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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA
NICOLE DA SILVA MEDEIROS
NASCITURO: DA PERSONALIDADE JURÍDICA AO DANO MORAL
Araranguá - SC
2018
NICOLE DA SILVA MEDEIROS
NASCITURO: DA PERSONALIDADE JURÍDICA AO DANO MORAL
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
ao Curso de Graduação em Direito da
Universidade do Sul de Santa Catarina, como
requisito parcial à obtenção do título de
Bacharel em Direito.
Rejane da Silva Johansson, Esp.
Araranguá - SC
2018
A todos оs professores dо curso,
importantíssimos nа minha vida acadêmica е
nо desenvolvimento desta monografia. Em
especial, à minha Professora Orientadora, que
me acompanhou desde o primeiro dia de aula
até a última linha deste trabalho.
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao meu Deus, que me capacitou com inteligência e disposição para
conclusão deste curso e início da minha vida profissional.
Agradeço à minha mãe, por acreditar que posso ser melhor a cada dia.
Agradeço ao meu pai e minha madrasta, que passaram por inúmeras dificuldades
para que eu pudesse ter uma educação de qualidade.
Agradeço aos meus familiares, os quais sempre me estimulam com palavras de
encorajamento.
Agradeço aos meus professores, por abrirem as portas do conhecimento jurídico
para mim.
Agradeço à minha orientadora e amiga, que sinceramente torce pelo êxito do meu
futuro profissional e pessoal.
Agradeço aos chefes de trabalho que tive e também aos colegas, pois me fizeram
melhor pessoa e melhor praticante do Direito.
Agradeço aos meus amigos, que veem em mim potencial para ir além.
Agradeço ao meu namorado, por estar presente em todos os momentos, me
ensinando e vibrando a cada conquista pessoal.
Agradeço a cada um que se dispôs a ler este trabalho.
Muito obrigada!
“Antes mesmo de te formar no ventre materno, eu te escolhi; antes que viesses ao
mundo, eu te separei e te designei para a missão de profeta para as nações!” (Jeremias 1:5).
RESUMO
Este trabalho trata da possibilidade de reconhecimento de danos morais ao nascituro, cuja
resposta se encontra nas principais teorias relativas ao início da personalidade jurídica
existentes no país, quais sejam Teoria Natalista, Teoria Condicionalista e Teoria
Concepcionista. Esta pesquisa, de caráter bibliográfico, foi delineada de maneira hipotética-
dedutiva, tendo em vista que estabelecemos a hipótese: é possível conceder danos morais ao
nascituro, a qual será comprovada mediante a análise das teorias acima expostas e da
legislação aplicável ao caso. Nosso intuito é ressaltar os direitos do nascituro e a necessidade
de proteger seus interesses de uma maneira ampla e incondicionada, principalmente no que se
refere aos seus interesses não patrimoniais, como a tutela de eventual dano moral a que possa
ser submetido. Para tanto, conceitos importantes à compreensão do tema foram delimitados, a
exemplo do significado de nascituro e personalidade jurídica. Além disso, abordamos a tutela
conferida ao nascituro pelo Direito pátrio, inclusive, nos remetendo ao Direito Romano. Após,
com a apresentação de cada uma das teorias relacionadas à personalidade jurídica da pessoa
natural e dadas as noções doutrinárias relativas aos instituto da responsabilidade civil, ficou
demonstrado que é possível a concessão de danos morais ao nascituro, realidade abarcada
pela doutrina civilista e já observada nos julgamentos proferidos pelos principais tribunais
superiores do país.
Palavras-chave: Nascituro. Personalidade Jurídica. Teoria Natalista. Teoria Condicionalista.
Teoria Concepcionista. Danos morais.
ABSTRACT
This paper deals with the possibility of recognition of moral damages to the unborn child,
whose answer is found in the main theories related to the beginning of legal personality in the
country, such as Natalist Theory, Condicionalist Theory and Conceptionist Theory. This
research, of a bibliographical character, was hypothetically-deductive, considering the
hypothesis: it is possible to grant moral damages to the unborn child, which will be proven by
analyzing the above theories and the legislation applicable to the case. Our intention is to
emphasize the rights of the unborn child and the need to protect their interests in a broad and
unconditioned manner, especially in regard to their non-patrimonial interests, such as the
protection of any moral damage to which they may be subjected. For that matter, important
conceps to the understanding of the theme were delimited, such as the meaning of unborn and
legal personality. In addition, we addressed the guardianship conferred to the unborn child by
the country's law, including as well the Roman Law. Then, with the presentation of each of
the theories related to the legal personality of the natural person and given the doctrinal
notions regarding the institute of civil liability, it was demonstrated that it is possible to grant
moral damages to the unborn child, a reality covered by civilian doctrine and already
observed judgments handed down by the main courts of the country.
Keywords: Unborn Child. Legal Personality. Natalist Theory. Conditional Theory.
Conceptionist theory. Moral damages.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................... 9
2 NOÇÕES CONCEITUAIS .............................................................................................. 11
2.1 NASCITURO, EMBRIÃO ARTIFICIAL E PROLE EVENTUAL ................................ 11
2.2 PESSOA NATURAL, PERSONALIDADE JURÍDICA E CAPACIDADE JURÍDICA
15
3 TUTELA JURÍDICA DO NASCITURO ....................................................................... 23
3.1 DIREITO ROMANO ....................................................................................................... 23
3.2 DIREITO BRASILEIRO ................................................................................................. 26
3.2.1 Normas precedentes ao Código Civil ......................................................................... 26
3.2.2 Código Civil de 2002 ................................................................................................... 36
4 DANO MORAL AO NASCITURO ................................................................................ 38
4.1 CORRENTES DOUTRINÁRIAS ACERCA DO INÍCIO DA PERSONALIDADE
JURÍDICA ................................................................................................................................ 38
4.1.1 Teoria Natalista ........................................................................................................... 38
4.1.2 Teoria da Personalidade Condicional ....................................................................... 41
4.1.3 Teoria Concepcionista................................................................................................. 44
4.2 NOÇÕES GERAIS SOBRE RESPONSABILIDADE CIVIL E AS ESPÉCIES DE
DANO ....................................................................................................................................... 48
4.2.1 Responsabilidade civil ................................................................................................. 48
4.2.2 Espécies de dano: patrimonial, moral e estético ....................................................... 51
4.3 DANOS MORAIS DEVIDOS AO NASCITURO .......................................................... 52
5 CONCLUSÃO ................................................................................................................... 62
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 65
9
1 INTRODUÇÃO
A dignidade da pessoa humana é uma temática atual. Muito se discute sobre os
direitos do homem, a viabilidade de uma existência respeitável, a garantia e o respeito de
todos os direitos pela sociedade e pelo Estado. Neste sentido, se justifica a escolha do tema -
“nascituro: da personalidade jurídica aos danos morais” -, para que possamos refletir acerca
da proteção concedida ao nascituro pelo nosso ordenamento jurídico atual e de que forma
podemos garantir a tutela integral dos interesses deste indivíduo.
De maneira simples, o nascituro é aquele já concebido, mas que ainda está por
nascer. Assim, como está pendente seu nascimento, o Código Civil não lhe atribui
expressamente personalidade jurídica, conforme extrai-se do art. 2º do Código Civil: “a
personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a
concepção, os direitos do nascituro”.
Ocorre que a redação do artigo gera grande controvérsia na doutrina quanto ao
momento da aquisição da personalidade, pois este atributo garante ao indivíduo a aptidão para
ser titular de direitos e deveres na esfera civil. Em especial, confere a detenção de direitos
extrapatrimoniais, como o direito à vida, à saúde, ao nome, à honra, etc., cuja violação pode
resultar em danos morais. Portanto, há quem defenda que ao negar personalidade jurídica ao
nascituro, estar-se-ia negando-lhe também o direito de uma vida digna, coberta por todas as
proteções legais e, principalmente, constitucionais.
Assim, em torno desta discussão, consolidaram-se três importantes teorias: Teoria
Natalista, Teoria Concepcionista e Teoria da Personalidade Condicional, as quais procuram
explicar quando tem início a personalidade jurídica do homem e em que momento seus
interesses devem ser observados pelo ordenamento jurídico nacional. Neste sentido, a
possibilidade de o nascituro sofrer danos morais depende da adoção de uma teoria ampliativa,
que vá além da redação literal do artigo 2º do Código Civil, sendo capaz de justificar o
reconhecimento de personalidade jurídica a este indivíduo através de uma interpretação
hermenêutica extensiva de toda norma nacional.
Portanto, nosso objetivo é verificar a possibilidade de concessão de indenização
por danos morais ao nascituro diante do seu enquadramento pelo Código Civil Brasileiro em
vigor como indivíduo não dotado de personalidade civil, o que faremos através de pesquisa
bibliográfica em livros da melhor doutrina nacional, artigos científicos, monografias,
10
dissertações e análise jurisprudencial dos principais tribunais do País. Neste trabalho
utilizaremos o método hipotético-dedutivo de abordagem, pois apresentaremos o problema da
concessão de danos morais ao nascituro e três teorias distintas, que trazem resposta diferentes
à celeuma, servindo para confrontar a hipótese e demonstrar sua viabilidade.
Sendo assim, dividimos nossa pesquisa em quatro capítulos intitulados de:
introdução, noções conceituais, tutela jurídica do nascituro e dano moral ao nascituro.
Em princípio, iremos definir o significado de nascituro e demais conceitos
importantes para a compreensão desta pesquisa. Após, iremos demonstrar o tratamento
jurídico conferido ao nascituro com início no Direito Romano até os dias atuais. Em seguida,
iremos explicar individualmente as principais correntes doutrinária relativas ao início da
personalidade civil, apontando os contrastes existentes entre cada uma delas, no intuito de
esclarecer as consequências inerentes ao acolhimento destas teorias nos direitos do nascituro,
mormente os extrapatrimoniais. Por fim, traremos noções gerais sobre responsabilidade civil,
espécies de danos e formas de reparação, no intuito de demonstrar que a personalidade
jurídica do nascituro é o substrato que autoriza a concessão de danos morais para este
indivíduo.
11
2 NOÇÕES CONCEITUAIS
Ao deslinde deste trabalho, alguns conceitos devem ser estabelecidos, no intuito
de que o leitor possa compreender a problemática que envolve o nascituro e ter uma visão
clara ao final acerca da possibilidade deste indivíduo ainda não nascido sofrer danos morais.
Em primeiro lugar, portanto, é imprescindível definir o significado de nascituro
adotado por nós, o que faremos limitando a abrangência do termo e realizando importantes
diferenciações entre outras figuras, como o embrião artificial e a prole eventual, para que não
haja sombras sobre o conceito eleito neste trabalho.
Ademais, como o tema abrange o grande instituto da personalidade civil, que se
liga com o significado de pessoa e tem relação com o tópico da capacidade civil, faz-se mister
apresentar a definição pormenorizada destes temas no presente capítulo inicial.
2.1 NASCITURO, EMBRIÃO ARTIFICIAL E PROLE EVENTUAL
Segundo a noção tradicional, “nascituro é o ser já concebido, mas que ainda se
encontra no ventre materno” (RODRIGUES, 2003, p. 35). Todavia, sabe-se que conceitos não
são estanques e, na medida em que nossa visão de mundo evolui, pode ser que definições
exatas sofram reparos, adendos e supressões.
Sendo assim, com o conceito de nascituro não poderia ser diferente.
Em decorrência do avanço da biomedicina, a visão acerca do que é nascituro
também foi modificada. Antes do ano de 1978, quando nasceu o primeiro “bebê de proveta”
Loise Brown, graças aos médicos Patrick Steptoe e Robert Edwards, sequer questionava-se se
a expressão “nascituro” incluiria o embrião pré-implantatório (NERI, 2004 apud CASTRO,
2007, p. 27).
Atualmente, o avanço das técnicas de fertilização extrauterina e a situação dos
embriões conservados em laboratório influenciam diretamente no conceito de nascituro. Isto
porque, não é obrigatório dizer que o embrião se encontra no útero da mãe, eis que pode estar
alocado no mundo exterior, para fins de estudo, pesquisa, extração de células, posterior
implantação para gerar uma gravidez, etc.
12
Assim, ao definir o conceito da palavra nascituro, é preciso refletir: quando tem
início a vida? O embrião pode ser considerado pessoa? O embrião somente merece a proteção
jurídica dada ao nascituro (in útero) quando obtiver vida intrauterina?
Tais questões são complicadas e estão longe de serem respondidas de maneira
unânime.
Exemplo disto foi o importante julgamento da ação direta de inconstitucionalidade
nº 3.510, onde se discutiu a constitucionalidade do art. 5º da Lei de Biosegurança (Lei
11.105/2005) que permitiria a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões
humanos para fins de pesquisa e terapia. Para definir a constitucionalidade do artigo, o
Supremo Tribunal Federal determinou a realização de audiência pública, que durou cerca de
oito horas, com o objetivo de ouvir a opinião de cientistas, pesquisadores, religiosos, etc.,
acerca do início da vida e da legitimidade de tais estudos.
Na tribuna, foram ouvidas diversas opiniões, mas que podem ser sintetizadas em
duas correntes: a que defende a igualdade entre o embrião fecundado artificialmente e àquele
que teve origem naturalmente e a que entende que o embrião não se torna humano no
momento da concepção, mas somente após transplantados e adaptados ao corpo da mãe
(BRASIL, STF, 2018).
Para o primeiro grupo, a vida tem início com a fecundação e o embrião deve ser
considerado um ser humano em estágio de evolução. Em via oposta, aos olhos da segunda
corrente, o embrião gerado artificialmente é logicamente o início da vida e se assemelha
àquele fecundado no útero, mas não em tudo, pois depende de intervenção humana, das
condições fisiológicas da mulher e do tempo para realmente adquirirem vida (BRASIL, STF,
2018).
A discussão não foi uníssona nem mesmo entre os pertencentes à mesma área.
Como exemplo da dicotomia existente, trazemos trechos do julgamento público
em que duas cientistas expressaram opiniões nitidamente diversas.
A Dra. Mayana Zatz, à época professora de genética da Universidade de São
Paulo, defendeu o seguinte (apud BRASIL, STF, 2008):
Pesquisar células embrionárias obtidas de embriões congelados não é aborto. É
muito importante que isso fique bem claro. No aborto, temos uma vida no útero que
só será interrompida por intervenção humana, enquanto que, no embrião congelado,
não há vida se não houver intervenção humana. É preciso haver intervenção
humana para a formação do embrião, porque aquele casal não conseguiu ter
um embrião por fertilização natural e também para inserir no útero. E esses
13
embriões nunca serão inseridos no útero. É muito importante que se entenda a
diferença (grifo nosso).
Por sua vez, a Drª Lenise Aparecida Martins Garcia, professora do Departamento
de Biologia Celular da Universidade de Brasília naquela oportunidade, foi totalmente
divergente (apud BRASIL, STF, 2008):
Nosso grupo traz o embasamento científico para afirmarmos que a vida
humana começa na fecundação, tal como está colocado na solicitação da
Procuradoria. (...) Já estão definidas, aí, as características genéticas desse indivíduo;
já está definido se é homem ou mulher nesse primeiro momento (...). Tudo já está
definido, neste primeiro momento da fecundação. Já estão definidas eventuais
doenças genéticas (...). Também já estarão aí as tendências herdadas: o dom para a
música, pintura, poesia. Tudo já está ali na primeira célula formada. O zigoto de
Mozart já tinha dom para a música e Drummond, para a poesia. Tudo já está lá. É
um ser humano irrepetível (grifo nosso).
Nada obstante, analisando os depoimentos dos estudiosos através da síntese
constante na referida jurisprudência, vemos que há nítida divergência acerca do início da vida
humana até mesmo na esfera religiosa (BRASIL, STF, 2008):
1. Catolicismo A vida começa na concepção, quando o óvulo é fertilizado
formando um ser humano pleno e não é um ser humano em potencial. Por mais
de uma vez, o papa Bento 16 reafirmou a posição da Igreja contra o aborto e a
manipulação de embriões. Segundo o papa, o ato de 'negar o dom da vida, de
suprimir ou manipular a vida que nasce é contrário ao amor humano. ' 2 Judaísmo
'A vida começa apenas no 40a dia, quando acreditamos que o feto começa a
/adquirir forma humana', diz o rabino Shamai, de São Paulo. 'Antes disso, a
interrupção da gravidez não é considerada homicídio.' Dessa forma, o judaísmo
permite a pesquisa com células- - tronco e o aborto quando a gravidez envolve risco
de vida para a mãe ou resulta de estupro. 3. Islamismo O início da vida acontece
quando a alma é soprada por Alá no feto, cerca de 120 dias após a fecundação.
Mas há estudiosos que acreditam que a vida tem início na concepção. Os
muçulmanos condenam o aborto, mas muitos aceitam a prática principalmente
quando há risco para a vida da mãe. E tendem a apoiar o estudo com células-tronco
embrionárias. 4. Budismo A vida é um processo contínuo e ininterrupto. Não
começa na união de óvulo e espermatozoide, mas está presente em tudo o que existe
- nossos pais e avós, as plantas, os animais e até a água. No budismo, os seres
humanos são apenas uma forma de vida que depende de várias outras. Entre as
correntes budistas, não há consenso sobre aborto e pesquisas com embriões. 5.
Hinduísmo Alma e matéria se encontram na fecundação e é aí que começa a
vida. E como o embrião possui uma alma, deve ser tratado como humano. Na
questão do aborto, hindus escolhem a ação menos prejudicial a todos os envolvidos:
a mãe, o pai, o feto e a sociedade. Assim, em geral se opõem à interrupção da
gravidez, menos em casos que colocam em risco a vida da mãe. (grifo nosso)
Já o pronunciamento da Suprema Corte na mesma Ação Direta de
Constitucionalidade foi o seguinte: “o embrião ali referido não é jamais uma vida a caminho
de outra vida virginalmente nova. Faltam-lhe todas as possibilidades de ganhar as primeiras
terminações nervosas que são o anúncio biológico de um cérebro humano em gestação. Numa
14
palavra, não há cérebro. Nem concluído nem em formação. Pessoa humana, por consequência,
não existe nem mesmo como potencialidade” (BRASIL, STF, 2008).
Enfim, quando tem início a vida humana? Resta sem solução o questionamento.
De qualquer sorte, a questão dos embriões artificiais é extensa e por isso merece
obra própria. Para este trabalho, as opiniões expostas servem apenas para demonstrar que o
termo nascituro pode ser entendido de maneira ampla, incluindo o embrião armazenado em
laboratório.
Isto é, se entendermos que o embrião produzido in vitro é tão humano quanto
aquele criado in vida, podemos suprir o termo “que se encontra no útero da mãe” da definição
de nascituro, pois pouco importará o locus deste ser, podendo estar preservado em laboratório
ou amarrado nas entranhas da mulher. Por outro lado, se não dermos ao embrião pré-
implantatório a condição de ser humano, o termo se faz necessário para excluir a possibilidade
de reconhecê-lo como nascituro.
Neste sentido, tendo em vista as inúmeras discussões acerca do momento em que
se inicia a vida e porque não há definição única sobre o tema, vamos adotar neste trabalho o
conceito majoritariamente escolhido pela doutrina, que segundo R. Limongi França considera
o nascituro “a pessoa que está por nascer, já concebida no ventre materno” (1968 apud
ALMEIDA, 2000, p. 7). Fugiria ao tema proposto esgotar o assunto dos embriões artificiais,
mas se fez necessário distingui-los dos embriões naturais, para que não houvesse dúvidas
acerca dos limites da palavra “nascituro”.
Isto posto, citamos a clássica obra de Silmara J. A. Chinelato e Almeida (2000, p.
9), onde a autora pontua os elementos essências do termo técnico-jurídico utilizado para
conceituar nascituro:
a) é a pessoa – com tais palavras indica, desde logo, a tomada de posição do autor,
que também é a nossa, no sentido de que o nascituro tem personalidade jurídica
desde a concepção, aspecto que será desenvolvido nos Títulos IV e V, infra, aos
quais nos remetemos;
b) que está por nascer – diferença específica em relação às pessoas já nascidas,
sejam elas capazes, sejam elas relativa ou absolutamente incapazes;
c) já concebida – diferença específica em relação à prole eventual, conforme supra
explanamos e com as observações que faremos a seguir, quanto ao exato
entendimento de “concepção” em nossa tese;
d) no ventre materno – essa expressão, utilizada em 1966, quando da primeira edição
da obra na qual se encontra, excluiria o embrião pré-implantatório, enquanto in vitro
ou crioconservado, isto é, não implantado no útero da futura mãe.
15
Estabelecida a abrangência do vocábulo “nascituro”, passaremos brevemente a
outra importante distinção conceitual, a do nascituro e da prole eventual.
Privilegiada pelo artigo 1.799, I do Código Civil, a prole eventual ou concepturo
se distingue do nascituro porque se trata de um indivíduo ainda não concebido. Pontualmente,
esclarecem Farias e Rosenvald: “enquanto o nascituro é o filho que alguém já concebeu, mas
ainda não nasceu, o concepturo é o filho que alguém ainda vai conceber” (2015, p. 260).
A prole não passa de um planejamento futuro e incerto, que poderá ser
beneficiada pela herança deixada em testamento acaso seu nascimento ocorra até dois anos
após a morte do testador, como se verifica pelo artigo 1800, §4º do Código Civil (BRASIL,
CC, 2018). Vê-se então, o elemento básico que impede-nos de confundir nascituro e prole
eventual é a ocorrência, ou não, da concepção.
Assim, apontadas as principais diferenças entre o embrião artificial, a prole
eventual e o nascituro, seguiremos o presente trabalho tratando dos importantes significados
de pessoa, personalidade e capacidade jurídica.
2.2 PESSOA NATURAL, PERSONALIDADE JURÍDICA E CAPACIDADE JURÍDICA
Para o Direito, segundo a definição de Diniz (2008, p. 114), pessoa é “o ente
físico ou coletivo suscetível de direitos e obrigações”.
Como é sabido, na ordem jurídica atual são reconhecidas dois tipos de pessoas, as
naturais e as jurídicas1 (entes coletivos). No entanto, deixaremos de abordar o estudo destas
últimas, para nos atermos apenas à pessoa natural (física, visível, humana), tendo em vista que
o indivíduo principal desta pesquisa é o nascituro, ser humano ainda não nascido. Sem
olvidar, claro, que ambas têm aptidão para figurar em qualquer dos polos de uma relação
jurídica, assumindo obrigações ou titularizando direitos.
A palavra pessoa veio do latim persona, resultado da união do advérbio per e do
substantivo sonus, que antigamente significava a máscara utilizada pelos atores de teatro,
utilizada a fim de que o som ecoasse em tom mais alto. Com o passar do tempo, persona
1 Pessoas jurídicas são entidades a que a lei confere personalidade, capacitando-as a serem sujeitos de direitos e
obrigações. A sua principal característica é a de que atuam na vida jurídica com personalidade diversa da dos
indivíduos que as compõem” (GONÇALVES, 2017, p. 233).
16
passou a significar máscara e personagem, por significar o ato do ator que, através de uma
abertura na máscara entorno à boca, representava pelo som (per + sona) de sua voz uma
personagem. Nesse contexto, persona passou a significar o próprio indivíduo que atua e hoje
corresponde ao homem de forma geral (FAITANIN, 2006, p. 338-339).
Em um panorama atual, de acordo com o jurista Gonçalves, diante das diversas
propostas feitas pela doutrina em relação ao nome mais apropriado para sintetizar a ideia do
ser humano com todos os seus atributos, inclusive o de assumir de direitos e obrigações,
pessoa natural revela-se o termo mais apropriado dentre “pessoa individual”, “pessoa física”2,
“ser de existência visível”3, pois denota o ser humano como ele é, com todos os seus
predicados. Se optássemos por adotar o primeiro vocábulo, estaríamos estabelecendo um
contra ponto com a expressão “pessoa coletiva”, sendo que nem toda pessoa jurídica é
coletiva. De igual forma, adotando o conceito de “pessoa física” estaríamos desconsiderando
os aspectos pessoais e morais do homem, como também aconteceria se optássemos pela
denominação “ser de existência visível”. Ademais, apesar de a expressão “pessoa natural”
suscitar a ideia da existência de uma pessoa não natural, o autor afirma que os entes
personalizados são tão naturais quanto quem os criou (2017, p. 100-101).
Em um conceito mais detalhado que resume o exposto acima, pessoa natural “é
gente, é o ser humano com vida, aquele ente dotado de estrutura biopsicológica, pertencente à
natureza humana. Daí a denominação abraçada pelo Texto positivado: pessoa natural, isto é,
todo aquele que pode assumir obrigações e titularizar direitos” (FARIAS; ROSENVALD,
2015, p. 257).
Intimamente conectado ao sentido de pessoa natural está o instituto civil da
personalidade jurídica.
Nos ensinamentos de Clóvis Beviláqua, personalidade “é a aptidão reconhecida
pela ordem jurídica a alguém, para exercer direitos e contrair obrigações”, que para o autor
não se confunde com a personalidade psíquica do indivíduo, mas é uma criação social que
depende da ordem jurídica para existir, tomar forma, extensão e ter força ativa (1976, apud
ALMEIDA, 2000, p. 127).
2 “No direito francês, no italiano e no de outros países, bem como na legislação brasileira concernente ao
imposto de renda, é utilizada a denominação ‘pessoa física’” (GONÇALVES, 2017, p. 100-101). 3 “A expressão “ser de existência visível” foi proposta por Teixeira de Freitas, em contraposição aos entes
morais que denominou “seres de existência ideal”, e aceita pelo Código Civil argentino” (GONÇALVES, 2017,
p. 100).
17
João Franzen de Lima (1953 apud ZAINAGHI, 2007, p. 34) também distingue a
personalidade jurídica da psicológica, afirmando:
A personalidade psíquica é a individualmente moral do homem; é o conjunto de
predicados que o distinguem das coisas, como a individualidade propriamente, a
consciência, a liberdade, a religiosidade.
A personalidade jurídica ou civil é o conjunto de faculdades e de direito em estado
de potencialidade, que dão ao ser humano a aptidão para ter direitos e obrigações.
Indo além, Tartucce (2013, p. 116) adota um entendimento mais moderno e
humanista acerca do que é a personalidade jurídica, observando que esta vai além da aptidão
para contrair direitos e deveres, constituindo um conjunto dos atributos humanos internos e
externos:
Quanto à personalidade, esta pode ser conceituada como sendo a soma de carácteres
corpóreos e incorpóreos da pessoa natural ou jurídica, ou seja, a soma de aptidões da
pessoa. Assim, a personalidade pode ser entendida como aquilo que a pessoa é, tanto
no plano corpóreo quanto no social.
O filósofo e civilista Chorão esclarece que o fundamento da personalidade jurídica
está dividido sob duas concepções: a idealista e a realista. A primeira situa o Direito no
pensamento e na vontade e transfere para a lei a causa da personalidade jurídica, que passa a
ser um produto racional, “a ‘máscara’ construída pelo sistema normativo e por este posta a
quem bem entender, conforme o papel social que lhe pretende fazer desempenhar”. Neste
sentido, Chorão parafraseia o entendimento do pensador Hans Kelsen, de que a pessoa natural
não tem fundamento real no próprio homem, mas é um conjunto de normas criada no mundo
jurídico (1999, p. 266-267).
Ao explicar a segunda concepção, abraçada pelo filósofo, ele afirma que esta se
assenta sob três pilares fundamentais: a coextensividade entre o indivíduo por si só e a pessoa
natural, a noção substancialista de pessoa, o princípio da dignidade humana.
A coextensividade alegada se refere à impossibilidade de negar ao ser humano
personalidade jurídica, pois para esta corrente a personalidade é atributo natural e originário
do homem. Para os que adotam este entendimento, não se admite que uma pessoa não seja
sujeito de direitos, a pessoa e sua personalidade jurídica coexistem desde o início da vida.
O segundo pilar exprime a ideia de que todo ser humano é dotado de seu próprio
ser, é individual, racional e forma uma unidade substancial corpóreo-individual. Assim, para
os substancialistas todo individuo da espécie humana é pessoa, independentemente de
circunstâncias eventuais de seu desenvolvimento biopsíquico, da sua operatividade ou do teor
18
da relação que estabelece com o próximo. Portanto, ainda que não tenha capacidade sensorial,
suas faculdade mentais estejam em mau estado ou que sua projeção relacional seja restrita, o
ser humano é pessoa pela essência que carrega, devendo ser reconhecida sua identidade
pessoal. Adotar um pensamento contrário seria para Chorão “admitir a existência de seres
humanos que não são pessoas”.
Por fim, o pilar da dignidade da pessoa humana exprime a ideia da excelência de
cada pessoa em concreto, de que o grau de perfeição ontológico do homem revela seu valor
intrínseco e inviolável. Nesta toada, negar a qualidade de pessoa para um ser humano seria
ferir fundamentos metafísicos e teológicos de sua natureza e dignidade (CHORÃO, 1999, p.
268-271).
Em resumo, em uma visão positivista e formalista, como a de Kelsen e de alguns
doutrinadores ainda hoje, a personalidade jurídica é um atributo criado pela lei e é atribuída
àqueles escolhidos pelo Direito. Por outro lado, sob uma ótica realista, personalista, como a
de Chorão, a personalidade seria um atributo natural do homem, inerente à sua natureza e, por
isso, não poderia haver ser de origem humana sem que fosse dotado de personalidade jurídica.
A discussão é ainda mais complexa quando se trata do nascituro, porque envolve a
temática do início da personalidade jurídica.
Aqui, cabe reprisar as palavras de Ribeiro (2010, p. 29), de que os conceitos de
pessoa e personalidade são distintos, o início da pessoa remete à formação do ser e aos
primeiros estágios de desenvolvimento humano, o que depende do ponto de vista adotado
(jurídico, científico, religioso, etc), como visto no início deste trabalho. Já o começo da
personalidade jurídica remete ao momento em que o Direito passa a considerar o sujeito como
detentor de direitos e deveres e lhe dá a condição de pessoa natural.
Nesse viés, a mesma autora tece as seguintes considerações (2010, p. 30):
Certo é que a definição jurídica não pode fechar os olhos para o conhecimento
científico sobre o desenvolvimento do ser humano, devendo o Direito acompanhar a
realidade fática e não ir contra ela. E embora juridicamente ainda haja divergência
entre os doutrinadores do Direito quanto ao momento inicial da personalidade
jurídica, não podemos negar ao nascituro a natureza de ser humano em
desenvolvimento, tal qual se reconhece a um recém-nascido, uma criança de tenra
idade ou, ainda, a ser humano em qualquer fase de seu estágio vital.
Em sendo assim, Ribeiro conclui que o termo inicial da vida e da personalidade
jurídica também pode ser analisado através dos dois vieses do positivismo e do humanismo,
ou do realismo e idealismo. Do primeiro, o início da vida humano não se confunde com o
19
início exato da personalidade jurídica da pessoa, pois cabe ao Direito definir em que momento
se dará a existência da pessoa para o mundo jurídico, que conforme nosso Código Civil (2002,
artigo 2º), ocorre a partir do nascimento com vida. A partir do segundo, com uma visão mais
sistemática do Código Civil e da ordem jurídica como um todo, o início da personalidade
jurídica coincide com o começo da vida humana, pois todo ser humano deve ter a
possibilidade de ser sujeito de direitos (2010, p. 32).
Em relação ao tema, é certo que a legislação brasileira, bem como toda a
sociedade, evoluiu de um pensamento em maior parte patrimonialista para o desenvolvimento
de uma essência humanista.
A Constituição Federal de 1988 promulgada em um período pós-ditadura,
apresentou um viés social-democrático, atribuindo maiores responsabilidades ao Estado e
ampliando direitos fundamentais, daí passou a ser chamada de “Constituição Cidadã”,
ressaltando-se que a pessoa e sua dignidade tornaram-se fundamentos da nossa República4
(ALEXANDRINO; PAULO, 2017, p. 31).
Esta visão igualitária refletiu nas legislações infra constitucionais, como se vê pela
redação do artigo 1º do Código Civil, o qual prevê que todas as pessoas são sujeitos de
direitos e obrigações: “toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil” (BRASIL,
CC, 2018).
Acontece que em se tratando do nascituro, o mencionado diploma legal tornou sua
situação obscura ao dispor em seu artigo 2º que “a personalidade civil da pessoa começa do
nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”
(BRASIL, CC, 2018). Isto porque, ao lhe negar personalidade também estaria lhe negando o
caráter de pessoa, já que toda pessoa é sujeito de direitos e deveres na ordem civil.
Para alguns, a contradição ultrapassa os princípios constitucionais de dignidade e
igualdade, e passa a ser uma discussão conceitual. Como já vimos, a aptidão para adquirir
direitos decorre da personalidade jurídica, assim, como pôde o Código Civil atribuir direitos a
quem nega personalidade?
4 “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III - a dignidade
da pessoa humana” (BRASIL, CRFB, 2018).
20
Portanto, como bem pontua o autor Tarttuce, surgiram outras dúvidas: Se o
nascituro não é considerado pessoa, seria ele uma coisa? Teria ele personalidade? Se não tem,
como pode titularizar direitos? (2013, p. 117)
A partir deste questionamentos, ventilados por toda a doutrina civilista, foram
criadas três principais teorias relativas ao início da personalidade, as quais cuidam de definir o
momento em que a personalidade é adquirida e de que forma os direitos do nascituro são
garantidos.
O doutrinador Pontes de Miranda (1954 apud PUSSI, 2007, p. 91), por exemplo,
defende que a personalidade jurídica do ser humano somente tem início a partir do
nascimento, afirmando que o nascituro possuí mera expectativa de direitos:
O direito não pode ser sem sujeitos; a capacidade de direito começa com o
nascimento, portanto, o nascituros não pode ter direitos, tal como a pessoa jurídica
não constituída e a persona nondum concepta, ou aquela cuja determinação dependa
de acontecimento futuro. Expectativas de direitos podem existir, e são elas que se
resguardam.
Segundo Tartucce (2013, p. 118), esta forma de pensamento se traduz na chamada
Teoria Natalista, que retira do Código Civil uma interpretação literal acerca do início da
personalidade jurídica e sustenta que toda pessoa detém personalidade, mas não consideram o
nascituro como pessoa, por não ter ocorrido o nascimento. Assim, o autor ensina que para os
natalistas a aquisição da personalidade é necessariamente antecedida pelo nascimento com
vida (2013, p. 118).
Em seguida, Tartucce apresenta a Teoria da Personalidade Condicional, que
reconhece o nascituro como detentor de personalidade jurídica, mas condiciona a aquisição de
direitos - que dela defluí - ao nascimento, ou seja, são direitos eventuais. Neste sentido, afirma
que esta teoria é essencialmente natalista, pois em verdade também reconhece a personalidade
apenas a partir do nascimento, o que ficará mais claro quando explicarmos a fundo do que se
trata esta corrente (2013, p. 118).
Por fim, Tartucce dispõe acerca da teoria que compartilha, a terceira, chamada de
Teoria Concepcionista.
Em um contraste com as demais, esta linha de pensamento defende a existência da
personalidade jurídica desde a concepção, bem como garante ao nascituro o status de pessoa e
o gozo dos direitos que lhe são conferidos pela lei (2013, p. 119).
21
Sendo desta forma, iremos discorrer em um capítulo apropriado sobre as
principais correntes existentes quanto à personalidade civil do nascituro, a fim de verificar
qual delas melhor resguarda os direitos do nascituro e sob qual perspectiva é possível
conceder-lhe o direito à indenização por danos morais, tema principal deste trabalho.
No momento, ainda nos resta definir o significado de capacidade civil para que
possamos prosseguir.
Relembrando, vimos que pessoa natural é aquele sujeito capaz de titularizar
direitos e contrair obrigações, o que o faz por meio do atributo da personalidade jurídica.
A capacidade civil, nas palavras de Farias e Rosenvald (2015, p. 271), é “uma
espécie de medida jurídica da personalidade”, podendo ser classificada em:
a) Capacidade de direito – exprime a ideia da aptidão de adquirir e gozar de
direitos, reconhecida a todo aquele que detém personalidade jurídica, seja
pessoa natural ou jurídica.
b) Capacidade de fato – é a aptidão para praticar pessoalmente os atos da vida
civil.
Assim, quem possui ambas as espécies de capacidade detém capacidade civil
“plena”, ao contrário de quem possui apenas capacidade de direito, pois então sua capacidade
civil será “limitada”.
Para distinguir pessoa, personalidade e capacidade, faremos uso das palavras de
Monteiro de Barros (1971 apud ALMEIDA, 2000, p. 131):
“Capacidade é a aptidão para adquirir direitos e exercer, por si ou por outrem, atos
da vida civil. O conjunto destes poderes constitui a personalidade que, localizando-
se ou concretizando-se num ente, forma a pessoa.
Assim, capacidade é elemento da personalidade. Esta, projetando-se no campo do
Direito, é expressa pela idéia de pessoa, ente capaz de direitos e obrigações.
Capacidade exprime poderes ou faculdade; personalidade é a resultante desses
poderes; pessoa é o ente a que a ordem jurídica outorga estes poderes” (grifo nosso).
Do mesmo entendimento compartilha Zainaghi (2007, p. 39):
Na verdade personalidade e capacidade são institutos diferentes porém correlatos,
pois a capacidade consiste no exercício do direito a quem tem personalidade. A
personalidade, todavia, abrange outros direitos mais amplos, afora os judiciais, posto
que existem direitos indisponíveis atrelados a ela como o próprio direito à vida, à
liberdade, à saúde e à alimentação.
Enfim, em relação ao nascituro, somente é possível tratar de capacidade se
reconhecermos sua personalidade jurídica, cuja possibilidade será abordada mais adiante com
22
o estudo das principais correntes existentes quanto ao início da personalidade civil, em ordem,
Teoria Natalista, Teoria da Personalidade Condicional e Teoria Concepcionista.
Antes disso, abordaremos o tratamento dado ao nascituro pelo Direito, iniciando
com um apanhado histórico envolvendo a legislação relativa ao nascituro desde o Direito
Romano para, então, explanarmos acerca da tutela jurídica atual.
23
3 TUTELA JURÍDICA DO NASCITURO
3.1 DIREITO ROMANO
Primeiramente, é imprescindível citar o tratamento conferido ao nascituro pelo
Direito Romano, tendo em vista a importância e influência das instituições romanas sobre o
Direito Brasileiro.
Segundo Silvio Salvo Venosa (2004, p. 43), “temos que ter, portanto, o Direito
Romano como um direito universal. Todo o nosso pensamento jurídico, método e forma de
intuição, toda a educação jurídica que ora se inicia é romana”.
Pois bem, em relação ao tratamento conferido ao nascituro na Roma Antiga, é
preciso ter em mente que todo estudo foi retirado de textos escritos na época, os quais
exprimem as normas vigentes naquele tempo e a visão que a sociedade tinha acerca da
personalidade jurídica e de quem poderia ser titular de direitos e deveres.
Assim, através dos textos encontrados, os doutrinadores atuais fizeram suas
conclusões acerca da situação do nascituro naquele tempo. Alguns afirmam que este indivíduo
não era considerado pessoa, apesar de alguns direitos que lhe eram conferidos, e outros
defendem que o nascituro detinha personalidade, de modo que havia paridade de tratamento
entre o nascido e o que havia de nascer, tudo com base nos escritos oriundos do antigo
período romano.
Conforme se extrai da obra de Almeida, o respeitado jurista alemão Friedrich Carl
von Savigny, em sua obra “Sistema del Diritto Romano Attuale”, destacou textos de
operadores do Direito daquele tempo que supostamente tratavam da negativa de personalidade
civil ao nascituro: “Ora se diz, com Papiniano (D. 35. 2. 9.1): ‘partus nondum editus homo
non recte fuisse dicitur 5[...]’; ‘e com Ulpiano (D. 24. 4. 1. 1): ‘partus antequam edatur
mulieris portio est, vel viscerum6’” (1888 apud ALMEIDA, 2000, p. 21, grifo do autor).
Para Savagny, de acordo com os relatos de Almeida, a criança no ventre da mãe
não possuiria personalidade jurídica, mas para regular direitos inerentes à sua condição
humana, bem como aqueles que garantiriam seu nascimento e suas vantagens futuras, aplicar-
5 O feto antes de ser dado à luz é porção da mulher ou de suas vísceras (tradução nossa).
6 O feto, pois, antes que aconteça é uma porção da mulher ou das vísceras dela (tradução nossa).
24
se-ia uma ficção, qual seja a de que já teria nascido. Assim, para este jurista, eram garantidos
direitos básicos ao nascituro apenas para que ele pudesse nascer saudável e com vida, bem
como eram protegidos os direitos que ele realmente adquiria ao nascer, mas isso não dava a
ele a qualidade de pessoa.
Além disso, Savagny afirma que para o nascimento ser verdadeiro e completo na
época, deveria conter quatro requisitos: separação da mãe, completa separação, vida do
neonato após a completa separação e natureza humana (1888 apud ALMEIDA, 2000, p. 19-
20).
No mesmo sentido, extraímos dos ensinamentos de Pussi (2007, p. 67) que outros
operadores do Direito adotam esta ideia e, inclusive, colocam a “viabilidade” e o “status”
como requisitos da época para ser considerado pessoa.
O mesmo autor traz em sua obra “Personalidade Jurídica do Nascituro” a opinião
de Reinaldo Porchat acerca do assunto. Ao comentar em pormenores os aspectos do nascituro
no Direito Romano, Porchat afirmou que para a pessoa física ser reconhecida como tal deveria
apresentar duas condições: a natural, que se tratava do nascimento perfeito, e a civil, que seria
o status. A condição natural deveria reunir quatro requisitos, quais sejam estar o feto
completamente separado do ventre materno, nascer vivo, ter forma humana e ser viável. Isto
é, apresentar condições de que permaneceria vivo. Em seguida, Pussi esclarece que para o
Direito da época, “o nascituro poderia nascer vivo e perfeito desde o 182º dia da concepção.
Também, foi fixado um prazo máximo de gestação que era de 10 meses” (1913 apud PUSSI,
2007, p. 68).
Quanto à condição civil, o status era verificado através de três elementos: o status
libertatis, status civitatis e o status familiae, a falta de um destes excluía a condição de pessoa
ou reduzia sua capacidade civil. O primeiro elemento informava a condição do ser humano na
sociedade, se ele era livre ou escravo. Apenas o homem livre detinha personalidade jurídica,
os escravos não eram considerados pessoas e não possuíam quaisquer direitos; o segundo
tratava da origem da pessoa, se fosse romana poderia ser considerada cives (cidadã) e deteria
plenitude de direitos, mas se fosse peregrini (estrangeira) teria direitos reduzidos e, não
poderia votar ou se candidatar, por exemplo; o terceiro, tratava acerca da situação da pessoa
na família, se ela fosse sui juris (independente do pátrio poder) deteria capacidade plena, mas
se pelo contrário fosse alieni juris, teria sua capacidade reduzida (MEDEIROS, 2017, p. 15-
16).
25
Entretanto, conforme explicitado no início deste título, existem as opiniões
opostas pertencentes aos que acreditam que o nascituro possuía personalidade jurídica, pois
não seria possível atribuir direitos a um indivíduo sem este atributo.
Almeida, por exemplo, expõe textos da época que garantiam a igualdade entre o
nascido e o nascituro, como os seguintes: “’(D. 1. 5. 26): qui in utero sunt, in toto paene jure
civili intelliguntur in rerum natura esse7’; ‘(D.50.16.231) Quod dicimus, eum, qui nasci
speratur, pro supérstite esse, tunc verum est cum de ipsius iure quaeritur: aliis autem non
prodest nisi natus8’” (2000, p. 27).
Desta forma, complementa que outros direitos eram atribuídos ao nascituro na
época, como o direito à vida, à curatela, o da mãe antecipar a herança para garantir sua
sustentação e alimento para o feto, etc., os quais objetivavam seu nascimento, mas, segundo
Almeida, dele independiam. Por isso, Almeida defende que o nascituro detinha personalidade
jurídica, porquanto “só a pessoa, natural ou moral, é suscetível de ter direitos e obrigações, daí
o binômio direito-pessoa” (2000, p. 30-31).
Entre os juristas que compartilham da mesma opinião está Pussi, o qual afirma
que havia paridade entre o nascituro e o nascido e que as normas que negavam direitos aos
nascituro ou mesmo sua personalidade civil, tratavam do nascituro em seu caráter fisiológico,
pois para o ordenamento jurídico ele era equiparado a um ser em seu mundo natural (2007,
p.71).
Analisando os textos da época, ambos os autores concluem que o nascituro era
considerado pessoa e que todas as questões que o envolvem sob o aspecto do Direito Romano
devem ser interpretadas desta maneira, com base em que devem ser consideradas
excepcionais as causas ou questões aos quais não se aplicam esta regra.
Esta diversidade de opiniões refletiu seus efeitos no ordenamento jurídico
brasileiro, em razão da qual inúmeros juristas nacionais se debruçaram sobre a questão da
personalidade jurídica do nascituro, assunto principal almejado por este trabalho.
7 “Aqueles que estão no útero, em quase todo o direito civil, são tidos por nascidos e a eles se entregam as
heranças legítimas” (tradução nossa). 8 “Considera-se nascido o filho que ainda está no ventre materno sempre que se trata de suas vantagens, embora
a outrem não se possa aproveitar” (tradução nossa).
26
3.2 DIREITO BRASILEIRO
A fim de reunir o maior número de informações possíveis, utilizaremos como
fonte principal deste título trabalhos de pesquisa já realizados por estudiosos nacionais,
principalmente o de Silmara J. A Chinelato e Almeida e William Artus Pussi. Ambos os
autores fizeram um apanhado histórico completíssimo acerca da evolução legislativa no Brasil
relacionada ao nascituro, conforme veremos a seguir.
3.2.1 Normas precedentes ao Código Civil
Retornando ao início da codificação das leis de Direito Civil do país, Almeida
ensina que com a proclamação da República em 1823, passou a operar provisoriamente no
Brasil as Ordenações Filipinas, compilação jurídica redigida em Portugal, que deveria valer
aqui até a criação de um Código Civil nacional (2000, p. 178).
Segundo a mesma autora, nas Ordenações o filho nascituro já era protegido, o
Livro 3º, Título XVIII, § 7º assim dispunha: ‘e poderá ouvir e julgar sobre a demanda, que
faça parte alguma mulher, que ficasse prenhe, pedindo que a mettam em posse de alguns bens,
que lhe pertençam por razão da criança, que tem no ventre”. Também, havia previsão no art.
4º, Título LXXXII, §5º de nulidade do testamento pela superveniencia de filho legítimo, in
verbis: “‘Outrosi, se o pai, ou mãi ao tempo do testamento não tinha filho legítimo, e depois
lhe sobreveio, ou o tinha, e não era sabedor, e é vivo ao tempo da morte do pai, ou mãi, assi o
testamento, como os legados nelle conteúdos são nenhuns e de nenhum vigor” (2000, p. 178).
Passados alguns anos, narra Almeida (2000, p. 179) que teve início em 1865 um
trabalho preliminar à confecção do Código Civil brasileiro, o qual foi concluído no ano 1868
e levou o título de “Consolidação das Leis Civis” pelo seu autor Teixeira de Freitas,
estabelecia em seu artigo 1º a seguinte redação: “as pessoas considerão-se como nascidas,
apenas formadas no ventre materno; a Lei lhes conserva seus direitos de sucessão para o
tempo do nascimento”. Isto é, o nascituro detinha direitos antes mesmo de nascer, como o de
sucessão expresso no mencionado artigo e tantos outros encontrados no decorrer da
Consolidação, conforme se extrai do texto de Almeida (2000, p. 179):
A posse em nome do ventre, de que, falla a Ord. L. 3° T. 18 § 7°, e a Curadoria de
pessoas por nascer – nascituri – podem também ter logar por dação, que lhes tenha
feito. Veja o artigo 43 do Cód. Crim. Póde-se reconhecer filhos naturaes ainda por
27
nascer, contanto que sejam concebidos – Perdigão Comment. à Lei de 2 de Setembro
de 1847, Quest. 14, Demolombe – De la paternité – ns. 414 e 415. A alforria pode
ser concedida a escravo, que ainda exista no ventre materno. Se a mãi dér a luz dois
ou mais filhos, a liberdade reputa-se dada a todos, embora o testador, só tenha feito
menção de um – L. 14 Cod. De fideicomiss.Libertat.
A mesma autora também traz em sua obra observações de Teixeira de Freitas
acerca da existência de um Regulamento da época que tratava de preceitos médico-legais
sobre o nascituro (2000, p. 179):
Teixeira de Freitas observa que o Regulamento n. 3.650, de 18 de maio de 1866, art.
9°, §§ 1°, 3° e 4°, em virtude do Decreto n. 3.598, de 27 de janeiro do mesmo ano,
art. 11, providenciou, a bem dos nascituros, nos Distritos Policiais da Corte, de
acordo com preceitos médico-legais, determinando: - nos casos de verificação de
mulher grávida, sendo viável o feto e, sobretudo se a prenhez estiver em tempo
próprio, proceder logo aos exames necessários para praticar as operações tendentes à
salva-lo; - nos exames dos nascidos mortos, sobretudo nos casos de aborto, indicar
nos estados de tais óbitos, a idade intrauterina e a causa do óbito; essa parte, porém,
foi posteriormente revogada pelo Decreto n. 4.361, de 8 de maio de 1868. Invoca
também o Regulamento n. 5.604, de 25 de abril de 1874, arts. 49 – sobre os casos de
ter a criança nascido morta, de ter morrido na ocasião do parto ou dentro de trinta
dias – e 50, sobre a comunicação e tais nascimentos pelo pai e, na falta dele, pelos
médicos, cirurgiões, parteiras ou outras pessoas que tenham assistido o parto. O art.
51, n. 7, do mencionado Regulamento n. 5.604 determina que no assento do
nascimento deverá conter a declaração de que nasceu morto ou morto no ato ou logo
depois do parto.
Na mesma linha, extraímos das lições de Pussi (2007, p. 137-139) que após a
edição da Consolidação das Leis Civis, em razão do Decreto 2.318 de 1858, foi determinada a
elaboração de um Código Civil do Império, o qual deveria ser redigido por um jurisconsulta à
escolha das autoridades da época. Por mérito do Ministro e Secretário de Estados dos
Negócios da Justiça Nabuco de Araújo, Teixeira de Freitas foi novamente contratado para a
exímia tarefa.
Assim, o autor iniciou a confecção de um projeto do Código Civil no ano de 1860,
ao qual atribuiu o título de “Esboço”. No entanto, seu trabalho foi incompreendido em sua
época e não foi aceito pelo Governo brasileiro, que rescindiu o contrato com Teixeira de
Freitas em 1872. Coincidentemente, todavia, no ano anterior era publicado o Código Civil
Argentino, que se baseara em grande parte no Esboço do jurista brasileiro, demonstrando a
unicidade de seu trabalho.
Atualmente, a obra é considerada de grande importância para o acervo jurídico
nacional, porque apesar de ter sido rejeitada pelo Governo da época, marcou o início da
codificação do Direito brasileiro e influenciou diretamente outras legislações.
28
Pussi ressalta que o autor foi extremamente rígido quanto ao método utilizado,
pois todo o sistema de seu “Esboço” foi construído sobre a divisão dos direitos entre pessoais
e reais, sendo que as matérias foram divididas em Parte Geral, subdividida em pessoas, bens e
fatos jurídicos, e Especial, que tratava dos direitos pessoais, reais e os comuns entre ambos.
Sua obra fundou-se no individualismo kantiano, ideia que colheu principalmente dos estudos
de Savagny, sua principal influência na redação do “Esboço”.
Sobre este aspecto, Pussi menciona o artigo 16º do referido diploma legal, onde
foi definido que “pessoa” é todo ente passível de adquirir direitos, e cita em complemento a
redação do artigo 17º: “as pessoas são de existência visível, ou de existência tão-somente
ideal. Elas podem adquirir os direitos, que o presente Código regula, nos casos, e pelo modo,
e forma, que no mesmo se determinar. Daí dimana sua capacidade e incapacidade civil”.
Analisando diretamente a obra “Esboço” (FREITAS, 1952, p. 54), extrai-se que
do capítulo “Das pessoas por nascer” o seguinte:
Art. 53. São pessoas por nascer as que, não sendo ainda nascidas, acham-se, porém,
já concebidas no ventre materno.
Art. 54. Tem lugar a representação necessária das pessoas por nascer, sempre que
competir-lhes a aquisição de bens de alguma herança, ou doação. [...]
Neste capítulo, Teixeira de Freitas cuidou de definir o conceito de nascituro e
regulamentar sua representação com vistas a resguardar seus direitos.
Os artigos subsequentes deste capítulo tratam do procedimento da representação,
legitimidade, provas necessárias, etc., os quais fogem do assunto principal deste trabalho. É
importante apenas apontar o direito do nascituro na época de ter seus direitos resguardados
por terceiros interessados.
Ao tratar da representação, o jurista relembra as disposições do antigo Direito
Romano – o que serve para ratificar já fora dito neste trabalho acerca da influência das leis
desta época no Direito Brasileiro - quanto à curatela do ventre e da posse dada à mãe em
nome do ventre, as quais permitiam que a genitora agisse em nome do nascituro para efetivar
seus direitos de herança e doação.
No entanto, ao final, Teixeira de Freitas confere ao nascituro tratamento
interessante quando preceitua no artigo 59 a seguinte norma: “também não poderão suscitar
em litígio, sobre a filiação e habilitação do adquirente não nascido, devendo ficar tais
questões reservadas para depois do nascimento, no caso de nascer com vida” (FREITAS,
29
1952, p. 57). Isto é, o nascituro não tinha direito de pleitear em juízo a averiguação de sua
paternidade, como ocorre nos dias de hoje.
O autor justificou a seguinte regra ao alegar que a demora para nascer é pequena e
que se o parto não se realiza ou o feto nasce sem vida, se dissipariam a necessidade de discutir
tal questão (FREITAS, 1952, p. 57-58).
De qualquer forma, o autor é aclamado por ter um ponto de vista humanista e
inovador, conforme infere-se do trecho do livro “Personalidade Jurídica do Nascituro” já
citado neste trabalho (PUSSI, 2007, p. 141):
Mesmo escrevendo um Código para uma sociedade escravagista, ressalta Teixeira de
Freitas que até os escravos são pessoas, uma vez que seres humanos, ‘por muitas que
sejam as restrições, ainda que lhes fica a aptidão para adquirir direitos; e tanto basta
para que sejam pessoas’. [...] Para Teixeira de Freitas, só se pode indagar, ou não, de
capacidade de direito em relação às ‘pessoas de existência ideal’, uma vez que todos
os seres humanos são pessoas, ainda que para eles varie a capacidade xivil, que é
sempre de fato, e não de direito, em virtude de sua dependência familiar. Desde um
ponto de vista humanista, assumem um repúdio as inúmeras classificações de
pessoas nos livros de Direito Civil. Não sendo essa, no entanto, a concepção
prevalente em sua época, sequer daquele que Teixeira de Freitas considerava
como sendo o seu maior mestre e influência pessoal, Savagny, ao qual designava
como “o Jurisconsulto (grifo nosso).
Seguindo na leitura do “Esboço”, chegamos ao Capítulo III “Da existência visível
das pessoas”, onde o autor reconhece a personalidade do nascituro desde a concepção
(FREITAS, 1952, p. 34):
Art. 221. Desde a concepção no ventre materno começa a existência visível das
pessoas, e antes de seu nascimento elas podem adquirir direitos, como se já
estivessem nascidas.
Art. 222. Esses direitos porém só ficarão irrevogavelmente adquiridos, se os
concebidos nascerem com vida, isto é, se a manifestarem, ainda que por instantes,
depois de completamente separados da mãe.
Art. 223. Nascendo com vida nos termos do artigo antecedente, não se fará distinção
entre o nascimento espontâneo, e aquêle que fôr obtido por operação cirúrgica.
Ao comentar os referidos dispositivos legais, Teixeira de Freitas admite ter uma
opinião sobre a existência do homem antes do nascimento divergente do entendimento dos
autores da época. Diante disso, critica os juristas daquela atualidade, afirmando que estavam
imitando o Direito Romano e considerando ficção o que era verdade. Para ele, a vida dos
nascituros era realidade e, por isso, deveriam ser considerados pessoas, principalmente porque
o ordenamento jurídico lhes conferia proteção e direitos.
Sendo assim, apesar de ter Savagny como jurisconsulto, Teixeira de Freitas
afirmou expressamente que não compartilhava do seu entendimento no que dizia respeito à
30
condição jurídica do nascituro - como já mencionamos, Savagny não reconhecia o status de
“pessoa” ao filho ainda não nascido na Roma antiga -. Teixeira de Freitas adota a ideia da
paridade entre o nascido e o nascituro no Direito Romano, afirmando que haviam normas que
lhes concediam direitos e, por este motivo, não era possível negar-lhes a qualidade de
“pessoa”, pois um ente não pode receber direitos sem ser pessoa (FREITAS, 1952, p.134-
136).
Nesta oportunidade, Teixeira de Freitas afirmou de maneira veemente as seguintes
palavras (FREITAS, 1952, p. 135-136):
“Se se atribui direitos às pessoas por nascer, posto que como diz Savagny, em uma
ordem especial de fatos; se os nascituros são representados no caso do art. 54,
dandose-lhes Curador, que se tem chamado Curador ao ventre; é forçoso concluir,
que já existem, que são pessoas; pois o nada não se representa. Se os nascituros
deixam de ser pessoas pela impossibilidade de obrar (nota ao art. 41), também não
são pessoas os menores impúberes, ao menos até certa idade [...] Se os nascituros
não são pessoas, qual o motivo das leis penais e da polícia, que protegem a vida
preparatória? Qual o motivo (art. 199 e 200, Cód. Pen.) de punir-se o aborto? Qual o
motivo (art. 43. Cód. Pen.) de não executar-se a pena de morte na mulher prenhe, e
nem mesmo de se a julgar, no caso de merecer tal pena, senão quarenta dias depois
do parto?”.
Nada obstante, como já adiantamos, o pensamento inovador trazido pelo autor na
época gerou muita resistência aos juristas e também a rejeição de seu projeto pelo Governo.
Portanto, com a rejeição do “Esboço”, Almeida relata que em 1873 o próprio
Ministro José Thomaz Nabuco de Araújo iniciou a construção de um novo Código Civil, que
não foi terminado em virtude de seu falecimento, mas que dispunha em seu 11º artigo que “a
capacidade geral para adquirir e exercer direitos que este Código compreende, é inerente a
todas as pessoas naturaes”. No art. 15, §1º, a mesma autora conta que o Ministro classificou
“as pessoas por nascer” como absolutamente incapazes, da mesma forma que o faz com os
menores impúberes, alienados, surdos-mudos e ausentes. Já no art. 19º, determinou que “são
pessoas por nascer as que já estão concebidas no ventre materno” e complementou no art. 20º
que a curadoria das pessoas por nascer somente era necessária para administração de doação
ou herança em seu favor (2000, p. 184).
Além disso, Almeida ensina que com a morte do Nabuco de Araújo, em 1979 o
Senador Joaquim Felício dos Santos tomou frente de um novo Projeto, finalizado dois anos
depois, mas rejeitado pela comissão designada para apreciá-lo. Em relação à “pessoa por
nascer”, apenas cabe dizer que em seu trabalho o jurista tratou do nascituro como pessoa
31
desde a concepção, definindo-o como absolutamente incapaz no art. 77, §1º do Projeto (2000,
p. 184-185).
Já no Regime Republicano, por contrato firmado em 1890, Coelho Rodrigues foi
o elegido para a elaboração de um novo projeto de Código Civil, o qual concluiu em 1893,
mas que não obteve êxito ao passar pelo crivo do Legislativo. De qualquer forma, vale constar
a novidade instituída pelo jurista, que trouxe a “forma humana” como requisito da
personalidade de acordo com o art. 2º de seu trabalho: “Todo aquelle que nasce com vida e
forma humana é considerado pessoa natural e capaz de direitos civis”. Em complemento, o
artigo subsequente dispunha: “A capacidade civil da pessoal natural começa do seu
nascimento; mas desde a concepção do feto humano, a lei o considera existindo para
conservar-lhe os direitos que há de adquirir, si nascer vivo” (ALMEIDA, 2000, p. 185-188).
Finalmente, diante da rejeição do Projeto de Coelho Rodrigues, a incumbência de
redigir o novo Código Civil Brasileiro recaiu para o conhecido jurista Clóvis Bevilácqua, que
iniciou a tarefa em 1899 e a concluiu em um pouco mais de seis meses (ALMEIDA, 2000, p.
188).
Todavia, colhemos dos ensinamentos de Willian A. Pussi que a obra de
Bevilácqua passou por várias revisões e exames, sendo que Código Civil Brasileiro somente
foi aprovado em 1916, após tramitar longos anos pelo Congresso Nacional, Câmara dos
Deputados e Senado e sofrer 1.736 emendas legislativas. Desta forma, dadas as inúmeras
alterações no texto original, podemos dividir o trabalho de Clóvis Beviláqua em duas partes, a
do chamado projeto primitivo e a do projeto definitivo (2007, p. 147-148).
Na primeira fase do projeto, a matéria relativa à personalidade e ao nascituro era
tratada da seguinte forma:
Art. 2º. Todo ser humano é capaz de direitos e contrair obrigações, no círculo das
relações de ordem privada.
Art. 3º. A personalidade civil do ser humano começa com a concepção, sob a
condição de nascer com vida.
Art. 4º São absolutamente incapazes de exercer por si só os actos da vida civil:
§1º Os nascituros (PUSSI, 2007, p; 146-147);
Conforme observou Pussi, o autor defendia a tese de que o nascituro detinha
personalidade jurídica desde que a concepção, resguardada a condição de nascer com vida. No
entanto, depois de inúmeras discussões e críticas acerca da redação do trabalho e das ideias
propostas, o projeto original teve seu conteúdo consideravelmente alterado, notadamente em
32
relação ao nascituro. Isto porque, com base do projeto definitivo, a personalidade civil do
homem somente teria início a partir do nascimento com vida, entretanto, garantindo-se
eventuais direitos ao nascituro desde a concepção: “art. 4º. A personalidade civil do homem
começa com o nascimento com vida, mas a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do
nascituro” (2007, p. 146-147).
Tal alteração, segundo Pussi, nos permite fazer o seguinte paralelo: no projeto
primitivo Clóvis Beviláqua adotou a ideia do Esboço de Teixeira de Freitas, enquanto o
projeto revisto caminhou no sentido do projeto de Coelho Rodrigue (2007, p. 148).
Todavia, na concepção da autora Almeida, o projeto definitivo não destoou em
muito do original e que apesar do texto literalmente negar ao nascituro a condição de pessoa
antes de nascer, a própria legislação lhe conferia direitos - como o de ser reconhecido como
filho legítimo mesmo que concebido antes do casamento, se os genitores viessem a contrair
matrimônio (art. 292), o da presunção de filiação legitima se concebidos na constância do
casamento de seus pais (art. 419), de ter nomeado curador para velar por seus interesses (art.
553), de receber doação (art. 1.330), etc. -, o que poderia ser interpretado sistematicamente
como concessão de personalidade (2000, p. 192).
Apesar da clara divergência entre os juristas quanto ao início da personalidade
jurídica, não há dúvidas de que a legislação concede ao nascituro a proteção de seus
interesses, principalmente os existenciais, não só de ordem civil.
No atual Código Penal, publicado em 1941, os direitos do nascituro são tutelados
por meio da proibição do aborto praticado pela gestante ou por terceiros, conforme artigos a
seguir, encontrados no Título I da Parte Especial, que trata dos crimes contra a “pessoa”:
Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento
Art. 124. Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque:
Pena – detenção, de um a três anos.
Aborto provocado por terceiro
Art. 125. Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:
Pena – reclusão, de três a dez anos.
Art. 126. Provocar aborto com o consentimento da gestante:
Pena – reclusão, de um a quatro anos.
Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de
quatorze anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido
mediante fraude, grave ameaça ou violência.
Forma qualificada
Art. 127. As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um
terço, se, em conseqüência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a
gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer
dessas causas, lhe sobrevém a morte (BRASIL, CP, 2018, grifo no original).
33
Por sua vez, a atual Constituição Federal, promulgada em 1988, traz inúmeros
direitos e garantias que podem ser estendidos ao nascituro.
Conforme preleciona Almeida, a Carta Magna não tratou especificadamente dos
direitos do nascituro, nem mesmo definiu quando tem início a vida, mas interpretando-a de
maneira sistemática é possível concluir que as garantias nela contida são para todos
igualmente e que a vida é protegida desde a concepção (2000, p. 247).
Isto porque, segundo a autora, a Constituição (BRASIL, CRFB, 2018) define
como fundamento da República a “dignidade da pessoa humana” (art. 1º, inciso III), garante a
igualdade entre todos e institui a inviolabilidade do direito à vida, conforme se extrai de seu
artigo 5º, onde estão elencados direitos e garantias fundamentais do ser humano: “todos são
iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes” (2000, p. 247, grifo nosso).
Além disso, Almeida ressalta que no inciso XXXVIII do mesmo artigo, a
Constituição reconhece a competência do Júri para julgamento dos crimes dolosos contra a
vida, incluindo o aborto. Também, assegura a licença-gestante no artigo 6º, inciso XVII,
alínea a e a proteção da maternidade (artigos 201, II e 203, I), a fim de proteger a gestante e o
filho. Ademais, no artigo 226 dispõe que “a família, base da sociedade, tem especial proteção
do Estado” (2000, p. 247).
Esta opinião é igualmente defendida por Ribeiro, como podemos ver através de
suas palavras (2010, p. 52):
Tendo em vista que a Constituição não diferencia o nascituro e o já nascido e no
caput do artigo 5º estabelece que todos tem direito à vida. Há, portanto, de se
considerar que a Constituição Federal protege o direito à vida também ao
nascituro (grifo nosso).
Ribeiro (2010, p. 52-53) também nos ensina que o direito à vida previsto pela
Constituição Federal possui dois vieses: o direito de permanecer vivo e o direito de viver com
dignidade.
Neste sentido, afirma que o direito de permanecer vivo ou de não ser morto está
estampado do texto Constitucional, que prevê expressamente o direito à vida (artigo 5º,
caput), proíbe a pena de morte (artigo 5º, XLVIII, “a”) e reconhece a instituição do Júri como
competente para o julgamento de crimes dolosos contra a vida (artigo 5º, XXXVIII). Quanto à
segunda acepção, sustenta que o direito à vida com dignidade é o fundamento maior de nossa
34
República, sendo que a dignidade humana é, antes de tudo, um valor espiritual inerente ao
homem, que nos diferencia dos outros seres. Por isso, defende que o tema se liga ao nascituro
em razão de sua natureza humana e que este indivíduo que deve ser respeitado em sua
dignidade simplesmente por sua humanidade, cabendo a ele toda proteção jurídica nesse
sentido (RIBEIRO, 2010, p. 52-54).
Ainda, colhemos dos ensinamento de Ribeiro (2010, p. 55):
Servindo-nos de outros princípios constitucionais, podemos fazer referência também
ao princípio da igualdade. Desrespeitar o direito à existência do ser humano, dosar
quem tem mais ou menos direito à vida ou condicioná-lo a aspectos acidentais que
marcam a existência de cada pessoa seria ferir não só a dignidade humana, mas
também a igualdade, valor também positivado como princípio em nossa
Constituição Federal.
Desta forma, é possível concluir que os direitos constantes da Constituição
Federal são extensivos ao nascituro, dado a igualdade de tratamento conferida para todos, bem
como pela proteção de sua vida e garantias conferidas a ele para obter um desenvolvimento
saudável.
De igual forma, há normas internacionais relevantes envolvendo o nascituro, as
quais foram recepcionadas pelo ordenamento jurídico do nosso país.
Como é sabido, os tratados internacionais de Direitos Humanos possuem força
constitucional, desde que obedecidas as formalidades do artigo 5º, parágrafo 3º9 da
Constituição Federal e tenham sido incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro após a
Emenda Constitucional de 2004. Os acordos que foram integrados antes deste período detêm
caráter supralegal, embora infraconstitucional, como é o caso do Pacto de São José da Costa
Rica (RIBEIRO, 2010, p. 59).
Este tratado internacional de Direitos Humanos foi aderido pelo Brasil através do
Decreto n°. 678/1992 e prevê expressamente a proteção da pessoa desde a concepção:
“Artigo 1. 2. Para os efeitos desta Convenção, pessoa é todo ser humano.
[...]
Artigo 3. Toda pessoa tem direito ao reconhecimento de sua personalidade jurídica.
Artigo 4. 1. 1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse
direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção.
Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente” (PACTO DE SÃO JOSÉ DA
COSTA RICA, 1969).
9 “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do
Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes
às emendas constitucionais” (BRASIL, CRFB, 2018).
35
Independentemente de sua roupagem infraconstitucional, este é um acordo
internacional de extrema relevância e, por isso, deve ser observado pelo legislador pátrio e
servir de paradigma interpretativo. O caráter supralegal deste tratado determina que toda
legislação ordinária, inclusive o Código Civil em vigência, seja analisado à luz das normas
que nele estão contidas (RIBEIRO, 2010, p. 59).
Sendo assim, Ribeiro assevera que, pela interpretação lógica das normas acima
mencionadas, o nascituro deve ser considerado pessoa. Isto porque, o artigo 4º do tratado
garante a proteção do direito à vida da pessoa desde a concepção, de modo que não
poderíamos excluir o nascituro desde conceito. Sendo assim, sustenta também que o tratado
reconhece a personalidade jurídica desde indivíduo, porquanto no artigo 3º estabelece que este
é um direito de toda pessoa (2010, p. 60).
Por fim, analisaremos as normas contidas no Estatuto da Criança e do Adolescente
de 1990 (Lei 8.069), que se presta à proteção integral dos direitos e interesses deste menores.
O artigo 2º desta lei prevê que a criança deve ser considerada como a pessoa com
até doze anos incompletos e o adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade, sendo
que o artigo subsequente (artigo 3º) complementa o enunciado e evidencia o caráter protetivo
da norma dispondo (BRASIL, ECA, 2018):
A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à
pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-
se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de
lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em
condições de liberdade e de dignidade.
Com vistas a garantir a mais ampla aplicação da lei, em 2016 houve uma recente
alteração do Estatuto, por meio da qual foi acrescentado um parágrafo único ao artigo 3º da
lei, com a seguinte redação (BRASIL, ECA, 2018):
Os direitos enunciados nesta Lei aplicam-se a todas as crianças e adolescentes,
sem discriminação de nascimento, situação familiar, idade, sexo, raça, etnia ou
cor, religião ou crença, deficiência, condição pessoal de desenvolvimento e
aprendizagem, condição econômica, ambiente social, região e local de moradia ou
outra condição que diferencie as pessoas, as famílias ou a comunidade em que
vivem.
Vemos, portanto, que a lei garantiu a aplicação de todas as regras nela contidas ao
nascituro, uma vez que expressamente afasta qualquer discriminação de criança em virtude de
ter ou não ocorrido seu nascimento.
36
Esta alteração se coaduna com os demais dispositivos do Estatuto, em especial ao
artigo 7º (BRASIL, ECA, 2018) que estipula a tomada de políticas sociais com o fim de
permitir o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de
existência, de cada criança e adolescente. Além disso, o artigo 8º (BRASIL, ECA, 2018)
também trata de proteger a saúde da gestante e, logicamente, do nascituro que ela carrega,
assegurando para todas as mulheres nesta condição o acesso aos programas e às políticas de
saúde da mulher e de planejamento reprodutivo, nutrição adequada, atenção humanizada à
gravidez, ao parto e ao puerpério e atendimento pré-natal, perinatal e pós-natal integral no
âmbito do Sistema Único de Saúde.
Sem mais delongas, passemos ao tratamento jurídico conferido ao nascituro pelo
Código Civil atual, instituído no ano de 2002.
3.2.2 Código Civil de 2002
O Código Civil Brasileiro atualmente vigente dispõe em seu primeiro livro sobre
as pessoas naturais, personalidade e sua capacidade para integrar relações jurídicas, conceitos
já abordados neste trabalho.
Como vimos no breve apanhado histórico acerca da legislação pertinente ao
nascituro, sempre pairou entre os juristas uma discussão a respeito de quando inicia a
personalidade jurídica do homem. E, até então, não foi estabelecida de maneira unânime qual
é a posição jurídica do nascituro em nosso ordenamento, se pode ser considerado pessoa
natural ou não.
A atual redação do Código Civil não contribuiu para dissipar tais dúvidas,
porquanto manteve a mesma ideia do código passado, de que a personalidade inicia com o
nascimento com vida, mas com a ressalva de que são tutelados os direitos do nascituro.
Segundo o legislador civil brasileiro, “toda pessoa é capaz de direitos e deveres na
ordem civil” (BRASIL, CC, 2018, art. 1º) e para tornar-se pessoa basta o nascimento com
vida, fato do qual também decorre a aquisição da personalidade civil, conforme redação do
art. 2º do Código Civil (BRASIL, CC, 2018): “a personalidade civil da pessoa começa do
nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.
No entendimento de Almeida, por exemplo, esta redação parece contraditória,
pois, ao mesmo tempo em que afirma o início da personalidade com o nascimento com vida,
37
reconhece direitos e estados ao nascituro, os quais são efetivamente atribuídos em vários
dispositivos (2000, p. 343).
Acerca destes direitos, consta no mencionado diploma que o nascituro possui o
direito de receber doação (art. 542); o direito ao conhecimento de sua paternidade (art. 1.609,
p. único); o direito de representação pelos pais (art. 1.690); o direito de ser-lhe nomeado
curador, no caso em que ocorre a morte do pai e a gestante não detém o poder familiar do
filho (art. 1.779) e o direito à sucessão (art. 1798) (BRASIL, CC, 2018).
Diante da norma supracitada, há doutrinadores brasileiros que interpretam o artigo
2º de maneira literal, atribuindo personalidade ao ser humano apenas quando cumprido o
requisito do nascimento com vida; por outro lado, existem estudiosos que defendem uma
personalidade condicional, com base na parte final do artigo e outros, com fundamento em
uma interpretação sistemática, afirmam que a personalidade tem início com a concepção.
Sobre o contraponto, leciona César Fiúza (2004 apud TARTUCE, 2013, p. 117):
O legislador parece um tanto quanto pleonástico (…). Perdeu o legislador a
oportunidade histórica de pôr fim à controvérsia entre natalistas e
concepcionistas. Os natalistas entendem que a personalidade tem início com o
nascimento com vida. Os concepcionistas defendem a tese de que a personalidade
começa a partir da concepção. Qual seria a posição do Código Civil? Os natalistas
propugnam por sua tese; afinal, esta seria a intenção literal do legislador, ao afirmar
que a personalidade civil começa do nascimento com vida. Ocorre que, logo a
seguir, o mesmo legislador dispõe que os direitos do nascituro serão postos a salvo.
Direitos só detêm as pessoas, sendo assim, por interpretação lógica, o texto legal
estaria adotando a tese concepcionista. O Código de 1916 já era dúbio. Faltou
coragem ao legislador de 2002 (grifo nosso).
Deste modo, no próximo capítulo vamos trabalhar as principais sustentações
existentes no que tange ao início da personalidade civil, em ordem, Teoria Natalista, Teoria da
Personalidade Condicional e Teoria Concepcionista, a fim de verificar qual delas melhor
resguarda os direitos do nascituro e sob qual ótica é possível reconhecer a ocorrência de
eventual lesão de cunho moral, tema principal deste trabalho.
38
4 DANO MORAL AO NASCITURO
4.1 CORRENTES DOUTRINÁRIAS ACERCA DO INÍCIO DA PERSONALIDADE
JURÍDICA
Em relação ao início da personalidade jurídica, irradiam opiniões em diversos
sentidos no direito brasileiro e no estrangeiro. Esta diversidade de entendimentos, juntamente
com outros elementos, deram fundamento para a criação de múltiplas teorias relativas ao
tema.
Nada obstante, respeitada a particularidade de todas elas, iremos tratar neste
trabalho acerca das teorias comumente levantadas em âmbito nacional quando se trata da
personalidade jurídica da pessoa natural, quais sejam Teoria Natalista, Teoria da
Personalidade Condicional e Teoria Concepcionista.
Fazemos a ressalva de que é possível encontrar correntes diversas em uma análise
à doutrina internacional e até mesmo à doutrina nacional, contudo, optamos pelas teorias
consideradas básicas no que tange ao assunto, conforme ensinamento de Almeida (2000, p.
145), Pussi (2007, p. 89), Tartucce (2013, p. 117), Farias e Rosenvald (2015, p. 263), já
citados neste trabalho, bem como tantos outros doutrinadores do país.
O estudo deste tema é importante para o desenvolvimento da nossa pesquisa, pois
apenas atribuindo personalidade jurídica ao nascituro podemos discutir a violação dos direitos
que dela decorrem e, por consequência, verificar a possibilidade deste indivíduo sofrer danos
morais.
Portanto, dada a dimensão destas teorias, passaremos à análise específica de cada
uma delas.
4.1.1 Teoria Natalista
Para os natalistas, como “Sílvio Rodrigues, Caio Mário da Silva Pereira, San
Tiago Dantas e, na doutrina contemporânea, Sílvio de Salvo Venosa” (TARTUCCE, 2013, p.
117-118), a personalidade jurídica somente é atribuída pela lei ao indivíduo nascido com vida,
39
sendo que o nascituro possui mera expectativa de direitos, restrita aos casos expressamente
previstos pelo Código Civil (PUSSI, 2007, p. 98).
Portanto, para os adeptos desta corrente há dois requisitos que caracterizam a
personalidade jurídica: o nascimento e a vida.
Nas palavras de Pereira, adepto à teoria, ocorre o nascimento quando o feto é
separado do corpo materno, independentemente do tempo de gestação, “é necessário e
suficiente para preencher a condição do nascimento, que se desfaça a unidade biológica, de
forma a constituírem mãe e filho dois corpos com economia orgânica própria”. A vida do
novo ser, segundo o jurista, demonstra-se pela primeira troca oxicarbônica com o meio
ambiente. A partir daí, tem início a personalidade jurídica da pessoa natural, que termina com
a morte (2017, p. 187).
Através de uma leitura literal da lei, os filiados à teoria em discussão entendem
que este foi o entendimento adotado pelos legisladores do Código Civil de 2002, em razão da
norma contida no artigo 2º deste diploma legal: “a personalidade civil da pessoa começa do
nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”
(BRASIL, CC, 2018).
A propósito, cabe relembrar que esta era a ideia contida no artigo 4º do Código
Civil de 1916, a qual foi posteriormente reproduzida no diploma atual apenas com a mudança
do termo “homem” para “pessoa”.
Desta forma, Caio Mário da Silva Pereira ensina que, de acordo com a visão
natalista, como o nascituro não possui o atributo primordial da personalidade jurídica, não
pode ser considerado pessoa: “o nascituro não é ainda uma pessoa, não é um ser dotado de
personalidade jurídica” (2017, p. 185, grifo nosso).
No mesmo viés, Orlando Gomes (1966 apud RIBEIRO, 2010, p. 33-34) esclarece
que existem dois tipos de personalidade, a real e a ficta. A personalidade real corresponde à
duração da vida humana e a personalidade ficta, por outro lado, corresponde a outras
hipóteses em que essa coincidência não se verifica, como no caso do nascituro ou do ausente.
Entretanto, esta última serve apenas para garantir a tutela de certos interesses legais, pois não
transfere ao indivíduo o caráter de “pessoa natural”, como se verifica através de suas próprias
palavras:
Essas ficções atribuem personalidade porque reconhecem, nos beneficiados, a
aptidão para ter direitos, mas é logicamente absurdo admitir a condição de pessoa
40
natural em quem ainda não nasceu ou já morreu. Trata-se de construção técnica
destinada a alcançar certos fins. Dilata-se arbitrariamente o termo inicial e final
da vida humana, para que sejam protegidos certos interesses (1966 apud
RIBEIRO, 2010, p. 34, grifo nosso).
Apesar de não considerarem o nascituro uma pessoa natural aos olhos do Direito,
os natalistas não descartam a essência humana inerente a este indivíduo. Todavia, sustentam
que se ainda não nasceu, o nascituro é uma potencialidade de pessoa, uma “pessoa futura”
para o ordenamento jurídico (TUHR, [s.d.] apud PUSSI, 2007, p. 91).
Pontes de Miranda retoma a ideia de que a capacidade de direito inicia com o
nascimento – pois como vimos, esta decorre da existência de personalidade jurídica -,
portanto, sugere que o nascituro não poderia ter direitos, eis que ainda não nasceu. Todavia,
para o autor, expectativas de direitos podem existir e são estas que são protegidas ([s.d] apud
PUSSI, p. 91).
Por isso, Pussi ensina que esta teoria não garante ao nascituro a salvaguarda de
direitos naturais e reais, apesar do disposto em lei, mas sim uma expectativa de direitos
subjetivos, que poderão integrar o patrimônio jurídico do nascituro se este vier a adquirir vida
com o nascimento (2007, p. 91).
Maia (1980 apud PUSSI, 2007, p. 90), um dos defensores da corrente em apreço,
esclarece este ponto:
Em outras palavras, prevaleceu a teoria que reconhece o início da personalidade no
nascimento com vida, reservada para o nascituro uma expectativa de direito... Os
comentadores do CC brasileiro, de modo geral, salientam como esse se filiou à
primeira escola, sendo forçoso reconhecer que, pelo sistema vigente, a condição
jurídica do nascituro é a de simples expectativa de direito (grifo nosso).
Ainda em defesa da Teoria Natalista, João Luis Alves desde muito nos ensina:
(1917 apud PUSSI, 2007 p. 90):
Entretanto, é preciso reconhecer que, subordinada à cláusula de nascimento com
vida, a personalidade desde a concepção não terá outra significação que não seja a
de crear, como na teoria do Cód., uma expectativa de direito... Que importa dizer
que o ente apenas concebido tem personalidade, se mais tarde, nascendo sem vida,
não adquiriu direitos? Os efeitos jurídicos surgem no acto do nascimento, com ou
sem vida: no primeiro caso opera-se a acquisição de direitos, que se transmite pela
morte posterior do recém-nascido; no segundo caso, nenhum direito se adquire. A
personalidade, que se carecteriza pela capacidade da acquisição e gozo de direitos,
não teve, de facto existência. Para que dar-lhe emtão existência de direito, a que a
própria lei só assegura efeitos após o nascimento? Bem andou, portanto, o Cód., em
fixar o início da personalidade humana no facto do nascimento com vida.
41
Ocorre que esta compreensão em relação aos direitos do nascituro geram grandes
críticas perante as doutrinas opostas, mormente a concepcionista.
Isto porque, de acordo com Almeida, o ordenamento jurídico concede ao nascituro
direitos que independem do nascimento, como o direito à vida (com a punição correspondente
para o aborto), à integridade física, à saúde, o direito de receber alimentos, curatela ou
representação, etc. Portanto, a autora afirma que o próprio código civil refuta a ideia de que a
personalidade jurídica depende do nascimento e que, por isso, o nascituro tem direitos desde a
concepção e não meras expectativas (ALMEIDA, 2000, p. 168).
Nesse viés, Almeida faz outra ressalva ao afirmar que a Teoria Natalista enfatiza
apenas os direitos patrimoniais do nascituro, sem levar em consideração os direitos pessoais e
não patrimoniais deste ser. Para a autora, “a despatrimonialização dos direitos e a ênfase dos
direitos da personalidade e direitos humanos da pessoa natural é a tônica da legislação atual”
(2000, p. 147), tendo em vista que a Constituição Federal estabelece como princípio
fundamental da república a Dignidade da Pessoa Humana (ALMEIDA, 2000, p. 147).
4.1.2 Teoria da Personalidade Condicional
Por sua vez, a corrente doutrinária da Personalidade Condicional defende que a
personalidade tem início desde a concepção, contudo, sujeita à uma condição suspensiva10: o
nascimento com vida. Assim, com o implemento deste elemento acidental considera-se
existente a personalidade desde a concepção, bem como vigentes todos os seus direitos
(PUSSI, 2007, p. 97).
Beviláqua, com uma visão condicionalista, sustenta que o nascimento define a
personalidade jurídica do nascituro e assinala o início da vida jurídica do homem, porquanto
se a criança nascer viva, o nascimento confirma sua personalidade, mas se nascer morta, seu
nascimento irá anular a personalidade que lhe foi reconhecida (BEVILÁQUA, 2007 apud
RIBEIRO, 2010, p. 35).
Colhe-se da obra de Tartucce o nome de alguns entusiastas desta corrente como
Washington de Barros Monteiro e Miguel Maria de Serpa Lopes, além de Clóvis Beviláqua
(2013, p. 118-119).
10 “Como se sabe, a condição suspensiva é o elemento acidental do negócio jurídico ou ato jurídico que
subordina a sua eficácia a evento futuro e incerto” (TARTUCCE, 2013, p. 118).
42
Neste passo, relembramos que esta teoria foi adotada por Bevilácqua no art. 3º do
projeto primitivo do Código Civil em 1916, o qual dispunha: “a personalidade civil do ser
humano começa com a concepção, sob a condição de nascer com vida” (1902 apud PUSSI,
2007, p. 94). Após, como já vimos no capítulo anterior, a redação foi modificada e o projeto
definitivo afirmou o início da personalidade civil do homem a partir do nascimento com vida.
Outro adepto da Teoria da Personalidade Condicional é J. M de Carvalho Santos
(1953 apud PUSSI, 2007, p. 94), que resume:
De fato, a aquisição de tais direitos, segundo nosso Código Civil, fica
subordinado à condição de que o feto venha a ter existência; se tal se sucede, dá-
se a aquisição, mas, ao contrário, se não houver o nascimento com vida, ou por ter
ocorrido um aborto ou por ter o feto nascido morto, não há uma perda ou
transmissão de direitos, como deverá se suceder, se ao nascituro fosse reconhecida
uma ficta personalidade. Em casos tais, não se dá a aquisição de direitos (grifo
nosso).
Fabio Ulhoa Coelho (2012, p. 341), civilista moderno, também parece adotar o
posicionamento em questão quando afirma que o nascituro possui direitos antes mesmo de
nascer, chamando-o de sujeito humano despersonificado. Nesse sentido, conclui que o
ordenamento jurídico atribui direitos e deveres ao nascituro, em razão de sua potencialidade
para tornar-se ente personificado mediante o nascimento, mas que a integração destes direitos
ao patrimônio jurídico do nascituro só ocorre quando implementada a condição do nascimento
com vida.
Colhe-se diretamente dos ensinamentos deste autor (COELHO, 2012, p. 341):
O art. 2º do CC estabelece que ‘a personalidade civil da pessoa começa do
nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do
nascituro’. Isso significa que, antes do nascimento com vida, o homem e a mulher
não têm personalidade, mas, como já titularizam os direitos postos a salvo pela
lei, são sujeitos de direitos. Desse modo, falecendo o pai quando o filho já se
encontrava em gestação no útero da mãe, o nascituro é sucessor, a menos que
não venha a nascer com vida (grifo nosso).
Abrimos espaço para mais um apontamento feito por Coelho em sua obra, no qual
ele explicita um dos deveres legais atribuídos a este ser, ressaltando, com vistas à Teoria da
Personalidade Condicional, que a obrigação somente subsistirá se ocorrer o nascimento com
vida (2012, p. 346-347):
Ao preservar os direitos do nascituro, a lei acaba lhe conferindo também certos
deveres. Considerando ainda a situação exemplificada acima, se havia imóveis
entre os bens do falecido herdados pelo nascituro, ele será devedor do imposto
incidente sobre a propriedade imobiliária durante o tempo de sua gestação.
Claro que — a exemplo dos menores proprietários — as providências atinentes ao
43
cumprimento dessa obrigação serão adotadas pelos representantes. No cadastro de
contribuintes da Prefeitura, por outro lado, não poderá ser lançada a identificação do
nascituro, visto que eventualmente nem nome ainda tenha. Mas é ele o devedor do
tributo. Se alguém pagar em seu lugar (como é provável que ocorra), terá
crédito a receber do nascituro, caso venha a nascer com vida (grifo nosso).
Em frente à redação do artigo 2º do Código Civil (BRASIL, CC, 2018): “a
personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a
concepção, os direitos do nascituro”, os filiados à Teoria da Personalidade Condicional
afirmam que a aparente contradição do legislador pode ser dirimida ao interpretar o diploma
legal de maneira sistemática.
Para estes, se o nascimento é a condição (futura e incerta), diante da
impossibilidade de afirmar que este resultará em vida, sob a qual está sujeita a personalidade
jurídica do nascituro, seus direitos são igualmente eventuais. Assim, à proteção de seus
interesses é cabível a aplicação do artigo 130 do Código Civil (BRASIL, CC, 2018): “ao
titular do direito eventual, nos casos de condição suspensiva ou resolutiva, é permitido
praticar os atos destinados a conservá-lo”. Este mecanismo permitiria, inclusive, que o
nascituro fosse parte em algum processo, no intuito de garantir seus direitos. Obviamente,
neste caso a defesa se dará mediante seu representante.
Sobre este assunto, Bertoncini e Santos esclarecem (2015, p. 27-28):
Sem prejuízo, como a condição suspensiva se perfaz em um acontecimento
futuro e incerto, deve o advogado provar a “existência” do nascituro com
documentos suficientes para tanto e, ainda, provar a certeza ou, ao menos, a
grande probabilidade de o nascimento ocorrer, demonstrando, assim, a viabilidade
do infante [...] Nem se fale, também, na hipótese de o nascituro possuir direitos sem
ter personalidade, como critica William Artur Pussi. O que se extrai da análise é
que lhe é permitido praticar atos com fins de conservar futuros direitos (e por
isso o reconhecimento da capacidade de ser parte), não se falando em aquisição
antecipada e nem mesmo em exercício dos mesmos. Analisando, ainda, do foco da
prática processual civil, uma questão que pode ser suscitada é a forma como se dará
a qualificação do nascituro, tendo em vista que ele não possui nem mesmo certidão
de nascimento que o identifique. A solução que se aponta é que, considerando que,
quando da propositura de uma ação, a parte proponente deve indicar
elementos mínimos que a permitam ser identificada, o advogado, ao qualificar
o nascituro, deve apenas indicar o próprio termo, apontar que está sendo
representado por sua genitora, ou genitores e, após, qualificá-los. Feito isso, não
há que se falar em impossibilidade de se identificar o autor da ação, mesmo que não
possua certidão de nascimento ou outro documento identificador (grifo nosso).
Carlos Roberto Gonçalves também dispõe sobre o tema, trazendo exemplos de
requerimentos cabíveis de serem feitos pelo nascituro (2017, p. 104):
O art. 130 do Código Civil permite ao titular de direito eventual, como o nascituro,
nos casos de condição suspensiva ou resolutiva, o exercício de atos destinados a
44
conservá-lo, como, por exemplo, requerer, representado pela mãe, a suspensão do
inventário, em caso de morte do pai, estando a mulher grávida e não havendo outros
descendentes, para se aguardar o nascimento; ou, ainda, propor medidas
acautelatórias, em caso de dilapidação por terceiro dos bens que lhe foram doados
ou deixados em testamento.
Nada obstante, à essa corrente também são proferidas críticas.
Na visão de Tartucce, a teoria em destaque é apegada primordialmente ao direito
patrimonial, de modo que não atende ao apelo dos direitos pessoais ou da personalidade em
benefício do nascituro. Para o civilista, “os direitos da personalidade não podem estar
sujeitos a condição, termo ou encargo, como propugna a corrente” (2013, p. 119, grifo
nosso).
Afora isso, para Tartucce esta teoria é essencialmente natalista, eis que a
personalidade só gera efeitos após o nascimento com vida, ainda que de maneira retroativa à
concepção. Esta tese essencialmente patrimonialista, segundo o autor, não pode prevalecer,
tendo em vista a tendência de personalizar o Direito Civil (2013, p. 119).
4.1.3 Teoria Concepcionista
Esta é a teoria adotada pela doutrina moderna com o pensar de que a
personalidade civil inicia a partir da concepção, momento em que o embrião passa a se
desenvolver no ventre materno, sem qualquer condição (ZAINAGHI, 2007, p. 43).
Este entendimento tem origem no “Esboço” de Freitas, que já reconhecia a
personalidade jurídica do nascituro quando, no artigo 221 da obra, afirmou incisivamente que
a existência real do nascituro tem início com a concepção no ventre materno e que este
indivíduo poderia adquirir direitos como se já estivesse nascido11 (1952, p. 34). Como se sabe,
esta obra inspirou o Código Civil Argentino, que adota expressamente a teoria concepcionista
(TARTUCCE, 2013, p. 119).
Atualmente, podemos citar como defensores desta tese:
Silmara Juny Chinellato (a principal precursora da tese no Brasil), Pontes de
Miranda, Rubens Limongi França, Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka,
11 Pussi destaca que há uma controvérsia sobre a real opinião do autor quanto à personalidade jurídica do
nascituro, uma vez que no artigo subsequente ao citado, Teixeira de Freitas dispõe que os direitos do
nascituro só serão adquiridos irrevogavelmente caso ele seja concebido com vida. No entanto, o mesmo autor
utiliza as palavras de Almeida para dirimir a questão: o artigo 222 refere-se apenas à direitos patrimoniais, os
direitos fundamentais não seriam alcançados pela norma. Assim, Teixeira de Freitas deveria ser incluído
entre os doutrinadores adeptos à Teoria Concepcionista.
45
Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, Roberto Senise Lisboa, José
Fernando Simão, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, Francisco Amaral,
Guilherme Calmon Nogueira da Gama, Antonio Junqueira de Azevedo, Gustavo
Rene Nicolau, Renan Lotufo e Maria Helena Diniz (TARTUCCE, 2013, p. 119).
Em relação ao artigo 2º do atual Código Civil, os concepcionistas sustentam que
ao afirmar direitos ao nascituro, o diploma legal necessariamente também afirmou
personalidade, tendo em vista que a personalidade jurídica é o atributo que gera a aptidão para
adquirir direitos e deveres, e não há direito sem sujeito (ALMEIDA, 2000, p. 168 e 175).
Sobre este respeito, o arremate de Eduardo de Oliveira Leite (apud PAGANINI,
2008, p. 43):
Por isso, quando o Código Civil brasileiro distingue as duas realidades, pessoa e
personalidade, deixa bem claro e de maneira precisa, que a “personalidade civil” do
homem começa do nascimento com vida, mas que a lei “põe a salvo” (isto é,
protege, atribui juridicidade) desde a concepção os direitos do nascituro. Se a lei
atribui direitos ao nascituro “desde a concepção” é porque aí visualizou
ocorrência de pessoalidade (grifo nosso).
Sendo assim, na visão desta teoria, o nascituro detém todas as prerrogativas
inerentes à personalidade jurídica concreta, dispondo da capacidade de ser titular de direitos
subjetivos, enquanto apenas os direitos patrimoniais ficam sob condição suspensiva. Os
direitos absolutos decorrentes da personalidade, chamados de extrapatrimoniais, como o
direito à vida, à integridade física, à saúde, à receber alimentos, independem do nascimento
com vida (ALMEIDA, 2000, p. 165).
R. Limongi França, através de um pensamento filosófico-jurídico, defende a
condição de pessoa vinculada ao nascituro (1999 apud PUSSI, 2007, p. 99):
Filosoficamente, sem que nos seja necessário o apoio de toda a corrente
respeitabilíssima do pensamento humano (aristotélico-tomista), o nascituro é
pessoa porque já traz em si o germe de todas as características do ser racional.
A sua imaturidade não é essencialmente diversa das dos recém-nascidos, que nada
sabem da vida e não são capazes de conduzir. O embrião está para a criança,
como a criança está para o adulto. Pertencem aos vários estágios de
desenvolvimento de um mesmo ser: o Homem, a Pessoa (grifo nosso).
Sobre o tema, é de se ressaltar que não devemos confundir personalidade com
capacidade de direito.
Para Almeida, o nascituro possui personalidade civil plena, “não há meia
personalidade ou personalidade parcial. Mede-se ou quantifica-se a capacidade, não a
personalidade. [...] Esta é integral ou não existe” (2000, p. 169). Assim, como abordado,
apenas os efeitos de alguns direitos dependem do nascimento com vida, excepcionalmente os
46
patrimoniais materiais, como a doação e a herança. Neste caso, segundo a autora, o
nascimento com vida é o elemento resolutivo que torna totalmente eficaz o negócio jurídico
(ALMEIDA, 2000, p. 169).
A este respeito Almeida fez o seguinte comentário em obra anterior (1988, p.
186):
O nascimento com vida aperfeiçoa o direito que dele dependa, dando-lhe integral
eficácia, na qual se inclui sua transmissibilidade. Porém, a posse dos bens herdados,
ou doados ao nascituro pode ser exercida, por seu representante legal, desde a
concepção, legitimando-o a perceber as rendas e os frutos, na qualidade de titular de
direitos subordinado à condição resolutiva.
Segundo a autora, adotar a ideia de que o nascituro é pessoa implica em estender a
ele todos os direitos previstos no ordenamento jurídico, além dos que estão expressamente
conferidos. Portanto, afirma que os direitos previstos no Código Civil não são taxativos, o que
se pode ver pela redação genérica do artigo 2º que trata dos “direitos do nascituro”, sem
exemplificá-los. Desta forma, Almeida entende que é possível atribuir ao nascituro outros
direitos, como o de ser beneficiário em estipulação em favor de terceiro, beneficiário em
seguro de vida, direito à alimentos, à vida, à integridade física e à saúde (ALMEIDA, 1988, p.
186).
Em outras palavras, para a Teoria Concepcionista, o Código Civil deve ser
interpretado de maneira ampliativa, de modo a considerar que outros casos possam ser
abarcados pela lei, que não apenas aqueles positivados, como supõe a Teoria Natalista. Assim,
o intérprete possui um papel de construtor no sentido normativo, com o intento de garantir a
efetivação dos direitos do nascituro, em especial, os de cunho existencial (PAGANINI, 2008,
p. 43).
Diniz fortalece a corrente ao afirmar que o nascituro goza de personalidade
jurídica desde a concepção, sendo que o nascimento com vida influencia apenas na
capacidade de exercício de alguns direitos patrimoniais, como já vimos (2008 apud MOURA,
2011, p. 15).
Tendo em conta isso, sustenta esta autora (2008 apud MOURA, 2011, p. 15):
Parece-nos que a razão está com a teoria concepcionista, uma vez que o Código
Civil resguarda desde a concepção os direitos do nascituro e, além disso, no art.
1597, IV, presume concebido na constância do casamento o filho havido, a qualquer
tempo, quando se tratar de embrião excedente, decorrente de concepção artificial
homóloga. Com isso, protegidos estão os direitos da personalidade do embrião,
fertilizado in vitro, e do nascituro (grifo nosso).
47
Atualmente, esta corrente é entendida como a que garante a maior proteção da
pessoa humana, tendo em vista que protege os interesses do homem desde a sua concepção,
sem fazer distinção entre o nascido e o que ainda está em gestação. Os filiados à teoria,
afirmam que esta perspectiva vai além de uma visão meramente patrimonialista, de forma que
acompanha a evolução dos estudos dos direitos fundamentais, que dizem respeito ao nascituro
(PUSSI, 2007, p. 100).
Segundo Paganini (2008, p. 92):
Uma efetiva tutela do nascituro não pode prescindir da observância efetiva de seus
direitos da personalidade – tipificados pela Constituição Federal e pela legislação
ordinária – demais interesses existenciais que, “socialmente típicos”, sejam
condizentes com a cláusula geral de proteção à pessoa humana (artigo 1, inciso III
da Constituição Federal).
De fato, em relação à tutela dos direitos da personalidade do nascituro, também
entendemos que esta teoria é a mais abrangente e confere maior dignidade ao sujeito, eis que
não coloca seus interesses pessoais sob nenhuma condição. Ademais, como visto, os
doutrinadores mais modernos adotam este pensamento e, inclusive, é tendência na
jurisprudência nacional assentir que o ser já concebido detém personalidade jurídica, o que
será demonstrado mais adiante.
Neste sentido, fazemos das palavras de Almeida (2000, p. 349) as nossas, nos
reportando ao artigo 2º do Código Civil em vigência:
A despeito da redação aparentemente contraditória do art. 4º do Código Civil, que,
estabelecendo o início da personalidade civil do nascimento com vida, concede
direitos e não expectativas de direitos, é possível conciliá-lo consigo mesmo e com
todo o sistema agasalhado pelo Código, que reconhece direitos e estados ao
concebido desde a concepção – nem sempre dependentes do nascimento com vida –
em harmonia com os diplomas legais de outros ramos do Direito.
Sendo assim, para o desfecho deste trabalho, iremos explicar de maneira breve o
instituto da responsabilidade civil, conectando-o às teorias da personalidade que foram
expostas, a fim comprovar a hipótese estabelecida: o nascituro pode sofrer danos contra sua
moral. Para tanto, também iremos colacionar jurisprudências pátrias, de modo a corroborar
nossa tese e atualizar o leitor acerca do tratamento dado ao tema nos tribunais superiores.
48
4.2 NOÇÕES GERAIS SOBRE RESPONSABILIDADE CIVIL E AS ESPÉCIES DE
DANO
Apresentadas as teorias que envolvem a discussão acerca do início da
personalidade civil, bem como as premissas que justificam o reconhecimento da
personalidade ao nascituro, incluindo os direitos que dela são provenientes, passaremos agora
ao estudo das circunstâncias de violação destes interesses e da possibilidade deste indivíduo
ter seus interesses pessoais violados.
Por certo que o objetivo deste trabalho não é se aprofundar no instituto da
responsabilidade civil, mas é indispensável traçar noções extensivas sobre a matéria, para que
o leitor tenha o mínimo compreensão acerca do tema principal deste trabalho, o qual envolve
a teoria geral da instituição.
4.2.1 Responsabilidade civil
Desde os primórdios, a responsabilidade civil atraiu o olhar da sociedade,
principalmente quando tiveram início as primeiras relações obrigacionais. Com o surgimento
de desavenças, disputas por território, patologias e crimes, nasceu também a necessidade de
retribuição destes atos de violência. A partir de então, imperou o que se chama de “violência
privativa”, ratificada pela Lei do Talião - expressa na máxima “olho por olho, dente por
dente” – instituída pelo Código de Hammurabi, na Mesopotâmia antiga, no início do segundo
milênio antes de Cristo (TARTUCCE, 2018, p. 18).
Pussi ensina que desde essa legislação antiguíssima, com evidência no Direito
Romano, a ideia do “não prejudicar ninguém” foi construída e pode ser consubstanciada na
parêmia neminem laedere. Sob esta orientação de caráter universal nos dias de hoje, o autor
explica que se fundou o instituto da responsabilidade civil (2007, p. 381).
De maneira simples, o conceito de responsabilidade civil é “o dever obrigacional
de reparar o prejuízo causado” (PUSSI, 2007, p. 382). Sendo uma forma de restabelecer o
status quo ante de uma relação, quando não possui caráter reparatório ou compensatório, no
caso do dano moral (PUSSI, 2007, p. 382).
Tartucce ensina que o dever de reparar um dano causado decorre da violação de
um dever jurídico que pode ser legal ou contratual (2018, p. 47).
49
Neste sentido, o mesmo autor demonstra que no atual Código Civil houve uma
partilha metodológica na disposição das normas relativas a estes últimos dois casos, conforme
explicamos a seguir (2018, p. 47):
Na codificação brasileira de 2002, melhor organizada, repise-se que o Título IX do
Livro das Obrigações foi intitulado como “Da responsabilidade civil”, tratando,
a princípio, da responsabilidade extracontratual (arts. 927 a 954), uma vez que o
seu dispositivo inaugural faz menção ao ato ilícito (art. 186) e ao abuso de direito
(art. 187). De outro modo, a responsabilidade contratual, decorrente do
inadimplemento das obrigações, consta dos arts. 389 a 420 do CC/2002. Nesse
ponto, mais bem sistematizado do que o seu antecessor, o Código de 2002 trata do
inadimplemento absoluto, com disposições gerais (arts. 389 a 393); do
inadimplemento relativo ou mora (arts. 394 a 401); das perdas e danos (arts. 402 a
405); dos juros legais (arts. 406 e 407); da cláusula penal (arts. 408 a 416); e das
arras ou sinal (arts. 417 a 420), encerrando a teoria geral das obrigações. Após,
segue a teoria geral dos contratos, com tratamento entre os arts. 421 a 480. Na Parte
Geral, assim como o Código anterior, há o conceito de ato ilícito (art. 186), ao lado
do de abuso de direito (art. 187), categorias básicas da responsabilidade civil
extracontratual. Há, ainda, uma norma complementar que elenca os atos que não
podem ser considerados como ilícitos (art. 188).
Comumente, portanto, se diz que a responsabilidade contratual está baseada nos
artigos 389, 390 e 391 do diploma civil em vigor, sendo que o primeiro dispositivo trata da
responsabilidade civil pelas obrigações positivas, ou seja, do inadimplemento das obrigações
de dar e de fazer. E o art. 390, por sua vez, dispõe sobre o inadimplemento das obrigações
negativas, ou seja, das obrigações de não fazer. “Em suma, nota-se que, na obrigação positiva,
o descumprimento se dá quando o ato não é praticado; já na obrigação negativa, o
inadimplemento ocorre quando o ato é praticado” (TARTUCCE, 2018, p. 48).
Contudo, Tartucce entende que as normas referentes à responsabilidade
extracontratual também podem ser aplicadas nos casos de descumprimento contratual, sendo
possível reconhecer a prática de um ilícito contratual ou abuso de direito, em que pese
dicotomia adotada pelo Código. Como exemplo, destacou a possibilidade de repreender
abusos na esfera trabalhista dos empregadores em detrimento dos empregados. Por fim,
arrematou “no mesmo sentido, o ‘dano exclusivamente moral’ mencionado no art. 186 do
Código Civil também pode ser utilizado como fundamento em casos envolvendo o
descumprimento de um contrato” (2018, p. 48-49).
Acerca da responsabilidade extracontratual, Tartucce (TARTUCCE, 2018, p. 47)
esclarece que esta decorre do descumprimento de uma norma jurídica, caracterizado pela
prática de um ato ilícito ou abuso de direito.
50
Estes casos estão previstos nos artigos 186 e 187 do Código Civil (BRASIL, CC,
2018), que contêm a seguinte redação:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,
violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato
ilícito.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede
manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé
ou pelos bons costumes.
Assim, de acordo com o sistema nacional, o dano é o antecedente fundamental da
responsabilidade civil, de modo que consta no caput do artigo 927 do Código Civil (BRASIL,
CC, 2018) que “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica
obrigado a repará-lo”.
Neste propósito, segundo Tartucce, “somente haverá direito à indenização e o
correspondente dever de reparar, se esse elemento objetivo estiver presente. Em síntese ainda
maior, sem a presença do dano, não há que reconhecer a responsabilidade civil da parte”
(2018, p. 60).
De igual forma, é importante distinguir a responsabilidade civil subjetiva e a
objetiva.
No primeiro caso, a responsabilização do agente decorre da prática de um ato
doloso ou culposo que culminou em um dano para outrem. Esta culpa se caracterizará quando
o agente causador do dano atuar com negligência ou imprudência, nos termos do artigo 186 e
187 do Código Civil. Nesta hipótese, vigora o princípio da unuscuique sua culpa nocet, ou
seja, cada um responde por sua própria culpa, e caberá ao autor de eventual ação o ônus da
prova de tal culpa do réu, por caracterizar fato constitutivo de seu direito (GAGLIANO;
PAMPLONA, 2017, p. 65).
No entanto, na ideia de Gagliano e Pamplona (2017, p. 66), há hipóteses em que a
demonstração de culpa do agente nem mesmo é necessária.
Nestas situações, estaremos diante da responsabilidade civil objetiva, que
prescinde da demonstração de dolo ou culpa na conduta do causador do dano, sendo exigida
apenas a existência do dano e do nexo causal ligando-o a conduta, como estabelece o
parágrafo único do artigo 927 do Código Civil (BRASIL, CC, 2018): “haverá obrigação de
reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a
51
atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para
os direitos de outrem” (GAGLIANO;PAMPLONA, 2017, p. 66).
Chegamos, então, à discussão relativa ao dano e suas espécies, que envolvem os
danos morais, patrimoniais e estéticos.
4.2.2 Espécies de dano: patrimonial, moral e estético
Nos termos utilizados por Gagliano e Pamplona, o dano ou prejuízo é “a lesão a
um interesse jurídico tutelado — patrimonial ou não —, causado por ação ou omissão do
sujeito infrator” (2017, p. 94). Neste viés, os civilistas complementam “a configuração do
prejuízo poderá decorrer da agressão a direitos ou interesses personalíssimos
(extrapatrimoniais), a exemplo daqueles representados pelos direitos da personalidade,
especialmente o dano moral” (GAGLIANO; PAMPLONA, 2017, p. 94).
Nesta esteira, os mesmo autores ensinam que o dano patrimonial representa uma
lesão aos bens e direitos economicamente mensuráveis de seu titular. Sendo que o dano
extrapatrimonial, também chamado de dano moral, atinge bens de cunho personalíssimo. A
propósito, ensinam (2017, p. 103):
Trata-se, em outras palavras, do prejuízo ou lesão de direitos, cujo conteúdo
não é pecuniário, nem comercialmente redutível a dinheiro, como é o caso dos
direitos da personalidade, a saber, o direito à vida, à integridade física (direito ao
corpo, vivo ou morto, e à voz), à integridade psíquica (liberdade, pensamento,
criações intelectuais, privacidade e segredo) e à integridade moral (honra, imagem e
identidade) (grifo nosso).
Sintetizando a ideia, Tartucce dispõe que os danos morais representam “uma lesão
aos direitos da personalidade, tratados em rol meramente exemplificativo entre os arts. 11 a
21 do CC/2002” (2018, p. 292).
Gagliano e Pamplona também ressaltam a tendência atual dos tribunais superiores
de reconhecer a existência autônoma do dano estético, que se trata de uma alteração corporal
anômala. Quanto ao tema, citam a súmula 387 do Superior Tribunal de Justiça: “é lícita a
cumulação das indenizações de dano estético e dano moral” (2017, p. 104).
No que se refere às formas de reparação do dano cometido, verificamos que existe
a possibilidade de restituição natural, na qual o autor da violação reestabelece o estado efetivo
da coisa que danificou ou, como isso nem sempre é possível, paga a quantia equivalente ao
seu valor (GAGLIANO E PAMPLONA, 2017, p. 113).
52
Sendo assim, é possível concluir que a diferença entre o dano moral e o dano
material, além do bem jurídico atingido e das consequências que deles repercutem, está na
forma de reparação destes. Isto porque, no dano material é possível atingir o status quo ante
através da restituição natural, tendo em vista que o bem atingindo possui valor econômico
mensurável, o que não ocorre no caso do dano moral, “eis que a honra violada jamais pode ser
restituída à sua situação anterior, porquanto, como já disse certo sábio, as palavras proferidas
são como as flechas lançadas, que não voltam atrás...” (GAGLIANO; PAMPLONA, 2017, p.
113).
Sobre esta questão, esclarece Gomes (1994 apud GAGLIANO; PAMPLONA,
2017, p. 113-114):
Esse dano não é propriamente indenizável, visto como indenização significa
eliminação do prejuízo e das consequências, o que não é possível quando se
trata de dano extrapatrimonial. Prefere-se dizer que é compensável. Trata-se
de compensação, e não de ressarcimento. Entendida nesses termos a obrigação de
quem o produziu, afasta-se a objeção de que o dinheiro não pode ser o equivalente
da dor, porque se reconhece que, no caso, exerce outra função dupla, a de expiação,
em relação ao culpado, e a de satisfação, em relação à vítima. Contesta-se, porém,
que tenha caráter de pena, impugnando-se, pois, sua função expiatória. Diz-se que
sua finalidade não é acarretar perda ao patrimônio do culpado, mas, sim,
proporcionar vantagem ao ofendido. Admite-se, porém, sem oposição, que o
pagamento da soma de dinheiro é um modo de dar satisfação à vítima, que,
recebendo-a, pode destiná-la, como diz Von Tuhr, a procurar as satisfações ideais ou
materiais que estime convenientes, acalmando o sentimento de vingança inato no
homem (grifo nosso).
Neste rumo, Gagliano e Pamplona ensinam que, além do caráter sancionatório, a
reparação dos danos tem função compensatória e, de acordo com a doutrina moderna, deve
possuir também uma finalidade pedagógica, a fim de desestimular o cometimento de condutas
danosas similares (2017, p. 114).
No que tange aos danos morais em face do nascituro, é preciso adotar uma das
três correntes expostas anteriormente quanto à sua personalidade, pois diversos entendimentos
podem ser verificados a depender da opção.
4.3 DANOS MORAIS DEVIDOS AO NASCITURO
Como vimos, o dano moral tem reflexo na esfera não patrimonial da pessoa,
atingindo os direitos que ela possui em decorrência de sua personalidade, como o direito à
53
vida, à integridade física, à integridade moral e à integridade intelectual (ALMEIDA, 2000, p.
293).
Com o olhar voltado às três teorias que tratam a respeito do início da
personalidade civil – Natalista, Condicionalista e Concepcionista - e, uma vez que são
conhecidas as premissas teóricas de cada uma delas, neste momento iremos fazer um paralelo
entre as correntes existentes e a possibilidade de o nascituro ser vítima de danos morais.
Assim, podemos afirmar que o direito do nascituro de receber indenização por
eventual dano desta natureza depende, indissociavelmente, que seja atribuída a ele
personalidade jurídica, como explica Ribeiro, mestre em Direito Civil (2010, p. 88):
Para saber se pode ou não o nascituro sofrer ou não lesão patrimonial ou moral, há
que se enfrentar o problema de sua natureza jurídica. Sendo-lhe reconhecida a
qualidade de pessoa, conforme visto, tem o nascituro, desde a concepção, direitos da
personalidade e, portanto, possibilidade de sofrer lesão à mesma.
Sendo assim, acaso adotássemos a Teoria Natalista, não seria possível falar na
ocorrência de danos morais, visto que para este entendimento o nascituro não é pessoa, não
possuí personalidade jurídica, contando somente com expectativas de direitos. Desta forma, a
ausência de personalidade impediria o reconhecimento de qualquer dano desta natureza, por
decorrerem exatamente de uma lesão a este atributo (PUSSI, 2007, p. 386).
Pussi esclarece este ponto através de um cenário hipotético (2007, p. 386-387):
Caso a teoria natalista fosse adotada, seria criado um quadro interessante. O
nascituro não poderia receber qualquer indenização, já que não é pessoa nem sujeito
de direito. Se sua genitora viesse a falecer e este sobrevivesse, o dano moral (dor,
sofrimentos futuros, desamparo) seria causado ao filho por nascer.
Nesta hipótese, a ausência de personalidade quando do falecimento da mãe
impediria, numa interpretação lógica, a pretensão do filho em obter qualquer
indenização do que causou o dano.
O mesmo problema ocorreria se o nascituro fosse vítima de medicamento
ministrado à mãe durante a gravidez, resultando em sequelas físicas terríveis.
O dano a ele causado dificilmente seria indenizado, já que à época do eventos
damni não detinha a titularidade do direito à integridade física. Poderia ser
tentada a indenização à mãe, que resultaria numa compensação reflexa e,
seguramente, de menor valor pecuniário (grifo nosso).
A situação do nascituro seria igualmente delicada se fosse adotada a Teoria da
Personalidade Condicional, pois seus interesses somente seriam protegidos acaso nascesse
com vida, do contrário, teriam o mesmo fim da Teoria Natalista. Ou seja, se nascesse com
vida o nascituro seria considerado pessoa e os danos morais causados a ele seriam, inclusive,
passíveis de indenização. Do contrário, o natimorto seria considerado inexistente
54
juridicamente e não haveria possibilidade de se postular qualquer reparação em virtude da
violação de seus direitos (PUSSI, 2007, p. 387-388).
Portanto, apenas considerando que o nascituro é pessoa desde a concepção, sem
qualquer condição – neste caso, adotando a Teoria Concepcionista -, é possível reconhecer a
possibilidade plena de este indivíduo sofrer danos morais ou, acaso tenha falecido, será viável
que seus ascendentes exijam a dita reparação. Nesta última hipótese, considerar-se-ia que o
dano foi causado ao filho menor, ampliando as possibilidades de indenização (PUSSI, 2007,
p. 388).
Sendo assim, reconhecida a natureza humana do nascituro, não poderíamos negar
que ele pode sofrer danos em sua esfera extrapatrimonial, os quais indubitavelmente devem
ser reparados. Para que seus direitos sejam protegidos sem qualquer condição, a Teoria
Concepcionista mostra-se a mais adequada, pois a personalidade jurídica do nascituro é o
fundamento para a existência de seus direitos.
Neste sentido, Almeida afirma que não há dúvidas quanto à possibilidade de se
reconhecer danos morais em favor do nascituro, pois a autora entende que o ele é pessoa
desde a concepção (2000, p. 304).
Para corroborar sua alegação, afirma que “não se poderia alegar o ato ilícito em
favor de quem o cometeu, causando dano, o que seria reconhecer a possibilidade de alegar a
própria torpeza” (ALMEIDA, 2000, p. 304). Sobre isso, Almeida explica que se aplicada
outra teoria à um caso de morte do nascituro por ação de terceiro, este poderia alegar que
sequer houve dano ou violação de algum direito, pois o requisito para a aquisição da
personalidade jurídica é o nascimento com vida. Desta forma, se o natimorto não foi titular de
nenhuma direito, ninguém pode pleitear nada por ele (2000, p. 304).
Ainda, a autora é ferrenha ao afirmar: “sob a mesma ótica, melhor seria matar o
futuro titular do direito do que somente lhe ofender a integridade física, pois o nascituro,
depois de nascido, poderia pleitear indenização por danos pré-natais!” (ALMEIDA, 2000, p.
305)
Apesar destes argumentos em favor do reconhecimento de dano moral ao
nascituro, há quem sustente o contrário, com base na incapacidade de o nascituro entender o
ato lesivo.
No entanto, esta inaptidão não infirma o fato de que este indivíduo pode sofrer
danos morais, pois a falta de discernimento sobre a situação ou a ausência de uma extensão
55
relacional não diminui, muito menos afasta, sua personalidade jurídica. Por esta razão, a
maior parte da doutrina entende que o dano moral não é medido apenas por sua intensidade
subjetiva (dor, sofrimento, etc), mas por parâmetros objetivos, verificados quando há violação
de um dos direitos da personalidade (PAGANINI, 2008, p. 76).
Nesta toada, ressalta SANTOS (2003 apud PAGANINI, 2008, p. 77):
A incapacidade de compreender o mal que lhes foi imposto não afastaria a
possibilidade de sofrerem dano moral. Também, fiado no princípio de que todo
dano injusto deve ser ressarcido, não pode receber um bill de indenidade todo aquele
que, voluntariamente, cause dano a uma criança ou a um louco. A não existência de
lágrimas ou a incapacidade de sentir dor espiritual não implica na conclusão de que
tais pessoas não podem sofrer dano moral ressarcível. É que a indenização do dano
moral não está condicionada a que a pessoa alvo do agravo seja capaz de sentir e de
compreender o mal que lhe está sendo feito. O dano moral é um acontecimento que
causa comoção” (grifo nosso).
Farias, Rosenvald e Braga Netto também fazem um aparte quanto ao assunto,
afirmando (2015 apud TARTUCCE, 2018, p. 293):
O equívoco na aproximação entre o dano moral e a dor ou outras sensações
desagradáveis pode ser explicado de uma forma ainda mais veemente. Trata-se de
uma confusão entre o sintoma e a causa. Vale dizer, decepção, desgosto, desprazer,
dissabor... Cada um destes sentimentos não passa de uma eventual consequência do
dano moral.
Isto demonstra, portanto, que o dano moral não é sinônimo de sofrimento ou
angústia, mas simplesmente de uma lesão aos interesses decorrentes da personalidade.
Superada esta questão, precisamos esclarecer que a natureza do dano moral,
repetindo o que já fora dito, é extrapatrimonial.
Todavia, alguns doutrinadores entendem que o dano moral possui cunho
patrimonial e por isso o direito do nascituro de recebê-lo não poderia ser reconhecido, pois
não importa a teoria adotada, todas reconhecem que os direitos patrimoniais dependem do
nascimento para atingir sua plena eficácia, notadamente, quanto à transmissibilidade.
Acontece que, embora o dano moral seja convertido em pecúnia, ele não perde sua
natureza extrapatrimonial, porquanto decorre de uma lesão à direitos da personalidade, os
quais são incondicionados. Desta forma, a indenização é devida ao nascituro, nascendo ele
com vida ou não (ALMEIDA, 2000, p. 304).
Além de tudo, Pussi afirma que o entendimento da melhor doutrina e dos tribunais
superiores em relação ao objeto deste trabalho vem progredindo através do tempo. Antes,
principalmente em épocas prévias à Constituição Federal de 1988, havia uma tendência em se
56
aplicar a Teoria Natalista e, quando muito, a da Personalidade Condicional (2007, p. 389).
Após, com um avanço no pensar acerca dos direitos fundamentais e, por consequência, da
personalidade jurídica do nascituro, a propensão é a de se reconhecer a personalidade desde a
concepção, sendo amplamente adotada atualmente a Teoria Concepcionista (TARTUCCE,
2007, p. 12).
No ano de 2002, o Superior Tribunal de Justiça deu uma decisão fatídica em
relação à concessão de danos morais ao nascituro. Nesta decisão, proferida de maneira
unânime, o colegiado reconheceu o direito do feto de receber indenização pela morte de seu
genitor em um acidente ferroviário. Na hipótese, foi discutida a questão do quantum
indenizatório, o qual foi mensurado de maneira diferente entre os filhos do falecido, porque se
entendeu que o fato de o nascituro não ter conhecido o pai influenciaria no valor a ser
arbitrado pelo dano moral sofrido.
Desta feita, analisemos a ementa do acórdão proferido (BRASIL, STJ, 2002):
DIREITO CIVIL. DANOS MORAIS. MORTE. ATROPELAMENTO.
COMPOSIÇÃO FÉRREA. AÇÃO AJUIZADA 23 ANOS APÓS O EVENTO.
PRESCRIÇÃO INEXISTENTE. INFLUÊNCIA NA QUANTIFICAÇÃO DO
QUANTUM. PRECEDENTES DA TURMA. NASCITURO. DIREITO AOS
DANOS MORAIS. DOUTRINA. ATENUAÇÃO. FIXAÇÃO NESTA
INSTÂNCIA. POSSIBILIDADE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
I - Nos termos da orientação da Turma, o direito à indenização por dano moral não
desaparece com o decurso de tempo (desde que não transcorrido o lapso
prescricional), mas é fato a ser considerado na fixação do quantum. II - O nascituro
também tem direito aos danos morais pela morte do pai, mas a circunstância de não
tê-lo conhecido em vida tem influência na fixação do quantum. III - Recomenda-se
que o valor do dano moral seja fixado desde logo, inclusive nesta instância,
buscando dar solução definitiva ao caso e evitando inconvenientes e retardamento da
solução jurisdicional.
Nada obstante, no ano de 2008 o Superior Tribunal de Justiça deu uma decisão
semelhante, onde reconheceu o direito do feto de receber indenização pela morte de seu
genitor em ambiente de trabalho. Desta vez, porém, o colegiado entendeu que não haveria
justificativa para diminuir o valor da indenização devida ao nascituro, afirmando que a dor
advinda destes casos é imensurável.
A esse propósito, segue a ementa do julgado (BRASIL, STJ, 2008):
RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DO TRABALHO. MORTE.
INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. FILHO NASCITURO. FIXAÇÃO DO
QUANTUM INDENIZATÓRIO. DIES A QUO. CORREÇÃO MONETÁRIA.
DATA DA FIXAÇÃO PELO JUIZ. JUROS DE MORA. DATA DO EVENTO
DANOSO. PROCESSO CIVIL. JUNTADA DE DOCUMENTO NA FASE
RECURSAL. POSSIBILIDADE, DESDE QUE NÃO CONFIGURDA A MÁ-FÉ
57
DA PARTE E OPORTUNIZADO O CONTRADITÓRIO. ANULAÇÃO DO
PROCESSO. INEXISTÊNCIA DE DANO. DESNECESSIDADE. - Impossível
admitir-se a redução do valor fixado a título de compensação por danos morais
em relação ao nascituro, em comparação com outros filhos do de cujus, já
nascidos na ocasião do evento morte, porquanto o fundamento da compensação
é a existência de um sofrimento impossível de ser quantificado com precisão. -
Embora sejam muitos os fatores a considerar para a fixação da satisfação
compensatória por danos morais, é principalmente com base na gravidade da lesão
que o juiz fixa o valor da reparação. - É devida correção monetária sobre o valor da
indenização por dano moral fixado a partir da data do arbitramento. Precedentes. -
Os juros moratórios, em se tratando de acidente de trabalho, estão sujeitos ao regime
da responsabilidade extracontratual, aplicando-se, portanto, a Súmula nº 54 da
Corte, contabilizando-os a partir da data do evento danoso. Precedentes - É possível
a apresentação de provas documentais na apelação, desde que não fique configurada
a má-fé da parte e seja observado o contraditório. Precedentes. - A sistemática do
processo civil é regida pelo princípio da instrumentalidade das formas, devendo ser
reputados válidos os atos que cumpram a sua finalidade essencial, sem que
acarretem prejuízos aos litigantes. Recurso especial dos autores parcialmente
conhecido e, nesta parte, provido. Recurso especial da ré não conhecido (grifo
nosso).
Atualmente, dentre situações mais frequentes em juízo que envolvem o nascituro,
está a concessão de danos morais fundada em erro médico que resultou em morte, má-
formação do feto ou doença incurável.
Diniz elenca uma série de eventos capazes de lesar fisicamente o nascituro e
culminar em danos morais, as quais podem ser causadas pelos profissionais mencionados, tais
como uma manipulação genética mal sucedida, uma cirurgia intrauterina equivocada, uma
transfusão de sangue contaminado ou incompatível, a administração de medição inadequada à
gestante, etc (2007 apud PAGANINI, 2008, p. 85)
Nos tribunais superiores alcançamos os casos práticos:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS - ALEGADO ERRO
MÉDICO - COMPLICAÇÕES NO PARTO REALIZADO EM 04/12/2010,
QUE TERIAM CAUSADO A PARALISIA CEREBRAL 3 PARCIAL NO
NASCITURO E DEFORMIDADE DO CRÂNIO - CRIANÇA QUE VEIO A
FALECER POSTERIORMENTE NO DIA 03/08/2011 - PEDIDO DE
INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA - IMPOSSIBILIDADE - NÃO
CONFIGURAÇÃO DE RELAÇÃO DE CONSUMO - SERVIÇO PÚBLICO
PRESTADO E CUSTEADO PELO SUS MEDIANTE RECEITA TRIBUTÁRIA -
AUSÊNCIA DE REMUNERAÇÃO DIRETA - INAPLICABILIDADE DO
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - RECURSO CONHECIDO E
PROVIDO. (PARANÁ, TJPR, 2013, grifo nosso).
APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS.
ERRO MÉDICO E HOSPITALAR. ÓBITO DE BEBÊ E DA GESTANTE.
CULPABILIDADE DEMONSTRADA SOMENTE EM RELAÇÃO A MORTE
DO NASCITURO. SOFRIMENTO FETAL. PÓS DATISMO.
RESPONSABILIDADE DO MÉDICO, DO HOSPITAL E DO MUNICÍPIO.
DEVER DE INDENIZAR INCONTESTE. QUANTUM PRUDENTEMENTE
58
ARBITRADO. REMESSA NECESSÁRIA PARCIALMENTE ACOLHIDA.
APELOS CONHECIDOS E DESPROVIDOS. (SANTA CATARINA, TJSC, 2014,
grifo nosso).
De igual forma, os genitores podem causar danos ao nascituro pela inobservância
dos cuidados pré-natais, como ilustra Paganini (2008, p. 86):
Os danos podem ser causados, inclusive, pela gestante que, em inobservância à
seriedade de deveres de conduta que lhes são impostos pelo estado de gravidez,
adote comportamentos que acarretem prejuízos ao nascituro, tais como o consumo
de álcool e drogas, fumo, alimentação inadequada, esforços físicos imoderados,
recusa a intervenções clinicas ou negligência quanto ao acompanhamento pré-natal,
dentre outros atos que refletirão diretamente na condição física do concebido.
Sobre isto, Zainaghi ratifica com outros exemplos que é plenamente possível o
intento de ação indenizatória pelo nascituro em face de seus genitores, como poderia ser no
caso de doença transmitida pelos pais através da concepção, como a AIDS ou sífilis, ou pela
submissão a danos psicológicos durante a gestação. Arrematando, afirma que qualquer pessoa
que cause sofrimento ou dano ao nascituro pode ser réu em eventual ação por danos morais
(2007, p. 106).
Outra situação interessante que foi objeto de discussão no judiciário refere-se à
condenação do Estado de Goiás ao pagamento de verba indenizatória exclusivamente de
natureza moral em favor de um determinado nascituro, porquanto em uma abordagem policial
indevida os agentes públicos colocaram em risco sua vida, integridade física e saúde. No caso,
o colegiado adotou expressamente a Teoria Concepcionista, além de afirmar a aplicação do
Pacto de San José da Costa Rica, já apontado por nós, que reconhece a proteção da pessoa
desde a concepção (GOIÁS, TJGO, 2007):
DUPLO GRAU DE JURISDICAO. DUPLO APELO. ACAO DE INDENIZACAO
POR DANOS MORAIS. ABORDAGEM INDEVIDA DE POLICIAIS
MILITARES. CARACTERIZACAO DE DANO. JULGAMENTO EXTRA
PETITA. CULPA EXCLUSIVA DAS VITIMAS. INOCORRENCIA.
NASCITURO. DANO MORAL. CORRECAO MONETARIA. HONORARIOS
ADVOCATICIOS. FIXACAO DO QUANTUM. RAZOABILIDADE. 1 – DEVE
SER EXCLUIDA A INDENIZACAO ARBITRADA EM FAVOR DA MAE
MENOR QUE NAO ENCONTRAVA-SE NO MOMENTO DA ABORDAGEM
POLICIAL, FIGURANDO NOS AUTOS APENAS NA CONDICAO DE
REPRESENTANTE LEGAL DE SUA FILHA. 2 - RESTANDO COMPROVADA
A ATUACAO DOS AGENTES PUBLICOS - POLICIAIS MILITARES, O DANO
MORAL EXPERIMENTADO PELOS AUTORES E O NEXO DE
CAUSALIDADE, CARACTERIZADA ESTA A OBRIGACAO DO ESTADO EM
RESSARCI-LOS, NAO HAVENDO QUE SE FALAR EM CULPA EXCLUSIVA
DAS VITIMAS E NEM EM ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL. 3 -
CONFORME ENTENDIMENTO DA TEORIA CONCEPCIONISTA E
BASEADO NO PACTO DE SAO JOSE DA COSTA RICA, O NASCITURO E
CONSIDERADO PESSOA DESDE A CONCEPCAO, DEVENDO SER
59
RESGUARDADA SUA VIDA, INTEGRIDADE FISICA E SAUDE,
PODENDO SER INDENIZADO SE OCORRER ALGUM ATO ILICITO QUE
LHE PREJUDIQUE OU COLOQUE EM RISCO SUA VIDA, NO PERIODO
DA GESTACAO DE SUA MAE. 4 - NA INDENIZACAO POR DANO MORAL,
ADVINDA DE RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL, A CORRECAO
MONETARIA DEVE INCIDIR A PARTIR DO ATO JUDICIAL QUE FIXOU O
MONTANTE DA CONDENACAO. 5 - OS HONORARIOS ADVOCATICIOS
FORAM FIXADOS CONSOANTE APRECIACAO EQUITATIVA DO JUIZ,
ATENDIDAS AS DISPOSICOES DO ART. 20 DO CODIGO DE PROCESSO
CIVIL. 6 - DEVE-SE MANTER O QUANTUM A SER INDENIZADO QUANDO
O JUIZ MONOCRATICO FIXA DO VALOR COM MODERACAO E
RAZOABILIDADE. PRIMEIRA APELACAO CONHECIDA E IMPROVIDA.
REMESSA E SEGUNDA APELACAO CONHECIDAS E PARCIALMENTE
PROVIDAS (grifo nosso).
Estas são apenas algumas das muitas questões judiciais que envolvem os direitos
do nascituro. É certo que não esgotamos as hipóteses legais, mas nosso objetivo é demonstrar
que a teoria se coaduna perfeitamente com a prática no que se refere à possibilidade de
indenização por dano moral ao nascituro.
Afim de concluir este trabalho, entendemos que é importante constar a evolução
de pensamento do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, a qual demonstra
claramente que no início a compreensão que se tinha sobre os direitos do nascituro
correspondia à ideia natalista, mas que ao passar dos anos, ultrapassada também a ideia
condicionalista, a Teoria Concepcionista ganhou força e vem sendo aplicada atualmente nos
casos que envolvem os interesses do nascituro.
Sobre isso, seguem jurisprudências relativas ao mesmo tema – indenização por
morte do nascituro em acidente de trânsito – de diferentes anos, demonstrando o progresso no
julgamento dos direitos da personalidade deste indivíduo no mencionado tribunal estadual.
A primeira decisão que trazemos foi proferida em 2011 e diz respeito à visão
natalista que tinham os julgadores do referido tribunal. Nesta oportunidade, o colegiado não
concedeu o direito à gestante que sofreu aborto em acidente de trânsito de receber a
indenização por morte prevista pelo seguro DPVAT, tendo em vista o entendimento vigente
na época era de que a personalidade jurídica era atribuída ao nascituro apenas a partir de seu
nascimento com vida:
SEGURO DE VIDA - ACIDENTE DE TRÂNSITO - ÓBITO NASCITURO -
AUSÊNCIA DE PERSONALIDADE JURÍDICA - AUSÊNCIA DE DIREITO A
SER RECONHECIDO - IMPROVIMENTO. "O nascituro passa a ter
personalidade jurídica material com seu nascimento com vida, a partir de
quando será sujeito de direitos cuja aquisição até então ficara sob condição
suspensiva. Conseqüentemente, não tem a mulher que sofre aborto em
decorrência de acidente de trânsito o direito à percepção da indenização por
60
morte prevista no art. 3º da Lei 6.194/74, Seguro obrigatório para o beneficiário
da vítima fatal (SANTA CATARINA, TJSC, 2011, grifo nosso).
Alguns anos após, o Tribunal afastou o olhar da Teoria Natalista e se afiliou à
Teoria da Personalidade Condicional.
Em 2013, no julgamento de uma situação semelhante, os desembargadores
negaram a indenização por morte do nascituro com base na Teoria Condicionalista, afirmando
que os direitos deste indivíduo estavam condicionados ao seu nascimento com vida:
AÇÃO DE COBRANÇA DO SEGURO OBRIGATÓRIO DPVAT. ACIDENTE DE
TRÂNSITO. VÍTIMA QUE ESTAVA GRÁVIDA. ÓBITO DO FETO.
DISCUSSÃO SOBRE A NATUREZA JURÍDICA DO NASCITURO. EXEGESE
DO ARTIGO 3º, INCISO I, DA LEI N. 6.194/1974. TITULARIDADE DE
DIREITOS DA PERSONALIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE RECEBIMENTO
DE DIREITOS PATRIMONIAIS. CONDIÇÃO. NASCIMENTO COM VIDA.
APELO CONHECIDO E PROVIDO. Não faz jus à indenização decorrente do
seguro obrigatório DPVAT a grávida que, em razão de evento de trânsito, vem
a sofrer aborto. Isso porque o ordenamento jurídico brasileiro, notadamente o
artigo 2º do Código Civil de 2002, adota a teoria condicionalista, reconhecendo
ao nascituro a titularidade de direitos personalíssimos - vida, nome, proteção pré-
natal, etc - condicionando os direitos patrimoniais ao nascimento com vida, sobre
eles havendo apenas mera expectativa de direito. (SANTA CATARINA, TJSC,
2013, grifo nosso)
Foi então que decorrido mais algum tempo, no ano de 2015, o Tribunal consagrou
a Teoria Concepcionista e afirmou que a indenização pela morte do feto em acidente de
transito é devida, porquanto a personalidade jurídica do nascituro nasce com a concepção:
APELAÇÃO CÍVEL. COBRANÇA. SEGURO DPVAT. SENTENÇA DE
IMPROCEDÊNCIA. ACIDENTE DE TRÂNSITO ENVOLVENDO GESTANTE.
MORTE DO NASCITURO. ART. 2º DO CÓDIGO CIVIL/2002.
PERSONALIDADE JURÍDICA QUE NASCE COM A CONCEPÇÃO.
INDENIZAÇÃO DEVIDA EM RAZÃO DO ÓBITO DO FETO. ART. 3º DA LEI
6.194/74. PRECEDENTES. DECISUM REFORMADO. RECURSO PROVIDO.
A despeito da literalidade do art. 2º do Código Civil - que condiciona a
aquisição de personalidade jurídica ao nascimento -, o ordenamento jurídico
pátrio aponta sinais de que não há essa indissolúvel vinculação entre o
nascimento com vida e o conceito de pessoa, de personalidade jurídica e de
titularização de direitos, como pode aparentar a leitura mais simplificada da
lei. 3. As teorias mais restritivas dos direitos do nascituro - natalista e da
personalidade condicional - fincam raízes na ordem jurídica superada pela
Constituição Federal de 1988 e pelo Código Civil de 2002. O paradigma no qual
foram edificadas transitava, essencialmente, dentro da órbita dos direitos
patrimoniais. Porém, atualmente isso não mais se sustenta. Reconhecem-se,
corriqueiramente, amplos catálogos de direitos não patrimoniais ou de bens
imateriais da pessoa - como a honra, o nome, imagem, integridade moral e psíquica,
entre outros. 4. Ademais, hoje, mesmo que se adote qualquer das outras duas teorias
restritivas, há de se reconhecer a titularidade de direitos da personalidade ao
nascituro, dos quais o direito à vida é o mais importante. Garantir ao nascituro
expectativas de direitos, ou mesmo direitos condicionados ao nascimento, só faz
sentido se lhe for garantido também o direito de nascer, o direito à vida, que é
61
direito pressuposto a todos os demais (SANTA CATARINA, TJSC, 2015, grifo
nosso).
Sendo assim, entendemos que reconhecer a personalidade jurídica do nascituro é a
“evolução normal de um caminho que já vem sendo traçado quando a lei resolve pôr a salvo
seus direitos e penaliza aquele que atente contra a sua vida” (PAMPLONA; ARAÚJO, 2007,
p. 47).
Neste sentido, complementamos com o entendimento do Ministro Luis Felipe
Salomão (BRASIL, STJ, 2014):
A despeito da literalidade do art. 2º do Código Civil - que condiciona a
aquisição de personalidade jurídica ao nascimento -, o ordenamento jurídico
pátrio aponta sinais de que não há essa indissolúvel vinculação entre o
nascimento com vida e o conceito de pessoa, de personalidade jurídica e de
titularização de direitos, como pode aparentar a leitura mais simplificada da lei.
Entre outros, registram-se como indicativos de que o direito brasileiro confere ao
nascituro a condição de pessoa, titular de direitos: exegese sistemática dos arts. 1º,
2º, 6º e 45, caput, do Código Civil; direito do nascituro de receber doação, herança e
de ser curatelado (arts. 542, 1.779 e 1.798 do Código Civil); a especial proteção
conferida à gestante, assegurando-se-lhe atendimento pré-natal (art. 8º do ECA, o
qual, ao fim e ao cabo, visa a garantir o direito à vida e à saúde do nascituro);
alimentos gravídicos, cuja titularidade é, na verdade, do nascituro e não da mãe (Lei
n. 11.804/2008); no direito penal a condição de pessoa viva do nascituro - embora
não nascida - é afirmada sem a menor cerimônia, pois o crime de aborto (arts. 124 a
127 do CP) sempre esteve alocado no título referente a "crimes contra a pessoa" e
especificamente no capítulo "dos crimes contra a vida" - tutela da vida humana em
formação, a chamada vida intrauterina. As teorias mais restritivas dos direitos do
nascituro - natalista e da personalidade condicional - fincam raízes na ordem
jurídica superada pela Constituição Federal de 1988 e pelo Código Civil de
2002. O paradigma no qual foram edificadas transitava, essencialmente, dentro
da órbita dos direitos patrimoniais. Porém, atualmente isso não mais se
sustenta. Reconhecem-se, corriqueiramente, amplos catálogos de direitos não
patrimoniais ou de bens imateriais da pessoa - como a honra, o nome, imagem,
integridade moral e psíquica, entre outros.
Portanto, apesar da leitura do artigo 2º do Código Civil nos transmitir a ideia de
que o nascituro não possui personalidade jurídica, o conjunto de todas as normas do país nos
autoriza a reconhecer o contrário. Este pensamento, que tem se solidificado na doutrina e
jurisprudência pátria, se volta aos direitos extrapatrimoniais do nascituro, principalmente, e
tem como objetivo garantir um tratamento igualitário e digno a este indivíduo.
Apenas reconhecendo a personalidade jurídica do nascituro desde a concepção,
sem qualquer condição, podemos conferir a integral tutela jurídica que a lei oferece à todos os
indivíduos, incluindo a abarcada possibilidade de conceder indenização por danos morais a
este ser, ainda que seu nascimento resulte sem vida.
62
5 CONCLUSÃO
No presente trabalho, tratamos a respeito da possibilidade de o nascituro sofrer
danos morais, os quais representam a violação de direitos decorrentes da personalidade
jurídica do ser humano.
Inicialmente, conceituamos nascituro como “o indivíduo já concebido, que se
encontra no útero materno”, comparando-o as figuras semelhantes do embrião artificial e da
prole eventual, bem como definimos o significado de pessoa natural, personalidade e
capacidade jurídica.
Então, fizemos uma retrospectiva histórica da tutela jurídica conferida ao
nascituro desde o Direito Romano até o Direito Brasileiro atual, com foco na legislação civil,
demonstrando que nosso ordenamento jurídico confere diversos direitos àquele que está por
nascer.
Após, apresentamos as principais teorias relativas ao início da personalidade
jurídica, quais sejam a Teoria Natalista, Teoria Concepcionista e Teoria da Personalidade
Condicional. Em síntese, para a primeira, a personalidade somente tem início a partir do
nascimento com vida, tendo o nascituro apenas uma expectativa de personalidade e de direitos
antes de nascer; enquanto para a segunda, o nascituro adquire o status de pessoa humana
desde a concepção, e consequentemente possui personalidade, sendo detentor de direitos e
obrigações; para a terceira, a aquisição da personalidade e de direitos fica condicionada ao
nascimento com vida.
Feito isto, delineamos alguns contornos relativos ao instituto da responsabilidade
civil, com a finalidade de explicar brevemente o que é dano moral e suas formas de reparação.
Isto para que, ao final, pudéssemos desenvolver um paralelo entre as teorias explicadas e
definir sob qual ótica seria possível conceder danos morais ao nascituro.
Como visto, o início da personalidade jurídica do ser humano não é um tema
pacífico na doutrina nacional, tanto que ensejou a criação de diversas correntes relativas a
esse assunto. A grande problemática se encontra na redação do artigo 2º do atual Código
Civil, que define o início da personalidade jurídica a partir do nascimento com vida, mas põe
a salvo os direitos do nascituro.
Dentre as diversas críticas traçadas pela doutrina, a principal delas diz respeito a
segunda parte da referida norma. Para alguns, o posicionamento assumido pelo legislador foi
63
contraditório, pois a personalidade jurídica é o atributo que confere ao ser humano a aptidão
para adquirir direitos e deveres na esfera civil, desta forma, não pode um indivíduo deter
direitos sem possuir personalidade jurídica.
Como vimos, as teorias não divergem drasticamente no que se refere aos direitos
patrimoniais do nascituro, em síntese, para todas a plenitude de seus direitos materiais
depende do nascimento com vida. A discussão maior se refere aos direitos extrapatrimoniais
do nascituro, dos quais decorre o direito à reparação por dano moral.
Segundo a Teoria Natalista, o Código Civil em vigor não confere direitos ao
nascituro, mas meras expectativas, que dependem do nascimento com vida para se
concretizar. Por outro lado, a Teoria Condicionalista afirma que a personalidade jurídica do
nascituro existe desde a concepção, no entanto, está condicionada ao seu nascimento, assim
como seus direitos. Acontece que, de acordo com a Teoria Concepcionista, o nascituro pode
gozar de direitos ainda no ventre materno, os quais independem de qualquer condição
fisiológica ou de seu nascimento com vida.
Como visto, negar a personalidade jurídica do nascituro equivale à negativa de
direitos fundamentais deste indivíduo, como o direito à vida, à saúde, à incolumidade física, à
honra, ao nome, etc. Assim, o nascituro não poderia reclamar qualquer reparação por danos
morais, já que não haveria personalidade que pudesse ser atingida.
Tal afirmação, para aqueles que reconhecem o nascituro como ser dotado de
personalidade jurídica, é atentatória a sua dignidade, que decorre de sua natureza humana,
bem como atinge o princípio constitucional da igualdade, uma vez que o nascituro é pessoa
(no sentido fisiológico da palavra), tanto quanto é o recém-nascido, a criança e o homem.
A partir desta conclusão, a Teoria Concepcionista se apresenta no cenário atual
com um olhar humanista e, através de uma hermenêutica abrangente, afirma que o nascituro
possui personalidade jurídica e é capaz de direitos e deveres na ordem civil sem qualquer
condição, principalmente no que se refere aos direitos não patrimoniais. Esta ideia surgiu,
principalmente, pelo desenvolvimento do estudo dos direitos fundamentais e da busca por
uma sociedade menos voltada ao patrimonialismo.
Em um primeiro momento, com certeza a resposta para a questão central deste
trabalho (o nascituro pode sofrer danos morais?) seria negativa, tendo em vista que o
nascituro é um ser praticamente sem ânimo próprio e a interpretação literal do artigo 2º do
Código Civil nos leva a crer que este indivíduo não possui nenhum bem jurídico além de
64
meras expectativas. No entanto, a personalidade jurídica do nascituro e os direitos que dela
decorrem são muito mais complexos e merecem maior atenção do leitor, para que realmente
não negligenciemos os interesses deste indivíduo.
Como vimos, o dano moral decorre meramente de uma lesão a algum direito da
personalidade, portanto, a personalidade jurídica do nascituro é o fundamento que autoriza o
reconhecimento de danos morais em seu favor, conforme explicamos no decorrer deste
trabalho. Sendo assim, admitindo que a personalidade jurídica existe desde a concepção,
podemos afirmar que este ser pode sofrer danos morais.
Neste sentido, concluímos que a teoria ideal a ser adotada é a Teoria
Concepcionista, a qual atribui a personalidade jurídica plena ao nascituro e afirma direitos a
este indivíduo enquanto ainda em gestação. Sob esta ótica, a concessão de danos morais ao
nascituro independe de qualquer condição de nascimento, bastando que haja verdadeira lesão
a um direito da personalidade deste ser.
Como visto, adotando a Teoria Concepcionista não haveria dúvidas quanto à
possibilidade de indenização por danos morais. Este entendimento, embora contrário à
disposição expressa do Código Civil, vem ganhando força através da doutrina e dos
julgadores que, no decorrer dos anos, tem se voltado com maior ênfase em favor do nascituro
para garantir a reparação pelos prejuízos a ele causados, como visto através das
jurisprudências colacionadas por nós.
Outra solução, para àqueles que ainda estão apegados ao que escreveu o
legislador, é adotar a teoria Condicionalista, mas tendo em mente que, em caso de nascimento
sem vida, o nascituro não teria qualquer direito de recompensa por danos causados à sua
saúde, honra, nome, etc., pois estes direitos decorrem do atributo civil da personalidade
jurídica. Aos Natalistas cabe a reflexão de que esta teoria se aproxima apenas dos direitos
patrimoniais do nascituro e, na pior das hipóteses, pode favorecer a prática de condutas ilícitas
e abusivas em detrimento de um ser humano.
Sendo assim, com o olhar voltado à Constituição Federal, norma norteadora de
todo diploma legal, tendo como base o princípio da igualdade e da dignidade da pessoa
humana, corroborados pela Teoria Concepcionista, que vem se consolidando através dos anos,
chegamos à conclusão final de que o nascituro pode sofrer danos morais, independentemente
de qualquer circunstância física ou externa, bastando o efetivo dano aos direitos decorrentes
de sua personalidade jurídica.
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