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Organização Elizabete Freire - Mackenzie

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Organização

Elizabete Freire Sônia Cavalcanti Corrêa

Desafios na Educação Física

ConhECimEnto ConstruíDo Em parCErias

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Copyright©2012 Bookmakers Ltda.

ISBN: 978-85-6524-10-3

Capa, diagramação e projeto gráfico:Algo+ Soluções Editoriais

Revisão:Renato Bittencourt

Impressão: Singular Digital

Coordenação editorial:Thalita Uba

[2012]Bookmakers Editora Ltda.Rua Treze de Maio, 23, grupo 72120031-007 - CentroRio de Janeiro - RJTel.: (21) 3648-1351www.bookmakers.com.br1ª edição / Novembro de 2012

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

F933c Freire, Elisabete dos Santos Conhecimento construído em parcerias [recurso eletrônico] : desafios na educação física / Elisabete dos Santos Freire... [et al.]. - 1.ed.. - Rio de Janeiro : Bookmakers, 2012. 262p., recurso digital : il. Formato: ePub Requisitos do sistema: Adobe Digital Editions Modo de acesso: World Wide Web ISBN 978-85-6524-10-3 (recurso eletrônico) 1. Educação física - Estudo e ensino 2. Prática de ensino 3. Livros eletrônicos. I. Título.

12-6691. CDD: 372.86 CDU: 372.86

14.09.12 01.10.12 039170

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INTRODUÇÃO, 7

FADIGA NA CORRIDA: Uma abordagem multidisciplinar, 17

PERSPECTIVAS SOBRE A FORMAÇÃO DO TALENTO NO ESPORTE, 47

TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO NA GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO FÍSICA: O uso da Web 2.0 e do Moodle, 71

OS TEMPERAMENTOS HUMANOS: Uma experiência interdisciplinar da docência ao voleibol, 99

MOTIVAÇÃO E ANSIEDADE NO ESPORTE: da iniciação ao alto rendimento, 121

PROJETO SALVAMENTO AQUÁTICO, 147

A BIOMECÂNICA APLICADA À EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR: Ensinos Fundamental e Médio, 169

PERCEPÇÃO DOS ALUNOS DE LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO FÍSICA SOBRE SUAS APRENDIZAGENS EM UM PROJETO DE INTERVENÇÃO INTERDISCIPLINAR, 197

APRENDER COM A PRÁTICA: Uma experiência de formação de professores de educação física, 219

MOSTRA DE ATIVIDADES RÍTMICAS E GINÁSTICA: A Experiência de Aproximar Diferentes Disciplinas, 243

AUTORES, 261

SUMÁRIO

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INTRODUÇÃO

Elisabete dos Santos FreireSonia Cavalcanti Corrêa

Em 1º de setembro de 1999, o Conselho Universitário da Universidade Presbiteriana Mackenzie autorizou a implantação do curso de graduação em educação física. O professor mestre Marcel Mendes, então magnífico vice-reitor e relator, apresentou a segunda matéria da pauta afirmando que:

A criação do curso de graduação em educação física traz em seu bojo fortes componentes históricos, que realçam a “tradição e o pioneirismo” do Mackenzie na área de educação física e esporte no Brasil. A essa sig-nificativa credencial somam-se as disponibilidades de infraestrutura já implantada e a excelência do corpo docente. (ATA DA REUNIÃO, 1999, p. 2)

A proposta inicial do curso é sustentada por projeto da Coordenadoria de Educação Física da Universidade Presbiteriana Mackenzie, assinada pelo professores mestres Marcos Merida, então coordenador, e Jonilio Orlando, que na época representavam os anseios de todos os professores da área.

Tal proposta levou em consideração as diretrizes estabelecidas pela Lei 9.394/1996 (LDBEN) e pela Resolução CFE 03, de 16 de julho de 1987, abrangendo a licenciatura e o bacharelado.

A sólida formação geral e a possibilidade de opção para aprofunda-mento de conhecimentos foi ponto marcante do currículo pleno propos-to, com duração mínima de oito semestres, compreendendo uma carga de 3.234 horas e apresentação obrigatória de trabalho de conclusão de curso, em nossa universidade denominado trabalho de graduação interdisciplinar. Esse currículo foi guiado pela orientação científica, a integração entre teo-

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ria e prática, o conhecimento filosófico, do ser humano e da sociedade, bem como, pelo conhecimento técnico, representado pelos estudos das diversas manifestações clássicas e emergentes da cultura do movimento humano.

Vale ressaltar que a Universidade Presbiteriana Mackenzie esteve acompanhando as discussões em torno das mudanças da legislação desde a elaboração do documento da Comissão de Especialistas de Ensino em Educação Física (Coesp-EF) do MEC/Sesu, encaminhado ao CNE, em 13 de maio de 1999, e do Parecer CNE/CSE 1.070, de 23 de novembro de 1999; passando pela Resolução CNE/CP 01, de 18 de fevereiro de 2002; a Resolu-ção CNE/CP 02, de 19 de fevereiro de 2002; e o Parecer CNE/CES 138, de 03 de abril de 2002; bem como seus desdobramentos.

O curso foi implantado a partir do primeiro semestre de 2000 no Cam-pus Tamboré, tendo em vista as instalações e equipamentos disponíveis. Refletindo a seriedade e o compromisso característicos do Mackenzie, a entrada dos alunos foi feita por admissão em processo seletivo único (ves-tibular), inicialmente, com duas turmas de 40 alunos no período noturno e, a partir do primeiro semestre de 2001, mais uma turma de 40 alunos no período vespertino. O professor mestre Marcos Merida foi designado para responder, sit et in quantum, pela instalação e a implementação da Faculdade de Educação Física da Universidade Presbiteriana Mackenzie, por meio da Portaria da Reitoria 67, de 20 de setembro de 1999.

A partir daí, começou a contratação da equipe de operacionais e de docentes, concomitantemente ao planejamento e a execução de ampliações, reformas e adequações dos espaços físicos e das instalações esportivas. Te-ve-se, inicialmente, compromisso especial com a aquisição de um acervo bibliográfico, priorizando a bibliografia básica das disciplinas a serem im-plantadas a cada semestre, mas não esquecendo as obras complementares.

O reitor, professor doutor Claudio Lembo, designou o professor mestre Marcos Merida para exercer o cargo de diretor da FEF, por meio da Portaria da Reitoria 89, de 13 de dezembro de 1999. Designou, também, a professora mestra Rita de Cássia Garcia Verenguer como chefe do Departamento Di-dático-Científico da Atividade Física, por meio da Portaria da Reitoria 07, de 17 de fevereiro de 2000, e o professor mestre Ronê Paiano como chefe do

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Departamento de Aptidão Física, Esporte e Qualidade de Vida, por meio da Portaria da Reitoria 06, de 07 de fevereiro de 2000.

Em setembro de 2003, o curso de educação física passou pelo processo de reconhecimento. A Comissão de Avaliação das Condições de Ensino, desig-nada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, atribuiu os conceitos CB, CMB e CMB, respectivamente, às dimensões corpo docente, or-ganização didático-pedagógica e instalações. Vale ressaltar que o resultado CB na dimensão corpo docente significou que, na época, o número de professores em regime de contrato parcial e integral foi considerado insuficiente.

O resultado do reconhecimento dos cursos de bacharelado e licenciatu-ra foi publicado no Diário Oficial da União, respectivamente em 20 de maio de 2004, Portaria 1.417/2004, e 04 de maio de 2005, Portaria 1.494/2005.

Em novembro de 2004, pela primeira vez, os graduandos dos cursos de educação física do país realizaram o Exame Nacional de Desempenho Estudantil (Enade) como parte do Sistema Nacional de Avaliação da Edu-cação Superior (Sinaes). O Enade-2004 foi respondido por uma amostra de 156 estudantes, sendo 72 concluintes e 84 ingressantes. O resultado, obtido por meio de análise considerando o peso amostral, correspondeu ao conceito 4.

Em fevereiro de 2005, houve a primeira reestruturação administrativa na universidade, com a extinção das chefias de departamento e o surgimen-to da coordenação do curso. Do ponto de vista dessa nova estrutura, o cur-so continuou a contar com o professor mestre Marcos Merida na direção da unidade e foi designada, pela Portaria da Reitoria 168/2005, a professora doutora Rita de Cássia Garcia Verenguer para responder pela coordenação de curso.

Em julho de 2006, a universidade acolheu a segunda reestruturação ad-ministrativa: surgiu o Centro de Ciências Biológicas e da Saúde (CCBS), cuja direção ficou a cargo da professora doutora Beatriz Regina Pereira Sa-eta. No CCBS, ficaram locados os cursos de ciências biológicas, educação física, farmácia e psicologia e, seis meses depois, a ele foram incorporados os cursos de fisioterapia e nutrição.

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Nesta segunda reestruturação, surgiu o cargo de coordenador de curso do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde e para a coordenação do curso de educação física foi designada, em Portaria da Reitoria 105/2006, a pro-fessor doutora Rita de Cássia Garcia Verenguer.

No ano de 2006, no âmbito da universidade e do curso, fortaleceram--se as discussões para a implantação das novas matrizes curriculares dos cursos de educação física, considerando a Resolução CNE/CP 02/2002 (li-cenciatura) e a Resolução CNE/CES 07/2004 (bacharelado).

Em novembro de 2007, os graduandos do curso realizaram, pela segun-da vez, o Enade. O resultado, divulgado em agosto de 2008, é o apresentado abaixo.

Enade 2007 IDD CGC

Conceito 5 3 4

Em termos comparativos, o curso de educação física da UPM foi o único a alcançar esse resultado considerando as instituições privada do estado de São Paulo e compõe um grupo com outras 11 instituições brasileiras que alcança-ram nota máxima no Enade-2007.

Em março de 2009, passou a exercer a função de coordenador de curso o professor doutor Ronê Paiano.

A construção do projeto pedagógico do curso de educação física da Universidade Presbiteriana Mackenzie considera que o ensino universitá-rio assume papel social diferenciado no contexto da sociedade do século XXI. O século XXI vem sendo considerado como aquele em que conhe-cimento, riqueza, soberania racional e qualidade de vida estão ligados por um mesmo fio: uma população educada e com autonomia para buscar e produzir informação.

A sociedade do conhecimento, como tem sido chamada, caracterizar--se-á como aquela em que o conhecimento é a mola propulsora para a so-ciedade. Em outras palavras, a geração de riqueza dependerá do incentivo à pesquisa e à educação universal e de pessoas altamente preparadas.

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Nesse sentido, delineia-se para o processo de preparação profissio-nal um novo paradigma que vai exigir mudança de comportamento. A aprendizagem deverá ser contínua e vitalícia, pois o conhecimento tem meia-vida e a aprendizagem, não. É preciso pensar na abordagem “apren-der a aprender”, ou seja, a prioridade deve ser o processo de aprendiza-gem, uma vez que os conteúdos são transitórios. E, sobretudo, criar um ambiente para que seja desenvolvida a autonomia, a responsabilidade e a automotivação.

Às tarefas tradicionais da universidade (produção e divulgação do conhecimento, preparação profissional, prestação de serviços à comunidade e preservação do patrimônio cultural) serão adicionadas outras, como por exemplo a criação de novos tipos de certificação de competências e ciclos de formação, a aproximação do conhecimento acadêmico, do profissional e do popular e, principalmente, a diminuição do déficit de conhecimento da sociedade em geral com currículos alternativos e flexíveis.

Diante dessa nova realidade, desenham-se novos desafios aos atores universitários. Aos docentes caberá, além da competência técnica (conhe-cimento da sua área e dos processos de ensino e aprendizagem), a compe-tência política (conhecimento do tempo/espaço social, da cidadania). Entre as ideias de curiosidade, rigor intelectual, autonomia e atitudes éticas, o docente por excelência será aquele que tem uma atitude positiva frente ao conhecimento e vive um estado permanente de indagação ou, em outras palavras, é um pesquisador.

Dos discentes serão exigidas novas atribuições: de receptores para co-laboradores de conhecimento, de críticos passivos para solucionadores de problemas e propositores de soluções, de espectadores para protagonistas de suas competências.

Se os docentes e discentes têm novos desafios e papéis, aos gestores uni-versitários cabem a construção de um cenário acadêmico que vise à agilidade nas decisões e a diminuição da burocracia, o treinamento constante do cor-po docente e administrativo, o incremento das atividades extracurriculares (grupo de estudos e/ou pesquisa, viagens pedagógicas, etc.) e o investimento e acesso ilimitado à tecnologia informacional.

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Assim, o desafio atual dos cursos de graduação tem sido a reorganização da estrutura curricular, propondo mecanismos que possam aproximar teoria e prática, ciência e profissão. Como fruto do amadurecimento e sensibilidade dos docentes-pesquisadores, observa-se atualmente uma preocupação maior em legitimar a pesquisa aplicada como aquela que poderá trazer mudanças significativas para intervenção profissional.

Nessa perspectiva, é preciso que o graduando também assuma o papel de produtor do conhecimento, participando da elaboração e da implemen-tação de pesquisas. Nesse sentido, a problematização científica também deve se originar no próprio cotidiano do aluno, em sua relação com a reali-dade da profissão. Com isso, será possível superar a dicotomia entre teoria e prática, integrando conhecimentos acadêmicos e intervenção profissional.

A preparação profissional em educação física e a constituição da estru-tura curricular precisam considerar o fenômeno ensino-pesquisa-extensão, pois é ele que sustenta a universidade e dá respaldo científico à profissão. As atividades que compõem o ensino - matriz curricular, estágio curricular su-pervisionado, prática como componente curricular e atividades acadêmico--científico-culturais - precisam estar integradas de modo a se complementa-rem.

Quanto ao estágio, ele não pode ser considerado um apêndice na for-mação: é peça fundamental para a reflexão do cotidiano profissional e deve estar inserido, principalmente, nas disciplinas de orientação à inter-venção. No projeto pedagógico, procurou-se aproximar a realização dos estágios dos conhecimentos disseminados no curso, fazendo com que o contato com o ambiente real de intervenção estimule a construção de co-nhecimento de maneira significativa

As atividades que compõem a pesquisa desenvolvimento de projetos, participação em grupos de estudo, realização de trabalhos disciplinares e interdisciplinares, apresentação de trabalhos em eventos científicos poten-cializam o processo de profissionalização e dão vitalidade ao conhecimento da área, e por isso mesmo são frequentemente estimuladas no curso. Em média, são oferecidos oito grupos de estudos, que, com frequência, origi-

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nam projetos de iniciação científica, posteriormente apresentados em even-tos científicos. Muitos desses projetos transformam-se em artigos, publica-dos nos diversos periódicos da área.

Considerando que a educação física é uma profissão academicamente fundamentada, a extensão não pode ser relegada ao segundo plano, visto que se caracteriza por um espaço privilegiado para o aperfeiçoamento da inter-venção profissional, por meio de uma intervenção supervisionada e acom-panhada por profissionais/docentes experientes. Tem sido característica do curso o estímulo à participação dos alunos em projetos de extensão, sendo oferecidos os projetos nas seguintes áreas: educação física infantil; educação física na adolescência; educação física adaptada; e educação física escolar. Dessa forma, é tradição no curso que os graduandos, em algum momento, vivam a experiência com a extensão.

Faz parte da história do curso um cuidado com a construção de um currículo que abranja a construção de saberes de natureza conceitual, pro-cedimental e atitudinal. Já em 2002, na construção coletiva do projeto pe-dagógico, foram discutidos os conteúdos de cada disciplina e, a partir dessa discussão, houve a elaboração de planos de ensino nos quais se optou por ex-plicitar a presença de cada uma das dimensões do conteúdo. A comprovação de que esse era o caminho correto veio depois, com a publicação das diretri-zes curriculares para os cursos de graduação em educação física, aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação no parecer 58/2004. Nessas diretrizes, defende-se que o graduado deve “dominar os conhecimentos conceituais, procedimentais e atitudinais”.

Vale a pena destacar uma entre tantas atitudes estimuladas no curso: a competência para trabalhar em equipe. Ela aparece no perfil profissional esperado, tanto no curso de licenciatura quanto no de bacharelado, por se considerar que ela é fundamental na sociedade atual. Para preparar profis-sionais com tal competência, é condição sine qua non que docentes, equipe técnica e gestores consigam trabalhar de maneira articulada.

Partindo dessa premissa, desde seu início, tem sido uma característi-ca do curso o trabalho integrado entre os professores, integração esta es-

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timulada pelos gestores. Assim, estabelecer parcerias para construir co-nhecimentos tem sido nossa prática. A construção dessas parcerias conta frequentemente com o envolvimento dos graduandos. Geralmente, elas seguem percursos distintos e resultam em produtos diversificados: alguns docentes se aproximam para realizar pesquisas e produzir conhecimentos científicos, outros realizam experiências de ensino e/ou extensão. Apresen-tar alguns dos trabalhos construídos em parceria é o objetivo deste livro.

A primeira parte apresenta ensaios e textos sobre temas escolhidos pe-los professores. A motivação para a construção desses trabalhos surge em diferentes momentos: em reuniões de grupos de estudo, nas bancas de defe-sa dos trabalhos de conclusão de curso ou, ainda, em discussões informais, realizadas na sala de professores, no refeitório ou na lanchonete.

O primeiro capítulo, escrito por Corrêa, Caperuto, Costa, Coutinho e Hirota, apresenta o olhar de diferentes áreas do conhecimento sobre a fadi-ga. Nele, os autores fazem uma síntese de discussões realizadas em diferen-tes disciplinas que trataram do tema de maneira interdisciplinar, discussão amadurecida em reuniões do grupo de estudo.

No segundo capítulo, Uezo, Masseto, Massa e Campanelli analisam o talento esportivo, ideia que toma forma nas discussões realizadas no grupo de estudos sobre esse tema, organizado pelos autores.

Outro capítulo que surge a partir das análises em grupo de estudo foi o elaborado por Verenguer e Costa, discutindo assunto recente, que merece o olhar dos pesquisadores da educação física: a WEB 2.0.

Conversas informais entre os professores, sobre os alunos e suas rea-ções a determinados temas discutidos em aula, originam os dois capítulos seguintes.

Matos e Bojikian analisam como os temperamentos humanos se apre-sentam nas atividades de ensino durante a graduação de futuros profissio-nais de educação física e na organização de equipes de voleibol.

Hirota, Tondato e Knijnik procuram integrar conhecimentos de dife-rentes pesquisas para compreender as relações entre motivação, ansiedade e lesões no esporte.

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Na segunda parte do livro estão reunidos textos que apresentam relatos de experiências ou propostas pedagógicas aplicadas e avaliadas pelos seus autores.

Assim, no sexto capítulo Masseto, Ressurreição e Cossote descrevem uma proposta pedagógica para discutir o salvamento aquático nos cursos de graduação, a partir da integração entre as disciplinas teoria e prática dos es-portes aquáticos e socorros de urgência.

Na mesma linha, Corrêa, Freire, Ladeira, Piceda e Rodrigues analisam aspectos biomecânicos do equilíbrio e apresentam propostas para desen-volver esse tema nas aulas de educação física.

Nos dois capítulos seguintes, de autoria de Filgueiras e Paiano e de Fil-gueiras, Rodrigues e Silva, os resultados da aplicação de projetos interdisci-plinares são relatados. Os autores se fundamentam em uma epistemologia da prática e apresentam dois exemplos de integração entre ensino, pesquisa e extensão.

Encerrando o livro, Grillo, Pichiliani, Souza Jr., Merida e Ferreira Filho re-latam a experiência com a Mostra de Ginástica, evento que, realizado semes-tralmente há sete, usa a ginástica como meio para tratar diferentes temas apre-sentados nas disciplinas envolvidas.

Com a apresentação deste livro, pretendemos compartilhar experiên-cias e disseminar conhecimento produzido, esperando que nossos escritos tragam contribuições tanto para aqueles que estão diretamente envolvidos com o ensino, a pesquisa e a extensão quanto para os demais graduandos e profissionais que constroem a educação física diariamente.

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FADIGA NA CORRIDA: Uma abordagem multidisciplinar

Sonia Cavalcanti CorrêaErico Caperuto

André Costa, MarcelaMeneguello Coutinho

Vinicius Barroso Hirota

Nos Jogos Olímpicos de Verão de 1984, realizados em Los An-geles, durante a maratona feminina (a primeira maratona olím-

pica feminina), ganha pela norte-americana Joan Benoit, a suíça Gabriela Andersen-Scheiss, completamente desidratada e desorientada pelo esforço no calor, além de estar com uma forte cãibra na perna esquerda, camba-leou nos últimos 200 metros, levando dez minutos para completá-los, até cair desacordada nos braços dos médicos, sobre a linha de chegada. Após a prova, ela disse aos jornalistas que queria terminar o percurso, pois aquela talvez fosse sua única oportunidade olímpica, por causa dos seus 39 anos. A corredora chegou apenas na 37ª colocação entre 44, mas foi mais aplaudida que a medalhista de ouro Joan Benoit. Por causa desse incidente, a Interna-tional Association of Athletics Federations (IAAF) - Federação de Atletis-mo Internacional - fez o artigo “Andersen-Scheiss”, que permite aos atletas receberem auxílio médico durante o percurso sem serem desclassificados.

O fato é considerado, até hoje, um dos maiores exemplos de perseve-rança, gana e espírito olímpico, um exemplo exacerbado de determinação e força de vontade capaz de superar até mesmo os limites de autopreservação do corpo humano.

Características como as apresentadas pela atleta são os mais evidentes sintomas de fadiga que o organismo pode apresentar. Além de se tornar um exemplo de determinação, a atleta colocou em cheque alguns importan-

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tes conceitos de fadiga que serão discutidos neste capítulo. Os mecanismos desses conceitos e do processo de fadiga serão discutidos sob a óptica da fisiologia, da bioquímica e da biomecânica.

1. Aspectos históricos da fadiga

Um dos mais antigos registros em relação à fadiga data do século XVIII. O livro La fatica (MOSSO, 1904) justifica a fadiga por dois fatores: o primeiro é pela diminuição da força muscular, e o segundo, como uma sensação. Ou seja, temos um fato físico que pode ser medido e comparado, e um fato psíquico, que não consegue ser medido.

As descrições de fadiga da literatura, bem como a própria definição do termo fadiga, ainda gera intenso debate frente à quantidade de significados que o termo e o fenômeno podem assumir. Bainbridge (1931), um dos pri-meiros autores de fisiologia do exercício, relatava que, geralmente, a fadiga havia sido atribuída apenas a alterações na capacidade cardíaca, mas os fa-tos como um todo indicavam que a soma das mudanças que acontecem no corpo culmina na cessação final do esforço.

O Dicionário Oxford traz, como definição de fadiga, “cansaço extremo depois do esforço, redução na eficiência muscular, dos órgãos etc., depois de atividade prolongada”. O Dicionário Aurélio caracteriza a fadiga como “s.f. (substantivo feminino) sensação penosa causada pelo esforço ou traba-lho intenso; cansaço. Estafa, esgotamento”.

Nas ciências do exercício, existe uma variação enorme na definição de fadiga. Afirmações clássicas como “falha em manter a força esperada ou exigida” (EDWARDS, 1981), ou “perda na capacidade de gerar força máxi-ma” (BIGLAND-RITCHIE et al., 1986), ou ainda “um estado reversível de depressão na força, incluindo um ritmo menor de aumento da força e um relaxamento mais lento” (FITTS; HOLLOSZY, 1978) são colocadas.

É possível que exista uma grande variedade de explicações para a fa-diga, de desequilíbrios metabólicos na unidade motora a mecanismos me-diados pelo sistema nervoso central (ENOKA; DUCHATEAU, 2008). O balanço entre esses mecanismos, que podem ser divididos como centrais

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e periféricos, pode ser parcialmente dependente da duração e da intensi-dade da fadiga, e também do grupo muscular que está sendo investigado (BEHM; ST-PIERRE, 1997).

Mesmo não havendo um consenso quanto ao conceito de fadiga, gran-de parte dos pesquisadores concorda que é um fenômeno subjetivo, multi-causal, cuja gênese e cuja expressão envolvem aspectos físicos, cognitivos e emocionais como os apresentados por Gabriela Andersen-Scheiss no final da maratona de 1984 (MOTA; PIMENTA, 2002).

2. Pesquisas em fadiga: qual será o futuro?

Considerações sobre o futuro do estudo da fadiga trazem perguntas in-teressantes. Por exemplo, pesquisadores com objetivo de estudar os limites da performance humana devem estar familiarizados com duas proposições muito aceitas, porém incompatíveis.

A primeira diz que sem o uso de ergogênicos artificiais, como manipu-lação genética ou drogas, será difícil ver futuras melhoras significantes nos recordes de esportes como natação ou atletismo (NEVILL, 2005).

Por outro lado, há aqueles que acreditam em eventos de super-resistên-cia, como os exploradores antárticos ou indivíduos que faziam caminhadas intercontinentais, como exemplos de que o ser humano não consegue saber realmente até aonde pode ir, uma vez que raramente são colocados em situ-ação de risco de vida (NOAKES, 2006).

Observando a chegada da atleta Gabriela Andersen-Scheiss e refletindo sobre essas duas colocações surge a pergunta: os limites para a performance são mecânicos e imutáveis, ou sugestionáveis e indefinidos?

3. Aspectos gerais da fadiga

A fadiga causada pelo exercício é uma sensação comum que todos já experimentamos. Durante o exercício, a sobrecarga pode criar tal sensa-ção de intensidade que o sujeito precisa reduzir o ritmo de exercício, ou até mesmo parar sua realização. Qualquer atividade física consome energia

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e, mais cedo ou mais tarde, vai esvaziar os estoques de energia do corpo, forçando-o a parar. Um consumo ilimitado desses estoques sem reabas-tecimento teria efeitos prejudiciais no equilíbrio do ser humano e em sua saúde física. Portanto, as sensações de fadiga e exaustão acabam sendo es-senciais para manter nossa integridade física. Essas sensações representam o elemento psicológico, que vai, ao longo do tempo, promover mudanças no comportamento. As mudanças físicas e bioquímicas que acompanham a realização do exercício são os elementos fisiológicos responsáveis pela sina-lização de fadiga. O fenômeno da fadiga e da exaustão durante o exercício compõe campos de interesse de diversas disciplinas, especialmente da fisio-logia e da psicologia do esporte (AMENT; VERKERKE, 2009).

A fadiga muscular pode se referir a um déficit motor, uma percep-ção ou declínio na função mental; pode descrever a diminuição grada-tiva na capacidade de o músculo gerar força ou o ponto final de uma atividade sustentada. Ela pode ser medida como uma redução na força muscular, mudança na atividade eletromiográfica ou exaustão da fun-ção contrátil. Tal amplitude de conceito é um problema, porque nesse contexto a fadiga pode abranger vários fenômenos que são consequên-cias de diferentes mecanismos fisiológicos. Isso reduz a probabilidade de identificarmos a sua causa de maneira específica. Para contornar essa limitação, a maioria dos pesquisadores invoca uma definição mais fo-cada, como por exemplo a redução, causada pelo exercício, na capaci-dade do músculo para produzir força ou potência, independentemente se a tarefa pode ou não ser sustentada (BIGLAND-RITCHIE; WOODS, 1984; SØGAARD et al., 2006).

Embora um consenso seja uma espécie de utopia quando se trata do conceito de fadiga, todos os autores trazem elementos comuns em suas ob-servações. Um dos elementos mais apontados é a interdependência ou a íntima relação dos aspectos do sistema nervoso central com os aspectos musculares. Uma colocação simplista poderia classificar como uma divisão entre fadiga central e periférica, levando-se em consideração todos os de-talhes que permeiam cada uma dessas classificações e culminam em exem-plos como o da maratonista, como ilustrado na Figura 1.

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Corrêa, Caperuto, Costa, Coutinho e Hirota | 21

Figura 1. Relação dos elementos bioquímicos, fisiológicos e psicológicos da Fadiga com a geração das alterações imunológicas, biomecânicas e de saúde.

A fadiga parece, então, um evento em que diversas variáveis estão en-volvidas, entre elas elementos fisiológicos, bioquímicos e psicológicos, que culminam em alterações mecânicas, imunológicas e, por fim, de saúde que podem ser observadas em suas mais diferentes e, em alguns casos, mais extremas manifestações.

4. A fisiologia da fadiga

Do ponto de vista fisiológico, navegando entre o simplismo e dando es-paço a todos os detalhes do preciosismo, podemos considerar fadiga como qualquer espécie de interrupção do processo de comunicação entre o cére-bro e o músculo. Esse processo nasce no desejo, controlado exclusivamente pelo sistema nervoso central (SNC), de realizar determinado movimento em determinado ritmo e com determinada força. A informação é então transferida através do sistema nervoso periférico para os músculos, que se contraem para compor o movimento desejado.

Os aspectos bioquímicos específicos e locais de cada um desses sítios são determinantes para a realização ou não do movimento. Entretanto, quando observamos o fenômeno de uma forma mais integrativa, podemos acrescentar peças importantes no seu complexo quadro.

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22 | Fadiga na Corrida:Uma abordagem multidisciplinar

5. A fadiga central: podemos literalmente “morrer de cansaço”?

Múltiplos processos no sistema nervoso e no músculo podem contri-buir para a fadiga muscular. Diversos deles iniciam-se juntamente com o início da contração voluntária. A fadiga progride junto com o exercício e começa a se recuperar quando ele cessa. Em algum momento, durante o exercício, dependendo de sua intensidade, a força ou potência voluntária máxima vai ser consideravelmente reduzida pela fadiga. Se o exercício é submáximo, a fadiga pode ocorrer (uma fadiga mensurável) sem perda da performance na tarefa, por conta do recrutamento de outras unidades mo-toras em substituição às fadigadas.

Já a fadiga central se refere a processos superiores e pode ser definida como uma falha na ativação voluntária do músculo progressivamente in-duzida pela realização do exercício (HOLTZHAUSEN et al., 1994). A fadiga central pode ser demonstrada como no estudo clássico de Merton (1954), quando se consegue um aumento na força gerada por uma estimulação nervosa (artificial) durante um esforço voluntário máximo. Se esse aumen-to extra pode ser provocado pela estimulação nervosa durante o esforço voluntário máximo, ou algumas fibras não tinham sido recrutadas ou os neurônios não as estavam recrutando rápido o suficiente para produzir as contrações no momento da estimulação (HERBERT; GANDEVIA, 1999). Esse aumento forçado na ativação (chamado de contração superimposta) significa que a fadiga central e os processos centrais alterados, próximos ao local de estimulação do axônio do neurônio motor, estão contribuindo para uma perda de força. Alguns mecanismos supraespinhais também podem contribuir para a fadiga central (GANDEVIA et al., 1996; TAYLOR et al., 2006). Para os flexores do cotovelo, por exemplo, a estimulação magnética transcraniana (EMT) do córtex motor gera contrações forçadas a despeito do esforço máximo do sujeito (TODD et al., 2003). Isso indica que, no mo-mento da estimulação, a produção de estímulo do córtex motor não é má-xima (parte dela permanece inalterada) e não é suficiente para ativar todas as unidades motoras necessárias para produzir a força muscular máxima. Portanto, a produção de estímulo pelo córtex motor não é suficiente. Um

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aumento na contração superimposta (forçada) provocada pela estimulação cortical durante o exercício pode ser considerado um marcador de fadiga supraespinhal (TAYLOR; GANDEVIA, 2008).

Seguindo essa mesma linha de raciocínio, acrescentam Seifert e Peter-sen (2010) que mudanças na informação sensorial de músculos ativos ocor-rem durante exercícios fatigantes deteriorando a capacidade do organismo para gerar força. Portanto, o comando motor central deve ser ajustado de-pendendo da tarefa a ser realizada, contando com a sinalização periférica. Os potenciais de ação do músculo evocados pela estimulação magnética transcraniana (EMT) mudam durante o desenvolvimento da atividade muscular, o que demonstra mudanças nas redes espinhal e cortical duran-te o exercício extenuante. O trabalho desses autores sugere que, conforme a fadiga se estabelece durante o exercício, existe um aumento paralelo na excitação dos circuitos inibitórios que controlam a estimulação corticoespi-nhal. Esse trabalho corrobora as ideias defendidas por Noakes et al. (2004).

Noakes et al. (2004) questionam os conceitos baseados nos modelos de fisiologia do exercício de limitação ou “catástrofe” (EDWARDS, 1983). Esses modelos dizem que a fadiga se desenvolve depois de um ou mais sis-temas orgânicos serem estressados além de sua capacidade, levando rapi-damente a uma falha completa do sistema que nós reconhecemos como exaustão.

O exemplo mais estabelecido, talvez a fonte original dessa forma de pensar, é a teoria de que há uma limitação de oxigênio para o músculo, levando a uma hipóxia muscular ou anaerobiose, com consequente desequilíbrio na produ-ção/utilização de ATPs, sendo portanto a causa da fadiga durante exercícios de curta duração e alta intensidade o conhecido modelo de catástrofe anaeróbica cardiovascular (KRETCHMAR, 2007). Entretanto, a falha que passa desper-cebida nessa teoria é que, se o ritmo de produção de ATPs fosse menor que o ritmo gasto, essa diferença causaria, em última instância, o rigor muscular. Mas se o rigor muscular não se desenvolve em nenhum tipo de exercício em ver-tebrados, então alguma outra forma de controle deve existir para determinar o fim do exercício, mesmo com o ritmo de produção e utilização de ATPs em equilíbrio.

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Dessa forma, Jones et al. (2004) concluem que os modelos atuais, que postulam a fadiga sendo regulada exclusivamente por mudanças ocorridas nos músculos que se exercitam, não explicam a maior parte das formas de fadiga provocadas pelo exercício. A maior evidência disso é os trabalhos que mostram como o recrutamento motor em músculos ativos nunca é absoluta-mente máximo (MARINO, 2009; DUFFIELD et al., 2009; MOCK et al., 2000; GABBET, 2008) durante exercícios voluntários em humanos.

Alguns autores (ROYAL et al., 2006), estabelecendo um novo modelo, dizem que a fadiga periférica é um sistema dinâmico e linear no qual a falha resulta de um aumento progressivo na quantidade de alguns meta-bólitos ou variáveis, até que estes alcancem um nível máximo. Em relação a esta hipótese, Noakes et al. (2004) dizem que em humanos com um SNC intacto ainda não foi identificado nenhum metabólito que se acumule se-gundo esse modelo linear.

Também é examinada pelos autores a hipótese do modelo de fadiga neural central, baseada na evidência de que sempre existe uma “reserva de recrutamento” (GANDEVIA, 2001; ST CLAIR GIBSON et al., 2001) no mús-culo esquelético em todas as formas de fadiga, indicando que o SNC regula, e na verdade limita, o recrutamento muscular especificamente para manter o equilíbrio e evitar o colapso, a “catástrofe”. O sistema seria controlado pro-vavelmente por uma regulação em antecedência de estruturas corticais ou inibição reflexa dos comandos neurais aferentes pelos quimiorreceptores III e IV, reagindo a mudanças na concentração de substratos ou metabólitos, ou talvez até mesmo de informações dos mecanoreceptores dos músculos esqueléticos, pulmonares e cardíacos.

Com base em estudos próprios, St Clair Gibson et al. (2001), Kay et al. (2001) e outros, como Lucia et al. (2003) e Noakes et al. (2004), propõem uma versão mais compreensiva e atualizada do modelo original descrito (NOAKES et al., 2001).

De acordo com o modelo do “governador central”, eles propõem que durante o exercício espontâneo, diferentemente do ambiente do labora-tório, o SNC continuamente modifica o ritmo como parte de um sistema

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complexo dinâmico e não linear. Neste modelo, a produção de trabalho (o ritmo de exercício) é continuamente ajustado com base em “cálculos” metabólicos realizados em níveis subconscientes do SNC. Esses cálculos levam em conta o conhecimento prévio adquirido em sessões de exercício anteriores, o fim planejado da sessão de exercício atual, o ritmo metabó-lico atual, entre outras tantas variáveis em potencial. Esses cálculos sub-conscientes criam um ajuste contínuo no ritmo de produção de trabalho e, portanto, no ritmo de exercício durante a sessão.

Este modelo dá uma visão revolucionária de que a fadiga não é um evento físico, e sim uma sensação, que é a manifestação consciente desses cálculos subconscientes realizados pelo SNC (ST CLAIR GIBSON et al., 2001; ST CLAIR GIBSON et al.,2003). Dessa maneira, o modelo prevê que o controle final do desempenho em exercícios está na habilidade do cérebro para variar o ritmo de trabalho e a demanda metabólica alterando o núme-ro de unidades motoras recrutadas durante o exercício.

Portanto, a partir do que foi explanado, pergunta-se: quais parâmetros fisiológicos determinam o número de unidades motoras recrutadas pelo SNC nos músculos esqueléticos ativos?

Lambert et al. (2004) examinam, em um estudo, a regulação periféri-ca da atividade metabólica e como o processo periférico é integrado nos centros do SNC. Eles revisam a evidência que mostra que metabólitos periféricos podem fornecer informações aos centros regulatórios no cé-rebro pela via aferente, sendo, portanto, parte importante no processo regulatório. Alterações nas vias eferentes geradas como resultado de uma entrada periférica sensorial aferente tem um atraso natural que leva a um ajuste contínuo, com consequente produção de trabalho oscilante, ou seja, com ritmo variável de exercício, como parte do sistema dinâmico, não linear, complexo e que regula o corpo todo. Lambert et al. (2004) ar-gumentam ainda que essas alterações no ritmo de esforço também podem ser parcialmente determinadas por sistemas regulatórios que existam na periferia. Esses sistemas contribuem para um sistema de controle hierár-quico com propriedades redundantes, e essa redundância de processos de comando cria um sistema mais robusto, mais complexo, capaz de manter

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a homeostase com mais eficiência do que se contasse com apenas um pro-cesso de controle, no qual faltem a integração central ou a presença de re-dundâncias. Finalmente, eles mostram que as respostas neurais e metabó-licas ao exercício podem ser reprogramadas por fatores como a exposição anterior ao exercício. Até mesmo uma única sessão de exercícios, antes de um evento particular, pode alterar a atividade metabólica e a sensação consciente de fadiga durante a próxima sessão de exercícios, indicando que o processamento do governador central pode ser mutável e continua-mente reprogramado com base na continuidade e em novas experiências. Dessa forma, essas informações podem se interligar com as propostas por Noakes et al. (2004) em um diagrama, como representado na Figura 02.

Figura 2. Ações do sistema nervoso central (SNC) associadas à fadiga central (adaptado de NOAKES et al., 2004).

Organizando as ideias da Figura 2, notamos três proposições diferen-ciadas.

Primeiro, tanto no repouso quanto em qualquer forma de exercício, todas as funções fisiológicas são reguladas por mecanismos de controle do sistema nervoso central em busca do equilíbrio para evitar que qualquer prejuízo aconteça ao organismo.

Segundo, a sensação consciente de fadiga não vem diretamente da ação dos metabólitos na periferia, mas dos centros regulatórios em partes sub-

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conscientes do cérebro, com a função de garantir a homeostase durante o exercício (ST CLAIR GIBSON et al., 2003). Portanto, a sensação distinta de fadiga não está diretamente relacionada com o término do exercício, mas sim com uma interpretação contínua do efeito do atual nível de atividade sobre a capacidade futura de se exercitar, e consequentemente, de quaisquer ameaças dessa atividade na manutenção da homeostase (ST CLAIR GIB-SON et al., 2003; TUCKER et al., 2004).

Terceiro, como a sensação de fadiga é mais uma emoção que um estado físico, as estratégias de treino e seu controle durante o exercício espontâneo e todo o processo envolvido, mais que apenas o resultado final, são prova-velmente o fenômeno mais importante da fisiologia do exercício. Os auto-res desenvolveram o argumento de que as “limitações” ou o modelo de “ca-tástrofe” em fisiologia do exercício não são válidos especificamente porque não explicam o mais óbvio. Isto é, longe de ser limitado pela falência de um ou mais sistemas fisiológicos durante o exercício, a realidade é que todos os sistemas fisiológicos do organismo, tanto no repouso quanto no exercício, são equilibradamente regulados em um processo contínuo, especificamente para prevenir a catástrofe, incluindo a exaustão física, amplo dano celular ou até mesmo a morte como resultado do exercício.

Embora esse embasamento teórico seja sólido, uma vez mais Gabriela Andersen-Scheiss coloca, na prática, esses conceitos em xeque, gerando uma dúvida - que permanece sem resposta - em relação a quanto con-trole o sistema nervoso central exerce sobre o desempenho no exercício, especialmente em situações extremas, tanto do ponto de vista psicológico quanto do ponto de vista fisiológico, como foi a sua chegada na maratona da Olimpíada de 1984.

Ainda nessa linha de raciocínio, concordam Amann et al. (2008), que induziram vários graus de fadiga nos músculos antes de uma tarefa em que o desempenho foi medido. Os autores mostraram um efeito dose dependente da fadiga periférica no comando central durante o exercício. O comando motor central e, consequentemente, a produção de trabalho e performance foram mais altos quando a tarefa avaliada foi feita sem a exis-tência prévia de fadiga periférica, e a performance (produção de trabalho e

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ativação do comando motor central) foi mais baixa quando havia um grau severo de fadiga muscular pré existente, realizada anteriormente a tarefa avaliada. Entretanto, a fadiga muscular induzida pelo exercício no final da tarefa avaliada foi quase idêntica, a despeito das diferenças significativas na performance durante o exercício (a tarefa) e dos níveis de fadiga preexis-tentes, confirmando que a fadiga muscular é uma variável cuidadosamente regulada e integrada com o sistema nervoso central.

Apesar de Martin et al. (2010) afirmarem que os fatores centrais são os principais responsáveis pela grande perda de torque máximo apresentada pelos músculos depois de um evento de ultraendurance, especialmente nos quadríceps, eles também apontam que a redução no comando central pode ter contribuído para a preservação relativa da função periférica, o que afe-tou a evolução da velocidade da corrida durante um teste de 24 horas.

A despeito da importante contribuição da bioquímica, como no caso da geração de energia e nos demais fatores localizados na periferia muscu-lar, fica claro que há uma intensa comunicação entre esses dois núcleos (a periferia muscular e o controle neural central), que, embora influenciados por diversos elementos, compõem o quadro de fadiga. Com isso, fica bem caracterizado que a fadiga periférica parece ser controlada por instâncias superiores.

6. Alterações bioquímicas na fadiga

Existem diversos fatores bioquímicos que também são importantes causadores de fadiga, como elencados no Quadro 1.

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Quadro 1. Fatores bioquímicos associados à fadiga periférica

Fadiga Periférica

DEPLEÇÃO ACÚMULO

ATP

PCR

Glicose plasmática

Glicogênio muscular

Mg2+

ADP

Pi

Lactato

H+

NH3

EROs

(Sendo ATP, trifosfato de adenosina; PCr, creatina fosfato; Mg2+, íons de magnésio; ADP, difosfato de adenosina; Pi, fosfato inorgânico; H+, íons de hidrogênio; NH3,

amônia; e EROs, espécies reativas de oxigênio.)

Assim, tanto a depleção de substratos energéticos (trifosfato de adenosina ATP, creatina fosfato PCr, glicose plasmática e glicogênio muscular) como o acúmulo de derivados metabólicos (íons de magnésio - Mg2+, difosfato de ade-nosina ADP, fosfato inorgânico Pi, íons lactato, íons de hidrogênio - H+, amô-nia - NH3 e as espécies reativas de oxigênio EROs) interferem no equilíbrio dinâmico entre a síntese e a utilização do ATP (PELLEY, 2007; LEHNINGER et al., 2006; MAUGHAN et al., 2000; NEWSHOLME; LEECH, 1988).

As funções biológicas – como a função contrátil muscular, entre outras são mantidas, primariamente pela energia química gerada pela hidrólise do ATP. Pelo fato de sua concentração absoluta no músculo esquelético ser extremamente limitada (aproximadamente 24 mmol/kg de músculo seco) e insuficiente, por exemplo para suprir a demanda energética durante o exercício físico, as células exibem diferentes sistemas para a ressíntese de ATP (MAUGHAN et al., 2000).

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No início do exercício físico, há maior contribuição dos processos ana-eróbios ou imediatos para a ressíntese de ATP, por meio da degradação de PCr e da hidrólise de glicogênio e/ou da glicose a lactato (FOSS; KE-TEYIAN, 2000; DI PRAMPERO; FERRETTI, 1999). Com a continuidade da sessão (exercícios com intensidade abaixo do limiar anaeróbio), tais sis-temas diminuem sua participação e observa-se aumento da atividade oxi-dativa (sistema aeróbio), com a demanda energética passando a ser suprida predominantemente por esta via, com a utilização de carboidratos e lipíde-os pelas mitocôndrias das células musculares, via ciclo do ácido cítrico ou de Krebs.

A contribuição relativa dos diferentes substratos energéticos para a continuidade do exercício físico é determinada pela dieta, as ações hormo-nais, a intensidade e a duração do esforço, e os níveis de treinamento. Em exercícios aeróbios (intensidade abaixo do limiar anaeróbio), a manuten-ção da ressíntese de ATP pelos processos oxidativos (ciclo de Krebs e fosfo-rilação oxidativa) ocorre preferencialmente pela oxidação de ácidos graxos a acetil coenzima A (acetil-CoA) e pela conversão de glicogênio/glicose a oxaloacetato. Ambos os substratos, intermediários importantes do ciclo de Krebs, devem estar presentes em quantidades proporcionais na matriz mi-tocondrial para que as reações oxidativas sejam realizadas.

A condensação de oxaloacetato e acetil-CoA em citrato, regulada pela enzima citrato sintase, controla diretamente a oxidação do acetil-CoA de-rivado tanto do piruvato como dos ácidos graxos. Entretanto, pelas carac-terísticas do exercício (intensidade abaixo do limiar anaeróbio), o acetil--CoA passa a ser derivado basicamente dos ácidos graxos estocados nas células musculares (na forma de triacilglicerol) e também dos ácidos graxos livres, presentes na corrente sanguínea e transportados até a célula muscu-lar, ligados à albumina (CHAMPE et al., 2007; MAUGHAN et al., 2000; NEWSHOLME; LEECH, 1988).

A contribuição dos ácidos graxos em intensidades abaixo do limiar anaeróbio é evidente e, em decorrência dos grandes estoques destes substratos no organismo, dificilmente este seria um fator limitante do exercício. Assim, os estoques de glicogênio e a oferta de glicose passam

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a ser fatores importantes tanto para a manutenção da oxidação de acetil--CoA como para a ressíntese de ATP.

Estima-se que no homem haja cerca de 400g de glicogênio estocado no músculo esquelético e apenas 100g de glicogênio no fígado (CHAMPE et al., 2007; MAUGHAN et al., 2000). Dessa forma, em exercícios prolonga-dos a contribuição de glicose via glicogenólise torna-se uma etapa limitante por causa do baixo estoque de glicogênio no organismo. A depleção dos estoques hepático e muscular de glicogênio, possível de ocorrer durante o exercício prolongado, limita a produção de oxaloacetato e a atividade oxi-dativa, sendo um dos fatores limitantes da produção de ATP por esta via, e portanto, um causador de fadiga.

Com isso, fica clara a importância de se manter o equilíbrio no funcio-namento do ciclo de Krebs para evitar a formação de metabólitos limitan-tes da produção de ATP, como se pode observar na Figura 3, que ilustra a formação de NH3.

Figura 3. Funcionalidade do ciclo de Krebs, relação dos processos de cataplerose e anaplerose na formação da amônia (sendo NH3, amônia;

CO2, dióxido de carbono).

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Como ilustrado na Figura 3, outro ponto importante a destacar no metabolismo oxidativo é a constante formação de dióxido de carbono (CO2) e glutamina, que representam perdas de carbonos (cataplerose) com a funcionalidade do ciclo de Krebs, as quais precisam ser repostas continuamente. O ponto de inserção de novas moléculas no ciclo (ana-plerose) ocorre com a síntese de oxaloacetato a partir de moléculas de piruvato (derivado do glicogênio/glicose), pela ação da enzima piruvato carboxilase, ou por aminoácidos não essenciais como o aspartato, a as-paragina e o glutamato. Assim, pelos baixos estoques de glicogênio no organismo, em atividades prolongadas a via anaplerótica passa a ter a contribuição dos aminoácidos, gerando a amônia, um dos metabólitos que também podem gerar a fadiga (CURI; PROCÓPIO, 2009; CHAMPE et al., 2007; MAUGHAN et al., 2000).

Já em exercícios físicos cuja intensidade é acima do limiar anaeróbio, caracterizado pela demanda energética extremamente elevada em curto intervalo de tempo, a ressíntese de ATP é suprida prioritariamente pelos sistemas anaeróbios ou imediatos (PCr, glicogenólise hepática/muscu-lar e glicólise muscular). Por causa de sua maior velocidade de ressíntese, observa-se no decorrer do exercício grande acúmulo intramuscular de di-versos metabólitos, dentre os quais se destacam ADP, Pi, lactato e H+, que são agentes associados à fadiga (CURI; PROCÓPIO, 2009; CHAMPE et al., 2007; MAUGHAN et al., 2000). A seguir, iremos discutir suas contribui-ções no desenvolvimento da fadiga, embora ainda exista muita controvérsia sobre o papel de cada um deles nesse processo.

Na via dos fosfagênios, a ressíntese de ATP ocorre por meio da ener-gia liberada pela dissociação da PCr (por meio da ação da enzima creati-na quinase) em Pi e creatina livre (VOLEK; RAWSON, 2004; SPENCER; GASTIN, 2001; MAUGHAN et al., 2000; NEWSHOLME; LEECH, 1988). Entretanto, os estoques de PCr permitem a predominância desta via por poucos segundos, com aumento das concentrações intracelulares de ADP e Pi, que também podem interferir na manutenção da intensidade e da duração do exercício. Assim, observa-se maior fluxo de substratos pelas vias glicolítica e glicogenolítica, que passam a responder pela demanda

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energética nessas condições. Com a predominância da via glicolítica e, dessa forma, maior utilização da glicose para a ressíntese de ATP, temos o acúmulo muscular e sanguíneo de lactato e íons H+ (GLEESON; GREE-NHAFF, 2000; NEWSHOLME; LEECH, 1988).

Vale a pena destacar que, segundo estudos recentes, a síntese muscular e o acúmulo sanguíneo de lactato resultam da interação de fatores como utilização de substratos, cinética da glicólise, atividade das enzimas fosfo-frutoquinase e lactato desidrogenase, recrutamento de unidades motoras e aumento da taxa da remoção de lactato, e não apenas da hipóxia tecidual.

Na literatura temos, classicamente, o acúmulo de lactato como o me-tabólito mais citado como principal agente causador da fadiga, principal-mente em livros de fisiologia do exercício. Entretanto, alguns autores têm questionado a ação negativa do lactato per se, principalmente sobre a ação nos processos contráteis ou de transferência de energia, creditando aos íons de H+ (resultantes da dissociação do ácido láctico) a capacidade de inibir enzimas da via glicolítica (fosforilase e fosfofrutoquinase) por causa da di-minuição do pH intramuscular, além de prejudicar diversas etapas do pro-cesso contrátil.

Embora a origem dos íons H+, se ocorre a partir da dissociação do áci-do láctico ou a partir da elevada taxa de hidrólise de ATP não mitocondrial, seja debatida entre alguns autores, diversas evidências in vivo corroboram a hipótese de que a acidose intramuscular seja uma das principais causas da fadiga em exercícios de alta intensidade. Independentemente da origem dos íons H+, há evidencias significativas de que a acidose contribui de for-ma decisiva para a queda no rendimento e, dessa forma, durante o exercício de alta intensidade a regulação do pH torna-se extremamente importante.

Com base no exposto, conclui-se que as alterações metabólicas podem causar fadiga por meio da ação nos processos neurais previamente discuti-dos que ativam os músculos esqueléticos com comprometimento tanto do sistema nervoso central quanto do periférico. Assim, programas adequados de treinamento podem elevar à resistência à fadiga e ao rendimento es-portivo, principalmente por meio do aumento da capacidade muscular de regular a produção de ATP.

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7. Aspectos gerais da biomecânica em relação à fadiga

Outro elemento que, afetado pelas mudanças no ambiente central e no ambiente periférico, pode ser observado como a manifestação mais exter-na tanto do movimento quanto da queda de sua adequada realização é os parâmetros biomecânicos. A biomecânica do movimento pode ser medida, registrada e contextualizada, tornando-se não apenas uma manifestação do movimento e da fadiga, mas também uma importante ferramenta na sua análise.

Estudos biomecânicos da corrida de longa distância têm tentado identificar como a estrutura corporal e a mecânica de corrida intera-gem para a execução, relacionando economia de movimento e lesões. Partindo do pressuposto de que quanto mais econômica for a corrida mais tarde se instalará a fadiga, diversos fatores têm sido analisados pelos pesquisadores. Autores têm mostrado mudanças cinemáticas ao longo de uma corrida prolongada - aumento do comprimento da passa-da; alteração da mecânica do pé e alteração dos ângulos articulares em pontos-chave da corrida. Isso sugere que a fadiga faz com que o execu-tante realize um certo número de adaptações para manter uma certa velocidade. Em geral, espera-se que o aumento de velocidade se dê pela manutenção da frequência e o aumento da amplitude de passada. Em duas revisões de literatura, uma especificamente sobre corrida em di-versas velocidades (NOVACHECK, 1998) e outra mais específica sobre fadiga na corrida (SILVA et al., 2007), é possível verificar os parâmetros mais estudados, que são:

◆ cinemáticos – comprimento e frequência de passada e, no plano sagital, ângulos de flexão e extensão de quadril, joelho e tornozelo;

◆ atividade elétrica dos músculos, especialmente: reto femural, quadríceps como um todo, extensores do quadril, flexores do jo-elho, gastrocnêmio e tibial anterior; e

◆ cinéticos – valores de potência gerada nas articulações para con-trole da absorção do choque, controle da postura e geração de energia para propulsão para cima e para frente.

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Com relação à fadiga, Mizrahi et al. (2000) verificaram em seu estudo que, paralelamente ao desenvolvimento da fadiga, houve um declínio na fre-quência de passada, um aumento gradual dos ângulos de extensão do joelho (na posição de extensão máxima, isto é, fase precedente ao contato), e redu-ção gradual nos ângulos de flexão do joelho realizada após o contato, ocor-rendo também um aumento no deslocamento vertical do quadril. Segundo Mizrahi et al. (2001), esse aumento no deslocamento vertical do quadril ocorre por uma maior dorsiflexão do tornozelo e não por maior flexão do jo-elho. Esse mecanismo ocasiona uma diminuição da absorção de choque e se torna relevante para entender o mecanismo de atenuação de impacto, lesões relacionadas à fadiga e talvez mudanças degenerativas. Siler e Martin (1991) relataram que com a fadiga ocorreu aumento do comprimento de passada, da amplitude de movimento da coxa, da flexão máxima da coxa, da flexão do joelho, do ângulo do tronco com a vertical na extensão máxima da coxa, assim como diminuição da extensão do joelho. Os autores descreveram que a maior inclinação do tronco pode ser derivada das dificuldades de respiração, pois a posição gera uma atividade eletromiográfica menor do diafragma e dos músculos inspiratórios acessórios e menor diminuição da pressão entre o esôfago e o estômago. Não encontraram diferenças de sincronização da pas-sada decorrente da fadiga entre corredores rápidos e lentos.

Hanon et al. (2005) apontaram que durante a corrida a alteração na fre-quência de passada parece uma parte indispensável da avaliação da fadiga muscular e descreveram que os músculos biarticulares - reto femural e bí-ceps femural -, que apresentam dois diferentes picos de ativação durante um ciclo de corrida, parecem ser os músculos que mostram os primeiros sinais de fadiga, com o vasto lateral e o tibial anterior apresentando pos-teriormente sinais de fadiga. Trazem a hipótese de que, dependendo da velocidade, quando o exercício é contínuo os músculos que fadigam mais cedo podem ser diferentes: o gastrocnêmio e o vasto lateral em baixas velo-cidades e o bíceps femural e o reto femural em velocidades maiores. Fraga et al. (2007) relataram uma diminuição de amplitude da passada sem di-ferença na frequência e aumento da ativação do músculo vasto lateral em decorrência da fadiga na corrida, não encontrando diferença significativa na ativação do reto femural para atletas de triatlon.

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Em estudos mais recentes, Petersen et al. (2007) e Saldanha et al. (2008) relatam que a fadiga em força muscular mostrada pelos indivíduos após uma corrida prolongada ou maratona, parece estar relacionada a mecanis-mos centrais e não periféricos. Petersen et al. (2007) descreveram que após a corrida de maratona a contração voluntária máxima dos músculos flexor plantar e extensores do joelho foi reduzida sem nenhuma alteração acen-tuada nas propriedades contráteis evocadas do músculo. Saldanha et al. (2008) demonstraram que após uma corrida prolongada houve uma redu-ção na força voluntária máxima do flexor plantar que estava principalmente vinculada à fadiga central.

Hayes et al. (2004) tiveram como objetivo examinar a relação da resis-tência muscular localizada dos flexores com os extensores, tanto do joelho como do quadril, e também as alterações biomecânicas geradas durante a corrida até a exaustão. A hipótese era de que, quanto maior a resistência, menores as alterações nas variáveis mecânicas. Os autores encontraram que as alterações no comprimento da passada tiveram uma correlação alta e negativa com a resistência muscular localizada dos extensores do quadril e flexores do joelho, o que confirmou a hipótese do estudo.

Como se pode ver pelos diversos resultados apresentados, vários ele-mentos podem ser identificados para a determinação do estado de fadiga durante o exercício. Esses elementos, somados aos elementos bioquímicos, compõem o quadro fisiológico da fadiga. Entretanto, diante da grande va-riabilidade biológica individual, não existem padrões universais facilmente identificáveis de movimento eficiente e, portanto, de fatores que levam à fadiga. É importante que os indivíduos sejam estudados individualmente com relação a medidas da estrutura anatômica (amplitude de movimento nas várias articulações), habilidades funcionais (flexibilidade, força muscu-lar), histórico de lesões, calçados, método de treinamento e outros fatores (WILLIAMS, 2007).

De posse dessas informações, quando observamos novamente o caso da atleta Gabriela Andersen-Scheiss, bem como de outros atletas que su-peraram seus próprios limites, imaginamos que os fatores que os levaram a desafiar a fisiologia e a bioquímica, e a ultrapassar a hipótese de autopre-

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servação a qualquer custo do sistema nervoso central, claramente demons-trando a fadiga em seu padrão biomecânico particular, evidenciado por seus movimentos descontrolados, completamente diferentes de qualquer padrão apresentado por um corredor descansado, deveriam estar dentro do próprio sistema nervoso central. Abordaremos aspectos que confirmam a complexidade e integralidade do conceito de fadiga e apontam como o ser humano lida com esses desafios do ponto de vista psicológico.

8. Fatores psicológicos atuantes na superação dos limites durante o desempenho esportivo

É fato que a união dos fatores referentes ao treinamento desportivo (físico, motor, técnico, tático, nutrição e psicológico) deve estar em equilíbrio a fim de obtermos um bom resultado em uma competição. Dentre esses fatores podemos destacar o psicológico como sendo um momento decisivo, a ser tomado pelo atleta com a finalidade de superar um desafio, ou superar um desafio a mais, ultrapassando os próprios limites e o levando a quebrar recordes, ou a superar as maiores necessidades de sobrevivência ligadas às necessidades biológicas do ser humano.

Mas que força é essa que move o atleta a superar os seus limites e se co-locar a vencer a uma competição qualquer custo? Que motivos determinam esses fatores relacionados ao desempenho do atleta? Esses motivos são re-lacionados aos fatores internos (motivação intrínseca) ou a fatores externos (motivação extrínseca)?

No exemplo da maratonista suíça, podemos refletir que a prática da atleta em sua tentativa de terminar a prova da maratona a fez quebrar os paradigmas referentes à fadiga, ultrapassando os limites fisiológicos e bioquímicos de consumo de energia (glicogênio muscular, ácidos graxos, etc.), mas, sobretudo, passando pelas forças que regem o desempenho e o planejamento do treinamento desportivo, no sentido de que o ser hu-mano encontra seus limites em si próprio, assim como quebra os seus limites, tendo como referência suas experiências anteriormente vividas e desempenhadas.

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Então, as necessidades dos indivíduos estão pautadas em suas expecta-tivas de desempenho, variando com o momento vivenciado por cada um.

De acordo com a teoria de Maslow (apud WEITEN, 2008), podemos determinar algumas necessidades referentes à motivação de cada ser hu-mano para cada tipo de atividade a ser desempenhada, como ilustrado na a escala da Figura 4.

Figura 4. Hierarquia das necessidades de Maslow (cf. WEITEN, 2008, p. 284).

Na figura acima, podemos observar que a base é as necessidades fisiológicas, como citado anteriormente, e no topo da pirâmide se encontra a necessidade de autorrealização, ou seja, a realização do potencial, ou ainda necessidade de maxi-mizar o potencial de desempenho.

Entretanto, conforme o lado direito da figura, pode ocorrer um pro-cesso de regressão ou de progressão, à medida que as necessidades são sa-tisfeitas podemos alterar a escala das necessidades, porém nem todas as pessoas chegam ao topo da pirâmide, pois não conseguem melhorar seu desempenho.

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Esse desempenho pode ser variável de acordo com a ocorrência de eventos – por exemplo, a fadiga, em que o indivíduo está dentro ou próxi-mo de seus limites, e no caso da atleta poderíamos verificar a assertiva de conquistar o topo da pirâmide.

Ainda assim podemos afirmar que, aumentando o valor do incentivo, au-mentariam, como no caso da atleta, os fatores internos. A torcida ovacionando e estimulando a atleta (fatores extrínsecos) aumentaria ou acrescentaria o motivo de realização da atleta, reafirmando a hipótese de atingir o topo das necessidades expresso na figura acima.

Sendo assim, Thomas afirma que “[...] motivos não conduzem à ação. São situações em um determinado momento que despertam e estimulam motivos de modo a conduzi-los efetivamente à ação” (apud DE MARCO; JUNQUEIRA, 1995, p. 87), como representado na Figura 5.

Figura 5. Representação motivacional (cf. THOMAS apud DE MARCO; JUNQUEIRA, 1995, p. 87).

Podemos observar que para haver motivação é necessária uma predis-posição, ou seja, algo que mova cada indivíduo até a realização de algo, ou de uma ação. Por isso cada indivíduo dispõe subjetivamente de seus motivos.

Dando sequência a esse pensamento, Birch e Veroff colocam que o es-tudo da motivação “é a busca para alguns dos mais intrincados mistérios da existência - suas próprias ações” (BIRCH; VEROFF, 1970, p. 3). O ponto de partida para este estudo é a atividade, dizendo que o comportamento de um organismo é uma sequência da atividade. A atividade pode ser consu-matória ou instrumental. As atividades consumatórias são referidas como objetivo e as instrumentais, como dirigidas para um objetivo.

Contudo, alcançando a excelência, Birch e Veroff concluem que

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Como resultado de um tipo de atividade instrumental, a dificuldade de desempenho daquela atividade psico-logicamente modifica-se para o futuro. Torna-se algo mais fácil. O valor consumátorio da realização da ati-vidade se altera na medida em que muda a dificuldade psicológica. À medida que se torna mais fácil, ela não será de interesse para realização. A tendência para uma atividade mais difícil é intensificada. (BIRCH; VEROFF, 1970, p. 117)

E, como afirma Damasio (1996), em muitas circunstâncias de nossa vida como seres sociais sabemos que as emoções só são desencadeadas após um processo mental de avaliação que é voluntário e não automático.

Vemos que, conforme Magill (1984), a motivação é importante para a compreensão da aprendizagem e o desempenho de habilidades motoras desde o aprendizado, passando pela manutenção e chegando a níveis de intensidade, assim influenciando o desenvolvimento do ser humano nas suas relações e inter-relações.

Dessa maneira - não justificando, mas colocando em prática as ques-tões relacionadas ao desempenho humano e aos processos psicológicos -, podemos observar que os motivos podem ser alterados de acordo com as necessidades momentâneas do ser humano na busca da superação dos pró-prios limites, por acreditar em seu esforço, ser mais persistente e buscar a sua satisfação pessoal.

9. Conclusão

Com base nas informações apresentadas, podemos concluir que o pro-cesso de estabelecimento da fadiga, embora já tenha sido experimentado por todos que praticam algum tipo de atividade física, é mais complexo e intrincado que seu resultado final, com a interrupção do exercício ou a que-da no desempenho, podendo chegar a casos extremos como o quadro apre-sentado pela atleta Gabriela Andersen-Scheiss. A importância das informa-ções apresentadas fica clara quando as colocamos em prática, analisando o

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calendário esportivo de determinadas modalidades, ou a periodização do treinamento de atletas, ou mesmo quando nos perguntamos qual é o papel da motivação no desempenho do indivíduo. Sabendo da necessidade de aprofundamento nesse assunto, esperamos que este capítulo traga informa-ções relevantes e também tenha suscitado novas perguntas que contribui-rão para a evolução da investigação do tema.

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PERSPECTIVAS SOBRE A FORMAÇÃO DO TALENTO NO ESPORTE

Rudney UezoMarcelo Massa

Simone Tolaine MassetoJosé Renato Campanelli

A busca de talentos no esporte tem se apoiado em fatores subjetivos, pelos quais os profissionais que atuam nessa área utilizam como

instrumento de detecção, seleção e promoção de talentos a própria expe-riência e intuição. Na verdade, muitos desses profissionais, ou até mesmo pseudoprofissionais, precisam se adaptar (seja pela carência de estudos nes-sa área, pela má formação ou pela falta de informação) a uma situação em que, por meio da tentativa e do erro, buscam chegar a um caminho próximo do que eles imaginam ser correto.

Ora, sem dúvida nenhuma essa atitude de apenas imaginar pode trazer riscos para um empreendimento que requer a escolha dos melhores can-didatos. Hoje, o mercado de profissionais do esporte não comporta mais aquele que não tem ou não quer buscar atualização, e sobretudo fundamen-tação científica para sua prática. Conforme Hebbelinck (1989) e Matsudo (1996), não se pode mais conceber que tal metodologia de promoção de talentos tenha seu alicerce montado apenas na subjetividade do empirismo.

Uma grande dificuldade para a estruturação de programas de promo-ção de talentos é que a maioria dos estudos realizados com o esporte aborda atletas de alto nível em idade adulta, ou seja, é possível conhecer como é o comportamento do atleta naquele momento, e no entanto existe pouca ou nenhuma informação sobre que caminho o atleta percorreu para chegar ao ápice de seu desempenho. Dados importantes sobre o comportamento e a evolução das variáveis antropométricas, metabólicas, neuromotoras e psicos-

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sociais relacionadas ao esporte durante os processos de crescimento e desen-volvimento e a influência do treinamento nos atletas desde as categorias de base até a principal são escassos e ainda dificultam a metodologia de selecio-nar e promover indivíduos talentosos.

Além disso, pode-se verificar que mesmo com as ciências do esporte tendo demonstrado grande avanço, atualmente ainda existem dificuldades para se predizer o físico de atletas em idades pré-adultas (HEBBELINCK, 1989). Dentre as variáveis a serem abordadas nos estudos de seleção de talentos de acordo com cada modalidade, a que parece ter melhor índice de previsão é a estatura adulta. As características físicas referentes à muscu-laridade e adiposidade são mais difíceis de prever (HEBBELINCK, 1989). Podemos ter como exemplo o somatotipo, que muda durante o crescimento e o treinamento físico, e também pode influenciá-las (HEATH; CARTER, 1971) e, além disso, essas alterações que ocorrem de acordo com o treina-mento apresentam limites de adaptabilidade genética.

Para Régnier, Salmela e Russel (1993), a interação entre genética e meio ambiente é um dos mais importantes temas das pesquisas científicas na de-terminação de talentos esportivos. Malina e Bouchard (1986, 1991) com-plementam que atletas são produtos de seus genes e de seu meio ambiente e esta relação determinará os processos de crescimento e desenvolvimento dos indivíduos.

No entanto, a parcela de envolvimento da genética interagindo com o meio ambiente nos processos de crescimento e desenvolvimento é ain-da um fator que precisa ser mais bem esclarecido. Segundo França (1990), existe grande dificuldade em se definirem fatores genéticos e ambientais na determinação do crescimento, do desenvolvimento e de aspectos matura-cionais do ser humano.

Portanto, a tarefa de detectar e selecionar talentos não é algo que pode ser deixado à escolha do acaso. Para tentar identificar e controlar as diver-sas variáveis interagindo nesse processo, é preciso que os profissionais de educação física e esporte estejam atuando na pesquisa e na formação de conhecimentos teóricos que permitam proporcionar, quando colocados em

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prática, a maior fidelidade possível na detecção e seleção do talento para o esporte de alto nível. É preciso evitar perda de atletas por efeito de má fun-damentação ou por falha da aplicação do próprio trabalho. Conhecimentos periféricos sobre a detecção de talentos já existem e permitem caminhar em direção a uma técnica minimizadora de erros (BÖHME, 1994, 1995; GOMES, 1996; HEBBELINCK, 1989; SILVA; RIVET, 1988).

Além disso, pensando no contexto socioeconômico que cerca os pro-cessos de promoção de talentos, não é mais possível colaborar com a prática da má utilização dos recursos destinados ao esporte de alto nível, assim como é necessário evitar que se influencie a vida de uma criança e/ou ado-lescente que não seja apta para o investimento no esporte de alto desempe-nho. É importante lembrar que existem diferentes patamares para a prática esportiva, ou seja, um garoto pode ser bom dentro de sua comunidade, na sua escola, no bate-bola de fim de semana, mas não se encontrar sufi-cientemente acima da média populacional para a prática do esporte de alto nível: “quando denominamos alguém como talentoso em esporte, precisa-mos definir em relação a qual categoria e nível de desempenho esportivo nos referimos” (BÖHME, 1994). Vê-se então, a importância de estudos que procuram catalogar as características necessárias para que, de acordo com a modalidade, um pré-adulto seja detectado e acompanhado durante os seus processos de crescimento e desenvolvimento, evitando-se trabalhos ime-diatistas que busquem apenas resultados em curto prazo. Tal estudo deve apresentar-se de forma cíclica/contínua (a longo prazo), acompanhando as fases dessa evolução, que é constantemente modificada pelo meio am-biente, estabelecendo patamares que devem ser atingidos em cada fase do desenvolvimento e minimizando erros (falso-positivos, falso-negativos), assim otimizando os processos de promoção de talentos (BÖHME, 1995; GOMES, 1996; HEBBELINCK, 1989).

Outro fator que merece ser comentado é que o esporte de alto nível per-tence a um contexto multifatorial em que abordar uma única variável de maneira unilateral pode ser um grande engano (MATSUDO, 1999). Alguns autores já têm demonstrado a sua preocupação, buscando tratar o esporte dentro desse prisma de características biopsicossociais. Böhme (1996) iniciou

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50 | Perspectiva Sobre a Formação do Talento no Esporte

o desenvolvimento de um projeto longitudinal de detecção, seleção e pro-moção de talentos esportivos preocupado com a determinação de critérios de desempenho relacionados a aspectos biopsicossociais e De Rose Júnior (1993) tem levantado a importância da preparação psicológica no esporte de alto nível. Hoje, essas equipes têm demonstrado grande interesse em associar técnicos e preparadores físicos a uma equipe multiprofissional (psicólogos, nutricionistas, fisioterapeutas, médicos, etc.) para tentar obter o melhor de cada atleta em cada variável que possa trazer a melhoria do seu desempenho.

1. O talento e o talento esportivo

A busca de conhecimentos a respeito da manifestação do talento tem sido considerada em diferentes áreas do saber. Tal fato pode ser observado nos contextos relacionados às áreas da psicologia, da educação, da admi-nistração de empresas (recursos humanos), da matemática, das artes e in-clusive do esporte.

Contudo, embora seja um assunto que desperte o interesse e a atenção da comunidade em geral e dos estudiosos, na elaboração teórica e no do-mínio do significado da palavra talento existem considerações distintas e sobreposições que carregam em seu bojo a problemática que cerca a deter-minação desse termo. Neste ínterim, atrelados, emergem significados que remetem o talento a abordagens relacionadas aos termos aptidão e dom.

Para Ferreira (1996), no sentido etimológico, talento origina-se do gre-go tálaton e do latim talentu, apresentando o significado de “peso e moeda da Antiguidade grega e romana”, “aptidão natural ou habilidade adquiri-da” e “inteligência excepcional, engenho”. Por sua vez, a palavra aptidão origina-se do latim aptitudine, que significa “disposição inata; habilidade ou capacidade resultante de conhecimentos adquiridos”. Já dom, origina-se do latim donu, significando “dote ou qualidade natural inata”.

De acordo com Böhme (2004), na linguagem popular denomina-se ta-lentoso o indivíduo que possui uma aptidão específica acima da média em determinado campo de ação ou aspecto considerado, a qual é possível de ser treinada e desenvolvida de acordo com as influências do meio.

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Assim, de acordo com as apresentações supracitadas, aptidão, talento e dom sobrepõem-se em seus significados e parecem termos inter-relacio-nados, envolvendo conceitualmente os aspectos inatos (naturais) do ser humano, porém considerando no desenvolvimento e na manifestação do talento a dependência da interação favorável com o meio ambiente.

Conforme Guenther (2000), denomina-se como talentosas pessoas com características valorizadas pela cultura e pelo momento histórico. Böhme (1994) e Csikszentmihalyi, Rathunde e Whalen (1997) complementam que, além de valores culturais, devem-se considerar a constituição individual herdada ou adquirida e as condições sociais. A proporção que cada uma das características inatas, adquiridas, sociais e culturais se exerce sobre a formação de um talento, bem como suas inter-relações, faz parte da proble-mática do tema e causa divergências entre os pesquisadores.

Corroborando o delineamento de que talento é um dom natural, confor-me Ericsson e Charness (1994), sobre os atributos dos artistas há o registro do trabalho clássico de Vasari, publicado em 1568, denominado The Lives of the Artist, o qual propagava a ideia de que “o artista é alguém providencialmente nascido com uma vocação do céu, designado para o reconhecimento, remune-ração e respeito”. Nos séculos posteriores, com as mudanças e a mobilidade so-cial, o surgimento da classe média, o progresso e o acúmulo do conhecimento científico, tornou-se gradualmente mais evidente que os indivíduos poderiam aumentar o seu desempenho por meio da educação e do treinamento se tives-sem motivação, objetivo e direcionamento.

Desse momento em diante, começa a surgir especulações sobre a natu-reza do talento. Emergia a preocupação em distinguir realizações devidas a dons naturais de outras realizações resultantes de aprendizagem e treina-mento (BÖHME, 2004; ERICSSON; CHARNESS, 1994).

Especificamente relacionado à temática do talento esportivo, Marques (1993) define que talentoso é um indivíduo que apresenta certas caracte-rísticas biopsicossociais e, diante de determinadas situações, deixa antever com segurança a possibilidade de adquirir altos desempenhos.

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Também se reportando ao talento esportivo, Bento (1989) sintetiza que este pode ser entendido como um fato complexo, determinado qualitati-va e quantitativamente por características individuais para desempenhos, abrangendo várias capacidades inter-relacionadas, sistemas de conheci-mento, atitudes, qualidades evolutivas e psíquicas e que, em condições am-bientais favoráveis, otimizam a realização de desempenhos corresponden-tes ao nível e a direção do talento.

Dessa forma, corroborando as discussões de Bloom (1985), Csikszent-mihalyi et al. (1997), Ericsson et al. (1993), e considerando as característi-cas genéticas, pode-se compreender que talento é um complexo de fatores biopsicossociais que depende tanto de constituições herdadas como de dis-posições motoras, cognitivas e afetivas favoráveis, desenvolvidas em condi-ções sociais e ambientais adequadas.

De acordo com o dicionário Schüllerduden Sport (1987), ao conceituar os principais termos envolvidos na área de determinação de talentos espor-tivos, o talento depende tanto da constituição herdada como dos fatores sociais e ambientais, ou seja, se uma pessoa talentosa tiver oportunidade de ser estimulada no momento certo e da forma correta, ela poderá apresentar, em longo prazo, resultados acima da média normal da população no aspec-to em que é talentosa.

Especificamente em aspectos relacionados aos esporte, pode-se classifi-car a manifestação do talento em três grupos (SCHÜLLERDUDEN SPORT, 1987; WEINECK, 1991):

◆ talento motor geral - indivíduos que apresentam facilidade na apren-dizagem de movimentos, ocasionando maior facilidade no domínio de movimentos e consequente aumento do repertório motor;

◆ talento esportivo - indivíduos que apresentam potencial acima da média populacional, podendo chegar a realizar altos desem-penhos esportivos; e

◆ talento esportivo específico - indivíduos que apresentam requisi-tos físicos e psicológicos prévios para um determinado esporte.

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Para Barbanti (1996), os indivíduos devem ser considerados talentosos quando apresentarem uma aptidão geral elevada para que a aprendizagem seja otimizada, pois são as capacidades motoras que favorecem o desenvol-vimento das habilidades motoras.

Logo, para atender às particularidades de cada modalidade esportiva, passa a ser relevante a presença de um talento esportivo específico. O ta-lento se manifesta ligado à individualidade e se torna melhor quando o in-divíduo consegue utilizar suas capacidades para desempenhos específicos (BENTO, 1989).

Capacidade pode ser entendida como um traço estável, geneticamen-te definido, relativamente permanente, não modificada pela prática ou experiência. É o alicerce, ou sustenta vários tipos de atividades motoras, cognitivas, ou habilidades (SCHMIDT, 1993). As capacidades podem ser consideradas o equipamento básico, inato, imprescindível na execução de diversas tarefas do mundo real. São fatores que estabelecem limites para o desempenho, ou seja, todos os indivíduos possuem todas as capacidades, mas as capacidades podem ser mais fortes em alguns indivíduos que em outros, podendo trazer implicações para o sucesso ou não em uma deter-minada habilidade. Além disso, tarefas específicas utilizam um conjunto de capacidades para o desempenho e, dessa maneira, um mesmo indiví-duo pode ser particularmente bom em uma determinada tarefa e ruim em outra, corroborando o conceito de um talento esportivo específico (MAGILL, 1980; SCHMIDT, 1993).

Portanto, na determinação e na promoção de um talento esportivo é ne-cessário um conhecimento de aspectos teóricos que possibilitem direcionar a atuação dos profissionais de educação física e esporte. É por meio dessa área de atuação que, em longo prazo, serão promovidas as novas gerações de atletas (BÖHME, 1994).

2. Detecção, seleção e promoção do talento esportivo

Na área do talento esportivo, três expressões devem ser consideradas: detecção, seleção e promoção de talentos.

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A detecção de talentos representa os meios utilizados para encontrar um número grande de jovens com disposição para participar de um pro-grama de formação esportiva (BÖHME, 2000; WILLIANS; REILLY, 2000).

De acordo com Matsudo (1999), a antiga Alemanha Oriental foi o país que conseguiu a melhor realização de um programa na área, por meio de avaliações em aproximadamente 200 mil escolares, sendo selecionados 20 mil que iniciaram um programa de formação esportiva. Destes jovens, cer-ca de dois mil prosseguiam para um treinamento avançado, o qual disponi-bilizava em torno de 20 atletas de alto nível.

Esse mesmo autor classificou os diferentes tipos de programas de de-tecção de talentos em três tipos:

◆ sistemático estatal, em que o governo ou o sistema público orga-niza e subsidia os procedimentos de avaliação e acompanhamento da população, fato que propicia monitorar aqueles que se destacam;

◆ sistemático não estatal, em que são oferecidas as mesmas condi-ções citadas no sistema anterior, com a diferença de que quem fornece subsídios e coordena o programa são as universidades ou empresas privadas; e

◆ assistemático, em que a busca pelo talento ocorre de maneira irregular, com as condições sendo oferecidas por empresas, go-verno, clubes ou até mesmo familiares do jovem - neste último sistema, o surgimento de um atleta de destaque internacional é considerado mais uma obra do acaso.

Benda (1998) descreveu a dificuldade em determinar os critérios para a detecção de talentos, a qual envolve aspectos multifatoriais, com o prin-cipal problema sendo a integração dos fatores que compõem o talento a partir de uma abordagem sistêmica, ou seja, a partir da necessidade de compreender o atleta como uma unidade e não como a soma de suas par-tes isoladas (BERTALANFFY, 1977).

Para complementar a detecção há o processo de seleção de talentos, definido por Böhme (2000) como a utilização dos meios adotados para de-

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terminar aqueles que têm condições ou os pré-requisitos necessários para in-gressar em um processo de treinamento visando ao desempenho de alto nível.

Nesse sentido, após a realização de avaliações das capacidades inerentes ao desempenho esportivo, devem-se comparar os resultados obtidos com os perfis específicos em função das peculiaridades das diferentes modalida-des esportivas. A utilização desses padrões referenciais é sugerida na litera-tura como modelos de identificação e seleção dos jovens, além de permitir a realização de um prognóstico do desempenho esportivo (BLOOMFIELD, 1994; BÖHME, 2000; OLIVEIRA et al., 1989).

Entretanto, a utilização de padrões referenciais tem sido criticada pelo fato de os perfis disponíveis serem de atletas já na idade adulta, com os quais são comparados os atletas em formação, e os dados são desatualiza-dos (MASSA, 1999).

Maia (1996) afirma que a seleção das variáveis analisadas deve demons-trar ou pressupor relação direta com o desempenho esportivo. Para o autor, existem limitações na predição do talento por não serem conhecidas as re-lações entre as variáveis inerentes ao desempenho esportivo.

Segundo Burwitiz et al. (1994), Régnier et al. (1993) e Gobbi (1992), o talento esportivo só pode ser compreendido por meio de estudos multi e in-terdisciplinares, que consideram as relações entre as variáveis que compõem o desempenho esportivo, sendo requeridas avaliações que utilizem análises estatísticas multivariadas.

Em contrapartida, na prática profissional é comum que os técnicos es-portivos utilizem processos baseados apenas em sua experiência e intuição (HEBBELINCK, 1989). Assim, são utilizados critérios atrelados à consciên-cia empírica de cada técnico, sem qualquer procedimento fundamentado, sujeito a interpretações subjetivas diante de um processo extremamente complexo. Neste sentido, Massa (1999) afirma que a busca de talentos ocor-re de maneira subjetiva com os profissionais que atuam na área utilizando sua experiência e sua intuição como critérios para seleção.

Não podemos, no entanto, generalizar toda a prática realizada como inadequada ou desprovida de competência e com ausência de êxito. Ao

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contrário, muitos técnicos são merecedores de admiração pelo seu traba-lho, que é reconhecido internacionalmente, fato comprovado por resul-tados expressivos de algumas modalidades esportivas em competições de destaque mundial.

Desse modo, existe a necessidade de compreensão dos critérios adota-dos pelos técnicos esportivos nos processos de seleção nas chamadas “pe-neiras” dos clubes, que consistem basicamente em uma observação subjeti-va dos atletas em situações de jogo. A utilização do critério citado, mesmo que de maneira não intencional, utiliza um processo interdisciplinar, já que a observação do comportamento apresentado considera as interações entre as características inerentes ao desempenho dos atletas.

A determinação dos critérios relevantes para o desempenho esportivo é uma tarefa complexa, visto que nas pesquisas existentes na área os indi-víduos são analisados de maneira fragmentada, sendo desconsideradas as relações entre os níveis de maturação biológica, o fenômeno da compensa-ção, além de não apresentarem delineamento longitudinal pela dificuldade de os estudos atenderem as características citadas.

Paralelamente à detecção e a seleção de talentos, Böhme (1995) define a promoção de talentos como as medidas para o desenvolvimento das ca-pacidades e habilidades esportivas dos jovens talentosos para os esportes, por meio da utilização dos procedimentos do treinamento esportivo, com o objetivo de um desempenho esportivo otimizado a longo prazo.

Segundo Lanaro Filho (2001), a promoção de talentos possui relação di-reta com o desempenho dos atletas em cada uma das fases do treinamento em longo prazo, já que o monitoramento de maneira contínua exercerá fun-ção fundamental na seleção dos atletas para níveis superiores de rendimento.

Para Marques (1991), durante os períodos que envolvem o processo de formação de talentos, em cada etapa da preparação em longo prazo, deve-se considerar o referencial da etapa posterior, já que cada estágio desenvolve os pressupostos para o seguinte período do processo.

Na pesquisa realizada por Massa (1999), com atletas de voleibol mas-culino envolvidos em um processo de promoção de talentos, foi verificado

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que entre uma categoria inferior e outra imediatamente superior o compor-tamento das variáveis se alternavam, isto é, não havia variável crítica que mantivesse uma consistência ao longo do processo. Esse fato reforça a afir-mação de Marques (1991) de que há necessidade de considerar cada etapa do treinamento em longo prazo, evitando predições entre as categorias de base e a categoria adulta.

Em concordância, Hebbelinck (1989) afirmou que as predições de desempenho futuro oferecem confiabilidade de dois a quatro anos, o que reforça a realização de avaliações periódicas durante os processos de pro-moção de talentos.

Com relação ao prognóstico do desempenho esportivo, Maia (1996) discutiu a dificuldade em predizer, em um intervalo de tempo distinto, o desempenho esportivo futuro exclusivamente a partir de resultados apre-sentados precocemente ao citar a inconsistência do desempenho esportivo. Segundo ele, a problemática do prognóstico do desempenho esportivo é fun-damentada em estudos experimentais e correlacionais que desconsideram sua validade ecológica, criticando a utilização de padrões referenciais por sua análise reducionista do fenômeno, defendendo a necessidade de estudos que utilizem procedimentos metodológicos multivariados.

Benda (1998) corrobora a impossibilidade de realização de prognósti-cos esportivos ao citar o conceito de equifinalidade, pelo qual um mesmo resultado final pode ser alcançado a partir de diferentes condições iniciais ou diferentes procedimentos adotados, fato que pode ser ilustrado no con-ceito de aprendizagem de uma habilidade ou até mesmo no crescimento físico dos indivíduos. Sendo assim, cada detalhe vivenciado pelo indivíduo pode influenciar de maneira imprevisível seu futuro. O autor se apoia nas ideias da teoria do caos, segundo a qual pequenas perturbações na vida de uma pessoa podem resultar em grandes consequências muitas vezes im-previsíveis, tornando o futuro praticamente imprevisível (BERTALANFFY, 1977; GLEICK 1990).

Dessa maneira, destacamos a importância de um trabalho bem estru-turado e embasado cientificamente para auxiliar na formação de jovens ta-lentosos rumo ao sucesso esportivo. Sabendo da impossibilidade de se pre-

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ver um comportamento futuro, podemos agir no sentido de proporcionar situações favoráveis para que crianças e jovens tenham a oportunidade de vivenciar experiências propícias à sua formação esportiva. Um bem elabo-rado programa de treinamento em longo prazo pode oferecer esse ambiente adequado ao desenvolvimento de suas capacidades.

3. Promoção de talentos e implicações para a prática profissional

Existe um grande distanciamento entre a prática profissional e os estudos acadêmicos na área de seleção, detecção e promoção de atletas talentosos. Assim como mencionado anteriormente neste capítulo, a prática profissional, na grande maioria dos casos, não corresponde às ilações dos estudos acadê-micos. Muitas vezes por falta de conhecimento, ou mesmo por julgar que o feeling profissional é mais fidedigno ou mesmo mais prático que a utilização de procedimentos fundamentados na literatura durante a seleção ou promo-ção de atletas talentosos, alguns desses atletas podem ser excluídos do proces-so antes mesmo de atingirem o máximo de suas potencialidades.

O treinamento em longo prazo (TLP) inclui um programa sistemático, específico e adequado a cada estágio de desenvolvimento dos atletas, com o objetivo de desenvolver da melhor maneira um potencial talento. Assim como afirma a literatura, a formação de um atleta de alto desempenho espor-tivo pode demorar em média dez anos ou dez mil horas de prática deliberada (ERICSSON et al., 1993). A maioria das teorias que sustentam o TLP propõe três níveis de desenvolvimento (BÖHME, 2000, 2004; BOMPA, 1999, 2000; WEINECK, 1999), desde a infância (idade de início) até a idade pré-adulta (apresentação de resultados no esporte de alto nível).

O primeiro nível compreende a formação básica geral e abrange crianças e pré-adolescentes entre 7 e 12-13 anos de idade. Neste nível, o foco é o desen-volvimento das capacidades coordenativas para a melhoria do desempenho esportivo desses atletas que ainda precisam desenvolver o gosto e o interesse pela modalidade praticada.

O segundo nível, direcionado para o treinamento específico de ado-lescentes com idade entre 13 e 17 anos, tem como objetivo a melhoria do

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desempenho específico da modalidade praticada. Esta fase possui três sub-divisões (treinamento básico ou de iniciantes, treinamento de síntese ou de adiantados e treinamento de alto nível) para adequar a intensidade e dire-cionar o treinamento para as características biopsicofisiológicas dos atletas. Este nível compreende, de maneira geral, a melhoria do estado de desem-penho esportivo, o desenvolvimento das capacidades básicas específicas da modalidade em questão, o aprendizado das técnicas básicas de movimento, o domínio do repertório de técnicas da modalidade e, por fim, a tolerância às cargas de treinamento exigidas, preparando o atleta para a fase seguinte.

O terceiro nível compreende o treinamento de alto nível e abrange atletas desde 17-18 anos até o final de suas carreiras. Nele, o objetivo geral é o alcan-ce do alto desempenho individual por meio do aumento otimizado do volu-me e da intensidade de treinamento para atingir a perfeição, a estabilização e a disponibilidade máxima da técnica esportiva, além da melhoria e da manu-tenção da mais alta capacidade de desempenho pelo maior período possível.

Böhme (2000) sugere que, antes do início do processo formal de TLP, as crianças devem ter o desenvolvimento motor estimulado de maneira ge-neralizada, buscando-se a ampliação do acervo motor por meio de grande variabilidade de vivências motoras, assim como a utilização da maior quan-tidade possível de materiais esportivos, e a partir de então ela estará apta às subsequentes fases do TLP.

Alguns princípios básicos do TLP envolvem o respeito às fases de de-senvolvimento das crianças oferecendo oportunidades de prática esporti-va de maneira generalizada, sem imposições de desempenho de resultado, procurando diversificar as experiências para só depois especializar. Iniciar cedo no esporte não corresponde necessariamente a especialização esporti-va precoce, dede que seja garantido o início prazeroso na modalidade - des-sa forma, o planejamento dos treinamentos deve respeitar o tempo livre das crianças para que elas tenham oportunidade de descobrir outras atividades até que chegue o momento da decisão por prosseguir em determinada mo-dalidade.

Durante o processo de TLP, o desenvolvimento dos atletas deve ser acompanhado por avaliações cíclicas e contínuas, pois durante a puberda-

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de é grande a variabilidade morfológica, funcional e psíquica. As avaliações e registros devem ser um processo constante, reforçando a necessidade de acompanhamentos longitudinais (MASSA, 2006).

Atletas que tiveram a oportunidade de desenvolver todo o seu poten-cial acabam por se destacar durante o processo. Essa oportunidade envolve fatores ambientais, biológicos, psíquicos e situacionais. Caso sejam exigidos em demasia e precocemente, esses atletas podem desistir da prática esportiva por diversos fatores, como lesões, exaustão física e psíquica dentre outros. Eventuais resultados precoces devem ser observados como parte de um pro-cesso evolutivo, e não como um produto final, pois resultados precoces não são sinônimos de sucesso futuro: menos de um terço das pessoas considera-das talentosas em algum domínio do conhecimento foram crianças precoces (GUENTHER, 2000; MASSA, 2006).

A problemática do TLP nos leva a refletir sobre os meios pelos quais podemos intervir na formação profissional de estudantes do curso de edu-cação física a fim de capacitá-los para atuarem no treinamento esportivo de crianças e adolescentes. Com essa finalidade, formamos um grupo compos-to por docentes e alunos interessados em conhecer o universo da formação esportiva.

O Grupo de Estudos em Pesquisa, Desenvolvimento e Treinamento Infantojuvenil (GEPTDTIJ), inserido no curso de educação física, teve início em 2005 e desde sua formação tem o foco de seus estudos em trei-namento infantojuvenil. Seu objetivo é capacitar graduandos, por meio de pesquisas, revisões de literatura e reflexões, para o exercício profissio-nal competente no sentido de atuar assertivamente na formação esportiva de crianças e adolescentes.

Os estudos desenvolvidos pelo grupo abordam a problemática por meio de pesquisas transversais, buscando caracterizar variáveis discriminantes que possam elucidar a complexidade da formação esportiva de atletas ta-lentosos, buscando também conhecer a relação entre a prática profissional e os seus indicadores, resultantes de estudos acadêmicos. Por se tratar de um tema complexo e multivariado, pesquisas em várias áreas são pertinentes na tentativa de entender o fenômeno (RÉGNIER et al., 1993).

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Inicialmente, as investigações concentravam-se no conhecimento de características cineantropométricas, porém, com o desenvolvimento do grupo foram sendo criados outros focos de interesse. Atualmente, eviden-ciam-se três focos de investigação:

◆ análise de fatores discriminantes na formação de atletas talento-sos já consagrados;

◆ análise de jogo;

◆ trajetória esportiva de atletas.

Com uma produção bibliográfica de três artigos submetidos aguardan-do aceitação, dez artigos científicos editados, três capítulos de livro e ainda orientação de 26 projetos de iniciação científica, o grupo vem se consoli-dando.

A análise de fatores discriminantes trata de procedimentos estatísticos multivariados que buscam agrupar fatores responsáveis pelo desempenho do atleta e é utilizada para examinar, simultaneamente, a relação entre gran-de número de variáveis. A classificação multivariada, também denominada análise de cluster, é um conjunto de procedimentos que visa a agrupar e discriminar grupos de variáveis. Muitas vezes, essas variáveis sozinhas não conseguem explicar o desempenho esportivo dos atletas. As pesquisas com este tipo de análise de dados são quantitativas e exigem um conhecimento um pouco mais aprofundado de estatística.

A análise de jogo pode auxiliar o profissional a adequar o treinamento, assim como observar atuações individuais e coletivas do grupo. A expres-são análise de jogo está relacionada à coleta e à análise de dados, resultando na avaliação do treinamento e também do desempenho individual. Dessa forma, as informações colhidas podem vir a se tornar variáveis de grande importância para a reformulação do treinamento, podendo gerar melhoria de desempenho. Esta técnica de pesquisa busca entender os processos de tomada de decisão durante a prática esportiva no próprio ambiente de prá-tica, deferentemente do que ocorre em laboratórios, em situações distantes da realidade do jogo: este tipo de pesquisa estuda a ação real do atleta du-

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rante a realização de uma partida. Este método utiliza a observação do atle-ta durante sua atuação, tentando identificar em detalhes o número, o tipo e a frequência das tarefas motoras realizadas, além de analisar as habilidades técnicas (GARGANTA, 2001).

A pesquisa da trajetória esportiva procura identificar fatores discri-minantes durante o processo de formação esportiva por meio de pesquisa retrospectiva, observando a vida de atletas que tiveram destaque em suas carreiras, buscando assim identificar fatores determinantes do sucesso. O conhecimento desses fatores pode ajudar na elaboração de ambientes de prática adequados para o desenvolvimento de outros atletas talentosos, po-dendo assim auxiliá-los a atingir o ápice esportivo. As pesquisas com esta característica são de natureza qualitativa, possuindo diferentes métodos de coleta e análise. Essas metodologias legitimam a subjetividade como pro-dução de saberes e a intersubjetividade como suporte de trabalho interpre-tativo, de modo que o pesquisador deve ter um bom suporte teórico sobre o tema para poder extrair o máximo de informação dos discursos coleta-dos. Este conhecimento vai além do conteúdo específico do tema estudado, pois existe a necessidade de decifrar os signos (sinais) da fala dos sujeitos para a compreensão de seu significado (estruturas sociológicas). Dentre as metodologias podemos citar a história de vida (RUBIO 2003), o discurso do sujeito coletivo (LEFEVRE; LEFEVRE, 2003), a análise de conteúdo e a análise de discurso (BARDIN, 1979; MINAYO, 1994).

Essas são algumas possibilidades de investigação e direcionamento do GEPTDTIJ, tendo como meta a formação profissional competente de alu-nos da graduação para sua atuação responsável no mercado de trabalho. Trabalhamos pela sedimentação dos grupos, pois acreditamos assim co-laborar para a melhoria da detecção, da seleção e da promoção de atletas talentosos em direção ao sucesso esportivo.

4. Fundamentação teórica geral para a compreensão do TLP

Assim como visto em nosso capítulo, para a compreensão da temática da promoção de talentos no esporte existe a necessidade de fundamentação teórica geral. Isso acontece em disciplinas que precedem o conhecimento

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específico pertinente à disciplina detecção, seleção e promoção do talento esportivo, ministrada no último semestre do curso de educação física.

Nossa fundamentação começa com crescimento e desenvolvimento motor I e II, disciplinas responsáveis pelo conhecimento do desenvolvi-mento humano desde a concepção até a idade adulta. Nossos alunos são estimulados, desde as primeiras etapas, a investigar cientificamente as-pectos teóricos, relacionando-os a experiências práticas, principalmente no que tange ao treinamento esportivo precoce. A maturação biológica é amplamente discutida e relacionada à seleção esportiva em diferentes modalidades. Embora a temática da disciplina não seja o talento espor-tivo, nesta etapa já podemos discutir diferentes formas de seleção de atletas promissores em diferentes modalidades, bem como a exclusão do processo de futuros talentos simplesmente por serem tardios em sua maturação. E também se discute a administração de cargas elevadas de treinamento para crianças e adolescentes ainda não maturados e suas implicações no desenvolvimento dessas crianças e adolescentes. Sendo assim, nossos alunos seguem no curso aptos a perceber a importância da prática motora diversificada na infância (GALLAHUE; OZMUN, 2001), assim como o respeito pelo desenvolvimento físico na formação de um atleta talentoso.

Nas etapas posteriores, com a disciplina de cineantropometria, os fu-turos profissionais são preparados para compreender e intervir no terreno da avaliação física. Mais uma vez a temática do talento esportivo ganha espaço para discussão. Discute-se a importância das famosas “peneiras” no processo de formação esportiva, que muitas vezes não selecionam os mais talentosos, mas os mais maturados, além de poder intervir no mercado profissional na tentativa de melhorar esse sistema de seleção já estabelecido culturalmente e em grande parte desprovido de fundamentação científica. Nesta disciplina cabe discutir características cineantropométricas de atle-tas talentosos. Este tipo de investigação tem sido um instrumento utilizado para classificar indivíduos e atletas conforme o tipo de atividade ou a fun-ção que desempenham dentro de uma determinada modalidade esportiva (ROCHA et al., 1996). A falta de referencial antropométrico de atletas bra-sileiros auxilia na sedimentação de um programa assistemático de forma-

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ção esportiva, pois só temos respostas a algumas questões sobre a trajetória desses atletas por pesquisas retrospectivas, e não por estudos longitudinais.

O sucesso de um indivíduo talentoso depende não só de características físicas, mas também de fatores psicossociais. Depende em grande parte do seu comprometimento com a modalidade e consequentemente com o treinamen-to, de sua motivação e paixão pela área de atuação, além do apoio de diversos segmentos da sociedade, como a família, os bons mentores e treinadores, no caso do esporte. Esta é parte da temática da disciplina bases psicológicas apli-cadas a educação física e esporte II, na qual os alunos conhecem os principais aspectos psicológicos relacionados ao desempenho, assim como pesquisam e discutem temas emergentes da psicologia esportiva.

Esta temática inclui também a compreensão da importância da prepara-ção psicológica dos atletas, do controle emocional em treinamento e em com-petições, assim como a busca de níveis adequados de concentração, técnicas de controle de estresse e ansiedade, e a avaliação, o acompanhamento e a formação da identidade profissional dos atletas, assim como comentam Fer-reira et al. (2004).

Em suma, nas diferentes etapas da formação profissional de nossos alu-nos existe a preocupação de prepará-los para exercer, de maneira conscien-te e responsável, a carreira de formador esportivo. Os professores envolvi-dos nas disciplinas supracitadas trabalham de modo integrado com seus conteúdos, sempre reforçando a importância das partes na formação do todo. Para fechar o ciclo de conhecimento, no último semestre é oferecida a disciplina detecção, seleção e promoção de talentos esportivos, que tem por função integrar todo esse conhecimento, além de apresentar diferentes programas de formação esportiva em diversos países.

5. Considerações finais

As propostas apresentadas para o estudo da temática do talento espor-tivo esbarram nos fatores de TLP. Um representante esportivo de sucesso certamente não surgiu ao acaso e sim de um longo e árduo processo de pre-paração. Este tipo de preparação deve ser cuidadosamente planejada para

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abranger o desenvolvimento de todo o potencial que o atleta pode oferecer, de maneira temporal adequada ao seu crescimento e seu desenvolvimento.

O contexto da promoção de talentos para a prática esportiva de alto nível é complexo e abrange diversos aspectos relativos aos fatores biopsi-cossociais, além dos ambientais, que muitas vezes passam ao largo de nossa curiosidade científica, prejudicando o sucesso do processo. A temática do talento suscita muitas discussões conceituais. Semanticamente, o signifi-cado de talento sobrepõe-se aos conceitos de dom (inato) e aptidão, que envolvem aspectos inatos (naturais) do ser humano, porém também se con-sidera que o desenvolvimento e a manifestação do talento dependem da interação favorável com o meio ambiente (MASSA, 2006).

Pesquisas sobre talentos no esporte esbarram inevitavelmente no processo de formação esportiva, tema complexo e dinâmico que abor-da questões inerentes ao crescimento e o desenvolvimento de crianças e adolescentes associadas a especificidades técnicas, táticas e estratégias das modalidades em questão. E também não podemos deixar de considerar a importância da formação esportiva de crianças, adolescentes e jovens que por diversos fatores não seguirão a carreira esportiva, mas utilizarão essa formação para a prática esportiva recreativa.

Buscamos formar profissionais críticos que possam utilizar não só o co-nhecimento empírico intuitivo, mas o conhecimento científico para embasar suas ações profissionais. As disciplinas relacionadas ao GEPTDTIJ direta ou indiretamente podem fazer uso do conhecimento produzido para entender um pouco mais acerca da complexidade da formação esportiva de atletas ta-lentosos, procurando, desta maneira, contribuir para o futuro do esporte.

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TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO NA GRADUAÇÃO

EM EDUCAÇÃO FÍSICA: O uso da Web 2.0 e do Moodle

Ferdinand Camara da CostaRita de Cássia Garcia Verenguer

Todo docente universitário já observou como as tecnologias da co-municação e informação (TICs) estão presentes no cotidiano dos

jovens. Seja por meio do uso das redes sociais (Orkut, Facebook, MSN) ou das ferramentas interativas da internet (blogues, Wiki, Twitter, Youtube), os graduandos de educação física, futuros profissionais, tem ao seu alcance uma infinidade de meios para se comunicar ou buscar conhecimento.

Sabemos que na sociedade do conhecimento as novas tecnologias po-tencializam o acesso e a disponibilização da informação, o que gera uma imensa oportunidade de disseminá-las e utilizá-las para gerar conteúdos. Tal realidade afeta diretamente as relações de ensino e aprendizagem e os atores envolvidos.

Nesse cenário, a competência docente deixa de ser vista como domínio e transmissão de conhecimento estabelecido para tornar-se a capacidade de apoiar os graduandos a produzirem conhecimentos significativos, colabo-rativos e condizentes com as necessidades de aprendizagem de uma socie-dade em constante transformação, com em disse em palestra a professora doutora Maria de los Dolores J. Peña:

Na medida em que formamos o aluno para uma socie-dade em constante mudança, isto pressupõe trabalhar com informações atualizadas constantemente onde o

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72 | Tecnologia da Informação e Comunicação na Graduação em Educação Física

intervalo de tempo não é previsível e o papel do profes-sor e aluno é o de construir conhecimento a partir de informações contextualizadas para que se transformem em conhecimentos significativos.

Potencializar o uso desses dispositivos e ferramentas no ambiente univer-sitário pressupõe romper o paradigma da transmissão de conhecimento como a única forma de ensino e organizar-se em torno de outro paradigma: o da aprendizagem e da construção coletiva do conhecimento. Tal mudança exigirá de docentes e discentes uma nova postura, ou seja, para o docente, um papel de moderador e para o discente, o papel de protagonista da aprendizagem.

Assim, faz-se necessário que instituições, docentes e graduandos rom-pam com os modelos tradicionais de ensino e aprendizagem, ou seja, o do-cente deve deixar de lado a transmissão do conhecimento para estimular o graduando a construir o seu próprio conhecimento. Para Kenski,

O uso criativo das tecnologias pode auxiliar os professo-res a transformarem o isolamento, a indiferença e a alie-nação com que costumeiramente os alunos frequentam as salas de aula, em interesse e colaboração, por meio do qual eles aprendam a aprender, a respeitar, a aceirar, a serem melhores pessoas e cidadãos participativos. Pro-fessor e aluno formam “equipe de trabalho” e passam a ser parceiros de um mesmo processo de construção e aprofundamento do conhecimento. Aproveitar o inte-resse natural dos jovens estudantes pelas tecnologias é utilizá-los para transformar a sala de aula em espaços de aprendizagem ativa e de reflexão coletiva.

O docente precisa desenvolver ações que tenham interesse didático-pe-dagógico, permitindo o desenvolvimento de ambientes de aprendizagem centrados nas atividades dos graduandos, mostrando as múltiplas possibi-lidades dessa forma de aprendizagem e, dessa maneira, tornar as informa-ções e a aprendizagem mais significativa.

Um dos grandes desafios para o educador é ajudar a tornar a informação significativa, a escolher as infor-

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mações verdadeiramente importantes entre tantas pos-sibilidades, a compreendê-las de forma cada vez mais abrangente e profunda e torná-las parte do nosso refe-rencial. (MORAN; MASETTO; BEHRENS, 2001, p. 23)

Os ambientes virtuais de aprendizagens (AVAs) e as ferramentas inte-rativas disponíveis na Web 2.0 surgem como possibilidade para o docente motivar os graduandos, que já estão habituados ao uso de ferramentas digitais fora dos muros da universidade, a utilizá-las como ferramenta de auxílio no desenvolvimento de sua aprendizagem e para potencializar sua inserção no mundo do trabalho.

Em face do exposto, definimos os seguintes objetivos para o presente capítulo:

◆ discutir a importância do uso das TICs na graduação; e

◆ apresentar as possibilidades e exemplos do uso dos ambientes virtuais de aprendizagem e das ferramentas interativas na Web 2.0 no processo de ensino e aprendizagem.

1. Sociedade do conhecimento e educação no século XXI

Com o acelerado desenvolvimento do mundo globalizado, o setor de serviços transformou o capital humano de qualquer instituição em seu maior bem e o conjunto de capacitações dos colaboradores, adquiridas por meio da educação, dos programas de formação e do próprio saber acumu-lado pela experiência, em vantagem competitiva. Na sociedade do conhe-cimento, as ideias, as inovações e a pesquisa passam a ser fonte de riqueza e potencial de negócio.

Podemos assim dizer que nesta sociedade globalizada, mais que trei-namento para a capacitação tecnológica, educar significa desenvolver as competências dos indivíduos, das quais podemos destacar o “aprender a aprender”, ou seja, o aprendizado constante é base para qualquer empreen-dimento pessoal e profissional (DELORS, 2001).

Com o aprendizado contínuo, podemos ter indivíduos autônomos que sejam capazes de produzir informações e conhecimentos novos em vez de

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74 | Tecnologia da Informação e Comunicação na Graduação em Educação Física

apenas consumi-los. Além disso, serão capazes de buscar as soluções para os desafios apresentados.

Hoje, em meio a tantos veículos de informação (televisão, jornais, revis-tas, internet), precisamos criar mecanismos que nos auxiliem a filtrar essas informações e a selecionar as que sejam úteis. Aliás, esse parece ser o novo papel do docente: desenvolver estratégias e contribuir para que os graduan-dos ampliem a capacidade de selecionar e tomar decisões baseadas nas me-lhores informações.

Essa nova sociedade alicerçada na informação e no conhecimento sur-giu graças aos avanços tecnológicos que desencadearam a criação de novas tecnologias.

1.1. Avanços tecnológicos

A tecnologia já está presente na história do ser humano desde os pri-mórdios, quando os primeiros homens utilizaram os primeiros instrumen-tos de osso e pedra. A tecnologia surgiu junto com a linguagem:

As condições orgânicas do homem, sapiens e faber, conferiram às mãos, ao permitirem a postura verti-cal, uma atividade instrumental polimorfa insepa-rável da linguagem, cuja intervenção se diversifica. [...] O gesto artesanal que se aprende pela imitação, aperfeiçoa-se pela experiência; nenhuma descrição, nenhuma injunção determina ou dá forma acabada ao saber fazer. A palavra, descontínua, não faz mais do que assinalar diferenças, indicar localizações, es-pecificar classes. Descrever e executar são coisas ra-dicalmente distintas. Por isso é a linguagem, suporte do discurso reflexivo, que dá ao saber fazer estatu-to social e normas operativas. (GUILHERME apud GAMA, 1985, p. 69)

Ao longo do tempo, as tecnologias vêm acompanhando todos os pro-cessos de desenvolvimento humano. Conforme a evolução e o progresso, cada povo e cada cultura foram criando suas tecnologias conforme suas

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necessidades. Diversos episódios que provocaram guerras e destruições es-tiveram ligados à tecnologia:

O contato entre civilizações de níveis tecnológicos di-ferentes frequentemente provocava a destruição da me-nos desenvolvida ou daquelas que quase não aplicavam seus conhecimentos à tecnologia bélica, como no caso das civilizações americanas, aniquiladas pelos conquis-tadores espanhóis, às vezes mediante guerras biológicas eventuais. (CASTELLS, 2001 p. 51)

Cabe considerar que a tecnologia vem se disseminando rapidamente dentro da sociedade, de modo tão rápido que, às vezes, a absorção desse avanço passa despercebida pelas pessoas. Por outro lado, quando se percebe o surgimento de uma nova ferramenta, esta já está, na verdade, ultrapassa-da. Percebe-se, assim, que a tecnologia se instala automaticamente na vida das pessoas e em todos os seus aspectos: “MacLuhan, o grande teórico da comunicação, já dizia, nos anos 1970, que as tecnologias tornam-se invisí-veis à medida que se tornam mais familiares.” (KENSKI, 2007, p. 44)

Podemos citar dois grandes momentos na história que alavancaram e desencadearam vários outros avanços tecnológicos. O primeiro foi chama-do de Revolução Industrial e o segundo, de Revolução da Tecnologia da Informação e Comunicação.

As relações humanas versus tecnologias ganham maior importância a partir da Revolução Industrial. A invenção da máquina a vapor, motores primários móveis, eletricidade, produtos químicos, aço, motor de combus-tão interna, telégrafo e telefonia marcaram a evolução e o progresso na vida humana, modificando totalmente a forma como o indivíduo interage com a natureza.

Exemplo dessa evolução é o telégrafo, que, a partir de 1837, conseguiu desenvolver uma rede de comunicação, conectando o mundo em larga escala.

Já o uso difundido da eletricidade a partir de 1870 mudou os trans-portes, o telégrafo, a iluminação e o trabalho nas fábricas mediante a

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difusão de energia na forma de motores elétricos. Os ciclos de trabalho humano que acompanhavam a natureza (luz solar) se modificaram com a eletricidade na medida em que o homem começou a controlar o tempo de trabalho conforme sua necessidade, quando a iluminação deixou de ser problema para a produção.

Outro grande momento que alavancou e desencadeou vários inventos foi a criação da microeletrônica, que representou, para a revolução atual, o que as novas fontes de energia foram para a Revolução Industrial. Graças à microeletrônica foram abertas as portas para a tecnologia da informação, iniciando-se um período de transformações contínuas até hoje.

As novas tecnologias de informação difundiram-se pelo mundo em menos de duas décadas, época compreendida entre o período de 1970 e 1990. O final do século XX foi marcado pela intensificação das mudanças causadas pelos avanços tecnológicos, sobretudo pelo crescimento dos seto-res de serviços, comunicações e informações, que podem ser evidenciados a cada momento e em um processo contínuo.

Um exemplo atual e que está relacionado com a nossa área é a uti-lização do Bluetooth nos estádios de futebol. Por meio do celular, os torcedores recebem informações sobre o campeonato e a partida, além mensagens dos patrocinadores. Embora ainda não permita a interativi-dade, potencialmente essa tecnologia é uma oportunidade de o torcedor ampliar seu conhecimento e sua compreensão sobre os temas que cercam o futebol. Além disso, estamos certos de que a utilização dessa ferramen-ta possibilitará que profissionais de Educação Física se tornem produto-res de conteúdos para essa e outras tecnologias (CARVALHO; VEREN-GUER; COSTA, 2010, p. 65).

Podemos afirmar que as tecnologias da informação e comunicações (TICs) surgiram em decorrência das revoluções citadas anteriormente, destacando-se o desenvolvimento de hardwares, softwares, microcomputa-dores e internet. Todos esses fatores abriram as portas para a globalização e, consequentemente, para a era da nova sociedade chamada de sociedade do conhecimento.

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1.2 Evolução da internet

No final da década de 1960, surgiu a Advanced Research Projects Agency Network (Arpanet), rede de longa distância criada pela Agência de Pesquisas Avançadas (Arpa).

A Arpanet foi criada dentro das universidades com o objetivo especí-fico de investigar a utilidade da comunicação de dados em alta velocidade, para fins militares. Quando perceberam que essa rede era uma grande con-tribuição para a trocas de informações acadêmicas, as universidades come-çaram a abrir seu acesso aos usuários comuns. Hackers e crackers surgiram e começaram a incomodar o ambiente, até então considerado militar.

O órgão militar resolveu então se desligar da rede, por falta de seguran-ça de suas informações. A partir daí a Arpanet se tornou internet. Em mea-dos da década de 1990, ocorreu a grande expansão da rede, em decorrência de um alto investimento de empresas, a fim de se criar uma infraestrutura adequada para mais um canal de comunicação com clientes, o que, com o tempo, tornou-se acessível a todas as classes sociais.

Nesse período, a internet não possibilitava, por motivos técnicos, a in-teração entre pessoas e conteúdos. Tempos depois, surgiu outro marco da internet: a Web 2.0 que tem como principal característica a interatividade, quando os usuários podem trocar informações e conhecimentos.

2. Web 2.0

A expressão Web 2.0 se aplica a espaços virtuais que têm como princi-pal característica a interatividade, ou seja, não são simplesmente ambien-tes virtuais em que os indivíduos postam informações, mas sim ambientes abertos em que os usuários colaboram para a organização de conteúdo, por meio da utilização das tecnologias disponíveis na rede.

De acordo com a Folha Online (2006):

O termo Web 2.0 é utilizado para descrever a segun-da geração da World Wide Web tendência que reforça o conceito de troca de informações e colaboração dos

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internautas com sites e serviços virtuais. A ideia é que o ambiente on-line se torne mais dinâmico e que os usu-ários colaborem para a organização de conteúdo. (EN-TENDA, 2012)

Sua estrutura permitiu que a interação entre as pessoas acontecesse em tempo real, independentemente do espaço: basta se conectar à rede para ter acesso ao mundo virtual, do qual participam pessoas reais, que interagem de forma virtual. Algumas ferramentas e programas surgem para maximi-zar essa velocidade na troca de informações e na interação entre as pessoas:

Web 2.0 é a mudança para uma internet como platafor-ma, e um entendimento das regras para obter sucesso nesta nova plataforma. Entre outras, a regra mais im-portante é desenvolver aplicativos que aproveitem os efeitos de rede para se tornarem melhores quanto mais são usados pelas pessoas, aproveitando a inteligência coletiva. (GILBERTO JR, 2006)

2.1 Ferramentas interativas disponíveis na Web 2.0

As diversas comunidades e espaços virtuais têm disseminado a infor-mação e a cultura pelo mundo todo por meio da Web. A distância física e temporal entre os participantes são grandes obstáculos que vêm sendo transpostos. As ferramentas interativas são fundamentais para minimizar os problemas causados pela distância e o tempo, promovendo a aproxima-ção entre pessoas no mundo todo.

Para a utilização dessas ferramentas, é necessário definir as formas e os graus de interatividade do usuário. Dessa maneira Passarelli afirma que “A comunicação pode ser uni, bi ou multidirecional e pode acontecer em tempo real (síncrona) ou tempo diferido (assíncrona).” (PASSARELLI, 2007, p. 52)

As atividades síncronas mais comuns nos dias de hoje são os chats e as videoconferências, que exigem dos participantes que, independentemente do local, estejam conectados ao mesmo tempo. Já as atividades assíncronas, como o e-mail e os fóruns, permitem que os usuários realizem suas ativida-des no momento que desejam, independentemente do espaço e do tempo.

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A seguir, caracterizamos as principais ferramentas disponíveis na Web 2.0.

2.1.1 Buscadores e metabuscadores

São ferramentas que estão disponíveis na internet e têm por finalidade buscar informações acessíveis na rede por meio de mecanismos de indexa-ção, repetição, prioridade etc.

O Google é considerado, atualmente, o primeiro e mais completo buscador existente na internet, detentor de 56,1% do mercado de busca-dores e com mais de seis bilhões de termos disponíveis.

Há também buscadores com PHD, aqueles que fazem buscas em sites específicos em ciência e tecnologia, rastreando livros técnicos, publicações especializadas e banco de dados. Um exemplo é o SciELO.

É importante considerar que o SciELO se tornou um grande aliado dos graduandos e dos docentes que buscam artigos científicos para comple-mentar e/ou nortear seus trabalhos de conclusão de curso (TCC), seus pro-jetos de iniciação científica e projetos de pesquisa, além de ser uma ótima ferramenta para analisar preços de produtos.

2.1.2 Chats e comunicadores instantâneos

O chat, também conhecido como sala de bate-papo, é uma ferramenta que permite uma conversa em tempo real entre diversas pessoas, em am-bientes remotos, por meio de mensagens escritas, podendo ser dividido em salas temáticas.

Os comunicadores instantâneos são ferramentas que permitem o envio e o recebimento de textos, imagens, voz e arquivos em tempo real. Para utilizar esses recursos, é necessário que o usuário tenha os programas instalados em sua máquina: por meio desses programas, eles podem criar listas de amigos que, quando conectados, podem realizar trocas de dados instantaneamente. Hoje em dia, graças a esses comunicadores instantâneos e ao aumento da velocidade da internet, é possível utilizar gratuitamente as videoconferências, que antes tinham um custo muito elevado e necessitavam de equipamentos e linhas telefônicas dedicadas para seu uso.

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Os mais conhecidos e utilizados comunicadores instantâneos são o MSN Messenger e o ICQ, responsáveis por grande parcela da utilização dos comunicadores no mundo de hoje. Eles são bastante semelhantes e ofere-cem praticamente os mesmos serviços.

2.1.3 Telefonia virtual

São programas que permitem ligações interurbanas e internacionais pelo computador, utilizando a internet. Basta ter o programa instalado, um microfone e uma caixa de som. Pode-se conversar com o mundo inteiro de forma virtual, com uma qualidade de som superior à conseguida na linha telefônica. A opção mais conhecida é o Skype, que permite fazer videocon-ferências on-line com duas ou mais pessoas.

Por meio do Skype, do MSN e de outras ferramentas de voz por IP, é possível participar de videoconferências com alunos ou clientes sem fron-teiras de espaço e de tempo. Além disso, eles podem ser utilizados como ferramenta de trabalho no cotidiano profissional. Exemplos que nos inte-ressas são aqueles que podem ser acessados nos links <http://www.myho-mepersonaltrainer.com/> e <http://corpoemfoco.com.br/>.

2.1.4 Redes sociais de relacionamento

São sites que permitem criar e manter comunidades. São ambientes de encontro virtual entre as pessoas, por meio de comunidades semelhantes. Um dos sites mais utilizado atualmente no Brasil é o Orkut.

E também destacamos a utilização das redes sociais de relacionamento para o âmbito profissional, por meio de comunidades relacionadas à educa-ção física que estão sendo usadas, inclusive, em muitos processos de seleção para empregos.

2.1.5 Twitter

O Twitter é um sistema de microblogging que, com sua simples per-gunta “o que você está fazendo agora” e resposta por meio de mensagens instantâneas de até 140 caracteres, algo como uma mensagem de celular,

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tem sido um tipo de reality show em que todos colocam o que estão vendo, fazendo ou ouvindo. É uma das redes sociais que mais cresce em número de acessos e usuários.

Um exemplo do uso dessa ferramenta no universo da educação física e do esporte é aquele relatado por Souza e Hirota (2010), que criaram, por ocasião da Copa do Mundo de Futebol, um endereço e começaram a divulgar suas reflexões e análises sobre os principais temas e episódios daquela competição. Segundo os autores, nesse processo interativo foi possível ampliar, de maneira crítica, a percepção dos seguidores sobre o campeonato.

2.1.6 Forum

É uma ferramenta assíncrona em que podem ser inseridos vários te-mas, para que por meio da argumentação de outros o usuário possa refletir sobre a sua própria conclusão acerca do tema debatido. Na internet encon-tramos, nos mais diversos sites, temas de grande popularidade nos quais usuários postam suas opiniões.

Sartori e Roesler definem forum como um

[...] dispositivo de comunicação assíncrona que permite

a interação sem hora marcada, ou seja, os alunos podem

administrar a participação conforme a conveniência de

sua agenda pessoal. Essa flexibilidade permite ao aluno

determinar o tempo que necessita para realizar a ati-

vidade e ao professor ou tutor, mediar a discussão de

temas relacionados aos conteúdos. (SARTORI; ROES-

LER, 2005, p. 35)

Os foruns de discussões possuem basicamente duas divisões organi-zacionais. A primeira faz a divisão por assunto e a segunda, uma divisão em tópicos. As mensagens ficam ordenadas decrescentemente por data, da mesma forma que os tópicos ficam ordenados pela data da última pos-tagem.

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2.1.7 Wiki

O wiki é uma ferramenta que permite a construção coletiva de conteú-dos, potencializando a experiência da aprendizagem por meio da colabora-ção. Para utilização do wiki, não é necessário um conhecimento prévio da construção de sites ou páginas na internet:

O wiki é um software colaborativo que permite a edição coletiva dos documentos de uma maneira simples. Em geral, não é necessário registro, e todos os usuários po-dem incluir, alterar ou até excluir textos sem que haja revisão antes de as modificações serem aceitas. (VA-LENTE; MATTAR, 2007, p. 102)

Outra característica é o dinamismo das páginas produzidas e a liberda-de de alterar o que existe, acrescentando novas páginas e editando conteú-dos publicados por outros. O que o diferencia da criação de demais páginas da Web é o fato de ser alterado por qualquer usuário.

Um exemplo de sucesso é a Wikipedia, enciclopédia na Web constru-ída a partir da colaboração livre e voluntária. Apesar dos temores iniciais a respeito da suposta falta de confiabilidade das informações ali contidas, ela vem se constituindo em uma fonte de consulta bastante utilizada, com-petindo com enciclopédias tradicionais. No ambiente educacional, a fer-ramenta potencializa a colaboração descentralizada e anárquica. Tanto os docentes como os discentes podem participar, de um modo descomplicado, da aprendizagem e da interação.

2.1.8 Videoconferência

Videoconferência é uma discussão que permite o contato visual e so-noro entre pessoas que estão em lugares diferentes, dando a sensação de os interlocutores se encontrarem no mesmo local. Permite não só a comuni-cação entre um grupo, mas também a comunicação pessoa a pessoa. Pode-mos destacar que a videoconferência propicia um ambiente interativo entre pessoas que podem estar em diversos lugares do mundo, comunicando-se, trocando experiências e reflexões. A videoconferência é institucional e deve

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seguir as determinações e dispositivos tecnológicos disponibilizados pela instituição.

2.1.9 Blogue

O blogue é uma ferramenta que permite a publicação de conteúdos on-line possibilitando realizar anotações, transcrever ou até mesmo comentar um determinado assunto. Por esse motivo, são denominados diários virtu-ais, nos quais qualquer pessoa pode registrar um assunto de seu interesse. Os blogues são apresentados em formato de uma página Web atualizada constantemente tanto pelo autor do blogue como pelos membros por ele autorizados. É composto por pequenos parágrafos apresentados de manei-ra cronológica chamados posts.

Os blogues possibilitam a discussão e a troca de ideias por meio de co-mentários que podem ser lidos e escritos por qualquer pessoa. As páginas textuais dos blogues podem ser acompanhadas de imagens e sons, inseridos de maneira fácil e dinâmica, permitindo que usuários sem muita familiari-dade com essa tecnologia participem da blogosfera.

Quanto à funcionalidade, os blogues diferenciam-se de outras ferra-mentas como chat, fórum, listas de discussão, entre outras, pela facilidade com que podem ser criados, editados e publicados.

Outra vantagem apresentada são as possibilidades de interação, acesso e atualização das informações. Dessa forma, podem ser utilizados no am-biente educacional, como um laboratório de escrita virtual, em que todos os membros podem agir interagir, trocar experiências sobre assuntos de mesmo interesse.

Em estudo recente, Teixeira, Verenguer e Costa (2010) analisaram blo-gues de autoria de profissionais de educação física e observaram que seus autores, além de divulgar suas ideias, podem, de maneira interativa, discu-tir e articular novos conhecimentos com os leitores. Além disso,

[...] é uma oportunidade de contato profissional en-tre aqueles que estão em busca de aprimoramento da carreira. Ousaríamos afirmar que esse recurso, em um

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futuro próximo, será usado para a formação de comuni-dades de aprendizagem em torno de temas específicos da área. (TEIXEIRA; VERENGUER; COSTA, 2010, p. 66)

Entre diversos blogues na área, citamos como exemplo o blogue en-contrado em <http://pensandoaeducacaofisica.blogspot.com/>, que visa a ser um espaço colaborativo de reflexão e análise sobre a preparação profis-sional e o mundo do trabalho em educação física, e também oportunizar a construção coletiva de conhecimento sobre a área.

Na mesma linha do blogue, existem o flogues, os moblogues e os vi-deologues.

◆ Fotologues ou flogues são sites de fotos enviadas pelo dono do flogue, geralmente atualizado diariamente, e também permitindo a inclusão de comentários pelos visitantes. O mais importante neste caso é conseguir o máximo de comentários e links de ou-tros fotologues, tendo assim a ideia da abrangência do seu flogue e, consequentemente, da sua popularidade entre os blogueiros e fotologueiros. As ferramentas do flogue se restringem a postar (enviar) fotos.

◆ Moblogues ou mlog: os melhores blogues e flogues da internet tam-bém fazem o papel de moblogues, ou seja, textos, fotos e vídeos po-dem ser enviados de telefones celulares, por e-mails ou mensagens MMS, com a tecnologia multimedia messaging service - serviço de mensagens multimídia.

◆ Videologues ou vlogues são uma variante de weblogues cujo conteúdo principal consiste em disponibilizar vídeos. O mais conhecido e utilizado no mundo é o Youtube, da Google. Hoje, existem milhares de vídeos disponíveis que podem ser utilizados em sala de aula.

◆ Todas estas ferramentas e outras disponíveis na Web 2.0 podem ser utilizadas nos ambientes virtuais de aprendizagem (AVAs), tanto na educação a distância quanto como extensão da educa-ção presencial.

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3. Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVAs)

Segundo Valente e Mattar (2007), AVA é um espaço virtual que reúne recursos tecnológicos necessários para elaboração, implementação e gestão de aprendizagem colaborativa e a distância. Ele permite atingir um grande público em lugares distantes. Trata-se de softwares que permitem a integra-ção dos usuários, por meio da internet, com o objetivo de trocar experiên-cias e, consequentemente, gerar o aprendizado mútuo. Esstes ambientes são utilizados como suporte para controlar as diversas atividades educacionais de maneira virtual.

Segundo Schlemmer, os AVAs são softwares desenvolvidos para o ge-renciamento da aprendizagem via Web. Eles são sistemas que sintetizam a funcionalidade de software para comunicação mediada por computador (CMC) e métodos de entrega de material de cursos on-line. (Schlemmer, 2005, p. 132)

A principal vantagem de se utilizar um AVA como complemento da prática presencial é a possibilidade de acessarmos o curso em qualquer lugar e horário em que haja um computador conectado à internet. Outra vantagem são as ferramentas de fácil manuseio para a criação de um curso na Web, como o compartilhamento de materiais de estudo, as discussões ao vivo, os testes de avaliação e as pesquisas de opinião, a coleta e a revisão de tarefas, o registro de notas. Além disso, podemos ter total controle de acesso e acompanhamento das atividades desenvolvidas.

A título de ilustração, citamos o AVA elaborado por uma empresa es-pecializada em desenvolver esse tipo de ambiente para o ensino das moda-lidades esportivas a pedido da Grace University, que visa a oferecer cursos sobre o ensino do jiu-jítsu. Esse AVA possui ferramentas interativas (vídeo, fórum e chat) e é possível, ainda, submeter material para avaliação e checar o processo de aprendizagem. Isso posto,

[...] podemos afirmar que, embora o uso do AVA como plataforma de aprendizagem seja algo recente, ele é uma realidade que não pode ser ignorada. Certamente será preciso um grande investimento na qualidade dos cursos oferecidos e, também, abre-se uma nova opor-

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tunidade de aprendizagem a distância e para os profis-sionais de educação física/esporte, notadamente para os professores conteudistas e para os tutores. (SANTOS; VERENGUER; COSTA, 2010, p. 64)

3.1 As diferentes plataformas dos AVAs

Uma das características marcantes da sociedade contemporânea é a ve-locidade proporcionada pelas tecnologias digitais, que tornaram possível o rompimento das fronteiras do tempo e do espaço. Hoje, as informações podem atingir um imenso contingente de pessoas, em tempo real, em todas as partes do mundo. Além disso, as TICs se fazem presentes no cotidiano das pessoas, gerando transformações em todos os setores, principalmente na área educacional.

Nesse cenário, ocorreram diversas iniciativas no desenvolvimento de AVAs. Algumas delas são pagas, como Blackboard e WebCT. Outras são gratuitas, como Aula Net, Solar, Amadeus, Teleduc e Moodle, que se ba-seiam na abordagem cooperativa, tendo como palavras-chave comunica-ção, coordenação e cooperação.

Esses AVAs permitem a criação de cursos apresentados em páginas HTML e dispõem de uma série de ferramentas interativas, como e-mails, fóruns, chats, Wikis, vídeos, mural etc. E esses sistemas também oferecem ferramentas para autoavaliação dos graduandos e gráficos para o acompa-nhamento da sua evolução.

Os AVAs on-line podem ser adquiridos por meio de links disponibiliza-dos na internet. Abaixo, citamos alguns.

◆ Blackboard é um software proprietário, desenvolvido pela Bla-ckboard Inc, um provedor de softwares e serviços para educa-ção on-line. O Blackboard é um learning management system (LMS) com funcionalidades de instrução e comunicação bastan-te utilizado por instituições de ensino privadas no Brasil.

◆ WebCT é um software proprietário provedor de e-learning para instituições de ensino desenvolvido pela British Columbia Uni-

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versity, no Canadá. Já é utilizado em milhares de instituições, em mais de 70 países. O WebCT hoje pertence à empresa Ba-ckboard.

◆ AulaNet desenvolvido pelo Laboratório de Engenharia de Software do Departamento de Informática da Pontifica Uni-versidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), tem a fina-lidade de promover cursos a distância e foi iniciado no ano de 1997.

◆ Solar desenvolvido pelo Instituto UFC Virtual, da Universidade Federal do Ceará. O conceito foi criado em 2007 pelo grupo de pesquisa em tecnologia educacional CCTE, do Centro de Infor-mática da UFPE.

◆ Amadeus LMS foi desenvolvido pelo grupo Ciências Cogni-tivas e Tecnologia Educacional (CCTE), vinculado ao Centro de Informática da Universidade Federal de Pernambuco (CIn-UFPE), que atualmente desenvolve temas na área de aprendiza-do informal. Os resultados apontam para novos desenvolvimen-tos do Amadeus LMS.

◆ TelEduc teve desenvolvimento pelo Núcleo de Informática Aplicada à Educação (Nied) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). É um software livre que pode ser re-distribuído e/ou modificado sob os termos da General Public License (GNU), versão 2, como publicada pela Free Software Foundation.

◆ Moodle: esta ferramenta foi desenvolvida pelo australiano Mar-tin Dougiamas, em 1999, e hoje é considerado um software livre e gratuito, podendo ser baixado e utilizado por qualquer indiví-duo em todo o mundo.

Neste trabalho, focaremos a utilização do Moodle, visto que é um dos AVAs mais utilizados no mundo e é utilizado no curso de educação física.

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3.1.1. Moodle

A plataforma Moodle foi desenvolvida em 1999, pelo australiano Mar-tin Dougiamas, que lidera o projeto até hoje. Atualmente, há 50 mil desen-volvedores em todo o mundo trabalhando para o aprimoramento da plata-forma, a cada dia, e é sempre possível receber novos módulos com funções que atendam ainda mais os diversos tipos de usuários. Há possibilidades de aplicação em diferentes práticas pedagógicas.

O Moodle é considerado um software livre e gratuito, um LMS livre, open source (sob as condições GNU-General Public License), ou seja: aberto, livre e gratuito, podendo ser baixado, utilizado e modificado por qualquer indivíduo em todo o mundo. Isso faz com que seus usuários também sejam seus construtores, pois, enquanto o utilizam, também contribuem para a sua constante melhoria.

De acordo com a documentação que consta no site oficial do Moodle, a palavra moodle refere-se a modular object-oriented dynamic learning en-vironment, que tem especial significado para os envolvidos em educação. Descreve o processo de navegar por algo, enquanto se faz outras coisas ao mesmo tempo.

Dentre suas propostas, podemos destacar o aprendizado colaborativo, além de servir como repositório de aulas e de diversos materiais.

Além disso, dispõe de recursos que podem ser selecionados pelo do-cente ou administrador, de acordo com seus objetivos pedagógicos, tanto para distribuição de material on-line como para atividades de apoio ao en-sino presencial, como acompanhamento de projetos, conferências ou semi-nários à distância, avaliações ou sistemas de avaliações.

Por ser uma ferramenta de relativamente fácil utilização, com baixo custo (apenas o acesso à internet), proporcionando interação e interativi-dade, consideramos importante o docente conhecê-la e saber utilizá-la.

O Moodle disponibiliza vários recursos e ferramentas interativas. Os serviços podem ser de vários tipos: administrativos, de comunicação, didá-ticos e de avaliação.

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Muitas universidades e escolas já utilizam o Moodle, não só para cursos totalmente virtuais mas também como apoio aos presenciais. Ele é igual-mente indicado para outros tipos de atividades que envolvam formação de grupos de estudo, treinamento de professores e até desenvolvimento de projetos. Existem outros setores, não ligados diretamente à educação, que utilizam o Moodle, como por exemplo empresas privadas, ONGs e grupos independentes que interagem na internet.

A comunidade Moodle conta com aproximadamente 46.741 servidores registrados, mais de 33.313.815 usuários, tendo sido traduzida em 78 lín-guas e utilizada em 206 países. Só no Brasil, são 2.850 sites.

Os AVAs apresentados possuem diversas ferramentas interativas que potencializam a dinâmica educacional no ambiente virtual. Muitas dessas ferramentas foram desenvolvidas juntamente com a evolução da internet, marcada pelo termo Web 2.0.

4. Uso da TICs e do Moodle no ambiente universitário

O desafio que se impõe hoje aos docentes é reconhecer que os novos meios de comunicação e linguagens presentes na sociedade devem fazer parte da sala de aula, e não apenas como dispositivos tecnológicos que transmitam modernização ao ensino. É importante que conheçam a poten-cialidade e as contribuições que as TICs e os AVAs, como o Moodle, podem trazer ao processo de ensino e aprendizagem, seja como recurso ou apoio pedagógico às aulas presenciais e virtuais.

No entanto, ao refletir sobre a utilização da tecnologia na graduação em educação física, Bianchi e Hatje (2007, p. 303) alertam que

[...] a implementação das tecnologias necessita, além de bons professores e domínio técnico, de infraestrutura, isto é, suporte de energia, rede de telefonia e espaço ade-quado. Em se tratando de tecnologias, não é suficien-te ter as ferramentas tecnológicas, mas construir um ambiente de aprendizagem adequado a essa realidade. (Bianchi; Hatje, 2007, p. 303)

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Dessa forma, cabe ao docente avaliar qual a melhor opção a ser uti-lizada e selecionar a ferramenta que melhor atende às suas necessidades educacionais, sabendo que o sucesso da sua utilização está relacionado com a mediação das atividades (VERENGUER, 2009). Outrossim, é pre-ciso reconhecer o seu valor pedagógico e promover a articulação entre o conhecimento e as novas perspectivas tecnológicas de apropriação desse conhecimento.

Nesse sentido, Cabanelas (2009), ciente do sentimento de desconfiança nutrido por graduandos sobre as potencialidades das TICs e do AVA no ensino da educação física, propôs, a partir da mediação pedagógica, tarefas e experiências nas quais os graduandos pudessem vivenciar o seu uso. Ao final dessa experiência, a autora advoga que houve uma significativa mu-dança de mentalidade e comportamento dos futuros professores de educa-ção física sobre a utilização da tecnologia nas aulas.

As inúmeras atividades colaborativas e cooperativas que essa tecnolo-gia proporciona nos permitem afirmar que o discente passa a ser um sujei-to ativo, o protagonista da própria aprendizagem, pois, na medida em que modifica o ambiente, ele mesmo se modifica. O docente é o mediador de todo o processo, levando o aluno a alcançar a autonomia necessária para aquisição de aprendizagens significativas. Assim, docentes e discentes tor-nam-se parceiros de aprendizagem, um interagindo com o outro, revendo e construindo aprendizagens juntos.

As ideias defendidas acima encontram ressonância nas experiências re-latadas por um acadêmico de educação física sobre a utilização do Moodle em seu curso de graduação:

Podemos observar que o uso do Moodle facilitou o aces-so ao conteúdo e a continuidade do estudo extraclasse. No entanto, é preciso ressaltar que as disciplinas que aproveitaram os recursos interativos tornaram o pro-cesso de aprendizagem mais atraente e exigiram mais dedicação dos graduandos. A produção e, sobretudo, a divulgação do conhecimento foram intensificadas visto que a utilização das ferramentas interativas estimulou

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o estudo, pois as participações ficaram expostas e ava-liadas por todos. A utilização do Moodle exigiu dos graduandos maior organização no tempo e maior dis-ciplina, por outro lado, possibilitou o desenvolvimento da autonomia. Considerando que os graduandos vêm de uma cultura colegial, o uso do ambiente provocou estranhamento visto que a atitude dos mesmos exigiu protagonismo e corresponsabilidade. Tendo em vista essa realidade, podemos concluir que o uso do Moo-dle pode mudar a interação entre os graduandos, os docentes e o conhecimento e pressupõe que sejam revistas as experiências anteriores no tocante ao pro-cesso de aprendizagem. (CAETANO; VERENGUER; COSTA, 2010, p. 67)

É importante reforçar que, se nos séculos anteriores o conhecimento e os saberes foram considerados patrimônio exclusivo dos docentes e das instituições educacionais, agora, e cada vez mais, as TICs e o AVA estão possibilitando que a aprendizagem se dê sem que haja um dono do conhe-cimento e/ou um lugar do conhecimento.

Assim, é possível compreender as manifestações dos graduandos de um curso de educação física quando avaliaram o impacto do uso do Moodle em seu processo de profissionalização: “ao descobrirmos que o uso do Moodle e de suas ferramentas interativas contribuíram para que os universitários, segun-do eles próprios, valorizassem a escrita, a aprendizagem coletiva e a troca de conhecimento, é motivo para continuarmos neste caminho” (VERENGUER, 2010, p. 21).

Seria ingenuidade, no entanto, pensar que com a introdução das TICs e do AVA as concepções pedagógicas e os paradigmas educacionais muda-riam por si só. A utilização dessas ferramentas requer estudo e capacitação dos profissionais envolvidos no processo de ensino e aprendizagem, sob pena de que:

Os professores, treinados insuficientemente, reprodu-zem com os computadores os mesmos procedimentos que estavam acostumados a realizar em sala de aula.

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Resultado: insatisfação de ambas as partes (professo-res e alunos) e um sentimento de impossibilidade do uso dessas tecnologias para as atividades de ensino. (KENSKI, 2003, p. 78)

O docente universitário do início do Século XXI tem sua trajetória educacional e acadêmica baseada na lógica da educação eminentemente presencial e o uso das TICs e do AVA não se sustenta na reprodução das práticas pedagógicas dessa modalidade de educação. Evidentemente, isso significa dizer que o docente universitário precisa se disponibilizar a inves-tir tempo e recursos para seu aprimoramento profissional.

No âmbito das discussões sobre o futuro do docente em uma sociedade em que as TICs e o AVA estão presentes em todos os setores, inclusive na universidade, há de se considerar que a prática pedagógica está exposta a novas influências e as possibilidades profissionais se expandem para aque-les que forem capazes de encarar novos desafios.

Para sintetizar as ideias apresentadas acima, sobre a importância da for-mação permanente e o papel do docente, Kenski afirma que

O espaço profissional dos professores em um mun-do em rede amplia-se em vez de se extinguir. Outras qualificações para estes professores são exigidas, mas, ao mesmo tempo, novas oportunidades de ensino se apresentam. Os projetos de educação permanente, as diversas instituições e os muitos cursos que podem ser oferecidos para todos os níveis de ensino e para todas as idades, a internacionalização do ensino - através das redes - criam oportunidades educacionais para aque-les professores que aceitam esses desafios e se colocam abertos a essas novas e estimulantes funções. (KENSKI, 2003, p. 89)

Independentemente do estágio de preparação dos docentes para a uti-lização das TICs e do AVA, sabemos que, de alguma forma, ela foi incorpo-rada na rotina educacional. No entanto, Almeida alerta que essa utilização tem um caráter instrucionista:

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[a] tentativa de se usar o microcomputador como ins-trumento de consolidação da prática pedagógica tradi-cional é semelhante à inserção dos recursos audiovisu-ais na escola. Os microcomputadores são incorporados como mais um meio disponível. Não há uma reflexão sobre a possibilidade de contribuir de modo significa-tivo para a aprendizagem de novas formas de pensar. O programa de ensino é o mesmo, a única diferença é o modo de transmitir informações. (ALMEIDA, 2000, p. 25)

Como fruto dos estudos e das pesquisas sobre a utilização das TICs na educação, surge outra abordagem, a construcionista, que coloca o discente no centro do processo de aprendizagem, uma vez que o apoio das TICs e do AVA favorecem a

[...] aprendizagem ativa - isto é, que propicie ao aluno a construção de conhecimentos a partir de suas próprias ações (físicas ou mentais). O aluno pode ainda fazer uso de outros recursos disponíveis, tais como redes de comunicação à distância ou sistema de autoria, para construir conhecimento de forma cooperativa ou para a busca de informações. (ALMEIDA, 2000, p. 32)

Em linhas gerais, o que diferencia uma abordagem da outra é a con-cepção de educação. Enquanto a primeira privilegia a transmissão de conteúdos, tendo o docente como detentor do conhecimento e o discente como receptor passivo, a segunda concebe o conhecimento como produto da interação entre docente, discente e mundo. Nessa interação, o docente assume o papel de pesquisador e mediador do conhecimento, enquanto o discente torna-se protagonista de sua aprendizagem.

Portanto, ao observar os aspectos acima, pode-se afirmar que a aborda-gem construcionista requer uma nova prática pedagógica e exige aprofun-damento teórico sobre o papel dos envolvidos: cabe ao docente a criação de ambientes de aprendizagem que propiciem ao discente um contínuo diálogo com a realidade (ALMEIDA, 2000).

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A abordagem construcionista da utilização das TICs nos remete à abordagem construtivista da educação, segundo a qual a aprendizagem tem lugar quando está conectada com a experiência profissional, com o conhecimento prévio dos discentes e quando está situada em um contexto social em que o discente é responsável pela construção de seu próprio co-nhecimento, por meio da interação com outras pessoas e com a orientação docente (VALENTE; MATTAR, 2007, p. 66).

Almeida reforça essa ideia afirmando que

Com o uso de ambientes digitais de aprendizagem, redefine-se o papel do professor, que finalmente pode compreender a importância de ser parceiro de seus alu-nos e escritor de suas ideias e propostas, aquele que na-vega junto com os alunos, apontando as possibilidades dos novos caminhos sem a preocupação de ter experi-mentado passar por eles algum dia. O professor provoca o aluno a descobrir novos significados para si mesmo ao incentivar o trabalho com problemáticas que fazem sentido naquele contexto e que possam despertar o pra-zer da escrita para expressar o pensamento, da leitura para compreender o pensamento do outro, da comuni-cação para compartilhar ideias e sonhos, da realização conjunta de produções e do desenvolvimento de proje-tos colaborativos. Desenvolve-se a consciência de que se é lido para compartilhar ideias, saberes e sentimentos e não apenas para ser corrigido. (ALMEIDA, 2003, p. 98)

As novas tecnologias permitem que essa interação, essa investigação e essa comunicação se processem em maior escala, de maneira mais intensa. Esses novos entornos podem favorecer o contato entre docentes e discentes, estimular a cooperação entre os discentes, fomentar a aprendizagem ativa e oferecer informação constante sobre o processo.

5. Considerações finais

O uso das TICs e do AVA (incluindo o Moodle) em sala de aula como ferramenta pedagógica efetiva vai aos poucos encontrando seu lugar. No

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entanto, os docentes, por medo ou desconhecimento, preferem pautar suas aulas pela exposição de conteúdos, perpetuando o modelo tradicional de transmissão de informações.

O que muitos docentes se esquecem é que o avanço tecnológico pode ser de grande valia nas aulas, pois pode representar motivo de extremo in-teresse para os graduandos, o que pode tornar as aulas mais dinâmicas e desafiadoras, criando o contexto propício para a aprendizagem.

As diferentes formas de linguagens e de comunicação presentes na sociedade não devem representar uma invasão às aulas tradicionais e sim um apoio e um suporte necessários e pertinentes ao desenvolvimento tecnológico da sociedade como um todo. As TICs não se definem apenas como dispositivos tecnológicos que pretendem modernizar o ensino, mas sim como ferramentas com real potencialidade de contribuir para um ensino diversificado e de qualidade.

Dessa maneira, a aula, quando faz o uso adequado de tecnologias e do ambiente virtual, não se restringe ao ambiente escolar, mas rompe, na verdade, os muros da universidade e se insere na sociedade, promovendo uma extensão dos conhecimentos, principalmente se quem a conduz é um professor que media tais conhecimentos, interagindo na relação com seus alunos.

É claro, no entanto, que o uso das TICs demanda do docente disponibili-dade de tempo, de estudo e de interesse, mas é evidente, também, o ganho que essa abertura para uma nova maneira de ensinar proporciona ao docente, à instituição e aos alunos que a ela se unem.

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OS TEMPERAMENTOS HUMANOS: Uma experiência interdisciplinar da

docência ao voleibol

Tania Cristina Santos MatosJoão Crisóstomo Bojikian

A história deste capítulo surgiu há algum tempo. A semente foi plantada ao observar como os alunos da graduação do curso de

educação física reagiam de modo diferente aos conteúdos apresentados na disciplina de aprendizagem motora. Em geral, essa disciplina não é consi-derada uma das mais fáceis na formação dos graduandos. Os conteúdos são novos, possuem teoria específica e envolvem base teórica de outras disciplinas, como neuroanatomia, biomecânica, teoria do treinamento es-portivo, processo ensino-aprendizagem etc. De maneira geral, a disciplina exige empenho dos alunos para que os conteúdos sejam aprendidos, e aí as diferenças são claras. Uns se envolvem de modo intenso e vencem com bri-lhantismo o desafio; outros reclamam insistentemente das demandas e não se predispõem a realizar tarefas extras e desafiadoras; outros ainda usam todas as faltas possíveis, dispersam-se assim que os conteúdos se compli-cam e não conseguem iniciar e terminar a visão geral de nenhum assunto; e por fim outros mais se recolhem das atividades, não se expõem, fazem o mínimo necessário e criticam criticam muito.

Analisando essas diferenças, percebemos que, nos esportes, os atletas apresentam as mesmas diferenças entre si e que, além disso, a decisão sobre a posição que o jogador vai ocupar em quadra, as substituições e a escolha dos titulares e dos reservas também passavam pela análise destas diferenças.

A partir desse momento, decidimos estudar mais a fundo esstas ques-tões. Desta forma, mergulhamos na antroposofia, mais precisamente na

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100 | Os temperamentos humanos: Uma experiência interdisciplinar ...

teoria dos temperamentos humanos, para desvendarmos esse mistério o mistério das diferentes reações dos alunos diante da apresentação de novos conteúdos e dos atletas em relação às diferentes situações nas quais são co-locados pela atividade esportiva escolhida por cada um deles.

1. A antroposofia

A antroposofia ou ciência espiritual foi estruturada por Rudolf Steiner (1864-1925) filósofo, educador e cientista austríaco, e significa, literalmen-te, “sabedoria sobre o homem” (MOGGI; BURKHARD, 2004, 2005).

Segundo a antroposofia, quando, durante a nossa vida, defrontamo-nos com o ser humano, devemos levar em consideração que aquilo que perce-bemos exteriormente é apenas uma parte da entidade humana (STEINER, 1994; BURKHARD, 2000). Com base em seus pressupostos, as reações que apresentamos falam muito mais sobre cada um de nós que apenas a ima-gem que apresentamos no momento e, justamente, os tipos de reação que apresentamos são matizadas pelos temperamentos humanos.

2. Os temperamentos humanos

Quando se trata de saber lidar com a vida, temos de auscultar seus mistérios, e eles situam-se detrás do mundo sensível.

Rudolf Steiner

Os temperamentos humanos brotam do íntimo do homem e se expres-sam exteriormente em todas as situações relacionadas à reação e não à ação (STEINER, 1994). Dessa forma, os temperamentos aparecem sempre que somos colocados em situação de reação, nas quais estamos “livres da cons-ciência” e agimos de maneira rápida e natural, justamente como nos espor-tes e em relação às dinâmicas em sala de aula.

É importante sabermos que todos temos elementos dos diversos temperamentos, mas temos um temperamento que nos define mais e melhor, que é predominante.

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Não existe um temperamento melhor que o outro, o melhor seria con-seguirmos mesclá-los, integrá-los... Isso não é tarefa fácil, mas com muito esforço podemos conseguir. Este é um dos caminhos para o desenvolvi-mento humano.

Segundo Steiner (1994), existem quatro temperamentos: colérico, fleu-mático, sanguíneo e melancólico.

◆ O colérico tem muita força e determinação, impõe suas ideias e é agressivo. Possui uma grande atuação da força volitiva, um centro forte e firme, é realista e expressa a consciência com clareza. De-tém uma maneira de olhar firme e segura, seu andar é constituído com um passo firme. Se não educado, pode se tornar irascível e desenvolver obsessão.

◆ O sanguíneo já possui um comportamento com o vaivém das sen-sações, instabilidade, superficialidade e dificuldade de manter o foco. É volúvel, não consegue terminar as coisas que começa, tem o interesse voltado para fora, para o exterior. Apresenta um olhar alegre, é flexível, tem um corpo esbelto, um andar leve, saltitante e expressivo. Possui vários amigos e é muito sociável, sendo verda-deiramente agradável. Os perigos são a volubilidade e a alienação mental.

◆ O fleumático se sente tentado a se manter comodamente em seu interior, procura o seu bem-estar e não tem vontade de se co-municar ativamente com o mundo externo. Não possui força no querer, no fazer. É corpulento e apresenta um andar desleixado, arrastado. Vincula-se facilmente com os ritmos da natureza e tem especial interesse em temas como alimentação. Em geral, não se relaciona com as coisas, é indiferente e tem um olhar apa-gado, embora seja um ótimo amigo. Pode ser acometido pela falta de interesse no mundo exterior e até mesmo pela debilida-de mental.

◆ O melancólico se apresenta com uma estrutura física densa, que constitui verdadeiro obstáculo a ser vencido: ele é “pesado”. O

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movimento físico é penoso, difícil. Todas as tarefas, até mesmo as mais simples, são uma montanha a ser escalada. É muito preocu-pado e tem atração pelo sofrimento, pela dor. É pensativo e tem a cabeça pendente para a frente. O olhar é turvo e voltado para baixo, com um andar pesado. Socialmente, faz amigos cautelo-samente, mas chega a ser um amigo a ponto do autossacrifício. É temeroso do que os outros pensam, desconfia de todos. É per-feccionista e julga tudo sob o ponto de vista das suas ideias. Pode sofrer depressão e até chegar à loucura.

3. Os temperamentos e a nossa atuação profissional

Na educação não se trata de igualar, de nivelar os temperamentos, mas sim de conduzi-los pelos caminhos menos penosos, mais direcionados ao desenvolvimento humano. Não podemos esquecer que os temperamentos têm a característica de serem unilaterais e, no caminho do desenvolvimen-to, a unilateralidade não é positiva para nenhum ser humano (STEINER, 1994). Para tanto, é imperativo lembrarmos que, para ajudarmos nossos alunos em relação aos temperamentos humanos, não devemos impor-lhes nada que não possuam. A máxima deve ser: temos que lidar com o que os temperamentos nos apresentam, com o que as pessoas verdadeiramente já possuem.

É de fundamental importância conduzirmos os temperamentos de maneira correta desde a infância do contrário, na vida adulta eles deverão atuar com base na autoeducação, e isso pode ser muito mais difícil.

◆ Para o temperamento sanguíneo, devemos descobrir o que des-perta o seu interesse. Mesmo para as pessoas com este tempera-mento, existe algo que desperta verdadeiramente a sua atenção, nós temos apenas que descobri-lo. Os sanguíneos devem cultivar o interesse verdadeiro por alguém ou algum aspecto do mundo, precisam aprender a focar a atenção, a se interessar genuinamen-te e criar vínculos e relações mais profundas. Devemos apresen-

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tar esses conteúdos com uma luz especial. Aqui, amor é a palavra mágica. O amor e a admiração por uma personalidade, que mui-tas vezes pode ser o professor ou o treinador/técnico.

◆ Para os coléricos, o caminho indireto mais adequado é o respeito e a estima por uma autoridade. O importante é a criança colérica acreditar que o educador sabe o que faz. Devemos mostrar que entendemos das coisas que ocorrem em torno desse jovem. De-vemos cuidar para que o colérico nunca sinta não poder obter uma informação, um conselho para o que deve fazer. É prudente termos nas mãos as rédeas firmes da autoridade, nunca demons-trando não sabermos como agir. Aqui, o respeito e a considera-ção pelo valor de uma pessoa são as palavras-chave. Devemos proporcionar-lhe obstáculos, dificuldades para que possa em-penhar toda a sua força interior para superá-los, pois as coisas difíceis precisam ser superadas, vencidas.

◆ Para as crianças que apresentam o temperamento melancólico, é fundamental mostramos que existe sofrimento no mundo; que o homem, de um modo geral, consegue suportar o sofrimento jus-tificado; que não é preciso sucumbir a ele. É importante, para os melancólicos, que os educadores sejam pessoas que foram provados pela vida, atuando e falando a partir das provações vividas. Os me-lancólicos são mais felizes quando compartilham a vida ao lado de pessoas que têm muito a dizer em função das experiências sofridas.

◆ É necessário que a criança fleumática tenha muita convi-vência com outras crianças. Ela precisa de companheiros que tenham os mais diversos interesses. Se ela se mantém indiferente ao que está ao seu redor, seu interesse pode ser atiçado pela atuação que nela exercem os interesses de seus companheiros. Não é por meio de um conte-údo acadêmico ou doméstico que conseguiremos interessar o fleu-mático, e sim pelo caminho indireto, passando pelos interesses dos outros da mesma idade.

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CARACTE-RíSTICAS COLÉRICO SANGUíNEO FLEUMÁ-

TICOMELAN-CÓLICO

Aparência Firme e forteFlutuante e móvel

Sossegada e estática

Sóbria e pesada

Postura Ereta Variável Confortável Curvada

HumorFixo e tris-

tonhoOscilante e alegre

Estável e bonachão

Fixo e tris-tonho

Relação com o tempo

FuturoPresente-

-futuroPresente-passado

Passado

FalaVolume alto e projetada

Rápida e tom variável

Monótona e lenta

Volume baixo e para

dentro

Interesse Ação Excitação Bem-estarVida in-terior

Pequeno malRepentes

de raiva in-domáveis

Volubilida-de, falta de interesse por coisas

importantes

Desinteresse pelo exterior

Melancolia

Grande malDemência,

metas incon-sequentes

Loucura, oscilações extremas

Idiotia e apatia

Ideias ob-sessivas e fixas

Vontades positivas

Voltada para a ação

Voltada para vários interesses

De seguir as etapas

necessárias

Introspec-tiva, por

processos interiores

Vontades negativas

Desejo de abarcar

tudo, hipe-ratividade

Desejo de excitação, agitação

Desejo de rotina, in-dolência

Desejo exa-gerado de

isolamento, encapsu-lamento

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CARACTE-RíSTICAS COLÉRICO SANGUíNEO FLEUMÁ-

TICOMELAN-CÓLICO

Momentos em que é in-dispensável

Decisões rápidas e eficientes

Soluções criativas, animação

Amenizar conflitos, rituais e

aconchego

Avaliação de crises,

meditação e solida-riedade

Papel social

Comando, decisão,

metas, ad-ministrador

Coordena-dor, criador,

comuni-cador, co-merciante

Moderador, organizador,

relações humanas, ritualista

Investiga-dor, intros-

pecção, meditação, minucioso

Planeja-mento

Decisão e execução

Articulação e alternativas

Manutenção do projeto e organização

Levanta-mento de

problemas, diagnóstico

Educação do tempe-ramento

Desenvolver em si mes-

mo o respei-to e a estima para com a vontade e a realização dos outros

Desenvolver em si mes-mo o afeto

e a ligação a uma pessoa ou atividade

Considerar que pode encontrar

motivações nos inte-

resses dos outros

Desenvol-ver em si

mesmo um coração

compassivo pelo desti-

no do outro

Figura 1. Quadro comparativo com as principais características dos quatro tempera-

mentos.

4. Os temperamentos e o voleibol

As diversas características de temperamento humano, cujos tipos e classificações variam desde a Grécia antiga até os dias de hoje (STEINER, 1994) influenciam a performance humana em todas as atividades e não seria

continuação

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diferente na prática esportiva de modo geral e especificamente do voleibol competitivo, que será abordado a seguir.

Bojikian e Bojikian (2008) definem o voleibol como um esporte de situ-ação, no qual a não retenção da bola faz que as intervenções sejam rapidís-simas, dos praticantes requisitando percepção contínua em cada lance. Não basta executar corretamente cada uma das técnicas específicas ao voleibol, pois o jogador também necessita aplicá-las com eficácia, no momento exato e da forma correta em que são requisitadas. Na verdade, significa ter em mente que as habilidades motoras do voleibol não são fins, mas instrumen-tos da consecução do planejamento tático e estratégico. Uma única técnica pode ser aplicada de modos diferentes, de maneira que os quesitos eficiên-cia e eficácia serão condicionados pelos mecanismos de pressão presentes em cada situação, bem como pela capacidade individual para a solução de tarefas-problema.

Segundo os estudos de Zhelezniak (2005), essa capacidade de encon-trar soluções mais propícias para cada momento do jogo é dependente de uma série de fatores. O autor cita em primeiro lugar a necessidade de um alto nível de desenvolvimento das aptidões especiais (rapidez nas reações complexas, velocidade nas ações dependentes de reação segmentar rápida, de orientação e da inteligência, etc). Em segundo lugar, é apontada a im-portância de o praticante ter um bom índice de segurança nas aplicações técnicas criadas por situações de jogo mais complexas. Por fim, a união dos dois primeiros fatores, que se traduz nas ações individuais e coletivas de ataque e defesa.

Zhelezniak nos apresenta de maneira organizada os fatores determi-nantes para a obtenção do sucesso nas ações específicas do voleibol:

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Figura 2. Fatores determinantes para o sucesso nas ações específicas do voleibol (ZHELEZNIAK, 2005).

Os estudos de Roth citados por Greco e Benda (1998) enfocam a de-pendência das exigências coordenativas, que são determinantes para a pre-cisão dos gestos em relação às pressões de tempo, precisão, complexidade, organização, carga física e variabilidade que podem atuar com maior ou menor intensidade na execução de um ato motor, na relação entre informa-ção aferente e eferente. A referida dependência é facilmente comprovada no desenrolar de uma partida de voleibol, disputada por equipes de potenciais semelhantes.

Relato de Bojikian e Bojikian (2008) mostra que, no voleibol, quanto mais se aproxima o final de um set ou da partida, mais a ansiedade e a emoção se fazem presentes, fatos que propiciam erros em maior quantida-de, especialmente por parte de atletas mais inexperientes. A narrativa em

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questão ilustra a interdependência entre performance e estado emocional nas partidas do voleibol competitivo.

Proença (2009) tem a mesma visão quando afirma que a solicitação feita pelo voleibol aos seus praticantes provoca um cansaço de característi-ca mais nervosa que fisiológica. Ele aponta que os intervalos entre os ralis permitem a recuperação metabólica, mas não do sistema nervoso.

Zhelezniak (2005), por sua vez, conclui que a atividade competitiva do voleibol se caracteriza por uma alta tensão psíquica que se manifesta com especial dramatismo nos momentos culminantes da partida, quando as for-ças dos adversários são semelhantes. Para o autor, as qualidades volitivas, bem como a estabilidade psíquica, são de importância decisiva nesses mo-mentos.

Drauschke (2002) aponta o desenrolar de um jogo como elemento acu-mulativo das fadigas física e psíquica, tornando-se progressivamente um fator limítrofe entre a falha ou a conquista do ponto. A concentração e a capacidade de mantê-la ao longo de um jogo é por ele apontada como fator decisivo para um desempenho positivo do atleta de voleibol.

O voleibol é uma modalidade esportiva em que os aspectos psicológicos envolvidos no desempenho durante a disputa se mostram especialmente im-portantes (BUENO; DI BONIFÁCIO, 2007).

Noce e Samulski (2002) comentam que o voleibol é uma modalidade esportiva extremamente dinâmica, que requer habilidade motora, precisão e muita regularidade na execução dos seus fundamentos, domínio de di-ferentes combinações de jogadas e raciocínio rápido, caracterizando um conjunto de exigências que podem gerar situações bastante estressantes.

Uma partida de voleibol tem suas características e situações-problema próprias, como já foi aqui demostrado, e requer comportamentos satisfa-tórios que são esperados e muitas vezes não ocorrem. Os pontos ocorrem - e, por consequência, as vitórias e derrotas - em função da existência dos acertos e também dos erros presentes em cada rali. Perguntas simples, apa-rentemente tolas, surgem facilmente: Por que os erros ocorrem onde todos querem acertar? Por que uns perdem e outros ganham? Por que, em situa-

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ções aparentemente semelhantes, o mesmo atleta obtém performances tão diferentes? As respostas é que são difíceis!

Drauschke (2002) nos ajuda a tentar entender a problemática quan-do afirma que o rendimento, e principalmente o “clima” de uma equipe, são dependentes de fatores como características individuais de inteligência, criatividade e autocontrole, e também disciplina, espírito de equipe, solida-riedade, entusiasmo e confiança.

Brandão (1997) aponta determinadas qualidades psicológicas - tais como autoconfiança, valentia, determinação, disposição e vontade de ven-cer - como determinantes do bom desempenho do atleta em uma disputa de voleibol.

Já nos idos anos 1980, Jarov (1982) escreveu que, para caracterizar psi-cologicamente o esportista em uma apreciação de suas qualidades volitivas, deve-se dedicar atenção especial à perseverança com que ele persegue seus objetivos, ao brio, à decisão, à firmeza, à coragem, ao espírito de iniciativa e de independência, e também ao espírito crítico e de autoanálise.

Os ensinamentos dos especialistas aqui citados só terão validade se lembrarmos que o voleibol é um esporte de característica primordialmen-te coletiva. A não retenção da bola e a obrigatoriedade da alternância dos participantes para o contato com ela tornam as ações individuais depen-dentes das ações dos companheiros. Ora, se os indivíduos que compõem a mesma equipe não são iguais, não têm temperamentos semelhantes, se seus tempos de experiência são diferentes, se suas condições físicas às vezes são diferentes, como esperar comportamentos motores e sucessos semelhantes?

Quando se atua em grupo, como em um jogo de voleibol, é comum os atletas alternarem momentos de melhores e piores rendimentos. Há os que rendem melhor em início de partida ou sets; outros, em momentos centrais da partida; e alguns nos seus momentos mais decisivos. Existem aqueles que se enquadram melhor em jogos fáceis, enquanto outros em partidas decisivas e mais difíceis. Tais variações são explicadas pelas colocações de Brandão (1997), acima citadas.

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As alternâncias repentinas de comportamento em uma partida são cir-cunstanciais e individuais. Um atacante, ao ser bloqueado em um momento decisivo de uma partida, vai reagir nos lances seguintes de acordo com o seu autocontrole, sua confiança e sua coragem. Ele poderá se abater ou se agigantar. Isso vai depender, em muito, do seu temperamento.

Na prática atual do voleibol competitivo, é muito comum os técnicos, ao montarem taticamente suas equipes, atentarem para as características de temperamentos dos elementos escolhidos para formarem a equipe titular, pois as exigências de cada função tática solicitam traços de personalidade diferenciados.

Nas formações atuais, é comum as equipes serem compostas, no sis-tema 5 X 1, com dois atacantes de força (pontas), dois centrais (meios), um levantador e um oposto (atacante de força e bloqueador) (BIZZOCHI, 2000).

Quando suas equipes estão em ações ofensivas, os centrais têm por fun-ção tática, basicamente, “prender” o central adversário que o marca, para impedi-lo de se deslocar para as extremidades da rede e efetuar bloqueios coletivos aos atacantes de sua equipe. Para executar sua missão tática, sem-pre que possível o referido central deve “puxar” (fazer o movimento como se fosse atacar) uma bola rápida na região central da rede, obrigando o meio oponente a acompanhá-lo. Porém, não é raro que o central “puxe” em todas as ações ofensivas que sua equipe realize em um set e receba uma, duas e por vezes nenhuma bola para atacar. Isso é muito comum porque, ao perceber que a ação de seu central obteve sucesso - ou seja, estimulou a su-bida do meio adversário -, o levantador prefere acionar os atacantes de ex-tremidade, pois estes terão muita chance de fazer o ponto. É difícil imaginar um atacante de voleibol se sujeitando a saltar em todas as ações ofensivas de sua equipe e recebendo apenas duas ou três bolas para atacar em toda a partida, mas é isso que ocorre, principalmente no alto nível, e para tanto o indivíduo que exerce essa função tática precisa ter uma característica de comportamento compatível.

A formação ideal de uma equipe de voleibol requer, portanto, dois centrais, ou seja, dois indivíduos que não se importem em aparecer mui-

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to pouco para o público, pois raramente concluem uma jogada, e tenham espírito de equipe altamente desenvolvido. São pessoas que conseguem se enxergar como peças vitais (mas pouco vistas) de uma engrenagem maior. Geralmente, são mais quietos e pouco se destacam. Seus temperamentos lembram mais os fleumáticos e os melancólicos.

Os dois atacantes de ponta e os opostos, que são os que mais recebem bolas para atacar, são os “matadores”! Devem ser determinados, vibrantes, cheios de garra e gostar de vencer grandes desafios, o que requer não só coragem mas também autocontrole. Gostam que seus feitos sejam apreciados e valorizados. Acredita-se que devam ser de temperamento sanguíneo ou colérico.

Já o levantador tem uma liderança delegada por suas funções, pois es-colhe o jogador que irá atacar. Entretanto, se possível, deve também ter uma liderança natural. Liderar, se preocupar com o bom rendimento do grupo e ter voz de comando fazem parte de suas atribuições em quadra. Parece que os temperamentos sanguíneo e colérico são os que mais se coadunam para um bom levantador. Não por acaso, José Roberto e Bernardinho, técnicos das seleções brasileiras de voleibol, jogaram como levantadores. E ambos foram muito bons!

As análises feitas até aqui sobre as características da mecânica do volei-bol, das exigências motoras e de temperamentos para uma boa atuação nos levam a refletir sobre como ensinar e treinar atletas para esse esporte, bem como sobre a melhor forma de se dirigir e liderar uma equipe.

É evidente que, se a importância do raciocínio e do autocontrole for motivo de preocupação desde o início do processo de aprendizagem em um programa de treinamento a longo prazo, os praticantes de alto rendimento terão muito maior probabilidade de sucesso.

Preocupados com a formação de atletas inteligentes, capazes de sempre atuar na busca das melhores resoluções para cada uma das situações-pro-blema dos esportes coletivos, Greco e Benda (1998) sugerem que, em todo o processo de formação esportiva, recorra-se a um conjunto de procedimen-tos em que possa ocorrer o trinômio ensino, aprendizagem e treinamento.

Em um primeiro momento, cuida-se da aprendizagem das habilidades motoras do voleibol, pois elas são entendidas como ferramentas para que

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as situações problemas do jogo sejam resolvidas. O objetivo do processo de aprendizagem de uma determinada habilidade motora somente é alcança-do quando ela é utilizada dentro da finalidade para a qual foi criada (BOJI-KIAN; BOJIKIAN, 2008).

O voleibol não permite a retenção (domínio) da bola, ao contrário da maioria dos demais esportes coletivos, como já foi citado anteriormente, o que faz com que processo metodológico para a aprendizagem das técnicas do voleibol mereça uma atenção especial e tenha suas peculiaridades.

Essa característica inerente ao voleibol faz com que, como indicam Kröger e Roth (2002), a relação entre cognição e ação seja efetuada sob grande influência do mecanismo de pressão de tempo para situações mo-toras com essas características. Isso significa, na prática, que o indivíduo deve ter automatizado e estabilizado muito bem os movimentos específi-cos do voleibol para que possa se concentrar apenas e tão somente em sua utilização, para atender adequadamente à complexidade e à capacidade de organização e variabilidade presentes em cada ação do jogo de voleibol.

Martin et al. (2008) também sustentam que o ganho de estabilização de uma habilidade deve ser planejado e controlado, aumentando-se progressi-vamente a variabilidade desejada. É um modo de garantir que mecanismos de pressão superiores à capacidade de respostas positivas do iniciante não venham a causar distúrbios, desconfigurando o padrão motor desejado.

Todas as capacidades coordenativas devem ser estimuladas, porém no con-texto voleibolístico próprio dessa etapa. As informações teóricas e práticas são muito úteis para que os sinais relevantes desencadeadores das ações eferentes e aferentes passem a ser reconhecidos. Atividades que requeiram atenção, con-centração e antecipação trarão respostas cada vez mais conscientes.

A utilização dos exercícios complexos; realizados por meio de combi-nações de elementos técnicos, táticos e físicos próprios para a faixa etária em questão, tem se mostrado uma estratégia bastante eficaz para o treina-mento das tomadas de decisões.

Uma vez ocorrido o domínio das habilidades técnicas básicas, essa eta-pa pode ser concretizada com a utilização de competições, com equipes de

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estruturações táticas próprias para iniciantes. As competições devem ter conotações apropriadas para a faixa etária e devem ser entendidas como integrantes do processo de formação do voleibolista. As avaliações e co-branças não devem ser feitas baseadas em vitórias ou derrotas, mas sim sobre a qualidade do desempenho (MARTIN et al., 2008). Se o treinamento se realiza baseado em cognição e ação, a avaliação deve ser compatível com esse procedimento.

Ao se ensinar, treinar e competir, as avaliações e conhecimentos de re-sultados devem ser formulados da mesma maneira para todos os atletas? Acredita-se que os menos seguros devem receber possíveis críticas de ma-neira mais cuidadosa que os mais confiantes e seguros de si.

Jarov (1982) nos ensina que o sucesso na preparação em longo prazo de um atleta depende da atenção dada na combinação das suas qualida-des pessoais. Segundo o estudioso, às vezes o treinador deve maquiar ou atenuar os pontos mais fracos de seu atleta, valorizando os mais positivos, pois esse procedimento poderá modelar-lhe determinados aspectos de seu caráter ou de certas qualidades de suas ideias, mas sempre de modo que o atleta assuma atitudes conscientes.

Atletas mais inseguros, como os melancólicos ou mesmo fleumáticos em alto nível de irritação, merecem situações-problemas menos desafia-doras que sanguíneos e coléricos, que são mais confiantes.

Para ilustrarmos a necessidade de uma relação entre técnico e atleta ou aluno e professor diferenciada por tipos de temperamentos, lembramos de exemplos dados pela psicóloga Regina Brandão, que realizou numerosos trabalhos com atletas e equipes de alto nível, como as seleções brasileiras adultas de voleibol e a de futebol campeã mundial de 2002. Ao palestrar no curso nacional de treinadores da CBV, realizado na cidade de São Paulo, em julho de 2006, no Centro Olímpico da Prefeitura, a referida psicóloga afirmou: “Se desafiarmos um atacante de voleibol inseguro [melancólico], duvido que você supere um bloqueio formado pelo Giba e o Gustavo [jo-gadores campeões mundiais e olímpicos], mas se o desafio for feito a um atacante confiante [sanguíneo], com certeza ele irá tentar até conseguir.”

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Ao longo do processo de formação, o praticante vai crescendo e se de-senvolvendo, fato que implica participação em competições que exigem graus de complexidade e variabilidade cada vez maiores. A bola viaja cada vez com mais velocidade, as ações táticas são cada vez mais complicadas e elaboradas, de modo que o praticante tem menos tempo para tomadas de decisão. Essa complexidade crescente, acompanhada de tempos cada vez menores para as tomadas de decisão, requer atletas cada vez mais bem preparados, e para isso os pontos positivos de seus temperamentos devem estar com graus de ativações ótimos.

Tavares, Greco e Garganta (2006) salientam que, quanto mais complexa a tarefa motora, maior tempo ela demandará para ser efetuada, pois as suas exigências aumentam (complexidade e incertezas) perante uma restrição temporal constante e elevada. A responsabilidade ligada à realização eficaz aumenta. Para o treinamento de situações similares, no intuito de atender ao princípio da especificidade, os autores em questão citam a sugestão de Stein (1987) segundo a qual a prática preparatória do jogador se processa dentro de certas restrições temporais. É a criação de um treino de oposição a um nível de responsabilidade imposto pelo adversário que seja próximo do máximo compatível com o nível de competência técnica do executante.

O técnico e sua comissão técnica devem, portanto, estar preparados para criar estratégias adequadas e produtivas para cada um dos seus atletas. Tais estratégias são de difícil equacionamento, pois devem contemplar não só a capacitação técnica de cada sujeito envolvido, mas também seus tem-peramentos. Como já foi aqui citado, todos temos elementos de todos os temperamentos, mas um deles nos define melhor. Explorar o que cada um de seus alunos/atletas tem de melhor, para cada situação, deve ser um dos mais importantes dons de um técnico e de um professor.

E isso requer mecanismos individualizados. Todo o processo de ensino e aperfeiçoamento da capacidade de jogar voleibol deve estar calcado na ideia dos procedimentos que contemplem ensino, aprendizagem e treina-mento. É preciso lembrar que há muito Singer (1977) afirma que ser líder de um grupo (também os esportivos) requer que se busque sempre obede-cer três regrinhas:

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◆ respeitar e preservar as individualidades;

◆ estimular as potencialidades; e

◆ colocar todos na busca do bem comum.

Segundo o autor, as diferenças tornam um grupo criativo, inovador e duradouro. Para que se logre tal postura, torna-se imprescindível respeitar as diferenças de temperamentos. Um bom professor e um bom técnico de voleibol devem criar estratégias de trabalho que permitam a todos os com-ponentes de seu grupo atuar se sentindo valorizados, estimulados, e com direito a atuações plenas e satisfatórias.

Jarov (1982) tem a mesma opinião, pois afirma que, ao conhecer os pontos fracos e fortes de seus jogadores, o técnico pode formar correta-mente uma equipe, resolvendo os problemas de compatibilização, além de outros elementos do coletivo.

5. Relação entre ensino, aprendizagem e treinamento no voleibol

Se transportarmos as conclusões a que chegamos com as relações entre ensino, aprendizagem e treinamento do voleibol para o mundo acadêmico, e mais diretamente para a relação entre professor e alunos, provavelmente vamos ter que nos lembrar dos ensinamentos de Singer para entendermos as diferenças de interesse e participação dos alunos, para conseguir que as disciplinas alcancem seus objetivos maiores, que estão atrelados à formação de profissionais competentes e criativos e também cidadãos críticos, res-ponsáveis e comprometidos com a coisa coletiva.

Em sala de aula, quando são abordados aspectos ligados à aprendizagem do voleibol, ou mesmo seu treinamento, a importância do professor de educa-ção física entender e saber lidar com os temperamentos diferenciados é sempre enfatizada. Sempre é lembrado que, de acordo com Bompa (2005), os psicó-logos podem ajudar na preparação psicológica de uma turma ou uma equipe, mas nem sempre estão disponíveis, fazendo com que o professor (ou treinador) seja o responsável por lidar com as preocupações psicológicas do dia a dia.

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Dessa forma, muitas vezes o comportamento dos alunos em sala de aula segue exatamente as características dos temperamentos humanos.

Os coléricos estão sempre dispostos a aprender as principais teorias, são estimulados pelos trabalhos acadêmicos apresentados em sala de aula, são co-rajosos e arriscam dar respostas às questões formuladas em sala, preparam-se para as aulas e as assistem até o final. Apresentam uma tendência à liderança nata, têm raciocínio rápido e grande capacidade de ação. São entusiasmados pelo aprender e querem sempre vencer os obstáculos. São do tipo de pessoa que resolve as coisas, que transforma ideias em ações. São autoconfiantes e muito ativos. Em geral, adoram as aulas práticas e estão sempre dispostos a participar de competições esportivas. São destemidos e corajosos, mas tam-bém são impacientes, insensíveis e até duros em relação às dificuldades dos colegas de classe - e em função destas características nem sempre são bem aceitos pelo grupo, pois lidar com eles não é simples. Nos trabalhos em gru-po, costumam ser os responsáveis pela execução e também pela apresentação. Sabem organizar e promover eventos, mas podem ser arrogantes e mandões. Precisam aprender a ouvir para liderar melhor.

Os sanguíneos, por sua vez, raramente chegam no horário ou permane-cem em sala de aula até o final dos encontros. Sempre precisam responder a diferentes estímulos (colegas na porta, chamadas em celulares, mensagens, etc.) durante as aulas. Têm vontade fraca e pouca convicção. Dificilmente mantém um padrão na aula: ora copiam a matéria e anotam as explicações, ora se distraem com os demais alunos. São desorganizados. Quando arris-cam uma resposta às questões elaboradas pelo professor, são superficiais e não resistem às indagações por muito tempo. Suas respostas costumam ser excessivamente criativas e, em geral, fora da realidade. Não costumam se preparar para as aulas nem fazer as tarefas solicitadas. Possuem sempre uma boa explicação para as ausências. São risonhos e divertidos.

Para os melancólicos, as aulas são sempre uma grande dificuldade. Todas as tarefas propostas são muito difíceis e demasiado complexas para serem executadas. Não costumam se arriscar a responder às questões, pois sucumbem à possibilidade de erros: para eles, é muito difícil superar o fra-casso. Costumam se isolar na classe, possuem poucos amigos e criticam os

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defeitos dos outros com frequência e veemência. Quando existe a proposta de relacionarem os conteúdos com diferentes disciplinas, não o fazem, pois o pensar é profundo e não amplo, o pensamento é unidirecional e não sis-têmico. São perfeccionistas e gostam de trabalho analítico e detalhado. São muito teóricos e pouco práticos. Cansam-se com facilidade.

Embora os fleumáticos sejam agradáveis e bons amigos, suas interações sociais são diretamente relacionadas às necessidades de manterem o bem-estar individual. São calmos e bem equilibrados. Costumam se “esparra-mar” nas cadeiras e até mesmo o escrever se torna uma tarefa difícil. São ótimos ouvintes, chegam a ser passivos. Dificilmente expressam suas ideias, são conformados e não apresentam força para defender seus pontos de vista na verdade, para eles tanto faz... São resistentes às mudanças e, sempre que os conteúdos propõem mudanças em relação à atuação profissional tradi-cional, resistem às ideias, pois são conservadores.

É interessante ressaltar ainda que Tavares, Greco e Garganta (2006) nos informam que a dificuldade de tomada de decisão aumenta sempre que o jogador tem que reagir a estímulos confusos, ambíguos e conflituais. Como a complexidade da tomada de decisão dentro da dinâmica do jogo eviden-cia a importância da autonomia de decisão, fica claro que essa autonomi muito provavelmente será maior ou menor de indivíduo para indivíduo de acordo com seu temperamento. Conforme os autores, essa questão nos leva a equacionar como os agentes de ensino (professores e treinadores) intervêm no processo de formação de seus orientandos de modo a perceber se tal processo permite a aplicação da autonomia de decisão, bem como seu desenvolvimento.

Por outro lado, se pensarmos em traçar um paralelo com os conteúdos abordados neste estudo e as preocupações iniciais do texto, na qual alunos têm comportamentos e atitudes diferenciados em relação aos conteúdos e tarefas propostos, talvez fosse interessante lembrar que cada aluno está pre-parado de modo diferenciado para enfrentar o mundo acadêmico. É muito comum que aqueles matriculados nos semestres iniciais do curso, por serem na maioria das vezes extremamente jovens, estejam inseguros quanto à opção de curso realizada e às vezes sejam imaturos para ter atitudes compatíveis com um curso universitário e profissionalizante.

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Do referido paralelo, talvez uma nova correlação possa surgir quando lembramos Marques (2000), que explica a prontidão esportiva como a cor-respondência entre o nível de maturidade e desenvolvimento da criança e a demanda da tarefa que é apresentada pelo esporte. É o caso de se indagar se as tarefas propostas aos alunos são compatíveis com a sua capacidade de realização no momento.

6. Considerações finais

Conhecendo a natureza dos temperamentos humanos, muitas coisas serão vistas de maneira clara na vida e poderemos manejar, de modo práti-co, o que antes não podíamos.

Na nossa trajetória de vida, conhecermos as possibilidades de reação de cada um que nos cerca permite atuarmos com mais integração e até mesmo diminuirmos os conflitos. Um exemplo dessa afirmativa é que, sendo um professor ou um técnico, podemos selecionar melhor as atividades propos-tas, podemos respeitar mais as características dos nossos atletas ou alunos.

Para auxiliarmos a vencerem as limitações, podemos ajudá-los na se-leção dos grupos de trabalho. Embora não seja a ideia que muitos terão ao ler este capítulo, na verdade os melhores grupos para o desenvolvimento humano são aqueles compostos por elementos de igual temperamento. As dificuldades serão reconhecidas e vivenciadas em função do encontro com os próprios pares, com seus semelhantes. Mas nas atividades reais do coti-diano isso é real? As dúvidas advindas desse questionamento é que, possi-velmente, tornam as tarefas de conduzir, liderar e educar pessoas algo tão desafiador e fascinante!

Quem poderia frear um colérico? Quem poderia trazer mais responsa-bilidade e foco ao sanguíneo? Quem poderia distanciar um melancólico do sofrimento interior e aproximá-lo da ação, da tarefa a ser realizada? Quem poderia estimular um fleumático a apresentar e defender uma ideia, uma metodologia?

Se nos depararmos com um chefe colérico, teremos mais ferramentas para nos posicionarmos com segurança nessa relação. Se um dirigente espor-

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Matos e Bojikian | 119

tivo se apresenta com características fleumáticas, essa informação nos será muito útil no momento de apresentarmos relatórios com propostas de inova-ções de qualquer ordem. Na seleção de nossos atletas, saberemos, com mais clareza, o que poderemos esperar de cada um deles em uma apertada final de campeonato, uma escalação de equipe, uma posição de capitão etc.

Ao apresentarmos este conteúdo em sala de aula, seja na disciplina de aprendizagem motora ou de voleibol, permitimos que os alunos tomem contato, inicialmente, com uma autoavaliação no sentido de se reconhe-cerem em relação aos Temperamentos Humanos e tenham consciência das suas principais características, tanto boas quanto ruins. Em um segundo momento, eles terão mais oportunidades de sucesso ao lidar com as dife-renças individuais, dentro de uma aula de educação física com seus alunos ou na atuação com seus atletas, diretamente atuando no esporte.

A essência do aprendizado é que, com essas informações, poderemos atuar melhor no mundo, encontrar mais alternativas de nos relacionarmos nos diferentes grupos aos quais pertencemos.

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MOTIVAÇÃO E ANSIEDADE NO ESPORTE: da iniciação ao alto rendimento

Vinicius Barroso HirotaPaulo Eduardo Torres Tondato

Jorge Dorfman Knijnik

A psicologia, tanto como prática profissional como enquanto ciên-cia, é hoje parte indispensável de qualquer ambiente esportivo,

seja este de aprendizado ou mesmo de alto desempenho e busca máxima de resultados. O esporte se firmou na sociedade contemporânea como uma das atividades mais difundidas, criando e recriando valores e difundindo condutas eminentemente humanas, de modo que a psicologia, que estuda e intervêm nessas condutas, é parte fundamental e essencial desse processo. Assim, repensar as práticas nos diversos contextos esportivos no sentido de incluir as dimensões psicológicas do saber e da atuação é necessidade im-periosa de um esporte que se queira formativo ou competitivo nos marcos da sociedade globalizada.

Os fatores que nos levam a repensar as práticas durante o processo de aprendizagem de uma modalidade, bem como no contexto do desempenho esportivo, refletem o quanto um aluno ou um atleta vive a possibilidade de superar seus limites em busca da vitória e melhora os seus resultados de maneira positiva. Se frustrar-se significa não conseguir um determinado objetivo imediato, pode, contudo ser a mola propulsora para a busca cons-tante de melhores performances, sendo assim um fator-chave de motivação dentro do treinamento.

Dessa maneira, De Marco (2000) nos esclarece que os obstáculos e entra-ves que o ser humano possa encontrar na prática do esporte profissional não diferem daqueles existentes nas demais profissões: vencer ou perder, sofrer pressões externas, estresse, interferências pessoais ou familiares são variáveis

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que podem ser experimentadas por qualquer pessoa em qualquer ramo de atividade. Assim, aspectos psicológicas das condutas humanas, como ansie-dade, conflito, frustração e agressividade, são inerentes à espécie humana, independentemente da profissão em que estejamos inseridos.

Certamente, existem aqueles mais específicos e inerentes ao esporte, tais como erros, lesões, influência familiar, fatores extrínsecos como a torcida, co-brança dos técnicos, distúrbios emocionais, estresse e ansiedade, má alimen-tação estes são alguns dos elementos que podem influenciar negativamente o desempenho atlético.

Entretanto, muitos alunos em nosso contexto diário de vivências aca-dêmicas realizam questionamentos referentes às dificuldades encontradas pelas crianças na busca da aprendizagem ou pelos atletas quando buscam melhorar seu desempenho, procurando assim a sua autorrealização. Isso mostra que o sucesso no contexto do esporte não pode se limitar à vitória, que muitas vezes pode não ser o suficiente para satisfazer as necessidades de cada sujeito. As necessidades tendem a ser individuais: ainda que pense-mos em atletas inseridos no conjunto dos jogos coletivos, o foco da psico-logia ocorre no êxito individual e no seu equilíbrio, que se reflete no grupo.

Neste texto, objetivamos fazer uma reflexão sobre os temas levantados acima e apresentaremos resultados de pesquisas já realizadas na Universi-dade Presbiteriana Mackenzie, no curso de educação física, vinculado ao Centro de Ciências Biológicas e da Saúde dessa Universidade, e com atletas de diversas modalidades da cidade de São Caetano do Sul (SP).

1. Da psicologia do esporte no contexto acadêmico às res-postas aos fenômenos das condutas humanas

Identificar conceitos que dizem respeito à totalidade esportiva é uma tarefa necessária para quem pretende dar conta do contexto de ensinar, bem como o contexto de motivar o atleta a melhorar seu desempenho, a quebrar seus limites ou sucumbir à derrota de maneira a corrigir os erros do treinamento, os erros motores, e melhorar o seu desempenho.

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O que despertou o interesse por escrever este texto reflete a possibilida-de prática que os alunos vivenciam no dia a dia durante as aulas do ensino superior.

Por que algumas crianças têm mais dificuldades de aprender do que outras? Por que algumas crianças necessitam de determinados incentivos e outras não no contexto da aprendizagem? Por que alguns se superam constantemente e outros simplesmente evadem de uma atividade depois do fracasso? A frustração é motivo de evasão esportiva, ou um motivo de querer mais?

Para os atletas, seriam as lesões fatores de frustração e/ou (des)motiva-ção? A ansiedade ou depressão no período em que estão lesionados inter-fere na qualidade de vida dos atletas? Problemas familiares ou financeiros atrapalham o desempenho? Uma boa iniciação esportiva garante resultados positivos nas fases competitivas?

Vamos determinar em um primeiro momento que as lições deixadas pelos teóricos da organização do treinamento desportivo afirmam que pe-riodização é fundamental para atingirmos resultados superiores satisfató-rios.

É fato que uma boa programação se faz necessária no fenômeno esportivo. Sendo assim, a construção de uma identidade na formação do atleta em longo prazo garante que a psicologia esportiva seja levada em consideração. Dessa forma, consideramos que os aspectos levantados sobre esta temática são necessários, contribuindo e sendo agregado durante a periodização do treinamento esportivo, seja na aprendizagem ou no desempenho esportivo, visando ao treinamento e a resultados superiores.

2. Atribuição e retribuição de metas relacionadas ao de-sempenho esportivo ligado à motivação

Lidar com o esporte e com a aprendizagem esportiva nos coloca em paralelo a lidar com a atribuição de causas relacionadas ora ao sucesso, ora ao fracasso. Fazendo referência à atribuição de causas para esses momen-tos, podemos dizer que a percepção do resultado, mesmo que seja parcial

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ou momentâneo, é fundamental para a avaliação e a reavaliação do desem-penho apresentado durante ou como resultado da realização da tarefa pro-posta.

Michener, De Lamater e Myers (2005) relatam que o termo atribuição refere-se ao processo que um observador utiliza para inferir as causas das condutas de outra pessoa. Isto é, o observador tenta responder à pergunta “Por que esta pessoa age desta forma?”. Na atribuição, observamos as con-dutas dos outros e inferimos as suas causas - intenções, habilidades, traços, motivos e pressões situacionais que explicam porque eles agem de determi-nada maneira.

Os autores ainda nos esclarecem que os atos de uma pessoa produzem mais de um efeito e repercutem no ambiente. Assim, o resultado final ou definitivo a ser obtido pode não ser a meta estabelecida como determinante por um determinado sujeito, como no caso de alguns esportes. Podemos ci-tar o exemplo das modalidades coletivas de quadra e campo, representando o gol no futebol e no handebol, a cesta no basquetebol, no qual o resultado pode não satisfazer as necessidades individuais do sujeito que obteve o êxi-to momentâneo dentro desse determinado desempenho.

Dessa maneira, é necessário termos atribuições de sucesso e fracasso para avaliar nosso desempenho. Podemos destacar quatro fatores que se aplicam nesse contexto: habilidade, esforço, dificuldade da tarefa e sorte (MICHE-NER; DELAMATER; MYERS, 2005). Para avaliar a situação, vamos observar se o resultado se deve a uma causa interna do autor (atribuição interna ou disposicional) ou a causas externas ou ambientais (atribuição externa ou si-tuacional).

Posteriormente, precisamos decidir se o resultado é uma ocorrência es-tável ou instável, ou seja, temos que determinar se a causa é uma caracterís-tica permanente do autor ou do ambiente, ou se ela é instável e mutável. A habilidade, por exemplo, é geralmente considerada como interna e estável, e o esforço ou o desempenho é propriedade da pessoa que muda, depen-dendo de o quanto ela tenta - geralmente, atribuímos desempenhos extre-mos ou incomuns a causas internas (MICHENER; DELAMATER; MYERS, 2005). Veja o Quadro 1.

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Quadro 01: Causas Percebidas do Sucesso e do Fracasso

Grau de EstabilidadeLocus de Controle

Interno Externo  

Estável Habilidade Dificuldade da tarefa

Instável Esforço Sorte  

Fonte: adaptado de Weiner et al., 1972 (apud MICHENER; DELAMATER; MYERS, 2005, p. 161).

Como exemplo, apoiados no Quadro 1, podemos dizer que um jogador de basquetebol acerte todas as cestas de um dia, mas no dia seguinte não acerte a grande maioria dos arremessos. Neste caso, podemos atribuir à motivação (esforço) um grau de estabilidade que dependa dos fatores ins-táveis e/ou estáveis. Sendo assim, a influência da torcida, a importância do jogo e as condições do ambiente (temperatura elevada) poderiam ser atri-buídos como sorte.

Então, os fatores ambientais são levados em consideração, ou seja, os fatores externos (extrínsecos, ligados ao exterior, como a influência da torcida, adversários ou mesmo companheiros de equipe) e os fatores internos (intrínsecos, que podem promover alterações consideráveis no desempenho esportivo, como o nível de estresse e a ansiedade). Veja o Quadro 2.

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Quadro 2.: A Diversidade dos Motivos Humanos

Exemplos de Necessidades Biológicas em Seres Humanos

Fome

Sede

Sexo

Temperatura (temperatu-ra corporal adequada)

Excreção (eliminar re-síduos corporais)

Dormir e descansar

Atividade (nível ótimo e es-timulação e excitação)

Agressão

Exemplos de Necessidades Sociais em Seres Humanos

Realização (sobressair-se)

Associação (laços sociais)

Autonomia (independência)

Oferecer cuidados (cuidar e proteger os outros)

Dominância (influenciar e controlar os outros)

Exibição (impressionar os outros)

Ordem (ordem, as-seio e organização)

Jogo (alegria, relaxamen-to e divertimento)

Fonte: adaptado de Madsen, 1973 (necessidades biológicas) e Murray, 1938 (neces-sidades sociais) ambos citados por Weiten (2008, p. 283).

De acordo com Weiten (2008), a maioria das teorias estabelece uma dife-renciação entre motivos biológicos, que se originam das necessidades corpo-rais (como a fome), e motivos sociais, que se originam de experiências sociais (como a necessidade de realização).

E, para completar esse raciocínio, Magill (1984) afirma que em qual-quer situação de aprendizagem existe uma abundância de estímulos no ambiente, aos quais o aprendiz pode prestar atenção antes de gerar uma resposta.

Pode ser desejável que se alcance o objetivo ou a meta estabelecida pelo sujeito durante o desempenho ainda nos referindo a exemplos práticos, otimizar o passe de bola durante o jogo. Sendo assim, os passes serão valo-

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rizados como meta de grupo, atingindo o trabalho participativo do grupo como um todo, a fim de elevar a coletividade, aumentando consequente-mente a possibilidade de êxito do grupo e a orientação para tarefa do grupo (DUDA, 1992), deixando de lado o individualismo, característica ligado à orientação para o ego (DUDA, 1992) ou medo do fracasso (WINTERS-TEIN, 2002).

Portanto, relacionando o aspecto do grupo, para o grupo e com o gru-po, acreditamos que deve existir a confiança mútua para elevar a expectati-va de êxito do grupo. Em contrapartida, para o desempenho do grupo em alguns esportes, como os coletivos, é fundamental existirem sujeitos que apresentem características ligadas à orientação para o ego, uma vez que em alguns momentos necessitamos que um atleta assuma a postura de tomar a decisão.

Ao propor uma avaliação do sujeito pensando em sua prática esportiva com a finalidade de manutenção ou melhoria de seu desempenho esporti-vo, enxergamos que avaliar, aprender e reavaliar são indissociáveis dentro da aprendizagem, que, segundo Gallahue e Ozmun (2006) “é um processo interno que produz alterações consistentes no comportamento individual em decorrência da interação da experiência, da educação e do treinamento com processos biológicos” (GALLAHUE; OZMUN, 2006).

Assim como relatado anteriormente, é previsto haver, no indivíduo, a vontade de aprender e se aprimorar dentro da prática esportiva, aumentando e melhorando as suas experiências, e também as suas expectativas de sucesso. Cada indivíduo pode se predispor a avaliar o meio em que está inserido e gerar uma determinada resposta para a tarefa a ser realizada. Weineck afirma: “A capacidade de desempenho esportivo é, devido a sua composição mul-tifatorial, de difícil treinamento, somente o desenvolvimento harmônico de todos os fatores determinantes do desempenho possibilita que se obtenha um alto desempenho individual.” (WEINECK 2003, p. 22)

De acordo com Martens e Webber (2002), os organismos têm uma ne-cessidade intrínseca de adquirir competência sobre seu meio ambiente. A importância da motivação intrínseca e extrínseca, por suas diferenças, vem sendo relacionada com diferentes resultados. Por exemplo, a alta motivação

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intrínseca tem sido associada com o aumento da diversão nas atividades físicas, além do desejo que o desafio proporciona. Aumenta a relação entre esportistas, diminuindo a evasão do esporte.

Thomas (apud DE MARCO E JUNQUEIRA, 1995) sustenta que moti-vos não conduzem à ação, são situações em um determinado momento que despertam e estimulam motivos de modo a conduzi-los efetivamente à ação.

Assim, de acordo com alguns autores que nos esclarecem o que é mo-tivação, vemos que os fatores do meio ambiente, juntamente com as situa-ções momentâneas, conduzem um indivíduo a realizar ou não determinada ação. Tendo como ponto de partida a atividade, o comportamento de um indivíduo é uma sequência da atividade.

Este conjunto só seria possível com a aprendizagem de uma tarefa, e que esta seja condizente com a condição do aluno daí poderíamos avaliar, gerar respostas ou atos motores e reavaliar, considerando uma aprendiza-gem significativa dentro do processo do desenvolvimento motor. Assim, quanto maior o número de experiências e mais rico o universo em que o sujeito esteja inserido, somado a um número considerável de repostas positivas e desempenhos positivos no contexto esportivo, mais estaríamos trabalhando na tentativa de aumentar a expectativa de êxito desse aluno ou atleta, como nos relata Winterstein (2002), que a expectativa ou probabili-dade de êxito ou fracasso diz respeito à probabilidade de êxito que o indi-víduo estabelece. Esta probabilidade se desenvolve a partir de experiências passadas, situações semelhantes que o sujeito enfrentou.

Por exemplo, desempenhos antecedentes bem-sucedidos tendem a au-mentar a confiança e diminuir a expectativa de fracasso na mesma tarefa. É a partir desse desempenho que o indivíduo desenvolve uma ideia da difi-culdade da tarefa, denominando-a, portanto, de aprendizagem.

Dessa maneira, analisando o contexto ambiental, observamos a ideia do significado atribuído ao resultado dentro da tarefa, entretanto destacan-do o motivo de realização, definido por Weiten como “a necessidade de vencer grandes desafios, de sobrepujar outros e de alcançar padrões supe-riores de excelência” (WEITEN, 2008, p. 291).

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John Atkinson (apud WEITEN, 2008) estudou detalhadamente a teoria da motivação para a realização e identificou alguns determinantes situacio-nais importantes para o comportamento de realização:

◆ a força de motivação de uma pessoa para obter sucesso é consi-derada um aspecto estável da personalidade;

◆ a estimativa que uma pessoa tem da probabilidade de obter su-cesso em determinada tarefa varia de tarefa para tarefa; e

◆ o valor de incentivo do sucesso depende das recompensas tan-gíveis e intangíveis pela obtenção de sucesso na tarefa específica (cf. WEITEN, 2008, p. 293).

Assim, podemos verificar que o valor do incentivo poderia aumentar a nossa motivação, dependendo da recompensa que estaríamos esperan-do. Por exemplo, a nota a receber após o desempenho em uma prova de ginástica artística seria uma recompensa para posteriormente ganhar uma medalha de ouro, de modo que o atleta sempre teria que buscar um melhor desempenho. Assim como a motivação para atingir o sucesso, a motivação para evitar o fracasso pode estimular a realização (WEITEN, 2008).

De acordo com o modelo proposto por Atikinson (apud WEITEN, 2008), que considera governar o comportamento de realização, observa-mos dois aspectos.

Temos de um lado os aspectos estáveis da personalidade:

◆ necessidade de realização (força de motivação para atingir su-cesso); e

◆ medo do fracasso (força de motivação para evitar o fracasso).

Complementando a ideia, do outro lado temos as determinantes situa-cionais do comportamento de realização:

◆ probabilidade observada de sucesso em tarefa específica;

◆ valor de incentivo do sucesso em tarefa específica;

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• probabilidade observada de fracasso em tarefa específica; e

• valor do incentivo do fracasso em tarefa específica.

Dessa maneira, tanto os fatores estáveis da personalidade como os de-terminantes situacionais do comportamento da realização convergem para o comportamento de realização em situação específica, pois dependem do desempenho do ser humano em uma determinada tarefa, demonstrando um resultado.

Contribuindo com a nossa proposta, Verardi (2004) afirma que a par-tir dos aspectos emocionais se procura fazer uma relação entre a ação e a vivência esportiva, tanto no seu aspecto competitivo quanto na prática do esporte, presentes na experiência.

Becker e Samulski (1998) identificaram a motivação negativa, podendo ser manifestações como o medo do fracasso, o medo de determinadas com-petições ou de adversários, ou até mesmo de lesões externas. Os autores também nos mostram que um dos aspectos de muita importância prática é a técnica da visualização, podendo ajudar no incremento da motivação dos esportistas de elite como também dos iniciantes com alguma habilidade, e, ainda mais importante, daquelas crianças e adolescentes que possuem pouquíssima habilidade.

3. Resultados de estudos realizados em parceria com alunos

Ao longo de alguns semestres, foi possível a coleta de alguns dados, contando com a parceria de nossos alunos e suas inquietações no senti-do de explorar o campo dos eventos psicológicos que possam interferir na aprendizagem ou no desempenho.

Com a utilização de diversos procedimentos metodológicos em dife-rentes modalidades, realizamos alguns trabalhos acadêmicos de iniciação científica com o objetivo de levar os alunos a vivenciarem a experiência de congressistas, apresentando seus trabalhos em forma de pôster ou tema livre, para posteriormente dar continuidade escrevendo textos a serem pu-blicados em revistas científicas.

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Para a estruturação e realização desses estudos e pesquisas, contamos com o questionário do esporte de orientação para tarefa ou ego (Task and Ego Orientation in Sport Questionaire - Teosq), instrumento desenvolvido por Duda (1992) e traduzido, adaptado e validado por Hirota e De Marco (2006). Esse recurso permite identificar a orientação motivacional e verifi-car se está dirigida para a meta tarefa ou para a meta ego.

Com isso, a finalidade do Teosq é avaliar as diferenças individuais em perspectiva do objetivo ajustado ao esporte, detectando se o indivíduo é inclinado a ser orientado para a tarefa ou orientado para o ego.

Para a realização desses estudos, temos utilizado a metodologia da pes-quisa descritiva (THOMAS; NELSON, 2002; CERVO; BERVIAN, 2004).

No decorrer dos anos desenvolvendo trabalhos na Universidade Pres-biteriana Mackenzie, podemos destacar os estudos e resultados listados no Quadro 3.

Quadro 3. Trabalhos realizados no período 2006-2009

* Trabalho premiado no 3º Conef Unesp de Baurú, 2009.

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Com relação às características de cada tipo de orientação, podemos ve-rificar que os indivíduos orientados para a tarefa têm como características o sentimento de sucesso na realização de uma atividade proposta depender do eu, ou seja, de si mesmo; o importante ser a aprendizagem e não a performan-ce; possuir uma autorreferência em relação às habilidades; a atribuição de su-cesso à equipe fazer parte do jogo, de participar; o sucesso se aliar ao esforço, a determinação fazendo uso das habilidades; o compromisso social; o esporte não ser uma via de status; boa concentração e atenção; o fracasso ser consi-derado falta de esforço e determinação, o erro fazendo parte do aprendizado (WINTERSTEIN, 2002).

Os aspectos da orientação para a meta do ego se dão com o sucesso as-sociado à superior habilidade e à sensação de competência; o individualis-mo e o competitividade; a preocupação com a derrota para os adversários; o status social, procurando sua popularidade por meio do esporte e por ele se promovendo; os meios ilícitos para vencer (por exemplo, a agressivida-de); indivíduos menos persistentes; a opinião alheia sendo importante so-bre seu desempenho; frente ao fracasso, justificar o erro, a falta de interesse; fatores externos como a torcida podem ser motivo para desculpas; buscar atividades com menor grau de dificuldade; ansiedade e tensão presentes; comparação alheia; medidas padronizadas para obter sucesso; fracasso relacionado com falta de capacidade; níveis mais baixos de desempenho (WINTERSTEIN, 2002).

De acordo com essas características, podemos traçar um perfil dos sujeitos e do grupo que está sendo avaliado frente ao tipo de orientação motivacional e, sendo assim, verificar a possibilidade de apresentar uma aprendizagem consistente dos alunos de iniciação esportiva, uma vez que eles podem se evadir do esporte frente às frustrações.

Essa característica do aspecto motivacional dos indivíduos pode in-fluenciar não somente a forma como esse atleta responde ao estímulo da competição mas também o quanto esse mesmo atleta se dedica ou qual a intensidade de seus treinamentos.

Essa dedicação pode ser tanta que a ocorrência de lesões osteomuscu-lares é muito comum, principalmente em atletas jovens, e o evento de lesão

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pode interferir de forma bastante significativa na vida do atleta no que diz respeito à ansiedade e suas manifestações.

4. Influência das lesões em atletas

De acordo com Becker Jr. e Samulski (1998), o esporte é um dos fe-nômenos socioculturais mais importantes do século XX e neste início de século XXI. Todo o investimento em instalações, pesquisas profissionais e recursos financeiros estão relacionados ao sucesso nas competições tarefa pertencente aos atletas.

Podemos pensar que os indivíduos mais saudáveis, em todos os aspec-tos, são os atletas, pois praticam uma atividade física, convivem em grupos sociais, e portanto possuem excelente qualidade de vida.

No entanto, algumas características da atividade esportiva limitam es-sas afirmações. Entre essas características estão os fatores capazes de gerar ansiedade e estresse, os quais são parte da vida profissional de todos os atletas podemos citar as pressões por resultados positivos, os confrontos contra adversários muitas vezes bem mais preparados, a pressão por par-te do próprio grupo do qual faz parte, além das exigências de dirigentes, torcidas e, naturalmente, a cobrança pessoal por melhores rendimentos e melhores resultados.

Na busca da superação desses limites, muitos atletas se deparam com outro fator inerente à pratica esportiva: a lesão.

A ocorrência de lesões é um dos fatos mais frustrantes para o atleta, pois este será retirado da prática do esporte (para o qual tem uma mo-tivação intrínseca), afasta-se de seus companheiros e muda sua conduta, saindo de uma posição ativa (dentro do esporte) para uma posição passiva e dependente (no hospital ou clínica).

Muitos trabalhos relacionam lesões e suas consequências psicológicas, focando sua atenção nos níveis de estresse, mas poucos desses trabalhos têm procurado relacionar as lesões à ansiedade, a depressão ou mudanças na qualidade de vida dos atletas.

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Diante da ocorrência de uma lesão, a atitude da equipe técnica costuma ser a concentração nos seus aspectos físicos, para que a recuperação ocorra no menor tempo possível, muitas vezes relegando para segundo plano os aspectos mais complexos, porém não menos importantes, do sofrimento psíquico (BECKER JR.; SAMULSKI, 1998).

Os principais fatores na ocorrência de lesões esportivas são os físicos, como por exemplo desequilíbrios musculares, colisões, fadiga, excesso de treinamento, porém existem fatores psicológicos, tais como personalidade, níveis de estresse e certas atitudes predisponentes, os quais foram identifi-cados por Rotella e Heyman, Wiese e Weiss (apud WEINBERG; GOULD, 2001).

De acordo com Kraus e Courey (apud WEINBERG; GOULD, 2001), calcula-se que, por ano, de três a cinco milhões de americanos se lesionam em ambientes esportivos, sejam competitivos ou recreacionais.

Weinberg e Gould (2001) afirmam serem os fatores físicos as causas primárias das lesões, porém também acreditam que fatores psicológicos contribuam para o acontecimento das lesões, conforme a Figura 1.

Figura 1. Modelo de stress e lesão esportiva (adaptado de ANDERSEN; WILLIAMS apud WEINBERG; GOULD, 2001).

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O estresse é um importante fator a ser considerado no que se refere às lesões esportivas de uma maneira geral.

A situação competitiva é potencialmente estressante e, dependendo do atleta (se ele entende a situação como ameaçadora), aumenta o estado de ansiedade, fator que provoca uma variedade de mudanças no foco e na atenção, bem como na tensão muscular, podendo contribuir para a ocor-rência de lesões.

Segundo Brandão (1999), geralmente os atletas avaliam a lesão esporti-va primeiramente negando ou subestimando a sua gravidade, acreditando que em breve voltarão à sua rotina de treinamentos. Ao perceber que a lesão é grave, o atleta se sente desolado e sozinho, o que tem influência negativa sobre o bem-estar, aa autoestima e a autoconfiança.

Os psicólogos do esporte relacionam as lesões esportivas como uma resposta semelhante à de indivíduos que experimentaram a morte iminen-te, composta pela resposta de pesar de cinco estágios proposta por Hardy e Crace (apud WEINBERG; GOULD, 2001): negação, raiva, negociação, depressão e aceitação/reorganização

Conforme caminha o processo de reabilitação, vem à tona um senti-mento de raiva e de irritabilidade, seguido pelo aparecimento da depressão, e por fim o atleta aceita a lesão e começa a ter esperança de poder voltar a competir.

As respostas dos atletas com relação à lesão não são dadas de maneira fixa ou ordenada como os psicólogos do esporte pensavam. Udry, Bridges e Beck (apud WEINBERG; GOULD, 2001) afirmam que os indivíduos lesio-nados podem exibir três categorias gerais de resposta.

◆ Processamento de informação relevante à lesão: o atleta tem sua atenção voltada para a lesão, a dor por ela causada, sua extensão e como ela aconteceu, e reconhece suas consequências negativas.

◆ Revolução emocional e comportamento reativo: o atleta percebe a lesão, o que poderá torná-lo emocionalmente esgotado e agi-tado, experimentando isolamento, separação, medo, descrença e negação.

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◆ Perspectiva positiva e controle: o atleta aceita o fato de estar le-sionado e lida com isso, inicia esforços de controle positivo, exi-bindo boa atitude e otimismo, e fica aliviado ao notar o progresso do processo de reabilitação.

Existem ainda outras reações psicológicas à lesão levantadas por Pe-titpas e Danish (apud WEINBERG; GOULD, 2001): medo e ansiedade. A ansiedade é uma emoção natural e necessária como parte da resposta orgâ-nica ao estresse. Atletas lesionados experimentam altos níveis de ansieda-de e medo, pois se preocupam com sua recuperação, as possibilidades da ocorrência de uma nova lesão, sua possível substituição por outro atleta de maneira permanente na equipe da qual faz parte.

Para Wing et a.l (apud SIMS, 2001), a ansiedade geral deve ser con-trastada com a ansiedade situacional, ou seja, ter a tendência de se tornar ansioso em certas situações definidas. Na ansiedade geral, está incluída a ansiedade autonômica de flutuação livre, ataques de pânico e observação do indivíduo que parece estar tenso, preocupado ou apreensivo.

A ansiedade de flutuação livre engloba alguns componentes autonômi-cos, tais como rubor facial, “frio na barriga”, falta de ar, tontura, boca seca, sudorese, tremores, elevação da pressão arterial, incluindo também aspec-tos parassimpáticos como náusea, diarreia e frequência urinaria.

Para Buckworth e Dishman (2002), ansiedade é um estado de preocu-pação, ou tensão que ocorre frequentemente na falta da realidade ou perigo eminente.

Spielberger (apud BUCKWORTH; DISHMAN, 2002) propõe uma classificação dos estados ansiosos em estado e traço, sendo que o estado de ansiedade é a condição de estar ansioso em um momento específico em uma provável reação a determinada circunstância provocadora. O traço ansioso, por sua vez, é uma tendência duradoura de se reagir aos aconteci-mentos da vida com um excessivo grau de ansiedade.

Para Weinberg e Gould, ansiedade-estado é um estado emocional tempo-rário em constante variação, com sentimentos de apreensão e tensão conscien-temente percebidas, associadas com ativação de sistema nervoso autônomo.

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A ansiedade-estado cognitiva diz respeito ao grau em que o indivíduo se preocupa, ou tem pensamentos negativos.

A ansiedade-estado somática se refere às mudanças de momento na ati-vação fisiológica percebida.

A ansiedade-traço é uma tendência comportamental de perceber como ameaçadoras circunstâncias que objetivamente não são perigosas e de respon-der a elas com ansiedade-estado desproporcional.

Spielberger (apud MARTENS, 1990) refere-se à ansiedade-estado como um estado emocional imediato caracterizado pela apreensão e pela tensão, sendo que caracterizada pela subjetividade, por sentimentos de apreensão e tensão acompanhados ou associados à atuação do sistema nervoso autô-nomo. Já a ansiedade-traço é a predisposição para perceber certas situações como ameaçadoras, variando de acordo com os níveis de ansiedade-estado, sendo o motivo ou disposição de comportamento que predispõe o indiví-duo a perceber situações comuns como ameaçadoras e responder a elas de maneira que o nível de ansiedade-estado se eleve desproporcionamente à intensidade e magnitude da situação referida

5. Ansiedade no esporte

No contexto esportivo, outros fatores afetam a maneira como a ansie-dade é avaliada. Carron e Bennett (apud CRATTY, 1984), por exemplo, relataram que a presença do técnico pode elevar os níveis de ansiedade-estado de maneira mais intensa do que outros fatores, como a presença da torcida por exemplo.

O esporte é um meio em que se podem vivenciar as emoções com mui-ta intensidade, as competições despertam sentimentos não só nos atletas como também nos espectadores, os processos emocionais podem acompa-nhar, regular e apoiar a ação desportiva, mas também podem perturbá-la ou até impedi-la, assim alterando o estado de ansiedade.

No esporte de alto nível, a busca pelo máximo rendimento é constante, sendo o principal objetivo de todos os envolvidos nesse processo, porém,

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quando ele não é alcançado, o efeito emocional da derrota é de difícil supe-ração. Assim, a tensão inicial do atleta em decorrência da cobrança por re-sultados torna-se um sentimento de medo do fracasso que pode ter grande impacto no resultado final do desempenho do atleta, conforme Machado (1997).

Cratty (1984) afirma que a ansiedade nem sempre é prejudicial, principal-mente em relação aos atletas, pois parece que o bom desempenho requer um nível adequado de ansiedade, pois, se o atleta está demasiadamente ansioso ou pouco ansioso, é possível que sua performance seja muito abaixo do pretendido. O nível de ansiedade baixo faz com que o atleta se torne apático e desinteres-sado, já um nível de ansiedade mais elevado o mantém mais concentrado e atento.

Carron e Bennett, em estudo realizado em 1977 (apud CRATTY, 1984), constataram haver decréscimos de ansiedade-estado em jovens de 12 a 19 anos que permanecem no esporte e aprendem a lidar melhor com a ansie-dade situacional (ansiedade-estado) conforme vão se passando os anos. Os jovens que não o conseguem, contudo, tendem a abandonar o esporte.

Os níveis de intensidade da ansiedade e suas consequências para o desempenho do atleta têm sido demonstrados em diferentes contextos. Conforme Oxendine; Weinberg e Genuchi; e Landers (apud MACHA-DO, 1997), tarefas de coordenação motora fina realizadas em ambientes fechados (onde não há grande interferência do ambiente na execução da tarefa motora), como golfe, tiro ao alvo ou arco e flecha, exigem que o atleta tenha níveis baixos de ansiedade, enquanto em modalidades que requeiram um alto nível de esforço, realizadas em ambientes abertos (nos quais há interferência do ambiente de execução da tarefa), como o judô ou halterofilismo, o atleta necessita de níveis mais elevados de ansiedade.

Cratty (1984) também afirma que esses níveis de ansiedade aumentam ou diminuem conforme a tarefa, pois eventos que requeiram resistência e força têm mais probabilidade de diminuir os níveis de ansiedade, já tarefas como o tiro ao alvo, ou provas de atletismo, como por exemplo os saltos e arremessos, tendem a aumentar os níveis de ansiedade conforme a compe-

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tição tem sequência (em dias subsequentes, por exemplo).

Essa continuidade da elevação dos níveis de ansiedade, mesmo após o término da competição, mostra a importância de um profissional li-gado à área esportiva (psicólogo, técnico, etc.) para auxiliar os atletas a colocarem a vitória ou derrota na perspectiva adequada.

Durante o processo de competição, por exemplo, a ansiedade pode dar lugar a um relaxamento, voltando ao seu nível normal após o término da competição, quando se aguarda por seu resultado.

Machado (1997) afirma que este estágio final, da expectativa pelo resul-tado, voltará a interferir na competição, pois será o ponto de partida para uma nova preparação e nova disputa, podendo assim alterar o desempenho do atleta, tanto de maneira positiva quanto de maneira negativa.

Em relação à competição, contexto em que o esporte está inserido, Moraes (1990) cita o trabalho de Lieber e Morris (1967), que separam a ansiedade em dois aspectos: preocupação (cognitiva) e emocionalidade (somática), com a preocupação sendo uma “perturbação (cognitiva) so-bre as consequências de uma derrota” (“Será que vou vencer? Será que vou conseguir?”) e a emocionalidade (somática) sendo “reações autônomas que tendem a ocorrer sob uma situação de estresse” ou ainda elementos afeti-vos-perturbantes-fisiológicos, reações autógenas, como por exemplo diar-reia, aumento da pressão arterial e dos batimentos cardíacos, bem como o nervosismo e a tensão situações comuns no terreno esportivo.

Especificamente no esporte, esses componentes se manifestam da se-guinte maneira:

◆ cognitiva - dúvidas e pensamentos negativos (“Será que vou ven-cer?”); e

◆ somática - reações autógenas (“Diarreias, aumento da pressão ar-terial, aumento da frequência cardíaca, tensão muscular, palidez facial”).

Para Spielberger (apud MARTENS et al., 1990), ansiedade cognitiva é o componente mental da ansiedade, causado por expectativas negativas sobre

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o sucesso (mais comum no esporte) ou autoavaliação negativa. Já a ansieda-de somática está nos componentes fisiológicos e afetivos da ansiedade, ou seja, respostas fisiológicas como aumento da frequência cardíaca, da tensão muscular e dispneia.

Para Saranson (apud MORAES, 1990), existe ainda um terceiro com-ponente, a autoconfiança, que o autor define como percepção de resulta-dos negativos, preocupação com a própria autoavaliação.

Outro fator que pode alterar os níveis de ansiedade nos atletas dos mais diferentes níveis técnicos, modalidades esportivas e idade é a ocorrência de lesão, que pode ser comprometedora para as aspirações de resultados de qualquer atleta.

Tondato (2006) realizou uma pesquisa com o objetivo de comparar os níveis de ansiedade em atletas que estavam submetidos a tratamento fisio-terapêutico com diferentes graus de exclusão de suas atividades esportivas. Sua amostra foi composta de 64 indivíduos, dos quais 43 (67,2%) eram do sexo masculino, com idades variando de 12 a 33 anos com média ± desvio padrão de 18,17 ± 4,26 anos, foi dividida em três grupos:

◆ lesão sem treino (G1), (n = 25), indivíduos com algum tipo de le-são e que, em função desta, encontravam-se totalmente afastados de qualquer tipo de treinamento;

◆ lesão com treino (G2), (n = 17), indivíduos que apresentavam algum tipo de lesão física e estavam em tratamento fisioterapêu-tico, continuavam em treinamento; e

◆ sem lesão (G3), (n = 22), indivíduos sem qualquer lesão e que mantinham treinamento esportivo regular em suas respectivas modalidades.

Cada indivíduo/atleta respondeu um questionário com dados sociode-mográficos (Tabela 1), juntamente com o Inventário de Ansiedade Traço-estado (Idate) de Spielberger (Tabela 2). Os atletas com lesão, tanto do grupo sem treino (G1) quanto do grupo com treino (G2), responderam ao questionário durante a sessão de tratamento fisioterapêutico, a qual durava

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aproximadamente uma hora. Os atletas do grupo sem lesão (G3) respon-deram ao questionário antes do início das sessões de treinamento em suas modalidades. Os escores obtidos nas escalas de ansiedade foram compara-dos por análise de variância (ANOVA).

Obtivemos os resultados abaixo.

Quadro 4. Dados sociosdemográficos

GRUPO IDADE + - dp MASC FEM MOD.

IND.MOD. COLE-

TIVA

G1 (lesão sem treino)

19,60 + - 4,76 15 10 07 18

G2 (lesão com treino)

17,06 + - 5,46 07 10 10 07

G3 (sem lesão) 17,41 + - 1,30 21 01 2 20

Quadro 5. Inventário de ansiedade traço-estado (Idate) de Spielberger

GRUPO ANSIEDADE-ESTADO ANSIEDADE-TRAÇO

G1 (lesão sem treino) 40,40 + - 9,20 34,56 + - 9,65

G2 (lesão com treino) 37,52 + - 10,38 38,23 + - 8,06

G3 (sem lesão) 38,77 + - 8,75 41,45 + - 10,11

p = 0,614 p = 0,050

Como conclusão, a partir dos dados obtidos com essa amostra pode-mos afirmar que, no que diz respeito à ansiedade-traço, houve significativa diferença estatística entre os atletas de G1 e G3, e curiosamente o grupo sem lesões é o que apresenta maior escore neste item. Com relação à ansie-dade-estado, apesar de não haver significativa diferença estatística, pode-

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-se notar que o G2, que estava em tratamento fisioterapêutico, porém de alguma forma realizava atividades próximas ao treinamento ao qual estava habituado, apresentou menores escores que os dois outros grupos. Pode-mos assim concluir que o processo de reabilitação de uma lesão realizado concomitantemente a atividades próximas do cotidiano do atleta pode di-minuir principalmente os níveis de ansiedade-estado.

6. Considerações finais

Com essas afirmações em mente, vemos como o esporte tem sido usa-do e vilipendiado, expondo crianças a sequelas inimagináveis e duradouras. Uma atividade que poderia e deveria ser prazerosa, ajudando no desen-volvimento individual e comunitário, muitas vezes acaba se tornando uma “arma de guerra” nas mãos de adultos despreparados e desesperados.

De Marco e Melo consideram que

A aprendizagem no esporte tem sido evidenciada pe-los maus-tratos às crianças, nas quais a especialização precoce e a competição exacerbada tem feito surgir sín-dromes que em épocas passadas eram “privilégios dos adultos”, como o estresse, a inSonia e a ansiedade, entre outros. A máxima “não existe aprendizagem sem man-chas” passa a ser revista, admitindo-se coerentemente que, no esporte, parece não existir aprendizagem sem traumas. Inúmeros são os exemplos que ilustram tal concepção, muitos deles advindos da exposição preco-ce das crianças a situações estafantes de treinamento e competição. (DE MARCO; MELO, 2002, p. 342)

Dessa maneira, trazer à tona questionamentos como a influência que a psicologia pode ter, ajudando a melhorar a aprendizagem esportiva, além de dar continuidade durante todo o treinamento dos esportistas, faz visível a possibilidade de trabalharmos em conjunto entre áreas a fim de melho-rar a performance, mas além de tudo superar as possíveis frustrações que a aprendizagem esportiva possa trazer - afinal, errar não é fracassar.

Assim, como atividade humana, o esporte é uma ferramenta, que deve

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ser apropriadamente utilizada. A psicologia, como vimos acima, com seus conceitos, intervenções e pesquisas, é a ciência, dentro do escopo das ci-ências do esporte, que, quando bem empregada, ajuda a revelar, ampliar e proteger o lado humano do esporte, para que sempre ele seja motivo de desenvolvimento pessoal e social.

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Masseto, Ressurreição e Cossote | 147

PROJETO SALVAMENTO AQUÁTICO

Simone Tolaine MassetoKamila Santos RessurreiçãoDouglas Figueiredo Cossote

Desde o início de nossas carreiras no ensino superior, ano após ano aumenta o desafio de oferecer um ensino de qualidade que con-

siga, de alguma forma, ser significativo para o aluno em seu aprendizado. Buscamos incansavelmente novos métodos de trabalho, novas ferramentas, novas práticas pedagógicas que possam nos auxiliar no melhor entendi-mento da dimensão conceitual em nossas disciplinas. Em contrapartida, devemos nos certificar da formação atitudinal e procedimental de nossos educandos na medida em que tais dimensões irão diferenciar um bom pro-fissional de um profissional que apenas conhece bem o assunto.

Nas instituições de ensino superior, de maneira geral, a disciplina rela-cionada aos aspectos aquáticos é oferecida nos primeiros anos do curso. Uma das principais preocupações dessa disciplina é com relação à segurança do aluno, bem como com o desenvolvimento da da sua responsabilidade com seus futuros alunos. Embora aparentemente inofensivo, o ambiente aquáti-co pode oferecer riscos ignorados por muitos. Qualquer descuido pode ser fatal. Pensando nisto, a primeira aula sempre deve ser dedicada à segurança para trabalhar com atividades aquáticas em diferentes níveis, desde ativida-des recreativas até o treinamento esportivo de alto desempenho.

São oferecidas noções básicas sobre os principais acidentes que podem ocorrer no ambiente da piscina ou mesmo em ambientes aquáticos exter-nos, como lagoas, rios ou mar. A preocupação deve estar sempre voltada para a formação de profissionais capazes de informar aos seus alunos sobre os eventuais perigos na prática das atividades aquáticas e, caso seja necessá-rio, de intervir efetivamente, como em um resgate ou salvamento aquático.

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148 | Projeto Salvamento Aquático

Para isso, o argumento inicial de nosso capítulo está no relato de um aluno sobre uma situação que, embora pitoresca, poderia ter terminado em tra-gédia. Certo dia, um aluno da 2ª etapa do curso de educação física, durante uma das aulas finais do semestre, afirmou: “Professora, a senhora me aju-dou a salvar uma vida! Graças a uma coisa que nos disse em aula, consegui salvar um colega que se afogava na piscina”.

Como ele já havia assistido àquela primeira aula, sobre segurança na piscina, imaginei que alguns dos conceitos que havíamos passado havia fei-to a diferença no salvamento do colega. Sem entender direito o que se pas-sava, logo perguntei como o fato havia ocorrido, já que aquele aluno ainda apresentava um padrão de nado que mal o conseguia manter na superfície. Ele continuou:

No final de semana passado, estávamos em um churrasco com a turma em um sítio e lá tinha uma piscina em que um lado era raso e o outro era muito fundo. Nosso cole-ga tinha bebido um pouco demais e foi se aventurar no lado fundo da piscina. Aí, ele parecia brincar de se afogar, quando percebi que ele estava realmente se afogando. Não tinha nada que eu pudesse jogar para ele segurar e não sabia ao certo o que fazer! Você sabe, professora, eu não sei nadar direito, mas logo me lembrei de um concei-to que aprendemos em sua aula: os membros superiores são mais propulsores que os inferiores na natação. Então, não tive dúvidas! Cheguei perto do colega e ao mesmo tempo em que eu me sustentava e me movia com os bra-ços, com os pés eu o empurrei até a borda, e ele se salvou!

Esse relato alertou-nos para uma lacuna na disciplina, que até então havíamos ignorado: não adianta só tentar prevenir possíveis acidentes aquáticos, pois quando eles acontecem precisamos saber como proceder. Pensando nisso, resolvemos oferecer aos nossos alunos a oportunidade de participar de uma atividade envolvendo duas disciplinas: a de atividades aquáticas e a de socorros de urgência.

Esta é uma preocupação deveras procedente, pois 500 mil pessoas mor-rem afogadas no mundo todos os anos, e no Brasil são oito mil vítimas

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Masseto, Ressurreição e Cossote | 149

anuais, sendo que 65% delas são crianças. Na faixa etária entre 5 e 14 anos, no Brasil, o afogamento constitui a segunda causa de morte entre os meni-nos (SZPILMAN, 2005). Em mulheres, os casos estão distribuídos abaixo dos 20 e acima dos 39 anos de idade. Já entre as crianças, em áreas urbanas, em torno de 70% das fatalidades ocorreram entre 1 e 5 anos de idade, por falta de vigilância, com maior risco de acidente em piscinas e banheiras (ARAÚJO, 2008).

Sendo assim, resolvemos convidar um profissional do Corpo de Bom-beiros para ministrar uma palestra, em princípio informativa, sobre socor-ros aquáticos. Feito isso, percebemos que conseguimos suprir somente uma das dimensões do conhecimento, a dimensão conceitual (FERRAZ, 1996). E como será que nossos alunos agiriam em caso de uma ocorrência real, na qual eles precisariam oferecer socorro a um colega ou mesmo a um aluno?

Para colocarmos a ideia em prática, elaboramos um projeto interdis-ciplinar envolvendo as duas disciplinas: atividades aquáticas e socorros de urgência. Propusemos uma primeira intervenção teórica, na qual os alunos tiveram um primeiro contato com o salvamento aquático. Essa intervenção teórica teve foco em dois princípios básicos:

◆ abordagem da vítima no meio líquido e suas fisiopatologias; e

◆ manobra de ressuscitação cardiopulmonar (RCP) e sua avaliação primária.

Antes de iniciarmos com o relato de nossa experiência, definiremos primeiros socorros segundo Hafen: “Primeiros socorros são o tratamento provisório e imediato que se dá a uma pessoa ferida ou que adoece repenti-namente.” (HAFEN, 2002, p. 3)

Em biossegurança no acidente, a primeira preocupação do socorrista deve ser com o local da emergência e com sua segurança pessoal. O desejo de ajudar as pessoas em situação de emergência pode favorecer o esque-cimento ou negligência aos riscos pessoais e aos relacionados ao local do acidente. Devemos primeiramente avaliar o ambiente no qual iremos agir, tomar as medidas necessárias para minimizar os riscos pessoais e com a vítima e só depois prestar efetivamente os primeiros socorros. É importante

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salientar que devemos evitar contato direto com o sangue da vitima, fluídos corpóreos, mucosas, ferimentos e queimaduras, usando a proteção de uma luva descartável.

Um afogamento pode ocorrer em qualquer ambiente que contenha água, ou qualquer outro líquido, independentemente da quantidade. Não é estranho ouvirmos casos de crianças que se afogam dentro do tanque de lavar roupas ou mesmo em baldes com água. Diante de uma situação de afogamento, precisamos fazer uma análise do local para podermos planejar nossas ações.

Antes mesmo de iniciarmos uma abordagem da vitima de afogamento, é necessário primeiro verificar a possibilidade de lançarmos algum objeto flu-tuante para que ela mesma se agarre e consiga sair da situação de risco. Isto é muito comum, principalmente em ambientes com piscina, que devem ter em fácil acesso materiais de segurança como boias e coletes salva-vidas. Lançar um objeto flutuante à vitima é o primeiro passo em situação de afogamento.

Avaliar o local consiste em verificar se existe segurança para realizar o salvamento. Uma vez que não exista nenhum material flutuante disponível, ou que a vítima não tenha condições de se agarrar a ele, precisamos abordá-la. Para isso, devemos saber qual a nossa real condição de abordagem, pois corremos sérios riscos de também nos afogarmos. Precisamos conhecer as técnicas de abordagem e ter condições físicas, pois em casos de afogamento em ambientes naturais o perigo é ainda maior.

No mar, a presença de correntes marítimas, a ausência de apoios pró-ximos (como as bordas das piscinas) e a distância em que a vitima se en-contra elevam consideravelmente os riscos. Ir nadando até o local, realizar a abordagem, executar as manobras necessárias e voltar nadando trazendo a vítima exige um bom condicionamento físico, que muitos de nós não te-mos. Essa avaliação é muito delicada e em salvamento no mar é importante termos algo para nos apoiar e também para oferecer à vítima.

Em rios, existe o perigo das correntezas e das corredeiras, algumas ve-zes com pedras que tornam o salvamento perigoso.

Nas lagoas e lagos, a maior preocupação é com o lodo e com galhos submersos, que podem prender algum nadador no fundo.

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Sendo assim, avaliar os riscos antes de iniciar os procedimentos é im-prescindível.

Uma vez eliminadas todas as possibilidades de salvamento sem aden-trar a água e tendo condições físicas de iniciar uma abordagem segura, de-vemos estar atentos às técnicas envolvidas em cada um dos casos.

A American Heart Association cita a importância do “elo da sobrevivên-cia”, que contém algumas ações que buscam direcionar o atendimento, aju-dando no sucesso da operação, auxiliando no êxito dos índices de sobrevi-vência de uma vitima que sofre um trauma. Essas ações envolvem a ligação imediata para o atendimento especializado, usando apenas os números 193 (resgate) ou 192 (Samu1), a manobra de ressuscitação cardiopulmonar, uso do desfibrilador externo automático (DEA) e aguardar o atendimento médi-co especializado (AMERICAN HEART ASSOCIATION, 2008).

O fato de não saber nadar é apenas um dos fatores que levam ao afoga-mento. Muitas vezes, algum mal súbito, exaustão física, ou mesmo a tem-peratura da água, são responsáveis pelo acidente. Precisamos estar aptos para agir com segurança e para tanto precisamos conhecer e saber analisar os tipos de acidentes na água, tais como síndrome de imersão, hipotermia e afogamento.

◆ Síndrome de imersão, também conhecida como “choque térmico” é um acidente de origem ainda discutida. Parece ser provocada por uma arritmia cardíaca, desencadeada por uma súbita exposição à água fria, levando a uma parada cardiorrespiratória. Esta situação pode ser evitada se molharmos o rosto antes de mergulhar.

◆ Hipotermia é a redução da temperatura corporal por exposição à água fria (ou ambiente frio), podendo causar ao indivíduo efeitos maléficos como arritmia severa com parada cardíaca e consequente perda da consciência seguida de afogamento. Os principais sinais e sintomas de hipotermia são pele fria e seca, calafrios, sensação de adormecimento nas extremidades, distúr-

1 Samu Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Programa do Ministério da Saúde do Governo Federal <http://portal.saude.gov.br>).

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bios visuais, sonolência, inconsciência, bradipneia, bradicardia e parada cardiorrespiratória. Para o tratamento da hipotermia, é necessário remover a vítima para um ambiente seguro e aqueci-do, removendo as vestes molhadas e aquecendo-a passivamente.

◆ O afogamento nada mais é que asfixia por imersão em meio lí-quido. Existem duas formas de afogamento: o úmido/molhado/líquido e o seco. Este segundo é o mais raro, acontecendo um em cada dez casos (HAFEN, 2002).

No afogamento seco, ocorre um laringospasmo intenso, não permitindo a passagem de líquido para os pulmões. A parada respiratória que se dá na hora da submersão é devida ao espasmo da glote. Neste caso, a prin-cipal causa da morte é a falta de oxigenação, tendo como consequência a parada respiratória seguida de parada cardíaca. Em alguns casos, é pos-sível recuperar a respiração espontânea, caso o salvamento seja imediato, ou mesmo por meio de aplicação dos primeiros socorros. Inicialmente, a vítima pode apresentar sinais de insuficiência respiratória, que podem aos poucos começar a ceder, e mais tarde pode voltar a normalidade da função respiratória. Caso o salvamento demore a acontecer, o prognóstico irá de-pender de quanto tempo o socorro levou até a efetiva ação do socorrista e as conseqüências irão depender do tempo da parada cardiorrespiratória, com risco de morte.

O afogamento úmido também chamado afogamento molhado ou líquido acontece quando existe a entrada de líquido nos pulmões. Até que real-mente ocorra o afogamento, a vítima passa por algumas fases. Inicialmente, entra em pânico, luta para manter-se na superfície, aspira e engole líquido, começa a sentir os efeitos da diminuição da quantidade de oxigênio no san-gue (hipóxia), aumenta o acúmulo de ácido lático e há liberação de adre-nalina na corrente sanguínea, provocando arritmias cardíacas (batimentos cardíacos anormais) e parada cardíaca.

Dependendo do tipo de água aspirado, o afogamento pode ser mais ou menos grave. Águas contaminadas podem levar a vítima a um quadro de infecção generalizada, conduzindo-a à morte. Caso o afogamento ocorra

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em água salgada (água do mar), a gravidade do quadro da vítima tende a ser menor quando comparado com o mesmo caso em água doce (piscinas, lagos, rios). A água salgada apresenta uma concentração de cloreto de sódio (NaCl) a 3%, sendo portando uma concentração maior do que a apresen-tada no plasma sanguíneo (NaCl a 0,9%). Essa diferença de concentração resulta inicialmente na passagem do líquido plasmático para os alvéolos através da membrana alveolar, acarretando o aumento do “encharcamento” que se reverterá quando o sangue equilibrar sua concentração com a do líquido intra-alveolar cheio de sal (NaCl), promovendo uma absorção gra-dativa dessa mistura para os vasos sanguíneos, e sua posterior eliminação. Isso pode demorar algumas horas, ou até alguns dias após o ocorrido. Sen-do assim, a remoção do líquido alojada nos pulmões é facilitada no caso do afogamento em água salgada (FOX; MATHEWS, 1986).

Em casos de afogamento em água doce, pelo fato de esta água não pos-suir concentração de sal, ocorre o inverso do que se dá com a água salgada, sendo as consequências também muito graves. A água doce tem concentra-ção menor que o plasma sanguíneo, o que acarreta sua passagem rápida pela membrana alveolar, diretamente para a circulação sanguínea, aumentando o volume circulante nos vasos sanguíneos (hipervolemia), podendo causar ingurgitamento2 venoso, aumento do débito cardíaco, edema pulmonar, con-vulsões e/ou edema periférico (FOX; MATHEWS, 1986).

Quanto à causa do afogamento, podemos classificá-los em primário e secundário.

No afogamento primário, não existem indícios de uma causa determi-nante, como por exemplo a falta de habilidade aquática.

Já no afogamento secundário existe alguma causa que tenha impedido a vítima de se manter na superfície. Dentre as causas comuns deste tipo de afogamento estão o uso de drogas, crises epitéticas (crise convulsiva), traumatismos, doenças cardíacas e/ou pulmonares, acidentes de mergulho e exaustão física.

2. Aumentar de volume; inchar-se, intumescer-se (LEITE, 2007).

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As situações emergenciais em afogamento ainda podem ser classifi-cadas de acordo com sua gravidade. Esta classificação tem caráter não evolutivo e seu objetivo é facilitar a avaliação e a conduta terapêutica, levando em consideração as alterações na ausculta pulmonar, presença de hipotensão arterial, parada na respiração (apneia) e parada cardíaca e respiratória. A classificação deve ser estabelecida no local do afogamento ou no primeiro atendimento, relatando se houve melhora ou agravamen-to do quadro clínico.

Sendo assim, o afogamento grau I é representado por vítimas que aspiram quantidade mínima de água, suficiente para produzir tosse. A ausculta pulmonar é normal, apresentando chiados no peito ou roncos. Seu aspecto geral é bom e geralmente encontram-se lúcidas, porém podem apresentar sonolência ou agitação. Suas frequências respiratória e cardíaca são aumenta-das pelo esforço e pelo estresse do afogamento, mas não há sinais importantes de comprometimento cardíaco ou respiratório (ausência de secreção oral ou nasal) e normalmente sentem frio. A cianose (local arroxeado) pode ocorrer pela ação do frio e não por hipóxia. Geralmente, não necessitam de atendi-mento médico, sendo necessários apenas repouso e aquecimento em local tranquilo para plena recuperação.

O afogamento grau II está presente em casos nos quais as vítimas aspiraram pequena quantidade de água, porém suficiente para alterar a troca de O2 CO2 nos pulmões. Geralmente, mostram-se lúcidas, porém agitadas ou desorientadas. Em alguns casos, apresentam sinais de cianose de lábios e dedos, indicando o comprometimento respiratório, alterações cardiovasculares leves e também aumento das frequências cardíaca e respi-ratória. Na ausculta pulmonar, apresentam estertores3 de intensidade leve a moderada em alguns campos do pulmão. Necessitam de atendimento médico especializado, oxigenioterapia, aquecimento corporal e apoio psi-cológico.

Em casos de afogamento grau III, as vítimas aspiraram grande quanti-dade de água e mostram evidentes sinais de insuficiência respiratória agu-da, com dispneia intensa (dificuldade respiratória), cianose de mucosas e

3 Sons crepitantes descontínuos, suaves, de alta tonalidade, durante a inspiração (LEITE, 2007).

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extremidades, edema agudo de pulmão e secreção oral e nasal em forma de espuma. Frequentemente, apresentam vômitos, o que pode ser um fator de agravamento se não forem tomadas medidas para evitar sua aspiração (virar o paciente, ou somente a sua cabeça, de lado). Por sua gravidade, necessitam de cuidados médicos imediatos.

No afogamento de grau IV, a vítima entra em um nível de consciência que demonstra coma (não desperta nem com estímulos fortes), anomalia cardiovascular taquicardia e hipotensão arterial ou choque (pressão arte-rial sistólica abaixo de 90 mm/hg).

No afogamento de grau V, a vítima se encontra em apneia (parada res-piratória), porém ainda com pulso arterial, indicando atividade cardíaca. Apresenta-se em coma leve a profundo (inconsciente), com cianose inten-sa, grande quantidade de secreção oral e/ou nasal, e distensão abdominal. Se for atendido rapidamente, pode ser reanimada com o restabelecimento da função respiratória por meio dos métodos de respiração artificial, que, quando iniciados de imediato e aplicados adequadamente, podem reverter o quadro inicial rapidamente.

O afogamento de grau VI é a parada cardiorrespiratória, representada pela apneia (parada respiratória) e a ausência de batimentos cardíacos (pul-sos arteriais ausentes), com as vítimas se encontrando inconscientes. Al-guns fatos, juntos ou isolados, podem explicar o êxito na reanimação com aplicação de RCP em vítimas em apneia e com tempo de submersão acima de cinco minutos: redução das necessidades metabólicas por causa da hipo-termia e continuação da troca gasosa de O2 e CO2, apesar da presença de líquido no alvéolo até ocorrer a interrupção da atividade cardíaca. A Figura 1 representa os cinco graus de afogamento.

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Figura 1. Tipos de acidentes na água e fases do afogamento (adaptado de SPILMAN; ORLOWSKI, 2007).

Terminado este primeiro momento didático de explanação teórica sobre o que é e como fisiopatologicamente acontece o afogamento, passamos para outro momento, em que direcionamos a nossa fala para os procedimentos no atendimento da vitima de afogamento. O saber procedimental envolve o como fazer, que é uma mescla de prática e conceitos, e deve ser desenvol-vido com vivências e experiências práticas. Os procedimentos técnicos de salvamento aquático também envolvem a dimensão atitudinal. Saber fazer requer condições atitudinais para escolher o melhor procedimento e tomar as atitudes mais adequadas em cada situação. Para isso, alguns procedimen-tos são demonstrados e, logo depois, em uma prática reflexiva, discorremos sobre a melhor maneira de aplicá-los, levando em consideração as possíveis alternativas para cada situação.

Em situação se salvamento aquático, é importante remover a vítima da água com rapidez e para isso existem técnicas e equipamentos apropriados. A remoção requer cuidados criteriosos. Caso o acidente tenha ocorrido em local raso, ou com presença de pedras, é preciso estar atento a uma possível

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fratura na região cervical. Para que os danos não sejam maximizados, deve--se aplicar o colar cervical, a prancha longa e o apoio lateral de cabeça antes de remover a vítima da água.

Assim que a vítima é removida e imobilizada, realiza-se a análise pri-mária, na qual se verifica a consciência e se percebe se ela responde e ouve. Na sequência, verifica-se sua respiração por meio da movimentação do tó-rax ou de possíveis ruídos que saem da sua boca, ou ainda pela sensação da saída de ar das narinas ou cavidade bucal. É importante também verificar se existe algum objeto obstruindo a passagem do ar. Ainda em análise pri-mária, verifica-se sua pulsação na artéria carotídea e ainda se busca a pos-sível existência de grandes hemorragias. Caso tais problemas tenham sido descartados, encaminha-se a vítima ao pronto-socorro para realização de exames preventivos. Se houver algum tipo de alteração na análise primária, (consciência, respiração, pulsação e grandes hemorragias), somente o res-gate pode removê-la4.

Independentemente do fato de a vítima ter sido removida ou não, se houver necessidade de aplicação dos procedimentos de RCP eles devem ser iniciados imediatamente. Caso haja batimentos cardíacos e parada respira-tória, devem se iniciar as ventilações. Em caso de adultos, essas ventilações devem ser ininterruptas por um minuto, com intervalos de cinco segundos entre elas; já em crianças os intervalos entre as ventilações devem ser de três segundos. Em bebês, esse tempo ainda é de um minuto, porém o intervalo entre as ventilações passa a ser de dois segundos.

Se o pulmão e o coração estiverem em colapso, é recomendado iniciar a RCP, procedimento que corresponde a 30 compressões por duas ventila-ções, sendo que em adulto são quatro ciclos, e em bebês e crianças são cinco ciclos (AMERICAN HEART ASSOCIATION, 2008).

Após a demonstração do procedimento de RCP, os alunos tiveram a oportunidade de executar as técnicas aprendidas em um boneco próprio para treinamentos (Ressuci Anne), procedendo como se estivessem em si-tuação real. Realizavam a análise primária abrindo as vias aéreas, buscando

4 Se não houver este serviço nas proximidades do acidente, a vítima deve ser removida com muita cautela até um serviço especializado mais próximo.

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a respiração (verificação da ventilação), verificando batimentos cardíacos e, se necessário, realizando RCP.

Assim que terminamos este segundo módulo, percebemos uma grande inquietação por parte dos alunos. Ainda existiam algumas dúvidas e a parte de salvamento aquático propriamente dito ainda não tinha sido explicada ou mesmo vivenciada.

Iniciamos então o terceiro módulo do projeto, que incluía abordagem, transporte e remoção da vítima de afogamento. Este terceiro módulo acon-teceu durante uma aula prática, no mesmo local em que foram demonstra-dos os procedimentos.

Na simulação, um aluno interpretava um afogamento enquanto o professor demonstrava as diferentes formas de abordagem. A primeira orientação diante de um afogamento em piscina é o socorrista pedir cal-ma à vítima enquanto joga algum material flutuante para que se agarre. Enquanto isso, prepara-se para entrar na água, caso necessário. Essa pre-paração envolve principalmente a retirada dos calçados e se aproximar do local em que a vítima se encontra. Caso a vítima não consiga agarrar o objeto lançado, ou por qualquer motivo ainda esteja em perigo, é impor-tante avaliar bem a situação (riscos que o local ofereça) antes de adentrar a piscina.

Quando isso acontecer, o socorrista deve levar consigo um material flutuante e, assim que chegar próximo da vítima, lançar o material para que ela se agarre. A aproximação com um flutuador5 deve acontecer com o socorrista nadando com a cabeça fora da água, para melhor visualização e análise da situação. Ao aproximar-se da vítima, o material é lançado para que ela se agarre, podendo assim ser rebocada com segurança. O reboque com flutuador acontece depois de o socorrista prender o material ao corpo da vítima (Figura 2): segurando pelo flutuador, ele irá rebocá-la até a borda para depois retirá-la da piscina.

5 Equipamento técnico do Corpo de Bombeiros, material flutuante preso a uma corda utilizado para salvamento aquático.

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Figura 2. Reboque da vítima utilizando flutuadores.

Entretanto, se a vítima estiver em estado de desespero, debatendo-se na superfície, é muito provável que o socorrista não consiga acalmá-la e tenha que iniciar uma abordagem utilizando técnicas especiais de salvamento.

Se a piscina não for muito profunda, uma estratégia é nos aproximar-mos da vítima, mergulharmos e, por baixo d’água, dar apoio aos pés da víti-ma, conduzindo-a até a borda. Isto geralmente funciona. Estando próximo da borda, a vítima busca apoio e consegue se acalmar. Porém, se o quadro estiver um pouco mais grave, com a vítima em grande desespero ou mesmo inconsciente, outras abordagens serão necessárias.

A técnica recomendada pelo Corpo de Bombeiros (CMTB, 2006) é aproximar-se da vítima nadando com a cabeça fora da água para avaliar a situação. Se possível, aproximar-se por trás. Porém, caso a vítima veja o socorrista, em um ato desesperado ela irá tentar agarrá-lo. Então o socor-rista deve mergulhar e passar por baixo da vítima, a fim de surpreendê-la por trás.

Toda abordagem é perigosa. A vítima de afogamento precisa de apoio para se sentir um pouco mais segura e, se consegue segurar o socorrista, ela vai tentar subir sobre ele para tentar se salvar, podendo levar os dois à mor-

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te. A abordagem por trás é muito eficiente, porém o socorrista deve estar seguro para assim proceder. A técnica consiste em se aproximar da vítima por trás para segurá-la com um dos braços, passando-o por sobre o ombro da vítima e apoiando a mão na axila do braço oposto: dessa forma, ela fica imobilizada, não conseguindo agarrar o socorrista.

Outra estratégia é a manobra de aproximação (Figura 3) na qual o so-corrista mergulha em frente à vítima e, por baixo da água, coloca as mãos por cima dos seus joelhos (uma pela frente e a outra por trás das coxas), vira-a de costas para si e a segura para iniciar o reboque.

Figura 3. Manobra de aproximação (adaptado de CMTB, 2006, p. 34).

Duas formas de reboque (sem uso de flutuador) são utilizadas para condu-zir a vítima até um local seguro, ou até a borda da piscina.

O reboque peito cruzado envolve o nado lateral do socorrista, que segu-ra a vítima com um dos braços, passando-o pelo ombro, cruzando o peito e segurando sob a axila oposta (Figura 4).

Outro tipo é o reboque pelo queixo, em que o socorrista também utiliza o nado lateral, porém segura a vítima pelo queixo (Figura 5).

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Figura 4. Reboque peito cruzado.

Figura 5. Reboque pelo queixo (adaptado de CMTB, 2006, p. 34).

Muitas vezes, ao se efetuar uma aproximação para com uma vítima de-sesperada, pode acontecer de o socorrista ser agarrado e algumas técnicas de desvencilhamento devem ser postas em prática. Denominadas judô aquático, essas técnicas envolvem força e conhecimento de alguns golpes que poderão salvar a vida do socorrista.

Caso a vítima o agarre pelos cabelos, o socorrista deve bater com força em sua mão, fazendo com que ela afrouxe a pegada, e, simultaneamente, girá-la para fora, torcendo seu braço, fazendo a vítima ficar de costas. Dessa forma, o socorrista se afasta e tenta nova aproximação.

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Se o agarramento for pela frente, abraçando por sobre os braços do socorrista, este deve afundar enquanto força os braços, tentando abri-los, e empurrar a vítima com uma das pernas, afastando-se e tentando nova abor-dagem. Se o agarramento ocorrer por sob os braços, o socorrista usar uma das mãos em forma de cutelo, empurrando o nariz da vítima para cima, empurrando-a simultaneamente com uma das pernas. Após o desvencilha-mento, efetuar nova abordagem.

Se o agarramento for por trás, por sobre os braços, o socorrista deve forçá-los tentando abri-los enquanto afunda. Ao afundar, a vítima tende a afrouxar a pegada, e este é o momento do desvencilhamento. Se o agarra-mento ocorrer por baixo dos braços, o socorrista deve buscar uma das mãos da vítima, pegar seu dedo mínimo e forçá-lo para fora, afrouxando a pegada e desvencilhando-se.

Depois de rebocada até a borda, a vítima deve ser retirada da água. Para isso, usa-se a manobra de retirada da vítima: estando de frente para a borda, a vítima apoia as suas duas mãos sobre ela, paralelamente e por fora da água, enquanto o socorrista faz a pegada cruzando os próprios braços. Devem-se fazer três tentativas e suspender a vítima. No momento em que ela é suspensa, estando os braços do socorrista cruzados e os da vítima não, o corpo da vítima gira, ficando de costas para a borda, e assim ocorre a retirada, como mostram as Figuras 6a, 6b e 7.

Figura 6a. Apoio da vítima na borda da piscina.

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Figura 6b. Preparação para a retirada.

Figura 7. Manobra de retirada da vítima (CMTB, 2006, p. 32).

Depois da demonstração, os alunos tiveram a oportunidade de experi-mentar os procedimentos de abordagem, reboque, retirada e desvencilha-mento, simulando salvamentos em duplas.

A palestra ofereceu algumas oportunidades de vivência dos principais pro-cedimentos em salvamento aquático, porém ficaram evidentes a insegurança e a falta de iniciativa para proceder em um atendimento real, em que a vida de pessoas estivesse realmente em risco.

Ficamos imaginando como poderíamos complementar essa atividade para que nosso objetivo fosse atingido. Queríamos oferecer algo impactante. Decidimos então simular uma situação bem próxima da realidade. Elabora-

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mos um novo projeto envolvendo os alunos “socorristas” (da disciplina se socorros) e os alunos “vítimas”6 (da disciplina de esportes aquáticos) em uma dinâmica real.

Durante uma aula, cuja dinâmica envolvia propulsão aquática, alunos socorristas e vítimas procediam de acordo com as tarefas propostas. Diante das dificuldades das vítimas, os socorristas utilizavam técnicas de salva-mento adequadas às situações vivenciadas. Auxiliando com materiais flu-tuantes ou mesmo dando apoio subaquático para que a vítima conseguisse se apoiar nas bordas da piscina, os socorristas estavam sempre atentos e colocando em prática os conteúdos aprendidos. As três dimensões do co-nhecimento estavam sendo abrangidas: as conceituais, as procedimentais e as atitudinais (FERRAZ, 1996).

No final da aula, uma das vítimas, previamente preparada, simulou um afogamento. Nesse momento, pudemos observar a reação dos socorristas. A organização do grupo para a execução da tarefa e a iniciativa foram os pontos fortes da equipe, porém foram cometidas algumas falhas procedi-mentais e atitudinais, o que é muito comum nesse tipo de salvamento.

A primeira ação do socorrista foi saltar na piscina para salvar a vítima em apuros, sem ao menos levar consigo um material flutuante. Existe um perigo real de se afogar quando se tenta salvar uma vítima em apuros e portanto a primeira ação em uma situação de afogamento é buscar algo como uma boia, uma prancha ou qualquer material flutuante que possa servir de apoio. Caso não se encontre, aí sim será o momento de entrar na água para abordar a vítima, desde que esta ação seja segura. Em qualquer situação de salvamento, a segurança do socorrista deve preceder qualquer ação (HAFEN, 2002).

Outra falha observada no salvamento foi a aproximação pela frente, dan-do oportunidade de a vítima se agarrar ao socorrista, como ocorreu. Por ser uma simulação, a vítima largou o socorrista sem que este precisasse usar al-guma manobra de desvencilhamento. O socorrista, ainda sem perceber que era uma simulação, rebocou a vítima utilizando a técnica do reboque peito cruzado, porém sem se preocupar com a cabeça desta, que estava quase toda 6 Esta denominação didática foi utilizada unicamente para dar clareza aos fatos.

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submersa. No momento da retirada da água, outros colegas ajudaram, mas a manobra do cruzamento do braço não foi utilizada.

Após a atividade, revelamos a simulação e sentamos para refletir so-bre as ações do grupo. Esta fase reflexiva foi importante para a fixação do conteúdo aprendido. Não se chegou a utilizar a manobra de RCP, mas caso ela fosse utilizada certamente poderia haver erros, também comuns, como falha na análise inicial da vítima. Caso ela não tenha parada respiratória e havendo a ventilação desnecessária, podemos agravar o quadro de afoga-mento, desenvolvendo um quadro de hiperventilação.

Os alunos participantes do projeto aprovaram sua realização. A ati-vidade trouxe aos alunos a oportunidade de colocar em prática conceitos aprendidos. É importante também ressaltar que, assim como em qualquer atividade, a atitude pode ser o diferencial no salvamento.

1. Considerações finais

A atividade nos trouxe algumas reflexões. O distanciamento entre teo-ria e prática é evidente no ensino universitário. Como minimizar essa la-cuna? Assim como propusemos em nosso objetivo inicial, nossos alunos precisam começar a ver situações de ensino contextualizadas. Aprender a pensar utilizando conceitos aprendidos em disciplinas distintas. Integrar conhecimentos para tomar decisões.

O salvamento aquático, importante na formação do profissional da área de atividades aquáticas, deveria ser visto com mais atenção. Projetos como este podem auxiliar nossos alunos a se tornarem profissionais mais expe-rientes, dando-lhes oportunidade de ampliar seu campo de atuação.

A capacidade de solucionar problemas em situações emergentes, que aparecem de maneira inesperada, pode dar ao profissional uma habilidade a mais, o que é importante dentro do mercado de trabalho. A capacidade de analisar uma situação de risco, pensar a melhor forma de proceder e agir, é fruto de conhecimento teórico e treinamento prático. Portanto, acrescen-

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tar o conteúdo de salvamento aquático nas disciplinas que abordam temas envolvendo atividades aquáticas é algo além de uma complementação: é determinante.

Nossos futuros profissionais devem estar preparados para agir imedia-tamente em situações de afogamento e principalmente orientar seus futu-ros alunos sobre os riscos da prática de atividades aquáticas. Pensamos que ações como essa podem ajudar a reverter a taxa tão elevada de morte por afogamento no Brasil.

Devemos também promover, desde cedo, a iniciativa de auxílio ao pró-ximo incentivando que se inclua nas aulas de natação, mesmo que de forma lúdica, o conhecimento de procedimentos básicos de primeiros socorros.

Este projeto representou o início de um novo momento em nossas dis-ciplinas. Conseguimos atingir nossos objetivos, aproximando nossos alu-nos da prática profissional. Com atividades como esta, acreditamos colabo-rar na formação de alunos mais proativos, que utilizem seus conhecimentos em prol da segurança de qualquer individuo no meio líquido.

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LEITE, E.M.D. (org.) Dicionário digital de termos médicos 2007. Disponível em: <http://www.pdamed.com.br/diciomed/pdamed_0001_ia.php>.

Acesso em: 19 fev. 2010.

PADI. Rescue diver manual. Rancho Santa Margarita: Padi, 1995-2006.

SZPILMAN, D. Afogamento na infância: Epidemiologia, tratamento e preven-ção. Revista Paulista de Pediatria, v. 23, n. 3, set. 2005, p. 142-53.

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A BIOMECÂNICA APLICADA À EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR:

Ensinos Fundamental e Médio

Sonia Cavalcanti CorrêaElisabete dos Santos FreireAna Paula Xavier Ladeira

Valéria PicedaLuiz Henrique Rodrigues

A partir da década de 1960, temos visto um grande esforço por par-te dos pesquisadores da educação física mundial para ampliar o

número de investigações científicas realizadas, buscando torná-la uma área do conhecimento reconhecida na universidade. Para isso, ela se aproximou de diversas disciplinas acadêmicas, como a física, a psicologia, a filosofia, a fisiologia, entre outras. Essa aproximação deu origem a áreas como a psico-logia do esporte, a sociologia do esporte, a fisiologia do exercício, a apren-dizagem motora e a biomecânica, trazendo grandes contribuições para a valorização da área. Entretanto, como destacam Teixeira (1993) e Massa (2002), nessa aproximação tem sido priorizada a pesquisa básica, distan-ciando a produção do conhecimento das diferentes áreas de intervenção em educação física.

O distanciamento entre pesquisas produzidas e realidade da interven-ção pode ser percebido na biomecânica, que, embora seja uma área de pes-quisa recente no Brasil, tem apresentado aumento considerável no número de estudos, como afirmam Amadio e Serrão. Mas os autores destacam que “a alta taxa de crescimento da biomecânica, no ensino e na investigação científica, ainda não é acompanhada, em igual intensidade, no campo da prática profissional” (AMADIO; SERRÃO, 2004, p. 48).

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A dificuldade de aplicação dos conhecimentos originários da biomecâ-nica à prática profissional pode ser especialmente percebida na educação física escolar. Ainda na universidade, é possível identificar que os gradu-andos de cursos de licenciatura, quando se deparam com a disciplina de biomecânica, demonstram, ao mesmo tempo, sentimentos de medo e in-certeza. Isso vem da própria definição de biomecânica como a aplicação da mecânica no movimento humano (HAY, 1981). Os alunos acabam sentindo esse medo até pelo fato de não terem boas experiências com a física no colé-gio e também porque, na maioria das vezes, não conseguem contextualizar esses conhecimentos. Para aquele que irá atuar diretamente com esporte, o conhecimento da técnica se mistura ao conhecimento da biomecânica, mas para a educação física escolar essa relação precisa ser mais bem estabelecida para que os conhecimentos aprendidos no curso de formação inicial não deixem de ser aplicados às ações diárias do profissional.

Hamill (2007) argumenta que os sentimentos apresentados pelos alu-nos de graduação em relação à biomecânica têm sua origem na inadequa-ção dos métodos de ensino geralmente utilizados pelos docentes em suas aulas. Em várias situações, ensina-se a física aplicada e não a biomecânica. Além disso, muitas vezes o professor prioriza a física do movimento, tema que pode ser de pouco interesse para os alunos, quando o mais apropria-do seria uma ênfase na mecânica do movimento. Isso quer dizer que se parte das equações e se usa o movimento para exemplificá-las, quando o importante seria, a partir de um problema prático no movimento, utilizar as equações e os conceitos para se chegar a conclusões vinculadas a erros ou melhorias a serem implementadas no movimento.

Outro aspecto que pode dificultar a aplicação dos conhecimentos da biomecânica é a característica da pesquisa realizada, que, historicamente, tem priorizado investigações em laboratórios, com alto controle das vari-áveis, simplificação das tarefas e até certa negligência com relação ao con-texto de trabalho profissional, além de ser utilizada uma linguagem muitas vezes extremamente técnica (DARIDO, 2003).

A respeito dessa inquietação, Sanders e Sanders (2001), assim como Amadio e Serrão (2004), comentam que ainda nos dias de hoje existe uma

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grande lacuna entre os conhecimentos produzidos dentro dos laborató-rios de biomecânica e aqueles aplicados pelos técnicos e professores em geral. Tal fato não ocorre apenas no Brasil e pode ser entendido como uma problemática de tendência internacional, ressaltando o risco de frag-mentação da área de educação física e, consequentemente, de fragilidade na atuação prática.

A partir do exposto, sem desconsiderar a importância da pesquisa bá-sica, acreditamos que a biomecânica deve priorizar a produção de conhe-cimentos aplicados, que aproximem a ciência do ambiente de intervenção profissional.

Segundo Gill (2007), a cinesiologia, como sinônimo do estudo do movimento, deveria ser uma disciplina acadêmica de integração em que a atividade física seria o foco intelectual de estudo e sem divisão entre pes-quisadores e pessoas que atuam na prática. Ele sugere que a integração da disciplina acadêmica e da prática profissional não é necessária somente para o treinamento de futuros profissionais, mas que tal integração é essen-cial para o serviço e o apoio ao público de interesse, pois os problemas são multifacetados. Para Petraglia (1993), a interdisciplinaridade surge como uma ausência de preconceitos entre as disciplinas, e isso quer dizer que as diversas áreas do saber podem e devem ser integradas, dessa forma con-tribuindo para o desenvolvimento e o aprimoramento dos indivíduos em relação a sua forma de ver e viver no mundo. Essa relação interdisciplinar supera a visão restrita de mundo e proporciona a compreensão da com-plexidade da realidade. Com isso, um trabalho que visa a estabelecer uma relação que beneficie o aprendizado dos alunos, proporcionando-lhes uma visão mais integrada do conhecimento, seria de fundamental importância (LUCK, 2003).

Especificamente com relação à biomecânica, Knudson (2003) defen-de que deveria haver um equilíbrio entre as bases mecânicas e biológicas aprendidas no contexto da aplicação de solução de problemas do mundo humano real, onde as fórmulas biomecânicas deveriam ser apresentadas, mas os cálculos deveriam ter o sentido somente de mostrar o significado da fórmula e a relação entre as quantidades. Para ele, a cooperação interdisci-

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plinar é necessária no desenvolvimento de alguns princípios da biomecâni-ca que podem ser usados e integrados com outras disciplinas.

Segundo Gregor (2008), o maior desafio é o desenvolvimento de hipó-teses de integração da biomecânica com outras disciplinas como a psico-logia e o controle motor, de modo a levar os estudantes a uma perspectiva mais rica do movimento como um todo. A abordagem não seria somente pelo uso de mesma instrumentação, mas sim na aplicação de técnicas para estudar uma dada população. Propõe que o biomecânico do esporte pode-ria estudar o movimento de pessoas com menor habilidade, para descrever como os princípios da mecânica e da biologia se aplicam a todos os níveis de execução; estudar a eficiência da corrida a partir de dados tanto da bio-mecânica como da fisiologia e da coordenação motora, entre outras.

Observa-se, portanto, uma preocupação geral com a integração entre pesquisa na área de biomecânica e disciplinas vinculadas à área biológica e tecnológica, trazendo subsídios para o profissional vinculado ao aprendiza-do de técnicas e padrão motor nos diferentes níveis de execução.

Stanley (2007) relata que existem várias razões para se estudar a biome-cânica, desde a saúde da comunidade até o esporte de elite. Com relação à saúde da comunidade, aponta que existe um número cada vez maior de ini-ciativas para levar as pessoas a se tornarem ativas e se moverem. Portanto, é importante que se movam corretamente. Considerando a técnica correta, isso pode levar a um aumento do prazer e da participação, reduzindo o nú-mero de lesões que podem ocorrer com a população inativa.

Dentro desse contexto, é importante ressaltar que toda a população passa obrigatoriamente pela fase escolar e pelas informações dadas pelo profissional de educação física. Não se pode esperar que o indivíduo faça uma opção por uma modalidade esportiva para que então ele passe a ter noções mais especializadas do que é um movimento correto - o que talvez nem aconteça, caso a intenção seja somente a obtenção de resultados por parte do técnico. O professor de educação física é o responsável maior pela construção do conhecimento sobre corpo e movimento, ideia essa ressalta-da pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997). Dessa forma,

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ele deve contribuir para que o indivíduo compreenda a mecânica a ser em-pregada nos seus movimentos da vida diária, que engloba os movimentos a serem realizados na atividade esportiva.

Partindo dessa perspectiva, nosso objetivo específico neste capítulo é apresentar ao professor algumas possibilidades de aplicação da biomecâni-ca às suas aulas. Assim, em um primeiro momento se apresentarão formas de trabalhar o equilíbrio nas aulas, relacionando com os conceitos da me-cânica. Em um segundo momento, serão descritos e analisados conceitos comuns à física do ensino médio e à disciplina biomecânica do curso de educação física, aproximando a física e a educação física.

1. Biomecânica e educação física escolar

Aproximar a biomecânica da educação física escolar é uma proposta que tem aparecido com maior frequência nos últimos anos. Tornar essa aproximação real dependerá do envolvimento de biomecânicos, de pes-quisadores da educação física escolar e de professores que estão na escola. Batista (2001) é um dos autores que acredita na contribuição da biomecâ-nica para a efetivação dos processos educativos que permitam a utilização do potencial motor de maneira mais consciente e crítica. Contudo, o autor ressalta que, até o presente momento, os estudos produzidos pela biomecâ-nica pouco contribuem para o trabalho do professor na escola, já que não focalizaram o processo de aprendizagem. Ele investigou a produção que relaciona criança e ensino, realizada na área da biomecânica, no período de 1893 a 1980. Verificou que dos 1.731 estudos encontrados, apenas dois investigaram a criança em ambiente real de aprendizagem. Assim, acredita que, para acontecer essa integração, é preciso que o “fluxo seja invertido no sentido de que as problemáticas imanentes ao processo de ensino desenca-deiem as investigações” (BATISTA, 2001, p.07).

Procurando ampliar a produção de conhecimentos sobre esse tema, te-mos nos envolvido em estudos que aproximem pesquisadores da biomecâ-nica e da educação física escolar. Uma primeira iniciativa resultou no texto de Corrêa e Freire (2004). Depois deste, outros trabalhos foram realizados, tendo como proposta apresentar subsídios da biomecânica para o professor

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utilizar em sua prática diária, no ensino da ginástica olímpica (SIMÕES, 2006); como material de apoio para o desenvolvimento do equilíbrio (PI-CEDA, 2006); como auxiliar do professor de atletismo nas modalidades vinculadas a projétil (THOMÉ, 2007); e com propostas de dez aulas para a educação física escolar a partir dos conceitos da biomecânica (LADEIRA, 2008).

Entendemos que a forma de aplicação da biomecânica ao ambiente escolar está diretamente relacionada com a concepção de educação física do professor. Em nossa concepção, os conhecimentos originados sobre o estudo da mecânica do movimento humano não são relevantes apenas para o professor, que, a partir deles pode construir atividades de ensino mais eficientes para a aprendizagem de seu aluno. Acreditamos que a educação física escolar deva ter como objetivo principal colaborar para a constru-ção de indivíduos autônomos, capazes de tomar decisões conscientes sobre a utilização de seu potencial motor. Dessa forma, como apresentado por Corrêa e Freire (2004), os conhecimentos da biomecânica devem se trans-formar em conteúdos das aulas de educação física, permitindo ao aluno compreender a mecânica do movimento realizado por ele e pelos outros nos seus diferentes ambientes sociais.

Outros autores também acreditam na possibilidade e na necessida-de de inserir conhecimentos da biomecânica na educação física escolar. Nos Parâmetros Curriculares Nacionais, a biomecânica aparece como um dos temas do bloco “Conhecimentos sobre o corpo”. Está também entre os conteúdos a serem ensinados no segundo ciclo, quando se propõe que os alunos analisem “alguns movimentos e posturas do cotidiano a partir de elementos socioculturais e biomecânicos” ((BRASIL, 1997, p. 75). Pelas próprias características do documento, não se destinou grande espaço para o detalhamento das formas como esses conhecimentos poderiam ser ensi-nados durante as aulas.

Freitas e Costa destacam a necessidade de aprofundar a análise sobre “o papel da biomecânica na sistematização da aprendizagem de conteúdos específicos da educação física escolar” (FREITAS; COSTA, 2004, p. 80). Essa sistematização é discutida, ainda, por Ulasowicz et al. (2007) e San-

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ches Neto et al. (2006). Nesses dois estudos, é proposta uma organização para o conteúdo da educação física em quatro blocos. Conhecimentos da biomecânica, assim como de outras áreas como a fisiologia e a psicologia, são propostos no bloco que trata dos aspectos pessoais e interpessoais do movimento do corpo humano.

Outra pesquisa sobre o tema foi realizada por Toigo (2006), com o objetivo de ensinar alguns conteúdos de biomecânica aos alunos de 1ª à 4ª série do ensino fundamental. A primeira experiência teve por objetivo discutir as forças que atuam sobre o corpo humano por meio do estudo da osteologia. A segunda consistiu em estudar o tecido muscular, o único tecido do corpo humano capaz de exercer força. O autor sugere que alunos conhecedores da física atuante no corpo humano podem ser capazes de aplicar esses conhecimentos de maneira segura, eficiente e eficaz nas suas atividades diárias, potencializando seu interesse pela prática da atividade fí-sica como hábito de vida saudável, bem como aumentando sua curiosidade em aprender conteúdos científicos.

Godo et al. (2009), também focalizando o ensino fundamental, tiveram como objetivo estruturar 20 conjuntos de perguntas relacionadas às pro-postas dos PCN e à biomecânica. A partir de cada conjunto, elaboraram uma atividade prática para as crianças. Sugerem que a apresentação desses conteúdos pode motivar a criança a buscar mais conhecimento sobre as disciplinas formais da escola, favorecendo seu processo de ensino e apren-dizagem.

Sabemos que no ensino fundamental uma habilidade motora impor-tante a ser trabalhada é o equilíbrio, necessário nas diferentes manifesta-ções culturais que envolvem a realização do movimento humano, como jogos, ginásticas e modalidades esportivas. Além disso, o equilíbrio é fun-damental em diversos momentos da vida cotidiana, estando presente nos momentos de trabalho e lazer. Atualmente, ele tem chamado mais a atenção das pessoas com a comercialização das pulseiras do equilíbrio. O profes-sor de educação física pode aproveitar o momento para discutir com seus alunos a eficiência desse equipamento e, a partir daí, trabalhar com o tema equilíbrio em suas aulas, aplicando e estimulando os alunos a construir co-nhecimentos sobre o tema.

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2. Equilíbrio nas aulas de educação física: algumas possibi-lidades

Apesar da grande quantidade de atividades, sua declarada importância e a larga aplicação na realidade educacional, principalmente com relação aos alunos da educação infantil, muitos profissionais desconhecem a mecâ-nica existente nessas atividades, a qual proporciona a explicação de como acontece seu desenvolvimento e aprimoramento (CARR, 1998). Assim, a biomecânica colabora no intuito de facilitar o aprendizado do aluno, desde que o professor compreenda e seja capaz de fazer associações que irão pro-porcionar um aprendizado significativo.

Primeiramente, portanto, é importante conceituar equilíbrio. Se-gundo Hall (2005), é um estado que supõe a igualdade entre forças ou torques opostos, não existindo alteração da situação de repouso ou de movimento. É classificado como estático e dinâmico: estático quando não existe movimento e dinâmico quando ocorre o movimento com ve-locidades constantes (HAY; REID, 1985).

No entanto, as situações propostas em aula visam a lidar com as variá-veis que interferem na estabilidade do corpo aumentando ou diminuindo a resistência à ruptura do equilíbrio, que assim é definido como a capacidade do indivíduo controlar a sua estabilidade, por sua vez definida mecanica-mente como a resistência tanto à aceleração linear como angular do corpo (HALL, 2005). Em termos mais simples, quanto maior a resistência ao mo-vimento, mais estável é o corpo. Em geral, os exercícios de equilíbrio propos-tos em aula têm como objetivo tirar o corpo da estabilidade na procura do equilíbrio, ou aumentar a estabilidade para impedir a perda do equilíbrio. Com base nisso, os parâmetros a serem introduzidos na aula para estimular a habilidade do equilíbrio devem ser os que alteram a estabilidade com relação à velocidade linear (altura do centro de gravidade, tamanho da base de sus-tentação, massa e coeficiente de atrito), assim como os que altera a velocidade angular: torque (efeito de rotação em torno de um eixo) e inércia.

Piceda (2006) verificou falta variabilidade por parte do professor no trabalho com o equilíbrio, já que as atividades predominantemente citadas pelos professores no trabalho com essa habilidade envolve o uso de ele-

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mentos da ginástica artística e o deslocamento sobre linhas. Dessa forma, na tentativa de contribuir para a ampliação do conhecimento da mecânica sobre as atividades já desenvolvidas, assim como ampliar o repertório de atividades de uma forma estruturada nos conceitos da mecânica relativos ao equilíbrio, apresentamos abaixo algumas sugestões (adaptado de PICE-DA, 2006).

2.1 Atividade sobre linhas e trave de equilíbrio

As atividades mais comumente aplicadas são aquelas em que o aluno é estimulado a caminhar sobre uma linha desenhada no chão, uma trave de equilíbrio, uma corda disposta no solo, pega-pega sobre as linhas da quadra, entre outras. Vale lembrar que, na atividade da caminhada sobre a corda, a base de sustentação é reduzida ainda mais e na atividade sobre a trave de equilíbrio o fator medo também interfere na realização. Nesse caso, o professor deve garantir a segurança da criança, diminuindo a sua ansie-dade. Nessas atividades, as variáveis biomecânicas atuantes são aquelas re-ferentes ao torque e a relacionada à projeção do centro de gravidade, pois a maior dificuldade encontrada é com relação ao estreitamento da base de sustentação. Para aumentar a estabilidade gerada por essa variável, a crian-ça se abaixa e assim, com o centro de gravidade abaixado, ela aumenta a distância a ser percorrida pelo centro de gravidade dentro da base de sus-tentação, o que dificulta seu desequilíbrio. No que concerne ao torque, para se manter estável durante o percurso sobre a linha, por exemplo, a criança se desequilibra e se equilibra a todo instante por meio dos movimentos realizados pelos braços, ou seja, quando está para sair da área delimitada pela linha, o aluno abaixa um dos seus braços para a direção da queda e assim provoca uma reação na região do quadril, o que proporciona a pos-sibilidade de se reequilibrar. Nesse momento, mostra-se interessante criar estratégias para que a criança perceba o que está ocorrendo com seu corpo. Assim, sugere-se que o professor peça que o aluno tente realizar o percurso inicialmente com os braços junto ao corpo, depois com os braços soltos, e em terceiro lugar se dê a dica explícita da utilização dos braços, pois dessa maneira a criança perceberá a interferência positiva que esse jogo de braços lhe proporciona. Pode-se ainda inserir o conceito sobre o centro de gravi-

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dade e pedir ao indivíduo que caminhe com o corpo ereto e depois com o corpo um pouco abaixado, ou seja, experimentar várias posições, com o mesmo intuito da sugestão anterior, isto é, que perceba as dificuldades e facilidades de realizar a atividade de diversas maneiras, a fim de encontrar a melhor posição para manter-se equilibrado.

2.2 Utilização de bolas grandes

Nesta atividade, os alunos são estimulados a se equilibrar de joelhos so-bre uma bola grande. Conta-se então com a ajuda dos colegas, um de cada lado da bola, auxiliando o executante na realização da atividade. As variá-veis mecânicas concernentes a esta prática são aquelas relacionadas ao tor-que, pelo fato de a superfície da bola proporcionar instabilidade e portanto rodar, deslocando o centro de gravidade do praticante para fora da base de sustentação. Em contrapartida, quando o indivíduo se encontra sentado sobre os joelhos flexionados a sua base de sustentação é aumentada, o que minimiza a possibilidade de o centro de gravidade sair totalmente dessa base. Estratégias como solicitar aos alunos que, além do apoio exercido pe-los colegas, executem os movimentos compensatórios dos braços auxiliam bastante na aquisição do equilíbrio, como também sugerir que, ao se en-contrarem em situação de desequilíbrio para trás, levem o tronco à frente, e vice-versa, a fim de, pela reação do quadril, o equilíbrio ser restabelecido.

2.3 Tablado de madeira

Esta atividade não possui um nome específico, no entanto seu desen-volvimento se mostra muito interessante, uma vez que o equipamento é de fácil construção, feito de madeira, sendo que embaixo é utilizada uma madeira abaulada que pode ser substituída por qualquer outro material, seja um prato de plástico ou uma bola encaixada na madeira. No brinquedo ori-ginal, a parte redonda é também de madeira e colada na prancha onde se apoiam os pés. O aluno posiciona-se em pé sobre o equipamento e realiza um movimento como se estivesse em uma cadeira de balanço - mas o movimen-to é lateral e não frontal, como acontece na cadeira de balanço. Assim, com esse movimento o equilíbrio é obtido por meio da realização de movimentos compensatórios com os braços, pois o aluno desloca-se a todo momento para

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a direita e para a esquerda. O objetivo é manter o centro de gravidade exata-mente dentro da base de sustentação, pois dessa forma se chega ao equilíbrio estático. O divertimento está nessa busca pelo equilíbrio, no balanço realiza-do pelo corpo. Essa atividade é diferente das comumente aplicadas e poderia ser mais explorada, pelo aspecto lúdico que proporciona e pelaa percepção que o aluno adquire com a prática.

2.4 Atividades relacionadas ao coeficiente de atrito e tamanho da base de sustentação

Proporcionar ao aluno a possibilidade de participar de atividades lú-dicas que desenvolvam o equilíbrio se mostra uma maneira muito interes-sante de obter os resultados esperados. Por esse motivo, atividades como caminhar sobre colchões cobertos com plásticos umedecidos com espuma de sabão (claro que de uma maneira controlada), sobre objetos que simu-lem pedras, sobre superfícies irregulares (diversos tamanhos de colchões e outros objetos mais rígidos, etc.), entre outras, podem e devem ser utiliza-das. Na atividade da caminhada sobre os colchões com espuma, o atrito é bruscamente diminuído e, por conseqüência, é extremamente difícil man-ter o equilíbrio corporal. O mais importante dessas atividades é orientar os alunos nas diferentes maneiras de se locomover e também fazê-los per-ceberem as diferentes maneiras de posicionamento do corpo para se obter maior estabilidade durante a execução, segundo as variáveis biomecânicas. Esta experiência orientada os fará perceberem tais diferenças mesmo que não tenham conhecimento dos conceitos.

2.5 Utilização de atividades em que a quantidade de movimen-to angular é fundamental

Andar de bicicleta, patins, skate, patinete e afins são também uma boa forma de se trabalharem os conceitos mecânicos do equilíbrio de uma ma-neira lúdica. Nestes casos, pode ser proposto um dia de recreação no qual as crianças são estimuladas a trazerem de casa esses tipos de brinquedo para elas próprias brincarem como também proporcionar aos alunos que não pos-suem tais objetos a vivência dessas práticas. Os aspectos biomecânicos obser-vados nas atividades citadas são aqueles relacionados ao torque e à inércia.

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Ao observarmos uma criança começando a aprender a andar de bicicleta, por exemplo, notamos que, influenciada pelo fator medo, ela tende a andar devagar a fim de evitar a queda. Entretanto, ao executar tal movimento, per-cebemos que é muito mais difícil manter o equilíbrio quando o movimento é lento que ele é realizado de uma maneira mais ágil. E por que isso ocorre? Quando algo gira em torno de um eixo, existe torque, que gera certa quan-tidade de movimento angular. Esse movimento angular é determinado pela inércia e pela velocidade angular do corpo. Portanto, quanto maior a veloci-dade angular, maior a quantidade de movimento. Sabemos que, para deslocar um objeto de sua posição inicial, quanto maior quantidade de movimento, mais difícil será retirá-lo de tal posição, sendo o oposto verdadeiro. Ou seja, quando a criança anda devagar na bicicleta, a quantidade de movimento é menor em relação ao movimento rápido e, dessa maneira, será mais fácil que a criança se desequilibre pela aplicação de qualquer torque externo. Outro exemplo seria levar os alunos a descerem um plano íngreme gramado na posição em pé. Estimular a que tentem manter o equilíbrio dinâmico (não caiam e não desçam sentados) e que alterem a velocidade de descida corren-do, alterando portanto a quantidade de movimento angular do próprio cor-po. Dicas, estímulos e encorajamentos que visem ao aumento da velocidade pela criança durante a atividade proporcionarão maior probabilidade de que ocorra mais rapidamente tal aprendizagem. O mais interessante é que o pro-fessor disponibilize atividades em que a criança adquira por si só a percepção. Uma das estratégias que poderiam ser usadas é aquela na qual o professor propõe um aumento gradual da velocidade e deixa que a criança opine sobre qual maneira achou mais fácil de realizar, fazendo assim que a aprendizagem seja significativa.

2.6 Giros

Quando o aluno executa um giro corporal, vários fatores interferirão nesse movimento: velocidade angular do movimento, massa do indivíduo e como essa massa está distribuída ao redor do eixo de rotação (inércia). Assim, a estabilidade rotatória dependerá do movimento angular e, como já citado, quanto maior o movimento angular, maior a estabilidade do corpo. No caso do ser humano, podemos alterar a velocidade da rotação, ou seja,

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quanto mais rapidamente o indivíduo girar, maior sua estabilidade, pois estaremos alterando o movimento. A maneira mais comum de se altera-rem essas velocidades é alterar a forma como a massa está distribuída ao redor do eixo de rotação. Por exemplo, pedir aos alunos que executem uma pirueta com os braços bem abertos na lateral e depois com os braços fecha-dos na frente do corpo, proporcionando-lhes a oportunidade de realizar o movimento em diferentes velocidades, o que os fará perceberem que existe a possibilidade de tornar o movimento mais fácil de ser executado simples-mente aumentando a sua velocidade por meio de alterações nas posições dos segmentos em relação ao eixo.

2.7 Atividades relacionadas à aplicação de forças perturbado-ras (impulso negativo)

Outra maneira de aplicar tais conceitos mecânicos seria ensinar as crianças a se reequilibrarem depois de um esbarrão ou empurrão. Quando sofremos a ação de uma força externa, como neste caso, nosso centro de gravidade tende a se deslocar para fora da base de sustentação pelo fato de o movimento ser rápido. Por não termos, na maioria das vezes, oportunidade de praticar atividades como estas na escola, não são desenvolvidas as habili-dades suficientes para evitar a queda. O conceito neste caso, muito eficiente por sinal, é o impulso negativo que fará com que a força externa aplicada em nosso corpo seja absorvida de maneira gradual e nos dê condições de retomar à posição de equilíbrio. Neste contexto, existem determinados mo-vimentos corporais que podemos fazer para que isso ocorra. Retomando o exemplo dos empurrões, em uma situação controlada, com colchões, etc., propor aos alunos que empurrem uns aos outros. O professor orienta o aluno para que, ao receber o empurrão, comporte-se da maneira que dese-jar. Em seguida, acrescentem-se elementos que o ajudarão, tais como colo-car uma perna à frente, ou seja, afastamento anteroposterior dos membros inferiores; projetarem o tronco à frente; e por último, o movimento das pernas e do tronco simultaneamente. Esses movimentos farão com que a força aplicada seja absorvida mais lentamente, proporcionando, como já dito, maior possibilidade de reequilíbrio.

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2.8 Saltos e aterrissagens

A todo momento, deparamo-nos com atividades exigindo que os alu-nos saltem e, por conseqüência, aterrissem. Nestas atividades, é muito im-portante notar a existência dos conceitos biomecânicos por dois motivos. O primeiro é pelo fato de o professor poder auxiliar da melhor forma o aluno durante seu aprendizado. O segundo se refere à segurança, uma vez que aprender a aterrissar de maneira segura evitará que aconteçam acidentes e o próprio aluno poderá se prevenir contra lesões. Durante a realização do salto à frente, o aluno deverá deslocar seu centro de gravidade de tal forma que estará se deslocando para fora da base de sustentação, o que causará o desequilíbrio necessário para haver o consequente deslocamento do corpo à frente. Na fase da aterrissagem, mostra-se outro fator importante, pois o aluno terá que frear o movimento e impedir que o corpo continue se des-locando para a frente. Assim, o melhor a fazer é orientar o aluno para ater-rissar com os dois pés simultaneamente, evitando que o peso corporal seja concentrado em apenas um membro corporal - no caso, um dos membros inferiores -, desta maneira fazendo a distribuição do peso nos dois mem-bros inferiores. A orientação ao aluno para que ao aterrissar não o faça com os membros inferiores totalmente estendidos é também importante, pois ao aterrissar desta forma o impacto gerado será muito maior. Ao solicitar ao aluno que flexione os membros inferiores no momento da aterrissagem, aumenta-se o tempo de absorção da força de reação exercida pelo solo so-bre os pés, o que diminui o impacto e, por consequência, a possibilidade da incidência de lesões nas articulações do tornozelo e do joelho.

Faz-se necessário, assim, desmistificar que a real aplicação da bio-mecânica somente seja possível em ambientes de alto rendimento, como este trabalho se propôs, ressaltando os aspectos que podem e devem ser trabalhados pelos professores durante a aplicação de suas aulas, pois isso irá fundamentar e cada vez mais tornar a prática e o ensino significativos, proporcionando aos alunos a oportunidade de perceber e conhecer o que está ocorrendo com seu corpo em determinadas situações por meio da ade-quação desses conceitos à linguagem e à compreensão infantis. No entanto, ao final do ciclo escolar o aluno terá condições de perceber tais aspectos de maneira cada vez mais clara.

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Cabe então ao professor de educação física tentar mudar essa perspec-tiva, pois mesmo com as dificuldades encontradas no que concerne não só aos conceitos biomecânicos como também à utilização da física e mate-mática, muito presentes nesta disciplina, é possível fazer adaptações nesses saberes para que sejam incorporados nas suas ações cotidianas.

3. Contribuições da biomecânica para a educação física no Ensino Médio

Por vezes, a educação física é vista no Ensino Médio como um componente curricular de importância reduzida. Lorenz e Tibeau compro-varam que os estudantes desse nível de ensino consideram a educação física “como uma atividade e não como uma área de conhecimento” (LORENZ; TIBEAU, 2003, p. 1). Dessa forma, os estudantes não conseguem identi-ficar as contribuições desse componente curricular para sua vida. Então, cabe aos professores da área aplicar aulas nas quais os alunos possam, de maneira aplicada e prazerosa, construir conhecimentos significantes, que comprovem a relevância das aulas de educação física.

Nessa perspectiva, acreditamos que a biomecânica pode contribuir para a seleção dos conhecimentos a serem aprendidos nas aulas. Bastos e Matos (2009) aplicaram questionários para alunos do ensino médio de uma escola pública para levantar o perfil conceitual dos estudantes a respeito de física aplicada ao esporte, focando na observação de como os estudantes utilizam os conceitos de física vistos no primeiro ano do ensino médio. Pelos resultados obtidos, veem a necessidade de criar uma intervenção que aproveite as ações dos alunos durante os momentos de lazer e mostre a uti-lidade da física não em coisas distantes, mas no seu dia a dia, naquilo que lhes é prazeroso.

A relação entre a física escolar e a biomecânica, por ambas derivarem da física clássica, pode ser muito proveitosa para os alunos, que entenderão melhor os conteúdos da física e da educação física. Além disso, os professores de educação física conseguirão ver a aplicação na área escolar da biomecâ-nica. Conversar com o professor de física é fundamental para que se possa construir um projeto interdisciplinar, pois, embora possam trabalhar de for-

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ma individualizada, o trabalho em conjunto seria mais eficiente para mos-trar aos alunos que o conhecimento não é algo fragmentado, embora se tente compartimentá-lo em disciplinas no currículo escolar. Assim, trabalhando em conjunto ambos os professores podem identificar temas que interligam os dois componentes curriculares. Além disso, podem construir juntos a me-todologia a ser aplicada.

4. Física e educação física: um exemplo

Em nosso exemplo, sugerimos uma aula de educação física cujo ob-jetivo é vivenciar os elementos do atletismo e compreender o conceito de impulso ligado ao movimento, com o professor ensinando a teoria de acor-do com o que os alunos aprendem nas aulas de física do ensino médio. A apresentação dos conceitos pode acontecer no início da aula, na qual o professor apresente um esquema para que o aluno estabeleça as primeiras relações sobre o tema proposto. Essa apresentação deve ser realizada de modo breve, pontual e, de preferência, envolvendo os alunos nas atividades. Após a apresentação, os alunos seriam envolvidos em diferentes atividades, vivenciando respectivamente corridas, saltos, arremessos e lançamentos. A intensidade das atividades e o nível de aperfeiçoamento dependerão do nível de habilidade de cada aluno e de cada turma. O importante mesmo é que todos tenham contato com os elementos do atletismo. Esse conteúdo pode ser fracionado em várias aulas, pode ser uma unidade temática men-sal, ou outro formato que o professor já utilize em seus planejamentos.

Além dessa forma de organização da aula, inúmeras outras podem ser adotadas pelo professor, a partir de suas características e preferências.

Outro modelo possível é que o professor só apresente os conceitos após a realização de atividades que exijam a solução de problemas por parte dos alunos. Assim, o percurso a ser utilizado deve ser definido pelo professor. O importante é que, em algum momento da aula, os conceitos sejam apresenta-dos e discutidos, levando os alunos a solucionar os problemas que surgirem.

As orientações do professor são o diferencial da aula para que os alunos entendam o conceito, e com isso ele deve instigar os alunos a pensarem sobre a transferência de impulso que estão realizando durante as ativida-

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des. Essa é a barreira que o professor de educação física deverá vencer ao ensinar conceitos biomecânicos em suas aulas. Entender o conceito voltado ao movimento de forma qualitativa significa se tornar capaz de avaliar se a forma com a qual se executa o movimento é realmente a mais apropriada para o melhor desempenho.

Apresentamos a seguir um conjunto de atividades (adaptadas de LA-DEIRA, 2008) que podem ser aplicadas pelos professores para nortear o planejamento do professor. Essas atividades foram construídas para levar os alunos a:

◆ vivenciar os elementos do atletismo corridas, saltos, arremessos e lançamentos;

◆ reconhecer o atletismo como mais uma atividade física entre as que eles podem optar por praticar nas horas livres; e

◆ compreender e aplicar o conceito de impulso ligado ao movi-mento.

A proposta é que os alunos realizem, primeiramente, uma corrida de velocidade; depois, eles participarão de atividades de resistência; e na se-quência passarão pelos saltos, tanto em distância quanto em altura. Logo depois, realizarão os arremessos de peso e de martelo e por último o lança-mento do dardo. Para aplicar as atividades, serão utilizados os implementos próprios de cada modalidade do atletismo que podem ser adaptados para cada atividade. Os materiais a serem utilizados, até mesmo para a segu-rança dos alunos, devem ser adaptados, como no caso do dardo, da corda que vai medir a altura do salto e dos implementos do arremesso, como o martelo e a pelota.

Antes de descrever as atividades, apresentamos alguns conceitos bási-cos sobre o impulso.

5. O impulso: alguns conceitos

Para que um corpo se movimente - na linguagem da física, que tenha uma quantidade de movimento - é necessário que seja aplicado um impulso.

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186 | A Biomecânica Aplicada à Educação Física Escolar

Este é resultado da aplicação de força durante certo lapso de tempo (CARR, 1998). A ligação entre estes dois conceitos - quantidade de movimento e impulso - é direta, isto é, quanto maior a força aplicada em um corpo por um tempo determinado, maior a velocidade obtida pela massa desse corpo. Um exemplo básico é o arremesso de dardo. Um bom atleta aplica uma grande força por um longo lapso de tempo em decorrência da grande amplitude do movimento (impulso), e com isto a massa do dardo ganha uma grande velocidade (quantidade de movimento). O que foi descrito para o impulso no arremesso do dardo também é válido ao se considerar um salto ou uma corrida. Neste caso, o impulso aplicado no solo por um tempo maior irá gerar maior velocidade da massa do atleta. Isso é feito na corrida ao se aproveitar o pé todo (desde o calcanhar até os dedos) para empurrar o solo na fase final da impulsão. Nos saltos, o atleta deve apoiar o pé no solo antes da subida estando com o tronco um pouco atrás da linha do eixo do pé, de modo que aumente o tempo de aplicação de força.

Mas se formos analisar com maior cuidado, o impulso gerado pela mão do atleta no dardo ao final do movimento é resultante de toda a quantidade de movimento transferida entre as articulações - portanto, determinada pe-los impulsos musculares que levaram ao movimento das articulações. Isso em geral se traduz como a coordenação do movimento, isto é, a transferên-cia de velocidade entre as articulações, sem que o movimento seja truncado em algum ponto, e com a sequência natural de flexão e extensão articulares próprias de cada movimento específico. No dardo, existe a velocidade da corrida somada à velocidade de todos os segmentos, sendo que, conforme um segmento perde em velocidade, esta é transferida através das articula-ções para o outro segmento, partindo do distal (pé) até o mais próximo do implemento (mão).

Outro ponto a ser abordado com relação às velocidades articulares (an-gular) e dos segmentos (linear), que tanto interferem no impulso final, é que existe uma relação entre elas. Máximo e Alvarenga (2000) descrevem a velocidade linear como sendo referente à distância percorrida na unidade de tempo e a velocidade angular se referindo ao ângulo descrito na unidade de tempo.

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Vamos exemplificar com o movimento do braço do atleta que executa o arremesso do dardo. Ao final do movimento, é necessário transmitir a velocidade das articulações cotovelo/punho para o segmento mão. Ao fle-xionar o braço, o atleta diminui a inércia e aumenta a velocidade angular na articulação do cotovelo, e ao estendê-lo ao final transfere a velocidade angular em linear para a mão. Portanto, se existirem problemas mecâni-cos com relação à velocidade tanto linear (do corpo e segmentos) como angular (das articulações), ocorrerão problemas na geração do impulso final do dardo.

Para que possa aplicar as atividades propostas, é necessário que o professor tenha clareza dos conceitos descritos acima e em caso de dificuldade recorra aos livros básicos de ensino de biomecânica (CARR, 1998; HALL, 2005).

6. Corridas

Atividade 1: correr com o joelho estendido ora na fase de impulsão, ora na

de balanceio, ora na de batida do pé no chão.

Explicação: na fase de impulsão, a não flexão para o término com extensão

final leva a uma diminuição da transferência de velocidade angular em li-

near, com consequente menor velocidade e menor impulso; na fase de ba-

lanceio, a não flexão leva a uma velocidade angular menor e consequente-

mente menor impulso na batida do pé; com a não flexão logo após a batida

do pé no chão, a consequência é o maior impacto recebido diretamente nas

articulações; com os joelhos flexionados, o tempo de aplicação e absorção

da força de reação do solo no corpo é maior, resultando em menor força

aplicada às articulações do aluno.

Atividade 2: correr elevando os joelhos exageradamente.

Explicação: o problema neste caso é que o indivíduo gera impulso na ver-

tical quando na verdade deveria produzir na horizontal, tornando o movi-

mento ineficiente.

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Atividade 3: correr com os braços presos ao corpo.

Explicação: o impulso produzido pelo movimento dos braços serve para

equilibrar o impulso produzido pelo movimento do quadril, com os bra-

ços presos ao corpo, o centro de gravidade deverá se deslocar mais e com

isso haverá maior dispêndio de energia, já que o impulso dos braços não

equilibrará o do quadril.

Atividade 4: correr sem estender o tornozelo na fase de impulsão.

Explicação: quando o indivíduo não realiza a extensão do tornozelo da

perna que está impulsionando o solo, essa flexão não permite o aumento

do raio da articulação e isso produzirá um impulso menor e, consequente-

mente, um desempenho pior.

Orientação: ao propor esta atividade, o professor deve indagar os alunos sobre

o que eles perceberam em seus movimentos durante sua realização. Por exem-

plo, qual foi a maior dificuldade para realizar o movimento, com os joelhos

estendidos ou com o tornozelo flexionado? Qual a maior dificuldade para rea-

lizar a corrida, com os braços presos ao corpo? Que outra forma de movimen-

tação eles poderiam sugerir para dificultar a transferência do impulso?

7. Saltos

Atividade 1: realizar uma pausa entre a corrida e o salto em si.

Explicação: com uma pausa, o impulso que o membro inferior deverá

produzir será maior, já que a pausa anula o impulso adquirido durante a

corrida.

Atividade 2: no salto em distância, ao realizar o estilo grupado, não flexio-

nar o tronco, deixando-o estendido.

Explicação: o movimento grupado exige a flexão do tronco, já que o im-

pulso do tronco para a frente provoca uma reação angular nos membros

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inferiores também para a frente, fazendo com que o saltador obtenha uma

distancia maior.

Atividade 3: não realizar a hiperextensão do tronco, ou seja, realizar o mo-

vimento com o tronco ereto na fase de impulsão.

Explicação: a hiperextensão do tronco ao apoiar o pé de salto permite que

o saltador aplique força por mais tempo, consequentemente proporcionan-

do ao corpo maior impulso.

Atividade 4: ao realizar o estilo tesoura no salto em altura, passar a fasquia

inclinando exageradamente o tronco.

Explicação: ao inclinar o tronco exageradamente para a frente, o impulso

produzido irá resultar em uma ação angular no quadril, que se desloca

para trás, dificultando a passagem das pernas sobre a fasquia e pode até

resultar em uma queda, já que o centro de gravidade será deslocado.

Atividade 5: não realizar o movimento com o tronco inclinado para baixo

para passar pelo sarrafo no estilo flop no salto em altura.

Explicação: primeiro, deve-se ter claro que não se gera impulso no ar.

Contudo, as movimentações dos indivíduos no ar nada mais são do que

estratégias para se transferir o impulso adquirido durante o salto entre os

segmentos corporais, e a movimentação de inclinação do tronco é uma

estratégia para que isso ocorra, isto é, o impulso produzido pela inclinação

do tronco produzirá uma reação de elevação do quadril ao passar pelo sar-

rafo, não deixando que o quadril esbarre nele.

Orientação: propor uma reflexão inicial sobre as implicações da não transfe-

rência do impulso já na corrida para a realização dos saltos, podendo até reto-

mar as atividades propostas especificamente para as corridas seria um ponto

de partida. Pensar também no fato de não se ter impulso no ar e sim a transfe-

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190 | A Biomecânica Aplicada à Educação Física Escolar

rência dele seria outro ponto de partida para a reflexão dos alunos. Indagações

como “Uma pausa entre a corrida e o salto ajuda ou atrapalha na transferência

do impulso?”, “Qual seria a consequência se o tronco não estivesse flexionado

no salto grupado?”, “Como seria a transferência do impulso caso o tronco não

se inclinasse ao passar o sarrafo no estilo flop?”, “De que outra forma eles pode-

riam dificultar a transferência de impulso na corrida e no salto?”

8. Arremessos e lançamentos

Atividade 1: realizar uma pausa no momento do arremesso de peso.

Explicação: a pausa no momento de arremessar faz com que o impulso

adquirido seja dissipado, o indivíduo terá que fazer mais força com o braço

de arremesso para conseguir realizar o movimento.

Atividade 2: realizar com apenas um braço o arremesso de martelo.

Explicação: apenas um braço realizando o movimento diminui o número

de articulações envolvidas na geração de impulso e novamente ele terá que

fazer mais força com o membro utilizado para atingir o objetivo.

Atividade 3: realizar o movimento com os joelhos exageradamente flexio-

nados.

Explicação: com os joelhos muito flexionados, o indivíduo ganha ao au-

mentar o raio, contudo ao não estendê-los não consegue transferir o im-

pulso para os demais segmentos corporais, que terão que realizar mais for-

ça para produzir maior impulso.

Atividade 4: realizar o movimento parado.

Explicação: quando não se movimenta o corpo ao realizar um lançamento

ou arremesso, o impulso do membro que irá realizar o movimento - no

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caso, o braço - deverá ser consideravelmente maior para compensar a falta do impulso que seria gerado pelos membros inferiores, somados aos dos membros superiores, com a ajuda do tronco nessa transferência.

Atividade 5: realizar o movimento sem estender os membros superiores.

Explicação: a não extensão dos membros superiores ao término do movi-mento faz com que todo o impulso adquirido na transferência dos mem-bros inferiores para os superiores não seja usado completamente. É no final do movimento com essa extensão que se consegue aumentar o impulso, uma vez que o indivíduo consegue aplicar a força por mais tempo e utili-zar por completo sua velocidade linear. Isso ainda interfere na velocidade que o segmento atingirá ao arremessar o implemento, e o sincronismo do movimento de pernas e braços produz um impulso maior e consequente-mente uma distância arremessada maior.

Atividade 6: realizar o movimento sem estender os membros inferiores.

Explicação: da mesma forma, quando não se estendem os membros infe-riores no ato da realização do movimento, os membros superiores terão que produzir um impulso maior do que deveriam para suprir o pequeno impulso gerado pelos membros inferiores.

Orientação: pensando em lançamentos e arremessos, o professor deve ins-tigar os alunos a entenderem que toda a movimentação do corpo influen-cia no impulso que ele produzirá e todas as articulações envolvidas devem fornecer sua contribuição. Em termos práticos, seria questionar “Por que com uma pausa no momento da realização do arremesso não se tem o mesmo impulso que sem a pausa?”, “Qual seria a função da extensão dos membros superiores e dos membros inferiores?”, “Como os alunos perce-bem essas diferenças no próprio corpo, no próprio movimento?”, “E no dos companheiros?” É visível essa diferença no desempenho do movimento?”, “Qual elemento se modificou durante as atividades?”.

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192 | A Biomecânica Aplicada à Educação Física Escolar

Todas essas atividades procuram evidenciar que a não transferência de velocidade angular dos membros inferiores para os superiores irá interferir na velocidade do segmento ao realizar o movimento e que o sincronismo do movimento de pernas e braços irá produzir um impulso maior, resul-tando em um movimento de melhor desempenho. Ao concluir a realização das atividades, o professor pode organizar uma discussão com os alunos sobre os conceitos trabalhados e sua aplicação, para que possam manifestar suas opiniões e dúvidas. Seria interessante que fossem apresentadas outras situações-problema, para que os alunos tentassem solucionar. Além disso, é fundamental que o professor organize uma síntese da aula e dos concei-tos trabalhados - uma síntese que deve ser retomada em outras aulas, para reforçar a aprendizagem.

Os conhecimentos de biomecânica podem ser ensinados de maneira simples aos alunos do ensino médio, mostrando-lhes que física aplicada ao movimento serve não apenas para facilitar o estudo para o vestibular, mas sim para as atividades físicas presentes em seu cotidiano.

9. Considerações finais

Tentamos mostrar neste trabalho que a biomecânica não deve ser vista como uma disciplina técnica, de difícil aplicação na intervenção pedagógi-ca em ambiente escolar. Ao contrário, acreditamos que os conhecimentos produzidos pelas pesquisas em biomecânica podem ser relevantes na edu-cação física escolar, seja fundamentando a intervenção dos professores, seja como conteúdo a ser aprendido pelos alunos, contribuindo para que eles vejam sentido nas práticas motoras realizadas dentro e fora da escola.

A interdisciplinaridade com relação à biomecânica não pode e não deve ficar restrita às disciplinas mais voltadas à pesquisa clássica. A biomecânica precisa criar canais para auxiliar a efetivação do aprendizado do aluno e com isso fazer parte atuante do processo pedagógico. É importante o pro-fessor de educação física perceber que a biomecânica pode ser tão simples de ser ensinada como qualquer outra área de conhecimento da educação física, basta apenas conhecê-la melhor e não ignorá-la como algo sem pos-sibilidade de aplicação.

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PERCEPÇÃO DOS ALUNOS DE LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO FÍSICA

SOBRE SUAS APRENDIZAGENS EM UM PROJETO DE INTERVENÇÃO

INTERDISCIPLINAR

Isabel Porto FilgueirasRonê Paiano

1. A prática na formação de professores

Atuamos por mais de dez anos como professores de educação física na educação básica. Ainda guardamos na memória as dificuldades que enfrentamos para solucionar os desafios complexos da prática profissio-nal no início da carreira. Estávamos dotados de muitas teorias e sequên-cias pedagógicas, mas sabíamos pouco sobre a heterogeneidade de inter-pretações que nossos alunos davam aos conteúdos das aulas, o dia a dia das quadras e salas de atividade.

Essa experiência representou o estopim de nossos questionamos sobre as melhores estratégias para formar professores conectados com os desafios da prática. Depois, estudamos Shon (2000), Tardif (2002), Tardif e Lessard (2005), autores que nos forneceram suporte conceitual para experimentar-mos estratégias formativas que integrassem aprendizagens sobre o contexto real da prática pedagógica na escola.

Este texto relata os resultados de uma de nossas experiências de forma-ção de professores fundamentadas nesses autores. O objetivo foi investigar a percepção dos alunos do curso de licenciatura em educação física sobre suas aprendizagens em um projeto de intervenção realizado em uma es-

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198 | Percepção dos Alunos de Licenciatura em Educação Física ...

cola estadual de ensino médio da Grande São Paulo. O planejamento, a execução e a avaliação da intervenção aconteceram em duas disciplinas do curso: projetos educacionais II e metodologia do ensino da educação física no ensino médio.

Os professores representam atores sociais fundamentais dos proces-sos de socialização e formação nas sociedades modernas. São os principais responsáveis pela disseminação de conhecimentos e desenvolvimento de competências dos integrantes da sociedade (OLIVEIRA-FORMOSINHO et al., 2002; TARDIF, 2002; TARDIF; LESSARD, 2005). A abrangência e a relevância do trabalho docente exigem dos formadores de professores responsabilidade e compromisso com a melhoria de suas metodologias de ensino, e por isso assumimos o compromisso de buscar inovações para os processos de formação no curso de licenciatura em que atuamos.

2. A formação de professores de educação física

No Brasil, a formação dos professores de educação física passou por in-tensos debates e reorganizações nos últimos 30 anos. Tais debates visavam a superar o caráter tecnoesportivo e biológico (MANOEL; OKUMA; SAN-TO, 1997) e os modelos tecnológicos e behavioristas (MOCKER, 1993).

Historicamente, a preparação do professor de educação física esteve centrada na transmissão de procedimentos ou “receitas” a serem aplicadas sem a devida fundamentação teórica. Uma formação excessivamente fun-damentada em aspectos biológicos e esportivos, mas ineficaz na formação de professores para atuarem em programas para a primeira e segunda in-fâncias (PEREZ GALLARDO, 1998).

A evolução da área garantiu a incorporação de uma fundamentação te-órica mais ampla. No entanto, ainda predomina a opção pelo modelo de ra-cionalidade técnica, o qual supõe que o professor em formação é capaz de construir sua prática pedagógica a partir da mera aplicação de conhecimen-tos científicos e procedimentos treinados no percurso de formação inicial.

As condições de trabalho do professor nos diferentes contextos escola-res, como a falta de materiais, o trabalho com turmas heterogêneas e desa-

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fios do cotidiano escolar como as condições de vida dos alunos e a integra-ção do professor à equipe escolar são conteúdos raramente abordados nos cursos de licenciatura em educação física.

A superação da perspectiva da racionalidade técnica leva a propostas de formação em que o aluno possa aprender a fazer fazendo, com a ajuda de um profissional formador, em situações práticas reais ou simuladas, que possibilitem ao formando uma visão caleidoscópica do seu campo de atu-ação.

As Diretrizes Nacionais para Formação de Professores (BRASIL, 2002) afirmam a necessidade de o professor em formação inicial conhecer a reali-dade profissional e praticar o ensino de maneira reflexiva e orientada desde o início do curso de licenciatura.

3. Teorias que apoiaram a inovação de nossa prática pedagógica

Schön (2000) defende que é preciso fundamentar a preparação profis-sional do professor a partir de uma nova epistemologia da prática, pois a atividade docente é complexa, aberta e incerta. Nessa concepção, a prática não se restringe a algumas horas de estágio: é preciso que o profissional entre em contato com os contextos reais de atuação e reflita sobre a teoria a partir da solução dos problemas da prática.

A prática pedagógica não é um mero campo de aplicação de conheci-mentos científicos, é um processo de constante diálogo com o contexto, e de reflexão, construindo da experiência, a teoria, e da teoria, a experiência, dialeticamente

As Diretrizes Curriculares Nacionais para Formação Inicial de Profes-sores (2002) indicam que os futuros docentes vivenciem, enquanto alunos, um processo de ensino e aprendizagem coerente e consoante ao que é es-perado que eles pratiquem quando formados (princípio da simetria inver-tida). Tais ideias se chocam com os currículos normativos inspirados na ciência positiva, que prega a objetividade e a neutralidade, enquanto os

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200 | Percepção dos Alunos de Licenciatura em Educação Física ...

problemas da prática profissional do professor exigem flexibilidade, estilo pessoal e criatividade para serem solucionados.

Segundo Demo, não é possível defender uma educação voltada para a reflexividade e a cidadania se os educadores continuam sendo formados pela repetição de modelos:

Se pretendemos formar um cidadão que seja capaz de interferir na sociedade e na economia em sentido emancipatório e coletivamente solidário é indispensá-vel lançar mão do instrumento mais decisivo de inova-ção, que é a capacidade de reconstruir conhecimento. Todavia, esse desafio da competência somente é viável se o educador for a imagem e semelhança dela. (DEMO, 1996, p. 273)

Demo (1996) e Garcia (1999) adotam o princípio da homologia forma-tiva e epistemológica na reflexão sobre a melhoria da educação e a forma-ção de educadores. Macedo defende a mesma posição: “não basta valorizar o direito das crianças defenderem suas hipóteses de leitura, escrita ou arit-mética, por exemplo. É importante que o educador também possa fazê-lo” (MACEDO, 2005, p. 45).

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996) e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica (MEC, 2001) propõem que a formação docente no Brasil realize-se de forma reflexiva.

Na mesma direção, Altet (2001) defende um modelo de formação basea-do na análise das práticas e na reflexão, cujo objetivo é formalizar os saberes oriundos da prática. Os procedimentos de formação devem se voltar para a análise e a reflexão das práticas vivenciadas pelo educador por meio de me-diadores como a videoformação, verbalizações, entrevistas de esclarecimen-to, trabalho em grupo. Nessa proposta, ação, formação e pesquisa estão arti-culadas para a construção de ferramentas conceituais de análise das práticas. A autora propõe um vaivém na tríade prática-teoria-prática.

Nóvoa (1995) indica que a formação do professor reflexivo ocorre a par-tir de grupos de trabalho assessorados por um formador ou coordenador.

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Nesses grupos, permite-se a partilha de saberes, a troca de experiências e a consolidação de espaços de formação mútua em que formandos e formado-res interagem de modo construtivo.

Nesse sentido, as estratégias formativas devem estimular uma perspec-tiva crítico-reflexiva, facilitar dinâmicas de autoformação participada, per-mitir aos educadores apropriar-se dos processos de formação, proporcionar e apoiar aos educadores em seu desenvolvimento profissional; considerar que os educadores sejam protagonistas da implementação de inovações educativas, permitir que trabalhar e formar sejam atividades integradas e que os educadores encarem a sua formação como um processo permanente.

4. Metodologia

A investigação utilizou a abordagem qualitativa da pesquisa. Trata-se de um estudo de caso único. O trabalho de campo envolveu dois docentes do curso de licenciatura em educação física, cinco alunos do último se-mestre (RESOLUÇÃO CNE 01/2002) e 33 adolescentes (21 meninas e 12 meninos). Estes atores participaram de um projeto de intervenção ao longo de seis encontros de 90 minutos em uma classe do ensino médio de uma escola estadual da Grande São Paulo.

Além dos seis encontros na escola, o projeto envolveu oito momentos na universidade, cada um com 2h30. As atividades com os adolescentes foram desenvolvidas nas instalações da escola estadual, com a supervisão da professora de educação física e dos docentes universitários. As aulas na universidade aconteceram nas disciplinas projetos educacionais II e meto-dologia do ensino da educação física no ensino médio. Os encontros foram destinados ao planejamento da intervenção, à discussão das aulas desenvol-vidas na escola e à avaliação do projeto.

Nesta turma do ensino médio as duas aulas semanais aconteciam em sequencia (“dobradinha”). O projeto de intervenção foi elaborado a partir da análise do tema que a professora de educação física da escola estava tra-balhando. Esse tema era indicado no material didático da proposta pedagó-gica de educação física do estado de São Paulo. Os conteúdos eram futebol

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americano, rúgbi e flag, além de conteúdos ligados à saúde. O planejamento do conjunto de aulas foi realizado coletivamente em debates na sala de aula da universidade e cada aluno da licenciatura ficou responsável pela aplica-ção de uma das aulas para os adolescentes.

Para investigar os resultados dessa experiência, utilizamos três estratégias:

◆ observações de campo na escola e durante as aulas de graduação das disciplinas envolvidas;

◆ questionários escritos para os alunos da licenciatura; e

◆ questionário escrito para os alunos da escola.

5. A percepção dos alunos da licenciatura

A análise das observações e questionários aplicados aos alunos da licen-ciatura em educação física indica a percepção e a valorização das aprendi-zagens decorrentes do contato com a realidade da escola pública. Conhecer adolescentes “de verdade”, o ambiente da quadra, dos materiais e os desafios de inserir os 40 alunos da turma nas atividades foi o fator levantado pelos licenciandos. Vivenciar esse “contexto real” foi um aspecto citado por todos os alunos como enriquecedor para a formação profissional.

Esses dados são coerentes com os autores que fundamentam nossa con-cepção de formação docente. O projeto de intervenção sob a supervisão dos professores da universidade possibilitou que os alunos universitários experimentassem os quatro tipos de conhecimento produzidos pelos edu-cadores na prática pedagógica segundo Schön (2000):

◆ conhecimento na ação conhecimento tácito presente durante as ações profissionais;

◆ reflexão na ação reflexão durante a ação, com breves instantes de distanciamento;

◆ reflexão sobre a ação reconstrução mental da ação e análise da ação;

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◆ reflexão sobre a reflexão na ação - reflexão sobre a análise da ação, possibilitando planejar futuras ações e descobrir novas so-luções para os problemas encontrados na análise da ação.

Schön destaca o valor epistemológico da prática refletida e propõe que os profissionais em formação experimentem a invenção de novos saberes e procedimentos e não apenas a aplicação rotineira de processos conhecidos. Quando precisaram criar metodologias para ensinar os conteúdos indica-dos na proposta pedagógica do estado de São Paulo, os alunos da licencia-tura precisaram criar, testar e modificar procedimentos metodológicos.

Quando perguntados sobre os conteúdos aprendidos nas dimensões procedimentais, conceituais e atitudinais, eles citaram aprendizagens rela-cionadas aos temas trabalhados com os alunos do ensino médio (futebol americano, rúgbi e flag), à prática de planejamento e desenvolvimento das atividades e ao respeito aos colegas que ministravam as aulas.

Em relação à dimensão conceitual, aparece o aprendizado sobre novas modalidades, suas regras e possibilidades de adaptação visando à aplicação no contexto escolar. Ressaltamos que essas modalidades não são enfocadas no curso de licenciatura em que atuamos, mas os alunos afirmaram que foi possível aprender sobre esses conteúdos, pois precisavam ensiná-los aos adolescentes.

Os alunos da licenciatura também citaram o conhecimento sobre as etapas de elaboração e aplicação de um projeto educacional e a aprendi-zagem mais aprofundada sobre a frequência cardíaca (conteúdo ligado à saúde que foi pesquisado e ensinado para os alunos do ensino médio). Tais aprendizagens envolveram refletir sobre o processo de seleção de conteú-dos e desenvolvimento de estratégias de ensino, tarefa constante da prática profissional, mas que é pouco trabalhada nos cursos de licenciatura. Esses resultados mostram que o projeto de intervenção supervisionado pelos do-centes universitários permitiu aos futuros professores vivenciarem a tríade prática-teoria-prática defendida por Altet (2001).

Em relação à dimensão procedimental, os alunos citaram as seguintes aprendizagens:

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◆ competência para construir e aplicar planos de aula que considera-ram significativos e prazerosos para os adolescentes;

◆ aprendizagem de diferentes estratégias para lidar com os alunos do ensino médio como se comunicar com os alunos, obter a atenção, motivar para as atividade práticas;

◆ experimentação de metodologias para trabalhar atividades de leitura e escrita nas aulas de educação física;

◆ procedimentos para ensinar uma nova modalidade para uma turma de adolescentes;

◆ procedimentos sobre como se posicionar na quadra visando a acompanhar e “controlar” a turma e o tempo da aula;

◆ procedimentos de elaboração, aplicação e correção de provas.

Todos esses conteúdos foram possíveis porque, durante o projeto de intervenção, os alunos puderam integrar os conhecimentos acadêmicos à prática real de ensino na escola como defende Pérez-Gomez:

O conhecimento acadêmico, teórico, científico ou téc-nico, só pode ser considerado instrumento dos pro-cessos de reflexão se for integrado significativamente, não em parcelas isoladas da memória semântica, mas em esquemas de pensamento mais genéricos ativados pelo sujeito quando interpreta a realidade concreta em que vive e quando organiza a sua própria experiência. A reflexão não é um conhecimento puro, mas sim um conhecimento contaminado pelas contingências que rodeiam e impregnam a própria experiência. (PÉREZ--GÓMEZ, 1992, p. 103)

Em relação aos aspectos atitudinais, os alunos citaram as seguintes aprendizagens:

◆ apreciação e respeito pelas aulas aplicadas pelos colegas;

◆ troca de informações entre os alunos e os professores;

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◆ trabalho em equipe respeitando a elaboração coletiva das aulas;

◆ sentimento do próprio valor por ministrar uma boa aula;

◆ adoção de estratégias para perceber qual a maneira correta de se portar perante os alunos;

◆ adoção de uma postura de professor;

◆ diálogo com os adolescentes sem perda da autoridade e

◆ apreciação das opiniões dos alunos adolescentes nos debates so-bre saúde e educação física.

A percepção dos alunos sobre suas aprendizagens conceituais reforçam a concepção de Garcia (1999) sobre o papel fundamental do trabalho de reflexão em grupo para a formação docente. Nesta concepção, a forma-ção é encarada como um processo coletivo de partilha de valores. Segun-do o autor, enxergar e tratar problemas da prática profissional são ações que não dependem exclusivamente da concepção técnica e disciplinar, mas dos valores e significados sociais ligados à situação-problema. Os alunos conseguem perceber a orientação democrática das práticas que buscaram construir na escola.

Para Oliveira-Formisinho et al. (2002), a reflexão pedagógica não é uma atividade de análise técnica ou prática, mas integra-se às opções éticas e so-ciais individuais e coletivas. Nesse sentido também se encaminham as ideias de Macedo (2005), para quem a reflexão e o conhecimento sobre a prática têm uma raiz interindividual oriunda do contexto social e institucional e da partilha de um sistema de diretrizes de ação e concepções do grupo profissio-nal. Os resultados de nossa investigação indicam que os alunos da licenciatu-ra em educação física puderam vivenciar essa partilha de saberes ao longo do projeto de intervenção na escola de ensino médio.

Outra observação importante sobre as aprendizagens atitudinais re-fere-se ao fato de os graduandos sentirem-se valorizados por perceberem que suas práticas motivaram os adolescentes. Garcia (1999) relata que o processo de construção de conhecimentos dos professores é iniciado pela

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percepção de que suas ações trazem resultados positivos para a aprendiza-gem dos alunos.

Em relação às aulas do curso de educação física utilizadas para o de-senvolvimento do projeto, todos os alunos afirmaram que a ida à escola não ocasionou defasagens nos conteúdos conceituais que poderiam ser traba-lhados nas aulas. Ao contrário, afirmaram que o projeto foi um excelente conteúdo e que o fato de terem ido até a escola permitiu a reflexão sobre a prática em um contexto muito próximo da realidade profissional.

Para os alunos, o projeto também permitiu que a teoria fosse integrada à prática não apenas das disciplinas presentes no projeto (projetos educa-cionais II e metodologia de ensino da educação física no ensino médio) mas também em outras disciplinas vivenciadas ao longo do curso de li-cenciatura, como fisiologia e anatomia para o trato das questões ligadas à saúde; didática, educação e alteridade para a condução das aulas e respeito aos alunos; basquetebol e handebol para a adaptação na criação das ativi-dades de futebol americano, rúgbi e flag; metodologia de ensino da educa-ção infantil e do ensino fundamental para os conhecimentos pedagógicos adquiridos. Esses resultados indicam que projetos de ensino nos quais os alunos têm de solucionar problemas da prática profissional são eficientes na integração de conteúdos da formação profissional.

Ao identificarem conteúdos não apresentados na formação, todos cita-ram o fato de não haverem tido contato com o flag, futebol americano ou rúgbi. Foi marcante a fala de um dos sujeitos.

Mas acredito que mais importante do que tê-los ao longo da graduação foi aprender justamente a buscar conheci-mentos que não foram contemplados na faculdade ou em outro lugar superando essa limitação. Essa competência eu acredito que tive na minha formação, afinal a cultura corporal do movimento é quase infinita e os conteúdos se transformam e se renovam. Vale mais aprender como nos foi ensinado, aprender a buscar novos conteúdos.

Todos desejariam ter mais experiências como essa na graduação, pois, se-gundo os alunos, o projeto aproximou a teoria da prática em uma situação real,

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na escola, com alunos reais, no espaço concreto em que exercerão a profissão, como ilustram os registros abaixo.

Pois tais experiências nos permitem aplicar de modo explicitamente real os conteúdos trabalhados ao lon-go do curso, além de termos a oportunidade de os nossos docentes avaliarem nossas aulas.

Porque são essas experiências que compõem verdadeira-mente a formação para a atuação. Sem a possibilidade de transpor os conceitos que aprendemos para a realidade, não há como aprendermos com nossos erros, possibili-tando talvez uma intervenção futura com menos dúvidas e mais confiança.

Em relação ao que foi mais importante ao longo do projeto, os sujeitos afirmam o contato positivo com a faixa etária que levou ao desejo de traba-lhar com esse público, antes não percebido; o aprendizado coletivo, no qual postura, atitude e condução da turma de um colega influencia a maneira de o outro agir e a superação de dificuldades, como ilustram os trechos abaixo.

O mais importante foi poder ter uma experiência posi-tiva com essa faixa etária, possibilitando uma mudança e uma ampliação sobre minhas possibilidades e limita-ções neste contexto.

Perceber que, embora persistam vários problemas que possam atrapalhar o andamento normal de um projeto, esses podem ser superados. Sendo assim, existe a possi-bilidade de fazermos algo diferente, significativo.

O fato de me reafirmar na preferência por adolescentes e que acima de tudo trabalhei de uma forma que me dá prazer.

Para mim, o mais importante foi poder aplicar uma aula para uma turma e ter a discussão e reflexão com o grupo de colegas e professores para apontar os pontos posi-

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tivos e negativos, as consequências das ações tomadas, além de observar os colegas dando aula e aprender com eles também.

Ao terem contato com a realidade do professor de educação física da rede pública e procurarem levantar os desafios e possibilidades, aparecem as precárias condições materiais, a heterogeneidade e a quantidade de alu-nos como desafios, e a vontade do professor como possibilidade de reverter e adaptar esse quadro:

Podemos perceber que nada é impossível dentro da realidade da escola pública, as dificuldades vão existir, tais como materiais, quantidade de alunos, e espaço fí-sico. Entretanto, com o apoio da comunidade e a von-tade de realizar o trabalho, as ações podem se tornar concretas.

Ao registrarem as dificuldades quando ministraram a aula, os alunos relataram a insegurança inicial:

Na aula que ministrei, fora aquele friozinho na barriga básico, a maior dificuldade foi organizar o tempo para as atividades planejadas. Mas, quanto às explicações das mesmas, acredito que não tive problemas.

Outra dificuldade foi no momento de ministrar a aula. No começo da aula, estava nervoso e acredito que minha comunicação com os alunos foi afetada.

Esses registros indicam que o projeto de intervenção também possibi-litou aos alunos experiências emocionais que puderam ser partilhadas no grupo. O fato de o projeto ter sido aplicado com adolescentes (ensino mé-dio) levantou certezas e mudou expectativas em relação a esse público, pois quem gostava manteve o gosto por essa faixa etária e quem tinha algum receio em conseguir trabalhar com ela foi, ao longo do projeto, percebendo caminhos e encontrando estratégias que permitiram mudar as expectativas. Por outro lado, aparece também a responsabilidade e a percepção de que o primeiro encontro, a primeira aula é muito importante na relação entre

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professor e aluno e no desenvolvimento de qualquer projeto. Isso aparece na manifestação do sujeito responsável por ministrar a primeira aula:

A minha maior dificuldade foi lidar com a minha in-segurança na primeira aula, pois me sentia responsável por criar uma empatia que nos auxiliaria no decorrer do projeto e ainda tive que lidar com o meu posicionamen-to negativo frente ao trabalho com adolescentes.

6. A percepção dos alunos do Ensino Médio

Além da nossa observação e dos depoimentos dos estudantes do curso de educação física que ministraram as aulas, registramos as percepções dos alunos que participaram das aulas. Seus depoimentos são fonte rica de fee-dback para que possamos verificar de que maneira este projeto impactou os alunos do ensino, foi por eles percebido e vivenciado.

Perguntamos a esses alunos se achavam que os alunos do curso de edu-cação física estavam preparados para dar aula, os pontos positivos e negati-vos e o que poderia ser feito para melhorar. Todos afirmaram acreditar que os alunos com quem tiveram seis aulas de educação física estão preparados para atuarem como professores. Como justificativas para essa afirmação aparecem questões pedagógicas e atitudinais.

Em relação às questões pedagógicas, dez alunos do ensino médio indi-caram que os estudantes de educação física explicam e ensinam bem, como observado nos trechos abaixo.

12M Todos mostram o domínio de sua profissão, nos passaram segurança e dinamismo necessário para que seja uma boa aula.

7F Explicaram todos os conceitos de uma maneira fácil de entender e além de tirarem dúvidas em sala de aula nos ensinaram coisas novas, principalmente na quadra, como passes e arremessos.

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Apenas uma aluna se posicionou de maneira contrária, como observa-mos neste trecho do questionário:

4F – Ensinaram de forma razoável, pois tinha algumas perguntas que não sabiam responder e algumas explica-ções eram meio complicadas.

A adolescente percebe que os estudantes de educação física precisavam pesquisar mais informações sobre as dúvidas trazidas pelos alunos do ensino médio. O registro dessa aluna foi fundamental para os alunos da licenciatura perceberem que precisarão indicar para seus alunos da escola que o professor não precisa necessariamente saber tudo para ser um bom professor, o mais importante é a postura de buscar conhecimento juntamente com os alunos.

Em relação à dimensão atitudinal, podemos dividir os depoimentos dos adolescentes em duas categorias: aspectos atitudinais e aspectos relacionais.

Nos aspectos atitudinais, aparecem educação, determinação, dedicação e responsabilidade.

9M São educados e ajudam muito bem nas dificuldades.

6F - Se mostraram com determinação e desempenho.

14F Têm características importantes como o bom humor, dedicação e educação.

17F Mostraram responsabilidade dentro da sala e da quadra e também por serem divertidos. Para mim, isso vale muito em um professor de educação física.

Percebemos que os alunos do ensino médio valorizaram a descontra-ção, mas, ao mesmo tempo, também a responsabilidade dos licenciandos, ou seja, os alunos adolescentes não querem um professor autoritário, sério, porém também não querem um professor sem responsabilidade e compro-misso.

Nos aspectos relacionais, aparecem questões como saber lidar e intera-gir com os alunos:

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11F Pois têm toda a estrutura e firmeza para lidar com os alunos, eles também sabem preparar uma aula e fazer com que aconteça no tempo planejado.

19F Pois conseguem interagir bem com os alunos, po-dendo assim realizar uma boa aula.

9F Mostraram capacidade no desenvolvimento das au-las e souberam lidar com os alunos, que é o mais im-portante.

Para finalizar, perguntamos sobre os pontos positivos e negativos do projeto e sugestões para melhorar. Essas três perguntas agrupadas nos per-mitiram reunir as respostas em três categorias de análise: conteúdo, estra-tégia/método e postura.

Em relação aos conteúdos, grande parte dos sujeitos percebe como po-sitivo terem aprendido coisas novas, permitindo-lhes sair da rotina:

1M – Aulas não caem na rotina, o conteúdo é ensinado em conceitos diferentes, as aulas em quadra são dinâmicas.

5M Aprendemos esportes que nunca tínhamos apren-dido.

1F Aprender sobre três esportes novos e sobre o que é um frequencímetro.

7F Foram abordados esportes que não fazíamos a mí-nima ideia de como era, como o futebol americano, flag, rúgbi. E tivemos a oportunidade de jogar.

Sugerem, nesse mesmo sentido, mais aulas diferentes e aulas livres, além das quatro modalidades tradicionais logicamente, dois meninos su-geriram o futebol:

6M Ensinar outros esportes e dar aulas livres.

11M Poder jogar futebol, basquetebol e voleibol e não apenas flag, rúgbi e futebol americano.

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7M Que deem aula de futebol.

8M Passar futebol.

Apenas dois sujeitos citam como negativo o conteúdo:

11M Praticamos esportes chatos.

17F Na hora de praticar o esporte, era muito cansa-tivo.

Em relação às estratégias e o método, perceberam as aulas como dinâ-micas, interativas e que permitiam a participação dos alunos opinando em relação aos conteúdos:

12M Aulas sempre dinâmicas e cem por cento intera-tivas.

8F A aula era interativa, dinâmica e todo mundo parti-cipava, não havia sedentários.

19F Há boa compreensão e atenção por parte do professor e pode-se opinar, além de trazerem novos esportes.

As opiniões acima revelam algumas características desses adolescentes, como dinamismo, interesse pelo novo e vontade de fazer parte do processo, de serem ouvidos, de sentirem-se importantes. Sobre este assunto, Kinijnik afirma que “o ser está no mundo quando o percebem; a imagem corpo-ral constitui-se e só existe quando o próprio corpo é percebido pelo outro como arte integrante do mundo” (KINIJNIK, 2003, p. 79).

As aulas teóricas aparecem como ponto negativo, muito provavelmente por não fazerem parte da cultura dos alunos, ou talvez por fazer com que eles percam a oportunidade de saírem da imobilidade das carteiras para a movimentação da quadra:

1F Aulas teóricas.

Para alguns alunos, é necessário ajustar a maneira como as atividades são explicadas e dimensionar as atividades escolhidas para a aula:

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3F Nem sempre dá tempo de fazer tudo e nem todos gostam de jogar.

14F – A forma como explicam algumas vezes fica con-fusa.

Para quem pensa que os adolescentes não podem contribuir com as estratégias de aula, vejam-se os comentários abaixo, que vão desde a utiliza-ção de vídeo até a sugestão de selecionar apenas um determinado conteúdo ligado à saúde para ser trabalhado.

1M – Utilizar vídeo documentário.

12M Usar materiais concretos para explicação e de-monstração do esporte. Reger e direcionar a aula dire-tamente do corpo e saúde. Ex.: “Com que áreas diretas o esporte mexe com o nosso corpo?”, “Qual a melhor forma de exercer e praticar a atividade ou esporte que o corpo se beneficie de tudo que o esporte oferece?”.

O comentário abaixo, se por um lado revela o interesse no desenvolvi-mento da matéria, por outro se mostra arraigado a um maneira tradicional de aprendizado, o registro no caderno para estudar posteriormente, mas tam-bém para auxiliar na compreensão:

7F – A matéria teórica passada no caderno, pois com isso seria mais fácil a compreensão e também melhor para estudar.

Os comentários sobre a postura dos alunos, futuros professores, pode auxiliar em muito no processo de formação e de ajuste de estratégias de aproximação e de controle da turma. Tanto nos pontos positivos quanto nos pontos negativos, aparecem poucas manifestações, porém, quando pe-dimos sugestões, muitas delas se referiram à postura.

Como positivo, aparece a animação e o desempenho, e como pontos negativos, para alguns alunos as brincadeiras podem interferir no anda-mento da aula, na disciplina ou até mesmo ser mal interpretados. Estes alu-

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nos necessitam de professores mais enérgicos nos momentos de cobrar dos alunos maior disciplina:

17F Animação e desempenho nas aulas.

9F Continuarem assim dinâmicos e conversando na nossa língua, tipo sendo professores sem impor autori-dade, mas sendo amigos.

3M São brincalhões e na hora de botar ordem não conseguem direito.

4F Procurar resposta de perguntas que não sabe res-ponder e serem mais durões, brincadeiras no foco certo.

10F Se soltar mais, pois são um pouco tímidos e alguns precisam de mais paciência.

17F Ser mais chatos em alguns momentos, pois os alu-nos abusam da bondade deles.

21F Por que são folgados (professores).

7. Considerações finais

As manifestações dos graduandos e dos alunos do colégio nos permi-tiram perceber as diversas aprendizagens em um projeto interdisciplinar como este.

Em relação aos graduandos, o fato de terem vivenciado um contexto real foi percebido como algo muito enriquecedor pelos alunos, permitin-do aprendizagens nas dimensões conceitual, procedimental e atitudinal, uma vez que puderam ter uma noção dos problemas a serem enfrentados futuramente, adotaram uma postura de professor durante as aulas e apli-caram a teoria na prática, não apenas nas disciplinas envolvidas como também em outras vivenciadas ao longo do curso. Ministrar as aulas para os adolescentes no seu ambiente permitiu desmistificar falsas imagens

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criadas por textos, notícias na mídia ou observações do estágio, propi-ciando, em alguns graduandos, o desejo e não mais repulsa em trabalhar com essa faixa etária.

Em relação aos alunos do colégio, eles valorizaram o aprendizado de nova modalidade, novos conhecimentos, e a postura interessada e descon-traída dos graduandos. Como ponto negativo, criticaram as atividades re-alizadas em sala de aula, talvez por não fazer parte da cultura da escola o desenvolvimento de algum conteúdo de educação física em sala de aula.

Para nós, significou o desejo ainda mais intenso de continuar a expe-rimentar inovações em nossa prática como formadores de professores de educação física para a escola básica.

A escola, os educadores e a comunidade devem ser os motores das ino-vações educativas, e por isso o profissional de educação deve ser encarado como um agente dinâmico, cultural, social e curricular que toma decisões educativas, éticas e morais, elaborando projetos e materiais curriculares em conjunto com os colegas. Ele desenvolve seu profissionalismo ao mesmo tempo em que contribui para a melhoria da qualidade de atendimento às necessidades educativas das crianças e das famílias.

A ideia de que a mudança educativa se processa em conjunto com o de-senvolvimento da profissão docente, das crianças e da comunidades mostra a necessidade de uma formação centrada nas situações problemáticas da instituição educativa por meio de processos de pesquisa que possam impul-sionar uma inovação a partir de dentro.

A escola precisa desenvolver a capacidade de adquirir experiência, acu-mular recursos, construir competências, transformando-se em um espaço de formação contínua e desenvolvimento pessoal e profissional de seus ato-res sociais. A formação é, portanto, centrada na escola.

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APRENDER COM A PRÁTICA: Uma experiência de formação de

professores de educação física

Isabel Porto FilgueirasEduardo Vinicius Mota e Silva

Luiz Henrique Rodrigues

O modo como os professores integram teoria e prática para produzir intervenções educativas de qualidade tem sido um dos temas rele-

vantes da pesquisa sobre formação de professores (ALARCÃO; 1996; GAR-CIA, 1999; IMBERNÓN, 2000; PERRENOUD et al., 2001; ALTET, 2001; THURLER, 2001; TARDIF, 2002). O crescente interesse nesse tema se deve à necessidade de formar professores capazes de enfrentar os desafios concretos da educação básica.

A investigação sobre os processos de construção de competências, ha-bilidades e saberes docentes dominou a produção acadêmica das ciências da educação norte-americana nas últimas duas décadas (TARDIF, 2002). Esses estudos indicam que o conhecimento mobilizado pelos professores em sua prática pedagógica não é a aplicação linear de teorias científicas, mas um processo pragmático e biográfico de integração de saberes teóricos e práticos: “as relações dos professores com os saberes nunca são relações estritamente cognitivas: são relações mediadas pelo trabalho que lhes for-nece princípios para enfrentar e solucionar situações cotidianas” (TARDIF, 2002, p. 17).

Para o autor, a experiência de trabalho é o elemento que dá forma ao saber do professor. A prática docente amálgama os saberes oriundos dos diferentes contextos e tempos de formação do professor e garante a reflexi-vidade das práticas pedagógicas.

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[...] os professores de profissão possuem saberes específi-cos que são mobilizados, utilizados e produzidos por eles no âmbito de suas tarefas cotidianas. Noutras palavras, o que se propõe é considerar os professores como sujeitos que possuem, utilizam e produzem saberes específicos ao seu ofício, ao seu trabalho. (TARDIF, 2002, p. 228)

Perrenoud (2002) defende a necessidade de pautar a formação docente pelo estudo dos desafios do cotidiano escolar, pois o trabalho docente acon-tece em interações e contextos humanos mutáveis e complexos, que pre-cisam ser refletidos desde a formação inicial. O autor propõe a modifica-ção do caráter prescritivo e descontextualizado dos processos de formação inicial e continuada de professores, incluindo a perspectiva dos próprios professores sobre a integração entre conhecimento teórico e experiencial. Nesse sentido, é importante que as universidades formalizem observatórios das práticas e desafios concretos do cotidiano escolar.

Na área de educação física, alguns trabalhos discutem a produção de saberes de professores atuantes (NEVES; VERENGUER, 2006; BRACHT et al., 2003), confirmando o caráter multifacetado do processo de constru-ção de conhecimentos e de integração entre teoria e prática no contexto de trabalho.

As condições de trabalho do professor de educação física e o conta-to com o público escolar raramente são abordados durante seu percurso de formação inicial. A criatividade para resolver problemas como falta de material e espaço, heterogeneidade dos alunos e organização da prática pe-dagógica não são tratados adequadamente nos cursos de formação inicial.

A constatação dessa realidade, aliada ao estudo do paradigma do pro-fissional reflexivo e da formação em contexto, levou os autores desta in-vestigação a buscar evidências empíricas sobre a validade de trabalhar os conteúdos da formação inicial de professores de educação física por meio da elaboração, aplicação e avaliação de um projeto de intervenção. A inter-venção foi idealizada e concretizada por 18 alunos do curso de licenciatura em educação física, sob a supervisão de três professores das disciplinas de atletismo, projetos educacionais e avaliação.

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O objetivo da investigação foi compreender a percepção dos alunos so-bre suas aprendizagens ao longo de um projeto de intervenção orientado por professores da universidade que buscavam metodologias de formação pautadas pela reflexão sobre a prática e a análise contextual.

Schön (1998) foi um dos precursores da formação ed o desenvolvimen-to profissional do professor a partir da reflexão sobre a prática. Ele introdu-ziu o conceito de reflexão na ação: capacidade de o educador produzir co-nhecimentos durante sua ação pedagógica. Esse conhecimento é mutável, adquirido por tentativas, e implica um ponto de vista dialético entre teoria e prática. Entretanto, muitas vezes os conhecimentos produzidos na ação são pouco articulados internamente pelos educadores. A formação deve ajudá-los a realizar a integração.

No projeto de intervenção investigado, os docentes procuraram orga-nizar as atividades de formação para que os alunos experimentassem a pro-dução de conhecimentos por meio da observação dos conhecimentos na ação mobilizados pelos graduandos para lidar com a organização da prática pedagógica com o grupo de adolescentes que participavam das aulas de educação física.

Schön (1998) critica o modelo de formação profissional vigente nas universidades atualmente, pois ele se fundamenta no racionalismo técni-co, ou seja, na aplicação da ciência aos problemas concretos da prática. A dicotomia entre teoria e prática, presente no racionalismo técnico, leva ao entendimento da educação como ciência aplicada.

A formação proposta pela racionalidade técnica não prepara os educado-res para lidar com situações novas, ambíguas e confusas, que não se resolvem por soluções lineares. Segundo o autor, as situações educacionais exigem do educador flexibilidade cognitiva e capacidade de desconstruir o problema apa-rente para encontrar o problema existente, constituindo o que chama de prac-ticum reflexivo.

A competência de um bom profissional assenta-se no conhecimento tácito aliado ao conhecimento da ciência e das técnicas, trazendo-lhe uma

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dimensão criativa. Esse conhecimento tácito, construído na prática profis-sional, precisa ser valorizado na formação de novos profissionais.

Os docentes que orientaram o projeto de intervenção que é objeto de estudo dessa pesquisa buscavam que os alunos do curso de licenciatura em educação física pudessem construir conhecimentos experienciais capazes de mobilizar o interesse pelo estabelecimento das relações entre teoria e prática e de soluções para os problemas que apareciam ao longo da intervenção com os adolescentes.

O paradigma do educador reflexivo, preconizado por Schön (1998), propõe que o professor seja preparado para construir.

Um saber-fazer sólido, teórico e prático, inteligente, e criativo que permita ao profissional agir em contextos instáveis, indeterminados e complexos, caracterizados por zonas de indefinição que, de cada situação, fazem uma novidade a exigir uma reflexão e uma atenção dia-logante com a própria realidade. (ALARCÃO, 1996, p. 14)

A proposta choca-se com currículos normativos inspirados na ciência positivista, que prega a objetividade e a neutralidade, enquanto os problemas da prática profissional do educador exigem flexibilidade, estilo pessoal e cria-tividade para serem solucionados.

O modelo de racionalidade técnica criticado por Shön (1998) é uma epistemologia da prática profissional derivada da filosofia positivista: en-tende-se que os profissionais solucionam problemas selecionando meios técnicos e instrumentais rigorosos oriundos do conhecimento científico de sua área de atuação. Essa perspectiva supõe uma relação hierárquica entre o conhecimento científico e a prática profissional.

Entretanto, os desafios profissionais dificilmente se apresentam como problemas lineares e bem delimitados, mas aparecem como estruturas caó-ticas e indeterminadas a que o próprio profissional precisa dar forma com os recursos de que dispõe: “Dependendo de nossos antecedentes discipli-nares, papéis organizacionais, histórias passadas, interesses e perspectivas

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econômicas e políticas, abordamos situações problemáticas de formas dife-rentes” (SCHÖN, 2000, p. 16).

O questionamento da racionalidade técnica está associado a uma crise de confiança na eficiência da educação profissional. Essa dificuldade é bas-tante clara no âmbito educacional e se reflete na ideia de que a formação inadequada do educador é o principal fator dos problemas da escola e da formação dos alunos. Tal crise tem origem na dicotomia entre a ciência básica e os contextos concretos da prática profissional. A ideia do talento nato e mágico para determinadas profissões também contribui para a falta de confiança nos processos formativos.

No paradigma da racionalidade técnica, um profissional competente é aquele que soluciona problemas instrumentais utilizando os conhecimen-tos científicos e as técnicas mais adequadas. Na perspectiva de Shön (1998), um profissional competente é aquele que utiliza teorias e técnicas da pes-quisa sistemática para solucionar problemas da prática. Este profissional age mais como um pesquisador tentando dar forma a um sistema de ação que como um especialista com um sistema de ação formado.

A prática profissional é aprendida por meio da iniciação nas tradições da profissão, mas aprender com a prática não é apenas aprender receitas instrumentais para solucionar problemas, mas compreender a forma como profissionais competentes raciocinam sobre situações indeterminadas da prática.

O projeto pedagógico do curso de licenciatura em educação física da universidade em que a presente pesquisa foi realizada assenta-se sobre me-todologias de ensino que integram a prática como componente curricular, tal com define a legislação sobre o tema. Segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica no Brasil, “a prática, na matriz curricular, não poderá ficar reduzida a um espaço isola-do, que a restrinja ao estágio, desarticulada do restante do curso” (RESO-LUÇÃO CNE/CP 01/2001). Os três docentes que propuseram a experiência didática investigada nesta pesquisa seguiram as orientações dessa legislação e construíram como expectativas de aprendizagem que, ao final do projeto de intervenção os graduandos deviam:

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◆ conhecer o cotidiano de uma instituição educativa e as condições de trabalho dos professores de educação física;

◆ aprender a problematizar a prática pedagógica da educação física e nela intervir;

◆ desenvolver a capacidade de trabalho em grupo e de estabelecer parcerias para pensar a prática pedagógica;

◆ adquirir conhecimentos teóricos em diálogo com as observações das crianças e adolescentes no contexto escolar em situações de educação física;

◆ aprender a observar e avaliar os alunos;

◆ utilizar as teorias adquiridas ao longo do curso para refletir sobre a prática; e

◆ aprender a dinâmica de planejar, observar, registrar, avaliar, re-fletir e replanejar em suas intervenções pedagógicas.

Shön utiliza a expressão talento artístico profissional para designar a ca-pacidade dos profissionais para lidar com situações únicas, incertas e con-flituosas da prática. A aptidão para solucionar um problema nem sempre vem associada à capacidade de explicar como o problema foi resolvido. Há uma dimensão do enfrentamento dos desafios profissionais que não é me-ramente racional.

Há nas ações profissionais do educador um saber implícito, que, quando descrito, torna-se construção simbólica. Uma mesma ação do-cente pode ser interpretada por dois educadores de modo diferente. Conhecer e refletir na ação implica passar da ação à representação para ampliar as possibilidades de conhecer: “Qualquer que seja a linguagem que venhamos a empregar, nossas descrições do ato de conhecer na ação são sempre construções. Elas são sempre tentativas de colocar de forma explícita e simbólica um tipo de inteligência que começa por ser tácita e espontânea” (SCHÖN, 2000, p. 31).

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Para Shön, o conhecimento na ação é dinâmico, as teorias são estáticas. Mas o conhecimento na ação é sempre confrontado com os resultados da ação, que por sua vez levam ao processo de refletir na ação. São os resultados inesperados de nossas ações que nos levam a refletir na ação. A reflexão na ação ainda é um processo no decorrer da prática, não orga-nizado conceitualmente, mas que pode ser apoiado por profissionais mais experientes.

Alarcão trabalha nessa concepção: “Além dos conhecimentos e da téc-nica, os bons profissionais utilizam um conjunto de processos que não de-pendem da lógica mas são manifestações de talento sagacidade, intuição e sensibilidade artística” (ALARCÃO, 1996, p. 4).

Entretanto, para a autora a reflexão não é uma atividade de análise téc-nica ou prática, mas integra-se às opções éticas e sociais, está comprome-tida com valores de construção de uma sociedade mais justa, democrática. A prática é concebida como o lócus da produção do conhecimento docente e os educadores, como ativistas políticos cujo processo reflexivo orienta a tomada de decisões. Em Alarcão se observa a utilização do modelo de orientação para a prática associada às propostas de formação que defendem o papel dos educadores no processo de mudança social.

A proposta de Schön salienta a prática como fonte do conhecimento por meio da experimentação e da reflexão. A prática deve ser orientada por um formador que dialoga com o formando, mas que também fornece co-nhecimentos. As principais estratégias de formação do educador reflexivo nesse paradigma são:

◆ experimentação em conjunto observar a atuação, pensar sobre a atuação em conjunto, planejar novas atuações em conjunto;

◆ demonstração acompanhada de reflexão o formador atua como educador de apoio, demonstrando práticas e processos;

◆ experiência e análise de situações homológas;

◆ exploração, na situação de aprendizagem, do paralelismo com a prática profissional, como o educador aprende e como ensina.

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As estratégias formativas que Schön preconiza incluem: demonstrações acompanhadas de comentários sobre os processos seguidos, esclarecimentos sobre as contribui-ções que os vários domínios do saber podem trazer para o problema e causa, crítica, reapreciação, verbalização do pensamento como expressão dos processos de re-flexão na ação e diálogo com a situação. (ALARCÃO, 1996, p. 21)

Nesse sentido, as estratégias formativas devem estimular uma pers-pectiva crítico-reflexiva, facilitar dinâmicas de autoformação participada, permitir aos educadores apropriar-se dos processos de formação, apoiá-los em seu desenvolvimento profissional, considerar que os educadores sejam protagonistas da implementação de inovações educativas, permitir que tra-balhar e formar sejam atividades integradas e que os educadores encarem a sua formação como um processo permanente.

Scarpa (1998) desenvolve algumas estratégias formativas a partir des-se referencial: discussão das necessidades formativas, registro do trabalho pedagógico em um diário pessoal, tematização de situações práticas; siste-matização do projeto pedagógico pelas educadoras; parcerias com outras escolas e instituições de formação, observação e supervisão do trabalho pedagógico, tematização de vídeos da própria prática de educadores do grupo ou de outras instituições.

Duarte critica a inserção das ideias de Shön nas pesquisas e a definição de políticas de formação docente no Brasil, que têm produzido propostas de formação que desvalorizam o papel do conhecimento conceitual na for-mação docente e filiam-se ao pragmatismo neoliberal, predominante nas políticas públicas de educação em nosso país:

De pouco ou nada servirá mantermos a formação de professores nas universidades se o conteúdo dessa for-mação for maciçamente reduzido ao exercício de uma reflexão sobre os saberes profissionais, de caráter táci-to, pessoal, particularizado, subjetivo etc. De pouco ou nada adiantará defendermos a necessidade de os forma-

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dores de professores serem pesquisadores em educação, se as pesquisas em educação se renderem ao “recuo da teoria”. (DUARTE, 2003, p. 610)

Arce (2001) afirma que, no Brasil, a influência de autores que valorizam o conhecimento prático do professor como Nóvoa (1997), Zeichner (1993) e Perrenoud (1993) tem o risco de camuflar os interesses das políticas neoli-berais de educação e o esvaziamento da qualidade conceitual e universitária da formação docente.

Apoiado nas pesquisas de Luria e Vygotsky, Duarte (2003) defende a importância do desenvolvimento do pensamento abstrato do professor, porque o possibilita analisar os episódios da prática de modo crítico. O professor capaz de pensamento abstrato interpreta o mundo de maneira mais profunda e completa. Tal forma de pensar é construída no contato com conceitos científicos, por meio do processo de escolarização.

Destaque-se que a utilização dos modelos de formação docente orien-tados para a prática necessita de uma discussão mais abrangente sobre os processos de reflexão.

Macedo (2005), apoiado nos trabalhos de Piaget, argumenta que a prá-tica reflexiva, como todo processo de tomada de consciência, supõe dois percursos: a interiorização e a exteriorização. O autor apresenta três obstá-culos ao processo reflexivo:

◆ reconstituir as próprias ações no plano da representação, mesmo que elas não sejam desejáveis ou positivas;

◆ transformar as ações em linguagem;

◆ tornar o conhecimento na ação compartilhável e, ao mesmo tem-po, criticável.

Para o autor, a reconstituição da prática acontece de maneira mais pro-funda e crítica se for realizada por estruturas do pensamento abstrato e conceitos científicos. Por isso, os docentes que organizaram a experiência didática objeto desta investigação mantiveram o compromisso com as ati-vidades acadêmicas.

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Considerar a reflexão e a autonomia intelectual docente é importante porque a formação de educadores diferencia-se de outras formações, já que suporta uma formação dupla (científica e pedagógica). É uma formação de formadores, o que implica o isomorfismo entre as metodologias de forma-ção e as metodologias ensinadas ao educador (GARCIA, 1999).

Se o educador não é formado a partir da reflexão e da construção da autonomia intelectual, dificilmente irá desenvolver uma prática pedagógica que leve seu aluno a ser reflexivo. Só é possível conquistar efetiva autono-mia intelectual se o educador domina o universo semântico e conceitual de sua área de atuação, se compreende as teorias psicológicas, sociológicas, epistemológicas e metodológicas de sua prática.

Alarcão (1996) mostra haver dois tipos de conhecimento que o educa-dor utiliza em sua prática profissional: o conhecimento gerado na reflexão e o conhecimento que sustenta a reflexão. Daí a importância de superar a dicotomia entre teoria e prática na formação do educador, pois é da rela-ção catalisadora entre esses dois conhecimentos que emerge uma prática reflexiva.

Pérez-Gómez (1992) indica que há duas tendências nas abordagens de formação orientadas para a prática: a tendência tradicional e a tendência reflexiva sobre a prática.

Na tendência tradicional, a formação restringe-se à aprendizagem por tentativa e erro, existindo uma nítida separação e hierarquização entre te-oria e prática.

A segunda tendência é considerada mais importante, a base da forma-ção sendo a aprendizagem de modelos de atuação de bons professores.

Para o autor, a atividade docente acontece em um ambiente ecológico complexo, no qual interagem fatores psicossociais, políticos e contextuais. O êxito do professor está em sua capacidade de manejar todos esses fatores, estabelecendo um diálogo constante reflexivo com a prática.

No Brasil, muitas pesquisas, propostas e políticas de formação têm va-lorizado a experiência do educador como ponto de partida para a forma-ção. No entanto, é preciso cautela quando os termos e conceitos das aborda-

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gens de orientação para a prática são banalizados e utilizados para esvaziar propostas de formação de base teórica sólida.

Nesta pesquisa, utilizou-se o conceito de formação em contexto para propor a experiência didática em questão. Nesta concepção, os professo-res são considerados ativistas políticos e protagonistas do desenvolvimento curricular e institucional. A prática é o lócus da produção do conhecimento docente, mas está articulada à dimensão conceitual.

Lino (2005) classifica o modelo de formação em contexto desenvolvido em Portugal por Oliveira-Formosinho (1998) na abordagem social recons-trucionista com influências da perspectiva desenvolvimentista de formação de professores.

Segundo Garcia (1999), as abordagens social-reconstrucionistas man-têm estreita relação com as abordagens orientadas para a prática. No en-tanto, defendem a reflexão do educador não como atividade meramente técnica ou prática, mas uma ação comprometida ética e socialmente.

Essa tendência busca superar os enfoques tecnológicos, funcionalistas e burocratizantes da formação de educadores, desenvolvendo um caráter relacional, dialógico, cultural-contextual e comunitário no qual a escola, os educadores e a comunidade são os agentes das inovações educativas.

Nesse sentido, o desenvolvimento profissional dos educadores é um nó estratégico da melhoria da qualidade da escola:

Desde o fracasso das grandes reformas educativas da década de 70 e 80, há um apelo na literatura à consigna-ção dos fatores pessoais e sociais no desenrolar dessas reformas, ou seja, aos aspectos de adoção e formação local das políticas educativas e, portanto, à importância dos fatores sociais, o que significa que essas reformas só são efetivas se apropriadas e se inserirem num processo de desenvolvimento profissional. (OLIVEIRA-FOR-MOSINHO, 1998, p. 5)

A formação é encarada como um processo coletivo (OLIVEIRA--FORMOSINHO, 1998), pois é no processo de interformação (educadores

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e educadores, educadores e alunos, educadores e pais) que se produzem aprendizagens significativas para as mudanças práticas, curriculares e ins-titucionais.

A formação em contexto está comprometida com a emancipação dos educadores e educadoras e visa à construção de conhecimentos que lhes possibilite a autoria da própria prática. Para atingir esse objetivo, propõe a integração entre conhecimento estruturado e conhecimento experiencial (OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2002).

A proposta da formação em contexto está orientada para o impac-to real da formação dos educadores sobre as aprendizagens das crianças. Preocupa-se com os processos, defendendo a participação dos educadores no planejamento e na operacionalização da formação. Busca a construção de conhecimentos docentes na relação dialética entre prática e teoria. Está centrada na reflexão coletiva sobre a prática, no apoio mútuo e na apren-dizagem de processos cognitivos para a contínua reflexão (metacognição).

Os projetos de formação em contexto partem de um problema concre-to e têm como objetivo melhorar os métodos de ensino, as relações com a família, a estruturação do currículo por meio do trabalho em equipe, da leitura, da discussão das práticas, da observação e do treino aspectos que foram considerados pelos docentes que participaram desta investigação.

1. Descrição da pesquisa

Havendo dificuldade de se propiciar, na formação inicial de professores de educação física, vivências supervisionadas em ambiente real de interven-ção (escolas), principalmente no período noturno, resolveu-se desenvolver o projeto interdisciplinar Meu Corpo e seus Recordes em uma instituição social parceira do curso.

Aproveitando o fato de atuarem com alunos da última etapa do cur-so e as possibilidades de integração de suas disciplinas (teoria e prática do atletismo II, projetos educacionais II e avaliação do processo ensino

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-aprendizagem), no início do segundo semestre letivo de 2009 os pro-fessores realizaram reuniões e troca de e-mails para planejar o projeto. Seu principal objetivo era colocar em prática a concepção de formação docente a partir da reflexão sobre a prática e da solução de problemas. Após esse planejamento prévio, o projeto foi apresentado aos alunos, que participaram ativamente da construção do planejamento do projeto de intervenção.

O projeto em si tinha como pano de fundo os grupos de provas da modalidade atletismo salto, corrida e arremesso e lançamento. A opção pela modalidade se deu, além das possibilidades dadas pela convergência nos horários das disciplinas, pela tentativa de se superar uma visão bastante arraigada entre os professores de educação física de que o ensino desta mo-dalidade só pode ocorrer se houverem condições ideais, ou seja, em uma pista de atletismo e com seus materiais oficiais (FREITAS JÚNIOR, 1994; MATTHIESEN, 2005, 2007).

As atividades do projeto foram realizadas em uma quadra coberta e em um salão coberto, localizados na instituição social. Participaram das atividades 25 adolescentes abrigados na instituição em questão, com idades entre 11 e 14 anos. No total, roram realizados cinco encontros com duas horas de duração cada. O programa era dividido em dois momentos: uma hora de atividades em sala de aula, visando à aprendizagem de conteúdos conceituais do atletismo, e uma hora de vivência corporal, em quadra, so-bre as principais provas do atletismo. A opção por esta divisão clássica do tempo se deu apenas por motivos de logística, pois concomitantemente a este projeto outro grupo trabalhava com as crianças menores e a instituição não possuía outro espaço para realização das atividades que contassem com iluminação artificial. Após as atividades com os adolescentes, os graduan-dos discutiam e avaliavam a prática realizada com a supervisão de um dos docentes.

A contribuição das discussões relacionadas à avaliação do processo de ensino e aprendizagem se deu por meio do diálogo entre o apoio conceitual da disciplina e a necessidade de fazer escolhas e aplicar instrumentos de avaliação de diferentes naturezas para compreender as mudanças expres-

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sadas pelos alunos envolvidos no programa de atividades. Dois momentos complementares foram alvo das reflexões: a avaliação diagnóstica e a ava-liação processual.

Cada encontro semanal teve uma temática específica. Os temas foram:

◆ conhecendo meus recordes;

◆ corridas;

◆ saltos;

◆ arremessos e lançamentos; e

◆ testando meu corpo na pista de atletismo.

Este último encontro foi realizado em uma pista de atletismo localizada no município de Barueri.

Uma das formas encontradas para verificar o impacto do projeto na for-mação dos 35 alunos envolvidos foi a realização de um questionário com-posto por dez questões abertas, elaboradas pelos professores-pesquisadores e respondido por 18 alunos. As respostas obtidas foram tratadas por meio da técnica de análise de conteúdo e são apresentadas e discutidas abaixo.

2. Resultados e conclusões

A análise de conteúdo dos questionários respondidos pelos alunos ao final do projeto revela que 39% dos alunos enfatizaram a aprendizagem do processo de planejar, executar, avaliar e replanejar o projeto de intervenção como uma das aprendizagens relevantes do projeto. Os trechos transcritos abaixo ilustram os registros escritos dos graduandos nesta categoria.

Aprendi a montar o projeto pensando na interdiscipli-naridade e focando todas as áreas, conceitual, procedi-mental e atitudinal.

Aprendi como elaborar uma proposta pedagógica con-dizente à realidade dos alunos; a necessidade de ade-

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quação de estratégias e materiais; aplicação e adaptação da teoria na prática; desenvolvimento de técnicas me-todológicas de como trabalhar a competência leitora e escritora; reflexão sobre a construção e aplicação do projeto, por meio do fornecimento de feedbacks dos professores e dos próprios alunos.

Uma parcela dos graduandos (22%) ressalta que a experiência do proje-to de intervenção possibilitou a integração entre teoria e prática:

Acredito que o fato de colocar em prática um projeto que foi discutido em sala é algo muito bom, pois vi-venciar uma realidade com tanta diversidade nos faz repensar e rever vários conceitos aprendidos nas dis-ciplinas.

A aprendizagem prática na minha visão é muito melhor, pois você encara a realidade, enfrenta e soluciona pro-blemas.

As aprendizagens foram diversas, porém a mais rele-vante sem dúvida foi a saída de um contexto teórico para um contexto efetivamente prático.

Foi importante poder colocar em prática o conteúdo de leitura e escrita que tivemos na disciplina de projetos.

A análise desses dados indica que o projeto de intervenção obteve re-sultados positivos para a aprendizagem dos conteúdos da disciplina de pro-jetos educacionais II e para a integração de aspectos teórico-práticos das disciplinas de atletismo e avaliação. Estes resultados confirmam as hipóteses do referencial teórico utilizado no planejamento do trabalho dos docentes universitários e na condução do projeto de intervenção com os adolescentes. Os dados indicam que os alunos perceberam que a reflexão sobre a prática promove aprendizagens significativas na própria formação.

Os alunos (13%) também destacaram as aprendizagens relacionadas à disciplina de atletismo, como indicam os trechos transcritos abaixo.

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Aprendi que os conceitos, procedimentos e atitudes da modalidade atletismo poderão ter uma relação também com outras disciplinas.

O projeto possibilitou aprendizagem dos conteúdos na prática, a história do atletismo, as vestimentas das épo-cas, a evolução dos materiais utilizados e a avaliação do processo ensino-aprendizagem.

Aprendi os conteúdos de atletismo (corridas, saltos e arremessos).

Uma parcela menor das respostas ao questionário (9%) apontou a ca-pacidade de trabalhar em grupo como algo relevante da experiência ao lon-go do projeto de intervenção. Um dos graduandos relata: “aprendi com os erros e acertos de meus colegas e também, é claro, com os meus”. Segundo a perspectiva de formação em contexto adotada nesta pesquisa, a formação docente beneficia-se de processos coletivos de construção de saberes que poderiam ter sido mais enfatizados pelos docentes universitários ao longo do projeto de intervenção.

O questionário instigou os alunos a relatarem suas opiniões sobre a perda ou não dos conteúdos acadêmicos pelo fato de os docentes terem substituído algumas das aulas teóricas pela experiência do projeto de inter-venção. Em relação a essa questão, eram 44% os alunos que indicavam não haver perda de conteúdo com o desenvolvimento do projeto, enquanto 45% consideraram que houve perda, principalmente na disciplina de atletismo, especialmente porque deixaram de vivenciar algumas provas de atletismo.

O fato de um número considerável de alunos relatar que houve perda de conteúdo na disciplina atletismo pode ser compreendida porque, em virtude do projeto, três conteúdos clássicos da modalidade (salto com vara, lançamento do disco e do martelo) não terem sido vivenciados como tra-dicionalmente o são, ou seja, com os próprios graduandos fazendo o papel de alunos. Apesar de esses conteúdos terem sidp tratados conceitualmente, parece que esse grupo de alunos não percebeu que mais importante que aprender a executar as provas é aprender a ensiná-las dentro de um contex-to real de atuação do licenciado.

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Observa-se que 11% dos alunos indicaram que a perda de conteúdo foi superada pela oportunidade de vivência prática do projeto:

Por estarmos em uma graduação, sempre irão existir as-suntos que serão mais explorados que outros [...] acre-dito que foi uma escolha vivenciarmos o que era mais importante naquele momento.

A parte prática de alguns conteúdos foi deixada de lado por causo do projeto, porém a prática que tivermos no projeto compensou [...] pois tivemos a percepção de como será nossa vida profissional em escolas estaduais.

Sobre a utilização de conhecimentos de outras disciplinas, 67% dos alunos afirmaram utilizar conceitos de disciplinas que não estavam dire-tamente envolvidas no projeto, especialmente aquelas ligadas à prática da intervenção na faixa etária atendida.

Este dado indica novamente que a reflexão sobre a própria prática é uma estratégia eficaz para a formação inicial de professores, como defendem os autores presentes no referencial teórico da investigação. Os dados mostram o potencial dos projetos de intervenção para a mobilização e transposição didática de conceitos na formação de professores, especialmente em relação às disciplinas de prática de intervenção

Em sua maioria (78%), os alunos não utilizaram conhecimentos não apre-sentados na Universidade para solucionar os desafios do projeto de interven-ção. Os trechos abaixo ilustram a escrita dos graduandos sobre esse tema:

Os conteúdos da minha formação serviram de suporte para a formulação do projeto.

A bagagem que temos deu para montar um projeto bom.

Acredito que o curso nesta grade é adequado e comple-to a licenciados, pois além de trabalhar a parte biológica

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e a parte esportiva, essenciais na educação física, abran-ge profundamente questões pedagógicas e educacionais, que completam a formação e trazem grande diferencial em relação à grade antiga para quem deseja trabalhar em escola.

Em 22% das repostas dos alunos ao questionário há registros dos co-nhecimentos que precisaram utilizar na intervenção de conteúdos e que não foram abordados nas disciplinas da universidade como criar e adaptar atividades ao contexto:

Tivemos que montar um tabuleiro de jogo, montamos um vídeo [...] isso foi importante para abrimos o leque de possibilidades e de maneiras de trabalhar um projeto.

A criação de cartazes referente à colagem e escrita para dar início ao projeto.

Esses resultados apontam que o curso frequentado pelos graduandos abrange conhecimentos para a intervenção profissional de maneira ade-quada, mas é preciso inserir conteúdos, competências e habilidades dos graduandos para produzir materiais didáticos que envolvam aprendiza-gens conceituais e com recursos de leitura e escrita nas aulas de educação física.

Os alunos atribuíram a importância do projeto a dois fatores: perceber o envolvimento e o desenvolvimento do público alvo (44%) e aprimorar conhe-cimentos sobre a prática profissional (56%):

Foi gratificante ver a felicidade deles quanto estávamos lá.

O interesse das crianças em participar, isso foi funda-mental.

A oportunidade de testar nossos conhecimentos, de aprimorá-los e o fato de termos oportunizado esta vi-vência às crianças da associação, contribuindo para seu desenvolvimento e ampliando seu repertório motor.

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Considero importante discutir o que ocorreu lá, como foi o final de cada dia, apontar os pontos fortes e fra-cos e melhorá-los. Enfim , o conjunto das funções de planejar, aplicar, avaliar e planejar novamente de acordo com as detecções de pontos fortes e fracos, mudanças de estratégias, buscando melhorar a prática docente.

Possibilita ao educador conhecer a realidade das crianças.

O mais importante foi perceber o envolvimento das crianças durante o projeto. Essa aceitação nos fez apli-car o projeto com mais dedicação, pois tivemos certeza de que os alunos iriam participar e que os conhecimen-tos adquiridos seriam significativos para o decorrer do seu desenvolvimento.

Segundo Tardif (2002), o envolvimento afetivo com os adolescentes e a percepção do sucesso das próprias intervenções é uma das dimensões significativas da formação docente. Atuar concretamente como professores possibilitou que os graduandos se envolvessem mais com o próprio proces-so de aprendizagem.

As principais dificuldades enfrentadas pelos graduandos no decorrer do projeto referem-se a questões de gestão de aula e como lidar com o com-portamento dos adolescentes (53%):

A grande dificuldade foi no início das atividades, quan-do as crianças se encontravam em estado de ansiedade e tivemos pequenos problemas com o comportamento.

A grande dificuldade foi ter um controle dos alunos, pois foi um primeiro contato, os grupos seguintes tive-ram mais facilidade.

A dificuldade de professores iniciantes com a gestão de aula é um fenô-meno já identificado por autores como Garcia (1999).

A dificuldade com os materiais e espaços da instituição também foi apontada pelos graduandos (35%):

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Houve um pouco de dificuldade em relação aos mate-riais (principalmente transporte).

A adaptação dos materiais, falta de estrutura adequada, falta de recursos materiais, por exemplo, nós gostaría-mos de ter passado um vídeo aos alunos, mas não foi possível devido à ausência do aparelho de DVD no mo-mento do projeto.

A percepção dessa dificuldade foi debatida pelos professores univer-sitários como um fator positivo para a reflexão dos alunos, pois as escolas públicas em que muitos dos graduandos irão atuar também apresentam di-ficuldades quanto aos espaços e materiais.

Uma parcela de 12% refere-se à dificuldade de entrosamento e envol-vimento dos graduandos ao longo do projeto. Um dos relatos sobre esse aspecto foi: “Os outros alunos poderiam ter ajudado mais em nossa aula.” Essa percepção implica a percepção dos desafios do trabalho em grupo, também tematizada como um dos problemas do trabalho docente nas es-colas públicas brasileiras.

Todos os alunos concordaram que o maior benefício do projeto foi para o desenvolvimento e a ampliação cultural dos adolescentes abrigados. Os graduandos citaram também a satisfação em trabalhar em uma instituição social e a possibilidade de os professores universitários aprenderem a tra-balhar com um projeto dessa natureza.

A maioria dos alunos (85%) fez sugestões para o projeto, contra 17% que nada sugeriram. As sugestões se relacionaram à realização de mais projetos com essa natureza envolvendo outras disciplinas e modalidades esportivas (54%), realizar o projeto nas dependências da universidade para utilização de melhor infraestrutura de espaços e materiais (23%) e dimi-nuição do tempo de aula com as crianças para aumentar o tempo de debate sobre o trabalho desenvolvido (23%):

As aprendizagens foram possibilitadas devido à prática; o contato com a realidade, com as crianças e com os alunos. Durante a construção, aplicação da proposta e posterior avaliação juntamente com o professor e com

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os colegas pudemos nos avaliar e modificar as aulas. Na disciplina de projetos aprendemos a considerar a realida-de dos alunos (suas necessidades, relacionar os conheci-mentos do projeto ao cotidiano dos alunos); considerar a realidade da instituição (espaço, tempo, horário, ade-são e envolvimentos dos alunos, adaptação e transpor-te de materiais); preocupação com o desenvolvimento das habilidades escritora e leitora (por meio de rodas de conversa, exposição de vídeos, imagens e da criação de jogos), da descrição oral de suas vivências, confecção de cartazes, leitura das instruções para jogar; conceito e aplicabilidade da interdisciplinaridade. Na disciplina de avaliação: construção de um roteiro de avaliação, como e por que avaliar, avaliação qualitativa e individual. Na dis-ciplina de atletismo: adaptação de materiais à realidade da instituição e dos alunos; aplicação dos conhecimen-tos produzidos na faculdade, conceitos sobre a história do atletismo, técnicas de execução dos movimentos de forma adaptada para compreensão e vivência dos alunos.

Os graduandos puderam, além de trabalhar o planeja-mento, também observar e sentir as dificuldades perti-nentes à profissão.

Acredito que vocês professores que nos proporciona-ram tamanha experiência poderiam levar esse modelo para outras disciplinas.

Os resultados indicam que os graduandos percebem que a vivência prática garante aprendizagens significativas da formação inicial, pois pos-sibilita vivenciar o ciclo planejar, intervir, observar e reavaliar a própria intervenção e a dos colegas sob orientação dos professores da universida-de; perceber o feedback positivo dos adolescentes; e envolver-se com as próprias aprendizagens, motivados pelo desejo de realizar um bom traba-lho com os adolescentes.

Estes resultados reforçam a relevância de projetos desta natureza na formação inicial de professores de educação física para a escola básica.

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MOSTRA DE ATIVIDADES RÍTMICAS E GINÁSTICA:

A Experiência de Aproximar Diferentes Disciplinas

Denise Elena GrilloEdilson Pichiliani

Olavo Dias de Souza JuniorMarcos Merida

Raul Alves Ferreira Filho

No campo da aprendizagem, apesar das muitas tentativas inovadoras, estamos acostumados a ver propostas tradicionais. Em um processo

de ensino e aprendizagem tradicional, observamos o seguinte movimento: um professor ensina, o aluno escuta, faz anotações e, por fim, é testado em prova. Contudo, sabemos que a melhor maneira de aprender, além de ouvir o pro-fessor, é fazer com que o aluno pesquise e elabore seu próprio conhecimento, fazendo com que ele construa sua própria “autonomia de aprender” (DEMO, 2001).

Masetto (2002) afirma que o papel do professor universitário não é ape-nas ensinar para o aluno responder, mas sim contribuir para que realmente o aluno tenha uma aprendizagem significativa. Para isso, os alunos devem participar das aulas e realizar atividades motivadoras e interessantes. Tam-bém afirma o autor que para incrementar as aulas os professores devem desenvolver projetos diferenciados. De acordo com Anastasiou e Alves, uma estratégia é “explorar os meios e condições favoráveis e disponíveis, com vista à consecução de objetivos específicos” (ANASTASIOU; ALVES, 2003, p. 68). Profissionais compromissados com a aprendizagem signifi-

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cativa criam, estudam, experimentam e empregam novas estratégias para alcançar essa “autonomia do aprender”. Nesse sentido, Duarte (2001) acres-centa a importância de um aluno desenvolver um método de aquisição, elaboração, descoberta, reconstrução e construção de conhecimentos. Para tanto, professores podem utilizar diversas estratégias. Relataremos a seguir uma experiência universitária que envolveu professores e graduandos pro-curando estratégias para estimular uma aprendizagem significativa, uma atividade que os colocasse diante do desafio de construir uma apresentação de ginástica. O objetivo era que, a partir dessa experiência com a ginástica, fosse possível contribuir para a preparação de profissionais de educação fí-sica capazes de construir e avaliar sua prática profissional com competência e autonomia.

Surgia, assim, a primeira edição de um evento que se tornaria, em uma universidade particular, a Mostra de Atividades Rítmicas e Ginásticas, ide-alizada inicialmente por duas disciplinas na intenção de unir as apresenta-ções/demonstrações de alguns alunos em um só momento, e proporcionar um encontro interno do curso de educação física. Essa que foi uma das primeiras iniciativas de integração entre disciplinas no curso de educação física dessa universidade, hoje é parte da história desse curso. O objetivo deste texto é apresentar essa história, as experiências e alguns resultados desse evento.

1. O evento

A Mostra de Atividades Rítmicas e Ginásticas é um evento realizado semestralmente no qual estudantes da 1ª à 4ª etapa do curso apresentam coreografias, dramatizações ou outras formas de expressão artística. Essas apresentações são utilizadas pelos professores para avaliar a aprendizagem dos alunos durante o semestre, sendo parte dos requisitos para aprovação em determinadas disciplinas do curso. O evento foi realizado com o envol-vimento de duas disciplinas de atividades rítmicas e de ginástica, na inten-ção de que as apresentações dos graduandos ao final de cada semestre, com caráter avaliativo, ocorressem em um espaço comum. Assim, os alunos te-riam espectadores para suas apresentações.

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Na disciplina de ginástica, os alunos têm contato com o desenvol-vimento das habilidades motoras básicas, específicas, e as qualidades físicas também, são abordadas. Os alunos iniciam a compreensão em relação às técnicas de locomoção, variação de direções e trajetórias, ex-ploração dos planos do movimento e formação de figuras elementos fundamentais na elaboração das séries de ginástica geral apresentadas e avaliadas ao final do semestre.

Para a Confederação Brasileira de Ginástica (CBG), a ginástica geral é a parte da ginástica que está orientada para o lazer, desenvolve a saú-de, a condição física e a interação social, dessa forma contribuindo para o bem-estar físico e psicológico de seus praticantes. Oferece um vasto campo de atividades, respeitando as características, interesses e tradições de cada povo, expressados por meio da variedade e da beleza do movimento cor-poral. Seus objetivos são promover o valor e a diversidade da ginástica para a população; oportunizar a participação do maior número de pessoas em atividades físicas, de lazer, fundamentadas nas atividades gímnicas, inde-pendentemente de idade, sexo ou habilidade; oportunizar a autossuperação individual, intercâmbio sociocultural entre os participantes, o trabalho co-letivo; integrar várias possibilidades de manifestações corporais às ativida-des gímnicas; oferecer eventos de beleza (apresentações) sem preocupação com desempenho.

Ayoub (2003) acrescenta ainda que a ginástica geral, também denomina-da ginástica para todos, favorece a integração social e proporciona situações para o desenvolvimento de sua capacidade de decisão e de ação, visando à autonomia dos alunos, fazendo-os observar a responsabilidade de comparti-lhar no processo educativo.

São exatamente esses os valores observados pelos professores ao longo do desenrolar da disciplina e pelos alunos da 2ª etapa em uma demonstra-ção de step (Figura 1).

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Figura 1. Alunos da 2ª etapa em apresentação valorizando as formações utilizando o material step.

Na disciplina de atividades rítmicas são apresentadas as características de ritmo, tipos e funções gerais, assim como a relação com a música - mo-vimento; noções de espaço - utilização de materiais manuais e os aspectos relevantes nas práticas pedagógicas e profissionais. Os alunos também são levados a perceber que somente em termos de análise se podem observar os diferentes tipos de ritmo (universal, sociocultural, situacional, grupal, indi-vidual e do movimento) que são propostos por vários autores e funcionam integrados e de forma simultânea. As aulas são elaboradas no sentido de permitir que o aluno expresse a percepção do fenômeno rítmico e o enten-dimento dos conceitos por meio dos movimentos corporais.

Os alunos fazem a análise dos efeitos do ritmo e da música em relação ao movimento. Segundo Haas e Garcia (2003), essa relação produz melho-rias, pois facilita a expressão total e autêntica, a economia do movimento, o reconhecimento da mecânica do movimento e a coordenação motora, estimulando a economia do trabalho, afastando a fadiga na atividade do executante, pois produz prazer e reforça a memória motora.

A partir dos objetivos das duas disciplinas citadas acima, os alunos são incentivados a criar rotinas de apresentação (Figura 2), discutindo seus conceitos, objetivos e benefícios, bem como a sua aplicabilidade nos apro-

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fundamentos bacharelado e licenciatura, sempre levando em considera-ção o desenvolvimento biopsicossocial de seu aluno. E, é a partir daí que são incentivados a montar os trabalhos práticos e avaliativos.

Figura 2. Alunos da 4ª etapa desenvolvendo atividade rítmica criativa.

O primeiro evento foi elaborado pelos próprios professores das duas disciplinas envolvidas, que discutiram com os alunos que as apresen-tações seriam compartilhadas com outras turmas. A reação foi boa, os alunos concordaram em organizar o evento. Fizeram as inscrições dos grupos, registraram os temas que seriam abordados, organizaram a se-leção das músicas utilizadas e não deixaram de lado a decoração, como flores na entrada do ginásio.

O segundo evento, no semestre seguinte, aconteceu da mesma maneira, mas com a participação de mais uma disciplina: bases biológicas aplicadas à educação física. O professor responsável por esta disciplina buscava novas estratégias para avaliar seus alunos e viu na ginástica uma forma de estimu-lar a aprendizagem e valorizar outras formas de expressão do conhecimen-to, além da escrita. Surgiu então uma ideia diferente, não tradicional, com a intenção de motivar os alunos a estudar detalhes dos temas abordados na disciplina de biologia.

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A disciplina de biologia é tradicionalmente conhecida por abordar temas áridos e distantes do cotidiano imaginado pelos graduandos em educação física. O foco interdisciplinar foi um dos fatores de motivação para um melhor desempenho acadêmico. Os conteúdos da biologia celu-lar, molecular e histologia necessitam de uma abordagem técnica, prática e inovadora para evitar o desinteresse e o consequente fracasso na apro-vação na disciplina. A partir da motivação integral entre direção, profes-sores, coordenadores e alunos, foram desenvolvidos momentos e práti-cas que aglutinassem a aplicação de conteúdos clássicos da biologia em apresentações de ginástica e atividades rítmicas. Durante um semestre, os alunos formavam seus grupos de estudos e de aulas práticas, que se trans-formaram em grupos de apresentação, a partir de temas como “contração muscular em nível molecular”, “histologia do tecido sanguíneo”, “regene-ração de tecidos ósseos e cartilaginosos após fraturas”, “hematose em va-sos capilares”, ou ainda “ação de neurotransmissores na sinapse nervosa” (Figura 3). Cada equipe formada deveria dividir a construção de sua apre-sentação em dois pontos focais. Por um lado, deveriam ser observados os principais aspectos biológicos do assunto escolhido e apresentados os conceitos discutidos em sala de aula e posteriormente aprofundados nas bibliografias recomendadas. O segundo aspecto visava à criatividade e a plasticidade, ou seja, como utilizar os conceitos da disciplina de ginástica de maneira correta e padronizada. Neste momento, com orientação dos professores de ginástica e atividades rítmicas, os alunos iam compondo as rotinas com movimentos envolvendo as habilidades motoras básicas e específicas (movimento de maior dificuldade), utilizando diferentes técnicas de locomoção, variação de direções e trajetórias, exploração dos planos do movimento e formações de figuras, observando a utilização de materiais, ritmo, escolha adequada da música. Para exemplificar a impor-tância dessa orientação, em alguns momentos era necessário que o pro-fessor lembrasse aos alunos que a representação corporal de um batimen-to cardíaco necessitava do acompanhamento de uma música adequada, que não poderia ser muita rápida e frenética.

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Figura 3. Alunos da 2ª etapa, da disciplina de biologia, representando “neurotrans-missores na sinapse nervosa”.

Dessa maneira, na disciplina de biologia surgiram contribuições que acabaram surpreendendo a cada semestre, como a utilização de objetos: fi-tas de ginástica rítmica para representar uma troponina, massas de ginásti-ca rítmica representando células, cama elástica para mostrar a deformação da cabeça de actina II, bolas na forma de hormônios, e muitos outros.

A real incorporação dos fatores biológicos se deu quando os atores (alunos), além de representar moléculas, células e ações histológicas, uni-formizaram-se a caráter. Tais ações transcenderam a simples união entre disciplinas para uma apresentação e indicaram a real integração de conteú-dos, visando muito mais que um compromisso com mais um componente da avaliação, e também indicaram os novos rumos no desenvolvimento de unidades temáticas entre disciplinas em princípio tão distantes.

E o mais intuitivo para a percepção de um diagnóstico positivo foi no-tar que as equipes já inovaram dentro do próprio formato proposto, ou seja, alunos investindo não apenas na sugestão inicial, mas criando novas ações como a utilização de outras disciplinas para a integração dos conteúdos.

Já surgiram times para uma apresentação de ações moleculares da con-tração muscular utilizando movimentos como rolamentos, saltos, golpes

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de artes marciais e/ou utilização de técnicas da disciplina jogos e recreação para criar atividades de movimentação dinâmica envolvendo os conteúdos da anatomia humana e da biologia celular. Dessa forma, os alunos têm a oportunidade de escolher temas que utilizem os conceitos e conteúdos es-tudados ao longo do semestre e incorporem o desenvolvimento de novas possibilidades de ação interdisciplinar.

Para os professores envolvidos, o objetivo da mostra é promover maior integração entre as disciplinas envolvidas. No caso da biologia, a atividade facilita a sedimentação dos conteúdos entre outras disciplinas, além de pos-sibilitar a observação, a análise, a interpretação e a discussão dos diversos processos histofisiológicos relacionados à atividade física.

Ao longo dos anos, algumas outras disciplinas, com suas técnicas e con-teúdos, vieram colaborar para a mostra. Como exemplo, pode-se citar a iniciativa de dois alunos da disciplina de ginástica artística, que sugeriram ao professor responsável que poderiam participar do evento com uma apre-sentação envolvendo o conteúdo desenvolvido em aula. E assim aconteceu: a dupla desenvolveu uma série de ginástica artística de solo com música apresentada no evento.

Dentre as várias manifestações ginásticas por exemplo, aeróbica, acro-bática, geral e rítmica , a ginástica artística (GA) se caracteriza principal-mente pela utilização de grandes aparelhos distintos para cada gênero. Os aparelhos femininos, seguindo a ordem olímpica para competições, são mesa de salto, paralela assimétrica, trave de equilíbrio e solo com música. Para o masculino, também na ordem olímpica, temos o solo sem música, cavalo com alça ou arções, argolas, mesa de salto, paralelas simétricas e a barra fixa. A partir da primeira apresentação no evento, outras apresenta-ções de GA no solo surgiram com suas séries independentes ou inseridas em outras apresentações de ginástica geral ou atividades rítmicas. Mesmo as apresentações de biologia utilizam eventualmente conteúdos da GA.

Nunomura et al. (2009) observam que a GA pode proporcionar ao in-divíduo melhores condições para a superação de obstáculos como a timidez e estrutura para lidar com emoções como o medo, entre outras situações de

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ensino fundamentais na formação do ser humano, por solicitar constante-mente capacidades condicionais e coordenativas, acrescidas da diversidade de habilidades motoras exigidas em diferentes aparelhos. Some-se a isso o fato de essas habilidades serem apresentadas e observadas por outros alunos, colegas e professores do curso de educação física, considera-se um grande desafio a tentativa de rompimento de algumas barreiras para nossos alunos em geral, como a da timidez, a da consciência de suas habilidades específicas e da evolução dessas habilidades.

Também a disciplina marketing em educação física e esporte passou a envolver seus alunos no evento. Assim, o professor responsável pela dis-ciplina sugeriu que os alunos organizassem a mostra, desde as inscrições, com documentos elaborados pelos próprios alunos, organização em rela-ção ao uso de materiais, reserva de espaço (ginásio), decoração, microfone, som e até a solicitação de funcionários da universidade para trabalharem na mesa de som e serviços gerais. Considerando que temos a participação de aproximadamente 120 graduandos na mostra, a demanda de detalhes que devem ser organizados é grande.

Um dos detalhes importantes é em relação às vestimentas utilizadas pelos alunos (Figura 4). Neste caso, os professores checam a seriedade do figurino, evitando roupas que não dizem respeito ao tema abordado pelo grupo.

Outro detalhe é a observação, por parte dos alunos organizadores e professores, da qualidade das músicas escolhidas, que devem ser relaciona-das aos temas escolhidos e de modo algum fazer qualquer alusão a temas ilícitos ou que induzam a má conduta.

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Figura 4. Vestimenta utilizada pelos alunos.

No ano de 2010, houve a décima edição desse evento que conta inclusi-ve com a presença de grupos convidados de outras instituições (Figura 6) e acontece no final de cada semestre. Hoje, o evento faz parte das atividades do curso de educação física e é esperado por todos, semestralmente, de acordo com depoimentos dos alunos e professores da instituição.

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Figura 5. Grupo de dança convidado, com a participação de uma das alunas do curso.

Atualmente, duas outras disciplinas começam a participar do evento, ampliando a integração disciplinar proposta.

A disciplina de sociologia tem como proposta apresentar aspectos da história da educação física, seguindo as regras de exploração espacial, for-mações e ritmos adequados vindos das disciplinas de atividades rítmicas e ginástica.

Já a disciplina de educação física para pessoas com necessidades espe-ciais faz a apresentação de uma música expressa na linguagem de libras.

O Grupo de Ginástica Geral (GGG) da universidade (Figuras 6 e 7) sempre participa do evento com uma apresentação. Professores responsá-veis afirmam que o evento passou a ser um estímulo para o grupo elaborar novas séries a cada semestre, como podemos ver nas fotos abaixo.

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Figura 6. Grupo de Ginástica Geral.

Figura 7. Grupo de Ginástica Geral.

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2. Alguns resultados observados

2.1 Os alunos

Foi selecionado um grupo de aproximadamente 30 alunos que partici-param da mostra por dois semestres consecutivos, que responderam algu-mas questões relacionadas ao evento.

Os resultados obtidos nos apontam de uma maneira geral que essa ati-vidade foi uma estratégia bem aceita e aplicável entre os alunos.

Em relação às dificuldades enfrentadas, os alunos apontaram falta de tempo, pois a atividade foi elaborada em época de avaliações e sugeriram inclusive que ela poderia ser elaborada sem o objetivo de avaliar, mas ape-nas uma estratégia para o aprendizado.

Os alunos apontaram também dificuldades encontradas quando havia ausência de alguns alunos, e que de alguma maneira esse foi um incentivo às presenças em aulas, no sentido de haver, a partir da atividade, maior es-pírito de colaboração no grupo.

No caso das apresentações de biologia, os alunos elaboraram um texto para que o professor pudesse conferir ou apontar possíveis erros de conteú-do. O próximo passo foi procurar os professores de ginástica geral, ginásti-ca artística e atividades rítmicas para que pudessem, respectivamente, esco-lher materiais e elaborar a série, incluir movimentos específicos da ginástica artística, escolher adequadamente a música e os ritmos que utilizariam.

Os alunos ainda afirmaram que a atividade facilitou o aprendizado do conteúdo de biologia, ou seja, revelaram haver uma boa assimilação do conteúdo, que foi estudado e interpretado de maneira descontraída, além de desenvolver e aplicar os conteúdos das outras disciplinas, e se surpreen-deram com a interação de toda a classe.

É claro que também devem ser feitas análises sobre o real aproveitamento desse tipo de atividade nos conteúdos e avaliações da disciplina bases biológicas aplicadas à educação física. Embora não existam dados estatísticos acompanhando o momento de implantação das apresentações com o percentual de aprovações, foi notável a quantidade cada vez menor

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de alunos não aprovados na disciplina e, melhor, sempre há testemunhos da lembrança das apresentações por alunos que concluíram o curso. Este tipo de testemunho representa que o formando levou consigo algo mais que um punhado de conceitos e termos científicos.

Quando perguntamos se haveria possibilidade de esses futuros profis-sionais observarem e utilizarem estratégias interdisciplinares em seus tra-balhos, eles nos responderam que principalmente na educação física esco-lar há possibilidade de correlação da educação física com outras disciplinas, como ciências biológicas/biologia, português, matemática, entre outras, e que eventos como a Mostra de Atividades Rítmicas e Ginásticas pode ser realizada em outro ambiente de trabalho que não o da universidade.

O evento permitiu, também, que alguns alunos apresentassem um re-lato em um evento científico, uma mostra de extensão da universidade. Os alunos participaram com uma apresentação oral e discussão sobre a Mostra de Atividades Rítmicas e Ginásticas com outros universitários participantes.

2.2 Os professores

Os professores envolvidos relataram que as disciplinas podem se comple-mentar entre si, como instrumentos para os conteúdos ou objetivos em edu-cação física, e ainda concordam que este processo “envolveu um conjunto de pessoas na construção de saberes [...], possibilitando ao estudante sensações de espírito carregado de vivência pessoal e de renovação” (ANASTASIOU; AL-VES, 2003, p. 69).

Professores concordam que a simples troca de informações entre as dis-ciplinas pode não constituir um método interdisciplinar, mas é uma manei-ra de buscar novos caminhos para incentivo ao estudo de uma determinada disciplina, ou ainda ser uma maneira de determinada disciplina incentivar o aprendizado da outra, concordando com Palmade (apud SIQUEIRA; PE-REIRA, 1995) quando afirma que duas ou mais disciplinas trabalhando em conjunto podem romper estruturas individuais peculiares de cada uma e gerar uma visão comum dos conteúdos abordados.

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Os professores ainda apontaram, baseados em Anastasiou e Alves (2003), a valorização das experiências e interesses dos alunos, com a atividade podendo proporcionar situações para o desenvolvimento da capacidade de decisão e de ação, visando à autonomia dos alunos, fa-zendo-os observarem a responsabilidade de compartilhar no processo educativo. Portanto, de acordo com as autoras, podemos considerar to-das as séries apresentadas pelos alunos na mostra como uma atividade interdisciplinar, mesmo contando com as dificuldades encontradas e citadas pelos alunos.

Não se pode deixar de citar Fazenda (2001), que concorda que a inter-disciplinaridade não tem uma definição clara e que inúmeras tarefas com objetivos diferentes um do outro são apresentados equivocadamente como atividade interdisciplinar.

Porém, considerando as possibilidades em relação às atividades con-juntas, não se podem negar alguns importantes resultados advindos de tentativas de integrar elementos de uma ou mais disciplinas, como os exemplos de os alunos vivenciarem com movimentos corporais as ações de proteínas, enzimas ou fibras musculares.

Para Japiassú (1976), interdisciplinaridade é a comunicação entre as disciplinas, de modo que resulte uma modificação entre elas, por meio de diálogo compreensível, uma vez que a simples troca de informações entre as disciplinas não constitui um método interdisciplinar.

Partindo desse pressuposto, observando uma comunicação entre as disciplinas, aos professores envolvidos neste evento perguntamos: qual o benefício para as disciplinas de ginástica e atividades rítmicas e o caminho inverso também? Houve benefícios para todas as disciplinas?

Na tentativa de responder as questões acima, podemos afirmar que nas disciplinas de ginástica e atividades rítmicas diversos temas são abor-dados, como temas políticos, esportivos, temas folclóricos envolvendo vá-rios estados do Brasil, bem como a cultura de vários países e atualidades (Figura 8).

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Figura 8. Tema da atualidade (The Simpsons).

Até agora, a relação dessas disciplinas foi observada em disciplinas como basquete, por exemplo, na qual os alunos fariam uma rotina de gi-nástica e atividades rítmicas utilizando uma bola de basquete, com movi-mentação e exploração de espaço como se estivessem em um jogo.

Poderia haver também uma relação com outras disciplinas, como atle-tismo ou natação, porém a ideia de representar uma fratura óssea ou uma contração muscular foi desafiadora, em princípio. Não se podia apenas fazer um teatro envolvendo o tema, mas sim, utilizar os conteúdos abordados nas aulas de ginástica e atividades rítmicas. A série não poderia ficar limitada a um pequeno local, a exploração do espaço utilizado seria observada. O rit-mo, bem como a escolha da música, também. Os movimentos deveriam ser básicos, com deslocamentos como andar e saltitar, e em algum momento também deveriam ser utilizados movimentos específicos com algum grau de dificuldade, como uma estrela, um rolamento ou saltos mais amplos, envolvendo temas como a ginástica acrobática, discutida e vivenciada pelos alunos nas aulas. O desafio foi aceito pelos alunos com muito entusiasmo, por estarem fazendo uma apresentação inovadora com possibilidades de serem bem avaliados em todas as disciplinas envolvidas.

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Grillo, Pichiliani, Souza Junior, Merida e Ferreira Filho | 259

Sair do temas cotidianos comuns às disciplinas e tentar, por meio de expressão corporal, demonstrar uma função biológica utilizando os fun-damentos das ginásticas foi, sem dúvida, uma vivência nova tanto para o professor quanto para os alunos. Nas disciplinas de ginástica, de atividades rítmicas e de biologia sem dúvida houve uma modificação nas estratégias utilizadas no processo de elaboração da atividade por parte dos alunos, bem como no processo de avaliação.

3. Conclusão

Apresentamos aqui uma iniciativa de integração entre diferentes disci-plinas, expressa na Mostra de Atividades Rítmicas e Ginástica, evento or-ganizado pelo professores das respectivas disciplinas no curso de educação física. Falamos sobre sua história e alguns dos resultados que o evento tem produzido. Não há possibilidade de se negar uma forma de ensino tradicio-nal, com aulas expositivas e colocações vindas do professor para o aluno. Porém, cada dia mais se evidencia a necessidade de se encontrarem estra-tégias que estimulem nos alunos uma aprendizagem significativa. Aproxi-mar os temas discutidos em diferentes disciplinas é uma dessas estratégias e pode dar origem a projetos interdisciplinares que contribuem para a uni-versidade, e não só em sua tarefa de ensinar, pois também podem se refletir na extensão e na produção de conhecimentos.

Acreditamos também que experiências como as apresentações em um evento único oportunizam aos alunos a possibilidade de desenvolver di-versas competências por meio de estratégicas inovadoras indispensáveis às novas realidades do ensino e da aprendizagem.

Ações de várias disciplinas como as desenvolvidas na Mostra de Ativi-dades Rítmicas e Ginásticas vêm ao encontro das orientações dos Parâme-tros Curriculares Nacionais, que incentivam um ensino com o desenvolvi-mento da criatividade, da capacidade de se procurar várias alternativas para a solução de um problema, do trabalho em equipe, da disposição de correr riscos, da comunicação (BRASIL, 1999), agregando para o aluno, além de conhecimentos para sua profissão, valores para a vida.

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Referências

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AYOUB, Eliana. Ginástica geral e educação física escolar. Campinas: Editora Unicamp, 2003.

BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Média e Tecnológi-ca. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Brasília: Ministério da Educação, 1999.

CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE GINÁSTICA. Disponível em: <http://www.cbginastica.com.br/web/>. Acesso em: 15 nov. 2009.

DEMO, Pedro. Saber pensar. São Paulo: Instituto Paulo Freire/Cortez, 2001.

DUARTE, Newton. As pedagogias do “aprender a aprender” e algumas ilusões da assim chamada sociedade do conhecimento. Revista Brasileira de Educação, n. 18, set.-nov. 2001, p. 35-40.

FAZENDA, Ivani C.A. Interdisciplinaridade. São Paulo: Cortez, 2001.

HAAS, Aline Nogueira; GARCIA, Ângela. Ritmo e dança. Canoas: Ed. Ulbra, 2003

JAPIASSÚ, H. Interdisciplinaridade e patologia do saber. Rio de Janeiro: Imago, 1976.

MASETTO, Marcos. Simples assim. Revista Ensino Superior, São Paulo, ano 4, n. 44, maio 2002.

NUNOMURA, Myrian; FERREIRA-FILHO, Raul Alves; DUARTE, Luiz Hen-rique; TANABE, Alice Midori. Os fundamentos da ginástica artística. In: NU-NOMURA, Myrian; TSUKAMOTO, Mariana Harumi Cruz (orgs.). Funda-mentos das ginásticas. Jundiaí: Fontoura, 2009.

SIQUEIRA, H.S.G.; PEREIRA, M.A. A Interdisciplinaridade como superação da fragmentação. Caderno de Pesquisa, Santa Maria, n. 68, 1995.

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Autores

Prof. Ana Paula Xavier Ladeira Universidade Presbiteriana Mackenzie

Prof. Dr. André dos Santos Costa Universidade Federal de Pernambuco

Profa. Ms. Denise Elena Grillo Universidade Presbiteriana Mackenzie

Prof. Especialista Douglas Figueiredo Cossote Universidade São Judas Tadeu

Prof. Ms. Edilson Aparecido Pichiliani Universidade Presbiteriana Mackenzie

Prof. Ms. Eduardo Vinicius Mota e Silva Universidade Presbiteriana Mackenzie

Profa. Dra. Elisabete dos Santos Freire Universidade Presbiteriana Mackenzie e Universidade São Judas Tadeu

Prof. Dr. Érico Caperuto Universidade Presbiteriana Mackenzie e Universidade São Judas Tadeu

Prof. Ms. Ferdinand Camara da Costa

Profa. Dra. Isabel Porto Filgueiras Universidade Presbiteriana Mackenzie

Prof. Ms. João Crisóstomo Bojikian Faculdades Metropolitanas Unidas e Universidade Gama Filho

Prof. Dr. Jorge Dorfman Knijnik University of Western Sydney, School of Education (NSW/Australia).

Prof. Ms. José Renato Campanelli Universidade Presbiteriana Mackenzie

Prof. Ms. Kamila Santos Ressurreição Universidade Presbiteriana Mackenzie

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262 | Autores

Prof. Ms. Luiz Henrique Rodrigues Escola Castanheiras

Profa. Dra. Marcela Meneguelo Coutinho Universidade Presbiteriana Mackenzie

Prof. Dr. Marcelo Massa Universidade de São Paulo

Prof. Ms. Marcos Merida Prefeitura do Município de São Paulo

Prof. Ms. Olavo Dias de Souza Junior Universidade Presbiteriana Mackenzie; Centro Universitário Fiel; Universidade São Judas Tadeu.

Prof. Ms. Paulo Eduardo Torres Tondato Universidade Presbiteriana Mackenzie; Prefeitura Municipal de São Caetano do Sul; Universidade Municipal de São Caetano do Sul

Prof. Ms. Raul Alves Ferreira Filho Universidade Presbiteriana Mackenzie

Prof. Dra. Rita de Cássia Garcia Verenguer Universidade Presbiteriana Mackenzie

Prof. Ms. Ronê Paiano Universidade Presbiteriana Mackenzie

Prof. Ms. Rudney Uezu Universidade Presbiteriana Mackenzie e Instituto Santanense de Ensino Superior

Prof. Ms. Simone Tolaine Massetto Universidade Presbiteriana Mackenzie

Prof. Dra. Sônia Cavalcanti Corrêa Universidade Presbiteriana Mackenzie

Profa. Ms. Tania Cristina Santos Matos Coach - Facilitadora de Processos de Desenvolvimento

Prof. Valéria Piceda

Prof. Ms. Vinicius Barroso Hirota Universidade Presbiteriana Mackenzie e Faculdade Nossa Cidade