
Meyer e Wurst
National Geographic) Deuses americanos de Neil Gaiman e O diaacuterio da
princesa (volumes 5 ao 10) de Meg Cabot
Ana Ban respondeu o questionaacuterio que lhe foi enviado102 relativo agrave pesquisa desta
dissertaccedilatildeo em que dentre outras questotildees afirma que a editora LampPM geralmente escolhe
as obras que vai publicar e assim simplesmente indica as obras estrangeiras aos seus
tradutores Ban traduziu Of mice and men (2005) e afirma que teve total autonomia durante
esse processo apenas discutindo com a editora e seus revisores questotildees de estilo e uso da
linguagem natildeo havendo durante a revisatildeo nenhuma mudanccedila importante As maiores
dificuldades de traduccedilatildeo indicadas por Ban referem-se agrave linguagem usada pelos personagens
a maior dificuldade foi mesmo a transposiccedilatildeo da maneira como os personagens falavam
eu natildeo sei se chega a ser um dialeto porque na verdade eram mais erros gramaticais e pronuacutencia errada natildeo havia tantas palavras especiacuteficas que fossem desconhecidas ou usadas com sentido fora do mais comum (BAN 2008)
Passada a primeira etapa
a familiarizaccedilatildeo com o dialeto utilizado
o proacuteximo
passo seria entatildeo decidir como traduzir essa representaccedilatildeo da oralidade
101 Os dados biograacuteficos dessa tradutora foram retirados de seu blog na Internet disponiacutevel em lthttpwwwanabanblogspotcomgt Acesso em 30 de junho de 2007
102 Respostas obtidas em 9 de julho de 2008 via e-mail vide anexo IV
118
em um primeiro momento eu resolvi que iria seguir a norma culta em todo o livro mas depois achei que assim a ideacuteia do autor natildeo seria transmitida de maneira adequada (isso tudo foi discutido com a editora) Entatildeo eu peguei um sotaque caipira que eu conheccedilo mais ou menos do interior de SPMG (apesar de a LampPM ser em Porto Alegre e eu atualmente morar aqui sou de Satildeo Paulo e passei a maior parte da minha vida laacute) e segui esta linha (BAN 2008)
Durante esse processo a tradutora encontrou desafios
a minha maior dificuldade foi decifrar algumas palavras grafadas da maneira como os personagens falavam precisei dizer em voz alta vaacuterias delas para descobrir o que eram Agora natildeo sei citar nenhuma pois jaacute faz algum tempo que realizei este trabalho e natildeo tenho mais o original (BAN 2008)
A tradutora indica que sua maior dificuldade estaacute no tratamento a ser dado para
traduzir a oralidade dos personagens Sua opccedilatildeo por um dialeto brasileiro do interior de Satildeo
Paulo e Minas Gerais reflete o que em teoria da traduccedilatildeo Venuti (1998 240) chama de
domesticaccedilatildeo Ban alega saber da existecircncia de outras traduccedilotildees em portuguecircs de Of mice and
men mas natildeo as procurou para consulta de modo a natildeo ser influenciada por elas
eu sei da existecircncia dessas traduccedilotildees mas natildeo as consultei para fazer o meu trabalho Ateacute me foi fornecida uma traduccedilatildeo da deacutecada de 1970 (natildeo lembro qual) para alguma consulta mas eu fiz questatildeo de natildeo usar Eu natildeo queria ser influenciada por soluccedilotildees encontradas pelos outros tradutores e acabar copiando deles mesmo sem querer (BAN 2008)
A tradutora afirma ainda que houve a necessidade de uma nova traduccedilatildeo visto
que as outras traduccedilotildees eram antigas e houve muitas mudanccedilas linguumliacutesticas no portuguecircs com
o passar dos anos a proposta de retraduzir o livro era para atualizar a traduccedilatildeo que mudou
muito com o passar dos anos
(BAN 2008) Sobre a linguagem no que diz respeito ao
purismo linguumliacutestico nas traduccedilotildees ela crecirc que isso hoje jaacute natildeo eacute mais uma tradiccedilatildeo tatildeo forte
Na minha visatildeo o mais importante eacute manter o tom escolhido pelo autor (BAN 2008)
No que diz respeito a reflexotildees possiacuteveis acerca do processo tradutoacuterio Ban alega
natildeo ter feito uso consciente e aplicado das teorias de traduccedilatildeo
eu natildeo tenho nenhuma formaccedilatildeo teoacuterica em traduccedilatildeo Sou jornalista trabalhei dez anos no mercado editorial e minha formaccedilatildeo em traduccedilatildeo se deu por meio do curso de Formaccedilatildeo de Tradutores e Inteacuterpretes da Fundaccedilatildeo Alumni em Satildeo Paulo Este eacute um dos cursos de maior renome na aacuterea no paiacutes poreacutem eacute muito praacutetico e direto natildeo aborda teorias Conheccedilo um pouco do assunto por meio da leitura de Paulo Roacutenai mas natildeo eacute algo que eu aplique conscientemente (BAN 2008)
Quanto agrave tomada de decisotildees na traduccedilatildeo Ban apresenta uma visatildeo geral sobre
suas atitudes em relaccedilatildeo ao seu trabalho
119
para tratar deste problema eu uso algumas teacutecnicas (e estou aqui falando de maneira geral pois nem todos estes recursos foram usados nesta traduccedilatildeo especiacutefica [Of mice and men]) - Respeito a eacutepoca em que o texto foi escrito tomando o cuidado para natildeo usar expressotildees ou denominaccedilotildees que natildeo existiam no periacuteodo (BAN 2008)
Com relaccedilatildeo ao uso da linguagem ela destaca que
Se existe um personagem falando em dialeto ou giacuteria eu procuro um grupo correspondente existente aqui e uso a maneira de falar desse grupo (BAN 2008)
Ban demonstra cuidados com o provaacutevel receptor se ele vai entender o texto
traduzido Essa postura pode ser verificada nos seguintes trechos
- Quando haacute alguma passagem que possa dificultar a compreensatildeo pergunto O puacuteblico-leitor original entenderia Se a resposta for sim eu procuro inserir alguma dica no texto Por exemplo ela ficava assistindo ao Lifetime AQUELE CANAL QUE SEMPRE PASSA FILMES PARA MULHERES Se a resposta for natildeo entatildeo eu deixo sem explicaccedilatildeo mesmo porque acredito que a intenccedilatildeo do autor era essa - Eu natildeo costumo substituir produtos ou citaccedilotildees por similares nacionais a natildeo ser quando exista de fato um similar nacional
por exemplo a revista Cosmopolitan no Brasil eacute a Nova (eacute franquia da norte-americana mas recebeu tiacutetulo brasileiro) entatildeo eu faccedilo a substituiccedilatildeo Se natildeo fica A REVISTA DE CELEBRIDADES Us Weekly - Acredito tambeacutem que hoje as pessoas tecircm muito mais facilidade de compreender citaccedilotildees referentes a culturas estrangeiras entatildeo algumas coisas ficam ateacute estranho querer traduzir porque jaacute satildeo conhecidas amplamente por sua denominaccedilatildeo original (BAN 2008)
Outra preocupaccedilatildeo da tradutora eacute tentar exprimir os possiacuteveis objetivos do autor
Acho que o mais importante nessa questatildeo eacute ter em vista a intenccedilatildeo do autor Se ele coloca uma menina que escreve como fala natildeo eacute possiacutevel querer traduzir com um texto gramaticalmente impecaacutevel porque natildeo vai transmitir a intenccedilatildeo original e vai distanciar a obra do puacuteblico-alvo (BAN 2008)
36 As editoras
Nesta subseccedilatildeo seratildeo apresentadas as trecircs editoras que publicaram as traduccedilotildees
Visando complementar os dados obtidos por meio de pesquisa bibliograacutefica e da Internet
bem como verificar a relaccedilatildeo tradutor versus editoras durante o processo de seleccedilatildeo e
120
traduccedilatildeo de obras literaacuterias procurou-se estabelecer contato tambeacutem com os editores por
meio de um questionaacuterio sobre as traduccedilotildees de Of mice and men tratadas nesta dissertaccedilatildeo
Visto que os atuais membros da diretoria da Livraria do Globo103 (agrave qual a Editora
do Globo pertence) Claacuteudio Bertaso (diretor-presidente) Henrique Ferreira Bertaso (diretor
vice-presidente) e Elisa Morganti Bertaso (diretora-superintendente) natildeo responderam agraves
tentativas de contato e a Editora Ciacuterculo do Livro ter encerrado suas atividades em 1998
(MILTON 2002 21) somente foi possiacutevel enviar o questionaacuterio a Ivan Pinheiro Machado da
Editora LampPM
Esses dados constantes no Anexo V desta dissertaccedilatildeo foram analisados e
tambeacutem comparados e cotejados com as respostas obtidas da tradutora Ana Ban
361 A Editora da Livraria do Globo
Segundo Mariacutelia de Arauacutejo Barcellos (2002 4) a histoacuteria da Livraria do Globo
comeccedila no fim do seacuteculo XIX no ano de 1883 quando essa empresa foi fundada em Porto
Alegre Seus soacutecios eram Laudelino Pinheiro Barcellos e Saturnino Alves Pinto da empresa
L P Barcellos amp Cia Poucos anos depois Laudelino convida para trabalhar na sua livraria
Joseacute Bertaso ainda menino
Com a Primeira Grande Guerra o jovem Joseacute Bertaso previu a escassez de papel e
sugeriu ao dono da livraria que fosse feita a importaccedilatildeo dessa mateacuteria-prima Mais tarde em
dezembro de 1917 Bertaso passou de 15 de participaccedilatildeo na empresa agrave funccedilatildeo de soacutecio-
diretor A razatildeo social da livraria agora era Barcellos Bertaso amp Cia
Com o uso de tecnologia importada iniciou-se a ediccedilatildeo do Almanaque Globo e
em seguida a publicaccedilatildeo de autores rio-grandenses O Almanaque foi editado por Joatildeo Pinto
da Silva e contrataram Mansueto Bernardi para aleacutem de atuar no escritoacuterio ajudaacute-lo na
empreitada Mansueto Bernardi permanece como editor da Globo ateacute 1930 quando contrata
Eacuterico Veriacutessimo para a Revista do Globo (BARCELLOS 2002 4)
Segundo Torresini (2004 1-2) a Livraria do Globo inicialmente vendia papeacuteis de
material de tipografia e cadernos para escrita de empresas entretanto ao adentrar no seacuteculo
XX comeccedilou a publicar obras de autores regionais traduccedilotildees da literatura universal e
103 Estes diretores fazem parte da famiacutelia de Henrique Bertaso falecido em 1977 editor responsaacutevel direto na eacutepoca em que a Editora do Globo lanccedilou a traduccedilatildeo de Of mice and men em 1940 realizada por Eacuterico Veriacutessimo
121
manuais didaacuteticos mas foi a partir de 1930 que a sua produccedilatildeo de livros se intensificou aleacutem
de fundar a Revista do Globo (1929 1963) Nessa mesma deacutecada a literatura anglo-saxocircnica
comeccedilava a ganhar importacircncia na editora
A Livraria do Globo sob as lideranccedilas de Henrique Bertaso e Eacuterico Veriacutessimo
modernizou-se empreendendo novos projetos Essas inovaccedilotildees eram motivadas por alguns
fatores conforme testemunha Joseacute Otaacutevio Bertaso apud Torresini (2004 3)
no Brasil muito pouco se traduzia no campo da literatura fora da liacutengua francesa A opccedilatildeo era introduzir autores contemporacircneos de liacutengua inglesa e ateacute alematildees e italianos
sem abandonar o gosto nacional pela cultura francesa () A fim de conquistar o grande puacuteblico a saiacuteda eram os romances policiais e de aventuras Para as mulheres ainda concentradas na vida do lar poderiam ser lanccedilados romances de amor a chamada literatura roacutesea A crescente escolarizaccedilatildeo justificava a abertura de uma bem cuidada linha de livros didaacuteticos abrangendo o que hoje designariacuteamos de 1ordm 2ordm e 3ordm graus bem como obras de divulgaccedilatildeo cientiacutefica e histoacuterica
Laurence Hallewell (1985 317) afirma que inicialmente os propoacutesitos da
Livraria do Globo eram meramente de cunho comercial Desta forma Henrique Bertaso viu
no Publisher s Weekly dos Estados Unidos uma fonte adequada para procurar best-sellers
Assim a Livraria do Globo espelhou-se na
mania anglo-americana de histoacuterias policiais que sua Coleccedilatildeo Amarela trouxe em grande parte para o Brasil oferecendo traduccedilotildees em portuguecircs de EC Bentley Raymond Chandler Aghata Christie Sidney Horler E Phillips Oppenheimer Ellery Queen Sax Rohmer Rex Stout SS Van Dine e mais que qualquer outro Edgar Wallace () (HALLEWELL 1985 317)
Torresini cita Eacuterico Veriacutessimo para destacar o sucesso que a Globo conseguiu
graccedilas a suas estrateacutegias comerciais
ao cabo de alguns anos a nossa editora era conhecida em todo o paiacutes Henrique [Bertaso] organizava uma boa rede de distribuiccedilatildeo Os livros com a chancela da Globo eram vistos em quase todos os recantos do Brasil Foi graccedilas a eles que autores europeus de liacutenguas anglo-saxocircnicas e germacircnicas foram postos ao alcance do leitor meacutedio brasileiro Ateacute entatildeo o Brasil em mateacuteria de traduccedilotildees estivera quase exclusivamente voltado para autores franceses
(VERIacuteSSIMO apud TORRESINI 2004 4-5)
Uma das estrateacutegias desenvolvidas foi segmentar as coleccedilotildees visando puacuteblicos
diferenciados a Coleccedilatildeo Amarela a Coleccedilatildeo Universo a Coleccedilatildeo Globo Inqueacuteritos sobre a
Ruacutessia (que reunia opiniotildees polecircmicas sobre a Uniatildeo Sovieacutetica) Espionagem (de 1931 a
122
1933) a Coleccedilatildeo Verde (romances para senhoras e senhoritas) e a Coleccedilatildeo Nobel104 A
Coleccedilatildeo Amarela iniciada em 1931 reunia novelas policiais de crime misteacuterio e aventuras
bastante populares de leitura acessiacutevel lanccediladas em ediccedilotildees baratas e de larga tiragem
Atraem leitores variados e formam a argamassa popularesca da editora como disse uma vez
Eacuterico Veriacutessimo (TORRESINI 2004 5-8) A Coleccedilatildeo Universo em 1934 jaacute era conhecida
por seus livros de viagens aventuras de leitura amena e instrutiva (TORRESINI 2004 9)
A Coleccedilatildeo Globo criada em 1932 era formada de volumes de bolso mas de capa cartonada
e uma sobrecapa com um desenho em muitas cores Essa nova seacuterie equivaleria a uma espeacutecie
de coquetel literaacuterio em que se misturavam livros de aventuras de caraacuteter popular e boa
literatura (VERIacuteSSIMO apud TORRESINI 2004 9-10) A Coleccedilatildeo Nobel agrave qual pertence a
traduccedilatildeo de 1940 de Of mice and men realizada por Eacuterico Veriacutessimo segundo Torresini
(2004 8 12) foi lanccedilada em 1938
Henrique Bertaso criou o Departamento de Divulgaccedilatildeo Literaacuteria (DIL) que entre
outras coisas funcionava como uma agecircncia de notiacutecias com a intenccedilatildeo de baratear os custos
de divulgaccedilatildeo de seus produtos Bertaso apud Torresini (2004 6-7) afirma que em vez de
cobrar pelos seus serviccedilos o DIL fazia circular no espaccedilo publicitaacuterio artigos crocircnicas
contos traduzidos de jornais estrangeiros e de livros cujos direitos autorais tinham sido
adquiridos pela casa A abrangecircncia desse canal era enorme pois reunia mais de trezentos
jornais e revistas em todo o Brasil Um procedimento como parte dessa estrateacutegia era o
seguinte
num boletim que era enviado quinzenalmente para os assinantes havia tambeacutem uma coluna proacutepria para preencher pequenos espaccedilos em jornais intitulada Vocecirc sabia que onde se resumiam pequenos toacutepicos de informaccedilotildees histoacutericas geograacuteficas e outras curiosidades
Ainda segundo Bertaso apud Torresini (2004 6-7) em troca o que se exigia dos
oacutergatildeos de imprensa assinantes dos serviccedilos prestados era que fossem publicadas de graccedila
resenhas dos livros receacutem-publicados pela Globo com as capas estampadas em fac-siacutemile
Juntamente com o material do DIL as resenhas e os clichecircs montados ou demonstrados das
capas eram expedidos pelo correio
104 Barcellos (2002 11) entretanto relaciona uma listagem maior de coleccedilotildees da Editora da Livraria do Globo Coleccedilatildeo Amarela Biblioteca dos Seacuteculos Coleccedilatildeo Catavento Coleccedilatildeo Clube do Crime Coleccedilatildeo Espionagem Coleccedilatildeo Documentos de Nossa Eacutepoca Coleccedilatildeo Globo Coleccedilatildeo Nobel A Novela Coleccedilatildeo Tucano Coleccedilatildeo Universo e Coleccedilatildeo Verde
123
A atividade de traduccedilatildeo na Livraria do Globo era intensa Um maior grau de
profissionalismo tornou-se uma necessidade melhorando a qualidade das traduccedilotildees
publicadas conforme atesta Eacuterico Veriacutessimo soacute laacute por princiacutepios da deacutecada de quarenta eacute
que nos foi possiacutevel pocircr em praacutetica o plano de saneamento das nossas traduccedilotildees
Contratamos vaacuterios tradutores com um salaacuterio fixo Nas salas da Editora tivemos excelentes
profissionais () (VERIacuteSSIMO apud TORRESINI 2004 12) Sobre a atividade editorial no
que diz respeito ao cuidado com as traduccedilotildees Veriacutessimo fornece informaccedilotildees importantes no
seguinte trecho
escolhido o livro a verter-se para o portuguecircs procurava-se o tradutor este fazia sem pressa o seu trabalho tendo agrave sua disposiccedilatildeo uma rica biblioteca em que havia vaacuterios dicionaacuterios e enciclopeacutedias () () depois que o tradutor dava por terminado o seu trabalho os respectivos originais eram entregues a um especialista da liacutengua de que o livro fora traduzido para que ele os confrontasse linha por linha com o original procurando verificar a fidelidade da versatildeo () Havia uma terceira etapa a que um especialista examinava o estilo do livro discutindo-o com o tradutor cujo nome ia aparecer sozinho no poacutertico do volume () Os livros estrangeiros publicados durante 4 ou 5 anos em que esse esquema durou satildeo de excelente qualidade no que diz respeito agrave traduccedilatildeo O nosso chefe maior poreacutem ficava apavorado
e com razatildeo
quando examinava o custo da traduccedilatildeo de cada obra () (VERIacuteSSIMO apud TORRESINI 2004 12-13)
Essa equipe de tradutores renomados entretanto foi dissolvida em 1947 um ano
financeiramente ruim para a Globo Nos anos subsequumlentes a produccedilatildeo comeccedilou a cair
concorrendo para mudanccedilas importantes na editora De acordo com Torresini (1998) apud
Torresini (2004 12)
() segundo os proacuteprios editores a atenccedilatildeo fixa-se nos livros teacutecnicos livros-ferramenta para atender agraves novas exigecircncias da especializaccedilatildeo profissional na obra de Eacuterico Veriacutessimo na Enciclopeacutedia Globo e no Linguaphone curso de inglecircs em discos e fitas sonoras Depois de 1948 as obras literaacuterias tatildeo caras a Henrique Bertaso e a Eacuterico Veriacutessimo diminuem no Livro de Registros da Globo Apoacutes o falecimento de Joseacute Bertaso os herdeiros optam pela transformaccedilatildeo da empresa em sociedade anocircnima Livraria do Globo SA da qual a Editora Globo torna-se uma filial Em 1986 as Organizaccedilotildees Globo adquirem o respeitaacutevel acervo de 2830 tiacutetulos
Conforme informaccedilotildees a partir da paacutegina eletrocircnica do Jornal do Comeacutercio105 os
atuais membros da diretoria da Livraria do Globo satildeo Claacuteudio Bertaso (diretor-presidente)
juntamente com Henrique Ferreira Bertaso (diretor vice-presidente) e Elisa Morganti Bertaso
(diretora-superintendente) Joseacute Otaacutevio Bertaso consta como ex-diretor
105 Disponiacutevel em lthttpjcrsuolcombrComercialcadernosempr-cent_11aspxgt Acesso em 31 de maio de 2009
124
362 O Ciacuterculo do Livro
O Ciacuterculo do Livro de Satildeo Paulo publicou a traduccedilatildeo de Of mice and men com o
tiacutetulo Ratos e homens realizada por Myriam Campello (1991) A partir de vaacuterias pesquisas na
Internet principalmente em paacuteginas de busca como o Google natildeo foi possiacutevel achar
respostas precisas sobre a histoacuteria desta editora Consta a partir do perfil de clubes de livros
esboccedilado por Milton (2002) que se tratava de uma instituiccedilatildeo comercial que vendia suas
publicaccedilotildees pela via postal por meio de assinatura Na paacutegina 4 da ediccedilatildeo de Ratos e homens
em questatildeo consta que a venda [era] permitida apenas aos soacutecios do Ciacuterculo o que
confirma tratar-se de um clube de livros John Milton (2002 21) ao tecer um histoacuterico sobre
os clubes de livros menciona o Ciacuterculo do Livro como um desses clubes importantes que
marcaram presenccedila no mercado editorial brasileiro tendo sua existecircncia vigorado de 1973 a
1998 O Ciacuterculo do livro rivalizava com o Clube do Livro constituindo-se como uma
associaccedilatildeo bem mais moderna da Editora Abril com a Bertelsmann (MILTON 2002 30)
Na falta de informaccedilotildees mais detalhadas sobre o Ciacuterculo do Livro eacute oportuno
descrever o perfil dos clubes de livros com suas caracteriacutesticas gerais de modo a perceber
como possiacuteveis caracteriacutesticas tambeacutem do Ciacuterculo do Livro dependem de um grande nuacutemero
de soacutecios de modo a viabilizar seu negoacutecio e para isso valem-se de estrateacutegias comerciais
como o preccedilo reduzido e a remessa postal dos livros envio de cataacutelogos aos associados com
sugestotildees de leitura e com isso o leitor natildeo precisa ir agraves livrarias muitas vezes consideradas
como um ambiente burguecircs (MILTON 2002 19-20) Distinguem-se duas categorias de
clubes de livros a do lanccedilamento simultacircneo por meio da qual uma ediccedilatildeo do proacuteprio
clube seraacute lanccedilada pouco tempo depois de sua publicaccedilatildeo original Ela teraacute a mesma aparecircncia
do original mas com a estampa da marca do clube A segunda categoria a de reimpressatildeo
ofereceraacute tiacutetulos que jaacute foram publicados haacute algum tempo (CURWEN 1986 129-135 apud
MILTON 2002 21- 22)
Diante do exposto pode-se deduzir que a traduccedilatildeo de Myriam Campello de Of
mice and men publicada pelo Ciacuterculo do Livro em 1991 seguiu alguns propoacutesitos (como por
exemplo o comercial) de modo a garantir o seu sucesso nas vendas preccedilo acessiacutevel remessa
postal etc Entre as categorias de clubes de livro expostas acima essa publicaccedilatildeo encaixa-se
no perfil da reimpressatildeo visto que se trata de um tiacutetulo jaacute traduzido por outra pessoa (Eacuterico
Veriacutessimo) e publicado por outras editoras (Livraria do Globo 1940 e Editorial Bruguera
1968 por exemplo) Essa traduccedilatildeo por ter sido publicada bem depois do ano da primeira
125
publicaccedilatildeo do texto de partida (1937) natildeo atende aos quesitos baacutesicos da categoria
lanccedilamento simultacircneo
363 A Editora LampPM
Liacutevio Lima de Oliveira (2007 11) considera a LampPM Pocket como a maior
coleccedilatildeo de livros de bolso do paiacutes por causa da periodicidade do seu cataacutelogo e das
estrateacutegias de distribuiccedilatildeo e comercializaccedilatildeo ligadas exclusivamente agrave coleccedilatildeo Ele acrescenta
que a LampPM tambeacutem edita livros em formatos convencionais mas cita Ivan Pinheiro
Machado um dos seus soacutecios o qual afirma que o maior lucro vem da coleccedilatildeo de bolso
Oliveira ainda menciona algumas estrateacutegias editoriais e comerciais dessa editora
Pinheiro Machado retomou estrateacutegias do seacuteculo XIX exclusivas para esse tipo de livro para fazer com que sua coleccedilatildeo chegasse a tal posiccedilatildeo no mercado editorial brasileiro Os livros satildeo vendidos natildeo soacute em livrarias mas tambeacutem em bancas de jornal farmaacutecias e supermercados Os livros assim satildeo facilmente encontrados nas cidades meacutedias e grandes e em vaacuterios pontos Haacute tambeacutem uma estrateacutegia especiacutefica em rodoviaacuterias e aeroportos cujos pontos-de-venda satildeo abastecidos sempre Aleacutem disso a coleccedilatildeo tem destaque nesses pontos jaacute que os livros ficam em totens especiacuteficos onde cabem vaacuterios tiacutetulos e satildeo de faciacutelima identificaccedilatildeo e localizaccedilatildeo (OLIVEIRA 2007 11)
De acordo com dados informados pela proacutepria LampPM Editores em sua paacutegina na
Internet106 sua fundaccedilatildeo aconteceu em 24 de agosto de 1974 por Paulo de Almeida Lima e
Ivan Pinheiro Machado Localiza-se em Porto Alegre Rio Grande do Sul Nesta eacutepoca
durante a ditadura militar notabilizou-se por publicar alguns claacutessicos de ideologia contraacuteria
ao autoritarismo e agrave repressatildeo como o personagem Rango de seu primeiro lanccedilamento que
se tornou siacutembolo da resistecircncia agrave ditadura militar criado por Edgar Vasques cartunista e
desenhista A publicaccedilatildeo de textos dos senadores Paulo Brossard e Pedro Simon e tambeacutem do
deputado Teotocircnio Vilela acompanhavam aquela tendecircncia Posteriormente essa empresa
alcanccedilou projeccedilatildeo nacional graccedilas agrave publicaccedilatildeo de obras de autores como Millocircr Fernandes
Josueacute Guimaratildees Luis Fernando Veriacutessimo e Woody Allen
Na deacutecada de 1990 diante de um cenaacuterio difiacutecil por causa da recessatildeo econocircmica
e da concorrecircncia com multinacionais a LampPM passou por grandes dificuldades ateacute que em
106 Disponiacutevel em lthttpwwwlpm-editorescombrv3sitedefaultaspTroncoID=805133ampSecaoID=845253ampSubsecaoID=384748gt Acesso em 24 de dezembro de 2008
126
1997 a editora iniciou o projeto da coleccedilatildeo LampPM Pocket de livros de bolso que salvou a
empresa da falecircncia correspondendo ateacute hoje ao seu projeto mais importante Sobre esta
coleccedilatildeo a proacutepria LampPM registra seus quatro pilares textos integrais alta qualidade
editorial e industrial preccedilos baixos e distribuiccedilatildeo total atingindo todo o Brasil Esta editora
publicou dois romances de John Steinbeck em portuguecircs Ratos e homens (Of mice and men)
de 2005 e O inverno da nossa desesperanccedila (The winter of our discontent) de 2006
traduzidos por Ana Ban
Ivan Pinheiro Machado (2009) editor da coleccedilatildeo LampPM POCKET107 afirma que
dentre os criteacuterios para seleccedilatildeo de obras para serem traduzidas e publicadas em conformidade
com o projeto editorial da LampPM estaacute o criteacuterio da ediccedilatildeo de grandes autores modernos
claacutessicos e contemporacircneos Obviamente trata-se de um criteacuterio de seleccedilatildeo reconhecido no
sistema literaacuterio de partida (EVEN-ZOHAR 1990 47-59) Sobre o grau de influecircncia da
Editora no processo de revisatildeo ediccedilatildeo e publicaccedilatildeo Machado (2009) destaca que
primeiro a LampPM contrata aqueles que ela acredita serem tradutores de primeiriacutessima linha As traduccedilotildees ao chegarem na editora passam por uma revisatildeo criacutetica Muito poucas satildeo as traduccedilotildees devolvidas por insuficiecircncia teacutecnica mas sempre haacute duacutevidas e melhorias que satildeo realizadas aqui na LampPM
Machado (2009) tambeacutem expotildee um dos criteacuterios para a seleccedilatildeo de autores
Um autor expressivo um precircmio Nobel eacute uma razatildeo suficiente para ser cobiccedilado por um editor Ratos e homens eacute uma novela curta uma obra-prima do autor e deu origem a um grande filme Eacute um livro que menos do que um sucesso comercial eacute um livro que qualifica o cataacutelogo do editor
O prestiacutegio de dada obra eacute uma das justificativas para que ela seja selecionada
para ser traduzida e comercializada conforme destaca Even-Zohar (1990 59) Assim o
criteacuterio apontado por Machado estaacute em consonacircncia com Even-Zohar John Steinbeck aparece
ao lado de outros autores importantes como enfatiza Machado (2009)
a editora decidiu colocar em sua coleccedilatildeo de bolso grandes autores modernos e contemporacircneos entre outros tiacutetulos e gecircneros Steinbeck foi selecionado com Faulkner Hemingway Fitzgerald Henry Miller e outros autores mais recentes como Voneguth Tom Wolfe Truman Capote Norman Mailer Salinger e muitos outros
107 De acordo com respostas ao questionaacuterio enviado agrave LampPM obtidas via e-mail de 3 de fevereiro de 2009
127
Eacute importante lembrar que Ivan Pinheiro Machado (IPM) em entrevista a Claacuteudio
Willer (CW)108 manifestou seu gosto pessoal por John Steinbeck junto a outros nomes de
autores o que evidencia o papel de influecircncia do editor na seleccedilatildeo dos autoresobras para
traduccedilatildeo e publicaccedilatildeo
CW Editores satildeo leitores Fale de suas leituras suas preferecircncias sua vida cultural
IPM Meu trabalho me impotildee uma leitura que nem sempre seria a minha opccedilatildeo de lazer eou estudo Mas de qq [sic] forma eu embora suspeito sou fatilde da linha editorial da LampPM Gosto de ler quase tudo Tive momentos inesqueciacuteveis lendo dezenas de romances de Balzac (para editar a Comeacutedia Humana) gosto muito de todos os beats dos policiais noir como Hammett Chandler David Goodis Adoro Tolstoi principalmente Guerra e Paz Dostoieacutevski e o maravilhoso Crime e castigo Curto os americanos Hemingway Fitzgerald Faulkner Steinbeck Norman Mailer Paul Auster John Dunning Gosto de quadrinhos de Hugo Pratt Guido Crepax Breccia ()
O papel decisoacuterio sobre a seleccedilatildeo das obras a serem traduzidas a partir da
alegaccedilatildeo da tradutora Ana Ban que traduziu Of mice and men pela LampPM parece ser mais
ativo por parte da editora enquanto que o tradutor tem um papel mais passivo
geralmente a editora passa o livro para o tradutor que aceita ou natildeo o trabalho
foi o que aconteceu neste caso Eacute bastante raro a proposiccedilatildeo [sic] partir do tradutor
apesar de isto acontecer como foi o caso do livro Flush de Virginia Woolf tambeacutem da LampPM tambeacutem traduzido por mim (BAN 2008)
A necessidade de renovar a linguagem das obras em novas traduccedilotildees tornada
obsoleta devido ao tempo eacute comprovada pelo testemunho de Machado (2009) em relaccedilatildeo a
Of mice and men
nossa ideacuteia na coleccedilatildeo LampPM POCKET eacute sempre renovar Isto significa fazer novas traduccedilotildees de acordo com a visatildeo e a digamos terminologia da nossa eacutepoca O fato de existirem outras traduccedilotildees [de Eacuterico Veriacutessimo 1940 e 1968 e de Myriam Campello 1991 por exemplo] natildeo influenciou em nada pois a decisatildeo foi relativa agrave obra de Steinbeck e natildeo em relaccedilatildeo agraves traduccedilotildees de Steinbeck Mesmo porque a traduccedilatildeo de E Veriacutessimo eacute datada e a outra eu natildeo conheccedilo
Com base nessa afirmaccedilatildeo fica evidente que a editora LampPM entende a traduccedilatildeo
como reescritura pois quando Machado (2009) expotildee um dos princiacutepios dessa editora como
a ideacuteia de sempre renovar fica niacutetida a necessidade de atualizaccedilatildeo das traduccedilotildees ou seja
108 WILLER Claacuteudio Ivan Pinheiro Machado A leitura no Brasil e os pockets da LampPM Editores (entrevista de Ivan Pinheiro Machado a Claacuteudio Willer) Agulha
Revista de Cultura n 65
Fortaleza e Satildeo Paulo
setembrooutubro de 2008 Disponiacutevel em lthttpwwwrevistaagulhanombrag65machadohtmgt Acesso em 20 de marccedilo de 2009
128
novos textos construiacutedos de acordo com a subjetividade do tradutor mas sem perder de vista
o autor e a cultura de partida A questatildeo linguumliacutestica aparece nesse depoimento como um
motivo expliacutecito para se fazer uma nova traduccedilatildeo a atualizaccedilatildeo da linguagem Desse modo a
editora deve publicar essas reescrituras conforme algumas expectativas do sistema literaacuterio de
chegada o puacuteblico sua cultura seu tempo etc O foco na recepccedilatildeo ou na cultura de chegada
brasileira fica bem claro quando Machado (2009) declara que
nossa responsabilidade eacute fazer um trabalho intelectualmente correto fiel e pelo menos tentar passar para o nosso idioma a intenccedilatildeo do autor no que se refere ao linguajar dos personagens Se haacute uma deliberada transformaccedilatildeo no linguajar temos que aproximar esta ideacuteia do nosso puacuteblico no nosso idioma para que ele identifique atraveacutes desta deturpaccedilatildeo da liacutengua o niacutevel social (no caso de Ratos e homens) ou quando eacute o caso a etnia do personagem
Ao expor sobre a questatildeo do dialeto do texto de partida ( uma deliberada
transformaccedilatildeo no linguajar ) Machado (2009) reconhece que natildeo haacute como reproduzir essa
linguagem integralmente pois ele indica que temos de aproximar esta ideacuteia do nosso puacuteblico
no nosso idioma
(ecircnfase adicionada) Logo parece certo afirmar que haveraacute
alteraccedilotildeesmanipulaccedilotildees referentes ao texto de partida constituiacutedas no texto de chegada tais
como omissatildeo de trechos acreacutescimos a opccedilatildeo por uma linguagem mais formal ou menos
formal (dependendo do caso norma-padratildeo ou desvios da norma-padratildeo etc) e transcriccedilatildeo de
trechos ou fragmentos do texto de partida (por problemas de intraduzibilidade cultural por
exemplo) etc
129
4 ANAacuteLISE COMPARATIVA DE TREcircS TRADUCcedilOtildeES DE OF MICE AND MEN
ASPECTOS GERAIS
Que coisa eacute o livro Que conteacutem na sua fraacutegil arquitetura aparente
Satildeo palavras apenas ou eacute a nua exposiccedilatildeo de uma alma confidente
De que lenho brotou Que nobre instinto da prensa fez surgir esta obra de arte que vive junto a noacutes sente o que sinto
e vai clareando o mundo em toda parte
Carlos Drummond de Andrade
Neste capiacutetulo seratildeo examinados o texto de partida Of mice and men de John
Steinbeck publicado pela Heineman Educational Books Ltd na Inglaterra sem data e suas
respectivas traduccedilotildees em portuguecircs todas sob o mesmo tiacutetulo Ratos e homens quais sejam
traduccedilatildeo de Eacuterico Veriacutessimo publicada pela Editora do Globo Porto Alegre-RS em 1940109
traduccedilatildeo de Myriam Campello publicada pelo Ciacuterculo do Livro Satildeo Paulo-SP em 1991 e
traduccedilatildeo de Ana Ban publicada pela editora LampPM POCKET Porto Alegre-RS em 2005
O esquema teoacuterico de descriccedilatildeo de traduccedilotildees literaacuterias de Lambert e Van Gorp
(1985) apresentado anteriormente fundamentaraacute a anaacutelise Esse esquema que eacute composto
por quatro estaacutegios (dados preliminares macroestrutura microestrutura e contexto sistecircmico)
possibilita uma anaacutelise gradativa em que cada estaacutegio preacutevio prepara o caminho com os dados
obtidos para seu estaacutegio subsequumlente Cada um desses estaacutegios contemplaraacute principalmente os
textos de chegada (ecircnfase no produto) mas tambeacutem o texto de partida
Os Anexos constantes desta dissertaccedilatildeo ilustram os dados preliminares por meio
da reproduccedilatildeo das capas contracapas e folhas de rosto de cada uma das publicaccedilotildees
examinadas neste estudo referentes ao texto de partida (Anexo 1-A) e aos textos de chegada
(Anexos 1-A 1-B 1-C e 1-D)
Uma vez que natildeo seraacute possiacutevel considerar de forma integral as passagens do texto
de partida que poderiam servir de exemplos pertinentes para observar a postura dos tradutores
no processo tradutoacuterio seraacute feita a escolha de alguns excertos relevantes e ilustrativos do
todo Os criteacuterios para essa seleccedilatildeo consistiratildeo em primeiro lugar de trechos onde forem
detectados problemas ou dificuldades de traduccedilatildeo aos tradutores de liacutengua portuguesa O texto
109 Haacute outras publicaccedilotildees desta traduccedilatildeo em anos posteriores Um dos fatores que motivaram essas republicaccedilotildees foi a sua necessidade de atualizaccedilatildeo em virtude de uma nova reforma ortograacutefica que entrou em vigor em 1942 Assim vez por outra exemplos de uma ediccedilatildeo de 1968 da Editorial Bruguera seratildeo tambeacutem utilizados a fim de comparaccedilatildeo com a ediccedilatildeo de 1940 mencionada
130
de partida e as suas traduccedilotildees seratildeo tratados de modo sequumlencial em que cada um deles seraacute
examinado conforme a seguinte ordem e caracterizaccedilatildeo (1) texto de partida (2) traduccedilatildeo de
Eacuterico Veriacutessimo de 1940 (3) traduccedilatildeo de Myriam Campello de 1991 e (4) traduccedilatildeo de Ana
Ban de 2005 O texto de partida seraacute apresentado em caracteres normais respeitando as
situaccedilotildees especiais em que Steinbeck optou por itaacutelicos quanto aos diaacutelogos esses viratildeo entre
aspas simples Nos textos de chegada os trechos que representam diaacutelogos estaratildeo separados
por travessotildees Quando houver necessidade de anaacutelise de palavras ou expressotildees particulares
estas viratildeo sublinhadas tanto no texto de partida quanto nos textos de chegada
41 Dados preliminares
O texto de partida utilizado nesta anaacutelise Of mice and men de John Steinbeck eacute
uma ediccedilatildeo de bolso de capa dura em inglecircs sem data de publicaccedilatildeo da editora Heineman
seacuterie New Windmills impressa em Oxford Inglaterra O Anexo 1-A mostra os dados da capa
contracapa e folhas de rosto Na capa haacute uma ilustraccedilatildeo em que dois homens viajam a peacute num
cenaacuterio campestre e representam os personagens principais George e Lennie Constam na
capa e na lombada o tiacutetulo da obra e o nome do autor A contracapa apresenta uma sinopse
No interior do livro as seis primeiras paacuteginas estatildeo em branco aleacutem da oitava enquanto que
a seacutetima apresenta outra sinopse precedida de um logotipo contendo o nome da editora
(Heineman) e da seacuterie (New Windmills) a nona paacutegina repete o tiacutetulo seguido do nome do
autor e logo abaixo o logotipo com o nome da editora e a seacuterie A deacutecima paacutegina conteacutem
informaccedilotildees editoriais locais da sede e das filiais da editora em vaacuterios paiacuteses nuacutemero de
registro ISBN duas datas de publicaccedilatildeo (First published by William Heineman Ltd 1937
First published in the New Windmill Series 1965) etc Nestes dados preliminares natildeo haacute
informaccedilotildees sobre o autor introduccedilatildeo prefaacutecio posfaacutecio sumaacuterio ou notas de rodapeacute Nas
trecircs uacuteltimas paacuteginas constam nomes de outras obras publicadas por essa editora A numeraccedilatildeo
das paacuteginas consta apenas no texto principal No romance propriamente dito de I a 113 A
obra conteacutem seis capiacutetulos numerados por extenso em letras maiuacutesculas Trata-se de uma
ediccedilatildeo integral natildeo adaptada
Os textos de chegada de Veriacutessimo (1940) e de Ban (2005) mesmo variando em
suas dimensotildees configuram-se como ediccedilotildees de bolso ou seja tecircm dimensotildees pequenas e
preccedilo acessiacutevel popular Quanto ao texto de Campello (1991) este pertence a outra categoria
131
a dos clubes de livros tambeacutem de cunho popular em linhas gerais conforme caracterizaccedilatildeo
dada por John Milton (2002) Apenas a traduccedilatildeo de Myriam Campello estaacute em capa dura
Tambeacutem a traduccedilatildeo do tiacutetulo para o portuguecircs eacute comum a essas trecircs traduccedilotildees
Ratos e homens Os Anexos 1-A 1-B 1-C e 1-D contecircm fotocoacutepias das capas das
contracapas e de paacuteginas com informaccedilotildees relevantes dessas ediccedilotildees Estas publicaccedilotildees natildeo
possuem sumaacuterio prefaacutecio posfaacutecio introduccedilatildeo notas de fim nem epiacutegrafes A traduccedilatildeo de
Eacuterico Veriacutessimo (1940) apresenta notas de orelha sobre outras publicaccedilotildees da Livraria do
Globo Natildeo Estamos Soacutes de James Hilton e O Priacutencipe Otto de Robert Louis Stevenson
Cada uma das traduccedilotildees de Myriam Campello (1991 101-103) e de Ana Ban (2005 5-9)
trazem biografias de John Steinbeck
Na traduccedilatildeo de Veriacutessimo (1940) a capa apresenta em desenho uma cena da
histoacuteria em que aparecem os personagens Lennie e a mulher de Curley Lennie acaricia os
cabelos da mulher de Curley na cena em que ela morre acidentalmente pelas matildeos daquele
homem Eacute uma imagem que aparentemente justifica o tiacutetulo desse filme em portuguecircs
Cariacutecia Fatal exibido no Brasil em meados de 1940 (tiacutetulo original Of mice and men
dirigido por Lewis Milestone em 1939) Tambeacutem na capa constam de cima para baixo o
nome do escritor o tiacutetulo Ratos e homens o nome da coleccedilatildeo (Nobel) seguido pela expressatildeo
Ediccedilatildeo da Livraria do Globo
e local (Porto Alegre) A contracapa conteacutem informaccedilotildees em
linguagem que chama a atenccedilatildeo do leitor para o autor e para seus livros Ratos e homens e As
vinhas da ira (sinopses dessas duas obras) Constam nesse texto de teor propagandiacutestico uma
ecircnfase em relaccedilatildeo a John Steinbeck O autor mais discutido do mundo como tambeacutem uma
resenha sobre esse autor em que se destacam dizeres em tom de apelo forte como Bem
disse um consagrado criacutetico americano declarando que a pena de Steinbeck eacute infinitamente
mais poderosa do que muitas espadas Esta traduccedilatildeo estaacute dividida em seis capiacutetulos
numerados em caracteres indo-araacutebicos As paacuteginas no total somam duzentas e nove O
tiacutetulo em inglecircs aparece na quarta paacutegina seguido pelos direitos de traduccedilatildeo e outros dados
editoriais
A traduccedilatildeo de Myriam Campello (1991) publicada pelo Ciacuterculo do Livro tem na
capa em tons de verde e rosa principalmente uma ilustraccedilatildeo que representa os personagens
George e Lennie Entre os dois personagens haacute dois ratos intercalados com a marca de uma
matildeo O tiacutetulo em portuguecircs estaacute em posiccedilatildeo superior em letras minuacutesculas e o nome do autor
estaacute na parte inferior da capa Esta ordem entre o tiacutetulo em portuguecircs (ainda em letras
minuacutesculas) e o nome do autor se inverte na lombada A contracapa verde apenas apresenta a
imagem de um rato num quadrado rosa O tiacutetulo em portuguecircs se repete na primeira paacutegina
132
(isolado) e na segunda paacutegina (entre o nome do autor e o nome da editora) a terceira paacutegina
exibe os dados postais da editora os dizeres Ediccedilatildeo integral e Tiacutetulo do original Of mice
and men seguindo-se os direitos autorais o nome da tradutora e do ilustrador da capa
Ainda na terceira paacutegina constam as seguintes informaccedilotildees Licenccedila editorial para o Ciacuterculo
do Livro por cortesia da Distribuidora Record de Serviccedilos de Imprensa SA mediante acordo
com Elaine A Steinbeck venda permitida apenas aos soacutecios do Ciacuterculo composto
impresso e encadernado pelo Ciacuterculo do Livro SA
Esta publicaccedilatildeo conteacutem seis capiacutetulos
em nuacutemeros indo-araacutebicos e cento e trecircs paacuteginas
A traduccedilatildeo de Ana Ban eacute uma publicaccedilatildeo da LampPM Editores de 2005 Pertence agrave
coleccedilatildeo LampPM Pocket (livros de bolso) Sua capa eacute ilustrada com uma fotografia retirada do
filme Of mice and men de 1992 dirigido e estrelado por Gary Sinise (conforme informaccedilotildees
jaacute mencionadas) O tiacutetulo em portuguecircs aparece todo em letras maiuacutesculas seguido pelo nome
do autor tambeacutem em letras maiuacutesculas logo abaixo estaacute a informaccedilatildeo Precircmio Nobel
1962 O nome da editora e da seacuterie aparecem verticalmente na lateral esquerda da capa em
letras maiuacutesculas A lombada repete o tiacutetulo em portuguecircs seguido do nome do autor e da
editora em maiuacutesculas e tambeacutem o nuacutemero 413 que se refere ao nuacutemero de cataacutelogo
(volume) Na contracapa em destaque a expressatildeo Precircmio Nobel 1962 novamente surge
logo acima de informaccedilotildees sobre o livro contendo uma sinopse em linguagem conativa
destacando a grandeza e o talento do autor bem como apelos do tipo um claacutessico sobre o
doloroso periacuteodo da Grande Depressatildeo americana Uma peccedila de ficccedilatildeo para ser lida e relida
Seguem tambeacutem na contracapa o nome da editora destacado e com a frase de efeito A maior
coleccedilatildeo de livros de bolso do Brasil e a expressatildeo texto integral em letras maiuacutesculas num
retacircngulo vermelho haacute outros lanccedilamentos da coleccedilatildeo O tiacutetulo se repete na primeira paacutegina
isolado e na terceira acompanhado no topo pelo nome do autor e logo abaixo com o nome
da tradutora Ana Ban na parte inferior da terceira paacutegina tambeacutem surge o endereccedilo eletrocircnico
da editora e seu nome em logotipo Informaccedilotildees editoriais estatildeo dispostas na quarta paacutegina
(nome da coleccedilatildeo nuacutemero de cataacutelogo tiacutetulo em inglecircs nome da tradutora dos revisores e do
ilustrador ISBN etc) Esta ediccedilatildeo conteacutem seis capiacutetulos natildeo numerados a numeraccedilatildeo das
paacuteginas vai ateacute 145 exatamente onde termina a histoacuteria Seguem-se nas uacuteltimas paacuteginas natildeo
numeradas uma sugestatildeo de leitura e os tiacutetulos que constam no cataacutelogo desta coleccedilatildeo
Pelos dados preliminares apresentados pode-se tecer algumas consideraccedilotildees
sobre as traduccedilotildees em exame Com relaccedilatildeo agrave traduccedilatildeo do tiacutetulo do romance a soluccedilatildeo
unacircnime de Ratos e homens revela uma tendecircncia consolidada desde a traduccedilatildeo mais antiga
de Eacuterico Veriacutessimo (1940) contrariando o apelo comercial que poderia surgir por associaccedilatildeo
133
agrave adaptaccedilatildeo para o cinema de 1939 de Lewis Milestone exibido no Brasil como Cariacutecia
Fatal Entretanto cogita-se que para a traduccedilatildeo mais recente de Ana Ban (2005) a
refilmagem de 1992 Ratos e homens de Gary Sinise talvez possa ter tido influecircncia sobre a
escolha do tiacutetulo nessa traduccedilatildeo
A posiccedilatildeo em que aparecem o tiacutetulo do livro e o nome do autor bem como o
tamanho das letras faz supor sobre o grau de importacircncia relativo a cada um desses itens na
traduccedilatildeo de Veriacutessimo (1940) por exemplo o nome do autor estaacute acima do tiacutetulo enquanto
que na de Campello (1991) e de Ban (2005) essa posiccedilatildeo se inverte Assim mesmo nos casos
em que o nome de Steinbeck em posiccedilatildeo superior ele sempre surge em letras menores em
relaccedilatildeo agraves do tiacutetulo do que se pode concluir que o tiacutetulo por estar grafado em caracteres
maiores ganhou mais destaque e importacircncia ligeiramente maior em todas estas ediccedilotildees Ao
tradutor eacute dada importacircncia menor do que ao tiacutetulo e ao nome do autor pois os nomes dos
tradutores satildeo colocados apenas nas primeiras paacuteginas de cada exemplar Tambeacutem o tamanho
menor das letras que indicam quem traduziu a obra coloca o tradutor em terceiro plano numa
posiccedilatildeo de hierarquia inferior ao tiacutetulo e ao nome do autor fato constatado em todos os
exemplares em questatildeo A ausecircncia dos nomes dos tradutores na capa pode tambeacutem deixar a
impressatildeo equivocada talvez a leitores menos atentos de que natildeo se trata de traduccedilotildees A
menccedilatildeo do tiacutetulo em inglecircs entretanto consta em todas estas publicaccedilotildees nas primeiras
paacuteginas fazendo com que o leitor brasileiro perceba que estes textos satildeo traduccedilotildees e natildeo
produzidos originalmente em portuguecircs
Nenhum dos textos de chegada apresenta prefaacutecio posfaacutecio ou sumaacuterio Haacute uma
nota de rodapeacute da tradutora na traduccedilatildeo de Campello (2005 43) e duas notas de rodapeacute do
editor na traduccedilatildeo de Ban (2005 36 e 38) enquanto que na traduccedilatildeo de Veriacutessimo natildeo haacute
nenhuma
Cada uma das ilustraccedilotildees de capa sugere ao leitor alguma coisa sobre a obra
dependendo eacute claro da subjetividade de cada pessoa Dessas imagens inferem-se impressotildees
preacutevias que podem ser provocadas no consumidorleitor quando se tenta chamar sua atenccedilatildeo
para o produto por meio de associaccedilotildees possiacuteveis entre as imagens e o provaacutevel conteuacutedo da
histoacuteria a ser lida Nas traduccedilotildees de Veriacutessimo (1940) e de Ban (2005) essas estrateacutegias
editoriais ganham apoio de imagens cinematograacuteficas reproduzidas nas capas (em Veriacutessimo
a reproduccedilatildeo de uma cena do filme de 1939 e em Ban a reproduccedilatildeo de uma cena da
refilmagem de 1992) Alguns pontos que revelam a caracteriacutestica comercial estrateacutegias de
marketing dessas publicaccedilotildees por exemplo satildeo a divulgaccedilatildeo do nome das editoras e de seus
dados (endereccedilo telefone e-mail etc) o uso da linguagem conativa o anuacutencio de outras
134
obras de seus cataacutelogos aleacutem da presenccedila de nomes considerados importantes na capa
contracapa ou nos paratextos nome do autor do tradutor como por exemplo do escritor-
tradutor Eacuterico Veriacutessimo na publicaccedilatildeo de 1940
O objetivo comercial das traduccedilotildees como visto acima atende a certos
pressupostos de modo a se conseguir sucesso num projeto editorial Alguns pontos
relevantes nessa intenccedilatildeo por exemplo destacados por Machado (2009) editor da coleccedilatildeo
LampPM Pocket dizem respeito agrave seleccedilatildeo de autores renomados como no caso de John
Steinbeck
A editora decidiu colocar em sua coleccedilatildeo de bolso grandes autores modernos e contemporacircneos entre outros tiacutetulos e gecircneros Steinbeck foi selecionado com Faulkner Hemingway Fitzgerald Henry Miller e outros mais recentes como Voneguth Tom Wolfe Truman Capote Norman Mailer Salinger e muitos outros (MACHADO 2009)
Outro aspecto levantado por Machado (2009) diz respeito agrave escolha dos
tradutores de forma que o resultado do trabalho seja de oacutetima qualidade [] a LampPM
contrata aqueles que ela acredita serem tradutores de primeiriacutessima linha Essa afirmaccedilatildeo
deixa margem para outra conclusatildeo que diz respeito outra vez agrave questatildeo comercial um bom
produto entatildeo teraacute boa aceitaccedilatildeo por parte do puacuteblico consumidor
42 Macroestrutura
As trecircs traduccedilotildees analisadas apresentam texto integral em relaccedilatildeo ao seu texto de
partida A macroestrutura dessas trecircs traduccedilotildees em geral segue aquela do texto de partida
pois natildeo haacute por exemplo alteraccedilatildeo no nuacutemero de capiacutetulos (seis) das traduccedilotildees examinadas
em relaccedilatildeo ao texto de partida Em nenhum dos capiacutetulos desses textos de chegada houve
omissotildees ou cortes significativos O tamanho do conteuacutedo textual portanto permaneceu
bastante similar agrave do texto de partida A diferenccedila em quantidade de paacuteginas em cada um dos
textos (113 para o texto de partida 209 para a traduccedilatildeo de Veriacutessimo 103 para a traduccedilatildeo de
Campello e 145 para a traduccedilatildeo de Ban) se deve principalmente ao tamanho e formato de
cada ediccedilatildeo O enredo o nuacutemero de personagens e o tema natildeo satildeo alterados
Uma diferenccedila marcante neste niacutevel diz respeito agraves notas de rodapeacute presentes na
traduccedilatildeo de Campello e de Ban mas ausentes na traduccedilatildeo de Veriacutessimo Em Campello trata-
se de uma nota do editor em itaacutelico referindo-se a um trocadilho com o nome de Lennie
Small Trocadilho com o nome do personagem small significa pequeno
(CAMPELLO
135
1991 34) e uma uacutenica nota da tradutora na paacutegina 43 referindo-se ao vocaacutebulo inglecircs
airedale Espeacutecie de catildeo terrier originaacuterio da Inglaterra e em Ban satildeo apenas duas notas do
editor uma na paacutegina 36 explicando o sobrenome do personagem Lennie Small
literalmente pequeno em inglecircs e a outra na paacutegina 38 explicando o nome do
personagem Slim Slim magro ou delgado em inglecircs
Os capiacutetulos natildeo apresentam tiacutetulos em conformidade com o texto de partida e a
sua identificaccedilatildeo eacute representada por nuacutemeros cardinais indo-araacutebicos (Veriacutessimo e Campello)
ou escritos por extenso (caso do texto de partida) ou simplesmente pela conclusatildeo do texto
de um capiacutetulo numa paacutegina e a retomada do texto como um novo capiacutetulo na paacutegina seguinte
(neste caso o intervalo entre um capiacutetulo e outro eacute apenas representado por um espaccedilo em
branco
caso da traduccedilatildeo de Ana Ban) Estas podem ser preferecircncias tanto dos tradutores
como dos editores A palavra capiacutetulo eacute sempre omitida
O texto de partida possui paraacutegrafos mais longos do que as traduccedilotildees paraacutegrafos
maiores em inglecircs tendem a ser subdivididos em dois ou agraves vezes trecircs nos textos de
chegada em portuguecircs Isso pode ser evidenciado no seguinte exemplo
Evening of a hot day started the little wind to moving among the leaves The shade climbed up the hills toward the top On the sand-banks the rabbits sat as quietly as little grey sculptured stones And then from the direction of the state highway came the sound of footsteps on crisp sycamore leaves The rabbits hurried noiselessly for cover A stilted heron laboured up into the air and pounded down-river For a moment the place was lifeless and then two men emerged from the path and came into the opening by the green pool They had walked in single file down the path and even in the open one stayed behind the other Both were dressed in denim trousers and in denim coats with brass buttons Both wore black shapeless hats and both carried tight blanket rolls slung over their shoulders The first man was small and quick dark of face with restless eyes and sharp strong features Every part of him was defined small strong hands slender arms a thin and bony nose Behind him walked his opposite a huge man shapeless of face with large pale eyes with wide sloping shoulders and he walked heavily dragging his feet a little the way a bear drags his paws His arms did not swing at his sides but hung loosely and only moved because the heavy hands were pendula (STEINBECK sd 2)
O anoitecer dum dia caacutelido pocircs em movimento a brisa por entre as focirclhas A sombra subiu as colinas na direccedilatildeo dos topos Os coelhos estavam sentados imoacuteveis nas margens arenosas como pequenas esculturas de pedra cinzenta E depois das bandas da estrada estadual veio o som de passos socircbre as focirclhas secas de sicocircmoro Os coelhos correram furtivos para seus esconderijos Uma garccedila empertigada se ergueu pesadamente no ar e sobrevoou o rio corrente abaixo Por um momento a vida como que cessou naquele recanto e depois dois homens emergiram do sendeiro e desceram para a clareira junto do poccedilo verde
Caminhavam em fila indiana estrada abaixo e mesmo na clareira ficaram um atraacutes do outro Vestiam ambos calccedilas e casacos de sarja de algodatildeo azul com bototildees de cobre Tinham ambos chapeacuteus pretos e informes e traziam agraves costas cobertores num rocirclo apertado
O primeiro dos homens era pequeno e vivo moreno de rosto de olhos inquietos e penetrantes e traccedilos bem marcados Tudo nele era definido matildeos pequenas e fortes braccedilos delgados nariz fino e ossudo Atraacutes decircle vinha o seu
136
oposto um homem enorme de cara sem forma grandes olhos paacutelidos e ombros largos e caiacutedos caminhava pesadamente arrastando um pouco os peacutes assim no jeito como os ursos arrastam as patas Seus braccedilos natildeo oscilavam acompanhando o movimento das pernas mas pendiam frouxos ao longo do torso (VERIacuteSSIMO 1940 8)
Ao anoitecer daquele dia quente uma brisa comeccedilou a mover-se entre as folhas A sombra escalava as colinas em direccedilatildeo ao topo e os coelhos sentavam-se quietos como pequenas esculturas de pedra cinzenta nas margens arenosas Vindo da rodovia estadual um som de passos estalou nas folhas secas dos sicocircmoros Raacutepidos sem ruiacutedo os coelhos se esconderam Uma pomposa garccedila ergueu-se pesadamente no ar e bateu asas rio abaixo Durante um momento o lugar tornou-se inanimado Entatildeo a seguir dois homens surgiram no caminho e pararam na clareira junto ao lago verde
Caminhavam em fila indiana e mesmo ali na clareira permaneciam um atraacutes do outro Ambos vestiam calccedilas e casacos de brim com bototildees de cobre Os dois usavam chapeacuteu preto disforme e carregavam nos ombros cobertores bem enrolados O primeiro homem era pequeno moreno e aacutegil com olhos inquietos e traccedilos fortes marcantes Tudo nele era bem definido matildeos pequenas e vigorosas braccedilos delgados e nariz fino e ossudo O homem agrave retaguarda era o seu oposto Enorme rosto inexpressivo olhos grandes e morticcedilos e ombros largos caiacutedos Caminhava pesadamente arrastando um pouco os peacutes como os ursos Seus braccedilos natildeo oscilavam de forma natural pendiam frouxos ao longo do tronco (CAMPELLO 1991 6)
O anoitecer de um dia quente fez com que uma brisa comeccedilasse a soprar por entre as folhas A sombra ia subindo pelas montanhas em direccedilatildeo ao topo Nas margens arenosas as lebres se acomodaram como se fossem pedrinhas cinzentas e esculpidas E entatildeo dos lados a auto-estrada estadual veio o som de passos sobre as folhas de plaacutetano secas As lebres saiacuteram correndo em silecircncio em busca de abrigo Uma garccedila que ali descansava saiu voando rio abaixo Por um instante o lugar ficou sem vida e entatildeo dois homens surgiram da trilha e passaram agrave clareira ao lado da lagoa verde
Haviam caminhado em fila indiana pela trilha e mesmo ali em terreno aberto continuavam um atraacutes do outro Ambos usavam calccedilas de brim e jaquetas de brim com bototildees de latatildeo Ambos usavam um chapeacuteu preto disforme e ambos carregavam cobertores enrolados bem apertados pendurados no ombro O primeiro era pequeno e raacutepido moreno de rosto com olhos inquietos e traccedilos bem definidos e fortes Cada parte dele era bem definida matildeos pequenas e fortes braccedilos delgados nariz fino e ossudo Atraacutes dele vinha sua antiacutetese um homem enorme sem formas definidas no rosto com olhos grandes e claros com ombros caiacutedo e amplos que caminhava pesadamente arrastando um pouco os peacutes da maneira como um urso arrasta as patas Os braccedilos natildeo balanccedilavam ao lado do corpo apenas permaneciam soltos (BAN 2005 12-13)
Em termos de conteuacutedo natildeo haacute omissotildees ou acreacutescimos significativos em todas as
traduccedilotildees A quantidade dos diaacutelogos permanece inalterada nas traduccedilotildees e a sua proporccedilatildeo eacute
similar agrave do texto de partida adotado nesta dissertaccedilatildeo Em todas as traduccedilotildees examinadas
verifica-se o uso de travessotildees para marcar os diaacutelogos (discurso direto) enquanto que no
texto de partida haacute o uso de aspas simples marcando o discurso direto e em menor
frequumlecircncia haacute o discurso indireto livre marcado por aspas duplas como indicado nos trechos
sublinhados Aleacutem disso as aspas duplas tambeacutem marcam o discurso indireto livre nas
traduccedilotildees desse trecho
137
We could just as well of rode clear to the ranch if that bastard bus-driver knew what
he was talkin about Jes a little stretch down the highway
he says Jes a little
stratch
[]
(STEINBECK sd 4)
- Noacutes bem podiacuteamos ter ido direito agrave fazenda
disse ecircle coleacuterico
se aquele
condutor cachorro soubesse o que estava dizendo Soacute mais uma puxadinha depois
da estrada real
disse ecircle
Soacute mais uma puxadinha
[] (VERIacuteSSIMO 1940
10)
- A gente bem que podia ter ido direto pra fazenda
disse com raiva
se aquele motorista nojento soubesse o que tava falando Soacute uma esticadinha estrada abaixo ele disse Soacute uma esticadinha (CAMPELLO 1991 7)
- A gente bem que podia tecirc chegado direto na fazenda se aquele idiota daquele motorista de ocircnibus soubesse o que tava falando Soacute uma caminhadinha curtinha saindo da estrada ele disse Soacute uma caminhadinha curtinha (BAN 2005 14)
A narrativa em terceira pessoa (discurso indireto) eacute mantida nas seguintes
traduccedilotildees
The day was going fast now Only the tops of the Gabilan mountains flamed with the light of the sun that had gone from the valley [ ] (STEINBECK sd 7)
O dia agora morria de-pressa Apenas o cume dos montes Gabilan estavam incendiados da luz do sol que descera para o vale [] (VERIacuteSSIMO 1940 17)
O dia se extinguia agora rapidamente Soacute os topos das montanhas Gabilan flamejavam agrave luz do sol que abandonara os vales [] (CAMPELLO 1991 10)
O dia estava indo embora rapidamente Apenas o topo das montanhas Gabilan queimava com a luz do sol que jaacute tinha ido embora do vale [] (BAN 2005 19)
43 Microestrutura
Os dados indicam que estas traduccedilotildees satildeo orientadas para o puacuteblico da liacutengua de
chegada pois as suas ediccedilotildees seguem a tradiccedilatildeo do sistema de chegada brasileiro ou seja os
recursos que promovem estes produtos de modo geral fazem parte de estrateacutegias comerciais
comumente adotadas no Brasil com referecircncias do ponto de vista brasileiro as imagens das
produccedilotildees cinematograacuteficas exibidas neste paiacutes nas capas da traduccedilatildeo de Veriacutessimo e de Ana
Ban o portuguecircs brasileiro de cada eacutepoca (1940 1991 e 2005)
As diferentes datas dessas trecircs traduccedilotildees deixam clara a necessidade de
atualizaccedilatildeo das traduccedilotildees cada qual pretendendo comunicar ao seu leitor numa voz
138
contemporacircnea conforme argumentam Landers (2001 10-11) Milton (1998 40) Benjamin
(2001 197) Schulte apud Hatje-Faggion (2001 13) entre outros Nesse sentido tambeacutem
cada um dos textos traduzidos fala por si mesmo cada qual com a ortografia e o tom de sua
proacutepria eacutepoca
Nas traduccedilotildees de Veriacutessimo (1940) Campello (1991) e Ban (2005) observa-se a
escolha unacircnime para o tiacutetulo Of mice and men (STEINBECK sd) em portuguecircs como
Ratos e homens em que se observa que a palavra rato natildeo eacute uma correspondente perfeita
para mouse (plural mice) Mouse designa camundongo ou seja uma espeacutecie de rato pequeno
enquanto que para rato teria-se em inglecircs rat Todavia resta saber que impressatildeo causaria
ao leitor por exemplo Camundongos e Homens ou Ratinhos e Homens Haveria talvez
um estranhamento pela distorccedilatildeo causada em relaccedilatildeo ao tiacutetulo na liacutengua de partida pois
camundongo ou ratinho em portuguecircs parecem conferir um significado jocoso
contrariamente ao significado intencional de mouse A escolha do vocaacutebulo ratos de acordo
com a cultura brasileira manteacutem o significado conforme o texto de partida e sugere algo
mais jaacute que se trata de um animal um pouco maior ao qual se associa a repugnacircncia e a
imagem da sujeira onde normalmente ele vive
Conforme explicitado anteriormente a intertextualidade presente no tiacutetulo deste
romance a partir do poema To a Mouse110 de Robert Burns deixa clara uma intenccedilatildeo por traacutes
do simbolismo do tiacutetulo neste poema a insignificacircncia de um camundongo e de seu ninho
destruiacutedo pelo acaso ou pelo Destino por meio da accedilatildeo de outro ser muito mais forte eacute
comparada agrave fragilidade dos planos ou sonhos dos homens (conforme seacutetima estrofe vide
abaixo) O ser humano numa metaacutefora pessimista eacute marginalizado e animalizado assumindo
os atributos do camundongo pequeno fraacutegil e que vive de restos
Os nomes proacuteprios em Of mice and men (ou a ausecircncia deles) satildeo em boa parte
sugestivos Soledad por exemplo que eacute o nome da cidade mais proacutexima da fazenda onde a
histoacuteria se passa eacute uma clara alusatildeo a um dos temas principais pois essa palavra significa
solidatildeo em espanhol Neste caso tanto Veriacutessimo como Campello e Ban transcrevem este
nome A maior parte dos personagens do romance eacute do sexo masculino e quando se faz
referecircncia agrave mulher ou ela eacute uma imagem do passado como Aunt Clara (a Tia Clara de
Lennie jaacute morta e soacute aparece no final da histoacuteria durante uma visatildeo de Lennie em que ela o
repreende por causar problemas a George) ou eacute malvista e fonte frequumlente de problemas
como no caso do uacutenico personagem feminino com participaccedilatildeo ativa que eacute o caso da mulher
110 Segundo Otto Maria Carpeaux (1968 6) To a Field Mouse
139
de Curley (Curley s wife) da qual o autor nunca revela o nome e este apagamento reforccedila a
imagem negativa da mulher O nome do patratildeo tambeacutem nunca eacute mencionado Este
personagem soacute aparece uma vez sempre referido como the boss Quanto a outros
personagens Aunt Clara eacute sempre a Tia Clara bem como Curley s wife eacute simplesmente
traduzida como a mulher de Curley e the boss eacute o patratildeo
Dentre os personagens masculinos haacute certa ironia com Lennie Small pois seu
sobrenome
Small
significa baixo o contraacuterio de uma de suas caracteriacutesticas fiacutesicas
a
estatura alta Seu companheiro eacute George Milton talvez numa alusatildeo ao poeta inglecircs do seacuteculo
XVII John Milton e seu poema eacutepico Paraiacuteso Perdido O velho Candy em portuguecircs
doce mas aparentemente este significado natildeo se aplica aqui Para Crooks o negro do
estaacutebulo entretanto seu nome eacute uma referecircncia direta ao seu defeito fiacutesico significa torto
O nome de Curley o filho do patratildeo eacute uma referecircncia aos seus cabelos enrolados a que sua
esposa refere serem parecidos com arame Take Curley His hair is jus like wire
(STEINBECK sd 96) Slim eacute o condutor de mulas (VERIacuteSSIMO 1940 68) ou arrieiro
(CAMPELLO 1991 32) e carroceiro (BAN 2005 52) o priacutencipe do rancho
(VERIacuteSSIMO 1940 68 CAMPELLO 1991 32 mas para BAN 2005 52 o priacutencipe da
fazenda ) e o uacutenico personagem que parece estar em paz consigo mesmo Seus companheiros
de trabalho sempre lhe pedem conselhos Eacute tranquumlilo e pensativo e eacute somente ele quem
compreende a natureza da amizade entre George e Lennie consolando George apoacutes o final
traacutegico da histoacuteria Eacute esguio de corpo o que seu nome sugere Carlson seu nome natildeo tem
significado aparente bem como o de Whit Na traduccedilatildeo de Veriacutessimo (1940) os nomes dos
personagens ora satildeo traduzidos ora transcritos George MiltonGeorge Milton Lennie
SmallLennie Small CandyCandy CrooksCrooks CurleyCrespinho SlimMagro
CarlsonCarlson WhitWhit As tradutoras Campello (1991) e Ban (2005) por sua vez
apenas transcrevem os nomes de pessoas
Assim percebe-se que os tradutores optam de modo geral por preservar a
nacionalidade dos personagens relacionada aos seus nomes agrave maneira que Newmark (1988)
aconselha em primeiro lugar ou seja a simples transcriccedilatildeo dos nomes As exceccedilotildees ficam por
conta de Veriacutessimo que abrasileirou os nomes dos personagens Curley e Slim por
Crespinho (traduzido e adaptado) e Magro (traduzido) respectivamente em desalinho com o
nome dos outros personagens os quais permaneceram com nomes estrangeiros Isso poderia
talvez significar uma preocupaccedilatildeo do tradutor com o puacuteblico da liacutengua de chegada Veriacutessimo
manteve os outros nomes de personagens intactos mas percebe-se por exemplo que o nome
George facilmente se adaptaria a Jorge Crooks
que remete agrave palavra inglesa crook que
140
alude a desvio curvatura e portanto a uma caracteriacutestica fiacutesica deste personagem
tambeacutem
poderia encontrar uma soluccedilatildeo em portuguecircs tal como Torto
Quanto a localidades e nomes geograacuteficos algumas soluccedilotildees tradutoacuterias satildeo agraves
vezes idecircnticas agraves vezes diferentes
1) Steinbeck The Salinas RiverGabilan mountainsSoledad (p I)Howard Street (p 5)Weed (p 6)The Riverside Dance Palace (p 93)
2) Veriacutessimo Rio Salinasmontanhas GabilanSoledad (p5)Howard Street (p 12)Weed (p 15)Palaacutecio da Dansa (p172)
3) Campello Rio Salinasmontanhas GabilanSoledad (p 5)Howard Street (p 8)Weed (p 9)Riverside Dance Palace (p 83)
4) Ban Rio Salinasmontanhas GabilanSoledad (p 11)rua Howard (p 15)Weed (p 17)Dance Palace de Riverside (p 121)
Nota-se que para The Salinas RiverGabilan mountainsSoledad natildeo houve
nenhuma diferenccedila nos textos de chegada pois os trecircs tradutores optaram pelas mesmas
soluccedilotildees fazendo transferecircncias (BARBOSA 2004 71-77) por estrangeirizaccedilatildeo (VENUTI
1998 241) traduzindo os vocaacutebulos onde possiacutevel (RiverRio mountainsmontanhas) Rio
Salinasmontanhas GabilanSoledad Para Howard StreetWeed o mesmo procedimento eacute
adotado pelos tradutores apenas com uma diferenccedila em relaccedilatildeo a Ana Ban Howard
StreetWeed (VERIacuteSSIMO) Howard StreetWeed (CAMPELLO) Rua
HowardWeed
(BAN)
Por fim River Side Dance Palace encontra uma domesticaccedilatildeo (VENUTI 1998
240) feita por Veriacutessimo Palaacutecio da Dansa (em que a palavra dansa obedece agrave ortografia da
eacutepoca dessa traduccedilatildeo 1940) Campello faz uma transferecircncia (BARBOSA 2004) por
estrangeirizaccedilatildeo (VENUTI 1998) Riverside Dance Palace Ana Ban por seu turno deixa
uma expressatildeo hiacutebrida Dance Palace de Riverside
As formas de tratamento e vocativos no texto de partida na maioria das vezes
satildeo mais informais a exemplo de he she it you etc Algumas exceccedilotildees
Mr Slim
() You
told me to warm up tar for the mule s foot ()
(STEINBECK
sd 53)
Seu Magro
( )
O senhor me disse que aquentasse o alcatratildeo pro casco da mula
( ) (VERIacuteSSIMO 1940 99)
141
Seu Slim
()
O senhor
me disse pra esquentar o alcatratildeo pro casco da mula ()
(CAMPELLO 1991 47)
Seu Slim ()
O sinhocirc
me mandocirc isquentaacute piche pro casco daquela mula ()
(BAN 2005 73)
Nos exemplos acima percebe-se um ligeiro grau de formalidade ou respeito por
causa do vocativo Mr traduzido por Seu O pronome you possui um tom neutro e somente
pelo contexto eacute que se presume certa formalidade facilmente reconhecida em senhor
(VERIacuteSSIMO e CAMPELLO) e em sinhocirc (BAN) Outro exemplo estaacute no uso de ma am
(madam)
Why Curley he got his han caught in a machine ma am
()
(STEINBECK
sd 82)
Ora o Crespinho meteu a matildeo numa maacutequina moccedila
() (VERIacuteSSIMO 1940
152)
Ora ele prendeu a matildeo numa maacutequina () (CAMPELLO 1991 73)
Ah o Curley ele ficocirc co a matildeo presa numa maacutequina moccedila
() (BAN 2005
108)
Neste uacuteltimo caso ma am eacute traduzido por moccedila (VERIacuteSSIMO e BAN) revelando
um misto de inseguranccedila respeito e hesitaccedilatildeo pois o personagem Candy conta uma mentira
para a mulher de Curley Esses efeitos todavia se perdem no texto de Campello que omite
esse vocativo
O texto de partida apresenta agraves vezes o uso de itaacutelico para dar ecircnfase a algumas
passagens como em
Give it here said George Aw leave me have it George
Give it here (STEINBECK sd 6)
- Passa isso pra caacute - Oh Deixa-me ficar com ecircle George - Passa isso pra caacute (VERIacuteSSIMO 1940 14)
- Me daacute aqui - Ah George deixa eu ficar com ele - Me daacute aqui (CAMPELLO 1991 9)
- Daacute aqui disse George - Ah deixa eu ficaacute com ele George - Daacute aqui (BAN 2005 16)
142
Na traduccedilatildeo de Veriacutessimo essas mesmas passagens estatildeo em negrito Nas
traduccedilotildees de Campello e Ban elas estatildeo em itaacutelico como no texto de partida
O recurso do negrito ou do itaacutelico tambeacutem identifica nos textos de chegada o uso
de palavras estrangeiras como airedale
(CAMPELLO 1991 43) ou rings de box
(VERIacuteSSIMO 1940 54) A traduccedilatildeo de Ban entretanto natildeo usa nenhum desses dois
recursos para essa finalidade
No que diz respeito agrave pontuaccedilatildeo em geral as diferenccedilas ocasionais entre o texto
de partida e os respectivos textos de chegada relacionados sempre uns com os outros natildeo
representam mudanccedilas semacircnticas significativas Nas traduccedilotildees ela diverge um pouco
daquela do texto de partida (e tambeacutem divergem entre si) o que provoca agraves vezes ligeira
alteraccedilatildeo semacircntica Assim quando Veriacutessimo Campello e Ban traduzem a primeira linha do
exemplo citado acima Give it here said George respectivamente por - Passa isso pra
caacute Me daacute aqui Daacute aqui respectivamente a ecircnfase resultante com a impressatildeo de
impaciecircncia no humor do personagem George eacute maior do que no texto de partida graccedilas ao
uso da exclamaccedilatildeo Na segunda linha do diaacutelogo Aw leave me have it George haacute uma
alteraccedilatildeo de significado provocada pelo uso de reticecircncias por parte de Campello - Ah
George deixa eu ficar com ele pois se o texto de partida usa um ponto isso representa um
fechamento na oraccedilatildeo enquanto que as reticecircncias datildeo um ar de pensamento sem conclusatildeo
como se ainda houvesse algo mais a dizer
As singularidades perceptiacuteveis nas traduccedilotildees de Veriacutessimo Campello e Ban ficam
ainda mais ressaltadas quando se exploram outras caracteriacutesticas pertencentes ao universo
sociocultural retratado no texto de partida natildeo necessariamente coincidentes nas trecircs
traduccedilotildees comparadas Isso eacute o que se percebe ao se examinar os exemplos de palavras
expressotildees e vocaacutebulos sublinhados dos fragmentos a seguir retirados do capiacutetulo 2 que se
referem a estrangeirizaccedilatildeo e domesticaccedilatildeo escolhas que resultam em alteraccedilotildees de
significado nas diferentes traduccedilotildees diferenccedilas de ortografia ou simples preferecircncias por
parte de cada tradutor
A tall man stood in the doorway He held a crushed Stetson
hat under his arm while he combed his long black damp hair straight back Like the others he wore blue jeans
and a short denim jacket ( ) This was Slim the jerkline skinner His hatchet face
was ageless He might have been thirty-five or fifty() His hands large and lean were as delicate in their action as those of a temple dancer
(STEINBECK sd 34-35)
Um homem alto apareceu agrave porta Manteve o Stetson
amassado debaixo do braccedilo enquanto penteava para traacutes o cabelo longo negro e uacutemido Como os outros vestia calccedilas azues
e uma jaqueta curta de estamenha () Era o Magro das mulas A cara
143
delgada
natildeo tinha idade O homem podia ter trinta e cinco como cincoenta anos ()
Suas matildeos grandes e descarnadas eram na accedilatildeo tatildeo delicadas como as de uma dansarina de templo (VERIacuteSSIMO 1940 68-69)
Um homem alto apareceu agrave porta Trazia um chapeacuteu Stetson
amassado sob o braccedilo
enquanto penteava o cabelo preto longo e uacutemido para traacutes Como os outros usava jeans
e uma curta jaqueta de brim () Era Slim o arrieiro de primeira linha Seu
rosto fino e comprido
natildeo tinha idade Poderia ter trinta e cinco ou cinquumlenta anos
() Suas matildeos longas e esbeltas eram tatildeo delicadas ao agir como as de uma danccedilarina do templo (CAMPELLO 1991 32-33)
Um homem alto estava parado agrave porta Segurava um chapeacuteu de cauboacutei
amassado embaixo do braccedilo ao mesmo tempo em que penteava para traacutes o cabelo comprido preto e molhado Assim como os outros usava jeans
e uma jaqueta de brim curta () Tratava-se de Slim o melhor carroceiro Seu rosto bem talhado
natildeo tinha idade Podia ter 35 ou cinquumlenta anos () As matildeos grandes e delgadas eram tatildeo delicadas no agir quanto as de um danccedilarino de corpo de baile (BAN 2005 51-52)
Para traduzir Stetson (STEINBECK sd 34) Veriacutessimo (1940 68) transcreve
Stetson Campello (1991 32) por sua vez aleacutem de transcrever essa palavra acrescenta um
vocaacutebulo explicativo chapeacuteu Stetson de modo a tornar mais clara ao leitor a referecircncia
agravequele objeto Jaacute Ban (2005 51) prefere substituir esse nome estrangeiro optando por
chapeacuteu de cauboacutei
Em relaccedilatildeo agraves palavras blue jeans Veriacutessimo faz a escolha por calccedilas azues
segundo a ortografia oficial da eacutepoca Campello opta por jeans em itaacutelico omitindo ou
deixando subentendida a palavra calccedila Na traduccedilatildeo mais recente de Ana Ban prefere
jeans sem itaacutelico (vocaacutebulo jaacute naturalizado em portuguecircs)
Haacute mudanccedila de sentido quando a expressatildeo short denim jacket eacute traduzida por
jaqueta curta de estamenha (Veriacutessimo) e jaqueta de brim curta (Ban) e curta jaqueta de
brim (Campello) pois a antecipaccedilatildeo do adjetivo em relaccedilatildeo ao substantivo (curta jaqueta)
intensifica o significado do adjetivo curta quer dizer bem curta mais curta
Estamenha hoje um vocaacutebulo de uso mais raro talvez evidencie um sinal da eacutepoca de
Veriacutessimo (1940) quando o vocaacutebulo brim (Campello e Ban) possivelmente natildeo era ainda
de uso comum difundido
Em This was Slim the jerkline skinner Veriacutessimo decide traduzir o nome do
personagem Slim acrescentando um qualificativo ( Era o Magro das mulas ) o que natildeo satildeo
muitos detalhes sobre sua ocupaccedilatildeoprofissatildeo natildeo haacute coincidecircncia ou exatidatildeo entre arrieiro
de primeira linha (Campello) e o melhor carroceiro (Ban)
Nas soluccedilotildees para His hatchet face haacute similaridade de significado entre A cara
delgada (Veriacutessimo) e Seu rosto fino e comprido (Campello) embora cara soe hoje
mais rude e coloquial do que rosto Seu rosto bem talhado (Ban) pode natildeo revelar com
144
clareza ao leitor as adjetivaccedilotildees decorrentes de hatchet face Hornby (2000 619) daacute a
seguinte definiccedilatildeo para hatchet-faced adj (disapproving) (of a person) having a long thin
face and sharp features o que portanto estaacute de mais acordo com as opccedilotildees de Veriacutessimo e
Campello aleacutem de revelar um valor pejorativo do vocaacutebulo
Para temple dancer tecircm-se dansarina de templo (Veriacutessimo)danccedilarina do templo
(Campello)danccedilarino de corpo de baile (Ban) Mais uma vez percebe-se a diferenccedila de
ortografia conforme a eacutepoca de cada traduccedilatildeo em dansarinadanccedilarinadanccedilarino Haacute ligeira
diferenciaccedilatildeo quando se usa de (preposiccedilatildeo) ou do (preposiccedilatildeo + artigo definido) Outro
aspecto eacute o gecircnero escolhido feminino (danccedilarina
Veriacutessimo e Campello) ou masculino
(danccedilarino
Ban) A maior diferenccedila entre essas escolhas estaacute no vocaacutebulo templo por
Veriacutessimo e Campello e corpo de baile por Ban
Percebe-se nessas trecircs traduccedilotildees tanto a tendecircncia pela estrangeirizaccedilatildeo quanto
pela domesticaccedilatildeo Por exemplo haacute estrangeirizaccedilatildeo quando a palavra Stetson (STEINBECK
sd 34) eacute transcrita por Veriacutessimo ( Stetson p 68) e Campello ( chapeacuteu Stetson p 32)
Ban por sua vez a domestica ao preferir a expressatildeo chapeacuteu de cauboacutei (p 51)
A expressatildeo blue jeans (STEINBECK sd 34) ganha um tom estrangeirizado
quando Campello opta por jeans em itaacutelico Essa mesma expressatildeo eacute domesticada por
Veriacutessimo ( calccedilas azues p 68 talvez porque no contexto da eacutepoca dessa traduccedilatildeo 1940
as calccedilas jeans ainda natildeo eram de uso tatildeo difundido no Brasil) e Ban ( jeans p 51 sem
itaacutelico o que confere o uso jaacute normalizado pelo costume brasileiro com uma palavra jaacute
totalmente incorporada em nossa cultura)
Mais exemplos de estrangeirizaccedilatildeo ou domesticaccedilatildeo satildeo encontrados em outras
partes da obra como neste caso retirado do capiacutetulo 2
() He done quite a bit in the ring () (STEINBECK sd 27)
() Jaacute andou lutando um pedaccedilo nos rings de box () (VERIacuteSSIMO 1940 54)
() Jaacute fez um bom papel entre as cordas de um ringue
() (CAMPELLO 1991
26)
() Jaacute se deu bem memo na arena () (BAN 2005 42)
Assim o vocaacutebulo rings de box por Veriacutessimo eacute estrangeirizado pois ring e box
satildeo palavras inglesas a exceccedilatildeo fica por conta da preposiccedilatildeo de Naturalmente as outras
soluccedilotildees satildeo domesticadas pelo uso das palavras da liacutengua portuguesa cordas de um ringue
por Campello e arena por Ban De modo geral percebe-se que Veriacutessimo opta mais pela
estrangeirizaccedilatildeo do que suas colegas tradutoras incluindo em seu vocabulaacuterio em outras
145
passagens outros vocaacutebulos estrangeiros como milhas (VERIacuteSSIMO 1940 6) enquanto
que Campello (1991 5) e Ban (2005 11) respectivamente optam or quilocircmetros
No capiacutetulo 2 haacute outro exemplo de escolhas diferentes por parte dos tradutores na
seguinte passagem
She had full rouged lips () (STEINBECK sd 32)
uma rapariga de laacutebios cheios encarnados de rouge (VERIacuteSSIMO 1940 63)
A moccedila ali () tinha laacutebios cheios e vermelhos (CAMPELLO 1991 30)
Tinha laacutebios cheios cobertos de batom () (BAN 2005 48)
Quanto ao pronome she Veriacutessimo o traduz por rapariga uma palavra que
atualmente ganhou um significado negativo referindo-se a prostituta de acordo com a
cultura popular brasileira Essa mesma palavra inglesa recebe de Campello a traduccedilatildeo moccedila
vocaacutebulo relativamente neutro enquanto que Ban simplesmente omite o pronome ela (ou
outra palavra cabiacutevel) pelo recurso do verbo ter conjugado na terceira pessoa do singular
[ela] tinha Percebe-se que Veriacutessimo usa o vocaacutebulo rouge uma estrangeirizaccedilatildeo (pois esta
palavra eacute francesa) enquanto que Campello usa a palavra vermelhos e Ban prefere a
expressatildeo cobertos de batom
No tocante agrave questatildeo estrangeirizaccedilatildeodomesticaccedilatildeo a situaccedilatildeo se inverte entre os
tradutores na traduccedilatildeo do substantivo coons (STEINBECK sd I) pois Veriacutessimo
domestica ao optar por coatiacutes111 (1940 6 segundo a ortografia da eacutepoca para quatis)
enquanto Campello e Ban traduzem o vocaacutebulo por guaxinins (CAMPELLO 1991 5 BAN
2005 11)
Outro recurso expressivo de Steinbeck satildeo as expressotildees idiomaacuteticas e as giacuterias
que recebem as seguintes traduccedilotildees
He was sore as hell
when you wasn t here to go out this morning
(STEINBECK
sd 19)
Ficou queimado
quando natildeo viu vocecircs saiacuterem pro trabalho hoje de manhatilde
(VERIacuteSSIMO 1940 38)
Ficou uma fera
quando viu que natildeo tavam aqui pra trabalhar esta manhatilde
(CAMPELLO 1991 20)
111 A palavra coon em forma abreviada refere-se a racoon ou seja guaxinim um animal mamiacutefero que natildeo existe no Brasil Quati por sua vez eacute um animal aparentado ao guaxinim mas eacute bem tiacutepico em algumas regiotildees brasileiras
146
Ficocirc loco da vida
quando viu qu oceis num tavam aqui pra trabaiaacute hoje de manhatilde
(BAN 2005 32)
Em He was sore as hell Ficou queimado Ficou uma fera Ficocirc loco da vida
(SteinbeckVeriacutessimo Campello e Ban respectivamente) cada tradutor procurou transmitir
uma impressatildeo sobre o humor do personagem o que representa muito mais do que uma
traduccedilatildeo mecacircnica ao peacute da letra Nesse sentido as diferenccedilas notadas se referem ao niacutevel do
leacutexicosintagma escolhido entretanto o resultado geral eacute homogecircneo em significado
Outro exemplo pertinente ao caso das expressotildees idiomaacuteticas e das giacuterias pode ser
ilustrado pelo fragmento abaixo extraiacutedo do capiacutetulo 4
Baloney What you think you re sellin me
Curley started somep in he didn t finish
()
(STEINBECK sd 82)
Isso eacute galinha morta Pensam que estatildeo me levando no embrulho Pensam que eu
vou nessa O Crespinho foi buscar latilde e saiu tosquiado (VERIacuteSSIMO 1940 152)
Besteira Acham que conseguem me tapear
Curley foi buscar latilde e saiu tosquiado
(CAMPELLO 1991 73)
- Quanta bestera Oceis acha que eu vocirc acreditaacute nisso
O Curley comeccedilocirc algum
negoacutecio que num conseguiu terminaacute (BAN 2005 108)
Quando Veriacutessimo traduz Baloney
por - Isso eacute galinha morta galinha morta
parece ser um pouco mais expressiva Jaacute as escolhas de Campello e Ban respectivamente -
Besteira - Quanta bestera parecem soar no mesmo niacutevel de expressividade apresentada
pelo texto de partida
A opccedilatildeo levar no embrulhopensam que eu vou nessa de Veriacutessimo eacute
relativamente atual mas as tradutoras fazem escolhas diferentes enquanto Campello utiliza
tapear Ban decide por uma linguagem normalizada sem se constituir como giacuteria ou
expressatildeo idiomaacutetica ( - Oceis acha que eu vocirc acreditaacute nisso )
Percebe-se um paralelismo entre as opccedilotildees de Veriacutessimo e de Campello no que
diz respeito ao uso que ambos fizeram de foi buscar latilde e saiu tosquiado Ban por sua vez de
novo preferiu natildeo utilizar uma expressatildeo idiomaacutetica
Ateacute esta etapa da leitura comparativa percebe-se que os dados preliminares
mostraram dados mais gerais que compotildeem a estrutura externa das publicaccedilotildees onde
constam elementos de acordo com os objetivos dos agentes responsaacuteveis pela publicaccedilatildeo
(estrateacutegias de seduccedilatildeo do consumidor) De modo sequumlencial e gradativo o terreno foi
147
preparado para o proacuteximo estaacutegio a macroestrutura que examinou a estrutura e divisatildeo
geral dos textos em partes menores (capiacutetulos paraacutegrafos frases sentenccedilas) A
microestrutura por sua vez num niacutevel mais especiacutefico permitiu que fossem verificados
aspectos mais direcionados agrave questatildeo da seleccedilatildeo lexical (niacutevel de linguagem)
Pocircde-se notar entatildeo que essas trecircs etapas constituiacuteram o que cada projeto
editorial percebia ou cogitava serem de modo geral as expectativas da recepccedilatildeo Tais
expectativas entretanto soacute podem ser confirmadas ou refutadas pelo feedback da recepccedilatildeo
Esta eacute uma funccedilatildeo elementar do quarto estaacutegio do esquema de Lambert e Van Gorp o
contexto sistecircmico que pela anaacutelise de dados obtidos a partir da fortuna criacutetica publicada em
revistas e jornais permite verificar esse retorno seja por parte do leitor-consumidor seja pela
parte da criacutetica informal ou especializada
44 Contexto sistecircmico
Os dados obtidos mostram que a resposta da recepccedilatildeo (nos sistemas de chegada
estadunidense mundial e mais especificamente brasileiro) no tocante a John Steinbeck e sua
obra Of mice and menRatos e homens e suas respectivas traduccedilotildees em portuguecircs brasileiro eacute
bastante positiva112
Na paacutegina da Internet Digestivo Cultural113 haacute uma resenha de Jonas Lopes
(2005) intitulada A Ameacuterica de John Steinbeck sobre o livro A Ameacuterica e os Americanos e
Ensaios Relacionados (2004) natildeo-ficcional com crocircnicas e artigos produzidos por Steinbeck
Em sua criacutetica Lopes resume o contexto histoacuterico e social dos Estados Unidos
em que destaca a importacircncia desse paiacutes e sua ascensatildeo no cenaacuterio internacional entre as
deacutecadas de 1920 e o final da deacutecada de 1950 Nesse periacuteodo o chamado American way of life
se apresentava como modelo de vida e ideal a ser alcanccedilado e tambeacutem as artes e a cultura
estadunidenses alcanccedilaram status relevante sobretudo a literatura Por isso John Steinbeck eacute
citado entre os principais escritores desse periacuteodo
um dos principais autores do periacuteodo e sem duacutevida o mais americano de todos eles foi John Steinbeck (1902-1968) Vencedor do Precircmio Nobel em 1962 Steinbeck
112 Apesar da opiniatildeo negativa de alguns criacuteticos Vide capiacutetulo 3 desta dissertaccedilatildeo item 32 (p 101-102) O referido capiacutetulo tambeacutem mostra outras respostas positivas da recepccedilatildeo (item 31 p 96-97 item 32 p 98 101-102)
113Disponiacutevel em lthttpwwwdigestivoculturalcomcolunistascolunaaspcodigo=1689gt Acesso em 3 de junho de 2009
148
tornou-se ceacutelebre por sua literatura de teor social e pela delicadeza com que tratou temas complicados como a pobreza durante a depressatildeo Em particular com As Vinhas da Ira que narra a saga da famiacutelia Joad em busca de um emprego na Califoacuternia e o ainda melhor A Leste do Eacuteden (LOPES 2005)
Lopes ainda apresenta o posicionamento pessoal de Steinbeck em relaccedilatildeo a Of
mice and men (Ratos e homens) destacando que
Steinbeck surpreende ao afirmar que considera Ratos e homens uma de suas obras fundamentais um fracasso Natildeo pela qualidade mas pelas ambiccedilotildees teacutecnicas que previa para o livro sua intenccedilatildeo era criar uma peccedila-novela um texto escrito em formato de romance mas com pouca descriccedilatildeo e profusatildeo de diaacutelogos o que favoreceria a adaptaccedilatildeo ao palco sem perda de conteuacutedo e ao mesmo tempo fugiria da leitura sem tanta fluidez das peccedilas John acreditava que natildeo alcanccedilara esse equiliacutebrio Natildeo servia para ser encenado porque eu natildeo tinha experiecircncia e conhecimento suficiente da arte do palco O ritmo estava errado a hora do pano foi mal escolhida algumas cenas passaram do limite e muitos meacutetodos comumente usados no romance e que empreguei no livro natildeo ficaram claros no palco
Em outro momento Lopes apresenta Steinbeck como um escritor que tinha
fasciacutenio por livros objetos genuinamente criados pelo homem chegando a declarar em tom
de exaltaccedilatildeo que esse objeto era uma das pouquiacutessimas maacutegicas autecircnticas que nossa
espeacutecie criou
(STEINBECK apud LOPES 2005) A posiccedilatildeo de Steinbeck como entusiasta
dos livros de bolso eacute destacada principalmente por causa do seu preccedilo acessiacutevel com as
ediccedilotildees baratas () vocecirc enche de livros os braccedilos dos amigos () quando acabar de lecirc-los
passe adiante Isso eacute uma coisa maravilhosa (STEINBECK apud LOPES 2005)
A criacutetica elaborada a Steinbeck nessa resenha tem tom positivo
Steinbeck eacute um escritor norte-americano em essecircncia O paiacutes e suas particularidades transbordam em suas frases
a forte identificaccedilatildeo eacute comparaacutevel com a de nomes anteriores (Twain) e posteriores (Updike) a ele Ao mesmo tempo em que eacute mordaz e impiedoso nas criacuteticas derrama ternura pela sua terra Ressalta as qualidades e defeitos de um paiacutes que eacute cada vez mais criticado Seria interessante ver como o escritor se comportaria em relaccedilatildeo ao antiamericanismo atual (LOPES 2005)
Danilo Corci (2002) na paacutegina da Internet Speculum114 traz dados sobre a vida
de John Steinbeck e deixa um comentaacuterio pessoal sobre a produccedilatildeo literaacuteria desse escritor
seus romances podem ser classificados como obras sociais que lidam com os problemas econocircmicos do trabalho rural mas tambeacutem apresentam uma paixatildeo pela terra que entram em choque com sua visatildeo mais politizada Cheio de humor agressivo e de verve afiada Steinbeck foi um agudo observador das realidades criadas pelo homem o que influenciava diretamente toda a condiccedilatildeo humana Em resumo o romance social nunca mais foi o mesmo apoacutes as linhas de Steinbeck terem sido redigidas
114 Disponiacutevel em lthttpwwwspeculumartbrmodulephpa_id=6gt Acesso em 3 de junho de 2009
149
Moacyr Scliar (2004) em seu artigo da Revista Veja declara que Steinbeck eacute
pouco lembrado fora das escolas e universidades dos Estados Unidos poreacutem argumenta
sobre a sua importacircncia estamos falando de um autor que arrebatou legiotildees de leitores teve
romances como As vinhas da ira adaptados com sucesso para o cinema e ganhou o Nobel de
Literatura
Nas trecircs traduccedilotildees de Of mice and men analisadas nesta dissertaccedilatildeo fica patente a
importacircncia do apelo comercial uma forccedila que por sustentar as editoras faz com que estas
adotem estrateacutegias de vendas especiacuteficas de modo a atender a um puacuteblico maior e assim
garantir a sua sobrevivecircncia e sustentabilidade no mercado O barateamento das ediccedilotildees tanto
no custo de produccedilatildeo como no preccedilo final dos produtos para o puacuteblico leitor (consumidor)
bem como a ampla distribuiccedilatildeo podem ser colocados como fatores principais materializados
nos livros de bolso (caso das traduccedilotildees de Eacuterico Veriacutessimo e de Ana Ban) ou nos clubes de
livros (caso da traduccedilatildeo de Myriam Campello) Estes criteacuterios satildeo levados em conta na
opiniatildeo da criacutetica
A Livraria do Globo diversifica o mercado com coleccedilotildees de baixo custo e as grandes tiragens trazem-lhes bons resultados Satildeo ediccedilotildees afirma o Correio do Povo que devem configurar nas estantes dos bons leitores pelo preccedilo formato e criteacuterio de escolha dos editores (TORRESINI 2004 9)
A imprensa exerce um papel de divulgaccedilatildeo das editoras agraves vezes com forte
aspecto positivo por meio da criacutetica ou da propaganda Torresini enfatiza que
as ediccedilotildees da Globo satildeo comentadas na imprensa diaacuteria Exemplo disso encontra-se no Jornal da Manhatilde [9 de janeiro de 1933] () O Rio Grande intelectual estaacute de parabeacutens possuiacutemos uma das maiores casas editoras do Brasil e os seus dirigentes natildeo tecircm poupado esforccedilos no sentido de difundir entre noacutes o gosto pela leitura gosto que define o homem tornando-o verdadeiramente feliz na tristeza e na inquietaccedilatildeo da terra (TORRESINI 2004 10)
Barcellos (2002 9) afirma que a Livraria do Globo fazia propaganda natildeo soacute na
Revista do Globo mas tambeacutem por meio de anuacutencios no jornal Correio do Povo em cataacutelogo
da Editora do Globo e em cartazes e folhetos Quanto agrave Editora do Globo esta contava com a
Revista do Globo o jornal Correio do Povo e a Revista Proviacutencia de Satildeo Pedro aleacutem de
outros meios de divulgaccedilatildeo
As proacuteprias ediccedilotildees dos livros da Editora e da Livraria do Globo tambeacutem
desempenhavam esse papel de divulgaccedilatildeo tentando atrair a atenccedilatildeo dos leitores Na traduccedilatildeo
150
de Veriacutessimo (1940) por exemplo a contracapa conteacutem um texto de teor propagandiacutestico
uma ecircnfase em relaccedilatildeo a John Steinbeck fiel ao seu programa de possibilitar ao puacuteblico
brasileiro a leitura das maiores obras da literatura mundial contemporacircnea a LIVRARIA DO
GLOBO apresenta JOHN STEINBECK () Destacam-se expressotildees de apelo como O
autor mais discutido do mundo como tambeacutem uma opiniatildeo da criacutetica Bem disse um
consagrado criacutetico americano declarando que a pena de Steinbeck eacute infinitamente mais
poderosa do que muitas espadas
Segundo Barcellos (2002 11) na Editora do Globo para a sua coleccedilatildeo Nobel por
exemplo os editores selecionavam obras estrangeiras escolhiam tradutores discutiam tiacutetulos
em portuguecircs formato de livros e prazos de lanccedilamento As obras escolhidas para traduccedilatildeo
eram de autores ceacutelebres da literatura contemporacircnea Barcellos ainda relaciona a
preocupaccedilatildeo de Eacuterico Veriacutessimo com o puacuteblico consumidor meacutedio quando ele incentivava
natildeo apenas a literatura de coacutedigos da elite mas tambeacutem a literatura de faacutecil acesso e
assimilaccedilatildeo como o gecircnero policial no qual identificamos a classificaccedilatildeo de literatura
secundaacuteria (BARCELLOS 2002 11)
Machado (2009) expotildee criteacuterios para a seleccedilatildeo de autores da Editora LampPM
um autor expressivo um precircmio Nobel eacute uma razatildeo suficiente para ser cobiccedilado por um editor Ratos e homens eacute uma novela curta uma obra-prima do autor e deu origem a um grande filme Eacute um livro que menos do que um sucesso comercial eacute um livro que qualifica o cataacutelogo do editor
A contracapa da ediccedilatildeo de Ratos e homens da LampPM (2005) traz comentaacuterios que
promovem esse romance de Steinbeck em linguagem de propaganda com a exposiccedilatildeo de
opiniatildeo criacutetica Ratos e homens publicado originalmente em 1937 eacute uma obra-prima de
John Steinbeck (1902-1968)
um dos maiores romancistas do seacuteculo 20
e ateacute hoje um dos
livros mais lidos do autor Constam ainda elogios agrave teacutecnica de Steinbeck e a caracteriacutesticas
de sua produccedilatildeo literaacuteria em Ratos e homens Steinbeck levou agrave maestria sua capacidade de
compor personagens tatildeo cativantes quanto realistas e de ao contar uma histoacuteria especiacutefica
falar de sentimentos comuns a todos os seres humanos como a solidatildeo e a acircnsia por uma vida
digna Outro argumento reforccedila o apelo agrave leitura da obra um claacutessico sobre o doloroso
periacuteodo da Grande Depressatildeo americana Uma peccedila de ficccedilatildeo para ser lida e relida
151
Carla Milhazes Gomes (2007) disponibilizou em seu blog Agrave Margem115 um texto
em que aleacutem de apresentar um resumo sobre o livro Ratos e homens116 traz sua opiniatildeo
pessoal acerca desse romance eacute um livro de raacutepida leitura porque interessantiacutessimo e pouco
extenso () quando deres por ela jaacute terminaste a leitura () vale muito a pena
A paacutegina da Internet Criticaliterariacom117 apresenta alguns depoimentos de
leitores sobre o livro Ratos e homens de Steinbeck Cada opinante tambeacutem avalia o livro
classificando-o de acordo com um nuacutemero de estrelas que varia de uma a cinco Bruna
Moraes (2009) por exemplo atribui cinco estrelas e afirma que a obra eacute muito
emocionante
Ratos e homens eacute uma histoacuteria muito interessante de dois rapazes pobres estadunidenses Lennie e George representam o valor de uma amizade e de uma vida No decorrer da histoacuteria percebe-se as relaccedilotildees humanas Fraacutegeis Pessoas carentes de diaacutelogo A modernidade apresentada no livro aparece junto agraves maacutequinas que satildeo usadas no arado e na colheita de cevada Eacute um livro pequeno poreacutem muito significativo sendo classificado ateacute mesmo como livro de auto-ajuda por demonstrar o valor da vida dos ratos e dos homens
Outra leitora Luacutecia Oliveira (2009) atribui quatro estrelas ao romance e destaca
que o enredo eacute motivador
Li em dois dias o livro e o que mais me motivou na histoacuteria era esperar que Lennie conseguisse no final ter sua criaccedilatildeo de coelhos Entre tantos desacertos ficou oacutevio que ele realmente era esquisito e que realmente precisa [sic] de um guia para caminhar com ele
Jorge Almeida (2009) declarando-se sempre steinbeckiano avalia o romance
com quatro estrelas expondo sua opiniatildeo em tom emotivo
MAIS UM LIVRO DE UM GRANDE AUTOR A FRAGILIDADE DAS RELACcedilOtildeES HUMANAS A CUMPLICIDADE O DESESPERO Um rato um homem um sonho
A leitora Taiasmin (2009) declara que se trata de uma tocante histoacuteria humana
Ela atribui cinco estrelas ao romance afirmando que
115Disponiacutevel em lthttpamargemblogblogspotcom200709ratos-e-homens-de-john-steinbeckhtmlgt Acesso em 3 de junho de 2009
116 Editora Livros do Brasil traduccedilatildeo de Eacuterico Veriacutessimo 2007
117 Disponiacutevel em lthttpwwwcriticaliterariacom9723827468gt Acesso em 03 de junho de 2009
152
este livro trata de homens reduzidos agrave condiccedilatildeo de objeto de resto social que buscam significantes que os reconduzam agrave condiccedilatildeo de sujeitos onde possam encontrar alguma dignidade e valor humano Eacute uma histoacuteria situada no espaccedilo e tempo - Estados Unidos deacutecada de 30 - mas esta busca em alguma medida natildeo eacute a busca de todos noacutes
As anaacutelises descritivas a partir do esquema teoacuterico de Lambert e Van Gorp
(1985) permitem perceber que os textos em questatildeo (STEINBECK sd VERIacuteSSIMO 1940
CAMPELLO 1991 BAN 2005) ainda que compartilhem algumas semelhanccedilas sobretudo
apresentam muitas diferenccedilas Pode-se concluir que cada um desses projetos editoriais
atendiam (ou ainda atendem) a necessidades ou expectativas especiacuteficas conforme o contexto
em que eles se inseriam sob a influecircncia de fatores pessoas ou instituiccedilotildees que agrave sua
maneira agiam durante o processo em que o texto de partida e as suas traduccedilotildees foram
criados Assim as traduccedilotildees que Veriacutessimo Campello e Ban fizeram de Of mice and men
portanto natildeo poderiam se valer de soluccedilotildees escolhas ou estrateacutegias tradutoacuterias idecircnticas o
tempo todo
Apesar dessas diferenccedilas as respostas de cada contexto sistecircmico (estadunidense
e brasileiro) assinalam que algumas expectativas dos agentes envolvidos no processo
tradutoacuterio foram
em sua devida eacutepoca e contexto sociocultural
confirmadas pois por
exemplo as opiniotildees dos leitores e da criacutetica em geral sugeremsugeriam uma apreciaccedilatildeo de
tom positivo no que diz respeito agrave obra em si ao seu autor John Steinbeck e agraves suas
traduccedilotildees estimulando e favorecendo a perpetuaccedilatildeo desses textos em polissistemas de que a
liacutengua inglesa e a liacutengua portuguesa fazem parte
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5 A LINGUAGEM DE OF MICE AND MEN NAS TRADUCcedilOtildeES EM PORTUGUEcircS
BRASILEIRO OUTROS ASPECTOS
Fico eu portanto destinado como diz o clichecirc a ser ambos juiz e jurado Aqui minha natureza ambivalente e ambiacutegua torna a decisatildeo algo difiacutecil chegando perto
do impossiacutevel do mesmo modo que a traduccedilatildeo ao reveacutes pode apenas chegar perto do possiacutevel e nunca
alcanccedilaacute-lo 118
Gregory Rabassa
De modo geral a anaacutelise comparativa das trecircs traduccedilotildees em portuguecircs brasileiro
de Of mice and men e seu respectivo texto de partida seguindo o esquema teoacuterico descritivo
de Lambert e Van Gorp (1985) no capiacutetulo anterior deixa algumas incompatibilidades
visiacuteveis principalmente em niacutevel de uso de linguagem e entre as duas culturas em contato a
estadunidense e a brasileira
Neste capiacutetulo essas incompatibilidades seratildeo abordadas e seraacute enfatizada a
questatildeo da presenccedila da liacutengua estigmatizada na literatura e os dilemas de sua traduccedilatildeo para os
tradutores de liacutengua portuguesa
51 A linguagem da narrativa
A linguagem da narrativa de Of mice and men em terceira pessoa realiza-se na
norma-padratildeo e portanto eacute formal polida e se consubstancia em certas impressotildees que
podem ser causadas ao leitor por exemplo quando a paisagem natural eacute descrita ou seja a
visualizaccedilatildeo imaginativa de um cenaacuterio de beleza e tranquumlilidade como ocorre no trecho a
seguir extraiacutedo do primeiro capiacutetulo
A few miles south of Soledad the Salinas River drops in close to the hill-side bank and runs deep and green The water is warm too for it has slipped twinkling over the yellow sands in the sunlight before reaching the narrow pool On one side of the river the golden foot-hill slopes curve up to the strong and rocky Gabilan mountains but on the valley side the water is lined with trees
willows fresh and green with every debris of the winter s flooding and sycamores with mottled white recumbent limbs and branches that arch over the pool (STEINBECK sd 1)
118 So I am left as the clicheacute goes to be both judge and jury Here my ambivalent and ambiguous nature makes a decision difficult approaching the impossible just as translation in reverse can only approach the possible and never get there
Traduccedilatildeo para o portuguecircs por Paula Goacutees Disponiacutevel em httptalqualmentewordpresscom20080315para-entrar-no-clima-uma-citacao-de-gregory-rabassa Acesso em 20 de maio de 2009
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ALGUMAS milhas ao sul de Soledad o rio Salinas desce bem junto flanco da colina e corre profundo e verde A aacutegua eacute tambeacutem morna porque antes de chegar ao estreito poccedilo ela desliza cintilando ao sol por socircbre as areias amarelas De um lado do rio as douradas encostas da colina sobem numa curva ateacute as montanhas Gabilan fortes e rochosas mas do lado do vale a aacutegua estaacute orlada de aacutervores salgueiros frescos e verdes a cada primavera e cujas focirclhas inferiores retecircm nas suas intersecccedilotildees o cisco das enchentes de inverno sicocircmoros de focirclhas e galhos dum branco mosqueado que se alongam e arqueiam sobre a aacutegua parada (VERIacuteSSIMO 1940 6)
A poucos quilocircmetros ao sul de Soledad o rio Salinas desce bem junto ao flanco da colina e corre profundo e verde Sua aacutegua eacute morna pois desliza cintilando ao sol por sobre areias amarelas antes de alcanccedilar o estreito lago natural De um lado do rio os flancos dourados da colina sobem sinuosos ateacute as montanhas Gabilan fortes e rochosas mas do lado do vale a aacutegua acha-se orlada de aacutervores
salgueiros frescos e verdes a cada primavera mostrando nas junccedilotildees das folhas interiores fragmentos rochosos das enchentes de inverno sicocircmoros com troncos e ramos brancos pintalgados debruccedilam-se tambeacutem sobre a aacutegua imoacutevel (CAMPELLO 1991 5)
ALGUNS QUILOcircMETROS ao sul de Soledad o rio Salinas aproxima-se do sopeacute das colinas e fica bem profundo e verde A aacutegua tambeacutem eacute quente por deslizar reluzente sobre as areias amarelas banhadas pelo sol antes de chegar agrave lagoa estreita De um lado do rio as encostas das colinas sobem ateacute as montanhas Gabilan fortes e rochosas mas do lado do vale a aacutegua se faz acompanhar por uma fileira de aacutervores
chorotildees que se renovam verdejantes a cada primavera segurando nos entroncamentos das folhas mais baixas os restos das enchentes de inverno e plaacutetanos com troncos e galhos cobertos de manchas brancos e recurvados que se arqueiam por sobre a lagoa (BAN 2005 11)
Essa tendecircncia da narrativa permeia toda a obra A seguinte amostra retirada do
iniacutecio do segundo capiacutetulo apresenta a descriccedilatildeo da casa dos peotildees
THE bunk-house was a long rectangular building Inside the walls were whitewashed and the floor unpainted In three walls there were small square windows and in the fourth a solid door with a wooden latch ( ) (STEINBECK sd 18)
A casa dos peotildees era um comprido edifiacutecio retangular Por dentro as paredes estavam caiadas e o piso natildeo tinha pintura Em trecircs dessas paredes havia pequenas janelas quadradas e na quarta uma soacutelida porta com trinco de madeira () (VERIacuteSSIMO 1940 36)
A casa dos peotildees era um edifiacutecio comprido e retangular
com paredes internas caiadas Seu piso natildeo fora pintado e trecircs das paredes exibiam pequenas janelas quadradas na quarta parede havia uma porta soacutelida com trinco de madeira () (CAMPELLO 1991 19)
A CASA DOS PEOtildeES era uma construccedilatildeo comprida e retangular
um tipo de barracatildeo Laacute dentro as paredes eram caiadas e o chatildeo natildeo tinha pintura Em trecircs paredes havia janelas quadradas pequenas e na quarta uma porta bem soacutelida com uma tranca de madeira () (BAN 2005 31)
Na primeira sentenccedila em destaque pode-se perceber que haacute variaccedilotildees em cada
traduccedilatildeo na estrutura das sentenccedilas na sua extensatildeo e nas escolhas lexicais enquanto
155
Veriacutessimo elabora uma traduccedilatildeo que segue a mesma estrutura sintaacutetica do texto de partida
percebe-se que Campello constroacutei uma sentenccedila maior intercalando parte da proacutexima
sentenccedila do texto em inglecircs ( com paredes internas caiadas ) A traduccedilatildeo de Ban possui uma
expressatildeo explicativa ( um tipo de barracatildeo ) ausente no texto de partida Algumas
diferenccedilas satildeo observadas na traduccedilatildeo de a long rectangular building um comprido edifiacutecio
retangular (Veriacutessimo)um edifiacutecio comprido e retangular (Campello)uma construccedilatildeo
comprida e retangular (Ban) Assim enquanto Veriacutessimo e Campello preferem a palavra
edifiacutecio Ban usa construccedilatildeo Veriacutessimo antecipa a posiccedilatildeo do adjetivo (comprido) em relaccedilatildeo
ao substantivo (edifiacutecio) em comprido edifiacutecio
retangular Tanto Campello como Ban nesse
caso colocam o adjetivo depois do substantivo Percebe-se que a antecipaccedilatildeo do adjetivo
intensifica o seu valor e portanto haacute ligeira mudanccedila de significado na expressatildeo escolhida
por Veriacutessimo em relaccedilatildeo agraves escolhas dessas duas tradutoras
O capiacutetulo trecircs tambeacutem principia com uma descriccedilatildeo do cenaacuterio onde a accedilatildeo seraacute
desenvolvida
ALTHOUGH there was evening brightness
showing through the windows of the bunk-house inside it was dusk Through the open door came the thuds and occasional clangs of a horseshoe game and now and then the sound of voices raised in approval or derision (STEINBECK sd 40)
EMBORA ainda se visse o resplendor do entardecer
nas janelas do dormitoacuterio dos peotildees laacute dentro havia lusco-fusco Atraveacutes da porta aberta vinham batidas abafadas tinidos espaccedilados de um jocircgo de ferraduras e de vez em quando o som de vozes que se erguiam para aplaudir ou mofar (VERIacuteSSIMO 1940 76)
Embora o brilho do crepuacutesculo
ainda se mostrasse pelas janelas do alojamento dos peotildees a obscuridade se instalara do lado de dentro Atraveacutes da porta aberta chegavam as batidas abafadas e os tinidos de um jogo de ferradura De vez em quando vozes se erguiam para aplaudir ou zombar (CAMPELLO 1991 37)
APESAR DE A CLARIDADE do anoitecer
penetrar pelas janelas da casa dos peotildees laacute dentro estava escuro Pela porta aberta vinham os ruiacutedos abafados
e os tinidos
de um jogo de ferradura e de vez em quando o som das vozes que se erguiam em sinal de aprovaccedilatildeo ou de lamento (BAN 2005 58)
Em evening brightness (Steinbeck)o resplendor do entardecer (Veriacutessimo)o
brilho do crepuacutesculo (Campello)A CLARIDADE do anoitecer (Ban) as palavras resplendor
(Veriacutessimo) e brilho (Campello) tecircm significado mais proacuteximos entre si e entre brightness
(Steinbeck) enquanto que claridade (Ban) perde um pouco da intensidade expressiva Haacute
diferenccedilas entre evening (Steinbeck)entardecer (Veriacutessimo)crepuacutesculo (Campello)anoitecer
(Ban) devido agrave sutileza da palavra evening que natildeo pode ser expressa em portuguecircs por uma
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soacute palavra sem que haja imprecisatildeo de significado Na verdade essa palavra inglesa refere-se
ao periacuteodo do dia compreendido entre o final da tarde e o iniacutecio da noite Quanto agrave traduccedilatildeo
de the bunk-house em outros trechos traduzidos pelos trecircs tradutores como a casa dos peotildees
verificam-se mudanccedilas de escolha por parte de Veriacutessimo (o dormitoacuterio dos peotildees) e
Campello (o alojamento dos peotildees) Ban demonstra regularidade pois manteacutem a mesma
escolha que fez anteriormente (a casa dos peotildees) A observaccedilatildeo mais marcante se faz em
relaccedilatildeo a in approval or derision (Steinbeck)para aplaudir ou mofar (Veriacutessimo)para
aplaudir ou zombarem sinal de aprovaccedilatildeo ou de lamento (Ban) em que as opccedilotildees de
Veriacutessimo e Campello satildeo bem proacuteximos em significado e Ban por sua vez apresenta um
vocaacutebulo de significaccedilatildeo bem diferente (lamento) em relaccedilatildeo ao texto de partida (derision) e
agraves escolhas de Veriacutessimo (mofar) e Campello (zombar)
No capiacutetulo 4 surge o negro Crooks em suas acomodaccedilotildees junto do celeiro que
tambeacutem servia de estaacutebulo
Crooks the negro stable buck had his bunk in the harness room a little shed that leaned off the wall of the barn ( ) (STEINBECK sd 70)
CROOKS o peatildeo negro tinha a sua tarimba no quarto dos arreios um pequeno puxado junto da parede do celeiro que tambeacutem fazia as vezes de estaacutebulo () (VERIacuteSSIMO 1940 129)
O catre de Crooks o peatildeo negro ficava no quarto dos arreios um pequeno depoacutesito junto agrave parede do celeiro () (CAMPELLO 1991 63)
O CATRE DE CROOKS o estribeiro negro ficava no quarto dos arreios um puxadinho que saiacutea da parede do celeiro () (BAN 2005 93)
Nesse trecho a primeira diferenccedila lexical notada eacute referente agrave palavra inglesa
bunk traduzida por Veriacutessimo como tarimba enquanto que Campello e Ban usam a palavra
catre Outra diferenccedila diz respeito agrave expressatildeo the negro stable buck traduzida por Veriacutessimo
e Campello como o peatildeo negro e por Ban como o estribeiro negro Tambeacutem haacute diferenccedilas
relativas a a little shed um pequeno puxado (Veriacutessimo)um pequeno depoacutesito (Campello)um
puxadinho (Ban) Eacute importante perceber que em relaccedilatildeo ao vocaacutebulo barn Veriacutessimo sente
necessidade de dizer algo mais sobre o seu significado aleacutem da escolha pela palavra celeiro
esse tradutor acrescenta uma expressatildeo explicativa isto eacute que tambeacutem fazia as vezes de
estaacutebulo As tradutoras Campello e Ban apenas traduzem barn como celeiro
As primeiras linhas do capiacutetulo 5 seguem a mesma tendecircncia de descrever o
ambiente onde a accedilatildeo vai se realizar
157
ONE end of the great barn
was piled high with new hay
and over the pile hung the
four-taloned Jackson fork suspended from its pulley The hay came down like a mountain slope to the other end of the barn and there was a level place as yet unfilled with the new crop At the sides the feeding racks
were visible and between
the slats the heads of horses could be seen ( ) (STEINBECK sd 89)
NUMA das extremidades do grande celeiro que em parte era tambeacutem estaacutebulo via-se alta pilha de feno novo Por cima dela pendia a forquilha mecacircnica de quatro pontas suspensa de sua roldana O feno caiacutea como a encosta duma montanha para a outra extremidade do celeiro e havia um lugar no nivel do chatildeo ainda natildeo ocupado pela nova colheita Dos lados ficavam as mangedouras
e entre as barras de cada um distinguiam-se as cabeccedilas dos cavalos (VERIacuteSSIMO 1940 164)
Numa das extremidades do grande estaacutebulo
jazia um alto monte de feno pendurada sobre ele suspensa de uma roldana via-se a forquilha mecacircnica de quatro pontas O feno descia como uma encosta de montanha ateacute o outro extremo do estaacutebulo havendo um local no chatildeo que ainda natildeo fora preenchido com a nova colheita Nas partes laterais ficavam as manjedouras podendo-se ver por entre suas barras as lustrosas cabeccedilas dos cavalos (CAMPELLO 1991 79)
EM UMA DAS EXTREMIDADES do grande celeiro
havia uma pilha alta de feno novo
e sobre a pilha estava pendurado pelo cabo o grande garfo de quatro dentes para recolher feno O monte caiacutea como a encosta de uma montanha do outro lado do celeiro onde havia um local nivelado que ainda natildeo tinha recebido a nova colheita Ao lado viam-se as manjedouras
e entre as taacutebuas as cabeccedilas dos cavalos (BAN 2005 116)
Nesse fragmento novamente a palavra barn de acordo com o contexto da
histoacuteria eacute um celeiro mas que tambeacutem serve em parte como estaacutebulo Assim Veriacutessimo
preocupa-se em dar essa explicaccedilatildeo (grande celeiro que em parte era tambeacutem estaacutebulo)
ausente no texto de partida Assim as duas tradutoras divergem entre si quanto ao vocaacutebulo
empregado estaacutebulo (Campello) e celeiro (Ban)
O sexto e uacuteltimo capiacutetulo retoma o cenaacuterio bucoacutelico do iniacutecio da obra em que a
natureza da regiatildeo da Califoacuternia onde a histoacuteria se passa eacute mostrada em seus aspectos mais
belos
The deep green pool of the Salinas River was still in the late afternoon Already the sun had left the valley to go climbing up the slopes of the Gabilan mountains and the hilltops were rosy in the sun But by the pool among the mottled sycamores a pleasant shade had fallen (STEINBECK sd 105)
A funda bacia verde do Rio Salinas estava muito parada naquele fim de tarde O sol jaacute havia deixado o vale para ir trepando pelas encostas das montanhas de Gabilan e os cumes dos outeiros estavam tocados duma luz rosada Junto do poccedilo poreacutem entre os sicocircmoros mosqueados havia caiacutedo uma sombra agradaacutevel (VERIacuteSSIMO 1940 195)
158
O profundo lago verde do rio Salinas estava imoacutevel naquele fim de tarde O sol jaacute abandonara o vale para escalar as encostas das montanhas Gabilan com seus cumes agora rosados pela luz Junto ao lago entretanto e por entre os sicocircmoros pintalgados descera uma agradaacutevel sombra (CAMPELLO 1991 93)
A LAGOA PROFUNDAMENTE verde do rio Salinas estava imoacutevel naquele fim de tarde O sol jaacute tinha deixado o vale para escalar as encostas das montanhas Gabilan e o topo das colinas estava rosado Mas ao lado da lagoa entre os plaacutetanos sarapintados uma sobra agradaacutevel tinha caiacutedo (BAN 2005 135)
A partir desses trechos traduzidos percebe-se uma diferenciaccedilatildeo linguumliacutestica natildeo
soacute no que diz respeito agraves escolhas feitas por cada tradutor mas tambeacutem no que diz respeito agrave
ortografia oficial da liacutengua portuguesa diferente para cada eacutepoca Isto se deve agraves reformas
ortograacuteficas que ocorreram no Brasil Dentre elas as de 1942 e 1971 compreendem o periacuteodo
das traduccedilotildees de Of mice and men utilizadas aqui como material de estudo as traduccedilotildees de
1940 de Eacuterico Veriacutessimo (revista e reeditada outras vezes em conformidade com a reforma
ortograacutefica de 1942 por exemplo numa publicaccedilatildeo de 1968 da Editorial Bruguera) de 1991
de Myriam Campello e de 2005 de Ana Ban Estas duas traduccedilotildees mais recentes apresentam
a ortografia oficial de 1971 ressalvadas as questotildees relacionadas com o dialeto dos
personagens A traduccedilatildeo de Veriacutessimo de 1940 eacute a que conteacutem mais diferenccedilas ortograacuteficas
em relaccedilatildeo agrave norma-padratildeo de 1971119 Aleacutem disso eacute claro normalmente se percebem
mudanccedilas que ocorrem de modo natural nas escolhas lexicais em virtude da passagem do
tempo e das idiossincrasias de cada tradutor
Assim por exemplo podem ser notadas diferenccedilas entre as traduccedilotildees como no
fragmento abaixo extraiacutedo do capiacutetulo 1 em que a diferenccedila mais notaacutevel eacute em relaccedilatildeo agrave
ortografia enquanto Campello e Ban grafam a preposiccedilatildeo sobre conforme a norma-padratildeo
atual Veriacutessimo usa essa palavra com um acento circunflexo (socircbre) conforme a norma-
padratildeo de seu tempo
over the yellow sands (STEINBECK sd 1)
por socircbre as areias amarelas (VERIacuteSSIMO 1940 6)
por sobre areias amarelas (CAMPELLO 19915)
sobre as areias amarelas (BAN 2005 11)
119 Eacute imprescindiacutevel lembrar que anda em curso uma uacuteltima reforma ortograacutefica da liacutengua portuguesa graccedilas a um acordo internacional entre os paiacuteses lusofocircnicos em vigor a partir de janeiro de 2009 Seus efeitos entretanto seratildeo mais perceptiacuteveis no decurso de um prazo mais longo no tempo o que natildeo se pode determinar com precisatildeo Por isso para as escritas e anaacutelises desta dissertaccedilatildeo seraacute tomada como referecircncia principal a reforma anterior ou seja a que foi publicada conforme a Lei nordm 5765 de 18 de dezembro de 1971 e que ainda hoje vigora (2009)
159
Espeacutecies de aacutervores citadas no capiacutetulo 1 por exemplo como willows e
sycamores (STEINBECK sd 1) tecircm nomes diferentes enquanto Veriacutessimo e Campello
traduzem willows por salgueiros Ban prefere chorotildees Quanto a sycamores a opccedilatildeo de
Veriacutessimo e de Campello eacute por sicocircmoros e a de Ban eacute por plaacutetanos
Outra diferenccedila de ortografia aparece no capiacutetulo 5 na traduccedilatildeo de feeding racks
(STEINBECK sd 89) que Veriacutessimo traduz por mangedoura escrita com g enquanto
Campello e Ban escrevem essa palavra com j
(manjedoura) conforme a ortografia oficial
vigente
52 A linguagem dos diaacutelogos
Quanto aos diaacutelogos escritos em itaacutelico nos exemplos abaixo Steinbeck procurou
adequar a linguagem ao perfil dos personagens habitantes da zona rural Trata-se de um
dialeto regional enquadrado numa variedade estigmatizada e que ao mesmo tempo eacute
coloquial e rude Entretanto cada um dos trecircs tradutores traz um tipo de linguagem diferente
em portuguecircs tratando o dialeto agrave sua proacutepria maneira como se vecirc no exemplo abaixo
retirado do primeiro capiacutetulo
Lennie he said sharply Lennie for God s sake don t drink so much Lennie continued to snort into the pool The small man leaned over and shook him by the shoulder Lennie You gonna be sick like you was
last night
( ) Tha s good
he said You drink some George You take a good big drink ( ) I ain t
sure it s good water he [George] said Looks kinda
scummy
(STEINBECK sd 2-3)
Lennie disse ecircle secamente
Lennie por amor de Deus natildeo bebas tanto assim O outro continuava a refocilar ruidosamente no poccedilo O camarada inclinou-se sobre ele e sacudiu-o pelos ombros
Lennie Vais ficar doente como na noite passada ()
Que coisa boa
disse ecircle
Bebe um pouco George Bebe um gole bem grande ()
Natildeo sei
se essa aacutegua eacute boa [disse George] Parece meio escumosa (VERIacuteSSIMO 1940 8-9)
Lennie
disse riacutespido
Lennie pelo amor de Deus natildeo bebe
tanto O outro continuou a resfolegar no lago O homem pequeno inclinou-se e sacudiu-o pelo ombro
Lennie vocecirc vai ficar doente que nem na noite passada () Taacute oacutetima Toma um pouco George Toma um bom gole ()
Natildeo sei se essa aacutegua eacute boa Parece meio espumosa (CAMPELLO 1991 6-7)
160
Lennie
disse com severidade
Lennie pelo amor de Deus num bebe tanto
assim Lennie continuou a beber ruidosamente O homenzinho se abaixou e o sacudiu pelo ombro
Lennie Ocecirc vai se sentir mal igual na noite passada () Foi bom disse Bebe um pouco George Bebe um golatildeo ()
Num sei
se essa aacutegua eacute boa
disse [George]
Parece meio cheia de lodo (BAN
2005 12-13)
A observaccedilatildeo desses fragmentos traduzidos permite concluir que a traduccedilatildeo de
Eacuterico Veriacutessimo utiliza uma variedade linguumliacutestica mais formal e que resulta em alteraccedilotildees
mais substanciais em relaccedilatildeo ao texto de partida pois apesar de conservar a coloquialidade
os efeitos da fala caracteriacutestica do texto em inglecircs satildeo suavizados ou perdidos Myriam
Campello por sua vez transforma essa linguagem numa variedade que embora permaneccedila
coloquial e menos formal que a de Veriacutessimo ainda assim soa mais educada do que a
linguagem escolhida por Steinbeck isto eacute os falantes parecem ter um niacutevel educacional maior
do que no texto de partida Ana Ban tenta conservar os efeitos do dialeto dos personagens
O maior grau de formalidade da traduccedilatildeo de Veriacutessimo pode ser vista por
exemplo na sua preferecircncia pelo uso dos verbos na segunda pessoa do singular - ()
Lennie por amor de Deus natildeo bebas
tanto assim - Lennie Vais ficar
doente ()
(VERIacuteSSIMO 1940 8-9) Campello por sua vez em lugar da segunda pessoa tu utiliza uma
forma mais popular vocecirc ou o verbo no imperativo bebe de uma bem comum de falar do
brasileiro em situaccedilotildees cotidianas informais mas que ainda constitui um meio-termo entre a
polidez de Veriacutessimo e a linguagem mais rude estigmatizada dos personagens de Steinbeck
() Lennie pelo amor de Deus natildeo bebe
tanto - Lennie vocecirc vai ficar
doente ()
(CAMPELLO 1991 6-7) Por fim Ban adota um dialeto caipira transformando vocecirc em ocecirc
- Lennie Ocecirc vai se sentir mal () (BAN 2005 12-13) O dialeto caipira utilizado por Ban
fica evidente tambeacutem pelo uso da palavra num em lugar de natildeo natildeo
(VERIacuteSSIMO 1940
8-9) natildeo (CAMPELLO 1991 6 7) num (BAN 2005 12-13)
No capiacutetulo 2 outra amostra da linguagem dos diaacutelogos eacute traduzida da seguinte
maneira
Tell you what
said the old swamper This here blacksmith
name of Whitey
was the kind of guy that would put that stuff around even if there wasn t no bugs
just to make sure see Tell you what he used to do () (STEINBECK sd 20)
- Vou lhe
dizer retorquiu o velho
Ecircsse ferreiro um tal Whitey era desses camaradas que usam inseticida ateacute quando natildeo haacute piolhos Soacute por precauccedilatildeo compreende Pois vou lhe
contar o que ecircle costumava fazer () (VERIacuteSSIMO 1940 40)
161
- Vou te
contar
disse o velho
Esse ferreiro um tal de Whitey era o tipo do
sujeito que espalhava esse negoacutecio por aiacute mesmo sem qualquer inseto Soacute por seguranccedila sabe Vou te
contar o que costumava fazer () (CAMPELLO 1991
20)
- Vocirc te dizecirc uma coisa
respondeu o velho ajudante Esse ferrero aiacute o nome dele
era Whitey era o tipo de sujeito que espalhava uns negoacutecio desses aiacute memo quando num tinha bicho nenhum soacute pra tecirc certeza sabe como eacute Vocirc te contaacute o que ele costumava fazecirc() (BAN 2005 33)
Nessas traduccedilotildees haacute uma inconsistecircncia por parte de Veriacutessimo que utiliza o
pronome obliacutequo lhe quando na verdade o pronome te ficaria em consonacircncia com a
tendecircncia desse tradutor em usar a segunda pessoa do singular
tu Isso se configura
portanto como um desvio da norma-padratildeo Campello e Ban por sua vez se valem do
pronome obliacutequo te natildeo por esse motivo mas por causa do uso comum da linguagem
coloquial brasileira que natildeo obriga a concordacircncia de te com tu Nesse caso te refere-se a
vocecirc (padratildeo utilizado por Campello) ou ocecirc (padratildeo utilizado por Ban) ou seja haacute tambeacutem
um desvio da norma-padratildeo mas que estaacute de acordo com a linguagem mais informal (oral)
escolhida pelas tradutoras
As traduccedilotildees dos recortes do capiacutetulo 3 abaixo revelam mais dados sobre
diferenccedilas de linguagem
He ain t no cuckoo said George He s dumb as hell but he ain t crazy An I ain t so bright neither or I wouldn t be buckin barley
for my fifty and found ( ) (STEINBECK sd 41)
- Natildeo ecircle natildeo eacute maluco
replicou George
Eacute imbecil como um burro mas natildeo eacute louco E eu tambeacutem natildeo sou tatildeo vivo pois si fosse natildeo estava carregando cevada
por cincoenta doacutelares e mais a comida () (VERIacuteSSIMO 1940 78-79)
- Ele natildeo eacute maluco
disse George
Eacute bastante imbecil mas natildeo eacute maluco E eu tambeacutem natildeo sou tatildeo esperto assim ou natildeo iria carregar cevada
por cinquumlenta pacotes e mais a comida () (CAMPELLO 1991 38)
- Ele num eacute tonto
George disse
Ele eacute burro feito uma porta mas num eacute loco E eu tambeacutem num socirc tatildeo isperto assim se natildeo num ia taacute aqui carregando cevada
pra ganhaacute cinquumlenta pau e a comida () (BAN 2005 59)
Nessas traduccedilotildees percebe-se com bastante clareza que Veriacutessimo tambeacutem utiliza
uma linguagem coloquial Na passagem pois si fosse natildeo estava
carregando cevada ()
(VERIacuteSSIMO 1940 78-79) a expressatildeo natildeo estava natildeo segue a norma-padratildeo pois o
verbo conjugado no preteacuterito imperfeito do indicativo deveria ser colocado no futuro do
preteacuterito ( natildeo estaria ) Tal coloquialismo no entanto somente provoca um decreacutescimo no
162
grau de formalidade expressa por Veriacutessimo natildeo constituindo essa linguagem ainda um
padratildeo estigmatizado Campello desta vez apresenta uma linguagem mais formal seguindo a
norma-padratildeo Jaacute Ban continua apresentando regularidade quanto ao dialeto que escolheu
Em outro exemplo no capiacutetulo 4 o niacutevel coloquial do texto de partida se
apresenta principalmente pelo uso de expressotildees idiomaacuteticas o tom (expressando ironia)
aleacutem da fala tiacutepica dos personagens em seu dialeto estigmatizado da liacutengua inglesa
Sure
I ve gotta
husban You all seen him Swell guy ain t he
Spends all his time sayin what he s gonna do to guys he don t like and he don t like nobody ( ) Say
what happened to Curley s han ( ) (STEINBECK sd 82)
- Claro
que tenho marido Todos sabem Um homem formidaacutevel natildeo eacute
Passa todo o tempo dizendo o que vai fazer com os tipos que ecircle tem raiva e ecircle natildeo gosta de ningueacutem () Escutem o que eacute que o Crespinho tem na matildeo (VERIacuteSSIMO 1940 151-153)
- Claro que tenho marido
Todos vocecircs jaacute viram Sujeito formidaacutevel natildeo eacute
Passa o tempo todo dizendo o que vai fazer com os caras que detesta E ele detesta todo mundo ()
Me digam o que que houve com a matildeo do Curley (CAMPELLO 1991 73)
- Eacute claro que eu tenho marido
Oceis tudo jaacute viu ele Ele eacute um bom sujeito neacute Passa o tempo todo falando o que eacute que ele vai fazecirc com os sujeito que ele num gosta E ele num gosta de ningueacutem () Diz uma coisa o que foi que aconteceu co a matildeo do Curley (BAN 2005 108)
Assim a expressatildeo Sure I ve gotta
husban
(ou Sure I ve got a
husband)
encontra nas suas trecircs traduccedilotildees muita semelhanccedila - Claro que tenho marido
(Veriacutessimo)-
- Claro que tenho marido
(Campello) - Eacute claro que eu tenho marido
(Ban) Uma das
diferenccedilas fica por conta do ponto de exclamaccedilatildeo utilizado por Campello enquanto que
Veriacutessimo e Ban usam um ponto O ponto de exclamaccedilatildeo confere mais expressividade
denotando o humor ou estado psicoloacutegico da personagem
entretanto ele estaacute ausente no
texto de partida A expressatildeo idiomaacutetica Swell guy ain t he caracteriacutestica pelo uso do
adjetivo swell de uso informal ou antigo conforme Hornby (2000 1369) e o desvio da
norma-padratildeo ain t (contraccedilatildeo do verbo to be + not) revela pelo contexto uma ironia
traduzida assim - Um homem formidaacutevel natildeo eacute
(Veriacutessimo) - Sujeito formidaacutevel natildeo
eacute (Campello) - Ele eacute um bom sujeito neacute (Ban) Nessas traduccedilotildees a ironia eacute mantida
O seguinte exemplo retirado do capiacutetulo 1 serve para ilustrar como os pronomes
satildeo traduzidos
163
The hell with what I says You remember about us goin into Murray and Ready s
and they give us work cards and bus tickets
(STEINBECK sd 5)
- Diabo Pouco importa o que eu disse Tu te lembras que fomos agrave casa de Murray e Ready e que nos deram cartotildees de trabalho e passagens de ocircnibus
(VERIacuteSSIMO
1940 12)
- Que se dane o que eu disse Lembra
que a gente foi na casa de Murray e Ready e eles deram pra noacutes cartotildees de trabalho e passagens de ocircnibus (CAMPELLO 1991 8)
- Que se dane o que eu disse Ocecirc lembra
que a gente entrou no escritoacuterio do Murray e do Ready e que eles deu pra gente uns cartatildeo de trabaio e umas passagem de ocircnibus (BAN 2005 16)
Novamente se observa a preferecircncia de Veriacutessimo pelo pronome tu regendo o
verbo
Tu te lembras () o que eacute uma marca incomum na oralidade da liacutengua
portuguesa e tambeacutem em termos dos personagens de Steinbeck Jaacute Campello estrutura a
oraccedilatildeo deixando impliacutecito o sujeito vocecirc por causa da regecircncia do verbo lembra ( vocecirc
lembra ) Ban prefere colocar o sujeito expresso por ocecirc mantendo-se consistente com a
sua proposta de estilo
Nesse mesmo capiacutetulo outros exemplos ilustram o uso de pronomes nas seguintes
traduccedilotildees
Uh-huh Jus a dead mouse George I didn t kill it Honest I found it I found it dead
(STEINBECK sd 5)
- Ahaacute Soacute um rato morto George Natildeo fui eu que matei Palavra Achei ecircle Achei ecircle
morto
(VERIacuteSSIMO 1940 14)
- Hatilde-hatilde Soacute um rato morto George Eu natildeo matei ele juro Jaacute tava morto Encontrei ele morto (CAMPELLO 1991 8)
- Natildeo Soacute um rato morto George num fui eu que matou Seacuterio Eu achei Achei morto (BAN 2005 16)
Veriacutessimo usa o tom coloquial e pratica desvios da norma-padratildeo como no caso
do uso de pronomes do caso reto como objeto direto ( Achei ecircle ) Campello repete essa
estrutura (ao escolher natildeo matei ele ao inveacutes de natildeo o matei ) e ao usar o verbo tava
em lugar de estava assinala o tom coloquial Ban apesar de natildeo repetir essa mesma
estrutura sintaacutetica (ela decide por que matou achei morto ) conserva o estilo do dialeto
caipira ao usar as palavras num em lugar de natildeo
164
521 O dialeto dos personagens
O dialeto do texto de partida nos diaacutelogos apresenta relativa uniformidade ou
regularidade conforme o uso individual dos personagens Isso demonstra a preocupaccedilatildeo de
Steinbeck com uma espeacutecie de identidade de classe (trabalhadores humildes oprimidos e de
baixa escolaridade) representando uma fala tiacutepica localizada em um tempo (deacutecada de 1930)
e espaccedilo especiacuteficos (regiatildeo rural da cidade de Soledad Califoacuternia
Estados Unidos)
Steinbeck de modo geral natildeo coloca ou explora muito eventuais diferenccedilas linguumliacutesticas
individuais dos personagens de Of mice and men Trata-se de um registro linguumliacutestico que
apresenta variaccedilotildees de tom como qualquer manifestaccedilatildeo da liacutengua oral No caso as variaccedilotildees
de tom perceptiacuteveis por exemplo pelo uso de sinais de pontuaccedilatildeo pela segmentaccedilatildeo ou
interrupccedilatildeo do texto ou ainda pelo uso do itaacutelico como em oscilaccedilotildees de humor ou outros
estados momentacircneos dos personagens como a) irritaccedilatildeo b) hesitaccedilatildeo c) entusiasmo d)
duacutevida
a) irritaccedilatildeo
Exemplo I (Capiacutetulo 1)
( ) Jes a little stretch
God-damn near four miles that s what it was ( ) (STEINBECK sd 4)
- () Soacute mais uma puxadinha Uma ova Quase quatro milhas isso eacute que eacute () (VERIacuteSSIMO 1940 10)
- () Soacute uma esticadinha
Seis quilocircmetros desgraccedilados isso sim () (CAMPELLO 1991 7)
- () Soacute uma caminhadinha curtinha
Que diabo foi mais de seis quilocircmetro isso sim () (BAN 2005 14)
No fragmento acima o discurso indireto marcado no texto de partida pela
expressatildeo Jes a little stretch
entre aspas normais revela certo inconformismo do
personagem George imitando a fala de outro personagem do romance
um motorista de
ocircnibus que lhe deu uma informaccedilatildeo errada As palavras a little stretch encontram nas trecircs
traduccedilotildees o recurso do diminutivo pelo sufixo inha bem caracteriacutestico do portuguecircs uma
puxadinha (Veriacutessimo) uma esticadinha (Campello) uma caminhadinha
curtinha (Ban)
165
Apenas se nota entre os trecircs tradutores que a soluccedilatildeo de Ban eacute um pouco mais longa e por
isso eacute menos direta talvez soando um pouco menos natural para a fala mais comum do
brasileiro normalmente raacutepida e sinteacutetica em situaccedilotildees semelhantes
Segue-se em discurso direto uma imprecaccedilatildeo que deixa clara a irritaccedilatildeo do
personagem George God-damn near four miles that s what it was De forma geral as trecircs
traduccedilotildees mantecircm esse tom de irritaccedilatildeo mesmo havendo escolhas diferentes por exemplo ao
se comparar as expressotildees Uma ova (Veriacutessimo) desgraccedilados (Campello) Que diabo
(BAN 2005 14) semanticamente similares nesse contexto A imprecisatildeo das medidas de
distacircncia
Quase quatro milhas
(Veriacutessimo) Seis quilocircmetros
(Campello) mais de seis
quilocircmetro
(Ban)
natildeo afeta significativamente a mensagem dos textos pois o mais
importante nesse trecho parece ser a manutenccedilatildeo do tom expresso pelo texto de partida
Apenas se observa que Veriacutessimo estrangeiriza ao utilizar a palavra milhas enquanto que as
outras tradutoras preferem domesticar com a referecircncia a quilocircmetros
Exemplo II (Capiacutetulo 2)
You was pokin your big ears
into our business George said I don t like nobody to get nosey (STEINBECK sd 25)
- Natildeo vocecirc estava escutando o que diziacuteamos insistiu George Natildeo gosto de gente curiosa (VERIacuteSSIMO 1940 50)
- Vocecirc tava pondo o nariz
onde natildeo eacute chamado
disse George
E eu natildeo gosto de gente abelhuda (CAMPELLO 1991 25)
- Ocecirc tava metendo as orelhona nos nosso assunto George disse Num gosto nem um poco de gente inxerida (BAN 2005 40)
O tom de irritaccedilatildeo novamente se conserva nas traduccedilotildees Veriacutessimo entretanto
ameniza um pouco esse tom ao traduzir numa linguagem menos agressiva que as escolhas de
Campello e Ban pokin your big ears
(Steinbeck) escutando (Veriacutessimo) pondo o nariz
(Campello) metendo as orelhona (Ban)
b) hesitaccedilatildeo
Exemplo I (Capiacutetulo 1)
166
Why sure George I remember that but what d we do then I remember some
girls come by and you says you says (STEINBECK sd 5)
- Claro George claro que me lembro mas que foi que a gente fez depois Eu me lembro dumas moccedilas que passaram e tu disseste tu disseste (VERIacuteSSIMO 1940 12)
- Ora George claro que eu lembro daquilo mas o que que a gente fez depois Lembro que algumas garotas chegaram e vocecirc disse vocecirc disse (CAMPELLO 1991 8)
- Mas claro que sim George lembro sim mas o que foi memo que a gente fez depois Lembro de umas moccedila que passocirc e ocecirc disse ocecirc disse (BAN 2005 15)
Nesse trecho os trecircs tradutores conforme o texto de partida marcam a hesitaccedilatildeo
de Lennie com reticecircncias A coloquialidade se manifesta em graus diferentes (em parte
por causa dos dialetos utilizados em cada traduccedilatildeo) variando do tom mais formal de
Veriacutessimo ao mais informal de Ban O tom coloquial eacute principalmente marcado pelo uso
de a gente nas trecircs traduccedilotildees
Exemplo II (Capiacutetulo 2)
Why he just quit the way a guy will (STEINBECK sd 20)
- Pois o homem foi embora quero dizer foi embora bem como os outros (VERIacuteSSIMO 1940 40)
- Ora ele foi embora pronto do mesmo modo que qualquer sujeito vai (CAMPELLO 1991 21)
- Sei laacute ele soacute pego e foi imbora do jeito que uns home vai (BAN 2005 33)
No exemplo II acima observa-se novamente o emprego das reticecircncias marcando
a hesitaccedilatildeo nas trecircs traduccedilotildees Nesse ponto a traduccedilatildeo de Veriacutessimo expressa um registro
mais formal em relaccedilatildeo agrave sua traduccedilatildeo apresentada no Exemplo I devido principalmente ao
uso de expressotildees mais relacionadas agrave linguagem escrita do portuguecircs brasileiro (quando na
verdade o texto de partida se refere a personagens humildes da zona rural numa conversa
rotineira do dia-a-dia segundo seu ambiente habitual) pois o homem quero dizer As
duas tradutoras mantecircm a tendecircncia do tom coloquial
167
c) entusiasmo
Exemplo I (Capiacutetulo 1)
Lennie broke in But not us An why Because because I got you to look after me and you got me to look after you and that s why
He laughed delightedly () (STEINBECK sd 14)
- Mas conosco eacute diferente
interrompeu Lennie
E por quecirc Porque porque eu tenho a ti pra cuidar de mim e tu tens a mim pra cuidar de ti por isso
Soltou uma gargalhada de prazer () (VERIacuteSSIMO 1940 30)
- Mas noacutes natildeo
interrompeu Lennie
E por quecirc Porque porque eu tenho vocecirc pra tomar conta de mim e vocecirc me tem pra tomar conta de vocecirc eacute por isso
Riu encantado () (CAMPELLO 1991 16)
Lennie interrompeu - Mas isso num vai acontece co a gente E por quecirc Porque porque eu tenho ocecirc pra cuidaacute de mim e ocecirc tem eu pra cuidaacute d ocecirc e eacute por isso
riu de tanta alegria () (BAN 2005 27)
Os elementos graacuteficos (itaacutelico negrito) e os sinais de pontuaccedilatildeo (exclamaccedilatildeo e
interrogaccedilatildeo) tecircm um papel importante neste exemplo revelando o entusiasmo ou alegria de
Lennie Assim enquanto Veriacutessimo utiliza o negrito na sua traduccedilatildeo as tradutoras Campello e
Ban preferem o itaacutelico O efeito produzido por cada traduccedilatildeo eacute bastante similar e independe
da escolha por itaacutelico ou negrito O mesmo pode ser dito em relaccedilatildeo ao uso das exclamaccedilotildees e
interrogaccedilotildees sem diferenccedilas aparentes em cada uma das trecircs traduccedilotildees O niacutevel da
linguagem das traduccedilotildees apresenta constacircncia conforme explanaccedilotildees anteriores variando do
registro mais formal de Veriacutessimo ( eu tenho a ti ) mediano de Campello ( eu tenho vocecirc )
e baixo estigmatizado de Ban ( eu tenho ocecirc )
Exemplo II (Capiacutetulo 3)
Jesus Christ I bet we could swing her His eyes were full of wonder (STEINBECK sd 63)
- Jesuacutes Cristo Acho que podemos comprar a chaacutecara
Seus olhos estavam cheios de admiraccedilatildeo (VERIacuteSSIMO 1940 117)
- Puxa Aposto que a gente podia segurar o siacutetio
Seus olhos estavam cheios de assombro (CAMPELLO 1991 56)
168
- Jesus Cristo Aposto memo que dava pra seguraacute ela
Seus olhos estavam cheios
de maravilhamento (BAN 2005 85)
Neste exemplo Jesuacutes Cristo (Veriacutessimo) Puxa (Campello) Jesus Cristo
satildeo escolhas que podem produzir o mesmo efeito a despeito da diferenccedila entre as expressotildees
Nota-se que Veriacutessimo grafa Jesuacutes com acento agudo assinalando a ortografia de sua
eacutepoca (1940) As exclamaccedilotildees utilizadas pelos trecircs tradutores na mesma situaccedilatildeo revelam a
surpresa e a satisfaccedilatildeoentusiasmo de George ao vislumbrar a possibilidade de realizar seu
sonho compartilhado por Lennie (adquirir uma pequena propriedade rural e levar uma vida
independente e feliz) Escolhas tradutoacuterias diferentes podem ser percebidas principalmente
em chaacutecara (Veriacutessimo) siacutetio (Campello) ela
(Ban) que natildeo revelam a mesma coisa
para a cultura brasileira em termos de propriedades rurais No caso de Ban a escolha por
ela natildeo deixa niacutetido a que tal palavra se refere entretanto isso estaacute de acordo com o texto
de partida ( her )
d) duacutevida
Exemplo I (Capiacutetulo 4)
Then if you know why you want to ast us where Curley is at (STEINBECK sd 81)
- Se sabe entatildeo retrucou o velho varredor por que vem nos perguntar onde estaacute o Crespinho (VERIacuteSSIMO 1940 150)
- Se sabe por que que taacute perguntando (CAMPELLO 1991 72)
- Entatildeo se a sinhora sabe por que eacute que a sinhora veio ateacute aqui perguntaacute pra gente se a gente sabe onde que o Curley taacute (BAN 2005 107)
Natildeo haacute dificuldade em se perceber a expressividade do ponto de interrogaccedilatildeo
expressando sua caracteriacutestica essencial a pergunta a duacutevida Nesse caso os trecircs tradutores
deixam isso bem marcado de modo bem similar ao texto de partida Outra vez o que mais
conta neste exemplo satildeo os diferentes dialetos de cada um dos trecircs tradutores reforccedilando a
tendecircncia jaacute mencionada anteriormente (do niacutevel mais formal em Veriacutessimo mediano em
Campello ateacute a liacutengua estigmatizada utilizada por Ban)
169
Exemplo II (Capiacutetulo 6)
Now what the hell ya suppose is eatin them two guys
(STEINBECK sd 113)
- Que diabo de bicho teraacute mordido aqueles dois camaradas (VERIacuteSSIMO 1940
209)
- O que seraacute que taacute roendo esses caras (CAMPELLO 1991 100)
- Caramba o que eacute qu ocecirc acha que eacute o problema desses dois aiacute (BAN 2005 145)
Neste uacuteltimo exemplo o texto de partida expressa algo mais do que a mera
duacutevida Trata-se de uma fala do personagem Carlson no final da obra que revela sua
indiferenccedila em relaccedilatildeo agrave morte de Lennie pela accedilatildeo de George numa cena em que Slim
consola George As trecircs traduccedilotildees manteacutem esse sentido apesar das escolhas serem diferentes
notadamente pelas expressotildees Que diabo de bicho () (Veriacutessimo) O que seraacute ()
(Campello) Caramba o que qu ocecirc acha que eacute o problema () (Ban)
O que foi dito a respeito do tom que foi relativamente mantido nos exemplos
acima mencionados todavia natildeo se aplica de forma plena quando o assunto eacute o dialeto dos
personagens Percebe-se nitidamente a falta de paralelismo entre as caracteriacutesticas do dialeto
inglecircs utilizado e as caracteriacutesticas dos dialetos da liacutengua portuguesa utilizados nas traduccedilotildees
Isso seraacute demonstrado com exemplos quando algumas caracteriacutesticas do dialeto vernacular
ou estigmatizado estadunidense presentes no dialeto dos personagens de Of mice and men satildeo
destacadas ao lado das traduccedilotildees em portuguecircs Essas caracteriacutesticas seratildeo divididas em sete
grupos a saber a) formas verbais regularizadas como na terceira pessoa do singular b) uso
generalizado da terceira pessoa do singular no passado simples do verbo to be como padratildeo
c) terceira pessoa do singular com o auxiliar do regularizado d) a dupla negativa e) omissatildeo
do verbo to have como auxiliar do present perfect f) uso de verbos irregulares no passado
simples como se fossem regulares g) a reduccedilatildeo de palavras quando faltam letras ou no seu
iniacutecio ou meio ou fim
a) Formas verbais regularizadas como na terceira pessoa do singular
Exemplo I (Capiacutetulo 1)
170
The hell with what I says () (STEINBECK sd 5) (I say)
- Diabo Pouco importa o que eu disse ( ) (VERIacuteSSIMO 1940 12)
- Que se dane o que eu disse () (CAMPELLO 1991 8)
- Que se dane o que eu disse ( ) (BAN 2005 16)
Exemplo II (Capiacutetulo 1)
() I remember some girls come by and you says you says
(STEINBECK
sd 5) (you say)
- () Eu me lembro dumas moccedilas que passaram e tu disseste tu disseste
(VERIacuteSSIMO 1940 12)
- () Lembro que algumas garotas chegaram e vocecirc disse vocecirc disse
(CAMPELLO 1991 8)
- () Lembro de umas moccedila que passocirc e ocecirc disse ocecirc disse (BAN 2005 15)
As irregularidades apontadas nos verbos em I says e you says natildeo encontram
similaridade em portuguecircs Normalmente o verbo correspondente a to say (dizer) se conjuga
assim eu disse tu dissestevocecirc disse eleela disse noacutes dissemos voacutes dissestesvocecircs
disseram eleselas disseram Mesmo que haja algum tipo de desvio dessas formas nunca
haveraacute simetria ou similaridade do portuguecircs em relaccedilatildeo agrave caracteriacutestica em inglecircs do uso
regularizado da terceira pessoa referindo-se agrave primeira pessoa do singular (I) e agrave segunda
pessoa do singular (you) conforme os exemplos
Desta feita eacute impossiacutevel transmitir em portuguecircs o efeito dos verbos em inglecircs na
terceira pessoa do singular com esse uso generalizado para todas as pessoas As traduccedilotildees
acima apenas revelam conforme cada caso variaccedilotildees linguumliacutesticas que vatildeo desde o niacutevel mais
formal (ainda que apresente em dados momentos caracteriacutesticas da oralidade e da fala
coloquial) utilizado por Veriacutessimo passando pela liacutengua essencialmente coloquial utilizada
por Campello ateacute chegar ao niacutevel da liacutengua estigmatizada a opccedilatildeo de Ana Ban 120
b) Uso generalizado da terceira pessoa do singular no passado simples do verbo to be como
padratildeo
Exemplo I (Capiacutetulo 1)
120 Essa tendecircncia por parte dos tradutores do niacutevel mais formal para o coloquial ateacute chegar ao niacutevel do dialeto estigmatizado se confirma em todos os exemplos utilizados a partir de Of mice and men segundo a preferecircncia de Egraverico Veriacutessimo (1940) Myriam Campello (1991) e Ana Ban (2005) respectivamente
171
They was
so little ( )
(STEINBECK sd 10) (they were)
- Ecircles eram tatildeo pequenos ( ) (VERIacuteSSIMO 1940 22)
- Eram tatildeo pequenos () (CAMPELLO 1991 12)
- Eles era tatildeo pequenininho ( ) (BAN 2005 22)
Exemplo II (Capiacutetulo 2)
( ) Says we was
here when we wasn t ( )
(STEINBECK sd 22) (we werewe
weren t)
- () Disse que estaacutevamos perto da fazenda e natildeo estaacutevamos () (VERIacuteSSIMO
1940 44)
- () Disse que a gente tava perto e era mentira () (CAMPELLO 1991 22)
- () Ele disse que jaacute tava perto mais num tava () (BAN 2005 36)
O verbo na terceira pessoa do singular generalizado para todas as pessoas tanto
do singular quanto do plural eacute um fenocircmeno anaacutelogo em portuguecircs As formas do verbo to be
em inglecircs no passado simples em conformidade com a norma-padratildeo (singular I was you
were hesheit was plural we were you were they were) como os exemplos mostram satildeo
unificadas somente pela forma was constituindo um desvio caracteriacutestico do dialeto de Of
mice and men Tal desvio pode ser transferido para o portuguecircs estigmatizado eu era tuvocecirc
era eleela era noacutesa gente era vocecircs era (o pronome voacutes natildeo eacute de uso comum na liacutengua
estigmatizada ou coloquial) eleselas era
Outro significado atribuiacutedo ao verbo to be eacute estar que no preteacuterito imperfeito
assume as formas eu estava tu estavasvocecirc estava eleela estava noacutes estaacutevamos voacutes
estaacuteveisvocecircs estavam eleselas estavam que pode na liacutengua estigmatizada ou coloquial
assumir a uacutenica forma tava (eu tava vocecirc tava vocecircs tava etc) A uacutenica diferenccedila entre o
inglecircs e o portuguecircs ficaria por conta dos pronomes pessoais do caso reto em inglecircs eles satildeo
imutaacuteveis ou seja as formas baacutesicas I you hesheit we you they permanecem constantes na
transposiccedilatildeo para o inglecircs estigmatizado Em portuguecircs ao contraacuterio os pronomes vocecirc noacutes e
vocecircs podem se constituir de outras maneiras na linguagem estigmatizada num acircmbito geral
que se refere agrave meacutedia comumente encontrada nas variedades do portuguecircs brasileiro
172
Norma-padratildeo Desvios
Singular
Eu
oslash
Tu
oslash
Vocecirc
ocecirccecirc
Ele
oslash
Ela
oslash
Norma-padratildeo Desvios
Plural
Noacutes
noacuteisa gente
Voacutes
oslash
Vocecircs
ocecirciscecircis
Eles
oslash
Elas
oslash
Apesar dessas possibilidades Veriacutessimo (1940) Campello (1991) e Ban (2005)
adotam posturas divergentes tanto no que diz respeito ao uso do verbo serestar no passado
quanto ao uso formas pronominais em suas traduccedilotildees
Exemplo I (Capiacutetulo 1)
They was
so little ( )
(STEINBECK sd 10)
- Ecircles
eram
tatildeo pequenos ( ) (VERIacuteSSIMO 1940 22)
- Eram tatildeo pequenos () (CAMPELLO 1991 12)
- Eles era
tatildeo pequenininho ( ) (BAN 2005 22)
Exemplo II (Capiacutetulo 2)
( ) Says we was here when we wasn t ( )
(STEINBECK sd 22)
- () Disse que estaacutevamos
perto da fazenda e natildeo estaacutevamos () (VERIacuteSSIMO
1940 44)
- () Disse que a gente tava perto e era mentira () (CAMPELLO 1991 22)
- () Ele disse que jaacute tava perto mais
num
tava () (BAN 2005 36)
A opccedilatildeo pela linguagem mais formal utilizada por Veriacutessimo em suas traduccedilotildees
tende a omitir os pronomes ou quando eles satildeo utilizados as suas formas obedecem ao
portuguecircs padratildeo que satildeo seguidas de formas verbais natildeo desviantes
As soluccedilotildees de Campello transmitem natildeo exatamente a liacutengua estigmatizada mas
a coloquial estampada por exemplo pelo uso do pronome a gente em vez de noacutes Os verbos
ser e estar dependendo do caso assumem suas formas padratildeo ou natildeo padratildeo (nos exemplos
eram como na norma-padratildeo e tava em lugar de estava)
173
Jaacute a tradutora Ana Ban procura marcar o dialeto com desvios de concordacircncia do
verbo com o sujeito ou utilizando a forma verbal tava em lugar de estava A configuraccedilatildeo
desse dialeto fica mais evidente ainda quando a conjunccedilatildeo adversativa mas se transforma em
mais e o adveacuterbio de negaccedilatildeo natildeo se adultera em num
c) Terceira pessoa do singular com o verbo to do (como auxiliar) regularizado
Exemplo I (Capiacutetulo 2)
( ) A guy on a ranch don t
never listen nor he don t
ast no questions
(STEINBECK sd 25) (A guy doesn the doesn t)
- () Numa fazenda a gente natildeo escuta o que os outros dizem nem anda fazendo perguntas (VERIacuteSSIMO 1940 50)
- () Quem trabalha numa fazenda nunca ouve nada nem faz perguntas (CAMPELLO 1991 25)
- () A gente aqui na fazenda nunca ouve nada nem faiz nenhuma pergunta (BAN 2005 40)
Exemplo II (Capiacutetulo 4)
Oh she don t
care (STEINBECK sd 73)
- Ora a cadela deixa (VERIacuteSSIMO 1940 134)
- Ah ela natildeo se importa (CAMPELLO 1991 65)
- Ah ela num taacute nem aiacute (BAN 2005 96)
O verbo auxiliar do natildeo encontra par ou similar na liacutengua portuguesa e acontece
como fenocircmeno gramatical exclusivo da liacutengua inglesa Este eacute um argumento que pode servir
para entender que o tradutor muitas vezes natildeo pode seguir o texto de partida palavra por
palavra mas sim tomar o sentido da liacutengua de partida pelo sentido na liacutengua de chegada Por
isso mesmo o problema da generalizaccedilatildeo do verbo auxiliar do para todas as pessoas verbais
(a terceira pessoa do singular acompanha normalmente a forma does) eacute intransponiacutevel para o
portuguecircs no niacutevel da palavra em si mesma Se for levado em conta o sentido pelo sentido
tambeacutem natildeo haacute soluccedilatildeo possiacutevel que possibilite a identificaccedilatildeo dessa marca dialetal inglesa
para outra em portuguecircs
174
d) A dupla negativa
Exemplo I (Capiacutetulo 1)
They don t belong no place (STEINBECK sd 14)
- Natildeo pertencem a nenhum lugar (VERIacuteSSIMO 1940 29 30)
- Natildeo pertencem a lugar nenhum (CAMPELLO 1991 15)
- Essa gente num pertence a lugaacute nenhum (BAN 2005 27)
Exemplo II (Capiacutetulo 2)
I won t get in no
trouble George (STEINBECK sd 16)
- Natildeo vou me meter em enrascadas George (VERIacuteSSIMO 1940 34)
- Natildeo vou me meter em confusatildeo George (CAMPELLO 1991 17)
- Eu num vocirc me metecirc em confusatildeo nenhuma George (BAN 2005 29)
Exemplo III (Capiacutetulo 2)
( ) A guy
on a ranch don t
never
listen nor he don t
ast no
questions
(STEINBECK sd 25) (A guy doesn the doesn t)
- () Numa fazenda a gente natildeo escuta o que os outros dizem nem anda fazendo perguntas (VERIacuteSSIMO 1940 50)
- () Quem trabalha numa fazenda nunca ouve nada nem faz perguntas (CAMPELLO 1991 25)
- () A gente aqui na fazenda nunca ouve nada nem faiz nenhuma pergunta (BAN 2005 40)
A dupla negativa outro desvio da norma-padratildeo da liacutengua inglesa tambeacutem eacute um
fenocircmeno que natildeo encontra similaridade na liacutengua portuguesa A caracterizaccedilatildeo do dialeto
estigmatizado a exemplo do que fez Ban no exemplo III se vale de outros recursos pela
coloquialidade expressa pela locuccedilatildeo pronominal a gente e a sonoridade popular do verbo
fazer na terceira pessoa do singular resultante em faiz em lugar de faz
e) Omissatildeo do verbo to have como auxiliar do present perfect
Exemplo I (Capiacutetulo 1)
175
I been
mean ain t I (STEINBECK sd 13) (I ve been)
- Fui mesquinho contigo hein (VERIacuteSSIMO 1940 28)
- Fui mau natildeo eacute (CAMPELLO 1991 15)
- Eu fui mau neacute (BAN 2005 26)
Exemplo II (Capiacutetulo 2)
I seen her give Slim the eye (STEINBECK sd 29)
- Eu vi ela namorar o Magro (VERIacuteSSIMO 1940 57)
- Eu vi ela lanccedilando olhares pro Slim (CAMPELLO 1991 28)
- Jaacute vi ela olhando pro Slim (BAN 2005 45)
Exemplo III (Capiacutetulo 5)
I done
a bad thing (STEINBECK sd 97)
- Fiz uma coisa ruim (VERIacuteSSIMO 1940 179)
- Fiz uma coisa ruim (CAMPELLO 1991 85)
- Eu fiz otra coisa ruim () (BAN 2005 125)
Em inglecircs o present perfect caracteriza-se pela estrutura sujeito + have + verbo
principal no particiacutepio passado O exemplo acima I been mean deveria seguir a forma I have
been mean ou com contraccedilatildeo do sujeito com o verbo auxiliar I ve been mean Trata-se de um
tempo verbal que pode expressar uma accedilatildeo realizada num passado indeterminado
estendendo-se ao tempo presente de modo diferente do simple past (passado simples) que
expressa uma accedilatildeo concluiacuteda num tempo definido Percebe-se aqui pelas traduccedilotildees que natildeo
haacute em portuguecircs como expressar essa caracteriacutestica sem par do present perfect o resultado
das traduccedilotildees parece soar como se o tempo verbal no inglecircs tivesse sido o simple past
Haacute portanto pelo menos duas incompatibilidades entre as duas liacutenguas
demonstradas no exemplo selecionado a primeira diz respeito agrave impossibilidade em
portuguecircs de se expressar a mesma caracteriacutestica do present perfect
seja na estrutura frasal
seja no significado preciso a segunda estaacute relacionada com a natildeo correspondecircncia do desvio
do inglecircs padratildeo ao portuguecircs palavra por palavra Em todas as trecircs traduccedilotildees portanto haacute o
apagamento dessa marca dialetal do inglecircs estigmatizado
176
f) A regularizaccedilatildeo de verbos irregulares no passado simples
Exemplo I (Capiacutetulo 5)
- I think I knowed
from the very first I think I knowed
we d never do her
()
(STEINBECK p 100) (knew)
- Acho que eu sabia desde o princiacutepio Sabia que a gente nunca ia conseguir aquilo
() (VERIacuteSSIMO 1940 185)
- Acho que eu sabia desde o iniacutecio ()
Acho que eu sabia que a gente nunca ia conseguir () (CAMPELLO 1991 88)
- Acho que eu jaacute sabia desde o comeccedilo Acho que eu sempre soube que nunca ia acontececirc () (BAN 2005 129)
Neste caso tambeacutem natildeo haacute como reproduzir em portuguecircs essa caracteriacutestica
verbal peculiar do inglecircs estigmatizado O uacutenico recurso se a intenccedilatildeo for traduzir o texto
literaacuterio em dialeto estigmatizado para outro dialeto estigmatizado na liacutengua de chegada eacute
trazer outras caracteriacutesticas dessa linguagem que natildeo espelham necessariamente as
caracteriacutesticas da liacutengua de partida Percebe-se certo paralelismo ou proximidade entre as
traduccedilotildees de Veriacutessimo e Campello no que diz respeito por exemplo agrave locuccedilatildeo a gente que
revela informalidade na fala Ban apesar de natildeo usar esse mesmo recurso transmite algo mais
do que a coloquialidade o verbo acontecer na terceira pessoa do singular grafado como
acontececirc caracteriza o falar do povo humilde de baixa escolaridade
g) A reduccedilatildeo de palavras quando faltam letras ou no seu iniacutecio ou meio ou fim
Por omissatildeo de letras no iniacutecio das palavras pelo exemplo retirado do Capiacutetulo 5
( ) I guess we gotta get im
an lock im up () (STEINBECK sd 99) (him)
- () Acho que temos de agarrar ecircle e prender () (VERIacuteSSIMO 1940 183)
- () Acho que a gente tem de pegar ele e prender () (CAMPELLO 1991 88)
- () Acho que a gente precisa pegaacute ele e mandaacute prendecirc () (BAN 2005 128
129)
Os tradutores natildeo se preocuparam em manter essa caracteriacutestica Quiseram sim
revelar a informalidadecoloquialidade ou desvio da norma-padratildeo por meio do uso de um
pronome como objeto direto conquanto o emprego normatizado dessa palavra (ele) deve ser
177
na funccedilatildeo de sujeito em posiccedilatildeo anterior ao verbo Novamente eacute Ban quem emprega o
dialeto menos prestigiado com as formas verbais pegaacute (pegar) mandaacute (mandar) e prendecirc
(prender)
Por omissatildeo de letras no meio das palavras como no exemplo abaixo retirado do
Capiacutetulo 3
() Like she says when we come up on the front porch las Sat day
night ( )
(STEINBECK sd 55) (Saturday)
- ( ) O que ela diz quando a gente chega saacutebado de noite () (VERIacuteSSIMO 1940
102)
- () Como faz todo saacutebado quando a gente chega laacute () (CAMPELLO 1991 49)
- () Igual ela feiz quando saiu na varanda na noite de saacutebado passado () (BAN
2005 75)
Natildeo haacute efeito similar em portuguecircs pelo menos quanto agrave palavra destacada
Sat day que invariavelmente assume a forma saacutebado A omissatildeo de letras no meio de
palavras entretanto eacute uma caracteriacutestica comum no geruacutendio dos verbos em portuguecircs
falado quando o final ndo (ex brincando pulando cantando
etc) assume a forma no
(brincano pulano cantano etc)
Por omissatildeo de letras no final das palavras
I was only foolin George () (STEINBECK sd 12) (fooling)
- Eu estava brincando George () (VERIacuteSSIMO 1940 26)
- Eu tava soacute brincando () (CAMPELLO 1991 14)
- Eu soacute tava brincando George () (BAN 2005 25)
Natildeo existe aplicaccedilatildeo semelhante dessa caracteriacutestica em portuguecircs no que diz
respeito ao uso do geruacutendio A uacutenica possibilidade seria omitir a consoante da uacuteltima siacutelaba
(e portanto natildeo se trata da uacuteltima letra da palavra como o que acontece no inglecircs) como foi
mencionado no item imediatamente anterior Nenhum dos tradutores entretanto utilizou essa
opccedilatildeo
Em linhas gerais o exame das traduccedilotildees no que diz respeito agrave linguagem dos
diaacutelogos indica que os tradutores tendem a manter as caracteriacutesticas gerais do dialeto
178
escolhido em portuguecircs cada qual ao seu modo Apenas se percebe ligeira variaccedilatildeo na
linguagem de Veriacutessimo por vezes formal e cerimoniosa pelo tom conferido pelo uso da
segunda pessoa do singular
tu e a conjugaccedilatildeo verbal correspondente mas tambeacutem
coloquial com alguns desvios da norma-padratildeo A linguagem utilizada por Campello e Ban
nesse sentido eacute mais homogecircnea em sua caracterizaccedilatildeo
Pode-se afirmar que os textos de chegada analisados satildeo integrais natildeo havendo
grandes interferecircncias por conta dos tradutores ou outros agentes Assim por exemplo se haacute
manipulaccedilotildees (omissotildees ou acreacutescimos) isso natildeo acontece em grandes blocos (capiacutetulos ou
paraacutegrafos) mas tatildeo somente no niacutevel de estruturas sintaacuteticas ou no conjunto lexical natildeo
imprimindo alteraccedilotildees muito significativas ao texto de partida a ponto de provocar desvios do
nuacutecleo semacircntico da obra como um todo ou alterando os rumos da histoacuteria contada
No niacutevel lexical as escolhas de cada tradutor tendem a ser consistentes isto eacute as
tomadas de decisatildeo satildeo em geral homogecircneas para cada situaccedilatildeo tradutoacuteria A esse respeito
apenas vale reafirmar como Veriacutessimo se portou por exemplo na traduccedilatildeo dos nomes dos
personagens traduzindo ou adaptando alguns ou apenas transferindo outros apesar de
tambeacutem serem em alguns casos passiacuteveis de mudanccedila na liacutengua portuguesa No tocante a
isso como jaacute foi comentado as tradutoras optaram pela transferecircncia desses nomes
conferindo-lhes um toque estrangeiro
Em todos os exemplos o tom do texto de partida eacute o elemento que se sobressai e
que parece merecer maior atenccedilatildeo por parte dos tradutores muito embora cada um em sua
subjetividade tenha feito escolhas tradutoacuterias diferentes quanto ao leacutexico aos sintagmas
frases ou a composiccedilatildeo geral de cada um dos fragmentos que ilustram cada item O resultado
ou efeito no todo apesar disso representa a manutenccedilatildeo do tom do texto de partida sem que
nenhum dos tradutores tenha causado prejuiacutezo ao significado geral perceptiacutevel no texto em
inglecircs
179
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
O estudo desenvolvido nesta dissertaccedilatildeo pautado principalmente na descriccedilatildeo e
comparaccedilatildeo de trecircs traduccedilotildees para o portuguecircs de Of mice and men (de Eacuterico Veriacutessimo
1940 Myriam Campello 1991 e Ana Ban 2005) procurou demonstrar como cada um desses
textos de chegada apresenta manipulaccedilotildees entre si mesmo tendo como referecircncia apenas uma
mesma obra e um soacute escritor John Steinbeck Muito longe de querer atribuir valor ou juiacutezo
sobre qual dessas traduccedilotildees seria a melhor ou de prescrever como deveria ser tal ou qual
soluccedilatildeo tradutoacuteria procurou-se pelo contraacuterio ressaltar o papel de cada uma dessas reescritas
em relaccedilatildeo ao seu proacuteprio contexto referente ao tempo (eacutepocas diferentes em que essas
traduccedilotildees foram produzidas) ao espaccedilo geograacutefico e a cultura do Brasil a individualidade de
cada tradutor bem como suas relaccedilotildees com outros agentes como as editoras e suas
motivaccedilotildees e influecircncias sobre a publicaccedilatildeo dessas reescrituras
Foi destacado que a formataccedilatildeo final das trecircs traduccedilotildees mencionadas dado o seu
caraacuteter comercial estatildeo diretamente ligadas ao consumidor ou seja ao leitor de liacutengua
portuguesa Satildeo verificadas normas inerentes agrave cultura brasileira e portanto ao relativo
exerciacutecio de poder em seus variados graus ao prestiacutegio a certas preferecircncias da recepccedilatildeo Por
isso vaacuterias implicaccedilotildees para a seleccedilatildeo produccedilatildeo e publicaccedilatildeo dessas traduccedilotildees foram
consideradas Ao se investigar fatores como os citados acima que exercem um papel
fundamental para que as traduccedilotildees sejam elaboradas e publicadas pode-se facilmente
perceber a complexidade que envolve o processo que leva agrave publicaccedilatildeo de reescrituras desse
tipo Tal complexidade encaixada no polissistema cultural e nas suas ramificaccedilotildees
principalmente o sistema literaacuterio e a literatura traduzida se deve ao fato de que essas
produccedilotildees escritas natildeo satildeo aleatoacuterias mas sim dependem de influecircncias diversas agraves vezes
consonantes agraves vezes dissonantes isoladas ou intercambiantes tudo segundo a dinacircmica da
sociedade e da cultura com caracteriacutesticas estabelecidas mas tambeacutem em constante mudanccedila
Mesmo antes de comparar as trecircs traduccedilotildees entre si e tambeacutem com o respectivo
texto de partida presume-se que vaacuterias manipulaccedilotildees vatildeo ocorrer particularmente quando se
parte do pressuposto que haacute diferenccedilas linguumliacutestico-culturais inerentes ao fator cronoloacutegico
(isto eacute quanto maior a distacircncia no tempo maiores as diferenccedilas) e agrave subjetividade de cada
tradutor e de outros agentes responsaacuteveis pela seleccedilatildeo elaboraccedilatildeo e publicaccedilatildeo das traduccedilotildees
A comparaccedilatildeo entre as trecircs traduccedilotildees e o texto de partida deixa evidente a
importacircncia da tradiccedilatildeo do sistema literaacuterio de chegada em funccedilatildeo do qual as traduccedilotildees satildeo
180
elaboradas um processo do qual participam aleacutem de cada tradutor outros agentes como os
editores e o puacuteblico leitor de chegada no sistema brasileiro No intuito de se fazer esse estudo
descritivo e comparativo de traduccedilotildees o esquema teoacuterico de descriccedilatildeo de traduccedilotildees literaacuterias
de Lambert e Van Gorp (1985) composto de quatro niacuteveis de anaacutelise (dados preliminares
macroestrutura microestrutura e contexto sistecircmico) foi utilizado a fim de se examinar
aspectos gerais no que diz respeito agraves publicaccedilotildees em questatildeo desde por exemplo suas
caracteriacutesticas fiacutesicas e aparecircncia externa ateacute ao que diz respeito ao texto principal no que
tange a certos problemas e escolhas tradutoacuterias bem como a resposta da recepccedilatildeo diante de
cada exemplo dessas traduccedilotildees Deste modo percebeu-se por meio desse esquema teoacuterico
que as trecircs traduccedilotildees da Editora do Globo (1940) do Ciacuterculo do Livro (1991) e da LampPM
Pocket (2005) cada qual com seus respectivos tradutores adotaram criteacuterios e estrateacutegias de
traduccedilatildeo visando claramente o puacuteblico brasileiro
Buscando-se compreender as motivaccedilotildees dos profissionais envolvidos no
processo tradutoacuterio incluiacuteram-se nesta pesquisa dados colhidos em vaacuterias fontes por meio da
pesquisa bibliograacutefica da Internet bem como pelo uso de questionaacuterios submetidos via e-
mail aos agentes responsaacuteveis pelas traduccedilotildees O uso de questionaacuterios neste estudo mostrou-
se um recurso muito importante para a coleta de dados pois constitui-se de registro em
primeira matildeo que revela e elucida vaacuterios aspectos dos projetos editoriais de cada traduccedilatildeo
tais como as motivaccedilotildees que levam agrave escolha de determinada obra para ser traduzida
publicada e comercializada as estrateacutegias de traduccedilatildeo aplicadas e diretrizes apontadas pelas
editoras
Visto que durante o processo tradutoacuterio a responsabilidade repousa natildeo soacute nos
tradutores mas tambeacutem em outros agentes as perguntas elaboradas em cada questionaacuterio
voltaram-se tambeacutem para outras pessoas ou instituiccedilotildees Poreacutem por causa da variedade de
agentes envolvidos os questionaacuterios elaborados tiveram como foco os tradutores e as
editoras estas representadas por seus dirigentes ou responsaacuteveis diretos pelas publicaccedilotildees das
traduccedilotildees examinadas Entretanto nem sempre foi faacutecil ou possiacutevel realizar os contatos
necessaacuterios para a aplicaccedilatildeo das questotildees elaboradas para uma entrevista ou questionaacuterio
No presente caso referindo-se primeiro a cada um dos tradutores de Of mice and
men somente foi possiacutevel o contato com Ana Ban visto que Eacuterico Veriacutessimo faleceu em
1975 e Myriam Campello natildeo pocircde ser localizada Quanto agraves respectivas editoras Ivan
Pinheiro Machado da LampPM respondeu ao questionaacuterio enviado por e-mail No caso da
Editora do Globo de Porto Alegre devido agrave antiguidade da sua traduccedilatildeo publicada (1940)
natildeo foi possiacutevel a coleta de dados por meio de seu editor responsaacutevel direto daquela eacutepoca
181
Henrique Bertaso falecido em 1977 Consta entretanto que a Editora do Globo foi
incorporada agrave Editora Globo do Rio de Janeiro do jornalista Roberto Marinho em 1986
(vide Anexo VI) Houve tentativas de contato por e-mail e por telefone com os atuais
membros da diretoria da Livraria do Globo Claacuteudio Bertaso (diretor-presidente) Henrique
Ferreira Bertaso (diretor vice-presidente) e Elisa Morganti Bertaso (diretora-superintendente)
entretanto essas tentativas natildeo lograram sucesso Em relaccedilatildeo agrave Editora Ciacuterculo do Livro por
ela ter encerrado suas atividades em 1998 (MILTON 2002 21) somente foi possiacutevel reunir
dados a partir de fontes bibliograacuteficas e da Internet
Os questionaacuterios que foram efetivamente respondidos pela tradutora Ana Ban e
pela Editora LampPM representada por Ivan Pinheiro Machado resultaram na obtenccedilatildeo de
respostas importantes para esta pesquisa revelando de modo geral posturas e opiniotildees dessa
tradutora e do seu respectivo editor O projeto editorial bem como as estrateacutegias de traduccedilatildeo
se baseiam na recepccedilatildeo ou seja tanto Ban como Pinheiro Machado se preocuparam com
expectativas do puacuteblico leitor brasileiro desde a escolha da obra a ser traduzida (papel
preponderante da editora) e agrave sua compreensatildeo geral da obra traduzida
A tradutora Ana Ban (2008) em suas respostas ao questionaacuterio revelou que em
geral a indicaccedilatildeo da obra a ser traduzida eacute feita pela editora que tambeacutem revisa o trabalho A
maior dificuldade apontada por ela no caso da traduccedilatildeo de Of mice and men foi em relaccedilatildeo ao
dialeto estigmatizado da fala dos personagens Nesse sentido a tradutora buscou uma
identidade brasileira a essa fala Ban tambeacutem revela a necessidade de atualizaccedilatildeo de
traduccedilotildees por serem antigas e por isso haacute diferenccedilas na linguagem marcada pelo tempo
Essas opiniotildees (a atualizaccedilatildeo das traduccedilotildees antigas e ao desejo de respeitar a linguagem
utilizada pelo autor traduzido) satildeo compartilhadas por Ivan Pinheiro Machado (2009) editor
da LampPM
Ivan Pinheiro Machado (2009) declarou que o prestiacutegio eacute um fator relevante para
a seleccedilatildeo de autores e suas respectivas obras literaacuterias para serem traduzidas ou seja autores
de vaacuterias eacutepocas mas principalmente de renome (por precircmios recebidos canonizados ou que
de alguma forma tenham seu nome bem recebido nos sistema cultural brasileiro) O papel da
editora como agente que contribui nessas reescrituras foi confirmado pelas declaraccedilotildees de
Machado (2009) com criteacuterios e normas para a seleccedilatildeo traduccedilatildeo revisatildeo e publicaccedilatildeo de
obras literaacuterias
Tomando como referecircncia o texto de partida adotado nesta dissertaccedilatildeo uma
ediccedilatildeo de bolso com texto integral natildeo adaptado e dividido em seis capiacutetulos percebe-se que
as trecircs traduccedilotildees tendem a guardar semelhanccedilas entre si por exemplo no formato e
182
classificaccedilatildeo (livros de bolso no caso das traduccedilotildees de Veriacutessimo e Ban ou tipologia dos
clubes de livros no caso da traduccedilatildeo de Campello) na questatildeo do preccedilo popular (atingindo
por isso um puacuteblico maior) e por elas natildeo apresentarem alteraccedilotildees relevantes na estrutura
textual satildeo ediccedilotildees integrais que seguem tambeacutem a divisatildeo em seis capiacutetulos sem tiacutetulo
conforme o texto de partida o nuacutemero de paraacutegrafos eacute maior em relaccedilatildeo ao texto de partida
adotado mas a quantidade de diaacutelogos eacute proporcional similar agrave do texto de partida Haacute
tambeacutem similaridade na caracterizaccedilatildeo da narrativa em terceira pessoa A marcaccedilatildeo dos
diaacutelogos segue a estrutura de apresentaccedilatildeo brasileira caracterizada pelo uso dos travessotildees
enquanto que no texto de partida isso eacute feito com aspas Esta uacuteltima observaccedilatildeo permite
concluir que as trecircs traduccedilotildees visam o puacuteblico brasileiro pois seguem a tradiccedilatildeo textual
graacutefica desse sistema cultural
Haacute sinais graacuteficos de destaque nas traduccedilotildees
negrito e itaacutelico
utilizados para
dar ecircnfase a alguma passagem e tambeacutem assinalar algum estrangeirismo Enquanto que no
texto de partida e nas traduccedilotildees de Campello (1991) e Ban (2005) essas funccedilotildees satildeo
evidenciadas pelo uso de itaacutelicos Veriacutessimo tende a preferir o negrito A pontuaccedilatildeo em geral
segue o texto de partida mas haacute tambeacutem ligeiras diferenccedilas de uma traduccedilatildeo para outra
dependendo do estilo de cada tradutor Essas mudanccedilas ou variaccedilotildees entretanto natildeo
provocam grandes alteraccedilotildees de sentido quando comparadas ao texto de partida
O tiacutetulo da obra eacute idecircntico em portuguecircs Ratos e homens nas trecircs traduccedilotildees Jaacute a
questatildeo dos nomes dos personagens segue outra tendecircncia Myriam Campello e Ana Ban
apenas transcreveram os nomes tanto no caso em que eles satildeo convencionais quanto no caso
em que eles trazem consigo algum significado particular conforme sugere Newmark (1988)
Eacuterico Veriacutessimo entretanto optou por traduzir alguns como Curley (Crespinho) e Slim
(Magro) o que revela uma inconsistecircncia quando esse tradutor transcreveu nomes que
tambeacutem poderiam ser traduzidos (Crooks George etc)
Nos trecircs textos de chegada as soluccedilotildees tradutoacuterias por exemplo para localidades
e nomes geograacuteficos os trecircs tradutores optaram agraves vezes pela transferecircncia dos nomes
estrangeiros traduzindo o que fosse possiacutevel A subjetividade de cada tradutor (ou de outros
agentes e tambeacutem a accedilatildeo do tempo sobre a liacutengua) entretanto aponta para algumas diferenccedilas
(ou preferecircncias) a tendecircncia geral dos trecircs tradutores para localidades e nomes geograacuteficos
natildeo eacute consistente por vezes alternando entre a transferecircncia (ocorrendo a estrangeirizaccedilatildeo) e a
traduccedilatildeo para o portuguecircs (domesticaccedilatildeo)
As formas de tratamento e vocativos no texto de partida por causa das
caracteriacutesticas da liacutengua inglesa natildeo satildeo marcados claramente como no uso da liacutengua
183
portuguesa Em inglecircs seu uso soa mais informal do que nas traduccedilotildees Nas traduccedilotildees
portanto eacute a situaccedilatildeo que define o uso
Quanto agraves expressotildees idiomaacuteticas e giacuterias do texto de partida as trecircs traduccedilotildees
apesar das diferenccedilas entre si apresentam resultados que natildeo interferem muito no que talvez
Steinbeck desejasse expressar
Os dados apontados pelo contexto sistecircmico mostram que as traduccedilotildees de
Veriacutessimo Campello e Ban atendem agraves expectativas de um puacuteblico geral em sua proacutepria
eacutepoca principalmente por causa da tipologia dessas reescrituras livros de bolso (no caso de
Veriacutessimo e Ban) ou clubes de livros (no caso de Campello) com ediccedilotildees de tiragens amplas
a um preccedilo acessiacutevel Natildeo haacute pelas caracteriacutesticas de cada traduccedilatildeo uma segmentaccedilatildeo muito
evidente do puacuteblico brasileiro a ser atingido a natildeo ser por parte da traduccedilatildeo de Veriacutessimo
pertencente agrave coleccedilatildeo Nobel da Editora do Globo que conforme Barcellos (2002) afirma era
voltada para obras do campo erudito Apesar disso a linguagem da traduccedilatildeo de Veriacutessimo eacute
relativamente simples (principalmente por retratar personagens de baixo status social na sua
fala cotidiana) e por isso mesmo o puacuteblico leitor meacutedio natildeo teria dificuldades para a sua
leitura
Esta caracteriacutestica da linguagem utilizada por Veriacutessimo aliaacutes estaacute de certo modo
em consonacircncia com os objetivos de Steinbeck ou seja elaborar um texto em linguagem
simples e direta de modo a ser lido pelas camadas mais simples da populaccedilatildeo ou entatildeo para
que essas pessoas possam eventualmente ter a oportunidade de ver a obra encenada nos
teatros (LI e SCHULTZ 2005 145) Algo semelhante pocircde ser observado nas traduccedilotildees de
Campello e de Ban embora o texto desta uacuteltima tradutora por vezes seja menos direto por
causa das escolhas feitas em que as estruturas sintaacuteticas utilizam maior nuacutemero de palavras
Deve-se ressaltar que natildeo obstante os dialetos empregados por cada tradutor sejam diferentes
isso natildeo depotildee contra o estilo direto e a simplicidade do texto de partida caracteriacutesticas estas
que em essecircncia foram mantidas nos textos de chegada em questatildeo
A despeito de algumas caracteriacutesticas das trecircs traduccedilotildees apontarem para o texto de
partida (eg estrateacutegias estrangeirizadoras tais como nomes e palavras transcritos conforme
o texto de partida principalmente nomes geograacuteficos de ruas e de lugares) conforme visto
anteriormente a maior parte das estrateacutegias adotadas pelos tradutores eacute domesticadora e
portanto refletem expectativas do puacuteblico de chegada isto eacute trazem o texto de partida para o
puacuteblico brasileiro adequando-o de modo geral aos seus costumes a sua tradiccedilatildeo e seu
tempo Algumas evidecircncias que mostram como e porque essas traduccedilotildees foram traduzidas
184
podem ser constatadas em cada uma dessas traduccedilotildees destacando-se o papel dos tradutores e
das editoras na sua produccedilatildeo
Mesmo que uma traduccedilatildeo busque atender a alguns pressupostos e normas de seu
sistema e de sua eacutepoca muitas vezes limitando o papel do tradutor submetido a certas formas
de poder eou autoridade algumas vezes pode-se perceber que esse profissional pode ter um
maior grau de autonomia No caso presente pocircde-se constatar que Eacuterico Veriacutessimo em
relaccedilatildeo agraves tradutoras Myriam Campello e Ana Ban foi quem provavelmente teve maior grau
de autonomia para traduzir Of mice and men graccedilas ao grande papel desse escritor-tradutor
desempenhado na Editora do Globo pois segundo afirmam Wyler (2003) Torresini (2004) e
Barcellos (2002) ele era um dos maiores responsaacuteveis pelas poliacuteticas editoriais da Editora do
Globo desde por exemplo a escolha das obras a serem traduzidas e publicadas a seleccedilatildeo de
tradutores aleacutem do fato de ele mesmo traduzir e revisar esses produtos Tambeacutem o simples
fato de um escritor de sucesso como Veriacutessimo natildeo soacute traduzir como tambeacutem assinar esses
trabalhos por si soacute jaacute constituiacutea um forte apelo comercial para o puacuteblico brasileiro (WYLER
2003)
A anaacutelise comparativa das trecircs traduccedilotildees no que diz respeito agrave liacutengua
caracteriacutestica dos diaacutelogos de Of mice and men teve como propoacutesito de verificar suas
semelhanccedilas diferenccedilas peculiaridades e sobretudo como cada tradutor (e os agentes
institucionais) caracterizou essa linguagem mais formal menos formal mais proacutexima ou
mais distante do texto de partida quanto agraves caracteriacutesticas essenciais de um dialeto
estigmatizado da liacutengua inglesa na deacutecada de 1930 na zona rural de Soledad Califoacuternia
Estados Unidos falado em geral por trabalhadores de origem humilde de baixa
escolaridade
O problema do uso diversificado da liacutengua nas produccedilotildees literaacuterias e tentar ou natildeo
reproduzir essas variedades linguumliacutesticas nas traduccedilotildees foi abordado em linhas gerais no que
tange o seguinte se a opccedilatildeo mais faacutecil da correccedilatildeo dos dialetos menos prestigiados anula
em grande parte os efeitos que um escritor propotildee sobretudo na reproduccedilatildeo da oralidade e do
perfil social dos seus personagens a tentativa de respeitar e reproduzir essas impressotildees num
dialeto recriado na traduccedilatildeo por melhor que seja sempre teraacute algo de exoacutetico em seu
resultado (LANDERS 2001 116-117)
A impossibilidade de transposiccedilatildeo perfeita dos dialetos estigmatizados na
traduccedilatildeo portanto ao apresentar essas duas facetas (neutralizar ou imitar) colocou-se entatildeo
diante do texto de Of mice and men e das trecircs traduccedilotildees analisadas nos diaacutelogos que
185
Steinbeck construiu retratando o dialeto estigmatizado de trabalhadores rurais e na proposta
de cada tradutor para representar essa linguagem
Tratando-se de uma linguagem que reproduz a oralidade percebeu-se uma
diferenciaccedilatildeo por parte de cada tradutor Mesmo que todas as trecircs traduccedilotildees apresentem de
modo geral aspectos da linguagem coloquial as variedades adotadas satildeo bem diferentes entre
si indo de um niacutevel mais polido (agraves vezes soando formal) utilizado por Veriacutessimo (1940)
decrescendo em relaccedilatildeo agrave norma-padratildeo da liacutengua portuguesa isto eacute na coloquialidade do
dialeto utilizado por Campello (1991) e na linguagem estigmatizada que Ban (2005) tentou
recriar
A tendecircncia brasileira em adotar a norma-padratildeo e variedades de prestiacutegio em
lugar de variedades estigmatizadas em traduccedilotildees fenocircmeno apontado por Milton (2002) e
localizado entre as deacutecadas de 1940 e 1970 pode talvez ter desempenhado um papel central
dentro do sistema de chegada brasileiro Tal postura pode ter sido um reflexo de
comportamento da recepccedilatildeo agindo de acordo com as forccedilas constituintes do sistema
dominante segundo um processo de manipulaccedilatildeo do texto de partida que neste caso trata
especificamente da linguagem adotada nas traduccedilotildees
A exposiccedilatildeo do tema aqui proposto ao estabelecer relaccedilotildees entre as bases da
teoria da traduccedilatildeo na Europa dos seacuteculos XVII e XVIII
na Inglaterra e principalmente na
Franccedila
e a tradiccedilatildeo brasileira comum de sonegar ou trair obras da literatura estrangeira ao
serem feitas traduccedilotildees que natildeo levam em conta a riqueza e os efeitos dos desvios da norma-
padratildeo desperta novas reflexotildees sobre o traduzir tupiniquim na forma em que uma ideologia
dominante (francesa) pode incutir sorrateiramente noccedilotildees de bom gosto no puacuteblico
receptor das traduccedilotildees calcado em preconceitos principalmente de ordem linguumliacutestica
O modelo das belas infieacuteis que segundo Milton (2002) exerceu influecircncia
importante sobre a cultura brasileira ateacute principalmente meados da 2ordf Guerra Mundial parece
de alguma forma ter influenciado a traduccedilatildeo que Eacuterico Veriacutessimo produziu a partir de Of
mice and men Veriacutessimo apesar de incorrer em formas coloquiais e em pequenos desvios da
norma-padratildeo da liacutengua portuguesa usa uma linguagem mais formal do que as duas
tradutoras Campello (1991) e Ban (2005)
A liacutengua possui uma natureza dinacircmica evolutiva e natildeo eacute representada apenas
em seu registro formal normativo As suas variedades representam uma riqueza que natildeo pode
ser deixada de lado pois conferem agrave literatura um caraacuteter que deixa transparecer impressotildees
tambeacutem mais ricas e que podem no exemplo de Steinbeck dar um aspecto mais verossiacutemil
conforme o perfil desses personagens Eacute uma questatildeo complexa entretanto tentar reproduzir
186
os efeitos de variedades linguumliacutesticas estigmatizadas em traduccedilotildees restando ao tradutor optar
pelo modo tradicional ou entatildeo envolver-se na aacuterdua tarefa de recriar um dialeto
A proposta de Pym (2000) sobre a traduccedilatildeo de variedades linguumliacutesticas
convergente em muitos aspectos com Esteves (2005) parece ser adequada em muitas dessas
situaccedilotildees natildeo se trata de uma mimesis linguumliacutestica que preconiza traduzir dialeto por dialeto
numa pretensatildeo inalcanccedilaacutevel mas sim apresentar uma linguagem na traduccedilatildeo que apenas
apresente os marcadores essenciais da liacutengua traduzida caracterizando-a segundo o seu papel
desempenhado em seu contexto de origem
Todavia a questatildeo da linguagem estigmatizada como no exemplo de Of mice and
men permanece fruto de uma discussatildeo sem respostas definitivas Apesar das diferenccedilas
relativas aos dialetos que podem ser escolhidos por cada tradutor e das possiacuteveis perdas ou
acreacutescimos advindas de manipulaccedilotildees cada traduccedilatildeo cumpre um propoacutesito segundo o
contexto em que foi concebida
O caminho percorrido por esta pesquisa de mestrado dialogando com vaacuterios
pontos de vista teoacutericos pode contribuir para o estudo e a praacutetica da traduccedilatildeo literaacuteria
deixando alguns pontos aclarados mas ao mesmo tempo manteacutem outras questotildees que natildeo
podem ser resolvidas de modo categoacuterico definitivo por exemplo o que se afirmou acima
acerca da traduccedilatildeo de dialetos estigmatizados Podem-se entrever caminhos possiacuteveis poreacutem
cada caso merece atenccedilatildeo especiacutefica
Diante do que foi exposto percebe-se que a traduccedilatildeo entendida como reescritura
eacute um modo variaacutevel de reelaborar textos segundo perspectivas natildeo soacute diferentes mas tambeacutem
mutaacuteveis dinacircmicas Assim sendo natildeo pode existir a traduccedilatildeo mas tatildeo somente uma
traduccedilatildeo possiacutevel moldada de acordo com propoacutesitos possiacuteveis mediante forccedilas desejos e
expectativas agraves vezes atendidas satisfatoriamente ou natildeo segundo o universo multicultural e
complexo da recepccedilatildeo inserida em polissistemas culturais Logo existe um processo infinito
incessante em que cada nova traduccedilatildeo atende a novas expectativas mas nem por isso pode-se
julgar traduccedilotildees anteriores como inferiores ou menos adequadas pois cada uma dessas
reescrituras atende a propoacutesitos de seu proacuteprio contexto em sua proacutepria eacutepoca
187
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ANEXOS
198
ANEXO I
EDICcedilOtildeES DE OF MICE AND MENRATOS E HOMENS
A) Of mice and men Oxford Heineman Educational Books Ltd sd
Fig 1 - capa
199
Fig 2 contracapa
200
Fig 3 - 1ordf folha de rosto
201
Fig 4 - 2ordf folha de rosto
202
B) Ratos e homens Traduccedilatildeo de Eacuterico Veriacutessimo
Porto Alegre Livraria do Globo 1940
Fig 5 - capa
203
Fig 6 - contracapa
204
Fig 7
- folha de rosto
205
C) Ratos e homens Traduccedilatildeo de Myriam Campello
Satildeo Paulo Ciacuterculo do Livro 1991
Fig 8 - capa
206
Fig 9 - contracapa
207
Fig 10
- folha de rosto
208
D) Ratos e homens Traduccedilatildeo de Ana Ban
Porto Alegre LampPM 2005
Fig 11
- capa
209
Fig 12 - contracapa
210
Fig 13 - folha de rosto
211
ANEXO II
DADOS DA PECcedilA TEATRAL ENCENADA EM 26 DE SETEMBRO DE
1956 NO TEATRO DE ARENA SP121
TIacuteTULO Ratos e homens
AUTOR John Steinbeck
TRADUCcedilAtildeO Brutus Pedreira
DIRECcedilAtildeO Augusto Boal
ELENCO PERSONAGENS
Gianfrancesco Guarnieri (George)
Joseacute Serber (Lennie)
Nilo Odalia (Candy)
Taran Dach (Patratildeo)
Salomatildeo Guz (Curley)
Geraldo Ferraz (Slim)
Riva Nimitz (Mulher de Curley)
Nello Pinheiro (Carlson)
Seacutergio Rosa (Whit)
Milton Gonccedilalves (Crooks)
121 COLECcedilAtildeO CADERNOS DE PESQUISA TEATRO DE ARENA 2008 p 16 Disponiacutevel em lthttpwwwcentroculturalspgovbrcadernoslightboxlightboxpdfsTeatro20de20Arenapdfgt Acesso em 12 de dezembro de 2008
212
ANEXO III FILME DIRIGIDO POR GARY SINISE (1992)122
122 OF MICE AND MEN VIDEORECORDING METRO-GOLDWYN-MEYER Disponiacutevel em lthttpcatalogmvlcorgipac20ipacjspsession=K24V4U121635928041ampprofile=mbuampsource=~horizonampview=subscriptionsummaryampuri=full=3100001~54678~7ampri=1ampaspect=subtab783ampmenu=searchampipp=20ampspp=20ampstaffonly=ampterm=Of+mice+and+men+Steinbeck+John+1902+1968ampindex=GWampuindex=ampaspect=subtab783ampmenu=searchampri=1amplimitbox_1=LO01+=+mbufocusgt Acesso em 14 de dezembro de 2008
213
ANEXO IV
QUESTIONAacuteRIO RESPONDIDO PELA TRADUTORA ANA BAN
1 Quais foram as motivaccedilotildees para traduzir Of mice and men e qual o papel da Editora LampPM nesse processo Geralmente a editora passa o livro para o tradutor que aceita ou natildeo o trabalho
foi o que
aconteceu neste caso Eacute bastante raro a proposiccedilatildeo partir do tradutor [sic]
apesar de isto
acontecer como foi o caso do livro Flush de Virginia Woolf tambeacutem da LampPM tambeacutem traduzido por mim
2 A editora lhe deu alguma diretriz para vocecirc seguir em seu trabalho ou vocecirc teve total autonomia O resultado
a traduccedilatildeo
sofreu alguma alteraccedilatildeo importante por parte de algum revisor Eu tive total autonomia No decorrer da traduccedilatildeo fomos discutindo questotildees relativas a estilo e uso da linguagem A revisatildeo natildeo promoveu nenhuma mudanccedila importante foi mais uma revisatildeo teacutecnica
3 Quais as principais dificuldades de traduccedilatildeo que vocecirc enfrentou durante esse trabalho e como conseguiu superaacute-las (eg dialeto nomes proacuteprios flora fauna geografia expressotildees idiomaacuteticas etc) A maior dificuldade foi mesmo a transposiccedilatildeo da maneira como os personagens falavam
eu natildeo sei se chega a ser um dialeto porque na verdade eram mais erros gramaticais e pronuacutencia errada natildeo havia tantas palavras especiacuteficas que fossem desconhecidas ou usadas com sentido fora do mais comum Em um primeiro momento eu resolvi que iria seguir a norma culta em todo o livro mas depois achei que assim a ideacuteia do autor natildeo seria transmitida de maneira adequada (isso tudo foi discutido com a editora) Entatildeo eu peguei um sotaque caipira que eu conheccedilo mais ou menos do interior de SPMG (apesar de a LampPM ser em Porto Alegre e eu atualmente morar aqui sou de Satildeo Paulo e passei a maior parte da minha vida laacute) e segui esta linha A minha maior dificuldade foi decifrar algumas palavras grafadas da maneira como os personagens falavam precisei dizer em voz alta vaacuterias delas para descobrir o que eram Agora natildeo sei citar nenhuma pois jaacute faz algum tempo que realizei este trabalho e natildeo tenho mais o original
4 A traduccedilatildeo de dialetos ou variantes linguumliacutesticas sem prestiacutegio na literatura segundo o professor John Milton[1] da Universidade de Satildeo Paulo natildeo constitui uma tradiccedilatildeo no Brasil por uma seacuterie de motivos dentre eles o purismo linguumliacutestico defendido por algumas editoras e uma alegada tendecircncia de mercado Nesse sentido como foi traduzir o dialeto rural usado em Of mice and men Esta resposta jaacute estaacute na pergunta acima
5 Vocecirc conhece outras traduccedilotildees para o portuguecircs dessa obra como a que foi realizada por Eacuterico Veriacutessimo (Porto Alegre Livraria do Globo 1940) Caso conheccedila elas lhe foram uacuteteis para o desenvolvimento da sua traduccedilatildeo Como Eu sei da existecircncia dessas traduccedilotildees mas natildeo as consultei para fazer o meu trabalho Ateacute me foi fornecida uma traduccedilatildeo da deacutecada de 1970 (natildeo lembro qual) para alguma consulta mas eu fiz questatildeo de natildeo usar Eu natildeo queria ser influenciada por soluccedilotildees encontradas pelos outros tradutores e acabar copiando deles mesmo sem querer A proposta de retraduzir o livro era para atualizar a traduccedilatildeo que mudou muito com o passar dos anos Acredito que este purismo citado por vocecirc anteriormente hoje jaacute natildeo eacute mais uma tradiccedilatildeo tatildeo forte Na minha visatildeo o mais importante eacute manter o tom escolhido pelo autor
214
6 A Teoria da Traduccedilatildeo nos oferece vaacuterias perspectivas e reflexotildees sobre o processo tradutoacuterio levantando e discutindo vaacuterios problemas Vocecirc se serviu de alguma linha ou fundamento teoacutericos como referecircncia para traduzir Of mice and men Eu natildeo tenho nenhuma formaccedilatildeo teoacuterica em traduccedilatildeo Sou jornalista trabalhei dez anos no mercado editorial e minha formaccedilatildeo em traduccedilatildeo se deu por meio do curso de Formaccedilatildeo de Tradutores e Inteacuterpretes da Fundaccedilatildeo Alumni em Satildeo Paulo Este eacute um dos cursos de maior renome na aacuterea no paiacutes poreacutem eacute muito praacutetico e direto natildeo aborda teorias Conheccedilo um pouco do assunto por meio da leitura de Paulo Roacutenai mas natildeo eacute algo que eu aplique conscientemente
7 A tomada de decisotildees na traduccedilatildeo geralmente leva em conta pelo menos trecircs aspectos o autor e a sua obra a subjetividade de quem traduz e o leitor (recepccedilatildeo) Muitas vezes dar prioridade ao autor e agrave cultura da liacutengua de partida pode resultar num texto estrangeirizado Por outro lado adaptar o texto agrave cultura de chegada pode produzir uma traiccedilatildeo maior agrave obraComo vocecirc se comporta nesse fogo cruzado entre o texto de partida e o leitor Para tratar deste problema eu uso algumas teacutecnicas (e estou aqui falando de maneira geral pois nem todos estes recursos foram usados nesta traduccedilatildeo especiacutefica) - Respeito a eacutepoca em que o texto foi escrito tomando o cuidado para natildeo usar expressotildees ou denominaccedilotildees que natildeo existiam no periacuteodo - Se existe um personagem falando em dialeto ou giacuteria eu procuro um grupo correspondente existente aqui e uso a maneira de falar desse grupo - Quando haacute alguma passagem que possa dificultar a compreensatildeo pergunto O puacuteblico-leitor original entenderia Se a resposta for sim eu procuro inserir alguma dica no texto Por exemplo ela ficava assistindo ao Lifetime AQUELE CANAL QUE SEMPRE PASSA FILMES PARA MULHERES Se a resposta for natildeo entatildeo eu deixo sem explicaccedilatildeo mesmo porque acredito que a intenccedilatildeo do autor era essa - Eu natildeo costumo substituir produtos ou citaccedilotildees por similares nacionais a natildeo ser quando exista de fato um similar nacional por exemplo a revista Cosmopolitan no Brasil eacute a Nova (eacute franquia da norte-americana mas recebeu tiacutetulo brasileiro) entatildeo eu faccedilo a substituiccedilatildeo Se natildeo fica A REVISTA DE CELEBRIDADES Us Weekly - Acredito tambeacutem que hoje as pessoas tecircm muito mais facilidade de compreender citaccedilotildees referentes a culturas estrangeiras entatildeo algumas coisas ficam ateacute estranho querer traduzir porque jaacute satildeo conhecidas amplamente por sua denominaccedilatildeo original - Acho que o mais importante nessa questatildeo eacute ter em vista a intenccedilatildeo do autor Se ele coloca uma menina que escreve como fala natildeo eacute possiacutevel querer traduzir com um texto gramaticalmente impecaacutevel porque natildeo vai transmitir a intenccedilatildeo original e vai distanciar a obra do puacuteblico-alvo
215
ANEXO V
QUESTIONAacuteRIO RESPONDIDO POR IVAN PINHEIRO MACHADO
EDITOR DA LampPM POCKET
Ivan Pinheiro Machado ltivanlpmcombrgt 3 de fevereiro de 2009 1208
Para johnmagistergmailcom
1Como eacute feita a seleccedilatildeo de obras a serem traduzidas publicadas e comercializadas pela Editora LampPM
A seleccedilatildeo eacute feita segundo o projeto editorial da LampPM que inclui ediccedilatildeo de grandes autores modernos claacutessicos e contemporacircneos
2 Como a Editora LampPM orienta seus tradutores e revisores Existem normas a serem seguidas Qual eacute o grau de influecircncia da Editora
Primeiro a LampPM contrata aqueles que ela acredita serem tradutores de primeiriacutessima linha As traduccedilotildees ao chegarem na editora passam por uma revisatildeo criacutetica Muito poucas satildeo as traduccedilotildees devolvidas por insuficiecircncia teacutecnica mas sempre haacute duacutevidas e melhorias que satildeo realizadas aqui na LampPM
3 Para se publicar uma obra traduzida certamente devem ser levados em conta alguns aspectos de modo que o ecircxito seja alcanccedilado Quais satildeo eles Comente as razotildees para cada um
Um autor expressivo um precircmio Nobel eacute uma razatildeo suficiente para ser cobiccedilado por um editor Ratos e homens eacute uma novela curta uma obra-prima do autor e deu origem a um grande filme Eacute um livro que menos do que um sucesso comercial eacute um livro que qualifica o cataacutelogo do editor
4 Como foi o projeto de traduzir Of mice and men de John Steinbeck (Ratos e homens traduccedilatildeo de Ana Ban) para o portuguecircs Como surgiu a ideacuteia O que motivou a escolha desse autor
A editora decidiu colocar em sua coleccedilatildeo de bolso grande autores modernos e contemporacircneos entre outros tiacutetulos e gecircneros Steinbeck foi selecionado com Faulkner Hemingway Fitzgerald Henry Miller e outros autores mais recentes como Voneguth Tom Wolfe Truman Capote Norman Mailer Salinger e muitos outros
5 Existem outras traduccedilotildees de Of mice and men para o portuguecircs como a realizada por Eacuterico Veriacutessimo (1940) e por Myriam Campello (1991) Isso influenciou de alguma maneira a Editora LampPM durante o processo de seleccedilatildeo e traduccedilatildeo deste romance
Nossa ideacuteia na coleccedilatildeo LampPM POCKET eacute sempre renovar Isto significa fazer novas traduccedilotildees de acordo com a visatildeo e a digamos terminologia da nossa eacutepoca O fato de existirem outras traduccedilotildees natildeo influenciou em nada pois a decisatildeo foi relativa a obra de Steinbeck e natildeo em relaccedilatildeo agraves traduccedilotildees de Steinbeck Mesmo porque a traduccedilatildeo de E
216
Veriacutessimo eacute datada e a outra eu natildeo conheccedilo
6 Em Of mice and men os personagens utilizam uma fala do inglecircs caracteriacutestico do seu perfil social (trabalhadores rurais pobres no contexto da Grande Depressatildeo) e da regiatildeo onde a histoacuteria se passa A tradutora Ana Ban tentou passar essa caracteriacutestica da liacutengua em seu trabalho O puacuteblico consumidor brasileiro pelo menos em parte natildeo prefere obras em portuguecircs padratildeo (conforme as gramaacuteticas prescritivas)
Natildeo posso falar pelo puacuteblico brasileiro Nossa responsabilidade eacute fazer um trabalho intelectualmente correto fiel e pelo menos tentar passar para o nosso idioma a intenccedilatildeo do autor no que se refere ao linguajar dos personagens Se haacute uma deliberada transformaccedilatildeo no linguajar temos que aproximar esta ideacuteia do nosso puacuteblico no nosso
idioma para que ele identifique atraveacutes desta deturpaccedilatildeo da liacutengua o niacutevel social (no caso de Ratos e homens) ou quando eacute o caso a etnia do personagem
Ivan Pinheiro Machado editor da coleccedilatildeo LampPM POCKET
217
ANEXO VI
CRONOLOGIA DA GLOBOLIVROS123
1883 eacute fundada a Livraria do Globo na rua da Praia em Porto Alegre por Laudelino Pinheiro Barcellos
1890 Joseacute Bertaso entatildeo com 12 anos torna-se funcionaacuterio da livraria
1899 a livraria publica seu primeiro livro Opuacutesculos de filosofia social 1819-1829 de Auguste Comte
1916 a livraria divulga seu primeiro perioacutedico o Almanaque do Globo que circula ateacute 1935 Publica tambeacutem o livro Exaltaccedilatildeo de Mansueto Bernardi
1918 morre Laudelino Barcellos e Joseacute Bertaso torna-se proprietaacuterio da livraria
1922 com 15 anos Henrique filho mais velho de Bertaso passa a trabalhar na livraria
1924 o preacutedio da livraria eacute reformado e torna-se local de encontro de importantes poliacuteticos como Getuacutelio Vargas
19251930 a livraria publica cerca de duzentos tiacutetulos nesse periacuteodo
1928 Mansueto Bernardi eacute contratado para cuidar das seccedilotildees de obras ediccedilatildeo e propaganda
1929 primeiro nuacutemero da ceacutelebre Revista do Globo que prossegue sendo publicada ateacute 1967
19301934 circulam os livros da Coleccedilatildeo Verde com 36 tiacutetulos de interesse para senhoras e senhoritas
1931 Henrique Bertaso assume a direccedilatildeo editorial da livraria Eacuterico Veriacutessimo com 26 anos passa a trabalhar na livraria e a dirigir a Revista do Globo
19311937 a Editora Globo publica cerca de 840 ediccedilotildees
19311956 eacute criada a Coleccedilatildeo Amarela com histoacuterias policiais de crimes e de aventuras norte-americanas que publica cerca de 160 tiacutetulos
1932 publicaccedilatildeo de Fantoches primeiro livro de Eacuterico Veriacutessimo com o selo da Editora Globo
19321942 a Coleccedilatildeo Universo publica cerca de quarenta tiacutetulos com destaque para os livros de viagens e aventuras
1933 eacute criada a Coleccedilatildeo Globo com autores estrangeiros e nacionais em formato de bolso A Revista do Globo passa a ser dirigida por De Souza Junior Eacuterico Veriacutessimo torna-se consultor editorial de Henrique Bertaso
19331958 circula a Coleccedilatildeo Nobel que publica grandes nomes da literatura como Thomas Mann e Aldous Huxley com mais de 120 tiacutetulos
1937 a editora participa da Feira de Frankfurt representando o Brasil no mercado internacional de livros
123 Disponiacutevel em lthttpglobolivrosglobocomcronologiaaspgt Acesso em 31 de maio de 2009
218
19381948 a Editora Globo publica cerca de 830 ediccedilotildees
19421945 criada a Coleccedilatildeo Biblioteca dos Seacuteculos que publica 25 tiacutetulos
19431945 a Coleccedilatildeo Tucano divulga obras de cerca de 25 autores brasileiros
19461955 publicaccedilatildeo dos dezessete volumes de A comeacutedia humana de Balzac na coleccedilatildeo Biblioteca dos Seacuteculos
1948 inicia-se a publicaccedilatildeo de Em busca do tempo perdido de Marcel Proust na Coleccedilatildeo Nobel Falece Joseacute Bertaso A livraria passa a operar com a razatildeo social Joseacute Bertaso amp Cia Em 1949 torna-se sociedade anocircnima como Livraria do Globo SA transformando-se a Editora Globo em filial
19491986 a Globo publica cerca de 950 ediccedilotildees
1952 eacute fundada a Rio Graacutefica Editora no Rio de Janeiro pelas Organizaccedilotildees Globo do jornalista Roberto Marinho com um dos maiores parques graacuteficos da Ameacuterica Latina
1956 o cataacutelogo da Globo atinge dois mil tiacutetulos A editora eacute reestruturada e separa-se da livraria criando-se a Editora Globo SA e a Livraria do Globo SA
1957 Joseacute Otaacutevio filho de Henrique Bertaso passa a trabalhar na Globo
1959 a Editora Globo lanccedila a Coleccedilatildeo Catavento que em 1964 conta com mais de 75 tiacutetulos
1975 Falece Erico Verissimo A Editora Globo publica as obras completas do autor ateacute 2004
1980 a Editora Globo passa a operar no Rio de Janeiro
1986 a Editora Globo eacute adquirida pela Rio Graacutefica Editora incorporando-se agraves Organizaccedilotildees Globo do jornalista Roberto Marinho
1987 lanccedilada a revista A Turma da Mocircnica de Mauricio de Sousa Mauricio de Sousa eacute criador das dez publicaccedilotildees mais importantes de histoacuterias em quadrinhos da Globo como Mocircnica Cebolinha Chico Bento Cascatildeo e Magali
1989 a Rio Graacutefica Editora eacute incorporada pela Editora Globo passando desde entatildeo a constituir-se como Editora Globo SA
1990-2000 a Editora Globo publica enciclopeacutedias para estudantes cursos de idiomas e de artes fasciacuteculos sobre temas variados CD-Roms e coleccedilotildees diversas
1990 inicia-se a publicaccedilatildeo das obras completas de Oswald de Andrade
2001 a Editora Globo cria a Unidade de Negoacutecios de Livros e Publicaccedilotildees (Globo Livros) dividida em duas editorias Volta a investir na publicaccedilatildeo de livros Publica 84 tiacutetulos
2002 inicia-se a ediccedilatildeo das obras completas de Hilda Hilst (no mesmo ano a Globo recebe o Grande Precircmio da Criacutetica concedido pela Associaccedilatildeo Paulista de Criacuteticos de Arte por esta ediccedilatildeo) e a reediccedilatildeo das obras completas de Oswald de Andrade Neste ano a editora lanccedila 83 tiacutetulos
219
2003 Bruno Tolentino recebe o Precircmio Jabuti de poesia por O mundo como ideacuteia Satildeo publicados 70 tiacutetulos
2004 inicia-se a parceria com a TV Globo para publicaccedilatildeo da seacuterie de fasciacuteculos (com DVDs) do programa Globo Rural e livros do programa Fantaacutestico como A Fantaacutestica volta ao mundo do jornalista Zeca Camargo Lanccedila a coleccedilatildeo Claacutessicos Globo e assina contrato com Ziraldo para publicar revistas de HQ e outros produtos Publica 89 tiacutetulos no ano
2005 publica o primeiro dos cinco volumes do Livro das mil e uma noites pela primeira vez traduzido para a liacutengua portuguesa diretamente do aacuterabe e comeccedila a reeditar as obras reunidas de Mario Quintana
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1
JOHNWILL COSTA FARIA
OF MICE AND MEN DE JOHN STEINBECK A ORALIDADE NA LITERATURA COMO PROBLEMA DE TRADUCcedilAtildeO
Dissertaccedilatildeo de mestrado apresentada como requisito parcial agrave obtenccedilatildeo do grau de Mestre em Estudos de Traduccedilatildeo pelo Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Linguumliacutestica Aplicada da Universidade de Brasiacutelia
Orientadora Professora Doutora Vaacutelmi Hatje-Faggion
BRASIacuteLIA 2009
2
F224o Faria Johnwill Costa
Of mice and men de John Steinbeck a oralidade na literatura como
problema de traduccedilatildeo Johnwill Costa Faria Brasiacutelia UnB Instituto de Letras 2009 xi 219 f il 30 cm
Orientador(a) Vaacutelmi Hatje-Faggion Dissertaccedilatildeo (mestrado) Universidade de Brasiacutelia Instituto de Letras Departamento de Liacutenguas Estrangeiras e Traduccedilatildeo 2009
1 Estudos de traduccedilatildeo 2 Traduccedilatildeo literaacuteria 3 Reescritura 4 Oralidade I Hatje-Faggion Vaacutelmi II Universidade de Brasiacutelia IIITiacutetulo
CDU 82035
3
COMISSAtildeO EXAMINADORA
_____________________________________________________
Professora Doutora Vaacutelmi Hatje-Faggion Orientadora
Universidade de Brasiacutelia (UnB)
Professora Doutora Sudha Swarnakar Examinadora Externa
Universidade Estadual da Paraiacuteba (UEPB)
____________________________________________________
Professora Doutora Cynthia Ann Bell dos Santos Examinadora Interna
Universidade de Brasiacutelia (UnB)
________________________________________________________________
Professora Doutora Germana Henriques Pereira de Sousa Suplente
Universidade de Brasiacutelia (UnB)
Brasiacutelia 17 de julho de 2009
4
DEDICATOacuteRIA
Ao meu saudoso pai Seu Joatildeo
que do plano eteacutereo onde agora habita
por certo contempla feliz minha conquista
Agrave minha querida matildee Dona Vilma
a quem principalmente devo
o incentivo para minha formaccedilatildeo cultural
Agrave minha doce esposa Patriacutecia Emanuelle
que com sua ternura intelecto e amor
desempenhou um papel fundamental neste mestrado
5
AGRADECIMENTOS
Ao Criador Agente Supremo por minha vida e pela capacidade que me dotou
Agrave minha orientadora professora Vaacutelmi Hatje-Faggion por sua atenccedilatildeo vigilante
seus conselhos valiosos e sobretudo por seu carinho apoio e caraacuteter
Agraves examinadoras da banca professoras Sudha Swarnakar Cynthia Ann Bell dos
Santos e Germana Henrique Pereira de Sousa pela honra de tecirc-las presentes no aacutepice deste
processo
Aos professores da Universidade de Brasiacutelia que direta ou indiretamente me
ajudaram durante as etapas deste mestrado
em especial ao professor Aacutelvaro Faleiros por
sua simpatia e pelo seu conhecimento transmitido
A todos os funcionaacuterios principalmente agrave Thelma agrave Eliane e ao Guilherme
Aos meus colegas de mestrado pela amizade e companheirismo nas horas de
anguacutestia e de alegria
Ao Ivan Pinheiro Machado editor da LampPM por sua atenccedilatildeo e tempo
dispensados nas respostas ao questionaacuterio que lhe enviei
Agrave tradutora Ana Ban por sua importante contribuiccedilatildeo ao responder as minhas
questotildees e tambeacutem por sua prontidatildeo e desejo de me ajudar
Aos meus mestres do passado e colegas de infacircncia e juventude companheiros
que me ajudaram a formar e a consolidar minha bagagem intelectual e humana Saudades
6
O que vale na vida natildeo eacute o ponto de partida e sim a caminhada
Caminhando e semeando no fim teraacutes o que colher
Cora Coralina
Valeu a pena Tudo vale a pena
Se a alma natildeo eacute pequena
Quem quer passar aleacutem do Bojador
Tem que passar aleacutem da dor
Deus ao mar o perigo e o abismo deu
Mas nele eacute que espelhou o ceacuteu
Fernando Pessoa
7
RESUMO
Esta dissertaccedilatildeo investiga a atividade tradutoacuteria como reescritura ou seja a traduccedilatildeo compreendida como um novo texto construiacutedo conforme a subjetividade do tradutor o qual tambeacutem dirige seu olhar para o autor o texto e a cultura de partida e para a recepccedilatildeo em seus aspectos de aceitabilidade do que seraacute o produto final Entende-se que a recepccedilatildeo eacute constituiacuteda natildeo soacute pelo puacuteblico leitor geral mas tambeacutem por vaacuterios agentes inseridos na complexa dinacircmica social onde sempre imperam conceitos de ordem ideoloacutegica e de poder que consequumlentemente vatildeo interferir de alguma forma no processo de escolha seleccedilatildeo e publicaccedilatildeo da traduccedilatildeo Estas ideacuteias encontram subsiacutedio na teoria dos polissistemas particularmente na contribuiccedilatildeo de intelectuais como Itamar Even-Zohar Gideon Toury e Andreacute Lefevere dentre outros Eacute esta a base teoacuterica principal que fundamentaraacute este trabalho que consiste no estudo de alguns problemas de traduccedilatildeo ou seja as diferenccedilas nem sempre conciliaacuteveis entre a cultura do texto de partida e a cultura do texto de chegada Dentre esses problemas que causam dificuldades ao tradutor destaca-se a questatildeo de como traduzir a liacutengua oral utilizada pelos personagens de John Steinbeck em seu romance Of mice and men Logo seraacute realizada uma anaacutelise descritiva e comparativa de trecircs traduccedilotildees desse romance publicadas no Brasil em diferentes eacutepocas todas sob o tiacutetulo comum Ratos e homens a primeira traduccedilatildeo eacute de Eacuterico Veriacutessimo (Porto Alegre Editora do Globo 1940) a segunda eacute de Myriam Campello (Satildeo Paulo Ciacuterculo do Livro 1991) e a terceira eacute de Ana Ban (Porto Alegre LampPM 2005) Para este propoacutesito como referecircncia teoacuterica de anaacutelise seraacute utilizado como ponto de partida o esquema teoacuterico de descriccedilatildeo de traduccedilotildees literaacuterias de Lambert e Van Gorp (1985) (dividido em quatro estaacutegios dados preliminares macroestrutura microestrutura e contexto sistecircmico) Os dados deste estudo indicam como a dinacircmica social e seus agentes interferem no processo de elaboraccedilatildeo de uma reescritura tendo os usos da liacutengua oral como uma dificuldade relevante para o tradutor Deste modo observa-se como e por que os tradutores de Steinbeck analisados aqui propotildeem soluccedilotildees diferentes para a linguagem dos diaacutelogos em Of mice and men caracterizada como um dialeto estigmatizado da liacutengua inglesa mas que ganha perfis diferenciados nestas traduccedilotildees brasileiras
Palavras-chave traduccedilatildeo literaacuteria
oralidade
variedades linguumliacutesticas
reescrituras
John Steinbeck
Of mice and men
8
ABSTRACT
This master s thesis investigates translating as a rewriting activity that is the translation is understood as a new text constructed according to the translators subjectivity while looking towards the author the text and the source culture and towards the reception in terms of the acceptability of what is to become the final product It is understood that reception includes not only readers in general but also several agents who are part of the complex social dynamics where ideological and power concepts prevail the consequence being that they will exert some manner of intervention in the processes involved in the choice selection and publication of a given translation These ideas find subsidies in the polysystem theory particularly in contributions given by intellectuals such as Itamar Even-Zohar Gideon Toury and Andreacute Lefevere among others This is the main theoretical basis sustaining this paper consisting in the study of some translation problems that is differences that arent always reconcilable between the culture that gave rise to the original text and the target culture of that text Of special notice among the problems causing difficulties for the translator is the question of how to translate the oral language used by John Steinbecks characters in his novel Of mice and men A descriptive and comparative analysis of three translations of this novel published in Brazil in different periods all under the common title Ratos e homens will follow The first translation is by Eacuterico Veriacutessimo (Porto Alegre Editora do Globo 1940) the second by Myriam Campello (Satildeo Paulo Ciacuterculo do Livro 1991) and the third by Ana Ban (Porto Alegre LampPM 2005) To this end as theoretical reference for our analysis Lambert amp Van Gorps (1985) description scheme of literary translations (divided in four stages preliminary data macro-level micro-level and systemic context) will be used as a starting point The data on this paper indicate how the social dynamics and its agents interfere in the development process of a rewriting when the use of oral language becomes a relevant difficulty for the translator They make it possible to note how and why the Steinbecks translators analyzed in this paper proposed different solutions for the language used in the dialogs found in Of mice and men characterized as a stigmatized dialect of the English language but which gains differing profiles in these Brazilian translations
Key words literary translation orality linguistic varieties rewritings John Steinbeck
Of mice and men
9
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO12
1 CONSIDERACcedilOtildeES SOBRE A ATIVIDADE TRADUTOacuteRIA E FUNDAMENTOS
DA TEORIA DOS POLISSISTEMAS18
11 A atividade tradutoacuteria algumas consideraccedilotildees19
12 A teoria dos polissistemas23
121 Fundamentos23
122 Conceito de sistema e polissistema25
123 Polissistema cultural28
124 Sistema literaacuterio30
125 Literatura traduzida como sistema sistema canonizado vs sistema natildeo
canonizado31
13 O papel das normas na traduccedilatildeo literaacuteria35
14 As teorias da reescritura e das refraccedilotildees41
15 O esquema teoacuterico de Lambert e Van Gorp para descriccedilatildeo de traduccedilotildees
literaacuterias45
16 Paratextos47
2 CULTURA LINGUAGEM E A TRADUCcedilAtildeO DE VARIEDADES LINGUumlIacuteSTICAS
NA LITERATURA50
21 A necessidade de novas traduccedilotildees50
22 Aspectos culturais na traduccedilatildeo55
221 Visotildees de mundo diferenccedilas culturais e juiacutezos de valor55
222 Expressotildees idiomaacuteticas57
223 A sugestividade do tiacutetulo59
224 Nomes proacuteprios61
225 Formas de tratamento e vocativos66
23 Linguagem e traduccedilatildeo68
231 Terminologia e conceitos da Linguumliacutestica68
2311 Idioma68
2312 Liacutengua68
10
2313 Dialeto70
2314 Idioleto71
2315 Variedade linguumliacutestica72
2316 Registro73
2317 Norma-padratildeo76
232 A linguagem na literatura escrita e traduzida78
2321 O prestiacutegio da norma-padratildeo78
2322 Variedades linguumliacutesticas na literatura escrita e traduzida81
24 A traduccedilatildeo de variedades linguumliacutesticas e desvios da norma-padratildeo da liacutengua83
3 OF MICE AND MEN ASPECTOS GERAIS E TRADUCcedilOtildeES 95
31 O escritor John Steinbeck biobibliografia95
32 John Steinbeck no sistema literaacuterio dos Estados Unidos98
33 A obra Of mice and men 102
331 Resumo expandido102
332 A linguagem106
34 Traduccedilotildees de Of mice and men110
35 Os tradutores112
351 Eacuterico Veriacutessimo um escritor-tradutor na Era Vargas112
352 Myriam Campello116
353 Ana Ban117
36 As editoras119
361 A editora da Livraria do Globo120
362 O Ciacuterculo do Livro124
363 A editora LampPM125
4 ANAacuteLISE COMPARATIVA DE TREcircS TRADUCcedilOtildeES DE OF MICE AND MEN
ASPECTOS GERAIS129
41 Dados preliminares130
42 Macroestrutura 134
43 Microestrutura137
44 Contexto sistecircmico147
11
5 A LINGUAGEM DE OF MICE AND MEN NAS TRADUCcedilOtildeES EM PORTUGUEcircS
BRASILEIRO OUTROS ASPECTOS153
51 A linguagem da narrativa153
52 A linguagem dos diaacutelogos159
521 O dialeto dos personagens164
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS179
REFEREcircNCIAS187
ANEXOS197
ANEXO I EDICcedilOtildeES DE OF MICE AND MENRATOS E HOMENS198
A
Of mice and men Oxford Heineman Educational Books Ltd sd 198
B
Ratos e homens Traduccedilatildeo de Eacuterico Veriacutessimo Porto Alegre Livraria do Globo
1940202
C
Ratos e homens Traduccedilatildeo de Myriam Campello Satildeo Paulo Ciacuterculo do Livro
1991205
D
Ratos e homens Traduccedilatildeo de Ana Ban Porto Alegre LPampM 2005208
ANEXO II DADOS DA PECcedilA TEATRAL ENCENADA EM 26 DE SETEMBRO DE
1956 NO TEATRO DE ARENA SAtildeO PAULO211
ANEXO III FILME DIRIGIDO POR GARY SINISE (1992)212
ANEXO IV QUESTIONAacuteRIO RESPONDIDO PELA TRADUTORA ANA
BAN213
ANEXO V
QUESTIONAacuteRIO RESPONDIDO POR IVAN PINHEIRO MACHADO
EDITOR DA LampPM POCKET215
ANEXO VI CRONOLOGIA DA GLOBOLIVROS217
12
INTRODUCcedilAtildeO
Chega mais perto e contempla as palavras cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra e te pergunta sem interesse pela resposta
pobre ou terriacutevel que lhe deres Trouxeste a chave
Carlos Drummond de Andrade
Dentre as modalidades de traduccedilatildeo escrita a traduccedilatildeo literaacuteria constitui um grande
desafio pelo alto grau de subjetividade dos textos de partida a emoccedilatildeo e a sensibilidade satildeo
suas linhas mestras que podem se apoiar em metaacuteforas jogos de palavras e todo tipo de
metalinguagem que pode resultar em interpretaccedilotildees variadas de acordo com os propoacutesitos de
cada autor Nesse acircmbito os gecircneros literaacuterios (eg a poesia o conto o romance etc) por
suas particularidades exigem do tradutor um grande esforccedilo no sentido de preservar ou
adaptar sua estrutura de maneira adequada Cada um desses gecircneros estaacute submetido a uma
forma mais ou menos riacutegida de composiccedilatildeo seguindo ou natildeo as tendecircncias de seu tempo e de
sua cultura e que ao serem traduzidas para outra liacutengua natildeo encontram necessariamente a
mesma tipologia e tradiccedilatildeo na cultura da liacutengua de chegada Outro complicador satildeo os
recursos literaacuterios como ocorre na versificaccedilatildeo (meacutetrica rimas ritmo) e em efeitos sonoros
mais comuns na poesia como a aliteraccedilatildeo e a assonacircncia
O romance embora geralmente liberado das pressotildees da meacutetrica e da rima em
que os efeitos sonoros desempenham um papel menor ainda conteacutem caracteriacutesticas que
representam dificuldades para o tradutor a sugestividade do tiacutetulo os nomes proacuteprios a
composiccedilatildeo dos personagens e suas caracteriacutesticas em relaccedilatildeo com a cultura de chegada as
variedades linguumliacutesticas (idioma liacutengua socioleto dialeto idioleto norma-padratildeo e seus
desvios etc) tom e registro dentre outras A composiccedilatildeo dos personagens aleacutem do seu
aspecto descritivo pode lanccedilar matildeo de outro recurso os efeitos da liacutengua oral com toda a sua
riqueza e peculiaridade que podem caracterizar a informalidade da fala reflexos
momentacircneos da emoccedilatildeo ou mesmo definir o seu perfil por exemplo de acordo com a sua
etnia grupo social niacutevel social gecircnero faixa etaacuteria etc Este uacuteltimo item representa um
grande desafio para o tradutor sobretudo quando a liacutengua ajuda a compor o perfil dos
personagens quando estes fazem uso dela em diaacutelogos ou monoacutelogos com efeitos muitas
vezes caracteriacutesticos da expressatildeo oral com toda a sua riqueza e peculiaridade em situaccedilotildees
do discurso que expressam principalmente os niacuteveis formal e informal da fala
13
O presente estudo por isso realizaraacute uma investigaccedilatildeo detalhada do fenocircmeno
traduccedilatildeo de uma variedade linguumliacutestica estigmatizada1 do inglecircs escrita representando a
oralidade e submetida a variaacuteveis que influenciam o modo como as traduccedilotildees satildeo elaboradas
o proacuteprio autor e a sua obra (o texto de partida) a subjetividade de quem traduz as
preferecircncias do puacuteblico leitor e os agentes institucionais Estas variaacuteveis estatildeo submetidas a
outros itens fundamentais a cultura e o tempo que satildeo determinantes sobre as transformaccedilotildees
da liacutengua e as preferecircncias e o gosto em relaccedilatildeo aos seus usos
Cada tradutor representa um universo sem igual idiossincraacutetico e sua
subjetividade e personalidade se refletem no seu produto voluntaacuteria ou involuntariamente Se
um mesmo texto for traduzido por vaacuterias pessoas o resultado disso seratildeo novos textos
diferentes entre si Portanto este estudo utilizaraacute o romance Of mice and men de John
Steinbeck em trecircs traduccedilotildees brasileiras para a liacutengua portuguesa todas sob o tiacutetulo Ratos e
homens a primeira publicada em 1940 pela editora Livraria do Globo
Porto Alegre
RS
de Eacuterico Veriacutessimo2 a segunda de Myriam Campello publicada em 1991 pela editora
Ciacuterculo do Livro
Satildeo Paulo SP e a terceira de Ana Ban publicada em 2005 pela editora
LampPM
Porto Alegre
RS as quais seratildeo analisadas e comparadas a fim de se verificar as
motivaccedilotildees e escolhas de cada tradutor ou dos agentes institucionais levando em
consideraccedilatildeo as barreiras e limitaccedilotildees de duas culturas diferentes nesse intercacircmbio e a
dinacircmica das liacutenguas Deste modo percebe-se de um lado o escritor John Steinbeck a eacutepoca
do lanccedilamento do seu livro Of mice and men (1937) e seu puacuteblico leitor angloacutefono de outro
1 Variedade linguumliacutestica estigmatizada
conforme proposta terminoloacutegica de Marcos Bagno Na literatura sociolinguumliacutestica eacute comum opor prestiacutegio a estigma O estigma em termos socioloacutegicos eacute um julgamento extremamente negativo lanccedilado pelos grupos sociais dominantes sobre os grupos subalternos e oprimidos e por extensatildeo sobre tudo o que caracteriza seu modo de ser sua cultura e obviamente sua liacutengua Assim para designar as variedades linguumliacutesticas que caracterizam os grupos sociais desprestigiados do Brasil () sugiro que a gente passe a empregar a expressatildeo variedades estigmatizadas (BAGNO 2005 67)
Bagno se refere agraves variedades linguumliacutesticas dos grupos sociais desprestigiados do Brasil entretanto por se entender que a questatildeo prestiacutegio versus estigma se trata de um fenocircmeno comum a vaacuterias sociedades humanas inclusive agrave sociedade estadunidense o termo variedade linguumliacutestica estigmatizada ganhou amplitude aqui aplicando-se tambeacutem ao dialeto da liacutengua inglesa usado pelos personagens de Of mice and men de John Steinbeck foco desta dissertaccedilatildeo de mestrado Outros termos de uso frequumlente neste trabalho oriundos da Linguumliacutestica (idioma liacutengua variedade linguumliacutestica dialeto registro tom etc) seratildeo discutidos e conceituados no capiacutetulo 2
2 Outra editora que tambeacutem publicou a traduccedilatildeo de Eacuterico Veriacutessimo de Of mice and men (1968) foi a Bruguera Segundo Liacutevio Lima de Oliveira (2007 5) a Bruguera era outra editora importante que surgiu em meados de 1970 e tentou conquistar o puacuteblico com uma coleccedilatildeo de livros de bolso Tratava-se de uma filial de uma grande editora argentina comandada por Francisco Bruguera em Buenos Aires Fazia parte da sua coleccedilatildeo o cataacutelogo Livro Amigo constituiacutedo por ficccedilatildeo brasileira e estrangeira (a maioria jaacute em domiacutenio puacuteblico) e anunciava um novo tiacutetulo a cada quinze dias conforme Hallewell (1985 564) e Coutinho apud Oliveira (2007 5) A traduccedilatildeo de 1940 portanto foi atualizada na ediccedilatildeo de 1968 por causa da vigecircncia de outro acordo ortograacutefico da liacutengua portuguesa de 1942
14
os tradutores Eacuterico Veriacutessimo Myriam Campello e Ana Ban cada qual com seu puacuteblico leitor
brasileiro situado em eacutepocas distintas (deacutecadas de 1940 1960 1990 e anos 2000
respectivamente) e suas traduccedilotildees
A metodologia de anaacutelise das traduccedilotildees utilizada adota o esquema descritivo de
Lambert e Van Gorp (1985 42-53) disposto em quatro estaacutegios nesta ordem dados
preliminares macroestrutura microestrutura e contexto sistecircmico3 Este esquema favorece o
estudo dos resultados na investigaccedilatildeo de fatores de influecircncia sobre as traduccedilotildees em questatildeo
em aspectos amplos incluindo-se natildeo apenas as estrateacutegias dos tradutores mas tambeacutem as
dos agentes institucionais (editoras revisores) o mercado de consumo e o proacuteprio produto
publicado (a traduccedilatildeo) dentre outros componentes de decisatildeo no processo tradutoacuterio
Os exemplos para anaacutelise seratildeo selecionados considerando-se trechos do texto de
partida em que a liacutengua inglesa esteja expressa no dialeto inglecircs mencionado acima em
diaacutelogos mas tambeacutem onde houver trechos relevantes da narrativa em inglecircs padratildeo (a
tipologia textual onde predomina a escrita formal de prestiacutegio em contraste com aquela
variedade linguumliacutestica estigmatizada caracteriacutestica da liacutengua falada) De ambos os registros
linguumliacutesticos ou no texto como um todo outros itens que representem problemas de traduccedilatildeo
seratildeo expostos como o tiacutetulo os nomes proacuteprios itens lexicais dentre outros
Visando esclarecer questotildees pertinentes agraves traduccedilotildees sob o ponto de vista dos
tradutores e das suas respectivas editoras haacute neste trabalho dados obtidos por pesquisa em
registros diversos em documentos impressos (pesquisa bibliograacutefica) na rede mundial de
computadores a Internet Os questionaacuterios foram utilizados com o objetivo de complementar
dados como as estrateacutegias de cada tradutor e as poliacuteticas de cada editora
Eacute sempre interessante buscar informaccedilotildees sobre os profissionais da traduccedilatildeo a
fim de consolidar a pesquisa com argumentos e justificativas de quem realizou o trabalho No
caso de Eacuterico Veriacutessimo jaacute falecido as alternativas foram a pesquisa bibliograacutefica e a busca
na Internet Quanto agraves tradutoras Myriam Campello e Ana Ban tentou-se em primeiro lugar
realizar contatos pessoais A partir dessas tentativas apenas se conseguiu comunicaccedilatildeo com
Ana Ban que respondeu a um questionaacuterio enviado por e-mail Os dados obtidos esclarecem
questotildees por exemplo sobre a composiccedilatildeo de seu perfil como tradutora sua argumentaccedilatildeo
sobre algumas soluccedilotildees e preferecircncias na traduccedilatildeo de Of mice and men informaccedilotildees de
motivaccedilatildeo mercadoloacutegica mencionando quais criteacuterios foram utilizados para publicar sua
traduccedilatildeo e ateacute que ponto ela teve autonomia para executar a sua tarefa De modo similar foi
3 Preliminary Data Macro-Level Micro-Level Systemic Context
15
obtido contato com a Editora LampPM representada por Ivan Pinheiro Machado o qual
tambeacutem respondeu a um questionaacuterio enviado por e-mail tambeacutem com questotildees que
abrangiam o mesmo assunto mas na perspectiva do editor Visto que a editora Ciacuterculo do
Livro jaacute natildeo mais existe as informaccedilotildees sobre ela foram obtidas apenas pelas vias da pesquisa
bibliograacutefica e da Internet o que aliaacutes foi tambeacutem o caminho da pesquisa sobre a Editora do
Globo de Porto Alegre incorporada agraves Organizaccedilotildees Globo em 1986 (TORRESINI 1998
apud TORRESINI 2004 12)
A escolha de Of mice and men como objeto deste estudo se deve por ser de um
autor premiado John Steinbeck (por exemplo precircmios Pulitzer de 1940 e Nobel de 1962)
reconhecido mundialmente com obras traduzidas para vaacuterios idiomas De acordo com
Goldstone e Payne (1974) apud Holmes (2004 22-40) Of mice and men destaca-se entre as
obras mais conhecidas e traduzidas de Steinbeck aleacutem de apresentar personagens que
utilizam em seus diaacutelogos uma variedade linguumliacutestica regional e estigmatizada do inglecircs
estadunidense O autor procurou representar na escrita dos diaacutelogos as marcas da oralidade o
que pelos motivos apresentados aqui pode ser um problema relevante para o tradutor
literaacuterio Essa linguagem estaacute diretamente ligada ao contexto sociocultural em que a histoacuteria
se passa (zona rural da Califoacuternia Estados Unidos deacutecada de 1930 no periacuteodo da Grande
Depressatildeo) o que pode derivar outras questotildees para o estudo de traduccedilotildees O problema da
traduccedilatildeo da oralidade como seraacute visto estaacute relacionado a como diferentes tradutores
encontram suas soluccedilotildees diante da sua perspectiva pessoal e de valores agregados conforme
seu tempo sua cultura e outras variaacuteveis que podem exercer influecircncia sobre o modo de
traduzir como os agentes institucionais
Durante as anaacutelises das trecircs traduccedilotildees supracitadas por conseguinte foram
constatados diferentes tratamentos dados a esse dialeto por parte de cada tradutor resultando
em diferenccedilas notaacuteveis principalmente no niacutevel do registro escolhido decrescente em grau de
formalidade desde a traduccedilatildeo de Veriacutessimo (1940) passando pelo trabalho de Myriam
Campello (1991) ateacute a traduccedilatildeo de Ana Ban (2005) esta a que mais tenta se aproximar do
niacutevel de linguagem do texto de partida Um dos problemas levantados considera o estudo de
John Milton (2002) sobre romances claacutessicos traduzidos para o portuguecircs entre 1945 e 1975
em que ele salienta que a praacutetica do mercado editorial brasileiro tentava evitar a maacutecula dos
desvios da norma-padratildeo do portuguecircs em traduccedilotildees de romances claacutessicos estrangeiros As
razotildees para essa conduta
anular variedades linguumliacutesticas de baixo prestiacutegio
merecem
portanto serem abordados de forma mais sistemaacutetica
16
As especificidades de uma liacutengua na sua tentativa de transposiccedilatildeo para outra
podem se revelar inconciliaacuteveis e apenas remediadas em compensaccedilotildees perdas e acreacutescimos
(manipulaccedilotildees) em virtude das diferenccedilas entre as culturas do texto de partida e do texto de
chegada Assim por exemplo considerando-se o caraacuteter evolutivo das liacutenguas dentro das
perspectivas histoacuterica geograacutefica e sociolinguumliacutestica algueacutem poderia cogitar ao traduzir ser
possiacutevel encontrar ou ateacute mesmo criar uma variedade linguumliacutestica correspondente agrave do texto
de partida Por outro lado haveria tambeacutem a opccedilatildeo de estrangeirizaacute-la (VENUTTI 1998
240-244) O que importa saber no tocante a qualquer uma dessas opccedilotildees eacute ateacute onde isso seria
possiacutevel e adequado se o que realmente se almeja eacute ser fiel ao texto original ou de outro
modo lanccedilar matildeo de algumas liberdades e traiccedilotildees segundo a cultura do puacuteblico leitor da
traduccedilatildeo
Quando se considera o puacuteblico leitor a recepccedilatildeo eacute notaacutevel o fato de que se o
objetivo de um tradutor eacute ser lido e remunerado por seu trabalho o seu produto deveraacute
alcanccedilar uma ampla divulgaccedilatildeo e a maneira mais comum eacute fazer isso pelo lado comercial O
tradutor entatildeo natildeo poderaacute mais realizar sua tarefa a seu bel-prazer e deveraacute submeter-se a
certas tendecircncias de mercado e agraves normas expliacutecitas e impliacutecitas dos agentes institucionais
que envolvem por exemplo a editora que conta com suas normas para publicaccedilatildeo (projetos
de traduccedilatildeo) e revisores e a complexa rede que compotildee a sociedade seu tempo seu espaccedilo e
sua cultura Para refletir sobre esses aspectos pode-se encontrar respaldo na teoria dos
polissistemas literaacuterios idealizada e discutida por intelectuais como Itamar Even-Zohar
Gideon Toury e Andreacute Lefevere que entendem a Literatura como um sistema manipulado
obedecendo a regras e restriccedilotildees ditadas pela cultura das sociedades num tempo e num
espaccedilo determinados
Esta dissertaccedilatildeo eacute composta de seis capiacutetulos No Capiacutetulo 1 seratildeo apresentadas
consideraccedilotildees gerais sobre traduccedilatildeo da teoria dos polissistemas A partir daiacute seraacute configurado
um segundo momento da exposiccedilatildeo em que se discorreraacute sobre essa teoria no que concerne a
sua origem seus fundamentos e seus desmembramentos aleacutem de se explorar em detalhes as
colocaccedilotildees de alguns teoacutericos dessa corrente que abordam o conceito de polissistema a
traduccedilatildeo como reescritura razotildees e criteacuterios que justificam novas traduccedilotildees Tambeacutem faratildeo
parte deste arcabouccedilo teoacuterico consideraccedilotildees sobre o esquema de anaacutelise descritiva de
traduccedilotildees de Lambert e Van Gorp (1985)
O capiacutetulo 2 se divide em trecircs partes Na primeira parte satildeo feitas reflexotildees sobre
dificuldades que o tradutor encontra na traduccedilatildeo literaacuteria e sobre o caraacuteter temporaacuterio das
traduccedilotildees devido agraves inconstacircncias da liacutengua sob influecircncia da cultura e do tempo tornando
17
necessaacuteria a renovaccedilatildeo pelo surgimento de novas traduccedilotildees de uma mesma obra Na segunda
parte satildeo abordadas questotildees da linguagem no que concerne a conceitos da Linguumliacutestica
adotados nesta dissertaccedilatildeo e os usos da liacutengua na literatura como problema de traduccedilatildeo E na
terceira parte seraacute dado um tratamento mais especiacutefico da linguagem na traduccedilatildeo dedicada agrave
traduccedilatildeo de variedades linguumliacutesticas estigmatizadas na literatura
No capiacutetulo 3 seratildeo apresentados o texto de partida e suas respectivas traduccedilotildees
Essas informaccedilotildees incluem a biobibliografia do autor John Steinbeck sua presenccedila no sistema
literaacuterio estadunidense e sua repercussatildeo perante a criacutetica e o puacuteblico mundial aleacutem de dados
sobre os tradutores brasileiros as editoras e os diferentes contextos em que o texto de partida
e suas reescrituras foram produzidos
No capiacutetulo 4 o esquema teoacuterico de descriccedilatildeo de traduccedilotildees literaacuterias de Lambert e
Van Gorp (1985) seraacute adotado como ponto de partida para uma anaacutelise comparativa do texto
de partida e suas respectivas traduccedilotildees
O capiacutetulo 5 trataraacute de questotildees de estilo e linguagem das traduccedilotildees analisadas
sobretudo a traduccedilatildeo do dialeto utilizado pelos personagens de Of mice and men
O capiacutetulo 6 constituiraacute as Consideraccedilotildees Finais em que satildeo retomados os
principais aspectos do trabalho desenvolvido com enfoque sobre os resultados das anaacutelises
das traduccedilotildees e seu respectivo texto de partida
Natildeo haacute a pretensatildeo aqui de apenas descrever o que ocorre nessas trecircs traduccedilotildees
publicadas mas sim comparaacute-las criticamente tentando interpretar cada texto no sentido de
examinar o comportamento e as tendecircncias de cada tradutor em suas escolhas tradutoacuterias Tais
interpretaccedilotildees poderatildeo gerar pontos de vista relevantes aos profissionais da traduccedilatildeo que se
depararem com a questatildeo da traduccedilatildeo de dialetos de baixo prestiacutegio deixando espaccedilo para
futuras pesquisas nesse campo onde a abordagem natildeo tenha se mostrado suficiente ou ateacute
mesmo onde ela seja omissa
18
1 CONSIDERACcedilOtildeES SOBRE A ATIVIDADE TRADUTOacuteRIA E FUNDAMENTOS
DA TEORIA DOS POLISSISTEMAS
Por entre as linhas incautas da leitura ideacuteia insidiosa se insinua
como se sugerisse um outro texto mais vivo extremo e verdadeiro
Paulo Henriques Britto
Este capiacutetulo destaca alguns pontos a respeito de pensamentos e tendecircncias acerca
da traduccedilatildeo dentro de um percurso histoacuterico que se estende ateacute o seacuteculo XX com o advento
dos estudos poacutes-coloniais Esta exposiccedilatildeo visa abordar alguns aspectos sobre como a
atividade tradutoacuteria viveu momentos diferentes transiccedilotildees e mudanccedilas de pensamento e
atitude ateacute a chegada dos pressupostos teoacutericos mais relevantes para este trabalho de
dissertaccedilatildeo a teoria dos polissistemas As reflexotildees advindas de um passado mais remoto
contrastadas com essa teoria criada no final da deacutecada de 1970 pelo israelense Itamar Even-
Zohar deixam entrever repercussotildees ou ecos que ainda satildeo percebidos hoje como no caso
especiacutefico da influecircncia francesa na cultura brasileira via Portugal por meio do classicismo
das belles infidegraveles conforme estudos de Milton (1998 e 2002) Daiacute cogita-se por exemplo
que em traduccedilotildees anteriores ao surgimento da teoria dos polissistemas (caso da traduccedilatildeo de Of
mice and men por Eacuterico Veriacutessimo de 1940) a forccedila dessa influecircncia francesa seria mais
marcante
Com o advento dos estudos poacutes-coloniais jaacute no seacuteculo XX a postura criacutetica sobre
a literatura a linguumliacutestica e o modus operandi tradicional no traduzir deu gecircnese a outros
fundamentos como por exemplo o formalismo russo uma fonte que Even-Zohar utilizou
para criar a sua teoria embasada no conceito de sistemas A partir desse ponto seraacute dado maior
destaque aos fundamentos teoacutericos da teoria dos polissistemas aperfeiccediloada por Gideon
Toury e explorada por outros estudiosos em suas derivaccedilotildees encontradas por exemplo na
teoria das refraccedilotildees e da teoria da reescritura de Andreacute Lefevere Neste acircmbito Lambert e
Van Gorp (1985 42-53) propotildeem um esquema teoacuterico de descriccedilatildeo de traduccedilotildees literaacuterias o
qual seraacute tambeacutem apresentado
19
11 A atividade tradutoacuteria algumas consideraccedilotildees
Por muitos seacuteculos desde a origem das liacutenguas e da inserccedilatildeo e inter-relaccedilatildeo do
homem nas mais diversas culturas e sua necessidade de comunicar e fazer-se entender a
traduccedilatildeo lhe serviu para esse fim Observando-se a atividade tradutoacuteria no percurso histoacuterico
vaacuterias opiniotildees e pontos de vista jaacute foram emitidos Na tradiccedilatildeo ocidental desde a
Antiguumlidade passando pela Idade Meacutedia e Renascimento a ideacuteia central sobre o tradutor e a
traduccedilatildeo escrita estaacute associada agrave imitaccedilatildeo do texto original e ao respeito profundo ao seu
autor Durante os seacuteculos XVII e XVIII destacam-se duas tendecircncias com caracteriacutesticas bem
particulares na Inglaterra o periacuteodo Augustan e na Franccedila a corrente das belles infidegraveles
Milton (1998) aborda o periacuteodo Augustan situando-o numa atitude dos tradutores
ingleses que tendiam a fazer versotildees livres ou libertinas mas que natildeo assinalavam a
liberdade completa Bassnett (2003 104) exemplifica isso com John Denham o qual via
igualdade entre o tradutor e o autor original que operavam em contextos sociais e temporais
bem diferenciados Ele salientava que o dever do tradutor seria extrair do texto de partida
aquilo que considera ser o nuacutecleo essencial da obra e reproduzir ou recriar a obra na liacutengua
de chegada De maneira geral os tradutores do classicismo inglecircs estatildeo ligados a uma teoria
em que haacute certo balanccedilo certa flexibilidade no tocante agrave traduccedilatildeo por vezes mais riacutegida
outras vezes mais livre segundo a sensibilidade de quem a executa Assim os Augustans
fornecem subsiacutedios para reflexatildeo no tocante a essa certa liberdade tradutoacuteria num pecircndulo
que oscila entre a obediecircncia servil ao autor e ao gosto do puacuteblico
Essa preocupaccedilatildeo com o gosto do puacuteblico se acentua nos tradutores franceses
dos seacuteculos XVII e XVIII fazendo com que a liberdade relativa nos ingleses encontrasse
toda a sua forccedila e plenitude na Franccedila das belles infidegraveles Assim os franceses a fim de
chegar agrave clareza de expressatildeo e agrave harmonia de som muitas vezes faziam acreacutescimos
alteraccedilotildees e omissotildees nas suas traduccedilotildees (MILTON 1998 55) Seligmann-Silva (2003)
afirma que naquela eacutepoca a traduccedilatildeo era basicamente concebida como imitaccedilatildeo de um
original pensada no sentido da tradiccedilatildeo claacutessica renascentista de imitaccedilatildeo vinculada ao
trabalho de eleiccedilatildeo imitaccedilatildeo que embeleza o modelo segundo a tradiccedilatildeo da Antiguumlidade de
que natildeo existe mimesis sem criaccedilatildeo poiesis No caso das traduccedilotildees do francecircs Perrot
d Ablancourt o que importa tambeacutem eacute a recepccedilatildeo ou seja agradar o leitor
Segundo Bassnett (2003 8) na Europa imperialista do seacuteculo XIX quando o seu
mundo conquistado se repartia em colocircnias constituiacutedas nas Ameacutericas Aacutefrica Aacutesia e
20
Oceania surge uma concepccedilatildeo marcante de traduccedilatildeo que continha ideacuteias associaacuteveis ao
colonialismo
um original era sempre visto como superior agrave sua coacutepia precisamente do mesmo modo que o modelo do colonialismo se baseava na noccedilatildeo da apropriaccedilatildeo de uma cultura inferior por uma cultura superior Como tal a traduccedilatildeo estava condenada a ocupar uma posiccedilatildeo de inferioridade relativamente ao texto de partida do qual se considerava proveniente
Desse modo o tradutor mantinha uma relaccedilatildeo servil com o texto de partida
supostamente superior ao texto traduzido agrave maneira de Dante Gabriel Rossetti apud Bassnett
(2003 22-23) em sua afirmaccedilatildeo de que o tradutor
fosse dono de sua proacutepria vontade e muitas vezes teria aproveitado determinada graccedila especial do seu idioma e da sua eacutepoca muitas vezes determinado ritmo lhe teria servido se natildeo fosse a estrutura do autor
ou determinada estrutura se natildeo fosse o ritmo do autor
Numa outra postura o tradutor tomaria o texto do original para ser melhorado e
civilizado conforme Edward Fitzgerald apud Bassnett (2003 23) Eacute para mim um deleite
seja que liberdades forem com estes persas que (penso eu) natildeo satildeo Poetas o suficiente para
intimidarem quem o queira fazer e que realmente carecem de um pouco de Arte para lhes dar
o retoque final
Agrave medida que o seacuteculo XX se aproximava percebiam-se mudanccedilas de natureza e
de metodologia nos estudos literaacuterios rompendo os limites da Europa Para Bassnett (2003
XX-XXI) essas transformaccedilotildees tambeacutem eram percebidas nos estudos de traduccedilatildeo antes de
caraacuteter demasiadamente eurocecircntrico agora com ramificaccedilotildees por exemplo na Iacutendia na
China nos paiacuteses aacuterabes na Ameacuterica Latina e na Aacutefrica Houve uma ecircnfase no fator
ideoloacutegico e tambeacutem no linguumliacutestico abrindo caminho para discussotildees bem amplas segundo o
discurso poacutes-colonial
Bassnett e Trivedi (1999 1-18) afirmam que durante o periacuteodo poacutes-colonial as
ex-colocircnias comeccedilaram a rebater as tendecircncias eurocecircntricas fazendo surgir conceitos
radicais de traduccedilatildeo Isso fica demonstrado por exemplo nas traduccedilotildees de feministas
canadenses na presenccedila do Brasil e da escola indiana de traduccedilatildeo os quais propuseram
modos alternativos de se referir agrave traduccedilatildeo em vez de trataacute-la como uma atividade
marginalizada Bassnett (2003 XX-XXI) cita alguns exemplos dessa nova tendecircncia de
pensamento como a perspectiva de Wole Soyinka ao perceber o racismo impliacutecito em textos
literaacuterios ou a metaacutefora brasileira do canibalismo cunhada pelo movimento modernista a
21
antropofagia a imagem do tradutor como canibal devorando o texto original num ritual que
resulta na criaccedilatildeo de algo completamente novo ou seja
os antropoacutefagos natildeo desejam copiar a cultura Europeacuteia mas devoraacute-la aproveitando seus aspectos positivos e rejeitando os negativos criando uma cultura nacional original que seria uma fonte de expressatildeo artiacutestica em vez de um receptaacuteculo de formas de expressatildeo cultural elaboradas em outro lugar (JOHNSON 1987 apud BASSNETT e LEFEVERE 1998 128-129)4
A questatildeo da ideologia comeccedila a ser discutida com mais ecircnfase numa posiccedilatildeo de
confronto em relaccedilatildeo agraves normas europeacuteias de se compreender as questotildees ligadas agrave praacutetica
tradutoacuteria por exemplo a velha visatildeo imperialista sobre o estatuto inferior das traduccedilotildees
frente aos originais Conforme Bassnett e Trivedi (1999 5) a traduccedilatildeo foi por seacuteculos um
processo de matildeo uacutenica em que os textos eram traduzidos para as liacutenguas europeacuteias e para o
consumo europeu ao inveacutes de se constituir um processo de intercacircmbio verdadeiro reciacuteproco
Surgiu a metaacutefora da colocircnia como traduccedilatildeo ou seja os paiacuteses colonizados eram a coacutepia
(traduccedilatildeo) de um original (Europa) Algumas dicotomias principalmente nas questotildees
literaacuterias como centro (Europa) versus periferia (Impeacuterio) sistema canonizado versus sistema
natildeo canonizado forccedilas conservadoras versus forccedilas inovadoras etc ao serem debatidas
deram margem ao surgimento de novas teorias que enxergavam as sociedades e a cultura
como elementos dinacircmicos que interagem e se influenciam de modo reciacuteproco
Os formalistas russos
sobretudo com os trabalhos de Tynianov entre outros na
deacutecada de 1920 foram os primeiros a entenderem a literatura como sistema A ideacuteia central eacute
a de que nesse sistema sempre existem disputas entre forccedilas conservadoras e inovadoras
entre obras canonizadas e natildeo canonizadas entre modelos no centro do sistema e modelos na
periferia e entre as vaacuterias tendecircncias e gecircneros (MILTON 1998 184) e que o texto literaacuterio
natildeo constitui um fato estaacutetico e isolado mas parte de uma tradiccedilatildeo e de um processo
comunicativo (FOKKEMA apud VIEIRA 1996 106) A vertente estruturalista do Ciacuterculo
Linguumliacutestico de Praga por sua vez retomou alguns conceitos dos formalistas russos e
valorizava a traduccedilatildeo como uma tarefa complexa difiacutecil que para o seu desempenho
necessitava de muito mais que o mero conhecimento multilinguumliacutestico
A partir da deacutecada de 1960 houve mudanccedilas importantes na aacuterea dos estudos de
traduccedilatildeo graccedilas agrave crescente aceitaccedilatildeo da Linguumliacutestica e da Estiliacutestica como elementos
relevantes no estudo da criacutetica literaacuteria e tambeacutem pela influecircncia do formalismo russo e do
4 The antropofagos do not want to copy European culture but rather to devour it taking advantage of its positive aspects rejecting the negative and creating an original national culture that would be a source of artistic expression rather than a receptacle for forms of cultural expression elaborated elsewhere
22
ciacuterculo linguumliacutestico de Praga Surgem daiacute a teoria da recepccedilatildeo de Jauss e Iser (Escola de
Constacircncia) de abordagem geral a teoria dos polissistemas de Itamar Even-Zohar e Gideon
Toury bem como as teorias da reescritura e das refraccedilotildees de Andreacute Lefevere Estas trecircs
uacuteltimas estatildeo geralmente associadas aos estudos de traduccedilatildeo (VIEIRA 1996 106) Durante
esse tempo os conceitos de equivalecircncia e fidelidade por exemplo foram redefinidos
relativizados e o leitor e a recepccedilatildeo ocuparam papeacuteis importantes para o processo tradutoacuterio
graccedilas a ideacuteias herdadas do Poacutes-Estruturalismo de intelectuais franceses como Jacques
Derrida Michel Foucault e Roland Barthes
A tomada de consciecircncia por parte dos estudiosos da traduccedilatildeo comeccedilou a explorar
os textos traduzidos identificando neles a presenccedila do discurso ideoloacutegico Um exemplo disso
eacute a coletacircnea de ensaios de Theo Hermans publicada em 1985 intitulada The Manipulation of
Literature e seus colaboradores afirmavam que a traduccedilatildeo tal como a criacutetica a ediccedilatildeo e
outras formas de reescrita eacute um processo manipulador (BASSNETT 2003 XVII) Essa
manipulaccedilatildeo pode ser explicada da seguinte forma5
a escrita natildeo acontece num vaacutecuo mas num contexto e o processo de traduzir textos de um sistema cultural para outro natildeo eacute uma atividade neutra inocente transparente Pelo contraacuterio a traduccedilatildeo eacute uma atividade altamente controlada e transgressiva assim as poliacuteticas da traduccedilatildeo e do traduzir merecem uma atenccedilatildeo muito maior do que receberam no passado A traduccedilatildeo tem exercido um papel fundamental na mudanccedila cultural e quando consideramos a praacutetica tradutoacuteria diacronicamente podemos aprender muito acerca da posiccedilatildeo das culturas receptoras em relaccedilatildeo agraves culturas do texto de partida (BASSNETT 1993 160)6
Tambeacutem Lefevere apud Bassnett (2003 XXIII) se refere agrave traduccedilatildeo como um
dos processos de manipulaccedilatildeo literaacuteria uma vez que os textos satildeo reescritos atravessando
fronteiras linguumliacutesticas e que essa reescrita ocorre num contexto histoacuterico-cultural definido E
Lia Wyler (2003 11) por sua vez estabelece que toda reescritura () reflete uma certa
ideologia e uma poeacutetica cuja funccedilatildeo eacute levar o receptor a reagir de uma dada maneira Para
Moya apud Santos (2008 9) as ideacuteias contidas em The Manipulation of Literature
sintetizam reuacutenem e fundem duas correntes de pensamento sobre a traduccedilatildeo estabelecidas jaacute
no final da deacutecada de 1970 os Estudos de Traduccedilatildeo de James Holmes em Amsterdam e a
5 Todos os textos em inglecircs ou outra liacutengua em notas de rodapeacute foram traduzidos pelo autor desta dissertaccedilatildeo exceto em alguns casos quando a autoria dessas traduccedilotildees eacute referida
6 Writing does not happen in a vacuum it happens in a context and the process of translating texts from one cultural system into another is not a neutral innocent transparent activity Translation is instead a highly charged transgressive activity and the politics of translation and translating deserve much greater attention than has been paid in the past Translation has played a fundamental role in cultural change and as we consider the diachronics of translation practice we can learn a great deal about the position of receiving cultures in relation to source text cultures
23
teoria dos polissistemas de Itamar Even-Zohar e Gideon Toury do grupo de Tel-Aviv
Forma-se entatildeo a Escola de Manipulaccedilatildeo embora haja algumas divergecircncias com essa
classificaccedilatildeo Tambeacutem satildeo considerados integrantes da Escola de Manipulaccedilatildeo intelectuais
como Andreacute Lefevere Joseacute Lambert Susan Bassnett entre outros
12 A teoria dos polissistemas
121 Fundamentos
A teoria dos polissistemas foi desenvolvida por Itamar Even-Zohar a qual
recebeu tambeacutem a contribuiccedilatildeo de Gideon Toury consolidando-se no final da deacutecada de
1970 Os teoacutericos desta linha vecircem a literatura como um sistema dinacircmico e complexo em
que os valores mudam constantemente em relaccedilatildeo agraves vaacuterias obras e gecircneros Uma traduccedilatildeo
portanto natildeo pode ser analisada isoladamente mas eacute vista como parte de uma rede de
relaccedilotildees que inclui todos os aspectos da liacutengua de partida e este papel pode ser central ou
perifeacuterico dentro do sistema de chegada Esses teoacutericos tambeacutem fazem suas reflexotildees sob o
prisma da recepccedilatildeo diferentemente do dogma antigo que relegava agraves traduccedilotildees um papel
menor ancilar e que se preocupava essencialmente com o original refletido com
fidelidade Tambeacutem se antes o tradutor deveria ficar invisiacutevel e submisso ao texto de
partida agora deixaria suas marcas visiacuteveis numa posiccedilatildeo de elemento criador e criativo
Outro nome importante dessa teoria eacute o de Andreacute Lefevere um autor que demonstra uma
preocupaccedilatildeo maior com as implicaccedilotildees ideoloacutegicas da traduccedilatildeo tendo desenvolvido
ramificaccedilotildees da teoria dos polissistemas ou seja a teoria da reescritura que analisa os
mecanismos de poder e a teoria das refraccedilotildees7 relacionada ao conceito de sistema
As bases da teoria dos polissistemas encontram-se principalmente no formalismo
russo e no ciacuterculo linguumliacutestico de Praga A teoria dos polissistemas (ou abordagem sistecircmica)
contribuiu muito para o estabelecimento dos estudos de traduccedilatildeo como disciplina seacuteria a partir
dos anos de 1980 quando houve um grande despertar de interesse pela teoria e praacutetica da
traduccedilatildeo Ao lado da teoria da recepccedilatildeo ajudou a instituir os novos paradigmas que fizeram
com que os estudos de traduccedilatildeo abandonassem os antigos referenciais centrados em estudos
7 Embora apresentem caracteriacutesticas especiacuteficas que as definem a teoria da reescritura e a teoria das refraccedilotildees podem ser entendidas como ramificaccedilotildees da teoria dos polissistemas conforme explicaccedilatildeo dada mais adiante ainda neste capiacutetulo
24
estritamente linguumliacutesticos que se preocupavam essencialmente em avaliar e prescrever as
traduccedilotildees e que destacavam conceitos como equivalecircncia e fidelidade ao texto de partida
Even-Zohar (1990 9-10) entendia que os sistemas semioacuteticos (cultura linguagem literatura
sociedade por exemplo) poderiam ser mais bem compreendidos e estudados se fossem
considerados como sistemas em vez de meros conglomerados de elementos diferentes entre si
e adotou uma abordagem funcionalista baseada em relaccedilotildees que podiam ser vistas entre tais
elementos
Uma postura anterior positivista reunia dados e confiava no empirismo levando
em conta a sua substacircncia material Segundo Even-Zohar (1990) a abordagem funcionalista
baseada nas relaccedilotildees portanto tomou o lugar do positivismo possibilitando conjeturar
hipoacuteteses sobre como os vaacuterios agregados semioacuteticos operavam abrindo-se um caminho para
perceber leis que regem a diversidade e complexidade dos fenocircmenos em vez de apenas
registraacute-los e classificaacute-los Deste modo os elementos semioacuteticos comeccedilaram a ser analisados
natildeo soacute pelo espectro diacrocircnico e sincrocircnico mas tambeacutem por sua dinacircmica complexa de
inter-relaccedilotildees Essa rede de inter-relaccedilotildees eacute integrada por esses elementos semioacuteticos cada
qual dentro de seu sistema se existem interaccedilotildees entre esses sistemas pode-se compreender a
soma desses sistemas como um polissistema
Um polissistema entatildeo eacute uma estrutura aberta composta de vaacuterios sistemas ou
redes simultacircneas de relaccedilotildees que se interpenetram e se sobrepotildeem em um processo
incessante dinacircmico e flexiacutevel (EVEN-ZOHAR 1990) Nesses sistemas haacute uma organizaccedilatildeo
hieraacuterquica em funccedilatildeo das relaccedilotildees de poder neles existentes Haacute num polissistema portanto
uma posiccedilatildeo dominante central e posiccedilotildees perifeacutericas variando em seu grau de forccedila A isso
Even-Zohar chamou de sistema canonizado (central mais forte) e de sistemas natildeo
canonizados (perifeacutericos mais fracos)
Os elementos do polissistema entretanto estatildeo em luta incessante Nessa disputa
elementos outrora perifeacutericos podem ganhar forccedila e se constituiacuterem como centrais
canonizando-se Por outro lado se houver a perda da posiccedilatildeo hegemocircnica haacute a
descanonizaccedilatildeo Num sistema literaacuterio por exemplo valores esteacuteticos constituiacutedos
anteriormente valorizados podem sentir a accedilatildeo de mudanccedilas provocadas por certas forccedilas
diversas e dinacircmicas como o tempo e a cultura e perder forccedila cedendo lugar a novos valores
mais prestigiados
A vertente da teoria dos polissistemas de caraacuteter descritivista que foi
desenvolvida em meados da deacutecada de 1970 por nomes como Gideon Toury Andreacute Lefevere
Joseacute Lambert Theo Hermans Dirk Delabastita e Lieven D hulst e que se fundamenta no
25
entendimento de que a traduccedilatildeo eacute orientada por normas culturais e histoacutericas isto eacute trata-se
de uma atividade influenciada por diferentes contextos socioculturais localizados em certos
momentos histoacutericos Essa influecircncia se faz por exemplo sobre as motivaccedilotildees e a escolha dos
textos a serem traduzidos visando propoacutesitos preacute-determinados O processo tradutoacuterio
depende tambeacutem de certas orientaccedilotildees recomendaccedilotildees ou mesmo a censura por parte da
editora ou de outros agentes institucionais Outras questotildees como o que diz respeito agrave
divulgaccedilatildeo a recepccedilatildeo e a avaliaccedilatildeo das traduccedilotildees tambeacutem satildeo determinadas segundo o
interesse e a participaccedilatildeo de outros agentes natildeo soacute dos tradutores
Os adeptos do descritivismo baseiam-se nos fundamentos da teoria dos
polissistemas e seu referencial eacute a recepccedilatildeo reconhecendo a traduccedilatildeo como um sistema que
interage com vaacuterios outros sistemas semioacuteticos do poacutelo receptor (num primeiro momento) e
apresentam uma visatildeo sistecircmica da literatura Assim no polissistema literaacuterio esses
estudiosos consideram a literatura traduzida como um dos seus sistemas Nos estudos
descritivos eles se direcionam para o sistema da literatura traduzida no intuito de examinar o
comportamento dos tradutores o qual eacute regido por normas no processo tradutoacuterio
122 Conceito de sistema e polissistema
Even-Zohar (1990 10-11) distingue o seu conceito de sistema daquele empregado
por Saussure da Escola de Genebra que se refere a sistema como uma rede de relaccedilotildees
estaacuteticas ( sincrocircnicas ) Para Even-Zohar essa rede de relaccedilotildees eacute dinacircmica suscetiacutevel a
mudanccedilas constantes
Segundo Mark Shuttleworth (1998 176) os vocaacutebulos sistema e polissistema
empregados por Even-Zohar satildeo sinocircnimos entretanto polissistema surge como ecircnfase
especial agrave natureza dinacircmica do conceito de sistema de modo a estabelecer um contraste uma
oposiccedilatildeo mais forte ao sentido adotado pela tradiccedilatildeo da escola linguumliacutestica de Genebra
Shuttleworth (1998 176) ainda assevera a diferenccedila de emprego dos conceitos relativos a
sistema sistecircmico por parte de Even-Zohar quando se leva em conta a teoria da gramaacutetica
funcional
ou sistecircmica
de Michael Halliday Assim o modelo de Even-Zohar concebe o
polissistema como um conglomerado (ou sistema) heterogecircneo hierarquizado de sistemas
26
que interagem e provocam um processo dinacircmico contiacutenuo de evoluccedilatildeo dentro do
polissistema como um todo (SHUTTLEWORTH 1998 176) 8
Lefevere (1985 223-224) preocupa-se em esclarecer o uso que faz do vocaacutebulo
sistema que natildeo tem nada a ver com Sistema
que tem sido usado comumente num sentido
sinistro no que diz respeito a formas de poder contra as quais natildeo se pode lutar num tom
kafkiano Muito pelo contraacuterio esse criacutetico atribui a esse vocaacutebulo um sentido utilizado para
designar um conjunto de elementos inter-relacionados que por acaso compartilham certas
caracteriacutesticas que os distinguem de outros elementos natildeo pertencentes ao sistema 9 ou nas
palavras de Rapoport apud Lefevere (1985 224) um sistema eacute uma porccedilatildeo do mundo que eacute
percebida como uma unidade e que eacute capaz de manter sua identidade a despeito de
mudanccedilas que acontecem nele 10
Even-Zohar em seus artigos The Function of the Literary Polysystem in the
History of Literature e The Relations Between Primary and Secondary Systems in the Literary
Polysystem publicados em 1978 estabelece algumas ideacuteias acerca do sistema literaacuterio o qual
por se tratar de um fenocircmeno heterogecircneo
um sistema de sistemas
seria por isso um
polissistema com vaacuterias subdivisotildees
No intuito de buscar uma definiccedilatildeo para o vocaacutebulo sistema Ubiratan Paiva de
Oliveira (1996 67-74) apoacuteia-se em Antocircnio Cacircndido (1975) e sua respectiva obra Formaccedilatildeo
da Literatura Brasileira em que a literatura eacute tratada como um sistema de obras ligadas por
denominadores comuns que permitem reconhecer as notas dominantes de uma fase onde
esses denominadores seriam um conjunto de pessoas que se constituiriam nos produtores
literaacuterios os receptores (o puacuteblico) e um mecanismo transmissor ligando-os entre si e
embora a obra literaacuteria seja sempre uacutenica e pessoal na medida em que ela natildeo alcanccedilar
ressonacircncia natildeo tornar-se coletiva atraveacutes da aceitaccedilatildeo de um puacuteblico tal obra natildeo existiraacute
como literatura (CAcircNDIDO 1975)
A partir dessas ideacuteias pode-se concluir que esses trecircs elementos constituintes do
sistema literaacuterio
produtor literaacuterio (o escritor) o puacuteblico e o mecanismo transmissor (eg as
editoras)
mantecircm entre si uma ligaccedilatildeo estabelecida por meio de normas que regem essa
8 a heterogeneous hierarchized conglomerate (or system) of systems which interact to bring about an ongoing dynamic process of evolution within the polysystem as a whole
9 designate a set of interrelated elements which happen to share certain characteristics which set them apart from other elements perceived as not belonging to the system
Citaccedilatildeo traduzida para o portuguecircs por Vieira (1996 143)
10 a system is a portion of the world that is perceived as a unit and that is able to maintain its identity in spite of changes going on in it
27
relaccedilatildeo Essas normas podem ser impliacutecitas ou expliacutecitas Por um lado deve-se supor que
tendecircncias satisfazem o puacuteblico leitor as quais muitas vezes estatildeo subentendidas sob o prisma
da ideacuteia geral que se faz da cultura receptora (normas impliacutecitas) Por outro lado os agentes
de divulgaccedilatildeo e distribuiccedilatildeo da obra geralmente com interesse pecuniaacuterio lucrativo voltado
ao comeacutercio devem estabelecer criteacuterios (normas expliacutecitas) a fim de obter sucesso
Para Cacircndido o mecanismo transmissor (as editoras e a criacutetica especializada por
exemplo) deve assegurar uma continuidade uma tradiccedilatildeo sem as quais o processo seria
interrompido
quando a atividade dos escritores de um dado periacuteodo se integra em tal sistema ocorre outro elemento decisivo a formaccedilatildeo da continuidade literaacuteria
espeacutecie de transmissatildeo da tocha entre corredores que assegura no tempo o movimento conjunto definindo os lineamentos de um todo Eacute uma tradiccedilatildeo no sentido completo do vocaacutebulo isto eacute transmissatildeo de algo entre os homens e o conjunto de elementos transmitidos formando padrotildees que se impotildeem ao pensamento ou ao comportamento e aos quais somos obrigados a nos referir para aceitar ou rejeitar Sem esta tradiccedilatildeo natildeo haacute literatura como fenocircmeno de civilizaccedilatildeo (CAcircNDIDO 1975 24)
A partir destas reflexotildees de Cacircndido chega-se a um conceito de sistema que
consiste portanto na reuniatildeo de vaacuterios elementos que interagem regidos por normas
inconscientes ou conscientes impliacutecitas ou expliacutecitas
as quais determinam e constituem
padrotildees tendecircncias e sobretudo uma tradiccedilatildeo cultural Polissistema pode entatildeo ser definido
como o agrupamento de vaacuterios desses sistemas integrados e que interagem e se influenciam
numa relaccedilatildeo muacutetua dentro de uma dinacircmica complexa
Quando se aplicam os conceitos acima agrave noccedilatildeo de sistema literaacuterio percebe-se na
verdade que se trata de um polissistema seus elementos constituintes satildeo os escritores e seu
puacuteblico visado mediados pelos agentes institucionais (editores revisores criacuteticos etc)
responsaacuteveis pela seleccedilatildeo publicaccedilatildeo divulgaccedilatildeo distribuiccedilatildeo e venda de livros Cada um
desses observados isoladamente tambeacutem pode ser considerado como sistema individual com
caracteriacutesticas proacuteprias Mas conforme o que jaacute foi mencionado anteriormente estes sistemas
individuais interagem e satildeo submetidos a influecircncias muacutetuas resultando na caracterizaccedilatildeo do
sistema maior a que estatildeo de certa forma hierarquicamente submetidos o (poli)sistema
literaacuterio Com isso chega-se agrave noccedilatildeo de polissistema como um sistema de subsistemas
28
123 Polissistema cultural
Leila Darin (2006 65-71) numa resenha do livro Translating Cultures de David
Katan (2004) dispotildee algumas colocaccedilotildees que Katan faz sobre cultura Num desses
momentos ela expotildee como Katan aborda a influecircncia que a cultura exerce sobre a
comunicaccedilatildeo em todas as suas manifestaccedilotildees de ordem cultural e linguumliacutestica Darin entatildeo
sintetiza essas ideacuteias no pressuposto de que todo e qualquer produto gerado por um contexto
cultural eacute moldado de acordo com certas convenccedilotildees de acordo com os ditames de uma dada
cultura Esse contexto cultural continua Darin embora seja amplo e partilhado eacute tambeacutem em
grande parte impliacutecito e inconsciente
Segundo Darin (2006) Katan entende a cultura como um sistema partilhado que
interpreta a realidade e organiza as experiecircncias Esse criacutetico baseia-se em teoacutericos como
Robinson (1988) e Bourdieu (1990) e desse modo concebe a cultura como um processo
dinacircmico e complexo ou seja como sistema histoacuterico criativo de siacutembolos e
significados (ROBINSON apud DARIN 2006 66) e tambeacutem como um sistema de
estruturas internalizadas esquemas comuns de percepccedilatildeo concepccedilatildeo e accedilatildeo resultantes de
inculcaccedilatildeo e costume (BOURDIEU apud DARIN 2006 66)
Outro ponto relevante relatado por Darin (2006) eacute que Katan afirma que cada um
dos aspectos que fazem parte da cultura interliga-se a um sistema maior ou seja a Cultura
que compotildee um todo bem marcado com identidade proacutepria apesar das diferenccedilas ou da
heterogeneidade que esse sistema abarca Darin (2006 66) resume outras consideraccedilotildees de
Katan assim toda cultura implica um conjunto impliacutecito natildeo aprendido de crenccedilas
valores comportamentos estrateacutegias e processos cognitivos Esses itens reunidos em
conjuntos (sistemas internalizados) e por sua natureza dinacircmica satildeo negociados com a
realidade externa (a qual Katan chama de representaccedilatildeo )
Even-Zohar (2005 35) reconhece no funcionalismo dinacircmico (o formalismo
russo tardio o estruturalismo tcheco a semioacutetica sovieacutetica etc) como as bases da sua teoria
dos polissistemas a teoria dos polissistemas eacute basicamente uma continuaccedilatildeo do
funcionalismo dinacircmico 11 Essa heranccedila diz respeito principalmente ao conceito de sistema
(aberto dinacircmico e heterogecircneo) que segundo esse criacutetico cria condiccedilotildees favoraacuteveis para as
avaliaccedilotildees do pensamento relacional (isto eacute a observaccedilatildeo e anaacutelise do mundo semioacutetico em
suas redes de sistemas que interagem entre si) Trata-se de uma visatildeo que a exemplo de
11 Polysystem theory is basically a continuation of dynamic functionalism
29
Lotman e da escola de Moscou-Tartu (apud EVEN-ZOHAR 2005 36) coloca as pessoas
como leitoras tanto de textos como do mundo de modo que se chegou a um conceito de como
o mundo eacute modelado o que permite concluir que tudo isso reunido constitui uma cultura ou
seja um conjunto de ferramentas de compreensatildeo que permitem a vida social
12
Pode-se afirmar entatildeo que a teoria dos polissistemas apresenta a cultura como
um sistema maior (ou polissistema) que reuacutene outros sistemas e tambeacutem se relaciona com
outros sistemas paralelos em siacutentese o pensamento relacional especialmente em conexatildeo
com os sistemas dinacircmicos levou quase todos a estudar a cultura como um sistema geral um
conjunto heterogecircneo de paracircmetros com o auxiacutelio do qual as pessoas organizam sua vida 13
A partir dessas consideraccedilotildees sobre cultura Even-Zohar (2005 7-8) apresenta os conceitos de
bens e ferramentas culturais
Os bens culturais satildeo um conjunto de bens que conferem ao seu possuidor
riqueza prestiacutegio e um alto status entretanto a posse de tais bens estaacute relacionada agrave sua
transformaccedilatildeo para o consumo de mercado e logo trata-se de valores de maior ou de menor
apelo em que os itens mais valorizados podem ser exemplificados por objetos ideacuteias
atividades e artefatos rotulados como originais artiacutesticos espirituais e assim por
diante A sua posse assinala esse criacutetico pode ser utilizada por pessoas ou entidades como
forma de assumir algum tipo de controle sobre a sua respectiva comunidade assim o acesso a
esses bens eacute restrito a grupos privilegiados da sociedade os quais tambeacutem definem o valor
dessas posses Compreende-se a partir daiacute que o acesso a esses bens motiva certas aspiraccedilotildees
ou o desejo de reconhecimento que nas palavras de Even-Zohar (2005 8) esta aspiraccedilatildeo
natildeo eacute a busca abstrata de um vago sentido de respeitabilidade mas sim um sentimento
concreto que sempre funcionou no empenho pela sobrevivecircncia e pela aquisiccedilatildeo de poder
determinante 14 Eacute importante destacar que esses bens culturais de natureza tangiacutevel ou
intangiacutevel possuem valor sujeito a mudanccedilas conforme os mecanismos e a dinacircmica que
atuam sobre a sociedade e seus sistemas um determinado bem cultural pode ter alto valor
mas isso pode mudar decaindo por outro lado o baixo prestiacutegio de outro bem cultural pode
se elevar
12 all of which together constitute a culture an ensemble of comprehension tools which enable social life
13 In short relational thinking especially in connection with dynamic systems has led almost everybody to studying culture as an overall system a heterogeneous set of parameters with the help of which human beings organize their life
14 This aspiration is not an abstract pursuit of some vague sense of respectability but a concrete sentiment which has always worked in endeavors for survival and achieving deterring power
30
No conceito de ferramentas culturais a cultura eacute considerada como um conjunto
de ferramentas operacionais para a organizaccedilatildeo da vida tanto no niacutevel coletivo quanto no
niacutevel individual (EVEN-ZOHAR 2005 10)15 essas ferramentas culturais se constituem em
dois tipos as ferramentas passivas e as ferramentas ativas
As ferramentas passivas segundo Even-Zohar (2005 10) satildeo procedimentos que
ajudam a analisar explicar e dar sentido agrave realidade para os seres humanos e pelos seres
humanos conforme a tradiccedilatildeo hermenecircutica ou seja a visatildeo do mundo como um conjunto
de signos que precisam ser interpretados de modo a dar algum sentido agrave vida 16 Segundo os
semioacuteticos sovieacuteticos Lotman e Uspenskij (1971 e 1978 apud EVEN-ZOHAR 2005 10) O
principal trabalho da cultura [] eacute a organizaccedilatildeo estrutural do mundo que nos cerca A
cultura eacute um gerador de caraacuteter estrutural e cria a esfera social ao redor do homem o que
como a biosfera torna a vida possiacutevel (neste caso social e natildeo orgacircnica) 17
As ferramentas ativas se diferenciam das passivas por estarem mais ligadas ao
agir em vez do compreender Segundo Even-Zohar (2005 10) satildeo procedimentos que
com os quais tanto um indiviacuteduo como uma entidade coletiva podem lidar com qualquer
situaccedilatildeo e tambeacutem produzir qualquer situaccedilatildeo18 Na conceituaccedilatildeo de Swidler (1986) apud
Even-Zohar (2005 10) a cultura eacute um repertoacuterio ou kit de ferramentas de haacutebitos
habilidades e estilos com os quais as pessoas constroem estrateacutegias de accedilatildeo 19
124 Sistema literaacuterio
Um polissistema pode ser entendido como um conjunto de sistemas menores de
modo similar a uma teoria matemaacutetica de conjuntos Assim o polissistema cultural por
exemplo engloba outros sistemas menores (esses sistemas menores por serem tambeacutem
complexos tambeacutem podem ser chamados de polissistemas) Um desses sistemas englobados
15 a set of operating tools for the organization of life on both the collective and individual level
16 a set of signs which need to be interpreted in order to make some sense of life
17 The main work of culture [] is the structural organization of the surrounding world Culture is a generator of structuredness and it creates social sphere around man which like biosphere makes life possible (in this case social and not organic) Traduccedilatildeo para o inglecircs de Segal (1974 94
95 apud EVEN-ZOHAR 2005 10)
18 Active tools are procedures with the help of which both an individual and a collective entity may handle any situation encountered as well as produce any such situation
19 a repertoire or tool kit of habits skills and styles from which people construct strategies of action
31
pelo polissistema cultural eacute o polissistema literaacuterio do qual naturalmente faz parte a
literatura
Na perspectiva da teoria dos polissistemas a literatura eacute apresentada como um
fator ligado agraves atividades humanas em geral e natildeo como uma atividade social isolada
regulada por leis exclusivas Natildeo eacute mais enxergada como estaacutetica e distante mas altamente
cineacutetica com seus elementos em constante mutaccedilatildeo (SNELL-HORNBY 1988 24) Assim
todas as manifestaccedilotildees observadas centrais ou perifeacutericas satildeo consideradas elementos do sistema e como tal relevantes enquanto objeto de pesquisa A consequumlecircncia imediata de tal fato eacute o interesse por parte dos pesquisadores no estudo de gecircneros temaacuteticas ou modelos textuais vistos como menores ou menos nobres como eacute o caso da literatura traduzida (MARTINS 2008)
Even-Zohar (1990) afirma que dentro dos polissistemas literaacuterios existe o sistema
de literatura traduzida Segundo esse criacutetico natildeo se pode deixar de considerar o impacto das
traduccedilotildees e da sua funccedilatildeo na sincronia e na diacronia de uma dada literatura a literatura
traduzida pode ser inovadora ou conservadora e ocupar uma posiccedilatildeo central ou perifeacuterica
Eacute natural portanto concluir que essa posiccedilatildeo da literatura traduzida afeta as
normas tradutoacuterias as preferecircncias literaacuterias e a poliacutetica editorial com respeito a material
traduzido quando as obras traduzidas ocupam uma posiccedilatildeo central cria-se um clima
propiacutecio agrave introduccedilatildeo de novos modelos poeacuteticos baseados na forma do texto de partida que
disputam espaccedilo com os modelos disponiacuteveis na literatura do sistema-meta (MARTINS
2008)
125 Literatura traduzida como sistema sistema canonizado vs sistema natildeo canonizado
O processo de continuidade literaacuteria segundo as ideacuteias de Cacircndido (1975 24)
mencionadas anteriormente aproxima-se da concepccedilatildeo de sistema literaacuterio canonizado de
Even-Zohar bem como deixa margem para reflexotildees tambeacutem acerca de uma descontinuidade
ou renovaccedilatildeo dos cacircnones literaacuterios Diante do que Even-Zohar dispotildee sobre sistema
canonizado e sistema natildeo canonizado percebem-se semelhanccedilas disso com o que Cacircndido
(1975) chama de arte de agregaccedilatildeo e arte de segregaccedilatildeo a arte de agregaccedilatildeo estaacute
relacionada agrave experiecircncia coletiva visando a meios comunicativos acessiacuteveis e portanto
procura incorporar-se a um sistema simboacutelico vigente utilizando o que jaacute estaacute estabelecido
como forma de expressatildeo de determinada sociedade A arte da segregaccedilatildeo por seu turno
32
empenha-se em renovar o sistema simboacutelico em criar novos recursos expressivos e para esse
fim dirige-se inicialmente a um nuacutemero miacutenimo reduzido de receptores mas que se
destacam da sociedade
Desse modo segundo Oliveira (1996 69) a arte de agregaccedilatildeo assemelha-se ao
conceito de sistema canonizado pois ambos os vocaacutebulos reuacutenem a ideacuteia da utilizaccedilatildeo de
foacutermulas jaacute consagradas em busca de uma mais faacutecil aceitaccedilatildeo por um puacuteblico menos
exigente Por outro lado a arte de segregaccedilatildeo estaacute associada a sistema natildeo canonizado haacute
uma preocupaccedilatildeo em evoluir renovando-se
Esses postulados podem ser observados em Even-Zohar que elaborou um
discurso referente a uma tensatildeo permanente no polissistema literaacuterio existe uma disputa entre
essas forccedilas que podem se movimentar do centro (sistema canonizado) para a periferia
(sistema natildeo canonizado)
numa accedilatildeo centriacutefuga
ou no sentido contraacuterio da periferia para
o centro
o que constitui uma accedilatildeo centriacutepeta Essa luta acontece numa perspectiva
sincrocircnica resultando numa transformaccedilatildeo do eixo diacrocircnico quando uma tendecircncia se
sobrepotildee agrave outra Haacute entretanto vaacuterios centros e vaacuterias periferias dentro de um polissistema
Para Even-Zohar essas tensotildees dinacircmicas e perpeacutetuas satildeo essenciais pois os sistemas
semioacuteticos ficariam estagnados sem a renovaccedilatildeo resultante desses processos
Essa dinacircmica pode ser ilustrada pela dialeacutetica entre a arte e a sociedade as quais
estabelecem influecircncias reciacuteprocas o artista pode criar sua obra em funccedilatildeo do puacuteblico
obedecendo a certas regras e tendecircncias tradicionalmente aceitas ou entatildeo de modo
contraacuterio eacute o puacuteblico que eacute cativado por novas tendecircncias criadas pelo artista Assim quando
um escritor estaacute passivo agrave vontade do puacuteblico ele estaacute obedecendo a um sistema jaacute
consagrado canonizado Quando acontece o contraacuterio o que haacute eacute a realizaccedilatildeo de uma
vontade de transformaccedilatildeo com um novo exemplo com novas ideacuteias e percepccedilotildees do escritor
que se arrisca tentando criar seu puacuteblico Agora os elementos pertencentes a um sistema
natildeo canonizado tentam se canonizar Oliveira oferece alguns exemplos dessa uacuteltima
postura a transgressatildeo dos escritores
na literatura inglesa tivemos o caso do romance O Amante de Lady Chatterley de D H Lawrence que por utilizar descriccedilotildees agrave eacutepoca consideradas exclusividade da literatura pornograacutefica foi mantido sob proibiccedilatildeo durante muitos anos O mesmo aconteceu com Ulisses de James Joyce (OLIVEIRA 1996 70)
Oliveira (1996) destaca ainda a influecircncia da imprensa como forccedila transformadora
das artes Os romances de folhetim em moda no seacuteculo XIX constituiacuteam uma espeacutecie de
subcultura por suas caracteriacutesticas de sempre procurar atender agraves expectativas de um puacuteblico
33
leitor menos exigente de gosto tido agraves vezes como duvidoso que natildeo seguia exatamente as
normas mais requintadas de um sistema superior canonizado A consequumlecircncia poreacutem eram
vendas mais lucrativas dos jornais
Sabe-se que vaacuterios claacutessicos da literatura tiveram origem nessas publicaccedilotildees
diaacuterias Os folhetins por serem considerados naquela eacutepoca como parte integrante de uma
subcultura constituindo-se como uma subliteratura pertenciam portanto a um estrato do
sistema natildeo canonizado Depois que esses folhetins se transformaram em claacutessicos da
literatura universal foram canonizados Nesse sentido Even-Zohar menciona Dostoievski e
Charles Dickens destacando a atitude destes escritores em seguirem os paracircmetros
popularescos para sua produccedilatildeo literaacuteria Sobre Dickens Oliveira traccedila algumas
caracteriacutesticas da sua escrita
flagrantemente sentimental por vezes de tal modo que algumas de suas obras aparecem hoje envelhecidas embora outras permaneccedilam na verdade ao utilizar elementos natildeo-canonizados Dickens acabou por trazer um novo alento agrave arte de seu tempo Outra fraqueza de seus romances a estrutura de seus enredos pode ser diretamente atribuiacuteda ao fato de serem escritas para publicaccedilatildeo seriada Agraves vezes o autor tinha pouca ideacuteia do que viria a seguir quanto seus leitores Um outro aspecto em que fica evidente a presenccedila do aspecto natildeo-canonizado eacute o uso de estereoacutetipos tiacutepico da literatura perifeacuterica e que permanece sendo considerado um motivo para criacuteticas agrave sua obra Eacute que ao delinear personagens sua tendecircncia era de exagerar os traccedilos e carregar nas cores o que fazia com que suas criaccedilotildees constantemente se equilibrassem na fronteira entre o aceitaacutevel e a caricatura (OLIVEIRA 1996 71)
De modo semelhante o tradutor literaacuterio diante do exposto acerca de sistema
literaacuterio canonizado e natildeo canonizado estaacute por conseguinte obrigado a tomar um rumo
definido em seu labor e sua forma de traduzir deveraacute tambeacutem seguir certas normas ou optar
por uma espeacutecie de transgressatildeo Um exemplo desse desafio eacute a liacutengua do texto de partida ela
proacutepria inserida nessa questatildeo paradigmaacutetica no que tange agrave conversatildeo da mensagem que ela
expressa para uma cultura diferente falante de outro idioma O uso de dialetos ou variedades
linguumliacutesticas que conferem aspectos da oralidade ao texto que fogem agrave norma linguumliacutestica
padratildeo num romance ou conto constitui um problema de traduccedilatildeo que pode ser encarado de
duas maneiras uma consiste em traduzir essas variedades anulando os seus efeitos pelo uso
da linguagem correta a outra se daacute na tentativa de adequar da melhor forma possiacutevel a
liacutengua utilizada na traduccedilatildeo aos efeitos produzidos pelos desvios da gramaacutetica prescritiva da
liacutengua de partida
Even-Zohar (1990 47) argumenta que existem correlaccedilotildees entre trabalhos
traduzidos da seguinte maneira (a) no modo como seus textos de partida satildeo selecionados
pela literatura de chegada e (b) no modo que normas especiacuteficas comportamentos e poliacuteticas
34
satildeo adotados Ao desenvolver esse raciociacutenio Even-Zohar (1990 54-59) estabelece leis de
interferecircncia literaacuteria em que considera literatura como a totalidade de atividades envolvidas
com o sistema literaacuterio em questatildeo Segundo esse criacutetico a interferecircncia literaacuteria se define
como um relacionamento entre literaturas em que certa literatura A (literatura de partida)
pode se tornar uma fonte de empreacutestimos diretos e indiretos para uma outra literatura B
(literatura de chegada) Tais interferecircncias que podem ser de natureza unilateral ou bilateral
seguiriam princiacutepios gerais condiccedilotildees procedimentos e processos (EVEN-ZOHAR 1990
58-59) Dentre os princiacutepios gerais de interferecircncia estabelecidos por Even-Zohar destaca-se
que sempre ocorre a interferecircncia entre as literaturas unilateral na maioria das vezes Entre as
condiccedilotildees para o surgimento e a ocorrecircncia da interferecircncia por exemplo Even-Zohar afirma
que uma literatura de partida eacute selecionada por seu prestiacutegio e domiacutenio
No caso especiacutefico das traduccedilotildees em portuguecircs brasileiro de Of mice and men
examinadas nesta dissertaccedilatildeo alguns pontos da interferecircncia discutida por Even-Zohar se
realizam da seguinte forma a seleccedilatildeo da literatura de partida por domiacutenio pode ser vista pela
atual posiccedilatildeo hegemocircnica dos Estados Unidos e da liacutengua inglesa em niacutevel mundial Neste
caso Of mice and men do escritor norte-americano John Steinbeck ocupa uma posiccedilatildeo
privilegiada graccedilas ao poder poliacutetico econocircmico e cultural exercido pelos Estados Unidos
desde as primeiras deacutecadas do seacuteculo XX quando esse paiacutes surgiu como potecircncia mundial
No caso do romance supracitado como em outros o seu prestiacutegio alcanccedilou uma visatildeo niacutetida
pelo papel desempenhado por exemplo pela sua difusatildeo em outros meios semioacuteticos como o
teatro e o cinema hollywoodiano que atingiu outros paiacuteses como o Brasil conforme expotildee
Milton (2002 13)
A questatildeo do domiacutenio como fator de interferecircncia segundo Even-Zohar (1990
68-69) estaacute sob condiccedilotildees extra-culturais eacute natural que uma literatura dominante tenha
prestiacutegio mas essa posiccedilatildeo de domiacutenio natildeo eacute necessariamente resultante desse prestiacutegio
Desta forma o domiacutenio pelo poder do tipo imperialista forccedila o contato sobre um sistema e
pode assim engendrar a interferecircncia apesar de encontrar alguma resistecircncia pelo sistema
dominado Entretanto tal questatildeo natildeo parece se aplicar ao caso de Of mice and men em que
se percebe a influecircncia sobre o sistema brasileiro sob o prisma cultural devido ao prestiacutegio
de modo geral de senso comum que a cultura brasileira recebe a cultura dos Estados Unidos
graccedilas pelo menos em parte aos seus meios de difusatildeo
As pesquisas de Milton (2002 52-62) sobre traduccedilotildees em portuguecircs brasileiro de
romances claacutessicos estrangeiros revelam que a anulaccedilatildeo da oralidade em dialetos
estigmatizados ou sem prestiacutegio foi a tocircnica geral ateacute pelo menos a deacutecada de 1970
35
Entretanto percebem-se mudanccedilas em relaccedilatildeo a este comportamento conservador Isto se
deve em grande parte ao papel que a Linguumliacutestica assumiu a partir do final dos anos de 1960
lanccedilando reflexotildees acerca do papel da liacutengua e dos falantes com ramificaccedilotildees de estudo em
novas aacutereas como a Sociolinguumliacutestica ou seja o estudo da liacutengua em relaccedilatildeo a fatores sociais
(classe social niacutevel escolar idade sexo origem eacutetnica etc) repensando as variedades
linguumliacutesticas Como reflexo disso
apesar da persistecircncia da postura purista ainda fortemente
disseminada
as disciplinas ou aacutereas do saber ligadas ao estudo das liacutenguas comeccedilaram a se
preocupar com as implicaccedilotildees que existem por traacutes do uso da liacutengua quando por exemplo
um determinado dialeto eacute sinocircnimo de poder e prestiacutegio social ocupando uma posiccedilatildeo de
pretensa superioridade em relaccedilatildeo agraves outras variedades
Tais mudanccedilas satildeo visiacuteveis tambeacutem na atividade tradutoacuteria quando se observam
tentativas de respeitar a variaccedilatildeo linguumliacutestica utilizada na literatura resultando em traduccedilotildees
que mal ou bem se esforccedilam em recriar as impressotildees do texto de partida Mas isso natildeo
impede que a visatildeo anterior conservadora ainda produza traduccedilotildees que corrigem os desvios
da norma-padratildeo Algumas traduccedilotildees brasileiras que utilizam a outra opccedilatildeo podem ser vistas
nos seguintes exemplos a traduccedilatildeo do Ulysses por Antocircnio Houaiss de 1965 que procura
recriar muitos dos traccedilos estiliacutesticos originais ainda que de uma maneira pessoal Mais
recentemente a traduccedilatildeo do The Color Purple (1986) tentou reproduzir o inglecircs norte-
americano dos negros (MILTON 2002 59) O mesmo Ulysses tem outra traduccedilatildeo em
portuguecircs mais atual realizada por Bernardina da Silveira Pinheiro publicada em 2005 e
tambeacutem tenta recriar os dialetos dos personagens de modo relativamente semelhante ao do
texto de James Joyce A tradutora Ana Ban por sua vez traduziu Of mice and men de John
Steinbeck (Ratos e homens 2005) tambeacutem com a intenccedilatildeo de respeitar o dialeto dos
personagens utilizando um dialeto brasileiro segundo as convicccedilotildees que essa tradutora
julgou mais adequadas agrave tentativa de reproduccedilatildeo dos efeitos do texto de partida
13 O papel das normas na traduccedilatildeo literaacuteria
Gideon Toury contribuiu para a teoria dos polissistemas dando a ela uma maior
formalizaccedilatildeo e tomando uma postura mais radical focalizando o produto e natildeo o processo da
traduccedilatildeo A discussatildeo volta-se para o poacutelo receptor pois eacute em funccedilatildeo dele que a maioria das
traduccedilotildees existe Eacute pela perspectiva da recepccedilatildeo que os objetivos da traduccedilatildeo satildeo traccedilados e
determinados As traduccedilotildees existem pela necessidade que o puacuteblico tem de compreender
36
mensagens e significados expostos numa cultura diferente da sua os quais devem ser
decodificados da melhor maneira possiacutevel Toury apud Vieira (1996 133) afirma que as
teorias da traduccedilatildeo precedentes satildeo centradas na origem e por isso tecircm uma natureza
inevitavelmente diretiva e normativa por considerarem a traduccedilatildeo como uma reconstruccedilatildeo
do texto original pois focalizam o ato da traduccedilatildeo que de fato procede do original assim
as traduccedilotildees satildeo descritas pelo que elas natildeo satildeo
Tal criacutetica revela certa incoerecircncia das teorias tradicionais no que tange a
conceitos bastante discutidos e discutiacuteveis como fidelidade e equivalecircncia (abordagem
prescritiva) na traduccedilatildeo Se um texto traduzido pode ser considerado uma reconstruccedilatildeo do
original essa reconstruccedilatildeo jamais o resgataraacute em sua integridade pois os significados nunca
satildeo estaacuteveis Para Derrida apud Bassnett (2003 15) a traduccedilatildeo ao mesmo tempo em que
assegura a sobrevivecircncia do texto torna-se de fato um novo original numa outra liacutengua
Desse modo quando se privilegia a atenccedilatildeo ao texto de partida forccedilosamente se chegaraacute agrave
observaccedilatildeo de perdas e traiccedilotildees na traduccedilatildeo numa abordagem prescritiva sobre o que se
deve ou natildeo se deve fazer
A teoria dos polissistemas portanto desvia o centro das atenccedilotildees dos debates
sobre fidelidade e equivalecircncia e examina o papel do texto traduzido no seu novo contexto
sem julgamentos sobre os procedimentos adotados na traduccedilatildeo Em vez disso procura
compreender as mudanccedilas de ecircnfase durante a transferecircncia de textos de um sistema literaacuterio
para outro
Outra contribuiccedilatildeo de Toury consiste na sua preocupaccedilatildeo em fazer consideraccedilotildees
sobre o conceito de norma tomando-o como ponto importante para os Estudos da Traduccedilatildeo
literaacuteria descrevendo em alguns detalhes a sua natureza e o seu papel na traduccedilatildeo literaacuteria e
tentando resolver questotildees que envolvem possiacuteveis fontes e meacutetodos para o estudo das
normas de traduccedilatildeo Em primeiro lugar este criacutetico afirma que a traduccedilatildeo literaacuteria estaacute sujeita
a forccedilas que restringem limitam e de certa forma direcionam norteiam esta atividade Ele
classifica essas forccedilas entre dois extremos regras objetivas e relativamente absolutas (que se
aplicam de forma geral) de um lado e de outro idiossincrasias completamente subjetivas
(que se aplicam de forma especiacutefica)
Entre estes dois poacutelos natildeo haacute uma fronteira claramente distinta mas sim uma
situaccedilatildeo intermediaacuteria que Toury designa por normas constituiacutedas por fatores intersubjetivos
ou seja tipos de coerccedilatildeo
mais leves ou mais riacutegidos
que se inter-relacionam Essa
tipologia entretanto natildeo eacute de todo riacutegida Ela apresenta graus de relatividade conforme o
sistema ou subsistema em que estaacute inserida as normas satildeo especiacuteficas de acordo com cada
37
cultura e ao mesmo tempo satildeo instaacuteveis moldando-se conforme as pressotildees sociais Toury
propotildee o seguinte conceito de norma
socioacutelogos e psicoacutelogos sociais haacute muito tempo se referem a normas como a traduccedilatildeo de valores gerais ou ideacuteias compartilhadas por uma comunidade
sobre o
que eacute certo ou errado adequado ou inadequado
em instruccedilotildees de desempenho
apropriado e aplicaacutevel a situaccedilotildees particulares especificando o que estaacute prescrito e o que eacute proibido bem como o que eacute tolerado e permitido numa certa dimensatildeo comportamental () (TOURY 1995 54-55)20
Segundo Toury (1995 55) as normas satildeo adquiridas pelo indiviacuteduo durante a sua
socializaccedilatildeo e isso sempre implica em sanccedilotildees
reais ou potenciais negativas e tambeacutem
positivas Para Wexler apud Toury (1995 55) a existecircncia de normas eacute uma condiccedilatildeo sine
qua non em exemplos de rotulaccedilatildeo e regulamentaccedilatildeo sem uma norma todos os desvios
perdem sentido e se tornam casos de variaccedilatildeo livre 21
Estas consideraccedilotildees de Wexler sobre normas satildeo aplicaacuteveis em sentido geral
Toury (1995 56-57) deixa isso mais especiacutefico no campo da atividade tradutoacuteria a qual
envolve pelo menos duas liacutenguas e duas tradiccedilotildees culturais ou seja dois conjuntos separados
de normas as quais satildeo diferentes e incompatiacuteveis por natureza O tradutor bem como outros
segmentos envolvidos no processo da traduccedilatildeo tem de lidar com normas
conforme dito
relativamente instaacuteveis Toury (1995 57-59) as divide em categorias ou grupos normas
iniciais normas preliminares e normas operacionais
Por normas iniciais Toury entende a forma como a traduccedilatildeo eacute orientada ou seja
segundo o texto e a cultura de partida (source oriented) ou segundo a cultura e o texto de
chegada (target oriented) Neste caso se a traduccedilatildeo eacute orientada conforme o texto e a cultura
de partida certamente haveraacute incompatibilidades com as normas e praacuteticas da cultura e do
texto de chegada principalmente agravequelas que vatildeo aleacutem das normas e praacuteticas meramente
linguumliacutesticas Se por outro lado a segunda opccedilatildeo eacute tomada os sistemas normativos da cultura
de chegada seratildeo postos em accedilatildeo e haveraacute mudanccedilas no texto de partida que de modo quase
inevitaacutevel exigiratildeo um preccedilo a ser pago (perdas acreacutescimos manipulaccedilotildees) Entatildeo e com
20 Sociologists and social psychologists have long regarded norms as the translation of general values or ideas shared by a community as to what is right and wrong adequate and inadequate into performance instructions appropriate for and applicable to particular situations specifying what is prescribed and forbidden as well as what is tolerated and permitted in a certain behavioural dimension ( )
21 The existence of norms is a sine qua non in instances of labeling and regulating without a norm all deviations are meaningless and become cases of free variation
38
base em Even-Zohar22 enquanto que aderir agraves normas da cultura e do texto de partida
determina uma traduccedilatildeo adequada aceitar as normas da cultura e do texto de chegada
determina a sua aceitabilidade
As normas preliminares satildeo aquelas que envolvem a seleccedilatildeo de textos para
traduccedilatildeo considerando a accedilatildeo de leitores especializados (tais como editores e revisores)
durante o processo e o teacutermino do trabalho de traduccedilatildeo quando afinal avalia-se o produto
gerado (a reescritura) Segundo Toury (1995 59) estas normas estatildeo vinculadas a dois grupos
de consideraccedilotildees que natildeo raro estatildeo interconectados aquelas consideraccedilotildees ligadas agrave
existecircncia e agrave natureza real de uma poliacutetica de traduccedilatildeo definida responsaacutevel pela seleccedilatildeo de
textos segundo criteacuterios especiacuteficos a serem traduzidos num determinado momento do tempo
e aquelas relacionadas agrave orientaccedilatildeo da traduccedilatildeo Poliacuteticas diferentes podem se aplicar a
diferentes subgrupos seja em termos de tipos textuais (por exemplo literaacuterios versus natildeo
literaacuterios) ou agentes humanos (por exemplo diferentes editoras)
A relaccedilatildeo desses subgrupos favorece amplo terreno para discussotildees que
examinam as poliacuteticas de traduccedilatildeo No caso das traduccedilotildees indiretas (ie quando a traduccedilatildeo
natildeo eacute feita a partir da liacutengua em que o texto foi originalmente produzido) por exemplo
existem niacuteveis de toleracircncia segundo um polissistema determinado Assim Toury faz os
seguintes questionamentos
a traduccedilatildeo indireta eacute afinal de contas permitida Ao se traduzir a partir de que liacutenguastipos de textoperiacuteodos (etc) isso permitidoproibidotolerado preferido Quais satildeo as liacutenguas mediadoras permitidasproibidastoleradaspreferidas Existe uma tendecircnciaobrigaccedilatildeo de marcar um trabalho traduzido como mediado ou este fato eacute ignoradocamufladonegado E se for mencionado a identidade da liacutengua mediadora eacute fornecida tambeacutem (TOURY 1995 58)23
As normas operacionais se referem agraves decisotildees e escolhas tradutoacuterias que
envolvem o processo de traduccedilatildeo Estas por afetarem a matriz do texto regem tambeacutem direta
ou indiretamente os relacionamentos obtidos entre os textos de partida e de chegada ou seja
o que mais provavelmente permaneceria imutaacutevel e o que mudaria Deste modo Toury
22 An adequate translation is a translation which realizes in the target language the textual relationships of a source text with no breach of its own [basic] linguistic system (EVEN-ZOHAR 1975 43 apud TOURY 1995 57) ( Uma traduccedilatildeo adequada eacute a que realiza as relaccedilotildees textuais de um texto de partida na liacutengua de chegada sem nenhuma falha de seu proacuteprio sistema linguumliacutestico [baacutesico] )
23 is indirect translation permitted at all In translating from what source languagestext-typesperiods (etc) is it permittedprohibitedtoleratedpreferred What are the permittedprohibitedtoleratedpreferred mediating languages Is there a tendencyobligation to mark a translated work as having been mediated or is this fact ignoredcamouflageddenied If it is mentioned is the identity of the mediating language supplied as well
39
estabelece duas subcategorias para as normas operacionais as normas matriciais e as normas
linguumliacutestico-textuais
A razatildeo de ser das normas matriciais eacute a correspondecircncia em grau de similaridade
entre o material linguumliacutestico do texto de chegada e o texto de partida ou seja quando existe
material da liacutengua de partida para substituir o material correspondente da liacutengua de partida
Deste modo as normas operacionais (matriciais) determinam tambeacutem a plenitude da
traduccedilatildeo a posiccedilatildeo ou distribuiccedilatildeo desse material no texto e a sua segmentaccedilatildeo textual
(SANTOS 2008 28)
As normas linguumliacutestico-textuais por sua vez governam a seleccedilatildeo de material para
formular o texto de chegada ou substituir o material textual e linguumliacutestico original Podem ser
tanto gerais (aplicando-se agrave traduccedilatildeo qua traduccedilatildeo) como particulares (quando elas se aplicam
somente a um tipo textual especiacutefico eou modo de traduccedilatildeo)
Theo Hermans (1998 51-72) tambeacutem reconhece que as normas se expressam em
prescriccedilotildees proibiccedilotildees preferecircncias e permissotildees e que essas mesmas normas se legitimam
por meio de valores institucionais e satildeo transmitidas por meio de preceitos e exemplos
exercendo uma funccedilatildeo reguladora geral Esse criacutetico no intuito de elaborar mais
consideraccedilotildees acerca desse tema utiliza um exemplo documental verificando implicaccedilotildees
sobre os processos e resultados de uma traduccedilatildeo de um padre flamengo Adrianus de Buck no
contexto do seacuteculo XVII nos Paiacuteses Baixos Trata-se do trabalho desse religioso catoacutelico em
traduzir do latim para o holandecircs uma obra de Boeacutecio em 1653 O Consolo da Filosofia (De
Consolatio Philosophiae) De Buck viveu num periacuteodo em que o contexto poliacutetico e religioso
dos Paiacuteses Baixos se dividia em dois segmentos a regiatildeo norte de tradiccedilatildeo protestante
calvinista (por causa da influecircncia francesa) e a regiatildeo sul (Flandres) de tradiccedilatildeo catoacutelica
(devido agrave influecircncia espanhola)
Essa obra de Boeacutecio com influecircncia de Platatildeo e Aristoacuteteles trata basicamente de
momentos em que o autor preso e agraves veacutesperas de ser executado tenta se confortar com ideacuteias
filosoacuteficas numa postura estoacuteica Entretanto Hermans (1998 52) percebeu nessa traduccedilatildeo de
De Buck a presenccedila da ideologia catoacutelica contra-reformista pois esse padre tradutor
apropriou-se do tema do texto de partida usando-o com um propoacutesito especiacutefico os leitores da
traduccedilatildeo leriam Boeacutecio num momento de necessidade pois a expansatildeo francesa (calvinista)
jaacute estava chegando agravequeles arredores Aleacutem disso De Buck tomou o discurso de Boeacutecio como
catoacutelico por exemplo a noccedilatildeo cristatilde do livre-arbiacutetrio refutada pelos calvinistas uma das
razotildees por que Boeacutecio natildeo era traduzido por eles assim o Boeacutecio de De Buck afirma
40
Hermans representa uma tradiccedilatildeo tradutoacuteria diferente daquela da regiatildeo norte francesa dos
Paiacuteses Baixos durante o seacuteculo XVII
Hermans (1998 55) afirma que as convenccedilotildees sociais as normas e regras estatildeo
intimamente ligadas a valores sendo que uma norma abrange o entendimento do que uma
dada comunidade se refere como correta e apropriada Entatildeo a forccedila diretiva de uma norma
estaacute ali para assegurar e manter esses valores daiacute Hermans conclui que se as normas satildeo
relevantes para o ato da traduccedilatildeo entatildeo a traduccedilatildeo nunca estaacute livre de valores Deste modo ao
tomar Boeacutecio como escritor catoacutelico De Buck demonstra uma percepccedilatildeo eacute ideoloacutegica
perspectiva sobredeterminada e manipuladora
Num trabalho anterior Hermans (1993 69-88) discute sobre o papel da traduccedilatildeo
como modelo em dois sentidos como a construccedilatildeo de um modelo de um texto de partida
(quando esse criacutetico faz analogias com a teoria dos modelos de Max Black) e como um tema
relacionado a implicaccedilotildees socioculturais em que se percebe a presenccedila de normas que regem
o processo tradutoacuterio (quando Hermans leva tambeacutem em conta o lugar e a funccedilatildeo de modelos
discursivos e protoacutetipos em relaccedilatildeo a normas) Ao tomar o segundo aspecto o das normas
Hermans considera a traduccedilatildeo como uma atividade que envolve uma rede de agentes ativos
retomando alguns aspectos que estatildeo ligados agrave discussatildeo sobre o papel das relaccedilotildees
socioculturais em que os sujeitos constroem e reconhecem relaccedilotildees e como seres sociais
vistos tanto como individualmente como em grupos reconhecidos por uma identidade que
sempre tecircm certos preconceitos e interesses
A traduccedilatildeo portanto conclui Hermans eacute uma questatildeo de transaccedilotildees entre grupos
que tecircm interesses Assim se traduzir significa realizar transformaccedilotildees semioacuteticas em que haacute
escolhas alternativas decisotildees estrateacutegias fins e objetivos regidos por normas (1993 77) As
normas continua o criacutetico satildeo como versotildees mais fortes das convenccedilotildees sociais Hermans
explica que as convenccedilotildees sociais entretanto satildeo apenas uma questatildeo de haacutebitos precedentes
e compartilhados e por isso satildeo expectativas compartilhadas enquanto que as normas
sociais apesar de guardar semelhanccedilas com as convenccedilotildees satildeo mais arbitraacuterias e diretivas
assim natildeo apenas se esperam determinados comportamentos mas tambeacutem como se deve
comportar Portanto ao se considerar normas haacute natildeo soacute expectativas mas tambeacutem
obrigaccedilotildees proibiccedilotildees toleracircncias e permissotildees (HERMANS 1993 80-81)
Aplicando-se isso ao exemplo da traduccedilatildeo de Boeacutecio realizada por De Buck
supracitada pode-se refletir sobre duas perspectivas naquele contexto dos Paiacuteses Baixos do
seacuteculo XVII Boeacutecio natildeo traduzido pela parte norte protestante versus Boeacutecio traduzido por
De Buck na parte sul ou seja valores antagocircnicos colocados frente a frente sob a perspectiva
41
de um texto de partida negado ou aceito mas manipulado Dessa forma duas ideologias
tomam um mesmo texto conforme seus propoacutesitos (escolhas alternativas decisotildees
estrateacutegias fins e objetivos regidos por normas) individuais e divergentes
Chesterman (1993 1-20) por sua vez leva em conta os processos e resultados da
traduccedilatildeo ao que denomina normas de traduccedilatildeo alegando que o estudo dessas normas de
traduccedilatildeo possibilita aos estudos de traduccedilatildeo o agrupamento de dados uma preparaccedilatildeo para
que se destina tanto agrave descriccedilatildeo quanto agrave avaliaccedilatildeo das traduccedilotildees Chesterman divide as
normas de traduccedilatildeo dois segmentos (a) as normas profissionais que se relacionam com o
processo de traduccedilatildeo (normas de responsabilidade comunicaccedilatildeo e de relaccedilatildeo entre a
culturatexto de partida e a culturatexto de chegada) e (b) as normas de expectativa que se
referem ao resultado da traduccedilatildeo (o produto final) levando em conta as expectativas do
puacuteblico leitor
14 As teorias da reescritura e das refraccedilotildees
Andreacute Lefevere referindo-se agrave teoria literaacuteria moderna e citando Steiner afirma
que os formalistas russos viam a cultura como
um sistema de sistemas complexo composto de vaacuterios subsistemas como a literatura a ciecircncia e a tecnologia Inseridos nesse sistema geral os fenocircmenos extra literaacuterios natildeo se relacionam com a literatura de uma maneira simples mas em interaccedilatildeo com os subsistemas segundo a loacutegica da cultura a que pertencem (LEFEVERE 1992 11)24
Lefevere (1992 11-25) tambeacutem afirma que dentro desse conjunto complexo de
inter-relaccedilotildees entre subsistemas a Literatura eacute um sistema manipulado pois consiste de
textos (objetos) e agentes humanos que lecircem escrevem e reescrevem textos Sob esta oacutetica
podemos enxergar os tradutores os criacuteticos os historioacutegrafos os editores e antologistas
emitindo suas opiniotildees e juiacutezos segundo as suas concepccedilotildees a respeito de um trabalho
literaacuterio Essa atuaccedilatildeo consiste em que de certa forma podemos considerar como a
reescritura de uma obra Dentro da abordagem sistecircmica o sistema maior (sistema social)
engloba outros os quais natildeo satildeo estanques imutaacuteveis pois estatildeo abertos agrave influecircncia muacutetua
24 a complex system of systems composed of various subsystems such as literature science and technology Within this general system extraliterary phenomena relate to literature not in a piecemeal fashion but as an interplay among subsystems determined by the logic of the culture to which they belong
42
segundo a loacutegica da cultura Lefevere (1992 14) entatildeo faz a seguinte pergunta () quem
controla a loacutegica da cultura Eacute ele mesmo quem daacute a resposta afirmando que haacute dois
fatores atuantes O primeiro fator eacute interno e pertencente ao sistema literaacuterio o segundo por
sua vez eacute externo estaacute fora desse sistema O primeiro
constituiacutedo por profissionais como
criacuteticos revisores professores tradutores
tenta controlar o sistema literaacuterio internamente a
partir dos paracircmetros definidos pelo segundo a patronagem ou seja
( ) algo como as forccedilas (pessoas instituiccedilotildees) que datildeo impulso ou causam empecilhos agrave leitura agrave escrita e agrave reescrita da literatura ( ) Em geral a patronagem estaacute mais interessada na ideologia da literatura do que em sua poeacutetica e pode-se dizer que o patrono delega autoridade ao profissional no que diz respeito agrave poeacutetica (LEFEVERE 1992 15)25
Lefevere explica que a patronagem normalmente estaacute mais interessada na
ideologia da literatura do que em sua poeacutetica Isso pode ser determinante por exemplo na
traduccedilatildeo literaacuteria que por objetivos comerciais ou morais por exemplo devem-se seguir
algumas normas e natildeo necessariamente o livre arbiacutetrio e o gosto do tradutor Esse criacutetico
afirma que a patronagem consiste de trecircs elementos a ideologia o aspecto econocircmico e o
status os quais podem interagir em vaacuterias combinaccedilotildees A ideologia age como imposiccedilotildees
sobre a escolha e o desenvolvimento tanto da forma quanto do conteuacutedo em questatildeo num
sentido que natildeo se aplica somente agrave esfera poliacutetica a ideologia seria vista como o produto
acabado da forma da convenccedilatildeo e da crenccedila que comanda nossas accedilotildees 26 (JAMESON apud
LEFEVERE 1992 16) O componente econocircmico diz respeito aos ganhos materiais por
exemplo o pagamento do tradutor ou escritor feito pelo patrono incluindo-se aiacute os direitos
autorais sobre a venda de livros ou o emprego desses profissionais da escrita como
professores ou revisores Lefevere assinala que o componente econocircmico muitas vezes natildeo se
dissocia do componente ideoloacutegico eacute preciso agradar ou pelo menos natildeo contrariar a fonte
de rendimentos Do contraacuterio perde-se o favor em troca de possiacuteveis retaliaccedilotildees as quais em
tempos mais antigos como o de Chaucer ou o de Shakespeare podiam significar ateacute mesmo a
prisatildeo ou a morte Por uacuteltimo o status liga-se ao fato de que a aceitaccedilatildeo da patronagem
implica uma integraccedilatildeo do profissional a certo grupo social de prestiacutegio e seu estilo de vida
por vezes requintado
25 () something like the powers (persons institutions) that can further or hinder the reading writing and rewriting of literature ( ) Patronage is usually more interested in the ideology of literature than in its poetics and it could be said that the patron delegates authority to the professional where poetics is concerned
26 Ideology would seem to be that grillwork of form convention and belief which orders our actions
43
A patronagem conforme explica Lefevere eacute exercida por indiviacuteduos isolados ou
grupos de pessoas como um grupo religioso um partido poliacutetico uma classe social a realeza
e sua corte publicadores e tambeacutem os meios de comunicaccedilatildeo Percebe-se assim a forccedila da
ideologia agindo sobre a sociedade e a cultura Portanto a accedilatildeo das academias da censura da
criacutetica especializada e dos estabelecimentos educacionais se natildeo regulam diretamente a
escrita da literatura pelo menos regulam a sua distribuiccedilatildeo Desta forma se algueacutem deseja
expressar sua criaccedilatildeo artiacutestica ela deve estar de acordo com a ideologia da patronagem
Lefevere classifica a patronagem em diferenciada e natildeo diferenciada ela eacute natildeo diferenciada
quando seus trecircs componentes (a ideologia o fator econocircmico e o status) estatildeo sob o controle
de um soacute patrono como num exemplo que ocorria no passado quando um rei absolutista
fazia com que um escritor ingressasse na sua corte dando-lhe uma pensatildeo Eacute diferenciada
quando o sucesso econocircmico eacute relativamente independente de fatores ideoloacutegicos e natildeo traz
necessariamente status consigo conforme o caso da maioria dos autores de best-sellers
contemporacircneos
A palavra refraccedilatildeo cunhado por Lefevere e aplicado aos estudos da traduccedilatildeo
surgiu nos anos de 1980 substituindo metaacuteforas tradicionais como a da traduccedilatildeo como
pintura ou espelho do original A pintura remete agrave imitaccedilatildeo enquanto que o espelho deixa um
reflexo Este dois vocaacutebulos tambeacutem deixam transparecer a ideacuteia de um produto ou resultado
em funccedilatildeo de um original ou seja um ponto de partida focado no emissor a cultura e a
liacutengua de partida e a preocupaccedilatildeo de reproduzi-las com fidelidade Refraccedilatildeo pode significar
no contexto da Fiacutesica a modificaccedilatildeo da forma ou da direccedilatildeo de uma onda ao atravessar uma
interface que separa dois meios Tambeacutem se refere ao fenocircmeno da luz atravessando um
espectro acontecendo um desvio A partir destas definiccedilotildees pode-se afirmar que quando haacute
modificaccedilatildeo da forma ocorre uma distorccedilatildeo quando haacute modificaccedilatildeo da direccedilatildeo ocorre um
desvio Conclui-se daiacute que refraccedilatildeo no sentido mais literal deste exemplo natildeo possui caraacuteter
ativo mas passivo a luz atravessa um espectro e eacute refratada sofrendo desvio ou distorccedilatildeo
Quando o conceito de refraccedilatildeo foi aplicado aos estudos de traduccedilatildeo criou-se uma
nova metaacutefora pode-se entender a luz como a cultura e a liacutengua de partida incorporadas num
texto escrito o espectro satildeo os agentes da recepccedilatildeo responsaacuteveis pela interpretaccedilatildeo
adaptaccedilatildeo adequaccedilatildeo e reconstruccedilatildeo desse texto resultando na sua refraccedilatildeo (desvio
modificaccedilatildeo) ou seja num novo produto sendo que os agentes da recepccedilatildeo atuam conforme
regras ou normas ditadas por seu sistema ou subsistema Portanto entende-se que esta
concepccedilatildeo estaacute voltada natildeo para o emissor mas para o receptor encaixando-se nas ideacuteias
apregoadas pela Escola de Manipulaccedilatildeo agrave qual estatildeo vinculados os teoacutericos da teoria dos
44
polissistemas Assim Lefevere (1982 4) explica as refraccedilotildees como a adaptaccedilatildeo de uma obra
literaacuteria a um puacuteblico diferente com a intenccedilatildeo de influenciar a forma como o puacuteblico lecirc a
obra e constituem um fato e se manifestam na traduccedilatildeo criacutetica historiografia ensino
antologias etc
Lefevere ao desenvolver suas ideacuteias acabou encontrando um elemento que aliaacutes
jaacute estava impliacutecito nos seus argumentos sobre refraccedilotildees os mecanismos de poder Se uma
obra literaacuteria pode sofrer adaptaccedilotildees com a intenccedilatildeo de influenciar a forma como o puacuteblico a
lecirc fica claro que tais alteraccedilotildees natildeo podem ser gratuitas Se haacute uma intenccedilatildeo existe natildeo raro
a atuaccedilatildeo de formas de poder que resultam numa reescritura do texto Eis entatildeo o pressuposto
da teoria da reescritura
Conforme Else Vieira (1996 143) foi em meados da deacutecada de 1980 que
Lefevere pouco a pouco comeccedilou a substituir o termo refraccedilotildees por reescrita expandindo
o constructo teoacuterico de sistema designado por um conjunto de elementos inter-relacionados
que por acaso compartilham certas caracteriacutesticas que os distinguem de outros elementos natildeo
pertencentes ao sistema (LEFEVERE 1985 223-224)27
Voltando agraves ideacuteias de Lefevere supramencionadas pode-se afirmar que se haacute
controle este eacute exercido por elementos internos e externos ao sistema Os elementos internos
satildeo os inteacuterpretes os criacuteticos os revisores os professores de literatura etc (refratores ou
reescritores) que exercem formas de repressatildeo que pode ocorrer pela simples exclusatildeo da
obra literaacuteria ou mais comumente pela sua adaptaccedilatildeo de forma que ela atinja o grau
necessaacuterio de correspondecircncia agrave poeacutetica ou agrave ideologia da sua eacutepoca O segundo elemento
externo eacute a patronagem ou as pessoas e instituiccedilotildees que tanto podem promover incentivar ou
reprimir restringir e obstruir a escrita a leitura ou reescrita da literatura
Eacute bem visiacutevel o grau de identificaccedilatildeo entre os termos refraccedilatildeo e reescrita
chegando agraves vezes a serem usados como sinocircnimos um do outro Se refraccedilatildeo estaacute ligada a
sistema e reescritura estaacute ligada a mecanismos de poder percebe-se uma relaccedilatildeo que consiste
nas refraccedilotildees produzidas sob influecircncia das normas de um sistema mas estas normas podem
estar sob o uso de pessoas que detecircm alguma espeacutecie de poder Entatildeo o elemento principal
que distingue o primeiro termo do outro satildeo os mecanismos de poder
Em seu estudo sobre as traduccedilotildees de contos de Machado de Assis para o inglecircs
Hatje-Faggion (2006) destaca que no caso desse escritor brasileiro dentre as inuacutemeras
influecircncias que podem ser determinantes na traduccedilatildeo literaacuteria as razotildees comerciais por
27 Vide Vieira (1996 141) e nota nordm 9 desta dissertaccedilatildeo
45
exemplo podem interferir em certas decisotildees quem vai ser traduzido quais obras seratildeo
selecionadas quando e com que impacto Nesse sentido Ria Vanderauwera (1985 37)
distingue dois tipos de traduccedilatildeo a embaixadora ou metaliteraacuteria e a de consumo Se a
traduccedilatildeo eacute de caraacuteter embaixador ou metaliteraacuterio os propoacutesitos natildeo satildeo comerciais mas sim
culturais com a intenccedilatildeo de valorizar determinada cultura por exemplo oferecendo a
estudantes da liacutengua eou da literatura de partida um material baacutesico Assim autores e obras
relevantes dessa cultura em evidecircncia tornam-se disponiacuteveis a outro puacuteblico pertencente a
outra cultura No caso da traduccedilatildeo de consumo os textos satildeo escolhidos para traduccedilatildeo
recebendo um tratamento uma apresentaccedilatildeo conforme as rotinas de ediccedilatildeo de texto e
preferecircncias literaacuterias da cultura de chegada
O seguinte comentaacuterio de Bagby Juacutenior apud Hatje-Faggion (2001 144) por
exemplo atesta a funccedilatildeo embaixadora das traduccedilotildees para o inglecircs do romance Dom
Casmurro de Machado de Assis realizadas por Helen Caldwell a traduccedilatildeo eacute boa e praacutetica
para alunos pouco familiarizados com o autor o que comprova que se trata de uma traduccedilatildeo
indicada para um puacuteblico de chegada falante de inglecircs com intenccedilatildeo educativa Em resumo a
traduccedilatildeo embaixadora ou metaliteraacuteria tem a motivaccedilatildeo de valorizar a cultura do texto de
partida e o seu intercacircmbio com a cultura de chegada enquanto que a traduccedilatildeo de consumo
prima pelo lucro seguindo as expectativas comerciais Cada qual portanto desempenha um
papel de grande importacircncia sobre a escolha da obra literaacuteria a ser traduzida sustentando a
formulaccedilatildeo e a apresentaccedilatildeo do texto de chegada em proporccedilotildees e maneiras diversas com
impacto variado segundo o objetivo especiacutefico da traduccedilatildeo o tipo de texto envolvido o
tradutor o editor e suas suposiccedilotildees sobre as expectativas do leitor (HATJE-FAGGION
2006 3)
15 O esquema teoacuterico de Lambert e Van Gorp para descriccedilatildeo de traduccedilotildees literaacuterias
De acordo com Joseacute Lambert e Henrik Van Gorp (1985 42-53) o fortalecimento
dos estudos de traduccedilatildeo (meados da deacutecada de 1970) como objeto legiacutetimo da investigaccedilatildeo
cientiacutefica em geral tem tido contribuiccedilotildees mais importantes no campo da teoria da traduccedilatildeo
Esses dois criacuteticos entretanto sentiram necessidade de contribuir para esse campo no sentido
de suprir certas falhas ou deficiecircncias no que diz respeito aos estudos descritivos apontadas
por vaacuterios teoacutericos como Toury (1980) Um desses problemas seria o isolamento do estudo
de traduccedilotildees e do comportamento tradutoacuterio em certos contextos socioculturais em relaccedilatildeo agrave
46
pesquisa teoacuterica da traduccedilatildeo havendo lacunas entre as abordagens teoacuterica e descritiva
Lambert e Van Gorp sentiram a falta de uma sistematizaccedilatildeo para os estudos descritivos e
assim conceberam uma proposta teoacuterica para a descriccedilatildeo de traduccedilotildees
O estudo comparativo de traduccedilotildees de uma obra de acordo com as ideacuteias de
Lambert e Van Gorp (1985 42-53) contribui para um melhor entendimento dos meios e
processos pelos quais estes textos de chegada satildeo construiacutedos verificando-se como as normas
de cada contexto influenciam na concepccedilatildeo do produto final levando-se em conta as
expectativas dos agentes institucionais e da recepccedilatildeo de modo geral aleacutem das proacuteprias
concepccedilotildees e ideais dos tradutores tudo isso inserido numa cultura e numa eacutepoca especiacutefica
Deste modo satildeo abertas novas possibilidades para que haja mudanccedilas de atitude em relaccedilatildeo
aos tradutores e agraves suas respectivas traduccedilotildees em diferentes periacuteodos de tempo muitas vezes
haacute julgamentos de valor feitos gratuitamente sobre esta ou aquela traduccedilatildeo como a melhor a
pior sem relativizar os fatos e fatores que influenciaram cada uma dessas reescrituras
Susan Bassnett (2003 129) ao abordar a traduccedilatildeo de obras literaacuterias por meio de
exemplos analisados em pormenores justifica que ao fazer isso natildeo pretende avaliar tais
traduccedilotildees mas sim mostrar como a escolha de criteacuterios por parte do tradutor pode dar azo a
problemas especiacuteficos de traduccedilatildeo Os estudos de caso em estudos de traduccedilatildeo portanto satildeo
relevantes porque se verifica na transferecircncia de contextos (do texto de partida para textos de
chegada) a existecircncia de variedades de processos diferentes que estatildeo envolvidos O esquema
descritivo de Lambert e Van Gorp (1985 42-53) nesse intuito divide-se em quatro estaacutegios
conforme exposiccedilatildeo abaixo
O primeiro estaacutegio denominado dados preliminares examina dados que natildeo
fazem parte do texto do escritor traduzido ou seja trata dos aspectos extratextuais constantes
numa ediccedilatildeo caracteriacutesticas fiacutesicas da publicaccedilatildeo a sua embalagem (capa contracapa
folha de rosto etc) em que podem constar dados como o nome da editora ano de publicaccedilatildeo
nuacutemero de reimpressatildeo direitos autorais ou os paratextos (prefaacutecio posfaacutecio introduccedilatildeo
notas de rodapeacute etc) quantidade de capiacutetulos de paacuteginas Estas informaccedilotildees permitem que o
leitor faccedila uma ideacuteia geral do produto que vai ler obtendo assim as primeiras impressotildees que
possivelmente recaem sobre as publicaccedilotildees Os leitores satildeo convidados a ler o produto o
qual dependendo dessas impressotildees pode atrair a atenccedilatildeo das pessoas provocar recusas ou
indiferenccedila A relevacircncia dessas informaccedilotildees diz respeito portanto aos objetivos pretendidos
pelos agentes responsaacuteveis pela publicaccedilatildeo com suas pretensotildees que envolvem por exemplo
accedilotildees de cunho mercadoloacutegico eou ideoloacutegico incluindo-se aiacute algumas estrateacutegias de
traduccedilatildeo colocadas em praacutetica Neste estaacutegio portanto a atenccedilatildeo se volta para as estrateacutegias
47
de seduccedilatildeo do consumidor elaboradas pelos agentes responsaacuteveis pela publicaccedilatildeo Aqui o
papel do tradutor parece ficar mais submetido agrave aprovaccedilatildeo dos revisores eou editores no que
conta por exemplo na escolha e adequaccedilatildeo do tiacutetulo traduzido ao peso do proacuteprio nome do
tradutor se eacute relevante mencionaacute-lo ou natildeo
O segundo estaacutegio a macroestrutura faz uma comparaccedilatildeo entre a estrutura do
texto de partida e a estrutura desse texto traduzido Trata-se do exame da estrutura geral do
texto em que constam a sua composiccedilatildeo e divisatildeo em partes (capiacutetulos paraacutegrafos frases
etc) Tambeacutem se verifica se os capiacutetulos tecircm tiacutetulo e numeraccedilatildeo e como satildeo caracterizados
bem como as caracteriacutesticas da narrativa e dos diaacutelogos e a indicaccedilatildeo das formas do discurso
(direto indireto indireto-livre)
O terceiro estaacutegio a microestrutura considera o texto em unidades menores
verificando no que concerne a linguagem em si a seleccedilatildeo lexical os padrotildees gramaticais
dominantes caracteriacutesticas de estilo formas de discurso (direto indireto indireto-livre) a
narrativa perspectivas pontos de vista niacuteveis da liacutengua (variedades linguumliacutesticas socioletos
dialetos etc) O foco tambeacutem se dirige a outros toacutepicos como o tiacutetulo da obra formas de
tratamento nomes de pessoas de lugares unidades de medida tiacutetulos de livros jornais e
similares bem como dados especiacuteficos do ambiente sociocultural Trata-se de verificar o
modo como o tradutor lida com as escolhas para traduzir
O quarto estaacutegio o contexto sistecircmico contrapotildee os niacuteveis macro e micro o texto
e a teoria (normas modelos etc) relaccedilotildees intertextuais (outras traduccedilotildees e o relacionamento
entre esses textos e o texto traduzido em questatildeo e o texto de partida adotado) relaccedilotildees
intersistecircmicas (gecircnero textual estilo) leitor e criacutetica
Cada estaacutegio desse modo contribui com resultados uacuteteis para o proacuteximo estaacutegio
numa relaccedilatildeo de interdependecircncia Assim este modelo serviraacute de base para as anaacutelises das
quatro traduccedilotildees de Of mice and men examinadas no quarto capiacutetulo desta dissertaccedilatildeo
16 Paratextos
Conforme jaacute mencionado os paratextos satildeo um dos itens que constituem o
primeiro estaacutegio do esquema descritivo de traduccedilotildees de Lambert e Van Gorp (1985) os dados
preliminares Macksey (1997 xvii) em seu prefaacutecio agrave obra de Genette traduzida para o inglecircs
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como Paratexts
Thresholds of Interpretation28 explica a relaccedilatildeo entre o vocaacutebulo
paratextos e a palavra inglesa thresholds ou seja as convenccedilotildees literaacuterias e editoriais que
fazem mediaccedilatildeo entre o mundo das publicaccedilotildees e o mundo do texto 29 Figueiredo por sua
vez afirma que os paratextos no sentido atribuiacutedo por Genette (1982) satildeo constituiacutedos por
tiacutetulos subtiacutetulos epiacutegrafes dedicatoacuterias proacutelogos prefaacutecios posfaacutecios advertecircncias notas preacutevias nome de autor e de tradutor (ou a ausecircncia de um ou de outro ou de ambos) capas contracapas frontispiacutecios introduccedilotildees notas editoriais informaccedilotildees nas badanas [orelhas] notas de rodapeacute notas agrave margem ilustraccedilotildees notas do tradutor notas finais apecircndices anexos publicidade informaccedilotildees bibliograacuteficas e legais ou quaisquer outros sinais que mantecircm qualquer relaccedilatildeo com o texto que acompanham fisicamente (FIGUEIREDO 2004)
As funccedilotildees dos paratextos para Figueiredo (2004) satildeo variaacuteveis mas todos eles
funcionam como mediadores entre o texto e o leitor e logo podem influenciar a leitura e a
recepccedilatildeo do texto Os prefaacutecios ou notas preacutevias por exemplo possibilitam o esclarecimento
antecipado dos leitores sobre o texto principal a ser lido (ou natildeo dependendo do interesse
gerado no receptor-leitor) Este tipo de paratexto por exemplo pode trazer informaccedilotildees a
respeito de um autor criacutetico ou tradutor com suas consideraccedilotildees gerais que geralmente
atribuem valor positivo agrave obra
Maingueneau (1996) apud Andrade (2004 12) destaca que um recurso utilizado
em obras inovadoras ou desviantes dos padrotildees eacute justamente o uso de paratextos na proacutepria
obra que explicam esses desvios e tentam conquistar o leitor A funccedilatildeo desses paratextos
entatildeo pode ser comparada agrave de guias de leitura
Assim atraveacutes dos paratextos guias de leitura por excelecircncia o texto procura seduzir o leitor e ao mesmo tempo controlar o percurso de seu olhar orientar a leitura de modo a obter os resultados desejados Nesse espaccedilo de autolegitimaccedilatildeo discursiva podemos encontrar a chave interpretativa da obra (p 27) pois nele o autor indica seu projeto esteacutetico (ANDRADE 2004 12)
A funccedilatildeo dos paratextos como fonte de orientaccedilatildeo e ou seduccedilatildeo do leitor eacute
mencionada por Genette (1997 1-2) quando ele destaca que um trabalho literaacuterio raramente eacute
apresentado sem um propoacutesito definido sem algum tipo de suporte ou acompanhamento de
produccedilotildees verbais ou natildeo-verbais como o nome do autor o tiacutetulo o prefaacutecio e ilustraccedilotildees e
28 Tiacutetulo original em francecircs Seuiles (Editions du Seuil 1987)
29 the literary and printerly conventions that mediate between the world of publishing and the world of the text
49
mesmo que o leitor natildeo se decirc conta se estes recursos pertencem ou natildeo ao texto principal (a
obra literaacuteria em si mesma) de qualquer maneira esses recursos estatildeo ali agraves margens da
obra estendendo-a justamente com a intenccedilatildeo de apresentaacute-la Genette atribui um sentido
especial ao verbo apresentar
E embora nem sempre saibamos se estas produccedilotildees devem ser consideradas como pertencentes ao texto de qualquer maneira elas o cercam e o expandem justamente no intuito de apresentaacute-lo no sentido comum deste verbo mas tambeacutem no seu sentido mais forte tornar presente garantir a presenccedila do texto no mundo a sua recepccedilatildeo e consumo na forma (hoje em dia pelo menos) de um livro Estas
produccedilotildees acessoacuterias que variam em dimensatildeo e aparecircncia constituem o que eu chamei em outro trabalho de o paratexto de uma obra () (GENETTE 1997 1-2) 30
A exposiccedilatildeo dessas palavras de Genette permite perceber como os paratextos tecircm
uma funccedilatildeo essencial necessaacuteria que contribui para o sucesso ou fracasso comercial de uma
obra literaacuteria Pode-se inferir a partir da citaccedilatildeo acima que os paratextos reuacutenem expectativas
dos agentes responsaacuteveis por uma publicaccedilatildeo os quais tentam inculcar desejo ou curiosidade
no puacuteblico leitor
30 And although we do not always know whether these productions are to be regarded as belonging to the text in any case they surround it and extend it precisely in order to present it in the usual sense of this verb but also in the strongest sense to make present to ensure the texts presence in the world its reception and consumption in the form (nowadays at least) of a book These accompanying productions which vary in extent and appearance constitute what I have called elsewhere the works paratext ( )
Esta obra escrita originalmente em francecircs intitulada Seuil (1987) foi traduzida para o inglecircs por Jane E Lewin De acordo com essa tradutora a referecircncia ao termo paratexto aparece em outra obra de Genette intitulada Palimpsestes de 1981
50
2 CULTURA LINGUAGEM E A TRADUCcedilAtildeO DE VARIEDADES LINGUumlIacuteSTICAS
NA LITERATURA
Toda liacutengua satildeo rastros de velhos misteacuterios
Guimaratildees Rosa
Cultura e linguagem satildeo dois sistemas que se inter-relacionam resultando na
totalidade num polissistema Por intermeacutedio dessas relaccedilotildees unindo o primeiro e o segundo
aspecto surge como tema central desta pesquisa a questatildeo de traduzir variedades linguumliacutesticas
estigmatizadas na literatura sob dois aspectos problemaacuteticos neutralizar esses dialetos pelo
uso de uma variedade de prestiacutegio ou adotar um dialeto equivalente
Os temas cultura e linguagem tambeacutem sempre remetem a outros problemas
procedimentos ou escolhas tradutoacuterias Existe tambeacutem a discussatildeo sobre aspectos linguumliacutesticos
na traduccedilatildeo em que o entendimento de variedades linguumliacutesticas se coloca e entatildeo eacute comum o
uso de termos da Linguumliacutestica Aplicada momento em que eacute preciso deixar claras suas
definiccedilotildees muitas vezes em acepccedilotildees diferentes conforme variados autores Este segundo
capiacutetulo trata basicamente desses aspectos relacionados agrave traduccedilatildeo que envolvem cultura
linguagem e traduccedilatildeo de dialetos literaacuterios
21 A necessidade de novas traduccedilotildees
Ao olhar comum parece agraves vezes haver um entendimento de que ao se deparar
com uma obra traduzida e publicada ela eacute para todos os efeitos a traduccedilatildeo ou seja a
palavra final algo incontestaacutevel como se as liacutenguas tivessem um caraacuteter estaacutetico Um exame
mais atento entretanto confirma a existecircncia de vaacuterias traduccedilotildees de uma mesma obra para
uma mesma liacutengua a exemplo de autores consagrados como Shakespeare Homero Cervantes
e tantos outros cujos trabalhos jaacute foram e ainda satildeo traduzidos repetidamente em diversas
liacutenguas Landers a esse respeito diz que
a meia-vida de uma traduccedilatildeo eacute de cerca de 30 ou 40 anos a cada 30 anos (ateacute mesmo 40 ou 50
isso varia) ela perde metade da sua vitalidade do seu frescor da sua habilidade de comunicar ao leitor numa voz contemporacircnea Se isso eacute verdadeiro conclui-se que os principais trabalhos de literatura devem ser
51
retraduzidos periodicamente de modo que eles mantenham sua funccedilatildeo de ponte entre as culturas e os seacuteculos (LANDERS 2001 10 11)31
Landers cita o exemplo de Tuciacutedides traduzido para o inglecircs em pelo menos trecircs
momentos
a traduccedilatildeo de 1629 que Thomas Hobbes fez de Tuciacutedides eacute praticamente impossiacutevel de ser lida pelo falante moderno de inglecircs pois estaacute repleta dos pronomes thee e thou e de sentenccedilas complexas e barrocas A traduccedilatildeo de R Crawley de 1874 eacute muito mais faacutecil de compreender todavia seu vocabulaacuterio um pouco ultrapassado deixa no ar um cheiro leve de naftalina Somente a traduccedilatildeo de 1952 de Rex Warner transmite fluecircncia precisatildeo e modernidade falando a liacutengua contemporacircnea do leitor de maneira direta e eficaz (LANDERS 2001 11)32
Landers (2001 11) esclarece que apesar desse julgamento de valor natildeo haacute na
verdade como estabelecer que a traduccedilatildeo de Rex Warner seja melhor do que as suas
antecessoras A impressatildeo de que ela eacute melhor somente se aplica no que diz respeito agrave
familiaridade que o leitor dos dias de hoje tem com a liacutengua utilizada um inglecircs com
upgrade Cada traduccedilatildeo cumpre o seu papel em seu devido tempo Nada poderaacute impedir que a
traduccedilatildeo de Warner tambeacutem fique ultrapassadadatada
Milton (1998 40) afirma que todas as traduccedilotildees ficam ultrapassadas e tecircm de
ser refeitas pelas novas geraccedilotildees Tal declaraccedilatildeo justificada pela questatildeo do caraacuteter
evolutivo das liacutenguas tambeacutem encontra suporte em Walter Benjamin
elementos que agrave eacutepoca do autor podem ter obedecido a uma tendecircncia de sua linguagem poeacutetica poderatildeo mais tarde ter-se esgotado tendecircncias impliacutecitas podem destacar-se ex-novo daquilo que jaacute possui forma Aquilo que antes era novidade mais tarde poderaacute soar gasto o que antes era de uso corrente pode vir a soar arcaico (BENJAMIN 2001 197)
Benjamin prossegue em seu argumento com referecircncia agraves mudanccedilas que a
passagem dos seacuteculos exerce sobre as criaccedilotildees literaacuterias considerando que toda traduccedilatildeo
possui um status provisoacuterio em relaccedilatildeo agrave atualidade de seus efeitos que intermedeiam a
estranheza das liacutenguas Da mesma forma com que tom e significado das grandes obras
poeacuteticas se transformam completamente ao longo dos seacuteculos tambeacutem a liacutengua materna do
31 The half-life of a translation it has been said is from 30 to 40 years every 30 years (or 40 or 50 take your pick) the translation loses half its vitality its freshness its ability to communicate to the reader in a contemporary voice If this is true it follows that major works of literature must be retranslated periodically if they are to retain their function as a bridge between cultures and eras
32 Thomas Hobbes 1629 rendering of Thucydides is virtually unreadable to the modern speaker of English cluttered with thee and thou and complex baroque sentences The R Crawley 1874 version is much easier to absorb but its slightly obsolescent vocabulary nonetheless gives off the faint scent of mothballs Only Rex Warner s lively 1952 translation communicates with fluency precision and modernity speaking the contemporary reader s language directly and forcefully
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tradutor se transforma (BENJAMIN 2001 197) Ele considera que a liacutengua do escritor
impotildee uma percepccedilatildeo mais duradoura do que a liacutengua do tradutor Enquanto a palavra do
poeta perdura em sua liacutengua materna mesmo a melhor traduccedilatildeo estaacute fadada a desaparecer
dentro da evoluccedilatildeo de sua liacutengua e soccedilobrar em sua renovaccedilatildeo (BENJAMIN 2001 197)
Todavia quanto a esta uacuteltima afirmaccedilatildeo paira uma duacutevida sobre a maior
durabilidade das palavras do texto de partida em relaccedilatildeo agraves suas traduccedilotildees pois Benjamin natildeo
oferece nenhum exemplo O fato eacute que se pode facilmente constatar que uma obra literaacuteria
depois de certo espaccedilo de tempo tambeacutem precisa ser atualizada cultural e linguumlisticamente
Isso fica muito claro quando se manuseia um livro antigo numa ediccedilatildeo de cinquumlenta cem
anos ou mais No caso especiacutefico do Brasil aleacutem do curso natural de transformaccedilatildeo da liacutengua
portuguesa e dos costumes houve mudanccedilas na ortografia oficial Estas transformaccedilotildees satildeo
evidenciadas no texto Antigamente de Carlos Drummond de Andrade (1970)
ANTIGAMENTE as moccedilas chamavam-se mademoiselles e eram todas mimosas e muito prendadas Natildeo faziam anos completavam primaveras em geral dezoito Os janotas mesmo natildeo sendo rapagotildees faziam-lhes peacute-de-alferes arrastando a asa mas ficavam longos meses debaixo do balaio E se levavam taacutebua o remeacutedio era tirar o cavalo da chuva e ir pregar em outra freguesia As pessoas quando corriam antigamente era para tirar o pai da forca e natildeo caiacuteam de cavalo magro Algumas jogavam verde para colher maduro e sabiam com quantos paus se faz uma canoa O que natildeo impedia que nesse entrementes esse ou aquele embarcasse em canoa furada Encontravam algueacutem que lhes passasse a manta e azulava dando agraves de vila-diogo Os mais idosos depois da janta faziam o quilo saindo para tomar fresca e tambeacutem tomavam cautela de natildeo apanhar sereno Os mais jovens esses iam ao animatoacutegrafo e mais tarde ao cinematoacutegrafo chupando balas de alteacuteia Ou sonhavam em andar de aeroplano os quais de pouco siso se metiam em camisa de onze varas e ateacute em calccedilas pardas natildeo admira que dessem com os burros n aacutegua ()
Para quem eacute brasileiro ou possui uma grande vivecircncia em relaccedilatildeo agrave cultura
brasileira ficam niacutetidas as diferenccedilas marcantes entre os costumes do iniacutecio do seacuteculo XX ateacute
a eacutepoca em que o texto de Drummond foi publicado 1962 republicado em 1970 Hoje e com
o fluxo incessante do tempo as diferenccedilas se acentuam ainda mais principalmente quando se
vecirc neste mesmo texto a grafia de algumas palavras (aqui em itaacutelico) Doenccedila nefasta era a
phtysica feia era o gaacutelico Antigamente os sobrados tinham assombraccedilotildees os meninos
lombrigas asthma os gatos (DRUMMOND 1970)
Diante do exposto poderia-se perguntar como seria ler por exemplo Machado
de Assis num portuguecircs do seacuteculo XIX Percebe-se que as ediccedilotildees mais atuais das obras dele
passaram por uma atualizaccedilatildeo necessaacuteria Do contraacuterio ainda se leriam os textos machadianos
53
nos moldes de uma cultura brasileira antiga e de um tempo remoto visualizados nos PH s
nas casas de pasto e em outros elementos daquela eacutepoca
Rainer Schulte apud Hatje-Faggion (2001 13) por sua vez assevera que
o estudo das diferenccedilas que se tornam visiacuteveis de uma traduccedilatildeo anterior para a outra deixa patente a necessidade de novas traduccedilotildees como um esforccedilo contiacutenuo para expandir e aprofundar o ato de ler e interpretar e para lanccedilar uma luz sobre como as culturas interpretam o seu mundo em momentos particulares da histoacuteria33
O argumento fundado nas diferenccedilas entre duas culturas e nas mudanccedilas que as
liacutenguas sofrem em virtude da passagem do tempo encontra outro bom exemplo no escritor
argentino Jorge Luiacutes Borges apud Milton (1998 155) e seu conto Pierre Menard autor del
Quijote em que
o autor imaginaacuterio francecircs consegue criar uma coacutepia exata de dois capiacutetulos da obra original de Cervantes mediante um processo em que ele proacuteprio imagina ser Cervantes Poreacutem esta coacutepia da obra de Cervantes escrita por um autor do seacuteculo XX parece ser arcaica e afetada tanto no seu estilo como no seu conteuacutedo
Neste caso o personagem de Borges tentou produzir uma traduccedilatildeo
do espanhol
para o francecircs
com a fidelidade precisa ao autor Entretanto o resultado natildeo foi muito feliz
o seu Dom Quixote traduzido refletia por seu exagerado capricho natildeo a percepccedilatildeo linguumliacutestica
da liacutengua francesa do seacuteculo XX mas do seacuteculo XVII pois o original de Cervantes data do
ano de 1605
Esse conto tambeacutem faz ressurgir a discussatildeo sobre fidelidade e equivalecircncia dois
palavrotildees para os estudiosos da traduccedilatildeo pois satildeo dois conceitos imprecisos e impossiacuteveis de
atingir plenamente a partir da perspectiva do poacutes-estruturalismo Octavio Paz (1971 9)
reflete sobre o caraacuteter individual uacutenico do texto escrito
As pessoas quando dizem as mesmas coisas embora as expressem em idiomas distintos respondem agrave confusatildeo babeacutelica com a universalidade do espiacuterito apesar das diferenccedilas entre os indiviacuteduos sociedades e eacutepocas Cada texto eacute uacutenico e eacute ao mesmo tempo a traduccedilatildeo de outro texto Nenhum texto eacute inteiramente original porque a proacutepria liacutengua na sua essecircncia jaacute eacute uma traduccedilatildeo primeiramente do mundo natildeo-verbal e em segundo lugar porque cada signo e cada frase eacute a traduccedilatildeo de outro signo e de outra frase Este argumento pode poreacutem ser revertido sem perder nenhuma da sua validade todos os textos satildeo originais porque todas as
33 the study of the differences that become visible from one translation to the next affirms the necessity for new translations as a continuous effort to expand and deepen the act of reading and interpretation and to shed light on how cultures interpret their world at particular moments of history
54
traduccedilotildees satildeo diferentes Ateacute certo ponto todas as traduccedilotildees satildeo uma invenccedilatildeo e enquanto tal uacutenicas 34
Esta caracteriacutestica proacutepria do texto estaacute vinculada agrave eacutepoca em que ele foi
produzido submetendo-se agravequela realidade social e cultural conforme assinala Maria Corti
apud Bassnett (2003 134)
cada eacutepoca produz os seus proacuteprios signos que se manifestam em modelos sociais e literaacuterios Logo que estes modelos se consomem e a realidade parece desaparecer satildeo necessaacuterios novos signos para recapturar a realidade e isto permite-nos atribuir um valor de informaccedilatildeo agraves estruturas dinacircmicas da literatura Vista deste modo a literatura eacute ao mesmo tempo a condiccedilatildeo e o lugar da comunicaccedilatildeo artiacutestica entre emissores e destinataacuterios ou puacuteblico As mensagens trilham o seu caminho no tempo lenta ou rapidamente algumas mensagens aventuram-se em encontros que desfazem completamente uma linha de comunicaccedilatildeo mas com enorme esforccedilo outra linha se constroacutei Este uacuteltimo facto eacute o mais significativo ele requer aprendizagem e dedicaccedilatildeo da parte daqueles que querem percebecirc-lo porque a funccedilatildeo hipersiacutegnica das grandes obras literaacuterias transforma o coacutedigo da nossa visatildeo do mundo
Se cada eacutepoca produz seus proacuteprios signos e estes se manifestam em modelos
sociais e literaacuterios constantemente alterados e renovados sob a perspectiva de uma cultura e
uma liacutengua eacute natural concluir que tal fato se complica ainda mais quando se trata do caso das
traduccedilotildees onde esta dinacircmica se coloca entre duas culturas e duas liacutenguas postas frente a
frente cada qual obedecendo a tendecircncias variaacuteveis natildeo coincidentes em sua totalidade e com
estranhezas entre as duas partes em intercacircmbio Tais diferenccedilas ao serem mediadas pela
traduccedilatildeo exigem natildeo soacute um oacutetimo conhecimento da liacutengua e da cultura de partida mas
tambeacutem estrateacutegias de traduccedilatildeo muito bem pensadas
Venuti (1998 240-244) discute estrateacutegias de traduccedilatildeo que envolvem a escolha do
texto estrangeiro e um meacutetodo para traduzi-lo e estas duas tarefas satildeo determinadas pela
diversidade colocada entre vaacuterios aspectos como o cultural o econocircmico e o poliacutetico dentre
tantos outros Ao estabelecer estas estrateacutegias Venuti coloca duas opccedilotildees (ou meacutetodos) de
traduccedilatildeo os quais denominou domesticaccedilatildeo e estrangeirizaccedilatildeo Segundo Venuti (1998 240)
um projeto de traduccedilatildeo pode se adequar a valores vigentes que dominam a cultura da liacutengua
de chegada tomando uma abordagem conservadora e bastante assimiladora em relaccedilatildeo ao
34 Los seres humanos cuando dicen las mismas cosas aunque las expresen en distintos idiomas responden a la confusioacuten babeacutelica con la universalidad del espiacuteritu pese a las diferencias entre individuos sociedades y eacutepocas Cada texto es uacutenico y simultaacuteneamente es la traduccioacuten de otro Ninguacuten texto es enteramente original porque el lenguaje mismo en su esencia es ya una traduccioacuten primero del mundo no-verbal y despueacutes porque cada signo y cada frase es la traduccioacuten de otro signo y de otra frase Pero ese razonamiento puede invertirse sin perder validez todos los textos son originales porque cada traduccioacuten es distinta
55
texto de partida apropriando-o a fim de apoiar os cacircnones domeacutesticos tendecircncias de
publicaccedilatildeo e alinhamentos poliacuteticos 35 ou pode () resistir e ter por objetivo revisar o
dominante lanccedilando matildeo do marginal restaurando textos estrangeiros excluiacutedos pelos
cacircnones domeacutesticos recuperando valores residuais como textos arcaicos e meacutetodos de
traduccedilatildeo e cultivar meacutetodos emergentes (por exemplo novas formas culturais) 36 Assim
este criacutetico afirma que algumas estrateacutegias de traduccedilatildeo podem ser domesticadoras
naturalizando o exoacutetico ou o estranho da cultura estrangeira enquanto que outras podem ser
estrangeirizadoras preservando as diferenccedilas culturais e linguumliacutesticas pelo desvio dos valores
domeacutesticos
22 Aspectos culturais na traduccedilatildeo
221 Visotildees de mundo diferenccedilas culturais e juiacutezos de valor
A traduccedilatildeo natildeo eacute apenas um movimento entre duas liacutenguas mas tambeacutem entre
duas culturas quando as percepccedilotildees de mundo natildeo se encaixam de forma plena ou mesmo
destoam completamente Entatildeo agraves vezes e dependendo do tema abordado uma traduccedilatildeo
literal ou mais colada ao texto de partida com foco no emissor pode soar bastante similar
agravequela fonte
ou natildeo eacute muito frequumlente ocorrerem incompatibilidades entre as duas culturas
envolvidas quando a traduccedilatildeo por mais que se esforce em respeitar o texto de partida resulta
numa perda total ou parcial daquela essecircncia ou ainda em acreacutescimos Num caso extremo
mesmo numa tentativa de adaptaccedilatildeo conforme os costumes e o conhecimento da cultura de
chegada essa traduccedilatildeo pode natildeo alcanccedilar o efeito desejado
Louise M Haywood (2005) cita o exemplo de Laura Bohannan que traduziu
Hamlet de Shakespeare para uma tribo africana desejando testar se a peccedila agregava valores
humanos universais Para este ensejo levou em consideraccedilatildeo a cultura daquelas pessoas
tomando algumas estrateacutegias e medidas de adaptaccedilatildeo dentre elas
35 A translation project may conform to values currently dominating the target-language culture taking a conservative and openly assimilationist approach to the foreign text appropriating it to support domestic canons publishing trends political arguments (VENUTI ibidem)
36 () resist and aim to revise the dominant by drawing on the marginal restoring foreign texts excluded by domestic canons recovering residual values such as archaic texts and translation methods and cultivating emergent ones (for example new cultural forms)
(VENUTI ibidem)
56
Uma vez que o grupo natildeo acreditava na vida apoacutes a morte omitiu a apariccedilatildeo do
fantasma do rei Hamlet
Visto que a noccedilatildeo de um erudito de formaccedilatildeo acadecircmica como o priacutencipe Hamlet era
desconhecida para eles ela optou pela figura de um misto de feiticeiro e pajeacute detentor
de vasto conhecimento sobre curas costumes e tradiccedilotildees da tribo gozando alto
prestiacutegio entre eles por isso
No duelo do final da peccedila entre Laertes e Hamlet a tradutora substituiu as espadas por
machetes
Natildeo obstante o esforccedilo de Bohannan os integrantes da tribo estranharam a
histoacuteria pois ainda que tivesse sido adaptada continha elementos totalmente fora daquele
contexto cultural parecendo-lhes uma peccedila exoacutetica A partir dessa experiecircncia pode-se
perceber que as condiccedilotildees os valores e a moral humanos natildeo satildeo universais e algumas
discrepacircncias se revelam ateacute mesmo entre culturas tidas como similares
Sobre diferenccedilas culturais eacute comum surgir em traduccedilatildeo discussotildees sobre como
solucionar certos problemas pertencentes ao escopo da intraduzibilidade cultural quando eacute
comum tambeacutem o uso do termo equivalecircncia37 Desse modo Baker (1992 17-42) menciona
uma ampla variedade de fatores dos quais a escolha de um equivalente adequado depende
fatores estritamente linguumliacutesticos (como colocaccedilotildees e expressotildees idiomaacuteticas) ou extra-
linguumliacutesticos mas Baker adverte que eacute praticamente impossiacutevel oferecer orientaccedilotildees absolutas
precisas para se lidar com os vaacuterios tipos de natildeo-equivalecircncia Sua primeira orientaccedilatildeo eacute
compreender a diferenccedila na estrutura de campos semacircnticos das liacutenguas de partida e de
chegada o que permite ao tradutor acessar o valor de um dado item dentro de um conjunto
lexical por exemplo no campo semacircntico temperatura a liacutengua inglesa possui quatro
divisotildees principais cold cool hot e warm38 em contraste com a liacutengua aacuterabe tambeacutem com
quatro divisotildees principais mas com diferenccedilas em relaccedilatildeo ao inglecircs baarid (coldcool) haar
(hot referindo-se ao tempo ou clima) saakhin (hot referindo-se a objetos) e daafi (warm)
37 Com as devidas reservas agrave relatividade do que se entende sobre equivalecircncia em traduccedilatildeo Conforme disposto no capiacutetulo anterior desta dissertaccedilatildeo seria mais seguro reportar a semelhanccedila similaridade adequaccedilatildeo etc evitando-se principalmente o conceito matemaacutetico desta expressatildeo (na acepccedilatildeo de Catford 1980) ou relativizando-se o que Vinay e Darbelnet (1957) Nida (apud BASSNETT 2003 55) e outros autores dizem sobre o assunto Entretanto o termo equivalecircncia ainda eacute frequumlente em textos de autores renomados dos estudos de traduccedilatildeo como no caso de Mona Baker (1992)
38 Em portuguecircs aproximadamente gelado frio quente e morno
57
Acerca do que diz Baker acima todavia percebe-se que mesmo que se
compreendam essas diferenccedilas restam as dificuldades de traduccedilatildeo que competem ao tradutor
resolver em aspecto bastante razoaacutevel ou mesmo exato ou entatildeo em aspecto aproximado ou
de efeito similar semelhante com evidentes perdas ou acreacutescimos No niacutevel das palavras as
estrateacutegias expostas por Baker compreendem resoluccedilotildees relativas a itens ou categorias a)
conceitos especiacuteficos da cultura b) quando o conceito da liacutengua de partida natildeo possui item
lexical na liacutengua de chegada c) quando a palavra da liacutengua de partida eacute de significado
complexo d) quando o significado eacute distinto na liacutengua de partida e na liacutengua de chegada e)
quando falta agrave lingua de chegada uma palavra geral (superordenada) 39 para reger o campo
semacircntico apesar da existecircncia de hipocircnimos (palavras especiacuteficas) f) quando falta um
vocaacutebulo especiacutefico na liacutengua de chegada (hipocircnimo) g) quando haacute diferenccedilas na perspectiva
fiacutesica ou interpessoal h) quando haacute diferenccedilas no significado expressivo i) quando haacute
diferenccedilas na forma j) quando haacute diferenccedilas na frequumlecircncia e no propoacutesito ao se usar formas
especiacuteficas k) no uso de empreacutestimos no texto de partida
Baker (1992 26-42) menciona algumas estrateacutegias utilizadas por tradutores
profissionais a respeito de alguns dos problemas relatados das quais se destacam a
substituiccedilatildeo cultural o uso de um empreacutestimo ou deste acrescido de uma explicaccedilatildeo a
paraacutefrase com o uso de uma palavra relacionada ou com palavras natildeo relacionadas a omissatildeo
222 Expressotildees idiomaacuteticas
Segundo Pedersen (1997 109) natildeo haacute um acordo definitivo sobre como definir
expressatildeo idiomaacutetica Pedersen entretanto usa o termo expressatildeo idiomaacutetica no sentido de
um modo caracteriacutestico de se expressar Baker (1992 63) por sua vez coloca as expressotildees
idiomaacuteticas dentro dos tipos de colocaccedilotildees As colocaccedilotildees para ela satildeo padrotildees da liacutengua
relativamente flexiacuteveis que permitem diversas variaccedilotildees na forma 40 por exemplo deliver a
letter delivery of a letter a letter has been delivered having delivered a letter
Baker afirma que as expressotildees idiomaacuteticas e as expressotildees fixas satildeo tambeacutem
colocaccedilotildees mas que estatildeo no fim da escala das variaccedilotildees pois satildeo padrotildees riacutegidos da
linguagem que permitem pouca ou nenhuma variaccedilatildeo na forma ou no caso das expressotildees
39 Segundo Baker superordinate
40 fairly flexible patterns of language which allow several variations in form
58
idiomaacuteticas frequumlentemente trazem significados que natildeo podem ser deduzidos a partir de seus
componentes individuais 41 Alguns exemplos de expressotildees idiomaacuteticas da liacutengua inglesa
It s raining cats and dogs storm in a tea cup like water off a duck s back etc
(BAKER 1992 65)
Como se pode perceber a partir desses exemplos as expressotildees idiomaacuteticas
podem ou natildeo encontrar correspondentes em outras liacutenguas Muitas vezes essa
correspondecircncia natildeo eacute exata e depende muito do universo sociocultural e linguumliacutestico de uma
dada cultura Assim ao se tentar traduzir para o portuguecircs as expressotildees idiomaacuteticas citadas
por Baker algumas diferenccedilas satildeo notadas nessa transferecircncia devido ao modo particular que
cada cultura emprega essas expressotildees It s raining cats and dogs encontra na sua traduccedilatildeo
literal algo como Estaacute chovendo gatos e cachorros o que pode causar estranhamento assim
a traduccedilatildeo mais adequada deve relativizar como uma expressatildeo funciona na liacutengua de partida
e se haacute algo semelhante na liacutengua de chegada assim em portuguecircs a expressatildeo poderia ser
solucionada como Estaacute caindo um toroacute ou ainda Que aguaceiro Estaacute chovendo
canivete que exprimem o mesmo teor semacircntico em inglecircs que se refere de fato ao
excesso de chuva De modo semelhante storm in a tea cup encontra em portuguecircs a
expressatildeo tempestade em copo d aacutegua (enquanto que a traduccedilatildeo literal seria tempestade
numa xiacutecara de chaacute ) e like water off a duck s back teria a expressatildeo relativa em chover
no molhado ou fazer risco na aacutegua
Para Pedersen (1997 109) as expressotildees idiomaacuteticas datildeo sabor ao texto e que a
sua ausecircncia o empobrece Entretanto na traduccedilatildeo existe o problema de que a expressatildeo
idiomaacutetica pode natildeo ter correspondecircncia na liacutengua de chegada Nesse caso Pedersen na
traduccedilatildeo sugere o uso de uma expressatildeo natildeo idiomaacutetica ou o uso de uma palavra que seja
mais adequada possiacutevel obviamente com o risco de a traduccedilatildeo ficar empobrecida em relaccedilatildeo
ao texto de partida caso esses recursos sejam utilizados com frequumlecircncia
Baker (1992 65) expotildee as principais dificuldades de traduzir expressotildees
idiomaacuteticas e expressotildees fixas a) quando natildeo haacute equivalente na liacutengua de chegada b) quando
haacute equivalente na liacutengua de chegada mas o contexto de uso pode ser diferente c) quando uma
expressatildeo idiomaacutetica pode ser usada no texto de partida tanto em sentido literal ou em sentido
idiomaacutetico e d) quando a convenccedilatildeo de uso de expressotildees idiomaacuteticas no discurso escrito os
contextos nos quais elas podem ser usadas e sua frequumlecircncia de uso pode ser diferente na
liacutengua de partida e na liacutengua de chegada
41 frozen patterns of language which allow little or no variation in form and in the case of idioms often carry meanings which cannot be deduced from their individual components
59
223 A sugestividade do tiacutetulo
Toda criaccedilatildeo deve receber um nome um tiacutetulo ou algo parecido a fim de que se
tenha uma referecircncia Trata-se de algo comparaacutevel agrave situaccedilatildeo em que os pais de uma crianccedila
sentem a necessidade de identificar seus filhos conferindo-lhes reconhecimento e
personificaccedilatildeo perante a sociedade No campo das artes isso tem a sua importacircncia por
chamar a atenccedilatildeo do espectador ouvinte ou leitor para algo que talvez lhe desperte a
curiosidade ou interesse pela obra O tiacutetulo cria um impacto inicial eacute um ponto de partida que
pode antecipar claramente por exemplo o enredo o conteuacutedo da histoacuteria e pode ser um
determinante para o sucesso da obra Quando ele natildeo oferece clareza imediata isso talvez
constitua um problema real ou um equiacutevoco ou tambeacutem uma soluccedilatildeo feliz que traz algo
enigmaacutetico ou sutil que muitas vezes instiga a curiosidade e a perspicaacutecia do leitor
Independentemente da escolha do tiacutetulo ser bem ou mal-sucedida a verdade eacute
que quando acontece a motivaccedilatildeo para traduzir a obra para outra liacutengua eis um importante
problema como traduzi-la Um exemplo bem comum estaacute nos filmes que com muita
frequumlecircncia sofrem alteraccedilotildees muitas vezes em virtude da cultura de chegada A produccedilatildeo
binacional BrasilEstados Unidos intitulada Jenipapo (1996) de Monique Gardenberg por
exemplo transformou-se em The Interview quando lanccedilada em paiacuteses de liacutengua inglesa por
outro lado filmes estrangeiros lanccedilados no Brasil tecircm seus tiacutetulos alterados como Tubaratildeo
(1975) de Steven Spielberg que na verdade em inglecircs se chama Jaws Ou o musical West
Side Story (1961) dirigido por Robert Wise rebatizado de Amor Sublime Amor Essas
alteraccedilotildees por vezes satildeo acidentais advindas de erros de traduccedilatildeo Na literatura Clifford
Landers (2001 140) menciona que alguns erros de traduccedilatildeo jaacute se tornaram tatildeo consagrados
em tiacutetulos que de outra forma trariam estranhamento The Stranger de Albert Camus na
verdade em respeito ao original deveria ser The Foreigner Les Quatre Cents Coups no
francecircs de Franccedilois Truffaut transformou-se no incompreensiacutevel 400 Blows em inglecircs
Segundo Landers (2001 140) mudanccedilas no tiacutetulo podem ocorrer devido a
disparidades entre a liacutengua de partida e a liacutengua de chegada de ordem cultural linguumliacutestica
histoacuterica ou geograacutefica A intenccedilatildeo eacute possibilitar que o leitor da liacutengua de chegada consiga ter
acesso mais faacutecil agrave obra diminuindo as potenciais estranhezas do outro Entretanto ele faz
uma ressalva deve-se fazer isso sem adulterar ou melhorar o original Aleacutem disso apesar
das sugestotildees do tradutor realmente serem criativas e apropriadas a decisatildeo final cabe ao
editor que muitas vezes avalia e prioriza um tiacutetulo chamativo e que ajude em propoacutesitos
lucrativos a comercializaccedilatildeo (LANDERS 2001 145)
60
Pelo menos aparentemente as diferenccedilas entre as liacutenguas e as culturas parecem se
atenuar ou se asseverar conforme o seu grau de parentesco a exemplo da anaacutelise de Landers
(2001 141-142) tomando como ponto de partida obras literaacuterias escritas em inglecircs e
traduzidas em francecircs alematildeo italiano e espanhol citadas no Dictionary of Translated Names
and Titles de Adrian Room Examinando o tiacutetulo As I Lay Dying ele percebe a semelhanccedila
entre o inglecircs e a traduccedilatildeo alematilde por serem ambas as liacutenguas germacircnicas com a
caracteriacutestica peculiar de compor palavras e conceitos por agrupamento ou justaposiccedilatildeo
resultam num efeito idecircntico Por outro lado as outras liacutenguas citadas neste exemplo
romacircnicasneolatinas apresentam soluccedilotildees semelhantes entre si distanciando-se um pouco do
original soando como As (While) I Lie Dying pois utilizam o tempo verbal no tempo presente
simples talvez em decorrecircncia do presente habitual caracteriacutestico dessas culturas que permite
recontar eventos do passado no presente criando impressatildeo de linguagem direta imediata
Trata-se de um exemplo interessante todavia eacute necessaacuterio ter grande cautela quanto ao
argumento da familiaridade ou parentesco entre as liacutenguas pois existem tantas
particularidades que a traduccedilatildeo fica suscetiacutevel a armadilhas ateacute mesmo no niacutevel
intralinguumliacutestico isto eacute nas diferenccedilas que ocorrem dentro de uma mesma liacutengua sob a
perspectiva das suas variedades (idioma liacutengua dialeto socioleto idioleto) e variaccedilotildees (tom
registro)
Ainda segundo Landers (2001 145) as mudanccedilas de tiacutetulo podem ser de vaacuterios
tipos opcionais onde o objetivo eacute chegar a um tiacutetulo melhor mais propiacutecio para as vendas ou
mais acessiacutevel para o consumidor caprichosas as quais natildeo mostram uma razatildeo evidente a
natildeo ser exibir a engenhosidade de algueacutem desastrosas quando o tiacutetulo traduzido provoca
equiacutevocos ou eacute menos atrativo e por fim as obrigatoacuterias em situaccedilotildees em que natildeo haacute
conciliaccedilatildeo pois o tiacutetulo original apesar de agraves vezes ser muito claro para os leitores da liacutengua
de partida natildeo oferece a mesma clareza para os leitores da traduccedilatildeo
Dentre vaacuterios exemplos de traduccedilotildees literaacuterias brasileiras Animal Farm de
George Orwell obteve sucesso com o seu tiacutetulo adaptado para A Revoluccedilatildeo dos Bichos na
traduccedilatildeo de Heitor Aquino Ferreira publicada pela Editora Globo Satildeo Paulo 2000 Trata-se
de uma mudanccedila necessaacuteria dentre as obrigatoacuterias pois simplesmente traduzir Animal Farm
ao peacute da letra (algo como A Fazenda Animal ou A Fazenda dos Animais) provavelmente natildeo
diria muita coisa ao puacuteblico brasileiro A vantagem desta soluccedilatildeo se realiza pela associaccedilatildeo
imediata do tiacutetulo em portuguecircs com o enredo da obra trata-se de um romance que possui
contornos de faacutebula moderna em que os animais de uma propriedade rural revoltados com os
maus tratos e exploraccedilatildeo por seu senhor rebelam-se e sob a lideranccedila dos porcos promovem
61
uma revoluccedilatildeo expulsam aquele fazendeiro tomando a propriedade Eacute necessaacuterio no entanto
compreender que sua histoacuteria eacute uma saacutetira agrave Revoluccedilatildeo Russa de 1917 e que muitos desses
animais tecircm perfil sugestivo satildeo caricaturas de pessoas reais envolvidas naquele
acontecimento histoacuterico
224 Nomes proacuteprios
Os nomes de personagens muitas vezes vatildeo aleacutem da mera funccedilatildeo de batismo e
atendem ao propoacutesito de atribuir aspectos fiacutesicos eou psicoloacutegicos ao seu possuidor Boa
parte dos escritores utiliza sua criatividade em sugerir alguma coisa impliacutecita ou
implicitamente pelo nome que datildeo a seus personagens Hermans (1988 11-13 e 1996 35)
afirma que os nomes proacuteprios na traduccedilatildeo podem ser divididos em duas categorias a
convencional
em que natildeo haacute motivaccedilatildeo por traacutes da origem e significado dos nomes e a
intencional
em que os nomes literaacuterios satildeo motivados e por isso satildeo sugestivos ou
expressivos dos quais podem advir associaccedilotildees histoacutericas ou culturais no contexto de certa
cultura Lefevere com base em Burton Raffel destaca que
os escritores agraves vezes usam nomes natildeo apenas para identificar personagens num poema conto romance ou peccedila teatral mas tambeacutem para descrever esses personagens O nome geralmente conteacutem uma alusatildeo a certa palavra na liacutengua e essa alusatildeo permite que os leitores caracterizem os personagens muito melhor do que nomes como Smith
ou Brown o nome do protagonista em Young Goodman Brown de Hawthorne (Raffel 45-57) Brown eacute um nome neutro mas Goodman que originalmente significava algo como mister
[senhor] e que natildeo estaacute mais em uso corrente tende a acrescentar uma sombra positiva de significado precisamente
e de forma irocircnica porque natildeo eacute mais de uso corrente (LEFEVERE 1994 39) 42
Outros exemplos aproveitando a menccedilatildeo feita a Hawthorne encontram-se em
The Scarlet Letter (A Letra Escarlate) ambientado no seacuteculo XVII durante a colonizaccedilatildeo dos
Estados Unidos pelos puritanos cuja trama envolve um caso de adulteacuterio entre a heroiacutena
Hester Prynne e um pastor local Arthur Dimmensdale Alguns nomes satildeo sugestivos em
consonacircncia com o papel desempenhado pelo seu possuidor
42 Writers sometimes use names not just to name characters in a poem story novel or play but also to describe those characters The name usually contains an allusion to a certain word in the language and that allusion allows readers to characterize characters to a greater extent than names like Smith would
or Brown the name of the protagonist in Hawthorne s Young Goodman Brown (Raffel 45-57) Brown itself is a neutral name but Goodman which originally meant something like mister and is no longer in current usage tends to add a positive shade of meaning precisely ironically because it is no longer current
62
O reverendo Arthur Dimmensdale
seu sobrenome revela algo sobre sua fraqueza de
caraacuteter e hesitaccedilatildeo pois a derivaccedilatildeo do verbo inglecircs dim possui tal conotaccedilatildeo
O vilatildeo esposo de Hester Prynne Roger Chillingworth
o verbo chill (arrepiar-se
sentir calafrio gelar) associado ao substantivo worth (valor qualidade) neste
contexto diz literalmente que este personagem inspira medo
Pearl (peacuterola) a menina fruto desse amor proibido remete a algo valioso mas que foi
resultado de sofrimento (a peacuterola se forma em virtude de uma reaccedilatildeo uma rejeiccedilatildeo
provocada por um pequeno corpo estranho na ostra)
Dom Casmurro personagem de Machado de Assis eacute tambeacutem um nome que
revela uma intenccedilatildeo por parte do autor explicitada pelo proacuteprio narrador-personagem Natildeo
consultes dicionaacuterios Casmurro natildeo estaacute aqui no sentido que eles lhe datildeo mas no que lhe pocircs
o vulgo de homem calado e metido consigo Dom veio por ironia para atribuir-me fumos de
fidalgo (MACHADO DE ASSIS 1994 1)43
Scott-Buccleuch apud Hatje-Faggion (2001 199) explica suas dificuldades de
traduccedilatildeo para o inglecircs do romance Dom Casmurro (1992) dentre elas o nome-tiacutetulo
as dificuldades do tradutor apresentam trecircs dimensotildees Em primeiro lugar haacute palavras em portuguecircs que natildeo tecircm equivalente exato em inglecircs ou que Machado de Assis usa deliberadamente num sentido incomum O tiacutetulo eacute uma ilustraccedilatildeo disso Casmurro significa sombrio introvertido irritadiccedilo teimoso sugerindo ainda um ar de tristeza que natildeo se traduz completamente por taciturno 44
A traduccedilatildeo para o portuguecircs de Animal Farm romance de George Orwell (A
Revoluccedilatildeo dos Bichos) realizada por Heitor Aquino Ferreira apresenta as seguintes soluccedilotildees
para nomes dos porcos MajorMajor NapoleonNapoleatildeo SnowballBola-de-Neve
SquealerGarganta e MinimusMinimus dos catildees JessieBranca BluebellLulu e
PincherCata-Vento do cavalo BoxerSansatildeo das eacuteguas CloverQuiteacuteria e MollieMimosa da
cabra branca Muriel Maricota do burro BenjaminBenjamim do corvo MosesMoiseacutes do
proprietaacuterio da Manor Farm Granja do Solar Mr JonesSenhor Jones e de outros homens
43 Don t bother to look up in the dictionary Taciturn is not used literally but in the more popular sense of a man who says little and keeps to himself The Lord is ironic to endow me with aristocratic airs (SCOTT-BUCCLEUCH apud HATJE-FAGGION 2001 200)
44 The difficulties of the translator are threefold In the first place there are words in Portuguese that have no exact equivalent in English or that Machado de Assis deliberately uses in an unusual sense The very title is an illustration of this Casmurro means gloomy withdrawn irritable stubborn with an overlying air of sadness which is not completely rendered by taciturn
63
como Mr FrederickSr Frederick Mr PilkingtonSr Pilkington e Mr WhymperSr
Whymper
Pelos exemplos acima percebe-se que alguns nomes satildeo mantidos (Major
Minimus Jones Frederick Pilkington Whymper) adaptadosaportuguesados com
transliteraccedilatildeo (Napoleatildeo Benjamim Moiseacutes) traduzidos (Bola-de-Neve) ou ateacute mesmo
trocados (Garganta Branca Lulu Cata-Vento Sansatildeo Quiteacuteria Mimosa Maricota Granja
do Solar) Isso faz supor que deve haver certos criteacuterios quando a questatildeo eacute lidar com nomes
proacuteprios ao se traduzir uma obra literaacuteria
Haacute outros numerosos nomes sugestivos em obras da literatura mundial entretanto
os exemplos acima jaacute podem servir para se perceber algumas possiacuteveis dores de cabeccedila para o
tradutor que procure transmitir em portuguecircs brasileiro o mesmo recado embutido nestes
nomes ateacute mesmo para a personagem Pearl de Hawthorne mencionada acima facilmente
identificaacutevel como Peacuterola mas que eacute um nome incomum no Brasil o que talvez resulte para
alguns leitores numa pequena esquisitice
Alguns criteacuterios e sugestotildees satildeo dados por Peter Newmark (1988 214-216) que
discorre sobre a traduccedilatildeo de nomes proacuteprios de pessoas aleacutem de nomes de objetos e termos
geograacuteficos Em relaccedilatildeo a nomes de pessoas a primeira sugestatildeo citada por Newmark eacute
normalmente transferir os nomes e sobrenomes preservando sua nacionalidade assumindo
que natildeo haacute nenhuma conotaccedilatildeo por traacutes desses nomes no texto45 Entretanto ele alerta que
esta eacute uma questatildeo relativa e que haacute exceccedilotildees
haacute exceccedilotildees nomes de santos e de monarcas agraves vezes satildeo traduzidos quando satildeo transparentes mas alguns reis franceses (Louis Franccedilois) satildeo transferidos Nomes
de papas satildeo traduzidos Algumas figuras importantes da Greacutecia claacutessica () e da Renascenccedila satildeo naturalizados nas principais liacutenguas europeacuteias (NEWMARK 1988 214-215)46
Especificamente na traduccedilatildeo literaacuteria Newmark esclarece
ainda resta a questatildeo dos nomes que tecircm conotaccedilotildees na literatura imaginativa Nas comeacutedias alegorias contos de fadas e em algumas histoacuterias para crianccedilas os nomes
45 Normally people s names and surnames are transferred thus preserving their nationality and assuming that their names have no connotations in the text (NEWMARK 1988 214)
46 There are exceptions the names of saints and monarchs are sometimes translated if they are transparent but some French kings (Louis Franccedilois are transferred The names of popes are translated Some prominent figures of classical Greece ( ) and the Renaissance ( ) are naturalised in the main European languages
64
satildeo traduzidos () a menos que como nos contos folcloacutericos a nacionalidade seja importante (NEWMARK 1988 215)47
Nos casos em que Newmark considera as conotaccedilotildees e a nacionalidade como
importantes ele faz as seguintes sugestotildees
quando tanto as conotaccedilotildees (feitas por meio de efeitos sonoros eou nomes transparentes) como a nacionalidade satildeo significantes tenho sugerido que o melhor meacutetodo eacute primeiro traduzir a palavra que faz parte do nome proacuteprio da liacutengua de partida para a liacutengua de chegada e entatildeo naturalizar essa palavra traduzida de volta num novo nome proacuteprio da liacutengua de partida
mas normalmente soacute quando o nome do personagem ainda natildeo eacute corrente entre leitores de bom niacutevel escolar da liacutengua de chegada (NEWMARK 1988 215)48
Neste sentido Newmark cita este procedimento adotado com eficaacutecia por Michael
Holman ao traduzir para o inglecircs a obra Ressurreiccedilatildeo de Tolstoacutei Os nomes dos personagens
sofreram transformaccedilotildees Nabatov alarm Alarmov Toksinsky Toporov axe
Hackitov Hatchetinsky Khororshavka pretty Belle Chi-Chi
(NEWMARK 1988 215)
Haacute ateacute mesmo casos em que os nomes precisam ser trocados segundo a
perspectiva da recepccedilatildeo pois de outra forma o efeito poderia se perder por completo Este eacute
um dos motivos que Newmark coloca por exemplo em se traduzir Harriet
uma galinha
personagem de P G Wodehouse em Love among the Chickens por Laura em sueco
(1) Como se trata de um romance de tom leve natildeo haacute nada de sacrossanto acerca do nome proacuteprio da liacutengua de partida (2) O nome natildeo combina [com uma galinha] e deve [por esta razatildeo] suscitar o riso ou a gargalhada (3) Harriet eacute especificamente inglecircs e conota um preciosismo antiquado (4) Esta conotaccedilatildeo seria perdida em qualquer liacutengua de chegada e logo eacute caso para adotar um nome proacuteprio que faccedila uma compensaccedilatildeo cultural como Laura (5) Laura eacute um nome frequumlentemente considerado romacircntico belo e idealizado (relacionado com Petrarca) Novamente natildeo combina com uma galinha (6) Quaisquer conotaccedilotildees especiais devem ser consideradas para Laura em sueco () (NEWMARK 1988 215) 49
47 There remains the question of names that have connotations in imaginative literature In comedies allegories fairy tales and some children s stories names are translated ( ) unless as in folk tales nationality is important
48 Where both connotations (rendered through sound-effects andor transparent names) and nationality are significant I have suggested that the best method is first to translate the word that underlies the SL proper name into the TL and then to naturalise the translated word back into a new SL proper name
but normally only when the character s name is not yet current amongst an educated TL readership
49(1) As this is a light novel there is nothing sacrosant about the SL proper name (2) The name is incongruous and should raise a smile or a laugh (3) Harriet is specifically English and connotes an old-fashioned fussiness ( ) (4) This connotation would be lost in any TL and therefore there is a case for adopting a culturally overlapping proper name such as Laura
65
Quanto a nomes de ruas e de lugares Newmark (1988 214) sugere que se adotem
as formas jaacute estabelecidas Nesse caso entatildeo haveraacute a transcriccedilatildeo dos nomes tais como
aparecem no texto de partida o que no entanto natildeo constitui uma regra riacutegida conforme
aponta Hatje-Faggion referindo-se a dois romances de Machado de Assis traduzidos para o
inglecircs por Clotilde Wilson (Quincas BorbaThe Heritage of Quincas Borba) e William L
Grossman (Memoacuterias Poacutestumas de Braacutes CubasEpitaph of a Small Winner)
() os tradutores dos romances de Machado de Assis fazem opccedilotildees diferentes Wilson (The Heritage) por exemplo verte para Milan (p 215) Praia Vermelha para Vermelha Beach (p 215) Rua da Harmonia se torna Harmonia Street (p 128) e Praccedila do Comeacutercio se transforma em Comeacutercio Square (p 145) Grossman (Epitaph) tende a transcrever os nomes das ruas como Rua dos Barbonos (p 114) mas verte os nomes de lugares como Praia do Flamengo que se torna Flamengo Beach (p 167) e Banco do Brasil que eacute vertido em Bank of Brazil (p 108) (HATJE-FAGGION 2001 151)50
Lefevere (1992 40) afirma que tambeacutem eacute possiacutevel fazer alusotildees literaacuterias por
meio de nomes como no poema The Journal of Society de Godfrey Turner onde um
personagem pergunta a outro Oh have you seen the Tattlesnake and have you read what s
in it Tatler era o nome de um jornal inglecircs do seacuteculo XVIII dirigido por Joseph Addison e
Richard Steele que influenciou no desenvolvimento do ensaio como gecircnero na Inglaterra
Sobre este exemplo Lefevere ainda esclarece que tal nome foi adotado por muitos outros
jornais geralmente muito mais devotados agraves fofocas do que para algo que inspirasse o
desenvolvimento de gecircneros literaacuterios de valor
Assim tentar traduzir Tatler ou manter esta palavra intacta invariavelmente
produziraacute uma perda de significado porque este estaacute muito ligado agrave cultura de origem como
no caso de uma espeacutecie de planta ou animal endecircmicos isto eacute que somente existem num local
determinado uacutenico e sua compreensatildeo somente eacute plena para os nativos daquele lugar Nesta
situaccedilatildeo e em outras semelhantes o tradutor poderaacute adotar as seguintes alternativas conforme
a terminologia proposta por Heloiacutesa Gonccedilalves Barbosa (2004 71-77) realizar uma
transferecircncia
que consiste em introduzir material textual da LO [liacutengua original] no TLT
(5) Laura is often considered to be a romantic beautiful idealised name (connected with Petrarch) Again incongruous for a chicken (6) Any special connotations have to be considered for Laura in Swedish ( )
50 () the translators of Machado de Assis novels make different options Wilson (The Heritage) for example renders Milatildeo as Milan (p 115) Praia Vermelha as Vermelha Beach (p 215) Rua da Harmonia becomes Harmonia Street (p 128 and Praccedila do Comeacutercio is turned into Comeacutercio Square (p 145) Grossman (Epitaph) tends to transfer the name of the streets as in Rua dos Barbonos (p 114) but renders the name of places such as Praia do Flamengo which becomes Flamengo Beach (p 167) and Banco do Brasil which is turned into Bank of Brazil (p 108)
66
[texto na liacutengua da traduccedilatildeo] (BARBOSA 2004 71)
por estrangeirismo
que consiste
em transferir (transcrever ou copiar) para o TLT vocaacutebulos ou expressotildees da LO que se
refiram a um conceito teacutecnica ou objeto mencionado no TLO [texto na liacutengua original]
(BARBOSA 2004 71) acrescentar a essa transferecircncia por estrangeirismo uma explicaccedilatildeo
de seu significado por uma nota de rodapeacute nota no final do capiacutetulo pela diluiccedilatildeo do texto ou
nota como parte de um glossaacuterio no final do livro optar pela explicaccedilatildeo eliminando o
estrangeirismo para facilitar a compreensatildeo ou por fim fazer uma adaptaccedilatildeo
que aplica-
se em casos onde a situaccedilatildeo toda a que se refere a TLO natildeo existe na realidade
extralinguumliacutestica dos falantes da LT [liacutengua da traduccedilatildeo] Esta situaccedilatildeo pode ser recriada por
uma outra equivalente na realidade extralinguumliacutestica da LT (BARBOSA 2004 75)
A transferecircncia por estrangeirismo talvez seria a soluccedilatildeo mais faacutecil entretanto
existe a possibilidade de que ela cause dificuldades ao leitor de chegada uma estranheza que
ateacute mesmo poderia resultar num texto hermeacutetico A explicaccedilatildeo por sua vez quebraria o
impacto imediato suscitado pela palavra expressatildeo ou frase pelo desvio da atenccedilatildeo do leitor
para uma explicaccedilatildeo que necessariamente exigiria mais tempo A adaptaccedilatildeo por seu turno
obviamente resultaria ou em acreacutescimos ou em perdas ou em algum tipo de manipulaccedilatildeo
Apesar desses problemas deve-se chegar a uma soluccedilatildeo e essa difiacutecil tarefa
depende do bom-senso do tradutor que faraacute sua escolha sempre ponderando as
consequumlecircncias quando natildeo existir nenhum ponto paciacutefico Sua opccedilatildeo seraacute entatildeo aquela
que provavelmente resulte no menor prejuiacutezo e na menor alteraccedilatildeo possiacutevel do significado
225 Formas de tratamento e vocativos
Garcez (1992 155) ao discutir sobre as dificuldades de traduzir formas de
tratamento estabelece diferenccedilas entre o portuguecircs brasileiro e o inglecircs O direcionamento da
traduccedilatildeo colocado na ordem inglecircs (liacutengua de partida)
portuguecircs (liacutengua de chegada)
evidencia praacuteticas comuns arraigadas de tradutores as quais esse criacutetico questiona e
apresenta alternativas
A primeira diferenccedila diz respeito ao problema do pronome pessoal you que natildeo eacute
muito claro agraves vezes traduzido por o senhora senhora neste caso segundo Garcez (1992
155) marca uma distinccedilatildeo em grau de poder O criacutetico natildeo faz referecircncia a outros significados
possiacuteveis para you que tambeacutem pode ser traduzido por os senhoresas senhoras tuvoacutes
vocecircvocecircs o que deixa clara a relativa neutralidade dessa palavra inglesa
67
O principal problema apontado por Garcez eacute referente ao uso padratildeo em inglecircs
dos tiacutetulos Mr Mrs Miss Ms (por exemplo Mr Burton Miss Marple Mrs Wilson e Ms
Brown) que conquanto tenham no uso brasileiro padratildeo de uso mais comum
respectivamente os vocaacutebulos Seu e Dona muitas vezes na traduccedilatildeo do inglecircs para o
portuguecircs brasileiro satildeo anglicizados ou seja Mr = Sr (Senhor) Mrs = Sra (Senhora)
MissMs = Srta (Senhorita) Entretanto o criacutetico assinala que no caso de histoacuterias de
detetives o que ele chama de anglicismos para pronomes de tratamento jaacute eacute natural pois esse
gecircnero literaacuterio (de tradiccedilatildeo anglo-saxatilde)51 jaacute foi absorvido ou naturalizado na cultura
brasileira (GARCEZ 1992 158)
Rosa (2000 35) afirma que a escolha de formas de tratamento pode criar
problemas especiacuteficos de traduccedilatildeo em conformidade com ideacuteias expressadas por Baker
a dimensatildeo da familiaridaderespeito no sistema de pronomes estaacute entre os aspectos mais fascinantes da gramaacutetica e entre os mais problemaacuteticos em traduccedilatildeo Ela reflete o tom [ecircnfase de Baker] do discurso () e pode conceber toda uma gama de significados sutis As escolhas sutis envolvidas no uso de pronomes em liacutenguas que fazem distinccedilatildeo entre pronomes familiares [que designam intimidade] e natildeo familiares [que designam respeito] ficam mais complicadas pelo fato de que esse uso difere significantemente de um grupo social para outro e que ele muda o tempo todo de modo a refletir valores e atitudes sociais (BAKER 1992 98) 52
Entatildeo pode-se notar que o uso especial de pronomes por parte de certas liacutenguas
exige cuidados especiais do tradutor quando por exemplo um pronome designa intimidade
ou respeito (pronomes familiares ou natildeo familiares respectivamente segundo Baker) e tais
usos natildeo tecircm correspondecircncia simeacutetrica exata na liacutengua de chegada
51 Edgar Allan Poe escritor estadunidense eacute o primeiro nome importante a ser citado sobre histoacuterias de detetives no seacuteculo XIX por meio de seus contos e sobretudo do personagem criado por ele o detetive Dupin Outro nome que se destaca eacute do escocecircs Sir Arthur Conan Doyle o criador de Sherlock Holmes
52 the familiaritydeference dimension in the pronoun system is among the most fascinating aspects of grammar and the most problematic in translation It reflects the tenor of discourse ( ) and can convey a whole range of rather subtle meanings The subtle choices involved in pronoun usage in languages which distinguish between familiar and non-familiar pronouns is further complicated by the fact that this use differs significantly from one social group to another and that it changes all the time in a way that reflects changes in social values and attitudes
68
23 Linguagem e traduccedilatildeo
231 Terminologia e conceitos da Linguumliacutestica
2311 Idioma
Toda liacutengua estaacute sujeita a transformaccedilotildees decorrentes da aacuterea geograacutefica em que
se insere da cultura e do fator cronoloacutegico Pelo menos sob o prisma geograacutefico estas
diferenciaccedilotildees podem ser classificadas hierarquicamente desde o que se entende por
exemplo ser um idioma comum utilizado no Brasil em Portugal em Cabo Verde
Moccedilambique Angola etc Celso Ferrarezi Junior (sd1) propotildee o seguinte conceito para
idioma53
O conceito de idioma se confunde em muitos trechos da literatura linguumliacutestica com o conceito de liacutengua Historicamente poreacutem o conceito de idioma decorre do conceito de estado organizado e da necessidade (mais ideoloacutegica do que real diga-se) de estabelecer liacutenguas oficiais nesses estados A ideacuteia de idioma acaba evoluindo entatildeo para o que seria por definiccedilatildeo a liacutengua oficial de um estado organizado Essa liacutengua oficial como era de se esperar acaba se diferenciando de naccedilatildeo para naccedilatildeo em que uma mesma liacutengua eacute oficialmente falada (pex inglecircs dos Estados Unidos e inglecircs da Inglaterra portuguecircs do Brasil (brasileiro) e portuguecircs de Portugal)
Nesse campo Catford (1980 93) entende que o conceito de uma liacutengua
global 54 por ser tatildeo vasto e heterogecircneo natildeo eacute operacionalmente uacutetil para muitos fins
linguumliacutesticos descritivos comparativos e pedagoacutegicos Assim esse criacutetico apresenta um
esquema de categorias menores dentro do que chama de liacutengua global formadas por
idioletos dialetos registros estilos e modos
2312 Liacutengua
Ferrarezi Junior ao propor uma definiccedilatildeo de liacutengua expotildee algumas ideacuteias sobre a
complexidade desse assunto
53 Para facilitar a compreensatildeo o conceito de idioma pelo menos aqui adquire um aspecto geral enquanto que o conceito de liacutengua se encontra num niacutevel abaixo idioma portuguecircs (falado em vaacuterios paiacuteses e regiotildees do mundo) liacutengua portuguesa do Brasil liacutengua portuguesa de Portugal etc A questatildeo ainda permanece confusa quando por exemplo levamos em consideraccedilatildeo o inglecircs em que language se refere aos termos idioma liacutengua e linguagem neste contexto
54 Aqui o termo liacutengua global equipara-se a idioma
69
em muitas circunstacircncias a liacutengua eacute mais do que um mero sistema de comunicaccedilatildeo e funciona como um depoacutesito das experiecircncias culturais de uma comunidade experiecircncias essas que se revelam em construccedilotildees atiacutepicas em figuras que soacute fazem sentido em cenaacuterios muito especiacuteficos em estruturaccedilotildees sintaacuteticas que parecem fugir aos paracircmetros gramaticais impostos pela liacutengua e que em suma formam um conjunto peculiar de fatos da liacutengua como falada em uma comunidade que soacute podem ser justificados como o resultado de uma longa e complexa construccedilatildeo cultural por parte dessa comunidade de falantes (JUNIOR sd 1)
Ronald W Langacker (1972 51) por sua vez fala sobre as dificuldades de
conceituar o que eacute liacutengua enquanto que temos uma ideacuteia mal delineada e intuitiva do que
significa o termo liacutengua os usos da liacutengua satildeo tais que muitas vezes eacute extremamente difiacutecil na
praacutetica decidir quando o vocaacutebulo eacute bem empregado Ele destaca que
agrave primeira vista pode parecer natildeo haver problema O inglecircs eacute uma liacutengua assim como o francecircs e o holandecircs O inglecircs eacute a liacutengua falada nos Estados Unidos Inglaterra Canadaacute e alguns outros lugares o francecircs eacute a liacutengua falada na Franccedila parte do Canadaacute e assim por diante o holandecircs eacute a liacutengua falada nos Paiacuteses Baixos Mas as coisas natildeo satildeo de fato assim tatildeo simples Quando tentamos determinar fronteiras linguumliacutesticas verificamos que elas natildeo podem ser marcadas num mapa da mesma exata maneira como o satildeo as fronteiras nacionais pelo menos sem uma simplificaccedilatildeo grosseira (LANGACKER 1972 51)
Com estes argumentos Langacker se refere agrave dificuldade de se estabelecer
fronteiras linguumliacutesticas entre paiacuteses e regiotildees isto eacute as fronteiras geograacuteficas natildeo coincidem
plenamente com as fronteiras linguumliacutesticas como ele exemplifica
A fronteira entre o Meacutexico e os Estados Unidos por exemplo seraacute uma linha de demarcaccedilatildeo adequada entre o inglecircs e o espanhol Mas mesmo nesse caso algumas ressalvas devem ser feitas Muitas pessoas que moram perto da fronteira do lado americano falam espanhol melhor do que inglecircs e muitas falam apenas espanhol Aleacutem disso muitas pessoas do lado mexicano sabem inglecircs (LANGACKER 1972 52-53)
Desse modo o criacutetico expotildee a imprecisatildeo das fronteiras linguumliacutesticas
Entre a aacuterea na qual o inglecircs eacute falado com exclusatildeo total do espanhol e a aacuterea onde a situaccedilatildeo eacute inversa existe uma regiatildeo bastante grande onde ambas as liacutenguas satildeo usadas onde palavras inglesas se insinuam numa conversa em espanhol e assim por diante Mesmo nesse caso portanto qualquer linha riacutegida de demarcaccedilatildeo representa uma simplificaccedilatildeo grosseira (LANGACKER 1972 52-53)
Estas consideraccedilotildees tambeacutem se aplicam nos domiacutenios das liacutenguas
individualmente onde haacute uma suposta uniformidade jaacute que
mesmo nos Estados Unidos onde haacute relativamente pouca diversidade linguumliacutestica verificamos natildeo ser isso [a uniformidade linguumliacutestica] verdade mesmo se deixarmos
70
de lado as exceccedilotildees oacutebvias como o caso de pessoas que falam mais de uma liacutengua e as aacutereas (principalmente as grandes cidades) onde coexistem espanhol chinecircs italiano ou outras liacutenguas estrangeiras A liacutengua falada no Texas natildeo eacute igual agrave falada na Nova Inglaterra os habitantes do centro do paiacutes natildeo falam da mesma maneira que os habitantes do sul Temos todos ateacute certo ponto consciecircncia dessas diferenccedilas superficiais e mesmo nos divertimos agraves vezes agraves custas de outros dialetos (LANGACKER 1972 54)
Todas essas formulaccedilotildees encontram base em Saussure pois
assim como natildeo se poderia dizer onde termina o alto alematildeo e onde comeccedila o plattdeutsch assim tambeacutem eacute impossiacutevel traccedilar uma linha de demarcaccedilatildeo entre o alematildeo e o holandecircs entre o francecircs e o italiano Existem pontos extremos nos quais se pode dizer com seguranccedila Aqui impera o francecircs aqui o italiano entretanto quando entramos nas regiotildees intermediaacuterias vemos essa distinccedilatildeo se apagar uma zona compacta mais restrita imaginada para servir de transiccedilatildeo entre as duas liacutenguas como por exemplo o provenccedilal entre o francecircs e o italiano natildeo tem realidade (SAUSSURE 1974 236)
Diante disso esse criacutetico eacute conclusivo
como aliaacutes representar sob uma forma ou outra um limite linguumliacutestico preciso num territoacuterio coberto de um extremo a outro de dialetos gradualmente diferenciados As delimitaccedilotildees das liacutenguas se encontram sufocadas tanto quanto as dos dialetos nas transiccedilotildees Assim como os dialetos natildeo passam de subdivisotildees arbitraacuterias da superfiacutecie total da liacutengua assim tambeacutem o limite que se acredita separe duas liacutenguas soacute pode ser convencional (SAUSSURE 1974 236)
2313 Dialeto
Quando se fala em idioma portanto haacute diferenccedilas e peculiaridades entre os
falantes em relaccedilatildeo a este recurso de comunicaccedilatildeo Existe todavia uma unidade aparente que
vai se desfazendo agrave medida que o espaccedilo geograacutefico muda ou diminui (e tambeacutem por outras
razotildees como se veraacute adiante nesta dissertaccedilatildeo) As diferenccedilas se acentuam ocorrendo a
dialetaccedilatildeo Os dialetos por sua vez podem apresentar outras divisotildees sucessivamente Tais
divisotildees e subdivisotildees encontram ainda outros termos socioleto e idioleto
Baker (1992 15) define e classifica dialeto como uma variedade da liacutengua que
tem uso corrente dentro de uma comunidade ou grupo de falantes especiacuteficos
55 Ela ainda
classifica esse termo conforme as dimensotildees geograacutefica temporal e social Para a dimensatildeo
geograacutefica Baker utiliza como exemplos caracteriacutesticos um dialeto escocecircs ou dos Estados
Unidos em oposiccedilatildeo ao inglecircs britacircnico Assim como ilustraccedilatildeo o substantivo elevador em
55 a variety of language which has currency within a specific community or group of speakers
71
inglecircs apresenta pelo menos duas formas lift na Inglaterra e elevator nos Estados Unidos
No caso da dimensatildeo temporal Baker cita o exemplo de palavras e estruturas utilizadas em
periacuteodos diferentes na histoacuteria da liacutengua conforme verily (de uso mais antigo) e really (de uso
mais atual)56 Por fim ela expotildee o caso da dimensatildeo social em que palavras e estruturas satildeo
utilizadas por membros de classes sociais diferentes conforme scent e perfume napkin e
serviette57
Catford (1980 95) por sua vez denomina dialeto como a variante de liacutengua
relacionada com a proveniecircncia ou as filiaccedilotildees do performador numa dimensatildeo geograacutefica
temporal ou social Este teoacuterico classifica o dialeto em tipos o dialeto (propriamente dito)
ou dialeto geograacutefico que constitui a variante relacionada com a proveniecircncia geograacutefica do
performador por exemplo inglecircs americano inglecircs britacircnico inglecircs escocecircs dialeto
dos escoceses a eacutetat de langue ou dialeto temporal que eacute a variante relacionada com a
proveniecircncia do performador ou do texto por ele produzido na dimensatildeo do tempo por
exemplo inglecircs contemporacircneo inglecircs elisabetano inglecircs medieval dialeto social que
se consubstancia na variante relacionada com a classe ou o status social do performador por
exemplo E e natildeo-E (E = classe social mais elevada)
2314 Idioleto
O uacuteltimo niacutevel destas divisotildees (o idioleto seguindo a sequumlecircncia decrescente
idioma liacutengua dialeto) eacute aquele que se refere ao indiviacuteduo tomado isoladamente uacutenico
falante do seu proacuteprio dialeto A este respeito Langacker (1972 57-58) diz que natildeo haacute duas
pessoas com sistemas linguumliacutesticos absolutamente idecircnticos havendo sempre distinccedilatildeo entre
qualquer par de falantes seja por alguns pontos de sintaxe fonologia e vocabulaacuterio
Desenvolvendo esse argumento esse teoacuterico considera que cada falante tem seu proacuteprio
dialeto ou seja o idioleto
Por conseguinte se levarmos agraves uacuteltimas conclusotildees a proposiccedilatildeo de que um simples traccedilo eacute suficiente para estabelecer uma fronteira dialetal terminaremos por afirmar que cada falante tem o seu proacuteprio dialeto o qual natildeo eacute partilhado por nenhum outro falante () O termo idioleto eacute portanto frequumlentemente usado para designar o
56 Verily = really (adveacuterbios) realmente verdadeiramente
57 Scent = perfume perfume Napkin = serviette guardanapo Neste caso eacute atribuiacutedo um valor de sofisticaccedilatildeo para as palavras perfume e serviette por serem de origem francesa e por isso seu uso mais comum seria feito por pessoas de status social mais elevado
72
dialeto de uma pessoa e o termo dialeto eacute mais largamente definido (LANGACKER 1972 57-58)
O idioleto portanto eacute a expressatildeo linguumliacutestica particular de cada indiviacuteduo por
meio da qual cada ser humano eacute identificaacutevel sem que haja outro igual como se fosse uma
impressatildeo digital no niacutevel da liacutengua Nos termos de Catford (1980 95) eacute a variante de
liacutengua relacionada com a identidade pessoal do performador
2315 Variedade linguumliacutestica
William Labov importante linguumlista norte-americano da vertente
sociolinguumliacutestica desenvolveu a partir de estudos na deacutecada de 1960 a teoria da variaccedilatildeo
linguumliacutestica Trata-se de uma reaccedilatildeo ao modelo gerativo o qual natildeo inclui o componente social
como fator importante nos estudos linguumliacutesticos A sociologia da linguagem de Labov tenta
entender a liacutengua em seu contexto social considerando as mudanccedilas provocadas na liacutengua em
diversos contextos ou momentos em que os falantes atuam
o ponto de vista deste estudo consiste em que natildeo se pode compreender o desenvolvimento da mudanccedila de uma liacutengua fora da vida social da comunidade em que ela ocorre Ou falando de outra maneira as pressotildees sociais operam continuamente sobre a liacutengua natildeo apenas desde um ponto remoto no passado mas tambeacutem como uma forccedila social imanente que atua no presente vivenciado (LABOV apud SANTOS 2000)58
A partir destas formulaccedilotildees de Labov surge o termo variaccedilatildeo linguumliacutestica Assim
segundo R L Trask (2004 303) uma mesma liacutengua natildeo eacute usada de maneira totalmente
homogecircnea no interior de uma mesma comunidade Trask considera que essa variaccedilatildeo
acontece natildeo soacute no contexto de vaacuterios falantes (conforme sua profissatildeo ocupaccedilatildeo sexo faixa
etaacuteria regiatildeo geograacutefica etc) diferentes em momentos ou situaccedilotildees diferentes mas ateacute mesmo
no niacutevel de um soacute indiviacuteduo num uacutenico contexto quando haacute uma escolha livre em que ele
deseja se expressar variando sua linguagem Essa variaccedilatildeo portanto ocorre em vaacuterios niacuteveis
e remete a conceitos subjacentes discutidos pela Linguumliacutestica e pela Sociolinguumliacutestica citados
58 El punto de vista de este estuacutedio consiste en que no se puede comprender el desarrolo del cambio de un lenguaje fuera de la vida social de la comunidad en la que ocurre O dicho de outra manera las presiones sociales estaacuten operando continuamente sobre el lenguaje no desde un punto remoto del pasado sino como una fuerza social inmanente que actuacutea en el presente vivido
73
nos toacutepicos anteriores (idioma liacutengua dialeto socioleto idioleto) aleacutem dos conceitos de
variedade linguumliacutestica registro e tom
Langacker ao discutir sobre a natildeo coincidecircncia entre as fronteiras geograacuteficas e as
fronteiras linguumliacutesticas e sobre os dialetos de uma mesma liacutengua num mesmo territoacuterio afirma
a diversidade linguumliacutestica natildeo pode ser totalmente apreciada em termos geograacuteficos tem pelo menos duas outras dimensotildees Uma delas eacute a dimensatildeo dos grupos e classes sociais Dentro de uma aacuterea geograacutefica dada especialmente em aacutereas urbanas haacute diferenccedilas linguumliacutesticas relacionadas com a estrutura social Os membros da alta sociedade e os trabalhadores de classes econocircmicas inferiores em geral se distinguem de maneira bastante niacutetida quanto agrave sua fala ()(LANGACKER 1972 59)
Ainda segundo Langacker a diversidade linguumliacutestica possui outra dimensatildeo que
estaacute ligada aos proacuteprios falantes tomados individualmente
Cada falante tem natildeo apenas seu sistema linguumliacutestico uacutenico mas tem tambeacutem diferentes estilos de fala que emprega em circunstacircncias diversas O estilo usado quando se eacute entrevistado para um emprego eacute consideravelmente diferente do usado numa conversa com amigos por exemplo (LANGACKER 1972 59)
O conceito de variedade linguumliacutestica59 revela em si o conhecimento de que existe
uma grande diversificaccedilatildeo linguumliacutestica por exemplo no uso de vaacuterios dialetos que ateacute podem
ser semelhantes entre si mas que apresentam caracteriacutesticas proacuteprias Entretanto falta ao
conceito de variedade linguumliacutestica exprimir claramente que a liacutengua tambeacutem possui uma
flexibilidade associada ao momento em que ela eacute expressa em conjunto com outras variaacuteveis
os agentes humanos ao se comunicarem pela liacutengua tecircm uma grande versatilidade e dispotildeem
de um grande conjunto de dialetos sobre os quais tecircm a liberdade de acesso e podem assim
variar o seu uso conforme seu desejo com o uso de um ou outro dialeto sob as constantes
flutuaccedilotildees de referente as caracteriacutesticas do falante (sexo faixa etaacuteria ocupaccedilatildeo niacutevel de
escolaridade estado de humor etc) o ambiente ou situaccedilatildeo (formal informal) em que ele se
encontra aleacutem do perfil do seu interlocutor Para exprimir essas outras diferenccedilas existem
outros termos como registro e tom
59 Platt amp Platt e Richards (1992 347 397) tambeacutem utilizam os termos correlatos variedade (variety) e variedade do discurso (speech variety) Este uacuteltimo eacute assim definido a term sometimes used instead of LANGUAGE DIALECT SOCIOLECT PIDGIN CREOLE etc because it is considered more neutral than such terms It may also be used for different varieties of one language eg American English Australian English Indian English
( um termo agraves vezes utilizado em vez de LIacuteNGUA DIALETO SOCIOLETO PIDGIN CRIOULO etc porque eacute considerado mais neutro do que esses termos Tambeacutem pode ser utilizado para designar variedades diferentes de uma liacutengua eg inglecircs americano inglecircs australiano inglecircs indiano )
74
2316 Registro
Joaquim Mattoso Cacircmara Jr define assim registro
Termo adotado pela escola (v) linguumliacutestica de Londres para designar as mudanccedilas no uso da liacutengua por parte de um falante conforme a situaccedilatildeo social Assim o registro da conversaccedilatildeo familiar eacute diferente do de uma conversaccedilatildeo cerimoniosa o registro da liacutengua escrita diverge do da liacutengua oral e na literatura haacute um registro especial (v liacutengua) (CAcircMARA JR 1985 207)
Para David Crystal (1987 429) registro diz respeito a uma variedade linguumliacutestica
socialmente definida por exemplo cientiacutefica legal etc 60 Landers (2001 59) procura
esclarecer mais e apresenta este conceito dividindo-o em vaacuterias categorias natildeo
teacutecnicoteacutecnico informalformal urbanorural padratildeoregional jargatildeonatildeo jargatildeo
vulgarpolido Ele tambeacutem considera o registro como um ato contiacutenuo que varia desde o niacutevel
informal ao formal do niacutevel mais baixo ao mais elevado
Segundo Costa (1992 36-40) registro tem ligaccedilotildees com a gramaacutetica funcional
especialmente com o trabalho de Halliday Assim Halliday et al (1964) apud Costa (1992
36) utilizam os seguintes conceitos dialeto eacute uma variedade de acordo com o usuaacuterio 61 e
registro uma variedade de acordo com o uso 62
Entretanto o proacuteprio Halliday (1978 110-111) apud Costa (1992 36) faz outras
observaccedilotildees esta distinccedilatildeo geral [entre dialeto e registro] pode ser aceita mas em vez de se
caracterizar o registro mais por suas propriedades lexicogramaticais devemos sugerir
com
um texto por exemplo
uma definiccedilatildeo mais abstrata em termos semacircnticos 63 Halliday
entatildeo elabora outra definiccedilatildeo um registro pode ser definido como a configuraccedilatildeo de
recursos semacircnticos que um membro de uma cultura normalmente associa com um tipo de
situaccedilatildeo
(HALLIDAY 1978 110-111 apud COSTA 1992 36)64
Esse conceito de registro todavia tem sido amplamente criticado por outros
teoacutericos de acordo com Costa (1992 36) que menciona dentre eles Coulthard (1985 39)
60 a socially defined variety of language eg scientific legal etc
61 a variety according to the user
62 a variety according to the use
63 this general distinction can be accepted but instead of characterising a register largely by its lexicogrammatical properties we shall suggest as with text a more abstract definition in semantic terms
64 A register can be defined as the configuration of semantic resources that the member of a culture typically associates with a situation type
75
Crystal e Davy (1969 61) Assim apoacutes uma longa discussatildeo Costa (1992 30-40) apresenta o
termo registro numa acepccedilatildeo mais flexiacutevel que caracteriza a linguagem conforme campos
especiacuteficos do conhecimento humano (jargotildees profissionais a fala entre os diversos grupos
sociais heterogecircneos) o niacutevel de formalidade ou contextos especiacuteficos
Para Baker (1992 15-16) registro eacute uma variedade da liacutengua que um falante
considera apropriado para uma situaccedilatildeo especiacutefica 65 (ecircnfase da autora) Isso quer dizer que
dependendo do campo do discurso (field of discourse) do tom do discurso (tenor of
discourse) e do modo do discurso (mode of discourse) haveraacute mudanccedilas de registro Baker
(1992 16) explica esses trecircs fatores
Campo do discurso eacute aquilo que estaacute acontecendo durante o momento da fala em
que os participantes escolhem os itens linguumliacutesticos ou seja enquanto existe accedilatildeo ou debate
que envolve determinado assunto ou praacutetica Assim variaccedilotildees no campo do discurso
promovem variaccedilotildees de registro por exemplo se o falante estaacute jogando ou discutindo sobre
futebol fazendo amor ou discutindo sobre o amor fazendo um discurso poliacutetico ou discutindo
sobre poliacutetica realizando uma operaccedilatildeo meacutedica ou discutindo medicina
O tom do discurso eacute um termo abstrato para os relacionamentos entre as pessoas
que tomam parte no discurso 66 isto eacute satildeo mudanccedilas realizadas na linguagem por uma pessoa
dependendo com quem ela fala as relaccedilotildees interpessoais que estabelecem certos padrotildees
tiacutepicos de discurso segundo as diferenccedilas pessoais em termos de idade grau de intimidade
hierarquia ou posiccedilatildeo social etc matildeefilho meacutedicopaciente status superiorinferior etc Vale
observar tambeacutem o que Cacircmara Jr diz a respeito de tom apresentando-o como sinocircnimo de
acento
[acento] eacute a maior intensidade (acento de intensidade ou ICTO) ou a maior altura (acento de altura ou TOM) com que a emissatildeo de uma siacutelaba se opotildee agraves que lhe ficam contiacuteguas numa enunciaccedilatildeo O acento de intensidade ou de altura conforme a liacutengua entra na estruturaccedilatildeo focircnica do vocaacutebulo (v) criando um contraste na emissatildeo das siacutelabas ()(CAcircMARA JR 1985 39)
Esse teoacuterico tambeacutem destaca que na ortografia da liacutengua portuguesa o acento
tocircnico eacute representado por sinais graacuteficos ou seja o acento agudo e o acento circunflexo e
tambeacutem haacute o que ele chama de acento frasal que consiste na elevaccedilatildeo da voz em
determinado ponto da enunciaccedilatildeo da frase o resultado eacute uma escala de altura vocal
65 Register is a variety of language that a language user considers appropriate to a specific situation
66 An abstract term for the relationships between the people taking part in the discourse
76
ascendente descendente ou ascendente-descendente a que se daacute o nome de entoaccedilatildeo
(CAcircMARA JR 1985 39)
Para os propoacutesitos desta dissertaccedilatildeo o conceito de tom
equiparado ao de acento
segundo Cacircmara Jr deve se ater agrave uacuteltima acepccedilatildeo relacionada ao que esse teoacuterico chama
de acento frasal ou entoaccedilatildeo67 A partir disso pode-se dizer que o tom portanto estaacute aqui
associado agrave emoccedilatildeo de quem fala revelando nuances derivados do humor da ironia deixando
tambeacutem outras impressotildees a respeito do emissor sinceridade ingenuidade rancor fuacuteria
enfim qualquer tipo de sentimento ou aspecto ligado a uma situaccedilatildeo momentacircnea ou a algo
inerente ao proacuteprio caraacuteter da pessoa
Por fim Baker (1992 16) define modo de discurso como um termo abstrato para
o papel que a linguagem estaacute desempenhando (discurso ensaio palestra instruccedilotildees) e para o
meio de transmissatildeo (fala escrita) Assim as escolhas linguumliacutesticas satildeo influenciadas por
essas dimensotildees por exemplo como o uso de vocaacutebulos mais apropriados para uma carta
comercial do que para a fala informal
Catford (1980 95) de modo semelhante a Baker afirma que registro eacute a
variante relacionada com o papel social mais amplo desempenhado pelo performador no
momento da elocuccedilatildeo por exemplo cientiacutefico religioso ciacutevico etc Esse teoacuterico fala
em mais duas variantes linguumliacutesticas estilo ou a variante relacionada com o nuacutemero e a
natureza dos destinataacuterios e a relaccedilatildeo do performador com eles por exemplo formal
coloquial iacutentimo e modo ou seja a variante relacionada com o meio pelo qual opera o
performador falado escrito
2317 Norma-padratildeo
Toda essa riqueza linguumliacutestica pode ser explorada por oradores ou escritores
criativos Aqui interessa uma ecircnfase na liacutengua escrita da criaccedilatildeo literaacuteria a qual muitas vezes
reproduz imita a oralidade e assim enriquece as possibilidades de expressatildeo e intenccedilotildees que o
autor deseja causar no seu destinataacuterio o leitor Da mesma forma na traduccedilatildeo o tradutor deve
observar esses aspectos em relaccedilatildeo ao novo leitor conforme sugere Lefevere referindo-se aos
desvios da norma-padratildeo (que Lefevere neste caso chama de erros )
67 Para R L Trask (2004 91) por exemplo intonation (entonaccedilatildeo)
77
escritores agraves vezes desviam do uso gramatical aceito de seu tempo natildeo porque sejam incapazes de escrever bem mas porque eles desejam chamar a atenccedilatildeo para o seu erro Os tradutores deveriam tentar relacionar o erro gramatical da liacutengua de partida com um erro gramatical na liacutengua de chegada se considerarem o erro de importacircncia suficiente dentro do quadro da composiccedilatildeo geral do texto de partida
(LEFEVERE 1992 35)68
Saussure (1974 224-227) tambeacutem admite que as fronteiras geograacuteficas natildeo
coincidem com as fronteiras linguumliacutesticas e quando toma estas liacutenguas individualmente
reconhece que em cada uma delas ocorre a dialetaccedilatildeo Logo pode-se concluir que essa
dialetaccedilatildeo resulta em variedades de uma mesma liacutengua tanto em relaccedilatildeo com outros paiacuteses
(eg o francecircs da Franccedila que difere do que eacute falado na Beacutelgica na Suiacuteccedila no Canadaacute etc)
como dentro de um mesmo paiacutes quando se percebe a existecircncia dos dialetos regionais Nesse
ponto aparece uma diferenciaccedilatildeo que Saussure chama de liacutengua literaacuteria e idioma local
por liacutengua literaacuteria entendemos natildeo somente a liacutengua da literatura como tambeacutem em sentido mais geral toda espeacutecie de liacutengua culta oficial ou natildeo ao serviccedilo da comunidade inteira Abandonada a si mesma a liacutengua conhece apenas dialetos nenhum dos quais se impotildee aos demais pelo que ela estaacute destinada a um fracionamento indefinido (SAUSSURE 1974 226)
Logo quando esse teoacuterico afirma que a liacutengua literaacuteria eacute toda espeacutecie de liacutengua
culta
ou de maior prestiacutegio em outras palavras
a serviccedilo da comunidade inteira fica clara
a necessidade de haver pelo menos uma liacutengua padratildeo para o bem comum e para a integraccedilatildeo
dos grupos sociais Essa entatildeo eacute para Saussure a liacutengua literaacuteria
agrave qual logicamente se
enquadra a norma-padratildeo da liacutengua Os outros dialetos
ou idiomas locais
por causa de
seu papel mais restrito aleacutem de outros fatores
ficam agrave margem de um dialeto escolhido
como modelo geral
Mas como a civilizaccedilatildeo ao se desenvolver multiplica as comunicaccedilotildees escolhe-se por uma espeacutecie de convenccedilatildeo taacutecita um dos dialetos existentes para dele fazer o veiacuteculo de tudo quanto interesse agrave naccedilatildeo no seu conjunto Os motivos de tal escolha satildeo diversos umas vezes se daacute preferecircncia ao dialeto da regiatildeo onde a civilizaccedilatildeo eacute mais avanccedilada outras ao da proviacutencia que tem hegemonia poliacutetica e onde estaacute sediado o poder central outras eacute um corte que impotildee seu falar agrave naccedilatildeo (SAUSSURE 1974 226)
68 Writers sometimes deviate from the accepted grammatical usage of their time not because they are incapable of writing well but because they wish to focus attention on their mistake Translators should try to match the grammatical error in the source language with a grammatical error in the target language if they consider the error of sufficient importance within the framework of the overall composition of the source text
78
Considerando estas palavras pode-se facilmente entender que idioma local na
acepccedilatildeo de Saussure entatildeo refere-se a todos os outros dialetos que natildeo foram escolhidos
como o tipo padratildeo ou modelo geral de uma liacutengua A partir do momento em que a liacutengua
literaacuteria se oficializa tem-se o conceito de norma culta ou norma-padratildeo69
232 A linguagem na literatura escrita e traduzida
2321 O prestiacutegio da norma-padratildeo
Saussure (1974 34-36) tambeacutem discorre sobre a questatildeo do maior prestiacutegio da
liacutengua escrita sobre a liacutengua falada Ressalta-se que quando se menciona a palavra prestiacutegio
ligada agrave expressatildeo linguumliacutestica escrita percebe-se que esta variedade escrita se refere ao uso da
norma-padratildeo A liacutengua tem pois uma tradiccedilatildeo oral independente da escrita e bem
diversamente fixa todavia o prestiacutegio da forma escrita nos impede de vecirc-lo (SAUSSURE
1974 35)
Dentre as razotildees que Saussure expotildee acerca desse prestiacutegio destaca-se sobre os
motivos da norma-padratildeo (ou liacutengua literaacuteria conforme este linguumlista suiacuteccedilo)
A liacutengua literaacuteria aumenta ainda mais a importacircncia imerecida da escrita Possui seus dicionaacuterios suas gramaacuteticas eacute conforme o livro e pelo livro que se ensina na escola a liacutengua aparece regulamentada por um coacutedigo ora tal coacutedigo eacute ele proacuteprio uma regra escrita submetida a um uso rigoroso a ortografia e eis o que confere agrave escrita uma importacircncia primordial Acabamos por esquecer que aprendemos a falar antes de aprender a escrever e inverte-se a relaccedilatildeo natural (SAUSSURE 1974 35)
A liacutengua oral ou escrita por sua flexibilidade oscila entre vaacuterios niacuteveis desde a
informalidade de um bate-papo casual ateacute a postura seacuteria e impecaacutevel de um candidato a
emprego diante de uma entrevista ou no caso de um bilhete informal ou lembrete que uma
matildee deixa para seu filho e de uma carta formal dirigida ao diretor de uma corporaccedilatildeo etc
Lefevere (1992 58) comenta isso salientando que exceto nos livros de gramaacutetica ou em
69 Nesta dissertaccedilatildeo prefere-se o termo norma-padratildeo (BAGNO 2005 64-65) em vez de norma culta por se entender que cultura eacute um termo abrangente e complexo e natildeo pode ser sinocircnimo exclusivo de conhecimento formal escolar ou de algo que denote prestiacutegio ou formas de preconceito Lyons apresenta duas definiccedilotildees para cultura () Baseia-se em uacuteltima instacircncia na concepccedilatildeo claacutessica do que constitui excelecircncia em arte literatura maneiras e instituiccedilotildees sociais (LYONS 1987 273) E tambeacutem cultura num sentido antropoloacutegico sem nenhuma implicaccedilatildeo de progresso humano uniforme do barbarismo agrave civilizaccedilatildeo e sem nenhum
julgamento de valor a priori quanto agrave qualidade esteacutetica ou intelectual da arte literatura das instituiccedilotildees etc de determinada sociedade (LYONS 1987 274)
79
manuais de estilo a liacutengua nunca eacute usada num vaacutecuo ela eacute sempre usada numa certa situaccedilatildeo
Em culturas diferentes um uso especiacutefico da liacutengua eacute considerado apropriado (ou
inapropriado) numa situaccedilatildeo especiacutefica 70 Nos casos em que haacute formalidade existe uma
preocupaccedilatildeo maior com o uso de um dialeto de maior prestiacutegio a norma-padratildeo da gramaacutetica
prescritiva um modelo que normalmente eacute adotado como referecircncia de polidez boa
educaccedilatildeo refinamento Entretanto na maioria das vezes em que ocorre algum desvio dessa
norma geralmente as pessoas classificam esse fato como um erro independentemente da
situaccedilatildeo ser formal ou informal
Na traduccedilatildeo de Of mice and men realizada por Veriacutessimo (Ratos e homens
ediccedilotildees de 1940 e 1968) o uso de um dialeto de prestiacutegio nos diaacutelogos em seu trabalho chama
atenccedilatildeo pois essa variedade ainda que coloquial destoa daquela utilizada pelo autor John
Steinbeck uma variedade da liacutengua inglesa estadunidense desprestigiadaestigmatizada Em
relaccedilatildeo agrave traduccedilatildeo de Campello (1991) percebe-se maior aproximaccedilatildeo relativa daquela
variedade inglesa em niacutevel coloquial mas que tambeacutem ainda soa mais educado
do que a
liacutengua dos personagens do texto de partida A traduccedilatildeo de Ban (2005) eacute a que mais tenta se
aproximar daquele inglecircs estigmatizado
A expressatildeo desvio gramatical equivocadamente adquiriu um sentido
generalizado com conotaccedilotildees associadas a erros cometidos contra o bom uso da liacutengua
No entanto cabe aqui esclarecer o que se entende por gramaacutetica Fromkim e Rodman (1993
12-13) fazem distinccedilatildeo entre o que chamam de gramaacutetica descritiva e gramaacutetica prescritiva
todo ser humano que fala uma liacutengua sabe gramaacutetica Ao pretenderem descrever uma liacutengua os linguistas tentam descrever a gramaacutetica da liacutengua presente no espiacuterito dos falantes Podem evidentemente verificar-se algumas divergecircncias entre o conhecimento que os vaacuterios falantes tecircm da liacutengua Mas existe um conhecimento comum
a gramaacutetica
que permite aos falantes falarem e compreenderem-se A descriccedilatildeo do linguista seraacute uma boa ou maacute descriccedilatildeo da gramaacutetica da liacutengua ou mesmo da proacutepria liacutengua consoante constitua ou natildeo um verdadeiro modelo de capacidade linguumliacutestica do falante Esse modelo designa-se por gramaacutetica descritiva (ecircnfase dos autores)
Assim pode-se entender que existe uma espeacutecie de gramaacutetica geral denominada
como descritiva que tatildeo somente trata da ordenaccedilatildeo loacutegica da liacutengua desde as suas menores
unidades de sentido (os sons) passando agrave formaccedilatildeo das palavras da organizaccedilatildeo dessas
palavras em grupos maiores (sintagmas frases oraccedilotildees periacuteodos e textos) de forma que estes
70 Except in grammar books or primers on style language is never used in a vacuum it is always used in a certain situation In different cultures a specific use of language is considered appropriate (or inappropriate) in a specific situation
80
sejam inteligiacuteveis compreensiacuteveis tornando possiacutevel a comunicaccedilatildeo Desta forma se algueacutem
diz Noacuteis vai na festa esta construccedilatildeo eacute gramatical pois faz sentido e estabelece a
exteriorizaccedilatildeo clara de um pensamento ou ideacuteia Entretanto para que haja compreensatildeo a
posiccedilatildeo destes vocaacutebulos na oraccedilatildeo deve obedecer a regras caracteriacutesticas da liacutengua
portuguesa do tipo SUJEITO (Noacuteis) VERBO (vai) e COMPLEMENTO (na festa) sob pena
de que se natildeo houver esta ordem pode natildeo haver compreensatildeo da mensagem Este mesmo
exemplo possui a variaccedilatildeo Noacutes vamos agrave festa adequando-se agrave gramaacutetica prescritiva A esse
respeito Fromkim e Rodman enfatizam que
dos tempos antigos ateacute hoje tem havido puristas que pensam que a mutaccedilatildeo linguiacutestica eacute uma forma de corrupccedilatildeo e que defendem a existecircncia de certas formas correctas que todas as pessoas educadas deveriam utilizar na fala e na escrita Os gregos de Alexandria no seacuteculo I os eruditos aacuterabes em Basra no seacuteculo VIII e inuacutemeros gramaacuteticos ingleses nos seacuteculos XVIII e XIX defenderam esta perspectiva Pretendiam prescrever regras gramaticais e natildeo propriamente descrevecirc-las Para isso se escreveram as gramaacuteticas prescritivas (FROMKIM e RODMAN 1993 14-15)
Existe uma relaccedilatildeo entre o que as gramaacuteticas prescritivas apregoam e a questatildeo do
poder social travestido num dialeto mais prestigiado a norma-padratildeo da liacutengua
com o advento do capitalismo e o despontar de uma nova classe meacutedia surgiu o desejo por parte deste novo grupo social de que os seus filhos fossem educados e aprendessem a falar o dialecto das classes superiores E assim surgiram muitas gramaacuteticas prescritivas (FROMKIM e RODMAN 1993)
Todavia natildeo se trata apenas de uma preferecircncia estimulada pelo desejo de
espelhar um alto status social A norma-padratildeo adquiriu um oficialismo dotado de preconceito
em relaccedilatildeo agraves outras variedades ganhando um grau de hierarquia acima delas
() Em 1908 um gramaacutetico americano Thomas R Lounsbury escreveu Parece ter existido em todos os periacuteodos do passado tal como agora uma niacutetida apreensatildeo no espiacuterito de muitas pessoas honradas quanto ao estado de quase colapso iminente da liacutengua inglesa e quanto agrave necessidade de constantemente se desenvolverem esforccedilos aacuterduos que a salvem da destruiccedilatildeo (FROMKIM e RODMAN 1993)
John Lyons ao esclarecer sobre diferenccedilas entre dialeto e sotaque acaba tambeacutem
por fazer consideraccedilotildees sobre a norma-padratildeo da liacutengua tida como superior Como isso natildeo
bastasse a ideacuteia generalizada eacute a de que na oralidade este dialeto preferido deve ser tambeacutem
usado de forma especial com um sotaque prestigiado
a questatildeo eacute que certas diferenccedilas foneacuteticas entre sotaque podem ser estigmatizadas pela sociedade da mesma forma como certas diferenccedilas lexicais e gramaticais entre
81
dialetos o satildeo Pais e professores tentam frequumlentemente eliminar o que consideram como marcas de status social inferior ou como regionalismos Mesmo se natildeo satildeo bem-sucedidos eles teratildeo desempenhado a sua funccedilatildeo no perpetuamento na crenccedila geral na comunidade linguumliacutestica de que a pronuacutencia tal eacute indicadora de inferioridade social ou de educaccedilatildeo e isto tem como efeito aumentar a sensibilidade da maioria das pessoas em relaccedilatildeo ao assunto (LYONS 1987 249)
2322 Variedades linguumliacutesticas na literatura escrita e traduzida
A postura tradicional da educaccedilatildeo prima pela formalidade da gramaacutetica
prescritiva agindo imperiosamente sobre o modo um tanto pretensioso que se deve falar e
escrever Quando esta questatildeo chega aos domiacutenios da criaccedilatildeo literaacuteria eis o ponto alto da
discussatildeo tratando-se de uma forma de expressatildeo artiacutestica um escritor tem toda liberdade
para usar e abusar da liacutengua em todas as suas variedades e niacuteveis dependendo das suas
intenccedilotildees obedecendo mais agrave sua sensibilidade do que agrave sua razatildeo Tal versatilidade pode ou
natildeo criar problemas de aceitaccedilatildeo por parte dos leitores de uma obra quando aspectos da fala
ganham destaque na escritura de uma obra literaacuteria Haacute exemplos notaacuteveis e abundantes de
escritores que diversificam o uso da liacutengua de modo criativo desde os brasileiros Jorge
Amado e Guimaratildees Rosa ao irlandecircs James Joyce
Este uacuteltimo em seu romance Ulysses chega ao capricho de criar idioletos para
alguns personagens em niacutevel coloquial inerente agrave fala mesmo quando esta natildeo se realiza
sonoramente mas em pensamento sob a forma de monoacutelogo interior Ganham destaque
tambeacutem vaacuterias palavras inventadas Assim segundo a tradutora Bernardina da Silveira
Pinheiro (2005) a fala do personagem Leopold Bloom se caracteriza desta forma
[em] staccatto com o ritmo brusco de algueacutem capaz de superar as proacuteprias dificuldades se constituiraacute de frases primordialmente curtas de omissatildeo de sujeitos de palavras frequumlentemente monossilaacutebicas agraves vezes mesmo reduzidas por afeacuterese refletindo o seu ser interior que sempre tenta imaginar um sentido loacutegico nas coisas
Nesse sentido a fala de Leopold Bloom eacute assim ilustrada
seraacute um dia quente imagino Especialmente nestas roupas pretas vou sentir mais O preto conduz reflete (seraacute refrata) o calor Mas eu natildeo podia ir com aquele terno claro Fazer disso um piquenique [] A caminhonete do patildeo de Boland entregando em bandejas o nosso de cada dia mas ela prefere patildees dormidos pasteacuteis tostados com
82
a parte de cima quente Faz vocecirc se sentir jovem (JOYCE 2005 67 Episoacutedio 4
Calypso Traduccedilatildeo de Bernardina da Silveira Pinheiro)71
Tambeacutem vale destacar as caracteriacutesticas do pensamento (ou fala) da personagem
Molly Bloom sem pontuaccedilatildeo sem maiuacutesculas sem fazer diferenccedila entre os homens
todos
eles satildeo he fluiraacute incontido e incontrolaacutevel de uma mente liberta de qualquer grilhatildeo
(Pinheiro 2005)
Em Ulysses a fala de Molly eacute ilustrada no seguinte fragmento
SIM PORQUE ELE NUNCA FEZ UMA COISA dessas como pedir para tomar seu cafeacute da manhatilde na cama com dois ovos desde o hotel City Arms quando ele costumava fingir ter de ficar de cama com uma voz de doente bancando importante para se fazer de interessante para a velha encarquilhada Sra Riordan sobre quem ele pensava ter grande influecircncia e ela nunca nos deixou nenhum niacutequel tudo para missas para ela e para a sua alma [] (JOYCE 2005 764 Episoacutedio 18
Penelope Traduccedilatildeo de Bernardina da Silveira Pinheiro)72
A versatilidade da liacutengua tanto em sua expressatildeo oral como escrita estaacute atrelada a
fatores ou situaccedilotildees muacuteltiplos em que existe a participaccedilatildeo dos seres humanos A liacutengua por
sua maleabilidade e capacidade de adaptaccedilatildeo se manifesta de formas diversificadas
perceptiacuteveis em variedades linguumliacutesticas as quais satildeo moldadas de acordo com vaacuterios fatores
inseridos numa cultura num espaccedilo geograacutefico e num tempo Este uacuteltimo pode se
compreender em escalas que vatildeo desde um momento instantacircneo (que marca a mudanccedila ou
adaptaccedilatildeo linguumliacutestica situacional segundo o indiviacuteduo falante seu dialeto ou idioleto) ateacute
seacuteculos ou milecircnios (que marcam a diferenciaccedilatildeo e evoluccedilatildeo das liacutenguas segundo os grupos
sociais heterogecircneos)
Agraves vezes os usos da liacutengua chegam ao niacutevel de uma obrigaccedilatildeo como no caso
dos defensores da chamada norma culta ou norma-padratildeo da liacutengua um modelo idealizado
como sinocircnimo de bom gosto refinamento e de boa educaccedilatildeo mas que segundo Marcos
Bagno (2003) por ser norma natildeo pode ser entendida como liacutengua real mas sim ideal
Quanto mais uma variedade linguumliacutestica se aproxima dessa norma tida como a liacutengua
correta tanto mais prestigiada seraacute ao passo que quanto maior for o distanciamento deste
71 Be a warm day I fancy Specially in these black clothes feel it more Black conducts reflects (refracts is it) the heat But I couldnt go in that light suit Make a picnic of it [ ] Bolands breadvan delivering with trays our daily but she prefers yesterdays loaves turnovers crisp crowns hot Makes you feel young
72 YES BECAUSE HE NEVER DID A THING LIKE THAT BEFORE AS ASK TO get his breakfast in bed with a couple of eggs since the City arms hotel when he used to be pretending to be laid up with a sick voice doing his highness to make himself interesting to that old faggot Mrs Riordan that he thought he had a great leg of and she never left us a farthing all for masses for herself and her soul
83
modelo tatildeo maior seraacute a estigmatizaccedilatildeo da liacutengua Este modelo configurado na norma-
padratildeo entretanto eacute alvo de discussotildees viscerais entre estudiosos da liacutengua uns partidaacuterios
da pureza linguumliacutestica de visatildeo tradicional e outros que tentam desconstruir essa postura
valorizando as diferenccedilas com base em criacuteticas que colocam em evidecircncia certas implicaccedilotildees
de cunho ideoloacutegico e de poder no uso de variedades mais prestigiadas Tais diferenccedilas vez
por outra surgem na produccedilatildeo literaacuteria quando o tom informal aparece incorporado
intencionalmente na linguagem coloquial ou nos desvios da gramaacutetica prescritiva
constituindo-se num desafio incriacutevel para o tradutor devido a significados difiacuteceis ou ateacute
mesmo impossiacuteveis de transferir de uma cultura para outra
Segundo Landers (2001 116-117) a definiccedilatildeo popular de dialeto muitas vezes
denota um padratildeo do discurso supostamente inferior ou que estaacute abaixo da norma linguumliacutestica
socialmente aceita a norma-padratildeo ou norma culta O teoacuterico esclarece entretanto que
essa norma-padratildeo eacute tambeacutem um dialeto com a diferenccedila de que eacute falado por um segmento
privilegiado da sociedade liacutederes poliacuteticos formadores de opiniatildeo e literatos
eacute a chamada
liacutengua correta
24 A traduccedilatildeo de variedades linguumliacutesticas e desvios da norma-padratildeo da liacutengua
Landers afirma que os problemas de traduzir dialetos comeccedilam quando se deseja
transferir as peculiaridades do dialeto para a liacutengua de chegada Isso parece ficar ainda mais
seacuterio quando se trata de um dialeto desviante da norma-padratildeo expresso em variaccedilotildees
regionais socioletos idioletos registros tons diferentes etc O que fazer Como fazer Talvez
se possa pensar numa linguagem equivalente O resultado disso todavia pode natildeo ser feliz
ou mesmo o horror dos horrores segundo Landers ao ouvir um inglecircs caribenho na
dublagem do portuguecircs carioca do filme brasileiro Orfeu Negro dirigido por Marcel
Camus Tal choque provavelmente o fez expressar a seguinte opiniatildeo nenhum dialeto soa
bem na traduccedilatildeo Muito embora tenha certa relutacircncia o tradutor deve reconhecer que o
dialeto pelo menos no niacutevel da transferecircncia em par de igualdades eacute intraduziacutevel
(LANDERS 2001 117)73
73 No dialect travels well in translation However reluctantly the translator must recognize that dialect at least at the level of one-to-one transference is untranslatable
84
Logo a opiniatildeo de Landers (2001 117) eacute de que o dialeto (entendido aqui como
desvios da norma-padratildeo) estaacute totalmente enraizado no tempo e no espaccedilo e o ouvinte associa
inconscientemente esse padratildeo de discurso com uma regiatildeo ou com um periacuteodo cronoloacutegico
Em siacutentese o dialeto estaacute sempre ligado geograacutefica e culturalmente a um ambiente social
que natildeo existe na liacutengua de chegada e a substituiccedilatildeo com um dialeto equivalente estaacute
fadada ao fracasso O conselho desse criacutetico sobre tentar traduzir dialetos parece soar como
um veredito natildeo faccedila isso
Apesar deste conselho draacutestico Landers (2001 68) examina e critica a traduccedilatildeo
de Samuel Putnam para o inglecircs da obra Terras do Sem Fim de Jorge Amado no trecho -
Vosmececirc me adisculpe seu coronel mas noacutes queria saber quando eacute que a gente passa a
escritura da terra () Mas vosmececirc natildeo se arrecorda que nos vendeu esse pedaccedilo de mata
Pelo dinheiro do contrato de cacau (AMADO 1942 21)
Putnam (1945 apud LANDERS 2001) resolve este fragmento traduzindo-o da
seguinte maneira You will pardon me colonel but we would like to know when we may
have the deed to the land ( ) Don t you remember that you sold us that piece of forest In
place of money on the cacao contract
Landers considera esta soluccedilatildeo como uma violaccedilatildeo de tom pois acha que a fala
reproduzida em inglecircs se assemelha muito mais agrave de um indiviacuteduo de bom niacutevel escolar
talvez um advogado ou um professor universitaacuterio entre outros fatores pelo uso de may em
vez de can o que contraria o perfil do personagem original que na verdade se mostra como
um trabalhador rural no interior do Brasil cuja fala conteacutem desvios do portuguecircs padratildeo
mas quem estaacute falando Um indiviacuteduo bem educado com certeza perceba o uso de may em vez de can Na verdade entretanto o texto original mostra que o falante eacute um agricultor analfabeto do sertatildeo brasileiro cujo discurso estaacute repleto de provincianismos como arrecordar em lugar de recordar () e de erros gramaticais do tipo noacutes queria () A julgar pelo tom ele estaria mais para um advogado ou professor universitaacuterio (LANDERS 2001 68)74
Com estes argumentos Landers faz o que natildeo aconselha ningueacutem a fazer
melhorando o fragmento assim Beggin the colonel pardon but we d like to know when
we can have the deed to the land Don t the colonel recollect sellin that piece of forest to
us Instead of the cacao contract (LANDERS 2001 68)
74 Just who is speaking A well-educated individual surely note the use of may rather than can In reality however the original text shows the speaker to be an illiterate agricultural laborer in the Brazilian backlands whose speech abounds with such provincialisms as arrecordar
for recordar
( ) and grammatical errors like noacutes queria ( ) But judging by the tone he could be a lawyer or college professor
85
Trata-se de um trabalhador rural analfabeto mas o registro discursivo utilizado
por Putnam soa bastante formal civilizado Por outro lado a soluccedilatildeo de Landers pode ateacute
talvez ser mais adequada encaixando o personagem num perfil mais assemelhado ao do texto
de partida no que diz respeito ao seu niacutevel social ao tom utilizado etc poreacutem traduzido num
agricultor pobre
por sua condiccedilatildeo econocircmica
e tambeacutem num pobre agricultor
por ser
apaacutetrida natildeo pode ser brasileiro e muito menos de algum paiacutes anglofocircnico A situaccedilatildeo eacute
estranha pois se vecirc um personagem da zona rural com perfil brasileiro da Bahia mas
falando um inglecircs que o tradutor natildeo deixa claro de onde vem se eacute algum dialeto especiacutefico
bem localizado no tempo no espaccedilo e a que grupo social pertence Jorge Amado deu voz ao
seu personagem com um falar tiacutepico da liacutengua portuguesa brasileira com caracteriacutesticas locais
num dialeto do interior da Bahia entretanto qualquer dialeto da liacutengua inglesa que seja
utilizado nessa suposta correspondecircncia da traduccedilatildeo traraacute sempre consigo algo de exoacutetico ou
estranho
Logo torna-se forccediloso voltar agrave opiniatildeo de Landers (2001 117) de que o dialeto
estaacute sempre ligado geograacutefica e culturalmente a um ambiente social que natildeo existe na
liacutengua de chegada e a substituiccedilatildeo com um dialeto equivalente estaacute fadada ao fracasso 75
John Milton (2002 52) tem uma opiniatildeo semelhante a esse respeito
a traduccedilatildeo de dialeto tem sido descrita como uma aporia em traduccedilatildeo (Folkart apud Lane-Mercier 1997 p 53) Seja qual for a decisatildeo que tome o tradutor seraacute sempre um desacerto um disparate O dialeto escolhido quer seja mimeacutetico anaacutelogo ou pertencente agrave norma culta nunca teraacute a autenticidade do original ()
Anthony Pym (2000) a respeito dessa temaacutetica coloca a seguinte questatildeo os
marcadores das variedades linguumliacutesticas (sotaques dialetos socioletos estilos de classe e
assim por diante) devem ser traduzidos como tal As respostas que esse criacutetico apresenta
revelam o dilema de se lidar com o assunto pois esses posicionamentos satildeo com frequumlecircncia
antagocircnicos como as respostas extremas sim e natildeo No caso da resposta afirmativa leva-se
em conta a importacircncia de transmitir com fidedignidade o que essa linguagem pode
representar ao receptor Quanto agrave resposta negativa o argumento apresentado eacute aquele em que
os valores de uma variedade natildeo podem ser mapeados de cultura para cultura
Pym apresenta alternativas a opccedilatildeo binaacuteria que consiste em deixar a variedade
sem ser traduzida o que resulta na perda de valor ou traduzi-la com uma variedade enganosa
75 Summing up dialect is always tied geographically and culturally to a milieu that does not exist in the target-language setting Substitution of an equivalent dialect is foredoomed to failure The best advice about trying to translate dialect don t (LANDERS 2001 117)
86
(dada a incongruecircncia entre as culturas e as liacutenguas) e assim perde-se a verossimilhanccedila a
estacircncia descritiva a qual diz respeito agrave remuneraccedilatildeo do tradutor o qual natildeo eacute pago para
resolver esses problemas aleacutem do fato de que o leitor em geral natildeo se importa com a
traduccedilatildeo das variedades e por isso o tradutor muitas vezes opta pela opccedilatildeo mais faacutecil de
consertar os desvios linguumliacutesticos conforme Milton (2002) a liberaccedilatildeo existencial com o
argumento de que natildeo haacute uma resposta clara para o problema e portanto as teorias satildeo
incompletas e o tradutor por si mesmo fica livre e responsaacutevel pelos seus atos ou decisotildees
de acordo com Lane-Mercier (1997 apud PYM 2000)
Ao tentar ser conclusivo Pym afirma que a resposta agrave questatildeo principal pode
parecer faacutecil
quando os tradutores se deparam com os marcadores de uma variedade linguumliacutestica o que deve ser traduzido natildeo eacute a variedade do texto de partida (isso natildeo se move e a traduccedilatildeo eacute em qualquer caso a substituiccedilatildeo da variedade base do texto de partida por definiccedilatildeo) O que deve ser traduzido eacute a variaccedilatildeo a alteraccedilatildeo sintagmaacutetica da distacircncia o desvio relativo de uma norma textual ou geneacuterica Se estas mudanccedilas podem ser traduzidas como normalmente eacute o caso entatildeo se pode dizer que os marcadores foram traduzidos e logo natildeo haacute mais o que discutir (PYM 2000) 76
Isso quer dizer que para Pym o mais importante eacute na traduccedilatildeo de uma variedade
linguumliacutestica natildeo-padratildeo (ou estigmatizada) deixar os elementos essenciais que constituem a
liacutengua de chegada (marcadores baacutesicos do dialeto) como uma variedade ao mesmo tempo
diferente da norma-padratildeo mas semelhante agrave funccedilatildeo desempenhada pela liacutengua do texto de
partida segundo o provaacutevel objetivo do autor e ao seu provaacutevel efeito na recepccedilatildeo Isso
consiste entatildeo natildeo em traduzir por exemplo um dialeto estigmatizado por outro dialeto
estigmatizado mas deixar na liacutengua de chegada elementos que caracterizem essa liacutengua
segundo a sua funccedilatildeo principalmente na maioria dos casos a oralidade expressa nas mais
diversas situaccedilotildees veiculada por agentes (personagens de um romance por exemplo)
caracterizados conforme o significado dessa linguagem denotando aspectos como classe
social niacutevel de escolaridade etnia em variaccedilotildees de registro tom gecircnero idade etc
dependendo de cada caso segundo a proposta do autor traduzido num niacutevel aproximado
A obra de Mark Twain intitulada Huckeberry Finn em que aparecem sete
variedades da liacutengua inglesa eacute um exemplo citado por Pym (2000) que para serem traduzidas
76 When translators are confronted with the markers of a variety the thing to be rendered is not the source-text variety (such things by definition do not move and translation is in any case the replacement of the base source-text variety by definition) The thing to be rendered is the variation the syntagmatic alteration of distance the relative deviation from a textual or generic norm If those shifts can be rendered as is usually the case then the markers may be said to have been translated and no complaint should ensue
87
natildeo seria necessaacuterio decidir que variedades seriam as mais proacuteximas ou correspondentes
Pym desse modo sustenta que seria mais produtivo compreender muito bem quando a liacutengua
utilizada eacute uma paroacutedia ou eacute autecircntica77 Assim no caso da liacutengua parodiada ou no caso da
liacutengua autecircntica seriam utilizadas na liacutengua de chegada apenas as suas caracteriacutesticas
baacutesicas
Lenita R M Esteves ao discutir sobre as diferenccedilas linguumliacutesticas na traduccedilatildeo
literaacuteria potildee em duacutevida a eficaacutecia do processo de traduzir uma variedade regional por outra
variedade regional por exemplo brasileira Esteves relata que quando se deseja incorporar
essa diferenccedila linguumliacutestica para que haja uma correspondecircncia no texto de chegada em
portuguecircs o personagem deveria ser identificado com alguma regiatildeo especiacutefica Mas aiacute
surgem as duacutevidas como a que diz respeito a que regiatildeo a liacutengua de chegada seria
identificada
Com uma regiatildeo brasileira Caso a traduccedilatildeo fosse levar em conta e tentar reproduzir a diferenccedila regional da fala do tal personagem como fazer isso em portuguecircs Que regiatildeo do paiacutes poderia ser escolhida Qual falar brasileiro ficaria mais adequadomenos estranho nessa caracterizaccedilatildeo o caipira de Satildeo Paulo O gauacutecho O nordestino (ESTEVES 2005 341)
De acordo com Esteves substituir um dialeto regional por outro dialeto regional
na traduccedilatildeo eacute uma postura defendida por Lane-Mercier mas criticada por Milton
Milton78 cita a teoacuterica Gillian Lane-Mercier canadense que abordando essa questatildeo defende a postura de substituir o dialeto ou a variante natildeo padratildeo que aparece no original por um dialeto ou variante natildeo padratildeo da liacutengua de chegada Essa postura seria inspirada na proposta de traduccedilatildeo eacutetica de Antoine Berman Milton ainda comenta que Lane-Mercier insiste que o tradutor deve assumir a responsabilidade sobre suas escolhas e se possiacutevel explicaacute-las aos leitores em notas do tradutor Milton de certa forma critica Lane-Mercier dizendo justamente que aos tradutores natildeo eacute dada tanta liberdade nem tanto espaccedilo para exercitar seu poder de escolha e nem para justificaacute-lo () (ESTEVES 2005 342)
77 Pym aponta a autenticidade linguumliacutestica em contraposiccedilatildeo agrave sua paroacutedia a representaccedilatildeo de variedades linguumliacutesticas num canal semioacutetico pode natildeo espelhar a realidade o que se vecirc com frequumlecircncia por exemplo na TV em comeacutedias ou programas humoriacutesticos quando o uso de certas variedades linguumliacutesticas tem a finalidade de produzir o riso Muitas vezes trata-se de impressotildees gerais sem necessariamente haver pesquisa e aplicaccedilatildeo metoacutedica sobre a caracterizaccedilatildeo verossiacutemil de dado dialeto como Pym ilustra com a suposta reproduccedilatildeo do dialeto inglecircs da classe operaacuteria de Yorkshire pelo grupo Monty Python em certa produccedilatildeo cocircmica que continha elementos do dialeto cockney O uso de uma variedade linguumliacutestica como paroacutedia pode ser identificado tambeacutem da seguinte maneira Sabemos que uma paroacutedia estaacute sendo feita quando percebemos que estamos recebendo apenas marcadores reduzidos e extremos de uma variedade verdadeira (PYM 2000) Todavia para outros autores como Esteves (2005) natildeo haacute como representar com fidelidade na escrita uma fala padratildeo ou natildeo padratildeo
78 Vide tambeacutem referecircncias desta dissertaccedilatildeo Milton (2002 60-61)
88
Em siacutentese Esteves contesta em parte a soluccedilatildeo tradutoacuteria dialeto por dialeto
adotada por Lane-Mercier em primeiro lugar por causa da incongruecircncia ou falta de
paralelismo entre as liacutenguas (conforme as opiniotildees de Landers 2001 Milton 2002 Pym
2000 por exemplo jaacute referidas neste toacutepico) ou pela relativa falta de autonomia dos
tradutores que natildeo fariam suas escolhas livremente (conforme Milton 2002) Todavia
Esteves compartilha das ideacuteias de Lane-Mercier no que diz respeito ao dever do tradutor de se
conscientizar dos efeitos do texto que ele produz Assim Esteves sugere uma soluccedilatildeo
mesmo que natildeo goze de tanta liberdade ou autonomia o tradutor eacute um produtor de sentidos e precisa estar atento para os efeitos do que escreve Uma das soluccedilotildees possiacuteveis eacute assumir explicitamente o caraacuteter de representaccedilatildeo estilizada e na medida do possiacutevel criar um falar que natildeo tente identificar especificamente uma regiatildeo ou estado (ESTEVES 2005 343)
O argumento de Esteves parte do princiacutepio de que ela considera com base em
Lane-Mercier (1999 45) apud Esteves (2005 342) que nenhuma espeacutecie de dialeto seja a
norma-padratildeo ou seus desvios pode ser representada na escrita com precisatildeo e portanto num
romance os dialetos apenas seriam uma representaccedilatildeo da liacutengua real viva e presente na fala
cotidiana
ningueacutem negaria que existe uma abismal diferenccedila entre uma descriccedilatildeo linguumliacutestica de uma variante dialetal (seja ela padratildeo ou natildeo) e sua representaccedilatildeo dentro de um romance O problema estaria justamente em julgar que o autor ou tradutor deve ou pode representar uma variante dialetal de forma exata e sem distorccedilotildees (ESTEVES 2005 342)
Por conseguinte a representaccedilatildeo de um dialeto na traduccedilatildeo que natildeo configure
uma regiatildeo ou um estado seria conforme Esteves (2005 343) uma opccedilatildeo que apesar de
perder a caracterizaccedilatildeo dessas identidades especiacuteficas ganharia uma diferenccedila discursiva
nessa opccedilatildeo o tradutor estaria perdendo a caracterizaccedilatildeo regional (que de qualquer maneira seria artificial jaacute que natildeo existe correspondecircncia entre regiotildees e falares de paiacuteses diferentes) mas ganharia ao marcar uma diferenccedila discursiva que com quase toda a certeza eacute relevante para o texto em questatildeo (senatildeo o autor provavelmente natildeo a teria usado) (ESTEVES 2005 343)
Essa opccedilatildeo vem em termos ao encontro da argumentaccedilatildeo de Pym (2000) exposta
acima o que embora pareccedila ser a melhor resposta para o problema diante das outras opccedilotildees
merece cautela dada a complexidade do assunto e portanto natildeo se trata de uma resposta
definitiva
89
Levando-se em conta o problema da traduccedilatildeo de variedades estigmatizadas na
literatura poder-se-ia recair no argumento de que a traduccedilatildeo eacute algo impossiacutevel
consubstanciando-se na opiniatildeo de que ela eacute o escacircndalo da Linguumliacutestica de acordo com
Mounin apud ROacuteNAI (1987) Entretanto deve ser lembrada a opiniatildeo relevante de Lefevere
(1992 35) de que os desvios da norma-padratildeo linguumliacutestica na literatura deveriam ser
relacionados de modo semelhante na liacutengua de chegada Outro argumento em defesa desse
procedimento
de certo modo nas entrelinhas
estaacute nas palavras de Umberto Eco (1993
65) ao afirmar que quando se conhece um aspecto de uma obra de arte mesmo que
superficialmente isso serve para receber um pouco da fruiccedilatildeo da vitalidade formativa que a
obra ostenta ainda que nos seus aspectos mais superficiais Essas ideacuteias encontram base
tambeacutem em Lyons
embora possa ser impossiacutevel traduzir todas as sentenccedilas de uma liacutengua em sentenccedilas de outra sem distorccedilotildees ou substitutos conciliadores normalmente eacute possiacutevel conseguir que uma pessoa que natildeo conhece nem a liacutengua nem a cultura do original entenda mais ou menos satisfatoriamente ateacute mesmo aquelas expressotildees dependentes de cultura que resistem agrave traduccedilatildeo em qualquer liacutengua com a qual esteja familiarizada (Lyons 1987 292)
Ao se trazer para discussatildeo o problema da traduccedilatildeo de desvios da norma-padratildeo
linguumliacutestica para a praacutetica tradutoacuteria brasileira eacute necessaacuterio antes refletir sobre a histoacuteria da
formaccedilatildeo cultural do Brasil de modo a compreender certas razotildees adotadas como estrateacutegia
ou dogmas de traduccedilatildeo que repercutiram no passado e que encontram reminiscecircncias ateacute os
dias de hoje (2009)
Lia Wyler (2003 57-61) ao analisar o percurso da traduccedilatildeo ao longo da histoacuteria
do Brasil trata da influecircncia cultural francesa e portuguesa sobre a nossa cultura resultando
num fenocircmeno que ela chama de estrangeiramento das elites brasileiras Wyler afirma que
tal estrangeiramento se deu de uma maneira incomum pois natildeo se enquadrou no modelo
milenar de dominaccedilatildeo em que a cultura do colonizador se sobrepotildee agrave do colonizado
caracterizando-se por uma dupla exposiccedilatildeo cultural a portuguesa e por seu intermeacutedio a
francesa que durou mais de trecircs seacuteculos e foi decisiva para formar nossa visatildeo de mundo e
consequumlentemente nossa visatildeo da traduccedilatildeo como parte desse mundo (WYLER 2003 57)
Wyler explica o afrancesamento brasileiro pelo fato de que os portugueses jaacute
possuiacuteam uma tradiccedilatildeo cultural haacute muito tempo influenciada pela Franccedila desde meados do
seacuteculo XI ou seja antes mesmo da constituiccedilatildeo de Portugal como reino independente
(WYLER 2003 59) Wyler aleacutem de comentar sobre essa dependecircncia cultural histoacuterica de
90
Portugal em relaccedilatildeo agrave Franccedila destaca que tambeacutem houve a partir do final do seacuteculo XIV
uma dependecircncia econocircmica da Inglaterra condiccedilotildees que se reproduziriam no Brasil e nas
demais colocircnias portuguesas (WYLER ibidem) Assim em vaacuterios momentos da histoacuteria
brasileira a influecircncia francesa (e tambeacutem inglesa) se fez presente
a cultura brasileira registra tanto a influecircncia dos trovadores provenccedilais no folclore nordestino quanto a dos pensadores franceses na Conjuraccedilatildeo Mineira (1789) nas conspiraccedilotildees do Rio de Janeiro (1794) e da Bahia (1798) e na Revoluccedilatildeo Pernambucana (1817) Mas foi a transferecircncia da corte portuguesa para o Brasil em 1808 que tornou mais visiacuteveis os papeacuteis determinantes da Franccedila em nossa cultura e da Inglaterra em nossa economia ambos relevantes em momentos diferentes para a formaccedilatildeo e o estiolamento de uma induacutestria livreira em nossa terra (WYLER 2003 59)
A presenccedila dos elementos culturais franceses perdura durante todo o seacuteculo XIX e
se estende ateacute o seacuteculo XX quando comeccedila o seu decliacutenio com a ascensatildeo dos Estados
Unidos como nova potecircncia mundial Eacute importante lembrar que a liacutengua francesa
principalmente por meio do classicismo francecircs das belles infidegraveles ficou pretensiosamente
associada agrave concepccedilatildeo de bom gosto beleza e refinamento e portanto numa
superioridade atestada por vaacuterias figuras de destaque no mundo intelectual e sua crenccedila de
que a liacutengua francesa natildeo seria inferior agraves liacutenguas claacutessicas possuindo suas proacuteprias
qualidades e possibilidades de alcanccedilar uma perfeiccedilatildeo ateacute maior do que a do latim e do grego
(MILTON 1998 56) conforme Antoine le Maistre
Eacute preciso tentar traduzir beleza por beleza e figura por figura imitar o estilo do autor e dele se aproximar ateacute o limite do possiacutevel variar as figuras e as falas e ao final fazer de nossa traduccedilatildeo um quadro e uma representaccedilatildeo viva da obra que se traduz de maneira que se possa dizer que o francecircs eacute tatildeo belo quanto o latim e citar com seguranccedila o francecircs em vez do latim (LE MAISTRE apud MILTON 1998 56)
O francecircs como sinocircnimo de perfeiccedilatildeo encontra a opiniatildeo de Roger Zuber sobre o
talento de D Ablancourt como tradutor
Taacutecito emaranha-se na geografia D Ablancourt vem em seu socorro e retifica os fatos Ariano confunde a Siacuteria com a Assiacuteria O francecircs natildeo se esquece de restabelecer o texto As contradiccedilotildees as lendas os problemas histoacutericos satildeo sempre por sua proacutepria natureza vigilante uma ocasiatildeo em que d Ablancourt afirma seu domiacutenio e sua maestria (ZUBER apud MILTON 1998 59)
A influecircncia cultural francesa sobre o Brasil depois de tanto tempo comeccedilou a
declinar a partir das primeiras deacutecadas do seacuteculo XX principalmente no periacuteodo
compreendido entre as duas Grandes Guerras Mundiais em que houve a ascensatildeo e projeccedilatildeo
91
dos Estados Unidos como potecircncia mundial de ideologia colonizadora Essa tendecircncia no
mercado literaacuterio ficou bem marcada na publicaccedilatildeo de traduccedilotildees de obras em liacutengua inglesa
conforme explica Wyler no contexto da eacutepoca de Getuacutelio Vargas
A Era Vargas (1930
1953) marcou natildeo apenas um decisivo progresso em nossa
induacutestria livreira mas tambeacutem o iniacutecio da induacutestria de traduccedilotildees nacionais e da substituiccedilatildeo da influecircncia francesa pela influecircncia americana em nossa cultura consolidando um processo que vinha desde o iniacutecio do seacuteculo (WYLER 2003 116-117)
Milton (2002 12-13) a esse respeito enfatiza que
A obra de Socircnia Amorim [Em Busca de um Tempo Perdido] sobre a Editora Globo de Porto Alegre mostra a importacircncia da literatura traduzida dentro dos ideais nacionalistas dominantes nos ciacuterculos gauacutechos do fim dos anos 20 e iniacutecio dos anos 30 aleacutem do nuacutemero crescente das traduccedilotildees do inglecircs que entre 1930 e 1960 substituiu o francecircs como a liacutengua principal estudada falada e traduzida no Brasil
Esse autor ainda destaca que a Editora Globo salvo seu grande projeto de
traduccedilatildeo da Comeacutedia humana traduzia quase exclusivamente do inglecircs e editoras como a
Saraiva e a Joseacute Olympio por exemplo publicavam cada vez mais traduccedilotildees do inglecircs
Milton (2002 13) explica que essa mudanccedila de interesse ocorreu por causa da
crescente influecircncia da induacutestria cinematograacutefica de Hollywood vista por exemplo em
vaacuterias publicaccedilotildees da Livraria do Globo (agrave qual a Editora do Globo pertencia) ou seja
traduccedilotildees de novelas policiais ou de romances convertidos na linguagem do cinema e
posteriormente exibidos no Brasil Morro dos Ventos Uivantes (Wuthering Heights) Os 39
degraus (39 Steps) de John Buchan Reliacutequia Macabra (The Maltese Falcon) de Dashiell
Hammett e Como era verde meu vale (How Green Was My Valley) de Richard Llewellyn 79
Esse teoacuterico percebeu que muitas traduccedilotildees brasileiras consertavam os desvios
da norma-padratildeo da liacutengua portuguesa presentes em romances estrangeiros conforme
pesquisa que realizou sobre livros publicados entre 1945 e 1975 (MILTON 2002 52-62)
Tambeacutem notou essa praacutetica em exemplos de traduccedilotildees feitas em outros paiacuteses em liacutenguas
como o espanhol padratildeo (SANCHEZ ORTIZ 1995 apud MILTON 2002 55) e hebraico
padratildeo (TOURY apud MILTON 2002 55)
79 Este comentaacuterio tambeacutem se aplica a obras de Steinbeck como eacute o caso de Of mice and men adaptado para o cinema em 1939 sob direccedilatildeo de Lewis Milestone (Of mice and menCariacutecia Fatal) e refilmado em 1992 estrelado e dirigido por Gary Sinise (Of mice and menRatos e homens)
92
Apoacutes essas constataccedilotildees Milton busca razotildees que motivam tal praacutetica A primeira
delas que ele chama de essencialista e platocircnica seria o fato de que as variedades
linguumliacutesticas de baixo prestiacutegio (que Milton chama de dialeto) natildeo tecircm grande importacircncia para
o resultado da obra literaacuteria importando sim o que diz a personagem e natildeo como diz
(MILTON 2002 55) Seguem-se outras hipoacuteteses
() a segunda razatildeo a giacuteria eacute algo errado e o seu uso natildeo deveria ser permitido para que natildeo se manchasse as paacuteginas de um romance claacutessico () Podemos enumerar adiante outras razotildees especificamente brasileiras Primeiro um desenvolvimento tardio dos estudos acerca dos dialetos e formas de baixo padratildeo no Brasil () Aleacutem disso a visatildeo conservadora por parte de uma classe meacutedia predominante tanto poliacutetica quanto economicamente reflete-se em um comeacutercio de livros que eacute bastante conservador na maioria dos casos um negoacutecio familiar que evita novidades (MILTON 2002 56-58)
A noccedilatildeo de civilidade beleza e esteacutetica assimilada pelo puacuteblico brasileiro
leitor demonstra como valores derivados do domiacutenio cultural exercido por paiacuteses como a
Franccedila (as belles infidegraveles) satildeo sutilmente agregados agraves culturas submetidas criando posturas
preconceituosas ou discriminatoacuterias alienantes noccedilotildees de verdade e juiacutezos de valor que
formam tendecircncias no mercado consumidor Muita dependecircncia do puacuteblico leitor agraves vezes
resulta num estilo pouco aventureiro algo comercial (MILTON 2002 56)
O importante papel da traduccedilatildeo como veiacuteculo de intercacircmbio de cultura entre os
povos do mundo natildeo deixa de ter em si todavia algo digno de nota e de reflexatildeo a relaccedilatildeo
entre dominante e dominado ou seja o imperialismo pode exercer sua influecircncia
pela
traduccedilatildeo
tambeacutem na cultura de um povo subjugado ou sem a forccedila necessaacuteria para se impor
e resistir As belas infieacuteis e o classicismo francecircs de alguma forma produziram algumas
ressonacircncias no Brasil a partir do seacuteculo XIX e de certo modo avanccedilaram pelo seacuteculo XX e
alguns de seus ecos ainda podem ser percebidos ateacute mesmo na atualidade por exemplo pelo
que se pode chamar de bom gosto no que estaacute ligado agrave expressatildeo linguumliacutestica oral ou escrita
O modelo cultural francecircs de padratildeo esteacutetico e de refinamento estaacute muito ligado
ao preconceito linguumliacutestico como um dos fatores que inibem a traduccedilatildeo de desvios da norma-
padratildeo presentes em romances estrangeiros Milton faz algumas consideraccedilotildees a esse respeito
Quanto menor for o uso da giacuteria mais bem considerado o autor seraacute Podemos indicar razotildees especificamente brasileiras para isso como uma ressaca provocada pelo domiacutenio cultural francecircs sobre a cultura brasileira ateacute a Segunda Guerra Literatura significa belles lettres o tradutor deve preservar le bon goucirct e cortar e alterar as traduccedilotildees aux belles infidegraveles (MILTON 2002 57)
93
Sobre a chamada norma culta Marcos Bagno (2006 73) faz muitas reflexotildees
sobre os preconceitos atrelados a esse termo dentre as quais relaciona a gramaacutetica
tradicional os meacutetodos tradicionais de ensino e os livros didaacuteticos como elementos
disseminadores do preconceito linguumliacutestico a gramaacutetica tradicional inspira a praacutetica de
ensino que por sua vez provoca o surgimento do livro didaacutetico cujos autores () recorrem agrave
gramaacutetica tradicional como fonte de concepccedilotildees e teorias sobre as liacutenguas Assim surge uma
hipoacutetese de que os livros didaacuteticos e suas preconizaccedilotildees sobre a liacutengua correta poderiam
influenciar as traduccedilotildees literaacuterias uma vez que o bom uso da liacutengua eacute ditado pela ideacuteia e
costume de se enxergar as produccedilotildees da literatura como um complemento agrave didaacutetica escolar
A liacutengua portuguesa das traduccedilotildees do periacuteodo entre 1945
1975 conforme a
pesquisa de Milton (2002) em geral primava por um estilo mais polido oscilando entre o
ideal da norma-padratildeo e de variedades de prestiacutegio em contraponto com a liacutengua do texto de
partida por vezes caracterizada como variedades estigmatizadas segundo a voz e o perfil de
personagens literaacuterios Assim a liacutengua portuguesa deveria refletir o ideal da cultura brasileira
pensado pelos agentes institucionais (leitores especializados) tornado como expectativa pelo
puacuteblico geral (leitores natildeo especializados) A recepccedilatildeo (puacuteblico leitor especializado e natildeo
especializado) neste caso em sua maior parte talvez esperasse nas publicaccedilotildees uma liacutengua
seguindo os preceitos das elites dominantes calcados na norma linguumliacutestica padratildeo ou pelo
menos numa variedade de prestiacutegio que pudesse refletir ateacute mesmo a linguagem coloquial
mas melhorada
Por isso presume-se que o tradutor naquele contexto deveria seguir as normas
daquele tempo a fim de conseguir espaccedilo e projeccedilatildeo segundo os objetivos e a ideologia dos
agentes institucionais vendas lucrativas preceitos morais ideais de valor esteacutetico (como no
caso do uso de uma variedade linguumliacutestica que espelhasse beleza ordem civilidade polidez
superioridade etc) Deste modo as obras estrangeiras eram refratadas segundo as
tendecircncias do sistema de chegada brasileiro No caso especiacutefico da liacutengua utilizada nas
traduccedilotildees a liacutengua portuguesa que atendia a essas expectativas era expressa pela norma-
padratildeo ou por variedades de prestiacutegio
Cabe aqui outra vez mencionar a linguagem de Steinbeck em Of mice and men
sabendo-se que seus diaacutelogos satildeo uma amostra de um inglecircs popular e estigmatizado
distanciado do inglecircs padratildeo estadunidense Quando o assunto eacute a traduccedilatildeo desse romance
surgem questotildees sobre como proceder nessa transposiccedilatildeo Uma delas diz respeito agraves
implicaccedilotildees de se buscar similaridade de efeitos desse dialeto da liacutengua inglesa em portuguecircs
94
por exemplo ou simplesmente anular essa linguagem pelo uso de uma variedade de prestiacutegio
mais proacutexima do ideal da norma-padratildeo
Em ambos os casos alguns problemas ficam evidenciados pois se por um lado
anular uma variedade linguumliacutestica estigmatizada da liacutengua inglesa numa traduccedilatildeo em portuguecircs
mais polido resulta em perdas por exemplo no sentido de natildeo caracterizar os personagens
social e culturalmente por sua fala por outro lado tentar reproduzir essa fala num portuguecircs
mais rude perifeacuterico tambeacutem produz problemas na traduccedilatildeo a escolha de um determinado
dialeto estigmatizado da liacutengua portuguesa do Brasil por exemplo ateacute poderia se aproximar
do perfil social dos personagens mas esse linguajar por causa das caracteriacutesticas e
peculiaridades que fazem toda liacutengua iacutempar natildeo reproduziriam com perfeiccedilatildeo jamais o ideal
do texto de partida
Entretanto as traduccedilotildees existem e de alguma forma cumprem seu papel Assim
por meio de uma anaacutelise descritiva das traduccedilotildees de Of mice and men realizadas por Eacuterico
Veriacutessimo Myriam Campello e Ana Ban no que diz respeito agrave linguagem utilizada por cada
tradutor e tambeacutem a outras questotildees seratildeo buscadas informaccedilotildees e reflexotildees que possam
contribuir para os estudos de traduccedilatildeo
95
3 OF MICE AND MEN ASPECTOS GERAIS E TRADUCcedilOtildeES
A essecircncia da traduccedilatildeo eacute ser abertura diaacutelogo mesticcedilagem descentralizaccedilatildeo Ela eacute relaccedilatildeo ou natildeo eacute nada
Antoine Berman
Tendo em vista as reflexotildees preacutevias sobre o caraacuteter dinacircmico das liacutenguas e a
necessidade constante de renovar as traduccedilotildees o romance Of mice and men e as suas trecircs
respectivas traduccedilotildees em portuguecircs podem servir de referecircncia e de exemplo ilustrativo destas
consideraccedilotildees sem deixar de lado as outras implicaccedilotildees da traduccedilatildeo os contextos culturais de
povos diferentes (liacutengua e cultura dos Estados Unidos versus liacutengua e cultura do Brasil) em
eacutepocas distintas suas semelhanccedilas diferenccedilas manipulaccedilotildees e tentativas de conciliaccedilatildeo nos
novos textos produzidos a sugestividade do tiacutetulo os nomes dos personagens e sobretudo a
linguagem utilizada quando esta eacute uma variedade de prestiacutegio ou natildeo quando neste uacuteltimo
caso o texto reproduz um modo de falar por meio de um dialeto estigmatizado
Neste capiacutetulo seratildeo apresentados uma biobibliografia do autor John Steinbeck
bem como informaccedilotildees sobre a sua obra Of mice and men e respectivas traduccedilotildees em
portuguecircs dados sobre os tradutores as editoras e os diferentes contextos em que o texto de
partida e suas reescrituras foram produzidos Em relaccedilatildeo ao romance examinado o
conhecimento da sua simbologia e temas presentes satildeo tambeacutem importantes para a
compreensatildeo das questotildees a serem tratadas especificamente dirigidas agraves soluccedilotildees encontradas
pelos trecircs tradutores de modo a perceber nuances e caracteriacutesticas primordiais desse romance
na sua ambientaccedilatildeo e no perfil dos personagens bem como o tratamento da linguagem dado
por Steinbeck
31 O escritor John Steinbeck biobibliografia
Na biografia apresentada pelo Ciacuterculo do Livro na traduccedilatildeo de Of mice and men
realizada por Myriam Campello (Ratos e homens 1991 101-102) John Ernst Alcibiade
Socrate Steinbeck (ou tambeacutem John Ernst Steinbeck conforme o National Steinbeck
Center)80 desde crianccedila desejava ser escritor e lia desde muito jovem grandes escritores
80 Em sua paacutegina da Internet lthttpwwwsteinbeckorgMainFramehtmlgt Acesso em 1ordm de junho de 2009
96
como Dostoieacutevski John Milton Flaubert George Eliot e Thomas Hardy mas tambeacutem foi
bastante influenciado pela Biacuteblia
Segundo o National Steinbeck Center Steinbeck nasceu em Salinas Califoacuternia
em 27 de fevereiro de 1902 descendente de alematildees e irlandeses Seu pai era contador
enquanto que sua matildee Olive Hamilton Steinbeck ex-professora incentivou o gosto de seu
filho pela leitura e escrita Durante os verotildees ele trabalhava como empregado nos ranchos da
vizinhanccedila alimentando suas impressotildees sobre a zona rural da Califoacuternia e aquelas pessoas
Sobre esses trabalhos eventuais do escritor a biografia apresentada pela Editora
LampPM Pocket (Ratos e homens 2005) menciona que Steinbeck presenciava a vida dos
trabalhadores da cidade de Salinas e do feacutertil Vale de Salinas centros agriacutecolas a cerca de 20
quilocircmetros do oceano Paciacutefico assinalando que tanto o vale quanto a costa mariacutetima
californiana serviriam como pano de fundo de grande parte da sua ficccedilatildeo Tambeacutem o bioacutegrafo
Jay Parini (1998 21) menciona que essa regiatildeo foi uma fonte inspiradora para o escritor A
Califoacuternia foi o cenaacuterio de grande parte de sua ficccedilatildeo uma espeacutecie de Eacuteden imperfeito que ele
de vez em quando perdia e recuperava
Moacyr Scliar (2004) num artigo agrave Revista Veja81 fala sobre a influecircncia dessas
experiecircncias na vida de Steinbeck
para sobreviver [John Steinbeck] trabalhou na colheita de frutas na construccedilatildeo de rodovias e foi repoacuterter A Depressatildeo converteu-o em escritor engajado Identificava-se com a luta dos trabalhadores rurais que transformou em personagens de romances como Ratos e homens e As Vinhas da Ira mas nunca foi comunista () (SCLIAR 2004)
O Ciacuterculo do Livro (Ratos e homens 1991 101-102) destaca que Steinbeck
frequumlentou a Universidade de Stanford por cerca de cinco anos mas abandonou o curso em
1925 sem se formar tempo em que decidiu ir para Nova York na intenccedilatildeo de se tornar
romancista Entretanto com o sonho frustrado volta para a Califoacuternia onde se emprega numa
fazenda e nas horas livres dedica-se agrave literatura
Essa mesma fonte indica que o primeiro livro de Steinbeck A taccedila de ouro
publicada em 1929 jaacute apresentava a caracteriacutestica mais marcante de seu estilo ou seja o tom
alegoacuterico expressando-se por meio de siacutembolos e metaacuteforas Outras obras desse escritor satildeo
tambeacutem mencionadas Boecircmios errantes de 1935 o primeiro sucesso de puacuteblico vendida
para o cinema Ratos e homens de 1937 responsaacutevel pela consolidaccedilatildeo de sua reputaccedilatildeo
81 Disponiacutevel em lthttpvejaabrilcombr090604p_160htmlgt Acesso em 1ordm de junho de 2009
97
literaacuteria a coletacircnea de contos O grande vale de 1938 As vinhas da ira (sua obra-prima que
recebeu o Precircmio Pulitzer e consequumlentemente fez com que Steinbeck fosse eleito membro
do Instituto Nacional de Artes e Letras aleacutem do fato de o livro ter sido adaptado para o
cinema de Hollywood) Noite sem lua de 1942 rejeitado pela criacutetica Caravana de destinos
de 1945 A peacuterola e O destino viaja de ocircnibus ambos de 1947 que tiveram repercussatildeo
negativa em 1949 escreve o roteiro para o filme Viva Zapata A leste do Eacuteden de 1949
filmado por Elia Kazan e estrelado por James Dean O inverno de nossa desesperanccedila de
1961 a sua uacuteltima obra tambeacutem desse ano foi Viagem com Charlie
Ainda nessa mesma fonte consta que em meados de 1967 eacutepoca em que
Steinbeck escrevia artigos sobre a Guerra do Vietnam esse escritor sofreu um enfarte depois
de uma operaccedilatildeo na coluna vertebral A sua morte entretanto ocorreu um pouco mais tarde
em 20 de dezembro de 1968 em Nova York aos sessenta e seis anos de idade
A paacutegina da Internet do National Steinbeck Center apresenta uma relaccedilatildeo de
precircmios e honrarias a John Steinbeck dentre os quais em ordem cronoloacutegica destacam-se
1935
medalha de ouro de melhor romance (Tortilla Flat) concedida pelo Commonwealth
Club of California 1936
medalha de ouro de melhor romance (In dubious battle) concedida
pelo Commonwealth Club of Califoacuternia 1938
precircmio do New York Drama Critics Circle
(Of Mice and Men) 1939
eleito membro do Instituto Nacional de Artes e Letras (National
Institute of Arts and Letters) American Booksellers Award 1940
Precircmio Pulitzer (The
grapes of wrath) 1946
King Haakon Liberty Cross (The moon is down) 1948
eleito
membro da Academia Americana de Artes e Letras 1962
Precircmio Nobel de Literatura 1963
assume o cargo de Consultor Honoraacuterio de Literatura Americana da Biblioteca do
Congresso 1964
United States Medal of Freedom torna-se curador da Biblioteca
Memorial John F Kennedy recebe o precircmio Annual Paperback of the Year e a Press Medal
of Freedom 1966
eleito membro do Conselho Nacional de Artes 1979
um selo
comemorativo dos correios dos EUA (US Postal Service) eacute criado em homenagem a John
Steinbeck 1983
criaccedilatildeo da Fundaccedilatildeo Steinbeck (Steinbeck Center Foundation) em Salinas
Califoacuternia 1984
criaccedilatildeo da Medalha de Ouro Americana Steinbeck de Artes pela Casa da
Moeda dos EUA
98
32 John Steinbeck no sistema literaacuterio dos Estados Unidos
O talento literaacuterio de Steinbeck o colocou ao lado de grandes escritores norte-
americanos gozando de fama prestiacutegio e precircmios Segundo Jay Parini
John Steinbeck foi o uacuteltimo de uma geraccedilatildeo de escritores norte-americanos que incluiu entre outros F Scott Fitzgerald Gertrude Stein Ernest Hemingway e William Faulkner Quando morreu em 1968 alguns anos depois de ganhar o Precircmio Nobel de Literatura jaacute gozava de fama mundial embora o futuro de sua reputaccedilatildeo como romancista natildeo estivesse de modo algum assegurado (PARINI 1998 11)
Ainda segundo Parini muitos criacuteticos influentes achavam que sua obra declinara
desde a publicaccedilatildeo de As vinhas da ira (The grapes of wrath) em 1939 Poreacutem a resposta do
puacuteblico mostrava-se bem diferente
() Alegremente ignorando esses criacuteticos leitores do Cairo a Beijing continuaram a procurar traduccedilotildees de seus livros enquanto legiotildees de adolescentes americanos e britacircnicos rompiam a primeira denticcedilatildeo literaacuteria em livros como Ratos e homens (Of mice and men) A peacuterola (The Pearl) e O menino e o alazatildeo (The Red Pony) (PARINI 1998 11)
O criacutetico literaacuterio Robert E Spiller (1967 235) tambeacutem cita Steinbeck como
integrante desse grupo de escritores acrescentando agravequela lista nomes como Thomas Wolfe
James T Farrell e Erksine Caldwell e assinala tendecircncias dessa geraccedilatildeo da deacutecada de 1930
Todos eram naturalistas em sua inspiraccedilatildeo literaacuteria fundamental escritores que desenvolveram em graus diferentes as possibilidades do simbolismo e que seguiram de modo geral a rota traccedilada por SHERWOOD ANDERSON () que os levaria a utilizar mais a imaginaccedilatildeo e afastar-se de um realismo literal (SPILLER 1967 235)
De modo mais especiacutefico Spiller destaca o ambiente retratado na criaccedilatildeo literaacuteria
de Steinbeck conjugado a outros elementos comuns
O mundo da realidade comeccedila a tornar-se mais remoto nas novelas de JOHN STEINBECK () Talvez uma razatildeo disso resida no fato de o ambiente de suas novelas transferir-se para a costa da Califoacuternia onde o impossiacutevel parece germinar luxuriantemente nos produtos literaacuterios do Vale de Salinas e nos pomares vinhas e seitas religiosas fantaacutesticos dessa regiatildeo Outra razatildeo talvez seja a mistura de raccedilas irlandesa e alematilde que produziu a histoacuteria romacircntica de Cup of Gold (1929) e os estudos pseudo-realistas do povo de um vale isolado The Pastures of Heaven (1932) (SPILLER 1967 236)
Spiller tambeacutem destaca que
99
A atitude fundamental do proacuteprio STEINBECK para suas criaccedilotildees artiacutesticas eacute a de um afastamento cocircmico que lhe permitiu misturar sua preocupaccedilatildeo social com o riso bem-humorado diante da irresponsabilidade de seus paisanos A cadecircncia da prosa irlandesa escrita em inglecircs estaacute presente ateacute mesmo nas histoacuterias dos habitantes despreocupados de Tortilla Flat (1935) seguidas quase imediatamente pela situaccedilatildeo miacutesera dos trabalhadores migratoacuterios dos pomares In Dubious Battle (1936) ao passo que os elementos contrastantes da fantasia e da realidade estatildeo indissoluvelmente fundidos em Of mice and men () uma novela curta escrita com o propoacutesito de ser adaptada tanto para o teatro quanto para o cinema (SPILLER 1967 236)
O criacutetico literaacuterio Morton Dauwen Zabel (2004) preocupou-se em definir quatro
movimentos literaacuterios dos Estados Unidos durante o seacuteculo XX estabelecendo as linhas
gerais de cada um Sobre este periacuteodo ele afirma a ficccedilatildeo dos Estados Unidos entre 1920 e
1945 eacute prodigiosamente abundante regurgita de talentos de toda espeacutecie e qualidade reflete
todos os interesses modas e reaccedilotildees possiacuteveis durante trecircs das mais agitadas deacutecadas da
histoacuteria moderna Os quatro movimentos satildeo assim definidos por Zabel (2004 30-31)
1) O Movimento que expressou o ceticismo a irreverecircncia e a ironia da nova geraccedilatildeo surgida por volta de 1920 em consequumlecircncia da Guerra
2) A tentativa de recuperar como um antiacutedoto do desengano sofisticado a feacute na mateacuteria-prima da experiecircncia humana mediante a redescoberta do povo os problemas da sociedade a solidariedade baacutesica da vida social e a responsabilidade do romancista como seu cronista e criacutetico
3) Uma tendecircncia experimental o esforccedilo de levar todos os recursos da inteligecircncia moderna a influiacuterem sobre a anaacutelise dos fatores psiacutequicos e morais que atuam na experiecircncia contemporacircnea e de traduzir esta inteligecircncia em palavras atraveacutes de todos os meios ao alcance do artista moderno
4) Um movimento em direccedilatildeo agrave siacutentese e agrave reconstruccedilatildeo um esforccedilo para reconciliar a criacutetica com o idealismo a experimentaccedilatildeo com a probidade moral e para fazer retornar a sensibilidade moderna com todas as suas duacutevidas e problemas a alguma espeacutecie de afirmaccedilatildeo de objetivo humano e feacute nos valores espirituais
Dentre esses quatro movimentos eacute no segundo de temaacutetica social em que se
enquadra John Steinbeck que Zabel cita entre outros escritores como Sinclair Lewis
Sherwood Anderson Ellen Glasgow Willa Cather Elizabeth Madox Roberts O Henry Ring
Lardner John dos Passos Erskine Caldwell Thomas Wolfe e William Faulkner Esses
escritores estavam redescobrindo o povo e tentando reconduzir a humanidade a uma posiccedilatildeo
de primazia na ficccedilatildeo quer com o objetivo de recuperar suas qualidades baacutesicas de energia
espiacuterito e resistecircncia quer com o intuito de expliacutecita criacutetica social e econocircmica (e moral)
(ZABEL ibidem) Zabel expotildee alguns motivos que inspiraram essa corrente
100
a ficccedilatildeo norte-americana revelara desde o iniacutecio uma forte e obstinada tendecircncia social No fim da deacutecada de 1920 dois fatos motivaram um retorno agrave inspiraccedilatildeo social O senso de futilidade e niilismo que ameaccedilava despojar o artista de suas faculdades se natildeo encontrasse uma nova fonte de energia moral para sua arte e o crescente senso de criacutetica social gerado pelas injusticcedilas e lutas de classe do mundo de apoacutes-guerra Quando a falsa prosperidade daquela eacutepoca foi varrida pelo grande desastre econocircmico de 1929 soou a hora do retorno do ceticismo ao realismo da desilusatildeo agrave responsabilidade social (ZABEL 2003 33-34)
Segundo Spiller (1967 236) Steinbeck se recusava a ser classificado numa
categoria literaacuteria riacutegida ateacute a publicaccedilatildeo de Of mice and men em 1937 A criacutetica entretanto
o considera como um dos uacuteltimos integrantes do movimento naturalista norte-americano
movimento que havia iniciado no fim do seacuteculo XIX com Stephen Crane (1871
1900) e se
desenvolvido por outros escritores como Frank Norris Theodore Dreiser e Jack London
Segundo Hart e Leininger (1995)82 o Naturalismo pode ser definido como o
movimento que surgiu do pensamento cientiacutefico do seacuteculo XIX seguindo em geral o
determinismo bioloacutegico da teoria de Darwin ou o determinismo econocircmico de Marx
Hart e Leininger (1995) ainda destacam que se trata de
um termo criacutetico aplicado ao meacutetodo de composiccedilatildeo literaacuteria que procura estabelecer uma objetividade cientiacutefica destacada no tratamento do homem natural Assim eacute mais inclusivo e menos seletivo que o Realismo e estaacute ligado agrave filosofia do determinismo O homem eacute concebido como um ser controlado por seus instintos ou por suas paixotildees ou pelo ambiente econocircmico e social e circunstacircncias Uma vez que nesta visatildeo o homem natildeo tem livre arbiacutetrio o escritor naturalista natildeo tenta fazer julgamentos morais e como determinista ele tende ao pessimismo83
Com base nessas caracteriacutesticas Of mice and men pode ser considerado um
romance naturalista pois haacute nele elementos com niacutetido encaixe com este movimento o
tratamento do homem natural eacute visto na escolha da composiccedilatildeo dos personagens homens
simples de vida dura envolvidos num ambiente social tiacutepico (zona rural dos EUA) e num
ambiente econocircmico (a crise dos anos de 1930) Satildeo seres humanos movidos pelas
circunstacircncias geradas pela necessidade de sobreviver (instinto de sobrevivecircncia) e pelo
82 Disponiacutevel em lthttpwwwencyclopediacomdoc1O123-Naturalismhtmlgt Acesso em 20 de dezembro de 2008 O nuacutemero da paacutegina natildeo eacute informado
83 critical term applied to the method of literary composition that aims at a detached scientific objectivity in the treatment of natural man It is thus more inclusive and less selective than realism and holds to the philosophy of determinism It conceives of man as controlled by his instincts or his passions or by his social and economic environment and circumstances Since in this view man has no free will the naturalistic writer does not attempt to make moral judgments and as a determinist he tends toward pessimism The movement is an outgrowth of 19th-century scientific thought following in general the biological determinism of Darwins theory or the economic determinism of Marx Vide referecircncia da nota de rodapeacute anterior nordm 82
101
sonho de uma vida melhor (fantasia paixatildeo) As privaccedilotildees e a necessidade neste caso satildeo
tatildeo fortes que se sobrepotildeem ao livre arbiacutetrio Natildeo haacute escolha a vida oferece poucas
oportunidades as quais ainda assim natildeo deixam o homem viver mas tatildeo somente
sobreviver Como consequumlecircncia haacute a desumanizaccedilatildeobestializaccedilatildeo do ser humano
frequumlentemente comparado a bichos que remetem agrave brutalidade fragilidade e imundiacutecie
Alguns personagens tambeacutem satildeo descritos com defeitos fiacutesicos ou aparecircncia decadente (ex
Candy eacute idoso e perdeu uma das matildeos e conforme argumento impliacutecito na histoacuteria sua
imagem pode ser associada ao seu catildeo tambeacutem velho e decadente) Logo o tom natildeo poderia
ser outro senatildeo o de pessimismo temperado com uma solidatildeo imensa vivenciada por grande
parte dos personagens aleacutem de haver nesta histoacuteria metaforicamente uma situaccedilatildeo frequumlente
na natureza o predador e a presa o mais fraco esmagado pelo mais forte
Apesar da popularidade de John Steinbeck que vendeu ateacute cerca de 2 milhotildees de
coacutepias por ano (ARNOLD 2002) este nome nunca foi uma unanimidade Of mice and men
por exemplo considerado por muitos criacuteticos como a maior realizaccedilatildeo de Steinbeck eacute visto
por outros de modo natildeo totalmente positivo para estes a obra perde um pouco da sua virtude
por conter personagens muito planos e um enredo excessivamente determinista que confere
mais importacircncia agrave liccedilatildeo da histoacuteria do que agraves pessoas que atuam nela aleacutem de recair no
sentimentalismo84 O criacutetico Morton Dauwen Zabel formulou estas palavras acerca de
Steinbeck
sua essecircncia artiacutestica corre sempre o risco de sobrecarregar-se com teses morais e ambiccedilotildees socioloacutegicas que escapam de sua alccedilada Ameaccedila-o constantemente a tendecircncia para o melodrama e o sentimentalismo e quando esses comeccedilam a transparecer em suas paacuteginas causam-lhes graves danos aos dotes naturais de observaccedilatildeo e precisatildeo dramaacutetica Aqui temos novamente o problema de um escritor bem dotado que se deixou impressionar demais pelas abstratas doutrinas sociais (ZABEL 2004 41)
Jonathan Yardly por exemplo num artigo para o Washington Post Book Review
afirmou que algumas obras de Steinbeck natildeo eram de genuiacuteno interesse literaacuterio como In
Dubious Battle Tortilla Flat e Of mice and men elas satildeo na melhor das hipoacuteteses
curiosidades o trabalho de aprendiz de um escritor cuja proacutepria ficccedilatildeo madura merece muito
84 Conforme anaacutelise disponiacutevel no site lthttpwwwsparknotescomlitmicemencontexthtmlgt many critics have faulted his works for being superficial sentimental and overly moralistic Though Of mice and men is regarded by some as his greatest achievement many critics argue that it suffers from one-dimensional characters and an excessively deterministic plot which renders the lesson of the novel more important than the people in it Acesso em 31 de dezembro de 2008
102
pouca distinccedilatildeo literaacuteria (MORSBERGER 2003 32-33)85 Seguindo esse tom Martin
Arnold escreveu no New York Times [Steinbeck] nunca foi tatildeo popular entre os maiores
acadecircmicos de literatura mas seu trabalho eacute considerado sentimental demais para a grande
arte e sua escrita simplesmente natildeo eacute boa o bastante (ARNOLD 2002 MORSBERGER
2003 33 THE NEW YORK TIMES 2008)86 E Harold Bloom apud Arnold (2002) natildeo eacute
nem um pouco condescendente vocecirc natildeo pode ler trecircs paraacutegrafos de Steinbeck sem pensar
num Hemingway empobrecido com caracterizaccedilotildees que satildeo artificiais 87
A despeito de tantas criacuteticas negativas veiculadas por jornais americanos de
grande prestiacutegio a presenccedila deste romance eacute bem marcante no sistema literaacuterio e artiacutestico dos
Estados Unidos devido ao seu grande sucesso entre o puacuteblico tanto na linguagem literaacuteria
como nas suas adaptaccedilotildees para o teatro e para o cinema E Zabel (2004 41) apesar de
ressaltar pontos fracos da obra de Steinbeck reconhece a importacircncia desse escritor situando-
o entre os grandes nomes da literatura norte-americana da deacutecada de 1930
33 A obra Of mice and men
331 Resumo expandido
Publicado pela primeira vez em 1937 Of mice and men situa-se no contexto da
Grande Depressatildeo dos anos de 1930 com a quebra da bolsa de valores de Nova York
George Milton e Lennie Small amigos de infacircncia satildeo bem diferentes um do
outro Lennie eacute enorme de forccedila fiacutesica incriacutevel mas sua inteligecircncia eacute deacutebil comparada agrave de
um menino de quatro ou cinco anos por isso eacute a todo o momento protegido por George um
homem pequeno mas sagaz e haacutebil ao se comunicar Os dois vagueiam por fazendas do vale
de Salinas na Califoacuternia procurando emprego nas colheitas e alimentam um sonho juntar as
economias e comprar uma terra para viverem e produzirem seu proacuteprio sustento um lugar
onde Lennie entre outras coisas imagina uma criaccedilatildeo de coelhos de que cuidaria e lhes faria
carinho Lennie sente atraccedilatildeo por coisas macias que gosta de pegar Tem o haacutebito de acariciar
85 At best they are curiosities the apprentice work of a writer whose mature fiction itself fell considerably short of literary distinction
86 [Steinbeck] has never been too popular among the higher academics of literature his work considered too sentimental for great art his writing simply not good enough
87 You can t read three paragraphs of Steinbeck without thinking of a poorer Hemingway with characterizations that are contrived
103
camundongos que carrega em seu bolso mas sempre os mata sem querer Pensa que coelhos
satildeo grandes o suficiente para suportar sua forccedila descontrolada
Os dois contratados numa fazenda de cevada em Soledad comeccedilam a trabalhar e
ter um conviacutevio amistoso com os outros empregados Entretanto Curley o filho do patratildeo eacute
de temperamento difiacutecil sempre arrumando alguma desculpa para criar confusatildeo e brigas
ocasiotildees em que gosta de mostrar suas habilidades como boxeador Eacute casado com uma mulher
muito bela poreacutem fuacutetil e provocante
outra fonte de problemas pois sempre flerta com
todos Essa mulher agrave qual o autor natildeo daacute nome apesar de ganhar contornos de vilatilde eacute tambeacutem
uma viacutetima com sonhos frustrados queria muito ser atriz em Hollywood o que natildeo
conseguiu restando-lhe apenas a opccedilatildeo de um casamento infeliz com Curley George faz
amizade com Slim o simpaacutetico condutor de mulas Lennie fica um tanto isolado mas sua
produtividade na colheita eacute fantaacutestica porque eacute muito mais forte do que qualquer outro
homem Slim daacute a Lennie um filhote de cachorro
Em certa ocasiatildeo na presenccedila dos trabalhadores Curley arma outra confusatildeo
achando que sua esposa o estava traindo com Slim Mas Slim se inocenta natildeo soacute apresentando
boa argumentaccedilatildeo mas zombando do boxeador momento em que Carlson e Candy acham o
momento propiacutecio para tambeacutem ridicularizaacute-lo Sem alternativa Curley vecirc Lennie como
viacutetima e o comeccedila a agredir O gigante eacute indefeso e soacute finalmente reage quando George lhe
ordena acabando por segurar e esmagar uma das matildeos do boxeador que humilhado aceita a
mentira inventada por Slim de que sua matildeo ficara presa numa maacutequina
Na fazenda trabalham tambeacutem um negro Crooks viacutetima de preconceito racial e
torto por causa de um coice e um velho que perdeu uma das matildeos Candy acompanhado de
seu cachorro velho desdentado e fedorento Carlson insiste em querer matar o catildeo de Candy
porque o animal estaacute velho demais inuacutetil e sofrendo Candy pesaroso acaba concordando
Carlson leva o catildeo para o mato onde lhe daacute um tiro na nuca provocando uma morte raacutepida e
indolor Candy pensa em seu destino quando for totalmente incapaz de trabalhar
O cliacutemax se daacute quando Lennie ao constatar que matou seu cachorrinho sem
querer por causa do seu excesso de forccedila eacute encontrado pela mulher de Curley Esta aos
poucos se aproxima e envolve Lennie num jogo de seduccedilatildeo convidando-o a afagar seus
cabelos sedosos Lennie cede e deste modo ela morre acidentalmente com o pescoccedilo
quebrado pelas matildeos descuidadas de Lennie Os empregados ao se darem conta do
acontecido apontam a culpa para Lennie que jaacute havia fugido para um lugar nas matas
vizinhas exatamente onde George precavido lhe havia indicado para o caso de algum
problema antes mesmo de chegarem agrave sede da fazenda de cevada Os homens liderados por
104
Curley procuram por Lennie e certamente lhe afligiratildeo uma morte terriacutevel George antecipa-
se aos outros e acha Lennie Aproximando-se e em tom de desalento George conta a velha
histoacuteria dos planos de um futuro melhor para eles numa terra proacutepria e com a arma de
Carlson
a mesma que matou o cachorro de Candy
mata o amigo com um tiro tambeacutem na
nuca Assim o sonho de um Eacuteden americano eacute completamente destruiacutedo
A simbologia eacute um elemento relevante neste romance Vaacuterias anaacutelises apontam
para o poema de Robert Burns (1759
1796) To a Mouse on turning her up in her nest with
the plough como a fonte que Steinbeck escolheu para dar tiacutetulo ao seu romance Eis um
trecho retirado da seacutetima estrofe traduzido em prosa por Otto Maria Carpeaux (1968 7) os
projetos melhor elaborados sejam de ratinhos ou sejam de homens fracassam muitas vecirczes e
nos fornecem soacute tristeza e sofrimento em vez do precircmio prometido 88
Burns por meio deste poema mostra como os planos dos homens natildeo satildeo mais
seguros do que os de um camundongo ideacuteia repetida por Steinbeck no tiacutetulo de Of mice and
men O que motiva os sonhos dos personagens eacute o seu descontentamento com o presente mas
o seu futuro natildeo pode ser melhor e suas vidas seguem um destino em que a fatalidade e o
pessimismo datildeo o tom quando os homens satildeo comparados a criaturas fraacutegeis pequenas e
cercadas de imundiacutecie como os ratos89
A cor vermelha ganha significado nas unhas nas roupas nos calccedilados e na
maquiagem da mulher de Curley como um sinal de paixatildeo e desejo ou de perigo o que a
torna ao mesmo tempo viacutetima e agente do Destino A figura de Lennie eacute frequumlentemente
associada com animais (urso cavalo cachorro etc) Suas matildeos satildeo muitas vezes referidas
como patas Isso parece ser apropriado para Lennie pois ele frequumlentemente age do modo
88 Conforme pesquisa no siacutetio lthttpwwwcummingsstudyguidesnetGuides4Mousehtmlgt - acesso em 29 de dezembro de 2008 Robert Burns poeta escocecircs escreveu To a Mouse em linguagem vernacular num dialeto inglecircs denominado Scots em 1785 com publicaccedilatildeo em Kilmarnock Escoacutecia em 31 de julho de 1786 como parte de uma coleccedilatildeo de poemas de Burns intitulada Poems Chiefly in the Scottish Dialect A paacutegina da Internet consultada aleacutem de fornecer uma anaacutelise literaacuteria tambeacutem disponibiliza o poema em duas versotildees em dialeto Scots seguindo a escrita de Burns e em inglecircs padratildeo moderno Abaixo se encontram os trechos correspondentes agrave traduccedilatildeo em portuguecircs de Otto Maria Carpeaux
Em dialeto Scots Em inglecircs padratildeo moderno
The best-laid schemes o mice an men Gang aft agley
An lea e us nought but grief an pain For promis d joy
The best-laid schemes of mice and men Go often astray
And leave us nothing but grief and pain For promised joy
89 Fonte lthttpuniversalteacherorgukproseofmiceandmenhtm13gt Acesso em 29122008
105
simples e natural de um bicho A solidatildeo eacute um dos temas principais da histoacuteria e se mostra
pelo nome simboacutelico da cidade mais proacutexima Soledad
ou solidatildeo em espanhol90
A anaacutelise de Haebig et al (2008) considera como um dos maiores temas desta
histoacuteria a solidatildeo e tambeacutem a busca pelo American Dream (o Sonho Americano ) A solidatildeo
eacute expressa por alguns personagens Candy fica sozinho na casa dos peotildees por causa de sua
matildeo perdida e seu catildeo velho eacute motivo de gozaccedilatildeo dos outros trabalhadores Lennie fica soacute
quando George e os outros vatildeo agrave cidade no dia do pagamento Crooks eacute segregado em virtude
de ser negro morando no estaacutebulo a mulher de Curley busca constantemente chamar a
atenccedilatildeo dos homens como um modo de se consolar do seu sonho fracassado de ser estrela de
cinema e do seu casamento sem amor o proacuteprio Curley eacute solitaacuterio pois sua mulher natildeo o
suporta e tampouco os trabalhadores ele se casou numa tentativa de superar a solidatildeo mas
escolheu uma mulher totalmente inapropriada para o seu estilo de vida
tudo isso contribui
para o seu comportamento agressivo (HAEBIG et al 2008)
A busca do chamado American Dream se mostra na forma do sonho
compartilhado por George e Lennie de comprarem uma terra para si onde poderiam desfrutar
de liberdade e independecircncia na comunhatildeo de sua amizade fraterna A mulher de Curley
sonha constantemente sobre como sua vida teria sido diferente se ela natildeo tivesse aceitado se
casar com Curley O sonho de Candy eacute compartilhar sua vida com aqueles que o tratassem
como um homem de verdade mais humanizado A busca da liberdade de todos estes
personagens estaacute cercada pelos eventos traacutegicos que envolvem Lennie e a esposa de Curley
(HAEBIG et al 2008) Aos temas da solidatildeo e da busca do sonho americano em outra
anaacutelise91 acrescenta-se o tema da violecircncia ilustrado pelos seguintes exemplos Candy conta
como o patratildeo lhes deu uiacutesque e permitiu que houvesse uma briga na casa dos peotildees Curley
o personagem mais violento sempre deixa uma tensatildeo no ar todas as vezes que aparece e se
revela num problema seacuterio para Lennie provocando-o e apoacutes a sequumlecircncia de fatos infelizes
que culmina com a morte de sua esposa por Lennie a uacuteltima expressatildeo de fuacuteria de Curley em
relaccedilatildeo a Lennie eacute o seu desejo de furar suas tripas a balas ( shoot him in the guts)
Carlson natildeo se preocupa nem um pouco em matar o catildeo de Candy limpando a arma na
presenccedila do velho Ele se diverte quando Slim caccediloa de Curley e nessa ocasiatildeo afirma para
90 Conforme pesquisa na paacutegina da Internet disponiacutevel no seguinte endereccedilo eletrocircnico lthttpwwwnewiacukenglishresourcesworkunitsks4fictionofmicemensmallheaththemeshtmlgt Acesso em 29 de dezembro de 2008
91 Disponiacutevel em lthttpwwwnewiacukenglishresourcesworkunitsks4fictionofmicemensmallheaththemeshtmlgt Acesso em 29 de dezembro de 2008
106
Curley que eacute capaz de kick your head off ( arrancar sua cabeccedila ) Eacute Carlson que
dirigindo-se a Curley sobre a conversa entre Slim e George
diz as uacuteltimas palavras do livro
( Now what the hell ya suppose is eatin them two guys ) que revelam sua incapacidade de
compreender os sentimentos de George sobre a morte de Lennie A violecircncia de Lennie por
outro lado natildeo eacute intencional Suas accedilotildees satildeo comparadas agraves de um animal
forte mas que
natildeo pensa Ironicamente eacute a forccedila de Lennie que faz com que a esposa de Curley se sinta
atraiacuteda por ele Por fim eacute a ameaccedila da violecircncia contra Lennie que faz com que George tome
a atitude de matar seu amigo
A natureza por sua vez eacute tambeacutem referida como tema nesta anaacutelise e eacute retratada
como um mundo de beleza e paz mas que eacute ameaccedilado pelas accedilotildees do homem no iniacutecio da
histoacuteria os animais na aacutegua se agitam com a aproximaccedilatildeo de George e Lennie O rancho e as
construccedilotildees agrave sua volta por serem criaccedilotildees humanas contrastam com o mundo natural
Candy e Crooks satildeo desnaturalizados por sua aparecircncia porque ambos possuem deformidades
no corpo (o primeiro perdeu uma matildeo o outro eacute torto) Lennie contrasta com estes dois
personagens pois parece fazer parte do mundo natural quando eacute descrito em termos que se
referem a animais (seu andar de urso suas patas etc)
332 A linguagem
A linguagem92 de Of mice and men se destaca por Steinbeck ter planejado sua
obra como romance literaacuterio mas tambeacutem com o objetivo de adaptaacute-la para o teatro cada
seccedilatildeo ou capiacutetulo se dispotildee num lugar claramente definido como numa cena de teatro O
iniacutecio de cada seccedilatildeo conteacutem descriccedilotildees detalhadas como roteiros para uma peccedila teatral
enquanto que o restante em sua maior parte toma a forma de diaacutelogos Logo a linguagem eacute
simples direta e resumida e se distingue entre dois usos da liacutengua inglesa estadunidense a
narrativa na liacutengua padratildeo e os diaacutelogos representados num dialeto estigmatizado da
Califoacuternia A esse respeito Li e Schultz (2005 145) afirmam que o estilo direto e sequumlencial
aleacutem do uso extensivo de diaacutelogos foram recursos que Steinbeck utilizou por que estava
preocupado em alcanccedilar tambeacutem um puacuteblico em especial os trabalhadores pobres que natildeo
liam livros mas que eventualmente poderiam ir ao teatro
92 Conforme anaacutelise disponiacutevel em lthttpwwwnewiacukenglishresourcesworkunitsks4fictionofmicemensmallheathlanghtmlgt Acesso em 29 de dezembro de 2008
107
John Steinbeck eacute um autor que costuma apresentar a temaacutetica social como nuacutecleo
de suas obras literaacuterias muitas vezes daacute a voz popular caracteriacutestica aos seus personagens por
meio de uma linguagem desviante do inglecircs padratildeo dos Estados Unidos Natildeo soacute em Of mice
and men mas tambeacutem em outras obras como em The grapes of wrath
Ain t
got the call no more Got a lot of sinful idears but they seem kinda
sensible
(STEINBECK 2002 20)
I got thinkin
how we was
holy when we was
one thing an mankin
was holy when it was one thing An it ony got unholy when one misable little fella got the bit in his teeth an run off his own way kickin an draggin an fightin Fella
like that bust the holi-ness But when theyre all workin
together not one fella
for another fella but one fella
kind of harnessed to the whole shebang thats right thats holy (STEINBECK 2002 81)
I gotta see them folks
that s gone out on the road I got a feelin I got to see them They gonna
need help no preachers can give em Hope of heaven when their lives ain t
lived Holy sperit
when their own sperit
is down-cast cast an
sad They gonna
need help They got to live before they can afford to die
(STEINBECK 2002 52)
Em Of mice and men os personagens satildeo trabalhadores rurais de baixa
escolaridade Esse perfil eacute evidenciado pela linguagem que eles utilizam caracteriacutestica da
fala numa oralidade que se distancia do inglecircs padratildeo dos Estados Unidos Schilling-Estes e
Wolfram (2006 14) apud Seppaumllauml (2008 1) bem como Yule (2006 212) classificam as
variedades linguumliacutesticas natildeo-padratildeo pelo termo vernacular dialect (dialeto vernaacuteculo)93 Outros
teoacutericos citados por Christiana (2001) tais como Janet Holmes (1992) Hans P Guth (1973)
William Labov (1989) Pride (1981) e Francis (1965) estabelecem caracteriacutesticas desse tipo
de linguagem que se apresentam como desvios da norma-padratildeo Guth (1973) apud
Christiana (2001 11-12) apresenta alguns exemplos da liacutengua inglesa vernaacutecula94
(estigmatizada) dos Estados Unidos
93 Conforme exposiccedilatildeo teoacuterica anterior feita nesta dissertaccedilatildeo a noccedilatildeo de variedade linguumliacutestica eacute complexa seguindo o que alguns teoacutericos (Catford 1980 Baker 1992 e outros) expotildeem sobre esse assunto abrangendo noccedilotildees do que se entende por exemplo por idioletos dialetos registros estilos e modos etc Em outras palavras portanto o termo dialeto vernaacuteculo aplica-se a dialetos ou variedades linguumliacutesticas estigmatizados conforme terminologia proposta por Bagno (2003 67) e adotada neste trabalho
94 Apesar da existecircncia de vaacuterios dialetos ou variaccedilotildees regionais do inglecircs dos Estados Unidos como David Crystal (1995 299 312
317) por exemplo trata e ilustra as informaccedilotildees trazidas por Christiana (2001) e Seppaumllauml (2008) ao citarem esses autores sobre o chamado vernacular English bem como Yule (2006) natildeo fazem relaccedilatildeo clara a um dialeto especiacutefico Logo subentende-se uma abordagem geral com os fenocircmenos linguumliacutesticos mais comuns da liacutengua inglesa estadunidense desviante da norma-padratildeo Entretanto eacute possiacutevel relacionar alguns desses exemplos com a linguagem utilizada por Steinbeck em Of mice and men
108
1 Formas verbais he don t you was I says have wrote I seen him
2 Formas pronominais hisself theirself this here book that there animal them
potatoes
3 Ausecircncia de conectivos being as she couldn t come (being as if
she couldn t come)
4 A dupla negativa We don t have no time I don t want none
5 O uso de ain t You ain t going to no heaven I ain t got it
6 Inversatildeo entre o sujeito e o verbo (ou first auxiliary) (em inglecircs padratildeo esse uso
acontece normalmente nas formas interrogativas enquanto que no inglecircs natildeo-padratildeo
isso tambeacutem se aplica a certos padrotildees frasais Ain t nobody gonna boss me around
didn t nobody hear him
7 Inversatildeo entre o sujeito e o verbo (ou first auxiliary) tanto em perguntas diretas como
em perguntas indiretas Ask him can he come I don t know can
Robert play
8 Sujeito duplicado My mother she
don t like me
9 Troca do uso de there por it ou they It s
no one there They s
a difference
Schilling-Estes e Wolfram (2006 183) apud Seppaumllauml (2008 1) afirmam que uma
caracteriacutestica comum de dialetos de baixo prestiacutegio (variedades estigmatizadas) estaacute em
diferenccedilas na concordacircncia verbal com o sujeito em que haacute uma tendecircncia em regularizar as
formas verbais ao se eliminar o s final da terceira pessoa do singular ou de forma contraacuteria
colocando-se essa letra em todas as formas verbais conforme Marckwardt (1980 153) apud
Seppaumllauml (2008 1) Em Of mice and men isso pode ser observado nas expressotildees sublinhadas
(com suas formas na liacutengua padratildeo o Standard American English entre parecircnteses)
1) Formas verbais regularizadas como na terceira pessoa do singular The hell with what I
says (STEINBECK sd 5) (I say) I remember some girls come by and you says you
says (STEINBECK sd 5) (you say) () so I comes
running ()
(STEINBECK sd
44) (I come) Me an him goes
ever place together
(STEINBECK sd 7) (go)
2) Uso generalizado da terceira pessoa do singular no passado simples do verbo to be como
padratildeo They was
so little ( ) (STEINBECK sd 10) (they were) Says we was
here when
we wasn t
(STEINBECK sd 22) (we werewe weren t) You wasn t big enough
(STEINBECK sd 91) (you weren t)
109
3) Terceira pessoa do singular com o verbo to do regularizado A guy on a ranch don t
never listen nor he don t
ast no questions (STEINBECK sd 25) (A guy doesn the
doesn t)
Outra caracteriacutestica desses dialetos eacute a omissatildeo do verbo to have como auxiliar do
present perfect I been
mean ain t I (STEINBECK sd 13) (I ve been) Well I never seen
one guy take so much trouble for another guy
(STEINBECK sd 23) (I ve never seen)
Schilling-Estes e Wolfram (2006 183) apud Seppaumllauml (2008) com relaccedilatildeo aos
verbos irregulares afirmam que estes tendem a assumir formas regularizadas por analogia aos
verbos regulares com terminaccedilatildeo -ed
no passado simples I think I knowed
from the very
first I think I knowed
we d never do her (STEINBECK p 100) (knew)
A oralidade desse chamado inglecircs vernaacuteculo (ou variedade estigmatizada) fica
marcante tambeacutem pela reduccedilatildeo de palavras quando faltam letras ou no seu iniacutecio ou meio ou
fim de acordo com Schilling-Estes e Wolfram (2006 183) apud Seppaumllauml (2008) Uma
simplificaccedilatildeo muito comum eacute o uso de -in em vez de -ing (YULE 2006 214) Abaixo
exemplos em Of mice and men
a) Omissatildeo de letras no iniacutecio das palavras
Gi
me that mouse (STEINBECK sd 8) (give)
Won t ever get canned cause
his old man s the boss (STEINBECK sd 28)
(because)
Bout half an hour ago maybe (STEINBECK sd 38) (about)
I guess we gotta get im
an lock im
up (STEINBECK sd 99) (him)
When you got a piece of pie you always got half or more n
half
(STEINBECK
sd 107) (than)
b) Omissatildeo de letras no meio das palavras
S pose he don t want to talk
(STEINBECK sd 26) (suppose)
() las Sat day night (STEINBECK sd 55) (last)
110
It s on y
about four o clock (STEINBECK sd 91) (only)
c) Omissatildeo de letras no final das palavras
I was only foolin George (STEINBECK sd 12) (fooling)
() las
Sat day night (STEINBECK sd 55) (last)
Por uacuteltimo ao se considerar a totalidade das falas segundo cada personagem de Of
mice and men observa-se certa regularidade no tratamento do dialeto utilizado isto eacute natildeo se
apresentam formas muito distintas entre o falar de um personagem em relaccedilatildeo aos outros o
que poderia se configurar em outras subvariaccedilotildees dialetais ou mesmo no uso de idioletos
34 Traduccedilotildees de Of mice and men
Um fator que pode indicar o sucesso de um autor eacute o quanto ele eacute traduzido
Goldstone e Payne (1974) apud Holmes (2004 22-40) exibem estatiacutesticas da produccedilatildeo
literaacuteria de Steinbeck traduzida para vaacuterios idiomas listando em seu cataacutelogo 57 liacutenguas para
as quais Steinbeck foi traduzido e dentre as demais obras ateacute entatildeo havia 55 traduccedilotildees de
Of mice and men distribuiacutedas em 32 liacutenguas superando o nuacutemero de The grapes of wrath que
contava com 40 traduccedilotildees em 26 liacutenguas
Of mice and men portanto eacute um dos livros mais disponibilizados de Steinbeck e
seu histoacuterico de publicaccedilotildees em inglecircs95 se inicia em 1937 nos Estados Unidos pela editora
Covici Friede Inc Seguem-se outras publicaccedilotildees por diferentes editoras dentre as quais a
Viking Press Inc (1938) e a Penguin Books (1978 e 1986) Em portuguecircs96 haacute pelo menos
trecircs traduccedilotildees tambeacutem jaacute em vaacuterias ediccedilotildees A primeira foi realizada pelo escritor brasileiro
95 De acordo com informaccedilotildees do site lthttpwwwedstephanorgSteinbeckmicehtmlgt Acesso em 22 de julho de 2009
96 Estes dados constam no Index Translationum disponiacutevel na Internet em lthttpdatabasesunescoorgxtransaopenisisaa=steinbeckampstxt_1=ampstxt_2=ampstxt_3=ampsl=ENGampl=PORampc=amppla=amppub=amptr=ampe=ampudc=ampd=ampfrom=ampto=amptie=andgt (acesso em 23122008) Entretanto natildeo constam neste siacutetio nenhum dado relativo agraves traduccedilotildees brasileiras de Eacuterico Veriacutessimo de 1940 (e outras) de Myriam Campello de 1991 (e outras) e de Ana Ban de 2005 as quais foram adquiridas e serviratildeo como a base principal desta pesquisa durante as anaacutelises comparativas
111
Eacuterico Veriacutessimo com publicaccedilatildeo em 1940 pela Livraria do Globo de Porto Alegre
RS97 a
segunda de Myriam Campello teve a sua primeira ediccedilatildeo publicada no Rio de Janeiro pela
Editora Record em 1985 e a uacuteltima pela Editora Ciacuterculo do Livro em 1991 A terceira
traduccedilatildeo eacute de 2005 publicada pela editora LampPM de Porto Alegre
RS realizada por Ana
Ban
Haacute tambeacutem adaptaccedilotildees para o teatro para o cinema e uma produccedilatildeo para a
televisatildeo norte-americana Existem pelo menos duas peccedilas teatrais em liacutengua portuguesa uma
brasileira traduzida por Brutus Pedreira e dirigida por Augusto Boal em 1956 (Ratos e
homens Teatro de Arena Satildeo Paulo encenada em 26 de setembro de 1956 com destaque
para a atuaccedilatildeo do ator iacutetalo-brasileiro Gianfrancesco Guarnieri como o personagem
George)98 e outra portuguesa com a traduccedilatildeo de Correia Alves dirigida por Antocircnio Pedro
em 1957 (Ratos e homens Porto Ciacuterculo de Cultura Teatral Teatro Experimental)99 Em
filmes de liacutengua inglesa para o cinema segundo Li e Schultz (2005 151 363-364) haacute duas
versotildees ambas sob o tiacutetulo Of mice and men de 1939 dirigido por Lewis Milestone e de
1992 dirigido e estrelado por Gary Sinise (no papel de George) Destaca-se que esses dois
filmes foram exibidos no Brasil o primeiro com o tiacutetulo Cariacutecia Fatal e o segundo o mais
recente com o tiacutetulo Ratos e homens
Em liacutengua inglesa de acordo com Li e Schultz (2005 365) haacute pelo menos dois
filmes homocircnimos (Of mice and men) concebidos especialmente para exibiccedilatildeo na TV o
primeiro de 1970 estrelado por George Seagal (no papel de George) e Nicol Williamson (no
papel de Lennie) o segundo de 1981 produzido por Robert Blake (que tambeacutem atuou no
filme interpretando o personagem George) Gino Grimaldi e Robert Hargrove dirigido por
Reza Badiyi Para o teatro Li e Schultz (2005 366) destacam as seguintes adaptaccedilotildees
97 Esta traduccedilatildeo possui outras publicaccedilotildees posteriores dentre as quais pode ser citada uma ediccedilatildeo portuguesa (Lisboa Livros do Brasil) de 1984 num volume que abriga tambeacutem uma traduccedilatildeo de The Red Pony outro romance de Steinbeck (O Potro Vermelho traduzido por Rebelo de Bettencourt) e tambeacutem outra ediccedilatildeo brasileira pela Editorial Bruguera de 1968 com a atualizaccedilatildeo da linguagem conforme a reforma ortograacutefica de 1942
98 Fonte revista eletrocircnica Coleccedilatildeo Cadernos de Pesquisa Teatro de Arena 2008 p 16 Disponiacutevel em lthttpwwwcentroculturalspgovbrcadernoslightboxlightboxpdfsTeatro20de20Arenapdfgt Acesso em 12 de dezembro de 2008
99 Fontes Base Nacional de Dados Bibliograacuteficos
Cataacutelogo Colectivo das Bibliotecas Portuguesas Disponiacutevel em lthttpopacporbaseorgipac20ipacjspsession=11974TB726C14410279ampmenu=searchampaspect=basicampnpp=20ampipp=20ampprofile=porbaseampri=ampterm=john+steinbeck+ratos+e+homens+correia+alvesampindex=GWampaspect=basicfocusgt e na paacutegina eletrocircnica da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra lthttpwebopacsibucptsearchpor~S0qauthor=steinbeck2C+johnamptitle=Ratos+e+homensampsearchscope=74ampsortdropdown=tampx=22ampy=16gt Acesso em 17 de dezembro de 2008
112
igualmente intituladas Of mice and men peccedila teatral encenada em 21 de maio de 1937 no
Green Street Theatre de Satildeo Francisco (Califoacuternia) e em 23 de novembro de 1937 no Music
Box Theatre de Nova York e oacutepera encenada em 22 de janeiro de 1970 em Seattle
(Washington)
35 Os tradutores
Nesta subseccedilatildeo apresentados os trecircs tradutores que elaboraram as traduccedilotildees de Of
mice and men Buscando-se compreender as motivaccedilotildees problemas e escolhas dos tradutores
em questatildeo incluiacuteram-se nesta pesquisa dados colhidos em vaacuterias fontes por meio da
pesquisa bibliograacutefica da Internet bem como pelo uso de um questionaacuterio
No caso do questionaacuterio destinado aos tradutores somente um foi encaminhado
visto que natildeo foi possiacutevel estabelecer contato com todos os tradutores pois Eacuterico Veriacutessimo
faleceu em 1975 e Myriam Campello natildeo pocircde ser localizada ou contatada
Portanto somente a tradutora Ana Ban respondeu o questionaacuterio Suas respostas
abordam questotildees como por exemplo as motivaccedilotildees de traduzir uma obra literaacuteria como eacute
feita a seleccedilatildeo dos autores aleacutem das atitudes dessa profissional diante de problemas de
traduccedilatildeo Esse questionaacuterio com suas respostas encontra-se no Anexo IV
351 Eacuterico Veriacutessimo um escritor-tradutor na Era Vargas
Segundo Arnaldo Nogueira Jr (2007) a partir da sua paacutegina da Internet
Releituras
Resumo Biograacutefico e Bibliograacutefico Eacuterico Lopes Veriacutessimo nasceu em Cruz Alta
(RS) no dia 17 de dezembro de 1905 e aos 13 anos jaacute lia autores nacionais tais como Coelho
Neto Aluiacutesio Azevedo Joaquim Manoel de Macedo Afracircnio Peixoto e Afonso Arinos bem
como autores estrangeiros como Walter Scott Tolstoacutei Eccedila de Queiroacutes Eacutemile Zola e
Dostoieacutevski
A partir da informaccedilatildeo de Nogueira Jr (2007) abaixo pode-se supor que um
ponto de partida para a carreira literaacuteria de Veriacutessimo foi a publicaccedilatildeo de contos de sua
autoria em revistas e impressos da regiatildeo incluindo a Revista do Globo de Porto Alegre
113
o mensaacuterio Cruz Alta em Revista publica em 1929 Chico um conto de Natal que por insistecircncia do jornalista Prado Juacutenior Eacuterico havia consentido O colega de boticaacuterio e escritor Manoelito de Ornellas envia ao editor da Revista do Globo em Porto Alegre os contos Ladratildeo de gado e A trageacutedia dum homem gordo onde aprovadas foram publicadas
Seu primeiro reconhecimento de maior escala vem a partir de outro conto
publicado no jornal Correio do Povo Eacuterico remete a De Souza Juacutenior diretor do suplemento
literaacuterio Correio do Povo o conto A lacircmpada maacutegica Esse segundo testemunhas o
publica sem ler o que daacute ao autor notoriedade no meio literaacuterio local (NOGUEIRA JR
2007)
Em 1932 Veriacutessimo eacute promovido a Diretor da Revista do Globo ocasiatildeo em que
eacute convidado por Henrique Bertaso gerente do departamento editorial da Livraria do Globo a
atuar naquela seccedilatildeo indicando livros para traduccedilatildeo e publicaccedilatildeo
Outras obras suas autoria incluem contos como Fantoche (1932) As matildeos de meu
filho (1942) e O ataque (1958) e os romances Clarissa (1933) Caminhos cruzados (1935)
Olhai os liacuterios do campo (1938) O tempo e o vento (em trecircs partes O continente
1949 O
retrato
1951 O arquipeacutelago
1961) Incidente em Antares (1971) etc Veriacutessimo tambeacutem
produziu obras para a literatura infanto-juvenil e autobiografias Seus livros foram traduzidos
para o alematildeo espanhol finlandecircs francecircs holandecircs huacutengaro indoneacutesio inglecircs italiano
japonecircs norueguecircs polonecircs romeno russo sueco e tcheco (NOGUEIRA JR 2007)
Lia Wyler (2003 124) assinala que Veriacutessimo traduziu mais de cinquumlenta obras
desde novelas policiais e aventuras a literatura culta aleacutem de numerosos artigos adaptados do
inglecircs francecircs e espanhol Dentre as muitas traduccedilotildees de sua autoria podem ser citados
Contraponto de Aldous Huxley (1935) Ratos e homens de John Steinbeck Adeus Mr Chips
e Natildeo estamos soacutes de James Hilton Felicidade e O meu primeiro baile de Katherine
Mansfield Faleceu em 1975
Eacuterico Veriacutessimo viveu durante um periacuteodo importante para a histoacuteria do Brasil a
Era Vargas (1930
1945 e 1951
1954) que segundo Wyler (2003 108) com a ascensatildeo
de Getuacutelio Vargas agrave presidecircncia da Repuacuteblica instaurou-se um movimento marcado por
vaacuterias accedilotildees de cunho nacionalista com a industrializaccedilatildeo brasileira a aprovaccedilatildeo de novas
leis trabalhistas educacionais e eleitorais aleacutem de uma nova Constituiccedilatildeo Wyler destaca o
papel delegado agrave educaccedilatildeo
a educaccedilatildeo deveria servir ao duplo propoacutesito de produzir matildeo-de-obra qualificada e difundir o ideaacuterio estadonovista o que incluiacutea necessariamente a alfabetizaccedilatildeo bem como a publicaccedilatildeo local de livros de ensino e literatura revistas e jornais de
114
interesse educativo Incluiacutea ainda a traduccedilatildeo de obras ineacuteditas a reediccedilatildeo de obras esgotadas e a criaccedilatildeo de bibliotecas puacuteblicas permanentes e circulantes
o conjunto
todo implicando um decidido estiacutemulo oficial agrave produccedilatildeo de papel e livros (WYLER 2003 108-109)
Segundo Wyler (2003) Vargas criou o Instituto Nacional do Livro em 1937 e
pouco depois com a decretaccedilatildeo do Estado Novo o Serviccedilo de Divulgaccedilatildeo da Chefatura de
Poliacutecia os quais serviam a propoacutesitos muito bem definidos inclusive com censura e puniccedilotildees
ao que fosse contraacuterio ao desejo de um presidente com perfil de ditador Assim surgiu
tambeacutem em 1939 logo apoacutes o iniacutecio da Segunda Guerra Mundial e as suas decorrentes
restriccedilotildees de importaccedilotildees da Europa outro oacutergatildeo repressor e de censura o Departamento de
Imprensa e Propaganda DIP (WYLER 2003 111)
Nesse contexto vaacuterias editoras surgiram ou se expandiram valendo-se de praacuteticas
voltadas para atrair o consumidor Uma delas era contratar escritores brasileiros famosos para
traduzirem as obras principalmente as de ficccedilatildeo Deste modo escritores-tradutores como
Rachel de Queiroacutes Joseacute Lins do Rego Alceu Amoroso Lima Guilherme de Almeida eram
disputados pelas editoras ou atuavam eles mesmos como editores cuidando da seleccedilatildeo
traduccedilatildeo revisatildeo e divulgaccedilatildeo dos seus produtos Tal era o caso por exemplo de Monteiro
Lobato e Eacuterico Veriacutessimo (WYLER 2003)
Wyler (2003 124-130) faz uma pequena historiografia marcando o perfil e as
realizaccedilotildees de Eacuterico Veriacutessimo como tradutor colaborador e por uacuteltimo editor da Livraria do
Globo Esta que iniciou suas atividades em 1883 lanccedilou-se no seacuteculo XX com novas
estrateacutegias comerciais sobretudo na deacutecada de 1930 quando entre outros fatos houve a
criaccedilatildeo da Revista do Globo onde Veriacutessimo tambeacutem atuava
() Veriacutessimo foi a equipe editorial dirigia redigia ilustrava paginava e ocasionalmente fazia as vezes de escritor inglecircs americano ou poeta aacuterabe chinecircs persa japonecircs personagens que ia inventando para preencher os claros da diagramaccedilatildeo Havia tambeacutem uns tais Gilbert Sorrow e Dennis Kent e outro mais permanentemente Gilberto Miranda que fazia criacuteticas literaacuterias traduccedilotildees moda feminina e masculina poliacutetica internacional psicologia histoacuteria natural trabalhos manuais o que fosse preciso (WYLER 2003 125-126)
Elizabeth W Rochadel Torresini destaca que Eacuterico Veriacutessimo foi conselheiro
editorial da Seccedilatildeo Editora da Livraria do Globo a partir de 1935
Eacuterico colabora para o ecircxito das coleccedilotildees e dos novos empreendimentos ao lado de Henrique Bertaso Participa do planejamento de programas editoriais contribui para a seleccedilatildeo de novas obras fiscaliza as traduccedilotildees estuda o formato as capas e a
115
composiccedilatildeo dos livros e os seus lanccedilamentos Os dois editores empenham-se na publicaccedilatildeo de claacutessicos da literatura ocidental (TORRESINI 2004 11)
O proacuteprio Veriacutessimo salienta que fazia seleccedilatildeo de obras para serem traduzidas
() fui eu quem escolheu os autores Thomas Mann Andreacute Gide Charles Morgan G K Chesterton Willa Cather Norma Douglas Aldous Huxley Romain Rolland Roger Martin du Gard Sinclair Lewis William Faulkner Pearl Buck Graham Greene James Joyce Katherine Mansfield (VERIacuteSSIMO 2000 299-300 apud BARCELLOS 2002 6)
Segundo Wyler (2003 124) Veriacutessimo traduzia para complementar o orccedilamento
domeacutestico agraves vezes dando a elas algo mais Em A morte mora em Chicago [de Edgar
Wallace] ele confessa que resolveu colaborar com o autor modificando-lhe o estilo e
produzindo uma traduccedilatildeo melhor que o original (WYLER 2003 126) Outra amostra dessa
praacutetica se verifica quando ele passou a trabalhar em colaboraccedilatildeo mais proacutexima de Henrique
Bertaso como conselheiro literaacuterio do departamento editorial Ali teve de pocircr meias-solas
em traduccedilotildees alheias malfeitas e passar para o nosso idioma livros estrangeiros que detestou
Se natildeo tinha tradutori de verdade caccedilava com traditori (VERIacuteSSIMO apud WYLER
2003 127) Essa interferecircncia de Veriacutessimo nas traduccedilotildees eacute confirmada por Mariacutelia de Arauacutejo
Barcellos (2002 6) quando ela afirma que os textos estrangeiros nem sempre estavam de
acordo com o seu gosto pessoal
Ao se examinar o contexto da eacutepoca de Getuacutelio Vargas e sua poliacutetica para a
educaccedilatildeo e para a cultura brasileira em conjunto com os propoacutesitos da Livraria do Globo
conforme explicitado anteriormente algumas tendecircncias podem ser notadas em relaccedilatildeo agrave
escolha da obra Of mice and men para ser traduzida para o mercado brasileiro na eacutepoca de
Veriacutessimo
A ascensatildeo de Getuacutelio Vargas agrave presidecircncia da Repuacuteblica com um consequumlente
movimento marcadamente nacionalista veio influenciar os modos de produccedilatildeo bibliograacutefica
Nesse intuito se houve o estiacutemulo agrave traduccedilatildeo de obras ineacuteditas certamente havia diretrizes a
serem tomadas aleacutem de restriccedilotildees e repressatildeo de modo que nada viesse na contramatildeo da
ideologia getulista Todavia esse contexto se aplica mais a como deveriam ser as traduccedilotildees
Um indiacutecio sobre as motivaccedilotildees da escolha de Of mice and men encontra-se na
contracapa da ediccedilatildeo de Ratos e homens de 1940 fiel ao seu programa de possibilitar ao
puacuteblico brasileiro a leitura das maiores obras da literatura mundial contemporacircnea a
LIVRARIA DO GLOBO apresenta JOHN STEINBECK () A inclusatildeo de Of mice and
116
men entre as grandes obras da literatura mundial daquele momento certamente natildeo se trata
somente de uma opiniatildeo da Livraria do Globo mas sobretudo a opiniatildeo da criacutetica literaacuteria
das editoras que publicaram e republicaram esta obra em inglecircs e ao mercado consumidor
mundial que lia Steinbeck traduzido para diversas liacutenguas
De modo geral a criacutetica literaacuteria seja com tom positivo ou negativo acaba sendo
um agente divulgador contribuindo agrave sua maneira na repercussatildeo de uma obra As editoras e
o puacuteblico por sua vez produzem suas opiniotildees ao mesmo tempo em que a criacutetica
especializada ou agem posteriormente em funccedilatildeo dessas ideacuteias emitidas pelos criacuteticos
Analisando o papel de Steinbeck no sistema literaacuterio mundial e sua repercussatildeo e sucesso
como escritor fica mais faacutecil portanto entender por que sua obra Of mice and men foi
escolhida para divulgaccedilatildeo numa traduccedilatildeo brasileira da editora da Livraria do Globo (ou
Editora do Globo)
352 Myriam Campello100
Myriam Campello Macedo Fragoso nasceu no Rio de Janeiro (RJ) em 1940
Romancista contista diplomada em jornalismo e tradutora Como escritora destacou-se com
seus romances Cerimocircnia da Noite (1972
Precircmio Fernando Chinaglia para romance
ineacutedito) Sortilegiu (1981) Satildeo Sebastiatildeo blues (1993) e sua coletacircnea de contos Sons e
Outros Frutos (1998) Recebeu o Precircmio Uniatildeo Latina
Concurso Guimaratildees Rosa para
conto ineacutedito em 1997 Participou de diversas antologias brasileiras entre elas Os cem
melhores contos brasileiros do seacuteculo (2000) Tem contos publicados na Polocircnia Alemanha
Holanda Franccedila e Estados Unidos Seu uacuteltimo livro Como esquecer anotaccedilotildees quase
inglesas (2003) foi adaptado para o cinema brasileiro (ineacutedito)
Como tradutora sua lista de trabalhos publicados eacute extensa e variada constando
desde artigos de revistas biografias (por exemplo Faltou dizer a vida de Ingrid Bergman de
Laurence Learner) ateacute livros literaacuterios e natildeo literaacuterios (por exemplo da aacuterea da sauacutede O
democircnio do meio-dia uma anatomia da depressatildeo de Andrew Solomon educativos O
Renascimento de Paul Johnson e O tempo na literatura de Meyerhoff) Dentre algumas
100 Fontes de pesquisa utilizadas para esta biografia Biblioteca digital
NUPILL Disponiacutevel em lthttpwwwliteraturabrasileiraufscbrConsultaAutor_navphpautor=1038gt Acesso em 18 de fevereiro de 2009 paacutegina da Internet da Editora Escrituras Disponiacutevel em lthttpwwwescriturascombrlivrophpisbn=85753109849788575310984gt Acesso em 22 de fevereiro de 2009
117
traduccedilotildees literaacuterias de sua autoria a tiacutetulo de exemplo destacam-se do francecircs Os irmatildeos
corsos
de Alexandre Dumas (adaptaccedilatildeo infanto-juvenil) e O Capitatildeo Fracasso
de
Theophile Gautier (infanto-juvenil) do inglecircs Tudo eacute eventual
de Stephen King (Editora
Objetiva) e Cenas londrinas de Virginia Woolf (Editora Joseacute Olympio)
353 Ana Ban101
Jornalista e tradutora com especializaccedilatildeo em traduccedilatildeo (Curso de Formaccedilatildeo de
Tradutores e Inteacuterpretes
inglecircs) pela Associaccedilatildeo Alumni Satildeo Paulo
SP (2004) Aleacutem de
exercer a traduccedilatildeo escrita eacute inteacuterprete consecutiva e inteacuterprete simultacircnea
(InglecircsPortuguecircsInglecircs) Consta em seu blog na Internet que ela traduziu 71 livros
literaacuterios desde 2001 dentre os quais aleacutem de Ratos e homens (2005) e O Inverno da nossa
desesperanccedila (2006) de John Steinbeck destacam-se Flush a vida de um catildeo de Virginia
Woolf As crocircnicas marcianas de Ray Bradbury O evangelho de Judas (ediccedilatildeo de Kasser
Meyer e Wurst
National Geographic) Deuses americanos de Neil Gaiman e O diaacuterio da
princesa (volumes 5 ao 10) de Meg Cabot
Ana Ban respondeu o questionaacuterio que lhe foi enviado102 relativo agrave pesquisa desta
dissertaccedilatildeo em que dentre outras questotildees afirma que a editora LampPM geralmente escolhe
as obras que vai publicar e assim simplesmente indica as obras estrangeiras aos seus
tradutores Ban traduziu Of mice and men (2005) e afirma que teve total autonomia durante
esse processo apenas discutindo com a editora e seus revisores questotildees de estilo e uso da
linguagem natildeo havendo durante a revisatildeo nenhuma mudanccedila importante As maiores
dificuldades de traduccedilatildeo indicadas por Ban referem-se agrave linguagem usada pelos personagens
a maior dificuldade foi mesmo a transposiccedilatildeo da maneira como os personagens falavam
eu natildeo sei se chega a ser um dialeto porque na verdade eram mais erros gramaticais e pronuacutencia errada natildeo havia tantas palavras especiacuteficas que fossem desconhecidas ou usadas com sentido fora do mais comum (BAN 2008)
Passada a primeira etapa
a familiarizaccedilatildeo com o dialeto utilizado
o proacuteximo
passo seria entatildeo decidir como traduzir essa representaccedilatildeo da oralidade
101 Os dados biograacuteficos dessa tradutora foram retirados de seu blog na Internet disponiacutevel em lthttpwwwanabanblogspotcomgt Acesso em 30 de junho de 2007
102 Respostas obtidas em 9 de julho de 2008 via e-mail vide anexo IV
118
em um primeiro momento eu resolvi que iria seguir a norma culta em todo o livro mas depois achei que assim a ideacuteia do autor natildeo seria transmitida de maneira adequada (isso tudo foi discutido com a editora) Entatildeo eu peguei um sotaque caipira que eu conheccedilo mais ou menos do interior de SPMG (apesar de a LampPM ser em Porto Alegre e eu atualmente morar aqui sou de Satildeo Paulo e passei a maior parte da minha vida laacute) e segui esta linha (BAN 2008)
Durante esse processo a tradutora encontrou desafios
a minha maior dificuldade foi decifrar algumas palavras grafadas da maneira como os personagens falavam precisei dizer em voz alta vaacuterias delas para descobrir o que eram Agora natildeo sei citar nenhuma pois jaacute faz algum tempo que realizei este trabalho e natildeo tenho mais o original (BAN 2008)
A tradutora indica que sua maior dificuldade estaacute no tratamento a ser dado para
traduzir a oralidade dos personagens Sua opccedilatildeo por um dialeto brasileiro do interior de Satildeo
Paulo e Minas Gerais reflete o que em teoria da traduccedilatildeo Venuti (1998 240) chama de
domesticaccedilatildeo Ban alega saber da existecircncia de outras traduccedilotildees em portuguecircs de Of mice and
men mas natildeo as procurou para consulta de modo a natildeo ser influenciada por elas
eu sei da existecircncia dessas traduccedilotildees mas natildeo as consultei para fazer o meu trabalho Ateacute me foi fornecida uma traduccedilatildeo da deacutecada de 1970 (natildeo lembro qual) para alguma consulta mas eu fiz questatildeo de natildeo usar Eu natildeo queria ser influenciada por soluccedilotildees encontradas pelos outros tradutores e acabar copiando deles mesmo sem querer (BAN 2008)
A tradutora afirma ainda que houve a necessidade de uma nova traduccedilatildeo visto
que as outras traduccedilotildees eram antigas e houve muitas mudanccedilas linguumliacutesticas no portuguecircs com
o passar dos anos a proposta de retraduzir o livro era para atualizar a traduccedilatildeo que mudou
muito com o passar dos anos
(BAN 2008) Sobre a linguagem no que diz respeito ao
purismo linguumliacutestico nas traduccedilotildees ela crecirc que isso hoje jaacute natildeo eacute mais uma tradiccedilatildeo tatildeo forte
Na minha visatildeo o mais importante eacute manter o tom escolhido pelo autor (BAN 2008)
No que diz respeito a reflexotildees possiacuteveis acerca do processo tradutoacuterio Ban alega
natildeo ter feito uso consciente e aplicado das teorias de traduccedilatildeo
eu natildeo tenho nenhuma formaccedilatildeo teoacuterica em traduccedilatildeo Sou jornalista trabalhei dez anos no mercado editorial e minha formaccedilatildeo em traduccedilatildeo se deu por meio do curso de Formaccedilatildeo de Tradutores e Inteacuterpretes da Fundaccedilatildeo Alumni em Satildeo Paulo Este eacute um dos cursos de maior renome na aacuterea no paiacutes poreacutem eacute muito praacutetico e direto natildeo aborda teorias Conheccedilo um pouco do assunto por meio da leitura de Paulo Roacutenai mas natildeo eacute algo que eu aplique conscientemente (BAN 2008)
Quanto agrave tomada de decisotildees na traduccedilatildeo Ban apresenta uma visatildeo geral sobre
suas atitudes em relaccedilatildeo ao seu trabalho
119
para tratar deste problema eu uso algumas teacutecnicas (e estou aqui falando de maneira geral pois nem todos estes recursos foram usados nesta traduccedilatildeo especiacutefica [Of mice and men]) - Respeito a eacutepoca em que o texto foi escrito tomando o cuidado para natildeo usar expressotildees ou denominaccedilotildees que natildeo existiam no periacuteodo (BAN 2008)
Com relaccedilatildeo ao uso da linguagem ela destaca que
Se existe um personagem falando em dialeto ou giacuteria eu procuro um grupo correspondente existente aqui e uso a maneira de falar desse grupo (BAN 2008)
Ban demonstra cuidados com o provaacutevel receptor se ele vai entender o texto
traduzido Essa postura pode ser verificada nos seguintes trechos
- Quando haacute alguma passagem que possa dificultar a compreensatildeo pergunto O puacuteblico-leitor original entenderia Se a resposta for sim eu procuro inserir alguma dica no texto Por exemplo ela ficava assistindo ao Lifetime AQUELE CANAL QUE SEMPRE PASSA FILMES PARA MULHERES Se a resposta for natildeo entatildeo eu deixo sem explicaccedilatildeo mesmo porque acredito que a intenccedilatildeo do autor era essa - Eu natildeo costumo substituir produtos ou citaccedilotildees por similares nacionais a natildeo ser quando exista de fato um similar nacional
por exemplo a revista Cosmopolitan no Brasil eacute a Nova (eacute franquia da norte-americana mas recebeu tiacutetulo brasileiro) entatildeo eu faccedilo a substituiccedilatildeo Se natildeo fica A REVISTA DE CELEBRIDADES Us Weekly - Acredito tambeacutem que hoje as pessoas tecircm muito mais facilidade de compreender citaccedilotildees referentes a culturas estrangeiras entatildeo algumas coisas ficam ateacute estranho querer traduzir porque jaacute satildeo conhecidas amplamente por sua denominaccedilatildeo original (BAN 2008)
Outra preocupaccedilatildeo da tradutora eacute tentar exprimir os possiacuteveis objetivos do autor
Acho que o mais importante nessa questatildeo eacute ter em vista a intenccedilatildeo do autor Se ele coloca uma menina que escreve como fala natildeo eacute possiacutevel querer traduzir com um texto gramaticalmente impecaacutevel porque natildeo vai transmitir a intenccedilatildeo original e vai distanciar a obra do puacuteblico-alvo (BAN 2008)
36 As editoras
Nesta subseccedilatildeo seratildeo apresentadas as trecircs editoras que publicaram as traduccedilotildees
Visando complementar os dados obtidos por meio de pesquisa bibliograacutefica e da Internet
bem como verificar a relaccedilatildeo tradutor versus editoras durante o processo de seleccedilatildeo e
120
traduccedilatildeo de obras literaacuterias procurou-se estabelecer contato tambeacutem com os editores por
meio de um questionaacuterio sobre as traduccedilotildees de Of mice and men tratadas nesta dissertaccedilatildeo
Visto que os atuais membros da diretoria da Livraria do Globo103 (agrave qual a Editora
do Globo pertence) Claacuteudio Bertaso (diretor-presidente) Henrique Ferreira Bertaso (diretor
vice-presidente) e Elisa Morganti Bertaso (diretora-superintendente) natildeo responderam agraves
tentativas de contato e a Editora Ciacuterculo do Livro ter encerrado suas atividades em 1998
(MILTON 2002 21) somente foi possiacutevel enviar o questionaacuterio a Ivan Pinheiro Machado da
Editora LampPM
Esses dados constantes no Anexo V desta dissertaccedilatildeo foram analisados e
tambeacutem comparados e cotejados com as respostas obtidas da tradutora Ana Ban
361 A Editora da Livraria do Globo
Segundo Mariacutelia de Arauacutejo Barcellos (2002 4) a histoacuteria da Livraria do Globo
comeccedila no fim do seacuteculo XIX no ano de 1883 quando essa empresa foi fundada em Porto
Alegre Seus soacutecios eram Laudelino Pinheiro Barcellos e Saturnino Alves Pinto da empresa
L P Barcellos amp Cia Poucos anos depois Laudelino convida para trabalhar na sua livraria
Joseacute Bertaso ainda menino
Com a Primeira Grande Guerra o jovem Joseacute Bertaso previu a escassez de papel e
sugeriu ao dono da livraria que fosse feita a importaccedilatildeo dessa mateacuteria-prima Mais tarde em
dezembro de 1917 Bertaso passou de 15 de participaccedilatildeo na empresa agrave funccedilatildeo de soacutecio-
diretor A razatildeo social da livraria agora era Barcellos Bertaso amp Cia
Com o uso de tecnologia importada iniciou-se a ediccedilatildeo do Almanaque Globo e
em seguida a publicaccedilatildeo de autores rio-grandenses O Almanaque foi editado por Joatildeo Pinto
da Silva e contrataram Mansueto Bernardi para aleacutem de atuar no escritoacuterio ajudaacute-lo na
empreitada Mansueto Bernardi permanece como editor da Globo ateacute 1930 quando contrata
Eacuterico Veriacutessimo para a Revista do Globo (BARCELLOS 2002 4)
Segundo Torresini (2004 1-2) a Livraria do Globo inicialmente vendia papeacuteis de
material de tipografia e cadernos para escrita de empresas entretanto ao adentrar no seacuteculo
XX comeccedilou a publicar obras de autores regionais traduccedilotildees da literatura universal e
103 Estes diretores fazem parte da famiacutelia de Henrique Bertaso falecido em 1977 editor responsaacutevel direto na eacutepoca em que a Editora do Globo lanccedilou a traduccedilatildeo de Of mice and men em 1940 realizada por Eacuterico Veriacutessimo
121
manuais didaacuteticos mas foi a partir de 1930 que a sua produccedilatildeo de livros se intensificou aleacutem
de fundar a Revista do Globo (1929 1963) Nessa mesma deacutecada a literatura anglo-saxocircnica
comeccedilava a ganhar importacircncia na editora
A Livraria do Globo sob as lideranccedilas de Henrique Bertaso e Eacuterico Veriacutessimo
modernizou-se empreendendo novos projetos Essas inovaccedilotildees eram motivadas por alguns
fatores conforme testemunha Joseacute Otaacutevio Bertaso apud Torresini (2004 3)
no Brasil muito pouco se traduzia no campo da literatura fora da liacutengua francesa A opccedilatildeo era introduzir autores contemporacircneos de liacutengua inglesa e ateacute alematildees e italianos
sem abandonar o gosto nacional pela cultura francesa () A fim de conquistar o grande puacuteblico a saiacuteda eram os romances policiais e de aventuras Para as mulheres ainda concentradas na vida do lar poderiam ser lanccedilados romances de amor a chamada literatura roacutesea A crescente escolarizaccedilatildeo justificava a abertura de uma bem cuidada linha de livros didaacuteticos abrangendo o que hoje designariacuteamos de 1ordm 2ordm e 3ordm graus bem como obras de divulgaccedilatildeo cientiacutefica e histoacuterica
Laurence Hallewell (1985 317) afirma que inicialmente os propoacutesitos da
Livraria do Globo eram meramente de cunho comercial Desta forma Henrique Bertaso viu
no Publisher s Weekly dos Estados Unidos uma fonte adequada para procurar best-sellers
Assim a Livraria do Globo espelhou-se na
mania anglo-americana de histoacuterias policiais que sua Coleccedilatildeo Amarela trouxe em grande parte para o Brasil oferecendo traduccedilotildees em portuguecircs de EC Bentley Raymond Chandler Aghata Christie Sidney Horler E Phillips Oppenheimer Ellery Queen Sax Rohmer Rex Stout SS Van Dine e mais que qualquer outro Edgar Wallace () (HALLEWELL 1985 317)
Torresini cita Eacuterico Veriacutessimo para destacar o sucesso que a Globo conseguiu
graccedilas a suas estrateacutegias comerciais
ao cabo de alguns anos a nossa editora era conhecida em todo o paiacutes Henrique [Bertaso] organizava uma boa rede de distribuiccedilatildeo Os livros com a chancela da Globo eram vistos em quase todos os recantos do Brasil Foi graccedilas a eles que autores europeus de liacutenguas anglo-saxocircnicas e germacircnicas foram postos ao alcance do leitor meacutedio brasileiro Ateacute entatildeo o Brasil em mateacuteria de traduccedilotildees estivera quase exclusivamente voltado para autores franceses
(VERIacuteSSIMO apud TORRESINI 2004 4-5)
Uma das estrateacutegias desenvolvidas foi segmentar as coleccedilotildees visando puacuteblicos
diferenciados a Coleccedilatildeo Amarela a Coleccedilatildeo Universo a Coleccedilatildeo Globo Inqueacuteritos sobre a
Ruacutessia (que reunia opiniotildees polecircmicas sobre a Uniatildeo Sovieacutetica) Espionagem (de 1931 a
122
1933) a Coleccedilatildeo Verde (romances para senhoras e senhoritas) e a Coleccedilatildeo Nobel104 A
Coleccedilatildeo Amarela iniciada em 1931 reunia novelas policiais de crime misteacuterio e aventuras
bastante populares de leitura acessiacutevel lanccediladas em ediccedilotildees baratas e de larga tiragem
Atraem leitores variados e formam a argamassa popularesca da editora como disse uma vez
Eacuterico Veriacutessimo (TORRESINI 2004 5-8) A Coleccedilatildeo Universo em 1934 jaacute era conhecida
por seus livros de viagens aventuras de leitura amena e instrutiva (TORRESINI 2004 9)
A Coleccedilatildeo Globo criada em 1932 era formada de volumes de bolso mas de capa cartonada
e uma sobrecapa com um desenho em muitas cores Essa nova seacuterie equivaleria a uma espeacutecie
de coquetel literaacuterio em que se misturavam livros de aventuras de caraacuteter popular e boa
literatura (VERIacuteSSIMO apud TORRESINI 2004 9-10) A Coleccedilatildeo Nobel agrave qual pertence a
traduccedilatildeo de 1940 de Of mice and men realizada por Eacuterico Veriacutessimo segundo Torresini
(2004 8 12) foi lanccedilada em 1938
Henrique Bertaso criou o Departamento de Divulgaccedilatildeo Literaacuteria (DIL) que entre
outras coisas funcionava como uma agecircncia de notiacutecias com a intenccedilatildeo de baratear os custos
de divulgaccedilatildeo de seus produtos Bertaso apud Torresini (2004 6-7) afirma que em vez de
cobrar pelos seus serviccedilos o DIL fazia circular no espaccedilo publicitaacuterio artigos crocircnicas
contos traduzidos de jornais estrangeiros e de livros cujos direitos autorais tinham sido
adquiridos pela casa A abrangecircncia desse canal era enorme pois reunia mais de trezentos
jornais e revistas em todo o Brasil Um procedimento como parte dessa estrateacutegia era o
seguinte
num boletim que era enviado quinzenalmente para os assinantes havia tambeacutem uma coluna proacutepria para preencher pequenos espaccedilos em jornais intitulada Vocecirc sabia que onde se resumiam pequenos toacutepicos de informaccedilotildees histoacutericas geograacuteficas e outras curiosidades
Ainda segundo Bertaso apud Torresini (2004 6-7) em troca o que se exigia dos
oacutergatildeos de imprensa assinantes dos serviccedilos prestados era que fossem publicadas de graccedila
resenhas dos livros receacutem-publicados pela Globo com as capas estampadas em fac-siacutemile
Juntamente com o material do DIL as resenhas e os clichecircs montados ou demonstrados das
capas eram expedidos pelo correio
104 Barcellos (2002 11) entretanto relaciona uma listagem maior de coleccedilotildees da Editora da Livraria do Globo Coleccedilatildeo Amarela Biblioteca dos Seacuteculos Coleccedilatildeo Catavento Coleccedilatildeo Clube do Crime Coleccedilatildeo Espionagem Coleccedilatildeo Documentos de Nossa Eacutepoca Coleccedilatildeo Globo Coleccedilatildeo Nobel A Novela Coleccedilatildeo Tucano Coleccedilatildeo Universo e Coleccedilatildeo Verde
123
A atividade de traduccedilatildeo na Livraria do Globo era intensa Um maior grau de
profissionalismo tornou-se uma necessidade melhorando a qualidade das traduccedilotildees
publicadas conforme atesta Eacuterico Veriacutessimo soacute laacute por princiacutepios da deacutecada de quarenta eacute
que nos foi possiacutevel pocircr em praacutetica o plano de saneamento das nossas traduccedilotildees
Contratamos vaacuterios tradutores com um salaacuterio fixo Nas salas da Editora tivemos excelentes
profissionais () (VERIacuteSSIMO apud TORRESINI 2004 12) Sobre a atividade editorial no
que diz respeito ao cuidado com as traduccedilotildees Veriacutessimo fornece informaccedilotildees importantes no
seguinte trecho
escolhido o livro a verter-se para o portuguecircs procurava-se o tradutor este fazia sem pressa o seu trabalho tendo agrave sua disposiccedilatildeo uma rica biblioteca em que havia vaacuterios dicionaacuterios e enciclopeacutedias () () depois que o tradutor dava por terminado o seu trabalho os respectivos originais eram entregues a um especialista da liacutengua de que o livro fora traduzido para que ele os confrontasse linha por linha com o original procurando verificar a fidelidade da versatildeo () Havia uma terceira etapa a que um especialista examinava o estilo do livro discutindo-o com o tradutor cujo nome ia aparecer sozinho no poacutertico do volume () Os livros estrangeiros publicados durante 4 ou 5 anos em que esse esquema durou satildeo de excelente qualidade no que diz respeito agrave traduccedilatildeo O nosso chefe maior poreacutem ficava apavorado
e com razatildeo
quando examinava o custo da traduccedilatildeo de cada obra () (VERIacuteSSIMO apud TORRESINI 2004 12-13)
Essa equipe de tradutores renomados entretanto foi dissolvida em 1947 um ano
financeiramente ruim para a Globo Nos anos subsequumlentes a produccedilatildeo comeccedilou a cair
concorrendo para mudanccedilas importantes na editora De acordo com Torresini (1998) apud
Torresini (2004 12)
() segundo os proacuteprios editores a atenccedilatildeo fixa-se nos livros teacutecnicos livros-ferramenta para atender agraves novas exigecircncias da especializaccedilatildeo profissional na obra de Eacuterico Veriacutessimo na Enciclopeacutedia Globo e no Linguaphone curso de inglecircs em discos e fitas sonoras Depois de 1948 as obras literaacuterias tatildeo caras a Henrique Bertaso e a Eacuterico Veriacutessimo diminuem no Livro de Registros da Globo Apoacutes o falecimento de Joseacute Bertaso os herdeiros optam pela transformaccedilatildeo da empresa em sociedade anocircnima Livraria do Globo SA da qual a Editora Globo torna-se uma filial Em 1986 as Organizaccedilotildees Globo adquirem o respeitaacutevel acervo de 2830 tiacutetulos
Conforme informaccedilotildees a partir da paacutegina eletrocircnica do Jornal do Comeacutercio105 os
atuais membros da diretoria da Livraria do Globo satildeo Claacuteudio Bertaso (diretor-presidente)
juntamente com Henrique Ferreira Bertaso (diretor vice-presidente) e Elisa Morganti Bertaso
(diretora-superintendente) Joseacute Otaacutevio Bertaso consta como ex-diretor
105 Disponiacutevel em lthttpjcrsuolcombrComercialcadernosempr-cent_11aspxgt Acesso em 31 de maio de 2009
124
362 O Ciacuterculo do Livro
O Ciacuterculo do Livro de Satildeo Paulo publicou a traduccedilatildeo de Of mice and men com o
tiacutetulo Ratos e homens realizada por Myriam Campello (1991) A partir de vaacuterias pesquisas na
Internet principalmente em paacuteginas de busca como o Google natildeo foi possiacutevel achar
respostas precisas sobre a histoacuteria desta editora Consta a partir do perfil de clubes de livros
esboccedilado por Milton (2002) que se tratava de uma instituiccedilatildeo comercial que vendia suas
publicaccedilotildees pela via postal por meio de assinatura Na paacutegina 4 da ediccedilatildeo de Ratos e homens
em questatildeo consta que a venda [era] permitida apenas aos soacutecios do Ciacuterculo o que
confirma tratar-se de um clube de livros John Milton (2002 21) ao tecer um histoacuterico sobre
os clubes de livros menciona o Ciacuterculo do Livro como um desses clubes importantes que
marcaram presenccedila no mercado editorial brasileiro tendo sua existecircncia vigorado de 1973 a
1998 O Ciacuterculo do livro rivalizava com o Clube do Livro constituindo-se como uma
associaccedilatildeo bem mais moderna da Editora Abril com a Bertelsmann (MILTON 2002 30)
Na falta de informaccedilotildees mais detalhadas sobre o Ciacuterculo do Livro eacute oportuno
descrever o perfil dos clubes de livros com suas caracteriacutesticas gerais de modo a perceber
como possiacuteveis caracteriacutesticas tambeacutem do Ciacuterculo do Livro dependem de um grande nuacutemero
de soacutecios de modo a viabilizar seu negoacutecio e para isso valem-se de estrateacutegias comerciais
como o preccedilo reduzido e a remessa postal dos livros envio de cataacutelogos aos associados com
sugestotildees de leitura e com isso o leitor natildeo precisa ir agraves livrarias muitas vezes consideradas
como um ambiente burguecircs (MILTON 2002 19-20) Distinguem-se duas categorias de
clubes de livros a do lanccedilamento simultacircneo por meio da qual uma ediccedilatildeo do proacuteprio
clube seraacute lanccedilada pouco tempo depois de sua publicaccedilatildeo original Ela teraacute a mesma aparecircncia
do original mas com a estampa da marca do clube A segunda categoria a de reimpressatildeo
ofereceraacute tiacutetulos que jaacute foram publicados haacute algum tempo (CURWEN 1986 129-135 apud
MILTON 2002 21- 22)
Diante do exposto pode-se deduzir que a traduccedilatildeo de Myriam Campello de Of
mice and men publicada pelo Ciacuterculo do Livro em 1991 seguiu alguns propoacutesitos (como por
exemplo o comercial) de modo a garantir o seu sucesso nas vendas preccedilo acessiacutevel remessa
postal etc Entre as categorias de clubes de livro expostas acima essa publicaccedilatildeo encaixa-se
no perfil da reimpressatildeo visto que se trata de um tiacutetulo jaacute traduzido por outra pessoa (Eacuterico
Veriacutessimo) e publicado por outras editoras (Livraria do Globo 1940 e Editorial Bruguera
1968 por exemplo) Essa traduccedilatildeo por ter sido publicada bem depois do ano da primeira
125
publicaccedilatildeo do texto de partida (1937) natildeo atende aos quesitos baacutesicos da categoria
lanccedilamento simultacircneo
363 A Editora LampPM
Liacutevio Lima de Oliveira (2007 11) considera a LampPM Pocket como a maior
coleccedilatildeo de livros de bolso do paiacutes por causa da periodicidade do seu cataacutelogo e das
estrateacutegias de distribuiccedilatildeo e comercializaccedilatildeo ligadas exclusivamente agrave coleccedilatildeo Ele acrescenta
que a LampPM tambeacutem edita livros em formatos convencionais mas cita Ivan Pinheiro
Machado um dos seus soacutecios o qual afirma que o maior lucro vem da coleccedilatildeo de bolso
Oliveira ainda menciona algumas estrateacutegias editoriais e comerciais dessa editora
Pinheiro Machado retomou estrateacutegias do seacuteculo XIX exclusivas para esse tipo de livro para fazer com que sua coleccedilatildeo chegasse a tal posiccedilatildeo no mercado editorial brasileiro Os livros satildeo vendidos natildeo soacute em livrarias mas tambeacutem em bancas de jornal farmaacutecias e supermercados Os livros assim satildeo facilmente encontrados nas cidades meacutedias e grandes e em vaacuterios pontos Haacute tambeacutem uma estrateacutegia especiacutefica em rodoviaacuterias e aeroportos cujos pontos-de-venda satildeo abastecidos sempre Aleacutem disso a coleccedilatildeo tem destaque nesses pontos jaacute que os livros ficam em totens especiacuteficos onde cabem vaacuterios tiacutetulos e satildeo de faciacutelima identificaccedilatildeo e localizaccedilatildeo (OLIVEIRA 2007 11)
De acordo com dados informados pela proacutepria LampPM Editores em sua paacutegina na
Internet106 sua fundaccedilatildeo aconteceu em 24 de agosto de 1974 por Paulo de Almeida Lima e
Ivan Pinheiro Machado Localiza-se em Porto Alegre Rio Grande do Sul Nesta eacutepoca
durante a ditadura militar notabilizou-se por publicar alguns claacutessicos de ideologia contraacuteria
ao autoritarismo e agrave repressatildeo como o personagem Rango de seu primeiro lanccedilamento que
se tornou siacutembolo da resistecircncia agrave ditadura militar criado por Edgar Vasques cartunista e
desenhista A publicaccedilatildeo de textos dos senadores Paulo Brossard e Pedro Simon e tambeacutem do
deputado Teotocircnio Vilela acompanhavam aquela tendecircncia Posteriormente essa empresa
alcanccedilou projeccedilatildeo nacional graccedilas agrave publicaccedilatildeo de obras de autores como Millocircr Fernandes
Josueacute Guimaratildees Luis Fernando Veriacutessimo e Woody Allen
Na deacutecada de 1990 diante de um cenaacuterio difiacutecil por causa da recessatildeo econocircmica
e da concorrecircncia com multinacionais a LampPM passou por grandes dificuldades ateacute que em
106 Disponiacutevel em lthttpwwwlpm-editorescombrv3sitedefaultaspTroncoID=805133ampSecaoID=845253ampSubsecaoID=384748gt Acesso em 24 de dezembro de 2008
126
1997 a editora iniciou o projeto da coleccedilatildeo LampPM Pocket de livros de bolso que salvou a
empresa da falecircncia correspondendo ateacute hoje ao seu projeto mais importante Sobre esta
coleccedilatildeo a proacutepria LampPM registra seus quatro pilares textos integrais alta qualidade
editorial e industrial preccedilos baixos e distribuiccedilatildeo total atingindo todo o Brasil Esta editora
publicou dois romances de John Steinbeck em portuguecircs Ratos e homens (Of mice and men)
de 2005 e O inverno da nossa desesperanccedila (The winter of our discontent) de 2006
traduzidos por Ana Ban
Ivan Pinheiro Machado (2009) editor da coleccedilatildeo LampPM POCKET107 afirma que
dentre os criteacuterios para seleccedilatildeo de obras para serem traduzidas e publicadas em conformidade
com o projeto editorial da LampPM estaacute o criteacuterio da ediccedilatildeo de grandes autores modernos
claacutessicos e contemporacircneos Obviamente trata-se de um criteacuterio de seleccedilatildeo reconhecido no
sistema literaacuterio de partida (EVEN-ZOHAR 1990 47-59) Sobre o grau de influecircncia da
Editora no processo de revisatildeo ediccedilatildeo e publicaccedilatildeo Machado (2009) destaca que
primeiro a LampPM contrata aqueles que ela acredita serem tradutores de primeiriacutessima linha As traduccedilotildees ao chegarem na editora passam por uma revisatildeo criacutetica Muito poucas satildeo as traduccedilotildees devolvidas por insuficiecircncia teacutecnica mas sempre haacute duacutevidas e melhorias que satildeo realizadas aqui na LampPM
Machado (2009) tambeacutem expotildee um dos criteacuterios para a seleccedilatildeo de autores
Um autor expressivo um precircmio Nobel eacute uma razatildeo suficiente para ser cobiccedilado por um editor Ratos e homens eacute uma novela curta uma obra-prima do autor e deu origem a um grande filme Eacute um livro que menos do que um sucesso comercial eacute um livro que qualifica o cataacutelogo do editor
O prestiacutegio de dada obra eacute uma das justificativas para que ela seja selecionada
para ser traduzida e comercializada conforme destaca Even-Zohar (1990 59) Assim o
criteacuterio apontado por Machado estaacute em consonacircncia com Even-Zohar John Steinbeck aparece
ao lado de outros autores importantes como enfatiza Machado (2009)
a editora decidiu colocar em sua coleccedilatildeo de bolso grandes autores modernos e contemporacircneos entre outros tiacutetulos e gecircneros Steinbeck foi selecionado com Faulkner Hemingway Fitzgerald Henry Miller e outros autores mais recentes como Voneguth Tom Wolfe Truman Capote Norman Mailer Salinger e muitos outros
107 De acordo com respostas ao questionaacuterio enviado agrave LampPM obtidas via e-mail de 3 de fevereiro de 2009
127
Eacute importante lembrar que Ivan Pinheiro Machado (IPM) em entrevista a Claacuteudio
Willer (CW)108 manifestou seu gosto pessoal por John Steinbeck junto a outros nomes de
autores o que evidencia o papel de influecircncia do editor na seleccedilatildeo dos autoresobras para
traduccedilatildeo e publicaccedilatildeo
CW Editores satildeo leitores Fale de suas leituras suas preferecircncias sua vida cultural
IPM Meu trabalho me impotildee uma leitura que nem sempre seria a minha opccedilatildeo de lazer eou estudo Mas de qq [sic] forma eu embora suspeito sou fatilde da linha editorial da LampPM Gosto de ler quase tudo Tive momentos inesqueciacuteveis lendo dezenas de romances de Balzac (para editar a Comeacutedia Humana) gosto muito de todos os beats dos policiais noir como Hammett Chandler David Goodis Adoro Tolstoi principalmente Guerra e Paz Dostoieacutevski e o maravilhoso Crime e castigo Curto os americanos Hemingway Fitzgerald Faulkner Steinbeck Norman Mailer Paul Auster John Dunning Gosto de quadrinhos de Hugo Pratt Guido Crepax Breccia ()
O papel decisoacuterio sobre a seleccedilatildeo das obras a serem traduzidas a partir da
alegaccedilatildeo da tradutora Ana Ban que traduziu Of mice and men pela LampPM parece ser mais
ativo por parte da editora enquanto que o tradutor tem um papel mais passivo
geralmente a editora passa o livro para o tradutor que aceita ou natildeo o trabalho
foi o que aconteceu neste caso Eacute bastante raro a proposiccedilatildeo [sic] partir do tradutor
apesar de isto acontecer como foi o caso do livro Flush de Virginia Woolf tambeacutem da LampPM tambeacutem traduzido por mim (BAN 2008)
A necessidade de renovar a linguagem das obras em novas traduccedilotildees tornada
obsoleta devido ao tempo eacute comprovada pelo testemunho de Machado (2009) em relaccedilatildeo a
Of mice and men
nossa ideacuteia na coleccedilatildeo LampPM POCKET eacute sempre renovar Isto significa fazer novas traduccedilotildees de acordo com a visatildeo e a digamos terminologia da nossa eacutepoca O fato de existirem outras traduccedilotildees [de Eacuterico Veriacutessimo 1940 e 1968 e de Myriam Campello 1991 por exemplo] natildeo influenciou em nada pois a decisatildeo foi relativa agrave obra de Steinbeck e natildeo em relaccedilatildeo agraves traduccedilotildees de Steinbeck Mesmo porque a traduccedilatildeo de E Veriacutessimo eacute datada e a outra eu natildeo conheccedilo
Com base nessa afirmaccedilatildeo fica evidente que a editora LampPM entende a traduccedilatildeo
como reescritura pois quando Machado (2009) expotildee um dos princiacutepios dessa editora como
a ideacuteia de sempre renovar fica niacutetida a necessidade de atualizaccedilatildeo das traduccedilotildees ou seja
108 WILLER Claacuteudio Ivan Pinheiro Machado A leitura no Brasil e os pockets da LampPM Editores (entrevista de Ivan Pinheiro Machado a Claacuteudio Willer) Agulha
Revista de Cultura n 65
Fortaleza e Satildeo Paulo
setembrooutubro de 2008 Disponiacutevel em lthttpwwwrevistaagulhanombrag65machadohtmgt Acesso em 20 de marccedilo de 2009
128
novos textos construiacutedos de acordo com a subjetividade do tradutor mas sem perder de vista
o autor e a cultura de partida A questatildeo linguumliacutestica aparece nesse depoimento como um
motivo expliacutecito para se fazer uma nova traduccedilatildeo a atualizaccedilatildeo da linguagem Desse modo a
editora deve publicar essas reescrituras conforme algumas expectativas do sistema literaacuterio de
chegada o puacuteblico sua cultura seu tempo etc O foco na recepccedilatildeo ou na cultura de chegada
brasileira fica bem claro quando Machado (2009) declara que
nossa responsabilidade eacute fazer um trabalho intelectualmente correto fiel e pelo menos tentar passar para o nosso idioma a intenccedilatildeo do autor no que se refere ao linguajar dos personagens Se haacute uma deliberada transformaccedilatildeo no linguajar temos que aproximar esta ideacuteia do nosso puacuteblico no nosso idioma para que ele identifique atraveacutes desta deturpaccedilatildeo da liacutengua o niacutevel social (no caso de Ratos e homens) ou quando eacute o caso a etnia do personagem
Ao expor sobre a questatildeo do dialeto do texto de partida ( uma deliberada
transformaccedilatildeo no linguajar ) Machado (2009) reconhece que natildeo haacute como reproduzir essa
linguagem integralmente pois ele indica que temos de aproximar esta ideacuteia do nosso puacuteblico
no nosso idioma
(ecircnfase adicionada) Logo parece certo afirmar que haveraacute
alteraccedilotildeesmanipulaccedilotildees referentes ao texto de partida constituiacutedas no texto de chegada tais
como omissatildeo de trechos acreacutescimos a opccedilatildeo por uma linguagem mais formal ou menos
formal (dependendo do caso norma-padratildeo ou desvios da norma-padratildeo etc) e transcriccedilatildeo de
trechos ou fragmentos do texto de partida (por problemas de intraduzibilidade cultural por
exemplo) etc
129
4 ANAacuteLISE COMPARATIVA DE TREcircS TRADUCcedilOtildeES DE OF MICE AND MEN
ASPECTOS GERAIS
Que coisa eacute o livro Que conteacutem na sua fraacutegil arquitetura aparente
Satildeo palavras apenas ou eacute a nua exposiccedilatildeo de uma alma confidente
De que lenho brotou Que nobre instinto da prensa fez surgir esta obra de arte que vive junto a noacutes sente o que sinto
e vai clareando o mundo em toda parte
Carlos Drummond de Andrade
Neste capiacutetulo seratildeo examinados o texto de partida Of mice and men de John
Steinbeck publicado pela Heineman Educational Books Ltd na Inglaterra sem data e suas
respectivas traduccedilotildees em portuguecircs todas sob o mesmo tiacutetulo Ratos e homens quais sejam
traduccedilatildeo de Eacuterico Veriacutessimo publicada pela Editora do Globo Porto Alegre-RS em 1940109
traduccedilatildeo de Myriam Campello publicada pelo Ciacuterculo do Livro Satildeo Paulo-SP em 1991 e
traduccedilatildeo de Ana Ban publicada pela editora LampPM POCKET Porto Alegre-RS em 2005
O esquema teoacuterico de descriccedilatildeo de traduccedilotildees literaacuterias de Lambert e Van Gorp
(1985) apresentado anteriormente fundamentaraacute a anaacutelise Esse esquema que eacute composto
por quatro estaacutegios (dados preliminares macroestrutura microestrutura e contexto sistecircmico)
possibilita uma anaacutelise gradativa em que cada estaacutegio preacutevio prepara o caminho com os dados
obtidos para seu estaacutegio subsequumlente Cada um desses estaacutegios contemplaraacute principalmente os
textos de chegada (ecircnfase no produto) mas tambeacutem o texto de partida
Os Anexos constantes desta dissertaccedilatildeo ilustram os dados preliminares por meio
da reproduccedilatildeo das capas contracapas e folhas de rosto de cada uma das publicaccedilotildees
examinadas neste estudo referentes ao texto de partida (Anexo 1-A) e aos textos de chegada
(Anexos 1-A 1-B 1-C e 1-D)
Uma vez que natildeo seraacute possiacutevel considerar de forma integral as passagens do texto
de partida que poderiam servir de exemplos pertinentes para observar a postura dos tradutores
no processo tradutoacuterio seraacute feita a escolha de alguns excertos relevantes e ilustrativos do
todo Os criteacuterios para essa seleccedilatildeo consistiratildeo em primeiro lugar de trechos onde forem
detectados problemas ou dificuldades de traduccedilatildeo aos tradutores de liacutengua portuguesa O texto
109 Haacute outras publicaccedilotildees desta traduccedilatildeo em anos posteriores Um dos fatores que motivaram essas republicaccedilotildees foi a sua necessidade de atualizaccedilatildeo em virtude de uma nova reforma ortograacutefica que entrou em vigor em 1942 Assim vez por outra exemplos de uma ediccedilatildeo de 1968 da Editorial Bruguera seratildeo tambeacutem utilizados a fim de comparaccedilatildeo com a ediccedilatildeo de 1940 mencionada
130
de partida e as suas traduccedilotildees seratildeo tratados de modo sequumlencial em que cada um deles seraacute
examinado conforme a seguinte ordem e caracterizaccedilatildeo (1) texto de partida (2) traduccedilatildeo de
Eacuterico Veriacutessimo de 1940 (3) traduccedilatildeo de Myriam Campello de 1991 e (4) traduccedilatildeo de Ana
Ban de 2005 O texto de partida seraacute apresentado em caracteres normais respeitando as
situaccedilotildees especiais em que Steinbeck optou por itaacutelicos quanto aos diaacutelogos esses viratildeo entre
aspas simples Nos textos de chegada os trechos que representam diaacutelogos estaratildeo separados
por travessotildees Quando houver necessidade de anaacutelise de palavras ou expressotildees particulares
estas viratildeo sublinhadas tanto no texto de partida quanto nos textos de chegada
41 Dados preliminares
O texto de partida utilizado nesta anaacutelise Of mice and men de John Steinbeck eacute
uma ediccedilatildeo de bolso de capa dura em inglecircs sem data de publicaccedilatildeo da editora Heineman
seacuterie New Windmills impressa em Oxford Inglaterra O Anexo 1-A mostra os dados da capa
contracapa e folhas de rosto Na capa haacute uma ilustraccedilatildeo em que dois homens viajam a peacute num
cenaacuterio campestre e representam os personagens principais George e Lennie Constam na
capa e na lombada o tiacutetulo da obra e o nome do autor A contracapa apresenta uma sinopse
No interior do livro as seis primeiras paacuteginas estatildeo em branco aleacutem da oitava enquanto que
a seacutetima apresenta outra sinopse precedida de um logotipo contendo o nome da editora
(Heineman) e da seacuterie (New Windmills) a nona paacutegina repete o tiacutetulo seguido do nome do
autor e logo abaixo o logotipo com o nome da editora e a seacuterie A deacutecima paacutegina conteacutem
informaccedilotildees editoriais locais da sede e das filiais da editora em vaacuterios paiacuteses nuacutemero de
registro ISBN duas datas de publicaccedilatildeo (First published by William Heineman Ltd 1937
First published in the New Windmill Series 1965) etc Nestes dados preliminares natildeo haacute
informaccedilotildees sobre o autor introduccedilatildeo prefaacutecio posfaacutecio sumaacuterio ou notas de rodapeacute Nas
trecircs uacuteltimas paacuteginas constam nomes de outras obras publicadas por essa editora A numeraccedilatildeo
das paacuteginas consta apenas no texto principal No romance propriamente dito de I a 113 A
obra conteacutem seis capiacutetulos numerados por extenso em letras maiuacutesculas Trata-se de uma
ediccedilatildeo integral natildeo adaptada
Os textos de chegada de Veriacutessimo (1940) e de Ban (2005) mesmo variando em
suas dimensotildees configuram-se como ediccedilotildees de bolso ou seja tecircm dimensotildees pequenas e
preccedilo acessiacutevel popular Quanto ao texto de Campello (1991) este pertence a outra categoria
131
a dos clubes de livros tambeacutem de cunho popular em linhas gerais conforme caracterizaccedilatildeo
dada por John Milton (2002) Apenas a traduccedilatildeo de Myriam Campello estaacute em capa dura
Tambeacutem a traduccedilatildeo do tiacutetulo para o portuguecircs eacute comum a essas trecircs traduccedilotildees
Ratos e homens Os Anexos 1-A 1-B 1-C e 1-D contecircm fotocoacutepias das capas das
contracapas e de paacuteginas com informaccedilotildees relevantes dessas ediccedilotildees Estas publicaccedilotildees natildeo
possuem sumaacuterio prefaacutecio posfaacutecio introduccedilatildeo notas de fim nem epiacutegrafes A traduccedilatildeo de
Eacuterico Veriacutessimo (1940) apresenta notas de orelha sobre outras publicaccedilotildees da Livraria do
Globo Natildeo Estamos Soacutes de James Hilton e O Priacutencipe Otto de Robert Louis Stevenson
Cada uma das traduccedilotildees de Myriam Campello (1991 101-103) e de Ana Ban (2005 5-9)
trazem biografias de John Steinbeck
Na traduccedilatildeo de Veriacutessimo (1940) a capa apresenta em desenho uma cena da
histoacuteria em que aparecem os personagens Lennie e a mulher de Curley Lennie acaricia os
cabelos da mulher de Curley na cena em que ela morre acidentalmente pelas matildeos daquele
homem Eacute uma imagem que aparentemente justifica o tiacutetulo desse filme em portuguecircs
Cariacutecia Fatal exibido no Brasil em meados de 1940 (tiacutetulo original Of mice and men
dirigido por Lewis Milestone em 1939) Tambeacutem na capa constam de cima para baixo o
nome do escritor o tiacutetulo Ratos e homens o nome da coleccedilatildeo (Nobel) seguido pela expressatildeo
Ediccedilatildeo da Livraria do Globo
e local (Porto Alegre) A contracapa conteacutem informaccedilotildees em
linguagem que chama a atenccedilatildeo do leitor para o autor e para seus livros Ratos e homens e As
vinhas da ira (sinopses dessas duas obras) Constam nesse texto de teor propagandiacutestico uma
ecircnfase em relaccedilatildeo a John Steinbeck O autor mais discutido do mundo como tambeacutem uma
resenha sobre esse autor em que se destacam dizeres em tom de apelo forte como Bem
disse um consagrado criacutetico americano declarando que a pena de Steinbeck eacute infinitamente
mais poderosa do que muitas espadas Esta traduccedilatildeo estaacute dividida em seis capiacutetulos
numerados em caracteres indo-araacutebicos As paacuteginas no total somam duzentas e nove O
tiacutetulo em inglecircs aparece na quarta paacutegina seguido pelos direitos de traduccedilatildeo e outros dados
editoriais
A traduccedilatildeo de Myriam Campello (1991) publicada pelo Ciacuterculo do Livro tem na
capa em tons de verde e rosa principalmente uma ilustraccedilatildeo que representa os personagens
George e Lennie Entre os dois personagens haacute dois ratos intercalados com a marca de uma
matildeo O tiacutetulo em portuguecircs estaacute em posiccedilatildeo superior em letras minuacutesculas e o nome do autor
estaacute na parte inferior da capa Esta ordem entre o tiacutetulo em portuguecircs (ainda em letras
minuacutesculas) e o nome do autor se inverte na lombada A contracapa verde apenas apresenta a
imagem de um rato num quadrado rosa O tiacutetulo em portuguecircs se repete na primeira paacutegina
132
(isolado) e na segunda paacutegina (entre o nome do autor e o nome da editora) a terceira paacutegina
exibe os dados postais da editora os dizeres Ediccedilatildeo integral e Tiacutetulo do original Of mice
and men seguindo-se os direitos autorais o nome da tradutora e do ilustrador da capa
Ainda na terceira paacutegina constam as seguintes informaccedilotildees Licenccedila editorial para o Ciacuterculo
do Livro por cortesia da Distribuidora Record de Serviccedilos de Imprensa SA mediante acordo
com Elaine A Steinbeck venda permitida apenas aos soacutecios do Ciacuterculo composto
impresso e encadernado pelo Ciacuterculo do Livro SA
Esta publicaccedilatildeo conteacutem seis capiacutetulos
em nuacutemeros indo-araacutebicos e cento e trecircs paacuteginas
A traduccedilatildeo de Ana Ban eacute uma publicaccedilatildeo da LampPM Editores de 2005 Pertence agrave
coleccedilatildeo LampPM Pocket (livros de bolso) Sua capa eacute ilustrada com uma fotografia retirada do
filme Of mice and men de 1992 dirigido e estrelado por Gary Sinise (conforme informaccedilotildees
jaacute mencionadas) O tiacutetulo em portuguecircs aparece todo em letras maiuacutesculas seguido pelo nome
do autor tambeacutem em letras maiuacutesculas logo abaixo estaacute a informaccedilatildeo Precircmio Nobel
1962 O nome da editora e da seacuterie aparecem verticalmente na lateral esquerda da capa em
letras maiuacutesculas A lombada repete o tiacutetulo em portuguecircs seguido do nome do autor e da
editora em maiuacutesculas e tambeacutem o nuacutemero 413 que se refere ao nuacutemero de cataacutelogo
(volume) Na contracapa em destaque a expressatildeo Precircmio Nobel 1962 novamente surge
logo acima de informaccedilotildees sobre o livro contendo uma sinopse em linguagem conativa
destacando a grandeza e o talento do autor bem como apelos do tipo um claacutessico sobre o
doloroso periacuteodo da Grande Depressatildeo americana Uma peccedila de ficccedilatildeo para ser lida e relida
Seguem tambeacutem na contracapa o nome da editora destacado e com a frase de efeito A maior
coleccedilatildeo de livros de bolso do Brasil e a expressatildeo texto integral em letras maiuacutesculas num
retacircngulo vermelho haacute outros lanccedilamentos da coleccedilatildeo O tiacutetulo se repete na primeira paacutegina
isolado e na terceira acompanhado no topo pelo nome do autor e logo abaixo com o nome
da tradutora Ana Ban na parte inferior da terceira paacutegina tambeacutem surge o endereccedilo eletrocircnico
da editora e seu nome em logotipo Informaccedilotildees editoriais estatildeo dispostas na quarta paacutegina
(nome da coleccedilatildeo nuacutemero de cataacutelogo tiacutetulo em inglecircs nome da tradutora dos revisores e do
ilustrador ISBN etc) Esta ediccedilatildeo conteacutem seis capiacutetulos natildeo numerados a numeraccedilatildeo das
paacuteginas vai ateacute 145 exatamente onde termina a histoacuteria Seguem-se nas uacuteltimas paacuteginas natildeo
numeradas uma sugestatildeo de leitura e os tiacutetulos que constam no cataacutelogo desta coleccedilatildeo
Pelos dados preliminares apresentados pode-se tecer algumas consideraccedilotildees
sobre as traduccedilotildees em exame Com relaccedilatildeo agrave traduccedilatildeo do tiacutetulo do romance a soluccedilatildeo
unacircnime de Ratos e homens revela uma tendecircncia consolidada desde a traduccedilatildeo mais antiga
de Eacuterico Veriacutessimo (1940) contrariando o apelo comercial que poderia surgir por associaccedilatildeo
133
agrave adaptaccedilatildeo para o cinema de 1939 de Lewis Milestone exibido no Brasil como Cariacutecia
Fatal Entretanto cogita-se que para a traduccedilatildeo mais recente de Ana Ban (2005) a
refilmagem de 1992 Ratos e homens de Gary Sinise talvez possa ter tido influecircncia sobre a
escolha do tiacutetulo nessa traduccedilatildeo
A posiccedilatildeo em que aparecem o tiacutetulo do livro e o nome do autor bem como o
tamanho das letras faz supor sobre o grau de importacircncia relativo a cada um desses itens na
traduccedilatildeo de Veriacutessimo (1940) por exemplo o nome do autor estaacute acima do tiacutetulo enquanto
que na de Campello (1991) e de Ban (2005) essa posiccedilatildeo se inverte Assim mesmo nos casos
em que o nome de Steinbeck em posiccedilatildeo superior ele sempre surge em letras menores em
relaccedilatildeo agraves do tiacutetulo do que se pode concluir que o tiacutetulo por estar grafado em caracteres
maiores ganhou mais destaque e importacircncia ligeiramente maior em todas estas ediccedilotildees Ao
tradutor eacute dada importacircncia menor do que ao tiacutetulo e ao nome do autor pois os nomes dos
tradutores satildeo colocados apenas nas primeiras paacuteginas de cada exemplar Tambeacutem o tamanho
menor das letras que indicam quem traduziu a obra coloca o tradutor em terceiro plano numa
posiccedilatildeo de hierarquia inferior ao tiacutetulo e ao nome do autor fato constatado em todos os
exemplares em questatildeo A ausecircncia dos nomes dos tradutores na capa pode tambeacutem deixar a
impressatildeo equivocada talvez a leitores menos atentos de que natildeo se trata de traduccedilotildees A
menccedilatildeo do tiacutetulo em inglecircs entretanto consta em todas estas publicaccedilotildees nas primeiras
paacuteginas fazendo com que o leitor brasileiro perceba que estes textos satildeo traduccedilotildees e natildeo
produzidos originalmente em portuguecircs
Nenhum dos textos de chegada apresenta prefaacutecio posfaacutecio ou sumaacuterio Haacute uma
nota de rodapeacute da tradutora na traduccedilatildeo de Campello (2005 43) e duas notas de rodapeacute do
editor na traduccedilatildeo de Ban (2005 36 e 38) enquanto que na traduccedilatildeo de Veriacutessimo natildeo haacute
nenhuma
Cada uma das ilustraccedilotildees de capa sugere ao leitor alguma coisa sobre a obra
dependendo eacute claro da subjetividade de cada pessoa Dessas imagens inferem-se impressotildees
preacutevias que podem ser provocadas no consumidorleitor quando se tenta chamar sua atenccedilatildeo
para o produto por meio de associaccedilotildees possiacuteveis entre as imagens e o provaacutevel conteuacutedo da
histoacuteria a ser lida Nas traduccedilotildees de Veriacutessimo (1940) e de Ban (2005) essas estrateacutegias
editoriais ganham apoio de imagens cinematograacuteficas reproduzidas nas capas (em Veriacutessimo
a reproduccedilatildeo de uma cena do filme de 1939 e em Ban a reproduccedilatildeo de uma cena da
refilmagem de 1992) Alguns pontos que revelam a caracteriacutestica comercial estrateacutegias de
marketing dessas publicaccedilotildees por exemplo satildeo a divulgaccedilatildeo do nome das editoras e de seus
dados (endereccedilo telefone e-mail etc) o uso da linguagem conativa o anuacutencio de outras
134
obras de seus cataacutelogos aleacutem da presenccedila de nomes considerados importantes na capa
contracapa ou nos paratextos nome do autor do tradutor como por exemplo do escritor-
tradutor Eacuterico Veriacutessimo na publicaccedilatildeo de 1940
O objetivo comercial das traduccedilotildees como visto acima atende a certos
pressupostos de modo a se conseguir sucesso num projeto editorial Alguns pontos
relevantes nessa intenccedilatildeo por exemplo destacados por Machado (2009) editor da coleccedilatildeo
LampPM Pocket dizem respeito agrave seleccedilatildeo de autores renomados como no caso de John
Steinbeck
A editora decidiu colocar em sua coleccedilatildeo de bolso grandes autores modernos e contemporacircneos entre outros tiacutetulos e gecircneros Steinbeck foi selecionado com Faulkner Hemingway Fitzgerald Henry Miller e outros mais recentes como Voneguth Tom Wolfe Truman Capote Norman Mailer Salinger e muitos outros (MACHADO 2009)
Outro aspecto levantado por Machado (2009) diz respeito agrave escolha dos
tradutores de forma que o resultado do trabalho seja de oacutetima qualidade [] a LampPM
contrata aqueles que ela acredita serem tradutores de primeiriacutessima linha Essa afirmaccedilatildeo
deixa margem para outra conclusatildeo que diz respeito outra vez agrave questatildeo comercial um bom
produto entatildeo teraacute boa aceitaccedilatildeo por parte do puacuteblico consumidor
42 Macroestrutura
As trecircs traduccedilotildees analisadas apresentam texto integral em relaccedilatildeo ao seu texto de
partida A macroestrutura dessas trecircs traduccedilotildees em geral segue aquela do texto de partida
pois natildeo haacute por exemplo alteraccedilatildeo no nuacutemero de capiacutetulos (seis) das traduccedilotildees examinadas
em relaccedilatildeo ao texto de partida Em nenhum dos capiacutetulos desses textos de chegada houve
omissotildees ou cortes significativos O tamanho do conteuacutedo textual portanto permaneceu
bastante similar agrave do texto de partida A diferenccedila em quantidade de paacuteginas em cada um dos
textos (113 para o texto de partida 209 para a traduccedilatildeo de Veriacutessimo 103 para a traduccedilatildeo de
Campello e 145 para a traduccedilatildeo de Ban) se deve principalmente ao tamanho e formato de
cada ediccedilatildeo O enredo o nuacutemero de personagens e o tema natildeo satildeo alterados
Uma diferenccedila marcante neste niacutevel diz respeito agraves notas de rodapeacute presentes na
traduccedilatildeo de Campello e de Ban mas ausentes na traduccedilatildeo de Veriacutessimo Em Campello trata-
se de uma nota do editor em itaacutelico referindo-se a um trocadilho com o nome de Lennie
Small Trocadilho com o nome do personagem small significa pequeno
(CAMPELLO
135
1991 34) e uma uacutenica nota da tradutora na paacutegina 43 referindo-se ao vocaacutebulo inglecircs
airedale Espeacutecie de catildeo terrier originaacuterio da Inglaterra e em Ban satildeo apenas duas notas do
editor uma na paacutegina 36 explicando o sobrenome do personagem Lennie Small
literalmente pequeno em inglecircs e a outra na paacutegina 38 explicando o nome do
personagem Slim Slim magro ou delgado em inglecircs
Os capiacutetulos natildeo apresentam tiacutetulos em conformidade com o texto de partida e a
sua identificaccedilatildeo eacute representada por nuacutemeros cardinais indo-araacutebicos (Veriacutessimo e Campello)
ou escritos por extenso (caso do texto de partida) ou simplesmente pela conclusatildeo do texto
de um capiacutetulo numa paacutegina e a retomada do texto como um novo capiacutetulo na paacutegina seguinte
(neste caso o intervalo entre um capiacutetulo e outro eacute apenas representado por um espaccedilo em
branco
caso da traduccedilatildeo de Ana Ban) Estas podem ser preferecircncias tanto dos tradutores
como dos editores A palavra capiacutetulo eacute sempre omitida
O texto de partida possui paraacutegrafos mais longos do que as traduccedilotildees paraacutegrafos
maiores em inglecircs tendem a ser subdivididos em dois ou agraves vezes trecircs nos textos de
chegada em portuguecircs Isso pode ser evidenciado no seguinte exemplo
Evening of a hot day started the little wind to moving among the leaves The shade climbed up the hills toward the top On the sand-banks the rabbits sat as quietly as little grey sculptured stones And then from the direction of the state highway came the sound of footsteps on crisp sycamore leaves The rabbits hurried noiselessly for cover A stilted heron laboured up into the air and pounded down-river For a moment the place was lifeless and then two men emerged from the path and came into the opening by the green pool They had walked in single file down the path and even in the open one stayed behind the other Both were dressed in denim trousers and in denim coats with brass buttons Both wore black shapeless hats and both carried tight blanket rolls slung over their shoulders The first man was small and quick dark of face with restless eyes and sharp strong features Every part of him was defined small strong hands slender arms a thin and bony nose Behind him walked his opposite a huge man shapeless of face with large pale eyes with wide sloping shoulders and he walked heavily dragging his feet a little the way a bear drags his paws His arms did not swing at his sides but hung loosely and only moved because the heavy hands were pendula (STEINBECK sd 2)
O anoitecer dum dia caacutelido pocircs em movimento a brisa por entre as focirclhas A sombra subiu as colinas na direccedilatildeo dos topos Os coelhos estavam sentados imoacuteveis nas margens arenosas como pequenas esculturas de pedra cinzenta E depois das bandas da estrada estadual veio o som de passos socircbre as focirclhas secas de sicocircmoro Os coelhos correram furtivos para seus esconderijos Uma garccedila empertigada se ergueu pesadamente no ar e sobrevoou o rio corrente abaixo Por um momento a vida como que cessou naquele recanto e depois dois homens emergiram do sendeiro e desceram para a clareira junto do poccedilo verde
Caminhavam em fila indiana estrada abaixo e mesmo na clareira ficaram um atraacutes do outro Vestiam ambos calccedilas e casacos de sarja de algodatildeo azul com bototildees de cobre Tinham ambos chapeacuteus pretos e informes e traziam agraves costas cobertores num rocirclo apertado
O primeiro dos homens era pequeno e vivo moreno de rosto de olhos inquietos e penetrantes e traccedilos bem marcados Tudo nele era definido matildeos pequenas e fortes braccedilos delgados nariz fino e ossudo Atraacutes decircle vinha o seu
136
oposto um homem enorme de cara sem forma grandes olhos paacutelidos e ombros largos e caiacutedos caminhava pesadamente arrastando um pouco os peacutes assim no jeito como os ursos arrastam as patas Seus braccedilos natildeo oscilavam acompanhando o movimento das pernas mas pendiam frouxos ao longo do torso (VERIacuteSSIMO 1940 8)
Ao anoitecer daquele dia quente uma brisa comeccedilou a mover-se entre as folhas A sombra escalava as colinas em direccedilatildeo ao topo e os coelhos sentavam-se quietos como pequenas esculturas de pedra cinzenta nas margens arenosas Vindo da rodovia estadual um som de passos estalou nas folhas secas dos sicocircmoros Raacutepidos sem ruiacutedo os coelhos se esconderam Uma pomposa garccedila ergueu-se pesadamente no ar e bateu asas rio abaixo Durante um momento o lugar tornou-se inanimado Entatildeo a seguir dois homens surgiram no caminho e pararam na clareira junto ao lago verde
Caminhavam em fila indiana e mesmo ali na clareira permaneciam um atraacutes do outro Ambos vestiam calccedilas e casacos de brim com bototildees de cobre Os dois usavam chapeacuteu preto disforme e carregavam nos ombros cobertores bem enrolados O primeiro homem era pequeno moreno e aacutegil com olhos inquietos e traccedilos fortes marcantes Tudo nele era bem definido matildeos pequenas e vigorosas braccedilos delgados e nariz fino e ossudo O homem agrave retaguarda era o seu oposto Enorme rosto inexpressivo olhos grandes e morticcedilos e ombros largos caiacutedos Caminhava pesadamente arrastando um pouco os peacutes como os ursos Seus braccedilos natildeo oscilavam de forma natural pendiam frouxos ao longo do tronco (CAMPELLO 1991 6)
O anoitecer de um dia quente fez com que uma brisa comeccedilasse a soprar por entre as folhas A sombra ia subindo pelas montanhas em direccedilatildeo ao topo Nas margens arenosas as lebres se acomodaram como se fossem pedrinhas cinzentas e esculpidas E entatildeo dos lados a auto-estrada estadual veio o som de passos sobre as folhas de plaacutetano secas As lebres saiacuteram correndo em silecircncio em busca de abrigo Uma garccedila que ali descansava saiu voando rio abaixo Por um instante o lugar ficou sem vida e entatildeo dois homens surgiram da trilha e passaram agrave clareira ao lado da lagoa verde
Haviam caminhado em fila indiana pela trilha e mesmo ali em terreno aberto continuavam um atraacutes do outro Ambos usavam calccedilas de brim e jaquetas de brim com bototildees de latatildeo Ambos usavam um chapeacuteu preto disforme e ambos carregavam cobertores enrolados bem apertados pendurados no ombro O primeiro era pequeno e raacutepido moreno de rosto com olhos inquietos e traccedilos bem definidos e fortes Cada parte dele era bem definida matildeos pequenas e fortes braccedilos delgados nariz fino e ossudo Atraacutes dele vinha sua antiacutetese um homem enorme sem formas definidas no rosto com olhos grandes e claros com ombros caiacutedo e amplos que caminhava pesadamente arrastando um pouco os peacutes da maneira como um urso arrasta as patas Os braccedilos natildeo balanccedilavam ao lado do corpo apenas permaneciam soltos (BAN 2005 12-13)
Em termos de conteuacutedo natildeo haacute omissotildees ou acreacutescimos significativos em todas as
traduccedilotildees A quantidade dos diaacutelogos permanece inalterada nas traduccedilotildees e a sua proporccedilatildeo eacute
similar agrave do texto de partida adotado nesta dissertaccedilatildeo Em todas as traduccedilotildees examinadas
verifica-se o uso de travessotildees para marcar os diaacutelogos (discurso direto) enquanto que no
texto de partida haacute o uso de aspas simples marcando o discurso direto e em menor
frequumlecircncia haacute o discurso indireto livre marcado por aspas duplas como indicado nos trechos
sublinhados Aleacutem disso as aspas duplas tambeacutem marcam o discurso indireto livre nas
traduccedilotildees desse trecho
137
We could just as well of rode clear to the ranch if that bastard bus-driver knew what
he was talkin about Jes a little stretch down the highway
he says Jes a little
stratch
[]
(STEINBECK sd 4)
- Noacutes bem podiacuteamos ter ido direito agrave fazenda
disse ecircle coleacuterico
se aquele
condutor cachorro soubesse o que estava dizendo Soacute mais uma puxadinha depois
da estrada real
disse ecircle
Soacute mais uma puxadinha
[] (VERIacuteSSIMO 1940
10)
- A gente bem que podia ter ido direto pra fazenda
disse com raiva
se aquele motorista nojento soubesse o que tava falando Soacute uma esticadinha estrada abaixo ele disse Soacute uma esticadinha (CAMPELLO 1991 7)
- A gente bem que podia tecirc chegado direto na fazenda se aquele idiota daquele motorista de ocircnibus soubesse o que tava falando Soacute uma caminhadinha curtinha saindo da estrada ele disse Soacute uma caminhadinha curtinha (BAN 2005 14)
A narrativa em terceira pessoa (discurso indireto) eacute mantida nas seguintes
traduccedilotildees
The day was going fast now Only the tops of the Gabilan mountains flamed with the light of the sun that had gone from the valley [ ] (STEINBECK sd 7)
O dia agora morria de-pressa Apenas o cume dos montes Gabilan estavam incendiados da luz do sol que descera para o vale [] (VERIacuteSSIMO 1940 17)
O dia se extinguia agora rapidamente Soacute os topos das montanhas Gabilan flamejavam agrave luz do sol que abandonara os vales [] (CAMPELLO 1991 10)
O dia estava indo embora rapidamente Apenas o topo das montanhas Gabilan queimava com a luz do sol que jaacute tinha ido embora do vale [] (BAN 2005 19)
43 Microestrutura
Os dados indicam que estas traduccedilotildees satildeo orientadas para o puacuteblico da liacutengua de
chegada pois as suas ediccedilotildees seguem a tradiccedilatildeo do sistema de chegada brasileiro ou seja os
recursos que promovem estes produtos de modo geral fazem parte de estrateacutegias comerciais
comumente adotadas no Brasil com referecircncias do ponto de vista brasileiro as imagens das
produccedilotildees cinematograacuteficas exibidas neste paiacutes nas capas da traduccedilatildeo de Veriacutessimo e de Ana
Ban o portuguecircs brasileiro de cada eacutepoca (1940 1991 e 2005)
As diferentes datas dessas trecircs traduccedilotildees deixam clara a necessidade de
atualizaccedilatildeo das traduccedilotildees cada qual pretendendo comunicar ao seu leitor numa voz
138
contemporacircnea conforme argumentam Landers (2001 10-11) Milton (1998 40) Benjamin
(2001 197) Schulte apud Hatje-Faggion (2001 13) entre outros Nesse sentido tambeacutem
cada um dos textos traduzidos fala por si mesmo cada qual com a ortografia e o tom de sua
proacutepria eacutepoca
Nas traduccedilotildees de Veriacutessimo (1940) Campello (1991) e Ban (2005) observa-se a
escolha unacircnime para o tiacutetulo Of mice and men (STEINBECK sd) em portuguecircs como
Ratos e homens em que se observa que a palavra rato natildeo eacute uma correspondente perfeita
para mouse (plural mice) Mouse designa camundongo ou seja uma espeacutecie de rato pequeno
enquanto que para rato teria-se em inglecircs rat Todavia resta saber que impressatildeo causaria
ao leitor por exemplo Camundongos e Homens ou Ratinhos e Homens Haveria talvez
um estranhamento pela distorccedilatildeo causada em relaccedilatildeo ao tiacutetulo na liacutengua de partida pois
camundongo ou ratinho em portuguecircs parecem conferir um significado jocoso
contrariamente ao significado intencional de mouse A escolha do vocaacutebulo ratos de acordo
com a cultura brasileira manteacutem o significado conforme o texto de partida e sugere algo
mais jaacute que se trata de um animal um pouco maior ao qual se associa a repugnacircncia e a
imagem da sujeira onde normalmente ele vive
Conforme explicitado anteriormente a intertextualidade presente no tiacutetulo deste
romance a partir do poema To a Mouse110 de Robert Burns deixa clara uma intenccedilatildeo por traacutes
do simbolismo do tiacutetulo neste poema a insignificacircncia de um camundongo e de seu ninho
destruiacutedo pelo acaso ou pelo Destino por meio da accedilatildeo de outro ser muito mais forte eacute
comparada agrave fragilidade dos planos ou sonhos dos homens (conforme seacutetima estrofe vide
abaixo) O ser humano numa metaacutefora pessimista eacute marginalizado e animalizado assumindo
os atributos do camundongo pequeno fraacutegil e que vive de restos
Os nomes proacuteprios em Of mice and men (ou a ausecircncia deles) satildeo em boa parte
sugestivos Soledad por exemplo que eacute o nome da cidade mais proacutexima da fazenda onde a
histoacuteria se passa eacute uma clara alusatildeo a um dos temas principais pois essa palavra significa
solidatildeo em espanhol Neste caso tanto Veriacutessimo como Campello e Ban transcrevem este
nome A maior parte dos personagens do romance eacute do sexo masculino e quando se faz
referecircncia agrave mulher ou ela eacute uma imagem do passado como Aunt Clara (a Tia Clara de
Lennie jaacute morta e soacute aparece no final da histoacuteria durante uma visatildeo de Lennie em que ela o
repreende por causar problemas a George) ou eacute malvista e fonte frequumlente de problemas
como no caso do uacutenico personagem feminino com participaccedilatildeo ativa que eacute o caso da mulher
110 Segundo Otto Maria Carpeaux (1968 6) To a Field Mouse
139
de Curley (Curley s wife) da qual o autor nunca revela o nome e este apagamento reforccedila a
imagem negativa da mulher O nome do patratildeo tambeacutem nunca eacute mencionado Este
personagem soacute aparece uma vez sempre referido como the boss Quanto a outros
personagens Aunt Clara eacute sempre a Tia Clara bem como Curley s wife eacute simplesmente
traduzida como a mulher de Curley e the boss eacute o patratildeo
Dentre os personagens masculinos haacute certa ironia com Lennie Small pois seu
sobrenome
Small
significa baixo o contraacuterio de uma de suas caracteriacutesticas fiacutesicas
a
estatura alta Seu companheiro eacute George Milton talvez numa alusatildeo ao poeta inglecircs do seacuteculo
XVII John Milton e seu poema eacutepico Paraiacuteso Perdido O velho Candy em portuguecircs
doce mas aparentemente este significado natildeo se aplica aqui Para Crooks o negro do
estaacutebulo entretanto seu nome eacute uma referecircncia direta ao seu defeito fiacutesico significa torto
O nome de Curley o filho do patratildeo eacute uma referecircncia aos seus cabelos enrolados a que sua
esposa refere serem parecidos com arame Take Curley His hair is jus like wire
(STEINBECK sd 96) Slim eacute o condutor de mulas (VERIacuteSSIMO 1940 68) ou arrieiro
(CAMPELLO 1991 32) e carroceiro (BAN 2005 52) o priacutencipe do rancho
(VERIacuteSSIMO 1940 68 CAMPELLO 1991 32 mas para BAN 2005 52 o priacutencipe da
fazenda ) e o uacutenico personagem que parece estar em paz consigo mesmo Seus companheiros
de trabalho sempre lhe pedem conselhos Eacute tranquumlilo e pensativo e eacute somente ele quem
compreende a natureza da amizade entre George e Lennie consolando George apoacutes o final
traacutegico da histoacuteria Eacute esguio de corpo o que seu nome sugere Carlson seu nome natildeo tem
significado aparente bem como o de Whit Na traduccedilatildeo de Veriacutessimo (1940) os nomes dos
personagens ora satildeo traduzidos ora transcritos George MiltonGeorge Milton Lennie
SmallLennie Small CandyCandy CrooksCrooks CurleyCrespinho SlimMagro
CarlsonCarlson WhitWhit As tradutoras Campello (1991) e Ban (2005) por sua vez
apenas transcrevem os nomes de pessoas
Assim percebe-se que os tradutores optam de modo geral por preservar a
nacionalidade dos personagens relacionada aos seus nomes agrave maneira que Newmark (1988)
aconselha em primeiro lugar ou seja a simples transcriccedilatildeo dos nomes As exceccedilotildees ficam por
conta de Veriacutessimo que abrasileirou os nomes dos personagens Curley e Slim por
Crespinho (traduzido e adaptado) e Magro (traduzido) respectivamente em desalinho com o
nome dos outros personagens os quais permaneceram com nomes estrangeiros Isso poderia
talvez significar uma preocupaccedilatildeo do tradutor com o puacuteblico da liacutengua de chegada Veriacutessimo
manteve os outros nomes de personagens intactos mas percebe-se por exemplo que o nome
George facilmente se adaptaria a Jorge Crooks
que remete agrave palavra inglesa crook que
140
alude a desvio curvatura e portanto a uma caracteriacutestica fiacutesica deste personagem
tambeacutem
poderia encontrar uma soluccedilatildeo em portuguecircs tal como Torto
Quanto a localidades e nomes geograacuteficos algumas soluccedilotildees tradutoacuterias satildeo agraves
vezes idecircnticas agraves vezes diferentes
1) Steinbeck The Salinas RiverGabilan mountainsSoledad (p I)Howard Street (p 5)Weed (p 6)The Riverside Dance Palace (p 93)
2) Veriacutessimo Rio Salinasmontanhas GabilanSoledad (p5)Howard Street (p 12)Weed (p 15)Palaacutecio da Dansa (p172)
3) Campello Rio Salinasmontanhas GabilanSoledad (p 5)Howard Street (p 8)Weed (p 9)Riverside Dance Palace (p 83)
4) Ban Rio Salinasmontanhas GabilanSoledad (p 11)rua Howard (p 15)Weed (p 17)Dance Palace de Riverside (p 121)
Nota-se que para The Salinas RiverGabilan mountainsSoledad natildeo houve
nenhuma diferenccedila nos textos de chegada pois os trecircs tradutores optaram pelas mesmas
soluccedilotildees fazendo transferecircncias (BARBOSA 2004 71-77) por estrangeirizaccedilatildeo (VENUTI
1998 241) traduzindo os vocaacutebulos onde possiacutevel (RiverRio mountainsmontanhas) Rio
Salinasmontanhas GabilanSoledad Para Howard StreetWeed o mesmo procedimento eacute
adotado pelos tradutores apenas com uma diferenccedila em relaccedilatildeo a Ana Ban Howard
StreetWeed (VERIacuteSSIMO) Howard StreetWeed (CAMPELLO) Rua
HowardWeed
(BAN)
Por fim River Side Dance Palace encontra uma domesticaccedilatildeo (VENUTI 1998
240) feita por Veriacutessimo Palaacutecio da Dansa (em que a palavra dansa obedece agrave ortografia da
eacutepoca dessa traduccedilatildeo 1940) Campello faz uma transferecircncia (BARBOSA 2004) por
estrangeirizaccedilatildeo (VENUTI 1998) Riverside Dance Palace Ana Ban por seu turno deixa
uma expressatildeo hiacutebrida Dance Palace de Riverside
As formas de tratamento e vocativos no texto de partida na maioria das vezes
satildeo mais informais a exemplo de he she it you etc Algumas exceccedilotildees
Mr Slim
() You
told me to warm up tar for the mule s foot ()
(STEINBECK
sd 53)
Seu Magro
( )
O senhor me disse que aquentasse o alcatratildeo pro casco da mula
( ) (VERIacuteSSIMO 1940 99)
141
Seu Slim
()
O senhor
me disse pra esquentar o alcatratildeo pro casco da mula ()
(CAMPELLO 1991 47)
Seu Slim ()
O sinhocirc
me mandocirc isquentaacute piche pro casco daquela mula ()
(BAN 2005 73)
Nos exemplos acima percebe-se um ligeiro grau de formalidade ou respeito por
causa do vocativo Mr traduzido por Seu O pronome you possui um tom neutro e somente
pelo contexto eacute que se presume certa formalidade facilmente reconhecida em senhor
(VERIacuteSSIMO e CAMPELLO) e em sinhocirc (BAN) Outro exemplo estaacute no uso de ma am
(madam)
Why Curley he got his han caught in a machine ma am
()
(STEINBECK
sd 82)
Ora o Crespinho meteu a matildeo numa maacutequina moccedila
() (VERIacuteSSIMO 1940
152)
Ora ele prendeu a matildeo numa maacutequina () (CAMPELLO 1991 73)
Ah o Curley ele ficocirc co a matildeo presa numa maacutequina moccedila
() (BAN 2005
108)
Neste uacuteltimo caso ma am eacute traduzido por moccedila (VERIacuteSSIMO e BAN) revelando
um misto de inseguranccedila respeito e hesitaccedilatildeo pois o personagem Candy conta uma mentira
para a mulher de Curley Esses efeitos todavia se perdem no texto de Campello que omite
esse vocativo
O texto de partida apresenta agraves vezes o uso de itaacutelico para dar ecircnfase a algumas
passagens como em
Give it here said George Aw leave me have it George
Give it here (STEINBECK sd 6)
- Passa isso pra caacute - Oh Deixa-me ficar com ecircle George - Passa isso pra caacute (VERIacuteSSIMO 1940 14)
- Me daacute aqui - Ah George deixa eu ficar com ele - Me daacute aqui (CAMPELLO 1991 9)
- Daacute aqui disse George - Ah deixa eu ficaacute com ele George - Daacute aqui (BAN 2005 16)
142
Na traduccedilatildeo de Veriacutessimo essas mesmas passagens estatildeo em negrito Nas
traduccedilotildees de Campello e Ban elas estatildeo em itaacutelico como no texto de partida
O recurso do negrito ou do itaacutelico tambeacutem identifica nos textos de chegada o uso
de palavras estrangeiras como airedale
(CAMPELLO 1991 43) ou rings de box
(VERIacuteSSIMO 1940 54) A traduccedilatildeo de Ban entretanto natildeo usa nenhum desses dois
recursos para essa finalidade
No que diz respeito agrave pontuaccedilatildeo em geral as diferenccedilas ocasionais entre o texto
de partida e os respectivos textos de chegada relacionados sempre uns com os outros natildeo
representam mudanccedilas semacircnticas significativas Nas traduccedilotildees ela diverge um pouco
daquela do texto de partida (e tambeacutem divergem entre si) o que provoca agraves vezes ligeira
alteraccedilatildeo semacircntica Assim quando Veriacutessimo Campello e Ban traduzem a primeira linha do
exemplo citado acima Give it here said George respectivamente por - Passa isso pra
caacute Me daacute aqui Daacute aqui respectivamente a ecircnfase resultante com a impressatildeo de
impaciecircncia no humor do personagem George eacute maior do que no texto de partida graccedilas ao
uso da exclamaccedilatildeo Na segunda linha do diaacutelogo Aw leave me have it George haacute uma
alteraccedilatildeo de significado provocada pelo uso de reticecircncias por parte de Campello - Ah
George deixa eu ficar com ele pois se o texto de partida usa um ponto isso representa um
fechamento na oraccedilatildeo enquanto que as reticecircncias datildeo um ar de pensamento sem conclusatildeo
como se ainda houvesse algo mais a dizer
As singularidades perceptiacuteveis nas traduccedilotildees de Veriacutessimo Campello e Ban ficam
ainda mais ressaltadas quando se exploram outras caracteriacutesticas pertencentes ao universo
sociocultural retratado no texto de partida natildeo necessariamente coincidentes nas trecircs
traduccedilotildees comparadas Isso eacute o que se percebe ao se examinar os exemplos de palavras
expressotildees e vocaacutebulos sublinhados dos fragmentos a seguir retirados do capiacutetulo 2 que se
referem a estrangeirizaccedilatildeo e domesticaccedilatildeo escolhas que resultam em alteraccedilotildees de
significado nas diferentes traduccedilotildees diferenccedilas de ortografia ou simples preferecircncias por
parte de cada tradutor
A tall man stood in the doorway He held a crushed Stetson
hat under his arm while he combed his long black damp hair straight back Like the others he wore blue jeans
and a short denim jacket ( ) This was Slim the jerkline skinner His hatchet face
was ageless He might have been thirty-five or fifty() His hands large and lean were as delicate in their action as those of a temple dancer
(STEINBECK sd 34-35)
Um homem alto apareceu agrave porta Manteve o Stetson
amassado debaixo do braccedilo enquanto penteava para traacutes o cabelo longo negro e uacutemido Como os outros vestia calccedilas azues
e uma jaqueta curta de estamenha () Era o Magro das mulas A cara
143
delgada
natildeo tinha idade O homem podia ter trinta e cinco como cincoenta anos ()
Suas matildeos grandes e descarnadas eram na accedilatildeo tatildeo delicadas como as de uma dansarina de templo (VERIacuteSSIMO 1940 68-69)
Um homem alto apareceu agrave porta Trazia um chapeacuteu Stetson
amassado sob o braccedilo
enquanto penteava o cabelo preto longo e uacutemido para traacutes Como os outros usava jeans
e uma curta jaqueta de brim () Era Slim o arrieiro de primeira linha Seu
rosto fino e comprido
natildeo tinha idade Poderia ter trinta e cinco ou cinquumlenta anos
() Suas matildeos longas e esbeltas eram tatildeo delicadas ao agir como as de uma danccedilarina do templo (CAMPELLO 1991 32-33)
Um homem alto estava parado agrave porta Segurava um chapeacuteu de cauboacutei
amassado embaixo do braccedilo ao mesmo tempo em que penteava para traacutes o cabelo comprido preto e molhado Assim como os outros usava jeans
e uma jaqueta de brim curta () Tratava-se de Slim o melhor carroceiro Seu rosto bem talhado
natildeo tinha idade Podia ter 35 ou cinquumlenta anos () As matildeos grandes e delgadas eram tatildeo delicadas no agir quanto as de um danccedilarino de corpo de baile (BAN 2005 51-52)
Para traduzir Stetson (STEINBECK sd 34) Veriacutessimo (1940 68) transcreve
Stetson Campello (1991 32) por sua vez aleacutem de transcrever essa palavra acrescenta um
vocaacutebulo explicativo chapeacuteu Stetson de modo a tornar mais clara ao leitor a referecircncia
agravequele objeto Jaacute Ban (2005 51) prefere substituir esse nome estrangeiro optando por
chapeacuteu de cauboacutei
Em relaccedilatildeo agraves palavras blue jeans Veriacutessimo faz a escolha por calccedilas azues
segundo a ortografia oficial da eacutepoca Campello opta por jeans em itaacutelico omitindo ou
deixando subentendida a palavra calccedila Na traduccedilatildeo mais recente de Ana Ban prefere
jeans sem itaacutelico (vocaacutebulo jaacute naturalizado em portuguecircs)
Haacute mudanccedila de sentido quando a expressatildeo short denim jacket eacute traduzida por
jaqueta curta de estamenha (Veriacutessimo) e jaqueta de brim curta (Ban) e curta jaqueta de
brim (Campello) pois a antecipaccedilatildeo do adjetivo em relaccedilatildeo ao substantivo (curta jaqueta)
intensifica o significado do adjetivo curta quer dizer bem curta mais curta
Estamenha hoje um vocaacutebulo de uso mais raro talvez evidencie um sinal da eacutepoca de
Veriacutessimo (1940) quando o vocaacutebulo brim (Campello e Ban) possivelmente natildeo era ainda
de uso comum difundido
Em This was Slim the jerkline skinner Veriacutessimo decide traduzir o nome do
personagem Slim acrescentando um qualificativo ( Era o Magro das mulas ) o que natildeo satildeo
muitos detalhes sobre sua ocupaccedilatildeoprofissatildeo natildeo haacute coincidecircncia ou exatidatildeo entre arrieiro
de primeira linha (Campello) e o melhor carroceiro (Ban)
Nas soluccedilotildees para His hatchet face haacute similaridade de significado entre A cara
delgada (Veriacutessimo) e Seu rosto fino e comprido (Campello) embora cara soe hoje
mais rude e coloquial do que rosto Seu rosto bem talhado (Ban) pode natildeo revelar com
144
clareza ao leitor as adjetivaccedilotildees decorrentes de hatchet face Hornby (2000 619) daacute a
seguinte definiccedilatildeo para hatchet-faced adj (disapproving) (of a person) having a long thin
face and sharp features o que portanto estaacute de mais acordo com as opccedilotildees de Veriacutessimo e
Campello aleacutem de revelar um valor pejorativo do vocaacutebulo
Para temple dancer tecircm-se dansarina de templo (Veriacutessimo)danccedilarina do templo
(Campello)danccedilarino de corpo de baile (Ban) Mais uma vez percebe-se a diferenccedila de
ortografia conforme a eacutepoca de cada traduccedilatildeo em dansarinadanccedilarinadanccedilarino Haacute ligeira
diferenciaccedilatildeo quando se usa de (preposiccedilatildeo) ou do (preposiccedilatildeo + artigo definido) Outro
aspecto eacute o gecircnero escolhido feminino (danccedilarina
Veriacutessimo e Campello) ou masculino
(danccedilarino
Ban) A maior diferenccedila entre essas escolhas estaacute no vocaacutebulo templo por
Veriacutessimo e Campello e corpo de baile por Ban
Percebe-se nessas trecircs traduccedilotildees tanto a tendecircncia pela estrangeirizaccedilatildeo quanto
pela domesticaccedilatildeo Por exemplo haacute estrangeirizaccedilatildeo quando a palavra Stetson (STEINBECK
sd 34) eacute transcrita por Veriacutessimo ( Stetson p 68) e Campello ( chapeacuteu Stetson p 32)
Ban por sua vez a domestica ao preferir a expressatildeo chapeacuteu de cauboacutei (p 51)
A expressatildeo blue jeans (STEINBECK sd 34) ganha um tom estrangeirizado
quando Campello opta por jeans em itaacutelico Essa mesma expressatildeo eacute domesticada por
Veriacutessimo ( calccedilas azues p 68 talvez porque no contexto da eacutepoca dessa traduccedilatildeo 1940
as calccedilas jeans ainda natildeo eram de uso tatildeo difundido no Brasil) e Ban ( jeans p 51 sem
itaacutelico o que confere o uso jaacute normalizado pelo costume brasileiro com uma palavra jaacute
totalmente incorporada em nossa cultura)
Mais exemplos de estrangeirizaccedilatildeo ou domesticaccedilatildeo satildeo encontrados em outras
partes da obra como neste caso retirado do capiacutetulo 2
() He done quite a bit in the ring () (STEINBECK sd 27)
() Jaacute andou lutando um pedaccedilo nos rings de box () (VERIacuteSSIMO 1940 54)
() Jaacute fez um bom papel entre as cordas de um ringue
() (CAMPELLO 1991
26)
() Jaacute se deu bem memo na arena () (BAN 2005 42)
Assim o vocaacutebulo rings de box por Veriacutessimo eacute estrangeirizado pois ring e box
satildeo palavras inglesas a exceccedilatildeo fica por conta da preposiccedilatildeo de Naturalmente as outras
soluccedilotildees satildeo domesticadas pelo uso das palavras da liacutengua portuguesa cordas de um ringue
por Campello e arena por Ban De modo geral percebe-se que Veriacutessimo opta mais pela
estrangeirizaccedilatildeo do que suas colegas tradutoras incluindo em seu vocabulaacuterio em outras
145
passagens outros vocaacutebulos estrangeiros como milhas (VERIacuteSSIMO 1940 6) enquanto
que Campello (1991 5) e Ban (2005 11) respectivamente optam or quilocircmetros
No capiacutetulo 2 haacute outro exemplo de escolhas diferentes por parte dos tradutores na
seguinte passagem
She had full rouged lips () (STEINBECK sd 32)
uma rapariga de laacutebios cheios encarnados de rouge (VERIacuteSSIMO 1940 63)
A moccedila ali () tinha laacutebios cheios e vermelhos (CAMPELLO 1991 30)
Tinha laacutebios cheios cobertos de batom () (BAN 2005 48)
Quanto ao pronome she Veriacutessimo o traduz por rapariga uma palavra que
atualmente ganhou um significado negativo referindo-se a prostituta de acordo com a
cultura popular brasileira Essa mesma palavra inglesa recebe de Campello a traduccedilatildeo moccedila
vocaacutebulo relativamente neutro enquanto que Ban simplesmente omite o pronome ela (ou
outra palavra cabiacutevel) pelo recurso do verbo ter conjugado na terceira pessoa do singular
[ela] tinha Percebe-se que Veriacutessimo usa o vocaacutebulo rouge uma estrangeirizaccedilatildeo (pois esta
palavra eacute francesa) enquanto que Campello usa a palavra vermelhos e Ban prefere a
expressatildeo cobertos de batom
No tocante agrave questatildeo estrangeirizaccedilatildeodomesticaccedilatildeo a situaccedilatildeo se inverte entre os
tradutores na traduccedilatildeo do substantivo coons (STEINBECK sd I) pois Veriacutessimo
domestica ao optar por coatiacutes111 (1940 6 segundo a ortografia da eacutepoca para quatis)
enquanto Campello e Ban traduzem o vocaacutebulo por guaxinins (CAMPELLO 1991 5 BAN
2005 11)
Outro recurso expressivo de Steinbeck satildeo as expressotildees idiomaacuteticas e as giacuterias
que recebem as seguintes traduccedilotildees
He was sore as hell
when you wasn t here to go out this morning
(STEINBECK
sd 19)
Ficou queimado
quando natildeo viu vocecircs saiacuterem pro trabalho hoje de manhatilde
(VERIacuteSSIMO 1940 38)
Ficou uma fera
quando viu que natildeo tavam aqui pra trabalhar esta manhatilde
(CAMPELLO 1991 20)
111 A palavra coon em forma abreviada refere-se a racoon ou seja guaxinim um animal mamiacutefero que natildeo existe no Brasil Quati por sua vez eacute um animal aparentado ao guaxinim mas eacute bem tiacutepico em algumas regiotildees brasileiras
146
Ficocirc loco da vida
quando viu qu oceis num tavam aqui pra trabaiaacute hoje de manhatilde
(BAN 2005 32)
Em He was sore as hell Ficou queimado Ficou uma fera Ficocirc loco da vida
(SteinbeckVeriacutessimo Campello e Ban respectivamente) cada tradutor procurou transmitir
uma impressatildeo sobre o humor do personagem o que representa muito mais do que uma
traduccedilatildeo mecacircnica ao peacute da letra Nesse sentido as diferenccedilas notadas se referem ao niacutevel do
leacutexicosintagma escolhido entretanto o resultado geral eacute homogecircneo em significado
Outro exemplo pertinente ao caso das expressotildees idiomaacuteticas e das giacuterias pode ser
ilustrado pelo fragmento abaixo extraiacutedo do capiacutetulo 4
Baloney What you think you re sellin me
Curley started somep in he didn t finish
()
(STEINBECK sd 82)
Isso eacute galinha morta Pensam que estatildeo me levando no embrulho Pensam que eu
vou nessa O Crespinho foi buscar latilde e saiu tosquiado (VERIacuteSSIMO 1940 152)
Besteira Acham que conseguem me tapear
Curley foi buscar latilde e saiu tosquiado
(CAMPELLO 1991 73)
- Quanta bestera Oceis acha que eu vocirc acreditaacute nisso
O Curley comeccedilocirc algum
negoacutecio que num conseguiu terminaacute (BAN 2005 108)
Quando Veriacutessimo traduz Baloney
por - Isso eacute galinha morta galinha morta
parece ser um pouco mais expressiva Jaacute as escolhas de Campello e Ban respectivamente -
Besteira - Quanta bestera parecem soar no mesmo niacutevel de expressividade apresentada
pelo texto de partida
A opccedilatildeo levar no embrulhopensam que eu vou nessa de Veriacutessimo eacute
relativamente atual mas as tradutoras fazem escolhas diferentes enquanto Campello utiliza
tapear Ban decide por uma linguagem normalizada sem se constituir como giacuteria ou
expressatildeo idiomaacutetica ( - Oceis acha que eu vocirc acreditaacute nisso )
Percebe-se um paralelismo entre as opccedilotildees de Veriacutessimo e de Campello no que
diz respeito ao uso que ambos fizeram de foi buscar latilde e saiu tosquiado Ban por sua vez de
novo preferiu natildeo utilizar uma expressatildeo idiomaacutetica
Ateacute esta etapa da leitura comparativa percebe-se que os dados preliminares
mostraram dados mais gerais que compotildeem a estrutura externa das publicaccedilotildees onde
constam elementos de acordo com os objetivos dos agentes responsaacuteveis pela publicaccedilatildeo
(estrateacutegias de seduccedilatildeo do consumidor) De modo sequumlencial e gradativo o terreno foi
147
preparado para o proacuteximo estaacutegio a macroestrutura que examinou a estrutura e divisatildeo
geral dos textos em partes menores (capiacutetulos paraacutegrafos frases sentenccedilas) A
microestrutura por sua vez num niacutevel mais especiacutefico permitiu que fossem verificados
aspectos mais direcionados agrave questatildeo da seleccedilatildeo lexical (niacutevel de linguagem)
Pocircde-se notar entatildeo que essas trecircs etapas constituiacuteram o que cada projeto
editorial percebia ou cogitava serem de modo geral as expectativas da recepccedilatildeo Tais
expectativas entretanto soacute podem ser confirmadas ou refutadas pelo feedback da recepccedilatildeo
Esta eacute uma funccedilatildeo elementar do quarto estaacutegio do esquema de Lambert e Van Gorp o
contexto sistecircmico que pela anaacutelise de dados obtidos a partir da fortuna criacutetica publicada em
revistas e jornais permite verificar esse retorno seja por parte do leitor-consumidor seja pela
parte da criacutetica informal ou especializada
44 Contexto sistecircmico
Os dados obtidos mostram que a resposta da recepccedilatildeo (nos sistemas de chegada
estadunidense mundial e mais especificamente brasileiro) no tocante a John Steinbeck e sua
obra Of mice and menRatos e homens e suas respectivas traduccedilotildees em portuguecircs brasileiro eacute
bastante positiva112
Na paacutegina da Internet Digestivo Cultural113 haacute uma resenha de Jonas Lopes
(2005) intitulada A Ameacuterica de John Steinbeck sobre o livro A Ameacuterica e os Americanos e
Ensaios Relacionados (2004) natildeo-ficcional com crocircnicas e artigos produzidos por Steinbeck
Em sua criacutetica Lopes resume o contexto histoacuterico e social dos Estados Unidos
em que destaca a importacircncia desse paiacutes e sua ascensatildeo no cenaacuterio internacional entre as
deacutecadas de 1920 e o final da deacutecada de 1950 Nesse periacuteodo o chamado American way of life
se apresentava como modelo de vida e ideal a ser alcanccedilado e tambeacutem as artes e a cultura
estadunidenses alcanccedilaram status relevante sobretudo a literatura Por isso John Steinbeck eacute
citado entre os principais escritores desse periacuteodo
um dos principais autores do periacuteodo e sem duacutevida o mais americano de todos eles foi John Steinbeck (1902-1968) Vencedor do Precircmio Nobel em 1962 Steinbeck
112 Apesar da opiniatildeo negativa de alguns criacuteticos Vide capiacutetulo 3 desta dissertaccedilatildeo item 32 (p 101-102) O referido capiacutetulo tambeacutem mostra outras respostas positivas da recepccedilatildeo (item 31 p 96-97 item 32 p 98 101-102)
113Disponiacutevel em lthttpwwwdigestivoculturalcomcolunistascolunaaspcodigo=1689gt Acesso em 3 de junho de 2009
148
tornou-se ceacutelebre por sua literatura de teor social e pela delicadeza com que tratou temas complicados como a pobreza durante a depressatildeo Em particular com As Vinhas da Ira que narra a saga da famiacutelia Joad em busca de um emprego na Califoacuternia e o ainda melhor A Leste do Eacuteden (LOPES 2005)
Lopes ainda apresenta o posicionamento pessoal de Steinbeck em relaccedilatildeo a Of
mice and men (Ratos e homens) destacando que
Steinbeck surpreende ao afirmar que considera Ratos e homens uma de suas obras fundamentais um fracasso Natildeo pela qualidade mas pelas ambiccedilotildees teacutecnicas que previa para o livro sua intenccedilatildeo era criar uma peccedila-novela um texto escrito em formato de romance mas com pouca descriccedilatildeo e profusatildeo de diaacutelogos o que favoreceria a adaptaccedilatildeo ao palco sem perda de conteuacutedo e ao mesmo tempo fugiria da leitura sem tanta fluidez das peccedilas John acreditava que natildeo alcanccedilara esse equiliacutebrio Natildeo servia para ser encenado porque eu natildeo tinha experiecircncia e conhecimento suficiente da arte do palco O ritmo estava errado a hora do pano foi mal escolhida algumas cenas passaram do limite e muitos meacutetodos comumente usados no romance e que empreguei no livro natildeo ficaram claros no palco
Em outro momento Lopes apresenta Steinbeck como um escritor que tinha
fasciacutenio por livros objetos genuinamente criados pelo homem chegando a declarar em tom
de exaltaccedilatildeo que esse objeto era uma das pouquiacutessimas maacutegicas autecircnticas que nossa
espeacutecie criou
(STEINBECK apud LOPES 2005) A posiccedilatildeo de Steinbeck como entusiasta
dos livros de bolso eacute destacada principalmente por causa do seu preccedilo acessiacutevel com as
ediccedilotildees baratas () vocecirc enche de livros os braccedilos dos amigos () quando acabar de lecirc-los
passe adiante Isso eacute uma coisa maravilhosa (STEINBECK apud LOPES 2005)
A criacutetica elaborada a Steinbeck nessa resenha tem tom positivo
Steinbeck eacute um escritor norte-americano em essecircncia O paiacutes e suas particularidades transbordam em suas frases
a forte identificaccedilatildeo eacute comparaacutevel com a de nomes anteriores (Twain) e posteriores (Updike) a ele Ao mesmo tempo em que eacute mordaz e impiedoso nas criacuteticas derrama ternura pela sua terra Ressalta as qualidades e defeitos de um paiacutes que eacute cada vez mais criticado Seria interessante ver como o escritor se comportaria em relaccedilatildeo ao antiamericanismo atual (LOPES 2005)
Danilo Corci (2002) na paacutegina da Internet Speculum114 traz dados sobre a vida
de John Steinbeck e deixa um comentaacuterio pessoal sobre a produccedilatildeo literaacuteria desse escritor
seus romances podem ser classificados como obras sociais que lidam com os problemas econocircmicos do trabalho rural mas tambeacutem apresentam uma paixatildeo pela terra que entram em choque com sua visatildeo mais politizada Cheio de humor agressivo e de verve afiada Steinbeck foi um agudo observador das realidades criadas pelo homem o que influenciava diretamente toda a condiccedilatildeo humana Em resumo o romance social nunca mais foi o mesmo apoacutes as linhas de Steinbeck terem sido redigidas
114 Disponiacutevel em lthttpwwwspeculumartbrmodulephpa_id=6gt Acesso em 3 de junho de 2009
149
Moacyr Scliar (2004) em seu artigo da Revista Veja declara que Steinbeck eacute
pouco lembrado fora das escolas e universidades dos Estados Unidos poreacutem argumenta
sobre a sua importacircncia estamos falando de um autor que arrebatou legiotildees de leitores teve
romances como As vinhas da ira adaptados com sucesso para o cinema e ganhou o Nobel de
Literatura
Nas trecircs traduccedilotildees de Of mice and men analisadas nesta dissertaccedilatildeo fica patente a
importacircncia do apelo comercial uma forccedila que por sustentar as editoras faz com que estas
adotem estrateacutegias de vendas especiacuteficas de modo a atender a um puacuteblico maior e assim
garantir a sua sobrevivecircncia e sustentabilidade no mercado O barateamento das ediccedilotildees tanto
no custo de produccedilatildeo como no preccedilo final dos produtos para o puacuteblico leitor (consumidor)
bem como a ampla distribuiccedilatildeo podem ser colocados como fatores principais materializados
nos livros de bolso (caso das traduccedilotildees de Eacuterico Veriacutessimo e de Ana Ban) ou nos clubes de
livros (caso da traduccedilatildeo de Myriam Campello) Estes criteacuterios satildeo levados em conta na
opiniatildeo da criacutetica
A Livraria do Globo diversifica o mercado com coleccedilotildees de baixo custo e as grandes tiragens trazem-lhes bons resultados Satildeo ediccedilotildees afirma o Correio do Povo que devem configurar nas estantes dos bons leitores pelo preccedilo formato e criteacuterio de escolha dos editores (TORRESINI 2004 9)
A imprensa exerce um papel de divulgaccedilatildeo das editoras agraves vezes com forte
aspecto positivo por meio da criacutetica ou da propaganda Torresini enfatiza que
as ediccedilotildees da Globo satildeo comentadas na imprensa diaacuteria Exemplo disso encontra-se no Jornal da Manhatilde [9 de janeiro de 1933] () O Rio Grande intelectual estaacute de parabeacutens possuiacutemos uma das maiores casas editoras do Brasil e os seus dirigentes natildeo tecircm poupado esforccedilos no sentido de difundir entre noacutes o gosto pela leitura gosto que define o homem tornando-o verdadeiramente feliz na tristeza e na inquietaccedilatildeo da terra (TORRESINI 2004 10)
Barcellos (2002 9) afirma que a Livraria do Globo fazia propaganda natildeo soacute na
Revista do Globo mas tambeacutem por meio de anuacutencios no jornal Correio do Povo em cataacutelogo
da Editora do Globo e em cartazes e folhetos Quanto agrave Editora do Globo esta contava com a
Revista do Globo o jornal Correio do Povo e a Revista Proviacutencia de Satildeo Pedro aleacutem de
outros meios de divulgaccedilatildeo
As proacuteprias ediccedilotildees dos livros da Editora e da Livraria do Globo tambeacutem
desempenhavam esse papel de divulgaccedilatildeo tentando atrair a atenccedilatildeo dos leitores Na traduccedilatildeo
150
de Veriacutessimo (1940) por exemplo a contracapa conteacutem um texto de teor propagandiacutestico
uma ecircnfase em relaccedilatildeo a John Steinbeck fiel ao seu programa de possibilitar ao puacuteblico
brasileiro a leitura das maiores obras da literatura mundial contemporacircnea a LIVRARIA DO
GLOBO apresenta JOHN STEINBECK () Destacam-se expressotildees de apelo como O
autor mais discutido do mundo como tambeacutem uma opiniatildeo da criacutetica Bem disse um
consagrado criacutetico americano declarando que a pena de Steinbeck eacute infinitamente mais
poderosa do que muitas espadas
Segundo Barcellos (2002 11) na Editora do Globo para a sua coleccedilatildeo Nobel por
exemplo os editores selecionavam obras estrangeiras escolhiam tradutores discutiam tiacutetulos
em portuguecircs formato de livros e prazos de lanccedilamento As obras escolhidas para traduccedilatildeo
eram de autores ceacutelebres da literatura contemporacircnea Barcellos ainda relaciona a
preocupaccedilatildeo de Eacuterico Veriacutessimo com o puacuteblico consumidor meacutedio quando ele incentivava
natildeo apenas a literatura de coacutedigos da elite mas tambeacutem a literatura de faacutecil acesso e
assimilaccedilatildeo como o gecircnero policial no qual identificamos a classificaccedilatildeo de literatura
secundaacuteria (BARCELLOS 2002 11)
Machado (2009) expotildee criteacuterios para a seleccedilatildeo de autores da Editora LampPM
um autor expressivo um precircmio Nobel eacute uma razatildeo suficiente para ser cobiccedilado por um editor Ratos e homens eacute uma novela curta uma obra-prima do autor e deu origem a um grande filme Eacute um livro que menos do que um sucesso comercial eacute um livro que qualifica o cataacutelogo do editor
A contracapa da ediccedilatildeo de Ratos e homens da LampPM (2005) traz comentaacuterios que
promovem esse romance de Steinbeck em linguagem de propaganda com a exposiccedilatildeo de
opiniatildeo criacutetica Ratos e homens publicado originalmente em 1937 eacute uma obra-prima de
John Steinbeck (1902-1968)
um dos maiores romancistas do seacuteculo 20
e ateacute hoje um dos
livros mais lidos do autor Constam ainda elogios agrave teacutecnica de Steinbeck e a caracteriacutesticas
de sua produccedilatildeo literaacuteria em Ratos e homens Steinbeck levou agrave maestria sua capacidade de
compor personagens tatildeo cativantes quanto realistas e de ao contar uma histoacuteria especiacutefica
falar de sentimentos comuns a todos os seres humanos como a solidatildeo e a acircnsia por uma vida
digna Outro argumento reforccedila o apelo agrave leitura da obra um claacutessico sobre o doloroso
periacuteodo da Grande Depressatildeo americana Uma peccedila de ficccedilatildeo para ser lida e relida
151
Carla Milhazes Gomes (2007) disponibilizou em seu blog Agrave Margem115 um texto
em que aleacutem de apresentar um resumo sobre o livro Ratos e homens116 traz sua opiniatildeo
pessoal acerca desse romance eacute um livro de raacutepida leitura porque interessantiacutessimo e pouco
extenso () quando deres por ela jaacute terminaste a leitura () vale muito a pena
A paacutegina da Internet Criticaliterariacom117 apresenta alguns depoimentos de
leitores sobre o livro Ratos e homens de Steinbeck Cada opinante tambeacutem avalia o livro
classificando-o de acordo com um nuacutemero de estrelas que varia de uma a cinco Bruna
Moraes (2009) por exemplo atribui cinco estrelas e afirma que a obra eacute muito
emocionante
Ratos e homens eacute uma histoacuteria muito interessante de dois rapazes pobres estadunidenses Lennie e George representam o valor de uma amizade e de uma vida No decorrer da histoacuteria percebe-se as relaccedilotildees humanas Fraacutegeis Pessoas carentes de diaacutelogo A modernidade apresentada no livro aparece junto agraves maacutequinas que satildeo usadas no arado e na colheita de cevada Eacute um livro pequeno poreacutem muito significativo sendo classificado ateacute mesmo como livro de auto-ajuda por demonstrar o valor da vida dos ratos e dos homens
Outra leitora Luacutecia Oliveira (2009) atribui quatro estrelas ao romance e destaca
que o enredo eacute motivador
Li em dois dias o livro e o que mais me motivou na histoacuteria era esperar que Lennie conseguisse no final ter sua criaccedilatildeo de coelhos Entre tantos desacertos ficou oacutevio que ele realmente era esquisito e que realmente precisa [sic] de um guia para caminhar com ele
Jorge Almeida (2009) declarando-se sempre steinbeckiano avalia o romance
com quatro estrelas expondo sua opiniatildeo em tom emotivo
MAIS UM LIVRO DE UM GRANDE AUTOR A FRAGILIDADE DAS RELACcedilOtildeES HUMANAS A CUMPLICIDADE O DESESPERO Um rato um homem um sonho
A leitora Taiasmin (2009) declara que se trata de uma tocante histoacuteria humana
Ela atribui cinco estrelas ao romance afirmando que
115Disponiacutevel em lthttpamargemblogblogspotcom200709ratos-e-homens-de-john-steinbeckhtmlgt Acesso em 3 de junho de 2009
116 Editora Livros do Brasil traduccedilatildeo de Eacuterico Veriacutessimo 2007
117 Disponiacutevel em lthttpwwwcriticaliterariacom9723827468gt Acesso em 03 de junho de 2009
152
este livro trata de homens reduzidos agrave condiccedilatildeo de objeto de resto social que buscam significantes que os reconduzam agrave condiccedilatildeo de sujeitos onde possam encontrar alguma dignidade e valor humano Eacute uma histoacuteria situada no espaccedilo e tempo - Estados Unidos deacutecada de 30 - mas esta busca em alguma medida natildeo eacute a busca de todos noacutes
As anaacutelises descritivas a partir do esquema teoacuterico de Lambert e Van Gorp
(1985) permitem perceber que os textos em questatildeo (STEINBECK sd VERIacuteSSIMO 1940
CAMPELLO 1991 BAN 2005) ainda que compartilhem algumas semelhanccedilas sobretudo
apresentam muitas diferenccedilas Pode-se concluir que cada um desses projetos editoriais
atendiam (ou ainda atendem) a necessidades ou expectativas especiacuteficas conforme o contexto
em que eles se inseriam sob a influecircncia de fatores pessoas ou instituiccedilotildees que agrave sua
maneira agiam durante o processo em que o texto de partida e as suas traduccedilotildees foram
criados Assim as traduccedilotildees que Veriacutessimo Campello e Ban fizeram de Of mice and men
portanto natildeo poderiam se valer de soluccedilotildees escolhas ou estrateacutegias tradutoacuterias idecircnticas o
tempo todo
Apesar dessas diferenccedilas as respostas de cada contexto sistecircmico (estadunidense
e brasileiro) assinalam que algumas expectativas dos agentes envolvidos no processo
tradutoacuterio foram
em sua devida eacutepoca e contexto sociocultural
confirmadas pois por
exemplo as opiniotildees dos leitores e da criacutetica em geral sugeremsugeriam uma apreciaccedilatildeo de
tom positivo no que diz respeito agrave obra em si ao seu autor John Steinbeck e agraves suas
traduccedilotildees estimulando e favorecendo a perpetuaccedilatildeo desses textos em polissistemas de que a
liacutengua inglesa e a liacutengua portuguesa fazem parte
153
5 A LINGUAGEM DE OF MICE AND MEN NAS TRADUCcedilOtildeES EM PORTUGUEcircS
BRASILEIRO OUTROS ASPECTOS
Fico eu portanto destinado como diz o clichecirc a ser ambos juiz e jurado Aqui minha natureza ambivalente e ambiacutegua torna a decisatildeo algo difiacutecil chegando perto
do impossiacutevel do mesmo modo que a traduccedilatildeo ao reveacutes pode apenas chegar perto do possiacutevel e nunca
alcanccedilaacute-lo 118
Gregory Rabassa
De modo geral a anaacutelise comparativa das trecircs traduccedilotildees em portuguecircs brasileiro
de Of mice and men e seu respectivo texto de partida seguindo o esquema teoacuterico descritivo
de Lambert e Van Gorp (1985) no capiacutetulo anterior deixa algumas incompatibilidades
visiacuteveis principalmente em niacutevel de uso de linguagem e entre as duas culturas em contato a
estadunidense e a brasileira
Neste capiacutetulo essas incompatibilidades seratildeo abordadas e seraacute enfatizada a
questatildeo da presenccedila da liacutengua estigmatizada na literatura e os dilemas de sua traduccedilatildeo para os
tradutores de liacutengua portuguesa
51 A linguagem da narrativa
A linguagem da narrativa de Of mice and men em terceira pessoa realiza-se na
norma-padratildeo e portanto eacute formal polida e se consubstancia em certas impressotildees que
podem ser causadas ao leitor por exemplo quando a paisagem natural eacute descrita ou seja a
visualizaccedilatildeo imaginativa de um cenaacuterio de beleza e tranquumlilidade como ocorre no trecho a
seguir extraiacutedo do primeiro capiacutetulo
A few miles south of Soledad the Salinas River drops in close to the hill-side bank and runs deep and green The water is warm too for it has slipped twinkling over the yellow sands in the sunlight before reaching the narrow pool On one side of the river the golden foot-hill slopes curve up to the strong and rocky Gabilan mountains but on the valley side the water is lined with trees
willows fresh and green with every debris of the winter s flooding and sycamores with mottled white recumbent limbs and branches that arch over the pool (STEINBECK sd 1)
118 So I am left as the clicheacute goes to be both judge and jury Here my ambivalent and ambiguous nature makes a decision difficult approaching the impossible just as translation in reverse can only approach the possible and never get there
Traduccedilatildeo para o portuguecircs por Paula Goacutees Disponiacutevel em httptalqualmentewordpresscom20080315para-entrar-no-clima-uma-citacao-de-gregory-rabassa Acesso em 20 de maio de 2009
154
ALGUMAS milhas ao sul de Soledad o rio Salinas desce bem junto flanco da colina e corre profundo e verde A aacutegua eacute tambeacutem morna porque antes de chegar ao estreito poccedilo ela desliza cintilando ao sol por socircbre as areias amarelas De um lado do rio as douradas encostas da colina sobem numa curva ateacute as montanhas Gabilan fortes e rochosas mas do lado do vale a aacutegua estaacute orlada de aacutervores salgueiros frescos e verdes a cada primavera e cujas focirclhas inferiores retecircm nas suas intersecccedilotildees o cisco das enchentes de inverno sicocircmoros de focirclhas e galhos dum branco mosqueado que se alongam e arqueiam sobre a aacutegua parada (VERIacuteSSIMO 1940 6)
A poucos quilocircmetros ao sul de Soledad o rio Salinas desce bem junto ao flanco da colina e corre profundo e verde Sua aacutegua eacute morna pois desliza cintilando ao sol por sobre areias amarelas antes de alcanccedilar o estreito lago natural De um lado do rio os flancos dourados da colina sobem sinuosos ateacute as montanhas Gabilan fortes e rochosas mas do lado do vale a aacutegua acha-se orlada de aacutervores
salgueiros frescos e verdes a cada primavera mostrando nas junccedilotildees das folhas interiores fragmentos rochosos das enchentes de inverno sicocircmoros com troncos e ramos brancos pintalgados debruccedilam-se tambeacutem sobre a aacutegua imoacutevel (CAMPELLO 1991 5)
ALGUNS QUILOcircMETROS ao sul de Soledad o rio Salinas aproxima-se do sopeacute das colinas e fica bem profundo e verde A aacutegua tambeacutem eacute quente por deslizar reluzente sobre as areias amarelas banhadas pelo sol antes de chegar agrave lagoa estreita De um lado do rio as encostas das colinas sobem ateacute as montanhas Gabilan fortes e rochosas mas do lado do vale a aacutegua se faz acompanhar por uma fileira de aacutervores
chorotildees que se renovam verdejantes a cada primavera segurando nos entroncamentos das folhas mais baixas os restos das enchentes de inverno e plaacutetanos com troncos e galhos cobertos de manchas brancos e recurvados que se arqueiam por sobre a lagoa (BAN 2005 11)
Essa tendecircncia da narrativa permeia toda a obra A seguinte amostra retirada do
iniacutecio do segundo capiacutetulo apresenta a descriccedilatildeo da casa dos peotildees
THE bunk-house was a long rectangular building Inside the walls were whitewashed and the floor unpainted In three walls there were small square windows and in the fourth a solid door with a wooden latch ( ) (STEINBECK sd 18)
A casa dos peotildees era um comprido edifiacutecio retangular Por dentro as paredes estavam caiadas e o piso natildeo tinha pintura Em trecircs dessas paredes havia pequenas janelas quadradas e na quarta uma soacutelida porta com trinco de madeira () (VERIacuteSSIMO 1940 36)
A casa dos peotildees era um edifiacutecio comprido e retangular
com paredes internas caiadas Seu piso natildeo fora pintado e trecircs das paredes exibiam pequenas janelas quadradas na quarta parede havia uma porta soacutelida com trinco de madeira () (CAMPELLO 1991 19)
A CASA DOS PEOtildeES era uma construccedilatildeo comprida e retangular
um tipo de barracatildeo Laacute dentro as paredes eram caiadas e o chatildeo natildeo tinha pintura Em trecircs paredes havia janelas quadradas pequenas e na quarta uma porta bem soacutelida com uma tranca de madeira () (BAN 2005 31)
Na primeira sentenccedila em destaque pode-se perceber que haacute variaccedilotildees em cada
traduccedilatildeo na estrutura das sentenccedilas na sua extensatildeo e nas escolhas lexicais enquanto
155
Veriacutessimo elabora uma traduccedilatildeo que segue a mesma estrutura sintaacutetica do texto de partida
percebe-se que Campello constroacutei uma sentenccedila maior intercalando parte da proacutexima
sentenccedila do texto em inglecircs ( com paredes internas caiadas ) A traduccedilatildeo de Ban possui uma
expressatildeo explicativa ( um tipo de barracatildeo ) ausente no texto de partida Algumas
diferenccedilas satildeo observadas na traduccedilatildeo de a long rectangular building um comprido edifiacutecio
retangular (Veriacutessimo)um edifiacutecio comprido e retangular (Campello)uma construccedilatildeo
comprida e retangular (Ban) Assim enquanto Veriacutessimo e Campello preferem a palavra
edifiacutecio Ban usa construccedilatildeo Veriacutessimo antecipa a posiccedilatildeo do adjetivo (comprido) em relaccedilatildeo
ao substantivo (edifiacutecio) em comprido edifiacutecio
retangular Tanto Campello como Ban nesse
caso colocam o adjetivo depois do substantivo Percebe-se que a antecipaccedilatildeo do adjetivo
intensifica o seu valor e portanto haacute ligeira mudanccedila de significado na expressatildeo escolhida
por Veriacutessimo em relaccedilatildeo agraves escolhas dessas duas tradutoras
O capiacutetulo trecircs tambeacutem principia com uma descriccedilatildeo do cenaacuterio onde a accedilatildeo seraacute
desenvolvida
ALTHOUGH there was evening brightness
showing through the windows of the bunk-house inside it was dusk Through the open door came the thuds and occasional clangs of a horseshoe game and now and then the sound of voices raised in approval or derision (STEINBECK sd 40)
EMBORA ainda se visse o resplendor do entardecer
nas janelas do dormitoacuterio dos peotildees laacute dentro havia lusco-fusco Atraveacutes da porta aberta vinham batidas abafadas tinidos espaccedilados de um jocircgo de ferraduras e de vez em quando o som de vozes que se erguiam para aplaudir ou mofar (VERIacuteSSIMO 1940 76)
Embora o brilho do crepuacutesculo
ainda se mostrasse pelas janelas do alojamento dos peotildees a obscuridade se instalara do lado de dentro Atraveacutes da porta aberta chegavam as batidas abafadas e os tinidos de um jogo de ferradura De vez em quando vozes se erguiam para aplaudir ou zombar (CAMPELLO 1991 37)
APESAR DE A CLARIDADE do anoitecer
penetrar pelas janelas da casa dos peotildees laacute dentro estava escuro Pela porta aberta vinham os ruiacutedos abafados
e os tinidos
de um jogo de ferradura e de vez em quando o som das vozes que se erguiam em sinal de aprovaccedilatildeo ou de lamento (BAN 2005 58)
Em evening brightness (Steinbeck)o resplendor do entardecer (Veriacutessimo)o
brilho do crepuacutesculo (Campello)A CLARIDADE do anoitecer (Ban) as palavras resplendor
(Veriacutessimo) e brilho (Campello) tecircm significado mais proacuteximos entre si e entre brightness
(Steinbeck) enquanto que claridade (Ban) perde um pouco da intensidade expressiva Haacute
diferenccedilas entre evening (Steinbeck)entardecer (Veriacutessimo)crepuacutesculo (Campello)anoitecer
(Ban) devido agrave sutileza da palavra evening que natildeo pode ser expressa em portuguecircs por uma
156
soacute palavra sem que haja imprecisatildeo de significado Na verdade essa palavra inglesa refere-se
ao periacuteodo do dia compreendido entre o final da tarde e o iniacutecio da noite Quanto agrave traduccedilatildeo
de the bunk-house em outros trechos traduzidos pelos trecircs tradutores como a casa dos peotildees
verificam-se mudanccedilas de escolha por parte de Veriacutessimo (o dormitoacuterio dos peotildees) e
Campello (o alojamento dos peotildees) Ban demonstra regularidade pois manteacutem a mesma
escolha que fez anteriormente (a casa dos peotildees) A observaccedilatildeo mais marcante se faz em
relaccedilatildeo a in approval or derision (Steinbeck)para aplaudir ou mofar (Veriacutessimo)para
aplaudir ou zombarem sinal de aprovaccedilatildeo ou de lamento (Ban) em que as opccedilotildees de
Veriacutessimo e Campello satildeo bem proacuteximos em significado e Ban por sua vez apresenta um
vocaacutebulo de significaccedilatildeo bem diferente (lamento) em relaccedilatildeo ao texto de partida (derision) e
agraves escolhas de Veriacutessimo (mofar) e Campello (zombar)
No capiacutetulo 4 surge o negro Crooks em suas acomodaccedilotildees junto do celeiro que
tambeacutem servia de estaacutebulo
Crooks the negro stable buck had his bunk in the harness room a little shed that leaned off the wall of the barn ( ) (STEINBECK sd 70)
CROOKS o peatildeo negro tinha a sua tarimba no quarto dos arreios um pequeno puxado junto da parede do celeiro que tambeacutem fazia as vezes de estaacutebulo () (VERIacuteSSIMO 1940 129)
O catre de Crooks o peatildeo negro ficava no quarto dos arreios um pequeno depoacutesito junto agrave parede do celeiro () (CAMPELLO 1991 63)
O CATRE DE CROOKS o estribeiro negro ficava no quarto dos arreios um puxadinho que saiacutea da parede do celeiro () (BAN 2005 93)
Nesse trecho a primeira diferenccedila lexical notada eacute referente agrave palavra inglesa
bunk traduzida por Veriacutessimo como tarimba enquanto que Campello e Ban usam a palavra
catre Outra diferenccedila diz respeito agrave expressatildeo the negro stable buck traduzida por Veriacutessimo
e Campello como o peatildeo negro e por Ban como o estribeiro negro Tambeacutem haacute diferenccedilas
relativas a a little shed um pequeno puxado (Veriacutessimo)um pequeno depoacutesito (Campello)um
puxadinho (Ban) Eacute importante perceber que em relaccedilatildeo ao vocaacutebulo barn Veriacutessimo sente
necessidade de dizer algo mais sobre o seu significado aleacutem da escolha pela palavra celeiro
esse tradutor acrescenta uma expressatildeo explicativa isto eacute que tambeacutem fazia as vezes de
estaacutebulo As tradutoras Campello e Ban apenas traduzem barn como celeiro
As primeiras linhas do capiacutetulo 5 seguem a mesma tendecircncia de descrever o
ambiente onde a accedilatildeo vai se realizar
157
ONE end of the great barn
was piled high with new hay
and over the pile hung the
four-taloned Jackson fork suspended from its pulley The hay came down like a mountain slope to the other end of the barn and there was a level place as yet unfilled with the new crop At the sides the feeding racks
were visible and between
the slats the heads of horses could be seen ( ) (STEINBECK sd 89)
NUMA das extremidades do grande celeiro que em parte era tambeacutem estaacutebulo via-se alta pilha de feno novo Por cima dela pendia a forquilha mecacircnica de quatro pontas suspensa de sua roldana O feno caiacutea como a encosta duma montanha para a outra extremidade do celeiro e havia um lugar no nivel do chatildeo ainda natildeo ocupado pela nova colheita Dos lados ficavam as mangedouras
e entre as barras de cada um distinguiam-se as cabeccedilas dos cavalos (VERIacuteSSIMO 1940 164)
Numa das extremidades do grande estaacutebulo
jazia um alto monte de feno pendurada sobre ele suspensa de uma roldana via-se a forquilha mecacircnica de quatro pontas O feno descia como uma encosta de montanha ateacute o outro extremo do estaacutebulo havendo um local no chatildeo que ainda natildeo fora preenchido com a nova colheita Nas partes laterais ficavam as manjedouras podendo-se ver por entre suas barras as lustrosas cabeccedilas dos cavalos (CAMPELLO 1991 79)
EM UMA DAS EXTREMIDADES do grande celeiro
havia uma pilha alta de feno novo
e sobre a pilha estava pendurado pelo cabo o grande garfo de quatro dentes para recolher feno O monte caiacutea como a encosta de uma montanha do outro lado do celeiro onde havia um local nivelado que ainda natildeo tinha recebido a nova colheita Ao lado viam-se as manjedouras
e entre as taacutebuas as cabeccedilas dos cavalos (BAN 2005 116)
Nesse fragmento novamente a palavra barn de acordo com o contexto da
histoacuteria eacute um celeiro mas que tambeacutem serve em parte como estaacutebulo Assim Veriacutessimo
preocupa-se em dar essa explicaccedilatildeo (grande celeiro que em parte era tambeacutem estaacutebulo)
ausente no texto de partida Assim as duas tradutoras divergem entre si quanto ao vocaacutebulo
empregado estaacutebulo (Campello) e celeiro (Ban)
O sexto e uacuteltimo capiacutetulo retoma o cenaacuterio bucoacutelico do iniacutecio da obra em que a
natureza da regiatildeo da Califoacuternia onde a histoacuteria se passa eacute mostrada em seus aspectos mais
belos
The deep green pool of the Salinas River was still in the late afternoon Already the sun had left the valley to go climbing up the slopes of the Gabilan mountains and the hilltops were rosy in the sun But by the pool among the mottled sycamores a pleasant shade had fallen (STEINBECK sd 105)
A funda bacia verde do Rio Salinas estava muito parada naquele fim de tarde O sol jaacute havia deixado o vale para ir trepando pelas encostas das montanhas de Gabilan e os cumes dos outeiros estavam tocados duma luz rosada Junto do poccedilo poreacutem entre os sicocircmoros mosqueados havia caiacutedo uma sombra agradaacutevel (VERIacuteSSIMO 1940 195)
158
O profundo lago verde do rio Salinas estava imoacutevel naquele fim de tarde O sol jaacute abandonara o vale para escalar as encostas das montanhas Gabilan com seus cumes agora rosados pela luz Junto ao lago entretanto e por entre os sicocircmoros pintalgados descera uma agradaacutevel sombra (CAMPELLO 1991 93)
A LAGOA PROFUNDAMENTE verde do rio Salinas estava imoacutevel naquele fim de tarde O sol jaacute tinha deixado o vale para escalar as encostas das montanhas Gabilan e o topo das colinas estava rosado Mas ao lado da lagoa entre os plaacutetanos sarapintados uma sobra agradaacutevel tinha caiacutedo (BAN 2005 135)
A partir desses trechos traduzidos percebe-se uma diferenciaccedilatildeo linguumliacutestica natildeo
soacute no que diz respeito agraves escolhas feitas por cada tradutor mas tambeacutem no que diz respeito agrave
ortografia oficial da liacutengua portuguesa diferente para cada eacutepoca Isto se deve agraves reformas
ortograacuteficas que ocorreram no Brasil Dentre elas as de 1942 e 1971 compreendem o periacuteodo
das traduccedilotildees de Of mice and men utilizadas aqui como material de estudo as traduccedilotildees de
1940 de Eacuterico Veriacutessimo (revista e reeditada outras vezes em conformidade com a reforma
ortograacutefica de 1942 por exemplo numa publicaccedilatildeo de 1968 da Editorial Bruguera) de 1991
de Myriam Campello e de 2005 de Ana Ban Estas duas traduccedilotildees mais recentes apresentam
a ortografia oficial de 1971 ressalvadas as questotildees relacionadas com o dialeto dos
personagens A traduccedilatildeo de Veriacutessimo de 1940 eacute a que conteacutem mais diferenccedilas ortograacuteficas
em relaccedilatildeo agrave norma-padratildeo de 1971119 Aleacutem disso eacute claro normalmente se percebem
mudanccedilas que ocorrem de modo natural nas escolhas lexicais em virtude da passagem do
tempo e das idiossincrasias de cada tradutor
Assim por exemplo podem ser notadas diferenccedilas entre as traduccedilotildees como no
fragmento abaixo extraiacutedo do capiacutetulo 1 em que a diferenccedila mais notaacutevel eacute em relaccedilatildeo agrave
ortografia enquanto Campello e Ban grafam a preposiccedilatildeo sobre conforme a norma-padratildeo
atual Veriacutessimo usa essa palavra com um acento circunflexo (socircbre) conforme a norma-
padratildeo de seu tempo
over the yellow sands (STEINBECK sd 1)
por socircbre as areias amarelas (VERIacuteSSIMO 1940 6)
por sobre areias amarelas (CAMPELLO 19915)
sobre as areias amarelas (BAN 2005 11)
119 Eacute imprescindiacutevel lembrar que anda em curso uma uacuteltima reforma ortograacutefica da liacutengua portuguesa graccedilas a um acordo internacional entre os paiacuteses lusofocircnicos em vigor a partir de janeiro de 2009 Seus efeitos entretanto seratildeo mais perceptiacuteveis no decurso de um prazo mais longo no tempo o que natildeo se pode determinar com precisatildeo Por isso para as escritas e anaacutelises desta dissertaccedilatildeo seraacute tomada como referecircncia principal a reforma anterior ou seja a que foi publicada conforme a Lei nordm 5765 de 18 de dezembro de 1971 e que ainda hoje vigora (2009)
159
Espeacutecies de aacutervores citadas no capiacutetulo 1 por exemplo como willows e
sycamores (STEINBECK sd 1) tecircm nomes diferentes enquanto Veriacutessimo e Campello
traduzem willows por salgueiros Ban prefere chorotildees Quanto a sycamores a opccedilatildeo de
Veriacutessimo e de Campello eacute por sicocircmoros e a de Ban eacute por plaacutetanos
Outra diferenccedila de ortografia aparece no capiacutetulo 5 na traduccedilatildeo de feeding racks
(STEINBECK sd 89) que Veriacutessimo traduz por mangedoura escrita com g enquanto
Campello e Ban escrevem essa palavra com j
(manjedoura) conforme a ortografia oficial
vigente
52 A linguagem dos diaacutelogos
Quanto aos diaacutelogos escritos em itaacutelico nos exemplos abaixo Steinbeck procurou
adequar a linguagem ao perfil dos personagens habitantes da zona rural Trata-se de um
dialeto regional enquadrado numa variedade estigmatizada e que ao mesmo tempo eacute
coloquial e rude Entretanto cada um dos trecircs tradutores traz um tipo de linguagem diferente
em portuguecircs tratando o dialeto agrave sua proacutepria maneira como se vecirc no exemplo abaixo
retirado do primeiro capiacutetulo
Lennie he said sharply Lennie for God s sake don t drink so much Lennie continued to snort into the pool The small man leaned over and shook him by the shoulder Lennie You gonna be sick like you was
last night
( ) Tha s good
he said You drink some George You take a good big drink ( ) I ain t
sure it s good water he [George] said Looks kinda
scummy
(STEINBECK sd 2-3)
Lennie disse ecircle secamente
Lennie por amor de Deus natildeo bebas tanto assim O outro continuava a refocilar ruidosamente no poccedilo O camarada inclinou-se sobre ele e sacudiu-o pelos ombros
Lennie Vais ficar doente como na noite passada ()
Que coisa boa
disse ecircle
Bebe um pouco George Bebe um gole bem grande ()
Natildeo sei
se essa aacutegua eacute boa [disse George] Parece meio escumosa (VERIacuteSSIMO 1940 8-9)
Lennie
disse riacutespido
Lennie pelo amor de Deus natildeo bebe
tanto O outro continuou a resfolegar no lago O homem pequeno inclinou-se e sacudiu-o pelo ombro
Lennie vocecirc vai ficar doente que nem na noite passada () Taacute oacutetima Toma um pouco George Toma um bom gole ()
Natildeo sei se essa aacutegua eacute boa Parece meio espumosa (CAMPELLO 1991 6-7)
160
Lennie
disse com severidade
Lennie pelo amor de Deus num bebe tanto
assim Lennie continuou a beber ruidosamente O homenzinho se abaixou e o sacudiu pelo ombro
Lennie Ocecirc vai se sentir mal igual na noite passada () Foi bom disse Bebe um pouco George Bebe um golatildeo ()
Num sei
se essa aacutegua eacute boa
disse [George]
Parece meio cheia de lodo (BAN
2005 12-13)
A observaccedilatildeo desses fragmentos traduzidos permite concluir que a traduccedilatildeo de
Eacuterico Veriacutessimo utiliza uma variedade linguumliacutestica mais formal e que resulta em alteraccedilotildees
mais substanciais em relaccedilatildeo ao texto de partida pois apesar de conservar a coloquialidade
os efeitos da fala caracteriacutestica do texto em inglecircs satildeo suavizados ou perdidos Myriam
Campello por sua vez transforma essa linguagem numa variedade que embora permaneccedila
coloquial e menos formal que a de Veriacutessimo ainda assim soa mais educada do que a
linguagem escolhida por Steinbeck isto eacute os falantes parecem ter um niacutevel educacional maior
do que no texto de partida Ana Ban tenta conservar os efeitos do dialeto dos personagens
O maior grau de formalidade da traduccedilatildeo de Veriacutessimo pode ser vista por
exemplo na sua preferecircncia pelo uso dos verbos na segunda pessoa do singular - ()
Lennie por amor de Deus natildeo bebas
tanto assim - Lennie Vais ficar
doente ()
(VERIacuteSSIMO 1940 8-9) Campello por sua vez em lugar da segunda pessoa tu utiliza uma
forma mais popular vocecirc ou o verbo no imperativo bebe de uma bem comum de falar do
brasileiro em situaccedilotildees cotidianas informais mas que ainda constitui um meio-termo entre a
polidez de Veriacutessimo e a linguagem mais rude estigmatizada dos personagens de Steinbeck
() Lennie pelo amor de Deus natildeo bebe
tanto - Lennie vocecirc vai ficar
doente ()
(CAMPELLO 1991 6-7) Por fim Ban adota um dialeto caipira transformando vocecirc em ocecirc
- Lennie Ocecirc vai se sentir mal () (BAN 2005 12-13) O dialeto caipira utilizado por Ban
fica evidente tambeacutem pelo uso da palavra num em lugar de natildeo natildeo
(VERIacuteSSIMO 1940
8-9) natildeo (CAMPELLO 1991 6 7) num (BAN 2005 12-13)
No capiacutetulo 2 outra amostra da linguagem dos diaacutelogos eacute traduzida da seguinte
maneira
Tell you what
said the old swamper This here blacksmith
name of Whitey
was the kind of guy that would put that stuff around even if there wasn t no bugs
just to make sure see Tell you what he used to do () (STEINBECK sd 20)
- Vou lhe
dizer retorquiu o velho
Ecircsse ferreiro um tal Whitey era desses camaradas que usam inseticida ateacute quando natildeo haacute piolhos Soacute por precauccedilatildeo compreende Pois vou lhe
contar o que ecircle costumava fazer () (VERIacuteSSIMO 1940 40)
161
- Vou te
contar
disse o velho
Esse ferreiro um tal de Whitey era o tipo do
sujeito que espalhava esse negoacutecio por aiacute mesmo sem qualquer inseto Soacute por seguranccedila sabe Vou te
contar o que costumava fazer () (CAMPELLO 1991
20)
- Vocirc te dizecirc uma coisa
respondeu o velho ajudante Esse ferrero aiacute o nome dele
era Whitey era o tipo de sujeito que espalhava uns negoacutecio desses aiacute memo quando num tinha bicho nenhum soacute pra tecirc certeza sabe como eacute Vocirc te contaacute o que ele costumava fazecirc() (BAN 2005 33)
Nessas traduccedilotildees haacute uma inconsistecircncia por parte de Veriacutessimo que utiliza o
pronome obliacutequo lhe quando na verdade o pronome te ficaria em consonacircncia com a
tendecircncia desse tradutor em usar a segunda pessoa do singular
tu Isso se configura
portanto como um desvio da norma-padratildeo Campello e Ban por sua vez se valem do
pronome obliacutequo te natildeo por esse motivo mas por causa do uso comum da linguagem
coloquial brasileira que natildeo obriga a concordacircncia de te com tu Nesse caso te refere-se a
vocecirc (padratildeo utilizado por Campello) ou ocecirc (padratildeo utilizado por Ban) ou seja haacute tambeacutem
um desvio da norma-padratildeo mas que estaacute de acordo com a linguagem mais informal (oral)
escolhida pelas tradutoras
As traduccedilotildees dos recortes do capiacutetulo 3 abaixo revelam mais dados sobre
diferenccedilas de linguagem
He ain t no cuckoo said George He s dumb as hell but he ain t crazy An I ain t so bright neither or I wouldn t be buckin barley
for my fifty and found ( ) (STEINBECK sd 41)
- Natildeo ecircle natildeo eacute maluco
replicou George
Eacute imbecil como um burro mas natildeo eacute louco E eu tambeacutem natildeo sou tatildeo vivo pois si fosse natildeo estava carregando cevada
por cincoenta doacutelares e mais a comida () (VERIacuteSSIMO 1940 78-79)
- Ele natildeo eacute maluco
disse George
Eacute bastante imbecil mas natildeo eacute maluco E eu tambeacutem natildeo sou tatildeo esperto assim ou natildeo iria carregar cevada
por cinquumlenta pacotes e mais a comida () (CAMPELLO 1991 38)
- Ele num eacute tonto
George disse
Ele eacute burro feito uma porta mas num eacute loco E eu tambeacutem num socirc tatildeo isperto assim se natildeo num ia taacute aqui carregando cevada
pra ganhaacute cinquumlenta pau e a comida () (BAN 2005 59)
Nessas traduccedilotildees percebe-se com bastante clareza que Veriacutessimo tambeacutem utiliza
uma linguagem coloquial Na passagem pois si fosse natildeo estava
carregando cevada ()
(VERIacuteSSIMO 1940 78-79) a expressatildeo natildeo estava natildeo segue a norma-padratildeo pois o
verbo conjugado no preteacuterito imperfeito do indicativo deveria ser colocado no futuro do
preteacuterito ( natildeo estaria ) Tal coloquialismo no entanto somente provoca um decreacutescimo no
162
grau de formalidade expressa por Veriacutessimo natildeo constituindo essa linguagem ainda um
padratildeo estigmatizado Campello desta vez apresenta uma linguagem mais formal seguindo a
norma-padratildeo Jaacute Ban continua apresentando regularidade quanto ao dialeto que escolheu
Em outro exemplo no capiacutetulo 4 o niacutevel coloquial do texto de partida se
apresenta principalmente pelo uso de expressotildees idiomaacuteticas o tom (expressando ironia)
aleacutem da fala tiacutepica dos personagens em seu dialeto estigmatizado da liacutengua inglesa
Sure
I ve gotta
husban You all seen him Swell guy ain t he
Spends all his time sayin what he s gonna do to guys he don t like and he don t like nobody ( ) Say
what happened to Curley s han ( ) (STEINBECK sd 82)
- Claro
que tenho marido Todos sabem Um homem formidaacutevel natildeo eacute
Passa todo o tempo dizendo o que vai fazer com os tipos que ecircle tem raiva e ecircle natildeo gosta de ningueacutem () Escutem o que eacute que o Crespinho tem na matildeo (VERIacuteSSIMO 1940 151-153)
- Claro que tenho marido
Todos vocecircs jaacute viram Sujeito formidaacutevel natildeo eacute
Passa o tempo todo dizendo o que vai fazer com os caras que detesta E ele detesta todo mundo ()
Me digam o que que houve com a matildeo do Curley (CAMPELLO 1991 73)
- Eacute claro que eu tenho marido
Oceis tudo jaacute viu ele Ele eacute um bom sujeito neacute Passa o tempo todo falando o que eacute que ele vai fazecirc com os sujeito que ele num gosta E ele num gosta de ningueacutem () Diz uma coisa o que foi que aconteceu co a matildeo do Curley (BAN 2005 108)
Assim a expressatildeo Sure I ve gotta
husban
(ou Sure I ve got a
husband)
encontra nas suas trecircs traduccedilotildees muita semelhanccedila - Claro que tenho marido
(Veriacutessimo)-
- Claro que tenho marido
(Campello) - Eacute claro que eu tenho marido
(Ban) Uma das
diferenccedilas fica por conta do ponto de exclamaccedilatildeo utilizado por Campello enquanto que
Veriacutessimo e Ban usam um ponto O ponto de exclamaccedilatildeo confere mais expressividade
denotando o humor ou estado psicoloacutegico da personagem
entretanto ele estaacute ausente no
texto de partida A expressatildeo idiomaacutetica Swell guy ain t he caracteriacutestica pelo uso do
adjetivo swell de uso informal ou antigo conforme Hornby (2000 1369) e o desvio da
norma-padratildeo ain t (contraccedilatildeo do verbo to be + not) revela pelo contexto uma ironia
traduzida assim - Um homem formidaacutevel natildeo eacute
(Veriacutessimo) - Sujeito formidaacutevel natildeo
eacute (Campello) - Ele eacute um bom sujeito neacute (Ban) Nessas traduccedilotildees a ironia eacute mantida
O seguinte exemplo retirado do capiacutetulo 1 serve para ilustrar como os pronomes
satildeo traduzidos
163
The hell with what I says You remember about us goin into Murray and Ready s
and they give us work cards and bus tickets
(STEINBECK sd 5)
- Diabo Pouco importa o que eu disse Tu te lembras que fomos agrave casa de Murray e Ready e que nos deram cartotildees de trabalho e passagens de ocircnibus
(VERIacuteSSIMO
1940 12)
- Que se dane o que eu disse Lembra
que a gente foi na casa de Murray e Ready e eles deram pra noacutes cartotildees de trabalho e passagens de ocircnibus (CAMPELLO 1991 8)
- Que se dane o que eu disse Ocecirc lembra
que a gente entrou no escritoacuterio do Murray e do Ready e que eles deu pra gente uns cartatildeo de trabaio e umas passagem de ocircnibus (BAN 2005 16)
Novamente se observa a preferecircncia de Veriacutessimo pelo pronome tu regendo o
verbo
Tu te lembras () o que eacute uma marca incomum na oralidade da liacutengua
portuguesa e tambeacutem em termos dos personagens de Steinbeck Jaacute Campello estrutura a
oraccedilatildeo deixando impliacutecito o sujeito vocecirc por causa da regecircncia do verbo lembra ( vocecirc
lembra ) Ban prefere colocar o sujeito expresso por ocecirc mantendo-se consistente com a
sua proposta de estilo
Nesse mesmo capiacutetulo outros exemplos ilustram o uso de pronomes nas seguintes
traduccedilotildees
Uh-huh Jus a dead mouse George I didn t kill it Honest I found it I found it dead
(STEINBECK sd 5)
- Ahaacute Soacute um rato morto George Natildeo fui eu que matei Palavra Achei ecircle Achei ecircle
morto
(VERIacuteSSIMO 1940 14)
- Hatilde-hatilde Soacute um rato morto George Eu natildeo matei ele juro Jaacute tava morto Encontrei ele morto (CAMPELLO 1991 8)
- Natildeo Soacute um rato morto George num fui eu que matou Seacuterio Eu achei Achei morto (BAN 2005 16)
Veriacutessimo usa o tom coloquial e pratica desvios da norma-padratildeo como no caso
do uso de pronomes do caso reto como objeto direto ( Achei ecircle ) Campello repete essa
estrutura (ao escolher natildeo matei ele ao inveacutes de natildeo o matei ) e ao usar o verbo tava
em lugar de estava assinala o tom coloquial Ban apesar de natildeo repetir essa mesma
estrutura sintaacutetica (ela decide por que matou achei morto ) conserva o estilo do dialeto
caipira ao usar as palavras num em lugar de natildeo
164
521 O dialeto dos personagens
O dialeto do texto de partida nos diaacutelogos apresenta relativa uniformidade ou
regularidade conforme o uso individual dos personagens Isso demonstra a preocupaccedilatildeo de
Steinbeck com uma espeacutecie de identidade de classe (trabalhadores humildes oprimidos e de
baixa escolaridade) representando uma fala tiacutepica localizada em um tempo (deacutecada de 1930)
e espaccedilo especiacuteficos (regiatildeo rural da cidade de Soledad Califoacuternia
Estados Unidos)
Steinbeck de modo geral natildeo coloca ou explora muito eventuais diferenccedilas linguumliacutesticas
individuais dos personagens de Of mice and men Trata-se de um registro linguumliacutestico que
apresenta variaccedilotildees de tom como qualquer manifestaccedilatildeo da liacutengua oral No caso as variaccedilotildees
de tom perceptiacuteveis por exemplo pelo uso de sinais de pontuaccedilatildeo pela segmentaccedilatildeo ou
interrupccedilatildeo do texto ou ainda pelo uso do itaacutelico como em oscilaccedilotildees de humor ou outros
estados momentacircneos dos personagens como a) irritaccedilatildeo b) hesitaccedilatildeo c) entusiasmo d)
duacutevida
a) irritaccedilatildeo
Exemplo I (Capiacutetulo 1)
( ) Jes a little stretch
God-damn near four miles that s what it was ( ) (STEINBECK sd 4)
- () Soacute mais uma puxadinha Uma ova Quase quatro milhas isso eacute que eacute () (VERIacuteSSIMO 1940 10)
- () Soacute uma esticadinha
Seis quilocircmetros desgraccedilados isso sim () (CAMPELLO 1991 7)
- () Soacute uma caminhadinha curtinha
Que diabo foi mais de seis quilocircmetro isso sim () (BAN 2005 14)
No fragmento acima o discurso indireto marcado no texto de partida pela
expressatildeo Jes a little stretch
entre aspas normais revela certo inconformismo do
personagem George imitando a fala de outro personagem do romance
um motorista de
ocircnibus que lhe deu uma informaccedilatildeo errada As palavras a little stretch encontram nas trecircs
traduccedilotildees o recurso do diminutivo pelo sufixo inha bem caracteriacutestico do portuguecircs uma
puxadinha (Veriacutessimo) uma esticadinha (Campello) uma caminhadinha
curtinha (Ban)
165
Apenas se nota entre os trecircs tradutores que a soluccedilatildeo de Ban eacute um pouco mais longa e por
isso eacute menos direta talvez soando um pouco menos natural para a fala mais comum do
brasileiro normalmente raacutepida e sinteacutetica em situaccedilotildees semelhantes
Segue-se em discurso direto uma imprecaccedilatildeo que deixa clara a irritaccedilatildeo do
personagem George God-damn near four miles that s what it was De forma geral as trecircs
traduccedilotildees mantecircm esse tom de irritaccedilatildeo mesmo havendo escolhas diferentes por exemplo ao
se comparar as expressotildees Uma ova (Veriacutessimo) desgraccedilados (Campello) Que diabo
(BAN 2005 14) semanticamente similares nesse contexto A imprecisatildeo das medidas de
distacircncia
Quase quatro milhas
(Veriacutessimo) Seis quilocircmetros
(Campello) mais de seis
quilocircmetro
(Ban)
natildeo afeta significativamente a mensagem dos textos pois o mais
importante nesse trecho parece ser a manutenccedilatildeo do tom expresso pelo texto de partida
Apenas se observa que Veriacutessimo estrangeiriza ao utilizar a palavra milhas enquanto que as
outras tradutoras preferem domesticar com a referecircncia a quilocircmetros
Exemplo II (Capiacutetulo 2)
You was pokin your big ears
into our business George said I don t like nobody to get nosey (STEINBECK sd 25)
- Natildeo vocecirc estava escutando o que diziacuteamos insistiu George Natildeo gosto de gente curiosa (VERIacuteSSIMO 1940 50)
- Vocecirc tava pondo o nariz
onde natildeo eacute chamado
disse George
E eu natildeo gosto de gente abelhuda (CAMPELLO 1991 25)
- Ocecirc tava metendo as orelhona nos nosso assunto George disse Num gosto nem um poco de gente inxerida (BAN 2005 40)
O tom de irritaccedilatildeo novamente se conserva nas traduccedilotildees Veriacutessimo entretanto
ameniza um pouco esse tom ao traduzir numa linguagem menos agressiva que as escolhas de
Campello e Ban pokin your big ears
(Steinbeck) escutando (Veriacutessimo) pondo o nariz
(Campello) metendo as orelhona (Ban)
b) hesitaccedilatildeo
Exemplo I (Capiacutetulo 1)
166
Why sure George I remember that but what d we do then I remember some
girls come by and you says you says (STEINBECK sd 5)
- Claro George claro que me lembro mas que foi que a gente fez depois Eu me lembro dumas moccedilas que passaram e tu disseste tu disseste (VERIacuteSSIMO 1940 12)
- Ora George claro que eu lembro daquilo mas o que que a gente fez depois Lembro que algumas garotas chegaram e vocecirc disse vocecirc disse (CAMPELLO 1991 8)
- Mas claro que sim George lembro sim mas o que foi memo que a gente fez depois Lembro de umas moccedila que passocirc e ocecirc disse ocecirc disse (BAN 2005 15)
Nesse trecho os trecircs tradutores conforme o texto de partida marcam a hesitaccedilatildeo
de Lennie com reticecircncias A coloquialidade se manifesta em graus diferentes (em parte
por causa dos dialetos utilizados em cada traduccedilatildeo) variando do tom mais formal de
Veriacutessimo ao mais informal de Ban O tom coloquial eacute principalmente marcado pelo uso
de a gente nas trecircs traduccedilotildees
Exemplo II (Capiacutetulo 2)
Why he just quit the way a guy will (STEINBECK sd 20)
- Pois o homem foi embora quero dizer foi embora bem como os outros (VERIacuteSSIMO 1940 40)
- Ora ele foi embora pronto do mesmo modo que qualquer sujeito vai (CAMPELLO 1991 21)
- Sei laacute ele soacute pego e foi imbora do jeito que uns home vai (BAN 2005 33)
No exemplo II acima observa-se novamente o emprego das reticecircncias marcando
a hesitaccedilatildeo nas trecircs traduccedilotildees Nesse ponto a traduccedilatildeo de Veriacutessimo expressa um registro
mais formal em relaccedilatildeo agrave sua traduccedilatildeo apresentada no Exemplo I devido principalmente ao
uso de expressotildees mais relacionadas agrave linguagem escrita do portuguecircs brasileiro (quando na
verdade o texto de partida se refere a personagens humildes da zona rural numa conversa
rotineira do dia-a-dia segundo seu ambiente habitual) pois o homem quero dizer As
duas tradutoras mantecircm a tendecircncia do tom coloquial
167
c) entusiasmo
Exemplo I (Capiacutetulo 1)
Lennie broke in But not us An why Because because I got you to look after me and you got me to look after you and that s why
He laughed delightedly () (STEINBECK sd 14)
- Mas conosco eacute diferente
interrompeu Lennie
E por quecirc Porque porque eu tenho a ti pra cuidar de mim e tu tens a mim pra cuidar de ti por isso
Soltou uma gargalhada de prazer () (VERIacuteSSIMO 1940 30)
- Mas noacutes natildeo
interrompeu Lennie
E por quecirc Porque porque eu tenho vocecirc pra tomar conta de mim e vocecirc me tem pra tomar conta de vocecirc eacute por isso
Riu encantado () (CAMPELLO 1991 16)
Lennie interrompeu - Mas isso num vai acontece co a gente E por quecirc Porque porque eu tenho ocecirc pra cuidaacute de mim e ocecirc tem eu pra cuidaacute d ocecirc e eacute por isso
riu de tanta alegria () (BAN 2005 27)
Os elementos graacuteficos (itaacutelico negrito) e os sinais de pontuaccedilatildeo (exclamaccedilatildeo e
interrogaccedilatildeo) tecircm um papel importante neste exemplo revelando o entusiasmo ou alegria de
Lennie Assim enquanto Veriacutessimo utiliza o negrito na sua traduccedilatildeo as tradutoras Campello e
Ban preferem o itaacutelico O efeito produzido por cada traduccedilatildeo eacute bastante similar e independe
da escolha por itaacutelico ou negrito O mesmo pode ser dito em relaccedilatildeo ao uso das exclamaccedilotildees e
interrogaccedilotildees sem diferenccedilas aparentes em cada uma das trecircs traduccedilotildees O niacutevel da
linguagem das traduccedilotildees apresenta constacircncia conforme explanaccedilotildees anteriores variando do
registro mais formal de Veriacutessimo ( eu tenho a ti ) mediano de Campello ( eu tenho vocecirc )
e baixo estigmatizado de Ban ( eu tenho ocecirc )
Exemplo II (Capiacutetulo 3)
Jesus Christ I bet we could swing her His eyes were full of wonder (STEINBECK sd 63)
- Jesuacutes Cristo Acho que podemos comprar a chaacutecara
Seus olhos estavam cheios de admiraccedilatildeo (VERIacuteSSIMO 1940 117)
- Puxa Aposto que a gente podia segurar o siacutetio
Seus olhos estavam cheios de assombro (CAMPELLO 1991 56)
168
- Jesus Cristo Aposto memo que dava pra seguraacute ela
Seus olhos estavam cheios
de maravilhamento (BAN 2005 85)
Neste exemplo Jesuacutes Cristo (Veriacutessimo) Puxa (Campello) Jesus Cristo
satildeo escolhas que podem produzir o mesmo efeito a despeito da diferenccedila entre as expressotildees
Nota-se que Veriacutessimo grafa Jesuacutes com acento agudo assinalando a ortografia de sua
eacutepoca (1940) As exclamaccedilotildees utilizadas pelos trecircs tradutores na mesma situaccedilatildeo revelam a
surpresa e a satisfaccedilatildeoentusiasmo de George ao vislumbrar a possibilidade de realizar seu
sonho compartilhado por Lennie (adquirir uma pequena propriedade rural e levar uma vida
independente e feliz) Escolhas tradutoacuterias diferentes podem ser percebidas principalmente
em chaacutecara (Veriacutessimo) siacutetio (Campello) ela
(Ban) que natildeo revelam a mesma coisa
para a cultura brasileira em termos de propriedades rurais No caso de Ban a escolha por
ela natildeo deixa niacutetido a que tal palavra se refere entretanto isso estaacute de acordo com o texto
de partida ( her )
d) duacutevida
Exemplo I (Capiacutetulo 4)
Then if you know why you want to ast us where Curley is at (STEINBECK sd 81)
- Se sabe entatildeo retrucou o velho varredor por que vem nos perguntar onde estaacute o Crespinho (VERIacuteSSIMO 1940 150)
- Se sabe por que que taacute perguntando (CAMPELLO 1991 72)
- Entatildeo se a sinhora sabe por que eacute que a sinhora veio ateacute aqui perguntaacute pra gente se a gente sabe onde que o Curley taacute (BAN 2005 107)
Natildeo haacute dificuldade em se perceber a expressividade do ponto de interrogaccedilatildeo
expressando sua caracteriacutestica essencial a pergunta a duacutevida Nesse caso os trecircs tradutores
deixam isso bem marcado de modo bem similar ao texto de partida Outra vez o que mais
conta neste exemplo satildeo os diferentes dialetos de cada um dos trecircs tradutores reforccedilando a
tendecircncia jaacute mencionada anteriormente (do niacutevel mais formal em Veriacutessimo mediano em
Campello ateacute a liacutengua estigmatizada utilizada por Ban)
169
Exemplo II (Capiacutetulo 6)
Now what the hell ya suppose is eatin them two guys
(STEINBECK sd 113)
- Que diabo de bicho teraacute mordido aqueles dois camaradas (VERIacuteSSIMO 1940
209)
- O que seraacute que taacute roendo esses caras (CAMPELLO 1991 100)
- Caramba o que eacute qu ocecirc acha que eacute o problema desses dois aiacute (BAN 2005 145)
Neste uacuteltimo exemplo o texto de partida expressa algo mais do que a mera
duacutevida Trata-se de uma fala do personagem Carlson no final da obra que revela sua
indiferenccedila em relaccedilatildeo agrave morte de Lennie pela accedilatildeo de George numa cena em que Slim
consola George As trecircs traduccedilotildees manteacutem esse sentido apesar das escolhas serem diferentes
notadamente pelas expressotildees Que diabo de bicho () (Veriacutessimo) O que seraacute ()
(Campello) Caramba o que qu ocecirc acha que eacute o problema () (Ban)
O que foi dito a respeito do tom que foi relativamente mantido nos exemplos
acima mencionados todavia natildeo se aplica de forma plena quando o assunto eacute o dialeto dos
personagens Percebe-se nitidamente a falta de paralelismo entre as caracteriacutesticas do dialeto
inglecircs utilizado e as caracteriacutesticas dos dialetos da liacutengua portuguesa utilizados nas traduccedilotildees
Isso seraacute demonstrado com exemplos quando algumas caracteriacutesticas do dialeto vernacular
ou estigmatizado estadunidense presentes no dialeto dos personagens de Of mice and men satildeo
destacadas ao lado das traduccedilotildees em portuguecircs Essas caracteriacutesticas seratildeo divididas em sete
grupos a saber a) formas verbais regularizadas como na terceira pessoa do singular b) uso
generalizado da terceira pessoa do singular no passado simples do verbo to be como padratildeo
c) terceira pessoa do singular com o auxiliar do regularizado d) a dupla negativa e) omissatildeo
do verbo to have como auxiliar do present perfect f) uso de verbos irregulares no passado
simples como se fossem regulares g) a reduccedilatildeo de palavras quando faltam letras ou no seu
iniacutecio ou meio ou fim
a) Formas verbais regularizadas como na terceira pessoa do singular
Exemplo I (Capiacutetulo 1)
170
The hell with what I says () (STEINBECK sd 5) (I say)
- Diabo Pouco importa o que eu disse ( ) (VERIacuteSSIMO 1940 12)
- Que se dane o que eu disse () (CAMPELLO 1991 8)
- Que se dane o que eu disse ( ) (BAN 2005 16)
Exemplo II (Capiacutetulo 1)
() I remember some girls come by and you says you says
(STEINBECK
sd 5) (you say)
- () Eu me lembro dumas moccedilas que passaram e tu disseste tu disseste
(VERIacuteSSIMO 1940 12)
- () Lembro que algumas garotas chegaram e vocecirc disse vocecirc disse
(CAMPELLO 1991 8)
- () Lembro de umas moccedila que passocirc e ocecirc disse ocecirc disse (BAN 2005 15)
As irregularidades apontadas nos verbos em I says e you says natildeo encontram
similaridade em portuguecircs Normalmente o verbo correspondente a to say (dizer) se conjuga
assim eu disse tu dissestevocecirc disse eleela disse noacutes dissemos voacutes dissestesvocecircs
disseram eleselas disseram Mesmo que haja algum tipo de desvio dessas formas nunca
haveraacute simetria ou similaridade do portuguecircs em relaccedilatildeo agrave caracteriacutestica em inglecircs do uso
regularizado da terceira pessoa referindo-se agrave primeira pessoa do singular (I) e agrave segunda
pessoa do singular (you) conforme os exemplos
Desta feita eacute impossiacutevel transmitir em portuguecircs o efeito dos verbos em inglecircs na
terceira pessoa do singular com esse uso generalizado para todas as pessoas As traduccedilotildees
acima apenas revelam conforme cada caso variaccedilotildees linguumliacutesticas que vatildeo desde o niacutevel mais
formal (ainda que apresente em dados momentos caracteriacutesticas da oralidade e da fala
coloquial) utilizado por Veriacutessimo passando pela liacutengua essencialmente coloquial utilizada
por Campello ateacute chegar ao niacutevel da liacutengua estigmatizada a opccedilatildeo de Ana Ban 120
b) Uso generalizado da terceira pessoa do singular no passado simples do verbo to be como
padratildeo
Exemplo I (Capiacutetulo 1)
120 Essa tendecircncia por parte dos tradutores do niacutevel mais formal para o coloquial ateacute chegar ao niacutevel do dialeto estigmatizado se confirma em todos os exemplos utilizados a partir de Of mice and men segundo a preferecircncia de Egraverico Veriacutessimo (1940) Myriam Campello (1991) e Ana Ban (2005) respectivamente
171
They was
so little ( )
(STEINBECK sd 10) (they were)
- Ecircles eram tatildeo pequenos ( ) (VERIacuteSSIMO 1940 22)
- Eram tatildeo pequenos () (CAMPELLO 1991 12)
- Eles era tatildeo pequenininho ( ) (BAN 2005 22)
Exemplo II (Capiacutetulo 2)
( ) Says we was
here when we wasn t ( )
(STEINBECK sd 22) (we werewe
weren t)
- () Disse que estaacutevamos perto da fazenda e natildeo estaacutevamos () (VERIacuteSSIMO
1940 44)
- () Disse que a gente tava perto e era mentira () (CAMPELLO 1991 22)
- () Ele disse que jaacute tava perto mais num tava () (BAN 2005 36)
O verbo na terceira pessoa do singular generalizado para todas as pessoas tanto
do singular quanto do plural eacute um fenocircmeno anaacutelogo em portuguecircs As formas do verbo to be
em inglecircs no passado simples em conformidade com a norma-padratildeo (singular I was you
were hesheit was plural we were you were they were) como os exemplos mostram satildeo
unificadas somente pela forma was constituindo um desvio caracteriacutestico do dialeto de Of
mice and men Tal desvio pode ser transferido para o portuguecircs estigmatizado eu era tuvocecirc
era eleela era noacutesa gente era vocecircs era (o pronome voacutes natildeo eacute de uso comum na liacutengua
estigmatizada ou coloquial) eleselas era
Outro significado atribuiacutedo ao verbo to be eacute estar que no preteacuterito imperfeito
assume as formas eu estava tu estavasvocecirc estava eleela estava noacutes estaacutevamos voacutes
estaacuteveisvocecircs estavam eleselas estavam que pode na liacutengua estigmatizada ou coloquial
assumir a uacutenica forma tava (eu tava vocecirc tava vocecircs tava etc) A uacutenica diferenccedila entre o
inglecircs e o portuguecircs ficaria por conta dos pronomes pessoais do caso reto em inglecircs eles satildeo
imutaacuteveis ou seja as formas baacutesicas I you hesheit we you they permanecem constantes na
transposiccedilatildeo para o inglecircs estigmatizado Em portuguecircs ao contraacuterio os pronomes vocecirc noacutes e
vocecircs podem se constituir de outras maneiras na linguagem estigmatizada num acircmbito geral
que se refere agrave meacutedia comumente encontrada nas variedades do portuguecircs brasileiro
172
Norma-padratildeo Desvios
Singular
Eu
oslash
Tu
oslash
Vocecirc
ocecirccecirc
Ele
oslash
Ela
oslash
Norma-padratildeo Desvios
Plural
Noacutes
noacuteisa gente
Voacutes
oslash
Vocecircs
ocecirciscecircis
Eles
oslash
Elas
oslash
Apesar dessas possibilidades Veriacutessimo (1940) Campello (1991) e Ban (2005)
adotam posturas divergentes tanto no que diz respeito ao uso do verbo serestar no passado
quanto ao uso formas pronominais em suas traduccedilotildees
Exemplo I (Capiacutetulo 1)
They was
so little ( )
(STEINBECK sd 10)
- Ecircles
eram
tatildeo pequenos ( ) (VERIacuteSSIMO 1940 22)
- Eram tatildeo pequenos () (CAMPELLO 1991 12)
- Eles era
tatildeo pequenininho ( ) (BAN 2005 22)
Exemplo II (Capiacutetulo 2)
( ) Says we was here when we wasn t ( )
(STEINBECK sd 22)
- () Disse que estaacutevamos
perto da fazenda e natildeo estaacutevamos () (VERIacuteSSIMO
1940 44)
- () Disse que a gente tava perto e era mentira () (CAMPELLO 1991 22)
- () Ele disse que jaacute tava perto mais
num
tava () (BAN 2005 36)
A opccedilatildeo pela linguagem mais formal utilizada por Veriacutessimo em suas traduccedilotildees
tende a omitir os pronomes ou quando eles satildeo utilizados as suas formas obedecem ao
portuguecircs padratildeo que satildeo seguidas de formas verbais natildeo desviantes
As soluccedilotildees de Campello transmitem natildeo exatamente a liacutengua estigmatizada mas
a coloquial estampada por exemplo pelo uso do pronome a gente em vez de noacutes Os verbos
ser e estar dependendo do caso assumem suas formas padratildeo ou natildeo padratildeo (nos exemplos
eram como na norma-padratildeo e tava em lugar de estava)
173
Jaacute a tradutora Ana Ban procura marcar o dialeto com desvios de concordacircncia do
verbo com o sujeito ou utilizando a forma verbal tava em lugar de estava A configuraccedilatildeo
desse dialeto fica mais evidente ainda quando a conjunccedilatildeo adversativa mas se transforma em
mais e o adveacuterbio de negaccedilatildeo natildeo se adultera em num
c) Terceira pessoa do singular com o verbo to do (como auxiliar) regularizado
Exemplo I (Capiacutetulo 2)
( ) A guy on a ranch don t
never listen nor he don t
ast no questions
(STEINBECK sd 25) (A guy doesn the doesn t)
- () Numa fazenda a gente natildeo escuta o que os outros dizem nem anda fazendo perguntas (VERIacuteSSIMO 1940 50)
- () Quem trabalha numa fazenda nunca ouve nada nem faz perguntas (CAMPELLO 1991 25)
- () A gente aqui na fazenda nunca ouve nada nem faiz nenhuma pergunta (BAN 2005 40)
Exemplo II (Capiacutetulo 4)
Oh she don t
care (STEINBECK sd 73)
- Ora a cadela deixa (VERIacuteSSIMO 1940 134)
- Ah ela natildeo se importa (CAMPELLO 1991 65)
- Ah ela num taacute nem aiacute (BAN 2005 96)
O verbo auxiliar do natildeo encontra par ou similar na liacutengua portuguesa e acontece
como fenocircmeno gramatical exclusivo da liacutengua inglesa Este eacute um argumento que pode servir
para entender que o tradutor muitas vezes natildeo pode seguir o texto de partida palavra por
palavra mas sim tomar o sentido da liacutengua de partida pelo sentido na liacutengua de chegada Por
isso mesmo o problema da generalizaccedilatildeo do verbo auxiliar do para todas as pessoas verbais
(a terceira pessoa do singular acompanha normalmente a forma does) eacute intransponiacutevel para o
portuguecircs no niacutevel da palavra em si mesma Se for levado em conta o sentido pelo sentido
tambeacutem natildeo haacute soluccedilatildeo possiacutevel que possibilite a identificaccedilatildeo dessa marca dialetal inglesa
para outra em portuguecircs
174
d) A dupla negativa
Exemplo I (Capiacutetulo 1)
They don t belong no place (STEINBECK sd 14)
- Natildeo pertencem a nenhum lugar (VERIacuteSSIMO 1940 29 30)
- Natildeo pertencem a lugar nenhum (CAMPELLO 1991 15)
- Essa gente num pertence a lugaacute nenhum (BAN 2005 27)
Exemplo II (Capiacutetulo 2)
I won t get in no
trouble George (STEINBECK sd 16)
- Natildeo vou me meter em enrascadas George (VERIacuteSSIMO 1940 34)
- Natildeo vou me meter em confusatildeo George (CAMPELLO 1991 17)
- Eu num vocirc me metecirc em confusatildeo nenhuma George (BAN 2005 29)
Exemplo III (Capiacutetulo 2)
( ) A guy
on a ranch don t
never
listen nor he don t
ast no
questions
(STEINBECK sd 25) (A guy doesn the doesn t)
- () Numa fazenda a gente natildeo escuta o que os outros dizem nem anda fazendo perguntas (VERIacuteSSIMO 1940 50)
- () Quem trabalha numa fazenda nunca ouve nada nem faz perguntas (CAMPELLO 1991 25)
- () A gente aqui na fazenda nunca ouve nada nem faiz nenhuma pergunta (BAN 2005 40)
A dupla negativa outro desvio da norma-padratildeo da liacutengua inglesa tambeacutem eacute um
fenocircmeno que natildeo encontra similaridade na liacutengua portuguesa A caracterizaccedilatildeo do dialeto
estigmatizado a exemplo do que fez Ban no exemplo III se vale de outros recursos pela
coloquialidade expressa pela locuccedilatildeo pronominal a gente e a sonoridade popular do verbo
fazer na terceira pessoa do singular resultante em faiz em lugar de faz
e) Omissatildeo do verbo to have como auxiliar do present perfect
Exemplo I (Capiacutetulo 1)
175
I been
mean ain t I (STEINBECK sd 13) (I ve been)
- Fui mesquinho contigo hein (VERIacuteSSIMO 1940 28)
- Fui mau natildeo eacute (CAMPELLO 1991 15)
- Eu fui mau neacute (BAN 2005 26)
Exemplo II (Capiacutetulo 2)
I seen her give Slim the eye (STEINBECK sd 29)
- Eu vi ela namorar o Magro (VERIacuteSSIMO 1940 57)
- Eu vi ela lanccedilando olhares pro Slim (CAMPELLO 1991 28)
- Jaacute vi ela olhando pro Slim (BAN 2005 45)
Exemplo III (Capiacutetulo 5)
I done
a bad thing (STEINBECK sd 97)
- Fiz uma coisa ruim (VERIacuteSSIMO 1940 179)
- Fiz uma coisa ruim (CAMPELLO 1991 85)
- Eu fiz otra coisa ruim () (BAN 2005 125)
Em inglecircs o present perfect caracteriza-se pela estrutura sujeito + have + verbo
principal no particiacutepio passado O exemplo acima I been mean deveria seguir a forma I have
been mean ou com contraccedilatildeo do sujeito com o verbo auxiliar I ve been mean Trata-se de um
tempo verbal que pode expressar uma accedilatildeo realizada num passado indeterminado
estendendo-se ao tempo presente de modo diferente do simple past (passado simples) que
expressa uma accedilatildeo concluiacuteda num tempo definido Percebe-se aqui pelas traduccedilotildees que natildeo
haacute em portuguecircs como expressar essa caracteriacutestica sem par do present perfect o resultado
das traduccedilotildees parece soar como se o tempo verbal no inglecircs tivesse sido o simple past
Haacute portanto pelo menos duas incompatibilidades entre as duas liacutenguas
demonstradas no exemplo selecionado a primeira diz respeito agrave impossibilidade em
portuguecircs de se expressar a mesma caracteriacutestica do present perfect
seja na estrutura frasal
seja no significado preciso a segunda estaacute relacionada com a natildeo correspondecircncia do desvio
do inglecircs padratildeo ao portuguecircs palavra por palavra Em todas as trecircs traduccedilotildees portanto haacute o
apagamento dessa marca dialetal do inglecircs estigmatizado
176
f) A regularizaccedilatildeo de verbos irregulares no passado simples
Exemplo I (Capiacutetulo 5)
- I think I knowed
from the very first I think I knowed
we d never do her
()
(STEINBECK p 100) (knew)
- Acho que eu sabia desde o princiacutepio Sabia que a gente nunca ia conseguir aquilo
() (VERIacuteSSIMO 1940 185)
- Acho que eu sabia desde o iniacutecio ()
Acho que eu sabia que a gente nunca ia conseguir () (CAMPELLO 1991 88)
- Acho que eu jaacute sabia desde o comeccedilo Acho que eu sempre soube que nunca ia acontececirc () (BAN 2005 129)
Neste caso tambeacutem natildeo haacute como reproduzir em portuguecircs essa caracteriacutestica
verbal peculiar do inglecircs estigmatizado O uacutenico recurso se a intenccedilatildeo for traduzir o texto
literaacuterio em dialeto estigmatizado para outro dialeto estigmatizado na liacutengua de chegada eacute
trazer outras caracteriacutesticas dessa linguagem que natildeo espelham necessariamente as
caracteriacutesticas da liacutengua de partida Percebe-se certo paralelismo ou proximidade entre as
traduccedilotildees de Veriacutessimo e Campello no que diz respeito por exemplo agrave locuccedilatildeo a gente que
revela informalidade na fala Ban apesar de natildeo usar esse mesmo recurso transmite algo mais
do que a coloquialidade o verbo acontecer na terceira pessoa do singular grafado como
acontececirc caracteriza o falar do povo humilde de baixa escolaridade
g) A reduccedilatildeo de palavras quando faltam letras ou no seu iniacutecio ou meio ou fim
Por omissatildeo de letras no iniacutecio das palavras pelo exemplo retirado do Capiacutetulo 5
( ) I guess we gotta get im
an lock im up () (STEINBECK sd 99) (him)
- () Acho que temos de agarrar ecircle e prender () (VERIacuteSSIMO 1940 183)
- () Acho que a gente tem de pegar ele e prender () (CAMPELLO 1991 88)
- () Acho que a gente precisa pegaacute ele e mandaacute prendecirc () (BAN 2005 128
129)
Os tradutores natildeo se preocuparam em manter essa caracteriacutestica Quiseram sim
revelar a informalidadecoloquialidade ou desvio da norma-padratildeo por meio do uso de um
pronome como objeto direto conquanto o emprego normatizado dessa palavra (ele) deve ser
177
na funccedilatildeo de sujeito em posiccedilatildeo anterior ao verbo Novamente eacute Ban quem emprega o
dialeto menos prestigiado com as formas verbais pegaacute (pegar) mandaacute (mandar) e prendecirc
(prender)
Por omissatildeo de letras no meio das palavras como no exemplo abaixo retirado do
Capiacutetulo 3
() Like she says when we come up on the front porch las Sat day
night ( )
(STEINBECK sd 55) (Saturday)
- ( ) O que ela diz quando a gente chega saacutebado de noite () (VERIacuteSSIMO 1940
102)
- () Como faz todo saacutebado quando a gente chega laacute () (CAMPELLO 1991 49)
- () Igual ela feiz quando saiu na varanda na noite de saacutebado passado () (BAN
2005 75)
Natildeo haacute efeito similar em portuguecircs pelo menos quanto agrave palavra destacada
Sat day que invariavelmente assume a forma saacutebado A omissatildeo de letras no meio de
palavras entretanto eacute uma caracteriacutestica comum no geruacutendio dos verbos em portuguecircs
falado quando o final ndo (ex brincando pulando cantando
etc) assume a forma no
(brincano pulano cantano etc)
Por omissatildeo de letras no final das palavras
I was only foolin George () (STEINBECK sd 12) (fooling)
- Eu estava brincando George () (VERIacuteSSIMO 1940 26)
- Eu tava soacute brincando () (CAMPELLO 1991 14)
- Eu soacute tava brincando George () (BAN 2005 25)
Natildeo existe aplicaccedilatildeo semelhante dessa caracteriacutestica em portuguecircs no que diz
respeito ao uso do geruacutendio A uacutenica possibilidade seria omitir a consoante da uacuteltima siacutelaba
(e portanto natildeo se trata da uacuteltima letra da palavra como o que acontece no inglecircs) como foi
mencionado no item imediatamente anterior Nenhum dos tradutores entretanto utilizou essa
opccedilatildeo
Em linhas gerais o exame das traduccedilotildees no que diz respeito agrave linguagem dos
diaacutelogos indica que os tradutores tendem a manter as caracteriacutesticas gerais do dialeto
178
escolhido em portuguecircs cada qual ao seu modo Apenas se percebe ligeira variaccedilatildeo na
linguagem de Veriacutessimo por vezes formal e cerimoniosa pelo tom conferido pelo uso da
segunda pessoa do singular
tu e a conjugaccedilatildeo verbal correspondente mas tambeacutem
coloquial com alguns desvios da norma-padratildeo A linguagem utilizada por Campello e Ban
nesse sentido eacute mais homogecircnea em sua caracterizaccedilatildeo
Pode-se afirmar que os textos de chegada analisados satildeo integrais natildeo havendo
grandes interferecircncias por conta dos tradutores ou outros agentes Assim por exemplo se haacute
manipulaccedilotildees (omissotildees ou acreacutescimos) isso natildeo acontece em grandes blocos (capiacutetulos ou
paraacutegrafos) mas tatildeo somente no niacutevel de estruturas sintaacuteticas ou no conjunto lexical natildeo
imprimindo alteraccedilotildees muito significativas ao texto de partida a ponto de provocar desvios do
nuacutecleo semacircntico da obra como um todo ou alterando os rumos da histoacuteria contada
No niacutevel lexical as escolhas de cada tradutor tendem a ser consistentes isto eacute as
tomadas de decisatildeo satildeo em geral homogecircneas para cada situaccedilatildeo tradutoacuteria A esse respeito
apenas vale reafirmar como Veriacutessimo se portou por exemplo na traduccedilatildeo dos nomes dos
personagens traduzindo ou adaptando alguns ou apenas transferindo outros apesar de
tambeacutem serem em alguns casos passiacuteveis de mudanccedila na liacutengua portuguesa No tocante a
isso como jaacute foi comentado as tradutoras optaram pela transferecircncia desses nomes
conferindo-lhes um toque estrangeiro
Em todos os exemplos o tom do texto de partida eacute o elemento que se sobressai e
que parece merecer maior atenccedilatildeo por parte dos tradutores muito embora cada um em sua
subjetividade tenha feito escolhas tradutoacuterias diferentes quanto ao leacutexico aos sintagmas
frases ou a composiccedilatildeo geral de cada um dos fragmentos que ilustram cada item O resultado
ou efeito no todo apesar disso representa a manutenccedilatildeo do tom do texto de partida sem que
nenhum dos tradutores tenha causado prejuiacutezo ao significado geral perceptiacutevel no texto em
inglecircs
179
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
O estudo desenvolvido nesta dissertaccedilatildeo pautado principalmente na descriccedilatildeo e
comparaccedilatildeo de trecircs traduccedilotildees para o portuguecircs de Of mice and men (de Eacuterico Veriacutessimo
1940 Myriam Campello 1991 e Ana Ban 2005) procurou demonstrar como cada um desses
textos de chegada apresenta manipulaccedilotildees entre si mesmo tendo como referecircncia apenas uma
mesma obra e um soacute escritor John Steinbeck Muito longe de querer atribuir valor ou juiacutezo
sobre qual dessas traduccedilotildees seria a melhor ou de prescrever como deveria ser tal ou qual
soluccedilatildeo tradutoacuteria procurou-se pelo contraacuterio ressaltar o papel de cada uma dessas reescritas
em relaccedilatildeo ao seu proacuteprio contexto referente ao tempo (eacutepocas diferentes em que essas
traduccedilotildees foram produzidas) ao espaccedilo geograacutefico e a cultura do Brasil a individualidade de
cada tradutor bem como suas relaccedilotildees com outros agentes como as editoras e suas
motivaccedilotildees e influecircncias sobre a publicaccedilatildeo dessas reescrituras
Foi destacado que a formataccedilatildeo final das trecircs traduccedilotildees mencionadas dado o seu
caraacuteter comercial estatildeo diretamente ligadas ao consumidor ou seja ao leitor de liacutengua
portuguesa Satildeo verificadas normas inerentes agrave cultura brasileira e portanto ao relativo
exerciacutecio de poder em seus variados graus ao prestiacutegio a certas preferecircncias da recepccedilatildeo Por
isso vaacuterias implicaccedilotildees para a seleccedilatildeo produccedilatildeo e publicaccedilatildeo dessas traduccedilotildees foram
consideradas Ao se investigar fatores como os citados acima que exercem um papel
fundamental para que as traduccedilotildees sejam elaboradas e publicadas pode-se facilmente
perceber a complexidade que envolve o processo que leva agrave publicaccedilatildeo de reescrituras desse
tipo Tal complexidade encaixada no polissistema cultural e nas suas ramificaccedilotildees
principalmente o sistema literaacuterio e a literatura traduzida se deve ao fato de que essas
produccedilotildees escritas natildeo satildeo aleatoacuterias mas sim dependem de influecircncias diversas agraves vezes
consonantes agraves vezes dissonantes isoladas ou intercambiantes tudo segundo a dinacircmica da
sociedade e da cultura com caracteriacutesticas estabelecidas mas tambeacutem em constante mudanccedila
Mesmo antes de comparar as trecircs traduccedilotildees entre si e tambeacutem com o respectivo
texto de partida presume-se que vaacuterias manipulaccedilotildees vatildeo ocorrer particularmente quando se
parte do pressuposto que haacute diferenccedilas linguumliacutestico-culturais inerentes ao fator cronoloacutegico
(isto eacute quanto maior a distacircncia no tempo maiores as diferenccedilas) e agrave subjetividade de cada
tradutor e de outros agentes responsaacuteveis pela seleccedilatildeo elaboraccedilatildeo e publicaccedilatildeo das traduccedilotildees
A comparaccedilatildeo entre as trecircs traduccedilotildees e o texto de partida deixa evidente a
importacircncia da tradiccedilatildeo do sistema literaacuterio de chegada em funccedilatildeo do qual as traduccedilotildees satildeo
180
elaboradas um processo do qual participam aleacutem de cada tradutor outros agentes como os
editores e o puacuteblico leitor de chegada no sistema brasileiro No intuito de se fazer esse estudo
descritivo e comparativo de traduccedilotildees o esquema teoacuterico de descriccedilatildeo de traduccedilotildees literaacuterias
de Lambert e Van Gorp (1985) composto de quatro niacuteveis de anaacutelise (dados preliminares
macroestrutura microestrutura e contexto sistecircmico) foi utilizado a fim de se examinar
aspectos gerais no que diz respeito agraves publicaccedilotildees em questatildeo desde por exemplo suas
caracteriacutesticas fiacutesicas e aparecircncia externa ateacute ao que diz respeito ao texto principal no que
tange a certos problemas e escolhas tradutoacuterias bem como a resposta da recepccedilatildeo diante de
cada exemplo dessas traduccedilotildees Deste modo percebeu-se por meio desse esquema teoacuterico
que as trecircs traduccedilotildees da Editora do Globo (1940) do Ciacuterculo do Livro (1991) e da LampPM
Pocket (2005) cada qual com seus respectivos tradutores adotaram criteacuterios e estrateacutegias de
traduccedilatildeo visando claramente o puacuteblico brasileiro
Buscando-se compreender as motivaccedilotildees dos profissionais envolvidos no
processo tradutoacuterio incluiacuteram-se nesta pesquisa dados colhidos em vaacuterias fontes por meio da
pesquisa bibliograacutefica da Internet bem como pelo uso de questionaacuterios submetidos via e-
mail aos agentes responsaacuteveis pelas traduccedilotildees O uso de questionaacuterios neste estudo mostrou-
se um recurso muito importante para a coleta de dados pois constitui-se de registro em
primeira matildeo que revela e elucida vaacuterios aspectos dos projetos editoriais de cada traduccedilatildeo
tais como as motivaccedilotildees que levam agrave escolha de determinada obra para ser traduzida
publicada e comercializada as estrateacutegias de traduccedilatildeo aplicadas e diretrizes apontadas pelas
editoras
Visto que durante o processo tradutoacuterio a responsabilidade repousa natildeo soacute nos
tradutores mas tambeacutem em outros agentes as perguntas elaboradas em cada questionaacuterio
voltaram-se tambeacutem para outras pessoas ou instituiccedilotildees Poreacutem por causa da variedade de
agentes envolvidos os questionaacuterios elaborados tiveram como foco os tradutores e as
editoras estas representadas por seus dirigentes ou responsaacuteveis diretos pelas publicaccedilotildees das
traduccedilotildees examinadas Entretanto nem sempre foi faacutecil ou possiacutevel realizar os contatos
necessaacuterios para a aplicaccedilatildeo das questotildees elaboradas para uma entrevista ou questionaacuterio
No presente caso referindo-se primeiro a cada um dos tradutores de Of mice and
men somente foi possiacutevel o contato com Ana Ban visto que Eacuterico Veriacutessimo faleceu em
1975 e Myriam Campello natildeo pocircde ser localizada Quanto agraves respectivas editoras Ivan
Pinheiro Machado da LampPM respondeu ao questionaacuterio enviado por e-mail No caso da
Editora do Globo de Porto Alegre devido agrave antiguidade da sua traduccedilatildeo publicada (1940)
natildeo foi possiacutevel a coleta de dados por meio de seu editor responsaacutevel direto daquela eacutepoca
181
Henrique Bertaso falecido em 1977 Consta entretanto que a Editora do Globo foi
incorporada agrave Editora Globo do Rio de Janeiro do jornalista Roberto Marinho em 1986
(vide Anexo VI) Houve tentativas de contato por e-mail e por telefone com os atuais
membros da diretoria da Livraria do Globo Claacuteudio Bertaso (diretor-presidente) Henrique
Ferreira Bertaso (diretor vice-presidente) e Elisa Morganti Bertaso (diretora-superintendente)
entretanto essas tentativas natildeo lograram sucesso Em relaccedilatildeo agrave Editora Ciacuterculo do Livro por
ela ter encerrado suas atividades em 1998 (MILTON 2002 21) somente foi possiacutevel reunir
dados a partir de fontes bibliograacuteficas e da Internet
Os questionaacuterios que foram efetivamente respondidos pela tradutora Ana Ban e
pela Editora LampPM representada por Ivan Pinheiro Machado resultaram na obtenccedilatildeo de
respostas importantes para esta pesquisa revelando de modo geral posturas e opiniotildees dessa
tradutora e do seu respectivo editor O projeto editorial bem como as estrateacutegias de traduccedilatildeo
se baseiam na recepccedilatildeo ou seja tanto Ban como Pinheiro Machado se preocuparam com
expectativas do puacuteblico leitor brasileiro desde a escolha da obra a ser traduzida (papel
preponderante da editora) e agrave sua compreensatildeo geral da obra traduzida
A tradutora Ana Ban (2008) em suas respostas ao questionaacuterio revelou que em
geral a indicaccedilatildeo da obra a ser traduzida eacute feita pela editora que tambeacutem revisa o trabalho A
maior dificuldade apontada por ela no caso da traduccedilatildeo de Of mice and men foi em relaccedilatildeo ao
dialeto estigmatizado da fala dos personagens Nesse sentido a tradutora buscou uma
identidade brasileira a essa fala Ban tambeacutem revela a necessidade de atualizaccedilatildeo de
traduccedilotildees por serem antigas e por isso haacute diferenccedilas na linguagem marcada pelo tempo
Essas opiniotildees (a atualizaccedilatildeo das traduccedilotildees antigas e ao desejo de respeitar a linguagem
utilizada pelo autor traduzido) satildeo compartilhadas por Ivan Pinheiro Machado (2009) editor
da LampPM
Ivan Pinheiro Machado (2009) declarou que o prestiacutegio eacute um fator relevante para
a seleccedilatildeo de autores e suas respectivas obras literaacuterias para serem traduzidas ou seja autores
de vaacuterias eacutepocas mas principalmente de renome (por precircmios recebidos canonizados ou que
de alguma forma tenham seu nome bem recebido nos sistema cultural brasileiro) O papel da
editora como agente que contribui nessas reescrituras foi confirmado pelas declaraccedilotildees de
Machado (2009) com criteacuterios e normas para a seleccedilatildeo traduccedilatildeo revisatildeo e publicaccedilatildeo de
obras literaacuterias
Tomando como referecircncia o texto de partida adotado nesta dissertaccedilatildeo uma
ediccedilatildeo de bolso com texto integral natildeo adaptado e dividido em seis capiacutetulos percebe-se que
as trecircs traduccedilotildees tendem a guardar semelhanccedilas entre si por exemplo no formato e
182
classificaccedilatildeo (livros de bolso no caso das traduccedilotildees de Veriacutessimo e Ban ou tipologia dos
clubes de livros no caso da traduccedilatildeo de Campello) na questatildeo do preccedilo popular (atingindo
por isso um puacuteblico maior) e por elas natildeo apresentarem alteraccedilotildees relevantes na estrutura
textual satildeo ediccedilotildees integrais que seguem tambeacutem a divisatildeo em seis capiacutetulos sem tiacutetulo
conforme o texto de partida o nuacutemero de paraacutegrafos eacute maior em relaccedilatildeo ao texto de partida
adotado mas a quantidade de diaacutelogos eacute proporcional similar agrave do texto de partida Haacute
tambeacutem similaridade na caracterizaccedilatildeo da narrativa em terceira pessoa A marcaccedilatildeo dos
diaacutelogos segue a estrutura de apresentaccedilatildeo brasileira caracterizada pelo uso dos travessotildees
enquanto que no texto de partida isso eacute feito com aspas Esta uacuteltima observaccedilatildeo permite
concluir que as trecircs traduccedilotildees visam o puacuteblico brasileiro pois seguem a tradiccedilatildeo textual
graacutefica desse sistema cultural
Haacute sinais graacuteficos de destaque nas traduccedilotildees
negrito e itaacutelico
utilizados para
dar ecircnfase a alguma passagem e tambeacutem assinalar algum estrangeirismo Enquanto que no
texto de partida e nas traduccedilotildees de Campello (1991) e Ban (2005) essas funccedilotildees satildeo
evidenciadas pelo uso de itaacutelicos Veriacutessimo tende a preferir o negrito A pontuaccedilatildeo em geral
segue o texto de partida mas haacute tambeacutem ligeiras diferenccedilas de uma traduccedilatildeo para outra
dependendo do estilo de cada tradutor Essas mudanccedilas ou variaccedilotildees entretanto natildeo
provocam grandes alteraccedilotildees de sentido quando comparadas ao texto de partida
O tiacutetulo da obra eacute idecircntico em portuguecircs Ratos e homens nas trecircs traduccedilotildees Jaacute a
questatildeo dos nomes dos personagens segue outra tendecircncia Myriam Campello e Ana Ban
apenas transcreveram os nomes tanto no caso em que eles satildeo convencionais quanto no caso
em que eles trazem consigo algum significado particular conforme sugere Newmark (1988)
Eacuterico Veriacutessimo entretanto optou por traduzir alguns como Curley (Crespinho) e Slim
(Magro) o que revela uma inconsistecircncia quando esse tradutor transcreveu nomes que
tambeacutem poderiam ser traduzidos (Crooks George etc)
Nos trecircs textos de chegada as soluccedilotildees tradutoacuterias por exemplo para localidades
e nomes geograacuteficos os trecircs tradutores optaram agraves vezes pela transferecircncia dos nomes
estrangeiros traduzindo o que fosse possiacutevel A subjetividade de cada tradutor (ou de outros
agentes e tambeacutem a accedilatildeo do tempo sobre a liacutengua) entretanto aponta para algumas diferenccedilas
(ou preferecircncias) a tendecircncia geral dos trecircs tradutores para localidades e nomes geograacuteficos
natildeo eacute consistente por vezes alternando entre a transferecircncia (ocorrendo a estrangeirizaccedilatildeo) e a
traduccedilatildeo para o portuguecircs (domesticaccedilatildeo)
As formas de tratamento e vocativos no texto de partida por causa das
caracteriacutesticas da liacutengua inglesa natildeo satildeo marcados claramente como no uso da liacutengua
183
portuguesa Em inglecircs seu uso soa mais informal do que nas traduccedilotildees Nas traduccedilotildees
portanto eacute a situaccedilatildeo que define o uso
Quanto agraves expressotildees idiomaacuteticas e giacuterias do texto de partida as trecircs traduccedilotildees
apesar das diferenccedilas entre si apresentam resultados que natildeo interferem muito no que talvez
Steinbeck desejasse expressar
Os dados apontados pelo contexto sistecircmico mostram que as traduccedilotildees de
Veriacutessimo Campello e Ban atendem agraves expectativas de um puacuteblico geral em sua proacutepria
eacutepoca principalmente por causa da tipologia dessas reescrituras livros de bolso (no caso de
Veriacutessimo e Ban) ou clubes de livros (no caso de Campello) com ediccedilotildees de tiragens amplas
a um preccedilo acessiacutevel Natildeo haacute pelas caracteriacutesticas de cada traduccedilatildeo uma segmentaccedilatildeo muito
evidente do puacuteblico brasileiro a ser atingido a natildeo ser por parte da traduccedilatildeo de Veriacutessimo
pertencente agrave coleccedilatildeo Nobel da Editora do Globo que conforme Barcellos (2002) afirma era
voltada para obras do campo erudito Apesar disso a linguagem da traduccedilatildeo de Veriacutessimo eacute
relativamente simples (principalmente por retratar personagens de baixo status social na sua
fala cotidiana) e por isso mesmo o puacuteblico leitor meacutedio natildeo teria dificuldades para a sua
leitura
Esta caracteriacutestica da linguagem utilizada por Veriacutessimo aliaacutes estaacute de certo modo
em consonacircncia com os objetivos de Steinbeck ou seja elaborar um texto em linguagem
simples e direta de modo a ser lido pelas camadas mais simples da populaccedilatildeo ou entatildeo para
que essas pessoas possam eventualmente ter a oportunidade de ver a obra encenada nos
teatros (LI e SCHULTZ 2005 145) Algo semelhante pocircde ser observado nas traduccedilotildees de
Campello e de Ban embora o texto desta uacuteltima tradutora por vezes seja menos direto por
causa das escolhas feitas em que as estruturas sintaacuteticas utilizam maior nuacutemero de palavras
Deve-se ressaltar que natildeo obstante os dialetos empregados por cada tradutor sejam diferentes
isso natildeo depotildee contra o estilo direto e a simplicidade do texto de partida caracteriacutesticas estas
que em essecircncia foram mantidas nos textos de chegada em questatildeo
A despeito de algumas caracteriacutesticas das trecircs traduccedilotildees apontarem para o texto de
partida (eg estrateacutegias estrangeirizadoras tais como nomes e palavras transcritos conforme
o texto de partida principalmente nomes geograacuteficos de ruas e de lugares) conforme visto
anteriormente a maior parte das estrateacutegias adotadas pelos tradutores eacute domesticadora e
portanto refletem expectativas do puacuteblico de chegada isto eacute trazem o texto de partida para o
puacuteblico brasileiro adequando-o de modo geral aos seus costumes a sua tradiccedilatildeo e seu
tempo Algumas evidecircncias que mostram como e porque essas traduccedilotildees foram traduzidas
184
podem ser constatadas em cada uma dessas traduccedilotildees destacando-se o papel dos tradutores e
das editoras na sua produccedilatildeo
Mesmo que uma traduccedilatildeo busque atender a alguns pressupostos e normas de seu
sistema e de sua eacutepoca muitas vezes limitando o papel do tradutor submetido a certas formas
de poder eou autoridade algumas vezes pode-se perceber que esse profissional pode ter um
maior grau de autonomia No caso presente pocircde-se constatar que Eacuterico Veriacutessimo em
relaccedilatildeo agraves tradutoras Myriam Campello e Ana Ban foi quem provavelmente teve maior grau
de autonomia para traduzir Of mice and men graccedilas ao grande papel desse escritor-tradutor
desempenhado na Editora do Globo pois segundo afirmam Wyler (2003) Torresini (2004) e
Barcellos (2002) ele era um dos maiores responsaacuteveis pelas poliacuteticas editoriais da Editora do
Globo desde por exemplo a escolha das obras a serem traduzidas e publicadas a seleccedilatildeo de
tradutores aleacutem do fato de ele mesmo traduzir e revisar esses produtos Tambeacutem o simples
fato de um escritor de sucesso como Veriacutessimo natildeo soacute traduzir como tambeacutem assinar esses
trabalhos por si soacute jaacute constituiacutea um forte apelo comercial para o puacuteblico brasileiro (WYLER
2003)
A anaacutelise comparativa das trecircs traduccedilotildees no que diz respeito agrave liacutengua
caracteriacutestica dos diaacutelogos de Of mice and men teve como propoacutesito de verificar suas
semelhanccedilas diferenccedilas peculiaridades e sobretudo como cada tradutor (e os agentes
institucionais) caracterizou essa linguagem mais formal menos formal mais proacutexima ou
mais distante do texto de partida quanto agraves caracteriacutesticas essenciais de um dialeto
estigmatizado da liacutengua inglesa na deacutecada de 1930 na zona rural de Soledad Califoacuternia
Estados Unidos falado em geral por trabalhadores de origem humilde de baixa
escolaridade
O problema do uso diversificado da liacutengua nas produccedilotildees literaacuterias e tentar ou natildeo
reproduzir essas variedades linguumliacutesticas nas traduccedilotildees foi abordado em linhas gerais no que
tange o seguinte se a opccedilatildeo mais faacutecil da correccedilatildeo dos dialetos menos prestigiados anula
em grande parte os efeitos que um escritor propotildee sobretudo na reproduccedilatildeo da oralidade e do
perfil social dos seus personagens a tentativa de respeitar e reproduzir essas impressotildees num
dialeto recriado na traduccedilatildeo por melhor que seja sempre teraacute algo de exoacutetico em seu
resultado (LANDERS 2001 116-117)
A impossibilidade de transposiccedilatildeo perfeita dos dialetos estigmatizados na
traduccedilatildeo portanto ao apresentar essas duas facetas (neutralizar ou imitar) colocou-se entatildeo
diante do texto de Of mice and men e das trecircs traduccedilotildees analisadas nos diaacutelogos que
185
Steinbeck construiu retratando o dialeto estigmatizado de trabalhadores rurais e na proposta
de cada tradutor para representar essa linguagem
Tratando-se de uma linguagem que reproduz a oralidade percebeu-se uma
diferenciaccedilatildeo por parte de cada tradutor Mesmo que todas as trecircs traduccedilotildees apresentem de
modo geral aspectos da linguagem coloquial as variedades adotadas satildeo bem diferentes entre
si indo de um niacutevel mais polido (agraves vezes soando formal) utilizado por Veriacutessimo (1940)
decrescendo em relaccedilatildeo agrave norma-padratildeo da liacutengua portuguesa isto eacute na coloquialidade do
dialeto utilizado por Campello (1991) e na linguagem estigmatizada que Ban (2005) tentou
recriar
A tendecircncia brasileira em adotar a norma-padratildeo e variedades de prestiacutegio em
lugar de variedades estigmatizadas em traduccedilotildees fenocircmeno apontado por Milton (2002) e
localizado entre as deacutecadas de 1940 e 1970 pode talvez ter desempenhado um papel central
dentro do sistema de chegada brasileiro Tal postura pode ter sido um reflexo de
comportamento da recepccedilatildeo agindo de acordo com as forccedilas constituintes do sistema
dominante segundo um processo de manipulaccedilatildeo do texto de partida que neste caso trata
especificamente da linguagem adotada nas traduccedilotildees
A exposiccedilatildeo do tema aqui proposto ao estabelecer relaccedilotildees entre as bases da
teoria da traduccedilatildeo na Europa dos seacuteculos XVII e XVIII
na Inglaterra e principalmente na
Franccedila
e a tradiccedilatildeo brasileira comum de sonegar ou trair obras da literatura estrangeira ao
serem feitas traduccedilotildees que natildeo levam em conta a riqueza e os efeitos dos desvios da norma-
padratildeo desperta novas reflexotildees sobre o traduzir tupiniquim na forma em que uma ideologia
dominante (francesa) pode incutir sorrateiramente noccedilotildees de bom gosto no puacuteblico
receptor das traduccedilotildees calcado em preconceitos principalmente de ordem linguumliacutestica
O modelo das belas infieacuteis que segundo Milton (2002) exerceu influecircncia
importante sobre a cultura brasileira ateacute principalmente meados da 2ordf Guerra Mundial parece
de alguma forma ter influenciado a traduccedilatildeo que Eacuterico Veriacutessimo produziu a partir de Of
mice and men Veriacutessimo apesar de incorrer em formas coloquiais e em pequenos desvios da
norma-padratildeo da liacutengua portuguesa usa uma linguagem mais formal do que as duas
tradutoras Campello (1991) e Ban (2005)
A liacutengua possui uma natureza dinacircmica evolutiva e natildeo eacute representada apenas
em seu registro formal normativo As suas variedades representam uma riqueza que natildeo pode
ser deixada de lado pois conferem agrave literatura um caraacuteter que deixa transparecer impressotildees
tambeacutem mais ricas e que podem no exemplo de Steinbeck dar um aspecto mais verossiacutemil
conforme o perfil desses personagens Eacute uma questatildeo complexa entretanto tentar reproduzir
186
os efeitos de variedades linguumliacutesticas estigmatizadas em traduccedilotildees restando ao tradutor optar
pelo modo tradicional ou entatildeo envolver-se na aacuterdua tarefa de recriar um dialeto
A proposta de Pym (2000) sobre a traduccedilatildeo de variedades linguumliacutesticas
convergente em muitos aspectos com Esteves (2005) parece ser adequada em muitas dessas
situaccedilotildees natildeo se trata de uma mimesis linguumliacutestica que preconiza traduzir dialeto por dialeto
numa pretensatildeo inalcanccedilaacutevel mas sim apresentar uma linguagem na traduccedilatildeo que apenas
apresente os marcadores essenciais da liacutengua traduzida caracterizando-a segundo o seu papel
desempenhado em seu contexto de origem
Todavia a questatildeo da linguagem estigmatizada como no exemplo de Of mice and
men permanece fruto de uma discussatildeo sem respostas definitivas Apesar das diferenccedilas
relativas aos dialetos que podem ser escolhidos por cada tradutor e das possiacuteveis perdas ou
acreacutescimos advindas de manipulaccedilotildees cada traduccedilatildeo cumpre um propoacutesito segundo o
contexto em que foi concebida
O caminho percorrido por esta pesquisa de mestrado dialogando com vaacuterios
pontos de vista teoacutericos pode contribuir para o estudo e a praacutetica da traduccedilatildeo literaacuteria
deixando alguns pontos aclarados mas ao mesmo tempo manteacutem outras questotildees que natildeo
podem ser resolvidas de modo categoacuterico definitivo por exemplo o que se afirmou acima
acerca da traduccedilatildeo de dialetos estigmatizados Podem-se entrever caminhos possiacuteveis poreacutem
cada caso merece atenccedilatildeo especiacutefica
Diante do que foi exposto percebe-se que a traduccedilatildeo entendida como reescritura
eacute um modo variaacutevel de reelaborar textos segundo perspectivas natildeo soacute diferentes mas tambeacutem
mutaacuteveis dinacircmicas Assim sendo natildeo pode existir a traduccedilatildeo mas tatildeo somente uma
traduccedilatildeo possiacutevel moldada de acordo com propoacutesitos possiacuteveis mediante forccedilas desejos e
expectativas agraves vezes atendidas satisfatoriamente ou natildeo segundo o universo multicultural e
complexo da recepccedilatildeo inserida em polissistemas culturais Logo existe um processo infinito
incessante em que cada nova traduccedilatildeo atende a novas expectativas mas nem por isso pode-se
julgar traduccedilotildees anteriores como inferiores ou menos adequadas pois cada uma dessas
reescrituras atende a propoacutesitos de seu proacuteprio contexto em sua proacutepria eacutepoca
187
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197
ANEXOS
198
ANEXO I
EDICcedilOtildeES DE OF MICE AND MENRATOS E HOMENS
A) Of mice and men Oxford Heineman Educational Books Ltd sd
Fig 1 - capa
199
Fig 2 contracapa
200
Fig 3 - 1ordf folha de rosto
201
Fig 4 - 2ordf folha de rosto
202
B) Ratos e homens Traduccedilatildeo de Eacuterico Veriacutessimo
Porto Alegre Livraria do Globo 1940
Fig 5 - capa
203
Fig 6 - contracapa
204
Fig 7
- folha de rosto
205
C) Ratos e homens Traduccedilatildeo de Myriam Campello
Satildeo Paulo Ciacuterculo do Livro 1991
Fig 8 - capa
206
Fig 9 - contracapa
207
Fig 10
- folha de rosto
208
D) Ratos e homens Traduccedilatildeo de Ana Ban
Porto Alegre LampPM 2005
Fig 11
- capa
209
Fig 12 - contracapa
210
Fig 13 - folha de rosto
211
ANEXO II
DADOS DA PECcedilA TEATRAL ENCENADA EM 26 DE SETEMBRO DE
1956 NO TEATRO DE ARENA SP121
TIacuteTULO Ratos e homens
AUTOR John Steinbeck
TRADUCcedilAtildeO Brutus Pedreira
DIRECcedilAtildeO Augusto Boal
ELENCO PERSONAGENS
Gianfrancesco Guarnieri (George)
Joseacute Serber (Lennie)
Nilo Odalia (Candy)
Taran Dach (Patratildeo)
Salomatildeo Guz (Curley)
Geraldo Ferraz (Slim)
Riva Nimitz (Mulher de Curley)
Nello Pinheiro (Carlson)
Seacutergio Rosa (Whit)
Milton Gonccedilalves (Crooks)
121 COLECcedilAtildeO CADERNOS DE PESQUISA TEATRO DE ARENA 2008 p 16 Disponiacutevel em lthttpwwwcentroculturalspgovbrcadernoslightboxlightboxpdfsTeatro20de20Arenapdfgt Acesso em 12 de dezembro de 2008
212
ANEXO III FILME DIRIGIDO POR GARY SINISE (1992)122
122 OF MICE AND MEN VIDEORECORDING METRO-GOLDWYN-MEYER Disponiacutevel em lthttpcatalogmvlcorgipac20ipacjspsession=K24V4U121635928041ampprofile=mbuampsource=~horizonampview=subscriptionsummaryampuri=full=3100001~54678~7ampri=1ampaspect=subtab783ampmenu=searchampipp=20ampspp=20ampstaffonly=ampterm=Of+mice+and+men+Steinbeck+John+1902+1968ampindex=GWampuindex=ampaspect=subtab783ampmenu=searchampri=1amplimitbox_1=LO01+=+mbufocusgt Acesso em 14 de dezembro de 2008
213
ANEXO IV
QUESTIONAacuteRIO RESPONDIDO PELA TRADUTORA ANA BAN
1 Quais foram as motivaccedilotildees para traduzir Of mice and men e qual o papel da Editora LampPM nesse processo Geralmente a editora passa o livro para o tradutor que aceita ou natildeo o trabalho
foi o que
aconteceu neste caso Eacute bastante raro a proposiccedilatildeo partir do tradutor [sic]
apesar de isto
acontecer como foi o caso do livro Flush de Virginia Woolf tambeacutem da LampPM tambeacutem traduzido por mim
2 A editora lhe deu alguma diretriz para vocecirc seguir em seu trabalho ou vocecirc teve total autonomia O resultado
a traduccedilatildeo
sofreu alguma alteraccedilatildeo importante por parte de algum revisor Eu tive total autonomia No decorrer da traduccedilatildeo fomos discutindo questotildees relativas a estilo e uso da linguagem A revisatildeo natildeo promoveu nenhuma mudanccedila importante foi mais uma revisatildeo teacutecnica
3 Quais as principais dificuldades de traduccedilatildeo que vocecirc enfrentou durante esse trabalho e como conseguiu superaacute-las (eg dialeto nomes proacuteprios flora fauna geografia expressotildees idiomaacuteticas etc) A maior dificuldade foi mesmo a transposiccedilatildeo da maneira como os personagens falavam
eu natildeo sei se chega a ser um dialeto porque na verdade eram mais erros gramaticais e pronuacutencia errada natildeo havia tantas palavras especiacuteficas que fossem desconhecidas ou usadas com sentido fora do mais comum Em um primeiro momento eu resolvi que iria seguir a norma culta em todo o livro mas depois achei que assim a ideacuteia do autor natildeo seria transmitida de maneira adequada (isso tudo foi discutido com a editora) Entatildeo eu peguei um sotaque caipira que eu conheccedilo mais ou menos do interior de SPMG (apesar de a LampPM ser em Porto Alegre e eu atualmente morar aqui sou de Satildeo Paulo e passei a maior parte da minha vida laacute) e segui esta linha A minha maior dificuldade foi decifrar algumas palavras grafadas da maneira como os personagens falavam precisei dizer em voz alta vaacuterias delas para descobrir o que eram Agora natildeo sei citar nenhuma pois jaacute faz algum tempo que realizei este trabalho e natildeo tenho mais o original
4 A traduccedilatildeo de dialetos ou variantes linguumliacutesticas sem prestiacutegio na literatura segundo o professor John Milton[1] da Universidade de Satildeo Paulo natildeo constitui uma tradiccedilatildeo no Brasil por uma seacuterie de motivos dentre eles o purismo linguumliacutestico defendido por algumas editoras e uma alegada tendecircncia de mercado Nesse sentido como foi traduzir o dialeto rural usado em Of mice and men Esta resposta jaacute estaacute na pergunta acima
5 Vocecirc conhece outras traduccedilotildees para o portuguecircs dessa obra como a que foi realizada por Eacuterico Veriacutessimo (Porto Alegre Livraria do Globo 1940) Caso conheccedila elas lhe foram uacuteteis para o desenvolvimento da sua traduccedilatildeo Como Eu sei da existecircncia dessas traduccedilotildees mas natildeo as consultei para fazer o meu trabalho Ateacute me foi fornecida uma traduccedilatildeo da deacutecada de 1970 (natildeo lembro qual) para alguma consulta mas eu fiz questatildeo de natildeo usar Eu natildeo queria ser influenciada por soluccedilotildees encontradas pelos outros tradutores e acabar copiando deles mesmo sem querer A proposta de retraduzir o livro era para atualizar a traduccedilatildeo que mudou muito com o passar dos anos Acredito que este purismo citado por vocecirc anteriormente hoje jaacute natildeo eacute mais uma tradiccedilatildeo tatildeo forte Na minha visatildeo o mais importante eacute manter o tom escolhido pelo autor
214
6 A Teoria da Traduccedilatildeo nos oferece vaacuterias perspectivas e reflexotildees sobre o processo tradutoacuterio levantando e discutindo vaacuterios problemas Vocecirc se serviu de alguma linha ou fundamento teoacutericos como referecircncia para traduzir Of mice and men Eu natildeo tenho nenhuma formaccedilatildeo teoacuterica em traduccedilatildeo Sou jornalista trabalhei dez anos no mercado editorial e minha formaccedilatildeo em traduccedilatildeo se deu por meio do curso de Formaccedilatildeo de Tradutores e Inteacuterpretes da Fundaccedilatildeo Alumni em Satildeo Paulo Este eacute um dos cursos de maior renome na aacuterea no paiacutes poreacutem eacute muito praacutetico e direto natildeo aborda teorias Conheccedilo um pouco do assunto por meio da leitura de Paulo Roacutenai mas natildeo eacute algo que eu aplique conscientemente
7 A tomada de decisotildees na traduccedilatildeo geralmente leva em conta pelo menos trecircs aspectos o autor e a sua obra a subjetividade de quem traduz e o leitor (recepccedilatildeo) Muitas vezes dar prioridade ao autor e agrave cultura da liacutengua de partida pode resultar num texto estrangeirizado Por outro lado adaptar o texto agrave cultura de chegada pode produzir uma traiccedilatildeo maior agrave obraComo vocecirc se comporta nesse fogo cruzado entre o texto de partida e o leitor Para tratar deste problema eu uso algumas teacutecnicas (e estou aqui falando de maneira geral pois nem todos estes recursos foram usados nesta traduccedilatildeo especiacutefica) - Respeito a eacutepoca em que o texto foi escrito tomando o cuidado para natildeo usar expressotildees ou denominaccedilotildees que natildeo existiam no periacuteodo - Se existe um personagem falando em dialeto ou giacuteria eu procuro um grupo correspondente existente aqui e uso a maneira de falar desse grupo - Quando haacute alguma passagem que possa dificultar a compreensatildeo pergunto O puacuteblico-leitor original entenderia Se a resposta for sim eu procuro inserir alguma dica no texto Por exemplo ela ficava assistindo ao Lifetime AQUELE CANAL QUE SEMPRE PASSA FILMES PARA MULHERES Se a resposta for natildeo entatildeo eu deixo sem explicaccedilatildeo mesmo porque acredito que a intenccedilatildeo do autor era essa - Eu natildeo costumo substituir produtos ou citaccedilotildees por similares nacionais a natildeo ser quando exista de fato um similar nacional por exemplo a revista Cosmopolitan no Brasil eacute a Nova (eacute franquia da norte-americana mas recebeu tiacutetulo brasileiro) entatildeo eu faccedilo a substituiccedilatildeo Se natildeo fica A REVISTA DE CELEBRIDADES Us Weekly - Acredito tambeacutem que hoje as pessoas tecircm muito mais facilidade de compreender citaccedilotildees referentes a culturas estrangeiras entatildeo algumas coisas ficam ateacute estranho querer traduzir porque jaacute satildeo conhecidas amplamente por sua denominaccedilatildeo original - Acho que o mais importante nessa questatildeo eacute ter em vista a intenccedilatildeo do autor Se ele coloca uma menina que escreve como fala natildeo eacute possiacutevel querer traduzir com um texto gramaticalmente impecaacutevel porque natildeo vai transmitir a intenccedilatildeo original e vai distanciar a obra do puacuteblico-alvo
215
ANEXO V
QUESTIONAacuteRIO RESPONDIDO POR IVAN PINHEIRO MACHADO
EDITOR DA LampPM POCKET
Ivan Pinheiro Machado ltivanlpmcombrgt 3 de fevereiro de 2009 1208
Para johnmagistergmailcom
1Como eacute feita a seleccedilatildeo de obras a serem traduzidas publicadas e comercializadas pela Editora LampPM
A seleccedilatildeo eacute feita segundo o projeto editorial da LampPM que inclui ediccedilatildeo de grandes autores modernos claacutessicos e contemporacircneos
2 Como a Editora LampPM orienta seus tradutores e revisores Existem normas a serem seguidas Qual eacute o grau de influecircncia da Editora
Primeiro a LampPM contrata aqueles que ela acredita serem tradutores de primeiriacutessima linha As traduccedilotildees ao chegarem na editora passam por uma revisatildeo criacutetica Muito poucas satildeo as traduccedilotildees devolvidas por insuficiecircncia teacutecnica mas sempre haacute duacutevidas e melhorias que satildeo realizadas aqui na LampPM
3 Para se publicar uma obra traduzida certamente devem ser levados em conta alguns aspectos de modo que o ecircxito seja alcanccedilado Quais satildeo eles Comente as razotildees para cada um
Um autor expressivo um precircmio Nobel eacute uma razatildeo suficiente para ser cobiccedilado por um editor Ratos e homens eacute uma novela curta uma obra-prima do autor e deu origem a um grande filme Eacute um livro que menos do que um sucesso comercial eacute um livro que qualifica o cataacutelogo do editor
4 Como foi o projeto de traduzir Of mice and men de John Steinbeck (Ratos e homens traduccedilatildeo de Ana Ban) para o portuguecircs Como surgiu a ideacuteia O que motivou a escolha desse autor
A editora decidiu colocar em sua coleccedilatildeo de bolso grande autores modernos e contemporacircneos entre outros tiacutetulos e gecircneros Steinbeck foi selecionado com Faulkner Hemingway Fitzgerald Henry Miller e outros autores mais recentes como Voneguth Tom Wolfe Truman Capote Norman Mailer Salinger e muitos outros
5 Existem outras traduccedilotildees de Of mice and men para o portuguecircs como a realizada por Eacuterico Veriacutessimo (1940) e por Myriam Campello (1991) Isso influenciou de alguma maneira a Editora LampPM durante o processo de seleccedilatildeo e traduccedilatildeo deste romance
Nossa ideacuteia na coleccedilatildeo LampPM POCKET eacute sempre renovar Isto significa fazer novas traduccedilotildees de acordo com a visatildeo e a digamos terminologia da nossa eacutepoca O fato de existirem outras traduccedilotildees natildeo influenciou em nada pois a decisatildeo foi relativa a obra de Steinbeck e natildeo em relaccedilatildeo agraves traduccedilotildees de Steinbeck Mesmo porque a traduccedilatildeo de E
216
Veriacutessimo eacute datada e a outra eu natildeo conheccedilo
6 Em Of mice and men os personagens utilizam uma fala do inglecircs caracteriacutestico do seu perfil social (trabalhadores rurais pobres no contexto da Grande Depressatildeo) e da regiatildeo onde a histoacuteria se passa A tradutora Ana Ban tentou passar essa caracteriacutestica da liacutengua em seu trabalho O puacuteblico consumidor brasileiro pelo menos em parte natildeo prefere obras em portuguecircs padratildeo (conforme as gramaacuteticas prescritivas)
Natildeo posso falar pelo puacuteblico brasileiro Nossa responsabilidade eacute fazer um trabalho intelectualmente correto fiel e pelo menos tentar passar para o nosso idioma a intenccedilatildeo do autor no que se refere ao linguajar dos personagens Se haacute uma deliberada transformaccedilatildeo no linguajar temos que aproximar esta ideacuteia do nosso puacuteblico no nosso
idioma para que ele identifique atraveacutes desta deturpaccedilatildeo da liacutengua o niacutevel social (no caso de Ratos e homens) ou quando eacute o caso a etnia do personagem
Ivan Pinheiro Machado editor da coleccedilatildeo LampPM POCKET
217
ANEXO VI
CRONOLOGIA DA GLOBOLIVROS123
1883 eacute fundada a Livraria do Globo na rua da Praia em Porto Alegre por Laudelino Pinheiro Barcellos
1890 Joseacute Bertaso entatildeo com 12 anos torna-se funcionaacuterio da livraria
1899 a livraria publica seu primeiro livro Opuacutesculos de filosofia social 1819-1829 de Auguste Comte
1916 a livraria divulga seu primeiro perioacutedico o Almanaque do Globo que circula ateacute 1935 Publica tambeacutem o livro Exaltaccedilatildeo de Mansueto Bernardi
1918 morre Laudelino Barcellos e Joseacute Bertaso torna-se proprietaacuterio da livraria
1922 com 15 anos Henrique filho mais velho de Bertaso passa a trabalhar na livraria
1924 o preacutedio da livraria eacute reformado e torna-se local de encontro de importantes poliacuteticos como Getuacutelio Vargas
19251930 a livraria publica cerca de duzentos tiacutetulos nesse periacuteodo
1928 Mansueto Bernardi eacute contratado para cuidar das seccedilotildees de obras ediccedilatildeo e propaganda
1929 primeiro nuacutemero da ceacutelebre Revista do Globo que prossegue sendo publicada ateacute 1967
19301934 circulam os livros da Coleccedilatildeo Verde com 36 tiacutetulos de interesse para senhoras e senhoritas
1931 Henrique Bertaso assume a direccedilatildeo editorial da livraria Eacuterico Veriacutessimo com 26 anos passa a trabalhar na livraria e a dirigir a Revista do Globo
19311937 a Editora Globo publica cerca de 840 ediccedilotildees
19311956 eacute criada a Coleccedilatildeo Amarela com histoacuterias policiais de crimes e de aventuras norte-americanas que publica cerca de 160 tiacutetulos
1932 publicaccedilatildeo de Fantoches primeiro livro de Eacuterico Veriacutessimo com o selo da Editora Globo
19321942 a Coleccedilatildeo Universo publica cerca de quarenta tiacutetulos com destaque para os livros de viagens e aventuras
1933 eacute criada a Coleccedilatildeo Globo com autores estrangeiros e nacionais em formato de bolso A Revista do Globo passa a ser dirigida por De Souza Junior Eacuterico Veriacutessimo torna-se consultor editorial de Henrique Bertaso
19331958 circula a Coleccedilatildeo Nobel que publica grandes nomes da literatura como Thomas Mann e Aldous Huxley com mais de 120 tiacutetulos
1937 a editora participa da Feira de Frankfurt representando o Brasil no mercado internacional de livros
123 Disponiacutevel em lthttpglobolivrosglobocomcronologiaaspgt Acesso em 31 de maio de 2009
218
19381948 a Editora Globo publica cerca de 830 ediccedilotildees
19421945 criada a Coleccedilatildeo Biblioteca dos Seacuteculos que publica 25 tiacutetulos
19431945 a Coleccedilatildeo Tucano divulga obras de cerca de 25 autores brasileiros
19461955 publicaccedilatildeo dos dezessete volumes de A comeacutedia humana de Balzac na coleccedilatildeo Biblioteca dos Seacuteculos
1948 inicia-se a publicaccedilatildeo de Em busca do tempo perdido de Marcel Proust na Coleccedilatildeo Nobel Falece Joseacute Bertaso A livraria passa a operar com a razatildeo social Joseacute Bertaso amp Cia Em 1949 torna-se sociedade anocircnima como Livraria do Globo SA transformando-se a Editora Globo em filial
19491986 a Globo publica cerca de 950 ediccedilotildees
1952 eacute fundada a Rio Graacutefica Editora no Rio de Janeiro pelas Organizaccedilotildees Globo do jornalista Roberto Marinho com um dos maiores parques graacuteficos da Ameacuterica Latina
1956 o cataacutelogo da Globo atinge dois mil tiacutetulos A editora eacute reestruturada e separa-se da livraria criando-se a Editora Globo SA e a Livraria do Globo SA
1957 Joseacute Otaacutevio filho de Henrique Bertaso passa a trabalhar na Globo
1959 a Editora Globo lanccedila a Coleccedilatildeo Catavento que em 1964 conta com mais de 75 tiacutetulos
1975 Falece Erico Verissimo A Editora Globo publica as obras completas do autor ateacute 2004
1980 a Editora Globo passa a operar no Rio de Janeiro
1986 a Editora Globo eacute adquirida pela Rio Graacutefica Editora incorporando-se agraves Organizaccedilotildees Globo do jornalista Roberto Marinho
1987 lanccedilada a revista A Turma da Mocircnica de Mauricio de Sousa Mauricio de Sousa eacute criador das dez publicaccedilotildees mais importantes de histoacuterias em quadrinhos da Globo como Mocircnica Cebolinha Chico Bento Cascatildeo e Magali
1989 a Rio Graacutefica Editora eacute incorporada pela Editora Globo passando desde entatildeo a constituir-se como Editora Globo SA
1990-2000 a Editora Globo publica enciclopeacutedias para estudantes cursos de idiomas e de artes fasciacuteculos sobre temas variados CD-Roms e coleccedilotildees diversas
1990 inicia-se a publicaccedilatildeo das obras completas de Oswald de Andrade
2001 a Editora Globo cria a Unidade de Negoacutecios de Livros e Publicaccedilotildees (Globo Livros) dividida em duas editorias Volta a investir na publicaccedilatildeo de livros Publica 84 tiacutetulos
2002 inicia-se a ediccedilatildeo das obras completas de Hilda Hilst (no mesmo ano a Globo recebe o Grande Precircmio da Criacutetica concedido pela Associaccedilatildeo Paulista de Criacuteticos de Arte por esta ediccedilatildeo) e a reediccedilatildeo das obras completas de Oswald de Andrade Neste ano a editora lanccedila 83 tiacutetulos
219
2003 Bruno Tolentino recebe o Precircmio Jabuti de poesia por O mundo como ideacuteia Satildeo publicados 70 tiacutetulos
2004 inicia-se a parceria com a TV Globo para publicaccedilatildeo da seacuterie de fasciacuteculos (com DVDs) do programa Globo Rural e livros do programa Fantaacutestico como A Fantaacutestica volta ao mundo do jornalista Zeca Camargo Lanccedila a coleccedilatildeo Claacutessicos Globo e assina contrato com Ziraldo para publicar revistas de HQ e outros produtos Publica 89 tiacutetulos no ano
2005 publica o primeiro dos cinco volumes do Livro das mil e uma noites pela primeira vez traduzido para a liacutengua portuguesa diretamente do aacuterabe e comeccedila a reeditar as obras reunidas de Mario Quintana
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2
F224o Faria Johnwill Costa
Of mice and men de John Steinbeck a oralidade na literatura como
problema de traduccedilatildeo Johnwill Costa Faria Brasiacutelia UnB Instituto de Letras 2009 xi 219 f il 30 cm
Orientador(a) Vaacutelmi Hatje-Faggion Dissertaccedilatildeo (mestrado) Universidade de Brasiacutelia Instituto de Letras Departamento de Liacutenguas Estrangeiras e Traduccedilatildeo 2009
1 Estudos de traduccedilatildeo 2 Traduccedilatildeo literaacuteria 3 Reescritura 4 Oralidade I Hatje-Faggion Vaacutelmi II Universidade de Brasiacutelia IIITiacutetulo
CDU 82035
3
COMISSAtildeO EXAMINADORA
_____________________________________________________
Professora Doutora Vaacutelmi Hatje-Faggion Orientadora
Universidade de Brasiacutelia (UnB)
Professora Doutora Sudha Swarnakar Examinadora Externa
Universidade Estadual da Paraiacuteba (UEPB)
____________________________________________________
Professora Doutora Cynthia Ann Bell dos Santos Examinadora Interna
Universidade de Brasiacutelia (UnB)
________________________________________________________________
Professora Doutora Germana Henriques Pereira de Sousa Suplente
Universidade de Brasiacutelia (UnB)
Brasiacutelia 17 de julho de 2009
4
DEDICATOacuteRIA
Ao meu saudoso pai Seu Joatildeo
que do plano eteacutereo onde agora habita
por certo contempla feliz minha conquista
Agrave minha querida matildee Dona Vilma
a quem principalmente devo
o incentivo para minha formaccedilatildeo cultural
Agrave minha doce esposa Patriacutecia Emanuelle
que com sua ternura intelecto e amor
desempenhou um papel fundamental neste mestrado
5
AGRADECIMENTOS
Ao Criador Agente Supremo por minha vida e pela capacidade que me dotou
Agrave minha orientadora professora Vaacutelmi Hatje-Faggion por sua atenccedilatildeo vigilante
seus conselhos valiosos e sobretudo por seu carinho apoio e caraacuteter
Agraves examinadoras da banca professoras Sudha Swarnakar Cynthia Ann Bell dos
Santos e Germana Henrique Pereira de Sousa pela honra de tecirc-las presentes no aacutepice deste
processo
Aos professores da Universidade de Brasiacutelia que direta ou indiretamente me
ajudaram durante as etapas deste mestrado
em especial ao professor Aacutelvaro Faleiros por
sua simpatia e pelo seu conhecimento transmitido
A todos os funcionaacuterios principalmente agrave Thelma agrave Eliane e ao Guilherme
Aos meus colegas de mestrado pela amizade e companheirismo nas horas de
anguacutestia e de alegria
Ao Ivan Pinheiro Machado editor da LampPM por sua atenccedilatildeo e tempo
dispensados nas respostas ao questionaacuterio que lhe enviei
Agrave tradutora Ana Ban por sua importante contribuiccedilatildeo ao responder as minhas
questotildees e tambeacutem por sua prontidatildeo e desejo de me ajudar
Aos meus mestres do passado e colegas de infacircncia e juventude companheiros
que me ajudaram a formar e a consolidar minha bagagem intelectual e humana Saudades
6
O que vale na vida natildeo eacute o ponto de partida e sim a caminhada
Caminhando e semeando no fim teraacutes o que colher
Cora Coralina
Valeu a pena Tudo vale a pena
Se a alma natildeo eacute pequena
Quem quer passar aleacutem do Bojador
Tem que passar aleacutem da dor
Deus ao mar o perigo e o abismo deu
Mas nele eacute que espelhou o ceacuteu
Fernando Pessoa
7
RESUMO
Esta dissertaccedilatildeo investiga a atividade tradutoacuteria como reescritura ou seja a traduccedilatildeo compreendida como um novo texto construiacutedo conforme a subjetividade do tradutor o qual tambeacutem dirige seu olhar para o autor o texto e a cultura de partida e para a recepccedilatildeo em seus aspectos de aceitabilidade do que seraacute o produto final Entende-se que a recepccedilatildeo eacute constituiacuteda natildeo soacute pelo puacuteblico leitor geral mas tambeacutem por vaacuterios agentes inseridos na complexa dinacircmica social onde sempre imperam conceitos de ordem ideoloacutegica e de poder que consequumlentemente vatildeo interferir de alguma forma no processo de escolha seleccedilatildeo e publicaccedilatildeo da traduccedilatildeo Estas ideacuteias encontram subsiacutedio na teoria dos polissistemas particularmente na contribuiccedilatildeo de intelectuais como Itamar Even-Zohar Gideon Toury e Andreacute Lefevere dentre outros Eacute esta a base teoacuterica principal que fundamentaraacute este trabalho que consiste no estudo de alguns problemas de traduccedilatildeo ou seja as diferenccedilas nem sempre conciliaacuteveis entre a cultura do texto de partida e a cultura do texto de chegada Dentre esses problemas que causam dificuldades ao tradutor destaca-se a questatildeo de como traduzir a liacutengua oral utilizada pelos personagens de John Steinbeck em seu romance Of mice and men Logo seraacute realizada uma anaacutelise descritiva e comparativa de trecircs traduccedilotildees desse romance publicadas no Brasil em diferentes eacutepocas todas sob o tiacutetulo comum Ratos e homens a primeira traduccedilatildeo eacute de Eacuterico Veriacutessimo (Porto Alegre Editora do Globo 1940) a segunda eacute de Myriam Campello (Satildeo Paulo Ciacuterculo do Livro 1991) e a terceira eacute de Ana Ban (Porto Alegre LampPM 2005) Para este propoacutesito como referecircncia teoacuterica de anaacutelise seraacute utilizado como ponto de partida o esquema teoacuterico de descriccedilatildeo de traduccedilotildees literaacuterias de Lambert e Van Gorp (1985) (dividido em quatro estaacutegios dados preliminares macroestrutura microestrutura e contexto sistecircmico) Os dados deste estudo indicam como a dinacircmica social e seus agentes interferem no processo de elaboraccedilatildeo de uma reescritura tendo os usos da liacutengua oral como uma dificuldade relevante para o tradutor Deste modo observa-se como e por que os tradutores de Steinbeck analisados aqui propotildeem soluccedilotildees diferentes para a linguagem dos diaacutelogos em Of mice and men caracterizada como um dialeto estigmatizado da liacutengua inglesa mas que ganha perfis diferenciados nestas traduccedilotildees brasileiras
Palavras-chave traduccedilatildeo literaacuteria
oralidade
variedades linguumliacutesticas
reescrituras
John Steinbeck
Of mice and men
8
ABSTRACT
This master s thesis investigates translating as a rewriting activity that is the translation is understood as a new text constructed according to the translators subjectivity while looking towards the author the text and the source culture and towards the reception in terms of the acceptability of what is to become the final product It is understood that reception includes not only readers in general but also several agents who are part of the complex social dynamics where ideological and power concepts prevail the consequence being that they will exert some manner of intervention in the processes involved in the choice selection and publication of a given translation These ideas find subsidies in the polysystem theory particularly in contributions given by intellectuals such as Itamar Even-Zohar Gideon Toury and Andreacute Lefevere among others This is the main theoretical basis sustaining this paper consisting in the study of some translation problems that is differences that arent always reconcilable between the culture that gave rise to the original text and the target culture of that text Of special notice among the problems causing difficulties for the translator is the question of how to translate the oral language used by John Steinbecks characters in his novel Of mice and men A descriptive and comparative analysis of three translations of this novel published in Brazil in different periods all under the common title Ratos e homens will follow The first translation is by Eacuterico Veriacutessimo (Porto Alegre Editora do Globo 1940) the second by Myriam Campello (Satildeo Paulo Ciacuterculo do Livro 1991) and the third by Ana Ban (Porto Alegre LampPM 2005) To this end as theoretical reference for our analysis Lambert amp Van Gorps (1985) description scheme of literary translations (divided in four stages preliminary data macro-level micro-level and systemic context) will be used as a starting point The data on this paper indicate how the social dynamics and its agents interfere in the development process of a rewriting when the use of oral language becomes a relevant difficulty for the translator They make it possible to note how and why the Steinbecks translators analyzed in this paper proposed different solutions for the language used in the dialogs found in Of mice and men characterized as a stigmatized dialect of the English language but which gains differing profiles in these Brazilian translations
Key words literary translation orality linguistic varieties rewritings John Steinbeck
Of mice and men
9
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO12
1 CONSIDERACcedilOtildeES SOBRE A ATIVIDADE TRADUTOacuteRIA E FUNDAMENTOS
DA TEORIA DOS POLISSISTEMAS18
11 A atividade tradutoacuteria algumas consideraccedilotildees19
12 A teoria dos polissistemas23
121 Fundamentos23
122 Conceito de sistema e polissistema25
123 Polissistema cultural28
124 Sistema literaacuterio30
125 Literatura traduzida como sistema sistema canonizado vs sistema natildeo
canonizado31
13 O papel das normas na traduccedilatildeo literaacuteria35
14 As teorias da reescritura e das refraccedilotildees41
15 O esquema teoacuterico de Lambert e Van Gorp para descriccedilatildeo de traduccedilotildees
literaacuterias45
16 Paratextos47
2 CULTURA LINGUAGEM E A TRADUCcedilAtildeO DE VARIEDADES LINGUumlIacuteSTICAS
NA LITERATURA50
21 A necessidade de novas traduccedilotildees50
22 Aspectos culturais na traduccedilatildeo55
221 Visotildees de mundo diferenccedilas culturais e juiacutezos de valor55
222 Expressotildees idiomaacuteticas57
223 A sugestividade do tiacutetulo59
224 Nomes proacuteprios61
225 Formas de tratamento e vocativos66
23 Linguagem e traduccedilatildeo68
231 Terminologia e conceitos da Linguumliacutestica68
2311 Idioma68
2312 Liacutengua68
10
2313 Dialeto70
2314 Idioleto71
2315 Variedade linguumliacutestica72
2316 Registro73
2317 Norma-padratildeo76
232 A linguagem na literatura escrita e traduzida78
2321 O prestiacutegio da norma-padratildeo78
2322 Variedades linguumliacutesticas na literatura escrita e traduzida81
24 A traduccedilatildeo de variedades linguumliacutesticas e desvios da norma-padratildeo da liacutengua83
3 OF MICE AND MEN ASPECTOS GERAIS E TRADUCcedilOtildeES 95
31 O escritor John Steinbeck biobibliografia95
32 John Steinbeck no sistema literaacuterio dos Estados Unidos98
33 A obra Of mice and men 102
331 Resumo expandido102
332 A linguagem106
34 Traduccedilotildees de Of mice and men110
35 Os tradutores112
351 Eacuterico Veriacutessimo um escritor-tradutor na Era Vargas112
352 Myriam Campello116
353 Ana Ban117
36 As editoras119
361 A editora da Livraria do Globo120
362 O Ciacuterculo do Livro124
363 A editora LampPM125
4 ANAacuteLISE COMPARATIVA DE TREcircS TRADUCcedilOtildeES DE OF MICE AND MEN
ASPECTOS GERAIS129
41 Dados preliminares130
42 Macroestrutura 134
43 Microestrutura137
44 Contexto sistecircmico147
11
5 A LINGUAGEM DE OF MICE AND MEN NAS TRADUCcedilOtildeES EM PORTUGUEcircS
BRASILEIRO OUTROS ASPECTOS153
51 A linguagem da narrativa153
52 A linguagem dos diaacutelogos159
521 O dialeto dos personagens164
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS179
REFEREcircNCIAS187
ANEXOS197
ANEXO I EDICcedilOtildeES DE OF MICE AND MENRATOS E HOMENS198
A
Of mice and men Oxford Heineman Educational Books Ltd sd 198
B
Ratos e homens Traduccedilatildeo de Eacuterico Veriacutessimo Porto Alegre Livraria do Globo
1940202
C
Ratos e homens Traduccedilatildeo de Myriam Campello Satildeo Paulo Ciacuterculo do Livro
1991205
D
Ratos e homens Traduccedilatildeo de Ana Ban Porto Alegre LPampM 2005208
ANEXO II DADOS DA PECcedilA TEATRAL ENCENADA EM 26 DE SETEMBRO DE
1956 NO TEATRO DE ARENA SAtildeO PAULO211
ANEXO III FILME DIRIGIDO POR GARY SINISE (1992)212
ANEXO IV QUESTIONAacuteRIO RESPONDIDO PELA TRADUTORA ANA
BAN213
ANEXO V
QUESTIONAacuteRIO RESPONDIDO POR IVAN PINHEIRO MACHADO
EDITOR DA LampPM POCKET215
ANEXO VI CRONOLOGIA DA GLOBOLIVROS217
12
INTRODUCcedilAtildeO
Chega mais perto e contempla as palavras cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra e te pergunta sem interesse pela resposta
pobre ou terriacutevel que lhe deres Trouxeste a chave
Carlos Drummond de Andrade
Dentre as modalidades de traduccedilatildeo escrita a traduccedilatildeo literaacuteria constitui um grande
desafio pelo alto grau de subjetividade dos textos de partida a emoccedilatildeo e a sensibilidade satildeo
suas linhas mestras que podem se apoiar em metaacuteforas jogos de palavras e todo tipo de
metalinguagem que pode resultar em interpretaccedilotildees variadas de acordo com os propoacutesitos de
cada autor Nesse acircmbito os gecircneros literaacuterios (eg a poesia o conto o romance etc) por
suas particularidades exigem do tradutor um grande esforccedilo no sentido de preservar ou
adaptar sua estrutura de maneira adequada Cada um desses gecircneros estaacute submetido a uma
forma mais ou menos riacutegida de composiccedilatildeo seguindo ou natildeo as tendecircncias de seu tempo e de
sua cultura e que ao serem traduzidas para outra liacutengua natildeo encontram necessariamente a
mesma tipologia e tradiccedilatildeo na cultura da liacutengua de chegada Outro complicador satildeo os
recursos literaacuterios como ocorre na versificaccedilatildeo (meacutetrica rimas ritmo) e em efeitos sonoros
mais comuns na poesia como a aliteraccedilatildeo e a assonacircncia
O romance embora geralmente liberado das pressotildees da meacutetrica e da rima em
que os efeitos sonoros desempenham um papel menor ainda conteacutem caracteriacutesticas que
representam dificuldades para o tradutor a sugestividade do tiacutetulo os nomes proacuteprios a
composiccedilatildeo dos personagens e suas caracteriacutesticas em relaccedilatildeo com a cultura de chegada as
variedades linguumliacutesticas (idioma liacutengua socioleto dialeto idioleto norma-padratildeo e seus
desvios etc) tom e registro dentre outras A composiccedilatildeo dos personagens aleacutem do seu
aspecto descritivo pode lanccedilar matildeo de outro recurso os efeitos da liacutengua oral com toda a sua
riqueza e peculiaridade que podem caracterizar a informalidade da fala reflexos
momentacircneos da emoccedilatildeo ou mesmo definir o seu perfil por exemplo de acordo com a sua
etnia grupo social niacutevel social gecircnero faixa etaacuteria etc Este uacuteltimo item representa um
grande desafio para o tradutor sobretudo quando a liacutengua ajuda a compor o perfil dos
personagens quando estes fazem uso dela em diaacutelogos ou monoacutelogos com efeitos muitas
vezes caracteriacutesticos da expressatildeo oral com toda a sua riqueza e peculiaridade em situaccedilotildees
do discurso que expressam principalmente os niacuteveis formal e informal da fala
13
O presente estudo por isso realizaraacute uma investigaccedilatildeo detalhada do fenocircmeno
traduccedilatildeo de uma variedade linguumliacutestica estigmatizada1 do inglecircs escrita representando a
oralidade e submetida a variaacuteveis que influenciam o modo como as traduccedilotildees satildeo elaboradas
o proacuteprio autor e a sua obra (o texto de partida) a subjetividade de quem traduz as
preferecircncias do puacuteblico leitor e os agentes institucionais Estas variaacuteveis estatildeo submetidas a
outros itens fundamentais a cultura e o tempo que satildeo determinantes sobre as transformaccedilotildees
da liacutengua e as preferecircncias e o gosto em relaccedilatildeo aos seus usos
Cada tradutor representa um universo sem igual idiossincraacutetico e sua
subjetividade e personalidade se refletem no seu produto voluntaacuteria ou involuntariamente Se
um mesmo texto for traduzido por vaacuterias pessoas o resultado disso seratildeo novos textos
diferentes entre si Portanto este estudo utilizaraacute o romance Of mice and men de John
Steinbeck em trecircs traduccedilotildees brasileiras para a liacutengua portuguesa todas sob o tiacutetulo Ratos e
homens a primeira publicada em 1940 pela editora Livraria do Globo
Porto Alegre
RS
de Eacuterico Veriacutessimo2 a segunda de Myriam Campello publicada em 1991 pela editora
Ciacuterculo do Livro
Satildeo Paulo SP e a terceira de Ana Ban publicada em 2005 pela editora
LampPM
Porto Alegre
RS as quais seratildeo analisadas e comparadas a fim de se verificar as
motivaccedilotildees e escolhas de cada tradutor ou dos agentes institucionais levando em
consideraccedilatildeo as barreiras e limitaccedilotildees de duas culturas diferentes nesse intercacircmbio e a
dinacircmica das liacutenguas Deste modo percebe-se de um lado o escritor John Steinbeck a eacutepoca
do lanccedilamento do seu livro Of mice and men (1937) e seu puacuteblico leitor angloacutefono de outro
1 Variedade linguumliacutestica estigmatizada
conforme proposta terminoloacutegica de Marcos Bagno Na literatura sociolinguumliacutestica eacute comum opor prestiacutegio a estigma O estigma em termos socioloacutegicos eacute um julgamento extremamente negativo lanccedilado pelos grupos sociais dominantes sobre os grupos subalternos e oprimidos e por extensatildeo sobre tudo o que caracteriza seu modo de ser sua cultura e obviamente sua liacutengua Assim para designar as variedades linguumliacutesticas que caracterizam os grupos sociais desprestigiados do Brasil () sugiro que a gente passe a empregar a expressatildeo variedades estigmatizadas (BAGNO 2005 67)
Bagno se refere agraves variedades linguumliacutesticas dos grupos sociais desprestigiados do Brasil entretanto por se entender que a questatildeo prestiacutegio versus estigma se trata de um fenocircmeno comum a vaacuterias sociedades humanas inclusive agrave sociedade estadunidense o termo variedade linguumliacutestica estigmatizada ganhou amplitude aqui aplicando-se tambeacutem ao dialeto da liacutengua inglesa usado pelos personagens de Of mice and men de John Steinbeck foco desta dissertaccedilatildeo de mestrado Outros termos de uso frequumlente neste trabalho oriundos da Linguumliacutestica (idioma liacutengua variedade linguumliacutestica dialeto registro tom etc) seratildeo discutidos e conceituados no capiacutetulo 2
2 Outra editora que tambeacutem publicou a traduccedilatildeo de Eacuterico Veriacutessimo de Of mice and men (1968) foi a Bruguera Segundo Liacutevio Lima de Oliveira (2007 5) a Bruguera era outra editora importante que surgiu em meados de 1970 e tentou conquistar o puacuteblico com uma coleccedilatildeo de livros de bolso Tratava-se de uma filial de uma grande editora argentina comandada por Francisco Bruguera em Buenos Aires Fazia parte da sua coleccedilatildeo o cataacutelogo Livro Amigo constituiacutedo por ficccedilatildeo brasileira e estrangeira (a maioria jaacute em domiacutenio puacuteblico) e anunciava um novo tiacutetulo a cada quinze dias conforme Hallewell (1985 564) e Coutinho apud Oliveira (2007 5) A traduccedilatildeo de 1940 portanto foi atualizada na ediccedilatildeo de 1968 por causa da vigecircncia de outro acordo ortograacutefico da liacutengua portuguesa de 1942
14
os tradutores Eacuterico Veriacutessimo Myriam Campello e Ana Ban cada qual com seu puacuteblico leitor
brasileiro situado em eacutepocas distintas (deacutecadas de 1940 1960 1990 e anos 2000
respectivamente) e suas traduccedilotildees
A metodologia de anaacutelise das traduccedilotildees utilizada adota o esquema descritivo de
Lambert e Van Gorp (1985 42-53) disposto em quatro estaacutegios nesta ordem dados
preliminares macroestrutura microestrutura e contexto sistecircmico3 Este esquema favorece o
estudo dos resultados na investigaccedilatildeo de fatores de influecircncia sobre as traduccedilotildees em questatildeo
em aspectos amplos incluindo-se natildeo apenas as estrateacutegias dos tradutores mas tambeacutem as
dos agentes institucionais (editoras revisores) o mercado de consumo e o proacuteprio produto
publicado (a traduccedilatildeo) dentre outros componentes de decisatildeo no processo tradutoacuterio
Os exemplos para anaacutelise seratildeo selecionados considerando-se trechos do texto de
partida em que a liacutengua inglesa esteja expressa no dialeto inglecircs mencionado acima em
diaacutelogos mas tambeacutem onde houver trechos relevantes da narrativa em inglecircs padratildeo (a
tipologia textual onde predomina a escrita formal de prestiacutegio em contraste com aquela
variedade linguumliacutestica estigmatizada caracteriacutestica da liacutengua falada) De ambos os registros
linguumliacutesticos ou no texto como um todo outros itens que representem problemas de traduccedilatildeo
seratildeo expostos como o tiacutetulo os nomes proacuteprios itens lexicais dentre outros
Visando esclarecer questotildees pertinentes agraves traduccedilotildees sob o ponto de vista dos
tradutores e das suas respectivas editoras haacute neste trabalho dados obtidos por pesquisa em
registros diversos em documentos impressos (pesquisa bibliograacutefica) na rede mundial de
computadores a Internet Os questionaacuterios foram utilizados com o objetivo de complementar
dados como as estrateacutegias de cada tradutor e as poliacuteticas de cada editora
Eacute sempre interessante buscar informaccedilotildees sobre os profissionais da traduccedilatildeo a
fim de consolidar a pesquisa com argumentos e justificativas de quem realizou o trabalho No
caso de Eacuterico Veriacutessimo jaacute falecido as alternativas foram a pesquisa bibliograacutefica e a busca
na Internet Quanto agraves tradutoras Myriam Campello e Ana Ban tentou-se em primeiro lugar
realizar contatos pessoais A partir dessas tentativas apenas se conseguiu comunicaccedilatildeo com
Ana Ban que respondeu a um questionaacuterio enviado por e-mail Os dados obtidos esclarecem
questotildees por exemplo sobre a composiccedilatildeo de seu perfil como tradutora sua argumentaccedilatildeo
sobre algumas soluccedilotildees e preferecircncias na traduccedilatildeo de Of mice and men informaccedilotildees de
motivaccedilatildeo mercadoloacutegica mencionando quais criteacuterios foram utilizados para publicar sua
traduccedilatildeo e ateacute que ponto ela teve autonomia para executar a sua tarefa De modo similar foi
3 Preliminary Data Macro-Level Micro-Level Systemic Context
15
obtido contato com a Editora LampPM representada por Ivan Pinheiro Machado o qual
tambeacutem respondeu a um questionaacuterio enviado por e-mail tambeacutem com questotildees que
abrangiam o mesmo assunto mas na perspectiva do editor Visto que a editora Ciacuterculo do
Livro jaacute natildeo mais existe as informaccedilotildees sobre ela foram obtidas apenas pelas vias da pesquisa
bibliograacutefica e da Internet o que aliaacutes foi tambeacutem o caminho da pesquisa sobre a Editora do
Globo de Porto Alegre incorporada agraves Organizaccedilotildees Globo em 1986 (TORRESINI 1998
apud TORRESINI 2004 12)
A escolha de Of mice and men como objeto deste estudo se deve por ser de um
autor premiado John Steinbeck (por exemplo precircmios Pulitzer de 1940 e Nobel de 1962)
reconhecido mundialmente com obras traduzidas para vaacuterios idiomas De acordo com
Goldstone e Payne (1974) apud Holmes (2004 22-40) Of mice and men destaca-se entre as
obras mais conhecidas e traduzidas de Steinbeck aleacutem de apresentar personagens que
utilizam em seus diaacutelogos uma variedade linguumliacutestica regional e estigmatizada do inglecircs
estadunidense O autor procurou representar na escrita dos diaacutelogos as marcas da oralidade o
que pelos motivos apresentados aqui pode ser um problema relevante para o tradutor
literaacuterio Essa linguagem estaacute diretamente ligada ao contexto sociocultural em que a histoacuteria
se passa (zona rural da Califoacuternia Estados Unidos deacutecada de 1930 no periacuteodo da Grande
Depressatildeo) o que pode derivar outras questotildees para o estudo de traduccedilotildees O problema da
traduccedilatildeo da oralidade como seraacute visto estaacute relacionado a como diferentes tradutores
encontram suas soluccedilotildees diante da sua perspectiva pessoal e de valores agregados conforme
seu tempo sua cultura e outras variaacuteveis que podem exercer influecircncia sobre o modo de
traduzir como os agentes institucionais
Durante as anaacutelises das trecircs traduccedilotildees supracitadas por conseguinte foram
constatados diferentes tratamentos dados a esse dialeto por parte de cada tradutor resultando
em diferenccedilas notaacuteveis principalmente no niacutevel do registro escolhido decrescente em grau de
formalidade desde a traduccedilatildeo de Veriacutessimo (1940) passando pelo trabalho de Myriam
Campello (1991) ateacute a traduccedilatildeo de Ana Ban (2005) esta a que mais tenta se aproximar do
niacutevel de linguagem do texto de partida Um dos problemas levantados considera o estudo de
John Milton (2002) sobre romances claacutessicos traduzidos para o portuguecircs entre 1945 e 1975
em que ele salienta que a praacutetica do mercado editorial brasileiro tentava evitar a maacutecula dos
desvios da norma-padratildeo do portuguecircs em traduccedilotildees de romances claacutessicos estrangeiros As
razotildees para essa conduta
anular variedades linguumliacutesticas de baixo prestiacutegio
merecem
portanto serem abordados de forma mais sistemaacutetica
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As especificidades de uma liacutengua na sua tentativa de transposiccedilatildeo para outra
podem se revelar inconciliaacuteveis e apenas remediadas em compensaccedilotildees perdas e acreacutescimos
(manipulaccedilotildees) em virtude das diferenccedilas entre as culturas do texto de partida e do texto de
chegada Assim por exemplo considerando-se o caraacuteter evolutivo das liacutenguas dentro das
perspectivas histoacuterica geograacutefica e sociolinguumliacutestica algueacutem poderia cogitar ao traduzir ser
possiacutevel encontrar ou ateacute mesmo criar uma variedade linguumliacutestica correspondente agrave do texto
de partida Por outro lado haveria tambeacutem a opccedilatildeo de estrangeirizaacute-la (VENUTTI 1998
240-244) O que importa saber no tocante a qualquer uma dessas opccedilotildees eacute ateacute onde isso seria
possiacutevel e adequado se o que realmente se almeja eacute ser fiel ao texto original ou de outro
modo lanccedilar matildeo de algumas liberdades e traiccedilotildees segundo a cultura do puacuteblico leitor da
traduccedilatildeo
Quando se considera o puacuteblico leitor a recepccedilatildeo eacute notaacutevel o fato de que se o
objetivo de um tradutor eacute ser lido e remunerado por seu trabalho o seu produto deveraacute
alcanccedilar uma ampla divulgaccedilatildeo e a maneira mais comum eacute fazer isso pelo lado comercial O
tradutor entatildeo natildeo poderaacute mais realizar sua tarefa a seu bel-prazer e deveraacute submeter-se a
certas tendecircncias de mercado e agraves normas expliacutecitas e impliacutecitas dos agentes institucionais
que envolvem por exemplo a editora que conta com suas normas para publicaccedilatildeo (projetos
de traduccedilatildeo) e revisores e a complexa rede que compotildee a sociedade seu tempo seu espaccedilo e
sua cultura Para refletir sobre esses aspectos pode-se encontrar respaldo na teoria dos
polissistemas literaacuterios idealizada e discutida por intelectuais como Itamar Even-Zohar
Gideon Toury e Andreacute Lefevere que entendem a Literatura como um sistema manipulado
obedecendo a regras e restriccedilotildees ditadas pela cultura das sociedades num tempo e num
espaccedilo determinados
Esta dissertaccedilatildeo eacute composta de seis capiacutetulos No Capiacutetulo 1 seratildeo apresentadas
consideraccedilotildees gerais sobre traduccedilatildeo da teoria dos polissistemas A partir daiacute seraacute configurado
um segundo momento da exposiccedilatildeo em que se discorreraacute sobre essa teoria no que concerne a
sua origem seus fundamentos e seus desmembramentos aleacutem de se explorar em detalhes as
colocaccedilotildees de alguns teoacutericos dessa corrente que abordam o conceito de polissistema a
traduccedilatildeo como reescritura razotildees e criteacuterios que justificam novas traduccedilotildees Tambeacutem faratildeo
parte deste arcabouccedilo teoacuterico consideraccedilotildees sobre o esquema de anaacutelise descritiva de
traduccedilotildees de Lambert e Van Gorp (1985)
O capiacutetulo 2 se divide em trecircs partes Na primeira parte satildeo feitas reflexotildees sobre
dificuldades que o tradutor encontra na traduccedilatildeo literaacuteria e sobre o caraacuteter temporaacuterio das
traduccedilotildees devido agraves inconstacircncias da liacutengua sob influecircncia da cultura e do tempo tornando
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necessaacuteria a renovaccedilatildeo pelo surgimento de novas traduccedilotildees de uma mesma obra Na segunda
parte satildeo abordadas questotildees da linguagem no que concerne a conceitos da Linguumliacutestica
adotados nesta dissertaccedilatildeo e os usos da liacutengua na literatura como problema de traduccedilatildeo E na
terceira parte seraacute dado um tratamento mais especiacutefico da linguagem na traduccedilatildeo dedicada agrave
traduccedilatildeo de variedades linguumliacutesticas estigmatizadas na literatura
No capiacutetulo 3 seratildeo apresentados o texto de partida e suas respectivas traduccedilotildees
Essas informaccedilotildees incluem a biobibliografia do autor John Steinbeck sua presenccedila no sistema
literaacuterio estadunidense e sua repercussatildeo perante a criacutetica e o puacuteblico mundial aleacutem de dados
sobre os tradutores brasileiros as editoras e os diferentes contextos em que o texto de partida
e suas reescrituras foram produzidos
No capiacutetulo 4 o esquema teoacuterico de descriccedilatildeo de traduccedilotildees literaacuterias de Lambert e
Van Gorp (1985) seraacute adotado como ponto de partida para uma anaacutelise comparativa do texto
de partida e suas respectivas traduccedilotildees
O capiacutetulo 5 trataraacute de questotildees de estilo e linguagem das traduccedilotildees analisadas
sobretudo a traduccedilatildeo do dialeto utilizado pelos personagens de Of mice and men
O capiacutetulo 6 constituiraacute as Consideraccedilotildees Finais em que satildeo retomados os
principais aspectos do trabalho desenvolvido com enfoque sobre os resultados das anaacutelises
das traduccedilotildees e seu respectivo texto de partida
Natildeo haacute a pretensatildeo aqui de apenas descrever o que ocorre nessas trecircs traduccedilotildees
publicadas mas sim comparaacute-las criticamente tentando interpretar cada texto no sentido de
examinar o comportamento e as tendecircncias de cada tradutor em suas escolhas tradutoacuterias Tais
interpretaccedilotildees poderatildeo gerar pontos de vista relevantes aos profissionais da traduccedilatildeo que se
depararem com a questatildeo da traduccedilatildeo de dialetos de baixo prestiacutegio deixando espaccedilo para
futuras pesquisas nesse campo onde a abordagem natildeo tenha se mostrado suficiente ou ateacute
mesmo onde ela seja omissa
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1 CONSIDERACcedilOtildeES SOBRE A ATIVIDADE TRADUTOacuteRIA E FUNDAMENTOS
DA TEORIA DOS POLISSISTEMAS
Por entre as linhas incautas da leitura ideacuteia insidiosa se insinua
como se sugerisse um outro texto mais vivo extremo e verdadeiro
Paulo Henriques Britto
Este capiacutetulo destaca alguns pontos a respeito de pensamentos e tendecircncias acerca
da traduccedilatildeo dentro de um percurso histoacuterico que se estende ateacute o seacuteculo XX com o advento
dos estudos poacutes-coloniais Esta exposiccedilatildeo visa abordar alguns aspectos sobre como a
atividade tradutoacuteria viveu momentos diferentes transiccedilotildees e mudanccedilas de pensamento e
atitude ateacute a chegada dos pressupostos teoacutericos mais relevantes para este trabalho de
dissertaccedilatildeo a teoria dos polissistemas As reflexotildees advindas de um passado mais remoto
contrastadas com essa teoria criada no final da deacutecada de 1970 pelo israelense Itamar Even-
Zohar deixam entrever repercussotildees ou ecos que ainda satildeo percebidos hoje como no caso
especiacutefico da influecircncia francesa na cultura brasileira via Portugal por meio do classicismo
das belles infidegraveles conforme estudos de Milton (1998 e 2002) Daiacute cogita-se por exemplo
que em traduccedilotildees anteriores ao surgimento da teoria dos polissistemas (caso da traduccedilatildeo de Of
mice and men por Eacuterico Veriacutessimo de 1940) a forccedila dessa influecircncia francesa seria mais
marcante
Com o advento dos estudos poacutes-coloniais jaacute no seacuteculo XX a postura criacutetica sobre
a literatura a linguumliacutestica e o modus operandi tradicional no traduzir deu gecircnese a outros
fundamentos como por exemplo o formalismo russo uma fonte que Even-Zohar utilizou
para criar a sua teoria embasada no conceito de sistemas A partir desse ponto seraacute dado maior
destaque aos fundamentos teoacutericos da teoria dos polissistemas aperfeiccediloada por Gideon
Toury e explorada por outros estudiosos em suas derivaccedilotildees encontradas por exemplo na
teoria das refraccedilotildees e da teoria da reescritura de Andreacute Lefevere Neste acircmbito Lambert e
Van Gorp (1985 42-53) propotildeem um esquema teoacuterico de descriccedilatildeo de traduccedilotildees literaacuterias o
qual seraacute tambeacutem apresentado
19
11 A atividade tradutoacuteria algumas consideraccedilotildees
Por muitos seacuteculos desde a origem das liacutenguas e da inserccedilatildeo e inter-relaccedilatildeo do
homem nas mais diversas culturas e sua necessidade de comunicar e fazer-se entender a
traduccedilatildeo lhe serviu para esse fim Observando-se a atividade tradutoacuteria no percurso histoacuterico
vaacuterias opiniotildees e pontos de vista jaacute foram emitidos Na tradiccedilatildeo ocidental desde a
Antiguumlidade passando pela Idade Meacutedia e Renascimento a ideacuteia central sobre o tradutor e a
traduccedilatildeo escrita estaacute associada agrave imitaccedilatildeo do texto original e ao respeito profundo ao seu
autor Durante os seacuteculos XVII e XVIII destacam-se duas tendecircncias com caracteriacutesticas bem
particulares na Inglaterra o periacuteodo Augustan e na Franccedila a corrente das belles infidegraveles
Milton (1998) aborda o periacuteodo Augustan situando-o numa atitude dos tradutores
ingleses que tendiam a fazer versotildees livres ou libertinas mas que natildeo assinalavam a
liberdade completa Bassnett (2003 104) exemplifica isso com John Denham o qual via
igualdade entre o tradutor e o autor original que operavam em contextos sociais e temporais
bem diferenciados Ele salientava que o dever do tradutor seria extrair do texto de partida
aquilo que considera ser o nuacutecleo essencial da obra e reproduzir ou recriar a obra na liacutengua
de chegada De maneira geral os tradutores do classicismo inglecircs estatildeo ligados a uma teoria
em que haacute certo balanccedilo certa flexibilidade no tocante agrave traduccedilatildeo por vezes mais riacutegida
outras vezes mais livre segundo a sensibilidade de quem a executa Assim os Augustans
fornecem subsiacutedios para reflexatildeo no tocante a essa certa liberdade tradutoacuteria num pecircndulo
que oscila entre a obediecircncia servil ao autor e ao gosto do puacuteblico
Essa preocupaccedilatildeo com o gosto do puacuteblico se acentua nos tradutores franceses
dos seacuteculos XVII e XVIII fazendo com que a liberdade relativa nos ingleses encontrasse
toda a sua forccedila e plenitude na Franccedila das belles infidegraveles Assim os franceses a fim de
chegar agrave clareza de expressatildeo e agrave harmonia de som muitas vezes faziam acreacutescimos
alteraccedilotildees e omissotildees nas suas traduccedilotildees (MILTON 1998 55) Seligmann-Silva (2003)
afirma que naquela eacutepoca a traduccedilatildeo era basicamente concebida como imitaccedilatildeo de um
original pensada no sentido da tradiccedilatildeo claacutessica renascentista de imitaccedilatildeo vinculada ao
trabalho de eleiccedilatildeo imitaccedilatildeo que embeleza o modelo segundo a tradiccedilatildeo da Antiguumlidade de
que natildeo existe mimesis sem criaccedilatildeo poiesis No caso das traduccedilotildees do francecircs Perrot
d Ablancourt o que importa tambeacutem eacute a recepccedilatildeo ou seja agradar o leitor
Segundo Bassnett (2003 8) na Europa imperialista do seacuteculo XIX quando o seu
mundo conquistado se repartia em colocircnias constituiacutedas nas Ameacutericas Aacutefrica Aacutesia e
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Oceania surge uma concepccedilatildeo marcante de traduccedilatildeo que continha ideacuteias associaacuteveis ao
colonialismo
um original era sempre visto como superior agrave sua coacutepia precisamente do mesmo modo que o modelo do colonialismo se baseava na noccedilatildeo da apropriaccedilatildeo de uma cultura inferior por uma cultura superior Como tal a traduccedilatildeo estava condenada a ocupar uma posiccedilatildeo de inferioridade relativamente ao texto de partida do qual se considerava proveniente
Desse modo o tradutor mantinha uma relaccedilatildeo servil com o texto de partida
supostamente superior ao texto traduzido agrave maneira de Dante Gabriel Rossetti apud Bassnett
(2003 22-23) em sua afirmaccedilatildeo de que o tradutor
fosse dono de sua proacutepria vontade e muitas vezes teria aproveitado determinada graccedila especial do seu idioma e da sua eacutepoca muitas vezes determinado ritmo lhe teria servido se natildeo fosse a estrutura do autor
ou determinada estrutura se natildeo fosse o ritmo do autor
Numa outra postura o tradutor tomaria o texto do original para ser melhorado e
civilizado conforme Edward Fitzgerald apud Bassnett (2003 23) Eacute para mim um deleite
seja que liberdades forem com estes persas que (penso eu) natildeo satildeo Poetas o suficiente para
intimidarem quem o queira fazer e que realmente carecem de um pouco de Arte para lhes dar
o retoque final
Agrave medida que o seacuteculo XX se aproximava percebiam-se mudanccedilas de natureza e
de metodologia nos estudos literaacuterios rompendo os limites da Europa Para Bassnett (2003
XX-XXI) essas transformaccedilotildees tambeacutem eram percebidas nos estudos de traduccedilatildeo antes de
caraacuteter demasiadamente eurocecircntrico agora com ramificaccedilotildees por exemplo na Iacutendia na
China nos paiacuteses aacuterabes na Ameacuterica Latina e na Aacutefrica Houve uma ecircnfase no fator
ideoloacutegico e tambeacutem no linguumliacutestico abrindo caminho para discussotildees bem amplas segundo o
discurso poacutes-colonial
Bassnett e Trivedi (1999 1-18) afirmam que durante o periacuteodo poacutes-colonial as
ex-colocircnias comeccedilaram a rebater as tendecircncias eurocecircntricas fazendo surgir conceitos
radicais de traduccedilatildeo Isso fica demonstrado por exemplo nas traduccedilotildees de feministas
canadenses na presenccedila do Brasil e da escola indiana de traduccedilatildeo os quais propuseram
modos alternativos de se referir agrave traduccedilatildeo em vez de trataacute-la como uma atividade
marginalizada Bassnett (2003 XX-XXI) cita alguns exemplos dessa nova tendecircncia de
pensamento como a perspectiva de Wole Soyinka ao perceber o racismo impliacutecito em textos
literaacuterios ou a metaacutefora brasileira do canibalismo cunhada pelo movimento modernista a
21
antropofagia a imagem do tradutor como canibal devorando o texto original num ritual que
resulta na criaccedilatildeo de algo completamente novo ou seja
os antropoacutefagos natildeo desejam copiar a cultura Europeacuteia mas devoraacute-la aproveitando seus aspectos positivos e rejeitando os negativos criando uma cultura nacional original que seria uma fonte de expressatildeo artiacutestica em vez de um receptaacuteculo de formas de expressatildeo cultural elaboradas em outro lugar (JOHNSON 1987 apud BASSNETT e LEFEVERE 1998 128-129)4
A questatildeo da ideologia comeccedila a ser discutida com mais ecircnfase numa posiccedilatildeo de
confronto em relaccedilatildeo agraves normas europeacuteias de se compreender as questotildees ligadas agrave praacutetica
tradutoacuteria por exemplo a velha visatildeo imperialista sobre o estatuto inferior das traduccedilotildees
frente aos originais Conforme Bassnett e Trivedi (1999 5) a traduccedilatildeo foi por seacuteculos um
processo de matildeo uacutenica em que os textos eram traduzidos para as liacutenguas europeacuteias e para o
consumo europeu ao inveacutes de se constituir um processo de intercacircmbio verdadeiro reciacuteproco
Surgiu a metaacutefora da colocircnia como traduccedilatildeo ou seja os paiacuteses colonizados eram a coacutepia
(traduccedilatildeo) de um original (Europa) Algumas dicotomias principalmente nas questotildees
literaacuterias como centro (Europa) versus periferia (Impeacuterio) sistema canonizado versus sistema
natildeo canonizado forccedilas conservadoras versus forccedilas inovadoras etc ao serem debatidas
deram margem ao surgimento de novas teorias que enxergavam as sociedades e a cultura
como elementos dinacircmicos que interagem e se influenciam de modo reciacuteproco
Os formalistas russos
sobretudo com os trabalhos de Tynianov entre outros na
deacutecada de 1920 foram os primeiros a entenderem a literatura como sistema A ideacuteia central eacute
a de que nesse sistema sempre existem disputas entre forccedilas conservadoras e inovadoras
entre obras canonizadas e natildeo canonizadas entre modelos no centro do sistema e modelos na
periferia e entre as vaacuterias tendecircncias e gecircneros (MILTON 1998 184) e que o texto literaacuterio
natildeo constitui um fato estaacutetico e isolado mas parte de uma tradiccedilatildeo e de um processo
comunicativo (FOKKEMA apud VIEIRA 1996 106) A vertente estruturalista do Ciacuterculo
Linguumliacutestico de Praga por sua vez retomou alguns conceitos dos formalistas russos e
valorizava a traduccedilatildeo como uma tarefa complexa difiacutecil que para o seu desempenho
necessitava de muito mais que o mero conhecimento multilinguumliacutestico
A partir da deacutecada de 1960 houve mudanccedilas importantes na aacuterea dos estudos de
traduccedilatildeo graccedilas agrave crescente aceitaccedilatildeo da Linguumliacutestica e da Estiliacutestica como elementos
relevantes no estudo da criacutetica literaacuteria e tambeacutem pela influecircncia do formalismo russo e do
4 The antropofagos do not want to copy European culture but rather to devour it taking advantage of its positive aspects rejecting the negative and creating an original national culture that would be a source of artistic expression rather than a receptacle for forms of cultural expression elaborated elsewhere
22
ciacuterculo linguumliacutestico de Praga Surgem daiacute a teoria da recepccedilatildeo de Jauss e Iser (Escola de
Constacircncia) de abordagem geral a teoria dos polissistemas de Itamar Even-Zohar e Gideon
Toury bem como as teorias da reescritura e das refraccedilotildees de Andreacute Lefevere Estas trecircs
uacuteltimas estatildeo geralmente associadas aos estudos de traduccedilatildeo (VIEIRA 1996 106) Durante
esse tempo os conceitos de equivalecircncia e fidelidade por exemplo foram redefinidos
relativizados e o leitor e a recepccedilatildeo ocuparam papeacuteis importantes para o processo tradutoacuterio
graccedilas a ideacuteias herdadas do Poacutes-Estruturalismo de intelectuais franceses como Jacques
Derrida Michel Foucault e Roland Barthes
A tomada de consciecircncia por parte dos estudiosos da traduccedilatildeo comeccedilou a explorar
os textos traduzidos identificando neles a presenccedila do discurso ideoloacutegico Um exemplo disso
eacute a coletacircnea de ensaios de Theo Hermans publicada em 1985 intitulada The Manipulation of
Literature e seus colaboradores afirmavam que a traduccedilatildeo tal como a criacutetica a ediccedilatildeo e
outras formas de reescrita eacute um processo manipulador (BASSNETT 2003 XVII) Essa
manipulaccedilatildeo pode ser explicada da seguinte forma5
a escrita natildeo acontece num vaacutecuo mas num contexto e o processo de traduzir textos de um sistema cultural para outro natildeo eacute uma atividade neutra inocente transparente Pelo contraacuterio a traduccedilatildeo eacute uma atividade altamente controlada e transgressiva assim as poliacuteticas da traduccedilatildeo e do traduzir merecem uma atenccedilatildeo muito maior do que receberam no passado A traduccedilatildeo tem exercido um papel fundamental na mudanccedila cultural e quando consideramos a praacutetica tradutoacuteria diacronicamente podemos aprender muito acerca da posiccedilatildeo das culturas receptoras em relaccedilatildeo agraves culturas do texto de partida (BASSNETT 1993 160)6
Tambeacutem Lefevere apud Bassnett (2003 XXIII) se refere agrave traduccedilatildeo como um
dos processos de manipulaccedilatildeo literaacuteria uma vez que os textos satildeo reescritos atravessando
fronteiras linguumliacutesticas e que essa reescrita ocorre num contexto histoacuterico-cultural definido E
Lia Wyler (2003 11) por sua vez estabelece que toda reescritura () reflete uma certa
ideologia e uma poeacutetica cuja funccedilatildeo eacute levar o receptor a reagir de uma dada maneira Para
Moya apud Santos (2008 9) as ideacuteias contidas em The Manipulation of Literature
sintetizam reuacutenem e fundem duas correntes de pensamento sobre a traduccedilatildeo estabelecidas jaacute
no final da deacutecada de 1970 os Estudos de Traduccedilatildeo de James Holmes em Amsterdam e a
5 Todos os textos em inglecircs ou outra liacutengua em notas de rodapeacute foram traduzidos pelo autor desta dissertaccedilatildeo exceto em alguns casos quando a autoria dessas traduccedilotildees eacute referida
6 Writing does not happen in a vacuum it happens in a context and the process of translating texts from one cultural system into another is not a neutral innocent transparent activity Translation is instead a highly charged transgressive activity and the politics of translation and translating deserve much greater attention than has been paid in the past Translation has played a fundamental role in cultural change and as we consider the diachronics of translation practice we can learn a great deal about the position of receiving cultures in relation to source text cultures
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teoria dos polissistemas de Itamar Even-Zohar e Gideon Toury do grupo de Tel-Aviv
Forma-se entatildeo a Escola de Manipulaccedilatildeo embora haja algumas divergecircncias com essa
classificaccedilatildeo Tambeacutem satildeo considerados integrantes da Escola de Manipulaccedilatildeo intelectuais
como Andreacute Lefevere Joseacute Lambert Susan Bassnett entre outros
12 A teoria dos polissistemas
121 Fundamentos
A teoria dos polissistemas foi desenvolvida por Itamar Even-Zohar a qual
recebeu tambeacutem a contribuiccedilatildeo de Gideon Toury consolidando-se no final da deacutecada de
1970 Os teoacutericos desta linha vecircem a literatura como um sistema dinacircmico e complexo em
que os valores mudam constantemente em relaccedilatildeo agraves vaacuterias obras e gecircneros Uma traduccedilatildeo
portanto natildeo pode ser analisada isoladamente mas eacute vista como parte de uma rede de
relaccedilotildees que inclui todos os aspectos da liacutengua de partida e este papel pode ser central ou
perifeacuterico dentro do sistema de chegada Esses teoacutericos tambeacutem fazem suas reflexotildees sob o
prisma da recepccedilatildeo diferentemente do dogma antigo que relegava agraves traduccedilotildees um papel
menor ancilar e que se preocupava essencialmente com o original refletido com
fidelidade Tambeacutem se antes o tradutor deveria ficar invisiacutevel e submisso ao texto de
partida agora deixaria suas marcas visiacuteveis numa posiccedilatildeo de elemento criador e criativo
Outro nome importante dessa teoria eacute o de Andreacute Lefevere um autor que demonstra uma
preocupaccedilatildeo maior com as implicaccedilotildees ideoloacutegicas da traduccedilatildeo tendo desenvolvido
ramificaccedilotildees da teoria dos polissistemas ou seja a teoria da reescritura que analisa os
mecanismos de poder e a teoria das refraccedilotildees7 relacionada ao conceito de sistema
As bases da teoria dos polissistemas encontram-se principalmente no formalismo
russo e no ciacuterculo linguumliacutestico de Praga A teoria dos polissistemas (ou abordagem sistecircmica)
contribuiu muito para o estabelecimento dos estudos de traduccedilatildeo como disciplina seacuteria a partir
dos anos de 1980 quando houve um grande despertar de interesse pela teoria e praacutetica da
traduccedilatildeo Ao lado da teoria da recepccedilatildeo ajudou a instituir os novos paradigmas que fizeram
com que os estudos de traduccedilatildeo abandonassem os antigos referenciais centrados em estudos
7 Embora apresentem caracteriacutesticas especiacuteficas que as definem a teoria da reescritura e a teoria das refraccedilotildees podem ser entendidas como ramificaccedilotildees da teoria dos polissistemas conforme explicaccedilatildeo dada mais adiante ainda neste capiacutetulo
24
estritamente linguumliacutesticos que se preocupavam essencialmente em avaliar e prescrever as
traduccedilotildees e que destacavam conceitos como equivalecircncia e fidelidade ao texto de partida
Even-Zohar (1990 9-10) entendia que os sistemas semioacuteticos (cultura linguagem literatura
sociedade por exemplo) poderiam ser mais bem compreendidos e estudados se fossem
considerados como sistemas em vez de meros conglomerados de elementos diferentes entre si
e adotou uma abordagem funcionalista baseada em relaccedilotildees que podiam ser vistas entre tais
elementos
Uma postura anterior positivista reunia dados e confiava no empirismo levando
em conta a sua substacircncia material Segundo Even-Zohar (1990) a abordagem funcionalista
baseada nas relaccedilotildees portanto tomou o lugar do positivismo possibilitando conjeturar
hipoacuteteses sobre como os vaacuterios agregados semioacuteticos operavam abrindo-se um caminho para
perceber leis que regem a diversidade e complexidade dos fenocircmenos em vez de apenas
registraacute-los e classificaacute-los Deste modo os elementos semioacuteticos comeccedilaram a ser analisados
natildeo soacute pelo espectro diacrocircnico e sincrocircnico mas tambeacutem por sua dinacircmica complexa de
inter-relaccedilotildees Essa rede de inter-relaccedilotildees eacute integrada por esses elementos semioacuteticos cada
qual dentro de seu sistema se existem interaccedilotildees entre esses sistemas pode-se compreender a
soma desses sistemas como um polissistema
Um polissistema entatildeo eacute uma estrutura aberta composta de vaacuterios sistemas ou
redes simultacircneas de relaccedilotildees que se interpenetram e se sobrepotildeem em um processo
incessante dinacircmico e flexiacutevel (EVEN-ZOHAR 1990) Nesses sistemas haacute uma organizaccedilatildeo
hieraacuterquica em funccedilatildeo das relaccedilotildees de poder neles existentes Haacute num polissistema portanto
uma posiccedilatildeo dominante central e posiccedilotildees perifeacutericas variando em seu grau de forccedila A isso
Even-Zohar chamou de sistema canonizado (central mais forte) e de sistemas natildeo
canonizados (perifeacutericos mais fracos)
Os elementos do polissistema entretanto estatildeo em luta incessante Nessa disputa
elementos outrora perifeacutericos podem ganhar forccedila e se constituiacuterem como centrais
canonizando-se Por outro lado se houver a perda da posiccedilatildeo hegemocircnica haacute a
descanonizaccedilatildeo Num sistema literaacuterio por exemplo valores esteacuteticos constituiacutedos
anteriormente valorizados podem sentir a accedilatildeo de mudanccedilas provocadas por certas forccedilas
diversas e dinacircmicas como o tempo e a cultura e perder forccedila cedendo lugar a novos valores
mais prestigiados
A vertente da teoria dos polissistemas de caraacuteter descritivista que foi
desenvolvida em meados da deacutecada de 1970 por nomes como Gideon Toury Andreacute Lefevere
Joseacute Lambert Theo Hermans Dirk Delabastita e Lieven D hulst e que se fundamenta no
25
entendimento de que a traduccedilatildeo eacute orientada por normas culturais e histoacutericas isto eacute trata-se
de uma atividade influenciada por diferentes contextos socioculturais localizados em certos
momentos histoacutericos Essa influecircncia se faz por exemplo sobre as motivaccedilotildees e a escolha dos
textos a serem traduzidos visando propoacutesitos preacute-determinados O processo tradutoacuterio
depende tambeacutem de certas orientaccedilotildees recomendaccedilotildees ou mesmo a censura por parte da
editora ou de outros agentes institucionais Outras questotildees como o que diz respeito agrave
divulgaccedilatildeo a recepccedilatildeo e a avaliaccedilatildeo das traduccedilotildees tambeacutem satildeo determinadas segundo o
interesse e a participaccedilatildeo de outros agentes natildeo soacute dos tradutores
Os adeptos do descritivismo baseiam-se nos fundamentos da teoria dos
polissistemas e seu referencial eacute a recepccedilatildeo reconhecendo a traduccedilatildeo como um sistema que
interage com vaacuterios outros sistemas semioacuteticos do poacutelo receptor (num primeiro momento) e
apresentam uma visatildeo sistecircmica da literatura Assim no polissistema literaacuterio esses
estudiosos consideram a literatura traduzida como um dos seus sistemas Nos estudos
descritivos eles se direcionam para o sistema da literatura traduzida no intuito de examinar o
comportamento dos tradutores o qual eacute regido por normas no processo tradutoacuterio
122 Conceito de sistema e polissistema
Even-Zohar (1990 10-11) distingue o seu conceito de sistema daquele empregado
por Saussure da Escola de Genebra que se refere a sistema como uma rede de relaccedilotildees
estaacuteticas ( sincrocircnicas ) Para Even-Zohar essa rede de relaccedilotildees eacute dinacircmica suscetiacutevel a
mudanccedilas constantes
Segundo Mark Shuttleworth (1998 176) os vocaacutebulos sistema e polissistema
empregados por Even-Zohar satildeo sinocircnimos entretanto polissistema surge como ecircnfase
especial agrave natureza dinacircmica do conceito de sistema de modo a estabelecer um contraste uma
oposiccedilatildeo mais forte ao sentido adotado pela tradiccedilatildeo da escola linguumliacutestica de Genebra
Shuttleworth (1998 176) ainda assevera a diferenccedila de emprego dos conceitos relativos a
sistema sistecircmico por parte de Even-Zohar quando se leva em conta a teoria da gramaacutetica
funcional
ou sistecircmica
de Michael Halliday Assim o modelo de Even-Zohar concebe o
polissistema como um conglomerado (ou sistema) heterogecircneo hierarquizado de sistemas
26
que interagem e provocam um processo dinacircmico contiacutenuo de evoluccedilatildeo dentro do
polissistema como um todo (SHUTTLEWORTH 1998 176) 8
Lefevere (1985 223-224) preocupa-se em esclarecer o uso que faz do vocaacutebulo
sistema que natildeo tem nada a ver com Sistema
que tem sido usado comumente num sentido
sinistro no que diz respeito a formas de poder contra as quais natildeo se pode lutar num tom
kafkiano Muito pelo contraacuterio esse criacutetico atribui a esse vocaacutebulo um sentido utilizado para
designar um conjunto de elementos inter-relacionados que por acaso compartilham certas
caracteriacutesticas que os distinguem de outros elementos natildeo pertencentes ao sistema 9 ou nas
palavras de Rapoport apud Lefevere (1985 224) um sistema eacute uma porccedilatildeo do mundo que eacute
percebida como uma unidade e que eacute capaz de manter sua identidade a despeito de
mudanccedilas que acontecem nele 10
Even-Zohar em seus artigos The Function of the Literary Polysystem in the
History of Literature e The Relations Between Primary and Secondary Systems in the Literary
Polysystem publicados em 1978 estabelece algumas ideacuteias acerca do sistema literaacuterio o qual
por se tratar de um fenocircmeno heterogecircneo
um sistema de sistemas
seria por isso um
polissistema com vaacuterias subdivisotildees
No intuito de buscar uma definiccedilatildeo para o vocaacutebulo sistema Ubiratan Paiva de
Oliveira (1996 67-74) apoacuteia-se em Antocircnio Cacircndido (1975) e sua respectiva obra Formaccedilatildeo
da Literatura Brasileira em que a literatura eacute tratada como um sistema de obras ligadas por
denominadores comuns que permitem reconhecer as notas dominantes de uma fase onde
esses denominadores seriam um conjunto de pessoas que se constituiriam nos produtores
literaacuterios os receptores (o puacuteblico) e um mecanismo transmissor ligando-os entre si e
embora a obra literaacuteria seja sempre uacutenica e pessoal na medida em que ela natildeo alcanccedilar
ressonacircncia natildeo tornar-se coletiva atraveacutes da aceitaccedilatildeo de um puacuteblico tal obra natildeo existiraacute
como literatura (CAcircNDIDO 1975)
A partir dessas ideacuteias pode-se concluir que esses trecircs elementos constituintes do
sistema literaacuterio
produtor literaacuterio (o escritor) o puacuteblico e o mecanismo transmissor (eg as
editoras)
mantecircm entre si uma ligaccedilatildeo estabelecida por meio de normas que regem essa
8 a heterogeneous hierarchized conglomerate (or system) of systems which interact to bring about an ongoing dynamic process of evolution within the polysystem as a whole
9 designate a set of interrelated elements which happen to share certain characteristics which set them apart from other elements perceived as not belonging to the system
Citaccedilatildeo traduzida para o portuguecircs por Vieira (1996 143)
10 a system is a portion of the world that is perceived as a unit and that is able to maintain its identity in spite of changes going on in it
27
relaccedilatildeo Essas normas podem ser impliacutecitas ou expliacutecitas Por um lado deve-se supor que
tendecircncias satisfazem o puacuteblico leitor as quais muitas vezes estatildeo subentendidas sob o prisma
da ideacuteia geral que se faz da cultura receptora (normas impliacutecitas) Por outro lado os agentes
de divulgaccedilatildeo e distribuiccedilatildeo da obra geralmente com interesse pecuniaacuterio lucrativo voltado
ao comeacutercio devem estabelecer criteacuterios (normas expliacutecitas) a fim de obter sucesso
Para Cacircndido o mecanismo transmissor (as editoras e a criacutetica especializada por
exemplo) deve assegurar uma continuidade uma tradiccedilatildeo sem as quais o processo seria
interrompido
quando a atividade dos escritores de um dado periacuteodo se integra em tal sistema ocorre outro elemento decisivo a formaccedilatildeo da continuidade literaacuteria
espeacutecie de transmissatildeo da tocha entre corredores que assegura no tempo o movimento conjunto definindo os lineamentos de um todo Eacute uma tradiccedilatildeo no sentido completo do vocaacutebulo isto eacute transmissatildeo de algo entre os homens e o conjunto de elementos transmitidos formando padrotildees que se impotildeem ao pensamento ou ao comportamento e aos quais somos obrigados a nos referir para aceitar ou rejeitar Sem esta tradiccedilatildeo natildeo haacute literatura como fenocircmeno de civilizaccedilatildeo (CAcircNDIDO 1975 24)
A partir destas reflexotildees de Cacircndido chega-se a um conceito de sistema que
consiste portanto na reuniatildeo de vaacuterios elementos que interagem regidos por normas
inconscientes ou conscientes impliacutecitas ou expliacutecitas
as quais determinam e constituem
padrotildees tendecircncias e sobretudo uma tradiccedilatildeo cultural Polissistema pode entatildeo ser definido
como o agrupamento de vaacuterios desses sistemas integrados e que interagem e se influenciam
numa relaccedilatildeo muacutetua dentro de uma dinacircmica complexa
Quando se aplicam os conceitos acima agrave noccedilatildeo de sistema literaacuterio percebe-se na
verdade que se trata de um polissistema seus elementos constituintes satildeo os escritores e seu
puacuteblico visado mediados pelos agentes institucionais (editores revisores criacuteticos etc)
responsaacuteveis pela seleccedilatildeo publicaccedilatildeo divulgaccedilatildeo distribuiccedilatildeo e venda de livros Cada um
desses observados isoladamente tambeacutem pode ser considerado como sistema individual com
caracteriacutesticas proacuteprias Mas conforme o que jaacute foi mencionado anteriormente estes sistemas
individuais interagem e satildeo submetidos a influecircncias muacutetuas resultando na caracterizaccedilatildeo do
sistema maior a que estatildeo de certa forma hierarquicamente submetidos o (poli)sistema
literaacuterio Com isso chega-se agrave noccedilatildeo de polissistema como um sistema de subsistemas
28
123 Polissistema cultural
Leila Darin (2006 65-71) numa resenha do livro Translating Cultures de David
Katan (2004) dispotildee algumas colocaccedilotildees que Katan faz sobre cultura Num desses
momentos ela expotildee como Katan aborda a influecircncia que a cultura exerce sobre a
comunicaccedilatildeo em todas as suas manifestaccedilotildees de ordem cultural e linguumliacutestica Darin entatildeo
sintetiza essas ideacuteias no pressuposto de que todo e qualquer produto gerado por um contexto
cultural eacute moldado de acordo com certas convenccedilotildees de acordo com os ditames de uma dada
cultura Esse contexto cultural continua Darin embora seja amplo e partilhado eacute tambeacutem em
grande parte impliacutecito e inconsciente
Segundo Darin (2006) Katan entende a cultura como um sistema partilhado que
interpreta a realidade e organiza as experiecircncias Esse criacutetico baseia-se em teoacutericos como
Robinson (1988) e Bourdieu (1990) e desse modo concebe a cultura como um processo
dinacircmico e complexo ou seja como sistema histoacuterico criativo de siacutembolos e
significados (ROBINSON apud DARIN 2006 66) e tambeacutem como um sistema de
estruturas internalizadas esquemas comuns de percepccedilatildeo concepccedilatildeo e accedilatildeo resultantes de
inculcaccedilatildeo e costume (BOURDIEU apud DARIN 2006 66)
Outro ponto relevante relatado por Darin (2006) eacute que Katan afirma que cada um
dos aspectos que fazem parte da cultura interliga-se a um sistema maior ou seja a Cultura
que compotildee um todo bem marcado com identidade proacutepria apesar das diferenccedilas ou da
heterogeneidade que esse sistema abarca Darin (2006 66) resume outras consideraccedilotildees de
Katan assim toda cultura implica um conjunto impliacutecito natildeo aprendido de crenccedilas
valores comportamentos estrateacutegias e processos cognitivos Esses itens reunidos em
conjuntos (sistemas internalizados) e por sua natureza dinacircmica satildeo negociados com a
realidade externa (a qual Katan chama de representaccedilatildeo )
Even-Zohar (2005 35) reconhece no funcionalismo dinacircmico (o formalismo
russo tardio o estruturalismo tcheco a semioacutetica sovieacutetica etc) como as bases da sua teoria
dos polissistemas a teoria dos polissistemas eacute basicamente uma continuaccedilatildeo do
funcionalismo dinacircmico 11 Essa heranccedila diz respeito principalmente ao conceito de sistema
(aberto dinacircmico e heterogecircneo) que segundo esse criacutetico cria condiccedilotildees favoraacuteveis para as
avaliaccedilotildees do pensamento relacional (isto eacute a observaccedilatildeo e anaacutelise do mundo semioacutetico em
suas redes de sistemas que interagem entre si) Trata-se de uma visatildeo que a exemplo de
11 Polysystem theory is basically a continuation of dynamic functionalism
29
Lotman e da escola de Moscou-Tartu (apud EVEN-ZOHAR 2005 36) coloca as pessoas
como leitoras tanto de textos como do mundo de modo que se chegou a um conceito de como
o mundo eacute modelado o que permite concluir que tudo isso reunido constitui uma cultura ou
seja um conjunto de ferramentas de compreensatildeo que permitem a vida social
12
Pode-se afirmar entatildeo que a teoria dos polissistemas apresenta a cultura como
um sistema maior (ou polissistema) que reuacutene outros sistemas e tambeacutem se relaciona com
outros sistemas paralelos em siacutentese o pensamento relacional especialmente em conexatildeo
com os sistemas dinacircmicos levou quase todos a estudar a cultura como um sistema geral um
conjunto heterogecircneo de paracircmetros com o auxiacutelio do qual as pessoas organizam sua vida 13
A partir dessas consideraccedilotildees sobre cultura Even-Zohar (2005 7-8) apresenta os conceitos de
bens e ferramentas culturais
Os bens culturais satildeo um conjunto de bens que conferem ao seu possuidor
riqueza prestiacutegio e um alto status entretanto a posse de tais bens estaacute relacionada agrave sua
transformaccedilatildeo para o consumo de mercado e logo trata-se de valores de maior ou de menor
apelo em que os itens mais valorizados podem ser exemplificados por objetos ideacuteias
atividades e artefatos rotulados como originais artiacutesticos espirituais e assim por
diante A sua posse assinala esse criacutetico pode ser utilizada por pessoas ou entidades como
forma de assumir algum tipo de controle sobre a sua respectiva comunidade assim o acesso a
esses bens eacute restrito a grupos privilegiados da sociedade os quais tambeacutem definem o valor
dessas posses Compreende-se a partir daiacute que o acesso a esses bens motiva certas aspiraccedilotildees
ou o desejo de reconhecimento que nas palavras de Even-Zohar (2005 8) esta aspiraccedilatildeo
natildeo eacute a busca abstrata de um vago sentido de respeitabilidade mas sim um sentimento
concreto que sempre funcionou no empenho pela sobrevivecircncia e pela aquisiccedilatildeo de poder
determinante 14 Eacute importante destacar que esses bens culturais de natureza tangiacutevel ou
intangiacutevel possuem valor sujeito a mudanccedilas conforme os mecanismos e a dinacircmica que
atuam sobre a sociedade e seus sistemas um determinado bem cultural pode ter alto valor
mas isso pode mudar decaindo por outro lado o baixo prestiacutegio de outro bem cultural pode
se elevar
12 all of which together constitute a culture an ensemble of comprehension tools which enable social life
13 In short relational thinking especially in connection with dynamic systems has led almost everybody to studying culture as an overall system a heterogeneous set of parameters with the help of which human beings organize their life
14 This aspiration is not an abstract pursuit of some vague sense of respectability but a concrete sentiment which has always worked in endeavors for survival and achieving deterring power
30
No conceito de ferramentas culturais a cultura eacute considerada como um conjunto
de ferramentas operacionais para a organizaccedilatildeo da vida tanto no niacutevel coletivo quanto no
niacutevel individual (EVEN-ZOHAR 2005 10)15 essas ferramentas culturais se constituem em
dois tipos as ferramentas passivas e as ferramentas ativas
As ferramentas passivas segundo Even-Zohar (2005 10) satildeo procedimentos que
ajudam a analisar explicar e dar sentido agrave realidade para os seres humanos e pelos seres
humanos conforme a tradiccedilatildeo hermenecircutica ou seja a visatildeo do mundo como um conjunto
de signos que precisam ser interpretados de modo a dar algum sentido agrave vida 16 Segundo os
semioacuteticos sovieacuteticos Lotman e Uspenskij (1971 e 1978 apud EVEN-ZOHAR 2005 10) O
principal trabalho da cultura [] eacute a organizaccedilatildeo estrutural do mundo que nos cerca A
cultura eacute um gerador de caraacuteter estrutural e cria a esfera social ao redor do homem o que
como a biosfera torna a vida possiacutevel (neste caso social e natildeo orgacircnica) 17
As ferramentas ativas se diferenciam das passivas por estarem mais ligadas ao
agir em vez do compreender Segundo Even-Zohar (2005 10) satildeo procedimentos que
com os quais tanto um indiviacuteduo como uma entidade coletiva podem lidar com qualquer
situaccedilatildeo e tambeacutem produzir qualquer situaccedilatildeo18 Na conceituaccedilatildeo de Swidler (1986) apud
Even-Zohar (2005 10) a cultura eacute um repertoacuterio ou kit de ferramentas de haacutebitos
habilidades e estilos com os quais as pessoas constroem estrateacutegias de accedilatildeo 19
124 Sistema literaacuterio
Um polissistema pode ser entendido como um conjunto de sistemas menores de
modo similar a uma teoria matemaacutetica de conjuntos Assim o polissistema cultural por
exemplo engloba outros sistemas menores (esses sistemas menores por serem tambeacutem
complexos tambeacutem podem ser chamados de polissistemas) Um desses sistemas englobados
15 a set of operating tools for the organization of life on both the collective and individual level
16 a set of signs which need to be interpreted in order to make some sense of life
17 The main work of culture [] is the structural organization of the surrounding world Culture is a generator of structuredness and it creates social sphere around man which like biosphere makes life possible (in this case social and not organic) Traduccedilatildeo para o inglecircs de Segal (1974 94
95 apud EVEN-ZOHAR 2005 10)
18 Active tools are procedures with the help of which both an individual and a collective entity may handle any situation encountered as well as produce any such situation
19 a repertoire or tool kit of habits skills and styles from which people construct strategies of action
31
pelo polissistema cultural eacute o polissistema literaacuterio do qual naturalmente faz parte a
literatura
Na perspectiva da teoria dos polissistemas a literatura eacute apresentada como um
fator ligado agraves atividades humanas em geral e natildeo como uma atividade social isolada
regulada por leis exclusivas Natildeo eacute mais enxergada como estaacutetica e distante mas altamente
cineacutetica com seus elementos em constante mutaccedilatildeo (SNELL-HORNBY 1988 24) Assim
todas as manifestaccedilotildees observadas centrais ou perifeacutericas satildeo consideradas elementos do sistema e como tal relevantes enquanto objeto de pesquisa A consequumlecircncia imediata de tal fato eacute o interesse por parte dos pesquisadores no estudo de gecircneros temaacuteticas ou modelos textuais vistos como menores ou menos nobres como eacute o caso da literatura traduzida (MARTINS 2008)
Even-Zohar (1990) afirma que dentro dos polissistemas literaacuterios existe o sistema
de literatura traduzida Segundo esse criacutetico natildeo se pode deixar de considerar o impacto das
traduccedilotildees e da sua funccedilatildeo na sincronia e na diacronia de uma dada literatura a literatura
traduzida pode ser inovadora ou conservadora e ocupar uma posiccedilatildeo central ou perifeacuterica
Eacute natural portanto concluir que essa posiccedilatildeo da literatura traduzida afeta as
normas tradutoacuterias as preferecircncias literaacuterias e a poliacutetica editorial com respeito a material
traduzido quando as obras traduzidas ocupam uma posiccedilatildeo central cria-se um clima
propiacutecio agrave introduccedilatildeo de novos modelos poeacuteticos baseados na forma do texto de partida que
disputam espaccedilo com os modelos disponiacuteveis na literatura do sistema-meta (MARTINS
2008)
125 Literatura traduzida como sistema sistema canonizado vs sistema natildeo canonizado
O processo de continuidade literaacuteria segundo as ideacuteias de Cacircndido (1975 24)
mencionadas anteriormente aproxima-se da concepccedilatildeo de sistema literaacuterio canonizado de
Even-Zohar bem como deixa margem para reflexotildees tambeacutem acerca de uma descontinuidade
ou renovaccedilatildeo dos cacircnones literaacuterios Diante do que Even-Zohar dispotildee sobre sistema
canonizado e sistema natildeo canonizado percebem-se semelhanccedilas disso com o que Cacircndido
(1975) chama de arte de agregaccedilatildeo e arte de segregaccedilatildeo a arte de agregaccedilatildeo estaacute
relacionada agrave experiecircncia coletiva visando a meios comunicativos acessiacuteveis e portanto
procura incorporar-se a um sistema simboacutelico vigente utilizando o que jaacute estaacute estabelecido
como forma de expressatildeo de determinada sociedade A arte da segregaccedilatildeo por seu turno
32
empenha-se em renovar o sistema simboacutelico em criar novos recursos expressivos e para esse
fim dirige-se inicialmente a um nuacutemero miacutenimo reduzido de receptores mas que se
destacam da sociedade
Desse modo segundo Oliveira (1996 69) a arte de agregaccedilatildeo assemelha-se ao
conceito de sistema canonizado pois ambos os vocaacutebulos reuacutenem a ideacuteia da utilizaccedilatildeo de
foacutermulas jaacute consagradas em busca de uma mais faacutecil aceitaccedilatildeo por um puacuteblico menos
exigente Por outro lado a arte de segregaccedilatildeo estaacute associada a sistema natildeo canonizado haacute
uma preocupaccedilatildeo em evoluir renovando-se
Esses postulados podem ser observados em Even-Zohar que elaborou um
discurso referente a uma tensatildeo permanente no polissistema literaacuterio existe uma disputa entre
essas forccedilas que podem se movimentar do centro (sistema canonizado) para a periferia
(sistema natildeo canonizado)
numa accedilatildeo centriacutefuga
ou no sentido contraacuterio da periferia para
o centro
o que constitui uma accedilatildeo centriacutepeta Essa luta acontece numa perspectiva
sincrocircnica resultando numa transformaccedilatildeo do eixo diacrocircnico quando uma tendecircncia se
sobrepotildee agrave outra Haacute entretanto vaacuterios centros e vaacuterias periferias dentro de um polissistema
Para Even-Zohar essas tensotildees dinacircmicas e perpeacutetuas satildeo essenciais pois os sistemas
semioacuteticos ficariam estagnados sem a renovaccedilatildeo resultante desses processos
Essa dinacircmica pode ser ilustrada pela dialeacutetica entre a arte e a sociedade as quais
estabelecem influecircncias reciacuteprocas o artista pode criar sua obra em funccedilatildeo do puacuteblico
obedecendo a certas regras e tendecircncias tradicionalmente aceitas ou entatildeo de modo
contraacuterio eacute o puacuteblico que eacute cativado por novas tendecircncias criadas pelo artista Assim quando
um escritor estaacute passivo agrave vontade do puacuteblico ele estaacute obedecendo a um sistema jaacute
consagrado canonizado Quando acontece o contraacuterio o que haacute eacute a realizaccedilatildeo de uma
vontade de transformaccedilatildeo com um novo exemplo com novas ideacuteias e percepccedilotildees do escritor
que se arrisca tentando criar seu puacuteblico Agora os elementos pertencentes a um sistema
natildeo canonizado tentam se canonizar Oliveira oferece alguns exemplos dessa uacuteltima
postura a transgressatildeo dos escritores
na literatura inglesa tivemos o caso do romance O Amante de Lady Chatterley de D H Lawrence que por utilizar descriccedilotildees agrave eacutepoca consideradas exclusividade da literatura pornograacutefica foi mantido sob proibiccedilatildeo durante muitos anos O mesmo aconteceu com Ulisses de James Joyce (OLIVEIRA 1996 70)
Oliveira (1996) destaca ainda a influecircncia da imprensa como forccedila transformadora
das artes Os romances de folhetim em moda no seacuteculo XIX constituiacuteam uma espeacutecie de
subcultura por suas caracteriacutesticas de sempre procurar atender agraves expectativas de um puacuteblico
33
leitor menos exigente de gosto tido agraves vezes como duvidoso que natildeo seguia exatamente as
normas mais requintadas de um sistema superior canonizado A consequumlecircncia poreacutem eram
vendas mais lucrativas dos jornais
Sabe-se que vaacuterios claacutessicos da literatura tiveram origem nessas publicaccedilotildees
diaacuterias Os folhetins por serem considerados naquela eacutepoca como parte integrante de uma
subcultura constituindo-se como uma subliteratura pertenciam portanto a um estrato do
sistema natildeo canonizado Depois que esses folhetins se transformaram em claacutessicos da
literatura universal foram canonizados Nesse sentido Even-Zohar menciona Dostoievski e
Charles Dickens destacando a atitude destes escritores em seguirem os paracircmetros
popularescos para sua produccedilatildeo literaacuteria Sobre Dickens Oliveira traccedila algumas
caracteriacutesticas da sua escrita
flagrantemente sentimental por vezes de tal modo que algumas de suas obras aparecem hoje envelhecidas embora outras permaneccedilam na verdade ao utilizar elementos natildeo-canonizados Dickens acabou por trazer um novo alento agrave arte de seu tempo Outra fraqueza de seus romances a estrutura de seus enredos pode ser diretamente atribuiacuteda ao fato de serem escritas para publicaccedilatildeo seriada Agraves vezes o autor tinha pouca ideacuteia do que viria a seguir quanto seus leitores Um outro aspecto em que fica evidente a presenccedila do aspecto natildeo-canonizado eacute o uso de estereoacutetipos tiacutepico da literatura perifeacuterica e que permanece sendo considerado um motivo para criacuteticas agrave sua obra Eacute que ao delinear personagens sua tendecircncia era de exagerar os traccedilos e carregar nas cores o que fazia com que suas criaccedilotildees constantemente se equilibrassem na fronteira entre o aceitaacutevel e a caricatura (OLIVEIRA 1996 71)
De modo semelhante o tradutor literaacuterio diante do exposto acerca de sistema
literaacuterio canonizado e natildeo canonizado estaacute por conseguinte obrigado a tomar um rumo
definido em seu labor e sua forma de traduzir deveraacute tambeacutem seguir certas normas ou optar
por uma espeacutecie de transgressatildeo Um exemplo desse desafio eacute a liacutengua do texto de partida ela
proacutepria inserida nessa questatildeo paradigmaacutetica no que tange agrave conversatildeo da mensagem que ela
expressa para uma cultura diferente falante de outro idioma O uso de dialetos ou variedades
linguumliacutesticas que conferem aspectos da oralidade ao texto que fogem agrave norma linguumliacutestica
padratildeo num romance ou conto constitui um problema de traduccedilatildeo que pode ser encarado de
duas maneiras uma consiste em traduzir essas variedades anulando os seus efeitos pelo uso
da linguagem correta a outra se daacute na tentativa de adequar da melhor forma possiacutevel a
liacutengua utilizada na traduccedilatildeo aos efeitos produzidos pelos desvios da gramaacutetica prescritiva da
liacutengua de partida
Even-Zohar (1990 47) argumenta que existem correlaccedilotildees entre trabalhos
traduzidos da seguinte maneira (a) no modo como seus textos de partida satildeo selecionados
pela literatura de chegada e (b) no modo que normas especiacuteficas comportamentos e poliacuteticas
34
satildeo adotados Ao desenvolver esse raciociacutenio Even-Zohar (1990 54-59) estabelece leis de
interferecircncia literaacuteria em que considera literatura como a totalidade de atividades envolvidas
com o sistema literaacuterio em questatildeo Segundo esse criacutetico a interferecircncia literaacuteria se define
como um relacionamento entre literaturas em que certa literatura A (literatura de partida)
pode se tornar uma fonte de empreacutestimos diretos e indiretos para uma outra literatura B
(literatura de chegada) Tais interferecircncias que podem ser de natureza unilateral ou bilateral
seguiriam princiacutepios gerais condiccedilotildees procedimentos e processos (EVEN-ZOHAR 1990
58-59) Dentre os princiacutepios gerais de interferecircncia estabelecidos por Even-Zohar destaca-se
que sempre ocorre a interferecircncia entre as literaturas unilateral na maioria das vezes Entre as
condiccedilotildees para o surgimento e a ocorrecircncia da interferecircncia por exemplo Even-Zohar afirma
que uma literatura de partida eacute selecionada por seu prestiacutegio e domiacutenio
No caso especiacutefico das traduccedilotildees em portuguecircs brasileiro de Of mice and men
examinadas nesta dissertaccedilatildeo alguns pontos da interferecircncia discutida por Even-Zohar se
realizam da seguinte forma a seleccedilatildeo da literatura de partida por domiacutenio pode ser vista pela
atual posiccedilatildeo hegemocircnica dos Estados Unidos e da liacutengua inglesa em niacutevel mundial Neste
caso Of mice and men do escritor norte-americano John Steinbeck ocupa uma posiccedilatildeo
privilegiada graccedilas ao poder poliacutetico econocircmico e cultural exercido pelos Estados Unidos
desde as primeiras deacutecadas do seacuteculo XX quando esse paiacutes surgiu como potecircncia mundial
No caso do romance supracitado como em outros o seu prestiacutegio alcanccedilou uma visatildeo niacutetida
pelo papel desempenhado por exemplo pela sua difusatildeo em outros meios semioacuteticos como o
teatro e o cinema hollywoodiano que atingiu outros paiacuteses como o Brasil conforme expotildee
Milton (2002 13)
A questatildeo do domiacutenio como fator de interferecircncia segundo Even-Zohar (1990
68-69) estaacute sob condiccedilotildees extra-culturais eacute natural que uma literatura dominante tenha
prestiacutegio mas essa posiccedilatildeo de domiacutenio natildeo eacute necessariamente resultante desse prestiacutegio
Desta forma o domiacutenio pelo poder do tipo imperialista forccedila o contato sobre um sistema e
pode assim engendrar a interferecircncia apesar de encontrar alguma resistecircncia pelo sistema
dominado Entretanto tal questatildeo natildeo parece se aplicar ao caso de Of mice and men em que
se percebe a influecircncia sobre o sistema brasileiro sob o prisma cultural devido ao prestiacutegio
de modo geral de senso comum que a cultura brasileira recebe a cultura dos Estados Unidos
graccedilas pelo menos em parte aos seus meios de difusatildeo
As pesquisas de Milton (2002 52-62) sobre traduccedilotildees em portuguecircs brasileiro de
romances claacutessicos estrangeiros revelam que a anulaccedilatildeo da oralidade em dialetos
estigmatizados ou sem prestiacutegio foi a tocircnica geral ateacute pelo menos a deacutecada de 1970
35
Entretanto percebem-se mudanccedilas em relaccedilatildeo a este comportamento conservador Isto se
deve em grande parte ao papel que a Linguumliacutestica assumiu a partir do final dos anos de 1960
lanccedilando reflexotildees acerca do papel da liacutengua e dos falantes com ramificaccedilotildees de estudo em
novas aacutereas como a Sociolinguumliacutestica ou seja o estudo da liacutengua em relaccedilatildeo a fatores sociais
(classe social niacutevel escolar idade sexo origem eacutetnica etc) repensando as variedades
linguumliacutesticas Como reflexo disso
apesar da persistecircncia da postura purista ainda fortemente
disseminada
as disciplinas ou aacutereas do saber ligadas ao estudo das liacutenguas comeccedilaram a se
preocupar com as implicaccedilotildees que existem por traacutes do uso da liacutengua quando por exemplo
um determinado dialeto eacute sinocircnimo de poder e prestiacutegio social ocupando uma posiccedilatildeo de
pretensa superioridade em relaccedilatildeo agraves outras variedades
Tais mudanccedilas satildeo visiacuteveis tambeacutem na atividade tradutoacuteria quando se observam
tentativas de respeitar a variaccedilatildeo linguumliacutestica utilizada na literatura resultando em traduccedilotildees
que mal ou bem se esforccedilam em recriar as impressotildees do texto de partida Mas isso natildeo
impede que a visatildeo anterior conservadora ainda produza traduccedilotildees que corrigem os desvios
da norma-padratildeo Algumas traduccedilotildees brasileiras que utilizam a outra opccedilatildeo podem ser vistas
nos seguintes exemplos a traduccedilatildeo do Ulysses por Antocircnio Houaiss de 1965 que procura
recriar muitos dos traccedilos estiliacutesticos originais ainda que de uma maneira pessoal Mais
recentemente a traduccedilatildeo do The Color Purple (1986) tentou reproduzir o inglecircs norte-
americano dos negros (MILTON 2002 59) O mesmo Ulysses tem outra traduccedilatildeo em
portuguecircs mais atual realizada por Bernardina da Silveira Pinheiro publicada em 2005 e
tambeacutem tenta recriar os dialetos dos personagens de modo relativamente semelhante ao do
texto de James Joyce A tradutora Ana Ban por sua vez traduziu Of mice and men de John
Steinbeck (Ratos e homens 2005) tambeacutem com a intenccedilatildeo de respeitar o dialeto dos
personagens utilizando um dialeto brasileiro segundo as convicccedilotildees que essa tradutora
julgou mais adequadas agrave tentativa de reproduccedilatildeo dos efeitos do texto de partida
13 O papel das normas na traduccedilatildeo literaacuteria
Gideon Toury contribuiu para a teoria dos polissistemas dando a ela uma maior
formalizaccedilatildeo e tomando uma postura mais radical focalizando o produto e natildeo o processo da
traduccedilatildeo A discussatildeo volta-se para o poacutelo receptor pois eacute em funccedilatildeo dele que a maioria das
traduccedilotildees existe Eacute pela perspectiva da recepccedilatildeo que os objetivos da traduccedilatildeo satildeo traccedilados e
determinados As traduccedilotildees existem pela necessidade que o puacuteblico tem de compreender
36
mensagens e significados expostos numa cultura diferente da sua os quais devem ser
decodificados da melhor maneira possiacutevel Toury apud Vieira (1996 133) afirma que as
teorias da traduccedilatildeo precedentes satildeo centradas na origem e por isso tecircm uma natureza
inevitavelmente diretiva e normativa por considerarem a traduccedilatildeo como uma reconstruccedilatildeo
do texto original pois focalizam o ato da traduccedilatildeo que de fato procede do original assim
as traduccedilotildees satildeo descritas pelo que elas natildeo satildeo
Tal criacutetica revela certa incoerecircncia das teorias tradicionais no que tange a
conceitos bastante discutidos e discutiacuteveis como fidelidade e equivalecircncia (abordagem
prescritiva) na traduccedilatildeo Se um texto traduzido pode ser considerado uma reconstruccedilatildeo do
original essa reconstruccedilatildeo jamais o resgataraacute em sua integridade pois os significados nunca
satildeo estaacuteveis Para Derrida apud Bassnett (2003 15) a traduccedilatildeo ao mesmo tempo em que
assegura a sobrevivecircncia do texto torna-se de fato um novo original numa outra liacutengua
Desse modo quando se privilegia a atenccedilatildeo ao texto de partida forccedilosamente se chegaraacute agrave
observaccedilatildeo de perdas e traiccedilotildees na traduccedilatildeo numa abordagem prescritiva sobre o que se
deve ou natildeo se deve fazer
A teoria dos polissistemas portanto desvia o centro das atenccedilotildees dos debates
sobre fidelidade e equivalecircncia e examina o papel do texto traduzido no seu novo contexto
sem julgamentos sobre os procedimentos adotados na traduccedilatildeo Em vez disso procura
compreender as mudanccedilas de ecircnfase durante a transferecircncia de textos de um sistema literaacuterio
para outro
Outra contribuiccedilatildeo de Toury consiste na sua preocupaccedilatildeo em fazer consideraccedilotildees
sobre o conceito de norma tomando-o como ponto importante para os Estudos da Traduccedilatildeo
literaacuteria descrevendo em alguns detalhes a sua natureza e o seu papel na traduccedilatildeo literaacuteria e
tentando resolver questotildees que envolvem possiacuteveis fontes e meacutetodos para o estudo das
normas de traduccedilatildeo Em primeiro lugar este criacutetico afirma que a traduccedilatildeo literaacuteria estaacute sujeita
a forccedilas que restringem limitam e de certa forma direcionam norteiam esta atividade Ele
classifica essas forccedilas entre dois extremos regras objetivas e relativamente absolutas (que se
aplicam de forma geral) de um lado e de outro idiossincrasias completamente subjetivas
(que se aplicam de forma especiacutefica)
Entre estes dois poacutelos natildeo haacute uma fronteira claramente distinta mas sim uma
situaccedilatildeo intermediaacuteria que Toury designa por normas constituiacutedas por fatores intersubjetivos
ou seja tipos de coerccedilatildeo
mais leves ou mais riacutegidos
que se inter-relacionam Essa
tipologia entretanto natildeo eacute de todo riacutegida Ela apresenta graus de relatividade conforme o
sistema ou subsistema em que estaacute inserida as normas satildeo especiacuteficas de acordo com cada
37
cultura e ao mesmo tempo satildeo instaacuteveis moldando-se conforme as pressotildees sociais Toury
propotildee o seguinte conceito de norma
socioacutelogos e psicoacutelogos sociais haacute muito tempo se referem a normas como a traduccedilatildeo de valores gerais ou ideacuteias compartilhadas por uma comunidade
sobre o
que eacute certo ou errado adequado ou inadequado
em instruccedilotildees de desempenho
apropriado e aplicaacutevel a situaccedilotildees particulares especificando o que estaacute prescrito e o que eacute proibido bem como o que eacute tolerado e permitido numa certa dimensatildeo comportamental () (TOURY 1995 54-55)20
Segundo Toury (1995 55) as normas satildeo adquiridas pelo indiviacuteduo durante a sua
socializaccedilatildeo e isso sempre implica em sanccedilotildees
reais ou potenciais negativas e tambeacutem
positivas Para Wexler apud Toury (1995 55) a existecircncia de normas eacute uma condiccedilatildeo sine
qua non em exemplos de rotulaccedilatildeo e regulamentaccedilatildeo sem uma norma todos os desvios
perdem sentido e se tornam casos de variaccedilatildeo livre 21
Estas consideraccedilotildees de Wexler sobre normas satildeo aplicaacuteveis em sentido geral
Toury (1995 56-57) deixa isso mais especiacutefico no campo da atividade tradutoacuteria a qual
envolve pelo menos duas liacutenguas e duas tradiccedilotildees culturais ou seja dois conjuntos separados
de normas as quais satildeo diferentes e incompatiacuteveis por natureza O tradutor bem como outros
segmentos envolvidos no processo da traduccedilatildeo tem de lidar com normas
conforme dito
relativamente instaacuteveis Toury (1995 57-59) as divide em categorias ou grupos normas
iniciais normas preliminares e normas operacionais
Por normas iniciais Toury entende a forma como a traduccedilatildeo eacute orientada ou seja
segundo o texto e a cultura de partida (source oriented) ou segundo a cultura e o texto de
chegada (target oriented) Neste caso se a traduccedilatildeo eacute orientada conforme o texto e a cultura
de partida certamente haveraacute incompatibilidades com as normas e praacuteticas da cultura e do
texto de chegada principalmente agravequelas que vatildeo aleacutem das normas e praacuteticas meramente
linguumliacutesticas Se por outro lado a segunda opccedilatildeo eacute tomada os sistemas normativos da cultura
de chegada seratildeo postos em accedilatildeo e haveraacute mudanccedilas no texto de partida que de modo quase
inevitaacutevel exigiratildeo um preccedilo a ser pago (perdas acreacutescimos manipulaccedilotildees) Entatildeo e com
20 Sociologists and social psychologists have long regarded norms as the translation of general values or ideas shared by a community as to what is right and wrong adequate and inadequate into performance instructions appropriate for and applicable to particular situations specifying what is prescribed and forbidden as well as what is tolerated and permitted in a certain behavioural dimension ( )
21 The existence of norms is a sine qua non in instances of labeling and regulating without a norm all deviations are meaningless and become cases of free variation
38
base em Even-Zohar22 enquanto que aderir agraves normas da cultura e do texto de partida
determina uma traduccedilatildeo adequada aceitar as normas da cultura e do texto de chegada
determina a sua aceitabilidade
As normas preliminares satildeo aquelas que envolvem a seleccedilatildeo de textos para
traduccedilatildeo considerando a accedilatildeo de leitores especializados (tais como editores e revisores)
durante o processo e o teacutermino do trabalho de traduccedilatildeo quando afinal avalia-se o produto
gerado (a reescritura) Segundo Toury (1995 59) estas normas estatildeo vinculadas a dois grupos
de consideraccedilotildees que natildeo raro estatildeo interconectados aquelas consideraccedilotildees ligadas agrave
existecircncia e agrave natureza real de uma poliacutetica de traduccedilatildeo definida responsaacutevel pela seleccedilatildeo de
textos segundo criteacuterios especiacuteficos a serem traduzidos num determinado momento do tempo
e aquelas relacionadas agrave orientaccedilatildeo da traduccedilatildeo Poliacuteticas diferentes podem se aplicar a
diferentes subgrupos seja em termos de tipos textuais (por exemplo literaacuterios versus natildeo
literaacuterios) ou agentes humanos (por exemplo diferentes editoras)
A relaccedilatildeo desses subgrupos favorece amplo terreno para discussotildees que
examinam as poliacuteticas de traduccedilatildeo No caso das traduccedilotildees indiretas (ie quando a traduccedilatildeo
natildeo eacute feita a partir da liacutengua em que o texto foi originalmente produzido) por exemplo
existem niacuteveis de toleracircncia segundo um polissistema determinado Assim Toury faz os
seguintes questionamentos
a traduccedilatildeo indireta eacute afinal de contas permitida Ao se traduzir a partir de que liacutenguastipos de textoperiacuteodos (etc) isso permitidoproibidotolerado preferido Quais satildeo as liacutenguas mediadoras permitidasproibidastoleradaspreferidas Existe uma tendecircnciaobrigaccedilatildeo de marcar um trabalho traduzido como mediado ou este fato eacute ignoradocamufladonegado E se for mencionado a identidade da liacutengua mediadora eacute fornecida tambeacutem (TOURY 1995 58)23
As normas operacionais se referem agraves decisotildees e escolhas tradutoacuterias que
envolvem o processo de traduccedilatildeo Estas por afetarem a matriz do texto regem tambeacutem direta
ou indiretamente os relacionamentos obtidos entre os textos de partida e de chegada ou seja
o que mais provavelmente permaneceria imutaacutevel e o que mudaria Deste modo Toury
22 An adequate translation is a translation which realizes in the target language the textual relationships of a source text with no breach of its own [basic] linguistic system (EVEN-ZOHAR 1975 43 apud TOURY 1995 57) ( Uma traduccedilatildeo adequada eacute a que realiza as relaccedilotildees textuais de um texto de partida na liacutengua de chegada sem nenhuma falha de seu proacuteprio sistema linguumliacutestico [baacutesico] )
23 is indirect translation permitted at all In translating from what source languagestext-typesperiods (etc) is it permittedprohibitedtoleratedpreferred What are the permittedprohibitedtoleratedpreferred mediating languages Is there a tendencyobligation to mark a translated work as having been mediated or is this fact ignoredcamouflageddenied If it is mentioned is the identity of the mediating language supplied as well
39
estabelece duas subcategorias para as normas operacionais as normas matriciais e as normas
linguumliacutestico-textuais
A razatildeo de ser das normas matriciais eacute a correspondecircncia em grau de similaridade
entre o material linguumliacutestico do texto de chegada e o texto de partida ou seja quando existe
material da liacutengua de partida para substituir o material correspondente da liacutengua de partida
Deste modo as normas operacionais (matriciais) determinam tambeacutem a plenitude da
traduccedilatildeo a posiccedilatildeo ou distribuiccedilatildeo desse material no texto e a sua segmentaccedilatildeo textual
(SANTOS 2008 28)
As normas linguumliacutestico-textuais por sua vez governam a seleccedilatildeo de material para
formular o texto de chegada ou substituir o material textual e linguumliacutestico original Podem ser
tanto gerais (aplicando-se agrave traduccedilatildeo qua traduccedilatildeo) como particulares (quando elas se aplicam
somente a um tipo textual especiacutefico eou modo de traduccedilatildeo)
Theo Hermans (1998 51-72) tambeacutem reconhece que as normas se expressam em
prescriccedilotildees proibiccedilotildees preferecircncias e permissotildees e que essas mesmas normas se legitimam
por meio de valores institucionais e satildeo transmitidas por meio de preceitos e exemplos
exercendo uma funccedilatildeo reguladora geral Esse criacutetico no intuito de elaborar mais
consideraccedilotildees acerca desse tema utiliza um exemplo documental verificando implicaccedilotildees
sobre os processos e resultados de uma traduccedilatildeo de um padre flamengo Adrianus de Buck no
contexto do seacuteculo XVII nos Paiacuteses Baixos Trata-se do trabalho desse religioso catoacutelico em
traduzir do latim para o holandecircs uma obra de Boeacutecio em 1653 O Consolo da Filosofia (De
Consolatio Philosophiae) De Buck viveu num periacuteodo em que o contexto poliacutetico e religioso
dos Paiacuteses Baixos se dividia em dois segmentos a regiatildeo norte de tradiccedilatildeo protestante
calvinista (por causa da influecircncia francesa) e a regiatildeo sul (Flandres) de tradiccedilatildeo catoacutelica
(devido agrave influecircncia espanhola)
Essa obra de Boeacutecio com influecircncia de Platatildeo e Aristoacuteteles trata basicamente de
momentos em que o autor preso e agraves veacutesperas de ser executado tenta se confortar com ideacuteias
filosoacuteficas numa postura estoacuteica Entretanto Hermans (1998 52) percebeu nessa traduccedilatildeo de
De Buck a presenccedila da ideologia catoacutelica contra-reformista pois esse padre tradutor
apropriou-se do tema do texto de partida usando-o com um propoacutesito especiacutefico os leitores da
traduccedilatildeo leriam Boeacutecio num momento de necessidade pois a expansatildeo francesa (calvinista)
jaacute estava chegando agravequeles arredores Aleacutem disso De Buck tomou o discurso de Boeacutecio como
catoacutelico por exemplo a noccedilatildeo cristatilde do livre-arbiacutetrio refutada pelos calvinistas uma das
razotildees por que Boeacutecio natildeo era traduzido por eles assim o Boeacutecio de De Buck afirma
40
Hermans representa uma tradiccedilatildeo tradutoacuteria diferente daquela da regiatildeo norte francesa dos
Paiacuteses Baixos durante o seacuteculo XVII
Hermans (1998 55) afirma que as convenccedilotildees sociais as normas e regras estatildeo
intimamente ligadas a valores sendo que uma norma abrange o entendimento do que uma
dada comunidade se refere como correta e apropriada Entatildeo a forccedila diretiva de uma norma
estaacute ali para assegurar e manter esses valores daiacute Hermans conclui que se as normas satildeo
relevantes para o ato da traduccedilatildeo entatildeo a traduccedilatildeo nunca estaacute livre de valores Deste modo ao
tomar Boeacutecio como escritor catoacutelico De Buck demonstra uma percepccedilatildeo eacute ideoloacutegica
perspectiva sobredeterminada e manipuladora
Num trabalho anterior Hermans (1993 69-88) discute sobre o papel da traduccedilatildeo
como modelo em dois sentidos como a construccedilatildeo de um modelo de um texto de partida
(quando esse criacutetico faz analogias com a teoria dos modelos de Max Black) e como um tema
relacionado a implicaccedilotildees socioculturais em que se percebe a presenccedila de normas que regem
o processo tradutoacuterio (quando Hermans leva tambeacutem em conta o lugar e a funccedilatildeo de modelos
discursivos e protoacutetipos em relaccedilatildeo a normas) Ao tomar o segundo aspecto o das normas
Hermans considera a traduccedilatildeo como uma atividade que envolve uma rede de agentes ativos
retomando alguns aspectos que estatildeo ligados agrave discussatildeo sobre o papel das relaccedilotildees
socioculturais em que os sujeitos constroem e reconhecem relaccedilotildees e como seres sociais
vistos tanto como individualmente como em grupos reconhecidos por uma identidade que
sempre tecircm certos preconceitos e interesses
A traduccedilatildeo portanto conclui Hermans eacute uma questatildeo de transaccedilotildees entre grupos
que tecircm interesses Assim se traduzir significa realizar transformaccedilotildees semioacuteticas em que haacute
escolhas alternativas decisotildees estrateacutegias fins e objetivos regidos por normas (1993 77) As
normas continua o criacutetico satildeo como versotildees mais fortes das convenccedilotildees sociais Hermans
explica que as convenccedilotildees sociais entretanto satildeo apenas uma questatildeo de haacutebitos precedentes
e compartilhados e por isso satildeo expectativas compartilhadas enquanto que as normas
sociais apesar de guardar semelhanccedilas com as convenccedilotildees satildeo mais arbitraacuterias e diretivas
assim natildeo apenas se esperam determinados comportamentos mas tambeacutem como se deve
comportar Portanto ao se considerar normas haacute natildeo soacute expectativas mas tambeacutem
obrigaccedilotildees proibiccedilotildees toleracircncias e permissotildees (HERMANS 1993 80-81)
Aplicando-se isso ao exemplo da traduccedilatildeo de Boeacutecio realizada por De Buck
supracitada pode-se refletir sobre duas perspectivas naquele contexto dos Paiacuteses Baixos do
seacuteculo XVII Boeacutecio natildeo traduzido pela parte norte protestante versus Boeacutecio traduzido por
De Buck na parte sul ou seja valores antagocircnicos colocados frente a frente sob a perspectiva
41
de um texto de partida negado ou aceito mas manipulado Dessa forma duas ideologias
tomam um mesmo texto conforme seus propoacutesitos (escolhas alternativas decisotildees
estrateacutegias fins e objetivos regidos por normas) individuais e divergentes
Chesterman (1993 1-20) por sua vez leva em conta os processos e resultados da
traduccedilatildeo ao que denomina normas de traduccedilatildeo alegando que o estudo dessas normas de
traduccedilatildeo possibilita aos estudos de traduccedilatildeo o agrupamento de dados uma preparaccedilatildeo para
que se destina tanto agrave descriccedilatildeo quanto agrave avaliaccedilatildeo das traduccedilotildees Chesterman divide as
normas de traduccedilatildeo dois segmentos (a) as normas profissionais que se relacionam com o
processo de traduccedilatildeo (normas de responsabilidade comunicaccedilatildeo e de relaccedilatildeo entre a
culturatexto de partida e a culturatexto de chegada) e (b) as normas de expectativa que se
referem ao resultado da traduccedilatildeo (o produto final) levando em conta as expectativas do
puacuteblico leitor
14 As teorias da reescritura e das refraccedilotildees
Andreacute Lefevere referindo-se agrave teoria literaacuteria moderna e citando Steiner afirma
que os formalistas russos viam a cultura como
um sistema de sistemas complexo composto de vaacuterios subsistemas como a literatura a ciecircncia e a tecnologia Inseridos nesse sistema geral os fenocircmenos extra literaacuterios natildeo se relacionam com a literatura de uma maneira simples mas em interaccedilatildeo com os subsistemas segundo a loacutegica da cultura a que pertencem (LEFEVERE 1992 11)24
Lefevere (1992 11-25) tambeacutem afirma que dentro desse conjunto complexo de
inter-relaccedilotildees entre subsistemas a Literatura eacute um sistema manipulado pois consiste de
textos (objetos) e agentes humanos que lecircem escrevem e reescrevem textos Sob esta oacutetica
podemos enxergar os tradutores os criacuteticos os historioacutegrafos os editores e antologistas
emitindo suas opiniotildees e juiacutezos segundo as suas concepccedilotildees a respeito de um trabalho
literaacuterio Essa atuaccedilatildeo consiste em que de certa forma podemos considerar como a
reescritura de uma obra Dentro da abordagem sistecircmica o sistema maior (sistema social)
engloba outros os quais natildeo satildeo estanques imutaacuteveis pois estatildeo abertos agrave influecircncia muacutetua
24 a complex system of systems composed of various subsystems such as literature science and technology Within this general system extraliterary phenomena relate to literature not in a piecemeal fashion but as an interplay among subsystems determined by the logic of the culture to which they belong
42
segundo a loacutegica da cultura Lefevere (1992 14) entatildeo faz a seguinte pergunta () quem
controla a loacutegica da cultura Eacute ele mesmo quem daacute a resposta afirmando que haacute dois
fatores atuantes O primeiro fator eacute interno e pertencente ao sistema literaacuterio o segundo por
sua vez eacute externo estaacute fora desse sistema O primeiro
constituiacutedo por profissionais como
criacuteticos revisores professores tradutores
tenta controlar o sistema literaacuterio internamente a
partir dos paracircmetros definidos pelo segundo a patronagem ou seja
( ) algo como as forccedilas (pessoas instituiccedilotildees) que datildeo impulso ou causam empecilhos agrave leitura agrave escrita e agrave reescrita da literatura ( ) Em geral a patronagem estaacute mais interessada na ideologia da literatura do que em sua poeacutetica e pode-se dizer que o patrono delega autoridade ao profissional no que diz respeito agrave poeacutetica (LEFEVERE 1992 15)25
Lefevere explica que a patronagem normalmente estaacute mais interessada na
ideologia da literatura do que em sua poeacutetica Isso pode ser determinante por exemplo na
traduccedilatildeo literaacuteria que por objetivos comerciais ou morais por exemplo devem-se seguir
algumas normas e natildeo necessariamente o livre arbiacutetrio e o gosto do tradutor Esse criacutetico
afirma que a patronagem consiste de trecircs elementos a ideologia o aspecto econocircmico e o
status os quais podem interagir em vaacuterias combinaccedilotildees A ideologia age como imposiccedilotildees
sobre a escolha e o desenvolvimento tanto da forma quanto do conteuacutedo em questatildeo num
sentido que natildeo se aplica somente agrave esfera poliacutetica a ideologia seria vista como o produto
acabado da forma da convenccedilatildeo e da crenccedila que comanda nossas accedilotildees 26 (JAMESON apud
LEFEVERE 1992 16) O componente econocircmico diz respeito aos ganhos materiais por
exemplo o pagamento do tradutor ou escritor feito pelo patrono incluindo-se aiacute os direitos
autorais sobre a venda de livros ou o emprego desses profissionais da escrita como
professores ou revisores Lefevere assinala que o componente econocircmico muitas vezes natildeo se
dissocia do componente ideoloacutegico eacute preciso agradar ou pelo menos natildeo contrariar a fonte
de rendimentos Do contraacuterio perde-se o favor em troca de possiacuteveis retaliaccedilotildees as quais em
tempos mais antigos como o de Chaucer ou o de Shakespeare podiam significar ateacute mesmo a
prisatildeo ou a morte Por uacuteltimo o status liga-se ao fato de que a aceitaccedilatildeo da patronagem
implica uma integraccedilatildeo do profissional a certo grupo social de prestiacutegio e seu estilo de vida
por vezes requintado
25 () something like the powers (persons institutions) that can further or hinder the reading writing and rewriting of literature ( ) Patronage is usually more interested in the ideology of literature than in its poetics and it could be said that the patron delegates authority to the professional where poetics is concerned
26 Ideology would seem to be that grillwork of form convention and belief which orders our actions
43
A patronagem conforme explica Lefevere eacute exercida por indiviacuteduos isolados ou
grupos de pessoas como um grupo religioso um partido poliacutetico uma classe social a realeza
e sua corte publicadores e tambeacutem os meios de comunicaccedilatildeo Percebe-se assim a forccedila da
ideologia agindo sobre a sociedade e a cultura Portanto a accedilatildeo das academias da censura da
criacutetica especializada e dos estabelecimentos educacionais se natildeo regulam diretamente a
escrita da literatura pelo menos regulam a sua distribuiccedilatildeo Desta forma se algueacutem deseja
expressar sua criaccedilatildeo artiacutestica ela deve estar de acordo com a ideologia da patronagem
Lefevere classifica a patronagem em diferenciada e natildeo diferenciada ela eacute natildeo diferenciada
quando seus trecircs componentes (a ideologia o fator econocircmico e o status) estatildeo sob o controle
de um soacute patrono como num exemplo que ocorria no passado quando um rei absolutista
fazia com que um escritor ingressasse na sua corte dando-lhe uma pensatildeo Eacute diferenciada
quando o sucesso econocircmico eacute relativamente independente de fatores ideoloacutegicos e natildeo traz
necessariamente status consigo conforme o caso da maioria dos autores de best-sellers
contemporacircneos
A palavra refraccedilatildeo cunhado por Lefevere e aplicado aos estudos da traduccedilatildeo
surgiu nos anos de 1980 substituindo metaacuteforas tradicionais como a da traduccedilatildeo como
pintura ou espelho do original A pintura remete agrave imitaccedilatildeo enquanto que o espelho deixa um
reflexo Este dois vocaacutebulos tambeacutem deixam transparecer a ideacuteia de um produto ou resultado
em funccedilatildeo de um original ou seja um ponto de partida focado no emissor a cultura e a
liacutengua de partida e a preocupaccedilatildeo de reproduzi-las com fidelidade Refraccedilatildeo pode significar
no contexto da Fiacutesica a modificaccedilatildeo da forma ou da direccedilatildeo de uma onda ao atravessar uma
interface que separa dois meios Tambeacutem se refere ao fenocircmeno da luz atravessando um
espectro acontecendo um desvio A partir destas definiccedilotildees pode-se afirmar que quando haacute
modificaccedilatildeo da forma ocorre uma distorccedilatildeo quando haacute modificaccedilatildeo da direccedilatildeo ocorre um
desvio Conclui-se daiacute que refraccedilatildeo no sentido mais literal deste exemplo natildeo possui caraacuteter
ativo mas passivo a luz atravessa um espectro e eacute refratada sofrendo desvio ou distorccedilatildeo
Quando o conceito de refraccedilatildeo foi aplicado aos estudos de traduccedilatildeo criou-se uma
nova metaacutefora pode-se entender a luz como a cultura e a liacutengua de partida incorporadas num
texto escrito o espectro satildeo os agentes da recepccedilatildeo responsaacuteveis pela interpretaccedilatildeo
adaptaccedilatildeo adequaccedilatildeo e reconstruccedilatildeo desse texto resultando na sua refraccedilatildeo (desvio
modificaccedilatildeo) ou seja num novo produto sendo que os agentes da recepccedilatildeo atuam conforme
regras ou normas ditadas por seu sistema ou subsistema Portanto entende-se que esta
concepccedilatildeo estaacute voltada natildeo para o emissor mas para o receptor encaixando-se nas ideacuteias
apregoadas pela Escola de Manipulaccedilatildeo agrave qual estatildeo vinculados os teoacutericos da teoria dos
44
polissistemas Assim Lefevere (1982 4) explica as refraccedilotildees como a adaptaccedilatildeo de uma obra
literaacuteria a um puacuteblico diferente com a intenccedilatildeo de influenciar a forma como o puacuteblico lecirc a
obra e constituem um fato e se manifestam na traduccedilatildeo criacutetica historiografia ensino
antologias etc
Lefevere ao desenvolver suas ideacuteias acabou encontrando um elemento que aliaacutes
jaacute estava impliacutecito nos seus argumentos sobre refraccedilotildees os mecanismos de poder Se uma
obra literaacuteria pode sofrer adaptaccedilotildees com a intenccedilatildeo de influenciar a forma como o puacuteblico a
lecirc fica claro que tais alteraccedilotildees natildeo podem ser gratuitas Se haacute uma intenccedilatildeo existe natildeo raro
a atuaccedilatildeo de formas de poder que resultam numa reescritura do texto Eis entatildeo o pressuposto
da teoria da reescritura
Conforme Else Vieira (1996 143) foi em meados da deacutecada de 1980 que
Lefevere pouco a pouco comeccedilou a substituir o termo refraccedilotildees por reescrita expandindo
o constructo teoacuterico de sistema designado por um conjunto de elementos inter-relacionados
que por acaso compartilham certas caracteriacutesticas que os distinguem de outros elementos natildeo
pertencentes ao sistema (LEFEVERE 1985 223-224)27
Voltando agraves ideacuteias de Lefevere supramencionadas pode-se afirmar que se haacute
controle este eacute exercido por elementos internos e externos ao sistema Os elementos internos
satildeo os inteacuterpretes os criacuteticos os revisores os professores de literatura etc (refratores ou
reescritores) que exercem formas de repressatildeo que pode ocorrer pela simples exclusatildeo da
obra literaacuteria ou mais comumente pela sua adaptaccedilatildeo de forma que ela atinja o grau
necessaacuterio de correspondecircncia agrave poeacutetica ou agrave ideologia da sua eacutepoca O segundo elemento
externo eacute a patronagem ou as pessoas e instituiccedilotildees que tanto podem promover incentivar ou
reprimir restringir e obstruir a escrita a leitura ou reescrita da literatura
Eacute bem visiacutevel o grau de identificaccedilatildeo entre os termos refraccedilatildeo e reescrita
chegando agraves vezes a serem usados como sinocircnimos um do outro Se refraccedilatildeo estaacute ligada a
sistema e reescritura estaacute ligada a mecanismos de poder percebe-se uma relaccedilatildeo que consiste
nas refraccedilotildees produzidas sob influecircncia das normas de um sistema mas estas normas podem
estar sob o uso de pessoas que detecircm alguma espeacutecie de poder Entatildeo o elemento principal
que distingue o primeiro termo do outro satildeo os mecanismos de poder
Em seu estudo sobre as traduccedilotildees de contos de Machado de Assis para o inglecircs
Hatje-Faggion (2006) destaca que no caso desse escritor brasileiro dentre as inuacutemeras
influecircncias que podem ser determinantes na traduccedilatildeo literaacuteria as razotildees comerciais por
27 Vide Vieira (1996 141) e nota nordm 9 desta dissertaccedilatildeo
45
exemplo podem interferir em certas decisotildees quem vai ser traduzido quais obras seratildeo
selecionadas quando e com que impacto Nesse sentido Ria Vanderauwera (1985 37)
distingue dois tipos de traduccedilatildeo a embaixadora ou metaliteraacuteria e a de consumo Se a
traduccedilatildeo eacute de caraacuteter embaixador ou metaliteraacuterio os propoacutesitos natildeo satildeo comerciais mas sim
culturais com a intenccedilatildeo de valorizar determinada cultura por exemplo oferecendo a
estudantes da liacutengua eou da literatura de partida um material baacutesico Assim autores e obras
relevantes dessa cultura em evidecircncia tornam-se disponiacuteveis a outro puacuteblico pertencente a
outra cultura No caso da traduccedilatildeo de consumo os textos satildeo escolhidos para traduccedilatildeo
recebendo um tratamento uma apresentaccedilatildeo conforme as rotinas de ediccedilatildeo de texto e
preferecircncias literaacuterias da cultura de chegada
O seguinte comentaacuterio de Bagby Juacutenior apud Hatje-Faggion (2001 144) por
exemplo atesta a funccedilatildeo embaixadora das traduccedilotildees para o inglecircs do romance Dom
Casmurro de Machado de Assis realizadas por Helen Caldwell a traduccedilatildeo eacute boa e praacutetica
para alunos pouco familiarizados com o autor o que comprova que se trata de uma traduccedilatildeo
indicada para um puacuteblico de chegada falante de inglecircs com intenccedilatildeo educativa Em resumo a
traduccedilatildeo embaixadora ou metaliteraacuteria tem a motivaccedilatildeo de valorizar a cultura do texto de
partida e o seu intercacircmbio com a cultura de chegada enquanto que a traduccedilatildeo de consumo
prima pelo lucro seguindo as expectativas comerciais Cada qual portanto desempenha um
papel de grande importacircncia sobre a escolha da obra literaacuteria a ser traduzida sustentando a
formulaccedilatildeo e a apresentaccedilatildeo do texto de chegada em proporccedilotildees e maneiras diversas com
impacto variado segundo o objetivo especiacutefico da traduccedilatildeo o tipo de texto envolvido o
tradutor o editor e suas suposiccedilotildees sobre as expectativas do leitor (HATJE-FAGGION
2006 3)
15 O esquema teoacuterico de Lambert e Van Gorp para descriccedilatildeo de traduccedilotildees literaacuterias
De acordo com Joseacute Lambert e Henrik Van Gorp (1985 42-53) o fortalecimento
dos estudos de traduccedilatildeo (meados da deacutecada de 1970) como objeto legiacutetimo da investigaccedilatildeo
cientiacutefica em geral tem tido contribuiccedilotildees mais importantes no campo da teoria da traduccedilatildeo
Esses dois criacuteticos entretanto sentiram necessidade de contribuir para esse campo no sentido
de suprir certas falhas ou deficiecircncias no que diz respeito aos estudos descritivos apontadas
por vaacuterios teoacutericos como Toury (1980) Um desses problemas seria o isolamento do estudo
de traduccedilotildees e do comportamento tradutoacuterio em certos contextos socioculturais em relaccedilatildeo agrave
46
pesquisa teoacuterica da traduccedilatildeo havendo lacunas entre as abordagens teoacuterica e descritiva
Lambert e Van Gorp sentiram a falta de uma sistematizaccedilatildeo para os estudos descritivos e
assim conceberam uma proposta teoacuterica para a descriccedilatildeo de traduccedilotildees
O estudo comparativo de traduccedilotildees de uma obra de acordo com as ideacuteias de
Lambert e Van Gorp (1985 42-53) contribui para um melhor entendimento dos meios e
processos pelos quais estes textos de chegada satildeo construiacutedos verificando-se como as normas
de cada contexto influenciam na concepccedilatildeo do produto final levando-se em conta as
expectativas dos agentes institucionais e da recepccedilatildeo de modo geral aleacutem das proacuteprias
concepccedilotildees e ideais dos tradutores tudo isso inserido numa cultura e numa eacutepoca especiacutefica
Deste modo satildeo abertas novas possibilidades para que haja mudanccedilas de atitude em relaccedilatildeo
aos tradutores e agraves suas respectivas traduccedilotildees em diferentes periacuteodos de tempo muitas vezes
haacute julgamentos de valor feitos gratuitamente sobre esta ou aquela traduccedilatildeo como a melhor a
pior sem relativizar os fatos e fatores que influenciaram cada uma dessas reescrituras
Susan Bassnett (2003 129) ao abordar a traduccedilatildeo de obras literaacuterias por meio de
exemplos analisados em pormenores justifica que ao fazer isso natildeo pretende avaliar tais
traduccedilotildees mas sim mostrar como a escolha de criteacuterios por parte do tradutor pode dar azo a
problemas especiacuteficos de traduccedilatildeo Os estudos de caso em estudos de traduccedilatildeo portanto satildeo
relevantes porque se verifica na transferecircncia de contextos (do texto de partida para textos de
chegada) a existecircncia de variedades de processos diferentes que estatildeo envolvidos O esquema
descritivo de Lambert e Van Gorp (1985 42-53) nesse intuito divide-se em quatro estaacutegios
conforme exposiccedilatildeo abaixo
O primeiro estaacutegio denominado dados preliminares examina dados que natildeo
fazem parte do texto do escritor traduzido ou seja trata dos aspectos extratextuais constantes
numa ediccedilatildeo caracteriacutesticas fiacutesicas da publicaccedilatildeo a sua embalagem (capa contracapa
folha de rosto etc) em que podem constar dados como o nome da editora ano de publicaccedilatildeo
nuacutemero de reimpressatildeo direitos autorais ou os paratextos (prefaacutecio posfaacutecio introduccedilatildeo
notas de rodapeacute etc) quantidade de capiacutetulos de paacuteginas Estas informaccedilotildees permitem que o
leitor faccedila uma ideacuteia geral do produto que vai ler obtendo assim as primeiras impressotildees que
possivelmente recaem sobre as publicaccedilotildees Os leitores satildeo convidados a ler o produto o
qual dependendo dessas impressotildees pode atrair a atenccedilatildeo das pessoas provocar recusas ou
indiferenccedila A relevacircncia dessas informaccedilotildees diz respeito portanto aos objetivos pretendidos
pelos agentes responsaacuteveis pela publicaccedilatildeo com suas pretensotildees que envolvem por exemplo
accedilotildees de cunho mercadoloacutegico eou ideoloacutegico incluindo-se aiacute algumas estrateacutegias de
traduccedilatildeo colocadas em praacutetica Neste estaacutegio portanto a atenccedilatildeo se volta para as estrateacutegias
47
de seduccedilatildeo do consumidor elaboradas pelos agentes responsaacuteveis pela publicaccedilatildeo Aqui o
papel do tradutor parece ficar mais submetido agrave aprovaccedilatildeo dos revisores eou editores no que
conta por exemplo na escolha e adequaccedilatildeo do tiacutetulo traduzido ao peso do proacuteprio nome do
tradutor se eacute relevante mencionaacute-lo ou natildeo
O segundo estaacutegio a macroestrutura faz uma comparaccedilatildeo entre a estrutura do
texto de partida e a estrutura desse texto traduzido Trata-se do exame da estrutura geral do
texto em que constam a sua composiccedilatildeo e divisatildeo em partes (capiacutetulos paraacutegrafos frases
etc) Tambeacutem se verifica se os capiacutetulos tecircm tiacutetulo e numeraccedilatildeo e como satildeo caracterizados
bem como as caracteriacutesticas da narrativa e dos diaacutelogos e a indicaccedilatildeo das formas do discurso
(direto indireto indireto-livre)
O terceiro estaacutegio a microestrutura considera o texto em unidades menores
verificando no que concerne a linguagem em si a seleccedilatildeo lexical os padrotildees gramaticais
dominantes caracteriacutesticas de estilo formas de discurso (direto indireto indireto-livre) a
narrativa perspectivas pontos de vista niacuteveis da liacutengua (variedades linguumliacutesticas socioletos
dialetos etc) O foco tambeacutem se dirige a outros toacutepicos como o tiacutetulo da obra formas de
tratamento nomes de pessoas de lugares unidades de medida tiacutetulos de livros jornais e
similares bem como dados especiacuteficos do ambiente sociocultural Trata-se de verificar o
modo como o tradutor lida com as escolhas para traduzir
O quarto estaacutegio o contexto sistecircmico contrapotildee os niacuteveis macro e micro o texto
e a teoria (normas modelos etc) relaccedilotildees intertextuais (outras traduccedilotildees e o relacionamento
entre esses textos e o texto traduzido em questatildeo e o texto de partida adotado) relaccedilotildees
intersistecircmicas (gecircnero textual estilo) leitor e criacutetica
Cada estaacutegio desse modo contribui com resultados uacuteteis para o proacuteximo estaacutegio
numa relaccedilatildeo de interdependecircncia Assim este modelo serviraacute de base para as anaacutelises das
quatro traduccedilotildees de Of mice and men examinadas no quarto capiacutetulo desta dissertaccedilatildeo
16 Paratextos
Conforme jaacute mencionado os paratextos satildeo um dos itens que constituem o
primeiro estaacutegio do esquema descritivo de traduccedilotildees de Lambert e Van Gorp (1985) os dados
preliminares Macksey (1997 xvii) em seu prefaacutecio agrave obra de Genette traduzida para o inglecircs
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como Paratexts
Thresholds of Interpretation28 explica a relaccedilatildeo entre o vocaacutebulo
paratextos e a palavra inglesa thresholds ou seja as convenccedilotildees literaacuterias e editoriais que
fazem mediaccedilatildeo entre o mundo das publicaccedilotildees e o mundo do texto 29 Figueiredo por sua
vez afirma que os paratextos no sentido atribuiacutedo por Genette (1982) satildeo constituiacutedos por
tiacutetulos subtiacutetulos epiacutegrafes dedicatoacuterias proacutelogos prefaacutecios posfaacutecios advertecircncias notas preacutevias nome de autor e de tradutor (ou a ausecircncia de um ou de outro ou de ambos) capas contracapas frontispiacutecios introduccedilotildees notas editoriais informaccedilotildees nas badanas [orelhas] notas de rodapeacute notas agrave margem ilustraccedilotildees notas do tradutor notas finais apecircndices anexos publicidade informaccedilotildees bibliograacuteficas e legais ou quaisquer outros sinais que mantecircm qualquer relaccedilatildeo com o texto que acompanham fisicamente (FIGUEIREDO 2004)
As funccedilotildees dos paratextos para Figueiredo (2004) satildeo variaacuteveis mas todos eles
funcionam como mediadores entre o texto e o leitor e logo podem influenciar a leitura e a
recepccedilatildeo do texto Os prefaacutecios ou notas preacutevias por exemplo possibilitam o esclarecimento
antecipado dos leitores sobre o texto principal a ser lido (ou natildeo dependendo do interesse
gerado no receptor-leitor) Este tipo de paratexto por exemplo pode trazer informaccedilotildees a
respeito de um autor criacutetico ou tradutor com suas consideraccedilotildees gerais que geralmente
atribuem valor positivo agrave obra
Maingueneau (1996) apud Andrade (2004 12) destaca que um recurso utilizado
em obras inovadoras ou desviantes dos padrotildees eacute justamente o uso de paratextos na proacutepria
obra que explicam esses desvios e tentam conquistar o leitor A funccedilatildeo desses paratextos
entatildeo pode ser comparada agrave de guias de leitura
Assim atraveacutes dos paratextos guias de leitura por excelecircncia o texto procura seduzir o leitor e ao mesmo tempo controlar o percurso de seu olhar orientar a leitura de modo a obter os resultados desejados Nesse espaccedilo de autolegitimaccedilatildeo discursiva podemos encontrar a chave interpretativa da obra (p 27) pois nele o autor indica seu projeto esteacutetico (ANDRADE 2004 12)
A funccedilatildeo dos paratextos como fonte de orientaccedilatildeo e ou seduccedilatildeo do leitor eacute
mencionada por Genette (1997 1-2) quando ele destaca que um trabalho literaacuterio raramente eacute
apresentado sem um propoacutesito definido sem algum tipo de suporte ou acompanhamento de
produccedilotildees verbais ou natildeo-verbais como o nome do autor o tiacutetulo o prefaacutecio e ilustraccedilotildees e
28 Tiacutetulo original em francecircs Seuiles (Editions du Seuil 1987)
29 the literary and printerly conventions that mediate between the world of publishing and the world of the text
49
mesmo que o leitor natildeo se decirc conta se estes recursos pertencem ou natildeo ao texto principal (a
obra literaacuteria em si mesma) de qualquer maneira esses recursos estatildeo ali agraves margens da
obra estendendo-a justamente com a intenccedilatildeo de apresentaacute-la Genette atribui um sentido
especial ao verbo apresentar
E embora nem sempre saibamos se estas produccedilotildees devem ser consideradas como pertencentes ao texto de qualquer maneira elas o cercam e o expandem justamente no intuito de apresentaacute-lo no sentido comum deste verbo mas tambeacutem no seu sentido mais forte tornar presente garantir a presenccedila do texto no mundo a sua recepccedilatildeo e consumo na forma (hoje em dia pelo menos) de um livro Estas
produccedilotildees acessoacuterias que variam em dimensatildeo e aparecircncia constituem o que eu chamei em outro trabalho de o paratexto de uma obra () (GENETTE 1997 1-2) 30
A exposiccedilatildeo dessas palavras de Genette permite perceber como os paratextos tecircm
uma funccedilatildeo essencial necessaacuteria que contribui para o sucesso ou fracasso comercial de uma
obra literaacuteria Pode-se inferir a partir da citaccedilatildeo acima que os paratextos reuacutenem expectativas
dos agentes responsaacuteveis por uma publicaccedilatildeo os quais tentam inculcar desejo ou curiosidade
no puacuteblico leitor
30 And although we do not always know whether these productions are to be regarded as belonging to the text in any case they surround it and extend it precisely in order to present it in the usual sense of this verb but also in the strongest sense to make present to ensure the texts presence in the world its reception and consumption in the form (nowadays at least) of a book These accompanying productions which vary in extent and appearance constitute what I have called elsewhere the works paratext ( )
Esta obra escrita originalmente em francecircs intitulada Seuil (1987) foi traduzida para o inglecircs por Jane E Lewin De acordo com essa tradutora a referecircncia ao termo paratexto aparece em outra obra de Genette intitulada Palimpsestes de 1981
50
2 CULTURA LINGUAGEM E A TRADUCcedilAtildeO DE VARIEDADES LINGUumlIacuteSTICAS
NA LITERATURA
Toda liacutengua satildeo rastros de velhos misteacuterios
Guimaratildees Rosa
Cultura e linguagem satildeo dois sistemas que se inter-relacionam resultando na
totalidade num polissistema Por intermeacutedio dessas relaccedilotildees unindo o primeiro e o segundo
aspecto surge como tema central desta pesquisa a questatildeo de traduzir variedades linguumliacutesticas
estigmatizadas na literatura sob dois aspectos problemaacuteticos neutralizar esses dialetos pelo
uso de uma variedade de prestiacutegio ou adotar um dialeto equivalente
Os temas cultura e linguagem tambeacutem sempre remetem a outros problemas
procedimentos ou escolhas tradutoacuterias Existe tambeacutem a discussatildeo sobre aspectos linguumliacutesticos
na traduccedilatildeo em que o entendimento de variedades linguumliacutesticas se coloca e entatildeo eacute comum o
uso de termos da Linguumliacutestica Aplicada momento em que eacute preciso deixar claras suas
definiccedilotildees muitas vezes em acepccedilotildees diferentes conforme variados autores Este segundo
capiacutetulo trata basicamente desses aspectos relacionados agrave traduccedilatildeo que envolvem cultura
linguagem e traduccedilatildeo de dialetos literaacuterios
21 A necessidade de novas traduccedilotildees
Ao olhar comum parece agraves vezes haver um entendimento de que ao se deparar
com uma obra traduzida e publicada ela eacute para todos os efeitos a traduccedilatildeo ou seja a
palavra final algo incontestaacutevel como se as liacutenguas tivessem um caraacuteter estaacutetico Um exame
mais atento entretanto confirma a existecircncia de vaacuterias traduccedilotildees de uma mesma obra para
uma mesma liacutengua a exemplo de autores consagrados como Shakespeare Homero Cervantes
e tantos outros cujos trabalhos jaacute foram e ainda satildeo traduzidos repetidamente em diversas
liacutenguas Landers a esse respeito diz que
a meia-vida de uma traduccedilatildeo eacute de cerca de 30 ou 40 anos a cada 30 anos (ateacute mesmo 40 ou 50
isso varia) ela perde metade da sua vitalidade do seu frescor da sua habilidade de comunicar ao leitor numa voz contemporacircnea Se isso eacute verdadeiro conclui-se que os principais trabalhos de literatura devem ser
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retraduzidos periodicamente de modo que eles mantenham sua funccedilatildeo de ponte entre as culturas e os seacuteculos (LANDERS 2001 10 11)31
Landers cita o exemplo de Tuciacutedides traduzido para o inglecircs em pelo menos trecircs
momentos
a traduccedilatildeo de 1629 que Thomas Hobbes fez de Tuciacutedides eacute praticamente impossiacutevel de ser lida pelo falante moderno de inglecircs pois estaacute repleta dos pronomes thee e thou e de sentenccedilas complexas e barrocas A traduccedilatildeo de R Crawley de 1874 eacute muito mais faacutecil de compreender todavia seu vocabulaacuterio um pouco ultrapassado deixa no ar um cheiro leve de naftalina Somente a traduccedilatildeo de 1952 de Rex Warner transmite fluecircncia precisatildeo e modernidade falando a liacutengua contemporacircnea do leitor de maneira direta e eficaz (LANDERS 2001 11)32
Landers (2001 11) esclarece que apesar desse julgamento de valor natildeo haacute na
verdade como estabelecer que a traduccedilatildeo de Rex Warner seja melhor do que as suas
antecessoras A impressatildeo de que ela eacute melhor somente se aplica no que diz respeito agrave
familiaridade que o leitor dos dias de hoje tem com a liacutengua utilizada um inglecircs com
upgrade Cada traduccedilatildeo cumpre o seu papel em seu devido tempo Nada poderaacute impedir que a
traduccedilatildeo de Warner tambeacutem fique ultrapassadadatada
Milton (1998 40) afirma que todas as traduccedilotildees ficam ultrapassadas e tecircm de
ser refeitas pelas novas geraccedilotildees Tal declaraccedilatildeo justificada pela questatildeo do caraacuteter
evolutivo das liacutenguas tambeacutem encontra suporte em Walter Benjamin
elementos que agrave eacutepoca do autor podem ter obedecido a uma tendecircncia de sua linguagem poeacutetica poderatildeo mais tarde ter-se esgotado tendecircncias impliacutecitas podem destacar-se ex-novo daquilo que jaacute possui forma Aquilo que antes era novidade mais tarde poderaacute soar gasto o que antes era de uso corrente pode vir a soar arcaico (BENJAMIN 2001 197)
Benjamin prossegue em seu argumento com referecircncia agraves mudanccedilas que a
passagem dos seacuteculos exerce sobre as criaccedilotildees literaacuterias considerando que toda traduccedilatildeo
possui um status provisoacuterio em relaccedilatildeo agrave atualidade de seus efeitos que intermedeiam a
estranheza das liacutenguas Da mesma forma com que tom e significado das grandes obras
poeacuteticas se transformam completamente ao longo dos seacuteculos tambeacutem a liacutengua materna do
31 The half-life of a translation it has been said is from 30 to 40 years every 30 years (or 40 or 50 take your pick) the translation loses half its vitality its freshness its ability to communicate to the reader in a contemporary voice If this is true it follows that major works of literature must be retranslated periodically if they are to retain their function as a bridge between cultures and eras
32 Thomas Hobbes 1629 rendering of Thucydides is virtually unreadable to the modern speaker of English cluttered with thee and thou and complex baroque sentences The R Crawley 1874 version is much easier to absorb but its slightly obsolescent vocabulary nonetheless gives off the faint scent of mothballs Only Rex Warner s lively 1952 translation communicates with fluency precision and modernity speaking the contemporary reader s language directly and forcefully
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tradutor se transforma (BENJAMIN 2001 197) Ele considera que a liacutengua do escritor
impotildee uma percepccedilatildeo mais duradoura do que a liacutengua do tradutor Enquanto a palavra do
poeta perdura em sua liacutengua materna mesmo a melhor traduccedilatildeo estaacute fadada a desaparecer
dentro da evoluccedilatildeo de sua liacutengua e soccedilobrar em sua renovaccedilatildeo (BENJAMIN 2001 197)
Todavia quanto a esta uacuteltima afirmaccedilatildeo paira uma duacutevida sobre a maior
durabilidade das palavras do texto de partida em relaccedilatildeo agraves suas traduccedilotildees pois Benjamin natildeo
oferece nenhum exemplo O fato eacute que se pode facilmente constatar que uma obra literaacuteria
depois de certo espaccedilo de tempo tambeacutem precisa ser atualizada cultural e linguumlisticamente
Isso fica muito claro quando se manuseia um livro antigo numa ediccedilatildeo de cinquumlenta cem
anos ou mais No caso especiacutefico do Brasil aleacutem do curso natural de transformaccedilatildeo da liacutengua
portuguesa e dos costumes houve mudanccedilas na ortografia oficial Estas transformaccedilotildees satildeo
evidenciadas no texto Antigamente de Carlos Drummond de Andrade (1970)
ANTIGAMENTE as moccedilas chamavam-se mademoiselles e eram todas mimosas e muito prendadas Natildeo faziam anos completavam primaveras em geral dezoito Os janotas mesmo natildeo sendo rapagotildees faziam-lhes peacute-de-alferes arrastando a asa mas ficavam longos meses debaixo do balaio E se levavam taacutebua o remeacutedio era tirar o cavalo da chuva e ir pregar em outra freguesia As pessoas quando corriam antigamente era para tirar o pai da forca e natildeo caiacuteam de cavalo magro Algumas jogavam verde para colher maduro e sabiam com quantos paus se faz uma canoa O que natildeo impedia que nesse entrementes esse ou aquele embarcasse em canoa furada Encontravam algueacutem que lhes passasse a manta e azulava dando agraves de vila-diogo Os mais idosos depois da janta faziam o quilo saindo para tomar fresca e tambeacutem tomavam cautela de natildeo apanhar sereno Os mais jovens esses iam ao animatoacutegrafo e mais tarde ao cinematoacutegrafo chupando balas de alteacuteia Ou sonhavam em andar de aeroplano os quais de pouco siso se metiam em camisa de onze varas e ateacute em calccedilas pardas natildeo admira que dessem com os burros n aacutegua ()
Para quem eacute brasileiro ou possui uma grande vivecircncia em relaccedilatildeo agrave cultura
brasileira ficam niacutetidas as diferenccedilas marcantes entre os costumes do iniacutecio do seacuteculo XX ateacute
a eacutepoca em que o texto de Drummond foi publicado 1962 republicado em 1970 Hoje e com
o fluxo incessante do tempo as diferenccedilas se acentuam ainda mais principalmente quando se
vecirc neste mesmo texto a grafia de algumas palavras (aqui em itaacutelico) Doenccedila nefasta era a
phtysica feia era o gaacutelico Antigamente os sobrados tinham assombraccedilotildees os meninos
lombrigas asthma os gatos (DRUMMOND 1970)
Diante do exposto poderia-se perguntar como seria ler por exemplo Machado
de Assis num portuguecircs do seacuteculo XIX Percebe-se que as ediccedilotildees mais atuais das obras dele
passaram por uma atualizaccedilatildeo necessaacuteria Do contraacuterio ainda se leriam os textos machadianos
53
nos moldes de uma cultura brasileira antiga e de um tempo remoto visualizados nos PH s
nas casas de pasto e em outros elementos daquela eacutepoca
Rainer Schulte apud Hatje-Faggion (2001 13) por sua vez assevera que
o estudo das diferenccedilas que se tornam visiacuteveis de uma traduccedilatildeo anterior para a outra deixa patente a necessidade de novas traduccedilotildees como um esforccedilo contiacutenuo para expandir e aprofundar o ato de ler e interpretar e para lanccedilar uma luz sobre como as culturas interpretam o seu mundo em momentos particulares da histoacuteria33
O argumento fundado nas diferenccedilas entre duas culturas e nas mudanccedilas que as
liacutenguas sofrem em virtude da passagem do tempo encontra outro bom exemplo no escritor
argentino Jorge Luiacutes Borges apud Milton (1998 155) e seu conto Pierre Menard autor del
Quijote em que
o autor imaginaacuterio francecircs consegue criar uma coacutepia exata de dois capiacutetulos da obra original de Cervantes mediante um processo em que ele proacuteprio imagina ser Cervantes Poreacutem esta coacutepia da obra de Cervantes escrita por um autor do seacuteculo XX parece ser arcaica e afetada tanto no seu estilo como no seu conteuacutedo
Neste caso o personagem de Borges tentou produzir uma traduccedilatildeo
do espanhol
para o francecircs
com a fidelidade precisa ao autor Entretanto o resultado natildeo foi muito feliz
o seu Dom Quixote traduzido refletia por seu exagerado capricho natildeo a percepccedilatildeo linguumliacutestica
da liacutengua francesa do seacuteculo XX mas do seacuteculo XVII pois o original de Cervantes data do
ano de 1605
Esse conto tambeacutem faz ressurgir a discussatildeo sobre fidelidade e equivalecircncia dois
palavrotildees para os estudiosos da traduccedilatildeo pois satildeo dois conceitos imprecisos e impossiacuteveis de
atingir plenamente a partir da perspectiva do poacutes-estruturalismo Octavio Paz (1971 9)
reflete sobre o caraacuteter individual uacutenico do texto escrito
As pessoas quando dizem as mesmas coisas embora as expressem em idiomas distintos respondem agrave confusatildeo babeacutelica com a universalidade do espiacuterito apesar das diferenccedilas entre os indiviacuteduos sociedades e eacutepocas Cada texto eacute uacutenico e eacute ao mesmo tempo a traduccedilatildeo de outro texto Nenhum texto eacute inteiramente original porque a proacutepria liacutengua na sua essecircncia jaacute eacute uma traduccedilatildeo primeiramente do mundo natildeo-verbal e em segundo lugar porque cada signo e cada frase eacute a traduccedilatildeo de outro signo e de outra frase Este argumento pode poreacutem ser revertido sem perder nenhuma da sua validade todos os textos satildeo originais porque todas as
33 the study of the differences that become visible from one translation to the next affirms the necessity for new translations as a continuous effort to expand and deepen the act of reading and interpretation and to shed light on how cultures interpret their world at particular moments of history
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traduccedilotildees satildeo diferentes Ateacute certo ponto todas as traduccedilotildees satildeo uma invenccedilatildeo e enquanto tal uacutenicas 34
Esta caracteriacutestica proacutepria do texto estaacute vinculada agrave eacutepoca em que ele foi
produzido submetendo-se agravequela realidade social e cultural conforme assinala Maria Corti
apud Bassnett (2003 134)
cada eacutepoca produz os seus proacuteprios signos que se manifestam em modelos sociais e literaacuterios Logo que estes modelos se consomem e a realidade parece desaparecer satildeo necessaacuterios novos signos para recapturar a realidade e isto permite-nos atribuir um valor de informaccedilatildeo agraves estruturas dinacircmicas da literatura Vista deste modo a literatura eacute ao mesmo tempo a condiccedilatildeo e o lugar da comunicaccedilatildeo artiacutestica entre emissores e destinataacuterios ou puacuteblico As mensagens trilham o seu caminho no tempo lenta ou rapidamente algumas mensagens aventuram-se em encontros que desfazem completamente uma linha de comunicaccedilatildeo mas com enorme esforccedilo outra linha se constroacutei Este uacuteltimo facto eacute o mais significativo ele requer aprendizagem e dedicaccedilatildeo da parte daqueles que querem percebecirc-lo porque a funccedilatildeo hipersiacutegnica das grandes obras literaacuterias transforma o coacutedigo da nossa visatildeo do mundo
Se cada eacutepoca produz seus proacuteprios signos e estes se manifestam em modelos
sociais e literaacuterios constantemente alterados e renovados sob a perspectiva de uma cultura e
uma liacutengua eacute natural concluir que tal fato se complica ainda mais quando se trata do caso das
traduccedilotildees onde esta dinacircmica se coloca entre duas culturas e duas liacutenguas postas frente a
frente cada qual obedecendo a tendecircncias variaacuteveis natildeo coincidentes em sua totalidade e com
estranhezas entre as duas partes em intercacircmbio Tais diferenccedilas ao serem mediadas pela
traduccedilatildeo exigem natildeo soacute um oacutetimo conhecimento da liacutengua e da cultura de partida mas
tambeacutem estrateacutegias de traduccedilatildeo muito bem pensadas
Venuti (1998 240-244) discute estrateacutegias de traduccedilatildeo que envolvem a escolha do
texto estrangeiro e um meacutetodo para traduzi-lo e estas duas tarefas satildeo determinadas pela
diversidade colocada entre vaacuterios aspectos como o cultural o econocircmico e o poliacutetico dentre
tantos outros Ao estabelecer estas estrateacutegias Venuti coloca duas opccedilotildees (ou meacutetodos) de
traduccedilatildeo os quais denominou domesticaccedilatildeo e estrangeirizaccedilatildeo Segundo Venuti (1998 240)
um projeto de traduccedilatildeo pode se adequar a valores vigentes que dominam a cultura da liacutengua
de chegada tomando uma abordagem conservadora e bastante assimiladora em relaccedilatildeo ao
34 Los seres humanos cuando dicen las mismas cosas aunque las expresen en distintos idiomas responden a la confusioacuten babeacutelica con la universalidad del espiacuteritu pese a las diferencias entre individuos sociedades y eacutepocas Cada texto es uacutenico y simultaacuteneamente es la traduccioacuten de otro Ninguacuten texto es enteramente original porque el lenguaje mismo en su esencia es ya una traduccioacuten primero del mundo no-verbal y despueacutes porque cada signo y cada frase es la traduccioacuten de otro signo y de otra frase Pero ese razonamiento puede invertirse sin perder validez todos los textos son originales porque cada traduccioacuten es distinta
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texto de partida apropriando-o a fim de apoiar os cacircnones domeacutesticos tendecircncias de
publicaccedilatildeo e alinhamentos poliacuteticos 35 ou pode () resistir e ter por objetivo revisar o
dominante lanccedilando matildeo do marginal restaurando textos estrangeiros excluiacutedos pelos
cacircnones domeacutesticos recuperando valores residuais como textos arcaicos e meacutetodos de
traduccedilatildeo e cultivar meacutetodos emergentes (por exemplo novas formas culturais) 36 Assim
este criacutetico afirma que algumas estrateacutegias de traduccedilatildeo podem ser domesticadoras
naturalizando o exoacutetico ou o estranho da cultura estrangeira enquanto que outras podem ser
estrangeirizadoras preservando as diferenccedilas culturais e linguumliacutesticas pelo desvio dos valores
domeacutesticos
22 Aspectos culturais na traduccedilatildeo
221 Visotildees de mundo diferenccedilas culturais e juiacutezos de valor
A traduccedilatildeo natildeo eacute apenas um movimento entre duas liacutenguas mas tambeacutem entre
duas culturas quando as percepccedilotildees de mundo natildeo se encaixam de forma plena ou mesmo
destoam completamente Entatildeo agraves vezes e dependendo do tema abordado uma traduccedilatildeo
literal ou mais colada ao texto de partida com foco no emissor pode soar bastante similar
agravequela fonte
ou natildeo eacute muito frequumlente ocorrerem incompatibilidades entre as duas culturas
envolvidas quando a traduccedilatildeo por mais que se esforce em respeitar o texto de partida resulta
numa perda total ou parcial daquela essecircncia ou ainda em acreacutescimos Num caso extremo
mesmo numa tentativa de adaptaccedilatildeo conforme os costumes e o conhecimento da cultura de
chegada essa traduccedilatildeo pode natildeo alcanccedilar o efeito desejado
Louise M Haywood (2005) cita o exemplo de Laura Bohannan que traduziu
Hamlet de Shakespeare para uma tribo africana desejando testar se a peccedila agregava valores
humanos universais Para este ensejo levou em consideraccedilatildeo a cultura daquelas pessoas
tomando algumas estrateacutegias e medidas de adaptaccedilatildeo dentre elas
35 A translation project may conform to values currently dominating the target-language culture taking a conservative and openly assimilationist approach to the foreign text appropriating it to support domestic canons publishing trends political arguments (VENUTI ibidem)
36 () resist and aim to revise the dominant by drawing on the marginal restoring foreign texts excluded by domestic canons recovering residual values such as archaic texts and translation methods and cultivating emergent ones (for example new cultural forms)
(VENUTI ibidem)
56
Uma vez que o grupo natildeo acreditava na vida apoacutes a morte omitiu a apariccedilatildeo do
fantasma do rei Hamlet
Visto que a noccedilatildeo de um erudito de formaccedilatildeo acadecircmica como o priacutencipe Hamlet era
desconhecida para eles ela optou pela figura de um misto de feiticeiro e pajeacute detentor
de vasto conhecimento sobre curas costumes e tradiccedilotildees da tribo gozando alto
prestiacutegio entre eles por isso
No duelo do final da peccedila entre Laertes e Hamlet a tradutora substituiu as espadas por
machetes
Natildeo obstante o esforccedilo de Bohannan os integrantes da tribo estranharam a
histoacuteria pois ainda que tivesse sido adaptada continha elementos totalmente fora daquele
contexto cultural parecendo-lhes uma peccedila exoacutetica A partir dessa experiecircncia pode-se
perceber que as condiccedilotildees os valores e a moral humanos natildeo satildeo universais e algumas
discrepacircncias se revelam ateacute mesmo entre culturas tidas como similares
Sobre diferenccedilas culturais eacute comum surgir em traduccedilatildeo discussotildees sobre como
solucionar certos problemas pertencentes ao escopo da intraduzibilidade cultural quando eacute
comum tambeacutem o uso do termo equivalecircncia37 Desse modo Baker (1992 17-42) menciona
uma ampla variedade de fatores dos quais a escolha de um equivalente adequado depende
fatores estritamente linguumliacutesticos (como colocaccedilotildees e expressotildees idiomaacuteticas) ou extra-
linguumliacutesticos mas Baker adverte que eacute praticamente impossiacutevel oferecer orientaccedilotildees absolutas
precisas para se lidar com os vaacuterios tipos de natildeo-equivalecircncia Sua primeira orientaccedilatildeo eacute
compreender a diferenccedila na estrutura de campos semacircnticos das liacutenguas de partida e de
chegada o que permite ao tradutor acessar o valor de um dado item dentro de um conjunto
lexical por exemplo no campo semacircntico temperatura a liacutengua inglesa possui quatro
divisotildees principais cold cool hot e warm38 em contraste com a liacutengua aacuterabe tambeacutem com
quatro divisotildees principais mas com diferenccedilas em relaccedilatildeo ao inglecircs baarid (coldcool) haar
(hot referindo-se ao tempo ou clima) saakhin (hot referindo-se a objetos) e daafi (warm)
37 Com as devidas reservas agrave relatividade do que se entende sobre equivalecircncia em traduccedilatildeo Conforme disposto no capiacutetulo anterior desta dissertaccedilatildeo seria mais seguro reportar a semelhanccedila similaridade adequaccedilatildeo etc evitando-se principalmente o conceito matemaacutetico desta expressatildeo (na acepccedilatildeo de Catford 1980) ou relativizando-se o que Vinay e Darbelnet (1957) Nida (apud BASSNETT 2003 55) e outros autores dizem sobre o assunto Entretanto o termo equivalecircncia ainda eacute frequumlente em textos de autores renomados dos estudos de traduccedilatildeo como no caso de Mona Baker (1992)
38 Em portuguecircs aproximadamente gelado frio quente e morno
57
Acerca do que diz Baker acima todavia percebe-se que mesmo que se
compreendam essas diferenccedilas restam as dificuldades de traduccedilatildeo que competem ao tradutor
resolver em aspecto bastante razoaacutevel ou mesmo exato ou entatildeo em aspecto aproximado ou
de efeito similar semelhante com evidentes perdas ou acreacutescimos No niacutevel das palavras as
estrateacutegias expostas por Baker compreendem resoluccedilotildees relativas a itens ou categorias a)
conceitos especiacuteficos da cultura b) quando o conceito da liacutengua de partida natildeo possui item
lexical na liacutengua de chegada c) quando a palavra da liacutengua de partida eacute de significado
complexo d) quando o significado eacute distinto na liacutengua de partida e na liacutengua de chegada e)
quando falta agrave lingua de chegada uma palavra geral (superordenada) 39 para reger o campo
semacircntico apesar da existecircncia de hipocircnimos (palavras especiacuteficas) f) quando falta um
vocaacutebulo especiacutefico na liacutengua de chegada (hipocircnimo) g) quando haacute diferenccedilas na perspectiva
fiacutesica ou interpessoal h) quando haacute diferenccedilas no significado expressivo i) quando haacute
diferenccedilas na forma j) quando haacute diferenccedilas na frequumlecircncia e no propoacutesito ao se usar formas
especiacuteficas k) no uso de empreacutestimos no texto de partida
Baker (1992 26-42) menciona algumas estrateacutegias utilizadas por tradutores
profissionais a respeito de alguns dos problemas relatados das quais se destacam a
substituiccedilatildeo cultural o uso de um empreacutestimo ou deste acrescido de uma explicaccedilatildeo a
paraacutefrase com o uso de uma palavra relacionada ou com palavras natildeo relacionadas a omissatildeo
222 Expressotildees idiomaacuteticas
Segundo Pedersen (1997 109) natildeo haacute um acordo definitivo sobre como definir
expressatildeo idiomaacutetica Pedersen entretanto usa o termo expressatildeo idiomaacutetica no sentido de
um modo caracteriacutestico de se expressar Baker (1992 63) por sua vez coloca as expressotildees
idiomaacuteticas dentro dos tipos de colocaccedilotildees As colocaccedilotildees para ela satildeo padrotildees da liacutengua
relativamente flexiacuteveis que permitem diversas variaccedilotildees na forma 40 por exemplo deliver a
letter delivery of a letter a letter has been delivered having delivered a letter
Baker afirma que as expressotildees idiomaacuteticas e as expressotildees fixas satildeo tambeacutem
colocaccedilotildees mas que estatildeo no fim da escala das variaccedilotildees pois satildeo padrotildees riacutegidos da
linguagem que permitem pouca ou nenhuma variaccedilatildeo na forma ou no caso das expressotildees
39 Segundo Baker superordinate
40 fairly flexible patterns of language which allow several variations in form
58
idiomaacuteticas frequumlentemente trazem significados que natildeo podem ser deduzidos a partir de seus
componentes individuais 41 Alguns exemplos de expressotildees idiomaacuteticas da liacutengua inglesa
It s raining cats and dogs storm in a tea cup like water off a duck s back etc
(BAKER 1992 65)
Como se pode perceber a partir desses exemplos as expressotildees idiomaacuteticas
podem ou natildeo encontrar correspondentes em outras liacutenguas Muitas vezes essa
correspondecircncia natildeo eacute exata e depende muito do universo sociocultural e linguumliacutestico de uma
dada cultura Assim ao se tentar traduzir para o portuguecircs as expressotildees idiomaacuteticas citadas
por Baker algumas diferenccedilas satildeo notadas nessa transferecircncia devido ao modo particular que
cada cultura emprega essas expressotildees It s raining cats and dogs encontra na sua traduccedilatildeo
literal algo como Estaacute chovendo gatos e cachorros o que pode causar estranhamento assim
a traduccedilatildeo mais adequada deve relativizar como uma expressatildeo funciona na liacutengua de partida
e se haacute algo semelhante na liacutengua de chegada assim em portuguecircs a expressatildeo poderia ser
solucionada como Estaacute caindo um toroacute ou ainda Que aguaceiro Estaacute chovendo
canivete que exprimem o mesmo teor semacircntico em inglecircs que se refere de fato ao
excesso de chuva De modo semelhante storm in a tea cup encontra em portuguecircs a
expressatildeo tempestade em copo d aacutegua (enquanto que a traduccedilatildeo literal seria tempestade
numa xiacutecara de chaacute ) e like water off a duck s back teria a expressatildeo relativa em chover
no molhado ou fazer risco na aacutegua
Para Pedersen (1997 109) as expressotildees idiomaacuteticas datildeo sabor ao texto e que a
sua ausecircncia o empobrece Entretanto na traduccedilatildeo existe o problema de que a expressatildeo
idiomaacutetica pode natildeo ter correspondecircncia na liacutengua de chegada Nesse caso Pedersen na
traduccedilatildeo sugere o uso de uma expressatildeo natildeo idiomaacutetica ou o uso de uma palavra que seja
mais adequada possiacutevel obviamente com o risco de a traduccedilatildeo ficar empobrecida em relaccedilatildeo
ao texto de partida caso esses recursos sejam utilizados com frequumlecircncia
Baker (1992 65) expotildee as principais dificuldades de traduzir expressotildees
idiomaacuteticas e expressotildees fixas a) quando natildeo haacute equivalente na liacutengua de chegada b) quando
haacute equivalente na liacutengua de chegada mas o contexto de uso pode ser diferente c) quando uma
expressatildeo idiomaacutetica pode ser usada no texto de partida tanto em sentido literal ou em sentido
idiomaacutetico e d) quando a convenccedilatildeo de uso de expressotildees idiomaacuteticas no discurso escrito os
contextos nos quais elas podem ser usadas e sua frequumlecircncia de uso pode ser diferente na
liacutengua de partida e na liacutengua de chegada
41 frozen patterns of language which allow little or no variation in form and in the case of idioms often carry meanings which cannot be deduced from their individual components
59
223 A sugestividade do tiacutetulo
Toda criaccedilatildeo deve receber um nome um tiacutetulo ou algo parecido a fim de que se
tenha uma referecircncia Trata-se de algo comparaacutevel agrave situaccedilatildeo em que os pais de uma crianccedila
sentem a necessidade de identificar seus filhos conferindo-lhes reconhecimento e
personificaccedilatildeo perante a sociedade No campo das artes isso tem a sua importacircncia por
chamar a atenccedilatildeo do espectador ouvinte ou leitor para algo que talvez lhe desperte a
curiosidade ou interesse pela obra O tiacutetulo cria um impacto inicial eacute um ponto de partida que
pode antecipar claramente por exemplo o enredo o conteuacutedo da histoacuteria e pode ser um
determinante para o sucesso da obra Quando ele natildeo oferece clareza imediata isso talvez
constitua um problema real ou um equiacutevoco ou tambeacutem uma soluccedilatildeo feliz que traz algo
enigmaacutetico ou sutil que muitas vezes instiga a curiosidade e a perspicaacutecia do leitor
Independentemente da escolha do tiacutetulo ser bem ou mal-sucedida a verdade eacute
que quando acontece a motivaccedilatildeo para traduzir a obra para outra liacutengua eis um importante
problema como traduzi-la Um exemplo bem comum estaacute nos filmes que com muita
frequumlecircncia sofrem alteraccedilotildees muitas vezes em virtude da cultura de chegada A produccedilatildeo
binacional BrasilEstados Unidos intitulada Jenipapo (1996) de Monique Gardenberg por
exemplo transformou-se em The Interview quando lanccedilada em paiacuteses de liacutengua inglesa por
outro lado filmes estrangeiros lanccedilados no Brasil tecircm seus tiacutetulos alterados como Tubaratildeo
(1975) de Steven Spielberg que na verdade em inglecircs se chama Jaws Ou o musical West
Side Story (1961) dirigido por Robert Wise rebatizado de Amor Sublime Amor Essas
alteraccedilotildees por vezes satildeo acidentais advindas de erros de traduccedilatildeo Na literatura Clifford
Landers (2001 140) menciona que alguns erros de traduccedilatildeo jaacute se tornaram tatildeo consagrados
em tiacutetulos que de outra forma trariam estranhamento The Stranger de Albert Camus na
verdade em respeito ao original deveria ser The Foreigner Les Quatre Cents Coups no
francecircs de Franccedilois Truffaut transformou-se no incompreensiacutevel 400 Blows em inglecircs
Segundo Landers (2001 140) mudanccedilas no tiacutetulo podem ocorrer devido a
disparidades entre a liacutengua de partida e a liacutengua de chegada de ordem cultural linguumliacutestica
histoacuterica ou geograacutefica A intenccedilatildeo eacute possibilitar que o leitor da liacutengua de chegada consiga ter
acesso mais faacutecil agrave obra diminuindo as potenciais estranhezas do outro Entretanto ele faz
uma ressalva deve-se fazer isso sem adulterar ou melhorar o original Aleacutem disso apesar
das sugestotildees do tradutor realmente serem criativas e apropriadas a decisatildeo final cabe ao
editor que muitas vezes avalia e prioriza um tiacutetulo chamativo e que ajude em propoacutesitos
lucrativos a comercializaccedilatildeo (LANDERS 2001 145)
60
Pelo menos aparentemente as diferenccedilas entre as liacutenguas e as culturas parecem se
atenuar ou se asseverar conforme o seu grau de parentesco a exemplo da anaacutelise de Landers
(2001 141-142) tomando como ponto de partida obras literaacuterias escritas em inglecircs e
traduzidas em francecircs alematildeo italiano e espanhol citadas no Dictionary of Translated Names
and Titles de Adrian Room Examinando o tiacutetulo As I Lay Dying ele percebe a semelhanccedila
entre o inglecircs e a traduccedilatildeo alematilde por serem ambas as liacutenguas germacircnicas com a
caracteriacutestica peculiar de compor palavras e conceitos por agrupamento ou justaposiccedilatildeo
resultam num efeito idecircntico Por outro lado as outras liacutenguas citadas neste exemplo
romacircnicasneolatinas apresentam soluccedilotildees semelhantes entre si distanciando-se um pouco do
original soando como As (While) I Lie Dying pois utilizam o tempo verbal no tempo presente
simples talvez em decorrecircncia do presente habitual caracteriacutestico dessas culturas que permite
recontar eventos do passado no presente criando impressatildeo de linguagem direta imediata
Trata-se de um exemplo interessante todavia eacute necessaacuterio ter grande cautela quanto ao
argumento da familiaridade ou parentesco entre as liacutenguas pois existem tantas
particularidades que a traduccedilatildeo fica suscetiacutevel a armadilhas ateacute mesmo no niacutevel
intralinguumliacutestico isto eacute nas diferenccedilas que ocorrem dentro de uma mesma liacutengua sob a
perspectiva das suas variedades (idioma liacutengua dialeto socioleto idioleto) e variaccedilotildees (tom
registro)
Ainda segundo Landers (2001 145) as mudanccedilas de tiacutetulo podem ser de vaacuterios
tipos opcionais onde o objetivo eacute chegar a um tiacutetulo melhor mais propiacutecio para as vendas ou
mais acessiacutevel para o consumidor caprichosas as quais natildeo mostram uma razatildeo evidente a
natildeo ser exibir a engenhosidade de algueacutem desastrosas quando o tiacutetulo traduzido provoca
equiacutevocos ou eacute menos atrativo e por fim as obrigatoacuterias em situaccedilotildees em que natildeo haacute
conciliaccedilatildeo pois o tiacutetulo original apesar de agraves vezes ser muito claro para os leitores da liacutengua
de partida natildeo oferece a mesma clareza para os leitores da traduccedilatildeo
Dentre vaacuterios exemplos de traduccedilotildees literaacuterias brasileiras Animal Farm de
George Orwell obteve sucesso com o seu tiacutetulo adaptado para A Revoluccedilatildeo dos Bichos na
traduccedilatildeo de Heitor Aquino Ferreira publicada pela Editora Globo Satildeo Paulo 2000 Trata-se
de uma mudanccedila necessaacuteria dentre as obrigatoacuterias pois simplesmente traduzir Animal Farm
ao peacute da letra (algo como A Fazenda Animal ou A Fazenda dos Animais) provavelmente natildeo
diria muita coisa ao puacuteblico brasileiro A vantagem desta soluccedilatildeo se realiza pela associaccedilatildeo
imediata do tiacutetulo em portuguecircs com o enredo da obra trata-se de um romance que possui
contornos de faacutebula moderna em que os animais de uma propriedade rural revoltados com os
maus tratos e exploraccedilatildeo por seu senhor rebelam-se e sob a lideranccedila dos porcos promovem
61
uma revoluccedilatildeo expulsam aquele fazendeiro tomando a propriedade Eacute necessaacuterio no entanto
compreender que sua histoacuteria eacute uma saacutetira agrave Revoluccedilatildeo Russa de 1917 e que muitos desses
animais tecircm perfil sugestivo satildeo caricaturas de pessoas reais envolvidas naquele
acontecimento histoacuterico
224 Nomes proacuteprios
Os nomes de personagens muitas vezes vatildeo aleacutem da mera funccedilatildeo de batismo e
atendem ao propoacutesito de atribuir aspectos fiacutesicos eou psicoloacutegicos ao seu possuidor Boa
parte dos escritores utiliza sua criatividade em sugerir alguma coisa impliacutecita ou
implicitamente pelo nome que datildeo a seus personagens Hermans (1988 11-13 e 1996 35)
afirma que os nomes proacuteprios na traduccedilatildeo podem ser divididos em duas categorias a
convencional
em que natildeo haacute motivaccedilatildeo por traacutes da origem e significado dos nomes e a
intencional
em que os nomes literaacuterios satildeo motivados e por isso satildeo sugestivos ou
expressivos dos quais podem advir associaccedilotildees histoacutericas ou culturais no contexto de certa
cultura Lefevere com base em Burton Raffel destaca que
os escritores agraves vezes usam nomes natildeo apenas para identificar personagens num poema conto romance ou peccedila teatral mas tambeacutem para descrever esses personagens O nome geralmente conteacutem uma alusatildeo a certa palavra na liacutengua e essa alusatildeo permite que os leitores caracterizem os personagens muito melhor do que nomes como Smith
ou Brown o nome do protagonista em Young Goodman Brown de Hawthorne (Raffel 45-57) Brown eacute um nome neutro mas Goodman que originalmente significava algo como mister
[senhor] e que natildeo estaacute mais em uso corrente tende a acrescentar uma sombra positiva de significado precisamente
e de forma irocircnica porque natildeo eacute mais de uso corrente (LEFEVERE 1994 39) 42
Outros exemplos aproveitando a menccedilatildeo feita a Hawthorne encontram-se em
The Scarlet Letter (A Letra Escarlate) ambientado no seacuteculo XVII durante a colonizaccedilatildeo dos
Estados Unidos pelos puritanos cuja trama envolve um caso de adulteacuterio entre a heroiacutena
Hester Prynne e um pastor local Arthur Dimmensdale Alguns nomes satildeo sugestivos em
consonacircncia com o papel desempenhado pelo seu possuidor
42 Writers sometimes use names not just to name characters in a poem story novel or play but also to describe those characters The name usually contains an allusion to a certain word in the language and that allusion allows readers to characterize characters to a greater extent than names like Smith would
or Brown the name of the protagonist in Hawthorne s Young Goodman Brown (Raffel 45-57) Brown itself is a neutral name but Goodman which originally meant something like mister and is no longer in current usage tends to add a positive shade of meaning precisely ironically because it is no longer current
62
O reverendo Arthur Dimmensdale
seu sobrenome revela algo sobre sua fraqueza de
caraacuteter e hesitaccedilatildeo pois a derivaccedilatildeo do verbo inglecircs dim possui tal conotaccedilatildeo
O vilatildeo esposo de Hester Prynne Roger Chillingworth
o verbo chill (arrepiar-se
sentir calafrio gelar) associado ao substantivo worth (valor qualidade) neste
contexto diz literalmente que este personagem inspira medo
Pearl (peacuterola) a menina fruto desse amor proibido remete a algo valioso mas que foi
resultado de sofrimento (a peacuterola se forma em virtude de uma reaccedilatildeo uma rejeiccedilatildeo
provocada por um pequeno corpo estranho na ostra)
Dom Casmurro personagem de Machado de Assis eacute tambeacutem um nome que
revela uma intenccedilatildeo por parte do autor explicitada pelo proacuteprio narrador-personagem Natildeo
consultes dicionaacuterios Casmurro natildeo estaacute aqui no sentido que eles lhe datildeo mas no que lhe pocircs
o vulgo de homem calado e metido consigo Dom veio por ironia para atribuir-me fumos de
fidalgo (MACHADO DE ASSIS 1994 1)43
Scott-Buccleuch apud Hatje-Faggion (2001 199) explica suas dificuldades de
traduccedilatildeo para o inglecircs do romance Dom Casmurro (1992) dentre elas o nome-tiacutetulo
as dificuldades do tradutor apresentam trecircs dimensotildees Em primeiro lugar haacute palavras em portuguecircs que natildeo tecircm equivalente exato em inglecircs ou que Machado de Assis usa deliberadamente num sentido incomum O tiacutetulo eacute uma ilustraccedilatildeo disso Casmurro significa sombrio introvertido irritadiccedilo teimoso sugerindo ainda um ar de tristeza que natildeo se traduz completamente por taciturno 44
A traduccedilatildeo para o portuguecircs de Animal Farm romance de George Orwell (A
Revoluccedilatildeo dos Bichos) realizada por Heitor Aquino Ferreira apresenta as seguintes soluccedilotildees
para nomes dos porcos MajorMajor NapoleonNapoleatildeo SnowballBola-de-Neve
SquealerGarganta e MinimusMinimus dos catildees JessieBranca BluebellLulu e
PincherCata-Vento do cavalo BoxerSansatildeo das eacuteguas CloverQuiteacuteria e MollieMimosa da
cabra branca Muriel Maricota do burro BenjaminBenjamim do corvo MosesMoiseacutes do
proprietaacuterio da Manor Farm Granja do Solar Mr JonesSenhor Jones e de outros homens
43 Don t bother to look up in the dictionary Taciturn is not used literally but in the more popular sense of a man who says little and keeps to himself The Lord is ironic to endow me with aristocratic airs (SCOTT-BUCCLEUCH apud HATJE-FAGGION 2001 200)
44 The difficulties of the translator are threefold In the first place there are words in Portuguese that have no exact equivalent in English or that Machado de Assis deliberately uses in an unusual sense The very title is an illustration of this Casmurro means gloomy withdrawn irritable stubborn with an overlying air of sadness which is not completely rendered by taciturn
63
como Mr FrederickSr Frederick Mr PilkingtonSr Pilkington e Mr WhymperSr
Whymper
Pelos exemplos acima percebe-se que alguns nomes satildeo mantidos (Major
Minimus Jones Frederick Pilkington Whymper) adaptadosaportuguesados com
transliteraccedilatildeo (Napoleatildeo Benjamim Moiseacutes) traduzidos (Bola-de-Neve) ou ateacute mesmo
trocados (Garganta Branca Lulu Cata-Vento Sansatildeo Quiteacuteria Mimosa Maricota Granja
do Solar) Isso faz supor que deve haver certos criteacuterios quando a questatildeo eacute lidar com nomes
proacuteprios ao se traduzir uma obra literaacuteria
Haacute outros numerosos nomes sugestivos em obras da literatura mundial entretanto
os exemplos acima jaacute podem servir para se perceber algumas possiacuteveis dores de cabeccedila para o
tradutor que procure transmitir em portuguecircs brasileiro o mesmo recado embutido nestes
nomes ateacute mesmo para a personagem Pearl de Hawthorne mencionada acima facilmente
identificaacutevel como Peacuterola mas que eacute um nome incomum no Brasil o que talvez resulte para
alguns leitores numa pequena esquisitice
Alguns criteacuterios e sugestotildees satildeo dados por Peter Newmark (1988 214-216) que
discorre sobre a traduccedilatildeo de nomes proacuteprios de pessoas aleacutem de nomes de objetos e termos
geograacuteficos Em relaccedilatildeo a nomes de pessoas a primeira sugestatildeo citada por Newmark eacute
normalmente transferir os nomes e sobrenomes preservando sua nacionalidade assumindo
que natildeo haacute nenhuma conotaccedilatildeo por traacutes desses nomes no texto45 Entretanto ele alerta que
esta eacute uma questatildeo relativa e que haacute exceccedilotildees
haacute exceccedilotildees nomes de santos e de monarcas agraves vezes satildeo traduzidos quando satildeo transparentes mas alguns reis franceses (Louis Franccedilois) satildeo transferidos Nomes
de papas satildeo traduzidos Algumas figuras importantes da Greacutecia claacutessica () e da Renascenccedila satildeo naturalizados nas principais liacutenguas europeacuteias (NEWMARK 1988 214-215)46
Especificamente na traduccedilatildeo literaacuteria Newmark esclarece
ainda resta a questatildeo dos nomes que tecircm conotaccedilotildees na literatura imaginativa Nas comeacutedias alegorias contos de fadas e em algumas histoacuterias para crianccedilas os nomes
45 Normally people s names and surnames are transferred thus preserving their nationality and assuming that their names have no connotations in the text (NEWMARK 1988 214)
46 There are exceptions the names of saints and monarchs are sometimes translated if they are transparent but some French kings (Louis Franccedilois are transferred The names of popes are translated Some prominent figures of classical Greece ( ) and the Renaissance ( ) are naturalised in the main European languages
64
satildeo traduzidos () a menos que como nos contos folcloacutericos a nacionalidade seja importante (NEWMARK 1988 215)47
Nos casos em que Newmark considera as conotaccedilotildees e a nacionalidade como
importantes ele faz as seguintes sugestotildees
quando tanto as conotaccedilotildees (feitas por meio de efeitos sonoros eou nomes transparentes) como a nacionalidade satildeo significantes tenho sugerido que o melhor meacutetodo eacute primeiro traduzir a palavra que faz parte do nome proacuteprio da liacutengua de partida para a liacutengua de chegada e entatildeo naturalizar essa palavra traduzida de volta num novo nome proacuteprio da liacutengua de partida
mas normalmente soacute quando o nome do personagem ainda natildeo eacute corrente entre leitores de bom niacutevel escolar da liacutengua de chegada (NEWMARK 1988 215)48
Neste sentido Newmark cita este procedimento adotado com eficaacutecia por Michael
Holman ao traduzir para o inglecircs a obra Ressurreiccedilatildeo de Tolstoacutei Os nomes dos personagens
sofreram transformaccedilotildees Nabatov alarm Alarmov Toksinsky Toporov axe
Hackitov Hatchetinsky Khororshavka pretty Belle Chi-Chi
(NEWMARK 1988 215)
Haacute ateacute mesmo casos em que os nomes precisam ser trocados segundo a
perspectiva da recepccedilatildeo pois de outra forma o efeito poderia se perder por completo Este eacute
um dos motivos que Newmark coloca por exemplo em se traduzir Harriet
uma galinha
personagem de P G Wodehouse em Love among the Chickens por Laura em sueco
(1) Como se trata de um romance de tom leve natildeo haacute nada de sacrossanto acerca do nome proacuteprio da liacutengua de partida (2) O nome natildeo combina [com uma galinha] e deve [por esta razatildeo] suscitar o riso ou a gargalhada (3) Harriet eacute especificamente inglecircs e conota um preciosismo antiquado (4) Esta conotaccedilatildeo seria perdida em qualquer liacutengua de chegada e logo eacute caso para adotar um nome proacuteprio que faccedila uma compensaccedilatildeo cultural como Laura (5) Laura eacute um nome frequumlentemente considerado romacircntico belo e idealizado (relacionado com Petrarca) Novamente natildeo combina com uma galinha (6) Quaisquer conotaccedilotildees especiais devem ser consideradas para Laura em sueco () (NEWMARK 1988 215) 49
47 There remains the question of names that have connotations in imaginative literature In comedies allegories fairy tales and some children s stories names are translated ( ) unless as in folk tales nationality is important
48 Where both connotations (rendered through sound-effects andor transparent names) and nationality are significant I have suggested that the best method is first to translate the word that underlies the SL proper name into the TL and then to naturalise the translated word back into a new SL proper name
but normally only when the character s name is not yet current amongst an educated TL readership
49(1) As this is a light novel there is nothing sacrosant about the SL proper name (2) The name is incongruous and should raise a smile or a laugh (3) Harriet is specifically English and connotes an old-fashioned fussiness ( ) (4) This connotation would be lost in any TL and therefore there is a case for adopting a culturally overlapping proper name such as Laura
65
Quanto a nomes de ruas e de lugares Newmark (1988 214) sugere que se adotem
as formas jaacute estabelecidas Nesse caso entatildeo haveraacute a transcriccedilatildeo dos nomes tais como
aparecem no texto de partida o que no entanto natildeo constitui uma regra riacutegida conforme
aponta Hatje-Faggion referindo-se a dois romances de Machado de Assis traduzidos para o
inglecircs por Clotilde Wilson (Quincas BorbaThe Heritage of Quincas Borba) e William L
Grossman (Memoacuterias Poacutestumas de Braacutes CubasEpitaph of a Small Winner)
() os tradutores dos romances de Machado de Assis fazem opccedilotildees diferentes Wilson (The Heritage) por exemplo verte para Milan (p 215) Praia Vermelha para Vermelha Beach (p 215) Rua da Harmonia se torna Harmonia Street (p 128) e Praccedila do Comeacutercio se transforma em Comeacutercio Square (p 145) Grossman (Epitaph) tende a transcrever os nomes das ruas como Rua dos Barbonos (p 114) mas verte os nomes de lugares como Praia do Flamengo que se torna Flamengo Beach (p 167) e Banco do Brasil que eacute vertido em Bank of Brazil (p 108) (HATJE-FAGGION 2001 151)50
Lefevere (1992 40) afirma que tambeacutem eacute possiacutevel fazer alusotildees literaacuterias por
meio de nomes como no poema The Journal of Society de Godfrey Turner onde um
personagem pergunta a outro Oh have you seen the Tattlesnake and have you read what s
in it Tatler era o nome de um jornal inglecircs do seacuteculo XVIII dirigido por Joseph Addison e
Richard Steele que influenciou no desenvolvimento do ensaio como gecircnero na Inglaterra
Sobre este exemplo Lefevere ainda esclarece que tal nome foi adotado por muitos outros
jornais geralmente muito mais devotados agraves fofocas do que para algo que inspirasse o
desenvolvimento de gecircneros literaacuterios de valor
Assim tentar traduzir Tatler ou manter esta palavra intacta invariavelmente
produziraacute uma perda de significado porque este estaacute muito ligado agrave cultura de origem como
no caso de uma espeacutecie de planta ou animal endecircmicos isto eacute que somente existem num local
determinado uacutenico e sua compreensatildeo somente eacute plena para os nativos daquele lugar Nesta
situaccedilatildeo e em outras semelhantes o tradutor poderaacute adotar as seguintes alternativas conforme
a terminologia proposta por Heloiacutesa Gonccedilalves Barbosa (2004 71-77) realizar uma
transferecircncia
que consiste em introduzir material textual da LO [liacutengua original] no TLT
(5) Laura is often considered to be a romantic beautiful idealised name (connected with Petrarch) Again incongruous for a chicken (6) Any special connotations have to be considered for Laura in Swedish ( )
50 () the translators of Machado de Assis novels make different options Wilson (The Heritage) for example renders Milatildeo as Milan (p 115) Praia Vermelha as Vermelha Beach (p 215) Rua da Harmonia becomes Harmonia Street (p 128 and Praccedila do Comeacutercio is turned into Comeacutercio Square (p 145) Grossman (Epitaph) tends to transfer the name of the streets as in Rua dos Barbonos (p 114) but renders the name of places such as Praia do Flamengo which becomes Flamengo Beach (p 167) and Banco do Brasil which is turned into Bank of Brazil (p 108)
66
[texto na liacutengua da traduccedilatildeo] (BARBOSA 2004 71)
por estrangeirismo
que consiste
em transferir (transcrever ou copiar) para o TLT vocaacutebulos ou expressotildees da LO que se
refiram a um conceito teacutecnica ou objeto mencionado no TLO [texto na liacutengua original]
(BARBOSA 2004 71) acrescentar a essa transferecircncia por estrangeirismo uma explicaccedilatildeo
de seu significado por uma nota de rodapeacute nota no final do capiacutetulo pela diluiccedilatildeo do texto ou
nota como parte de um glossaacuterio no final do livro optar pela explicaccedilatildeo eliminando o
estrangeirismo para facilitar a compreensatildeo ou por fim fazer uma adaptaccedilatildeo
que aplica-
se em casos onde a situaccedilatildeo toda a que se refere a TLO natildeo existe na realidade
extralinguumliacutestica dos falantes da LT [liacutengua da traduccedilatildeo] Esta situaccedilatildeo pode ser recriada por
uma outra equivalente na realidade extralinguumliacutestica da LT (BARBOSA 2004 75)
A transferecircncia por estrangeirismo talvez seria a soluccedilatildeo mais faacutecil entretanto
existe a possibilidade de que ela cause dificuldades ao leitor de chegada uma estranheza que
ateacute mesmo poderia resultar num texto hermeacutetico A explicaccedilatildeo por sua vez quebraria o
impacto imediato suscitado pela palavra expressatildeo ou frase pelo desvio da atenccedilatildeo do leitor
para uma explicaccedilatildeo que necessariamente exigiria mais tempo A adaptaccedilatildeo por seu turno
obviamente resultaria ou em acreacutescimos ou em perdas ou em algum tipo de manipulaccedilatildeo
Apesar desses problemas deve-se chegar a uma soluccedilatildeo e essa difiacutecil tarefa
depende do bom-senso do tradutor que faraacute sua escolha sempre ponderando as
consequumlecircncias quando natildeo existir nenhum ponto paciacutefico Sua opccedilatildeo seraacute entatildeo aquela
que provavelmente resulte no menor prejuiacutezo e na menor alteraccedilatildeo possiacutevel do significado
225 Formas de tratamento e vocativos
Garcez (1992 155) ao discutir sobre as dificuldades de traduzir formas de
tratamento estabelece diferenccedilas entre o portuguecircs brasileiro e o inglecircs O direcionamento da
traduccedilatildeo colocado na ordem inglecircs (liacutengua de partida)
portuguecircs (liacutengua de chegada)
evidencia praacuteticas comuns arraigadas de tradutores as quais esse criacutetico questiona e
apresenta alternativas
A primeira diferenccedila diz respeito ao problema do pronome pessoal you que natildeo eacute
muito claro agraves vezes traduzido por o senhora senhora neste caso segundo Garcez (1992
155) marca uma distinccedilatildeo em grau de poder O criacutetico natildeo faz referecircncia a outros significados
possiacuteveis para you que tambeacutem pode ser traduzido por os senhoresas senhoras tuvoacutes
vocecircvocecircs o que deixa clara a relativa neutralidade dessa palavra inglesa
67
O principal problema apontado por Garcez eacute referente ao uso padratildeo em inglecircs
dos tiacutetulos Mr Mrs Miss Ms (por exemplo Mr Burton Miss Marple Mrs Wilson e Ms
Brown) que conquanto tenham no uso brasileiro padratildeo de uso mais comum
respectivamente os vocaacutebulos Seu e Dona muitas vezes na traduccedilatildeo do inglecircs para o
portuguecircs brasileiro satildeo anglicizados ou seja Mr = Sr (Senhor) Mrs = Sra (Senhora)
MissMs = Srta (Senhorita) Entretanto o criacutetico assinala que no caso de histoacuterias de
detetives o que ele chama de anglicismos para pronomes de tratamento jaacute eacute natural pois esse
gecircnero literaacuterio (de tradiccedilatildeo anglo-saxatilde)51 jaacute foi absorvido ou naturalizado na cultura
brasileira (GARCEZ 1992 158)
Rosa (2000 35) afirma que a escolha de formas de tratamento pode criar
problemas especiacuteficos de traduccedilatildeo em conformidade com ideacuteias expressadas por Baker
a dimensatildeo da familiaridaderespeito no sistema de pronomes estaacute entre os aspectos mais fascinantes da gramaacutetica e entre os mais problemaacuteticos em traduccedilatildeo Ela reflete o tom [ecircnfase de Baker] do discurso () e pode conceber toda uma gama de significados sutis As escolhas sutis envolvidas no uso de pronomes em liacutenguas que fazem distinccedilatildeo entre pronomes familiares [que designam intimidade] e natildeo familiares [que designam respeito] ficam mais complicadas pelo fato de que esse uso difere significantemente de um grupo social para outro e que ele muda o tempo todo de modo a refletir valores e atitudes sociais (BAKER 1992 98) 52
Entatildeo pode-se notar que o uso especial de pronomes por parte de certas liacutenguas
exige cuidados especiais do tradutor quando por exemplo um pronome designa intimidade
ou respeito (pronomes familiares ou natildeo familiares respectivamente segundo Baker) e tais
usos natildeo tecircm correspondecircncia simeacutetrica exata na liacutengua de chegada
51 Edgar Allan Poe escritor estadunidense eacute o primeiro nome importante a ser citado sobre histoacuterias de detetives no seacuteculo XIX por meio de seus contos e sobretudo do personagem criado por ele o detetive Dupin Outro nome que se destaca eacute do escocecircs Sir Arthur Conan Doyle o criador de Sherlock Holmes
52 the familiaritydeference dimension in the pronoun system is among the most fascinating aspects of grammar and the most problematic in translation It reflects the tenor of discourse ( ) and can convey a whole range of rather subtle meanings The subtle choices involved in pronoun usage in languages which distinguish between familiar and non-familiar pronouns is further complicated by the fact that this use differs significantly from one social group to another and that it changes all the time in a way that reflects changes in social values and attitudes
68
23 Linguagem e traduccedilatildeo
231 Terminologia e conceitos da Linguumliacutestica
2311 Idioma
Toda liacutengua estaacute sujeita a transformaccedilotildees decorrentes da aacuterea geograacutefica em que
se insere da cultura e do fator cronoloacutegico Pelo menos sob o prisma geograacutefico estas
diferenciaccedilotildees podem ser classificadas hierarquicamente desde o que se entende por
exemplo ser um idioma comum utilizado no Brasil em Portugal em Cabo Verde
Moccedilambique Angola etc Celso Ferrarezi Junior (sd1) propotildee o seguinte conceito para
idioma53
O conceito de idioma se confunde em muitos trechos da literatura linguumliacutestica com o conceito de liacutengua Historicamente poreacutem o conceito de idioma decorre do conceito de estado organizado e da necessidade (mais ideoloacutegica do que real diga-se) de estabelecer liacutenguas oficiais nesses estados A ideacuteia de idioma acaba evoluindo entatildeo para o que seria por definiccedilatildeo a liacutengua oficial de um estado organizado Essa liacutengua oficial como era de se esperar acaba se diferenciando de naccedilatildeo para naccedilatildeo em que uma mesma liacutengua eacute oficialmente falada (pex inglecircs dos Estados Unidos e inglecircs da Inglaterra portuguecircs do Brasil (brasileiro) e portuguecircs de Portugal)
Nesse campo Catford (1980 93) entende que o conceito de uma liacutengua
global 54 por ser tatildeo vasto e heterogecircneo natildeo eacute operacionalmente uacutetil para muitos fins
linguumliacutesticos descritivos comparativos e pedagoacutegicos Assim esse criacutetico apresenta um
esquema de categorias menores dentro do que chama de liacutengua global formadas por
idioletos dialetos registros estilos e modos
2312 Liacutengua
Ferrarezi Junior ao propor uma definiccedilatildeo de liacutengua expotildee algumas ideacuteias sobre a
complexidade desse assunto
53 Para facilitar a compreensatildeo o conceito de idioma pelo menos aqui adquire um aspecto geral enquanto que o conceito de liacutengua se encontra num niacutevel abaixo idioma portuguecircs (falado em vaacuterios paiacuteses e regiotildees do mundo) liacutengua portuguesa do Brasil liacutengua portuguesa de Portugal etc A questatildeo ainda permanece confusa quando por exemplo levamos em consideraccedilatildeo o inglecircs em que language se refere aos termos idioma liacutengua e linguagem neste contexto
54 Aqui o termo liacutengua global equipara-se a idioma
69
em muitas circunstacircncias a liacutengua eacute mais do que um mero sistema de comunicaccedilatildeo e funciona como um depoacutesito das experiecircncias culturais de uma comunidade experiecircncias essas que se revelam em construccedilotildees atiacutepicas em figuras que soacute fazem sentido em cenaacuterios muito especiacuteficos em estruturaccedilotildees sintaacuteticas que parecem fugir aos paracircmetros gramaticais impostos pela liacutengua e que em suma formam um conjunto peculiar de fatos da liacutengua como falada em uma comunidade que soacute podem ser justificados como o resultado de uma longa e complexa construccedilatildeo cultural por parte dessa comunidade de falantes (JUNIOR sd 1)
Ronald W Langacker (1972 51) por sua vez fala sobre as dificuldades de
conceituar o que eacute liacutengua enquanto que temos uma ideacuteia mal delineada e intuitiva do que
significa o termo liacutengua os usos da liacutengua satildeo tais que muitas vezes eacute extremamente difiacutecil na
praacutetica decidir quando o vocaacutebulo eacute bem empregado Ele destaca que
agrave primeira vista pode parecer natildeo haver problema O inglecircs eacute uma liacutengua assim como o francecircs e o holandecircs O inglecircs eacute a liacutengua falada nos Estados Unidos Inglaterra Canadaacute e alguns outros lugares o francecircs eacute a liacutengua falada na Franccedila parte do Canadaacute e assim por diante o holandecircs eacute a liacutengua falada nos Paiacuteses Baixos Mas as coisas natildeo satildeo de fato assim tatildeo simples Quando tentamos determinar fronteiras linguumliacutesticas verificamos que elas natildeo podem ser marcadas num mapa da mesma exata maneira como o satildeo as fronteiras nacionais pelo menos sem uma simplificaccedilatildeo grosseira (LANGACKER 1972 51)
Com estes argumentos Langacker se refere agrave dificuldade de se estabelecer
fronteiras linguumliacutesticas entre paiacuteses e regiotildees isto eacute as fronteiras geograacuteficas natildeo coincidem
plenamente com as fronteiras linguumliacutesticas como ele exemplifica
A fronteira entre o Meacutexico e os Estados Unidos por exemplo seraacute uma linha de demarcaccedilatildeo adequada entre o inglecircs e o espanhol Mas mesmo nesse caso algumas ressalvas devem ser feitas Muitas pessoas que moram perto da fronteira do lado americano falam espanhol melhor do que inglecircs e muitas falam apenas espanhol Aleacutem disso muitas pessoas do lado mexicano sabem inglecircs (LANGACKER 1972 52-53)
Desse modo o criacutetico expotildee a imprecisatildeo das fronteiras linguumliacutesticas
Entre a aacuterea na qual o inglecircs eacute falado com exclusatildeo total do espanhol e a aacuterea onde a situaccedilatildeo eacute inversa existe uma regiatildeo bastante grande onde ambas as liacutenguas satildeo usadas onde palavras inglesas se insinuam numa conversa em espanhol e assim por diante Mesmo nesse caso portanto qualquer linha riacutegida de demarcaccedilatildeo representa uma simplificaccedilatildeo grosseira (LANGACKER 1972 52-53)
Estas consideraccedilotildees tambeacutem se aplicam nos domiacutenios das liacutenguas
individualmente onde haacute uma suposta uniformidade jaacute que
mesmo nos Estados Unidos onde haacute relativamente pouca diversidade linguumliacutestica verificamos natildeo ser isso [a uniformidade linguumliacutestica] verdade mesmo se deixarmos
70
de lado as exceccedilotildees oacutebvias como o caso de pessoas que falam mais de uma liacutengua e as aacutereas (principalmente as grandes cidades) onde coexistem espanhol chinecircs italiano ou outras liacutenguas estrangeiras A liacutengua falada no Texas natildeo eacute igual agrave falada na Nova Inglaterra os habitantes do centro do paiacutes natildeo falam da mesma maneira que os habitantes do sul Temos todos ateacute certo ponto consciecircncia dessas diferenccedilas superficiais e mesmo nos divertimos agraves vezes agraves custas de outros dialetos (LANGACKER 1972 54)
Todas essas formulaccedilotildees encontram base em Saussure pois
assim como natildeo se poderia dizer onde termina o alto alematildeo e onde comeccedila o plattdeutsch assim tambeacutem eacute impossiacutevel traccedilar uma linha de demarcaccedilatildeo entre o alematildeo e o holandecircs entre o francecircs e o italiano Existem pontos extremos nos quais se pode dizer com seguranccedila Aqui impera o francecircs aqui o italiano entretanto quando entramos nas regiotildees intermediaacuterias vemos essa distinccedilatildeo se apagar uma zona compacta mais restrita imaginada para servir de transiccedilatildeo entre as duas liacutenguas como por exemplo o provenccedilal entre o francecircs e o italiano natildeo tem realidade (SAUSSURE 1974 236)
Diante disso esse criacutetico eacute conclusivo
como aliaacutes representar sob uma forma ou outra um limite linguumliacutestico preciso num territoacuterio coberto de um extremo a outro de dialetos gradualmente diferenciados As delimitaccedilotildees das liacutenguas se encontram sufocadas tanto quanto as dos dialetos nas transiccedilotildees Assim como os dialetos natildeo passam de subdivisotildees arbitraacuterias da superfiacutecie total da liacutengua assim tambeacutem o limite que se acredita separe duas liacutenguas soacute pode ser convencional (SAUSSURE 1974 236)
2313 Dialeto
Quando se fala em idioma portanto haacute diferenccedilas e peculiaridades entre os
falantes em relaccedilatildeo a este recurso de comunicaccedilatildeo Existe todavia uma unidade aparente que
vai se desfazendo agrave medida que o espaccedilo geograacutefico muda ou diminui (e tambeacutem por outras
razotildees como se veraacute adiante nesta dissertaccedilatildeo) As diferenccedilas se acentuam ocorrendo a
dialetaccedilatildeo Os dialetos por sua vez podem apresentar outras divisotildees sucessivamente Tais
divisotildees e subdivisotildees encontram ainda outros termos socioleto e idioleto
Baker (1992 15) define e classifica dialeto como uma variedade da liacutengua que
tem uso corrente dentro de uma comunidade ou grupo de falantes especiacuteficos
55 Ela ainda
classifica esse termo conforme as dimensotildees geograacutefica temporal e social Para a dimensatildeo
geograacutefica Baker utiliza como exemplos caracteriacutesticos um dialeto escocecircs ou dos Estados
Unidos em oposiccedilatildeo ao inglecircs britacircnico Assim como ilustraccedilatildeo o substantivo elevador em
55 a variety of language which has currency within a specific community or group of speakers
71
inglecircs apresenta pelo menos duas formas lift na Inglaterra e elevator nos Estados Unidos
No caso da dimensatildeo temporal Baker cita o exemplo de palavras e estruturas utilizadas em
periacuteodos diferentes na histoacuteria da liacutengua conforme verily (de uso mais antigo) e really (de uso
mais atual)56 Por fim ela expotildee o caso da dimensatildeo social em que palavras e estruturas satildeo
utilizadas por membros de classes sociais diferentes conforme scent e perfume napkin e
serviette57
Catford (1980 95) por sua vez denomina dialeto como a variante de liacutengua
relacionada com a proveniecircncia ou as filiaccedilotildees do performador numa dimensatildeo geograacutefica
temporal ou social Este teoacuterico classifica o dialeto em tipos o dialeto (propriamente dito)
ou dialeto geograacutefico que constitui a variante relacionada com a proveniecircncia geograacutefica do
performador por exemplo inglecircs americano inglecircs britacircnico inglecircs escocecircs dialeto
dos escoceses a eacutetat de langue ou dialeto temporal que eacute a variante relacionada com a
proveniecircncia do performador ou do texto por ele produzido na dimensatildeo do tempo por
exemplo inglecircs contemporacircneo inglecircs elisabetano inglecircs medieval dialeto social que
se consubstancia na variante relacionada com a classe ou o status social do performador por
exemplo E e natildeo-E (E = classe social mais elevada)
2314 Idioleto
O uacuteltimo niacutevel destas divisotildees (o idioleto seguindo a sequumlecircncia decrescente
idioma liacutengua dialeto) eacute aquele que se refere ao indiviacuteduo tomado isoladamente uacutenico
falante do seu proacuteprio dialeto A este respeito Langacker (1972 57-58) diz que natildeo haacute duas
pessoas com sistemas linguumliacutesticos absolutamente idecircnticos havendo sempre distinccedilatildeo entre
qualquer par de falantes seja por alguns pontos de sintaxe fonologia e vocabulaacuterio
Desenvolvendo esse argumento esse teoacuterico considera que cada falante tem seu proacuteprio
dialeto ou seja o idioleto
Por conseguinte se levarmos agraves uacuteltimas conclusotildees a proposiccedilatildeo de que um simples traccedilo eacute suficiente para estabelecer uma fronteira dialetal terminaremos por afirmar que cada falante tem o seu proacuteprio dialeto o qual natildeo eacute partilhado por nenhum outro falante () O termo idioleto eacute portanto frequumlentemente usado para designar o
56 Verily = really (adveacuterbios) realmente verdadeiramente
57 Scent = perfume perfume Napkin = serviette guardanapo Neste caso eacute atribuiacutedo um valor de sofisticaccedilatildeo para as palavras perfume e serviette por serem de origem francesa e por isso seu uso mais comum seria feito por pessoas de status social mais elevado
72
dialeto de uma pessoa e o termo dialeto eacute mais largamente definido (LANGACKER 1972 57-58)
O idioleto portanto eacute a expressatildeo linguumliacutestica particular de cada indiviacuteduo por
meio da qual cada ser humano eacute identificaacutevel sem que haja outro igual como se fosse uma
impressatildeo digital no niacutevel da liacutengua Nos termos de Catford (1980 95) eacute a variante de
liacutengua relacionada com a identidade pessoal do performador
2315 Variedade linguumliacutestica
William Labov importante linguumlista norte-americano da vertente
sociolinguumliacutestica desenvolveu a partir de estudos na deacutecada de 1960 a teoria da variaccedilatildeo
linguumliacutestica Trata-se de uma reaccedilatildeo ao modelo gerativo o qual natildeo inclui o componente social
como fator importante nos estudos linguumliacutesticos A sociologia da linguagem de Labov tenta
entender a liacutengua em seu contexto social considerando as mudanccedilas provocadas na liacutengua em
diversos contextos ou momentos em que os falantes atuam
o ponto de vista deste estudo consiste em que natildeo se pode compreender o desenvolvimento da mudanccedila de uma liacutengua fora da vida social da comunidade em que ela ocorre Ou falando de outra maneira as pressotildees sociais operam continuamente sobre a liacutengua natildeo apenas desde um ponto remoto no passado mas tambeacutem como uma forccedila social imanente que atua no presente vivenciado (LABOV apud SANTOS 2000)58
A partir destas formulaccedilotildees de Labov surge o termo variaccedilatildeo linguumliacutestica Assim
segundo R L Trask (2004 303) uma mesma liacutengua natildeo eacute usada de maneira totalmente
homogecircnea no interior de uma mesma comunidade Trask considera que essa variaccedilatildeo
acontece natildeo soacute no contexto de vaacuterios falantes (conforme sua profissatildeo ocupaccedilatildeo sexo faixa
etaacuteria regiatildeo geograacutefica etc) diferentes em momentos ou situaccedilotildees diferentes mas ateacute mesmo
no niacutevel de um soacute indiviacuteduo num uacutenico contexto quando haacute uma escolha livre em que ele
deseja se expressar variando sua linguagem Essa variaccedilatildeo portanto ocorre em vaacuterios niacuteveis
e remete a conceitos subjacentes discutidos pela Linguumliacutestica e pela Sociolinguumliacutestica citados
58 El punto de vista de este estuacutedio consiste en que no se puede comprender el desarrolo del cambio de un lenguaje fuera de la vida social de la comunidad en la que ocurre O dicho de outra manera las presiones sociales estaacuten operando continuamente sobre el lenguaje no desde un punto remoto del pasado sino como una fuerza social inmanente que actuacutea en el presente vivido
73
nos toacutepicos anteriores (idioma liacutengua dialeto socioleto idioleto) aleacutem dos conceitos de
variedade linguumliacutestica registro e tom
Langacker ao discutir sobre a natildeo coincidecircncia entre as fronteiras geograacuteficas e as
fronteiras linguumliacutesticas e sobre os dialetos de uma mesma liacutengua num mesmo territoacuterio afirma
a diversidade linguumliacutestica natildeo pode ser totalmente apreciada em termos geograacuteficos tem pelo menos duas outras dimensotildees Uma delas eacute a dimensatildeo dos grupos e classes sociais Dentro de uma aacuterea geograacutefica dada especialmente em aacutereas urbanas haacute diferenccedilas linguumliacutesticas relacionadas com a estrutura social Os membros da alta sociedade e os trabalhadores de classes econocircmicas inferiores em geral se distinguem de maneira bastante niacutetida quanto agrave sua fala ()(LANGACKER 1972 59)
Ainda segundo Langacker a diversidade linguumliacutestica possui outra dimensatildeo que
estaacute ligada aos proacuteprios falantes tomados individualmente
Cada falante tem natildeo apenas seu sistema linguumliacutestico uacutenico mas tem tambeacutem diferentes estilos de fala que emprega em circunstacircncias diversas O estilo usado quando se eacute entrevistado para um emprego eacute consideravelmente diferente do usado numa conversa com amigos por exemplo (LANGACKER 1972 59)
O conceito de variedade linguumliacutestica59 revela em si o conhecimento de que existe
uma grande diversificaccedilatildeo linguumliacutestica por exemplo no uso de vaacuterios dialetos que ateacute podem
ser semelhantes entre si mas que apresentam caracteriacutesticas proacuteprias Entretanto falta ao
conceito de variedade linguumliacutestica exprimir claramente que a liacutengua tambeacutem possui uma
flexibilidade associada ao momento em que ela eacute expressa em conjunto com outras variaacuteveis
os agentes humanos ao se comunicarem pela liacutengua tecircm uma grande versatilidade e dispotildeem
de um grande conjunto de dialetos sobre os quais tecircm a liberdade de acesso e podem assim
variar o seu uso conforme seu desejo com o uso de um ou outro dialeto sob as constantes
flutuaccedilotildees de referente as caracteriacutesticas do falante (sexo faixa etaacuteria ocupaccedilatildeo niacutevel de
escolaridade estado de humor etc) o ambiente ou situaccedilatildeo (formal informal) em que ele se
encontra aleacutem do perfil do seu interlocutor Para exprimir essas outras diferenccedilas existem
outros termos como registro e tom
59 Platt amp Platt e Richards (1992 347 397) tambeacutem utilizam os termos correlatos variedade (variety) e variedade do discurso (speech variety) Este uacuteltimo eacute assim definido a term sometimes used instead of LANGUAGE DIALECT SOCIOLECT PIDGIN CREOLE etc because it is considered more neutral than such terms It may also be used for different varieties of one language eg American English Australian English Indian English
( um termo agraves vezes utilizado em vez de LIacuteNGUA DIALETO SOCIOLETO PIDGIN CRIOULO etc porque eacute considerado mais neutro do que esses termos Tambeacutem pode ser utilizado para designar variedades diferentes de uma liacutengua eg inglecircs americano inglecircs australiano inglecircs indiano )
74
2316 Registro
Joaquim Mattoso Cacircmara Jr define assim registro
Termo adotado pela escola (v) linguumliacutestica de Londres para designar as mudanccedilas no uso da liacutengua por parte de um falante conforme a situaccedilatildeo social Assim o registro da conversaccedilatildeo familiar eacute diferente do de uma conversaccedilatildeo cerimoniosa o registro da liacutengua escrita diverge do da liacutengua oral e na literatura haacute um registro especial (v liacutengua) (CAcircMARA JR 1985 207)
Para David Crystal (1987 429) registro diz respeito a uma variedade linguumliacutestica
socialmente definida por exemplo cientiacutefica legal etc 60 Landers (2001 59) procura
esclarecer mais e apresenta este conceito dividindo-o em vaacuterias categorias natildeo
teacutecnicoteacutecnico informalformal urbanorural padratildeoregional jargatildeonatildeo jargatildeo
vulgarpolido Ele tambeacutem considera o registro como um ato contiacutenuo que varia desde o niacutevel
informal ao formal do niacutevel mais baixo ao mais elevado
Segundo Costa (1992 36-40) registro tem ligaccedilotildees com a gramaacutetica funcional
especialmente com o trabalho de Halliday Assim Halliday et al (1964) apud Costa (1992
36) utilizam os seguintes conceitos dialeto eacute uma variedade de acordo com o usuaacuterio 61 e
registro uma variedade de acordo com o uso 62
Entretanto o proacuteprio Halliday (1978 110-111) apud Costa (1992 36) faz outras
observaccedilotildees esta distinccedilatildeo geral [entre dialeto e registro] pode ser aceita mas em vez de se
caracterizar o registro mais por suas propriedades lexicogramaticais devemos sugerir
com
um texto por exemplo
uma definiccedilatildeo mais abstrata em termos semacircnticos 63 Halliday
entatildeo elabora outra definiccedilatildeo um registro pode ser definido como a configuraccedilatildeo de
recursos semacircnticos que um membro de uma cultura normalmente associa com um tipo de
situaccedilatildeo
(HALLIDAY 1978 110-111 apud COSTA 1992 36)64
Esse conceito de registro todavia tem sido amplamente criticado por outros
teoacutericos de acordo com Costa (1992 36) que menciona dentre eles Coulthard (1985 39)
60 a socially defined variety of language eg scientific legal etc
61 a variety according to the user
62 a variety according to the use
63 this general distinction can be accepted but instead of characterising a register largely by its lexicogrammatical properties we shall suggest as with text a more abstract definition in semantic terms
64 A register can be defined as the configuration of semantic resources that the member of a culture typically associates with a situation type
75
Crystal e Davy (1969 61) Assim apoacutes uma longa discussatildeo Costa (1992 30-40) apresenta o
termo registro numa acepccedilatildeo mais flexiacutevel que caracteriza a linguagem conforme campos
especiacuteficos do conhecimento humano (jargotildees profissionais a fala entre os diversos grupos
sociais heterogecircneos) o niacutevel de formalidade ou contextos especiacuteficos
Para Baker (1992 15-16) registro eacute uma variedade da liacutengua que um falante
considera apropriado para uma situaccedilatildeo especiacutefica 65 (ecircnfase da autora) Isso quer dizer que
dependendo do campo do discurso (field of discourse) do tom do discurso (tenor of
discourse) e do modo do discurso (mode of discourse) haveraacute mudanccedilas de registro Baker
(1992 16) explica esses trecircs fatores
Campo do discurso eacute aquilo que estaacute acontecendo durante o momento da fala em
que os participantes escolhem os itens linguumliacutesticos ou seja enquanto existe accedilatildeo ou debate
que envolve determinado assunto ou praacutetica Assim variaccedilotildees no campo do discurso
promovem variaccedilotildees de registro por exemplo se o falante estaacute jogando ou discutindo sobre
futebol fazendo amor ou discutindo sobre o amor fazendo um discurso poliacutetico ou discutindo
sobre poliacutetica realizando uma operaccedilatildeo meacutedica ou discutindo medicina
O tom do discurso eacute um termo abstrato para os relacionamentos entre as pessoas
que tomam parte no discurso 66 isto eacute satildeo mudanccedilas realizadas na linguagem por uma pessoa
dependendo com quem ela fala as relaccedilotildees interpessoais que estabelecem certos padrotildees
tiacutepicos de discurso segundo as diferenccedilas pessoais em termos de idade grau de intimidade
hierarquia ou posiccedilatildeo social etc matildeefilho meacutedicopaciente status superiorinferior etc Vale
observar tambeacutem o que Cacircmara Jr diz a respeito de tom apresentando-o como sinocircnimo de
acento
[acento] eacute a maior intensidade (acento de intensidade ou ICTO) ou a maior altura (acento de altura ou TOM) com que a emissatildeo de uma siacutelaba se opotildee agraves que lhe ficam contiacuteguas numa enunciaccedilatildeo O acento de intensidade ou de altura conforme a liacutengua entra na estruturaccedilatildeo focircnica do vocaacutebulo (v) criando um contraste na emissatildeo das siacutelabas ()(CAcircMARA JR 1985 39)
Esse teoacuterico tambeacutem destaca que na ortografia da liacutengua portuguesa o acento
tocircnico eacute representado por sinais graacuteficos ou seja o acento agudo e o acento circunflexo e
tambeacutem haacute o que ele chama de acento frasal que consiste na elevaccedilatildeo da voz em
determinado ponto da enunciaccedilatildeo da frase o resultado eacute uma escala de altura vocal
65 Register is a variety of language that a language user considers appropriate to a specific situation
66 An abstract term for the relationships between the people taking part in the discourse
76
ascendente descendente ou ascendente-descendente a que se daacute o nome de entoaccedilatildeo
(CAcircMARA JR 1985 39)
Para os propoacutesitos desta dissertaccedilatildeo o conceito de tom
equiparado ao de acento
segundo Cacircmara Jr deve se ater agrave uacuteltima acepccedilatildeo relacionada ao que esse teoacuterico chama
de acento frasal ou entoaccedilatildeo67 A partir disso pode-se dizer que o tom portanto estaacute aqui
associado agrave emoccedilatildeo de quem fala revelando nuances derivados do humor da ironia deixando
tambeacutem outras impressotildees a respeito do emissor sinceridade ingenuidade rancor fuacuteria
enfim qualquer tipo de sentimento ou aspecto ligado a uma situaccedilatildeo momentacircnea ou a algo
inerente ao proacuteprio caraacuteter da pessoa
Por fim Baker (1992 16) define modo de discurso como um termo abstrato para
o papel que a linguagem estaacute desempenhando (discurso ensaio palestra instruccedilotildees) e para o
meio de transmissatildeo (fala escrita) Assim as escolhas linguumliacutesticas satildeo influenciadas por
essas dimensotildees por exemplo como o uso de vocaacutebulos mais apropriados para uma carta
comercial do que para a fala informal
Catford (1980 95) de modo semelhante a Baker afirma que registro eacute a
variante relacionada com o papel social mais amplo desempenhado pelo performador no
momento da elocuccedilatildeo por exemplo cientiacutefico religioso ciacutevico etc Esse teoacuterico fala
em mais duas variantes linguumliacutesticas estilo ou a variante relacionada com o nuacutemero e a
natureza dos destinataacuterios e a relaccedilatildeo do performador com eles por exemplo formal
coloquial iacutentimo e modo ou seja a variante relacionada com o meio pelo qual opera o
performador falado escrito
2317 Norma-padratildeo
Toda essa riqueza linguumliacutestica pode ser explorada por oradores ou escritores
criativos Aqui interessa uma ecircnfase na liacutengua escrita da criaccedilatildeo literaacuteria a qual muitas vezes
reproduz imita a oralidade e assim enriquece as possibilidades de expressatildeo e intenccedilotildees que o
autor deseja causar no seu destinataacuterio o leitor Da mesma forma na traduccedilatildeo o tradutor deve
observar esses aspectos em relaccedilatildeo ao novo leitor conforme sugere Lefevere referindo-se aos
desvios da norma-padratildeo (que Lefevere neste caso chama de erros )
67 Para R L Trask (2004 91) por exemplo intonation (entonaccedilatildeo)
77
escritores agraves vezes desviam do uso gramatical aceito de seu tempo natildeo porque sejam incapazes de escrever bem mas porque eles desejam chamar a atenccedilatildeo para o seu erro Os tradutores deveriam tentar relacionar o erro gramatical da liacutengua de partida com um erro gramatical na liacutengua de chegada se considerarem o erro de importacircncia suficiente dentro do quadro da composiccedilatildeo geral do texto de partida
(LEFEVERE 1992 35)68
Saussure (1974 224-227) tambeacutem admite que as fronteiras geograacuteficas natildeo
coincidem com as fronteiras linguumliacutesticas e quando toma estas liacutenguas individualmente
reconhece que em cada uma delas ocorre a dialetaccedilatildeo Logo pode-se concluir que essa
dialetaccedilatildeo resulta em variedades de uma mesma liacutengua tanto em relaccedilatildeo com outros paiacuteses
(eg o francecircs da Franccedila que difere do que eacute falado na Beacutelgica na Suiacuteccedila no Canadaacute etc)
como dentro de um mesmo paiacutes quando se percebe a existecircncia dos dialetos regionais Nesse
ponto aparece uma diferenciaccedilatildeo que Saussure chama de liacutengua literaacuteria e idioma local
por liacutengua literaacuteria entendemos natildeo somente a liacutengua da literatura como tambeacutem em sentido mais geral toda espeacutecie de liacutengua culta oficial ou natildeo ao serviccedilo da comunidade inteira Abandonada a si mesma a liacutengua conhece apenas dialetos nenhum dos quais se impotildee aos demais pelo que ela estaacute destinada a um fracionamento indefinido (SAUSSURE 1974 226)
Logo quando esse teoacuterico afirma que a liacutengua literaacuteria eacute toda espeacutecie de liacutengua
culta
ou de maior prestiacutegio em outras palavras
a serviccedilo da comunidade inteira fica clara
a necessidade de haver pelo menos uma liacutengua padratildeo para o bem comum e para a integraccedilatildeo
dos grupos sociais Essa entatildeo eacute para Saussure a liacutengua literaacuteria
agrave qual logicamente se
enquadra a norma-padratildeo da liacutengua Os outros dialetos
ou idiomas locais
por causa de
seu papel mais restrito aleacutem de outros fatores
ficam agrave margem de um dialeto escolhido
como modelo geral
Mas como a civilizaccedilatildeo ao se desenvolver multiplica as comunicaccedilotildees escolhe-se por uma espeacutecie de convenccedilatildeo taacutecita um dos dialetos existentes para dele fazer o veiacuteculo de tudo quanto interesse agrave naccedilatildeo no seu conjunto Os motivos de tal escolha satildeo diversos umas vezes se daacute preferecircncia ao dialeto da regiatildeo onde a civilizaccedilatildeo eacute mais avanccedilada outras ao da proviacutencia que tem hegemonia poliacutetica e onde estaacute sediado o poder central outras eacute um corte que impotildee seu falar agrave naccedilatildeo (SAUSSURE 1974 226)
68 Writers sometimes deviate from the accepted grammatical usage of their time not because they are incapable of writing well but because they wish to focus attention on their mistake Translators should try to match the grammatical error in the source language with a grammatical error in the target language if they consider the error of sufficient importance within the framework of the overall composition of the source text
78
Considerando estas palavras pode-se facilmente entender que idioma local na
acepccedilatildeo de Saussure entatildeo refere-se a todos os outros dialetos que natildeo foram escolhidos
como o tipo padratildeo ou modelo geral de uma liacutengua A partir do momento em que a liacutengua
literaacuteria se oficializa tem-se o conceito de norma culta ou norma-padratildeo69
232 A linguagem na literatura escrita e traduzida
2321 O prestiacutegio da norma-padratildeo
Saussure (1974 34-36) tambeacutem discorre sobre a questatildeo do maior prestiacutegio da
liacutengua escrita sobre a liacutengua falada Ressalta-se que quando se menciona a palavra prestiacutegio
ligada agrave expressatildeo linguumliacutestica escrita percebe-se que esta variedade escrita se refere ao uso da
norma-padratildeo A liacutengua tem pois uma tradiccedilatildeo oral independente da escrita e bem
diversamente fixa todavia o prestiacutegio da forma escrita nos impede de vecirc-lo (SAUSSURE
1974 35)
Dentre as razotildees que Saussure expotildee acerca desse prestiacutegio destaca-se sobre os
motivos da norma-padratildeo (ou liacutengua literaacuteria conforme este linguumlista suiacuteccedilo)
A liacutengua literaacuteria aumenta ainda mais a importacircncia imerecida da escrita Possui seus dicionaacuterios suas gramaacuteticas eacute conforme o livro e pelo livro que se ensina na escola a liacutengua aparece regulamentada por um coacutedigo ora tal coacutedigo eacute ele proacuteprio uma regra escrita submetida a um uso rigoroso a ortografia e eis o que confere agrave escrita uma importacircncia primordial Acabamos por esquecer que aprendemos a falar antes de aprender a escrever e inverte-se a relaccedilatildeo natural (SAUSSURE 1974 35)
A liacutengua oral ou escrita por sua flexibilidade oscila entre vaacuterios niacuteveis desde a
informalidade de um bate-papo casual ateacute a postura seacuteria e impecaacutevel de um candidato a
emprego diante de uma entrevista ou no caso de um bilhete informal ou lembrete que uma
matildee deixa para seu filho e de uma carta formal dirigida ao diretor de uma corporaccedilatildeo etc
Lefevere (1992 58) comenta isso salientando que exceto nos livros de gramaacutetica ou em
69 Nesta dissertaccedilatildeo prefere-se o termo norma-padratildeo (BAGNO 2005 64-65) em vez de norma culta por se entender que cultura eacute um termo abrangente e complexo e natildeo pode ser sinocircnimo exclusivo de conhecimento formal escolar ou de algo que denote prestiacutegio ou formas de preconceito Lyons apresenta duas definiccedilotildees para cultura () Baseia-se em uacuteltima instacircncia na concepccedilatildeo claacutessica do que constitui excelecircncia em arte literatura maneiras e instituiccedilotildees sociais (LYONS 1987 273) E tambeacutem cultura num sentido antropoloacutegico sem nenhuma implicaccedilatildeo de progresso humano uniforme do barbarismo agrave civilizaccedilatildeo e sem nenhum
julgamento de valor a priori quanto agrave qualidade esteacutetica ou intelectual da arte literatura das instituiccedilotildees etc de determinada sociedade (LYONS 1987 274)
79
manuais de estilo a liacutengua nunca eacute usada num vaacutecuo ela eacute sempre usada numa certa situaccedilatildeo
Em culturas diferentes um uso especiacutefico da liacutengua eacute considerado apropriado (ou
inapropriado) numa situaccedilatildeo especiacutefica 70 Nos casos em que haacute formalidade existe uma
preocupaccedilatildeo maior com o uso de um dialeto de maior prestiacutegio a norma-padratildeo da gramaacutetica
prescritiva um modelo que normalmente eacute adotado como referecircncia de polidez boa
educaccedilatildeo refinamento Entretanto na maioria das vezes em que ocorre algum desvio dessa
norma geralmente as pessoas classificam esse fato como um erro independentemente da
situaccedilatildeo ser formal ou informal
Na traduccedilatildeo de Of mice and men realizada por Veriacutessimo (Ratos e homens
ediccedilotildees de 1940 e 1968) o uso de um dialeto de prestiacutegio nos diaacutelogos em seu trabalho chama
atenccedilatildeo pois essa variedade ainda que coloquial destoa daquela utilizada pelo autor John
Steinbeck uma variedade da liacutengua inglesa estadunidense desprestigiadaestigmatizada Em
relaccedilatildeo agrave traduccedilatildeo de Campello (1991) percebe-se maior aproximaccedilatildeo relativa daquela
variedade inglesa em niacutevel coloquial mas que tambeacutem ainda soa mais educado
do que a
liacutengua dos personagens do texto de partida A traduccedilatildeo de Ban (2005) eacute a que mais tenta se
aproximar daquele inglecircs estigmatizado
A expressatildeo desvio gramatical equivocadamente adquiriu um sentido
generalizado com conotaccedilotildees associadas a erros cometidos contra o bom uso da liacutengua
No entanto cabe aqui esclarecer o que se entende por gramaacutetica Fromkim e Rodman (1993
12-13) fazem distinccedilatildeo entre o que chamam de gramaacutetica descritiva e gramaacutetica prescritiva
todo ser humano que fala uma liacutengua sabe gramaacutetica Ao pretenderem descrever uma liacutengua os linguistas tentam descrever a gramaacutetica da liacutengua presente no espiacuterito dos falantes Podem evidentemente verificar-se algumas divergecircncias entre o conhecimento que os vaacuterios falantes tecircm da liacutengua Mas existe um conhecimento comum
a gramaacutetica
que permite aos falantes falarem e compreenderem-se A descriccedilatildeo do linguista seraacute uma boa ou maacute descriccedilatildeo da gramaacutetica da liacutengua ou mesmo da proacutepria liacutengua consoante constitua ou natildeo um verdadeiro modelo de capacidade linguumliacutestica do falante Esse modelo designa-se por gramaacutetica descritiva (ecircnfase dos autores)
Assim pode-se entender que existe uma espeacutecie de gramaacutetica geral denominada
como descritiva que tatildeo somente trata da ordenaccedilatildeo loacutegica da liacutengua desde as suas menores
unidades de sentido (os sons) passando agrave formaccedilatildeo das palavras da organizaccedilatildeo dessas
palavras em grupos maiores (sintagmas frases oraccedilotildees periacuteodos e textos) de forma que estes
70 Except in grammar books or primers on style language is never used in a vacuum it is always used in a certain situation In different cultures a specific use of language is considered appropriate (or inappropriate) in a specific situation
80
sejam inteligiacuteveis compreensiacuteveis tornando possiacutevel a comunicaccedilatildeo Desta forma se algueacutem
diz Noacuteis vai na festa esta construccedilatildeo eacute gramatical pois faz sentido e estabelece a
exteriorizaccedilatildeo clara de um pensamento ou ideacuteia Entretanto para que haja compreensatildeo a
posiccedilatildeo destes vocaacutebulos na oraccedilatildeo deve obedecer a regras caracteriacutesticas da liacutengua
portuguesa do tipo SUJEITO (Noacuteis) VERBO (vai) e COMPLEMENTO (na festa) sob pena
de que se natildeo houver esta ordem pode natildeo haver compreensatildeo da mensagem Este mesmo
exemplo possui a variaccedilatildeo Noacutes vamos agrave festa adequando-se agrave gramaacutetica prescritiva A esse
respeito Fromkim e Rodman enfatizam que
dos tempos antigos ateacute hoje tem havido puristas que pensam que a mutaccedilatildeo linguiacutestica eacute uma forma de corrupccedilatildeo e que defendem a existecircncia de certas formas correctas que todas as pessoas educadas deveriam utilizar na fala e na escrita Os gregos de Alexandria no seacuteculo I os eruditos aacuterabes em Basra no seacuteculo VIII e inuacutemeros gramaacuteticos ingleses nos seacuteculos XVIII e XIX defenderam esta perspectiva Pretendiam prescrever regras gramaticais e natildeo propriamente descrevecirc-las Para isso se escreveram as gramaacuteticas prescritivas (FROMKIM e RODMAN 1993 14-15)
Existe uma relaccedilatildeo entre o que as gramaacuteticas prescritivas apregoam e a questatildeo do
poder social travestido num dialeto mais prestigiado a norma-padratildeo da liacutengua
com o advento do capitalismo e o despontar de uma nova classe meacutedia surgiu o desejo por parte deste novo grupo social de que os seus filhos fossem educados e aprendessem a falar o dialecto das classes superiores E assim surgiram muitas gramaacuteticas prescritivas (FROMKIM e RODMAN 1993)
Todavia natildeo se trata apenas de uma preferecircncia estimulada pelo desejo de
espelhar um alto status social A norma-padratildeo adquiriu um oficialismo dotado de preconceito
em relaccedilatildeo agraves outras variedades ganhando um grau de hierarquia acima delas
() Em 1908 um gramaacutetico americano Thomas R Lounsbury escreveu Parece ter existido em todos os periacuteodos do passado tal como agora uma niacutetida apreensatildeo no espiacuterito de muitas pessoas honradas quanto ao estado de quase colapso iminente da liacutengua inglesa e quanto agrave necessidade de constantemente se desenvolverem esforccedilos aacuterduos que a salvem da destruiccedilatildeo (FROMKIM e RODMAN 1993)
John Lyons ao esclarecer sobre diferenccedilas entre dialeto e sotaque acaba tambeacutem
por fazer consideraccedilotildees sobre a norma-padratildeo da liacutengua tida como superior Como isso natildeo
bastasse a ideacuteia generalizada eacute a de que na oralidade este dialeto preferido deve ser tambeacutem
usado de forma especial com um sotaque prestigiado
a questatildeo eacute que certas diferenccedilas foneacuteticas entre sotaque podem ser estigmatizadas pela sociedade da mesma forma como certas diferenccedilas lexicais e gramaticais entre
81
dialetos o satildeo Pais e professores tentam frequumlentemente eliminar o que consideram como marcas de status social inferior ou como regionalismos Mesmo se natildeo satildeo bem-sucedidos eles teratildeo desempenhado a sua funccedilatildeo no perpetuamento na crenccedila geral na comunidade linguumliacutestica de que a pronuacutencia tal eacute indicadora de inferioridade social ou de educaccedilatildeo e isto tem como efeito aumentar a sensibilidade da maioria das pessoas em relaccedilatildeo ao assunto (LYONS 1987 249)
2322 Variedades linguumliacutesticas na literatura escrita e traduzida
A postura tradicional da educaccedilatildeo prima pela formalidade da gramaacutetica
prescritiva agindo imperiosamente sobre o modo um tanto pretensioso que se deve falar e
escrever Quando esta questatildeo chega aos domiacutenios da criaccedilatildeo literaacuteria eis o ponto alto da
discussatildeo tratando-se de uma forma de expressatildeo artiacutestica um escritor tem toda liberdade
para usar e abusar da liacutengua em todas as suas variedades e niacuteveis dependendo das suas
intenccedilotildees obedecendo mais agrave sua sensibilidade do que agrave sua razatildeo Tal versatilidade pode ou
natildeo criar problemas de aceitaccedilatildeo por parte dos leitores de uma obra quando aspectos da fala
ganham destaque na escritura de uma obra literaacuteria Haacute exemplos notaacuteveis e abundantes de
escritores que diversificam o uso da liacutengua de modo criativo desde os brasileiros Jorge
Amado e Guimaratildees Rosa ao irlandecircs James Joyce
Este uacuteltimo em seu romance Ulysses chega ao capricho de criar idioletos para
alguns personagens em niacutevel coloquial inerente agrave fala mesmo quando esta natildeo se realiza
sonoramente mas em pensamento sob a forma de monoacutelogo interior Ganham destaque
tambeacutem vaacuterias palavras inventadas Assim segundo a tradutora Bernardina da Silveira
Pinheiro (2005) a fala do personagem Leopold Bloom se caracteriza desta forma
[em] staccatto com o ritmo brusco de algueacutem capaz de superar as proacuteprias dificuldades se constituiraacute de frases primordialmente curtas de omissatildeo de sujeitos de palavras frequumlentemente monossilaacutebicas agraves vezes mesmo reduzidas por afeacuterese refletindo o seu ser interior que sempre tenta imaginar um sentido loacutegico nas coisas
Nesse sentido a fala de Leopold Bloom eacute assim ilustrada
seraacute um dia quente imagino Especialmente nestas roupas pretas vou sentir mais O preto conduz reflete (seraacute refrata) o calor Mas eu natildeo podia ir com aquele terno claro Fazer disso um piquenique [] A caminhonete do patildeo de Boland entregando em bandejas o nosso de cada dia mas ela prefere patildees dormidos pasteacuteis tostados com
82
a parte de cima quente Faz vocecirc se sentir jovem (JOYCE 2005 67 Episoacutedio 4
Calypso Traduccedilatildeo de Bernardina da Silveira Pinheiro)71
Tambeacutem vale destacar as caracteriacutesticas do pensamento (ou fala) da personagem
Molly Bloom sem pontuaccedilatildeo sem maiuacutesculas sem fazer diferenccedila entre os homens
todos
eles satildeo he fluiraacute incontido e incontrolaacutevel de uma mente liberta de qualquer grilhatildeo
(Pinheiro 2005)
Em Ulysses a fala de Molly eacute ilustrada no seguinte fragmento
SIM PORQUE ELE NUNCA FEZ UMA COISA dessas como pedir para tomar seu cafeacute da manhatilde na cama com dois ovos desde o hotel City Arms quando ele costumava fingir ter de ficar de cama com uma voz de doente bancando importante para se fazer de interessante para a velha encarquilhada Sra Riordan sobre quem ele pensava ter grande influecircncia e ela nunca nos deixou nenhum niacutequel tudo para missas para ela e para a sua alma [] (JOYCE 2005 764 Episoacutedio 18
Penelope Traduccedilatildeo de Bernardina da Silveira Pinheiro)72
A versatilidade da liacutengua tanto em sua expressatildeo oral como escrita estaacute atrelada a
fatores ou situaccedilotildees muacuteltiplos em que existe a participaccedilatildeo dos seres humanos A liacutengua por
sua maleabilidade e capacidade de adaptaccedilatildeo se manifesta de formas diversificadas
perceptiacuteveis em variedades linguumliacutesticas as quais satildeo moldadas de acordo com vaacuterios fatores
inseridos numa cultura num espaccedilo geograacutefico e num tempo Este uacuteltimo pode se
compreender em escalas que vatildeo desde um momento instantacircneo (que marca a mudanccedila ou
adaptaccedilatildeo linguumliacutestica situacional segundo o indiviacuteduo falante seu dialeto ou idioleto) ateacute
seacuteculos ou milecircnios (que marcam a diferenciaccedilatildeo e evoluccedilatildeo das liacutenguas segundo os grupos
sociais heterogecircneos)
Agraves vezes os usos da liacutengua chegam ao niacutevel de uma obrigaccedilatildeo como no caso
dos defensores da chamada norma culta ou norma-padratildeo da liacutengua um modelo idealizado
como sinocircnimo de bom gosto refinamento e de boa educaccedilatildeo mas que segundo Marcos
Bagno (2003) por ser norma natildeo pode ser entendida como liacutengua real mas sim ideal
Quanto mais uma variedade linguumliacutestica se aproxima dessa norma tida como a liacutengua
correta tanto mais prestigiada seraacute ao passo que quanto maior for o distanciamento deste
71 Be a warm day I fancy Specially in these black clothes feel it more Black conducts reflects (refracts is it) the heat But I couldnt go in that light suit Make a picnic of it [ ] Bolands breadvan delivering with trays our daily but she prefers yesterdays loaves turnovers crisp crowns hot Makes you feel young
72 YES BECAUSE HE NEVER DID A THING LIKE THAT BEFORE AS ASK TO get his breakfast in bed with a couple of eggs since the City arms hotel when he used to be pretending to be laid up with a sick voice doing his highness to make himself interesting to that old faggot Mrs Riordan that he thought he had a great leg of and she never left us a farthing all for masses for herself and her soul
83
modelo tatildeo maior seraacute a estigmatizaccedilatildeo da liacutengua Este modelo configurado na norma-
padratildeo entretanto eacute alvo de discussotildees viscerais entre estudiosos da liacutengua uns partidaacuterios
da pureza linguumliacutestica de visatildeo tradicional e outros que tentam desconstruir essa postura
valorizando as diferenccedilas com base em criacuteticas que colocam em evidecircncia certas implicaccedilotildees
de cunho ideoloacutegico e de poder no uso de variedades mais prestigiadas Tais diferenccedilas vez
por outra surgem na produccedilatildeo literaacuteria quando o tom informal aparece incorporado
intencionalmente na linguagem coloquial ou nos desvios da gramaacutetica prescritiva
constituindo-se num desafio incriacutevel para o tradutor devido a significados difiacuteceis ou ateacute
mesmo impossiacuteveis de transferir de uma cultura para outra
Segundo Landers (2001 116-117) a definiccedilatildeo popular de dialeto muitas vezes
denota um padratildeo do discurso supostamente inferior ou que estaacute abaixo da norma linguumliacutestica
socialmente aceita a norma-padratildeo ou norma culta O teoacuterico esclarece entretanto que
essa norma-padratildeo eacute tambeacutem um dialeto com a diferenccedila de que eacute falado por um segmento
privilegiado da sociedade liacutederes poliacuteticos formadores de opiniatildeo e literatos
eacute a chamada
liacutengua correta
24 A traduccedilatildeo de variedades linguumliacutesticas e desvios da norma-padratildeo da liacutengua
Landers afirma que os problemas de traduzir dialetos comeccedilam quando se deseja
transferir as peculiaridades do dialeto para a liacutengua de chegada Isso parece ficar ainda mais
seacuterio quando se trata de um dialeto desviante da norma-padratildeo expresso em variaccedilotildees
regionais socioletos idioletos registros tons diferentes etc O que fazer Como fazer Talvez
se possa pensar numa linguagem equivalente O resultado disso todavia pode natildeo ser feliz
ou mesmo o horror dos horrores segundo Landers ao ouvir um inglecircs caribenho na
dublagem do portuguecircs carioca do filme brasileiro Orfeu Negro dirigido por Marcel
Camus Tal choque provavelmente o fez expressar a seguinte opiniatildeo nenhum dialeto soa
bem na traduccedilatildeo Muito embora tenha certa relutacircncia o tradutor deve reconhecer que o
dialeto pelo menos no niacutevel da transferecircncia em par de igualdades eacute intraduziacutevel
(LANDERS 2001 117)73
73 No dialect travels well in translation However reluctantly the translator must recognize that dialect at least at the level of one-to-one transference is untranslatable
84
Logo a opiniatildeo de Landers (2001 117) eacute de que o dialeto (entendido aqui como
desvios da norma-padratildeo) estaacute totalmente enraizado no tempo e no espaccedilo e o ouvinte associa
inconscientemente esse padratildeo de discurso com uma regiatildeo ou com um periacuteodo cronoloacutegico
Em siacutentese o dialeto estaacute sempre ligado geograacutefica e culturalmente a um ambiente social
que natildeo existe na liacutengua de chegada e a substituiccedilatildeo com um dialeto equivalente estaacute
fadada ao fracasso O conselho desse criacutetico sobre tentar traduzir dialetos parece soar como
um veredito natildeo faccedila isso
Apesar deste conselho draacutestico Landers (2001 68) examina e critica a traduccedilatildeo
de Samuel Putnam para o inglecircs da obra Terras do Sem Fim de Jorge Amado no trecho -
Vosmececirc me adisculpe seu coronel mas noacutes queria saber quando eacute que a gente passa a
escritura da terra () Mas vosmececirc natildeo se arrecorda que nos vendeu esse pedaccedilo de mata
Pelo dinheiro do contrato de cacau (AMADO 1942 21)
Putnam (1945 apud LANDERS 2001) resolve este fragmento traduzindo-o da
seguinte maneira You will pardon me colonel but we would like to know when we may
have the deed to the land ( ) Don t you remember that you sold us that piece of forest In
place of money on the cacao contract
Landers considera esta soluccedilatildeo como uma violaccedilatildeo de tom pois acha que a fala
reproduzida em inglecircs se assemelha muito mais agrave de um indiviacuteduo de bom niacutevel escolar
talvez um advogado ou um professor universitaacuterio entre outros fatores pelo uso de may em
vez de can o que contraria o perfil do personagem original que na verdade se mostra como
um trabalhador rural no interior do Brasil cuja fala conteacutem desvios do portuguecircs padratildeo
mas quem estaacute falando Um indiviacuteduo bem educado com certeza perceba o uso de may em vez de can Na verdade entretanto o texto original mostra que o falante eacute um agricultor analfabeto do sertatildeo brasileiro cujo discurso estaacute repleto de provincianismos como arrecordar em lugar de recordar () e de erros gramaticais do tipo noacutes queria () A julgar pelo tom ele estaria mais para um advogado ou professor universitaacuterio (LANDERS 2001 68)74
Com estes argumentos Landers faz o que natildeo aconselha ningueacutem a fazer
melhorando o fragmento assim Beggin the colonel pardon but we d like to know when
we can have the deed to the land Don t the colonel recollect sellin that piece of forest to
us Instead of the cacao contract (LANDERS 2001 68)
74 Just who is speaking A well-educated individual surely note the use of may rather than can In reality however the original text shows the speaker to be an illiterate agricultural laborer in the Brazilian backlands whose speech abounds with such provincialisms as arrecordar
for recordar
( ) and grammatical errors like noacutes queria ( ) But judging by the tone he could be a lawyer or college professor
85
Trata-se de um trabalhador rural analfabeto mas o registro discursivo utilizado
por Putnam soa bastante formal civilizado Por outro lado a soluccedilatildeo de Landers pode ateacute
talvez ser mais adequada encaixando o personagem num perfil mais assemelhado ao do texto
de partida no que diz respeito ao seu niacutevel social ao tom utilizado etc poreacutem traduzido num
agricultor pobre
por sua condiccedilatildeo econocircmica
e tambeacutem num pobre agricultor
por ser
apaacutetrida natildeo pode ser brasileiro e muito menos de algum paiacutes anglofocircnico A situaccedilatildeo eacute
estranha pois se vecirc um personagem da zona rural com perfil brasileiro da Bahia mas
falando um inglecircs que o tradutor natildeo deixa claro de onde vem se eacute algum dialeto especiacutefico
bem localizado no tempo no espaccedilo e a que grupo social pertence Jorge Amado deu voz ao
seu personagem com um falar tiacutepico da liacutengua portuguesa brasileira com caracteriacutesticas locais
num dialeto do interior da Bahia entretanto qualquer dialeto da liacutengua inglesa que seja
utilizado nessa suposta correspondecircncia da traduccedilatildeo traraacute sempre consigo algo de exoacutetico ou
estranho
Logo torna-se forccediloso voltar agrave opiniatildeo de Landers (2001 117) de que o dialeto
estaacute sempre ligado geograacutefica e culturalmente a um ambiente social que natildeo existe na
liacutengua de chegada e a substituiccedilatildeo com um dialeto equivalente estaacute fadada ao fracasso 75
John Milton (2002 52) tem uma opiniatildeo semelhante a esse respeito
a traduccedilatildeo de dialeto tem sido descrita como uma aporia em traduccedilatildeo (Folkart apud Lane-Mercier 1997 p 53) Seja qual for a decisatildeo que tome o tradutor seraacute sempre um desacerto um disparate O dialeto escolhido quer seja mimeacutetico anaacutelogo ou pertencente agrave norma culta nunca teraacute a autenticidade do original ()
Anthony Pym (2000) a respeito dessa temaacutetica coloca a seguinte questatildeo os
marcadores das variedades linguumliacutesticas (sotaques dialetos socioletos estilos de classe e
assim por diante) devem ser traduzidos como tal As respostas que esse criacutetico apresenta
revelam o dilema de se lidar com o assunto pois esses posicionamentos satildeo com frequumlecircncia
antagocircnicos como as respostas extremas sim e natildeo No caso da resposta afirmativa leva-se
em conta a importacircncia de transmitir com fidedignidade o que essa linguagem pode
representar ao receptor Quanto agrave resposta negativa o argumento apresentado eacute aquele em que
os valores de uma variedade natildeo podem ser mapeados de cultura para cultura
Pym apresenta alternativas a opccedilatildeo binaacuteria que consiste em deixar a variedade
sem ser traduzida o que resulta na perda de valor ou traduzi-la com uma variedade enganosa
75 Summing up dialect is always tied geographically and culturally to a milieu that does not exist in the target-language setting Substitution of an equivalent dialect is foredoomed to failure The best advice about trying to translate dialect don t (LANDERS 2001 117)
86
(dada a incongruecircncia entre as culturas e as liacutenguas) e assim perde-se a verossimilhanccedila a
estacircncia descritiva a qual diz respeito agrave remuneraccedilatildeo do tradutor o qual natildeo eacute pago para
resolver esses problemas aleacutem do fato de que o leitor em geral natildeo se importa com a
traduccedilatildeo das variedades e por isso o tradutor muitas vezes opta pela opccedilatildeo mais faacutecil de
consertar os desvios linguumliacutesticos conforme Milton (2002) a liberaccedilatildeo existencial com o
argumento de que natildeo haacute uma resposta clara para o problema e portanto as teorias satildeo
incompletas e o tradutor por si mesmo fica livre e responsaacutevel pelos seus atos ou decisotildees
de acordo com Lane-Mercier (1997 apud PYM 2000)
Ao tentar ser conclusivo Pym afirma que a resposta agrave questatildeo principal pode
parecer faacutecil
quando os tradutores se deparam com os marcadores de uma variedade linguumliacutestica o que deve ser traduzido natildeo eacute a variedade do texto de partida (isso natildeo se move e a traduccedilatildeo eacute em qualquer caso a substituiccedilatildeo da variedade base do texto de partida por definiccedilatildeo) O que deve ser traduzido eacute a variaccedilatildeo a alteraccedilatildeo sintagmaacutetica da distacircncia o desvio relativo de uma norma textual ou geneacuterica Se estas mudanccedilas podem ser traduzidas como normalmente eacute o caso entatildeo se pode dizer que os marcadores foram traduzidos e logo natildeo haacute mais o que discutir (PYM 2000) 76
Isso quer dizer que para Pym o mais importante eacute na traduccedilatildeo de uma variedade
linguumliacutestica natildeo-padratildeo (ou estigmatizada) deixar os elementos essenciais que constituem a
liacutengua de chegada (marcadores baacutesicos do dialeto) como uma variedade ao mesmo tempo
diferente da norma-padratildeo mas semelhante agrave funccedilatildeo desempenhada pela liacutengua do texto de
partida segundo o provaacutevel objetivo do autor e ao seu provaacutevel efeito na recepccedilatildeo Isso
consiste entatildeo natildeo em traduzir por exemplo um dialeto estigmatizado por outro dialeto
estigmatizado mas deixar na liacutengua de chegada elementos que caracterizem essa liacutengua
segundo a sua funccedilatildeo principalmente na maioria dos casos a oralidade expressa nas mais
diversas situaccedilotildees veiculada por agentes (personagens de um romance por exemplo)
caracterizados conforme o significado dessa linguagem denotando aspectos como classe
social niacutevel de escolaridade etnia em variaccedilotildees de registro tom gecircnero idade etc
dependendo de cada caso segundo a proposta do autor traduzido num niacutevel aproximado
A obra de Mark Twain intitulada Huckeberry Finn em que aparecem sete
variedades da liacutengua inglesa eacute um exemplo citado por Pym (2000) que para serem traduzidas
76 When translators are confronted with the markers of a variety the thing to be rendered is not the source-text variety (such things by definition do not move and translation is in any case the replacement of the base source-text variety by definition) The thing to be rendered is the variation the syntagmatic alteration of distance the relative deviation from a textual or generic norm If those shifts can be rendered as is usually the case then the markers may be said to have been translated and no complaint should ensue
87
natildeo seria necessaacuterio decidir que variedades seriam as mais proacuteximas ou correspondentes
Pym desse modo sustenta que seria mais produtivo compreender muito bem quando a liacutengua
utilizada eacute uma paroacutedia ou eacute autecircntica77 Assim no caso da liacutengua parodiada ou no caso da
liacutengua autecircntica seriam utilizadas na liacutengua de chegada apenas as suas caracteriacutesticas
baacutesicas
Lenita R M Esteves ao discutir sobre as diferenccedilas linguumliacutesticas na traduccedilatildeo
literaacuteria potildee em duacutevida a eficaacutecia do processo de traduzir uma variedade regional por outra
variedade regional por exemplo brasileira Esteves relata que quando se deseja incorporar
essa diferenccedila linguumliacutestica para que haja uma correspondecircncia no texto de chegada em
portuguecircs o personagem deveria ser identificado com alguma regiatildeo especiacutefica Mas aiacute
surgem as duacutevidas como a que diz respeito a que regiatildeo a liacutengua de chegada seria
identificada
Com uma regiatildeo brasileira Caso a traduccedilatildeo fosse levar em conta e tentar reproduzir a diferenccedila regional da fala do tal personagem como fazer isso em portuguecircs Que regiatildeo do paiacutes poderia ser escolhida Qual falar brasileiro ficaria mais adequadomenos estranho nessa caracterizaccedilatildeo o caipira de Satildeo Paulo O gauacutecho O nordestino (ESTEVES 2005 341)
De acordo com Esteves substituir um dialeto regional por outro dialeto regional
na traduccedilatildeo eacute uma postura defendida por Lane-Mercier mas criticada por Milton
Milton78 cita a teoacuterica Gillian Lane-Mercier canadense que abordando essa questatildeo defende a postura de substituir o dialeto ou a variante natildeo padratildeo que aparece no original por um dialeto ou variante natildeo padratildeo da liacutengua de chegada Essa postura seria inspirada na proposta de traduccedilatildeo eacutetica de Antoine Berman Milton ainda comenta que Lane-Mercier insiste que o tradutor deve assumir a responsabilidade sobre suas escolhas e se possiacutevel explicaacute-las aos leitores em notas do tradutor Milton de certa forma critica Lane-Mercier dizendo justamente que aos tradutores natildeo eacute dada tanta liberdade nem tanto espaccedilo para exercitar seu poder de escolha e nem para justificaacute-lo () (ESTEVES 2005 342)
77 Pym aponta a autenticidade linguumliacutestica em contraposiccedilatildeo agrave sua paroacutedia a representaccedilatildeo de variedades linguumliacutesticas num canal semioacutetico pode natildeo espelhar a realidade o que se vecirc com frequumlecircncia por exemplo na TV em comeacutedias ou programas humoriacutesticos quando o uso de certas variedades linguumliacutesticas tem a finalidade de produzir o riso Muitas vezes trata-se de impressotildees gerais sem necessariamente haver pesquisa e aplicaccedilatildeo metoacutedica sobre a caracterizaccedilatildeo verossiacutemil de dado dialeto como Pym ilustra com a suposta reproduccedilatildeo do dialeto inglecircs da classe operaacuteria de Yorkshire pelo grupo Monty Python em certa produccedilatildeo cocircmica que continha elementos do dialeto cockney O uso de uma variedade linguumliacutestica como paroacutedia pode ser identificado tambeacutem da seguinte maneira Sabemos que uma paroacutedia estaacute sendo feita quando percebemos que estamos recebendo apenas marcadores reduzidos e extremos de uma variedade verdadeira (PYM 2000) Todavia para outros autores como Esteves (2005) natildeo haacute como representar com fidelidade na escrita uma fala padratildeo ou natildeo padratildeo
78 Vide tambeacutem referecircncias desta dissertaccedilatildeo Milton (2002 60-61)
88
Em siacutentese Esteves contesta em parte a soluccedilatildeo tradutoacuteria dialeto por dialeto
adotada por Lane-Mercier em primeiro lugar por causa da incongruecircncia ou falta de
paralelismo entre as liacutenguas (conforme as opiniotildees de Landers 2001 Milton 2002 Pym
2000 por exemplo jaacute referidas neste toacutepico) ou pela relativa falta de autonomia dos
tradutores que natildeo fariam suas escolhas livremente (conforme Milton 2002) Todavia
Esteves compartilha das ideacuteias de Lane-Mercier no que diz respeito ao dever do tradutor de se
conscientizar dos efeitos do texto que ele produz Assim Esteves sugere uma soluccedilatildeo
mesmo que natildeo goze de tanta liberdade ou autonomia o tradutor eacute um produtor de sentidos e precisa estar atento para os efeitos do que escreve Uma das soluccedilotildees possiacuteveis eacute assumir explicitamente o caraacuteter de representaccedilatildeo estilizada e na medida do possiacutevel criar um falar que natildeo tente identificar especificamente uma regiatildeo ou estado (ESTEVES 2005 343)
O argumento de Esteves parte do princiacutepio de que ela considera com base em
Lane-Mercier (1999 45) apud Esteves (2005 342) que nenhuma espeacutecie de dialeto seja a
norma-padratildeo ou seus desvios pode ser representada na escrita com precisatildeo e portanto num
romance os dialetos apenas seriam uma representaccedilatildeo da liacutengua real viva e presente na fala
cotidiana
ningueacutem negaria que existe uma abismal diferenccedila entre uma descriccedilatildeo linguumliacutestica de uma variante dialetal (seja ela padratildeo ou natildeo) e sua representaccedilatildeo dentro de um romance O problema estaria justamente em julgar que o autor ou tradutor deve ou pode representar uma variante dialetal de forma exata e sem distorccedilotildees (ESTEVES 2005 342)
Por conseguinte a representaccedilatildeo de um dialeto na traduccedilatildeo que natildeo configure
uma regiatildeo ou um estado seria conforme Esteves (2005 343) uma opccedilatildeo que apesar de
perder a caracterizaccedilatildeo dessas identidades especiacuteficas ganharia uma diferenccedila discursiva
nessa opccedilatildeo o tradutor estaria perdendo a caracterizaccedilatildeo regional (que de qualquer maneira seria artificial jaacute que natildeo existe correspondecircncia entre regiotildees e falares de paiacuteses diferentes) mas ganharia ao marcar uma diferenccedila discursiva que com quase toda a certeza eacute relevante para o texto em questatildeo (senatildeo o autor provavelmente natildeo a teria usado) (ESTEVES 2005 343)
Essa opccedilatildeo vem em termos ao encontro da argumentaccedilatildeo de Pym (2000) exposta
acima o que embora pareccedila ser a melhor resposta para o problema diante das outras opccedilotildees
merece cautela dada a complexidade do assunto e portanto natildeo se trata de uma resposta
definitiva
89
Levando-se em conta o problema da traduccedilatildeo de variedades estigmatizadas na
literatura poder-se-ia recair no argumento de que a traduccedilatildeo eacute algo impossiacutevel
consubstanciando-se na opiniatildeo de que ela eacute o escacircndalo da Linguumliacutestica de acordo com
Mounin apud ROacuteNAI (1987) Entretanto deve ser lembrada a opiniatildeo relevante de Lefevere
(1992 35) de que os desvios da norma-padratildeo linguumliacutestica na literatura deveriam ser
relacionados de modo semelhante na liacutengua de chegada Outro argumento em defesa desse
procedimento
de certo modo nas entrelinhas
estaacute nas palavras de Umberto Eco (1993
65) ao afirmar que quando se conhece um aspecto de uma obra de arte mesmo que
superficialmente isso serve para receber um pouco da fruiccedilatildeo da vitalidade formativa que a
obra ostenta ainda que nos seus aspectos mais superficiais Essas ideacuteias encontram base
tambeacutem em Lyons
embora possa ser impossiacutevel traduzir todas as sentenccedilas de uma liacutengua em sentenccedilas de outra sem distorccedilotildees ou substitutos conciliadores normalmente eacute possiacutevel conseguir que uma pessoa que natildeo conhece nem a liacutengua nem a cultura do original entenda mais ou menos satisfatoriamente ateacute mesmo aquelas expressotildees dependentes de cultura que resistem agrave traduccedilatildeo em qualquer liacutengua com a qual esteja familiarizada (Lyons 1987 292)
Ao se trazer para discussatildeo o problema da traduccedilatildeo de desvios da norma-padratildeo
linguumliacutestica para a praacutetica tradutoacuteria brasileira eacute necessaacuterio antes refletir sobre a histoacuteria da
formaccedilatildeo cultural do Brasil de modo a compreender certas razotildees adotadas como estrateacutegia
ou dogmas de traduccedilatildeo que repercutiram no passado e que encontram reminiscecircncias ateacute os
dias de hoje (2009)
Lia Wyler (2003 57-61) ao analisar o percurso da traduccedilatildeo ao longo da histoacuteria
do Brasil trata da influecircncia cultural francesa e portuguesa sobre a nossa cultura resultando
num fenocircmeno que ela chama de estrangeiramento das elites brasileiras Wyler afirma que
tal estrangeiramento se deu de uma maneira incomum pois natildeo se enquadrou no modelo
milenar de dominaccedilatildeo em que a cultura do colonizador se sobrepotildee agrave do colonizado
caracterizando-se por uma dupla exposiccedilatildeo cultural a portuguesa e por seu intermeacutedio a
francesa que durou mais de trecircs seacuteculos e foi decisiva para formar nossa visatildeo de mundo e
consequumlentemente nossa visatildeo da traduccedilatildeo como parte desse mundo (WYLER 2003 57)
Wyler explica o afrancesamento brasileiro pelo fato de que os portugueses jaacute
possuiacuteam uma tradiccedilatildeo cultural haacute muito tempo influenciada pela Franccedila desde meados do
seacuteculo XI ou seja antes mesmo da constituiccedilatildeo de Portugal como reino independente
(WYLER 2003 59) Wyler aleacutem de comentar sobre essa dependecircncia cultural histoacuterica de
90
Portugal em relaccedilatildeo agrave Franccedila destaca que tambeacutem houve a partir do final do seacuteculo XIV
uma dependecircncia econocircmica da Inglaterra condiccedilotildees que se reproduziriam no Brasil e nas
demais colocircnias portuguesas (WYLER ibidem) Assim em vaacuterios momentos da histoacuteria
brasileira a influecircncia francesa (e tambeacutem inglesa) se fez presente
a cultura brasileira registra tanto a influecircncia dos trovadores provenccedilais no folclore nordestino quanto a dos pensadores franceses na Conjuraccedilatildeo Mineira (1789) nas conspiraccedilotildees do Rio de Janeiro (1794) e da Bahia (1798) e na Revoluccedilatildeo Pernambucana (1817) Mas foi a transferecircncia da corte portuguesa para o Brasil em 1808 que tornou mais visiacuteveis os papeacuteis determinantes da Franccedila em nossa cultura e da Inglaterra em nossa economia ambos relevantes em momentos diferentes para a formaccedilatildeo e o estiolamento de uma induacutestria livreira em nossa terra (WYLER 2003 59)
A presenccedila dos elementos culturais franceses perdura durante todo o seacuteculo XIX e
se estende ateacute o seacuteculo XX quando comeccedila o seu decliacutenio com a ascensatildeo dos Estados
Unidos como nova potecircncia mundial Eacute importante lembrar que a liacutengua francesa
principalmente por meio do classicismo francecircs das belles infidegraveles ficou pretensiosamente
associada agrave concepccedilatildeo de bom gosto beleza e refinamento e portanto numa
superioridade atestada por vaacuterias figuras de destaque no mundo intelectual e sua crenccedila de
que a liacutengua francesa natildeo seria inferior agraves liacutenguas claacutessicas possuindo suas proacuteprias
qualidades e possibilidades de alcanccedilar uma perfeiccedilatildeo ateacute maior do que a do latim e do grego
(MILTON 1998 56) conforme Antoine le Maistre
Eacute preciso tentar traduzir beleza por beleza e figura por figura imitar o estilo do autor e dele se aproximar ateacute o limite do possiacutevel variar as figuras e as falas e ao final fazer de nossa traduccedilatildeo um quadro e uma representaccedilatildeo viva da obra que se traduz de maneira que se possa dizer que o francecircs eacute tatildeo belo quanto o latim e citar com seguranccedila o francecircs em vez do latim (LE MAISTRE apud MILTON 1998 56)
O francecircs como sinocircnimo de perfeiccedilatildeo encontra a opiniatildeo de Roger Zuber sobre o
talento de D Ablancourt como tradutor
Taacutecito emaranha-se na geografia D Ablancourt vem em seu socorro e retifica os fatos Ariano confunde a Siacuteria com a Assiacuteria O francecircs natildeo se esquece de restabelecer o texto As contradiccedilotildees as lendas os problemas histoacutericos satildeo sempre por sua proacutepria natureza vigilante uma ocasiatildeo em que d Ablancourt afirma seu domiacutenio e sua maestria (ZUBER apud MILTON 1998 59)
A influecircncia cultural francesa sobre o Brasil depois de tanto tempo comeccedilou a
declinar a partir das primeiras deacutecadas do seacuteculo XX principalmente no periacuteodo
compreendido entre as duas Grandes Guerras Mundiais em que houve a ascensatildeo e projeccedilatildeo
91
dos Estados Unidos como potecircncia mundial de ideologia colonizadora Essa tendecircncia no
mercado literaacuterio ficou bem marcada na publicaccedilatildeo de traduccedilotildees de obras em liacutengua inglesa
conforme explica Wyler no contexto da eacutepoca de Getuacutelio Vargas
A Era Vargas (1930
1953) marcou natildeo apenas um decisivo progresso em nossa
induacutestria livreira mas tambeacutem o iniacutecio da induacutestria de traduccedilotildees nacionais e da substituiccedilatildeo da influecircncia francesa pela influecircncia americana em nossa cultura consolidando um processo que vinha desde o iniacutecio do seacuteculo (WYLER 2003 116-117)
Milton (2002 12-13) a esse respeito enfatiza que
A obra de Socircnia Amorim [Em Busca de um Tempo Perdido] sobre a Editora Globo de Porto Alegre mostra a importacircncia da literatura traduzida dentro dos ideais nacionalistas dominantes nos ciacuterculos gauacutechos do fim dos anos 20 e iniacutecio dos anos 30 aleacutem do nuacutemero crescente das traduccedilotildees do inglecircs que entre 1930 e 1960 substituiu o francecircs como a liacutengua principal estudada falada e traduzida no Brasil
Esse autor ainda destaca que a Editora Globo salvo seu grande projeto de
traduccedilatildeo da Comeacutedia humana traduzia quase exclusivamente do inglecircs e editoras como a
Saraiva e a Joseacute Olympio por exemplo publicavam cada vez mais traduccedilotildees do inglecircs
Milton (2002 13) explica que essa mudanccedila de interesse ocorreu por causa da
crescente influecircncia da induacutestria cinematograacutefica de Hollywood vista por exemplo em
vaacuterias publicaccedilotildees da Livraria do Globo (agrave qual a Editora do Globo pertencia) ou seja
traduccedilotildees de novelas policiais ou de romances convertidos na linguagem do cinema e
posteriormente exibidos no Brasil Morro dos Ventos Uivantes (Wuthering Heights) Os 39
degraus (39 Steps) de John Buchan Reliacutequia Macabra (The Maltese Falcon) de Dashiell
Hammett e Como era verde meu vale (How Green Was My Valley) de Richard Llewellyn 79
Esse teoacuterico percebeu que muitas traduccedilotildees brasileiras consertavam os desvios
da norma-padratildeo da liacutengua portuguesa presentes em romances estrangeiros conforme
pesquisa que realizou sobre livros publicados entre 1945 e 1975 (MILTON 2002 52-62)
Tambeacutem notou essa praacutetica em exemplos de traduccedilotildees feitas em outros paiacuteses em liacutenguas
como o espanhol padratildeo (SANCHEZ ORTIZ 1995 apud MILTON 2002 55) e hebraico
padratildeo (TOURY apud MILTON 2002 55)
79 Este comentaacuterio tambeacutem se aplica a obras de Steinbeck como eacute o caso de Of mice and men adaptado para o cinema em 1939 sob direccedilatildeo de Lewis Milestone (Of mice and menCariacutecia Fatal) e refilmado em 1992 estrelado e dirigido por Gary Sinise (Of mice and menRatos e homens)
92
Apoacutes essas constataccedilotildees Milton busca razotildees que motivam tal praacutetica A primeira
delas que ele chama de essencialista e platocircnica seria o fato de que as variedades
linguumliacutesticas de baixo prestiacutegio (que Milton chama de dialeto) natildeo tecircm grande importacircncia para
o resultado da obra literaacuteria importando sim o que diz a personagem e natildeo como diz
(MILTON 2002 55) Seguem-se outras hipoacuteteses
() a segunda razatildeo a giacuteria eacute algo errado e o seu uso natildeo deveria ser permitido para que natildeo se manchasse as paacuteginas de um romance claacutessico () Podemos enumerar adiante outras razotildees especificamente brasileiras Primeiro um desenvolvimento tardio dos estudos acerca dos dialetos e formas de baixo padratildeo no Brasil () Aleacutem disso a visatildeo conservadora por parte de uma classe meacutedia predominante tanto poliacutetica quanto economicamente reflete-se em um comeacutercio de livros que eacute bastante conservador na maioria dos casos um negoacutecio familiar que evita novidades (MILTON 2002 56-58)
A noccedilatildeo de civilidade beleza e esteacutetica assimilada pelo puacuteblico brasileiro
leitor demonstra como valores derivados do domiacutenio cultural exercido por paiacuteses como a
Franccedila (as belles infidegraveles) satildeo sutilmente agregados agraves culturas submetidas criando posturas
preconceituosas ou discriminatoacuterias alienantes noccedilotildees de verdade e juiacutezos de valor que
formam tendecircncias no mercado consumidor Muita dependecircncia do puacuteblico leitor agraves vezes
resulta num estilo pouco aventureiro algo comercial (MILTON 2002 56)
O importante papel da traduccedilatildeo como veiacuteculo de intercacircmbio de cultura entre os
povos do mundo natildeo deixa de ter em si todavia algo digno de nota e de reflexatildeo a relaccedilatildeo
entre dominante e dominado ou seja o imperialismo pode exercer sua influecircncia
pela
traduccedilatildeo
tambeacutem na cultura de um povo subjugado ou sem a forccedila necessaacuteria para se impor
e resistir As belas infieacuteis e o classicismo francecircs de alguma forma produziram algumas
ressonacircncias no Brasil a partir do seacuteculo XIX e de certo modo avanccedilaram pelo seacuteculo XX e
alguns de seus ecos ainda podem ser percebidos ateacute mesmo na atualidade por exemplo pelo
que se pode chamar de bom gosto no que estaacute ligado agrave expressatildeo linguumliacutestica oral ou escrita
O modelo cultural francecircs de padratildeo esteacutetico e de refinamento estaacute muito ligado
ao preconceito linguumliacutestico como um dos fatores que inibem a traduccedilatildeo de desvios da norma-
padratildeo presentes em romances estrangeiros Milton faz algumas consideraccedilotildees a esse respeito
Quanto menor for o uso da giacuteria mais bem considerado o autor seraacute Podemos indicar razotildees especificamente brasileiras para isso como uma ressaca provocada pelo domiacutenio cultural francecircs sobre a cultura brasileira ateacute a Segunda Guerra Literatura significa belles lettres o tradutor deve preservar le bon goucirct e cortar e alterar as traduccedilotildees aux belles infidegraveles (MILTON 2002 57)
93
Sobre a chamada norma culta Marcos Bagno (2006 73) faz muitas reflexotildees
sobre os preconceitos atrelados a esse termo dentre as quais relaciona a gramaacutetica
tradicional os meacutetodos tradicionais de ensino e os livros didaacuteticos como elementos
disseminadores do preconceito linguumliacutestico a gramaacutetica tradicional inspira a praacutetica de
ensino que por sua vez provoca o surgimento do livro didaacutetico cujos autores () recorrem agrave
gramaacutetica tradicional como fonte de concepccedilotildees e teorias sobre as liacutenguas Assim surge uma
hipoacutetese de que os livros didaacuteticos e suas preconizaccedilotildees sobre a liacutengua correta poderiam
influenciar as traduccedilotildees literaacuterias uma vez que o bom uso da liacutengua eacute ditado pela ideacuteia e
costume de se enxergar as produccedilotildees da literatura como um complemento agrave didaacutetica escolar
A liacutengua portuguesa das traduccedilotildees do periacuteodo entre 1945
1975 conforme a
pesquisa de Milton (2002) em geral primava por um estilo mais polido oscilando entre o
ideal da norma-padratildeo e de variedades de prestiacutegio em contraponto com a liacutengua do texto de
partida por vezes caracterizada como variedades estigmatizadas segundo a voz e o perfil de
personagens literaacuterios Assim a liacutengua portuguesa deveria refletir o ideal da cultura brasileira
pensado pelos agentes institucionais (leitores especializados) tornado como expectativa pelo
puacuteblico geral (leitores natildeo especializados) A recepccedilatildeo (puacuteblico leitor especializado e natildeo
especializado) neste caso em sua maior parte talvez esperasse nas publicaccedilotildees uma liacutengua
seguindo os preceitos das elites dominantes calcados na norma linguumliacutestica padratildeo ou pelo
menos numa variedade de prestiacutegio que pudesse refletir ateacute mesmo a linguagem coloquial
mas melhorada
Por isso presume-se que o tradutor naquele contexto deveria seguir as normas
daquele tempo a fim de conseguir espaccedilo e projeccedilatildeo segundo os objetivos e a ideologia dos
agentes institucionais vendas lucrativas preceitos morais ideais de valor esteacutetico (como no
caso do uso de uma variedade linguumliacutestica que espelhasse beleza ordem civilidade polidez
superioridade etc) Deste modo as obras estrangeiras eram refratadas segundo as
tendecircncias do sistema de chegada brasileiro No caso especiacutefico da liacutengua utilizada nas
traduccedilotildees a liacutengua portuguesa que atendia a essas expectativas era expressa pela norma-
padratildeo ou por variedades de prestiacutegio
Cabe aqui outra vez mencionar a linguagem de Steinbeck em Of mice and men
sabendo-se que seus diaacutelogos satildeo uma amostra de um inglecircs popular e estigmatizado
distanciado do inglecircs padratildeo estadunidense Quando o assunto eacute a traduccedilatildeo desse romance
surgem questotildees sobre como proceder nessa transposiccedilatildeo Uma delas diz respeito agraves
implicaccedilotildees de se buscar similaridade de efeitos desse dialeto da liacutengua inglesa em portuguecircs
94
por exemplo ou simplesmente anular essa linguagem pelo uso de uma variedade de prestiacutegio
mais proacutexima do ideal da norma-padratildeo
Em ambos os casos alguns problemas ficam evidenciados pois se por um lado
anular uma variedade linguumliacutestica estigmatizada da liacutengua inglesa numa traduccedilatildeo em portuguecircs
mais polido resulta em perdas por exemplo no sentido de natildeo caracterizar os personagens
social e culturalmente por sua fala por outro lado tentar reproduzir essa fala num portuguecircs
mais rude perifeacuterico tambeacutem produz problemas na traduccedilatildeo a escolha de um determinado
dialeto estigmatizado da liacutengua portuguesa do Brasil por exemplo ateacute poderia se aproximar
do perfil social dos personagens mas esse linguajar por causa das caracteriacutesticas e
peculiaridades que fazem toda liacutengua iacutempar natildeo reproduziriam com perfeiccedilatildeo jamais o ideal
do texto de partida
Entretanto as traduccedilotildees existem e de alguma forma cumprem seu papel Assim
por meio de uma anaacutelise descritiva das traduccedilotildees de Of mice and men realizadas por Eacuterico
Veriacutessimo Myriam Campello e Ana Ban no que diz respeito agrave linguagem utilizada por cada
tradutor e tambeacutem a outras questotildees seratildeo buscadas informaccedilotildees e reflexotildees que possam
contribuir para os estudos de traduccedilatildeo
95
3 OF MICE AND MEN ASPECTOS GERAIS E TRADUCcedilOtildeES
A essecircncia da traduccedilatildeo eacute ser abertura diaacutelogo mesticcedilagem descentralizaccedilatildeo Ela eacute relaccedilatildeo ou natildeo eacute nada
Antoine Berman
Tendo em vista as reflexotildees preacutevias sobre o caraacuteter dinacircmico das liacutenguas e a
necessidade constante de renovar as traduccedilotildees o romance Of mice and men e as suas trecircs
respectivas traduccedilotildees em portuguecircs podem servir de referecircncia e de exemplo ilustrativo destas
consideraccedilotildees sem deixar de lado as outras implicaccedilotildees da traduccedilatildeo os contextos culturais de
povos diferentes (liacutengua e cultura dos Estados Unidos versus liacutengua e cultura do Brasil) em
eacutepocas distintas suas semelhanccedilas diferenccedilas manipulaccedilotildees e tentativas de conciliaccedilatildeo nos
novos textos produzidos a sugestividade do tiacutetulo os nomes dos personagens e sobretudo a
linguagem utilizada quando esta eacute uma variedade de prestiacutegio ou natildeo quando neste uacuteltimo
caso o texto reproduz um modo de falar por meio de um dialeto estigmatizado
Neste capiacutetulo seratildeo apresentados uma biobibliografia do autor John Steinbeck
bem como informaccedilotildees sobre a sua obra Of mice and men e respectivas traduccedilotildees em
portuguecircs dados sobre os tradutores as editoras e os diferentes contextos em que o texto de
partida e suas reescrituras foram produzidos Em relaccedilatildeo ao romance examinado o
conhecimento da sua simbologia e temas presentes satildeo tambeacutem importantes para a
compreensatildeo das questotildees a serem tratadas especificamente dirigidas agraves soluccedilotildees encontradas
pelos trecircs tradutores de modo a perceber nuances e caracteriacutesticas primordiais desse romance
na sua ambientaccedilatildeo e no perfil dos personagens bem como o tratamento da linguagem dado
por Steinbeck
31 O escritor John Steinbeck biobibliografia
Na biografia apresentada pelo Ciacuterculo do Livro na traduccedilatildeo de Of mice and men
realizada por Myriam Campello (Ratos e homens 1991 101-102) John Ernst Alcibiade
Socrate Steinbeck (ou tambeacutem John Ernst Steinbeck conforme o National Steinbeck
Center)80 desde crianccedila desejava ser escritor e lia desde muito jovem grandes escritores
80 Em sua paacutegina da Internet lthttpwwwsteinbeckorgMainFramehtmlgt Acesso em 1ordm de junho de 2009
96
como Dostoieacutevski John Milton Flaubert George Eliot e Thomas Hardy mas tambeacutem foi
bastante influenciado pela Biacuteblia
Segundo o National Steinbeck Center Steinbeck nasceu em Salinas Califoacuternia
em 27 de fevereiro de 1902 descendente de alematildees e irlandeses Seu pai era contador
enquanto que sua matildee Olive Hamilton Steinbeck ex-professora incentivou o gosto de seu
filho pela leitura e escrita Durante os verotildees ele trabalhava como empregado nos ranchos da
vizinhanccedila alimentando suas impressotildees sobre a zona rural da Califoacuternia e aquelas pessoas
Sobre esses trabalhos eventuais do escritor a biografia apresentada pela Editora
LampPM Pocket (Ratos e homens 2005) menciona que Steinbeck presenciava a vida dos
trabalhadores da cidade de Salinas e do feacutertil Vale de Salinas centros agriacutecolas a cerca de 20
quilocircmetros do oceano Paciacutefico assinalando que tanto o vale quanto a costa mariacutetima
californiana serviriam como pano de fundo de grande parte da sua ficccedilatildeo Tambeacutem o bioacutegrafo
Jay Parini (1998 21) menciona que essa regiatildeo foi uma fonte inspiradora para o escritor A
Califoacuternia foi o cenaacuterio de grande parte de sua ficccedilatildeo uma espeacutecie de Eacuteden imperfeito que ele
de vez em quando perdia e recuperava
Moacyr Scliar (2004) num artigo agrave Revista Veja81 fala sobre a influecircncia dessas
experiecircncias na vida de Steinbeck
para sobreviver [John Steinbeck] trabalhou na colheita de frutas na construccedilatildeo de rodovias e foi repoacuterter A Depressatildeo converteu-o em escritor engajado Identificava-se com a luta dos trabalhadores rurais que transformou em personagens de romances como Ratos e homens e As Vinhas da Ira mas nunca foi comunista () (SCLIAR 2004)
O Ciacuterculo do Livro (Ratos e homens 1991 101-102) destaca que Steinbeck
frequumlentou a Universidade de Stanford por cerca de cinco anos mas abandonou o curso em
1925 sem se formar tempo em que decidiu ir para Nova York na intenccedilatildeo de se tornar
romancista Entretanto com o sonho frustrado volta para a Califoacuternia onde se emprega numa
fazenda e nas horas livres dedica-se agrave literatura
Essa mesma fonte indica que o primeiro livro de Steinbeck A taccedila de ouro
publicada em 1929 jaacute apresentava a caracteriacutestica mais marcante de seu estilo ou seja o tom
alegoacuterico expressando-se por meio de siacutembolos e metaacuteforas Outras obras desse escritor satildeo
tambeacutem mencionadas Boecircmios errantes de 1935 o primeiro sucesso de puacuteblico vendida
para o cinema Ratos e homens de 1937 responsaacutevel pela consolidaccedilatildeo de sua reputaccedilatildeo
81 Disponiacutevel em lthttpvejaabrilcombr090604p_160htmlgt Acesso em 1ordm de junho de 2009
97
literaacuteria a coletacircnea de contos O grande vale de 1938 As vinhas da ira (sua obra-prima que
recebeu o Precircmio Pulitzer e consequumlentemente fez com que Steinbeck fosse eleito membro
do Instituto Nacional de Artes e Letras aleacutem do fato de o livro ter sido adaptado para o
cinema de Hollywood) Noite sem lua de 1942 rejeitado pela criacutetica Caravana de destinos
de 1945 A peacuterola e O destino viaja de ocircnibus ambos de 1947 que tiveram repercussatildeo
negativa em 1949 escreve o roteiro para o filme Viva Zapata A leste do Eacuteden de 1949
filmado por Elia Kazan e estrelado por James Dean O inverno de nossa desesperanccedila de
1961 a sua uacuteltima obra tambeacutem desse ano foi Viagem com Charlie
Ainda nessa mesma fonte consta que em meados de 1967 eacutepoca em que
Steinbeck escrevia artigos sobre a Guerra do Vietnam esse escritor sofreu um enfarte depois
de uma operaccedilatildeo na coluna vertebral A sua morte entretanto ocorreu um pouco mais tarde
em 20 de dezembro de 1968 em Nova York aos sessenta e seis anos de idade
A paacutegina da Internet do National Steinbeck Center apresenta uma relaccedilatildeo de
precircmios e honrarias a John Steinbeck dentre os quais em ordem cronoloacutegica destacam-se
1935
medalha de ouro de melhor romance (Tortilla Flat) concedida pelo Commonwealth
Club of California 1936
medalha de ouro de melhor romance (In dubious battle) concedida
pelo Commonwealth Club of Califoacuternia 1938
precircmio do New York Drama Critics Circle
(Of Mice and Men) 1939
eleito membro do Instituto Nacional de Artes e Letras (National
Institute of Arts and Letters) American Booksellers Award 1940
Precircmio Pulitzer (The
grapes of wrath) 1946
King Haakon Liberty Cross (The moon is down) 1948
eleito
membro da Academia Americana de Artes e Letras 1962
Precircmio Nobel de Literatura 1963
assume o cargo de Consultor Honoraacuterio de Literatura Americana da Biblioteca do
Congresso 1964
United States Medal of Freedom torna-se curador da Biblioteca
Memorial John F Kennedy recebe o precircmio Annual Paperback of the Year e a Press Medal
of Freedom 1966
eleito membro do Conselho Nacional de Artes 1979
um selo
comemorativo dos correios dos EUA (US Postal Service) eacute criado em homenagem a John
Steinbeck 1983
criaccedilatildeo da Fundaccedilatildeo Steinbeck (Steinbeck Center Foundation) em Salinas
Califoacuternia 1984
criaccedilatildeo da Medalha de Ouro Americana Steinbeck de Artes pela Casa da
Moeda dos EUA
98
32 John Steinbeck no sistema literaacuterio dos Estados Unidos
O talento literaacuterio de Steinbeck o colocou ao lado de grandes escritores norte-
americanos gozando de fama prestiacutegio e precircmios Segundo Jay Parini
John Steinbeck foi o uacuteltimo de uma geraccedilatildeo de escritores norte-americanos que incluiu entre outros F Scott Fitzgerald Gertrude Stein Ernest Hemingway e William Faulkner Quando morreu em 1968 alguns anos depois de ganhar o Precircmio Nobel de Literatura jaacute gozava de fama mundial embora o futuro de sua reputaccedilatildeo como romancista natildeo estivesse de modo algum assegurado (PARINI 1998 11)
Ainda segundo Parini muitos criacuteticos influentes achavam que sua obra declinara
desde a publicaccedilatildeo de As vinhas da ira (The grapes of wrath) em 1939 Poreacutem a resposta do
puacuteblico mostrava-se bem diferente
() Alegremente ignorando esses criacuteticos leitores do Cairo a Beijing continuaram a procurar traduccedilotildees de seus livros enquanto legiotildees de adolescentes americanos e britacircnicos rompiam a primeira denticcedilatildeo literaacuteria em livros como Ratos e homens (Of mice and men) A peacuterola (The Pearl) e O menino e o alazatildeo (The Red Pony) (PARINI 1998 11)
O criacutetico literaacuterio Robert E Spiller (1967 235) tambeacutem cita Steinbeck como
integrante desse grupo de escritores acrescentando agravequela lista nomes como Thomas Wolfe
James T Farrell e Erksine Caldwell e assinala tendecircncias dessa geraccedilatildeo da deacutecada de 1930
Todos eram naturalistas em sua inspiraccedilatildeo literaacuteria fundamental escritores que desenvolveram em graus diferentes as possibilidades do simbolismo e que seguiram de modo geral a rota traccedilada por SHERWOOD ANDERSON () que os levaria a utilizar mais a imaginaccedilatildeo e afastar-se de um realismo literal (SPILLER 1967 235)
De modo mais especiacutefico Spiller destaca o ambiente retratado na criaccedilatildeo literaacuteria
de Steinbeck conjugado a outros elementos comuns
O mundo da realidade comeccedila a tornar-se mais remoto nas novelas de JOHN STEINBECK () Talvez uma razatildeo disso resida no fato de o ambiente de suas novelas transferir-se para a costa da Califoacuternia onde o impossiacutevel parece germinar luxuriantemente nos produtos literaacuterios do Vale de Salinas e nos pomares vinhas e seitas religiosas fantaacutesticos dessa regiatildeo Outra razatildeo talvez seja a mistura de raccedilas irlandesa e alematilde que produziu a histoacuteria romacircntica de Cup of Gold (1929) e os estudos pseudo-realistas do povo de um vale isolado The Pastures of Heaven (1932) (SPILLER 1967 236)
Spiller tambeacutem destaca que
99
A atitude fundamental do proacuteprio STEINBECK para suas criaccedilotildees artiacutesticas eacute a de um afastamento cocircmico que lhe permitiu misturar sua preocupaccedilatildeo social com o riso bem-humorado diante da irresponsabilidade de seus paisanos A cadecircncia da prosa irlandesa escrita em inglecircs estaacute presente ateacute mesmo nas histoacuterias dos habitantes despreocupados de Tortilla Flat (1935) seguidas quase imediatamente pela situaccedilatildeo miacutesera dos trabalhadores migratoacuterios dos pomares In Dubious Battle (1936) ao passo que os elementos contrastantes da fantasia e da realidade estatildeo indissoluvelmente fundidos em Of mice and men () uma novela curta escrita com o propoacutesito de ser adaptada tanto para o teatro quanto para o cinema (SPILLER 1967 236)
O criacutetico literaacuterio Morton Dauwen Zabel (2004) preocupou-se em definir quatro
movimentos literaacuterios dos Estados Unidos durante o seacuteculo XX estabelecendo as linhas
gerais de cada um Sobre este periacuteodo ele afirma a ficccedilatildeo dos Estados Unidos entre 1920 e
1945 eacute prodigiosamente abundante regurgita de talentos de toda espeacutecie e qualidade reflete
todos os interesses modas e reaccedilotildees possiacuteveis durante trecircs das mais agitadas deacutecadas da
histoacuteria moderna Os quatro movimentos satildeo assim definidos por Zabel (2004 30-31)
1) O Movimento que expressou o ceticismo a irreverecircncia e a ironia da nova geraccedilatildeo surgida por volta de 1920 em consequumlecircncia da Guerra
2) A tentativa de recuperar como um antiacutedoto do desengano sofisticado a feacute na mateacuteria-prima da experiecircncia humana mediante a redescoberta do povo os problemas da sociedade a solidariedade baacutesica da vida social e a responsabilidade do romancista como seu cronista e criacutetico
3) Uma tendecircncia experimental o esforccedilo de levar todos os recursos da inteligecircncia moderna a influiacuterem sobre a anaacutelise dos fatores psiacutequicos e morais que atuam na experiecircncia contemporacircnea e de traduzir esta inteligecircncia em palavras atraveacutes de todos os meios ao alcance do artista moderno
4) Um movimento em direccedilatildeo agrave siacutentese e agrave reconstruccedilatildeo um esforccedilo para reconciliar a criacutetica com o idealismo a experimentaccedilatildeo com a probidade moral e para fazer retornar a sensibilidade moderna com todas as suas duacutevidas e problemas a alguma espeacutecie de afirmaccedilatildeo de objetivo humano e feacute nos valores espirituais
Dentre esses quatro movimentos eacute no segundo de temaacutetica social em que se
enquadra John Steinbeck que Zabel cita entre outros escritores como Sinclair Lewis
Sherwood Anderson Ellen Glasgow Willa Cather Elizabeth Madox Roberts O Henry Ring
Lardner John dos Passos Erskine Caldwell Thomas Wolfe e William Faulkner Esses
escritores estavam redescobrindo o povo e tentando reconduzir a humanidade a uma posiccedilatildeo
de primazia na ficccedilatildeo quer com o objetivo de recuperar suas qualidades baacutesicas de energia
espiacuterito e resistecircncia quer com o intuito de expliacutecita criacutetica social e econocircmica (e moral)
(ZABEL ibidem) Zabel expotildee alguns motivos que inspiraram essa corrente
100
a ficccedilatildeo norte-americana revelara desde o iniacutecio uma forte e obstinada tendecircncia social No fim da deacutecada de 1920 dois fatos motivaram um retorno agrave inspiraccedilatildeo social O senso de futilidade e niilismo que ameaccedilava despojar o artista de suas faculdades se natildeo encontrasse uma nova fonte de energia moral para sua arte e o crescente senso de criacutetica social gerado pelas injusticcedilas e lutas de classe do mundo de apoacutes-guerra Quando a falsa prosperidade daquela eacutepoca foi varrida pelo grande desastre econocircmico de 1929 soou a hora do retorno do ceticismo ao realismo da desilusatildeo agrave responsabilidade social (ZABEL 2003 33-34)
Segundo Spiller (1967 236) Steinbeck se recusava a ser classificado numa
categoria literaacuteria riacutegida ateacute a publicaccedilatildeo de Of mice and men em 1937 A criacutetica entretanto
o considera como um dos uacuteltimos integrantes do movimento naturalista norte-americano
movimento que havia iniciado no fim do seacuteculo XIX com Stephen Crane (1871
1900) e se
desenvolvido por outros escritores como Frank Norris Theodore Dreiser e Jack London
Segundo Hart e Leininger (1995)82 o Naturalismo pode ser definido como o
movimento que surgiu do pensamento cientiacutefico do seacuteculo XIX seguindo em geral o
determinismo bioloacutegico da teoria de Darwin ou o determinismo econocircmico de Marx
Hart e Leininger (1995) ainda destacam que se trata de
um termo criacutetico aplicado ao meacutetodo de composiccedilatildeo literaacuteria que procura estabelecer uma objetividade cientiacutefica destacada no tratamento do homem natural Assim eacute mais inclusivo e menos seletivo que o Realismo e estaacute ligado agrave filosofia do determinismo O homem eacute concebido como um ser controlado por seus instintos ou por suas paixotildees ou pelo ambiente econocircmico e social e circunstacircncias Uma vez que nesta visatildeo o homem natildeo tem livre arbiacutetrio o escritor naturalista natildeo tenta fazer julgamentos morais e como determinista ele tende ao pessimismo83
Com base nessas caracteriacutesticas Of mice and men pode ser considerado um
romance naturalista pois haacute nele elementos com niacutetido encaixe com este movimento o
tratamento do homem natural eacute visto na escolha da composiccedilatildeo dos personagens homens
simples de vida dura envolvidos num ambiente social tiacutepico (zona rural dos EUA) e num
ambiente econocircmico (a crise dos anos de 1930) Satildeo seres humanos movidos pelas
circunstacircncias geradas pela necessidade de sobreviver (instinto de sobrevivecircncia) e pelo
82 Disponiacutevel em lthttpwwwencyclopediacomdoc1O123-Naturalismhtmlgt Acesso em 20 de dezembro de 2008 O nuacutemero da paacutegina natildeo eacute informado
83 critical term applied to the method of literary composition that aims at a detached scientific objectivity in the treatment of natural man It is thus more inclusive and less selective than realism and holds to the philosophy of determinism It conceives of man as controlled by his instincts or his passions or by his social and economic environment and circumstances Since in this view man has no free will the naturalistic writer does not attempt to make moral judgments and as a determinist he tends toward pessimism The movement is an outgrowth of 19th-century scientific thought following in general the biological determinism of Darwins theory or the economic determinism of Marx Vide referecircncia da nota de rodapeacute anterior nordm 82
101
sonho de uma vida melhor (fantasia paixatildeo) As privaccedilotildees e a necessidade neste caso satildeo
tatildeo fortes que se sobrepotildeem ao livre arbiacutetrio Natildeo haacute escolha a vida oferece poucas
oportunidades as quais ainda assim natildeo deixam o homem viver mas tatildeo somente
sobreviver Como consequumlecircncia haacute a desumanizaccedilatildeobestializaccedilatildeo do ser humano
frequumlentemente comparado a bichos que remetem agrave brutalidade fragilidade e imundiacutecie
Alguns personagens tambeacutem satildeo descritos com defeitos fiacutesicos ou aparecircncia decadente (ex
Candy eacute idoso e perdeu uma das matildeos e conforme argumento impliacutecito na histoacuteria sua
imagem pode ser associada ao seu catildeo tambeacutem velho e decadente) Logo o tom natildeo poderia
ser outro senatildeo o de pessimismo temperado com uma solidatildeo imensa vivenciada por grande
parte dos personagens aleacutem de haver nesta histoacuteria metaforicamente uma situaccedilatildeo frequumlente
na natureza o predador e a presa o mais fraco esmagado pelo mais forte
Apesar da popularidade de John Steinbeck que vendeu ateacute cerca de 2 milhotildees de
coacutepias por ano (ARNOLD 2002) este nome nunca foi uma unanimidade Of mice and men
por exemplo considerado por muitos criacuteticos como a maior realizaccedilatildeo de Steinbeck eacute visto
por outros de modo natildeo totalmente positivo para estes a obra perde um pouco da sua virtude
por conter personagens muito planos e um enredo excessivamente determinista que confere
mais importacircncia agrave liccedilatildeo da histoacuteria do que agraves pessoas que atuam nela aleacutem de recair no
sentimentalismo84 O criacutetico Morton Dauwen Zabel formulou estas palavras acerca de
Steinbeck
sua essecircncia artiacutestica corre sempre o risco de sobrecarregar-se com teses morais e ambiccedilotildees socioloacutegicas que escapam de sua alccedilada Ameaccedila-o constantemente a tendecircncia para o melodrama e o sentimentalismo e quando esses comeccedilam a transparecer em suas paacuteginas causam-lhes graves danos aos dotes naturais de observaccedilatildeo e precisatildeo dramaacutetica Aqui temos novamente o problema de um escritor bem dotado que se deixou impressionar demais pelas abstratas doutrinas sociais (ZABEL 2004 41)
Jonathan Yardly por exemplo num artigo para o Washington Post Book Review
afirmou que algumas obras de Steinbeck natildeo eram de genuiacuteno interesse literaacuterio como In
Dubious Battle Tortilla Flat e Of mice and men elas satildeo na melhor das hipoacuteteses
curiosidades o trabalho de aprendiz de um escritor cuja proacutepria ficccedilatildeo madura merece muito
84 Conforme anaacutelise disponiacutevel no site lthttpwwwsparknotescomlitmicemencontexthtmlgt many critics have faulted his works for being superficial sentimental and overly moralistic Though Of mice and men is regarded by some as his greatest achievement many critics argue that it suffers from one-dimensional characters and an excessively deterministic plot which renders the lesson of the novel more important than the people in it Acesso em 31 de dezembro de 2008
102
pouca distinccedilatildeo literaacuteria (MORSBERGER 2003 32-33)85 Seguindo esse tom Martin
Arnold escreveu no New York Times [Steinbeck] nunca foi tatildeo popular entre os maiores
acadecircmicos de literatura mas seu trabalho eacute considerado sentimental demais para a grande
arte e sua escrita simplesmente natildeo eacute boa o bastante (ARNOLD 2002 MORSBERGER
2003 33 THE NEW YORK TIMES 2008)86 E Harold Bloom apud Arnold (2002) natildeo eacute
nem um pouco condescendente vocecirc natildeo pode ler trecircs paraacutegrafos de Steinbeck sem pensar
num Hemingway empobrecido com caracterizaccedilotildees que satildeo artificiais 87
A despeito de tantas criacuteticas negativas veiculadas por jornais americanos de
grande prestiacutegio a presenccedila deste romance eacute bem marcante no sistema literaacuterio e artiacutestico dos
Estados Unidos devido ao seu grande sucesso entre o puacuteblico tanto na linguagem literaacuteria
como nas suas adaptaccedilotildees para o teatro e para o cinema E Zabel (2004 41) apesar de
ressaltar pontos fracos da obra de Steinbeck reconhece a importacircncia desse escritor situando-
o entre os grandes nomes da literatura norte-americana da deacutecada de 1930
33 A obra Of mice and men
331 Resumo expandido
Publicado pela primeira vez em 1937 Of mice and men situa-se no contexto da
Grande Depressatildeo dos anos de 1930 com a quebra da bolsa de valores de Nova York
George Milton e Lennie Small amigos de infacircncia satildeo bem diferentes um do
outro Lennie eacute enorme de forccedila fiacutesica incriacutevel mas sua inteligecircncia eacute deacutebil comparada agrave de
um menino de quatro ou cinco anos por isso eacute a todo o momento protegido por George um
homem pequeno mas sagaz e haacutebil ao se comunicar Os dois vagueiam por fazendas do vale
de Salinas na Califoacuternia procurando emprego nas colheitas e alimentam um sonho juntar as
economias e comprar uma terra para viverem e produzirem seu proacuteprio sustento um lugar
onde Lennie entre outras coisas imagina uma criaccedilatildeo de coelhos de que cuidaria e lhes faria
carinho Lennie sente atraccedilatildeo por coisas macias que gosta de pegar Tem o haacutebito de acariciar
85 At best they are curiosities the apprentice work of a writer whose mature fiction itself fell considerably short of literary distinction
86 [Steinbeck] has never been too popular among the higher academics of literature his work considered too sentimental for great art his writing simply not good enough
87 You can t read three paragraphs of Steinbeck without thinking of a poorer Hemingway with characterizations that are contrived
103
camundongos que carrega em seu bolso mas sempre os mata sem querer Pensa que coelhos
satildeo grandes o suficiente para suportar sua forccedila descontrolada
Os dois contratados numa fazenda de cevada em Soledad comeccedilam a trabalhar e
ter um conviacutevio amistoso com os outros empregados Entretanto Curley o filho do patratildeo eacute
de temperamento difiacutecil sempre arrumando alguma desculpa para criar confusatildeo e brigas
ocasiotildees em que gosta de mostrar suas habilidades como boxeador Eacute casado com uma mulher
muito bela poreacutem fuacutetil e provocante
outra fonte de problemas pois sempre flerta com
todos Essa mulher agrave qual o autor natildeo daacute nome apesar de ganhar contornos de vilatilde eacute tambeacutem
uma viacutetima com sonhos frustrados queria muito ser atriz em Hollywood o que natildeo
conseguiu restando-lhe apenas a opccedilatildeo de um casamento infeliz com Curley George faz
amizade com Slim o simpaacutetico condutor de mulas Lennie fica um tanto isolado mas sua
produtividade na colheita eacute fantaacutestica porque eacute muito mais forte do que qualquer outro
homem Slim daacute a Lennie um filhote de cachorro
Em certa ocasiatildeo na presenccedila dos trabalhadores Curley arma outra confusatildeo
achando que sua esposa o estava traindo com Slim Mas Slim se inocenta natildeo soacute apresentando
boa argumentaccedilatildeo mas zombando do boxeador momento em que Carlson e Candy acham o
momento propiacutecio para tambeacutem ridicularizaacute-lo Sem alternativa Curley vecirc Lennie como
viacutetima e o comeccedila a agredir O gigante eacute indefeso e soacute finalmente reage quando George lhe
ordena acabando por segurar e esmagar uma das matildeos do boxeador que humilhado aceita a
mentira inventada por Slim de que sua matildeo ficara presa numa maacutequina
Na fazenda trabalham tambeacutem um negro Crooks viacutetima de preconceito racial e
torto por causa de um coice e um velho que perdeu uma das matildeos Candy acompanhado de
seu cachorro velho desdentado e fedorento Carlson insiste em querer matar o catildeo de Candy
porque o animal estaacute velho demais inuacutetil e sofrendo Candy pesaroso acaba concordando
Carlson leva o catildeo para o mato onde lhe daacute um tiro na nuca provocando uma morte raacutepida e
indolor Candy pensa em seu destino quando for totalmente incapaz de trabalhar
O cliacutemax se daacute quando Lennie ao constatar que matou seu cachorrinho sem
querer por causa do seu excesso de forccedila eacute encontrado pela mulher de Curley Esta aos
poucos se aproxima e envolve Lennie num jogo de seduccedilatildeo convidando-o a afagar seus
cabelos sedosos Lennie cede e deste modo ela morre acidentalmente com o pescoccedilo
quebrado pelas matildeos descuidadas de Lennie Os empregados ao se darem conta do
acontecido apontam a culpa para Lennie que jaacute havia fugido para um lugar nas matas
vizinhas exatamente onde George precavido lhe havia indicado para o caso de algum
problema antes mesmo de chegarem agrave sede da fazenda de cevada Os homens liderados por
104
Curley procuram por Lennie e certamente lhe afligiratildeo uma morte terriacutevel George antecipa-
se aos outros e acha Lennie Aproximando-se e em tom de desalento George conta a velha
histoacuteria dos planos de um futuro melhor para eles numa terra proacutepria e com a arma de
Carlson
a mesma que matou o cachorro de Candy
mata o amigo com um tiro tambeacutem na
nuca Assim o sonho de um Eacuteden americano eacute completamente destruiacutedo
A simbologia eacute um elemento relevante neste romance Vaacuterias anaacutelises apontam
para o poema de Robert Burns (1759
1796) To a Mouse on turning her up in her nest with
the plough como a fonte que Steinbeck escolheu para dar tiacutetulo ao seu romance Eis um
trecho retirado da seacutetima estrofe traduzido em prosa por Otto Maria Carpeaux (1968 7) os
projetos melhor elaborados sejam de ratinhos ou sejam de homens fracassam muitas vecirczes e
nos fornecem soacute tristeza e sofrimento em vez do precircmio prometido 88
Burns por meio deste poema mostra como os planos dos homens natildeo satildeo mais
seguros do que os de um camundongo ideacuteia repetida por Steinbeck no tiacutetulo de Of mice and
men O que motiva os sonhos dos personagens eacute o seu descontentamento com o presente mas
o seu futuro natildeo pode ser melhor e suas vidas seguem um destino em que a fatalidade e o
pessimismo datildeo o tom quando os homens satildeo comparados a criaturas fraacutegeis pequenas e
cercadas de imundiacutecie como os ratos89
A cor vermelha ganha significado nas unhas nas roupas nos calccedilados e na
maquiagem da mulher de Curley como um sinal de paixatildeo e desejo ou de perigo o que a
torna ao mesmo tempo viacutetima e agente do Destino A figura de Lennie eacute frequumlentemente
associada com animais (urso cavalo cachorro etc) Suas matildeos satildeo muitas vezes referidas
como patas Isso parece ser apropriado para Lennie pois ele frequumlentemente age do modo
88 Conforme pesquisa no siacutetio lthttpwwwcummingsstudyguidesnetGuides4Mousehtmlgt - acesso em 29 de dezembro de 2008 Robert Burns poeta escocecircs escreveu To a Mouse em linguagem vernacular num dialeto inglecircs denominado Scots em 1785 com publicaccedilatildeo em Kilmarnock Escoacutecia em 31 de julho de 1786 como parte de uma coleccedilatildeo de poemas de Burns intitulada Poems Chiefly in the Scottish Dialect A paacutegina da Internet consultada aleacutem de fornecer uma anaacutelise literaacuteria tambeacutem disponibiliza o poema em duas versotildees em dialeto Scots seguindo a escrita de Burns e em inglecircs padratildeo moderno Abaixo se encontram os trechos correspondentes agrave traduccedilatildeo em portuguecircs de Otto Maria Carpeaux
Em dialeto Scots Em inglecircs padratildeo moderno
The best-laid schemes o mice an men Gang aft agley
An lea e us nought but grief an pain For promis d joy
The best-laid schemes of mice and men Go often astray
And leave us nothing but grief and pain For promised joy
89 Fonte lthttpuniversalteacherorgukproseofmiceandmenhtm13gt Acesso em 29122008
105
simples e natural de um bicho A solidatildeo eacute um dos temas principais da histoacuteria e se mostra
pelo nome simboacutelico da cidade mais proacutexima Soledad
ou solidatildeo em espanhol90
A anaacutelise de Haebig et al (2008) considera como um dos maiores temas desta
histoacuteria a solidatildeo e tambeacutem a busca pelo American Dream (o Sonho Americano ) A solidatildeo
eacute expressa por alguns personagens Candy fica sozinho na casa dos peotildees por causa de sua
matildeo perdida e seu catildeo velho eacute motivo de gozaccedilatildeo dos outros trabalhadores Lennie fica soacute
quando George e os outros vatildeo agrave cidade no dia do pagamento Crooks eacute segregado em virtude
de ser negro morando no estaacutebulo a mulher de Curley busca constantemente chamar a
atenccedilatildeo dos homens como um modo de se consolar do seu sonho fracassado de ser estrela de
cinema e do seu casamento sem amor o proacuteprio Curley eacute solitaacuterio pois sua mulher natildeo o
suporta e tampouco os trabalhadores ele se casou numa tentativa de superar a solidatildeo mas
escolheu uma mulher totalmente inapropriada para o seu estilo de vida
tudo isso contribui
para o seu comportamento agressivo (HAEBIG et al 2008)
A busca do chamado American Dream se mostra na forma do sonho
compartilhado por George e Lennie de comprarem uma terra para si onde poderiam desfrutar
de liberdade e independecircncia na comunhatildeo de sua amizade fraterna A mulher de Curley
sonha constantemente sobre como sua vida teria sido diferente se ela natildeo tivesse aceitado se
casar com Curley O sonho de Candy eacute compartilhar sua vida com aqueles que o tratassem
como um homem de verdade mais humanizado A busca da liberdade de todos estes
personagens estaacute cercada pelos eventos traacutegicos que envolvem Lennie e a esposa de Curley
(HAEBIG et al 2008) Aos temas da solidatildeo e da busca do sonho americano em outra
anaacutelise91 acrescenta-se o tema da violecircncia ilustrado pelos seguintes exemplos Candy conta
como o patratildeo lhes deu uiacutesque e permitiu que houvesse uma briga na casa dos peotildees Curley
o personagem mais violento sempre deixa uma tensatildeo no ar todas as vezes que aparece e se
revela num problema seacuterio para Lennie provocando-o e apoacutes a sequumlecircncia de fatos infelizes
que culmina com a morte de sua esposa por Lennie a uacuteltima expressatildeo de fuacuteria de Curley em
relaccedilatildeo a Lennie eacute o seu desejo de furar suas tripas a balas ( shoot him in the guts)
Carlson natildeo se preocupa nem um pouco em matar o catildeo de Candy limpando a arma na
presenccedila do velho Ele se diverte quando Slim caccediloa de Curley e nessa ocasiatildeo afirma para
90 Conforme pesquisa na paacutegina da Internet disponiacutevel no seguinte endereccedilo eletrocircnico lthttpwwwnewiacukenglishresourcesworkunitsks4fictionofmicemensmallheaththemeshtmlgt Acesso em 29 de dezembro de 2008
91 Disponiacutevel em lthttpwwwnewiacukenglishresourcesworkunitsks4fictionofmicemensmallheaththemeshtmlgt Acesso em 29 de dezembro de 2008
106
Curley que eacute capaz de kick your head off ( arrancar sua cabeccedila ) Eacute Carlson que
dirigindo-se a Curley sobre a conversa entre Slim e George
diz as uacuteltimas palavras do livro
( Now what the hell ya suppose is eatin them two guys ) que revelam sua incapacidade de
compreender os sentimentos de George sobre a morte de Lennie A violecircncia de Lennie por
outro lado natildeo eacute intencional Suas accedilotildees satildeo comparadas agraves de um animal
forte mas que
natildeo pensa Ironicamente eacute a forccedila de Lennie que faz com que a esposa de Curley se sinta
atraiacuteda por ele Por fim eacute a ameaccedila da violecircncia contra Lennie que faz com que George tome
a atitude de matar seu amigo
A natureza por sua vez eacute tambeacutem referida como tema nesta anaacutelise e eacute retratada
como um mundo de beleza e paz mas que eacute ameaccedilado pelas accedilotildees do homem no iniacutecio da
histoacuteria os animais na aacutegua se agitam com a aproximaccedilatildeo de George e Lennie O rancho e as
construccedilotildees agrave sua volta por serem criaccedilotildees humanas contrastam com o mundo natural
Candy e Crooks satildeo desnaturalizados por sua aparecircncia porque ambos possuem deformidades
no corpo (o primeiro perdeu uma matildeo o outro eacute torto) Lennie contrasta com estes dois
personagens pois parece fazer parte do mundo natural quando eacute descrito em termos que se
referem a animais (seu andar de urso suas patas etc)
332 A linguagem
A linguagem92 de Of mice and men se destaca por Steinbeck ter planejado sua
obra como romance literaacuterio mas tambeacutem com o objetivo de adaptaacute-la para o teatro cada
seccedilatildeo ou capiacutetulo se dispotildee num lugar claramente definido como numa cena de teatro O
iniacutecio de cada seccedilatildeo conteacutem descriccedilotildees detalhadas como roteiros para uma peccedila teatral
enquanto que o restante em sua maior parte toma a forma de diaacutelogos Logo a linguagem eacute
simples direta e resumida e se distingue entre dois usos da liacutengua inglesa estadunidense a
narrativa na liacutengua padratildeo e os diaacutelogos representados num dialeto estigmatizado da
Califoacuternia A esse respeito Li e Schultz (2005 145) afirmam que o estilo direto e sequumlencial
aleacutem do uso extensivo de diaacutelogos foram recursos que Steinbeck utilizou por que estava
preocupado em alcanccedilar tambeacutem um puacuteblico em especial os trabalhadores pobres que natildeo
liam livros mas que eventualmente poderiam ir ao teatro
92 Conforme anaacutelise disponiacutevel em lthttpwwwnewiacukenglishresourcesworkunitsks4fictionofmicemensmallheathlanghtmlgt Acesso em 29 de dezembro de 2008
107
John Steinbeck eacute um autor que costuma apresentar a temaacutetica social como nuacutecleo
de suas obras literaacuterias muitas vezes daacute a voz popular caracteriacutestica aos seus personagens por
meio de uma linguagem desviante do inglecircs padratildeo dos Estados Unidos Natildeo soacute em Of mice
and men mas tambeacutem em outras obras como em The grapes of wrath
Ain t
got the call no more Got a lot of sinful idears but they seem kinda
sensible
(STEINBECK 2002 20)
I got thinkin
how we was
holy when we was
one thing an mankin
was holy when it was one thing An it ony got unholy when one misable little fella got the bit in his teeth an run off his own way kickin an draggin an fightin Fella
like that bust the holi-ness But when theyre all workin
together not one fella
for another fella but one fella
kind of harnessed to the whole shebang thats right thats holy (STEINBECK 2002 81)
I gotta see them folks
that s gone out on the road I got a feelin I got to see them They gonna
need help no preachers can give em Hope of heaven when their lives ain t
lived Holy sperit
when their own sperit
is down-cast cast an
sad They gonna
need help They got to live before they can afford to die
(STEINBECK 2002 52)
Em Of mice and men os personagens satildeo trabalhadores rurais de baixa
escolaridade Esse perfil eacute evidenciado pela linguagem que eles utilizam caracteriacutestica da
fala numa oralidade que se distancia do inglecircs padratildeo dos Estados Unidos Schilling-Estes e
Wolfram (2006 14) apud Seppaumllauml (2008 1) bem como Yule (2006 212) classificam as
variedades linguumliacutesticas natildeo-padratildeo pelo termo vernacular dialect (dialeto vernaacuteculo)93 Outros
teoacutericos citados por Christiana (2001) tais como Janet Holmes (1992) Hans P Guth (1973)
William Labov (1989) Pride (1981) e Francis (1965) estabelecem caracteriacutesticas desse tipo
de linguagem que se apresentam como desvios da norma-padratildeo Guth (1973) apud
Christiana (2001 11-12) apresenta alguns exemplos da liacutengua inglesa vernaacutecula94
(estigmatizada) dos Estados Unidos
93 Conforme exposiccedilatildeo teoacuterica anterior feita nesta dissertaccedilatildeo a noccedilatildeo de variedade linguumliacutestica eacute complexa seguindo o que alguns teoacutericos (Catford 1980 Baker 1992 e outros) expotildeem sobre esse assunto abrangendo noccedilotildees do que se entende por exemplo por idioletos dialetos registros estilos e modos etc Em outras palavras portanto o termo dialeto vernaacuteculo aplica-se a dialetos ou variedades linguumliacutesticas estigmatizados conforme terminologia proposta por Bagno (2003 67) e adotada neste trabalho
94 Apesar da existecircncia de vaacuterios dialetos ou variaccedilotildees regionais do inglecircs dos Estados Unidos como David Crystal (1995 299 312
317) por exemplo trata e ilustra as informaccedilotildees trazidas por Christiana (2001) e Seppaumllauml (2008) ao citarem esses autores sobre o chamado vernacular English bem como Yule (2006) natildeo fazem relaccedilatildeo clara a um dialeto especiacutefico Logo subentende-se uma abordagem geral com os fenocircmenos linguumliacutesticos mais comuns da liacutengua inglesa estadunidense desviante da norma-padratildeo Entretanto eacute possiacutevel relacionar alguns desses exemplos com a linguagem utilizada por Steinbeck em Of mice and men
108
1 Formas verbais he don t you was I says have wrote I seen him
2 Formas pronominais hisself theirself this here book that there animal them
potatoes
3 Ausecircncia de conectivos being as she couldn t come (being as if
she couldn t come)
4 A dupla negativa We don t have no time I don t want none
5 O uso de ain t You ain t going to no heaven I ain t got it
6 Inversatildeo entre o sujeito e o verbo (ou first auxiliary) (em inglecircs padratildeo esse uso
acontece normalmente nas formas interrogativas enquanto que no inglecircs natildeo-padratildeo
isso tambeacutem se aplica a certos padrotildees frasais Ain t nobody gonna boss me around
didn t nobody hear him
7 Inversatildeo entre o sujeito e o verbo (ou first auxiliary) tanto em perguntas diretas como
em perguntas indiretas Ask him can he come I don t know can
Robert play
8 Sujeito duplicado My mother she
don t like me
9 Troca do uso de there por it ou they It s
no one there They s
a difference
Schilling-Estes e Wolfram (2006 183) apud Seppaumllauml (2008 1) afirmam que uma
caracteriacutestica comum de dialetos de baixo prestiacutegio (variedades estigmatizadas) estaacute em
diferenccedilas na concordacircncia verbal com o sujeito em que haacute uma tendecircncia em regularizar as
formas verbais ao se eliminar o s final da terceira pessoa do singular ou de forma contraacuteria
colocando-se essa letra em todas as formas verbais conforme Marckwardt (1980 153) apud
Seppaumllauml (2008 1) Em Of mice and men isso pode ser observado nas expressotildees sublinhadas
(com suas formas na liacutengua padratildeo o Standard American English entre parecircnteses)
1) Formas verbais regularizadas como na terceira pessoa do singular The hell with what I
says (STEINBECK sd 5) (I say) I remember some girls come by and you says you
says (STEINBECK sd 5) (you say) () so I comes
running ()
(STEINBECK sd
44) (I come) Me an him goes
ever place together
(STEINBECK sd 7) (go)
2) Uso generalizado da terceira pessoa do singular no passado simples do verbo to be como
padratildeo They was
so little ( ) (STEINBECK sd 10) (they were) Says we was
here when
we wasn t
(STEINBECK sd 22) (we werewe weren t) You wasn t big enough
(STEINBECK sd 91) (you weren t)
109
3) Terceira pessoa do singular com o verbo to do regularizado A guy on a ranch don t
never listen nor he don t
ast no questions (STEINBECK sd 25) (A guy doesn the
doesn t)
Outra caracteriacutestica desses dialetos eacute a omissatildeo do verbo to have como auxiliar do
present perfect I been
mean ain t I (STEINBECK sd 13) (I ve been) Well I never seen
one guy take so much trouble for another guy
(STEINBECK sd 23) (I ve never seen)
Schilling-Estes e Wolfram (2006 183) apud Seppaumllauml (2008) com relaccedilatildeo aos
verbos irregulares afirmam que estes tendem a assumir formas regularizadas por analogia aos
verbos regulares com terminaccedilatildeo -ed
no passado simples I think I knowed
from the very
first I think I knowed
we d never do her (STEINBECK p 100) (knew)
A oralidade desse chamado inglecircs vernaacuteculo (ou variedade estigmatizada) fica
marcante tambeacutem pela reduccedilatildeo de palavras quando faltam letras ou no seu iniacutecio ou meio ou
fim de acordo com Schilling-Estes e Wolfram (2006 183) apud Seppaumllauml (2008) Uma
simplificaccedilatildeo muito comum eacute o uso de -in em vez de -ing (YULE 2006 214) Abaixo
exemplos em Of mice and men
a) Omissatildeo de letras no iniacutecio das palavras
Gi
me that mouse (STEINBECK sd 8) (give)
Won t ever get canned cause
his old man s the boss (STEINBECK sd 28)
(because)
Bout half an hour ago maybe (STEINBECK sd 38) (about)
I guess we gotta get im
an lock im
up (STEINBECK sd 99) (him)
When you got a piece of pie you always got half or more n
half
(STEINBECK
sd 107) (than)
b) Omissatildeo de letras no meio das palavras
S pose he don t want to talk
(STEINBECK sd 26) (suppose)
() las Sat day night (STEINBECK sd 55) (last)
110
It s on y
about four o clock (STEINBECK sd 91) (only)
c) Omissatildeo de letras no final das palavras
I was only foolin George (STEINBECK sd 12) (fooling)
() las
Sat day night (STEINBECK sd 55) (last)
Por uacuteltimo ao se considerar a totalidade das falas segundo cada personagem de Of
mice and men observa-se certa regularidade no tratamento do dialeto utilizado isto eacute natildeo se
apresentam formas muito distintas entre o falar de um personagem em relaccedilatildeo aos outros o
que poderia se configurar em outras subvariaccedilotildees dialetais ou mesmo no uso de idioletos
34 Traduccedilotildees de Of mice and men
Um fator que pode indicar o sucesso de um autor eacute o quanto ele eacute traduzido
Goldstone e Payne (1974) apud Holmes (2004 22-40) exibem estatiacutesticas da produccedilatildeo
literaacuteria de Steinbeck traduzida para vaacuterios idiomas listando em seu cataacutelogo 57 liacutenguas para
as quais Steinbeck foi traduzido e dentre as demais obras ateacute entatildeo havia 55 traduccedilotildees de
Of mice and men distribuiacutedas em 32 liacutenguas superando o nuacutemero de The grapes of wrath que
contava com 40 traduccedilotildees em 26 liacutenguas
Of mice and men portanto eacute um dos livros mais disponibilizados de Steinbeck e
seu histoacuterico de publicaccedilotildees em inglecircs95 se inicia em 1937 nos Estados Unidos pela editora
Covici Friede Inc Seguem-se outras publicaccedilotildees por diferentes editoras dentre as quais a
Viking Press Inc (1938) e a Penguin Books (1978 e 1986) Em portuguecircs96 haacute pelo menos
trecircs traduccedilotildees tambeacutem jaacute em vaacuterias ediccedilotildees A primeira foi realizada pelo escritor brasileiro
95 De acordo com informaccedilotildees do site lthttpwwwedstephanorgSteinbeckmicehtmlgt Acesso em 22 de julho de 2009
96 Estes dados constam no Index Translationum disponiacutevel na Internet em lthttpdatabasesunescoorgxtransaopenisisaa=steinbeckampstxt_1=ampstxt_2=ampstxt_3=ampsl=ENGampl=PORampc=amppla=amppub=amptr=ampe=ampudc=ampd=ampfrom=ampto=amptie=andgt (acesso em 23122008) Entretanto natildeo constam neste siacutetio nenhum dado relativo agraves traduccedilotildees brasileiras de Eacuterico Veriacutessimo de 1940 (e outras) de Myriam Campello de 1991 (e outras) e de Ana Ban de 2005 as quais foram adquiridas e serviratildeo como a base principal desta pesquisa durante as anaacutelises comparativas
111
Eacuterico Veriacutessimo com publicaccedilatildeo em 1940 pela Livraria do Globo de Porto Alegre
RS97 a
segunda de Myriam Campello teve a sua primeira ediccedilatildeo publicada no Rio de Janeiro pela
Editora Record em 1985 e a uacuteltima pela Editora Ciacuterculo do Livro em 1991 A terceira
traduccedilatildeo eacute de 2005 publicada pela editora LampPM de Porto Alegre
RS realizada por Ana
Ban
Haacute tambeacutem adaptaccedilotildees para o teatro para o cinema e uma produccedilatildeo para a
televisatildeo norte-americana Existem pelo menos duas peccedilas teatrais em liacutengua portuguesa uma
brasileira traduzida por Brutus Pedreira e dirigida por Augusto Boal em 1956 (Ratos e
homens Teatro de Arena Satildeo Paulo encenada em 26 de setembro de 1956 com destaque
para a atuaccedilatildeo do ator iacutetalo-brasileiro Gianfrancesco Guarnieri como o personagem
George)98 e outra portuguesa com a traduccedilatildeo de Correia Alves dirigida por Antocircnio Pedro
em 1957 (Ratos e homens Porto Ciacuterculo de Cultura Teatral Teatro Experimental)99 Em
filmes de liacutengua inglesa para o cinema segundo Li e Schultz (2005 151 363-364) haacute duas
versotildees ambas sob o tiacutetulo Of mice and men de 1939 dirigido por Lewis Milestone e de
1992 dirigido e estrelado por Gary Sinise (no papel de George) Destaca-se que esses dois
filmes foram exibidos no Brasil o primeiro com o tiacutetulo Cariacutecia Fatal e o segundo o mais
recente com o tiacutetulo Ratos e homens
Em liacutengua inglesa de acordo com Li e Schultz (2005 365) haacute pelo menos dois
filmes homocircnimos (Of mice and men) concebidos especialmente para exibiccedilatildeo na TV o
primeiro de 1970 estrelado por George Seagal (no papel de George) e Nicol Williamson (no
papel de Lennie) o segundo de 1981 produzido por Robert Blake (que tambeacutem atuou no
filme interpretando o personagem George) Gino Grimaldi e Robert Hargrove dirigido por
Reza Badiyi Para o teatro Li e Schultz (2005 366) destacam as seguintes adaptaccedilotildees
97 Esta traduccedilatildeo possui outras publicaccedilotildees posteriores dentre as quais pode ser citada uma ediccedilatildeo portuguesa (Lisboa Livros do Brasil) de 1984 num volume que abriga tambeacutem uma traduccedilatildeo de The Red Pony outro romance de Steinbeck (O Potro Vermelho traduzido por Rebelo de Bettencourt) e tambeacutem outra ediccedilatildeo brasileira pela Editorial Bruguera de 1968 com a atualizaccedilatildeo da linguagem conforme a reforma ortograacutefica de 1942
98 Fonte revista eletrocircnica Coleccedilatildeo Cadernos de Pesquisa Teatro de Arena 2008 p 16 Disponiacutevel em lthttpwwwcentroculturalspgovbrcadernoslightboxlightboxpdfsTeatro20de20Arenapdfgt Acesso em 12 de dezembro de 2008
99 Fontes Base Nacional de Dados Bibliograacuteficos
Cataacutelogo Colectivo das Bibliotecas Portuguesas Disponiacutevel em lthttpopacporbaseorgipac20ipacjspsession=11974TB726C14410279ampmenu=searchampaspect=basicampnpp=20ampipp=20ampprofile=porbaseampri=ampterm=john+steinbeck+ratos+e+homens+correia+alvesampindex=GWampaspect=basicfocusgt e na paacutegina eletrocircnica da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra lthttpwebopacsibucptsearchpor~S0qauthor=steinbeck2C+johnamptitle=Ratos+e+homensampsearchscope=74ampsortdropdown=tampx=22ampy=16gt Acesso em 17 de dezembro de 2008
112
igualmente intituladas Of mice and men peccedila teatral encenada em 21 de maio de 1937 no
Green Street Theatre de Satildeo Francisco (Califoacuternia) e em 23 de novembro de 1937 no Music
Box Theatre de Nova York e oacutepera encenada em 22 de janeiro de 1970 em Seattle
(Washington)
35 Os tradutores
Nesta subseccedilatildeo apresentados os trecircs tradutores que elaboraram as traduccedilotildees de Of
mice and men Buscando-se compreender as motivaccedilotildees problemas e escolhas dos tradutores
em questatildeo incluiacuteram-se nesta pesquisa dados colhidos em vaacuterias fontes por meio da
pesquisa bibliograacutefica da Internet bem como pelo uso de um questionaacuterio
No caso do questionaacuterio destinado aos tradutores somente um foi encaminhado
visto que natildeo foi possiacutevel estabelecer contato com todos os tradutores pois Eacuterico Veriacutessimo
faleceu em 1975 e Myriam Campello natildeo pocircde ser localizada ou contatada
Portanto somente a tradutora Ana Ban respondeu o questionaacuterio Suas respostas
abordam questotildees como por exemplo as motivaccedilotildees de traduzir uma obra literaacuteria como eacute
feita a seleccedilatildeo dos autores aleacutem das atitudes dessa profissional diante de problemas de
traduccedilatildeo Esse questionaacuterio com suas respostas encontra-se no Anexo IV
351 Eacuterico Veriacutessimo um escritor-tradutor na Era Vargas
Segundo Arnaldo Nogueira Jr (2007) a partir da sua paacutegina da Internet
Releituras
Resumo Biograacutefico e Bibliograacutefico Eacuterico Lopes Veriacutessimo nasceu em Cruz Alta
(RS) no dia 17 de dezembro de 1905 e aos 13 anos jaacute lia autores nacionais tais como Coelho
Neto Aluiacutesio Azevedo Joaquim Manoel de Macedo Afracircnio Peixoto e Afonso Arinos bem
como autores estrangeiros como Walter Scott Tolstoacutei Eccedila de Queiroacutes Eacutemile Zola e
Dostoieacutevski
A partir da informaccedilatildeo de Nogueira Jr (2007) abaixo pode-se supor que um
ponto de partida para a carreira literaacuteria de Veriacutessimo foi a publicaccedilatildeo de contos de sua
autoria em revistas e impressos da regiatildeo incluindo a Revista do Globo de Porto Alegre
113
o mensaacuterio Cruz Alta em Revista publica em 1929 Chico um conto de Natal que por insistecircncia do jornalista Prado Juacutenior Eacuterico havia consentido O colega de boticaacuterio e escritor Manoelito de Ornellas envia ao editor da Revista do Globo em Porto Alegre os contos Ladratildeo de gado e A trageacutedia dum homem gordo onde aprovadas foram publicadas
Seu primeiro reconhecimento de maior escala vem a partir de outro conto
publicado no jornal Correio do Povo Eacuterico remete a De Souza Juacutenior diretor do suplemento
literaacuterio Correio do Povo o conto A lacircmpada maacutegica Esse segundo testemunhas o
publica sem ler o que daacute ao autor notoriedade no meio literaacuterio local (NOGUEIRA JR
2007)
Em 1932 Veriacutessimo eacute promovido a Diretor da Revista do Globo ocasiatildeo em que
eacute convidado por Henrique Bertaso gerente do departamento editorial da Livraria do Globo a
atuar naquela seccedilatildeo indicando livros para traduccedilatildeo e publicaccedilatildeo
Outras obras suas autoria incluem contos como Fantoche (1932) As matildeos de meu
filho (1942) e O ataque (1958) e os romances Clarissa (1933) Caminhos cruzados (1935)
Olhai os liacuterios do campo (1938) O tempo e o vento (em trecircs partes O continente
1949 O
retrato
1951 O arquipeacutelago
1961) Incidente em Antares (1971) etc Veriacutessimo tambeacutem
produziu obras para a literatura infanto-juvenil e autobiografias Seus livros foram traduzidos
para o alematildeo espanhol finlandecircs francecircs holandecircs huacutengaro indoneacutesio inglecircs italiano
japonecircs norueguecircs polonecircs romeno russo sueco e tcheco (NOGUEIRA JR 2007)
Lia Wyler (2003 124) assinala que Veriacutessimo traduziu mais de cinquumlenta obras
desde novelas policiais e aventuras a literatura culta aleacutem de numerosos artigos adaptados do
inglecircs francecircs e espanhol Dentre as muitas traduccedilotildees de sua autoria podem ser citados
Contraponto de Aldous Huxley (1935) Ratos e homens de John Steinbeck Adeus Mr Chips
e Natildeo estamos soacutes de James Hilton Felicidade e O meu primeiro baile de Katherine
Mansfield Faleceu em 1975
Eacuterico Veriacutessimo viveu durante um periacuteodo importante para a histoacuteria do Brasil a
Era Vargas (1930
1945 e 1951
1954) que segundo Wyler (2003 108) com a ascensatildeo
de Getuacutelio Vargas agrave presidecircncia da Repuacuteblica instaurou-se um movimento marcado por
vaacuterias accedilotildees de cunho nacionalista com a industrializaccedilatildeo brasileira a aprovaccedilatildeo de novas
leis trabalhistas educacionais e eleitorais aleacutem de uma nova Constituiccedilatildeo Wyler destaca o
papel delegado agrave educaccedilatildeo
a educaccedilatildeo deveria servir ao duplo propoacutesito de produzir matildeo-de-obra qualificada e difundir o ideaacuterio estadonovista o que incluiacutea necessariamente a alfabetizaccedilatildeo bem como a publicaccedilatildeo local de livros de ensino e literatura revistas e jornais de
114
interesse educativo Incluiacutea ainda a traduccedilatildeo de obras ineacuteditas a reediccedilatildeo de obras esgotadas e a criaccedilatildeo de bibliotecas puacuteblicas permanentes e circulantes
o conjunto
todo implicando um decidido estiacutemulo oficial agrave produccedilatildeo de papel e livros (WYLER 2003 108-109)
Segundo Wyler (2003) Vargas criou o Instituto Nacional do Livro em 1937 e
pouco depois com a decretaccedilatildeo do Estado Novo o Serviccedilo de Divulgaccedilatildeo da Chefatura de
Poliacutecia os quais serviam a propoacutesitos muito bem definidos inclusive com censura e puniccedilotildees
ao que fosse contraacuterio ao desejo de um presidente com perfil de ditador Assim surgiu
tambeacutem em 1939 logo apoacutes o iniacutecio da Segunda Guerra Mundial e as suas decorrentes
restriccedilotildees de importaccedilotildees da Europa outro oacutergatildeo repressor e de censura o Departamento de
Imprensa e Propaganda DIP (WYLER 2003 111)
Nesse contexto vaacuterias editoras surgiram ou se expandiram valendo-se de praacuteticas
voltadas para atrair o consumidor Uma delas era contratar escritores brasileiros famosos para
traduzirem as obras principalmente as de ficccedilatildeo Deste modo escritores-tradutores como
Rachel de Queiroacutes Joseacute Lins do Rego Alceu Amoroso Lima Guilherme de Almeida eram
disputados pelas editoras ou atuavam eles mesmos como editores cuidando da seleccedilatildeo
traduccedilatildeo revisatildeo e divulgaccedilatildeo dos seus produtos Tal era o caso por exemplo de Monteiro
Lobato e Eacuterico Veriacutessimo (WYLER 2003)
Wyler (2003 124-130) faz uma pequena historiografia marcando o perfil e as
realizaccedilotildees de Eacuterico Veriacutessimo como tradutor colaborador e por uacuteltimo editor da Livraria do
Globo Esta que iniciou suas atividades em 1883 lanccedilou-se no seacuteculo XX com novas
estrateacutegias comerciais sobretudo na deacutecada de 1930 quando entre outros fatos houve a
criaccedilatildeo da Revista do Globo onde Veriacutessimo tambeacutem atuava
() Veriacutessimo foi a equipe editorial dirigia redigia ilustrava paginava e ocasionalmente fazia as vezes de escritor inglecircs americano ou poeta aacuterabe chinecircs persa japonecircs personagens que ia inventando para preencher os claros da diagramaccedilatildeo Havia tambeacutem uns tais Gilbert Sorrow e Dennis Kent e outro mais permanentemente Gilberto Miranda que fazia criacuteticas literaacuterias traduccedilotildees moda feminina e masculina poliacutetica internacional psicologia histoacuteria natural trabalhos manuais o que fosse preciso (WYLER 2003 125-126)
Elizabeth W Rochadel Torresini destaca que Eacuterico Veriacutessimo foi conselheiro
editorial da Seccedilatildeo Editora da Livraria do Globo a partir de 1935
Eacuterico colabora para o ecircxito das coleccedilotildees e dos novos empreendimentos ao lado de Henrique Bertaso Participa do planejamento de programas editoriais contribui para a seleccedilatildeo de novas obras fiscaliza as traduccedilotildees estuda o formato as capas e a
115
composiccedilatildeo dos livros e os seus lanccedilamentos Os dois editores empenham-se na publicaccedilatildeo de claacutessicos da literatura ocidental (TORRESINI 2004 11)
O proacuteprio Veriacutessimo salienta que fazia seleccedilatildeo de obras para serem traduzidas
() fui eu quem escolheu os autores Thomas Mann Andreacute Gide Charles Morgan G K Chesterton Willa Cather Norma Douglas Aldous Huxley Romain Rolland Roger Martin du Gard Sinclair Lewis William Faulkner Pearl Buck Graham Greene James Joyce Katherine Mansfield (VERIacuteSSIMO 2000 299-300 apud BARCELLOS 2002 6)
Segundo Wyler (2003 124) Veriacutessimo traduzia para complementar o orccedilamento
domeacutestico agraves vezes dando a elas algo mais Em A morte mora em Chicago [de Edgar
Wallace] ele confessa que resolveu colaborar com o autor modificando-lhe o estilo e
produzindo uma traduccedilatildeo melhor que o original (WYLER 2003 126) Outra amostra dessa
praacutetica se verifica quando ele passou a trabalhar em colaboraccedilatildeo mais proacutexima de Henrique
Bertaso como conselheiro literaacuterio do departamento editorial Ali teve de pocircr meias-solas
em traduccedilotildees alheias malfeitas e passar para o nosso idioma livros estrangeiros que detestou
Se natildeo tinha tradutori de verdade caccedilava com traditori (VERIacuteSSIMO apud WYLER
2003 127) Essa interferecircncia de Veriacutessimo nas traduccedilotildees eacute confirmada por Mariacutelia de Arauacutejo
Barcellos (2002 6) quando ela afirma que os textos estrangeiros nem sempre estavam de
acordo com o seu gosto pessoal
Ao se examinar o contexto da eacutepoca de Getuacutelio Vargas e sua poliacutetica para a
educaccedilatildeo e para a cultura brasileira em conjunto com os propoacutesitos da Livraria do Globo
conforme explicitado anteriormente algumas tendecircncias podem ser notadas em relaccedilatildeo agrave
escolha da obra Of mice and men para ser traduzida para o mercado brasileiro na eacutepoca de
Veriacutessimo
A ascensatildeo de Getuacutelio Vargas agrave presidecircncia da Repuacuteblica com um consequumlente
movimento marcadamente nacionalista veio influenciar os modos de produccedilatildeo bibliograacutefica
Nesse intuito se houve o estiacutemulo agrave traduccedilatildeo de obras ineacuteditas certamente havia diretrizes a
serem tomadas aleacutem de restriccedilotildees e repressatildeo de modo que nada viesse na contramatildeo da
ideologia getulista Todavia esse contexto se aplica mais a como deveriam ser as traduccedilotildees
Um indiacutecio sobre as motivaccedilotildees da escolha de Of mice and men encontra-se na
contracapa da ediccedilatildeo de Ratos e homens de 1940 fiel ao seu programa de possibilitar ao
puacuteblico brasileiro a leitura das maiores obras da literatura mundial contemporacircnea a
LIVRARIA DO GLOBO apresenta JOHN STEINBECK () A inclusatildeo de Of mice and
116
men entre as grandes obras da literatura mundial daquele momento certamente natildeo se trata
somente de uma opiniatildeo da Livraria do Globo mas sobretudo a opiniatildeo da criacutetica literaacuteria
das editoras que publicaram e republicaram esta obra em inglecircs e ao mercado consumidor
mundial que lia Steinbeck traduzido para diversas liacutenguas
De modo geral a criacutetica literaacuteria seja com tom positivo ou negativo acaba sendo
um agente divulgador contribuindo agrave sua maneira na repercussatildeo de uma obra As editoras e
o puacuteblico por sua vez produzem suas opiniotildees ao mesmo tempo em que a criacutetica
especializada ou agem posteriormente em funccedilatildeo dessas ideacuteias emitidas pelos criacuteticos
Analisando o papel de Steinbeck no sistema literaacuterio mundial e sua repercussatildeo e sucesso
como escritor fica mais faacutecil portanto entender por que sua obra Of mice and men foi
escolhida para divulgaccedilatildeo numa traduccedilatildeo brasileira da editora da Livraria do Globo (ou
Editora do Globo)
352 Myriam Campello100
Myriam Campello Macedo Fragoso nasceu no Rio de Janeiro (RJ) em 1940
Romancista contista diplomada em jornalismo e tradutora Como escritora destacou-se com
seus romances Cerimocircnia da Noite (1972
Precircmio Fernando Chinaglia para romance
ineacutedito) Sortilegiu (1981) Satildeo Sebastiatildeo blues (1993) e sua coletacircnea de contos Sons e
Outros Frutos (1998) Recebeu o Precircmio Uniatildeo Latina
Concurso Guimaratildees Rosa para
conto ineacutedito em 1997 Participou de diversas antologias brasileiras entre elas Os cem
melhores contos brasileiros do seacuteculo (2000) Tem contos publicados na Polocircnia Alemanha
Holanda Franccedila e Estados Unidos Seu uacuteltimo livro Como esquecer anotaccedilotildees quase
inglesas (2003) foi adaptado para o cinema brasileiro (ineacutedito)
Como tradutora sua lista de trabalhos publicados eacute extensa e variada constando
desde artigos de revistas biografias (por exemplo Faltou dizer a vida de Ingrid Bergman de
Laurence Learner) ateacute livros literaacuterios e natildeo literaacuterios (por exemplo da aacuterea da sauacutede O
democircnio do meio-dia uma anatomia da depressatildeo de Andrew Solomon educativos O
Renascimento de Paul Johnson e O tempo na literatura de Meyerhoff) Dentre algumas
100 Fontes de pesquisa utilizadas para esta biografia Biblioteca digital
NUPILL Disponiacutevel em lthttpwwwliteraturabrasileiraufscbrConsultaAutor_navphpautor=1038gt Acesso em 18 de fevereiro de 2009 paacutegina da Internet da Editora Escrituras Disponiacutevel em lthttpwwwescriturascombrlivrophpisbn=85753109849788575310984gt Acesso em 22 de fevereiro de 2009
117
traduccedilotildees literaacuterias de sua autoria a tiacutetulo de exemplo destacam-se do francecircs Os irmatildeos
corsos
de Alexandre Dumas (adaptaccedilatildeo infanto-juvenil) e O Capitatildeo Fracasso
de
Theophile Gautier (infanto-juvenil) do inglecircs Tudo eacute eventual
de Stephen King (Editora
Objetiva) e Cenas londrinas de Virginia Woolf (Editora Joseacute Olympio)
353 Ana Ban101
Jornalista e tradutora com especializaccedilatildeo em traduccedilatildeo (Curso de Formaccedilatildeo de
Tradutores e Inteacuterpretes
inglecircs) pela Associaccedilatildeo Alumni Satildeo Paulo
SP (2004) Aleacutem de
exercer a traduccedilatildeo escrita eacute inteacuterprete consecutiva e inteacuterprete simultacircnea
(InglecircsPortuguecircsInglecircs) Consta em seu blog na Internet que ela traduziu 71 livros
literaacuterios desde 2001 dentre os quais aleacutem de Ratos e homens (2005) e O Inverno da nossa
desesperanccedila (2006) de John Steinbeck destacam-se Flush a vida de um catildeo de Virginia
Woolf As crocircnicas marcianas de Ray Bradbury O evangelho de Judas (ediccedilatildeo de Kasser
Meyer e Wurst
National Geographic) Deuses americanos de Neil Gaiman e O diaacuterio da
princesa (volumes 5 ao 10) de Meg Cabot
Ana Ban respondeu o questionaacuterio que lhe foi enviado102 relativo agrave pesquisa desta
dissertaccedilatildeo em que dentre outras questotildees afirma que a editora LampPM geralmente escolhe
as obras que vai publicar e assim simplesmente indica as obras estrangeiras aos seus
tradutores Ban traduziu Of mice and men (2005) e afirma que teve total autonomia durante
esse processo apenas discutindo com a editora e seus revisores questotildees de estilo e uso da
linguagem natildeo havendo durante a revisatildeo nenhuma mudanccedila importante As maiores
dificuldades de traduccedilatildeo indicadas por Ban referem-se agrave linguagem usada pelos personagens
a maior dificuldade foi mesmo a transposiccedilatildeo da maneira como os personagens falavam
eu natildeo sei se chega a ser um dialeto porque na verdade eram mais erros gramaticais e pronuacutencia errada natildeo havia tantas palavras especiacuteficas que fossem desconhecidas ou usadas com sentido fora do mais comum (BAN 2008)
Passada a primeira etapa
a familiarizaccedilatildeo com o dialeto utilizado
o proacuteximo
passo seria entatildeo decidir como traduzir essa representaccedilatildeo da oralidade
101 Os dados biograacuteficos dessa tradutora foram retirados de seu blog na Internet disponiacutevel em lthttpwwwanabanblogspotcomgt Acesso em 30 de junho de 2007
102 Respostas obtidas em 9 de julho de 2008 via e-mail vide anexo IV
118
em um primeiro momento eu resolvi que iria seguir a norma culta em todo o livro mas depois achei que assim a ideacuteia do autor natildeo seria transmitida de maneira adequada (isso tudo foi discutido com a editora) Entatildeo eu peguei um sotaque caipira que eu conheccedilo mais ou menos do interior de SPMG (apesar de a LampPM ser em Porto Alegre e eu atualmente morar aqui sou de Satildeo Paulo e passei a maior parte da minha vida laacute) e segui esta linha (BAN 2008)
Durante esse processo a tradutora encontrou desafios
a minha maior dificuldade foi decifrar algumas palavras grafadas da maneira como os personagens falavam precisei dizer em voz alta vaacuterias delas para descobrir o que eram Agora natildeo sei citar nenhuma pois jaacute faz algum tempo que realizei este trabalho e natildeo tenho mais o original (BAN 2008)
A tradutora indica que sua maior dificuldade estaacute no tratamento a ser dado para
traduzir a oralidade dos personagens Sua opccedilatildeo por um dialeto brasileiro do interior de Satildeo
Paulo e Minas Gerais reflete o que em teoria da traduccedilatildeo Venuti (1998 240) chama de
domesticaccedilatildeo Ban alega saber da existecircncia de outras traduccedilotildees em portuguecircs de Of mice and
men mas natildeo as procurou para consulta de modo a natildeo ser influenciada por elas
eu sei da existecircncia dessas traduccedilotildees mas natildeo as consultei para fazer o meu trabalho Ateacute me foi fornecida uma traduccedilatildeo da deacutecada de 1970 (natildeo lembro qual) para alguma consulta mas eu fiz questatildeo de natildeo usar Eu natildeo queria ser influenciada por soluccedilotildees encontradas pelos outros tradutores e acabar copiando deles mesmo sem querer (BAN 2008)
A tradutora afirma ainda que houve a necessidade de uma nova traduccedilatildeo visto
que as outras traduccedilotildees eram antigas e houve muitas mudanccedilas linguumliacutesticas no portuguecircs com
o passar dos anos a proposta de retraduzir o livro era para atualizar a traduccedilatildeo que mudou
muito com o passar dos anos
(BAN 2008) Sobre a linguagem no que diz respeito ao
purismo linguumliacutestico nas traduccedilotildees ela crecirc que isso hoje jaacute natildeo eacute mais uma tradiccedilatildeo tatildeo forte
Na minha visatildeo o mais importante eacute manter o tom escolhido pelo autor (BAN 2008)
No que diz respeito a reflexotildees possiacuteveis acerca do processo tradutoacuterio Ban alega
natildeo ter feito uso consciente e aplicado das teorias de traduccedilatildeo
eu natildeo tenho nenhuma formaccedilatildeo teoacuterica em traduccedilatildeo Sou jornalista trabalhei dez anos no mercado editorial e minha formaccedilatildeo em traduccedilatildeo se deu por meio do curso de Formaccedilatildeo de Tradutores e Inteacuterpretes da Fundaccedilatildeo Alumni em Satildeo Paulo Este eacute um dos cursos de maior renome na aacuterea no paiacutes poreacutem eacute muito praacutetico e direto natildeo aborda teorias Conheccedilo um pouco do assunto por meio da leitura de Paulo Roacutenai mas natildeo eacute algo que eu aplique conscientemente (BAN 2008)
Quanto agrave tomada de decisotildees na traduccedilatildeo Ban apresenta uma visatildeo geral sobre
suas atitudes em relaccedilatildeo ao seu trabalho
119
para tratar deste problema eu uso algumas teacutecnicas (e estou aqui falando de maneira geral pois nem todos estes recursos foram usados nesta traduccedilatildeo especiacutefica [Of mice and men]) - Respeito a eacutepoca em que o texto foi escrito tomando o cuidado para natildeo usar expressotildees ou denominaccedilotildees que natildeo existiam no periacuteodo (BAN 2008)
Com relaccedilatildeo ao uso da linguagem ela destaca que
Se existe um personagem falando em dialeto ou giacuteria eu procuro um grupo correspondente existente aqui e uso a maneira de falar desse grupo (BAN 2008)
Ban demonstra cuidados com o provaacutevel receptor se ele vai entender o texto
traduzido Essa postura pode ser verificada nos seguintes trechos
- Quando haacute alguma passagem que possa dificultar a compreensatildeo pergunto O puacuteblico-leitor original entenderia Se a resposta for sim eu procuro inserir alguma dica no texto Por exemplo ela ficava assistindo ao Lifetime AQUELE CANAL QUE SEMPRE PASSA FILMES PARA MULHERES Se a resposta for natildeo entatildeo eu deixo sem explicaccedilatildeo mesmo porque acredito que a intenccedilatildeo do autor era essa - Eu natildeo costumo substituir produtos ou citaccedilotildees por similares nacionais a natildeo ser quando exista de fato um similar nacional
por exemplo a revista Cosmopolitan no Brasil eacute a Nova (eacute franquia da norte-americana mas recebeu tiacutetulo brasileiro) entatildeo eu faccedilo a substituiccedilatildeo Se natildeo fica A REVISTA DE CELEBRIDADES Us Weekly - Acredito tambeacutem que hoje as pessoas tecircm muito mais facilidade de compreender citaccedilotildees referentes a culturas estrangeiras entatildeo algumas coisas ficam ateacute estranho querer traduzir porque jaacute satildeo conhecidas amplamente por sua denominaccedilatildeo original (BAN 2008)
Outra preocupaccedilatildeo da tradutora eacute tentar exprimir os possiacuteveis objetivos do autor
Acho que o mais importante nessa questatildeo eacute ter em vista a intenccedilatildeo do autor Se ele coloca uma menina que escreve como fala natildeo eacute possiacutevel querer traduzir com um texto gramaticalmente impecaacutevel porque natildeo vai transmitir a intenccedilatildeo original e vai distanciar a obra do puacuteblico-alvo (BAN 2008)
36 As editoras
Nesta subseccedilatildeo seratildeo apresentadas as trecircs editoras que publicaram as traduccedilotildees
Visando complementar os dados obtidos por meio de pesquisa bibliograacutefica e da Internet
bem como verificar a relaccedilatildeo tradutor versus editoras durante o processo de seleccedilatildeo e
120
traduccedilatildeo de obras literaacuterias procurou-se estabelecer contato tambeacutem com os editores por
meio de um questionaacuterio sobre as traduccedilotildees de Of mice and men tratadas nesta dissertaccedilatildeo
Visto que os atuais membros da diretoria da Livraria do Globo103 (agrave qual a Editora
do Globo pertence) Claacuteudio Bertaso (diretor-presidente) Henrique Ferreira Bertaso (diretor
vice-presidente) e Elisa Morganti Bertaso (diretora-superintendente) natildeo responderam agraves
tentativas de contato e a Editora Ciacuterculo do Livro ter encerrado suas atividades em 1998
(MILTON 2002 21) somente foi possiacutevel enviar o questionaacuterio a Ivan Pinheiro Machado da
Editora LampPM
Esses dados constantes no Anexo V desta dissertaccedilatildeo foram analisados e
tambeacutem comparados e cotejados com as respostas obtidas da tradutora Ana Ban
361 A Editora da Livraria do Globo
Segundo Mariacutelia de Arauacutejo Barcellos (2002 4) a histoacuteria da Livraria do Globo
comeccedila no fim do seacuteculo XIX no ano de 1883 quando essa empresa foi fundada em Porto
Alegre Seus soacutecios eram Laudelino Pinheiro Barcellos e Saturnino Alves Pinto da empresa
L P Barcellos amp Cia Poucos anos depois Laudelino convida para trabalhar na sua livraria
Joseacute Bertaso ainda menino
Com a Primeira Grande Guerra o jovem Joseacute Bertaso previu a escassez de papel e
sugeriu ao dono da livraria que fosse feita a importaccedilatildeo dessa mateacuteria-prima Mais tarde em
dezembro de 1917 Bertaso passou de 15 de participaccedilatildeo na empresa agrave funccedilatildeo de soacutecio-
diretor A razatildeo social da livraria agora era Barcellos Bertaso amp Cia
Com o uso de tecnologia importada iniciou-se a ediccedilatildeo do Almanaque Globo e
em seguida a publicaccedilatildeo de autores rio-grandenses O Almanaque foi editado por Joatildeo Pinto
da Silva e contrataram Mansueto Bernardi para aleacutem de atuar no escritoacuterio ajudaacute-lo na
empreitada Mansueto Bernardi permanece como editor da Globo ateacute 1930 quando contrata
Eacuterico Veriacutessimo para a Revista do Globo (BARCELLOS 2002 4)
Segundo Torresini (2004 1-2) a Livraria do Globo inicialmente vendia papeacuteis de
material de tipografia e cadernos para escrita de empresas entretanto ao adentrar no seacuteculo
XX comeccedilou a publicar obras de autores regionais traduccedilotildees da literatura universal e
103 Estes diretores fazem parte da famiacutelia de Henrique Bertaso falecido em 1977 editor responsaacutevel direto na eacutepoca em que a Editora do Globo lanccedilou a traduccedilatildeo de Of mice and men em 1940 realizada por Eacuterico Veriacutessimo
121
manuais didaacuteticos mas foi a partir de 1930 que a sua produccedilatildeo de livros se intensificou aleacutem
de fundar a Revista do Globo (1929 1963) Nessa mesma deacutecada a literatura anglo-saxocircnica
comeccedilava a ganhar importacircncia na editora
A Livraria do Globo sob as lideranccedilas de Henrique Bertaso e Eacuterico Veriacutessimo
modernizou-se empreendendo novos projetos Essas inovaccedilotildees eram motivadas por alguns
fatores conforme testemunha Joseacute Otaacutevio Bertaso apud Torresini (2004 3)
no Brasil muito pouco se traduzia no campo da literatura fora da liacutengua francesa A opccedilatildeo era introduzir autores contemporacircneos de liacutengua inglesa e ateacute alematildees e italianos
sem abandonar o gosto nacional pela cultura francesa () A fim de conquistar o grande puacuteblico a saiacuteda eram os romances policiais e de aventuras Para as mulheres ainda concentradas na vida do lar poderiam ser lanccedilados romances de amor a chamada literatura roacutesea A crescente escolarizaccedilatildeo justificava a abertura de uma bem cuidada linha de livros didaacuteticos abrangendo o que hoje designariacuteamos de 1ordm 2ordm e 3ordm graus bem como obras de divulgaccedilatildeo cientiacutefica e histoacuterica
Laurence Hallewell (1985 317) afirma que inicialmente os propoacutesitos da
Livraria do Globo eram meramente de cunho comercial Desta forma Henrique Bertaso viu
no Publisher s Weekly dos Estados Unidos uma fonte adequada para procurar best-sellers
Assim a Livraria do Globo espelhou-se na
mania anglo-americana de histoacuterias policiais que sua Coleccedilatildeo Amarela trouxe em grande parte para o Brasil oferecendo traduccedilotildees em portuguecircs de EC Bentley Raymond Chandler Aghata Christie Sidney Horler E Phillips Oppenheimer Ellery Queen Sax Rohmer Rex Stout SS Van Dine e mais que qualquer outro Edgar Wallace () (HALLEWELL 1985 317)
Torresini cita Eacuterico Veriacutessimo para destacar o sucesso que a Globo conseguiu
graccedilas a suas estrateacutegias comerciais
ao cabo de alguns anos a nossa editora era conhecida em todo o paiacutes Henrique [Bertaso] organizava uma boa rede de distribuiccedilatildeo Os livros com a chancela da Globo eram vistos em quase todos os recantos do Brasil Foi graccedilas a eles que autores europeus de liacutenguas anglo-saxocircnicas e germacircnicas foram postos ao alcance do leitor meacutedio brasileiro Ateacute entatildeo o Brasil em mateacuteria de traduccedilotildees estivera quase exclusivamente voltado para autores franceses
(VERIacuteSSIMO apud TORRESINI 2004 4-5)
Uma das estrateacutegias desenvolvidas foi segmentar as coleccedilotildees visando puacuteblicos
diferenciados a Coleccedilatildeo Amarela a Coleccedilatildeo Universo a Coleccedilatildeo Globo Inqueacuteritos sobre a
Ruacutessia (que reunia opiniotildees polecircmicas sobre a Uniatildeo Sovieacutetica) Espionagem (de 1931 a
122
1933) a Coleccedilatildeo Verde (romances para senhoras e senhoritas) e a Coleccedilatildeo Nobel104 A
Coleccedilatildeo Amarela iniciada em 1931 reunia novelas policiais de crime misteacuterio e aventuras
bastante populares de leitura acessiacutevel lanccediladas em ediccedilotildees baratas e de larga tiragem
Atraem leitores variados e formam a argamassa popularesca da editora como disse uma vez
Eacuterico Veriacutessimo (TORRESINI 2004 5-8) A Coleccedilatildeo Universo em 1934 jaacute era conhecida
por seus livros de viagens aventuras de leitura amena e instrutiva (TORRESINI 2004 9)
A Coleccedilatildeo Globo criada em 1932 era formada de volumes de bolso mas de capa cartonada
e uma sobrecapa com um desenho em muitas cores Essa nova seacuterie equivaleria a uma espeacutecie
de coquetel literaacuterio em que se misturavam livros de aventuras de caraacuteter popular e boa
literatura (VERIacuteSSIMO apud TORRESINI 2004 9-10) A Coleccedilatildeo Nobel agrave qual pertence a
traduccedilatildeo de 1940 de Of mice and men realizada por Eacuterico Veriacutessimo segundo Torresini
(2004 8 12) foi lanccedilada em 1938
Henrique Bertaso criou o Departamento de Divulgaccedilatildeo Literaacuteria (DIL) que entre
outras coisas funcionava como uma agecircncia de notiacutecias com a intenccedilatildeo de baratear os custos
de divulgaccedilatildeo de seus produtos Bertaso apud Torresini (2004 6-7) afirma que em vez de
cobrar pelos seus serviccedilos o DIL fazia circular no espaccedilo publicitaacuterio artigos crocircnicas
contos traduzidos de jornais estrangeiros e de livros cujos direitos autorais tinham sido
adquiridos pela casa A abrangecircncia desse canal era enorme pois reunia mais de trezentos
jornais e revistas em todo o Brasil Um procedimento como parte dessa estrateacutegia era o
seguinte
num boletim que era enviado quinzenalmente para os assinantes havia tambeacutem uma coluna proacutepria para preencher pequenos espaccedilos em jornais intitulada Vocecirc sabia que onde se resumiam pequenos toacutepicos de informaccedilotildees histoacutericas geograacuteficas e outras curiosidades
Ainda segundo Bertaso apud Torresini (2004 6-7) em troca o que se exigia dos
oacutergatildeos de imprensa assinantes dos serviccedilos prestados era que fossem publicadas de graccedila
resenhas dos livros receacutem-publicados pela Globo com as capas estampadas em fac-siacutemile
Juntamente com o material do DIL as resenhas e os clichecircs montados ou demonstrados das
capas eram expedidos pelo correio
104 Barcellos (2002 11) entretanto relaciona uma listagem maior de coleccedilotildees da Editora da Livraria do Globo Coleccedilatildeo Amarela Biblioteca dos Seacuteculos Coleccedilatildeo Catavento Coleccedilatildeo Clube do Crime Coleccedilatildeo Espionagem Coleccedilatildeo Documentos de Nossa Eacutepoca Coleccedilatildeo Globo Coleccedilatildeo Nobel A Novela Coleccedilatildeo Tucano Coleccedilatildeo Universo e Coleccedilatildeo Verde
123
A atividade de traduccedilatildeo na Livraria do Globo era intensa Um maior grau de
profissionalismo tornou-se uma necessidade melhorando a qualidade das traduccedilotildees
publicadas conforme atesta Eacuterico Veriacutessimo soacute laacute por princiacutepios da deacutecada de quarenta eacute
que nos foi possiacutevel pocircr em praacutetica o plano de saneamento das nossas traduccedilotildees
Contratamos vaacuterios tradutores com um salaacuterio fixo Nas salas da Editora tivemos excelentes
profissionais () (VERIacuteSSIMO apud TORRESINI 2004 12) Sobre a atividade editorial no
que diz respeito ao cuidado com as traduccedilotildees Veriacutessimo fornece informaccedilotildees importantes no
seguinte trecho
escolhido o livro a verter-se para o portuguecircs procurava-se o tradutor este fazia sem pressa o seu trabalho tendo agrave sua disposiccedilatildeo uma rica biblioteca em que havia vaacuterios dicionaacuterios e enciclopeacutedias () () depois que o tradutor dava por terminado o seu trabalho os respectivos originais eram entregues a um especialista da liacutengua de que o livro fora traduzido para que ele os confrontasse linha por linha com o original procurando verificar a fidelidade da versatildeo () Havia uma terceira etapa a que um especialista examinava o estilo do livro discutindo-o com o tradutor cujo nome ia aparecer sozinho no poacutertico do volume () Os livros estrangeiros publicados durante 4 ou 5 anos em que esse esquema durou satildeo de excelente qualidade no que diz respeito agrave traduccedilatildeo O nosso chefe maior poreacutem ficava apavorado
e com razatildeo
quando examinava o custo da traduccedilatildeo de cada obra () (VERIacuteSSIMO apud TORRESINI 2004 12-13)
Essa equipe de tradutores renomados entretanto foi dissolvida em 1947 um ano
financeiramente ruim para a Globo Nos anos subsequumlentes a produccedilatildeo comeccedilou a cair
concorrendo para mudanccedilas importantes na editora De acordo com Torresini (1998) apud
Torresini (2004 12)
() segundo os proacuteprios editores a atenccedilatildeo fixa-se nos livros teacutecnicos livros-ferramenta para atender agraves novas exigecircncias da especializaccedilatildeo profissional na obra de Eacuterico Veriacutessimo na Enciclopeacutedia Globo e no Linguaphone curso de inglecircs em discos e fitas sonoras Depois de 1948 as obras literaacuterias tatildeo caras a Henrique Bertaso e a Eacuterico Veriacutessimo diminuem no Livro de Registros da Globo Apoacutes o falecimento de Joseacute Bertaso os herdeiros optam pela transformaccedilatildeo da empresa em sociedade anocircnima Livraria do Globo SA da qual a Editora Globo torna-se uma filial Em 1986 as Organizaccedilotildees Globo adquirem o respeitaacutevel acervo de 2830 tiacutetulos
Conforme informaccedilotildees a partir da paacutegina eletrocircnica do Jornal do Comeacutercio105 os
atuais membros da diretoria da Livraria do Globo satildeo Claacuteudio Bertaso (diretor-presidente)
juntamente com Henrique Ferreira Bertaso (diretor vice-presidente) e Elisa Morganti Bertaso
(diretora-superintendente) Joseacute Otaacutevio Bertaso consta como ex-diretor
105 Disponiacutevel em lthttpjcrsuolcombrComercialcadernosempr-cent_11aspxgt Acesso em 31 de maio de 2009
124
362 O Ciacuterculo do Livro
O Ciacuterculo do Livro de Satildeo Paulo publicou a traduccedilatildeo de Of mice and men com o
tiacutetulo Ratos e homens realizada por Myriam Campello (1991) A partir de vaacuterias pesquisas na
Internet principalmente em paacuteginas de busca como o Google natildeo foi possiacutevel achar
respostas precisas sobre a histoacuteria desta editora Consta a partir do perfil de clubes de livros
esboccedilado por Milton (2002) que se tratava de uma instituiccedilatildeo comercial que vendia suas
publicaccedilotildees pela via postal por meio de assinatura Na paacutegina 4 da ediccedilatildeo de Ratos e homens
em questatildeo consta que a venda [era] permitida apenas aos soacutecios do Ciacuterculo o que
confirma tratar-se de um clube de livros John Milton (2002 21) ao tecer um histoacuterico sobre
os clubes de livros menciona o Ciacuterculo do Livro como um desses clubes importantes que
marcaram presenccedila no mercado editorial brasileiro tendo sua existecircncia vigorado de 1973 a
1998 O Ciacuterculo do livro rivalizava com o Clube do Livro constituindo-se como uma
associaccedilatildeo bem mais moderna da Editora Abril com a Bertelsmann (MILTON 2002 30)
Na falta de informaccedilotildees mais detalhadas sobre o Ciacuterculo do Livro eacute oportuno
descrever o perfil dos clubes de livros com suas caracteriacutesticas gerais de modo a perceber
como possiacuteveis caracteriacutesticas tambeacutem do Ciacuterculo do Livro dependem de um grande nuacutemero
de soacutecios de modo a viabilizar seu negoacutecio e para isso valem-se de estrateacutegias comerciais
como o preccedilo reduzido e a remessa postal dos livros envio de cataacutelogos aos associados com
sugestotildees de leitura e com isso o leitor natildeo precisa ir agraves livrarias muitas vezes consideradas
como um ambiente burguecircs (MILTON 2002 19-20) Distinguem-se duas categorias de
clubes de livros a do lanccedilamento simultacircneo por meio da qual uma ediccedilatildeo do proacuteprio
clube seraacute lanccedilada pouco tempo depois de sua publicaccedilatildeo original Ela teraacute a mesma aparecircncia
do original mas com a estampa da marca do clube A segunda categoria a de reimpressatildeo
ofereceraacute tiacutetulos que jaacute foram publicados haacute algum tempo (CURWEN 1986 129-135 apud
MILTON 2002 21- 22)
Diante do exposto pode-se deduzir que a traduccedilatildeo de Myriam Campello de Of
mice and men publicada pelo Ciacuterculo do Livro em 1991 seguiu alguns propoacutesitos (como por
exemplo o comercial) de modo a garantir o seu sucesso nas vendas preccedilo acessiacutevel remessa
postal etc Entre as categorias de clubes de livro expostas acima essa publicaccedilatildeo encaixa-se
no perfil da reimpressatildeo visto que se trata de um tiacutetulo jaacute traduzido por outra pessoa (Eacuterico
Veriacutessimo) e publicado por outras editoras (Livraria do Globo 1940 e Editorial Bruguera
1968 por exemplo) Essa traduccedilatildeo por ter sido publicada bem depois do ano da primeira
125
publicaccedilatildeo do texto de partida (1937) natildeo atende aos quesitos baacutesicos da categoria
lanccedilamento simultacircneo
363 A Editora LampPM
Liacutevio Lima de Oliveira (2007 11) considera a LampPM Pocket como a maior
coleccedilatildeo de livros de bolso do paiacutes por causa da periodicidade do seu cataacutelogo e das
estrateacutegias de distribuiccedilatildeo e comercializaccedilatildeo ligadas exclusivamente agrave coleccedilatildeo Ele acrescenta
que a LampPM tambeacutem edita livros em formatos convencionais mas cita Ivan Pinheiro
Machado um dos seus soacutecios o qual afirma que o maior lucro vem da coleccedilatildeo de bolso
Oliveira ainda menciona algumas estrateacutegias editoriais e comerciais dessa editora
Pinheiro Machado retomou estrateacutegias do seacuteculo XIX exclusivas para esse tipo de livro para fazer com que sua coleccedilatildeo chegasse a tal posiccedilatildeo no mercado editorial brasileiro Os livros satildeo vendidos natildeo soacute em livrarias mas tambeacutem em bancas de jornal farmaacutecias e supermercados Os livros assim satildeo facilmente encontrados nas cidades meacutedias e grandes e em vaacuterios pontos Haacute tambeacutem uma estrateacutegia especiacutefica em rodoviaacuterias e aeroportos cujos pontos-de-venda satildeo abastecidos sempre Aleacutem disso a coleccedilatildeo tem destaque nesses pontos jaacute que os livros ficam em totens especiacuteficos onde cabem vaacuterios tiacutetulos e satildeo de faciacutelima identificaccedilatildeo e localizaccedilatildeo (OLIVEIRA 2007 11)
De acordo com dados informados pela proacutepria LampPM Editores em sua paacutegina na
Internet106 sua fundaccedilatildeo aconteceu em 24 de agosto de 1974 por Paulo de Almeida Lima e
Ivan Pinheiro Machado Localiza-se em Porto Alegre Rio Grande do Sul Nesta eacutepoca
durante a ditadura militar notabilizou-se por publicar alguns claacutessicos de ideologia contraacuteria
ao autoritarismo e agrave repressatildeo como o personagem Rango de seu primeiro lanccedilamento que
se tornou siacutembolo da resistecircncia agrave ditadura militar criado por Edgar Vasques cartunista e
desenhista A publicaccedilatildeo de textos dos senadores Paulo Brossard e Pedro Simon e tambeacutem do
deputado Teotocircnio Vilela acompanhavam aquela tendecircncia Posteriormente essa empresa
alcanccedilou projeccedilatildeo nacional graccedilas agrave publicaccedilatildeo de obras de autores como Millocircr Fernandes
Josueacute Guimaratildees Luis Fernando Veriacutessimo e Woody Allen
Na deacutecada de 1990 diante de um cenaacuterio difiacutecil por causa da recessatildeo econocircmica
e da concorrecircncia com multinacionais a LampPM passou por grandes dificuldades ateacute que em
106 Disponiacutevel em lthttpwwwlpm-editorescombrv3sitedefaultaspTroncoID=805133ampSecaoID=845253ampSubsecaoID=384748gt Acesso em 24 de dezembro de 2008
126
1997 a editora iniciou o projeto da coleccedilatildeo LampPM Pocket de livros de bolso que salvou a
empresa da falecircncia correspondendo ateacute hoje ao seu projeto mais importante Sobre esta
coleccedilatildeo a proacutepria LampPM registra seus quatro pilares textos integrais alta qualidade
editorial e industrial preccedilos baixos e distribuiccedilatildeo total atingindo todo o Brasil Esta editora
publicou dois romances de John Steinbeck em portuguecircs Ratos e homens (Of mice and men)
de 2005 e O inverno da nossa desesperanccedila (The winter of our discontent) de 2006
traduzidos por Ana Ban
Ivan Pinheiro Machado (2009) editor da coleccedilatildeo LampPM POCKET107 afirma que
dentre os criteacuterios para seleccedilatildeo de obras para serem traduzidas e publicadas em conformidade
com o projeto editorial da LampPM estaacute o criteacuterio da ediccedilatildeo de grandes autores modernos
claacutessicos e contemporacircneos Obviamente trata-se de um criteacuterio de seleccedilatildeo reconhecido no
sistema literaacuterio de partida (EVEN-ZOHAR 1990 47-59) Sobre o grau de influecircncia da
Editora no processo de revisatildeo ediccedilatildeo e publicaccedilatildeo Machado (2009) destaca que
primeiro a LampPM contrata aqueles que ela acredita serem tradutores de primeiriacutessima linha As traduccedilotildees ao chegarem na editora passam por uma revisatildeo criacutetica Muito poucas satildeo as traduccedilotildees devolvidas por insuficiecircncia teacutecnica mas sempre haacute duacutevidas e melhorias que satildeo realizadas aqui na LampPM
Machado (2009) tambeacutem expotildee um dos criteacuterios para a seleccedilatildeo de autores
Um autor expressivo um precircmio Nobel eacute uma razatildeo suficiente para ser cobiccedilado por um editor Ratos e homens eacute uma novela curta uma obra-prima do autor e deu origem a um grande filme Eacute um livro que menos do que um sucesso comercial eacute um livro que qualifica o cataacutelogo do editor
O prestiacutegio de dada obra eacute uma das justificativas para que ela seja selecionada
para ser traduzida e comercializada conforme destaca Even-Zohar (1990 59) Assim o
criteacuterio apontado por Machado estaacute em consonacircncia com Even-Zohar John Steinbeck aparece
ao lado de outros autores importantes como enfatiza Machado (2009)
a editora decidiu colocar em sua coleccedilatildeo de bolso grandes autores modernos e contemporacircneos entre outros tiacutetulos e gecircneros Steinbeck foi selecionado com Faulkner Hemingway Fitzgerald Henry Miller e outros autores mais recentes como Voneguth Tom Wolfe Truman Capote Norman Mailer Salinger e muitos outros
107 De acordo com respostas ao questionaacuterio enviado agrave LampPM obtidas via e-mail de 3 de fevereiro de 2009
127
Eacute importante lembrar que Ivan Pinheiro Machado (IPM) em entrevista a Claacuteudio
Willer (CW)108 manifestou seu gosto pessoal por John Steinbeck junto a outros nomes de
autores o que evidencia o papel de influecircncia do editor na seleccedilatildeo dos autoresobras para
traduccedilatildeo e publicaccedilatildeo
CW Editores satildeo leitores Fale de suas leituras suas preferecircncias sua vida cultural
IPM Meu trabalho me impotildee uma leitura que nem sempre seria a minha opccedilatildeo de lazer eou estudo Mas de qq [sic] forma eu embora suspeito sou fatilde da linha editorial da LampPM Gosto de ler quase tudo Tive momentos inesqueciacuteveis lendo dezenas de romances de Balzac (para editar a Comeacutedia Humana) gosto muito de todos os beats dos policiais noir como Hammett Chandler David Goodis Adoro Tolstoi principalmente Guerra e Paz Dostoieacutevski e o maravilhoso Crime e castigo Curto os americanos Hemingway Fitzgerald Faulkner Steinbeck Norman Mailer Paul Auster John Dunning Gosto de quadrinhos de Hugo Pratt Guido Crepax Breccia ()
O papel decisoacuterio sobre a seleccedilatildeo das obras a serem traduzidas a partir da
alegaccedilatildeo da tradutora Ana Ban que traduziu Of mice and men pela LampPM parece ser mais
ativo por parte da editora enquanto que o tradutor tem um papel mais passivo
geralmente a editora passa o livro para o tradutor que aceita ou natildeo o trabalho
foi o que aconteceu neste caso Eacute bastante raro a proposiccedilatildeo [sic] partir do tradutor
apesar de isto acontecer como foi o caso do livro Flush de Virginia Woolf tambeacutem da LampPM tambeacutem traduzido por mim (BAN 2008)
A necessidade de renovar a linguagem das obras em novas traduccedilotildees tornada
obsoleta devido ao tempo eacute comprovada pelo testemunho de Machado (2009) em relaccedilatildeo a
Of mice and men
nossa ideacuteia na coleccedilatildeo LampPM POCKET eacute sempre renovar Isto significa fazer novas traduccedilotildees de acordo com a visatildeo e a digamos terminologia da nossa eacutepoca O fato de existirem outras traduccedilotildees [de Eacuterico Veriacutessimo 1940 e 1968 e de Myriam Campello 1991 por exemplo] natildeo influenciou em nada pois a decisatildeo foi relativa agrave obra de Steinbeck e natildeo em relaccedilatildeo agraves traduccedilotildees de Steinbeck Mesmo porque a traduccedilatildeo de E Veriacutessimo eacute datada e a outra eu natildeo conheccedilo
Com base nessa afirmaccedilatildeo fica evidente que a editora LampPM entende a traduccedilatildeo
como reescritura pois quando Machado (2009) expotildee um dos princiacutepios dessa editora como
a ideacuteia de sempre renovar fica niacutetida a necessidade de atualizaccedilatildeo das traduccedilotildees ou seja
108 WILLER Claacuteudio Ivan Pinheiro Machado A leitura no Brasil e os pockets da LampPM Editores (entrevista de Ivan Pinheiro Machado a Claacuteudio Willer) Agulha
Revista de Cultura n 65
Fortaleza e Satildeo Paulo
setembrooutubro de 2008 Disponiacutevel em lthttpwwwrevistaagulhanombrag65machadohtmgt Acesso em 20 de marccedilo de 2009
128
novos textos construiacutedos de acordo com a subjetividade do tradutor mas sem perder de vista
o autor e a cultura de partida A questatildeo linguumliacutestica aparece nesse depoimento como um
motivo expliacutecito para se fazer uma nova traduccedilatildeo a atualizaccedilatildeo da linguagem Desse modo a
editora deve publicar essas reescrituras conforme algumas expectativas do sistema literaacuterio de
chegada o puacuteblico sua cultura seu tempo etc O foco na recepccedilatildeo ou na cultura de chegada
brasileira fica bem claro quando Machado (2009) declara que
nossa responsabilidade eacute fazer um trabalho intelectualmente correto fiel e pelo menos tentar passar para o nosso idioma a intenccedilatildeo do autor no que se refere ao linguajar dos personagens Se haacute uma deliberada transformaccedilatildeo no linguajar temos que aproximar esta ideacuteia do nosso puacuteblico no nosso idioma para que ele identifique atraveacutes desta deturpaccedilatildeo da liacutengua o niacutevel social (no caso de Ratos e homens) ou quando eacute o caso a etnia do personagem
Ao expor sobre a questatildeo do dialeto do texto de partida ( uma deliberada
transformaccedilatildeo no linguajar ) Machado (2009) reconhece que natildeo haacute como reproduzir essa
linguagem integralmente pois ele indica que temos de aproximar esta ideacuteia do nosso puacuteblico
no nosso idioma
(ecircnfase adicionada) Logo parece certo afirmar que haveraacute
alteraccedilotildeesmanipulaccedilotildees referentes ao texto de partida constituiacutedas no texto de chegada tais
como omissatildeo de trechos acreacutescimos a opccedilatildeo por uma linguagem mais formal ou menos
formal (dependendo do caso norma-padratildeo ou desvios da norma-padratildeo etc) e transcriccedilatildeo de
trechos ou fragmentos do texto de partida (por problemas de intraduzibilidade cultural por
exemplo) etc
129
4 ANAacuteLISE COMPARATIVA DE TREcircS TRADUCcedilOtildeES DE OF MICE AND MEN
ASPECTOS GERAIS
Que coisa eacute o livro Que conteacutem na sua fraacutegil arquitetura aparente
Satildeo palavras apenas ou eacute a nua exposiccedilatildeo de uma alma confidente
De que lenho brotou Que nobre instinto da prensa fez surgir esta obra de arte que vive junto a noacutes sente o que sinto
e vai clareando o mundo em toda parte
Carlos Drummond de Andrade
Neste capiacutetulo seratildeo examinados o texto de partida Of mice and men de John
Steinbeck publicado pela Heineman Educational Books Ltd na Inglaterra sem data e suas
respectivas traduccedilotildees em portuguecircs todas sob o mesmo tiacutetulo Ratos e homens quais sejam
traduccedilatildeo de Eacuterico Veriacutessimo publicada pela Editora do Globo Porto Alegre-RS em 1940109
traduccedilatildeo de Myriam Campello publicada pelo Ciacuterculo do Livro Satildeo Paulo-SP em 1991 e
traduccedilatildeo de Ana Ban publicada pela editora LampPM POCKET Porto Alegre-RS em 2005
O esquema teoacuterico de descriccedilatildeo de traduccedilotildees literaacuterias de Lambert e Van Gorp
(1985) apresentado anteriormente fundamentaraacute a anaacutelise Esse esquema que eacute composto
por quatro estaacutegios (dados preliminares macroestrutura microestrutura e contexto sistecircmico)
possibilita uma anaacutelise gradativa em que cada estaacutegio preacutevio prepara o caminho com os dados
obtidos para seu estaacutegio subsequumlente Cada um desses estaacutegios contemplaraacute principalmente os
textos de chegada (ecircnfase no produto) mas tambeacutem o texto de partida
Os Anexos constantes desta dissertaccedilatildeo ilustram os dados preliminares por meio
da reproduccedilatildeo das capas contracapas e folhas de rosto de cada uma das publicaccedilotildees
examinadas neste estudo referentes ao texto de partida (Anexo 1-A) e aos textos de chegada
(Anexos 1-A 1-B 1-C e 1-D)
Uma vez que natildeo seraacute possiacutevel considerar de forma integral as passagens do texto
de partida que poderiam servir de exemplos pertinentes para observar a postura dos tradutores
no processo tradutoacuterio seraacute feita a escolha de alguns excertos relevantes e ilustrativos do
todo Os criteacuterios para essa seleccedilatildeo consistiratildeo em primeiro lugar de trechos onde forem
detectados problemas ou dificuldades de traduccedilatildeo aos tradutores de liacutengua portuguesa O texto
109 Haacute outras publicaccedilotildees desta traduccedilatildeo em anos posteriores Um dos fatores que motivaram essas republicaccedilotildees foi a sua necessidade de atualizaccedilatildeo em virtude de uma nova reforma ortograacutefica que entrou em vigor em 1942 Assim vez por outra exemplos de uma ediccedilatildeo de 1968 da Editorial Bruguera seratildeo tambeacutem utilizados a fim de comparaccedilatildeo com a ediccedilatildeo de 1940 mencionada
130
de partida e as suas traduccedilotildees seratildeo tratados de modo sequumlencial em que cada um deles seraacute
examinado conforme a seguinte ordem e caracterizaccedilatildeo (1) texto de partida (2) traduccedilatildeo de
Eacuterico Veriacutessimo de 1940 (3) traduccedilatildeo de Myriam Campello de 1991 e (4) traduccedilatildeo de Ana
Ban de 2005 O texto de partida seraacute apresentado em caracteres normais respeitando as
situaccedilotildees especiais em que Steinbeck optou por itaacutelicos quanto aos diaacutelogos esses viratildeo entre
aspas simples Nos textos de chegada os trechos que representam diaacutelogos estaratildeo separados
por travessotildees Quando houver necessidade de anaacutelise de palavras ou expressotildees particulares
estas viratildeo sublinhadas tanto no texto de partida quanto nos textos de chegada
41 Dados preliminares
O texto de partida utilizado nesta anaacutelise Of mice and men de John Steinbeck eacute
uma ediccedilatildeo de bolso de capa dura em inglecircs sem data de publicaccedilatildeo da editora Heineman
seacuterie New Windmills impressa em Oxford Inglaterra O Anexo 1-A mostra os dados da capa
contracapa e folhas de rosto Na capa haacute uma ilustraccedilatildeo em que dois homens viajam a peacute num
cenaacuterio campestre e representam os personagens principais George e Lennie Constam na
capa e na lombada o tiacutetulo da obra e o nome do autor A contracapa apresenta uma sinopse
No interior do livro as seis primeiras paacuteginas estatildeo em branco aleacutem da oitava enquanto que
a seacutetima apresenta outra sinopse precedida de um logotipo contendo o nome da editora
(Heineman) e da seacuterie (New Windmills) a nona paacutegina repete o tiacutetulo seguido do nome do
autor e logo abaixo o logotipo com o nome da editora e a seacuterie A deacutecima paacutegina conteacutem
informaccedilotildees editoriais locais da sede e das filiais da editora em vaacuterios paiacuteses nuacutemero de
registro ISBN duas datas de publicaccedilatildeo (First published by William Heineman Ltd 1937
First published in the New Windmill Series 1965) etc Nestes dados preliminares natildeo haacute
informaccedilotildees sobre o autor introduccedilatildeo prefaacutecio posfaacutecio sumaacuterio ou notas de rodapeacute Nas
trecircs uacuteltimas paacuteginas constam nomes de outras obras publicadas por essa editora A numeraccedilatildeo
das paacuteginas consta apenas no texto principal No romance propriamente dito de I a 113 A
obra conteacutem seis capiacutetulos numerados por extenso em letras maiuacutesculas Trata-se de uma
ediccedilatildeo integral natildeo adaptada
Os textos de chegada de Veriacutessimo (1940) e de Ban (2005) mesmo variando em
suas dimensotildees configuram-se como ediccedilotildees de bolso ou seja tecircm dimensotildees pequenas e
preccedilo acessiacutevel popular Quanto ao texto de Campello (1991) este pertence a outra categoria
131
a dos clubes de livros tambeacutem de cunho popular em linhas gerais conforme caracterizaccedilatildeo
dada por John Milton (2002) Apenas a traduccedilatildeo de Myriam Campello estaacute em capa dura
Tambeacutem a traduccedilatildeo do tiacutetulo para o portuguecircs eacute comum a essas trecircs traduccedilotildees
Ratos e homens Os Anexos 1-A 1-B 1-C e 1-D contecircm fotocoacutepias das capas das
contracapas e de paacuteginas com informaccedilotildees relevantes dessas ediccedilotildees Estas publicaccedilotildees natildeo
possuem sumaacuterio prefaacutecio posfaacutecio introduccedilatildeo notas de fim nem epiacutegrafes A traduccedilatildeo de
Eacuterico Veriacutessimo (1940) apresenta notas de orelha sobre outras publicaccedilotildees da Livraria do
Globo Natildeo Estamos Soacutes de James Hilton e O Priacutencipe Otto de Robert Louis Stevenson
Cada uma das traduccedilotildees de Myriam Campello (1991 101-103) e de Ana Ban (2005 5-9)
trazem biografias de John Steinbeck
Na traduccedilatildeo de Veriacutessimo (1940) a capa apresenta em desenho uma cena da
histoacuteria em que aparecem os personagens Lennie e a mulher de Curley Lennie acaricia os
cabelos da mulher de Curley na cena em que ela morre acidentalmente pelas matildeos daquele
homem Eacute uma imagem que aparentemente justifica o tiacutetulo desse filme em portuguecircs
Cariacutecia Fatal exibido no Brasil em meados de 1940 (tiacutetulo original Of mice and men
dirigido por Lewis Milestone em 1939) Tambeacutem na capa constam de cima para baixo o
nome do escritor o tiacutetulo Ratos e homens o nome da coleccedilatildeo (Nobel) seguido pela expressatildeo
Ediccedilatildeo da Livraria do Globo
e local (Porto Alegre) A contracapa conteacutem informaccedilotildees em
linguagem que chama a atenccedilatildeo do leitor para o autor e para seus livros Ratos e homens e As
vinhas da ira (sinopses dessas duas obras) Constam nesse texto de teor propagandiacutestico uma
ecircnfase em relaccedilatildeo a John Steinbeck O autor mais discutido do mundo como tambeacutem uma
resenha sobre esse autor em que se destacam dizeres em tom de apelo forte como Bem
disse um consagrado criacutetico americano declarando que a pena de Steinbeck eacute infinitamente
mais poderosa do que muitas espadas Esta traduccedilatildeo estaacute dividida em seis capiacutetulos
numerados em caracteres indo-araacutebicos As paacuteginas no total somam duzentas e nove O
tiacutetulo em inglecircs aparece na quarta paacutegina seguido pelos direitos de traduccedilatildeo e outros dados
editoriais
A traduccedilatildeo de Myriam Campello (1991) publicada pelo Ciacuterculo do Livro tem na
capa em tons de verde e rosa principalmente uma ilustraccedilatildeo que representa os personagens
George e Lennie Entre os dois personagens haacute dois ratos intercalados com a marca de uma
matildeo O tiacutetulo em portuguecircs estaacute em posiccedilatildeo superior em letras minuacutesculas e o nome do autor
estaacute na parte inferior da capa Esta ordem entre o tiacutetulo em portuguecircs (ainda em letras
minuacutesculas) e o nome do autor se inverte na lombada A contracapa verde apenas apresenta a
imagem de um rato num quadrado rosa O tiacutetulo em portuguecircs se repete na primeira paacutegina
132
(isolado) e na segunda paacutegina (entre o nome do autor e o nome da editora) a terceira paacutegina
exibe os dados postais da editora os dizeres Ediccedilatildeo integral e Tiacutetulo do original Of mice
and men seguindo-se os direitos autorais o nome da tradutora e do ilustrador da capa
Ainda na terceira paacutegina constam as seguintes informaccedilotildees Licenccedila editorial para o Ciacuterculo
do Livro por cortesia da Distribuidora Record de Serviccedilos de Imprensa SA mediante acordo
com Elaine A Steinbeck venda permitida apenas aos soacutecios do Ciacuterculo composto
impresso e encadernado pelo Ciacuterculo do Livro SA
Esta publicaccedilatildeo conteacutem seis capiacutetulos
em nuacutemeros indo-araacutebicos e cento e trecircs paacuteginas
A traduccedilatildeo de Ana Ban eacute uma publicaccedilatildeo da LampPM Editores de 2005 Pertence agrave
coleccedilatildeo LampPM Pocket (livros de bolso) Sua capa eacute ilustrada com uma fotografia retirada do
filme Of mice and men de 1992 dirigido e estrelado por Gary Sinise (conforme informaccedilotildees
jaacute mencionadas) O tiacutetulo em portuguecircs aparece todo em letras maiuacutesculas seguido pelo nome
do autor tambeacutem em letras maiuacutesculas logo abaixo estaacute a informaccedilatildeo Precircmio Nobel
1962 O nome da editora e da seacuterie aparecem verticalmente na lateral esquerda da capa em
letras maiuacutesculas A lombada repete o tiacutetulo em portuguecircs seguido do nome do autor e da
editora em maiuacutesculas e tambeacutem o nuacutemero 413 que se refere ao nuacutemero de cataacutelogo
(volume) Na contracapa em destaque a expressatildeo Precircmio Nobel 1962 novamente surge
logo acima de informaccedilotildees sobre o livro contendo uma sinopse em linguagem conativa
destacando a grandeza e o talento do autor bem como apelos do tipo um claacutessico sobre o
doloroso periacuteodo da Grande Depressatildeo americana Uma peccedila de ficccedilatildeo para ser lida e relida
Seguem tambeacutem na contracapa o nome da editora destacado e com a frase de efeito A maior
coleccedilatildeo de livros de bolso do Brasil e a expressatildeo texto integral em letras maiuacutesculas num
retacircngulo vermelho haacute outros lanccedilamentos da coleccedilatildeo O tiacutetulo se repete na primeira paacutegina
isolado e na terceira acompanhado no topo pelo nome do autor e logo abaixo com o nome
da tradutora Ana Ban na parte inferior da terceira paacutegina tambeacutem surge o endereccedilo eletrocircnico
da editora e seu nome em logotipo Informaccedilotildees editoriais estatildeo dispostas na quarta paacutegina
(nome da coleccedilatildeo nuacutemero de cataacutelogo tiacutetulo em inglecircs nome da tradutora dos revisores e do
ilustrador ISBN etc) Esta ediccedilatildeo conteacutem seis capiacutetulos natildeo numerados a numeraccedilatildeo das
paacuteginas vai ateacute 145 exatamente onde termina a histoacuteria Seguem-se nas uacuteltimas paacuteginas natildeo
numeradas uma sugestatildeo de leitura e os tiacutetulos que constam no cataacutelogo desta coleccedilatildeo
Pelos dados preliminares apresentados pode-se tecer algumas consideraccedilotildees
sobre as traduccedilotildees em exame Com relaccedilatildeo agrave traduccedilatildeo do tiacutetulo do romance a soluccedilatildeo
unacircnime de Ratos e homens revela uma tendecircncia consolidada desde a traduccedilatildeo mais antiga
de Eacuterico Veriacutessimo (1940) contrariando o apelo comercial que poderia surgir por associaccedilatildeo
133
agrave adaptaccedilatildeo para o cinema de 1939 de Lewis Milestone exibido no Brasil como Cariacutecia
Fatal Entretanto cogita-se que para a traduccedilatildeo mais recente de Ana Ban (2005) a
refilmagem de 1992 Ratos e homens de Gary Sinise talvez possa ter tido influecircncia sobre a
escolha do tiacutetulo nessa traduccedilatildeo
A posiccedilatildeo em que aparecem o tiacutetulo do livro e o nome do autor bem como o
tamanho das letras faz supor sobre o grau de importacircncia relativo a cada um desses itens na
traduccedilatildeo de Veriacutessimo (1940) por exemplo o nome do autor estaacute acima do tiacutetulo enquanto
que na de Campello (1991) e de Ban (2005) essa posiccedilatildeo se inverte Assim mesmo nos casos
em que o nome de Steinbeck em posiccedilatildeo superior ele sempre surge em letras menores em
relaccedilatildeo agraves do tiacutetulo do que se pode concluir que o tiacutetulo por estar grafado em caracteres
maiores ganhou mais destaque e importacircncia ligeiramente maior em todas estas ediccedilotildees Ao
tradutor eacute dada importacircncia menor do que ao tiacutetulo e ao nome do autor pois os nomes dos
tradutores satildeo colocados apenas nas primeiras paacuteginas de cada exemplar Tambeacutem o tamanho
menor das letras que indicam quem traduziu a obra coloca o tradutor em terceiro plano numa
posiccedilatildeo de hierarquia inferior ao tiacutetulo e ao nome do autor fato constatado em todos os
exemplares em questatildeo A ausecircncia dos nomes dos tradutores na capa pode tambeacutem deixar a
impressatildeo equivocada talvez a leitores menos atentos de que natildeo se trata de traduccedilotildees A
menccedilatildeo do tiacutetulo em inglecircs entretanto consta em todas estas publicaccedilotildees nas primeiras
paacuteginas fazendo com que o leitor brasileiro perceba que estes textos satildeo traduccedilotildees e natildeo
produzidos originalmente em portuguecircs
Nenhum dos textos de chegada apresenta prefaacutecio posfaacutecio ou sumaacuterio Haacute uma
nota de rodapeacute da tradutora na traduccedilatildeo de Campello (2005 43) e duas notas de rodapeacute do
editor na traduccedilatildeo de Ban (2005 36 e 38) enquanto que na traduccedilatildeo de Veriacutessimo natildeo haacute
nenhuma
Cada uma das ilustraccedilotildees de capa sugere ao leitor alguma coisa sobre a obra
dependendo eacute claro da subjetividade de cada pessoa Dessas imagens inferem-se impressotildees
preacutevias que podem ser provocadas no consumidorleitor quando se tenta chamar sua atenccedilatildeo
para o produto por meio de associaccedilotildees possiacuteveis entre as imagens e o provaacutevel conteuacutedo da
histoacuteria a ser lida Nas traduccedilotildees de Veriacutessimo (1940) e de Ban (2005) essas estrateacutegias
editoriais ganham apoio de imagens cinematograacuteficas reproduzidas nas capas (em Veriacutessimo
a reproduccedilatildeo de uma cena do filme de 1939 e em Ban a reproduccedilatildeo de uma cena da
refilmagem de 1992) Alguns pontos que revelam a caracteriacutestica comercial estrateacutegias de
marketing dessas publicaccedilotildees por exemplo satildeo a divulgaccedilatildeo do nome das editoras e de seus
dados (endereccedilo telefone e-mail etc) o uso da linguagem conativa o anuacutencio de outras
134
obras de seus cataacutelogos aleacutem da presenccedila de nomes considerados importantes na capa
contracapa ou nos paratextos nome do autor do tradutor como por exemplo do escritor-
tradutor Eacuterico Veriacutessimo na publicaccedilatildeo de 1940
O objetivo comercial das traduccedilotildees como visto acima atende a certos
pressupostos de modo a se conseguir sucesso num projeto editorial Alguns pontos
relevantes nessa intenccedilatildeo por exemplo destacados por Machado (2009) editor da coleccedilatildeo
LampPM Pocket dizem respeito agrave seleccedilatildeo de autores renomados como no caso de John
Steinbeck
A editora decidiu colocar em sua coleccedilatildeo de bolso grandes autores modernos e contemporacircneos entre outros tiacutetulos e gecircneros Steinbeck foi selecionado com Faulkner Hemingway Fitzgerald Henry Miller e outros mais recentes como Voneguth Tom Wolfe Truman Capote Norman Mailer Salinger e muitos outros (MACHADO 2009)
Outro aspecto levantado por Machado (2009) diz respeito agrave escolha dos
tradutores de forma que o resultado do trabalho seja de oacutetima qualidade [] a LampPM
contrata aqueles que ela acredita serem tradutores de primeiriacutessima linha Essa afirmaccedilatildeo
deixa margem para outra conclusatildeo que diz respeito outra vez agrave questatildeo comercial um bom
produto entatildeo teraacute boa aceitaccedilatildeo por parte do puacuteblico consumidor
42 Macroestrutura
As trecircs traduccedilotildees analisadas apresentam texto integral em relaccedilatildeo ao seu texto de
partida A macroestrutura dessas trecircs traduccedilotildees em geral segue aquela do texto de partida
pois natildeo haacute por exemplo alteraccedilatildeo no nuacutemero de capiacutetulos (seis) das traduccedilotildees examinadas
em relaccedilatildeo ao texto de partida Em nenhum dos capiacutetulos desses textos de chegada houve
omissotildees ou cortes significativos O tamanho do conteuacutedo textual portanto permaneceu
bastante similar agrave do texto de partida A diferenccedila em quantidade de paacuteginas em cada um dos
textos (113 para o texto de partida 209 para a traduccedilatildeo de Veriacutessimo 103 para a traduccedilatildeo de
Campello e 145 para a traduccedilatildeo de Ban) se deve principalmente ao tamanho e formato de
cada ediccedilatildeo O enredo o nuacutemero de personagens e o tema natildeo satildeo alterados
Uma diferenccedila marcante neste niacutevel diz respeito agraves notas de rodapeacute presentes na
traduccedilatildeo de Campello e de Ban mas ausentes na traduccedilatildeo de Veriacutessimo Em Campello trata-
se de uma nota do editor em itaacutelico referindo-se a um trocadilho com o nome de Lennie
Small Trocadilho com o nome do personagem small significa pequeno
(CAMPELLO
135
1991 34) e uma uacutenica nota da tradutora na paacutegina 43 referindo-se ao vocaacutebulo inglecircs
airedale Espeacutecie de catildeo terrier originaacuterio da Inglaterra e em Ban satildeo apenas duas notas do
editor uma na paacutegina 36 explicando o sobrenome do personagem Lennie Small
literalmente pequeno em inglecircs e a outra na paacutegina 38 explicando o nome do
personagem Slim Slim magro ou delgado em inglecircs
Os capiacutetulos natildeo apresentam tiacutetulos em conformidade com o texto de partida e a
sua identificaccedilatildeo eacute representada por nuacutemeros cardinais indo-araacutebicos (Veriacutessimo e Campello)
ou escritos por extenso (caso do texto de partida) ou simplesmente pela conclusatildeo do texto
de um capiacutetulo numa paacutegina e a retomada do texto como um novo capiacutetulo na paacutegina seguinte
(neste caso o intervalo entre um capiacutetulo e outro eacute apenas representado por um espaccedilo em
branco
caso da traduccedilatildeo de Ana Ban) Estas podem ser preferecircncias tanto dos tradutores
como dos editores A palavra capiacutetulo eacute sempre omitida
O texto de partida possui paraacutegrafos mais longos do que as traduccedilotildees paraacutegrafos
maiores em inglecircs tendem a ser subdivididos em dois ou agraves vezes trecircs nos textos de
chegada em portuguecircs Isso pode ser evidenciado no seguinte exemplo
Evening of a hot day started the little wind to moving among the leaves The shade climbed up the hills toward the top On the sand-banks the rabbits sat as quietly as little grey sculptured stones And then from the direction of the state highway came the sound of footsteps on crisp sycamore leaves The rabbits hurried noiselessly for cover A stilted heron laboured up into the air and pounded down-river For a moment the place was lifeless and then two men emerged from the path and came into the opening by the green pool They had walked in single file down the path and even in the open one stayed behind the other Both were dressed in denim trousers and in denim coats with brass buttons Both wore black shapeless hats and both carried tight blanket rolls slung over their shoulders The first man was small and quick dark of face with restless eyes and sharp strong features Every part of him was defined small strong hands slender arms a thin and bony nose Behind him walked his opposite a huge man shapeless of face with large pale eyes with wide sloping shoulders and he walked heavily dragging his feet a little the way a bear drags his paws His arms did not swing at his sides but hung loosely and only moved because the heavy hands were pendula (STEINBECK sd 2)
O anoitecer dum dia caacutelido pocircs em movimento a brisa por entre as focirclhas A sombra subiu as colinas na direccedilatildeo dos topos Os coelhos estavam sentados imoacuteveis nas margens arenosas como pequenas esculturas de pedra cinzenta E depois das bandas da estrada estadual veio o som de passos socircbre as focirclhas secas de sicocircmoro Os coelhos correram furtivos para seus esconderijos Uma garccedila empertigada se ergueu pesadamente no ar e sobrevoou o rio corrente abaixo Por um momento a vida como que cessou naquele recanto e depois dois homens emergiram do sendeiro e desceram para a clareira junto do poccedilo verde
Caminhavam em fila indiana estrada abaixo e mesmo na clareira ficaram um atraacutes do outro Vestiam ambos calccedilas e casacos de sarja de algodatildeo azul com bototildees de cobre Tinham ambos chapeacuteus pretos e informes e traziam agraves costas cobertores num rocirclo apertado
O primeiro dos homens era pequeno e vivo moreno de rosto de olhos inquietos e penetrantes e traccedilos bem marcados Tudo nele era definido matildeos pequenas e fortes braccedilos delgados nariz fino e ossudo Atraacutes decircle vinha o seu
136
oposto um homem enorme de cara sem forma grandes olhos paacutelidos e ombros largos e caiacutedos caminhava pesadamente arrastando um pouco os peacutes assim no jeito como os ursos arrastam as patas Seus braccedilos natildeo oscilavam acompanhando o movimento das pernas mas pendiam frouxos ao longo do torso (VERIacuteSSIMO 1940 8)
Ao anoitecer daquele dia quente uma brisa comeccedilou a mover-se entre as folhas A sombra escalava as colinas em direccedilatildeo ao topo e os coelhos sentavam-se quietos como pequenas esculturas de pedra cinzenta nas margens arenosas Vindo da rodovia estadual um som de passos estalou nas folhas secas dos sicocircmoros Raacutepidos sem ruiacutedo os coelhos se esconderam Uma pomposa garccedila ergueu-se pesadamente no ar e bateu asas rio abaixo Durante um momento o lugar tornou-se inanimado Entatildeo a seguir dois homens surgiram no caminho e pararam na clareira junto ao lago verde
Caminhavam em fila indiana e mesmo ali na clareira permaneciam um atraacutes do outro Ambos vestiam calccedilas e casacos de brim com bototildees de cobre Os dois usavam chapeacuteu preto disforme e carregavam nos ombros cobertores bem enrolados O primeiro homem era pequeno moreno e aacutegil com olhos inquietos e traccedilos fortes marcantes Tudo nele era bem definido matildeos pequenas e vigorosas braccedilos delgados e nariz fino e ossudo O homem agrave retaguarda era o seu oposto Enorme rosto inexpressivo olhos grandes e morticcedilos e ombros largos caiacutedos Caminhava pesadamente arrastando um pouco os peacutes como os ursos Seus braccedilos natildeo oscilavam de forma natural pendiam frouxos ao longo do tronco (CAMPELLO 1991 6)
O anoitecer de um dia quente fez com que uma brisa comeccedilasse a soprar por entre as folhas A sombra ia subindo pelas montanhas em direccedilatildeo ao topo Nas margens arenosas as lebres se acomodaram como se fossem pedrinhas cinzentas e esculpidas E entatildeo dos lados a auto-estrada estadual veio o som de passos sobre as folhas de plaacutetano secas As lebres saiacuteram correndo em silecircncio em busca de abrigo Uma garccedila que ali descansava saiu voando rio abaixo Por um instante o lugar ficou sem vida e entatildeo dois homens surgiram da trilha e passaram agrave clareira ao lado da lagoa verde
Haviam caminhado em fila indiana pela trilha e mesmo ali em terreno aberto continuavam um atraacutes do outro Ambos usavam calccedilas de brim e jaquetas de brim com bototildees de latatildeo Ambos usavam um chapeacuteu preto disforme e ambos carregavam cobertores enrolados bem apertados pendurados no ombro O primeiro era pequeno e raacutepido moreno de rosto com olhos inquietos e traccedilos bem definidos e fortes Cada parte dele era bem definida matildeos pequenas e fortes braccedilos delgados nariz fino e ossudo Atraacutes dele vinha sua antiacutetese um homem enorme sem formas definidas no rosto com olhos grandes e claros com ombros caiacutedo e amplos que caminhava pesadamente arrastando um pouco os peacutes da maneira como um urso arrasta as patas Os braccedilos natildeo balanccedilavam ao lado do corpo apenas permaneciam soltos (BAN 2005 12-13)
Em termos de conteuacutedo natildeo haacute omissotildees ou acreacutescimos significativos em todas as
traduccedilotildees A quantidade dos diaacutelogos permanece inalterada nas traduccedilotildees e a sua proporccedilatildeo eacute
similar agrave do texto de partida adotado nesta dissertaccedilatildeo Em todas as traduccedilotildees examinadas
verifica-se o uso de travessotildees para marcar os diaacutelogos (discurso direto) enquanto que no
texto de partida haacute o uso de aspas simples marcando o discurso direto e em menor
frequumlecircncia haacute o discurso indireto livre marcado por aspas duplas como indicado nos trechos
sublinhados Aleacutem disso as aspas duplas tambeacutem marcam o discurso indireto livre nas
traduccedilotildees desse trecho
137
We could just as well of rode clear to the ranch if that bastard bus-driver knew what
he was talkin about Jes a little stretch down the highway
he says Jes a little
stratch
[]
(STEINBECK sd 4)
- Noacutes bem podiacuteamos ter ido direito agrave fazenda
disse ecircle coleacuterico
se aquele
condutor cachorro soubesse o que estava dizendo Soacute mais uma puxadinha depois
da estrada real
disse ecircle
Soacute mais uma puxadinha
[] (VERIacuteSSIMO 1940
10)
- A gente bem que podia ter ido direto pra fazenda
disse com raiva
se aquele motorista nojento soubesse o que tava falando Soacute uma esticadinha estrada abaixo ele disse Soacute uma esticadinha (CAMPELLO 1991 7)
- A gente bem que podia tecirc chegado direto na fazenda se aquele idiota daquele motorista de ocircnibus soubesse o que tava falando Soacute uma caminhadinha curtinha saindo da estrada ele disse Soacute uma caminhadinha curtinha (BAN 2005 14)
A narrativa em terceira pessoa (discurso indireto) eacute mantida nas seguintes
traduccedilotildees
The day was going fast now Only the tops of the Gabilan mountains flamed with the light of the sun that had gone from the valley [ ] (STEINBECK sd 7)
O dia agora morria de-pressa Apenas o cume dos montes Gabilan estavam incendiados da luz do sol que descera para o vale [] (VERIacuteSSIMO 1940 17)
O dia se extinguia agora rapidamente Soacute os topos das montanhas Gabilan flamejavam agrave luz do sol que abandonara os vales [] (CAMPELLO 1991 10)
O dia estava indo embora rapidamente Apenas o topo das montanhas Gabilan queimava com a luz do sol que jaacute tinha ido embora do vale [] (BAN 2005 19)
43 Microestrutura
Os dados indicam que estas traduccedilotildees satildeo orientadas para o puacuteblico da liacutengua de
chegada pois as suas ediccedilotildees seguem a tradiccedilatildeo do sistema de chegada brasileiro ou seja os
recursos que promovem estes produtos de modo geral fazem parte de estrateacutegias comerciais
comumente adotadas no Brasil com referecircncias do ponto de vista brasileiro as imagens das
produccedilotildees cinematograacuteficas exibidas neste paiacutes nas capas da traduccedilatildeo de Veriacutessimo e de Ana
Ban o portuguecircs brasileiro de cada eacutepoca (1940 1991 e 2005)
As diferentes datas dessas trecircs traduccedilotildees deixam clara a necessidade de
atualizaccedilatildeo das traduccedilotildees cada qual pretendendo comunicar ao seu leitor numa voz
138
contemporacircnea conforme argumentam Landers (2001 10-11) Milton (1998 40) Benjamin
(2001 197) Schulte apud Hatje-Faggion (2001 13) entre outros Nesse sentido tambeacutem
cada um dos textos traduzidos fala por si mesmo cada qual com a ortografia e o tom de sua
proacutepria eacutepoca
Nas traduccedilotildees de Veriacutessimo (1940) Campello (1991) e Ban (2005) observa-se a
escolha unacircnime para o tiacutetulo Of mice and men (STEINBECK sd) em portuguecircs como
Ratos e homens em que se observa que a palavra rato natildeo eacute uma correspondente perfeita
para mouse (plural mice) Mouse designa camundongo ou seja uma espeacutecie de rato pequeno
enquanto que para rato teria-se em inglecircs rat Todavia resta saber que impressatildeo causaria
ao leitor por exemplo Camundongos e Homens ou Ratinhos e Homens Haveria talvez
um estranhamento pela distorccedilatildeo causada em relaccedilatildeo ao tiacutetulo na liacutengua de partida pois
camundongo ou ratinho em portuguecircs parecem conferir um significado jocoso
contrariamente ao significado intencional de mouse A escolha do vocaacutebulo ratos de acordo
com a cultura brasileira manteacutem o significado conforme o texto de partida e sugere algo
mais jaacute que se trata de um animal um pouco maior ao qual se associa a repugnacircncia e a
imagem da sujeira onde normalmente ele vive
Conforme explicitado anteriormente a intertextualidade presente no tiacutetulo deste
romance a partir do poema To a Mouse110 de Robert Burns deixa clara uma intenccedilatildeo por traacutes
do simbolismo do tiacutetulo neste poema a insignificacircncia de um camundongo e de seu ninho
destruiacutedo pelo acaso ou pelo Destino por meio da accedilatildeo de outro ser muito mais forte eacute
comparada agrave fragilidade dos planos ou sonhos dos homens (conforme seacutetima estrofe vide
abaixo) O ser humano numa metaacutefora pessimista eacute marginalizado e animalizado assumindo
os atributos do camundongo pequeno fraacutegil e que vive de restos
Os nomes proacuteprios em Of mice and men (ou a ausecircncia deles) satildeo em boa parte
sugestivos Soledad por exemplo que eacute o nome da cidade mais proacutexima da fazenda onde a
histoacuteria se passa eacute uma clara alusatildeo a um dos temas principais pois essa palavra significa
solidatildeo em espanhol Neste caso tanto Veriacutessimo como Campello e Ban transcrevem este
nome A maior parte dos personagens do romance eacute do sexo masculino e quando se faz
referecircncia agrave mulher ou ela eacute uma imagem do passado como Aunt Clara (a Tia Clara de
Lennie jaacute morta e soacute aparece no final da histoacuteria durante uma visatildeo de Lennie em que ela o
repreende por causar problemas a George) ou eacute malvista e fonte frequumlente de problemas
como no caso do uacutenico personagem feminino com participaccedilatildeo ativa que eacute o caso da mulher
110 Segundo Otto Maria Carpeaux (1968 6) To a Field Mouse
139
de Curley (Curley s wife) da qual o autor nunca revela o nome e este apagamento reforccedila a
imagem negativa da mulher O nome do patratildeo tambeacutem nunca eacute mencionado Este
personagem soacute aparece uma vez sempre referido como the boss Quanto a outros
personagens Aunt Clara eacute sempre a Tia Clara bem como Curley s wife eacute simplesmente
traduzida como a mulher de Curley e the boss eacute o patratildeo
Dentre os personagens masculinos haacute certa ironia com Lennie Small pois seu
sobrenome
Small
significa baixo o contraacuterio de uma de suas caracteriacutesticas fiacutesicas
a
estatura alta Seu companheiro eacute George Milton talvez numa alusatildeo ao poeta inglecircs do seacuteculo
XVII John Milton e seu poema eacutepico Paraiacuteso Perdido O velho Candy em portuguecircs
doce mas aparentemente este significado natildeo se aplica aqui Para Crooks o negro do
estaacutebulo entretanto seu nome eacute uma referecircncia direta ao seu defeito fiacutesico significa torto
O nome de Curley o filho do patratildeo eacute uma referecircncia aos seus cabelos enrolados a que sua
esposa refere serem parecidos com arame Take Curley His hair is jus like wire
(STEINBECK sd 96) Slim eacute o condutor de mulas (VERIacuteSSIMO 1940 68) ou arrieiro
(CAMPELLO 1991 32) e carroceiro (BAN 2005 52) o priacutencipe do rancho
(VERIacuteSSIMO 1940 68 CAMPELLO 1991 32 mas para BAN 2005 52 o priacutencipe da
fazenda ) e o uacutenico personagem que parece estar em paz consigo mesmo Seus companheiros
de trabalho sempre lhe pedem conselhos Eacute tranquumlilo e pensativo e eacute somente ele quem
compreende a natureza da amizade entre George e Lennie consolando George apoacutes o final
traacutegico da histoacuteria Eacute esguio de corpo o que seu nome sugere Carlson seu nome natildeo tem
significado aparente bem como o de Whit Na traduccedilatildeo de Veriacutessimo (1940) os nomes dos
personagens ora satildeo traduzidos ora transcritos George MiltonGeorge Milton Lennie
SmallLennie Small CandyCandy CrooksCrooks CurleyCrespinho SlimMagro
CarlsonCarlson WhitWhit As tradutoras Campello (1991) e Ban (2005) por sua vez
apenas transcrevem os nomes de pessoas
Assim percebe-se que os tradutores optam de modo geral por preservar a
nacionalidade dos personagens relacionada aos seus nomes agrave maneira que Newmark (1988)
aconselha em primeiro lugar ou seja a simples transcriccedilatildeo dos nomes As exceccedilotildees ficam por
conta de Veriacutessimo que abrasileirou os nomes dos personagens Curley e Slim por
Crespinho (traduzido e adaptado) e Magro (traduzido) respectivamente em desalinho com o
nome dos outros personagens os quais permaneceram com nomes estrangeiros Isso poderia
talvez significar uma preocupaccedilatildeo do tradutor com o puacuteblico da liacutengua de chegada Veriacutessimo
manteve os outros nomes de personagens intactos mas percebe-se por exemplo que o nome
George facilmente se adaptaria a Jorge Crooks
que remete agrave palavra inglesa crook que
140
alude a desvio curvatura e portanto a uma caracteriacutestica fiacutesica deste personagem
tambeacutem
poderia encontrar uma soluccedilatildeo em portuguecircs tal como Torto
Quanto a localidades e nomes geograacuteficos algumas soluccedilotildees tradutoacuterias satildeo agraves
vezes idecircnticas agraves vezes diferentes
1) Steinbeck The Salinas RiverGabilan mountainsSoledad (p I)Howard Street (p 5)Weed (p 6)The Riverside Dance Palace (p 93)
2) Veriacutessimo Rio Salinasmontanhas GabilanSoledad (p5)Howard Street (p 12)Weed (p 15)Palaacutecio da Dansa (p172)
3) Campello Rio Salinasmontanhas GabilanSoledad (p 5)Howard Street (p 8)Weed (p 9)Riverside Dance Palace (p 83)
4) Ban Rio Salinasmontanhas GabilanSoledad (p 11)rua Howard (p 15)Weed (p 17)Dance Palace de Riverside (p 121)
Nota-se que para The Salinas RiverGabilan mountainsSoledad natildeo houve
nenhuma diferenccedila nos textos de chegada pois os trecircs tradutores optaram pelas mesmas
soluccedilotildees fazendo transferecircncias (BARBOSA 2004 71-77) por estrangeirizaccedilatildeo (VENUTI
1998 241) traduzindo os vocaacutebulos onde possiacutevel (RiverRio mountainsmontanhas) Rio
Salinasmontanhas GabilanSoledad Para Howard StreetWeed o mesmo procedimento eacute
adotado pelos tradutores apenas com uma diferenccedila em relaccedilatildeo a Ana Ban Howard
StreetWeed (VERIacuteSSIMO) Howard StreetWeed (CAMPELLO) Rua
HowardWeed
(BAN)
Por fim River Side Dance Palace encontra uma domesticaccedilatildeo (VENUTI 1998
240) feita por Veriacutessimo Palaacutecio da Dansa (em que a palavra dansa obedece agrave ortografia da
eacutepoca dessa traduccedilatildeo 1940) Campello faz uma transferecircncia (BARBOSA 2004) por
estrangeirizaccedilatildeo (VENUTI 1998) Riverside Dance Palace Ana Ban por seu turno deixa
uma expressatildeo hiacutebrida Dance Palace de Riverside
As formas de tratamento e vocativos no texto de partida na maioria das vezes
satildeo mais informais a exemplo de he she it you etc Algumas exceccedilotildees
Mr Slim
() You
told me to warm up tar for the mule s foot ()
(STEINBECK
sd 53)
Seu Magro
( )
O senhor me disse que aquentasse o alcatratildeo pro casco da mula
( ) (VERIacuteSSIMO 1940 99)
141
Seu Slim
()
O senhor
me disse pra esquentar o alcatratildeo pro casco da mula ()
(CAMPELLO 1991 47)
Seu Slim ()
O sinhocirc
me mandocirc isquentaacute piche pro casco daquela mula ()
(BAN 2005 73)
Nos exemplos acima percebe-se um ligeiro grau de formalidade ou respeito por
causa do vocativo Mr traduzido por Seu O pronome you possui um tom neutro e somente
pelo contexto eacute que se presume certa formalidade facilmente reconhecida em senhor
(VERIacuteSSIMO e CAMPELLO) e em sinhocirc (BAN) Outro exemplo estaacute no uso de ma am
(madam)
Why Curley he got his han caught in a machine ma am
()
(STEINBECK
sd 82)
Ora o Crespinho meteu a matildeo numa maacutequina moccedila
() (VERIacuteSSIMO 1940
152)
Ora ele prendeu a matildeo numa maacutequina () (CAMPELLO 1991 73)
Ah o Curley ele ficocirc co a matildeo presa numa maacutequina moccedila
() (BAN 2005
108)
Neste uacuteltimo caso ma am eacute traduzido por moccedila (VERIacuteSSIMO e BAN) revelando
um misto de inseguranccedila respeito e hesitaccedilatildeo pois o personagem Candy conta uma mentira
para a mulher de Curley Esses efeitos todavia se perdem no texto de Campello que omite
esse vocativo
O texto de partida apresenta agraves vezes o uso de itaacutelico para dar ecircnfase a algumas
passagens como em
Give it here said George Aw leave me have it George
Give it here (STEINBECK sd 6)
- Passa isso pra caacute - Oh Deixa-me ficar com ecircle George - Passa isso pra caacute (VERIacuteSSIMO 1940 14)
- Me daacute aqui - Ah George deixa eu ficar com ele - Me daacute aqui (CAMPELLO 1991 9)
- Daacute aqui disse George - Ah deixa eu ficaacute com ele George - Daacute aqui (BAN 2005 16)
142
Na traduccedilatildeo de Veriacutessimo essas mesmas passagens estatildeo em negrito Nas
traduccedilotildees de Campello e Ban elas estatildeo em itaacutelico como no texto de partida
O recurso do negrito ou do itaacutelico tambeacutem identifica nos textos de chegada o uso
de palavras estrangeiras como airedale
(CAMPELLO 1991 43) ou rings de box
(VERIacuteSSIMO 1940 54) A traduccedilatildeo de Ban entretanto natildeo usa nenhum desses dois
recursos para essa finalidade
No que diz respeito agrave pontuaccedilatildeo em geral as diferenccedilas ocasionais entre o texto
de partida e os respectivos textos de chegada relacionados sempre uns com os outros natildeo
representam mudanccedilas semacircnticas significativas Nas traduccedilotildees ela diverge um pouco
daquela do texto de partida (e tambeacutem divergem entre si) o que provoca agraves vezes ligeira
alteraccedilatildeo semacircntica Assim quando Veriacutessimo Campello e Ban traduzem a primeira linha do
exemplo citado acima Give it here said George respectivamente por - Passa isso pra
caacute Me daacute aqui Daacute aqui respectivamente a ecircnfase resultante com a impressatildeo de
impaciecircncia no humor do personagem George eacute maior do que no texto de partida graccedilas ao
uso da exclamaccedilatildeo Na segunda linha do diaacutelogo Aw leave me have it George haacute uma
alteraccedilatildeo de significado provocada pelo uso de reticecircncias por parte de Campello - Ah
George deixa eu ficar com ele pois se o texto de partida usa um ponto isso representa um
fechamento na oraccedilatildeo enquanto que as reticecircncias datildeo um ar de pensamento sem conclusatildeo
como se ainda houvesse algo mais a dizer
As singularidades perceptiacuteveis nas traduccedilotildees de Veriacutessimo Campello e Ban ficam
ainda mais ressaltadas quando se exploram outras caracteriacutesticas pertencentes ao universo
sociocultural retratado no texto de partida natildeo necessariamente coincidentes nas trecircs
traduccedilotildees comparadas Isso eacute o que se percebe ao se examinar os exemplos de palavras
expressotildees e vocaacutebulos sublinhados dos fragmentos a seguir retirados do capiacutetulo 2 que se
referem a estrangeirizaccedilatildeo e domesticaccedilatildeo escolhas que resultam em alteraccedilotildees de
significado nas diferentes traduccedilotildees diferenccedilas de ortografia ou simples preferecircncias por
parte de cada tradutor
A tall man stood in the doorway He held a crushed Stetson
hat under his arm while he combed his long black damp hair straight back Like the others he wore blue jeans
and a short denim jacket ( ) This was Slim the jerkline skinner His hatchet face
was ageless He might have been thirty-five or fifty() His hands large and lean were as delicate in their action as those of a temple dancer
(STEINBECK sd 34-35)
Um homem alto apareceu agrave porta Manteve o Stetson
amassado debaixo do braccedilo enquanto penteava para traacutes o cabelo longo negro e uacutemido Como os outros vestia calccedilas azues
e uma jaqueta curta de estamenha () Era o Magro das mulas A cara
143
delgada
natildeo tinha idade O homem podia ter trinta e cinco como cincoenta anos ()
Suas matildeos grandes e descarnadas eram na accedilatildeo tatildeo delicadas como as de uma dansarina de templo (VERIacuteSSIMO 1940 68-69)
Um homem alto apareceu agrave porta Trazia um chapeacuteu Stetson
amassado sob o braccedilo
enquanto penteava o cabelo preto longo e uacutemido para traacutes Como os outros usava jeans
e uma curta jaqueta de brim () Era Slim o arrieiro de primeira linha Seu
rosto fino e comprido
natildeo tinha idade Poderia ter trinta e cinco ou cinquumlenta anos
() Suas matildeos longas e esbeltas eram tatildeo delicadas ao agir como as de uma danccedilarina do templo (CAMPELLO 1991 32-33)
Um homem alto estava parado agrave porta Segurava um chapeacuteu de cauboacutei
amassado embaixo do braccedilo ao mesmo tempo em que penteava para traacutes o cabelo comprido preto e molhado Assim como os outros usava jeans
e uma jaqueta de brim curta () Tratava-se de Slim o melhor carroceiro Seu rosto bem talhado
natildeo tinha idade Podia ter 35 ou cinquumlenta anos () As matildeos grandes e delgadas eram tatildeo delicadas no agir quanto as de um danccedilarino de corpo de baile (BAN 2005 51-52)
Para traduzir Stetson (STEINBECK sd 34) Veriacutessimo (1940 68) transcreve
Stetson Campello (1991 32) por sua vez aleacutem de transcrever essa palavra acrescenta um
vocaacutebulo explicativo chapeacuteu Stetson de modo a tornar mais clara ao leitor a referecircncia
agravequele objeto Jaacute Ban (2005 51) prefere substituir esse nome estrangeiro optando por
chapeacuteu de cauboacutei
Em relaccedilatildeo agraves palavras blue jeans Veriacutessimo faz a escolha por calccedilas azues
segundo a ortografia oficial da eacutepoca Campello opta por jeans em itaacutelico omitindo ou
deixando subentendida a palavra calccedila Na traduccedilatildeo mais recente de Ana Ban prefere
jeans sem itaacutelico (vocaacutebulo jaacute naturalizado em portuguecircs)
Haacute mudanccedila de sentido quando a expressatildeo short denim jacket eacute traduzida por
jaqueta curta de estamenha (Veriacutessimo) e jaqueta de brim curta (Ban) e curta jaqueta de
brim (Campello) pois a antecipaccedilatildeo do adjetivo em relaccedilatildeo ao substantivo (curta jaqueta)
intensifica o significado do adjetivo curta quer dizer bem curta mais curta
Estamenha hoje um vocaacutebulo de uso mais raro talvez evidencie um sinal da eacutepoca de
Veriacutessimo (1940) quando o vocaacutebulo brim (Campello e Ban) possivelmente natildeo era ainda
de uso comum difundido
Em This was Slim the jerkline skinner Veriacutessimo decide traduzir o nome do
personagem Slim acrescentando um qualificativo ( Era o Magro das mulas ) o que natildeo satildeo
muitos detalhes sobre sua ocupaccedilatildeoprofissatildeo natildeo haacute coincidecircncia ou exatidatildeo entre arrieiro
de primeira linha (Campello) e o melhor carroceiro (Ban)
Nas soluccedilotildees para His hatchet face haacute similaridade de significado entre A cara
delgada (Veriacutessimo) e Seu rosto fino e comprido (Campello) embora cara soe hoje
mais rude e coloquial do que rosto Seu rosto bem talhado (Ban) pode natildeo revelar com
144
clareza ao leitor as adjetivaccedilotildees decorrentes de hatchet face Hornby (2000 619) daacute a
seguinte definiccedilatildeo para hatchet-faced adj (disapproving) (of a person) having a long thin
face and sharp features o que portanto estaacute de mais acordo com as opccedilotildees de Veriacutessimo e
Campello aleacutem de revelar um valor pejorativo do vocaacutebulo
Para temple dancer tecircm-se dansarina de templo (Veriacutessimo)danccedilarina do templo
(Campello)danccedilarino de corpo de baile (Ban) Mais uma vez percebe-se a diferenccedila de
ortografia conforme a eacutepoca de cada traduccedilatildeo em dansarinadanccedilarinadanccedilarino Haacute ligeira
diferenciaccedilatildeo quando se usa de (preposiccedilatildeo) ou do (preposiccedilatildeo + artigo definido) Outro
aspecto eacute o gecircnero escolhido feminino (danccedilarina
Veriacutessimo e Campello) ou masculino
(danccedilarino
Ban) A maior diferenccedila entre essas escolhas estaacute no vocaacutebulo templo por
Veriacutessimo e Campello e corpo de baile por Ban
Percebe-se nessas trecircs traduccedilotildees tanto a tendecircncia pela estrangeirizaccedilatildeo quanto
pela domesticaccedilatildeo Por exemplo haacute estrangeirizaccedilatildeo quando a palavra Stetson (STEINBECK
sd 34) eacute transcrita por Veriacutessimo ( Stetson p 68) e Campello ( chapeacuteu Stetson p 32)
Ban por sua vez a domestica ao preferir a expressatildeo chapeacuteu de cauboacutei (p 51)
A expressatildeo blue jeans (STEINBECK sd 34) ganha um tom estrangeirizado
quando Campello opta por jeans em itaacutelico Essa mesma expressatildeo eacute domesticada por
Veriacutessimo ( calccedilas azues p 68 talvez porque no contexto da eacutepoca dessa traduccedilatildeo 1940
as calccedilas jeans ainda natildeo eram de uso tatildeo difundido no Brasil) e Ban ( jeans p 51 sem
itaacutelico o que confere o uso jaacute normalizado pelo costume brasileiro com uma palavra jaacute
totalmente incorporada em nossa cultura)
Mais exemplos de estrangeirizaccedilatildeo ou domesticaccedilatildeo satildeo encontrados em outras
partes da obra como neste caso retirado do capiacutetulo 2
() He done quite a bit in the ring () (STEINBECK sd 27)
() Jaacute andou lutando um pedaccedilo nos rings de box () (VERIacuteSSIMO 1940 54)
() Jaacute fez um bom papel entre as cordas de um ringue
() (CAMPELLO 1991
26)
() Jaacute se deu bem memo na arena () (BAN 2005 42)
Assim o vocaacutebulo rings de box por Veriacutessimo eacute estrangeirizado pois ring e box
satildeo palavras inglesas a exceccedilatildeo fica por conta da preposiccedilatildeo de Naturalmente as outras
soluccedilotildees satildeo domesticadas pelo uso das palavras da liacutengua portuguesa cordas de um ringue
por Campello e arena por Ban De modo geral percebe-se que Veriacutessimo opta mais pela
estrangeirizaccedilatildeo do que suas colegas tradutoras incluindo em seu vocabulaacuterio em outras
145
passagens outros vocaacutebulos estrangeiros como milhas (VERIacuteSSIMO 1940 6) enquanto
que Campello (1991 5) e Ban (2005 11) respectivamente optam or quilocircmetros
No capiacutetulo 2 haacute outro exemplo de escolhas diferentes por parte dos tradutores na
seguinte passagem
She had full rouged lips () (STEINBECK sd 32)
uma rapariga de laacutebios cheios encarnados de rouge (VERIacuteSSIMO 1940 63)
A moccedila ali () tinha laacutebios cheios e vermelhos (CAMPELLO 1991 30)
Tinha laacutebios cheios cobertos de batom () (BAN 2005 48)
Quanto ao pronome she Veriacutessimo o traduz por rapariga uma palavra que
atualmente ganhou um significado negativo referindo-se a prostituta de acordo com a
cultura popular brasileira Essa mesma palavra inglesa recebe de Campello a traduccedilatildeo moccedila
vocaacutebulo relativamente neutro enquanto que Ban simplesmente omite o pronome ela (ou
outra palavra cabiacutevel) pelo recurso do verbo ter conjugado na terceira pessoa do singular
[ela] tinha Percebe-se que Veriacutessimo usa o vocaacutebulo rouge uma estrangeirizaccedilatildeo (pois esta
palavra eacute francesa) enquanto que Campello usa a palavra vermelhos e Ban prefere a
expressatildeo cobertos de batom
No tocante agrave questatildeo estrangeirizaccedilatildeodomesticaccedilatildeo a situaccedilatildeo se inverte entre os
tradutores na traduccedilatildeo do substantivo coons (STEINBECK sd I) pois Veriacutessimo
domestica ao optar por coatiacutes111 (1940 6 segundo a ortografia da eacutepoca para quatis)
enquanto Campello e Ban traduzem o vocaacutebulo por guaxinins (CAMPELLO 1991 5 BAN
2005 11)
Outro recurso expressivo de Steinbeck satildeo as expressotildees idiomaacuteticas e as giacuterias
que recebem as seguintes traduccedilotildees
He was sore as hell
when you wasn t here to go out this morning
(STEINBECK
sd 19)
Ficou queimado
quando natildeo viu vocecircs saiacuterem pro trabalho hoje de manhatilde
(VERIacuteSSIMO 1940 38)
Ficou uma fera
quando viu que natildeo tavam aqui pra trabalhar esta manhatilde
(CAMPELLO 1991 20)
111 A palavra coon em forma abreviada refere-se a racoon ou seja guaxinim um animal mamiacutefero que natildeo existe no Brasil Quati por sua vez eacute um animal aparentado ao guaxinim mas eacute bem tiacutepico em algumas regiotildees brasileiras
146
Ficocirc loco da vida
quando viu qu oceis num tavam aqui pra trabaiaacute hoje de manhatilde
(BAN 2005 32)
Em He was sore as hell Ficou queimado Ficou uma fera Ficocirc loco da vida
(SteinbeckVeriacutessimo Campello e Ban respectivamente) cada tradutor procurou transmitir
uma impressatildeo sobre o humor do personagem o que representa muito mais do que uma
traduccedilatildeo mecacircnica ao peacute da letra Nesse sentido as diferenccedilas notadas se referem ao niacutevel do
leacutexicosintagma escolhido entretanto o resultado geral eacute homogecircneo em significado
Outro exemplo pertinente ao caso das expressotildees idiomaacuteticas e das giacuterias pode ser
ilustrado pelo fragmento abaixo extraiacutedo do capiacutetulo 4
Baloney What you think you re sellin me
Curley started somep in he didn t finish
()
(STEINBECK sd 82)
Isso eacute galinha morta Pensam que estatildeo me levando no embrulho Pensam que eu
vou nessa O Crespinho foi buscar latilde e saiu tosquiado (VERIacuteSSIMO 1940 152)
Besteira Acham que conseguem me tapear
Curley foi buscar latilde e saiu tosquiado
(CAMPELLO 1991 73)
- Quanta bestera Oceis acha que eu vocirc acreditaacute nisso
O Curley comeccedilocirc algum
negoacutecio que num conseguiu terminaacute (BAN 2005 108)
Quando Veriacutessimo traduz Baloney
por - Isso eacute galinha morta galinha morta
parece ser um pouco mais expressiva Jaacute as escolhas de Campello e Ban respectivamente -
Besteira - Quanta bestera parecem soar no mesmo niacutevel de expressividade apresentada
pelo texto de partida
A opccedilatildeo levar no embrulhopensam que eu vou nessa de Veriacutessimo eacute
relativamente atual mas as tradutoras fazem escolhas diferentes enquanto Campello utiliza
tapear Ban decide por uma linguagem normalizada sem se constituir como giacuteria ou
expressatildeo idiomaacutetica ( - Oceis acha que eu vocirc acreditaacute nisso )
Percebe-se um paralelismo entre as opccedilotildees de Veriacutessimo e de Campello no que
diz respeito ao uso que ambos fizeram de foi buscar latilde e saiu tosquiado Ban por sua vez de
novo preferiu natildeo utilizar uma expressatildeo idiomaacutetica
Ateacute esta etapa da leitura comparativa percebe-se que os dados preliminares
mostraram dados mais gerais que compotildeem a estrutura externa das publicaccedilotildees onde
constam elementos de acordo com os objetivos dos agentes responsaacuteveis pela publicaccedilatildeo
(estrateacutegias de seduccedilatildeo do consumidor) De modo sequumlencial e gradativo o terreno foi
147
preparado para o proacuteximo estaacutegio a macroestrutura que examinou a estrutura e divisatildeo
geral dos textos em partes menores (capiacutetulos paraacutegrafos frases sentenccedilas) A
microestrutura por sua vez num niacutevel mais especiacutefico permitiu que fossem verificados
aspectos mais direcionados agrave questatildeo da seleccedilatildeo lexical (niacutevel de linguagem)
Pocircde-se notar entatildeo que essas trecircs etapas constituiacuteram o que cada projeto
editorial percebia ou cogitava serem de modo geral as expectativas da recepccedilatildeo Tais
expectativas entretanto soacute podem ser confirmadas ou refutadas pelo feedback da recepccedilatildeo
Esta eacute uma funccedilatildeo elementar do quarto estaacutegio do esquema de Lambert e Van Gorp o
contexto sistecircmico que pela anaacutelise de dados obtidos a partir da fortuna criacutetica publicada em
revistas e jornais permite verificar esse retorno seja por parte do leitor-consumidor seja pela
parte da criacutetica informal ou especializada
44 Contexto sistecircmico
Os dados obtidos mostram que a resposta da recepccedilatildeo (nos sistemas de chegada
estadunidense mundial e mais especificamente brasileiro) no tocante a John Steinbeck e sua
obra Of mice and menRatos e homens e suas respectivas traduccedilotildees em portuguecircs brasileiro eacute
bastante positiva112
Na paacutegina da Internet Digestivo Cultural113 haacute uma resenha de Jonas Lopes
(2005) intitulada A Ameacuterica de John Steinbeck sobre o livro A Ameacuterica e os Americanos e
Ensaios Relacionados (2004) natildeo-ficcional com crocircnicas e artigos produzidos por Steinbeck
Em sua criacutetica Lopes resume o contexto histoacuterico e social dos Estados Unidos
em que destaca a importacircncia desse paiacutes e sua ascensatildeo no cenaacuterio internacional entre as
deacutecadas de 1920 e o final da deacutecada de 1950 Nesse periacuteodo o chamado American way of life
se apresentava como modelo de vida e ideal a ser alcanccedilado e tambeacutem as artes e a cultura
estadunidenses alcanccedilaram status relevante sobretudo a literatura Por isso John Steinbeck eacute
citado entre os principais escritores desse periacuteodo
um dos principais autores do periacuteodo e sem duacutevida o mais americano de todos eles foi John Steinbeck (1902-1968) Vencedor do Precircmio Nobel em 1962 Steinbeck
112 Apesar da opiniatildeo negativa de alguns criacuteticos Vide capiacutetulo 3 desta dissertaccedilatildeo item 32 (p 101-102) O referido capiacutetulo tambeacutem mostra outras respostas positivas da recepccedilatildeo (item 31 p 96-97 item 32 p 98 101-102)
113Disponiacutevel em lthttpwwwdigestivoculturalcomcolunistascolunaaspcodigo=1689gt Acesso em 3 de junho de 2009
148
tornou-se ceacutelebre por sua literatura de teor social e pela delicadeza com que tratou temas complicados como a pobreza durante a depressatildeo Em particular com As Vinhas da Ira que narra a saga da famiacutelia Joad em busca de um emprego na Califoacuternia e o ainda melhor A Leste do Eacuteden (LOPES 2005)
Lopes ainda apresenta o posicionamento pessoal de Steinbeck em relaccedilatildeo a Of
mice and men (Ratos e homens) destacando que
Steinbeck surpreende ao afirmar que considera Ratos e homens uma de suas obras fundamentais um fracasso Natildeo pela qualidade mas pelas ambiccedilotildees teacutecnicas que previa para o livro sua intenccedilatildeo era criar uma peccedila-novela um texto escrito em formato de romance mas com pouca descriccedilatildeo e profusatildeo de diaacutelogos o que favoreceria a adaptaccedilatildeo ao palco sem perda de conteuacutedo e ao mesmo tempo fugiria da leitura sem tanta fluidez das peccedilas John acreditava que natildeo alcanccedilara esse equiliacutebrio Natildeo servia para ser encenado porque eu natildeo tinha experiecircncia e conhecimento suficiente da arte do palco O ritmo estava errado a hora do pano foi mal escolhida algumas cenas passaram do limite e muitos meacutetodos comumente usados no romance e que empreguei no livro natildeo ficaram claros no palco
Em outro momento Lopes apresenta Steinbeck como um escritor que tinha
fasciacutenio por livros objetos genuinamente criados pelo homem chegando a declarar em tom
de exaltaccedilatildeo que esse objeto era uma das pouquiacutessimas maacutegicas autecircnticas que nossa
espeacutecie criou
(STEINBECK apud LOPES 2005) A posiccedilatildeo de Steinbeck como entusiasta
dos livros de bolso eacute destacada principalmente por causa do seu preccedilo acessiacutevel com as
ediccedilotildees baratas () vocecirc enche de livros os braccedilos dos amigos () quando acabar de lecirc-los
passe adiante Isso eacute uma coisa maravilhosa (STEINBECK apud LOPES 2005)
A criacutetica elaborada a Steinbeck nessa resenha tem tom positivo
Steinbeck eacute um escritor norte-americano em essecircncia O paiacutes e suas particularidades transbordam em suas frases
a forte identificaccedilatildeo eacute comparaacutevel com a de nomes anteriores (Twain) e posteriores (Updike) a ele Ao mesmo tempo em que eacute mordaz e impiedoso nas criacuteticas derrama ternura pela sua terra Ressalta as qualidades e defeitos de um paiacutes que eacute cada vez mais criticado Seria interessante ver como o escritor se comportaria em relaccedilatildeo ao antiamericanismo atual (LOPES 2005)
Danilo Corci (2002) na paacutegina da Internet Speculum114 traz dados sobre a vida
de John Steinbeck e deixa um comentaacuterio pessoal sobre a produccedilatildeo literaacuteria desse escritor
seus romances podem ser classificados como obras sociais que lidam com os problemas econocircmicos do trabalho rural mas tambeacutem apresentam uma paixatildeo pela terra que entram em choque com sua visatildeo mais politizada Cheio de humor agressivo e de verve afiada Steinbeck foi um agudo observador das realidades criadas pelo homem o que influenciava diretamente toda a condiccedilatildeo humana Em resumo o romance social nunca mais foi o mesmo apoacutes as linhas de Steinbeck terem sido redigidas
114 Disponiacutevel em lthttpwwwspeculumartbrmodulephpa_id=6gt Acesso em 3 de junho de 2009
149
Moacyr Scliar (2004) em seu artigo da Revista Veja declara que Steinbeck eacute
pouco lembrado fora das escolas e universidades dos Estados Unidos poreacutem argumenta
sobre a sua importacircncia estamos falando de um autor que arrebatou legiotildees de leitores teve
romances como As vinhas da ira adaptados com sucesso para o cinema e ganhou o Nobel de
Literatura
Nas trecircs traduccedilotildees de Of mice and men analisadas nesta dissertaccedilatildeo fica patente a
importacircncia do apelo comercial uma forccedila que por sustentar as editoras faz com que estas
adotem estrateacutegias de vendas especiacuteficas de modo a atender a um puacuteblico maior e assim
garantir a sua sobrevivecircncia e sustentabilidade no mercado O barateamento das ediccedilotildees tanto
no custo de produccedilatildeo como no preccedilo final dos produtos para o puacuteblico leitor (consumidor)
bem como a ampla distribuiccedilatildeo podem ser colocados como fatores principais materializados
nos livros de bolso (caso das traduccedilotildees de Eacuterico Veriacutessimo e de Ana Ban) ou nos clubes de
livros (caso da traduccedilatildeo de Myriam Campello) Estes criteacuterios satildeo levados em conta na
opiniatildeo da criacutetica
A Livraria do Globo diversifica o mercado com coleccedilotildees de baixo custo e as grandes tiragens trazem-lhes bons resultados Satildeo ediccedilotildees afirma o Correio do Povo que devem configurar nas estantes dos bons leitores pelo preccedilo formato e criteacuterio de escolha dos editores (TORRESINI 2004 9)
A imprensa exerce um papel de divulgaccedilatildeo das editoras agraves vezes com forte
aspecto positivo por meio da criacutetica ou da propaganda Torresini enfatiza que
as ediccedilotildees da Globo satildeo comentadas na imprensa diaacuteria Exemplo disso encontra-se no Jornal da Manhatilde [9 de janeiro de 1933] () O Rio Grande intelectual estaacute de parabeacutens possuiacutemos uma das maiores casas editoras do Brasil e os seus dirigentes natildeo tecircm poupado esforccedilos no sentido de difundir entre noacutes o gosto pela leitura gosto que define o homem tornando-o verdadeiramente feliz na tristeza e na inquietaccedilatildeo da terra (TORRESINI 2004 10)
Barcellos (2002 9) afirma que a Livraria do Globo fazia propaganda natildeo soacute na
Revista do Globo mas tambeacutem por meio de anuacutencios no jornal Correio do Povo em cataacutelogo
da Editora do Globo e em cartazes e folhetos Quanto agrave Editora do Globo esta contava com a
Revista do Globo o jornal Correio do Povo e a Revista Proviacutencia de Satildeo Pedro aleacutem de
outros meios de divulgaccedilatildeo
As proacuteprias ediccedilotildees dos livros da Editora e da Livraria do Globo tambeacutem
desempenhavam esse papel de divulgaccedilatildeo tentando atrair a atenccedilatildeo dos leitores Na traduccedilatildeo
150
de Veriacutessimo (1940) por exemplo a contracapa conteacutem um texto de teor propagandiacutestico
uma ecircnfase em relaccedilatildeo a John Steinbeck fiel ao seu programa de possibilitar ao puacuteblico
brasileiro a leitura das maiores obras da literatura mundial contemporacircnea a LIVRARIA DO
GLOBO apresenta JOHN STEINBECK () Destacam-se expressotildees de apelo como O
autor mais discutido do mundo como tambeacutem uma opiniatildeo da criacutetica Bem disse um
consagrado criacutetico americano declarando que a pena de Steinbeck eacute infinitamente mais
poderosa do que muitas espadas
Segundo Barcellos (2002 11) na Editora do Globo para a sua coleccedilatildeo Nobel por
exemplo os editores selecionavam obras estrangeiras escolhiam tradutores discutiam tiacutetulos
em portuguecircs formato de livros e prazos de lanccedilamento As obras escolhidas para traduccedilatildeo
eram de autores ceacutelebres da literatura contemporacircnea Barcellos ainda relaciona a
preocupaccedilatildeo de Eacuterico Veriacutessimo com o puacuteblico consumidor meacutedio quando ele incentivava
natildeo apenas a literatura de coacutedigos da elite mas tambeacutem a literatura de faacutecil acesso e
assimilaccedilatildeo como o gecircnero policial no qual identificamos a classificaccedilatildeo de literatura
secundaacuteria (BARCELLOS 2002 11)
Machado (2009) expotildee criteacuterios para a seleccedilatildeo de autores da Editora LampPM
um autor expressivo um precircmio Nobel eacute uma razatildeo suficiente para ser cobiccedilado por um editor Ratos e homens eacute uma novela curta uma obra-prima do autor e deu origem a um grande filme Eacute um livro que menos do que um sucesso comercial eacute um livro que qualifica o cataacutelogo do editor
A contracapa da ediccedilatildeo de Ratos e homens da LampPM (2005) traz comentaacuterios que
promovem esse romance de Steinbeck em linguagem de propaganda com a exposiccedilatildeo de
opiniatildeo criacutetica Ratos e homens publicado originalmente em 1937 eacute uma obra-prima de
John Steinbeck (1902-1968)
um dos maiores romancistas do seacuteculo 20
e ateacute hoje um dos
livros mais lidos do autor Constam ainda elogios agrave teacutecnica de Steinbeck e a caracteriacutesticas
de sua produccedilatildeo literaacuteria em Ratos e homens Steinbeck levou agrave maestria sua capacidade de
compor personagens tatildeo cativantes quanto realistas e de ao contar uma histoacuteria especiacutefica
falar de sentimentos comuns a todos os seres humanos como a solidatildeo e a acircnsia por uma vida
digna Outro argumento reforccedila o apelo agrave leitura da obra um claacutessico sobre o doloroso
periacuteodo da Grande Depressatildeo americana Uma peccedila de ficccedilatildeo para ser lida e relida
151
Carla Milhazes Gomes (2007) disponibilizou em seu blog Agrave Margem115 um texto
em que aleacutem de apresentar um resumo sobre o livro Ratos e homens116 traz sua opiniatildeo
pessoal acerca desse romance eacute um livro de raacutepida leitura porque interessantiacutessimo e pouco
extenso () quando deres por ela jaacute terminaste a leitura () vale muito a pena
A paacutegina da Internet Criticaliterariacom117 apresenta alguns depoimentos de
leitores sobre o livro Ratos e homens de Steinbeck Cada opinante tambeacutem avalia o livro
classificando-o de acordo com um nuacutemero de estrelas que varia de uma a cinco Bruna
Moraes (2009) por exemplo atribui cinco estrelas e afirma que a obra eacute muito
emocionante
Ratos e homens eacute uma histoacuteria muito interessante de dois rapazes pobres estadunidenses Lennie e George representam o valor de uma amizade e de uma vida No decorrer da histoacuteria percebe-se as relaccedilotildees humanas Fraacutegeis Pessoas carentes de diaacutelogo A modernidade apresentada no livro aparece junto agraves maacutequinas que satildeo usadas no arado e na colheita de cevada Eacute um livro pequeno poreacutem muito significativo sendo classificado ateacute mesmo como livro de auto-ajuda por demonstrar o valor da vida dos ratos e dos homens
Outra leitora Luacutecia Oliveira (2009) atribui quatro estrelas ao romance e destaca
que o enredo eacute motivador
Li em dois dias o livro e o que mais me motivou na histoacuteria era esperar que Lennie conseguisse no final ter sua criaccedilatildeo de coelhos Entre tantos desacertos ficou oacutevio que ele realmente era esquisito e que realmente precisa [sic] de um guia para caminhar com ele
Jorge Almeida (2009) declarando-se sempre steinbeckiano avalia o romance
com quatro estrelas expondo sua opiniatildeo em tom emotivo
MAIS UM LIVRO DE UM GRANDE AUTOR A FRAGILIDADE DAS RELACcedilOtildeES HUMANAS A CUMPLICIDADE O DESESPERO Um rato um homem um sonho
A leitora Taiasmin (2009) declara que se trata de uma tocante histoacuteria humana
Ela atribui cinco estrelas ao romance afirmando que
115Disponiacutevel em lthttpamargemblogblogspotcom200709ratos-e-homens-de-john-steinbeckhtmlgt Acesso em 3 de junho de 2009
116 Editora Livros do Brasil traduccedilatildeo de Eacuterico Veriacutessimo 2007
117 Disponiacutevel em lthttpwwwcriticaliterariacom9723827468gt Acesso em 03 de junho de 2009
152
este livro trata de homens reduzidos agrave condiccedilatildeo de objeto de resto social que buscam significantes que os reconduzam agrave condiccedilatildeo de sujeitos onde possam encontrar alguma dignidade e valor humano Eacute uma histoacuteria situada no espaccedilo e tempo - Estados Unidos deacutecada de 30 - mas esta busca em alguma medida natildeo eacute a busca de todos noacutes
As anaacutelises descritivas a partir do esquema teoacuterico de Lambert e Van Gorp
(1985) permitem perceber que os textos em questatildeo (STEINBECK sd VERIacuteSSIMO 1940
CAMPELLO 1991 BAN 2005) ainda que compartilhem algumas semelhanccedilas sobretudo
apresentam muitas diferenccedilas Pode-se concluir que cada um desses projetos editoriais
atendiam (ou ainda atendem) a necessidades ou expectativas especiacuteficas conforme o contexto
em que eles se inseriam sob a influecircncia de fatores pessoas ou instituiccedilotildees que agrave sua
maneira agiam durante o processo em que o texto de partida e as suas traduccedilotildees foram
criados Assim as traduccedilotildees que Veriacutessimo Campello e Ban fizeram de Of mice and men
portanto natildeo poderiam se valer de soluccedilotildees escolhas ou estrateacutegias tradutoacuterias idecircnticas o
tempo todo
Apesar dessas diferenccedilas as respostas de cada contexto sistecircmico (estadunidense
e brasileiro) assinalam que algumas expectativas dos agentes envolvidos no processo
tradutoacuterio foram
em sua devida eacutepoca e contexto sociocultural
confirmadas pois por
exemplo as opiniotildees dos leitores e da criacutetica em geral sugeremsugeriam uma apreciaccedilatildeo de
tom positivo no que diz respeito agrave obra em si ao seu autor John Steinbeck e agraves suas
traduccedilotildees estimulando e favorecendo a perpetuaccedilatildeo desses textos em polissistemas de que a
liacutengua inglesa e a liacutengua portuguesa fazem parte
153
5 A LINGUAGEM DE OF MICE AND MEN NAS TRADUCcedilOtildeES EM PORTUGUEcircS
BRASILEIRO OUTROS ASPECTOS
Fico eu portanto destinado como diz o clichecirc a ser ambos juiz e jurado Aqui minha natureza ambivalente e ambiacutegua torna a decisatildeo algo difiacutecil chegando perto
do impossiacutevel do mesmo modo que a traduccedilatildeo ao reveacutes pode apenas chegar perto do possiacutevel e nunca
alcanccedilaacute-lo 118
Gregory Rabassa
De modo geral a anaacutelise comparativa das trecircs traduccedilotildees em portuguecircs brasileiro
de Of mice and men e seu respectivo texto de partida seguindo o esquema teoacuterico descritivo
de Lambert e Van Gorp (1985) no capiacutetulo anterior deixa algumas incompatibilidades
visiacuteveis principalmente em niacutevel de uso de linguagem e entre as duas culturas em contato a
estadunidense e a brasileira
Neste capiacutetulo essas incompatibilidades seratildeo abordadas e seraacute enfatizada a
questatildeo da presenccedila da liacutengua estigmatizada na literatura e os dilemas de sua traduccedilatildeo para os
tradutores de liacutengua portuguesa
51 A linguagem da narrativa
A linguagem da narrativa de Of mice and men em terceira pessoa realiza-se na
norma-padratildeo e portanto eacute formal polida e se consubstancia em certas impressotildees que
podem ser causadas ao leitor por exemplo quando a paisagem natural eacute descrita ou seja a
visualizaccedilatildeo imaginativa de um cenaacuterio de beleza e tranquumlilidade como ocorre no trecho a
seguir extraiacutedo do primeiro capiacutetulo
A few miles south of Soledad the Salinas River drops in close to the hill-side bank and runs deep and green The water is warm too for it has slipped twinkling over the yellow sands in the sunlight before reaching the narrow pool On one side of the river the golden foot-hill slopes curve up to the strong and rocky Gabilan mountains but on the valley side the water is lined with trees
willows fresh and green with every debris of the winter s flooding and sycamores with mottled white recumbent limbs and branches that arch over the pool (STEINBECK sd 1)
118 So I am left as the clicheacute goes to be both judge and jury Here my ambivalent and ambiguous nature makes a decision difficult approaching the impossible just as translation in reverse can only approach the possible and never get there
Traduccedilatildeo para o portuguecircs por Paula Goacutees Disponiacutevel em httptalqualmentewordpresscom20080315para-entrar-no-clima-uma-citacao-de-gregory-rabassa Acesso em 20 de maio de 2009
154
ALGUMAS milhas ao sul de Soledad o rio Salinas desce bem junto flanco da colina e corre profundo e verde A aacutegua eacute tambeacutem morna porque antes de chegar ao estreito poccedilo ela desliza cintilando ao sol por socircbre as areias amarelas De um lado do rio as douradas encostas da colina sobem numa curva ateacute as montanhas Gabilan fortes e rochosas mas do lado do vale a aacutegua estaacute orlada de aacutervores salgueiros frescos e verdes a cada primavera e cujas focirclhas inferiores retecircm nas suas intersecccedilotildees o cisco das enchentes de inverno sicocircmoros de focirclhas e galhos dum branco mosqueado que se alongam e arqueiam sobre a aacutegua parada (VERIacuteSSIMO 1940 6)
A poucos quilocircmetros ao sul de Soledad o rio Salinas desce bem junto ao flanco da colina e corre profundo e verde Sua aacutegua eacute morna pois desliza cintilando ao sol por sobre areias amarelas antes de alcanccedilar o estreito lago natural De um lado do rio os flancos dourados da colina sobem sinuosos ateacute as montanhas Gabilan fortes e rochosas mas do lado do vale a aacutegua acha-se orlada de aacutervores
salgueiros frescos e verdes a cada primavera mostrando nas junccedilotildees das folhas interiores fragmentos rochosos das enchentes de inverno sicocircmoros com troncos e ramos brancos pintalgados debruccedilam-se tambeacutem sobre a aacutegua imoacutevel (CAMPELLO 1991 5)
ALGUNS QUILOcircMETROS ao sul de Soledad o rio Salinas aproxima-se do sopeacute das colinas e fica bem profundo e verde A aacutegua tambeacutem eacute quente por deslizar reluzente sobre as areias amarelas banhadas pelo sol antes de chegar agrave lagoa estreita De um lado do rio as encostas das colinas sobem ateacute as montanhas Gabilan fortes e rochosas mas do lado do vale a aacutegua se faz acompanhar por uma fileira de aacutervores
chorotildees que se renovam verdejantes a cada primavera segurando nos entroncamentos das folhas mais baixas os restos das enchentes de inverno e plaacutetanos com troncos e galhos cobertos de manchas brancos e recurvados que se arqueiam por sobre a lagoa (BAN 2005 11)
Essa tendecircncia da narrativa permeia toda a obra A seguinte amostra retirada do
iniacutecio do segundo capiacutetulo apresenta a descriccedilatildeo da casa dos peotildees
THE bunk-house was a long rectangular building Inside the walls were whitewashed and the floor unpainted In three walls there were small square windows and in the fourth a solid door with a wooden latch ( ) (STEINBECK sd 18)
A casa dos peotildees era um comprido edifiacutecio retangular Por dentro as paredes estavam caiadas e o piso natildeo tinha pintura Em trecircs dessas paredes havia pequenas janelas quadradas e na quarta uma soacutelida porta com trinco de madeira () (VERIacuteSSIMO 1940 36)
A casa dos peotildees era um edifiacutecio comprido e retangular
com paredes internas caiadas Seu piso natildeo fora pintado e trecircs das paredes exibiam pequenas janelas quadradas na quarta parede havia uma porta soacutelida com trinco de madeira () (CAMPELLO 1991 19)
A CASA DOS PEOtildeES era uma construccedilatildeo comprida e retangular
um tipo de barracatildeo Laacute dentro as paredes eram caiadas e o chatildeo natildeo tinha pintura Em trecircs paredes havia janelas quadradas pequenas e na quarta uma porta bem soacutelida com uma tranca de madeira () (BAN 2005 31)
Na primeira sentenccedila em destaque pode-se perceber que haacute variaccedilotildees em cada
traduccedilatildeo na estrutura das sentenccedilas na sua extensatildeo e nas escolhas lexicais enquanto
155
Veriacutessimo elabora uma traduccedilatildeo que segue a mesma estrutura sintaacutetica do texto de partida
percebe-se que Campello constroacutei uma sentenccedila maior intercalando parte da proacutexima
sentenccedila do texto em inglecircs ( com paredes internas caiadas ) A traduccedilatildeo de Ban possui uma
expressatildeo explicativa ( um tipo de barracatildeo ) ausente no texto de partida Algumas
diferenccedilas satildeo observadas na traduccedilatildeo de a long rectangular building um comprido edifiacutecio
retangular (Veriacutessimo)um edifiacutecio comprido e retangular (Campello)uma construccedilatildeo
comprida e retangular (Ban) Assim enquanto Veriacutessimo e Campello preferem a palavra
edifiacutecio Ban usa construccedilatildeo Veriacutessimo antecipa a posiccedilatildeo do adjetivo (comprido) em relaccedilatildeo
ao substantivo (edifiacutecio) em comprido edifiacutecio
retangular Tanto Campello como Ban nesse
caso colocam o adjetivo depois do substantivo Percebe-se que a antecipaccedilatildeo do adjetivo
intensifica o seu valor e portanto haacute ligeira mudanccedila de significado na expressatildeo escolhida
por Veriacutessimo em relaccedilatildeo agraves escolhas dessas duas tradutoras
O capiacutetulo trecircs tambeacutem principia com uma descriccedilatildeo do cenaacuterio onde a accedilatildeo seraacute
desenvolvida
ALTHOUGH there was evening brightness
showing through the windows of the bunk-house inside it was dusk Through the open door came the thuds and occasional clangs of a horseshoe game and now and then the sound of voices raised in approval or derision (STEINBECK sd 40)
EMBORA ainda se visse o resplendor do entardecer
nas janelas do dormitoacuterio dos peotildees laacute dentro havia lusco-fusco Atraveacutes da porta aberta vinham batidas abafadas tinidos espaccedilados de um jocircgo de ferraduras e de vez em quando o som de vozes que se erguiam para aplaudir ou mofar (VERIacuteSSIMO 1940 76)
Embora o brilho do crepuacutesculo
ainda se mostrasse pelas janelas do alojamento dos peotildees a obscuridade se instalara do lado de dentro Atraveacutes da porta aberta chegavam as batidas abafadas e os tinidos de um jogo de ferradura De vez em quando vozes se erguiam para aplaudir ou zombar (CAMPELLO 1991 37)
APESAR DE A CLARIDADE do anoitecer
penetrar pelas janelas da casa dos peotildees laacute dentro estava escuro Pela porta aberta vinham os ruiacutedos abafados
e os tinidos
de um jogo de ferradura e de vez em quando o som das vozes que se erguiam em sinal de aprovaccedilatildeo ou de lamento (BAN 2005 58)
Em evening brightness (Steinbeck)o resplendor do entardecer (Veriacutessimo)o
brilho do crepuacutesculo (Campello)A CLARIDADE do anoitecer (Ban) as palavras resplendor
(Veriacutessimo) e brilho (Campello) tecircm significado mais proacuteximos entre si e entre brightness
(Steinbeck) enquanto que claridade (Ban) perde um pouco da intensidade expressiva Haacute
diferenccedilas entre evening (Steinbeck)entardecer (Veriacutessimo)crepuacutesculo (Campello)anoitecer
(Ban) devido agrave sutileza da palavra evening que natildeo pode ser expressa em portuguecircs por uma
156
soacute palavra sem que haja imprecisatildeo de significado Na verdade essa palavra inglesa refere-se
ao periacuteodo do dia compreendido entre o final da tarde e o iniacutecio da noite Quanto agrave traduccedilatildeo
de the bunk-house em outros trechos traduzidos pelos trecircs tradutores como a casa dos peotildees
verificam-se mudanccedilas de escolha por parte de Veriacutessimo (o dormitoacuterio dos peotildees) e
Campello (o alojamento dos peotildees) Ban demonstra regularidade pois manteacutem a mesma
escolha que fez anteriormente (a casa dos peotildees) A observaccedilatildeo mais marcante se faz em
relaccedilatildeo a in approval or derision (Steinbeck)para aplaudir ou mofar (Veriacutessimo)para
aplaudir ou zombarem sinal de aprovaccedilatildeo ou de lamento (Ban) em que as opccedilotildees de
Veriacutessimo e Campello satildeo bem proacuteximos em significado e Ban por sua vez apresenta um
vocaacutebulo de significaccedilatildeo bem diferente (lamento) em relaccedilatildeo ao texto de partida (derision) e
agraves escolhas de Veriacutessimo (mofar) e Campello (zombar)
No capiacutetulo 4 surge o negro Crooks em suas acomodaccedilotildees junto do celeiro que
tambeacutem servia de estaacutebulo
Crooks the negro stable buck had his bunk in the harness room a little shed that leaned off the wall of the barn ( ) (STEINBECK sd 70)
CROOKS o peatildeo negro tinha a sua tarimba no quarto dos arreios um pequeno puxado junto da parede do celeiro que tambeacutem fazia as vezes de estaacutebulo () (VERIacuteSSIMO 1940 129)
O catre de Crooks o peatildeo negro ficava no quarto dos arreios um pequeno depoacutesito junto agrave parede do celeiro () (CAMPELLO 1991 63)
O CATRE DE CROOKS o estribeiro negro ficava no quarto dos arreios um puxadinho que saiacutea da parede do celeiro () (BAN 2005 93)
Nesse trecho a primeira diferenccedila lexical notada eacute referente agrave palavra inglesa
bunk traduzida por Veriacutessimo como tarimba enquanto que Campello e Ban usam a palavra
catre Outra diferenccedila diz respeito agrave expressatildeo the negro stable buck traduzida por Veriacutessimo
e Campello como o peatildeo negro e por Ban como o estribeiro negro Tambeacutem haacute diferenccedilas
relativas a a little shed um pequeno puxado (Veriacutessimo)um pequeno depoacutesito (Campello)um
puxadinho (Ban) Eacute importante perceber que em relaccedilatildeo ao vocaacutebulo barn Veriacutessimo sente
necessidade de dizer algo mais sobre o seu significado aleacutem da escolha pela palavra celeiro
esse tradutor acrescenta uma expressatildeo explicativa isto eacute que tambeacutem fazia as vezes de
estaacutebulo As tradutoras Campello e Ban apenas traduzem barn como celeiro
As primeiras linhas do capiacutetulo 5 seguem a mesma tendecircncia de descrever o
ambiente onde a accedilatildeo vai se realizar
157
ONE end of the great barn
was piled high with new hay
and over the pile hung the
four-taloned Jackson fork suspended from its pulley The hay came down like a mountain slope to the other end of the barn and there was a level place as yet unfilled with the new crop At the sides the feeding racks
were visible and between
the slats the heads of horses could be seen ( ) (STEINBECK sd 89)
NUMA das extremidades do grande celeiro que em parte era tambeacutem estaacutebulo via-se alta pilha de feno novo Por cima dela pendia a forquilha mecacircnica de quatro pontas suspensa de sua roldana O feno caiacutea como a encosta duma montanha para a outra extremidade do celeiro e havia um lugar no nivel do chatildeo ainda natildeo ocupado pela nova colheita Dos lados ficavam as mangedouras
e entre as barras de cada um distinguiam-se as cabeccedilas dos cavalos (VERIacuteSSIMO 1940 164)
Numa das extremidades do grande estaacutebulo
jazia um alto monte de feno pendurada sobre ele suspensa de uma roldana via-se a forquilha mecacircnica de quatro pontas O feno descia como uma encosta de montanha ateacute o outro extremo do estaacutebulo havendo um local no chatildeo que ainda natildeo fora preenchido com a nova colheita Nas partes laterais ficavam as manjedouras podendo-se ver por entre suas barras as lustrosas cabeccedilas dos cavalos (CAMPELLO 1991 79)
EM UMA DAS EXTREMIDADES do grande celeiro
havia uma pilha alta de feno novo
e sobre a pilha estava pendurado pelo cabo o grande garfo de quatro dentes para recolher feno O monte caiacutea como a encosta de uma montanha do outro lado do celeiro onde havia um local nivelado que ainda natildeo tinha recebido a nova colheita Ao lado viam-se as manjedouras
e entre as taacutebuas as cabeccedilas dos cavalos (BAN 2005 116)
Nesse fragmento novamente a palavra barn de acordo com o contexto da
histoacuteria eacute um celeiro mas que tambeacutem serve em parte como estaacutebulo Assim Veriacutessimo
preocupa-se em dar essa explicaccedilatildeo (grande celeiro que em parte era tambeacutem estaacutebulo)
ausente no texto de partida Assim as duas tradutoras divergem entre si quanto ao vocaacutebulo
empregado estaacutebulo (Campello) e celeiro (Ban)
O sexto e uacuteltimo capiacutetulo retoma o cenaacuterio bucoacutelico do iniacutecio da obra em que a
natureza da regiatildeo da Califoacuternia onde a histoacuteria se passa eacute mostrada em seus aspectos mais
belos
The deep green pool of the Salinas River was still in the late afternoon Already the sun had left the valley to go climbing up the slopes of the Gabilan mountains and the hilltops were rosy in the sun But by the pool among the mottled sycamores a pleasant shade had fallen (STEINBECK sd 105)
A funda bacia verde do Rio Salinas estava muito parada naquele fim de tarde O sol jaacute havia deixado o vale para ir trepando pelas encostas das montanhas de Gabilan e os cumes dos outeiros estavam tocados duma luz rosada Junto do poccedilo poreacutem entre os sicocircmoros mosqueados havia caiacutedo uma sombra agradaacutevel (VERIacuteSSIMO 1940 195)
158
O profundo lago verde do rio Salinas estava imoacutevel naquele fim de tarde O sol jaacute abandonara o vale para escalar as encostas das montanhas Gabilan com seus cumes agora rosados pela luz Junto ao lago entretanto e por entre os sicocircmoros pintalgados descera uma agradaacutevel sombra (CAMPELLO 1991 93)
A LAGOA PROFUNDAMENTE verde do rio Salinas estava imoacutevel naquele fim de tarde O sol jaacute tinha deixado o vale para escalar as encostas das montanhas Gabilan e o topo das colinas estava rosado Mas ao lado da lagoa entre os plaacutetanos sarapintados uma sobra agradaacutevel tinha caiacutedo (BAN 2005 135)
A partir desses trechos traduzidos percebe-se uma diferenciaccedilatildeo linguumliacutestica natildeo
soacute no que diz respeito agraves escolhas feitas por cada tradutor mas tambeacutem no que diz respeito agrave
ortografia oficial da liacutengua portuguesa diferente para cada eacutepoca Isto se deve agraves reformas
ortograacuteficas que ocorreram no Brasil Dentre elas as de 1942 e 1971 compreendem o periacuteodo
das traduccedilotildees de Of mice and men utilizadas aqui como material de estudo as traduccedilotildees de
1940 de Eacuterico Veriacutessimo (revista e reeditada outras vezes em conformidade com a reforma
ortograacutefica de 1942 por exemplo numa publicaccedilatildeo de 1968 da Editorial Bruguera) de 1991
de Myriam Campello e de 2005 de Ana Ban Estas duas traduccedilotildees mais recentes apresentam
a ortografia oficial de 1971 ressalvadas as questotildees relacionadas com o dialeto dos
personagens A traduccedilatildeo de Veriacutessimo de 1940 eacute a que conteacutem mais diferenccedilas ortograacuteficas
em relaccedilatildeo agrave norma-padratildeo de 1971119 Aleacutem disso eacute claro normalmente se percebem
mudanccedilas que ocorrem de modo natural nas escolhas lexicais em virtude da passagem do
tempo e das idiossincrasias de cada tradutor
Assim por exemplo podem ser notadas diferenccedilas entre as traduccedilotildees como no
fragmento abaixo extraiacutedo do capiacutetulo 1 em que a diferenccedila mais notaacutevel eacute em relaccedilatildeo agrave
ortografia enquanto Campello e Ban grafam a preposiccedilatildeo sobre conforme a norma-padratildeo
atual Veriacutessimo usa essa palavra com um acento circunflexo (socircbre) conforme a norma-
padratildeo de seu tempo
over the yellow sands (STEINBECK sd 1)
por socircbre as areias amarelas (VERIacuteSSIMO 1940 6)
por sobre areias amarelas (CAMPELLO 19915)
sobre as areias amarelas (BAN 2005 11)
119 Eacute imprescindiacutevel lembrar que anda em curso uma uacuteltima reforma ortograacutefica da liacutengua portuguesa graccedilas a um acordo internacional entre os paiacuteses lusofocircnicos em vigor a partir de janeiro de 2009 Seus efeitos entretanto seratildeo mais perceptiacuteveis no decurso de um prazo mais longo no tempo o que natildeo se pode determinar com precisatildeo Por isso para as escritas e anaacutelises desta dissertaccedilatildeo seraacute tomada como referecircncia principal a reforma anterior ou seja a que foi publicada conforme a Lei nordm 5765 de 18 de dezembro de 1971 e que ainda hoje vigora (2009)
159
Espeacutecies de aacutervores citadas no capiacutetulo 1 por exemplo como willows e
sycamores (STEINBECK sd 1) tecircm nomes diferentes enquanto Veriacutessimo e Campello
traduzem willows por salgueiros Ban prefere chorotildees Quanto a sycamores a opccedilatildeo de
Veriacutessimo e de Campello eacute por sicocircmoros e a de Ban eacute por plaacutetanos
Outra diferenccedila de ortografia aparece no capiacutetulo 5 na traduccedilatildeo de feeding racks
(STEINBECK sd 89) que Veriacutessimo traduz por mangedoura escrita com g enquanto
Campello e Ban escrevem essa palavra com j
(manjedoura) conforme a ortografia oficial
vigente
52 A linguagem dos diaacutelogos
Quanto aos diaacutelogos escritos em itaacutelico nos exemplos abaixo Steinbeck procurou
adequar a linguagem ao perfil dos personagens habitantes da zona rural Trata-se de um
dialeto regional enquadrado numa variedade estigmatizada e que ao mesmo tempo eacute
coloquial e rude Entretanto cada um dos trecircs tradutores traz um tipo de linguagem diferente
em portuguecircs tratando o dialeto agrave sua proacutepria maneira como se vecirc no exemplo abaixo
retirado do primeiro capiacutetulo
Lennie he said sharply Lennie for God s sake don t drink so much Lennie continued to snort into the pool The small man leaned over and shook him by the shoulder Lennie You gonna be sick like you was
last night
( ) Tha s good
he said You drink some George You take a good big drink ( ) I ain t
sure it s good water he [George] said Looks kinda
scummy
(STEINBECK sd 2-3)
Lennie disse ecircle secamente
Lennie por amor de Deus natildeo bebas tanto assim O outro continuava a refocilar ruidosamente no poccedilo O camarada inclinou-se sobre ele e sacudiu-o pelos ombros
Lennie Vais ficar doente como na noite passada ()
Que coisa boa
disse ecircle
Bebe um pouco George Bebe um gole bem grande ()
Natildeo sei
se essa aacutegua eacute boa [disse George] Parece meio escumosa (VERIacuteSSIMO 1940 8-9)
Lennie
disse riacutespido
Lennie pelo amor de Deus natildeo bebe
tanto O outro continuou a resfolegar no lago O homem pequeno inclinou-se e sacudiu-o pelo ombro
Lennie vocecirc vai ficar doente que nem na noite passada () Taacute oacutetima Toma um pouco George Toma um bom gole ()
Natildeo sei se essa aacutegua eacute boa Parece meio espumosa (CAMPELLO 1991 6-7)
160
Lennie
disse com severidade
Lennie pelo amor de Deus num bebe tanto
assim Lennie continuou a beber ruidosamente O homenzinho se abaixou e o sacudiu pelo ombro
Lennie Ocecirc vai se sentir mal igual na noite passada () Foi bom disse Bebe um pouco George Bebe um golatildeo ()
Num sei
se essa aacutegua eacute boa
disse [George]
Parece meio cheia de lodo (BAN
2005 12-13)
A observaccedilatildeo desses fragmentos traduzidos permite concluir que a traduccedilatildeo de
Eacuterico Veriacutessimo utiliza uma variedade linguumliacutestica mais formal e que resulta em alteraccedilotildees
mais substanciais em relaccedilatildeo ao texto de partida pois apesar de conservar a coloquialidade
os efeitos da fala caracteriacutestica do texto em inglecircs satildeo suavizados ou perdidos Myriam
Campello por sua vez transforma essa linguagem numa variedade que embora permaneccedila
coloquial e menos formal que a de Veriacutessimo ainda assim soa mais educada do que a
linguagem escolhida por Steinbeck isto eacute os falantes parecem ter um niacutevel educacional maior
do que no texto de partida Ana Ban tenta conservar os efeitos do dialeto dos personagens
O maior grau de formalidade da traduccedilatildeo de Veriacutessimo pode ser vista por
exemplo na sua preferecircncia pelo uso dos verbos na segunda pessoa do singular - ()
Lennie por amor de Deus natildeo bebas
tanto assim - Lennie Vais ficar
doente ()
(VERIacuteSSIMO 1940 8-9) Campello por sua vez em lugar da segunda pessoa tu utiliza uma
forma mais popular vocecirc ou o verbo no imperativo bebe de uma bem comum de falar do
brasileiro em situaccedilotildees cotidianas informais mas que ainda constitui um meio-termo entre a
polidez de Veriacutessimo e a linguagem mais rude estigmatizada dos personagens de Steinbeck
() Lennie pelo amor de Deus natildeo bebe
tanto - Lennie vocecirc vai ficar
doente ()
(CAMPELLO 1991 6-7) Por fim Ban adota um dialeto caipira transformando vocecirc em ocecirc
- Lennie Ocecirc vai se sentir mal () (BAN 2005 12-13) O dialeto caipira utilizado por Ban
fica evidente tambeacutem pelo uso da palavra num em lugar de natildeo natildeo
(VERIacuteSSIMO 1940
8-9) natildeo (CAMPELLO 1991 6 7) num (BAN 2005 12-13)
No capiacutetulo 2 outra amostra da linguagem dos diaacutelogos eacute traduzida da seguinte
maneira
Tell you what
said the old swamper This here blacksmith
name of Whitey
was the kind of guy that would put that stuff around even if there wasn t no bugs
just to make sure see Tell you what he used to do () (STEINBECK sd 20)
- Vou lhe
dizer retorquiu o velho
Ecircsse ferreiro um tal Whitey era desses camaradas que usam inseticida ateacute quando natildeo haacute piolhos Soacute por precauccedilatildeo compreende Pois vou lhe
contar o que ecircle costumava fazer () (VERIacuteSSIMO 1940 40)
161
- Vou te
contar
disse o velho
Esse ferreiro um tal de Whitey era o tipo do
sujeito que espalhava esse negoacutecio por aiacute mesmo sem qualquer inseto Soacute por seguranccedila sabe Vou te
contar o que costumava fazer () (CAMPELLO 1991
20)
- Vocirc te dizecirc uma coisa
respondeu o velho ajudante Esse ferrero aiacute o nome dele
era Whitey era o tipo de sujeito que espalhava uns negoacutecio desses aiacute memo quando num tinha bicho nenhum soacute pra tecirc certeza sabe como eacute Vocirc te contaacute o que ele costumava fazecirc() (BAN 2005 33)
Nessas traduccedilotildees haacute uma inconsistecircncia por parte de Veriacutessimo que utiliza o
pronome obliacutequo lhe quando na verdade o pronome te ficaria em consonacircncia com a
tendecircncia desse tradutor em usar a segunda pessoa do singular
tu Isso se configura
portanto como um desvio da norma-padratildeo Campello e Ban por sua vez se valem do
pronome obliacutequo te natildeo por esse motivo mas por causa do uso comum da linguagem
coloquial brasileira que natildeo obriga a concordacircncia de te com tu Nesse caso te refere-se a
vocecirc (padratildeo utilizado por Campello) ou ocecirc (padratildeo utilizado por Ban) ou seja haacute tambeacutem
um desvio da norma-padratildeo mas que estaacute de acordo com a linguagem mais informal (oral)
escolhida pelas tradutoras
As traduccedilotildees dos recortes do capiacutetulo 3 abaixo revelam mais dados sobre
diferenccedilas de linguagem
He ain t no cuckoo said George He s dumb as hell but he ain t crazy An I ain t so bright neither or I wouldn t be buckin barley
for my fifty and found ( ) (STEINBECK sd 41)
- Natildeo ecircle natildeo eacute maluco
replicou George
Eacute imbecil como um burro mas natildeo eacute louco E eu tambeacutem natildeo sou tatildeo vivo pois si fosse natildeo estava carregando cevada
por cincoenta doacutelares e mais a comida () (VERIacuteSSIMO 1940 78-79)
- Ele natildeo eacute maluco
disse George
Eacute bastante imbecil mas natildeo eacute maluco E eu tambeacutem natildeo sou tatildeo esperto assim ou natildeo iria carregar cevada
por cinquumlenta pacotes e mais a comida () (CAMPELLO 1991 38)
- Ele num eacute tonto
George disse
Ele eacute burro feito uma porta mas num eacute loco E eu tambeacutem num socirc tatildeo isperto assim se natildeo num ia taacute aqui carregando cevada
pra ganhaacute cinquumlenta pau e a comida () (BAN 2005 59)
Nessas traduccedilotildees percebe-se com bastante clareza que Veriacutessimo tambeacutem utiliza
uma linguagem coloquial Na passagem pois si fosse natildeo estava
carregando cevada ()
(VERIacuteSSIMO 1940 78-79) a expressatildeo natildeo estava natildeo segue a norma-padratildeo pois o
verbo conjugado no preteacuterito imperfeito do indicativo deveria ser colocado no futuro do
preteacuterito ( natildeo estaria ) Tal coloquialismo no entanto somente provoca um decreacutescimo no
162
grau de formalidade expressa por Veriacutessimo natildeo constituindo essa linguagem ainda um
padratildeo estigmatizado Campello desta vez apresenta uma linguagem mais formal seguindo a
norma-padratildeo Jaacute Ban continua apresentando regularidade quanto ao dialeto que escolheu
Em outro exemplo no capiacutetulo 4 o niacutevel coloquial do texto de partida se
apresenta principalmente pelo uso de expressotildees idiomaacuteticas o tom (expressando ironia)
aleacutem da fala tiacutepica dos personagens em seu dialeto estigmatizado da liacutengua inglesa
Sure
I ve gotta
husban You all seen him Swell guy ain t he
Spends all his time sayin what he s gonna do to guys he don t like and he don t like nobody ( ) Say
what happened to Curley s han ( ) (STEINBECK sd 82)
- Claro
que tenho marido Todos sabem Um homem formidaacutevel natildeo eacute
Passa todo o tempo dizendo o que vai fazer com os tipos que ecircle tem raiva e ecircle natildeo gosta de ningueacutem () Escutem o que eacute que o Crespinho tem na matildeo (VERIacuteSSIMO 1940 151-153)
- Claro que tenho marido
Todos vocecircs jaacute viram Sujeito formidaacutevel natildeo eacute
Passa o tempo todo dizendo o que vai fazer com os caras que detesta E ele detesta todo mundo ()
Me digam o que que houve com a matildeo do Curley (CAMPELLO 1991 73)
- Eacute claro que eu tenho marido
Oceis tudo jaacute viu ele Ele eacute um bom sujeito neacute Passa o tempo todo falando o que eacute que ele vai fazecirc com os sujeito que ele num gosta E ele num gosta de ningueacutem () Diz uma coisa o que foi que aconteceu co a matildeo do Curley (BAN 2005 108)
Assim a expressatildeo Sure I ve gotta
husban
(ou Sure I ve got a
husband)
encontra nas suas trecircs traduccedilotildees muita semelhanccedila - Claro que tenho marido
(Veriacutessimo)-
- Claro que tenho marido
(Campello) - Eacute claro que eu tenho marido
(Ban) Uma das
diferenccedilas fica por conta do ponto de exclamaccedilatildeo utilizado por Campello enquanto que
Veriacutessimo e Ban usam um ponto O ponto de exclamaccedilatildeo confere mais expressividade
denotando o humor ou estado psicoloacutegico da personagem
entretanto ele estaacute ausente no
texto de partida A expressatildeo idiomaacutetica Swell guy ain t he caracteriacutestica pelo uso do
adjetivo swell de uso informal ou antigo conforme Hornby (2000 1369) e o desvio da
norma-padratildeo ain t (contraccedilatildeo do verbo to be + not) revela pelo contexto uma ironia
traduzida assim - Um homem formidaacutevel natildeo eacute
(Veriacutessimo) - Sujeito formidaacutevel natildeo
eacute (Campello) - Ele eacute um bom sujeito neacute (Ban) Nessas traduccedilotildees a ironia eacute mantida
O seguinte exemplo retirado do capiacutetulo 1 serve para ilustrar como os pronomes
satildeo traduzidos
163
The hell with what I says You remember about us goin into Murray and Ready s
and they give us work cards and bus tickets
(STEINBECK sd 5)
- Diabo Pouco importa o que eu disse Tu te lembras que fomos agrave casa de Murray e Ready e que nos deram cartotildees de trabalho e passagens de ocircnibus
(VERIacuteSSIMO
1940 12)
- Que se dane o que eu disse Lembra
que a gente foi na casa de Murray e Ready e eles deram pra noacutes cartotildees de trabalho e passagens de ocircnibus (CAMPELLO 1991 8)
- Que se dane o que eu disse Ocecirc lembra
que a gente entrou no escritoacuterio do Murray e do Ready e que eles deu pra gente uns cartatildeo de trabaio e umas passagem de ocircnibus (BAN 2005 16)
Novamente se observa a preferecircncia de Veriacutessimo pelo pronome tu regendo o
verbo
Tu te lembras () o que eacute uma marca incomum na oralidade da liacutengua
portuguesa e tambeacutem em termos dos personagens de Steinbeck Jaacute Campello estrutura a
oraccedilatildeo deixando impliacutecito o sujeito vocecirc por causa da regecircncia do verbo lembra ( vocecirc
lembra ) Ban prefere colocar o sujeito expresso por ocecirc mantendo-se consistente com a
sua proposta de estilo
Nesse mesmo capiacutetulo outros exemplos ilustram o uso de pronomes nas seguintes
traduccedilotildees
Uh-huh Jus a dead mouse George I didn t kill it Honest I found it I found it dead
(STEINBECK sd 5)
- Ahaacute Soacute um rato morto George Natildeo fui eu que matei Palavra Achei ecircle Achei ecircle
morto
(VERIacuteSSIMO 1940 14)
- Hatilde-hatilde Soacute um rato morto George Eu natildeo matei ele juro Jaacute tava morto Encontrei ele morto (CAMPELLO 1991 8)
- Natildeo Soacute um rato morto George num fui eu que matou Seacuterio Eu achei Achei morto (BAN 2005 16)
Veriacutessimo usa o tom coloquial e pratica desvios da norma-padratildeo como no caso
do uso de pronomes do caso reto como objeto direto ( Achei ecircle ) Campello repete essa
estrutura (ao escolher natildeo matei ele ao inveacutes de natildeo o matei ) e ao usar o verbo tava
em lugar de estava assinala o tom coloquial Ban apesar de natildeo repetir essa mesma
estrutura sintaacutetica (ela decide por que matou achei morto ) conserva o estilo do dialeto
caipira ao usar as palavras num em lugar de natildeo
164
521 O dialeto dos personagens
O dialeto do texto de partida nos diaacutelogos apresenta relativa uniformidade ou
regularidade conforme o uso individual dos personagens Isso demonstra a preocupaccedilatildeo de
Steinbeck com uma espeacutecie de identidade de classe (trabalhadores humildes oprimidos e de
baixa escolaridade) representando uma fala tiacutepica localizada em um tempo (deacutecada de 1930)
e espaccedilo especiacuteficos (regiatildeo rural da cidade de Soledad Califoacuternia
Estados Unidos)
Steinbeck de modo geral natildeo coloca ou explora muito eventuais diferenccedilas linguumliacutesticas
individuais dos personagens de Of mice and men Trata-se de um registro linguumliacutestico que
apresenta variaccedilotildees de tom como qualquer manifestaccedilatildeo da liacutengua oral No caso as variaccedilotildees
de tom perceptiacuteveis por exemplo pelo uso de sinais de pontuaccedilatildeo pela segmentaccedilatildeo ou
interrupccedilatildeo do texto ou ainda pelo uso do itaacutelico como em oscilaccedilotildees de humor ou outros
estados momentacircneos dos personagens como a) irritaccedilatildeo b) hesitaccedilatildeo c) entusiasmo d)
duacutevida
a) irritaccedilatildeo
Exemplo I (Capiacutetulo 1)
( ) Jes a little stretch
God-damn near four miles that s what it was ( ) (STEINBECK sd 4)
- () Soacute mais uma puxadinha Uma ova Quase quatro milhas isso eacute que eacute () (VERIacuteSSIMO 1940 10)
- () Soacute uma esticadinha
Seis quilocircmetros desgraccedilados isso sim () (CAMPELLO 1991 7)
- () Soacute uma caminhadinha curtinha
Que diabo foi mais de seis quilocircmetro isso sim () (BAN 2005 14)
No fragmento acima o discurso indireto marcado no texto de partida pela
expressatildeo Jes a little stretch
entre aspas normais revela certo inconformismo do
personagem George imitando a fala de outro personagem do romance
um motorista de
ocircnibus que lhe deu uma informaccedilatildeo errada As palavras a little stretch encontram nas trecircs
traduccedilotildees o recurso do diminutivo pelo sufixo inha bem caracteriacutestico do portuguecircs uma
puxadinha (Veriacutessimo) uma esticadinha (Campello) uma caminhadinha
curtinha (Ban)
165
Apenas se nota entre os trecircs tradutores que a soluccedilatildeo de Ban eacute um pouco mais longa e por
isso eacute menos direta talvez soando um pouco menos natural para a fala mais comum do
brasileiro normalmente raacutepida e sinteacutetica em situaccedilotildees semelhantes
Segue-se em discurso direto uma imprecaccedilatildeo que deixa clara a irritaccedilatildeo do
personagem George God-damn near four miles that s what it was De forma geral as trecircs
traduccedilotildees mantecircm esse tom de irritaccedilatildeo mesmo havendo escolhas diferentes por exemplo ao
se comparar as expressotildees Uma ova (Veriacutessimo) desgraccedilados (Campello) Que diabo
(BAN 2005 14) semanticamente similares nesse contexto A imprecisatildeo das medidas de
distacircncia
Quase quatro milhas
(Veriacutessimo) Seis quilocircmetros
(Campello) mais de seis
quilocircmetro
(Ban)
natildeo afeta significativamente a mensagem dos textos pois o mais
importante nesse trecho parece ser a manutenccedilatildeo do tom expresso pelo texto de partida
Apenas se observa que Veriacutessimo estrangeiriza ao utilizar a palavra milhas enquanto que as
outras tradutoras preferem domesticar com a referecircncia a quilocircmetros
Exemplo II (Capiacutetulo 2)
You was pokin your big ears
into our business George said I don t like nobody to get nosey (STEINBECK sd 25)
- Natildeo vocecirc estava escutando o que diziacuteamos insistiu George Natildeo gosto de gente curiosa (VERIacuteSSIMO 1940 50)
- Vocecirc tava pondo o nariz
onde natildeo eacute chamado
disse George
E eu natildeo gosto de gente abelhuda (CAMPELLO 1991 25)
- Ocecirc tava metendo as orelhona nos nosso assunto George disse Num gosto nem um poco de gente inxerida (BAN 2005 40)
O tom de irritaccedilatildeo novamente se conserva nas traduccedilotildees Veriacutessimo entretanto
ameniza um pouco esse tom ao traduzir numa linguagem menos agressiva que as escolhas de
Campello e Ban pokin your big ears
(Steinbeck) escutando (Veriacutessimo) pondo o nariz
(Campello) metendo as orelhona (Ban)
b) hesitaccedilatildeo
Exemplo I (Capiacutetulo 1)
166
Why sure George I remember that but what d we do then I remember some
girls come by and you says you says (STEINBECK sd 5)
- Claro George claro que me lembro mas que foi que a gente fez depois Eu me lembro dumas moccedilas que passaram e tu disseste tu disseste (VERIacuteSSIMO 1940 12)
- Ora George claro que eu lembro daquilo mas o que que a gente fez depois Lembro que algumas garotas chegaram e vocecirc disse vocecirc disse (CAMPELLO 1991 8)
- Mas claro que sim George lembro sim mas o que foi memo que a gente fez depois Lembro de umas moccedila que passocirc e ocecirc disse ocecirc disse (BAN 2005 15)
Nesse trecho os trecircs tradutores conforme o texto de partida marcam a hesitaccedilatildeo
de Lennie com reticecircncias A coloquialidade se manifesta em graus diferentes (em parte
por causa dos dialetos utilizados em cada traduccedilatildeo) variando do tom mais formal de
Veriacutessimo ao mais informal de Ban O tom coloquial eacute principalmente marcado pelo uso
de a gente nas trecircs traduccedilotildees
Exemplo II (Capiacutetulo 2)
Why he just quit the way a guy will (STEINBECK sd 20)
- Pois o homem foi embora quero dizer foi embora bem como os outros (VERIacuteSSIMO 1940 40)
- Ora ele foi embora pronto do mesmo modo que qualquer sujeito vai (CAMPELLO 1991 21)
- Sei laacute ele soacute pego e foi imbora do jeito que uns home vai (BAN 2005 33)
No exemplo II acima observa-se novamente o emprego das reticecircncias marcando
a hesitaccedilatildeo nas trecircs traduccedilotildees Nesse ponto a traduccedilatildeo de Veriacutessimo expressa um registro
mais formal em relaccedilatildeo agrave sua traduccedilatildeo apresentada no Exemplo I devido principalmente ao
uso de expressotildees mais relacionadas agrave linguagem escrita do portuguecircs brasileiro (quando na
verdade o texto de partida se refere a personagens humildes da zona rural numa conversa
rotineira do dia-a-dia segundo seu ambiente habitual) pois o homem quero dizer As
duas tradutoras mantecircm a tendecircncia do tom coloquial
167
c) entusiasmo
Exemplo I (Capiacutetulo 1)
Lennie broke in But not us An why Because because I got you to look after me and you got me to look after you and that s why
He laughed delightedly () (STEINBECK sd 14)
- Mas conosco eacute diferente
interrompeu Lennie
E por quecirc Porque porque eu tenho a ti pra cuidar de mim e tu tens a mim pra cuidar de ti por isso
Soltou uma gargalhada de prazer () (VERIacuteSSIMO 1940 30)
- Mas noacutes natildeo
interrompeu Lennie
E por quecirc Porque porque eu tenho vocecirc pra tomar conta de mim e vocecirc me tem pra tomar conta de vocecirc eacute por isso
Riu encantado () (CAMPELLO 1991 16)
Lennie interrompeu - Mas isso num vai acontece co a gente E por quecirc Porque porque eu tenho ocecirc pra cuidaacute de mim e ocecirc tem eu pra cuidaacute d ocecirc e eacute por isso
riu de tanta alegria () (BAN 2005 27)
Os elementos graacuteficos (itaacutelico negrito) e os sinais de pontuaccedilatildeo (exclamaccedilatildeo e
interrogaccedilatildeo) tecircm um papel importante neste exemplo revelando o entusiasmo ou alegria de
Lennie Assim enquanto Veriacutessimo utiliza o negrito na sua traduccedilatildeo as tradutoras Campello e
Ban preferem o itaacutelico O efeito produzido por cada traduccedilatildeo eacute bastante similar e independe
da escolha por itaacutelico ou negrito O mesmo pode ser dito em relaccedilatildeo ao uso das exclamaccedilotildees e
interrogaccedilotildees sem diferenccedilas aparentes em cada uma das trecircs traduccedilotildees O niacutevel da
linguagem das traduccedilotildees apresenta constacircncia conforme explanaccedilotildees anteriores variando do
registro mais formal de Veriacutessimo ( eu tenho a ti ) mediano de Campello ( eu tenho vocecirc )
e baixo estigmatizado de Ban ( eu tenho ocecirc )
Exemplo II (Capiacutetulo 3)
Jesus Christ I bet we could swing her His eyes were full of wonder (STEINBECK sd 63)
- Jesuacutes Cristo Acho que podemos comprar a chaacutecara
Seus olhos estavam cheios de admiraccedilatildeo (VERIacuteSSIMO 1940 117)
- Puxa Aposto que a gente podia segurar o siacutetio
Seus olhos estavam cheios de assombro (CAMPELLO 1991 56)
168
- Jesus Cristo Aposto memo que dava pra seguraacute ela
Seus olhos estavam cheios
de maravilhamento (BAN 2005 85)
Neste exemplo Jesuacutes Cristo (Veriacutessimo) Puxa (Campello) Jesus Cristo
satildeo escolhas que podem produzir o mesmo efeito a despeito da diferenccedila entre as expressotildees
Nota-se que Veriacutessimo grafa Jesuacutes com acento agudo assinalando a ortografia de sua
eacutepoca (1940) As exclamaccedilotildees utilizadas pelos trecircs tradutores na mesma situaccedilatildeo revelam a
surpresa e a satisfaccedilatildeoentusiasmo de George ao vislumbrar a possibilidade de realizar seu
sonho compartilhado por Lennie (adquirir uma pequena propriedade rural e levar uma vida
independente e feliz) Escolhas tradutoacuterias diferentes podem ser percebidas principalmente
em chaacutecara (Veriacutessimo) siacutetio (Campello) ela
(Ban) que natildeo revelam a mesma coisa
para a cultura brasileira em termos de propriedades rurais No caso de Ban a escolha por
ela natildeo deixa niacutetido a que tal palavra se refere entretanto isso estaacute de acordo com o texto
de partida ( her )
d) duacutevida
Exemplo I (Capiacutetulo 4)
Then if you know why you want to ast us where Curley is at (STEINBECK sd 81)
- Se sabe entatildeo retrucou o velho varredor por que vem nos perguntar onde estaacute o Crespinho (VERIacuteSSIMO 1940 150)
- Se sabe por que que taacute perguntando (CAMPELLO 1991 72)
- Entatildeo se a sinhora sabe por que eacute que a sinhora veio ateacute aqui perguntaacute pra gente se a gente sabe onde que o Curley taacute (BAN 2005 107)
Natildeo haacute dificuldade em se perceber a expressividade do ponto de interrogaccedilatildeo
expressando sua caracteriacutestica essencial a pergunta a duacutevida Nesse caso os trecircs tradutores
deixam isso bem marcado de modo bem similar ao texto de partida Outra vez o que mais
conta neste exemplo satildeo os diferentes dialetos de cada um dos trecircs tradutores reforccedilando a
tendecircncia jaacute mencionada anteriormente (do niacutevel mais formal em Veriacutessimo mediano em
Campello ateacute a liacutengua estigmatizada utilizada por Ban)
169
Exemplo II (Capiacutetulo 6)
Now what the hell ya suppose is eatin them two guys
(STEINBECK sd 113)
- Que diabo de bicho teraacute mordido aqueles dois camaradas (VERIacuteSSIMO 1940
209)
- O que seraacute que taacute roendo esses caras (CAMPELLO 1991 100)
- Caramba o que eacute qu ocecirc acha que eacute o problema desses dois aiacute (BAN 2005 145)
Neste uacuteltimo exemplo o texto de partida expressa algo mais do que a mera
duacutevida Trata-se de uma fala do personagem Carlson no final da obra que revela sua
indiferenccedila em relaccedilatildeo agrave morte de Lennie pela accedilatildeo de George numa cena em que Slim
consola George As trecircs traduccedilotildees manteacutem esse sentido apesar das escolhas serem diferentes
notadamente pelas expressotildees Que diabo de bicho () (Veriacutessimo) O que seraacute ()
(Campello) Caramba o que qu ocecirc acha que eacute o problema () (Ban)
O que foi dito a respeito do tom que foi relativamente mantido nos exemplos
acima mencionados todavia natildeo se aplica de forma plena quando o assunto eacute o dialeto dos
personagens Percebe-se nitidamente a falta de paralelismo entre as caracteriacutesticas do dialeto
inglecircs utilizado e as caracteriacutesticas dos dialetos da liacutengua portuguesa utilizados nas traduccedilotildees
Isso seraacute demonstrado com exemplos quando algumas caracteriacutesticas do dialeto vernacular
ou estigmatizado estadunidense presentes no dialeto dos personagens de Of mice and men satildeo
destacadas ao lado das traduccedilotildees em portuguecircs Essas caracteriacutesticas seratildeo divididas em sete
grupos a saber a) formas verbais regularizadas como na terceira pessoa do singular b) uso
generalizado da terceira pessoa do singular no passado simples do verbo to be como padratildeo
c) terceira pessoa do singular com o auxiliar do regularizado d) a dupla negativa e) omissatildeo
do verbo to have como auxiliar do present perfect f) uso de verbos irregulares no passado
simples como se fossem regulares g) a reduccedilatildeo de palavras quando faltam letras ou no seu
iniacutecio ou meio ou fim
a) Formas verbais regularizadas como na terceira pessoa do singular
Exemplo I (Capiacutetulo 1)
170
The hell with what I says () (STEINBECK sd 5) (I say)
- Diabo Pouco importa o que eu disse ( ) (VERIacuteSSIMO 1940 12)
- Que se dane o que eu disse () (CAMPELLO 1991 8)
- Que se dane o que eu disse ( ) (BAN 2005 16)
Exemplo II (Capiacutetulo 1)
() I remember some girls come by and you says you says
(STEINBECK
sd 5) (you say)
- () Eu me lembro dumas moccedilas que passaram e tu disseste tu disseste
(VERIacuteSSIMO 1940 12)
- () Lembro que algumas garotas chegaram e vocecirc disse vocecirc disse
(CAMPELLO 1991 8)
- () Lembro de umas moccedila que passocirc e ocecirc disse ocecirc disse (BAN 2005 15)
As irregularidades apontadas nos verbos em I says e you says natildeo encontram
similaridade em portuguecircs Normalmente o verbo correspondente a to say (dizer) se conjuga
assim eu disse tu dissestevocecirc disse eleela disse noacutes dissemos voacutes dissestesvocecircs
disseram eleselas disseram Mesmo que haja algum tipo de desvio dessas formas nunca
haveraacute simetria ou similaridade do portuguecircs em relaccedilatildeo agrave caracteriacutestica em inglecircs do uso
regularizado da terceira pessoa referindo-se agrave primeira pessoa do singular (I) e agrave segunda
pessoa do singular (you) conforme os exemplos
Desta feita eacute impossiacutevel transmitir em portuguecircs o efeito dos verbos em inglecircs na
terceira pessoa do singular com esse uso generalizado para todas as pessoas As traduccedilotildees
acima apenas revelam conforme cada caso variaccedilotildees linguumliacutesticas que vatildeo desde o niacutevel mais
formal (ainda que apresente em dados momentos caracteriacutesticas da oralidade e da fala
coloquial) utilizado por Veriacutessimo passando pela liacutengua essencialmente coloquial utilizada
por Campello ateacute chegar ao niacutevel da liacutengua estigmatizada a opccedilatildeo de Ana Ban 120
b) Uso generalizado da terceira pessoa do singular no passado simples do verbo to be como
padratildeo
Exemplo I (Capiacutetulo 1)
120 Essa tendecircncia por parte dos tradutores do niacutevel mais formal para o coloquial ateacute chegar ao niacutevel do dialeto estigmatizado se confirma em todos os exemplos utilizados a partir de Of mice and men segundo a preferecircncia de Egraverico Veriacutessimo (1940) Myriam Campello (1991) e Ana Ban (2005) respectivamente
171
They was
so little ( )
(STEINBECK sd 10) (they were)
- Ecircles eram tatildeo pequenos ( ) (VERIacuteSSIMO 1940 22)
- Eram tatildeo pequenos () (CAMPELLO 1991 12)
- Eles era tatildeo pequenininho ( ) (BAN 2005 22)
Exemplo II (Capiacutetulo 2)
( ) Says we was
here when we wasn t ( )
(STEINBECK sd 22) (we werewe
weren t)
- () Disse que estaacutevamos perto da fazenda e natildeo estaacutevamos () (VERIacuteSSIMO
1940 44)
- () Disse que a gente tava perto e era mentira () (CAMPELLO 1991 22)
- () Ele disse que jaacute tava perto mais num tava () (BAN 2005 36)
O verbo na terceira pessoa do singular generalizado para todas as pessoas tanto
do singular quanto do plural eacute um fenocircmeno anaacutelogo em portuguecircs As formas do verbo to be
em inglecircs no passado simples em conformidade com a norma-padratildeo (singular I was you
were hesheit was plural we were you were they were) como os exemplos mostram satildeo
unificadas somente pela forma was constituindo um desvio caracteriacutestico do dialeto de Of
mice and men Tal desvio pode ser transferido para o portuguecircs estigmatizado eu era tuvocecirc
era eleela era noacutesa gente era vocecircs era (o pronome voacutes natildeo eacute de uso comum na liacutengua
estigmatizada ou coloquial) eleselas era
Outro significado atribuiacutedo ao verbo to be eacute estar que no preteacuterito imperfeito
assume as formas eu estava tu estavasvocecirc estava eleela estava noacutes estaacutevamos voacutes
estaacuteveisvocecircs estavam eleselas estavam que pode na liacutengua estigmatizada ou coloquial
assumir a uacutenica forma tava (eu tava vocecirc tava vocecircs tava etc) A uacutenica diferenccedila entre o
inglecircs e o portuguecircs ficaria por conta dos pronomes pessoais do caso reto em inglecircs eles satildeo
imutaacuteveis ou seja as formas baacutesicas I you hesheit we you they permanecem constantes na
transposiccedilatildeo para o inglecircs estigmatizado Em portuguecircs ao contraacuterio os pronomes vocecirc noacutes e
vocecircs podem se constituir de outras maneiras na linguagem estigmatizada num acircmbito geral
que se refere agrave meacutedia comumente encontrada nas variedades do portuguecircs brasileiro
172
Norma-padratildeo Desvios
Singular
Eu
oslash
Tu
oslash
Vocecirc
ocecirccecirc
Ele
oslash
Ela
oslash
Norma-padratildeo Desvios
Plural
Noacutes
noacuteisa gente
Voacutes
oslash
Vocecircs
ocecirciscecircis
Eles
oslash
Elas
oslash
Apesar dessas possibilidades Veriacutessimo (1940) Campello (1991) e Ban (2005)
adotam posturas divergentes tanto no que diz respeito ao uso do verbo serestar no passado
quanto ao uso formas pronominais em suas traduccedilotildees
Exemplo I (Capiacutetulo 1)
They was
so little ( )
(STEINBECK sd 10)
- Ecircles
eram
tatildeo pequenos ( ) (VERIacuteSSIMO 1940 22)
- Eram tatildeo pequenos () (CAMPELLO 1991 12)
- Eles era
tatildeo pequenininho ( ) (BAN 2005 22)
Exemplo II (Capiacutetulo 2)
( ) Says we was here when we wasn t ( )
(STEINBECK sd 22)
- () Disse que estaacutevamos
perto da fazenda e natildeo estaacutevamos () (VERIacuteSSIMO
1940 44)
- () Disse que a gente tava perto e era mentira () (CAMPELLO 1991 22)
- () Ele disse que jaacute tava perto mais
num
tava () (BAN 2005 36)
A opccedilatildeo pela linguagem mais formal utilizada por Veriacutessimo em suas traduccedilotildees
tende a omitir os pronomes ou quando eles satildeo utilizados as suas formas obedecem ao
portuguecircs padratildeo que satildeo seguidas de formas verbais natildeo desviantes
As soluccedilotildees de Campello transmitem natildeo exatamente a liacutengua estigmatizada mas
a coloquial estampada por exemplo pelo uso do pronome a gente em vez de noacutes Os verbos
ser e estar dependendo do caso assumem suas formas padratildeo ou natildeo padratildeo (nos exemplos
eram como na norma-padratildeo e tava em lugar de estava)
173
Jaacute a tradutora Ana Ban procura marcar o dialeto com desvios de concordacircncia do
verbo com o sujeito ou utilizando a forma verbal tava em lugar de estava A configuraccedilatildeo
desse dialeto fica mais evidente ainda quando a conjunccedilatildeo adversativa mas se transforma em
mais e o adveacuterbio de negaccedilatildeo natildeo se adultera em num
c) Terceira pessoa do singular com o verbo to do (como auxiliar) regularizado
Exemplo I (Capiacutetulo 2)
( ) A guy on a ranch don t
never listen nor he don t
ast no questions
(STEINBECK sd 25) (A guy doesn the doesn t)
- () Numa fazenda a gente natildeo escuta o que os outros dizem nem anda fazendo perguntas (VERIacuteSSIMO 1940 50)
- () Quem trabalha numa fazenda nunca ouve nada nem faz perguntas (CAMPELLO 1991 25)
- () A gente aqui na fazenda nunca ouve nada nem faiz nenhuma pergunta (BAN 2005 40)
Exemplo II (Capiacutetulo 4)
Oh she don t
care (STEINBECK sd 73)
- Ora a cadela deixa (VERIacuteSSIMO 1940 134)
- Ah ela natildeo se importa (CAMPELLO 1991 65)
- Ah ela num taacute nem aiacute (BAN 2005 96)
O verbo auxiliar do natildeo encontra par ou similar na liacutengua portuguesa e acontece
como fenocircmeno gramatical exclusivo da liacutengua inglesa Este eacute um argumento que pode servir
para entender que o tradutor muitas vezes natildeo pode seguir o texto de partida palavra por
palavra mas sim tomar o sentido da liacutengua de partida pelo sentido na liacutengua de chegada Por
isso mesmo o problema da generalizaccedilatildeo do verbo auxiliar do para todas as pessoas verbais
(a terceira pessoa do singular acompanha normalmente a forma does) eacute intransponiacutevel para o
portuguecircs no niacutevel da palavra em si mesma Se for levado em conta o sentido pelo sentido
tambeacutem natildeo haacute soluccedilatildeo possiacutevel que possibilite a identificaccedilatildeo dessa marca dialetal inglesa
para outra em portuguecircs
174
d) A dupla negativa
Exemplo I (Capiacutetulo 1)
They don t belong no place (STEINBECK sd 14)
- Natildeo pertencem a nenhum lugar (VERIacuteSSIMO 1940 29 30)
- Natildeo pertencem a lugar nenhum (CAMPELLO 1991 15)
- Essa gente num pertence a lugaacute nenhum (BAN 2005 27)
Exemplo II (Capiacutetulo 2)
I won t get in no
trouble George (STEINBECK sd 16)
- Natildeo vou me meter em enrascadas George (VERIacuteSSIMO 1940 34)
- Natildeo vou me meter em confusatildeo George (CAMPELLO 1991 17)
- Eu num vocirc me metecirc em confusatildeo nenhuma George (BAN 2005 29)
Exemplo III (Capiacutetulo 2)
( ) A guy
on a ranch don t
never
listen nor he don t
ast no
questions
(STEINBECK sd 25) (A guy doesn the doesn t)
- () Numa fazenda a gente natildeo escuta o que os outros dizem nem anda fazendo perguntas (VERIacuteSSIMO 1940 50)
- () Quem trabalha numa fazenda nunca ouve nada nem faz perguntas (CAMPELLO 1991 25)
- () A gente aqui na fazenda nunca ouve nada nem faiz nenhuma pergunta (BAN 2005 40)
A dupla negativa outro desvio da norma-padratildeo da liacutengua inglesa tambeacutem eacute um
fenocircmeno que natildeo encontra similaridade na liacutengua portuguesa A caracterizaccedilatildeo do dialeto
estigmatizado a exemplo do que fez Ban no exemplo III se vale de outros recursos pela
coloquialidade expressa pela locuccedilatildeo pronominal a gente e a sonoridade popular do verbo
fazer na terceira pessoa do singular resultante em faiz em lugar de faz
e) Omissatildeo do verbo to have como auxiliar do present perfect
Exemplo I (Capiacutetulo 1)
175
I been
mean ain t I (STEINBECK sd 13) (I ve been)
- Fui mesquinho contigo hein (VERIacuteSSIMO 1940 28)
- Fui mau natildeo eacute (CAMPELLO 1991 15)
- Eu fui mau neacute (BAN 2005 26)
Exemplo II (Capiacutetulo 2)
I seen her give Slim the eye (STEINBECK sd 29)
- Eu vi ela namorar o Magro (VERIacuteSSIMO 1940 57)
- Eu vi ela lanccedilando olhares pro Slim (CAMPELLO 1991 28)
- Jaacute vi ela olhando pro Slim (BAN 2005 45)
Exemplo III (Capiacutetulo 5)
I done
a bad thing (STEINBECK sd 97)
- Fiz uma coisa ruim (VERIacuteSSIMO 1940 179)
- Fiz uma coisa ruim (CAMPELLO 1991 85)
- Eu fiz otra coisa ruim () (BAN 2005 125)
Em inglecircs o present perfect caracteriza-se pela estrutura sujeito + have + verbo
principal no particiacutepio passado O exemplo acima I been mean deveria seguir a forma I have
been mean ou com contraccedilatildeo do sujeito com o verbo auxiliar I ve been mean Trata-se de um
tempo verbal que pode expressar uma accedilatildeo realizada num passado indeterminado
estendendo-se ao tempo presente de modo diferente do simple past (passado simples) que
expressa uma accedilatildeo concluiacuteda num tempo definido Percebe-se aqui pelas traduccedilotildees que natildeo
haacute em portuguecircs como expressar essa caracteriacutestica sem par do present perfect o resultado
das traduccedilotildees parece soar como se o tempo verbal no inglecircs tivesse sido o simple past
Haacute portanto pelo menos duas incompatibilidades entre as duas liacutenguas
demonstradas no exemplo selecionado a primeira diz respeito agrave impossibilidade em
portuguecircs de se expressar a mesma caracteriacutestica do present perfect
seja na estrutura frasal
seja no significado preciso a segunda estaacute relacionada com a natildeo correspondecircncia do desvio
do inglecircs padratildeo ao portuguecircs palavra por palavra Em todas as trecircs traduccedilotildees portanto haacute o
apagamento dessa marca dialetal do inglecircs estigmatizado
176
f) A regularizaccedilatildeo de verbos irregulares no passado simples
Exemplo I (Capiacutetulo 5)
- I think I knowed
from the very first I think I knowed
we d never do her
()
(STEINBECK p 100) (knew)
- Acho que eu sabia desde o princiacutepio Sabia que a gente nunca ia conseguir aquilo
() (VERIacuteSSIMO 1940 185)
- Acho que eu sabia desde o iniacutecio ()
Acho que eu sabia que a gente nunca ia conseguir () (CAMPELLO 1991 88)
- Acho que eu jaacute sabia desde o comeccedilo Acho que eu sempre soube que nunca ia acontececirc () (BAN 2005 129)
Neste caso tambeacutem natildeo haacute como reproduzir em portuguecircs essa caracteriacutestica
verbal peculiar do inglecircs estigmatizado O uacutenico recurso se a intenccedilatildeo for traduzir o texto
literaacuterio em dialeto estigmatizado para outro dialeto estigmatizado na liacutengua de chegada eacute
trazer outras caracteriacutesticas dessa linguagem que natildeo espelham necessariamente as
caracteriacutesticas da liacutengua de partida Percebe-se certo paralelismo ou proximidade entre as
traduccedilotildees de Veriacutessimo e Campello no que diz respeito por exemplo agrave locuccedilatildeo a gente que
revela informalidade na fala Ban apesar de natildeo usar esse mesmo recurso transmite algo mais
do que a coloquialidade o verbo acontecer na terceira pessoa do singular grafado como
acontececirc caracteriza o falar do povo humilde de baixa escolaridade
g) A reduccedilatildeo de palavras quando faltam letras ou no seu iniacutecio ou meio ou fim
Por omissatildeo de letras no iniacutecio das palavras pelo exemplo retirado do Capiacutetulo 5
( ) I guess we gotta get im
an lock im up () (STEINBECK sd 99) (him)
- () Acho que temos de agarrar ecircle e prender () (VERIacuteSSIMO 1940 183)
- () Acho que a gente tem de pegar ele e prender () (CAMPELLO 1991 88)
- () Acho que a gente precisa pegaacute ele e mandaacute prendecirc () (BAN 2005 128
129)
Os tradutores natildeo se preocuparam em manter essa caracteriacutestica Quiseram sim
revelar a informalidadecoloquialidade ou desvio da norma-padratildeo por meio do uso de um
pronome como objeto direto conquanto o emprego normatizado dessa palavra (ele) deve ser
177
na funccedilatildeo de sujeito em posiccedilatildeo anterior ao verbo Novamente eacute Ban quem emprega o
dialeto menos prestigiado com as formas verbais pegaacute (pegar) mandaacute (mandar) e prendecirc
(prender)
Por omissatildeo de letras no meio das palavras como no exemplo abaixo retirado do
Capiacutetulo 3
() Like she says when we come up on the front porch las Sat day
night ( )
(STEINBECK sd 55) (Saturday)
- ( ) O que ela diz quando a gente chega saacutebado de noite () (VERIacuteSSIMO 1940
102)
- () Como faz todo saacutebado quando a gente chega laacute () (CAMPELLO 1991 49)
- () Igual ela feiz quando saiu na varanda na noite de saacutebado passado () (BAN
2005 75)
Natildeo haacute efeito similar em portuguecircs pelo menos quanto agrave palavra destacada
Sat day que invariavelmente assume a forma saacutebado A omissatildeo de letras no meio de
palavras entretanto eacute uma caracteriacutestica comum no geruacutendio dos verbos em portuguecircs
falado quando o final ndo (ex brincando pulando cantando
etc) assume a forma no
(brincano pulano cantano etc)
Por omissatildeo de letras no final das palavras
I was only foolin George () (STEINBECK sd 12) (fooling)
- Eu estava brincando George () (VERIacuteSSIMO 1940 26)
- Eu tava soacute brincando () (CAMPELLO 1991 14)
- Eu soacute tava brincando George () (BAN 2005 25)
Natildeo existe aplicaccedilatildeo semelhante dessa caracteriacutestica em portuguecircs no que diz
respeito ao uso do geruacutendio A uacutenica possibilidade seria omitir a consoante da uacuteltima siacutelaba
(e portanto natildeo se trata da uacuteltima letra da palavra como o que acontece no inglecircs) como foi
mencionado no item imediatamente anterior Nenhum dos tradutores entretanto utilizou essa
opccedilatildeo
Em linhas gerais o exame das traduccedilotildees no que diz respeito agrave linguagem dos
diaacutelogos indica que os tradutores tendem a manter as caracteriacutesticas gerais do dialeto
178
escolhido em portuguecircs cada qual ao seu modo Apenas se percebe ligeira variaccedilatildeo na
linguagem de Veriacutessimo por vezes formal e cerimoniosa pelo tom conferido pelo uso da
segunda pessoa do singular
tu e a conjugaccedilatildeo verbal correspondente mas tambeacutem
coloquial com alguns desvios da norma-padratildeo A linguagem utilizada por Campello e Ban
nesse sentido eacute mais homogecircnea em sua caracterizaccedilatildeo
Pode-se afirmar que os textos de chegada analisados satildeo integrais natildeo havendo
grandes interferecircncias por conta dos tradutores ou outros agentes Assim por exemplo se haacute
manipulaccedilotildees (omissotildees ou acreacutescimos) isso natildeo acontece em grandes blocos (capiacutetulos ou
paraacutegrafos) mas tatildeo somente no niacutevel de estruturas sintaacuteticas ou no conjunto lexical natildeo
imprimindo alteraccedilotildees muito significativas ao texto de partida a ponto de provocar desvios do
nuacutecleo semacircntico da obra como um todo ou alterando os rumos da histoacuteria contada
No niacutevel lexical as escolhas de cada tradutor tendem a ser consistentes isto eacute as
tomadas de decisatildeo satildeo em geral homogecircneas para cada situaccedilatildeo tradutoacuteria A esse respeito
apenas vale reafirmar como Veriacutessimo se portou por exemplo na traduccedilatildeo dos nomes dos
personagens traduzindo ou adaptando alguns ou apenas transferindo outros apesar de
tambeacutem serem em alguns casos passiacuteveis de mudanccedila na liacutengua portuguesa No tocante a
isso como jaacute foi comentado as tradutoras optaram pela transferecircncia desses nomes
conferindo-lhes um toque estrangeiro
Em todos os exemplos o tom do texto de partida eacute o elemento que se sobressai e
que parece merecer maior atenccedilatildeo por parte dos tradutores muito embora cada um em sua
subjetividade tenha feito escolhas tradutoacuterias diferentes quanto ao leacutexico aos sintagmas
frases ou a composiccedilatildeo geral de cada um dos fragmentos que ilustram cada item O resultado
ou efeito no todo apesar disso representa a manutenccedilatildeo do tom do texto de partida sem que
nenhum dos tradutores tenha causado prejuiacutezo ao significado geral perceptiacutevel no texto em
inglecircs
179
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
O estudo desenvolvido nesta dissertaccedilatildeo pautado principalmente na descriccedilatildeo e
comparaccedilatildeo de trecircs traduccedilotildees para o portuguecircs de Of mice and men (de Eacuterico Veriacutessimo
1940 Myriam Campello 1991 e Ana Ban 2005) procurou demonstrar como cada um desses
textos de chegada apresenta manipulaccedilotildees entre si mesmo tendo como referecircncia apenas uma
mesma obra e um soacute escritor John Steinbeck Muito longe de querer atribuir valor ou juiacutezo
sobre qual dessas traduccedilotildees seria a melhor ou de prescrever como deveria ser tal ou qual
soluccedilatildeo tradutoacuteria procurou-se pelo contraacuterio ressaltar o papel de cada uma dessas reescritas
em relaccedilatildeo ao seu proacuteprio contexto referente ao tempo (eacutepocas diferentes em que essas
traduccedilotildees foram produzidas) ao espaccedilo geograacutefico e a cultura do Brasil a individualidade de
cada tradutor bem como suas relaccedilotildees com outros agentes como as editoras e suas
motivaccedilotildees e influecircncias sobre a publicaccedilatildeo dessas reescrituras
Foi destacado que a formataccedilatildeo final das trecircs traduccedilotildees mencionadas dado o seu
caraacuteter comercial estatildeo diretamente ligadas ao consumidor ou seja ao leitor de liacutengua
portuguesa Satildeo verificadas normas inerentes agrave cultura brasileira e portanto ao relativo
exerciacutecio de poder em seus variados graus ao prestiacutegio a certas preferecircncias da recepccedilatildeo Por
isso vaacuterias implicaccedilotildees para a seleccedilatildeo produccedilatildeo e publicaccedilatildeo dessas traduccedilotildees foram
consideradas Ao se investigar fatores como os citados acima que exercem um papel
fundamental para que as traduccedilotildees sejam elaboradas e publicadas pode-se facilmente
perceber a complexidade que envolve o processo que leva agrave publicaccedilatildeo de reescrituras desse
tipo Tal complexidade encaixada no polissistema cultural e nas suas ramificaccedilotildees
principalmente o sistema literaacuterio e a literatura traduzida se deve ao fato de que essas
produccedilotildees escritas natildeo satildeo aleatoacuterias mas sim dependem de influecircncias diversas agraves vezes
consonantes agraves vezes dissonantes isoladas ou intercambiantes tudo segundo a dinacircmica da
sociedade e da cultura com caracteriacutesticas estabelecidas mas tambeacutem em constante mudanccedila
Mesmo antes de comparar as trecircs traduccedilotildees entre si e tambeacutem com o respectivo
texto de partida presume-se que vaacuterias manipulaccedilotildees vatildeo ocorrer particularmente quando se
parte do pressuposto que haacute diferenccedilas linguumliacutestico-culturais inerentes ao fator cronoloacutegico
(isto eacute quanto maior a distacircncia no tempo maiores as diferenccedilas) e agrave subjetividade de cada
tradutor e de outros agentes responsaacuteveis pela seleccedilatildeo elaboraccedilatildeo e publicaccedilatildeo das traduccedilotildees
A comparaccedilatildeo entre as trecircs traduccedilotildees e o texto de partida deixa evidente a
importacircncia da tradiccedilatildeo do sistema literaacuterio de chegada em funccedilatildeo do qual as traduccedilotildees satildeo
180
elaboradas um processo do qual participam aleacutem de cada tradutor outros agentes como os
editores e o puacuteblico leitor de chegada no sistema brasileiro No intuito de se fazer esse estudo
descritivo e comparativo de traduccedilotildees o esquema teoacuterico de descriccedilatildeo de traduccedilotildees literaacuterias
de Lambert e Van Gorp (1985) composto de quatro niacuteveis de anaacutelise (dados preliminares
macroestrutura microestrutura e contexto sistecircmico) foi utilizado a fim de se examinar
aspectos gerais no que diz respeito agraves publicaccedilotildees em questatildeo desde por exemplo suas
caracteriacutesticas fiacutesicas e aparecircncia externa ateacute ao que diz respeito ao texto principal no que
tange a certos problemas e escolhas tradutoacuterias bem como a resposta da recepccedilatildeo diante de
cada exemplo dessas traduccedilotildees Deste modo percebeu-se por meio desse esquema teoacuterico
que as trecircs traduccedilotildees da Editora do Globo (1940) do Ciacuterculo do Livro (1991) e da LampPM
Pocket (2005) cada qual com seus respectivos tradutores adotaram criteacuterios e estrateacutegias de
traduccedilatildeo visando claramente o puacuteblico brasileiro
Buscando-se compreender as motivaccedilotildees dos profissionais envolvidos no
processo tradutoacuterio incluiacuteram-se nesta pesquisa dados colhidos em vaacuterias fontes por meio da
pesquisa bibliograacutefica da Internet bem como pelo uso de questionaacuterios submetidos via e-
mail aos agentes responsaacuteveis pelas traduccedilotildees O uso de questionaacuterios neste estudo mostrou-
se um recurso muito importante para a coleta de dados pois constitui-se de registro em
primeira matildeo que revela e elucida vaacuterios aspectos dos projetos editoriais de cada traduccedilatildeo
tais como as motivaccedilotildees que levam agrave escolha de determinada obra para ser traduzida
publicada e comercializada as estrateacutegias de traduccedilatildeo aplicadas e diretrizes apontadas pelas
editoras
Visto que durante o processo tradutoacuterio a responsabilidade repousa natildeo soacute nos
tradutores mas tambeacutem em outros agentes as perguntas elaboradas em cada questionaacuterio
voltaram-se tambeacutem para outras pessoas ou instituiccedilotildees Poreacutem por causa da variedade de
agentes envolvidos os questionaacuterios elaborados tiveram como foco os tradutores e as
editoras estas representadas por seus dirigentes ou responsaacuteveis diretos pelas publicaccedilotildees das
traduccedilotildees examinadas Entretanto nem sempre foi faacutecil ou possiacutevel realizar os contatos
necessaacuterios para a aplicaccedilatildeo das questotildees elaboradas para uma entrevista ou questionaacuterio
No presente caso referindo-se primeiro a cada um dos tradutores de Of mice and
men somente foi possiacutevel o contato com Ana Ban visto que Eacuterico Veriacutessimo faleceu em
1975 e Myriam Campello natildeo pocircde ser localizada Quanto agraves respectivas editoras Ivan
Pinheiro Machado da LampPM respondeu ao questionaacuterio enviado por e-mail No caso da
Editora do Globo de Porto Alegre devido agrave antiguidade da sua traduccedilatildeo publicada (1940)
natildeo foi possiacutevel a coleta de dados por meio de seu editor responsaacutevel direto daquela eacutepoca
181
Henrique Bertaso falecido em 1977 Consta entretanto que a Editora do Globo foi
incorporada agrave Editora Globo do Rio de Janeiro do jornalista Roberto Marinho em 1986
(vide Anexo VI) Houve tentativas de contato por e-mail e por telefone com os atuais
membros da diretoria da Livraria do Globo Claacuteudio Bertaso (diretor-presidente) Henrique
Ferreira Bertaso (diretor vice-presidente) e Elisa Morganti Bertaso (diretora-superintendente)
entretanto essas tentativas natildeo lograram sucesso Em relaccedilatildeo agrave Editora Ciacuterculo do Livro por
ela ter encerrado suas atividades em 1998 (MILTON 2002 21) somente foi possiacutevel reunir
dados a partir de fontes bibliograacuteficas e da Internet
Os questionaacuterios que foram efetivamente respondidos pela tradutora Ana Ban e
pela Editora LampPM representada por Ivan Pinheiro Machado resultaram na obtenccedilatildeo de
respostas importantes para esta pesquisa revelando de modo geral posturas e opiniotildees dessa
tradutora e do seu respectivo editor O projeto editorial bem como as estrateacutegias de traduccedilatildeo
se baseiam na recepccedilatildeo ou seja tanto Ban como Pinheiro Machado se preocuparam com
expectativas do puacuteblico leitor brasileiro desde a escolha da obra a ser traduzida (papel
preponderante da editora) e agrave sua compreensatildeo geral da obra traduzida
A tradutora Ana Ban (2008) em suas respostas ao questionaacuterio revelou que em
geral a indicaccedilatildeo da obra a ser traduzida eacute feita pela editora que tambeacutem revisa o trabalho A
maior dificuldade apontada por ela no caso da traduccedilatildeo de Of mice and men foi em relaccedilatildeo ao
dialeto estigmatizado da fala dos personagens Nesse sentido a tradutora buscou uma
identidade brasileira a essa fala Ban tambeacutem revela a necessidade de atualizaccedilatildeo de
traduccedilotildees por serem antigas e por isso haacute diferenccedilas na linguagem marcada pelo tempo
Essas opiniotildees (a atualizaccedilatildeo das traduccedilotildees antigas e ao desejo de respeitar a linguagem
utilizada pelo autor traduzido) satildeo compartilhadas por Ivan Pinheiro Machado (2009) editor
da LampPM
Ivan Pinheiro Machado (2009) declarou que o prestiacutegio eacute um fator relevante para
a seleccedilatildeo de autores e suas respectivas obras literaacuterias para serem traduzidas ou seja autores
de vaacuterias eacutepocas mas principalmente de renome (por precircmios recebidos canonizados ou que
de alguma forma tenham seu nome bem recebido nos sistema cultural brasileiro) O papel da
editora como agente que contribui nessas reescrituras foi confirmado pelas declaraccedilotildees de
Machado (2009) com criteacuterios e normas para a seleccedilatildeo traduccedilatildeo revisatildeo e publicaccedilatildeo de
obras literaacuterias
Tomando como referecircncia o texto de partida adotado nesta dissertaccedilatildeo uma
ediccedilatildeo de bolso com texto integral natildeo adaptado e dividido em seis capiacutetulos percebe-se que
as trecircs traduccedilotildees tendem a guardar semelhanccedilas entre si por exemplo no formato e
182
classificaccedilatildeo (livros de bolso no caso das traduccedilotildees de Veriacutessimo e Ban ou tipologia dos
clubes de livros no caso da traduccedilatildeo de Campello) na questatildeo do preccedilo popular (atingindo
por isso um puacuteblico maior) e por elas natildeo apresentarem alteraccedilotildees relevantes na estrutura
textual satildeo ediccedilotildees integrais que seguem tambeacutem a divisatildeo em seis capiacutetulos sem tiacutetulo
conforme o texto de partida o nuacutemero de paraacutegrafos eacute maior em relaccedilatildeo ao texto de partida
adotado mas a quantidade de diaacutelogos eacute proporcional similar agrave do texto de partida Haacute
tambeacutem similaridade na caracterizaccedilatildeo da narrativa em terceira pessoa A marcaccedilatildeo dos
diaacutelogos segue a estrutura de apresentaccedilatildeo brasileira caracterizada pelo uso dos travessotildees
enquanto que no texto de partida isso eacute feito com aspas Esta uacuteltima observaccedilatildeo permite
concluir que as trecircs traduccedilotildees visam o puacuteblico brasileiro pois seguem a tradiccedilatildeo textual
graacutefica desse sistema cultural
Haacute sinais graacuteficos de destaque nas traduccedilotildees
negrito e itaacutelico
utilizados para
dar ecircnfase a alguma passagem e tambeacutem assinalar algum estrangeirismo Enquanto que no
texto de partida e nas traduccedilotildees de Campello (1991) e Ban (2005) essas funccedilotildees satildeo
evidenciadas pelo uso de itaacutelicos Veriacutessimo tende a preferir o negrito A pontuaccedilatildeo em geral
segue o texto de partida mas haacute tambeacutem ligeiras diferenccedilas de uma traduccedilatildeo para outra
dependendo do estilo de cada tradutor Essas mudanccedilas ou variaccedilotildees entretanto natildeo
provocam grandes alteraccedilotildees de sentido quando comparadas ao texto de partida
O tiacutetulo da obra eacute idecircntico em portuguecircs Ratos e homens nas trecircs traduccedilotildees Jaacute a
questatildeo dos nomes dos personagens segue outra tendecircncia Myriam Campello e Ana Ban
apenas transcreveram os nomes tanto no caso em que eles satildeo convencionais quanto no caso
em que eles trazem consigo algum significado particular conforme sugere Newmark (1988)
Eacuterico Veriacutessimo entretanto optou por traduzir alguns como Curley (Crespinho) e Slim
(Magro) o que revela uma inconsistecircncia quando esse tradutor transcreveu nomes que
tambeacutem poderiam ser traduzidos (Crooks George etc)
Nos trecircs textos de chegada as soluccedilotildees tradutoacuterias por exemplo para localidades
e nomes geograacuteficos os trecircs tradutores optaram agraves vezes pela transferecircncia dos nomes
estrangeiros traduzindo o que fosse possiacutevel A subjetividade de cada tradutor (ou de outros
agentes e tambeacutem a accedilatildeo do tempo sobre a liacutengua) entretanto aponta para algumas diferenccedilas
(ou preferecircncias) a tendecircncia geral dos trecircs tradutores para localidades e nomes geograacuteficos
natildeo eacute consistente por vezes alternando entre a transferecircncia (ocorrendo a estrangeirizaccedilatildeo) e a
traduccedilatildeo para o portuguecircs (domesticaccedilatildeo)
As formas de tratamento e vocativos no texto de partida por causa das
caracteriacutesticas da liacutengua inglesa natildeo satildeo marcados claramente como no uso da liacutengua
183
portuguesa Em inglecircs seu uso soa mais informal do que nas traduccedilotildees Nas traduccedilotildees
portanto eacute a situaccedilatildeo que define o uso
Quanto agraves expressotildees idiomaacuteticas e giacuterias do texto de partida as trecircs traduccedilotildees
apesar das diferenccedilas entre si apresentam resultados que natildeo interferem muito no que talvez
Steinbeck desejasse expressar
Os dados apontados pelo contexto sistecircmico mostram que as traduccedilotildees de
Veriacutessimo Campello e Ban atendem agraves expectativas de um puacuteblico geral em sua proacutepria
eacutepoca principalmente por causa da tipologia dessas reescrituras livros de bolso (no caso de
Veriacutessimo e Ban) ou clubes de livros (no caso de Campello) com ediccedilotildees de tiragens amplas
a um preccedilo acessiacutevel Natildeo haacute pelas caracteriacutesticas de cada traduccedilatildeo uma segmentaccedilatildeo muito
evidente do puacuteblico brasileiro a ser atingido a natildeo ser por parte da traduccedilatildeo de Veriacutessimo
pertencente agrave coleccedilatildeo Nobel da Editora do Globo que conforme Barcellos (2002) afirma era
voltada para obras do campo erudito Apesar disso a linguagem da traduccedilatildeo de Veriacutessimo eacute
relativamente simples (principalmente por retratar personagens de baixo status social na sua
fala cotidiana) e por isso mesmo o puacuteblico leitor meacutedio natildeo teria dificuldades para a sua
leitura
Esta caracteriacutestica da linguagem utilizada por Veriacutessimo aliaacutes estaacute de certo modo
em consonacircncia com os objetivos de Steinbeck ou seja elaborar um texto em linguagem
simples e direta de modo a ser lido pelas camadas mais simples da populaccedilatildeo ou entatildeo para
que essas pessoas possam eventualmente ter a oportunidade de ver a obra encenada nos
teatros (LI e SCHULTZ 2005 145) Algo semelhante pocircde ser observado nas traduccedilotildees de
Campello e de Ban embora o texto desta uacuteltima tradutora por vezes seja menos direto por
causa das escolhas feitas em que as estruturas sintaacuteticas utilizam maior nuacutemero de palavras
Deve-se ressaltar que natildeo obstante os dialetos empregados por cada tradutor sejam diferentes
isso natildeo depotildee contra o estilo direto e a simplicidade do texto de partida caracteriacutesticas estas
que em essecircncia foram mantidas nos textos de chegada em questatildeo
A despeito de algumas caracteriacutesticas das trecircs traduccedilotildees apontarem para o texto de
partida (eg estrateacutegias estrangeirizadoras tais como nomes e palavras transcritos conforme
o texto de partida principalmente nomes geograacuteficos de ruas e de lugares) conforme visto
anteriormente a maior parte das estrateacutegias adotadas pelos tradutores eacute domesticadora e
portanto refletem expectativas do puacuteblico de chegada isto eacute trazem o texto de partida para o
puacuteblico brasileiro adequando-o de modo geral aos seus costumes a sua tradiccedilatildeo e seu
tempo Algumas evidecircncias que mostram como e porque essas traduccedilotildees foram traduzidas
184
podem ser constatadas em cada uma dessas traduccedilotildees destacando-se o papel dos tradutores e
das editoras na sua produccedilatildeo
Mesmo que uma traduccedilatildeo busque atender a alguns pressupostos e normas de seu
sistema e de sua eacutepoca muitas vezes limitando o papel do tradutor submetido a certas formas
de poder eou autoridade algumas vezes pode-se perceber que esse profissional pode ter um
maior grau de autonomia No caso presente pocircde-se constatar que Eacuterico Veriacutessimo em
relaccedilatildeo agraves tradutoras Myriam Campello e Ana Ban foi quem provavelmente teve maior grau
de autonomia para traduzir Of mice and men graccedilas ao grande papel desse escritor-tradutor
desempenhado na Editora do Globo pois segundo afirmam Wyler (2003) Torresini (2004) e
Barcellos (2002) ele era um dos maiores responsaacuteveis pelas poliacuteticas editoriais da Editora do
Globo desde por exemplo a escolha das obras a serem traduzidas e publicadas a seleccedilatildeo de
tradutores aleacutem do fato de ele mesmo traduzir e revisar esses produtos Tambeacutem o simples
fato de um escritor de sucesso como Veriacutessimo natildeo soacute traduzir como tambeacutem assinar esses
trabalhos por si soacute jaacute constituiacutea um forte apelo comercial para o puacuteblico brasileiro (WYLER
2003)
A anaacutelise comparativa das trecircs traduccedilotildees no que diz respeito agrave liacutengua
caracteriacutestica dos diaacutelogos de Of mice and men teve como propoacutesito de verificar suas
semelhanccedilas diferenccedilas peculiaridades e sobretudo como cada tradutor (e os agentes
institucionais) caracterizou essa linguagem mais formal menos formal mais proacutexima ou
mais distante do texto de partida quanto agraves caracteriacutesticas essenciais de um dialeto
estigmatizado da liacutengua inglesa na deacutecada de 1930 na zona rural de Soledad Califoacuternia
Estados Unidos falado em geral por trabalhadores de origem humilde de baixa
escolaridade
O problema do uso diversificado da liacutengua nas produccedilotildees literaacuterias e tentar ou natildeo
reproduzir essas variedades linguumliacutesticas nas traduccedilotildees foi abordado em linhas gerais no que
tange o seguinte se a opccedilatildeo mais faacutecil da correccedilatildeo dos dialetos menos prestigiados anula
em grande parte os efeitos que um escritor propotildee sobretudo na reproduccedilatildeo da oralidade e do
perfil social dos seus personagens a tentativa de respeitar e reproduzir essas impressotildees num
dialeto recriado na traduccedilatildeo por melhor que seja sempre teraacute algo de exoacutetico em seu
resultado (LANDERS 2001 116-117)
A impossibilidade de transposiccedilatildeo perfeita dos dialetos estigmatizados na
traduccedilatildeo portanto ao apresentar essas duas facetas (neutralizar ou imitar) colocou-se entatildeo
diante do texto de Of mice and men e das trecircs traduccedilotildees analisadas nos diaacutelogos que
185
Steinbeck construiu retratando o dialeto estigmatizado de trabalhadores rurais e na proposta
de cada tradutor para representar essa linguagem
Tratando-se de uma linguagem que reproduz a oralidade percebeu-se uma
diferenciaccedilatildeo por parte de cada tradutor Mesmo que todas as trecircs traduccedilotildees apresentem de
modo geral aspectos da linguagem coloquial as variedades adotadas satildeo bem diferentes entre
si indo de um niacutevel mais polido (agraves vezes soando formal) utilizado por Veriacutessimo (1940)
decrescendo em relaccedilatildeo agrave norma-padratildeo da liacutengua portuguesa isto eacute na coloquialidade do
dialeto utilizado por Campello (1991) e na linguagem estigmatizada que Ban (2005) tentou
recriar
A tendecircncia brasileira em adotar a norma-padratildeo e variedades de prestiacutegio em
lugar de variedades estigmatizadas em traduccedilotildees fenocircmeno apontado por Milton (2002) e
localizado entre as deacutecadas de 1940 e 1970 pode talvez ter desempenhado um papel central
dentro do sistema de chegada brasileiro Tal postura pode ter sido um reflexo de
comportamento da recepccedilatildeo agindo de acordo com as forccedilas constituintes do sistema
dominante segundo um processo de manipulaccedilatildeo do texto de partida que neste caso trata
especificamente da linguagem adotada nas traduccedilotildees
A exposiccedilatildeo do tema aqui proposto ao estabelecer relaccedilotildees entre as bases da
teoria da traduccedilatildeo na Europa dos seacuteculos XVII e XVIII
na Inglaterra e principalmente na
Franccedila
e a tradiccedilatildeo brasileira comum de sonegar ou trair obras da literatura estrangeira ao
serem feitas traduccedilotildees que natildeo levam em conta a riqueza e os efeitos dos desvios da norma-
padratildeo desperta novas reflexotildees sobre o traduzir tupiniquim na forma em que uma ideologia
dominante (francesa) pode incutir sorrateiramente noccedilotildees de bom gosto no puacuteblico
receptor das traduccedilotildees calcado em preconceitos principalmente de ordem linguumliacutestica
O modelo das belas infieacuteis que segundo Milton (2002) exerceu influecircncia
importante sobre a cultura brasileira ateacute principalmente meados da 2ordf Guerra Mundial parece
de alguma forma ter influenciado a traduccedilatildeo que Eacuterico Veriacutessimo produziu a partir de Of
mice and men Veriacutessimo apesar de incorrer em formas coloquiais e em pequenos desvios da
norma-padratildeo da liacutengua portuguesa usa uma linguagem mais formal do que as duas
tradutoras Campello (1991) e Ban (2005)
A liacutengua possui uma natureza dinacircmica evolutiva e natildeo eacute representada apenas
em seu registro formal normativo As suas variedades representam uma riqueza que natildeo pode
ser deixada de lado pois conferem agrave literatura um caraacuteter que deixa transparecer impressotildees
tambeacutem mais ricas e que podem no exemplo de Steinbeck dar um aspecto mais verossiacutemil
conforme o perfil desses personagens Eacute uma questatildeo complexa entretanto tentar reproduzir
186
os efeitos de variedades linguumliacutesticas estigmatizadas em traduccedilotildees restando ao tradutor optar
pelo modo tradicional ou entatildeo envolver-se na aacuterdua tarefa de recriar um dialeto
A proposta de Pym (2000) sobre a traduccedilatildeo de variedades linguumliacutesticas
convergente em muitos aspectos com Esteves (2005) parece ser adequada em muitas dessas
situaccedilotildees natildeo se trata de uma mimesis linguumliacutestica que preconiza traduzir dialeto por dialeto
numa pretensatildeo inalcanccedilaacutevel mas sim apresentar uma linguagem na traduccedilatildeo que apenas
apresente os marcadores essenciais da liacutengua traduzida caracterizando-a segundo o seu papel
desempenhado em seu contexto de origem
Todavia a questatildeo da linguagem estigmatizada como no exemplo de Of mice and
men permanece fruto de uma discussatildeo sem respostas definitivas Apesar das diferenccedilas
relativas aos dialetos que podem ser escolhidos por cada tradutor e das possiacuteveis perdas ou
acreacutescimos advindas de manipulaccedilotildees cada traduccedilatildeo cumpre um propoacutesito segundo o
contexto em que foi concebida
O caminho percorrido por esta pesquisa de mestrado dialogando com vaacuterios
pontos de vista teoacutericos pode contribuir para o estudo e a praacutetica da traduccedilatildeo literaacuteria
deixando alguns pontos aclarados mas ao mesmo tempo manteacutem outras questotildees que natildeo
podem ser resolvidas de modo categoacuterico definitivo por exemplo o que se afirmou acima
acerca da traduccedilatildeo de dialetos estigmatizados Podem-se entrever caminhos possiacuteveis poreacutem
cada caso merece atenccedilatildeo especiacutefica
Diante do que foi exposto percebe-se que a traduccedilatildeo entendida como reescritura
eacute um modo variaacutevel de reelaborar textos segundo perspectivas natildeo soacute diferentes mas tambeacutem
mutaacuteveis dinacircmicas Assim sendo natildeo pode existir a traduccedilatildeo mas tatildeo somente uma
traduccedilatildeo possiacutevel moldada de acordo com propoacutesitos possiacuteveis mediante forccedilas desejos e
expectativas agraves vezes atendidas satisfatoriamente ou natildeo segundo o universo multicultural e
complexo da recepccedilatildeo inserida em polissistemas culturais Logo existe um processo infinito
incessante em que cada nova traduccedilatildeo atende a novas expectativas mas nem por isso pode-se
julgar traduccedilotildees anteriores como inferiores ou menos adequadas pois cada uma dessas
reescrituras atende a propoacutesitos de seu proacuteprio contexto em sua proacutepria eacutepoca
187
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197
ANEXOS
198
ANEXO I
EDICcedilOtildeES DE OF MICE AND MENRATOS E HOMENS
A) Of mice and men Oxford Heineman Educational Books Ltd sd
Fig 1 - capa
199
Fig 2 contracapa
200
Fig 3 - 1ordf folha de rosto
201
Fig 4 - 2ordf folha de rosto
202
B) Ratos e homens Traduccedilatildeo de Eacuterico Veriacutessimo
Porto Alegre Livraria do Globo 1940
Fig 5 - capa
203
Fig 6 - contracapa
204
Fig 7
- folha de rosto
205
C) Ratos e homens Traduccedilatildeo de Myriam Campello
Satildeo Paulo Ciacuterculo do Livro 1991
Fig 8 - capa
206
Fig 9 - contracapa
207
Fig 10
- folha de rosto
208
D) Ratos e homens Traduccedilatildeo de Ana Ban
Porto Alegre LampPM 2005
Fig 11
- capa
209
Fig 12 - contracapa
210
Fig 13 - folha de rosto
211
ANEXO II
DADOS DA PECcedilA TEATRAL ENCENADA EM 26 DE SETEMBRO DE
1956 NO TEATRO DE ARENA SP121
TIacuteTULO Ratos e homens
AUTOR John Steinbeck
TRADUCcedilAtildeO Brutus Pedreira
DIRECcedilAtildeO Augusto Boal
ELENCO PERSONAGENS
Gianfrancesco Guarnieri (George)
Joseacute Serber (Lennie)
Nilo Odalia (Candy)
Taran Dach (Patratildeo)
Salomatildeo Guz (Curley)
Geraldo Ferraz (Slim)
Riva Nimitz (Mulher de Curley)
Nello Pinheiro (Carlson)
Seacutergio Rosa (Whit)
Milton Gonccedilalves (Crooks)
121 COLECcedilAtildeO CADERNOS DE PESQUISA TEATRO DE ARENA 2008 p 16 Disponiacutevel em lthttpwwwcentroculturalspgovbrcadernoslightboxlightboxpdfsTeatro20de20Arenapdfgt Acesso em 12 de dezembro de 2008
212
ANEXO III FILME DIRIGIDO POR GARY SINISE (1992)122
122 OF MICE AND MEN VIDEORECORDING METRO-GOLDWYN-MEYER Disponiacutevel em lthttpcatalogmvlcorgipac20ipacjspsession=K24V4U121635928041ampprofile=mbuampsource=~horizonampview=subscriptionsummaryampuri=full=3100001~54678~7ampri=1ampaspect=subtab783ampmenu=searchampipp=20ampspp=20ampstaffonly=ampterm=Of+mice+and+men+Steinbeck+John+1902+1968ampindex=GWampuindex=ampaspect=subtab783ampmenu=searchampri=1amplimitbox_1=LO01+=+mbufocusgt Acesso em 14 de dezembro de 2008
213
ANEXO IV
QUESTIONAacuteRIO RESPONDIDO PELA TRADUTORA ANA BAN
1 Quais foram as motivaccedilotildees para traduzir Of mice and men e qual o papel da Editora LampPM nesse processo Geralmente a editora passa o livro para o tradutor que aceita ou natildeo o trabalho
foi o que
aconteceu neste caso Eacute bastante raro a proposiccedilatildeo partir do tradutor [sic]
apesar de isto
acontecer como foi o caso do livro Flush de Virginia Woolf tambeacutem da LampPM tambeacutem traduzido por mim
2 A editora lhe deu alguma diretriz para vocecirc seguir em seu trabalho ou vocecirc teve total autonomia O resultado
a traduccedilatildeo
sofreu alguma alteraccedilatildeo importante por parte de algum revisor Eu tive total autonomia No decorrer da traduccedilatildeo fomos discutindo questotildees relativas a estilo e uso da linguagem A revisatildeo natildeo promoveu nenhuma mudanccedila importante foi mais uma revisatildeo teacutecnica
3 Quais as principais dificuldades de traduccedilatildeo que vocecirc enfrentou durante esse trabalho e como conseguiu superaacute-las (eg dialeto nomes proacuteprios flora fauna geografia expressotildees idiomaacuteticas etc) A maior dificuldade foi mesmo a transposiccedilatildeo da maneira como os personagens falavam
eu natildeo sei se chega a ser um dialeto porque na verdade eram mais erros gramaticais e pronuacutencia errada natildeo havia tantas palavras especiacuteficas que fossem desconhecidas ou usadas com sentido fora do mais comum Em um primeiro momento eu resolvi que iria seguir a norma culta em todo o livro mas depois achei que assim a ideacuteia do autor natildeo seria transmitida de maneira adequada (isso tudo foi discutido com a editora) Entatildeo eu peguei um sotaque caipira que eu conheccedilo mais ou menos do interior de SPMG (apesar de a LampPM ser em Porto Alegre e eu atualmente morar aqui sou de Satildeo Paulo e passei a maior parte da minha vida laacute) e segui esta linha A minha maior dificuldade foi decifrar algumas palavras grafadas da maneira como os personagens falavam precisei dizer em voz alta vaacuterias delas para descobrir o que eram Agora natildeo sei citar nenhuma pois jaacute faz algum tempo que realizei este trabalho e natildeo tenho mais o original
4 A traduccedilatildeo de dialetos ou variantes linguumliacutesticas sem prestiacutegio na literatura segundo o professor John Milton[1] da Universidade de Satildeo Paulo natildeo constitui uma tradiccedilatildeo no Brasil por uma seacuterie de motivos dentre eles o purismo linguumliacutestico defendido por algumas editoras e uma alegada tendecircncia de mercado Nesse sentido como foi traduzir o dialeto rural usado em Of mice and men Esta resposta jaacute estaacute na pergunta acima
5 Vocecirc conhece outras traduccedilotildees para o portuguecircs dessa obra como a que foi realizada por Eacuterico Veriacutessimo (Porto Alegre Livraria do Globo 1940) Caso conheccedila elas lhe foram uacuteteis para o desenvolvimento da sua traduccedilatildeo Como Eu sei da existecircncia dessas traduccedilotildees mas natildeo as consultei para fazer o meu trabalho Ateacute me foi fornecida uma traduccedilatildeo da deacutecada de 1970 (natildeo lembro qual) para alguma consulta mas eu fiz questatildeo de natildeo usar Eu natildeo queria ser influenciada por soluccedilotildees encontradas pelos outros tradutores e acabar copiando deles mesmo sem querer A proposta de retraduzir o livro era para atualizar a traduccedilatildeo que mudou muito com o passar dos anos Acredito que este purismo citado por vocecirc anteriormente hoje jaacute natildeo eacute mais uma tradiccedilatildeo tatildeo forte Na minha visatildeo o mais importante eacute manter o tom escolhido pelo autor
214
6 A Teoria da Traduccedilatildeo nos oferece vaacuterias perspectivas e reflexotildees sobre o processo tradutoacuterio levantando e discutindo vaacuterios problemas Vocecirc se serviu de alguma linha ou fundamento teoacutericos como referecircncia para traduzir Of mice and men Eu natildeo tenho nenhuma formaccedilatildeo teoacuterica em traduccedilatildeo Sou jornalista trabalhei dez anos no mercado editorial e minha formaccedilatildeo em traduccedilatildeo se deu por meio do curso de Formaccedilatildeo de Tradutores e Inteacuterpretes da Fundaccedilatildeo Alumni em Satildeo Paulo Este eacute um dos cursos de maior renome na aacuterea no paiacutes poreacutem eacute muito praacutetico e direto natildeo aborda teorias Conheccedilo um pouco do assunto por meio da leitura de Paulo Roacutenai mas natildeo eacute algo que eu aplique conscientemente
7 A tomada de decisotildees na traduccedilatildeo geralmente leva em conta pelo menos trecircs aspectos o autor e a sua obra a subjetividade de quem traduz e o leitor (recepccedilatildeo) Muitas vezes dar prioridade ao autor e agrave cultura da liacutengua de partida pode resultar num texto estrangeirizado Por outro lado adaptar o texto agrave cultura de chegada pode produzir uma traiccedilatildeo maior agrave obraComo vocecirc se comporta nesse fogo cruzado entre o texto de partida e o leitor Para tratar deste problema eu uso algumas teacutecnicas (e estou aqui falando de maneira geral pois nem todos estes recursos foram usados nesta traduccedilatildeo especiacutefica) - Respeito a eacutepoca em que o texto foi escrito tomando o cuidado para natildeo usar expressotildees ou denominaccedilotildees que natildeo existiam no periacuteodo - Se existe um personagem falando em dialeto ou giacuteria eu procuro um grupo correspondente existente aqui e uso a maneira de falar desse grupo - Quando haacute alguma passagem que possa dificultar a compreensatildeo pergunto O puacuteblico-leitor original entenderia Se a resposta for sim eu procuro inserir alguma dica no texto Por exemplo ela ficava assistindo ao Lifetime AQUELE CANAL QUE SEMPRE PASSA FILMES PARA MULHERES Se a resposta for natildeo entatildeo eu deixo sem explicaccedilatildeo mesmo porque acredito que a intenccedilatildeo do autor era essa - Eu natildeo costumo substituir produtos ou citaccedilotildees por similares nacionais a natildeo ser quando exista de fato um similar nacional por exemplo a revista Cosmopolitan no Brasil eacute a Nova (eacute franquia da norte-americana mas recebeu tiacutetulo brasileiro) entatildeo eu faccedilo a substituiccedilatildeo Se natildeo fica A REVISTA DE CELEBRIDADES Us Weekly - Acredito tambeacutem que hoje as pessoas tecircm muito mais facilidade de compreender citaccedilotildees referentes a culturas estrangeiras entatildeo algumas coisas ficam ateacute estranho querer traduzir porque jaacute satildeo conhecidas amplamente por sua denominaccedilatildeo original - Acho que o mais importante nessa questatildeo eacute ter em vista a intenccedilatildeo do autor Se ele coloca uma menina que escreve como fala natildeo eacute possiacutevel querer traduzir com um texto gramaticalmente impecaacutevel porque natildeo vai transmitir a intenccedilatildeo original e vai distanciar a obra do puacuteblico-alvo
215
ANEXO V
QUESTIONAacuteRIO RESPONDIDO POR IVAN PINHEIRO MACHADO
EDITOR DA LampPM POCKET
Ivan Pinheiro Machado ltivanlpmcombrgt 3 de fevereiro de 2009 1208
Para johnmagistergmailcom
1Como eacute feita a seleccedilatildeo de obras a serem traduzidas publicadas e comercializadas pela Editora LampPM
A seleccedilatildeo eacute feita segundo o projeto editorial da LampPM que inclui ediccedilatildeo de grandes autores modernos claacutessicos e contemporacircneos
2 Como a Editora LampPM orienta seus tradutores e revisores Existem normas a serem seguidas Qual eacute o grau de influecircncia da Editora
Primeiro a LampPM contrata aqueles que ela acredita serem tradutores de primeiriacutessima linha As traduccedilotildees ao chegarem na editora passam por uma revisatildeo criacutetica Muito poucas satildeo as traduccedilotildees devolvidas por insuficiecircncia teacutecnica mas sempre haacute duacutevidas e melhorias que satildeo realizadas aqui na LampPM
3 Para se publicar uma obra traduzida certamente devem ser levados em conta alguns aspectos de modo que o ecircxito seja alcanccedilado Quais satildeo eles Comente as razotildees para cada um
Um autor expressivo um precircmio Nobel eacute uma razatildeo suficiente para ser cobiccedilado por um editor Ratos e homens eacute uma novela curta uma obra-prima do autor e deu origem a um grande filme Eacute um livro que menos do que um sucesso comercial eacute um livro que qualifica o cataacutelogo do editor
4 Como foi o projeto de traduzir Of mice and men de John Steinbeck (Ratos e homens traduccedilatildeo de Ana Ban) para o portuguecircs Como surgiu a ideacuteia O que motivou a escolha desse autor
A editora decidiu colocar em sua coleccedilatildeo de bolso grande autores modernos e contemporacircneos entre outros tiacutetulos e gecircneros Steinbeck foi selecionado com Faulkner Hemingway Fitzgerald Henry Miller e outros autores mais recentes como Voneguth Tom Wolfe Truman Capote Norman Mailer Salinger e muitos outros
5 Existem outras traduccedilotildees de Of mice and men para o portuguecircs como a realizada por Eacuterico Veriacutessimo (1940) e por Myriam Campello (1991) Isso influenciou de alguma maneira a Editora LampPM durante o processo de seleccedilatildeo e traduccedilatildeo deste romance
Nossa ideacuteia na coleccedilatildeo LampPM POCKET eacute sempre renovar Isto significa fazer novas traduccedilotildees de acordo com a visatildeo e a digamos terminologia da nossa eacutepoca O fato de existirem outras traduccedilotildees natildeo influenciou em nada pois a decisatildeo foi relativa a obra de Steinbeck e natildeo em relaccedilatildeo agraves traduccedilotildees de Steinbeck Mesmo porque a traduccedilatildeo de E
216
Veriacutessimo eacute datada e a outra eu natildeo conheccedilo
6 Em Of mice and men os personagens utilizam uma fala do inglecircs caracteriacutestico do seu perfil social (trabalhadores rurais pobres no contexto da Grande Depressatildeo) e da regiatildeo onde a histoacuteria se passa A tradutora Ana Ban tentou passar essa caracteriacutestica da liacutengua em seu trabalho O puacuteblico consumidor brasileiro pelo menos em parte natildeo prefere obras em portuguecircs padratildeo (conforme as gramaacuteticas prescritivas)
Natildeo posso falar pelo puacuteblico brasileiro Nossa responsabilidade eacute fazer um trabalho intelectualmente correto fiel e pelo menos tentar passar para o nosso idioma a intenccedilatildeo do autor no que se refere ao linguajar dos personagens Se haacute uma deliberada transformaccedilatildeo no linguajar temos que aproximar esta ideacuteia do nosso puacuteblico no nosso
idioma para que ele identifique atraveacutes desta deturpaccedilatildeo da liacutengua o niacutevel social (no caso de Ratos e homens) ou quando eacute o caso a etnia do personagem
Ivan Pinheiro Machado editor da coleccedilatildeo LampPM POCKET
217
ANEXO VI
CRONOLOGIA DA GLOBOLIVROS123
1883 eacute fundada a Livraria do Globo na rua da Praia em Porto Alegre por Laudelino Pinheiro Barcellos
1890 Joseacute Bertaso entatildeo com 12 anos torna-se funcionaacuterio da livraria
1899 a livraria publica seu primeiro livro Opuacutesculos de filosofia social 1819-1829 de Auguste Comte
1916 a livraria divulga seu primeiro perioacutedico o Almanaque do Globo que circula ateacute 1935 Publica tambeacutem o livro Exaltaccedilatildeo de Mansueto Bernardi
1918 morre Laudelino Barcellos e Joseacute Bertaso torna-se proprietaacuterio da livraria
1922 com 15 anos Henrique filho mais velho de Bertaso passa a trabalhar na livraria
1924 o preacutedio da livraria eacute reformado e torna-se local de encontro de importantes poliacuteticos como Getuacutelio Vargas
19251930 a livraria publica cerca de duzentos tiacutetulos nesse periacuteodo
1928 Mansueto Bernardi eacute contratado para cuidar das seccedilotildees de obras ediccedilatildeo e propaganda
1929 primeiro nuacutemero da ceacutelebre Revista do Globo que prossegue sendo publicada ateacute 1967
19301934 circulam os livros da Coleccedilatildeo Verde com 36 tiacutetulos de interesse para senhoras e senhoritas
1931 Henrique Bertaso assume a direccedilatildeo editorial da livraria Eacuterico Veriacutessimo com 26 anos passa a trabalhar na livraria e a dirigir a Revista do Globo
19311937 a Editora Globo publica cerca de 840 ediccedilotildees
19311956 eacute criada a Coleccedilatildeo Amarela com histoacuterias policiais de crimes e de aventuras norte-americanas que publica cerca de 160 tiacutetulos
1932 publicaccedilatildeo de Fantoches primeiro livro de Eacuterico Veriacutessimo com o selo da Editora Globo
19321942 a Coleccedilatildeo Universo publica cerca de quarenta tiacutetulos com destaque para os livros de viagens e aventuras
1933 eacute criada a Coleccedilatildeo Globo com autores estrangeiros e nacionais em formato de bolso A Revista do Globo passa a ser dirigida por De Souza Junior Eacuterico Veriacutessimo torna-se consultor editorial de Henrique Bertaso
19331958 circula a Coleccedilatildeo Nobel que publica grandes nomes da literatura como Thomas Mann e Aldous Huxley com mais de 120 tiacutetulos
1937 a editora participa da Feira de Frankfurt representando o Brasil no mercado internacional de livros
123 Disponiacutevel em lthttpglobolivrosglobocomcronologiaaspgt Acesso em 31 de maio de 2009
218
19381948 a Editora Globo publica cerca de 830 ediccedilotildees
19421945 criada a Coleccedilatildeo Biblioteca dos Seacuteculos que publica 25 tiacutetulos
19431945 a Coleccedilatildeo Tucano divulga obras de cerca de 25 autores brasileiros
19461955 publicaccedilatildeo dos dezessete volumes de A comeacutedia humana de Balzac na coleccedilatildeo Biblioteca dos Seacuteculos
1948 inicia-se a publicaccedilatildeo de Em busca do tempo perdido de Marcel Proust na Coleccedilatildeo Nobel Falece Joseacute Bertaso A livraria passa a operar com a razatildeo social Joseacute Bertaso amp Cia Em 1949 torna-se sociedade anocircnima como Livraria do Globo SA transformando-se a Editora Globo em filial
19491986 a Globo publica cerca de 950 ediccedilotildees
1952 eacute fundada a Rio Graacutefica Editora no Rio de Janeiro pelas Organizaccedilotildees Globo do jornalista Roberto Marinho com um dos maiores parques graacuteficos da Ameacuterica Latina
1956 o cataacutelogo da Globo atinge dois mil tiacutetulos A editora eacute reestruturada e separa-se da livraria criando-se a Editora Globo SA e a Livraria do Globo SA
1957 Joseacute Otaacutevio filho de Henrique Bertaso passa a trabalhar na Globo
1959 a Editora Globo lanccedila a Coleccedilatildeo Catavento que em 1964 conta com mais de 75 tiacutetulos
1975 Falece Erico Verissimo A Editora Globo publica as obras completas do autor ateacute 2004
1980 a Editora Globo passa a operar no Rio de Janeiro
1986 a Editora Globo eacute adquirida pela Rio Graacutefica Editora incorporando-se agraves Organizaccedilotildees Globo do jornalista Roberto Marinho
1987 lanccedilada a revista A Turma da Mocircnica de Mauricio de Sousa Mauricio de Sousa eacute criador das dez publicaccedilotildees mais importantes de histoacuterias em quadrinhos da Globo como Mocircnica Cebolinha Chico Bento Cascatildeo e Magali
1989 a Rio Graacutefica Editora eacute incorporada pela Editora Globo passando desde entatildeo a constituir-se como Editora Globo SA
1990-2000 a Editora Globo publica enciclopeacutedias para estudantes cursos de idiomas e de artes fasciacuteculos sobre temas variados CD-Roms e coleccedilotildees diversas
1990 inicia-se a publicaccedilatildeo das obras completas de Oswald de Andrade
2001 a Editora Globo cria a Unidade de Negoacutecios de Livros e Publicaccedilotildees (Globo Livros) dividida em duas editorias Volta a investir na publicaccedilatildeo de livros Publica 84 tiacutetulos
2002 inicia-se a ediccedilatildeo das obras completas de Hilda Hilst (no mesmo ano a Globo recebe o Grande Precircmio da Criacutetica concedido pela Associaccedilatildeo Paulista de Criacuteticos de Arte por esta ediccedilatildeo) e a reediccedilatildeo das obras completas de Oswald de Andrade Neste ano a editora lanccedila 83 tiacutetulos
219
2003 Bruno Tolentino recebe o Precircmio Jabuti de poesia por O mundo como ideacuteia Satildeo publicados 70 tiacutetulos
2004 inicia-se a parceria com a TV Globo para publicaccedilatildeo da seacuterie de fasciacuteculos (com DVDs) do programa Globo Rural e livros do programa Fantaacutestico como A Fantaacutestica volta ao mundo do jornalista Zeca Camargo Lanccedila a coleccedilatildeo Claacutessicos Globo e assina contrato com Ziraldo para publicar revistas de HQ e outros produtos Publica 89 tiacutetulos no ano
2005 publica o primeiro dos cinco volumes do Livro das mil e uma noites pela primeira vez traduzido para a liacutengua portuguesa diretamente do aacuterabe e comeccedila a reeditar as obras reunidas de Mario Quintana
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3
COMISSAtildeO EXAMINADORA
_____________________________________________________
Professora Doutora Vaacutelmi Hatje-Faggion Orientadora
Universidade de Brasiacutelia (UnB)
Professora Doutora Sudha Swarnakar Examinadora Externa
Universidade Estadual da Paraiacuteba (UEPB)
____________________________________________________
Professora Doutora Cynthia Ann Bell dos Santos Examinadora Interna
Universidade de Brasiacutelia (UnB)
________________________________________________________________
Professora Doutora Germana Henriques Pereira de Sousa Suplente
Universidade de Brasiacutelia (UnB)
Brasiacutelia 17 de julho de 2009
4
DEDICATOacuteRIA
Ao meu saudoso pai Seu Joatildeo
que do plano eteacutereo onde agora habita
por certo contempla feliz minha conquista
Agrave minha querida matildee Dona Vilma
a quem principalmente devo
o incentivo para minha formaccedilatildeo cultural
Agrave minha doce esposa Patriacutecia Emanuelle
que com sua ternura intelecto e amor
desempenhou um papel fundamental neste mestrado
5
AGRADECIMENTOS
Ao Criador Agente Supremo por minha vida e pela capacidade que me dotou
Agrave minha orientadora professora Vaacutelmi Hatje-Faggion por sua atenccedilatildeo vigilante
seus conselhos valiosos e sobretudo por seu carinho apoio e caraacuteter
Agraves examinadoras da banca professoras Sudha Swarnakar Cynthia Ann Bell dos
Santos e Germana Henrique Pereira de Sousa pela honra de tecirc-las presentes no aacutepice deste
processo
Aos professores da Universidade de Brasiacutelia que direta ou indiretamente me
ajudaram durante as etapas deste mestrado
em especial ao professor Aacutelvaro Faleiros por
sua simpatia e pelo seu conhecimento transmitido
A todos os funcionaacuterios principalmente agrave Thelma agrave Eliane e ao Guilherme
Aos meus colegas de mestrado pela amizade e companheirismo nas horas de
anguacutestia e de alegria
Ao Ivan Pinheiro Machado editor da LampPM por sua atenccedilatildeo e tempo
dispensados nas respostas ao questionaacuterio que lhe enviei
Agrave tradutora Ana Ban por sua importante contribuiccedilatildeo ao responder as minhas
questotildees e tambeacutem por sua prontidatildeo e desejo de me ajudar
Aos meus mestres do passado e colegas de infacircncia e juventude companheiros
que me ajudaram a formar e a consolidar minha bagagem intelectual e humana Saudades
6
O que vale na vida natildeo eacute o ponto de partida e sim a caminhada
Caminhando e semeando no fim teraacutes o que colher
Cora Coralina
Valeu a pena Tudo vale a pena
Se a alma natildeo eacute pequena
Quem quer passar aleacutem do Bojador
Tem que passar aleacutem da dor
Deus ao mar o perigo e o abismo deu
Mas nele eacute que espelhou o ceacuteu
Fernando Pessoa
7
RESUMO
Esta dissertaccedilatildeo investiga a atividade tradutoacuteria como reescritura ou seja a traduccedilatildeo compreendida como um novo texto construiacutedo conforme a subjetividade do tradutor o qual tambeacutem dirige seu olhar para o autor o texto e a cultura de partida e para a recepccedilatildeo em seus aspectos de aceitabilidade do que seraacute o produto final Entende-se que a recepccedilatildeo eacute constituiacuteda natildeo soacute pelo puacuteblico leitor geral mas tambeacutem por vaacuterios agentes inseridos na complexa dinacircmica social onde sempre imperam conceitos de ordem ideoloacutegica e de poder que consequumlentemente vatildeo interferir de alguma forma no processo de escolha seleccedilatildeo e publicaccedilatildeo da traduccedilatildeo Estas ideacuteias encontram subsiacutedio na teoria dos polissistemas particularmente na contribuiccedilatildeo de intelectuais como Itamar Even-Zohar Gideon Toury e Andreacute Lefevere dentre outros Eacute esta a base teoacuterica principal que fundamentaraacute este trabalho que consiste no estudo de alguns problemas de traduccedilatildeo ou seja as diferenccedilas nem sempre conciliaacuteveis entre a cultura do texto de partida e a cultura do texto de chegada Dentre esses problemas que causam dificuldades ao tradutor destaca-se a questatildeo de como traduzir a liacutengua oral utilizada pelos personagens de John Steinbeck em seu romance Of mice and men Logo seraacute realizada uma anaacutelise descritiva e comparativa de trecircs traduccedilotildees desse romance publicadas no Brasil em diferentes eacutepocas todas sob o tiacutetulo comum Ratos e homens a primeira traduccedilatildeo eacute de Eacuterico Veriacutessimo (Porto Alegre Editora do Globo 1940) a segunda eacute de Myriam Campello (Satildeo Paulo Ciacuterculo do Livro 1991) e a terceira eacute de Ana Ban (Porto Alegre LampPM 2005) Para este propoacutesito como referecircncia teoacuterica de anaacutelise seraacute utilizado como ponto de partida o esquema teoacuterico de descriccedilatildeo de traduccedilotildees literaacuterias de Lambert e Van Gorp (1985) (dividido em quatro estaacutegios dados preliminares macroestrutura microestrutura e contexto sistecircmico) Os dados deste estudo indicam como a dinacircmica social e seus agentes interferem no processo de elaboraccedilatildeo de uma reescritura tendo os usos da liacutengua oral como uma dificuldade relevante para o tradutor Deste modo observa-se como e por que os tradutores de Steinbeck analisados aqui propotildeem soluccedilotildees diferentes para a linguagem dos diaacutelogos em Of mice and men caracterizada como um dialeto estigmatizado da liacutengua inglesa mas que ganha perfis diferenciados nestas traduccedilotildees brasileiras
Palavras-chave traduccedilatildeo literaacuteria
oralidade
variedades linguumliacutesticas
reescrituras
John Steinbeck
Of mice and men
8
ABSTRACT
This master s thesis investigates translating as a rewriting activity that is the translation is understood as a new text constructed according to the translators subjectivity while looking towards the author the text and the source culture and towards the reception in terms of the acceptability of what is to become the final product It is understood that reception includes not only readers in general but also several agents who are part of the complex social dynamics where ideological and power concepts prevail the consequence being that they will exert some manner of intervention in the processes involved in the choice selection and publication of a given translation These ideas find subsidies in the polysystem theory particularly in contributions given by intellectuals such as Itamar Even-Zohar Gideon Toury and Andreacute Lefevere among others This is the main theoretical basis sustaining this paper consisting in the study of some translation problems that is differences that arent always reconcilable between the culture that gave rise to the original text and the target culture of that text Of special notice among the problems causing difficulties for the translator is the question of how to translate the oral language used by John Steinbecks characters in his novel Of mice and men A descriptive and comparative analysis of three translations of this novel published in Brazil in different periods all under the common title Ratos e homens will follow The first translation is by Eacuterico Veriacutessimo (Porto Alegre Editora do Globo 1940) the second by Myriam Campello (Satildeo Paulo Ciacuterculo do Livro 1991) and the third by Ana Ban (Porto Alegre LampPM 2005) To this end as theoretical reference for our analysis Lambert amp Van Gorps (1985) description scheme of literary translations (divided in four stages preliminary data macro-level micro-level and systemic context) will be used as a starting point The data on this paper indicate how the social dynamics and its agents interfere in the development process of a rewriting when the use of oral language becomes a relevant difficulty for the translator They make it possible to note how and why the Steinbecks translators analyzed in this paper proposed different solutions for the language used in the dialogs found in Of mice and men characterized as a stigmatized dialect of the English language but which gains differing profiles in these Brazilian translations
Key words literary translation orality linguistic varieties rewritings John Steinbeck
Of mice and men
9
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO12
1 CONSIDERACcedilOtildeES SOBRE A ATIVIDADE TRADUTOacuteRIA E FUNDAMENTOS
DA TEORIA DOS POLISSISTEMAS18
11 A atividade tradutoacuteria algumas consideraccedilotildees19
12 A teoria dos polissistemas23
121 Fundamentos23
122 Conceito de sistema e polissistema25
123 Polissistema cultural28
124 Sistema literaacuterio30
125 Literatura traduzida como sistema sistema canonizado vs sistema natildeo
canonizado31
13 O papel das normas na traduccedilatildeo literaacuteria35
14 As teorias da reescritura e das refraccedilotildees41
15 O esquema teoacuterico de Lambert e Van Gorp para descriccedilatildeo de traduccedilotildees
literaacuterias45
16 Paratextos47
2 CULTURA LINGUAGEM E A TRADUCcedilAtildeO DE VARIEDADES LINGUumlIacuteSTICAS
NA LITERATURA50
21 A necessidade de novas traduccedilotildees50
22 Aspectos culturais na traduccedilatildeo55
221 Visotildees de mundo diferenccedilas culturais e juiacutezos de valor55
222 Expressotildees idiomaacuteticas57
223 A sugestividade do tiacutetulo59
224 Nomes proacuteprios61
225 Formas de tratamento e vocativos66
23 Linguagem e traduccedilatildeo68
231 Terminologia e conceitos da Linguumliacutestica68
2311 Idioma68
2312 Liacutengua68
10
2313 Dialeto70
2314 Idioleto71
2315 Variedade linguumliacutestica72
2316 Registro73
2317 Norma-padratildeo76
232 A linguagem na literatura escrita e traduzida78
2321 O prestiacutegio da norma-padratildeo78
2322 Variedades linguumliacutesticas na literatura escrita e traduzida81
24 A traduccedilatildeo de variedades linguumliacutesticas e desvios da norma-padratildeo da liacutengua83
3 OF MICE AND MEN ASPECTOS GERAIS E TRADUCcedilOtildeES 95
31 O escritor John Steinbeck biobibliografia95
32 John Steinbeck no sistema literaacuterio dos Estados Unidos98
33 A obra Of mice and men 102
331 Resumo expandido102
332 A linguagem106
34 Traduccedilotildees de Of mice and men110
35 Os tradutores112
351 Eacuterico Veriacutessimo um escritor-tradutor na Era Vargas112
352 Myriam Campello116
353 Ana Ban117
36 As editoras119
361 A editora da Livraria do Globo120
362 O Ciacuterculo do Livro124
363 A editora LampPM125
4 ANAacuteLISE COMPARATIVA DE TREcircS TRADUCcedilOtildeES DE OF MICE AND MEN
ASPECTOS GERAIS129
41 Dados preliminares130
42 Macroestrutura 134
43 Microestrutura137
44 Contexto sistecircmico147
11
5 A LINGUAGEM DE OF MICE AND MEN NAS TRADUCcedilOtildeES EM PORTUGUEcircS
BRASILEIRO OUTROS ASPECTOS153
51 A linguagem da narrativa153
52 A linguagem dos diaacutelogos159
521 O dialeto dos personagens164
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS179
REFEREcircNCIAS187
ANEXOS197
ANEXO I EDICcedilOtildeES DE OF MICE AND MENRATOS E HOMENS198
A
Of mice and men Oxford Heineman Educational Books Ltd sd 198
B
Ratos e homens Traduccedilatildeo de Eacuterico Veriacutessimo Porto Alegre Livraria do Globo
1940202
C
Ratos e homens Traduccedilatildeo de Myriam Campello Satildeo Paulo Ciacuterculo do Livro
1991205
D
Ratos e homens Traduccedilatildeo de Ana Ban Porto Alegre LPampM 2005208
ANEXO II DADOS DA PECcedilA TEATRAL ENCENADA EM 26 DE SETEMBRO DE
1956 NO TEATRO DE ARENA SAtildeO PAULO211
ANEXO III FILME DIRIGIDO POR GARY SINISE (1992)212
ANEXO IV QUESTIONAacuteRIO RESPONDIDO PELA TRADUTORA ANA
BAN213
ANEXO V
QUESTIONAacuteRIO RESPONDIDO POR IVAN PINHEIRO MACHADO
EDITOR DA LampPM POCKET215
ANEXO VI CRONOLOGIA DA GLOBOLIVROS217
12
INTRODUCcedilAtildeO
Chega mais perto e contempla as palavras cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra e te pergunta sem interesse pela resposta
pobre ou terriacutevel que lhe deres Trouxeste a chave
Carlos Drummond de Andrade
Dentre as modalidades de traduccedilatildeo escrita a traduccedilatildeo literaacuteria constitui um grande
desafio pelo alto grau de subjetividade dos textos de partida a emoccedilatildeo e a sensibilidade satildeo
suas linhas mestras que podem se apoiar em metaacuteforas jogos de palavras e todo tipo de
metalinguagem que pode resultar em interpretaccedilotildees variadas de acordo com os propoacutesitos de
cada autor Nesse acircmbito os gecircneros literaacuterios (eg a poesia o conto o romance etc) por
suas particularidades exigem do tradutor um grande esforccedilo no sentido de preservar ou
adaptar sua estrutura de maneira adequada Cada um desses gecircneros estaacute submetido a uma
forma mais ou menos riacutegida de composiccedilatildeo seguindo ou natildeo as tendecircncias de seu tempo e de
sua cultura e que ao serem traduzidas para outra liacutengua natildeo encontram necessariamente a
mesma tipologia e tradiccedilatildeo na cultura da liacutengua de chegada Outro complicador satildeo os
recursos literaacuterios como ocorre na versificaccedilatildeo (meacutetrica rimas ritmo) e em efeitos sonoros
mais comuns na poesia como a aliteraccedilatildeo e a assonacircncia
O romance embora geralmente liberado das pressotildees da meacutetrica e da rima em
que os efeitos sonoros desempenham um papel menor ainda conteacutem caracteriacutesticas que
representam dificuldades para o tradutor a sugestividade do tiacutetulo os nomes proacuteprios a
composiccedilatildeo dos personagens e suas caracteriacutesticas em relaccedilatildeo com a cultura de chegada as
variedades linguumliacutesticas (idioma liacutengua socioleto dialeto idioleto norma-padratildeo e seus
desvios etc) tom e registro dentre outras A composiccedilatildeo dos personagens aleacutem do seu
aspecto descritivo pode lanccedilar matildeo de outro recurso os efeitos da liacutengua oral com toda a sua
riqueza e peculiaridade que podem caracterizar a informalidade da fala reflexos
momentacircneos da emoccedilatildeo ou mesmo definir o seu perfil por exemplo de acordo com a sua
etnia grupo social niacutevel social gecircnero faixa etaacuteria etc Este uacuteltimo item representa um
grande desafio para o tradutor sobretudo quando a liacutengua ajuda a compor o perfil dos
personagens quando estes fazem uso dela em diaacutelogos ou monoacutelogos com efeitos muitas
vezes caracteriacutesticos da expressatildeo oral com toda a sua riqueza e peculiaridade em situaccedilotildees
do discurso que expressam principalmente os niacuteveis formal e informal da fala
13
O presente estudo por isso realizaraacute uma investigaccedilatildeo detalhada do fenocircmeno
traduccedilatildeo de uma variedade linguumliacutestica estigmatizada1 do inglecircs escrita representando a
oralidade e submetida a variaacuteveis que influenciam o modo como as traduccedilotildees satildeo elaboradas
o proacuteprio autor e a sua obra (o texto de partida) a subjetividade de quem traduz as
preferecircncias do puacuteblico leitor e os agentes institucionais Estas variaacuteveis estatildeo submetidas a
outros itens fundamentais a cultura e o tempo que satildeo determinantes sobre as transformaccedilotildees
da liacutengua e as preferecircncias e o gosto em relaccedilatildeo aos seus usos
Cada tradutor representa um universo sem igual idiossincraacutetico e sua
subjetividade e personalidade se refletem no seu produto voluntaacuteria ou involuntariamente Se
um mesmo texto for traduzido por vaacuterias pessoas o resultado disso seratildeo novos textos
diferentes entre si Portanto este estudo utilizaraacute o romance Of mice and men de John
Steinbeck em trecircs traduccedilotildees brasileiras para a liacutengua portuguesa todas sob o tiacutetulo Ratos e
homens a primeira publicada em 1940 pela editora Livraria do Globo
Porto Alegre
RS
de Eacuterico Veriacutessimo2 a segunda de Myriam Campello publicada em 1991 pela editora
Ciacuterculo do Livro
Satildeo Paulo SP e a terceira de Ana Ban publicada em 2005 pela editora
LampPM
Porto Alegre
RS as quais seratildeo analisadas e comparadas a fim de se verificar as
motivaccedilotildees e escolhas de cada tradutor ou dos agentes institucionais levando em
consideraccedilatildeo as barreiras e limitaccedilotildees de duas culturas diferentes nesse intercacircmbio e a
dinacircmica das liacutenguas Deste modo percebe-se de um lado o escritor John Steinbeck a eacutepoca
do lanccedilamento do seu livro Of mice and men (1937) e seu puacuteblico leitor angloacutefono de outro
1 Variedade linguumliacutestica estigmatizada
conforme proposta terminoloacutegica de Marcos Bagno Na literatura sociolinguumliacutestica eacute comum opor prestiacutegio a estigma O estigma em termos socioloacutegicos eacute um julgamento extremamente negativo lanccedilado pelos grupos sociais dominantes sobre os grupos subalternos e oprimidos e por extensatildeo sobre tudo o que caracteriza seu modo de ser sua cultura e obviamente sua liacutengua Assim para designar as variedades linguumliacutesticas que caracterizam os grupos sociais desprestigiados do Brasil () sugiro que a gente passe a empregar a expressatildeo variedades estigmatizadas (BAGNO 2005 67)
Bagno se refere agraves variedades linguumliacutesticas dos grupos sociais desprestigiados do Brasil entretanto por se entender que a questatildeo prestiacutegio versus estigma se trata de um fenocircmeno comum a vaacuterias sociedades humanas inclusive agrave sociedade estadunidense o termo variedade linguumliacutestica estigmatizada ganhou amplitude aqui aplicando-se tambeacutem ao dialeto da liacutengua inglesa usado pelos personagens de Of mice and men de John Steinbeck foco desta dissertaccedilatildeo de mestrado Outros termos de uso frequumlente neste trabalho oriundos da Linguumliacutestica (idioma liacutengua variedade linguumliacutestica dialeto registro tom etc) seratildeo discutidos e conceituados no capiacutetulo 2
2 Outra editora que tambeacutem publicou a traduccedilatildeo de Eacuterico Veriacutessimo de Of mice and men (1968) foi a Bruguera Segundo Liacutevio Lima de Oliveira (2007 5) a Bruguera era outra editora importante que surgiu em meados de 1970 e tentou conquistar o puacuteblico com uma coleccedilatildeo de livros de bolso Tratava-se de uma filial de uma grande editora argentina comandada por Francisco Bruguera em Buenos Aires Fazia parte da sua coleccedilatildeo o cataacutelogo Livro Amigo constituiacutedo por ficccedilatildeo brasileira e estrangeira (a maioria jaacute em domiacutenio puacuteblico) e anunciava um novo tiacutetulo a cada quinze dias conforme Hallewell (1985 564) e Coutinho apud Oliveira (2007 5) A traduccedilatildeo de 1940 portanto foi atualizada na ediccedilatildeo de 1968 por causa da vigecircncia de outro acordo ortograacutefico da liacutengua portuguesa de 1942
14
os tradutores Eacuterico Veriacutessimo Myriam Campello e Ana Ban cada qual com seu puacuteblico leitor
brasileiro situado em eacutepocas distintas (deacutecadas de 1940 1960 1990 e anos 2000
respectivamente) e suas traduccedilotildees
A metodologia de anaacutelise das traduccedilotildees utilizada adota o esquema descritivo de
Lambert e Van Gorp (1985 42-53) disposto em quatro estaacutegios nesta ordem dados
preliminares macroestrutura microestrutura e contexto sistecircmico3 Este esquema favorece o
estudo dos resultados na investigaccedilatildeo de fatores de influecircncia sobre as traduccedilotildees em questatildeo
em aspectos amplos incluindo-se natildeo apenas as estrateacutegias dos tradutores mas tambeacutem as
dos agentes institucionais (editoras revisores) o mercado de consumo e o proacuteprio produto
publicado (a traduccedilatildeo) dentre outros componentes de decisatildeo no processo tradutoacuterio
Os exemplos para anaacutelise seratildeo selecionados considerando-se trechos do texto de
partida em que a liacutengua inglesa esteja expressa no dialeto inglecircs mencionado acima em
diaacutelogos mas tambeacutem onde houver trechos relevantes da narrativa em inglecircs padratildeo (a
tipologia textual onde predomina a escrita formal de prestiacutegio em contraste com aquela
variedade linguumliacutestica estigmatizada caracteriacutestica da liacutengua falada) De ambos os registros
linguumliacutesticos ou no texto como um todo outros itens que representem problemas de traduccedilatildeo
seratildeo expostos como o tiacutetulo os nomes proacuteprios itens lexicais dentre outros
Visando esclarecer questotildees pertinentes agraves traduccedilotildees sob o ponto de vista dos
tradutores e das suas respectivas editoras haacute neste trabalho dados obtidos por pesquisa em
registros diversos em documentos impressos (pesquisa bibliograacutefica) na rede mundial de
computadores a Internet Os questionaacuterios foram utilizados com o objetivo de complementar
dados como as estrateacutegias de cada tradutor e as poliacuteticas de cada editora
Eacute sempre interessante buscar informaccedilotildees sobre os profissionais da traduccedilatildeo a
fim de consolidar a pesquisa com argumentos e justificativas de quem realizou o trabalho No
caso de Eacuterico Veriacutessimo jaacute falecido as alternativas foram a pesquisa bibliograacutefica e a busca
na Internet Quanto agraves tradutoras Myriam Campello e Ana Ban tentou-se em primeiro lugar
realizar contatos pessoais A partir dessas tentativas apenas se conseguiu comunicaccedilatildeo com
Ana Ban que respondeu a um questionaacuterio enviado por e-mail Os dados obtidos esclarecem
questotildees por exemplo sobre a composiccedilatildeo de seu perfil como tradutora sua argumentaccedilatildeo
sobre algumas soluccedilotildees e preferecircncias na traduccedilatildeo de Of mice and men informaccedilotildees de
motivaccedilatildeo mercadoloacutegica mencionando quais criteacuterios foram utilizados para publicar sua
traduccedilatildeo e ateacute que ponto ela teve autonomia para executar a sua tarefa De modo similar foi
3 Preliminary Data Macro-Level Micro-Level Systemic Context
15
obtido contato com a Editora LampPM representada por Ivan Pinheiro Machado o qual
tambeacutem respondeu a um questionaacuterio enviado por e-mail tambeacutem com questotildees que
abrangiam o mesmo assunto mas na perspectiva do editor Visto que a editora Ciacuterculo do
Livro jaacute natildeo mais existe as informaccedilotildees sobre ela foram obtidas apenas pelas vias da pesquisa
bibliograacutefica e da Internet o que aliaacutes foi tambeacutem o caminho da pesquisa sobre a Editora do
Globo de Porto Alegre incorporada agraves Organizaccedilotildees Globo em 1986 (TORRESINI 1998
apud TORRESINI 2004 12)
A escolha de Of mice and men como objeto deste estudo se deve por ser de um
autor premiado John Steinbeck (por exemplo precircmios Pulitzer de 1940 e Nobel de 1962)
reconhecido mundialmente com obras traduzidas para vaacuterios idiomas De acordo com
Goldstone e Payne (1974) apud Holmes (2004 22-40) Of mice and men destaca-se entre as
obras mais conhecidas e traduzidas de Steinbeck aleacutem de apresentar personagens que
utilizam em seus diaacutelogos uma variedade linguumliacutestica regional e estigmatizada do inglecircs
estadunidense O autor procurou representar na escrita dos diaacutelogos as marcas da oralidade o
que pelos motivos apresentados aqui pode ser um problema relevante para o tradutor
literaacuterio Essa linguagem estaacute diretamente ligada ao contexto sociocultural em que a histoacuteria
se passa (zona rural da Califoacuternia Estados Unidos deacutecada de 1930 no periacuteodo da Grande
Depressatildeo) o que pode derivar outras questotildees para o estudo de traduccedilotildees O problema da
traduccedilatildeo da oralidade como seraacute visto estaacute relacionado a como diferentes tradutores
encontram suas soluccedilotildees diante da sua perspectiva pessoal e de valores agregados conforme
seu tempo sua cultura e outras variaacuteveis que podem exercer influecircncia sobre o modo de
traduzir como os agentes institucionais
Durante as anaacutelises das trecircs traduccedilotildees supracitadas por conseguinte foram
constatados diferentes tratamentos dados a esse dialeto por parte de cada tradutor resultando
em diferenccedilas notaacuteveis principalmente no niacutevel do registro escolhido decrescente em grau de
formalidade desde a traduccedilatildeo de Veriacutessimo (1940) passando pelo trabalho de Myriam
Campello (1991) ateacute a traduccedilatildeo de Ana Ban (2005) esta a que mais tenta se aproximar do
niacutevel de linguagem do texto de partida Um dos problemas levantados considera o estudo de
John Milton (2002) sobre romances claacutessicos traduzidos para o portuguecircs entre 1945 e 1975
em que ele salienta que a praacutetica do mercado editorial brasileiro tentava evitar a maacutecula dos
desvios da norma-padratildeo do portuguecircs em traduccedilotildees de romances claacutessicos estrangeiros As
razotildees para essa conduta
anular variedades linguumliacutesticas de baixo prestiacutegio
merecem
portanto serem abordados de forma mais sistemaacutetica
16
As especificidades de uma liacutengua na sua tentativa de transposiccedilatildeo para outra
podem se revelar inconciliaacuteveis e apenas remediadas em compensaccedilotildees perdas e acreacutescimos
(manipulaccedilotildees) em virtude das diferenccedilas entre as culturas do texto de partida e do texto de
chegada Assim por exemplo considerando-se o caraacuteter evolutivo das liacutenguas dentro das
perspectivas histoacuterica geograacutefica e sociolinguumliacutestica algueacutem poderia cogitar ao traduzir ser
possiacutevel encontrar ou ateacute mesmo criar uma variedade linguumliacutestica correspondente agrave do texto
de partida Por outro lado haveria tambeacutem a opccedilatildeo de estrangeirizaacute-la (VENUTTI 1998
240-244) O que importa saber no tocante a qualquer uma dessas opccedilotildees eacute ateacute onde isso seria
possiacutevel e adequado se o que realmente se almeja eacute ser fiel ao texto original ou de outro
modo lanccedilar matildeo de algumas liberdades e traiccedilotildees segundo a cultura do puacuteblico leitor da
traduccedilatildeo
Quando se considera o puacuteblico leitor a recepccedilatildeo eacute notaacutevel o fato de que se o
objetivo de um tradutor eacute ser lido e remunerado por seu trabalho o seu produto deveraacute
alcanccedilar uma ampla divulgaccedilatildeo e a maneira mais comum eacute fazer isso pelo lado comercial O
tradutor entatildeo natildeo poderaacute mais realizar sua tarefa a seu bel-prazer e deveraacute submeter-se a
certas tendecircncias de mercado e agraves normas expliacutecitas e impliacutecitas dos agentes institucionais
que envolvem por exemplo a editora que conta com suas normas para publicaccedilatildeo (projetos
de traduccedilatildeo) e revisores e a complexa rede que compotildee a sociedade seu tempo seu espaccedilo e
sua cultura Para refletir sobre esses aspectos pode-se encontrar respaldo na teoria dos
polissistemas literaacuterios idealizada e discutida por intelectuais como Itamar Even-Zohar
Gideon Toury e Andreacute Lefevere que entendem a Literatura como um sistema manipulado
obedecendo a regras e restriccedilotildees ditadas pela cultura das sociedades num tempo e num
espaccedilo determinados
Esta dissertaccedilatildeo eacute composta de seis capiacutetulos No Capiacutetulo 1 seratildeo apresentadas
consideraccedilotildees gerais sobre traduccedilatildeo da teoria dos polissistemas A partir daiacute seraacute configurado
um segundo momento da exposiccedilatildeo em que se discorreraacute sobre essa teoria no que concerne a
sua origem seus fundamentos e seus desmembramentos aleacutem de se explorar em detalhes as
colocaccedilotildees de alguns teoacutericos dessa corrente que abordam o conceito de polissistema a
traduccedilatildeo como reescritura razotildees e criteacuterios que justificam novas traduccedilotildees Tambeacutem faratildeo
parte deste arcabouccedilo teoacuterico consideraccedilotildees sobre o esquema de anaacutelise descritiva de
traduccedilotildees de Lambert e Van Gorp (1985)
O capiacutetulo 2 se divide em trecircs partes Na primeira parte satildeo feitas reflexotildees sobre
dificuldades que o tradutor encontra na traduccedilatildeo literaacuteria e sobre o caraacuteter temporaacuterio das
traduccedilotildees devido agraves inconstacircncias da liacutengua sob influecircncia da cultura e do tempo tornando
17
necessaacuteria a renovaccedilatildeo pelo surgimento de novas traduccedilotildees de uma mesma obra Na segunda
parte satildeo abordadas questotildees da linguagem no que concerne a conceitos da Linguumliacutestica
adotados nesta dissertaccedilatildeo e os usos da liacutengua na literatura como problema de traduccedilatildeo E na
terceira parte seraacute dado um tratamento mais especiacutefico da linguagem na traduccedilatildeo dedicada agrave
traduccedilatildeo de variedades linguumliacutesticas estigmatizadas na literatura
No capiacutetulo 3 seratildeo apresentados o texto de partida e suas respectivas traduccedilotildees
Essas informaccedilotildees incluem a biobibliografia do autor John Steinbeck sua presenccedila no sistema
literaacuterio estadunidense e sua repercussatildeo perante a criacutetica e o puacuteblico mundial aleacutem de dados
sobre os tradutores brasileiros as editoras e os diferentes contextos em que o texto de partida
e suas reescrituras foram produzidos
No capiacutetulo 4 o esquema teoacuterico de descriccedilatildeo de traduccedilotildees literaacuterias de Lambert e
Van Gorp (1985) seraacute adotado como ponto de partida para uma anaacutelise comparativa do texto
de partida e suas respectivas traduccedilotildees
O capiacutetulo 5 trataraacute de questotildees de estilo e linguagem das traduccedilotildees analisadas
sobretudo a traduccedilatildeo do dialeto utilizado pelos personagens de Of mice and men
O capiacutetulo 6 constituiraacute as Consideraccedilotildees Finais em que satildeo retomados os
principais aspectos do trabalho desenvolvido com enfoque sobre os resultados das anaacutelises
das traduccedilotildees e seu respectivo texto de partida
Natildeo haacute a pretensatildeo aqui de apenas descrever o que ocorre nessas trecircs traduccedilotildees
publicadas mas sim comparaacute-las criticamente tentando interpretar cada texto no sentido de
examinar o comportamento e as tendecircncias de cada tradutor em suas escolhas tradutoacuterias Tais
interpretaccedilotildees poderatildeo gerar pontos de vista relevantes aos profissionais da traduccedilatildeo que se
depararem com a questatildeo da traduccedilatildeo de dialetos de baixo prestiacutegio deixando espaccedilo para
futuras pesquisas nesse campo onde a abordagem natildeo tenha se mostrado suficiente ou ateacute
mesmo onde ela seja omissa
18
1 CONSIDERACcedilOtildeES SOBRE A ATIVIDADE TRADUTOacuteRIA E FUNDAMENTOS
DA TEORIA DOS POLISSISTEMAS
Por entre as linhas incautas da leitura ideacuteia insidiosa se insinua
como se sugerisse um outro texto mais vivo extremo e verdadeiro
Paulo Henriques Britto
Este capiacutetulo destaca alguns pontos a respeito de pensamentos e tendecircncias acerca
da traduccedilatildeo dentro de um percurso histoacuterico que se estende ateacute o seacuteculo XX com o advento
dos estudos poacutes-coloniais Esta exposiccedilatildeo visa abordar alguns aspectos sobre como a
atividade tradutoacuteria viveu momentos diferentes transiccedilotildees e mudanccedilas de pensamento e
atitude ateacute a chegada dos pressupostos teoacutericos mais relevantes para este trabalho de
dissertaccedilatildeo a teoria dos polissistemas As reflexotildees advindas de um passado mais remoto
contrastadas com essa teoria criada no final da deacutecada de 1970 pelo israelense Itamar Even-
Zohar deixam entrever repercussotildees ou ecos que ainda satildeo percebidos hoje como no caso
especiacutefico da influecircncia francesa na cultura brasileira via Portugal por meio do classicismo
das belles infidegraveles conforme estudos de Milton (1998 e 2002) Daiacute cogita-se por exemplo
que em traduccedilotildees anteriores ao surgimento da teoria dos polissistemas (caso da traduccedilatildeo de Of
mice and men por Eacuterico Veriacutessimo de 1940) a forccedila dessa influecircncia francesa seria mais
marcante
Com o advento dos estudos poacutes-coloniais jaacute no seacuteculo XX a postura criacutetica sobre
a literatura a linguumliacutestica e o modus operandi tradicional no traduzir deu gecircnese a outros
fundamentos como por exemplo o formalismo russo uma fonte que Even-Zohar utilizou
para criar a sua teoria embasada no conceito de sistemas A partir desse ponto seraacute dado maior
destaque aos fundamentos teoacutericos da teoria dos polissistemas aperfeiccediloada por Gideon
Toury e explorada por outros estudiosos em suas derivaccedilotildees encontradas por exemplo na
teoria das refraccedilotildees e da teoria da reescritura de Andreacute Lefevere Neste acircmbito Lambert e
Van Gorp (1985 42-53) propotildeem um esquema teoacuterico de descriccedilatildeo de traduccedilotildees literaacuterias o
qual seraacute tambeacutem apresentado
19
11 A atividade tradutoacuteria algumas consideraccedilotildees
Por muitos seacuteculos desde a origem das liacutenguas e da inserccedilatildeo e inter-relaccedilatildeo do
homem nas mais diversas culturas e sua necessidade de comunicar e fazer-se entender a
traduccedilatildeo lhe serviu para esse fim Observando-se a atividade tradutoacuteria no percurso histoacuterico
vaacuterias opiniotildees e pontos de vista jaacute foram emitidos Na tradiccedilatildeo ocidental desde a
Antiguumlidade passando pela Idade Meacutedia e Renascimento a ideacuteia central sobre o tradutor e a
traduccedilatildeo escrita estaacute associada agrave imitaccedilatildeo do texto original e ao respeito profundo ao seu
autor Durante os seacuteculos XVII e XVIII destacam-se duas tendecircncias com caracteriacutesticas bem
particulares na Inglaterra o periacuteodo Augustan e na Franccedila a corrente das belles infidegraveles
Milton (1998) aborda o periacuteodo Augustan situando-o numa atitude dos tradutores
ingleses que tendiam a fazer versotildees livres ou libertinas mas que natildeo assinalavam a
liberdade completa Bassnett (2003 104) exemplifica isso com John Denham o qual via
igualdade entre o tradutor e o autor original que operavam em contextos sociais e temporais
bem diferenciados Ele salientava que o dever do tradutor seria extrair do texto de partida
aquilo que considera ser o nuacutecleo essencial da obra e reproduzir ou recriar a obra na liacutengua
de chegada De maneira geral os tradutores do classicismo inglecircs estatildeo ligados a uma teoria
em que haacute certo balanccedilo certa flexibilidade no tocante agrave traduccedilatildeo por vezes mais riacutegida
outras vezes mais livre segundo a sensibilidade de quem a executa Assim os Augustans
fornecem subsiacutedios para reflexatildeo no tocante a essa certa liberdade tradutoacuteria num pecircndulo
que oscila entre a obediecircncia servil ao autor e ao gosto do puacuteblico
Essa preocupaccedilatildeo com o gosto do puacuteblico se acentua nos tradutores franceses
dos seacuteculos XVII e XVIII fazendo com que a liberdade relativa nos ingleses encontrasse
toda a sua forccedila e plenitude na Franccedila das belles infidegraveles Assim os franceses a fim de
chegar agrave clareza de expressatildeo e agrave harmonia de som muitas vezes faziam acreacutescimos
alteraccedilotildees e omissotildees nas suas traduccedilotildees (MILTON 1998 55) Seligmann-Silva (2003)
afirma que naquela eacutepoca a traduccedilatildeo era basicamente concebida como imitaccedilatildeo de um
original pensada no sentido da tradiccedilatildeo claacutessica renascentista de imitaccedilatildeo vinculada ao
trabalho de eleiccedilatildeo imitaccedilatildeo que embeleza o modelo segundo a tradiccedilatildeo da Antiguumlidade de
que natildeo existe mimesis sem criaccedilatildeo poiesis No caso das traduccedilotildees do francecircs Perrot
d Ablancourt o que importa tambeacutem eacute a recepccedilatildeo ou seja agradar o leitor
Segundo Bassnett (2003 8) na Europa imperialista do seacuteculo XIX quando o seu
mundo conquistado se repartia em colocircnias constituiacutedas nas Ameacutericas Aacutefrica Aacutesia e
20
Oceania surge uma concepccedilatildeo marcante de traduccedilatildeo que continha ideacuteias associaacuteveis ao
colonialismo
um original era sempre visto como superior agrave sua coacutepia precisamente do mesmo modo que o modelo do colonialismo se baseava na noccedilatildeo da apropriaccedilatildeo de uma cultura inferior por uma cultura superior Como tal a traduccedilatildeo estava condenada a ocupar uma posiccedilatildeo de inferioridade relativamente ao texto de partida do qual se considerava proveniente
Desse modo o tradutor mantinha uma relaccedilatildeo servil com o texto de partida
supostamente superior ao texto traduzido agrave maneira de Dante Gabriel Rossetti apud Bassnett
(2003 22-23) em sua afirmaccedilatildeo de que o tradutor
fosse dono de sua proacutepria vontade e muitas vezes teria aproveitado determinada graccedila especial do seu idioma e da sua eacutepoca muitas vezes determinado ritmo lhe teria servido se natildeo fosse a estrutura do autor
ou determinada estrutura se natildeo fosse o ritmo do autor
Numa outra postura o tradutor tomaria o texto do original para ser melhorado e
civilizado conforme Edward Fitzgerald apud Bassnett (2003 23) Eacute para mim um deleite
seja que liberdades forem com estes persas que (penso eu) natildeo satildeo Poetas o suficiente para
intimidarem quem o queira fazer e que realmente carecem de um pouco de Arte para lhes dar
o retoque final
Agrave medida que o seacuteculo XX se aproximava percebiam-se mudanccedilas de natureza e
de metodologia nos estudos literaacuterios rompendo os limites da Europa Para Bassnett (2003
XX-XXI) essas transformaccedilotildees tambeacutem eram percebidas nos estudos de traduccedilatildeo antes de
caraacuteter demasiadamente eurocecircntrico agora com ramificaccedilotildees por exemplo na Iacutendia na
China nos paiacuteses aacuterabes na Ameacuterica Latina e na Aacutefrica Houve uma ecircnfase no fator
ideoloacutegico e tambeacutem no linguumliacutestico abrindo caminho para discussotildees bem amplas segundo o
discurso poacutes-colonial
Bassnett e Trivedi (1999 1-18) afirmam que durante o periacuteodo poacutes-colonial as
ex-colocircnias comeccedilaram a rebater as tendecircncias eurocecircntricas fazendo surgir conceitos
radicais de traduccedilatildeo Isso fica demonstrado por exemplo nas traduccedilotildees de feministas
canadenses na presenccedila do Brasil e da escola indiana de traduccedilatildeo os quais propuseram
modos alternativos de se referir agrave traduccedilatildeo em vez de trataacute-la como uma atividade
marginalizada Bassnett (2003 XX-XXI) cita alguns exemplos dessa nova tendecircncia de
pensamento como a perspectiva de Wole Soyinka ao perceber o racismo impliacutecito em textos
literaacuterios ou a metaacutefora brasileira do canibalismo cunhada pelo movimento modernista a
21
antropofagia a imagem do tradutor como canibal devorando o texto original num ritual que
resulta na criaccedilatildeo de algo completamente novo ou seja
os antropoacutefagos natildeo desejam copiar a cultura Europeacuteia mas devoraacute-la aproveitando seus aspectos positivos e rejeitando os negativos criando uma cultura nacional original que seria uma fonte de expressatildeo artiacutestica em vez de um receptaacuteculo de formas de expressatildeo cultural elaboradas em outro lugar (JOHNSON 1987 apud BASSNETT e LEFEVERE 1998 128-129)4
A questatildeo da ideologia comeccedila a ser discutida com mais ecircnfase numa posiccedilatildeo de
confronto em relaccedilatildeo agraves normas europeacuteias de se compreender as questotildees ligadas agrave praacutetica
tradutoacuteria por exemplo a velha visatildeo imperialista sobre o estatuto inferior das traduccedilotildees
frente aos originais Conforme Bassnett e Trivedi (1999 5) a traduccedilatildeo foi por seacuteculos um
processo de matildeo uacutenica em que os textos eram traduzidos para as liacutenguas europeacuteias e para o
consumo europeu ao inveacutes de se constituir um processo de intercacircmbio verdadeiro reciacuteproco
Surgiu a metaacutefora da colocircnia como traduccedilatildeo ou seja os paiacuteses colonizados eram a coacutepia
(traduccedilatildeo) de um original (Europa) Algumas dicotomias principalmente nas questotildees
literaacuterias como centro (Europa) versus periferia (Impeacuterio) sistema canonizado versus sistema
natildeo canonizado forccedilas conservadoras versus forccedilas inovadoras etc ao serem debatidas
deram margem ao surgimento de novas teorias que enxergavam as sociedades e a cultura
como elementos dinacircmicos que interagem e se influenciam de modo reciacuteproco
Os formalistas russos
sobretudo com os trabalhos de Tynianov entre outros na
deacutecada de 1920 foram os primeiros a entenderem a literatura como sistema A ideacuteia central eacute
a de que nesse sistema sempre existem disputas entre forccedilas conservadoras e inovadoras
entre obras canonizadas e natildeo canonizadas entre modelos no centro do sistema e modelos na
periferia e entre as vaacuterias tendecircncias e gecircneros (MILTON 1998 184) e que o texto literaacuterio
natildeo constitui um fato estaacutetico e isolado mas parte de uma tradiccedilatildeo e de um processo
comunicativo (FOKKEMA apud VIEIRA 1996 106) A vertente estruturalista do Ciacuterculo
Linguumliacutestico de Praga por sua vez retomou alguns conceitos dos formalistas russos e
valorizava a traduccedilatildeo como uma tarefa complexa difiacutecil que para o seu desempenho
necessitava de muito mais que o mero conhecimento multilinguumliacutestico
A partir da deacutecada de 1960 houve mudanccedilas importantes na aacuterea dos estudos de
traduccedilatildeo graccedilas agrave crescente aceitaccedilatildeo da Linguumliacutestica e da Estiliacutestica como elementos
relevantes no estudo da criacutetica literaacuteria e tambeacutem pela influecircncia do formalismo russo e do
4 The antropofagos do not want to copy European culture but rather to devour it taking advantage of its positive aspects rejecting the negative and creating an original national culture that would be a source of artistic expression rather than a receptacle for forms of cultural expression elaborated elsewhere
22
ciacuterculo linguumliacutestico de Praga Surgem daiacute a teoria da recepccedilatildeo de Jauss e Iser (Escola de
Constacircncia) de abordagem geral a teoria dos polissistemas de Itamar Even-Zohar e Gideon
Toury bem como as teorias da reescritura e das refraccedilotildees de Andreacute Lefevere Estas trecircs
uacuteltimas estatildeo geralmente associadas aos estudos de traduccedilatildeo (VIEIRA 1996 106) Durante
esse tempo os conceitos de equivalecircncia e fidelidade por exemplo foram redefinidos
relativizados e o leitor e a recepccedilatildeo ocuparam papeacuteis importantes para o processo tradutoacuterio
graccedilas a ideacuteias herdadas do Poacutes-Estruturalismo de intelectuais franceses como Jacques
Derrida Michel Foucault e Roland Barthes
A tomada de consciecircncia por parte dos estudiosos da traduccedilatildeo comeccedilou a explorar
os textos traduzidos identificando neles a presenccedila do discurso ideoloacutegico Um exemplo disso
eacute a coletacircnea de ensaios de Theo Hermans publicada em 1985 intitulada The Manipulation of
Literature e seus colaboradores afirmavam que a traduccedilatildeo tal como a criacutetica a ediccedilatildeo e
outras formas de reescrita eacute um processo manipulador (BASSNETT 2003 XVII) Essa
manipulaccedilatildeo pode ser explicada da seguinte forma5
a escrita natildeo acontece num vaacutecuo mas num contexto e o processo de traduzir textos de um sistema cultural para outro natildeo eacute uma atividade neutra inocente transparente Pelo contraacuterio a traduccedilatildeo eacute uma atividade altamente controlada e transgressiva assim as poliacuteticas da traduccedilatildeo e do traduzir merecem uma atenccedilatildeo muito maior do que receberam no passado A traduccedilatildeo tem exercido um papel fundamental na mudanccedila cultural e quando consideramos a praacutetica tradutoacuteria diacronicamente podemos aprender muito acerca da posiccedilatildeo das culturas receptoras em relaccedilatildeo agraves culturas do texto de partida (BASSNETT 1993 160)6
Tambeacutem Lefevere apud Bassnett (2003 XXIII) se refere agrave traduccedilatildeo como um
dos processos de manipulaccedilatildeo literaacuteria uma vez que os textos satildeo reescritos atravessando
fronteiras linguumliacutesticas e que essa reescrita ocorre num contexto histoacuterico-cultural definido E
Lia Wyler (2003 11) por sua vez estabelece que toda reescritura () reflete uma certa
ideologia e uma poeacutetica cuja funccedilatildeo eacute levar o receptor a reagir de uma dada maneira Para
Moya apud Santos (2008 9) as ideacuteias contidas em The Manipulation of Literature
sintetizam reuacutenem e fundem duas correntes de pensamento sobre a traduccedilatildeo estabelecidas jaacute
no final da deacutecada de 1970 os Estudos de Traduccedilatildeo de James Holmes em Amsterdam e a
5 Todos os textos em inglecircs ou outra liacutengua em notas de rodapeacute foram traduzidos pelo autor desta dissertaccedilatildeo exceto em alguns casos quando a autoria dessas traduccedilotildees eacute referida
6 Writing does not happen in a vacuum it happens in a context and the process of translating texts from one cultural system into another is not a neutral innocent transparent activity Translation is instead a highly charged transgressive activity and the politics of translation and translating deserve much greater attention than has been paid in the past Translation has played a fundamental role in cultural change and as we consider the diachronics of translation practice we can learn a great deal about the position of receiving cultures in relation to source text cultures
23
teoria dos polissistemas de Itamar Even-Zohar e Gideon Toury do grupo de Tel-Aviv
Forma-se entatildeo a Escola de Manipulaccedilatildeo embora haja algumas divergecircncias com essa
classificaccedilatildeo Tambeacutem satildeo considerados integrantes da Escola de Manipulaccedilatildeo intelectuais
como Andreacute Lefevere Joseacute Lambert Susan Bassnett entre outros
12 A teoria dos polissistemas
121 Fundamentos
A teoria dos polissistemas foi desenvolvida por Itamar Even-Zohar a qual
recebeu tambeacutem a contribuiccedilatildeo de Gideon Toury consolidando-se no final da deacutecada de
1970 Os teoacutericos desta linha vecircem a literatura como um sistema dinacircmico e complexo em
que os valores mudam constantemente em relaccedilatildeo agraves vaacuterias obras e gecircneros Uma traduccedilatildeo
portanto natildeo pode ser analisada isoladamente mas eacute vista como parte de uma rede de
relaccedilotildees que inclui todos os aspectos da liacutengua de partida e este papel pode ser central ou
perifeacuterico dentro do sistema de chegada Esses teoacutericos tambeacutem fazem suas reflexotildees sob o
prisma da recepccedilatildeo diferentemente do dogma antigo que relegava agraves traduccedilotildees um papel
menor ancilar e que se preocupava essencialmente com o original refletido com
fidelidade Tambeacutem se antes o tradutor deveria ficar invisiacutevel e submisso ao texto de
partida agora deixaria suas marcas visiacuteveis numa posiccedilatildeo de elemento criador e criativo
Outro nome importante dessa teoria eacute o de Andreacute Lefevere um autor que demonstra uma
preocupaccedilatildeo maior com as implicaccedilotildees ideoloacutegicas da traduccedilatildeo tendo desenvolvido
ramificaccedilotildees da teoria dos polissistemas ou seja a teoria da reescritura que analisa os
mecanismos de poder e a teoria das refraccedilotildees7 relacionada ao conceito de sistema
As bases da teoria dos polissistemas encontram-se principalmente no formalismo
russo e no ciacuterculo linguumliacutestico de Praga A teoria dos polissistemas (ou abordagem sistecircmica)
contribuiu muito para o estabelecimento dos estudos de traduccedilatildeo como disciplina seacuteria a partir
dos anos de 1980 quando houve um grande despertar de interesse pela teoria e praacutetica da
traduccedilatildeo Ao lado da teoria da recepccedilatildeo ajudou a instituir os novos paradigmas que fizeram
com que os estudos de traduccedilatildeo abandonassem os antigos referenciais centrados em estudos
7 Embora apresentem caracteriacutesticas especiacuteficas que as definem a teoria da reescritura e a teoria das refraccedilotildees podem ser entendidas como ramificaccedilotildees da teoria dos polissistemas conforme explicaccedilatildeo dada mais adiante ainda neste capiacutetulo
24
estritamente linguumliacutesticos que se preocupavam essencialmente em avaliar e prescrever as
traduccedilotildees e que destacavam conceitos como equivalecircncia e fidelidade ao texto de partida
Even-Zohar (1990 9-10) entendia que os sistemas semioacuteticos (cultura linguagem literatura
sociedade por exemplo) poderiam ser mais bem compreendidos e estudados se fossem
considerados como sistemas em vez de meros conglomerados de elementos diferentes entre si
e adotou uma abordagem funcionalista baseada em relaccedilotildees que podiam ser vistas entre tais
elementos
Uma postura anterior positivista reunia dados e confiava no empirismo levando
em conta a sua substacircncia material Segundo Even-Zohar (1990) a abordagem funcionalista
baseada nas relaccedilotildees portanto tomou o lugar do positivismo possibilitando conjeturar
hipoacuteteses sobre como os vaacuterios agregados semioacuteticos operavam abrindo-se um caminho para
perceber leis que regem a diversidade e complexidade dos fenocircmenos em vez de apenas
registraacute-los e classificaacute-los Deste modo os elementos semioacuteticos comeccedilaram a ser analisados
natildeo soacute pelo espectro diacrocircnico e sincrocircnico mas tambeacutem por sua dinacircmica complexa de
inter-relaccedilotildees Essa rede de inter-relaccedilotildees eacute integrada por esses elementos semioacuteticos cada
qual dentro de seu sistema se existem interaccedilotildees entre esses sistemas pode-se compreender a
soma desses sistemas como um polissistema
Um polissistema entatildeo eacute uma estrutura aberta composta de vaacuterios sistemas ou
redes simultacircneas de relaccedilotildees que se interpenetram e se sobrepotildeem em um processo
incessante dinacircmico e flexiacutevel (EVEN-ZOHAR 1990) Nesses sistemas haacute uma organizaccedilatildeo
hieraacuterquica em funccedilatildeo das relaccedilotildees de poder neles existentes Haacute num polissistema portanto
uma posiccedilatildeo dominante central e posiccedilotildees perifeacutericas variando em seu grau de forccedila A isso
Even-Zohar chamou de sistema canonizado (central mais forte) e de sistemas natildeo
canonizados (perifeacutericos mais fracos)
Os elementos do polissistema entretanto estatildeo em luta incessante Nessa disputa
elementos outrora perifeacutericos podem ganhar forccedila e se constituiacuterem como centrais
canonizando-se Por outro lado se houver a perda da posiccedilatildeo hegemocircnica haacute a
descanonizaccedilatildeo Num sistema literaacuterio por exemplo valores esteacuteticos constituiacutedos
anteriormente valorizados podem sentir a accedilatildeo de mudanccedilas provocadas por certas forccedilas
diversas e dinacircmicas como o tempo e a cultura e perder forccedila cedendo lugar a novos valores
mais prestigiados
A vertente da teoria dos polissistemas de caraacuteter descritivista que foi
desenvolvida em meados da deacutecada de 1970 por nomes como Gideon Toury Andreacute Lefevere
Joseacute Lambert Theo Hermans Dirk Delabastita e Lieven D hulst e que se fundamenta no
25
entendimento de que a traduccedilatildeo eacute orientada por normas culturais e histoacutericas isto eacute trata-se
de uma atividade influenciada por diferentes contextos socioculturais localizados em certos
momentos histoacutericos Essa influecircncia se faz por exemplo sobre as motivaccedilotildees e a escolha dos
textos a serem traduzidos visando propoacutesitos preacute-determinados O processo tradutoacuterio
depende tambeacutem de certas orientaccedilotildees recomendaccedilotildees ou mesmo a censura por parte da
editora ou de outros agentes institucionais Outras questotildees como o que diz respeito agrave
divulgaccedilatildeo a recepccedilatildeo e a avaliaccedilatildeo das traduccedilotildees tambeacutem satildeo determinadas segundo o
interesse e a participaccedilatildeo de outros agentes natildeo soacute dos tradutores
Os adeptos do descritivismo baseiam-se nos fundamentos da teoria dos
polissistemas e seu referencial eacute a recepccedilatildeo reconhecendo a traduccedilatildeo como um sistema que
interage com vaacuterios outros sistemas semioacuteticos do poacutelo receptor (num primeiro momento) e
apresentam uma visatildeo sistecircmica da literatura Assim no polissistema literaacuterio esses
estudiosos consideram a literatura traduzida como um dos seus sistemas Nos estudos
descritivos eles se direcionam para o sistema da literatura traduzida no intuito de examinar o
comportamento dos tradutores o qual eacute regido por normas no processo tradutoacuterio
122 Conceito de sistema e polissistema
Even-Zohar (1990 10-11) distingue o seu conceito de sistema daquele empregado
por Saussure da Escola de Genebra que se refere a sistema como uma rede de relaccedilotildees
estaacuteticas ( sincrocircnicas ) Para Even-Zohar essa rede de relaccedilotildees eacute dinacircmica suscetiacutevel a
mudanccedilas constantes
Segundo Mark Shuttleworth (1998 176) os vocaacutebulos sistema e polissistema
empregados por Even-Zohar satildeo sinocircnimos entretanto polissistema surge como ecircnfase
especial agrave natureza dinacircmica do conceito de sistema de modo a estabelecer um contraste uma
oposiccedilatildeo mais forte ao sentido adotado pela tradiccedilatildeo da escola linguumliacutestica de Genebra
Shuttleworth (1998 176) ainda assevera a diferenccedila de emprego dos conceitos relativos a
sistema sistecircmico por parte de Even-Zohar quando se leva em conta a teoria da gramaacutetica
funcional
ou sistecircmica
de Michael Halliday Assim o modelo de Even-Zohar concebe o
polissistema como um conglomerado (ou sistema) heterogecircneo hierarquizado de sistemas
26
que interagem e provocam um processo dinacircmico contiacutenuo de evoluccedilatildeo dentro do
polissistema como um todo (SHUTTLEWORTH 1998 176) 8
Lefevere (1985 223-224) preocupa-se em esclarecer o uso que faz do vocaacutebulo
sistema que natildeo tem nada a ver com Sistema
que tem sido usado comumente num sentido
sinistro no que diz respeito a formas de poder contra as quais natildeo se pode lutar num tom
kafkiano Muito pelo contraacuterio esse criacutetico atribui a esse vocaacutebulo um sentido utilizado para
designar um conjunto de elementos inter-relacionados que por acaso compartilham certas
caracteriacutesticas que os distinguem de outros elementos natildeo pertencentes ao sistema 9 ou nas
palavras de Rapoport apud Lefevere (1985 224) um sistema eacute uma porccedilatildeo do mundo que eacute
percebida como uma unidade e que eacute capaz de manter sua identidade a despeito de
mudanccedilas que acontecem nele 10
Even-Zohar em seus artigos The Function of the Literary Polysystem in the
History of Literature e The Relations Between Primary and Secondary Systems in the Literary
Polysystem publicados em 1978 estabelece algumas ideacuteias acerca do sistema literaacuterio o qual
por se tratar de um fenocircmeno heterogecircneo
um sistema de sistemas
seria por isso um
polissistema com vaacuterias subdivisotildees
No intuito de buscar uma definiccedilatildeo para o vocaacutebulo sistema Ubiratan Paiva de
Oliveira (1996 67-74) apoacuteia-se em Antocircnio Cacircndido (1975) e sua respectiva obra Formaccedilatildeo
da Literatura Brasileira em que a literatura eacute tratada como um sistema de obras ligadas por
denominadores comuns que permitem reconhecer as notas dominantes de uma fase onde
esses denominadores seriam um conjunto de pessoas que se constituiriam nos produtores
literaacuterios os receptores (o puacuteblico) e um mecanismo transmissor ligando-os entre si e
embora a obra literaacuteria seja sempre uacutenica e pessoal na medida em que ela natildeo alcanccedilar
ressonacircncia natildeo tornar-se coletiva atraveacutes da aceitaccedilatildeo de um puacuteblico tal obra natildeo existiraacute
como literatura (CAcircNDIDO 1975)
A partir dessas ideacuteias pode-se concluir que esses trecircs elementos constituintes do
sistema literaacuterio
produtor literaacuterio (o escritor) o puacuteblico e o mecanismo transmissor (eg as
editoras)
mantecircm entre si uma ligaccedilatildeo estabelecida por meio de normas que regem essa
8 a heterogeneous hierarchized conglomerate (or system) of systems which interact to bring about an ongoing dynamic process of evolution within the polysystem as a whole
9 designate a set of interrelated elements which happen to share certain characteristics which set them apart from other elements perceived as not belonging to the system
Citaccedilatildeo traduzida para o portuguecircs por Vieira (1996 143)
10 a system is a portion of the world that is perceived as a unit and that is able to maintain its identity in spite of changes going on in it
27
relaccedilatildeo Essas normas podem ser impliacutecitas ou expliacutecitas Por um lado deve-se supor que
tendecircncias satisfazem o puacuteblico leitor as quais muitas vezes estatildeo subentendidas sob o prisma
da ideacuteia geral que se faz da cultura receptora (normas impliacutecitas) Por outro lado os agentes
de divulgaccedilatildeo e distribuiccedilatildeo da obra geralmente com interesse pecuniaacuterio lucrativo voltado
ao comeacutercio devem estabelecer criteacuterios (normas expliacutecitas) a fim de obter sucesso
Para Cacircndido o mecanismo transmissor (as editoras e a criacutetica especializada por
exemplo) deve assegurar uma continuidade uma tradiccedilatildeo sem as quais o processo seria
interrompido
quando a atividade dos escritores de um dado periacuteodo se integra em tal sistema ocorre outro elemento decisivo a formaccedilatildeo da continuidade literaacuteria
espeacutecie de transmissatildeo da tocha entre corredores que assegura no tempo o movimento conjunto definindo os lineamentos de um todo Eacute uma tradiccedilatildeo no sentido completo do vocaacutebulo isto eacute transmissatildeo de algo entre os homens e o conjunto de elementos transmitidos formando padrotildees que se impotildeem ao pensamento ou ao comportamento e aos quais somos obrigados a nos referir para aceitar ou rejeitar Sem esta tradiccedilatildeo natildeo haacute literatura como fenocircmeno de civilizaccedilatildeo (CAcircNDIDO 1975 24)
A partir destas reflexotildees de Cacircndido chega-se a um conceito de sistema que
consiste portanto na reuniatildeo de vaacuterios elementos que interagem regidos por normas
inconscientes ou conscientes impliacutecitas ou expliacutecitas
as quais determinam e constituem
padrotildees tendecircncias e sobretudo uma tradiccedilatildeo cultural Polissistema pode entatildeo ser definido
como o agrupamento de vaacuterios desses sistemas integrados e que interagem e se influenciam
numa relaccedilatildeo muacutetua dentro de uma dinacircmica complexa
Quando se aplicam os conceitos acima agrave noccedilatildeo de sistema literaacuterio percebe-se na
verdade que se trata de um polissistema seus elementos constituintes satildeo os escritores e seu
puacuteblico visado mediados pelos agentes institucionais (editores revisores criacuteticos etc)
responsaacuteveis pela seleccedilatildeo publicaccedilatildeo divulgaccedilatildeo distribuiccedilatildeo e venda de livros Cada um
desses observados isoladamente tambeacutem pode ser considerado como sistema individual com
caracteriacutesticas proacuteprias Mas conforme o que jaacute foi mencionado anteriormente estes sistemas
individuais interagem e satildeo submetidos a influecircncias muacutetuas resultando na caracterizaccedilatildeo do
sistema maior a que estatildeo de certa forma hierarquicamente submetidos o (poli)sistema
literaacuterio Com isso chega-se agrave noccedilatildeo de polissistema como um sistema de subsistemas
28
123 Polissistema cultural
Leila Darin (2006 65-71) numa resenha do livro Translating Cultures de David
Katan (2004) dispotildee algumas colocaccedilotildees que Katan faz sobre cultura Num desses
momentos ela expotildee como Katan aborda a influecircncia que a cultura exerce sobre a
comunicaccedilatildeo em todas as suas manifestaccedilotildees de ordem cultural e linguumliacutestica Darin entatildeo
sintetiza essas ideacuteias no pressuposto de que todo e qualquer produto gerado por um contexto
cultural eacute moldado de acordo com certas convenccedilotildees de acordo com os ditames de uma dada
cultura Esse contexto cultural continua Darin embora seja amplo e partilhado eacute tambeacutem em
grande parte impliacutecito e inconsciente
Segundo Darin (2006) Katan entende a cultura como um sistema partilhado que
interpreta a realidade e organiza as experiecircncias Esse criacutetico baseia-se em teoacutericos como
Robinson (1988) e Bourdieu (1990) e desse modo concebe a cultura como um processo
dinacircmico e complexo ou seja como sistema histoacuterico criativo de siacutembolos e
significados (ROBINSON apud DARIN 2006 66) e tambeacutem como um sistema de
estruturas internalizadas esquemas comuns de percepccedilatildeo concepccedilatildeo e accedilatildeo resultantes de
inculcaccedilatildeo e costume (BOURDIEU apud DARIN 2006 66)
Outro ponto relevante relatado por Darin (2006) eacute que Katan afirma que cada um
dos aspectos que fazem parte da cultura interliga-se a um sistema maior ou seja a Cultura
que compotildee um todo bem marcado com identidade proacutepria apesar das diferenccedilas ou da
heterogeneidade que esse sistema abarca Darin (2006 66) resume outras consideraccedilotildees de
Katan assim toda cultura implica um conjunto impliacutecito natildeo aprendido de crenccedilas
valores comportamentos estrateacutegias e processos cognitivos Esses itens reunidos em
conjuntos (sistemas internalizados) e por sua natureza dinacircmica satildeo negociados com a
realidade externa (a qual Katan chama de representaccedilatildeo )
Even-Zohar (2005 35) reconhece no funcionalismo dinacircmico (o formalismo
russo tardio o estruturalismo tcheco a semioacutetica sovieacutetica etc) como as bases da sua teoria
dos polissistemas a teoria dos polissistemas eacute basicamente uma continuaccedilatildeo do
funcionalismo dinacircmico 11 Essa heranccedila diz respeito principalmente ao conceito de sistema
(aberto dinacircmico e heterogecircneo) que segundo esse criacutetico cria condiccedilotildees favoraacuteveis para as
avaliaccedilotildees do pensamento relacional (isto eacute a observaccedilatildeo e anaacutelise do mundo semioacutetico em
suas redes de sistemas que interagem entre si) Trata-se de uma visatildeo que a exemplo de
11 Polysystem theory is basically a continuation of dynamic functionalism
29
Lotman e da escola de Moscou-Tartu (apud EVEN-ZOHAR 2005 36) coloca as pessoas
como leitoras tanto de textos como do mundo de modo que se chegou a um conceito de como
o mundo eacute modelado o que permite concluir que tudo isso reunido constitui uma cultura ou
seja um conjunto de ferramentas de compreensatildeo que permitem a vida social
12
Pode-se afirmar entatildeo que a teoria dos polissistemas apresenta a cultura como
um sistema maior (ou polissistema) que reuacutene outros sistemas e tambeacutem se relaciona com
outros sistemas paralelos em siacutentese o pensamento relacional especialmente em conexatildeo
com os sistemas dinacircmicos levou quase todos a estudar a cultura como um sistema geral um
conjunto heterogecircneo de paracircmetros com o auxiacutelio do qual as pessoas organizam sua vida 13
A partir dessas consideraccedilotildees sobre cultura Even-Zohar (2005 7-8) apresenta os conceitos de
bens e ferramentas culturais
Os bens culturais satildeo um conjunto de bens que conferem ao seu possuidor
riqueza prestiacutegio e um alto status entretanto a posse de tais bens estaacute relacionada agrave sua
transformaccedilatildeo para o consumo de mercado e logo trata-se de valores de maior ou de menor
apelo em que os itens mais valorizados podem ser exemplificados por objetos ideacuteias
atividades e artefatos rotulados como originais artiacutesticos espirituais e assim por
diante A sua posse assinala esse criacutetico pode ser utilizada por pessoas ou entidades como
forma de assumir algum tipo de controle sobre a sua respectiva comunidade assim o acesso a
esses bens eacute restrito a grupos privilegiados da sociedade os quais tambeacutem definem o valor
dessas posses Compreende-se a partir daiacute que o acesso a esses bens motiva certas aspiraccedilotildees
ou o desejo de reconhecimento que nas palavras de Even-Zohar (2005 8) esta aspiraccedilatildeo
natildeo eacute a busca abstrata de um vago sentido de respeitabilidade mas sim um sentimento
concreto que sempre funcionou no empenho pela sobrevivecircncia e pela aquisiccedilatildeo de poder
determinante 14 Eacute importante destacar que esses bens culturais de natureza tangiacutevel ou
intangiacutevel possuem valor sujeito a mudanccedilas conforme os mecanismos e a dinacircmica que
atuam sobre a sociedade e seus sistemas um determinado bem cultural pode ter alto valor
mas isso pode mudar decaindo por outro lado o baixo prestiacutegio de outro bem cultural pode
se elevar
12 all of which together constitute a culture an ensemble of comprehension tools which enable social life
13 In short relational thinking especially in connection with dynamic systems has led almost everybody to studying culture as an overall system a heterogeneous set of parameters with the help of which human beings organize their life
14 This aspiration is not an abstract pursuit of some vague sense of respectability but a concrete sentiment which has always worked in endeavors for survival and achieving deterring power
30
No conceito de ferramentas culturais a cultura eacute considerada como um conjunto
de ferramentas operacionais para a organizaccedilatildeo da vida tanto no niacutevel coletivo quanto no
niacutevel individual (EVEN-ZOHAR 2005 10)15 essas ferramentas culturais se constituem em
dois tipos as ferramentas passivas e as ferramentas ativas
As ferramentas passivas segundo Even-Zohar (2005 10) satildeo procedimentos que
ajudam a analisar explicar e dar sentido agrave realidade para os seres humanos e pelos seres
humanos conforme a tradiccedilatildeo hermenecircutica ou seja a visatildeo do mundo como um conjunto
de signos que precisam ser interpretados de modo a dar algum sentido agrave vida 16 Segundo os
semioacuteticos sovieacuteticos Lotman e Uspenskij (1971 e 1978 apud EVEN-ZOHAR 2005 10) O
principal trabalho da cultura [] eacute a organizaccedilatildeo estrutural do mundo que nos cerca A
cultura eacute um gerador de caraacuteter estrutural e cria a esfera social ao redor do homem o que
como a biosfera torna a vida possiacutevel (neste caso social e natildeo orgacircnica) 17
As ferramentas ativas se diferenciam das passivas por estarem mais ligadas ao
agir em vez do compreender Segundo Even-Zohar (2005 10) satildeo procedimentos que
com os quais tanto um indiviacuteduo como uma entidade coletiva podem lidar com qualquer
situaccedilatildeo e tambeacutem produzir qualquer situaccedilatildeo18 Na conceituaccedilatildeo de Swidler (1986) apud
Even-Zohar (2005 10) a cultura eacute um repertoacuterio ou kit de ferramentas de haacutebitos
habilidades e estilos com os quais as pessoas constroem estrateacutegias de accedilatildeo 19
124 Sistema literaacuterio
Um polissistema pode ser entendido como um conjunto de sistemas menores de
modo similar a uma teoria matemaacutetica de conjuntos Assim o polissistema cultural por
exemplo engloba outros sistemas menores (esses sistemas menores por serem tambeacutem
complexos tambeacutem podem ser chamados de polissistemas) Um desses sistemas englobados
15 a set of operating tools for the organization of life on both the collective and individual level
16 a set of signs which need to be interpreted in order to make some sense of life
17 The main work of culture [] is the structural organization of the surrounding world Culture is a generator of structuredness and it creates social sphere around man which like biosphere makes life possible (in this case social and not organic) Traduccedilatildeo para o inglecircs de Segal (1974 94
95 apud EVEN-ZOHAR 2005 10)
18 Active tools are procedures with the help of which both an individual and a collective entity may handle any situation encountered as well as produce any such situation
19 a repertoire or tool kit of habits skills and styles from which people construct strategies of action
31
pelo polissistema cultural eacute o polissistema literaacuterio do qual naturalmente faz parte a
literatura
Na perspectiva da teoria dos polissistemas a literatura eacute apresentada como um
fator ligado agraves atividades humanas em geral e natildeo como uma atividade social isolada
regulada por leis exclusivas Natildeo eacute mais enxergada como estaacutetica e distante mas altamente
cineacutetica com seus elementos em constante mutaccedilatildeo (SNELL-HORNBY 1988 24) Assim
todas as manifestaccedilotildees observadas centrais ou perifeacutericas satildeo consideradas elementos do sistema e como tal relevantes enquanto objeto de pesquisa A consequumlecircncia imediata de tal fato eacute o interesse por parte dos pesquisadores no estudo de gecircneros temaacuteticas ou modelos textuais vistos como menores ou menos nobres como eacute o caso da literatura traduzida (MARTINS 2008)
Even-Zohar (1990) afirma que dentro dos polissistemas literaacuterios existe o sistema
de literatura traduzida Segundo esse criacutetico natildeo se pode deixar de considerar o impacto das
traduccedilotildees e da sua funccedilatildeo na sincronia e na diacronia de uma dada literatura a literatura
traduzida pode ser inovadora ou conservadora e ocupar uma posiccedilatildeo central ou perifeacuterica
Eacute natural portanto concluir que essa posiccedilatildeo da literatura traduzida afeta as
normas tradutoacuterias as preferecircncias literaacuterias e a poliacutetica editorial com respeito a material
traduzido quando as obras traduzidas ocupam uma posiccedilatildeo central cria-se um clima
propiacutecio agrave introduccedilatildeo de novos modelos poeacuteticos baseados na forma do texto de partida que
disputam espaccedilo com os modelos disponiacuteveis na literatura do sistema-meta (MARTINS
2008)
125 Literatura traduzida como sistema sistema canonizado vs sistema natildeo canonizado
O processo de continuidade literaacuteria segundo as ideacuteias de Cacircndido (1975 24)
mencionadas anteriormente aproxima-se da concepccedilatildeo de sistema literaacuterio canonizado de
Even-Zohar bem como deixa margem para reflexotildees tambeacutem acerca de uma descontinuidade
ou renovaccedilatildeo dos cacircnones literaacuterios Diante do que Even-Zohar dispotildee sobre sistema
canonizado e sistema natildeo canonizado percebem-se semelhanccedilas disso com o que Cacircndido
(1975) chama de arte de agregaccedilatildeo e arte de segregaccedilatildeo a arte de agregaccedilatildeo estaacute
relacionada agrave experiecircncia coletiva visando a meios comunicativos acessiacuteveis e portanto
procura incorporar-se a um sistema simboacutelico vigente utilizando o que jaacute estaacute estabelecido
como forma de expressatildeo de determinada sociedade A arte da segregaccedilatildeo por seu turno
32
empenha-se em renovar o sistema simboacutelico em criar novos recursos expressivos e para esse
fim dirige-se inicialmente a um nuacutemero miacutenimo reduzido de receptores mas que se
destacam da sociedade
Desse modo segundo Oliveira (1996 69) a arte de agregaccedilatildeo assemelha-se ao
conceito de sistema canonizado pois ambos os vocaacutebulos reuacutenem a ideacuteia da utilizaccedilatildeo de
foacutermulas jaacute consagradas em busca de uma mais faacutecil aceitaccedilatildeo por um puacuteblico menos
exigente Por outro lado a arte de segregaccedilatildeo estaacute associada a sistema natildeo canonizado haacute
uma preocupaccedilatildeo em evoluir renovando-se
Esses postulados podem ser observados em Even-Zohar que elaborou um
discurso referente a uma tensatildeo permanente no polissistema literaacuterio existe uma disputa entre
essas forccedilas que podem se movimentar do centro (sistema canonizado) para a periferia
(sistema natildeo canonizado)
numa accedilatildeo centriacutefuga
ou no sentido contraacuterio da periferia para
o centro
o que constitui uma accedilatildeo centriacutepeta Essa luta acontece numa perspectiva
sincrocircnica resultando numa transformaccedilatildeo do eixo diacrocircnico quando uma tendecircncia se
sobrepotildee agrave outra Haacute entretanto vaacuterios centros e vaacuterias periferias dentro de um polissistema
Para Even-Zohar essas tensotildees dinacircmicas e perpeacutetuas satildeo essenciais pois os sistemas
semioacuteticos ficariam estagnados sem a renovaccedilatildeo resultante desses processos
Essa dinacircmica pode ser ilustrada pela dialeacutetica entre a arte e a sociedade as quais
estabelecem influecircncias reciacuteprocas o artista pode criar sua obra em funccedilatildeo do puacuteblico
obedecendo a certas regras e tendecircncias tradicionalmente aceitas ou entatildeo de modo
contraacuterio eacute o puacuteblico que eacute cativado por novas tendecircncias criadas pelo artista Assim quando
um escritor estaacute passivo agrave vontade do puacuteblico ele estaacute obedecendo a um sistema jaacute
consagrado canonizado Quando acontece o contraacuterio o que haacute eacute a realizaccedilatildeo de uma
vontade de transformaccedilatildeo com um novo exemplo com novas ideacuteias e percepccedilotildees do escritor
que se arrisca tentando criar seu puacuteblico Agora os elementos pertencentes a um sistema
natildeo canonizado tentam se canonizar Oliveira oferece alguns exemplos dessa uacuteltima
postura a transgressatildeo dos escritores
na literatura inglesa tivemos o caso do romance O Amante de Lady Chatterley de D H Lawrence que por utilizar descriccedilotildees agrave eacutepoca consideradas exclusividade da literatura pornograacutefica foi mantido sob proibiccedilatildeo durante muitos anos O mesmo aconteceu com Ulisses de James Joyce (OLIVEIRA 1996 70)
Oliveira (1996) destaca ainda a influecircncia da imprensa como forccedila transformadora
das artes Os romances de folhetim em moda no seacuteculo XIX constituiacuteam uma espeacutecie de
subcultura por suas caracteriacutesticas de sempre procurar atender agraves expectativas de um puacuteblico
33
leitor menos exigente de gosto tido agraves vezes como duvidoso que natildeo seguia exatamente as
normas mais requintadas de um sistema superior canonizado A consequumlecircncia poreacutem eram
vendas mais lucrativas dos jornais
Sabe-se que vaacuterios claacutessicos da literatura tiveram origem nessas publicaccedilotildees
diaacuterias Os folhetins por serem considerados naquela eacutepoca como parte integrante de uma
subcultura constituindo-se como uma subliteratura pertenciam portanto a um estrato do
sistema natildeo canonizado Depois que esses folhetins se transformaram em claacutessicos da
literatura universal foram canonizados Nesse sentido Even-Zohar menciona Dostoievski e
Charles Dickens destacando a atitude destes escritores em seguirem os paracircmetros
popularescos para sua produccedilatildeo literaacuteria Sobre Dickens Oliveira traccedila algumas
caracteriacutesticas da sua escrita
flagrantemente sentimental por vezes de tal modo que algumas de suas obras aparecem hoje envelhecidas embora outras permaneccedilam na verdade ao utilizar elementos natildeo-canonizados Dickens acabou por trazer um novo alento agrave arte de seu tempo Outra fraqueza de seus romances a estrutura de seus enredos pode ser diretamente atribuiacuteda ao fato de serem escritas para publicaccedilatildeo seriada Agraves vezes o autor tinha pouca ideacuteia do que viria a seguir quanto seus leitores Um outro aspecto em que fica evidente a presenccedila do aspecto natildeo-canonizado eacute o uso de estereoacutetipos tiacutepico da literatura perifeacuterica e que permanece sendo considerado um motivo para criacuteticas agrave sua obra Eacute que ao delinear personagens sua tendecircncia era de exagerar os traccedilos e carregar nas cores o que fazia com que suas criaccedilotildees constantemente se equilibrassem na fronteira entre o aceitaacutevel e a caricatura (OLIVEIRA 1996 71)
De modo semelhante o tradutor literaacuterio diante do exposto acerca de sistema
literaacuterio canonizado e natildeo canonizado estaacute por conseguinte obrigado a tomar um rumo
definido em seu labor e sua forma de traduzir deveraacute tambeacutem seguir certas normas ou optar
por uma espeacutecie de transgressatildeo Um exemplo desse desafio eacute a liacutengua do texto de partida ela
proacutepria inserida nessa questatildeo paradigmaacutetica no que tange agrave conversatildeo da mensagem que ela
expressa para uma cultura diferente falante de outro idioma O uso de dialetos ou variedades
linguumliacutesticas que conferem aspectos da oralidade ao texto que fogem agrave norma linguumliacutestica
padratildeo num romance ou conto constitui um problema de traduccedilatildeo que pode ser encarado de
duas maneiras uma consiste em traduzir essas variedades anulando os seus efeitos pelo uso
da linguagem correta a outra se daacute na tentativa de adequar da melhor forma possiacutevel a
liacutengua utilizada na traduccedilatildeo aos efeitos produzidos pelos desvios da gramaacutetica prescritiva da
liacutengua de partida
Even-Zohar (1990 47) argumenta que existem correlaccedilotildees entre trabalhos
traduzidos da seguinte maneira (a) no modo como seus textos de partida satildeo selecionados
pela literatura de chegada e (b) no modo que normas especiacuteficas comportamentos e poliacuteticas
34
satildeo adotados Ao desenvolver esse raciociacutenio Even-Zohar (1990 54-59) estabelece leis de
interferecircncia literaacuteria em que considera literatura como a totalidade de atividades envolvidas
com o sistema literaacuterio em questatildeo Segundo esse criacutetico a interferecircncia literaacuteria se define
como um relacionamento entre literaturas em que certa literatura A (literatura de partida)
pode se tornar uma fonte de empreacutestimos diretos e indiretos para uma outra literatura B
(literatura de chegada) Tais interferecircncias que podem ser de natureza unilateral ou bilateral
seguiriam princiacutepios gerais condiccedilotildees procedimentos e processos (EVEN-ZOHAR 1990
58-59) Dentre os princiacutepios gerais de interferecircncia estabelecidos por Even-Zohar destaca-se
que sempre ocorre a interferecircncia entre as literaturas unilateral na maioria das vezes Entre as
condiccedilotildees para o surgimento e a ocorrecircncia da interferecircncia por exemplo Even-Zohar afirma
que uma literatura de partida eacute selecionada por seu prestiacutegio e domiacutenio
No caso especiacutefico das traduccedilotildees em portuguecircs brasileiro de Of mice and men
examinadas nesta dissertaccedilatildeo alguns pontos da interferecircncia discutida por Even-Zohar se
realizam da seguinte forma a seleccedilatildeo da literatura de partida por domiacutenio pode ser vista pela
atual posiccedilatildeo hegemocircnica dos Estados Unidos e da liacutengua inglesa em niacutevel mundial Neste
caso Of mice and men do escritor norte-americano John Steinbeck ocupa uma posiccedilatildeo
privilegiada graccedilas ao poder poliacutetico econocircmico e cultural exercido pelos Estados Unidos
desde as primeiras deacutecadas do seacuteculo XX quando esse paiacutes surgiu como potecircncia mundial
No caso do romance supracitado como em outros o seu prestiacutegio alcanccedilou uma visatildeo niacutetida
pelo papel desempenhado por exemplo pela sua difusatildeo em outros meios semioacuteticos como o
teatro e o cinema hollywoodiano que atingiu outros paiacuteses como o Brasil conforme expotildee
Milton (2002 13)
A questatildeo do domiacutenio como fator de interferecircncia segundo Even-Zohar (1990
68-69) estaacute sob condiccedilotildees extra-culturais eacute natural que uma literatura dominante tenha
prestiacutegio mas essa posiccedilatildeo de domiacutenio natildeo eacute necessariamente resultante desse prestiacutegio
Desta forma o domiacutenio pelo poder do tipo imperialista forccedila o contato sobre um sistema e
pode assim engendrar a interferecircncia apesar de encontrar alguma resistecircncia pelo sistema
dominado Entretanto tal questatildeo natildeo parece se aplicar ao caso de Of mice and men em que
se percebe a influecircncia sobre o sistema brasileiro sob o prisma cultural devido ao prestiacutegio
de modo geral de senso comum que a cultura brasileira recebe a cultura dos Estados Unidos
graccedilas pelo menos em parte aos seus meios de difusatildeo
As pesquisas de Milton (2002 52-62) sobre traduccedilotildees em portuguecircs brasileiro de
romances claacutessicos estrangeiros revelam que a anulaccedilatildeo da oralidade em dialetos
estigmatizados ou sem prestiacutegio foi a tocircnica geral ateacute pelo menos a deacutecada de 1970
35
Entretanto percebem-se mudanccedilas em relaccedilatildeo a este comportamento conservador Isto se
deve em grande parte ao papel que a Linguumliacutestica assumiu a partir do final dos anos de 1960
lanccedilando reflexotildees acerca do papel da liacutengua e dos falantes com ramificaccedilotildees de estudo em
novas aacutereas como a Sociolinguumliacutestica ou seja o estudo da liacutengua em relaccedilatildeo a fatores sociais
(classe social niacutevel escolar idade sexo origem eacutetnica etc) repensando as variedades
linguumliacutesticas Como reflexo disso
apesar da persistecircncia da postura purista ainda fortemente
disseminada
as disciplinas ou aacutereas do saber ligadas ao estudo das liacutenguas comeccedilaram a se
preocupar com as implicaccedilotildees que existem por traacutes do uso da liacutengua quando por exemplo
um determinado dialeto eacute sinocircnimo de poder e prestiacutegio social ocupando uma posiccedilatildeo de
pretensa superioridade em relaccedilatildeo agraves outras variedades
Tais mudanccedilas satildeo visiacuteveis tambeacutem na atividade tradutoacuteria quando se observam
tentativas de respeitar a variaccedilatildeo linguumliacutestica utilizada na literatura resultando em traduccedilotildees
que mal ou bem se esforccedilam em recriar as impressotildees do texto de partida Mas isso natildeo
impede que a visatildeo anterior conservadora ainda produza traduccedilotildees que corrigem os desvios
da norma-padratildeo Algumas traduccedilotildees brasileiras que utilizam a outra opccedilatildeo podem ser vistas
nos seguintes exemplos a traduccedilatildeo do Ulysses por Antocircnio Houaiss de 1965 que procura
recriar muitos dos traccedilos estiliacutesticos originais ainda que de uma maneira pessoal Mais
recentemente a traduccedilatildeo do The Color Purple (1986) tentou reproduzir o inglecircs norte-
americano dos negros (MILTON 2002 59) O mesmo Ulysses tem outra traduccedilatildeo em
portuguecircs mais atual realizada por Bernardina da Silveira Pinheiro publicada em 2005 e
tambeacutem tenta recriar os dialetos dos personagens de modo relativamente semelhante ao do
texto de James Joyce A tradutora Ana Ban por sua vez traduziu Of mice and men de John
Steinbeck (Ratos e homens 2005) tambeacutem com a intenccedilatildeo de respeitar o dialeto dos
personagens utilizando um dialeto brasileiro segundo as convicccedilotildees que essa tradutora
julgou mais adequadas agrave tentativa de reproduccedilatildeo dos efeitos do texto de partida
13 O papel das normas na traduccedilatildeo literaacuteria
Gideon Toury contribuiu para a teoria dos polissistemas dando a ela uma maior
formalizaccedilatildeo e tomando uma postura mais radical focalizando o produto e natildeo o processo da
traduccedilatildeo A discussatildeo volta-se para o poacutelo receptor pois eacute em funccedilatildeo dele que a maioria das
traduccedilotildees existe Eacute pela perspectiva da recepccedilatildeo que os objetivos da traduccedilatildeo satildeo traccedilados e
determinados As traduccedilotildees existem pela necessidade que o puacuteblico tem de compreender
36
mensagens e significados expostos numa cultura diferente da sua os quais devem ser
decodificados da melhor maneira possiacutevel Toury apud Vieira (1996 133) afirma que as
teorias da traduccedilatildeo precedentes satildeo centradas na origem e por isso tecircm uma natureza
inevitavelmente diretiva e normativa por considerarem a traduccedilatildeo como uma reconstruccedilatildeo
do texto original pois focalizam o ato da traduccedilatildeo que de fato procede do original assim
as traduccedilotildees satildeo descritas pelo que elas natildeo satildeo
Tal criacutetica revela certa incoerecircncia das teorias tradicionais no que tange a
conceitos bastante discutidos e discutiacuteveis como fidelidade e equivalecircncia (abordagem
prescritiva) na traduccedilatildeo Se um texto traduzido pode ser considerado uma reconstruccedilatildeo do
original essa reconstruccedilatildeo jamais o resgataraacute em sua integridade pois os significados nunca
satildeo estaacuteveis Para Derrida apud Bassnett (2003 15) a traduccedilatildeo ao mesmo tempo em que
assegura a sobrevivecircncia do texto torna-se de fato um novo original numa outra liacutengua
Desse modo quando se privilegia a atenccedilatildeo ao texto de partida forccedilosamente se chegaraacute agrave
observaccedilatildeo de perdas e traiccedilotildees na traduccedilatildeo numa abordagem prescritiva sobre o que se
deve ou natildeo se deve fazer
A teoria dos polissistemas portanto desvia o centro das atenccedilotildees dos debates
sobre fidelidade e equivalecircncia e examina o papel do texto traduzido no seu novo contexto
sem julgamentos sobre os procedimentos adotados na traduccedilatildeo Em vez disso procura
compreender as mudanccedilas de ecircnfase durante a transferecircncia de textos de um sistema literaacuterio
para outro
Outra contribuiccedilatildeo de Toury consiste na sua preocupaccedilatildeo em fazer consideraccedilotildees
sobre o conceito de norma tomando-o como ponto importante para os Estudos da Traduccedilatildeo
literaacuteria descrevendo em alguns detalhes a sua natureza e o seu papel na traduccedilatildeo literaacuteria e
tentando resolver questotildees que envolvem possiacuteveis fontes e meacutetodos para o estudo das
normas de traduccedilatildeo Em primeiro lugar este criacutetico afirma que a traduccedilatildeo literaacuteria estaacute sujeita
a forccedilas que restringem limitam e de certa forma direcionam norteiam esta atividade Ele
classifica essas forccedilas entre dois extremos regras objetivas e relativamente absolutas (que se
aplicam de forma geral) de um lado e de outro idiossincrasias completamente subjetivas
(que se aplicam de forma especiacutefica)
Entre estes dois poacutelos natildeo haacute uma fronteira claramente distinta mas sim uma
situaccedilatildeo intermediaacuteria que Toury designa por normas constituiacutedas por fatores intersubjetivos
ou seja tipos de coerccedilatildeo
mais leves ou mais riacutegidos
que se inter-relacionam Essa
tipologia entretanto natildeo eacute de todo riacutegida Ela apresenta graus de relatividade conforme o
sistema ou subsistema em que estaacute inserida as normas satildeo especiacuteficas de acordo com cada
37
cultura e ao mesmo tempo satildeo instaacuteveis moldando-se conforme as pressotildees sociais Toury
propotildee o seguinte conceito de norma
socioacutelogos e psicoacutelogos sociais haacute muito tempo se referem a normas como a traduccedilatildeo de valores gerais ou ideacuteias compartilhadas por uma comunidade
sobre o
que eacute certo ou errado adequado ou inadequado
em instruccedilotildees de desempenho
apropriado e aplicaacutevel a situaccedilotildees particulares especificando o que estaacute prescrito e o que eacute proibido bem como o que eacute tolerado e permitido numa certa dimensatildeo comportamental () (TOURY 1995 54-55)20
Segundo Toury (1995 55) as normas satildeo adquiridas pelo indiviacuteduo durante a sua
socializaccedilatildeo e isso sempre implica em sanccedilotildees
reais ou potenciais negativas e tambeacutem
positivas Para Wexler apud Toury (1995 55) a existecircncia de normas eacute uma condiccedilatildeo sine
qua non em exemplos de rotulaccedilatildeo e regulamentaccedilatildeo sem uma norma todos os desvios
perdem sentido e se tornam casos de variaccedilatildeo livre 21
Estas consideraccedilotildees de Wexler sobre normas satildeo aplicaacuteveis em sentido geral
Toury (1995 56-57) deixa isso mais especiacutefico no campo da atividade tradutoacuteria a qual
envolve pelo menos duas liacutenguas e duas tradiccedilotildees culturais ou seja dois conjuntos separados
de normas as quais satildeo diferentes e incompatiacuteveis por natureza O tradutor bem como outros
segmentos envolvidos no processo da traduccedilatildeo tem de lidar com normas
conforme dito
relativamente instaacuteveis Toury (1995 57-59) as divide em categorias ou grupos normas
iniciais normas preliminares e normas operacionais
Por normas iniciais Toury entende a forma como a traduccedilatildeo eacute orientada ou seja
segundo o texto e a cultura de partida (source oriented) ou segundo a cultura e o texto de
chegada (target oriented) Neste caso se a traduccedilatildeo eacute orientada conforme o texto e a cultura
de partida certamente haveraacute incompatibilidades com as normas e praacuteticas da cultura e do
texto de chegada principalmente agravequelas que vatildeo aleacutem das normas e praacuteticas meramente
linguumliacutesticas Se por outro lado a segunda opccedilatildeo eacute tomada os sistemas normativos da cultura
de chegada seratildeo postos em accedilatildeo e haveraacute mudanccedilas no texto de partida que de modo quase
inevitaacutevel exigiratildeo um preccedilo a ser pago (perdas acreacutescimos manipulaccedilotildees) Entatildeo e com
20 Sociologists and social psychologists have long regarded norms as the translation of general values or ideas shared by a community as to what is right and wrong adequate and inadequate into performance instructions appropriate for and applicable to particular situations specifying what is prescribed and forbidden as well as what is tolerated and permitted in a certain behavioural dimension ( )
21 The existence of norms is a sine qua non in instances of labeling and regulating without a norm all deviations are meaningless and become cases of free variation
38
base em Even-Zohar22 enquanto que aderir agraves normas da cultura e do texto de partida
determina uma traduccedilatildeo adequada aceitar as normas da cultura e do texto de chegada
determina a sua aceitabilidade
As normas preliminares satildeo aquelas que envolvem a seleccedilatildeo de textos para
traduccedilatildeo considerando a accedilatildeo de leitores especializados (tais como editores e revisores)
durante o processo e o teacutermino do trabalho de traduccedilatildeo quando afinal avalia-se o produto
gerado (a reescritura) Segundo Toury (1995 59) estas normas estatildeo vinculadas a dois grupos
de consideraccedilotildees que natildeo raro estatildeo interconectados aquelas consideraccedilotildees ligadas agrave
existecircncia e agrave natureza real de uma poliacutetica de traduccedilatildeo definida responsaacutevel pela seleccedilatildeo de
textos segundo criteacuterios especiacuteficos a serem traduzidos num determinado momento do tempo
e aquelas relacionadas agrave orientaccedilatildeo da traduccedilatildeo Poliacuteticas diferentes podem se aplicar a
diferentes subgrupos seja em termos de tipos textuais (por exemplo literaacuterios versus natildeo
literaacuterios) ou agentes humanos (por exemplo diferentes editoras)
A relaccedilatildeo desses subgrupos favorece amplo terreno para discussotildees que
examinam as poliacuteticas de traduccedilatildeo No caso das traduccedilotildees indiretas (ie quando a traduccedilatildeo
natildeo eacute feita a partir da liacutengua em que o texto foi originalmente produzido) por exemplo
existem niacuteveis de toleracircncia segundo um polissistema determinado Assim Toury faz os
seguintes questionamentos
a traduccedilatildeo indireta eacute afinal de contas permitida Ao se traduzir a partir de que liacutenguastipos de textoperiacuteodos (etc) isso permitidoproibidotolerado preferido Quais satildeo as liacutenguas mediadoras permitidasproibidastoleradaspreferidas Existe uma tendecircnciaobrigaccedilatildeo de marcar um trabalho traduzido como mediado ou este fato eacute ignoradocamufladonegado E se for mencionado a identidade da liacutengua mediadora eacute fornecida tambeacutem (TOURY 1995 58)23
As normas operacionais se referem agraves decisotildees e escolhas tradutoacuterias que
envolvem o processo de traduccedilatildeo Estas por afetarem a matriz do texto regem tambeacutem direta
ou indiretamente os relacionamentos obtidos entre os textos de partida e de chegada ou seja
o que mais provavelmente permaneceria imutaacutevel e o que mudaria Deste modo Toury
22 An adequate translation is a translation which realizes in the target language the textual relationships of a source text with no breach of its own [basic] linguistic system (EVEN-ZOHAR 1975 43 apud TOURY 1995 57) ( Uma traduccedilatildeo adequada eacute a que realiza as relaccedilotildees textuais de um texto de partida na liacutengua de chegada sem nenhuma falha de seu proacuteprio sistema linguumliacutestico [baacutesico] )
23 is indirect translation permitted at all In translating from what source languagestext-typesperiods (etc) is it permittedprohibitedtoleratedpreferred What are the permittedprohibitedtoleratedpreferred mediating languages Is there a tendencyobligation to mark a translated work as having been mediated or is this fact ignoredcamouflageddenied If it is mentioned is the identity of the mediating language supplied as well
39
estabelece duas subcategorias para as normas operacionais as normas matriciais e as normas
linguumliacutestico-textuais
A razatildeo de ser das normas matriciais eacute a correspondecircncia em grau de similaridade
entre o material linguumliacutestico do texto de chegada e o texto de partida ou seja quando existe
material da liacutengua de partida para substituir o material correspondente da liacutengua de partida
Deste modo as normas operacionais (matriciais) determinam tambeacutem a plenitude da
traduccedilatildeo a posiccedilatildeo ou distribuiccedilatildeo desse material no texto e a sua segmentaccedilatildeo textual
(SANTOS 2008 28)
As normas linguumliacutestico-textuais por sua vez governam a seleccedilatildeo de material para
formular o texto de chegada ou substituir o material textual e linguumliacutestico original Podem ser
tanto gerais (aplicando-se agrave traduccedilatildeo qua traduccedilatildeo) como particulares (quando elas se aplicam
somente a um tipo textual especiacutefico eou modo de traduccedilatildeo)
Theo Hermans (1998 51-72) tambeacutem reconhece que as normas se expressam em
prescriccedilotildees proibiccedilotildees preferecircncias e permissotildees e que essas mesmas normas se legitimam
por meio de valores institucionais e satildeo transmitidas por meio de preceitos e exemplos
exercendo uma funccedilatildeo reguladora geral Esse criacutetico no intuito de elaborar mais
consideraccedilotildees acerca desse tema utiliza um exemplo documental verificando implicaccedilotildees
sobre os processos e resultados de uma traduccedilatildeo de um padre flamengo Adrianus de Buck no
contexto do seacuteculo XVII nos Paiacuteses Baixos Trata-se do trabalho desse religioso catoacutelico em
traduzir do latim para o holandecircs uma obra de Boeacutecio em 1653 O Consolo da Filosofia (De
Consolatio Philosophiae) De Buck viveu num periacuteodo em que o contexto poliacutetico e religioso
dos Paiacuteses Baixos se dividia em dois segmentos a regiatildeo norte de tradiccedilatildeo protestante
calvinista (por causa da influecircncia francesa) e a regiatildeo sul (Flandres) de tradiccedilatildeo catoacutelica
(devido agrave influecircncia espanhola)
Essa obra de Boeacutecio com influecircncia de Platatildeo e Aristoacuteteles trata basicamente de
momentos em que o autor preso e agraves veacutesperas de ser executado tenta se confortar com ideacuteias
filosoacuteficas numa postura estoacuteica Entretanto Hermans (1998 52) percebeu nessa traduccedilatildeo de
De Buck a presenccedila da ideologia catoacutelica contra-reformista pois esse padre tradutor
apropriou-se do tema do texto de partida usando-o com um propoacutesito especiacutefico os leitores da
traduccedilatildeo leriam Boeacutecio num momento de necessidade pois a expansatildeo francesa (calvinista)
jaacute estava chegando agravequeles arredores Aleacutem disso De Buck tomou o discurso de Boeacutecio como
catoacutelico por exemplo a noccedilatildeo cristatilde do livre-arbiacutetrio refutada pelos calvinistas uma das
razotildees por que Boeacutecio natildeo era traduzido por eles assim o Boeacutecio de De Buck afirma
40
Hermans representa uma tradiccedilatildeo tradutoacuteria diferente daquela da regiatildeo norte francesa dos
Paiacuteses Baixos durante o seacuteculo XVII
Hermans (1998 55) afirma que as convenccedilotildees sociais as normas e regras estatildeo
intimamente ligadas a valores sendo que uma norma abrange o entendimento do que uma
dada comunidade se refere como correta e apropriada Entatildeo a forccedila diretiva de uma norma
estaacute ali para assegurar e manter esses valores daiacute Hermans conclui que se as normas satildeo
relevantes para o ato da traduccedilatildeo entatildeo a traduccedilatildeo nunca estaacute livre de valores Deste modo ao
tomar Boeacutecio como escritor catoacutelico De Buck demonstra uma percepccedilatildeo eacute ideoloacutegica
perspectiva sobredeterminada e manipuladora
Num trabalho anterior Hermans (1993 69-88) discute sobre o papel da traduccedilatildeo
como modelo em dois sentidos como a construccedilatildeo de um modelo de um texto de partida
(quando esse criacutetico faz analogias com a teoria dos modelos de Max Black) e como um tema
relacionado a implicaccedilotildees socioculturais em que se percebe a presenccedila de normas que regem
o processo tradutoacuterio (quando Hermans leva tambeacutem em conta o lugar e a funccedilatildeo de modelos
discursivos e protoacutetipos em relaccedilatildeo a normas) Ao tomar o segundo aspecto o das normas
Hermans considera a traduccedilatildeo como uma atividade que envolve uma rede de agentes ativos
retomando alguns aspectos que estatildeo ligados agrave discussatildeo sobre o papel das relaccedilotildees
socioculturais em que os sujeitos constroem e reconhecem relaccedilotildees e como seres sociais
vistos tanto como individualmente como em grupos reconhecidos por uma identidade que
sempre tecircm certos preconceitos e interesses
A traduccedilatildeo portanto conclui Hermans eacute uma questatildeo de transaccedilotildees entre grupos
que tecircm interesses Assim se traduzir significa realizar transformaccedilotildees semioacuteticas em que haacute
escolhas alternativas decisotildees estrateacutegias fins e objetivos regidos por normas (1993 77) As
normas continua o criacutetico satildeo como versotildees mais fortes das convenccedilotildees sociais Hermans
explica que as convenccedilotildees sociais entretanto satildeo apenas uma questatildeo de haacutebitos precedentes
e compartilhados e por isso satildeo expectativas compartilhadas enquanto que as normas
sociais apesar de guardar semelhanccedilas com as convenccedilotildees satildeo mais arbitraacuterias e diretivas
assim natildeo apenas se esperam determinados comportamentos mas tambeacutem como se deve
comportar Portanto ao se considerar normas haacute natildeo soacute expectativas mas tambeacutem
obrigaccedilotildees proibiccedilotildees toleracircncias e permissotildees (HERMANS 1993 80-81)
Aplicando-se isso ao exemplo da traduccedilatildeo de Boeacutecio realizada por De Buck
supracitada pode-se refletir sobre duas perspectivas naquele contexto dos Paiacuteses Baixos do
seacuteculo XVII Boeacutecio natildeo traduzido pela parte norte protestante versus Boeacutecio traduzido por
De Buck na parte sul ou seja valores antagocircnicos colocados frente a frente sob a perspectiva
41
de um texto de partida negado ou aceito mas manipulado Dessa forma duas ideologias
tomam um mesmo texto conforme seus propoacutesitos (escolhas alternativas decisotildees
estrateacutegias fins e objetivos regidos por normas) individuais e divergentes
Chesterman (1993 1-20) por sua vez leva em conta os processos e resultados da
traduccedilatildeo ao que denomina normas de traduccedilatildeo alegando que o estudo dessas normas de
traduccedilatildeo possibilita aos estudos de traduccedilatildeo o agrupamento de dados uma preparaccedilatildeo para
que se destina tanto agrave descriccedilatildeo quanto agrave avaliaccedilatildeo das traduccedilotildees Chesterman divide as
normas de traduccedilatildeo dois segmentos (a) as normas profissionais que se relacionam com o
processo de traduccedilatildeo (normas de responsabilidade comunicaccedilatildeo e de relaccedilatildeo entre a
culturatexto de partida e a culturatexto de chegada) e (b) as normas de expectativa que se
referem ao resultado da traduccedilatildeo (o produto final) levando em conta as expectativas do
puacuteblico leitor
14 As teorias da reescritura e das refraccedilotildees
Andreacute Lefevere referindo-se agrave teoria literaacuteria moderna e citando Steiner afirma
que os formalistas russos viam a cultura como
um sistema de sistemas complexo composto de vaacuterios subsistemas como a literatura a ciecircncia e a tecnologia Inseridos nesse sistema geral os fenocircmenos extra literaacuterios natildeo se relacionam com a literatura de uma maneira simples mas em interaccedilatildeo com os subsistemas segundo a loacutegica da cultura a que pertencem (LEFEVERE 1992 11)24
Lefevere (1992 11-25) tambeacutem afirma que dentro desse conjunto complexo de
inter-relaccedilotildees entre subsistemas a Literatura eacute um sistema manipulado pois consiste de
textos (objetos) e agentes humanos que lecircem escrevem e reescrevem textos Sob esta oacutetica
podemos enxergar os tradutores os criacuteticos os historioacutegrafos os editores e antologistas
emitindo suas opiniotildees e juiacutezos segundo as suas concepccedilotildees a respeito de um trabalho
literaacuterio Essa atuaccedilatildeo consiste em que de certa forma podemos considerar como a
reescritura de uma obra Dentro da abordagem sistecircmica o sistema maior (sistema social)
engloba outros os quais natildeo satildeo estanques imutaacuteveis pois estatildeo abertos agrave influecircncia muacutetua
24 a complex system of systems composed of various subsystems such as literature science and technology Within this general system extraliterary phenomena relate to literature not in a piecemeal fashion but as an interplay among subsystems determined by the logic of the culture to which they belong
42
segundo a loacutegica da cultura Lefevere (1992 14) entatildeo faz a seguinte pergunta () quem
controla a loacutegica da cultura Eacute ele mesmo quem daacute a resposta afirmando que haacute dois
fatores atuantes O primeiro fator eacute interno e pertencente ao sistema literaacuterio o segundo por
sua vez eacute externo estaacute fora desse sistema O primeiro
constituiacutedo por profissionais como
criacuteticos revisores professores tradutores
tenta controlar o sistema literaacuterio internamente a
partir dos paracircmetros definidos pelo segundo a patronagem ou seja
( ) algo como as forccedilas (pessoas instituiccedilotildees) que datildeo impulso ou causam empecilhos agrave leitura agrave escrita e agrave reescrita da literatura ( ) Em geral a patronagem estaacute mais interessada na ideologia da literatura do que em sua poeacutetica e pode-se dizer que o patrono delega autoridade ao profissional no que diz respeito agrave poeacutetica (LEFEVERE 1992 15)25
Lefevere explica que a patronagem normalmente estaacute mais interessada na
ideologia da literatura do que em sua poeacutetica Isso pode ser determinante por exemplo na
traduccedilatildeo literaacuteria que por objetivos comerciais ou morais por exemplo devem-se seguir
algumas normas e natildeo necessariamente o livre arbiacutetrio e o gosto do tradutor Esse criacutetico
afirma que a patronagem consiste de trecircs elementos a ideologia o aspecto econocircmico e o
status os quais podem interagir em vaacuterias combinaccedilotildees A ideologia age como imposiccedilotildees
sobre a escolha e o desenvolvimento tanto da forma quanto do conteuacutedo em questatildeo num
sentido que natildeo se aplica somente agrave esfera poliacutetica a ideologia seria vista como o produto
acabado da forma da convenccedilatildeo e da crenccedila que comanda nossas accedilotildees 26 (JAMESON apud
LEFEVERE 1992 16) O componente econocircmico diz respeito aos ganhos materiais por
exemplo o pagamento do tradutor ou escritor feito pelo patrono incluindo-se aiacute os direitos
autorais sobre a venda de livros ou o emprego desses profissionais da escrita como
professores ou revisores Lefevere assinala que o componente econocircmico muitas vezes natildeo se
dissocia do componente ideoloacutegico eacute preciso agradar ou pelo menos natildeo contrariar a fonte
de rendimentos Do contraacuterio perde-se o favor em troca de possiacuteveis retaliaccedilotildees as quais em
tempos mais antigos como o de Chaucer ou o de Shakespeare podiam significar ateacute mesmo a
prisatildeo ou a morte Por uacuteltimo o status liga-se ao fato de que a aceitaccedilatildeo da patronagem
implica uma integraccedilatildeo do profissional a certo grupo social de prestiacutegio e seu estilo de vida
por vezes requintado
25 () something like the powers (persons institutions) that can further or hinder the reading writing and rewriting of literature ( ) Patronage is usually more interested in the ideology of literature than in its poetics and it could be said that the patron delegates authority to the professional where poetics is concerned
26 Ideology would seem to be that grillwork of form convention and belief which orders our actions
43
A patronagem conforme explica Lefevere eacute exercida por indiviacuteduos isolados ou
grupos de pessoas como um grupo religioso um partido poliacutetico uma classe social a realeza
e sua corte publicadores e tambeacutem os meios de comunicaccedilatildeo Percebe-se assim a forccedila da
ideologia agindo sobre a sociedade e a cultura Portanto a accedilatildeo das academias da censura da
criacutetica especializada e dos estabelecimentos educacionais se natildeo regulam diretamente a
escrita da literatura pelo menos regulam a sua distribuiccedilatildeo Desta forma se algueacutem deseja
expressar sua criaccedilatildeo artiacutestica ela deve estar de acordo com a ideologia da patronagem
Lefevere classifica a patronagem em diferenciada e natildeo diferenciada ela eacute natildeo diferenciada
quando seus trecircs componentes (a ideologia o fator econocircmico e o status) estatildeo sob o controle
de um soacute patrono como num exemplo que ocorria no passado quando um rei absolutista
fazia com que um escritor ingressasse na sua corte dando-lhe uma pensatildeo Eacute diferenciada
quando o sucesso econocircmico eacute relativamente independente de fatores ideoloacutegicos e natildeo traz
necessariamente status consigo conforme o caso da maioria dos autores de best-sellers
contemporacircneos
A palavra refraccedilatildeo cunhado por Lefevere e aplicado aos estudos da traduccedilatildeo
surgiu nos anos de 1980 substituindo metaacuteforas tradicionais como a da traduccedilatildeo como
pintura ou espelho do original A pintura remete agrave imitaccedilatildeo enquanto que o espelho deixa um
reflexo Este dois vocaacutebulos tambeacutem deixam transparecer a ideacuteia de um produto ou resultado
em funccedilatildeo de um original ou seja um ponto de partida focado no emissor a cultura e a
liacutengua de partida e a preocupaccedilatildeo de reproduzi-las com fidelidade Refraccedilatildeo pode significar
no contexto da Fiacutesica a modificaccedilatildeo da forma ou da direccedilatildeo de uma onda ao atravessar uma
interface que separa dois meios Tambeacutem se refere ao fenocircmeno da luz atravessando um
espectro acontecendo um desvio A partir destas definiccedilotildees pode-se afirmar que quando haacute
modificaccedilatildeo da forma ocorre uma distorccedilatildeo quando haacute modificaccedilatildeo da direccedilatildeo ocorre um
desvio Conclui-se daiacute que refraccedilatildeo no sentido mais literal deste exemplo natildeo possui caraacuteter
ativo mas passivo a luz atravessa um espectro e eacute refratada sofrendo desvio ou distorccedilatildeo
Quando o conceito de refraccedilatildeo foi aplicado aos estudos de traduccedilatildeo criou-se uma
nova metaacutefora pode-se entender a luz como a cultura e a liacutengua de partida incorporadas num
texto escrito o espectro satildeo os agentes da recepccedilatildeo responsaacuteveis pela interpretaccedilatildeo
adaptaccedilatildeo adequaccedilatildeo e reconstruccedilatildeo desse texto resultando na sua refraccedilatildeo (desvio
modificaccedilatildeo) ou seja num novo produto sendo que os agentes da recepccedilatildeo atuam conforme
regras ou normas ditadas por seu sistema ou subsistema Portanto entende-se que esta
concepccedilatildeo estaacute voltada natildeo para o emissor mas para o receptor encaixando-se nas ideacuteias
apregoadas pela Escola de Manipulaccedilatildeo agrave qual estatildeo vinculados os teoacutericos da teoria dos
44
polissistemas Assim Lefevere (1982 4) explica as refraccedilotildees como a adaptaccedilatildeo de uma obra
literaacuteria a um puacuteblico diferente com a intenccedilatildeo de influenciar a forma como o puacuteblico lecirc a
obra e constituem um fato e se manifestam na traduccedilatildeo criacutetica historiografia ensino
antologias etc
Lefevere ao desenvolver suas ideacuteias acabou encontrando um elemento que aliaacutes
jaacute estava impliacutecito nos seus argumentos sobre refraccedilotildees os mecanismos de poder Se uma
obra literaacuteria pode sofrer adaptaccedilotildees com a intenccedilatildeo de influenciar a forma como o puacuteblico a
lecirc fica claro que tais alteraccedilotildees natildeo podem ser gratuitas Se haacute uma intenccedilatildeo existe natildeo raro
a atuaccedilatildeo de formas de poder que resultam numa reescritura do texto Eis entatildeo o pressuposto
da teoria da reescritura
Conforme Else Vieira (1996 143) foi em meados da deacutecada de 1980 que
Lefevere pouco a pouco comeccedilou a substituir o termo refraccedilotildees por reescrita expandindo
o constructo teoacuterico de sistema designado por um conjunto de elementos inter-relacionados
que por acaso compartilham certas caracteriacutesticas que os distinguem de outros elementos natildeo
pertencentes ao sistema (LEFEVERE 1985 223-224)27
Voltando agraves ideacuteias de Lefevere supramencionadas pode-se afirmar que se haacute
controle este eacute exercido por elementos internos e externos ao sistema Os elementos internos
satildeo os inteacuterpretes os criacuteticos os revisores os professores de literatura etc (refratores ou
reescritores) que exercem formas de repressatildeo que pode ocorrer pela simples exclusatildeo da
obra literaacuteria ou mais comumente pela sua adaptaccedilatildeo de forma que ela atinja o grau
necessaacuterio de correspondecircncia agrave poeacutetica ou agrave ideologia da sua eacutepoca O segundo elemento
externo eacute a patronagem ou as pessoas e instituiccedilotildees que tanto podem promover incentivar ou
reprimir restringir e obstruir a escrita a leitura ou reescrita da literatura
Eacute bem visiacutevel o grau de identificaccedilatildeo entre os termos refraccedilatildeo e reescrita
chegando agraves vezes a serem usados como sinocircnimos um do outro Se refraccedilatildeo estaacute ligada a
sistema e reescritura estaacute ligada a mecanismos de poder percebe-se uma relaccedilatildeo que consiste
nas refraccedilotildees produzidas sob influecircncia das normas de um sistema mas estas normas podem
estar sob o uso de pessoas que detecircm alguma espeacutecie de poder Entatildeo o elemento principal
que distingue o primeiro termo do outro satildeo os mecanismos de poder
Em seu estudo sobre as traduccedilotildees de contos de Machado de Assis para o inglecircs
Hatje-Faggion (2006) destaca que no caso desse escritor brasileiro dentre as inuacutemeras
influecircncias que podem ser determinantes na traduccedilatildeo literaacuteria as razotildees comerciais por
27 Vide Vieira (1996 141) e nota nordm 9 desta dissertaccedilatildeo
45
exemplo podem interferir em certas decisotildees quem vai ser traduzido quais obras seratildeo
selecionadas quando e com que impacto Nesse sentido Ria Vanderauwera (1985 37)
distingue dois tipos de traduccedilatildeo a embaixadora ou metaliteraacuteria e a de consumo Se a
traduccedilatildeo eacute de caraacuteter embaixador ou metaliteraacuterio os propoacutesitos natildeo satildeo comerciais mas sim
culturais com a intenccedilatildeo de valorizar determinada cultura por exemplo oferecendo a
estudantes da liacutengua eou da literatura de partida um material baacutesico Assim autores e obras
relevantes dessa cultura em evidecircncia tornam-se disponiacuteveis a outro puacuteblico pertencente a
outra cultura No caso da traduccedilatildeo de consumo os textos satildeo escolhidos para traduccedilatildeo
recebendo um tratamento uma apresentaccedilatildeo conforme as rotinas de ediccedilatildeo de texto e
preferecircncias literaacuterias da cultura de chegada
O seguinte comentaacuterio de Bagby Juacutenior apud Hatje-Faggion (2001 144) por
exemplo atesta a funccedilatildeo embaixadora das traduccedilotildees para o inglecircs do romance Dom
Casmurro de Machado de Assis realizadas por Helen Caldwell a traduccedilatildeo eacute boa e praacutetica
para alunos pouco familiarizados com o autor o que comprova que se trata de uma traduccedilatildeo
indicada para um puacuteblico de chegada falante de inglecircs com intenccedilatildeo educativa Em resumo a
traduccedilatildeo embaixadora ou metaliteraacuteria tem a motivaccedilatildeo de valorizar a cultura do texto de
partida e o seu intercacircmbio com a cultura de chegada enquanto que a traduccedilatildeo de consumo
prima pelo lucro seguindo as expectativas comerciais Cada qual portanto desempenha um
papel de grande importacircncia sobre a escolha da obra literaacuteria a ser traduzida sustentando a
formulaccedilatildeo e a apresentaccedilatildeo do texto de chegada em proporccedilotildees e maneiras diversas com
impacto variado segundo o objetivo especiacutefico da traduccedilatildeo o tipo de texto envolvido o
tradutor o editor e suas suposiccedilotildees sobre as expectativas do leitor (HATJE-FAGGION
2006 3)
15 O esquema teoacuterico de Lambert e Van Gorp para descriccedilatildeo de traduccedilotildees literaacuterias
De acordo com Joseacute Lambert e Henrik Van Gorp (1985 42-53) o fortalecimento
dos estudos de traduccedilatildeo (meados da deacutecada de 1970) como objeto legiacutetimo da investigaccedilatildeo
cientiacutefica em geral tem tido contribuiccedilotildees mais importantes no campo da teoria da traduccedilatildeo
Esses dois criacuteticos entretanto sentiram necessidade de contribuir para esse campo no sentido
de suprir certas falhas ou deficiecircncias no que diz respeito aos estudos descritivos apontadas
por vaacuterios teoacutericos como Toury (1980) Um desses problemas seria o isolamento do estudo
de traduccedilotildees e do comportamento tradutoacuterio em certos contextos socioculturais em relaccedilatildeo agrave
46
pesquisa teoacuterica da traduccedilatildeo havendo lacunas entre as abordagens teoacuterica e descritiva
Lambert e Van Gorp sentiram a falta de uma sistematizaccedilatildeo para os estudos descritivos e
assim conceberam uma proposta teoacuterica para a descriccedilatildeo de traduccedilotildees
O estudo comparativo de traduccedilotildees de uma obra de acordo com as ideacuteias de
Lambert e Van Gorp (1985 42-53) contribui para um melhor entendimento dos meios e
processos pelos quais estes textos de chegada satildeo construiacutedos verificando-se como as normas
de cada contexto influenciam na concepccedilatildeo do produto final levando-se em conta as
expectativas dos agentes institucionais e da recepccedilatildeo de modo geral aleacutem das proacuteprias
concepccedilotildees e ideais dos tradutores tudo isso inserido numa cultura e numa eacutepoca especiacutefica
Deste modo satildeo abertas novas possibilidades para que haja mudanccedilas de atitude em relaccedilatildeo
aos tradutores e agraves suas respectivas traduccedilotildees em diferentes periacuteodos de tempo muitas vezes
haacute julgamentos de valor feitos gratuitamente sobre esta ou aquela traduccedilatildeo como a melhor a
pior sem relativizar os fatos e fatores que influenciaram cada uma dessas reescrituras
Susan Bassnett (2003 129) ao abordar a traduccedilatildeo de obras literaacuterias por meio de
exemplos analisados em pormenores justifica que ao fazer isso natildeo pretende avaliar tais
traduccedilotildees mas sim mostrar como a escolha de criteacuterios por parte do tradutor pode dar azo a
problemas especiacuteficos de traduccedilatildeo Os estudos de caso em estudos de traduccedilatildeo portanto satildeo
relevantes porque se verifica na transferecircncia de contextos (do texto de partida para textos de
chegada) a existecircncia de variedades de processos diferentes que estatildeo envolvidos O esquema
descritivo de Lambert e Van Gorp (1985 42-53) nesse intuito divide-se em quatro estaacutegios
conforme exposiccedilatildeo abaixo
O primeiro estaacutegio denominado dados preliminares examina dados que natildeo
fazem parte do texto do escritor traduzido ou seja trata dos aspectos extratextuais constantes
numa ediccedilatildeo caracteriacutesticas fiacutesicas da publicaccedilatildeo a sua embalagem (capa contracapa
folha de rosto etc) em que podem constar dados como o nome da editora ano de publicaccedilatildeo
nuacutemero de reimpressatildeo direitos autorais ou os paratextos (prefaacutecio posfaacutecio introduccedilatildeo
notas de rodapeacute etc) quantidade de capiacutetulos de paacuteginas Estas informaccedilotildees permitem que o
leitor faccedila uma ideacuteia geral do produto que vai ler obtendo assim as primeiras impressotildees que
possivelmente recaem sobre as publicaccedilotildees Os leitores satildeo convidados a ler o produto o
qual dependendo dessas impressotildees pode atrair a atenccedilatildeo das pessoas provocar recusas ou
indiferenccedila A relevacircncia dessas informaccedilotildees diz respeito portanto aos objetivos pretendidos
pelos agentes responsaacuteveis pela publicaccedilatildeo com suas pretensotildees que envolvem por exemplo
accedilotildees de cunho mercadoloacutegico eou ideoloacutegico incluindo-se aiacute algumas estrateacutegias de
traduccedilatildeo colocadas em praacutetica Neste estaacutegio portanto a atenccedilatildeo se volta para as estrateacutegias
47
de seduccedilatildeo do consumidor elaboradas pelos agentes responsaacuteveis pela publicaccedilatildeo Aqui o
papel do tradutor parece ficar mais submetido agrave aprovaccedilatildeo dos revisores eou editores no que
conta por exemplo na escolha e adequaccedilatildeo do tiacutetulo traduzido ao peso do proacuteprio nome do
tradutor se eacute relevante mencionaacute-lo ou natildeo
O segundo estaacutegio a macroestrutura faz uma comparaccedilatildeo entre a estrutura do
texto de partida e a estrutura desse texto traduzido Trata-se do exame da estrutura geral do
texto em que constam a sua composiccedilatildeo e divisatildeo em partes (capiacutetulos paraacutegrafos frases
etc) Tambeacutem se verifica se os capiacutetulos tecircm tiacutetulo e numeraccedilatildeo e como satildeo caracterizados
bem como as caracteriacutesticas da narrativa e dos diaacutelogos e a indicaccedilatildeo das formas do discurso
(direto indireto indireto-livre)
O terceiro estaacutegio a microestrutura considera o texto em unidades menores
verificando no que concerne a linguagem em si a seleccedilatildeo lexical os padrotildees gramaticais
dominantes caracteriacutesticas de estilo formas de discurso (direto indireto indireto-livre) a
narrativa perspectivas pontos de vista niacuteveis da liacutengua (variedades linguumliacutesticas socioletos
dialetos etc) O foco tambeacutem se dirige a outros toacutepicos como o tiacutetulo da obra formas de
tratamento nomes de pessoas de lugares unidades de medida tiacutetulos de livros jornais e
similares bem como dados especiacuteficos do ambiente sociocultural Trata-se de verificar o
modo como o tradutor lida com as escolhas para traduzir
O quarto estaacutegio o contexto sistecircmico contrapotildee os niacuteveis macro e micro o texto
e a teoria (normas modelos etc) relaccedilotildees intertextuais (outras traduccedilotildees e o relacionamento
entre esses textos e o texto traduzido em questatildeo e o texto de partida adotado) relaccedilotildees
intersistecircmicas (gecircnero textual estilo) leitor e criacutetica
Cada estaacutegio desse modo contribui com resultados uacuteteis para o proacuteximo estaacutegio
numa relaccedilatildeo de interdependecircncia Assim este modelo serviraacute de base para as anaacutelises das
quatro traduccedilotildees de Of mice and men examinadas no quarto capiacutetulo desta dissertaccedilatildeo
16 Paratextos
Conforme jaacute mencionado os paratextos satildeo um dos itens que constituem o
primeiro estaacutegio do esquema descritivo de traduccedilotildees de Lambert e Van Gorp (1985) os dados
preliminares Macksey (1997 xvii) em seu prefaacutecio agrave obra de Genette traduzida para o inglecircs
48
como Paratexts
Thresholds of Interpretation28 explica a relaccedilatildeo entre o vocaacutebulo
paratextos e a palavra inglesa thresholds ou seja as convenccedilotildees literaacuterias e editoriais que
fazem mediaccedilatildeo entre o mundo das publicaccedilotildees e o mundo do texto 29 Figueiredo por sua
vez afirma que os paratextos no sentido atribuiacutedo por Genette (1982) satildeo constituiacutedos por
tiacutetulos subtiacutetulos epiacutegrafes dedicatoacuterias proacutelogos prefaacutecios posfaacutecios advertecircncias notas preacutevias nome de autor e de tradutor (ou a ausecircncia de um ou de outro ou de ambos) capas contracapas frontispiacutecios introduccedilotildees notas editoriais informaccedilotildees nas badanas [orelhas] notas de rodapeacute notas agrave margem ilustraccedilotildees notas do tradutor notas finais apecircndices anexos publicidade informaccedilotildees bibliograacuteficas e legais ou quaisquer outros sinais que mantecircm qualquer relaccedilatildeo com o texto que acompanham fisicamente (FIGUEIREDO 2004)
As funccedilotildees dos paratextos para Figueiredo (2004) satildeo variaacuteveis mas todos eles
funcionam como mediadores entre o texto e o leitor e logo podem influenciar a leitura e a
recepccedilatildeo do texto Os prefaacutecios ou notas preacutevias por exemplo possibilitam o esclarecimento
antecipado dos leitores sobre o texto principal a ser lido (ou natildeo dependendo do interesse
gerado no receptor-leitor) Este tipo de paratexto por exemplo pode trazer informaccedilotildees a
respeito de um autor criacutetico ou tradutor com suas consideraccedilotildees gerais que geralmente
atribuem valor positivo agrave obra
Maingueneau (1996) apud Andrade (2004 12) destaca que um recurso utilizado
em obras inovadoras ou desviantes dos padrotildees eacute justamente o uso de paratextos na proacutepria
obra que explicam esses desvios e tentam conquistar o leitor A funccedilatildeo desses paratextos
entatildeo pode ser comparada agrave de guias de leitura
Assim atraveacutes dos paratextos guias de leitura por excelecircncia o texto procura seduzir o leitor e ao mesmo tempo controlar o percurso de seu olhar orientar a leitura de modo a obter os resultados desejados Nesse espaccedilo de autolegitimaccedilatildeo discursiva podemos encontrar a chave interpretativa da obra (p 27) pois nele o autor indica seu projeto esteacutetico (ANDRADE 2004 12)
A funccedilatildeo dos paratextos como fonte de orientaccedilatildeo e ou seduccedilatildeo do leitor eacute
mencionada por Genette (1997 1-2) quando ele destaca que um trabalho literaacuterio raramente eacute
apresentado sem um propoacutesito definido sem algum tipo de suporte ou acompanhamento de
produccedilotildees verbais ou natildeo-verbais como o nome do autor o tiacutetulo o prefaacutecio e ilustraccedilotildees e
28 Tiacutetulo original em francecircs Seuiles (Editions du Seuil 1987)
29 the literary and printerly conventions that mediate between the world of publishing and the world of the text
49
mesmo que o leitor natildeo se decirc conta se estes recursos pertencem ou natildeo ao texto principal (a
obra literaacuteria em si mesma) de qualquer maneira esses recursos estatildeo ali agraves margens da
obra estendendo-a justamente com a intenccedilatildeo de apresentaacute-la Genette atribui um sentido
especial ao verbo apresentar
E embora nem sempre saibamos se estas produccedilotildees devem ser consideradas como pertencentes ao texto de qualquer maneira elas o cercam e o expandem justamente no intuito de apresentaacute-lo no sentido comum deste verbo mas tambeacutem no seu sentido mais forte tornar presente garantir a presenccedila do texto no mundo a sua recepccedilatildeo e consumo na forma (hoje em dia pelo menos) de um livro Estas
produccedilotildees acessoacuterias que variam em dimensatildeo e aparecircncia constituem o que eu chamei em outro trabalho de o paratexto de uma obra () (GENETTE 1997 1-2) 30
A exposiccedilatildeo dessas palavras de Genette permite perceber como os paratextos tecircm
uma funccedilatildeo essencial necessaacuteria que contribui para o sucesso ou fracasso comercial de uma
obra literaacuteria Pode-se inferir a partir da citaccedilatildeo acima que os paratextos reuacutenem expectativas
dos agentes responsaacuteveis por uma publicaccedilatildeo os quais tentam inculcar desejo ou curiosidade
no puacuteblico leitor
30 And although we do not always know whether these productions are to be regarded as belonging to the text in any case they surround it and extend it precisely in order to present it in the usual sense of this verb but also in the strongest sense to make present to ensure the texts presence in the world its reception and consumption in the form (nowadays at least) of a book These accompanying productions which vary in extent and appearance constitute what I have called elsewhere the works paratext ( )
Esta obra escrita originalmente em francecircs intitulada Seuil (1987) foi traduzida para o inglecircs por Jane E Lewin De acordo com essa tradutora a referecircncia ao termo paratexto aparece em outra obra de Genette intitulada Palimpsestes de 1981
50
2 CULTURA LINGUAGEM E A TRADUCcedilAtildeO DE VARIEDADES LINGUumlIacuteSTICAS
NA LITERATURA
Toda liacutengua satildeo rastros de velhos misteacuterios
Guimaratildees Rosa
Cultura e linguagem satildeo dois sistemas que se inter-relacionam resultando na
totalidade num polissistema Por intermeacutedio dessas relaccedilotildees unindo o primeiro e o segundo
aspecto surge como tema central desta pesquisa a questatildeo de traduzir variedades linguumliacutesticas
estigmatizadas na literatura sob dois aspectos problemaacuteticos neutralizar esses dialetos pelo
uso de uma variedade de prestiacutegio ou adotar um dialeto equivalente
Os temas cultura e linguagem tambeacutem sempre remetem a outros problemas
procedimentos ou escolhas tradutoacuterias Existe tambeacutem a discussatildeo sobre aspectos linguumliacutesticos
na traduccedilatildeo em que o entendimento de variedades linguumliacutesticas se coloca e entatildeo eacute comum o
uso de termos da Linguumliacutestica Aplicada momento em que eacute preciso deixar claras suas
definiccedilotildees muitas vezes em acepccedilotildees diferentes conforme variados autores Este segundo
capiacutetulo trata basicamente desses aspectos relacionados agrave traduccedilatildeo que envolvem cultura
linguagem e traduccedilatildeo de dialetos literaacuterios
21 A necessidade de novas traduccedilotildees
Ao olhar comum parece agraves vezes haver um entendimento de que ao se deparar
com uma obra traduzida e publicada ela eacute para todos os efeitos a traduccedilatildeo ou seja a
palavra final algo incontestaacutevel como se as liacutenguas tivessem um caraacuteter estaacutetico Um exame
mais atento entretanto confirma a existecircncia de vaacuterias traduccedilotildees de uma mesma obra para
uma mesma liacutengua a exemplo de autores consagrados como Shakespeare Homero Cervantes
e tantos outros cujos trabalhos jaacute foram e ainda satildeo traduzidos repetidamente em diversas
liacutenguas Landers a esse respeito diz que
a meia-vida de uma traduccedilatildeo eacute de cerca de 30 ou 40 anos a cada 30 anos (ateacute mesmo 40 ou 50
isso varia) ela perde metade da sua vitalidade do seu frescor da sua habilidade de comunicar ao leitor numa voz contemporacircnea Se isso eacute verdadeiro conclui-se que os principais trabalhos de literatura devem ser
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retraduzidos periodicamente de modo que eles mantenham sua funccedilatildeo de ponte entre as culturas e os seacuteculos (LANDERS 2001 10 11)31
Landers cita o exemplo de Tuciacutedides traduzido para o inglecircs em pelo menos trecircs
momentos
a traduccedilatildeo de 1629 que Thomas Hobbes fez de Tuciacutedides eacute praticamente impossiacutevel de ser lida pelo falante moderno de inglecircs pois estaacute repleta dos pronomes thee e thou e de sentenccedilas complexas e barrocas A traduccedilatildeo de R Crawley de 1874 eacute muito mais faacutecil de compreender todavia seu vocabulaacuterio um pouco ultrapassado deixa no ar um cheiro leve de naftalina Somente a traduccedilatildeo de 1952 de Rex Warner transmite fluecircncia precisatildeo e modernidade falando a liacutengua contemporacircnea do leitor de maneira direta e eficaz (LANDERS 2001 11)32
Landers (2001 11) esclarece que apesar desse julgamento de valor natildeo haacute na
verdade como estabelecer que a traduccedilatildeo de Rex Warner seja melhor do que as suas
antecessoras A impressatildeo de que ela eacute melhor somente se aplica no que diz respeito agrave
familiaridade que o leitor dos dias de hoje tem com a liacutengua utilizada um inglecircs com
upgrade Cada traduccedilatildeo cumpre o seu papel em seu devido tempo Nada poderaacute impedir que a
traduccedilatildeo de Warner tambeacutem fique ultrapassadadatada
Milton (1998 40) afirma que todas as traduccedilotildees ficam ultrapassadas e tecircm de
ser refeitas pelas novas geraccedilotildees Tal declaraccedilatildeo justificada pela questatildeo do caraacuteter
evolutivo das liacutenguas tambeacutem encontra suporte em Walter Benjamin
elementos que agrave eacutepoca do autor podem ter obedecido a uma tendecircncia de sua linguagem poeacutetica poderatildeo mais tarde ter-se esgotado tendecircncias impliacutecitas podem destacar-se ex-novo daquilo que jaacute possui forma Aquilo que antes era novidade mais tarde poderaacute soar gasto o que antes era de uso corrente pode vir a soar arcaico (BENJAMIN 2001 197)
Benjamin prossegue em seu argumento com referecircncia agraves mudanccedilas que a
passagem dos seacuteculos exerce sobre as criaccedilotildees literaacuterias considerando que toda traduccedilatildeo
possui um status provisoacuterio em relaccedilatildeo agrave atualidade de seus efeitos que intermedeiam a
estranheza das liacutenguas Da mesma forma com que tom e significado das grandes obras
poeacuteticas se transformam completamente ao longo dos seacuteculos tambeacutem a liacutengua materna do
31 The half-life of a translation it has been said is from 30 to 40 years every 30 years (or 40 or 50 take your pick) the translation loses half its vitality its freshness its ability to communicate to the reader in a contemporary voice If this is true it follows that major works of literature must be retranslated periodically if they are to retain their function as a bridge between cultures and eras
32 Thomas Hobbes 1629 rendering of Thucydides is virtually unreadable to the modern speaker of English cluttered with thee and thou and complex baroque sentences The R Crawley 1874 version is much easier to absorb but its slightly obsolescent vocabulary nonetheless gives off the faint scent of mothballs Only Rex Warner s lively 1952 translation communicates with fluency precision and modernity speaking the contemporary reader s language directly and forcefully
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tradutor se transforma (BENJAMIN 2001 197) Ele considera que a liacutengua do escritor
impotildee uma percepccedilatildeo mais duradoura do que a liacutengua do tradutor Enquanto a palavra do
poeta perdura em sua liacutengua materna mesmo a melhor traduccedilatildeo estaacute fadada a desaparecer
dentro da evoluccedilatildeo de sua liacutengua e soccedilobrar em sua renovaccedilatildeo (BENJAMIN 2001 197)
Todavia quanto a esta uacuteltima afirmaccedilatildeo paira uma duacutevida sobre a maior
durabilidade das palavras do texto de partida em relaccedilatildeo agraves suas traduccedilotildees pois Benjamin natildeo
oferece nenhum exemplo O fato eacute que se pode facilmente constatar que uma obra literaacuteria
depois de certo espaccedilo de tempo tambeacutem precisa ser atualizada cultural e linguumlisticamente
Isso fica muito claro quando se manuseia um livro antigo numa ediccedilatildeo de cinquumlenta cem
anos ou mais No caso especiacutefico do Brasil aleacutem do curso natural de transformaccedilatildeo da liacutengua
portuguesa e dos costumes houve mudanccedilas na ortografia oficial Estas transformaccedilotildees satildeo
evidenciadas no texto Antigamente de Carlos Drummond de Andrade (1970)
ANTIGAMENTE as moccedilas chamavam-se mademoiselles e eram todas mimosas e muito prendadas Natildeo faziam anos completavam primaveras em geral dezoito Os janotas mesmo natildeo sendo rapagotildees faziam-lhes peacute-de-alferes arrastando a asa mas ficavam longos meses debaixo do balaio E se levavam taacutebua o remeacutedio era tirar o cavalo da chuva e ir pregar em outra freguesia As pessoas quando corriam antigamente era para tirar o pai da forca e natildeo caiacuteam de cavalo magro Algumas jogavam verde para colher maduro e sabiam com quantos paus se faz uma canoa O que natildeo impedia que nesse entrementes esse ou aquele embarcasse em canoa furada Encontravam algueacutem que lhes passasse a manta e azulava dando agraves de vila-diogo Os mais idosos depois da janta faziam o quilo saindo para tomar fresca e tambeacutem tomavam cautela de natildeo apanhar sereno Os mais jovens esses iam ao animatoacutegrafo e mais tarde ao cinematoacutegrafo chupando balas de alteacuteia Ou sonhavam em andar de aeroplano os quais de pouco siso se metiam em camisa de onze varas e ateacute em calccedilas pardas natildeo admira que dessem com os burros n aacutegua ()
Para quem eacute brasileiro ou possui uma grande vivecircncia em relaccedilatildeo agrave cultura
brasileira ficam niacutetidas as diferenccedilas marcantes entre os costumes do iniacutecio do seacuteculo XX ateacute
a eacutepoca em que o texto de Drummond foi publicado 1962 republicado em 1970 Hoje e com
o fluxo incessante do tempo as diferenccedilas se acentuam ainda mais principalmente quando se
vecirc neste mesmo texto a grafia de algumas palavras (aqui em itaacutelico) Doenccedila nefasta era a
phtysica feia era o gaacutelico Antigamente os sobrados tinham assombraccedilotildees os meninos
lombrigas asthma os gatos (DRUMMOND 1970)
Diante do exposto poderia-se perguntar como seria ler por exemplo Machado
de Assis num portuguecircs do seacuteculo XIX Percebe-se que as ediccedilotildees mais atuais das obras dele
passaram por uma atualizaccedilatildeo necessaacuteria Do contraacuterio ainda se leriam os textos machadianos
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nos moldes de uma cultura brasileira antiga e de um tempo remoto visualizados nos PH s
nas casas de pasto e em outros elementos daquela eacutepoca
Rainer Schulte apud Hatje-Faggion (2001 13) por sua vez assevera que
o estudo das diferenccedilas que se tornam visiacuteveis de uma traduccedilatildeo anterior para a outra deixa patente a necessidade de novas traduccedilotildees como um esforccedilo contiacutenuo para expandir e aprofundar o ato de ler e interpretar e para lanccedilar uma luz sobre como as culturas interpretam o seu mundo em momentos particulares da histoacuteria33
O argumento fundado nas diferenccedilas entre duas culturas e nas mudanccedilas que as
liacutenguas sofrem em virtude da passagem do tempo encontra outro bom exemplo no escritor
argentino Jorge Luiacutes Borges apud Milton (1998 155) e seu conto Pierre Menard autor del
Quijote em que
o autor imaginaacuterio francecircs consegue criar uma coacutepia exata de dois capiacutetulos da obra original de Cervantes mediante um processo em que ele proacuteprio imagina ser Cervantes Poreacutem esta coacutepia da obra de Cervantes escrita por um autor do seacuteculo XX parece ser arcaica e afetada tanto no seu estilo como no seu conteuacutedo
Neste caso o personagem de Borges tentou produzir uma traduccedilatildeo
do espanhol
para o francecircs
com a fidelidade precisa ao autor Entretanto o resultado natildeo foi muito feliz
o seu Dom Quixote traduzido refletia por seu exagerado capricho natildeo a percepccedilatildeo linguumliacutestica
da liacutengua francesa do seacuteculo XX mas do seacuteculo XVII pois o original de Cervantes data do
ano de 1605
Esse conto tambeacutem faz ressurgir a discussatildeo sobre fidelidade e equivalecircncia dois
palavrotildees para os estudiosos da traduccedilatildeo pois satildeo dois conceitos imprecisos e impossiacuteveis de
atingir plenamente a partir da perspectiva do poacutes-estruturalismo Octavio Paz (1971 9)
reflete sobre o caraacuteter individual uacutenico do texto escrito
As pessoas quando dizem as mesmas coisas embora as expressem em idiomas distintos respondem agrave confusatildeo babeacutelica com a universalidade do espiacuterito apesar das diferenccedilas entre os indiviacuteduos sociedades e eacutepocas Cada texto eacute uacutenico e eacute ao mesmo tempo a traduccedilatildeo de outro texto Nenhum texto eacute inteiramente original porque a proacutepria liacutengua na sua essecircncia jaacute eacute uma traduccedilatildeo primeiramente do mundo natildeo-verbal e em segundo lugar porque cada signo e cada frase eacute a traduccedilatildeo de outro signo e de outra frase Este argumento pode poreacutem ser revertido sem perder nenhuma da sua validade todos os textos satildeo originais porque todas as
33 the study of the differences that become visible from one translation to the next affirms the necessity for new translations as a continuous effort to expand and deepen the act of reading and interpretation and to shed light on how cultures interpret their world at particular moments of history
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traduccedilotildees satildeo diferentes Ateacute certo ponto todas as traduccedilotildees satildeo uma invenccedilatildeo e enquanto tal uacutenicas 34
Esta caracteriacutestica proacutepria do texto estaacute vinculada agrave eacutepoca em que ele foi
produzido submetendo-se agravequela realidade social e cultural conforme assinala Maria Corti
apud Bassnett (2003 134)
cada eacutepoca produz os seus proacuteprios signos que se manifestam em modelos sociais e literaacuterios Logo que estes modelos se consomem e a realidade parece desaparecer satildeo necessaacuterios novos signos para recapturar a realidade e isto permite-nos atribuir um valor de informaccedilatildeo agraves estruturas dinacircmicas da literatura Vista deste modo a literatura eacute ao mesmo tempo a condiccedilatildeo e o lugar da comunicaccedilatildeo artiacutestica entre emissores e destinataacuterios ou puacuteblico As mensagens trilham o seu caminho no tempo lenta ou rapidamente algumas mensagens aventuram-se em encontros que desfazem completamente uma linha de comunicaccedilatildeo mas com enorme esforccedilo outra linha se constroacutei Este uacuteltimo facto eacute o mais significativo ele requer aprendizagem e dedicaccedilatildeo da parte daqueles que querem percebecirc-lo porque a funccedilatildeo hipersiacutegnica das grandes obras literaacuterias transforma o coacutedigo da nossa visatildeo do mundo
Se cada eacutepoca produz seus proacuteprios signos e estes se manifestam em modelos
sociais e literaacuterios constantemente alterados e renovados sob a perspectiva de uma cultura e
uma liacutengua eacute natural concluir que tal fato se complica ainda mais quando se trata do caso das
traduccedilotildees onde esta dinacircmica se coloca entre duas culturas e duas liacutenguas postas frente a
frente cada qual obedecendo a tendecircncias variaacuteveis natildeo coincidentes em sua totalidade e com
estranhezas entre as duas partes em intercacircmbio Tais diferenccedilas ao serem mediadas pela
traduccedilatildeo exigem natildeo soacute um oacutetimo conhecimento da liacutengua e da cultura de partida mas
tambeacutem estrateacutegias de traduccedilatildeo muito bem pensadas
Venuti (1998 240-244) discute estrateacutegias de traduccedilatildeo que envolvem a escolha do
texto estrangeiro e um meacutetodo para traduzi-lo e estas duas tarefas satildeo determinadas pela
diversidade colocada entre vaacuterios aspectos como o cultural o econocircmico e o poliacutetico dentre
tantos outros Ao estabelecer estas estrateacutegias Venuti coloca duas opccedilotildees (ou meacutetodos) de
traduccedilatildeo os quais denominou domesticaccedilatildeo e estrangeirizaccedilatildeo Segundo Venuti (1998 240)
um projeto de traduccedilatildeo pode se adequar a valores vigentes que dominam a cultura da liacutengua
de chegada tomando uma abordagem conservadora e bastante assimiladora em relaccedilatildeo ao
34 Los seres humanos cuando dicen las mismas cosas aunque las expresen en distintos idiomas responden a la confusioacuten babeacutelica con la universalidad del espiacuteritu pese a las diferencias entre individuos sociedades y eacutepocas Cada texto es uacutenico y simultaacuteneamente es la traduccioacuten de otro Ninguacuten texto es enteramente original porque el lenguaje mismo en su esencia es ya una traduccioacuten primero del mundo no-verbal y despueacutes porque cada signo y cada frase es la traduccioacuten de otro signo y de otra frase Pero ese razonamiento puede invertirse sin perder validez todos los textos son originales porque cada traduccioacuten es distinta
55
texto de partida apropriando-o a fim de apoiar os cacircnones domeacutesticos tendecircncias de
publicaccedilatildeo e alinhamentos poliacuteticos 35 ou pode () resistir e ter por objetivo revisar o
dominante lanccedilando matildeo do marginal restaurando textos estrangeiros excluiacutedos pelos
cacircnones domeacutesticos recuperando valores residuais como textos arcaicos e meacutetodos de
traduccedilatildeo e cultivar meacutetodos emergentes (por exemplo novas formas culturais) 36 Assim
este criacutetico afirma que algumas estrateacutegias de traduccedilatildeo podem ser domesticadoras
naturalizando o exoacutetico ou o estranho da cultura estrangeira enquanto que outras podem ser
estrangeirizadoras preservando as diferenccedilas culturais e linguumliacutesticas pelo desvio dos valores
domeacutesticos
22 Aspectos culturais na traduccedilatildeo
221 Visotildees de mundo diferenccedilas culturais e juiacutezos de valor
A traduccedilatildeo natildeo eacute apenas um movimento entre duas liacutenguas mas tambeacutem entre
duas culturas quando as percepccedilotildees de mundo natildeo se encaixam de forma plena ou mesmo
destoam completamente Entatildeo agraves vezes e dependendo do tema abordado uma traduccedilatildeo
literal ou mais colada ao texto de partida com foco no emissor pode soar bastante similar
agravequela fonte
ou natildeo eacute muito frequumlente ocorrerem incompatibilidades entre as duas culturas
envolvidas quando a traduccedilatildeo por mais que se esforce em respeitar o texto de partida resulta
numa perda total ou parcial daquela essecircncia ou ainda em acreacutescimos Num caso extremo
mesmo numa tentativa de adaptaccedilatildeo conforme os costumes e o conhecimento da cultura de
chegada essa traduccedilatildeo pode natildeo alcanccedilar o efeito desejado
Louise M Haywood (2005) cita o exemplo de Laura Bohannan que traduziu
Hamlet de Shakespeare para uma tribo africana desejando testar se a peccedila agregava valores
humanos universais Para este ensejo levou em consideraccedilatildeo a cultura daquelas pessoas
tomando algumas estrateacutegias e medidas de adaptaccedilatildeo dentre elas
35 A translation project may conform to values currently dominating the target-language culture taking a conservative and openly assimilationist approach to the foreign text appropriating it to support domestic canons publishing trends political arguments (VENUTI ibidem)
36 () resist and aim to revise the dominant by drawing on the marginal restoring foreign texts excluded by domestic canons recovering residual values such as archaic texts and translation methods and cultivating emergent ones (for example new cultural forms)
(VENUTI ibidem)
56
Uma vez que o grupo natildeo acreditava na vida apoacutes a morte omitiu a apariccedilatildeo do
fantasma do rei Hamlet
Visto que a noccedilatildeo de um erudito de formaccedilatildeo acadecircmica como o priacutencipe Hamlet era
desconhecida para eles ela optou pela figura de um misto de feiticeiro e pajeacute detentor
de vasto conhecimento sobre curas costumes e tradiccedilotildees da tribo gozando alto
prestiacutegio entre eles por isso
No duelo do final da peccedila entre Laertes e Hamlet a tradutora substituiu as espadas por
machetes
Natildeo obstante o esforccedilo de Bohannan os integrantes da tribo estranharam a
histoacuteria pois ainda que tivesse sido adaptada continha elementos totalmente fora daquele
contexto cultural parecendo-lhes uma peccedila exoacutetica A partir dessa experiecircncia pode-se
perceber que as condiccedilotildees os valores e a moral humanos natildeo satildeo universais e algumas
discrepacircncias se revelam ateacute mesmo entre culturas tidas como similares
Sobre diferenccedilas culturais eacute comum surgir em traduccedilatildeo discussotildees sobre como
solucionar certos problemas pertencentes ao escopo da intraduzibilidade cultural quando eacute
comum tambeacutem o uso do termo equivalecircncia37 Desse modo Baker (1992 17-42) menciona
uma ampla variedade de fatores dos quais a escolha de um equivalente adequado depende
fatores estritamente linguumliacutesticos (como colocaccedilotildees e expressotildees idiomaacuteticas) ou extra-
linguumliacutesticos mas Baker adverte que eacute praticamente impossiacutevel oferecer orientaccedilotildees absolutas
precisas para se lidar com os vaacuterios tipos de natildeo-equivalecircncia Sua primeira orientaccedilatildeo eacute
compreender a diferenccedila na estrutura de campos semacircnticos das liacutenguas de partida e de
chegada o que permite ao tradutor acessar o valor de um dado item dentro de um conjunto
lexical por exemplo no campo semacircntico temperatura a liacutengua inglesa possui quatro
divisotildees principais cold cool hot e warm38 em contraste com a liacutengua aacuterabe tambeacutem com
quatro divisotildees principais mas com diferenccedilas em relaccedilatildeo ao inglecircs baarid (coldcool) haar
(hot referindo-se ao tempo ou clima) saakhin (hot referindo-se a objetos) e daafi (warm)
37 Com as devidas reservas agrave relatividade do que se entende sobre equivalecircncia em traduccedilatildeo Conforme disposto no capiacutetulo anterior desta dissertaccedilatildeo seria mais seguro reportar a semelhanccedila similaridade adequaccedilatildeo etc evitando-se principalmente o conceito matemaacutetico desta expressatildeo (na acepccedilatildeo de Catford 1980) ou relativizando-se o que Vinay e Darbelnet (1957) Nida (apud BASSNETT 2003 55) e outros autores dizem sobre o assunto Entretanto o termo equivalecircncia ainda eacute frequumlente em textos de autores renomados dos estudos de traduccedilatildeo como no caso de Mona Baker (1992)
38 Em portuguecircs aproximadamente gelado frio quente e morno
57
Acerca do que diz Baker acima todavia percebe-se que mesmo que se
compreendam essas diferenccedilas restam as dificuldades de traduccedilatildeo que competem ao tradutor
resolver em aspecto bastante razoaacutevel ou mesmo exato ou entatildeo em aspecto aproximado ou
de efeito similar semelhante com evidentes perdas ou acreacutescimos No niacutevel das palavras as
estrateacutegias expostas por Baker compreendem resoluccedilotildees relativas a itens ou categorias a)
conceitos especiacuteficos da cultura b) quando o conceito da liacutengua de partida natildeo possui item
lexical na liacutengua de chegada c) quando a palavra da liacutengua de partida eacute de significado
complexo d) quando o significado eacute distinto na liacutengua de partida e na liacutengua de chegada e)
quando falta agrave lingua de chegada uma palavra geral (superordenada) 39 para reger o campo
semacircntico apesar da existecircncia de hipocircnimos (palavras especiacuteficas) f) quando falta um
vocaacutebulo especiacutefico na liacutengua de chegada (hipocircnimo) g) quando haacute diferenccedilas na perspectiva
fiacutesica ou interpessoal h) quando haacute diferenccedilas no significado expressivo i) quando haacute
diferenccedilas na forma j) quando haacute diferenccedilas na frequumlecircncia e no propoacutesito ao se usar formas
especiacuteficas k) no uso de empreacutestimos no texto de partida
Baker (1992 26-42) menciona algumas estrateacutegias utilizadas por tradutores
profissionais a respeito de alguns dos problemas relatados das quais se destacam a
substituiccedilatildeo cultural o uso de um empreacutestimo ou deste acrescido de uma explicaccedilatildeo a
paraacutefrase com o uso de uma palavra relacionada ou com palavras natildeo relacionadas a omissatildeo
222 Expressotildees idiomaacuteticas
Segundo Pedersen (1997 109) natildeo haacute um acordo definitivo sobre como definir
expressatildeo idiomaacutetica Pedersen entretanto usa o termo expressatildeo idiomaacutetica no sentido de
um modo caracteriacutestico de se expressar Baker (1992 63) por sua vez coloca as expressotildees
idiomaacuteticas dentro dos tipos de colocaccedilotildees As colocaccedilotildees para ela satildeo padrotildees da liacutengua
relativamente flexiacuteveis que permitem diversas variaccedilotildees na forma 40 por exemplo deliver a
letter delivery of a letter a letter has been delivered having delivered a letter
Baker afirma que as expressotildees idiomaacuteticas e as expressotildees fixas satildeo tambeacutem
colocaccedilotildees mas que estatildeo no fim da escala das variaccedilotildees pois satildeo padrotildees riacutegidos da
linguagem que permitem pouca ou nenhuma variaccedilatildeo na forma ou no caso das expressotildees
39 Segundo Baker superordinate
40 fairly flexible patterns of language which allow several variations in form
58
idiomaacuteticas frequumlentemente trazem significados que natildeo podem ser deduzidos a partir de seus
componentes individuais 41 Alguns exemplos de expressotildees idiomaacuteticas da liacutengua inglesa
It s raining cats and dogs storm in a tea cup like water off a duck s back etc
(BAKER 1992 65)
Como se pode perceber a partir desses exemplos as expressotildees idiomaacuteticas
podem ou natildeo encontrar correspondentes em outras liacutenguas Muitas vezes essa
correspondecircncia natildeo eacute exata e depende muito do universo sociocultural e linguumliacutestico de uma
dada cultura Assim ao se tentar traduzir para o portuguecircs as expressotildees idiomaacuteticas citadas
por Baker algumas diferenccedilas satildeo notadas nessa transferecircncia devido ao modo particular que
cada cultura emprega essas expressotildees It s raining cats and dogs encontra na sua traduccedilatildeo
literal algo como Estaacute chovendo gatos e cachorros o que pode causar estranhamento assim
a traduccedilatildeo mais adequada deve relativizar como uma expressatildeo funciona na liacutengua de partida
e se haacute algo semelhante na liacutengua de chegada assim em portuguecircs a expressatildeo poderia ser
solucionada como Estaacute caindo um toroacute ou ainda Que aguaceiro Estaacute chovendo
canivete que exprimem o mesmo teor semacircntico em inglecircs que se refere de fato ao
excesso de chuva De modo semelhante storm in a tea cup encontra em portuguecircs a
expressatildeo tempestade em copo d aacutegua (enquanto que a traduccedilatildeo literal seria tempestade
numa xiacutecara de chaacute ) e like water off a duck s back teria a expressatildeo relativa em chover
no molhado ou fazer risco na aacutegua
Para Pedersen (1997 109) as expressotildees idiomaacuteticas datildeo sabor ao texto e que a
sua ausecircncia o empobrece Entretanto na traduccedilatildeo existe o problema de que a expressatildeo
idiomaacutetica pode natildeo ter correspondecircncia na liacutengua de chegada Nesse caso Pedersen na
traduccedilatildeo sugere o uso de uma expressatildeo natildeo idiomaacutetica ou o uso de uma palavra que seja
mais adequada possiacutevel obviamente com o risco de a traduccedilatildeo ficar empobrecida em relaccedilatildeo
ao texto de partida caso esses recursos sejam utilizados com frequumlecircncia
Baker (1992 65) expotildee as principais dificuldades de traduzir expressotildees
idiomaacuteticas e expressotildees fixas a) quando natildeo haacute equivalente na liacutengua de chegada b) quando
haacute equivalente na liacutengua de chegada mas o contexto de uso pode ser diferente c) quando uma
expressatildeo idiomaacutetica pode ser usada no texto de partida tanto em sentido literal ou em sentido
idiomaacutetico e d) quando a convenccedilatildeo de uso de expressotildees idiomaacuteticas no discurso escrito os
contextos nos quais elas podem ser usadas e sua frequumlecircncia de uso pode ser diferente na
liacutengua de partida e na liacutengua de chegada
41 frozen patterns of language which allow little or no variation in form and in the case of idioms often carry meanings which cannot be deduced from their individual components
59
223 A sugestividade do tiacutetulo
Toda criaccedilatildeo deve receber um nome um tiacutetulo ou algo parecido a fim de que se
tenha uma referecircncia Trata-se de algo comparaacutevel agrave situaccedilatildeo em que os pais de uma crianccedila
sentem a necessidade de identificar seus filhos conferindo-lhes reconhecimento e
personificaccedilatildeo perante a sociedade No campo das artes isso tem a sua importacircncia por
chamar a atenccedilatildeo do espectador ouvinte ou leitor para algo que talvez lhe desperte a
curiosidade ou interesse pela obra O tiacutetulo cria um impacto inicial eacute um ponto de partida que
pode antecipar claramente por exemplo o enredo o conteuacutedo da histoacuteria e pode ser um
determinante para o sucesso da obra Quando ele natildeo oferece clareza imediata isso talvez
constitua um problema real ou um equiacutevoco ou tambeacutem uma soluccedilatildeo feliz que traz algo
enigmaacutetico ou sutil que muitas vezes instiga a curiosidade e a perspicaacutecia do leitor
Independentemente da escolha do tiacutetulo ser bem ou mal-sucedida a verdade eacute
que quando acontece a motivaccedilatildeo para traduzir a obra para outra liacutengua eis um importante
problema como traduzi-la Um exemplo bem comum estaacute nos filmes que com muita
frequumlecircncia sofrem alteraccedilotildees muitas vezes em virtude da cultura de chegada A produccedilatildeo
binacional BrasilEstados Unidos intitulada Jenipapo (1996) de Monique Gardenberg por
exemplo transformou-se em The Interview quando lanccedilada em paiacuteses de liacutengua inglesa por
outro lado filmes estrangeiros lanccedilados no Brasil tecircm seus tiacutetulos alterados como Tubaratildeo
(1975) de Steven Spielberg que na verdade em inglecircs se chama Jaws Ou o musical West
Side Story (1961) dirigido por Robert Wise rebatizado de Amor Sublime Amor Essas
alteraccedilotildees por vezes satildeo acidentais advindas de erros de traduccedilatildeo Na literatura Clifford
Landers (2001 140) menciona que alguns erros de traduccedilatildeo jaacute se tornaram tatildeo consagrados
em tiacutetulos que de outra forma trariam estranhamento The Stranger de Albert Camus na
verdade em respeito ao original deveria ser The Foreigner Les Quatre Cents Coups no
francecircs de Franccedilois Truffaut transformou-se no incompreensiacutevel 400 Blows em inglecircs
Segundo Landers (2001 140) mudanccedilas no tiacutetulo podem ocorrer devido a
disparidades entre a liacutengua de partida e a liacutengua de chegada de ordem cultural linguumliacutestica
histoacuterica ou geograacutefica A intenccedilatildeo eacute possibilitar que o leitor da liacutengua de chegada consiga ter
acesso mais faacutecil agrave obra diminuindo as potenciais estranhezas do outro Entretanto ele faz
uma ressalva deve-se fazer isso sem adulterar ou melhorar o original Aleacutem disso apesar
das sugestotildees do tradutor realmente serem criativas e apropriadas a decisatildeo final cabe ao
editor que muitas vezes avalia e prioriza um tiacutetulo chamativo e que ajude em propoacutesitos
lucrativos a comercializaccedilatildeo (LANDERS 2001 145)
60
Pelo menos aparentemente as diferenccedilas entre as liacutenguas e as culturas parecem se
atenuar ou se asseverar conforme o seu grau de parentesco a exemplo da anaacutelise de Landers
(2001 141-142) tomando como ponto de partida obras literaacuterias escritas em inglecircs e
traduzidas em francecircs alematildeo italiano e espanhol citadas no Dictionary of Translated Names
and Titles de Adrian Room Examinando o tiacutetulo As I Lay Dying ele percebe a semelhanccedila
entre o inglecircs e a traduccedilatildeo alematilde por serem ambas as liacutenguas germacircnicas com a
caracteriacutestica peculiar de compor palavras e conceitos por agrupamento ou justaposiccedilatildeo
resultam num efeito idecircntico Por outro lado as outras liacutenguas citadas neste exemplo
romacircnicasneolatinas apresentam soluccedilotildees semelhantes entre si distanciando-se um pouco do
original soando como As (While) I Lie Dying pois utilizam o tempo verbal no tempo presente
simples talvez em decorrecircncia do presente habitual caracteriacutestico dessas culturas que permite
recontar eventos do passado no presente criando impressatildeo de linguagem direta imediata
Trata-se de um exemplo interessante todavia eacute necessaacuterio ter grande cautela quanto ao
argumento da familiaridade ou parentesco entre as liacutenguas pois existem tantas
particularidades que a traduccedilatildeo fica suscetiacutevel a armadilhas ateacute mesmo no niacutevel
intralinguumliacutestico isto eacute nas diferenccedilas que ocorrem dentro de uma mesma liacutengua sob a
perspectiva das suas variedades (idioma liacutengua dialeto socioleto idioleto) e variaccedilotildees (tom
registro)
Ainda segundo Landers (2001 145) as mudanccedilas de tiacutetulo podem ser de vaacuterios
tipos opcionais onde o objetivo eacute chegar a um tiacutetulo melhor mais propiacutecio para as vendas ou
mais acessiacutevel para o consumidor caprichosas as quais natildeo mostram uma razatildeo evidente a
natildeo ser exibir a engenhosidade de algueacutem desastrosas quando o tiacutetulo traduzido provoca
equiacutevocos ou eacute menos atrativo e por fim as obrigatoacuterias em situaccedilotildees em que natildeo haacute
conciliaccedilatildeo pois o tiacutetulo original apesar de agraves vezes ser muito claro para os leitores da liacutengua
de partida natildeo oferece a mesma clareza para os leitores da traduccedilatildeo
Dentre vaacuterios exemplos de traduccedilotildees literaacuterias brasileiras Animal Farm de
George Orwell obteve sucesso com o seu tiacutetulo adaptado para A Revoluccedilatildeo dos Bichos na
traduccedilatildeo de Heitor Aquino Ferreira publicada pela Editora Globo Satildeo Paulo 2000 Trata-se
de uma mudanccedila necessaacuteria dentre as obrigatoacuterias pois simplesmente traduzir Animal Farm
ao peacute da letra (algo como A Fazenda Animal ou A Fazenda dos Animais) provavelmente natildeo
diria muita coisa ao puacuteblico brasileiro A vantagem desta soluccedilatildeo se realiza pela associaccedilatildeo
imediata do tiacutetulo em portuguecircs com o enredo da obra trata-se de um romance que possui
contornos de faacutebula moderna em que os animais de uma propriedade rural revoltados com os
maus tratos e exploraccedilatildeo por seu senhor rebelam-se e sob a lideranccedila dos porcos promovem
61
uma revoluccedilatildeo expulsam aquele fazendeiro tomando a propriedade Eacute necessaacuterio no entanto
compreender que sua histoacuteria eacute uma saacutetira agrave Revoluccedilatildeo Russa de 1917 e que muitos desses
animais tecircm perfil sugestivo satildeo caricaturas de pessoas reais envolvidas naquele
acontecimento histoacuterico
224 Nomes proacuteprios
Os nomes de personagens muitas vezes vatildeo aleacutem da mera funccedilatildeo de batismo e
atendem ao propoacutesito de atribuir aspectos fiacutesicos eou psicoloacutegicos ao seu possuidor Boa
parte dos escritores utiliza sua criatividade em sugerir alguma coisa impliacutecita ou
implicitamente pelo nome que datildeo a seus personagens Hermans (1988 11-13 e 1996 35)
afirma que os nomes proacuteprios na traduccedilatildeo podem ser divididos em duas categorias a
convencional
em que natildeo haacute motivaccedilatildeo por traacutes da origem e significado dos nomes e a
intencional
em que os nomes literaacuterios satildeo motivados e por isso satildeo sugestivos ou
expressivos dos quais podem advir associaccedilotildees histoacutericas ou culturais no contexto de certa
cultura Lefevere com base em Burton Raffel destaca que
os escritores agraves vezes usam nomes natildeo apenas para identificar personagens num poema conto romance ou peccedila teatral mas tambeacutem para descrever esses personagens O nome geralmente conteacutem uma alusatildeo a certa palavra na liacutengua e essa alusatildeo permite que os leitores caracterizem os personagens muito melhor do que nomes como Smith
ou Brown o nome do protagonista em Young Goodman Brown de Hawthorne (Raffel 45-57) Brown eacute um nome neutro mas Goodman que originalmente significava algo como mister
[senhor] e que natildeo estaacute mais em uso corrente tende a acrescentar uma sombra positiva de significado precisamente
e de forma irocircnica porque natildeo eacute mais de uso corrente (LEFEVERE 1994 39) 42
Outros exemplos aproveitando a menccedilatildeo feita a Hawthorne encontram-se em
The Scarlet Letter (A Letra Escarlate) ambientado no seacuteculo XVII durante a colonizaccedilatildeo dos
Estados Unidos pelos puritanos cuja trama envolve um caso de adulteacuterio entre a heroiacutena
Hester Prynne e um pastor local Arthur Dimmensdale Alguns nomes satildeo sugestivos em
consonacircncia com o papel desempenhado pelo seu possuidor
42 Writers sometimes use names not just to name characters in a poem story novel or play but also to describe those characters The name usually contains an allusion to a certain word in the language and that allusion allows readers to characterize characters to a greater extent than names like Smith would
or Brown the name of the protagonist in Hawthorne s Young Goodman Brown (Raffel 45-57) Brown itself is a neutral name but Goodman which originally meant something like mister and is no longer in current usage tends to add a positive shade of meaning precisely ironically because it is no longer current
62
O reverendo Arthur Dimmensdale
seu sobrenome revela algo sobre sua fraqueza de
caraacuteter e hesitaccedilatildeo pois a derivaccedilatildeo do verbo inglecircs dim possui tal conotaccedilatildeo
O vilatildeo esposo de Hester Prynne Roger Chillingworth
o verbo chill (arrepiar-se
sentir calafrio gelar) associado ao substantivo worth (valor qualidade) neste
contexto diz literalmente que este personagem inspira medo
Pearl (peacuterola) a menina fruto desse amor proibido remete a algo valioso mas que foi
resultado de sofrimento (a peacuterola se forma em virtude de uma reaccedilatildeo uma rejeiccedilatildeo
provocada por um pequeno corpo estranho na ostra)
Dom Casmurro personagem de Machado de Assis eacute tambeacutem um nome que
revela uma intenccedilatildeo por parte do autor explicitada pelo proacuteprio narrador-personagem Natildeo
consultes dicionaacuterios Casmurro natildeo estaacute aqui no sentido que eles lhe datildeo mas no que lhe pocircs
o vulgo de homem calado e metido consigo Dom veio por ironia para atribuir-me fumos de
fidalgo (MACHADO DE ASSIS 1994 1)43
Scott-Buccleuch apud Hatje-Faggion (2001 199) explica suas dificuldades de
traduccedilatildeo para o inglecircs do romance Dom Casmurro (1992) dentre elas o nome-tiacutetulo
as dificuldades do tradutor apresentam trecircs dimensotildees Em primeiro lugar haacute palavras em portuguecircs que natildeo tecircm equivalente exato em inglecircs ou que Machado de Assis usa deliberadamente num sentido incomum O tiacutetulo eacute uma ilustraccedilatildeo disso Casmurro significa sombrio introvertido irritadiccedilo teimoso sugerindo ainda um ar de tristeza que natildeo se traduz completamente por taciturno 44
A traduccedilatildeo para o portuguecircs de Animal Farm romance de George Orwell (A
Revoluccedilatildeo dos Bichos) realizada por Heitor Aquino Ferreira apresenta as seguintes soluccedilotildees
para nomes dos porcos MajorMajor NapoleonNapoleatildeo SnowballBola-de-Neve
SquealerGarganta e MinimusMinimus dos catildees JessieBranca BluebellLulu e
PincherCata-Vento do cavalo BoxerSansatildeo das eacuteguas CloverQuiteacuteria e MollieMimosa da
cabra branca Muriel Maricota do burro BenjaminBenjamim do corvo MosesMoiseacutes do
proprietaacuterio da Manor Farm Granja do Solar Mr JonesSenhor Jones e de outros homens
43 Don t bother to look up in the dictionary Taciturn is not used literally but in the more popular sense of a man who says little and keeps to himself The Lord is ironic to endow me with aristocratic airs (SCOTT-BUCCLEUCH apud HATJE-FAGGION 2001 200)
44 The difficulties of the translator are threefold In the first place there are words in Portuguese that have no exact equivalent in English or that Machado de Assis deliberately uses in an unusual sense The very title is an illustration of this Casmurro means gloomy withdrawn irritable stubborn with an overlying air of sadness which is not completely rendered by taciturn
63
como Mr FrederickSr Frederick Mr PilkingtonSr Pilkington e Mr WhymperSr
Whymper
Pelos exemplos acima percebe-se que alguns nomes satildeo mantidos (Major
Minimus Jones Frederick Pilkington Whymper) adaptadosaportuguesados com
transliteraccedilatildeo (Napoleatildeo Benjamim Moiseacutes) traduzidos (Bola-de-Neve) ou ateacute mesmo
trocados (Garganta Branca Lulu Cata-Vento Sansatildeo Quiteacuteria Mimosa Maricota Granja
do Solar) Isso faz supor que deve haver certos criteacuterios quando a questatildeo eacute lidar com nomes
proacuteprios ao se traduzir uma obra literaacuteria
Haacute outros numerosos nomes sugestivos em obras da literatura mundial entretanto
os exemplos acima jaacute podem servir para se perceber algumas possiacuteveis dores de cabeccedila para o
tradutor que procure transmitir em portuguecircs brasileiro o mesmo recado embutido nestes
nomes ateacute mesmo para a personagem Pearl de Hawthorne mencionada acima facilmente
identificaacutevel como Peacuterola mas que eacute um nome incomum no Brasil o que talvez resulte para
alguns leitores numa pequena esquisitice
Alguns criteacuterios e sugestotildees satildeo dados por Peter Newmark (1988 214-216) que
discorre sobre a traduccedilatildeo de nomes proacuteprios de pessoas aleacutem de nomes de objetos e termos
geograacuteficos Em relaccedilatildeo a nomes de pessoas a primeira sugestatildeo citada por Newmark eacute
normalmente transferir os nomes e sobrenomes preservando sua nacionalidade assumindo
que natildeo haacute nenhuma conotaccedilatildeo por traacutes desses nomes no texto45 Entretanto ele alerta que
esta eacute uma questatildeo relativa e que haacute exceccedilotildees
haacute exceccedilotildees nomes de santos e de monarcas agraves vezes satildeo traduzidos quando satildeo transparentes mas alguns reis franceses (Louis Franccedilois) satildeo transferidos Nomes
de papas satildeo traduzidos Algumas figuras importantes da Greacutecia claacutessica () e da Renascenccedila satildeo naturalizados nas principais liacutenguas europeacuteias (NEWMARK 1988 214-215)46
Especificamente na traduccedilatildeo literaacuteria Newmark esclarece
ainda resta a questatildeo dos nomes que tecircm conotaccedilotildees na literatura imaginativa Nas comeacutedias alegorias contos de fadas e em algumas histoacuterias para crianccedilas os nomes
45 Normally people s names and surnames are transferred thus preserving their nationality and assuming that their names have no connotations in the text (NEWMARK 1988 214)
46 There are exceptions the names of saints and monarchs are sometimes translated if they are transparent but some French kings (Louis Franccedilois are transferred The names of popes are translated Some prominent figures of classical Greece ( ) and the Renaissance ( ) are naturalised in the main European languages
64
satildeo traduzidos () a menos que como nos contos folcloacutericos a nacionalidade seja importante (NEWMARK 1988 215)47
Nos casos em que Newmark considera as conotaccedilotildees e a nacionalidade como
importantes ele faz as seguintes sugestotildees
quando tanto as conotaccedilotildees (feitas por meio de efeitos sonoros eou nomes transparentes) como a nacionalidade satildeo significantes tenho sugerido que o melhor meacutetodo eacute primeiro traduzir a palavra que faz parte do nome proacuteprio da liacutengua de partida para a liacutengua de chegada e entatildeo naturalizar essa palavra traduzida de volta num novo nome proacuteprio da liacutengua de partida
mas normalmente soacute quando o nome do personagem ainda natildeo eacute corrente entre leitores de bom niacutevel escolar da liacutengua de chegada (NEWMARK 1988 215)48
Neste sentido Newmark cita este procedimento adotado com eficaacutecia por Michael
Holman ao traduzir para o inglecircs a obra Ressurreiccedilatildeo de Tolstoacutei Os nomes dos personagens
sofreram transformaccedilotildees Nabatov alarm Alarmov Toksinsky Toporov axe
Hackitov Hatchetinsky Khororshavka pretty Belle Chi-Chi
(NEWMARK 1988 215)
Haacute ateacute mesmo casos em que os nomes precisam ser trocados segundo a
perspectiva da recepccedilatildeo pois de outra forma o efeito poderia se perder por completo Este eacute
um dos motivos que Newmark coloca por exemplo em se traduzir Harriet
uma galinha
personagem de P G Wodehouse em Love among the Chickens por Laura em sueco
(1) Como se trata de um romance de tom leve natildeo haacute nada de sacrossanto acerca do nome proacuteprio da liacutengua de partida (2) O nome natildeo combina [com uma galinha] e deve [por esta razatildeo] suscitar o riso ou a gargalhada (3) Harriet eacute especificamente inglecircs e conota um preciosismo antiquado (4) Esta conotaccedilatildeo seria perdida em qualquer liacutengua de chegada e logo eacute caso para adotar um nome proacuteprio que faccedila uma compensaccedilatildeo cultural como Laura (5) Laura eacute um nome frequumlentemente considerado romacircntico belo e idealizado (relacionado com Petrarca) Novamente natildeo combina com uma galinha (6) Quaisquer conotaccedilotildees especiais devem ser consideradas para Laura em sueco () (NEWMARK 1988 215) 49
47 There remains the question of names that have connotations in imaginative literature In comedies allegories fairy tales and some children s stories names are translated ( ) unless as in folk tales nationality is important
48 Where both connotations (rendered through sound-effects andor transparent names) and nationality are significant I have suggested that the best method is first to translate the word that underlies the SL proper name into the TL and then to naturalise the translated word back into a new SL proper name
but normally only when the character s name is not yet current amongst an educated TL readership
49(1) As this is a light novel there is nothing sacrosant about the SL proper name (2) The name is incongruous and should raise a smile or a laugh (3) Harriet is specifically English and connotes an old-fashioned fussiness ( ) (4) This connotation would be lost in any TL and therefore there is a case for adopting a culturally overlapping proper name such as Laura
65
Quanto a nomes de ruas e de lugares Newmark (1988 214) sugere que se adotem
as formas jaacute estabelecidas Nesse caso entatildeo haveraacute a transcriccedilatildeo dos nomes tais como
aparecem no texto de partida o que no entanto natildeo constitui uma regra riacutegida conforme
aponta Hatje-Faggion referindo-se a dois romances de Machado de Assis traduzidos para o
inglecircs por Clotilde Wilson (Quincas BorbaThe Heritage of Quincas Borba) e William L
Grossman (Memoacuterias Poacutestumas de Braacutes CubasEpitaph of a Small Winner)
() os tradutores dos romances de Machado de Assis fazem opccedilotildees diferentes Wilson (The Heritage) por exemplo verte para Milan (p 215) Praia Vermelha para Vermelha Beach (p 215) Rua da Harmonia se torna Harmonia Street (p 128) e Praccedila do Comeacutercio se transforma em Comeacutercio Square (p 145) Grossman (Epitaph) tende a transcrever os nomes das ruas como Rua dos Barbonos (p 114) mas verte os nomes de lugares como Praia do Flamengo que se torna Flamengo Beach (p 167) e Banco do Brasil que eacute vertido em Bank of Brazil (p 108) (HATJE-FAGGION 2001 151)50
Lefevere (1992 40) afirma que tambeacutem eacute possiacutevel fazer alusotildees literaacuterias por
meio de nomes como no poema The Journal of Society de Godfrey Turner onde um
personagem pergunta a outro Oh have you seen the Tattlesnake and have you read what s
in it Tatler era o nome de um jornal inglecircs do seacuteculo XVIII dirigido por Joseph Addison e
Richard Steele que influenciou no desenvolvimento do ensaio como gecircnero na Inglaterra
Sobre este exemplo Lefevere ainda esclarece que tal nome foi adotado por muitos outros
jornais geralmente muito mais devotados agraves fofocas do que para algo que inspirasse o
desenvolvimento de gecircneros literaacuterios de valor
Assim tentar traduzir Tatler ou manter esta palavra intacta invariavelmente
produziraacute uma perda de significado porque este estaacute muito ligado agrave cultura de origem como
no caso de uma espeacutecie de planta ou animal endecircmicos isto eacute que somente existem num local
determinado uacutenico e sua compreensatildeo somente eacute plena para os nativos daquele lugar Nesta
situaccedilatildeo e em outras semelhantes o tradutor poderaacute adotar as seguintes alternativas conforme
a terminologia proposta por Heloiacutesa Gonccedilalves Barbosa (2004 71-77) realizar uma
transferecircncia
que consiste em introduzir material textual da LO [liacutengua original] no TLT
(5) Laura is often considered to be a romantic beautiful idealised name (connected with Petrarch) Again incongruous for a chicken (6) Any special connotations have to be considered for Laura in Swedish ( )
50 () the translators of Machado de Assis novels make different options Wilson (The Heritage) for example renders Milatildeo as Milan (p 115) Praia Vermelha as Vermelha Beach (p 215) Rua da Harmonia becomes Harmonia Street (p 128 and Praccedila do Comeacutercio is turned into Comeacutercio Square (p 145) Grossman (Epitaph) tends to transfer the name of the streets as in Rua dos Barbonos (p 114) but renders the name of places such as Praia do Flamengo which becomes Flamengo Beach (p 167) and Banco do Brasil which is turned into Bank of Brazil (p 108)
66
[texto na liacutengua da traduccedilatildeo] (BARBOSA 2004 71)
por estrangeirismo
que consiste
em transferir (transcrever ou copiar) para o TLT vocaacutebulos ou expressotildees da LO que se
refiram a um conceito teacutecnica ou objeto mencionado no TLO [texto na liacutengua original]
(BARBOSA 2004 71) acrescentar a essa transferecircncia por estrangeirismo uma explicaccedilatildeo
de seu significado por uma nota de rodapeacute nota no final do capiacutetulo pela diluiccedilatildeo do texto ou
nota como parte de um glossaacuterio no final do livro optar pela explicaccedilatildeo eliminando o
estrangeirismo para facilitar a compreensatildeo ou por fim fazer uma adaptaccedilatildeo
que aplica-
se em casos onde a situaccedilatildeo toda a que se refere a TLO natildeo existe na realidade
extralinguumliacutestica dos falantes da LT [liacutengua da traduccedilatildeo] Esta situaccedilatildeo pode ser recriada por
uma outra equivalente na realidade extralinguumliacutestica da LT (BARBOSA 2004 75)
A transferecircncia por estrangeirismo talvez seria a soluccedilatildeo mais faacutecil entretanto
existe a possibilidade de que ela cause dificuldades ao leitor de chegada uma estranheza que
ateacute mesmo poderia resultar num texto hermeacutetico A explicaccedilatildeo por sua vez quebraria o
impacto imediato suscitado pela palavra expressatildeo ou frase pelo desvio da atenccedilatildeo do leitor
para uma explicaccedilatildeo que necessariamente exigiria mais tempo A adaptaccedilatildeo por seu turno
obviamente resultaria ou em acreacutescimos ou em perdas ou em algum tipo de manipulaccedilatildeo
Apesar desses problemas deve-se chegar a uma soluccedilatildeo e essa difiacutecil tarefa
depende do bom-senso do tradutor que faraacute sua escolha sempre ponderando as
consequumlecircncias quando natildeo existir nenhum ponto paciacutefico Sua opccedilatildeo seraacute entatildeo aquela
que provavelmente resulte no menor prejuiacutezo e na menor alteraccedilatildeo possiacutevel do significado
225 Formas de tratamento e vocativos
Garcez (1992 155) ao discutir sobre as dificuldades de traduzir formas de
tratamento estabelece diferenccedilas entre o portuguecircs brasileiro e o inglecircs O direcionamento da
traduccedilatildeo colocado na ordem inglecircs (liacutengua de partida)
portuguecircs (liacutengua de chegada)
evidencia praacuteticas comuns arraigadas de tradutores as quais esse criacutetico questiona e
apresenta alternativas
A primeira diferenccedila diz respeito ao problema do pronome pessoal you que natildeo eacute
muito claro agraves vezes traduzido por o senhora senhora neste caso segundo Garcez (1992
155) marca uma distinccedilatildeo em grau de poder O criacutetico natildeo faz referecircncia a outros significados
possiacuteveis para you que tambeacutem pode ser traduzido por os senhoresas senhoras tuvoacutes
vocecircvocecircs o que deixa clara a relativa neutralidade dessa palavra inglesa
67
O principal problema apontado por Garcez eacute referente ao uso padratildeo em inglecircs
dos tiacutetulos Mr Mrs Miss Ms (por exemplo Mr Burton Miss Marple Mrs Wilson e Ms
Brown) que conquanto tenham no uso brasileiro padratildeo de uso mais comum
respectivamente os vocaacutebulos Seu e Dona muitas vezes na traduccedilatildeo do inglecircs para o
portuguecircs brasileiro satildeo anglicizados ou seja Mr = Sr (Senhor) Mrs = Sra (Senhora)
MissMs = Srta (Senhorita) Entretanto o criacutetico assinala que no caso de histoacuterias de
detetives o que ele chama de anglicismos para pronomes de tratamento jaacute eacute natural pois esse
gecircnero literaacuterio (de tradiccedilatildeo anglo-saxatilde)51 jaacute foi absorvido ou naturalizado na cultura
brasileira (GARCEZ 1992 158)
Rosa (2000 35) afirma que a escolha de formas de tratamento pode criar
problemas especiacuteficos de traduccedilatildeo em conformidade com ideacuteias expressadas por Baker
a dimensatildeo da familiaridaderespeito no sistema de pronomes estaacute entre os aspectos mais fascinantes da gramaacutetica e entre os mais problemaacuteticos em traduccedilatildeo Ela reflete o tom [ecircnfase de Baker] do discurso () e pode conceber toda uma gama de significados sutis As escolhas sutis envolvidas no uso de pronomes em liacutenguas que fazem distinccedilatildeo entre pronomes familiares [que designam intimidade] e natildeo familiares [que designam respeito] ficam mais complicadas pelo fato de que esse uso difere significantemente de um grupo social para outro e que ele muda o tempo todo de modo a refletir valores e atitudes sociais (BAKER 1992 98) 52
Entatildeo pode-se notar que o uso especial de pronomes por parte de certas liacutenguas
exige cuidados especiais do tradutor quando por exemplo um pronome designa intimidade
ou respeito (pronomes familiares ou natildeo familiares respectivamente segundo Baker) e tais
usos natildeo tecircm correspondecircncia simeacutetrica exata na liacutengua de chegada
51 Edgar Allan Poe escritor estadunidense eacute o primeiro nome importante a ser citado sobre histoacuterias de detetives no seacuteculo XIX por meio de seus contos e sobretudo do personagem criado por ele o detetive Dupin Outro nome que se destaca eacute do escocecircs Sir Arthur Conan Doyle o criador de Sherlock Holmes
52 the familiaritydeference dimension in the pronoun system is among the most fascinating aspects of grammar and the most problematic in translation It reflects the tenor of discourse ( ) and can convey a whole range of rather subtle meanings The subtle choices involved in pronoun usage in languages which distinguish between familiar and non-familiar pronouns is further complicated by the fact that this use differs significantly from one social group to another and that it changes all the time in a way that reflects changes in social values and attitudes
68
23 Linguagem e traduccedilatildeo
231 Terminologia e conceitos da Linguumliacutestica
2311 Idioma
Toda liacutengua estaacute sujeita a transformaccedilotildees decorrentes da aacuterea geograacutefica em que
se insere da cultura e do fator cronoloacutegico Pelo menos sob o prisma geograacutefico estas
diferenciaccedilotildees podem ser classificadas hierarquicamente desde o que se entende por
exemplo ser um idioma comum utilizado no Brasil em Portugal em Cabo Verde
Moccedilambique Angola etc Celso Ferrarezi Junior (sd1) propotildee o seguinte conceito para
idioma53
O conceito de idioma se confunde em muitos trechos da literatura linguumliacutestica com o conceito de liacutengua Historicamente poreacutem o conceito de idioma decorre do conceito de estado organizado e da necessidade (mais ideoloacutegica do que real diga-se) de estabelecer liacutenguas oficiais nesses estados A ideacuteia de idioma acaba evoluindo entatildeo para o que seria por definiccedilatildeo a liacutengua oficial de um estado organizado Essa liacutengua oficial como era de se esperar acaba se diferenciando de naccedilatildeo para naccedilatildeo em que uma mesma liacutengua eacute oficialmente falada (pex inglecircs dos Estados Unidos e inglecircs da Inglaterra portuguecircs do Brasil (brasileiro) e portuguecircs de Portugal)
Nesse campo Catford (1980 93) entende que o conceito de uma liacutengua
global 54 por ser tatildeo vasto e heterogecircneo natildeo eacute operacionalmente uacutetil para muitos fins
linguumliacutesticos descritivos comparativos e pedagoacutegicos Assim esse criacutetico apresenta um
esquema de categorias menores dentro do que chama de liacutengua global formadas por
idioletos dialetos registros estilos e modos
2312 Liacutengua
Ferrarezi Junior ao propor uma definiccedilatildeo de liacutengua expotildee algumas ideacuteias sobre a
complexidade desse assunto
53 Para facilitar a compreensatildeo o conceito de idioma pelo menos aqui adquire um aspecto geral enquanto que o conceito de liacutengua se encontra num niacutevel abaixo idioma portuguecircs (falado em vaacuterios paiacuteses e regiotildees do mundo) liacutengua portuguesa do Brasil liacutengua portuguesa de Portugal etc A questatildeo ainda permanece confusa quando por exemplo levamos em consideraccedilatildeo o inglecircs em que language se refere aos termos idioma liacutengua e linguagem neste contexto
54 Aqui o termo liacutengua global equipara-se a idioma
69
em muitas circunstacircncias a liacutengua eacute mais do que um mero sistema de comunicaccedilatildeo e funciona como um depoacutesito das experiecircncias culturais de uma comunidade experiecircncias essas que se revelam em construccedilotildees atiacutepicas em figuras que soacute fazem sentido em cenaacuterios muito especiacuteficos em estruturaccedilotildees sintaacuteticas que parecem fugir aos paracircmetros gramaticais impostos pela liacutengua e que em suma formam um conjunto peculiar de fatos da liacutengua como falada em uma comunidade que soacute podem ser justificados como o resultado de uma longa e complexa construccedilatildeo cultural por parte dessa comunidade de falantes (JUNIOR sd 1)
Ronald W Langacker (1972 51) por sua vez fala sobre as dificuldades de
conceituar o que eacute liacutengua enquanto que temos uma ideacuteia mal delineada e intuitiva do que
significa o termo liacutengua os usos da liacutengua satildeo tais que muitas vezes eacute extremamente difiacutecil na
praacutetica decidir quando o vocaacutebulo eacute bem empregado Ele destaca que
agrave primeira vista pode parecer natildeo haver problema O inglecircs eacute uma liacutengua assim como o francecircs e o holandecircs O inglecircs eacute a liacutengua falada nos Estados Unidos Inglaterra Canadaacute e alguns outros lugares o francecircs eacute a liacutengua falada na Franccedila parte do Canadaacute e assim por diante o holandecircs eacute a liacutengua falada nos Paiacuteses Baixos Mas as coisas natildeo satildeo de fato assim tatildeo simples Quando tentamos determinar fronteiras linguumliacutesticas verificamos que elas natildeo podem ser marcadas num mapa da mesma exata maneira como o satildeo as fronteiras nacionais pelo menos sem uma simplificaccedilatildeo grosseira (LANGACKER 1972 51)
Com estes argumentos Langacker se refere agrave dificuldade de se estabelecer
fronteiras linguumliacutesticas entre paiacuteses e regiotildees isto eacute as fronteiras geograacuteficas natildeo coincidem
plenamente com as fronteiras linguumliacutesticas como ele exemplifica
A fronteira entre o Meacutexico e os Estados Unidos por exemplo seraacute uma linha de demarcaccedilatildeo adequada entre o inglecircs e o espanhol Mas mesmo nesse caso algumas ressalvas devem ser feitas Muitas pessoas que moram perto da fronteira do lado americano falam espanhol melhor do que inglecircs e muitas falam apenas espanhol Aleacutem disso muitas pessoas do lado mexicano sabem inglecircs (LANGACKER 1972 52-53)
Desse modo o criacutetico expotildee a imprecisatildeo das fronteiras linguumliacutesticas
Entre a aacuterea na qual o inglecircs eacute falado com exclusatildeo total do espanhol e a aacuterea onde a situaccedilatildeo eacute inversa existe uma regiatildeo bastante grande onde ambas as liacutenguas satildeo usadas onde palavras inglesas se insinuam numa conversa em espanhol e assim por diante Mesmo nesse caso portanto qualquer linha riacutegida de demarcaccedilatildeo representa uma simplificaccedilatildeo grosseira (LANGACKER 1972 52-53)
Estas consideraccedilotildees tambeacutem se aplicam nos domiacutenios das liacutenguas
individualmente onde haacute uma suposta uniformidade jaacute que
mesmo nos Estados Unidos onde haacute relativamente pouca diversidade linguumliacutestica verificamos natildeo ser isso [a uniformidade linguumliacutestica] verdade mesmo se deixarmos
70
de lado as exceccedilotildees oacutebvias como o caso de pessoas que falam mais de uma liacutengua e as aacutereas (principalmente as grandes cidades) onde coexistem espanhol chinecircs italiano ou outras liacutenguas estrangeiras A liacutengua falada no Texas natildeo eacute igual agrave falada na Nova Inglaterra os habitantes do centro do paiacutes natildeo falam da mesma maneira que os habitantes do sul Temos todos ateacute certo ponto consciecircncia dessas diferenccedilas superficiais e mesmo nos divertimos agraves vezes agraves custas de outros dialetos (LANGACKER 1972 54)
Todas essas formulaccedilotildees encontram base em Saussure pois
assim como natildeo se poderia dizer onde termina o alto alematildeo e onde comeccedila o plattdeutsch assim tambeacutem eacute impossiacutevel traccedilar uma linha de demarcaccedilatildeo entre o alematildeo e o holandecircs entre o francecircs e o italiano Existem pontos extremos nos quais se pode dizer com seguranccedila Aqui impera o francecircs aqui o italiano entretanto quando entramos nas regiotildees intermediaacuterias vemos essa distinccedilatildeo se apagar uma zona compacta mais restrita imaginada para servir de transiccedilatildeo entre as duas liacutenguas como por exemplo o provenccedilal entre o francecircs e o italiano natildeo tem realidade (SAUSSURE 1974 236)
Diante disso esse criacutetico eacute conclusivo
como aliaacutes representar sob uma forma ou outra um limite linguumliacutestico preciso num territoacuterio coberto de um extremo a outro de dialetos gradualmente diferenciados As delimitaccedilotildees das liacutenguas se encontram sufocadas tanto quanto as dos dialetos nas transiccedilotildees Assim como os dialetos natildeo passam de subdivisotildees arbitraacuterias da superfiacutecie total da liacutengua assim tambeacutem o limite que se acredita separe duas liacutenguas soacute pode ser convencional (SAUSSURE 1974 236)
2313 Dialeto
Quando se fala em idioma portanto haacute diferenccedilas e peculiaridades entre os
falantes em relaccedilatildeo a este recurso de comunicaccedilatildeo Existe todavia uma unidade aparente que
vai se desfazendo agrave medida que o espaccedilo geograacutefico muda ou diminui (e tambeacutem por outras
razotildees como se veraacute adiante nesta dissertaccedilatildeo) As diferenccedilas se acentuam ocorrendo a
dialetaccedilatildeo Os dialetos por sua vez podem apresentar outras divisotildees sucessivamente Tais
divisotildees e subdivisotildees encontram ainda outros termos socioleto e idioleto
Baker (1992 15) define e classifica dialeto como uma variedade da liacutengua que
tem uso corrente dentro de uma comunidade ou grupo de falantes especiacuteficos
55 Ela ainda
classifica esse termo conforme as dimensotildees geograacutefica temporal e social Para a dimensatildeo
geograacutefica Baker utiliza como exemplos caracteriacutesticos um dialeto escocecircs ou dos Estados
Unidos em oposiccedilatildeo ao inglecircs britacircnico Assim como ilustraccedilatildeo o substantivo elevador em
55 a variety of language which has currency within a specific community or group of speakers
71
inglecircs apresenta pelo menos duas formas lift na Inglaterra e elevator nos Estados Unidos
No caso da dimensatildeo temporal Baker cita o exemplo de palavras e estruturas utilizadas em
periacuteodos diferentes na histoacuteria da liacutengua conforme verily (de uso mais antigo) e really (de uso
mais atual)56 Por fim ela expotildee o caso da dimensatildeo social em que palavras e estruturas satildeo
utilizadas por membros de classes sociais diferentes conforme scent e perfume napkin e
serviette57
Catford (1980 95) por sua vez denomina dialeto como a variante de liacutengua
relacionada com a proveniecircncia ou as filiaccedilotildees do performador numa dimensatildeo geograacutefica
temporal ou social Este teoacuterico classifica o dialeto em tipos o dialeto (propriamente dito)
ou dialeto geograacutefico que constitui a variante relacionada com a proveniecircncia geograacutefica do
performador por exemplo inglecircs americano inglecircs britacircnico inglecircs escocecircs dialeto
dos escoceses a eacutetat de langue ou dialeto temporal que eacute a variante relacionada com a
proveniecircncia do performador ou do texto por ele produzido na dimensatildeo do tempo por
exemplo inglecircs contemporacircneo inglecircs elisabetano inglecircs medieval dialeto social que
se consubstancia na variante relacionada com a classe ou o status social do performador por
exemplo E e natildeo-E (E = classe social mais elevada)
2314 Idioleto
O uacuteltimo niacutevel destas divisotildees (o idioleto seguindo a sequumlecircncia decrescente
idioma liacutengua dialeto) eacute aquele que se refere ao indiviacuteduo tomado isoladamente uacutenico
falante do seu proacuteprio dialeto A este respeito Langacker (1972 57-58) diz que natildeo haacute duas
pessoas com sistemas linguumliacutesticos absolutamente idecircnticos havendo sempre distinccedilatildeo entre
qualquer par de falantes seja por alguns pontos de sintaxe fonologia e vocabulaacuterio
Desenvolvendo esse argumento esse teoacuterico considera que cada falante tem seu proacuteprio
dialeto ou seja o idioleto
Por conseguinte se levarmos agraves uacuteltimas conclusotildees a proposiccedilatildeo de que um simples traccedilo eacute suficiente para estabelecer uma fronteira dialetal terminaremos por afirmar que cada falante tem o seu proacuteprio dialeto o qual natildeo eacute partilhado por nenhum outro falante () O termo idioleto eacute portanto frequumlentemente usado para designar o
56 Verily = really (adveacuterbios) realmente verdadeiramente
57 Scent = perfume perfume Napkin = serviette guardanapo Neste caso eacute atribuiacutedo um valor de sofisticaccedilatildeo para as palavras perfume e serviette por serem de origem francesa e por isso seu uso mais comum seria feito por pessoas de status social mais elevado
72
dialeto de uma pessoa e o termo dialeto eacute mais largamente definido (LANGACKER 1972 57-58)
O idioleto portanto eacute a expressatildeo linguumliacutestica particular de cada indiviacuteduo por
meio da qual cada ser humano eacute identificaacutevel sem que haja outro igual como se fosse uma
impressatildeo digital no niacutevel da liacutengua Nos termos de Catford (1980 95) eacute a variante de
liacutengua relacionada com a identidade pessoal do performador
2315 Variedade linguumliacutestica
William Labov importante linguumlista norte-americano da vertente
sociolinguumliacutestica desenvolveu a partir de estudos na deacutecada de 1960 a teoria da variaccedilatildeo
linguumliacutestica Trata-se de uma reaccedilatildeo ao modelo gerativo o qual natildeo inclui o componente social
como fator importante nos estudos linguumliacutesticos A sociologia da linguagem de Labov tenta
entender a liacutengua em seu contexto social considerando as mudanccedilas provocadas na liacutengua em
diversos contextos ou momentos em que os falantes atuam
o ponto de vista deste estudo consiste em que natildeo se pode compreender o desenvolvimento da mudanccedila de uma liacutengua fora da vida social da comunidade em que ela ocorre Ou falando de outra maneira as pressotildees sociais operam continuamente sobre a liacutengua natildeo apenas desde um ponto remoto no passado mas tambeacutem como uma forccedila social imanente que atua no presente vivenciado (LABOV apud SANTOS 2000)58
A partir destas formulaccedilotildees de Labov surge o termo variaccedilatildeo linguumliacutestica Assim
segundo R L Trask (2004 303) uma mesma liacutengua natildeo eacute usada de maneira totalmente
homogecircnea no interior de uma mesma comunidade Trask considera que essa variaccedilatildeo
acontece natildeo soacute no contexto de vaacuterios falantes (conforme sua profissatildeo ocupaccedilatildeo sexo faixa
etaacuteria regiatildeo geograacutefica etc) diferentes em momentos ou situaccedilotildees diferentes mas ateacute mesmo
no niacutevel de um soacute indiviacuteduo num uacutenico contexto quando haacute uma escolha livre em que ele
deseja se expressar variando sua linguagem Essa variaccedilatildeo portanto ocorre em vaacuterios niacuteveis
e remete a conceitos subjacentes discutidos pela Linguumliacutestica e pela Sociolinguumliacutestica citados
58 El punto de vista de este estuacutedio consiste en que no se puede comprender el desarrolo del cambio de un lenguaje fuera de la vida social de la comunidad en la que ocurre O dicho de outra manera las presiones sociales estaacuten operando continuamente sobre el lenguaje no desde un punto remoto del pasado sino como una fuerza social inmanente que actuacutea en el presente vivido
73
nos toacutepicos anteriores (idioma liacutengua dialeto socioleto idioleto) aleacutem dos conceitos de
variedade linguumliacutestica registro e tom
Langacker ao discutir sobre a natildeo coincidecircncia entre as fronteiras geograacuteficas e as
fronteiras linguumliacutesticas e sobre os dialetos de uma mesma liacutengua num mesmo territoacuterio afirma
a diversidade linguumliacutestica natildeo pode ser totalmente apreciada em termos geograacuteficos tem pelo menos duas outras dimensotildees Uma delas eacute a dimensatildeo dos grupos e classes sociais Dentro de uma aacuterea geograacutefica dada especialmente em aacutereas urbanas haacute diferenccedilas linguumliacutesticas relacionadas com a estrutura social Os membros da alta sociedade e os trabalhadores de classes econocircmicas inferiores em geral se distinguem de maneira bastante niacutetida quanto agrave sua fala ()(LANGACKER 1972 59)
Ainda segundo Langacker a diversidade linguumliacutestica possui outra dimensatildeo que
estaacute ligada aos proacuteprios falantes tomados individualmente
Cada falante tem natildeo apenas seu sistema linguumliacutestico uacutenico mas tem tambeacutem diferentes estilos de fala que emprega em circunstacircncias diversas O estilo usado quando se eacute entrevistado para um emprego eacute consideravelmente diferente do usado numa conversa com amigos por exemplo (LANGACKER 1972 59)
O conceito de variedade linguumliacutestica59 revela em si o conhecimento de que existe
uma grande diversificaccedilatildeo linguumliacutestica por exemplo no uso de vaacuterios dialetos que ateacute podem
ser semelhantes entre si mas que apresentam caracteriacutesticas proacuteprias Entretanto falta ao
conceito de variedade linguumliacutestica exprimir claramente que a liacutengua tambeacutem possui uma
flexibilidade associada ao momento em que ela eacute expressa em conjunto com outras variaacuteveis
os agentes humanos ao se comunicarem pela liacutengua tecircm uma grande versatilidade e dispotildeem
de um grande conjunto de dialetos sobre os quais tecircm a liberdade de acesso e podem assim
variar o seu uso conforme seu desejo com o uso de um ou outro dialeto sob as constantes
flutuaccedilotildees de referente as caracteriacutesticas do falante (sexo faixa etaacuteria ocupaccedilatildeo niacutevel de
escolaridade estado de humor etc) o ambiente ou situaccedilatildeo (formal informal) em que ele se
encontra aleacutem do perfil do seu interlocutor Para exprimir essas outras diferenccedilas existem
outros termos como registro e tom
59 Platt amp Platt e Richards (1992 347 397) tambeacutem utilizam os termos correlatos variedade (variety) e variedade do discurso (speech variety) Este uacuteltimo eacute assim definido a term sometimes used instead of LANGUAGE DIALECT SOCIOLECT PIDGIN CREOLE etc because it is considered more neutral than such terms It may also be used for different varieties of one language eg American English Australian English Indian English
( um termo agraves vezes utilizado em vez de LIacuteNGUA DIALETO SOCIOLETO PIDGIN CRIOULO etc porque eacute considerado mais neutro do que esses termos Tambeacutem pode ser utilizado para designar variedades diferentes de uma liacutengua eg inglecircs americano inglecircs australiano inglecircs indiano )
74
2316 Registro
Joaquim Mattoso Cacircmara Jr define assim registro
Termo adotado pela escola (v) linguumliacutestica de Londres para designar as mudanccedilas no uso da liacutengua por parte de um falante conforme a situaccedilatildeo social Assim o registro da conversaccedilatildeo familiar eacute diferente do de uma conversaccedilatildeo cerimoniosa o registro da liacutengua escrita diverge do da liacutengua oral e na literatura haacute um registro especial (v liacutengua) (CAcircMARA JR 1985 207)
Para David Crystal (1987 429) registro diz respeito a uma variedade linguumliacutestica
socialmente definida por exemplo cientiacutefica legal etc 60 Landers (2001 59) procura
esclarecer mais e apresenta este conceito dividindo-o em vaacuterias categorias natildeo
teacutecnicoteacutecnico informalformal urbanorural padratildeoregional jargatildeonatildeo jargatildeo
vulgarpolido Ele tambeacutem considera o registro como um ato contiacutenuo que varia desde o niacutevel
informal ao formal do niacutevel mais baixo ao mais elevado
Segundo Costa (1992 36-40) registro tem ligaccedilotildees com a gramaacutetica funcional
especialmente com o trabalho de Halliday Assim Halliday et al (1964) apud Costa (1992
36) utilizam os seguintes conceitos dialeto eacute uma variedade de acordo com o usuaacuterio 61 e
registro uma variedade de acordo com o uso 62
Entretanto o proacuteprio Halliday (1978 110-111) apud Costa (1992 36) faz outras
observaccedilotildees esta distinccedilatildeo geral [entre dialeto e registro] pode ser aceita mas em vez de se
caracterizar o registro mais por suas propriedades lexicogramaticais devemos sugerir
com
um texto por exemplo
uma definiccedilatildeo mais abstrata em termos semacircnticos 63 Halliday
entatildeo elabora outra definiccedilatildeo um registro pode ser definido como a configuraccedilatildeo de
recursos semacircnticos que um membro de uma cultura normalmente associa com um tipo de
situaccedilatildeo
(HALLIDAY 1978 110-111 apud COSTA 1992 36)64
Esse conceito de registro todavia tem sido amplamente criticado por outros
teoacutericos de acordo com Costa (1992 36) que menciona dentre eles Coulthard (1985 39)
60 a socially defined variety of language eg scientific legal etc
61 a variety according to the user
62 a variety according to the use
63 this general distinction can be accepted but instead of characterising a register largely by its lexicogrammatical properties we shall suggest as with text a more abstract definition in semantic terms
64 A register can be defined as the configuration of semantic resources that the member of a culture typically associates with a situation type
75
Crystal e Davy (1969 61) Assim apoacutes uma longa discussatildeo Costa (1992 30-40) apresenta o
termo registro numa acepccedilatildeo mais flexiacutevel que caracteriza a linguagem conforme campos
especiacuteficos do conhecimento humano (jargotildees profissionais a fala entre os diversos grupos
sociais heterogecircneos) o niacutevel de formalidade ou contextos especiacuteficos
Para Baker (1992 15-16) registro eacute uma variedade da liacutengua que um falante
considera apropriado para uma situaccedilatildeo especiacutefica 65 (ecircnfase da autora) Isso quer dizer que
dependendo do campo do discurso (field of discourse) do tom do discurso (tenor of
discourse) e do modo do discurso (mode of discourse) haveraacute mudanccedilas de registro Baker
(1992 16) explica esses trecircs fatores
Campo do discurso eacute aquilo que estaacute acontecendo durante o momento da fala em
que os participantes escolhem os itens linguumliacutesticos ou seja enquanto existe accedilatildeo ou debate
que envolve determinado assunto ou praacutetica Assim variaccedilotildees no campo do discurso
promovem variaccedilotildees de registro por exemplo se o falante estaacute jogando ou discutindo sobre
futebol fazendo amor ou discutindo sobre o amor fazendo um discurso poliacutetico ou discutindo
sobre poliacutetica realizando uma operaccedilatildeo meacutedica ou discutindo medicina
O tom do discurso eacute um termo abstrato para os relacionamentos entre as pessoas
que tomam parte no discurso 66 isto eacute satildeo mudanccedilas realizadas na linguagem por uma pessoa
dependendo com quem ela fala as relaccedilotildees interpessoais que estabelecem certos padrotildees
tiacutepicos de discurso segundo as diferenccedilas pessoais em termos de idade grau de intimidade
hierarquia ou posiccedilatildeo social etc matildeefilho meacutedicopaciente status superiorinferior etc Vale
observar tambeacutem o que Cacircmara Jr diz a respeito de tom apresentando-o como sinocircnimo de
acento
[acento] eacute a maior intensidade (acento de intensidade ou ICTO) ou a maior altura (acento de altura ou TOM) com que a emissatildeo de uma siacutelaba se opotildee agraves que lhe ficam contiacuteguas numa enunciaccedilatildeo O acento de intensidade ou de altura conforme a liacutengua entra na estruturaccedilatildeo focircnica do vocaacutebulo (v) criando um contraste na emissatildeo das siacutelabas ()(CAcircMARA JR 1985 39)
Esse teoacuterico tambeacutem destaca que na ortografia da liacutengua portuguesa o acento
tocircnico eacute representado por sinais graacuteficos ou seja o acento agudo e o acento circunflexo e
tambeacutem haacute o que ele chama de acento frasal que consiste na elevaccedilatildeo da voz em
determinado ponto da enunciaccedilatildeo da frase o resultado eacute uma escala de altura vocal
65 Register is a variety of language that a language user considers appropriate to a specific situation
66 An abstract term for the relationships between the people taking part in the discourse
76
ascendente descendente ou ascendente-descendente a que se daacute o nome de entoaccedilatildeo
(CAcircMARA JR 1985 39)
Para os propoacutesitos desta dissertaccedilatildeo o conceito de tom
equiparado ao de acento
segundo Cacircmara Jr deve se ater agrave uacuteltima acepccedilatildeo relacionada ao que esse teoacuterico chama
de acento frasal ou entoaccedilatildeo67 A partir disso pode-se dizer que o tom portanto estaacute aqui
associado agrave emoccedilatildeo de quem fala revelando nuances derivados do humor da ironia deixando
tambeacutem outras impressotildees a respeito do emissor sinceridade ingenuidade rancor fuacuteria
enfim qualquer tipo de sentimento ou aspecto ligado a uma situaccedilatildeo momentacircnea ou a algo
inerente ao proacuteprio caraacuteter da pessoa
Por fim Baker (1992 16) define modo de discurso como um termo abstrato para
o papel que a linguagem estaacute desempenhando (discurso ensaio palestra instruccedilotildees) e para o
meio de transmissatildeo (fala escrita) Assim as escolhas linguumliacutesticas satildeo influenciadas por
essas dimensotildees por exemplo como o uso de vocaacutebulos mais apropriados para uma carta
comercial do que para a fala informal
Catford (1980 95) de modo semelhante a Baker afirma que registro eacute a
variante relacionada com o papel social mais amplo desempenhado pelo performador no
momento da elocuccedilatildeo por exemplo cientiacutefico religioso ciacutevico etc Esse teoacuterico fala
em mais duas variantes linguumliacutesticas estilo ou a variante relacionada com o nuacutemero e a
natureza dos destinataacuterios e a relaccedilatildeo do performador com eles por exemplo formal
coloquial iacutentimo e modo ou seja a variante relacionada com o meio pelo qual opera o
performador falado escrito
2317 Norma-padratildeo
Toda essa riqueza linguumliacutestica pode ser explorada por oradores ou escritores
criativos Aqui interessa uma ecircnfase na liacutengua escrita da criaccedilatildeo literaacuteria a qual muitas vezes
reproduz imita a oralidade e assim enriquece as possibilidades de expressatildeo e intenccedilotildees que o
autor deseja causar no seu destinataacuterio o leitor Da mesma forma na traduccedilatildeo o tradutor deve
observar esses aspectos em relaccedilatildeo ao novo leitor conforme sugere Lefevere referindo-se aos
desvios da norma-padratildeo (que Lefevere neste caso chama de erros )
67 Para R L Trask (2004 91) por exemplo intonation (entonaccedilatildeo)
77
escritores agraves vezes desviam do uso gramatical aceito de seu tempo natildeo porque sejam incapazes de escrever bem mas porque eles desejam chamar a atenccedilatildeo para o seu erro Os tradutores deveriam tentar relacionar o erro gramatical da liacutengua de partida com um erro gramatical na liacutengua de chegada se considerarem o erro de importacircncia suficiente dentro do quadro da composiccedilatildeo geral do texto de partida
(LEFEVERE 1992 35)68
Saussure (1974 224-227) tambeacutem admite que as fronteiras geograacuteficas natildeo
coincidem com as fronteiras linguumliacutesticas e quando toma estas liacutenguas individualmente
reconhece que em cada uma delas ocorre a dialetaccedilatildeo Logo pode-se concluir que essa
dialetaccedilatildeo resulta em variedades de uma mesma liacutengua tanto em relaccedilatildeo com outros paiacuteses
(eg o francecircs da Franccedila que difere do que eacute falado na Beacutelgica na Suiacuteccedila no Canadaacute etc)
como dentro de um mesmo paiacutes quando se percebe a existecircncia dos dialetos regionais Nesse
ponto aparece uma diferenciaccedilatildeo que Saussure chama de liacutengua literaacuteria e idioma local
por liacutengua literaacuteria entendemos natildeo somente a liacutengua da literatura como tambeacutem em sentido mais geral toda espeacutecie de liacutengua culta oficial ou natildeo ao serviccedilo da comunidade inteira Abandonada a si mesma a liacutengua conhece apenas dialetos nenhum dos quais se impotildee aos demais pelo que ela estaacute destinada a um fracionamento indefinido (SAUSSURE 1974 226)
Logo quando esse teoacuterico afirma que a liacutengua literaacuteria eacute toda espeacutecie de liacutengua
culta
ou de maior prestiacutegio em outras palavras
a serviccedilo da comunidade inteira fica clara
a necessidade de haver pelo menos uma liacutengua padratildeo para o bem comum e para a integraccedilatildeo
dos grupos sociais Essa entatildeo eacute para Saussure a liacutengua literaacuteria
agrave qual logicamente se
enquadra a norma-padratildeo da liacutengua Os outros dialetos
ou idiomas locais
por causa de
seu papel mais restrito aleacutem de outros fatores
ficam agrave margem de um dialeto escolhido
como modelo geral
Mas como a civilizaccedilatildeo ao se desenvolver multiplica as comunicaccedilotildees escolhe-se por uma espeacutecie de convenccedilatildeo taacutecita um dos dialetos existentes para dele fazer o veiacuteculo de tudo quanto interesse agrave naccedilatildeo no seu conjunto Os motivos de tal escolha satildeo diversos umas vezes se daacute preferecircncia ao dialeto da regiatildeo onde a civilizaccedilatildeo eacute mais avanccedilada outras ao da proviacutencia que tem hegemonia poliacutetica e onde estaacute sediado o poder central outras eacute um corte que impotildee seu falar agrave naccedilatildeo (SAUSSURE 1974 226)
68 Writers sometimes deviate from the accepted grammatical usage of their time not because they are incapable of writing well but because they wish to focus attention on their mistake Translators should try to match the grammatical error in the source language with a grammatical error in the target language if they consider the error of sufficient importance within the framework of the overall composition of the source text
78
Considerando estas palavras pode-se facilmente entender que idioma local na
acepccedilatildeo de Saussure entatildeo refere-se a todos os outros dialetos que natildeo foram escolhidos
como o tipo padratildeo ou modelo geral de uma liacutengua A partir do momento em que a liacutengua
literaacuteria se oficializa tem-se o conceito de norma culta ou norma-padratildeo69
232 A linguagem na literatura escrita e traduzida
2321 O prestiacutegio da norma-padratildeo
Saussure (1974 34-36) tambeacutem discorre sobre a questatildeo do maior prestiacutegio da
liacutengua escrita sobre a liacutengua falada Ressalta-se que quando se menciona a palavra prestiacutegio
ligada agrave expressatildeo linguumliacutestica escrita percebe-se que esta variedade escrita se refere ao uso da
norma-padratildeo A liacutengua tem pois uma tradiccedilatildeo oral independente da escrita e bem
diversamente fixa todavia o prestiacutegio da forma escrita nos impede de vecirc-lo (SAUSSURE
1974 35)
Dentre as razotildees que Saussure expotildee acerca desse prestiacutegio destaca-se sobre os
motivos da norma-padratildeo (ou liacutengua literaacuteria conforme este linguumlista suiacuteccedilo)
A liacutengua literaacuteria aumenta ainda mais a importacircncia imerecida da escrita Possui seus dicionaacuterios suas gramaacuteticas eacute conforme o livro e pelo livro que se ensina na escola a liacutengua aparece regulamentada por um coacutedigo ora tal coacutedigo eacute ele proacuteprio uma regra escrita submetida a um uso rigoroso a ortografia e eis o que confere agrave escrita uma importacircncia primordial Acabamos por esquecer que aprendemos a falar antes de aprender a escrever e inverte-se a relaccedilatildeo natural (SAUSSURE 1974 35)
A liacutengua oral ou escrita por sua flexibilidade oscila entre vaacuterios niacuteveis desde a
informalidade de um bate-papo casual ateacute a postura seacuteria e impecaacutevel de um candidato a
emprego diante de uma entrevista ou no caso de um bilhete informal ou lembrete que uma
matildee deixa para seu filho e de uma carta formal dirigida ao diretor de uma corporaccedilatildeo etc
Lefevere (1992 58) comenta isso salientando que exceto nos livros de gramaacutetica ou em
69 Nesta dissertaccedilatildeo prefere-se o termo norma-padratildeo (BAGNO 2005 64-65) em vez de norma culta por se entender que cultura eacute um termo abrangente e complexo e natildeo pode ser sinocircnimo exclusivo de conhecimento formal escolar ou de algo que denote prestiacutegio ou formas de preconceito Lyons apresenta duas definiccedilotildees para cultura () Baseia-se em uacuteltima instacircncia na concepccedilatildeo claacutessica do que constitui excelecircncia em arte literatura maneiras e instituiccedilotildees sociais (LYONS 1987 273) E tambeacutem cultura num sentido antropoloacutegico sem nenhuma implicaccedilatildeo de progresso humano uniforme do barbarismo agrave civilizaccedilatildeo e sem nenhum
julgamento de valor a priori quanto agrave qualidade esteacutetica ou intelectual da arte literatura das instituiccedilotildees etc de determinada sociedade (LYONS 1987 274)
79
manuais de estilo a liacutengua nunca eacute usada num vaacutecuo ela eacute sempre usada numa certa situaccedilatildeo
Em culturas diferentes um uso especiacutefico da liacutengua eacute considerado apropriado (ou
inapropriado) numa situaccedilatildeo especiacutefica 70 Nos casos em que haacute formalidade existe uma
preocupaccedilatildeo maior com o uso de um dialeto de maior prestiacutegio a norma-padratildeo da gramaacutetica
prescritiva um modelo que normalmente eacute adotado como referecircncia de polidez boa
educaccedilatildeo refinamento Entretanto na maioria das vezes em que ocorre algum desvio dessa
norma geralmente as pessoas classificam esse fato como um erro independentemente da
situaccedilatildeo ser formal ou informal
Na traduccedilatildeo de Of mice and men realizada por Veriacutessimo (Ratos e homens
ediccedilotildees de 1940 e 1968) o uso de um dialeto de prestiacutegio nos diaacutelogos em seu trabalho chama
atenccedilatildeo pois essa variedade ainda que coloquial destoa daquela utilizada pelo autor John
Steinbeck uma variedade da liacutengua inglesa estadunidense desprestigiadaestigmatizada Em
relaccedilatildeo agrave traduccedilatildeo de Campello (1991) percebe-se maior aproximaccedilatildeo relativa daquela
variedade inglesa em niacutevel coloquial mas que tambeacutem ainda soa mais educado
do que a
liacutengua dos personagens do texto de partida A traduccedilatildeo de Ban (2005) eacute a que mais tenta se
aproximar daquele inglecircs estigmatizado
A expressatildeo desvio gramatical equivocadamente adquiriu um sentido
generalizado com conotaccedilotildees associadas a erros cometidos contra o bom uso da liacutengua
No entanto cabe aqui esclarecer o que se entende por gramaacutetica Fromkim e Rodman (1993
12-13) fazem distinccedilatildeo entre o que chamam de gramaacutetica descritiva e gramaacutetica prescritiva
todo ser humano que fala uma liacutengua sabe gramaacutetica Ao pretenderem descrever uma liacutengua os linguistas tentam descrever a gramaacutetica da liacutengua presente no espiacuterito dos falantes Podem evidentemente verificar-se algumas divergecircncias entre o conhecimento que os vaacuterios falantes tecircm da liacutengua Mas existe um conhecimento comum
a gramaacutetica
que permite aos falantes falarem e compreenderem-se A descriccedilatildeo do linguista seraacute uma boa ou maacute descriccedilatildeo da gramaacutetica da liacutengua ou mesmo da proacutepria liacutengua consoante constitua ou natildeo um verdadeiro modelo de capacidade linguumliacutestica do falante Esse modelo designa-se por gramaacutetica descritiva (ecircnfase dos autores)
Assim pode-se entender que existe uma espeacutecie de gramaacutetica geral denominada
como descritiva que tatildeo somente trata da ordenaccedilatildeo loacutegica da liacutengua desde as suas menores
unidades de sentido (os sons) passando agrave formaccedilatildeo das palavras da organizaccedilatildeo dessas
palavras em grupos maiores (sintagmas frases oraccedilotildees periacuteodos e textos) de forma que estes
70 Except in grammar books or primers on style language is never used in a vacuum it is always used in a certain situation In different cultures a specific use of language is considered appropriate (or inappropriate) in a specific situation
80
sejam inteligiacuteveis compreensiacuteveis tornando possiacutevel a comunicaccedilatildeo Desta forma se algueacutem
diz Noacuteis vai na festa esta construccedilatildeo eacute gramatical pois faz sentido e estabelece a
exteriorizaccedilatildeo clara de um pensamento ou ideacuteia Entretanto para que haja compreensatildeo a
posiccedilatildeo destes vocaacutebulos na oraccedilatildeo deve obedecer a regras caracteriacutesticas da liacutengua
portuguesa do tipo SUJEITO (Noacuteis) VERBO (vai) e COMPLEMENTO (na festa) sob pena
de que se natildeo houver esta ordem pode natildeo haver compreensatildeo da mensagem Este mesmo
exemplo possui a variaccedilatildeo Noacutes vamos agrave festa adequando-se agrave gramaacutetica prescritiva A esse
respeito Fromkim e Rodman enfatizam que
dos tempos antigos ateacute hoje tem havido puristas que pensam que a mutaccedilatildeo linguiacutestica eacute uma forma de corrupccedilatildeo e que defendem a existecircncia de certas formas correctas que todas as pessoas educadas deveriam utilizar na fala e na escrita Os gregos de Alexandria no seacuteculo I os eruditos aacuterabes em Basra no seacuteculo VIII e inuacutemeros gramaacuteticos ingleses nos seacuteculos XVIII e XIX defenderam esta perspectiva Pretendiam prescrever regras gramaticais e natildeo propriamente descrevecirc-las Para isso se escreveram as gramaacuteticas prescritivas (FROMKIM e RODMAN 1993 14-15)
Existe uma relaccedilatildeo entre o que as gramaacuteticas prescritivas apregoam e a questatildeo do
poder social travestido num dialeto mais prestigiado a norma-padratildeo da liacutengua
com o advento do capitalismo e o despontar de uma nova classe meacutedia surgiu o desejo por parte deste novo grupo social de que os seus filhos fossem educados e aprendessem a falar o dialecto das classes superiores E assim surgiram muitas gramaacuteticas prescritivas (FROMKIM e RODMAN 1993)
Todavia natildeo se trata apenas de uma preferecircncia estimulada pelo desejo de
espelhar um alto status social A norma-padratildeo adquiriu um oficialismo dotado de preconceito
em relaccedilatildeo agraves outras variedades ganhando um grau de hierarquia acima delas
() Em 1908 um gramaacutetico americano Thomas R Lounsbury escreveu Parece ter existido em todos os periacuteodos do passado tal como agora uma niacutetida apreensatildeo no espiacuterito de muitas pessoas honradas quanto ao estado de quase colapso iminente da liacutengua inglesa e quanto agrave necessidade de constantemente se desenvolverem esforccedilos aacuterduos que a salvem da destruiccedilatildeo (FROMKIM e RODMAN 1993)
John Lyons ao esclarecer sobre diferenccedilas entre dialeto e sotaque acaba tambeacutem
por fazer consideraccedilotildees sobre a norma-padratildeo da liacutengua tida como superior Como isso natildeo
bastasse a ideacuteia generalizada eacute a de que na oralidade este dialeto preferido deve ser tambeacutem
usado de forma especial com um sotaque prestigiado
a questatildeo eacute que certas diferenccedilas foneacuteticas entre sotaque podem ser estigmatizadas pela sociedade da mesma forma como certas diferenccedilas lexicais e gramaticais entre
81
dialetos o satildeo Pais e professores tentam frequumlentemente eliminar o que consideram como marcas de status social inferior ou como regionalismos Mesmo se natildeo satildeo bem-sucedidos eles teratildeo desempenhado a sua funccedilatildeo no perpetuamento na crenccedila geral na comunidade linguumliacutestica de que a pronuacutencia tal eacute indicadora de inferioridade social ou de educaccedilatildeo e isto tem como efeito aumentar a sensibilidade da maioria das pessoas em relaccedilatildeo ao assunto (LYONS 1987 249)
2322 Variedades linguumliacutesticas na literatura escrita e traduzida
A postura tradicional da educaccedilatildeo prima pela formalidade da gramaacutetica
prescritiva agindo imperiosamente sobre o modo um tanto pretensioso que se deve falar e
escrever Quando esta questatildeo chega aos domiacutenios da criaccedilatildeo literaacuteria eis o ponto alto da
discussatildeo tratando-se de uma forma de expressatildeo artiacutestica um escritor tem toda liberdade
para usar e abusar da liacutengua em todas as suas variedades e niacuteveis dependendo das suas
intenccedilotildees obedecendo mais agrave sua sensibilidade do que agrave sua razatildeo Tal versatilidade pode ou
natildeo criar problemas de aceitaccedilatildeo por parte dos leitores de uma obra quando aspectos da fala
ganham destaque na escritura de uma obra literaacuteria Haacute exemplos notaacuteveis e abundantes de
escritores que diversificam o uso da liacutengua de modo criativo desde os brasileiros Jorge
Amado e Guimaratildees Rosa ao irlandecircs James Joyce
Este uacuteltimo em seu romance Ulysses chega ao capricho de criar idioletos para
alguns personagens em niacutevel coloquial inerente agrave fala mesmo quando esta natildeo se realiza
sonoramente mas em pensamento sob a forma de monoacutelogo interior Ganham destaque
tambeacutem vaacuterias palavras inventadas Assim segundo a tradutora Bernardina da Silveira
Pinheiro (2005) a fala do personagem Leopold Bloom se caracteriza desta forma
[em] staccatto com o ritmo brusco de algueacutem capaz de superar as proacuteprias dificuldades se constituiraacute de frases primordialmente curtas de omissatildeo de sujeitos de palavras frequumlentemente monossilaacutebicas agraves vezes mesmo reduzidas por afeacuterese refletindo o seu ser interior que sempre tenta imaginar um sentido loacutegico nas coisas
Nesse sentido a fala de Leopold Bloom eacute assim ilustrada
seraacute um dia quente imagino Especialmente nestas roupas pretas vou sentir mais O preto conduz reflete (seraacute refrata) o calor Mas eu natildeo podia ir com aquele terno claro Fazer disso um piquenique [] A caminhonete do patildeo de Boland entregando em bandejas o nosso de cada dia mas ela prefere patildees dormidos pasteacuteis tostados com
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a parte de cima quente Faz vocecirc se sentir jovem (JOYCE 2005 67 Episoacutedio 4
Calypso Traduccedilatildeo de Bernardina da Silveira Pinheiro)71
Tambeacutem vale destacar as caracteriacutesticas do pensamento (ou fala) da personagem
Molly Bloom sem pontuaccedilatildeo sem maiuacutesculas sem fazer diferenccedila entre os homens
todos
eles satildeo he fluiraacute incontido e incontrolaacutevel de uma mente liberta de qualquer grilhatildeo
(Pinheiro 2005)
Em Ulysses a fala de Molly eacute ilustrada no seguinte fragmento
SIM PORQUE ELE NUNCA FEZ UMA COISA dessas como pedir para tomar seu cafeacute da manhatilde na cama com dois ovos desde o hotel City Arms quando ele costumava fingir ter de ficar de cama com uma voz de doente bancando importante para se fazer de interessante para a velha encarquilhada Sra Riordan sobre quem ele pensava ter grande influecircncia e ela nunca nos deixou nenhum niacutequel tudo para missas para ela e para a sua alma [] (JOYCE 2005 764 Episoacutedio 18
Penelope Traduccedilatildeo de Bernardina da Silveira Pinheiro)72
A versatilidade da liacutengua tanto em sua expressatildeo oral como escrita estaacute atrelada a
fatores ou situaccedilotildees muacuteltiplos em que existe a participaccedilatildeo dos seres humanos A liacutengua por
sua maleabilidade e capacidade de adaptaccedilatildeo se manifesta de formas diversificadas
perceptiacuteveis em variedades linguumliacutesticas as quais satildeo moldadas de acordo com vaacuterios fatores
inseridos numa cultura num espaccedilo geograacutefico e num tempo Este uacuteltimo pode se
compreender em escalas que vatildeo desde um momento instantacircneo (que marca a mudanccedila ou
adaptaccedilatildeo linguumliacutestica situacional segundo o indiviacuteduo falante seu dialeto ou idioleto) ateacute
seacuteculos ou milecircnios (que marcam a diferenciaccedilatildeo e evoluccedilatildeo das liacutenguas segundo os grupos
sociais heterogecircneos)
Agraves vezes os usos da liacutengua chegam ao niacutevel de uma obrigaccedilatildeo como no caso
dos defensores da chamada norma culta ou norma-padratildeo da liacutengua um modelo idealizado
como sinocircnimo de bom gosto refinamento e de boa educaccedilatildeo mas que segundo Marcos
Bagno (2003) por ser norma natildeo pode ser entendida como liacutengua real mas sim ideal
Quanto mais uma variedade linguumliacutestica se aproxima dessa norma tida como a liacutengua
correta tanto mais prestigiada seraacute ao passo que quanto maior for o distanciamento deste
71 Be a warm day I fancy Specially in these black clothes feel it more Black conducts reflects (refracts is it) the heat But I couldnt go in that light suit Make a picnic of it [ ] Bolands breadvan delivering with trays our daily but she prefers yesterdays loaves turnovers crisp crowns hot Makes you feel young
72 YES BECAUSE HE NEVER DID A THING LIKE THAT BEFORE AS ASK TO get his breakfast in bed with a couple of eggs since the City arms hotel when he used to be pretending to be laid up with a sick voice doing his highness to make himself interesting to that old faggot Mrs Riordan that he thought he had a great leg of and she never left us a farthing all for masses for herself and her soul
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modelo tatildeo maior seraacute a estigmatizaccedilatildeo da liacutengua Este modelo configurado na norma-
padratildeo entretanto eacute alvo de discussotildees viscerais entre estudiosos da liacutengua uns partidaacuterios
da pureza linguumliacutestica de visatildeo tradicional e outros que tentam desconstruir essa postura
valorizando as diferenccedilas com base em criacuteticas que colocam em evidecircncia certas implicaccedilotildees
de cunho ideoloacutegico e de poder no uso de variedades mais prestigiadas Tais diferenccedilas vez
por outra surgem na produccedilatildeo literaacuteria quando o tom informal aparece incorporado
intencionalmente na linguagem coloquial ou nos desvios da gramaacutetica prescritiva
constituindo-se num desafio incriacutevel para o tradutor devido a significados difiacuteceis ou ateacute
mesmo impossiacuteveis de transferir de uma cultura para outra
Segundo Landers (2001 116-117) a definiccedilatildeo popular de dialeto muitas vezes
denota um padratildeo do discurso supostamente inferior ou que estaacute abaixo da norma linguumliacutestica
socialmente aceita a norma-padratildeo ou norma culta O teoacuterico esclarece entretanto que
essa norma-padratildeo eacute tambeacutem um dialeto com a diferenccedila de que eacute falado por um segmento
privilegiado da sociedade liacutederes poliacuteticos formadores de opiniatildeo e literatos
eacute a chamada
liacutengua correta
24 A traduccedilatildeo de variedades linguumliacutesticas e desvios da norma-padratildeo da liacutengua
Landers afirma que os problemas de traduzir dialetos comeccedilam quando se deseja
transferir as peculiaridades do dialeto para a liacutengua de chegada Isso parece ficar ainda mais
seacuterio quando se trata de um dialeto desviante da norma-padratildeo expresso em variaccedilotildees
regionais socioletos idioletos registros tons diferentes etc O que fazer Como fazer Talvez
se possa pensar numa linguagem equivalente O resultado disso todavia pode natildeo ser feliz
ou mesmo o horror dos horrores segundo Landers ao ouvir um inglecircs caribenho na
dublagem do portuguecircs carioca do filme brasileiro Orfeu Negro dirigido por Marcel
Camus Tal choque provavelmente o fez expressar a seguinte opiniatildeo nenhum dialeto soa
bem na traduccedilatildeo Muito embora tenha certa relutacircncia o tradutor deve reconhecer que o
dialeto pelo menos no niacutevel da transferecircncia em par de igualdades eacute intraduziacutevel
(LANDERS 2001 117)73
73 No dialect travels well in translation However reluctantly the translator must recognize that dialect at least at the level of one-to-one transference is untranslatable
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Logo a opiniatildeo de Landers (2001 117) eacute de que o dialeto (entendido aqui como
desvios da norma-padratildeo) estaacute totalmente enraizado no tempo e no espaccedilo e o ouvinte associa
inconscientemente esse padratildeo de discurso com uma regiatildeo ou com um periacuteodo cronoloacutegico
Em siacutentese o dialeto estaacute sempre ligado geograacutefica e culturalmente a um ambiente social
que natildeo existe na liacutengua de chegada e a substituiccedilatildeo com um dialeto equivalente estaacute
fadada ao fracasso O conselho desse criacutetico sobre tentar traduzir dialetos parece soar como
um veredito natildeo faccedila isso
Apesar deste conselho draacutestico Landers (2001 68) examina e critica a traduccedilatildeo
de Samuel Putnam para o inglecircs da obra Terras do Sem Fim de Jorge Amado no trecho -
Vosmececirc me adisculpe seu coronel mas noacutes queria saber quando eacute que a gente passa a
escritura da terra () Mas vosmececirc natildeo se arrecorda que nos vendeu esse pedaccedilo de mata
Pelo dinheiro do contrato de cacau (AMADO 1942 21)
Putnam (1945 apud LANDERS 2001) resolve este fragmento traduzindo-o da
seguinte maneira You will pardon me colonel but we would like to know when we may
have the deed to the land ( ) Don t you remember that you sold us that piece of forest In
place of money on the cacao contract
Landers considera esta soluccedilatildeo como uma violaccedilatildeo de tom pois acha que a fala
reproduzida em inglecircs se assemelha muito mais agrave de um indiviacuteduo de bom niacutevel escolar
talvez um advogado ou um professor universitaacuterio entre outros fatores pelo uso de may em
vez de can o que contraria o perfil do personagem original que na verdade se mostra como
um trabalhador rural no interior do Brasil cuja fala conteacutem desvios do portuguecircs padratildeo
mas quem estaacute falando Um indiviacuteduo bem educado com certeza perceba o uso de may em vez de can Na verdade entretanto o texto original mostra que o falante eacute um agricultor analfabeto do sertatildeo brasileiro cujo discurso estaacute repleto de provincianismos como arrecordar em lugar de recordar () e de erros gramaticais do tipo noacutes queria () A julgar pelo tom ele estaria mais para um advogado ou professor universitaacuterio (LANDERS 2001 68)74
Com estes argumentos Landers faz o que natildeo aconselha ningueacutem a fazer
melhorando o fragmento assim Beggin the colonel pardon but we d like to know when
we can have the deed to the land Don t the colonel recollect sellin that piece of forest to
us Instead of the cacao contract (LANDERS 2001 68)
74 Just who is speaking A well-educated individual surely note the use of may rather than can In reality however the original text shows the speaker to be an illiterate agricultural laborer in the Brazilian backlands whose speech abounds with such provincialisms as arrecordar
for recordar
( ) and grammatical errors like noacutes queria ( ) But judging by the tone he could be a lawyer or college professor
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Trata-se de um trabalhador rural analfabeto mas o registro discursivo utilizado
por Putnam soa bastante formal civilizado Por outro lado a soluccedilatildeo de Landers pode ateacute
talvez ser mais adequada encaixando o personagem num perfil mais assemelhado ao do texto
de partida no que diz respeito ao seu niacutevel social ao tom utilizado etc poreacutem traduzido num
agricultor pobre
por sua condiccedilatildeo econocircmica
e tambeacutem num pobre agricultor
por ser
apaacutetrida natildeo pode ser brasileiro e muito menos de algum paiacutes anglofocircnico A situaccedilatildeo eacute
estranha pois se vecirc um personagem da zona rural com perfil brasileiro da Bahia mas
falando um inglecircs que o tradutor natildeo deixa claro de onde vem se eacute algum dialeto especiacutefico
bem localizado no tempo no espaccedilo e a que grupo social pertence Jorge Amado deu voz ao
seu personagem com um falar tiacutepico da liacutengua portuguesa brasileira com caracteriacutesticas locais
num dialeto do interior da Bahia entretanto qualquer dialeto da liacutengua inglesa que seja
utilizado nessa suposta correspondecircncia da traduccedilatildeo traraacute sempre consigo algo de exoacutetico ou
estranho
Logo torna-se forccediloso voltar agrave opiniatildeo de Landers (2001 117) de que o dialeto
estaacute sempre ligado geograacutefica e culturalmente a um ambiente social que natildeo existe na
liacutengua de chegada e a substituiccedilatildeo com um dialeto equivalente estaacute fadada ao fracasso 75
John Milton (2002 52) tem uma opiniatildeo semelhante a esse respeito
a traduccedilatildeo de dialeto tem sido descrita como uma aporia em traduccedilatildeo (Folkart apud Lane-Mercier 1997 p 53) Seja qual for a decisatildeo que tome o tradutor seraacute sempre um desacerto um disparate O dialeto escolhido quer seja mimeacutetico anaacutelogo ou pertencente agrave norma culta nunca teraacute a autenticidade do original ()
Anthony Pym (2000) a respeito dessa temaacutetica coloca a seguinte questatildeo os
marcadores das variedades linguumliacutesticas (sotaques dialetos socioletos estilos de classe e
assim por diante) devem ser traduzidos como tal As respostas que esse criacutetico apresenta
revelam o dilema de se lidar com o assunto pois esses posicionamentos satildeo com frequumlecircncia
antagocircnicos como as respostas extremas sim e natildeo No caso da resposta afirmativa leva-se
em conta a importacircncia de transmitir com fidedignidade o que essa linguagem pode
representar ao receptor Quanto agrave resposta negativa o argumento apresentado eacute aquele em que
os valores de uma variedade natildeo podem ser mapeados de cultura para cultura
Pym apresenta alternativas a opccedilatildeo binaacuteria que consiste em deixar a variedade
sem ser traduzida o que resulta na perda de valor ou traduzi-la com uma variedade enganosa
75 Summing up dialect is always tied geographically and culturally to a milieu that does not exist in the target-language setting Substitution of an equivalent dialect is foredoomed to failure The best advice about trying to translate dialect don t (LANDERS 2001 117)
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(dada a incongruecircncia entre as culturas e as liacutenguas) e assim perde-se a verossimilhanccedila a
estacircncia descritiva a qual diz respeito agrave remuneraccedilatildeo do tradutor o qual natildeo eacute pago para
resolver esses problemas aleacutem do fato de que o leitor em geral natildeo se importa com a
traduccedilatildeo das variedades e por isso o tradutor muitas vezes opta pela opccedilatildeo mais faacutecil de
consertar os desvios linguumliacutesticos conforme Milton (2002) a liberaccedilatildeo existencial com o
argumento de que natildeo haacute uma resposta clara para o problema e portanto as teorias satildeo
incompletas e o tradutor por si mesmo fica livre e responsaacutevel pelos seus atos ou decisotildees
de acordo com Lane-Mercier (1997 apud PYM 2000)
Ao tentar ser conclusivo Pym afirma que a resposta agrave questatildeo principal pode
parecer faacutecil
quando os tradutores se deparam com os marcadores de uma variedade linguumliacutestica o que deve ser traduzido natildeo eacute a variedade do texto de partida (isso natildeo se move e a traduccedilatildeo eacute em qualquer caso a substituiccedilatildeo da variedade base do texto de partida por definiccedilatildeo) O que deve ser traduzido eacute a variaccedilatildeo a alteraccedilatildeo sintagmaacutetica da distacircncia o desvio relativo de uma norma textual ou geneacuterica Se estas mudanccedilas podem ser traduzidas como normalmente eacute o caso entatildeo se pode dizer que os marcadores foram traduzidos e logo natildeo haacute mais o que discutir (PYM 2000) 76
Isso quer dizer que para Pym o mais importante eacute na traduccedilatildeo de uma variedade
linguumliacutestica natildeo-padratildeo (ou estigmatizada) deixar os elementos essenciais que constituem a
liacutengua de chegada (marcadores baacutesicos do dialeto) como uma variedade ao mesmo tempo
diferente da norma-padratildeo mas semelhante agrave funccedilatildeo desempenhada pela liacutengua do texto de
partida segundo o provaacutevel objetivo do autor e ao seu provaacutevel efeito na recepccedilatildeo Isso
consiste entatildeo natildeo em traduzir por exemplo um dialeto estigmatizado por outro dialeto
estigmatizado mas deixar na liacutengua de chegada elementos que caracterizem essa liacutengua
segundo a sua funccedilatildeo principalmente na maioria dos casos a oralidade expressa nas mais
diversas situaccedilotildees veiculada por agentes (personagens de um romance por exemplo)
caracterizados conforme o significado dessa linguagem denotando aspectos como classe
social niacutevel de escolaridade etnia em variaccedilotildees de registro tom gecircnero idade etc
dependendo de cada caso segundo a proposta do autor traduzido num niacutevel aproximado
A obra de Mark Twain intitulada Huckeberry Finn em que aparecem sete
variedades da liacutengua inglesa eacute um exemplo citado por Pym (2000) que para serem traduzidas
76 When translators are confronted with the markers of a variety the thing to be rendered is not the source-text variety (such things by definition do not move and translation is in any case the replacement of the base source-text variety by definition) The thing to be rendered is the variation the syntagmatic alteration of distance the relative deviation from a textual or generic norm If those shifts can be rendered as is usually the case then the markers may be said to have been translated and no complaint should ensue
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natildeo seria necessaacuterio decidir que variedades seriam as mais proacuteximas ou correspondentes
Pym desse modo sustenta que seria mais produtivo compreender muito bem quando a liacutengua
utilizada eacute uma paroacutedia ou eacute autecircntica77 Assim no caso da liacutengua parodiada ou no caso da
liacutengua autecircntica seriam utilizadas na liacutengua de chegada apenas as suas caracteriacutesticas
baacutesicas
Lenita R M Esteves ao discutir sobre as diferenccedilas linguumliacutesticas na traduccedilatildeo
literaacuteria potildee em duacutevida a eficaacutecia do processo de traduzir uma variedade regional por outra
variedade regional por exemplo brasileira Esteves relata que quando se deseja incorporar
essa diferenccedila linguumliacutestica para que haja uma correspondecircncia no texto de chegada em
portuguecircs o personagem deveria ser identificado com alguma regiatildeo especiacutefica Mas aiacute
surgem as duacutevidas como a que diz respeito a que regiatildeo a liacutengua de chegada seria
identificada
Com uma regiatildeo brasileira Caso a traduccedilatildeo fosse levar em conta e tentar reproduzir a diferenccedila regional da fala do tal personagem como fazer isso em portuguecircs Que regiatildeo do paiacutes poderia ser escolhida Qual falar brasileiro ficaria mais adequadomenos estranho nessa caracterizaccedilatildeo o caipira de Satildeo Paulo O gauacutecho O nordestino (ESTEVES 2005 341)
De acordo com Esteves substituir um dialeto regional por outro dialeto regional
na traduccedilatildeo eacute uma postura defendida por Lane-Mercier mas criticada por Milton
Milton78 cita a teoacuterica Gillian Lane-Mercier canadense que abordando essa questatildeo defende a postura de substituir o dialeto ou a variante natildeo padratildeo que aparece no original por um dialeto ou variante natildeo padratildeo da liacutengua de chegada Essa postura seria inspirada na proposta de traduccedilatildeo eacutetica de Antoine Berman Milton ainda comenta que Lane-Mercier insiste que o tradutor deve assumir a responsabilidade sobre suas escolhas e se possiacutevel explicaacute-las aos leitores em notas do tradutor Milton de certa forma critica Lane-Mercier dizendo justamente que aos tradutores natildeo eacute dada tanta liberdade nem tanto espaccedilo para exercitar seu poder de escolha e nem para justificaacute-lo () (ESTEVES 2005 342)
77 Pym aponta a autenticidade linguumliacutestica em contraposiccedilatildeo agrave sua paroacutedia a representaccedilatildeo de variedades linguumliacutesticas num canal semioacutetico pode natildeo espelhar a realidade o que se vecirc com frequumlecircncia por exemplo na TV em comeacutedias ou programas humoriacutesticos quando o uso de certas variedades linguumliacutesticas tem a finalidade de produzir o riso Muitas vezes trata-se de impressotildees gerais sem necessariamente haver pesquisa e aplicaccedilatildeo metoacutedica sobre a caracterizaccedilatildeo verossiacutemil de dado dialeto como Pym ilustra com a suposta reproduccedilatildeo do dialeto inglecircs da classe operaacuteria de Yorkshire pelo grupo Monty Python em certa produccedilatildeo cocircmica que continha elementos do dialeto cockney O uso de uma variedade linguumliacutestica como paroacutedia pode ser identificado tambeacutem da seguinte maneira Sabemos que uma paroacutedia estaacute sendo feita quando percebemos que estamos recebendo apenas marcadores reduzidos e extremos de uma variedade verdadeira (PYM 2000) Todavia para outros autores como Esteves (2005) natildeo haacute como representar com fidelidade na escrita uma fala padratildeo ou natildeo padratildeo
78 Vide tambeacutem referecircncias desta dissertaccedilatildeo Milton (2002 60-61)
88
Em siacutentese Esteves contesta em parte a soluccedilatildeo tradutoacuteria dialeto por dialeto
adotada por Lane-Mercier em primeiro lugar por causa da incongruecircncia ou falta de
paralelismo entre as liacutenguas (conforme as opiniotildees de Landers 2001 Milton 2002 Pym
2000 por exemplo jaacute referidas neste toacutepico) ou pela relativa falta de autonomia dos
tradutores que natildeo fariam suas escolhas livremente (conforme Milton 2002) Todavia
Esteves compartilha das ideacuteias de Lane-Mercier no que diz respeito ao dever do tradutor de se
conscientizar dos efeitos do texto que ele produz Assim Esteves sugere uma soluccedilatildeo
mesmo que natildeo goze de tanta liberdade ou autonomia o tradutor eacute um produtor de sentidos e precisa estar atento para os efeitos do que escreve Uma das soluccedilotildees possiacuteveis eacute assumir explicitamente o caraacuteter de representaccedilatildeo estilizada e na medida do possiacutevel criar um falar que natildeo tente identificar especificamente uma regiatildeo ou estado (ESTEVES 2005 343)
O argumento de Esteves parte do princiacutepio de que ela considera com base em
Lane-Mercier (1999 45) apud Esteves (2005 342) que nenhuma espeacutecie de dialeto seja a
norma-padratildeo ou seus desvios pode ser representada na escrita com precisatildeo e portanto num
romance os dialetos apenas seriam uma representaccedilatildeo da liacutengua real viva e presente na fala
cotidiana
ningueacutem negaria que existe uma abismal diferenccedila entre uma descriccedilatildeo linguumliacutestica de uma variante dialetal (seja ela padratildeo ou natildeo) e sua representaccedilatildeo dentro de um romance O problema estaria justamente em julgar que o autor ou tradutor deve ou pode representar uma variante dialetal de forma exata e sem distorccedilotildees (ESTEVES 2005 342)
Por conseguinte a representaccedilatildeo de um dialeto na traduccedilatildeo que natildeo configure
uma regiatildeo ou um estado seria conforme Esteves (2005 343) uma opccedilatildeo que apesar de
perder a caracterizaccedilatildeo dessas identidades especiacuteficas ganharia uma diferenccedila discursiva
nessa opccedilatildeo o tradutor estaria perdendo a caracterizaccedilatildeo regional (que de qualquer maneira seria artificial jaacute que natildeo existe correspondecircncia entre regiotildees e falares de paiacuteses diferentes) mas ganharia ao marcar uma diferenccedila discursiva que com quase toda a certeza eacute relevante para o texto em questatildeo (senatildeo o autor provavelmente natildeo a teria usado) (ESTEVES 2005 343)
Essa opccedilatildeo vem em termos ao encontro da argumentaccedilatildeo de Pym (2000) exposta
acima o que embora pareccedila ser a melhor resposta para o problema diante das outras opccedilotildees
merece cautela dada a complexidade do assunto e portanto natildeo se trata de uma resposta
definitiva
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Levando-se em conta o problema da traduccedilatildeo de variedades estigmatizadas na
literatura poder-se-ia recair no argumento de que a traduccedilatildeo eacute algo impossiacutevel
consubstanciando-se na opiniatildeo de que ela eacute o escacircndalo da Linguumliacutestica de acordo com
Mounin apud ROacuteNAI (1987) Entretanto deve ser lembrada a opiniatildeo relevante de Lefevere
(1992 35) de que os desvios da norma-padratildeo linguumliacutestica na literatura deveriam ser
relacionados de modo semelhante na liacutengua de chegada Outro argumento em defesa desse
procedimento
de certo modo nas entrelinhas
estaacute nas palavras de Umberto Eco (1993
65) ao afirmar que quando se conhece um aspecto de uma obra de arte mesmo que
superficialmente isso serve para receber um pouco da fruiccedilatildeo da vitalidade formativa que a
obra ostenta ainda que nos seus aspectos mais superficiais Essas ideacuteias encontram base
tambeacutem em Lyons
embora possa ser impossiacutevel traduzir todas as sentenccedilas de uma liacutengua em sentenccedilas de outra sem distorccedilotildees ou substitutos conciliadores normalmente eacute possiacutevel conseguir que uma pessoa que natildeo conhece nem a liacutengua nem a cultura do original entenda mais ou menos satisfatoriamente ateacute mesmo aquelas expressotildees dependentes de cultura que resistem agrave traduccedilatildeo em qualquer liacutengua com a qual esteja familiarizada (Lyons 1987 292)
Ao se trazer para discussatildeo o problema da traduccedilatildeo de desvios da norma-padratildeo
linguumliacutestica para a praacutetica tradutoacuteria brasileira eacute necessaacuterio antes refletir sobre a histoacuteria da
formaccedilatildeo cultural do Brasil de modo a compreender certas razotildees adotadas como estrateacutegia
ou dogmas de traduccedilatildeo que repercutiram no passado e que encontram reminiscecircncias ateacute os
dias de hoje (2009)
Lia Wyler (2003 57-61) ao analisar o percurso da traduccedilatildeo ao longo da histoacuteria
do Brasil trata da influecircncia cultural francesa e portuguesa sobre a nossa cultura resultando
num fenocircmeno que ela chama de estrangeiramento das elites brasileiras Wyler afirma que
tal estrangeiramento se deu de uma maneira incomum pois natildeo se enquadrou no modelo
milenar de dominaccedilatildeo em que a cultura do colonizador se sobrepotildee agrave do colonizado
caracterizando-se por uma dupla exposiccedilatildeo cultural a portuguesa e por seu intermeacutedio a
francesa que durou mais de trecircs seacuteculos e foi decisiva para formar nossa visatildeo de mundo e
consequumlentemente nossa visatildeo da traduccedilatildeo como parte desse mundo (WYLER 2003 57)
Wyler explica o afrancesamento brasileiro pelo fato de que os portugueses jaacute
possuiacuteam uma tradiccedilatildeo cultural haacute muito tempo influenciada pela Franccedila desde meados do
seacuteculo XI ou seja antes mesmo da constituiccedilatildeo de Portugal como reino independente
(WYLER 2003 59) Wyler aleacutem de comentar sobre essa dependecircncia cultural histoacuterica de
90
Portugal em relaccedilatildeo agrave Franccedila destaca que tambeacutem houve a partir do final do seacuteculo XIV
uma dependecircncia econocircmica da Inglaterra condiccedilotildees que se reproduziriam no Brasil e nas
demais colocircnias portuguesas (WYLER ibidem) Assim em vaacuterios momentos da histoacuteria
brasileira a influecircncia francesa (e tambeacutem inglesa) se fez presente
a cultura brasileira registra tanto a influecircncia dos trovadores provenccedilais no folclore nordestino quanto a dos pensadores franceses na Conjuraccedilatildeo Mineira (1789) nas conspiraccedilotildees do Rio de Janeiro (1794) e da Bahia (1798) e na Revoluccedilatildeo Pernambucana (1817) Mas foi a transferecircncia da corte portuguesa para o Brasil em 1808 que tornou mais visiacuteveis os papeacuteis determinantes da Franccedila em nossa cultura e da Inglaterra em nossa economia ambos relevantes em momentos diferentes para a formaccedilatildeo e o estiolamento de uma induacutestria livreira em nossa terra (WYLER 2003 59)
A presenccedila dos elementos culturais franceses perdura durante todo o seacuteculo XIX e
se estende ateacute o seacuteculo XX quando comeccedila o seu decliacutenio com a ascensatildeo dos Estados
Unidos como nova potecircncia mundial Eacute importante lembrar que a liacutengua francesa
principalmente por meio do classicismo francecircs das belles infidegraveles ficou pretensiosamente
associada agrave concepccedilatildeo de bom gosto beleza e refinamento e portanto numa
superioridade atestada por vaacuterias figuras de destaque no mundo intelectual e sua crenccedila de
que a liacutengua francesa natildeo seria inferior agraves liacutenguas claacutessicas possuindo suas proacuteprias
qualidades e possibilidades de alcanccedilar uma perfeiccedilatildeo ateacute maior do que a do latim e do grego
(MILTON 1998 56) conforme Antoine le Maistre
Eacute preciso tentar traduzir beleza por beleza e figura por figura imitar o estilo do autor e dele se aproximar ateacute o limite do possiacutevel variar as figuras e as falas e ao final fazer de nossa traduccedilatildeo um quadro e uma representaccedilatildeo viva da obra que se traduz de maneira que se possa dizer que o francecircs eacute tatildeo belo quanto o latim e citar com seguranccedila o francecircs em vez do latim (LE MAISTRE apud MILTON 1998 56)
O francecircs como sinocircnimo de perfeiccedilatildeo encontra a opiniatildeo de Roger Zuber sobre o
talento de D Ablancourt como tradutor
Taacutecito emaranha-se na geografia D Ablancourt vem em seu socorro e retifica os fatos Ariano confunde a Siacuteria com a Assiacuteria O francecircs natildeo se esquece de restabelecer o texto As contradiccedilotildees as lendas os problemas histoacutericos satildeo sempre por sua proacutepria natureza vigilante uma ocasiatildeo em que d Ablancourt afirma seu domiacutenio e sua maestria (ZUBER apud MILTON 1998 59)
A influecircncia cultural francesa sobre o Brasil depois de tanto tempo comeccedilou a
declinar a partir das primeiras deacutecadas do seacuteculo XX principalmente no periacuteodo
compreendido entre as duas Grandes Guerras Mundiais em que houve a ascensatildeo e projeccedilatildeo
91
dos Estados Unidos como potecircncia mundial de ideologia colonizadora Essa tendecircncia no
mercado literaacuterio ficou bem marcada na publicaccedilatildeo de traduccedilotildees de obras em liacutengua inglesa
conforme explica Wyler no contexto da eacutepoca de Getuacutelio Vargas
A Era Vargas (1930
1953) marcou natildeo apenas um decisivo progresso em nossa
induacutestria livreira mas tambeacutem o iniacutecio da induacutestria de traduccedilotildees nacionais e da substituiccedilatildeo da influecircncia francesa pela influecircncia americana em nossa cultura consolidando um processo que vinha desde o iniacutecio do seacuteculo (WYLER 2003 116-117)
Milton (2002 12-13) a esse respeito enfatiza que
A obra de Socircnia Amorim [Em Busca de um Tempo Perdido] sobre a Editora Globo de Porto Alegre mostra a importacircncia da literatura traduzida dentro dos ideais nacionalistas dominantes nos ciacuterculos gauacutechos do fim dos anos 20 e iniacutecio dos anos 30 aleacutem do nuacutemero crescente das traduccedilotildees do inglecircs que entre 1930 e 1960 substituiu o francecircs como a liacutengua principal estudada falada e traduzida no Brasil
Esse autor ainda destaca que a Editora Globo salvo seu grande projeto de
traduccedilatildeo da Comeacutedia humana traduzia quase exclusivamente do inglecircs e editoras como a
Saraiva e a Joseacute Olympio por exemplo publicavam cada vez mais traduccedilotildees do inglecircs
Milton (2002 13) explica que essa mudanccedila de interesse ocorreu por causa da
crescente influecircncia da induacutestria cinematograacutefica de Hollywood vista por exemplo em
vaacuterias publicaccedilotildees da Livraria do Globo (agrave qual a Editora do Globo pertencia) ou seja
traduccedilotildees de novelas policiais ou de romances convertidos na linguagem do cinema e
posteriormente exibidos no Brasil Morro dos Ventos Uivantes (Wuthering Heights) Os 39
degraus (39 Steps) de John Buchan Reliacutequia Macabra (The Maltese Falcon) de Dashiell
Hammett e Como era verde meu vale (How Green Was My Valley) de Richard Llewellyn 79
Esse teoacuterico percebeu que muitas traduccedilotildees brasileiras consertavam os desvios
da norma-padratildeo da liacutengua portuguesa presentes em romances estrangeiros conforme
pesquisa que realizou sobre livros publicados entre 1945 e 1975 (MILTON 2002 52-62)
Tambeacutem notou essa praacutetica em exemplos de traduccedilotildees feitas em outros paiacuteses em liacutenguas
como o espanhol padratildeo (SANCHEZ ORTIZ 1995 apud MILTON 2002 55) e hebraico
padratildeo (TOURY apud MILTON 2002 55)
79 Este comentaacuterio tambeacutem se aplica a obras de Steinbeck como eacute o caso de Of mice and men adaptado para o cinema em 1939 sob direccedilatildeo de Lewis Milestone (Of mice and menCariacutecia Fatal) e refilmado em 1992 estrelado e dirigido por Gary Sinise (Of mice and menRatos e homens)
92
Apoacutes essas constataccedilotildees Milton busca razotildees que motivam tal praacutetica A primeira
delas que ele chama de essencialista e platocircnica seria o fato de que as variedades
linguumliacutesticas de baixo prestiacutegio (que Milton chama de dialeto) natildeo tecircm grande importacircncia para
o resultado da obra literaacuteria importando sim o que diz a personagem e natildeo como diz
(MILTON 2002 55) Seguem-se outras hipoacuteteses
() a segunda razatildeo a giacuteria eacute algo errado e o seu uso natildeo deveria ser permitido para que natildeo se manchasse as paacuteginas de um romance claacutessico () Podemos enumerar adiante outras razotildees especificamente brasileiras Primeiro um desenvolvimento tardio dos estudos acerca dos dialetos e formas de baixo padratildeo no Brasil () Aleacutem disso a visatildeo conservadora por parte de uma classe meacutedia predominante tanto poliacutetica quanto economicamente reflete-se em um comeacutercio de livros que eacute bastante conservador na maioria dos casos um negoacutecio familiar que evita novidades (MILTON 2002 56-58)
A noccedilatildeo de civilidade beleza e esteacutetica assimilada pelo puacuteblico brasileiro
leitor demonstra como valores derivados do domiacutenio cultural exercido por paiacuteses como a
Franccedila (as belles infidegraveles) satildeo sutilmente agregados agraves culturas submetidas criando posturas
preconceituosas ou discriminatoacuterias alienantes noccedilotildees de verdade e juiacutezos de valor que
formam tendecircncias no mercado consumidor Muita dependecircncia do puacuteblico leitor agraves vezes
resulta num estilo pouco aventureiro algo comercial (MILTON 2002 56)
O importante papel da traduccedilatildeo como veiacuteculo de intercacircmbio de cultura entre os
povos do mundo natildeo deixa de ter em si todavia algo digno de nota e de reflexatildeo a relaccedilatildeo
entre dominante e dominado ou seja o imperialismo pode exercer sua influecircncia
pela
traduccedilatildeo
tambeacutem na cultura de um povo subjugado ou sem a forccedila necessaacuteria para se impor
e resistir As belas infieacuteis e o classicismo francecircs de alguma forma produziram algumas
ressonacircncias no Brasil a partir do seacuteculo XIX e de certo modo avanccedilaram pelo seacuteculo XX e
alguns de seus ecos ainda podem ser percebidos ateacute mesmo na atualidade por exemplo pelo
que se pode chamar de bom gosto no que estaacute ligado agrave expressatildeo linguumliacutestica oral ou escrita
O modelo cultural francecircs de padratildeo esteacutetico e de refinamento estaacute muito ligado
ao preconceito linguumliacutestico como um dos fatores que inibem a traduccedilatildeo de desvios da norma-
padratildeo presentes em romances estrangeiros Milton faz algumas consideraccedilotildees a esse respeito
Quanto menor for o uso da giacuteria mais bem considerado o autor seraacute Podemos indicar razotildees especificamente brasileiras para isso como uma ressaca provocada pelo domiacutenio cultural francecircs sobre a cultura brasileira ateacute a Segunda Guerra Literatura significa belles lettres o tradutor deve preservar le bon goucirct e cortar e alterar as traduccedilotildees aux belles infidegraveles (MILTON 2002 57)
93
Sobre a chamada norma culta Marcos Bagno (2006 73) faz muitas reflexotildees
sobre os preconceitos atrelados a esse termo dentre as quais relaciona a gramaacutetica
tradicional os meacutetodos tradicionais de ensino e os livros didaacuteticos como elementos
disseminadores do preconceito linguumliacutestico a gramaacutetica tradicional inspira a praacutetica de
ensino que por sua vez provoca o surgimento do livro didaacutetico cujos autores () recorrem agrave
gramaacutetica tradicional como fonte de concepccedilotildees e teorias sobre as liacutenguas Assim surge uma
hipoacutetese de que os livros didaacuteticos e suas preconizaccedilotildees sobre a liacutengua correta poderiam
influenciar as traduccedilotildees literaacuterias uma vez que o bom uso da liacutengua eacute ditado pela ideacuteia e
costume de se enxergar as produccedilotildees da literatura como um complemento agrave didaacutetica escolar
A liacutengua portuguesa das traduccedilotildees do periacuteodo entre 1945
1975 conforme a
pesquisa de Milton (2002) em geral primava por um estilo mais polido oscilando entre o
ideal da norma-padratildeo e de variedades de prestiacutegio em contraponto com a liacutengua do texto de
partida por vezes caracterizada como variedades estigmatizadas segundo a voz e o perfil de
personagens literaacuterios Assim a liacutengua portuguesa deveria refletir o ideal da cultura brasileira
pensado pelos agentes institucionais (leitores especializados) tornado como expectativa pelo
puacuteblico geral (leitores natildeo especializados) A recepccedilatildeo (puacuteblico leitor especializado e natildeo
especializado) neste caso em sua maior parte talvez esperasse nas publicaccedilotildees uma liacutengua
seguindo os preceitos das elites dominantes calcados na norma linguumliacutestica padratildeo ou pelo
menos numa variedade de prestiacutegio que pudesse refletir ateacute mesmo a linguagem coloquial
mas melhorada
Por isso presume-se que o tradutor naquele contexto deveria seguir as normas
daquele tempo a fim de conseguir espaccedilo e projeccedilatildeo segundo os objetivos e a ideologia dos
agentes institucionais vendas lucrativas preceitos morais ideais de valor esteacutetico (como no
caso do uso de uma variedade linguumliacutestica que espelhasse beleza ordem civilidade polidez
superioridade etc) Deste modo as obras estrangeiras eram refratadas segundo as
tendecircncias do sistema de chegada brasileiro No caso especiacutefico da liacutengua utilizada nas
traduccedilotildees a liacutengua portuguesa que atendia a essas expectativas era expressa pela norma-
padratildeo ou por variedades de prestiacutegio
Cabe aqui outra vez mencionar a linguagem de Steinbeck em Of mice and men
sabendo-se que seus diaacutelogos satildeo uma amostra de um inglecircs popular e estigmatizado
distanciado do inglecircs padratildeo estadunidense Quando o assunto eacute a traduccedilatildeo desse romance
surgem questotildees sobre como proceder nessa transposiccedilatildeo Uma delas diz respeito agraves
implicaccedilotildees de se buscar similaridade de efeitos desse dialeto da liacutengua inglesa em portuguecircs
94
por exemplo ou simplesmente anular essa linguagem pelo uso de uma variedade de prestiacutegio
mais proacutexima do ideal da norma-padratildeo
Em ambos os casos alguns problemas ficam evidenciados pois se por um lado
anular uma variedade linguumliacutestica estigmatizada da liacutengua inglesa numa traduccedilatildeo em portuguecircs
mais polido resulta em perdas por exemplo no sentido de natildeo caracterizar os personagens
social e culturalmente por sua fala por outro lado tentar reproduzir essa fala num portuguecircs
mais rude perifeacuterico tambeacutem produz problemas na traduccedilatildeo a escolha de um determinado
dialeto estigmatizado da liacutengua portuguesa do Brasil por exemplo ateacute poderia se aproximar
do perfil social dos personagens mas esse linguajar por causa das caracteriacutesticas e
peculiaridades que fazem toda liacutengua iacutempar natildeo reproduziriam com perfeiccedilatildeo jamais o ideal
do texto de partida
Entretanto as traduccedilotildees existem e de alguma forma cumprem seu papel Assim
por meio de uma anaacutelise descritiva das traduccedilotildees de Of mice and men realizadas por Eacuterico
Veriacutessimo Myriam Campello e Ana Ban no que diz respeito agrave linguagem utilizada por cada
tradutor e tambeacutem a outras questotildees seratildeo buscadas informaccedilotildees e reflexotildees que possam
contribuir para os estudos de traduccedilatildeo
95
3 OF MICE AND MEN ASPECTOS GERAIS E TRADUCcedilOtildeES
A essecircncia da traduccedilatildeo eacute ser abertura diaacutelogo mesticcedilagem descentralizaccedilatildeo Ela eacute relaccedilatildeo ou natildeo eacute nada
Antoine Berman
Tendo em vista as reflexotildees preacutevias sobre o caraacuteter dinacircmico das liacutenguas e a
necessidade constante de renovar as traduccedilotildees o romance Of mice and men e as suas trecircs
respectivas traduccedilotildees em portuguecircs podem servir de referecircncia e de exemplo ilustrativo destas
consideraccedilotildees sem deixar de lado as outras implicaccedilotildees da traduccedilatildeo os contextos culturais de
povos diferentes (liacutengua e cultura dos Estados Unidos versus liacutengua e cultura do Brasil) em
eacutepocas distintas suas semelhanccedilas diferenccedilas manipulaccedilotildees e tentativas de conciliaccedilatildeo nos
novos textos produzidos a sugestividade do tiacutetulo os nomes dos personagens e sobretudo a
linguagem utilizada quando esta eacute uma variedade de prestiacutegio ou natildeo quando neste uacuteltimo
caso o texto reproduz um modo de falar por meio de um dialeto estigmatizado
Neste capiacutetulo seratildeo apresentados uma biobibliografia do autor John Steinbeck
bem como informaccedilotildees sobre a sua obra Of mice and men e respectivas traduccedilotildees em
portuguecircs dados sobre os tradutores as editoras e os diferentes contextos em que o texto de
partida e suas reescrituras foram produzidos Em relaccedilatildeo ao romance examinado o
conhecimento da sua simbologia e temas presentes satildeo tambeacutem importantes para a
compreensatildeo das questotildees a serem tratadas especificamente dirigidas agraves soluccedilotildees encontradas
pelos trecircs tradutores de modo a perceber nuances e caracteriacutesticas primordiais desse romance
na sua ambientaccedilatildeo e no perfil dos personagens bem como o tratamento da linguagem dado
por Steinbeck
31 O escritor John Steinbeck biobibliografia
Na biografia apresentada pelo Ciacuterculo do Livro na traduccedilatildeo de Of mice and men
realizada por Myriam Campello (Ratos e homens 1991 101-102) John Ernst Alcibiade
Socrate Steinbeck (ou tambeacutem John Ernst Steinbeck conforme o National Steinbeck
Center)80 desde crianccedila desejava ser escritor e lia desde muito jovem grandes escritores
80 Em sua paacutegina da Internet lthttpwwwsteinbeckorgMainFramehtmlgt Acesso em 1ordm de junho de 2009
96
como Dostoieacutevski John Milton Flaubert George Eliot e Thomas Hardy mas tambeacutem foi
bastante influenciado pela Biacuteblia
Segundo o National Steinbeck Center Steinbeck nasceu em Salinas Califoacuternia
em 27 de fevereiro de 1902 descendente de alematildees e irlandeses Seu pai era contador
enquanto que sua matildee Olive Hamilton Steinbeck ex-professora incentivou o gosto de seu
filho pela leitura e escrita Durante os verotildees ele trabalhava como empregado nos ranchos da
vizinhanccedila alimentando suas impressotildees sobre a zona rural da Califoacuternia e aquelas pessoas
Sobre esses trabalhos eventuais do escritor a biografia apresentada pela Editora
LampPM Pocket (Ratos e homens 2005) menciona que Steinbeck presenciava a vida dos
trabalhadores da cidade de Salinas e do feacutertil Vale de Salinas centros agriacutecolas a cerca de 20
quilocircmetros do oceano Paciacutefico assinalando que tanto o vale quanto a costa mariacutetima
californiana serviriam como pano de fundo de grande parte da sua ficccedilatildeo Tambeacutem o bioacutegrafo
Jay Parini (1998 21) menciona que essa regiatildeo foi uma fonte inspiradora para o escritor A
Califoacuternia foi o cenaacuterio de grande parte de sua ficccedilatildeo uma espeacutecie de Eacuteden imperfeito que ele
de vez em quando perdia e recuperava
Moacyr Scliar (2004) num artigo agrave Revista Veja81 fala sobre a influecircncia dessas
experiecircncias na vida de Steinbeck
para sobreviver [John Steinbeck] trabalhou na colheita de frutas na construccedilatildeo de rodovias e foi repoacuterter A Depressatildeo converteu-o em escritor engajado Identificava-se com a luta dos trabalhadores rurais que transformou em personagens de romances como Ratos e homens e As Vinhas da Ira mas nunca foi comunista () (SCLIAR 2004)
O Ciacuterculo do Livro (Ratos e homens 1991 101-102) destaca que Steinbeck
frequumlentou a Universidade de Stanford por cerca de cinco anos mas abandonou o curso em
1925 sem se formar tempo em que decidiu ir para Nova York na intenccedilatildeo de se tornar
romancista Entretanto com o sonho frustrado volta para a Califoacuternia onde se emprega numa
fazenda e nas horas livres dedica-se agrave literatura
Essa mesma fonte indica que o primeiro livro de Steinbeck A taccedila de ouro
publicada em 1929 jaacute apresentava a caracteriacutestica mais marcante de seu estilo ou seja o tom
alegoacuterico expressando-se por meio de siacutembolos e metaacuteforas Outras obras desse escritor satildeo
tambeacutem mencionadas Boecircmios errantes de 1935 o primeiro sucesso de puacuteblico vendida
para o cinema Ratos e homens de 1937 responsaacutevel pela consolidaccedilatildeo de sua reputaccedilatildeo
81 Disponiacutevel em lthttpvejaabrilcombr090604p_160htmlgt Acesso em 1ordm de junho de 2009
97
literaacuteria a coletacircnea de contos O grande vale de 1938 As vinhas da ira (sua obra-prima que
recebeu o Precircmio Pulitzer e consequumlentemente fez com que Steinbeck fosse eleito membro
do Instituto Nacional de Artes e Letras aleacutem do fato de o livro ter sido adaptado para o
cinema de Hollywood) Noite sem lua de 1942 rejeitado pela criacutetica Caravana de destinos
de 1945 A peacuterola e O destino viaja de ocircnibus ambos de 1947 que tiveram repercussatildeo
negativa em 1949 escreve o roteiro para o filme Viva Zapata A leste do Eacuteden de 1949
filmado por Elia Kazan e estrelado por James Dean O inverno de nossa desesperanccedila de
1961 a sua uacuteltima obra tambeacutem desse ano foi Viagem com Charlie
Ainda nessa mesma fonte consta que em meados de 1967 eacutepoca em que
Steinbeck escrevia artigos sobre a Guerra do Vietnam esse escritor sofreu um enfarte depois
de uma operaccedilatildeo na coluna vertebral A sua morte entretanto ocorreu um pouco mais tarde
em 20 de dezembro de 1968 em Nova York aos sessenta e seis anos de idade
A paacutegina da Internet do National Steinbeck Center apresenta uma relaccedilatildeo de
precircmios e honrarias a John Steinbeck dentre os quais em ordem cronoloacutegica destacam-se
1935
medalha de ouro de melhor romance (Tortilla Flat) concedida pelo Commonwealth
Club of California 1936
medalha de ouro de melhor romance (In dubious battle) concedida
pelo Commonwealth Club of Califoacuternia 1938
precircmio do New York Drama Critics Circle
(Of Mice and Men) 1939
eleito membro do Instituto Nacional de Artes e Letras (National
Institute of Arts and Letters) American Booksellers Award 1940
Precircmio Pulitzer (The
grapes of wrath) 1946
King Haakon Liberty Cross (The moon is down) 1948
eleito
membro da Academia Americana de Artes e Letras 1962
Precircmio Nobel de Literatura 1963
assume o cargo de Consultor Honoraacuterio de Literatura Americana da Biblioteca do
Congresso 1964
United States Medal of Freedom torna-se curador da Biblioteca
Memorial John F Kennedy recebe o precircmio Annual Paperback of the Year e a Press Medal
of Freedom 1966
eleito membro do Conselho Nacional de Artes 1979
um selo
comemorativo dos correios dos EUA (US Postal Service) eacute criado em homenagem a John
Steinbeck 1983
criaccedilatildeo da Fundaccedilatildeo Steinbeck (Steinbeck Center Foundation) em Salinas
Califoacuternia 1984
criaccedilatildeo da Medalha de Ouro Americana Steinbeck de Artes pela Casa da
Moeda dos EUA
98
32 John Steinbeck no sistema literaacuterio dos Estados Unidos
O talento literaacuterio de Steinbeck o colocou ao lado de grandes escritores norte-
americanos gozando de fama prestiacutegio e precircmios Segundo Jay Parini
John Steinbeck foi o uacuteltimo de uma geraccedilatildeo de escritores norte-americanos que incluiu entre outros F Scott Fitzgerald Gertrude Stein Ernest Hemingway e William Faulkner Quando morreu em 1968 alguns anos depois de ganhar o Precircmio Nobel de Literatura jaacute gozava de fama mundial embora o futuro de sua reputaccedilatildeo como romancista natildeo estivesse de modo algum assegurado (PARINI 1998 11)
Ainda segundo Parini muitos criacuteticos influentes achavam que sua obra declinara
desde a publicaccedilatildeo de As vinhas da ira (The grapes of wrath) em 1939 Poreacutem a resposta do
puacuteblico mostrava-se bem diferente
() Alegremente ignorando esses criacuteticos leitores do Cairo a Beijing continuaram a procurar traduccedilotildees de seus livros enquanto legiotildees de adolescentes americanos e britacircnicos rompiam a primeira denticcedilatildeo literaacuteria em livros como Ratos e homens (Of mice and men) A peacuterola (The Pearl) e O menino e o alazatildeo (The Red Pony) (PARINI 1998 11)
O criacutetico literaacuterio Robert E Spiller (1967 235) tambeacutem cita Steinbeck como
integrante desse grupo de escritores acrescentando agravequela lista nomes como Thomas Wolfe
James T Farrell e Erksine Caldwell e assinala tendecircncias dessa geraccedilatildeo da deacutecada de 1930
Todos eram naturalistas em sua inspiraccedilatildeo literaacuteria fundamental escritores que desenvolveram em graus diferentes as possibilidades do simbolismo e que seguiram de modo geral a rota traccedilada por SHERWOOD ANDERSON () que os levaria a utilizar mais a imaginaccedilatildeo e afastar-se de um realismo literal (SPILLER 1967 235)
De modo mais especiacutefico Spiller destaca o ambiente retratado na criaccedilatildeo literaacuteria
de Steinbeck conjugado a outros elementos comuns
O mundo da realidade comeccedila a tornar-se mais remoto nas novelas de JOHN STEINBECK () Talvez uma razatildeo disso resida no fato de o ambiente de suas novelas transferir-se para a costa da Califoacuternia onde o impossiacutevel parece germinar luxuriantemente nos produtos literaacuterios do Vale de Salinas e nos pomares vinhas e seitas religiosas fantaacutesticos dessa regiatildeo Outra razatildeo talvez seja a mistura de raccedilas irlandesa e alematilde que produziu a histoacuteria romacircntica de Cup of Gold (1929) e os estudos pseudo-realistas do povo de um vale isolado The Pastures of Heaven (1932) (SPILLER 1967 236)
Spiller tambeacutem destaca que
99
A atitude fundamental do proacuteprio STEINBECK para suas criaccedilotildees artiacutesticas eacute a de um afastamento cocircmico que lhe permitiu misturar sua preocupaccedilatildeo social com o riso bem-humorado diante da irresponsabilidade de seus paisanos A cadecircncia da prosa irlandesa escrita em inglecircs estaacute presente ateacute mesmo nas histoacuterias dos habitantes despreocupados de Tortilla Flat (1935) seguidas quase imediatamente pela situaccedilatildeo miacutesera dos trabalhadores migratoacuterios dos pomares In Dubious Battle (1936) ao passo que os elementos contrastantes da fantasia e da realidade estatildeo indissoluvelmente fundidos em Of mice and men () uma novela curta escrita com o propoacutesito de ser adaptada tanto para o teatro quanto para o cinema (SPILLER 1967 236)
O criacutetico literaacuterio Morton Dauwen Zabel (2004) preocupou-se em definir quatro
movimentos literaacuterios dos Estados Unidos durante o seacuteculo XX estabelecendo as linhas
gerais de cada um Sobre este periacuteodo ele afirma a ficccedilatildeo dos Estados Unidos entre 1920 e
1945 eacute prodigiosamente abundante regurgita de talentos de toda espeacutecie e qualidade reflete
todos os interesses modas e reaccedilotildees possiacuteveis durante trecircs das mais agitadas deacutecadas da
histoacuteria moderna Os quatro movimentos satildeo assim definidos por Zabel (2004 30-31)
1) O Movimento que expressou o ceticismo a irreverecircncia e a ironia da nova geraccedilatildeo surgida por volta de 1920 em consequumlecircncia da Guerra
2) A tentativa de recuperar como um antiacutedoto do desengano sofisticado a feacute na mateacuteria-prima da experiecircncia humana mediante a redescoberta do povo os problemas da sociedade a solidariedade baacutesica da vida social e a responsabilidade do romancista como seu cronista e criacutetico
3) Uma tendecircncia experimental o esforccedilo de levar todos os recursos da inteligecircncia moderna a influiacuterem sobre a anaacutelise dos fatores psiacutequicos e morais que atuam na experiecircncia contemporacircnea e de traduzir esta inteligecircncia em palavras atraveacutes de todos os meios ao alcance do artista moderno
4) Um movimento em direccedilatildeo agrave siacutentese e agrave reconstruccedilatildeo um esforccedilo para reconciliar a criacutetica com o idealismo a experimentaccedilatildeo com a probidade moral e para fazer retornar a sensibilidade moderna com todas as suas duacutevidas e problemas a alguma espeacutecie de afirmaccedilatildeo de objetivo humano e feacute nos valores espirituais
Dentre esses quatro movimentos eacute no segundo de temaacutetica social em que se
enquadra John Steinbeck que Zabel cita entre outros escritores como Sinclair Lewis
Sherwood Anderson Ellen Glasgow Willa Cather Elizabeth Madox Roberts O Henry Ring
Lardner John dos Passos Erskine Caldwell Thomas Wolfe e William Faulkner Esses
escritores estavam redescobrindo o povo e tentando reconduzir a humanidade a uma posiccedilatildeo
de primazia na ficccedilatildeo quer com o objetivo de recuperar suas qualidades baacutesicas de energia
espiacuterito e resistecircncia quer com o intuito de expliacutecita criacutetica social e econocircmica (e moral)
(ZABEL ibidem) Zabel expotildee alguns motivos que inspiraram essa corrente
100
a ficccedilatildeo norte-americana revelara desde o iniacutecio uma forte e obstinada tendecircncia social No fim da deacutecada de 1920 dois fatos motivaram um retorno agrave inspiraccedilatildeo social O senso de futilidade e niilismo que ameaccedilava despojar o artista de suas faculdades se natildeo encontrasse uma nova fonte de energia moral para sua arte e o crescente senso de criacutetica social gerado pelas injusticcedilas e lutas de classe do mundo de apoacutes-guerra Quando a falsa prosperidade daquela eacutepoca foi varrida pelo grande desastre econocircmico de 1929 soou a hora do retorno do ceticismo ao realismo da desilusatildeo agrave responsabilidade social (ZABEL 2003 33-34)
Segundo Spiller (1967 236) Steinbeck se recusava a ser classificado numa
categoria literaacuteria riacutegida ateacute a publicaccedilatildeo de Of mice and men em 1937 A criacutetica entretanto
o considera como um dos uacuteltimos integrantes do movimento naturalista norte-americano
movimento que havia iniciado no fim do seacuteculo XIX com Stephen Crane (1871
1900) e se
desenvolvido por outros escritores como Frank Norris Theodore Dreiser e Jack London
Segundo Hart e Leininger (1995)82 o Naturalismo pode ser definido como o
movimento que surgiu do pensamento cientiacutefico do seacuteculo XIX seguindo em geral o
determinismo bioloacutegico da teoria de Darwin ou o determinismo econocircmico de Marx
Hart e Leininger (1995) ainda destacam que se trata de
um termo criacutetico aplicado ao meacutetodo de composiccedilatildeo literaacuteria que procura estabelecer uma objetividade cientiacutefica destacada no tratamento do homem natural Assim eacute mais inclusivo e menos seletivo que o Realismo e estaacute ligado agrave filosofia do determinismo O homem eacute concebido como um ser controlado por seus instintos ou por suas paixotildees ou pelo ambiente econocircmico e social e circunstacircncias Uma vez que nesta visatildeo o homem natildeo tem livre arbiacutetrio o escritor naturalista natildeo tenta fazer julgamentos morais e como determinista ele tende ao pessimismo83
Com base nessas caracteriacutesticas Of mice and men pode ser considerado um
romance naturalista pois haacute nele elementos com niacutetido encaixe com este movimento o
tratamento do homem natural eacute visto na escolha da composiccedilatildeo dos personagens homens
simples de vida dura envolvidos num ambiente social tiacutepico (zona rural dos EUA) e num
ambiente econocircmico (a crise dos anos de 1930) Satildeo seres humanos movidos pelas
circunstacircncias geradas pela necessidade de sobreviver (instinto de sobrevivecircncia) e pelo
82 Disponiacutevel em lthttpwwwencyclopediacomdoc1O123-Naturalismhtmlgt Acesso em 20 de dezembro de 2008 O nuacutemero da paacutegina natildeo eacute informado
83 critical term applied to the method of literary composition that aims at a detached scientific objectivity in the treatment of natural man It is thus more inclusive and less selective than realism and holds to the philosophy of determinism It conceives of man as controlled by his instincts or his passions or by his social and economic environment and circumstances Since in this view man has no free will the naturalistic writer does not attempt to make moral judgments and as a determinist he tends toward pessimism The movement is an outgrowth of 19th-century scientific thought following in general the biological determinism of Darwins theory or the economic determinism of Marx Vide referecircncia da nota de rodapeacute anterior nordm 82
101
sonho de uma vida melhor (fantasia paixatildeo) As privaccedilotildees e a necessidade neste caso satildeo
tatildeo fortes que se sobrepotildeem ao livre arbiacutetrio Natildeo haacute escolha a vida oferece poucas
oportunidades as quais ainda assim natildeo deixam o homem viver mas tatildeo somente
sobreviver Como consequumlecircncia haacute a desumanizaccedilatildeobestializaccedilatildeo do ser humano
frequumlentemente comparado a bichos que remetem agrave brutalidade fragilidade e imundiacutecie
Alguns personagens tambeacutem satildeo descritos com defeitos fiacutesicos ou aparecircncia decadente (ex
Candy eacute idoso e perdeu uma das matildeos e conforme argumento impliacutecito na histoacuteria sua
imagem pode ser associada ao seu catildeo tambeacutem velho e decadente) Logo o tom natildeo poderia
ser outro senatildeo o de pessimismo temperado com uma solidatildeo imensa vivenciada por grande
parte dos personagens aleacutem de haver nesta histoacuteria metaforicamente uma situaccedilatildeo frequumlente
na natureza o predador e a presa o mais fraco esmagado pelo mais forte
Apesar da popularidade de John Steinbeck que vendeu ateacute cerca de 2 milhotildees de
coacutepias por ano (ARNOLD 2002) este nome nunca foi uma unanimidade Of mice and men
por exemplo considerado por muitos criacuteticos como a maior realizaccedilatildeo de Steinbeck eacute visto
por outros de modo natildeo totalmente positivo para estes a obra perde um pouco da sua virtude
por conter personagens muito planos e um enredo excessivamente determinista que confere
mais importacircncia agrave liccedilatildeo da histoacuteria do que agraves pessoas que atuam nela aleacutem de recair no
sentimentalismo84 O criacutetico Morton Dauwen Zabel formulou estas palavras acerca de
Steinbeck
sua essecircncia artiacutestica corre sempre o risco de sobrecarregar-se com teses morais e ambiccedilotildees socioloacutegicas que escapam de sua alccedilada Ameaccedila-o constantemente a tendecircncia para o melodrama e o sentimentalismo e quando esses comeccedilam a transparecer em suas paacuteginas causam-lhes graves danos aos dotes naturais de observaccedilatildeo e precisatildeo dramaacutetica Aqui temos novamente o problema de um escritor bem dotado que se deixou impressionar demais pelas abstratas doutrinas sociais (ZABEL 2004 41)
Jonathan Yardly por exemplo num artigo para o Washington Post Book Review
afirmou que algumas obras de Steinbeck natildeo eram de genuiacuteno interesse literaacuterio como In
Dubious Battle Tortilla Flat e Of mice and men elas satildeo na melhor das hipoacuteteses
curiosidades o trabalho de aprendiz de um escritor cuja proacutepria ficccedilatildeo madura merece muito
84 Conforme anaacutelise disponiacutevel no site lthttpwwwsparknotescomlitmicemencontexthtmlgt many critics have faulted his works for being superficial sentimental and overly moralistic Though Of mice and men is regarded by some as his greatest achievement many critics argue that it suffers from one-dimensional characters and an excessively deterministic plot which renders the lesson of the novel more important than the people in it Acesso em 31 de dezembro de 2008
102
pouca distinccedilatildeo literaacuteria (MORSBERGER 2003 32-33)85 Seguindo esse tom Martin
Arnold escreveu no New York Times [Steinbeck] nunca foi tatildeo popular entre os maiores
acadecircmicos de literatura mas seu trabalho eacute considerado sentimental demais para a grande
arte e sua escrita simplesmente natildeo eacute boa o bastante (ARNOLD 2002 MORSBERGER
2003 33 THE NEW YORK TIMES 2008)86 E Harold Bloom apud Arnold (2002) natildeo eacute
nem um pouco condescendente vocecirc natildeo pode ler trecircs paraacutegrafos de Steinbeck sem pensar
num Hemingway empobrecido com caracterizaccedilotildees que satildeo artificiais 87
A despeito de tantas criacuteticas negativas veiculadas por jornais americanos de
grande prestiacutegio a presenccedila deste romance eacute bem marcante no sistema literaacuterio e artiacutestico dos
Estados Unidos devido ao seu grande sucesso entre o puacuteblico tanto na linguagem literaacuteria
como nas suas adaptaccedilotildees para o teatro e para o cinema E Zabel (2004 41) apesar de
ressaltar pontos fracos da obra de Steinbeck reconhece a importacircncia desse escritor situando-
o entre os grandes nomes da literatura norte-americana da deacutecada de 1930
33 A obra Of mice and men
331 Resumo expandido
Publicado pela primeira vez em 1937 Of mice and men situa-se no contexto da
Grande Depressatildeo dos anos de 1930 com a quebra da bolsa de valores de Nova York
George Milton e Lennie Small amigos de infacircncia satildeo bem diferentes um do
outro Lennie eacute enorme de forccedila fiacutesica incriacutevel mas sua inteligecircncia eacute deacutebil comparada agrave de
um menino de quatro ou cinco anos por isso eacute a todo o momento protegido por George um
homem pequeno mas sagaz e haacutebil ao se comunicar Os dois vagueiam por fazendas do vale
de Salinas na Califoacuternia procurando emprego nas colheitas e alimentam um sonho juntar as
economias e comprar uma terra para viverem e produzirem seu proacuteprio sustento um lugar
onde Lennie entre outras coisas imagina uma criaccedilatildeo de coelhos de que cuidaria e lhes faria
carinho Lennie sente atraccedilatildeo por coisas macias que gosta de pegar Tem o haacutebito de acariciar
85 At best they are curiosities the apprentice work of a writer whose mature fiction itself fell considerably short of literary distinction
86 [Steinbeck] has never been too popular among the higher academics of literature his work considered too sentimental for great art his writing simply not good enough
87 You can t read three paragraphs of Steinbeck without thinking of a poorer Hemingway with characterizations that are contrived
103
camundongos que carrega em seu bolso mas sempre os mata sem querer Pensa que coelhos
satildeo grandes o suficiente para suportar sua forccedila descontrolada
Os dois contratados numa fazenda de cevada em Soledad comeccedilam a trabalhar e
ter um conviacutevio amistoso com os outros empregados Entretanto Curley o filho do patratildeo eacute
de temperamento difiacutecil sempre arrumando alguma desculpa para criar confusatildeo e brigas
ocasiotildees em que gosta de mostrar suas habilidades como boxeador Eacute casado com uma mulher
muito bela poreacutem fuacutetil e provocante
outra fonte de problemas pois sempre flerta com
todos Essa mulher agrave qual o autor natildeo daacute nome apesar de ganhar contornos de vilatilde eacute tambeacutem
uma viacutetima com sonhos frustrados queria muito ser atriz em Hollywood o que natildeo
conseguiu restando-lhe apenas a opccedilatildeo de um casamento infeliz com Curley George faz
amizade com Slim o simpaacutetico condutor de mulas Lennie fica um tanto isolado mas sua
produtividade na colheita eacute fantaacutestica porque eacute muito mais forte do que qualquer outro
homem Slim daacute a Lennie um filhote de cachorro
Em certa ocasiatildeo na presenccedila dos trabalhadores Curley arma outra confusatildeo
achando que sua esposa o estava traindo com Slim Mas Slim se inocenta natildeo soacute apresentando
boa argumentaccedilatildeo mas zombando do boxeador momento em que Carlson e Candy acham o
momento propiacutecio para tambeacutem ridicularizaacute-lo Sem alternativa Curley vecirc Lennie como
viacutetima e o comeccedila a agredir O gigante eacute indefeso e soacute finalmente reage quando George lhe
ordena acabando por segurar e esmagar uma das matildeos do boxeador que humilhado aceita a
mentira inventada por Slim de que sua matildeo ficara presa numa maacutequina
Na fazenda trabalham tambeacutem um negro Crooks viacutetima de preconceito racial e
torto por causa de um coice e um velho que perdeu uma das matildeos Candy acompanhado de
seu cachorro velho desdentado e fedorento Carlson insiste em querer matar o catildeo de Candy
porque o animal estaacute velho demais inuacutetil e sofrendo Candy pesaroso acaba concordando
Carlson leva o catildeo para o mato onde lhe daacute um tiro na nuca provocando uma morte raacutepida e
indolor Candy pensa em seu destino quando for totalmente incapaz de trabalhar
O cliacutemax se daacute quando Lennie ao constatar que matou seu cachorrinho sem
querer por causa do seu excesso de forccedila eacute encontrado pela mulher de Curley Esta aos
poucos se aproxima e envolve Lennie num jogo de seduccedilatildeo convidando-o a afagar seus
cabelos sedosos Lennie cede e deste modo ela morre acidentalmente com o pescoccedilo
quebrado pelas matildeos descuidadas de Lennie Os empregados ao se darem conta do
acontecido apontam a culpa para Lennie que jaacute havia fugido para um lugar nas matas
vizinhas exatamente onde George precavido lhe havia indicado para o caso de algum
problema antes mesmo de chegarem agrave sede da fazenda de cevada Os homens liderados por
104
Curley procuram por Lennie e certamente lhe afligiratildeo uma morte terriacutevel George antecipa-
se aos outros e acha Lennie Aproximando-se e em tom de desalento George conta a velha
histoacuteria dos planos de um futuro melhor para eles numa terra proacutepria e com a arma de
Carlson
a mesma que matou o cachorro de Candy
mata o amigo com um tiro tambeacutem na
nuca Assim o sonho de um Eacuteden americano eacute completamente destruiacutedo
A simbologia eacute um elemento relevante neste romance Vaacuterias anaacutelises apontam
para o poema de Robert Burns (1759
1796) To a Mouse on turning her up in her nest with
the plough como a fonte que Steinbeck escolheu para dar tiacutetulo ao seu romance Eis um
trecho retirado da seacutetima estrofe traduzido em prosa por Otto Maria Carpeaux (1968 7) os
projetos melhor elaborados sejam de ratinhos ou sejam de homens fracassam muitas vecirczes e
nos fornecem soacute tristeza e sofrimento em vez do precircmio prometido 88
Burns por meio deste poema mostra como os planos dos homens natildeo satildeo mais
seguros do que os de um camundongo ideacuteia repetida por Steinbeck no tiacutetulo de Of mice and
men O que motiva os sonhos dos personagens eacute o seu descontentamento com o presente mas
o seu futuro natildeo pode ser melhor e suas vidas seguem um destino em que a fatalidade e o
pessimismo datildeo o tom quando os homens satildeo comparados a criaturas fraacutegeis pequenas e
cercadas de imundiacutecie como os ratos89
A cor vermelha ganha significado nas unhas nas roupas nos calccedilados e na
maquiagem da mulher de Curley como um sinal de paixatildeo e desejo ou de perigo o que a
torna ao mesmo tempo viacutetima e agente do Destino A figura de Lennie eacute frequumlentemente
associada com animais (urso cavalo cachorro etc) Suas matildeos satildeo muitas vezes referidas
como patas Isso parece ser apropriado para Lennie pois ele frequumlentemente age do modo
88 Conforme pesquisa no siacutetio lthttpwwwcummingsstudyguidesnetGuides4Mousehtmlgt - acesso em 29 de dezembro de 2008 Robert Burns poeta escocecircs escreveu To a Mouse em linguagem vernacular num dialeto inglecircs denominado Scots em 1785 com publicaccedilatildeo em Kilmarnock Escoacutecia em 31 de julho de 1786 como parte de uma coleccedilatildeo de poemas de Burns intitulada Poems Chiefly in the Scottish Dialect A paacutegina da Internet consultada aleacutem de fornecer uma anaacutelise literaacuteria tambeacutem disponibiliza o poema em duas versotildees em dialeto Scots seguindo a escrita de Burns e em inglecircs padratildeo moderno Abaixo se encontram os trechos correspondentes agrave traduccedilatildeo em portuguecircs de Otto Maria Carpeaux
Em dialeto Scots Em inglecircs padratildeo moderno
The best-laid schemes o mice an men Gang aft agley
An lea e us nought but grief an pain For promis d joy
The best-laid schemes of mice and men Go often astray
And leave us nothing but grief and pain For promised joy
89 Fonte lthttpuniversalteacherorgukproseofmiceandmenhtm13gt Acesso em 29122008
105
simples e natural de um bicho A solidatildeo eacute um dos temas principais da histoacuteria e se mostra
pelo nome simboacutelico da cidade mais proacutexima Soledad
ou solidatildeo em espanhol90
A anaacutelise de Haebig et al (2008) considera como um dos maiores temas desta
histoacuteria a solidatildeo e tambeacutem a busca pelo American Dream (o Sonho Americano ) A solidatildeo
eacute expressa por alguns personagens Candy fica sozinho na casa dos peotildees por causa de sua
matildeo perdida e seu catildeo velho eacute motivo de gozaccedilatildeo dos outros trabalhadores Lennie fica soacute
quando George e os outros vatildeo agrave cidade no dia do pagamento Crooks eacute segregado em virtude
de ser negro morando no estaacutebulo a mulher de Curley busca constantemente chamar a
atenccedilatildeo dos homens como um modo de se consolar do seu sonho fracassado de ser estrela de
cinema e do seu casamento sem amor o proacuteprio Curley eacute solitaacuterio pois sua mulher natildeo o
suporta e tampouco os trabalhadores ele se casou numa tentativa de superar a solidatildeo mas
escolheu uma mulher totalmente inapropriada para o seu estilo de vida
tudo isso contribui
para o seu comportamento agressivo (HAEBIG et al 2008)
A busca do chamado American Dream se mostra na forma do sonho
compartilhado por George e Lennie de comprarem uma terra para si onde poderiam desfrutar
de liberdade e independecircncia na comunhatildeo de sua amizade fraterna A mulher de Curley
sonha constantemente sobre como sua vida teria sido diferente se ela natildeo tivesse aceitado se
casar com Curley O sonho de Candy eacute compartilhar sua vida com aqueles que o tratassem
como um homem de verdade mais humanizado A busca da liberdade de todos estes
personagens estaacute cercada pelos eventos traacutegicos que envolvem Lennie e a esposa de Curley
(HAEBIG et al 2008) Aos temas da solidatildeo e da busca do sonho americano em outra
anaacutelise91 acrescenta-se o tema da violecircncia ilustrado pelos seguintes exemplos Candy conta
como o patratildeo lhes deu uiacutesque e permitiu que houvesse uma briga na casa dos peotildees Curley
o personagem mais violento sempre deixa uma tensatildeo no ar todas as vezes que aparece e se
revela num problema seacuterio para Lennie provocando-o e apoacutes a sequumlecircncia de fatos infelizes
que culmina com a morte de sua esposa por Lennie a uacuteltima expressatildeo de fuacuteria de Curley em
relaccedilatildeo a Lennie eacute o seu desejo de furar suas tripas a balas ( shoot him in the guts)
Carlson natildeo se preocupa nem um pouco em matar o catildeo de Candy limpando a arma na
presenccedila do velho Ele se diverte quando Slim caccediloa de Curley e nessa ocasiatildeo afirma para
90 Conforme pesquisa na paacutegina da Internet disponiacutevel no seguinte endereccedilo eletrocircnico lthttpwwwnewiacukenglishresourcesworkunitsks4fictionofmicemensmallheaththemeshtmlgt Acesso em 29 de dezembro de 2008
91 Disponiacutevel em lthttpwwwnewiacukenglishresourcesworkunitsks4fictionofmicemensmallheaththemeshtmlgt Acesso em 29 de dezembro de 2008
106
Curley que eacute capaz de kick your head off ( arrancar sua cabeccedila ) Eacute Carlson que
dirigindo-se a Curley sobre a conversa entre Slim e George
diz as uacuteltimas palavras do livro
( Now what the hell ya suppose is eatin them two guys ) que revelam sua incapacidade de
compreender os sentimentos de George sobre a morte de Lennie A violecircncia de Lennie por
outro lado natildeo eacute intencional Suas accedilotildees satildeo comparadas agraves de um animal
forte mas que
natildeo pensa Ironicamente eacute a forccedila de Lennie que faz com que a esposa de Curley se sinta
atraiacuteda por ele Por fim eacute a ameaccedila da violecircncia contra Lennie que faz com que George tome
a atitude de matar seu amigo
A natureza por sua vez eacute tambeacutem referida como tema nesta anaacutelise e eacute retratada
como um mundo de beleza e paz mas que eacute ameaccedilado pelas accedilotildees do homem no iniacutecio da
histoacuteria os animais na aacutegua se agitam com a aproximaccedilatildeo de George e Lennie O rancho e as
construccedilotildees agrave sua volta por serem criaccedilotildees humanas contrastam com o mundo natural
Candy e Crooks satildeo desnaturalizados por sua aparecircncia porque ambos possuem deformidades
no corpo (o primeiro perdeu uma matildeo o outro eacute torto) Lennie contrasta com estes dois
personagens pois parece fazer parte do mundo natural quando eacute descrito em termos que se
referem a animais (seu andar de urso suas patas etc)
332 A linguagem
A linguagem92 de Of mice and men se destaca por Steinbeck ter planejado sua
obra como romance literaacuterio mas tambeacutem com o objetivo de adaptaacute-la para o teatro cada
seccedilatildeo ou capiacutetulo se dispotildee num lugar claramente definido como numa cena de teatro O
iniacutecio de cada seccedilatildeo conteacutem descriccedilotildees detalhadas como roteiros para uma peccedila teatral
enquanto que o restante em sua maior parte toma a forma de diaacutelogos Logo a linguagem eacute
simples direta e resumida e se distingue entre dois usos da liacutengua inglesa estadunidense a
narrativa na liacutengua padratildeo e os diaacutelogos representados num dialeto estigmatizado da
Califoacuternia A esse respeito Li e Schultz (2005 145) afirmam que o estilo direto e sequumlencial
aleacutem do uso extensivo de diaacutelogos foram recursos que Steinbeck utilizou por que estava
preocupado em alcanccedilar tambeacutem um puacuteblico em especial os trabalhadores pobres que natildeo
liam livros mas que eventualmente poderiam ir ao teatro
92 Conforme anaacutelise disponiacutevel em lthttpwwwnewiacukenglishresourcesworkunitsks4fictionofmicemensmallheathlanghtmlgt Acesso em 29 de dezembro de 2008
107
John Steinbeck eacute um autor que costuma apresentar a temaacutetica social como nuacutecleo
de suas obras literaacuterias muitas vezes daacute a voz popular caracteriacutestica aos seus personagens por
meio de uma linguagem desviante do inglecircs padratildeo dos Estados Unidos Natildeo soacute em Of mice
and men mas tambeacutem em outras obras como em The grapes of wrath
Ain t
got the call no more Got a lot of sinful idears but they seem kinda
sensible
(STEINBECK 2002 20)
I got thinkin
how we was
holy when we was
one thing an mankin
was holy when it was one thing An it ony got unholy when one misable little fella got the bit in his teeth an run off his own way kickin an draggin an fightin Fella
like that bust the holi-ness But when theyre all workin
together not one fella
for another fella but one fella
kind of harnessed to the whole shebang thats right thats holy (STEINBECK 2002 81)
I gotta see them folks
that s gone out on the road I got a feelin I got to see them They gonna
need help no preachers can give em Hope of heaven when their lives ain t
lived Holy sperit
when their own sperit
is down-cast cast an
sad They gonna
need help They got to live before they can afford to die
(STEINBECK 2002 52)
Em Of mice and men os personagens satildeo trabalhadores rurais de baixa
escolaridade Esse perfil eacute evidenciado pela linguagem que eles utilizam caracteriacutestica da
fala numa oralidade que se distancia do inglecircs padratildeo dos Estados Unidos Schilling-Estes e
Wolfram (2006 14) apud Seppaumllauml (2008 1) bem como Yule (2006 212) classificam as
variedades linguumliacutesticas natildeo-padratildeo pelo termo vernacular dialect (dialeto vernaacuteculo)93 Outros
teoacutericos citados por Christiana (2001) tais como Janet Holmes (1992) Hans P Guth (1973)
William Labov (1989) Pride (1981) e Francis (1965) estabelecem caracteriacutesticas desse tipo
de linguagem que se apresentam como desvios da norma-padratildeo Guth (1973) apud
Christiana (2001 11-12) apresenta alguns exemplos da liacutengua inglesa vernaacutecula94
(estigmatizada) dos Estados Unidos
93 Conforme exposiccedilatildeo teoacuterica anterior feita nesta dissertaccedilatildeo a noccedilatildeo de variedade linguumliacutestica eacute complexa seguindo o que alguns teoacutericos (Catford 1980 Baker 1992 e outros) expotildeem sobre esse assunto abrangendo noccedilotildees do que se entende por exemplo por idioletos dialetos registros estilos e modos etc Em outras palavras portanto o termo dialeto vernaacuteculo aplica-se a dialetos ou variedades linguumliacutesticas estigmatizados conforme terminologia proposta por Bagno (2003 67) e adotada neste trabalho
94 Apesar da existecircncia de vaacuterios dialetos ou variaccedilotildees regionais do inglecircs dos Estados Unidos como David Crystal (1995 299 312
317) por exemplo trata e ilustra as informaccedilotildees trazidas por Christiana (2001) e Seppaumllauml (2008) ao citarem esses autores sobre o chamado vernacular English bem como Yule (2006) natildeo fazem relaccedilatildeo clara a um dialeto especiacutefico Logo subentende-se uma abordagem geral com os fenocircmenos linguumliacutesticos mais comuns da liacutengua inglesa estadunidense desviante da norma-padratildeo Entretanto eacute possiacutevel relacionar alguns desses exemplos com a linguagem utilizada por Steinbeck em Of mice and men
108
1 Formas verbais he don t you was I says have wrote I seen him
2 Formas pronominais hisself theirself this here book that there animal them
potatoes
3 Ausecircncia de conectivos being as she couldn t come (being as if
she couldn t come)
4 A dupla negativa We don t have no time I don t want none
5 O uso de ain t You ain t going to no heaven I ain t got it
6 Inversatildeo entre o sujeito e o verbo (ou first auxiliary) (em inglecircs padratildeo esse uso
acontece normalmente nas formas interrogativas enquanto que no inglecircs natildeo-padratildeo
isso tambeacutem se aplica a certos padrotildees frasais Ain t nobody gonna boss me around
didn t nobody hear him
7 Inversatildeo entre o sujeito e o verbo (ou first auxiliary) tanto em perguntas diretas como
em perguntas indiretas Ask him can he come I don t know can
Robert play
8 Sujeito duplicado My mother she
don t like me
9 Troca do uso de there por it ou they It s
no one there They s
a difference
Schilling-Estes e Wolfram (2006 183) apud Seppaumllauml (2008 1) afirmam que uma
caracteriacutestica comum de dialetos de baixo prestiacutegio (variedades estigmatizadas) estaacute em
diferenccedilas na concordacircncia verbal com o sujeito em que haacute uma tendecircncia em regularizar as
formas verbais ao se eliminar o s final da terceira pessoa do singular ou de forma contraacuteria
colocando-se essa letra em todas as formas verbais conforme Marckwardt (1980 153) apud
Seppaumllauml (2008 1) Em Of mice and men isso pode ser observado nas expressotildees sublinhadas
(com suas formas na liacutengua padratildeo o Standard American English entre parecircnteses)
1) Formas verbais regularizadas como na terceira pessoa do singular The hell with what I
says (STEINBECK sd 5) (I say) I remember some girls come by and you says you
says (STEINBECK sd 5) (you say) () so I comes
running ()
(STEINBECK sd
44) (I come) Me an him goes
ever place together
(STEINBECK sd 7) (go)
2) Uso generalizado da terceira pessoa do singular no passado simples do verbo to be como
padratildeo They was
so little ( ) (STEINBECK sd 10) (they were) Says we was
here when
we wasn t
(STEINBECK sd 22) (we werewe weren t) You wasn t big enough
(STEINBECK sd 91) (you weren t)
109
3) Terceira pessoa do singular com o verbo to do regularizado A guy on a ranch don t
never listen nor he don t
ast no questions (STEINBECK sd 25) (A guy doesn the
doesn t)
Outra caracteriacutestica desses dialetos eacute a omissatildeo do verbo to have como auxiliar do
present perfect I been
mean ain t I (STEINBECK sd 13) (I ve been) Well I never seen
one guy take so much trouble for another guy
(STEINBECK sd 23) (I ve never seen)
Schilling-Estes e Wolfram (2006 183) apud Seppaumllauml (2008) com relaccedilatildeo aos
verbos irregulares afirmam que estes tendem a assumir formas regularizadas por analogia aos
verbos regulares com terminaccedilatildeo -ed
no passado simples I think I knowed
from the very
first I think I knowed
we d never do her (STEINBECK p 100) (knew)
A oralidade desse chamado inglecircs vernaacuteculo (ou variedade estigmatizada) fica
marcante tambeacutem pela reduccedilatildeo de palavras quando faltam letras ou no seu iniacutecio ou meio ou
fim de acordo com Schilling-Estes e Wolfram (2006 183) apud Seppaumllauml (2008) Uma
simplificaccedilatildeo muito comum eacute o uso de -in em vez de -ing (YULE 2006 214) Abaixo
exemplos em Of mice and men
a) Omissatildeo de letras no iniacutecio das palavras
Gi
me that mouse (STEINBECK sd 8) (give)
Won t ever get canned cause
his old man s the boss (STEINBECK sd 28)
(because)
Bout half an hour ago maybe (STEINBECK sd 38) (about)
I guess we gotta get im
an lock im
up (STEINBECK sd 99) (him)
When you got a piece of pie you always got half or more n
half
(STEINBECK
sd 107) (than)
b) Omissatildeo de letras no meio das palavras
S pose he don t want to talk
(STEINBECK sd 26) (suppose)
() las Sat day night (STEINBECK sd 55) (last)
110
It s on y
about four o clock (STEINBECK sd 91) (only)
c) Omissatildeo de letras no final das palavras
I was only foolin George (STEINBECK sd 12) (fooling)
() las
Sat day night (STEINBECK sd 55) (last)
Por uacuteltimo ao se considerar a totalidade das falas segundo cada personagem de Of
mice and men observa-se certa regularidade no tratamento do dialeto utilizado isto eacute natildeo se
apresentam formas muito distintas entre o falar de um personagem em relaccedilatildeo aos outros o
que poderia se configurar em outras subvariaccedilotildees dialetais ou mesmo no uso de idioletos
34 Traduccedilotildees de Of mice and men
Um fator que pode indicar o sucesso de um autor eacute o quanto ele eacute traduzido
Goldstone e Payne (1974) apud Holmes (2004 22-40) exibem estatiacutesticas da produccedilatildeo
literaacuteria de Steinbeck traduzida para vaacuterios idiomas listando em seu cataacutelogo 57 liacutenguas para
as quais Steinbeck foi traduzido e dentre as demais obras ateacute entatildeo havia 55 traduccedilotildees de
Of mice and men distribuiacutedas em 32 liacutenguas superando o nuacutemero de The grapes of wrath que
contava com 40 traduccedilotildees em 26 liacutenguas
Of mice and men portanto eacute um dos livros mais disponibilizados de Steinbeck e
seu histoacuterico de publicaccedilotildees em inglecircs95 se inicia em 1937 nos Estados Unidos pela editora
Covici Friede Inc Seguem-se outras publicaccedilotildees por diferentes editoras dentre as quais a
Viking Press Inc (1938) e a Penguin Books (1978 e 1986) Em portuguecircs96 haacute pelo menos
trecircs traduccedilotildees tambeacutem jaacute em vaacuterias ediccedilotildees A primeira foi realizada pelo escritor brasileiro
95 De acordo com informaccedilotildees do site lthttpwwwedstephanorgSteinbeckmicehtmlgt Acesso em 22 de julho de 2009
96 Estes dados constam no Index Translationum disponiacutevel na Internet em lthttpdatabasesunescoorgxtransaopenisisaa=steinbeckampstxt_1=ampstxt_2=ampstxt_3=ampsl=ENGampl=PORampc=amppla=amppub=amptr=ampe=ampudc=ampd=ampfrom=ampto=amptie=andgt (acesso em 23122008) Entretanto natildeo constam neste siacutetio nenhum dado relativo agraves traduccedilotildees brasileiras de Eacuterico Veriacutessimo de 1940 (e outras) de Myriam Campello de 1991 (e outras) e de Ana Ban de 2005 as quais foram adquiridas e serviratildeo como a base principal desta pesquisa durante as anaacutelises comparativas
111
Eacuterico Veriacutessimo com publicaccedilatildeo em 1940 pela Livraria do Globo de Porto Alegre
RS97 a
segunda de Myriam Campello teve a sua primeira ediccedilatildeo publicada no Rio de Janeiro pela
Editora Record em 1985 e a uacuteltima pela Editora Ciacuterculo do Livro em 1991 A terceira
traduccedilatildeo eacute de 2005 publicada pela editora LampPM de Porto Alegre
RS realizada por Ana
Ban
Haacute tambeacutem adaptaccedilotildees para o teatro para o cinema e uma produccedilatildeo para a
televisatildeo norte-americana Existem pelo menos duas peccedilas teatrais em liacutengua portuguesa uma
brasileira traduzida por Brutus Pedreira e dirigida por Augusto Boal em 1956 (Ratos e
homens Teatro de Arena Satildeo Paulo encenada em 26 de setembro de 1956 com destaque
para a atuaccedilatildeo do ator iacutetalo-brasileiro Gianfrancesco Guarnieri como o personagem
George)98 e outra portuguesa com a traduccedilatildeo de Correia Alves dirigida por Antocircnio Pedro
em 1957 (Ratos e homens Porto Ciacuterculo de Cultura Teatral Teatro Experimental)99 Em
filmes de liacutengua inglesa para o cinema segundo Li e Schultz (2005 151 363-364) haacute duas
versotildees ambas sob o tiacutetulo Of mice and men de 1939 dirigido por Lewis Milestone e de
1992 dirigido e estrelado por Gary Sinise (no papel de George) Destaca-se que esses dois
filmes foram exibidos no Brasil o primeiro com o tiacutetulo Cariacutecia Fatal e o segundo o mais
recente com o tiacutetulo Ratos e homens
Em liacutengua inglesa de acordo com Li e Schultz (2005 365) haacute pelo menos dois
filmes homocircnimos (Of mice and men) concebidos especialmente para exibiccedilatildeo na TV o
primeiro de 1970 estrelado por George Seagal (no papel de George) e Nicol Williamson (no
papel de Lennie) o segundo de 1981 produzido por Robert Blake (que tambeacutem atuou no
filme interpretando o personagem George) Gino Grimaldi e Robert Hargrove dirigido por
Reza Badiyi Para o teatro Li e Schultz (2005 366) destacam as seguintes adaptaccedilotildees
97 Esta traduccedilatildeo possui outras publicaccedilotildees posteriores dentre as quais pode ser citada uma ediccedilatildeo portuguesa (Lisboa Livros do Brasil) de 1984 num volume que abriga tambeacutem uma traduccedilatildeo de The Red Pony outro romance de Steinbeck (O Potro Vermelho traduzido por Rebelo de Bettencourt) e tambeacutem outra ediccedilatildeo brasileira pela Editorial Bruguera de 1968 com a atualizaccedilatildeo da linguagem conforme a reforma ortograacutefica de 1942
98 Fonte revista eletrocircnica Coleccedilatildeo Cadernos de Pesquisa Teatro de Arena 2008 p 16 Disponiacutevel em lthttpwwwcentroculturalspgovbrcadernoslightboxlightboxpdfsTeatro20de20Arenapdfgt Acesso em 12 de dezembro de 2008
99 Fontes Base Nacional de Dados Bibliograacuteficos
Cataacutelogo Colectivo das Bibliotecas Portuguesas Disponiacutevel em lthttpopacporbaseorgipac20ipacjspsession=11974TB726C14410279ampmenu=searchampaspect=basicampnpp=20ampipp=20ampprofile=porbaseampri=ampterm=john+steinbeck+ratos+e+homens+correia+alvesampindex=GWampaspect=basicfocusgt e na paacutegina eletrocircnica da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra lthttpwebopacsibucptsearchpor~S0qauthor=steinbeck2C+johnamptitle=Ratos+e+homensampsearchscope=74ampsortdropdown=tampx=22ampy=16gt Acesso em 17 de dezembro de 2008
112
igualmente intituladas Of mice and men peccedila teatral encenada em 21 de maio de 1937 no
Green Street Theatre de Satildeo Francisco (Califoacuternia) e em 23 de novembro de 1937 no Music
Box Theatre de Nova York e oacutepera encenada em 22 de janeiro de 1970 em Seattle
(Washington)
35 Os tradutores
Nesta subseccedilatildeo apresentados os trecircs tradutores que elaboraram as traduccedilotildees de Of
mice and men Buscando-se compreender as motivaccedilotildees problemas e escolhas dos tradutores
em questatildeo incluiacuteram-se nesta pesquisa dados colhidos em vaacuterias fontes por meio da
pesquisa bibliograacutefica da Internet bem como pelo uso de um questionaacuterio
No caso do questionaacuterio destinado aos tradutores somente um foi encaminhado
visto que natildeo foi possiacutevel estabelecer contato com todos os tradutores pois Eacuterico Veriacutessimo
faleceu em 1975 e Myriam Campello natildeo pocircde ser localizada ou contatada
Portanto somente a tradutora Ana Ban respondeu o questionaacuterio Suas respostas
abordam questotildees como por exemplo as motivaccedilotildees de traduzir uma obra literaacuteria como eacute
feita a seleccedilatildeo dos autores aleacutem das atitudes dessa profissional diante de problemas de
traduccedilatildeo Esse questionaacuterio com suas respostas encontra-se no Anexo IV
351 Eacuterico Veriacutessimo um escritor-tradutor na Era Vargas
Segundo Arnaldo Nogueira Jr (2007) a partir da sua paacutegina da Internet
Releituras
Resumo Biograacutefico e Bibliograacutefico Eacuterico Lopes Veriacutessimo nasceu em Cruz Alta
(RS) no dia 17 de dezembro de 1905 e aos 13 anos jaacute lia autores nacionais tais como Coelho
Neto Aluiacutesio Azevedo Joaquim Manoel de Macedo Afracircnio Peixoto e Afonso Arinos bem
como autores estrangeiros como Walter Scott Tolstoacutei Eccedila de Queiroacutes Eacutemile Zola e
Dostoieacutevski
A partir da informaccedilatildeo de Nogueira Jr (2007) abaixo pode-se supor que um
ponto de partida para a carreira literaacuteria de Veriacutessimo foi a publicaccedilatildeo de contos de sua
autoria em revistas e impressos da regiatildeo incluindo a Revista do Globo de Porto Alegre
113
o mensaacuterio Cruz Alta em Revista publica em 1929 Chico um conto de Natal que por insistecircncia do jornalista Prado Juacutenior Eacuterico havia consentido O colega de boticaacuterio e escritor Manoelito de Ornellas envia ao editor da Revista do Globo em Porto Alegre os contos Ladratildeo de gado e A trageacutedia dum homem gordo onde aprovadas foram publicadas
Seu primeiro reconhecimento de maior escala vem a partir de outro conto
publicado no jornal Correio do Povo Eacuterico remete a De Souza Juacutenior diretor do suplemento
literaacuterio Correio do Povo o conto A lacircmpada maacutegica Esse segundo testemunhas o
publica sem ler o que daacute ao autor notoriedade no meio literaacuterio local (NOGUEIRA JR
2007)
Em 1932 Veriacutessimo eacute promovido a Diretor da Revista do Globo ocasiatildeo em que
eacute convidado por Henrique Bertaso gerente do departamento editorial da Livraria do Globo a
atuar naquela seccedilatildeo indicando livros para traduccedilatildeo e publicaccedilatildeo
Outras obras suas autoria incluem contos como Fantoche (1932) As matildeos de meu
filho (1942) e O ataque (1958) e os romances Clarissa (1933) Caminhos cruzados (1935)
Olhai os liacuterios do campo (1938) O tempo e o vento (em trecircs partes O continente
1949 O
retrato
1951 O arquipeacutelago
1961) Incidente em Antares (1971) etc Veriacutessimo tambeacutem
produziu obras para a literatura infanto-juvenil e autobiografias Seus livros foram traduzidos
para o alematildeo espanhol finlandecircs francecircs holandecircs huacutengaro indoneacutesio inglecircs italiano
japonecircs norueguecircs polonecircs romeno russo sueco e tcheco (NOGUEIRA JR 2007)
Lia Wyler (2003 124) assinala que Veriacutessimo traduziu mais de cinquumlenta obras
desde novelas policiais e aventuras a literatura culta aleacutem de numerosos artigos adaptados do
inglecircs francecircs e espanhol Dentre as muitas traduccedilotildees de sua autoria podem ser citados
Contraponto de Aldous Huxley (1935) Ratos e homens de John Steinbeck Adeus Mr Chips
e Natildeo estamos soacutes de James Hilton Felicidade e O meu primeiro baile de Katherine
Mansfield Faleceu em 1975
Eacuterico Veriacutessimo viveu durante um periacuteodo importante para a histoacuteria do Brasil a
Era Vargas (1930
1945 e 1951
1954) que segundo Wyler (2003 108) com a ascensatildeo
de Getuacutelio Vargas agrave presidecircncia da Repuacuteblica instaurou-se um movimento marcado por
vaacuterias accedilotildees de cunho nacionalista com a industrializaccedilatildeo brasileira a aprovaccedilatildeo de novas
leis trabalhistas educacionais e eleitorais aleacutem de uma nova Constituiccedilatildeo Wyler destaca o
papel delegado agrave educaccedilatildeo
a educaccedilatildeo deveria servir ao duplo propoacutesito de produzir matildeo-de-obra qualificada e difundir o ideaacuterio estadonovista o que incluiacutea necessariamente a alfabetizaccedilatildeo bem como a publicaccedilatildeo local de livros de ensino e literatura revistas e jornais de
114
interesse educativo Incluiacutea ainda a traduccedilatildeo de obras ineacuteditas a reediccedilatildeo de obras esgotadas e a criaccedilatildeo de bibliotecas puacuteblicas permanentes e circulantes
o conjunto
todo implicando um decidido estiacutemulo oficial agrave produccedilatildeo de papel e livros (WYLER 2003 108-109)
Segundo Wyler (2003) Vargas criou o Instituto Nacional do Livro em 1937 e
pouco depois com a decretaccedilatildeo do Estado Novo o Serviccedilo de Divulgaccedilatildeo da Chefatura de
Poliacutecia os quais serviam a propoacutesitos muito bem definidos inclusive com censura e puniccedilotildees
ao que fosse contraacuterio ao desejo de um presidente com perfil de ditador Assim surgiu
tambeacutem em 1939 logo apoacutes o iniacutecio da Segunda Guerra Mundial e as suas decorrentes
restriccedilotildees de importaccedilotildees da Europa outro oacutergatildeo repressor e de censura o Departamento de
Imprensa e Propaganda DIP (WYLER 2003 111)
Nesse contexto vaacuterias editoras surgiram ou se expandiram valendo-se de praacuteticas
voltadas para atrair o consumidor Uma delas era contratar escritores brasileiros famosos para
traduzirem as obras principalmente as de ficccedilatildeo Deste modo escritores-tradutores como
Rachel de Queiroacutes Joseacute Lins do Rego Alceu Amoroso Lima Guilherme de Almeida eram
disputados pelas editoras ou atuavam eles mesmos como editores cuidando da seleccedilatildeo
traduccedilatildeo revisatildeo e divulgaccedilatildeo dos seus produtos Tal era o caso por exemplo de Monteiro
Lobato e Eacuterico Veriacutessimo (WYLER 2003)
Wyler (2003 124-130) faz uma pequena historiografia marcando o perfil e as
realizaccedilotildees de Eacuterico Veriacutessimo como tradutor colaborador e por uacuteltimo editor da Livraria do
Globo Esta que iniciou suas atividades em 1883 lanccedilou-se no seacuteculo XX com novas
estrateacutegias comerciais sobretudo na deacutecada de 1930 quando entre outros fatos houve a
criaccedilatildeo da Revista do Globo onde Veriacutessimo tambeacutem atuava
() Veriacutessimo foi a equipe editorial dirigia redigia ilustrava paginava e ocasionalmente fazia as vezes de escritor inglecircs americano ou poeta aacuterabe chinecircs persa japonecircs personagens que ia inventando para preencher os claros da diagramaccedilatildeo Havia tambeacutem uns tais Gilbert Sorrow e Dennis Kent e outro mais permanentemente Gilberto Miranda que fazia criacuteticas literaacuterias traduccedilotildees moda feminina e masculina poliacutetica internacional psicologia histoacuteria natural trabalhos manuais o que fosse preciso (WYLER 2003 125-126)
Elizabeth W Rochadel Torresini destaca que Eacuterico Veriacutessimo foi conselheiro
editorial da Seccedilatildeo Editora da Livraria do Globo a partir de 1935
Eacuterico colabora para o ecircxito das coleccedilotildees e dos novos empreendimentos ao lado de Henrique Bertaso Participa do planejamento de programas editoriais contribui para a seleccedilatildeo de novas obras fiscaliza as traduccedilotildees estuda o formato as capas e a
115
composiccedilatildeo dos livros e os seus lanccedilamentos Os dois editores empenham-se na publicaccedilatildeo de claacutessicos da literatura ocidental (TORRESINI 2004 11)
O proacuteprio Veriacutessimo salienta que fazia seleccedilatildeo de obras para serem traduzidas
() fui eu quem escolheu os autores Thomas Mann Andreacute Gide Charles Morgan G K Chesterton Willa Cather Norma Douglas Aldous Huxley Romain Rolland Roger Martin du Gard Sinclair Lewis William Faulkner Pearl Buck Graham Greene James Joyce Katherine Mansfield (VERIacuteSSIMO 2000 299-300 apud BARCELLOS 2002 6)
Segundo Wyler (2003 124) Veriacutessimo traduzia para complementar o orccedilamento
domeacutestico agraves vezes dando a elas algo mais Em A morte mora em Chicago [de Edgar
Wallace] ele confessa que resolveu colaborar com o autor modificando-lhe o estilo e
produzindo uma traduccedilatildeo melhor que o original (WYLER 2003 126) Outra amostra dessa
praacutetica se verifica quando ele passou a trabalhar em colaboraccedilatildeo mais proacutexima de Henrique
Bertaso como conselheiro literaacuterio do departamento editorial Ali teve de pocircr meias-solas
em traduccedilotildees alheias malfeitas e passar para o nosso idioma livros estrangeiros que detestou
Se natildeo tinha tradutori de verdade caccedilava com traditori (VERIacuteSSIMO apud WYLER
2003 127) Essa interferecircncia de Veriacutessimo nas traduccedilotildees eacute confirmada por Mariacutelia de Arauacutejo
Barcellos (2002 6) quando ela afirma que os textos estrangeiros nem sempre estavam de
acordo com o seu gosto pessoal
Ao se examinar o contexto da eacutepoca de Getuacutelio Vargas e sua poliacutetica para a
educaccedilatildeo e para a cultura brasileira em conjunto com os propoacutesitos da Livraria do Globo
conforme explicitado anteriormente algumas tendecircncias podem ser notadas em relaccedilatildeo agrave
escolha da obra Of mice and men para ser traduzida para o mercado brasileiro na eacutepoca de
Veriacutessimo
A ascensatildeo de Getuacutelio Vargas agrave presidecircncia da Repuacuteblica com um consequumlente
movimento marcadamente nacionalista veio influenciar os modos de produccedilatildeo bibliograacutefica
Nesse intuito se houve o estiacutemulo agrave traduccedilatildeo de obras ineacuteditas certamente havia diretrizes a
serem tomadas aleacutem de restriccedilotildees e repressatildeo de modo que nada viesse na contramatildeo da
ideologia getulista Todavia esse contexto se aplica mais a como deveriam ser as traduccedilotildees
Um indiacutecio sobre as motivaccedilotildees da escolha de Of mice and men encontra-se na
contracapa da ediccedilatildeo de Ratos e homens de 1940 fiel ao seu programa de possibilitar ao
puacuteblico brasileiro a leitura das maiores obras da literatura mundial contemporacircnea a
LIVRARIA DO GLOBO apresenta JOHN STEINBECK () A inclusatildeo de Of mice and
116
men entre as grandes obras da literatura mundial daquele momento certamente natildeo se trata
somente de uma opiniatildeo da Livraria do Globo mas sobretudo a opiniatildeo da criacutetica literaacuteria
das editoras que publicaram e republicaram esta obra em inglecircs e ao mercado consumidor
mundial que lia Steinbeck traduzido para diversas liacutenguas
De modo geral a criacutetica literaacuteria seja com tom positivo ou negativo acaba sendo
um agente divulgador contribuindo agrave sua maneira na repercussatildeo de uma obra As editoras e
o puacuteblico por sua vez produzem suas opiniotildees ao mesmo tempo em que a criacutetica
especializada ou agem posteriormente em funccedilatildeo dessas ideacuteias emitidas pelos criacuteticos
Analisando o papel de Steinbeck no sistema literaacuterio mundial e sua repercussatildeo e sucesso
como escritor fica mais faacutecil portanto entender por que sua obra Of mice and men foi
escolhida para divulgaccedilatildeo numa traduccedilatildeo brasileira da editora da Livraria do Globo (ou
Editora do Globo)
352 Myriam Campello100
Myriam Campello Macedo Fragoso nasceu no Rio de Janeiro (RJ) em 1940
Romancista contista diplomada em jornalismo e tradutora Como escritora destacou-se com
seus romances Cerimocircnia da Noite (1972
Precircmio Fernando Chinaglia para romance
ineacutedito) Sortilegiu (1981) Satildeo Sebastiatildeo blues (1993) e sua coletacircnea de contos Sons e
Outros Frutos (1998) Recebeu o Precircmio Uniatildeo Latina
Concurso Guimaratildees Rosa para
conto ineacutedito em 1997 Participou de diversas antologias brasileiras entre elas Os cem
melhores contos brasileiros do seacuteculo (2000) Tem contos publicados na Polocircnia Alemanha
Holanda Franccedila e Estados Unidos Seu uacuteltimo livro Como esquecer anotaccedilotildees quase
inglesas (2003) foi adaptado para o cinema brasileiro (ineacutedito)
Como tradutora sua lista de trabalhos publicados eacute extensa e variada constando
desde artigos de revistas biografias (por exemplo Faltou dizer a vida de Ingrid Bergman de
Laurence Learner) ateacute livros literaacuterios e natildeo literaacuterios (por exemplo da aacuterea da sauacutede O
democircnio do meio-dia uma anatomia da depressatildeo de Andrew Solomon educativos O
Renascimento de Paul Johnson e O tempo na literatura de Meyerhoff) Dentre algumas
100 Fontes de pesquisa utilizadas para esta biografia Biblioteca digital
NUPILL Disponiacutevel em lthttpwwwliteraturabrasileiraufscbrConsultaAutor_navphpautor=1038gt Acesso em 18 de fevereiro de 2009 paacutegina da Internet da Editora Escrituras Disponiacutevel em lthttpwwwescriturascombrlivrophpisbn=85753109849788575310984gt Acesso em 22 de fevereiro de 2009
117
traduccedilotildees literaacuterias de sua autoria a tiacutetulo de exemplo destacam-se do francecircs Os irmatildeos
corsos
de Alexandre Dumas (adaptaccedilatildeo infanto-juvenil) e O Capitatildeo Fracasso
de
Theophile Gautier (infanto-juvenil) do inglecircs Tudo eacute eventual
de Stephen King (Editora
Objetiva) e Cenas londrinas de Virginia Woolf (Editora Joseacute Olympio)
353 Ana Ban101
Jornalista e tradutora com especializaccedilatildeo em traduccedilatildeo (Curso de Formaccedilatildeo de
Tradutores e Inteacuterpretes
inglecircs) pela Associaccedilatildeo Alumni Satildeo Paulo
SP (2004) Aleacutem de
exercer a traduccedilatildeo escrita eacute inteacuterprete consecutiva e inteacuterprete simultacircnea
(InglecircsPortuguecircsInglecircs) Consta em seu blog na Internet que ela traduziu 71 livros
literaacuterios desde 2001 dentre os quais aleacutem de Ratos e homens (2005) e O Inverno da nossa
desesperanccedila (2006) de John Steinbeck destacam-se Flush a vida de um catildeo de Virginia
Woolf As crocircnicas marcianas de Ray Bradbury O evangelho de Judas (ediccedilatildeo de Kasser
Meyer e Wurst
National Geographic) Deuses americanos de Neil Gaiman e O diaacuterio da
princesa (volumes 5 ao 10) de Meg Cabot
Ana Ban respondeu o questionaacuterio que lhe foi enviado102 relativo agrave pesquisa desta
dissertaccedilatildeo em que dentre outras questotildees afirma que a editora LampPM geralmente escolhe
as obras que vai publicar e assim simplesmente indica as obras estrangeiras aos seus
tradutores Ban traduziu Of mice and men (2005) e afirma que teve total autonomia durante
esse processo apenas discutindo com a editora e seus revisores questotildees de estilo e uso da
linguagem natildeo havendo durante a revisatildeo nenhuma mudanccedila importante As maiores
dificuldades de traduccedilatildeo indicadas por Ban referem-se agrave linguagem usada pelos personagens
a maior dificuldade foi mesmo a transposiccedilatildeo da maneira como os personagens falavam
eu natildeo sei se chega a ser um dialeto porque na verdade eram mais erros gramaticais e pronuacutencia errada natildeo havia tantas palavras especiacuteficas que fossem desconhecidas ou usadas com sentido fora do mais comum (BAN 2008)
Passada a primeira etapa
a familiarizaccedilatildeo com o dialeto utilizado
o proacuteximo
passo seria entatildeo decidir como traduzir essa representaccedilatildeo da oralidade
101 Os dados biograacuteficos dessa tradutora foram retirados de seu blog na Internet disponiacutevel em lthttpwwwanabanblogspotcomgt Acesso em 30 de junho de 2007
102 Respostas obtidas em 9 de julho de 2008 via e-mail vide anexo IV
118
em um primeiro momento eu resolvi que iria seguir a norma culta em todo o livro mas depois achei que assim a ideacuteia do autor natildeo seria transmitida de maneira adequada (isso tudo foi discutido com a editora) Entatildeo eu peguei um sotaque caipira que eu conheccedilo mais ou menos do interior de SPMG (apesar de a LampPM ser em Porto Alegre e eu atualmente morar aqui sou de Satildeo Paulo e passei a maior parte da minha vida laacute) e segui esta linha (BAN 2008)
Durante esse processo a tradutora encontrou desafios
a minha maior dificuldade foi decifrar algumas palavras grafadas da maneira como os personagens falavam precisei dizer em voz alta vaacuterias delas para descobrir o que eram Agora natildeo sei citar nenhuma pois jaacute faz algum tempo que realizei este trabalho e natildeo tenho mais o original (BAN 2008)
A tradutora indica que sua maior dificuldade estaacute no tratamento a ser dado para
traduzir a oralidade dos personagens Sua opccedilatildeo por um dialeto brasileiro do interior de Satildeo
Paulo e Minas Gerais reflete o que em teoria da traduccedilatildeo Venuti (1998 240) chama de
domesticaccedilatildeo Ban alega saber da existecircncia de outras traduccedilotildees em portuguecircs de Of mice and
men mas natildeo as procurou para consulta de modo a natildeo ser influenciada por elas
eu sei da existecircncia dessas traduccedilotildees mas natildeo as consultei para fazer o meu trabalho Ateacute me foi fornecida uma traduccedilatildeo da deacutecada de 1970 (natildeo lembro qual) para alguma consulta mas eu fiz questatildeo de natildeo usar Eu natildeo queria ser influenciada por soluccedilotildees encontradas pelos outros tradutores e acabar copiando deles mesmo sem querer (BAN 2008)
A tradutora afirma ainda que houve a necessidade de uma nova traduccedilatildeo visto
que as outras traduccedilotildees eram antigas e houve muitas mudanccedilas linguumliacutesticas no portuguecircs com
o passar dos anos a proposta de retraduzir o livro era para atualizar a traduccedilatildeo que mudou
muito com o passar dos anos
(BAN 2008) Sobre a linguagem no que diz respeito ao
purismo linguumliacutestico nas traduccedilotildees ela crecirc que isso hoje jaacute natildeo eacute mais uma tradiccedilatildeo tatildeo forte
Na minha visatildeo o mais importante eacute manter o tom escolhido pelo autor (BAN 2008)
No que diz respeito a reflexotildees possiacuteveis acerca do processo tradutoacuterio Ban alega
natildeo ter feito uso consciente e aplicado das teorias de traduccedilatildeo
eu natildeo tenho nenhuma formaccedilatildeo teoacuterica em traduccedilatildeo Sou jornalista trabalhei dez anos no mercado editorial e minha formaccedilatildeo em traduccedilatildeo se deu por meio do curso de Formaccedilatildeo de Tradutores e Inteacuterpretes da Fundaccedilatildeo Alumni em Satildeo Paulo Este eacute um dos cursos de maior renome na aacuterea no paiacutes poreacutem eacute muito praacutetico e direto natildeo aborda teorias Conheccedilo um pouco do assunto por meio da leitura de Paulo Roacutenai mas natildeo eacute algo que eu aplique conscientemente (BAN 2008)
Quanto agrave tomada de decisotildees na traduccedilatildeo Ban apresenta uma visatildeo geral sobre
suas atitudes em relaccedilatildeo ao seu trabalho
119
para tratar deste problema eu uso algumas teacutecnicas (e estou aqui falando de maneira geral pois nem todos estes recursos foram usados nesta traduccedilatildeo especiacutefica [Of mice and men]) - Respeito a eacutepoca em que o texto foi escrito tomando o cuidado para natildeo usar expressotildees ou denominaccedilotildees que natildeo existiam no periacuteodo (BAN 2008)
Com relaccedilatildeo ao uso da linguagem ela destaca que
Se existe um personagem falando em dialeto ou giacuteria eu procuro um grupo correspondente existente aqui e uso a maneira de falar desse grupo (BAN 2008)
Ban demonstra cuidados com o provaacutevel receptor se ele vai entender o texto
traduzido Essa postura pode ser verificada nos seguintes trechos
- Quando haacute alguma passagem que possa dificultar a compreensatildeo pergunto O puacuteblico-leitor original entenderia Se a resposta for sim eu procuro inserir alguma dica no texto Por exemplo ela ficava assistindo ao Lifetime AQUELE CANAL QUE SEMPRE PASSA FILMES PARA MULHERES Se a resposta for natildeo entatildeo eu deixo sem explicaccedilatildeo mesmo porque acredito que a intenccedilatildeo do autor era essa - Eu natildeo costumo substituir produtos ou citaccedilotildees por similares nacionais a natildeo ser quando exista de fato um similar nacional
por exemplo a revista Cosmopolitan no Brasil eacute a Nova (eacute franquia da norte-americana mas recebeu tiacutetulo brasileiro) entatildeo eu faccedilo a substituiccedilatildeo Se natildeo fica A REVISTA DE CELEBRIDADES Us Weekly - Acredito tambeacutem que hoje as pessoas tecircm muito mais facilidade de compreender citaccedilotildees referentes a culturas estrangeiras entatildeo algumas coisas ficam ateacute estranho querer traduzir porque jaacute satildeo conhecidas amplamente por sua denominaccedilatildeo original (BAN 2008)
Outra preocupaccedilatildeo da tradutora eacute tentar exprimir os possiacuteveis objetivos do autor
Acho que o mais importante nessa questatildeo eacute ter em vista a intenccedilatildeo do autor Se ele coloca uma menina que escreve como fala natildeo eacute possiacutevel querer traduzir com um texto gramaticalmente impecaacutevel porque natildeo vai transmitir a intenccedilatildeo original e vai distanciar a obra do puacuteblico-alvo (BAN 2008)
36 As editoras
Nesta subseccedilatildeo seratildeo apresentadas as trecircs editoras que publicaram as traduccedilotildees
Visando complementar os dados obtidos por meio de pesquisa bibliograacutefica e da Internet
bem como verificar a relaccedilatildeo tradutor versus editoras durante o processo de seleccedilatildeo e
120
traduccedilatildeo de obras literaacuterias procurou-se estabelecer contato tambeacutem com os editores por
meio de um questionaacuterio sobre as traduccedilotildees de Of mice and men tratadas nesta dissertaccedilatildeo
Visto que os atuais membros da diretoria da Livraria do Globo103 (agrave qual a Editora
do Globo pertence) Claacuteudio Bertaso (diretor-presidente) Henrique Ferreira Bertaso (diretor
vice-presidente) e Elisa Morganti Bertaso (diretora-superintendente) natildeo responderam agraves
tentativas de contato e a Editora Ciacuterculo do Livro ter encerrado suas atividades em 1998
(MILTON 2002 21) somente foi possiacutevel enviar o questionaacuterio a Ivan Pinheiro Machado da
Editora LampPM
Esses dados constantes no Anexo V desta dissertaccedilatildeo foram analisados e
tambeacutem comparados e cotejados com as respostas obtidas da tradutora Ana Ban
361 A Editora da Livraria do Globo
Segundo Mariacutelia de Arauacutejo Barcellos (2002 4) a histoacuteria da Livraria do Globo
comeccedila no fim do seacuteculo XIX no ano de 1883 quando essa empresa foi fundada em Porto
Alegre Seus soacutecios eram Laudelino Pinheiro Barcellos e Saturnino Alves Pinto da empresa
L P Barcellos amp Cia Poucos anos depois Laudelino convida para trabalhar na sua livraria
Joseacute Bertaso ainda menino
Com a Primeira Grande Guerra o jovem Joseacute Bertaso previu a escassez de papel e
sugeriu ao dono da livraria que fosse feita a importaccedilatildeo dessa mateacuteria-prima Mais tarde em
dezembro de 1917 Bertaso passou de 15 de participaccedilatildeo na empresa agrave funccedilatildeo de soacutecio-
diretor A razatildeo social da livraria agora era Barcellos Bertaso amp Cia
Com o uso de tecnologia importada iniciou-se a ediccedilatildeo do Almanaque Globo e
em seguida a publicaccedilatildeo de autores rio-grandenses O Almanaque foi editado por Joatildeo Pinto
da Silva e contrataram Mansueto Bernardi para aleacutem de atuar no escritoacuterio ajudaacute-lo na
empreitada Mansueto Bernardi permanece como editor da Globo ateacute 1930 quando contrata
Eacuterico Veriacutessimo para a Revista do Globo (BARCELLOS 2002 4)
Segundo Torresini (2004 1-2) a Livraria do Globo inicialmente vendia papeacuteis de
material de tipografia e cadernos para escrita de empresas entretanto ao adentrar no seacuteculo
XX comeccedilou a publicar obras de autores regionais traduccedilotildees da literatura universal e
103 Estes diretores fazem parte da famiacutelia de Henrique Bertaso falecido em 1977 editor responsaacutevel direto na eacutepoca em que a Editora do Globo lanccedilou a traduccedilatildeo de Of mice and men em 1940 realizada por Eacuterico Veriacutessimo
121
manuais didaacuteticos mas foi a partir de 1930 que a sua produccedilatildeo de livros se intensificou aleacutem
de fundar a Revista do Globo (1929 1963) Nessa mesma deacutecada a literatura anglo-saxocircnica
comeccedilava a ganhar importacircncia na editora
A Livraria do Globo sob as lideranccedilas de Henrique Bertaso e Eacuterico Veriacutessimo
modernizou-se empreendendo novos projetos Essas inovaccedilotildees eram motivadas por alguns
fatores conforme testemunha Joseacute Otaacutevio Bertaso apud Torresini (2004 3)
no Brasil muito pouco se traduzia no campo da literatura fora da liacutengua francesa A opccedilatildeo era introduzir autores contemporacircneos de liacutengua inglesa e ateacute alematildees e italianos
sem abandonar o gosto nacional pela cultura francesa () A fim de conquistar o grande puacuteblico a saiacuteda eram os romances policiais e de aventuras Para as mulheres ainda concentradas na vida do lar poderiam ser lanccedilados romances de amor a chamada literatura roacutesea A crescente escolarizaccedilatildeo justificava a abertura de uma bem cuidada linha de livros didaacuteticos abrangendo o que hoje designariacuteamos de 1ordm 2ordm e 3ordm graus bem como obras de divulgaccedilatildeo cientiacutefica e histoacuterica
Laurence Hallewell (1985 317) afirma que inicialmente os propoacutesitos da
Livraria do Globo eram meramente de cunho comercial Desta forma Henrique Bertaso viu
no Publisher s Weekly dos Estados Unidos uma fonte adequada para procurar best-sellers
Assim a Livraria do Globo espelhou-se na
mania anglo-americana de histoacuterias policiais que sua Coleccedilatildeo Amarela trouxe em grande parte para o Brasil oferecendo traduccedilotildees em portuguecircs de EC Bentley Raymond Chandler Aghata Christie Sidney Horler E Phillips Oppenheimer Ellery Queen Sax Rohmer Rex Stout SS Van Dine e mais que qualquer outro Edgar Wallace () (HALLEWELL 1985 317)
Torresini cita Eacuterico Veriacutessimo para destacar o sucesso que a Globo conseguiu
graccedilas a suas estrateacutegias comerciais
ao cabo de alguns anos a nossa editora era conhecida em todo o paiacutes Henrique [Bertaso] organizava uma boa rede de distribuiccedilatildeo Os livros com a chancela da Globo eram vistos em quase todos os recantos do Brasil Foi graccedilas a eles que autores europeus de liacutenguas anglo-saxocircnicas e germacircnicas foram postos ao alcance do leitor meacutedio brasileiro Ateacute entatildeo o Brasil em mateacuteria de traduccedilotildees estivera quase exclusivamente voltado para autores franceses
(VERIacuteSSIMO apud TORRESINI 2004 4-5)
Uma das estrateacutegias desenvolvidas foi segmentar as coleccedilotildees visando puacuteblicos
diferenciados a Coleccedilatildeo Amarela a Coleccedilatildeo Universo a Coleccedilatildeo Globo Inqueacuteritos sobre a
Ruacutessia (que reunia opiniotildees polecircmicas sobre a Uniatildeo Sovieacutetica) Espionagem (de 1931 a
122
1933) a Coleccedilatildeo Verde (romances para senhoras e senhoritas) e a Coleccedilatildeo Nobel104 A
Coleccedilatildeo Amarela iniciada em 1931 reunia novelas policiais de crime misteacuterio e aventuras
bastante populares de leitura acessiacutevel lanccediladas em ediccedilotildees baratas e de larga tiragem
Atraem leitores variados e formam a argamassa popularesca da editora como disse uma vez
Eacuterico Veriacutessimo (TORRESINI 2004 5-8) A Coleccedilatildeo Universo em 1934 jaacute era conhecida
por seus livros de viagens aventuras de leitura amena e instrutiva (TORRESINI 2004 9)
A Coleccedilatildeo Globo criada em 1932 era formada de volumes de bolso mas de capa cartonada
e uma sobrecapa com um desenho em muitas cores Essa nova seacuterie equivaleria a uma espeacutecie
de coquetel literaacuterio em que se misturavam livros de aventuras de caraacuteter popular e boa
literatura (VERIacuteSSIMO apud TORRESINI 2004 9-10) A Coleccedilatildeo Nobel agrave qual pertence a
traduccedilatildeo de 1940 de Of mice and men realizada por Eacuterico Veriacutessimo segundo Torresini
(2004 8 12) foi lanccedilada em 1938
Henrique Bertaso criou o Departamento de Divulgaccedilatildeo Literaacuteria (DIL) que entre
outras coisas funcionava como uma agecircncia de notiacutecias com a intenccedilatildeo de baratear os custos
de divulgaccedilatildeo de seus produtos Bertaso apud Torresini (2004 6-7) afirma que em vez de
cobrar pelos seus serviccedilos o DIL fazia circular no espaccedilo publicitaacuterio artigos crocircnicas
contos traduzidos de jornais estrangeiros e de livros cujos direitos autorais tinham sido
adquiridos pela casa A abrangecircncia desse canal era enorme pois reunia mais de trezentos
jornais e revistas em todo o Brasil Um procedimento como parte dessa estrateacutegia era o
seguinte
num boletim que era enviado quinzenalmente para os assinantes havia tambeacutem uma coluna proacutepria para preencher pequenos espaccedilos em jornais intitulada Vocecirc sabia que onde se resumiam pequenos toacutepicos de informaccedilotildees histoacutericas geograacuteficas e outras curiosidades
Ainda segundo Bertaso apud Torresini (2004 6-7) em troca o que se exigia dos
oacutergatildeos de imprensa assinantes dos serviccedilos prestados era que fossem publicadas de graccedila
resenhas dos livros receacutem-publicados pela Globo com as capas estampadas em fac-siacutemile
Juntamente com o material do DIL as resenhas e os clichecircs montados ou demonstrados das
capas eram expedidos pelo correio
104 Barcellos (2002 11) entretanto relaciona uma listagem maior de coleccedilotildees da Editora da Livraria do Globo Coleccedilatildeo Amarela Biblioteca dos Seacuteculos Coleccedilatildeo Catavento Coleccedilatildeo Clube do Crime Coleccedilatildeo Espionagem Coleccedilatildeo Documentos de Nossa Eacutepoca Coleccedilatildeo Globo Coleccedilatildeo Nobel A Novela Coleccedilatildeo Tucano Coleccedilatildeo Universo e Coleccedilatildeo Verde
123
A atividade de traduccedilatildeo na Livraria do Globo era intensa Um maior grau de
profissionalismo tornou-se uma necessidade melhorando a qualidade das traduccedilotildees
publicadas conforme atesta Eacuterico Veriacutessimo soacute laacute por princiacutepios da deacutecada de quarenta eacute
que nos foi possiacutevel pocircr em praacutetica o plano de saneamento das nossas traduccedilotildees
Contratamos vaacuterios tradutores com um salaacuterio fixo Nas salas da Editora tivemos excelentes
profissionais () (VERIacuteSSIMO apud TORRESINI 2004 12) Sobre a atividade editorial no
que diz respeito ao cuidado com as traduccedilotildees Veriacutessimo fornece informaccedilotildees importantes no
seguinte trecho
escolhido o livro a verter-se para o portuguecircs procurava-se o tradutor este fazia sem pressa o seu trabalho tendo agrave sua disposiccedilatildeo uma rica biblioteca em que havia vaacuterios dicionaacuterios e enciclopeacutedias () () depois que o tradutor dava por terminado o seu trabalho os respectivos originais eram entregues a um especialista da liacutengua de que o livro fora traduzido para que ele os confrontasse linha por linha com o original procurando verificar a fidelidade da versatildeo () Havia uma terceira etapa a que um especialista examinava o estilo do livro discutindo-o com o tradutor cujo nome ia aparecer sozinho no poacutertico do volume () Os livros estrangeiros publicados durante 4 ou 5 anos em que esse esquema durou satildeo de excelente qualidade no que diz respeito agrave traduccedilatildeo O nosso chefe maior poreacutem ficava apavorado
e com razatildeo
quando examinava o custo da traduccedilatildeo de cada obra () (VERIacuteSSIMO apud TORRESINI 2004 12-13)
Essa equipe de tradutores renomados entretanto foi dissolvida em 1947 um ano
financeiramente ruim para a Globo Nos anos subsequumlentes a produccedilatildeo comeccedilou a cair
concorrendo para mudanccedilas importantes na editora De acordo com Torresini (1998) apud
Torresini (2004 12)
() segundo os proacuteprios editores a atenccedilatildeo fixa-se nos livros teacutecnicos livros-ferramenta para atender agraves novas exigecircncias da especializaccedilatildeo profissional na obra de Eacuterico Veriacutessimo na Enciclopeacutedia Globo e no Linguaphone curso de inglecircs em discos e fitas sonoras Depois de 1948 as obras literaacuterias tatildeo caras a Henrique Bertaso e a Eacuterico Veriacutessimo diminuem no Livro de Registros da Globo Apoacutes o falecimento de Joseacute Bertaso os herdeiros optam pela transformaccedilatildeo da empresa em sociedade anocircnima Livraria do Globo SA da qual a Editora Globo torna-se uma filial Em 1986 as Organizaccedilotildees Globo adquirem o respeitaacutevel acervo de 2830 tiacutetulos
Conforme informaccedilotildees a partir da paacutegina eletrocircnica do Jornal do Comeacutercio105 os
atuais membros da diretoria da Livraria do Globo satildeo Claacuteudio Bertaso (diretor-presidente)
juntamente com Henrique Ferreira Bertaso (diretor vice-presidente) e Elisa Morganti Bertaso
(diretora-superintendente) Joseacute Otaacutevio Bertaso consta como ex-diretor
105 Disponiacutevel em lthttpjcrsuolcombrComercialcadernosempr-cent_11aspxgt Acesso em 31 de maio de 2009
124
362 O Ciacuterculo do Livro
O Ciacuterculo do Livro de Satildeo Paulo publicou a traduccedilatildeo de Of mice and men com o
tiacutetulo Ratos e homens realizada por Myriam Campello (1991) A partir de vaacuterias pesquisas na
Internet principalmente em paacuteginas de busca como o Google natildeo foi possiacutevel achar
respostas precisas sobre a histoacuteria desta editora Consta a partir do perfil de clubes de livros
esboccedilado por Milton (2002) que se tratava de uma instituiccedilatildeo comercial que vendia suas
publicaccedilotildees pela via postal por meio de assinatura Na paacutegina 4 da ediccedilatildeo de Ratos e homens
em questatildeo consta que a venda [era] permitida apenas aos soacutecios do Ciacuterculo o que
confirma tratar-se de um clube de livros John Milton (2002 21) ao tecer um histoacuterico sobre
os clubes de livros menciona o Ciacuterculo do Livro como um desses clubes importantes que
marcaram presenccedila no mercado editorial brasileiro tendo sua existecircncia vigorado de 1973 a
1998 O Ciacuterculo do livro rivalizava com o Clube do Livro constituindo-se como uma
associaccedilatildeo bem mais moderna da Editora Abril com a Bertelsmann (MILTON 2002 30)
Na falta de informaccedilotildees mais detalhadas sobre o Ciacuterculo do Livro eacute oportuno
descrever o perfil dos clubes de livros com suas caracteriacutesticas gerais de modo a perceber
como possiacuteveis caracteriacutesticas tambeacutem do Ciacuterculo do Livro dependem de um grande nuacutemero
de soacutecios de modo a viabilizar seu negoacutecio e para isso valem-se de estrateacutegias comerciais
como o preccedilo reduzido e a remessa postal dos livros envio de cataacutelogos aos associados com
sugestotildees de leitura e com isso o leitor natildeo precisa ir agraves livrarias muitas vezes consideradas
como um ambiente burguecircs (MILTON 2002 19-20) Distinguem-se duas categorias de
clubes de livros a do lanccedilamento simultacircneo por meio da qual uma ediccedilatildeo do proacuteprio
clube seraacute lanccedilada pouco tempo depois de sua publicaccedilatildeo original Ela teraacute a mesma aparecircncia
do original mas com a estampa da marca do clube A segunda categoria a de reimpressatildeo
ofereceraacute tiacutetulos que jaacute foram publicados haacute algum tempo (CURWEN 1986 129-135 apud
MILTON 2002 21- 22)
Diante do exposto pode-se deduzir que a traduccedilatildeo de Myriam Campello de Of
mice and men publicada pelo Ciacuterculo do Livro em 1991 seguiu alguns propoacutesitos (como por
exemplo o comercial) de modo a garantir o seu sucesso nas vendas preccedilo acessiacutevel remessa
postal etc Entre as categorias de clubes de livro expostas acima essa publicaccedilatildeo encaixa-se
no perfil da reimpressatildeo visto que se trata de um tiacutetulo jaacute traduzido por outra pessoa (Eacuterico
Veriacutessimo) e publicado por outras editoras (Livraria do Globo 1940 e Editorial Bruguera
1968 por exemplo) Essa traduccedilatildeo por ter sido publicada bem depois do ano da primeira
125
publicaccedilatildeo do texto de partida (1937) natildeo atende aos quesitos baacutesicos da categoria
lanccedilamento simultacircneo
363 A Editora LampPM
Liacutevio Lima de Oliveira (2007 11) considera a LampPM Pocket como a maior
coleccedilatildeo de livros de bolso do paiacutes por causa da periodicidade do seu cataacutelogo e das
estrateacutegias de distribuiccedilatildeo e comercializaccedilatildeo ligadas exclusivamente agrave coleccedilatildeo Ele acrescenta
que a LampPM tambeacutem edita livros em formatos convencionais mas cita Ivan Pinheiro
Machado um dos seus soacutecios o qual afirma que o maior lucro vem da coleccedilatildeo de bolso
Oliveira ainda menciona algumas estrateacutegias editoriais e comerciais dessa editora
Pinheiro Machado retomou estrateacutegias do seacuteculo XIX exclusivas para esse tipo de livro para fazer com que sua coleccedilatildeo chegasse a tal posiccedilatildeo no mercado editorial brasileiro Os livros satildeo vendidos natildeo soacute em livrarias mas tambeacutem em bancas de jornal farmaacutecias e supermercados Os livros assim satildeo facilmente encontrados nas cidades meacutedias e grandes e em vaacuterios pontos Haacute tambeacutem uma estrateacutegia especiacutefica em rodoviaacuterias e aeroportos cujos pontos-de-venda satildeo abastecidos sempre Aleacutem disso a coleccedilatildeo tem destaque nesses pontos jaacute que os livros ficam em totens especiacuteficos onde cabem vaacuterios tiacutetulos e satildeo de faciacutelima identificaccedilatildeo e localizaccedilatildeo (OLIVEIRA 2007 11)
De acordo com dados informados pela proacutepria LampPM Editores em sua paacutegina na
Internet106 sua fundaccedilatildeo aconteceu em 24 de agosto de 1974 por Paulo de Almeida Lima e
Ivan Pinheiro Machado Localiza-se em Porto Alegre Rio Grande do Sul Nesta eacutepoca
durante a ditadura militar notabilizou-se por publicar alguns claacutessicos de ideologia contraacuteria
ao autoritarismo e agrave repressatildeo como o personagem Rango de seu primeiro lanccedilamento que
se tornou siacutembolo da resistecircncia agrave ditadura militar criado por Edgar Vasques cartunista e
desenhista A publicaccedilatildeo de textos dos senadores Paulo Brossard e Pedro Simon e tambeacutem do
deputado Teotocircnio Vilela acompanhavam aquela tendecircncia Posteriormente essa empresa
alcanccedilou projeccedilatildeo nacional graccedilas agrave publicaccedilatildeo de obras de autores como Millocircr Fernandes
Josueacute Guimaratildees Luis Fernando Veriacutessimo e Woody Allen
Na deacutecada de 1990 diante de um cenaacuterio difiacutecil por causa da recessatildeo econocircmica
e da concorrecircncia com multinacionais a LampPM passou por grandes dificuldades ateacute que em
106 Disponiacutevel em lthttpwwwlpm-editorescombrv3sitedefaultaspTroncoID=805133ampSecaoID=845253ampSubsecaoID=384748gt Acesso em 24 de dezembro de 2008
126
1997 a editora iniciou o projeto da coleccedilatildeo LampPM Pocket de livros de bolso que salvou a
empresa da falecircncia correspondendo ateacute hoje ao seu projeto mais importante Sobre esta
coleccedilatildeo a proacutepria LampPM registra seus quatro pilares textos integrais alta qualidade
editorial e industrial preccedilos baixos e distribuiccedilatildeo total atingindo todo o Brasil Esta editora
publicou dois romances de John Steinbeck em portuguecircs Ratos e homens (Of mice and men)
de 2005 e O inverno da nossa desesperanccedila (The winter of our discontent) de 2006
traduzidos por Ana Ban
Ivan Pinheiro Machado (2009) editor da coleccedilatildeo LampPM POCKET107 afirma que
dentre os criteacuterios para seleccedilatildeo de obras para serem traduzidas e publicadas em conformidade
com o projeto editorial da LampPM estaacute o criteacuterio da ediccedilatildeo de grandes autores modernos
claacutessicos e contemporacircneos Obviamente trata-se de um criteacuterio de seleccedilatildeo reconhecido no
sistema literaacuterio de partida (EVEN-ZOHAR 1990 47-59) Sobre o grau de influecircncia da
Editora no processo de revisatildeo ediccedilatildeo e publicaccedilatildeo Machado (2009) destaca que
primeiro a LampPM contrata aqueles que ela acredita serem tradutores de primeiriacutessima linha As traduccedilotildees ao chegarem na editora passam por uma revisatildeo criacutetica Muito poucas satildeo as traduccedilotildees devolvidas por insuficiecircncia teacutecnica mas sempre haacute duacutevidas e melhorias que satildeo realizadas aqui na LampPM
Machado (2009) tambeacutem expotildee um dos criteacuterios para a seleccedilatildeo de autores
Um autor expressivo um precircmio Nobel eacute uma razatildeo suficiente para ser cobiccedilado por um editor Ratos e homens eacute uma novela curta uma obra-prima do autor e deu origem a um grande filme Eacute um livro que menos do que um sucesso comercial eacute um livro que qualifica o cataacutelogo do editor
O prestiacutegio de dada obra eacute uma das justificativas para que ela seja selecionada
para ser traduzida e comercializada conforme destaca Even-Zohar (1990 59) Assim o
criteacuterio apontado por Machado estaacute em consonacircncia com Even-Zohar John Steinbeck aparece
ao lado de outros autores importantes como enfatiza Machado (2009)
a editora decidiu colocar em sua coleccedilatildeo de bolso grandes autores modernos e contemporacircneos entre outros tiacutetulos e gecircneros Steinbeck foi selecionado com Faulkner Hemingway Fitzgerald Henry Miller e outros autores mais recentes como Voneguth Tom Wolfe Truman Capote Norman Mailer Salinger e muitos outros
107 De acordo com respostas ao questionaacuterio enviado agrave LampPM obtidas via e-mail de 3 de fevereiro de 2009
127
Eacute importante lembrar que Ivan Pinheiro Machado (IPM) em entrevista a Claacuteudio
Willer (CW)108 manifestou seu gosto pessoal por John Steinbeck junto a outros nomes de
autores o que evidencia o papel de influecircncia do editor na seleccedilatildeo dos autoresobras para
traduccedilatildeo e publicaccedilatildeo
CW Editores satildeo leitores Fale de suas leituras suas preferecircncias sua vida cultural
IPM Meu trabalho me impotildee uma leitura que nem sempre seria a minha opccedilatildeo de lazer eou estudo Mas de qq [sic] forma eu embora suspeito sou fatilde da linha editorial da LampPM Gosto de ler quase tudo Tive momentos inesqueciacuteveis lendo dezenas de romances de Balzac (para editar a Comeacutedia Humana) gosto muito de todos os beats dos policiais noir como Hammett Chandler David Goodis Adoro Tolstoi principalmente Guerra e Paz Dostoieacutevski e o maravilhoso Crime e castigo Curto os americanos Hemingway Fitzgerald Faulkner Steinbeck Norman Mailer Paul Auster John Dunning Gosto de quadrinhos de Hugo Pratt Guido Crepax Breccia ()
O papel decisoacuterio sobre a seleccedilatildeo das obras a serem traduzidas a partir da
alegaccedilatildeo da tradutora Ana Ban que traduziu Of mice and men pela LampPM parece ser mais
ativo por parte da editora enquanto que o tradutor tem um papel mais passivo
geralmente a editora passa o livro para o tradutor que aceita ou natildeo o trabalho
foi o que aconteceu neste caso Eacute bastante raro a proposiccedilatildeo [sic] partir do tradutor
apesar de isto acontecer como foi o caso do livro Flush de Virginia Woolf tambeacutem da LampPM tambeacutem traduzido por mim (BAN 2008)
A necessidade de renovar a linguagem das obras em novas traduccedilotildees tornada
obsoleta devido ao tempo eacute comprovada pelo testemunho de Machado (2009) em relaccedilatildeo a
Of mice and men
nossa ideacuteia na coleccedilatildeo LampPM POCKET eacute sempre renovar Isto significa fazer novas traduccedilotildees de acordo com a visatildeo e a digamos terminologia da nossa eacutepoca O fato de existirem outras traduccedilotildees [de Eacuterico Veriacutessimo 1940 e 1968 e de Myriam Campello 1991 por exemplo] natildeo influenciou em nada pois a decisatildeo foi relativa agrave obra de Steinbeck e natildeo em relaccedilatildeo agraves traduccedilotildees de Steinbeck Mesmo porque a traduccedilatildeo de E Veriacutessimo eacute datada e a outra eu natildeo conheccedilo
Com base nessa afirmaccedilatildeo fica evidente que a editora LampPM entende a traduccedilatildeo
como reescritura pois quando Machado (2009) expotildee um dos princiacutepios dessa editora como
a ideacuteia de sempre renovar fica niacutetida a necessidade de atualizaccedilatildeo das traduccedilotildees ou seja
108 WILLER Claacuteudio Ivan Pinheiro Machado A leitura no Brasil e os pockets da LampPM Editores (entrevista de Ivan Pinheiro Machado a Claacuteudio Willer) Agulha
Revista de Cultura n 65
Fortaleza e Satildeo Paulo
setembrooutubro de 2008 Disponiacutevel em lthttpwwwrevistaagulhanombrag65machadohtmgt Acesso em 20 de marccedilo de 2009
128
novos textos construiacutedos de acordo com a subjetividade do tradutor mas sem perder de vista
o autor e a cultura de partida A questatildeo linguumliacutestica aparece nesse depoimento como um
motivo expliacutecito para se fazer uma nova traduccedilatildeo a atualizaccedilatildeo da linguagem Desse modo a
editora deve publicar essas reescrituras conforme algumas expectativas do sistema literaacuterio de
chegada o puacuteblico sua cultura seu tempo etc O foco na recepccedilatildeo ou na cultura de chegada
brasileira fica bem claro quando Machado (2009) declara que
nossa responsabilidade eacute fazer um trabalho intelectualmente correto fiel e pelo menos tentar passar para o nosso idioma a intenccedilatildeo do autor no que se refere ao linguajar dos personagens Se haacute uma deliberada transformaccedilatildeo no linguajar temos que aproximar esta ideacuteia do nosso puacuteblico no nosso idioma para que ele identifique atraveacutes desta deturpaccedilatildeo da liacutengua o niacutevel social (no caso de Ratos e homens) ou quando eacute o caso a etnia do personagem
Ao expor sobre a questatildeo do dialeto do texto de partida ( uma deliberada
transformaccedilatildeo no linguajar ) Machado (2009) reconhece que natildeo haacute como reproduzir essa
linguagem integralmente pois ele indica que temos de aproximar esta ideacuteia do nosso puacuteblico
no nosso idioma
(ecircnfase adicionada) Logo parece certo afirmar que haveraacute
alteraccedilotildeesmanipulaccedilotildees referentes ao texto de partida constituiacutedas no texto de chegada tais
como omissatildeo de trechos acreacutescimos a opccedilatildeo por uma linguagem mais formal ou menos
formal (dependendo do caso norma-padratildeo ou desvios da norma-padratildeo etc) e transcriccedilatildeo de
trechos ou fragmentos do texto de partida (por problemas de intraduzibilidade cultural por
exemplo) etc
129
4 ANAacuteLISE COMPARATIVA DE TREcircS TRADUCcedilOtildeES DE OF MICE AND MEN
ASPECTOS GERAIS
Que coisa eacute o livro Que conteacutem na sua fraacutegil arquitetura aparente
Satildeo palavras apenas ou eacute a nua exposiccedilatildeo de uma alma confidente
De que lenho brotou Que nobre instinto da prensa fez surgir esta obra de arte que vive junto a noacutes sente o que sinto
e vai clareando o mundo em toda parte
Carlos Drummond de Andrade
Neste capiacutetulo seratildeo examinados o texto de partida Of mice and men de John
Steinbeck publicado pela Heineman Educational Books Ltd na Inglaterra sem data e suas
respectivas traduccedilotildees em portuguecircs todas sob o mesmo tiacutetulo Ratos e homens quais sejam
traduccedilatildeo de Eacuterico Veriacutessimo publicada pela Editora do Globo Porto Alegre-RS em 1940109
traduccedilatildeo de Myriam Campello publicada pelo Ciacuterculo do Livro Satildeo Paulo-SP em 1991 e
traduccedilatildeo de Ana Ban publicada pela editora LampPM POCKET Porto Alegre-RS em 2005
O esquema teoacuterico de descriccedilatildeo de traduccedilotildees literaacuterias de Lambert e Van Gorp
(1985) apresentado anteriormente fundamentaraacute a anaacutelise Esse esquema que eacute composto
por quatro estaacutegios (dados preliminares macroestrutura microestrutura e contexto sistecircmico)
possibilita uma anaacutelise gradativa em que cada estaacutegio preacutevio prepara o caminho com os dados
obtidos para seu estaacutegio subsequumlente Cada um desses estaacutegios contemplaraacute principalmente os
textos de chegada (ecircnfase no produto) mas tambeacutem o texto de partida
Os Anexos constantes desta dissertaccedilatildeo ilustram os dados preliminares por meio
da reproduccedilatildeo das capas contracapas e folhas de rosto de cada uma das publicaccedilotildees
examinadas neste estudo referentes ao texto de partida (Anexo 1-A) e aos textos de chegada
(Anexos 1-A 1-B 1-C e 1-D)
Uma vez que natildeo seraacute possiacutevel considerar de forma integral as passagens do texto
de partida que poderiam servir de exemplos pertinentes para observar a postura dos tradutores
no processo tradutoacuterio seraacute feita a escolha de alguns excertos relevantes e ilustrativos do
todo Os criteacuterios para essa seleccedilatildeo consistiratildeo em primeiro lugar de trechos onde forem
detectados problemas ou dificuldades de traduccedilatildeo aos tradutores de liacutengua portuguesa O texto
109 Haacute outras publicaccedilotildees desta traduccedilatildeo em anos posteriores Um dos fatores que motivaram essas republicaccedilotildees foi a sua necessidade de atualizaccedilatildeo em virtude de uma nova reforma ortograacutefica que entrou em vigor em 1942 Assim vez por outra exemplos de uma ediccedilatildeo de 1968 da Editorial Bruguera seratildeo tambeacutem utilizados a fim de comparaccedilatildeo com a ediccedilatildeo de 1940 mencionada
130
de partida e as suas traduccedilotildees seratildeo tratados de modo sequumlencial em que cada um deles seraacute
examinado conforme a seguinte ordem e caracterizaccedilatildeo (1) texto de partida (2) traduccedilatildeo de
Eacuterico Veriacutessimo de 1940 (3) traduccedilatildeo de Myriam Campello de 1991 e (4) traduccedilatildeo de Ana
Ban de 2005 O texto de partida seraacute apresentado em caracteres normais respeitando as
situaccedilotildees especiais em que Steinbeck optou por itaacutelicos quanto aos diaacutelogos esses viratildeo entre
aspas simples Nos textos de chegada os trechos que representam diaacutelogos estaratildeo separados
por travessotildees Quando houver necessidade de anaacutelise de palavras ou expressotildees particulares
estas viratildeo sublinhadas tanto no texto de partida quanto nos textos de chegada
41 Dados preliminares
O texto de partida utilizado nesta anaacutelise Of mice and men de John Steinbeck eacute
uma ediccedilatildeo de bolso de capa dura em inglecircs sem data de publicaccedilatildeo da editora Heineman
seacuterie New Windmills impressa em Oxford Inglaterra O Anexo 1-A mostra os dados da capa
contracapa e folhas de rosto Na capa haacute uma ilustraccedilatildeo em que dois homens viajam a peacute num
cenaacuterio campestre e representam os personagens principais George e Lennie Constam na
capa e na lombada o tiacutetulo da obra e o nome do autor A contracapa apresenta uma sinopse
No interior do livro as seis primeiras paacuteginas estatildeo em branco aleacutem da oitava enquanto que
a seacutetima apresenta outra sinopse precedida de um logotipo contendo o nome da editora
(Heineman) e da seacuterie (New Windmills) a nona paacutegina repete o tiacutetulo seguido do nome do
autor e logo abaixo o logotipo com o nome da editora e a seacuterie A deacutecima paacutegina conteacutem
informaccedilotildees editoriais locais da sede e das filiais da editora em vaacuterios paiacuteses nuacutemero de
registro ISBN duas datas de publicaccedilatildeo (First published by William Heineman Ltd 1937
First published in the New Windmill Series 1965) etc Nestes dados preliminares natildeo haacute
informaccedilotildees sobre o autor introduccedilatildeo prefaacutecio posfaacutecio sumaacuterio ou notas de rodapeacute Nas
trecircs uacuteltimas paacuteginas constam nomes de outras obras publicadas por essa editora A numeraccedilatildeo
das paacuteginas consta apenas no texto principal No romance propriamente dito de I a 113 A
obra conteacutem seis capiacutetulos numerados por extenso em letras maiuacutesculas Trata-se de uma
ediccedilatildeo integral natildeo adaptada
Os textos de chegada de Veriacutessimo (1940) e de Ban (2005) mesmo variando em
suas dimensotildees configuram-se como ediccedilotildees de bolso ou seja tecircm dimensotildees pequenas e
preccedilo acessiacutevel popular Quanto ao texto de Campello (1991) este pertence a outra categoria
131
a dos clubes de livros tambeacutem de cunho popular em linhas gerais conforme caracterizaccedilatildeo
dada por John Milton (2002) Apenas a traduccedilatildeo de Myriam Campello estaacute em capa dura
Tambeacutem a traduccedilatildeo do tiacutetulo para o portuguecircs eacute comum a essas trecircs traduccedilotildees
Ratos e homens Os Anexos 1-A 1-B 1-C e 1-D contecircm fotocoacutepias das capas das
contracapas e de paacuteginas com informaccedilotildees relevantes dessas ediccedilotildees Estas publicaccedilotildees natildeo
possuem sumaacuterio prefaacutecio posfaacutecio introduccedilatildeo notas de fim nem epiacutegrafes A traduccedilatildeo de
Eacuterico Veriacutessimo (1940) apresenta notas de orelha sobre outras publicaccedilotildees da Livraria do
Globo Natildeo Estamos Soacutes de James Hilton e O Priacutencipe Otto de Robert Louis Stevenson
Cada uma das traduccedilotildees de Myriam Campello (1991 101-103) e de Ana Ban (2005 5-9)
trazem biografias de John Steinbeck
Na traduccedilatildeo de Veriacutessimo (1940) a capa apresenta em desenho uma cena da
histoacuteria em que aparecem os personagens Lennie e a mulher de Curley Lennie acaricia os
cabelos da mulher de Curley na cena em que ela morre acidentalmente pelas matildeos daquele
homem Eacute uma imagem que aparentemente justifica o tiacutetulo desse filme em portuguecircs
Cariacutecia Fatal exibido no Brasil em meados de 1940 (tiacutetulo original Of mice and men
dirigido por Lewis Milestone em 1939) Tambeacutem na capa constam de cima para baixo o
nome do escritor o tiacutetulo Ratos e homens o nome da coleccedilatildeo (Nobel) seguido pela expressatildeo
Ediccedilatildeo da Livraria do Globo
e local (Porto Alegre) A contracapa conteacutem informaccedilotildees em
linguagem que chama a atenccedilatildeo do leitor para o autor e para seus livros Ratos e homens e As
vinhas da ira (sinopses dessas duas obras) Constam nesse texto de teor propagandiacutestico uma
ecircnfase em relaccedilatildeo a John Steinbeck O autor mais discutido do mundo como tambeacutem uma
resenha sobre esse autor em que se destacam dizeres em tom de apelo forte como Bem
disse um consagrado criacutetico americano declarando que a pena de Steinbeck eacute infinitamente
mais poderosa do que muitas espadas Esta traduccedilatildeo estaacute dividida em seis capiacutetulos
numerados em caracteres indo-araacutebicos As paacuteginas no total somam duzentas e nove O
tiacutetulo em inglecircs aparece na quarta paacutegina seguido pelos direitos de traduccedilatildeo e outros dados
editoriais
A traduccedilatildeo de Myriam Campello (1991) publicada pelo Ciacuterculo do Livro tem na
capa em tons de verde e rosa principalmente uma ilustraccedilatildeo que representa os personagens
George e Lennie Entre os dois personagens haacute dois ratos intercalados com a marca de uma
matildeo O tiacutetulo em portuguecircs estaacute em posiccedilatildeo superior em letras minuacutesculas e o nome do autor
estaacute na parte inferior da capa Esta ordem entre o tiacutetulo em portuguecircs (ainda em letras
minuacutesculas) e o nome do autor se inverte na lombada A contracapa verde apenas apresenta a
imagem de um rato num quadrado rosa O tiacutetulo em portuguecircs se repete na primeira paacutegina
132
(isolado) e na segunda paacutegina (entre o nome do autor e o nome da editora) a terceira paacutegina
exibe os dados postais da editora os dizeres Ediccedilatildeo integral e Tiacutetulo do original Of mice
and men seguindo-se os direitos autorais o nome da tradutora e do ilustrador da capa
Ainda na terceira paacutegina constam as seguintes informaccedilotildees Licenccedila editorial para o Ciacuterculo
do Livro por cortesia da Distribuidora Record de Serviccedilos de Imprensa SA mediante acordo
com Elaine A Steinbeck venda permitida apenas aos soacutecios do Ciacuterculo composto
impresso e encadernado pelo Ciacuterculo do Livro SA
Esta publicaccedilatildeo conteacutem seis capiacutetulos
em nuacutemeros indo-araacutebicos e cento e trecircs paacuteginas
A traduccedilatildeo de Ana Ban eacute uma publicaccedilatildeo da LampPM Editores de 2005 Pertence agrave
coleccedilatildeo LampPM Pocket (livros de bolso) Sua capa eacute ilustrada com uma fotografia retirada do
filme Of mice and men de 1992 dirigido e estrelado por Gary Sinise (conforme informaccedilotildees
jaacute mencionadas) O tiacutetulo em portuguecircs aparece todo em letras maiuacutesculas seguido pelo nome
do autor tambeacutem em letras maiuacutesculas logo abaixo estaacute a informaccedilatildeo Precircmio Nobel
1962 O nome da editora e da seacuterie aparecem verticalmente na lateral esquerda da capa em
letras maiuacutesculas A lombada repete o tiacutetulo em portuguecircs seguido do nome do autor e da
editora em maiuacutesculas e tambeacutem o nuacutemero 413 que se refere ao nuacutemero de cataacutelogo
(volume) Na contracapa em destaque a expressatildeo Precircmio Nobel 1962 novamente surge
logo acima de informaccedilotildees sobre o livro contendo uma sinopse em linguagem conativa
destacando a grandeza e o talento do autor bem como apelos do tipo um claacutessico sobre o
doloroso periacuteodo da Grande Depressatildeo americana Uma peccedila de ficccedilatildeo para ser lida e relida
Seguem tambeacutem na contracapa o nome da editora destacado e com a frase de efeito A maior
coleccedilatildeo de livros de bolso do Brasil e a expressatildeo texto integral em letras maiuacutesculas num
retacircngulo vermelho haacute outros lanccedilamentos da coleccedilatildeo O tiacutetulo se repete na primeira paacutegina
isolado e na terceira acompanhado no topo pelo nome do autor e logo abaixo com o nome
da tradutora Ana Ban na parte inferior da terceira paacutegina tambeacutem surge o endereccedilo eletrocircnico
da editora e seu nome em logotipo Informaccedilotildees editoriais estatildeo dispostas na quarta paacutegina
(nome da coleccedilatildeo nuacutemero de cataacutelogo tiacutetulo em inglecircs nome da tradutora dos revisores e do
ilustrador ISBN etc) Esta ediccedilatildeo conteacutem seis capiacutetulos natildeo numerados a numeraccedilatildeo das
paacuteginas vai ateacute 145 exatamente onde termina a histoacuteria Seguem-se nas uacuteltimas paacuteginas natildeo
numeradas uma sugestatildeo de leitura e os tiacutetulos que constam no cataacutelogo desta coleccedilatildeo
Pelos dados preliminares apresentados pode-se tecer algumas consideraccedilotildees
sobre as traduccedilotildees em exame Com relaccedilatildeo agrave traduccedilatildeo do tiacutetulo do romance a soluccedilatildeo
unacircnime de Ratos e homens revela uma tendecircncia consolidada desde a traduccedilatildeo mais antiga
de Eacuterico Veriacutessimo (1940) contrariando o apelo comercial que poderia surgir por associaccedilatildeo
133
agrave adaptaccedilatildeo para o cinema de 1939 de Lewis Milestone exibido no Brasil como Cariacutecia
Fatal Entretanto cogita-se que para a traduccedilatildeo mais recente de Ana Ban (2005) a
refilmagem de 1992 Ratos e homens de Gary Sinise talvez possa ter tido influecircncia sobre a
escolha do tiacutetulo nessa traduccedilatildeo
A posiccedilatildeo em que aparecem o tiacutetulo do livro e o nome do autor bem como o
tamanho das letras faz supor sobre o grau de importacircncia relativo a cada um desses itens na
traduccedilatildeo de Veriacutessimo (1940) por exemplo o nome do autor estaacute acima do tiacutetulo enquanto
que na de Campello (1991) e de Ban (2005) essa posiccedilatildeo se inverte Assim mesmo nos casos
em que o nome de Steinbeck em posiccedilatildeo superior ele sempre surge em letras menores em
relaccedilatildeo agraves do tiacutetulo do que se pode concluir que o tiacutetulo por estar grafado em caracteres
maiores ganhou mais destaque e importacircncia ligeiramente maior em todas estas ediccedilotildees Ao
tradutor eacute dada importacircncia menor do que ao tiacutetulo e ao nome do autor pois os nomes dos
tradutores satildeo colocados apenas nas primeiras paacuteginas de cada exemplar Tambeacutem o tamanho
menor das letras que indicam quem traduziu a obra coloca o tradutor em terceiro plano numa
posiccedilatildeo de hierarquia inferior ao tiacutetulo e ao nome do autor fato constatado em todos os
exemplares em questatildeo A ausecircncia dos nomes dos tradutores na capa pode tambeacutem deixar a
impressatildeo equivocada talvez a leitores menos atentos de que natildeo se trata de traduccedilotildees A
menccedilatildeo do tiacutetulo em inglecircs entretanto consta em todas estas publicaccedilotildees nas primeiras
paacuteginas fazendo com que o leitor brasileiro perceba que estes textos satildeo traduccedilotildees e natildeo
produzidos originalmente em portuguecircs
Nenhum dos textos de chegada apresenta prefaacutecio posfaacutecio ou sumaacuterio Haacute uma
nota de rodapeacute da tradutora na traduccedilatildeo de Campello (2005 43) e duas notas de rodapeacute do
editor na traduccedilatildeo de Ban (2005 36 e 38) enquanto que na traduccedilatildeo de Veriacutessimo natildeo haacute
nenhuma
Cada uma das ilustraccedilotildees de capa sugere ao leitor alguma coisa sobre a obra
dependendo eacute claro da subjetividade de cada pessoa Dessas imagens inferem-se impressotildees
preacutevias que podem ser provocadas no consumidorleitor quando se tenta chamar sua atenccedilatildeo
para o produto por meio de associaccedilotildees possiacuteveis entre as imagens e o provaacutevel conteuacutedo da
histoacuteria a ser lida Nas traduccedilotildees de Veriacutessimo (1940) e de Ban (2005) essas estrateacutegias
editoriais ganham apoio de imagens cinematograacuteficas reproduzidas nas capas (em Veriacutessimo
a reproduccedilatildeo de uma cena do filme de 1939 e em Ban a reproduccedilatildeo de uma cena da
refilmagem de 1992) Alguns pontos que revelam a caracteriacutestica comercial estrateacutegias de
marketing dessas publicaccedilotildees por exemplo satildeo a divulgaccedilatildeo do nome das editoras e de seus
dados (endereccedilo telefone e-mail etc) o uso da linguagem conativa o anuacutencio de outras
134
obras de seus cataacutelogos aleacutem da presenccedila de nomes considerados importantes na capa
contracapa ou nos paratextos nome do autor do tradutor como por exemplo do escritor-
tradutor Eacuterico Veriacutessimo na publicaccedilatildeo de 1940
O objetivo comercial das traduccedilotildees como visto acima atende a certos
pressupostos de modo a se conseguir sucesso num projeto editorial Alguns pontos
relevantes nessa intenccedilatildeo por exemplo destacados por Machado (2009) editor da coleccedilatildeo
LampPM Pocket dizem respeito agrave seleccedilatildeo de autores renomados como no caso de John
Steinbeck
A editora decidiu colocar em sua coleccedilatildeo de bolso grandes autores modernos e contemporacircneos entre outros tiacutetulos e gecircneros Steinbeck foi selecionado com Faulkner Hemingway Fitzgerald Henry Miller e outros mais recentes como Voneguth Tom Wolfe Truman Capote Norman Mailer Salinger e muitos outros (MACHADO 2009)
Outro aspecto levantado por Machado (2009) diz respeito agrave escolha dos
tradutores de forma que o resultado do trabalho seja de oacutetima qualidade [] a LampPM
contrata aqueles que ela acredita serem tradutores de primeiriacutessima linha Essa afirmaccedilatildeo
deixa margem para outra conclusatildeo que diz respeito outra vez agrave questatildeo comercial um bom
produto entatildeo teraacute boa aceitaccedilatildeo por parte do puacuteblico consumidor
42 Macroestrutura
As trecircs traduccedilotildees analisadas apresentam texto integral em relaccedilatildeo ao seu texto de
partida A macroestrutura dessas trecircs traduccedilotildees em geral segue aquela do texto de partida
pois natildeo haacute por exemplo alteraccedilatildeo no nuacutemero de capiacutetulos (seis) das traduccedilotildees examinadas
em relaccedilatildeo ao texto de partida Em nenhum dos capiacutetulos desses textos de chegada houve
omissotildees ou cortes significativos O tamanho do conteuacutedo textual portanto permaneceu
bastante similar agrave do texto de partida A diferenccedila em quantidade de paacuteginas em cada um dos
textos (113 para o texto de partida 209 para a traduccedilatildeo de Veriacutessimo 103 para a traduccedilatildeo de
Campello e 145 para a traduccedilatildeo de Ban) se deve principalmente ao tamanho e formato de
cada ediccedilatildeo O enredo o nuacutemero de personagens e o tema natildeo satildeo alterados
Uma diferenccedila marcante neste niacutevel diz respeito agraves notas de rodapeacute presentes na
traduccedilatildeo de Campello e de Ban mas ausentes na traduccedilatildeo de Veriacutessimo Em Campello trata-
se de uma nota do editor em itaacutelico referindo-se a um trocadilho com o nome de Lennie
Small Trocadilho com o nome do personagem small significa pequeno
(CAMPELLO
135
1991 34) e uma uacutenica nota da tradutora na paacutegina 43 referindo-se ao vocaacutebulo inglecircs
airedale Espeacutecie de catildeo terrier originaacuterio da Inglaterra e em Ban satildeo apenas duas notas do
editor uma na paacutegina 36 explicando o sobrenome do personagem Lennie Small
literalmente pequeno em inglecircs e a outra na paacutegina 38 explicando o nome do
personagem Slim Slim magro ou delgado em inglecircs
Os capiacutetulos natildeo apresentam tiacutetulos em conformidade com o texto de partida e a
sua identificaccedilatildeo eacute representada por nuacutemeros cardinais indo-araacutebicos (Veriacutessimo e Campello)
ou escritos por extenso (caso do texto de partida) ou simplesmente pela conclusatildeo do texto
de um capiacutetulo numa paacutegina e a retomada do texto como um novo capiacutetulo na paacutegina seguinte
(neste caso o intervalo entre um capiacutetulo e outro eacute apenas representado por um espaccedilo em
branco
caso da traduccedilatildeo de Ana Ban) Estas podem ser preferecircncias tanto dos tradutores
como dos editores A palavra capiacutetulo eacute sempre omitida
O texto de partida possui paraacutegrafos mais longos do que as traduccedilotildees paraacutegrafos
maiores em inglecircs tendem a ser subdivididos em dois ou agraves vezes trecircs nos textos de
chegada em portuguecircs Isso pode ser evidenciado no seguinte exemplo
Evening of a hot day started the little wind to moving among the leaves The shade climbed up the hills toward the top On the sand-banks the rabbits sat as quietly as little grey sculptured stones And then from the direction of the state highway came the sound of footsteps on crisp sycamore leaves The rabbits hurried noiselessly for cover A stilted heron laboured up into the air and pounded down-river For a moment the place was lifeless and then two men emerged from the path and came into the opening by the green pool They had walked in single file down the path and even in the open one stayed behind the other Both were dressed in denim trousers and in denim coats with brass buttons Both wore black shapeless hats and both carried tight blanket rolls slung over their shoulders The first man was small and quick dark of face with restless eyes and sharp strong features Every part of him was defined small strong hands slender arms a thin and bony nose Behind him walked his opposite a huge man shapeless of face with large pale eyes with wide sloping shoulders and he walked heavily dragging his feet a little the way a bear drags his paws His arms did not swing at his sides but hung loosely and only moved because the heavy hands were pendula (STEINBECK sd 2)
O anoitecer dum dia caacutelido pocircs em movimento a brisa por entre as focirclhas A sombra subiu as colinas na direccedilatildeo dos topos Os coelhos estavam sentados imoacuteveis nas margens arenosas como pequenas esculturas de pedra cinzenta E depois das bandas da estrada estadual veio o som de passos socircbre as focirclhas secas de sicocircmoro Os coelhos correram furtivos para seus esconderijos Uma garccedila empertigada se ergueu pesadamente no ar e sobrevoou o rio corrente abaixo Por um momento a vida como que cessou naquele recanto e depois dois homens emergiram do sendeiro e desceram para a clareira junto do poccedilo verde
Caminhavam em fila indiana estrada abaixo e mesmo na clareira ficaram um atraacutes do outro Vestiam ambos calccedilas e casacos de sarja de algodatildeo azul com bototildees de cobre Tinham ambos chapeacuteus pretos e informes e traziam agraves costas cobertores num rocirclo apertado
O primeiro dos homens era pequeno e vivo moreno de rosto de olhos inquietos e penetrantes e traccedilos bem marcados Tudo nele era definido matildeos pequenas e fortes braccedilos delgados nariz fino e ossudo Atraacutes decircle vinha o seu
136
oposto um homem enorme de cara sem forma grandes olhos paacutelidos e ombros largos e caiacutedos caminhava pesadamente arrastando um pouco os peacutes assim no jeito como os ursos arrastam as patas Seus braccedilos natildeo oscilavam acompanhando o movimento das pernas mas pendiam frouxos ao longo do torso (VERIacuteSSIMO 1940 8)
Ao anoitecer daquele dia quente uma brisa comeccedilou a mover-se entre as folhas A sombra escalava as colinas em direccedilatildeo ao topo e os coelhos sentavam-se quietos como pequenas esculturas de pedra cinzenta nas margens arenosas Vindo da rodovia estadual um som de passos estalou nas folhas secas dos sicocircmoros Raacutepidos sem ruiacutedo os coelhos se esconderam Uma pomposa garccedila ergueu-se pesadamente no ar e bateu asas rio abaixo Durante um momento o lugar tornou-se inanimado Entatildeo a seguir dois homens surgiram no caminho e pararam na clareira junto ao lago verde
Caminhavam em fila indiana e mesmo ali na clareira permaneciam um atraacutes do outro Ambos vestiam calccedilas e casacos de brim com bototildees de cobre Os dois usavam chapeacuteu preto disforme e carregavam nos ombros cobertores bem enrolados O primeiro homem era pequeno moreno e aacutegil com olhos inquietos e traccedilos fortes marcantes Tudo nele era bem definido matildeos pequenas e vigorosas braccedilos delgados e nariz fino e ossudo O homem agrave retaguarda era o seu oposto Enorme rosto inexpressivo olhos grandes e morticcedilos e ombros largos caiacutedos Caminhava pesadamente arrastando um pouco os peacutes como os ursos Seus braccedilos natildeo oscilavam de forma natural pendiam frouxos ao longo do tronco (CAMPELLO 1991 6)
O anoitecer de um dia quente fez com que uma brisa comeccedilasse a soprar por entre as folhas A sombra ia subindo pelas montanhas em direccedilatildeo ao topo Nas margens arenosas as lebres se acomodaram como se fossem pedrinhas cinzentas e esculpidas E entatildeo dos lados a auto-estrada estadual veio o som de passos sobre as folhas de plaacutetano secas As lebres saiacuteram correndo em silecircncio em busca de abrigo Uma garccedila que ali descansava saiu voando rio abaixo Por um instante o lugar ficou sem vida e entatildeo dois homens surgiram da trilha e passaram agrave clareira ao lado da lagoa verde
Haviam caminhado em fila indiana pela trilha e mesmo ali em terreno aberto continuavam um atraacutes do outro Ambos usavam calccedilas de brim e jaquetas de brim com bototildees de latatildeo Ambos usavam um chapeacuteu preto disforme e ambos carregavam cobertores enrolados bem apertados pendurados no ombro O primeiro era pequeno e raacutepido moreno de rosto com olhos inquietos e traccedilos bem definidos e fortes Cada parte dele era bem definida matildeos pequenas e fortes braccedilos delgados nariz fino e ossudo Atraacutes dele vinha sua antiacutetese um homem enorme sem formas definidas no rosto com olhos grandes e claros com ombros caiacutedo e amplos que caminhava pesadamente arrastando um pouco os peacutes da maneira como um urso arrasta as patas Os braccedilos natildeo balanccedilavam ao lado do corpo apenas permaneciam soltos (BAN 2005 12-13)
Em termos de conteuacutedo natildeo haacute omissotildees ou acreacutescimos significativos em todas as
traduccedilotildees A quantidade dos diaacutelogos permanece inalterada nas traduccedilotildees e a sua proporccedilatildeo eacute
similar agrave do texto de partida adotado nesta dissertaccedilatildeo Em todas as traduccedilotildees examinadas
verifica-se o uso de travessotildees para marcar os diaacutelogos (discurso direto) enquanto que no
texto de partida haacute o uso de aspas simples marcando o discurso direto e em menor
frequumlecircncia haacute o discurso indireto livre marcado por aspas duplas como indicado nos trechos
sublinhados Aleacutem disso as aspas duplas tambeacutem marcam o discurso indireto livre nas
traduccedilotildees desse trecho
137
We could just as well of rode clear to the ranch if that bastard bus-driver knew what
he was talkin about Jes a little stretch down the highway
he says Jes a little
stratch
[]
(STEINBECK sd 4)
- Noacutes bem podiacuteamos ter ido direito agrave fazenda
disse ecircle coleacuterico
se aquele
condutor cachorro soubesse o que estava dizendo Soacute mais uma puxadinha depois
da estrada real
disse ecircle
Soacute mais uma puxadinha
[] (VERIacuteSSIMO 1940
10)
- A gente bem que podia ter ido direto pra fazenda
disse com raiva
se aquele motorista nojento soubesse o que tava falando Soacute uma esticadinha estrada abaixo ele disse Soacute uma esticadinha (CAMPELLO 1991 7)
- A gente bem que podia tecirc chegado direto na fazenda se aquele idiota daquele motorista de ocircnibus soubesse o que tava falando Soacute uma caminhadinha curtinha saindo da estrada ele disse Soacute uma caminhadinha curtinha (BAN 2005 14)
A narrativa em terceira pessoa (discurso indireto) eacute mantida nas seguintes
traduccedilotildees
The day was going fast now Only the tops of the Gabilan mountains flamed with the light of the sun that had gone from the valley [ ] (STEINBECK sd 7)
O dia agora morria de-pressa Apenas o cume dos montes Gabilan estavam incendiados da luz do sol que descera para o vale [] (VERIacuteSSIMO 1940 17)
O dia se extinguia agora rapidamente Soacute os topos das montanhas Gabilan flamejavam agrave luz do sol que abandonara os vales [] (CAMPELLO 1991 10)
O dia estava indo embora rapidamente Apenas o topo das montanhas Gabilan queimava com a luz do sol que jaacute tinha ido embora do vale [] (BAN 2005 19)
43 Microestrutura
Os dados indicam que estas traduccedilotildees satildeo orientadas para o puacuteblico da liacutengua de
chegada pois as suas ediccedilotildees seguem a tradiccedilatildeo do sistema de chegada brasileiro ou seja os
recursos que promovem estes produtos de modo geral fazem parte de estrateacutegias comerciais
comumente adotadas no Brasil com referecircncias do ponto de vista brasileiro as imagens das
produccedilotildees cinematograacuteficas exibidas neste paiacutes nas capas da traduccedilatildeo de Veriacutessimo e de Ana
Ban o portuguecircs brasileiro de cada eacutepoca (1940 1991 e 2005)
As diferentes datas dessas trecircs traduccedilotildees deixam clara a necessidade de
atualizaccedilatildeo das traduccedilotildees cada qual pretendendo comunicar ao seu leitor numa voz
138
contemporacircnea conforme argumentam Landers (2001 10-11) Milton (1998 40) Benjamin
(2001 197) Schulte apud Hatje-Faggion (2001 13) entre outros Nesse sentido tambeacutem
cada um dos textos traduzidos fala por si mesmo cada qual com a ortografia e o tom de sua
proacutepria eacutepoca
Nas traduccedilotildees de Veriacutessimo (1940) Campello (1991) e Ban (2005) observa-se a
escolha unacircnime para o tiacutetulo Of mice and men (STEINBECK sd) em portuguecircs como
Ratos e homens em que se observa que a palavra rato natildeo eacute uma correspondente perfeita
para mouse (plural mice) Mouse designa camundongo ou seja uma espeacutecie de rato pequeno
enquanto que para rato teria-se em inglecircs rat Todavia resta saber que impressatildeo causaria
ao leitor por exemplo Camundongos e Homens ou Ratinhos e Homens Haveria talvez
um estranhamento pela distorccedilatildeo causada em relaccedilatildeo ao tiacutetulo na liacutengua de partida pois
camundongo ou ratinho em portuguecircs parecem conferir um significado jocoso
contrariamente ao significado intencional de mouse A escolha do vocaacutebulo ratos de acordo
com a cultura brasileira manteacutem o significado conforme o texto de partida e sugere algo
mais jaacute que se trata de um animal um pouco maior ao qual se associa a repugnacircncia e a
imagem da sujeira onde normalmente ele vive
Conforme explicitado anteriormente a intertextualidade presente no tiacutetulo deste
romance a partir do poema To a Mouse110 de Robert Burns deixa clara uma intenccedilatildeo por traacutes
do simbolismo do tiacutetulo neste poema a insignificacircncia de um camundongo e de seu ninho
destruiacutedo pelo acaso ou pelo Destino por meio da accedilatildeo de outro ser muito mais forte eacute
comparada agrave fragilidade dos planos ou sonhos dos homens (conforme seacutetima estrofe vide
abaixo) O ser humano numa metaacutefora pessimista eacute marginalizado e animalizado assumindo
os atributos do camundongo pequeno fraacutegil e que vive de restos
Os nomes proacuteprios em Of mice and men (ou a ausecircncia deles) satildeo em boa parte
sugestivos Soledad por exemplo que eacute o nome da cidade mais proacutexima da fazenda onde a
histoacuteria se passa eacute uma clara alusatildeo a um dos temas principais pois essa palavra significa
solidatildeo em espanhol Neste caso tanto Veriacutessimo como Campello e Ban transcrevem este
nome A maior parte dos personagens do romance eacute do sexo masculino e quando se faz
referecircncia agrave mulher ou ela eacute uma imagem do passado como Aunt Clara (a Tia Clara de
Lennie jaacute morta e soacute aparece no final da histoacuteria durante uma visatildeo de Lennie em que ela o
repreende por causar problemas a George) ou eacute malvista e fonte frequumlente de problemas
como no caso do uacutenico personagem feminino com participaccedilatildeo ativa que eacute o caso da mulher
110 Segundo Otto Maria Carpeaux (1968 6) To a Field Mouse
139
de Curley (Curley s wife) da qual o autor nunca revela o nome e este apagamento reforccedila a
imagem negativa da mulher O nome do patratildeo tambeacutem nunca eacute mencionado Este
personagem soacute aparece uma vez sempre referido como the boss Quanto a outros
personagens Aunt Clara eacute sempre a Tia Clara bem como Curley s wife eacute simplesmente
traduzida como a mulher de Curley e the boss eacute o patratildeo
Dentre os personagens masculinos haacute certa ironia com Lennie Small pois seu
sobrenome
Small
significa baixo o contraacuterio de uma de suas caracteriacutesticas fiacutesicas
a
estatura alta Seu companheiro eacute George Milton talvez numa alusatildeo ao poeta inglecircs do seacuteculo
XVII John Milton e seu poema eacutepico Paraiacuteso Perdido O velho Candy em portuguecircs
doce mas aparentemente este significado natildeo se aplica aqui Para Crooks o negro do
estaacutebulo entretanto seu nome eacute uma referecircncia direta ao seu defeito fiacutesico significa torto
O nome de Curley o filho do patratildeo eacute uma referecircncia aos seus cabelos enrolados a que sua
esposa refere serem parecidos com arame Take Curley His hair is jus like wire
(STEINBECK sd 96) Slim eacute o condutor de mulas (VERIacuteSSIMO 1940 68) ou arrieiro
(CAMPELLO 1991 32) e carroceiro (BAN 2005 52) o priacutencipe do rancho
(VERIacuteSSIMO 1940 68 CAMPELLO 1991 32 mas para BAN 2005 52 o priacutencipe da
fazenda ) e o uacutenico personagem que parece estar em paz consigo mesmo Seus companheiros
de trabalho sempre lhe pedem conselhos Eacute tranquumlilo e pensativo e eacute somente ele quem
compreende a natureza da amizade entre George e Lennie consolando George apoacutes o final
traacutegico da histoacuteria Eacute esguio de corpo o que seu nome sugere Carlson seu nome natildeo tem
significado aparente bem como o de Whit Na traduccedilatildeo de Veriacutessimo (1940) os nomes dos
personagens ora satildeo traduzidos ora transcritos George MiltonGeorge Milton Lennie
SmallLennie Small CandyCandy CrooksCrooks CurleyCrespinho SlimMagro
CarlsonCarlson WhitWhit As tradutoras Campello (1991) e Ban (2005) por sua vez
apenas transcrevem os nomes de pessoas
Assim percebe-se que os tradutores optam de modo geral por preservar a
nacionalidade dos personagens relacionada aos seus nomes agrave maneira que Newmark (1988)
aconselha em primeiro lugar ou seja a simples transcriccedilatildeo dos nomes As exceccedilotildees ficam por
conta de Veriacutessimo que abrasileirou os nomes dos personagens Curley e Slim por
Crespinho (traduzido e adaptado) e Magro (traduzido) respectivamente em desalinho com o
nome dos outros personagens os quais permaneceram com nomes estrangeiros Isso poderia
talvez significar uma preocupaccedilatildeo do tradutor com o puacuteblico da liacutengua de chegada Veriacutessimo
manteve os outros nomes de personagens intactos mas percebe-se por exemplo que o nome
George facilmente se adaptaria a Jorge Crooks
que remete agrave palavra inglesa crook que
140
alude a desvio curvatura e portanto a uma caracteriacutestica fiacutesica deste personagem
tambeacutem
poderia encontrar uma soluccedilatildeo em portuguecircs tal como Torto
Quanto a localidades e nomes geograacuteficos algumas soluccedilotildees tradutoacuterias satildeo agraves
vezes idecircnticas agraves vezes diferentes
1) Steinbeck The Salinas RiverGabilan mountainsSoledad (p I)Howard Street (p 5)Weed (p 6)The Riverside Dance Palace (p 93)
2) Veriacutessimo Rio Salinasmontanhas GabilanSoledad (p5)Howard Street (p 12)Weed (p 15)Palaacutecio da Dansa (p172)
3) Campello Rio Salinasmontanhas GabilanSoledad (p 5)Howard Street (p 8)Weed (p 9)Riverside Dance Palace (p 83)
4) Ban Rio Salinasmontanhas GabilanSoledad (p 11)rua Howard (p 15)Weed (p 17)Dance Palace de Riverside (p 121)
Nota-se que para The Salinas RiverGabilan mountainsSoledad natildeo houve
nenhuma diferenccedila nos textos de chegada pois os trecircs tradutores optaram pelas mesmas
soluccedilotildees fazendo transferecircncias (BARBOSA 2004 71-77) por estrangeirizaccedilatildeo (VENUTI
1998 241) traduzindo os vocaacutebulos onde possiacutevel (RiverRio mountainsmontanhas) Rio
Salinasmontanhas GabilanSoledad Para Howard StreetWeed o mesmo procedimento eacute
adotado pelos tradutores apenas com uma diferenccedila em relaccedilatildeo a Ana Ban Howard
StreetWeed (VERIacuteSSIMO) Howard StreetWeed (CAMPELLO) Rua
HowardWeed
(BAN)
Por fim River Side Dance Palace encontra uma domesticaccedilatildeo (VENUTI 1998
240) feita por Veriacutessimo Palaacutecio da Dansa (em que a palavra dansa obedece agrave ortografia da
eacutepoca dessa traduccedilatildeo 1940) Campello faz uma transferecircncia (BARBOSA 2004) por
estrangeirizaccedilatildeo (VENUTI 1998) Riverside Dance Palace Ana Ban por seu turno deixa
uma expressatildeo hiacutebrida Dance Palace de Riverside
As formas de tratamento e vocativos no texto de partida na maioria das vezes
satildeo mais informais a exemplo de he she it you etc Algumas exceccedilotildees
Mr Slim
() You
told me to warm up tar for the mule s foot ()
(STEINBECK
sd 53)
Seu Magro
( )
O senhor me disse que aquentasse o alcatratildeo pro casco da mula
( ) (VERIacuteSSIMO 1940 99)
141
Seu Slim
()
O senhor
me disse pra esquentar o alcatratildeo pro casco da mula ()
(CAMPELLO 1991 47)
Seu Slim ()
O sinhocirc
me mandocirc isquentaacute piche pro casco daquela mula ()
(BAN 2005 73)
Nos exemplos acima percebe-se um ligeiro grau de formalidade ou respeito por
causa do vocativo Mr traduzido por Seu O pronome you possui um tom neutro e somente
pelo contexto eacute que se presume certa formalidade facilmente reconhecida em senhor
(VERIacuteSSIMO e CAMPELLO) e em sinhocirc (BAN) Outro exemplo estaacute no uso de ma am
(madam)
Why Curley he got his han caught in a machine ma am
()
(STEINBECK
sd 82)
Ora o Crespinho meteu a matildeo numa maacutequina moccedila
() (VERIacuteSSIMO 1940
152)
Ora ele prendeu a matildeo numa maacutequina () (CAMPELLO 1991 73)
Ah o Curley ele ficocirc co a matildeo presa numa maacutequina moccedila
() (BAN 2005
108)
Neste uacuteltimo caso ma am eacute traduzido por moccedila (VERIacuteSSIMO e BAN) revelando
um misto de inseguranccedila respeito e hesitaccedilatildeo pois o personagem Candy conta uma mentira
para a mulher de Curley Esses efeitos todavia se perdem no texto de Campello que omite
esse vocativo
O texto de partida apresenta agraves vezes o uso de itaacutelico para dar ecircnfase a algumas
passagens como em
Give it here said George Aw leave me have it George
Give it here (STEINBECK sd 6)
- Passa isso pra caacute - Oh Deixa-me ficar com ecircle George - Passa isso pra caacute (VERIacuteSSIMO 1940 14)
- Me daacute aqui - Ah George deixa eu ficar com ele - Me daacute aqui (CAMPELLO 1991 9)
- Daacute aqui disse George - Ah deixa eu ficaacute com ele George - Daacute aqui (BAN 2005 16)
142
Na traduccedilatildeo de Veriacutessimo essas mesmas passagens estatildeo em negrito Nas
traduccedilotildees de Campello e Ban elas estatildeo em itaacutelico como no texto de partida
O recurso do negrito ou do itaacutelico tambeacutem identifica nos textos de chegada o uso
de palavras estrangeiras como airedale
(CAMPELLO 1991 43) ou rings de box
(VERIacuteSSIMO 1940 54) A traduccedilatildeo de Ban entretanto natildeo usa nenhum desses dois
recursos para essa finalidade
No que diz respeito agrave pontuaccedilatildeo em geral as diferenccedilas ocasionais entre o texto
de partida e os respectivos textos de chegada relacionados sempre uns com os outros natildeo
representam mudanccedilas semacircnticas significativas Nas traduccedilotildees ela diverge um pouco
daquela do texto de partida (e tambeacutem divergem entre si) o que provoca agraves vezes ligeira
alteraccedilatildeo semacircntica Assim quando Veriacutessimo Campello e Ban traduzem a primeira linha do
exemplo citado acima Give it here said George respectivamente por - Passa isso pra
caacute Me daacute aqui Daacute aqui respectivamente a ecircnfase resultante com a impressatildeo de
impaciecircncia no humor do personagem George eacute maior do que no texto de partida graccedilas ao
uso da exclamaccedilatildeo Na segunda linha do diaacutelogo Aw leave me have it George haacute uma
alteraccedilatildeo de significado provocada pelo uso de reticecircncias por parte de Campello - Ah
George deixa eu ficar com ele pois se o texto de partida usa um ponto isso representa um
fechamento na oraccedilatildeo enquanto que as reticecircncias datildeo um ar de pensamento sem conclusatildeo
como se ainda houvesse algo mais a dizer
As singularidades perceptiacuteveis nas traduccedilotildees de Veriacutessimo Campello e Ban ficam
ainda mais ressaltadas quando se exploram outras caracteriacutesticas pertencentes ao universo
sociocultural retratado no texto de partida natildeo necessariamente coincidentes nas trecircs
traduccedilotildees comparadas Isso eacute o que se percebe ao se examinar os exemplos de palavras
expressotildees e vocaacutebulos sublinhados dos fragmentos a seguir retirados do capiacutetulo 2 que se
referem a estrangeirizaccedilatildeo e domesticaccedilatildeo escolhas que resultam em alteraccedilotildees de
significado nas diferentes traduccedilotildees diferenccedilas de ortografia ou simples preferecircncias por
parte de cada tradutor
A tall man stood in the doorway He held a crushed Stetson
hat under his arm while he combed his long black damp hair straight back Like the others he wore blue jeans
and a short denim jacket ( ) This was Slim the jerkline skinner His hatchet face
was ageless He might have been thirty-five or fifty() His hands large and lean were as delicate in their action as those of a temple dancer
(STEINBECK sd 34-35)
Um homem alto apareceu agrave porta Manteve o Stetson
amassado debaixo do braccedilo enquanto penteava para traacutes o cabelo longo negro e uacutemido Como os outros vestia calccedilas azues
e uma jaqueta curta de estamenha () Era o Magro das mulas A cara
143
delgada
natildeo tinha idade O homem podia ter trinta e cinco como cincoenta anos ()
Suas matildeos grandes e descarnadas eram na accedilatildeo tatildeo delicadas como as de uma dansarina de templo (VERIacuteSSIMO 1940 68-69)
Um homem alto apareceu agrave porta Trazia um chapeacuteu Stetson
amassado sob o braccedilo
enquanto penteava o cabelo preto longo e uacutemido para traacutes Como os outros usava jeans
e uma curta jaqueta de brim () Era Slim o arrieiro de primeira linha Seu
rosto fino e comprido
natildeo tinha idade Poderia ter trinta e cinco ou cinquumlenta anos
() Suas matildeos longas e esbeltas eram tatildeo delicadas ao agir como as de uma danccedilarina do templo (CAMPELLO 1991 32-33)
Um homem alto estava parado agrave porta Segurava um chapeacuteu de cauboacutei
amassado embaixo do braccedilo ao mesmo tempo em que penteava para traacutes o cabelo comprido preto e molhado Assim como os outros usava jeans
e uma jaqueta de brim curta () Tratava-se de Slim o melhor carroceiro Seu rosto bem talhado
natildeo tinha idade Podia ter 35 ou cinquumlenta anos () As matildeos grandes e delgadas eram tatildeo delicadas no agir quanto as de um danccedilarino de corpo de baile (BAN 2005 51-52)
Para traduzir Stetson (STEINBECK sd 34) Veriacutessimo (1940 68) transcreve
Stetson Campello (1991 32) por sua vez aleacutem de transcrever essa palavra acrescenta um
vocaacutebulo explicativo chapeacuteu Stetson de modo a tornar mais clara ao leitor a referecircncia
agravequele objeto Jaacute Ban (2005 51) prefere substituir esse nome estrangeiro optando por
chapeacuteu de cauboacutei
Em relaccedilatildeo agraves palavras blue jeans Veriacutessimo faz a escolha por calccedilas azues
segundo a ortografia oficial da eacutepoca Campello opta por jeans em itaacutelico omitindo ou
deixando subentendida a palavra calccedila Na traduccedilatildeo mais recente de Ana Ban prefere
jeans sem itaacutelico (vocaacutebulo jaacute naturalizado em portuguecircs)
Haacute mudanccedila de sentido quando a expressatildeo short denim jacket eacute traduzida por
jaqueta curta de estamenha (Veriacutessimo) e jaqueta de brim curta (Ban) e curta jaqueta de
brim (Campello) pois a antecipaccedilatildeo do adjetivo em relaccedilatildeo ao substantivo (curta jaqueta)
intensifica o significado do adjetivo curta quer dizer bem curta mais curta
Estamenha hoje um vocaacutebulo de uso mais raro talvez evidencie um sinal da eacutepoca de
Veriacutessimo (1940) quando o vocaacutebulo brim (Campello e Ban) possivelmente natildeo era ainda
de uso comum difundido
Em This was Slim the jerkline skinner Veriacutessimo decide traduzir o nome do
personagem Slim acrescentando um qualificativo ( Era o Magro das mulas ) o que natildeo satildeo
muitos detalhes sobre sua ocupaccedilatildeoprofissatildeo natildeo haacute coincidecircncia ou exatidatildeo entre arrieiro
de primeira linha (Campello) e o melhor carroceiro (Ban)
Nas soluccedilotildees para His hatchet face haacute similaridade de significado entre A cara
delgada (Veriacutessimo) e Seu rosto fino e comprido (Campello) embora cara soe hoje
mais rude e coloquial do que rosto Seu rosto bem talhado (Ban) pode natildeo revelar com
144
clareza ao leitor as adjetivaccedilotildees decorrentes de hatchet face Hornby (2000 619) daacute a
seguinte definiccedilatildeo para hatchet-faced adj (disapproving) (of a person) having a long thin
face and sharp features o que portanto estaacute de mais acordo com as opccedilotildees de Veriacutessimo e
Campello aleacutem de revelar um valor pejorativo do vocaacutebulo
Para temple dancer tecircm-se dansarina de templo (Veriacutessimo)danccedilarina do templo
(Campello)danccedilarino de corpo de baile (Ban) Mais uma vez percebe-se a diferenccedila de
ortografia conforme a eacutepoca de cada traduccedilatildeo em dansarinadanccedilarinadanccedilarino Haacute ligeira
diferenciaccedilatildeo quando se usa de (preposiccedilatildeo) ou do (preposiccedilatildeo + artigo definido) Outro
aspecto eacute o gecircnero escolhido feminino (danccedilarina
Veriacutessimo e Campello) ou masculino
(danccedilarino
Ban) A maior diferenccedila entre essas escolhas estaacute no vocaacutebulo templo por
Veriacutessimo e Campello e corpo de baile por Ban
Percebe-se nessas trecircs traduccedilotildees tanto a tendecircncia pela estrangeirizaccedilatildeo quanto
pela domesticaccedilatildeo Por exemplo haacute estrangeirizaccedilatildeo quando a palavra Stetson (STEINBECK
sd 34) eacute transcrita por Veriacutessimo ( Stetson p 68) e Campello ( chapeacuteu Stetson p 32)
Ban por sua vez a domestica ao preferir a expressatildeo chapeacuteu de cauboacutei (p 51)
A expressatildeo blue jeans (STEINBECK sd 34) ganha um tom estrangeirizado
quando Campello opta por jeans em itaacutelico Essa mesma expressatildeo eacute domesticada por
Veriacutessimo ( calccedilas azues p 68 talvez porque no contexto da eacutepoca dessa traduccedilatildeo 1940
as calccedilas jeans ainda natildeo eram de uso tatildeo difundido no Brasil) e Ban ( jeans p 51 sem
itaacutelico o que confere o uso jaacute normalizado pelo costume brasileiro com uma palavra jaacute
totalmente incorporada em nossa cultura)
Mais exemplos de estrangeirizaccedilatildeo ou domesticaccedilatildeo satildeo encontrados em outras
partes da obra como neste caso retirado do capiacutetulo 2
() He done quite a bit in the ring () (STEINBECK sd 27)
() Jaacute andou lutando um pedaccedilo nos rings de box () (VERIacuteSSIMO 1940 54)
() Jaacute fez um bom papel entre as cordas de um ringue
() (CAMPELLO 1991
26)
() Jaacute se deu bem memo na arena () (BAN 2005 42)
Assim o vocaacutebulo rings de box por Veriacutessimo eacute estrangeirizado pois ring e box
satildeo palavras inglesas a exceccedilatildeo fica por conta da preposiccedilatildeo de Naturalmente as outras
soluccedilotildees satildeo domesticadas pelo uso das palavras da liacutengua portuguesa cordas de um ringue
por Campello e arena por Ban De modo geral percebe-se que Veriacutessimo opta mais pela
estrangeirizaccedilatildeo do que suas colegas tradutoras incluindo em seu vocabulaacuterio em outras
145
passagens outros vocaacutebulos estrangeiros como milhas (VERIacuteSSIMO 1940 6) enquanto
que Campello (1991 5) e Ban (2005 11) respectivamente optam or quilocircmetros
No capiacutetulo 2 haacute outro exemplo de escolhas diferentes por parte dos tradutores na
seguinte passagem
She had full rouged lips () (STEINBECK sd 32)
uma rapariga de laacutebios cheios encarnados de rouge (VERIacuteSSIMO 1940 63)
A moccedila ali () tinha laacutebios cheios e vermelhos (CAMPELLO 1991 30)
Tinha laacutebios cheios cobertos de batom () (BAN 2005 48)
Quanto ao pronome she Veriacutessimo o traduz por rapariga uma palavra que
atualmente ganhou um significado negativo referindo-se a prostituta de acordo com a
cultura popular brasileira Essa mesma palavra inglesa recebe de Campello a traduccedilatildeo moccedila
vocaacutebulo relativamente neutro enquanto que Ban simplesmente omite o pronome ela (ou
outra palavra cabiacutevel) pelo recurso do verbo ter conjugado na terceira pessoa do singular
[ela] tinha Percebe-se que Veriacutessimo usa o vocaacutebulo rouge uma estrangeirizaccedilatildeo (pois esta
palavra eacute francesa) enquanto que Campello usa a palavra vermelhos e Ban prefere a
expressatildeo cobertos de batom
No tocante agrave questatildeo estrangeirizaccedilatildeodomesticaccedilatildeo a situaccedilatildeo se inverte entre os
tradutores na traduccedilatildeo do substantivo coons (STEINBECK sd I) pois Veriacutessimo
domestica ao optar por coatiacutes111 (1940 6 segundo a ortografia da eacutepoca para quatis)
enquanto Campello e Ban traduzem o vocaacutebulo por guaxinins (CAMPELLO 1991 5 BAN
2005 11)
Outro recurso expressivo de Steinbeck satildeo as expressotildees idiomaacuteticas e as giacuterias
que recebem as seguintes traduccedilotildees
He was sore as hell
when you wasn t here to go out this morning
(STEINBECK
sd 19)
Ficou queimado
quando natildeo viu vocecircs saiacuterem pro trabalho hoje de manhatilde
(VERIacuteSSIMO 1940 38)
Ficou uma fera
quando viu que natildeo tavam aqui pra trabalhar esta manhatilde
(CAMPELLO 1991 20)
111 A palavra coon em forma abreviada refere-se a racoon ou seja guaxinim um animal mamiacutefero que natildeo existe no Brasil Quati por sua vez eacute um animal aparentado ao guaxinim mas eacute bem tiacutepico em algumas regiotildees brasileiras
146
Ficocirc loco da vida
quando viu qu oceis num tavam aqui pra trabaiaacute hoje de manhatilde
(BAN 2005 32)
Em He was sore as hell Ficou queimado Ficou uma fera Ficocirc loco da vida
(SteinbeckVeriacutessimo Campello e Ban respectivamente) cada tradutor procurou transmitir
uma impressatildeo sobre o humor do personagem o que representa muito mais do que uma
traduccedilatildeo mecacircnica ao peacute da letra Nesse sentido as diferenccedilas notadas se referem ao niacutevel do
leacutexicosintagma escolhido entretanto o resultado geral eacute homogecircneo em significado
Outro exemplo pertinente ao caso das expressotildees idiomaacuteticas e das giacuterias pode ser
ilustrado pelo fragmento abaixo extraiacutedo do capiacutetulo 4
Baloney What you think you re sellin me
Curley started somep in he didn t finish
()
(STEINBECK sd 82)
Isso eacute galinha morta Pensam que estatildeo me levando no embrulho Pensam que eu
vou nessa O Crespinho foi buscar latilde e saiu tosquiado (VERIacuteSSIMO 1940 152)
Besteira Acham que conseguem me tapear
Curley foi buscar latilde e saiu tosquiado
(CAMPELLO 1991 73)
- Quanta bestera Oceis acha que eu vocirc acreditaacute nisso
O Curley comeccedilocirc algum
negoacutecio que num conseguiu terminaacute (BAN 2005 108)
Quando Veriacutessimo traduz Baloney
por - Isso eacute galinha morta galinha morta
parece ser um pouco mais expressiva Jaacute as escolhas de Campello e Ban respectivamente -
Besteira - Quanta bestera parecem soar no mesmo niacutevel de expressividade apresentada
pelo texto de partida
A opccedilatildeo levar no embrulhopensam que eu vou nessa de Veriacutessimo eacute
relativamente atual mas as tradutoras fazem escolhas diferentes enquanto Campello utiliza
tapear Ban decide por uma linguagem normalizada sem se constituir como giacuteria ou
expressatildeo idiomaacutetica ( - Oceis acha que eu vocirc acreditaacute nisso )
Percebe-se um paralelismo entre as opccedilotildees de Veriacutessimo e de Campello no que
diz respeito ao uso que ambos fizeram de foi buscar latilde e saiu tosquiado Ban por sua vez de
novo preferiu natildeo utilizar uma expressatildeo idiomaacutetica
Ateacute esta etapa da leitura comparativa percebe-se que os dados preliminares
mostraram dados mais gerais que compotildeem a estrutura externa das publicaccedilotildees onde
constam elementos de acordo com os objetivos dos agentes responsaacuteveis pela publicaccedilatildeo
(estrateacutegias de seduccedilatildeo do consumidor) De modo sequumlencial e gradativo o terreno foi
147
preparado para o proacuteximo estaacutegio a macroestrutura que examinou a estrutura e divisatildeo
geral dos textos em partes menores (capiacutetulos paraacutegrafos frases sentenccedilas) A
microestrutura por sua vez num niacutevel mais especiacutefico permitiu que fossem verificados
aspectos mais direcionados agrave questatildeo da seleccedilatildeo lexical (niacutevel de linguagem)
Pocircde-se notar entatildeo que essas trecircs etapas constituiacuteram o que cada projeto
editorial percebia ou cogitava serem de modo geral as expectativas da recepccedilatildeo Tais
expectativas entretanto soacute podem ser confirmadas ou refutadas pelo feedback da recepccedilatildeo
Esta eacute uma funccedilatildeo elementar do quarto estaacutegio do esquema de Lambert e Van Gorp o
contexto sistecircmico que pela anaacutelise de dados obtidos a partir da fortuna criacutetica publicada em
revistas e jornais permite verificar esse retorno seja por parte do leitor-consumidor seja pela
parte da criacutetica informal ou especializada
44 Contexto sistecircmico
Os dados obtidos mostram que a resposta da recepccedilatildeo (nos sistemas de chegada
estadunidense mundial e mais especificamente brasileiro) no tocante a John Steinbeck e sua
obra Of mice and menRatos e homens e suas respectivas traduccedilotildees em portuguecircs brasileiro eacute
bastante positiva112
Na paacutegina da Internet Digestivo Cultural113 haacute uma resenha de Jonas Lopes
(2005) intitulada A Ameacuterica de John Steinbeck sobre o livro A Ameacuterica e os Americanos e
Ensaios Relacionados (2004) natildeo-ficcional com crocircnicas e artigos produzidos por Steinbeck
Em sua criacutetica Lopes resume o contexto histoacuterico e social dos Estados Unidos
em que destaca a importacircncia desse paiacutes e sua ascensatildeo no cenaacuterio internacional entre as
deacutecadas de 1920 e o final da deacutecada de 1950 Nesse periacuteodo o chamado American way of life
se apresentava como modelo de vida e ideal a ser alcanccedilado e tambeacutem as artes e a cultura
estadunidenses alcanccedilaram status relevante sobretudo a literatura Por isso John Steinbeck eacute
citado entre os principais escritores desse periacuteodo
um dos principais autores do periacuteodo e sem duacutevida o mais americano de todos eles foi John Steinbeck (1902-1968) Vencedor do Precircmio Nobel em 1962 Steinbeck
112 Apesar da opiniatildeo negativa de alguns criacuteticos Vide capiacutetulo 3 desta dissertaccedilatildeo item 32 (p 101-102) O referido capiacutetulo tambeacutem mostra outras respostas positivas da recepccedilatildeo (item 31 p 96-97 item 32 p 98 101-102)
113Disponiacutevel em lthttpwwwdigestivoculturalcomcolunistascolunaaspcodigo=1689gt Acesso em 3 de junho de 2009
148
tornou-se ceacutelebre por sua literatura de teor social e pela delicadeza com que tratou temas complicados como a pobreza durante a depressatildeo Em particular com As Vinhas da Ira que narra a saga da famiacutelia Joad em busca de um emprego na Califoacuternia e o ainda melhor A Leste do Eacuteden (LOPES 2005)
Lopes ainda apresenta o posicionamento pessoal de Steinbeck em relaccedilatildeo a Of
mice and men (Ratos e homens) destacando que
Steinbeck surpreende ao afirmar que considera Ratos e homens uma de suas obras fundamentais um fracasso Natildeo pela qualidade mas pelas ambiccedilotildees teacutecnicas que previa para o livro sua intenccedilatildeo era criar uma peccedila-novela um texto escrito em formato de romance mas com pouca descriccedilatildeo e profusatildeo de diaacutelogos o que favoreceria a adaptaccedilatildeo ao palco sem perda de conteuacutedo e ao mesmo tempo fugiria da leitura sem tanta fluidez das peccedilas John acreditava que natildeo alcanccedilara esse equiliacutebrio Natildeo servia para ser encenado porque eu natildeo tinha experiecircncia e conhecimento suficiente da arte do palco O ritmo estava errado a hora do pano foi mal escolhida algumas cenas passaram do limite e muitos meacutetodos comumente usados no romance e que empreguei no livro natildeo ficaram claros no palco
Em outro momento Lopes apresenta Steinbeck como um escritor que tinha
fasciacutenio por livros objetos genuinamente criados pelo homem chegando a declarar em tom
de exaltaccedilatildeo que esse objeto era uma das pouquiacutessimas maacutegicas autecircnticas que nossa
espeacutecie criou
(STEINBECK apud LOPES 2005) A posiccedilatildeo de Steinbeck como entusiasta
dos livros de bolso eacute destacada principalmente por causa do seu preccedilo acessiacutevel com as
ediccedilotildees baratas () vocecirc enche de livros os braccedilos dos amigos () quando acabar de lecirc-los
passe adiante Isso eacute uma coisa maravilhosa (STEINBECK apud LOPES 2005)
A criacutetica elaborada a Steinbeck nessa resenha tem tom positivo
Steinbeck eacute um escritor norte-americano em essecircncia O paiacutes e suas particularidades transbordam em suas frases
a forte identificaccedilatildeo eacute comparaacutevel com a de nomes anteriores (Twain) e posteriores (Updike) a ele Ao mesmo tempo em que eacute mordaz e impiedoso nas criacuteticas derrama ternura pela sua terra Ressalta as qualidades e defeitos de um paiacutes que eacute cada vez mais criticado Seria interessante ver como o escritor se comportaria em relaccedilatildeo ao antiamericanismo atual (LOPES 2005)
Danilo Corci (2002) na paacutegina da Internet Speculum114 traz dados sobre a vida
de John Steinbeck e deixa um comentaacuterio pessoal sobre a produccedilatildeo literaacuteria desse escritor
seus romances podem ser classificados como obras sociais que lidam com os problemas econocircmicos do trabalho rural mas tambeacutem apresentam uma paixatildeo pela terra que entram em choque com sua visatildeo mais politizada Cheio de humor agressivo e de verve afiada Steinbeck foi um agudo observador das realidades criadas pelo homem o que influenciava diretamente toda a condiccedilatildeo humana Em resumo o romance social nunca mais foi o mesmo apoacutes as linhas de Steinbeck terem sido redigidas
114 Disponiacutevel em lthttpwwwspeculumartbrmodulephpa_id=6gt Acesso em 3 de junho de 2009
149
Moacyr Scliar (2004) em seu artigo da Revista Veja declara que Steinbeck eacute
pouco lembrado fora das escolas e universidades dos Estados Unidos poreacutem argumenta
sobre a sua importacircncia estamos falando de um autor que arrebatou legiotildees de leitores teve
romances como As vinhas da ira adaptados com sucesso para o cinema e ganhou o Nobel de
Literatura
Nas trecircs traduccedilotildees de Of mice and men analisadas nesta dissertaccedilatildeo fica patente a
importacircncia do apelo comercial uma forccedila que por sustentar as editoras faz com que estas
adotem estrateacutegias de vendas especiacuteficas de modo a atender a um puacuteblico maior e assim
garantir a sua sobrevivecircncia e sustentabilidade no mercado O barateamento das ediccedilotildees tanto
no custo de produccedilatildeo como no preccedilo final dos produtos para o puacuteblico leitor (consumidor)
bem como a ampla distribuiccedilatildeo podem ser colocados como fatores principais materializados
nos livros de bolso (caso das traduccedilotildees de Eacuterico Veriacutessimo e de Ana Ban) ou nos clubes de
livros (caso da traduccedilatildeo de Myriam Campello) Estes criteacuterios satildeo levados em conta na
opiniatildeo da criacutetica
A Livraria do Globo diversifica o mercado com coleccedilotildees de baixo custo e as grandes tiragens trazem-lhes bons resultados Satildeo ediccedilotildees afirma o Correio do Povo que devem configurar nas estantes dos bons leitores pelo preccedilo formato e criteacuterio de escolha dos editores (TORRESINI 2004 9)
A imprensa exerce um papel de divulgaccedilatildeo das editoras agraves vezes com forte
aspecto positivo por meio da criacutetica ou da propaganda Torresini enfatiza que
as ediccedilotildees da Globo satildeo comentadas na imprensa diaacuteria Exemplo disso encontra-se no Jornal da Manhatilde [9 de janeiro de 1933] () O Rio Grande intelectual estaacute de parabeacutens possuiacutemos uma das maiores casas editoras do Brasil e os seus dirigentes natildeo tecircm poupado esforccedilos no sentido de difundir entre noacutes o gosto pela leitura gosto que define o homem tornando-o verdadeiramente feliz na tristeza e na inquietaccedilatildeo da terra (TORRESINI 2004 10)
Barcellos (2002 9) afirma que a Livraria do Globo fazia propaganda natildeo soacute na
Revista do Globo mas tambeacutem por meio de anuacutencios no jornal Correio do Povo em cataacutelogo
da Editora do Globo e em cartazes e folhetos Quanto agrave Editora do Globo esta contava com a
Revista do Globo o jornal Correio do Povo e a Revista Proviacutencia de Satildeo Pedro aleacutem de
outros meios de divulgaccedilatildeo
As proacuteprias ediccedilotildees dos livros da Editora e da Livraria do Globo tambeacutem
desempenhavam esse papel de divulgaccedilatildeo tentando atrair a atenccedilatildeo dos leitores Na traduccedilatildeo
150
de Veriacutessimo (1940) por exemplo a contracapa conteacutem um texto de teor propagandiacutestico
uma ecircnfase em relaccedilatildeo a John Steinbeck fiel ao seu programa de possibilitar ao puacuteblico
brasileiro a leitura das maiores obras da literatura mundial contemporacircnea a LIVRARIA DO
GLOBO apresenta JOHN STEINBECK () Destacam-se expressotildees de apelo como O
autor mais discutido do mundo como tambeacutem uma opiniatildeo da criacutetica Bem disse um
consagrado criacutetico americano declarando que a pena de Steinbeck eacute infinitamente mais
poderosa do que muitas espadas
Segundo Barcellos (2002 11) na Editora do Globo para a sua coleccedilatildeo Nobel por
exemplo os editores selecionavam obras estrangeiras escolhiam tradutores discutiam tiacutetulos
em portuguecircs formato de livros e prazos de lanccedilamento As obras escolhidas para traduccedilatildeo
eram de autores ceacutelebres da literatura contemporacircnea Barcellos ainda relaciona a
preocupaccedilatildeo de Eacuterico Veriacutessimo com o puacuteblico consumidor meacutedio quando ele incentivava
natildeo apenas a literatura de coacutedigos da elite mas tambeacutem a literatura de faacutecil acesso e
assimilaccedilatildeo como o gecircnero policial no qual identificamos a classificaccedilatildeo de literatura
secundaacuteria (BARCELLOS 2002 11)
Machado (2009) expotildee criteacuterios para a seleccedilatildeo de autores da Editora LampPM
um autor expressivo um precircmio Nobel eacute uma razatildeo suficiente para ser cobiccedilado por um editor Ratos e homens eacute uma novela curta uma obra-prima do autor e deu origem a um grande filme Eacute um livro que menos do que um sucesso comercial eacute um livro que qualifica o cataacutelogo do editor
A contracapa da ediccedilatildeo de Ratos e homens da LampPM (2005) traz comentaacuterios que
promovem esse romance de Steinbeck em linguagem de propaganda com a exposiccedilatildeo de
opiniatildeo criacutetica Ratos e homens publicado originalmente em 1937 eacute uma obra-prima de
John Steinbeck (1902-1968)
um dos maiores romancistas do seacuteculo 20
e ateacute hoje um dos
livros mais lidos do autor Constam ainda elogios agrave teacutecnica de Steinbeck e a caracteriacutesticas
de sua produccedilatildeo literaacuteria em Ratos e homens Steinbeck levou agrave maestria sua capacidade de
compor personagens tatildeo cativantes quanto realistas e de ao contar uma histoacuteria especiacutefica
falar de sentimentos comuns a todos os seres humanos como a solidatildeo e a acircnsia por uma vida
digna Outro argumento reforccedila o apelo agrave leitura da obra um claacutessico sobre o doloroso
periacuteodo da Grande Depressatildeo americana Uma peccedila de ficccedilatildeo para ser lida e relida
151
Carla Milhazes Gomes (2007) disponibilizou em seu blog Agrave Margem115 um texto
em que aleacutem de apresentar um resumo sobre o livro Ratos e homens116 traz sua opiniatildeo
pessoal acerca desse romance eacute um livro de raacutepida leitura porque interessantiacutessimo e pouco
extenso () quando deres por ela jaacute terminaste a leitura () vale muito a pena
A paacutegina da Internet Criticaliterariacom117 apresenta alguns depoimentos de
leitores sobre o livro Ratos e homens de Steinbeck Cada opinante tambeacutem avalia o livro
classificando-o de acordo com um nuacutemero de estrelas que varia de uma a cinco Bruna
Moraes (2009) por exemplo atribui cinco estrelas e afirma que a obra eacute muito
emocionante
Ratos e homens eacute uma histoacuteria muito interessante de dois rapazes pobres estadunidenses Lennie e George representam o valor de uma amizade e de uma vida No decorrer da histoacuteria percebe-se as relaccedilotildees humanas Fraacutegeis Pessoas carentes de diaacutelogo A modernidade apresentada no livro aparece junto agraves maacutequinas que satildeo usadas no arado e na colheita de cevada Eacute um livro pequeno poreacutem muito significativo sendo classificado ateacute mesmo como livro de auto-ajuda por demonstrar o valor da vida dos ratos e dos homens
Outra leitora Luacutecia Oliveira (2009) atribui quatro estrelas ao romance e destaca
que o enredo eacute motivador
Li em dois dias o livro e o que mais me motivou na histoacuteria era esperar que Lennie conseguisse no final ter sua criaccedilatildeo de coelhos Entre tantos desacertos ficou oacutevio que ele realmente era esquisito e que realmente precisa [sic] de um guia para caminhar com ele
Jorge Almeida (2009) declarando-se sempre steinbeckiano avalia o romance
com quatro estrelas expondo sua opiniatildeo em tom emotivo
MAIS UM LIVRO DE UM GRANDE AUTOR A FRAGILIDADE DAS RELACcedilOtildeES HUMANAS A CUMPLICIDADE O DESESPERO Um rato um homem um sonho
A leitora Taiasmin (2009) declara que se trata de uma tocante histoacuteria humana
Ela atribui cinco estrelas ao romance afirmando que
115Disponiacutevel em lthttpamargemblogblogspotcom200709ratos-e-homens-de-john-steinbeckhtmlgt Acesso em 3 de junho de 2009
116 Editora Livros do Brasil traduccedilatildeo de Eacuterico Veriacutessimo 2007
117 Disponiacutevel em lthttpwwwcriticaliterariacom9723827468gt Acesso em 03 de junho de 2009
152
este livro trata de homens reduzidos agrave condiccedilatildeo de objeto de resto social que buscam significantes que os reconduzam agrave condiccedilatildeo de sujeitos onde possam encontrar alguma dignidade e valor humano Eacute uma histoacuteria situada no espaccedilo e tempo - Estados Unidos deacutecada de 30 - mas esta busca em alguma medida natildeo eacute a busca de todos noacutes
As anaacutelises descritivas a partir do esquema teoacuterico de Lambert e Van Gorp
(1985) permitem perceber que os textos em questatildeo (STEINBECK sd VERIacuteSSIMO 1940
CAMPELLO 1991 BAN 2005) ainda que compartilhem algumas semelhanccedilas sobretudo
apresentam muitas diferenccedilas Pode-se concluir que cada um desses projetos editoriais
atendiam (ou ainda atendem) a necessidades ou expectativas especiacuteficas conforme o contexto
em que eles se inseriam sob a influecircncia de fatores pessoas ou instituiccedilotildees que agrave sua
maneira agiam durante o processo em que o texto de partida e as suas traduccedilotildees foram
criados Assim as traduccedilotildees que Veriacutessimo Campello e Ban fizeram de Of mice and men
portanto natildeo poderiam se valer de soluccedilotildees escolhas ou estrateacutegias tradutoacuterias idecircnticas o
tempo todo
Apesar dessas diferenccedilas as respostas de cada contexto sistecircmico (estadunidense
e brasileiro) assinalam que algumas expectativas dos agentes envolvidos no processo
tradutoacuterio foram
em sua devida eacutepoca e contexto sociocultural
confirmadas pois por
exemplo as opiniotildees dos leitores e da criacutetica em geral sugeremsugeriam uma apreciaccedilatildeo de
tom positivo no que diz respeito agrave obra em si ao seu autor John Steinbeck e agraves suas
traduccedilotildees estimulando e favorecendo a perpetuaccedilatildeo desses textos em polissistemas de que a
liacutengua inglesa e a liacutengua portuguesa fazem parte
153
5 A LINGUAGEM DE OF MICE AND MEN NAS TRADUCcedilOtildeES EM PORTUGUEcircS
BRASILEIRO OUTROS ASPECTOS
Fico eu portanto destinado como diz o clichecirc a ser ambos juiz e jurado Aqui minha natureza ambivalente e ambiacutegua torna a decisatildeo algo difiacutecil chegando perto
do impossiacutevel do mesmo modo que a traduccedilatildeo ao reveacutes pode apenas chegar perto do possiacutevel e nunca
alcanccedilaacute-lo 118
Gregory Rabassa
De modo geral a anaacutelise comparativa das trecircs traduccedilotildees em portuguecircs brasileiro
de Of mice and men e seu respectivo texto de partida seguindo o esquema teoacuterico descritivo
de Lambert e Van Gorp (1985) no capiacutetulo anterior deixa algumas incompatibilidades
visiacuteveis principalmente em niacutevel de uso de linguagem e entre as duas culturas em contato a
estadunidense e a brasileira
Neste capiacutetulo essas incompatibilidades seratildeo abordadas e seraacute enfatizada a
questatildeo da presenccedila da liacutengua estigmatizada na literatura e os dilemas de sua traduccedilatildeo para os
tradutores de liacutengua portuguesa
51 A linguagem da narrativa
A linguagem da narrativa de Of mice and men em terceira pessoa realiza-se na
norma-padratildeo e portanto eacute formal polida e se consubstancia em certas impressotildees que
podem ser causadas ao leitor por exemplo quando a paisagem natural eacute descrita ou seja a
visualizaccedilatildeo imaginativa de um cenaacuterio de beleza e tranquumlilidade como ocorre no trecho a
seguir extraiacutedo do primeiro capiacutetulo
A few miles south of Soledad the Salinas River drops in close to the hill-side bank and runs deep and green The water is warm too for it has slipped twinkling over the yellow sands in the sunlight before reaching the narrow pool On one side of the river the golden foot-hill slopes curve up to the strong and rocky Gabilan mountains but on the valley side the water is lined with trees
willows fresh and green with every debris of the winter s flooding and sycamores with mottled white recumbent limbs and branches that arch over the pool (STEINBECK sd 1)
118 So I am left as the clicheacute goes to be both judge and jury Here my ambivalent and ambiguous nature makes a decision difficult approaching the impossible just as translation in reverse can only approach the possible and never get there
Traduccedilatildeo para o portuguecircs por Paula Goacutees Disponiacutevel em httptalqualmentewordpresscom20080315para-entrar-no-clima-uma-citacao-de-gregory-rabassa Acesso em 20 de maio de 2009
154
ALGUMAS milhas ao sul de Soledad o rio Salinas desce bem junto flanco da colina e corre profundo e verde A aacutegua eacute tambeacutem morna porque antes de chegar ao estreito poccedilo ela desliza cintilando ao sol por socircbre as areias amarelas De um lado do rio as douradas encostas da colina sobem numa curva ateacute as montanhas Gabilan fortes e rochosas mas do lado do vale a aacutegua estaacute orlada de aacutervores salgueiros frescos e verdes a cada primavera e cujas focirclhas inferiores retecircm nas suas intersecccedilotildees o cisco das enchentes de inverno sicocircmoros de focirclhas e galhos dum branco mosqueado que se alongam e arqueiam sobre a aacutegua parada (VERIacuteSSIMO 1940 6)
A poucos quilocircmetros ao sul de Soledad o rio Salinas desce bem junto ao flanco da colina e corre profundo e verde Sua aacutegua eacute morna pois desliza cintilando ao sol por sobre areias amarelas antes de alcanccedilar o estreito lago natural De um lado do rio os flancos dourados da colina sobem sinuosos ateacute as montanhas Gabilan fortes e rochosas mas do lado do vale a aacutegua acha-se orlada de aacutervores
salgueiros frescos e verdes a cada primavera mostrando nas junccedilotildees das folhas interiores fragmentos rochosos das enchentes de inverno sicocircmoros com troncos e ramos brancos pintalgados debruccedilam-se tambeacutem sobre a aacutegua imoacutevel (CAMPELLO 1991 5)
ALGUNS QUILOcircMETROS ao sul de Soledad o rio Salinas aproxima-se do sopeacute das colinas e fica bem profundo e verde A aacutegua tambeacutem eacute quente por deslizar reluzente sobre as areias amarelas banhadas pelo sol antes de chegar agrave lagoa estreita De um lado do rio as encostas das colinas sobem ateacute as montanhas Gabilan fortes e rochosas mas do lado do vale a aacutegua se faz acompanhar por uma fileira de aacutervores
chorotildees que se renovam verdejantes a cada primavera segurando nos entroncamentos das folhas mais baixas os restos das enchentes de inverno e plaacutetanos com troncos e galhos cobertos de manchas brancos e recurvados que se arqueiam por sobre a lagoa (BAN 2005 11)
Essa tendecircncia da narrativa permeia toda a obra A seguinte amostra retirada do
iniacutecio do segundo capiacutetulo apresenta a descriccedilatildeo da casa dos peotildees
THE bunk-house was a long rectangular building Inside the walls were whitewashed and the floor unpainted In three walls there were small square windows and in the fourth a solid door with a wooden latch ( ) (STEINBECK sd 18)
A casa dos peotildees era um comprido edifiacutecio retangular Por dentro as paredes estavam caiadas e o piso natildeo tinha pintura Em trecircs dessas paredes havia pequenas janelas quadradas e na quarta uma soacutelida porta com trinco de madeira () (VERIacuteSSIMO 1940 36)
A casa dos peotildees era um edifiacutecio comprido e retangular
com paredes internas caiadas Seu piso natildeo fora pintado e trecircs das paredes exibiam pequenas janelas quadradas na quarta parede havia uma porta soacutelida com trinco de madeira () (CAMPELLO 1991 19)
A CASA DOS PEOtildeES era uma construccedilatildeo comprida e retangular
um tipo de barracatildeo Laacute dentro as paredes eram caiadas e o chatildeo natildeo tinha pintura Em trecircs paredes havia janelas quadradas pequenas e na quarta uma porta bem soacutelida com uma tranca de madeira () (BAN 2005 31)
Na primeira sentenccedila em destaque pode-se perceber que haacute variaccedilotildees em cada
traduccedilatildeo na estrutura das sentenccedilas na sua extensatildeo e nas escolhas lexicais enquanto
155
Veriacutessimo elabora uma traduccedilatildeo que segue a mesma estrutura sintaacutetica do texto de partida
percebe-se que Campello constroacutei uma sentenccedila maior intercalando parte da proacutexima
sentenccedila do texto em inglecircs ( com paredes internas caiadas ) A traduccedilatildeo de Ban possui uma
expressatildeo explicativa ( um tipo de barracatildeo ) ausente no texto de partida Algumas
diferenccedilas satildeo observadas na traduccedilatildeo de a long rectangular building um comprido edifiacutecio
retangular (Veriacutessimo)um edifiacutecio comprido e retangular (Campello)uma construccedilatildeo
comprida e retangular (Ban) Assim enquanto Veriacutessimo e Campello preferem a palavra
edifiacutecio Ban usa construccedilatildeo Veriacutessimo antecipa a posiccedilatildeo do adjetivo (comprido) em relaccedilatildeo
ao substantivo (edifiacutecio) em comprido edifiacutecio
retangular Tanto Campello como Ban nesse
caso colocam o adjetivo depois do substantivo Percebe-se que a antecipaccedilatildeo do adjetivo
intensifica o seu valor e portanto haacute ligeira mudanccedila de significado na expressatildeo escolhida
por Veriacutessimo em relaccedilatildeo agraves escolhas dessas duas tradutoras
O capiacutetulo trecircs tambeacutem principia com uma descriccedilatildeo do cenaacuterio onde a accedilatildeo seraacute
desenvolvida
ALTHOUGH there was evening brightness
showing through the windows of the bunk-house inside it was dusk Through the open door came the thuds and occasional clangs of a horseshoe game and now and then the sound of voices raised in approval or derision (STEINBECK sd 40)
EMBORA ainda se visse o resplendor do entardecer
nas janelas do dormitoacuterio dos peotildees laacute dentro havia lusco-fusco Atraveacutes da porta aberta vinham batidas abafadas tinidos espaccedilados de um jocircgo de ferraduras e de vez em quando o som de vozes que se erguiam para aplaudir ou mofar (VERIacuteSSIMO 1940 76)
Embora o brilho do crepuacutesculo
ainda se mostrasse pelas janelas do alojamento dos peotildees a obscuridade se instalara do lado de dentro Atraveacutes da porta aberta chegavam as batidas abafadas e os tinidos de um jogo de ferradura De vez em quando vozes se erguiam para aplaudir ou zombar (CAMPELLO 1991 37)
APESAR DE A CLARIDADE do anoitecer
penetrar pelas janelas da casa dos peotildees laacute dentro estava escuro Pela porta aberta vinham os ruiacutedos abafados
e os tinidos
de um jogo de ferradura e de vez em quando o som das vozes que se erguiam em sinal de aprovaccedilatildeo ou de lamento (BAN 2005 58)
Em evening brightness (Steinbeck)o resplendor do entardecer (Veriacutessimo)o
brilho do crepuacutesculo (Campello)A CLARIDADE do anoitecer (Ban) as palavras resplendor
(Veriacutessimo) e brilho (Campello) tecircm significado mais proacuteximos entre si e entre brightness
(Steinbeck) enquanto que claridade (Ban) perde um pouco da intensidade expressiva Haacute
diferenccedilas entre evening (Steinbeck)entardecer (Veriacutessimo)crepuacutesculo (Campello)anoitecer
(Ban) devido agrave sutileza da palavra evening que natildeo pode ser expressa em portuguecircs por uma
156
soacute palavra sem que haja imprecisatildeo de significado Na verdade essa palavra inglesa refere-se
ao periacuteodo do dia compreendido entre o final da tarde e o iniacutecio da noite Quanto agrave traduccedilatildeo
de the bunk-house em outros trechos traduzidos pelos trecircs tradutores como a casa dos peotildees
verificam-se mudanccedilas de escolha por parte de Veriacutessimo (o dormitoacuterio dos peotildees) e
Campello (o alojamento dos peotildees) Ban demonstra regularidade pois manteacutem a mesma
escolha que fez anteriormente (a casa dos peotildees) A observaccedilatildeo mais marcante se faz em
relaccedilatildeo a in approval or derision (Steinbeck)para aplaudir ou mofar (Veriacutessimo)para
aplaudir ou zombarem sinal de aprovaccedilatildeo ou de lamento (Ban) em que as opccedilotildees de
Veriacutessimo e Campello satildeo bem proacuteximos em significado e Ban por sua vez apresenta um
vocaacutebulo de significaccedilatildeo bem diferente (lamento) em relaccedilatildeo ao texto de partida (derision) e
agraves escolhas de Veriacutessimo (mofar) e Campello (zombar)
No capiacutetulo 4 surge o negro Crooks em suas acomodaccedilotildees junto do celeiro que
tambeacutem servia de estaacutebulo
Crooks the negro stable buck had his bunk in the harness room a little shed that leaned off the wall of the barn ( ) (STEINBECK sd 70)
CROOKS o peatildeo negro tinha a sua tarimba no quarto dos arreios um pequeno puxado junto da parede do celeiro que tambeacutem fazia as vezes de estaacutebulo () (VERIacuteSSIMO 1940 129)
O catre de Crooks o peatildeo negro ficava no quarto dos arreios um pequeno depoacutesito junto agrave parede do celeiro () (CAMPELLO 1991 63)
O CATRE DE CROOKS o estribeiro negro ficava no quarto dos arreios um puxadinho que saiacutea da parede do celeiro () (BAN 2005 93)
Nesse trecho a primeira diferenccedila lexical notada eacute referente agrave palavra inglesa
bunk traduzida por Veriacutessimo como tarimba enquanto que Campello e Ban usam a palavra
catre Outra diferenccedila diz respeito agrave expressatildeo the negro stable buck traduzida por Veriacutessimo
e Campello como o peatildeo negro e por Ban como o estribeiro negro Tambeacutem haacute diferenccedilas
relativas a a little shed um pequeno puxado (Veriacutessimo)um pequeno depoacutesito (Campello)um
puxadinho (Ban) Eacute importante perceber que em relaccedilatildeo ao vocaacutebulo barn Veriacutessimo sente
necessidade de dizer algo mais sobre o seu significado aleacutem da escolha pela palavra celeiro
esse tradutor acrescenta uma expressatildeo explicativa isto eacute que tambeacutem fazia as vezes de
estaacutebulo As tradutoras Campello e Ban apenas traduzem barn como celeiro
As primeiras linhas do capiacutetulo 5 seguem a mesma tendecircncia de descrever o
ambiente onde a accedilatildeo vai se realizar
157
ONE end of the great barn
was piled high with new hay
and over the pile hung the
four-taloned Jackson fork suspended from its pulley The hay came down like a mountain slope to the other end of the barn and there was a level place as yet unfilled with the new crop At the sides the feeding racks
were visible and between
the slats the heads of horses could be seen ( ) (STEINBECK sd 89)
NUMA das extremidades do grande celeiro que em parte era tambeacutem estaacutebulo via-se alta pilha de feno novo Por cima dela pendia a forquilha mecacircnica de quatro pontas suspensa de sua roldana O feno caiacutea como a encosta duma montanha para a outra extremidade do celeiro e havia um lugar no nivel do chatildeo ainda natildeo ocupado pela nova colheita Dos lados ficavam as mangedouras
e entre as barras de cada um distinguiam-se as cabeccedilas dos cavalos (VERIacuteSSIMO 1940 164)
Numa das extremidades do grande estaacutebulo
jazia um alto monte de feno pendurada sobre ele suspensa de uma roldana via-se a forquilha mecacircnica de quatro pontas O feno descia como uma encosta de montanha ateacute o outro extremo do estaacutebulo havendo um local no chatildeo que ainda natildeo fora preenchido com a nova colheita Nas partes laterais ficavam as manjedouras podendo-se ver por entre suas barras as lustrosas cabeccedilas dos cavalos (CAMPELLO 1991 79)
EM UMA DAS EXTREMIDADES do grande celeiro
havia uma pilha alta de feno novo
e sobre a pilha estava pendurado pelo cabo o grande garfo de quatro dentes para recolher feno O monte caiacutea como a encosta de uma montanha do outro lado do celeiro onde havia um local nivelado que ainda natildeo tinha recebido a nova colheita Ao lado viam-se as manjedouras
e entre as taacutebuas as cabeccedilas dos cavalos (BAN 2005 116)
Nesse fragmento novamente a palavra barn de acordo com o contexto da
histoacuteria eacute um celeiro mas que tambeacutem serve em parte como estaacutebulo Assim Veriacutessimo
preocupa-se em dar essa explicaccedilatildeo (grande celeiro que em parte era tambeacutem estaacutebulo)
ausente no texto de partida Assim as duas tradutoras divergem entre si quanto ao vocaacutebulo
empregado estaacutebulo (Campello) e celeiro (Ban)
O sexto e uacuteltimo capiacutetulo retoma o cenaacuterio bucoacutelico do iniacutecio da obra em que a
natureza da regiatildeo da Califoacuternia onde a histoacuteria se passa eacute mostrada em seus aspectos mais
belos
The deep green pool of the Salinas River was still in the late afternoon Already the sun had left the valley to go climbing up the slopes of the Gabilan mountains and the hilltops were rosy in the sun But by the pool among the mottled sycamores a pleasant shade had fallen (STEINBECK sd 105)
A funda bacia verde do Rio Salinas estava muito parada naquele fim de tarde O sol jaacute havia deixado o vale para ir trepando pelas encostas das montanhas de Gabilan e os cumes dos outeiros estavam tocados duma luz rosada Junto do poccedilo poreacutem entre os sicocircmoros mosqueados havia caiacutedo uma sombra agradaacutevel (VERIacuteSSIMO 1940 195)
158
O profundo lago verde do rio Salinas estava imoacutevel naquele fim de tarde O sol jaacute abandonara o vale para escalar as encostas das montanhas Gabilan com seus cumes agora rosados pela luz Junto ao lago entretanto e por entre os sicocircmoros pintalgados descera uma agradaacutevel sombra (CAMPELLO 1991 93)
A LAGOA PROFUNDAMENTE verde do rio Salinas estava imoacutevel naquele fim de tarde O sol jaacute tinha deixado o vale para escalar as encostas das montanhas Gabilan e o topo das colinas estava rosado Mas ao lado da lagoa entre os plaacutetanos sarapintados uma sobra agradaacutevel tinha caiacutedo (BAN 2005 135)
A partir desses trechos traduzidos percebe-se uma diferenciaccedilatildeo linguumliacutestica natildeo
soacute no que diz respeito agraves escolhas feitas por cada tradutor mas tambeacutem no que diz respeito agrave
ortografia oficial da liacutengua portuguesa diferente para cada eacutepoca Isto se deve agraves reformas
ortograacuteficas que ocorreram no Brasil Dentre elas as de 1942 e 1971 compreendem o periacuteodo
das traduccedilotildees de Of mice and men utilizadas aqui como material de estudo as traduccedilotildees de
1940 de Eacuterico Veriacutessimo (revista e reeditada outras vezes em conformidade com a reforma
ortograacutefica de 1942 por exemplo numa publicaccedilatildeo de 1968 da Editorial Bruguera) de 1991
de Myriam Campello e de 2005 de Ana Ban Estas duas traduccedilotildees mais recentes apresentam
a ortografia oficial de 1971 ressalvadas as questotildees relacionadas com o dialeto dos
personagens A traduccedilatildeo de Veriacutessimo de 1940 eacute a que conteacutem mais diferenccedilas ortograacuteficas
em relaccedilatildeo agrave norma-padratildeo de 1971119 Aleacutem disso eacute claro normalmente se percebem
mudanccedilas que ocorrem de modo natural nas escolhas lexicais em virtude da passagem do
tempo e das idiossincrasias de cada tradutor
Assim por exemplo podem ser notadas diferenccedilas entre as traduccedilotildees como no
fragmento abaixo extraiacutedo do capiacutetulo 1 em que a diferenccedila mais notaacutevel eacute em relaccedilatildeo agrave
ortografia enquanto Campello e Ban grafam a preposiccedilatildeo sobre conforme a norma-padratildeo
atual Veriacutessimo usa essa palavra com um acento circunflexo (socircbre) conforme a norma-
padratildeo de seu tempo
over the yellow sands (STEINBECK sd 1)
por socircbre as areias amarelas (VERIacuteSSIMO 1940 6)
por sobre areias amarelas (CAMPELLO 19915)
sobre as areias amarelas (BAN 2005 11)
119 Eacute imprescindiacutevel lembrar que anda em curso uma uacuteltima reforma ortograacutefica da liacutengua portuguesa graccedilas a um acordo internacional entre os paiacuteses lusofocircnicos em vigor a partir de janeiro de 2009 Seus efeitos entretanto seratildeo mais perceptiacuteveis no decurso de um prazo mais longo no tempo o que natildeo se pode determinar com precisatildeo Por isso para as escritas e anaacutelises desta dissertaccedilatildeo seraacute tomada como referecircncia principal a reforma anterior ou seja a que foi publicada conforme a Lei nordm 5765 de 18 de dezembro de 1971 e que ainda hoje vigora (2009)
159
Espeacutecies de aacutervores citadas no capiacutetulo 1 por exemplo como willows e
sycamores (STEINBECK sd 1) tecircm nomes diferentes enquanto Veriacutessimo e Campello
traduzem willows por salgueiros Ban prefere chorotildees Quanto a sycamores a opccedilatildeo de
Veriacutessimo e de Campello eacute por sicocircmoros e a de Ban eacute por plaacutetanos
Outra diferenccedila de ortografia aparece no capiacutetulo 5 na traduccedilatildeo de feeding racks
(STEINBECK sd 89) que Veriacutessimo traduz por mangedoura escrita com g enquanto
Campello e Ban escrevem essa palavra com j
(manjedoura) conforme a ortografia oficial
vigente
52 A linguagem dos diaacutelogos
Quanto aos diaacutelogos escritos em itaacutelico nos exemplos abaixo Steinbeck procurou
adequar a linguagem ao perfil dos personagens habitantes da zona rural Trata-se de um
dialeto regional enquadrado numa variedade estigmatizada e que ao mesmo tempo eacute
coloquial e rude Entretanto cada um dos trecircs tradutores traz um tipo de linguagem diferente
em portuguecircs tratando o dialeto agrave sua proacutepria maneira como se vecirc no exemplo abaixo
retirado do primeiro capiacutetulo
Lennie he said sharply Lennie for God s sake don t drink so much Lennie continued to snort into the pool The small man leaned over and shook him by the shoulder Lennie You gonna be sick like you was
last night
( ) Tha s good
he said You drink some George You take a good big drink ( ) I ain t
sure it s good water he [George] said Looks kinda
scummy
(STEINBECK sd 2-3)
Lennie disse ecircle secamente
Lennie por amor de Deus natildeo bebas tanto assim O outro continuava a refocilar ruidosamente no poccedilo O camarada inclinou-se sobre ele e sacudiu-o pelos ombros
Lennie Vais ficar doente como na noite passada ()
Que coisa boa
disse ecircle
Bebe um pouco George Bebe um gole bem grande ()
Natildeo sei
se essa aacutegua eacute boa [disse George] Parece meio escumosa (VERIacuteSSIMO 1940 8-9)
Lennie
disse riacutespido
Lennie pelo amor de Deus natildeo bebe
tanto O outro continuou a resfolegar no lago O homem pequeno inclinou-se e sacudiu-o pelo ombro
Lennie vocecirc vai ficar doente que nem na noite passada () Taacute oacutetima Toma um pouco George Toma um bom gole ()
Natildeo sei se essa aacutegua eacute boa Parece meio espumosa (CAMPELLO 1991 6-7)
160
Lennie
disse com severidade
Lennie pelo amor de Deus num bebe tanto
assim Lennie continuou a beber ruidosamente O homenzinho se abaixou e o sacudiu pelo ombro
Lennie Ocecirc vai se sentir mal igual na noite passada () Foi bom disse Bebe um pouco George Bebe um golatildeo ()
Num sei
se essa aacutegua eacute boa
disse [George]
Parece meio cheia de lodo (BAN
2005 12-13)
A observaccedilatildeo desses fragmentos traduzidos permite concluir que a traduccedilatildeo de
Eacuterico Veriacutessimo utiliza uma variedade linguumliacutestica mais formal e que resulta em alteraccedilotildees
mais substanciais em relaccedilatildeo ao texto de partida pois apesar de conservar a coloquialidade
os efeitos da fala caracteriacutestica do texto em inglecircs satildeo suavizados ou perdidos Myriam
Campello por sua vez transforma essa linguagem numa variedade que embora permaneccedila
coloquial e menos formal que a de Veriacutessimo ainda assim soa mais educada do que a
linguagem escolhida por Steinbeck isto eacute os falantes parecem ter um niacutevel educacional maior
do que no texto de partida Ana Ban tenta conservar os efeitos do dialeto dos personagens
O maior grau de formalidade da traduccedilatildeo de Veriacutessimo pode ser vista por
exemplo na sua preferecircncia pelo uso dos verbos na segunda pessoa do singular - ()
Lennie por amor de Deus natildeo bebas
tanto assim - Lennie Vais ficar
doente ()
(VERIacuteSSIMO 1940 8-9) Campello por sua vez em lugar da segunda pessoa tu utiliza uma
forma mais popular vocecirc ou o verbo no imperativo bebe de uma bem comum de falar do
brasileiro em situaccedilotildees cotidianas informais mas que ainda constitui um meio-termo entre a
polidez de Veriacutessimo e a linguagem mais rude estigmatizada dos personagens de Steinbeck
() Lennie pelo amor de Deus natildeo bebe
tanto - Lennie vocecirc vai ficar
doente ()
(CAMPELLO 1991 6-7) Por fim Ban adota um dialeto caipira transformando vocecirc em ocecirc
- Lennie Ocecirc vai se sentir mal () (BAN 2005 12-13) O dialeto caipira utilizado por Ban
fica evidente tambeacutem pelo uso da palavra num em lugar de natildeo natildeo
(VERIacuteSSIMO 1940
8-9) natildeo (CAMPELLO 1991 6 7) num (BAN 2005 12-13)
No capiacutetulo 2 outra amostra da linguagem dos diaacutelogos eacute traduzida da seguinte
maneira
Tell you what
said the old swamper This here blacksmith
name of Whitey
was the kind of guy that would put that stuff around even if there wasn t no bugs
just to make sure see Tell you what he used to do () (STEINBECK sd 20)
- Vou lhe
dizer retorquiu o velho
Ecircsse ferreiro um tal Whitey era desses camaradas que usam inseticida ateacute quando natildeo haacute piolhos Soacute por precauccedilatildeo compreende Pois vou lhe
contar o que ecircle costumava fazer () (VERIacuteSSIMO 1940 40)
161
- Vou te
contar
disse o velho
Esse ferreiro um tal de Whitey era o tipo do
sujeito que espalhava esse negoacutecio por aiacute mesmo sem qualquer inseto Soacute por seguranccedila sabe Vou te
contar o que costumava fazer () (CAMPELLO 1991
20)
- Vocirc te dizecirc uma coisa
respondeu o velho ajudante Esse ferrero aiacute o nome dele
era Whitey era o tipo de sujeito que espalhava uns negoacutecio desses aiacute memo quando num tinha bicho nenhum soacute pra tecirc certeza sabe como eacute Vocirc te contaacute o que ele costumava fazecirc() (BAN 2005 33)
Nessas traduccedilotildees haacute uma inconsistecircncia por parte de Veriacutessimo que utiliza o
pronome obliacutequo lhe quando na verdade o pronome te ficaria em consonacircncia com a
tendecircncia desse tradutor em usar a segunda pessoa do singular
tu Isso se configura
portanto como um desvio da norma-padratildeo Campello e Ban por sua vez se valem do
pronome obliacutequo te natildeo por esse motivo mas por causa do uso comum da linguagem
coloquial brasileira que natildeo obriga a concordacircncia de te com tu Nesse caso te refere-se a
vocecirc (padratildeo utilizado por Campello) ou ocecirc (padratildeo utilizado por Ban) ou seja haacute tambeacutem
um desvio da norma-padratildeo mas que estaacute de acordo com a linguagem mais informal (oral)
escolhida pelas tradutoras
As traduccedilotildees dos recortes do capiacutetulo 3 abaixo revelam mais dados sobre
diferenccedilas de linguagem
He ain t no cuckoo said George He s dumb as hell but he ain t crazy An I ain t so bright neither or I wouldn t be buckin barley
for my fifty and found ( ) (STEINBECK sd 41)
- Natildeo ecircle natildeo eacute maluco
replicou George
Eacute imbecil como um burro mas natildeo eacute louco E eu tambeacutem natildeo sou tatildeo vivo pois si fosse natildeo estava carregando cevada
por cincoenta doacutelares e mais a comida () (VERIacuteSSIMO 1940 78-79)
- Ele natildeo eacute maluco
disse George
Eacute bastante imbecil mas natildeo eacute maluco E eu tambeacutem natildeo sou tatildeo esperto assim ou natildeo iria carregar cevada
por cinquumlenta pacotes e mais a comida () (CAMPELLO 1991 38)
- Ele num eacute tonto
George disse
Ele eacute burro feito uma porta mas num eacute loco E eu tambeacutem num socirc tatildeo isperto assim se natildeo num ia taacute aqui carregando cevada
pra ganhaacute cinquumlenta pau e a comida () (BAN 2005 59)
Nessas traduccedilotildees percebe-se com bastante clareza que Veriacutessimo tambeacutem utiliza
uma linguagem coloquial Na passagem pois si fosse natildeo estava
carregando cevada ()
(VERIacuteSSIMO 1940 78-79) a expressatildeo natildeo estava natildeo segue a norma-padratildeo pois o
verbo conjugado no preteacuterito imperfeito do indicativo deveria ser colocado no futuro do
preteacuterito ( natildeo estaria ) Tal coloquialismo no entanto somente provoca um decreacutescimo no
162
grau de formalidade expressa por Veriacutessimo natildeo constituindo essa linguagem ainda um
padratildeo estigmatizado Campello desta vez apresenta uma linguagem mais formal seguindo a
norma-padratildeo Jaacute Ban continua apresentando regularidade quanto ao dialeto que escolheu
Em outro exemplo no capiacutetulo 4 o niacutevel coloquial do texto de partida se
apresenta principalmente pelo uso de expressotildees idiomaacuteticas o tom (expressando ironia)
aleacutem da fala tiacutepica dos personagens em seu dialeto estigmatizado da liacutengua inglesa
Sure
I ve gotta
husban You all seen him Swell guy ain t he
Spends all his time sayin what he s gonna do to guys he don t like and he don t like nobody ( ) Say
what happened to Curley s han ( ) (STEINBECK sd 82)
- Claro
que tenho marido Todos sabem Um homem formidaacutevel natildeo eacute
Passa todo o tempo dizendo o que vai fazer com os tipos que ecircle tem raiva e ecircle natildeo gosta de ningueacutem () Escutem o que eacute que o Crespinho tem na matildeo (VERIacuteSSIMO 1940 151-153)
- Claro que tenho marido
Todos vocecircs jaacute viram Sujeito formidaacutevel natildeo eacute
Passa o tempo todo dizendo o que vai fazer com os caras que detesta E ele detesta todo mundo ()
Me digam o que que houve com a matildeo do Curley (CAMPELLO 1991 73)
- Eacute claro que eu tenho marido
Oceis tudo jaacute viu ele Ele eacute um bom sujeito neacute Passa o tempo todo falando o que eacute que ele vai fazecirc com os sujeito que ele num gosta E ele num gosta de ningueacutem () Diz uma coisa o que foi que aconteceu co a matildeo do Curley (BAN 2005 108)
Assim a expressatildeo Sure I ve gotta
husban
(ou Sure I ve got a
husband)
encontra nas suas trecircs traduccedilotildees muita semelhanccedila - Claro que tenho marido
(Veriacutessimo)-
- Claro que tenho marido
(Campello) - Eacute claro que eu tenho marido
(Ban) Uma das
diferenccedilas fica por conta do ponto de exclamaccedilatildeo utilizado por Campello enquanto que
Veriacutessimo e Ban usam um ponto O ponto de exclamaccedilatildeo confere mais expressividade
denotando o humor ou estado psicoloacutegico da personagem
entretanto ele estaacute ausente no
texto de partida A expressatildeo idiomaacutetica Swell guy ain t he caracteriacutestica pelo uso do
adjetivo swell de uso informal ou antigo conforme Hornby (2000 1369) e o desvio da
norma-padratildeo ain t (contraccedilatildeo do verbo to be + not) revela pelo contexto uma ironia
traduzida assim - Um homem formidaacutevel natildeo eacute
(Veriacutessimo) - Sujeito formidaacutevel natildeo
eacute (Campello) - Ele eacute um bom sujeito neacute (Ban) Nessas traduccedilotildees a ironia eacute mantida
O seguinte exemplo retirado do capiacutetulo 1 serve para ilustrar como os pronomes
satildeo traduzidos
163
The hell with what I says You remember about us goin into Murray and Ready s
and they give us work cards and bus tickets
(STEINBECK sd 5)
- Diabo Pouco importa o que eu disse Tu te lembras que fomos agrave casa de Murray e Ready e que nos deram cartotildees de trabalho e passagens de ocircnibus
(VERIacuteSSIMO
1940 12)
- Que se dane o que eu disse Lembra
que a gente foi na casa de Murray e Ready e eles deram pra noacutes cartotildees de trabalho e passagens de ocircnibus (CAMPELLO 1991 8)
- Que se dane o que eu disse Ocecirc lembra
que a gente entrou no escritoacuterio do Murray e do Ready e que eles deu pra gente uns cartatildeo de trabaio e umas passagem de ocircnibus (BAN 2005 16)
Novamente se observa a preferecircncia de Veriacutessimo pelo pronome tu regendo o
verbo
Tu te lembras () o que eacute uma marca incomum na oralidade da liacutengua
portuguesa e tambeacutem em termos dos personagens de Steinbeck Jaacute Campello estrutura a
oraccedilatildeo deixando impliacutecito o sujeito vocecirc por causa da regecircncia do verbo lembra ( vocecirc
lembra ) Ban prefere colocar o sujeito expresso por ocecirc mantendo-se consistente com a
sua proposta de estilo
Nesse mesmo capiacutetulo outros exemplos ilustram o uso de pronomes nas seguintes
traduccedilotildees
Uh-huh Jus a dead mouse George I didn t kill it Honest I found it I found it dead
(STEINBECK sd 5)
- Ahaacute Soacute um rato morto George Natildeo fui eu que matei Palavra Achei ecircle Achei ecircle
morto
(VERIacuteSSIMO 1940 14)
- Hatilde-hatilde Soacute um rato morto George Eu natildeo matei ele juro Jaacute tava morto Encontrei ele morto (CAMPELLO 1991 8)
- Natildeo Soacute um rato morto George num fui eu que matou Seacuterio Eu achei Achei morto (BAN 2005 16)
Veriacutessimo usa o tom coloquial e pratica desvios da norma-padratildeo como no caso
do uso de pronomes do caso reto como objeto direto ( Achei ecircle ) Campello repete essa
estrutura (ao escolher natildeo matei ele ao inveacutes de natildeo o matei ) e ao usar o verbo tava
em lugar de estava assinala o tom coloquial Ban apesar de natildeo repetir essa mesma
estrutura sintaacutetica (ela decide por que matou achei morto ) conserva o estilo do dialeto
caipira ao usar as palavras num em lugar de natildeo
164
521 O dialeto dos personagens
O dialeto do texto de partida nos diaacutelogos apresenta relativa uniformidade ou
regularidade conforme o uso individual dos personagens Isso demonstra a preocupaccedilatildeo de
Steinbeck com uma espeacutecie de identidade de classe (trabalhadores humildes oprimidos e de
baixa escolaridade) representando uma fala tiacutepica localizada em um tempo (deacutecada de 1930)
e espaccedilo especiacuteficos (regiatildeo rural da cidade de Soledad Califoacuternia
Estados Unidos)
Steinbeck de modo geral natildeo coloca ou explora muito eventuais diferenccedilas linguumliacutesticas
individuais dos personagens de Of mice and men Trata-se de um registro linguumliacutestico que
apresenta variaccedilotildees de tom como qualquer manifestaccedilatildeo da liacutengua oral No caso as variaccedilotildees
de tom perceptiacuteveis por exemplo pelo uso de sinais de pontuaccedilatildeo pela segmentaccedilatildeo ou
interrupccedilatildeo do texto ou ainda pelo uso do itaacutelico como em oscilaccedilotildees de humor ou outros
estados momentacircneos dos personagens como a) irritaccedilatildeo b) hesitaccedilatildeo c) entusiasmo d)
duacutevida
a) irritaccedilatildeo
Exemplo I (Capiacutetulo 1)
( ) Jes a little stretch
God-damn near four miles that s what it was ( ) (STEINBECK sd 4)
- () Soacute mais uma puxadinha Uma ova Quase quatro milhas isso eacute que eacute () (VERIacuteSSIMO 1940 10)
- () Soacute uma esticadinha
Seis quilocircmetros desgraccedilados isso sim () (CAMPELLO 1991 7)
- () Soacute uma caminhadinha curtinha
Que diabo foi mais de seis quilocircmetro isso sim () (BAN 2005 14)
No fragmento acima o discurso indireto marcado no texto de partida pela
expressatildeo Jes a little stretch
entre aspas normais revela certo inconformismo do
personagem George imitando a fala de outro personagem do romance
um motorista de
ocircnibus que lhe deu uma informaccedilatildeo errada As palavras a little stretch encontram nas trecircs
traduccedilotildees o recurso do diminutivo pelo sufixo inha bem caracteriacutestico do portuguecircs uma
puxadinha (Veriacutessimo) uma esticadinha (Campello) uma caminhadinha
curtinha (Ban)
165
Apenas se nota entre os trecircs tradutores que a soluccedilatildeo de Ban eacute um pouco mais longa e por
isso eacute menos direta talvez soando um pouco menos natural para a fala mais comum do
brasileiro normalmente raacutepida e sinteacutetica em situaccedilotildees semelhantes
Segue-se em discurso direto uma imprecaccedilatildeo que deixa clara a irritaccedilatildeo do
personagem George God-damn near four miles that s what it was De forma geral as trecircs
traduccedilotildees mantecircm esse tom de irritaccedilatildeo mesmo havendo escolhas diferentes por exemplo ao
se comparar as expressotildees Uma ova (Veriacutessimo) desgraccedilados (Campello) Que diabo
(BAN 2005 14) semanticamente similares nesse contexto A imprecisatildeo das medidas de
distacircncia
Quase quatro milhas
(Veriacutessimo) Seis quilocircmetros
(Campello) mais de seis
quilocircmetro
(Ban)
natildeo afeta significativamente a mensagem dos textos pois o mais
importante nesse trecho parece ser a manutenccedilatildeo do tom expresso pelo texto de partida
Apenas se observa que Veriacutessimo estrangeiriza ao utilizar a palavra milhas enquanto que as
outras tradutoras preferem domesticar com a referecircncia a quilocircmetros
Exemplo II (Capiacutetulo 2)
You was pokin your big ears
into our business George said I don t like nobody to get nosey (STEINBECK sd 25)
- Natildeo vocecirc estava escutando o que diziacuteamos insistiu George Natildeo gosto de gente curiosa (VERIacuteSSIMO 1940 50)
- Vocecirc tava pondo o nariz
onde natildeo eacute chamado
disse George
E eu natildeo gosto de gente abelhuda (CAMPELLO 1991 25)
- Ocecirc tava metendo as orelhona nos nosso assunto George disse Num gosto nem um poco de gente inxerida (BAN 2005 40)
O tom de irritaccedilatildeo novamente se conserva nas traduccedilotildees Veriacutessimo entretanto
ameniza um pouco esse tom ao traduzir numa linguagem menos agressiva que as escolhas de
Campello e Ban pokin your big ears
(Steinbeck) escutando (Veriacutessimo) pondo o nariz
(Campello) metendo as orelhona (Ban)
b) hesitaccedilatildeo
Exemplo I (Capiacutetulo 1)
166
Why sure George I remember that but what d we do then I remember some
girls come by and you says you says (STEINBECK sd 5)
- Claro George claro que me lembro mas que foi que a gente fez depois Eu me lembro dumas moccedilas que passaram e tu disseste tu disseste (VERIacuteSSIMO 1940 12)
- Ora George claro que eu lembro daquilo mas o que que a gente fez depois Lembro que algumas garotas chegaram e vocecirc disse vocecirc disse (CAMPELLO 1991 8)
- Mas claro que sim George lembro sim mas o que foi memo que a gente fez depois Lembro de umas moccedila que passocirc e ocecirc disse ocecirc disse (BAN 2005 15)
Nesse trecho os trecircs tradutores conforme o texto de partida marcam a hesitaccedilatildeo
de Lennie com reticecircncias A coloquialidade se manifesta em graus diferentes (em parte
por causa dos dialetos utilizados em cada traduccedilatildeo) variando do tom mais formal de
Veriacutessimo ao mais informal de Ban O tom coloquial eacute principalmente marcado pelo uso
de a gente nas trecircs traduccedilotildees
Exemplo II (Capiacutetulo 2)
Why he just quit the way a guy will (STEINBECK sd 20)
- Pois o homem foi embora quero dizer foi embora bem como os outros (VERIacuteSSIMO 1940 40)
- Ora ele foi embora pronto do mesmo modo que qualquer sujeito vai (CAMPELLO 1991 21)
- Sei laacute ele soacute pego e foi imbora do jeito que uns home vai (BAN 2005 33)
No exemplo II acima observa-se novamente o emprego das reticecircncias marcando
a hesitaccedilatildeo nas trecircs traduccedilotildees Nesse ponto a traduccedilatildeo de Veriacutessimo expressa um registro
mais formal em relaccedilatildeo agrave sua traduccedilatildeo apresentada no Exemplo I devido principalmente ao
uso de expressotildees mais relacionadas agrave linguagem escrita do portuguecircs brasileiro (quando na
verdade o texto de partida se refere a personagens humildes da zona rural numa conversa
rotineira do dia-a-dia segundo seu ambiente habitual) pois o homem quero dizer As
duas tradutoras mantecircm a tendecircncia do tom coloquial
167
c) entusiasmo
Exemplo I (Capiacutetulo 1)
Lennie broke in But not us An why Because because I got you to look after me and you got me to look after you and that s why
He laughed delightedly () (STEINBECK sd 14)
- Mas conosco eacute diferente
interrompeu Lennie
E por quecirc Porque porque eu tenho a ti pra cuidar de mim e tu tens a mim pra cuidar de ti por isso
Soltou uma gargalhada de prazer () (VERIacuteSSIMO 1940 30)
- Mas noacutes natildeo
interrompeu Lennie
E por quecirc Porque porque eu tenho vocecirc pra tomar conta de mim e vocecirc me tem pra tomar conta de vocecirc eacute por isso
Riu encantado () (CAMPELLO 1991 16)
Lennie interrompeu - Mas isso num vai acontece co a gente E por quecirc Porque porque eu tenho ocecirc pra cuidaacute de mim e ocecirc tem eu pra cuidaacute d ocecirc e eacute por isso
riu de tanta alegria () (BAN 2005 27)
Os elementos graacuteficos (itaacutelico negrito) e os sinais de pontuaccedilatildeo (exclamaccedilatildeo e
interrogaccedilatildeo) tecircm um papel importante neste exemplo revelando o entusiasmo ou alegria de
Lennie Assim enquanto Veriacutessimo utiliza o negrito na sua traduccedilatildeo as tradutoras Campello e
Ban preferem o itaacutelico O efeito produzido por cada traduccedilatildeo eacute bastante similar e independe
da escolha por itaacutelico ou negrito O mesmo pode ser dito em relaccedilatildeo ao uso das exclamaccedilotildees e
interrogaccedilotildees sem diferenccedilas aparentes em cada uma das trecircs traduccedilotildees O niacutevel da
linguagem das traduccedilotildees apresenta constacircncia conforme explanaccedilotildees anteriores variando do
registro mais formal de Veriacutessimo ( eu tenho a ti ) mediano de Campello ( eu tenho vocecirc )
e baixo estigmatizado de Ban ( eu tenho ocecirc )
Exemplo II (Capiacutetulo 3)
Jesus Christ I bet we could swing her His eyes were full of wonder (STEINBECK sd 63)
- Jesuacutes Cristo Acho que podemos comprar a chaacutecara
Seus olhos estavam cheios de admiraccedilatildeo (VERIacuteSSIMO 1940 117)
- Puxa Aposto que a gente podia segurar o siacutetio
Seus olhos estavam cheios de assombro (CAMPELLO 1991 56)
168
- Jesus Cristo Aposto memo que dava pra seguraacute ela
Seus olhos estavam cheios
de maravilhamento (BAN 2005 85)
Neste exemplo Jesuacutes Cristo (Veriacutessimo) Puxa (Campello) Jesus Cristo
satildeo escolhas que podem produzir o mesmo efeito a despeito da diferenccedila entre as expressotildees
Nota-se que Veriacutessimo grafa Jesuacutes com acento agudo assinalando a ortografia de sua
eacutepoca (1940) As exclamaccedilotildees utilizadas pelos trecircs tradutores na mesma situaccedilatildeo revelam a
surpresa e a satisfaccedilatildeoentusiasmo de George ao vislumbrar a possibilidade de realizar seu
sonho compartilhado por Lennie (adquirir uma pequena propriedade rural e levar uma vida
independente e feliz) Escolhas tradutoacuterias diferentes podem ser percebidas principalmente
em chaacutecara (Veriacutessimo) siacutetio (Campello) ela
(Ban) que natildeo revelam a mesma coisa
para a cultura brasileira em termos de propriedades rurais No caso de Ban a escolha por
ela natildeo deixa niacutetido a que tal palavra se refere entretanto isso estaacute de acordo com o texto
de partida ( her )
d) duacutevida
Exemplo I (Capiacutetulo 4)
Then if you know why you want to ast us where Curley is at (STEINBECK sd 81)
- Se sabe entatildeo retrucou o velho varredor por que vem nos perguntar onde estaacute o Crespinho (VERIacuteSSIMO 1940 150)
- Se sabe por que que taacute perguntando (CAMPELLO 1991 72)
- Entatildeo se a sinhora sabe por que eacute que a sinhora veio ateacute aqui perguntaacute pra gente se a gente sabe onde que o Curley taacute (BAN 2005 107)
Natildeo haacute dificuldade em se perceber a expressividade do ponto de interrogaccedilatildeo
expressando sua caracteriacutestica essencial a pergunta a duacutevida Nesse caso os trecircs tradutores
deixam isso bem marcado de modo bem similar ao texto de partida Outra vez o que mais
conta neste exemplo satildeo os diferentes dialetos de cada um dos trecircs tradutores reforccedilando a
tendecircncia jaacute mencionada anteriormente (do niacutevel mais formal em Veriacutessimo mediano em
Campello ateacute a liacutengua estigmatizada utilizada por Ban)
169
Exemplo II (Capiacutetulo 6)
Now what the hell ya suppose is eatin them two guys
(STEINBECK sd 113)
- Que diabo de bicho teraacute mordido aqueles dois camaradas (VERIacuteSSIMO 1940
209)
- O que seraacute que taacute roendo esses caras (CAMPELLO 1991 100)
- Caramba o que eacute qu ocecirc acha que eacute o problema desses dois aiacute (BAN 2005 145)
Neste uacuteltimo exemplo o texto de partida expressa algo mais do que a mera
duacutevida Trata-se de uma fala do personagem Carlson no final da obra que revela sua
indiferenccedila em relaccedilatildeo agrave morte de Lennie pela accedilatildeo de George numa cena em que Slim
consola George As trecircs traduccedilotildees manteacutem esse sentido apesar das escolhas serem diferentes
notadamente pelas expressotildees Que diabo de bicho () (Veriacutessimo) O que seraacute ()
(Campello) Caramba o que qu ocecirc acha que eacute o problema () (Ban)
O que foi dito a respeito do tom que foi relativamente mantido nos exemplos
acima mencionados todavia natildeo se aplica de forma plena quando o assunto eacute o dialeto dos
personagens Percebe-se nitidamente a falta de paralelismo entre as caracteriacutesticas do dialeto
inglecircs utilizado e as caracteriacutesticas dos dialetos da liacutengua portuguesa utilizados nas traduccedilotildees
Isso seraacute demonstrado com exemplos quando algumas caracteriacutesticas do dialeto vernacular
ou estigmatizado estadunidense presentes no dialeto dos personagens de Of mice and men satildeo
destacadas ao lado das traduccedilotildees em portuguecircs Essas caracteriacutesticas seratildeo divididas em sete
grupos a saber a) formas verbais regularizadas como na terceira pessoa do singular b) uso
generalizado da terceira pessoa do singular no passado simples do verbo to be como padratildeo
c) terceira pessoa do singular com o auxiliar do regularizado d) a dupla negativa e) omissatildeo
do verbo to have como auxiliar do present perfect f) uso de verbos irregulares no passado
simples como se fossem regulares g) a reduccedilatildeo de palavras quando faltam letras ou no seu
iniacutecio ou meio ou fim
a) Formas verbais regularizadas como na terceira pessoa do singular
Exemplo I (Capiacutetulo 1)
170
The hell with what I says () (STEINBECK sd 5) (I say)
- Diabo Pouco importa o que eu disse ( ) (VERIacuteSSIMO 1940 12)
- Que se dane o que eu disse () (CAMPELLO 1991 8)
- Que se dane o que eu disse ( ) (BAN 2005 16)
Exemplo II (Capiacutetulo 1)
() I remember some girls come by and you says you says
(STEINBECK
sd 5) (you say)
- () Eu me lembro dumas moccedilas que passaram e tu disseste tu disseste
(VERIacuteSSIMO 1940 12)
- () Lembro que algumas garotas chegaram e vocecirc disse vocecirc disse
(CAMPELLO 1991 8)
- () Lembro de umas moccedila que passocirc e ocecirc disse ocecirc disse (BAN 2005 15)
As irregularidades apontadas nos verbos em I says e you says natildeo encontram
similaridade em portuguecircs Normalmente o verbo correspondente a to say (dizer) se conjuga
assim eu disse tu dissestevocecirc disse eleela disse noacutes dissemos voacutes dissestesvocecircs
disseram eleselas disseram Mesmo que haja algum tipo de desvio dessas formas nunca
haveraacute simetria ou similaridade do portuguecircs em relaccedilatildeo agrave caracteriacutestica em inglecircs do uso
regularizado da terceira pessoa referindo-se agrave primeira pessoa do singular (I) e agrave segunda
pessoa do singular (you) conforme os exemplos
Desta feita eacute impossiacutevel transmitir em portuguecircs o efeito dos verbos em inglecircs na
terceira pessoa do singular com esse uso generalizado para todas as pessoas As traduccedilotildees
acima apenas revelam conforme cada caso variaccedilotildees linguumliacutesticas que vatildeo desde o niacutevel mais
formal (ainda que apresente em dados momentos caracteriacutesticas da oralidade e da fala
coloquial) utilizado por Veriacutessimo passando pela liacutengua essencialmente coloquial utilizada
por Campello ateacute chegar ao niacutevel da liacutengua estigmatizada a opccedilatildeo de Ana Ban 120
b) Uso generalizado da terceira pessoa do singular no passado simples do verbo to be como
padratildeo
Exemplo I (Capiacutetulo 1)
120 Essa tendecircncia por parte dos tradutores do niacutevel mais formal para o coloquial ateacute chegar ao niacutevel do dialeto estigmatizado se confirma em todos os exemplos utilizados a partir de Of mice and men segundo a preferecircncia de Egraverico Veriacutessimo (1940) Myriam Campello (1991) e Ana Ban (2005) respectivamente
171
They was
so little ( )
(STEINBECK sd 10) (they were)
- Ecircles eram tatildeo pequenos ( ) (VERIacuteSSIMO 1940 22)
- Eram tatildeo pequenos () (CAMPELLO 1991 12)
- Eles era tatildeo pequenininho ( ) (BAN 2005 22)
Exemplo II (Capiacutetulo 2)
( ) Says we was
here when we wasn t ( )
(STEINBECK sd 22) (we werewe
weren t)
- () Disse que estaacutevamos perto da fazenda e natildeo estaacutevamos () (VERIacuteSSIMO
1940 44)
- () Disse que a gente tava perto e era mentira () (CAMPELLO 1991 22)
- () Ele disse que jaacute tava perto mais num tava () (BAN 2005 36)
O verbo na terceira pessoa do singular generalizado para todas as pessoas tanto
do singular quanto do plural eacute um fenocircmeno anaacutelogo em portuguecircs As formas do verbo to be
em inglecircs no passado simples em conformidade com a norma-padratildeo (singular I was you
were hesheit was plural we were you were they were) como os exemplos mostram satildeo
unificadas somente pela forma was constituindo um desvio caracteriacutestico do dialeto de Of
mice and men Tal desvio pode ser transferido para o portuguecircs estigmatizado eu era tuvocecirc
era eleela era noacutesa gente era vocecircs era (o pronome voacutes natildeo eacute de uso comum na liacutengua
estigmatizada ou coloquial) eleselas era
Outro significado atribuiacutedo ao verbo to be eacute estar que no preteacuterito imperfeito
assume as formas eu estava tu estavasvocecirc estava eleela estava noacutes estaacutevamos voacutes
estaacuteveisvocecircs estavam eleselas estavam que pode na liacutengua estigmatizada ou coloquial
assumir a uacutenica forma tava (eu tava vocecirc tava vocecircs tava etc) A uacutenica diferenccedila entre o
inglecircs e o portuguecircs ficaria por conta dos pronomes pessoais do caso reto em inglecircs eles satildeo
imutaacuteveis ou seja as formas baacutesicas I you hesheit we you they permanecem constantes na
transposiccedilatildeo para o inglecircs estigmatizado Em portuguecircs ao contraacuterio os pronomes vocecirc noacutes e
vocecircs podem se constituir de outras maneiras na linguagem estigmatizada num acircmbito geral
que se refere agrave meacutedia comumente encontrada nas variedades do portuguecircs brasileiro
172
Norma-padratildeo Desvios
Singular
Eu
oslash
Tu
oslash
Vocecirc
ocecirccecirc
Ele
oslash
Ela
oslash
Norma-padratildeo Desvios
Plural
Noacutes
noacuteisa gente
Voacutes
oslash
Vocecircs
ocecirciscecircis
Eles
oslash
Elas
oslash
Apesar dessas possibilidades Veriacutessimo (1940) Campello (1991) e Ban (2005)
adotam posturas divergentes tanto no que diz respeito ao uso do verbo serestar no passado
quanto ao uso formas pronominais em suas traduccedilotildees
Exemplo I (Capiacutetulo 1)
They was
so little ( )
(STEINBECK sd 10)
- Ecircles
eram
tatildeo pequenos ( ) (VERIacuteSSIMO 1940 22)
- Eram tatildeo pequenos () (CAMPELLO 1991 12)
- Eles era
tatildeo pequenininho ( ) (BAN 2005 22)
Exemplo II (Capiacutetulo 2)
( ) Says we was here when we wasn t ( )
(STEINBECK sd 22)
- () Disse que estaacutevamos
perto da fazenda e natildeo estaacutevamos () (VERIacuteSSIMO
1940 44)
- () Disse que a gente tava perto e era mentira () (CAMPELLO 1991 22)
- () Ele disse que jaacute tava perto mais
num
tava () (BAN 2005 36)
A opccedilatildeo pela linguagem mais formal utilizada por Veriacutessimo em suas traduccedilotildees
tende a omitir os pronomes ou quando eles satildeo utilizados as suas formas obedecem ao
portuguecircs padratildeo que satildeo seguidas de formas verbais natildeo desviantes
As soluccedilotildees de Campello transmitem natildeo exatamente a liacutengua estigmatizada mas
a coloquial estampada por exemplo pelo uso do pronome a gente em vez de noacutes Os verbos
ser e estar dependendo do caso assumem suas formas padratildeo ou natildeo padratildeo (nos exemplos
eram como na norma-padratildeo e tava em lugar de estava)
173
Jaacute a tradutora Ana Ban procura marcar o dialeto com desvios de concordacircncia do
verbo com o sujeito ou utilizando a forma verbal tava em lugar de estava A configuraccedilatildeo
desse dialeto fica mais evidente ainda quando a conjunccedilatildeo adversativa mas se transforma em
mais e o adveacuterbio de negaccedilatildeo natildeo se adultera em num
c) Terceira pessoa do singular com o verbo to do (como auxiliar) regularizado
Exemplo I (Capiacutetulo 2)
( ) A guy on a ranch don t
never listen nor he don t
ast no questions
(STEINBECK sd 25) (A guy doesn the doesn t)
- () Numa fazenda a gente natildeo escuta o que os outros dizem nem anda fazendo perguntas (VERIacuteSSIMO 1940 50)
- () Quem trabalha numa fazenda nunca ouve nada nem faz perguntas (CAMPELLO 1991 25)
- () A gente aqui na fazenda nunca ouve nada nem faiz nenhuma pergunta (BAN 2005 40)
Exemplo II (Capiacutetulo 4)
Oh she don t
care (STEINBECK sd 73)
- Ora a cadela deixa (VERIacuteSSIMO 1940 134)
- Ah ela natildeo se importa (CAMPELLO 1991 65)
- Ah ela num taacute nem aiacute (BAN 2005 96)
O verbo auxiliar do natildeo encontra par ou similar na liacutengua portuguesa e acontece
como fenocircmeno gramatical exclusivo da liacutengua inglesa Este eacute um argumento que pode servir
para entender que o tradutor muitas vezes natildeo pode seguir o texto de partida palavra por
palavra mas sim tomar o sentido da liacutengua de partida pelo sentido na liacutengua de chegada Por
isso mesmo o problema da generalizaccedilatildeo do verbo auxiliar do para todas as pessoas verbais
(a terceira pessoa do singular acompanha normalmente a forma does) eacute intransponiacutevel para o
portuguecircs no niacutevel da palavra em si mesma Se for levado em conta o sentido pelo sentido
tambeacutem natildeo haacute soluccedilatildeo possiacutevel que possibilite a identificaccedilatildeo dessa marca dialetal inglesa
para outra em portuguecircs
174
d) A dupla negativa
Exemplo I (Capiacutetulo 1)
They don t belong no place (STEINBECK sd 14)
- Natildeo pertencem a nenhum lugar (VERIacuteSSIMO 1940 29 30)
- Natildeo pertencem a lugar nenhum (CAMPELLO 1991 15)
- Essa gente num pertence a lugaacute nenhum (BAN 2005 27)
Exemplo II (Capiacutetulo 2)
I won t get in no
trouble George (STEINBECK sd 16)
- Natildeo vou me meter em enrascadas George (VERIacuteSSIMO 1940 34)
- Natildeo vou me meter em confusatildeo George (CAMPELLO 1991 17)
- Eu num vocirc me metecirc em confusatildeo nenhuma George (BAN 2005 29)
Exemplo III (Capiacutetulo 2)
( ) A guy
on a ranch don t
never
listen nor he don t
ast no
questions
(STEINBECK sd 25) (A guy doesn the doesn t)
- () Numa fazenda a gente natildeo escuta o que os outros dizem nem anda fazendo perguntas (VERIacuteSSIMO 1940 50)
- () Quem trabalha numa fazenda nunca ouve nada nem faz perguntas (CAMPELLO 1991 25)
- () A gente aqui na fazenda nunca ouve nada nem faiz nenhuma pergunta (BAN 2005 40)
A dupla negativa outro desvio da norma-padratildeo da liacutengua inglesa tambeacutem eacute um
fenocircmeno que natildeo encontra similaridade na liacutengua portuguesa A caracterizaccedilatildeo do dialeto
estigmatizado a exemplo do que fez Ban no exemplo III se vale de outros recursos pela
coloquialidade expressa pela locuccedilatildeo pronominal a gente e a sonoridade popular do verbo
fazer na terceira pessoa do singular resultante em faiz em lugar de faz
e) Omissatildeo do verbo to have como auxiliar do present perfect
Exemplo I (Capiacutetulo 1)
175
I been
mean ain t I (STEINBECK sd 13) (I ve been)
- Fui mesquinho contigo hein (VERIacuteSSIMO 1940 28)
- Fui mau natildeo eacute (CAMPELLO 1991 15)
- Eu fui mau neacute (BAN 2005 26)
Exemplo II (Capiacutetulo 2)
I seen her give Slim the eye (STEINBECK sd 29)
- Eu vi ela namorar o Magro (VERIacuteSSIMO 1940 57)
- Eu vi ela lanccedilando olhares pro Slim (CAMPELLO 1991 28)
- Jaacute vi ela olhando pro Slim (BAN 2005 45)
Exemplo III (Capiacutetulo 5)
I done
a bad thing (STEINBECK sd 97)
- Fiz uma coisa ruim (VERIacuteSSIMO 1940 179)
- Fiz uma coisa ruim (CAMPELLO 1991 85)
- Eu fiz otra coisa ruim () (BAN 2005 125)
Em inglecircs o present perfect caracteriza-se pela estrutura sujeito + have + verbo
principal no particiacutepio passado O exemplo acima I been mean deveria seguir a forma I have
been mean ou com contraccedilatildeo do sujeito com o verbo auxiliar I ve been mean Trata-se de um
tempo verbal que pode expressar uma accedilatildeo realizada num passado indeterminado
estendendo-se ao tempo presente de modo diferente do simple past (passado simples) que
expressa uma accedilatildeo concluiacuteda num tempo definido Percebe-se aqui pelas traduccedilotildees que natildeo
haacute em portuguecircs como expressar essa caracteriacutestica sem par do present perfect o resultado
das traduccedilotildees parece soar como se o tempo verbal no inglecircs tivesse sido o simple past
Haacute portanto pelo menos duas incompatibilidades entre as duas liacutenguas
demonstradas no exemplo selecionado a primeira diz respeito agrave impossibilidade em
portuguecircs de se expressar a mesma caracteriacutestica do present perfect
seja na estrutura frasal
seja no significado preciso a segunda estaacute relacionada com a natildeo correspondecircncia do desvio
do inglecircs padratildeo ao portuguecircs palavra por palavra Em todas as trecircs traduccedilotildees portanto haacute o
apagamento dessa marca dialetal do inglecircs estigmatizado
176
f) A regularizaccedilatildeo de verbos irregulares no passado simples
Exemplo I (Capiacutetulo 5)
- I think I knowed
from the very first I think I knowed
we d never do her
()
(STEINBECK p 100) (knew)
- Acho que eu sabia desde o princiacutepio Sabia que a gente nunca ia conseguir aquilo
() (VERIacuteSSIMO 1940 185)
- Acho que eu sabia desde o iniacutecio ()
Acho que eu sabia que a gente nunca ia conseguir () (CAMPELLO 1991 88)
- Acho que eu jaacute sabia desde o comeccedilo Acho que eu sempre soube que nunca ia acontececirc () (BAN 2005 129)
Neste caso tambeacutem natildeo haacute como reproduzir em portuguecircs essa caracteriacutestica
verbal peculiar do inglecircs estigmatizado O uacutenico recurso se a intenccedilatildeo for traduzir o texto
literaacuterio em dialeto estigmatizado para outro dialeto estigmatizado na liacutengua de chegada eacute
trazer outras caracteriacutesticas dessa linguagem que natildeo espelham necessariamente as
caracteriacutesticas da liacutengua de partida Percebe-se certo paralelismo ou proximidade entre as
traduccedilotildees de Veriacutessimo e Campello no que diz respeito por exemplo agrave locuccedilatildeo a gente que
revela informalidade na fala Ban apesar de natildeo usar esse mesmo recurso transmite algo mais
do que a coloquialidade o verbo acontecer na terceira pessoa do singular grafado como
acontececirc caracteriza o falar do povo humilde de baixa escolaridade
g) A reduccedilatildeo de palavras quando faltam letras ou no seu iniacutecio ou meio ou fim
Por omissatildeo de letras no iniacutecio das palavras pelo exemplo retirado do Capiacutetulo 5
( ) I guess we gotta get im
an lock im up () (STEINBECK sd 99) (him)
- () Acho que temos de agarrar ecircle e prender () (VERIacuteSSIMO 1940 183)
- () Acho que a gente tem de pegar ele e prender () (CAMPELLO 1991 88)
- () Acho que a gente precisa pegaacute ele e mandaacute prendecirc () (BAN 2005 128
129)
Os tradutores natildeo se preocuparam em manter essa caracteriacutestica Quiseram sim
revelar a informalidadecoloquialidade ou desvio da norma-padratildeo por meio do uso de um
pronome como objeto direto conquanto o emprego normatizado dessa palavra (ele) deve ser
177
na funccedilatildeo de sujeito em posiccedilatildeo anterior ao verbo Novamente eacute Ban quem emprega o
dialeto menos prestigiado com as formas verbais pegaacute (pegar) mandaacute (mandar) e prendecirc
(prender)
Por omissatildeo de letras no meio das palavras como no exemplo abaixo retirado do
Capiacutetulo 3
() Like she says when we come up on the front porch las Sat day
night ( )
(STEINBECK sd 55) (Saturday)
- ( ) O que ela diz quando a gente chega saacutebado de noite () (VERIacuteSSIMO 1940
102)
- () Como faz todo saacutebado quando a gente chega laacute () (CAMPELLO 1991 49)
- () Igual ela feiz quando saiu na varanda na noite de saacutebado passado () (BAN
2005 75)
Natildeo haacute efeito similar em portuguecircs pelo menos quanto agrave palavra destacada
Sat day que invariavelmente assume a forma saacutebado A omissatildeo de letras no meio de
palavras entretanto eacute uma caracteriacutestica comum no geruacutendio dos verbos em portuguecircs
falado quando o final ndo (ex brincando pulando cantando
etc) assume a forma no
(brincano pulano cantano etc)
Por omissatildeo de letras no final das palavras
I was only foolin George () (STEINBECK sd 12) (fooling)
- Eu estava brincando George () (VERIacuteSSIMO 1940 26)
- Eu tava soacute brincando () (CAMPELLO 1991 14)
- Eu soacute tava brincando George () (BAN 2005 25)
Natildeo existe aplicaccedilatildeo semelhante dessa caracteriacutestica em portuguecircs no que diz
respeito ao uso do geruacutendio A uacutenica possibilidade seria omitir a consoante da uacuteltima siacutelaba
(e portanto natildeo se trata da uacuteltima letra da palavra como o que acontece no inglecircs) como foi
mencionado no item imediatamente anterior Nenhum dos tradutores entretanto utilizou essa
opccedilatildeo
Em linhas gerais o exame das traduccedilotildees no que diz respeito agrave linguagem dos
diaacutelogos indica que os tradutores tendem a manter as caracteriacutesticas gerais do dialeto
178
escolhido em portuguecircs cada qual ao seu modo Apenas se percebe ligeira variaccedilatildeo na
linguagem de Veriacutessimo por vezes formal e cerimoniosa pelo tom conferido pelo uso da
segunda pessoa do singular
tu e a conjugaccedilatildeo verbal correspondente mas tambeacutem
coloquial com alguns desvios da norma-padratildeo A linguagem utilizada por Campello e Ban
nesse sentido eacute mais homogecircnea em sua caracterizaccedilatildeo
Pode-se afirmar que os textos de chegada analisados satildeo integrais natildeo havendo
grandes interferecircncias por conta dos tradutores ou outros agentes Assim por exemplo se haacute
manipulaccedilotildees (omissotildees ou acreacutescimos) isso natildeo acontece em grandes blocos (capiacutetulos ou
paraacutegrafos) mas tatildeo somente no niacutevel de estruturas sintaacuteticas ou no conjunto lexical natildeo
imprimindo alteraccedilotildees muito significativas ao texto de partida a ponto de provocar desvios do
nuacutecleo semacircntico da obra como um todo ou alterando os rumos da histoacuteria contada
No niacutevel lexical as escolhas de cada tradutor tendem a ser consistentes isto eacute as
tomadas de decisatildeo satildeo em geral homogecircneas para cada situaccedilatildeo tradutoacuteria A esse respeito
apenas vale reafirmar como Veriacutessimo se portou por exemplo na traduccedilatildeo dos nomes dos
personagens traduzindo ou adaptando alguns ou apenas transferindo outros apesar de
tambeacutem serem em alguns casos passiacuteveis de mudanccedila na liacutengua portuguesa No tocante a
isso como jaacute foi comentado as tradutoras optaram pela transferecircncia desses nomes
conferindo-lhes um toque estrangeiro
Em todos os exemplos o tom do texto de partida eacute o elemento que se sobressai e
que parece merecer maior atenccedilatildeo por parte dos tradutores muito embora cada um em sua
subjetividade tenha feito escolhas tradutoacuterias diferentes quanto ao leacutexico aos sintagmas
frases ou a composiccedilatildeo geral de cada um dos fragmentos que ilustram cada item O resultado
ou efeito no todo apesar disso representa a manutenccedilatildeo do tom do texto de partida sem que
nenhum dos tradutores tenha causado prejuiacutezo ao significado geral perceptiacutevel no texto em
inglecircs
179
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
O estudo desenvolvido nesta dissertaccedilatildeo pautado principalmente na descriccedilatildeo e
comparaccedilatildeo de trecircs traduccedilotildees para o portuguecircs de Of mice and men (de Eacuterico Veriacutessimo
1940 Myriam Campello 1991 e Ana Ban 2005) procurou demonstrar como cada um desses
textos de chegada apresenta manipulaccedilotildees entre si mesmo tendo como referecircncia apenas uma
mesma obra e um soacute escritor John Steinbeck Muito longe de querer atribuir valor ou juiacutezo
sobre qual dessas traduccedilotildees seria a melhor ou de prescrever como deveria ser tal ou qual
soluccedilatildeo tradutoacuteria procurou-se pelo contraacuterio ressaltar o papel de cada uma dessas reescritas
em relaccedilatildeo ao seu proacuteprio contexto referente ao tempo (eacutepocas diferentes em que essas
traduccedilotildees foram produzidas) ao espaccedilo geograacutefico e a cultura do Brasil a individualidade de
cada tradutor bem como suas relaccedilotildees com outros agentes como as editoras e suas
motivaccedilotildees e influecircncias sobre a publicaccedilatildeo dessas reescrituras
Foi destacado que a formataccedilatildeo final das trecircs traduccedilotildees mencionadas dado o seu
caraacuteter comercial estatildeo diretamente ligadas ao consumidor ou seja ao leitor de liacutengua
portuguesa Satildeo verificadas normas inerentes agrave cultura brasileira e portanto ao relativo
exerciacutecio de poder em seus variados graus ao prestiacutegio a certas preferecircncias da recepccedilatildeo Por
isso vaacuterias implicaccedilotildees para a seleccedilatildeo produccedilatildeo e publicaccedilatildeo dessas traduccedilotildees foram
consideradas Ao se investigar fatores como os citados acima que exercem um papel
fundamental para que as traduccedilotildees sejam elaboradas e publicadas pode-se facilmente
perceber a complexidade que envolve o processo que leva agrave publicaccedilatildeo de reescrituras desse
tipo Tal complexidade encaixada no polissistema cultural e nas suas ramificaccedilotildees
principalmente o sistema literaacuterio e a literatura traduzida se deve ao fato de que essas
produccedilotildees escritas natildeo satildeo aleatoacuterias mas sim dependem de influecircncias diversas agraves vezes
consonantes agraves vezes dissonantes isoladas ou intercambiantes tudo segundo a dinacircmica da
sociedade e da cultura com caracteriacutesticas estabelecidas mas tambeacutem em constante mudanccedila
Mesmo antes de comparar as trecircs traduccedilotildees entre si e tambeacutem com o respectivo
texto de partida presume-se que vaacuterias manipulaccedilotildees vatildeo ocorrer particularmente quando se
parte do pressuposto que haacute diferenccedilas linguumliacutestico-culturais inerentes ao fator cronoloacutegico
(isto eacute quanto maior a distacircncia no tempo maiores as diferenccedilas) e agrave subjetividade de cada
tradutor e de outros agentes responsaacuteveis pela seleccedilatildeo elaboraccedilatildeo e publicaccedilatildeo das traduccedilotildees
A comparaccedilatildeo entre as trecircs traduccedilotildees e o texto de partida deixa evidente a
importacircncia da tradiccedilatildeo do sistema literaacuterio de chegada em funccedilatildeo do qual as traduccedilotildees satildeo
180
elaboradas um processo do qual participam aleacutem de cada tradutor outros agentes como os
editores e o puacuteblico leitor de chegada no sistema brasileiro No intuito de se fazer esse estudo
descritivo e comparativo de traduccedilotildees o esquema teoacuterico de descriccedilatildeo de traduccedilotildees literaacuterias
de Lambert e Van Gorp (1985) composto de quatro niacuteveis de anaacutelise (dados preliminares
macroestrutura microestrutura e contexto sistecircmico) foi utilizado a fim de se examinar
aspectos gerais no que diz respeito agraves publicaccedilotildees em questatildeo desde por exemplo suas
caracteriacutesticas fiacutesicas e aparecircncia externa ateacute ao que diz respeito ao texto principal no que
tange a certos problemas e escolhas tradutoacuterias bem como a resposta da recepccedilatildeo diante de
cada exemplo dessas traduccedilotildees Deste modo percebeu-se por meio desse esquema teoacuterico
que as trecircs traduccedilotildees da Editora do Globo (1940) do Ciacuterculo do Livro (1991) e da LampPM
Pocket (2005) cada qual com seus respectivos tradutores adotaram criteacuterios e estrateacutegias de
traduccedilatildeo visando claramente o puacuteblico brasileiro
Buscando-se compreender as motivaccedilotildees dos profissionais envolvidos no
processo tradutoacuterio incluiacuteram-se nesta pesquisa dados colhidos em vaacuterias fontes por meio da
pesquisa bibliograacutefica da Internet bem como pelo uso de questionaacuterios submetidos via e-
mail aos agentes responsaacuteveis pelas traduccedilotildees O uso de questionaacuterios neste estudo mostrou-
se um recurso muito importante para a coleta de dados pois constitui-se de registro em
primeira matildeo que revela e elucida vaacuterios aspectos dos projetos editoriais de cada traduccedilatildeo
tais como as motivaccedilotildees que levam agrave escolha de determinada obra para ser traduzida
publicada e comercializada as estrateacutegias de traduccedilatildeo aplicadas e diretrizes apontadas pelas
editoras
Visto que durante o processo tradutoacuterio a responsabilidade repousa natildeo soacute nos
tradutores mas tambeacutem em outros agentes as perguntas elaboradas em cada questionaacuterio
voltaram-se tambeacutem para outras pessoas ou instituiccedilotildees Poreacutem por causa da variedade de
agentes envolvidos os questionaacuterios elaborados tiveram como foco os tradutores e as
editoras estas representadas por seus dirigentes ou responsaacuteveis diretos pelas publicaccedilotildees das
traduccedilotildees examinadas Entretanto nem sempre foi faacutecil ou possiacutevel realizar os contatos
necessaacuterios para a aplicaccedilatildeo das questotildees elaboradas para uma entrevista ou questionaacuterio
No presente caso referindo-se primeiro a cada um dos tradutores de Of mice and
men somente foi possiacutevel o contato com Ana Ban visto que Eacuterico Veriacutessimo faleceu em
1975 e Myriam Campello natildeo pocircde ser localizada Quanto agraves respectivas editoras Ivan
Pinheiro Machado da LampPM respondeu ao questionaacuterio enviado por e-mail No caso da
Editora do Globo de Porto Alegre devido agrave antiguidade da sua traduccedilatildeo publicada (1940)
natildeo foi possiacutevel a coleta de dados por meio de seu editor responsaacutevel direto daquela eacutepoca
181
Henrique Bertaso falecido em 1977 Consta entretanto que a Editora do Globo foi
incorporada agrave Editora Globo do Rio de Janeiro do jornalista Roberto Marinho em 1986
(vide Anexo VI) Houve tentativas de contato por e-mail e por telefone com os atuais
membros da diretoria da Livraria do Globo Claacuteudio Bertaso (diretor-presidente) Henrique
Ferreira Bertaso (diretor vice-presidente) e Elisa Morganti Bertaso (diretora-superintendente)
entretanto essas tentativas natildeo lograram sucesso Em relaccedilatildeo agrave Editora Ciacuterculo do Livro por
ela ter encerrado suas atividades em 1998 (MILTON 2002 21) somente foi possiacutevel reunir
dados a partir de fontes bibliograacuteficas e da Internet
Os questionaacuterios que foram efetivamente respondidos pela tradutora Ana Ban e
pela Editora LampPM representada por Ivan Pinheiro Machado resultaram na obtenccedilatildeo de
respostas importantes para esta pesquisa revelando de modo geral posturas e opiniotildees dessa
tradutora e do seu respectivo editor O projeto editorial bem como as estrateacutegias de traduccedilatildeo
se baseiam na recepccedilatildeo ou seja tanto Ban como Pinheiro Machado se preocuparam com
expectativas do puacuteblico leitor brasileiro desde a escolha da obra a ser traduzida (papel
preponderante da editora) e agrave sua compreensatildeo geral da obra traduzida
A tradutora Ana Ban (2008) em suas respostas ao questionaacuterio revelou que em
geral a indicaccedilatildeo da obra a ser traduzida eacute feita pela editora que tambeacutem revisa o trabalho A
maior dificuldade apontada por ela no caso da traduccedilatildeo de Of mice and men foi em relaccedilatildeo ao
dialeto estigmatizado da fala dos personagens Nesse sentido a tradutora buscou uma
identidade brasileira a essa fala Ban tambeacutem revela a necessidade de atualizaccedilatildeo de
traduccedilotildees por serem antigas e por isso haacute diferenccedilas na linguagem marcada pelo tempo
Essas opiniotildees (a atualizaccedilatildeo das traduccedilotildees antigas e ao desejo de respeitar a linguagem
utilizada pelo autor traduzido) satildeo compartilhadas por Ivan Pinheiro Machado (2009) editor
da LampPM
Ivan Pinheiro Machado (2009) declarou que o prestiacutegio eacute um fator relevante para
a seleccedilatildeo de autores e suas respectivas obras literaacuterias para serem traduzidas ou seja autores
de vaacuterias eacutepocas mas principalmente de renome (por precircmios recebidos canonizados ou que
de alguma forma tenham seu nome bem recebido nos sistema cultural brasileiro) O papel da
editora como agente que contribui nessas reescrituras foi confirmado pelas declaraccedilotildees de
Machado (2009) com criteacuterios e normas para a seleccedilatildeo traduccedilatildeo revisatildeo e publicaccedilatildeo de
obras literaacuterias
Tomando como referecircncia o texto de partida adotado nesta dissertaccedilatildeo uma
ediccedilatildeo de bolso com texto integral natildeo adaptado e dividido em seis capiacutetulos percebe-se que
as trecircs traduccedilotildees tendem a guardar semelhanccedilas entre si por exemplo no formato e
182
classificaccedilatildeo (livros de bolso no caso das traduccedilotildees de Veriacutessimo e Ban ou tipologia dos
clubes de livros no caso da traduccedilatildeo de Campello) na questatildeo do preccedilo popular (atingindo
por isso um puacuteblico maior) e por elas natildeo apresentarem alteraccedilotildees relevantes na estrutura
textual satildeo ediccedilotildees integrais que seguem tambeacutem a divisatildeo em seis capiacutetulos sem tiacutetulo
conforme o texto de partida o nuacutemero de paraacutegrafos eacute maior em relaccedilatildeo ao texto de partida
adotado mas a quantidade de diaacutelogos eacute proporcional similar agrave do texto de partida Haacute
tambeacutem similaridade na caracterizaccedilatildeo da narrativa em terceira pessoa A marcaccedilatildeo dos
diaacutelogos segue a estrutura de apresentaccedilatildeo brasileira caracterizada pelo uso dos travessotildees
enquanto que no texto de partida isso eacute feito com aspas Esta uacuteltima observaccedilatildeo permite
concluir que as trecircs traduccedilotildees visam o puacuteblico brasileiro pois seguem a tradiccedilatildeo textual
graacutefica desse sistema cultural
Haacute sinais graacuteficos de destaque nas traduccedilotildees
negrito e itaacutelico
utilizados para
dar ecircnfase a alguma passagem e tambeacutem assinalar algum estrangeirismo Enquanto que no
texto de partida e nas traduccedilotildees de Campello (1991) e Ban (2005) essas funccedilotildees satildeo
evidenciadas pelo uso de itaacutelicos Veriacutessimo tende a preferir o negrito A pontuaccedilatildeo em geral
segue o texto de partida mas haacute tambeacutem ligeiras diferenccedilas de uma traduccedilatildeo para outra
dependendo do estilo de cada tradutor Essas mudanccedilas ou variaccedilotildees entretanto natildeo
provocam grandes alteraccedilotildees de sentido quando comparadas ao texto de partida
O tiacutetulo da obra eacute idecircntico em portuguecircs Ratos e homens nas trecircs traduccedilotildees Jaacute a
questatildeo dos nomes dos personagens segue outra tendecircncia Myriam Campello e Ana Ban
apenas transcreveram os nomes tanto no caso em que eles satildeo convencionais quanto no caso
em que eles trazem consigo algum significado particular conforme sugere Newmark (1988)
Eacuterico Veriacutessimo entretanto optou por traduzir alguns como Curley (Crespinho) e Slim
(Magro) o que revela uma inconsistecircncia quando esse tradutor transcreveu nomes que
tambeacutem poderiam ser traduzidos (Crooks George etc)
Nos trecircs textos de chegada as soluccedilotildees tradutoacuterias por exemplo para localidades
e nomes geograacuteficos os trecircs tradutores optaram agraves vezes pela transferecircncia dos nomes
estrangeiros traduzindo o que fosse possiacutevel A subjetividade de cada tradutor (ou de outros
agentes e tambeacutem a accedilatildeo do tempo sobre a liacutengua) entretanto aponta para algumas diferenccedilas
(ou preferecircncias) a tendecircncia geral dos trecircs tradutores para localidades e nomes geograacuteficos
natildeo eacute consistente por vezes alternando entre a transferecircncia (ocorrendo a estrangeirizaccedilatildeo) e a
traduccedilatildeo para o portuguecircs (domesticaccedilatildeo)
As formas de tratamento e vocativos no texto de partida por causa das
caracteriacutesticas da liacutengua inglesa natildeo satildeo marcados claramente como no uso da liacutengua
183
portuguesa Em inglecircs seu uso soa mais informal do que nas traduccedilotildees Nas traduccedilotildees
portanto eacute a situaccedilatildeo que define o uso
Quanto agraves expressotildees idiomaacuteticas e giacuterias do texto de partida as trecircs traduccedilotildees
apesar das diferenccedilas entre si apresentam resultados que natildeo interferem muito no que talvez
Steinbeck desejasse expressar
Os dados apontados pelo contexto sistecircmico mostram que as traduccedilotildees de
Veriacutessimo Campello e Ban atendem agraves expectativas de um puacuteblico geral em sua proacutepria
eacutepoca principalmente por causa da tipologia dessas reescrituras livros de bolso (no caso de
Veriacutessimo e Ban) ou clubes de livros (no caso de Campello) com ediccedilotildees de tiragens amplas
a um preccedilo acessiacutevel Natildeo haacute pelas caracteriacutesticas de cada traduccedilatildeo uma segmentaccedilatildeo muito
evidente do puacuteblico brasileiro a ser atingido a natildeo ser por parte da traduccedilatildeo de Veriacutessimo
pertencente agrave coleccedilatildeo Nobel da Editora do Globo que conforme Barcellos (2002) afirma era
voltada para obras do campo erudito Apesar disso a linguagem da traduccedilatildeo de Veriacutessimo eacute
relativamente simples (principalmente por retratar personagens de baixo status social na sua
fala cotidiana) e por isso mesmo o puacuteblico leitor meacutedio natildeo teria dificuldades para a sua
leitura
Esta caracteriacutestica da linguagem utilizada por Veriacutessimo aliaacutes estaacute de certo modo
em consonacircncia com os objetivos de Steinbeck ou seja elaborar um texto em linguagem
simples e direta de modo a ser lido pelas camadas mais simples da populaccedilatildeo ou entatildeo para
que essas pessoas possam eventualmente ter a oportunidade de ver a obra encenada nos
teatros (LI e SCHULTZ 2005 145) Algo semelhante pocircde ser observado nas traduccedilotildees de
Campello e de Ban embora o texto desta uacuteltima tradutora por vezes seja menos direto por
causa das escolhas feitas em que as estruturas sintaacuteticas utilizam maior nuacutemero de palavras
Deve-se ressaltar que natildeo obstante os dialetos empregados por cada tradutor sejam diferentes
isso natildeo depotildee contra o estilo direto e a simplicidade do texto de partida caracteriacutesticas estas
que em essecircncia foram mantidas nos textos de chegada em questatildeo
A despeito de algumas caracteriacutesticas das trecircs traduccedilotildees apontarem para o texto de
partida (eg estrateacutegias estrangeirizadoras tais como nomes e palavras transcritos conforme
o texto de partida principalmente nomes geograacuteficos de ruas e de lugares) conforme visto
anteriormente a maior parte das estrateacutegias adotadas pelos tradutores eacute domesticadora e
portanto refletem expectativas do puacuteblico de chegada isto eacute trazem o texto de partida para o
puacuteblico brasileiro adequando-o de modo geral aos seus costumes a sua tradiccedilatildeo e seu
tempo Algumas evidecircncias que mostram como e porque essas traduccedilotildees foram traduzidas
184
podem ser constatadas em cada uma dessas traduccedilotildees destacando-se o papel dos tradutores e
das editoras na sua produccedilatildeo
Mesmo que uma traduccedilatildeo busque atender a alguns pressupostos e normas de seu
sistema e de sua eacutepoca muitas vezes limitando o papel do tradutor submetido a certas formas
de poder eou autoridade algumas vezes pode-se perceber que esse profissional pode ter um
maior grau de autonomia No caso presente pocircde-se constatar que Eacuterico Veriacutessimo em
relaccedilatildeo agraves tradutoras Myriam Campello e Ana Ban foi quem provavelmente teve maior grau
de autonomia para traduzir Of mice and men graccedilas ao grande papel desse escritor-tradutor
desempenhado na Editora do Globo pois segundo afirmam Wyler (2003) Torresini (2004) e
Barcellos (2002) ele era um dos maiores responsaacuteveis pelas poliacuteticas editoriais da Editora do
Globo desde por exemplo a escolha das obras a serem traduzidas e publicadas a seleccedilatildeo de
tradutores aleacutem do fato de ele mesmo traduzir e revisar esses produtos Tambeacutem o simples
fato de um escritor de sucesso como Veriacutessimo natildeo soacute traduzir como tambeacutem assinar esses
trabalhos por si soacute jaacute constituiacutea um forte apelo comercial para o puacuteblico brasileiro (WYLER
2003)
A anaacutelise comparativa das trecircs traduccedilotildees no que diz respeito agrave liacutengua
caracteriacutestica dos diaacutelogos de Of mice and men teve como propoacutesito de verificar suas
semelhanccedilas diferenccedilas peculiaridades e sobretudo como cada tradutor (e os agentes
institucionais) caracterizou essa linguagem mais formal menos formal mais proacutexima ou
mais distante do texto de partida quanto agraves caracteriacutesticas essenciais de um dialeto
estigmatizado da liacutengua inglesa na deacutecada de 1930 na zona rural de Soledad Califoacuternia
Estados Unidos falado em geral por trabalhadores de origem humilde de baixa
escolaridade
O problema do uso diversificado da liacutengua nas produccedilotildees literaacuterias e tentar ou natildeo
reproduzir essas variedades linguumliacutesticas nas traduccedilotildees foi abordado em linhas gerais no que
tange o seguinte se a opccedilatildeo mais faacutecil da correccedilatildeo dos dialetos menos prestigiados anula
em grande parte os efeitos que um escritor propotildee sobretudo na reproduccedilatildeo da oralidade e do
perfil social dos seus personagens a tentativa de respeitar e reproduzir essas impressotildees num
dialeto recriado na traduccedilatildeo por melhor que seja sempre teraacute algo de exoacutetico em seu
resultado (LANDERS 2001 116-117)
A impossibilidade de transposiccedilatildeo perfeita dos dialetos estigmatizados na
traduccedilatildeo portanto ao apresentar essas duas facetas (neutralizar ou imitar) colocou-se entatildeo
diante do texto de Of mice and men e das trecircs traduccedilotildees analisadas nos diaacutelogos que
185
Steinbeck construiu retratando o dialeto estigmatizado de trabalhadores rurais e na proposta
de cada tradutor para representar essa linguagem
Tratando-se de uma linguagem que reproduz a oralidade percebeu-se uma
diferenciaccedilatildeo por parte de cada tradutor Mesmo que todas as trecircs traduccedilotildees apresentem de
modo geral aspectos da linguagem coloquial as variedades adotadas satildeo bem diferentes entre
si indo de um niacutevel mais polido (agraves vezes soando formal) utilizado por Veriacutessimo (1940)
decrescendo em relaccedilatildeo agrave norma-padratildeo da liacutengua portuguesa isto eacute na coloquialidade do
dialeto utilizado por Campello (1991) e na linguagem estigmatizada que Ban (2005) tentou
recriar
A tendecircncia brasileira em adotar a norma-padratildeo e variedades de prestiacutegio em
lugar de variedades estigmatizadas em traduccedilotildees fenocircmeno apontado por Milton (2002) e
localizado entre as deacutecadas de 1940 e 1970 pode talvez ter desempenhado um papel central
dentro do sistema de chegada brasileiro Tal postura pode ter sido um reflexo de
comportamento da recepccedilatildeo agindo de acordo com as forccedilas constituintes do sistema
dominante segundo um processo de manipulaccedilatildeo do texto de partida que neste caso trata
especificamente da linguagem adotada nas traduccedilotildees
A exposiccedilatildeo do tema aqui proposto ao estabelecer relaccedilotildees entre as bases da
teoria da traduccedilatildeo na Europa dos seacuteculos XVII e XVIII
na Inglaterra e principalmente na
Franccedila
e a tradiccedilatildeo brasileira comum de sonegar ou trair obras da literatura estrangeira ao
serem feitas traduccedilotildees que natildeo levam em conta a riqueza e os efeitos dos desvios da norma-
padratildeo desperta novas reflexotildees sobre o traduzir tupiniquim na forma em que uma ideologia
dominante (francesa) pode incutir sorrateiramente noccedilotildees de bom gosto no puacuteblico
receptor das traduccedilotildees calcado em preconceitos principalmente de ordem linguumliacutestica
O modelo das belas infieacuteis que segundo Milton (2002) exerceu influecircncia
importante sobre a cultura brasileira ateacute principalmente meados da 2ordf Guerra Mundial parece
de alguma forma ter influenciado a traduccedilatildeo que Eacuterico Veriacutessimo produziu a partir de Of
mice and men Veriacutessimo apesar de incorrer em formas coloquiais e em pequenos desvios da
norma-padratildeo da liacutengua portuguesa usa uma linguagem mais formal do que as duas
tradutoras Campello (1991) e Ban (2005)
A liacutengua possui uma natureza dinacircmica evolutiva e natildeo eacute representada apenas
em seu registro formal normativo As suas variedades representam uma riqueza que natildeo pode
ser deixada de lado pois conferem agrave literatura um caraacuteter que deixa transparecer impressotildees
tambeacutem mais ricas e que podem no exemplo de Steinbeck dar um aspecto mais verossiacutemil
conforme o perfil desses personagens Eacute uma questatildeo complexa entretanto tentar reproduzir
186
os efeitos de variedades linguumliacutesticas estigmatizadas em traduccedilotildees restando ao tradutor optar
pelo modo tradicional ou entatildeo envolver-se na aacuterdua tarefa de recriar um dialeto
A proposta de Pym (2000) sobre a traduccedilatildeo de variedades linguumliacutesticas
convergente em muitos aspectos com Esteves (2005) parece ser adequada em muitas dessas
situaccedilotildees natildeo se trata de uma mimesis linguumliacutestica que preconiza traduzir dialeto por dialeto
numa pretensatildeo inalcanccedilaacutevel mas sim apresentar uma linguagem na traduccedilatildeo que apenas
apresente os marcadores essenciais da liacutengua traduzida caracterizando-a segundo o seu papel
desempenhado em seu contexto de origem
Todavia a questatildeo da linguagem estigmatizada como no exemplo de Of mice and
men permanece fruto de uma discussatildeo sem respostas definitivas Apesar das diferenccedilas
relativas aos dialetos que podem ser escolhidos por cada tradutor e das possiacuteveis perdas ou
acreacutescimos advindas de manipulaccedilotildees cada traduccedilatildeo cumpre um propoacutesito segundo o
contexto em que foi concebida
O caminho percorrido por esta pesquisa de mestrado dialogando com vaacuterios
pontos de vista teoacutericos pode contribuir para o estudo e a praacutetica da traduccedilatildeo literaacuteria
deixando alguns pontos aclarados mas ao mesmo tempo manteacutem outras questotildees que natildeo
podem ser resolvidas de modo categoacuterico definitivo por exemplo o que se afirmou acima
acerca da traduccedilatildeo de dialetos estigmatizados Podem-se entrever caminhos possiacuteveis poreacutem
cada caso merece atenccedilatildeo especiacutefica
Diante do que foi exposto percebe-se que a traduccedilatildeo entendida como reescritura
eacute um modo variaacutevel de reelaborar textos segundo perspectivas natildeo soacute diferentes mas tambeacutem
mutaacuteveis dinacircmicas Assim sendo natildeo pode existir a traduccedilatildeo mas tatildeo somente uma
traduccedilatildeo possiacutevel moldada de acordo com propoacutesitos possiacuteveis mediante forccedilas desejos e
expectativas agraves vezes atendidas satisfatoriamente ou natildeo segundo o universo multicultural e
complexo da recepccedilatildeo inserida em polissistemas culturais Logo existe um processo infinito
incessante em que cada nova traduccedilatildeo atende a novas expectativas mas nem por isso pode-se
julgar traduccedilotildees anteriores como inferiores ou menos adequadas pois cada uma dessas
reescrituras atende a propoacutesitos de seu proacuteprio contexto em sua proacutepria eacutepoca
187
REFEREcircNCIAS
1 Obras de John Steinbeck e suas respectivas traduccedilotildees
STEINBECK John Of mice and men Oxford Heineman Educational Books Ltd sd
______ Ratos e homens Traduccedilatildeo de Ana Ban Porto Alegre LampPM Pocket 2005
______ Ratos e homens Traduccedilatildeo de Eacuterico Veriacutessimo Coleccedilatildeo Nobel Porto Alegre Livraria do Globo 1940
______ Ratos e homens Traduccedilatildeo de Eacuterico Veriacutessimo Rio de Janeiro Editorial Bruguera 1968
______ Ratos e homens Traduccedilatildeo de Myriam Campello Satildeo Paulo Ciacuterculo do Livro 1991
______ The grapes of wrath London Penguin Books 2002
2 Obras e outras referecircncias citadas
AMADO Jorge Terras do sem fim Satildeo Paulo Record 1942 Disponiacutevel em lthttpgroupsgooglecomgroupViciados_em_Livrosgt Acesso em 21 de outubro de 2008
ANDRADE Ana Maria Bernardes de A velhacaria nos paratextos de Tutameacuteia
terceiras estoacuterias Dissertaccedilatildeo de mestrado Campinas SP Universidade Estadual de Campinas 2004 157 p Disponiacutevel em lthttplibdigiunicampbrdocumentcode=vtls000317257gt Acesso em 18 de maio de 2009
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197
ANEXOS
198
ANEXO I
EDICcedilOtildeES DE OF MICE AND MENRATOS E HOMENS
A) Of mice and men Oxford Heineman Educational Books Ltd sd
Fig 1 - capa
199
Fig 2 contracapa
200
Fig 3 - 1ordf folha de rosto
201
Fig 4 - 2ordf folha de rosto
202
B) Ratos e homens Traduccedilatildeo de Eacuterico Veriacutessimo
Porto Alegre Livraria do Globo 1940
Fig 5 - capa
203
Fig 6 - contracapa
204
Fig 7
- folha de rosto
205
C) Ratos e homens Traduccedilatildeo de Myriam Campello
Satildeo Paulo Ciacuterculo do Livro 1991
Fig 8 - capa
206
Fig 9 - contracapa
207
Fig 10
- folha de rosto
208
D) Ratos e homens Traduccedilatildeo de Ana Ban
Porto Alegre LampPM 2005
Fig 11
- capa
209
Fig 12 - contracapa
210
Fig 13 - folha de rosto
211
ANEXO II
DADOS DA PECcedilA TEATRAL ENCENADA EM 26 DE SETEMBRO DE
1956 NO TEATRO DE ARENA SP121
TIacuteTULO Ratos e homens
AUTOR John Steinbeck
TRADUCcedilAtildeO Brutus Pedreira
DIRECcedilAtildeO Augusto Boal
ELENCO PERSONAGENS
Gianfrancesco Guarnieri (George)
Joseacute Serber (Lennie)
Nilo Odalia (Candy)
Taran Dach (Patratildeo)
Salomatildeo Guz (Curley)
Geraldo Ferraz (Slim)
Riva Nimitz (Mulher de Curley)
Nello Pinheiro (Carlson)
Seacutergio Rosa (Whit)
Milton Gonccedilalves (Crooks)
121 COLECcedilAtildeO CADERNOS DE PESQUISA TEATRO DE ARENA 2008 p 16 Disponiacutevel em lthttpwwwcentroculturalspgovbrcadernoslightboxlightboxpdfsTeatro20de20Arenapdfgt Acesso em 12 de dezembro de 2008
212
ANEXO III FILME DIRIGIDO POR GARY SINISE (1992)122
122 OF MICE AND MEN VIDEORECORDING METRO-GOLDWYN-MEYER Disponiacutevel em lthttpcatalogmvlcorgipac20ipacjspsession=K24V4U121635928041ampprofile=mbuampsource=~horizonampview=subscriptionsummaryampuri=full=3100001~54678~7ampri=1ampaspect=subtab783ampmenu=searchampipp=20ampspp=20ampstaffonly=ampterm=Of+mice+and+men+Steinbeck+John+1902+1968ampindex=GWampuindex=ampaspect=subtab783ampmenu=searchampri=1amplimitbox_1=LO01+=+mbufocusgt Acesso em 14 de dezembro de 2008
213
ANEXO IV
QUESTIONAacuteRIO RESPONDIDO PELA TRADUTORA ANA BAN
1 Quais foram as motivaccedilotildees para traduzir Of mice and men e qual o papel da Editora LampPM nesse processo Geralmente a editora passa o livro para o tradutor que aceita ou natildeo o trabalho
foi o que
aconteceu neste caso Eacute bastante raro a proposiccedilatildeo partir do tradutor [sic]
apesar de isto
acontecer como foi o caso do livro Flush de Virginia Woolf tambeacutem da LampPM tambeacutem traduzido por mim
2 A editora lhe deu alguma diretriz para vocecirc seguir em seu trabalho ou vocecirc teve total autonomia O resultado
a traduccedilatildeo
sofreu alguma alteraccedilatildeo importante por parte de algum revisor Eu tive total autonomia No decorrer da traduccedilatildeo fomos discutindo questotildees relativas a estilo e uso da linguagem A revisatildeo natildeo promoveu nenhuma mudanccedila importante foi mais uma revisatildeo teacutecnica
3 Quais as principais dificuldades de traduccedilatildeo que vocecirc enfrentou durante esse trabalho e como conseguiu superaacute-las (eg dialeto nomes proacuteprios flora fauna geografia expressotildees idiomaacuteticas etc) A maior dificuldade foi mesmo a transposiccedilatildeo da maneira como os personagens falavam
eu natildeo sei se chega a ser um dialeto porque na verdade eram mais erros gramaticais e pronuacutencia errada natildeo havia tantas palavras especiacuteficas que fossem desconhecidas ou usadas com sentido fora do mais comum Em um primeiro momento eu resolvi que iria seguir a norma culta em todo o livro mas depois achei que assim a ideacuteia do autor natildeo seria transmitida de maneira adequada (isso tudo foi discutido com a editora) Entatildeo eu peguei um sotaque caipira que eu conheccedilo mais ou menos do interior de SPMG (apesar de a LampPM ser em Porto Alegre e eu atualmente morar aqui sou de Satildeo Paulo e passei a maior parte da minha vida laacute) e segui esta linha A minha maior dificuldade foi decifrar algumas palavras grafadas da maneira como os personagens falavam precisei dizer em voz alta vaacuterias delas para descobrir o que eram Agora natildeo sei citar nenhuma pois jaacute faz algum tempo que realizei este trabalho e natildeo tenho mais o original
4 A traduccedilatildeo de dialetos ou variantes linguumliacutesticas sem prestiacutegio na literatura segundo o professor John Milton[1] da Universidade de Satildeo Paulo natildeo constitui uma tradiccedilatildeo no Brasil por uma seacuterie de motivos dentre eles o purismo linguumliacutestico defendido por algumas editoras e uma alegada tendecircncia de mercado Nesse sentido como foi traduzir o dialeto rural usado em Of mice and men Esta resposta jaacute estaacute na pergunta acima
5 Vocecirc conhece outras traduccedilotildees para o portuguecircs dessa obra como a que foi realizada por Eacuterico Veriacutessimo (Porto Alegre Livraria do Globo 1940) Caso conheccedila elas lhe foram uacuteteis para o desenvolvimento da sua traduccedilatildeo Como Eu sei da existecircncia dessas traduccedilotildees mas natildeo as consultei para fazer o meu trabalho Ateacute me foi fornecida uma traduccedilatildeo da deacutecada de 1970 (natildeo lembro qual) para alguma consulta mas eu fiz questatildeo de natildeo usar Eu natildeo queria ser influenciada por soluccedilotildees encontradas pelos outros tradutores e acabar copiando deles mesmo sem querer A proposta de retraduzir o livro era para atualizar a traduccedilatildeo que mudou muito com o passar dos anos Acredito que este purismo citado por vocecirc anteriormente hoje jaacute natildeo eacute mais uma tradiccedilatildeo tatildeo forte Na minha visatildeo o mais importante eacute manter o tom escolhido pelo autor
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6 A Teoria da Traduccedilatildeo nos oferece vaacuterias perspectivas e reflexotildees sobre o processo tradutoacuterio levantando e discutindo vaacuterios problemas Vocecirc se serviu de alguma linha ou fundamento teoacutericos como referecircncia para traduzir Of mice and men Eu natildeo tenho nenhuma formaccedilatildeo teoacuterica em traduccedilatildeo Sou jornalista trabalhei dez anos no mercado editorial e minha formaccedilatildeo em traduccedilatildeo se deu por meio do curso de Formaccedilatildeo de Tradutores e Inteacuterpretes da Fundaccedilatildeo Alumni em Satildeo Paulo Este eacute um dos cursos de maior renome na aacuterea no paiacutes poreacutem eacute muito praacutetico e direto natildeo aborda teorias Conheccedilo um pouco do assunto por meio da leitura de Paulo Roacutenai mas natildeo eacute algo que eu aplique conscientemente
7 A tomada de decisotildees na traduccedilatildeo geralmente leva em conta pelo menos trecircs aspectos o autor e a sua obra a subjetividade de quem traduz e o leitor (recepccedilatildeo) Muitas vezes dar prioridade ao autor e agrave cultura da liacutengua de partida pode resultar num texto estrangeirizado Por outro lado adaptar o texto agrave cultura de chegada pode produzir uma traiccedilatildeo maior agrave obraComo vocecirc se comporta nesse fogo cruzado entre o texto de partida e o leitor Para tratar deste problema eu uso algumas teacutecnicas (e estou aqui falando de maneira geral pois nem todos estes recursos foram usados nesta traduccedilatildeo especiacutefica) - Respeito a eacutepoca em que o texto foi escrito tomando o cuidado para natildeo usar expressotildees ou denominaccedilotildees que natildeo existiam no periacuteodo - Se existe um personagem falando em dialeto ou giacuteria eu procuro um grupo correspondente existente aqui e uso a maneira de falar desse grupo - Quando haacute alguma passagem que possa dificultar a compreensatildeo pergunto O puacuteblico-leitor original entenderia Se a resposta for sim eu procuro inserir alguma dica no texto Por exemplo ela ficava assistindo ao Lifetime AQUELE CANAL QUE SEMPRE PASSA FILMES PARA MULHERES Se a resposta for natildeo entatildeo eu deixo sem explicaccedilatildeo mesmo porque acredito que a intenccedilatildeo do autor era essa - Eu natildeo costumo substituir produtos ou citaccedilotildees por similares nacionais a natildeo ser quando exista de fato um similar nacional por exemplo a revista Cosmopolitan no Brasil eacute a Nova (eacute franquia da norte-americana mas recebeu tiacutetulo brasileiro) entatildeo eu faccedilo a substituiccedilatildeo Se natildeo fica A REVISTA DE CELEBRIDADES Us Weekly - Acredito tambeacutem que hoje as pessoas tecircm muito mais facilidade de compreender citaccedilotildees referentes a culturas estrangeiras entatildeo algumas coisas ficam ateacute estranho querer traduzir porque jaacute satildeo conhecidas amplamente por sua denominaccedilatildeo original - Acho que o mais importante nessa questatildeo eacute ter em vista a intenccedilatildeo do autor Se ele coloca uma menina que escreve como fala natildeo eacute possiacutevel querer traduzir com um texto gramaticalmente impecaacutevel porque natildeo vai transmitir a intenccedilatildeo original e vai distanciar a obra do puacuteblico-alvo
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ANEXO V
QUESTIONAacuteRIO RESPONDIDO POR IVAN PINHEIRO MACHADO
EDITOR DA LampPM POCKET
Ivan Pinheiro Machado ltivanlpmcombrgt 3 de fevereiro de 2009 1208
Para johnmagistergmailcom
1Como eacute feita a seleccedilatildeo de obras a serem traduzidas publicadas e comercializadas pela Editora LampPM
A seleccedilatildeo eacute feita segundo o projeto editorial da LampPM que inclui ediccedilatildeo de grandes autores modernos claacutessicos e contemporacircneos
2 Como a Editora LampPM orienta seus tradutores e revisores Existem normas a serem seguidas Qual eacute o grau de influecircncia da Editora
Primeiro a LampPM contrata aqueles que ela acredita serem tradutores de primeiriacutessima linha As traduccedilotildees ao chegarem na editora passam por uma revisatildeo criacutetica Muito poucas satildeo as traduccedilotildees devolvidas por insuficiecircncia teacutecnica mas sempre haacute duacutevidas e melhorias que satildeo realizadas aqui na LampPM
3 Para se publicar uma obra traduzida certamente devem ser levados em conta alguns aspectos de modo que o ecircxito seja alcanccedilado Quais satildeo eles Comente as razotildees para cada um
Um autor expressivo um precircmio Nobel eacute uma razatildeo suficiente para ser cobiccedilado por um editor Ratos e homens eacute uma novela curta uma obra-prima do autor e deu origem a um grande filme Eacute um livro que menos do que um sucesso comercial eacute um livro que qualifica o cataacutelogo do editor
4 Como foi o projeto de traduzir Of mice and men de John Steinbeck (Ratos e homens traduccedilatildeo de Ana Ban) para o portuguecircs Como surgiu a ideacuteia O que motivou a escolha desse autor
A editora decidiu colocar em sua coleccedilatildeo de bolso grande autores modernos e contemporacircneos entre outros tiacutetulos e gecircneros Steinbeck foi selecionado com Faulkner Hemingway Fitzgerald Henry Miller e outros autores mais recentes como Voneguth Tom Wolfe Truman Capote Norman Mailer Salinger e muitos outros
5 Existem outras traduccedilotildees de Of mice and men para o portuguecircs como a realizada por Eacuterico Veriacutessimo (1940) e por Myriam Campello (1991) Isso influenciou de alguma maneira a Editora LampPM durante o processo de seleccedilatildeo e traduccedilatildeo deste romance
Nossa ideacuteia na coleccedilatildeo LampPM POCKET eacute sempre renovar Isto significa fazer novas traduccedilotildees de acordo com a visatildeo e a digamos terminologia da nossa eacutepoca O fato de existirem outras traduccedilotildees natildeo influenciou em nada pois a decisatildeo foi relativa a obra de Steinbeck e natildeo em relaccedilatildeo agraves traduccedilotildees de Steinbeck Mesmo porque a traduccedilatildeo de E
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Veriacutessimo eacute datada e a outra eu natildeo conheccedilo
6 Em Of mice and men os personagens utilizam uma fala do inglecircs caracteriacutestico do seu perfil social (trabalhadores rurais pobres no contexto da Grande Depressatildeo) e da regiatildeo onde a histoacuteria se passa A tradutora Ana Ban tentou passar essa caracteriacutestica da liacutengua em seu trabalho O puacuteblico consumidor brasileiro pelo menos em parte natildeo prefere obras em portuguecircs padratildeo (conforme as gramaacuteticas prescritivas)
Natildeo posso falar pelo puacuteblico brasileiro Nossa responsabilidade eacute fazer um trabalho intelectualmente correto fiel e pelo menos tentar passar para o nosso idioma a intenccedilatildeo do autor no que se refere ao linguajar dos personagens Se haacute uma deliberada transformaccedilatildeo no linguajar temos que aproximar esta ideacuteia do nosso puacuteblico no nosso
idioma para que ele identifique atraveacutes desta deturpaccedilatildeo da liacutengua o niacutevel social (no caso de Ratos e homens) ou quando eacute o caso a etnia do personagem
Ivan Pinheiro Machado editor da coleccedilatildeo LampPM POCKET
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ANEXO VI
CRONOLOGIA DA GLOBOLIVROS123
1883 eacute fundada a Livraria do Globo na rua da Praia em Porto Alegre por Laudelino Pinheiro Barcellos
1890 Joseacute Bertaso entatildeo com 12 anos torna-se funcionaacuterio da livraria
1899 a livraria publica seu primeiro livro Opuacutesculos de filosofia social 1819-1829 de Auguste Comte
1916 a livraria divulga seu primeiro perioacutedico o Almanaque do Globo que circula ateacute 1935 Publica tambeacutem o livro Exaltaccedilatildeo de Mansueto Bernardi
1918 morre Laudelino Barcellos e Joseacute Bertaso torna-se proprietaacuterio da livraria
1922 com 15 anos Henrique filho mais velho de Bertaso passa a trabalhar na livraria
1924 o preacutedio da livraria eacute reformado e torna-se local de encontro de importantes poliacuteticos como Getuacutelio Vargas
19251930 a livraria publica cerca de duzentos tiacutetulos nesse periacuteodo
1928 Mansueto Bernardi eacute contratado para cuidar das seccedilotildees de obras ediccedilatildeo e propaganda
1929 primeiro nuacutemero da ceacutelebre Revista do Globo que prossegue sendo publicada ateacute 1967
19301934 circulam os livros da Coleccedilatildeo Verde com 36 tiacutetulos de interesse para senhoras e senhoritas
1931 Henrique Bertaso assume a direccedilatildeo editorial da livraria Eacuterico Veriacutessimo com 26 anos passa a trabalhar na livraria e a dirigir a Revista do Globo
19311937 a Editora Globo publica cerca de 840 ediccedilotildees
19311956 eacute criada a Coleccedilatildeo Amarela com histoacuterias policiais de crimes e de aventuras norte-americanas que publica cerca de 160 tiacutetulos
1932 publicaccedilatildeo de Fantoches primeiro livro de Eacuterico Veriacutessimo com o selo da Editora Globo
19321942 a Coleccedilatildeo Universo publica cerca de quarenta tiacutetulos com destaque para os livros de viagens e aventuras
1933 eacute criada a Coleccedilatildeo Globo com autores estrangeiros e nacionais em formato de bolso A Revista do Globo passa a ser dirigida por De Souza Junior Eacuterico Veriacutessimo torna-se consultor editorial de Henrique Bertaso
19331958 circula a Coleccedilatildeo Nobel que publica grandes nomes da literatura como Thomas Mann e Aldous Huxley com mais de 120 tiacutetulos
1937 a editora participa da Feira de Frankfurt representando o Brasil no mercado internacional de livros
123 Disponiacutevel em lthttpglobolivrosglobocomcronologiaaspgt Acesso em 31 de maio de 2009
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19381948 a Editora Globo publica cerca de 830 ediccedilotildees
19421945 criada a Coleccedilatildeo Biblioteca dos Seacuteculos que publica 25 tiacutetulos
19431945 a Coleccedilatildeo Tucano divulga obras de cerca de 25 autores brasileiros
19461955 publicaccedilatildeo dos dezessete volumes de A comeacutedia humana de Balzac na coleccedilatildeo Biblioteca dos Seacuteculos
1948 inicia-se a publicaccedilatildeo de Em busca do tempo perdido de Marcel Proust na Coleccedilatildeo Nobel Falece Joseacute Bertaso A livraria passa a operar com a razatildeo social Joseacute Bertaso amp Cia Em 1949 torna-se sociedade anocircnima como Livraria do Globo SA transformando-se a Editora Globo em filial
19491986 a Globo publica cerca de 950 ediccedilotildees
1952 eacute fundada a Rio Graacutefica Editora no Rio de Janeiro pelas Organizaccedilotildees Globo do jornalista Roberto Marinho com um dos maiores parques graacuteficos da Ameacuterica Latina
1956 o cataacutelogo da Globo atinge dois mil tiacutetulos A editora eacute reestruturada e separa-se da livraria criando-se a Editora Globo SA e a Livraria do Globo SA
1957 Joseacute Otaacutevio filho de Henrique Bertaso passa a trabalhar na Globo
1959 a Editora Globo lanccedila a Coleccedilatildeo Catavento que em 1964 conta com mais de 75 tiacutetulos
1975 Falece Erico Verissimo A Editora Globo publica as obras completas do autor ateacute 2004
1980 a Editora Globo passa a operar no Rio de Janeiro
1986 a Editora Globo eacute adquirida pela Rio Graacutefica Editora incorporando-se agraves Organizaccedilotildees Globo do jornalista Roberto Marinho
1987 lanccedilada a revista A Turma da Mocircnica de Mauricio de Sousa Mauricio de Sousa eacute criador das dez publicaccedilotildees mais importantes de histoacuterias em quadrinhos da Globo como Mocircnica Cebolinha Chico Bento Cascatildeo e Magali
1989 a Rio Graacutefica Editora eacute incorporada pela Editora Globo passando desde entatildeo a constituir-se como Editora Globo SA
1990-2000 a Editora Globo publica enciclopeacutedias para estudantes cursos de idiomas e de artes fasciacuteculos sobre temas variados CD-Roms e coleccedilotildees diversas
1990 inicia-se a publicaccedilatildeo das obras completas de Oswald de Andrade
2001 a Editora Globo cria a Unidade de Negoacutecios de Livros e Publicaccedilotildees (Globo Livros) dividida em duas editorias Volta a investir na publicaccedilatildeo de livros Publica 84 tiacutetulos
2002 inicia-se a ediccedilatildeo das obras completas de Hilda Hilst (no mesmo ano a Globo recebe o Grande Precircmio da Criacutetica concedido pela Associaccedilatildeo Paulista de Criacuteticos de Arte por esta ediccedilatildeo) e a reediccedilatildeo das obras completas de Oswald de Andrade Neste ano a editora lanccedila 83 tiacutetulos
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2003 Bruno Tolentino recebe o Precircmio Jabuti de poesia por O mundo como ideacuteia Satildeo publicados 70 tiacutetulos
2004 inicia-se a parceria com a TV Globo para publicaccedilatildeo da seacuterie de fasciacuteculos (com DVDs) do programa Globo Rural e livros do programa Fantaacutestico como A Fantaacutestica volta ao mundo do jornalista Zeca Camargo Lanccedila a coleccedilatildeo Claacutessicos Globo e assina contrato com Ziraldo para publicar revistas de HQ e outros produtos Publica 89 tiacutetulos no ano
2005 publica o primeiro dos cinco volumes do Livro das mil e uma noites pela primeira vez traduzido para a liacutengua portuguesa diretamente do aacuterabe e comeccedila a reeditar as obras reunidas de Mario Quintana
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