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Universidade Federal Fluminense Instituto de CiOEncias Exatas Curso de MatemÆtica O paradoxo de Banach-Tarski Lucas Barbosa Gama Volta Redonda Maro de 2016

O paradoxo de Banach-Tarski

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Page 1: O paradoxo de Banach-Tarski

Universidade Federal Fluminense

Instituto de Ciências Exatas

Curso de Matemática

O paradoxo de Banach-Tarski

Lucas Barbosa Gama

Volta Redonda

Março de 2016

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Universidade Federal Fluminense

Instituto de Ciências ExatasCurso de Matemática

O paradoxo de Banach-Tarski

Trabalho de Conclusão de Curso naárea de conhecimento Matemática Pura,apresentado ao Curso de Matemática, ICEx,da Universidade Federal Fluminense, comoparte dos requisitos necessários à obtençãodo título de Bacharel em Matemática.

Lucas Barbosa Gama

Orientador: Luiz Felipe Nobili França

Volta Redonda

Março de 2016

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Dedico este trabalho a Deus e à minha família.

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Agradecimentos

Agradeço primeiramente a Deus por sua graça e misericórdia em permitir que euvivesse e pudesse concluir este curso, e por ter me capacitado em todos os momentos. Aosmeus pais, Francisco e Lucimar, pelo grande empenho e incentivo, que foram fundamentaispara minha conclusão do curso, e ao meu irmão, Thiago, pelo apoio.

Agradeço ao professor Felipe, por além de ter me orientado com paciência tanto noprojeto de iniciação científica quanto na monografia, ter ministrado diversas disciplinascom excelência, acrescentando muito na minha formação.

Sou grato a todos os demais professores que contribuíram para a minha formação,em especial ao professor Ivan, que além de também ter lecionado várias disciplinas, meajudou em diversos assuntos do curso.

Agradeço a todos os amigos da UFF. Em especial, à Bia, que me acompanhouem várias disciplinas mais avançadas do curso e me incentivava a estudar mais. Tambémao meu companheiro de quarto, Mariano, e ao Lucas, pelas amizades, ajudas, conselhos,conversas e debates acerca de diversos temas.

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“Graças ao grande amor do Senhor é que não somos consumidos,pois as suas misericórdias são inesgotáveis.”

(Bíblia Sagrada, Lamentações 3, 22)

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ResumoNeste trabalho será apresentado o teorema de Banach-Tarski que, em sua formulação maissimples, diz que a esfera S2 = {(x, y, z) ∈ R3;x2 + y2 + z2 = 1} pode ser dividida emsubconjuntos B1 e B2 de modo que S2 seja equidecomponível tanto a B1 quanto a B2.

De maneira menos formal, o teorema diz que uma esfera unitária pode ser dividida emuma quantidade finita de subconjuntos de modo que, ao reorganizar estes subconjuntos noespaço fazendo apenas movimentos rígidos (isto é, rotações e translações), obtém-se duascópias da esfera inicial.

Versões mais gerais deste teorema serão também verificadas. Outros resultados do axiomada escolha e parte dos conhecimentos teóricos que foram necessários para concluí-lostambém estão presentes.

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Lista de ilustrações

Figura 1 – Paradoxo do tipo 2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10Figura 2 – Paradoxo de Sierpiński-Mazurkiewicz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12Figura 3 – Órbitas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16Figura 4 – Pontos fixos de rotação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17Figura 5 – Reta r . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18Figura 6 – Banach-Tarski - Primeira versão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21Figura 7 – Rotação τ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22Figura 8 – Banach-Tarski - Segunda versão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23Figura 9 – Paradoxo da ervilha e do sol . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25

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Lista de tabelas

Tabela 1 – Paradoxo de Simpson . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

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Sumário

1 INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1

2 PRELIMINARES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32.1 O Axioma da Escolha . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32.2 Grupos livres . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5

3 EXEMPLOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

4 TEOREMA DE BANACH-TARSKI . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15

CONSIDERAÇÕES FINAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29

REFERÊNCIAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31

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1

1 Introdução

Embora a matemática esteja presente nas civilizações desde seus primórdios, apercepção da necessidade, bem como a elaboração de um sistema formal é recente, tendoseu início somente no século XIX. Com o formalismo, começaram a se estabelecer teoriasaxiomáticas que descrevem conjuntos, o principal objeto de estudo dos matemáticosatualmente.

Em 1922, o lógico Abraham Fränkel (1891-1965) contribuiu com a teoria axiomáticade conjuntos proposta por Ernst Zermelo (1871-1953), resultando nas teorias conhecidasatualmente por ZF e ZFC, cujos axiomas podem ser encontrados em [1]. Todos os axiomasdesta teoria eram vistos como intuitivos e verdadeiros, até que em 1924, o matemáticoStephan Banach (1892-1945) e o lógico Alfred Tarski (1902-1983), ambos poloneses,publicaram um artigo intitulado Sur la décomposition des ensembles de points en partiesrespectivement congruentes, que continha o teorema de Banach-Tarski, cujo objetivo eramostrar que um dos axiomas, conhecido como axioma da escolha, era falso. A aceitaçãoou não deste axioma se tornou um dos debates mais acalorados na matemática do séculoXX. Por um lado este axioma era necessário para obtermos resultados importantes eintuitivos. Por outro, o mesmo axioma produzia resultados aparentemente paradoxais.Neste tipo de situação é comum vermos duas linhas filosóficas opostas sendo formadas,como aconteceu quando o teorema de Hausdorff, que precedeu o paradoxo de Banach-Tarski, foi demonstrado. Alguns matemáticos, dentre eles o eminente matemático francêsE. Borel, ao invés de aceitar o resultado do teorema como verdadeiro, preferiram negaruma das hipóteses necessárias, o axioma da escolha (veja a seção 2.1 e [2]). Hoje, o axiomada escolha é amplamente aceito entre os matemáticos.

O axioma da escolha diz que para qualquer coleção A de conjuntos disjuntos enão-vazios existe um conjunto que contém exatamente um elemento de cada conjuntoem A. O teorema de Banach-Tarski é consequência do axioma da escolha e, de maneirainformal, diz que:

“Uma esfera sólida (em R3) pode ser particionada em uma quantidade finita desubconjuntos de maneira que, rearranjados, duas esferas sejam obtidas, do mesmo tamanhoda esfera inicial.”

A natureza paradoxal deste teorema vem do fato de que o axioma da escolha éconsiderado bastante intuitivo e aceito, ao passo que o resultado deste teorema é bastantecontra-intuitivo.

A versão do teorema enunciada acima é a mais simples e também a mais conhecida.No entanto, mostraremos neste trabalho a versão mais geral do Teorema de Banach-Tarski

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2 Capítulo 1. Introdução

que diz

“Dados dois conjuntos quaisquer limitados com interior não vazio em um espaçode dimensão maior ou igual a três, podemos particionar o primeiro conjunto em umaquantidade finita de subconjuntos e rearranjá-los de modo a obtermos o segundo conjunto.”

Por exemplo, uma bola de raio muito pequeno poderia ser quebrada em umaquantidade finita de pedaços que formariam uma nova bola de raio muito grande. Esteexemplo deu origem ao apelido “the pea and the sun paradox” (o paradoxo da ervilha edo sol) para esta versão mais geral do paradoxo.

O axioma da escolha possui diversas outras aplicações na matemática. Por exemplo,mostrar que todo conjunto infinito possui um subconjunto infinito e enumerável requer ouso do axioma da escolha.

Assim como o paradoxo de Banach-Tarski, há também outras implicações estranhas,com certa semelhança com o paradoxo, do axioma da escolha, que também veremos commais detalhes neste trabalho, como por exemplo, o já citado teorema de Hausdorff, em queduplica-se a esfera menos um conjunto enumerável de pontos, e a existência do conjuntode Vitali (um conjunto limitado de pontos que não é mensurável).

A demonstração do paradoxo requer alguns conceitos acerca de grupos livres queserão apresentados neste trabalho.

Para mais detalhes sobre o Teorema de Banach-Tarski, sugerimos a leitura de [3] e[4].

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3

2 Preliminares

Neste capítulo apresentaremos os dois principais ingredientes usados na demonstra-ção do Teorema de Banach-Tarski. São eles: o Axioma da Escolha e Grupos Livres.

2.1 O Axioma da Escolha

Uma peça fundamental para a demonstração do teorema é o Axioma da Escolha.Embora este axioma só tenha sido enunciado formalmente por Ernst Zermelo em 1904,matemáticos já o haviam usado antes, sem perceber. Há vários enunciados diferentes paraeste axioma. Os mais comuns envolvem o conceito de função escolha, que veremos a seguir.

Definição 1. Seja H uma coleção não-vazia de conjuntos não-vazios. Uma função f comdomínio H é dita uma função escolha se f(X) ∈ X para todo X ∈ H.

Axioma 1. (da escolha) Qualquer coleção não-vazia de conjuntos não-vazios admite umafunção escolha.

Em alguns casos, a existência da função escolha não depende deste axioma. Porexemplo, quando H é finito, ou os elementos de H são subconjuntos de N, pode-seestabelecer regras para escolher os elementos e assim definir a função escolha.

Apesar de parecer bastante intuitivo, este axioma foi alvo de controvérsias, emvirtude de algumas consequências consideradas paradoxais.

Dentre estas consequências, podemos citar o paradoxo de Hausdorff, que diz quea metade de uma esfera é congruente a um terço da mesma, e o próprio paradoxo deBanach-Tarski. Veremos a demonstração do paradoxo de Hausdorff como um dos passospara a demonstração do teorema de Banach-Tarski.

Outro resultado interessante do axioma da escolha é a construção do conjunto deVitali, um conjunto limitado que não é Lebesgue-mensurável. Exemplos como este serãovistos com mais detalhes no capítulo 3.

Diz-se que uma teoria axiomática é consistente se dada qualquer proposição P ,não se pode provar simultaneamente P e sua negação ¬P . Em 1929, Kurt Gödel mostrouque a consistência de ZF (teoria de Zermelo-Fränkel sem o axioma da escolha) não podeser demonstrada usando apenas seus axiomas. Mais tarde, em 1940, Gödel mostrou queo axioma da escolha é consistente com a teoria ZF, isto é, se ZF é consistente então ateoria ZFC, resultado da adição do aximoa da escolha aos axiomas da teoria ZF, também

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4 Capítulo 2. Preliminares

é consistente. Paul Cohen mostrou, em 1963, que o axioma da escolha é independente dateoria ZF, isto é, não é possível prová-lo ou refutá-lo a partir dos axiomas de ZF.

Hoje, o axioma da escolha é universalmente aceito pelos matemáticos. Além desteaxioma ser utilizado para provar que qualquer conjunto infinito admite subconjunto infinitoenumerável, o que é muito intuitivo, existem vários resultados importantes na matemáticaque são conclusões deste axioma. A seguir, serão enunciados alguns que são não apenasresultados do axioma, mas equivalentes. Primeiramente precisaremos de algumas definições(encontram-se em [7]).

Definição 2. Seja S um conjunto. Uma relação de ordem em S é uma relação binária,que denotaremos por ≤, que goza das seguintes propriedades:

1. Reflexiva: x ≤ x para todo x ∈ S;

2. Anti-simétrica: se x ≤ y e y ≤ x, então x = y;

3. Transitiva: se x ≤ y e y ≤ z, então x ≤ z.

Definição 3. Quando em um conjunto S está definida uma relação de ordem, dizemosque S é um conjunto ordenado. Se x ≤ y ou y ≤ x para todo x, y ∈ S, então S é ditototalmente ordenado. Caso contrário, dizemos que S é parcialmente ordenado. Se S éordenado e existe x ∈ S tal que para todo y ∈ S não vale que x ≤ y e x 6= y, então xé chamado elemento máximo. Analogamente, se para todo y ∈ S não vale que y ≤ x ex 6= y, dizemos que x é um elemento mínimo.

Definição 4. Seja A ⊂ S onde S é um conjunto ordenado. Dizemos que a ∈ S é uma cotasuperior de A se x ≤ a para todo x ∈ A. Dizemos que um conjunto ordenado é indutivosuperiormente, se todo subconjunto totalmente ordenado possui cota superior.

Se S é um conjunto totalmente ordenado, podemos definir uma relação chamadaordem estrita total, da seguinte maneira: x < y se, e somente se, x ≤ y e x 6= y. Quandotodo subconjunto não-vazio de S possui um elemento mínimo, dizemos que S é bemordenado.

Teorema 1. (Princípio da boa ordem) Qualquer conjunto não-vazio pode ser bem ordenado.

Lema 2. (de Zorn) Todo conjunto não-vazio indutivo superiormente possui elementosmáximos.

Com este último lema, é possível demonstrar um dos principais resultados detopologia, o teorema de Tychonov.

Teorema 3. (de Tychonov) O produto cartesiano ΠXλ é compacto se, e somente se, cadafator Xλ é compacto.

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2.2. Grupos livres 5

O enunciado e demonstração deste teorema encontram-se em [7]. É também de-monstrado que o teorema de Tychonov implica no axioma da escolha ([8]), concluindo aequivalência, uma vez que o axioma da escolha é equivalente ao lema de Zorn.

Outros resultados importantes, como a existência de uma base para todo espaçovetorial, a tricotomia dos cardinais e a existência de uma operação binária em qualquerconjunto S que o torna grupo, são também equivalentes ao axioma da escolha ([9] e [10]).Tarski provou que o seguinte resultado é equivalente ao axioma da escolha.

Teorema 4. Seja A um conjunto infinito. Então existe uma bijeção entre A e A× A.

Outro resultado que pode ser visto em [11] é que o teorema de Hahn-Banach, umdos principais resultados de análise funcional, cujo enunciado encontra-se a seguir, alémde ser resultado no lema de Zorn, implica no paradoxo de Banach-Tarski.

Teorema 5. (Hahn-Banach) Sejam X um espaço vetorial, M um subespaço vetorial deX e g : M → R um funcional linear. Se existe uma seminorma ρ : X → [0,+∞) talque g(x) ≤ ρ(x) para todo x ∈ M , então existe um funcional linear f : X → R tal quef �M≡ g e f(x) ≤ ρ(x) para todo x ∈ X.

Um teorema bem conhecido que, embora não seja equivalente, precisa do axiomada escolha para ser provado é o fato da união enumerável de conjuntos enumeráveis serum conjunto enumerável.

2.2 Grupos livresA construção dos subconjuntos da esfera que faremos na demonstração do paradoxo

de Banach-Tarski não é muito simples e, para isso, precisaremos do conceito de gruposlivres. Os resultados e definições que mostrarei a seguir podem ser encontrados com maisdetalhes em [5] e [6], embora apresentados de maneiras diferentes.

Seja A um conjunto não-vazio. Queremos definir uma palavra em A, que, basi-camente é uma “sequência finita” da forma ab1

1 . . . abkk , onde ai ∈ A e bi ∈ Z para todo

i ∈ {1, . . . , k}. Podemos identificar um elemento qualquer de A por 1 e definirmos umapalavra em A, da seguinte maneira.

Definição 5. Uma palavra em A é uma função cujo domínio é Ik = {1, . . . , k}, paraalgum k ∈ N e contradomínio A × Z. Se w é uma palavra em A e w(i) = (ai, bi) parai ∈ {1, . . . , k}, então denotaremos esta palavra por ab1

1 . . . abkk . Normalmente omitiremos os

termos bi que valem 1 nesta notação.

Note que, de acordo com esta definição, palavras da forma abb−1, ab0, a, a1 e a12

são diferentes. Além disso, não estamos considerando operações em A.

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6 Capítulo 2. Preliminares

Quando em uma palavra ab11 . . . abk

k , vale que ai = ai+1 para algum i ∈ Ik−1, dizemosque a substituição de abi

i abi+1i+1 por abi+bi+1

i é uma contração. Por exemplo, a3a é resultado deuma contração da palavra a2aa. Existem outras três formas de contrações: a substituiçãode termos da forma a0 por 1, a eliminação dos termos 1 (com exceção do caso em que apalavra é 1) e a substituição dos termos da forma 1k por 1.

Exemplo 1. a1112, aa012 e a1a01 são resultados de contrações da palavra a1a012.

Definição 6. Uma palavra é dita reduzida se não for possível realizar uma contração.Denotaremos o conjunto de todas as palavras reduzidas em A por F [A].

Evidentemente, fazendo um número finito de contrações em uma palavra, obtemosuma única palavra reduzida. Por exemplo, a palavra citada anteriormente, a1a012, resultana palavra reduzida a.

Ao conjunto de palavras reduzidas F [A], damos uma estrutura de grupo definindoa operação produto que toma duas palavras em F [A], faz a concatenação das mesmasseguida das possíveis contrações. Por exemplo, o produto entre as palavras aba−1 e abresulta na palavra ab2. A definição formal desta operação encontra-se a seguir:

Definição 7. Sejam w1 : Ir → A× Z e w2 : Is → A× Z duas palavras reduzidas em A.Seja a palavra w′ definida da seguinte maneira:

w′ : Ir+s → A× Z

i 7→

w1(i), se i ≤ r

w2(i− r), caso contrário

Se w é a palavra reduzida obtida a partir das contrações de w′, então definimos aoperação produto como w1.w2 = w.

Para o resultado a seguir, lembre-se que uma permutação é uma bijeção de umconjunto nele mesmo e o grupo simétrico em um conjunto A é o conjunto das permutaçõesem A, munido da operação composição de funções. O conjunto das funções cujo domínio éA e o contradomínio é B será denotado por F(A;B). Além disso, dizemos que um grupo Gé gerado pelo conjunto S ⊂ G, se todo elemento de G é resultado do produto de elementosde S ou seus inversos (com a operação definida em G).

Teorema 6. A operação produto definida anteriormente é associativa.

Demonstração. Para cada a ∈ A, seja a função σa : F [A]→ F [A] definida por σa(w) = a.w

e, analogamente σa−1(w) = a−1.w. Pode-se afirmar que σa−1 ◦ σa = Id em F [A]. Comefeito, se a = 1, então σa = σa−1 = Id. Se a 6= 1, então vale σa(ab1

1 . . . abkk ) = a.ab1

1 . . . abkk ,

se a 6= a1. Se a = a1 e b1 = −1, então σa(ab11 . . . abk

k ) = ab22 . . . abk

k . Se a = a1 e b1 6= −1,

Page 25: O paradoxo de Banach-Tarski

2.2. Grupos livres 7

então σa(ab11 . . . abk

k ) = ab1+11 . . . abk

k . Em todos os casos, temos σa−1 ◦ σa = Id e, portanto,σa é uma permutação em F [A]. Seja S(A) o subgrupo do grupo simétrico em F [A] geradopelo conjunto {σa ∈ F(F [A];F [A]); a ∈ A}. A função f : F [A] → S(A) definida porf(ab1

1 . . . abkk ) = σb1

a1◦· · ·◦σbkak

é claramente uma bijeção que preserva as respectivas operações,isto é, f(w1.w2) = f(w1) ◦ f(w2). Logo, como S(A) é grupo, vale que a operação definidaem F [A] é associativa.

Corolário 7. F [A] é um grupo com a operação anteriormente definida.

Definição 8. O grupo F [A] é chamado de grupo livre gerado por A. Um grupo F é ditolivre se existe um conjunto A tal que F = F [A].

Definição 9. Uma função f : G→ H, entre dois grupos, (G,+) e (H, ∗), é um homomor-fismo, se f(x + y) = f(x) ∗ f(y) para todo x, y ∈ G. Quando um homomorfismo é umabijeção, o chamamos de isomorfismo.

Teorema 8. Seja G um grupo, A um conjunto e φ : A → G uma função. Então existeum único homomorfismo Φ : F [A]→ G tal que o diagrama a seguir comuta:

A F [A]

G

inclusão

φΦ

Isto é, φ(x) = Φ(i(x)) para todo x ∈ A, onde i é a função inclusão, que leva umelemento a ∈ A na palavra a1.

Demonstração. De fato, se Φ é homomorfismo, então Φ(ab11 . . . abk

k ) = Φ(a1)b1 . . .Φ(ak)bk =Φ(i(a1))b1 . . .Φ(i(ak))bk = φ(a1)b1 . . . φ(ak)bk , o que mostra a unicidade. Além disso, defi-nindo a função Φ(ab1

1 . . . abkk ) = φ(a1)b1 . . . φ(ak)bk , como anteriormente, verifica-se que Φ é

um homomorfismo, o que mostra a existência.

Observação 1. Considerando o teorema anterior, suponha que A gera o grupo G e sejaφ : A → G a inclusão. Neste caso, Φ é sobrejetiva. Então, para que G e F [A] sejamisomorfos é necessário e suficiente que Ker(Φ) = {w ∈ F [A]; Φ(w) = e} = {1}. Istotambém equivale a dizer que G não possui identidade não-trivial, ou seja, um produto deelementos de G, ab1

1 . . . abkk , só resulta em 1, se isto for verificável fazendo as contrações

na palavra, como por exemplo em abb−1a−1. Perceba que, como φ é a identidade, arepresentação dos elementos de G como produto de elementos de A se confunde com aspalavras de F [A], isto é, se · é a operação em G, então dado um elemento w ∈ G, existeuma única palavra ab1

1 . . . abkk em F (A), tal que Φ(ab1

1 . . . abkk ) = ab1

1 · . . . · abkk = w. Por este

motivo, G também é chamado de grupo livre.

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8 Capítulo 2. Preliminares

Observação 2. A seguir, vamos mostrar como “duplicar” um grupo livre, F2, gerado pordois elementos (além de 1), isto é, F2 = F [{1, a, b}].

Seja S(a) o conjunto de todas as palavras em F2 que começam com a. De maneiraanáloga, defina os conjuntos S(a−1), S(b) e S(b−1), como os conjuntos de todas as palavrasem F2 que começam com a−1, b e b−1, respectivamente. Estamos considerando palavrascomo akba como uma palavra que começa com a, para qualquer k positivo ou uma palavraque começa com a−1, quando k é negativo. Desta maneira, vale a seguinte igualdade:

F2 = {1} ∪ S(a) ∪ S(a−1) ∪ S(b) ∪ S(b−1).

Estas uniões são disjuntas. Seja aS(a−1) = {a.w;w ∈ S(a−1)}. Deste modo, aS(a−1)consiste no conjunto de palavras que não começam com a, isto é,

aS(a−1) = {1} ∪ S(a−1) ∪ S(b) ∪ S(b−1).

Analogamente, bS(b−1) = {1} ∪ S(b−1) ∪ S(a) ∪ S(a−1). Logo, valem as seguintesigualdades:

F2 = S(a) ∪ aS(a−1);

F2 = S(b) ∪ bS(b−1).

Se pensarmos nestas concatenações à esquerda como um “movimento” do conjunto,é como se tivéssemos movido duas das 5 partes de F2 de modo a obter duas cópias deF2. O grupo livre que utilizaremos na demonstração do teorema de Banach-Tarski será ogrupo gerado por duas matrizes 3× 3 que representam rotações em R3.

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3 Exemplos

Neste capítulo, apresentarei alguns exemplos de resultados semelhantes ao paradoxode Banach-Tarski, bem como outros tipos de paradoxo. Podemos dividir os paradoxos em3 tipos:

Tipo 1: Uma proposição que aparenta ser um absurdo, mas é verdadeira.

Tipo 2: Uma prosição que aparenta ser verdadeira, mas é auto-contraditória. Proposiçõesdeste tipo são conhecidas como falácias.

Tipo 3: Uma proposição que leva a conclusões contraditórias. São chamadas antinomias.

O paradoxo de Banach-Tarski, bem como os exemplos semelhantes no final destecapítulo, se enquadram no tipo 1, ou seja, embora pareçam falsos, são demonstradosverdadeiros a partir dos axiomas adotados. Outro paradoxo do tipo 1, é o paradoxo deSimpson.

Exemplo 2. Observe a tabela abaixo:

Tabela 1 – Paradoxo de Simpson

Pílulas vermelhas Pílulas amarelasPacientes Sobreviveram Morreram Sobreviveram MorreramHomens 80 (80%) 20 (20%) 78 (78%) 22 (22%)Mulheres 20 (50%) 20 (50%) 2 (40%) 3 (60%)Todos 100 (71,4%) 40 (28,6%) 80 (76,2%) 25 (23,8%)

Esta tabela nos dá dados hipotéticos de uma pesquisa para comparar a eficiênciade dois remédios. Perceba que tanto no caso de homens quanto no caso de mulheres, apílula vermelha obteve maior eficiência do que a amarela. Porém, ao combinar os dadosignorando os sexos dos pacientes, o resultado muda, indicando que a pílula amarela é amais eficiente. A aparente contradição pode ser explicada pelo fato da distribuição depílulas amarelas ter sido muito desigual entre homens e mulheres somado ao fato de ambosos medicamentos terem demonstrado eficiência bem maior em homens.

Neste caso, embora os dados tenham sido coletados de modo a obtermos umresultado não confiável, não há necessariamente proposições falsas. Em paradoxos do tipo2, não é isso o que acontece.

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10 Capítulo 3. Exemplos

Exemplo 3. Observe a seguinte figura:

3 5

5

3

8

3

5

︸ ︷︷ ︸

5

3

5

5

3

5

3

8

3

8

︸ ︷︷ ︸8

5

5

5

Figura 1 – Paradoxo do tipo 2

Aparentemente, ao dividir este quadrado e reorganizarmos as peças da maneirailustrada, “surge” um quadrado de área 1, assemelhando-se ao caso do teorema de Banach-Tarski, em que “surge” uma nova esfera. Porém, neste caso, a conclusão não é verdadeira.Trata-se de uma ilusão de óptica. As peças não são reorganizáveis desta maneira semsobrar espaços entre uma peça e outra, como a imagem sugere.

Há ainda os paradoxos do tipo 3. Um caso bem famoso, foi o paradoxo enunciadopor Betrand Russell sobre a teoria de conjuntos, que veremos a seguir.

Exemplo 4. Considere o conjunto definido da seguinte maneira: A = {X|X 6∈ X}. Acontradição surge ao tentarmos verificar se A ∈ A ou A 6∈ A. Pela definição do conjunto,concluimos que A ∈ A⇔ A 6∈ A, o que é uma contradição.

Exemplo 5. Como exemplos similares ao paradoxo de Banach-Tarski, começaremos como já citado conjunto de Vitali. Basicamente, a medida de Lebesgue é uma função de

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11

conjuntos, denotada por λ, que é não-negativa e possui algumas propriedades que podemser vistas com mais detalhes em [12]. Uma das propriedades desta função, é que elaestende a conhecida medida de intervalos, isto é, λ([a, b]) = b − a. Além disso, verifica-se que, assim como acontece em intervalos, transladar conjuntos não altera a medida,isto é, λ(A) = λ(A + t) para todo t ∈ R. Outras propriedades que utilizaremos sãoas seguintes: se A′ ⊂ A, então λ(A′) ≤ λ(A) e se ⋃

i∈NAi é uma união disjunta, entãoλ(⋃

i∈NAi) = ∑∞i=1 λ(Ai).

Para construir o conjunto de Vitali, V , comecemos tomando o conjunto [0, 1] edefinindo nele a relação ∼ da seguinte maneira: x ∼ y ⇔ x− y ∈ Q. Esta relação é umarelação de equivalência. O axioma da escolha nos permite tomar um elemento de cadaclasse de equivalência e denotar o conjunto formado por estes elementos por V .

Teorema 9. V não é Lebesgue-mensurável, isto é, não é possível atribuir a este conjuntouma medida de Lebesgue.

Demonstração. Considere os seguintes transladados de V : V + t, t ∈ [−1, 1] ∩ Q, ondeV + t = {x+ t;x ∈ V }. Pode-se afirmar que estes transladados são disjuntos. Com efeito, sex ∈ (V +r)∩(V +s), então x = a+r = b+s onde a, b ∈ V . Logo, a = b+(s−r) e, portanto,a ∼ b. Pela construção de V , segue-se que a = b e, portanto, s = r, como queríamosdemonstrar. Além disso, vale que

⋃t∈[−1,1]∩Q

V + t ⊂ [−1, 2]. Suponha, por absurdo que V

seja Lebesgue-mensurável e λ(V ) > 0. Temos então que λ(⋃

t∈[−1,1]∩QV + t) =

∑λ(V + t) =∑

λ(V ) =∞, o que é absurdo, pois⋃

t∈[−1,1]∩QV + t ⊂ [−1, 2] e λ([−1, 2]) = 3.

Agora suponha que λ(V ) = 0. Então, pelas igualdades anteriores segue-se queλ(

⋃t∈[−1,1]∩Q

V + t) = 0. Para concluir o absurdo neste caso, vamos mostrar que [0, 1] ⊂⋃t∈[−1,1]∩Q V + t e como λ([0, 1]) = 1 > 0, concluiremos que V não é mensurável. De

fato, se x ∈ [0, 1], então existe y ∈ V tal que x − y ∈ Q. Como V ⊂ [0, 1], segue-se quex − y ∈ [−1, 1] ∩ Q e, portanto, x ∈ V + (x − y) ⊂ ⋃

t∈[−1,1]∩Q V + t, como queríamosdemonstrar.

Exemplo 6. Com uma construção semelhante ao conjunto de Vitali, podemos obter umresultado mais parecido com o teorema de Banach-Tarski para dimensão 2, como vemos aseguir:

Teorema 10. A circunferência S1 pode ser dividida em dois subconjuntos disjuntosde modo que cada subconjunto pode ser particionado e rearranjado de modo a obter acircunferência completa S1.

Demonstração. Começamos com o conjunto V definido de modo análogo ao caso anterior,sendo que a relação de equivalência em questão será dada por x ∼ y ⇔ existe uma rotação

Page 30: O paradoxo de Banach-Tarski

12 Capítulo 3. Exemplos

de um ângulo racional (em radianos) que leva x a y. Para cada rotação racional ri, definao conjunto Vi = riV . Note que S1 = ⋃∞

i=1 Vi e os conjuntos Vi são congruentes entre si.Logo, definindo os subconjuntos A = V1 ∪ V3 ∪ V5 ∪ . . . e B = V2 ∪ V4 ∪ V6 ∪ . . ., valeque S1 = A ∪B. Além disso, rotacionando cada conjunto Vi com i par, podemos obter acircunferência completa, levando V2 em V1, V4 em V2 e, de maneira indutiva, V2n em Vn.Analogamente, considerando os índices ímpares, basta manter o conjunto V1, levar V3 emV2, V5 em V3 e, de maneira indutiva, V2n−1 em Vn, o que finaliza a demonstração.

Exemplo 7. Outro resultado que podemos obter relacionado à medida, é o conhecidoconjunto de Cantor ternário possuir medida nula. Lembre-se que o conjunto de Cantorternário é não-enumerável e, portanto, existe uma bijeção entre ele e o intervalo [0, 1], quetem medida igual a 1. Logo, é possível rearranjar o intervalo [0, 1] de modo a obtermosum conjunto de medida nula.

Exemplo 8. Outro resultado bastante parecido com o paradoxo de Banach-Tarski éo paradoxo de Sierpiński-Mazurkiewicz. Considerando o espaço C, começaremos com oconjunto E, que consiste no ponto 0 e todos os pontos obtidos através de uma combinaçãofinita das seguintes operações:

1. f(x) = x+ 1

2. g(x) = xei

Isto é, f representa uma translação de uma unidade à direita, e g uma rotação deum ângulo igual a 1 radiano. O gráfico a seguir representa alguns pontos do conjunto noplano complexo.

x

y

0 1 2

g(1) f(g(1))

g(2)

Figura 2 – Paradoxo de Sierpiński-Mazurkiewicz

Page 31: O paradoxo de Banach-Tarski

13

Sejam E1 = E + {1} e E2 = E.{ei}. Evidentemente, E = E1 ∪ E2 e E1 ∩ E2 = ∅.Com isso, achamos dois subconjuntos disjuntos de E que, ao serem movimentados, sãoobtidas duas cópias de E.

Note que embora este último exemplo se assemelhe muito ao paradoxo de Banach-Tarski, os conjuntos em questão são ilimitados, o que torna este resultado menos impres-sionante. Com a última versão que veremos do teorema de Banach-Tarski, poderemosduplicar qualquer subconjunto de R3 limitado com interior não vazio.

Page 32: O paradoxo de Banach-Tarski
Page 33: O paradoxo de Banach-Tarski

15

4 Teorema de Banach-Tarski

As demonstrações das versões apresentadas neste capítulos são baseadas em [13]e [14]. Assim como foi feito no final da seção 2.2, para construirmos os subconjuntos daesfera necessários para a conclusão do paradoxo, utilizaremos um grupo livre gerado pordois elementos:

A =

1 0 00 1

3 −2√

23

0 2√

23

13

e B =

13 −2

√2

3 02√

23

13 0

0 0 1

que são as matrizes de rotação de um ângulo de arccos(1

3) em torno do eixo x e z,respectivamente. As suas inversas são as seguintes:

A−1 =

1 0 00 1

32√

23

0 −2√

23

13

e B−1 =

13

2√

23 0

−2√

23

13 0

0 0 1

Lembre que na construção dos grupos livres, não consideramos operações entre

os elementos do grupo. Uma vez que os elementos em questão são matrizes de rotação,consideraremos as operações usuais para estes elementos. Portanto, o fato do grupo serlivre não é trivial, isto é, em princípio, o grupo poderia admitir identidades não-triviais.

Teorema 11. A e B geram um grupo livre de grau 2.

Demonstração. Seja w uma palavra em {A,B} que não seja uma identidade trivial. Se né o tamanho da palavra w, então, pela observação 1, basta mostrar que w(1) . . . w(n) nãoé a identidade. Primeiramente, observe que [w(1) . . . w(n)](0, 1, 0) = 1

3n (a√

2, b, c√

2) ondea, b, c são inteiros. De fato, para todas as palavras unitárias, A, B, A−1 e B−1, o resultadoé válido. Além disso, tomando qualquer uma destas matrizes e multiplicando por um pontoda forma 1

3k (a√

2, b, c√

2), obtemos um ponto da forma 13k+1 (a

√2, b, c

√2) e, portanto, o

resultado vale para qualquer palavra em {A,B}. Logo, se [w(1) . . . w(n)](0, 1, 0) = (0, 1, 0),então temos que a ≡ b ≡ c ≡ 0mod 3. Vamos verificar que isto não pode acontecer e,portanto, [w(1) . . . w(n)](0, 1, 0) 6= (0, 1, 0), isto é, [w(1) . . . w(n)] não é a identidade. Comefeito, para cada palavra w′ em {A,B}, defina N(w′) = (a, b, c), onde a, b, c são obtidoscomo anteriormente e tomando módulo 3. É possível verificar que N(w′) 6= (0, 0, 0) paratoda palavra w′ que não seja uma identidade trivial, observando que vale para as palavrasAk e Bk, para todo k ∈ Z \ {0} e fazendo uma indução no tamanho da palavra, mas porserem vários casos a se considerar a demonstração é extensa e será omitida (para mais

Page 34: O paradoxo de Banach-Tarski

16 Capítulo 4. Teorema de Banach-Tarski

detalhes veja [14]). Logo, b não é múltiplo de 3 e, portanto, [w(1) . . . w(n)](0, 1, 0) 6= (0, 1, 0),o que finaliza a demonstração.

Denotaremos o grupo livre gerado por A e B por F . Dados w ∈ F e x ∈ R3, utilizareia notação w[x] para indicar o produto w(1) . . . w(n)(x), onde n é o tamanho da palavra w.Para cada ponto p da esfera S2 defina a sua órbita como o conjunto {w[p]|w ∈ F}. ComoF é enumerável e S2 é não-enumerável, existe um conjunto não-enumerável de órbitas.

Figura 3 – Órbitas

Utilizando o axioma da escolha, tome um ponto de cada órbita e defina o conjuntoM formado pela união destes pontos. Assim como visto para o grupo F2 na observação 2,vale a seguinte igualdade:

F = {1} ∪ S(A) ∪ S(A−1) ∪ S(B) ∪ S(B−1)

onde as uniões são disjuntas.

Se X ⊂ F , então denote por X(Y ) o conjunto {w[x] ∈ R3;x ∈ Y e w ∈ X}

Uma vez que M possui um elemento de cada órbita, vale a seguinte igualdade:

S2 = F (M) = M ∪ S(A)(M) ∪ S(A−1)(M) ∪ S(B)(M) ∪ S(B−1)(M)

Perceba que esta união não é necessariamente disjunta. Com efeito, se o ponto(1, 0, 0) pertence aM , então temos que (1, 0, 0) ∈ S(A)(M)∩M . Para evitar este problema,considere o seguinte conjunto:

Page 35: O paradoxo de Banach-Tarski

17

D = {p ∈ S2|w[p] = p, para algum w ∈ F \ {1}}

Figura 4 – Pontos fixos de rotação

Chamamos os elementos de D de pontos fixos de rotações em F . Note que cadaelemento de F \ {1} contribui com 2 elementos em D, obtidos através das interseções entreos eixos de rotações e S2. Logo, como F é enumerável, vale também que D é enumerável.O conjunto S2 \D será utilizado no resultado intermediário conhecido como paradoxo deHausdorff.

Teorema 12. Se p ∈ S2 \D e w ∈ F , então w[p] ∈ S2 \D.

Demonstração. Suponha, por absurdo, que existem p ∈ S2\D e w1 ∈ F , tais que w1[p] ∈ D.Então, existe w2 ∈ F \ {1} tal que w2[w1[p]] = w1[p]. Logo, w−1

1 [w2[w1[p]]] = p e, portanto,p ∈ D (absurdo, pois p ∈ S2 \D).

Utilizando mais uma vez o axioma da escolha, defina M ′ como um conjuntoconstituído por um ponto de cada órbita em S2 \D.

Teorema 13. Sejam w1, w2 ∈ F . Se w1 6= w2, então w1[M ′] ∩ w2[M ′] = ∅.

Demonstração. Suponha que w1[M ′] ∩ w2[M ′] 6= ∅. Então existem p1, p2 ∈ M ′ tais quew1[p1] = w2[p2], e, portanto, p1 = w−1

1 [w2[p2]]. Logo, p1 e p2 pertencem a mesma órbita.Como tomamos um elemento de cada órbita para construção do conjunto M ′, segue-seque p1 = p2. Então, p1 é ponto fixo de w−1

1 w2 e, como p1 6∈ D, segue-se que w1 = w2.

Page 36: O paradoxo de Banach-Tarski

18 Capítulo 4. Teorema de Banach-Tarski

Corolário 14. S2\D = F (M ′) = M ′∪S(A)(M ′)∪S(A−1)(M ′)∪S(B)(M ′)∪S(B−1)(M ′),sendo as uniões disjuntas.

De modo análogo ao que foi feito na observação 2, valem as seguintes igualdades,sendo as uniões também disjuntas:

S2 \D = S(A)(M ′) ∪ A(S(A−1)(M ′)) (4.1)

S2 \D = S(B)(M ′) ∪B(S(B−1)(M ′)) (4.2)

Como A e B são matrizes de rotação, mostramos que podemos dividir S2 \D, em5 partes tais que rotacionando duas, obtemos duas cópias do conjunto inicial (S2 \D).Esta construção é conhecida como paradoxo de Hausdorff.

Utilizaremos esta construção para estender o resultado à esfera completa S2. Paraisso, seja r uma reta em R3 que passa na origem e não intersecta D. Podemos afirmar queexiste tal reta, uma vez que o conjunto de retas que passam na origem é não-enumerável eD é enumerável. Denote por rθ a matriz de rotação de um ângulo θ (no sentido anti-horário)em torno de r e considere o seguinte conjunto:

T = {θ ∈ [0, 2π); existem p ∈ D e n ∈ N, tais que rnθ(p) ∈ D}

Figura 5 – Reta r

Note que T é um conjunto enumerável, pois para cada par (p, q) em D × D, seexistirem k ∈ N e ω ∈ [0, 2π) tais que rkω(p) = q, então essas rotações contribuirão

Page 37: O paradoxo de Banach-Tarski

19

com no máximo um conjunto enumerável de pontos em T , e como D ×D é enumerável,segue-se que T também é enumerável. Como [0, 2π) é não-enumerável, podemos tomar umθ0 ∈ [0, 2π) tal que θ0 6∈ T . Considere a rotação σ = rθ0 . Note que, por construção, valeque σn(D) ∩D = ∅ para todo n > 0. Observe também que aplicando σm, onde m > 0,nos dois lados da igualdade, obtemos σm+n(D) ∩ σm(D) = ∅. Pela arbitrariedade de m en, podemos afirmar que σn(D)∩ σm(D) = ∅ para todo m,n ∈ N, com m 6= n. Considere oseguinte conjunto:

E =∞⋃n=0

σn(D)

Aplicando σ nos dois lados da igualdade, obtemos:

σ(E) = σ∞⋃n=0

σn(D) =∞⋃n=1

σn(D) = E \D

Observe que D ⊂ E, e portanto S2 \ E ⊂ S2 \D. Logo, as seguintes igualdadessão válidas:

S2 \D = (S2 \ E) ∪ (E \D) = (S2 \ E) ∪ σ(E)

Também valem as seguinte igualdades:

S2 \ E = (S2 \D) ∩ (S2 \ E) (4.3)

E = σ−1σ(E) = σ−1(E \D) = σ−1[(S2 \D) ∩ E] (4.4)

Podemos escrever o conjunto S2 como a seguinte união disjunta, utilizando 4.3 e4.4:

S2 = (S2 \ E) ∪ E = [(S2 \D) ∩ (S2 \ E)] ∪ σ−1[(S2 \D) ∩ E] (4.5)

Substituindo a igualdade obtida no corolário 14, obtemos:

S2 = [(M ′ ∪ S(A)(M ′) ∪ S(A−1)(M ′) ∪ S(B)(M ′) ∪ S(B−1)(M ′)) ∩ (S2 \ E)]∪σ−1[(M ′ ∪ S(A)(M ′) ∪ S(A−1)(M ′) ∪ S(B)(M ′) ∪ S(B−1)(M ′)) ∩ E]

(4.6)

E, substituindo as igualdades 4.1 e 4.2, obtemos, respectivamente:

S2 = [S(A)(M ′) ∪ A(S(A−1)(M ′))) ∩ (S2 \ E)] ∪ σ−1[(S(A)(M ′) ∪ A(S(A−1)(M ′))) ∩ E](4.7)

Page 38: O paradoxo de Banach-Tarski

20 Capítulo 4. Teorema de Banach-Tarski

S2 = [S(B)(M ′) ∪B(S(B−1)(M ′))) ∩ (S2 \E)] ∪ σ−1[(S(B)(M ′) ∪B(S(B−1)(M ′))) ∩E](4.8)

Para simplificar a notação, defina os seguintes conjuntos:

A0 = M ′ ∩ (S2 \ E) A1 = σ−1(M ′ ∩ E)A2 = S(A−1)(M ′) ∩ (S2 \ E) ∩ A−1(S2 \ E) A3 = σ−1[(S(A−1)(M ′) ∩ E ∩ A−1(S2 \ E)]A4 = S(A−1)(M ′) ∩ (S2 \ E) ∩ A−1(E) A5 = σ−1[S(A−1)(M ′) ∩ E ∩ A−1(E)]A6 = S(A)(M ′) ∩ (S2 \ E) A7 = σ−1[S(A)(M ′) ∩ E]A8 = S(B−1)(M ′) ∩ (S2 \ E) ∩B−1(S2 \ E) A9 = σ−1[S(B−1)(M ′) ∩ E ∩B−1(S2 \ E)]A10 = S(B−1)(M ′) ∩ (S2 \ E) ∩B−1(E) A11 = σ−1[S(B−1)(M ′) ∩ E ∩B−1(E)]A12 = S(B)(M ′) ∩ (S2 \ E) A13 = σ−1[S(B)(M ′) ∩ E]

Perceba que as igualdades 4.6, 4.7 e 4.8 podem ser reescritas, respectivamente,como:

S2 = A0 ∪ . . . ∪ A13

S2 = A(A2) ∪ Aσ(A3) ∪ σ−1A(A4) ∪ σ−1Aσ(A5) ∪ A6 ∪ A7

S2 = B(A8) ∪Bσ(A9) ∪ σ−1B(A10) ∪ σ−1Bσ(A11) ∪ A12 ∪ A13

(4.9)

Note que com estas igualdades, concluimos que podemos dividir a esfera S2 emuma quantidade finita de subconjuntos disjuntos e, rotacionando alguns destes subcon-juntos, como vemos na segunda e terceira igualdade, obtemos duas esferas. Isto finalizaa demonstração da primeira versão do teorema de Banach-Tarski, cujo enunciado estáapresentado a seguir.

Teorema 15. (Banach-Tarski - primeira versão) A esfera S2 pode ser dividida em umaquantidade finita de subconjuntos disjuntos, e, com rotações destes conjuntos, pode-se obterduas cópias de S2.

Embora tenhamos dividido a esfera em 14 subconjuntos, em [15] está provado queo mesmo resultado é possível divindo a esfera em apenas 5 subconjuntos, e que este é omenor valor possível. Além disso, perceba que na segunda e terceira igualdade utilizamosapenas os conjuntos A2, . . . A13 e, portanto, após duplicarmos a esfera ainda sobram osconjuntos A0 e A1. Para obtermos exatamente duas esferas, sem sobras, considere a funçãodefinida da seguinte maneira, onde X = ⋃7

i=2 Ai.

f : X → S2

Page 39: O paradoxo de Banach-Tarski

21

f(x) =

A(x), se x ∈ A2

Aσ(x), se x ∈ A3

σ−1A(x), se x ∈ A4

σ−1Aσ(x), se x ∈ A5

x, se x ∈ A6 ∪ A7

Vimos anteriormente que f(X) = S2. Como sobraram os conjuntos A0 e A1,gostaríamos que a imagem da f resultasse apenas no conjunto S2 \ (A0 ∪ A1). Para isto,defina o conjunto Y = ⋃∞

n=1 f−n(A0 ∪ A1). Deste modo, temos a seguinte igualdade:

S2\(A0∪A1) = Y ∪A(A2\Y )∪Aσ(A3\Y )∪σ−1A(A4\Y )∪σ−1Aσ(A5\Y )∪(A6\Y )∪(A7\Y )

Pela definição do conjunto Y , esta união é disjunta. Com esta construção mostramosque é possível dividir a esfera S2 em uma quantidade finita de subconjuntos de modo que,rearranjados, obtemos exatamente duas esferas idênticas a inicial.

−−−−−−−−→

Figura 6 – Banach-Tarski - Primeira versão

Queremos estender este resultado à bola sólida B3 = {(x, y, z) ∈ R3; ‖(x, y, z)‖ ≤ 1}, e,para isto, usaremos parte da construção e dos argumentos apresentados no caso anterior.

Para cada i ≤ 13, defina o conjunto Bi = {(r, θ, φ) ∈ R3|(1, θ, φ) ∈ Ai, 0 < r ≤1 , em coordenadas polares}. Com isso, nós já temos um resultado análogo ao paradoxode Hausdorff, pois

B3 \ {0} = B0 ∪ . . . ∪B13 = A(B2) ∪ Aσ(B3) ∪ σ−1A(B4) ∪ σ−1Aσ(B5) ∪B6 ∪B7 =B(B8) ∪Bσ(B9) ∪ σ−1B(B10) ∪ σ−1Bσ(B11) ∪B12 ∪B13

(4.10)

Isto é, já temos o resultado para o conjunto B3 \ {0}. Tomaremos um pontosuficientemente próximo da origem, ( 1

10 , 0, 0) e a reta paralela ao plano xy que passa por

Page 40: O paradoxo de Banach-Tarski

22 Capítulo 4. Teorema de Banach-Tarski

este ponto. Seja τ uma rotação em torno desta reta, cujo ângulo é o produto entre umnúmero irracional e π (

√2, por exemplo). Deste modo, τn(0) 6= 0 para todo n > 0, e com

a escolha do ponto ( 110 , 0, 0), podemos afirmar que τn(0) ∈ B3 para todo n ∈ Z.

Figura 7 – Rotação τ

Assim como foi definido o conjunto E no caso anterior, considere o seguinte conjunto:

T =∞⋃n=0

τn(0)

Note que τ(T ) = T \ {0}. Assim como foi feito em 4.4 e 4.5, vale que:

T = τ−1τ(T ) = τ−1(T \ {0}) = τ−1[(B3 \ {0}) ∩ T ]

B3 = (B3 \ T ) ∪ T = [(B3 \ {0}) ∩ (B3 \ T )] ∪ τ−1[(B3 \ {0}) ∩ T ]

Substituindo em 4.10 esta última igualdade, obtemos:

B3 = [(B0 ∪ . . . ∪B13) ∩ (B3 \ T )] ∪ τ−1[(B0 ∪ . . . ∪B13) ∩ T ]

B3 = [(A(B2) ∪ Aσ(B3) ∪ σ−1A(B4) ∪ σ−1Aσ(B5) ∪B6 ∪B7) ∩ (B3 \ T )]∪

τ−1[(A(B2) ∪ Aσ(B3) ∪ σ−1A(B4) ∪ σ−1Aσ(B5) ∪B6 ∪B7) ∩ T ]

B3 = [(B(B8) ∪Bσ(B9) ∪ σ−1B(B10) ∪ σ−1Bσ(B11) ∪B12 ∪B13) ∩ (B3 \ T )]∪

τ−1[(B(B8) ∪Bσ(B9) ∪ σ−1B(B10) ∪ σ−1Bσ(B11) ∪B12 ∪B13) ∩ T ]

(4.11)

De maneira análoga à primeira versão do teorema, estas igualdades finalizam ademonstração da segunda versão, cujo enunciado encontra-se a seguir.

Page 41: O paradoxo de Banach-Tarski

23

Teorema 16. (Banach-Tarski - segunda versão) Uma bola compacta em R3 pode serdividida em uma quantidade finita de subconjuntos disjuntos que podem ser rotacionadosde modo a obtermos duas cópias idênticas da bola original.

−−−−−−−−→

Figura 8 – Banach-Tarski - Segunda versão

Embora estas versões sejam mais ilustrativas, há ainda uma versão dete teoremaque trata de conjuntos muito mais gerais. Antes de prová-la precisaremos de mais algumasdefinições e proposições.

Definição 10. Sejam A,B ⊂ R3. Os conjuntos A e B são ditos equidecomponíveis, seexistem n subconjuntos disjuntos de A (para algum n ≥ 1), e n subconjuntos disjuntos deB, tais que:

A =n⋃i=1

Ai, B =n⋃i=1

Bi

e giAi = Bi para todo i ≤ n, onde cada gi é um elemento do grupo de rotações etranslações em R3. Denotamos este fato por A ∼ B.

Note que as duas versões mostradas do teorema de Banach-Tarski, mostram queum conjunto formado por uma esfera (ou uma bola) em R3 e um conjunto formado porduas esferas disjuntas (ou, respectivamente, duas bolas disjuntas) são equidecomponíveis.

A relação ∼ é uma relação de equivalência e possui algumas propriedades queutilizaremos para concluir o teorema, como veremos nas próximas proposições.

Proposição 17. Se A ∼ B, então existe uma bijeção f : A→ B tal que C ∼ f(C) paratodo C ⊂ A.

Demonstração. Como A ∼ B, então podemos dividir os conjuntos A e B em n subconjuntosde modo que giAi = Bi para todo i ≤ n, como na definição 10. Para cada x ∈ A, sejaix ∈ {1, . . . , n} tal que x ∈ Aix . Defina a função f da seguinte maneira: f(x) = gix(x).Uma vez que cada gi é uma bijeção e os conjuntos Bi são disjuntos, então f também ébijeção. Seja C ⊂ A. Então podemos escrever C = ⋃n

i=1(Ai∩C). Aplicando f na igualdade,obtemos f(C) = ⋃n

i=1 gi(Ai ∩ C), o que finaliza a demonstração.

Page 42: O paradoxo de Banach-Tarski

24 Capítulo 4. Teorema de Banach-Tarski

Proposição 18. Se A ∩B = A′ ∩B′ = ∅, A ∼ A′ e B ∼ B′, então A ∪B ∼ A′ ∪B′.

Demonstração. Se A = ⋃ni=1 Ai, A′ =

⋃ni=1 A

′i, B = ⋃m

i=1 Bi e B = ⋃mi=1 B

′i, com giAi = A′i

e g′iBi = B′i, então A ∪ B = (⋃ni=1 Ai) ∪ (⋃m

i=1 Bi) e A′ ∪ B′ = (⋃ni=1 giA

′i) ∪ (⋃m

i=1 g′iB′i).

Podemos escrever A ∪B = ⋃n+mi=1 Ci e A′ ∪B′ = ⋃n+m

i=1 = Di de forma que:

• se i ≤ n, então Ci = Ai, Di = A′i e giCi = Di; e

• se i > n, então Ci = Bi, Di = B′i e g′iCi = Di.

Assim, concluímos que A ∪B ∼ A′ ∪B′.

Além destas propriedades da relação ∼, quando dois conjuntos são equidecomponí-veis, existem algumas propriedades que necessariamente devem compartilhar, como serlimitado. Com efeito, um conjunto limitado ao ser dividido em uma quantidade finita desubconjuntos, continua limitado após as rotações e translações.

Definição 11. Sejam A,B ⊂ R3. Se existe B′ ⊂ B tal que A ∼ B′, então dizemos queA ≤ B.

É fácil ver que ≤ é reflexiva e transitiva. Além disso, se A ⊂ B e B ≤ C, entãoA ≤ C. Vale também que se A ≤ B e B ⊂ C, então A ≤ C.

Proposição 19. Sejam A e B subconjuntos limitados de R3 com interior não vazio. EntãoA ≤ B.

Demonstração. Como A é limitado e B possui interior não-vazio, então existem bolas BA

e BB tais que A ⊂ BA e BB ⊂ B. Seja n ∈ N suficientemente grande, de modo que BA

possa ser coberto por n cópias de BB. Seja S a união de n cópias disjuntas de BB. EntãoBA ≤ S.

Pela segunda versão do teorema de Banach-Tarski e pela transitividade de ∼,segue-se que BB é equidecomponível a qualquer número de cópias de BB, e, portanto,S ≤ BB. Logo, A ⊂ BA ≤ S ≤ BB ⊂ B, e A ≤ B.

Observe que, como A e B são arbitrários, este resultado nos diz que A ≤ B eB ≤ A. O próximo teorema, que é uma versão do conhecido teorema de Cantor-Bernstein-Schroeder, nos dirá que isso é suficiente para afirmarmos que A é equidecomponível a B,resultando na terceira versão do teorema de Banach-Tarski.

Teorema 20. (Banach-Schröder-Bernstein) Se A ≤ B e B ≤ A, então A ∼ B.

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Demonstração. Sejam A′ ⊂ A e B′ ⊂ B tais que A ∼ B′ e A′ ∼ B. Considere as bijeçõesf1 : A → B′ e f2 : A′ → B referentes à proposição 17. Seja C0 = A \ A′ e, de formaindutiva, defina os conjuntos Cn = f−1

2 f1(Cn−1) para todo n ≥ 1. Seja C = ⋃∞n=0 Cn.

Como C0 ⊂ C, C0 ∩A′ = ∅ e ⋃∞n=1 Cn ⊂ A′, então vale que A \C = A′ \ (C ∩A′) =

A′ \ ⋃∞n=1 Cn. Aplicando f2 nesta igualdade, temos que:

f2(A \ C) = f2(A′ \∞⋃n=1

Cn) =

f2(A′) \ f2[∞⋃n=1

f−12 f1(Cn−1)] =

B \ f1(∞⋃n=1

Cn−1) = B \ f1(∞⋃n=0

Cn) =

B \ f1(C)

(4.12)

Pela proposição 17, segue-se que A \ C ∼ B \ f1(C) e C ∼ f1(C). Por fim, pelaproposição 18, segue-se que A ∼ B, como queríamos demonstrar.

Corolário 21. (Banach-Tarski - terceira versão) Sejam A e B subconjuntos de R3 limitadose com interior não-vazio. Então A ∼ B.

Esta versão é a que nos permite concluir o caso conhecido como o paradoxo daervilha e do sol: uma bola de raio r pode ser dividida em uma quantidade finita desubconjuntos disjuntos, e reorganizados no espaço através de rotações e translações, demodo a obtermos uma bola de raio R, para quaisquer r > 0 e R > 0.

−−−−−−−−→

Figura 9 – Paradoxo da ervilha e do sol

Diferentemente do que vimos no teorema 15, esta versão não vale para a esferaS2, isto é, não podemos dividi-la em uma quantidade finita de subconjuntos disjuntose reorganizá-los de modo a obtermos uma esfera maior. Isto se deve ao fato de que4 pontos não coplanares definem uma única esfera. Logo, cada subconjunto da esfera

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26 Capítulo 4. Teorema de Banach-Tarski

não poderia conter 4 pontos não coplanares e, portanto, seriam necessários infinitossubconjuntos. Porém, se consideramos somente o interior da bola, B3 \ S2, vemos quesatisfaz as hipóteses do corolário 21, e portanto, o resultado também é válido, o que indicaque para o primeiro caso, com a bola completa, pontos no interior da bola passam para afronteira e, consequentemente, pontos da fronteira passam para o interior.

Além disso, para esta versão final do teorema, precisamos dividir as bolas diversasvezes para aplicar a segunda versão do teorema, como pode ser visto na demonstração daproposição 19. O número de subconjuntos de fato fica cada vez maior se considerarmos oaumento do raio, uma vez que é preciso um número maior de bolas para cobrir o conjunto.

Outra observação interessante é que, embora as formulações mais comuns doteorema mostrem conjuntos sendo “aumentados” ou “duplicados”, o corolário 21 garantetambém o oposto, isto é, pode-se começar com 2 bolas e terminar com 1, ou começar comuma bola e terminar com uma de raio menor.

Perceba ainda que, os resultados deste capítulo podem ser estendidos para Rn

para n ≥ 3, apenas acrescentando nas construções as matrizes de rotação para os demaiseixos. Porém, o mesmo não é possível para dimensões menores. Mostrarei a seguir que oresultado não vale em dimensão 1.

Teorema 22. Seja A ⊂ R. Então não existem B e C tais que A = B ∪ C, B ∩ C 6= ∅e A = ⋃n

i=1[Bi + {gi}] = ⋃mi=1[Ci + {hi}], onde B = ⋃n

i=1 Bi e C = ⋃mi=1 Ci, sendo estas

uniões disjuntas.

Demonstração. Suponha, por absurdo, que existam tais conjuntos. Então, podemos definirduas funções, f1 : A → B e f2 : A → C, a partir de translações, de modo que fi(x) ∈{x}+{−g1, . . . ,−gn,−h1, . . . ,−hm} para todo x ∈ A e i ∈ {1, 2}. Seja k ≥ 1. Considere asfunções fi1 ◦ . . . ◦ fik : A→ A, onde i1, . . . ik ∈ {1, 2}. Deste modo, temos 2k possibilidadesde composições, e são todas funções distintas, o que é facilmente verificado via induçãosobre k e considerando o fato de que B ∩ C = ∅. Por outro lado, temos que

fi1 ◦ . . . ◦ fik(x) ∈ {x}+ {−g1, . . . ,−hm}+ . . .+ {−g1, . . . ,−hm}(k vezes)

Analisando as possíveis combinações entre os elementos dos conjuntos e consi-derando o fato do grupo (R, +) ser abeliano, observa-se que o conjunto ao qual cadafi1 ◦ . . . ◦ fik(x) pertence, contém no máximo [(m+n)+k−1]!

k![(m+n)−1]! elementos. Vamos verificar queeste número é menor ou igual a (k + 1)m+n. De fato, vale a seguinte desigualdade:

[(m+ n) + k − 1]!k![(m+ n)− 1]! ≤

[(m+ n) + k − 1]![(m+ n)− 1]! e,

[(m+ n) + k − 1]![(m+ n)− 1]! = [(m+ n) + k − 1]

[(m+ n)− 1] .[(m+ n) + k − 2]

[(m+ n)− 2] . . . k!

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Para cada j ∈ {1, . . . ,m+ n}, vale também que:

(m+ n) + k − j(m+ n)− j = 1 + k

(m+ n)− j ≤ k + 1

O que conclui o que queríamos provar. Note que 2k > (k+ 1)m+n, para k suficiente-mente grande. Isto nos dá um absurdo, pois existem 2k funções distintas em um conjuntocom no máximo (k + 1)m+n elementos.

O teorema acima pode ser adaptado para mostrar que o Teorema de Banach-Tarskinão vale em dimensão 2. No entanto, sua demonstração requer cuidados adicionais quefogem ao escopo desta monografia. Indicamos a leitura de [4] para maiores detalhes destecaso específico.

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Considerações Finais

Vimos no capítulo 3, alguns resultados com naturezas paradoxais semelhantes ado teorema de Banach-Tarski, como o paradoxo de Sierpiński-Mazurkiewicz, em que umconjunto também é “duplicado”. Porém, o fato do conjunto em questão ser ilimitado, tornao resultado menos contra-intuitivo.

Na seção 2.1, foram apresentados vários resultados do axioma da escolha, sendoalguns muito importantes em diversas áreas da matemática, como topologia, análisefuncional e teoria da medida. Além disso, vimos alguns resultados mais simples quedependem do axioma da escolha e já eram utilizados antes mesmo de o enunciarem,por serem resultados muito naturais, como a existência de um subconjunto infinito eenumerável de qualquer conjunto infinito.

Por fim, no capítulo 4, vimos um dos resultados mais paradoxais do axioma daescolha: o paradoxo de Banach-Tarski. Vimos diferentes versões deste teorema, começandono caso mais simples, em que é duplicada apenas a casca da esfera, estendendo para aesfera sólida e em seguida mostrando o resultado para conjuntos mais genéricos. Obtemostambém o resultado conhecido por “paradoxo da ervilha e do sol” em que uma esferapequena pode ser particionada em um número finito de subconjuntos e estes rearranjadosde modo a obtermos uma esfera tão grande quanto desejarmos.

Com estes resultados, observamos como é difícil modelar regras do pensamentohumano. É claro que para os que vêem as proposições matemáticas apenas como um “jogo”de símbolos, não há paradoxo algum. Porém, sob a perspectiva platonista, visão comumenteadotada que diz que objetos matemáticos existem independemente de nós, há um grandeproblema. Por um lado, os axiomas da teoria ZFC parecem descrever perfeitamente os“objetos” conjuntos. Por outro, o teorema de Banach-Tarski contradiz outros pensamentossobre estes objetos. Em geral, os matemáticos adotam ZFC e, consequentemente, vêemcomo verdadeiro o teorema, o que até então tem sido muito frutífero.

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Referências

1 BAGARIA, J. Set theory. In: ZALTA, E. N. (Ed.). The Stanford Encyclopedia ofPhilosophy. Winter 2014. [s.n.], 2014. Disponível em: <http://plato.stanford.edu/archives/win2014/entries/set-theory/>. Citado na página 1.

2 BELL, J. L. The axiom of choice. In: ZALTA, E. N. (Ed.). The StanfordEncyclopedia of Philosophy. Summer 2015. [s.n.], 2015. Disponível em: <http://plato.stanford.edu/archives/sum2015/entries/axiom-choice/>. Citado na página 1.

3 WAPNER, L. M. The Pea and the Sun. New York: CRC Press, 2005. Citado napágina 2.

4 WAGON, S. The Banach-Tarski Paradox. 1. ed. New York: Cambridge UniversityPress, 1985. Citado 2 vezes nas páginas 2 e 27.

5 FRALEIGH, J. B. A First Course in Abstract Algebra. New Jersey: Pearson, 2002.Citado na página 5.

6 DUMMIT, D. S.; FOOTE, R. M. Abstract Algebra. 3. ed. New Jersey: John Wiley andSons, Inc., 2004. Citado na página 5.

7 LIMA, E. L. Elementos de Topologia Geral. Rio de Janeiro: SBM, 2014. Citado 2vezes nas páginas 4 e 5.

8 KELLEY, J. L. The tychonoff product theorem implies the axiom of choice.Fundamenta Mathematicae, v. 37, p. 75–76. Citado na página 5.

9 BLEICHER, M. Some theorems on vector spaces and the axiom of choice. FundamentaMathematicae, v. 54, p. 95–107. Citado na página 5.

10 GILLMAN, L. Two classical surprises concerning the axiom of choice and thecontinuum hypothesis. The American Mathematical Monthly, v. 109, p. 544–553. Citadona página 5.

11 PAWLIKOWSKI, J. The hahn-banach theorem implies the banach-tarskiparadox. Fundamenta Mathematicae, v. 138, n. 1, p. 21–22, 1991. Disponível em:<http://eudml.org/doc/211871>. Citado na página 5.

12 BARTLE, R. G. The Elements of Integration. New York: John Wiley and Sons, Inc.,1966. Citado na página 11.

13 ROBINSON, A. The banach-tarski paradox. 2015. Citado na página 15.

14 WESTON, T. The Banach-Tarski Paradox. Citado 2 vezes nas páginas 15 e 16.

15 ROBINSON, R. On the decomposition of spheres. Fundamenta Mathematicae, v. 34,n. 1, p. 246–260, 1947. Disponível em: <http://eudml.org/doc/213130>. Citado napágina 20.