Para Reinventar as Rodas

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PARAREINVENTAR AS RODASMaria Lcia M. Afonso Flvia Lemos Abade

REDE DE CIDADANIA MATEUS AFONSO MEDEIROS - RECIMAM Belo Horizonte, 2008

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@ 2008 Rede de Cidadania Mateus Afonso Medeiros. permitida a reproduo total ou parcial desta obra desde que sem objetivos comerciais e com a citao integral da fonte.

1a edio eletrnica 2008 Editor responsvel: Maria Lcia Miranda Afonso Reviso: Suzana Afonso do Rosrio Diagramao: Vanessa Santos

FICHA CATALOGRFICA Afonso, Maria Lcia M. & Abade, Flvia Para reinventar as Rodas / Lcia Afonso & Flvia Lemos Abade. Belo Horizonte: Rede de Cidadania Mateus Afonso Medeiros (RECIMAM), 2008. Publicao eletrnica. 1. Direitos Humanos 2. Interveno Psicossocial 3. Rodas de Conversa 4. Processos de grupo I. Afonso, Lcia II. Abade, Flvia Lemos CDD- 302.3

ndice para catlogo sistemtico: 1. Direitos Humanos 2. Interveno Psicossocial

3. Rodas de Conversa

Impresso eletrnica feita no Brasil E-book Brazil

Reservados todos os direitos de publicao em lngua portuguesa Rede de Cidadania Mateus Afonso Medeiros (RECIMAM). [email protected]

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Para Mateus

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SUMRIO

Apresentao............................................................ 05

1. Educao em Direitos Humanos a construo de uma prtica............07

2. Rodas de Conversa.....................................................18

2.1. Vamos entrar na Roda? A metodologia das Rodas de Conversa...........19 2.2. Nossas Rodas exemplos de trabalhos desenvolvidos..................40 2.3. Vai dar samba? Lies Aprendidas....................................63

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APRESENTAOA REDE DE CIDADANIA MATEUS AFONSO MEDEIROS (RECIMAM) uma organizao no-governamental, sem fins lucrativos, com a finalidade de apoiar e de desenvolver aes para a defesa e a promoo dos direitos humanos, da cidadania e da incluso social, atravs de atividades de consultoria, educao e atendimento tcnico-profissional. Foi criada para dar continuidade ao trabalho de Mateus Afonso Medeiros, advogado militante na rea de Direitos Humanos e Cidadania, membro da Comisso Nacional de Direitos Humanos. Em 30 de janeiro de 2005, um atropelamento tirou-lhe violentamente a vida. No esprito de resgatar a sua luta, a RECIMAM elegeu o dia 27 de setembro, aniversrio de nascimento de Mateus, como uma data a ser celebrada com produes na rea de Direitos Humanos. Neste 27 de setembro de 2008, estamos fazendo uma publicao eletrnica, de acesso livre e gratuito na internet, com os resultados do nosso trabalho no Projeto Rodas de Conversa, desenvolvido na RECIMAM, ao longo de 2007. O Projeto Rodas de Conversa visou oferecer comunidade a discusso de temas vinculados Cidadania e aos Direitos Humanos, atravs de uma metodologia participativa que promovesse o dilogo e a reflexo sobre tais temas no contexto de vida dos sujeitos. As solicitaes para as Rodas de Conversa eram feitas por grupos ou entidades interessadas. A partir da, procurvamos melhor conhecer a demanda que nos era feita com vistas a planejar e a realizar as Rodas no espao da entidade solicitante. As Rodas eram oferecidas gratuitamente. Os temas abordados foram: Cidadania e direitos humanos; Gnero e direitos humanos; Trabalho, cidadania e direitos humanos; Direitos de cidadania e ciclos de vida (infncia, adolescncia, idade adulta e terceira idade); Etnia, raa e direitos humanos; Estigmas e preconceitos sociais: como reconhecer e combater. Estes temas eram adaptados s demandas dos grupos com quem realizamos as Rodas, podendo ser abordados de forma mais geral ou especfica. O projeto foi coordenado por Lcia Afonso (Presidente da RECIMAM, Psicloga e Doutora em educao) e Flvia Lemos Abade (Psicloga, Mestre em Psicologia, voluntria na RECIMAM), que tambm deram superviso semanal s voluntrias que desenvolviam as Rodas de Conversa. Carolina Marra Simes Coelho colaborou conosco em algumas destas supervises. Para a realizao das Rodas de Conversa, contamos com a participao de voluntrias: Adriana de S Souza; Ana Carla Miranda Martins; Ana Carolina Ferreira Ribeiro, Ana Lusa Esteves de Moraes, Ana Rita Siqueira; Clarisse Carvalho Leo Machado; Cleyde Maria Lara Vieira; Dalcira Pereira Ferro; Eva Lcia Lucindo Fernandes; Letcia Aparecida de Oliveira Marques; Michele Costa e Nanoei Abeb de Borba Oliveira.

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A presente publicao, intitulada Para Reinventar as Rodas est dividida em duas partes. Na primeira parte, apresentado o texto Educao em Direitos Humanos - a construo de uma prtica, que discute a elaborao de projetos educativos em Direitos Humanos. Na segunda parte, apresentamos a metodologia que desenvolvemos em nosso projeto Rodas de Conversa e inclumos diversos exemplos de Rodas realizadas. O Laboratrio de Pesquisas e Prticas Psicossociais (LAPIP) da Universidade Federal de So Joo del Rei (UFSJ) acolheu o texto em seu site: http://gabi.ufsj.edu.br/Pagina/lapip. Com este trabalho, desejamos contribuir para a construo de uma cultura de promoo da Cidadania e dos Direitos Humanos, oferecendo um instrumental til para todos aqueles que trabalham nesta rea. O ttulo expressa nossa inteno. A luta pela dignidade humana remonta s origens da humanidade. Sim, a roda j foi inventada. Porm, por uma dialtica que tambm prpria do ser humano, somos provocados a reinvent-la nos trabalhos e nos dias. O mesmo pode ser dito das metodologias participativas, que so muito mais antigas do que podemos imaginar, tais como oficinas e Rodas de Conversa. E, no entanto, somos levadas a rev-las e reinvent-las para responder s nossas questes atuais. Agradecemos a todos aqueles que contriburam para que esse trabalho pudesse ser realizado.

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EDUCAO EM DIREITOS HUMANOS____________________________A CONSTRUO DE UMA PRTICA

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EDUCAO EM DIREITOS HUMANOS:A CONSTRUO DE UMA PRTICA 1Maria Lcia M. Afonso2 Flvia Lemos Abade3

Em 2006, um comit composto pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Ministrio da Educao, Ministrio da Justia, UNESCO e representantes da Sociedade Civil elaborou um Plano Nacional de Educao em Direitos Humanos (PNEDH), aprovado pela Presidncia da Repblica no mesmo ano. As propostas apresentadas priorizaram alguns setores da sociedade, nomeadamente os diferentes nveis de educao formal, a educao informal, os setores de segurana pblica e justia, e a mdia. A existncia de um Plano Nacional d educao em direitos humanos nova visibilidade, abrindo espao para a elaborao de projetos variados nos mais diferentes contextos. Considerando a pertinncia do momento, o presente artigo se prope a discutir algumas diretrizes metodolgicas e estratgias pedaggicas para projetos de educao em direitos humanos. Trata-se de um esforo de dar sentido s palavras, refletindo sobre as possibilidades da ao pedaggica e buscando ancor-la em seu contexto social e cultural.

O Plano Nacional de Educao em Direitos Humanos: Princpios e DimensesA Educao em Direitos Humanos4 compreendida no Plano como um processo sistemtico, que articula muitas dimenses. Em primeiro lugar, importante difundir a informao sobre os direitos humanos, promovendo a apropriao do conhecimento construdo ao longo da histria e sempre1

Texto publicado originalmente em como AFONSO, M.L.M. e ABADE, F.L. Educao em Direitos Humanos: a construo de uma prtica. Caderno Comemorativo dos 60 anos da Declarao Universal dos Direitos Humanos e dos 20 anos da Constituio Federal de 1988. Coordenadoria Municipal de Direitos Humanos, Secretaria Municipal Adjunta de Direitos de Cidadania, Prefeitura de Belo Horizonte, 2007. Agradecemos Coordenadoria Municipal de Direitos Humanos, de Belo Horizonte, na pessoa da coordenadora Andra Carmona, a gentileza de permitir a reproduo do texto nesta publicao. 2 Psicloga social e clnica, Doutora em Educao, professora aposentada da UFMG, presidente da Rede de Cidadania Mateus Afonso Medeiros (RECIMAM) e consultora para programas sociais. 3 Psicloga social e clnica, Mestre em Psicologia Social, co-coordenadora do projeto Roda de Conversa na Rede de Cidadania Mateus Afonso Medeiros (RECIMAM) e consultora para programas sociais. 4 Dada a exigidade de espao, o presente artigo no aprofunda o tema dos Direitos Humanos, limitando-se discusso metodolgica da Educao em Direitos Humanos, com proposio de diretrizes e estratgias apropriadas para as diversas abordagens que se apiam na dignidade e na liberdade da pessoa humana.

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observando os seus contextos de existncia. Mas a informao sozinha vazia de sentidos. preciso saber aplic-la. A difuso de informao deve ser, portanto, acompanhada da valorizao de uma cultura dos direitos humanos, em toda a sua diversidade. Em segundo lugar, para o PNEDH, fundamental que a educao em direitos humanos proporcione uma reflexo sobre valores, atitudes e prticas sociais relacionados cultura dos direitos humanos. Esta reflexo ser a base para uma conscincia cidad, que o terceiro grande objetivo. Do ponto de vista cognitivo, isto significa que, alm de ter acesso informao, os educandos devem se fazer capazes de lhe atribuir sentido e de agir com base neste conhecimento. Ou seja, este conhecimento est associado a um investimento na qualidade e na potencialidade dos vnculos sociais, reafirmando a tica da cidadania, da justia social e da democracia. Em relao postura pedaggica, o PNEDH orienta para a adoo de processos metodolgicos participativos, de construo coletiva, com linguagens e materiais didticos que promovam os valores, as atitudes, as aes, as estratgias e os instrumentos em favor da defesa, da promoo e ampliao dos direitos humanos. Uma vez aceitas estas diretrizes, interessante se perguntar como organizar e desenvolver projetos e aes educativas nas quais e pelas quais os educandos possam se perceber como cidados e sujeitos de direitos.

Projetos de Educao em Direitos Humanos: flexibilidade e dilogo 5Ao se fazer um projeto educativo na rea de direitos humanos, deve-se levar em considerao os objetivos desejados, o pblico envolvido, as temticas a serem abordadas e os mtodos mais adequados para desenvolver o projeto. O avano na concepo dos Direitos Humanos e a sua ampliao para diversos mbitos da vida social resultaram na ampliao do pblico potencialmente interessado na educao em Direitos Humanos. Todos os seres humanos, nos mais variados contextos, com as mais diversas caractersticas, tm, em princpio, o interesse e o direito informao e reflexo sobre Direitos Humanos, fortalecendo a sua conscincia e o seu exerccio da cidadania. Assim, projetos de educao em DH podem ser desenvolvidos em escolas, em abrigos, em empresas, em penitencirias, em comunidades abertas, em movimentos sociais, em projetos de sade mental, entre outros. A definio dos objetivos de um projeto educativo em direitos humanos deve ser feita com flexibilidade, pois no se trata de um contedo escolar da mesma natureza que outros contedos, para os quais existem requisitos mnimos e conhecimentos que precisam ser desenvolvidos em uma seqncia lgica, como a matemtica ou a fsica. O contedo, a linguagem e os materiais educativos devem ser adequados s caractersticas dos projetos e5

A presente concepo de educao dialgica est baseada em Freire (1976; 1977; 1994 e 2003) e em Pichon-Rivire (1988).

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dos prprios educandos (tais como a sua faixa etria ou nvel de escolarizao) e podem ser organizados de maneiras variadas para responder s demandas e interesses destes educandos. Assim, um projeto pode comear com o tema dos direitos dos idosos, enquanto um outro parte dos direitos sexuais e reprodutivos. O nvel de aprofundamento depender tambm do avano dos prprios educandos que no devero ser estimulados a alcanar um objetivo pr-determinado, mas a se auto-avaliar a fim de identificar quais eram os seus conhecimentos anteriores e o que aprenderam no projeto de educao em direitos humanos, bem como refletir sobre a contribuio desse aprendizado para o seu desenvolvimento como cidados. Os educadores que se responsabilizam por projetos de educao em direitos humanos devero buscar fundamentao para o seu trabalho, buscando introduzir algumas noes6 bsicas em suas aes educativas. A primeira destas noes o conceito de Direitos Humanos como direitos fundamentais7 e a sua expanso, ao longo da histria, para abranger direitos civis, polticos, econmicos, sociais e culturais. De grande importncia tambm abordar os princpios que ajudam a definir o que so os direitos humanos, a partir das caractersticas de universalidade, indivisibilidade e 8 interdependncia dos direitos, fundados que esto nos valores da dignidade e da liberdade da pessoa humana, em todos os contextos. Porm, preciso lembrar que se os educadores dedicados a projetos de educao em direitos humanos devem buscar conhecer e refletir continuamente sobre o tema, seria invivel, na realidade brasileira, pensar nestes educadores como grandes especialistas. Muitos projetos se dedicam a difundir a cultura dos direitos humanos em nvel local, sendo voltados para os mais variados pblicos e contextos, inclusive a partir de suas necessidades mais bsicas. Assim, a complexidade das questes no deve desencorajar os sujeitos que se implicam nas aes educativas. Pelo contrrio, ser potencializando o debate na sociedade brasileira, fazendo circular as idias e criando espaos para a reflexo, que os direitos humanos se tornaro cada vez mais um tema apropriado por aqueles que a eles se referem: todos ns, pessoas humanas e cidados. Portanto, o mais importante perceber como a informao e a reflexo sobre direitos humanos esto profundamente vinculadas ao contexto de vida do educando. Por exemplo, enquanto os grupos de adolescentes podem se6

Falamos aqui em noes, como uma forma mais bsica de se acercar da questo dos Direitos Humanos. A discusso filosfica sobre os Direitos Humanos hoje muito rica, envolvendo diferentes pontos de vista e conceitos. Para uma discusso sobre o conceito de direitos humanos ver, entre outros, Mazzuoli (2001) e Schiefer (2004). 7 Compreender tais direitos como fundamentais significa que eles no podem ser considerados como uma concesso do Estado. So direitos proclamados (e no concedidos) na Declarao Universal dos Direitos Humanos de 1948. Assim, cada pessoa, portanto, deve ter a possibilidade de exigir que a sociedade e todas as demais pessoas respeitem sua dignidade e garantam os meios de atendimento das suas necessidades bsicas. (Schiefer, 2004). 8 A universalidade implica o reconhecimento de que todos os indivduos tm direitos pelo mero fato de sua humanidade. A indivisibilidade implica na percepo de que a dignidade humana no pode ser buscada apenas pela satisfao de direitos civis e polticos, tais como os direitos liberdade de expresso, liberdade de ir e vir, o direito ao voto, os direitos econmicos, sociais e culturais, o direito educao, o direito alimentao e moradia. A interdependncia aponta para o fato de que a efetividade de um tipo de direito (por exemplo, os direitos sociais) depende da efetividade dos outros tipos de direitos (por exemplo, os direitos polticos e civis) (GERE COOPERAO EM ADVOCACY, 2006).

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interessar em conhecer os direitos referentes sexualidade e ao trabalho, os grupos de idosos podem estar mais envolvidos com a discusso sobre os benefcios a que tm direito como cidados da terceira idade. Isto no os impede, claro, de ampliar a sua viso para conhecer os direitos nos diferentes ciclos da vida e para os diferentes grupos sociais. Mas este interesse ser despertado medida que a sua percepo dos direitos se amplia. Os projetos devem ser construdos considerando a especificidade dos educandos e, preferencialmente, construdos com estes, a partir dos seus interesses explicitados. Os educadores trataro de motivar e potencializar esses interesses iniciais para ampliar os horizontes dos educandos, problematizando as questes colocadas e indicando novos desafios para o conhecimento e a reflexo. As formas de avaliao tambm devero ser adaptadas a este processo participativo, dando preferncia valorizao da produo do grupo e s formas de reconhecimento desta produo ao invs de sanes sobre a aprendizagem. Assim, um projeto de educao em direitos humanos pode abranger temas como direitos da infncia e da adolescncia, direitos da mulher e do homem, direitos civis e polticos, direitos sociais, etc.. So temas que se encontram para montar um grande quebra-cabea. A figura integral do quebracabea a dos Direitos Humanos. Cada pecinha fundamental neste desenho e se encaixa nas outras de maneira singular. Diferenas que se unem para mostrar um cenrio de encontros, desencontros, tenso e cooperao. Os Direitos Humanos so definidos atravs de um processo histrico, continuamente em movimento. Finalmente, preciso demarcar outra questo essencial: uma educao em direitos humanos deveria, o mais plenamente possvel, abarcar o conhecimento dos meios para buscar a realizao desses direitos. Por exemplo, no basta saber que as crianas tm o direito educao. preciso conhecer como esse direito garantido. Como as crianas e suas famlias podem fazer valer este direito. Que sanes existem caso este direito seja violado. E assim por diante. Ou seja, uma educao em direitos humanos deve capacitar o sujeito no apenas para conhecer mas tambm para exercer os seus direitos dentro de um contexto, onde encontra possibilidades e limites. A educao em direitos humanos uma educao para a cidadania, indo alm dos aspectos formais e legais e baseando-se no respeito dignidade e s potencialidades humanas. Os direitos humanos e a cidadania so uma construo social e histrica. Difundir uma cultura dos direitos humanos s possvel com a sua apropriao e reinveno por estes mesmos sujeitos, humanos e cidados.

Educadores histrica

e

educandos:

Parceiros

de

uma

jornada

Busca-se uma educao onde os contedos so construdos junto com os educandos, desde o primeiro dia. Mas isto no significa que o educador deva

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chegar de mos vazias. Certamente, os conhecimentos j construdos em torno dos Direitos Humanos so tomados como referncia e constituem uma matriz de possibilidades. Essa matriz como um continente que contm muitos caminhos e recantos. O conhecimento como um grande continente. Traando mapas e escolhendo roteiros educadores e educandos se apropriam deste continente, dele fazendo sua morada. So, ao mesmo tempo, guias e desbravadores que escrevem o seu prprio dirio de viagem. O educador se prepara estudando esta matriz de possibilidades que o conhecimento j construdo. Conversando com os educandos, levanta os interesses e o nvel de informao destes. Escuta e prope temas para serem trabalhados. Por exemplo, se um grupo de jovens deseja conhecer os direitos sexuais e reprodutivos, este assunto poder entrar na discusso, sendo programado para um dia especfico, no qual haver tempo para buscar fundamento na legislao, materiais educativos diversos, recortes de jornal, e outros recursos. Tcnicas de dinmica de grupo ajudaro a motivar as pessoas e a promover a comunicao de maneira ldica e organizada. De fato, a educao em Direitos Humanos deve se ancorar em questes pensadas e vividas pelos educandos, em uma relao de dilogo, de onde novos sentidos podem surgir. Mas conversa vai, conversa vem e muitos educadores se perguntam como desenvolver junto aos educandos esta metodologia de dilogo e participao9. De maneira resumida, so aqui apresentados trs momentos importantes do processo educativo baseado em participao e reflexo:

1) Sensibilizao e MobilizaoSensibilizar no significa fazer uma preleo inicial para demonstrar a importncia do que se vai fazer. Se isto pode fortalecer os argumentos racionais, ter pouco impacto sobre as dificuldades de concentrao e focalizao. Na sensibilizao busca-se escutar os educandos sobre situaes de sua vida, vivncias boas ou sofridas, que lhes despertaram questes pertinentes aos direitos humanos e cidadania e, a partir da, recuperar estas questes para serem trabalhadas na situao educativa. Podem ser usados recursos diversos, tais como uma conversa inicial, uma brincadeira, um jogo, uma letra de msica ou uma tcnica de dinmica de grupo. A sensibilizao ter como efeito mobilizar lembranas, sentimentos e idias. Se for feita de maneira compartilhada no grupo, ter melhores resultados. O educador no deve ter pressa para concluir a mensagem que deseja transmitir. Trabalhar no ritmo da compreenso do educando, procurando acompanh-lo ao prximo passo, onde comunicao e problematizao andam juntas. Neste momento, a maior preocupao do educador no com raciocinar, produzir e concluir. Pelo contrrio, este o momento de acolher, escutar, incentivar e criar um clima de confiana. Se o grupo mostrar dificuldades de concentrao atravs da9

Na elaborao desta parte foram utilizadas as referncias de Abade et al. (2007); Afonso (2006) e Afonso (2002) e, ainda, Cardoso & Paranhos in Avritzer (2006), Candau (2003) e Serro & Boleeiro (1999). Ver exemplos de oficinas temticas em direitos humanos em http://www.dhnet.org.br/dados/oficinas/dh/br/pb/oficinas_pb/index.html.

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baguna e do negativismo, o educador pode colocar regras e limites, de maneira clara, desde que tome muito cuidado para no desvalorizar a pessoa dos educandos. Ou seja, a cada regra para limitar as formas indesejveis de atuao no grupo, deve-se reafirmar a regra que favorece a participao. Nenhum educando deve ser obrigado a participar de tcnicas de interao para as quais no se sente disponvel. Isto s aumentar a sua ansiedade e criar a necessidade de oposio ao educador. Deve-se apenas pedir-lhe que no atrapalhe os outros, sempre mantendo aberta a possibilidade de sua participao.

2) Comunicao, Problematizao e ReflexoPor tudo o que j foi dito acima, a Educao em Direitos Humanos ser mais bem desenvolvida se criar um espao para que as pessoas possam desenvolver uma reflexo coletiva sobre a cidadania e sobre os seus direitos. Esperar que esta comunicao ficasse apenas entre o educador e o educando se apoiar em uma viso muito restrita do processo educativo quando a questo a ser abordada diz respeito prpria vida dos educandos. Assim, depois do momento inicial de sensibilizao, os educandos precisam fazer um esforo para compreender a prpria experincia de uma maneira mais ampla, ou seja, de partir do seu caso pessoal para pensar uma questo que diz respeito ao ser humano e aos cidados em sua sociedade. Ou seja, da experincia de cada um, ser feita a problematizao a escolha de questes para discusso e uma reflexo sobre os diversos aspectos envolvidos nestas questes. Entretanto, esse esforo muito difcil de se fazer solitariamente. A troca de experincias no grupo pode colaborar para que o educando assuma uma postura mais ativa ao analisar a sua experincia. Vendo que no o nico a ter determinadas vivncias, comparando a sua experincia e a dos outros, escutando aquilo que outros j pensaram, conhecendo as semelhanas e diferenas de pontos de vista no grupo, o educando se tornar mais flexvel, desenvolver novas referncias para pensar a sua experincia, perceber diferentes possibilidades de anlise e avaliar diferentes formas de enfrentamento dos problemas. Afinal, se conversando que a gente se entende, tambm possvel dizer que se entendendo (entendendo a ns mesmos) que a gente conversa! claro que nem sempre os educandos chegam a estes resultados sozinhos. preciso o incentivo do educador, a sua orientao e a sua cooperao. Isto pode se d quando o educador estimula o grupo com perguntas, observa pontos importantes que foram tocados na discusso, sugere caminhos para o pensamento, esclarece dvidas, oferece informaes, sistematiza os pontos de vista, enfim, promove, d suporte e ajuda a direcionar a discusso para as questes relevantes em Direitos Humanos e Cidadania. Este o momento ideal para introduzir informaes de maneira dinmica e associada s preocupaes do grupo de educandos. Mas no roube a cena dando uma aula e se esquecendo que h um processo coletivo acontecendo. Busque entremear as informaes que voc trouxe quelas que o grupo est levantando, ou s questes que ele vai trazendo.

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Pode-se utilizar tcnicas variadas como uma dramatizao, um grande painel, a diviso dos educandos em pequenos grupos que so reagrupados em um grupo maior no momento de se apresentar concluses, ou outras. Pode-se tambm utilizar a discusso de casos reais ou fictcios, a discusso de textos tericos (dentro do nvel de informao do grupo de educandos), de letras de msica, peas de literatura. Pode-se utilizar notcias de jornais para a discusso de casos em pequenos grupos e a proposio de solues. So muitas as possibilidades. Em todas elas, importante trabalhar com a postura democrtica de escutar os educandos e favorecer a sua participao bem como de acolhimento e criao de um clima de confiana.

3) Sistematizao e operacionalizao importante que se reserve um tempo ao final da discusso para que algumas sistematizaes sejam feitas e, junto com elas, tambm possam ser oferecidas orientaes para possveis aes ou posturas. Compreender e interpretar o mundo so processos que envolvem tanto uma dimenso scio-cognitiva (operar com os conceitos que aprendemos em sociedade) quanto scio-afetiva (operar com os valores, relaes e afetos que desenvolvemos em nossas interaes interpessoais e sociais). O entendimento do mundo exige, portanto, uma interpretao que envolve no apenas o nosso raciocnio lgico mas tambm os nossos sentimentos e o nosso estar no mundo. A reflexo sobre os direitos humanos tem um impacto sobre a nossa percepo de ns mesmos como cidados e nos coloca diante de questes para as quais temos que procurar respostas e buscar formas de relacionar e de agir em sociedade. Assim, sistematizar as discusses do dia muito mais do que fazer um resumo das idias que foram abordadas. preciso no banalizar as concluses. Muitas delas podem ser lgicas e fceis do ponto de vista da teoria, mas podem ser muito difceis de se encarar dentro do contexto de vida dos educandos. preciso, ento, tambm sistematizar as dvidas que foram levantadas, os receios, as diferenas de pontos de vista, os problemas desvelados, e tudo o mais que aconteceu na discusso. A sistematizao no o momento de se esquecer do processo de grupo e apresentar um contedo fechado e pronto. A sistematizao o momento de se resumir o que o grupo viveu, pensou, duvidou, props e cresceu! tambm um momento de crescimento para o educador, que dali tirar novas idias para dar continuidade ao seu trabalho educativo. Sugerimos que o educador siga estes trs momentos do processo educativo nos mais diversos projetos. Projetos breves ou de longa durao, com pequenos ou com grandes grupos, em instituies ou em comunidades. A intensidade, a durao, a profundidade e a alternncia desses momentos poder variar em cada projeto. Oficinas, circuitos culturais, grupos de produo, salas de aula, feiras e praas, dentre outros, so palcos possveis para a cena educativa. H que se preparar, investir, organizar, equilibrar os recursos e as estratgias, mas, fundamentalmente, o que faz a cena educativa se desenrolar so os seus atores principais: educadores e educandos, envolvidos em uma relao de dilogo e crescimento mtuo.

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Encontros e desencontros previsveisOs princpios e estratgias expostos neste texto podem transmitir uma imagem falsa de que projetos educativos em direitos humanos sero sempre desenvolvidos em um clima de cooperao e serenidade por parte dos educandos, que veriam os seus interesses respondidos pelos contedos oferecidos e pelas metodologias participativas. Assim, algumas consideraes finais se tornam necessrias para limitar a viso romntica e buscar enraizar as aes educativas na realidade da nossa populao, em especial, daqueles grupos que vivem situaes diversas de excluso, violncia e estigma social. Consideremos, em primeiro lugar, que o fortalecimento da cidadania no uma conseqncia imediata e direta da difuso de informao. Da parte dos educandos, podem existir dificuldades para compreender e reter a informao, interpret-la e aplic-la. Da parte do contexto social, podem existir mecanismos e processos que impedem os educandos de fazer valer o seu conhecimento, restringindo as suas possibilidades de ao como cidados. No raramente a realidade to dura que os educandos mostram dificuldades para compreender a importncia de algumas discusses, ou at mesmo para dar foco a elas. Por exemplo, adolescentes em uma comunidade com altos ndices de violncia e poucos recursos sociais podem achar muito difcil discutir um projeto de vida, pois isto lhes ser penoso e at mesmo parecer irreal, mesmo que esta discusso seja necessria para que se fortaleam e construam sadas diante de suas condies de vida (desde que com o apoio social). Numa situao como esta, o educando pode reagir, inicialmente, com uma atitude de desordem, descrena, desateno. No eficaz que o educador se ponha a pedir ordem. prefervel ouvir o que os educandos tm a dizer sobre a sua dificuldade de executar as tarefas solicitadas. O educador deve ficar atento para a existncia das dificuldades e conflitos presentes na cena educativa. H que se superar uma viso romntica e buscar desenvolver o dilogo sem deixar de analisar os conflitos e as resistncias que vo aparecendo ao longo da jornada. preciso questionar uma postura ingnua do educador que pressupe que a reflexo, especialmente relativa s questes da vida do educando, seja um mero produto de um raciocnio lgico e puro. Existem fatores de ordem social e subjetiva que interferem no processo educativo, que facilitam ou dificultam o desenvolvimento da ao educativa10. O educador deve ter em mente que aquilo que ele acredita ser o funcionamento ideal ou o rendimento ideal do grupo de educandos nem sempre est de acordo com aquilo que os educandos realizam ou podem realizar em determinado momento. s vezes, um avano que parece pequeno aos olhos do educador significa um grande passo para o educando. preciso escutar as dificuldades, incentivar os educandos a enfrent-las, procurar10

A esse respeito, Pichon-Rivire (1988) oferece uma anlise da importncia do sentimento de pertencimento ao grupo e dos processos de comunicao para o desenvolvimento da aprendizagem no grupo de educandos.

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criar mecanismos que facilitem a aprendizagem e a criatividade, e avaliar levando em conta os avanos percebidos atravs da ao educativa e no contexto educativo. O papel do educador em direitos humanos o de um co-construtor. Ele transmite um conhecimento j produzido na histria da humanidade, mas abre as portas para que este conhecimento seja enriquecido pela experincia e reflexo. Incentiva a aprendizagem e, ao mesmo tempo, apia o educando na busca de uma interpretao do mundo que seja coerente com os princpios dos direitos humanos e com a dignidade da pessoa humana.

RefernciasABADE, Flvia et al. Direitos Humanos nas Rodas de Conversa: uma estratgia de promoo de reflexo com sujeitos-cidados. Texto apresentado no Encontro Nacional da Associao Brasileira de Psicologia Social, Rio de Janeiro, Outubro/Novembro de 2007. AFONSO, Maria Lcia M. (Org.). Oficinas em Dinmica de Grupo: um mtodo de interveno psicossocial. So Paulo: Casa do Psiclogo, 2006. AFONSO, Maria Lcia M. Metodologia de trabalho - Interveno psicossocial. Revista Pensar BH (edio Criana Pequena). Nov 2002. AVRITZER, Leonardo (Org). Cadernos de assistncia social. Ncleo de Apoio Assistncia Social (NUPASS), UFMG, Belo Horizonte, 2006. (Publicado em arquivo PDF). BRASIL. Comit Nacional de Educao em Direitos Humanos. Plano Nacional de Educao em Direitos Humanos, 2006. (Comit Nacional de Educao em Direitos Humanos. Braslia: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Ministrio da Educao, Ministrio da Justia, UNESCO, 2006). CARDOSO, A.M.R. E PARANHOS, T.J.M. A oficina pedaggica como dinmica de grupo, trabalhando com o fio da memria: uma trama de histrias da cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, fevereiro de 2002. Acesso em: www.univercidade.edu/html/cursos/graduacao/dowload_ce/Pass_AnaOficinaPedagogica .pdf. CANDAU, Vera Maria Ferro (Org.). Oficinas Pedaggicas de Direitos Humanos. 5a.. ed. Petrpolis, RJ: Vozes, 2003. GERE COOPERAO EM ADVOCACY. Curso de Formao de Conselheiros em Direitos Humanos. Secretaria Especial dos Direitos Humanos/Paran, 2006. FREIRE, Paulo (1976). Ao cultural para a liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra. FREIRE, Paulo (1977).

Pedagogia do oprimido, Rio de Janeiro: Paz e Terra.

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FREIRE, Paulo (1994). Pedagogia da esperana um reencontro com a pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra. FREIRE, Paulo (2003). Pedagogia da autonomia: saberes necessrios (27a. ed.). So Paulo: Paz e Terra. MAZZUOLI, Valrio de Oliveira. Gnese e principiologia dos tratados internacionais de proteo dos Direitos Humanos: o legado da Declarao Universal de 1948. Revista Jurdica Cajamarca. Presidente Prudente-SP, 2001. PICHON-RIVIRE, Enrique. O processo grupal. So Paulo: Martins Fontes, 1988. SERRO, Margarida e BOLEEIRO, Maria C. Aprendendo a ser e a conviver. So Paulo: Editora FTD, 1999 SCHIEFER, Uyra. Sobre os direitos fundamentais da pessoa humana. Doutrina, n. 15, 2004 (revista editada pelo Instituto de Direito James Tubenchlack, Rio de Janeiro). http://www.dhnet.org.br/dados/oficinas/dh/br/pb/oficinas_pb/index.html http://www.dhnet.org.br/dados/oficinas/edh/br/oficinas/index.html

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RODAS DE CONVERSA____________________________

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VAMOS ENTRAR NA RODA?A metodologia das Rodas de ConversaEsse texto aborda a metodologia das RODAS DE CONVERSA 11, na forma de um dilogo imaginrio entre a RECIMAM e pessoas que desenvolvem trabalhos sociais na rea de Direitos Humanos e Cidadania. Atravs dele, procuramos conceituar a nossa proposta, explicar os seus objetivos, fundamentos e metodologia.

RECIMAM: Sejam bem vindos! um prazer receber vocs! Visitantes: um prazer estar aqui. Ns viemos aqui hoje por que ouvimos falar que vocs, aqui na RECIMAM, tm um trabalho com RODAS DE CONVERSA12. Podem comear explicando o que isto?

A Proposta das Rodas de Conversa sobre Direitos Humanos e CidadaniaR: Somos uma ONG que trabalha com a promoo dos direitos humanos e da cidadania. Foi pensando nisso que desenvolvemos as nossas Rodas de Conversa. Uma Roda de Conversa uma forma de se trabalhar incentivando a participao e a reflexo. Para tal, buscamos construir condies para um dilogo entre os participantes atravs de uma postura de escuta e circulao da palavra bem como com o uso de tcnicas de dinamizao de grupo. um tipo de metodologia participativa que pode ser utilizada em diversos contextos para promover uma cultura de reflexo sobre os direitos humanos. Visitantes (V) Ns percebemos que ainda existem muitas polmicas acerca dos Direitos Humanos no Brasil. Algumas pessoas nem ouviram falar sobre isto! R Os Direitos Humanos so direitos baseados no valor da dignidade humana, sendo por isto chamado de direitos fundamentais da pessoa humana. Entretanto, sua concepo varia ao longo dos tempos. Trabalhamos ento com uma concepo social e histrica desses direitos. No que a gente ache que a dignidade humana relativa, mas a gente reconhece que ela toma11

Nossas Rodas de Conversa tm o mesmo fundamento metodolgico que as Oficinas de Interveno Psicossocial (ver Afonso, MLM et al, 2000 e 2003 e Afonso, MLM e Abade, FL, no prelo). uma proposta dialgica que visa relacionar cultura e subjetividade. Nosso referencial terico se constitui a partir da articulao de autores da psicologia social, psicanlise e educao que apresentam pontos em comum ao abordar o processo de reflexo e de mudana nos sujeitos e nos grupos sociais. 12 Abade, Flvia L. et al. Os Direitos Humanos nas Rodas de conversa: . Trabalho apresentado no Encontro Nacional da ABRAPSO, Rio de Janeiro, 2007. Para a realizao das rodas contamos com a participao das seguintes pessoas:

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diferentes formas de compreenso ao longo da histria. Da, justamente, a importncia de se trabalhar com a compreenso e a reflexo dos direitos humanos junto aos seres humanos em seu contexto social e histrico... de forma que possa fazer sentido em seu cotidiano, em sua experincia de vida. V: Ah, bom... E os direitos de cidadania? R: Os direitos de cidadania so aqueles direitos j conquistados e previstos na constituio do pas do qual voc um cidado. Tambm variam na histria da sociedade. V: Ns pensamos que fossem a mesma coisa... Como eles se relacionam? R: Os direitos de cidadania resultam de conquistas histricas que, em alguma medida, foram sustentadas por uma noo de direitos do ser humano. A compreenso do que so Direitos Humanos, por sua vez, ampliada na medida em que novos direitos de cidadania so reivindicados e conquistados. V ...As pessoas precisam mesmo se informar melhor sobre esse assunto. R: A informao muito importante, mas preciso ir alm do conhecimento formal. As pessoas precisam de se apropriar desse conhecimento e de refletir sobre a maneira como os nossos valores, atitudes e prticas podem ou no estar relacionados a uma cultura de promoo dos Direitos Humanos. Por exemplo, necessrio conhecer a Declarao Universal dos Direitos Humanos, mas tambm necessrio conversar sobre ela, refletir sobre a presena efetiva desses direitos em nosso contexto. preciso conversar, construir e atribuir sentido s leis e agir com base nessa reflexo. V Hum... Ento vocs procuram juntar informao e reflexo... como base para o desenvolvimento de uma conscincia cidad... isso mesmo? Ento vocs inventaram a roda! (risos) R: Bom, no bem assim. Ns no inventamos a roda. As metodologias participativas so antigas na histria da humanidade. Nas cincias sociais, existem tambm h muito tempo. H trabalhos pioneiros aos quais nos referimos e isso vocs podero ver na bibliografia que vamos sugerir ao final do nosso dilogo. Entretanto, ao mesmo tempo em que ningum inventa (mais) a roda, todos ns temos que reinvent-la a cada dia... a partir de nossas questes atuais, a partir de nossos horizontes atuais. Ento, ns, vocs e todos aqueles que se propem a trabalhar com as metodologias participativas precisamos reinvent-las a cada dia, em nosso trabalho, junto aos nossos parceiros. V: Certo, quem conta um conto aumenta um ponto, no R: Isso mesmo. O que as nossas Rodas tm conhecimento sobre a interveno psicossocial e fizemos no trabalho com Oficinas. Porm, as mesmo? uma articulao com o o processo grupal. J Rodas de Conversa se

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caracterizam por serem intervenes pontuais enquanto as Oficinas envolvem todo um trabalho com o processo grupal. Da, h uma diferena. Para pensar esta especificidade das Rodas foi preciso, ento, buscar teorias que discutem a dialogicidade. V: Ento, quais so os objetivos de vocs com as suas Rodas de Conversa? Em que contribuem?

Objetivos das Rodas de Conversa sobre Direitos Humanos e CidadaniaR Em primeiro lugar, preciso saber que as Rodas de Conversa constituem uma metodologia participativa que pode ser utilizada em diversos contextos, tais como escolas, postos de sade, associaes comunitrias, e outros. No nosso caso, aplicamos esta metodologia discusso dos Direitos Humanos e Cidadania. Ento, os seus objetivos podem ser definidos como: 1o) Difundir a discusso sobre Direitos Humanos e Cidadania, trabalhando de forma vinculada (ou adaptada) demanda e realidade das pessoas com quem vamos desenvolver a Roda; 2o) Criar um contexto de dilogo sobre Direitos Humanos e Cidadania, potencializando a participao a partir da reduo dos fatores que entravam a comunicao no grupo; 3) Promover a reflexo sobre os temas abordados, relacionando-a ao contexto de vida dos participantes e incentivando a sua ressignificao desses temas em prol de uma cultura de promoo e defesa dos Direitos Humanos. V Nossa, parece complicado! Por favor, expliquem, de novo, um a um. R Vamos l! Em nosso trabalho, selecionamos alguns temas bem gerais, que foram Cidadania e direitos humanos; Gnero e direitos humanos; Trabalho, cidadania e direitos humanos; Direitos de cidadania e ciclos de vida (infncia, adolescncia, idade adulta e terceira idade); Etnia, raa e direitos humanos; Estigmas e preconceitos sociais: como reconhecer e combater. Buscamos estudar sobre cada um deles, coletar materiais, etc.. Porm, a nossa inteno no era simplesmente repetir esses contedos. Entendemos que, em vez de fazer uma palestra impessoal sobre os DH, importante conhecer um pouco melhor quem o grupo, as pessoas que faro parte da Roda. Conversar com algum que saiba nos informar que grupo este, em que contexto se encontra, qual a sua idade e sexo, qual a sua escolaridade, se trabalham ou no, se fazem parte de uma sala de aula, um projeto social, ou o que for... Assim, podemos pensar como a temtica dos DH pode melhor se articular com as preocupaes do grupo. Bom mesmo quando o prprio grupo nos solicita, mas isto nem sempre acontece... ento, a gente procura ampliar ao mximo a participao na discusso pois quando

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o grupo pode se apropriar dela articulando-a s suas prprias questes. Por exemplo, quando fomos chamados para fazer uma Roda de Conversa com um grupo de jovens que participam de um curso profissionalizante, levamos o tema de trabalho e cidadania, trazendo-o bem para perto da realidade e da demanda do grupo. Assim, possvel sensibilizar e motivar mais para os temas dos Direitos Humanos e criar formas para a sua apropriao no cotidiano dos participantes da Roda. V: , parece interessante... mas uma palestra iria transmitir maior quantidade de conhecimentos, de maneira mais rpida e integrada... Por que trabalhar com essas Rodas? R: Palestras podem ser boas em muitas ocasies. Entretanto, a gente pensa que outras maneiras de promover a reflexo podem ser mais importantes em dados contextos. Pense nesse grupo de jovens que mencionei. A Roda de Conversa um meio de sensibiliz-los e motiv-los para pensar, de uma maneira mais envolvente, em aspectos das suas relaes com o mundo do trabalho, com o seu projeto de vida, com os seus direitos. Os participantes so mobilizados ao mesmo tempo em sua condio de cidado e de sujeitos que precisam se implicar no exerccio, na experincia e na realizao dos direitos humanos dentro de seu contexto. Muitas vezes, demonstram surpresa ao perceberem que no se trata de uma palestra ou uma aula, mas sim de um espao para que eles falem de seu quotidiano, tanto na esfera da vida privada como na pblica. um espao importante para discusso e construo de saberes e prticas. V: Isto responde pela participao... mas o contedo no fica um pouco desorganizado? R: Uma das dificuldades de se discutir a questo dos direitos humanos justamente a situao de excluso daqueles que no tm acesso aos seus direitos. Nem sempre as pessoas tiveram acesso a informaes bsicas que mostrem como os direitos humanos so importantes. Ento, nem sempre as pessoas que esto assistindo a uma palestra esto processando todas as informaes, muito menos esto relacionando estas informaes s suas prprias experincias. Muitas vezes so justamente aqueles que esto privados de seus direitos que tm pouca ou nenhuma informao sobre eles. s vezes, conhecemos os nossos direitos mas no sabemos como fazer para que sejam respeitados. Outras vezes, ainda, temos dvida sobre as maneiras como devemos buscar e exercitar os nossos direitos. Na estrutura de uma palestra, onde um s fala e o restante ouve, mais difcil conseguir dar forma a estas dvidas, coloc-las em palavras, articular questes e processar respostas. As Rodas de Conversa constituem um trabalho mais bsico de reflexo onde o contedo ser estruturado a partir das questes do grupo e conforme o grupo consiga process-lo. Isto no impede as pessoas de assistirem a palestras. Ns mesmos gostamos muito de assistir a palestras!!!

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V: Ah, ento o contedo mais fraquinho? (tom de decepo!) R: Como dissemos, vai depender do grupo. A reflexo caminha com o grupo. Isto tambm diferente da palestra. Pode se aprofundar mais ou menos. Alis, a reflexo no depende apenas da quantidade de informao mas precisa tambm de qualidade. Precisa tambm de articular a informao recebida a outros pensamentos e experincias. s vezes isto implica em construir uma informao nova. s vezes significa desconstruir isto , compreender a forma como estamos pensando, as associaes que estamos fazendo, os valores que sustentam o nosso ponto de vista, etc. um ponto de vista. s vezes, um pouquinho de contedo gera muito mais reflexo do que um monte de informaes... que no so compreendidas nem processadas... V: Ah, bom. Voc pode dar um exemplo? R: Discutindo sobre DH no mencionado grupo de jovens, tratamos com direitos bsicos no mundo do trabalho. Discutindo com um grupo de tcnicos de um programa social, eles trouxeram a questo da interdependncia dos direitos, discutindo alguns direitos de maneira mais aprofundada. V: Mas claro, n? Tambm, eles so especialistas... R: A que vocs se enganam. s vezes a gente pressupe que um grupo de profissionais j saibam tudo sobre os direitos humanos e sobre os direitos de cidadania e eles podem estar longe disso. Por exemplo, existem bons profissionais da sade que no conhecem nada sobre o Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA). Ento, uma discusso com eles no pode limitar a apresentar o ECA, preciso conhecer o que eles pensam, como respeitar os direitos da criana e do adolescentes em suas prticas profissionais (esta uma questo muito importante), como as concepes do ECA impactam as suas prprias crenas e assim por diante. V: Estamos entendendo esta proposta das Rodas. Os grupos trabalham sobre aquilo que eles mesmos pensam, conhecem novos pontos de vista, questionam a sua prtica e a sua experincia, no ? Legal! Mas como acontece esta reflexo na Roda? R: Isto tem tudo a ver com o nosso segundo objetivo, que mencionamos antes, lembram-se? Hoje em dia todo mundo fala em dilogo, mas o dilogo humano nunca foi fcil... ento a coordenao das Rodas precisa construir condies dialgicas para que a reflexo acontea. De outra maneira, a participao fica difcil. V: Pois . Condies dialgicas... O que isto? R: A gente pode dizer que so as condies para desenvolver o dilogo. Pensamos que pouco adianta refletir sobre direitos se as pessoas interessadas nesta discusso no encontram espao para participar

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ativamente dela. Mas esta participao nem sempre fcil. preciso oferecer algumas condies para incentiv-la bem como buscar superar algumas de suas dificuldades. s vezes, as pessoas se sentem intimidadas pelo fato de terem um vocabulrio diferente, de no terem educao formal, de abordar determinados temas, de revelar experincias sofridas, de expressarem opinies e assim por diante. Nem sempre a reflexo faz parte do nosso cotidiano. Muitas pessoas vivem em contextos que no cultivam e mesmo reprimem ou no incentivam a reflexo. Em nossa sociedade, a desigualdade social traz impactos tambm sobre as oportunidades de expresso, comunicao e reflexo. Tambm so diferentes as condies que as pessoas tm de participar e refletir em seus diferentes contextos de vida. claro que, sendo a capacidade de pensar prpria do ser humano, no podemos falar em uma incapacidade, generalizada, de pensar em dados contextos. Porm, alguns contextos impem dificuldades reflexo, as situaes de sofrimento ou de excluso social so exemplos. Quando algum consegue, apesar de tudo, refletir nestes contextos, via de regra traz timas contribuies para a compreenso do prprio ser humano. V: Ok. At aqui estamos concordando, mas vocs ainda no chegaram ao ponto! R: O dilogo uma prtica social. Por isto, precisa se dar dentro de condies sociais. Para uma descrio didtica, vamos abordar aqui dois tipos de condies: aquelas que dependem diretamente fatores sociais e institucionais e aquelas que esto mais ligados postura que os prprios sujeitos assumem na relao de comunicao. Somos mais livres para expressar a nossa opinio e discutir as nossas idias quando no tememos represlias externas. Mas tambm importante ser reconhecidos pelos nossos parceiros de dilogo, ou seja, no temer perder a nossa identidade e/ou os nossos laos afetivos quando expressamos nossos pensamentos... Assim, tanto a nossa postura diante do outro quanto a postura do outro diante da gente so fundamentais para se estabelecer um dilogo. V: verdade. H muito conflito entre pontos de vista diferentes... muitas vezes uma pessoa tenta dominar a outra na conversao... R: O que se busca na Roda no uma disputa sobre quem tem razo mas a apreciao das diversas razes, o alargamento da viso de cada um, a ampliao dos horizontes e a possibilidade de melhor refletir sobre a questo abordada. So estas as posturas que buscamos incentivar na coordenao da Roda de conversa. Tambm preciso ressalvar que em situaes onde decises precisam ser tomadas, a Roda pode ser mais conflitiva mas tambm pode abrir espao para escolhas mais democrticas. V: Estamos entendendo a dificuldade... R: Pois . A Roda de conversa deve se dar em um contexto onde as pessoas podem se expressar sem medo de punio social ou institucional. Por exemplo, se o contexto uma sala de aula, no deve ser ocasio para

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avaliao do aluno ou de uma seleo para prmios. Se um ambiente de trabalho, os participantes no devem sofrer presses para participar ou deixar de faz-lo. A coordenao precisa trabalhar para criar um clima de respeito onde as pessoas possam se expressar sem receio de serem ridicularizadas ou desqualificadas no grupo. V: Mas acontece da coordenao criar um clima de respeito e coisa e tal... e ningum participar. Olha, isto frustrante, sabia? R: A gente sabe. Da ser to importante lembrar tambm que a Roda de conversa deve se dar em um contexto onde as pessoas possam se expressar buscando superar seus prprios medos e entraves. Para isto que usamos recursos diversos, ldicos ou no, para facilitar a comunicao e a interao. V: Como isto feito? R: Vamos falar mais sobre a natureza da reflexo que feita na Roda de Conversa. Os participantes da Roda no so pginas em branco onde a gente escreve uma informao nova. Eles so os prprios sujeitos dos Direitos Humanos e dos direitos de cidadania. Vivem e convivem dentro de um contexto onde estes direitos so ou no respeitados. Alm disso, podem j ter noes ou idias formadas sobre vrias questes que tm a ver com os diretos humanos e de cidadania: o que pensam sobre as crianas, como encaram a questo do meio ambiente, como entendem a violncia urbana, etc.. Ou seja, os participantes da Roda tm um horizonte de compreenso, que pode ser mais amplo, ou mais especfico, e assim por diante. Para existir uma reflexo os participantes precisam se abrir para conhecer e questionar o prprio horizonte e, igualmente importante, que se abram para conhecer - e questionar, claro - os horizontes novos que o grupo e os coordenadores trazem para considerao. Ou seja, que se abram para a experincia de pensar, trocar e dialogar. Nas Rodas de Conversa, partimos de conhecimentos j construdos para motivar um processo de compreenso mas tambm de criao. Para compreender o mundo, preciso nos apropriamos dos significados dados e, a partir dele, construir a nossa prpria resposta para os problemas atuais que somos chamados a enfrentar. Assim, ao se discutir um tema, importante alimentar a discusso com novas informaes. Mas a informao sozinha no basta. Pensamos que uma nova compreenso vai utilizar a informao em um contexto de reflexo para ir alm dela e conseguir produzir com ela alguma coisa nova diante das questes que o grupo enfrenta. Existe aqui uma dialtica entre compreender e analisar. Para compreender, precisamos nos sentir dentro de um referencial j construdo e que somos convidados a compartilhar. Mas compreender, assim, no o bastante. A repetio pela repetio no resolve as nossas questes. Podemos usar sim algo do referencial tradicional, mas desde que tenhamos nos apropriado dele a partir daquilo que o nosso momento nos traz. a nossa relao com o mundo que nos exige um posicionamento, uma

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interpretao. E atravs desta questo que nos dispomos ao trabalho de compreender, analisar...refletir. V: Mas a gente pode pensar o pensamento da gente? No como dar n em pingo dgua? (risos). R: Claro que pode. No isto que o ser humano faz o tempo todo? A gente pode tentar compreender como foi que acabamos pensando aquilo que pensamos: Ser que foi a nossa educao? Foi a mdia? Foi alguma experincia relevante que nos sensibilizou e instigou? Foi o afeto que dedicamos a algum que nos trouxe um novo ponto de vista? So muitos os caminhos... mas a gente pode procurar conhec-los. E assim conhecer melhor quem somos. As Rodas de Conversa buscam incentivar justamente a reflexo sobre como pensamos as questes dos direitos humanos em nossa vida. V: Ah, agora deu para entender melhor. R: Ento... Por isso, a gente precisa comear pela sensibilizao dos participantes para a questo a ser discutida. Significa, buscar concentrar a ateno, evocar sentimentos e memrias que tenham a ver com esta questo. Marcar a presena dessa questo na nossa vida. Da, em segundo lugar, preciso buscar expressar e sistematizar o conhecimento que os participantes j tenham sobre a questo, o que pensam sobre ela, que importncia tem para eles, etc.. Na Roda de Conversa, isso facilitado por atividades que propomos. Na comunicao do grupo, os participantes podem ouvir a si mesmos, escutar os outros e trocar entre si. Podem iniciar esse processo que chamamos, ainda h pouco, de abrir-se para si mesmo e para o outro. V: E isto tem a ver com o terceiro objetivo das Rodas, n? R: Isso mesmo. Conhecendo a maneira como significam a suas experincias, conhecendo a sua maneira de pensar e discutindo como foi que chegaram a pensar dessa maneira... as pessoas podem refletir. Ou seja, podem rever os sentidos que tm atribudo s suas experincias, dar novos sentidos a essas experincias, pensar como tm se posicionado na sua vida, elaborar novas reivindicaes, pensar em si mesmos como sujeitos de direitos... Este o momento em que, usualmente, trazemos novas informaes e reflexes. um momento de acolhida e troca. As novas informaes e pontos de vista incrementam o processo porque as pessoas esto mais prontas para o trabalho de refletir. Por que, vou dizer para vocs, isto d trabalho! V: Deve dar mais trabalho ainda porque no s pensar mas pensar sobre a prpria vida! R: Exatamente. Quando nos referimos ao contexto de vida dos participantes queremos dizer o conjunto de fatores no apenas materiais, mas tambm simblicos e imaginrios que se apresentam como relevantes para estes sujeitos na sua vida. Ou seja, englobam as condies materiais de

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existncia mas tambm as crenas, os afetos, a imaginao, dentre outras coisas. Uma pessoa pode ser muito interessada em questes que instigam a sua imaginao, os valores com os quais se relaciona no mundo, os afetos que dedica a pessoas e ideais, etc.. Porm, quanto mais estas questes tm impacto sobre a vida dessa pessoa, apresentando conseqncias diretas, colocando-a diante de escolhas e lhe exigindo posicionamentos, mais podemos dizer que esta pessoa est implicada com elas. Assim, implicar-se com uma questo significa descobrir e reconhecer as formas como ela nos constitui como sujeitos diante de nossas vidas. Os temas relacionados s nossas questes mais significativas so aqueles que trazem mais potencialidades, mas tambm trazem mais dificuldades para a sua reflexo. Isto porque despertam tanto o interesse quanto a ansiedade, os medos, as angstias e as dvidas... Por isso mesmo, estes temas exigem da coordenao a delicadeza de escutar os participantes de forma a acolher e tentar superar essas dificuldades envolvidas na sua reflexo. V: Olha que d. Mas no engraado como a gente se pega fazendo isto muitas vezes durante o dia? A propsito de nada... de repente, a gente est pensando sobre o pensamento da gente. no trnsito, dentro de casa, no trabalho, parece que a gente tem at necessidade disso! R: A gente aqui na RECIMAM acha que isto tem a ver com o nosso prprio desejo de autonomia. Como a gente pode ser livre se a gente no conhecer melhor as nossas escolhas? Mesmo que elas sejam limitadas dentro de nosso contexto? V: mesmo. Da que uma educao em direitos humanos precisa ir alm da mera transmisso de contedos, no ? Volta aquela idia da qual j falamos? Uma educao em direitos humanos uma educao para a liberdade e a autonomia. R: Olha, essa conversa muito legal, mas a gente vai longe nela... Vamos voltar para as Rodas? V: Vamos. Vocs descreveram o processo de reflexo. Mas no disseram muito sobre como conseguem, realmente, incentiv-lo...

A metodologia das nossas Rodas de Conversa sobre Direitos Humanos e CidadaniaR: Ento, esse momento de explicar a nossa metodologia. importante repetir que uma metodologia participativa onde a gente busca construir e colaborar com o grupo, cooperando com ele em seu processo. V: Sim, sim, mas como isso se d??? H um nmero mximo ou mnimo de pessoas que podem participar?

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R: Essa deciso tomada junto com o grupo ou a instituio onde a Roda ser realizada, mas informamos ao responsvel que o nmero de participantes no pode ser muito grande, pois isso dificulta a participao de todos. Digamos, um mximo de 30 pessoas. Por a... V: E como vocs organizam as Rodas? R: Vamos usar um exemplo para ficar mais fcil explicar. A partir da demanda que nos chega para realizar uma Roda, procuramos conhecer um pouco mais sobre o grupo com quem vamos faz-la. E, a partir desse conhecimento inicial, elegemos um tema, que seria como um tema-gerador. Esse tema fruto da articulao entre a demanda do grupo e as nossas temticas em direitos humanos. Buscamos nos preparar para a discusso, estudando e sistematizando informaes. Mas como dissemos, no para dar uma aula e sim para sermos capazes de uma escuta melhor e intervenes mais produtivas. Por exemplo, quando fomos discutir o tema trabalho e cidadania, visitamos os seguintes sites: www.onu-brasil.org.br www.oitbrasil.org.br www.mte.gov.br Descobrimos que as normas fundamentais do trabalho so normas internacionais que existem sob a forma de Convenes e Recomendaes. As Convenes so tratados internacionais sujeitos a ratificao dos pases membros. As Recomendaes so instrumentos opcionais, que tratam dos mesmos temas que as Convenes, e estabelecem orientaes para a poltica e a ao nacionais. Da, dentre as convenes estabelecidas pela OIT, selecionamos algumas para a nossa Roda de Conversa. Veja, por exemplo, as convenes nmero 100 e a nmero 182: Conveno n 100: Igualdade de remunerao (1951): preconiza a igualdade de remunerao e de benefcios entre homens e mulheres por trabalho de igual valor. Conveno n 182: Piores Formas de Trabalho Infantil (1999): defende a adoo de medidas imediatas e eficazes que garantam a proibio e a eliminao das piores formas de trabalho infantil. V: E depois de fazer essa pesquisa inicial, o que vocs fazem? R: Pois , depois de reunir as informaes, delimitamos um foco e pensamos numa maneira interativa, comunicativa, reflexiva de trabalhar com a temtica, usando algum recurso ldico para promover a discusso. V: Agora estamos entendendo... as tcnicas ldicas servem para facilitar e dinamizar a comunicao e, ao invs de fazer uma palestra, vocs escolhem as atividades que vo incentivar o grupo a falar de si, daquilo que j

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conhecem, daquilo que gostariam de saber. A informao entra para complementar a experincia dos participantes ou para ajustar alguma idia distorcida, certo? R: Certssimo. preciso lembrar que a gente sempre leva materiais suficientes que possibilitem algum grau de escolha do grupo sobre os aspectos a serem discutidos no tema. como oferecer um recorte de elementos que fazem parte da nossa sociedade e da nossa cultura e sobre o qual fomentar o debate. V: E como isto organizado? R: Nesta Roda que j citamos como exemplo, tivemos uma conversa inicial sobre trabalho. Em seguida, distribumos o material com o qual iramos fazer a discusso. Foi assim: para parte do grupo, distribumos fichas com o nmero, o nome e a data das convenes estabelecidas pela OIT. Para a outra parte, distribumos fichas com o resumo das definies das convenes. A tarefa do grupo era conversar entre si, encontrar os pares dos nmeros das convenes e suas respectivas definies e, em seguida, formar um quadro com as devidas correspondncias. Depois do quadro formado, todos puderam dizer o que sabiam ou no sobre o assunto e conversamos de maneira mais aprofundada sobre o trabalho infantil, pois esse foi o tema de maior interesse no grupo. Finalizamos a Roda de Conversa perguntando o que havia sido mais significativo no encontro para cada um dos participantes. V: E qual foi a tcnica ldica utilizada? R: Nesta Roda, a tcnica foram justamente as fichas como um material recortado, desconstrudo, para ser organizado pelo grupo. Quando falamos em ldico no quer dizer necessariamente fazer brincadeiras e provocar risos. como um princpio utilizado: o ldico nos ajuda a ver que o mundo com um olhar mais criativo e inovador. Quando a gente distribui as fichas e pede que o grupo encontre os pares e reorganize a informao, estamos sendo ldicos. Ento isto pode ser feito de vrias maneiras: sugerindo formas de interao, com brincadeiras propriamente ditas, com desafios, quebracabeas, jogos de criatividade, etc.. V: E vocs fazem um planejamento, antes de se encontrar com o grupo para realizar a Roda? R: Fazemos, sim. Aqui temos uma folha de trabalho que mostra como o planejamento. Vamos explic-la a vocs. Vejam. Essa folha foi pensada para ajudar a planejar e a desenvolver a Roda de Conversa. Mas ns sabemos muito bem que tudo o que planejado muda um pouco quando vai prtica. Assim, essencial ter uma postura flexvel: quando a gente sabe o que realmente importante trabalhar, pode ter jogo de cintura para fazer modificaes no planejamento, de acordo com o prprio movimento do grupo, sem perder o foco da ao. Pode substituir uma atividade por outra, deixar de fazer ou inovar...

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Iniciamos por um cabealho, que serve para identificar a Roda, quem coordena, data, horrio e local e, mais importante, com quem ser feita e que tema ser abordado, como tema gerador. Os objetivos da Roda devem ser pensados em sua dupla articulao de ser ao mesmo tempo trabalho de grupo e trabalho de reflexo com o tema. Como trabalho de grupo, precisamos estar atentas para dinamizar a interao e a discusso no grupo. Como trabalho de reflexo precisamos estar atentas aos contedos abordados. buscando articular essas duas dimenses que organizamos as tcnicas e o tempo da Roda de Conversa. Dividimos a Roda em 3 momentos: preparao, trabalho e avaliao. Em cada um, podemos (mas isto no nada obrigatrio) usar tcnicas ldicas para facilitar o envolvimento do grupo e a discusso do tema. FOLHA DE TRABALHO UTILIZADARODA DE CONVERSA Coordenao:____________________________________________________________ Data:_________Horrio:___________Local:_________________________________ Grupo (Tipo e nmero de participantes):_________________________________ Tema/Tarefa:____________________________________________________________ OBJETIVOS Tempo Tcnicas a utilizar P R E P A R A R T R A B A L H A R A V A L I A R Estimado Da dinmica do grupo Da reflexo do tema

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O momento de preparar tem durao varivel e pode at ser de poucos minutos. Ainda assim, a sua importncia marcante! A preparao serve de acolhimento para os participantes, de sensibilizao para o tema, de incentivo interao e construo das condies para o dilogo. O momento de trabalhar o tema principal ou o tema em questo. Buscase conhecer o que o grupo pensa, introduzir elementos novos, estimular a reflexo. Para tal, pode-se dividir o grupo em subgrupos, fazer atividades coletivas, etc.. Sempre lembrando de juntar o grupo depois para fazer uma sistematizao. O momento de avaliar e compartilhar se refere avaliao da produo do grupo e no dos indivduos. Faz parte de um contnuo ao-reflexoao embutido na Roda de Conversa. Assim como foi necessrio criar um clima inicial de trabalho, agora preciso fechar o trabalho do grupo, em um movimento de sistematizao, mas tambm de reconhecimento e legitimao daquela produo. Tambm no importa que esse momento seja breve uma palavra, uma pequena sntese como se o coordenador fosse, por um momento, o espelho do grupo, e lhe devolvesse uma imagem de si, imagem que possa guardar como marca de seu processo. V: Engraado! Isto est parecido com algum texto de vocs que ns j lemos... R: pode ter sido aquele texto nosso: Educao em Direitos Humanos: a construo de uma prtica13. Vocs podem consult-lo tambm. V: E de que maneira vocs usam as tcnicas? R: As tcnicas so usadas para dinamizar o processo do grupo: facilitam a comunicao, a associao entre aprendizagem e experincia, permite vivenciar situaes dentro de regras combinadas, etc.. Entretanto, preciso no abusar das tcnicas. O tempo colocado para cada tcnica e/ou atividade apenas uma estimativa. muito importante que no se torne uma camisa de fora. O planejamento deve ser flexvel, adaptando-se s necessidades do grupo no momento. No obrigue o grupo, e nem os indivduos, a fazer uma tcnica que no desejam. No seja rgido com o tempo, deixe que o grupo explore os significados de cada atividade e busque uma forma equilibrada de trabalhar. Adapte as tcnicas aos seus objetivos e tambm s condies do momento. V: Interessante! Aqui, h uma coluna especificando as tcnicas. Por favor, expliquem mais. R: Lembrem-se, que as tcnicas servem para dinamizar o processo do grupo e no para dar lio de moral. Os coordenadores podem escolher uma tcnica visando um objetivo... mas o grupo quem d a palavra final, ou seja, ele quem vivencia e direciona a tcnica para os seus objetivos. Assim, as tcnicas so apenas meios. Pensem tanto em tcnicas que dinamizem o13

Este texto est includo na presente publicao.

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processo do grupo quanto naquelas que dinamizam a discusso. E, principalmente, jamais pretenda que uma tcnica substitua a relao entre o grupo e a coordenao. E privilegiem, nas Rodas de Conversa, tcnicas que estimulem a cooperao. Isto porque trata-se de uma interveno isolada quando no possvel dar continuidade ao trabalho com conflitos. Combinem com o grupo algumas regras bsicas antes de iniciar a discusso. V: Agora que vocs explicaram a folha de trabalho, poderiam nos dar mais exemplos? R: Vejam. Preparamos para vocs relatrios sobre sete de nossas Rodas de Conversa14. Nelas, a gente usa a folha de trabalho e tambm descreve um pouco como foi o processo. Acho que a nossa proposta vai ficar mais clara nestes exemplos. V: , o que vocs fizeram foi mesmo diferente de apresentar as Convenes de uma maneira linear. Mas ficamos pensando... os participantes devem ter aproveitado de maneira diferente a Roda! Alguns devem ter guardado mais informaes, outros menos. Alguns devem ter compreendido mais, outros menos... Como vocs lidam com isto? R: Nas Rodas de Conversa, a aprendizagem e a reflexo no seguem uma linearidade como a dos contedos da escola formal. As Rodas abordam os temas da vida e para estes no existe essa linearidade. O fio da meada pode ser puxado a partir de qualquer parte do novelo. um processo que comea das questes que a pessoa levantou ao viver a sua vida, enfrentar os seus medos, alegrias, certezas e incertezas. Ento, o trabalho do grupo til para todos, mas cada qual produz sua maneira. Por isso mesmo que desenvolvemos o trabalho em grupo e aproveitamos muito das teorias sobre grupos para nos orientar. V: Mas como que no fica uma baguna? R: porque temos um foco que vai ajudar, no desenvolvimento da Roda, a organizar de maneira mais sistemtica aquilo que vai sendo produzido de maneira mais difusa. V: Ah, o foco como o xis da questo? R: ... Digamos que o Q da Questo (risos). V: Aquilo que ponto fundamental. E em torno dele vocs vo organizando as produes? R: ... sempre com o grupo.

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Texto includo nesta publicao, com o ttulo Nossas Rodas.

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V: E se o grupo tiver pouca ou nenhuma educao formal? E se no souber os conceitos das teorias sobre os Direitos Humanos e de Cidadania? Isto atrapalha? R: Poderia dificultar o estudo destas teorias. Entretanto, as Rodas de Conversa no visam a transmisso de um conhecimento no modelo da escola tradicional. A reflexo que se passa nas Rodas, justamente por ser estreitamente vinculada ao contexto de vida, pode se desenvolver na linguagem do cotidiano dos participantes. No preciso falar difcil. No se trata de dar uma aula sobre conceitos. em sua prpria linguagem, com o seu vocabulrio, que as pessoas iniciam um processo de reflexo. Bom, vamos acrescentar que este processo geralmente exige a busca de novos sentidos e novas palavras. V: Como assim? R: Nossa viso de mundo est construda na linguagem e, por isso mesmo, quando refletimos sobre a viso de mundo, acabamos por refletir sobre a linguagem... e vice-versa. Passamos a nos indagar porque utilizamos alguns termos e no outros. Por exemplo, porque dizer criana e no pivete. Ao criar novos sentidos, o grupo busca novas palavras ou muda a maneira de us-las. A ampliao da linguagem importante e desejvel para se ampliar a viso dos Direitos Humanos. Nesse sentido, a reflexo se d na linguagem do cotidiano, no deve depender de conceitos tericos. Ressalvamos, entretanto, que estes conceitos podem ser trazidos para a Roda, de maneira integrada discusso e que o grupo pode se apropriar deles de maneira muito produtiva. Aqui reencontramos a flexibilidade que caracteriza as Rodas. V: Mas... e quando h muitas diferenas internas no grupo? R: Como dissemos, os fatores que restringem a comunicao no grupo so de ordem social e institucional bem como pessoal e interpessoal. Embora as Rodas de Conversa possam colaborar na reduo do constrangimento ao dilogo, no devem ser consideradas como uma soluo mgica para acabar com todo e qualquer constrangimento, especialmente aqueles derivados das diferenas de poder efetivamente existente na relao entre os componentes do grupo. Dessa maneira, a presena conjunta no grupo de pessoas que tm posies muito diferentes nas relaes sociais de poder tais como patres e empregados, adolescentes e professores, entre outros cria, sim, algumas dificuldades especficas para o estabelecimento do dilogo. O manejo na Roda dessas dificuldades (que j esto previamente institudas) limitado. Ainda assim, as Rodas podem significar um momento de troca que, por sua vez, seja gerador de novas demandas no espao social. Nas instituies, momentos de reflexo e troca podem ser vlidos mesmo quando diferenas de poder introduzem limites ao dilogo, dependendo das condies acordadas que tornam esse dilogo possvel. Reconhecemos que as Rodas no podem substituir tais acordos mas podem, sim, agregar esforos ao desenvolvimento da reflexo em dados contextos.

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V: Pois ... Enquanto voc explicava, fiquei pensando na conversa... as pessoas tm idias muito diferentes sobre Direitos Humanos, s vezes discordam, outras vezes falam sem parar. E, nesses casos, o que eu devo fazer?

A coordenao das Rodas de ConversaR: O papel do coordenador na Roda de Conversa no do detentor da verdade, sua postura deve ser democrtica, de fazer circular a palavra. preciso sensibilizar os participantes para percepo de suas experincias no contexto social, ajud-los a desconstruir preconceitos e esteretipos, bem como a reconstruir representaes no apenas sobre Direitos Humanos, mas tambm sobre si mesmos, seus papis, nas relaes sociais. Deste modo, preciso incentivar a participao de todos e estabelecer alguns limites, quando necessrio. Cada grupo nico, por isso, preciso ser sensvel para compreender as dificuldades que surgem diante daquilo que o tema suscita, mobiliza, provoca. Minha sugesto que voc tenha uma postura acolhedora, mas saiba que o consenso e a harmonia nem sempre constituem uma garantia de que tudo esteja bem no grupo. Podem at significar, por exemplo, aceitao passiva da realidade, desinteresse, etc.. Lembre-se que as perspectivas diferentes, a problematizao das experincias, o questionamento das realidades prontas e acabadas, tudo isso o que ir promover a reflexo no grupo e ampliao dos horizontes, principalmente, na maneira perceber os Direitos Humanos. Paulo Freire j dizia que no h inteligncia que no seja tambm comunicao. Por isso ensinar dialgico. No se trata de transferir, depositar ou doar, mas desafiar o educando a produzir sua comunicao do que vem sendo comunicado. O essencial nas relaes entre educador e educando o aprendizado da autonomia. O papel da autoridade democrtica incentivar a construo da autonomia que pressupe responsabilidade e no mais dependncia. A pedagogia que visa autonomia deve estar centrada em experincias estimuladoras de deciso e responsabilidade, em experincias respeitosas de liberdade. V: A gente concorda com esta teoria. No entanto, na prtica, encontramos muitas situaes confusas no grupo onde difcil manter uma postura dialgica. Vocs poderiam nos falar mais sobre o papel da coordenao? R: Ok. Vamos por partes. A postura de coordenao envolve escuta. Usamos a palavra escutar no sentido de prestar ateno a vrios aspectos da comunicao que vm associados palavra falada: a sua carga afetiva, os seus mltiplos significados e aquilo que indica sobre a forma como o sujeito que fala compreende o mundo e a si mesmo. A escuta da coordenao no grupo precisa ser sensvel s formas como a excluso social impacta os sujeitos, inclusive na relao dentro do grupo, dificultando a sua participao, buscar apoiar esforos de compreender e elaborar, ajudar a abrir possibilidades para o dilogo.

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V: E da, se essa escuta for boa, a participao acontece? R: Essa escuta apenas parte da tarefa da coordenao. preciso ter clareza sobre o foco da discusso para promover uma articulao entre aquilo que falado no grupo e aquilo que objeto de reflexo. Alguns coordenadores tem sensibilidade para ouvir os sentimentos dos participantes, mas debandam para uma postura excessivamente clnica, na qual pretendem fazer apenas uma catarse de sentimentos. Ora os sentimentos sozinhos no criam formas e instituies sociais. Para que se promova alguma forma de mudana junto aos sujeitos, importante buscar conectar os seus sentimentos, vivncias e relatos a uma reflexo e, se for o caso, a uma ao coletiva. Isto caracteriza a interveno da coordenao em metodologias participativas para se trabalhar com questes sociais. V: Para isso, a coordenao precisa estar atenta... Estamos aqui com uma nova dvida: quem pode ser coordenador de uma Roda de Conversa? R: As Rodas tm sido desenvolvidas por diversos agentes sociais na rea dos Direitos Humanos, da psicologia social, da educao, da sade, da assistncia social, etc.. No se trata de restringir a sua coordenao a uma dada formao profissional. As Rodas so, por natureza, um instrumento interdisciplinar. Contudo, importante que as pessoas que se dedicam conduo de grupos, seja no formato das Rodas de Conversa ou em outros formatos, busquem se capacitar para esta atuao. V: E por onde vocs acham que devemos comear? Podem nos indicar alguma coisa para ler? R: Como dissemos, ao final deste dilogo, oferecemos uma bibliografia de referncia. Por ela, vocs mesmos podem escolher por onde comear. H textos que abordam aspectos mais prticos. H textos de fundamentao terica. Ns recomendamos que vocs no fiquem s na teoria e tambm no fiquem s na prtica. preciso caminhar passo a passo com as duas. Se vocs ficarem s na teoria, podem perder o p sobre o que realizar as Rodas de Conversa em nosso contexto social. Porm, se no buscarem fundamentar a ao, podem reduzir as Rodas a uma interveno mecnica, restrita apenas queles que j so participativos ou, mesmo, esvaziada de sentido. V: Vamos sair daqui hoje com vontade mesmo de estudar um pouco mais sobre as metodologias participativas e sobre a proposta das Rodas de Conversa. Quem sabe at comear a coordenar Rodas sobre Direitos Humanos! E... mas ainda d aquele friozinho na barriga! R: Reconhecer a ansiedade diante de uma proposta nova o primeiro passo para super-la. Mas vocs s vo descobrir que no um bicho de sete cabeas, quando estiverem dispostos a entrar na Roda, construir a Roda, inventar a Roda. Experimentem!

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BIBLIOGRAFIA DE REFERNCIA PARA LER MAIS SOBRE METODOLOGIAS PARTICIPATIVAS, INTERVENO PSICOSSOCIAL E GRUPOSABADE, Flvia et al. Direitos Humanos nas Rodas de Conversa: uma estratgia de promoo de reflexo com sujeitos-cidados. Texto apresentado no Encontro Nacional da Associao Brasileira de Psicologia Social, Rio de Janeiro, Outubro/Novembro de 2007. AFONSO, Maria Lcia M. (Org.). Oficinas em Dinmica de Grupo: um mtodo de interveno psicossocial. So Paulo: Casa do Psiclogo, 2006. (1a edio pelas Edies do Campo Social, Belo Horizonte, 2000). AFONSO, Maria Lcia M. Metodologia de trabalho - Interveno psicossocial. Revista Pensar BH (edio Criana Pequena), Nov 2002. AVRITZER, Leonardo (Org). Cadernos de assistncia social. Ncleo de Apoio Assistncia Social (NUPASS), UFMG, Belo Horizonte, 2006. (Publicado em arquivo PDF). BARRETO, Jos Carlos; org. Aprender viver - uma reflexo sobre conhecimento. Vereda - Centro de Estudos em Educao, So Paulo, 1996.

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Aprendendo a ser e a conviver.

So

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PARA LER MAIS SOBRE DIREITOS HUMANOS E CIDADANIAGERE COOPERAO EM ADVOCACY. Curso de Formao de Conselheiros em Direitos Humanos. Secretaria Especial dos Direitos Humanos/Paran, 2006. BRASIL. Comit Nacional de Educao em Direitos Humanos. Plano Nacional de Educao em Direitos Humanos, 2006. (Comit Nacional de Educao em Direitos Humanos. Braslia: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Ministrio da Educao, Ministrio da Justia, UNESCO, 2006).

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PARA APROFUNDAMENTO TERICO SOBRE OS TEMAS DO DILOGO, DA INTERAO E DO RECONHECIMENTO ENTRE SUJEITOS SOCIAIS.

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Pedagogia do oprimido, Rio de Janeiro: Paz e Terra. um reencontro com a

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NOSSAS RODASExemplos de Trabalhos Desenvolvidos

PRIMEIRA RODA DE CONVERSAEsta Roda foi coordenada por Adriana de S Souza e Letcia de Oliveira Marques, em maio de 2007. A Roda teve uma hora e meia de durao e contou com a participao de aproximadamente 30 profissionais da rea da sade, funcionrios de uma maternidade de Belo Horizonte. A Roda aconteceu numa sala disponibilizada pela prpria maternidade e o tema proposto para reflexo foi Ciclos da vida e cidadania (acompanhem o desenvolvimento da Roda tambm pela folha de trabalho). Enquanto aguardvamos os participantes, aproveitamos para espalhar pelo cho diversas figuras retiradas de revistas. Quando todos j estavam presentes, uma psicloga da instituio apresentou-nos ao grupo. Agradecemos e explicamos ao grupo a nossa proposta de trabalho. A seguir, pedimos a cada participante que escolhesse, dentre as figuras espalhadas, aquela que melhor o (a) representasse e a usasse para se apresentar, dizendo as razes de sua escolha. Essa forma de apresentao facilita para o sujeito a expresso de aspectos subjetivos que ele(a) pensa ser importantes para o grupo. As imagens se colocam como uma linguagem atravs da qual os participantes podem se expressar, projetando sentidos e fazendo associaes. importante, aqui, fazer uma distino. Quando falamos em expressar aspectos subjetivos isto no quer dizer violar limites pessoais e sim facilitar a escolha daqueles aspectos que se quer compartilhar. Na Roda de Conversa, a expresso dos sujeitos no grupo no precisa significar a revelao de segredos, muito menos a invaso da intimidade dos participantes. Em primeiro lugar, a questo da escolha deve ser sempre presente. Ou seja, as pessoas devem poder escolher o que dizer sobre si, sobre o que pensam, como agem, etc.. Em segundo lugar, mas no menos importante, a Roda de Conversa tem um foco que deve ajudar a organizar toda a matriz de comunicao do grupo. Assim, em uma Roda composta por profissionais da sade onde a temtica os direitos nos diferentes ciclos da vida, as apresentaes de cada sujeito tendem a girar em torno desse foco, dentro do contexto, mostrando aspectos do seu modo de ser que so, de alguma maneira e dentro da concepo dos participantes, correlacionados questo a ser focalizada. Assim, a Roda de Conversa se constitui em uma situao de dilogo entre sujeitos que tm uma histria e uma singularidade. No visa uma conversa estereotipada e impessoal. Mas tambm no um grupo teraputico. No se pode exigir dos participantes que exponham mais do que julgam ser

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pertinente para o estabelecimento DESTE dilogo em torno DESTA questo. A coordenao busca, sim, motivar a participao, sensibilizar e desafiar os participantes. So oferecidas novas informaes, recursos simblicos (como as imagens da revista, nesta Roda), formas de desafio ao imaginrio e criao. So criadas situaes de interao e trazidas tcnicas ldicas. Mas tudo isto sempre deve respeitar o que os sujeitos colocam como seu desejo de participao e os seus limites. Uma questo terica interessante deve ser ressaltada aqui: (1) para se assumir como interlocutor vlido no debate, os sujeitos precisam imprimir s suas idias e experincias pelo menos um mnimo de validade, (2) para se colocar no debate como interlocutor vlido, o sujeito precisa tentar transpor os seus entraves comunicao e suas dificuldades relativas ao reconhecimento mtuo entre atores sociais, (3) para cooperar no debate, o sujeito precisa buscar esclarecer para si mesmo e para os outros os seus pontos de vista e posies ocupadas nas relaes, (4) para compreender e interpretar o debate do qual participa, o sujeito precisa se abrir para a sua prpria experincia e para a experincia do outro, deixando-se transportar pelo dilogo a posies que ele prprio ainda no conhece, ou seja, deve conseguir suportar um mnimo de transformao que o fato de participar deste dilogo lhe traz. Surpreendentemente, embora a Roda no tenha uma intencionalidade clnica, tem efeitos que poderamos chamar de clnicos, isto , de uma interveno na direo de uma transformao. Voltemos, ento, ao relatrio de nossa Roda. Feitas as apresentaes, o grupo foi dividido em dois subgrupos que deveriam fazer uma colagem, construindo um cartaz com os direitos e deveres dos usurios da sade em cada um dos ciclos da vida: infncia e adolescncia, idade adulta, terceira idade. Nessa tarefa, os subgrupos no recebiam qualquer informao, expressando livremente as informaes e idias que j possuam sobre tais direitos e deveres. Assim que terminaram de confeccionar o cartaz, iniciamos a apresentao e a discusso sobre o que tinham construdo. A experincia dos profissionais de sade tinha como foco a relao da me com seu filho, j que trabalhavam numa maternidade. O grupo discutiu o direito da me de tomar anestesia para realizao do parto normal, mas tambm a necessidade de avaliao de cada caso, posto que em algumas situaes (quando o trabalho de parto j teve incio, por exemplo) a anestesia pode ser prejudicial ao beb. Falaram tambm sobre o direito da me permanecer com a criana, da importncia de informaes sobre o aleitamento materno, como amamentar, etc.. Foi interessante perceber nessa Roda a discusso acerca da cidadania e sua relao com a subjetividade, ou seja, no se trata de falar de leis universais, mas de refletir, a partir delas, sobre a prpria experincia. Conversamos sobre a sua responsabilidade como profissional da sade e como poderiam contribuir para que os usurios pudessem de fato ter acesso aos seus direitos e exerc-los e tambm como poderiam na relao face a face manter uma atitude de respeito ao usurio como um sujeito de direitos. O grupo tambm refletiu sobre suas prprias dificuldades, especialmente, relacionadas conduo de situaes que consideram mais delicadas como a

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internao de bebs na UTI ou o bito de bebs e comentou sobre a importncia do acompanhamento psicolgico para auxili-los no trabalho e, principalmente, de espaos para discusso e reflexo. O debate foi dinmico e envolvente. Nossa anfitri nos contou que, s vezes, os profissionais no ficavam at o final dos encontros de capacitao alegando sobrecarga de atividades. Naquele dia, todos ficaram at o ltimo minuto e se declararam muito satisfeitos com a nossa discusso.

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FOLHA DE TRABALHO DA PRIMEIRA RODA DE CONVERSA

RODA DE CONVERSA Coordenao: Adriana de S Souza e Letcia Aparecida de Oliveira Marques Data: 16/05/07 Horrio: 14:00-15:30 h Local: Maternidade, em Belo Horizonte Grupo (Tipo e nmero de participantes): Aproximadamente 30 profissionais da rea da sade. Tema/Tarefa: Ciclos de vida e Cidadania OBJETIVOS TCNICA TEMPO ESTIMADO DA DINMICA DO GRUPO DA REFLEXO DO TEMA

P R E P A R A R

Acolhimento e breve apresentao das coordenadoras e do nosso projeto. Cada participante escolhe uma imagem que o/a represente e diz as razes desta escolha, descrevendo assim algumas caractersticas prprias. Dividir o grupo em dois subgrupos de aproximadamente 15 pessoas. Cada subgrupo dever trabalhar a temtica de direitos e deveres dos usurios da sade nos diferentes ciclos da vida. Apresentao dos subgrupos em plenria e debate da temtica.

10 Promover a interao e o clima de trabalho no grupo. Conhecer um pouco sobre cada participante e seu trabalho no contexto em que se realiza a Roda. 10

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