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SANTAELLA, Lúcia - Teoria Geral Dos Signos

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Por isso mesmo. a scrnióti­ca de Charles Sanders Pcirceestá na ordem do dia, muitasdécadas depois da mortede seu mentor: e é cada vezmais comum ouvir-se falarde Peirce. de símbolos, deícones. de índices. de sernio­se. etc . Esse mesmo apressa­do mundo das mídias - quecontinuamos precisando de­cifrar, se não quisermos serdevorados - talvez seja umdos principais responsávei spelo fato de. mesmo estandona moda. Peirce e sua se­miótica continuarem sendoconhecidos "de orelhada",

É na contracorrente des­se "ouvir dizer" que LuciaSantaella não se ca!1sa deremar. Como ela mesmadiz. "este é um livro de amorpelas minúcias, de calmae paciência para com osconceitos"; a calma e apaciência necessárias paraque os pormenores de umaprimeira impressão possamrevelar-se , por assim dizer."pormaiores", capazes de es­clarecer, na obra de Peirce. o

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.. EditOl'-assistenfe.~,,_.J Claudemir O. de Andrade

Todos os direitos reservadosEditora Ática S.A.

Rua Barão de Iguape, 110 - - CEP 01507-900Tel.: PABX (011) 278·9322 - Caixa Postal 8656

End. Telegráfico "Bomlivro" - Fax (011) 277-4146São Paulo (SP)

ATEORIA GERALDOS SIGNOS

semiose e autogeração

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SÃo'AUlO IND G~RCA t !DCTOIlASA

1995

Editorafão eletrônicaProcesso de Criação

ISBN 85 08 05554 4

CapaEttore Bottini

RevisãoFátima de Carvalho M. de Souza

Isaías zilli

Ed~ão e preparafão de texto

Egon de Oliveira Rangel

EditOl'Miriam Goldfeder

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SUMÁRIO

~RODUÇÃO ___

I. 00 SIGNO ---------------_Um equívoco renitente ------------- _Sinais de alerta --------------- _A forma ordenada de um processo -----------_O fundamento do signo ---------------­O caráter vicário do signo -------------_A função mediadora do signo -------------­A questão da determinação --------------­O problema do significado -------------­A incompletude-impotência do signo ----------­Retomo à infinitude -----------------

2. 00 OBJETO----------------­A complexidade do objeto --------------­Experiência colateral ---------------­Dois tipos de objetos ---------------­Exemplos de objeto imediato ------------­Modalidades do objeto dinâmico-----------­Implicações do objeto dinâmico ----------~­

Objeto e percepção ----------------­A triade perceptiva ----------------­Gradações do percipuum --------------­Retomo ao objeto -----------------

3.oomTERPRETANTE----------- ___

O interpretante como terceiro ------------­As divisões do interpretante -------------­Momentos lógicos do interpretante ----------_Uma segunda classificação do interpretante -------_As duas tricotomias: uma visão de conjunto -------__

4. O SIGNO REVISITADO--------------- _Amplitude da noção de signo - _

As triades dos signos ------------- _Quali , sin e legi-signos ------------ _Ícone, índice e símbolo ------------ _As tricotomias dos interpretantes --------- _

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS _

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Este livro começou a ser escrito em 1987. De lá para cá.passou por, pelo menos, três interrupções. Duas delas.

longas e por força de sofrimentos tão profundos e penososque, por muito tempo, desacreditei que o alento espiritual ea pregnância do ideal, necessários para levar a frente o pro­jeto de um livro, algum dia voltariam a me animar. Mas avida tem vias de secreta sabedoria. Só as conhecemos sedamos a ela, vida, a chance de manifestá-Ias. A terceira foimais recente e deveu-se a uma razão diametralmente opos­ta às anteriores. Este livro foi interrompido para que umoutro fosse escrito. Como ambos são até certo ponto com­plementares, um ajudou o outro, assim como espero queum possa ajudar o leitor a ler o outro. Refiro-me ao livro Aassinatura das coisas - Peirce e a literatura, publicadopela Irnago, em 1992. Faço tal referência porque a existên­cia desse livro acabou por trazer conseqüências para estaintrodução que abre o estudo sobre a serniose, apresentado

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nos capítulos subseqüentes. Octavio paz diz que, se ruim écitar-se, pior é parafrasear-se. Sigo, portanto, o caminho domenos pior.

A introdução originalmente prevista deveria ser consi­deravelmente mais longa do que esta. Ela visava introduzirum estudo eminentementemonográfico que tem por objeti­vo colocar, em foco de aproximação máxima, a lógica doengendramento da semiose, o modo como o signo age 0\1- o que é a mesma coisa - o modo como ele é interpre­tado para, então, seguir o trajeto dessa ação em câmeralenta. Numa explicação menos metafórica, o que se busca éexaminar detalhada e vagarosamentea definição triádica dosigno formulada por Peirce, com atenção às minúcias, emestado de alerta contra as ciladas das interpretações equivo­cadas e com abertura para as possíveis.implicações, tantodos fundamentos filosóficos, de um lado,quanto do poten­ciaI de aplicação dos conceitos semióticos, de outro.

A menção à câmera lenta é procedente. São muitas asvariações das definições de signos que, Peirceelaborou.Todas muito sintéticas. Nenhuma vai além de um parágra­fo. Pois bem, dois terços deste livro versarão apenas sobrea definição geral do signo. A cada membro da triade dasemiose -, ,signo-objeto-interpretante - será dedicado umcapítulo autônomo para, só ao final, no capítulo 4, proce­der-se ao exame dos diferenciados tipos de signos, das suasmisturas, seus modos de significar, denotar, conotar, nascer,crescer, tudo isso à luz, então, de uma pluralidade de exem­plos para trazer os conceitos para mais perto da experiênciae do nosso convívio cotidiano.

Quanto mais o tempo passa, e quanto mais me aprofun­do na obra peirceana, mais convencida vou ficando do valorextremo dessa obra na contribuição que pode prestar à com­preensão de todos os processos de comunicação de qualquer

tipo, ordem ou espécie. tanto no universo bio-sociológico dashumanidades. quanto dos animais e também no mundo dasmáquinas inteligentes, até em qualqueroutro mundoque pos­samos imaginar no qual ocorram processos comunicativos.Afinal, não há, de modo algum, comunicação. interação. pro­jeção, previsão, compreensão etc. sem signos.

Provavelmente a tarefa mais cabal deste livro serápatentear a onipresença inalienável dos signos. Tudoé rela­tivo. porque tudo depende dos signos de modo absoluto. Nolimite, signo é sinônimo de vida. Onde houver vida. haverásignos. Vem daí o subtítulo deste livro: semiose e autogera­ção. A ação do signo, que é a ação de ser interpretado. apre­senta com perfeição o movimento autogerativo, pois serinterpretado é gerar um outro signo que gerará outro, eassim.infinitamente, num movimento similar ao das coisasvivas.

O mundo está se tomando cada vez mais complexo.hiperpovoado de signos que aí estão para serem compreendi­dos e interagidos. Já é mais do que tempo de nos livrarmos,de um lado, do preconceito estreito e empobrecedor de que anoção de signo equivale exclusivamente a signo lingüístico,ou seja. de que só o signo verbal é signo. Também não ajudamuito, para superar esse preconceito. constatar que existemoutros signos além ou aquém dos verbais, mas continuar aenxergá-los com os mesmos equipamentos de compreensãoutilizadospara entenderos signos verbais. É enormea profu­são de signos distintos dos verbais. Cada um deles só serácompreendido, se for respeitado na sua diferença.

Por outro lado, já é mais do que tempo de nos livrar­mos das visões mortificantes que a perplexidade diante docrescimento ininterrupto dos signos. linguagens e mensa­gens está produzindo em intelectuais conservadores, disfar­çados de profetas do apocalipse. As postulações correntes

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• As citações de Peirce, assim como as referências a seus conceitos. em citações decomentadores, respeitam uma convenção internacional que estabelece fidelidade estritaàs peculiaridades e idiossincrasias de grafia do autor . Entretanto. quando referidos pelaprópria autora, vêm grafados de acordo com as normas editoriais da Casa. (N. E.I

de des-realidade, des-referencializaçâo do mundo, morte daidentidade do sujeito e que tais estão ainda , a meu ver, car­regadas de todos -os equívocos de uma herança cartesianamal resolvida, como se tivesse havido algum momento pri­vilegiado, adâmico, em que os signos não eram necessáriospara um sujeito auto-idêntico ter acesso a um "real" emestado de pureza, ainda não-contaminado pelas linguagens.

Evidentemente, essas questões são muito complexas.Neste livro não se irá colocar foco direto nelas. Acredito,contudo, que, se aprendermos a olhar os signos de frente,tanto na finíssima película de sua superfície, quanto navisão em raio X, despidos dos subterfúgios ardilosos que oracionalismo exclusivista não cessa de procriar, poderemosmediatamente enxergar com olhos renovados as eternasquestões do "real", da referência, do sujeito, do papel da ,

:representação e dá interpretação. A obra de Peirce temmuito para nos ajudar nisso.

Este é um livro de amor pelas minúcias, de calma epaciência para com os conceitos. Ir seguindo, com certocarinho, as nervuras de sua construção na convicção de que,quando bem definidos e bem compreendidos na sua formu­lação, os conceitos nos oferecem sua eficácia como recom­

,p<:nsa~ .O leitor também encontrará aqui um grande número ,'de citações 'de passagens dos escritos de Peirce*. Isso éinteiramente proposital. A gigantesca obra inédita, quePeirce deixou ao morrer, foi e continua sendo vítima da tra­gédia de não ter recebido até hoje uma publicação decentee que lhe faça jus. A intenção é também a de organizar,comparar, oferecer ao leitor, tanto quanto possível, o aces-

so às fontes, para que ele possa me acompanhar no atointerpretativo quase em igualdade de condições. Aliás, esseato não se fez sozinho. Há uma seleção de autores, intérpre­tes de Peirce pelos quais cultivo grande admiração. Sãoobjetos de minha escolha. Com eles, pus meu pensamentoem diálogo para iluminar a teoria peirceana dos signos.

Há ainda neste livro, em cada frase, em cada palavra, umforte sentimento de gratidão que precisa ser explicitado.Graças à confiança que os órgãos de fomento à pesquisa,muito especialmente a Fapesp, mas também o CNPq e mesmoa Fulbright, têm depositado nos meus projetos, tive a oportu­nidade e o privilégio (aos quais não tenho poupado esforçospara fazer jus) de estagiar, por várias vezes (algumas maislongas, outras mais curtas) na Universidade de Indiana, EUA,tanto no campus de Bloomington, com sua fantástica biblio­teca - monumento de amor à beleza do saber, da cultura eciência, localizado na Acrópole do campus - quanto emIndianápolis, no Peirce Edition Project, onde estão deposita­dos os noventa mil manuscritos inéditos de Peirce. Duranteesses estágios, assisti a vários cursos sobre Charles S. Peirce,em 1983, ministrado por Joseph Ransdell, em 1985, porGérard Délledale, em 1988, por Christian 1. W KJoesel eNathan Houser (editores do Peirce Editíon Project), em 1992,por Nathan Houser e André De Tienne. A todos esses profes­sores e especialistas , sempre tão abertos à escuta da alterida­de, sou sinceramente grata.

Com Joseph Ransdell, mais particularmente, tenhouma dívida de aprendizagem inolvidáveL Em 1983, essegrande mestre colocou nas mãos de seus alunos o manus­crito de sua obra sobre a semi ótica peirceana. Essa obra , atéhoje em progresso, infelizmente não foi ainda publicada,mas o efeito desse manuscrito sobre o meu entendimento dePeirce foi e continua sendo indelével. Creio que, ao longo

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Da fenomenologia à semiôtica

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essa obra sem o batismo da compreensão da semiose, ver­dadeiro sistema nervoso central ou corrente sangüínea dopensamento peirceano. Para ficarmos por aqui nessasrobustas metáforas biológicas. este livro pretende circularnessas veias. Um tal nivel de especialidade pressuporia queo leitor fosse apresentado, antes de tudo, ao panorama geralda obra de Peirce para que, dentro dela, pudesse localizar asemiótica e, nesta , o papel da semiose. Ora, essa visãopanorâmica aprofundada está dada no livro A assinaturadas coisas, especialmente no capítulo 4, denominado "Otempo da colheita".

Não incorrerei na segunda falha apontada por OctavioPaz, não me parafrasearei. Remeto para A assinatura dascoisas aqueles que estão interessados num aprofundamen­to sobre o diagrama geral da obra peirceana, razão por queesta introdução pôde ser reduzida em relação ao seu planooriginal. Mas, para que não fique neste livro, que ora entre­go à atenção do leitor. uma lacuna que o colocaria desobressalto diretamente no curso do signo. que é aquilosobre o que o capítulo I discorrerá, passo a apresentar, aseguir, uma brevíssima panorâmica de um setor da obra dePeirce, especialmente voltada para suas categorias fenome­nológicas, pois é diretam ente delas que nasce a semiótica ea definição de signos nas suas múltiplas facetas.

Foi em tomo dos 12 anos de idade que Peirce começoua estudar lógica. Poucos anos depois, estudou intensiva­mente as cartas de Schiller e, então, passou para Kant, cujaCrítica da razão pura, depois de dois anos de estudos obs­tinados, sabia quase de cor. Conhecia profundamente os

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de tantos anos de consultas e leituras repetidas. devo saberesses manuscritos quase de cor. A presença de 1. RansdelI.neste livro, é marcante. Espero que o espírito de generosi­dade, concentração quase insana no objeto do pensamento.disponibilidade para a dúvida. que definem o perfil dessemagnífico professor. também tenham deixado aqui. talvezpor obra de alguma magia contagiosa. algumas marcas . Éainda profunda a minha gratidão para com Thomas A.Sebeok e Jean Umiker-Sebeok. Diretor e Diretora Associadado Research Center for Language and Semiotic Studies, emBloomington, pela exímia eficiência profissional, aliada aocalor sincero de uma amizade honesta e sadia com que merecebem na sua grande casa intelectual.

Quando mencionei, no início da introduçào, que estelivro e A assinatura das coisas são complementares. essacomplementaridade não deve ser entendida como sinôni­mo de similar. Embora ambos tratem da obra de Peirce,creio que eles são diametralmente opostos. Este é um livromonográfico e detalhista na sua verticalidade. Da gigan­tesca obra de Peirce, foi selecionada apenas uma parte, asemiótica. Uma vez mais ainda, num outro recorte, dentroda semiótica e dentre seus três ramos (gramática especula­tiva, lógica crítica e retórica especulativa), foi selecionadoélpenas o primeiro ramo. Enfim, trata-se aqui tão-s óe ape­nas de tentar compreender a lógica do signo e seus meca­nismos de engendramento, misturas e multiplicação. comtoda a perfeição possível, ou melhor, numa luta cabal pelaperfeição, justo porque se sabe que a imperfeição é a sinahumana, nossa fragilidade e, ao mesmo tempo, nossa gran­deza. Costumo dizer que, se os deuses fossem humanos,saberiam o que é a luta pela perfeição.

A semiótica está no coração da obra peirceana. Ocupaa posição de um centro vital. Mal se pode compreender

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gregos. os empiristas ingleses. a lógica escolástica e todosos idealistas. Ao completar 28 anos. já havia publicadoalguns trabalhos importantes, mas aquele que viria marcarprofundamente sua obra futura seria Sobre uma nova listadas categorias. Resultado de dois anos de estudos intensís­simos, a tarefa pretendida e realizada nesse trabalho foi darà luz as categorias mais universais de todas as experiênciaspossíveis. Seguindo a mesma terminologia de Aristóteles(hai kategoriais e de Kant idie kategorieni, por considerarseus propósitos comparáveis aos desses pensadores , Peircevia sua empresa como muito mais ambiciosa e radical doque aquelas que seus antecessores , inclusive Hegel, levaramadiante.

Como ponto de partida, sem nenhum pressuposto dequalquer espécie, Peirce se voltou para a experiência ela .mesma. Como entidade experienciável (fenômeno ou pha­neron), considerou tudo aquilo que aparece à mente. Semnenhuma moldura preestabelecida, sua noção de fenômenonão se restringia a algo que podemos sentir, perceber, infe­rir, lembrar, ou a algo que podemos localizar na ordemespaço-temporal que o senso comum nos faz identificarcomo sendo o "mundo real". Fenômeno é qualquer coisaque aparece à mente, seja ela meramente sonhada, imagina- .da, concebida, vislumbrada, alucinada .'. Um devaneio, umcheiro, uma idéia geral e abstrata da ciência... Enfim, qual­quer COIsa.

Como procedimento, Peirce realizou o mais atento emicroscópico exame do modo como os fenômenos se apre­sentam à experiência. Esse exame tinha por função revelaros diferentes tipos de elementos detectáveis nos fenômenospara, a seguir, agrupar esses elementos em classes as maisvastas e universais (categorias) presentes em todos os fenô­menos e, por fim, traçar seus modos de combinação. Essa

análise radical de todas as experiências. segundo Peirce, é aprimeira tarefa a que a filosofia tem de se submeter. Ela édifícil, talvez a mais dificil de suas tarefas. exigindo pode­res de pensamento muito peculiares.

Não obstante a dificuldade de tal empresa. Peirce aenfrentou sem desvios, chegando à conclusão de que só hátrês e não mais do que três elementos formais ou categoriasuniversalmente presentes em todos os fenômenos. Essascategorias não podem ser confundidas com entidadespuras . Há infinitas modalidades de categorias particularesque habitam todos os fenômenos. Essas, no entanto, são asmais elementares e universais, tão gerais que podem servistas mais como tons, humores ou finos esqueletos dopensamento do que como noções definitivas. São pontospara os quais todos os fenômenos tendem a convergir.

Terminado o estudo, apesar do rigor que nele empe­nhara, Peirce se julgou vítima de uma auto-ilusão. Reduzira multiplicidade e variedade dos fenômenos a três elemen­tos, parecia-lhe fantasia absurda. Mas as categorias conti­nuaram resistentes às suas repetidas investidas para refutá­las. Tanto é que, em 1885, treze anos mais tarde, ele produ­ziu um outro estudo: Um, dois , três : categorias fundamen­tais do pensamento e da natureza. As categorias voltavamagora com mais vigor, estendidas para toda a natureza. Porquase trinta anos, Peirce buscou comprovações empíricaspara elas , encontrando-as em todos os domínios, da lógicae psicologia, à metafisica, fisiologia e fisica.

As denominações que as categorias receberam foramvárias, visto que elas assumem naturezas diferenciadas,dependendo do campo ou fenômeno em que tomam corpo .Apesar da variabilidade material de cada fenômeno especí­fico, contudo, o substrato lógico-formal das categorias semantém sempre. Daí Peirce ter finalmente fixado para elas

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objeto do signo é sempre um outro signo e assim ad infini­tum, conforme veremos no capítulo 2.

O que disso se pode provisoriamente concluir é que asemiótica peirceana é uma teoria lógica e social do signo.A objetividade do interpretante é, por natureza. coletiva.nào se restringindo aos humores e fantasias pessoais de umintérprete particular. A ação de gerar. cedo ou tarde, inter­pretantes efetivos é própria do signo cujo caráter não éaquele de uma matéria inerte e vazia à espera de um egoauto-suficiente que venha lhe injetar sentido. Além disso. asemiose não é antropocêntrica. A autogeração não é privi­légio exclusivo do homem. Ela também se engendra novegetal, na ameba, em qualquer animal. no homem e nasinteligências artificiais. Para completar, a teoria dos signosé, por fim, .uma teoria sígnica do conhecimento. Todo pen­samento se processa por meio de signos. Qualquer pensa­mento é a continuação de um outro, para continuar emoutro. Pensamento é diálogo. Semiose ou autogeraçâo é.assim, também sinônimo de pensamento, inteligência,mente, crescimento, aprendizagem e vida. Como isso se dáé o que este livro pretende trazer à luz.

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a denominação logicamente mais pura de "primeiridade.secundidade e terceiridade", O primeiro está aliado às idéiasde acaso, indeterminação. frescor. originalidade. esponta­neidade, potencialidade, qualidade. presentidade. imediati­cidade, mônada... O segundo às idéias de força bruta. ação­reação, conflito, aqui e agora, esforço e resistência, díada...O terceiro está ligado às idéias de generalidade, continuida­de, crescimento, representação, mediação. triada...

É justamente a terceira categoria fenomenológica(crescimento contínuo) que irá corresponder à definição designo genuíno como processo relacional a três termos oumediação, o que conduz à noção de semiose infinita ou açãodialética do signo. Em outras palavras: considerando a rela­ção triádica do signo como a forma básica ou princípio lógi­co-estrutural dos processos dialéticos de continuidade ecrescimento, Peirce definiu essa relação como sendo aque­la própria da ação do signo ou semiose, ou seja, a de gerarou produzir e se desenvolver num outro signo, este chama­do de "interpretante do primeiro". e assim ad infinitum,conforme será visto detalhadamente no capítulo I.

Assim sendo, uma interpretação, um ato interpretativoaqui e agora de um signo não é senão um caso especial dointerpretante, uma vez que este é. por natureza, mais geral.social e objetivo do que um ato particular e exclusivo de umsó intérprete, questões estas que serão aprofundadas nocapítulo 3.

Mas um signo só pode funcionar como tal porque re­presenta, de uma certa forma e numa certa medida, seuobjeto. O objeto do signo não é necessariamente aquilo queconcebemos como "coisa" individual e palpável. Ele podeser desde uma mera possibilidade a um conjunto ou cole­ção de coisas, um evento ou ocorrência até uma abstraçãoou um universal. No caso da semiose genuína (triádica), o

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Do SIG~O

,i~ e o leitor percorrer os oito volumes dos Collecred papers~(1931-58), de Charles Sanders Peirce. creio que poderá

encontrar, no mínimo. entre vinte e trinta formulações distintasda sua definição de signo. No entanto, conforme foi afirmadopor 1. Ransdell (1983. p. 21), se considerarmos, além disso, ocorpo completo da obra peirceana, integrando as oitenta milpáginas de manuscritos ainda não publicados. perto de uma cen­tena ou mais variantes da definíção poderão ainda ser encontra­das. Que razões levariam um pensador a esse exercício prismáti­co aparentemente insano? J. Ransdell ( p. 21) nos responde:

A razão está no fato de que essas formulações não são definições lexlcais ouestiputativas (cescnções de usos Já eustentes ou mtencionadasl mas sãomuito mais tentativas de definições tes is, isto é, cescnções dos fenãmenosnos seus aspectos mais fundamentais e com respeito às várias facetas queeles exibem a partir de vários pontos de vista. Desse modo. formulações queverbalmente (e, às vezes, substancialmente) são rnu.to diferentes não sãonecessariamente incoerentes entre si. mas. isto sim - e acredito que elasgeralmente são - descrições da mesma coisa tal como é perceoida em seusmodos mutuamente consistentes e complementares.

Entretanto, não obstante esse fértil manancial de variaçõesque visam à precisão. na fidelidade à multiplicidade de facetasexibidas por um dado fenômeno, quando se menciona a noção designo em Peirce, via de regra, algumas pessoas jâ têm firmemen­te traçada em suas mentes uma definição abusivamente simplifi­cadora, que reduz a concepção de signo peirceana à seguinte for-

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Um equívoco renitente

rnulação: "Signo é alguma coisa que representa algo paraalguém". Embora tal formulação pareça ter o poder de facilitar ocaminho da compreensão, ao contrário, ela emperra exatamenteaquilo que o rigor teórico de uma definição deveria visar, ou seja.à descrição formal de um fenômeno in abstracto, de modo a per­mitir o mais amplo e dilatado campo de aplicações possíveis afenômenos singulares e concretos que se enquadram na classegeral que a definição recobre.

É por isso que dare i a este capítulo a finalidade de ummergulho mais profundo em algumas das definições de signosem Peirce, buscando, tanto quanto possível. destrarnar as costu­mciras confusões que as encobrem.

\

Essas duas passagens nos revelam algumas constantes oupontos que se repetem invariavelmente em todas as definiçõesdo signo. Indicando o caráter inessencial da palavra "alguém",apontam para o caráter mais essencial de um engendramentológicoque se instaura entre três termos (signo-objeto-interpre­tante) e que põe em destaque as relações de determinação (dosigno pelo objeto e do interpretante pelo signo). Apontam tam­bém para a função mediadora do signo entre objeto e interpre­tante, assim como para a distinção inegável entre as palavras"mente", "intérprete", "mente interpretadora", de um lado, e otermo "interpretante", de outro. Além disso, fica a evidência deque o interpretante é algo criado pelo próprio signo, ou seja, "arelação deve consistir de um poder do signo para determinaralgum interpretante, como sendo signo do mesmo objeto"(1.542). Para completar, no fragmento de uma outra passagem,Peirce afirmou: "Não é necessário que o Interpretante devarealmente existir. Um ser in futuro será suficiente" (2.92).

Enfim, a questão do signo é muito mais sutil do que asgrosseiras simplificações fazem supor. Para penetrar nas nervu­ras dessa sutileza, devemos ir por partes, sinalizando o caminho,para que o trajeto passo a passo e, portanto, analítico, possa nosendereçar à síntese de uma compreensão sempre provisória, mas,nem por isso, desnecessária.

Oefino um Signo como Qualquer coisa que. deum lado, éassimdetermina­da por um Objetoe, de outro. assim determina uma idéia namente de umapessoa. esta últimadeterminação. que denomino o Interpretante do signo,é, desse modo. med iatamente determinada por aquele Objeto. Um signo,assim, tem uma relação triádica com seu Objeto e com seu Interpretante(8.343).

Um signo, ou tetxesemsmen, é aquilo que. sob certo aspecto ou modo, repre­senta algo para alguém. Dirige·se a alguém, isto é, cria na mente dessa pes­soa, um signo equvalente. ou talvez, um signo mais desenvolvido. Ao signoassim criado, denom ino interpretante do primeiro signo. Osigno representaalguma coisa. seu objeto. Representa esse objeto não em todos os seus aspec­tos. mas com referência a um tipo de idéia que eu, por vezes, denominei fun­damento do representamen (2.228).

Ou SIGSO _

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.... O equivoco que parece mais renitente é aquele que está naidéia de que o signo necessariamente representa alguma coisapara alguém (um ser humano. psicológico. existente, palpável). Écerto que, em algumas de suas definições. Peirce utilizou literal­mente a palavra "alguém", ou. no seu lugar, "mente de uma pes­soa", ou ainda a palavra "int érprete". Nesses casos, contudo; eleestava conscientemente abaixando o nível de abstração lógica dadefinição porque, na angústia de não conseguir se fazer entenderpor seus contemporâneos. viu-se na contingência de comprome­ter o rigor teórico na tentativa de se comunicar. Numa carta aJourdain, em 1908, Peirce dizia: "Minha definição de signo foitão generalizada que, ao fim e ao cabo, desesperei-me, ao tentarfazê-Ia compreensível às pessoas. Assim, para me fazer entendi­do, agora a limitei" (apud Fisch, 1978. p. 55).

Mesmo considerando que, em certas passagens, esse rela­xamento do rigor lógico-teórico pode, de fato, ser constatado,essas passagens nào podem ser reduzidas à simplista definiçãoque pus sob discussào. Se nos dermos ao trabalho de seguir algu­mas dentre as formulações em que o termo "alguém" aparece.creio que o leitor será levado a me dar razão:

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É por isso que, embora os termos representamen e signosejam muitas vezes empregados como sinônimos, eles apresen­tam uma pequena, mas substancial distinção. "Um Signo é umRepresentamen com um interpretante mental" (2.274). Ou aínda:"Em particular, todos os signos transmitem noções para as men­tes humanas; mas não conheço nenhuma razão por que todorepresentamen deveria fazer isso" (1.540). Pode-se assím con­cluir que, com a distinção entre signo e representamen, Peírcepretendia garantir que a relação sígnica não ficasse confinada ànecessidade de um interpretante mental. Mas o melhor modo deresgatar o funcionamento lógico do signo, em nível de generali­dade máxima, é começar por algumas formulações que alcança­ram o nível de abstração maior:

Peirce disse: "Na sua forma genuína, terceíridade é umarelação triádíca que existe entre um signo, seu objeto e o pensa­mento interpretante, ele próprio um signo, considerado comoconstituindo o modo de ser de um signo [...] Um Terceiro é algoque traz um Primeiro para uma relaçãocom um Segundo" (8.332).

O que Peirce tinha em mente era conceber uma definiçãode signo, a mais geral. abstrata e formal. capaz de abranger todoe qualquer fenômeno que revele um comportamento passível dese enquadrar na relação lógica estipulada por essa definíção, sejao fenômeno de que tipo for, cósmico, estelar, físico, orgânico,celular, psíquico etc. Dizia ele:

Devemos começar por levantar noções diagramáticas dos signos, das quais nósretiramos, numa primeira instância. Qualquer referência à mente, e depois quetivermos feito aquelas noções tão distintas como o é anossa noção de númeroprimitivo. ou ade uma linha oval. podemos então considerar, se fornecessário,quais sãoas características peculiares de um signo mental, e,de fato. podemosdar uma definição matemática da mente. no sentido de que podemos dar umadefinição matemática de uma linha reta.. Mas não há nada que obrigue oobje­todessa definição formal a terosentimento peculiar da consciência. Esse sen­timento peculiar não tem nada a ver com a logicalidade doraciocínio; é bemmelhor deixá-lo. portanto. fora da jogada (apud Fisch, 1978, p.56)

Um Representamen e o Primeiro Correlato de uma relação tnadica. o SegundoCorrelato sendo chamado de seu Objeto e o possível Terceiro Cone.ato sendodenominado seu /I1terpretante. por cuja relação triádica o possivel Interpre­tante é determinado como sendo o Primeiro Correlato da mesma relação triádi­ca para o mesmo Objeto e para algum possívellnterpretante 12 2421

Um REPRESENTAMEN é osujeito deuma relação triádica DE um segundo, cha­mado de seu OBJETO, PARA um terceiro. chamado de seu INTERPRETANTE,éS'ta relação triádica sendo de tal ordem que o REPRESENTAMEN determinaque seu interpretante fique na mesma relação triádica para com omesmo obje­to para algum interpretante (1.541).

Primeiros sinais de alerta: que se tente esvaziar, de saída,os termos "signo", "objeto" e "interpretante" dos conteúdos cor­rentes com que comumente essas palavras são preenchidas pelosenso comum. É certo que Peirce pretendia que o termo "obje­to" continuasse mantendo alguma símílaridade com o que ordi­nariamente é entendido por "objeto" (qualquer coísa que issopossa ser), e o termo "interpretante" também mantivesse algumasemelhança com o que ordinariamente recebe o nome de inter­pretação. No entanto, no contexto de suas formulações, os ter­mos signo-objeto-interpretante são termos técnicos, precisa­mente definidos com vistas à construção de um aparato formale sistemático de análise que permita um escopo máximo de apli­cações possíveis. Isto se torna impossível se reduzirmos quais­quer desses termos a uma concepção estreita, circunstancial ousituacional.

Assim também, embora a palavra "signo", de fato, apre­sente algumas analogias com quaisquer idéias pré-teóricas dessetermo, o que Peirce visava, na realidade, era a construção de umamoldura analítica abstrata, submetendo, para tal, os três termos aum refinamento teórico capaz de iluminar a relação sígnica ourelação triádica como a forma ordenada de uIl} processo lógico,Sendo o signo definido como "qualquer coisa que" ou "algumacoisa que", a palavra "coisa" não deve ser tomada como umaentidade necessariàmente existente, visto que, conformeRansdeIl (s.d., p. 5-6) enfatiza, entidades ficcionais, entidadesimaginárias, entidades sonhadas, entidades míticas, entidades

rA TEORIA GERAL DOS SIGNOS

Sinais de alerta

24

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meramente concebidas, e assim por diante, são tão capazes deser signos quanto o são entidades que nós identificamos comosendo, digamos, de caráter fisico ou histórico. Isso significa,Ransdell completa,

que a semiótica peirceana não tem nenhuma conexão essencial com a psico­logia behaviorista, por exemplo, pelo menos namedida em Que esse tipo depsicologia assume que os signos são da natureza de estímulos físicos. Navisão de Peiree. acategoriado físico é uma categoria metafísica tanto quantoa categoria do mental, e a base fenomenológica de suasemiótica pode serconsiderada como motivada. em parte, pelo menos, pela tentativa de assegu­rar que aanálise semiótica não fique constrangida por nenhuma pressuposiçãometafísica a priori sobre seu possivel objeto. Isto me aparece como um dosseus grandes méritos, visto Que libera a pesquisa semiótica das limitações dequalquer metafísica, que não passa de um artefato histórico (tal como, digamos,um tipo cartesiano de metafísica),oque toma possível. em principio, que aaná­lise semiótica se liberte de uma instãnciaetnocêntrica intelectualmente aleija­da, tomando posição contra oetnocentrismo onde quer que ele seja discemido.

Assim também, o objeto - aquilo que determina o signo,ao mesmo tempo que é aquilo que o signo, de alguma forma,representa, revela ou toma manifesto - não pode se restringir ànoção. de um existente ou objeto real (qualquer que possa sernossa concepção de existência). Conforme Ransdell (1983,p. 24) mais uma vez nos esclarece, o objeto de um signo não énecessariamente algo que poderiamos conceber como um indivi­duaI concreto e singular: ele pode ser um conjunto ou coleção de

.coisas, um evento ou ocorrência, ou ele pode ser da natureza deuma "idéia" ou "abstração" ou um "universal". Pode ser qual­quer coisa, qualquer que seja, sendo que nada aí é governado porqualquer suposição metafisica a priori, conforme será analisadomais detidamente no capítulo 2.

Do mesmo modo, o interpretante - aquilo que é determi­nado pelo signo ou pelo próprio objeto através da mediação dosigno - não pode ser considerado simplesmente como umainterpretação.particular, singular do signo. Ransdell (s.d., p. 6)novamente nos apresenta uma engenhosa explicação ao com­preender o interpretante como o próprio objeto do signo, mas tal

26 _______________ A TEORIA GERAL OOS SIGNOS 0\ 1SIG'" - - - -

como esse objeto fenomenalmente aparece no e através do atointerpretativo. assumindo-se que a interpretação nào seja equivo­cada. ("Nào há um interpretantc equivocado; o conteúdo objeti­\'0 de uma interpretação equivocada é um interpretante que está,de um modo ou de outro, sendo construído erroneamente nainterpretação, considerando-se sua relação com o signo e/ou seuobjeto.") É quase natural que se leia a palavra "interpretante"como se ela fosse meramente uma versão estilizada ou termotécnico para "interpretação". Embora essas palavras coincidamnos seus usos. apenas no caso especial em que

"interpretação" é entendida como se referindo ao conteúdo objetivo de umainterpretação, [I Peirce considerava o vir a ser de um mterpretante comodependente do ser do signo, muitomais do Que do ser de um ato de interpre­tação do signo [ !Para compreender isso, temos de romper completamentecom anoção cartesiana da mente e, juntamente com ela, romper com opsico­logismoesubjetivismo debilitantesdo nosso tempo [J No casoda concepçãode Peirce. sea idéia do interpretante fosse. no fundo, conceitualmente depen­denteda Idéiade um ato interpretativo ou resposta, então a idéiade um intér­prete teria de ser chamada. A opção, conseqüentemente, seria ou construir aidéiade um intérprete à maneirada psicologiabehaviorista I.. )ou então. ape­lar ao cartesianisrno. constru indo o intérprete como essencia lmente umamente interpretadorahabitando um corpo IRansdell, 1983. p 20)

Retendo em nossa mente esses sinais de alerta, para retor­nar especificamente à definição do signo, retomemos uma dasdefinições que atingiram o mais alto grau de abstração lógico­formal: "Um Representamen é o Primeiro Correlato de uma rela­ção tri ádica, o Segundo Correlato sendo chamado de seu Objeto,e o possivel Terceiro Correlato, chamado de seu Interpretante,por cuja relação triádica o possível Interpretante é determinadocomo sendo o Primeiro Correlato da mesma relação triádica parao mesmo Objeto e para algum possível Interpretante" (2.242).

À primeira vista, essa formulação altamente abstrata pare­ce nào dizer nadâ. E, de fato, ela não diz muito, uma vez que étão abstrata. Contudo, estamos aqui, obviamente, diante de umdilema entre o muito e o pouco. Para dizer muito em termos lógi­cos, é preciso dizer pouco, reduzir uma operação unicamente aseus traços constantes e essenciais, o que certamente não corres-

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_____. A TEORIA OERAL DOS SI(;'\l),

ponde à noção retórica daquilo que pode ser considerado comosendo muito. Levando-se em conta que a noção de signo emPeirce deriva seu verdadeiro poder explanatório das concepçõesmais específicas dos vários tipos de signos e de suas inter-rela­ções, aviso de antemão aos leitores que a noção de signo ounoções do signo só se farão mais integrais no capítulo 4, últimocapítulo deste livro, quando revisitaremos os signos nas suastipologias. Esse foi o procedimento pelo qual optei: caminhardevagar para não sofrer atropelos, mergulhar nas raízes do signopara chegar ao tronco até atingir as extremidades mais sensíveis,aquelas que estão mais próximas do nosso convívio cotidiano.Quanto aos frutos, espero que eles venham, para cada leitor, nassínteses de compreensão que, porventura, este estudo for capazde produzir.

Assim sendo, embora a forma genérica da relação sígnica,pela qual estamos começando, não seja suficiente para lançar luzimediata sobre a multiforme noção do signo peirceano,ela é, noentanto, um mapeamento necessário cujo preenchimento dedetalhes será gradativamente construído.

A forma ordenada de um processo

o que imediatamente se faz notável nas definições maisabstratas do signo, formuladas por Peirce, é a importância doverbo "determina", quer dizer, a determinação do signo peloobjeto e a determinação do interpretante pelo signo. Deixando adiscussão dessa questão para mais adiante, visto que o significa­do que Peirce dá a "determina" não é, de modo algum, evidenteprimafade, cumpre reter, por enquanto, que, na relação triádica,o signo ocupa a posição do primeiro relato, de que o objeto é osegundo correlato e o interpretante o terceiro correlato.

Ora, a posição e o papel que cada elemento ocupa na tría­de não são, de forma alguma, inócuos. O que está sendo defini­da não é simplesmente a palavra signo ou objeto ou interpretan­te, mas a relação de representação como forma ordenada de um

Do SIGNO _

processo lógico. Tanto é assim que, numa relação triádica genuí­na, não só o signo, mas também o objeto. assim como o interpre­tante são todos de natureza sígnica. Ou seja, todos os três correla­tos são signos, sendo que aquilo que os diferencia é o papel lógi­co desempenhado por todos eles, na ordem de uma relação de trêslugares. E essa relação se engendra de tal modo que não é o casomeramente de contar linearmente os números I, 2 e 3. Entre ostrês correlatos algo se trama e esse algo é intrincado.

Antes de penetrarmos nessa trama, alguns parênteses sãoainda necessários. Primeiro: uma relação de representação é umarelação triádica. Representação não se confunde com representa­men ou signo, uma vez que este é apenas o primeiro correlato deuma relação que se arma em três termos ou correlatos. Dessemodo, o termo "representação" deve ser reservado para a relaçã-otriádica em si mesma e jamais ser confundido apenas com o pri­meiro termo dessa relação.

Segundo, de acordo com Ransdell (1966, p. 26), nós pode­mos pensar essa relação genérica de três modos diferentes,dependendo da ênfase que é colocada sobre cada um dos corre­latos: assim, se o primeiro correlato é enfatizado, a relação é designificação ou representação. Se o segundo correlato é postoem evidência, a relação é de objetivação. Enfim, se o terceirocorrelato é enfatizado, tem-se uma relação de interpretação.Embora Peirce só tenha posto mais ênfase na relação de repre­sentação, Ransdell pensa que é bem legítimo se pensar a relaçãoem qualquer um desses três modos para que se possa compreen­der sobre o que Peirce está falando na sua definição de signo.

Terceiro: a relação triádica é o esquema analítico elemen­tar de um processo de continuidade que tanto regride quanto seprolonga ao infinito. Vejamos as seguintes citações onde isso seexpressa:

(, Um Signo é qualquer coisa que está relacionada a uma Segunda COisa, seuObjeto, com respeito auma Qualidade, de talmodo atrazer uma Terceira COisa,seu Interpretante, para uma relação com o mesmo Objeto, e isso de rnenenatalatrazer uma Quarta para uma relação com aquele Objeto da mesma ícrrna.adinfinitum. Se asérie érompida. o Signo. nesse ponto, perde seu caráter sig­nificante perfeito 12,92),

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diante. Em síntese. a açào que é própria ao signo é a de crescer.Note-se. contudo, que a relação triádica não é apenas a forma ele­mentar de um processo que cresce infinitamente do lado do inter­pretante, mas também a de um processo que regride ao infinito. dolado do objeto, ou seja, não há um objeto originário na semiose:

Oobjetodarepresentação não pode ser outra coisa senão uma representaçãodaqual aprimeirarepresentação é um interpretante Mas uma série infinitaderepresentações, cada qual representando a que está atrás desi, pode ser con­cebidacomo tendo um objeto noseu limite. Osignificado deuma representa­ção não pode ser senão uma representação. De fato. não é nada mais doQuea representação, elamesma. concebidacomo despida deroupagem irrelevan­te. Mas essa roupagem não pode ser nunca completamente despida; ela só étrocada por algo mais diáfano. Há, assim, uma regressão infinita aí(1339).

A regressão infinita na relação entre signo e objeto estáligada ao fato de que a operação de representação do objeto pelosigno implica a determinação do interpretante. Ou seja, numarelação ·triádica genuína, o objeto se manifesta no interpretanteatravés do signo. Ou ainda, na triade genuína, o objeto do signotambém é de natureza sígnica, quer dizer, o objeto da represen­tação só pode ser de natureza representativa.

O ponto a se notar aí é, em primeiro lugar, o de que oobje­to do signo não se confunde com qualquer ding an sich, operandomisteriosamente por trás das cenas da representação. Embora sepossa dizer que o vínculo do signo para com o objeto seja maisontológico do que o vínculo do interpretante para com o mesmoobjeto (que é de ordem mais propriamente lógica. visto que a mani­festação do objeto no ínterpretante é mediada pelo signo), nào sepode dizer, no entanto, que o objeto seja uma coisa em si, lá, iner­te, à mercê do movimento do signo. Ao contrário, na triade genuí­na, o objeto também é signo, o que implica o fato de que todo signoé potencialmente um signo-interpretante de um objeto que tambémé signo e. por conseqüência, potencialmente também um signo­interpretante, e assim por diante, numa regressào infinita .

Contudo, essa é, a meu ver. a mais complicada questãoenvolvida na tríade semiótica, para a qual só darei , por enquan­to, esclarecimentos bem relativos, que espero ir tomando mais e

30 ._. . A r Fl ' RIA ' ; ~ R.\L DOS SI' ;"'"

üualuuer coisaQue conduzuma outra (seu interpretantel a referir-se a umobjeto ao qual ela mesma se refere (seu objetoI, de modo Idêntico, trans­formando-se o interpretante por sua vez, em signo, e ass im sucessivamen ­te admfinitumSem dúvida, uma consciênc iainteligente deve entrar nessa série Se a série demterpstantes sucessivos vem a ter fim, em virtude desse fato. o signo torna­se, pelo menos. imperfeito Se tendo Sido determinada uma idéia interpretao­tenuma consciência individual, essa idéianão determinaum signo subseqüen­te, ficando aniquilada essa consciência ouperdendo toda lembrança ou outroefeito significante do signo. torna-se impossível saber se alguma vez existiuumatal idéia nessa consciência; e.neste caso, édifícil saber como poderia terqualquer significado dizer que essa consciência jamais teve essa idéia, umavez que o atodedizer isso já seria uminterpretante dessa idéia (2303)

Essa afirmação de que o signo perde seu caráter signifi­cante perfeito (isto é, genuíno) se a série de interpretantes suces­sivos vier a ter fim, implica o fato de que nenhum interpretantede nenhum signo pode ser tido como absoluto ou definitivo. Fazparte da própria forma lógica de geração do signo que ela seja aforma de um processo ininterrupto, sem limites finitos. Ou seja: . .faz parte da natureza do próprio signo que ele tenha o poder degerar um interpretante, e assim por diante. Qualquer interrupçãono processo degenera o caráter significante perfeito do signo queé o de gerar um interpretante que gerará outro, e assim indefini­damente. Sobre isso, 1. Ransdell (1966, p. 134-5) nos fornece umexemplo bastante ilustrativo:

Consideremos. por exemplo, o signo complexo constituído pelos dados deBrahe sobre asposições relativas dos planetas nosistema solar A teoria deKepler, como interpretante desses dados, é apenas uma pequena parte dainterpretação que, hoje em dia, lhe dá significância Ie a dados similares que,desde então. foram juntados a ela). Se toda a especulação astronômica tives­se sido interrompida com Kepler, então esse signo complexo (ou Qualquerparte dele) teria perdido seu caráter significante perfeito. Isto é, aquilo queesses dados significam teria sidoapenas parcialmente realizado

Isso que vale para Kepler também é válido para a situaçãoatual das investigações astronômicas . Ou seja, o futuro irá dizen­do que as interpretações atuais sào apenas signos -interpretantesparciais cuja tendência (se essas investigações não forem inter­rompidas, é claro) é gerar outros signos-interpretantes, e assim por

(

Do SI(; ,"O _ --- - - --- - - -- - - 31

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ofundamento do signo

o signo é o primeiro relato da relação triádica. Ora. falarem primeiro, dentro do contexto da semiótica peirceana. estádiretamente ligado à fenomenologia. o que nos leva a identificar

mais compreensíveis no decorrer dos próximos capitulos. Dequalquer modo, o quecumpre evidenciar. nestemomento. é que. natríade sígnica, o objeto original (alfa) e o interpretante último (ômega)

estão.numcertosentido. sempre infinitamente remotos, quando noslocalizamos em qualquer ponto dentro dessa tríade. Isso significaque, em qualquer análise de um processo de signo-interpretanteatual, nós necessariamente começamos sempre in media res e sópodemos traçar os elosda corrente tão minuciosamente e tão exten­sivamente em qualquer direção, quanto eles forem capazes de satis­fazer os propósitos que tenhamos. quando nos engajamos numainvestigação ou numa interpretaçãoparticular.

As infinidades são uma conseq üênciada definição do sqno inabstracto,ou seja.consderado à parte de qualquer api icação concreta No concreto. ao cootr áno.sempre haverá consideraçõessuuaccra.s adhoc que fornecerão razõespara setratar um dado signo come se fosse : :Jrimelro signo do objeto. e para trataralgum interpretante como se fosse oúltimo [. .] Assim. as progressões eregres·sões, implícitas na concepção geral de representação. não são viciosas, masdevem ser vistas como lemíretes deque são nossos interesses práticos e teóri·coso num dado momento. que fornecem os limites- os pontos departida edechegada - em qualquer investigação semiótica(Ransdell. 1983. p 22).

Fechados esses parênteses, é o momento de se retomar àtramada tríade. Comojá vimos anteriormente, não são meramen­te os nomes signo-objeto-interpretante que estão em jogo nas for­mulações da tríade, mas muito mais as relações que se estabele­cem entre eles. Assim sendo, as palavras definidoras são: "estápara" (stands for), "determina", "de um tal modo", "do mesmomodo" etc. É por isso que. para inteligir essas relações. destacareialguns tópicos presentes nas definições. Em cada um deles, umdos aspectos da naturezado signo é posto em evidência. de modoque só o conjunto pode nos dar o complexo de caracteres quePeirce chamoude signo. Vejamos esses aspectospasso a passo.

33Do SIG~O _

o primeiro com o caráter da qualidade e possibilidade que cor­respondem à primeira categoria fenomenológica. Perguntamos.então: a qualidade como primeira categoria não deveria ser sim­plesmente identificada com a noção de signo'? No entanto. surgeaqui um primeiro problema. A noção de representação, que atriade semiótica expressa. só é introduzida na fenomenologiaquando chegamos à terceira categoria (terceiridade), categoriaesta que corresponde exatamente à noção de signo como relaçãotriádica. Conclusão: a noção de signo já é, por natureza. tri ádica,isto é, só se define na triade. não podendo. portanto. ser identi­ficada meramente com a primeira categoria, ou categoria da qua­lidade. Como fica, então, a questão da primeira categoria (a daqualidade) com a noção de signo como primeiro relato da rela­ção triádica? A resposta que Ransdell (1966. p. 80) nos fornecepara isso é inequivoca:

A solução está na distinção entre o primeiro termo da relação e aquilo Quedesempenha o papel de primeiro termo dessa relação. Qualquer coisa queseja. pode ser um signo. isto é. pode funcionar nessepapel; mas para que façaisso. deve ter algum caráter em virtude do Qual pode assim funcionar. Essecaráter é o que constitui o fundamento ou razão de sua capacidade para serum signo. emboraelenão seja realmente um signo enquantoele não for inter­pretado como tal. A noção de qualidade é. deacordo com Perrce. a noção dereferênciaa um fundamentor...uma pura abstração. cuja referência constituiuma qualidade ou atributo geral. pode ser chamada de toncamento" [1 .551 1l.isto é. anoçãodeterpotencialidade sígn ica. Assim. aprimeira categoria. qua­lidade. pode ser identificadacoma noção deum signo no sentidodeposse depotencialidade sígnica. mas ela não é equivalente à noção de umsigno atual.Econsidero que esta deveria ser a versão peirceana da noção tradicional deforma, talidade ou essência. [...1Ora, a relação sígnica pressupõe algo que pode desempenhar o pape l de umsigno. pressupondo assim que haja uma coisa tal como potencialidade sígn ica(forma. essência. Qualidade) Como fundamento da relação sígnica. este deveser algo que tem a ver com uma coisa funcionando como Signo emvirtude daqual esta coisa é Significante de seu objeto.

De fato, Peirceafirmou explicitamente (2.92) que "o signoestá relacionado com o objeto com respeito a uma Qualidade...".Assim sendo, algo é significante de seu objeto, algo possui

- - - - - - - - - - - - - .-lo TEORI.~ l i[ R.\l lX)S siuvos3!

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potencialidade sígnica ou qualidade de acordo com três modos:qualidade interna, qualidade relativa e qualidade imputada(1.558). É evidente que estamos aqui diante do nascimento (anode 1867, no texto "Sobre uma nova lista de categorias") da divi­são básica dos signos em ícones, índices e símbolos, Ou seja.algo é significante de seu objeto, possuindo potencialidade sig­nica ou qualidade, de acordo com três modalidades: I) quandoa relação com seu objeto está numa mera comunidade de algu­ma qualidade (semelhança ou ícone); 2) quando a relação comseu objeto consiste numa correspondência de fato ou relaçãoexistencial (índice); e 3) quando o fundamento da relação como objeto depende de um caráter imputado, convencíonal ou de

lei (símbolo).

Deixando expresso, por enquanto, apenas o fato de que ofundamento do signo obedece a essas três modalidades. abando­narei, no decorrer dos três primeiros capítulos, a discussão dosquase-signos (ícone, índice e suas misturas com os símbolos),reservando exclusivamente para eles o capítulo 4. Isto porquepretendo traçar os comportamentos I) do signo; 2) do objeto: e3) do interpretante, tal como estes se manifestam integralmenteno signo genuíno ou tríade em processo de continuidade paraque, só depois, sejam traçadas as transformações que se operam,na tríade, no caso dos quase-signos.

Assim sendo; trata-se agora de explorar em detalhes o quevem a ser o fundamento do signo, quando sua relação com oobjeto depende de uma qualidade imputada (terceiridade). Peirceafirmou que "a referência a um fundamento pode ser tal que elanão pode prescindir da referência a um interpretante. Nesse caso,ela pode ser chamada de qualidade imputada" (1.558). Paratomarmos aqui o exemplo do signo simbólico, que é "uma formarelativamente [grifo nosso] genuína de Representarnen" (5.76),nele, o fundamento de sua relação com o objeto consiste tão­somente no fato de que ele é imputado como sendo um signodaquele objeto, quer dizer, ele será habitualmente interpretado

como um signo daquele objeto .

3-1_ _ _ _ _ _ _ ___ _ ___ A TEORIA tiERAI. eos SI<.i:,\,IS

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Em função disso. nesse caso. a relação do signo com oobjeto não pode prescindir da referência a um interpretante,visto que o caráter representativo do simbolo "consiste exata­mente em ser uma regra que determinará seu lnterpretante"(2.292) . Trata-se de um "signo que perderia o caráter que o tomaum signo se não houvesse um interpretante' (2.304). Ou ainda:"é um signo que se constitui como tal simples ou principalmen­te pelo fato de ser assim usado e compreendido. quer seja o hábi­to natural ou convencional. e sem levar em conta os motivos queoriginariamente orientaram a sua seleção" (2.307). Trata-se, por­tanto, de um signo "que se refere ao Objeto que denota em vir­tude de uma lei, normalmente uma associação de idéias geraisque opera no sentido de fazer com que o Simbolo seja interpre­tado como se referindo àquele objeto" (2.249).

Conclusào: o fundamento do simbolo ou sua potencialida­de .signica nào depende de qualquer similaridade ou analogiacom seu objeto (caso do ícone), nem de uma conexão de fato(índice), sendo signo unicamente por ser interpretado como tal.graças, obviamente. a uma lei natural ou convencional. Ele estáconectado a seu objeto "por força da idéia da mente-que-usa-o­sirnbolo, sem a qual essa conexào não existiria" (2.299) , Assimsendo, a significância do simbolo em relação a seu objeto, suacapacidade de representar adv érn de seu poder de gerar um inter­pretante de natureza geral. ou seja, outro signo genuíno.

Se o fundamento do signo genuíno está no poder que lheé próprio de gerar outro signo genuíno como seu interpretante.fica evidente que teremos de esperar até o capitulo 3 ("'Do inter­pretante") para que a compreensão dessa questão se enriqueça,revelando-se na sua integridade.

o caráter vicário do signo

Um excelente sinônimo para "representa" é a expressão"está para" ou melhor "está no lugar lógico de". ou conformePeirce nos diz : "Representar: estar em lugar de. isto é, estar

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--------------- A TEURIA GERAL DOS SIGSOS Do SIGNO-------- _

aE.""

A função mediadora do signo

Observemos a seguinte passagem fundamental:

Realmente, uma representação necessariamente envolve uma tríade genuínaPois envolve um signo, ou representamen, de algum tipo, externo ou interno.mediando entre um objeto eum pensamento interpretador. Isto não é nem umaquestão de fato. uma vez que opensamento é geral, nem éuma questão de lei,visto que opensamento évivo (1480).

Aí está enfatizada a relação mediadora do signo entre oobjeto e o interpretante. A ação lógica ou semiótica do objeto ésempre a ação de um signo. Ou melhor, o modo lógico - e nãofísico - da ação de um objeto e, portanto, o modo de ação deum signo se dá por causação lógica. Quando digo "modo de açãonão física", não quero dizer que o objeto não possa também exer­cer uma ação física. No caso do índice, por exemplo, esse modode ação. é tão patente que, sem ela, o índice não existiria. Mas,uma vez que estamos tratando aqui do signo genuíno, deve-sepôr ênfase no fato de que, mesmo que essa ação física exista,como, de fato, ela sempre existe, esse modo de ação não é prio­ritário na constituição da triade, mas sim a causação lógica.

Por isso mesmo, na forma ordenada do processo triádico,o interpretante será levado a ter uma relação com o objeto seme­lhante àquela que o signo tem para com o mesmo objeto. Ouseja: "a relação deve consistir de um poder do signo para deter­minar algum interpretante como sendo um signo do mesmo obje­to" (1.542). Isso significa que, por mais que a cadeia semióticase expanda, em signos-interpretantes gerando signos-interpre­tantes, o vínculo com o objeto não é nunca perdido, uma vez .queo objeto é justamente aquilo que existe e resiste na semiose ouação do signo.

Trocando em miúdos: a ação lógica do objeto é a ação dosigno. E a ação do signo é funcionar como mediador entre oobjeto e o efeito que se produz numa mente atual ou potencial.efeito este (interpretante) que é mediatamente devido ao objetoatravés do signo. A mediação do signo em relação ao objetoimplica a produção do interpretante que será sempre, por mais que

.\

areferência a um objeto é um caráter formal essencial da cadeia semiótica.De fato, é a manutenção dessa referência que constitui a integridade dacadeia como tal. Deve ser também entendido que a infinitude remota do obje­to, em relação a qualquer signo dado, não implica que o objeto seja remotoexperiencialmente; pois qualquer signo do objeto é uma manifestação doobjeto ele mesmo. eeste último pode estar tão imediata ou diretamente pre­sente na experiência quanto, digamos. esta folha de papel sobre a qual ossignos, que você está lendo agora, estão presentes a você neste exatomomento.

numa relação com um outro que, para certos propósitos, é consi­derado por alguma mente como se fosse esse outro" (2.273). Ouentão: "0 signo está no lugar de algo para a idéia que produz oumodifica" (1.339)'.

Em relação ao objeto, o signo tem um caráter vicário,ele age como uma espécie de procurador do objeto, de modoque a operação do signo é realmente a operação do objeto atra­I'és e por meio do signo. Assim sendo, pode-se dizer que osigno tem uma função ontologicamente mediadora como vicá­fio do objeto para a mente. Isso significa, conseqüentemente,que o signo, na sua relação com o objeto, é sempre apenas umsigno. no sentido de que ele não é nunca completamente ade­quado ao objeto, não se confunde com o objeto, nem podeprescindir dele.

Há, em função disso, sempre um resto, uma sobra doobjeto que.o signo não pode recuperar, pelo simples fato de queo objeto é um outro diferente dele. Isso não significa que oobjeto é uma entidade logicamente externa ou apenas contin­gentemente atada à relação do signo com o interpretante, demodo que se poderia pensar na possibilidade de signos semobjetos. Ao contrário, na relação triádica, o interpretante de umsigno é a manifestação de algum aspecto do objeto por meio e«través do signo. Mesmo no caso de ícone, ou quase-não-signo,ao ser interpretado como tal, cria-se, nesse ato, o objeto dosigno, visto que não há interpretante possível sem objeto.Assim, para ficarmos só na triade genuína, pode-se concluir,corno o faz Ransdell (1983, p. 23), que

..._-------- ""'--------------_._--~._._----------------------~-~~

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3S ______________ A TEORIA GERAL DOS SIG'\l)$ Do SIGNO _ 39

a cadeiados interpretantes cresça, devido à ação lógica do objeto.a açãomediada pelosigno. Nessa medida. a referência do signoaoobjeto não é dependente de qualquer interpretação particular. Aocontrário, é uma propriedade objetiva do signo, propriedade deautogeração que lhedáo poderde produzirum interpretante, queresse interpretante seja, de fato, produzido ou não. É por isso quenãose podetomara expressão "efeitoquese produznuma mente"comoexplicativa do interpretante, mas sim o contrário.

No.entanto, para que a causação lógica possa ser melhorcompreendida. é precisoconsideraro problema da determinação.querdizer, o estatutológicoque Peirce deu ao verbo "determina".

A questão da determinação

O signo age, comojá foi visto, por causação lógica. Estase expressamaiselucidativamentepor meio da palavra"determi­na", contanto que não se confunda ordem lógica com ordemtemporal - confusão corrente, quando uma palavra tão sobre­carregada filosoficamente como"determina" está envolvida.

.Quando Peirce afirma que o signo é determinado peloobjeto, issonos leva a pensar que o objeto temprimaziavreal'(o que quer que, por enquanto, entendamos por "real") sobre osigno. No entanto, na forma ordenada do processo triádico, oobjeto é um segundo em relação ao signo que é um primeiro.Primazia"real", portanto, não se confunde com primazia lógica.vistoque, emborao signoseja determinado pelo objeto, este, porsua vez, só é logicamente acessível pela mediação do signo.

O objeto é algo diversodo signo, diversidade que o signonão pode apagar. Daí havera determinaçãodo signo pelo objetoe não a mera substituição. O signo não pode substituir o objeto,pode apenas estar no lugardele e indicá-lo para a idéia que eleproduz ou modifica. Isso significa que a ação do signo ou auto­geraçãosó se consumaporqueele determina o interpretante (ter­ceiro) que, sendo criado pelo signo, estará mediatamente deter­minado pelo mesmo objeto que determina o signo.

Em síntese: o signo determina o interpretante, mas ele odetermina como uma determínação do objeto. O interpretante,como tal, é determinado pelo objeto somente na medida em queo interpretante, ele próprio, é determinado pelo signo. A noçãode determinação corresponde, assim, à noção de predicação,

eaanálise da predicação revela que. quando um predicado. P, é predicado deum sujeito. S. isto se dá sempre via um interpretante ou predicado mediador.M. que é predicado daquele sujeito. S. Isto quer dizer: Pnão é um predicadode M de modo absoluto. mas apenas na medida em que M é.PQr seu turno.predicado de S. Em termos de determinação. Pdetermina M apenas na medi­da em que M determina S. isto é. Pdetermina a determinação de Spor M. Acolocação da Questão parece aqui bastante formalista. No entanto. penso queé importante ver como as definições podem ser lidas desse modo; se não forassim, o uso Que Peirce faz de uma palavra tão notoriamente obscura como'determina" fica drenado de toda precisão. eeu penso que Peirce. ele mesmo.tinha em mente idéias precisas sobre isso (Ransdell. 1966. p. 136).

Embora aexplanação de Ransdell possa, de fato, parecerformalista, ela, no entanto, permite que se perceba com mais cla­reza porque, na triade, a relação de determinação do signo peloobjeto é semelhante à determinação do interpretante pelo signo,enquanto a função mediadora do signo entre objeto e interpre­tante é diferente da função mediadora que o interpretante, elemesmo, instaura. Se o signo, por seu lado, tem uma função maisontologicamente mediadora, o interpretante, por sua vez, é ummediador no sentido de ser um meio-termo lógico entre o termo

. sujeito e o termo objeto de umjulgamento. Isto nos permite tam­bém perceber mais claramente dois outros aspectos fundamen­tais da triadc: por que o interpretante é levado a ter uma relaçãocom o objeto semelhante àquela que o signo tem, e por que acadeia dos interpretantes pode se expandir ao ínfinito. Vejamosa demonstração que Ransdell (1966, p. 134), mais uma vez, nosfornece:

Isso se mostra na expansão do julgamento "S é P" para a inferência "SéM;M é P; portanto SéP". Na premissa menor o interpretante ou termo médio épredicado do Sujeito. assimcomo o termo signo é predicado do sujeito no jul­gamento não analisado. Mas ·sé M' é. ele próprio. um julgamento potencial­mente expandlvel em ·sé M'; M' é M; portanto SéM·. e assim ao infinito. A

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40 _ _ _ _ ____ _ _ ____ A TEORIA GERAL DO$ SIG!'OOSDo sroxo 4 /

afirmação de que o interpretante não precisa ser atual se expressa no fatode que não há nenhuma obnqaç ào lógica geral para se avaliar, e. conse­qüentemente. de expand ir todo eQualquer julgamento nosso em inferênciasexplícitas.

No entanto, para que a questão da determinação fiquemais completa. é preciso levar em conta que, para Peirce, há trêsespécies de determinação. como se expressa na citação a seguir:

Uma análise da essência do signoIentencendo esta palavra até seus limitesmais vastos, como qualquer coisa Que. sendo determinada por um objeto.determina uma interpretação à determinação. através dela. pelo mesmo obje­to) leva à prova de que todo signo é determinado por seu objeto. 1) por com­partilhar os caracteres do objeto, Quando chamo o signo de "ícone'; 2) porestar realmente, e na sua existência individual, conectado aoobjeto. quandochamo o signo de índice; 3) por certeza mais ou menos aproximada de que eleserá interpretado como denotando o objeto, por conseqüência de um hábito(termo que uso como incluindo uma disposição natural). Quando chamo osignode um símbolo (4.531).

Embora não esteja nos meus propósitos considerar aquiquaisquer variações específicas do ícone e do índice, a citaçãoacima funciona como indicação para que o leitor tenha sempre

. em mente, em primeiro lugar, que a forma genérica.da tríade diz .respeito à sua constituição em abstrato. de modo que. quando sefocaliza a tipologia mais específica dos signos em ícones. índi­ces e símbolos, a tríade necessariamente apresenta variações.

. nos seus caracteres, específicas de cada um desses tipos. Emsegundo lugar, deve-se considerar que a definição do signo emabstrato não diz respeito a um signo quando atualizado, vistoque, quando se trata de um signo atual, concretamente manifes­to, este vem sempre com misturas de caracteres icônicos, indi­ciais e simbólicos. Nenhum signo atual aparece em estado puro.Sem se fazer acompanhar de índices, por exemplo, o símboloestaria destituído do poder de referencialização e, sem o ícone,estaria despido de qualquer poder de imaginação.

Peirce afirmou (4.531) que. após classificar os signos. nasua tipologia fundamental , ele passava a examinar as diferenteseficiências e ineficiências de cada um desses tipos. Nenhum tipo

de signo é auto-suficiente. Tais como as categorias fenomenoló­gicas. os signos são mútuo-complementares. Todo signo atual(mesmo um pensamento. quando se trata de um pensamentoatualizado numa mente específica) aparece numa mistura decaracteres. Não há nenhuma linguagem que possa se expressarem nível puramente simbólico ou indiciai ou icônico. Aliás. aslinguagens mais perfeitas são aquelas que mantêm os três níveissígnicos em estado de equilíbrio e complementaridade (4.448.cf. também Colapietro, 1992),

Adiantei essas considerações aqui para evitar. de saída,que se confundam as formulações genéricas, formais e abstratas,próprias da natureza das definições, com as variações singulares,próprias dos signos quando atualizados. Isso não quer dizer queas definições não são capazes de descrever o funcionamentobásico de todo e qualquer signo, caso contrário não seriam defi­nições, mas quer dizer, isto sim, que a aplicação das definiçõesa signos atuais deve se fazer acompanhar do escrutínio delicadoe paciente das misturas específicas que se manifestam na teiasingular de um signo atualizado. É por isso que Peirce afirmouque, "embora uma peça de música, por exemplo, seja um signo.assim como uma palavra ou um sinal de comando também sãosignos, e embora a lógica não tenha nenhuma concernência comnenhuma dessas espécies de signos, ela deve, no entanto, consi­derá-Ias negativamente ao definir os tipos abstratos de signoscom os quais elas operam" (apud Fisch, 1978, p. 53). Em síntese,a tarefa das definições como tarefa lógica. abstrata e teórica éuma coisa, a tarefa da descrição das linguagens específicas eatualizadas. a partir da compreensão dessas definições, é outra.

oproblema do significado

Algumas vezes, Peirce utilizou a palavra "significado" ou"sentido" (meaning) nas suas definições do signo. Vejamos pelomenos duas dentre as formulações em que a palavra meaningaparece: "O objeto de um signo é uma coisa ; seu significado

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(meaning) , outra. Seu objeto é uma coisa ou ocasião, ainda queindefinida, à qual ele deve aplicar-se. Seu significado é a idéiaque ele liga àqueleobjeto, sejapor meiode uma mera suposição,ou como uma ordem ou como uma asserção" (5.7). Nessa for­mulação, a palavra "significado" aparece como sinônimo de"idéia". E a palavra "idéia" localiza-se exatamente no lugar dointerpretante, conforme se pode comprovar, cotejando-se essaformulação com outrasjá discutidas anteriormente.

Outro ponto a notar é que Peirce dividiu" na passagem ,acima, a idéia que liga o signoao seu objeto, em três modalida­des: suposição, ordem e asserção, divisão esta de onde se origi­na uma de suas classificações do interpretante, conforme serádetalhado no capítulo 3. Vejamos, assim, a outra definição ondea questão do significado parece estar melhor formulada: "Osigno é um veículo que comunica à mente algo do exterior.Aquilo em cujo lugar o signo está é denominado seu objeto;aquilo que o signo transmite, seu significado (meaning); e aidéiaque ele provoca, seu interpretante" (1.339).

Na definição acima, a palavra "significado" não ocupamaisa posiçãosimilarà de idéia. Istoé, o significadoé algo queo signoele própriotransmite, tratando-se, portanto,de uma pro­priedade objetiva interna ao signo, enquanto que a idéia, que eleprovoca. se constitui no interpretante. Tanto quantoposso ver,aoinvés de estarmos aqui diante de uma incoerência em relação àcitaçãoanterior(5.6), estamos, isto sim, diante de um problemaque só poderá ser esclarecido quando penetrarmos pelos mean­dros do interpretante. O que se pode adiantar, por enquanto, éque a propriedade objetiva do signo ou significado vem a seconstituir em um dos níveis do interpretante (o interpretanteimediato), enquanto que a idéia que o signo provoca vem a seconstituirnum outro nível ou grau do interpretante (o interpre­tante dinâmico), questões que serão trabalhadas, em detalhes,mais à frente no capítulo 3.

De qualquermodo, nenhuma referência textual definitivasobre o significado poderá ser encontrada em Peirce, visto queessa questãosó se faz entenderna medidaem que se compreen-

A incompletude-impotência do signo

Parece bastante claraaí a ênfasenoaspecto ativodo signo.A cadeia triádica ou semiose é a forma lógica de um processoque revela o modo de ação envolvido na cooperação diferencialde três termos.O modode açãotípicodo signo é o do crescimen­to através da autogeração. O signo, por sua própria constituição,está fadado a germinar, crescer. Desenvolver-se num interpretan­te (outro signo) que se desenvolverá em outro, e assim indefini­damente. Evidencia-se aí a natureza inevitavelmente incompleta

43Do SIGNO--- - ----- - _

de a estruturada teoria dos signosem geral. e mais especialmen­te a teoria dos interpretantes. Na realidade. esta última teoria éum estudo microscópico, verdadeira ourivesaria de uma teoriado significado como algo em processo. e que é explorado emcada detalhe mínimo de sua composição como processo. Tantoisso é verdade que, ao mencionar o usoque LadyWelby fazia dapalavra "significar", Peirce explicava: "Minha amiga L. Welbydiz que devotou sua vida inteira ao estudo do significar, que éaquilo que eu descreveria como o estudo da relação dos signoscom seus interpretantes; mas a mim parece que ela se ocupaprincipalmente com o estudo das palavras" (8.184).

A relação triádica, ou forma ordenada de um processogerativo, corresponde à noção de semiose. "É importante", dizPeirce, "compreender o que quero dizer por semeiosis", assimexpressando-a:

Aação dinâmica, ou ação de força bruta. física ou psíquica. ou tem lugar entredois sujeitos (tanto se reagem igualmente um sobre ooutro. ou um éopecien­te e outro o agente, inteira ou parcialmente) ou de uma 'orma Qualquer resul­tante de ações similares entre pares, Mas por "semiose' entendo. pelo contra­rio. uma ação ou influência Que consiste em ou envolve acooperação de trêssujeitos. osigno. oobjeto eointerpretante. influênciaIn-relativa essa Que nãopode. de forma alguma. ser resolvida em ações entre pares. Semeiosis. noperíodo grego ou romano. à época de Cícero já. se bem me recordo. significa­va a ação de praticamente Qualquer espécie de signos: e a minha definiçãoconfere a tudo o Que assimse comportar a denominação de 'signo" (5.484),

t

______________ A TEORIA G ERAL DOS SIGNOS42

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,

Retomo à infinitude

Dessa forma, omodelo peirceano do conhecimento émádico, sendo osigno otermo mediador, omeio para oconhecimento. E. na tríade genuína, oobjeto dosigno não se confunde com uma coisa física ou com acausa material de umasensação vinda do exterior, mas é,ele também, de natureza síqnica, de modoque, do lado do objeto, estamos diante de uma regressão infinita dos signos.Mas, na medida em que osigno produz (em progressão também infinita) inter­pretantes eneles se desenvolve afim de melhor revelar arelação de represen­tação que ele mantém com o objeto, então, em última instância, o objeto dosigno significa "escopo", "propósito", "objetivo"oNesse sentido, é o objeto(realidade ou verdade} que funciona como causa final (infinitamente remota,aproximável. mas inatingível) na teleonomiado conhecKnento Assim, oque échamado de regressão infinita do signo ou conhecimento é concebido porPeirce como uma progressão infinita em direção do real e da verdade(Santaella, 1985, p. 9).

Se um dado signo de um objeto é usualmente apenascapaz de tornar o objeto fenomenalmente presente em relação aalgum aspecto deste, é somenteem termos do limite ideal que sepode identificar o objeto de um signo com o interpretanteprodu­zido pelo signo. Mesmo assim, a identidade entre o objeto e ointerpretante é apenas uma identidade qualificada, visto que aentidade considerada como objeto do signo é ainda formalmen­te ou conceitualmente distinta da entidade considerada comointerpretante, embora, à parte dessa qualificação, eles não pos­sam de outro modo ser distinguidos, Mas issoé uma questão,nosesclarece Ransdell (s/d, p. 6), do caso limite ou ideal em quetodos os signos de um objeto tenham sido exaustivamente inter­pretados, o que é quase impossível de acontecer, uma vez quenão há um limite a priori no número de signos que um objetopossa ter ou no potencial de interpretabilidade de um signo.

Enfim, são apenas as circunstâncias práticasda vida ou oslimites impostos no pensamento por uma determinada historiei­dade que nos levam a tomar um dado interpretante como sendocompletamente revelador do objeto do signo. O longo curso dotempo (the long run, diria Peirce)sempre demonstrará que aqui-

45Do SIGNO _0 A TEORIA GERAL DOS SI0'OS

de qualquer signo. Sua ação é a de crescer, desenvolvendo-senum outro signo para o qual é transferido o facho da representa­ção. Nessa medida, o interpretante realiza o processo da inter­pretação, ao mesmo tempo que herda do signo o vínculo darepresentação. Herdando esse vínculo, o interpretante gerará.por sua vez, um outro signo-interpretante que levará à frente,numa corrente sem fim, o processo de crescimento.

Cumpreelucidar, no entanto, por que o signo está fadadoa crescer. A transferência do facho da representaçãopara o inter­pretantesignifica que o signo é sempre inelutavelmente incom­pleto em relação ao objeto que ele representa. "Ora, um signopossui três referências: primeiro, é signo para algum pensamen­to que o interpreta; segundo, é signo para algum objeto que selhe equivale nesse pensamento; terceiro, é signo sob algumaspectoou qualidade que o liga ao seu objeto" (5.283).

Como se pode ver,a ligaçãodo signo ao objeto se dásobalgum aspecto ou qualidade. Quer dizer: o signo está ligado aoobjetonão em virtude de todos os aspectos do objeto, porque, seassim fosse, o signo seria o próprioobjeto. Pois bem, ele é signojustamente porque não pode ser o objeto. Haverá, desse modo,muitosaspectosdo objetoque o signo não tem poder de recobrir.O signoestará, nessa medida,sempreemfalta com o objeto. Daísua incompletude e conseqüente impotência. Daí sua tendênciaase desenvolver num interpretante onde busca se completar.Contudo, o sendo o interpretante de natureza sígnica, ele se man­terá também em dívida para com o objeto, que será, em razãodisso,aquilo que, por resistir na sua alteridade, determína a cau­sação lógicado desenrolardos interpretantes.

Estãoaí colocadas,na alteridade do objeto e na incomple­tudedo signo,as raízesdas questões ontológicase epistemológi­cas do universo sígnico. Para Peirce, o lugar lógico do objeto é,em última instância, o lugar da "realidade". A "realidade" setoma manifesta através da mediação dos signos. Só temos aces­so a ela através de signos. Mas, ao mesmo tempo, a "realidade"é aquiloque determinaou impulsiona a produção de signos.

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..46

lo que foi tomado como completo não passava de apenas um dosaspectos parciais do objeto. visto que este, na sua inteireza outotalidade, não pode ser capturado nas malhas dos signos. Pormais que a ~a~ei~ signica cresça, o objeto é aquilo que nela sem­pre volta a msisnr porque resiste na sua diversidade. Do OBJETO

" o T A

••• I É preciso alertar aqui para um problemade tradução. O que estou traduzindopor "está para" corresponde, em inglês, à expressão stands for. A impossibili­dade da traduçãode todas as ressonâncias dessa expressão standsfor e a pobre­za da expressão que encontrei na tradução "está para" ficam patentes paraaqueles que conhecem a lingua inglesa. Conscientes também desse problema.os tradutores de alguns dos textos dos Collected papers de Peirce (v. 36 de OsPensadores), Armando Mora D'Oliveira e Sérgio Pomerangblum, dizem naDota 6, p. 99: "Stands for . Peirce definirá sempre o 'signo' com esta locuçâo;seria necessário ter em mente,por exemplo, a meditação que Heidegger faz em.tomo de.GesteJJ e acompanbá-la na sua ressonãncia inglesa (sta1lá). O leitordeverá assentarem que Peireeprocura pensaro Signo como uma1fIQJerialida­de que 'vale como', que traduziremos de maneira banal por 'representa' ",Existe aí ainda um outro problema crucial de tradução, a meu ver insuperável.?~o .1.339, no original, se lê assim: "A Sign stands for something to lheidea which Jt produces, or modifies". Esse jogo substancial entre as preposi­çõesfor e to, quecaracteriza a diferençada relação do signo com o objeto e suarelação com o interpretante, respectivamente, é também irrecuperável em por­tuguês, visto que, às duas preposições em inglês, corresponde,neste caso, ape­nas uma em português.

.'~ 1ro fra~ento do m~ulUscri~o d~ .uma .~~ (L. 482), ao se~ referir ao termo objeto, Peircefíiz:

·tiVocê me pergunta se ao falar de "um pÔder qtivo para estabelecer relações entreoojetos· eu estenderia essa afirm~~bém para relações entre idéias eações? Ora. {XXum objeto. sem espedflCar se éoobjeto deum signo. ou da aten­ção, ou da visão etc. [...}eu quero dizer qualquer coisa que chega à mente emqualquersentido;de modo que qualquer coisa que émencionada ou sobre aqualse pensa éum objeto. Em síntese: uso otermo nosentido para oqual osubstan­

.tivrJ objectum foi inventado já no século XIII. I...] Eu não uso comumente objetopara Gegenstandl...1. Menos ainda tomo. depois de Leibniz. sujeito eobjeto comocorrelativos. Penso que aíreside uma das piores falécias da metafísica.

Num outro manuscrito que, de certa forma, complementaas colocações acima, ao considerar a palavra "objeto", no seusentido mais geral, Peirce afirma:

deve-se considerar que ouso comum da palavra ·objeto· como significando umacoisa é também incorreto. Onome objectum entrou em uso no século XIII comoum termo da psicologia. Ele significa primariamente aquela criação da mente nasua reação com algo mais ou menos real. criação esta que se toma aquilo paraoqual acognição se dirige; esecundariamente um objeto é aquilo sobre oqualum esforço é desempenhado; também aquilo que está acoplado a algo numarelação. e mais especialmente. está representado como estando assim acople­do; também aquilo aque qualquer signo corresponde (MS 693. p, 60).

Se restringirmos todas essas acepções apenas à últimadelas, isto é, à noção de objeto como sendo o objeto do signo, ese perseguirmos algumas dentre as inúmeras explicações que

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7

oSigno cria algo na mente do intérprete. aigo esse Que foi também. de rnarei­ra relativa e mediada. criada pelo Objeto doSigno embora oObjeto seja algoessencialmente diverso do Signo., Ora. essa C"atura do Signo chama-seInterpretante.Écriada pelo S:goo,mas não: ceioS.;~ o quamembro de Qualquerdos Universos aque pertence. mas foicnacope loSigno na sua capacidade dereceber adeterminação do Objeto Écriado "uma P.lente (em que medida estamente deve ser real, é oQue'leremos) To:: esta:.::"te da compreensão de umSigno para a qual a Mente tnterpretaõora ~êceSS ;:1U de observação colateral

Do OBJETO--- - -

Experiência colateral

É em virtude da diversidade irredutívelentre signo e obje­to que Peirce introduz a noção de experiência colateral com aqui­lo que o signo denota ou representa. ou aquilo a que o signo seaplica, isto é, seu objeto. Isso se faz explicito nas citações aseguir:

OSigno só pode representar oObjeto ereferir-se aele. Não pode lWOPiciar c0n­

tato ou reconhecimento do Objeto; isso é o Que se pretende aqui significar JXlfObjeto de um Signo. ou seja. Que ele pressupõe urna familiaridade com algo desorte a veicular alguma informação adiCIOnai concernente a esse algo.Indubitavelmente. haverá leitores Que digam ser-bes impossível compreenderisso. Imaginam que um Signo não precisa relaciooar-se com algo de outra formaconhecido e não sabem como entender oenunciado segundo oqual todo Signodeve relacionar-se com um Objeto dessa onem Contudo. se houver algumacoisa Que veicule informaçãoe. apesar disso. não tenha absolutamente relaçãonem faça referênciaa algo com oQual a pessoa aquem a informação é trans­mitida tenha amenor familiaridade. direta ou indireta. Quando recebe ainforma­ção - informação que seria de uma espécie estramíssima -. oveículo dessetipo de informação não será. neste contexto. denominado Signo 12.231 I.

gama de variações que essa noção pode recobrir. Para abrirmoscaminho no labirinto dessas variações. creio que cumpre reter.para começar, que o objeto é algo diverso do signo e que este"algo diverso" determina o signo. Ou melhor: o signo representao objeto. porque, de algum modo, é o próprio objeto que deter­mina essa representação. porém aquilo que está representado nosigno não corresponde ao todo do objeto. mas apenas a uma parteou aspecto dele. Sempre sobram outras partes ou aspectos que osigno não pode preencher completamente.

I

II

A TEORI.~ GERAL DOS SIG'OS

Os Objetos - pois um Signo pode terqualquer número deles - podem seruma coisa singular existente econhecida ou coisa que se acredita teranterior­mente existido ou coisa que se espera venha a existir ou uma coleção dessascoisas ou uma qualidade ou uma relação ou fato conhecido cujo Objeto singu­larpode ser uma coleção ou conjunto de partes ou pode revestir algum outromodo de ser. talcomo algum ato permitido. cujo ser não impede que sua nega­ção seja igualmente verdadeira ou algo de natureza geral. desejado, exigido ouinvariavelmente encontrado sob certas circunstãncias comuns 12.232).

o primeiro passo para se delinear a noção de objeto dosigno reside no cuidado de não se confundir objeto com coisa. Anoção de objeto é muito mais complexa do que sua simples iden­tidade com o que quer que . possamos entender por coisa.Vejamos, por exemplo, esta seqüência de citações:

Apalavra Signo será usada para denotar um Objeto perceptível, apenas imagi­nável ou mesmo insuscetível de ser imaginado em um determinado sentido­a palavra "cabo" Que é um signo. não é imaginável. pois não é essa paliMamesma que pode ser inscrita no papel ou pronunciada. mas apenas um dosaspectos que pode revestir; trata-se damesmíssima palavra quando escrita equando pronunciada. mas é uma palavra quando significa "postode hierarquiamilitar", outra quando signiftea "ponta deterra Que entra pelo mar" e terceiraquando se refere a ·parte por onde se segura objeto ou insnumento". I...)UmSigno pode termais de um Objeto. Assim a sentença "Caim matou Abel". queé um Signo, refere-se pelo menos tanto aAbel Quanto aCaim. ainda que não aencaremos como deveríamos encará-Ia. isto é. como tendo "um assassmío" naQualidade de terceiro Objeto. Oconjunto de objetos pode ser visto como c0m­

pondo um Objeto complexo. No que se segue (emuitas vezes depois). os sig­nos serão considerados como tendo apenas um Objeto, no intuito de reduzir asdificuldades de estudo (2.2301.

48

Peirce apresenta para essa noção, penso que poderemos chegar acompreender os modos pelos quais a noção de objeto do signo ,em si mesma, engloba e organiza todas as acepções anterioresdentro da moldura lógica da semiose.

A complexidade do objeto

As citações aí comparecem para evidenciar, de saída, aimensa complexidade da noção de objeto. ou melhor. a enorme

•;

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-50

acha-se lora do Interpretante Com "observaçãocolateral" nãoquerodizer inn­midadecom o sistema de SIgnos. Oque assimé inferidonàoé colateral.Pelocontrario.constitui opré-requisitoparaconseguirqualquer idéiasignilicadadoSigno Por observação colatera l. refiro-me à intimidade prévia com aquilo Queo signodenota(8179).

Em pnmeiro lugar. deve observar-se Que. enquanto o Signo denota o Objeto.não precisadeespecial inteligênciaou Ralão daparte deseu intérprete ParaleroSigno. edistinguir lJ;:l Signodeoutro. oque selaznecessário sãop,ercep­ções sutis e familiaridade com os concomitanteshabituaisde tais aoarencas.e com as convenções do sistema ce s-qnos. Para conhecer c Objeto. o que ep!~ISO é a experiência prévia desse Objeto Individuai OObjetodecada Signoé .m Indivíduo. de hábito uma coleção individual de indivíduos Os Suieitos.15:0 é. as Partes doSigno que denotam os Objetos Parciais. sãoou instruçõespara encontrar os Objetos ou são Cyrioids. isto é. signos deObjetos singulares[ .1Tais são todos os nomes abstratos. que são nomes decaracterísticas sm­guiares. os pronomes pessoais. osrelativos. demonstrativos etc. Por i n str~ções

para encontrar Objetos. para o que só pude encontrar a denominaç ão de"Seletivos". como "üualquer um". "Alguns" etc. 18.181)

Outras passagens muito instrutivas sobre experi ência cola­teral inclusive com uma série de exemplificações, podem serencdntradas no MS 318, p. 60-70. De qualquer modo, o que cum­pre reter é o fato de que experiência colateral é ~Igo que est~ f~ra

do signo, portanto fora do interpretante que o signo, ele propno,determina. Na medida em que o interpretante é uma criaturagerada pelo próprio signo, essa criatura recebe do signo ap'~nas oaspecto que ele carrega na sua correspondência com o objeto enão todos os outros aspectos do objeto que o signo não poderecobrir. "Um Representamen medeia entre seu Interpretante eseu Objeto, e aquilo que não pode ser o Objeto d~ Repr~sentamen

não pode ser Objeto do lnterpretante" (2.311). E por .lsso que o"Interpretante de um signo não pode representar Objeto algumalém daquele do próprio signo" (2.310).

Neste' ponto. algumas precauções devem ser tomadas. Asafirmações acima não podem ser consideradas de modo absolu­to, uma vez que são válidas apenas para o símbolo, não sendomais inteiramente válidas para o caso dos signos indiciaís e dossignos icônicos. Retomemos a questão por meio de outra citação:

()\l(\IIJII(\ -- - - -.- ._

IA minha defíniçào de Signo é. l Signo é um Coçnoscivel. que de um laoo eassimdeterminadolisto é. especializado. bes titnnn) Doralgo l1!\ersodele.cre­mado seu Objeto. enquanto. por outro lado. ele proono determina uma Menteexistente ou potencia l. determinação essa que denomino o lnterpretante cna­do pelo Signo. e onde essa Mente Interpretante se acha assim determinadamediatamente pelo Objeto

Isso leva a encarar o assunto demaneiramusuada Podeperguntar-se como éque um signoerrôneo ou de mentira é determinado pelo Objeto. ou se. coisanão infreqüente. o Objeto não passa a existir em virtudedo Signo. Ficar Intri­gado com tais questões é uma indicação de que a demarcação da pa lavra ioitomada num sentido demasiado estreito. Uma pessoa que afirma queNapoleão era um indivíduo fleugmático acha-se mentalmentedeterm inada porNapoleão. POIS de outro modo não poderia compreender Napoleão. Contudo.exi ste neste ponto uma circunstância paradoxal A pessoa que Interpreta essasentença (ou qua lquer outro signo) deve ser deterrmnada pelo Objeto atravésde observação inteiramente independente da ação do Signo De outro modonão seria levada a pensar nesse objeto Se a pessoa nunca tiver ouvidofalarem Napoleão anteriormente. a sentença significará apenas para ela que umnome "Napoleão" se acha ligado a um indivíduo letárgico li

OObjeto de um Signopodeser algo a sercriado pelo signo. Porque o Objetode "Napoleão" é o Universo de Existência na medida em que é determinadopelo fato deNapoleão ser um membrodele OObjeto da sentença "Harnlet eralouco" é o Universo da Criação de Shakespeare na medida em que é determi ­nado pelo iatodeHamlet ser partedele. OObjetoda Ordem "ChãoArmas" e aação imediatamente subseqüente dos soldados. na medida emque é afetadap810movimento expressonaordem. Não pode sercompreendido. anãoserqueuma observação cola teral mostre a relação de Quem tala coma filados solda­dos. Se seQuiser. pode-sedizer queoObjetoestá noUniverso dascoisasdese­jadas pelo Capitão Comandante naquele momento. Ora. desde que é esperadauma obediência total. (o objetol existe no Universo da expectativa doCapu ào.De qualquer forma. o objeto determina o Signo. embora deva ser criado pelosigno pela simples circunstância deque oseuUniversoé relativo ao estado deconsciência momentâneo do oficial 18.1 77. P 78)

Como regra geral, que funciona para qualquer tipo designo. pode-se extrair a afirmação de que o signo. para agir comosigno. deve ser determinado ou provocado pelo objeto. Mas nemsempre o objeto é algo diverso do signo. Diz Peirce:

Paraque algo seja um Signo deve "representar". como dissemos. algo diversoQue échamadoseu Objeto. emboraacondição dequeumSignodeva ser drver-

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Peirce se refere aí, evidentemente, ao signo indiciai comoparte existencialmente conectada ao objeto. É por isso que, nolimite,

Um índice pode muito bem representara s: -nesmo Assim. todo número lefT'um duplo. e, conseqüentemente, acoleçãc completados números pares é urríndice da coleção completa dos números, =cortanto esta coleção de númercspares contém um índice de simesmo. Contoco. é irnpossvel para um índ ice se'seu próprio Interpretante, dado que um írrj,ce não é mais que uma eustênoaindividual numa Secundidade com alguma COisa esó se torna um índ ice ao se"

capaz deser representado por algum Representamen, como estando naquelarelação. Se esse Interpretante pudesse ser ele mesmo, não haveria diferençaalguma entre um índice e um Segundo 12311 l.

A partir disso, no caso do índice não cabe a afirmação deque o objeto deva ser necessariamente algo diverso .do signo.embora caiba. ao seu objeto, a restrição de não poder ser seu pró­prio interpretante. Já no caso do ícone. não são cabíveis quais­quer dessas restrições, visto que

Um ícone, entretanto. é,estritamente, uma POSSibilidade envolvendo uma pos­sibilidade, eassim, apossibilidade de ele ser representado como uma possib­lidade é a possibilidade da possibilidade envolvida Eapenas neste tipo deRepresentamen. então. que o Interpretante pode ser o Objeto 12.111)

Éusual e próprio distinguir dois Objetos de um Signo, o Mediato fora e oImediato dentro doSigno. OInterpretante é tudo que o Signo transmite; Iarn i­liaridade com seu Objeto deve ser adquirida por experiênciacolateral. OObjetoMediato é o Objeto fora dosigno; eu o chamo de Objeto Dinamóide. Osignodeve indic á-o por uma sugestão; e esta sugestão. ou sua substância. é oObjeto Imediato (Hardwick. 1977. p. 83·4).

Resta observar que normalmente há dois tipos deObjetos 1...). Isto é, temos dedistinguir o Objeto Imediato, que é o Objeto tal como o próprio Signo o repre­senta, e cujo Ser depende assim de sua representação no Signo, e o ObjetoDinâmico. que é a Realidade que, de alguma forma, realiza a atribu ição doSigno à sua Representação 14.536/.

Oobjeto tem plenamente duas faces. OObjetoDinãnuco é o ObjetoReal I .. IOObjeto Imediato é o Objeto apresentado noSigno (MS 3390, p 533)

Do OBJETO - - - _- .• . . . 0 ••0 00 0 • •

em que surge um interpretante que passa a funcionar. em termosde possibilidade, como objeto daquele signo. O objeto. nessecaso, só pode ser algo a ser criado pelo próprio signo. determi­nando o signo a posteriori, o que o faz, aliás, funcionar comosigno, caso contrário. ele não teria, em si mesmo, nenhum poderpara funcionar como tal.

Mas, com isso. estou adiantando questões que só poderãoser mais nitidamente trabalhadas no capítulo 4 e que aqui com­parecem com o fito de alertar o leitor para as variações querecaem sobre o objeto, dependendo do tipo de signo que estejasendo considerado. Retomando o objeto do signo, em termosgerais, é preciso enfatizar que, para Peirce, há sempre dois tiposde objetos que devem ser precisamente distinguidos, para que anoção de objeto se torne compreensível.

Dois tipos de objetos

Comecemos pelo levantamento das principais citaçõesque tratam da distinção dos objetos:

Agora acho-me preparado para fornecer minha divisão dos signos, após assi­nalar que um signo temdois objetos, o objeto tal como está representado e oobjeto em si próprio 18333)

so de seu Objeto seja talvez arbitrár ia, ros se msisnrmos a respeito desseponto, deveremos, pelo menos, mtroduz« uma exceção para o caso de urrSigno parte deum Signo (2230).

_ _ _ ___ _ _ _ _ _ ___ _ .-\ TEllRlA GERAL 0<.1$ SIG-';O,

Nessa medida, é apenas o simbolo, ou signo relativamen­te genuíno, que tem por objeto algo necessariamente diverso desi, assim como é impossível ao símbolo ter seu objeto comointerpretante. O índice, por seu lado, diferentemente do símbolo.não precisa ter por objeto algo diverso de si mesmo, mas nãopode, assim como o símbolo, ter seu objeto como interpretante.visto que o interpretante do índice é aquilo que o faz funcionarcomo índice na medida em que o representa como 'estando numarelação diádica com alguma coisa - seu objeto - mesmo que alinha divisória entre índice e objeto não possa ser precisamentetraçada. No caso do ícone, no entanto - a mais tenra e rudi­mentar forma de signo - , o objeto só vem a existir na medida

51

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--•54 ~__~ ~ A TtllRIA GERAL !X)~ SIGiIOOS

Devemos distinguir entre o Objeto Imediato, Isto é.o Objeto como representa­do nosigno - e o Real (não. porque talvez o Objeto seja também fictício, eudevo escolher um termo diferente, portanto]. digamos o Objeto Dinâmico, que,pela própria natureza das coisas, o signo não consegue expressar, podendoapenas indicar. cabendo ao intérprete descobri-lo por experiência colateral. Porexemplo. eu aponto meu dedo para aquilo a que me refiro. mas eu não possofazer meu companheiro saber a que me refiro. se ele não pode vê-lo. ouvendo-o, não o separa dos objetos circundantes no campo da visão É inútiltentar discutir a genuinidade e posse deuma personalidade por trás docará­ter histriônico de Theodore Roosevelt com uma pessoa que tenha recente­mente desembarcado de Marte e que nunca tenha antes ouvido falar deTheodore (8314)

Quanto ao Objeto, tanto pode significar o Objeto como conhecido no Signo esendo portanto uma Idéia. ou pode ser o Objeto tal como ele é. desconside­rando-se Qualquer aspecto particular dele. o Objeto, nas relações em que umestudo ilimitado e final o mostraria Oprimeiro chamo de Objeto Imediato. osegundo de Objeto Dinâmico Pois o segundo é o Objeto Que a CiênciaDinâmica (ou o Que hoje se chama de ciência "Objetiva") pode investigar.Tome. por exemplo. a sentença "O Sol é azul". Seus Objetos são "o Sol" e"azulidede". Se por "azul idade" se entender o Objeto Imediato. Que é a quali­dade desensação. ele só pode ser conhecido através de Sentimento. Mas seele significa aquela condição "Real". existencial que faz com Que a luz emitidatenha ondas decomprimento reduzido. Langley já provou que tal proposição éverdadeira, Assim. o "Sol" pode significar a ocasião de diversas sensações eassim é Objeto Imediato; ou pode significar a nossa interpretação habitual detais sensações em termos de lugar. de massa etc.• quando ele é o ObjetoDinâmico. Vale tanto para oObjeto Imediato quanto para oDinâmico que a inti­midade não pode ser fornecida por uma Representação. nem por qualqueroutro signo que tenha o Sol como Objeto (81831.

À primeira vista, a compreensão da noção de objeto ime­diato não parece apresentar grandes problemas ou, pelo menos,não apresenta tantas complexidades quanto a noção de objetodinâmico. As citações deixam claros os seguintes pontos: o obje­to imediato 1) está dentro do próprio signo; 2) é uma sugestão oualusão que indica o objeto dinâmico; 3) é o objeto tal como estárepresentado no próprio signo, ou tal como o signo o apresenta;e 4) é o objeto tal como o signo permite que o conheçamos.

A partir desses pontos torna-se patente por que Peirce afir­ma que o objeto do signo é sempre, em algum sentido, ele pró-

Do OBJETO

prio um signo. Diz Peirce, por exemplo: ..... o objeto do signo.aquilo a que o signo virtualmente, pelo menos. professa comosendo aplicável, só pode. ele mesmo, ser um signo", ou ainda, "oobjeto imediato que qualquer signo busca representar é. ele pró­prio, um signo" (MS 599. p. 35-6). Acerca disso Joseph Ransdell(1983, p. 28) nos fornece uma explicação engenhosa:

Ointerpretante se refere não apenas ao signo que ele Interpreta (como sendoum signo de um certo objeto). mas também se refere a um outro signo comosendo um signo doobjeto, visto que ele eoSigno que ele Interpreta não pode­riam ser construídos como se referindo ao mesmo objeto. a menos que oobje­to estivesse representacionatrnente presente através de um outro signo. (Aífica implícito que o mterpretante também é ele próprio interpretado num inter­pretante subseqüente, mas deixo essa consideração de lado para os proPÓSI­tos presentes.) Oque istoacarreta éo fato de que o interpretante como tal serefere aosigno. que ele imediatamente Interpreta. como sendo um interpre­tente de um signo logicamente anterior do objeto. Este signo anterior é cha­mado de objeto imediato. presumivelmente assim chamado porque se trata doobjeto na sua forma Imediatamente disponível - ou seja. sua forma repre­sentativa dentro da seqüência semiótica - para os propósitos de uma iden­tificação referencial.

Embora essa explicação pareça intrincada, ela tem o poderde nos fazer penetrar nos meandros mais sutis da semiose. eviden­ciando que a noção de objeto imediato é introduzida por Peircepara demonstrar a impossibilidade de acesso direto ao objeto dinâ­mico do signo. O objeto dinâmico é inevitavelmente mediado peloobjeto imediato, que já é sempre de natureza sígnica.

Revendo: aquilo que provoca o signo é chamado de "obje­to" (para sermos agora mais 'precisos: objeto dinâmico). O signoé determinado por alguma espécie de correspondência com esseobjeto. Ora, a primeira representação mental (e, portanto, jásigno) dessa correspondência, ou seja. a primeira representaçàomentai daquilo 9ue o signo indica é denominada-"objeto imedia­to". Esse objeto (representação mental) produz triadicamente oefeito pretendido do signo (isto é, seu interpretante) através deum outro signo mental. Essa natureza triádica da ação é essencialpara que o signo funcione como tal.

I~ .

i!!

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Os Signos são divisíveis de acordo com seus Objetos. De acordo com seus ObjetosImediatos. OObjeto Imediato éaquele que o Signo cria ao representá-lo.1.Há Signos cujo Objeto Imediato éapenas uma presença possível doObjetoDinâmico. um fragmento dele. o resto sendo mantido na reservá. demodo quenão há nada no Objeto Imediato que possa evit~r atributos contraditórios [...].Assim. por exemplo, "um certo homem" poderia ser rico ou poderia ser pobre.Tal Signo pode ser chamado de Signo Indefinido.:2. Há Signos cujo Objeto Imediato não deixa nada nareserva, nada que oemis­sor possa especificar posteriormente. nem permite qualquer liberdade de inter­pretação, o Objeto Imediato denotando precisamente o Objeto Dinâmico. TalSigno échamado de Signo Singular, um termo, no entanto. para cujo uso umacerta latitude deve ser permitida. caso contrário não haverá nenhuma ocasiãoem que elepossa ser aplicado.3. Há Signos cujo Objeto Imediato está representado como intercambiável comqualquer existente dentro de limites especificados ou entendidos. Esse podeser chamado de Signo Distributivo (1905. MS339C. p. 507)Natureza do Objeto Imediato ou de que forma o Objeto está representado noSigno; na medida em que afeta a forma do Signo: Indefinido. Singular. Geral11905. MS339C, p. 5151

Em síntese: o signo só pode, de algum modo, estar no

lugar do objeto porque há, no próprio signo, algo que, de certamaneira, estabelece sua correspondência com o objeto. Essealgo - que liga o signo ao objeto dinâmico - é o objeto ime­diato. Ou seja, o objeto: I) tal como o signo o faz aparecer; 2) talcomo o signo a ele está conectado; e 3) tal como o signo o tornaconhecível. Está claro ai que °modo de correspondência, quese estabelece entre signo e objeto, depende da natureza dosigno, diferindo, portanto, em cada um dos seus tipos (ícone,índice e símbolo). É por isso que, em várias passagens, Peirceensaia e estabelece a classificação do objeto imediato do signoem três níveis. Vejamos algumas dessas passagens em ordemcronológica:

Divisão dos Signos Quanto ao Objeto ImediatoSigno Vago: o Signo representa o Objeto como Indefinido.Signo Singular: o Signo representa o Objeto como IrJdividual Definido.Signo Geral: o Signo representa o Objeto como "Distributivo" (1905. MS339C.p. 504) ou "como Distributivamente Gerar lp 505)

Em manuscrito de 1906, a divisão dos signos volta a apa­recer de modo mais elaborado, não obstante o título do manus­crito ainda ser Divisão provisória dos signos. Nessa divisão. "deacordo com a forma sob a qual o Signo apresenta seu ObjetoImediato", ele se subdivide em: "Indefinido, Designação eGeral" (MS 3390, p. 543). Nesse manuscrito, o termo reservadopara o segundo tipo de signo, o singular, é modificado paradesignação, terminologia que deverá se manter daí para a frente,conforme veremos.

5"Do OBJETO ----

Os Objetos podem ser apresentados de três formas. assim:1 Como meras idéias. ou o que as coisas poderiam ser se não fossem comosão: tal como uma superfície geométrica, ou uma noção absolutamente defini­da e distinta.2 Como brutalmente compelindo atenção.3. Como racionalmente recomendando a sipróprios, ou como hábitos aos quais

Já estamos acostumados (8.349).

Adotando essa enumeração como base para uma divisão de signos, eu obtenho

A Desctitivos, que determinam seus Objetos, declarando seus caracteres.

B Deslgnativos(ou Denotativosl, ou Indicativos, Denominativos, que, como umpronome Demonstrativo, ou um dedo apontando. brutalmente dirige a retina

Em carta a L. Welby, de 14 de dezembro de 1908(Hardwick, 1977, p. 83), Peirce diz: "É possível afirmar quecada um dos dois Objetos pode ser capaz de divisões em trêsmodalidades, embora no caso do Objeto Imediato isso não sejaliteralmente bem verdadeiro". Mas, alguns dias depois, tambémem carta à L. Welby, de 24 de dezembro de 1908 (8.349), refe­rindo-se à segunda divisão dos signos (isto é, "de acordo com oModo de Apresentação do Objeto Imediato", 8.344), Peirceapresenta uma elaboração bastante precisa das modalidades doobjeto imediato. modalidades estas que dão origem à divisãotriádica do signo regida pelos modos de apresentação do objetoimediato (cf. também a esse respeito, Lieb, em Hardwick, 1977,Apêndice B, p. 160-6; assim como Sanders, 1970). Eis as trêsmodalidades em sua versão mais elaborada:

---- A TFORI~ tiERAL OOS SIGNOS-_._----_ .. _._---56

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-• . ~_ . , '--_._, .-: . ~.~.......w:.;~,;~~~ ...-..._ .,.•• . ,.-... . .... - _... ,.__ .-_.

Exemplos de objeto imediato

mental do mtérorete para c objeto eê1 questão,o qual, neste caso, não podeser dado Por rac iocínio mcependente

Do o UJETO . . . .~ . o 5fJ

Para Peirce, no caso do símbolo, o objeto din âmico seriao objeto nas relações em que um estudo ilimitado e final o mos­traria. Isto é: se fosse possivel levar uma investigação até umponto terminal, esse ponto. na serniose. correspondcria à revela­ção de toda a multiplicidade de aspectos que o objeto dinâmicopoderia porventura exibir. Uma vez que, em toda serniose, esta­mos sempre in media res, a revelação última do objeto dinâmicose coloca inevitavelmente como um ser in futuro , logicamenteaproximável, isto é. idealmente pens ável, mas concretamenteinatingível. É em razão disso que. em toda semiose particular.aquilo que aparece. do objeto dinâmico é sempre um ou algunsde seus aspectos. No contexto de semioses singulares, estamossempre no nivel do objeto imediato que se constitui na parceladaquilo que o signo pode tornar conhecível de seu objeto dinâ­mico , num determinado momento do tempo. Por exemplo: que

. objeto dinâmico a palavra "luz" indicava há dois séculos atrás eque objeto dinâmico ela indica hoje, no contexto das teorias físi­cas contemporâneas? Com a distinção entre objeto dinâmico eimediato, Peirce quis evidenciar que os simbolos se expandem,proliferam, crescendo em complexidade. Embora cresç am, nãose pode nunca determinar a identidade entre objeto imediato cdinâmico, Há sempre um descompasso.

Já no caso do índice, a relação entre objeto imediato edinâmico é mais direta, visto que se trata de uma relação entre

.existentes, singulares, factivos, isto é, conectados por uma liga­ção de fato. Tomemos , por exemplo, o orifício de uma bala numaparede. O objeto imediato. ou o modo como o signo indica seuobjeto dinâmico, diz respeito à apreensão do sinal que a própriabala deixou ao passar pela parede. Esse sinal indica que a bala, defato, lá esteve, deixando sua marca. Neste caso, portanto, o obje­to dinâmico é necessariamente um existente, concreto, singular. Eo modo como o objeto imediato o representa se dá por meio deurna marca (o orifício) que registra uma conexão de fato entredois individuais existentes. no caso , urna bala e urna parede ,

Quanto ao icone, na medida em que é pura , simplesmentee nada além de uma mera qualidade, seu objeto imediato tem o

- --- .-\ ·l1'ORIA GERAL OOS SIG~OS58

No caso do símbolo. pode-se dizer que o objeto imediatoé o objeto dinâmico, tal como este se faz representar no contex­to de uma semiose particular. Ou seja: tal como umdeterminadoprocesso sígnico o torna conhecível. Tome-se, por exemplo,qualquer palavra, digamos. a palavra mulher. Compare-se: comoaparecía, como era representado o objeto dinâmico (isto é, aqui­lo a que o signo se aplica) dessa palavra no contexto do mundogrego, mais especificamente, no contexto da obra deAristóteles? Corno aparece, como é representado esse objetodinâmico no contexto da obra das feministas no século XX? (Cf.Saporiti, 1985, p. 209 et seqs.) Só este exemplo, aliás, bastantesimples, visto que estamos lidando com uma mera palavra, já écapaz de demonstrar a necessidade de distinção entre objetoimediato e dinâmico.

c.Copulantes,que nemdescrevem nem denotam seus Objetos,mas meramen­teexpressam as relações lógicasdestes objetos COOl algo de outro modo refe­rido. Entre os Signos lingulsticos, eles seriam tais como: "Se - então -","- é - ", "- causa - " .. - seria - ", " - é relativo a - para- -, -Qualquer Que seja' etc (8350)

Embora pareçam repetitivas, todas essas passagens foramcitadas porque as pequenas variações que Ocorrem entre elasauxiliam grandemente na compreensão do objeto imediato.Simplificando, pode-se dizer que o objeto imediato, nas suas trêsmodalidades, diz respeito às formas pelas quais o objeto dinâmi­co se apresenta, ou está representado, no signo. Essas formas,resumidamente, assim se expressam: I) a forma primariamentesensível; 2) a forma proeminentemente física; e 3) a forma

.: dominantelllenteintelectiva, Coma finalidade de tornar essasnoções mais tangíveis ao leitor, ensaiarei aqui alguns exemplosde objeto imediato.

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Modalidades do objeto dinâmico

Assim como o objeto imediato pode se apresentar em trêsníveis, há também três modalidades ou naturezas diversas deobjeto dinâmico, expressas na passagem a seguir:

o Objeto Dinam6ide pode ser um Possível. quando chamo o signo de umAbstrativo, tal como a palavra Beleza; econtinuará sendo um abstrativo se eufalar ·0 Belo". uma vez que é areferência última enão aforma gramatical quetorna um signo Abstrativo. Quando o Objeto Dinam6ide é uma ocorrência(coisa Existente, ou fato atual do passado ou futurol chamo o signo deConcretivo Para o signo curo Objeto Dinarnéide é um Necessitante. não tenhodesignação melhor do que ColetiVO, que não é um nome tão ruim quanto soa,se oassunto forestudado (Hardwick, 1977, p 83-4).

-Do OBJETO ----------__~

Tem-se ai mais uma divisão tríádica dos signos, relativa àsmodalidades do objeto dinâmico. Embora tal divisão tenha umacorrespondência lógica com a divisão dos signos em ícone, índi­ce e símbolo. ambas nào se confundem. Enquanto á classifica­ção em ícone, indice e símbolo diz respeito ao tipo de relaçãoqueo signo mantém com seu objeto dinâmico, dependendo danatureza do signo (qualidade, existência singular ou lei), a divi­são em abstrativo, concretivo e coletivo diz respeito ao caráter dosigno, caráter este que depende agora do modo de ser ou nature­za (cf MS 339C, p. 515) do objeto dinâmico (isto é, modo de sercomo um possivel, como uma ocorrência ou como um necessi­tante). No manuscrito 339C, p. 504, a divisão do modo de ser doobjeto dinâmico está referída como "de acordo com a matéria doobjeto dinâmico", e entre parênteses, à margem, Peirce dá paramatéria o seguinte sinônimo: "forma material", Isso ajuda aesclarecer que, nessa classificação, aquilo que está sendo julga­do, e posto sob exame, é a natureza do objeto dinâmico, oudaquilo a que o signo se refere.

Quando se fala de objeto dinâmico, trata-se de uma refe­rência última. Como tal, tanto no caso do possível, quanto donecessitante. a referência última se dá como inatingível. Nãovem do acaso. por isso mesmo, a passagem em que Peirce deci­de trocar o termo objeto real por objeto dinâmico (8.314), trocaque se justifica porque o objeto, segundo Peirce, também podeser fictício. Isso, que parecia estranho e inexplicável, toma-seagora plenamente coerente à luz da divisão dos objetos dinâmi­coso Se o objeto tem a natureza de um possível, o ser da possibi­lidade é o ser de algo ainda não existente, de modo que esseobjeto só pode ter o caráter do indefinível.

Quanto ao objeto dinâmico cuja modalidade é a doNecessitante, isto é, a modalidade de algo que tem um carátergeral, esta generalidade pressupõe sempre um infinito número demediações entre o signo e o objeto, de modo que o objeto dinâmi­co sempre aparecerá sob espécie sígnica, numa regressão infinita.

Só no caso do objeto dinâmico como uma ocorrência éque este objeto pode ser precisamente delimitado, visto que se

------ A TfORIA GERAL oos SI(iIloOS60

caráter de uma aparência (algo que aparece). Qualidades nãopodem representar nada. Elas apenas aparecem. Desse modo, oobjeto dinâmico de um ícone pode ser qualquer coisa e tudoaquilo que é semelhante ao ícone. Provém daí a natureza emi­nentemente vaga, indefinida e imprecisa do ícone. Qualquercoisa pode ser tomada como objeto dinâmico de um ícone, namedida em que apresente uma qualidade semelhante àquela queo ícone exibe. É em razão disso que o ícone é o mais simples eo mais complicado modo de açào sígnica, conforme veremos nocapítulo 4.

O leitor já deve ter se dado conta de que, embora o capí­tulo 4 tenha sido reservado especificamente para a elucidação docomportamento sígnico que é característico do símbolo, índice eícone, esses três tipos de signos estão sendo intermitentementemencionados na discussão do objeto do signo. Não é por acaso.A príncipal tipologia dos signos (a divisão em ícones, índices esímbolos) diz respeito aos principais tipos de relação que o signomantém com seu objeto dinâmico. Conseqüentemente, para sefalar do objeto, toma-se inevitável a recorrência a esses três tiposde relação.

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Implicações do objeto dinâmico

trata de uma coisa existente. singular. para a qual se pode apon­tar, determinando seu lugar no tempo e espaço. Isso não signifi­ca, no entanto, que o acesso a esse objeto possa ser direto e nãomediado, uma vez que. nem mesmo no caso do objeto comoocorrência e do signo como concretivo, fica dispensada a media­ção do objeto imediato do signo. interpondo-se entre o signo eseu objeto dinâmico.

Se o acesso ao objeto dinâmico é algo que continuamenterecua. visto que esse acesso é inelutavelmente mediado por obje­tos imediatos de natureza sígnica, a noção de semiose estariaconfinada à esfera do idealismo. sem válvula de escape possível.Esse tem sido um dos pontos mais discutíveis da teoria peircea­na dos signos.

O processo lógico da serniose, especialmente a relaçãoentre objeto e interpretante sempre mediada pelo signo, e aintrodução do objeto imediato como uma outra inevitávelmediação entre signo e objeto estabelece uma cadeia regressivade signos do lado do objeto. assim como uma cadeia progressi­va de signos do lado do interpretante, de modo que os elos con­tínuos da linguagem se constituem em algo inquebrantável parao qual não se oferecem saídas. Essa conclusão a respeito dasemiose, como continuidade infinita de signos se desenroland'o .em signos , parece irrecus ável. Qual o papel, então, desempe­nhado por aquilo que está fora da corrente sígnica e que, na ter­minologia peirceana, recebe o nome de objeto dinâmico? Emque medida esse objeto participa ou interfere no processo?

De acordo com Peirce, o fato de o objeto dinâmico sermediado pelo objeto imediato não o leva a perder o poder deexercer uma influência sobre o signo, uma vez que o signo sófunciona como tal porque é determinado pelo objeto dinâmico.Como conc iliar, porém, essas duas teses aparentemente contradi­tórias? Como pode o objeto dinâmico estar fora e, ao mesmo

Uma vez que o portão de saída (ação propositada) só pode­rá ser examinado no capítulo sobre o interpretante (capítulo 3),detenho-me agora no portão de entrada (a percepção). Para

Peirce, o percepto é:

a parte sólida e oponto de partida do conhecimento porque oconhecimento sedesenvolve de perceptos singulares para o estudo de coisas singulares (àsvezes uma coisa échamada de"percepto generalizado" ou de 'compósito foto-

. gráfico de perceptos"). então. para as partes. então. para conjuntos e paracoleções de coisas existentes. atéQue. por fim. torna-se o estudo declassesde possibilidades (ver MS 693b. p. 113·1151 Além disso. considera-se Que opercepto deixa. naquele que percebe. "um hábito imaginativo poderoso". amemória dopercepto. Desse modo. adquirimos - em adição ao própno per­ceoto - imagens da imaginação. memórias e reproduções modificadas dosperceptos (Johansen, 1985. p. 2281

Nessa medida, a questão da percepção está diretamenteatada à teoria dos signos e, por extensão, à teoria sígnica doconhecimento, sendo impossível considerar a definição do obje­to da semiose independentemente da definição do percepto ou.mais extensivamente, da teoria da percepção em Peirce.

Neste ponto, penso que valeria a pena abrir um parênte­ses retrospectivo para tornar evidente a posição que a teoria dapercepção peirceana ocupa no contexto da tradição filosófica.Em que medida essa teoria avança em relação ao passado? Qualé seu grau de originalidade? Uma vez que esse retrospecto já foipreciosamente elaborado num estudo de R. 1. Bernstein (1964 l,darei aqui entrada a uma citação que sintetiza com bastante cla­reza o novelo dessa questão. Bernstein nos diz que nos seus arti­

gos de 18681

Do OLlJU Il

tempo, dentro da cadeia sígnica? Só há caminhos de respostapara essa questão se levarmos em consideração a importânciaque Peirce dá ao papel desempenhado pela experiência e pelaação nos processos signicos. Diz ele:

Os elementos detodo conceito entram nopensamento lógico através dos por­tões dapercepção edelesaem pelos portões da ação propositada: etudo aqui­lo Que não puder exibir seu passaporte em ambos esses portões deve serapreendido pela razão como elemento não autorizado (5212)

_ .__ _ ___ _ _ . .- --- --- - - - - -- - - - A IH lRIA ( ;~RAL DOS SIGNOS1>':

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- - A TEORIA t ;f RAL DOS Slt ;SO S

Peirce atacou oCartesianismo por consider á-lo como sendo ocâncer da flloso­lia moderna Ele buscou demolir. deumsó golpe. osmotivos inter-relaciona­dos Que constroem ocartesianisrno: a dualidade ontol6gica damente e corpo;o individualismo subjetivo implícito noapelo'último a uma verificação pessoaldireta; ométodo da dúvida universal Que era suposto poder nos conduzir a ver·dades infalíveis;· a doutrina de Que a linguagem e os signos são um disfarceexterno para opensamento; adoutrinadeQue tudo Que évago é irreal edeQueoempenho filosófico deveser odeconhecer claramente edistintivamente umarealidade completamente determinada; e o Que é mais fundamental . a doutri­na deque nós podemos rsmpet o miasma danossa linguagem ousistemas designos e terum conhecimento intuitivo edireto dos objetos. Esta última postu­iação. Peirce tomoucomo sendo ocoração docartesianismo e 11 dogma centralda filosofia moderna(p 165-61

A veemente oposição peirceana a Descartes nào provinhado vazio. Aliás. ela só foi possível porque Peirce já tinha emmente uma alternativa. Sua alternativa anticartesiana, à primeiravista. o aproximaria muito da posição hegeliana e das formasmais ,sofisticadas de idealismo, mas um dos mais profundosinsights peirceanos é ode que os idealistas perderam um aspec­to essencial que os empiristas tradicionais sempre buscaram res­gatar. "o fato de que, por meio da percepção, um mundo, quenão foi feitopor nós, nem por uma criatura do Absoluto, se forçasobre.nós" (Bernstein, 1964, p. 167). Contudo, para dar contadesse elemento compulsivo da percepção, os empiristas toma­ram ingenuamente o que está no mundo lá fora como algo jádado. De que modo acomodar assim, de um lado, a tese idealis­ta inquestionável de que os perceptos, ímagens ou dados sensó­rios nào se confundem com os julgamentos perceptivos, que são,aliás. essencialmente semelhantes a quaisquer outros julgamen­tos, e de outro lado, a tese empiricista de que há um ingredientecompulsivo nos julgamentos de percepção? Como encontrar umcaminho intermediário entre essas vias opostas? "Veremos que airredutibilidade da secundidade na percepção e na ação é a chaveda tentativa peirceana de encontrar uma via media entre o racio­nalismo e o empiricismo, entre o idealismo e o realismo ingê­nuo"(p.167).

Feito esse retrospecto em relação ao passado, Bernsteinavança, em seu estudo, até o século XX, buscando recontextua-

Do n llJE IO ------~------------.- --- . -.---

lizar a posição de Peirce no confronto com o ambiente intelec­tual contemporâneo. Nesse contexto. uma vez mais. Bernsteinconfirma a extrema atualidade da teoria peirceana, assim como

seu alto grau de originalidade:

o novo clima filosófico se caracteriza por uma tendência contextualista. naQual a unidade epistemológicadominante não está mais nos dados sensóriosdiscretos ouem testemunhos fenomênicos Simples. mas nas molduras concei­tuais e nos jogos de linguagem dentro dos Quais nossos dados perceptivosdevem ser analisados e entendidos. Emergiu um novo relativismo IinqüisticoQue mantém uma semelhança muito intensa com ovelho idealismo Mastrata­seagora deum idealismo fraturado. porque no lugar deumsistema monisticoabsorvente. existem muitos sistemas. esquemas conceituais e jogos delinqua­gem A terminologia e ênfase 'destecaminho das palavras" é novo. mas mui­tosdos argumentos têm seus protótipos nos escritos dos ideal istas

As conseqüênciasdesta nova variedade deidealismo não estão tanto noqueé dito. mas noque é omitido.I...)Oque importa não está naênfase Que damosaos modos como nossa concepção do mundo é determinada pelos esquemasconceituais Que empregamos. nem está na insistência de Que não podemosnutrir esperançasdeescapar dessesesquemas para conhecer a real idade nelamesma. mas sim nanecessidade de levarmos em conta a compulsão. teimo­sia, brutal idade e facticidade Que fazem parte dos nossos encontros com omundo A tentativadeconciliar esses insights opostos é a marca distintíva dateoria peirceana dapercepção. Essa tentativa. aliás. é característicade todo

seu panorama filosófico (p. 168-91.

A teoria da percepção peirceana não foi construída de umsó golpe. Ao contrário, foram muitos os impasses que Peirceenfrentou por conta dos aspectos conflitantes que a percepçãoapresenta. Esses conflitos foram sendo trabalhados ao longo demuitos anos, de modo que só é possível se ter uma visão maisclara da gradual superação dos impasses, quando se chega a umconhecímento mais global de sua obra. Quando se tenta com­preender sua teoria da percepção a partir de fragmentos isolados.não há como evitar contradições aparentemente insolúveis.assim como a sensação de que tal teoria não passa de uma col­cha descosida de retalhos, sem nexo. Sem desvalorizar a impor­tância de alguns dos estudos existentes sobre a teoria peirceanada percepção, tais como Pape (1981), Almender (1980, 1970l.

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Sobre isso Peirce nos dá um exemplo notável em um deseus escritos (cf. 8.187). Tomando a própria página escrita que

nmada: só pode serrepresentada. Oobjeto imediatoQue Qua lquer signo tentarepresentar é, ele próprio, um signo (MS599. p 35-6, apudJohansen, 1985.p. 231 -2).

óiDo ,HIJElll _

De outro lado, Peirce coloca grande ênfase na dominânciada categoria da secundidade (interação factual) no terreno dapercepção. Ele diz:

Em relação ao objeto direto da percepção. o percepto. é verdade que ele nãopossui uma real idade inteiramente desenvolvida; masele êa verdade ira coisaexistente em si mesma, independente de um exterior à mente.Poisdizer Queela existe, significa que ela reage. Ora. o percepto se força sobre mim. ades­peitodetodo oesforçodireto para expulsá-lo.Assim sendo. elesatisfaz adefi­nição de um existente. Ele é independente da mente na medida em que seuscaracteres não dependem da minha vontade de tê-los assim. Mas Que ele éapenas conhecido na sua relação com os meus órgãos é suficientementeóbvio Isso, demodo algum, contradizsua independência.a menos que seja­mos nominalistas a ponto de negar Que objetos independentes podem sermembros de pares dos quaisalgo é verdadeiro. Pois uma relação não é senãoum fato Que dizrespeitoaum conjunto de objetos. Que operceptoêexterior àmente é um fato; vistoqoe. sem demr tle wnsid8,dl asdiierenças de pontosde vista, um outro observador verá e uma câmera fotográfica mostrará amesma coisa (L. 427: 20-21 , apud Johansen, 1985, p. 228-9).

Não parece dificil perceber agora como Peirce concilia osdois lados aparentemente opostos na intersecção do objeto coma percepção . Para tal, cumpriria reter dois pontos : primeiro,embora o objeto não constitua nunca um dado desnudo. ~media­

tamente presente, visto que é sempre possível ir dividindo oobjeto interminavelmente em feixes de perceptos, conforme nosinforma Johansen (1985, p, 232) :

isto não significa que oobjeto como existente não exerça uma influência, emoutras palavras, a série infinita de supostos objetos imediatos tem a mesmainfinitudedeuma linha desenhada sobre umpedaço de papel, istoé. ela podeser dividida em um número infinito de pontos (pelo menos na imaginação).Segundo. mesmo que seja possível empurrar a análise do objeto indefinida­mente. isto não significa que seja impossível fazer julgamentos verdadeirossobrealguma coisa, num dado nível.

Objeto e percepção

Ransdell (1979) c Thompson (19ó3). coloco ênfase no trabalhode Bernstein porque o considero o mais lúcido e Íntegro apanha­do dos caminhos percorridos e dos resultados obt idos por Peirce,no que diz respeito à percepção.

Não está nos propósitos deste meu estudo adentrar minu­ciosamente pela especificidade da teoria da percepção peircea­na. Pretendo apenas tornar evidente que a noção de objeto din â­mico, ao pressupor a questão da percepção. livra a semiose peir­ceana das malhas do idealismo. sem incorrer. ao mesmo tempo,na iminência de resvalar por um realismo ingênuo. Nessa medi­da, limito-me a apontar para os aspectos mais fundamentais JJ.percepção, com vistas a salientar sua interdependência com osobjetos do signo. Se. de um lado. a inserção da percepção no dia­grama lógico da semiose ajuda a esclarecer a noção de objeto dosigno, de outro lado. a leitura da percepção à luz da tríade sernió­rica ajuda a esclarecer a percepção ela mesma.

Para Peirce, não restam dúvidas. de um lado, de que oobjeto do signo é sempre de natureza sígnica. Embora a percep­ção constitua uma porta de entrada para o conhecimento. nãoestamos nunca em situação de corpo e mente imediatamentecolados a um objeto que possa ser tomado como sendo o objetooriginário de uma semiose. Veja-se:

é fácil ver que o objetodo signo, aquilo a Que o signo professa seraplicáve l.s6 pode ser um signo. Por exemplo. oobjetode uma proposição comum é emageneral ização de umgrupo de fatos perceptivos. Ela representa esses farosOra, essesfatos perceptivossão, eles próprios. representantes abstratos, atra­vês de intermediários Que não nos sãoprecisamente conhecidos, dos percep­tos eles mesmos. eestessão vistos como.esão- se ojulgamento tiver CJai­quer verdade - representações. primariamente impressões desentido, !'~a !­

mente de algo subjacente eobscuro. Qcenãopodeser especificadose não semanifestar comoumsignode algo Que!M estásubjacente. Há. eu penso- erazoavelmente penso - um limite para ISSO. uma realidade última, core ozero de umatemperatura Maspelanatureza das corsas. ela só pode ser axo-

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A tríade perceptiva

Do OIlJE!l1----- - - - - - -

ingredientes de toda e qualquer percepção: o percepto, o perci­puum e o julgamento perceptivo . Trata-se de ingredientes inter­dependentes. mas irredutíveis. permitindo que possam ser anali­ticamente isolados para exame das caracteristicas de cada umdeles.

Quando percebemos algo. estamos alertas a uma dualida­de essencial na qual há algo que está fora e se apresenta a nós.não podendo ser exaurido no ato de percepção. Perceber é perce­ber algo externo a nós. Mas não podemos dizer nada sobre aqui­lo que é externo a não ser pela mediação de um julgamento per­ceptivo. Aquilo que está fora, Peirce denomina percepto. aquiloque nos diz o que nós percebemos é o julgamento perceptivo.Onde fica. então. o percipuum'l A citação. a seguir. evidencia aposição de cada elemento de modo esclarecedor:

Nada podemos saber sobre o percepto a não ser pelo testemunho do julga­mento depercepção. exceto o fato de que nós sentimos o golpe do percepto,a reação dele contra nós. assim como vemos os conteúdos dele arranjadosnum objeto. nasua totalidade - excetuando-se também.certamente oque ospsicólogos são capazes deextrair inferencialmente. Mas. no momento em quefixamos nossa mente SOÓI'e ele e pensamos sobreo menor detalhe dele. é ojulgamento perceptivo que nos diz o que nós assim percebemos. Por esta eoutras razões, proponho considerar o percepto. tal como eleé imediatamenteinterpretadono julgamentode percepção, sob onomede "perti puurn " (7643;

Como se pode ver,a introduçãodo termo percipuum não cor­responde a uma mera sofist icação terminológica. Se aplicarmosa rede da serniose sobre os ingredientesda percepção. toma-se evi­dente que o percepto desempenha o papel lógico do objeto dinâ­mico , enquanto o percipuum desempenha o papel do objeto ime­diato e o julgamento de percepção está no papel do signo-inter­pretante. Detalhando: há um elemento de compulsão e insistênciana percepção. uma insistência inteiramente irracional que cor­responde à teimosia com que o percepto r~siste na sua singulari­dade , compelindo-nos a atentar para ele. E algo que está foradenós e fora de nosso controle. Podemos. por exemplo. virar acabeça e fechar os olhos para nos livrarmos de um golpe deluz que nos ofusca . Não obstante, essa luz continua lá. insi s-

- ----- - -- - - .- --- A TEORI.·' {a RAI DOS SI{õ'OSó8

seu suposto leitor tem diante de si, ele afirma que esse leitorrealmente percebe a página mesma a dez polegadas de seu olho.e que um outro leitor, por trás de seu ombro, verá o mesmo obje­to, embora sob um ângulo diverso, e embora cada um estejavendo o objeto real não na sua inteireza. mas apenas tal como eleestá relacionado ao ponto de vista literal e tropical de cada um.Assim sendo, dizer que duas pessoas lêem a mesma página éverdadeiro, mesmo que sua estrutura subatômica se mod ifiqueconstantemente e mesmo que o ângulo de visão não seja omesmo. É por isso que Peirce pode postularque "o objeto ime­diato do pensamento num julgamento verdadeiro é real" (apudJohansen, 1985, p. 232) .

Aí está, vale notar. o embrião da posição peirceana quan­to à relação entre pensamento e realidade e sua conseqüenteconcepção de verdade, tal como foi detalhadamente trabalhadano seu Pragmatismo. Não sendo esta a meta almejada por esteestudo, resta-me agora retornar à questão da percepção, enfei­xando alguns aspectos que ainda falta levantar. Até agora apon­tei para a problemática mais propriamente epistemológicaembutida na nçção de objeto dinâmico em sua pressuposiçãoda percepção.iÉm síntese: a percepção funciona sempre como.mediadora na apreensão do objeto dinâmico, objeto este a quesó podemos ter acesso por intermédio de feixes de perceptosque se deslocam indefinidamente. Não obstante esse fato, oobjeto dinâmico exerce uma força sobre qualquer que seja arepresentação ou apresentação que tenhamos dele. Para escla­recer essa questão, no entanto , deve-se abrir aqui um outroparênteses.

Visando conciliar e integrar num processo coesamentelógico a dualidade intrinseca aos ingredientes da percepção,Peirce chega a uma posição dialética ou esquema triádico (comonão poderia deixar de ser), que determina três e não apenas dois

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tente, pronta a nos invadir novamente, tão logo voltemosa cabe­ça. O perceptoé apenasesse elementode insistência, algo exter­no que não podemos evitar pelo simples fato de que estamosequipados com sensoresaptosa se sensibilizarem ao serem atin­gidos pela miríade de impulsos que estão lá fora (out there), tei­mosos, e que não se submetem às modificaçõesde nossa vonta­de e fantasia. Mas o percepto não professa nada. Tão-só e ape­nas compele a nossa atenção. Cegamente. Não há razão que o .guie. Contudo, tão logo ele atinge nossos sentidos, é imediata­mente convertido em percipuum, isto é, o percepto tal como seapresenta àquele que percebe. É o percepto tal como aparece,traduzido na forma e de acordo com os limites que nossos sen­sores lhe impõem.

Assim sendo, o percipuum se força sobre nós e está loca­lizado abaixo do nível de nossa deliberação e autocontrole. O

:perdpu~aflui :emnós e flui continuamente dentro de nós:Tã(): , , 'logo aflui, no entanto, é imediatamente colhido e absorvido nasmalhasdos esquemasinterpretativos com que somos dotados: osjulgamentos de percepção. Daí Peirce dizer que só percebemosaquilo que estamosequipados para interpretar. Aqui, novamen-te, os esquemas interpretativos só estão relativamente sob nossocontrole. Não temos domínio sobre as operações mentais envol­vidas na formação de um julgamento perceptivo.

. . .Revendo resumidamente: tão logo o percepto se apresen-ta àquele que percebe, sob a forma de percipuum, este Cf imedia­tamente capturado nos esquemas gerais dos processos interpre­tativos. Há, assim, sempre umelemento de generalidade nos jul­gamentos de percepção, enquanto que o percepto é um hic etnunc singulare irrepetível. Os princípios condutores ou hábitosque regulama formação dos julgamentos de percepção levam asingularidade do perceptoa se conformar e a ser governadapelageneralidade dos esquemas conceituais.

Há duas questões, contudo, que ainda precisam ser eluci­dadas se quisermos ter uma visão mais fiel do panorama da per­cepção em Peirce. Vejamos a prímeiradelas.

O percipuum (objeto imediato da percepçào ou perceptotal como apareceàquele que percebe)apresenta-se ao percebedornuma gradação de três níveisque corresponde às três categorias:

I) Como uma qualidade de sentimento vaga e indefinidaque monadicamente assoma à consciência de quem percebe,envolvendo-a no lusco-fusco da imprecisão; imediaticidade qua­litativa, entre brumas e brilhos, ressonante nos artistas e poetas;mero tônusde consciência porosa e desarmada, que se dilatae dis­solve, absorvida na mistura a1química entre o percepto e os senti­dos. Esse ingrediente é constante em todopercipuum. O que variaé sua intensidade que pode ir do imperceptível até à vagade infmi­to difuso,semcomeçonemfim.cápsulade sentimento descompro­missado, que costumamos chamar de estado poético e que podenoscolher a qualquer instante, noelevador ou nascercanias domar.Nada é capaz de regular a candidez desse estado. Só o acaso podechamá-lo, pois nasce na sintonía do encontro, conjunção de umcerto percepto com um certo estado de espirito, recolhidos ambosno coágulo de um instante certeiro. Isso tem sabor de eternidade.Daí seu desprendimento do tempoe do espaço.

2) Como reação a um impulso externo que brutalmentearromba os sentidos, interrompendo o fluxo da consciência.Reação ao inesperado ou excessivo que caracterizao percipuum

.' como defensivo, resistindo ao choque com força equivalente aogolpe. São os estados de surpresa perceptiva, no hic et nunc doconflito. Quando muito intensos produzem o efeito de uma ton­tura, embaralhamento dos sentidos, desequilíbrio corpóreo eanuveamento do espírito. Quando profundamente indesejáveis,fazem correr pelo corpo o arrepio da aversão, deixando na bocao gosto seco e metálico do susto. Mas esses são casos limites. Areação é um ingrediente também constante do percipuum e. nomais das vezes, tem a forma do automatismo. Não é a todomomento que os perceptos compelem nossa atenção com bruta­lidade. No geral, embora exijam atenção, chegama nós de modoprevisível e sem sustos.

711 - - - :\ TJ:ORIA GFRAI. ()()S SIG~OS Do OBJETO - - - - - - - _

Gradações do percipuum

.,

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.."I.

3) Como governado pelos princípios condutores dos hábi­tos de percepção. Esses principios condutores. de fato verdadei­ros condutos. conformam o percipuum aos esquemas geraisreguladores da ação perceptiva. que desemboca numa interpreta­ção ou significação conferida pelo julgamento perceptivo. Oponto terminal do percipuum é o julgamento de percepção. Éeste que nos diz algo sobre o que é percebido.

Esses três niveis do percipuum são interdependentes econstantes. O grau de dominância de um ou de outro pode variar.mas os três estão sempre presentes em maior ou menor medida.Enquanto o terceiro nível resulta numa interpretação do percep­to envolvida na continuidade dos processos mentais, o primeiroe segundo níveis são pré-interpretativos. O despojamento. fragi­lidade e singeleza da consciência, no primeiro nível, e seu amál­gama entre percepto e sentidos não admitem a discriminaçãocaracterística do segundo nível. e muito menos a mediação dohábito, característica dó terceiro. Já o segundo nível correspon­de à fratura entre ego e não-ego, fronteira demarcadora entre ainsistência do que está fora de nós e o esforço por resistir daqui­lo que está dentro. E assim chegamos à segunda questão que.conforme anuncíei anteriormente, merece ser elucidada. Queespécie de julgamento é o julgamento perceptivo? Bernstein(1964, p. 173) também explora esse problema em detalhes.

Aqui encontramos alguns dos inslghts mais onginais de Peirce. pois ele compa­rao juízo perceptivo às inferênciasabdutivas - a forma de raciocínio atravésda qual novas hipóteses são suçeridas"A inferência abdutiva abriga-se no jul­gamento perceptivo sem uma linha firme de demarcação entre ambos; emoutras palavras. nossas primeiras premissas. os Julgamentos perceptivosdevem ser considerados como casos extremos deinferência abdutiva" (5.181 l.Conseqüentemente. há um elemento hipotético em todo Julgamento perceptivo.[...) Todos os julgamentos perceptivos são condicionados pelos princípios con­dutores ehábitos daquele que percebe Isto não quer dizer que vemos algo quepode ser conhecido independentemente. eentão colocamos uma interpretaçãosobre esse algo (cf 865). [J Se há um elemento hiporético envolvido em todoJulgamento perceptivo. então todo Julgamento perceptivo é falível. A abduçãopor simesma nunca nos fornece avalidação necessána para testar a hipóteseque ela sugere. "Aabdução meramente sugere que algo pode ser" (5171)

I.

Do OBJFTO ._~-_ .._---_.

Estando a aproximação entre o julgamento perceptivo e ainferência abdutiva relativamente clara. restam. no entanto, duasquestões adicionais para serem respondidas: I) Como os julga­mentos perceptivos se diferenciam de outros tipos de julgamen­tos que não são perceptivos? 2) Como eles se diferenciam dasabduções, visto que ambos, até um certo ponto, caminham jun­tos, mas depois se separam? Bernstein (1964, p. 180-1), maisuma vez. esclarece:

Ojulgamento perceptivo de modo algum se assemelha ou copia o perceptoPode ser dito que o Julgamento perceptivo é um índice dopercepto. e isto sig­nifica que "ele é algo que. sem qualquer necessidade racional. é forçado. porfato bruto. a corresponder aoseu objeto" (7628). Mas qua Julgamento. o jul­gamento perceptivo abriga-se na abdução; ele contém um elemento hipotéticona forma de hábitos ou princípios condutores que condicionam oque percebe­mos Porém. quando nos damos conta deque o julgamento perceptivo é umcaso limite da abdução. sabemos que todo julgamento perceptivo é.em princí­pio. hipotético e falível. "Nós todos sabemos muito bem quão terrivelmenteinsistente a percepção pode ser; e não obstante. mesmo nos seus graus demaior insistência. ela pode ser totalmente falsa - elapode não se acomodarna massa geral da experiência.." (7647)

Em síntese Julgamentos perceptivos. como uma classe. são tanto indubitáveisquanto tauveis Embora isto possa ter parecido, no princípio. contraditório.agora nos tornamos capazes de perceber como Peirce está reconciliandomSlghts opostos Os Julgamentos perceptivos são indubitáveis no sentido deque eles se forçam sobre nós.

Como se pode ver, não é demaís repetir, o fato de os jul­gamentos perceptivos serem indubitáveis não anula o fato de queeles são também passíveis de erro, pois há sempre um elementohipotético no juízo perceptivo. Quantas vezes, por exemplo, jul­gamos ter visto alguma coisa, temos certeza de tê-Ia visto e, nomomento seguinte, nossa percepção é corrígida por um outro jul­gamento perceptivo que nos diz algo diverso e que pode ser rati­fícado por julgamentos perceptivos subseqüentes? Concreti­zando: você olha rapidamente para o céu e pensa ter visto umaestrela. Não há nenhuma dúvida, naquele momento, de que setrata de uma estrela. Se você tirar os olhos do céu e virar suaatenção para uma outra coisa, terá guardado na memória a sen-

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sação e certeza de ter visto uma estrela. Suponhamos, porém. asituação contrária: você demora seu olhar sobre a estrela, emcontemplação fixa e, de repente. se dá conta de que a estrela estáse movimentando no céu. O julgamento de percepção anterior éimediatamente corrigido num outro julgamento perceptivo: "Nãoé uma estrela! É um avião!" . Esteexemplo corriqueiro serve parailustrar dois aspectos básicos da percepção. Embora o percepto,em si, seja mudo e nada professe (só sabemos dele através do jul­gamento de percepção), ele, no entanto, insiste na sua singulari­dade, determinando o julgamento de percepção. Embora esse jul­gamento seja indubitável, ele pode, no entanto, ser falso, maspode também ser corrigido porque o percepto insiste, exercendosua influência sobre o julgamento de percepção. Um julgamentode percepção destituído da certeza e da compulsão, que são pró­prias da percepção, constitui-se numa inferência abdutiva.

.. Issoposto, resta ainda uma pergunta: qual a especificida­de do juízo perceptivo em relação a outros tipos de juízos?Voltemos a Bernstein (1964, p. 183):

Embora a linha entre operações da mente Que podem ser controladas eaque­las Que estão fora de controle não seja rrgida. Peirce indica Que os julgamen­tos perceptivos alojam-se abaixo do nível do Que pode ser deliberadamentecontrolado. I...]Deve ficar claro Que há modos pelos Quais julgamentos percep­tivos podem ser controlados ecriticados. [...1Peirce estava bem alerta em rela­ção àquiío Que se transformou num verdadeiro trufsmo psicológico. isto é. ofato de Que podemos artificialmente alterar o Que percebemos através demanipulação psicológica. social ou fisiológica. Nesse sentido. podemos exer­cer controle sobre a percepção. [...1No entanto. há um sentido importante noQual a formação do julgamento de percepção é incontrolável e aquém da críti­ca lógica. Embora todo julgamento perceptivo envolva princípios condutorespelos Quais aprendemos a classificar e ordenar o Que percebemos. não pode­mos submeter essa "operação da mente' à crítica lógica. Nesse aspectoessencial. a formação do julgamento perceptivo difere da inferência racionalpropriamente. porque no caso das inferências. podemos isolar os princípioscondutores esubmetê-los à crítica lógica. Podemos exercer um controle racio­nal sobre nossas inferências isolando princípios condutores Que são falhos, e,então. mostrando os modos por Que são falhos. Mas não podemos (e este "nãopodemos' não quer significar uma impossibilidade lógica. mas. ao contrário, ofato de que acontece sermos criaturas Que percebem desse modo e não deoutro) submeter os princípios condutores dos julgamentos de percepção ao

Retomo ao objeto

Com isso, creio que se completa aqui o pretendido esboçoda teoria da percepção, o que me permite retomar a síntese entrepercepção e objeto.

-,Do OBJETl' ----------- - ----

De acordo com as palavras de David Savan, no seu funda-mental estudo sobre a semiótica peirceana (1976, p. 18),

Frege. Russel e Quine trabalharam profundamente adistinção entre a referên­cia do signo ao seu objeto easignificJncia do signo (corno lógicos mais do Quesemioticistas. eles falam de termos edesignos linguísticosl. Éevidente Que aconcepção oeirceana do objeto do signo é. em alguma medida. similar às posi­ções de Frege. Russel e üume lo Que não quer dizer que esses três lógicostenham visões inteiramente semelhantes sobre objetos e referência), Mas étambém e..mente Que aconcepção peirceana émuito maisampla. Oobjeto. talcomo Peirce oconcebe. é muitomais do Que aqu iloa Que osigno se refere ouprofessa refem-se Peirce tem em mira uma concepçãode objeto Que seja ade­quada atoca umagama de signos. desde um tear de Jaccuard (o primeiro tearmecànico- 1800- Que tecia de acordo com padrões) até asmais recentesteorias cosmológicas.

mesmo uoo de critica lógica. Não podemos logicamentecriticar as 'operaçõesda mente envolvidas na formação dos julgamentos perceptivos. embora pos­samos cr: caro resul tadcdessas operações edescobrir por Que um dado jul·gamento ce percepção é falso.

No entanto, embora este capítulo inteiro tenha visadoapresentar uma elucidação (tanto quanto possível completa) danoção do objeto de todo e qualquer signo, o leitor deve aindaestar às voltas com profundas dúvidas. Afinal, todas as espécíesde signo têm. de fato. um objeto? Indagações como essa devempresumivelmente estar espinhando a mente do leitor. Qual seria,por exemplo. o objeto de uma configuração puramente qualita­tiva de cores ou de sons? Outro exemplo: os sinais da comuni­cação animal têm objeto? Os rituais e cerimoniais têm objeto?Qual o objeto dos signos arquitetônicos ou do desenho de umacidade? Quais são os objetos de um advérbio , preposição ouconjunção? De sentenças. falsas afirmações, rezas. recrimina-

~~~~----------- A TEORIA (iERAl DOS SI(;'OS74

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- - - A TEORIA GERAL. DOS SIGNOS

ções e argumentos? Esta lista de perguntas poderia continuarinterminavelmente. Mas, ao invés de fornecer uma resposta paracada pergunta, formularei as questões gerais que estão subjacen­tes às variações das perguntas de modo que as formulaçõesgerais possam funcionar como padrões orientadores para oexame da multiplicidade variável dos processos singulares deatualização sígnica.

Peirce define o objeto do signo como sendo.aquilo com

que o signo pressupõe uma familiaridade a fim de que ele (signo)possa fornecer alguma informação adicional. Um signo não ape­

nas fornece algum conhecimento a respeito de algo, mas tambémtoma possível a continuidade do conhecimento. A informaçãoespecificamente fornecida pelo signo deve estar ligada a umainformação anterior e independente desse signo específico."Essa informação anterior não foi adquirida por meio deste signoespecífico, mas foi adquirida colateralmente, dealgum outro

modo, provavelmente por meio de diferentes signos anteriores"(Savan, 1976, p. 16).

Para esclarecer o papel que o objeto desempenha nessarelação, os intérpretes de Peirce, entre eles, Johansen (1985),Pape (1989) e também Savan (1976), têm recorrido à noção de

contexto, uso do signo e ligação do signo ao contexto. Peirce nãochegou a formular essa ligação com precisão. Deixou, no entan­to, muitas sugestões de que o caminho para a compreensão doobjeto do signo estaria nessa ligação. Seus intérpretes têm,assim, levado à frente a tarefa de estruturar mais precisamente a

função do objeto na sua relação com a noção de contexto. De um

modo geral, pode-se afirmar que a informação anterior ao signo,

informação esta adquirida colateralmente por meio de outros sig­

nos, constitui-se no contexto do signo . "Via contexto, o signo se

liga a um item específico, seu objeto. Sugeriria que o objeto do

signo deveria ser definido como aquele item específico dentro doseu contexto ao qual todos os interpretantes daquele signo estãocolateralmente relacionados" (Savan, 1976, p. 16).

Do OBJETO o

Conforme já mencionei anteriormente, no manuscrito318: 12-46, Peirce apresenta alguns exemplos para ilustrar aquestão da colateral idade. Dentre eles. destaca-se este :"Suponhamos que um homem esteja lendo um jornal enquantoele está de pé, do lado de uma janela que se abre para uma vistapanorâmica da cidade lá fora . Se o homem, de repente, diz: 'Queincêndio terrível!', seus ouvintes identificarão o objeto dessesigno de modo diverso. visto que essa identificação depende dosouvintes pensarem que a exclamação do homem foi proferidaenquanto ele olhava para a janela ou para o jornal". A partirdesse exemplo, Savan ( 1976, p. 17) completa:

há um contexto que é tácito e inexpresso pela comunidade dentro da qual osigno opera Este contexto é o medium através doqual alguma coisa.o objeto.que faz o signo verdadeiro ou falso, correto ou incorreto. ser identificado.

Deveria ser possível agora. pelo menos ver como Peirce prosseguiria para res­ponder à pergunta sobre qual é o objeto designos tais como sinais. rituais eusos ritualísticos dalinguagem. Para encontrar a resposta, devemos perguntarqual é o contexto dentro do qual o signo funciona para sua comunidade deinterpretantes. Eo que, dentro desse contexto, faza diferença entre verdadei­ro e falso. correto e incorreto. aceitável e inaceitável no funcionamento dosigno. Épossível. também, ver como Peirce lidacomquestõessobreobjetosdesignos tais como advérbios, preposições etc. Esses signos funcionam smcate­qorernaticarrente.dentro deum contexto que inclui frases. cláusulase senten­ças. eé por meiodeuma análise detaiscontextos que seus objetos podem seridentificados

Sem dúvida é esclarecedora a afirmação de Savan de queo objeto deve ser definido corno aquela parte do contexto que écomum ao signo e a todos os seus intérpretes. Mas resta ainda aiuma dificuldade que precisa ser transposta.

Peirce dividiu a natureza dos objetos dinâmicos em trêsclasses, ou seja, a dos abstrativos, concretivos e coletivos. a pri­meira delas correspondendo à ordem da possibilidade, a segun­da, à da ocorrência e a terceira, à da necessidade. No entanto. adefinição geral de signo posiciona o objeto na categoria dasecundidade. Recordando: o fundamento do signo é um prímei­ro, o objeto, um segundo e o interpretante, um terceiro. Ora. a

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secundidade é a categoria de entidades e ocorrências individuaisque estão engajadas na ação e reação sobre outras entidades oueventos individuais. Se o objeto do signo está na ordem da secun­didade, então fica aí implícito que o objeto deve ser um indivi­dual ativo e existente, da ordem da ocorrência. Como ficam,então, os objetos dinâmicos da natureza do possível, de um lado,e da natureza do coletivo. de outro, dado que esses objetos nàosão individuais e existentes, não podendo reagir em relação aoutras coisas? Se o objeto é aquilo que age sobre o signo exer­cendo urna influência ou provocando o signo, então o objeto deveser concebido como um individual e não como um geral. Assimsendo, todos os objetos dinâmicos devem obrigatoriamente serde natureza individual ou são individuais apenas aqueles que per­tencem à ordem das ocorrências? Podem os abstrativos e coleti­vos ser concebidos como ocorrências singulares, existentes indi­viduais? Se podem,então essa divisão dos objetos dinâmicos emtrês classes nãofaz sentido. Como Peirce resolve esse problema?Savan (1976, p. 19-20), mais uma vez, nos fornece as respostas:

qualidades não são individuais distintos. e esse fato coloca dificuldades nomodo de dizer que oobjeto de um quali-signo é uma qualidade. Certamente. ainstância de ocorrência de uma qualidade - por exemplo. este pedaço de corazul na minha frente agora - é suficientemente singular. mas então essaocorrência é o objeto não de um quali-signo abstrativo. mas de um sin-signoconcretivo. A escolha de Peirce da palavra "possíveis" para os objetos dosquali-signos abstrativos põe ênfase no fato de que ele não escolherá essecaminho para se safar da dificuldade. Peirce. de fato. fala de três universos. ouniverso dos possíveis. ouniverso das ocorrências eouniverso dos necessitan­teso Esta fala sobre universos de qualidades e universos de leis (em muitos deseus últimos escritos. aparecem esses tipos de expressões) sugere que Peircetem em mente o ambiente ou contexto de qualidades e leis. [...) Por exemplo.estou em uma loja de tintas. Digo ao gerente que não posso me decidir sobreo tom de azul que iria melhor num cOmodo particular. Observamos diferentesmostruários de cor. movimentamos esses mostruários. colocando-os em váriosfundos contrastantes. em luzes diferentes etc. etc. Éem tais contextos queabstraímos tons de cores (ou outras qualidades epossíveis). focalizando nossaatenção sobre acor enquanto abandonamos forma. material etc. como irrele­vantes. Éem tais circunstâncias que um possível é selecionado de um univer­so de possíveis como oobjeto de um quali-signo abstrativo.

78 _______________ A TEORIA GERAL DOS SIG'\OS Do OIlJUll ------~ _

Em relação ao objeto dinâmico da natureza do coletivo. énovamente no entrelaçamento do contexto com o universo dasleis que Savan (p. 20) estrutura sua explicação:

Oobjeto, ou correlativo. de um legi-signo coletivo deve ser um membro do ter­ceiro universo peirceano. o universo das leis, hábitos, contmua Mas essesnecessitantes nào são singulares, individuais que agem e reagem com outrosindividuais Novamente. deve-se especular e reconstruir o que Peirte deveriater em mente Quando estava desenvolvendo sua teoria dos objetos. Peirceestava também escrevendo muito sobre a evolução de leis e hábitos. sobre ainteração de Signos no diálogo. esobre ocrescimento evolutivo através do diá­logo de Idéias. métodos de pesquisa e linguagem. A visão de Peirce. eu sugi­ro. é a de que todo legl-signo coletivo está dentro de um contexto ou universode leis Na sua correspondência com ladyWelby, Peirce sugere que se devedizer que as leiS não têm ser, mas co-ser As réplicas individuais. tokens. ouinstâncias das leis que são os objetos dos leqi-siqnos coletivos podem seridentificados apenas através de sistemas contextuais de legi-signos, dentrodos quais qualquer um de tais legi-signos tem seu co-ser Considere-se, porexemplo, qualquer fórmula de matemática ou de lógica. Tal fórmula é destituí­dade sentido se for tomada como um individual isolado. Para entendê-Ia eusá­la, ela tem de ser tomada na sua relação com as regras de formação e trans­formação de algum sistema de fórmulas. e na sua relação com os axiomas eoutras fórmulas de tal sistema. Osistema de inter-relações da fórmula podeser chamado seu "contexto", Oobjeto correlato de tal fórmula dentro de umcontexto será entào suas réplicas ou tokens. Ocoletivo total dessas réplicas outokens não é um Individual possível, mas podemos dizer que qualquer coruun­to de tais réplicas ou tokens éum exemplar de seu objeto dinâmico.

Tendo o problema do objeto dinâmico encontrado explica­ções que nos parecem coerentes, como reatar os fios do objetocom a percepção? É nesse ponto que a noção de objeto imediatodo signo vem resgatar o liame indissolúvel entre percepção eobjeto. Para todos os signos cujos intérpretes são seres humanos.os objetos imediatos desses signos são os objetos dinâmicos taiscomo são inicialmente apreendidos no percipuum. O objeto ime­diato é o objeto dinâmico tal como o percipuum o apresenta.Nessa medida, o objeto imediato do signo é o percipuum dosigno. Mas, ao mesmo tempo, o percipuum é o objeto dinâmicotal como ele se toma presente por meio do signo à mente queinterpreta o signo daquele objeto. Vem dai a afirmação peircea­na de que por intermédio da apreensão do signo apreendemosconcomitantemente algo que não é signo, ou seja, seu objeto.

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ocorrência ativa ere-ativa. vindo. portanto. sob acategoria da secundidace Elainclui ascores. sons eodores domar. assim como aQualidade intorumda sere­nidade ou selvageria domar. e todas essas Qualidades são instâncias da pn­meiridade. Por fim. fami liaridade com o mar incluí familiaridade com a tercei­ridade. com sua existência contínua no passado e futuro. com seus modos etendências. seus padrões gerais e uniformidades deação. Oobjeto deíamilia­ridade imediata é. defato. uma união depossíveis de Qualidade. ocorrências enecessitantes. Se o ouvinte dissesse: "Aquela parte domar parece nebulosa.mas se o mar esuvesse rnais calmo o navio sena mais Iacrlmente visível".então nós poderíamos distinguir os signos desiçnativos, descritivos ecopulan­tes I"se. então "I dos três tipos deobjeto imediato

O<l llllJETO - _

•••• 1 Questions concerning certain faculties c1aimed for man (5.213·5 .263), Someconsequences of four incapacities (5.264-5 .317) , Grounds of validity of the

. laws oilogic : furt8er oogsequences of four incapacities (5.31S-5.357) . Nessamesma seqüência os artigos também aparecem nos W 11. p. 193-272.

oobjeto imediato não é uma coleção dedados desentido. por mais complexosQue sejam. Ele é aquela porção do mar. e. pode-se acrescentar. da situaçãoreal com a Qual ele está efetivamente familiarizado Mas esta situação é uma

o percipuum do signo. seu objeto imediato, é simultanea­mente o modo como o signo 10m a o objeto dinâmico disponível.Conclusâo: todo percipuumjá tem a natureza de um quase signo,pois o percipuum diz respeito à apreensão do signo tal como eletorna apreensível seu objeto dinâmico. Ora. esta apreensão deveser considerada à parte de qualquer manifestação crítica ou inter­pretação. O julgamento crítico é uma função do interpretante dosigno, enquanto que o objeto imediato e, mais ainda, o objetodinâmico devem ser considerados como condições pressupostaspara a interpretação. Com isto. chegamos ao ponto que nos levadiretamente à questão do interpretante. Gostaria de fechar estecapítulo com as límpidas explanações que Savan (p. 21-2) nosoferece para a clarificação do objeto do signo, a partir de umexemplo fornecido por Peirce ele mesmo (2.232):

Dois homens estão depé na praia. olhando para o mar. Um deles diz ao outro•Aquele navio lánão leva nenhuma carya. mas somente passeqeiros". Ora. seesse outro. ele mesmo. não vê nenhum navio. a primeira infonnação Que elederiva daobservação tem por objetoaparte domar Que ele realmente vê. inter­mando-Ihe Que a pessoa com olhos rra.s agudos doQue os seus. ou mais trei­nados em olhar para taiscoisas. pode ver um navio lá; e. então. aquele naviotendo sido assim introduzido ao seu cconecímemo. ele está preparado oarareceber sobre onavio a informação deQue ele sóleva passageiros. Mas a sen­tença como um todo não tem. para a oessoa suposta. nenhum outro Ooietoalém daquele com o Qual ela jáse acha familiarizada.

Esse é O exemplo fornecido por Peirce, sobre o qual Savanfez as lúcidas interpretações que se seguem:

Assumindo-se Que o enunciador neste exemplo está fazendo uma enunciaçãoverdadeira, o objeto dinâmico de sua enunciação é o barco de passageiros.identificado através dasituação em Q~ o enunciado é feito. Oobjeto pereeo­tivoimediato será. noentanto. diferente para os dois homens. Peirce está inte­ressado, para os seus propósitos. noseçundo homem. o ouvinte. Para ele. oobjeto imediato é aparte domar com a ~LJal ele Já está familiarizado e Que eleagora vê. A sentença usa oobjeto imeca:ocomo um trampolim apartir doqualse pode mover em direção doobjeto c~ãmico. o barco.

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Do INTERPRETAl"TE

~ egundo nos informa David Savan (1976. p. 29). "a teoria do~ interpretante é a parte mais extensa da teoria peirceana dos

signos. Seu pragmatismoe sua teoria do método (formal, retórico,metodêutico)se encaixamdentro da concepçãodo interpretante, emuitos outros aspectos da filosofia de Peirce. incluindo a filoso­fia da ciência, estão a ela relacionados de modo muito próximo".Embora concordandocom Savan, minha caracterização da impor­tância da teoria do interpretante situa-se num ponto que está aindaaquém do seu. A meu ver,é impossível se chegara entendera con­cepção de sígno em Peírce, sem uma visão rigorosae elucidadorada noção de interpretante. E isso pelo simples fato de que tanto oobjeto quanto o interpretantesào partes constitutivas do signo (ouprocesso de representação). de modo que este só pode ser defini­do na relação com o objeto e o interpretante.

Para tomar evidente essa ligação triádica indissolúvel.selecionei, dentre as muitas que existem. algumas citações dePeirce que aqui colocarei numa seqüência em ordem decrescen­te de abstração. Com isso, tomarei como ponto de partida umadefinição de signo em grau máximo de generalidade formal eabstração lógica, que estaria mais próxima do ideal peirceano.para. então, gradativamente ir descendo os degraus da abstraçãoaté atingir a definição mais particularizada que. segundo Peirce,equivaleria à sua "colherada de sopa para Cerberus" (isto é,"fazer média" com o leitor para se fazer entender).

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Defino um Signo como Qualquer coisa Que é de talmodo determmadapor umaoutra COisa,chamada de seu Objeto. Que assimdeterminaum efeitosobre umapessoa, efeitoeste Que chamo de seu Interpretante. de modo Que este últimoé mediatamente determinado pelo primeiro Minha inserção de "sobre umapessoa" é uma colherada de sopa para Cerbe.us. visto Que me desesperei defazer minha ampla concepçãoentendida ISS. p 81).

Através dessa seqüência de citações pretendi fazer frente,primeiramente, ao ren itente equívoco de se confundír o .termoínterpretante com intérprete ou interpretação. O termo interpre­tante tem uma função técnica, que visa à precisão e ao rigor, nãocumprindo aí a função de um mero sofisma verbal. Nessa medi­da, interpretante, interpretação e intérprete não são sinônimos,devendo ser claramente distinguidos se quisermos chegar a com­preender a originalidade da noção de interpretante.

Quando Peirce confessa a L. Welby que está dando uma"colherada de sopa para Cerberus", ao dizer que o signo determi­na um efeito "sobre uma pessoa" (ou intérprete), o que ele estáquerendo afirmar é justamente o fato de que o interpretante nãoé o resultado de uma atividade subjetiva. O signo não é um entevazio e pass ivo dependente de um ego individual que, por um atointerpretativo, venha introjetar no signo o que lhe falta , isto é, ointerpretante. Ao contrário, o signo é capaz de determinar ointerpretante porque dispõe do poder de gerá-lo, ou seja, o inter­pretante é uma propriedade objetiva que o signo possui em simesmo, haja um ato interpretativo particular que a atualize ounão. O interpretante é uma criatura do signo que não dependeestritamente do modo como uma mente subjetiva, singular possavir a compreendê-lo. O interpretante não é ainda o produto deuma pluralidade de atos interpretativos, ou melhor, não é umageneralização de ocorrências empíricas de interpretação, mas éum conteúdo objetivo do próprio signo. O devir do interpretanteé, pois, um efeito do signo como tal e, portanto, dependente doser do signo e nào apenas e exclusivamente de um ato de inter­pretação subjetivo.

Embora essas afirmações, à primeira vista, possam soar demaneira aversiva ao leitor (uma vez que elas criam a impressão

- - - - --- - --- --- - - kTEORIA GERAl. OOS SIGNOS

Um signo. ou Representamen. é um PrimeiroQue se coloca numa relação triá­dica genuína tal com um Segundo. denominado seu Objeto, Que é capaz dedeterminar um Terceiro, denominado seu Interpretante, Que assuma a mesmarelação triádica com seuObjeto na Qual ele próprio está em relação ao mesmoObjeto. A relação triád ica é genuína. isto é. seus três membros estão por elaligados de um modo talQue não consisteem nenhumcomplexo de relações dià­dicas. Essa é arazão pela Qual o Interpretante. ou Terceiro. não pode secolo­car numa mera relação com ele do mesmo tipo da assumida peloRepresentamen. Tampouco pode arelação triádica. na Qual o Terceirose colo­ca. ser meramente similar àquela na Qual se coloca o Primeiro, pois isso fariada relação do Terceiro com o Primeiro mera Secundidade degenerada. OTerceiro deve rea lmentecolocar-se numare lação dessa espécie e.assim, deveser capaz de determinar um Terceiro Que lhe seja próprio; mas, além disso.deve teruma segunda relação triádica na Qual oRepresentamen, ou melhor. arelação deste para com seu Objeto, será seu próprio (do Terceiro) Objeto, edeve ser capaz de determinar um Terceiropara essa relação. Tudo isso deveigualmente ser verdadeiroem relação ao Terceirodo Terceiro eassim por dian­te indefinidamente(2.2741

Signo é um cognoscível Que, de um lado. é assim determinado (istoé, especia­lizado. bestimm~ por algo diverso dele. chamado seu Objeto. enquanto. poroutro lado. ele própriodetermina uma Mente existencialou potencial. deterrni­nação esta Que denomino o Interpretante criado pelo Signo. eonde essa MenteInterpretadora se acha assim determinada mediatamente pelo Objeto (8.1771.

Um Signo intenta representar, em parte, pelo menos, um Objeto. qeeé.portan-:to, num certo sentido. a causa oudeterminante do Signo, mesmo se o Signorepresentar seu Objeto falsamente. Mas dizer Que ele representa seu Objetoimplica Que ele afete uma mente de tal modo Que. de certa maneira. determi­ne. naquelamente. algo Que émediatamente devido aoObjeto. Essa determi­nação. da qual a causa imediata ou determinante é oSigno. eda qual a causa ",mediada é o Objeto. pode ser chamada de Interpretante /6.3471.

oSigno cria algo na mente do Intérprete, algo esse que foi também. de maneiora relativa emediada, criado pelo Objeto do Signo. embora oObjeto seja essen­cialmente diverso do Signo Ora, esta criatura do Signo chama-se Interpretante.É criado pelo Signo, mas não pelo Signo Qua membro de qualquer dosUniversos aque pertence; mas foi criado pelo Signo na sua capacidade de rece­ber a determinação do Objeto. Écriado numa Mente (em Que medida estaMente deve ser real, éo que veremos!(8.1791

Um Signo se dirige a alguém. isto é. cria na mente dessa pessoa um Signoequivalente [... j Este Signo. Que ele cria. chamo de Interpretante do primeiroSigno (2.228).

Do 1:-'1"ERPRETANTI S5

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de que o signo é uma criatura auto-suficiente que independe douso que os homens dele fazem) não custa lembrar que nascer,para nós, não é senão chegar e encontrar o universo da linguagemcoletivamente já em curso e que este curso não depende de cadauma de nossas existências individuais. "A linguagem não está emnós. Somos nós que estamos na linguagem", diria Peirce.

A noção de interpretante não significa, porém, que nãoexistem atos interpretativos particulares e individuais. É eviden­te que sim, e cada pensamento nosso, na cadeia de pensamentosque somos nós, é um atestado disso. A interpretação de um signopor uma pessoa, no entanto, é primariamente uma atitude de con­templação, alerta e observação do interpretante ou interpretantesque o signo é capaz de produzir. É por isso que um mestre taoís­ta dizia que uma pessoa sábia nunca sente ressentimento ou frus­tração porque alguém não lhe disse a verdade; para aquele que

. sabe ler signos, todos os signos só revelam a verdade.

É fato que, na grande maioria das definições formuladaspor Peirce, a relação do signo com o interpretante delineia-seporque o signo deve afetar uma mente (existente ou potencial) demodo a determinar (criar) algo nessa mente, algo esse que é cha­mado de interpretante. Note-se, contudo, que essa criaturaégerada pelo signo, e assim o é, não porque o signo se constituinuma entidade onipotente, mas porque ele carrega o poder dereceber a determinação do objeto. É porque o signo representa oobjeto que ele dispõe da capacidade de gerar um interpretante, demodo que esse interpretante, pela mediação do signo, é tambémmediatamente determinado pelo objeto.

Nessa medida, embora o intérprete e o ato interpretativo(que, aliás, não precisam ser necessariamente humanos; pode tra­tar-se, por exemplo, de um processo cibernético ou de um pro­cesso celular) sejam uma das partes embutidas na relação, elesnão se confundem com o interpretante. E isto, em primeiro lugar,porque o signo (estou aqui falando de signo triádico, genuíno) ésempre um tipo lógico, geral, muito mais geral do que um intér­prete - particular, existente, psicológico - que dele faz uso. Eo interpretante, que o signo como tipo geral está destinado a

86 ______________ A TEORl~ GERAL OOS SIGNOS Do INTERPRET.\'o 11' ---~------

gerar, é também ele um outro signo. Portanto ele também é umtipo geral para o qual é transferido o facho da representação.Sendo um outro signo, o interpretante necessariamente irá gerarum outro signo que funcionará como seu interpretante, e assimad infinitum. Para essa continuidade e devir da linguagem, poucoimporta a identidade de um só homem ou a pluralidade de umacoleção de homens, como já disse Borges. Vem daí também aafirmação peirceana de que "não há nada que possa distinguir aidentidade pessoal de cada um de nós senão nossas faltas e limi­tes" (1.673).

Sem dúvida, essas considerações parecem soar de modovago e metafórico, mas elas se tomam cristalinamente precisasquando nos debruçamos sobre o exame mais minucioso dosníveis ou graus do interpretante. Não passarei a isso, contudo,sem acertar ou enfatizar alguns pontos a respeito do interpretan­te na cadeia triádica do signo .

o interpretante como terceiro

Comecemos com uma outra seqüência de citações:

Nenhum Signo pode funcionar como tal a não ser na medida em que é Interpre­tado num outro Signo (por exemplo. num "pensamento". o que quer que sejaissol Conseqüentemente, é absolutamente essencial ao Signo que ele deveafetar outro Signo Ao usar essa palavra causal "afetar", não quero me referir,meramente ou necessariamente. a um acompanhamento invariável ou seqüên­cia. Oque quero dizer é que. quando háSigno. haverá uma interpretação emum outro Signo (8225)

Ointerpretante não é outra coisa senão uma outra representação (1339)

Todo propósito de um Signo é aquele deque eledeva ser interpretado em outroSigno (8191)

Como conseqüência de todo Signo determinar um interpretante. que e elemesmo um Signo, temos Signo desenrolando-se em Signo (2094).

Nasua forma genuína. Terceiridade é uma relação triádica que existe entre umSigno. seu Objeto eum pensamento interpretador, ele mesmo um Signo (83221

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Mas é a classificação dos interpretantes que pode nosauxiliar na concretização e detalhamento das formulações exces­sivamente abstratas e gerais acima enunciadas.

tação (isto é . um signo). Na semiose genuína. portanto, objeto­signo-inrerpretante são todos os três de natureza sígnica.

Conclusão: todo interpretante é um signo,assimcomo todosignoé um interpretante. Note-se, porém,que não há nenhuma cir­cularidade nisso. uma vez que aquilo que efetivamente define oprocesso de representação não são os substantivos (objeto-signo­interpretante), mas as relações diferenciais de implicação e deter­minação entre eles. Numa semiose genuína, esses três elementostêm natureza sígnica. O primeirose chama signo porque represen­ta o objeto: o segundo se chamaobjeto porquedetermina o signo;o terceiro se chama interpretante porque é determinado imediata­mente pelo signo e mediatamente pelo objeto.

Trata-se, como se pode ver, de uma relação entre papéislógicos diferenciais que os três elementos ocupam no processo,de modo que, emboradois desses elementos não estejam na posi­ção ocupada pelo signo, não significa que eles não sejam tam­bém de natureza signica. Não apenas são, mas devem ser paraque a relação seja genuinamente triádica, isto é, relação quetende ao infinito tanto do lado do objeto quanto do lado do inter­pretante, conforme se pode inferir da formulação a seguir:

Aidéiamais s'''1plesde terceiridade dotada de interesse filosóficoéa idéia deumsigno ou reoresentaçào. Um signo "representa" algo para a idéia Que pro­voca ou modifica Ou assiméum veículo Que comunica à mentealgo do exte­rior O"representado' é seu objeto; ocomunicado. a significação; a idéia Queprovoca. o seu ;nterpretante. Oobjeto da representação é uma representaçãoQue aprimeira reoresentação interpreta. Pode conceber-se Que uma sériesemfimde representações. cada uma delas representando aanterior. encontre umobjeto absoluto como limite. A significação de uma representação é outrarepresentação Consiste. de fato. narepresentação despida de roupagens irre·levantes; mas nunca se conseguirádespi-Ia por completo; muda-se apenas porroupa mais diatena Lidamos apenas. então. com uma regressão infinita.Finalmente. o mterpretante éoutra representação acujas mãos passa o fachoda verdade; e como representação também possui interpretante. Eis aí umanova série infinita (1339).

--------------- A TEORIA GERAL DOS SIG"OS

o que mais flagrantemente se delineia nessas citações é aquestão do interpretante como sendo parte constitutiva do signoque ele interpreta, ao mesmo tempo que se constitui em outrosigno. "Nenhum signo fala por si mesmo, mas exclusivamentepor outro signo. Assim sendo, não há nenhum modo de se enten­der o signo a não ser pelo seu interpretante" (Buczinska­Garewicz, 1981, p. 193).

Note-se que Peirce não.fala em significado do signo.Contudo, certas inferências podem ser feitas a esse respeito. Ointerpretante é o significado do signo, ao mesmo tempo que seconstitui em outro signo, o que redunda na já famosa afirmaçãopeirceana de que o significado de um signo é um outro signo.Nessa medida, o processo de significação é sempre continuida­de e crescimento. Para significar, um signo tem de se desenvol­ver em outro signo. Ou nas palavras de Buczinska-Garewicz(1983, p. 318):

De acordo com adefinição designo. não pode haver representação se tivermosapenas um signo. A representação mediada toma como pressuposta a plurali­dade dos signos. visto que algo só funciona como signo exclusivamente sob acondição de ser interpretado como tal. isto é.sob acondição de ter um inter­pretante que é. ele também, um signo. Significado é um fenômeno de um sis­tema; ele não existe separadamente: Todo signo significativo deve ser. oeacordo com a definição de Peirce. traduzível em outro signo significativo. eassim por diante. Então. um interpretantecomo terceiro. a fim de ser capaz detrazer um primeiro para uma relação com um segundo. deve ser um signo quepertença aqualquer universo de signos e não algo Que exista separadamente

Peirceé muito enfáticoao caracterizaro interpretante nãoapenascomo um outro signo,mas também como um terceiroele­mento da tríade (o fundamento do signo é o primeiro e o objetoé o segundo). Ora, numa relação triádica genuína, ou relação derepresentação, isto é, aquela queestá diretamenteligadaàs idéiasde continuidade, crescimento, devir, infinitude, não apenas ointerpretante tem a natureza de um signo, mas também o objeto.Ou melhor: tudo aquilo que pode ser representado é, ele mesmo.também de natureza representativa. Desse modo, o objeto dosigno (aquilo que o signo representa) só pode estar representadono signo porque é, ele próprio (o objeto), também uma represen-

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ginários ideais no processo de interpretação: de um lado. esseprocesso é definido como um estado minimo de informação e.de outro lado, como um estado máximo de informação. pressu­pondo um estado de conhecimento perfeito e acabado. Evidente­mente, qualquer interpretante dado situa-se sempre num pontoqualquer entre esses dois extremos imaginários. de modo que osextremos apenas funcionam como limites de referência para aconstituição do processo.

O segundo princípio de divisão do interpretante (estebem mais conhecido) originou-se por volta de 1904 e estábaseado na fenomenologia ou teoria das categorias, correspon­dendo à divisão triádica do interpretante em imediato (primei­ridade), dinâmico (secundidade) e final (terceiridade). Estadivisão diz respeito aos níveis por que passa o interpretante atése converter em um outro signo, caminhando para o interpre­tante em si ou interpretante final. Esta divisão não correspon­de, de modo algum, a três interpretantes, vistos como coisasseparadas, mas, ao contrário, são graus ou níveis do interpre­tante, ou melhor, diferentes aspectos ou estágios na geração dointerpretante.

O terceiro princípio de divisão do interpretante é determi­nado pelo lugar que o interpretante ocupa num processo decomunicação, uma divisão, portanto, que localiza o interpretan­te dentro de um ponto de vista comunicativo , isto é, na relaçãode um emissor com um receptor. Esta divisão data de 1906, con­forme consta no rascunho parcialmente preservado de uma cartaa L. Welby (9 de março de 1906). Assim Peirce (55, p. 196-7) sereferia aos interpretantes comunicacionais:

Há o interpretante Intencional, que é uma determinação da mente do emissor;ointerpretante Eficiente (effectua~ Que é uma determinação da mente do inter­prete; e o interpretante Comunicacional, ou melhor, o Cominterpretant, Que éuma determinação daquela mente na Qual as mentes do emissor edo intérpre­te têm de se fundir a fim de Que Qualquer comunicação possa ocorrer Estamente pode ser chamada de Comens.Elaconsiste de tudo aquiloque, de saída,é edeve ser bem compreendido entre emissor eintérpreteafim de que osignoem Questão cumpra sua função.

_ _ _ ,--- A TEORIA GERAL DOS SIG~OS90

As divisões do interpretante

É na teoria e principalmente na classificação dos interpre­tantes que os investigadores e intérpretes de Peirce têm encontra­do um dos focos de maiores controvérsias. Já é bastante grande,no plano internacional, o número de estudos sobre o interpretan­te. Minha intenção aqui, no entanto, não é pôr as controvérsiasem discussão. Ao contrário, em meio à bibliografia a que tiveacesso, selecionei os textos que me pareceram mais coerentes ebem-fundamentados em relação aos escritos de Peirce. Al ém decoerentes, esses artigos (dois deles bastante extensos) apresen­tam a questão do interpretante de modos diversos, o que nos per­mite ter dela uma visão mais completa e precisa.

Assim, no texto de Johansen (1985), encontra-se o maisvasto e extensivo exame do problema do interpretante. Já no tra­balho de Savan (1976) tem-se um dos mais minuciosos estudos .da classificação dos interpretantes, enquanto, "no artigo deBuczinska-Garewicz (1981), a questão é trabalhada dentro deum apanhado sintético, mas panorâmico. No diálogo com essabibliografia selecionada, a par dos escritos de Peirce ele mesmo,julgo possível fornecer ao leitor uma visão tanto quanto possívelorganizada e esclarecedora de um dos aspectos mais complexose aínda não inteiramente consensuais na teoria dos signos dePeirce.

De:acordo com Johansen, há três grandes e diversos prin­cípios que norteiam a divisão do interpretante. O primeiro prin­cípio, cuja origem remonta a 1867 (cf. 2.391-2.430), está basea­do na distinção entre a essencial, a informada e a substancialextensão (breadth) e profundidade ou compreensão (depth) deum símbolo. Diz Johansen que "esta divisão tem dois aspectos,uma vez que ou o interpretante pode medir a quantidade deinformação de um símbolo num estado de conhecimento dado.ou ele pode significar o processo através do qual um conheci­mento maior pode ser adquirido" (p, 243). Johansen salienta queesta divisão do interpretante é a mais ampla e genérica, vistoque, para sua caracterização, Peirce estabeleceu dois limites irna-

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------ -- - - - - - - - - A TEORIA GERAL DOS 51(;1'OS

Como se pode verificar. o espectro dessa divisão é bemlimitado. uma vez que ela só é aplicável a situações dialógi­caso concretas. de modo que a função do interpretante pareceterminar, e efetivamente termina. quando dois parceiros. numato comunicativo, atingem uma compreensào mútua do signo(cf. Johansen, p. 249).

O que essas três grandes divisões do interpretantedemonstram é que elas vão do nível de generalidade e abstraçãomáximas (primeira divisão) até o nível mais estreito em que ointerpretante é considerado dentro de uma situação dia lógicaparticular (terceira divisão). Nesse contexto, considero a segun­da divisão (baseada nas categorias) como se constituindo numaminuciosa classificação morfológica do interpretante, ou seja,aquela que nos habilita a compreender o processo de geração dointerpretante através de uma análise lógica que penetra pelosmaisrecôm:titos meandros da relação entre signo e interpretante.

. . Uma vez que a terceira divisào (situação comunicativa) .tem um espectro muito estreito, isto é, situacional, uma vez quea primeira divisào (aquela que diz respeito à aquisição de conhe­cimento) está relacionada apenas com o signo simbólico, opteipor deixar de lado esses dois limites, para realizar.um examemais minucioso apenas da segunda divisão, visto que, atravésdela, pode-se considerar a questão do interpretante relativa nãoapenas aos símbolos, mas também aos signos degenerados ouquase-signos (ícones e índices).

Momentos lógicos do interpretante

Foi em 1866 que Peirce utilizou o termo "interpretante"pela primeira vez (W I: 464-5). No estudo, hoje famoso, "Sobreuma nova lista de categorias" (1867), o termo já era usado coma desenvoltura própria da familiaridade. A divisão dos interpre­tantes em imediato, dinâmico e final , contudo, foi bastante tar­dia. Apareceu por volta de 1904. Só depois de ter resenhado olivro de Victoria Lady Welby, What is meaning, em 1903, é que

Do INnRI'R~. L \ NTI

ele passou a dedicar especial atenção à tricotomia do interpretan­te.

No seu trabalho, L. Welby distinguia três níveis de signi­ficação, por ela chamados de sentido (sense). significado(meaning) e significância (significance) . Imediatamente, Peircepercebeu não apenas uma certa correspondência dessas trêsespécies de significado com os três estágios do pensamento emHegel (cf. 8.174), mas também uma analogia (não uma identida­de) com os "três graus de clareza" na compreensão dos símbo­los predicativos, que Peirce ele mesmo havia estabelecido. mui­tos anos antes (em 1878), no seu ensaio "Como tomar clarasnossas idéias".

Num longo manuscrito, sem data, provavelmente de umacarta para W. James (cf 8.177-185), mas que deve ter sido escri­to pouco depois de 1904, Peirce voltou a mencionar a analog iados três tipos de significação formulados por L. Welby com suatricotornia dos interpretantes. Nesse manuscrito, essa tricotomiajá estava nomeada, quer dizer, os nomes imediato. dinâmico efinal já apareciam aí, e como tal permaneceram definitivamenteaté seus últimos escritos. Depois de 1904, a tricotamia reapare­ceu, numa formulação já bastante clara, em 1906, no seu estudo"Proleg ôrnenos a uma apologia do pragmatismo" (cf. 4.536). Norascunho de uma carta a L. Welby (28 de dezembro de 1908, cf.8.342-379), carta esta que provavelmente não deve ter sido

. enviada, a tricotomia voltou a aparecer, agora numa formulaçãoainda mais nítida. Mas é na carta de 14 de março de 1909 (55,p. 109), ainda para L. Welby, que Peirce faz um retrospecto daquestão que merece ser transcrito:

Apropósito. encontrei. em minha pasta. a parte ou o todo de .ma carta. data­da de 28 de dezembro. Suponho tê-Ia enviado e assim espe-o. pois de umaolhada que lhe dei. ela parece estar relacionada com as mírt'.as apalpadelasem busca dos três tipos de interpretante. Agora vejo que mirra divisão quaseco incide com a sua. como. aliás. deveria. se ambas estiveren corretas. Nãoestou. de modo algum. consciente de tersido influenciadopo' seu livro. quan­do estabeleci minha tricotomia. tanto quanto elaestá estabe!e-: da: enãoacre­dito que tenha havido tal influência. embora. certamente. elaoossa ter ocorri­do. sem que eu estivesse consciente disso. Ao lerseu livro. mr namente pode.

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Para evitar equívocos desnecessários, é bom lembrar queos termos "degenerado", "incompleto", "primitivo", "imperfei­to", não têm aí nenhum sentido pejorativo. Essas denominaçõesse justificam porque, neles,a semiose não se completa, não atin­gindo o estágio genuíno, ou seja, de processo ininterrupto, devir,infinitude, difusão e crescimento. De todo modo, porém, tam­bém é bom lembrar que estamos muito mais cercados, na nossaexistência concreta, de signos não-genuínos ou degenerados doque o contrário. Se. como dizia Valéry (traduzido por DécioPignatari), "a mistura é o espírito", no mundo dos signos, a mis­tura é a vida. Desse modo, o signo genuíno é muito mais umconstructo teórico do que um signo atualizado e utilizável. É porisso que só trabalharei com exemplos de signos no capítulo 4,

prir, O percurso de análise do mais complexo e abstrato para omais simples c concreto (isto é, dos signos genuínos para osdegenerados) é o percurso que a própria teoria serniótica exige epermite. A esse respeito, as palavras de Buczinska-Garewicz(1983, p. 323) são esclarecedoras:

Nenhum signo degenerado pode ser tomado como um modelo para asemioseNa medida em que apenas um pensamento abstrato é um signo perfeito egenuíno. então. é com ele Que a teoria semiótica geral deve estar preocupadaNenhuma análise de qualquer espécie de signo degenerado é capaz de forne­cer uma fundação suficiente para a sermóuca Osigno degenerado é apenasuma espécie denvativa de Signo, e na medida em Que ele toma por pressupos­to algum signo genuíno a fim de ser ele mesmo um signo, sua análise, domesmo modo, toma como pressuposto o conhecimento sobre a essência dasermose. ou seja, oconhecimento sobre o signo genuino. A semiótica peircea­na, nessa medida, opõe-se a qualquer análise de signos que vá das formasmais primitivas e Imperfeitas às mais abstratas e desenvolvidas e Que tentaexplicitar estas através daquelas. Omodelo universal da semiose para Peirceé o pensamento interpretador e interpretado; todos os outros tipos de signossão apenas de caráter secundário. Conseqüentemente, a análise semióticadeve tomar a mesma direção - deve explicitar aessência dosigno genuíno e,então, elucidar as funções dos signos degenerados Nenhuma aproximaçãogenética écorreta na serniõtica. esta não vai das formas e signos incompletospara os completos, mas Sim, das genuínas para as degeneradas, ISto é, das for­mas gerais para as particulares

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murto bem, terabsorvido as Idéias sem Que eu me lembrasse disso; e Quandoparti em busca de uma divisão do interpretante. aquelas idéias podem terparecido a mim como se tivessem sido apagadas por processos de pensamen­to de modo Que as pensei. então. como se estivessem apresentando-se a mimpela primeira vez, Quando, na realidade. elas eram devidas a uma inclinaçãodo meu pensamento Que o exame do seu livro havia produzido. Contudo. nãoacredito Que isto. de fato. tenha acontecido, e sinto alguma exultação aodes­cobrir Que meu pensamento e o seu Quase coincidem. pois creio Que isso sedeve ao fato de Que estávamos ambos tentando chegar à verdade.

.---- A TEORIA GERAl OOS SIG'OOS

A seguir, Peirce passou para o exame comparativo dospontos de coincidência e discordância entre sua divisão e a de L.Welby. Essa carta é muito instrutiva e preciosa para aqueles quese empenham na compreensào da tricotomia do interpretantepeirceano, pois ele chegou aí a uma formulação altamente preci­sa, precisão esta só comparável à de duas outras cartas, estaspara W. James, uma escrita também no dia 14 de março de 1909(8.314) e a outra no dia Iº de abril de 1909 (8.315).

Com algumas prováveis lacunas involuntárias, esse é oquadro histórico mais completo que pude rastrear da questão.Isso posto, cumpre iniciar agora o exame conceitual detalhadodessa tricotomia. Tomarei. de início, cada um dos níveis do inter­pretante separadamente, para depois colocá-los no processo desuas interações. Chamo a atenção do leitor para o fato de queestarei considerando primeiramente os níveis do interpretanteque se consubstanciam no signo triádico, genuíno. O signo égenuíno justamente porque o processo do interpretante passanele por todos os estágios (ou graus) rumo ao interpretante final,ou seja, rumo a um limite sígnico inatingível, mas logicamentedeterminável.

Só depois desse percurso é que se pode retomar todo oprocesso para se considerar a ação do interpretante nos signosdegenerados ou quase-signos. Esses signos são assim chamadosporque neles a tricotomia não é genuína, de modo que a trajetó­ria do interpretante não se completa rumo à continuidade. Emalgum estágio, a trajetória se interrompe, e o nível atingido ésuficiente para preencher a função que o signo está apto a cum-

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4. Étudo que o Signo imediatamente expressa (8.314).

Do I:-< TERPRET.\'-n

de um interpretante interno ao signo, propriedade interna dosigno. possibilidade de interpretação ainda em abstrato. aindanão-realizada: aquilo que o signo está apto a produzir comoefeito numa mente interpretadora qualquer. Enfim, é uma pos­sibilidade de sentido ainda não-atualizada. mas que está contidano próprio signo. pois este deve ter sua interpretabilidade pecu­liar, antes de atingir um intérprete, vindo dai, portanto. o poderdo signo para produzir um determinado efeito na mente inter­pretadora.

Nas citações 3. 4 e 5. fica mais em evidência o caráter dointerpretante imediato como dizendo respeito ao signo em simesmo, isto é. a uma interpretabilidade do signo como uma fun­ção da sua estrutura interna. Sob esse aspecto, a explicação for­necida. a seguir. por D. Savan (1976, p. 40) parece bastanteesclarecedora:

Depois de termos identificado. primeiramente. o caráter do fundamento dosigno em simesmo, esegundo.arelação direta dosigno ao seu contexto empí­rico. haverá. em terceiro lugar, a informação que o signo écapaz de transmitiraos seus intérpretes. eque elecoletou dos signos anteriores que ele interpre­ta. É essa significância. produzida pela simples apresentação do signo elemesmo. que é o interpretante Imediato. Numa passagem que sugere porqueeledeveria ser chamado de interpretante Explícito. Peirce diz que esse Inter­pretante •é tudo que está expl íciro no Signo em si mesmo. descartando seucontexto e CIrcunstânciasdeemissão" 15.4741.

Já nas citações 6 e 7. é o caráter do interpretante imedia­to, na sua imediaticidade. isto é, isento de mediação e análise,que é posto em evidência. É a impressão total inanalisada que seespera que o signo possa produzir, antes de haver qualquer refle­xão critica sobre ele. "É o efeito pertinente, possível e imediatona sua inteireza primitiva inanalisada" (MS 339d, p. 546-7).Neste nível, contudo, já começa a se confundir a linha divisóriaque distingue o interpretante imediato em relação ao interpretan­te dinâmico. Desse modo, passarei diretamente para a discussàodo interpretante dinâmico. visto que a compreensão mais clarado imediato depende também dos traços diferenciais que o sepa­ram do dinâmico e final e vice-versa.

- _ _ A TEORIA OER.\ L DOS Slli'llS

5. O interpretante como ele se revela no entendimento correto doSigno elemesmo, e é comumente chamado de significado doSigno (4.536).

6. Oefeito total inanalisado que se calcula que um Signo produzirá. ou quenaturalmente se espera que ele produza [...] ele é danatureza deuma impres­são (SS, p. 1101.

7. Ointerpretante Imediato consiste na Qualidade da Impressão que um Signoestá apto a produzir. não dizrespeito a qualquer reação defato(8.315).

2. ...Éuma abstração consistindo numa possibilidade (SS, p. 111 I.

quando os signos degenerados, ou existentes e atualizados, serãocolocados sob exame.

Voltando à classificação dos interpretantes, e mantendo omesmo tipo de procedimento que vim adotando até agora, inicia­rei o exame de cada nível do interpretante com um conjunto decitações extraido de Peirce, que funcionará como um patamar deonde partir para a discussãocom vistas à compreensão do concei­to que as citações constroem. As citações serão enumeradas parafacilitar a ordem das discussões que a seguir serão expostas:

1. Meu interpretante Imediato está implicado no fato de que cada Signo deveter sua interpretabilidade peculiar, antes que elealcance qualquer intérprete(SS. p. 111l.

Uma primeira evidência já salta à vista: o interpretanteimediato está obviamente relacionado com os caracteres da pri­meira categoria fenomenológica (primeiridade). Apesar dessetraço comum, são notáveis, no conjunto, algumas nuanças dife­renciais na acepção desse primeiro nível do interpretante, o quenão quer dizer que as nuanças sejam contraditórias, mas comple­mentares, como se verá.

Assim, nas citações I e 2, estão implicadas as noções depossibilidade, potencial ainda não-realizado. Trata-se, portanto,

96

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-

Fica claro que o interpretante dinâmico é o membromenos problemático da tríade. É o efeito efetivamente produzidopelo signo num ato de interpretação concreto e singular. É o efei­to real produzido sobre um dado intérprete, numa dada ocasião enum dado estágio de sua consideração sobre o signo. Pode-sedizer também que o interpretante dinâmico é uma "determinaçãode um campo de representação exterior ao Signo (sendo talcampo a consciência de um intérprete), determinação essa que éafetada pelo Signo" (MS 339, p. 504).

Corresponde, enfim, ao que se pode chamar de significadodo signo in concreto, isto é, o fato empírico de apreensão dosigno, uma realização particular do significado, ou aquilo quecomumente poderia ser referido como sendo o significado psico­lógico do signo, sendo, portanto, o único interpretante que fim­ciona diretamente num processo comunicativo. Em termos gené­ricos se pode concluir, como o faz Ransdell (1983, p. 42), que odinâmico é simplesmente "o interpretante do signo que realmen­te ocorre, quer dizer, o interpretante que ocorre como uma liga­ção distinta numa cadeia semiótica, dando prosseguimento aosigno que semioticamente o determina". Vejamos como esseinterpretante deslancha para o final.

li 2M2.

1. Ointerpretante Normal. ou eleito que seria produzido na mente pelo Signo.depois de desenvolvimento suficiente dopensamento (8.343).

99DoI~TERPREI\\n _

2 Finalmente. há o que provisoriamente eu chamo de interpretante Final. quese refere à maneira pela qual o Signo tende a se representar como estandorelacionado ao seu Objeto (4.536).

5. Ointerpretante Final não consiste no modo pelo qual qualquer mente real­mente age. mas no modo pelo qual toda mente agiria. Isto é.ele consiste numaverdade que poderiam ~ntml81J1'01'l'Sição condicional deste tipo: "Setal e tal tivesse deacontecer a qualquer mente. este Signo determinaria estamente a tal e tal conduta". Por "conduta" quero significar "ação" sob umaintenção de autocontrole. Nenhum evento que ocorre em qualquer mente.nenhuma ação de qualquer mente pode constituir a verdade dessa proposiçãocondicional (8.315)

4. Meu interpretante Final é o resultado interpretativo ao qual todo intérpreteestá destinado a chegar se o Signo for suficientemente considerado [...] Ointerpretante Final é aquilo para o qual o real tende (SS. p 111).

3. Meu interpretante Final é o efeito que o Signo produziria sobre uma menteem circunstâncias que deveriam permitir que ele extrojetasse seu efeito pleno(SS. p. 1101

6. O interpretante Final é o efeito último do Signo. na medida em que ele éintencionado ou destinado pelo caráter doSigno. sendo mais ou menos de umanatureza habituai e formal (MS 339d. p. 546-7)

Este terceiro interpretante deve ser, sem dúvida, aqueleque mais equívocos produz em leitores não familiarizados com olugar que este interpretante ocupa no conjunto mais global dasidéias de Peirce (neste caso, a necessária relação do interpretan­te final com o pragmatismo, teoria da evolução e cosmologia).Leitores desavisados costumam tomar o termo "final" ao pé daletra, confundindo-o com um significado empírico, estático edefinitivo do signo. Embora a palavra "final", de fato, possadenotar tal tipo de compreensão, não se deve ignorar o contextoem que esse termo está inserido, oli seja, dentro da noção amplade semiose (ação do signo) como crescimento contínuo e tenden­cialidade. "Final" aparece como um limite ideal, aproximável,mas inatingível, para o qual os interpretantes dinâmicos tendem.

2.Efeito real que o Signo. como Signo. de fato. determina (4536)

1. Interpretante Dmárnico efeito realmente produzido na mente pelo Signo(8.3431

3. Consiste no efeito direto realmente produzido por um Signo sobre um intér­prete [...] Efeitos do Signo sobre uma mente individual. ou sobre um número dementes individuais reais através deação independente sobre cada uma delas(SS. p. 110).

4. Meu interpretante Dinâmico é aquilo que é experienciado em cada ato deinterpretação eem cada um é diferente daqueie de qualquer outro [J OInter­pretante Dinâmico é um evento real. singular (SS. p 111)

5. Ointerpretante Dinâmico équalquer interpretação que qualquer mente real­mente faz doSigno Este interpretante deriva seu caráter dacategoria diádica.a categoria da ação [... ] Osignificado de qualquer Signo sobre alguém consis­teno modo como esse alguém reage ao Signo \8.315).

-----...-~--~--..--- A TEORIA (iER.\L DOS S]li\OS98

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o interpretante final e um interpretante in abstracto, fronteiraideal para a qual os interpretantes dinâmicos (interpretantes inconcreto) tendem a caminhar. no longo curso do tempo. Mas éSavan (p. 48-9) que. :1 respeito disso. nos fornece uma explica­ção tão preciosa que. embora longa. merece ser inteiramentetranscrita:

de rever sistemática, crítica e constantemente os métodospara atingir propó­sitos cient íficns part iculares.

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Agora torna-se possível entender onde Peirce Queria chegar com seu interpre­tante Final Oefeito semiótico pleno deum signo, se o seu prop ósito ou inten­ção viesse a ser atingido, é o interpretante Final daquele signo Uma vez queesse propósito fornece a norma que influencia a sucessão dos interpretantesDinâmicos, ele também pode ser chamado de interpretante Normal. Euma vezque a evolução de interpretantes Dinâmicos sucessivos tende para o padrãoestabelecido pelo interpretanteFinal. seja este padrão, de fato, plena e exata­mente satisfeito ou não, ele também pode ser chamado de interpretanteDestinado Aaçãodesse padrão, na medida em que ela afeta e influenciacadainterpretante Dinâmico real, é o Que lhe dá vida e poder para se transformarem um hábito e numa crença.

Parece evidente, a partir dessa longa citação, que a com­preensão menos leviana do interpretante final exige, no mínimo,o adentramento no pragmatismo e teoria da evolução de Peirce,o que foge dos limites deste trabalho. De qualquer modo, o quefoi exposto parece suficiente para espantar conclusões apressa­das a respeito do termo "final", assim como fornece materialnecessário para se refletir agora sobre a tricotomia dos interpre­tantes no conjunto de suas interações.

Numa formulação das mais sintéticas, Peirce dizia que osigno tem três interpretantes: "seu interpretante como representa­do ou tido em vista (meant) para ser entendido ; seu interpretantecomo ele é produzido e seu interpretante em si mesmo" (8.333).A triade corresponde ponto a ponto às três categorias. O imedia­to é prirneiridade, uma possibilidade inscrita no signo para signi­ficar; o dinâmico (interpretante produzido) , secundidade, é o fatoempírico da interpretação ou resultados factuais do entendimen­to do signo; o final é terceiridade, uma regra ou padrão para oentendimento do signo. O processo de interpretação de um signogenuíno incorpora necessariamente esses três momentos e, àmaneira das três categorias . o primeiro prescinde do segundo eterceiro. o segundo precisa do primeiro e o terceiro precisa dosegundo e primeiro. Os interpretantes imediato e final são inter­pretantes in abstracto e o dinâmico é interpretante in concreto.

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- - - - - - - A TH 1RIAGERAL DOS SIWm s

Nomes alternativos usados por Peirce: Destinado, Normal, Intencionado.Para começar, há wn tema único e unificador que corre através dos váriosnomes propostos para este terceiro tipo de interpretante. Éaquele da causafinal aristotélica. um escopo Intencionado que serve como um padrão ounorma, direcionando o desenvolvimento da sucessão dos interpretantesDinâmicos. Onome 'normal" deveria tersido "normativo", porque a intençãoera a de identificar o terceiro npo de interpretante como fornecendo umanorma ou padrão pe lo qual estágios particulares (interpretantes Dinâmicos)de um processo histórico podem ser julgados Há uma íntima relação entre avisão de Peirce sobre odesenvolvimento das crenças científicas e sua teoriadointerpretanteFinal. Sua concepção deum método que deliberada e reçu­larmente analisa, critica e se aotocorrige é central à sua teoria daciência edointerpretante Final.

Peirce sugere doisargumer.tos para mostrar que uma teoriados interpretantesque não fosse além dos interpretantes Dinâmicos seria incompleta I ..] OSinterpretantessão Signos, quer dizer, são eles mesmos membros deuma sérieinfinita na qual cada interpretante é um signo de algum objeto para um inter.pretante ulterior. Um mterpretante Dinâmico, no entanto, é um evento finito.[...10 segundo argumento baseia-se num estudo empírico dodesenvolvimentodas idéias, seja na históriapsíquica deum indivíduo ou na história intelectualecultural de um gnupo Tal estudo empírico mostrará que a sucessão de inter.pretantes Dinâmicos de um Signo não é aleatória, nem está inteiramente à

mercê de circunstâncias históricas acidentais. A história cultural e intelectualrevela tendências e direções que são fortes evidências deprincípios orienta.dores, normas que controlam edlflgem. [...1

Oponto de inflexão mais importante na história deum signo ou conjunto designos é o ponto no qual a avaliação crítica deliberada das próprias normascomeça. Énesse ponto que o pensamento começa a ter idade e a ciênciamadura nasce. Oque caracteres este estágio científico final, naevolução dosmterpretantes, é que os princípiOS orientadores são eles própriossubmetidosà avaliação crítica oenoerada. eQue os princípios governando os métodos deavaliação sào tambémsubmetidos à aval iação crítica deliberada. Peirce che­gou apropor uma nova Ciência. chamada de Metodêutica, cuja função seriaa

too

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Nessa medida, todos os fatos empíricos de decifração deum signo são interpretantes dinâmicos. O interpretante fmal éaquilo para cuja direção o real tende. Sendo um limite ideal eabstrato, o interpretante fmal não depende estritamente de cadainterpretante dinâmico efetivo. Ao mesmo tempo, no entanto,todo movimento e transformação do pensamento (signo) só podese realizar devido e suportado por esses eventos reais de inter­pretação (interpretantes dinâmicos). O interpretante imediato,por seu lado, é uma mera possibilidade de sentido, ainda nãorevelada, mas que está, de modo ainda vago e indeterminado,contida no próprio signo.

Imediato e fmal sào gerais e abstratos. O imediato é purapotencialidade, interpretabilidade ainda não-realizada. Não obs­tante, inscrita na natureza do próprio signo. Trata-se do teordaquilo que o signo é capaz de significar. O fmal seria o limiteúltimo (se isso fosse possível) de realização dessa interpretabili­dade. O dinâmico é interpretante produzido, concretização sin­gular e particular, atualizações mais ou menos adequadas dainterpretabilidade do signo rumo ao limite abstrato e ideal parao qual - mais cedo ou mais tarde, por erros e acertos e porcaminhos que não se pode de antemão estipular - os interpre­tantes dinâmicos tendem.

Fica evidente, a partir disso, a natureza social e coletiva,mais do que isso, lógica do interpretante no seu sentido geraI.Uma interpretação particular, psicológica (interpretante dinâmi­co) é sempre uma atualização necessária, mas relativa e, portan­to, sujeita à correção e àcrítica. Esta correção só é possível devi­do à relação dialética entre o interpretante imediato (potencialinscrito no signo) e o interpretante final, limite ideal para o qual,a partir desse potencial, as atualizações singulares tendem a sedirigir.

Cumpre, no entanto, ainda fazer aí alguns reparos paraque não se 'entenda Peirce hegelianamente. Sob esse aspecto, aexplicação fornecida por Ransdell (1983, p. 42-4) é providen­cial. O interpretante imediato é a margem de interpretabilidade- a margem de interpretantes dinâmicos possíveis - tal como

Essas seriam. em síntese, as explicações que me parece­ram mais coerentes da tríade dos interpretantes . E, na medida em

{O.lDo lNTERPRET.\NTF - - -- - - - --- - - - -

fixada pela identidade do signo ele mesmo. Mas se a concepçãodo interpretante imediato fornece a idéia de legitimidade ou pos­sibilidade, entào para quais propósitos teóricos a concepção dointerpretante final foi introduzida? Ransdell inicia sua respostalembrando que a concepçào do interpretante final envolve "aidéia do signo tal como ele viria a ser regular e completamenteinterpretado num longo curso ideal da semiose". Mas, ao mesmotempo em.que esta é uma parte importante da concepção, ela nãodiferencia efetivamente o interpretante final do imediato. Se ainterpretabilidade do signo for definitivamente constituída peloconteúdo de um longo curso interpretativo ideal, "então pode serdito que esse conteúdo está implicitamente no signo ele mesmo,de modo que não haveria diferença real entre o interpretanteimediato e o fmal" . Porém Ransdell continua:

No entanto. baseando-me naquilo que conhecidos caracteres da teoria peir­ceana sugerem e de modo consistente com a caracterização dointerpretanteImediato como sendo da modalidade dopossível. sugiro que abase para adis­tinção reside no fato de que. deacordo com Peirce. todos os signos são. numdado momento. de algum modo indeterminados nas suas identidades de sig­nos: eles são vagos. até um certo ponto. nos seus significados e não podem.de fato. se tomar inteiramente determinados. Isto significa que o poder gera­tivo do signo como talnão pode ser exatamente determinado. uma vez que ele.em simesmo - e não meramente em relação ao nosso conhecimento possí­vel - é.até um certo ponto. indeterminado[...JDo ponto de vista do intérpre­te. não se trata aí simplesmente de uma questão de não se saber oque osignorealmente significa ou pode significar. mas de haver uma indeterminação nosigno em si mesmo. a qual s6 pode ir sendo desatada na medida em que osigno for gerando interpretantes dinâmicos efetivos. Esses interpretantesestão. de certa forma. fixados pela identidade do signo como tal. Nessa medi­da. ointerpretante imediatoé amargem - sempre vagamente circunscrita ­do poder de geração do interpretante do signo num dado momento. [...J Eointerpretante final é, então. a margem dos interpretantes possíveis tal comoseria definitivamente estabelecida com aparalisação de todo crescimento nospoderes do signo como tal. Não éo último interpretante que ocorrerá. mas atotalidade de todos os poderes que um dado signo manifestaria quando eletivesse mostrado tudo que ele poderia ser - tudo que ele poderia fazer ­como signo

____--,- A TEORI.~ ( .l R.\ l OOS SK;~OS/02

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Uma segunda classificação do interpretante

que parecem coerentes, não haveria motivo para controvérsias eequívocos por parte dos intérpretes de Peirce. No entanto estessurgiram porque Peirce formulou, a par desta primeira tricoto­mia. uma segunda tricotomia que, embora apresente, em relaçãoà primeira, pontos de semelhança, elas não se caracterizam comoidênticas. Em vista disso, passarei aqui à descrição da segundatricotomia para que, depois, possam ser discutidas as relaçõesentre ambas.

A segunda tricotomia do interpretante apareceu em 1907e se encontra desenvolvida no manuscrito 318. Extraída direta­mente também das três categorias (primeiridade, secundidade,terceiridade), uma das melhores definições dessa tricotomia foiassim formulada: "É agora necessário apontar para o rato de quehá três tipos de interpretantes. Nossas categorias os sugerem, e asugestão é confirmada por exame cuidadoso. Eu os chamo deinterpretantes emocional, energético e lógico. Estes consistemrespectivamente em sentimentos, esforços e mudanças, de hábi- .tos" (MS 318, p. 244). Nwn outro trecho, mais detalhado, Peirceretomou a formulação:

Oproblema do que seja o 'significado' de um conceito intelectual somentepode ser resolvido através do estudo dos interpretantes. ou propriamente dosefeitos significados [grifo nosso) dos signos. Verificamos que são de três clas­ses gerais com algumas sutxlivisães importantes. Oprimeiro efeito significa­do [grifo nosso] de um signo é osentimento por ele provocado. Na maior partedas vezes. existe um sentimento que interpretamos como prova de que com­preendemos oefeito específico de um signo, embora abase da verdade nestecaso seja freqüentemente muito leve. Este "nterpretante emocional", como odenomino. pode importar em algo mais doque osentimento de recognição; e.em alguns casos. é o único efeito significado que o signo produz [..I Se umsigno produz ainda algum efeito desejado [grifo nosso), fa-lo-á através damediação deum interpretante emocional. e tal efeito envolverá sempre umesforço. Denomino-o "Interpretante energético" Oesforço pode ser muscularL.. J, mas é usualmente um exercer do mundo interior, um esforço mental Nãopode ser nunca osignificado de um conceito intelectual, uma vez que é um ato

II

í05

singular [..1Mas Que espécie de efeito pode ainda haver? II VOU denomina­lo"interpretante lógico" [.. ] Devemos dizer Que este efeito pode ser um pen­samento. oQue Quer dizer, um signo mental? Sem ouvida pode sê-lo. so Que seesse signo forde natureza intelectual - como tena de ser - tem oe possurum interpretante lógico; de forma Que possa ser o derradeiro Inte'pretantelógico doconceito. Pode provar-se que o único efeito mental. Que pode serassim produzido e que não é um signo. mas é de aplicação geral. é umamudança de hábito; entendendo por mudança de hábito uma modificaçào nastendências de uma pessoa para a ação. Que resulta de exercícios previos davontade ou dos atos. ou de um complexo de ambas as coisas (5 475-761

Retomando a explicação, pode-se concluir que o interpre­tante emocional é o primeiro efeito semiótico. em termos de qua­lidade, portanto, qualidade de sentimento. de um signo. É oaspecto qualitativo do efeito produzido pelo signo. Não se con­funde meramente com o significado emotivo. visto que este secaracteriza pela "carga emocional que acompanha uma atitudevalorativa, positiva ou negativa, proporcionada por um signo"(Savan, p. 43), enquanto que o interpretante emocional. de sen­tido mais vago e indefinido. diz respeito a uma qualidade de sen­timento inanalisável e intraduzível.

O interpretante energético corresponde a um ato no qualalguma energia é dispendida. Pode ser uma mera reação muscu­lar em relação ao mundo exterior ou pode corresponder à mani­pulação e exploração das imagens do nosso mundo interior.Segundo Savan (p. 43-4), os objetos físicos, que agem sobre nóse sobre os quais agimos, têm uma auto-identidade que indepen­de de nós, oferecendo resistência às nossas manipulações.Precisamos, assim, exercer alguma energia e esforço quandolidamos com eles. Para Peirce, no entanto, as tàntasias e imagensde nosso mundo interior também mantêm sua auto-identidade,durante um certo período de tempo, oferecendo também algumaresistência, mesmo que frágil à manipulação e mudança. Tem-se.nesse caso, também interpretantes energéticos que envolvem nãoações musculares, mas esforços interiores. atos de imaginação.

O interpretante lógico é o pensamento ou entendimentogeral produzido pelo signo. Sua explicação também nos é forne­cida por Savan (p. 44-5). quando diz que pensar. conceber,

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Embora a exposição de Savan pareça deixar a segunda tri­cotomia bastante esclarecida, é na exposição de D. Johansenque o interpretante lógico é explorado em detalhamento minu­cioso. Por meio de um rastreainentodomanuscrito 318,Johansen (1985, p. 245-6) nos apresenta o interpretante lógicono seu processo de geração, quer dizer, a descrição de como sedá o nascimento de um novo interpretante lógico. Peirce faz adistinção entre o primeiro, o segundo e o terceiro interpretantelógico, nos diz Johansen. O primeiro consiste de conjeturasconstruídas por desempenhos voluntários do mundo interior, ima­ginando-se diferentes situações e linhas de conduta alternativas. .Modificando-se levemente as conjeturas, elas serão mais cuida­dosamente definidas e, nesse processo, atingimos o segundointerpretante lógico de nível inferior. Notando-se certas relações

I

IDo INTERPRETANTE I U7

entre as conjeturas modificadas "somos levados a generalizaçõese a abstrair as formas das conjeturas as quais constituirão osegundo interpretante lógico de nível superior" (MS 318,p. 169-70). Este interpretante constitui "o último efeito mentalpróprio e normal do signo tomado em si mesmo" (p. 171). Esseinterpretante é identificado com o significado que é descritocomo um "hábito de ação interior imaginativa".

Embora o segundo interpretante lógico de nível superiorseja o resultado normal do processo, Peirce ainda descobre maisum interpretante constituído pelo processo de experimentaçãoou quase-experimentação. Evidentemente, aquilo que Peircedescreve como primeiro, segundo (inferior e superior) e terceirointerpretantes lógicos são passos no processo de investigação, eaqui certamente chegamos bem perto do seu conceito pragmáti­co de significado. De acordo com isso, no mesmo manuscrito,Peirce também fala sobre um interpretante lógico último queconsiste em uma mudança de hábito.

Geralmente, o interpretante lógico é definido como "aapreensão intelectual do significado de um signo" (p. 176), maso.interpretante lógico resultante exigirá um interpretante lógicoulterior, e assim ad infinitum. Desse modo, Peirce concluiu queo interpretante lógico último não pode ser da natureza de umsigno, mas deve ser um hábito que é definido do seguinte modo:" ... qualquer modificação na disposição de uma pessoa, quandoacionada por certos desejos, para responder a condições percep­tuais por uma conduta de um certo tipo, tais modificações resul­tando de experiência exterior prévia e de certas ações de esforçovoluntário prévio por parte dessa mesma pessoa" (p. 285) .

Agora compare-se o interpretante lógico último, nos dizJohansen, com a formulação da "máxima pragmática" de 1905(5.438): "O alcance intelectual pleno de qualquer símbolo con­siste no total de todos os modos gerais de conduta racional que,condicionalmente sobre todas as possíveis e diferentes circuns­tâncias e desejos, levariam à aceitação do símbolo". De modoclaro, conclui Johansen, a definição pragmática do "alcance"intelectual de um símbolo e a descrição do hábito que constitui

_____________ A n()RI.~ GERAL I'<\S SI'; " 'S106

entender não é um evento ou ocorrência singular. Pensar é fazerinferências, estabelecer conseqüências de certas premissas.mover-se de acordo com uma regra geral. Um interpretante lógi­co é uma regra geral, que não se confunde com um conjunto depalavras, mas é mais propriamente um hábito de ação que podeser expresso por palavras. Um hábito quer dizer que, "se certasações são realizadas sobre objetos que respondem a uma certadescrição, resultados de uma espécie geral serão observáveis. Osatos .que a regra prescreve 'pooem ser musculares e físicos, oueles podem ser atos imaginativos experimentados sobre imagense diagramas mentais". Nos dois casos, trata-se de atos de nature­za voluntária que são efeitos semióticos da regra e sobre ela rea­gindo a ponto de modificá-Ia para tomá-Ia mais confiável, pro­duzindo resultados preditivos. Savan continua:

A regra ou hábito é um padrào de ações que. sob certas condições apropria­das. será repetido indefinidamente no futuro [ ,IAs ocorrências da regra ouhábito se dãO num conjtJ1tu particulélf deações dentro de um penedo de tempolimitado. Estes conjuntos deações particulares são interpretantes energéticos;mas. uma~ que eles exemplificam um hábitoindefinidamente repetível. elestambém são réplicas de interpretantes lógicos. Note-se que. enquanto osinterpretantes emocional e energético têm uma terminação finita. o interpre­tante lógico ésempre potencialmente repetível sem terminação.

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I. Imediato

2. Dinâmico

2.1. Emocional

2.2. Energético

2.3. Lógico

3. Final

(segundo elemento da primeira tricotornia) de modo que. paraele. a relação entre as duas classificações ficaria graficamenteassim representada:

Embora Peirce não tenha dito que os interpretantes emo­cionai, energético e lógico sào subdivisões do interpretante dinâ­,mico, a posição de Savan parece bastante coerente. Se retomar­mos as definições peirceanas do interpretante dinâmico, vere­mos que todas elas caracterizam esse interpretante como efeitorealmente produzido pelo signo na mente do intérprete . Ora, aointroduzir a segunda tricotomia (emocional, energético e lógico).Peirce explicitamente a caracterizou como efeitos Significadosdo signo (cf. os grifos que introduzi nas citações algumas pági­nas atrás), sendo esses efeitos da ordem do sentimento. do esfor­ço (fisico e/ou mental) e do pensamento (intelectivo e lógico).Não por acaso, as definições desta segunda tricotomia dizem res­peito àquilo que efetiva e concretamente ocorre na mente inter­pretadora. Sabendo-se que o lugar lógico do intérprete é o lugardo interpretante dinâmico, parece evidente que a segunda trico­tomia não é senão uma subdivisào do interpretante dinâmico, oumelhor, uma caracterização mais microscópica dos níveis, grausou momentos dos efeitos, muitas vezes sincrônicos, do signo nointérprete.

Antes de conhecer as posições de Savan diante da questão.durante algum tempo, eu mesma havia me fixado numa posiçãoidêntica à dele. Portanto, quando o estudo de Savan chegou àsminhas mãos, não veio senão confirmar e fortalecer uma visão à

____ _ _ _ ______ _ _ A l FORIA (;FR\1 DOS SI(;"OS/1/\

As duas tricotomias: uma visão de conjunto

No que diz respeito às interações da primeira e segundaclassificação dos interpretantes, as posições de Johansen, Savane Buczinska-Garewicz não são coincidentes, mas complementa­res. De acordo com Savan, a segunda tricotomia (emocional,energético. lógico) é uma subdivisão do interpretante dinâmico

o interpretante lógico último estão. não surpreendentemente.muito próximas uma da outra.

Com isso. parece também ficar. até certo ponto explicita­da. com pouca margem para equívocos. a segunda tricotomia dointerpretante. Desse modo. nào é no interior de cada uma das tri­cotomías que surgiram as controvérsias, mas na relação de umapara com a outra. Peirce, ele mesmo. nào fez referência definiti­va sobre as relações entre a primeira e a segunda tricotomia. Queambas sào extraídas diretamente das categorias fenomenológi­cas. é ponto pacífico . No entanto. é também ponto pacífico. oupelo menos assim parece, que ambas não são sinonímicas. Nãosendo, qual o papel de cada uma delas no processo de geração dointerpretante?

Segundo indicação de Ransdell, quando nos referimos aessas duas tricotomias, a questão não diz respeito àquilo que as

" tt:icqtOlpias realmente são, mas antes àquilo que elas deveriamse~, levando-se em conta o que ficou claramente estabelecido porPeirce na sua concepção básica da relação sígnica e na suasemiótica em geral. Isto quer dizer que não é apenas na exegesede textos peirceanos que encontraremos respostas para a relaçãoentre as duas tricotomias, mas por meio de inferências por cami­nhos que parecem mais coerentes e consistentes com o todo dasemiótica peirceana. Foi em razão disso que deliberadamenteignorei, em relação a essas duas tricotomias, as disputas que mepareceram absurdas e despidas de pertinência, selecionando paradiscussào os trabalhos que, a meu ver, constroem de maneiraconsistente as relações entre as duas tricotomias.

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I. Imediato

1.1. Emocional

1.2. Energético

1.3. Lógico (Em termos de possibilidade ainda indefinida.)

2. Dinâmico

2.1. Emocional

2.2. Energético

2.3. Lógico (Em termos de efeito realmente produzido.)

I : :

Esse gr áfico. no entanto. merece ser deta lhado e melhor

especificado. Em primeiro lugar. cumpre notar que a posição de

Johanscn nào apenas se apresenta de modo bastante sugestivo.

como também encontra respaldo nos escritos de Peirce elemesmo. A triade (emocional. energético e lógico) contida nointerpretante imediato. por exemplo. foi explicitamente formula­da por Peirce como se segue:

Emrelação ao seu interpretante Imediato.dividi ria os signos emtrês classes:l . Aqueles quesãointerpretáveis através de pensamentos ou outros signos damesma espécie numa série infinita.2. Aqueles que são interpretáveisatravés de experiênciaconcreta3. Aqueles que são interpretáveis na forma de qua lidades de sentimento ouaparência (8 339)

Aí estão encapsulados, no interpretante imediato. respecti­vamente o interpretante lógico. o energético e o emocional.Quando. referindo- se ao interpretante imediato. Peirce diz "aque­les .que são interpretáveis", nessa palavra "interpretáveis", estádefinida a natureza do interpretante imediato como mera possibi­lidade ou potencial interpretativo ainda não atualizado. Ora. se ointerpretante dinâmico diz respeito ao efeito efetivamente produ­zido pelo signo. sendo que esse efeito pode ser de três ordens(emocional. energético e lógico), não há nada mais consistente doque o fato de que essas três ordens estejam contidas e inscritas ape­nas em termos de possibilidade no interpretante imediato, possibi­lidade esta que cabe ao interpretante dinâmico. na sua pluralidadesempre relativa de atualizações, ir desatando e realizando.

Entretanto. há ainda outro caminho possi vel para a com­preensão do interpretante imediato que. aparentemente, serve deargumento para a posição de Savan e contra a de Johansen. Nacarta de 14 de março de 1909, dirigida a L. Welby, Peirce dizia :"Entendo meu interpretante imediato como sendo o efeito totalinanalisado que se calcula que o signo produzirá, ou naturalmen­te espera-se que ele poderia produzir. e eu me acostumei a iden­tificá-lo com o efeito que o signo primeiramente produz ou podeprodu zir sobre uma mente, antes de qualquer reflexão sobre ele(o signo)" (SS, p. 110).

A TEORIA (OfR .~ L DOS SIG'o;051/0

qual eu chegara por conta própria. Contudo. o contato posterior

com o texto de Johansen veio lançar novas luzes sobre a questão.

Johansen toma como tácito o fato de que as duas tricotomias nào

~o idênticas e junta argumentos para comprovar que a segunda

tncotomia é urna subdivisào da primeira. Neste sentido, concor­

da co~ Savan, isto é. a segunda classificação do interpretante é,na realidade, uma espécie de subdivisão prismática da primeira.

estando , portanto, incrustada nesta. Entretanto, para Johansen, a

subdivisào dos interpretantes emocional. energético e lógico não

está confinada ao interpretante dinâmico, uma vez que ela está

explicitamente conectada também com o imediato, assim como

se presume que ela seja válida para o interpretante final. Nessa

medida, os interpretantes imediato. dinâmico e final teriam, deacordo com a específicídade que é própria a cada um, suas sub­

~\;sões triádicas em emocional , energético e lógico, o que fica­na graficamente representado do seguinte mod<?: . . ..

3. Final

3.1. Emocional

3.2. Energético

3.3. Lógico (Em termos de propósito a ser preenchido.)

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.Como se pode ver,essas trêsdimensões, todas elas se apre­. sentandode 'modo ainda indefinido (e que Johansen chama de

"uma idéia"), são dimensões já inscritas como possibilidade nopróprio signo, isto é, no seu interpretante interno ou imediato.

Com isso, podemos passar ao exame do comportamentoda tríade (emocional, energético, lógico) no interior do interpre­tante dinâmico. Definindo-se este como o efeito real produzidosobre um dado intérprete, numa dada ocasião e num dado está­gio de sua consideração do signo, daí se conclui sobre o caráterirredutivelmentesingular, relativo e inevitavelmente psicológicodo interpretantedinâmico. Nessamedida, na pluralidade e diver-

o que fica aí enunciado. em primeiro lugar. é o carátereminentemente vago e indeterminado do interpretante imediato.Em segundo lugar, tem-se a identificação do interpretante ime­diato com oprimeiro efeito, despido de reflexào.que o signo pro­duz ou pode produzir sobre uma mente. Pois bem, efeito sobreuma mente é, sem sombra de dúvida. interpretante dinâmico,assim como primeiro efeito sobre uma mente caracteriza-secomo ínterpretante dinâmico em nível emocional. Peirce transfe­re aí, portanto, a indefinição de princípio do interpretante ime­diato para o primeiro efeito vagoIinterpretante dinâmico emo­cional) que o signo é passívelde produzir. Nessa medida. o inter­pretante imediato manteria umaanalogia e estaria em correspon­dência com o interpretante dinâmico emocional e não com osoutros níveis, ou seja, o energético e o lógico. Desse modo. atríade (emocional, energético e lógico) pertenceria apenas aointerpretante dinâmico e não ao imediato. O argumento deJohansen (1985, p. 247) contra essa formulação é, no entanto,bastante inteligente:

Ointerpretante imediato éoefeito imediato pertinente epossível na sua intei­reza primitiva inanalisada. No caso de um signo interpretado por urna mente. aidéia (num sentido bem extenso) que deve ser apreendida para que o signopossa preencher sua função é uma idéia que se apresenta intatum e inanali- .sada. Ela pode ser uma qualidade de sentimento, mais OU menos vaga, ou umaidéia de um esforço...ou ela pode ser a idéia de uma forma ou qualquer COisa

de um tipo geral.

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sidade necessariamente errante dos interpretantes dinâmicos.estaria como que cortada qualquer ponte de ligação com o inter­pretante final. concebido como limite ideal a ser atingido pelosigno. limite este regrado ou governado por um padrão ou formalógica de entendimento do signo. Toma-se claro. neste ponto, porque Peircese viu conduzido a estabelecer sua segunda tricotomiado interpretante e por que a atuação dessa tricotomia é de funda­mental importância no interior do interpretante dinâmico.

Através do percurso que vai do emocional. energético atéo interpretante lógico. Peirce foi minuciosamente desenhando.com delicada precisão. as passagens do interpretante dinâmicorumo ao interpretante final pela mediação do emocional. ener­gético e lógico. Mostrando a diferença entre um interpretanteenergético singular e o energético como réplica de um interpre­tante lógico ficou também evidenciada a açào do hábito (regrageral da ação) sobre as ações singulares. ficando inclusive evi­denciada a possibilidade e necessidade de transformação da pró­

.pria regra que conduz à mudança de hábito. Não é por acaso queo último interpretante lógico é uma mudança de hábito ou novoestado de prontidão para a ação e para a ação do pensamento.Com ísso.abrem-se as portas que conduzem ao movimento detransformação do signo-pensamento que. por erros e acertos ouprocessos de autocorreção, tendem ao interpretante final. isto é,à manifestação de sua razoabilidade, ou melhor, sua razoabilida­de concreta.

Na sua relação com o interpretante final. a tríade emocio­nal, energético e lógico é explicitada por Johansen da seguinteforma: sendo o interpretante final, o propósito que o signo, noseu longo caminho, deveria preencher, não se pode deixar denotar que Peirce propôs três níveis de padrões (valores ou ideais)que norteiam o movimento de transformação sígnica. Estespadrões, que foram apontados, também por D. Savan (1976),apresentam fortes analogias com os caracteres do interpretanteemocional, energético e lógico.

Há primeiramente um padrão pelo qual qualidades podemser medidas. A palavra grega para aquela qualidade que é consi-

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11-1

derada, em si mesma, a melhor ou superior, é kalos. para a quala mais próxima tradução é admirável. Peirce concebe a estéticacomo o estudo daquilo que é intrinsecamente adm irável. Um tipode propósito, então, que será o interpretantc final de um dos tiposde signo, é produzir qualidades de sentimento que são, até certograu, admiráveis ou kalos. Segundo. há padrões por meio dosquais a conduta é interpretada. Interpretantes finais cujo propó­sito é a direção da conduta são intcrpretantes éticos e os signos.cujos interpretantes finai s sâo éticos. podem ser chamados depráticos. Terceiro, o propósito ultimo de um signo cognitivo ouintelectual é produzir controle critico deliberado dos h ábitos ccrenças. As normas criticas, que são relevantes aqui, sào os prin­cípios condutores da lógica. É por esses princípios condutoresque a validade da inferência e a consistência de um conjunto deinterpretantes são julgadas. Para um signo cujo interpretantefinal é critico, Peirce propõe o nome "pragmático".

Conforme se pode ver, chegar ao pontofinal da teoria do .interpretante é simultaneamente encontrar o ponto em que nào sepode mais considerar o interprctante sem que se leve em conta otipo ou natureza do signo sob exame. Se o signo pertence domi­nantemente à categoria da primeiridade (ícone e derivados), istoé, se o signo se apresenta ao interpretante final como signo remá­tico, a tendencialidade ou propósito, que norteia seu curso notempo , é puramente estético (o adm irável) . Se o signo é de natu­reza prioritariamente indicial, isto é, apresenta-se ao interpretan­te final como signo dicente. seu fio condutor é de caráter ético­prático . No caso do signo genuíno, essencialmente triádico. apre­sentando-se ao interpretante final como argumento, o propósitoque o norteia é de natureza critico-pragmática.

A partir disso, somos levados a concluir, em primeirolugar, que essa verdadeira obra de ourivesaria, trabalho em fili­grana, construída com amorosa minúcia pela teoria classificató­ria do interpretante peirceano. é uma intrincada rede rnapeadorados detalhes mais sutis que regem os processos de interpretação.Trata-se, portanto, de uma construção teórica exaustiva. cujoemprego tem de levar em conta o fato de que

pouco sentido se pode extrair para a aplicação de muitasdas ideias dePelrr fenquanto não se perceber que as distinções conceuua.s Que ele consuoi. errtermos de casos ideais altamente articulados e ssrmuçadamente difer encia,dos. serão quase sempre aplicadas. na pra: ca a lerórnenos Que apenas seaproximarão , em maior ou menor medida. daquele icea. e Que anão-aplicabi­lidade de uma distinção é simplesmente c conto de fuga de sua utilidadeIRansdell. 1983. p 441

Pode-se concluir, em segundo lugar, que, a partir dessateia teórica exaustiva dos níveis e graus do interpretante, podemser reconfiguradas as redes específicas dos interpretantes queentram em funcionamento para os signos icónicos, e os que fun­cionam para os signos indiciais, sendo que a teia completa. evi­dentemente, só cabe aos signos genuinamente tríádicos. Isto nãosignifica, contudo, que o fato de um signo ser de natureza sim­bólica deva deterministicamente fazê-lo chegar até o interpretan­te lógico. Foi Peirce quem disse que não se deve supor que sobtoda apresentação de um signo capaz de produzir um interpretan­te lógico, tal interpretante deva efetivamente ser produzido. Aocasião, para tal, pode chegar ou muito cedo ou muito tarde. Sechega muito cedo, a semiose não será levada muito longe, demodo que os outros interpretantes serào suficientes para as fun­ções em que o signo está sendo usado. Por outro lado. a ocasiãovirá muito tarde se o intérprete já estiver famil iarizado com ointerpretante lógico, e então o interpretante virá à mente por umprocesso que não fornece nenhuma insinuação sobre o modocomo o interpretante foi originalmente produzido (apud Savan.

1976, p. 46).

Enfim, cada situação concreta da geração do interpretantetem de ser examinada na sua singularidade. Entre a teoria. na suaabstração, e a circunstância real da aplicação da teoria sobre umfenômeno concreto, é preciso haver a intervenção heuristica doinvestigador no atendimento aos apelo s que o próprio fenômenogera em relação à teoria. É em função disso que considero a posi­ção de Buczinska-Garewicz diante das relações entre a primeirae a segunda tricotomias do interpretante peirce ano como sendo

das mais intrigantes e sensíveis.

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Segundo Buczinska-Garewicz, Peirce introduziu a segun­da tricotomia (emocional, energético e lógico) no interior da pri­meira (imediato, dinâmico e final) para dar conta dos campossígnicos ou fenômenos significativos que não têm caráter pura­mente intelectual. Ou seja: em primeiro lugar. para dar conta dofato de que os signos, mesmo os mais genuinamente tri ádicos,não produzem como interpretantes apenas pensamentos, mastambém sentimentos, emoções, percepções, ações. condutas ecomportamentos, de modo que, mesmo no signo de naturezapensamental e intelectiva, todos esses elementos estào neleembutidos constituindo, assim, também sua substância.

Em segundo lugar, para dar conta do fato de que. em deter­minadas situações, mesmo sendo triádico, o signo pode ter seuprocesso interpretativo ínterrompido em qualquer um dosmomentos de geração do interpretante, visto que esse momentopode ser suficiente para a função que o signo cumpre naquelasituação. Neste caso , embora a natureza do signo; emsi mesma; -­seja essencialmente triádica, ela pode, no processo interpretati­vo, adquirir a forma de um signo degenerado, isto é, quando seuinterpretante tem o caráter de uma ação ou até mesmo de umamera qualidade de sentimento;

Em terceiro lugar. para dar conta dos processos interpreta­tivos dos signos que, por sua própria natureza, são degenerados,ou seja, quase-signos, casos em que qualidades de sentimento ou

. .modos de ação constituem interpretantes legítimos e conaturais.Com isso ficam aqui abertas novas comportas que nos permitemrevisitar agora as subdivisões prismáticas do signo, tendo emvista o exame do comportamento dos quase-signos, especial­mente os ícones e mais particularmente os índices, nos quaistoma corpo a matéria sempre mais cálida, e às vezes febril,daquilo que concretamente existe.

111> .- ------ . --- - - - - A TH lRIA G~R.Al LJOS SIG"'O S

o SIGNO REVISITADO

~ interpretante é um terceiro; o fundamento do signo, um pri­~meiro: e seu objeto, um segundo. Sendo da ordem da ter­

ceiridade, espera-se que o interpretante tenha a natureza deuma lei ,.regra ou hábito. Peirce chega, algumas vezes, a carac­terizar o interpretante como uma regra e hábito, por intermédiodos quais um signo é transformado em outro signo, no proces­so de autogeração que tive por intenção descrever detalhada­mente neste livro . Isso é válido para a triade genuína, na qual

•' tanto o signo quanto o objeto, assim como o interpretante, per­tencem à ordem da terceiridade, fonte lógica da continuidade,crescimento, infinitude.

O interpretante se situa entre uma classe potencialmentejnfinita de antecedentes e uma classe potencialmente infinita deconseqüentes e funciona como uma regra geral para a passagemde uma classe infinita a outra. Para essa regra geral, Peirceensaia várias denominações: princípio condutor, princípio guia,regra de inferência ou regra de transformação ilativa. Tal regratem o caráter de um signo de lei. Assim sendo, o interpretante éum mediador, tanto do lado do objeto quanto do lado dos inter­pretantes futuros, ou seja, situa-se entre seu signo antecedente eo objeto que lhes é comum, adicionando outros signos paraaquele objeto, mas também se situa entre seu signo antecedentee seu interpretante conseqüente como uma regra para a transfor­mação de um em outro.

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Tal é a ordenação lógica da continuidade que só não secongela, mas, ao contrário , tende para o infinito porque a própriaregra - ou princípio condutor que regula a geração dos interpre­tantes - pode ela própria ser submetida ao controle crítico deli­berado, sendo levada à transformação que acarreta em mudançade hábito. A necessidade de controle crítico brota não apenas sobefeito dos movimentos lógicos do próprio pensamento, mas sobefeito da insistência do objeto do pensamento que não cessa deaparecer sob ângulos imprevistos. A mudança de hábito. por seulado, desaloja crenças petrificadas e inaugura novos modos deconduta e de ação cognitivas. Ainda de acordo com Peirce, asmudanças não são simplesmente aleatórías. Embora sejamimpulsionadas pelo imprevisto, elas fazem parte da projeção dosigno para o infinito. projeção esta que dispõe de um processonão apenas autogerativo mas também autocorretivo, cujo vérticeaponta para a verdade.

A semiótica peireeana é, antes de tudo, uma teoria sígnicado conhecimento, que desenha, num diagrama lógico, a planta deuma nova fundação para se repensar as eternas e imemoriaisinterrogações acerca da realidade e da verdade. Nos capítulosanteriores, dediquei-me a demonstrar como a rede da semiose searma e se trama. A partir dessa armação, poderíamos encetar ocaminho das conseqüências mais propriamente filosóficas queestão implicadas na semiose. Esse caminho, no entanto, será dei­xado, quemsabe, para o futuro. Isto porque a própria semiosenos obriga, neste ponto, a executar uma espécie de marcha a ré.Tendo apontado para o vértice do signo, temos agora de retroce­der para o seu vórtice.

A semiose é uma trama de ordenação lógica dos processosde continuidade. O pensamento é o campo privilegiado da conti­nuidade. Cedo, no entanto, muito cedo, Peirce se deu conta de quenão há pensamento ou formas de raciocínio - nem mesmo as for­mas puramente matemáticas, e mais ainda estas - que se organi­zem exclusivamente por meio de signos simbólicos. A semiosegenuína é um limite ideal. No plano do real, só ocorrem misturas.Outros tipos de signos, além dos símbolos, intervêm e são

Ui

Qualquer coisa de qualquer espécie, imaginada, sonhada,sentida, experimentada, pensada, desejada... pode ser um signo,desde que esta "coisa" seja interpretada em função de um funda­mento que lhe é próprio, como estando no lugar de qualqueroutra coisa. Ser um signo é ser um termo numa relação triádicaespecífica. Essa relação não precisa necessariamente estar arma­da de maneira prévia para que o signo funcione como tal. Essarestrição só cabe ao signo triádico genuíno. Há inúmeras outraspossibilidades de funcionamento sígnico. nas quais a tríade écriada no e pelo ato de interpretação, de modo que qualquercoisa, seja ela de que espécie for, que chega à mente. é imediata­mente convertida em signo, mesmo que a natureza deste signoseja a mais tosca. rudimentar, tenra, frágil. precária. evanescente,vulnerável e fugidia. Essa é, tanto quanto posso ver, a mais revo­lucionária e inaugural condição da semiótica peirceana. DizPeircc: "Mas nós podemos tomar signo num sentido tào largo aponto de seu interpretante não ser um pensamento, mas uma açãoou experiência. ou podemos mesmo alargar tanto o significadode signo a ponto de seu interpretantc ser uma mera qualid ade desentimento" (8.332) .

Amplitude da noção de signo

necessários à condução do pensamento e das linguagens. A mis­tura signica ê parte integrante do pensamento e de todas asmanifestações de linguagem. Desenredar a meada das misturassígnicas foi uma das tarefas a que Peirce dedicou boa parte desua existência. Junto a essa tarefa, colou-se aquela de dar contadas cifras do universo que não se reduzem aos processos de con­tinuidade, mas incluem a força bruta dos fatos e a indetermina­ção do possível. Na emaranhada meada dos signos e da vida nouniverso, pois que ambos são, para ele, sinônimos, Peirce enxer­gou três nervuras de convergência (suas três categorias). pormeio das quais filtrou a multiplicidade e heterogeneidade apa­rente dos fenômenos . Começamos aqui um outro trajeto de visi­tação, agora às malhas pluriformes dos tipos de signos.

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-

As Idades dos signos

As mais conhecidas triades formuladas por Peirce são asque dizem respeito ao signo em si mesmo (qual i-signo, sin-

. & 2

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I Juali-signo, icônico. remático Por exemplo um sentimento devermelhidão

II Sm-siqno. .cônico. remático. Um diagrama indivrdual.

111 Sin-siqno. mdirativo. remático. Um grito espontâneo

IV Sin-signo indicativo. dicente. Um catavento

signo e legi-signo), à relação do signo com o objeto dinâmico(ícone. indice e símbolo) e à relação do signo com o interpretan­te (rema, dicente e argumento). Essas três tríades se tornarammais conhecidas provavelmente porque a elas ele dedicou maioratenção. dado o fato de que elas devem ser as mais importantes.Se o signo é algo que traz um objeto para uma relação com uminterpretante. então o signo exibe conseqüentemente cada umadessas três modalidades: ele é algo em si mesmo. em conexãocom um segundo e uma mediação entre um segundo e um ter­ceiro. Esse caráter triádico do signo fornece as três grandes divi­sões que Peirce mais detalhadamente explorou: I) signo em simesmo: 2) signo em conexão com o objeto; e 3) signo comorepresentação para o interpretante. Cada uma dessas divisões foientão re-subdividida de acordo com as variações próprias dascategorias de primeiridade, secundidade e terceiridade. Os sig­nos em si mesmos podem ser: 1.1 qualidades; 1.2 fatos; e 1.3 tera natureza de leis ou hábitos. Os signos podem estar conectadoscom seus objetos em virtude de: 2.1 uma similaridade; 2.2 deuma conexão de fato. não cognitiva; e 2.3 em virtude de hábitos(de uso). Finalmente, para os seus interpretantes, os signospodem representar seus objetos como: 3.1 sendo qualidades,apresentando-se ao interpretante como mera hipótese ou rema; 3.2sendo fatos, apresentando-se ao interpretante como dicentes: e 3.3sendo leis. apresentando-se ao interpretante como argumentos.

Dessas nove modalidades Peirce extraiu as combinatóriaspossíveis. Aquilo que um signo representa ser seu objeto depen­derá. em parte. do tipo de conexão entre signo e objeto e a espé­cie de conexão dependerá do caráter ou natureza do própriosigno. Assim, nem todas as combinações são possíveis. Das res­trições implicadas resultam dez classes de signo como se segue :

------- A TEORI ... liERAL oos Sll, " "uo

Ao deslocar a noção de signo para aquém do signo genuíno.Peirce re-absorve, dentro da semiótica, parâmetros fenomenológi­cos que dilatam e ampliam a concepção de signo, invadindo terri­tórios que subvertem as tradicionais camisas-de-força logocêntri­cas e racionalistas. A integração da fenomenologia à semiótica,por outro lado, rompe também com as costumeiras separaçõesdicotômicas entre pensar e sentir, inteligir e agir, espírito e maté­ria, alma e corpo etc. Em síntese: as demarcações rígidas entre osdois mundos, o mundo dito mágico da imediaticidadequalitativaversus o mundo dito amortecido dos conceitos intelectuais, sãodialeticamente interpenetradas , revelando o universo fenomênico esígnico como um tecido entrecruzado de acasos, ocorrências enecessidades, possibilidades, fatos e leis, qualidades, existências etendencialidades, sentimentos, ações e pensamentos.

Inteligir logicamente esses entrecruzamentos é, paraPeirce, a função da semiótica . Essa função vai além dos circuitossígnicos que sào estritamente interpretados pela mente humana.Um mecanismo de feed-back, como um termostato, um tearmecânico, como um tear de Jacquard, ou mesmo um girassol,estavam também incluídos nos seus exemplares de signos. Elenão chegou a conhecer as profundas revoluções da biologiamoderna, na sua descoberta da estrutura química do códigogenético, nem as invenções da computação com suas máquinasintercomunicantes, nào conheceu também os frutos da revoluçãoeletrônica com todos os seus rebentos para a produção e reprodu­ção da imagem e do som. Se tivesse conhecido, teria presumivel­mente se deleitado com as possibilidades que esse novo e imen­so processamento de signos abre para a exemplificação de todasas gradações e subgradações das semioses não genuínas por elebatizadas de quase-signos.

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..

lI . Conforme o modo de apresentação do objeto imediato:I_descritivo2. designativo3. copulante (ou distributivo)

m. Conforme a natureza do objeto dinâmico ou determinação dosigno pelo objeto dinâmico:

I. se o objeto dinâmico tem a natureza de um possível, osigno é um abstrativo

Esta primeira tricotomia apresenta uma variante que dizrespeito ao modo de apresentação do próprio signo ou modo deapreensão do signo por uma mente interpretadora. Qualquercoisa que se apresente à mente é apreendida de acordo com asseguintes modalidades:

'IIIIiI

___ ___'__ I:.;

I. qual i-signo (ou tom ou marca)2. sin-signo (ou token)

3. legi-signo (ou tipo)

1. Poti-signos. ou objetos Que são signos apenas por serem meramente possí­

veis.mas sentidos como positivamente possíveis, como. por exemplo. osétimoraio Que passa através das três intersecções dos lados opostos do hexagramadePascal.

2. Acti ·signos. ou objetos Que são signos como experimentados aqui e agora,tal como Qualquer palavra singular. numa sentença singular. num parágrafosingular de uma página singular de uma singular reprodução de um livro.Poderá haver repetição do parágrafo completo e esta palavra estar incluídanum outro lugar. Mas essa outra ocorrência não será esta mesma palavra. Olivropoderá ser imprimidonuma edição dedez mil.mas ESTA palavra está tão­somente na minha cópia,

3.Fami-signos. ou signos familiares Que devem ser gera is. tantoQuanto signosgerais devem ser familiares ou compostos de signos familiares Refiro-me asignos ·gerais·. não nosentido de·significando" gerais. mas como sendo elespróprios gerais.Da mesma forma como, por exemplo. Carlos Magno égeral, doQual a denotação é sempre uma e a mesma 18.347).

o Slü'O RE\ ISITAlXJ - - _

Os dez aspectos. de acordo com os Quais asprincipais divisões designos são

determinadas. são os seguintes:

1. deacordo com o Modo de Apreensão do próprio Signo

2. deacordo com o Modo de Apresentação do Objeto Imediato

3. deacordo com o Modo de Ser do Objeto Dinâmico

4. deacordo com a Relação do Signo com seu Objeto Dinâmico

5. deacordo com o Modo de Apresentação doInterpretante Imediato

6.deacordo com o Modo de Ser do lmetpmtente Dinâmico

7. deacordo com a Relação do Signo com o tmetptetsme Dinâmico

8.deacordo com a Natureza do tmerptetsnte Normal

9. deacordo com a Relação do Signo com o Interpretante Normal

10. deacordo Com a Relação Triádica do Signo com seu Objeto (8344).

- - - - - - - A TEORIA ('ERAI. DOS SI(;'OS

V. Legi-signo. icônico. rem átco Um diagrama. ebstraindo-se sua individualidade.

VI. Leqi-siqno, indicativo. remauco. Um pronome demonstrativo.

VII. teqi-siqno. indicativo. dicente. Um pregào derua.

VIII. Legi-signo. Simbólico. remático. Um substantivo comum.

IX. Legi-signo. simbólico. dicente. Uma proposição.

X. Legi-signo, simbólico. argumentaI. Um silogismo (Hardwick, 1977, p 1611.

Peirce, no entanto. nào parou aí. Dado o fato de que o

signo tem dois objetos e três interpretantes, sete outras trico­

tomias foram estudadas e adicionadas às três anteriores (qual i,

sin, legi-signo; ícone, índice, símbolo; rema, dicente, argu­

mento) de que as dez classes acima derivam. No total , portanto,

há dez tricotomias que não se confundem com essas dez classes

e que foram formuladas a partir dos .seguintes princípios:

Ora, no interior de cada uma dessas dez tricotornias, ope­

ram as variações das três categorias, de modo que Peirce chegou,

então, a trinta modalidades signicas, assim constituídas:I. Conforme a natureza do signo ele mesmo:

Page 63: SANTAELLA, Lúcia - Teoria Geral Dos Signos

2. prático (para produzir ação)

3. pragmático (para produzir autocontrole)

X. Conforme a natureza da garantia de uso do signo ou de acor­do com a relação triádica do signo com seu objeto:

1. garantia do inst into

2. garantia da experiência

3. garantia da forma 1

______._. ._ .__ ~__._ 1:5o SIIõ:\O RI \ ISITADO

IX. Conforme a natureza da influência do signo ou de acordocom a relação do signo com o interpretante normal :

1. rema (ou sema, como um simples signo)

2. dicente (ou fema, com antecedente e conseqüente)

3. argumento (ou deloma, com antecedente, conseqüente eprincípio de seqüência)

Ao contrário das três conhecidas tricotomias, que foramlargamente trabalhadas, as sete restantes foram apenas estabele­cidas e brevemente discutidas por Peirce . Ele mesmo declarou:"destas dez tricotomias, tenho uma apreensão clara de algumas,uma insatisfatória e duvidosa noção de outras e uma tolerável enão completamente testada concepção de outras" (8.345) . Oestabelecimento das dez tricotomias, no entanto, parecia-lhenecessário, visto que, de acordo com a lógica da semiose e con­seqüente da definição de signo, o objeto dinâmico determina oobjeto imediato, que determina o signo nele mesmo, que deter­mina o interpretante imediato, que determina o interpretantedinâmico, que determina o interpretante final ou normal. Essasdeterminações, por sua vez, determinam as relações do signocom o objeto, com o interpretante dinâmico e com o interpretan­te final, sendo que a décima triade é uma espécie de reintegraçãoda rede sígnica na sua global idade. Dessas determinações resul­tam certas restrições que regem as possibilidades e irnpossibili-

i,

I·III

VI. Conforme a natureza ou modo de ser do interpretante dinâ­mico:

- - ----- -- A TEORIA G ERAL DOS SIGNOS

2. se o objeto dinâmico tem a natureza de uma ocorrênciao signo é um concretivn .

3. se o objeto dinâmico tem a natureza de um necessitan­te, o signo é um coletivo

I. simpatético

2. chocante (ou percussivo)

3. usual

IV. Conforme a relação do signo com seu objeto dinâmico:I. ícone

2. índice

3. símbolo

V. Conforme a natureza do interpretante imediato ou modo deapresentação do interpretante imediato:

I . hipotético

2. categórico

3. relativo

VIL Conforme a maneira de apelo do interpretanre.dtnâmíco oua relação do signo com o interpretante dinâmico:

I. sugestivo (ou ejaculativo), simplesmente aquele que dáexpressão ao sentimento

2. imperativo (incluindo. naturalmente, os interrogativos)

3. significativo (ou indicativo)

VIII. Conforme a natureza do interpretante normal ou de acordocom o propósito do interpretante norma) :

I. gratificante

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que engloba evidentemente as qualidades (nível primeiro) que

compõem esse existente, mas prescinde da modalidade do tercei ­ro ou lei. Já no caso da apreensão da lei. esta necessariamentepressupõe um existente no qual toma corpo. assim como este pres­supõe as qualidades que nele inerem. O primeiro prescinde dosegundo e terceiro. O segundo prescinde do terceiro, mas inclui oprimeiro. O terceiro. por sua vez. inclui o segundo e primeiro.

Os exemplos que fornecerei mais adiante ajudarão noesclarecimento dessas abstrações. O que cumpre evitar. por ora.é o equivoco de que qualidades. de um lado, e leis, de outro. sub­sistem independentemente dos fenômenos que lhes dão ocorrên­cia. Uma qualidade é um fenômeno considerado exclusivamenteno que diz respeito à sua propriedade monádica, assim comouma lei é um fenômeno considerado no que diz respeito ao seupoder de gerar uma ordem triádica. Já uma ocorrência é umfenômeno considerado na sua atualização, relação diádica notempo e espaço, onde age e é agido por esse tempo-espaço. Comessa triade toma-se compreensível por que. para Peirce , tudo ésigno. mas nào é só signo. O fato de que algo seja signo (tríadegenuína. da natureza da lei) não significa que esse algo tenhadeixado de ser também um fenômeno existente. SINgular queage e reage no universo físico, assim como não significa que , porser signo, tenha perdido sua tal idade fenomênica, isto é, sua

QUALIdade positiva e sui generis.

Por outro lado. algo que se apresenta dominantementecomo mera propriedade monádica, imediaticidade qual itativa.simples sentimento sem eira nem beira, desgovernado e difuso.indefinido e flutuante, pode muito bem ficar encapsulado nessenível. sem qualquer comparação com algo que lhe seja seme­

lhante, sem qualquer discriminação daquilo que lhe. dá corpo e

sem qualquer intelecção da lei que nele se atualiza. E claro que.nesse caso. atingimos o limiar de um estado intersticial, entre o

tudo e o nada. vaga possibilidade que ainda não é signo porquetambém como fenômeno ficou engolfado nas ressonâncias deum puro sentimento. auroral, inconseqüente. casual e livre .

dades de combinatória das trinta modalidades signicas quelevam, por sua vez. a 66 classes de signos.

Evidentemente não entrarei aqui na descrição das 66 clas­ses. Aliás, seria impossível discuti-Ias sem a elucidação préviadas dez tricotomias. Desse modo, optei por examinar cada umadessas triades por julgar que as sete tricotomias, que ficaramquase desconhecidas e esquecidas. nos auxiliam na compreensàodas três tricotomias mais fundamentais e mais conhecidas. com

-vistas à aplicação prática destas a processos reais de signos. E oque mostrarei, a seguir, por meio de várias exemplificações. comas quais pretendo evidenciar o poder com que as classificaçõespeirceanas nos dotam para a leitura dos signos que estão operan­do no mundo, a todo instante. em todos os lugares.

Quali, sin elegi-signos

Inicio a discussão com um sinal de alerta. Essa e todas astricotomias estabelecidas por Peirce não funcionam como cate­gorias separadas de coisas excludentes, mas como modos coor­denados e mutuamente compatíveis pelos quais algo pode seridentificado semioticamente. As três categorias. que presidem asdivisões triádicas, são onipresentes. de modo que tudo e qual­quer coisa pode ser um primeiro. tudo e qualquer coisa é umsegundo e tudo e qualquer coisa deve ser um terceiro. Assim. omodo de ser de um signo depende do modo como esse signo éapreendido, isto é, depende do ponto de referência de quem oapreende. Se essa apreensão abstrai o existente individual noqual uma ou várias qualidades inerern, se abstrai a lei que esseexistente atualiza, então, esse ponto de referência retém apenasa qualidade de aparência daquilo que se apresenta, ou seja, retémapenas seu tout ensemble qualitativo. Nesse caso, temos um pri­meiro que prescinde do segundo e terceiro.

Se o ponto de referência abstrai a lei que um existente cor­porifica e retém desse existente apenas sua singularidade no aquie agora da ação e reação perceptiva, temos. então, um segundo

____________ _ ______ _ _ _____ _ 1:-

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Quali-signo

Um qual i-siqno é umsigno considerado particularmente no que ,diz respeito àsua qualidade mtrínseca - sua aparência (isto é. sua propriedade prrneiral- apenas na '11edida em que aquela qualidade é constitutiva de uma .oenti­dade sígnicacce ele carrega: não é constitutiva delecomo um signo. mas simdele como o signo particular que ele é IRansdell. 1983. p 54)

_ __ _,_ _ _ __ _ _ _ _ / _'Vo SIG]';O REYlSIIA!)P - --- -

Do mesmo modo. secundidade é, antes de tudo. conflitoentre duas qualidades (inclusão da primeiridade l. Para haverchoque entre qualidades, contudo, é preciso que essas qualidadesestejam corporificadas numa matéria existente. Só o existentereage. Só a matéria reage. Embora o estado da secundidadepossa estancar em si mesmo, isso não significa que as reações damatéria não estejam submetidas a leis físico-químicas que regu­lam suas mutações.

Enfim, qualidade existente e lei são modos interdepen­dentes de identificação semiótica. não necessariamente de fenô­menos separados. mas também dentro de wn só e mesmo fenô­meno. Tudo depende do ângulo sob o qual esse fenômeno apare­ce. Aparecendo. ele se apresenta, apresentando-se, ele virarásigno, virá a ser signo ou será quase signo. Se o fenômeno seapresenta como habitual , armazenado na memória, familiar e,como tal, geral. já funciona automaticamente como signo . Sevem provocando surpresa ou se vem desacompanhado e despo­jado de qualquer elemento que não seja sua pura talidade (senti­mentos assim se presentificam) serão seres intermediários. fron­teiriços. quase signos : não são mais completamente fenômenos,mas ainda não são inteiramente signos.

As considerações acima dizem respeito evidentemente àvariante que Peirce sugere para a primeira tricotornia, isto é. cor­respondem ao modo de apresentação/apreensão do próprio signo(poti, acti e fami-signos) . Essa mesma tricotomia também dizrespeito à natureza do signo ele mesmo. isto é. qual i. sin e legi­signo. A natureza do signo e seu modo de apresentação/apreen­são estão indissoluvelmente conectados. Segue-se daí essavariante formulada para a primeira tricotomia.

J!8

Chamo atenção para esse limite porque se trata de um aspectoda semiótica que não pode ser negligenciado. É certo que,quando Peirce fala sobre o quali-signo, uma qualidade que éum signo, isso pressupõe uma relação de comparação entreduas qualidades, necessária para que a qualidade funcionecomo signo. Há, no entanto, inclusa na dimensão monádica doqualitativo, a possibilidade pr é-signica, quase-SIN mas aindaNÃO-signo, que preside a tudo aquilo que, no universo, estásob o desgoverno do acaso, do potencial e, no ser humano, soba casualidade do sentimento (fee/ing), única manifestação que,na sua indiscernibilidade, pode caracterizar aquilo que é exclu­siva e especificamente humano. Só o sentimento é próprio ape­nas do homem. Tudo o mais, o homem compartilha com o uni­verso: leis, hábitos, tendencialidades, ações, reações, choques,confrontos, casualidades, instintos, qualidades. O sentimento étão-só e exclusivamente humano. Ou melhor, é o tipo especifi-

. co de manifestação monádicaque a espéciehumana introduZiuno universo.

Assim também, há instâncias dominantemente sob o nívelde secundidade, isto é, situações de choque brutal, fricções sel­vagens de dois corpos físicos que podem perfeitamente estancarnesse nível de bloqueio ou interrupção abrupta, sem deslancharpara o nível da repetição regular imposta pela lei.

Os dois estados de dominância da primeiridade e dasecundidade não significam que primeiridade, por exemplo, umamera qualidade de sentimento, no caso, não esteja alojada numsujeito (secundidade), mesmo que desse sujeito, no lapso fora dotempo do sentimento, tenha-se desvanecido a autoconsciênciapela ausência de discriminação entre ego e não-ego. Ainda tam­bém a qualidade de sentimento não exclui o governo da lei (ter­ceiridade), visto ser uma das leis da mente ela poder se desgo­vernar de qualquer controle. O demônio das associações porsemelhança é atiçado justamente pela lei daquilo que é ingover­nável. E o sentimento não é senão mônada ressonante nos influ­xos das similitudes.

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Explicando: o quali-signo funciona como signo por inter­médio de uma primeiridade da qualidade. qualidade como tal.possibilidade abstraída de qualquer relação empírica espaço­temporal da qualidade com qualquer outra coisa. Por exemplo:suponhamos que um professor de dança esteja ensinando umadeterminada configuração das posições do corpo como um todo:certas curvações dos braços. certos pontos de apoio dos pés. cer­tos equilíbrios entre o peso e a leveza do tronco. uma certa incli­naçã~ cabeça. enfim. trata-se de um conjunto harmôníco quecaptura a totalidade do corpo na unidade de uma configuraçãoque não pode ser descrita nos fragmentos de suas partes. nemdefinida verbalmente. É algo que só pode ser mostrado e imita­do. Para compor seus corpos numa configuração similar àquelaque o professor apresenta (presentifica). os alunos abstraem daqualidade dessa configuração tudo que lhes é irrelevante: a dife­rença específica de cada corpo singular (mais alto, mais baixo,maisgordo ou mais magro, mais jovem ou mais velho), o lugarespecífico que cada um daqueles corpos ocupa no espaço naque­le momento. Ou seja: trata-se de reter única e exclusivamente aqualidade in totum com que o corpo aparece no desenho indes­critível de sua compleição. .

Assim também. quando tentamos explicar os componen­tes do som (altura, intensidade, timbre, duração), todos os vol­teios verbais são sempre insuficientes e mesmo impotentes paracaracterizar o ser da qualidade que constitui um certo timbre,uma certa duração, altura ou intensidade. Qualidades só podemser comunicadas por quali-signos, Toca-se uma nota num ins­trumento, compara-se com uma outra nota no mesmo instru­mento, com a mesma nota num outro instrumento, com outranota num outro instrumento e os componentes do som se mos­tram como simples qualidades . Apresentam-se. Não é a ocor­rência num espaço e tempo definidos que faz da qualidade oque ela é, mas seu modo de aparecer tal qual é, em si mesma.independente de qualquer outra consideração que não seja ape­nas ela própria: talidade .

Da mesma maneira, na aprendizagem de uma línguaestrangeira, as infindáveis repetições que o professor fornece deuma só e mesma palavra, de uma só e mesma sentença: é o efei­to puramente qualitativo dos modos e pontos de articulação edas combinatórias de sons que deve ser retido e imitado peloouvinte; é o modo de soar das palavras ao qual se vai chegandopor repetidas aproximações. O que faz, por exemplo, uma crian­ça, em tenra idade, reagir docemente a um sorriso e apreensiva­mente .a um senho franzido, senão a qualidade da distensão queconvida à meiga brandura em oposição à qualidade da tensãoque repele a concordância? O que faz de um rosto, qualquerrosto, cada rosto em si, o que faz do seu rosto, do meu rosto,aquilo que ele é? É uma qualidade de composição que nenhumadescrição pode resolver. Embora os elementos componentes serepitam em todos os rostos humanos, cada rosto é único, meraqualidade indescritível.

A mímica, a camuflagem, aprendizagem e comportamen­to dos animais são também em grande parte respostas a quali­signos. Isto é, qualidades que rebatem qualidades.

Quando falamos de qualidades. pensamos primeiramente nas Qualidades senoséries simples de cor, odor. som etc. É importante lembrar que por qualidadePeirce quer significar qualquer caráter que pode ser considerado como umaunidade, é abstraível de sua ocorrência individual, eque poderia ser comparti·Ihado por mais de um individual. A apreensão de qualquer individual ou cole­ção de individuais nos apresenta alguma qualidade abstraível. Nós podemosfalar e. de fato. falamos das complexas qualidades de uma paisagem("Alpina". "Tropical-I. ou das qualidades de personalidades humanasI'Napoleõnico". "Chapl inesco") (Savan. 1976. p. 11).

É por tudo isso que educar é prioritariamente uma questãodo quali-signo, tendo muito mais a ver com o exemplo do quecom as receitas. O exemplo a ser imitado - e que -pela simplesconvivência, acaba sendo imitado, seja bom ou mau - apresen­ta-se, quando bom, na maneira sincera e honesta de agir do edu­cador. A qualidade de uma conduta vale mais do que qualquerrepetição fiel de um receituário previamente estabelecido.Educar é uma questão prioritariamente estética (a qualidade

131o SIGNO RE\"ISITADO --- _

I

---~ A TEORIA { ;ER .~I nos SI<;NOS/30

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-

Sin-signo

daquilo que é admirável), que embute necessariamente umaética. A estética não decorre da ética. ao contrário. é a ética quese resolve na estética.

Um sin-signo é um signo considerado especialmente no que diz respeito auma relação diádica na qual ele se situa - sua ocorrência ou existênciaatual lseu ocorrer ou exrstir: uma propriedade segundal- apenas namedi­da em que isso é consntunvo de uma' identidade sígnica que ele carrega(Ransdell, 1983, p 541

_______ 133o S1l;NO Rf\I"ITAIXl

Legi-signo

pista para algum outro objeto ou evento passado, presente ou espacialmenteconectável. esta pista é um sin-siqno Uma pista como a rocha lunar é, defato,uma coleção de pistas. Toda peculiaridade darocha, toda molécula dela e sig­nificante como uma possível chave dopassado [Savan, 1976, p. 121

É certo, porém, que todo sin-signo é, em alguma medida,uma atualização de um legi-signo. A rocha lunar só pode ser ana­lisada e funcionar como pista através das leis fisicas que ela atua­liza. Um fragmento singular e único da rocha é uma ocorrênciaespecífica (sin-signo), ao mesmo tempo que é portador das leisque operaram na sua formação rochosa.

Um leqi-siqno é um signo considerado noque diz respeito a um poder que lheé próprio deagir semioticamente, istoé,degerar signos interpretantes, sendoQue sua identidade particular se dápela margemdesignos interpretantes Queeleé capaz degerar{Nem um quali-siqno como tal.nem um sin-signo como taltêm tal poder gerativo, POIS, aoconsiderá-los como quali ou sin-siqnos. esta­mos, ipso facto, prescindindo de suas propriedades de terceiridade, emboranão possamos de modo algum considerá-los como signos, se não assumirmosQue as entidades nas Quais eles se corporificam tenham tais propriedades.l(Ransdell, '983, p 54)

Nem todo signo, que tem um caráter geral ou de lei, énecessariamente um legi-signo. Ele só funciona como legi­signo na medida em que a lei é tomada como propriedade querege seu funcionamento sígnico. A linguagem verbal é o exem­plo mais evidente de legi-signo ou sistema de legi-signos.Como qualquer exemplar de legi-signo, no entanto, só tomaparte na experiência ou tem existência concreta por intermédiode suas manifestações. Essas instâncias de manifestação sãodenominadas "réplicas". Trata-se de sin-signos de tipo espe­cial. Isto é, são sin-signos porque ocorrem aqui e agora, massão réplicas porque corporificam e atualizam um legi-signo...É.o funcionamento de um determinado sin-signo como legi-signoque lhe dá o caráter de réplica. Nessa medida, os legi-signosnão são regras que se aplicam a casos, como erroneamente cos-

-------- :\ TEORIA lõERAl DOS Slt;VlS13.'

o prefixo sin pretende sugerir a idéia de único, singular,aqui e agora. Peirce também se refere ao sin-signo como umobjeto da experiência direta. Assim, qualquer coisa que compe­le nossa atenção é, na sua insistência, um segundo em relação àatenção compelida. É o tropeço do encontro ou ocorrência quedeve ser essencial ao sin-signo, e que faz dele um signo. É claroque ele envolve quali-signos. Nesse caso, contudo, não é a qua­lidade em si que está funcionando como signo, mas sim sua ocor­rência no tempo e espaço numa corporificação singular. Assim.por exemplo, um sinal de tráfego vermelho. numa esquina, quenos faz.estancar o carro. é prioritariamente um sin-signo, embo­ra a qualidade da luz como vermelho seja um quali-signo.Contudo, não é o quali-signo, não obstante imprescindível, queestá aí funcionando como signo. mas sim o encontro e nossa con­seqüente parada abrupta. É evidente que, nesse caso, estão tam­bém envolvidas leis convencionais. ligadas ao sistema de trânsi­to socialmente estabelecido que nos permitem compreender queo sinal vermelho significa "parar". Entretanto. aquele exato ins­tante em que paramos porque nos deparamos com uma luz, sinalde alerta, que depende das circunstâncias de sua ocorrência, fun­ciona dominantemente como sin-signo. Outro exemplo:

Os exemplares de rocha lunar analisados por cientistas lunares são sin-signosTOda singularidade e peculiaridade da rocha lunar é registrada, analisada, eusada como uma pista ou signo da estrutura e história da lua, da terra e deoutros sistemas solares Quando algum objeto ou evento é usado como uma

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tumam ser entendidos, mas uma propriedade geral que o signo.ele próprio, possui.

Leis eregularidades além daquelas da linguagem verbal também podem ser legi.

signos. Regularidades de com~mentos individuais ou sociais. cooveoções e

costumes são legi-signos.Certos padrões do vento. pressão do ar. enuvens podem

ser legi-signos dachuva. Certos padrões de sintomas podem ser legi·signos de

uma doença. As regularidades da tabela periódica de Mendeleiev sãolegi-signos

de leis físicD-químicas [Savan. 1976. p. 14)

Temos aí três diferentes quali-signos atualizados em três ocor­rências ou sin-signos que funcionam como réplicas de ummesmo legi-signo, Em que medida a exacerbação do aspectoqualitativo é capaz de obliterar o caráter de lei de um signo ver­bal é uma questão de grau, dependente das condições de apre­sentação do signo, apresentação esta que pode muitas vezes estarvoltada tão-só e apenas para a criação de um efeito de contem­plação ou dilatação dos sentidos, numa demora perceptiva comvistas à regeneração dasensibilidade de quem percebe.

Como se pode ver, as tricotomias peirceanas devem serusadas como ferramentas analíticas por meio das quais trêsaspectos diferentes da semiose podem ser distinguidos. Essasdistinções são sempre aproximativas e dependentes do ponto devista que o analista assume diante do signo. Nenhum signo per­tence exclusivamente a apenas um desses tipos, assim como não

. há nenhum critério aprioristico que possa infalivelmente decidir .como um dado signo realmente funcionará. Tudo depende docontexto de sua atualização e do aspecto pelo qual é observadoe analisado. Consideremos alguns exemplos.

Observe-se esta seqüência:

135o SIG"Q REVN T\DO--- _

Prosseguindo nos exemplos. pensemos entào no que ocor­re quando temos diante de nós duas revelações fotográficas exa­tamente iguais de um mesmo negativo. O negativo é um sin­signo com um quali-signo que lhe é próprio. As revelações sãodois outros sin-signos que exibem um mesmo quali-signo.Suponhamos, no entanto, que a primeira revelação tenha sidofeita alguns anos antes da segunda. No tempo que transcorreuentre a primeira e a segunda revelação. a primeira terá passadopor um processo de envelhecimento que pode ter transformado'consideravelmente sua qualidade de aparência., de modo que,comparando-se as duas revelações, teremos, então, dois sin-sig­nos, exibindo dois quali-signos diferentes. Imagine-se, a partirdisso, as variações de quali-signos que podem ser obtidas, quan­do se interfere nos procedimentos de revelação com vistas a pro­duzir efeitos de qualidade diferenciados?

No caso da pintura, o inexorável processo de envelheci­mento e conseqüente mudança de qualidade, isto é, a modifica­ção do qual i-signo, é flagrante . Penso que vem daí esta afirma­ção de Duchamp (1987, 8-8): "Creio que a pintura morre (...] Oquadro morre ao fim de quarenta, cinqüenta anos, porque seufrescor desaparece. A escultura também morre. É uma idéia fixaminha. que ninguém aceita, mas não importa. Penso que um qua­dro, ao final de alguns anos, morre como o homem que o fez; e,em seguida, isto é chamado história da arte".

A morte do quadro, aí postulada por Duchamp, não ésenào indicadora da consciência desse artista em relação àimportância que o aspecto puramente qualitativo desempenha naarte. Operando-se o envelhecimento (mudança do quali-signo), osigno artístico, e mais especialmente o pictórico, perde, comisso, justamente a qualidade do frescor e luminosidade própria atudo que é nascente e jovem e que, muitas vezes, se constitui naqualidade mais preponderante que permite àquele signo produ­zir o efeito de impressão a que ele se destina. Não é apenas oproblema da mudança de quali-signo que está envolvido emcasos como esse, mas estão também envolvidas questões refe­rentes ao sin-signo:

OlhOolhOolho

______________ A TEORIA GER\ 1. DOS sicxos1./4

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Evidentemente, uma tal consideração, quando relativaaos signos artísticos , produziria uma enorme conturbação nos

.critérios adotados pela história da arte para a documentação,catalogação e valoração dos objetos artísticos. De qualquermodo, a mudança da natureza qualitativa pode e deve ser semi0­

ticamente pensada. Por que não poderia também ser levada emconsideração a mudança de identidade do sin-signo e sua con­versão progressiva em diferentes sin-signos, de modo que, con­forme o tempo passa, um mesmo objeto artístico poderia ser

. '..visto como ocorrências diferenciais que 'mudam substancial~ ; '

mente a natureza do objeto original? A semiótica também nospermite pensar isso, o que, de resto, redundaria na imaginaçãode museus e arquivos à semelhança de infinitos labirintos bor-

. . geanos, museus e arquivos babélicos. Mas isso, evidentemente,provocaria abalos sísmicos nos fetiches da história da arte e,mais ainda, nos mecanismos mercadológicos da arte. Por issomesmo, é aconselhável que a semiótica não coloque suas mãosnessa cumbuca.

No caso da fotografia, é preciso notar que o negativo seconstitui num sin-signo de tipo muito especial, visto que ele tempoder de gerar, pela revelação, infinitas cópias ou sin-signos queexibem um só e mesmo quali-signo. Nem o sin-signo que é onegativo, nem os sin-signos, que são as revelações, podem serconfundidos com réplicas de legi-signos. Cada fotografia é umflagrante, ocorrência singular e atual, sob a dominância dasecun­didade. Há, porém, um ângulo pelo qual todae qualquer fotogra­fia, tanto o negativo, quanto as revelações, podem ser considera­dos réplicas de um legi-signo. Explicando: a câmera fotográficaé uma máquina que introjetou, na sua própria construção, as leis

-

136 - - - - --- - - - --- - A TEORIA GERAL DOS Sl(Ó'OS

uma pintura está sempre em processo de mudança Qualitativa num ritmomais ou menos rápido. e a mudança é. muitas vezes. notável num espaçode tempo consternadoramente curto. Ora. há um certo número de conside­rações Que. tomadas conjuntamente com esse fato. podem fornecer razõespara se considerar Que a identidade de um mesmo sin-signo poderia sercontada. em tempos diferentes. como sendo dois sin-signos (Ransdell.1983. p. 56).

o Slli'O RE\'ISITADO _ . _

da visualidade caracteristicas da perspectiva monocular. Nessamedida. toda e qualquer fotografia será sempre uma réplica deatualização dessas leis. Quando o fotógrafo, no entanto. interfereno processo fotográfico. visando subverter os padrões de visuali­dade impostos pela câmera (uso de filtros. inovaçãode enquadra­mento, tempo de exposição etc.) a foto acentua, então, seu cará­ter sin-signico, inédito, colocando em proeminência seu aspectomais propriamente qualitativo (talidade).

Reconsideremos, porém, o aspecto do legi-signo quemerece ser examinado em alguns outros exemplos. Vejamos asinscrições pictográficas. A função figurativa, isto é, o aspectoqualitativo do desenho é nelas considerável, sendo importante.para a sua compreensão, perceber as figuras traçadas nos dese­nhos. Não é essa função figurativa, no entanto, que é serniotica­mente dominante nas pictografias, mas sim os legi-signos que

..elas corporificam. Tanto é assim que essas inscrições se consti­tuem em sistemas codificados que seriam impossiveis sem orecurso de legi-signos.

Há, contudo, casos de glifos nos quais o peso qualitativoe o peso da lei ou da convenção se equilibram numa complemen­taridade e entrelaçamento perfeitos . Tome-se, como exemplo, osigno chinês do yin-yang. De um lado, tem-se ai o valor de puraqualidade da imagem que requer uma certa fixidez de concentra­ção, disponibilidade contemplativa para a percepção do jogodinâmico equitativo entre seus pólos. Isso, no entanto. não éestritamente necessário para se saber que esse glifo, como umlegi-signo, funciona para representar o conceito abstrato dadominância alternada de duas forças polares. Mas o entrelaça­mento harmônico entre quali e legi-signo aí se dá porque aquiloque o legi-signo professa representar é algo que se plasma sensi­velmente na própria forma em que esse legi-signo toma corpo.Isto é, o corpo do signo se engendra numa composição plásticaque dá forma àquilo que o signo quer significar. Trata-se. naverdade. de uma espécie de alquimia entre forma do sentido.forma sentida e sentimento formal (quali elegi-signo) que sub-

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..._ ._ . .. o-,_~---.--- ....--.

jaz, em maior ou menor medida, à configuração de todos osideogramas e que preside às diagramaçõesou vibrações harmô­nicas (som-forma-sentido) próprias da linguagem poética, con­forme foi demonstrado por E. Fenollosa no seu ensaio "O ideo­grama como meio para a poesia"(1977).

Quantoao legi-signo, o que o faz agir como tal é sua ten­dencialidade, isto é, o legi-signo tende a gerar o mesmo interpre­tante ou interpretantes semanticamente correlatos. Isto porque anatureza da lei é exatamente aquelade funcionar como mediaçãopela qual ocorrências paniculares se conformarão à generaliza­ção impostapela lei. O poder da lei é o de governar particulares.Assim sendo, um legi-signo age como uma força de generalida­de que tende a governar todas as ocorrências de interpretantessingulares. É por isso que o poder de gerar interpretantes já estádentrodo própriolegi-signo. Poucoimporta se esses interpretan-

.tes são efetivamente gerados ou não. O legi-signo já é, por suaprópria natureza, mequa 11011, um signo. Sendo deCifrados ounão, os hierôglifos, por exemplo, têm o poder de agir como sig­nos porque~ leis que regemos seus engendramentos estão con­tidas nas suas ocorrências. Por isso mesmo, podem ser decifra­dos. Voftemos ao problema da pintura, agora ~ob : o aspecto'do" ,'.legi-signo.

Por exemplo. durante um certo perrodo na sua carreira. um pintor pode estarexclusivamente Jn(lCUpado com.aperfeição na retratação de algo milito abs­tratono seu caráter. talCOOlO. digamos. medo. desespero, esperança. tranqüi­lidade ou alguma coisa dessa espécie. As pinturas feitas. durante esse perío­do. podem ser muito diferentes umas das outras qualitativamente. mas nãoobstante adiferença, serem deum tal tipo que cada uma delas tem opoder degerar. mais ou menos adequadamente. digamos. o interpretante desespero(não apalavra "desespero". mas desespero em simesmo, na medida em queéalgo perceptível - que não deve ser confundido com uma resposta deses­perada por parte do intérJW'8te). Nessa medida. as muitas pinturas ou sin-sig­nos diferentes. com os quafi-signos diferentes que elas exibem. seriam corpo­rificações de um sõ emesmo lagi-signo e seriam a mesma pintura. tal comopensada por meio do conceito de legi-signo. embora sejam pinturas diferentes.num outro sentido ainda. como quali-signos diferentes que também são. (O lei­tor podetalvez pensar em um número de artistas - pintores. escritores, com-

positores etc.- dos quais poderia ser ditoque há um sentido em que eles pin­taram (escreveram, compuseram) uma s6 pintura em toda asua carreira. embo­ra seja, ao mesmo tempo, verdade que eles também produziram um bomnúmero de diferentes pinturas. (Ransdell. 1983. p. 58.)

I

J

130

Outro exemplo bastante rico, complexo e semioticamentecurioso é o das imagens produzidas por computação gráfica.Nesse caso, a própria máquina já é um legi-signo, daí ser possí­vel falar em tipos, famílias e gerações de computadores. Os pro­gramas, que põem a máquina a funcionar, são também legi-sig­nos altamente codificados. Quando esses programas visam àproduçãode imagens,no entanto, o estatuto semiótico desses sig­nos cresce em complexidade, visto que os programas são pura­mente numéricos, equações matemáticas que se convertem, natela, em imagens sensíveis. O legi-signo embutido nas equaçõese nas imagensé o mesmo. A identidade dos sin-signos, no entan­to, muda radicalmente na passagem de uma a outra e mais radi­calmente ainda se transforma a natureza de seus quali-signos, Asimagens, em si mesmas, por seu lado, são animadas, o que adi­ciona muitos graus de complexidadena consideraçãoda identida­de do sin-signo, uma vez que uma infmidade de sin-signos sãogerados e vão .desvanecendo e emergindo ininterruptamente emnovas modulaçõesou aparições qualitativas diferenciadas. A ten­dencialidadedo legi-signo para a geração de um mesmo interpre­tante é aí subvertida na medida em que processos tradutórios,encapsulados na própria máquina, revertem instantaneamente aordem do inteligível para a ordem do sensível, convertendo opensamento num sentimento de formas, movimentos, ritmos...

As analogias entre o estatuto semiótico das imagens com­putadorizadase o estatuto semiótico da música é algo que mere­ce ser exploradoe que vai muito além do que pode ser apressada­mente imaginado. Por isso mesmo, a leitura sígnica da computa­ção gráfica exige, por si mesma, um estudo à parte que não cabenos limites que tracei para este capítulo. Desse modo, aqui reto­mo as palavras, sempre elucidativas, de 1. Ransdell (1983, p. 58),que parecem as mais adequadas para dar fechamento a esta pri­meira triade peirceana (quali, sin elegi-signos):

o SIGNO REYISITADO - ._____--------- A TEORIA GERAL DOS SIGSOS138

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Ícone, índice e símbolo

141

~ . <lIIijiiõZn olI!lIlIM~,*' ~~"'iii8I:ifftI_G~~~__~j.~

o SIGl'O lli\ lSITADO _

termo convoca a figura de Peirce como tendo sido o criadordessa distinção. De fato. ele dedicou uma boa parte de seusescritos ao esclarecimento preciso dos três modos de funciona­mento do signo por ele batizados de ícone, índice e símbolo.Esses três modos. contudo. assim como todas as outras tricoto­mias signicas, não surgiramdo nada. Estão fundadas nas distin­ções tripartites da sua fenomenologia e, mais especificamente.nas três categorias que vieramà luz no seu ensaio, de 1867,"Poruma nO\'3 lista das categorias". Quandojá no final de sua vida,em um daqueles momentos em que, como pensador, pôs ospesos na balança. buscandoverificar a medidade sua contribui­ção para o pensamento humano, Peirce afirmou que suas trêscategorias eram a pedra preciosaque ele deixavapara a históriada filosofia. Estava consciente de que sua contribuição não seconstituíanumadescobertaab ovo. Os três elementosjá estavamdispersamente.espalhados em obras científicas e filosóficas de

- autores -o~ "mais diversos, no tempo e no espaço'. Seu esforço,autonomamente encetado.em busca das categoriasmais univer­sais de todaexperiência. o fezchegarexatamente a esses três ele­mentos. Por isso mesmo. para ele, não se tratavaaí de uma sim­ples coincidência, mas de uma comprovação de que as categoriastinham alguma validade. Nesse contexto, sua contribuição foidar estatutocientíficoao que estavadispersoe que continuamen­te apareciae reaparecia, mas quase sempre inadvertidamente, nahistória do pensamento.

Da mesma maneira, emboraa distinção entre ícone, índicee símbolo e também o corpo integral de toda a sua semióticatenhamsidodeduzidos logicamente das próprias categorias, e nãode um estudo empírico de signosatualizados, nem estritamente deum estudo da bibliografia disponível desde os gregos sobre oassunto, essa sua distinção apresenta analogias parciaiscom divi­sões,há muito tempo, bastante familiares. Assím é que a noçãodesigno formal da tradição latina ou a noçãode signo motivado temalgumacorrespondência como ícone, a noçãode signonaturalousinalé mais ou menos semelhante ao índicee os chamados signosconvencionais são mais ou menos análogos ao símbolo. Contudo,

Ilustrações do uso dessa distinção tricotômica apl icada aocinema. teatro. tire­ratura. música. e assim por diante, envolveriam provavelmente consideraçõesbem mais complicadas, devuío ao fato de que é "natural" (oque quer dizer, cul ­turalmente habitual) pensarmos nas pinturas. antes detudo. como sn-siqnose.então. começarmos a trabalharas distinções tomando isso. por assim dizer.como ponto de partida. enquanto as questões da identidade e da diferença.que se levantam nessas outras mídias, são mais discutíveis abinitio:uma vezque nelas nunca houve um consenso (elucidado ou não) sobre casos aparente­mente claros de identidade.Por exemplo. édifícil atémesmo saber onde deve­mos começar a apl icar a distinção para clarificar exatamente o que se querdizer. quando se diz "VI aversãocinematográfica doÉdipo Rei na televisão".[...] Supondo-se, porém, que a distinção peirceana é bem formulada em prin­cípio - as considerações Que deveriam ser tomadas aoseaplicar essa tnco­tomia a casos assim ditlcers. poderiam se tornar bem surpreendentes - e.oque é mais importante, reveladoras de todas as espécies de pressupostosquestionáveis Que costumamos tomar como garantidos eque não deveriam sê­lo. (De fato. isto pode ser um dos resu ltados mais valiosos douso dadistinção:isto é. o modo como seu uso nos força a descobrir ambigüidades que podemterestado nos conduzindo aposições teóricas fúteis.) De qualquer modo. deve­riaestar suficientemente claro neste ponto que é.realmenteapenas em situa- .

' çõeS de análises reais decasos coocretos ou tipos decasos~enão por meiodeexemplos apriori(como nopresente trabalhol- Que estamos numa posi­ção dedecidir se aquilo sobre oQue estamos falando é um quali-siqno ou umsin-signo ouum legi-signo esob qual perspectiva epara Quais propósitosdeveassim ser considerado etc

- - - - - - - - - -- - - - - - A TEORIA l iERA L DOS SII ;....os[-lO

Os termos ícone. índice e símbolo são amplamente utili­zados na literatura semiótica e, invariavelmente, a menção desse

Deve-se levarem conta. ainda. que a aplicaçãodes~pri­meira tricotomia tem de ser feita em conjunção com todas asoutras tricotomias, visto que a rede de distinções da tipologiasígnica só pode ser compreendida de modo coordenado e nãoatomicamente. Com isso. podemos nos reportarao exame dasoutras triades. Uma vez que as distinções relativas ao modo deapresentação do objeto imediato e relativasà natureza do objetodinâmicojá foram vistas no capítulo 2. podemos passar agora àrelaçãodo signo com o objeto dinâmico que se constitui, dentretodas, na mais importante tricotomia de signos.

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------ - - ----- --- A nORIA üE RAl 1)<.)$ src v o s

cam analiticamenteaconcepçãodesimilaridade com oobjeto. oque tornapa'ticularrnentefácil a explicação.de modo reduzido. daquilo que o Signo IcõnlCCé No caso do signo indicial, naturalmente pensamos. em primeiro lugar. nurrdedo apontando inscrições de flechas direcionais e coisas semelhantes. alémdas constantes conjunções naturais como fumaça e fogo. embora. conformeveremos. focal izar primeiramente essas coisas pode ser enganoso para a con­cepção geral da mdexical idade. Maisenganosa ainda pode ser a tendência dese pensar osigno simbólicoprimariamente em termosdepalavraseoutrasenti­dades lingüísticas - uma tendênciaque se tornouainda maisequivocadadevi­do à prática comum. emmuita literatura teórica. deseestender asconcepçõeslingüísticas iJ todos os assuntos que se deseja estudar semioticamente. Namedida em que tais tendências antecipatórias de interpretação forem suprimi­das,será muito maisfácil entender oque Peirce estava realmente tentando iso­larcom sua distinção tricotômica.

Ícone

$C

A tríade ícone, índice e símbolo diz respeito primaria­mente à distinção entre três espécies de identidades semióticasque um signo pode ter em razão de três espécies de relações emque o signo.pode estar para com o objeto. como signo desseobjeto.

Se o signo tem uma propriedade monádica (qualidade, pri­meiridade), então o signo é um ícone do objeto. Uma vez que apropriedade monádica é não-relacional. a única relação possívelque o ícone pode ter com seu objeto, em virtude de tal proprieda­de, é aquela de ser idêntico a seu objeto.

no sentido deque signo e objetosão o mesmo com respeito àquela proprieda­de (istoé. ambos têma mesma propriedaoel Em outras palavras. oque identi­dade significa. nesse caso. é similaridade ou semelhança ou igualdade emalgum aspecto. enão identidade totaltexceto no caso limite onde asproprieca­des monádicas do signo e objeto são as mesmas em todos os aspectos)lRansdell. 1983. p. 631.

Assim sendo, um signo é um ícone se ele se assemelha aseu objeto e se a qualidade ou caráter, no qual essa semelhançaestá fundada. pertence ao próprio signo, quer seu objeto existaou nào.

----_... ------

I·C

se essas semelhanças. nào obstante existam, forem tomadas comopressupostos suficientes para a compreensão da tríade peirceana,elas podem se tornar maisenganosasdo que auxiliares. As distin­ções técnicas, por ele elaboradas, são partes integrantes de umaconcepção sistemática e coesamente entrelaçada da semiótica, demodoque essas distinções não podem ser atomizadas e desligadasdesse contexto para serem usadas dentro de molduras de pressu­postos e postulações que lhe são radicalmente estranhas.Infelizmente, isso tem acontecido com muita freqüência, especial­mente no que diz respeitoà distinçãoentre ícone, índice e símbo­lo. Os resultados desses usos impróprios, e muitas vezes reducio­nistasou mesmoindevidos, sãosempre os mesmos: a esterilizaçãodos conceitos peirceanos em contextos indagativamente anêmicose heuristicamente frágeis . É por isso que, antes de se entrar noexamedessa tricotornia, torna-senecessário chamar atenção, pelomenos, para dois pontos. Primeiro:

Uma vez Que o processo semiótico é considerado como a auto-revelaçãoou.automanifestação doobjeto semióticoancestral. qualquer signo dado equal­quer interpretante autêntico desse signo são. num sentidoaltamente quali­ficado. o próprio objeto ele mesmo: não na sua completude. mas em algumamanifestação parcíal. listo é verdadeiro atémesmo para asdescrições ver­bais do objeto. pois embora umsigno verbal não seja usualmente similar. naaparência. ao objeto. ele é. dequalquer modo. uma manifestação doobjeto.deum ponto de vista semiótico.llconicidade. indexicalidade e simbol icidadedesempenham papéis distintos mas complementares nesse processo deautomanifestação. correspondentes aos aspectos categoriais tripartites daentidade Que é semioticamente o objeto Cada 'um dos iipOs de signo estáajustado para cooperar com signos dos dois outros tipos. demodo a conjun­tamente revelar ou manifestar essa entidade em todos os seus aspectos(Ransdell. 1983. p. 64).

É de Ransdell (p. 65) também que foi extraída a discussãodo segundoponto:

Nossa compreensão da generalidade da tricotomia costuma ser enfraquecidapela tendência. na literatura semiótica. de se tomar como paradigmáticos cer­tos tipos de casos que não têm umestatuto especialmente importante. Assim.pinturas. fotografias. mapas edesenhos esquemáticos. por exemplo. tendem avir à mente como particularmente exemplares designos icOnicos. muitoembo­raaúnica razão para issosejaade que nossas concepções dessas coisas impli-

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cão epistêmica por ele desempenhada nos processos que regem acriação na ciência e na arte, só agora cheguei a uma sistematiza­ção dos níveis de iconicidade que, a meu ver, vão do ícone puro.passando pelo ícone atual até o signo icônico, O ícone puro dizrespeito ao ícone como mônada indivizivel e sem partes e, comotal, trata-se de algo mental. O ícone puro é uma cosa menta/e,meramente possível, imaginante, indiscernível sentimento daforma ou forma de sentimento, ainda não relativa a nenhum obje­to e. conseqüentemente, anterior à geração de qualquer interpre­tante. O ícone atual diz respeito à função desempenhada peloícone nos processos perceptivos e, como tal. é relativo ao aspec­to obsistencial (diádico) do ícone, tendo. por isso mesmo, duasfaces: 1) qualidade de sentimento, na identidade formale l1}ate­rial entre signo e objeto; e 2) possíveis associações por seme­lhança. O signo icônico, por sua vez, já mais sistematizado porPeirce, diz respeito a algo que já se apresenta como signo, repre­sentando' alguma coisa, e, como tal, intrinsecamente _tri!~ico,

embora se trate de uma tríade não genuína, visto que regida porrelações de comparação e cuja referência ao objeto se dá porsemelhança. Sendo triádico, o signo icônico ou hipo-icone terátrês faces ou graus que correspondem: I) à imagem; 2) ao dia­

grama; e 3) à metáfora.

Embora Peirce só tenha explicitamente sistematizado estaúltima divisão relativa aos signos icônicos, tenho muitas razõespara crer que os dois níveis anteriores (ícone puro e ícone atual)estão implicitamente contidos em muitas passagens de seusescritos relativos ao ícone. Desse modo, a partir do que Peircedeixou implícito, fui levada a organizar a questão da iconicida­de em níveis que encontram respaldo não apenas em muitas pas­sagens de seus escritos, mas que se estruturam linda e elegante­mente dentro da lógica que rege suas categorias. Começo,assim. as explicações para tornar toda essa sistematização maisclara e compreensível, por uma citação fundamental em quePeirce se vê às voltas com a decantação da noção de ícone até o

limite do ícone puro:

-•Um ícone é um Signo que se refere ao Objeto que denota apenas em vrtude deseus caracteres própnos. caracteres que ele Igualmente possui. quer um talObjeto exista ou não Écerto que. amenos que realmente exista um tal Objeto. oícone não atua como signo. Qualquer coisa. seja uma Qualidade. um exrstenteindividual ou uma lei. é ícone de qualquer coisa. na medida em Que for semelhan­teaessa coisa eutilizado como um signo seu 122471

Quando se trata de um existente individual (sin-signo) oude um legi-signo funcionando como ícones de uma coisa qual­quer porque são tomados como sendo semelhantes a ela. os pro­blemas que se apresentam para a compreensão do ícone não sãotão complicados quanto os que se apresentam quando o signo épura e simplesmente uma qualidade (qual i-signo). Apenas quali­dades podem ser quali-signos. Mas para fazer esta equação dasqualidades como qual i-signos. dois aspectos precisam ser leva­dos em conta: I) a qualidade deve ser considerada como tal. istoé, mera possibilidade abstraída de sua ocorrência atual no tempoe no espaço; e 2) qual i-signo é um signo cujo objeto e cujo inter­pretante são apenas virtuais, potenciais ou meramente possíveise não atuais. "Um Ícone é estritamente urna possibilidade envol­vendo urna possibilidade. e assim. a possibilidade de ele serrepresentado como uma possibilidade é a possibilidade da possi­bilidade envolvida" (2.311).

A ocorrência de uma qualidade no tempo e espaço torna aqualidade, em grande medida, um sin-signo. Se qualquer exem­plo de qualidade já é um sin-signo (sin-signo icônico), então oquali-signo icônico não passa de um possível. É em razão dissoque Peirce estabeleceu as diferenças entre sin-signos icônicos(ou hipo-ícones) e ícone próprio até o limite do ícone puro.Embora essas distinções possam. à primeira vista, parecer bizan­tinas e a noção de ícone puro, uma simples excrescência ou deva­neio idealista, o exame cuidadoso das sutis diferenças estabele­cidas por Peirce poderá nos revelar a importância das conseqüên­cias que delas podem ser extraídas.

Depois de muitos anos preocupada e envolvida em pesqui­sas junto aos escritos de Peirce, muito especialmente voltadaspara as dimensões do ícone e, mais particularmente, para a fun-

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- - - - - --.- --- ---- A TEORI.~ G ER.\ L [)IlS ~I" " \,,

Um ícone é um Representamen cuja Oualidade Representativa e uma suaPrimeiridade como Primeiro. Ouseja. aQua lidade Que ele temQua coisa o tonaapto a ser um representamen. Assim. Qualquer coisa é capaz de ser umSubstituto para Qualquer coisa com a Qual se assemelhe IA concepção de"sobstituto" envolve a de um propósito e,com isso. adeterceiridaoe genuína lVeremos sehá ou não outras espéciesdesubstitutos Um Representamen aoe­nas por Primeiridade somente pode ter um Objeto similar. Assimum Signo porContraste denota seu objeto apenas por força deumcontraste. ouSecundidadeentre duas Qualidades Um signo por Primeiridade é uma imagemdeseu obje­to e. em termos mais estritos, só pode ser uma idéia, pois deve produzir UfTlaidéia Interpretante. e um objetoexterno excita uma idéia através deuma rea­ção sobre o cérebro Contudo, em termos mais estritos ainda. mesmo umaidéia, exceto nosentido de uma possibil idade, ou primeiridade, não pode serum ícone. Uma simples possibilidade é um ícone puramente por força desuaqualidade e seu objeto sópode ser uma Primeiridade Masum signo pode sericônico, istoé, pode representar seu objeto principalmente porsua similarida­de. não importa Qual seja seu modo deser. Se o Que seQuer é um substantivo.um representamen icônico pode ser denominado dehipo-ícone (2 .276).

Quando Peirce diz: "Contudo, em :termos mais estritosainda, mesmo uma idéia. exceto no sentido de uma possibilida­de ou primeiridade, não pode ser um Ícone, Uma simples pos­sibilidade é um Ícone puramente por força de sua qualidade. eseu objeto só pode ser uma Primeiridade", ele está decantandoa noção de ícone até o limite extremo de algo que brota namente, ou melhor, que ainda não brotou. algo em estado de ges­tação, mera possibilidade de emergência, antes de emergir.quase emergindo... São flashs de incandescência mental . cha­mamento de luz, antes da luz, que podem durar anos ou algunssegundos. Artistas e cientistas sabem a esse estado de indeter­minação porque com ele convivem. Condição de espontaneida­de livre, originaliana, que antecede toda descoberta ou criação.estado distraído mas concentrado, em que tudo está ainda dis­perso mas aquecido. prestes a surgir como uma gesta/t em cujapregnância a dispersão se imantará. Sobre isso Peirce nos for­nece um exemplo curioso :

Suponhamos Que eu tenha estado muito tempo Quebrando a cabeça comalgum problema - digamos. como construir uma máquinade escrever real­mente boa. Ora. há muitas idéias vagamente na minha cabeça. e nenhuma

o SIG...1l RF\" ISIT ~[)(l _

delas. tomada em si mesma. tem Qualquer analoc.aoarticular c: - mel ; '31>deproblema. Mas umdia. todas essas ice.as. todas oresentes à consC'ê-( !dmas ainda muito vagas e profundas na Drofulldeza do pensamento sutcons­ciente. têm achancedese verem reunidas num moco particular :al Que acom­binação realmente apresenta uma forte analogia com a minna dificu;cadeEssa combinação Quase ínstaotãnee se Ilumina naVIVIdez. Ora. 510 não rodeser contigüidade; pois que a combinação e. além domais.uma Idéianova Elanunca tinha meocorrido antes; e conseq úenternente não pode estar sutrneti­da a qualquer hábito adquirido. Oeve ser como parece ser. sua analogcd ousemelhança naforma, em relação aonóouíodo meu problema cee a trazcaraavividez Bem. o Que pode ser isso. senão pura e fundamental associaç ão porsemelhança 174981?

Esse exemplo nos permite distinguir o estado pré-emer­gente ícone puro, mera possibilidade ainda não-estruturada. e oestado emergente em que uma idéia surge e se materializa numaforma mental. Neste exemplo, a gestalt mental que se configuraapresenta semelhanças com uma forma anteriormente apenaspressentida no desejo da criação de uma máquina de escrevercom caracteristicas inovadoras. Há formas mentais, no entanto,que brotam sem a determinação prévia da configuração de algo.mas apenas da configuração por si mesma. pura forma. No casoda música, essa condição é substancial. como é substancial nocaso de todas as criações que não buscam dar forma a algo. mastão-só e apenas dar forma. "Nenhum Ícone puro representa nadaalém de Forma, nenhuma Forma pura é representada por nada anão ser um Ícone {,..] pois, em precisão de discurso. os Íconesnada podem representar além de Formas e Sentimentos" (4.544),

É por essas razões que a criação estética, quanto mais radi­calmente criadora , não é senão qualidade de sentimento que seengendra numa forma. Ao se engendrar e materializar numa con­figuração mental, já é uma ocorrência, já caminha para o sin­signo, assim como terá traços de legi-signo responsáveis pelaconsistência e unidade da forma. No entanto. por se tratar apenasde uma forma mental originaliana, sem relação com qualquercoisa que lhe seja estranha, sua qualidade decantada e sui gene­ris é o que domina, de modo que aí ainda se está no nível doquali-signo icônico (ícone como possibilidade de se manifestar).

, [1

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Vem daí a importância que Peirce releva aos ícones noraciocínio matemático e lógico:

Um ícone puro não pode fornecer nenhuma informação factual ou positiva,visto que ele não fornece nenhuma segurança de que há talcoisa na natureza.Mas ele é do maior valor para capacitar seu intérprete a estudar qual seria ocaráter de um talobjeto no caso de que ele realmente existisse (4.447)Ovalor de um ícone consiste no fato dele exibir oscaracteres deum estado decoisas consideradas como se elas fossem puramente imaginárias (4.448).Oraciocínio deve estar principalmente relacionado com as formas que são osprincipais objetos do inslght racional . Por isso mesmo. ícones são especial.mente requisitados para o raciocínio (4.531 I.

uma vez que seu objeto é tão-sóe apenas sua própria forma. comtodos os limites imprecisos e relativamente vagos que caracteri­zam as formas nascentes.

Cada ícone participa de algum cara ter mais ou menos aberto de seu objetoEles. um e todos. participam do caráter mais aberto de todas as mentiras edecepções: sua abertura. No entanto. eles têm muito mais aver com ocaráterda verdade do que têm os índices e os Símbolos. Um ícone não está inequivo­camente para esta ou aquela coisa existente como um índice está. Seu objetopode ser uma pura ficção quanto à sua existência. Muito menos é seu objetonecessariamente uma coisa de uma espécie habitualmente encontrá...el. Mashá uma segurança que o ícone fornece nomais alto grau. Ou seja, aquela quese mostra diante do olhar da mente - a forma do ícone que é também seuobjeto - deve ser logicamente possível (4.5311.

É por meio da noção de ícone, portanto, que Peircedemonstra as afinidades na criação que conjugam o homem daciência ao homem da arte:

i A existência dos ícones é necessária principalmente a fim de mostrar as; fQ~,!!as da sinte.se dos elementos do pensamento 14.544). /...1 Otipomais ele­vado de síntese éaquele que amente é compelida a realizar não pelas atra­ções interiores dos próprios sentimentos ou representações, nem por umaforça transcendental de necessidade. mas. sim. nointeresse da inteligibilida­de, isto é, no interesse do próprio "Eu penso" sintetizador; e istoamente fazpela introdução de uma idéia que não está contida nos dados e que produzconexões que estes dados. deoutro modo, não teriam. Este tipo de síntesenão tem sido suficientemente estudado, e de modo especial o relacionamen­to íntimo de suas diferentes variedades não tem sido devidamente conside­rado. Otrabalho do poeta ou novelista não é tão profundamente diferente do

/ .J'Jo 51W,1l RL\ 1511ADIl - _

trabalho dohomem de ciência. Oartista introduz uma ficção. porém não umaficção arbitraria; essa ficção demonstra certas afinidades às quais a menteatribui uma certa aprovação ao declará-Ias belas. o que. se não correspondeexatamente a dizer que a síntese é verdadeira. é algo do mesmo upo geralOgeômetra desenha um diagrama. que não é exatamente uma ficção. masque é pelo menos uma cnação. e pela observação desse diagrama ele écapaz desintetizar e mostrar relações entre elementos que antes pareciamnão ter nenhuma conexão necessária (1 .3831

Como se pode perceber. ícone puro é a possibilidade dealgo originaliano. iniciante, nascente . É o ícone no seu aspectornonádico. responsável pelo que se costuma chamar de insight ,mescla indissolúvel de instinto e razão, instinto para a verdadeou razão do instinto. O ícone como mônada é fruto de um poten­cial da mente para produzir configurações que não são copiadasde algo prévio. mas brotam sob o governo incontrolável dasassociações.

A passagem do ícone puro ao ícone atual foi nitidamenteformulada por Peirce:

Um íconeé um representamen daquilo que ele representa e para amente queo interpretacomo tal, em virtude dele ser uma imagemimediata. quer dizer emvirtude de caracteres que pertencem aele mesmo como um objeto sensível. eque ele possuiria do mesmo modo. se houvesse na natureza um objeto com oqual ele se parecesse. emesmo que ele nunca fosse interpretado como signo.Ele é da natureza de uma aparência. e como tal. estritamente falando só exis­te na consciência, embora por conveniência na fala comum e quando a extre­ma precisão não é necessária, possamos estender o termo íconepara os obje­tos externos que excitam na consciênciaa imagem ela mesma (4.447).

Ao falar de objetos externos que excitam a consciência,isto é, que agem sobre a consciência, Peirce está evidentementeconsiderando algo que se apresenta à percepção, referindo-se.portanto, a uma relação dominantemente diádica. Sob que aspec­tos, entào, o ícone (que é da essência do primeiro) poderia semanifestar na diada?

Onde quer que haja um fenômeno (phaneron: algo queaparece) , lá haverá uma qualidade ou compósito de qualidades ,lá haverá algo que pode ser um qual i-signo. Ora, se a consciên­cia de quem percebe se encontra em estado desprendido e cândi-

- - - - - - --- ---- - - - A TEORIA GERAL DOS SIGNOS/./ 8

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do. consciência porosa e esgarçada. aberta e desarmada. a quali­dade que aparece não será sentida nem como um existente (não­ego), nem será interpretada ou mediada por um julgamento depercepção. Será imediatamente convertida tão-só e apenas emqualidade de sentimento. em impressão l(eeling) ou quase-pre­dicado da qualidade. Esse sentimento é da natureza de um quase­signo, do qual a qualidade que aparece é um qual i-signo, quase­objeto . Os limites de separação entre signo e objeto ficam borra­dos e se misturam . A qualidade do objeto e a qualidade de senti­mento formam uma rnônada indiscernivel. Num lapso de tempo.o sentimento é sentido como se fosse o próprio objeto. Não é pre­ciso lembrar o quanto esse estado tem a ver com a música oucom a dimensão estética da experiência que pode nos assaltarimponderavelmente a qualquer instante (num olhar que varredesavisadarnente um horizonte crepuscular, no roçar distraído eamorável de dois corpos. no degustar do vinho, no frescor dabrisa brincando docemente com o corpo, nos fugidios plenilú­nios da alma que costumamos chamar de felicidade...). Não épreciso lembrar como esse estado faz eco no poder de contem­plação do artista, "qualidade rara de ver o que está diante dosolhos, como se apresenta. não substituído por qualquer interpre­tação", ou no efeito estético de quase flutuação, suave assombrodiante daquilo que é admirável à razão do sensível e ao sensívelda razão.

Mas há ainda um aspecto monádico do ícone - tal como se .atualiza na percepção - para o qual J. Ransdell (1966, p. 151-2)também chamou a atenção:

Sugiro que. na mecldaemque se guarda namente. como exemplos deíconesou signos icÔniccs. apenas coisas tais como mapas. retratos. diagramas ousimilares. pode-se estar perdendo o ponto que é mais importante à noção deíconeou signos ic5nicos. ouseja. que ela habilita Peirce acombinar adoutrinada cognição representativa com a doutrina da percepção imediata do objetoconhec ido A percepção pooe ser vista como representativa devido ao fato deque o objeto ape.ece sob UITOa forma (qua formal que não pode ser material­mente idêntica a~ objetor:;'éebidoe que pode. de fato. ser representativa dequalquer númerc :e difere-:es objetos individuais; mas ela pode ser consice-

rada imediata porque - se a percepção é verídica - a forma sob a qual oobjeto aparece é aprópria vete forma. quer dizer. é precisamente a forma queele corporifica ASSim. a percepção sensória imediata de um objeto seria umcaso especial de uma entidade. A. sendo um signo icõnico de uma entidade B.ou seja. aquele caso em Que Ae Bsão. de fato. não apenas formalmente. masmaterialmente idê nticos, isto é. o caso em Que o objeto percebido. B. é ums19no icõnico. A. de si mesmo.

Um exemplo disso está lindamente ilustrado em uma dastransfigurações estéticas de J. L. Borges (1971. p. 31-2). o conto"Una rosa amarilla". cuja brevidade permite que ele seja aqui

transcrito integralmente:

Ni aque/la tarde ni la otra murió el ilustre Giambattista Marino. que las bocasunánimes de la Fama (para usar una imagen que le tue cara) proclamaron elnuevo Homero yel nuevo Dante. pera el ecro inmóvil ysilencioso que enton­ces ocurrió tue en verdad elúltimo de suvida Colmado de anos yde gloria. elhombre semoríaen un vasto lecho espanol de columnas labradas. Nada cues­ta imaginar a unos pasos un sereno balcón que mira aipaniente y. mas abajo.mármoles y laureies y un jardín que duplica sus graderias en un agua tecten­guiar. Una mujer ha puesto en una copa una rosa amaril/a: el hombre murmu­ralos versos inevitables que aélmismo, para hablar con sinceridad. ya lohas-

tten un pocoPúrpura deijardín. pompa dei prado.gema de primavera. ajode abril...Entonces ocurrió la revelación. Marino vio la rosa. como Adán puedo veria enel Paraíso. ysintióque el/a estaba ensueternidad yno en sus palabras yquepodemos mencionar oaludir pera noexpressar yque los altos ysoberbios volú­menes que tormaban enun ángulo de la sala una penumbra de oro noeran(como suvanidad sonó) unespejo deimundo. sino una cosa más agregada ai

mundo.Esta iluminaciónalcanzó Marino enla víspera de sumuerte. yHomero yDanteacaso laalcanzaron también.

Ver a rosa (Borges grifa o verbo ver). ver a rosa mesma.no momento último da vida, salvou Marino de morrer sem ver(quantas vidas transcorrem sem nenhum instante de visãol) .Silenciosa aparência da rosa em comunhão consigo mesma.aquém de qualquer interpretação. Libertos das malhas interpre­tativas pela iminência da morte, os olhos de Marino, pela primei-

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ra vez. viram a rosa como se fosse a própria rosa . No.coágulo

desse instante. no sopro de revelação da rosa, revelou-se o uni­

verso inteiro. O que Borges faz seguir a isso cifra, na condensa­ção estética de umas poucas frases, tudo ou quase tudo aquiloque Peirce buscou decifrar na sua perseguição ou peregrinaçãopara o ícone. Aquela rosa, vista com olhos livres, não estava naspalavras, mas na eternidade. Um instante raro de visão capaz decapturar não apenas a identidade formal, mas também material.entre o perceber e o percebido, é percepção imediata na sua ime­diaticidade. Mas percepção imediata é justamente aquilo que ine­lutavelmente se perde quando se percebe, justamente aquilo queescapa porque não pode ser retido. Reter o impossível, entrar noclarão do fugidio é penetrar no presente eterno da imediaticida­de. Borges estava cônscio da excepcionalidade desse fato imóvele silencioso - roçar da eternidade - que só poderia ser o últi­mo na vida de Marino.

Se o ícone atual como retenção do processo perceptivo nasensualidade imediata do que é percebido (este que foi experi­mentado por Marino) tem a raridade do quase impossível, há. noentanto, um ingrediente de iconicidade em qualquer ato de per­cepção comum. Esse aspecto icônico corresponde ao nível deprimeiridade encapsulado no ato perceptivo que é, por natureza.

dominantemente d~ád_i~o, e que só se consuma no julgamento depercepção (terceiridade).

- - -- -- -Toda percepção tem um caráter esquemático. Nunca per-

cebemos mais do que uma seleção extremamente limitada dosaspectos formais daquilo que é percebido. Embora a identidadematerial entre o objeto percebido e o modo como ele é percebi­

do seja radicalmente distinta, há, contudo, uma comunhão naidentidade formal de ambos. Esse aspecto icônico é necessaria­

mente esquemático, retendo do objeto apenas os traços formaisessenciais, nos quais objeto e percepção se identificam. Sob esse

ângulo , não há nenhuma distinção formal ou separação entre oobjeto que está lá fora e o objeto tal como aparece no percipuum.

Nessa medida. o ingrediente icônico é justamente aquilo que dásuporte ao processo perceptivo. funcionando como substrato dailusão, subjacente a toda percepção. de que o objeto. tal como

percebido. é o próprio objeto.

Entretanto. a variação tempo-espacial nos ângulos percep­tivos rompe essa identidade. evidenciando a disparidade mate­rial , e ~bnndõ o fosso entre o perceber (percipuum) e o percebi­do (percepto). É por isso que a percepção imediata, na sua ime­diaticidade, presentidade como está presente (aquela que foiexperimentada por Marino) corresponde à identidade formal.antes da insinuação da disparidade material entre perceber e per­cebido. Essa insinuação é inelutável. Uma vez que a percepçãose dáno tempo-espaço. a imediaticidade é justamente aquilo quecontinuamente escapa. fazendo escapar a identidade material eabrindo a brecha entre o perceber e o percebido. Perceber é,assim, movimento de reunião e separação. Reunião formal (pri­meiridade) e separação material (secundidade). para serem rein­tegradas numa mediação intelectual (terceiridade) que se dá no

julgamento de percepção.

Quando falamos em julgamento perceptivo, contudo, issosignifica que já estamos adentrando um outro nível de íconeatual. Recordando - na terminologia que vi por bem utilizarpara sistematizar as variações de graus que vão do ícone puro,passando pelo ícone atual, até o signo icônico -, estou cha­mando de "ícone atual " ao ícone tal como se manifesta na per­cepção. Ora. essa manifestação tem dois níveis: I) o nível daação de algo externo sobre a consciência, sobre a qual acabeide discorrer, evidenciando os dois aspectos dessa ação (1.1qualidade de sentimento; e 1.2 identidade formal); e 2) o nívelde reação da consciência àquilo que age sobre ela, sobre o qual

agora discorrerei.

Lembro ao leitor que todos os graus de ícone. que dizemrespeito ao ícone puro e ao ícone atual. correspondem estrita­mente ao quali-signo, ao qual i-signo icônico e não ao sin-signoou legi-signo icônicos, visto que estes últimos se caracterizam

15~ _ _ _ _ _ ___ _ _ ___ _ A fHIR IA (, ~ R~L LX)S SI(," \~ o SIO' () REV ISIr.~IX) - - - -- --- - - - 153

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Em síntese: se é impossível fazer qualquer relato ou análi­se da semelhança, o único critério para se decidir se uma quali­dade assemelha-se a outra é a sincera asserção que alguém nosdá de que isso é assim . Desse modo, uma qualidade, X, só pode

se assemelhar a qualquer outra qualidade ou nenhuma; depen­dendo de alguém que faça a asserção sincera dessa semelhança.Conclusão: dizer que uma qualidade se assemelha a outra é, nomáximo, adotar uma hipótese.

como hipo-ícones. Assim sendo. o segundo nível do ícone atualou nível de reação da consciência àquilo que age sobre ela napercepção, díz respeito à reação da consciência ao quali-signo.Ora, a reação própria da consciência a algo que age sobre ela noato perceptívo é a de produzír um julgamento perceptivo. Quetipo de julgamento perceptivo, no entanto, produz a consciênciadiante de um quali-sígno? D. Savan (1976, p. 14-5) nos forneceuma resposta das mais lúcidas:

uma Qualidade como tal só pode ser o signo de uma Qualidade. De Que Quali­dade éela um signo?Sob Qual fundamento pode Qualquer Qualidade particularser selecionada como o objeto de um Quali-signo? A resposta natural é a deQue uma Qual idade só pode ser osigno de uma Qualidade idêntica ou similar.A dificuldade dessa resposta é a de Que não há'critérios de identidade paraQualidades. Pensemos, por exemplo, nas grandes diferenças entre os modoscomo as diferentes culturas classificam as Qualidades da cor, ou dosom, ou doodor. Pensemos também no treino disciplinado Que é necessário dentro danossa própria cultura para .seobter concordância nos julgamentos de Qualida­de entre os músicos. experimentadores de vinho ou dechá. misturadores decores etc. De fato, conforme Peirce enfaticametne aponta em outros contextos,dizer Que um exemplar. A, é idêntico ou similar a um exemplar. B. é. no máxi­mo, uma hipótese. A Qualidade passada, tal como ela se apresentava nelamesma, não pode sertrazida conjuntamente àqualidade presente para compa­ração. A precisão da nossa memória não pode ser testada, demodo Que não'faz sentido perguntar por talcomparação. Assim sendo, uma Qualidade é idên­tica ou semelhante àquelas qualidades das quais ela éjulgada como sendo umsigno. Se o homem cego de Locke julga o som de uma trombeta corno sendovermelho, que seja assim. Osom éoquali-signo da cor. Tais argumentos leva­ram Peirce aadotar ahipótese da sinestesia, isto é.de que todas as modalida­des sensórias formam um continuum deQualidades.

Os hipo-ícones

A diferença, estabelecida por Peirce, entre icones e sig­nos icônicos indica que, embora os signos icônicos sejam, semdúvida, quase-signos, se comparados com as formas mais pró­ximas da genuinidade, tais como as exibidas pelo simbolo, eles,no entanto, já funcionam como signos, isto é, intentam ou pro­fessam representar algo . Trata-se de um tipo de representaçãofrágil , visto que a mediação estabelecida por meio de compara-

155o SIGNO RE\ 1, ITAi)(l - - _

Isso significa: se o julgamento de percepçào é aquilo quenos diz sobre o que é percebido, quando aquilo que é percebidonão é senào uma qualidade, o objeto dessa qualidade só pode seruma outra qualidade. Essa outra qualidade, como objeto doquali-signo é criada pelo próprio julgamento de percepção. namedida em que esse julgamento formula uma hipótese de identi­dade ou semelhança entre as duas qualidades. Conseqüentemente.o julgamento perceptivo ou reação da consciência diante de umaqualidade não passa de uma hipótese. Parece evidente que essahipótese pode ter três níveis : I) quando a qualidade que funcio­na como signo e aquela que funciona como objeto se comungam,formando uma mônada até o ponto de serem dificilmente distin­guíveis ou mesmo indistinguíveis. Neste nivel , portanto, trata-sede uma quase-hipótese muito vaga e sem limites precisos.Acontece que duas qualidades se juntam na percepção como sefossem uma só qualidade; 2) quando uma qualidade individual étomada como objeto de uma outra qualidade individual. Esseexemplo é ilustrado com perfeição pelo homem cego de Locke,para quem o som de uma trombeta é vermelho, isto é. para quema qualidade do vermelho, que nào pode ser experienciada por ele,é tomada como objeto da qualidade do som; e 3) quando há umaadoção de uma hipótese de semelhança, postulada de modogeral, com validade para um assentimento mais coletivo. Essahipótese é terceiridade, uma regra de razão sujeita a revisões àluz de evidências futuras.

- - - - - - A TEORI.~ GERAL DOS SIGNOS15.J

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- - - - - - - --- - - - - Á TEORIA GERAL OOS SIG:\OS o SIGNO RHISIl\[)() - _ 15-

ções tem sempre uma natureza hipotética. em maior ou menorgrau. podendo. por isso mesmo, ser facilmente contestada.

. ~ifere~temente dos seis graus da iconicidade, que siste­~atlzel antenonnente. os três tipos de hipo-icones ou signos icô­nacos, mesmo que de modo mais frágil do que o símbolo e até oíndice, já agem propriamente como signos porque representamalgo. Sào eles: a imagem propriamente dita, o diagrama e a metá­fora. O fato de Peirce ter chamado a imagem de hipo-ícone nãoé sem conseqüências, ou seja, o ícone e a imagem não são amesma coisa. Infelizmente, no entanto, tomou-se lugar-comumse tomar todos e quaisquer tipos de imagens, inclusive a fotogra­fia (dominantemente indiciai) como ícones tout-court, o que levaa uma simplificação abusiva que pouco tem a ver com as noçõespeirceanas de ícone e signos icônicos.

Há inúmeras passagens em que os três tipos de signos icô­nicos foram sistematicamente definidos por Peirce. Entre elas, amais citada tem sido a que se segue: .

As imagens participam de simples Qualidades ou Primeiras Primeiridades.Os diagramas representam as relações principalmente relações diádicas ourelações assim consideradas - das partes de uma coisa. utilizando-se de rela-ções análogas em suas próprias partes. . .As metáforas representamocaráter representativo de um signo. traç~nd~lheum paralelismo com algo diverso (2.277).

A eXl'ressão "primeiras primeiridades" deve provavelmen­te significar que a representação na imagem se mantém em nívelde mera aparência. São as qualidades primeiras - forma, cor,textura, volume, movimento etc. - que entram em relações desimilaridade e comparação, tratando-se, portanto, de similarida­des na aparência. "Qualquer imagem material como uma pintu­ra, por exemplo, é amplamente convencional em seu modo derepresentação; contudo, em si mesma, sem legenda ou rótulo,pode ser denominada um hipo-ícone" (2.276). Isto quer dizer quea imagem se reduz ao nível da mera aparência, desconsiderando­se tudo aquilo que possa estar além ou aquém do modo comoalgo se apresenta aos sentidos. São qualidades, tal como apare­cem, nas sugestões de similaridades que despertam.

Os diagramas. por sua vez, representam por similar idadenas relações internas entre signo e objeto. Não são mais as apa­rências que estão em jogo aqui , mas as relações internas de algoque se assemelha às relações internas de uma outra coisa.Todos os tipos de gráficos de quaisquer espécies são exemplosde diagramas. Na aparência, pode não haver nada que faça lem­brar o objeto ou fenômeno que eles representam. A semelhan­ça, no entanto, se instala em outro nível, o nível das relações

. entre as partes do signo e as relações entre as partes do objetoa que o signo se refere. Uma vez que o elemento de referêncianeles se intensifica, os diagramas são hipo-ícones no nível desecundidade, diferentemente das imagens que estão em nível deprimeiro e as metáforas em nível de terceiro (representaçãomais propriamente).

As metáforas fazem um paralelo entre o caráter represen­tativo do signo com o caráter representativo de um possível obje­to. Ou melhor, e o que é mais engenhoso na definição de Peirce,elas representam o caráter representativo de um signo e traçamum paralelismo com algo diverso. Caráter representativo refere­se àquilo que dá ao signo poder para representar algo diversodele. É isso que as metáforas representam. Extraem tão-somenteo caráter, o potencial representativo em nível de qualidade, dealgo e fazem o paralelo com algo diverso. Há sempre uma fortedose de mentalização e de acionamento de significados nas

. metáforas, daí elas serem hipo-icones de terceiridade."

Índice

Autor de conhecido estudo sobre a indexical idade ( 1991a),Thomas A. Sebeok, num outro artigo mais breve (199 I, p. 49),apresentou, de modo sugestivo, o poder que os índices exercemsobre a existência humana e a de outros animais:

Asobrevivência de todas as espécies. ede cada membro individualde todasasespécies. depende da decifração correta dos signos indexicais[".1Os seguido­res de trilhas de cavalos ou outros animais. oprofeta e o adivinho. odetetive.o historiador da arte. o médico. O psicanalista e os cientistas modernos são.

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-15,1'

cada um a seu modo. leitores ávidos e Interpretes de metorurruas naturais noLivro da Natureza - domesmo modo Que nós temos aexperiência dos siqrosem nossa vida cot idiana. embora talvez de modo menos concentrado e merosespecializado

Os índices sào os tipos de signos que podem ser mais far­tamente exemplificados. Diferentemente dos ícones que, parafuncionarem como signos. dependem de hipotéticas relações desimilaridade, também diferentes das abstrações gerais quecomandam o universo dos simbolos. os índices são prioritaria­mente sin-signos com os quais estamos continuamente nos con­frontando nas lidas da vida. Eles sào afetados por existentesigualmente singulares. seus objetos. para os quais os sin-signosremetem, apontam, enfim. indicam. Embora o modo de funcio­namento dos índices, quando comparado aos ícones e símbolos.pareça bem simples e direto, um levantamento incompleto dosexemplos de índice, fornecidos por Peirce, acrescido de algumasvariações, é, por si mesmo, indicador de que as coisas não são tãosimples assim.

São índices: termômetros, cataventos, relógios, barôme­tros, bússolas, a Estrela Polar, fitas-métricas, o furo de uma bala,u~ dedo apontando, fotografias, o andar gingado de um homem(índice de marinheiro). uma batida na porta, a sintomatologia dasdoenças, os olhares e entonações da voz de um falante, as cir­cunstâncias de um enunciado. os pronomes demonstrativos (este,esse, aquele) , pronomes possessivos (dele, dela, nosso), prono­mes relativos (que, qual, quem). pronomes seletivos (cada, todo,qualquer, algum, certo), os sujeitos das proposições, nomes pró­prios, as letras (A, B, C) dentro de uma fórmula matemática ounum diagrama geométrico, direções e instruções para um ouvin­te ou leitor etc.

A maioria dos exemplos acima foi discutida por Peirce. Seele tivesse vivido neste século, para conhecer a impressionantemultiplicação de equipamentos, aparelhos e sensores para a cap­tação e registro do som e da imagem, tanto em nível micro quan­to macro (antenas, radares, sensoriamento remoto, imagens para

diagnóstico médico: ultrassonografia. tomografia computadori­zada. ressonância magnética etc.), teria muito provavelmente sedeleitado diante do arsenal de exemplos com que a invasão cres­cente de índices está povoando o mundo.

O que pode haver de comum em fatos. coisas. fenômenose processos tào variados quanto os elencados acima. que os cate­goriza todos na classe de signos indiciais? Para tomar a questãoainda mais enigmática, Peirce afirmou, de um lado. que "omundo real não pode ser distinguido de um mundo fictício pornenhuma descrição. Nada. a não ser um signo dinâmico ou indi­ciai pode realizar tal propósito" (2.237. v. tb. 3.363). Ou ainda:"É só pelo uso de índices que podemos tomar patente se estamoslidando com o mundo real ou o mundo dos conceitos. ou omundo das construções matemáticas" (apud Goudge, 1965. p.61). De outro lado, ele também afirmou que "seria dificil , senãoimpossível. encontrar qualquer sígno completamente destituído

de qualidade indiciai" (2.306).

Para deslindar essas complexidades, é preciso caminharpasso a passo, começando pelo mais óbvio. Se, na classificaçãodos signos, a triade ícone-índice-símbolo refere-se aos três tiposbásicos de relações que podem existir entre signo e objeto. veja­mos que espécie de relação o índice especificamente mantém

com seu objeto:

Um índice envolve a existênciadeseu Objeto (2.315)

Um indicador é um signo Que se refere ao Objeto Que denota em razão de sever realmente afetado por aquele Objeto (2.248)

São representações cujas relações com seus Objetos consistem numa corres­

pend ência defato11 .558).

índice: um signo ourepresentação que se refere a seu Objeto não tanto em vir­tude deumasimilarídade ou analogia qualquer com ele. nem pelo fato de estarassociado a caracteres gerais Que esse objeto acontece ter. mas sim por estarnuma conexào dinâmica [espacial, inclusive) com o Objeto [ .1 (230S1

Éum Signo de reação. envolve uma relação efetiva com o Objeto (5.66).

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..

Embora as citações sejam aparentemente repetitivas, emcada variação algo novo é apresentado. Veja-se a seqüência: oobjeto do índice é um existente ("existência é aquele modo de serque reside na oposição a um outro" [1.457]); o índice é realmen­te afetado por esse existente; a correspondência entre signo eobjeto é factual; há entre ambos uma conexão dinâmica, atémesmo espacial; por isso mesmo, essa relação é efetiva e genuí­na (só a relação existencial é genuína. as outras são relações derazão). Tudo isso pode ser sintetizado na conexão real que seestabelece entre o signo e seu objeto, sendo essa conexão aquiloque dá ao índice capacidade e virtude para funcionar como tal(cf. também sobre isso 2.284,2.286,3.361 ,4.331 ,4.544,6.471,-8.119; &3-35).

Onde houver ligação de fato, dinâmica, por mais rudimen­tar que seja, aí haverá traço de indexicalidade. Esse traço signi­fica que é a conexão fisica entre signo e objeto que dá capacida­de para o índice agir como signo, independentemente de serinterpretado ou não (ver 2.92,2.304,4.447). É claro que só fun­cionará como signo ao encontrar um intérprete, mas não é esteque lhe confere esse poder, e sim sua afecção pelo objeto.Quando o índice é genuíno, realmente dual, o papel do intérpre­te é tão-só e apenas o de constatar a marca, no signo, de sua afec­ção pelo objeto. É assim que um policial só chega ao autor de umcrime principalmente pela investigação dos vestígios, rastros queeste involuntária e inevitavelmente vai deixando. Os vestígiossão os signos indiciais, realmente afetados pelo seu objeto, o cri­minoso. Há uma ligação efetiva, existencial, factual entre os ves­tígios e o praticante do crime.

Se a virtude, capacidade ou poder do índice vem da cone­xão com seu objeto, sua função caracteristica (2.257) é a de cha­mar a atenção do intérprete para o objeto, exercendo sobre oreceptor uma influência compulsiva. Conforme esse aspecto foi

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muito bem sintetizado por Goudge (1965 , p. 56), o índice agedinamicamente sobre o objeto t3.434, 2.256. 2.259. 2.336.2.357). Ao índice, muito mais do que a qualquer outro tipo designo. cabe com justeza a denominação de veiculo . De faro, oíndice funciona como um veículo de transporte. alertando e con­duzindo o receptor diretamente para seu objeto. É assim queSherlock Holmes, por exemplo, incomparável mestre na arte dese transportar dos índices para seus objetos. consegue distinguirtipos de cinzas de diferentes charutos para chegar com precisão,por meio de uma cadeia de índices, ao exato fumante daqueleexato charuto, no exato lugar em que o fumou, num exato tempopassado.

Peirce chegou a dizer que o índice age sobre o sistemanervoso e, "como um dedo apontando, exerce sobre a atençãouma força fisiológica real, como o poder de um rnagnetizador,dirigindo-a para um objeto particular dos sentidos" (8.41. verainda 2.287 e 3.419) . Disse também que o índice força o olhardo receptor a se virar para o objeto, compelindo o intérprete a teruma experiência e, no caso do diálogo, faz o ouvinte comparti­lhar a experiência do falante (3.419, 2.336). Disse ainda que oíndice forçosamente se introduz na mente , independentementede ser interpretado ou não como um signo: o índice coloca amente do receptor numa conexão ativa com o que está sendofalado (4.56 e 4.447) . "Palavras tais como isto. aquilo, ei. alô,você aí têm uma ação direta e compulsiva sobre o sistema ner­voso e compelem o ouvinte a olhar para o emissor: e assim. maisdo que as palavras comuns, elas contribuem para indicar sobre oque é a fala" (3.419).

Em função da conexão compulsiva que o índice estabele­ce com o seu intérprete. conclui-se que. na verdade. a conexãodinâmica desse tipo de signo tem dois lados: I) o lado do objetoindividual ao qual está existencialmente, e até mesmo espacial­mente conectado: e 2) sua conexão com os sentidos ou a memó­ria da pessoa a quem serve de signo (2.305).

Peirce sintetizou em três os traços que caracterizam o indi­ce, distinguindo-o de outros signos: I) eles não têm nenhuma

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oínd ice é um signo cuJa significação de seu Objeto se deve ao fato de ele teruma relação genuína com aquele Objeto. sem se levar em conta o interpretan­te. Éocaso. por exemplo. daexclamação "Eh!" como indicativa de perigo imi­nente ou uma batida na porta como indicativa de uma visita (2.921

- - - - - --- A IHlRIA I,;ERAI DOS SII,;~OSIM)

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Vejo um homem que anda gingando. Isso e uma indicação provável de qUE' emarinheiro Vejo um homem de pernas arqueadas, usando ca lça de veludo,botas e uma jaqueta. Estas são indicações prováveis de que é um Jóquei oualgo assim Um quadrante solar ou um relógio indicamahora. [...1Uma bat idana porta é um índice. Tudo que atrai a atenção é índice Tudo que nos sur­preende é índice.na medida em que assinala a junção entre duas porções daexperiência Assim. um violento estrondo indicaque algo considerável ocorreu.embora não saibamos exatamente qual foi o evento. êsoera-se. noentanto.que eleseligue com alguma outra experiência (22851.

Um barômetro a marcar a pressão baixa e ar úmido é índice de chuva. ísto é.

supomos que as forças da natureza estabelecem uma conexão provável entreobarômetro, que marca pressão baixa. com oarúmido eachuva iminente. Umcatavento é um índice da direção dovento, dado que, em primeiro lugar. elerealmente assume a mesma direção do vento, de tal modo que há uma cone­xão real entre ambos e, em segundo lugar, somos constituídos de tal formaque, quando vemos um catavento. apontando numa certa direção. nossa aten­ção é atraída para essa direção e. quando vemos o catavento girando com ovento. somos forçados. por uma lei doespírito. apensar que essa direção1emuma relação com o vento. A Estrela Polar é um índice. ou um dedo indicadorque nos mostra onde fica o Norte. Um nível de bolha ou um fio de prumo sãoíndices da direção vertical (2.2861

1(>3o SI. ;'" RI\ ISITA\l.) . _

Todos esses exemplos, de oitenta ou noventa anos atrás,soam já muito antigos, principalmente porque estamos hojerodeados, em cada recanto de nosso dia-a-dia, de aparelhos eequipamentos indiciais sofisticadíssimos: as ordens que damos aum forno de microondas, por exemplo, na seleção de botões queapertamos, e a resposta do forno aos comandos, indicando nosom e nos números iluminados os segundos e minutos que vãotranscorrendo; as luzes que vão acendendo e apagando, confor­me um elevador passa pelos andares indicados; as sinalizaçõesdo trânsito, sem as quais as metrópoles mergulhariam no caos

absoluto; os radares controlando o tráfego aéreo... Mas para nãonos alongarmos demais, pois os exemplos são infindáveis, fique­mos, por ora, apenas na menção dos aparelhos e técnicas de pro­dução de imagens fortemente indiciais, que vão da fotografia,cinema, vídeo até a holografia.

semelhança significante com seus objetos. Evidentemente. issoprecisa ser posto em discussão, Uma pegada. por exemplo, tema forma quase idêntica à do próprio pé. Mas a expressão usadapor Peirce foi "semelhança significante", note-se bem. Mais àfrente, buscarei mostrar por que não é a semelhança na forma,estritamente, embora ela possa existir, que está em jogo para ofuncionamento do índice; 2) referem-se a individuais, unidadessingulares, coleções singulares de unidades ou a contínuos sin­gulares; e 3) dirigem a atenção para seus objetos através de umacompulsão cega (2.306) .

Focalizando mais especialmente o item 3, J. Ransdell(1966, p. 205), re-subdivide-o em quatro níveis: I) o índice con­duz nosso pensamento para uma experiência particular; 2) mos­tra-nos sobre o que está falando (4.56, 3.419); 3) estabelece umacompreensão sobre aquilo que está sendo referido (3 .372); e 4)

conecta nossa apreensào com o objeto significado ou intenciona­do (2.287).

Goudge (1965: 53-54) dilata os caracteres gerais distin­tivos dos índices em seis níveis, três a mais do que os levanta­dos por Peirce. Vejamos: I) um índice tem uma conexão fisica .direta com seu objeto. ou é realmente afetado por esse objeto,a mente interpretadora não tendo nada a ver com essa conexão,a não ser notá-Ia (1.372, 2.248. 2.299); 2) o índice exerce umainfluência compulsiva no intérprete, forçando-o a atentar para oobjeto indicado; 3) um índice envolve a existência de seu objeto,de modo a formar com ele um par inseparável; 4) o objeto é sem­pre uma entidade individual : 5) um índice não faz nenhumaasserção, apenas mostra seu objeto; e 6) a relação entre índice eobjeto é não-racional, uma questão de fato bruto, secundidade.

Todas essas enumerações dizem respeito ao índice genuíno.Há, além deles, vários níveis de índices degenerados que trazem,aliás, alguns complicadores para a questão. Antes .de abordá-los,no entanto, passo à discussào de alguns exemplos de índicesgenuínos para distender e abrandar um pouco a concentração men­tal exigida pela abstração das definições e dos conceitos.

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Pode-se dizer que. desde a invenção da fotografia, vive­mos, por quase um século e meio, dentro de uma era da imagempreponderantemente indiciaI. Essa preponderância só foi rompi­da com o advento das imagens computadorizadas, sintéticas.Embora estas tenham um certo nível de indexicalidade (na sualigação direta com as fórmulas algébricas que são seus referen­tes reais, ou objetos do signo que determinam a aparência dasimagens [signo]), essa aparência nào é mais genuinamente indi­ciaI em relação ao mundo visível. As imagens não duplicammais esse mundo. mas simulam-no. o que introduz questõessemióticas inteiramente novas (a serem resolvidas. em largamedida. assim como no caso da música, pelos recursos analíti­cos fornecidos pelos legi-signos). Daí essas imagens receberema denominação de pós-fotográficas.

São ainda exemplos de índices muitos dos traços supra­segmentais da fala e boa parte da comunicação não-verbal que aacompanha. "Nenhuma língua, tanto quanto eu saiba", dissePeirce, "tem qualquer forma particular de discurso capaz demostrar que é do mundo real que se está falando. Mas isso não énecessário, visto que os tons e olhares são suficientes para mos­trar quando o falante está sendo sério. Esses tons e olhares agemdinamicamente sobre o ouvinte, e fazem-no atentar para as rea­lidades. São, portanto, índices do mundo real" (2.337). É emrazão disso que a oralidade está semp~e entremeada de traçosindiciais, não-verbais, responsáveis pelas sinalizações que ligamo universo discursivo ao universodos fatos, daquilo que está forado discurso. Peirce forneceu um exemplo para isso:

Nenhuma questão de fato pode ser asseverada sem o uso de algum signo quesirva como índice Se A diz a B "Há um incêndio". Bperguntará: "Onde?" Apartir do que A vê-se forçado a recorrer a um índice, mesmo que ele estejafazendo referência a um lugar qualquer do universo real. passado e futuro.Caso contrário. ele apenas teria dito que existe uma idéia como ade fogo. quenão veicularia informação alguma, pois a menos que já fosse conhecida. apalavra ·fogo·seria ininteligível Se A aponta o dedo na direção do fogo. seudedo está dinamicamente conectado com o fogo. tal como se um alarme con­tra fogo auto-anvaote o tivesse voltado nessa direção. ao mesmo tempo em

Outro exemplo, complementar a esse, é o que se segue:

que também força o olhar de Ba virar-se nessa direção. sua atenção adebru­çar-se sobre o fato. e sua compreensão a reconhecer que sua pergunta estásendo respondida (2.305).

J65o SIONO Rf\ISITAIX) ------------- _

Dois homens se encontram numa estrada. Um diz ao outro: •Aquela casa estáem toqo". "üue casa?" "Ora. a casa perto de uma milha à minha direita". Seesta fala for tomada e mostrada a qualquer pessoa da vizinhança, pareceráque a linguagem, por simesma, não fixa acasa. Mas oouvinte vê onde ofalan­te está. reconhece o lado de sua mão direita (uma palavra. aliás. que tem omais singular modo de significaçãol. estima o que é uma milha (um compri­mento que não tem propriedades geométricas diferentes de outros comprimen­tos). e. olhando para lá.vê uma casa. Não é a linguagem apenas com suasmeras associações de similaridade. mas a linguagem tomada em conexão comas associações por contigüidade, experienciadas pelo próprio ouvinte. quedeterminam para ele de que casa se trata. Éum requisito. portanto. para mos­trar sobre o que estamos falando ou escrevendo. colocar a mente do ouvinteouleitor numa conexão ativa e real com aconcatenação da experiência ou fic­ção com as quais estamos tratando e, além disso, dirigir sua atenção e idéntl­ficar um certo número de pontos particulares em tal concatenação (3.419).

Quando se trata da linguagem oral, a gestualidade, pau­sas, paisagens do rosto, sutilezas do olhar e posições do corpono espaço, tudo isso ajuda a roteirizar as junções e disjunçõesda fala com aquilo sobre o que se fala. A linguagem escrita, nãodispondo desses meios e conveniências, deve substituir, oumelhor, deve traduzi-los por elementos discursivos. Nesse caso,é fundamental a distinção que Peirce estabelece entre índicesgenuínos ou reagentes e índices degenerados ou designações."Se a secundidade for uma relação existencial, o Índice é genuí­no, se a secundidade for uma referência, o Índice é degenerado"(2.283). Mas é na passagem a seguir que essa distinção ficamais clara:

Há uma distinção importante entre duas classes de índices. Ou seja. algunsmeramente estão para as coisas ou quase coisas individuais com as quais amente interpretadora jáestá familiarizada. enquanto outros podem ser usadospara afirmar fatos Da primeira classe. que podem ser chamados designações.pronomes pessoais. demonstrativos e relativos. nomes próprios. letras ligadasauma figura geométrica, as letras comuns da álgebra são exemplos... Aoutra

_______________ A TEORIA GERAL DOS SIGSLlSIM

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Na medida em que os pronomes demonstrativos são pala­vras, significativas dentro de uma língua, são certamente algomais do que índices, ou seja, são legi-signos, mas as funçõesprioritárias que ocupam nos processos de significação são indi­ciais. Mesmo palavras mais primitivas, no sentido de mais pró-

Todas as situações referenciais, portanto, tão onipresen­tes não só na linguagem verbal, mas em todas as linguagens, sãorelações indiciais. Três questões surgem a partir disso: I) umavez que é impossível encontrar qualquer signo completamentedestituído de qualidade indiciai, há uma grande variedade degraus de degeneração resultante das também variadas misturaspossíveis que vão do índice ao símbolo; 2) como ficam os casosem que o referente não está no mundo exterior, mas no mundointerior do pensamento, memória, desejo, vontade, sentimentoetc.? 3) e os casos em que os índices sinalizam referênciasinternas à própria linguagem, isto é, processos de intra-referen-

. - cialidade? Comecemos pela primeira questão, comum exem­plo onde reaparece, mais uma vez, a fixação de Peirce com aindicação de uma casa:

Suponhamos que dois homens se encontrem numa estrada e que um delesdiga ao outro: "Achaminé daquela casa está acesa". Ooutro olha à sua voltae vê uma casa com cortinas verdes e varanda com uma chaminé da Qual saifumaça. Anda algumas milhas eencontra um segundo viajante Com simphci­dade diz: "A chaminé daquela casa está acesa". "Que casa?", pergunta ooutro. "Ora, uma casa com cortinas verdes e uma varanda", responde o SIm·plório. "Onde está a casa?", pergunta o forasteiro. Ele deseja um índice Queligue a informação que lhe dão com a casa pretendida. Palavras apenas nãopodem fazê-lo. Os pronomes demonstrativos "este" e "aquele" são índices.Poislevam oouvinte ausar seus poderes de observação, estabelecendo. dessamaneira, uma conexão real entre sua mente e o objeto; e se o pronomedemonstrativo o faz - sem oque o seu significado não é compreendido ­estabelece aconexão desejada: e,portanto, é um índice 12.2871

ximas da natureza do que das convenções, tais como interjei­ções. exclamações, sinais de alerta, saudações e mesmo umgrito, indicando perigo, dor etc., embora dominantemente indi­ciais. fazem parte das convenções da língua e da cultura. A rigor.até mesmo um dedo apontando, conforme foi analisado porRansdell ( 1966, p. 206-7), é um caso bem mais complexo do quepode parecer à primeira vista. Uma mão com um dedo apontan­do não é em si mesma um índice. O índice está no fato de queum dedo foi estendido. num dado momento em que um certoobjeto foi posto mais ou menos na linha de direção do dedo,enquanto sons apropriados foram emitidos etc. Ou seja. essededo também depende de convenções .

Outros tipos de índices lingüísticos são "as instruçõesmais ou menos detalhadas daquílo que o ouvinte precisa fazera fim de se pôr em conexão experiencial direta ou de outro tipocom a coisa significada" (2.288). Peirce forneceu o exemplo daguarda costeira com os "Avisos aos Navegantes", dando latitu­de, longitude, quatro ou cinco posições de objetos ímportantese acidentes geográficos. É inumerável a quantidade de situa­ções desse tipo que qualquer pessoa comum experiencia atual­mente, não no contexto marinho, mas doméstico, com osmanuais de instrução para uso que acompanham utensílios,aparelhos do lar, automóveis, computadores etc. Outro exem­plo, verdadeiro manancial de indices, encontra-se nos manuaisde treinamento para uso de editores de texto, gráficos etc. nocomputador.

Junto com as instruções indiciais sobre o que fazer paraencontrar o objeto significado ou para acionar e utilizar um equi­pamento etc., deveriam ser classificados aqueles pronomes queseria mister denominar pronomes seletivos (ou quanti ficadores).Eles informam o ouvinte ou leitor sobre como deve escolher umdos objetos pretendidos. Os gramáticos designam esses prono­mes muito impropriamente, diz Peirce, de "indefinidos". Duasespécies desses pronomes são particularmente importantes nalógica: os seletivos universais (qualquer, cada, todos, nenhum.nem um, qualquer que, quem quer que, cada qual, qualquer um,

__ __ _ __. ._ __ _ 11'>-0"1<;" \ Rl.\ISII \ l)o. l ._ _ ~_

classe de índices pode ser chamada de reagentes... Do mesmo modo que u....3designação não pode denotar nada anão ser que amente interpretadora este­ja familiarizada com oque ela denota, também um reagente não pode indicar~e amente jánão estiver familiarizada co-;;suã cârie-xao com·o·{enôr-e­

no Que ele indica 18.3681

- - - - - - - - A TEORIA ,;ER\l DOS SI'",<'':IM

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ninguém) e as partículas seletivas (algum, algo, alguém. uma,uma certa, este ou aquele, o adequado, um) (2.289).

Associadas aos pronomes acima, há expressões como "todos menos um"."um ou dois". "uns poucos". "quase todos", "um sim, um não" etc. Com ospronomes. é preciso classificar os advérbios de lugar e tempo etc. Nãomuito distintas destas são "o primeiro". ·0 último". "dois terços de"."milhares de· etc. Outras palavras indiciais são as preposições e as frasespreposicionadas como "à direita- (ou esquerda) de. Direita e esquerda nãopodem ser distinguidas por uma descrição geral Qualquer. Outras preposi·ções significam relações Que talvez possam ser descritas; porém, Quando sereferem - como o fazem mais freqüentemente do Que se pensa - a umasituação relativa à localização eatitude do observador. ou Que se supõe serexperiencialmente conhecida do locutor relativamente à localização e atitu­de do ouvinte, neste caso. o elemento indiciai é o elemento preponderante12.289-90).

Segundo Goudge (1965, p. 65), Peirce considerou os- quantificl)dores 'como signos indiciais deviOO à:tese, per ele

defendida, de que o sujeito de toda proposição funciona comoum índice. "Todo tipo de proposição ou não tem nenhum senti­do ou tem uma secundidade real como seu objeto. Este é um fatoque todo leitor de .filosofia constantemente deveria ter em .mente, traduzindo toda proposição abstratamente expressa porseu significado preciso com referência a uma experiência indivi­dual" (2.315). Tal tradução só é possível se a proposição conti­ver um ou mais signos indiciais.

No seu capítulo sobre "Proposições" (2.309-343), espe­cialmente no item sobre "A natureza da asserção" (2.332-43),Peirce explicou detalhada e claramente sua tese de que "pelomenos um índice deve fazer parte de toda asserção" (2.337).Essa tese, que tem o efeito de transferir todos os problemas dareferência para o problema da natureza da quantificação, é umaquestão lógica muito complexa para ser discutida aqui.Interessante, no entanto, para o universo da comunicação é umde seus desdobramentos: o contexto em que uma proposição seexpressa, o que é, de resto, fundamentalmente uma questão doíndice. Segue-se um exemplo corriqueiro:

Se um homem diz: ' Ora,está chovendo!" é somente devido aalgumas circuns­tâncias, como a de ele estar de pé, aqui. olhando pela janela. enquanto fala.Que serviria como um índice (não. entretanto, como um SímboloI de Que eleestá falando deste lugar. neste momento. pelo Que podemos estar certos deQue ele não pode estar falando datemperatura no satélite de Procvon. cincoséculos atrás (4.544).

IMo SIGNO REVISITAOO • _

Generalizando o que está simplificado e particularizadono exemplo acima, pode-se afirmar que toda proposição, todaasserção e todo julgamento têm um corpo de pressuposições queconstitui o contexto ou assunto daquela proposição. "Esse corpode pressuposições", nos diz Ransdell (1966, p. 213), "deve seripso facto idêntico aos índices daquela proposição, constituindo,desse modo, a referência singular da proposição". Ransdell usaa expressão "desse modo" porque é verdadeiro, por definição,que os índices fazem referências singulares. Isso localiza os pro­blemas da singularidade, individualidade e identificação indexi­cais , problemas também demasiado complexos para serem abor­dados neste espaço (ver sobre isso, Pape, 1981).

Passemos, assim, para a segunda questão que foi formula­da algumas páginas atrás. Uma vez que o leitor já deve tê-la per­dido de vista, aqui a recupero: como ficam os referentes ou obje­tos do indice que pertencem ao mundo interior? Peirce foi taxa­tivo: "Um índice representa um objeto em virtude de sua cone­xão com ele. Não faz qualquer diferença se a conexão é naturalou artificial ou meramente mental" . Então, acrescentou:

Oleitor[pode) supor Que os Indices se referem exclusivamente aobjetos daexperiência. e Que não haveria uso algum para eles na matemática pura. Quelida, como o faz. com criações ideais, sem se preocupar com o fato de seremou não concretizadas em algum momento. Contudo. as construções imaginá­rias dos matemáticos. e mesmo os sonhos, aproximam-se da realidade aponto de disporem de um certo grau de fixidez. em conseqüência do Quepodem ser reconhecidas e identificadas como individuais. Em resumo, há umaforma degenerada de observação Que é dirigida para as criações de nossasmentes - usando a palavra observação em seu sentido pleno, como impli­cando algum grau de fixidez e de Quase realidade no objeto com o Qual pro­cura conformar-se.Assim, vemos Que os índicessão absolutamente indispen­sáveis na matemática 1...1Letras comuns da álgebra, Que não apresentampeculiaridade alguma. são índices. Também o são as letrasA, B. Cetc. liga­das a uma figura geométrica. Advogados e outras pessoas, Que precisam

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enunciar com prec isão numcaso complicado. recorrem àsletras para distin­gUir mdividuais As letras. assim usadas. não passam de simples pronomesrelativos melhorados. Assim. enquanto pronomes demonstrativos e pessoaissão. tal como costumeiramente empregados. "índices qenuínos". os prono­mes relativos são "índices deqenerados", pois. embora possam acidental eindiretamentereferir-se acoisas existentes, referem-se diretamente. eé tudoao Que precisam referir-se. a imagens na mente Que foram previamente cria­das pelas palavras (2.3051.

Diretamente ligada à segunda questão está a terceira, quediz respeito à intra-referencialidade, problema de importânciacapital nas sintaxes verbais e de qualquer outra espécie, especial­mente na música ou também na seqüencialidade cinematográfi­ca. videográfica etc. Na sintaxe verbal, exemplos de índicesintra-referenciais podem ser encontrados nos pronomes relativosquem e o que, os quais requerem uma atividade de observaçãobastante peculiar, ou seja, observação dirigida para as palavrasantecedentes, no interior do discurso. São esses os objetos aos

.~uais esses índices se referem. É assim também que funcionamas anáforas, as terminações que, nas línguas flexionadas, estãoligadas a palavras governadas por outras palavras, servindo paramostrar qual é a palavra governante pela repetição daquilo que ,em outra parte, é expresso da mesma forma. Do mesmo modo,um pronome possessivo é um índice sob dois aspectos: primei­ramente, indica o possuidor e, em segundo lugar, tem uma modi­ficação que sintaticamente leva a atenção para a palavra quedenota a coisa possuída (2.287).

O último aspecto que merece ser tratado a respeito doíndice é o de sua dualidade, não apenas na relação com o objeto(uma díada), mas também a dualidade interna que é fundamen­tal ao seu funcionamento. O índice possui dois elementos: umdeles serve como substituto para o objeto, o outro constitui umícone que representa o próprio signo como qualidade do objeto.Assim, uma pegada, por exemplo , na sua aparência qualitativa, éuma imagem de um pé. Não é esse ícone, mesmo que, nessecaso, ele seja substancial, que faz esse signo agir como índice,mas o fato de haver uma conexão dinâmica, factual, existencialentre o pé e o traço (imagem) por ele deixado. Todo índice tem

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um ícone embutido. Esse icone, no entanto. nào precisa necessa­riamente ser uma imagem do objeto. Ele pode ter característ icasque são próprias dele. como é o caso da fumaça em nada similarà imagem do fogo. Isso basta para comprovar que o ícone. embu­tido no índice, não precisa ser uma imagem que esteja numarelação necessariamente similar à imagem do objeto do índice.Savan (1976 , p. 24-7) analisou essa questão em todos os detalhesde suas possíveis dificuldades:

Suponha-se que um guarda de plantão à noite. num edifício sempre vis itadopor ladrões. observa a sombra de um homem à luz da lua. Oguarda toma asombracomo signo de um homem. que pode muno bem ser um ladrão.Osignoé certamente um sin-signo. Éicõnico? A sombra é uma semelhança. uma pro­jeção da silhueta do seu objeto e. nessa medida. é um ícone. Mas Peircerequer que o fundamento da semelhança seja independente da existência ounão-existência do objeto dosigno. A sombra não atende aessa exigência. Maso corpo. que lança a sombra. a atende. Assim. Peirce diria que a silhueta doladrão é o sin-signo icõnicodesua sombra. mas a sombra é um sin-signo indi­ciai dasilhueta do ladrão.

No seu sentido estrito, o índice apenas aponta para a exis­tência ativa de algum objeto. Mas, para identificar a natureza edescrição do objeto, sin-signos icônicos são essenciais, assimcomo, muitas vezes, é essencial o conhecimento de certas leis eregularidades - de certos legi-signos, portanto. E isso é, de fato,aquilo que geralmente ocorre, ou seja, a fusão das três categoriasoperando conjuntamente.

Símbolo

O ícone é um signo cuja virtude reside em qualidades quelhe são internas e cuja função, ou melhor, cujo funcionamentocomo signo será sempre a posteriori, dependente de um intér­prete que estabeleça uma relação de comparação por semelhan­ça entre duas qualidades, aquela que o próprio icone exibe e umaoutra que passará, então, a funcionar como objeto do ícone. Oíndice é um signo cuja virtude está na sua mera existência pre­sente, em conexão com uma outra cuja função é chamar a aten-

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positiva que pertence à necessidade condicional e esta epeculiarà categoria da lei (1.427). Ransdell completa:

Não conheço outro modo de caracterizar esses dois tipos de qenerancade enti­tativa, a não ser notando que elas correspondem à prirneiridade e terceiridadepeirceanas. o que pode ser ilustrado doseguinte modo. De um lado. não fazsentido perguntar "Onde equando é avermelhidão?". evermelhidão (a forma.qualidade. primeiridade) é geral precisamente por essa razão. Por outro lado.faz bastante sentido perguntar onde equando algo é vermelho; mas. para estaquestão, duas respostas são possíveis. Pode-se dizer "Isto.aqui eagora. é ver­melho", e ISSOque esta sendo denotado seria um individual e. portanto. não­geraL Ou pode-se dizer: "Algo listo é. qualquer coisalserávermelha. quandotais e tais condições forem preenchidas" . e esta resposta não faria referênciaa qualquer coisa individual. mas denotaria uma regularidade ou classe decasos dos quais seria verdadeiro dizer de qualquer um. que seja dado. que"Este. aqui e agora. é vermelho', sendo essa classe definida por condiçõesespecificadas. Nesse caso. o que é denotado seria nomicamente geraL

Decorre disso a existência de dois modos de generalidade:I) objetiva ou referencial; e 2) subjetiva ou entitativa, esta sub­dividida em 2.1) qualitativa e 2.2) nômica. O sin-signo indiciai éo único tipo de signo que está desprovido de generalidade. Oícone apresenta uma generalidade entitativa do tipo qualitativo.O simbolo possui tanto a generalidade referencial quanto a enti­tativa do tipo nômico . Mas, uma vez que o ícone e o índice sãopartes integrantes do símbolo, este funciona como uma síntesede todas essas variações. Isso é muito complicado para serenfrentado de chofre. Sigamos com mais vagar.

Retomando as noções lógicas tradicionais de compreen­são (profundidade) e extensão (aplicação), Peirce considerou-ascomo as duas propriedades semióticas do símbolo. Nomeou-asde modos variados: significação, conotação para a profundida­de e denotação para a extensão. Essas propriedades, de resto,acabaram por se encaixar com elegância e coerência perfeitasna sua teoria dos signos, visto que a extensão, denotação ouaplicação, isto é, o poder aplicativo, referencial do símbolo, cor­responde ao seu ingrediente indicial, enquanto a significação,conotação ou profundidade corresponde ao ingrediente icônico.Qual seria, então, o ingrediente propriamente simbólico? Essa

. -- ._- ._ - - - - - - - A Th'RI.\ GERAL O<'S Slli '<"

ção de algum intérprete para essa conexão. O símbolo é umsigno cuja virtude está na generalidade da lei. regra, hábito ouconvenção de que ele é portador, e cuja função como signodependerá precisamente dessa lei ou regra que determinará seuinterpretante.

O ícone tem, dentro de si, um caráter significativo, inde­pendentemente da existência ou não de seu objeto, podendo esteser criado posteriormente no ato interpretativo, quando, então. oícone funcionará como signo. O índice perderia. de imediato. ocaráter que faz dele um signo, se seu objeto não existisse. cará­ter esse que independe, portanto, da existência do interpretante.O símbolo, por sua vez, é, em si mesmo, apenas uma mediação.um meio geral para o desenvolvimento de um interpretante. Eleconstitui um signo pelo fato de que será usado e interpretadocomo tal. É no interpretante que reside sua razão de ser signo .Seu caráter está na sua generalidade e sua função é crescer nos

~nJçrpn:tant~~_Q\le .gerará.

Embora as explicações lógicas, acima enunciadas, pare­çam coerentes, as palavras utilizadas, tais como generalidade.lei, hábito, mediação, estão longe de serem simples, o que meobriga a fazer com o símbolo o mesmo que foi feito com o íconee o índice, ou seja, fissurá-Io para analisar mais microscopica­mente os interiores do seu funcionamento. Começo com a noçãode generalidade, conforme já foi trabalhada por Ransdell (1966,p. 158-60).

Há uma distinção importante, estabelecida por Peirce,entre generalidade objetiva ou referencial - a capacidade dealgo para representar uma pluralidade de objetos - e generali­dade subjetiva ou, conforme foi convenientemente rebatizadapor Ransdell, generalidade entitativa, para indicar que ela é qua­lificadora. Qualquer coisa é entitativamente geral, se seu modode ser não é o de um individual (5.429, 1.420). Essa generalida­de entitativa, daquilo que não é um individual, foi, então, dividi- .da por Ransdell em qualitativa e nômica. A primeira é "de umaespécie negativa e pertence ao que é potencial como tal, e isto épeculiar à categoria da qualidade". A segunda é daquela espécie

o SI<"" RI \ 'ISII\1l0 - _ _ . _ _ ._ _ _ ' -3

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pergunta é procedente. Se o símbolo se caracteriza como osigno mais genuinamente triádico, é de se esperar que seusingredientes sejam três. De fato, são. De acordo com Ransdell(1966, p. 183), a razão por que Peirce explicitamente nomeouapenas duas e não três propriedades deve estar no fato de que oingrediente icônico e o propriamente simbólico mantêm umcom o outro uma relação tão especial e sutil que separá-losexige muita acuidade analítica.

Um símbolo em si mesmo e um mero sonho: ele não mostra sobre o que estáfalando. Precisa estar conectado a seu objeto. Para esse propósito. um índiceé indispensável. Nenhuma outra espécie de signo responderá a esse proposi­to.Que uma palavra. estritamente falando. não pode ser um índice é evidentea partir disto: - uma palavra égeral - ela ocorre freqüentemente. e, todasas vezes em que ocorre. é a mesma palavra. e se ela tem algum significadocomo palavra. ela o terá todas as vezes em que ocorre; enquanto o índice éessencialmente um caso do aqui e agora, seu ofício sendo o de trazer o pen­samento para uma experiênciapartícular ou uma série deexperiências conec­tadas porre!llÇÕes dinâmicas (4.561.

Aí começa e aí acaba a função do ingrediente indiciai dosímbolo: conectar o pensamento, o discurso, o signo geral awna experiência particular. É um mero conector. Não tem poderde significar, Para significar, o símbolo precisa do ícone. Trata­se, no entanto, de um tipo de ícone muito especial. Não é umícone qualquer, mas aquele que está atado a um ingrediente sim­bólico. Esse ingrediente, ou parte-símbolo, Peirce chamou deconceito, a parte-ícone, ele chamou de idéia geral. Ransdell(1966, p. 184) também lida com esta distinção com muita clare­za. Chama, por sua vez, o conceito de sentido e a idéia geral ouícone de significação. O conceito ou sentido é o hábito nãoatualizado e a idéia geral ou ícone é aquilo que atualiza o hábi­to, produzindo a significação. É por isso que Peirce repetiu,muitas vezes, que o símbolo significa por meio de um hábito ede uma associação de idéias.

Evidentemente, hábito não pode ser entendido num senti­do estreitamente psicológico-prático, mas mais ou menos simi­lar ao sentido que Kant dava para o termo esquema ou regra.

quando discutiu os esquematas (diferentes de imagens dos obje­tos) que estão subjacentes aos nossos conceitos sensíveis puros(cf Ransdell, 1966. p. 167-71). .-\ passagem a seguir. extra ída dePeirce, toma essas distinções mais acessíveis:

Uma idéia. que pode grosseiramente ser comparada a uma fotografiacompos­ta. ganha vividez. eessa idéiacomposta pode ser chamada de idéiageral. Nãoé propriamente um conceito; porque um conceito não é.de modo algum. umaidéia. mas um hábito Porém. a ocorrência repetida de uma idéia geral e aexperiência de sua utilidade. resulta na formação de um hábito ou fortaleci­mento daquele hábito que éo concei to. ou se o conceito Ja é um hábitocu ida­dosamente compacto. a idéia gera i e a marca do hábito (7498l.

O que está sendo expresso ai é que nossa idéia geral. diga­mos grosseiramente, de um gato. por exemplo. seria a fusãoresultante de imagens decorrentes das situações repetidas deexperiências sensórias mais determinadas e muito diferenciadasde gatos particulares. A idéia geral seria a gestalt, forma ou uni­dade imediatamente percebida, isto é, ícone, um geral entitativode tipo qualitativo. O ícone é. assim, a atualização do conceito,a concreçào do conceito ou hábito que é. por sua vez, um geralobjetivo ou referencial tanto quanto subjetivo ou entitativo dotipo nômico. Esse é o ingrediente autenticamente simbólico dosimbolo, tão geral que, sem o auxilio do índice, para particulari­zar sua referencialidade, e do ícone. para concretizar sua genera­lidade nômica, ele, o símbolo, seria totalmente impotente parainformar e significar qualquer coisa. Mas vamos aos exemplos,onde tudo ganha palpabilidade.

Todo símbolo é um legi-signo, mas nem todo legi-signo ésimbólico. Ele pode também ser um legi-signo icônico ou indi­ciaI. O legi-signo, como o próprio nome diz, é wna lei ou regrapara a formação de wna certa subclasse de sin-signos. Não setrata de sin-signos tout-court, mas de um tipo especial, chamadoréplica do legi-signo. Sendo nomicamente gerais. os legi-signosprecisam das réplicas para se atualizarem. A regra para a forma­çào das réplicas envolve também a regra de interpretaçào dessasréplicas. A regra de interpretação. associada com o legi-signoicônico ou indiciai. dirige a atenção para os aspectos especifica-

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mente icônicos e indiciais de suas réplicas, o que não significaque não existam significações icônicas e indiciais nas réplicasdos legi-signos simbólicos. (Os poetas, por exemplo, produzirãoaliterações, paronomásias e anagramas pelo valor icônico daspalavras; os psicanalistas tomarão certas repetições ou expres­sões como sinais das leis do inconsciente.) Mas significa que aregra de interpretação associada com o símbolo determina umasignificação que não se encontra nos aspectos icônicos e indi­ciais de suas réplicas. A réplica de um símbolo é um tipo espe­cial de índice que age para aplicar a regra geral ou hábito de açãoou expectativa associada com o símbolo a algo particular (Short,1988,p. 84-5).

Todas as palavras, por exemplo, são legi-signos, e, por per­tencerem ao sistema de uma língua, sempre altamente arbitrárioe convencional, estão relacionadas simbolicamente aos seus obje­tos. Mas há palavras, tais como "isto", "aqui", "eu" etc ., confor­m~Jâf~ivisto anteriormente, cuja relação indiciai 'é proeminen­te, do mesmo modo que há palavras, como "baixo", "bela","polissilábico", nas quais a relação icônica se projeta com priori­dade. É por isso que a relação simbólica fica melhor exposta naspalavras dominantemente conceituais. "Tomemos a palavra'homem' como exemplo de um legi-signo simbólico", diz Savan(1976, p. 29). "O legi-signo é uma classe das réplicas da palavra,mas nenhuma coleção finita de réplicas poderá exaurir a classe.Não obstante, a existência do legi-signo está nos enunciados einscrições individuais de suas réplicas". Peirce completa:

Todas as palavras. sentenças, livros e outros signos convencionais sãoSímbolos. Falamos de escrever ou pronunciar a palavra "homem". mas isso éapenas uma réplica ou materialização da palavra que é pronunciada ou escri­ta. Apalavra. em simesma. não tem existência. embora tenha ser real. consis­tindo em que os existentes deverão se conformar a ela, Éum tipo geral desucessão de sons, ou representamens de sons, que só se toma um signo pelacircunstância de que um hábitoou lei adquirida levam as réplicas, aque essa .sucessão dá lugar. aserem interpretadas como significando um homem.Tantoas palavras quanto seus signos são regras gerais, mas apalavra isolada deter­mina as qualidades de suas próprias réplicas (2.2921.

176 -- A TEORIA GERAL DOS SIGNOS___ ____ _ _ _____ ____ r-

A ênfase na passagem anterior foi posta na generalidadeentitativa nômica do símbolo ou aquilo que. numa outra passa­gem, Peirce chamou de essência formal do símbolo:

Oprincípio de Que aessência de um Símbolo é formal, enão apenas material ,tem uma ou duas conseqüências importantes.Suponhamos que eu apague estapalavra 'seis' eescreva "Seis", Não se tem aí uma segunda palavra. mas sim.a primeira palavra novamente. Elas são idênticas. Ora, pode a identidade serinterrompida ou devemos dizer Que a palavra existia. embora não estivesseescrita? Esta palavra 'seis- implica Que duas vezes três é cinco maisum. Estaé uma verdade eterna; averdade Que sempre é eserá verdade; eQue seria ver­dade, embora não houvesse, no universo, seis coisas Que pudessem ser conta­das, dado Que ainda seria verdadeiro Que cinco mais um teriam sido duas vezestrês. Ora, esta verdade Éapalavra SEIS; se por seis entendemos não este traçode giz, mas aquilo em que concordam seis, SIX, sexo sechs. zes, sei (7.593).

Se o estatuto da palavra em relação às réplicas, nas quaisela se materializa, parece estar claro, não está ainda completa­mente claro, entretanto, o estatuto da palavra em relação ao con­ceito 00 hábito e à idéia geral, significação 00 íc-one. Quande­Peirce falou, na passagem 2.292, que os existentes deverão seconformar ao ser real da palavra, segundo Ransdell (1966,p. 185), esses existentes não são réplicas em si, mas as ocorrên­cias individuais da interpretação das réplicas. Isto é, "o existen­te em questão é a atualização do conceito pelas réplicas, atuali­zação esta que toma a forma da manifestação de uma idéiageral". Isso não significa que, ao ouvir, por exemplo, a palavra"homem", a imagem de um homem salta em nossa cabeça.Ransdell diz que o que vem à mente é "um conjunto antecipató­rio" ou gesta/t resultante de uma mistura de dados perceptivosreais e imaginários.

O conceito ou hábito é um dos elementos do simbolo,aliás, seu elemento mais plenamente simbólico. Não é sinônimode palavra, pois esta, como um dos tipos possíveis de símbolo,terá também seu ingrediente conceitual. Mas Peirce afirmou quetanto a palavra quanto o conceito são regras gerais. Há aí duasregras, portanto. Ransdell (p . 187) fornece, para isso, a explica­ção de que a regra, que é a palavra, é puramente intralingüística,ou seja, regra que determina as combinatórias permitidas e proi-

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Restam, contudo, duas questões que não foram ainda expli­citadas. Nem o objeto nem o interpretante do símbolo se confun­dem com o objeto denotado e o efeito produzido por quaisquer doscasos da atualização do símbolo em réplicas individuais. De fato,o símbolo não denota uma coisa particular, mas um tipo de coisa,assim como o .interpretante de um legi-signo simbólico não seesgota na situação dinâmica da ocorrência de uma de suas répli­cas. Savan (1976, p. 29) explica essa questão do seguinte modo :

Oual é o objeto do legi-signo "homem"? Embora réplicas individuais dessapalavra possam estar indicialmenterelacionadas. como signos, ahomens indi­viduais, o legi-signo se refere a todos os homens Que poderiam logicamenteexistir- à espécie humana "Homem" é um signo coletivo e seu objeto é umnecessitsme. A pergunta de Peirce é: como pode um legi·signo coletivo."homem", ser posto em relação de signo-objeto com a classe geral doshomens' Sua resposta éade Que apalavra deve ser interpretada como sendoosigno de seu objeto.Apenaspor meiodo imetpretsme.uma palavra pode serum signo de uma classe ou uma lei . Osímbolo. portanto, é esse signo Que serelaciona com seu objeto pelo seu interpretante.

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Um substantivo próprio, Quando nos deparamos com elepela primeira vez, estáexistencialmente conectado a algum percepto. ou outro conhecimento indivi­dual equivalente. do individual Que esse nome designa. Então, e somenteentão, é o referidonome um índice genuíno. Na próxima vez Que nos depara­mos com ele. é preciso consider á-lo como um ícone daquele índice Uma vezadquirida uma familiaridade habitual com ele. o nome torna-se um Símbolocujo interpretante o representa como ícone de um índice doIndividual nomea­do (2.329).

Chamar a atenção para a nào-esgotabil idade dos interpre­tantes do símbolo. nos interpretantes que possam porventura sur­gir, quando de sua atualização em algumas réplicas. é tomarconsciência da plasticidade do símbolo e sua aptidão para amudança. O símbolo é um signo em transformação nos interpre­tantes que ele gerará, no longo caminho do tempo, conforme T.Short demonstrou no seu lindo ensaio sobre o "Crescimento dossímbolos" (1988).

Outro aspecto relevante está na divisão dos símbolos emtrês tipos: rema. dicente e argumento, Uma vez que essa divi­são constitui uma outra tricotornia, dentre as dez que estamosdiscutindo, deixarei para trabalhá-Ia no momento oportuno.Resta chamar a atenção para o fato de que iconicidade, indexi­calidade e simbolicidade foram aqui tratadas de maneira sepa­rada por artificio analítico. Na vida, essas propriedades estãosempre conjugadas, cemo o exemplo a seguir, que selecioneipara isso , belamente expressa. A escolha do nome próprio, tidocomo predominantemente indiciai, foi intencional para nosalertar para o movimento dinâmico e as misturas que consti­tuem a semiose:

As tricotomias dos interpretantes

As quatro tricotomias, que foram discutidas até aqui,dizem respeito ao objeto imediato (descritivo, designitivo, copu­lante), ao objeto dinâmico (abstrativo, concretivo, coletivo),capítulo 2, ao signo em si mesmo (quali-sin e legi-signo) e à rela-

_______________ A TEORIA GER.\ l DOS SI' ;',)"

bidas para a palavra no sistema da língua. Já a regra ou lei, queé o sentido ou hábito. é a regularidade do conceito. As línguashumanas relacionam. por meio de associações de idéias, asregras intralingüísticas com as regras do conceito. É por isso queo símbolo "homem" ou o símbolo "seis" não são as palavras"homem" e "seis". mas o conceito de homem e seis nas suasassociações de fato com as palavras "homem". "homme", "hom­bre", "man" etc. e com as palavras "seis", "six", "sechs", "zes"etc. As réplicas das palavras atualizam o conceito tanto na suamanifestação denotativa, aplicativa (índice), quanto na sua mani­festação icônica. Como atualização do conceito, que constitui osentido do símbolo, o ícone é a "idéia geral" que o símbolo pro­duz, ao se concretizar numa réplica. Veja-se um exemplo:

Um homem, caminhando juntocom uma criança. levanta o braço, aponta ediz"Ali vai um balão'. Apontar é parte essencial dosímbolo, sem oQue este nãoveicularia informação. Acriança, entretanto, pergunta "O Que é um balão?". eo homem responde: 'Éalgo como uma grande bolha de sabão". tornando a.imagem parteâõ-símoôfo.Assim. embora oobjeto integral de um símbolo. istoé.seu significado. tenha uma natureza delei,ele deve denotar um individual eexpressar um caráter /2.2931

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ção do signo com o objeto dinâmico (ícone, índice e símbolo).Das seis tricotomias que restam paracompor as dez tríades esta­belecidas por Peirce, cinco sào relativas aos interpretantes e aúltima delas - nominalmente aquela que analisa a relação triá­dica do signo com seu objetodinâmico e seu interpretante finalou normal - é a tricotomia da sínteseque, pressupondotodas asanteriores, condensa-as numa visào global da semiose.

De que tenho notícia. o único estudo que foi além de umasimples menção às dez tricotomias peirceanas, dando a elas algu­

.ma atenção, é o admirável ensaio de D. Savan (1976),vanasvezes citado neste livro. A análise que Savan faz das dez tricoto­mias, e especialmente das seis restantes, que serão vistasa seguir,é tão marcante que fica muito dificil se libertar de sua ascendên­cia. O que me resta é confessar o débito, pois tudo que virá aseguirnão teria sido possível semo estudo prévio de Savan.

A quinta tricotomia focaliza as propriedades semiótícasdo signo considerado.na sua referência ao interpretante imedia­to. Peirce dividiu-os em hipotéticos, categóricos e relativos.Recordando o que já foi visto no capítulo 3, o interpretante ime­diato é o interpretante internoao signo, que determina a aptidãoou capacidade dosigno para ser interpretado, ou seja, seu graude interpretabilidade. Se o signo for um quali-signo, e, conse­qüentemente, um ícone,entào, na sua relação com o interpretan­te imediato, ele só pode ser hipotético. Uma vez que as qualida­des não sào individuais, existentes e auto-idênticas,mas possíbi­lidadesgerais,consideradas na suanaturezaexclusivamente qua­litativa, independentemente do fenômeno singular em quepodem se corporificar, dizer que qualidades se assemelham aseusobjetosnãopassade umahipótese. Assim sendo,o interpre­tante imediato, que o quali-signo está apto a produzir, o efeito,que ele tem capacidadede produzir, é meramente hipotético.

Quando Fernando Pessoa, por exemplo, enuncia numpoema: "O mito é o nadaque é tudo", o aspecto puramentequa­litativo do mito fica de tal modoaí posto em relevo que o enun­ciado só pode despertar como efeito hipóteses e conjecturasacerca de sua significaçào. A abertura atributiva, entre o extre-

mo do tudo e o extremo do nada. é tanta que nenhuma hipótesede significado, para essa frase. pode ser confirmada. Está fada­da a permanecerem nível de hipótese. Embora o poetaesteja uti­lizando palavras que sào legi-signos simbólicos, embora essaspalavras estejam compostas na estrutura da definição e numenunciado singular, existente, a seleçãolexical é tão feliz que fazdesabarqualquerregra interpretativa predeterminada. Os símbo­los ficam tão fragilizados, no seu papel de legisladores do inter­pretante. que o efeito que estão aptos a produzir assemelha-se àabertura interpretativa que uma seqüência de notas musicais ouas cores do outono, no céu ao entardecer. podem produzir.

Quando um signo individualcarregaruma informação sig­nificante aplicável a alguma ocorrência ou entidade existente,isto é. se o signo é um sin-signo indiciai, seu interpretante ime­diato será categórico. Assim. um semáforo, numa esquina qual­quer de uma cidade qualquer, ao acender sua luz vermelha, esta­rá fadado a produzircomointerpretante uma reaçãocategórica. Éclaro que essa reação depende de conhecimento, por parte dointérprete, das regras ou convenções do trânsito, mas a ação deacendere a reaçãode pararé umaquestãoaqui e agora, sem hesi­tações, sem relativismos, ou seja, é uma questãocategórica.

Não é dificil perceber que quali-signos não podem terinterpretantes categóricos. Qualidades sào sempre muito tenraspara desempenhar esse papel. Só sin-signos e legi-signos sãopassíveis de interpretantes imediatos desse tipo. No caso da luzvermelha do semáforo, é evidente que o vermelho em si é umquali-signo, mas o vermelho, naquela luz e naquele contexto, épredominantemente um sin-signo. É claro também que o semá­foro depende das convenções de trânsito para funcionar comotal, o que faz dessa luz um sin-signo de tipo especial, ou seja,uma réplicado legi-signo "luz vermelha indica perigo".

Exemplo de sin-signo genuíno, ocorrência singular, nãoregidapor lei, seria alguémestar andandosossegado ou apressa­damente na rua e, ao dobrar uma esquina, ser subitamente sur­preendido por uma pessoaque, armada, faz ameaças, exigindo orelógio e o dinheiro. Não há exemplo melhor para produzir um

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Para produzir um interpretante dinâmico de caráter ener­gético, o signo precisa ter a natureza explícita ou implícita decomando ou de uma pergunta ou ainda de uma súplica (que tam­bém é uma forma de pressão, embora disfarçada). A diferença éque o comando quase sempre envolve uma penalidade se não forobedecido, enquanto a pergunta e a súplica dão ao receptor umacerta margem de liberdade. De qualquer modo, todos esses tiposde signos envolvem uma exigência que, no nível da interpretabi­lidade, ou interpretante imediato, tem a natureza categórica e, narelação com o interpretante dinâmico, Peirce o chamou deimperativo, isto é, trata-se daquele signo que, por um comandoou algo parecido, irá produzir um interpretante energético,envolvendo algum tipo de esforço .

Já o legi-signo é aquele que vai apelar para seu interpre­tante dinâmico de uma maneira cognitiva. Foi chamado de indi­cativo ou significativo. É um signo que está relacionado com ointerpretante lógico, embora também possa pressupor o nívelsugestivo e o imperativo.

Como exemplo, estas dez tricotomias que estou aquiapresentando ao leitor, no primeiro momento que delas tomeiconhecimento, me pareceram, como diria Peirce, simpáticas,uma vez que, naquele ponto, meu entendimento era tão precá­rio que só o interpretante emocional teve oportunidade de serativado. Estando ativado o interpretante emocional, elas seapresentaram com poder sugestivo suficiente para gerar a auto­exigência (uma espécie de comando) de um esforço (interpre­tante dinâmico em nível energético) capaz de me colocar numarelação cognitiva com elas. Ora, no presente momento, em quejulgo ter delas um interpretante de natureza lógica, uma vezque domino, até certo ponto, as regras para interpretá-Ias, issonão significa que seu poder de sugestão tenha cessado, ou quetenha cessado meu esforço para entendê-Ias. Esta tentativa detransmiti-Ias ao leitor é também uma maneira, e certamente umesforço, de torná-Ias mais compreensíveis a mim mesma.Cessaria todo esforço, caso elas tivessem perdido seu poderevocativo e sugestivo.

_ _ __ A TEORIA GERAL DOS Slt;~OS

interpretante imediato categórico. Qualquer hesitação (nível deprimeiridade), qualquer discussão, apelo ao bom senso (terceiri­dade), poderia custar a vida.

Se o signo transmite informação relativa a uma classeuniversal de casos, seu interpretante imediato só pode ser danatureza de uma lei ou regra. "As pedras caem" é o exemplo quePeirce forneceu. Mas ele acrescentou que a terceiridade, carac­teristica de signos desse tipo, está presente em todas as nossaspercepções, base para a generalidade de nossos julgamentos depercepção, regra interpretativa que gerará um tipo determinadode interpretação, preenchidas certas condições . Esse interpre­tante, que só os legi-signos estão aptos a produzir, Peirce cha­mou de "relativo".

A sexta tricotomia diz respeito à referência do signo aointerpretante dinâmico . Recordando, mais uma vez, o interpre­tante dinâmico é o efeito que o signo efetivamente produz numa-me rite-ínterpretadora singular, existente. Como já foi detalhada­mente estudado, no capítulo 3, o interpretante dinâmico podeter três níveis: emocional, energético e lógico. Quando se reme­te ao seu interpretante emocional, ele é chamado simpático.Quali-signos só podem ser simpáticos . Quando está referido aum interpretante energético, o signo é chamado de percussivo.Sin-signos podem ser tanto simpáticos quanto percussivos.Quando o signo está referido ao interpretante lógico, ele sechama usual. Só os legi-signos podem ser usuais. Os nomesnessa tricotomia são tão significativos que falam por si, mas elesse esclarecem e completam quando examinados na sua comple­mentaridade com a sétima tricotam ia, a da relação do signo comseu interpretante dinâmico.

Se o signo é um quali-signo, seu interpretante imediatoserá uma mera hipótese. Ora, para produzir seu interpretante efe­tivo, esse signo só está equipado com um alto poder de sugestãoe evocação. Peirce o chamou de "sugestivo" ou também de "eja­culativo". Parece evidente, a partir disso, por que esse signo sópode gerar um interpretante dinâmico em nível emocional.

II

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o padrão básico. de acordo com o qual um signo apelapara seu interpretante dinâmico em nível lógico, segue de perto aanálise peirceana do papel da dúvida na sua teoria da investiga­ção. Nela. dois estágios se distinguem: I) algum fato inesperadoe perturbador produz surpresa e perplexidade: 2) num esforçopara escapar da perplexidade, são feitos vários experimentos naimaginação. O problema é esquematizado e imaginativamentealterado de muitas maneiras, até que algumas conjecturas novasemergem, servindo como uma regra unificadora para um novohábito. O legi-signo, que figura deste modo, na busca experimen­taI de uma hipótese explicativa, relaciona-se ao interpretante lógi­co indicativamente ou significativamente (Savan, 1976, p. 46).

O percurso acima corresponde à trajetória do nascimentode novas hipóteses explicativas e novas regras unificadoras nageração de um interpretante lógico para um fato surpreendente.Na maior parte das vezes, contudo, o interpretante lógico surgede maneira usual, dada a familiaridade do intérprete com ele.

Nesse ponto das tricotomias, no entanto, uma questãoimportante deve ser esclarecida. Ela diz respeito à diferençaentre o signo e o signo interpretante por ele produzido. Savan(p. 47) explica isso muito bem, evidenciando a complementari­dade entre as sexta e sétima tricotomias. Uma música, deMozart, por exemplo, é um signo que, ao ser interpretado por umouvinte leigo, produzirá como efeito um interpretante dinâmicode nível emocional. A qualidade do som é interpretada comosigno apenas por meio do sentimento que o interpretante produz.Peirce chamou esse signo de simpático. Ele apela para o seuinterpretante dinâmico como sendo sugestivo porque é interpre­tado como evocando o interpretante emocional, por causa dopoder do signo simpático de fazer surgir, por semelhança, umaresposta emocional.

No caso de uma ordem, quando, por exemplo, o capitãodiz "Chão armas", a resposta dos soldados, que é um interpre­tante energético, identifica nesse signo "Chão armas" seu cará­ter insistente ou chocante. O signo percussivo exige do interpre­tante uma resposta energética.

Já uma frase do tipo "As pedras caem" é tão familiar queo interpretante dinâmico de nível lógico será produzido automa­ticamente. Do mesmo modo, a maioria dos enunciados em situa­ções comuns do discurso cotidiano é compreendida sem percal­ços, porque seu contexto é familiar, comum, usual. Para o seuinterpretante dinâmico lógico, esse signo se apresenta comousual. Ele apela para o seu interpretante dinâmico não comosugestivo de sentido, nem como exigindo uma ação , mas comoinformativo. Daí Peirce ter nomeado seu modo de apelo ao inter­pretante dinâmico como indicativo ou significativo.

A oitava tricotomia é relativa ao interpretante final. Comojá foi visto anteriormente, o adjetivo "final" não significa fina­lista, mas tendencialidade, meta, propósito, destino, direcionali­dade em função de princípios guias, ideais de realização. A ten­dência ou propósito de todo signo é chegar a desenvolver seuefeito semiótico pleno. No caso do legi-signo, seu propósito é ode ser interpretado em interpretantes dinâmicos os mais variadosno tempo e no espaço, para que seu potencial se desenvolvarumo à atualização de toda sua interpretabilidade. Embora hajalarga margem de variação nos interpretantes dinâmicos que umlegi-signo pode gerar, essa geração não é caótica porque o inter­pretante lógico sempre atua corno princípio regulador, regrainterpretativa. É certo que, quanto mais longo for o curso de umlegi-signo, mais plurais também serão as regras interpretativasdos seus interpretantes. Mas a meta de um legi-signo não seesgota na mera rede de interpretantes.

Peirce falou de um "interpretante lógico último" que noslevaria para além da prisão da linguagem. Sem sair da lingua­gem, pois isso para nós é impossível, mesmo estando dentro dalinguagem, a meta última da linguagem é produzir mudanças dehábitos de ação e de expectativa testáveis na experiência. Quantomais estiverem iluminadas por princípios guias, mais perto esta­rão do ideal de realização plena do signo. Como nunca estamosem condições de saber em que ponto estamos no caminho desseideal, e uma vez que esse ideal não cessa de aparecer sob novasperspectivas, a característica fundamental da semiose está na suaimpossibilidade de parar de crescer.

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Na oitava tricotomia examinamos. assim. os tipos de pro­pósitos que os signos podem preencher. ou melhor. os tipos deideais que os levam a crescer. Embora todos os tipos de signostendam para interpretantes últimos. isto é. para mudanças dehábito, dependendo do tipo de signo. essa mudança é regida porprincípios próprios. Há. assim. três tipos de propósitos que ossignos podem preencher. Quando se trata de quali-signos, o idealque regula sua tendencialidade é o admirável (kalós). qualidadesque são intrinsecamente admiráveis. Assim é um poema. umamúsica, assim é um vídeo - de 1. Viola. para citar um videoma­ker especialmente inclinado para a criação de qualidades. quesão tão mais admiráveis quanto mais puras, simples e completa­mente qualidades. Os signos que têm como propósito gerar inter­pretantes fmais que são qualidades de sentimento diante doadmirável, Peirce, conforme já vimos ao final do capítulo 3, cha­mou de "gratificantes". O interpretante último desses signos é amudança de hábítos de sentimento, a regeneração de sentimen­tos, digamos, calcificados.

Tomemos um exemplo a que Peirce sempre retornavaquando falava de quali-signos: a música. Não há nada melhor doque a música para exemplificar o signo Gratificante. A músicapode ser infinitas outras coisas, mas ela é, quase sempre e domi­nantemente gratificante. Quando despidos de qualquer urgênciaem relação às lidas e tropeços do cotidiano, quando nossa sensi­bilidade está aberta, disponível e desarmada, descansada dosofrimento, então somos capazes de ouvir música, ouvir, na sim­plicidade radical e pura desse ato. Nesse momento, sabemos osignificado de gratificante. Podem existir outras situações, maspoucas tão perfeitamente compatíveis quanto essa para a emer­gência do sentimento de singela gratidão pela vida. Vida cheiade graça de ser vida. A música, um poema, certos filmes, algunsquadros, raras situações vividas, são estados de gratidão. Umsigno gratificante é um signo cujo interpretante final são quali­dades de admirabilidade intrinseca.

Num segundo nível, há ideais por meio dos quais a condu­ta é interpretada. Interpretantes finais que têm por propósito

direcionar a conduta são interpretantes éticos. e os signos comesse tipo de interpretante são chamados "práticos". Algunssinais e comandos. alguns tipos de promessas. cerimônias.rituais etc. são signos práticos, no sentido que Peirce dava a essetermo, isto é, ações guiadas por um propósito ético cujos inter­pretantes são éticos. palavra esta também concebida num senti ­do muito amplo.

O propósito último de um signo cognitivo ou intelectual éo de produzir controle critico deliberado sobre hábitos e crenças.As normas criticas. relevantes aqui, são princípios condutores dalógica . A consistência de um conjunto de interpretantes e a vali­dade das inferências são julgadas à luz desses princípios orienta­dores. O interpretante lógico último, ou melhor, o interpretantefinal critico, como Peirce o chamou, é o hábito controlado deuma autocritica deliberada (Savan, 1976, p. 50). Isso vale tantopara a lógica, para os produtos do intelecto. quanto para a vida .

Ohábito. conjugado com omotivo e as condições. contém aação para o inter­pretante Energético; mas a ação não pode ser um interpretante Lógico porquelhe falta generalidade. Oconceito que é um interpretante Lógico só o é demodo imperfeito. De algum modo. ele compartilha da natureza de uma defini­ção verbal. eé tão inferiorem relação ao hábito quanto.do mesmo modo. umadefinição verbal é inferior à definição real . Ohábito - auto-analisado e deli­beradamente formado. auto-anal isado porque formado com aajuda da anál isedos exercícios que oalimentam - éadefinição viva. overdadeirointerpretan­te Lógico (Peirce apud Savan, 1976. p. SO)

Mas é na citação a seguir (apud Savan, p. 50) que fica evi­dente por que Peirce chamou de "pragmatista" o signo cujointerpretante final é crítico:

Todo homem exerce mais ou menos controle sobre si mesmo por meio damodificação de seus hábitos, eamaneiracomo ele trabalha para produzir esseefeito. naqueles casos em Que as circunstâncias não lhe permitem praticar rei­terações daespécie de conduta desejada no mundo exterior, mostra que eleestá muito bem familiarizado com o importanteprincípiode que reiterações nomundo interior - reiterações imaginárias - se bem intensificadas peloesforço direto. produzem hábitos. do mesmo modo que reiterações no mundoexteriortambém produzem; eesses hábitosterão poder para influenciar ocom­portamento no mundo exterior.

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A nona tricotomia faz parte das triades peirceanas maisconhecidas que, no quadro das dez tricotomias, e1encadas no ini­cio deste capítulo, localizam-se como primeira, quarta e nona, ouseja. a primeira é a do signo em si mesmo (quali, sin e legi-sig­nos). a quarta é a do signo em relação ao objeto dinâmico (ícone.índice e símbolo) e a nona corresponde à relação do signo como interpretante final: rema, dicente e argumento. Vale notar queesta divisão também corresponde aos três tipos de símbolo:remas ou termos são símbolos simples. dicentes ou dici-signossão símbolos duplos ou informativos e argumentos são signostriplos ou racionalmente persuasivos.

Segundo Savan (p. 51), para entender a nona tricotomia, apergunta que devemos nos fazer é: como um signo influencia seuinterpretante final? Ou ainda: como o caráter de um signo deter­mina seu interpretante final? A ação do signo é a ação de serinterpretado. Como o interpretante final interpreta a ação do seusigno sobre si? Este é outro modo de formular a pergunta que secoloca para a nona tricotomia.

Um rema é um signo que é interpretado por seu interpre­tante final como representando alguma qualidade que poderi~

estar encarnada em algum objeto possivelmente existente. Eassim que o quali-signo é compreendido no interpretante final.como presença de um signo de uma qualidade que poderia estarcorporificada em alguma ocorrência ou alguma entidade apenaspossível. Na lógica, o rema corresponde ao que Bertrand Russelchamava de função proposicional. Por exemplo: é preto"." é um cavalo", " é guerra ou paz".

Não apenas o quali-signo, mas o sin-signo, quando icõni­co, também será um rema na sua relação com o interpretante. Porexemplo, um diagrama individual como um objeto da experiênciaé um sin-signo, mas se alguma de suas qualidades o leva a deter­minar a idéia de um objeto, será um ícone, isto é, um signo pura­mente por semelhança, de seja lá o que for com que se asseme­lhe. Assim sendo, só pode ser interpretado como um rema, umpossível (2.255). Mais uma vez, não apenas o quali-signo e o sin­signo icônicos, mas também o sin-signo indiciai poderá ser um

rema. O exemplo nos é fornecido por Savan (p, 51) . Uma risadaé um sin-signo ligado indicialmente ao seu objeto, digamos. boasnotícias inesperadas. Nesse caso. estando o objeto determinado.o interpretante remático tende a se obliterar. Suponhamos. noentanto. que o riso seja interpretado como apresentando a quali­dade da felicidade em si mesma. como quando nos referimos aum riso feliz, ou à felicidade de um riso. Esse é um bom exemplode sin-signo indiciai tem ático, o índice apontando não para umobjeto fora dele, mas para a sua própria qualidade como objeto .

Outra vez, além do qual i-signo. além do siri-signo icônicoe do sin-signo indicial, também um legi-signo icônico será remá­tico. Por exemplo, um diagrama. se desconsiderarmos sua indi­vidualidade factual e atentarmos para a sua lei ou tipo geral que.funcionando iconicamente, exige que cada um dos seus casosincorpore uma qualidade definida que o torna apto a despertar.no espírito, a idéia de um objeto semelhante; então, em relaçãoao interpretante, esse diagrama será um rema (2.258) .

Assim como o legi-signo icônico, também o legi-signoindiciai será remático. Observe-se o uso, por exemplo, dosdemonstrativos "aqui" e "agora", na frase "Está chovendo aqui.agora". Essas palavras são legi-signos, ai presentes. como rép~i­

cas o"Cada réplica é um índice de um conjunto particular de ~Ir­

cunstâncias espaciais e temporais. Mas seu interpretante Finalentende cada uma dessas palavras indiciais como apresentandoqualidades de espaço e tempo predicáveis de um individual ououtro" (Savan, p. 51), ou melhor, o interpretante representa essessignos iconicamente.

Por fim, a última classe de signo remático é o legi-signosimbólico. A explicação completa que Peirce deu dessa classe designo esclarece e sintetiza com perfeição os ingredientes do sím­bolo que foram discutidos algumas páginas atrás, isto é, o con­ceito (ou ingrediente propriamente simbólico), a idéia geral (ouingrediente icônicodo símbolo) e a aplicabilidade (ou ingre~ien­

te indiciai). Acrescenta-se agora a análise do modo como o inter­pretante final tende a representar esse tipo de signo. ou seja.rematicamente:

/,\,\ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ A TFORIA GER ~I DOS SIl; ' "''o SI\; 'O REVISITADO--- _ "

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No nível de secundidade, o dicente (ou dici-signo ou femaou quase proposição) é um signo que será interpretado pelo seuinterpretante final como propondo e veiculando alguma infor­mação sobre um existente, em contraposição ao ícone, por exem­plo, do qual só se pode derivar informação (2_309). O meio maisfácil de se reconhecer o dicente é saber que ele ou é verdadeiroou é falso, mas em contraposição ao argumento, o dicente nãonos fornece razões por que é falso ou verdadeiro. Ele é um signopuramente referencial, reportando-se a algo existente. Desse

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modo. seu interpretante terá uma relação existencial. real com oobjeto do dicente . tal corno este mesmo tem.

Sin-signos indiciais sào necessariamente dicentes. pois.tal como uma bússola, na sua presença aqui e agora. por exern­

plo, são objetos de experiência direta . funcionando como signosque propiciam informação sobre seu objeto (2.257). Legi-signosindiciais (por exemplo, uma propaganda veiculada na tevê) sãotambém dicentes, na medida em que..sendo leis gerais. exigem'que cada um de seus casos seja realmente afetado por seu obje­to, fornecendo informação definida sobre ele (2.260). Legi-sig­nos simbólicos também podem ser dicentes. É o caso de qual­quer proposição comum que. de comum. só tem o fato de ocor­rer corriqueiramente porque a explicação semiótica que Peircefornece dela é uma das peças mais sofisticadas de ourivesariaanalítica. Vale a pena transcrevê-Ia:

Um Símbolo Dicente. ou Proposição ordinária. é um signo que se relacionacom seu Objeto por uma associação de idéias gerais e que age como umSímbolo Remático. exceto pelo fato de que seu pretendido interpretanterepresenta o SímboloDicente como sendo. com respeito àquiloQue ele signi­fica. realmente afetado pü( seu Objeto, de sorte que a existência ou lei queele faz surgir no espírito ceve estar efetivamente relacionada com'0 ObjetoIndicado. Assim. o Interprerante contemplaoSif"'bolo Dicente como um l egí•

signo Indicativo Dicente; e se isso for verdadeiro. partilha dessa natureza.embora aí não se esgote. À semelhança doSin-srqno Dicente. ele é compos­to. devez que necessariamente envolve um SímboloRemático teassim éparaseu Interpretante um Legi-Slgno Icônico) para expressar-lhe a informação. eumLegi-signo Indicativo Remático para assinalar amatéria daquela informa­ção Contudo. a Sintaxe desses é significativa. A Replica do SimboloOicenteé umSin-siqno Dicente de :00 especial Facilmec:e percebemosser ISSO ver­dadeiro quando a informação que o Símbolo Dicente veicura e re.ativa a c .1]

fato concreto . Quando aqeetainformaçãodizresceito a uma lei real, ele nãoéverdadeiro na mesma extensão Com efeito.um Sin-siqno Oicentenãopodeveicular informação de lei É. conseqüentemente. verdadeiro em função daRépl ica de tal Simbolo Dicente apenas na medida em que a lei tem Seu sertraduzido em exemplos.

Para distinguir a proposição, que é um dici-signo simbó­lico, de um dici-signo indicial , Peirce deu o exemplo da fotogra­fia. A mera impressão, em si mesma. não veicula informação

-=-__ $. m.

Um Símbolo Remático D ~ :'ema simból ico (exemplo: umsubstantivo comum) eum signo relacionadoco- .euObjetopor uma associação de idéiasgerais. demaneira tal que sua Réc·r..a desperta uma imagem no espírito. imagemque.devido a certos hábitos cu disposições daquele espírito. tende a produzir umconceito geral. sendo a P.éollca interpretada como Signo deum Objeto que éum caso daquele concern Assim. oSímbolo Remático ou é ou muito se asse­melha ao que os lógicos cenominarn Termo Geral. OSímbolo Remático. comoqualquer Símbolo. particioa necessariamente da natureza deum tipo geral eé.assim. um Legi-signo. Sua Réplica. todavia.éum Sin-signo Indicativo Remáticode tipo especial.no senncodeque a imagemque sugere aoespírito atua sobreum Símbolo já naquele espíri to. para dar surgimento a um Conceito Geral.Neste sentido. difere ce outros Sin-signos Indicativos Remáticos. inclusivedaqueles que sãoRéplicasde Legl-signos Indicativos Remáticos. Assim. opre­nome demonstrativo "aquele" é um Legi-s igno. por ser de um tipo geral; masnão éum Símbolo. poiselenãosignifica um conceito geral. Sua Répl ica dirigeaatenção para umObjetosingular eé um Sin-signo Indicativo Remático. UmaRéplica da palavra "camelo' é também um Sin-signo Indicativo Remático porser realmente afetada. como conseqüência do conhecimento de camelos.comum a quem fala e a quem ouve. pelo camelo real que denota. ainda queeste não seja individualmente conhec ido de quem ouve; eépor essa conexãoreal que apalavra "camelo" desperta a idéia deum.camelo. Omesmo éverda­deem relação à palavra "fênix·. Embora a fênix não exista realmente. reaisdescrições da fênix são bem conhecidas de quem fala ede quem ouve; eassimapalavra érealmente afetada pelo Objeto denotado. As Réplicas dos SímbolosRemáticos são muito diferentes não apenas dos Sin-signos IndicativosRemáticos ordinános. mas também diferem destes as Réplicas dos Legi-signosIndicativos Hern áticos, Com efeito. a coisa denotada por "aquele" não afeta aréplica dapalavra da maneiramaisSimples edireta como. por exemplo. otilin­tarda campainha dotelefoneé afetado pela pessoa que. no outro extremo dalinha. deseja estabelecer comunicação O Interpretante de um SímboloRemático com freqüência orepresenta como Legi-Signo Icônico; e. com efeito.eem reduzida porção. ele participa danatureza de ambos.

190

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19~ - - --- A Trll RIA GERAI. DOS SIG:-OS o SI{,''' ' Rl n SITMXl - _

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nenhuma, mas o fato de a fotografia ser virtualmente uma sec­ção de raios projetados a partir de um objeto conhecido soboutra forma, toma-a um dici-signo, pois todo dici-signo é umadeterminação ulterior de um signo já conhecido do mesmo obje­to (2.320) .

Outra distinção, estabelecida por Peirce, é a do dicente ouproposição em relação à asserção ou afirmação de sua verdadeou falsidade. Na asserção, há como que uma submissão do sujei­to às penalidades que cabem ao mentiroso, caso a proposição.que ele afirma verdadeira, seja falsa ou vice-versa. Assim sendo.segundo Savan (p. 51), o ato assertivo é um sin-signo indiciaI,imperativo, percussivo e prático.

Enfim, um argumento ou inferência é um signo que éinterpretado por seu interpretante Final como um signo de lei,regra reguladora ou princípio guia, ou melhor, "é um signo cujointerpretante lhe representa o objeto como sendo um signo ulte­rior, por meio de uma lei". Isto é, a lei segundo a qual "a passa­gem de todo o conjunto das premissas para as conclusões tendea ser verdadeira" (2.203). Há mecanismos que regularmentederivam conclusões válidas de premissas, mas Peirce não cha­mou esses processos de argumentos . Um argumento deve sercompreendido por seu interpretante como derivando validamen­te uma conclusão de suas premissas porque ele pertence a umaclasse de inferências possíveis que se conformam com um prin­cípio guia. Assim funciona um silogismo, por exemplo (cf.Savan, p. 52).

O objeto do argumento deve ter um caráter geral , o quesignifica que só legi-signos simbólicos podem ser argumentos.As réplicas dos argumentos são sin-signos dicentes. Peircedividiu os argumentos em três tipos: abdutivos, indutivos ededutivos, considerados como os três tipos possíveis de racio­cínio. Posteriormente, esses raciocínios foram integrados comoestágios interdependentes da investigação científica. masseguir por essa via nos levaria longe dos propósitos que guia­ram este livro.

Completando por fim esta jornada (que deve ter sido tãolaboriosa para o leitor quanto o foi para a própria autora). nadamelhor para arrematá-la do que a última dentre as dez tricotomiaspeirceanas, síntese final que engloba e abraça todas as outrasnum só lance: a tricotomia da relação triádica do signo com oobjeto e o interpretante. Para compreender esta última tricotomia,as perguntas que devemos fazer são as seguintes : Que segurançatem o interpretante de que o objeto a que ele se reporta é tambémo objeto do signo que está sendo interpretado? Que tipo de segu­rança ou confiança o signo pode transmitir ao seu interpretanteconcernente ao objeto? Em toda semiose, é o objeto que está namira do interpretante. Na medida em que o signo é o meio peloqual o objeto pode se manifestar, ao interpretar o signo, o inter­pretante está, na realidade, produzindo uma nova aparição do pró­prio objeto, ou não? Que segurança pode ter o interpretante, no

. entanto, de que o objeto (ou objetos) a que ele se refere é omesmo objeto (ou objetos) a que o signo se reporta?

Há, de acordo com Peirce, três níveis de segurança. Se oobjeto imediato é um descritivo, o objeto dinâmico, um abstrati­vo e o signo é um quali-signo, icônico, hipotético, simpático,sugestivo, gratificante e remático, a segurança, que ele ofereceao interpretante, é a do instinto, insight ou adivinhação (primeí­ro nível) . O universo das qualidades não é regido por qualquertipo de força que possa ser-lhe imposta de fora. As associaçõespor semelhança, processadas por nossas mentes e grandes res­ponsáveis pelas junções, combinações com que as qualidadessão atraídas umas para as outras, não têm outra razão de sersenào as forças ocultas da mente sobre as quais não exercemosnenhum controle. Toda hipótese de semelhança ou comunidadede qualidades inferida na relação com o objeto não se deve aoutra coisa senão ao instinto. E isso não é menos verdadeiro paraa ci~ncia, embora nesta as qualidades sejam mais complexas eabstratas. De qualquer modo, quando o universo das qualidadesé que está em jogo, nossas inferências são sempre apenas hipo-

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- - - ----------- A TEORIA GERAL OOS SIG~OSo SI(O'\<' Rn ISITADO - - _ IlJ5

t éticas, abdutivas. Sobreisso, Savan (p, 54) extrai de Peirceumacitação curiosae polêmica:

Anatureza éum repertóriode fatos muito mais vasto emuito menos claramen­te ordenado doque um relatório do censo; e se a humanidade não tivessevindo aela com aptidões especiais para adivinhar corretamente. teríamos tudopara dlNidar se. nos dez ou vinte mil anos de sua existência. suas grandesmentes teriam sido capazes dechegar à quantidade de conhecimento que hojequalQuer idiota possui.1...1Todo conhecimento humano. até os mais altos pín­caros da ciência. não é senão o desenvolvimento denossos instintos animaisinatos. Ésempre ahipótese mais simples. no sentido de mais dócil enatural.aquela que o instinto sugere. aquela Que deve ser preferida; a razão para issoéque. se ohomem não tivesse uma inclinação natural em concordânciacom ada natureza. ele não teria a menor chance de entendê-Ia.

A palavra "instinto" é certamente perigosa, por estarsobrecarregada de sentidos que Peirce, de nenhum modo, lheemprestou. Paraele, instinto significauma similaridade, atraçãoou imantação fora do controle da consciência, ligando a primei­ridadequalitativa do interpretante, signo e objeto. "É essa afiai­dade oculta da qualidade que permiteao signo sugerir, evocarahipótese correta ao seu interpretante. Há uma espécie de simpa­tia que a qualidade do objetoacordano interpretante do signo. Ointerpretante responde com uma ressonância ao tom do objetotransmitido pelo signo" (Savan, p. 54).

Como, por exemplo, urnacriança nascidana China apren­derá a falarchinêse outra,nascida no Brasil,vai aprender o por­tuguês? Por que um cientista, diante de um fato surpreendente,lançauma hipótese para a qual ele'não tem nenhumaespécie deconfirmação a priori, e, na maiorparte das vezes,essa hipótese,nascida assim de um mero insight, fora do controle de qualquerracionalidade, acaba sendoa únicacorreta? Para esses e inúme­ros outros exemplos, Peirce postulou que é a afmidade, resso­nância qualitativa que permite ao interpretante interpretar osigno corretamente comoevidência do caráter do seu objeto.

O segundo nível de segurança está na confiança que só aexperiência pode fornecer. É pelaexperiência que o jnterpretan­te de um signo confirma que, de faro, existe algum objeto com

as características indicadas pelo signo. É evidenteque, se o obje­to imediato do signo for um designativo, o objeto dinâmico. umconcretivo e o signo for um sin-signo indiciai, categórico. per­cussivo. imperativo. prático e dicente, a segurança do interpre­tante quanto ao objeto é absolutamentenão-problemática. óbvia.Masno caso dos signos híbrídoscom misturasde terceirídade ­inseridos, conseqüentemente, no curso da continuidade e dodevir - o interpretanteestá para o objeto por meio da mediaçãode um signoque já é, por sua vez, um interpretante,de modoqueseu objetotambém é um signo que já é um interpretante, e assimpor diante. Se esse processo é virtualmente infinito, que segu­rançapode ter o interpretantede que existe uma relação entre elee algum objeto dinâmico que é e deve ser seu objeto último? Éaqui que a noção de experiência colateral, com a qual trabalha­mos no capítulo 2, torna-se imprescindível. A informação,adquirida colateralmente (quase sempre por intermédio deoutros signos),é a experiênciade um contexto insistente,comumao signo, ao objeto.e ao interpretante. Na pesquisa científica, asegurança da experiênciafica claramenteexemplificadanos pro­cedimentos do método indutivo.

Por fim, o terceiro nível de segurança é chamado porPeirce de segurança da forma. É pela unidade da forma lógicaque os interpretantes dos signos de lei e os necessitantesassegu­ram-se de sua validade. Uma lei existe pela conformidade regu­lar de suas instâncias. A segurança da forma aparece na suaexpressão mais perfeita num argumento dedutivo,o que não sig­nifica que os signos mais corriqueiros, em nosso dia-a-dia, tam­bém não apresentem esse tipo de segurança para seus interpre­tantes, mesmo que de um modo precário. Imagine-seo quanto avida se tornaria impossível, caso não tivessem validade raciocí­nios grosseiros do tipo: "Se o melão está maduro de manhã, elenào estará verde à tarde".

Peirce não chegou a propor nomes especiais para os sig­nos dentro dessa última tricotomia. Savan fez para isso umasugestãoque soa lindamente. Os signos, que fornecem seguran­ça de instinto, são pressentimentos; os que fornecem segurança

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da experiência são empíricos e os que fornecem segurança daforma são signos formais. Quando os três se unem numa mesmasemiose, o signo está perto de ser perfeito. Signo-quase-perfeito.Artistas, especialmente os músicos, poetas, escritores e algunscientistas são os que mais sabem dele. <.

R E F E R x ( I .\ S B IBLI O GRA F I ( \

N O TAS .

• ••• I As dez tricotomias começaram a aparecer nos escritos de Peirce primeiramen-te numa carta a L. Welby (14 de dezembro de 1908). Uma formulação mais pre­cisa dessas tricotomias voltou a aparecer em canas datadas de 24, 25 e 28 dedezembro de 1908, tambémpara L. Welby, mas que provavelmente nào foramenviadas. Os fragmentos dessas canas estão publicados nos CP 8.342-379 (cf.também Hardwick, 1977, p. 67-86). Quando Peiree retomou as dez tricotomias,nessas canas posteriores, ele fez algumasmodificações em relação à ordem emque as tricotomias se apresentam. Isto tem dado margem a mal-entendidos. Aordem de apresentação, que aqui forneci, baseia-se nas cartas de 24, 25 e 28 dedezembro, isto é, na formulação posteriora que Peireechegou.

•••2(;[ a esse respeito a prec iosa leitura desenvolvida por R. Amheim, no seuestudo "Perceptual analysis ora symbol ofinteraction", em Toward a psycho-logy ofart (1966, p. 222-244).

•••3SÓ para se ter umaidéia da onipresença das triades na história do pensamen­to, basta lembrar a tríade no Tao, na religião cristã (a Santíssima Trindade), astriades das tabelas kantianas, dos estágios do pensamento em Hegel e, last butnot least, a estrutura triádica das formações sociais em Marx (econômico. poli­rico e ideológ ico) e da dinâmica psiquica em Freud(id, ego, superego).

....4Não cheguei a fazer um estudo exaustivo dos três tipos de hipo- ícone. aten ­tando para as suas relações com os icones, pois isso demandaria um grandevolume de pesquisa capaz de constituir um estudo à parte, muito especialmen­te porque, nos últimos anos, foram publicados livros inteiros e artigos dedica­dos a uma releitura da metáfora à luz de Peirce (cf., por exemplo, Gumpel.1984,Haley, 1989e Hausman, 1989).

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