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Ano XV, número 33, junho de 2009 CAPA na Rede Globo Página 3 Estratégias para aumentar a renda das famílias Página 9 Alguns resultados de impacto Página 11 O futuro na união e na partilha Foto Zardo O futuro na união e na partilha

O futuro na união e na · O RECADO DA TERRA 13 Ano XV, número 33, junho de 2009 CAPA na Rede Globo Página 3 Estratégias para aumentar a renda das famílias Página 9

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O RECADO DA TERRA 13

Ano XV, número 33, junho de 2009

CAPAna RedeGloboPágina 3

Estratégiasparaaumentara rendadasfamíliasPágina 9

AlgunsresultadosdeimpactoPágina 11

O futuro naunião e napartilha

Foto Zardo

O futuro naunião e napartilha

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Editorial

Após quase três décadas de apoioa processos e iniciativas de promo-ção da agroecologia e de organiza-ção de grupos de pequenos agricul-tores para a construção de um proje-to diferenciado para a agricultura fa-miliar, surgiu a necessidade de per-guntar: Quais foram os impactos des-sa atuação? Quais foram as mudan-ças que o trabalho do CAPA trouxepara as famílias e para a sociedade?

Desde a sua criação, o CAPA sepreocupou com a pequena proprie-dade descapitalizada, com a organi-zação e a união dos pequenos agri-cultores e com a divulgação de umaagricultura alternativa. Depois de 30anos de atividades, se fez imperativoa realização de um estudo de impac-tos. “Estamos fazendo certo? As ati-vidades realizadas pretendem solu-cionar um problema central dos pú-blicos alvo?” foram algumas das per-guntas que provocaram o estudo queanalisou outras diversas questões.

Esta edição do Recado da Terratraz alguns aspectos do estudo reali-zado, que também foi publicado emformato de livro, com o título A gen-te pega junto – protagonismo naagricultura familiar. O estudo foi rea-lizado pelo consultor externo Hans-Ulrich Ide, por sugestão do ServiçoEvangélico de Desenvolvimento(EED, sigla em alemão), com apoioda Fundação Luterana de Diaconia(FLD) e do Consórcio CAPA.

Sustentabilidade

O Recado da Terra é uma publicação do Centro de Apoio aoPequeno Agricultor (CAPA), que está ligado à Igreja Evangé-lica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).

Núcleos e coordenaçõesNúcleo Erexim/RS – Ingrid [email protected]

Núcleo Marechal Cândido Rondon/PR – Vilmar [email protected]

Núcleo Pelotas/RS – Rita [email protected]

Núcleo Santa Cruz do Sul/RS – Jaime [email protected]

Núcleo Verê/PR – Rome [email protected]

Editora: Susanne Buchweitz (Reg. prof. 5788)Jornalistas: Batista Weber e Rocheli WachholzProjeto gráfico e editoração: Cristina PozzobonFotografias: Arquivo CAPAFoto da capa: O menino Dankiel (Baseggio), de Barra do RioAzul, e Edinei Luis Pagliari, de Barra do Rio Azul (RS) conver-sam com o técnico Bruno Utermoehl.

O Recado da Terra circula duas vezes ao ano. Esta edição foiimpressa em junho de 2009. Para mais informações,acesse www.capa.org.br

Instituições parceiras do CAPAFundação Luterana de Diaconia (FLD) e Serviço das IgrejasEvangélicas na Alemanha para o Desenvolvimento/Evangelischer Entwicklungsdienst (EED).

Quem é o CAPA?

Troca de experiências e tardes de campo são muito eficientes em termos de aprendizagem

A partir da missão do CAPA foram desenvolvi-dos os seguintes conceitos de agroecologia utili-zados pela organização:

• É a aplicação da ciência ecológica no dese-nho e manejo de agroecossistemas sustentá-veis;• É um enfoque holístico aplicado à agricultu-ra tradicional de pequena escala;• É a ligação entre ecologia, sócio-economia ecultura para sustentar a produção agrícola, co-munidades agrícolas e saúde ambiental;• É a manutenção de uma agricultura que man-tenha produtividade ao longo do tempo,otimize recursos e minimize impactos ambi-entais.

A equipe técnica do CAPA é multidisciplinar,integrada por técnicos e profissionais de váriasáreas, e presta apoio aos agricultores familiaresorganizados através de quatro áreas prioritárias,além de um programa de desenvolvimentoinstitucional:

Conceitos de agroecologia

O CAPA é uma organizaçãonão-governamental criada em1978 como um serviço da Igre-ja Evangélica de ConfissãoLuterana no Brasil (IECLB), cujocompromisso é se colocar à dis-posição dos agricultores fami-liares para, em conjunto comeles, com base nos princípiosda agroecologia, do etnode-senvolvimento e da coopera-ção, desenvolver experiências

de produção, beneficiamento,industrialização e comerciali-zação, de formação e capaci-tação e de saúde comunitária,que sirvam de referências parademonstrar que o meio ruralpode ser um espaço de vidasaudável e realização econô-mica para todos.

A origem do CAPA está di-retamente ligada à história daIECLB no Brasil, cuja trajetó-

ria acompanha o mesmo mo-vimento que trouxe, a partirde 1824, os imigrantes ale-mães para as primeiras regi-ões colonizadas no sul dopaís. No período da fundaçãodo CAPA, no final dos anos1970, muitos membros erampequenos agricultores de ori-gem alemã e 75% das contri-buições para a IECLB vinhamdas áreas rurais.

Apoio à produção· Cooperação agrícola (Associativismo e Cooperativismo)· Solos· Produção vegetal e animal· Bancos de sementes e mudas· Fundo rotativo· Administração e gestão

Apoio à saúde· Plantas medicinais· Farmácia comunitária caseira· Alimentação integral· Organização da saúde da mulher· Políticas de saúde· Fundo rotativo

Apoio à comercialização· Cooperativismo· Agroindústrias· Acesso a mercados· Políticas públicas· Fundo rotativo

Formação e educação· Cursos Técnicos· Seminários com jovens e agricultores· Viagens de estudo· Encontros e troca de experiência

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O RECADO DA TERRA 3Em

tem

po

Riquezana diversidade

No início da sua atividade, oCAPA atendia agricultores fami-liares mas depois ampliou o pú-blico atendido com a inclusãode quilombolas, indígenas epescadores profissionais artesa-nais – batendo forte na tecla dasegurança alimentar. “Antes, nascomemorações na cidade deCanguçu (RS), nunca se falavados quilombolas, da contribui-ção da cultura negra para o de-senvolvimento do município.Através do trabalho do CAPA eas organizações parceiras locaiscomo a UNAIC se descobriu quenão foram só os colonos euro-peus que contribuíram paraisso. Já tem representantes dequilombolas na escola para fa-lar sobre a cultura negra. Antesisso não existia.

Alternativos?Se hoje os técnicos do CAPA

são vistos como conhecedores daagroecologia e como profissio-nais que desenvolvem um traba-lho sério, você sabia que no iní-cio do trabalho eles eram vistoscomo “alternativos malucos”?

Comida na mesaEntre os objetivos principais

das atividades estão a manuten-ção do agricultor na terra e aconscientização da função soci-al da terra como produtora dealimentos básicos e sadios paratodas as pessoas. Em meio a ummodelo agrícola voltado paramonocultura e exportação, sãoos agricultores familiares queproduzem os alimentos para amesa do povo brasileiro.

ABC da cidadaniaPor meio do Projeto Saúde

Comunitária no Vale do Taquari(RS), as mulheres aprenderam aconhecer melhor os seus direi-tos. “Elas sabem que têm o di-reito de fazer regularmente osseus exames de mamografia peloSUS. E elas reivindicam. As ca-pacitações do projeto da saúdecomunitária contribuíram paraisto”, relatou o pastor luteranoLeonídio Gaede, um dos respon-sáveis pelo projeto. “Além dis-so, o projeto trouxe resultadosnão esperados para as mulheres,que aproveitam os espaços dasreuniões para discutir sobre ou-tros assuntos relevantes, comopor exemplo a questão da vio-lência doméstica.”

Globo faz reportagem comagricultores, quilombolas e indígenas

A partir da pauta “Projetos so-ciais desenvolvidos por igrejasevangélicas” pensada pela RedeGlobo, a Igreja Evangélica deConfissão Luterana no Brasil(IECLB) – assim como outras igre-jas – e a Fundação Luterana deDiaconia (FLD) foram contatadaspara encaminharem sugestõesque se enquadrassem na propos-ta. Depois do contato inicial, sediscutiu internamente, em ter-mos de Presidência da IECLB, se-cretaria executiva e equipe da FLDe do CAPA sobre o significado de“estar na Globo” – as possibili-dades e as responsabilidades.

A pauta sobre o CAPA interes-sou aos editores do Jornal Naci-onal, especialmente pela ques-tão do enfoque na segurançaalimentar, da produção ecológi-ca e do trabalho feito junto apúblicos e etnias variados, inclu-indo agricultores pomeranos,quilombolas e indígenas.

A vinda da equipe da Globodo Rio de Janeiro foi marcadapara os dias 23 a 25 de abril.Devido às características do tra-balho e por uma questão de pro-ximidade geográfica, a visita foiorganizada junto ao núcleoPelotas (RS).

A jornalista Rocheli Wachholz,

que assessora o núcleo, montouuma proposta de roteiro. A pro-posta encaminhada foi o Roteiropara matéria sobre Projetos Soci-ais desenvolvidos pelas IgrejasEvangélicas – Igreja Evangélica deConfissão Luterana no Brasil(IECLB), Fundação Luterana deDiaconia (FLD), Centro de Apoioao Pequeno Agricultor (CAPA).

“Enfatizamos que tais projetostêm muito mais a preocupação detrabalhar COM as pessoas, OUVIRsuas necessidades, RESPEITAR oconhecimento existente – evitan-do o assistencialismo e o proseli-

tismo”, confirmou Rocheli.A equipe de assessoria do

CAPA acompanhou a equipe daGlobo a todos os locais previstosno roteiro. Foram feitas imagensdesde muito cedo da manhã atéa última luz do dia. Horas e ho-ras de trabalho, de entrevistas, detomadas, também depois na edi-ção – e o resultado foram 7 mi-nutos de reportagem – o que éum tempo considerável na tele-visão! A reportagem foi veicula-da no dia 28 de maio, uma sex-ta-feira, no Jornal Nacional, nasérie intitulada os “Evangélicos”.

Equipe do Jornal Nacional filmando o depoimento dos quilombolas

As crianças guaranis na aldeia Coxilha da Cruz

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As intervenções do CAPAacontecem em conjunturas polí-ticas e sociais muito complexas,na sua maioria desfavoráveispara desenvolver as atividades daorganização. Os contextos regi-onais onde os núcleos do CAPAatuam são caracterizados pelapresença de grandes complexosagroindustriais que durante asúltimas décadas implementaramos seus modelos de produçãobaseado na monocultura do fu-mo, em sistemas integrados decriação de aves e suínos e, maisrecentemente, no reflorestamen-to com eucaliptos para a produ-ção de celulose.

Não são raros os casos ondeas grandes empresas fuma-geiras ou avícolas conseguiramcriar uma dependência totaldos agricultores, o que acaboudesestruturando o sistema tra-dicional e diversificado da agri-cultura familiar, descapitali-zando e endividando agriculto-res. Em muitas famílias e comu-nidades houve a perda de se-mentes tradicionais, de conhe-cimentos sobre modos de plan-

Um novo modelo e a busca de alternativas

tar e mudaram-se os hábitos ali-mentares, além de surgiremgraves problemas de saúde de-vido ao uso excessivo de agro-tóxicos nas plantações, princi-palmente de fumo.

As principais intervenções atra-

vés das quais as equipes dos nú-cleos regionais provocam avan-ços e mudanças nas realidades doseu público alvo ocorrem nos se-guintes contextos:

• Apoio na criação e estru-turação de grupos coletivizados –

Agroecologia é a ligação entre ecologia, sócioeconomia e cultura

Foto Capa

Org

aniz

açãoo

associações e cooperativas;• Apoio nos processos de for-

mação permanente, por exem-plo, nos temas de comerciali-zação, associativismo, coope-rativismo;

• Facilitação em processos deprodução e comercialização deprodutos ecológicos;

• Elaboração de materiais téc-nicos/didáticos e sistematizaçãode informações;

• Apoio a experiências pilotocomo, por exemplo, a Rede deComercialização Solidária/Me-renda Escolar;

• Atuação como agente polí-tico animador das organizaçõesdos agricultores para formular elutar por políticas públicas e pro-mover o protagonismo dos agri-cultores e suas organizações;

• Prestação de serviço em pro-gramas governamentais, como noPrograma de Consolidação e Eman-cipação de Assentamentos (PAC);

• Apoio na pesquisa agro-ecológica, muitas vezes em par-ceria com instituições de pesqui-sa como a EMBRAPA e iniciativasde agricultores como a UNAIC.

Na sua atuação, o CAPA constrói parceriascom uma série de atores, sendo que cada qualpreenche e assume papéis diferentes, estabele-cendo desta forma uma teia de relações e com-promissos fundamentais para enfrentar os desa-fios que as conjunturas políticas e sociais nas re-giões de atuação colocam para as famílias e inici-ativas acompanhadas pelo CAPA. Entre os princi-pais atores e atores e espaços de parceria, estão:

Igreja Evangélica de Confissão Luteranano Brasil (Sínodos, obreiros/as,ISAEC, COMIN, Grupos de Apoio)• Os agricultores dos sínodos, obreiros da

IECLB e representantes dos grupos de apoioparticipam do conselho dos núcleos do CAPA econtribuem desta forma na configuração e nasdefinições do trabalho;

• A ISAEC garante o amparo legal aos nú-cleos e realiza a sua contabilidade;

• O COMIN, como órgão responsável naIECLB para a missão entre os índios, apóia nasensibilização para o trabalho com o públicoindígena, tanto em relação às equipes do CAPAquanto entre grupos de colonos e indígenas.

Fundação Luterana de Diaconia• Assessora e anima os núcleos do Consór-

cio do CAPA;• Atua como interlocutor entre o Consór-

cio CAPA e EED;• Apóia na integração entre o CAPA e sua

proposta de Desenvolvimento Rural Etnosustentá-vel, também dentro das instâncias da IECLB. A FLDtambém fica responsável pela facilitação de encon-tros temáticos dentro do Consórcio;

• Monitora o projeto CAPA política e estra-tegicamente;

• Apóia a gestão financeira e procura ampli-ar o apoio financeiro aos núcleos;

• É o elo de articulação entre o consórcioCAPA e IECLB, e o representa na ISAEC;

• Coordena as ações de comunicação do con-sórcio CAPA;

• Apóia os processos de sistematização dosresultados do CAPA, bem como a divulgação eirradiação de sua metodologia.

EED• Apóia por meio de projetos de apoio e re-

cursos financeiros;• Contribui a partir da sua visão de fora, e de

seu papel provocador, em discussões conceituaiscomo, por exemplo, a questão da agrocologia;

• Apóia por meio da promoção e realizaçãode visitas de intercâmbio e diálogo com gruposde solidariedade na Alemanha.

Cooperativas e associações dosgrupos de base• Participam e contribuem ativamente no de-

senvolvimento dos processos e das iniciativas;• São responsáveis pela animação e amplia-

ção dos seus sócios/as;

Não é possível sobreviver isolado – relações de parceria• São os principais espaços para organizar

as iniciativas de comercialização, principalmen-te aquelas organizadas em rede;

• Atuam como sujeitos ativos em espaçosde negociação de políticas públicas;

• Fecham parcerias e acordos com instânci-as do poder público.

ONGs parceiras da sociedade emovimentos sociais (FETRAF, MMC,REDE ECOVIDA e outras)• São aliados importantes na divulgação e

irradiação dos princípios e técnicasagroecológicas e metodológicas junto às suasbases nas comunidades;

• São aliados estratégicos ao provocar de-bates e negociações sobre políticas públicasdiferenciadas.

Instituições de ensino, pesquisa eextensão (EPAGRI, EMATER,EMBRAPA e outras)As instituições de pesquisa cumprem um papel

em relação a várias temáticas que o CAPA traba-lha, no apoio, tanto no campo da pesquisa técni-ca voltada para questões da produção, em rela-ção a variedades de sementes crioulas, quanto paraa estruturação técnica de experiências de gruposde agricultores, no âmbito das agroindústrias ouunidades de beneficiamento e na irradiação dosresultados dos trabalhos através dos meios institu-cionais de comunicação e divulgação.

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O RECADO DA TERRA 5

Os resultados do trabalho do CAPA“O CAPA nunca foi de impor

nada”, declarou um agricultor domunicípio Vale do Sol (RS). Justa-mente a flexibilidade na metodo-logia do trabalho se provou fun-damental para os avanços das ati-vidades do CAPA. Apesar dos con-textos regionais diferenciadosonde atuam os cinco núcleos, épossível identificar alguns elemen-tos comuns que contribuíram parao sucesso e avanços das propos-tas trabalhadas. “A grande diferen-ça do nosso trabalho é do pontode vista metodológico e da pro-

Avanços

Um dos impactos mais sig-nificativos que pode ser obser-vado é, sem dúvida, em relaçãoa mudanças no comportamen-to e postura do público atendi-do. Existem inúmeros depoi-mentos de como as pessoas, in-dependentemente de raça ousexo, conseguiram evoluir nasua auto-estima e no seu cres-cimento pessoal. “O agricultorera alguém isolado no interior.Era manipulado em todos osaspectos. Não era sujeito”, lem-bra o assessor do núcleoPelotas, Ellemar Wojahn.

Assim, uma das principaispreocupações e desafios paraas equipes do CAPA foi desen-volver metodologias e estraté-gias de trabalho voltadas parao crescimento da auto-estimadas famílias, investindo priori-tariamente em processos edu-cativos para fortalecer a orga-nização e união dos grupos.

Depois de um tempo de tra-balho de formação e conscien-tização dos grupos as mudan-ças são visíveis. “Havia genteque nunca falava nas reuniões.As mesmas pessoas dão agoraentrevistas em rádio, para jornal,recebem uma delegação de 40,50 pessoas e contam sua histó-ria com um orgulho de apresen-tar seu trabalho”, avaliou o co-ordenador do núcleo SantaCruz, Jaime Weber.

Quando o CAPA começou aincluir outras categorias da po-pulação no seu trabalho, comoos quilombolas, os depoimen-

gente’”, contou a historiadoraLedeci Coutinho.

Também em relação às mu-lheres foram relatados em vá-rios momentos exemplos quemostraram que elas eram pra-ticamente invisíveis em relaçãoa seus papéis na propriedadee com pouquíssimo reconhe-cimento enquanto sujeito ati-vo: “Quando o CAPA começouno sul, entre os pomeranos emPelotas e São Lourenço, quan-do os técnicos faziam as pri-meiras visitas à propriedadenem chegavam a ver a mulher,que se escondia”, relembra oex-pastor presidente da IECLB,Huberto Kirchheim.

Os avanços referentes ao reco-nhecimento, empoderamento eauto-estima das mulheres são bas-tante evidentes e muitos depoi-mentos descrevem os processosdesta evolução e as mudançasalcançadas: “Várias mulheres con-seguiram documentação e cadas-tro, o que possibilita a mulherpara pegar crédito e projeto. An-tigamente dependia do homem”,confirmou Vivian Souza,agricultora assentamento SantaAlice, Município de Herval (RS).

Esta evolução da mentalida-de é um dos aspectos funda-mentais para as conquistas eimpactos em outros campos,como, por exemplo, mudançasna elaboração e reivindicaçãode políticas públicas, ouestruturação e fortalecimentodo grau organizativo dos agri-cultores e grupos tradicionais.

posta que é mais integrada doponto de vista da capacitação, doapoio, considerando valores éticose morais, a questão da cidadania”,avaliou o coordenador do núcleoSanta Cruz, Jaime Weber.

Estes fatores diferenciam a atu-ação do CAPA de outras entida-des que trabalham no campo daassessoria a famílias e grupos deagricultores. Em muitas situações,foram a causa de grupos preferi-rem buscar a assessoria do CAPA.A forma de trabalhar, ou a meto-dologia do CAPA, junto com di-

Os agricultores e as agriculturas como sujeitos

versos papéis diferentes que a or-ganização cumpre nas suas áreasde atuação, estimula quase sem-pre cadeias de impactos, provo-cando assim mudanças em vári-os níveis e campos temáticos.

Outros aspectos que podemser considerados como princípi-os básicos da metodologia doCAPA são:

• Envolvimento de toda a fa-mília;

• Seleção de áreas de atuaçãoonde o CAPA poderia ter impac-tos regionais;

• Valorização da cooperaçãoagrícola e da atuação em rede;

• Fomento de experiênciasconcretas e localizadas a partir,por exemplo, do fundo comuni-tário;

• Envolvimento das categori-as mais vulneráveis da sociedade;

• Importância do compromis-so ético e racial;

• Inserção de temáticas trans-versais;

• Criação de referências sem,contudo, assumir o papel do po-der público.

tos em relação a aspectos comoauto-estima, dignidade e atitu-des das pessoas são ainda maisfortes: “Os quilombolas viviamem um processo de exclusão

com um sentido de submissão.Não havia postura de dignidadenem a valorização das pessoas.Dos próprios quilombolas se ou-via falar: ‘A gente não se achava

As pessoas conquistaram uma postura de dignidade e autoestima

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Avanços

“Quando se fala do impacto doCAPA, eu sempre tenho este sen-timento que a gente vai quereravaliar só a capacidade deviabilizar a pequena propriedaderural no sentido econômico. Podeaté ser que alguns produtores con-seguem melhorar a sua renda.Mas a qualidade de vida, quandose compreende como funciona oCAPA, se torna também uma al-ternativa para um modelo melhor,diferente”, disse o pastor da IECLB,Leonídio Gaede, do município deTeutônia (RS).

A frequência e a intensidadecom que as pessoas atendidaspelo CAPA falam sobre mudan-ças em relação ao modelo e àqualidade de vida nas famílias émarcante. Vale a pena ressaltarque esta avaliação se refere, namaioria dos casos, a mudançasque as pessoas percebemprioritariamente em relação àquestão da saúde, bem estar oulazer das famílias – e nem tanto aquestões econômicas. É eviden-te também, que estas percepçõesse devem, principalmente, aosconceitos e às metodologiascomo os quais o CAPA se aproxi-ma e trabalha com os grupos.

“Os agricultores já percebe-ram que trabalhar de forma di-ferente, com trabalho de grupo,com a agroecologia, não vaienriquecê-lo. Mas os grupos quepassam da fase inicial, que resis-tem para chegar a trabalhar comagroecologia, conseguem ver omundo e também o econômicode forma diferente”, confirmouo técnico Vitor Hugo Hollas, donúcleo Erexim.

Estas mudanças se mostramno jeito das pessoas e dos gru-pos refletirem sobre a vida, crian-do uma consciência diferenciadaque pode ser percebida na formacomo se dá mais importância aquestões como o lazer. “Melho-rou na qualidade de vida, no tra-balho geral na propriedade. Naminha casa, reduziu pela meta-de o uso de agrotóxicos e de adu-bos químicos. O trabalho comfumo era mais torturante. Ás ve-zes tinha que colher na chuva. Nofinalzinho da tarde, dois da famí-lia passavam mal. Quanto maisfumo a propriedade produzia,mais problema de intoxicação, depassar mal, de vomitar, de fraque-

O real significado da qualidade de vida

sa sobre os planos de trabalho, acomunidade, a nossa cooperati-va e trabalho com o CAPA. De-pois vamos tratar os bichos. An-tes de ir para a lavoura temostempo de observar o comporta-mento dos bichos.”

Em relação ao público de as-sentamentos e quilombos querecebem a assessoria do CAPA,vale a pena destacar que, atra-vés da conscientização e orga-nização dos grupos, as comuni-dades conseguiram ter acesso a

Fotos Capa

za no corpo e assim em diante. Averdura não, colhendo na chuvatu não passa mal, não temagrotóxico. A qualidade de vidamelhorou bastante. O tempo quese perde um pouco na folga é in-vestimento na qualidade de vida”,disse o agricultor Dirceu Weber.

De acordo com o agricultorValdomiro Schuster, “entrar noCAPA para mim foi uma benção.Hoje eu tenho tempo para expe-rimentar a vida. De manhã façomeu chimarrão, a família conver-

vários programas governamen-tais como o Programa de Con-solidação e Emancipação de As-sentamentos (PAC), o Rio Gran-de do Sul Rural ou o HabitaçãoRural. Os avanços, conquistas emudanças que estas iniciativastrouxeram para as famílias se ex-pressam de forma bastante con-creta na melhoria da infra-estru-tura nas comunidades através daconstrução de casas novas e deinstalações de sistemas de águae energia.

As mulheres desempenham um papel fundamental na construção de propostasecológicas e, muitas vezes, são a porta de entrada para o trabalho com a agroecologia.

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O RECADO DA TERRA 7

A priorização de um modelo al-ternativo de produção faz parte dafilosofia de trabalho do CAPA desdea sua criação. Naquela época, não sefalava ainda do conceito de agroe-cologia. Porém, existia um claroposicionamento a favor do desenvol-vimento de uma agricultura alterna-tiva, cuja discussão era fortementevinculada à questão da saúde, a par-tir de uma preocupação em relaçãoao envenenamento das pessoas cau-sado pelo forte uso de agrotóxicos,principalmente nas lavouras de taba-co, e à produção de alimentos maissadios para as famílias.

Assim, a porta de entrada paraintroduzir a agroecologia na propri-edade foi muitas vezes o trabalhoem torno da saúde e da alimenta-ção mais saudável. Neste sentido, asmulheres desempenharam e conti-nuam desempenhando um papelpromotor fundamental na constru-ção das propostas agroecológicas.“Sem dúvida, muitas vezes o traba-lho da mulher em torno da saúde foia porta de entrada para introduzir aagroecologia na propriedade”, con-firmou Carmen Munarini, coordena-dora do Movimento das MulheresCamponesas de Santa Catarina.

Modeloalternativo

Conceito

Aspectos específicos de observação

• Biodiversidade e sementes crioulas• Conversão agroecológica e mudan-ças na renda familiar• Etno-sustentabilidade e auto-susten-tação dos grupos e das famílias• Qualidade da alimentação e saúde• Outros

Outro bom exemplo parailustrar mudanças significativasé o trabalho que o CAPA e seusgrupos parceiros estimulam emtorno da questão das sementescrioulas e conservação dabiodiversidade. Partindo daanálise que a situação das fa-mílias nas últimas décadas eracaracterizada pela dependênciado plantio do fumo e das se-mentes híbridas que ocasiona-va uma erosão genética dramá-tica das sementes tradicionais,o trabalho de resgate, recupe-ração e valorização de semen-tes crioulas se tornou um doseixos mais antigos das ativida-des do CAPA.

Este trabalho, que nos anos80 foi também um foco daRede PTA, que resultou na im-plementação de vários bancosde sementes para viabilizar atroca e o acesso a sementesmelhoradas, desencadeou umasérie de iniciativas locais e re-gionais na área de atuação doCAPA. Uma delas é a experiên-cia em torno da produção, be-neficiamento, manutenção ecomercialização de sementesagroecológicas da UNAIC.

Fundada em 1988, no mu-nicípio de Canguçu (RS), aUNAIC iniciou o trabalho comas primeiras lavouras de milhoe feijão em 1994. Desde então,o trabalho em torno das se-mentes crioulas evoluiu cadavez mais. Em 1997 foi criado obanco comunitário de produ-ção de sementes com o objeti-vo de resgatar as sementes cri-oulas de milho e feijão. A par-tir de 1999 teve início o pro-cesso de empacotamento dosgrãos com o objetivo de agre-gar valor. Neste período, os pro-dutos ainda se destinavam aomercado convencional. Em2002, a UNAIC conquistou suaprópria unidade de beneficia-mento de sementes, sendo quehoje conta com estrutura parao empacotamento automáticoe com equipamentos para opolimento.

A UNAIC se consolidou comoreferência nacional em relaçãoao trabalho com sementes cri-oulas, sendo a única unidade

Trabalho com sementescrioulas e biodiversidade

de beneficiamento de grãos noBrasil que se encontra nas mãosde agricultores. A recuperaçãoda biodiversidade e a volta daauto-sustentação das famíliasem relação às suas sementes éum dos destaques do trabalhocom sementes da UNAIC.

Foi observado também queem muitas comunidades as pes-soas, principalmente os filhos efilhas dos agricultores, tinhamperdido sua identidade comoagricultores, sobretudo aquelesque viviam os impactos damonocultura do fumo. O presi-dente da UNAIC, Cléo de Aqui-no, dá depoimento de reaçõesde algumas pessoas beneficia-das por projetos da UNAIC quevisam a recuperação de semen-tes crioulas e a auto-sustenta-ção das famílias do campo:

“O agricultor olhava a se-

mente e chorava. Eu achei quenunca mais veria isso. Entãoexiste. Tem ainda”.

“Na maioria conseguiu dar aresposta esperada e hoje a gran-de maioria produz as suas pró-prias sementes em casa. Maisque a metade não trabalha maiscom sementes híbridas. As famí-lias mantêm as sementes nem sóporque tem valor comercial,mais também porque é um im-portante elemento para mantera biodiversidade e a história cul-tural do povo e da região.”

“A gente correu muito aquina região para conseguir ter emmãos três cultivares de semen-tes crioulas. Hoje existem deze-nas que estão distribuídas e es-palhadas, ofertadas e vendidastodos os dias. As feiras de se-mentes estimulam e possibili-tam a troca”.

Vários bancos de sementes foram implementados

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Produção diversificada junto comsaúde e boa alimentaçãoA

vanços

Vários representantes de gru-pos de jovens entrevistados de-ram uma boa idéia de como ajuventude enxerga os avanços eas conquistas da transiçãoagroecológica no sistema deprodução da propriedade agrí-cola. É preciso ressaltar que ocritério econômico não necessa-riamente foi mencionado comoo aspecto mais importante naspercepções sobre as mudançasprovocadas pelas intervençõesdo CAPA e seus parceiros.

Ao contrário, critérios comoqualidade de vida e saúde mui-tas vezes foram mencionadoscom destaque. Na feira ecológi-ca de Santa Cruz do Sul (RS), fo-ram colhidos os seguintes depo-imentos entre representantes daAssociação de Jovens Ecologis-tas de São Martin (AJESMA) e daAssociação de Jovens Agriculto-res Ecologistas (AJAE):

“Mudou toda a realidade dapropriedade. Está totalmente di-ferente do que 10 anos atrás aestrutura da propriedade, o jeitode trabalhar nela. Diversificou osprodutos no estabelecimento eaumentou o número de produ-tos agroecológicos. Antigamentesó tinha fumo na propriedade.Todos que plantavam fumo redu-ziam. Em geral caiu pela metade,no nosso grupo até mais”.

“Se vai avaliar a renda, depoisque comecei com a produçãoecológica, antes trabalhei comfumo, estou ganhando cerca deR$ 15.000,00 a menos do queno fumo. Em compensação, eufiz R$ 9.500,00 a mais na ver-dura naquele ano. E se eu com-parar estes R$ 15.000 mil comdespesas, com tortura de servi-ço, investimento no fumo e fi-zer o mesmo cálculo em cima da

verdura, a verdura me dá muitomais. Destes R$ 9.500,00, nomínimo R$ 8.000,00 me sobra-ram livre. No fumo, dos R$15.000,00 sobrariam no máxi-mo R$ 2.000,00 a R$ 3.000,00.Sem contar a saúde”

A visão dos jovens sobre a agroecologia

“A incorporação de práticasagroecológicas gerou vários re-sultados positivos relacionados àmelhoria da saúde dos agricul-tores, em parte pelo abandonoda aplicação periódica deagrotóxicos e de fertilizantes quí-micos,” avalia o agricultor e pre-sidente a Cooperativa Sul Ecoló-gica de Agricultores Familiares(Pelotas, RS), Ivo Scheunemann.Ainda, considerando que a pro-dução é diversificada, o agricul-tor tem sempre algum produtopara trazer para o consumo dasua família. “As pessoas se ali-mentam melhor e, por outrolado, o fato de não precisar tra-balhar com veneno, as pessoasse sentem mais tranqüilas, maisseguras e mais saudáveis.”

A saúde tem sido uma dascausas mais determinantes paraa conversão ecológica. No CAPA,os eixos principais deste trabalhoenvolvem ações para implemen-tar farmácias caseiras nos estabe-lecimentos familiares e atividadespara melhorar a alimentação dosgrupos, um tema que está forte-

mente ligado à questão da ma-nutenção e recuperação da diver-sidade do sistema de produção.

Em ambos os campos é eviden-te o importante papel que as mu-lheres desempenham, porque sãogeralmente elas que possuemuma preocupação maior com a

boa alimentação e saúde da famí-lia. A porta de entrada para iniciaro debate sobre a introdução deidéias e conceitos agroecológicosna propriedade muitas vezes par-te pelo diálogo com as mulheressobre estas temáticas.

Impactos em relação aos pa-

drões e qualidade da alimenta-ção são considerados como umdos maiores avanços. Houve nãosó melhoria na qualidade e di-versidade dos alimentos dos gru-pos diretamente acompanhadospelo CAPA, mas também mudan-ças de consumo alimentar entreas populações urbanas mais ca-rentes. Ingle Gonçalves deMelo, coordenadora técnica doFome Zero Programa de Aquisi-ção de Alimentos (PAA) daCONAB – o Rede Solidária, emSão Lourenço do Sul (RS), deuum depoimento que evidenciaessa mudança de hábito alimen-tar: “Ao entregar a cesta com osalimentos a famílias de bairroscarentes urbanos da cidade deSão Lourenço, no início as mu-lheres não queriam levar nembatata doce, nem cenoura enem couve – pois ninguém nafamília comia essas coisas. Elassó levavam o óleo, o arroz, o fei-jão e o leite. Hoje, depois de te-rem passado pelos cursos de ali-mentação alternativa, quandonão vai couve elas pedem”.

“Além disto, tu não produzsó para vender. Se tu produz sófumo, os produtos que tu iriaconsumir diariamente na propri-edade, teria que comprar. E estecálculo não está sendo feito napropriedade. Ninguém faz.”

Foto Rede Ecovida

A melhoria da saúde está ligada à diversidade do sistema de produção

Muitos jovens integram a Rede Ecovida, parceira do CAPA

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O RECADO DA TERRA 9

No início da sua atuação, oCAPA apostava muito na soluçãodos problemas dos pequenos pro-dutores a partir das tecnologias al-ternativas. Porém, no trabalho con-creto com os grupos se observavaque não isso não era suficiente. Re-lativamente cedo, os agricultores esuas famílias começaram a deman-dar um apoio do CAPA na área decomercialização.

“Quando nós passamos a nosenvolver com comercialização, istodentro da rede das ONGs não eravisto com bons olhos. Quem se en-volvia com comercialização, de cer-ta forma, “sujava” as mãos, porquese envolvia com o capital e com omercado. Nós fomos duramentequestionados. Mas desde o início danossa relação com os agricultoresesta demanda de apoiar na comer-cialização era muito presente. Nosdiziam: – produzir até conseguimos.Sabemos produzir. Temos dificulda-des sim. Temos que melhorar, claro.Mas o nosso problema é a comerci-alização”, conta o assessor do nú-cleo Pelotas, Ellemar Wojahn, queparticipou da criação do CAPA.

Fica evidente o forte vínculo dotema da comercialização com aspec-tos da metodologia de trabalho doCAPA, sobretudo no que diz respeitoà questão do fortalecimento da or-ganização dos grupos e públicos com

Um fator positivo da criação de locais de venda direta é o contatodos agricultores com os beneficiários urbanos

Com

erc

ializa

ção

os quais ele se relaciona. Em todosos núcleos visitados foi possível ob-servar as sinergias entre os trabalhoseducativos para aumentar o grauorganizativo dos grupos e o investi-mento na construção de cadeias deprodução, beneficiamento, agrega-ção de valor e comercialização.

As agroindústrias cumprem umpapel fundamental para superar oindividualismo tradicional do agricul-tor, criando e fortalecendo as inicia-tivas locais e regionais de

O Programa de Aquisição de Ali-mentos (PAA) da CONAB é um bomexemplo para observar os frutos dotrabalho do CAPA em relação aofortalecimento organizacional dosgrupos. Em 2003, quando o progra-ma surgiu, apenas duas cooperati-vas, a COOPAR e a UNAIC, estavamaptas a firmar convênio com aCONAB/MAPA. O fortalecimento dosdemais grupos pôde ser verificadoquando em um segundo momentooutras organizações conseguiramfirmar contratos bilaterais com o go-verno federal, negociando preços,organizando a produção e as entre-gas com autonomia e propriedade.

Como resultado dessa iniciati-va, mais de 3 mil famílias de agri-cultores familiares, assentados dereforma agrária, quilombolas e pes-cadores artesanais de nove muni-cípios do Território Sul do Rio Gran-de do Sul integram hoje uma Redede Cooperação e Comercialização

Solidária, envolvendo ainda 14 or-ganizações em 9 municípios. Naoutra ponta, existem 14 mil famíli-as beneficiadas, recebendo alimen-tos de qualidade. Outros indicado-res que comprovam estas mudan-ças na qualidade e autonomia dosgrupos é o fato que eles conseguemacessar outras políticas públicasvoltadas para o desenvolvimento daregião, bem como o crescimentosignificativo em relação ao corpode associados.

A atuação do CAPA tambémteve um impacto dinamizadorpara a construção e consolidaçãoda Rede ECOVIDA, que se tornouuma das principais referências noque diz respeito a processos decertificação participativa, não sóno sul do país mas também no ter-ritório nacional. A relação com aRede ECOVIDA tem estimuladoentre os núcleos do CAPA os de-bates sobre modelos alternativos

Construindo redes solidárias

cooperativismo e associativismo,uma estratégia que visivelmente tor-na os agricultores cada vez mais pro-tagonistas dos processos. Na regiãodo CAPA Erexim existem hoje seteagroindústrias com marcas próprias.Em Santa Cruz existem agroindústriasinstaladas que fornecem os seus pro-dutos para a ECOVALE e o CAPAPelotas acompanha quatorze gruposde agroindustrialização dentro da pro-posta da Rede de ComercializaçãoSolidária.

Tais iniciativas conseguiram cri-ar uma dinâmica positiva em rela-ção ao mercado de trabalho local eregional, aumentando o emprego,a geração de renda das famílias,particularmente no âmbito das co-operativas e agroindústrias.

Um ótimo exemplo é o caso daUnião das Associações Comunitá-rias (UNAIC), no município deCanguçu (RS) que emprega atual-mente cerca de 30 pessoas. Destaequipe, a maioria são filhos de pro-dutores de Canguçu. O fato daUNAIC alimentar uma rede de rela-ções e parcerias com outras insti-tuições, tendo apoiado diretamen-te a criação de outras cooperativasda região, é um forte indicador queos impactos indiretos em relação àgeração de emprego e renda sãomuito maiores.

Esta análise pode ser verificadatambém olhando o caso da Coope-rativa Mista dos Pequenos Agricul-tores da Região (COOPAR), que hojerepresenta um forte motor para aeconomia do município de São Lou-renço (RS). Em um contexto ondeempresas como a Parmalat entraramna região para estruturar sua cadeiade leite, desencadeando um proces-so de exclusão dos produtores fa-miliares em várias outras regiões, aCOOPAR surge e se consolida comoalternativa para os produtores fa-

Teia

As agroindústrias fortalecem as iniciativas locais de associativismoe cooperativismo

Estratégias para aumentar a renda das famílias

de certificação e, dentro da pró-pria Rede ECOVIDA, a discussãosobre a valorização do mercadolocal e regional para os produtosda agricultura familiar.

As iniciativas de comercializa-ção, sobretudo aquelas estruturadasem rede, contribuíram significativa-

mente para aumentar a segurançaalimentar da população rural e ur-bana, particularmente entre os gru-pos mais necessitados. Além disto,tem efeitos positivos em relação aoaumento da diversidade dos produ-tos que, em sua grande maioria, sãode origem orgânica.

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Influenciando as políticas públicas

Socie

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Valo

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ção

O aspecto feminino na questão do trabalho

O número crescente de famílias reflete no potencial de mobilização

“O agricultor era alguém iso-lado no interior, era manipuladoem todos os aspectos. Não erasujeito.” O depoimento de JoséNunes, ex-integrante da equipetécnica do CAPA Pelotas e prefei-to eleito de São Lourenço (RS),caracteriza de forma muito níti-da a realidade e o reconhecimen-to da agricultura e do agricultorfamiliar nas regiões onde o CAPAiniciou as suas atividades, hámais de 30 anos.

A percepção da importânciade se investir no fortalecimentodos grupos de agricultores paraque eles mesmos pudessem sersujeitos ativos para reivindicar einfluenciar políticas públicas di-ferenciadas que atendessem asdemandas dos diferentes grupossociais do campo foi fruto dasreflexões do CAPA. Já na primei-ra fase de atuação, havia a análi-se de que só com as forças doCAPA não seria possível mudar arealidade e que seria fundamen-tal entrar no campo das políticaspúblicas para reivindicar direitos,disputar recursos públicos compropósito de mudanças.

O forte investimento naconstrução de um capital soci-al conscientizado entre os dife-rentes públicos que o CAPAacompanha impulsionou a cri-ação de uma grande quantida-de de organizações popularesde diversos tipos que, além deorganizar e controlar de formacada vez mais autônoma os pro-

cessos em torno das diferentestemáticas trabalhadas, come-çam a atuar como sujeitos polí-ticos em diversos níveis. Esseprotagonismo passa pela capa-citação, formação e pela visibi-lidade da inserção política.

Na região de Santa Cruz do Sul(RS), por exemplo, onde o siste-ma de produção dos agricultoresfamiliares está fortemente carac-terizado pela presença e impac-tos da monocultura do tabaco, oCAPA conseguiu negociar umasérie de convênios de assessoria

O trabalho das mulheres nãoera valorizado e muitas vezes fi-cava invisível. A mudança acon-teceu muito pelo jeito do traba-lho do CAPA e pelo seu exemplo– um grande número de mulhe-res atua nas equipes técnicas eocupa cargos de coordenação.

A valorização da mulher co-meça a partir da conversa nafamília. Antigamente o maridocedia uma área da propriedadepara a mulher plantar: “Eh mu-lher! esta área vou deixar paravocê, para tu plantar as miude-zas”. Esta visão mudou. Foramperceber que aquele pedaci-

nho, com tudo que se colhe,“gera grandeza”. Hoje, em mui-tas famílias o planejamento dapropriedade muitas vezes já éfeito junto com os homens.

O trabalho com as sementesde hortaliças também aumentao auto-estima das mulheresquando elas percebem o queproduziram na agricultura eque têm uma mesa cheia deprodutos. Segundo alguns de-poimentos, as mulheres, umavez ao sentarem para somartudo que tinham produzido dealimento para consumo na casa,viram que no final do mês che-

garam a R$ 500,00 a R$800,00 reais por família. Este foio resultado de um trabalho queninguém tinha percebido.

Leia a palavra das própriasmulheres:

“Antes as mulheres não parti-cipavam da gestão dos assenta-mentos. Hoje as mulheres estãobastante engajadas nos proces-sos das agroindústrias. Elas seorganizam em torno das ativida-des de geração de renda e parti-cipam com direitos iguais nagestão dos negócios e empreen-dimentos”, diz Vivian Souza,agricultora, assentamento San-

ta Alice, município de Herval.“No começo me interessava

em nada, as mulheres não se en-volviam muito. E agora não, agente se envolve, trabalha, tema mesma vez e a mesma voz.Aqui, a mulher ganha o mesmovalor que o homem, mesmo fa-zendo um trabalho mais leve.”

Rosalina Pagliari, agricultorada AAFA, Barra do Rio Azul.

No entanto, ao assumir as ta-refas nas agroindústrias houveum aumento da carga horária damulher. Ainda são raros os ho-mens que assumem junto com asmulheres as tarefas domésticas.

técnica com o poder público mu-nicipal. Na conjuntura de mu-danças nos governos municipais,foram citados vários exemplosonde os próprios agricultores or-ganizados fizeram uma exitosapressão política sobre o novopoder municipal em casos ondehouve ameaça de abandonar osconvênios de assessoria técnicacom o CAPA.

Neste contexto, tornam-se visí-veis as interfaces que existem en-tre a estratégia de trabalhar a for-ma organizativa dos agricultores,

originando uma grande quanti-dade de organizações campone-sas, como associações e coopera-tivas, e as conquistas de espaçosde negociação política no nívelmunicipal e regional, em algunscasos até com uma presença ma-ciça dessas como nos municípiosde São Lourenço e Canguçu. Ficaevidente também que não se tra-ta só de uma presença quantita-tiva. A participação dos agriculto-res acontece de forma ativa e comqualidade nas proposições.

É possível identificar exemplosque evidenciam as alterações emudanças nas políticas públicas.A inclusão de matérias sobre acultura quilombola nos currícu-los escolares dos municípios deSão Lourenço e Canguçu ou a in-serção de pessoas da UNAICcomo professores na sala de aulapara falar sobre a agroecologiae modelos diferenciados de pro-dução agrícola são exemplospositivos na luta de propor e in-fluenciar políticas públicas.

No plano federal, algumasações do CAPA se tornaram re-ferência e estão sendo replica-das como, por exemplo, em re-lação à rede da CONAB. A cria-ção do Fórum de Desenvolvi-mento Rural, na região do CAPAPelotas, é considerada uma re-ferência nacional. Entre 1999 e2003, o Fórum foi o espaço dedeliberação das políticas públi-cas federais e estaduais para aregião Sul do RS.

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O RECADO DA TERRA 11R

esultados

Após quase três décadasde apoio a processos e inici-ativas de promoção da agro-ecologia e de organizaçãode grupos de pequenosagricultores para a constru-ção de um projeto diferen-ciado para a agricultura fa-miliar, surgiu a necessidadede perguntar: Quais foramos impactos da atuação doCAPA? Quais foram as mu-danças que o trabalho trou-xe para as famílias e para asociedade circundante?

Entre os objetivos defini-dos estavam o de identificaros maiores impactos que oCAPA ajuda a promoveratravés da sua atuação nosnúcleos regionais e as te-máticas que foram prioriza-das para o estudo.

Principais conclusões epontos de reflexão:

• O aumento da auto-es-tima das pessoas e dos gru-pos é um aspecto fundamen-tal para provocar mudançasem todas as outras temáticas;

• O grau organizacionaldos grupos desempenha umpapel central para o desen-volvimento dos processos;

• Aspectos sócio-culturaisdos grupos e as conjunturaspolíticas locais e regionaisdesempenham um papelchave e marcam as basespara a continuidade ou des-continuidade dos processosem curso;

• Processos de desenvol-vimento junto a grupos deagricultores familiares e ou-tros grupos sociais margina-lizados que visam o fortale-cimento e consolidação deiniciativas e experiências co-letivas exigem visões e estra-tégias de intervenção de lon-go prazo;

• A metodologia de traba-lho aplicada pelo CAPA é umelemento chave e os instru-mentos e estratégias de apoiointeragem de forma comple-mentadora e eficiente;

• O compromisso do po-der público com as iniciati-

vas e propostas trabalhadaspelo CAPA e seus grupos éum elemento fundamental;

• A criação de parceriase convênios com o poderpúblico municipal é maisfácil através de cooperati-vas do que através do pró-prio CAPA;

• A interação entre vári-os parceiros de diversos ní-veis institucionais comogestores públicos, organiza-ções de agricultores, organi-zações religiosas, de pesqui-sa, organizações de morado-res urbanos etc., é de sumaimportância para os avançosdos processos;

• A priorização de inicia-tivas de comercialização emrede é fundamental e facili-ta a integração de novos gru-pos e categorias sociais por-que oferece de imediatouma alternativa concretapara a venda dos produtosdas famílias;

• As mulheres desempe-nham um papel fundamen-tal na construção das pro-

A parceria com o ConsórcioCAPA é de extrema importân-cia para o Serviço Evangélico deDesenvolvimento (EED). Trata-se de uma longa e rica trajetó-ria, iniciada no contexto da re-lação de cooperação da IECLBcom a EZE, uma das organiza-ções que no ano 2000 se jun-tou para formar o EED.

O empenho das equipes doCAPA durante todos estesanos em prol da melhoria dascondições de vida da agricul-tura familiar proporcionoupara milhares de famílias bra-sileiras um horizonte de vidaa partir da possibilidade depermanecer no campo. Alémde contribuir para atenuar oprocesso de inchamento de-sordenado de médias e gran-des cidades, este trabalhoconfere ênfase à valorizaçãodo mundo rural, sua culturae qualidade de vida.

O trabalho não é fácil, poisas tendências macro-econô-micas no Brasil das últimasdécadas sempre foram muitodesfavoráveis à agricultura fa-miliar. Neste sentido, o CAPAremou e rema contra a cor-rente – e apóia a agriculturafamiliar a fazer o mesmo atra-vés de seu trabalho voltadopara a organização da produ-ção e da comercialização, daformação de jovens, da capa-citação para influir nas políti-cas públicas e da ênfase naagroecologia, entre tantosoutros aspectos.

Por isso, me alegro muitoem poder, em nome do EED,parabenizar a IECLB, a Funda-ção Luterana de Diaconia etoda a equipe do CAPA pelos30 anos desta árdua luta, eexpressar nossos votos de queseu trabalho continue geran-do frutos tão significativospara a agricultura familiar doSul do Brasil e para o desen-volvimento da região comoum todo.

Luciano WolffEED/Departamento

para América LatinaPrograma Brasil –

Cone Sul

O estudo de impactos eas principais conclusões

postas agroecológicas e,muitas vezes, são a porta deentrada para o trabalho comagroecologia;

• Para a introdução daagroecologia, nem sempre aquestão econômica é o as-pecto mais importante. Mui-tas vezes, a preocupação emtorno de uma alimentaçãomais saudável e uma melhorqualidade de vida são os ar-gumentos mais importantespara as famílias;

• Em relação aos jovens,parece importante continuara investir em alternativas parauma educação diferenciadaque trabalhe com a valoriza-ção do interior e do campo(inclusão digital, currículosescolares);

• Em algumas das comu-nidades eclesiais, e suas lide-ranças, falta uma visão maisabrangente do CAPA e desuas propostas atuais. Conse-qüentemente, o leque deatuação do CAPA não é per-cebido em suas potencialida-des mais amplas.

Reflexão Trinta anos

de luta árdua

Agricultura familiar pode ser sustentável e produtiva

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Fotos Capa

O envolvimentodas crianças é funda-mental para o suces-so da proposta daagroecologia.

Entre os principaisobjetivos estão a fixa-ção do agricultor e aconscientização da fun-ção social da terra comoprodutora de alimentosbásicos e sadios paratodas as pessoas.

O resgate da cultu-ra é um dos focos dotrabalho do CAPA jun-to aos quilombolas, oque inclui artesanato,música, tranças femi-ninas e histórias.

A primeira diretoria e conselho fiscal daCooperativa Agroecológica e da Indústria Fa-miliar em Marechal Cândido Rondon (PR).