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LETRAS CLÁSSICAS, n. 9, p. 253-267, 2005. – 257 – MIÉ, FABIÁN. Lenguage, conocimiento y realidad en la teoría de las ideas de Platón, Investigaciones sobre los Diálogos medios. Córdoba: Ediciones del Copista, 2004. ISBN: 987-563-042-X. Fabián Mié propõe uma reava- liação da filosofia platônica, não acei- tando a figura histórica do platonismo, associada a uma suposta metafísica dos dois mundos, que separa os âmbitos do sensível e do inteligível. Seu posiciona- mento crítico lhe permite revelar uma série de contribuições teóricas, desen- volvidas nos Diálogos, associando-as a estudos recentes, particularmente, ao realismo metafísico, à semântica realis- ta e à teoria referencialista do significa- do. Seu escopo repousa em um acurado diálogo entre as proposituras platônicas e as correntes contemporâneas de aná- lise, especificamente a filosofia analíti- ca. Fabián Mié se opõe, previamente, à hermenêutica evolutiva dos Diálogos, segundo a qual Platão realizaria nos di- álogos finais uma reavaliação da teoria canônica das Formas. A crítica de Mié concernente a essa leitura evolutiva, que propõe uma mudança de paradig- ma entre os diálogos intermediários e os finais, recupera a interpretação de Hans Krämer, conspícuo autor da esco- la de Tübingen, para quem cada diálo- go exporia um momento preciso do es- tado da questão, refletido na posição dos interlocutores. Platão não se mostra expressamente comprometido com ne- nhuma palavra pronunciada nos Diálo- gos, pois sua estratégia é expor um esta- do da questão em cada diálogo por in- termédio de todos os interlocutores en- volvidos, não expressando necessaria- mente o nível da compreensão do autor em torno dos problemas discriminados. As aporias dos primeiros diálogos assim como a incapacidade epistêmica socrá- tica em face da questão da forma do Bem representariam limites reais desco- bertos por Sócrates para a resolução de um problema, não revelando as concep- ções do próprio autor. Interpretar Pla- tão não consiste na perspectiva adota- da pela hermenêutica de Friedrich Sch- leiermacher, segundo a qual a interpre- tação de uma obra deveria privilegiar as intenções de seu autor. A forma literá- ria adotada por Platão constituiria an- tes, para Mié, o meio efetivo para pro- teger a classe do conhecimento filosófi- co de uma ilícita e capciosa crença na possibilidade de sua apropriação pela difusão por escrito de formulações pro- posicionais, revelando-nos a cara filia- ção de Fabián Mié à leitura esoterista dos Diálogos, cujos conspícuos represen- tantes são Konrad Gaiser e Hans Krä- mer. A escrita deve obedecer a critérios que regem a prática discursiva, correla- tos ao respeito à verdade, à defesa de uma possível refutação e ao reconheci- mento da sujeição da escrita sensível à oralidade inteligível. Os Diálogos imitam

RODOLFO JOSÉ ROCHA RACHID - Resumo de 'Lenguage, conocimiento y realidad en la teoría de las ideas de Platón' de FABIÁN

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RODOLFO JOSÉ ROCHA RACHID - Resumo de 'Lenguage, conocimiento y realidad en la teoría de las ideas de Platón' de FABIÁN

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LETRAS CLÁSSICAS, n. 9, p. 253-267, 2005.

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MIÉ, FABIÁN. Lenguage, conocimientoy realidad en la teoría de las ideas de Platón,Investigaciones sobre los Diálogos medios.Córdoba: Ediciones del Copista, 2004.ISBN: 987-563-042-X.

Fabián Mié propõe uma reava-liação da filosofia platônica, não acei-tando a figura histórica do platonismo,associada a uma suposta metafísica dosdois mundos, que separa os âmbitos dosensível e do inteligível. Seu posiciona-mento crítico lhe permite revelar umasérie de contribuições teóricas, desen-volvidas nos Diálogos, associando-as aestudos recentes, particularmente, aorealismo metafísico, à semântica realis-ta e à teoria referencialista do significa-do. Seu escopo repousa em um acuradodiálogo entre as proposituras platônicase as correntes contemporâneas de aná-lise, especificamente a filosofia analíti-ca. Fabián Mié se opõe, previamente, àhermenêutica evolutiva dos Diálogos,segundo a qual Platão realizaria nos di-álogos finais uma reavaliação da teoriacanônica das Formas. A crítica de Miéconcernente a essa leitura evolutiva,que propõe uma mudança de paradig-ma entre os diálogos intermediários eos finais, recupera a interpretação deHans Krämer, conspícuo autor da esco-la de Tübingen, para quem cada diálo-go exporia um momento preciso do es-tado da questão, refletido na posição dos

interlocutores. Platão não se mostraexpressamente comprometido com ne-nhuma palavra pronunciada nos Diálo-gos, pois sua estratégia é expor um esta-do da questão em cada diálogo por in-termédio de todos os interlocutores en-volvidos, não expressando necessaria-mente o nível da compreensão do autorem torno dos problemas discriminados.As aporias dos primeiros diálogos assimcomo a incapacidade epistêmica socrá-tica em face da questão da forma doBem representariam limites reais desco-bertos por Sócrates para a resolução deum problema, não revelando as concep-ções do próprio autor. Interpretar Pla-tão não consiste na perspectiva adota-da pela hermenêutica de Friedrich Sch-leiermacher, segundo a qual a interpre-tação de uma obra deveria privilegiar asintenções de seu autor. A forma literá-ria adotada por Platão constituiria an-tes, para Mié, o meio efetivo para pro-teger a classe do conhecimento filosófi-co de uma ilícita e capciosa crença napossibilidade de sua apropriação peladifusão por escrito de formulações pro-posicionais, revelando-nos a cara filia-ção de Fabián Mié à leitura esoteristados Diálogos, cujos conspícuos represen-tantes são Konrad Gaiser e Hans Krä-mer. A escrita deve obedecer a critériosque regem a prática discursiva, correla-tos ao respeito à verdade, à defesa deuma possível refutação e ao reconheci-mento da sujeição da escrita sensível àoralidade inteligível. Os Diálogos imitam

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a prática viva e animada do discursooral. Ler Platão requer uma completatransformação e reformulação dos cri-térios e comportamentos práticos porparte do leitor.

Fabián Mié afirma que sua inten-ção é explicitar alguns aspectos dialéti-cos da hipótese das idéias, mostrandoque a semântica e a epistemologia dareferida hipótese são consistentes comuma série de teses dialéticas desenvol-vidas nos diálogos finais, precipuamen-te, o Sofista e Filebo, recusando, assim,a hermenêutica evolutiva dos Diálogos.O primeiro livro concernente aos diá-logos chamados intermediários se divi-de em duas seções que se interconec-tam, dedicando o primeiro capítulo àexplicação da concepção dialética dahipótese das idéias em Fédon e Repúbli-ca V-VI-VII. Na segunda seção, Mié pri-vilegia o Teeteto e o Crátilo a fim de for-mular uma teoria platônica da lingua-gem, mediante uma mímesis lingüística,consoante à sua ontologia. Para Mié, ofundamento platônico do apriorismobusca resolver o impasse entre uma con-cepção idealista do conhecimento, paraa qual o objeto é antes definido pelarepresentação subjetiva, e uma realista,para a qual toda representação subjeti-va está condicionada ao objeto empíri-co. A hipótese das idéias, minudencia-da na segunda navegação do Fédon,atesta a condição de toda inteligibilida-de e determinação dos objetos, já quePlatão estabelece a validade objetiva das

idéias por meio da teoria da anamnese,pela anuência de que o aprendizado ésempre reminiscência. O refúgio, então,nos lógoi (Fédon 99e), pelo qual a almaascende à verdade dos entes, revela umdado objetivo, porquanto Platão assu-me a linguagem como sendo o lógos dasidéias. A apreensão cognitiva de algose realiza quando se instaura a sua es-trutura de identidade e diferença pormeio do lógos, quando a definição dealgo expressa a unidade das múltiplasformas mediante as suas relações plurí-vocas, delimitando uma compreensãodas formas pelo emprego do lógos. Fabi-án Mié acentua que as distintas moda-lidades de conhecimento das entidades,pensamento (diánoia), percepção sensí-vel (aisthésis), imaginação (phantasía) eopinião (dóxa), asseguram o acesso àestrutura do que é conhecido, represen-tando etapas do mesmo processo deverificação epistêmica, efetuado pelapsýche, de modo que a percepção nãopode ser entendida apenas como umdado sensorial apartado do percursoepistêmico, como um ato separado domecanismo cognitivo, mas como suaparte integrante. A segunda navegação(Fédon 99d) e a fuga para os lógoi nãoimplica renunciar às causas dos proces-sos físicos, sendo sobretudo uma mu-dança de estratégia em relação à insufi-ciente investigação empírica pré-socrá-tica, adstrita, para Mié, apenas à causamaterial do processo fenomênico. Alinguagem adquire, na concepção de

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Fabián Mié, relevância para escapar jus-tamente do caráter metabólico da mul-tiplicidade aparente, propugnada pelopré-socratismo. As idéias seriam, deacordo com o nexo lógico-ontológico,o correlato semântico da linguagem,possibilitando condições de racionalida-de e de determinação das coisas. A ló-gica platônica das idéias se constituicomo uma teoria específica do lógos doente, que não surge de uma explicaçãodo conhecimento pelo modelo da per-cepção, mas pelo esclarecimento dasoperações dialéticas efetuadas com asidéias, pelo desvelamento de uma gra-mática filosófica, haja vista que o realse manifesta como tessitura de formas,donde a congeneridade entre as artesdialética, gramatical e musical. Operarhipoteticamente com as idéias, paraMié, significa examinar as suas causas eas suas consequências, determinando aidentidade de cada eidos singular pelassuas combinações positivas e negativas.A operação hipotética supõe que asidéias conformam um sistema de regrascorrelato à teoria de predicação. O Fé-don anteciparia os resultados obtidos noSofista, pois aquele diálogo intermediá-rio assegura a possibilidade de articulara uniformidade do eidos em relações ide-ais, uma vez que a unidade de cada idéiaenvolve uma multiplicidade e que essaestrutura de unidade e multiplicidadeestá implicada no conteúdo específicode cada idéia, donde a conexão e a ex-clusão, implicação e não implicação,

entre idéias são o fundamento platôni-co da epistéme. No Crátilo, trata-se depôr em questão a possibilidade ontoló-gica do lógos. Platão defende no Crátilouma mímesis linguística, baseada não emuma teoria ultra-realista, postulada pelopersonagem homônimo, que não admi-te haver nomes falsos devido à equipa-ração entre o objeto proposicional e oobjeto real, mas uma mímesis fundamen-tada, para Fabián Mié, em uma funçãosimbólica da linguagem, em uma orto-logia de nomes. A tese naturalista deCrátilo é fruto de uma concepção darelação entre linguagem e realidade,formulada pelo modelo representativopictórico, por meio do qual a represen-tação correta reproduz, mediante signoslingüísticos, a materialidade e a ordemdos objetos representados. SegundoMié, o reconhecimento das idéias comoautênticos correlatos ontológicos da lin-guagem permitiria a Platão distinguir eseparar os objetos, formulando um novoconceito de nome e representação lin-guística que não necessita nem excluira falsidade nem o convencionalismo síg-nico para que os nomes possam cum-prir as suas funções específicas. Platãoinaugura, assim, o espaço do simbolis-mo que domina a relação pensamento/linguagem/ realidade. A função simbó-lica da linguagem, em oposição à basereferencialista, para a qual a concepçãofigurativa assegura a aspiração represen-tativa da linguagem, se institui nas For-mas, pensadas como estruturas dos ob-

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jetos sensíveis, cujos nomes represen-tam significados. A verdade do ente re-side em seu caráter de ser idêntico, emsua mesmidade. A verdade da lingua-gem consiste, por conseguinte, emenunciar algo como é (hos esti), em ar-ticular linguisticamente a sua mesmida-de.

No capítulo dedicado ao Teete-to, Mié reitera as linhas fundamentaisde sua tese, referentes à crítica de umametafísica dos dois mundos. Não se tratade cindir os âmbitos da dóxa e da episté-me, reportando-os a objetos distintos deconhecimento, mas de pensá-los comomodalidades distintas de conhecimen-to de um mesmo objeto. A avaliação dafunção doxástica no Teeteto aprofunda-ria, para Mié, o entendimento platôni-co, discernido nos diálogos médios, emtorno dos processos de conhecimento.O caráter aporético do Teeteto pode sercompreendido em perfeita consonância,defende o autor, com a exposição dosdiálogos médios sobre a relação entredóxa e epistéme. A referida relação nãopropõe a distinção entre duas formas deconhecimento correlatas a dois mundosseparados, mas entre dois modos decompreensão referentes à mesma reali-dade. A esfera doxástica, por causa desua natureza intermediária entre o serpuro e o não-ser absoluto, é congênereao olvido. A dóxa, defende Mié, comoo olvido podem ser compreendidoscomo uma impotência da alma, umaenfermidade, caracterizada, pois, pela

incapacidade em face ao ser real. Miéafirma que a metáfora platônica domodelo-cópia não pode ser tradicional-mente interpretada como oposição en-tre mundus sensibilis – mundus intelligibi-lis segundo o contexto da metafísica dedois níveis. Retomando loci classici tan-to do Mênon, sobre a epistéme como ai-tías logismos, pois o raciocínio da causase constitui como o liame das opiniõesverdadeiras a fim de estabelecer a ciên-cia, quanto da República, sobre a homo-logia entre a dóxa e a vida onírica e en-tre a epistéme e a vida desperta, Miémostra a continuidade entre as propos-tas dos diálogos médios e do Teeteto.

Adverso ao modelo fenomena-lista da percepção sensível, o Teetetodefende a explicação categorial da per-cepção, por meio da qual as formas sãopensadas como correlatos epistêmicosproposicionais. Deste modo, há a críti-ca do fenomenalismo protagoreano, poisesse desconhece o liame entre os con-teúdos perceptivos e seus corresponden-tes ideais. Os fenômenos perceptivos seapresentam como fenômenos anímicose mentais, porque a mente efetua a coor-denação dos dados sensoriais, ordenan-do-os, de acordo com suas categoriasmentais, numa representação do obje-to. A contribuição platônica para umaposição fenomenológica sobre a percep-ção pode, para Mié, ser medida em suacrítica ao mero fenomenalismo, hajavista que os dados perceptivos depen-dem de seus correlatos ideais, represen-

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tados nas formas e em seus possíveisentrelaçamentos. A ontologia platôni-ca surge, para Mié, da logicização dosconceitos cosmológicos pré-socráticos.A teoria das idéias pode ser entendidacomo uma ontologia das idéias, depen-dente de uma posição filosófica que ten-ciona esclarecer o sentido do ser pormeio do lógos. A dialética platônica dológos do ente tem como meta precípuaa superação tanto da concepção eleatado imobilismo do ente quanto da con-ceituação sofístico-antisténica da ine-xistência do falso. O Teeteto sinaliza asposições teóricas que deverão ser resol-vidas no Sofista mediante a definição dacomunidade dos gêneros supremos. Ateoria da hipótese das idéias, discrimi-

nada nos diálogos médios, se revelacomo o fundamento da dialética do ló-gos do ente, minudenciada por Platão,segundo Fabián Mié, nos diálogos finais.

RODOLFO JOSÉ ROCHA RACHIDPPG Letras Clássicas

FFLCH/USP

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