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Revista Matemática Universitária, vol. 2, 2020 ISSN: 2675-5254 – DOI: https://doi.org/10.21711/26755254/rmu202021 TEOREMAS DE PONTO FIXO DE BANACH E KNASTER-TARSKI, REVISTOS ANDREAS B. M. BRUNNER E PAULO R. S. MALTA RESUMO. Neste trabalho apresentaremos a Teoria dos Espaços Métricos Gerais, uma nova estrutura em que estaremos aptos a generalizar tanto espaços métricos quanto or- dens parciais. Para essas teorias, temos dois teoremas de ponto fixo: o Teorema do Ponto Fixo de Banach para espaços métricos e o Teorema do Ponto Fixo de Knaster–Tarski para ordens parciais. Nesse novo contexto provaremos construtivamente ambos os teore- mas como corolário de um único resultado, cujas hipóteses generalizam espaços métricos completos e reticulados completos. 1. I NTRODUÇÃO Durante o trabalho de iniciação científica os autores se perguntaram se existia conexão entre dois teoremas de ponto fixo bem conhecidos e importantes na matemática: os teo- remas de Banach para contrações e de Knaster-Tarski para reticulados completos. Será que eles poderiam ser formulados e derivados em algum contexto comum? Buscando resultados recentes no tema, os autores encontraram os artigos [5]e[8]. Nesses trabalhos foram desenvolvidos, com o uso de conceitos da Teoria das Categorias, resultados que permitiam deduzir os dois teoremas por meio de uma única teoria, a Teoria dos Espaços Métricos Gerais, cf. [1], abordando completude por meio do Lema de Yoneda. Com o intuito de apresentar de maneira clara os resultados obtidos, no presente artigo simplifi- camos a abordagem. Neste caminho, é preciso introduzir os espaços métricos gerais e completá-los nesse novo contexto. Os vários tipos de completamento nessa teoria permi- tem a conexão com os completamentos usuais concernentes a espaços métricos usuais, reticulados completos e dcpo’s com (vide seção 1.2, após a Proposição 2), cf. [2]e [3]. A ferramenta necessária para essa abordagem são os funtores completamento, que, utilizando em particular os funtores admissíveis, permitem à ordem induzida a partir de um espaço métrico geral ser uma dcpo. Assim, por meio desse truque, é possível deduzir um ponto fixo da função f : X X se tivermos o ponto fixo de uma certa “extensão” Data de aceitação: 2 de março de 2020. Palavras chave. Teoremas de ponto fixo. 1

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Revista Matemática Universitária, vol. 2, 2020ISSN: 2675-5254 – DOI: https://doi.org/10.21711/26755254/rmu202021

TEOREMAS DE PONTO FIXO DE BANACH E KNASTER-TARSKI,REVISTOS

ANDREAS B. M. BRUNNER E PAULO R. S. MALTA

RESUMO. Neste trabalho apresentaremos a Teoria dos Espaços Métricos Gerais, umanova estrutura em que estaremos aptos a generalizar tanto espaços métricos quanto or-dens parciais. Para essas teorias, temos dois teoremas de ponto fixo: o Teorema do PontoFixo de Banach para espaços métricos e o Teorema do Ponto Fixo de Knaster–Tarskipara ordens parciais. Nesse novo contexto provaremos construtivamente ambos os teore-mas como corolário de um único resultado, cujas hipóteses generalizam espaços métricoscompletos e reticulados completos.

1. INTRODUÇÃO

Durante o trabalho de iniciação científica os autores se perguntaram se existia conexãoentre dois teoremas de ponto fixo bem conhecidos e importantes na matemática: os teo-remas de Banach para contrações e de Knaster-Tarski para reticulados completos. Seráque eles poderiam ser formulados e derivados em algum contexto comum? Buscandoresultados recentes no tema, os autores encontraram os artigos [5] e [8]. Nesses trabalhosforam desenvolvidos, com o uso de conceitos da Teoria das Categorias, resultados quepermitiam deduzir os dois teoremas por meio de uma única teoria, a Teoria dos EspaçosMétricos Gerais, cf. [1], abordando completude por meio do Lema de Yoneda. Com ointuito de apresentar de maneira clara os resultados obtidos, no presente artigo simplifi-camos a abordagem. Neste caminho, é preciso introduzir os espaços métricos gerais ecompletá-los nesse novo contexto. Os vários tipos de completamento nessa teoria permi-tem a conexão com os completamentos usuais concernentes a espaços métricos usuais,reticulados completos e dcpo’s com ⊥ (vide seção 1.2, após a Proposição 2), cf. [2] e[3]. A ferramenta necessária para essa abordagem são os funtores completamento, que,utilizando em particular os funtores admissíveis, permitem à ordem induzida a partir deum espaço métrico geral ser uma dcpo. Assim, por meio desse truque, é possível deduzirum ponto fixo da função f : X → X se tivermos o ponto fixo de uma certa “extensão”

Data de aceitação: 2 de março de 2020.Palavras chave. Teoremas de ponto fixo.

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f ∗ : X → X . A monografia do segundo autor, cf. [7], exibe com muitos detalhes amaneira de obter esses resultados, alguns dos quais apresentaremos aqui.

Problemas de ponto fixo são de interesse tanto da matemática quanto da computação.Por exemplo, para estabelecer existência e unicidade da solução de uma equação diferen-cial ordinária, garantido pelo Teorema de Picard-Lindelöf, podemos demonstrá-lo usandoo Teorema de Ponto Fixo para Contrações de Banach. Já para demonstrar o Teorema deSchröder-Bernstein, que estabelece uma bijeção entre dois conjuntos A e B tendo inje-ções deA paraB e deB paraA, o uso do Teorema de Ponto Fixo de Knaster-Tarski é umaopção. Em álgebra linear, dado um sistema linear Ax = 0, a existência de pontos fixospara A + I garante a solução desse sistema. Na área da computação, teoremas de pontofixo também são muito importantes, pois estabelecem quando um certo cálculo computa-cional para. Podemos descrever o cálculo ou a computação por meio de uma função entredois dcpo’s ou reticulados completos preservando ordem. Assim, obtendo um ponto fixopara essa função, a computação para. Isto mostra o quão necessário são os teoremas deponto fixo para aplicações nas diversas áreas da matemática.

De forma resumida abordamos neste introdução alguns conceitos acerca de ordens par-ciais, dcpo’s, redes e categorias. Para maior esclarecimento, na seção 2 discutiremosespaços métricos gerais e o mergulho de Yoneda antes de introduzir os diversos tiposde completamento de espaços métricos gerais, em particular de ordens parciais, espaçosmétricos e direcionados, que trataremos com mais detalhes na seção 3. Na última seção,demonstraremos os teoremas 4 e 13, que têm como corolários os teoremas de Knaster-Tarski e Banach.

1.1. Ordens Parciais. Seja P um conjunto. P é um conjunto ordenado, ou uma ordemparcial, se existe uma relação binária ≤ em P que satisfaz:

i) x ≤ x, ∀x ∈ P (reflexiva);ii) Se x ≤ y e y ≤ x, então x = y (antissimétrica);

iii) Se x ≤ y e y ≤ z, então x ≤ z (transitiva).

Denotamos o conjunto ordenado pelo par (P,≤), a fim de tornar claro qual ordem éutilizada.

Intuitivamente associamos ordens ao conjunto dos números naturais N ou à reta real R.De fato, esses dois conjuntos são ordens parciais, porém estes estão munidos com umaquarta propriedade mais forte, que permite compararmos qualquer par de elementos:

iv) ∀x, y ∈ P , x ≤ y ou y ≤ x (linear).

Caso um conjunto P seja ordem parcial e também satisfaça iv), dizemos que P é total-mente ordenado ou, equivalentemente, que é uma ordem conectada.

TomandoX um conjunto, sabemos queP(X) = {A;A ⊆ X} é parcialmente ordenadopela inclusão ⊆. Em geral, essa ordem não é conectada.

Um subconjunto S ⊆ P é uma cadeia se com a ordem herdada de P é totalmenteordenado.

Em geral, quando lidamos com estruturas, nos interessamos por aplicações que preser-vem essa estrutura. Em nosso caso, para ordens parciais, estaremos interessados em apli-cações que preservem a ordem. Desta maneira, sejam P e Q ordens parciais e f : P → Quma aplicação. Dizemos que:

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i) f preserva ordem se ∀x, y ∈ P , x ≤P y implica f(x) ≤Q f(y);ii) f é um monomorfismo se preserva ordem e é injetiva;

iii) f é um isomorfismo se preserva ordem e é bijetiva.Observe que se tivermos um monomorfismo f : P → Q, então temos um isomorfismo

entre P e sua imagem por f e, neste caso, toda sua estrutura é preservada. Por exemplo:para A ⊆ P , A é uma cadeia em P se e somente se f(A) é uma cadeia em Q.

Dada uma ordem parcial (P,≤), podemos definir uma ordem dual em P por (P,≤op),onde x ≤op y se, e somente se, y ≤ x. Afim de simplificar a notação, denotamos porP op o conjunto P munido da ordem dual. Essa definição em nada altera as propriedadesanteriores da ordem em P , exceto pelo fato de estarem “trocadas de baixo para cima”. Porexemplo, considerando a linguagem da ordem L := {≤} e a fórmula φ(x, y) := x ≤ y,então φ(x, y)op é a fórmula y ≤ x, na mesma linguagem L. Usando técnicas da lógicamatemática, é fácil de demonstrar a seguinte proposição.

Proposição 1 (Princípio da Dualidade). Seja φ uma proposição na linguagem de primeiraordem L := {≤}, que vale na ordem (P,≤). Então φop vale em (P,≤op), onde φop é aproposição obtida de φ substituindo ≤ por ≤op.

Indução na complexidade das L-fórmulas.

1.2. Reticulados e dcpo’s. Dentre as ordens parciais, vamos nos interessar por algumasque possuam algumas propriedades particulares. Para isto, iremos buscar alguns elemen-tos especiais nestes conjuntos. Seja Q ⊆ P ordem parcial:

i) a ∈ Q é um elemento maximal se para todo x ∈ Q, a ≤ x ∈ Q⇒ a = x;ii) Se a ∈ Q é tal que x ≤ a, ∀x ∈ Q, a é o maior elemento de Q.

Observe que o maior elemento, caso exista, é único. De maneira análoga definimos umelemento minimal e o menor elemento, levando em consideração a ordem dual de P . Omaior elemento de P , caso exista, é dito top e denotaremos por >. Analogamente, casoexista o menor elemento em P , o chamaremos de bottom, denotado por ⊥. As notaçõesvêm da lógica, > significa verdade e ⊥ absurdo.

Se Q ⊂ P definimos ↑Q = {y ∈ P ; (∃x ∈ Q) x ≤ y} e dizemos que Q é up-set se Q =↑Q. De maneira análoga, definimos ↓ Q = {y ∈ P ; (∃x ∈ Q) y ≤ x} edizemos que Q é down-set se Q = ↓ Q. Um elemento x ∈ P é dito uma cota superiorde Q se a ≤ x, ∀a ∈ Q. De maneira dual definimos uma cota inferior. Denotamoso conjunto das cotas superiores de Q por Qu e as cotas inferiores por Ql. Observe queesses conjuntos sempre são respectivamente up-set e down-set. Caso Qu possua menorelemento, dizemos que Q tem sup ou supremo. De maneira análoga o ínfimo de Q, ou inf,será o maior elemento de Ql, caso exista. Empregaremos a notação sup Q ou

∨Q para

denotar o supremo e inf Q ou∧Q, para denotar o ínfimo. Para dois elementos x, y ∈ P ,

denotaremos sup{x, y} = x∨ y e inf{x, y} = x∧ y. Note que, em virtude do maior e domenor elementos serem únicos, segue que o supremo e o ínfimo são únicos, caso existam.

À luz das definições anteriores, dado um conjunto ordenado P não-vazio:i) Se x ∨ y e x ∧ y existe, para todo x, y ∈ P , dizemos que P é um reticulado;

ii) Se∨Q e

∧Q existe, para todoQ ⊆ P , dizemos que P é um reticulado completo.

Observe que se P é um reticulado completo, P possui bottom e top. Assim com aordem usual≤, Q,R são reticulados, porém não são completos, uma vez que não possuem

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bottom nem top. Por outro lado, se I ⊆ R é um intervalo fechado, com a ordem herdadade R este é um reticulado completo. Seja X conjunto, então (P(X);⊆) é um reticuladocompleto, onde o supremo e o ínfimo são calculados simplesmente através de união einterseção, respectivamente.

A demonstração da próxima proposição é simples.

Proposição 2. Uma ordem parcial (P ;≤) é um reticulado completo sse para todoA ⊆ P ,existe

∨A. Note que,

∨A =

∨(↓A).

Um conjunto Q ⊆ P não vazio é direcionado se para todo x, y ∈ Q, ∃ h ∈ Q tal quex ≤ h e y ≤ h. Observe que se Q ⊆ P é direcionado, qualquer subconjunto finito F ⊆fQ possui barreira superior em Q. É claro que toda cadeia Q ⊆ P é direcionado. Assim,P é dito dcpo com ⊥ ou ordem parcial direcionada completa com primeiro elemento se:

i) P possui bottom ⊥;ii)∨D existe, para todo D ⊆ P direcionado.

Denotaremos∨D =

⊔D para fazer menção ao sup de um conjunto direcionado. Ao

omitirmos i), dizemos que P é dcpo. Em [2], temos uma bibliografia acessível sobre ateoria dos reticulados e das ordens, enquanto em [3], encontramos a teoria dos dcpo’s comresultados e questões mais avançadas.

Sabemos da Análise que se uma função é contínua, então esta preserva limites. Estamesma noção podemos traduzir para dcpo’s, considerando conjuntos direcionados. Assimse P, S são dcpo’s, uma função f : P → S é dita contínua se f(

⊔D) =

⊔f(D),

para todo D ⊆ P direcionado. Observe que qualquer função contínua preserva ordem,porém não é difícil de ver que a recíproca não é verdadeira, apenas podemos garantir que⊔f(D) ≤ f(

⊔D).

1.3. Famílias, sequências e redes. Para podermos entender a teoria dos espaços métri-cos gerais, é preciso trabalhar com redes e sua convergência. Sejam X um conjunto e Ium conjunto de índices. Uma família (xi)i∈I é uma função x : I → X , cuja imagem x(i)é denotada por xi, para todo i ∈ I . Para I = N, (xn)n∈N é dita uma sequência em X ,e temos as sequências usuais. Se (I,≤) é ordem parcial direcionado, (xi)i∈I é dita umarede em X .

Para X espaço métrico, dizemos que uma rede (xi)i∈I converge para x ∈ X , denotadopor limxi = x, quando para todo ε > 0 existe N ∈ I de modo que para todo j ≥ Ntenha-se d(xj, x) < ε. Uma rede (xi)i∈I é dita de Cauchy caso dado ε > 0 seja possívelobter N ∈ I de modo que para todo i ≥ j ≥ N tenha-se d(xi, xj) < ε.

Como sabemos, a convergência de uma rede de Cauchy nem sempre é garantida em umespaço métrico qualquer. Conforme a seguinte proposição, considerando-se a completudede um espaço métrico apenas por sequências de Cauchy, será possível obter convergênciade qualquer rede de Cauchy.

Proposição 3. Seja X espaço métrico. X é completo se, e somente se, toda rede deCauchy converge.

Demonstração. Seja (xi)i∈I rede de Cauchy. Para cada εn = 1n+1

tome N(εn) de modoque para todo i ≥ j ≥ N(εn) tenha-se d(xi, xj) < εn. Desta maneira, defina µ : N → I

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5 Andreas B. M. Brunner e Paulo R. S. Malta

recursivamente por:

µ(n) =

{N(ε0) se n = 0max{N(εn), µ(n− 1)} para n > 0

Temos que (xµ(n))n∈N é sequência de Cauchy pois dado ε > 0, tomando n0 ∈ N demodo que εn0 < ε, teremos para todo m ≥ n ≥ n0: µ(m) ≥ µ(n) ≥ µ(n0) ≥ N(n0).Assim d(xµ(m), xµ(n)) < εn0 < ε. Em virtude da completude de X a sequência (xµ(n))n∈Nconverge, digamos para x ∈ X . Vamos mostrar que (xi)i∈I converge para x. Ora, dadoε > 0, tome m ∈ N de modo que 1

m+1< ε

2. Como (xµ(n))n∈N converge a x podemos

obter n0 ∈ N de modo que para todo m ≥ n0 tenha-se d(xµ(m), x) <ε2. Assim, para todo

i ≥ N(εm) teremos:

d(xi, x) ≤ d(xi, xµ(m)) + d(xµ(m), x)

<1

m+ 1+ε

2<ε

2+ε

2= ε

Portanto (xi)i∈I converge a x. A recíproca é imediata. �

1.4. Categorias. A teoria das categorias surgiu na década de 40 do século XX com umtrabalho de Eilenberg e MacLane. Esta teoria estuda estruturas matemáticas e como elasse relacionam através de morfismos e funtores. De certa forma, a teoria pode ser vistacomo uma generalização da Álgebra Universal. Temos aplicações interessantes na Mate-mática, como por exemplo, o desenvolvimento da lógica categorial e da teoria dos topoi,generalizando desta maneira ideias da Teoria dos Conjuntos. O livro [6] é direcionadoaos matemáticos, onde é possível encontrar muitas construções categoriais importantes,como por exemplo, o lema de Yoneda. Já [4] é um livro bem acessível aos estudantes degraduação em várias áreas, como por exemplo matemática, computação e filosofia.

Em termos precisos dizemos que uma classe C é uma categoria quando satisfaz osseguintes axiomas:

(1) Possui uma coleção de C-objetos;(2) Possui uma coleção de C-morfismos;(3) Uma operação que associa a cada morfismo f um C-objeto a = dom f (dito

domínio de f ) e um C-objeto b = cod f (dito contradomínio de f );Notação: f : a→ b

(4) Uma operação que associa a cada par de morfismos (g, f) com dom g = cod fum morfismo g ◦ f , dito a composição de f e g, valendo dom (g ◦ f) = dom f ecod (g ◦ f) = cod g que satisfaz:

Lei Associativa: Se f, g, h são morfismos tais que cod f = dom g e cod g =dom h, então h ◦ (g ◦ f) = (h ◦ g) ◦ f ;

(5) Cada C-objeto b possui um C-morfismo 1b : b→ b que satisfaz:Lei da Identidade: Para todo C-morfismo f : a→ b e g : b→ c vale: 1b ◦f = f

e g ◦ 1b = g

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Teoremas de ponto fixo de Banach e Knaster-Tarski 6

Através da tabela abaixo seguem alguns exemplos de categorias:

CATEG. OBJETOS MORFISMOSSet Conjuntos funçõesTop Espaços Topológicos funções contínuasVect Espaços Vetoriais transformações

linearesGrp Grupos homomorfismos

de gruposPos Ordens parciais funções que

preservam ordem

Conforme os morfismos das categorias dadas pela tabela anterior, estes funcionamcomo uma maneira de preservar as estruturas de dois objetos distintos. De maneira aná-loga podemos definir o mesmo para categorias, através dos funtores.

Um funtor F de uma categoria C para uma categoria D é uma lei que associa:

i) a cada C-objeto a um D-objeto F (a);ii) a cada C-morfismo f : a→ b um D-morfismo F (f) : F (a)→ F (b) que satisfaz:a) F (1a) = 1F (a), para todo C-objeto a;b) F (g ◦ f) = F (g) ◦ F (f).

Neste caso F é dito um funtor covariante. Podemos substituir b) por:

b*) F (g ◦ f) = F (f) ◦ F (g).Caso satisfaça b*), F é dito funtor contravariante.

Por exemplo, podemos definir F : Grp→ Set, que associa a cada grupo G o conjuntoF(G), cujos elementos são os mesmos e a cada homomorfismo f a função F (f), queassocia os mesmos elementos. Este funtor é dito funtor esquecimento, cuja lei omite todaa estrutura de grupo inicial do conjunto. Para qualquer categoria cujos objetos sejamestruturas definidas sobre conjuntos e cujos morfismos sejam funções que preservam aestrutura, pode-se definir um funtor análogo.

2. ESPAÇOS MÉTRICOS GERAIS

Nesta seção introduziremos o conceito de espaços métricos gerais, cf. [1]. Estes sãoespaços “quase-métricos", isto é, quais são possíveis obter uma métrica não satisfazendoo axioma da simetria. Esta ausência permite-nos a introdução de uma ordem parcial, ecom isso faremos o primeiro passo de aproximar ordens parciais aos espaços métricos.

Um conjunto X é dito um espaço métrico geral ou gms quando munido de uma apli-cação X(−,−) : X ×X → R+ ∪ {+∞} que satisfaz:

i) X(x, x) = 0, para todo x ∈ Xii) X(x, z) ≤ X(x, y) +X(y, z) (Desigualdade triangular)

iii) Se X(x, y) = 0 e X(y, x) = 0, então x = y (Simetria fraca)

Neste caso diremos que X(−,−) é uma quase-métrica em X .Para simplificar a notação, denotaremos R+∪{+∞} = [0,∞]. Se tivermos uma ordem

parcial (P,≤), podemos induzir uma quase-métrica por:

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7 Andreas B. M. Brunner e Paulo R. S. Malta

P (x, y) =

{0 se x ≤ y∞ caso contrário

Reciprocamente, seX é espaço métrico geral podemos induzir uma ordem parcial (X,≤X) por x ≤X y se, e somente se, X(x, y) = 0. Assim as ordens ≤ e ≤P coincidem.O próprio conjunto [0,∞] é espaço métrico geral, munido da quase-métrica:

[0,∞](x, y) = y−x =

{0 se x ≥ yy − x se x < y

Como usual, temos x +∞ = ∞ + x = ∞, para todo x ∈ [0,∞]. Observe que a ordemusual de R não coincide com a ordem induzida por [0,∞](−,−), temos x ≤[0,∞] y se, esomente se, y ≤ x.

Para X, Y espaços métricos gerais, uma função f : X → Y é dita não-expansiva setivermos sempre Y (f(x), f(y)) ≤ X(x, y), ∀x, y ∈ X . Não é difícil de demonstrar quetoda função f que é não-expansiva também preserva ordem com respeito a ≤X . Observeque a composição de funções não-expansivas é novamente uma função não-expansiva,como também a identidade é uma função não-expansiva. Com isso obtemos a seguinte

Definição 1. A classe Gms, cujos objetos são dados por espaços métricos gerais e cujosmorfismos são funções não-expansivas, é dita a categoria dos espaços métricos gerais.

Existe uma noção de dualidade na teoria dos espaços métricos gerais que estende anoção de dualidade presente na teoria das ordens parciais: dado X espaço métrico geralpodemos obter uma quase-métrica dual definida por Xop(x, y) = X(y, x), quaisquer quesejam x, y ∈ X . Dizemos que Xop é o espaço métrico geral dual a X. Note que nem todoespaço métrico geral provém de alguma ordem parcial.

2.1. Sequências de Cauchy e limites. Como em espaços métricos gerais vale apenasuma versão parcial do axioma da simetria, o “nosso mundo"fica maior. Neste caso temosduas noções de sequências de Cauchy.Dizemos que uma rede (xi)i∈I em X é Cauchy à direita se:

∀ε > 0,∃ N ∈ I; ∀i ≥ j ≥ N ⇒ X(xj, xi) < ε

De modo análogo uma rede (xi)i∈I em X é dita Cauchy à esquerda se:

∀ε > 0,∃ N ∈ N; ∀i ≥ j ≥ N ⇒ X(xi, xj) < ε

Claramente sendoX espaço métrico usual, as duas noções de sequências de Cauchy coin-cidem. Vale observar que seX é ordem parcial decorre da definição que para (xi)i∈I Cau-chy à direita, levando em consideração a quase-métrica induzida, podemos obter N ∈ Ide modo que para todo i ≥ j ≥ N tenha-se xj ≤ xi. Assim em um dado momento (xi)i∈Ié cadeia, então fará sentido se perguntar o limite

⊔xi.

A seguinte proposição nos permitirá verificar o comportamento de uma rede de Cauchyquando induzidas à [0,∞].

Proposição 4. Sejam X espaço métrico geral e (xi)i∈I uma sequência de Cauchy à direitaem X . Então dado x ∈ X:

(1) A rede (X(x, xi))i∈I é Cauchy à direita em [0,∞].

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Teoremas de ponto fixo de Banach e Knaster-Tarski 8

(2) A rede (X(xi, x))i∈I é Cauchy à esquerda em [0,∞].

Demonstração. Dado ε > 0, tome N ∈ I tal que ∀i ≥ j ≥ N tenha-se X(xj, xi) < ε.Assim em virtude da desigualdade triangular segue que:

(1) [0,∞](X(x, xj), X(x, xi)) = X(x, xi)−X(x, xj) ≤ X(xj, xi) < ε(2) [0,∞](X(xi, x), X(xj, x)) = X(xj, x)−X(xi, x) ≤ X(xj, xi) < ε

Logo (X(x, xi))i∈I é Cauchy à direita e (X(xi, x))i∈I é Cauchy à esquerda em [0,∞].�

A fim de introduzir limites de redes de Cauchy para espaços métricos gerais, antes sefaz necessário definir este conceito em [0,∞].Para (ri)i∈I Cauchy à direita em [0,∞], definimos o limite à direita de (ri) por:

lim→ri = sup

i∈Iinfj≥i

rj

Analogamente, se (ri)i∈I é Cauchy à esquerda em [0,∞] o seu limite à esquerda é definidopor:

lim←ri = inf

i∈Isupj≥i

rj

Conforme a definição, poderemos a partir da proposição seguinte estabelecer relação entrelimites à direita e à esquerda em [0,∞]. Temos a seguinte proposição cuja demonstraçãoconsta em [7].

Proposição 5. Seja (ri)i∈I Cauchy à direita em [0,∞]. Então para todo r ∈ [0,∞] vale:

i) [0,∞](r, lim→ri) = lim

→[0,∞](r, ri)

ii) [0,∞](lim→ri, r) = lim

←[0,∞](ri, r)

Se (ri) é Cauchy à esquerda em [0,∞] então vale:

iii) [0,∞](r, lim←ri) = lim

←[0,∞](r, ri)

iv) [0,∞](lim←ri, r) = lim

→[0,∞](ri, r)

Para a demonstração desta proposição será feito uso do seguinte lema, qual também utili-zamos na demonstração de um dos teoremas principais (vide 4).

Lema 1. Sejam A,B ⊆ R, −A = {−x; x ∈ A} e A + B = {x + y; x ∈ A e y ∈ B}.Valem as seguintes afirmativas:

(1) Se A é limitado inferiormente, então sup(−A) = − inf A(2) Se A é limitado superiormente, então inf(−A) = − supA(3) Se A e B são limitados, então sup(A + B) = supA + supB e inf(A + B) =

inf A+ inf B

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Em virtude das proposições 4 e 5 podemos definir o limite de uma rede em um espaçométrico geral X . Para (xi)i∈I Cauchy à direita em um espaço métrico geral X , dizemosque x ∈ X é um limite à direita da rede (xi)i∈I quando vale:

x = lim→xi se, e somente se,

∀ y ∈ X, X(x, y) = lim←X(xi, y) .

(1)

Observe que esta definição coincide com os limites definidos em [0,∞], em virtude de5 e está bem definido conforme 4. Vale ressaltar que este limite, caso exista, está unica-mente determinado em virtude da simetria fraca. Sem a simetria fraca apenas poderíamosconcluir que os limites possuem distância 0.

Se X é ordem parcial e (xi)i∈I é cadeia, então

lim→xn =

⊔xn .

De fato, seja y tal que xi ≤ y para todo i ∈ I . Logo X(xi, y) = 0, ∀i ∈ I . Por outro lado,X(lim→ xi, y) = lim←X(xi, y) = 0. Assim, lim→ xi ≤ y e, portanto, lim→ xi =

⊔xi.

Além disso, essa definição coincide com a usual de espaços métricos. De fato, seja ε > 0dado, observe que:

x = lim→xi ⇒

0 = X(lim→xi, x) = lim

←X(xi, x) = inf

i∈Isupj≥i

X(xi, x) < ε

Logo, poderemos obter N ∈ I de modo que 0 ≤ supj≥N X(xj, x) < ε. PortantoX(xi, x) < ε, ∀i ≥ N .

2.2. O mergulho de Yoneda. O mergulho de Yoneda pode ser pensado como uma “re-presentação"da categoria Gms na categoria de funtores com valores em conjuntos e trans-formações naturais. Por exemplo, o teorema de Cayley da teoria dos Grupos diz que todogrupo G é imerso no grupo das simetrias, ou seja, qualquer grupo G é isomorfo a umsubgrupo do grupo das simetrias. Então o mergulho de Yoneda neste caso induz o mono-morfismo de grupo, G→ SG, onde SG denota o grupo das permutações de G.

Em posse dos conceitos introduzidos estamos em condições de formular o Lema deYoneda, cf. [6] e [4], um resultado importante na Teoria das Categorias. Para nos-sos fins, nos restringiremos à categoria Gms. Para isto consideremos o conjunto X =

{f : Xop → [0,∞]; f é não-expansiva}. Munindo-o com a quase métrica X(φ, ψ) =

supz∈X [0,∞](φ(z), ψ(z)) temos que X é um espaço métrico geral. A seguinte proposi-ção nos permitirá identificar X em X . Com isso daremos mais um passo ao objetivo deaproximar os dois teoremas de ponto fixo.

Lema 2 (Yoneda). Seja X um espaço métrico geral. Para cada x ∈ X defina a funçãoX(−, x) : Xop → [0,∞], y 7→ X(y, x). Esta função é não-expansiva e portanto umelemento de X . Além disto, para qualquer elemento φ ∈ X , tem-se X(X(−, x), φ) =φ(x).

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Teoremas de ponto fixo de Banach e Knaster-Tarski 10

Demonstração. Primeiramente, X(−, x) é não-expansiva, pois para todo a, b ∈ X , con-siderando sem perda de generalidade X(a, x) < X(b, x), tem-se:

[0,∞](X(a, x),X(b, x)) = X(b, x)−X(a, x)

≤ X(b, a) = Xop(a, b) .

Agora tome φ ∈ X . Teremos:

φ(x) = [0,∞](X(x, x), φ(x))

≤ supz∈X

[0,∞](X(z, x), φ(z)) = X(X(−, x), φ)

Por outro lado, uma vez que φ é não-expansiva tem-se para qualquer y ∈ X:

[0,∞](φ(x), φ(y)) ≤ Xop(x, y) = X(y, x)

Vamos mostrar que para qualquer y ∈ X tem-se [0,∞](X(y, x), φ(y)) ≤ φ(x). Para istoconsidere os seguintes casos:

i) X(y, x) =∞Neste caso [0,∞](X(y, x), φ(y)) = 0 ≤ φ(x).

ii) X(y, x) <∞ e φ(x) =∞De imediato [0,∞](X(y, x), φ(y)) ≤ φ(x).

iii) X(y, x) <∞ e φ(x) <∞Como [0,∞](φ(x), φ(y)) ≤ X(y, x) teremos φ(y) <∞, assim φ(y)− φ(x) ≤

[0,∞](φ(x), φ(y)) ≤ X(y, x) e portanto φ(y)−X(y, x) ≤ φ(x). Logo, indepen-dente da relação da ordenação de φ(y) eX(y, x), segue que [0,∞](X(y, x), φ(y)) ≤φ(x).

Portanto em qualquer dos casos vale a desigualdade, uma vez que y ∈ X é arbitráriosegue que:

φ(x) ≥ supy∈X

[0,∞](X(y, x), φ(y)) = X(X(−, x), φ)

Logo, φ(x) = X(X(−, x), φ). �

Corolário 1. Seja X espaço métrico geral. Para cada x ∈ X , defina o mergulho deYoneda por y : X ↪→ X , x 7→ yx = X(−, x). Para todo x, x′ ∈ X tem-se que y é umaisometria, isto é, X(x, x′) = X(yx,yx′).

Demonstração. A isometria é imediata a 2. Se yx = yx′ , temos 0 = X(yx,yx′) =

X(x, x′) e 0 = X(yx′ ,yx) = X(x′, x). Assim, em virtude da simetria fraca, segue quex = x′ e portanto y é injetiva. �

À luz do lema anterior podemos a partir de agora identificar qualquer espaço métricogeral X em um “maior", X . Através da seguinte proposição, estaremos em condições deidentificar as funções não-expansivas.

Proposição 6. Sejam X, Y espaços métricos gerais e f : X → Y não-expansiva. Definaf ∗ : X → Y por f ∗(φ)(y) = inf

x∈X(φ(x) + Y (y, f(x))). Neste caso, f ∗ é não-expansiva.

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11 Andreas B. M. Brunner e Paulo R. S. Malta

Demonstração. Sejam φ, ψ ∈ X , teremos:

X(φ, ψ) + f ∗(φ)(y)

= supx∈X

[0,∞](φ, ψ) + infx∈X

(φ(x) + Y (y, f(x)))

≥ infx∈X

(ψ(x)−φ(x)) + infx∈X

(φ(x) + Y (y, f(x)))

≥ infx∈X

(ψ(x) + Y (y, f(x))) = f ∗(ψ)(y) .

Logo, X(φ, ψ) ≥ f ∗(ψ)(y) − f ∗(φ)(y). Se f ∗(ψ)(y) > f ∗(φ)(y) teremos X(φ, ψ) ≥[0,∞](φ(y), ψ(y)), caso contrário X(φ, ψ) ≥ 0 = [0,∞](φ(y), ψ(y)). Em qualquer casoteremos

X(φ, ψ) ≥ [0,∞](φ(y), ψ(y))

e, assim,X(φ, ψ) ≥ sup

y∈X[0,∞](φ(y), ψ(y)) .

Segue que X(φ, ψ) ≥ Y (f ∗(φ), f ∗(ψ)). �

3. COMPLETAMENTO DE ESPAÇOS MÉTRICOS GERAIS

Em posse dos resultados obtidos anteriormente, podemos a partir deste momento consi-derar completude em espaços métricos gerais. A completude tem papel de unificar, em umcerto sentido, os dois teoremas de ponto fixo. Dizemos que um funtor J : Gms→ Gmsé um funtor completamento caso satisfaça as seguintes propriedades:

i) JX ⊆ X , qualquer que seja X gms;ii) {yx;x ∈ X} ⊆ JX;

iii) Quaisquer que sejam X, Y gms, se f : Y → X é uma função não-expansiva,então J (f) := f ∗|J Y satisfaz f ∗|J Y (J Y ) ⊆ JX , isto é, f ∗|J Y : J Y → JX estábem definida.

Note que em virtude de i) e ii) obtemos uma regra para os Gms-objetos, a qual estadetermina uma margem para o completamento. A alínea iii) define uma regra para osGms-morfismos, que garante que qualquer função não-expansiva admite uma extensãoque ainda é não-expansiva. Em virtude da proposição 6 segue que J é funtor covariante.

Seja X espaço métrico geral, dizemos que φ ∈ X possui supremo S(φ) ∈ X quandopara todo x ∈ X satisfaça a seguinte igualdade:

(2) X(S(φ), x) = X(φ,yx)

Observe que o supremo S(φ) por simetria fraca é único. Caso qualquer elemento φ ∈JX possua supremo, dizemos que X é J -completo.

Conforme a definição acima é natural considerar S como uma aplicação, o seguintelema virá em nosso auxílio neste sentido:

Lema 3. Seja X espaço métrico geral J -completo. Então a aplicação S : JX → Xestá bem definida e é não-expansiva. Além disso vale a seguinte desigualdade:

(3) X(x,S(φ)) ≤ X(yx, φ),

quaisquer que sejam φ ∈ JX e x ∈ X .

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Teoremas de ponto fixo de Banach e Knaster-Tarski 12

Exemplo 1. [0,∞] é J -completo, independente da escolha de J . Para observar isso,dado φ ∈ J [0,∞] defina S(φ) = infz∈[0,∞](φ(z) + z), teremos:

[0,∞](S(φ), x) = x− infz∈[0,∞]

(φ(z) + z)

= supz∈[0,∞]

(x−(z + φ(x))) = supz∈[0,∞]

([0,∞](z, x)−φ(z))

= supz∈[0,∞]

[0,∞](φ(z),yx(z)) = [0,∞](φ,yx)

Logo, S é de fato supremo.

3.1. Completude comum para ordens parciais e espaços métricos. Com a noção decompletude introduzida no início podemos a partir de uma escolha adequada de J ge-neralizar as noções de completude usuais para espaços métricos, ordens parciais e re-ticulados. Neste sentido, para X espaço métrico geral, defina o funtor completamentoA por φ ∈ AX se, e somente se, existe (xi)i∈I rede de Cauchy de modo que φ =infi∈I supj≥iX(−, xj).

Proposição 7. O funtor A : Gms→ Gms é de fato funtor completamento.

Demonstração. Sejam X, Y espaços métricos gerais. Verifiquemos que A é funtor com-pletamento:

i) É claro que AX ⊆ X , pois se φ ∈ AX então φ : Xop → [0,∞] está bem definida.ii) Para cada x ∈ X , tome a rede constante xi = x, para todo i ∈ I , que claramente

é Cauchy a direita. Desta maneira yx = infi∈I supj≥iX(−, xj).iii) Seja f : X → Y não-expansiva. Tome φ ∈ AX , então existe (xi)i∈I Cau-

chy a direita tal que φ = infi∈I supj≥iX(−, xj). Vamos mostrar que f ∗(φ) =infi∈I supj≥i Y (−, f(xj)). Ora, para todo xj ∈ (xi),y ∈ Y e x ∈ X teremos:

Y (y, f(x)) +X(x, xj) ≥ Y (y, f(x)) + Y (f(x), f(xj))

≥ Y (y, f(xj))⇒infi∈I

supj≥i

X(x, xj) + Y (y, f(x)) ≥ infi∈I

supj≥i

Y (y, f(xj))

Como x é arbitrário segue que f ∗(φ)(y) ≥ infi∈I supj≥i Y (y, f(xj)). Paramostrar a desigualdade oposta tome ε > infi∈I supj≥i Y (y, f(xj)), para este εtome δ1, δ2 > 0 de modo que δ1 + δ2 < ε e δ1 > infi∈I supj≥i Y (y, f(xj)). Comoδ1 não é uma barreira inferior para infi∈I supj≥i Y (y, f(xj)), podemos obterN1 ∈I de modo que:

δ1 > supj≥N1

Y (y, f(xj)) ≥ Y (y, f(xj)), ∀j ≥ N1

Uma vez que (xi) é Cauchy a direita podemos obter N2 ∈ I tal que para todoj′ ≥ j ≥ N2 tenha-se X(xj, xj′) < δ2. Assim φ(xj) ≤ δ2, qualquer que sejaj ≥ N2. Como I é direcionado, tomando N ≥ N1 e N ≥ N2 segue que para todoj ≥ N :

ε > δ1 + δ2 > Y (y, f(xj)) + φ(xj) ≥ f ∗(φ)(y)

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13 Andreas B. M. Brunner e Paulo R. S. Malta

Uma vez que ε foi tomado arbitrário segue que infi∈I supj≥i Y (y, f(xj)) ≥ f ∗(φ)(y).Portanto f ∗(φ)(y) = infi∈I supj≥i Y (y, f(xj)).

Desta maneira, conforme as seguintes proposições, poderemos através do funtor Aresgatar a completude de espaços métricos e ordens parciais.

Proposição 8. Seja X espaço métrico. X é completo se, e somente se, X é A-completo.Além disto, a função S : AX → X é isometria e vale a seguinte igualdade:

(4) X(x,S(φ)) = X(yx, φ), ∀φ ∈ JX, x ∈ X

Demonstração. Como X é espaço métrico, podemos fazer uso da simetria quando conve-niente. Suponha X completo, tome φ = infi∈I supj≥iX(−, xj). Fazendo uso da propo-sição 3 temos que (xi)i∈I converge, digamos para x. Em virtude da equação (1) teremospara todo y ∈ X:

X(y, x) = X(x, y) =︸︷︷︸(1)

lim←X(xi, y)

= lim←X(y, xi) = inf

i∈Isupj≥i

X(y, xj)

Logo yx = φ. Desta maneira defina S(φ) = x. Assim para todo z ∈ X:

X(S(φ), z) = X(x, z) = X(yx,yz) = X(φ,yz)

Portanto S é supremo, como φ ∈ AX foi tomado arbitrário segue que X é A-completo.Além disso, para φ = infi∈I supj≥iX(−, xj) e ψ = infi∈I supj≥iX(−, yj) teremos:

X(φ, ψ) = supa∈X

[0,∞](φ(a), ψ(a))

= supa∈X

[0,∞](lim←X(a, xj), lim←

X(a, yj))

= supa∈X

[0,∞](lim←X(xj, a), lim←

X(yj, a))

= supa∈X

[0,∞](X(S(φ), a), X(S(ψ), a))

= X(yS(φ))),yS(ψ)) = X(S(φ),S(ψ))

Portanto S : AX → X é isometria e desta maneira conforme a demonstração do lema3 segue que vale a equação (4).

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Teoremas de ponto fixo de Banach e Knaster-Tarski 14

Reciprocamente, seja (xn)n∈N sequência de Cauchy. Tome φ = infn∈N supk≥nX(−, xn).Como X é A-completo existe o supremo S(φ). Assim para todo z ∈ X:

X(S(φ), z) = X(z,S(φ))

=︸︷︷︸(4)

X(yz, φ)

= supa∈X

[0,∞](yz(a), lim←X(a, xn))

=︸︷︷︸2.2(iii)

supa∈X

lim←

[0,∞](yz(a), X(a, xn))

= lim←

supa∈X

[0,∞](yz(a),yxn(a))

= lim←X(yz,yxn)

= lim←X(z, xn) = lim

←X(xn, z) .

Segue da equação (1) que lim→ xn = S(φ) e, portanto, X é completo. �

Para ordens parciais podemos considerar o funtor (.)X = X , observe que é imediatoque este funtor é de fato um funtor completamento. Conforme a seguinte proposição, estaescolha nos permitirá resgatar a completude de reticulados.

Proposição 9. Seja X ordem parcial. X é um reticulado completo se, e somente se, X é(.)-completo.

Demonstração. Suponha X (.)-completo. Para cada A ⊆ X , defina φ : Xop → [0,∞]por:

φ(z) =

{0 se z ∈ ↓A∞ caso contrário

Uma vez que X é (.)-completo, vamos mostrar que∨↓A = S(φ).

Ora, seja x ∈↓A, pela definição de φ e aplicando o Lema de Yoneda teremos 0 = φ(x) =

X(yx, φ) ≥︸︷︷︸(3)

X(x,S(φ)). Logo X(x,S(φ)) = 0 e portanto x ≤ S(φ).

Por outro lado, se z ∈ X é tal que x ≤ z, qualquer que seja x ∈ ↓A, teremos:

X(S(φ), z) =︸︷︷︸(2)

X(φ,yz) = supa∈X

[0,∞](φ(a), X(a, z))

Se a ∈ ↓A, pela escolha de z temos X(a, z) = 0, assim [0,∞](φ(a), X(a, z)) = 0.Por outro lado, se a /∈ ↓A teremos que φ(a) =∞ e portanto [0,∞](φ(a), X(a, z)) = 0.Desta maneira, qualquer que seja a ∈ X temos [0,∞](φ(a), X(a, z)) = 0, logoX(S(φ), z) =0 e assim S(φ) ≤ z.Portanto concluímos que existe

∨↓A, uma vez que A ⊆ X foi tomado arbitrário segue

da proposição 2 que X é reticulado completo.Reciprocamente, suponha X reticulado completo. Para φ ∈ X , tome A = φ−1(∞).

Observe que A = ↑A, pois se z ∈ ↑A podemos obter h ∈ A tal que h ≤ z, como φ é

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15 Andreas B. M. Brunner e Paulo R. S. Malta

não-expansiva φ(h) ≤ φ(z) e assim φ(z) =∞. Desta maneira defina S(φ) =∨X\ ↑A,

vamos mostrar que S é supremo.Ora, para cada x ∈ X teremos:

0 = X(S(φ), x) = X(∨

X\ ↑A, x)⇔ X\ ↑A ⊆ ↓{x}⇔ X\ ↓{x} ⊆ ↑A

Se a ∈ ↓{x} temos X(a, x) = 0, caso contrário teremos a ∈ ↑A e assim φ(a) =∞, logoem qualquer caso teremos [0,∞](φ(a), X(a, x)) = 0. Por outro lado, se [0,∞](φ(a), X(a, x)) =0,∀ a ∈ X , isto significa que sempre X(a, x) ≤ φ(a), em particular para a /∈↓{x} valeráX(a, x) =∞ e assim φ(a) =∞. Desta maneira, teremos:

X\ ↓{x} ⊆ ↑A⇔ [0,∞](φ(a), X(a, x)) = 0,∀ a ∈ X

⇔ X(φ,yx) = 0 .

Logo X(S(φ), x) = 0 ⇔ X(φ,yx) = 0, qualquer que seja x ∈ X . Como X éordem parcial X(−,−) só assume valores 0 e ∞, desta maneira X(S(φ), x) = ∞ ⇔X(φ,yx) 6= 0, mas neste caso podemos obter a ∈ X de modo que yx(a) − φ(a) 6= 0,novamente levando em consideração que X é ordem parcial terá que ocorrer yx(a) −φ(a) =∞ e assim X(S(φ), x) =∞⇔ X(φ,yx) =∞. Assim X(S(φ), x) = X(φ,yx),qualquer que seja x ∈ X . Uma vez que φ foi tomado arbitrário segue que S é supremo.

Nesta linha de raciocínio temos também a caracterização de dcpo’s com ⊥ através deordens A-completas, conforme a próxima proposição, cuja demonstração consta em [7].

Proposição 10. Seja X uma ordem parcial. Então X é dcpo com ⊥ se, e somente se, Xé A-completo.

3.2. Funtores completamento admissíveis. Finalmente, conforme a noção de comple-tude introduzida no capítulo anterior, dado um espaço métrico geral X podemos nosquestionar a completude de conjuntos direcionados com respeito à ordem ≤X herdadada métrica de X . Neste caminho, dizemos que um funtor completamento J é admissívelse para qualquer que seja X espaço métrico geral J -completo, tenha-se (X,≤X) é dcpo.

Exemplo 2. Para X espaço métrico geral, considere o funtor YX = {yx; x ∈ X}.Observe que Y é funtor completamento pois:

f ∗(X(−, z)) = infx∈X

(X(x, z) + Y (−, f(x))) = Y (−, f(z))

Definindo S(yz) = z, qualquer que seja z ∈ X , em virtude do Lema de Yoneda teremosque X é Y-completo. Em particular, tomando X = N e considerando a ordem usual,teremos que N é Y-completo, mas não é dcpo. Logo Y não é admissível.

O funtor anterior conforme mostrado não é admissível. Para nosso auxílio, conformeas seguintes proposições, vamos verificar que tanto A quanto (.) são admissíveis.

Proposição 11. O funtor A é admissível.

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Teoremas de ponto fixo de Banach e Knaster-Tarski 16

Demonstração. Sejam X espaço métrico geral A-completo e I ⊆ X direcionado comrespeito a ≤X . Defina xi = i, i ∈ I , observe que (xi)i∈I é rede de Cauchy à direita. Paraesta rede tome φ = infi∈I supj≥iX(−, xj), uma vez que X é A-completo existe S(φ).Vamos mostrar que

⊔I = S(φ).

Seja k ∈ I , temos φ(xk) ≤ supj≥kX(xk, xj) = 0. Logo pelos lemas de Yoneda e (3.1)temos 0 = φ(xk) = X(yxk , φ) ≥ X(xk,S(φ)), assim xk ≤X S(φ). Se u ∈ X é tal quexi ≤X u, qualquer que seja i ∈ I , teremos X(xi, u) = 0 e assim:

0 = lim→X(xi, u)

= lim→X(yxi ,yu)

= lim→

supa∈X

[0,∞](yxi(a),yu)(a)

= supa∈X

lim→

[0,∞](yxi(a),yu(a))

=︸︷︷︸(2.2)(iv)

supa∈X

[0,∞](lim←

yxi(a),yu(a))

= X(φ,yu)

= X(S(φ), u)

Portanto S(φ) ≤X u. �

Proposição 12. Seja X espaço métrico geral (.)-completo, então (X,≤X) é reticuladocompleto. Em particular (.) é admissível.

Demonstração. Primeiramente observe que X é um reticulado completo com respeito a≤X , para observar isto, dado Y ⊆ X tome

∨Y (x) =

∨{φ(a), φ ∈ Y & a ∈ [0,∞]},

para todo x ∈ [0,∞]. Desta maneira∨Y é não-expansiva, já que é constante e é a

maior das barreiras superiores com respeito a ≤X . Além disso ⊥X(a) = ∞, para todoa ∈ [0,∞], é o menor elemento de X e assim ⊥X ∈ X . Vamos mostrar agora que(X,≤X) é reticulado completo.

Seja A ⊆ X , defina y[A] = {ya; a ∈ A}, verifiquemos que S(∨X y[A]) é supremo

de A. Dado a ∈ A, temos ya ≤X∨X y[A], uma vez que S é não-expansiva teremos

a = S(ya) ≤X S(∨X y[A]). Por outro lado, se u ∈ X é tal que a ≤X u, para todo a ∈ A,

em virtude da isometria de y teremos ya ≤X yu e assim∨X y[A] ≤X yu, portanto segue

que S(∨X y[A]) ≤X S(yu) = u. Conforme observado anteriormente temos que ⊥X é o

menor elemento de X , como S é não-expansiva segue que S(⊥X) é o menor elemento deX . �

4. TEOREMAS DE PONTO FIXO

Dado um conjunto X e uma aplicação f : X → X , podemos nos questionar a exis-tência de pontos x ∈ X tais que f(x) = x, quais são ditos pontos fixos. Para espaçosmétricos e ordens parciais são bem conhecidos os teoremas de ponto fixo de Banach eKnaster-Tarski, conforme enunciado:

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17 Andreas B. M. Brunner e Paulo R. S. Malta

Teorema 1 (Banach). Seja X espaço métrico completo. Se f : X → X é uma contração,isto é, existe 0 < λ < 1 tal que d(f(x), f(y)) ≤ λd(x, y), quaisquer que sejam x, y ∈ X .Então f tem um único ponto fixo.

Teorema 2 (Knaster-Tarski). Seja X um reticulado completo. Se f : X → X preservaordem, então f tem menor e maior ponto fixo. Além disso, o conjunto de seus pontos fixosformam um reticulado completo por si.

Nas próximas seções vamos mostrar que ambos teoremas poderão ser deduzidos dateoria sobre espaços métricos gerais introduzida até então por meio das proposições 4 e13 exibidas a seguir. Mais precisamente, vamos verificar que ambos são consequênciasdo teorema sobre a existência de pontos fixos para dcpo’s, cf. 3. Para funtores completa-mento admissíveis podemos demonstrar que a função f : X → X possui pontos fixos sea função extensão f ∗ : X → X tem pontos fixos, cf. 4. Através do teorema 13 demons-traremos que a condição suficiente para f ∗ ter de fato um ponto fixo é que para algumx0 ∈ X a sequência (fn(x0))n∈N seja de Cauchy à direita. Em posse destes resultadosserá possível concluir os teoremas de Banach e Knaster-Tarski sem maiores dificuldades.

4.1. A demonstração de Pataraia. Conforme é conhecido para ordens parciais, peloteorema (4.15) em [2], dado X dcpo com ⊥ e f : X → X preservando ordem é possívelobter ponto fixo para f . D. Pataraia desenvolveu uma demonstração intuicionista elegantedeste teorema. Em [3], a demonstração é indicada como exercício nas páginas 20 e 21.Em [8], esta demonstração também é indicada e em [7] a demonstração é elaborada emtodos os detalhes.

Teorema 3. Seja (X,≤) dcpo com ⊥ e suponha que f : X → X preserva ordem. Entãof tem menor ponto fixo.

A demonstração do seguinte teorema é análoga ao anterior.

Teorema 4.3 (bis). Seja (X,≤) dcpo e f : X → X . Suponha que f preserva ordem eexiste x∗ ∈ X tal que x∗ ≤ f(x∗). Então f tem ponto fixo, qual é o menor acima de x∗.

Fazendo uso do Teorema 3 (bis), obteremos o seguinte teorema para espaços métricosgerais, cujas hipóteses permitirão obter os teoremas do ponto fixo de Banach e Knaster-Tarski.

Teorema 4. Sejam J admissível, X espaço métrico geral J -completo e f : X → Xnão-expansiva. Se existe φ ∈ JX tal que f ∗(φ) = φ, então f tem ponto fixo, qual é omenor acima de S(φ) com respeito a ≤X .

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Teoremas de ponto fixo de Banach e Knaster-Tarski 18

Demonstração. Seja φ ∈ JX tal que f ∗(φ) = φ, uma vez que X é J -completo, existeS(φ). Desta maneira temos que:

X(S(f ∗(φ)), f(S(φ))) = X(f ∗(φ),yf(S(φ)))

= supa∈X

[yf(S(φ))(a)−f ∗(φ(a))]

= supa∈X

[yf(S(φ))− infb∈X

(φ(b) +X(a, f(b)))]

= supa∈X

[supb∈X

(X(a, f(S(φ)))−(φ(b) +X(a, f(b))))][Lema 1]

≤ supa∈X

supb∈X

[X(f(b), f(S(φ)))−φ(b)][Desig. Triangular]

≤ supb∈X

[X(b,S(φ))−φ(b)][f não-expansiva]

= supb∈X

[X(b,S(φ))−X(yb, φ)][Lema de Yoneda]

≤ supb∈X

[X(b,S(φ))−X(b,S(φ))]

= 0[Lema 3]

Logo, X(S(f ∗(φ)), f(S(φ))) = 0 e, portanto, S(f ∗(φ)) ≤X f(S(φ)). Por hipótese, Jé admissível, assim (X,≤X) é dcpo, uma vez que f é não-expansiva e f ∗(φ) = φ temosque f preserva ordem com respeito a ≤X e S(φ) ≤X f(S(φ)). Aplicando o teorema 3bis segue que f tem ponto fixo, qual é o menor acima de S(φ) com respeito a ≤X . �

4.2. Os teoremas de Banach e Knaster-Tarski para espaços métricos gerais. Con-forme as hipóteses do teorema anterior, para a obtenção de pontos fixos para uma funçãof é suficiente a existência destes para f ∗. Neste caminho a seguinte proposição virá emauxílio:

Proposição 13. Sejam X espaço métrico geral e f : X → X não-expansiva. Se para al-gum x0 ∈ X a sequência (fn(x0))n∈N é Cauchy à direita, então φ = infn∈N supk≥nX(−, fk(x0))é um ponto fixo para f ∗.

Demonstração. Para mostrar a igualdade f ∗(φ) = φ, vamos verificar ambas desigualda-des com respeito a ≤X .

Sejam n ∈ N, z ∈ X e ε > 0 fixados. Uma vez que (fn(x0))n∈N é Cauchy à direita,tome m ∈ N de modo que para todo k ≥ m ≥ n tenha-se X(fm(x0), f

k(x0)) < ε. Assimsupk≥mX(fm(x0), f

k(x0)) ≤ ε. Logo teremos:

supk≥n

X(z, fk(x0)) + ε ≥ supk≥m

X(z, fk(x0)) + ε

≥ X(z, fm+1(x0)) + supk≥m

X(fm(x0), fk(x0))

≥ infa∈X

[X(z, f(a)) + supk≥m

X(a, fk(x0))]

≥ infa∈X

[X(z, f(a)) + infm∈N

supk≥m

X(a, fk(x0))]

= f ∗(φ)(z) .

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19 Andreas B. M. Brunner e Paulo R. S. Malta

Uma vez que ε > 0 foi tomado arbitrário, teremos f ∗(φ)(z) ≤ supk≥nX(z, fk(x0)).Como n ∈ N foi tomado arbitrário obtemos f ∗(φ)(z) ≤ infn∈N supk≥nX(z, fk(x0)) =φ(z). Logo f ∗(φ)(z) − φ(z) ≤ 0, uma vez que a escolha de z ∈ X foi arbitrária segueque supz∈X [f

∗(φ)(z)− φ(z)] ≤ 0 e assim X(φ, f ∗(φ)) = 0. Portanto φ ≤X f ∗(φ).Para mostrar a desigualdade oposta, sejam y, z ∈ X e n ∈ N fixados. Tome k ≥ n,

uma vez que f é não-expansiva teremos:

X(y, f(z)) +X(z, fk(x0))

≥ X(y, f(z)) +X(f(z), fk+1(x0))

≥ X(y, fk+1(x0)).

Assim,

X(y, f(z)) + supk≥n

X(z, fk(x0)) ≥ supk≥n

X(y, fk+1(x0)) .

Como n foi tomado arbitrário, vale

X(y, f(z)) + infn∈N

supk≥n

X(z, fk(x0))

≥ infn∈N

supk≥n

X(y, fk+1(x0))

e, assim, X(y, f(z)) + φ(z) ≥ φ(y). Uma vez que z foi tomado arbitrário, teremosinfz∈X [X(y, f(z) + φ(z))] ≥ φ(y) e, assim, f ∗(φ)(y) ≥ φ(y). Como y foi tomadoarbitrário segue que f ∗(φ) ≤X φ. �

Em virtude do Teorema 4 e fazendo uso da proposição anterior, estaremos em condi-ções de demonstrar os teoremas de Banach e Knaster-Tarski, cujas hipóteses tomadas emespaços métricos gerais coincidem com as hipóteses dos teoremas originais, em virtudedas proposições 8, 9, 11 e 12.

Teorema 5 (Banach). Sejam X espaço métrico geral A-completo e f : X → X con-tração, isto é, existe 0 < λ < 1 tal que X(x, y) ≤ λ.X(f(x), f(y)) < ∞, para todox, y ∈ X . Então f tem um único ponto fixo.

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Teoremas de ponto fixo de Banach e Knaster-Tarski 20

Demonstração. Seja x0 ∈ X , vamos mostrar que fn(x0) é Cauchy à direita. Ora, paracada p ∈ N teremos

X(fn(x0), fn+p(x0)) ≤

p−1∑i=0

X(fn+i(x0), fn+i+1(x0))

≤p−1∑i=0

λn+iX(x0, f(x0))

= λnX(x0, f(x0))

p−1∑i=0

λi

< λn.X(x0, f(x0))∞∑i=0

λi

=λn

1− λX(x0, f(x0)) .

Uma vez que 0 < λ < 1 temos que λn

1−λX(x0, f(x0)) → 0, assim dado ε > 0 podemostomar n0 ∈ N de modo que para todo n ≥ n0 tenha-se X(fn(x0), f

n+p(x0)) < ε. Comop ∈ N foi tomado arbitrário segue que X(fn(x0), f

m(x0)) < ε, para todo m ≥ n ≥ n0.Portanto fn(x0) é Cauchy à direita.

Desta maneira, pela proposição 13 φ = infn∈N supk≥nX(−, fk(x0)) é um ponto fixopara f ∗, qual pertence a AX . Pela proposição 11 temos que o funtor A é admissível, umavez que X é A-completo segue pelo teorema 4 que f possui ponto fixo.

Se a, b ∈ X são pontos fixos para f , teremos X(a, b) = X(f(a), f(b)) ≤ λX(a, b) eassim (1− λ)X(a, b) ≤ 0. Como (1− λ) > 0 segue que X(a, b) = 0. De modo análogoX(b, a) = 0 e assim em virtude da simetria fraca a = b.

Portanto f possui um único ponto fixo. �

Teorema 6 (Knaster-Tarski). Seja X espaço métrico geral (.)-completo. Se f : X → Xé não-expansiva, então f tem menor e maior ponto fixo.

Demonstração. Por hipótese temos queX é (.)-completo, logo pela proposição 12 (X,≤X) é um reticulado completo, desta maneira teremos que fn(⊥) é Cauchy à direita, poiscomo f é não-expansiva vale:

⊥ ≤X f(⊥) ≤X f 2(⊥) ≤X ... ≤X fn(⊥) ≤X ...

E assim para qualquer ε > 0 se n ≥ m ≥ 0 teremos X(fm(⊥), fn(⊥)) = 0 < ε. Logopela proposição 13 φ = infn∈N supk≥nX(−, fk(⊥)) é ponto fixo para f ∗, por 12 temosque (.) é admissível e portanto pelo teorema 4 segue que f tem menor ponto fixo, digamosx1, qual é o menor acima de S(φ).

Por outro lado, conforme a demonstração do lema 11, temos que S(φ) =∨n∈N f

n(⊥).Se x2 for outro ponto fixo para f , temos sempre que ⊥ ≤X x2, e assim como f é não-expansiva teremos fn(⊥) ≤X fn(x2) = x2, para todo n ∈ N, daí

∨n∈N f

n(⊥) ≤X x2.Como x1 é o menor ponto fixo de f acima de

∨n∈N f

n(⊥), segue que x1 ≤X x2. Portantox1 é o menor ponto fixo de f em X .

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21 Andreas B. M. Brunner e Paulo R. S. Malta

Uma vez que f é não-expansiva em X se, e somente se, é não-expansiva em Xop amesma construção levará a obter o menor ponto fixo para f em Xop, consequentemente omaior ponto fixo para f em X . �

REFERÊNCIAS

[1] Bonsangue, M., van Breugel, F., Rutten, J. Generalized metric spaces: completion, topology, and powerdomains via the Yoneda embedding Theoretical Computer Science. 193, p. 1-51, 1998

[2] Davey, B. A, Priesley H. A. Introduction to Lattices and Order. Cambridge University Press, 1990.[3] Gierz, G., Hofmann, K.H., Keimel, K., Lawson, J.D., Mislove, M.W., Scott, D.S. Continuous Lattices

and Domains. Cambridge University Press, 2003.[4] Goldblatt, R. Topoi, The Categorial Analysis of Logic. Revised edition. Elsevier Science Publishers B.

V., 1984.[5] Kostanek M., Waszkiewicz, P. Reconciliation of elementary order and metric fixpoint theorems. Pre-

print, disponível em: http://tcs.uj.edu.pl/Waszkiewicz, 2011.[6] Mac Lane, S. Categories for the working mathematician. Springer: Berlin, Heidelberg, New York. 2nd

ed., 1998.[7] Malta, P. Sobre os teoremas de ponto fixo de Tarski e Banach. Monografia em Matemática (UFBA),

2011.[8] Waszkiewicz, P. Common patterns for metric and ordered fixed point theorems. In Proceedings of the

7th Workshop on Fixed Points in Computer Science (Luigi Santocanale ed.), pp. 83-87, 2010.

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