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COPPE/UFRJ, Programa de Engenharia Elétrica, C.P. 68504, 21941-972 Rio de Janeiro RJ [email protected] SMART GRIDS E MICROREDES: O FUTURO JÁ É PRESENTE DJALMA M. FALCÃO COPPE/UFRJ BRASIL RESUMO Os sistemas de energia elétrica, em seus pouco mais de cem anos de existência, quase não alteraram sua concepção estrutural. Grandes centrais geradoras produzem energia elétrica que é transmitida aos centros de consumo por um sistema de transmissão e, nesses centros, a energia é distribuída aos consumidores em vários níveis de tensão. A rede de transmissão garante uma operação mais econômica e segura pela otimização das fontes de energia e reprogramação dessas fontes em casos de emergências. Esta concepção de sistemas de energia elétrica está prestes a sofrer uma grande modificação. Na opinião de alguns, esta modificação já está ocorrendo em vários países. A viabilidade econômica de fontes de energia de pequeno porte, avanços na tecnologia de informação e comunicação de dados, a disponibilidade de instrumentos de medição, sensoriamento e controle inteligentes, vêm proporcionando a introdução de duas concepções, não exclusivas, de estruturas de sistemas de energia elétrica: Smart Grids e Microredes. O presente artigo propõe-se a apresentar uma introdução ao estado-da-arte nos temas de Smart Grids e Microredes, descrevendo os principais desenvolvimentos já disponíveis internacionalmente e uma análise das possibilidades de utilização dos mesmos no país. O artigo tratará, ainda, das atividades de pesquisa e desenvolvimento que se fazem necessárias para que as tecnologias mencionadas possam ser utilizadas pelas empresas brasileiras. PALAVRAS CHAVE Smart grids, microredes, smart meters, automação da distribuição, medição eletrônica, PMU.

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COPPE/UFRJ, Programa de Engenharia Elétrica, C.P. 68504, 21941-972 Rio de Janeiro RJ [email protected]

SMART GRIDS E MICROREDES: O FUTURO JÁ É PRESENTE

DJALMA M. FALCÃO

COPPE/UFRJ

BRASIL

RESUMO Os sistemas de energia elétrica, em seus pouco mais de cem anos de existência, quase não alteraram sua concepção estrutural. Grandes centrais geradoras produzem energia elétrica que é transmitida aos centros de consumo por um sistema de transmissão e, nesses centros, a energia é distribuída aos consumidores em vários níveis de tensão. A rede de transmissão garante uma operação mais econômica e segura pela otimização das fontes de energia e reprogramação dessas fontes em casos de emergências. Esta concepção de sistemas de energia elétrica está prestes a sofrer uma grande modificação. Na opinião de alguns, esta modificação já está ocorrendo em vários países. A viabilidade econômica de fontes de energia de pequeno porte, avanços na tecnologia de informação e comunicação de dados, a disponibilidade de instrumentos de medição, sensoriamento e controle inteligentes, vêm proporcionando a introdução de duas concepções, não exclusivas, de estruturas de sistemas de energia elétrica: Smart Grids e Microredes.

O presente artigo propõe-se a apresentar uma introdução ao estado-da-arte nos temas de Smart Grids e Microredes, descrevendo os principais desenvolvimentos já disponíveis internacionalmente e uma análise das possibilidades de utilização dos mesmos no país. O artigo tratará, ainda, das atividades de pesquisa e desenvolvimento que se fazem necessárias para que as tecnologias mencionadas possam ser utilizadas pelas empresas brasileiras.

PALAVRAS CHAVE Smart grids, microredes, smart meters, automação da distribuição, medição eletrônica, PMU.

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Introdução Sistemas de energia elétrica existem como tal há pouco mais de 120 anos. Em sua infância, esses sistemas confrontaram-se com o dilema de um desenvolvimento distribuído ou centralizado. A primeira vertente, defendida por Thomas Alva Edison, preconizava o atendimento da demanda através de instalações de corrente contínua, nas quais os geradores (dínamos) localizavam-se próximos aos pontos de consumo. A segunda opção, defendida pelo jovem Nikola Tesla, com suporte de George Westinghouse, propunha a construção de centrais geradoras próximas às fontes de energia primária (rios ou minas de carvão) e transmissão a longas distâncias (para a época), utilizando corrente alternada e transformadores. A solução vitoriosa, por razões que não cabem ser discutidas aqui, mas estão bem explicadas em [1], é conhecida de todos.

Durante quase um século, os sistemas de energia elétrica cresceram e evoluíram tecnologicamente, porém mantendo o paradigma proposto por Tesla e Westinghouse. As centrais geradoras ficaram cada vez maiores e os sistemas de transmissão elevaram sua tensão nominal, para atender as grandes distâncias e os grandes blocos de potência transmitidos. Os sistemas isolados se interligaram para usufruir das vantagens de maior segurança e economia, a transmissão em corrente contínua ressurgiu como opção para grandes distâncias graças ao desenvolvimento da eletrônica de potência, a qual também permitiu a introdução dos dispositivos FACTS. Progressos notáveis foram introduzidos também na proteção e controle dos sistemas, as quais se valeram da evolução da tecnologia da eletrônica digital e da informática.

Uma primeira alteração de paradigma iniciou-se por volta da década de 80 com a introdução do conceito de produtor independente, para acomodar a vantagem econômica de novos equipamentos de geração, que evoluiu para propostas de reestruturações completas do setor elétrico, as quais foram implementadas em vários países, com maior ou menor intensidade [2] A reestruturação do setor elétrico introduziu mudanças consideráveis na forma de produção e comercialização da energia elétrica, principalmente no atacado, mas trouxe poucas alterações nas características tecnológicas do sistema. Também, a comercialização da energia no varejo, particularmente no tocante aos consumidores residenciais, sofreu alterações menores, restritas a poucos países. Uma novidade tecnológica importante foi a generalização do uso da geração distribuída, particularmente conectada aos sistemas de distribuição. Também digna de nota foi a introdução de novas fontes de energia tais como a eólica, biomassa, solar, etc., ainda que essas chamadas fontes alternativas tivessem limitada capacidade de competição do ponto de vista econômico. O processo de reestruturação do setor elétrico apresenta-se como irreversível na maioria de suas modificações, embora suas vantagens sejam discutíveis em vários aspectos. Um ponto no qual a reestruturação certamente não apresentou vantagens aparentes foi na segurança do sistema, pois blecautes de grandes proporções continuam acontecendo, mesmo nos países desenvolvidos, indicando que o sistema elétrico atual é intrinsecamente vulnerável a esse tipo de falha catastrófica [3] .

Presentemente, percebe-se a introdução de mudanças de natureza tecnológica, estrutural e regulatória, que têm o potencial para uma nova alteração do paradigma. Essas mudanças acontecem tanto ao nível do grande sistema (grandes unidades de geração e transmissão) quanto nos pequenos sistemas (sistema de distribuição, geração distribuída, microgeração e uso final). Em particular, as mudanças incorporam um conceito tanto novo quanto revolucionário: o poder de o consumidor decidir sobre seu consumo, e até contribuir para o atendimento dos demais consumidores pela venda de energia ao sistema. As mudanças são movidas pela incorporação maciça de tecnologia de computação e comunicação ao controle e supervisão dos sistemas de energia elétrica, pela introdução de novos dispositivos para geração e microgeração, pela conscientização da vulnerabilidade dos sistemas atuais a situações catastróficas (blecautes), inaceitáveis por uma sociedade altamente dependente da continuidade e qualidade do suprimento de energia elétrica, e pela consciência sócio-

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ambiental, cada vez mais presente nas decisões da sociedade moderna. Este artigo apresenta uma revisão crítica das principais tendências presentes nessa mudança. Em particular, serão comentados dois dos conceitos mais importantes nesse movimento: Smart Grids e Microredes.

Cenário e Motivação Um livro recente [4] , de grande repercussão, considera os sistemas elétricos atuais totalmente anacrônicos e com potencial para causar grandes danos à sociedade. Em particular, para fazer um contraponto com a crise do mercado financeiro americano, refere-se a esses sistemas como um equivalente elétrico da “subprime mortgage.” Exageros à parte, muitos estudiosos do assunto consideram que, apesar dos bons serviços prestados à sociedade até agora, os sistema de energia elétrica deixaram de incorporar muitos avanços tecnológicos, disponíveis a custo relativamente baixo, e que poderiam proporcionar níveis de confiabilidade e qualidade de suprimento mais adequados à sociedade digital em que vivemos. O homem é capaz de controlar um robô em Marte, porém, em muitos casos, depende de telefonemas de consumidores desesperados e deslocamentos de turmas de manutenção para restaurar o fornecimento de energia em pequenas áreas de uma grande cidade.

Outra área de críticas aos sistemas atuais localiza-se na forma de produzir a energia elétrica. As grandes centrais geradoras sejam hidrelétricas, termelétricas convencionais ou nucleares, apresentam cada vez mais dificuldades para sua construção devido aos impactos sócio-ambientais que inevitavelmente causam. O mesmo pode-se dizer dos grandes sistemas de transmissão. Alternativas de geração distribuída, utilizando fontes não convencionais de energia, cada vez mais se tornam competitivas se consideramos não apenas o custo econômico, mas também vantagens de outras naturezas. Novas tecnologias, como o carro elétrico híbrido plug-in (Plug-In Hybrid Electric Vehicle – PHEV), estão próximas de se tornarem de uso generalizado e apresentam potencial para armazenamento de grandes blocos de energia produzidos por fontes renováveis não despacháveis [5].

Finalmente, a possibilidade de alterar a demanda de energia através da disponibilização de equipamentos de medição e controle do consumo/produção de energia (Smart Meters) tem o potencial de alterar profundamente o perfil da demanda, tornando a mesma um elemento do planejamento da operação e expansão do sistema. Este fenômeno, denominado de empoderamento1 do consumidor, dá ao consumidor de energia elétrica uma voz ativa no processo de geração, transporte e consumo de energia elétrica e, é considerado por muitos, o fator principal da mudança de paradigma que se aproxima.

Os fatores motivadores da introdução das modificações nos sistemas de energia elétrica estão sintetizados na Figura 1.

Smart Grid2 A expressão Smart Grid deve ser entendida mais como um conceito do que uma tecnologia ou equipamento específico. Ela carrega a idéia da utilização intensiva de tecnologia de informação e comunicação na rede elétrica, através da possibilidade de comunicação do estado dos diversos componentes da rede, o que permitirá a implantação de estratégias de controle e otimização da rede de forma muito mais eficiente que as atualmente em uso.

1 Empoderamento é uma adaptação recente, já bastante utilizada, da palavra da língua inglesa empowerment, a qual significa dar poder ou autoridade a alguém. 2 A tradução literal de Smart Grid é algo como Rede Inteligente ou Rede Esperta. Como não existe ainda um uso consagrado em Português, o autor prefere manter a expressão em Inglês.

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Confiabilidade e Qualidade do Suprimento

Sustentabilidade Sócio-Ambiental

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Uma tentativa abrangente de definição do conceito, apresentada em [6] , é:

A expressão Smart Grid pode ser entendida como a sobreposição dos sistemas unificados de comunicação e controle, à infra-estrutura de energia elétrica existente, para prover a informação correta para a entidade correta (equipamentos de uso final, sistemas de controle de T&D, consumidores, etc.), no instante correto, para tomar a decisão correta. É um sistema que otimiza o suprimento de energia, minimizando perdas de várias naturezas, é auto-recuperável (self-healing), e possibilita o surgimento de uma nova geração de aplicações energeticamente eficientes.

Algumas das características geralmente atribuídas à Smart Grid são [4][7]:

• Auto-recuperação: capacidade de automaticamente detectar, analisar, responder e restaurar falhas na rede;

• Empoderamento do Consumidor: habilidade de incluir os equipamentos e comportamento dos consumidores nos processos de planejamento e operação da rede;

• Tolerância a Ataques Externos: capacidade de mitigar e resistir a ataques físicos e ciber-ataques;

• Qualidade de Energia: prover energia com a qualidade exigida pela sociedade digital; • Acomodar uma Grande Variedade de Fontes e Demandas: capacidade de integrar de

forma transparente (plug and play) uma variedade de fontes de energia de várias dimensões e tecnologia;

• Reduzir o impacto ambiental do sistema produtor de eletricidade: reduzindo perdas e utilizando fontes de baixo impacto ambiental;

• Viabilizar e beneficiar-se de mercados competitivos de energia: favorecer o mercado varejista e a microgeração.

Essas características poderão ser alcançadas através da introdução das seguintes áreas de inovação tecnológica [4] :

• Automação e controle digital da rede elétrica, utilizando controles eletrônicos inteligentes, capazes de antecipar-se a perturbações e corrigi-las antes que as mesmas ocorram;

• Introdução de medição inteligente com a capacidade de funcionar como um portal inteligente do consumidor que permitirá a disponibilização de sinais de preço e outras informações;

• Integração de um grande número de fontes de geração e armazenamento de energia de pequena e média capacidade, intermitentes ou contínuas, permitindo ao consumidor comprar e vender energia da rede.

A viabilização do conceito de Smart Grid é possível através das seguintes áreas tecnológicas:

Figura 1: Fatores motivadores da introdução de Smart Grids e Microredes.

Enpoderamento dos Consumidores

(Enpowerment)

Estrutura Regulatória e de Mercado Favoráveis

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• Dispositivos de Eletrônica de Potência: dispositivos capazes de controlar o sistema de energia elétrica com a velocidade e precisão dos microprocessadores, porém atuando em níveis de potência milhões de vezes maior;

• Geração Distribuída e Microgeração: localização da geração próxima ao uso final, com potencial para melhorar a confiabilidade e segurança de comunidades e consumidores individuais;

• Dispositivos de Armazenamento de Energia: melhoram o suprimento a carga sensíveis a flutuações na qualidade de energia da rede;

• Sistema Integrado de Comunicação: permite comunicação instantânea entre todos os equipamentos críticos do sistema, permitindo o monitoramente, controle e correção;

• Sensores: redes de sensores inteligentes.

Segmentos da Aplicação de Smart Grid A tecnologia Smart Grid se aplica aos vários segmentos que compõem o sistema de energia elétrica com maior ou menor intensidade. Além disso, algumas técnicas hoje consideradas como integrando esse conceito surgiram antes mesmo do conceito ser identificado e nomeado. O processo de automação do sistema elétrico é antigo e tem sido desenvolvido ao longo dos anos. Entretanto, o enorme desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação ocorridos nos últimos anos, aliado a mudanças estruturais na organização dos sistemas elétrico e fatores sócio-ambientais, vêm produzindo modificações substanciais nesse processo. A seguir são apresentadas breves introduções ao conceito de Smart Grid aplicados aos vários segmentos do sistema elétrico, como ilustrado na Figura 2.

Automação da Transmissão

Automação da buição Distri

Infraestrutura de Comunicações

Automação das Subestações

IntegraProsumido

ção de

r e AMI

Figura 2: Segmentos da tecnologia Smart Grid.

Automação da Transmissão Os conceitos de Smart Grid são introduzidos no sistema de Transmissão através dos esquemas de monitoração, controle e proteção sistêmicos (Wide Area Monitoring, Protection and Control – WAMPACs). A grande diferença desses sistemas em relação aos convencionais é que esses últimos utilizam basicamente uma lógica local operando sobre informações locais enquanto que os primeiros introduzem a visão do sistema como um todo. A utilização desses sistemas é possível devido aos avanços em tecnologia de comunica- ções, computação, serviços da Web, e a instalação de unidades de Medição Fasorial Sincronizada3 (PMUs) [8].

As aplicações já em uso ou em desenvolvimento são:

5

3 Phasor Measurement Units (PMUs) são unidades capazes de adquirir medidas de fasores de tensão e corrente, com taxas de amostragem de até 60 fasores por segundo, sincronizadas por um sinal de tempo fornecido pelo sistema GPS (Global Positioning System).

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• Sistemas Especiais de Proteção: sistemas de proteção sistêmica; • Utilização de Informação diretas de PMUs: monitoração e controle de defasamento

angular, oscilações inter-áreas, estabilidade de tensão, etc.

Automação da Distribuição Os sistemas de distribuição são aqueles que estão sendo mais beneficiados pela tecnologia Smart Grid. A principal área de aplicação é a utilização de medição eletrônica. Os medidores eletrônicos acrescentam uma série de novas funcionalidades ao antigo medidor eletromecânico de kWh, constituindo-se em um Smart Meter, o qual abre a possibilidade de inovações importantes, tais como:

• AMR (Automatic Meter Reading): é um sistema de coleta automática de dados de medidores de energia e transferência para um sistema centralizado de processamento de dados. Esse sistema economiza nas despesas com pessoal para leitura e transcrição de dados de consumo de energia e proporciona uma melhor acurácia na informação. A transmissão da informação pode ser realizada por diferentes redes de comunicação, incluindo sistemas wireless (WiFi, WiMax, Zigbee, etc.), PLC (Power line communica-tions), etc.

• AMI (Advanced Metering Infrastructure): representa um avanço em relação ao AMR pois, além de coletar as informações, o sistema também permite analisar a demanda e influir na resposta da demanda através da disponibilização de sinais de preços e atuação em dispositivos nas instalações dos consumidores. Para tanto, o sistema requer a comunica-ção da informação nos dois sentidos, entre a concessionária e as instalações do com-sumidor e vice-versa, e um sistema de processamento de dados mais elaborado.

Além das aplicações acima, o conceito de Smart Grid nos sistemas de distribuição inclui, entre outras, também:

• Detecção e isolamento automático de faltas, reconfiguração e restauração de serviço; • Controle coordenado de tensão e fluxo de reativos; • Integração da geração distribuída e da microgeração.

Automação das Subestações As subestações constituem pontos de interconexão da rede elétrica nos quais ocorrem importantes operações de controle e proteção, além de serem utilizadas também como pontos de aquisição de medidas e informações sobre o estado dos equipamentos. Até pouco tempo, essas funções vinham sendo exercida por sistemas distintos de monitoração, controle e proteção, tais como o sistema SCADA, medidores, relés e oscilógrafos. A tendência atual é pela integração dessas funções através de tecnologia genericamente denominada de Automação de Subestações. Essa tecnologia baseia-se em:

• Dispositivos Eletrônicos Inteligentes – IEDs (Intelligent Electronic Devices): capazes de produzir dados operacionais e para fins comerciais, com múltiplos canais de comunicação, múltipals aplicações e protocolos.

• Padronização: utilização de protocolos padrões de comunicação e transferência de dados tais como IEC 61850, CIM, XML, etc.

• Comunicações: utilização de fibras óticas e sistemas wireless, baseados no protocolo IP. A automação das subestações tem um papel importante na aplicação do conceito de Smart Grid por permitir a implantação de estratégias distribuídas de monitoração, controle e proteção sistêmica da rede.

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Integração dos Prosumidores4 e AMI A introdução do conceito Smart Grid traz como uma de suas principais bandeiras o já citado empoderamento do cliente da rede de energia elétrica. Esta mudança de papel é proporcionada, do ponto de vista tecnológico, pela introdução dos medidores inteligentes e do sistema AMI referidos acima. Modificações na estrutura regulatória e tarifária são também necessárias para viabilização do novo paradigma. Os principais pontos da mudança de paradigma são:

• Sistemas de geração distribuída, microgeração e geração combinada de energia elétrica e calor/frio, capazes de reduzir substancialmente o consumo visto pela rede e, eventualmente, fornecer energia para a mesma;

• Capacidade de controlar e otimizar a demanda, e a geração local, através da Internet e outros mecanismos de comunicação e processamento de informações;

• Resposta em tempo-real a sinais de preços da energia e solicitações de redução da demanda para auxiliar a segurança do sistema da concessionária;

Várias das novidades tecnológicas acima referidas são reunidas de forma sistêmica nas chamadas Microredes descrita com maiores detalhes na seção seguinte.

Microredes O conceito de Microredes (Microgrids) se enquadra na concepção geral de uma Smart Grid, tendo em vista que proporciona aumento nos níveis de confiabilidade, economia e qualidade ambiental, mediante a introdução de novas técnicas de automação e comunicação, em um novo ambiente regulatório e de mercado. Entretanto, as Microredes, por si só, apresentam-se como uma inovação tecnológica de grande impacto.

A idéia fundamental das Microredes [9], [10] e [11] deriva da expansão da utilização da geração distribuída. Geradores isolados, conectados à rede elétrica próximos aos pontos de consumo e em diversos níveis de tensão, podem causar problemas de difícil solução, o que acarreta restrições de conexão bastante rígidas por parte das concessionárias.

As Microredes representam uma forma mais eficiente, segura e gerenciável para a conexão de grande número de geradores de pequeno e médio porte aos sistemas atuais. Através do conceito de Microredes, grupos de geradores distribuídos e respectivos grupos de cargas associadas são vistos como um sistema (subsistema) elétrico independente. Este subsistema elétrico opera normalmente conectado ao sistema de uma concessionária, com um fluxo de energia positivo ou negativo entre os mesmos, correspondentes à compra ou venda de energia. Durante perturbações da rede, a Microrede pode desconectar-se da mesma e continuar alimentando parcial ou totalmente sua carga própria. Após o restabelecimento da condição normal de operação da concessionária, a Microrede conecta-se novamente à mesma, de forma suave e sem transtornos para os seus clientes.

As fontes de energia mais apropriadas para a formação de uma Microrede são pequenas unidades do tipo microturbinas, painéis fotovoltaicos e células a combustível. Essas fontes são conectadas à Microrede através de interfaces baseadas em eletrônica de potência. Também possíveis de utilização são pequenas turbinas a gás, motores a diesel ou gás e geradores eólicos. A utilização combinada de geração de energia elétrica e calor/frio também constitui elemento importante na concepção das Microredes.

Para atingir a característica de operação descrita acima, a Microrede deve ser dotada de equipamentos e técnicas de controle que permitam alterações da configuração interna e externa, aumentos e reduções da energia adquirida da concessionária, controle de tensão e

4 Prosumidor é derivado do termo prosumer, cunhado por Alvin Toffler em seu livro A Terceira Onda, que no contexto dos sistemas elétricos define um consumidor que também tem a capacidade de produzir energia e, eventualmente, disponibilizá-la a outros consumidores através da rede.

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potência reativa, etc., de forma adequada, sem transtornos para os consumidores na Microrede ou perturbações na rede da concessionária. Isto pode ser alcançado pelo uso dos conversores conectados às fontes e outros dispositivos de eletrônica de potência distribuídos pela rede.

Na Figura 3 é mostrada a estrutura típica de uma Microrede. Várias fontes de energia estão instaladas nessa Microrede. Por exemplo, no alimentador A existe uma microturbina, uma célula a combustível e painéis fotovoltaicos. No alimentador B, existe um motor de combustão interna (gás ou diesel), operando em conjunto com um sistema de geração de energia elétrica e calor/frio, e um conjunto de baterias para armazenamento de energia. Nesses dois alimentadores estão localizadas as cargas prioritárias que devem ser atendidas parcialmente ou integralmente quando do desligamento da rede da concessionária. Essas cargas, também, são aquelas que exigem uma qualidade de suprimento de energia acima daquele normalmente oferecido pela concessionária. O alimentador C não possui geração própria e, portanto, concentra as cargas com baixa prioridade de atendimento e exigências de qualidade da energia.

Fontes de energia como microturbinas, células a combustível e painéis solares, assim como baterias, devem ser conectadas à Microrede através de conversores. Estes, além de converter a energia produzida por essas fontes para o usual sistema CA de 60Hz e trifásico, permite um controle preciso de várias grandezas elétricas.

Na Microrede mostrada na Figura 3, o sistema de controle é constituído por um Centro de Gerenciamento da Microrede (CGMR), Controladores de Fontes (CF) e Controladores de Cargas (CC). Além desses equipamentos, existe um Dispositivo de Conexão/Reconexão (DCR), o qual tem o papel de facilitar as atividades de ilhamento e reconexão da Microrede ao sistema da concessionária.

O CGMR atua no nível superior de controle da Microrede, executando as seguintes funções:

• Gerenciar a energia comprada/vendida de acordo com estratégia previamente definida; • Previsão de carga em curto prazo; • Prover as referências (set points) de potência ativa e tensão terminal para os geradores

da rede: despacho de potência ativa e controle de tensão; • Garantir que as cargas de energia elétrica e calor/frio sejam atendidas adequadamente; • Minimizar emissões e perdas; • Maximizar a eficiência operacional dos geradores da Microrede; • Prover controle e lógica de ilhamento e restauração do suprimento durante perturbações

na rede da concessionária. Os CFs atuam nos conversores, ou diretamente nas fontes, para ajustar a potência ativa e o módulo da tensão terminal do gerador. Os CGs, por sua vez, atuam nas cargas através da conexão/desconexão de certos equipamentos em determinados períodos pré-estabelecidos ou, então, para aliviar uma condição de operação desfavorável da Microrede [12].

As linhas pontilhadas em azul na Figura 3, representam canais de comunicação entre o CGMR e os CFs, CCs e o DCR, mediante os quais o CGMR implementa o controle centralizado da rede. Essa filosofia de controle, entretanto, não é a única possível. Propostas de controle descentralizado de Microredes existem e podem apresentar vantagens em relação à versão centralizada. Por exemplo, em [9] é proposta uma estratégia de controle que permite os controladores locais (CFs e CCs) atuar de forma independente no controle das malhas de freqüência/potência ativa e tensão/potência reativa, utilizando o fato dos conversores serem capazes de responder a variações da carga em uma determinada maneira, sem a necessidade de receber informações de outros pontos da Microrede. Esta forma de controle leva a Microrede a operar no modo Plug&Play, ou seja, fontes podem ser adicionadas à rede sem a necessidade de reconfigurar a estratégia de

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controle. Neste caso, quando a Microrede estiver desconectada da concessionária, o CGMR não é utilizado a não ser para reconexão da Microrede à rede principal.

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Cenário Internacional Esforços para a introdução do conceito de Smart Grid vêm ocorrendo em várias partes do mundo. Em geral esses esforços têm sido apoiados por associações com participação da indústria tais como GridWise, Modern Grid Initiative (DOE) e IntelliGrid (EPRI) nos Estados Unidos e Smart Grid Europe na Europa. Iniciativas similares podem ser encontradas na Austrália, China e Japão. No caso dos Estados Unidos, o recém empossado governo do Presidente Obama anunciou a destinação de cerca de US$ 4 bilhões para projetos de pesquisa e desenvolvimento visando a modernização do sistema de energia elétrica americano.

O leque de participação de empresas de grande porte no negócio de Smart Grid é bastante amplo. Além das tradicionais empresas de tecnologia de energia elétrica (ABB, Siemens, Areva, etc.) encontram-se também empresas da área de informática, tais como IBM, Oracle, Cisco, etc., além de um grade número de empresas de base tecnológica de menor porte. Recentemente, a Google anunciou sua entrada nesse negócio através do sistema piloto Google PowerMeter. Várias organizações não-governamentais também têm dedicado grande esforço na divulgação das idéias de Smart Grid. Uma das mais destacadas é o Galvin Electricity Institute nos Estados Unidos.

Alguns exemplos, de diferentes amplitudes e profundidade, de aplicações do conceito de Smart Grid em várias partes do mundo são:

• Itália: A Enel tem operando remotamente, através de um sistema de gerenciamento automático, cerca de 31 milhões de medidores eletrônicos (Telegestores). Está prevista a instalação de medidores eletrônicos para todos os consumidores até 2011.

• Portugal: A EDP, em consórcio com institutos de pesquisa e empresas de base tecnológica, está desenvolvendo o projeto InovGrid cujo objetivo é desenvolver um novo sistema elétrico de distribuição inteligente. O projeto prevê um ciclo completo, incluindo a telegestão de energia (baseada no terminal inteligente do consumidor – Energy Box), integração da microgeração na rede e aumento da inteligência de serviço da rede.

Figura 3 - Configuração típica de uma Microrede.

A

B

CGMR C

DCR Disjuntor Controlador de Fonte Controlador de Carga

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• Estados Unidos: A primeira Cidade Smart Grid do mundo em desenvolvimento pela Xcel Energy em Boulder, Colorado. A Duke Energy desenvolve projeto de longo alcance com aplicações já implementadas em sua área de concessão. O projeto de demonstração de uma smart-microgrid em desenvolvimento no Illinois Institute of Technology (IIT) em Chicago. A futurística comunidade de Mesa del Sol, Novo México, em colaboração com Sandia National Laboratories, prevê uso intensivo do conceito Smart Grid e energia solar.

Cenário Nacional Ao nível do grande sistema, esquemas especiais de proteção têm sido implementados no sistema elétrico brasileiro os quais podem ser classificados dentro da categoria geral de Wide Area Protection Schemes [12]. Recentemente o ONS iniciou estudos visando a instalação de unidades de PMUs em pontos estratégicos do sistema interligado nacional com o objetivo, entre outros, de melhorar a capacidade de oscilografia e estimação de estado. Ainda dentro desse projeto, o ONS e o Cepel vêm realizando um trabalho de pesquisa conjunto visando o desenvolvimento de aplicações de PMU na segurança do sistema [13].

A UFSC, em conjunto com um fabricante nacional, desenvolve um projeto piloto de medição fasorial sincronizada na baixa tensão, que objetiva a aquisição de conhecimento e experiência no uso dessa tecnologia [14] . A COPPE/UFRJ, em colaboração como o CESI, vem desenvolvendo uma metodologia de detecção on-line da proximidade de colapso de tensão utilizando medição fasorial sincronizada [15].

Na área de distribuição de energia elétrica [16], a Ampla realiza trabalho pioneiro na utilização de medição eletrônica centralizada objetivando, principalmente, a redução de perdas comerciais, com resultados expressivos. A Eletropaulo estabeleceu um plano de negócios para Smart Grid, cobrindo aplicações em subestações, redes, transformadores, medição eletrônica e recomposição automática. A Light está implementando um sistema AMR para 150 mil clientes. A Cemig vem desenvolvendo uma iniciativa estratégica com vistas à busca de novo patamar tecnológico para o sistema elétrico baseada na tecnologia IntelliGrid, desenvolvida pelo EPRI. Os objetivos são o aumento da eficiência operacional e redução de perdas técnicas e comerciais e visa a implantação de um plano diretor de automação, proteção e medição de energia. A Celg tem desenvolvido trabalhos na área de PLC para aplicações de Smart Grid e serviços de comunicações de dados. O CPqD utiliza sua larga experiência em comunicações no desenvolvimento de projetos de coleta e transporte de informações nas redes elétricas.

Por último, mas de grande relevância, deve-se ressaltar o trabalho da APTEL em projetos pilotos como o Opera, Samba e a Vila Digital de Barreirinhas, visando o estudo de tecnologia PLC, BPL e outras.

Recentemente, a Aneel lançou uma consulta pública para estabelecer o posicionamento da Agência em relação à questão da medição eletrônica em baixa tensão [17].

Oportunidades de Pesquisa e Desenvolvimento A implantação da tecnologia Smart Grid no país exigirá um grande esforço de pesquisa e desenvolvimento. Apesar do esforço em desenvolvimento no exterior, cujos resultados encontram-se em grande parte disponíveis na literatura, existe a necessidade da adaptação dos mesmos às condições locais e desenvolvimentos próprios para atender as necessida-des específicas do país.

Alguns dos temas relevantes são:

• Guia de inovação tecnológica (roadmap) em Smart Grid e Microredes para o Brasil; • Impacto da proliferação de geração distribuída, microgeração e técnicas de armazena-

mento de energia no sistema elétrico; • Problemas de conexão de fontes alternativas às redes de transmissão e distribuição;

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• Aspectos técnicos e comerciais das Microredes; • Esquemas de gerenciamento da demanda (resposta da demanda); • Aplicações de medição fasorial sincronizada em monitoração, controle e recomposição

dos sistemas de transmissão; • Automação da distribuição; • Aspectos econômicos e regulatórios para implantação da tecnologia Smart Grid e

Microredes; • Sistemas de comunicações para automação da rede elétrica (PLC, BPL, etc.) e wireless.

Conclusões Este artigo apresentou uma introdução ao tema de Smart Grid e Microredes e seus impactos no desenvolvimento dos sistemas de energia elétrica na primeira parte do século XXI. Esses novos conceitos, apesar de terem sido introduzidos recentemente, já se colocam como alternativas reais para a otimização da qualidade de fornecimento de energia elétrica. As tecnologias necessárias à sua implantação estão disponíveis a custos razoáveis. Uma questão fundamental a ser resolvida é a avaliação do impacto dessa nova tecnologia no custo da energia para o consumidor final.

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[7] Strategic Deployment Document for Europe’s Electricity Network of the Future, disponível em http://www.smartgrids.eu/, September 2008.

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[9] R. Lasseter, "MicroGrids", Proceedings of the 2002 IEEE PES Winter Meeting, January 2002. [10] N. Hatziargyriou, H. Asano, R. Iravani, and C. Marnay, “Microgrids: An Overview of Ongoing Research,

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[13] H. Volskis, R. Mano, R. Sollero, et al., “Aplicações de PMU e Seu Impacto na Operação do SIN”, Anais do X EDAO, São Paulo - SP, 9 a 13 de Novembro de 2008.

[14] I.C. Decker, D. Dotta, N.M. Agostini, S.L. Zimath and A.S. e Silva, “Performance of a Synchonized Phasor Measurement System in the Brazilian Power System”, Proceedings of the 2006 IEEE PES General Meeting, 2006.

[15] S. Corsi and G. N. Taranto, “A Real-Time Voltage Instability Identification Algorithm Based on Local Phasor Measurements,” IEEE Transactions on Power Systems, Vol. 23, No. 3, pp. 1271-1279, August 2008.

[16] C.V. Boccuzi, “Smart Grid: Global Coordination Opportunity, Challenges for Latin America Region”, apresentação no Gridweek 2008, Washington, EUA, disponível em http://www.pointview.com/data/2008/09/24/pdf/Cyro-Vicente-Boccuzzi-3525.pdf, September 22-25, 2008.

[17] Implantação de Medição Eletrônica em Baixa Tensão, Documento Anexo à Nota Técnica no 0013/2009-SRD/ANEEL, Janeiro de 2009.