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República Federativa do BrasilPresidente: LUIZ INÁCIO LULA DA SILVAVice-Presidente: JOSÉ ALENCAR GOMES DA SILVA
Ministério do Meio AmbienteMinistra: MARINA SILVA
Secretaria ExecutivaSecretário: CLÁUDIO ROBERTO BERTOLDO LANGONE
Secretaria de Biodiversidade e FlorestasSecretário: JOÃO PAULO RIBEIRO CAPOBIANCOPrograma Nacional de Conservação da BiodiversidadeDiretor: PAULO YOSHIO KAGEYAMAGerência de Conservação da BiodiversidadeGerente: BRAULIO FERREIRA DE SOUZA DIASProjeto de Conservação e Utilização Sustentável daDiversidade Biológica Brasileira - PROBIOGerente: DANIELA AMÉRICA SUÁREZ DE OLIVEIRA
Acompanhamento EditorialMárcia M. N. PaesProjeto GráficoMarco BandeiraEditoração Eletrônica e FinalizaçãoSCAN - Editoração & Produção Gráfica55 51 3330.1103 - E-mail: [email protected] das AberturasAdriano Becker - fotos em terraRicardo A. Ramos - fotos áereasFotos InternasAdriano Becker e equipe do projetoRevisãoFernando Gertum BeckerLuciano de Azevedo MouraRevisão da Língua PortuguesaMaria Beatriz Maury de Carvalho
CD em anexo na 3a Capa
3
Ministério do Meio Ambiente
Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul
Regiões da Lagoa do Casamento
e dos Butiazais de Tapes,
Planície Costeira do Rio Grande do Sul
Fernando Gertum Becker
Ricardo Aranha Ramos
Luciano de Azevedo Moura
(Organizadores)
Brasília/DF • 2007
4
Catalogação na FonteInstituto do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
B615 Biodiversidade. Regiões da Lagoa do Casamento e dos Butiazais de Tapes, planície costeirado Rio Grande do Sul / Ministério do Meio Ambiente. – Brasília: MMA / SBF, 2006.388 p. : il. color. ; 42 cm + 1 CD-ROM ¾. (Série Biodiversidade, 25)
BibliografiaISBN 85-7738-037-8
1. Conservação ambiental. 2. Biodiversidade. I. Becker, Fernando Gertum. II. Ramos,Ricardo Aranha. III. Moura, Luciano de Azevedo. IV. Ministério do Meio Ambiente. V.Secretaria de Biodiversidade e Florestas. VI. Título. VII. Série.
CDU (2.ed.)574
ApoioProjeto de Conservação e Utilização Sustentável da Diversidade Biológica Brasileira – PROBIOGlobal Environment Facility – GEFBanco Mundial – BIRDConselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPqPrograma das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD/Projeto BRA/00/021
Ministério do Meio Ambiente – MMACentro de Informação e Documentação Luís Eduardo Magalhães – CID AmbientalEsplanada dos Ministérios – Bloco B – Térreo700068-900 Brasília – DFTel.: 55 61 4009.1235 Fax: 55 61 4009.1980E-mail: [email protected]
Fundação Zoobotânica do Rio Grande do SulMuseu de Ciências NaturaisRua Dr. Salvador França,1427 - bairro Jardim BotânicoCEP 90690-000 - Porto Alegre/RSTel.: 55 51 3336.3281 - E-mail: [email protected]
5
Livros sobre a biodiversidade de regiões geográficas
específicas constituem um importante apoio para condução de
diretrizes de planejamento e conservação da diversidade biológica,
além de servirem como referencial para novas pesquisas
científicas. De igual importância, é a contribuição que podem ter
para que a sociedade forme um vínculo cultural e afetivo com a
natureza de sua própria região. Ambos, conhecimento científico e
identidade afetiva e cultural, estão entre os elementos necessários
para que se obtenha sucesso na conservação da biodiversidade,
aliada à utilização racional dos recursos naturais e à manutenção
da qualidade ambiental.
Este livro é conseqüência direta da iniciativa do Ministério do
Meio Ambiente (MMA) em suprir as lacunas de conhecimento e
estabelecer os fundamentos para o planejamento da conservação da
biodiversidade no Brasil. Estas iniciativas tomaram forma através
do Projeto de Conservação e Utilização Sustentável da Diversidade
Biológica Brasileira (PROBIO), coordenado pelo Ministério em
parceria com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq), e que fomentou a execução de estudos sobre
biodiversidade em biomas brasileiros.
Em 2002, a Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul
(FZB), entre outras instituições do país, foi contemplada com
recursos de edital lançado pelo PROBIO, para realização de
inventários de biodiversidade em áreas previamente determinadas
pelo MMA como prioritárias para estudo e conservação da
diversidade biológica. O projeto – originalmente denominado
“Avaliação da biodiversidade na Lagoa do Cerro, na Lagoa do
Casamento e em seus ecossistemas associados, Zona Costeira, Rio
Grande do Sul” – foi executado a partir de 2003 pelo Museu de
Ciências Naturais (MCN) da FZB, além de bolsistas e
colaboradores de outras instituições de pesquisa.
Os resultados apresentados nas próximas páginas resultam
de um intenso trabalho de obtenção de informações sobre a
biodiversidade em duas áreas, denominadas ao longo do livro
como região dos Butiazais de Tapes e região da Lagoa do
Casamento. Ambas incluem remanescentes de hábitats naturais da
Planície Costeira do Rio Grande do Sul (banhados, lagoas,
campos de dunas, restingas e butiazais) que vêm progressivamente
diminuindo em superfície, sofrendo alterações ambientais e
perdendo biodiversidade. Paradoxalmente, apesar da proximidade
da capital do Estado e dos centros de pesquisa científica, o
conhecimento pormenorizado sobre os componentes da
biodiversidade destas duas áreas era escasso ou estava disperso em
trabalhos científicos isolados e nas coleções biológicas depositadas
nas instituições de pesquisa.
Este livro, portanto, contém os resultados originais obtidos
em campo durante a execução do projeto e é, em certo grau, uma
síntese do conhecimento existente. O texto possui estilo e forma
predominantemente técnico-científicos, necessários para a análise e
utilização críticas por pesquisadores e gestores de meio ambiente.
Porém, por meio do projeto gráfico e das imagens apresentadas,
buscou-se não apenas uma documentação visual, mas cativar tanto o
leitor técnico como o leigo. Além disso, em alguns capítulos, são
apresentadas informações genéricas sobre os organismos estudados,
com intuito de tornar a informação acessível também ao leitor não-
especializado. Na Seção I, procurou-se estabelecer o contexto geral
das áreas estudadas, abrangendo temas como a formação geológica
da planície costeira, suas as áreas de maior interesse para
conservação da biodiversidade, e algumas de suas características
socioeconômicas e culturais. Na seção II, os resultados dos
levantamentos de campo são apresentados em detalhe para cada
grupo da fauna e flora e, por fim, a Seção III apresenta uma síntese
dos resultados e recomendações para conservação e manejo da
biodiversidade da região.
A realização de um projeto como este envolve inúmeras tarefas
e dificuldades científicas, logísticas e administrativas, e não poderia
ter sido concluído sem a colaboração de um grande número de
profissionais, não somente da FZB mas de diversas outras
instituições. A todos expressamos nosso agradecimento, em particular:
Ao Ministério do Meio Ambiente e à equipe do PROBIO,
particularmente a Daniela Oliveira, Cilúlia M. R. de Freitas
Maury, Karina Gontijo, Gisele Silva, Carlos Alvarez e Danilo
Souza pela condução atenciosa e eficiente dos vários aspectos que
concorreram para o bom andamento e conclusão do projeto.
À Verena E. Nygaard, Presidente da FZB, e a Ney Gastal,
Diretor do MCN, por proporcionar a logística e infra-estrutura
durante o desenvolvimento do projeto.
Às Senhoras Nair Heller de Barros e Helena Mello Soares e
aos Senhores José Taylor, Osvaldo Gutheil, Edegardo Marques da
Rocha Velho, André Velho, Antonio Jose Velho Martins, César
Ingletto, Eduardo e Francisco Westphalen Velho, pelo apoio a este
projeto de pesquisa através da atenciosa recepção em suas
propriedades, da infra-estrutura e estadia oferecidas gentilmente.
Aos técnicos da FZB, em especial a Eduardo S. Borsato,
Cleodir Mansan, Tomaz V. Aguzzoli, Mariano C. Pairet Jr.,
George R. Cunha, Ari D. Nilson e Manoel L. Nunes pelo dedicado
apoio nas atividades de campo e de laboratório. A Juliano P.
Salomon Abi Fakredin, pela atuação na execução das tarefas
administrativas e pela colaboração em vários momentos do
projeto, inclusive nos trabalhos de campo.
À Brigada Militar e a Patrulha Ambiental (Patram),
especialmente ao Major Duarte e aos soldados Ferraz e Tonial pelo
auxílio na segurança durante as expedições de campo e nas
operações de resgate.
À Prefeitura de Palmares do Sul, em especial ao Sr. Roberto
Hirtz Dutra, vice-prefeito, e à Prefeitura de Tapes, pela cordial
recepção e pelo fornecimento de informações sobre as regiões
estudadas.
A Jacqueline Siqueira pelo apoio à coordenação durante a
primeira fase do projeto, e a Igor P. Coelho, Luciane Coletti, Thais
Michel e Flávio C. Riella pelo auxílio nos trabalhos de campo.
A Daniela Gelain (IBAMA-RS), pela orientação na emissão
das licenças de coleta.
A Eduardo Vélez Martin, ex-diretor do MCN que,
juntamente com L. de A. Moura, concebeu o projeto
originalmente submetido ao MMA.
A Adriano Becker, pela dedicação e profissionalismo no
trabalho de documentação fotográfica.
A Scan - Editoração & Produção Gráfica: Iza Teixeira,
Marco Bandeira, Carolina Citton Puccini e Fernanda Pinheiro,
pelo paciente e criterioso trabalho de concepção gráfica,
editoração, diagramação e finalização deste livro.
Porto Alegre, julho de 2006.
Fernando Gertum Becker
Ricardo Aranha Ramos
Luciano de Azevedo Moura
(Organizadores)
6
Seção I – Regiões da Lagoa do Casamento e dos Butiazais de Tapes .............................................................................................................................. 9
1. Introdução .......................................................................................................................................................................................................................... 10Fernando G. Becker, Ricardo A. Ramos, Luciano de A. Moura
2. Planície Costeira ............................................................................................................................................................................................................... 20Jorge A. Villwock, Luiz. J. Tomazelli
3. Socioeconomia, cultura e ambiente ................................................................................................................................................................................... 34Luiza Chomenko
4. Áreas importantes de conservação na Planície Costeira do Rio Grande do Sul ............................................................................................................... 46Maria Inês Burger, Ricardo A. Ramos
Seção II – Diagnóstico ......................................................................................................................................................................................................... 59
5. Paisagem, uso e cobertura da terra .................................................................................................................................................................................... 60Ricardo A. Ramos, Arlete I. Pasqualetto, Rodrigo A. Balbueno, Eduardo da S. Pinheiro
6. Flora e vegetação ............................................................................................................................................................................................................... 84Maria de Lourdes A. A. de Oliveira, Rosana M. Senna, Márcia T. M. B. das Neves, Martina Blank, Ilsi Iob Boldrini
7. Ficoflora ........................................................................................................................................................................................................................... 112Lezilda Carvalho Torgan, Sandra Maria Alves da Silva, Vera Regina Werner, Zulanira M. Rosa, Luciana de S. Cardoso, Silvana C. Rodrigues,Cristiane B. dos Santos, Carla B. Palma, Jaqueline R. Fortuna, Mariéllen D. Martins, Aline B. Bicca, Andrea S. Weber
8. Protozooplâncton e Rotifera ............................................................................................................................................................................................ 130Luciana de Souza Cardoso
9. Macroinvertebrados bentônicos ....................................................................................................................................................................................... 144Cecilia Volkmer-Ribeiro, Rosária De Rosa-Barbosa, Demétrio L. Guadagnin, Carolina C. Mostardeiro, Ana Paula da S. Pedroso
10. Esponjas ......................................................................................................................................................................................................................... 156Cecilia Volkmer-Ribeiro, Rosária De Rosa-Barbosa, Carolina C. Mostardeiro
11. Crustáceos...................................................................................................................................................................................................................... 164Marcelo P. de Barros
7
12. Aranhas ........................................................................................................................................................................................................................... 172
Ricardo Ott, Erica Helena Buckup, Maria Aparecida de Leão Marques
13. Insetos aquáticos .......................................................................................................... .................................................................................................. 186
Hilda Alice de Oliveira Gastal
14. Hemípteros terrestres ...................................................................................................... ............................................................................................... 198
Aline Barcellos
15. Coleópteros terrestres ..................................................................................................... ............................................................................................... 210
Luciano de Azevedo Moura
16. Cerambycidae (Coleoptera) .................................................................................................. ......................................................................................... 230
Maria Helena M. Galileo, Luciano de A. Moura, Rodrigo M. Moraes
17. Moluscos terrestres ........................................................................................................ ................................................................................................ 240
Ingrid Heydrich
18. Moluscos límnicos .......................................................................................................... ............................................................................................... 252
Sílvia Drügg-Hahn, Vera Lucia Lopes-Pitoni, Fernanda de B. Cunha, Aline P. Carvalho
19. Peixes ..................................................................................................................... ........................................................................................................ 262
Fernando G. Becker, Karin M. Grosser, Paulo C. C. Milani, Aloisio S. Braun
20. Anfíbios ................................................................................................................... ...................................................................................................... 276
Márcio Borges-Martins, Patrick Colombo, Caroline Zank, Fernando G. Becker, Maria Teresa Queiroz Melo
21. Répteis .................................................................................................................... ....................................................................................................... 292
Márcio Borges-Martins, Maria Lúcia M. Alves, Moema Leitão de Araujo, Roberto Baptista de Oliveira, Ana Carolina Anés
22. Aves ....................................................................................................................... ........................................................................................................ 316
Glayson A. Bencke, Maria I. Burger, João C. P. Dotto, Demétrio L. Guadagnin, Tatiane O. Leite, João O. Menegheti
23. Mamíferos .................................................................................................................. .................................................................................................... 356
Mariana Faria-Corrêa, Fábio S. Vilella, Márcia M. de Assis Jardim
Seção III – Síntese .............................................................................................................................................................................................................. 367
24. Biodiversidade – síntese e conservação..................................................................................... .................................................................................... 368
Fernando G. Becker, Ricardo A. Ramos, Luciano de A. Moura, Glayson A. Bencke, Maria de Lourdes A. A. de Oliveira
Lista de autores ............................................................................................................... ...................................................................................................... 386
9
Seção I
Regiões da Lagoa do Casamentoe dos Butiazais de Tapes
Regiões da Lagoa do Casamento
e dos Butiazais de Tapes,
Planície Costeira do Rio Grande do Sul
11
Introdução
O Brasil é considerado um país possuidor demegadiversidade biológica, ou seja, é um dos países com
maior variabilidade de organismos vivos de diversas origens,incluindo ecossistemas aquáticos e terrestres, complexos
ecológicos que deles fazem parte e também toda avariabilidade intra e interespecífica e de ecossistemas
(SCBD, 2005). As informações sobre a diversidadebrasileira que maior projeção e divulgação alcançam
geralmente provêm de regiões de indiscutível importânciapara conservação, como a Amazônia (possui 40% das
florestas tropicais remanescentes; Peres, 2005); a MataAtlântica e o Cerrado (hotspots mundiais de biodiversidade,
isto é, áreas de grande riqueza biológica, com altaproporção de biota endêmica e sob forte pressão de
degradação ambiental; Myers et al., 2000) e o Pantanal(maior área úmida tropical do mundo; Brandon et al., 2005).
Há, porém, uma importante parcela da biodiversidadesituada em outras regiões, como a Caatinga (Silva et al.,
2004) e as Zonas Costeira e Marinha (Brasil, 2002a), cujasespécies e habitats, em conjunto, possuem características
ecológicas únicas, diferenciadas das demais. Exemplos sãoos mosaicos de terrenos arenosos e dunas, áreas úmidas
(particularmente banhados, turfeiras e matas paludosas) elagoas, formados em função de sutis variações topográficas
da planície costeira (ver figuras do Cap. 2, neste volume).No sul do Brasil, além da extraordinária configuração
espacial de diferentes tipos de habitat e da grandeheterogeneidade de comunidades vegetais (ver Caps. 5 e 6,
neste volume), há também características de fauna como,por exemplo, a abundância de aves migratórias (ver Cap.
22, neste volume), os peixes anádromos (que passam partedo ciclo de vida em água doce e parte em águas marinhas)e os peixes-anuais (possuem um ciclo de vida curto e vivemem ambientes temporários; Costa, 2002), ou os tuco-tucos
(roedores fossoriais, do gênero Ctenomys, que vivem emgalerias subterrâneas; Freitas, 1995).
Importantes iniciativas vêm sendo realizadas noBrasil, tanto no sentido de aumentar o conhecimento sobre
a diversidade biológica em distintos biomas, quanto no deestabelecer prioridades de conservação da biodiversidade e
de sua utilização sustentável (Brasil, 2002b; Brasil, 2004).Uma destas iniciativas foi a promoção de um conjunto de
seminários para identificação de prioridades regionais,abrangendo seis biomas brasileiros - Amazônia, Cerrado,
Pantanal, Caatinga, Mata Atlântica e Campos Sulinos - alémda Zona Costeira e Marinha, a qual é constituída por
diferentes biomas (Brasil, 2004). Estes semináriosidentificaram um total de 900 áreas prioritárias para
conservação e apontaram lacunas no conhecimento dosbiomas; tais áreas foram classificadas em quatro categorias:
a) extrema importância biológica; b) muito alta importânciabiológica; c) alta importância biológica; d)
insuficientemente conhecidas, mas de provável interessebiológico. Destas, 43% estão situadas na Amazônia
Brasileira, 9% na Caatinga, 20% na Mata Atlântica eCampos Sulinos, cerca de 10% no Cerrado e Pantanal e
18% nas Zonas Costeira e Marinha (Brasil, 2004).
Nas Zonas Costeira e Marinha, 164 áreasprioritárias foram identificadas, sendo que 40 delas
situam-se em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul.Entre todas as áreas apontadas na Zona Costeira, 50
tiveram como indicativo de ação prioritária a realização deinventário da diversidade biológica. Em outras palavras,
foram consideradas áreas onde o grau de conhecimentosobre a biodiversidade era insuficiente e que, portanto,
deveriam ser objeto de um levantamento de informaçõesde campo sobre as espécies e os habitats nelas
existentes (Brasil, 2002a; Brasil, 2004).
Este livro contém os resultados do trabalho deinventário biológico em quatro das áreas prioritárias da zona
costeira meridional do Brasil (tab. I), todas elas situadas noRio Grande do Sul, ao sul de Porto Alegre (fig. 1). Em função
de sua contigüidade geográfica, três destas áreas foramestudadas em conjunto, sob a denominação de “região da
Lagoa do Casamento”, enquanto que a área restante foidenominada de “região dos Butiazais de Tapes” (tab. I).
O inventário realizado nestas duas regiões tevecomo principais objetivos (a) identificar e mapear as áreas
naturais remanescentes e (b) caracterizar a riqueza e acomposição de espécies de diversos grupos biológicos nasáreas naturais remanescentes, incluindo uma avaliação daimportância para conservação. Os dados foram obtidos de
forma a poder integrar informações sobre a biota e seushabitats, uma vez que habitats e sua distribuição na
paisagem são parte do que se entende por biodiversidade(Dias, 2001) e são essenciais para a concepção de
estratégias de manejo e conservação, não apenas porserem indissociáveis da biota, mas também porque
constituem características ecossistêmicas estruturais efuncionais. Estas, são consideradas como bens ou serviços
ambientais, ou seja, trazem benefícios que contribuemdiretamente para o bem-estar humano (Bensusan, 2002;
Costanza et al., 1997). Como exemplos de serviçosambientais, pode-se mencionar o papel de áreas úmidasna regulação de fluxos e estoques naturais de água, que
servem para irrigação e abastecimento; sua função naatenuação de flutuações ambientais, garantindo a
prevenção de processos erosivos; ou até mesmo asoportunidades recreativas, sob a forma de turismo ou
pesca recreativa, entre outras (para mais detalhes, verCostanza et al., 1997).
Neste capítulo introdutório, apresenta-se uma brevecaracterização das regiões estudadas e do procedimento
metodológico geral empregado no inventário de diversidadebiológica. Informações mais aprofundadas sobre a
formação geológica e características geomorfológicas,paisagem atual, unidades de conservação e interface entre
socioeconomia e ambiente, podem ser encontradas noscapítulos iniciais (Seção I). Os capítulos posteriores (Seção
II) contêm os resultados do inventário biológicopropriamente dito, tratando cada grupo de organismosseparadamente. Por fim, é apresentado um capítulo de
síntese, onde é realizado um balanço dos principaisresultados, perspectivas e recomendações levantadas ao
longo dos capítulos anteriores.
Região de estudo Áreas prioritárias Classe de prioridade Ação indicada
Lagoa do Casamento Lagoa do Casamento (113) Insuficientemente conhecida Inventário e unidade de
conservação de uso direto
Lagoa dos Gateados (114) Extrema importância biológica Unidade de conservaçãode uso direto
Banhado da Fazenda Alta importância biológica Recuperação e manejo
Cavalhada (112)Butiazais de Tapes Lagoa do Cerro (115) Extrema importância biológica Inventário, manejo e unidade
de conservação de uso direto
Tabela I.Regiões abrangidas no presente estudo e sua respectiva classificação, conforme relacionada no relatório “Avaliação eAções Prioritárias para Conservação da Biodiversidade das Zonas Costeira e Marinha” (Brasil, 2002a). Os númerosentre parênteses correspondem àqueles utilizados em Brasil (2002a) para identificar as áreas prioritárias em todo país.
12
Figura 1.Localização geográfica das regiões da Lagoa do Casamento e dos Butiazaisde Tapes (Planície Costeira do Rio Grande do Sul).
13
As regiões estudadas
As regiões dos Butiazais de Tapes e da Lagoa do Casamento
situam-se na Planície Costeira do Rio Grande do Sul, uma província
fisiográfica com cerca de 620km de extensão e que, em certos
pontos, chega a aproximadamente 100km de largura (Tomazelli etal., 2000). Os eventos mais recentes de evolução paleogeográfica
desta região, representados por sucessivas transgressões e
regressões marinhas, ocorreram entre 400 mil e cinco mil anos
atrás, de modo que a maior parte da província situa-se sobre
substrato sedimentar (ver Capítulo 2, neste volume).
O processo de formação da Planície Costeira está relacionado
com uma importante peculiaridade: a seqüência de ambientes no
sentido da costa oceânica para o interior, que inclui complexos
mosaicos de dunas, banhados, campos, matas, além de um sistema
de lagoas costeiras, que inclui inúmeros corpos d’água de diferentes
tamanhos, desde a Laguna dos Patos (cerca de 10.000km2
) até
pequenas lagoas com menos de 1ha.
A Planície Costeira é uma região de clima subtropical úmido
(tipo Cfa, segundo o sistema de Köppen; Moreno, 1961 apudWaechter, 1985). A precipitação pluviométrica anual fica entre 1.000
e 1.500mm e a temperatura média varia entre 16 e 20°C, ficando a
média do mês mais quente entre 22 e 26°C, e a do mês mais frio,
entre 10 e 15°C (Nimer, 1977). Os ventos são característicos da
região, possuindo direções predominantes relativamente constantes.
Sopram principalmente de NE ao longo de todo ano, mas em
especial na primavera e verão, ao passo que no outono e inverno
cresce a incidência dos ventos de O-SO. É comum encontrar na
região árvores de aspecto anemomórfico, isto é, com a copa
deformada, acompanhando o sentido predominante dos ventos
(Waechter, 1985).
Sob perspectiva biogeográfica, a planície costeira pertence
a duas províncias distintas, a Atlântica e a Pampeana (Cabrera &
Willink, 1973; Morrone, 2001). A província Atlântica possui
vegetação florestal de características predominantemente tropicais,
estendendo-se essencialmente pelo litoral norte do Estado,
enquanto que a província Pampeana, no litoral centro-sul, é
dominada por vegetação campestre, de caráter subtropical
(Cabrera & Willink, 1973; Waechter, 1985). Entretanto, dada a
sua história geológica recente, a maior parte da fauna e a flora da
Planície Costeira do RS não foi originada em processos de
especiação local e, portanto, provém de regiões mais antigas
(Rambo, 1950, 1954, 1961; Waechter, 1985). Além dos elementos
dominantes, originários das províncias Atlântica e Pampeana,
pode-se encontrar componentes patagônicos, andinos, chaquenhos
e holárticos (Rambo, 1954; Reitz, 1961; Waechter, 1985;
Morrone, 2001). Por esta razão, a biota da planície costeira
apresenta baixo número de endemismos quando comparada a
outras regiões. Pode-se dizer que uma de suas principais
peculiaridades regionais é justamente a presença de elementos
florísticos e faunísticos originados em diferentes províncias
biogeográficas (Guadagnin & Leydner, 1999), em contraste com
outras regiões, onde o destaque é dado pelo elevado índice de
formas endêmicas.
No período anterior à colonização européia, a planície
costeira era ocupada por populações Chana e Tupi-Guarani, que
utilizavam peixes, moluscos e camarões (Vieira & Rangel, 1988).
A colonização iniciou-se no século XVII, com portugueses e
espanhóis, mas expandiu-se por toda zona costeira somente após a
imigração açoriana, no século XVIII. Desde este período, as
principais atividades econômicas nas regiões estudadas são a
agricultura (especialmente arroz), a pecuária e a pesca (Vieira &
Rangel, 1988), sendo que mais recentemente, extensas áreas vêm
sendo convertidas em plantações de Pinus e Eucalyptus (Asmus &
Tagliani, 1998).
Região da Lagoa do Casamento. Situada na península de
Mostardas, limite leste da Laguna dos Patos (fig. 1), abrange
porções dos Municípios de Palmares do Sul, Capivari do Sul,
Mostardas e Viamão. Caracteriza-se por apresentar uma paisagem
dominada por grandes lagoas (lagoa Capivari, Lagoa do
Casamento e lagoa dos Gateados) e terrenos relativamente planos,
mas cujas pequenas variações topográficas determinam a
existência de um mosaico de habitats: dunas de areia, campos
arenosos e campos úmidos, matas brejosas ou sobre dunas e áreas
úmidas (banhados) de diversos tipos (fig. 2). Este mosaico, que
originalmente cobria toda a região, hoje se encontra em grande
parte substituído por extensas áreas homogêneas de cultivos
agrícolas, especialmente arroz, sendo que os campos naturais são
manejados para uso pela pecuária.
Devido à baixa altitude e relativa uniformidade do terreno,
as condições naturais dos habitats, da fauna e da flora, são
bastante influenciadas pelas diferenças sazonais de temperatura e,
especialmente, pela dinâmica natural de inundação determinada
pelas variações de nível da Laguna dos Patos que estão associadas
aos ventos fortes, característicos de toda região costeira do Rio
Grande do Sul. Embora exista uma tendência de que períodos
mais úmidos ocorram no inverno e menos úmidos no verão,
inversões destas condições podem ocorrer mesmo no espaço de
poucos dias, determinando acentuada mudança nos ambientes em
qualquer época do ano (ver fig. 1 do Cap. 5, neste volume).
Região dos Butiazais de Tapes. Situa-se a oeste da Laguna
dos Patos (fig. 1) e inclui parte dos Municípios de Barra do
Ribeiro e Tapes. Ao norte e ao sul desta região encontram-se
extensas áreas de florestas plantadas de Pinus e Eucalyptus.
Diferentemente da região da Lagoa do Casamento, apresenta perfil
de topografia mais heterogêneo devido à presença da Coxilha das
Lombas. Nesta região, pode-se visualizar um gradiente no sentido
leste-oeste, a partir da costa da Laguna dos Patos até o arroio
Araçá, desde uma faixa de praia lagunar com dunas de areia,
campos arenosos e banhados até o sopé da Coxilha das Lombas,
onde a mata domina na encosta, passando gradualmente a compor
um mosaico com extensas manchas de butiazais, campos, baixadas
úmidas e cultivos (fig. 3). Na porção sul desta faixa de planície
lagunar, ocorrem grandes áreas de cultivo de arroz, além de
campos e faixas de mata arenosa de restinga, que circundam as
lagoas do Cerro, Comprida e Suja. Entre a encosta oeste da
Coxilha das Lombas e a estreita faixa de mata ripária do arroio
Araçá, a mata e os butiazais são substituídos, praticamente em sua
totalidade, por cultivos agrícolas e pastagens.
Método geral do inventário
O termo “região” é aqui empregado sensu lato, isto é, de
forma não comprometida com o debate conceitual existente em
Geografia (Bezzi, 2004). Além disso, os nomes utilizados para
designar as duas regiões estudadas não correspondem a
denominações consagradas em mapas oficiais. Note-se que nestes,
o termo “Lagoa do Casamento” é utilizado especificamente para
referir-se àquela lagoa e não a toda área circunvizinha e seus
ecossistemas associados, enquanto o termo “Butiazais de Tapes”
não aparece. Assim, as denominações “região da Lagoa do
Casamento” e “região dos Butiazais de Tapes” foram criadas no
âmbito específico deste estudo com objetivo de facilitar a
referência às áreas de interesse ao longo do texto, incluindo
diversos tipos de ecossistemas e utilizando uma delimitação
geográfica arbitrária.
O trabalho de inventário seguiu o método geral utilizado em
avaliações biológicas rápidas (Sobrevila & Bath, 1992). Avaliações
Ecológicas Rápidas (AER) envolvem procedimentos para obtenção
e aplicação de informação biológica, integrando diversos níveis de
informação, desde imagens de satélite e sobrevôos até
amostragens de campo específicas para determinados tipos de
organismos.
A primeira etapa do trabalho de inventário consistiu de uma
análise prévia de imagens de satélite e da realização de sobrevôos,
incluindo documentação fotográfica sobre as duas regiões de
estudo. O objetivo desta etapa foi identificar as principais áreas
naturais remanescentes, determinando os tipos de habitat mais
representativos existentes, sua quantidade relativa e sua
distribuição espacial. A partir desta análise preliminar, foram
determinadas subáreas prioritárias para realização das amostragens
de fauna e flora, buscando obter abrangência espacial e
representatividade dos principais tipos de habitat de cada região.
Note-se que a delimitação de subáreas teve por mero objetivo a
orientação e otimização do esforço de campo das diferentes
equipes que realizaram o inventário, não havendo qualquer
implicação em termos de identidade ou independência de cada
subárea em relação às demais.
Os locais prioritários de amostragem foram estabelecidos
após reconhecimento de campo onde, verificou-se in loco se as
subáreas de fato apresentavam condições ecológicas relativamente
íntegras e representativas dos habitats de cada região. Além disso,
foram mapeados os principais acessos por terra ou água e os locais
possíveis para estabelecimento das bases de campo e pernoite.
Como resultado da primeira etapa foram definidas subáreas de
amostragem em cada uma das duas regiões estudadas (figs. 4 e 5).
14
A segunda etapa do inventário consistiu na obtenção de
dados de campo sobre diferentes tipos de organismo, tendo sido a
amostragem concentrada nas subáreas pré-determinadas na
primeira etapa. Conforme as particularidades de cada grupo da
fauna ou flora foram realizadas amostragens complementares em
locais fora das subáreas. A maioria dos grupos de organismo foi
amostrada em duas campanhas de campo em cada região e, na
medida do possível, em cada subárea (as exceções são descritas
nos capítulos específicos sobre cada grupo de organismo). As
amostragens foram georreferenciadas e realizadas com esforço
mensurado (por exemplo, por tempo de procura, distância
percorrida ou número de armadilhas/hora), respeitando as
particularidades de cada tipo de organismo e tipo de habitat. Além
destas amostragens, dados complementares sobre ocorrência de
espécies foram obtidos por meio de amostragens expeditas.
As amostras de fauna e flora foram realizadas em habitatsterrestres e aquáticos, incluindo 18 diferentes grupos de
organismos: algas, plantas vasculares, protozooplâncton, rotíferos,
macroinvertebrados bentônicos, esponjas de água doce,
macrocrustáceos, insetos aquáticos, moluscos aquáticos,
moluscos terrestres, aranhas, coleópteros, hemípteros, peixes,
anfíbios, répteis, aves e mamíferos. Sempre que possível,
espécimes-testemunho foram coletados e incorporados às
coleções zoológicas e no herbário do Museu de Ciências da
Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul (os métodos
específicos utilizados para cada grupo da fauna e flora são
descritos nos respectivos capítulos). Adicionalmente, foi realizado
um mapeamento de uso e cobertura da terra e elaborada uma
classificação de unidades de paisagem com base em imagens de
satélite e fotografias aéreas (Cap. 5, neste volume).
Após a obtenção dos dados de campo, foi realizada uma
caracterização de cada grupo de organismos, destacando número
e composição de espécies, estado de conservação (espécies
ameaçadas), espécies de distribuição restrita e expansões de
distribuição geográfica, novidades para ciência (espécies novas ou
potencialmente novas) e interesse especial (exóticas, invasoras,
agricultura, fármaco-toxicológico, econômico, entre outros).
Adicionalmente, procurou-se fazer comparações com a
informação existente sobre cada grupo em outras áreas,
particularmente sobre aquelas situadas em unidades de
conservação ou constituídas por habitats similares aos aqui
estudados.
Na síntese final, procurou-se estabelecer um diagnóstico
geral da biodiversidade, considerando todo o conjunto de táxons
amostrados e tipos de habitat, destacando os principais fatores de
pressão ambiental e discutindo, ainda que de forma não exaustiva ou
definitiva, as estratégias potenciais e ações de conservação.
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15
Figura 2.Paisagens e habitats da região daLagoa do Casamento, PlanícieCosteira do Rio Grande do Sul. (a)Margem norte da Lagoa doCasamento; (b) palharal na lagoa doCapivari; (c-e) banhados na porçãonorte da lagoa dos Gateados eSangradouro; (f-h) matas de restinga,campos arenosos e depressõesúmidas no Pontal do Anastácio; (i,j)mosaico de ambientes na Ilha Grande;(k) em primeiro plano, áreadenominada Buraco Quente, no Pontaldo Anastácio; (l) juncal na margem daLagoa do Casamento. Fotos: AdrianoBecker (h); F. G. Becker (a, b, d, i); R.A. Ramos (c, e, f, g, j, k).
a b c
d e f
g h i
j k l
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Figura 3.Paisagens e habitats da região dosButiazais de Tapes, Planície Costeirado Rio Grande do Sul. (a) Vistapanorâmica mostrando gradientedesde a Laguna dos Patos e dunasadjacentes (ao fundo), Açude Sete ebanhados associados, até ospalmares de Butia capitata e asmatas sobre a Coxilha das Lombas;(b) vista alternativa mostrando aofundo, a lagoa das Capivaras natransição entre a Coxilha dasLombas e as dunas; (c, f) matas,palmares de butiá, banhados e áreasagrícolas sobre a Coxilha dasLombas; (g) Coxilha das Lombas,mostrando a lagoa do Cerro e (h)cordões de mata de restingaadjacentes; (i) campos de dunas; (j)mata de restinga; (k, l) dunas,banhado e mata na área entre aLaguna dos Patos e a Coxilha dasLombas. Fotos: Adriano Becker (e, f,h-l); R. A. Ramos (a-d, g).
a b c
d e f
g h i
j k l
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Figura 4.Localização das subáreas escolhidaspara concentrar as amostragens decampo do inventário de fauna e flora daregião da Lagoa do Casamento,Planície Costeira do Rio Grande do Sul.
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Figura 5.Localização das subáreas escolhidaspara concentrar as amostragens decampo na execução do inventário defauna e flora da região dos Butiazaisde Tapes, Planície Costeira do RioGrande do Sul.