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Positivismo no Brasil, era vargas, jango
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Trabalhismo, nacionalismo e desenvolvimentismo: um projeto para o Brasil (1945-1964)
Luclia de Almeida Neves
TEMPO E HISTRIA: AS MARCAS DAS CONJUNTURAS
Besselaar afirma no ser possvel conceber o tempo histrico sem movimento e sem interveno de sujeitos que atravs de sua ao construam esse prprio tempo. 1 De fato , a marca principal de u m tempo histrico especfico, o u mesmo de uma conjuntura, definida pela ao de sujeitos histricos individuais ou coletivos. So as aes humanas as responsveis pelo construo do tempo histrico e de suas caractersticas peculiares nas diferentes inter-relaes que o consti tuem e definem.
A especificidade da Histria em relao demais cincias sociais e humanas situa-se no apego singularidade das expe-rincias e processos. Experincias que so especficas em de-corrncia de suas caractersticas e de sua dimenso temporal . Analisa-se u m tempo ou um outro tempo. Uma conjuntura ou uma outra conjuntura. Dessa forma, para o historiador, a def i -nio de cortes cronolgicos to fundamental quanto a esco-
'Jos Van Den Besselaar. Introduo aos estudos histricos. So Paulo: Peda-ggica, 1973.
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lha do prprio tema o u objeto a ser pesquisado. A dimenso temporal , aliada demarcao espacial, tambm definidora do prprio tema ou do objeto a ser pesquisado. Portanto, o estudo do nacionalismo prussiano no sculo X I X necessari-amente diferente do estudo do nacionalismo varguista no Bra-sil do sculo X X .
Outra questo concernente temporalidade histrica refe-re-se ao fato de que esta privilegia a sucesso, o encadeamento, mesmo que no linear, de acontecimentos e processos. Compa-rando-se o tempo como categoria da Histria com o tempo como categoria das Cincias Sociais, pode-se identificar profunda d i -ferena entre ambos. Enquanto o tempo histrico privilegia a sucesso processual, incorporando a simultaneidade social, o tempo das cincias sociais privilegia exclusivamente a simulta-neidade inscrita em um tempo contemporneo. Em decorrn-cia, a abordagem sucessiva o que distingue a Histria da Soci-ologia, e a considerao da simultaneidade o que as aproxima. Portanto, o tempo social da Histria aquele que considera as inter-relaes de tempos mltiplos e as aes humanas como inscritas numa ordem social especfica. 2
Cada tempo tem sua marca especfica, definida pelas aes dos sujeitos histricos e pelos valores que o conformam. Tra-ta-se do que podemos definir como seu substrato. A busca do significado de um tempo tambm a busca dos valores e p r o -jetos que o conformaram. Alguns perodos da histria da h u -manidade foram marcados por forte religiosidade, outros por
2Sobre o assunto, ver: Jos Carlos Reis. Tempo, histria e evaso. Campinas, Papirus, 1994.
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p r o f u n d o h u m a n i s m o , o u t r o s p o r arrojada c o n c e p o socializante. So as marcas da singularidade temporal que fa-zem dos processos histricos experincias nicas e, portanto, definitivas.
A histria brasileira a part i r dos anos 40 e, mais especifi-camente, dos anos 50 tem, dentre outras, uma marca mui to especial, a da crena na transformao do presente com o objetivo de construo de u m f u t u r o alternativo ao prprio presente. Nesse sentido, as aes humanas projetavam-se, deliberadamente, para a construo do amanh. Havia u m forte sentido de esperana, caracterizado por uma marcante conscincia da capacidade de interveno humana sobre a dinmica da Histria, buscando-se implementar u m projeto de nao compromet ido principalmente com o desenvolvi-mento social.
Dessa forma, como afirma Jorge Ferreira:
No seria exagero afirmar que, na dcada de 1950, surgiu na sociedade brasileira uma gerao de homens e mulheres que, partilhando de ideias, crenas e representaes, acreditou que no nacionalismo, na defesa da soberania nacional, nas refor-mas das estruturas scio-econmicas do pas, na ampliao dos direitos sociais dos trabalhadores do campo e da cidade, entre outras demandas materiais e simblicas, encontrariam os mei-os necessrios para alcanar o real desenvolvimento do pas e o efetivo bem-estar da sociedade.3
3Jorge Ferreira. O Ministro que conversava: Joo Goulart no Ministrio do Trabalho. Niteri, UFF, 1999 (mimeo).
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Esperana, reformismo, distributivismo e nacionalismo eram elementos integrantes da utopia desenvolvimentista que se cons-t i t u i u como signo daquela poca. Portanto, a conjuntura deli-mitada pelos anos 40 e incio dos anos 60 fo i caracterizada pela crena de expressivos segmentos da sociedade civil brasileira de que a modernidade s seria alcanada se apoiada em u m pro-grama governamental sustentado pela industrializao, por po-lticas sociais distributivistas e por efetiva defesa do patrimnio econmico e cultural do pas.
Tal projeto no era unvoco nem homogneo na sua con-cepo. Era, na verdade, matizado por proposies especficas de diferentes partidos polticos e organizaes da sociedade c i -v i l . Dessa forma, por exemplo, havia um projeto reformista agre-gado a objetivos socialistas defendido pelo comunistas. Tam-bm era possvel identificar a forte atuao dos catlicos def ini -dos como progressistas, que, principalmente, atravs de movi -mentos leigos como o de Ao Catlica, desenvolviam u m alen-tado trabalho em torno de propostas voltadas para o reformismo e justia sociais. Tambm organizaes como a Unio Nacional dos Estudantes e os sindicatos se envolveram em lutas dessa natu-reza, vinculando-se a projetos partidrios especficos. Todavia, mesmo atravs da pluralidade de proposies que conformavam o programa de reformas que se projetava para o pas, sua nfase nacionalista e distributivista caracterizou-se como fator constitutivo da identidade de uma conjuntura histrica peculiar.
Dentre os diferentes partidos e segmentos que participaram da construo de u m projeto poltico e social orientado de for-ma geral por tais objetivos, destaca-se o Partido Trabalhista Bra-sileiro, que, identificado com tais proposies peculiares con-
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juntura conformada pelos anos 40 ,50 e 60, apresentou u m p r o -jeto especfico para o Brasil: o trabalhismo brasileiro. U m proje-to nacional bastante preciso, bem definido e concatenado com a viso de futuro que alimentou as esperanas de parte da p o p u -lao brasileira em u m tempo singular da histria republicana brasileira.
O trabalhismo adquiriu importncia real naqueles anos, pois suas proposies programticas encontraram ressonncia no s no Partido Trabalhista Brasileiro, como tambm em diferen-tes entidades do movimento social organizado. Em decorrn-cia, suas propostas, alm de penetrarem em instituies polti-cas parlamentares, como Senado Federal, Cmara de Deputa-dos, Assembleias Legislativas e Cmaras de Vereadores, tam-bm encontraram eco em programas governamentais executa-dos pelo poder executivo. Mas o que contr ibuiu para torn-lo mais forte e di fundido fo i sua decidida penetrao junto a seg-mentos da sociedade c iv i l , que, especialmente nas dcadas de 50 e princpios da de 60, se empenharam para que o Estado brasileiro adotasse, de forma definitiva, u m amplo programa de reformas sociais e econmicas.
A proposta de modernizao desenvolvimentista, dir igida pelo Estado, contagiou expressivo segmento da populao bra-sileira naqueles anos. O clima efervescente da poca repercutia em um parlamento atuante que se transformou em caixa de res-sonncia de diferentes projetos partidrios e de proposies transformadoras da sociedade civi l . De fato, naquela conjuntu-ra, as manifestaes coletivas da cidadania conformaram u m tempo no qual a representao do reformismo nacionalista no imaginrio social de parte substantiva da populao impulsio-
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nou manifestao, at ento indita na vida poltica nacional, do sujeito histrico coletivo. Foi u m tempo em que parte i m -portante da populao constituiu-se como ator de u m proces-so, que, apesar de contraditrio, pois marcado por resqucios do autoritarismo paternalista intrnseco ao "popul i smo" , p r o -porcionou, simultaneamente, a expanso de manifestaes par-ticipativas, qualitativamente novas, posto que definidas por u m forte potencial de autonomia em relao ao Estado.
O presente texto buscar interpretar as propostas e a atua-o do Partido Trabalhista Brasileiro e de organizaes da soci-edade civil a ele vinculadas, que, inspirados pelo trabalhismo, somaram-se aos esforos reformistas da conjuntura em questo. A especificidade do trabalhismo brasileiro do ps-45, que tam-bm era pluralista, pois havia trabalhistas de diferentes matizes, ser o eixo norteador das anlises que orientam o argumento central aqui apresentado. O u seja, de que o trabalhismo, apesar de um vis paternalista getulista que era sua semente e que o marcou como tatuagem desde seus primeiros tempos, no s correspondeu a u m programa de reformas sociais, nacionalistas e desenvolvimentistas, como tambm constituiu-se em uma dou-trina caracterizada por apresentar u m projeto de cidadania bas-tante especfico, no qual se mesclaram elementos da social-de-mocracia e do assistencialismo estatal.
TRABALHISMO, NACIONALISMO E DESENVOLVIMENTISMO
A trajetria do movimento trabalhista no Brasil, especialmente
a partir de 1945, quando fo i fundado o Partido Trabalhista Bra-
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0 P O P U L I S M O E SUA H I S T R I A
sileiro PTB, foi bastante marcada pela estreita vinculao do referido partido com u m projeto para o Brasil, que tinha como suporte principal uma concepo distributivista de bens e bene-fcios. Na verdade, o PTB, partido que pode ser identificado como expresso melhor acabada do trabalhismo brasileiro, des-de a sua fundao apresentou um programa pautado por p r i n -cpios e objetivos que permitem inferir que as preocupaes b-sicas daquela agremiao partidria relacionavam-se aos seguin-tes temas:
direitos trabalhistas; garantia de emprego;
polticas pblicas destinadas qualificao do trabalhador; previdncia social ampla;
polticas pblicas/sociais voltadas para o lazer, a sade, a educao, a proteo infncia e maternidade;
poltica de planificao econmica dirigida pelo Estado; distribuio de renda e de "riquezas";
extino do latifndio improdut ivo e adoo de uma poltica agrria voltada para a distribuio de terras e fixao do homem rural no campo;
incentivo ao cooperativismo econmico e "solidariedade entre todos os cidados", visando paz social. 4
Tais proposies programticas, apresentadas no ano de fundao do PTB 1945 , indicam que, na sua or igem, o
4Itens retirados do Programa do PTB Arquivo Getlio Vargas G V 45000/ 1- FGV- C P D O C RJ.
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petebismo, que bebeu nas guas de u m pro jeto trabalhista
que j se insinuara antes dos anos 3 O,5 t inha nas questes
sociais e na organizao tutelada e no conf l i t iva da par t i c i -
pao poltica dos trabalhadores o eixo de suas preocupa-
es.
inegvel ter o programa do PTB traduzido u m pro jeto
para o pas, que inclua desde questes de organizao e p r o -
teo ao trabalho at proposies referentes re forma da
estrutura fundiria brasileira, passando por uma concepo
estatizante da economia e por uma proposio de "organiza-
o " da cidadania. M i s t o de u m forte dir igismo estatal e de
uma forte conotao distributivista e participacionista, as p r o -
postas do programa inic ial do PTB desdobraram-se em novas
proposies e renovaram-se ao longo da con juntura em que
o par t ido atuou. Mas sua marca in ic ia l , que pressupunha uma
forte interlocuo do part ido com os trabalhadores, desdo-
brou-se como caracterstica permanente da atuao dos t ra -
balhistas. Tal fato in f luenc iou , de forma substantiva, no s a
insero do par t ido nas diferentes conjunturas do perodo,
como tambm sua relao com outras organizaes partid-
rias.
O trabalhismo brasileiro, que teve no PTB sua mais relevan-te forma de organizao ps-45, no era, entretanto, homog-neo. Havia diferentes correntes no interior do part ido. Uma anlise consistente da doutrina que inspirou a organizao do partido e da integrao dessas correntes agremiao possibilita
5Sobre o assunto, ver: Angela de Castro Gomes. A inveno do trabalhismo. Rio de Janeiro, IUPERJ/Vrtice, 1988.
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uma melhor compreenso da diversidade que lhe era inerente. Mas possibilita, sobretudo, constatar que, apesar da existncia de concepes diversificadas, havia um eixo, uma estrutura dorsal nacionalista, distributivista e desenvolvimentista, que fez com que o trabalhismo se constitusse, inegavelmente, em u m proje-to para o pas. U m projeto integrado dinmica de u m tempo, como j afirmado, que se caracterizou por uma euforia trans-formadora.
N a verdade, desde a sua fundao, o Partido Trabalhista Bra-sileiro registrou a existncia de tendncias ideolgicas, polticas e de faces que em alguns contextos se confrontaram, e em outros se articularam ao longo da histria petebista. Algumas delas se dissolveram com o tempo, outras no alcanaram mai-or projeo e influncia; todavia, duas (a getulista e a reformis-ta) foram marcantes ao longo da histria do PTB, tendo inclusi-ve ressurgido, ainda que bastante descaracterizadas, na dcada de 80, cerca de vinte anos aps a extino do partido pelo regi-me militar. Tais tendncias, em 1980, foram reeditadas atravs do PDT de Leonel Brizola e do novo PTB de Ivete Vargas. A longevidade dessas tendncias, que traduziram, antes de 1964, u m projeto para o Brasil, fizeram histria nos anos 50 e 60, e cujos resqucios e fragmentos sobreviveram a vinte anos de autoritarismo, sugere que precisam ser melhor identificadas e analisadas.
Dessa forma, cabe registrar que foram trs as principais ten-dncias do trabalhismo que se integraram ao PTB:
os getulistas pragmticos, conformados por burocratas
vinculados estrutura do Estado atravs do Ministrio do
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Trabalho e por sindicalistas ligados ao c o r p o r a t i v i s m o s indica l o f i c i a l . Sua hegemonia n o p a r t i d o data dos primeiros anos de atuao do PTB, se estendendo de 1945 at mais ou menos 1954. Sua principal referncia f o i o prprio Getlio Vargas.
os doutrinrios trabalhistas, que eram os intelectuais orgnicos do petebismo e se inscreviam em uma orientao t raba lh is ta socia l izante , que p r o p u g n a v a u m a m a i o r desvinculao do p a r t i d o em re lao ao Estado. Sua influncia no part ido comeou em t o r n o de 1948, com Alberto Pasqualini, e se estendeu at a dcada de 60, com Srgio Magalhes e Santiago Dantas. os pragmticos reformistas, que atuaram principalmente a part ir da segunda metade dos anos 50 e amalgamaram em sua prtica poltico-partidria caractersticas da tendncia getulista e da tendncia doutrinria. Seu principal expoente fo i Joo Goulart , que ganhou maior projeo no PTB aps sua passagem pelo Ministrio do Trabalho, quando do segundo governo Vargas. Mas, alm de Goular t , outros petebistas tambm se destacaram c o m o l deres desta tendncia. N a verdade, uma rede de trabalhistas reformistas se f o r m o u em diversos estados da federao. Lideranas regionais do p a r t i d o , que ganharam o u no pro jeo nacional, alimentaram o f luxo das proposies nacionalistas que contagiaram a militncia partidria e se t o r n a r a m hegemnicas na agremiao por aqueles anos. Somente a ttulo de ilustrao, cabe destacar Leonel Brizola, originrio do PTB do R i o G r a n d e do Sul , e C l o d s m i d t R i a n i , sindicalista de Minas Gerais, que na dcada de 60 v i r ia a se
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tornar presidente do Comando Geral dos Trabalhadores do Brasil . 6
OS GETULISTAS PRAGMTICOS
O primeiro grupo traduzia um projeto de trabalhista que se con-fundia com o personalismo varguista. Suas principais propostas poderiam ser sintetizadas em dois lemas principais: cultivar o carisma de Getlio Vargas como instrumento de mobilizao poltica e social dos trabalhadores, atravs de uma ao prag-mtica, e lutar para a manuteno da legislao trabalhista i m -plantada ao longo da dcada de 30 e incio da de 40. 7 Inspira-dos por algumas peculiaridades do trabalhismo ingls, especial-
6Glaucio Soares tambm indicou a existncia de trs tendncias no PTB. To-davia, com algum grau de diferena das apresentadas no presente texto. Para o autor, eram as seguintes as alas internas do PTB: sindicalistas pelegos, dou-trinrios e pragmticos getulistas. Nosso entendimento de a diviso apre-sentada pelo autor no explica integralmente a dinmica da atuao das ten-dncias do partido ao longo de sua trajetria, por no se referir aos petebistas que ganharam expresso aps a dcada de 50 acoplando em seu perfil traos do getulismo pragmtico e do reformismo doutrinrio. Sobre a classificao de Soares, ver: Glucio Dillon Ary Soares. A sociedade e a poltica no Brasil. So Paulo, Difel, 1973.
Tambm em livro de minha autoria, apresentei uma diviso das tendncias do PTB, que poca considerei serem somente duas, a getulista e a doutrin-ria. Creio, todavia, que a classificao apresentada no presente texto expres-sa com maior preciso a evoluo do trabalhismo/petebismo. Ver: Luclia de Almeida Neves. PTB: do getulismo ao reformismo (1945-1964). So Paulo, Marco Zero, 1989.
TJma analise mais detalhada do assunto pode ser encontrada in Luclia de Almeida Neves. Op. cit., 1989.
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mente a que defendia a ideia do trabalhismo corresponder a
uma alternativa ao comunismo e ao socialismo, organizaram
u m partido no dos trabalhadores, mas para os trabalhadores.
U m partido ancorado por um lado no Estado, atravs do M i n i s -
trio do Trabalho e dos Institutos de Previdncia Social, e por
outro no movimento sindical, atravs principalmente das con-
federaes e federaes sindicais.
Portanto, no chega a ser temerrio afirmar que a atuao
dos getulistas pragmticos apoiou-se em dois suportes:
um de natureza ideolgicaa doutrina do trabalhismo ingls,
que coloriu com tons de eficcia social e de "neutralidade" o
fisiologismo e o corporativismo do PTB em seus primeiros
anos;
outro de natureza organizativa, que buscou no Ministrio
do Trabalho e em seus tentculos sindicais e previdencirios
o suporte institucional para a estruturao partidria.
Quanto a este segundo aspecto, interessante analisar a ex-
trao poltica, social e funcional dos fundadores do PTB, que
era basicamente sindical (sindicalistas e advogados sindicais) e
burocrtica (funcionrios do Ministrio do Trabalho). 8 O que
indica que o projeto inicial do trabalhismo, incorporado pelo
PTB segundo os moldes getulistas, t inha como u m de seus obje-
"Interessante quadro sobre a vinculao sindical e funcional dos primeiros petebistas apresentado por Maria Celina D'Arajo s pginas 29 e 30 de seu livro Sindicato, Carisma e Poder O PTB de 1945-65. Rio de Janeiro, Fun-dao Getlio Vargas, 1996.
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tivos manter vinculadas a ao sindical e a militncia partidria em uma inter-relao dinmica com o Estado. N a verdade, o que se projetava era uma forma de cidadania participativa, mas no autnoma. Isto , participao e dirigismo estatal unidos simbioticamente.
Como referido no presente texto, os representantes dessa tendncia foram hegemnicos nos primeiros anos de atuao do PTB, anos nos quais o trabalhismo se confundiu e se fundiu ao petebismo. Podem, pelas razes apresentadas, ser identifica-dos como legtimos representantes da sobrevivncia do cor-porativismo na ordem poltica democrtica instaurada no pas aps a queda do Estado N o v o , em 1945. 9 A perspectiva dos petebistas/getulistas pragmticos era de que o desenvolvimento econmico e os projetos nacionalistas deveriam, a princpio, ser dirigidos pelo Estado, que contaria com apoio dos trabalha-dores, estes simultaneamente devendo se constituir como sujei-tos legitimadores das polticas governamentais.
As melhores fontes para se analisar as perspectivas e objeti-vos do getulismo pragmtico so sem dvida os discursos e pro-nunciamentos de Getlio Vargas, especialmente sobre os traba-lhadores e sobre o PTB, quando dos primeiros anos do part ido. Como j amplamente reconhecido, Vargas era u m homem ave-sso a partidos polticos. Sua concepo era de que eles cor-respondiam na vida poltica a formas de concorrncia peculia-res ao mercado liberal, com forte potencial desestabilizador da ordem poltica e social. Adepto de u m estatismo forte, pensava
'Sobre a persistncia do corporativismo aps 1945, ver Luiz Werneck Vianna. Liberalismo e sindicato no Brasil. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1976.
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serem as organizaes da sociedade c iv i l , especialmente as sin-dicais, as melhores alternativas para a participao poltica da populao e, em especial, dos trabalhadores.
Todavia, pressionado pelos ventos democrticos que so-pravam no mundo e no Brasil a part ir da eminente derrocada dos pases do eixo na Segunda Guerra M u n d a l , in f luenc iou decididamente na natureza e nos rumos da transio entre o Estado N o v o e a nova ordem inst i tucional democrtica ins-taurada no Brasil em 1945. Dentre as estratgias desta " t r a n -sio planejada", incluiu-se a organizao de partidos. O PTB, fundado naquela conjuntura, correspondeu ao pro jeto t ra -balhista de Vargas, que visava imiscuir a poltica e lei toral na poltica sindical, com o objetivo maior de dar suporte e con-tinuidade ao projeto trabalhista e social do varguismo plan-tado nas dcadas de 30 e 40.
O discurso de Vargas no perodo de organizao e implan-tao do PTB traduz, com especial clareza, suas expectativas e as do grupo de getulistas que o cercavam em relao ao Partido Trabalhista Brasileiro. Em discurso proferido na conveno do PTB em 1946, Vargas af i rmou: " O Partido trabalhista tem dois grandes objetivos a realizar. U m de manter intactas as con-quistas das leis trabalhistas outorgadas em m e u gover-no(...)batendo-se o Partido Trabalhista para que essa legislao social v cada vez mais se aperfeioando." 1 0
Como se v, o f i m prioritrio de manter a legislao traba-lhista, que era considerada por Vargas tanto u m instrumento de distribuio de benefcios sociais ao trabalhador como u m ele-
I '"Getlio Vargas. Discurso proferido na Conveno do PTB em 2/10/1946.
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mento essencial do suporte de sua legitimidade junto a eles,
marcou a legenda trabalhista desde a sua origem. Para Vargas e
correligionrios, seria o PTB o partido encarregado de repre-
sentar os trabalhadores no Parlamento Nacional.
Quanto a esta questo, interessante notar que fato raro na
poltica nacional veio a acontecer com a fundao do PTB. Pen-
sou-se, de forma efetiva, em termos de representatividade do
trabalhador junto ao Poder Legislativo. Tal proposio no caiu
no vazio, constituindo-se em uma dinmica que de forma cres-
cente ampliou a representao do PTB na Cmara Federal e no
Senado Nacional entre os anos de 1945 e 1964. Efetivamente,
nas eleies parlamentares de 1962, o PTB, que ocupara em
1945 o terceiro lugar em nmero de representantes no poder
legislativo, veio a alcanar o segundo lugar, com u m nmero de
representantes muito prximo ao do PSD. 1 1 E, o que mais
importante, nesta conjuntura o peso personalista do varguismo
j no tinha o mesmo impacto dos anos 40 e 50 e o PTB deixara
de ser quase que exclusivamente um representante do getulismo
para se transformar em instrumento de defesa parlamentar de
projetos nacionalistas e reformistas, inclusive os apresentados
por outras legendas partidrias.
Mas a trajetria do partido, apesar de ter, de forma gradativa,
" A bancada do PTB, na Cmara Federal, nas eleies de 1962, aumentou de 66 para 104 deputados. Para o Senado Federal, o partido duplicou a repre-sentao, alcanando o nmero de dez senadores, distribudos pelos seguin-tes estados: Acre, Amazonas, Cear, Minas Gerais, Paraba, Paran, Per-nambuco e Rio de Janeiro. In Israel Beloch e Alzira Abreu. Dicionrio Hist-rico Biogrfico. Rio de Janeiro, Forense/FGV-CPDOC, FINEP, 1984, p. 2608, vol. 3.
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alcanado uma dinmica mais autnoma, jamais deixou de ser influenciada pela ao dos getulistas pragmticos, que aposta-vam na participao dos trabalhadores mas repudiavam o con-f l i to social e, portanto, investiam em uma ao de carter dirigista por parte do Estado. N a verdade, o objetivo do trabalhismo petebista nos seus primeiros anos era tornar visvel a fora dos trabalhadores junto opinio pblica e ao mesmo tempo con-trolar seus possveis arroubos conflitivos. Dessa forma, em 1946 Vargas afirmava:
A evoluo poltica do Brasil se deve processar em ordem, com respeito e disciplina s autoridades. Os trabalhadores no precisam nem precisaro recorrer a greves, porque a bancada trabalhista, na Cmara e no Senado, defender in-transigentemente as frmulas mais prticas para soluo de seus problemas.1 2
Mas, alm da concepo relativa melhor forma de repre-
sentao e participao dos trabalhadores, marcada por u m for-
te t o m paternalista, outras questes conformaram o getulismo
pragmtico, dentre elas destacando-se as relativas ao naciona-
lismo, que simultaneamente traduzia u m projeto econmico e
se constitua em fator de mobilizao popular, e o desenvol-
vimentismo que se projetava tanto como fator de moderniza-
o da economia quanto como u m projeto de distribuio de
riquezas e benefcios sociais.
O nacionalismo trabalhista/petebista, nos primeiros anos de
"Getlio Vargas. Discurso pronunciado em Porto Alegre em 11/11/1946.
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atuao do partido, confundia-se com o nacionalismo varguista, e no segundo governo Vargas (1950-1954), com os projetos econmicos do governo federal. Dessa forma, o PTB e signifi-cativo segmento da populao trabalhadora brasileira naqueles anos se mobilizaram em torno da defesa de projetos governa-mentais, como os referentes implantao de empresas esta-tais, a saber: Companhia Vale do Rio Doce, Petrobras, Eletrobrs e Fbrica Nacional de Motores. Tal objetivo de dotar o pas de uma ampla rede de indstrias de base e de infra-estrutura con-troladas pelo Estado fundia duas concepes: estatismo e naci-onalismo. Na verdade, tais concepes de permanncia do tra-balhismo sobreviveram a Vargas, pois ao final dos anos 50 e no incio dos 60 a concepo de soberania nacional como funda-mento do desenvolvimento econmico e social alcanou gran-de dimenso, animada por um discurso de forte capacidade de agregao social que denunciava, por exemplo, a remessa de lucros para o exterior.
Nessa l inha, ainda em 1951, Vargas j se referia com nfase ao que denominava "criminosa multiplicao do capital estran-geiro, em detrimento do trabalho de milhes de brasileiros.. . ." 1 3
Nos anos que se sucederam a esta afirmativa modelar, o discur-so nacionalista ganhou dimenso especial, ultrapassou as f r o n -teiras dos quadros do PTB e se fundiu a proposies nacionalis-tas defendidas por polticos e mil i tantes f i l iados a outras agremiaes partidrias e organizaes da sociedade c iv i l , cons-tituindo-se em uma verdadeira febre nacional.
"Getlio Vargas. Discurso pronunciado em 31/12/1951. In Schiling, P. Como se coloca a direita no poder. So Paulo, Global, 1979.
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Os primeiros anos do trabalhismo petebista foram substan-
tivos para a arrancada de um projeto trabalhista que se confun-
dia, quela conjuntura, umbilicalmente, com o getulismo e com
o paternalismo e pragmatismo que lhe eram peculiares. U m pro-
jeto que, todavia, nos anos subsequentes, rompeu em parte o
cordo umbilical que o atava a Vargas, adquirindo possibilidade
de vo prprio, ainda que estruturalmente relacionado a seu
criador. O u seja, Getlio Vargas, como acontece com os mitos
de o r i g e m , c o n t i n u o u sendo uma for te referncia para o
trabalhismo, mas novas lideranas afloraram no PTB, algumas
mais intelectual izadas, outras tambm acentadas em u m
pragmatismo reformista. Mas ambas trouxeram contribuio
mpar para um projeto de nao que tinha como mote central e
fundamental proposies de desenvolvimentismo econmico
autnomo, acoplado a programas de desenvolvimento social
distributivista.
O tempo histrico, em sua dinmica processual sucessiva,
agregou o novo ao antigo, atravs de u m movimento de simul-
taneidade e transformao, e o trabalhismo dos primeiros anos
do PTB permaneceu inalterado em alguns de seus aspectos, es-
pecialmente no que se referia s marcas de origem, transmu-
dando-se em outros. Rompeu-se com o domnio exclusivo do
pragmatismo getulista, mas as concepes nacionalistas e desen-
volvimentistas se atualizaram, contribuindo para a conforma-
o do substrato de uma nova conjuntura.
1 8 6
O P O P U L I S M O E SUA H I S T R I A
OS DOUTRINRIOS TRABALHISTAS
A tendncia doutrinria reuniu em seus quadros intelectuais e pro-fissionais liberais, de formao universitria, que objetivavam cons-truir um projeto trabalhista embasado nas seguintes proposies centrais: nacional ismo, p r o x i m i d a d e social-democracia, contraposio ao comunismo, maior identidade com o socialismo reformista, independncia em relao ao aparelho burocrtico do Estado e a projetos personalistas de quaisquer lderes polticos.
Seu principal articulador nos primeiros anos de atuao da tendncia doutrinria e seu maior inspirador f o i o poltico ga-cho Alberto Pasqualini, que se destacou como intelectual org-nico do PTB e como opositor no partido ao excessivo getulismo da agremiao. Tambm dentre seus integrantes se destacaram, a part ir da dcada de 50, Fernando Ferrari, que l iderou u m movimento renovador no trabalhismo, Srgio Magalhes, pol-tico bastante intelectualizado, originrio do antigo estado da Guanabara e de atuao marcadamente nacionalista, e Santiago Dantas, de slida formao jurdica, que ingressou no PTB em 1955, tento adotado, a partir de ento, posies moderadas, mas tambm orientadas por objetivos social-reformistas. 1 4
"Fernando Ferrari foi um poltico menos intelectualizado, mas tanto Pasqualini como Magalhes e Dantas, alm das atividades parlamentares e partidrias, dedicaram-se a escrever textos, que no caso de Pasqualini apresentavam prin-cipalmente sua concepo de trabalhismo, e, no caso de Magalhes, suas idei-as nacionalistas. Dentre os livros de Pasqualini, cabe destacar a compilao de seus artigos e pronunciamentos reunidos sob o ttulo de Bases e sugestes para uma poltica social, que data de 1948. Quanto a Srgio Magalhes, o livro que melhor retrata sua concepo nacionalista Prtica da emancipao nacional, publicado pela Editora Tempo Brasileiro, em 1964. Quanto a Dantas, suas proposies mais expressivas podem ser encontradas in Discursos parla-mentares. Braslia, Cmara dos Deputados, 1983.
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T R A B A L H I S M O . N A C I O N A L I S M O E D E S E N V O L V I M E N T I S M O
Como a tendncia doutrinria gradativamente ganhou mai-
or expresso tanto no PTB como na divulgao do trabalhismo
como u m projeto para o Brasil, reveste-se de especial importn-
cia detalhar seus fundamentos bsicos, que, de forma geral, fo -
ram:
trabalhismo como etapa para o reformismo social, inclusive
para adoo de uma reforma agrria profunda;
manuteno da propriedade pr ivada e do capital ismo,
buscando-se u m fundamento social para ambos;
organizao autnoma dos trabalhadores em torno de u m
projeto de ampla reforma social;
difuso dos princpios trabalhistas j u n t o populao
brasileira, atravs do Partido Trabalhista Brasileiro e de
organizaes da sociedade c iv i l ;
adoo permanente de polticas nacionalistas independentes
de personalismos conjunturais e da orientao subjetiva dos
polticos que ocupem conjunturalmente cargos pblicos.
A anlise das proposies fundadoras do trabalhismo dou-trinrio reporta especialmente ao pensamento de A l b e r t o Pasqualini, gacho de formao jurdica, que atuou por poucos anos na poltica nacional (1945-1955), pois teve morte preco-ce. Todavia, deixou uma marca inexorvel no PTB, especial-mente no que se refere organizao do trabalhismo, no ex-clusivamente sob a forma partidria, mas primordialmente sob a forma de doutrina social. Dessa forma, a discriminao e a interpretao das principais proposies de Pasqualini reves-tem-se de significado especial, pois contribuem no s para a
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O P O P U L I S M O E SUA H I S T R I A
compreenso das inmeras variveis que conformaram o proje-to trabalhista para o Brasil, como tambm para a aferio de sua influncia na vida partidria nacional e na conjuntura do f inal dos anos 50 e incio dos 60 . 1 5
O pensamento de Pasqualini f o i c o n f o r m a d o p o r u m amlgama de proposies buscadas em diferentes correntes de pensamento, dentre as quais se destacam o socialismo reformis-ta que se contraps ao marxismo or todoxo, o trabalhismo i n -gls de H a r o l d Laski, alguns elementos da teoria econmica de Keynes, em especial o que se refere distribuio de renda e ao consumo para incrementar as atividades do capitalismo, e f ina l -mente a Doutr ina Social da Igreja.
De acordo com M i r i a m Diehl Ruas, Pasqualini propunha u m alargamento das funes do Estado, como meio de dinami-zar o sistema capitalista e torn-lo mais justo. O Estado jamais deveria se furtar a assumir funes empresariais, bancrias e de implementador de projetos de utilidade pblica. Deveria, i n -clusive, aplicar recursos pblicos em programas que asseguras-sem o pleno emprego e a prosperidade econmica. 1 6
Quanto Doutr ina Social da Igreja, seu principal aspecto, que em muito influenciou a concepo de Pasqualini, refere-se condenao do "capitalismo individualista" e busca de mai-or justia e igualdade sociais. Citando constantemente a d o u t r i -
"Detalhamento analtico sobre as proposies de Pasqualini pode ser encon-trado em Miguel Bodea. O trabalhismo e o populismo: o caso do Rio Grande do Sul. Dissertao de mestrado em Cincias Sociais. So Paulo, USP, 1984, (mimeo). "Miriam Diehl Ruas. A doutrina trabalhista no Brasil (1945-1964). Porto Alegre, Srgio Antnio Fabris Editor, 1986, p. 29.
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T R A B A L H I S M O , N A C I O N A L I S M O E D E S E N V O L V I M E N T I S M O
na crist de justia social, expressa pela Encclica Rerum N o -
varum do papa Leo X I I I , reafirmava proposies de reforma
do capitalismo, no s para torn-lo menos individualista e mais
justo, mas tambm para que pudesse se constituir como antdo-
to eficaz ao comunismo.
Pode-se sintetizar as proposies de Pasqualini em relao
ao PTB e ao trabalhismo em questes da seguinte natureza: 1 7
distribuio de riquezas, mas principalmente de rendas, para
garantir a eficcia e a justia do capitalismo. Nesse sentido,
a f i rmou:
O capital no deve ser apenas um instrumento produtor de lucro, mas, principalmente, um meio de expanso econmica e de bem-estar coletivo....Trabalhismo e capitalismo solidarista so expresses equivalentes, porque no seu primado se ressal-ta o primado do trabalho na produo e distribuio da r i -queza.
realizao de reforma agrria, com objetivo de redestribuio
da te r ra , para se alcanar m a i o r r e n d i m e n t o social e
estabilidade social;
defesa do salrio justo , como princpio n o r t e a d o r do
trabalhismo;
estabelecimento de u m programa de previdncia social justo
e eficaz, ou seja, as reservas de fundos dos Institutos de
1 7 As ideias de Pasqualini apresentadas no presente texto foram selecionadas de Pasqualini, Alberto. Op. cit., 1948.
1 9 0
0 P O P U L I S M O E SUA H I S T R I A
Previdncia no deveriam ser aplicadas "em empreendimentos
que no tenham carter social";
es tabe lec imento de u m sistema de c r d i t o p o p u l a r
administrado pelo Estado, atravs de bancos estatais, com a
finalidade de organizar o crdito social, ao qual deveriam
ter acesso todos os trabalhadores que fossem investi-lo de
forma produtiva ;
educao poltica do povo para "proporcionar-lhe condies
de raciocnio poltico e autodeterminao";
educao da juventude "nos princpios e em sentimentos de
solidariedade social, pois somente estes princpios podero
assegurar uma organizao social justa";
combate ao capital estrangeiro somente "em seus efeitos
malf icos para a sociedade, pois , q u a n d o o capi ta l
explorador, tanto faz para o trabalhador que seja nacional
ou estrangeiro"; 1 8
implantao de um regime poltico no qual seja possvel
conciliar a mxima liberdade poltica com o mximo de
distr ibuio de riquezas, p r o m o v e n d o - s e p o r t a n t o o
intervencionismo estatal na esfera econmica para se alcanar
o Estado Social Democrtico.
Alm das proposies citadas em Diretrizes fundamentais do trabalhismo brasileiro, Pasqualini apresentou as seguintes idei-as, de teor mais distributivista e estatista do que nacionalista, que segundo ele deveriam orientar a atuao do PTB:
I "Dirio de Notcias de 10/12/1949, p. 38.
1 9 1
T R A B A L H I S M O , N A C I O N A L I S M O E D E S E N V O L V I M E N T I S M O
manuteno de alguns setores da economia nas mos de iniciativa privada. Os outros setores, em especial os referentes s riquezas do subsolo e s fontes de energia, deveriam se manter sob direo do Estado;
constituio de u m fundo social ou de poder aquisitivo que dever ser utilizado para financiamento de cooperativas de bens, de servios e de produo agrcola, moradia para o t r a b a l h a d o r , f i n a n c i a m e n t o de obras e se rv ios de assistncia social, f inanciamento de obras de interesse social;
manuteno e aperfeioamento da legislao trabalhista;
incentivo ao cooperativismo; invest imento pblico em educao, especialmente nas
universidades e escolas oficiais, dentre outros.
O pensamento de Pasqualini influenciou uma ala expressiva do PTB, que enfatizava a necessidade de trabalhistas se empe-nharem na proposio de solues criativas para a questo soci-al. Este mesmo grupo, que pode ser denominado de progra-mtico, criticava o excesso de personalismo da agremiao e os constantes acordos "eleitoreiros" que os getulistas pragmticos sempre articulavam. As diferentes concepes dos dois grupos funcionaram como alimento de constantes conflitos entre eles, e, em 1950, o jornal A Noite noticiava o acirramento das diver-gncias entre "a tendncia socialista, l iderada por A l b e r t o Pasqualini, e a de fundo puramente getulista.. . ."
O confl i to entre os partidrios das duas linhas perdurou, at que, com os acontecimentos que levaram ao suicdio de Vargas e com a expanso de proposies nacionalistas e refor-
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O P O P U L I S M O E SUA H I S T R I A
mistas a part ir da segunda metade dos anos 50, o PTB, atravs de uma nova gerao de polticos reunidos na tendncia prag-mtica reformista, buscou implementar uma soluo de consen-so que abrigasse contribuies tanto da tendncia getulista prag-mtica, quanto da tendncia doutrinria trabalhista. Dessa for-ma, mantiveram a relao de culto ao m i t o de Getlio Vargas e simultaneamente adotaram parte expressiva das propostas de Pasqualini, adaptando-as ao clima da poca, que estava contagi-ado, de forma decidida, por u m discurso e u m imaginrio de forte teor nacionalista.
OS PRAGMTICOS REFORMISTAS
Para se analisar o trabalhismo brasileiro da segunda metade do sculo X X , impe-se considerar alguns fatores inerentes sua constituio e sua trajetria. O u seja, alm de se traduzir em uma proposta para a nao brasileira, o trabalhismo f o i tam-bm, como afirma Jorge Ferreira, u m projeto que contr ibuiu, de forma decisiva, para a configurao de uma identidade cole-tiva da classe trabalhadora. 1 9 Dessa forma, inscreveu-se tanto no campo da representao social de u m tempo peculiar no qual os trabalhadores se identificavam como sujeitos da hist-ria, como se constituiu em uma prtica poltica, institucionalizada pela atuao do PTB.
O trabalhismo como experincia histrica realizou-se atra-
"Veja artigo de Jorge Ferreira, " O nome e a coisa: o populismo na poltica brasileira", nesta coletnea
1 9 3
T R A B A L H I S M O , N A C I O N A L I S M O E D E S E N V O L V I M E N T I S M O
vs de um entrecruzamento de ideias, concepes, proposies e prticas que se converteram em cdigos e signos, fortemente ancorados em um discurso que traduzia as expectativas e pro-posies dos prprios trabalhistas e de expressivo segmento da populao brasileira. Mas efetivou-se, principalmente, por pr-ticas polticas e sociais que amalgamaram realidade seus pro-jetos apresentados sob a forma de discurso. O u seja, o traba-lhismo s alcanou a dimenso e a projeo que marcaram sua histria nos anos 50 e 60, por no apresentar u m discurso des-colado da realidade, mas sim por ter incorporado prtica po-ltica de seus adeptos as proposies que constituam o suporte de seu programa.
Portanto, da juno entre discurso e prtica fo i estabelecida uma dinmica que fez com que, atravs do PTB, que represen-tava a institucionalizao organizativa do trabalhismo, o pro-grama social por ele apresentado ganhasse visibilidade e possi-bilidade de implementao. Na verdade, as lideranas partid-rias regionais e nacionais do PTB, atravs de uma interlocuo e de uma inter-relao efetivas com as bases do part ido, podem ser identificados como os maiores responsveis pela grande po-pularidade e crescimento da agremiao, que, s vsperas do golpe de 64, j era identificada como o partido que mais crescia no pas.
Em decorrncia, a l inha pragmtica reformista que ganhou maior visibilidade, projeo e poder aps a passagem de Jango pelo Ministrio do Trabalho merece u m cuidado analtico es-pec ia l , pois t r a d u z i u o casamento entre as p r o p o s i e s discursivas do trabalhismo doutrinrio e uma prtica poltica que mesclava traos herdados do getulismo e do trabalhismo
1 9 4
O P O P U L I S M O E SUA H I S T R I A
dos primeiros tempos, com uma renovao substantiva do pr-p r i o trabalhismo, que passou a se confundir / fundir com nacio-nalismo, reformismo e projeto de maior autonomia poltica para os trabalhadores.
Como o discurso e a trajetria de Jango podem ser conside-rados paradigmticos do que foi o projeto reformista do "novo trabalhismo", cuidaremos de analisar alguns de seus aspectos, que contribuem para uma melhor compreenso de seu impac-to , tanto no terreno da ao poltica como no da representao social.
Joo Goulart, nascido no Rio Grande do Sul, era originrio de famlia de latifundirios e vinculou-se ao PTB a partir da convivncia com seu conterrneo Getlio Vargas. Sua trajetria poltica, que ganhou dimenso nacional aps uma fase de pre-parao municipal e estadual, sofreu duas influncias decisivas: de Getlio Vargas, principal expoente da tendncia getulista do PTB, e de Alberto Pasqualini, cujas proposies ganharam mai-or difuso exatamente na fase em que Jango ingressou na pol-tica e se consolidou como liderana trabalhista.
Goulart percorreu os caminhos do trabalhismo pelo braos do PTB. Foi ele quem organizou o diretrio do partido em So Borja, sua cidade natal. Em seguida, tambm como represen-tante do PTB, fo i secretrio de Interior e Justia do governo Ernesto Dornel les , no Rio Grande do Sul, presidente do Diretrio Estadual do PTB, presidente nacional do part ido , ministro do Trabalho de Vargas, vice-presidente da Repblica no governo Juscelino Kubitschek e presidente da Repblica en-tre os anos de 1961 e 1964. Na verdade, todo esse caminho consubstanciou-se em uma combinao de ideias e proposies
1 9 S
T R A B A L H I S M O , N A C I O N A L I S M O E D E S E N V O L V I M E N T I S M O
que podem ser consideradas como integrantes de u m trabalhismo social-democrata, o qual se traduziu em uma prtica conforma-da, podemos assim dizer, pelos principais ingredientes do trabalhismo brasileiro de ento: re formismo, nacionalismo, estatismo, assistencialismo e distributivismo.
A passagem de Jango pelo Ministrio do Trabalho marca simbolicamente a entrada em ao da ala reformista pragmtica do PTB. Eusbio Rocha assim traduziu o significado da gesto de Jango no referido ministrio:
A entrada de Joo Goulart para o Ministrio do Trabalho tra-zia implcita a prpria proposta do PTB, no sentido de inte-grar as massas ao sistema de governo. Ou seja, fazer com que realmente os problemas da comunidade trabalhadora fossem examinados e atendidos dentro de um critrio de justia soci-al proposto pelo partido. Da a tentativa de Joo Goulart de dar aos sindicatos maior liberdade, maior organicidade, mai-or participao. Por outro lado, havia tambm um outro ele-mento da postulao trabalhista, que era a ideia de consumo, e, consequentemente, bons salrios compatibilizariam bons lucros. 2 0
A partir do depoimento de Eusbio Rocha, possvel afe-r i r que duas ordens de questes podem ser consideradas quan-to ao que representou a gesto Jango no Ministrio do Traba-lho. De um lado, pode-se deduzir que a concepo que norteava sua atuao ainda era bastante marcada por u m forte pa-
2 0Trecho de depoimento de Eusbio Rocha. In Valentina Rocha Lima. Get-lio, uma histria oral. Rio de Janeiro, Record, 1986. p. 184.
1 9 6
0 P O P U L I S M O E SUA H I S T R I A
ternalismo, pois tratava-se de dar participao aos sindicatos... Por out ro , sua atuao ministerial incorporou elementos da doutr ina trabalhista de Pasqualini, que enfatizava a questo da justia social e do distributivismo salarial. Dessa forma, pode-se considerar que sua administrao ministerial f o i u m m o -mento histrico na trajetria do PTB, pois no s significou uma renovao dos quadros dirigentes do part ido (novos m i l i -tantes chegaram naqueles anos), como tambm representou a a d o o p r e l i m i n a r de uma nova l i n h a de a o para o trabalhismo petebista.
Efetivamente, a trajetria de Jango e dos demais reformistas pragmticos incorporou preocupaes com justia e solidarie-dade social, alm da adoo de princpios nacionalistas, preo-cupaes essas que se tornaram permanentes na atuao do par-t ido a partir de ento.
Quanto s proposies de Jango quando ministro do Traba-lho, vice-presidente e presidente da Repblica que podem ser apontadas como referncias da nova concepo e prtica traba-lhista, destacam-se, entre outras:
C r t i c a aos aspectos " d e s u m a n o s " e a p t r i d a s d o capitalismo. " O capitalismo desumano, de forma e essncia caracteristicamente ant ibrasi le iras , gera trustes e cr ia privilgios, e, no tendo ptria, no hesita em explorar e t r ipudiar sobre a misria do p o v o . " 2 1
Preocupao com o bem-estar social da populao e com a
"Citado por Moniz Bandeira. A presena dos Estados Unidos no Brasil. Rio de Janeiro, Civilizao Brasileira, 1976, p. 350.
1 9 7
T R A B A L H I S M O , N A C I O N A L I S M O E D E S E N V O L V I M E N T I S M O
defesa dos direitos dos trabalhadores: "Defender os direitos
das classes trabalhadoras e os seus anseios legtimos norma
da qual jamais nos afastaremos. O PTB no pode considerar
subversivos nem ilegais movimentos pacficos do povo contra
o alto custo de vida e em favor de seu melhor bem-estar
social ." 2 2
Preocupao com melhor distribuio de renda, preceito j
enfatizado por Pasqualini. Dessa forma, no pronunciamento
retrocitado, afirmava ser necessrio adotarem-se medidas
"tendentes a impedir que uma pequena minoria , nadando
em luxo e na ostentao, continue afrontando a misria de
milhares de brasileiros".
P r o p o s i o de c o m b i n a o de u m a o r d e m p o l t i c a
democrtica com busca de justia social. Assim, no seu
discurso de posse no Ministrio do Trabalho, a f i rmou que o
objetivo maior de sua gesto seria conquistar "uma ordem
social mais justa, sem a mnima quebra das tradies
democrticas". 2 3
Busca de compatibilizao entre o "capitalismo sadio" e a melhoria do nvel de vida dos trabalhadores.
Defesa da atuao e interveno do Estado nas questes sociais e de sua funo como rbitro dos conflitos sociais, ". . . . indispensvel o fortalecimento dos meios de interveno do Estado, que deve ser o rbitro entre as classes sociais." 2 4
"Citado por Moniz Bandeira Goulart e as lutas sociais no Brasil. 1961-1964. Rio de Janeiro, Civilizao Brasileira, 1983, p. 37. "Discurso de posse de Joo Goulart no Ministrio do Trabalho, citado por Jorge Ferreira. In O ministro... Op cit., 1999 (mimeo), p. 8. "Car ta de Joo Goulart a Benedito Valadares 24/04/1959.
1 9 8
O P O P U L I S M O E S U A H I S T R I A
Busca da paz social, atravs de u m desenvolvimento mais humano: "Esta a hora de pedir sacrifcios a quem pode suport-los, em favor de um desenvolvimento mais humano. A paz social ser assegurada se houver melhor distribuio dos frutos do desenvolvimento e dos encargos por ele exigidos." 2 5
Implementao de uma reforma bancria, com criao de bancos estatais destinados a investir no desenvolvimento social e a financiar os trabalhadores: "Indispensvel a criao do Banco Central e, notadamente, do Banco Rural, que vir (...) complementar as medidas de poltica econmica e social destinadas a erguer, em bases slidas, o trabalho do homem do campo." 2 6
Defesa de realizao da reforma agrria, que "uma idia-fora improtelvel", pois "... o papa Joo X X I I I nos ensina (....) que a dignidade da pessoa humana exige, como fundamento natural para a vida, o direito e o uso dos bens da terra, ao que corresponde a obrigao fundamental de conceder uma propriedade para todos" . 2 7
Mas o discurso de J o o Goulart , aqui t raduzido por cita-
es exemplares de suas palavras, no f o i algo desprendido
da realidade de suas administraes frente do Estado. Pelo
c o n t r r i o , t r a d u z i u - s e em a e s e m e d i d a s , de c a r t e r
" J o o Goulart. Mensagem ao Congresso Nacional. Braslia, 1962, p. V I I I . uldem, ibidem, p. VIII . 2 7 Joo Goulart. Comcio de 13/03/1964. Citado por Hlio Silva. 1964- Golpe ou contragolpe. Porto Alegre, LPM, 1978, p. 245.
1 99
T R A B A L H I S M O , N A C I O N A L I S M O E D E S E N V O L V I M E N T I S M O
distr ibut ivis ta , que incorporaram desde aumentos salariais
para os trabalhadores cujo caso exemplar f o i o aumento
do salrio mnimo em 100% quando minis t ro do Trabalho
at a criao de condies para implementao de uma
p r o f u n d a reforma previdenciria, tambm de carter coopta-
t i v o , encampada como bandeira pelo PTB no Congresso N a -
cional e que, ao ser efetivada como l e i , i n c l u i u a real par-
ticipao dos trabalhadores na administrao dos I n s t i t u -
tos de Previdncia Social do pas.
Quando presidente, apesar de ter operado n u m perodo
de crise inst i tucional permanente e de ter enfrentado v i r u -
lenta oposio dos setores conservadores, Jango t o m o u uma
srie de medidas que t raduzem o m o d e l o pragmtico do
trabalhismo reformista. Dentre elas, destacam-se, p o r exem-
plo , as seguintes: aprovao da Reforma Tributria, que trouxe
benefcios para as empresas nacionais; f ixao de uma polti-
ca de preos mnimos para a agricultura ; criao do f u n d o
Federal Agropecurio; criao da Superintendncia de Pol-
tica Agrria; instituio do Conselho Nacional de Reforma
Agrria; implantao da Superintendncia Nac ional de Abas-
tecimento, com o objetivo de fazer escoar a produo agr-
cola e "de distr ibuir a preos justos os produtos agrcolas
para a populao brasileira" ; adoo de uma poltica nacio-
nalista de explorao de minrios; elaborao de u m Plano
Nacional de Educao, que objetivava ampliar o atendimen-
to educacional da rede pblica de ensino; aprovao da Pol-
tica Nacional de Energia Nuclear ; aprovao da Le i de Re-
messa de Lucros para o exter ior ; extenso dos benefcios da
200
O P O P U L I S M O E SUA H I S T R I A
Previdncia Social aos trabalhadores rurais ; obrigatoriedade
de todas as empresas com mais de cem empregados de p r o -
porc ionarem ensino elementar aos seus empregados; envio
ao Congresso Nacional de Mensagem que concedia ao f u n c i -
onalismo pblico o dcimo terceiro salrio; decreto determi-
nando a completa reviso de todas a concesses governamen-
tais das jazidas minerais para grupos estrangeiros; criao da
Eletrobrs; tabelamento dos leos lubrificantes vendidos pela
Esso e pela Shell , quebrando o domnio das duas d i s t r i b u i d o -
ras sobre o mercado brasi le iro . . . 2 8
Essa pequena relao de algumas das medidas adotadas por
Joo Goulart quando presidente da Repblica no incorporou
todas a iniciativas do governante, mas suficiente, em seu car-
ter exemplar, para referendar a concluso de que o trabalhismo
pragmtico reformista, ao qual Goulart se f i l i o u , sustentava-se
tanto no getulismo especialmente no que toca ao nacionalis-
m o e ao aperfeioamento e ampliao das leis trabalhistas
quanto no trabalhismo doutrinrio, particularmente no tocante
ao distributivismo social.
O impacto das referidas medidas, que t raduz i ram uma
concretizao pragmtica da representao simultnea de sobe-
rania nacional, de estatismo, de dirigismo, de paternalismo e de
justia social expressa e corroborada pelos pronunciamentos dos
"Anlise rigorosa sobre o governo Joo Goulart, da qual parte das informa-es citadas foi retirada, pode ser encontrada In Fdua Gustin. Parlamenta-rismo e superao de dissensos: A experincia do governo Joo Goulart. Belo Horizonte, U F M G , 1996, dissertao de mestrado (mimeo).
2 0 1
T R A B A L H I S M O , N A C I O N A L I S M O E D E S E N V O L V I M E N T I S M O
inmeros petebistas que se fi l iaram a tal tendncia, alcana uma
dimenso inequvoca de definio das marcas simblicas e per-
manentes peculiares a u m tempo histrico especfico: o tempo
no qual o trabalhismo correspondeu a u m efetivo projeto naci-
onal de desenvolvimento econmico e social.
O tempo do trabalhismo fo i marcado por ambiguidades e
c o n t r a d i e s . S i g n i f i c o u p a r a d o x a l m e n t e d i r i g i s m o ,
paternalismo e potencial de autonomia para sujeitos histri-
cos, como o eram os trabalhadores brasileiros. Foi marcado
pelo personalismo de seus lderes, mas acalentou propos i -
es cooperativistas e coletivistas. Signif icou busca de aper-
fe ioamento do capi ta l i smo, buscando humaniz- lo para
refor-lo, mas tambm representou alguma possibilidade de
aproximao com o socialismo reformista . Traduziu repdio
luta de classes, mas ao mesmo tempo acabou por incentivar
reivindicaes de forte teor c o n f l i t i v o por parte dos traba-
lhadores.
Mas, independentemente de tais paradoxos, no de ixou
de se traduzir em u m programa cujo pr inc ipa l ingrediente
era a crena na resoluo dos problemas sociais do pas, na
superao do subdesenvolvimento que assolava a economia
brasileira e na construo de uma nao mais soberana. Tudo
isto a ser alcanado por u m processo pacifista, o u seja, pela
via legal do reformismo. Se tal proposio era utpica o u
mesmo contraditria, no deixou de ser marcada por uma
forte generosidade e solidariedade social, inimaginveis no
tempo presente, marcado por u m o u t r o signo: o do i n d i v i -
dualismo compulsivo. Dessa forma, o que f o i o substrato e a
202
O P O P U L I S M O E SUA H I S T R I A
essncia de u m tempo hoje injustamente apresentado o u
como u m pro jeto ext ico, ultrapassado j em sua prpria
poca, ou mesmo como u m sonho irreal p e r d i d o nas brumas
da Histria.
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