Modernismo na arte portuguesa

  • Upload
    eg

  • View
    222

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

  • 7/23/2019 Modernismo na arte portuguesa

    1/123

    O MODERNISMONA ARTE PORTUGUESA

    Biblioteca Breve

    SRIE ARTES VISUAIS

  • 7/23/2019 Modernismo na arte portuguesa

    2/123

    ISBN 972 566 157 5

    DIRECTOR DA PUBLICAO

    ANTNIO QUADROS

  • 7/23/2019 Modernismo na arte portuguesa

    3/123

    JOS AUGUSTO FRANA

    O Modernismona Arte Portuguesa

    MINISTRIO DA EDUCAO

  • 7/23/2019 Modernismo na arte portuguesa

    4/123

    Ttulo

    O Modernismo na Arte Portuguesa______________________________________________________

    Biblioteca Breve / Volume 43______________________________________________________

    1. edio19792. edio19833. edio1991______________________________________________________

    Instituto de Cultura e Lngua PortuguesaMinistrio da Educao______________________________________________________

    Instituto de Cultura e Lngua PortuguesaDiviso de PublicaesPraa do Prncipe Real, 14 -1. 1200 LisboaDireitos de traduo, reproduo e adaptao,reservados para todos os pases______________________________________________________

    Tiragem4 000 exemplares______________________________________________________

    Coordenao geralBeja Madeira

    ______________________________________________________Orientao grficaLus Correia______________________________________________________

    Distribuio comercialLivraria Bertrand, SARLApartado 37, Amadora Portugal______________________________________________________

    Composio e impressoGrfica MaiadouroRua Padre Lus Campos, 686 4470 MAIAAbril 1991Depsito Legal n. 42 266/91

    ISSN 0871 519 X

  • 7/23/2019 Modernismo na arte portuguesa

    5/123

    N D I C E

    Pg.

    I Do Humorismo ao Modernismo ....................................6

    II Amadeo e os Futuristas ..................................................15

    III Pintores e escultores de duas geraes .........................33

    IV Arquitectura modernista.................................................57

    V Pensamento esttico e aco artstica ...........................71

    VI A Exposio do Mundo Portugus...............................86

    VII 1940: o fim e o princpio ................................................93

    NOTA BIBLIOGRFICA........................................................100

    TBUAS CRONOLGICAS ..................................................102

    1 Acontecimentos e obras ...............................................102

    2 Artistas................................................... ............... 105

    NDICE DAS ILUSTRAES ...............................................107

  • 7/23/2019 Modernismo na arte portuguesa

    6/123

    6

    I / DO HUMORISMO AO MODERNISMO

    O sculo XIX passou para o XX os seus valoresnaturalistas e ser contra eles que os anos de 900 sedefiniro logo na primeira dcada mas mais tarde emPortugal, a uma dezena de anos de distncia, em 1915.Em 1910, uma mudana de regime institucional tevemnimas consequncias culturais, dentro dumamentalidade que, no domnio artstico, continuava aeleger Malhoa como representante do seu gosto denaturalista e sentimentalmente viver, em monarquia ou

    em repblica.O simbolismo fim-de-sculo que tocara AntnioCarneiro e prosseguiria no elitismo democrtico dA

    guia portuense, no podia implicar ento umaalterao esttica mas apenas deslocar o impactesentimental, entre paisagens que se exprimiam mas nose viam de outro modo. V-las de maneira diferente,com outra conscincia formal, tal como fizera oimpressionismo, exigia uma prtica que a pinturaportuguesa no tivera, sujeita s lies de Silva Portoque Carlos Reis ento continuava. Por a havia de semanifestar a primeira reaco, alis vinda do exterior,

    ou, mais uma vez, de Paris.

  • 7/23/2019 Modernismo na arte portuguesa

    7/123

    7

    Foi assim que, em Maro de 1911, oito jovens pintoresque estudavam em Paris, sete portugueses e um brasileiro(R. Colin), trouxeram a Lisboa uma exposio livre decerca de cento e trinta leos, pochades e caricaturas. M.Bentes e E. Viana tinham abandonado a Academia deLisboa em 1905, Emmrico Nunes no ano seguinte,

    Alberto Cardoso tambm a frequentara, ao contrrio deFrancisco Smith, Domingos Rebelo e F. lvares Cabral.Perdidos e achados em Paris, numa bomia mansa deMontparnasse, a sua arte, por livre que se anunciasse,no ia mais longe do que a prtica corrente dos seuscolegas naturalistas. Laivos de impressionismo, que sedetectaram mais nas intenes que nas obras expostas,tiveram apenas um alcance polmico, sobretudo na penade Bentes, organizador da manifestao.

    Defendendo-se de crticas soezes feitas exposio,Bentes encarecia, por referncia, o valor doimpressionismo que ainda no (tinha entrado) asfronteiras do nosso pas e sublinhava a ignorncia dosatacantes. Tudo quanto ele e os seus amigos pretendiam,era fugir aos dogmas do ensino, s imposies dosmestres e, quanto possvel, s influncias das escolas.Uma s escola, a Natureza, e um s dogma, o Amor,norteava a prtica destes jovens para os quais a arte notinha sistemas mas sim emoes. Vibrar a umaspecto da Natureza e transmitir essa vibrao, era oseu programa e Carrire, Puvis de Chavannes e Monetabonavam tais princpios, numa sntese meio espiritualmeio naturalista que ficava presa aos fins do sculo XIX.

    Caminhando numa rotina atrasada e produzindocoisas medocres, a boa vontade destes jovensemigrados no chegava para invalidar a crtica que porestas palavras outro emigrado lhes fazia: Amadeo de

  • 7/23/2019 Modernismo na arte portuguesa

    8/123

    8

    Souza-Cardoso, que partira tambm para Paris em 1906e que com eles mal acamaradava, esperando outra coisada prtica parisiense que muito em breve lhe vir,como veremos.

    A emigrao era ento uma constante da vida artsticaportuguesa, temperada por bolsas oficiais que nocobriam as necessidades de todos os que se sentiam reagircontra as restries do ensino acadmico de Lisboa e doPorto, e que velhos sonhos romnticos animavam ainda.Paris era o seu horizonte fatal, e valia bem todos ossacrifcios. De l viria a salvao possvel da arte nacional,em que poucos, alis, acreditavam, conhecendo comoconheciam o ambiente de que fugiam e que, ao regresso,os esperava. Cerca de vinte artistas, pintores quasetodos, partiram para Frana no princpio do sculo, embusca de aprendizagem ou tentando a sorte. Os seteexpositores livres de 1911 constituam umaamostragem da situao vivida por todos, apenas maissignificativa em termos de organizao.

    Entre eles contava-se um artista de nimohumorstico que logo partiria para Munique a tentarcarreira, fiado na sua ascendncia alem: EmmricoNunes. De l enviar ele meia dzia de desenhos a umaoutra exposio que, no ano seguinte, marcou novorumo nas aventuras da sua gerao.

    Em Maio de 1912 inaugurou-se em Lisboa a IExposio dos Humoristas Portugueses que, presididapor Manuel Gustavo, filho do saudoso Rafael BordaloPinheiro, falecido em 1905, reunia desenhadores dumatradio experimentada e novos que forjavam um gostomais original e mais imaginoso. A crtica atribuiu-lheimportncia e chegou a perguntar-se se estava ali umaautntica esperana de renascena da arte portuguesa

  • 7/23/2019 Modernismo na arte portuguesa

    9/123

    9

    que outras exposies naturalistas, ao mesmo tempo,serviam mal e em decadncia.

    Emmrico estabelecia uma ocasional ligao entre osexpositores de 1911 e os de 12; com ele alinhavam agoratrs artistas especialmente destacados: Almada Negreiros,

    Jorge Barradas e Cristiano Cruz, alm dum escultor quetrabalhava em Paris, Ernesto do Canto. NA guia, umartigo de Veiga Simes chamava a ateno para estesnovos artistas, prevendo-lhes futuro brilhante numamudana de mentalidade que o seu humorismo deixavaobservar, menos grosseiro, mais galante, e, sobretudo,mais indiferente actualidade poltica que a tradio deOitocentos exigia.

    No ano seguinte, um II Salo renovou o xito doprimeiro, acrescentando-lhe j uma dimenso de artepensada (a que o prefaciador do catlogo, Andr Brun,aludia) e abrindo-se por isso a uma crtica que via, em taisobras, o tradicionalismo () experimentar golpesmortais. Outra crtica, lamentando a perda de tipos ecostumes genuinamente portugueses, via, ao mesmotempo e em sua substituio, multiplicarem-se as figurasfrancesas e alems que, na verdade, os jovensdesenhadores imitavam, inspirando-se de revistas de umae outra nacionalidade. A novidade trazia uma ganga deimportao, por vezes indiscreta mas necessria paraprovocar a ruptura de gosto que se anunciava.

    Se o III Salo no se realizou em 1914 (s voltaria a terlugar em 1920, j fora de tempo ou de significaoimediata), em 1913 um dos melhores expositores do anoanterior exps individualmente com grande sucesso:

    Almada Negreiros. Fernando Pessoa escreveu entolongamente sobre ele (nA guia), notando opolimorfismo da sua arte, a sua poliaptido, o seu

  • 7/23/2019 Modernismo na arte portuguesa

    10/123

    10

    poder de adaptao a vrios gneros. O futuro lhe dariarazo, aparente e profunda.

    A par destes humoristas, outros artistas da exposiode 1911 vinham a pblico, prosseguindo uma obra demaior responsabilidade pictrica; e, no habitual Salo daPrimavera da SNBA, em 1914, Viana (e D. Rebelo,Dordio Gomes, Mily Possoz e A. Basto) foram saudadoscomo modernistas, agrupados numa parederevolucionria, num simptico esforo de novidadeartstica. O termo surgia pela primeira vez, com sentidogenrico e incerto, abarcando pintores de paisagem eretrato tanto quanto caricaturistas e desse mesmomodo ele foi adoptado no Porto, no ano seguinte, nottulo de uma Exposio de Humoristas e Modernistas.

    Assim se realizava a juno de duas situaes mentais,confundidas num gosto comum, sensvel e, sobretudo,mundano.

    Com efeito, para os organizadores da exposioportuense de Maio de 1915, tratava-se de uma festa dearte e de mundanismo, e a arte dos modernistas tinharequintes de graa e de capricho, e muita alegria, muitacor e muita graa e uma divina nevrose tambm.Houve ento conferncias, seres de arte e de msica,numa ligao espiritual com o aspecto finissecular dA

    guia que dominava o Porto intelectual. Artistas deLisboa (Almada, A. Soares, Barradas, Cristiano Cruz)juntavam-se aos portuenses (Abel Salazar, A. Basto), e denovo em 1916, num II salo j s de Modernistas.Entretanto, com Basto, Leal da Cmara organizara(Janeiro de 1916) um salo de Fantasistas, tambm comconferncias, mas de interesse menor; e, em Agosto de1917, o caricaturista, famoso j do fim de Oitocentos,

  • 7/23/2019 Modernismo na arte portuguesa

    11/123

    11

    levou a cabo um salo de Arte e Guerra, cuja feiomodernista, anunciada, era menos clara.

    Em Maio de 1916 e de novo em Novembro de 1919,nos II e III Sales dos Modernistas, Soares e Vianaforam as vedetas declaradas sucessivamente maismodernistas, por vias duma elegncia mundana ou deestridncias de colorido pictural que lhes marcariam osrespectivos futuros. De certo modo, o III Salo dosHumoristas lisboetas, em Julho de 1920, tardio j emrelao ao projecto inicial, constituiu uma sntese detodos os programas estticos que nesta linha sinuosatinham tido desenvolvimento em Lisboa e no Porto, aolongo do segundo decnio do sculo. Artistas daexposio livre de 1911, humoristas de 1912,modernistas e fantasistas portuenses e um ou outroestreante, juntaram-se nesta exposio que tinhapretenses de salo completo, embora menor, face aoda SNBA com as suas seces de pintura, escultura,arquitectura, artes decorativas, e, agora separadamente,de desenho e de escultura humorsticos. Um espanholfamoso, Vasquez Diaz, seria ali especificamente

    valorizado.Entretanto, vrias exposies individuais, em Lisboa e

    no Porto, (A. Basto, Barradas, E. Canto, Correia Dias,Mily Possoz, Diogo de Macedo) tinham nutrido oprocesso modernista, em termos de humorismo mastambm de uma imaginao formal algo decorativa emundana, e de algum modo ligada ao gosto precioso esentimental do fim do sculo passado que continuava alevar a crtica a falar em Puvis de Chavannes e em Carrire.

    Pelo lado do humorismo, porm, jornais como oPapagaio Real, em 1914, de obedincia monrquica, oucomo O Riso da Vitria, em 1919-20, tendo como

  • 7/23/2019 Modernismo na arte portuguesa

    12/123

    12

    directores artsticos respectivamente Almada Negreiros eBarradas, impunham um gosto novo caricatura,igualmente praticada na imprensa diria de vrio teorideolgico. E tinha ainda que ver com o humorismomundanizado uma linha de cartazistas que, desde 1916, serepresentava com novo estilo grfico. Almada, Soares eBasto dedicavam-se ao gnero, entre outros.

    esta uma primeira fase do modernismo portugus,em sentido lato; pelo meio dela, porm, outra fase segerara e desenvolvera (e falecera), na segunda parte dadcada, marcada por outros valores internacionais que deParis tinham vindo com a guerra. O cubismo e,sobretudo, o futurismo tinham penetrado a arte nacionala partir de 1915, de um modo polmico que a seguiranalisaremos. Os artistas de tal empenho eram, noentanto, outros e animados por outra prtica: se Almada e

    Viana fizeram a passagem, foi mais tarde ou apenassuperficialmente, como veremos.

    Mas dos outros nomes que se destacaram ao longodestas exposies de Lisboa e do Porto, muitospassaram histria dos anos seguintes, at 1940 oumuito mais tarde. Entre eles, houve tambm os queficaram pelo caminho, mngua de talento ou de sorte(e no cabe aqui recordar o amadorismo em que seconfinaram), ou voluntariamente desapareceram da vidaartstica portuguesa.

    Correia Dias (1892-1935), que se suicidou no Brasilpara onde emigrara em 1915, embora no participasse nasexposies colectivas, teve merecida aura de desenhadorhumorista e, sobretudo, de decorador profisso queprosseguira com grande sucesso no Rio de Janeiro.Director duma revista de caricaturas em Coimbra, j em1912 (A Rajada), onde colaboraram os seus principais

  • 7/23/2019 Modernismo na arte portuguesa

    13/123

    13

    contemporneos, colaborador dA guia cujo grupocaricaturou simbolicamente, em 1914, no friso danfora da Saudade que incluia O Desterrado deSoares dos Reis, Pascoaes, Carneiro e Fernando Pessoa,ceramista, vitralista, desenhador de mveis e de tapetes,ilustrador e cartazista, Correia Dias foi um artistamltiplo e inovador que englobava vrias tendncias domodernismo portugus de cuja cena muito cedodesapareceu.

    Outro nome deve ter destaque aqui: Cristiano Cruz(1892-1951), falecido em Angola e que deixara Lisboapela frica no incio dos anos 20, exercendo a profissoque adoptou, de mdico-veterinrio, com total desistnciada carreira artstica. Breve, esta foi, porm,particularmente brilhante, e o nome de Cristianoperdurou na memria dos seus companheiros de entocomo o mais seguro e o mais maturo e culto de todoseles. Destacado no I Salo dos Humoristas, como artistaj feito, a sua obra est dispersa por jornais, com raraspeas em coleces privadas. Uma obra complexa,marcada por uma influncia alem nos desenhos dehumor, que abriram caminho a Almada, e logo, por via deconsequncia, por um expressionismo a propsito doqual se fala de Mnch e de Goya. Satrico noscomentrios por vezes anti-clericais, sentimental esoturno em peas de outro modo trabalhadas, comaspectos dramticos da cidade velha ou do quotidianotriste, figuras fantasmagricas ou tomando sendassimblicas, Cristiano Cruz, que a si prprio se descreviacomo um neurastnico, ficou como uma personagemmisteriosa no primeiro modernismo portugus, a que um

    voluntrio exlio e uma grave desistncia de destinoderam cor dramtica. Alheio aventura seguinte, do

  • 7/23/2019 Modernismo na arte portuguesa

    14/123

    14

    futurismo, preso, em certa medida que na sua arte atingiuuma densidade inslita, nostalgia decadente do fim deOitocentos, este artista resume os limites do inciomodernista do sculo. E, como Correia Dais, exiladotambm, e suicida futuro, exprime as suas hesitaes eparadoxos.

    Humoristas que de si prprios riam, trazendo umamensagem esttica pouco consistente e que nenhumaoutra raiz alimentava por enquanto, e herdeiros, tambm,da reaco antinaturalista do seu tempo, os melhoresdesta primeira gerao no seu comeo traduzem oslimites nacionais duma cultura desadaptada ao tempohistrico j vivido na Europa, em termos de acoartstica. A o futurismo lhes traria a salvao, ao menosaparente, numa polmica de vanguarda que ultrapassava(e neutralizaria) impressionistas, humoristas emundanos. A resistncia de alguns, ou muitos, destes,ao longo das duas geraes definidas at 1940, significar,sem dvida, a inrcia da praxis artstica portuguesa noquadro aleatrio do seu modernismo.

  • 7/23/2019 Modernismo na arte portuguesa

    15/123

    15

    II / AMADEO E OS FUTURISTAS

    Quando, em Abril de 1915, o n. 2 da revista Orpheureproduzia quatro composies futuristas de Santa-RitaPintor, no Porto, um jornalista que criticava o I Salo dosModernistas, considerava aquele movimento umatentativa morta. De qualquer modo, ela no atingiria acapital nortenha e seria terreno esttico da gente deLisboa empenhada na revista, que evolura do primeiropara o segundo nmero, deixando de ser um exlio detemperamentos de arte para assumir, embora sem

    teorizao concomitante, uma responsabilidade polmicafuturista, e como tal entendida nos ataques e comentriosjocosos da imprensa.

    Iniciativa do poeta S-Carneiro, Orpheu noobedecia a nenhuma ortodoxia esttica, flutuando entre osemifuturismo do seu poema Manicure, feito comintenes de blague, o sensacionismo apregoadoento por Pessoa e por Almada, e o futurismo que,legitimamente, no ano seguinte, s Santa-Rita podiareivindicar. O termo aparecera numa condescendentecrnica parisiense de Aquilino Ribeiro, em 1912 (e bemocasionalmente num jornal de Ponta Delgada, em 1909,

    logo sada do manifesto de Marinetti), S-Carneiro

  • 7/23/2019 Modernismo na arte portuguesa

    16/123

    16

    saudara-o em Paris, em 1914 e Santa-Rita trouxera-ona bagagem, ao voltar de Frana, acossado pela guerra,nesse mesmo ano. Projectava ele ento publicar emLisboa os manifestos italianos e lanar-se frente dagrande aventura.

    Orpheu foi a primeira etapa da sua estratgia, e emvo quis apoderar-se da revista fazendo sair o n. 3, queS-Carneiro se via impossibilitado de publicar. Trsconferncias anunciadas ento, dele, de Raul Leal e deS-Carneiro, entravam no programa, tal como umfestival teatral.

    Nada disso se passou, porm, ao longo de 1915, o queno impediu uma longa troa da imprensa contra taisdesequilbrios cerebrais, ou maluquices emadurezas, qual Almada respondeu numa entrevista,desculpando-se em blague, e Pessoa numa graa polticamal recebida e logo renegada pelos companheiros que sepretendiam fora de to perigoso terreno. As direitas nodeixaram por isso de atacar os fautores da desordem eda revoluo, sem f nem ptria apesar dasdeclaraes solenes de Santa-Rita que garantia o carcterabsolutamente nacionalista da sua doutrina.

    A polmica do futurismo desenvolvia-se mais nocampo literrio que no artstico, onde Santa-Rita estavapor enquanto sozinho, e ali tinham papel determinantePessoa-lvaro de Campos, Raul Leal e Almada quelanou, em 1915, um mortal ataque contra Jlio Dantas,paradigma acadmico, num manifesto famoso. Nesse anoainda, promoveu-se um grande congresso de artistas eescritores da nova gerao para protestar contra amodorra a que os velhos a obrigavam, de cuja pretensono ficaram notcias. No ano seguinte, que viu suicidar-seS-Carneiro em Paris, Jos Pacheko, companheiro e

  • 7/23/2019 Modernismo na arte portuguesa

    17/123

    17

    animador da vanguarda (e um dos organizadores docongresso), inaugurou uma Galeria de Artes que, paraalm do eclectismo dos expositores (livres de 1911,humoristas e mundanos tambm), foi tomada comolocal do salo dos futuristas porque a classificaopegara j na linguagem corrente. Ao fim de 1916, elateve especial ocasio de se manifestar, com asexposies de um pintor que a guerra fizera tambmregressar a Portugal, em 1914, aps oito anos de Paris:

    Amadeo de Souza-Cardoso. Expondo primeiro noPorto (recolhera-se, no retorno, casa paterna, em

    Amarante) e logo a seguir em Lisboa, Amadeo mostravauma larga srie de obras, de variada orientao, edeclarava-se impressionista, cubista, futurista eabstraccionista, de tudo um pouco mas foi aetiqueta futurista que logo lhe coube. E com o lamentojornalstico de a doena futurista ter transposto asfronteiras do nosso lindo Portugal

    Exposies da maior importncia no morno contextoptrio, o rebolio que provocaram (o artista chegou a seragredido) fez relanar a campanha que afrouxara apsOrpheu, e muito graas a Almada Negreiros quepublicou na altura um manifesto destinado a chamar aateno para o significado da arte deste camarada que

    vinha reforar as fileiras da vanguarda e, sobretudo,dar-lhe, no campo da pintura, a garantia profissional queat ento lhe faltara. Amadeo era, para Almada, aprimeira descoberta de Portugal na Europa do sculoXX, e o gnio pintor que se esperava como prova dasua gerao. Ao mesmo tempo, Amadeo publicava umalonga entrevista num quotidiano (O Dia) em que fezpassar tradues parcelares de trs manifestos futuristas,misturando-as com opinies pessoais. Santa-Rita teve

  • 7/23/2019 Modernismo na arte portuguesa

    18/123

    18

    possivelmente interveno nesta propositada fraude queconstitui um documento importante no processo dacomunicao futurista entre ns.

    Quatro meses depois da exposio lisboeta, em Abrilde 1917, uma I Conferncia Futurista aproveitou-lhe oxito, levando ao palco do Teatro Repblica (depois SoLus) Almada Negreiros, a lanar o seu UltimatumFuturista s geraes portuguesas do sculo XX, seguidode leituras de manifestos e textos internacionais. Foi atumultuosa apresentao do futurismo ao povoportugus, com carcter oficial, e resultou numasaborosa matine que deu farto motivo de galhofa nosjornais do costume. Por detrs dela, encenador atento ehbil, estava mais uma vez Santa-Rita. E outrasactividades foram anunciadas na altura, um espectculoprtico e positivo de futurismo, uma comdia futuristacom variedades, e houve quem acrescentasse a notciadum filme e duma tourada. Tratava-se, em suma, de criara ptria portuguesa do sculo XX, grito trs vezesrepetido pelo conferencista contra a decadncia dum pas(ou de vadios ou de amadores) que estava a dormirdesde Cames, preso na saudade, nostalgia mrbidados temperamentos esgotados e doentes. Nenhumareferncia esttica nesta diatribe sociolgica que haviade ser continuada, no fim do ano, pelas pginas dePortugal Futurista, a revista que Santa-Rita sonhava ede que fez sua glorificao.

    Um grande retrato fotogrfico do pintor abria apublicao, seguido de trs reprodues de obras suas, ede duas de Amadeo, de qualidade propositadamenteinferior para assegurar a supremacia do grande iniciadordo movimento futurista em Portugal, como diziahagiograficamente o artigo que lhe assistia, logo apoiado

  • 7/23/2019 Modernismo na arte portuguesa

    19/123

    19

    por um ensaio de Raul Leal sobre labstractionnismefuturiste detectado numa obra genial de Santa-Rita que nada escrevia na publicao, retirando-se ante oselogios necessrios, como mentor ausente e secreto.

    Tradues de textos tericos e polmicos de Marinetti,Boccioni e Carr, do Manifesto dos Pintores Futuristas,de 1910, poemas de Cendrars e de Apollinaire, outros de

    Almada, Pessoa e S-Carneiro, um texto narrativosimultanesta de Almada dedicado a Santa-Rita(Saltimbancos), o Ultimatum que Almada lera nasesso de Abril, um manifesto de apresentao dos balletsrussos de Diaghilev que iam chegar a Lisboa, completamo nmero nico de Portugal Futurista, numa variedadede textos nem sempre em relao com o movimentoapregoado. A falta de uma teoria prpria evidente,como a falta de reflexo crtica sobre o fenmenoapresentado, e tambm a falta de criao original, quer nodomnio literrio quer no artstico: se no fosse acolaborao de Almada, potica, ficcionista e polmica, ofuturismo da revista ficaria por mos estrangeiras.

    Um documento includo nas suas pginas merece, noentanto, uma ateno especial: o Mandado de Despejoaos Mandarins da Europa, assinado por lvaro deCampos. ele que justifica a publicao, fornecendo aofuturismo portugus o seu texto fundamental nos

    variados domnios da sociologia, da poltica e da esttica.A sua reflexo situa-se muito para alm daquela que osmanifestos de Almada tinham produzido, meros ataquesa Jlio Dantas, ou apologia de Amadeo, ou expressodemaggica dum dio nacionalista.

    Se o seu comeo tem uma fria destruidora que nadapoupa, no mundo contemporneo da poltica, da guerra,da filosofia, da literatura e da arte (que s Rodin

  • 7/23/2019 Modernismo na arte portuguesa

    20/123

    20

    simboliza), e contra o qual, visto sem nenhuma ideia deuma estrutura e em falncia total, o autor atira (comgrande destaque tipogrfico) um palavro desprezivo:Merda! o texto apresenta uma segunda parteconstrutiva, na qual Pessoa, sob o seu heternimofamoso, Cantor-Vidente do Futuro, vai propor umcaminho, atravs da proclamao de uma srie de leis decriao potica.

    Se a sensibilidade no acompanha a progressogeomtrica dos estmulos do mundo moderno ( a lei deMalthus da sensibilidade), apresenta-se a necessidadeduma adaptao artificial, atravs da anulao dodogma da personalidade, fico teolgica, pelainterpenetrao das almas. Cada homem poder entodizer-se todos os outros assumindo a sua incoerncia:fim da democracia definida pela Revoluo Francesa, fimdo conceito de verdade na filosofia que setransformar num jogo de variadas teorias norelacionadas entre si, contendo verdades parciais. E cadaindivduo superior definir-se- como uma harmoniaentre as subjectividades alheias, realizador de mdiasque dominar a poltica, tal como a cincia, mdiaconcreta entre opinies filosficas, substituir a filosofia.

    O artista novo ser aquele que sinta por um certonmero de outros, e, em vez de tentar exprimir o queindividualmente sente, deve multiplicar-se de modocontraditrio, denunciando a falsa indivisibilidade. E, em

    vez de expresso, passar a praticar-se Entre-a-Expresso, atingindo assim uma mdia das opinies edas expresses.

    A monarquia cientfica, com um Rei-Mdia, afilosofia metafsica e o sentimento religiosodesaparecidos, tais so as consequncias sociais da

  • 7/23/2019 Modernismo na arte portuguesa

    21/123

    21

    aplicao da lei proclamada. Quanto arte, acontecer asubstituio dos trinta ou quarenta poetas existentes(Pessoa no menciona artistas plsticos) por dois, cadaum com quinze ou vinte personalidades, cada uma dasquais seja uma mdia entre as correntes sociais domomento. Eles as exprimiro assim, integral esinteticamente. E ser, em todos os planos, a criaocientfica dos Super-Homens, completos, complexose harmnicos.

    Concluindo o jogo, Pessoa-lvaro de Campos lana asua proclamao de costas para a Europa e saudandoabstractamente o Infinito ele que pertence Raados Descobridores, implantados na barra do TejoUm super-Cames tambm, como j propusera em 1912 gente dA guia, no que se diria uma continuidadesimbolista neste nacionalismo a que o futurismo ofereciauma pele nova e inesperada para os seus compatriotas.

    Sete anos mais tarde, Pessoa-lvaro de Campospublicar (em Athena, revista que dirigiu em 1924-25)um grande ensaio que completa o seu manifesto doPortugal Futurista: Para uma Esttica no Aristotlica.Esttica baseada na fora e no na beleza, fora quegarante o equilbrio entre a coeso interior, sensvel, docriador e a ruptibilidade exterior, intelectual, assimilvelem termos de subsistncia sensvel e assim interiorizvel,ou seja, passando da generalizao aristotlica para aparticularizao que a contraria. Fora que garante, em

    vez de uma captao gregria, uma subjugaoseparativa. A arte um esforo para dominar osoutros, afirma o autor, oposto nisso esttica aristotlicaque, fundada sobre o belo e o compreensvel, procuraunidades artificiais, atravs dum sistema de agrado,captativo. Se o artista novo deve subordinar tudo sua

  • 7/23/2019 Modernismo na arte portuguesa

    22/123

    22

    sensibilidade particular e pessoal, ele chegar a ser o quedeve ser: um foco emissor abstracto sensvel que forceos outros foco dinamognio e no mero aparelhotransformador. Pessoa defende a criao de artistas

    verdadeiros e no de simuladores que por todo o ladose produzem, maioria ou mesmo totalidade doschamados realistas, naturalistas, simbolistas, futuristas,que fazem arte com a inteligncia e no com asensibilidade.

    Uma teoria original, e mais futurista que o prpriofuturismo at ento propusera, esboa-se nestes doistextos encadeados, a que Raul Leal vir a acrescentaroutros, e Almada tambm, muitos anos mais tarde, emmitologias, pessoalmente dramtica uma, nacionalmentetrgica outra. Pessoa, esse, ficava no campo da fico,num jogo de personae dramatis em que tambm notinha nem podia ter companhia

    Guilherme Santa-Rita (1889-1918), no meio destasteorias dos poetas de Orpheu, mantinha-se marginal emisterioso. A sua aco dinamizadora era mais material eespectacular. S-Carneiro detestava-o em Paris, Amadeotambm, mais tarde. Mil histrias corriam a seupropsito, e ele dar mesmo uma personagem Confisso de Lcio. Ultramonrquico e reaccionrio,perdeu em 1912 a bolsa do governo republicano que olevara a Paris, onde no conseguiu entrar na cole desBeaux Arts, depois de ter obtido o diploma da Academialisboeta para um certame da qual enviou, em 1911 (aomesmo tempo que se patenteava a exposio livre dosseus colegas parisienses) uma boa cpia da Olympia deManet. A totalidade da sua obra desapareceu sua morte,destruda pela famlia por vontade do artista ltimoacto ou atitude que culminou uma vida pautada por uma

  • 7/23/2019 Modernismo na arte portuguesa

    23/123

    23

    obsessiva dedicao tanto quanto por uma suspeitafumisterie.

    Dessa obra restou, porm, uma cabea cubo-futurista datvel de 1912 que, por isso, ser a primeiraobra moderna produzida por artista nacional. A gnesecubista desta pintura tem uma dinamizao interna que asitua para alm da esttica picassiana, numa estruturaoque se diria parafuturista. Outras composies (alm deuma pintura escolar, expressionista, de c. 1907)conhecem-se apenas por reproduo, seis delas noOrpheu e no Portugal Futurista, que reproduziu aindaoutro quadro, Perspectiva dinmica de um quarto aoacordar, de 1912, dentro dum esquema futurista, comespao dinamizado segundo linhas de vibrao dosobjectos esquematizados.

    As outras seis produes escalam-se de 1912 a 15 econstituem uma obra extremamente coerente na suaevoluo, ultrapassando o quadro esttico do futurismopor uma exigncia analtica das formas grficasesquematizadas. Os ttulos, longos e descritivos segundoum cdigo futurista pessoal, propem sistemas diferentesde abordagem sensvel, radiogrfica, litogrfica emecnica, ou referem um interseccionismo plsticoque se acorda a certas experincias poticascontemporneas, de Pessoa e de Almada. No Estojocientfico de uma cabea+aparelho ocular+sobreposiodinmica visual+reflexos de ambiente luz (sensibilidademecnica), as sugestes anunciadas tm uma leituradirecta nos sinais grficos da composio que semultiplicam e sobrepem, em desenho e colagem. Omesmo se diria das outras produes, em graus variadosde complexidade, que vo de uma operao dedecomposio dinmica, em 1912, a outra, de

  • 7/23/2019 Modernismo na arte portuguesa

    24/123

    24

    abstraco, j em 1915, depois de buscar uma sntesegeometral e um complementarismo orgnico, sempreem termos formais ou sgnicos que ultrapassam opretexto iconogrfico. Para alm da leitura dascomposies, subsiste, porm, o carcter provocatriodos ttulos que, no quadro geral da aco de Santa-Rita,traduzem uma imediata atitude polmica, nela secomprazendo e limitando muito dos seus efeitosestticos.

    Sensibilidade medinica, como queria o seuapresentador do Portugal Futurista, Santa-Rita-Pintor(como se designava) mais ou menos tocou em vriassituaes mentais do seu tempo, ou as adivinhou adivinho latino como tambm lhe chamaram. Masigualmente se sublinhou, sua morte precoce, o carcterde exilado que teve ou assumiu, de novo se misturandofuturismo e decadentismo nos quadros mentais da poca.De qualquer modo, muitos anos depois (1965), AlmadaNegreiros consider-lo-ia um dos mais extraordinriosespritos que conheceu, e como tal, ou em tal suposiolendria, Santa-Rita ter de ficar na histria domodernismo nacional.

    Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918) teve tambmo seu lado lendrio, ao ser saudado por Almada na suaexposio lisboeta de 1917, e ao ficar como umareferncia abstracta, aps a morte que o colheu jovem, noano seguinte referncia que s quarenta anos maistarde teria concretizao no conhecimento crtico da suaobra, no seio de nova conjuntura cultural.

    Estudante em Paris como Santa-Rita, Amadeo cursaravagamente a Academia de Belas Artes de Lisboa e emFrana no procurou ensino oficial. Nenhuma bolsa aisso o obrigava, j que a fortuna paterna lhe sustentava

  • 7/23/2019 Modernismo na arte portuguesa

    25/123

    25

    com alguma largueza as despesas, marginalizando-otambm por isso em relao aos muitos compatriotas que

    vimos demandarem Paris por esses anos. Instalado l em1906,Amadeo manteve-se distante dos outros, alheio sexposies dos livres de 1911, dos humoristas (eleque era ento caricaturista apreciado) e dos modernistasportuenses, apesar de convidado e anunciado em 1915. Econhece-se a sua opinio radical sobre a mediocridade eo carcter rotineiro dos colegas.

    Entretanto, um encontro de amizade com Modigliani(com quem exps em 1911) deu a Amadeo uma indicaode caminho original, num estilo graficamente precioso,algo herldico, onde ecoavam cenografias dos balletsrussos e lembranas do Jugenstil de Munique, empaisagens exticas. A mesma estilizao manifestou-se em1912 num lbum de Dessins, que o prefaciador francsachava elegantes, misteriosos, exticos e simbolistas, eque L. Vauxcelles, crtico de acatada autoridade, apreciavacomo coisas maravilhosas e prodigiosas, nos seusrequintes bizantinos e algo decadentes. O artistacomprazia-se aristocraticamente, ou snobemente, nessaprtica: data de ento uma cpia manuscrita e ilustrada daLgende de Saint Julien lHospitalier de Flaubert, realizada nomesmo gosto. Mas j uma das estampas do lbum, umaTte dtude, inspirada nas mscaras negras que ocubismo descobrira esteticamente, anuncia outra posio,arredada do sentimento e da psicologia romanesca eatenta notvel evoluo da arte desses anos. oprprio Amadeo quem o escreve, por essa altura. Eleafastou-se ento de Modigliani e aproximou-se doscubistas, vindo a expor na sua sala no Salon dAutomnede 1912. Apollinaire menciona-o de passagem e umcrtico americano convidou-o a participar no que seria a

  • 7/23/2019 Modernismo na arte portuguesa

    26/123

    26

    primeira (e escandalosa) exposio de pintura modernanos Estados Unidos, o famoso Armory Show de NovaIorque, Chicago e Boston, em 1913. Os oito quadros de

    Amadeo figuram ao lado das obras de Braque e deGleizes, e o primeiro estudo americano sobre o cubismo(de A. J. Eddy, que lhe adquiriu trs quadros) elogiou oseu sentimento romntico o seu sentido ferico. Logoa seguir, por proposta de Delaunay, de quem se tornaraamigo, Amadeo figurou no Salo de Der Sturm, emBerlim e a obra exposta, realizada em Janeiro desseano, regista-se j em esquemas cubistas ortodoxos.

    Em 1913 processou-se assim a evoluo da arte deAmadeo que o cubismo atraa, no, porm, sem que oartista procurasse, dentro dos seus parmetros formais eespaciais, solues pessoais, ao princpio ainda ligadas aosseus prprios esquemas figurativos anteriores cujoselementos estilizados cediam lugar a propostas deperspectivas compsitas; pouco depois, aps a exploraode uma fase analtica, um tanto simplificada, a sua pinturaentrou em propostas de abstractizao formalinteiramente inditas. A influncia de Delaunay detectvel nesta passagem, quer pelo lado da cor querpelo lado das estruturas curvas, que Amadeo empregacom gosto decorativo, nomeadamente no quadroCavaleiros que o Museu Nacional de Arte Moderna deParis havia de adquirir em 1958, e onde as figuras sopretexto de um jogo animado de crculos coloridos. Aoestaticismo propositado do cubismo da primeira fasehistrica sucede agora um dinamismo que implica novos

    valores e acena com novos convites.O abstraccionismo foi o mais importante destes, j em

    1913. Composies inteiramente alheias a qualquerrepresentao, vinda uma, directamente, do orfismo de

  • 7/23/2019 Modernismo na arte portuguesa

    27/123

    27

    Delaunay, com o seu colorido dinmico, e outra, demaneira mais elaborada, com um jogo complexo deformas em que as estruturas cubistas anteriores so

    visveis. O grande interesse deste pequeno quadro residena possibilidade que ele oferece de seguir oencaminhamento duma lgica formal que do cubismoortodoxo leva necessariamente ao abstraccionismo eisso, que mais tarde seria verificvel na obra de outrosartistas, aparece provavelmente pela primeira vez na obrade Amadeo, nesta pintura que termina a sua passagempelo cubismo, numa concluso da maior importnciaesttica. Tudo isso se passou durante um ano apenas,

    vertiginosamente vivido pelo artista, e, por assim dizer,dentro de uma conscincia tangencial dos fenmenosabordados. Tarde chegado prtica cubista, s recebidaem 1913 e recuperada ento no seu percurso anterior,

    Amadeo desenvolveu-a sem escrpulos de aprendiz e foiisso que lhe permitiu ultrapass-la rapidamente. Aps oque outros problemas se lhe poro.

    Entre 1913 e 14, Amadeo reconsiderou a experinciacubista orientando-se para composies formais de novaresponsabilidade plstica, perto daquilo que, quatro anosmais tarde, tomaria o nome de purismo, em desinnciaps-cubista. Formas solidamente impostas, comsugestes arquitectnicas, articulam-se em perspectivasfaciais, tomadas, porm, por um crepitamento pontilistaque Amadeo no usara nos seus quadros cubistas e queagora vinha alterar o estaticismo plstico dascomposies. Foi, de qualquer modo, um brevssimoperodo da obra do artista, de que restam apenas trs ouquatro quadros.

    Aps esta explorao dum formalismo inslito,Amadeo, certamente por influncia alem, em viagens

  • 7/23/2019 Modernismo na arte portuguesa

    28/123

    28

    feitas em 1914, entregou-se a experincias expressionistas,em pequenas telas de paisagens ou de cabeas, ou aindade mscaras de raiz cubista alteradas no tratamentopictrico. Obras produzidas em 1914, e durante a

    viagem que o trouxe, sem regresso, a Portugal, aquicontinuaram a processar-se e ento com umaconotao que importa analisar.

    Instalado numa quinta familiar perto de Amarante eassim isolado, no s de Paris para onde a guerra oimpedia de voltar, mas da prpria vida intelectualportuguesa, que conhecia mal, Amadeo encontrava-senuma situao que o exasperava e a prpria violnciado expressionismo era-lhe tubo de escapetemperamental. Cabeas-mscaras e violas derecordao cubista explodiam na sua pintura de ento,procurando uma sada.

    Esta verificou-se no Vero de 1915 com a chegada aPortugal e a sua instalao em Vila do Conde do casalDelaunay que Amadeo frequentara em Paris e que tinhaagora na vizinhana. A influncia j recebida dos pintoresparisienses acrescentou-se por efeito do convvio maisestrito, e de esperanas comuns na possibilidade deregresso a Frana, para onde formulavam planos deaco, em exposies e edies. Mas a personalidade de

    Amadeo modificara-se, e o sensvel jogo de coloridosrficos de que se aproximara nada lhe dizia agora,tambm em face de uma natureza de outro modo

    violenta, onde o sol tinha diferente e mais dramticopapel. Assim, os clebres discos dos Delaunaystornaram-se para o pintor portugus elementos decomposio decorativa, emblemas efusivos dum folcloreque havia de confundir com a linguagem futurista a que,por outro lado, novas relaes de Lisboa o convidavam.

  • 7/23/2019 Modernismo na arte portuguesa

    29/123

    29

    No tanto Santa-Rita, com quem rapidamente sezangaria, mas os prprios poetas do Orpheu, a quem

    visitou entusiasmado, iam exercer sobre ele umainfluncia nova, levando-o a um movimento que, numlan colectivo de camaradagem, podia canalizar-lhe asrevoltas pessoais. Decidido a expor com eles, tratadocomo uma bandeira necessria para completar aempresa pelo lado artstico, Amadeo foi o pintorfuturista do momento, muito mais do que Santa-Rita,seu rival menos produtivo, ou menos facilmenteprodutivo, que alis o diminuir nas pginas doPortugal Futurista, como vimos.

    Os quadros expostos em 1916-17, realizados ao longode 1915-16, engrenam preceitos cubistas, elementos dafeio delaunayana, uma tendncia futurista genrica masdificilmente detectvel em pormenor, com espaosinterseccionistas, e colagens de objectos estranhos, tudonuma tenso dramtica que os situa de outro modo, pertodo universo dada que entretanto eclodia como resposta grande crise ideolgica do Ocidente e de cujasmanifestaes, em Zurique, o pintor no tinhanaturalmente qualquer conhecimento. Esta espcie defuturismo enraivecido, marcado por uma nsia destrutivaimediata, fazem parte da atitude expressionista de

    Amadeo, atitude orgnica, na sua confessada febre davida moderna e no seu bem patente desespero, mais doque de um comportamento mental em que tudo apareciade modo confuso.

    Durante uma escassa meia dzia de anos, desde o seulbum preciosista de 1912 at s composies absurdasde 1916-17, Amadeo cumpriu uma carreira variada ebrevssima, que a morte interrompeu tragicamente, apoucos meses de distncia de Santa-Rita. O ritmo dessa

  • 7/23/2019 Modernismo na arte portuguesa

    30/123

    30

    carreira, a que Paris teria dado ou no destino superior,significa, sem dvida, aptides excepcionais, comotambm uma excepcional apetncia, uma espcie debulimia perante o lauto banquete que a artecontempornea oferecia. Sem dvida, tambm, h quereparar na falta de preparao esttica que atravessa a suaobra, responsvel por erros e ignorncias mas que demodo algum anula uma vontade firme de criao, e umtalento emocional e ambicioso, como outro no houveentre os seus contemporneos de ento. O ano de 1913,que o viu tirar consequncias abstractas do discursocubista, como o ano de 1916 que o viu propor umdiscurso de outra modernidade potica, ficaram, atravsdele, na histria da pintura portuguesa dos princpios dosculo que nessas propostas se verificou.

    Entre esses anos tambm h que constatar aimportncia da estada dos Delaunays em Portugal. Vimosque aco eles tiveram junto de Amadeo, mas nopodemos ignorar que, para alm duma correspondnciatrocada que excitou Almada Negreiros, levando-o asonhar colaboraes em poemas e bailados, elesconduziram ainda um dos expositores de 1911,Eduardo

    Viana, a uma aventura paracubista e parafuturista quelhe no esquecer, ao longo da carreira. A ela ficardevendo o xito obtido em 1919, nos Modernistas doPorto, com a sua pintura enriquecida de colorido,

    vibrante de luminosidade.Os prprios pintores, e sobretudo Robert Delaunay,

    com a sua inteligncia pictural, tiraram de Portugal umalio extremamente importante para eles. Sonia recordoulongamente as cenas populares do pas (que algo da suaRssia natal podia lembrar-lhe), mas o marido encontrouaqui, sob raios de sol mais humanos, mais prximos,

  • 7/23/2019 Modernismo na arte portuguesa

    31/123

    31

    vises coloridas que justificavam as suas teorias dosimultanesmo das imagens pictricas, em contrastes

    violentos que davam forma s cores. As pginas dos seusCahiers reflectem o seu entusiasmo e o seu entendimentoduma problemtica que, significativamente, escapava aosnaturalistas nacionais tanto como a Almada, a Amadeoou ao prprio Viana, porque ela vinha necessariamenteduma sensibilidade impressionista de base.

    Aco de certo modo catalisadora, a do casal Delaunayrepresentou, porm, uma informao directa demodernidade para alm de contactos havidos naemigrao parisiense. Mas no a nica: em 1917, diasdepois de ter sado o Portugal Futurista (que osanunciava, como vimos), vieram a Lisboa os ballets deDiaghilev, em espectculos que atraram os jovensartistas, e particularmente Almada que conviveu com acompanhia. E foi o princpio do ltimo acto destasegunda fase do modernismo nacional.

    Das exibies dos ballets russos tirou Almada outroentusiasmo que o levou a novas prticas, para alm dapoesia e da pintura, de que a pouco e pouco se acercava.

    O fim do decnio aproximava-se e os doisprincipais artistas deste perodo estavam j mortos.

    Almada partiria em breve para Paris, jurando no voltar aapresentar-se como artista em Portugal, depois de verfalido o seu sonho coreogrfico. Anos depois dir que omodernismo em Portugal tinha sido um mal-entendidosem remdio, e o prprio Fernando Pessoa constatavaque, aps o perodo febril de 1915-17, tudo seenfraquecera e perdera sentido. Em fins de 1919, umjornalista annimo dava conta da disperso do grupo e doseu fim, ou do fim da sua escola que, cubista e

  • 7/23/2019 Modernismo na arte portuguesa

    32/123

    32

    futurista, considerava simples exagero da tendnciadecadentista de 1890.

    Nas duas fases sucessivas deste modernismo, desde amodstia das manifestaes de 1911 e 12, e dadiferenciao portuense e lisboeta do perodo de 1915emdiante, vimos como, atravs de referncias directas eindirectas, por meno de artistas paradigmticos, ou poraluso a ideias e sentimentos, o fim do sculo XIXcontinuava presente. Presente no Orpheu, presente noPortugal Futurista ligado a um futurismo que, na suaprpria origem, no desmerecera do simbolismo de quepartira. A ptria portuguesa do sculo XX, cujanecessidade Almada proclamava, e que, menoscronologicamente, Pessoa-lvaro de Campos exigiaincarnada num super-Cames nietzscheano, tinha afinala realidade possvel na pintura de Amadeo e na pintura deSanta-Rita positiva uma, palpvel na sua violncia,negativa a outra, desaparecida propositadamente emfumo. Duas lendas que o destino, encurtando-lhes o teorreal, fixara

    O Portugal Futurista foi apreendido nas vsperas darevoluo sidonista, por razes morais ou polticas, nuncase soube, logo ao sair da tipografia; mas j no anoanterior, respondendo a um inqurito, Pessoa afirmavaque todo este movimento modernista nenhumainfluncia tinha na vida portuguesa porque nohavia vida portuguesa

    E o III Salo dos Humoristas, que em 1920 vimosencerrar a dcada, espcie de sntese do modernismo atento verificado, nada teve que ver com a gente deOrpheu, assim fechada num parntesis irreal.

  • 7/23/2019 Modernismo na arte portuguesa

    33/123

    33

    III / PINTORES E ESCULTORESDE DUAS GERAES

    Amadeo de Souza-Cardoso e Santa-Rita Pintoresgotaram as suas obras e as suas vidas no tempoimediato da sua gerao comum que foi a dos anos 10,primeira gerao do modernismo nacional; tambmCristiano Cruz (e Correia Dias) deixou ento de terpresena, voz especialmente importante da promoointerna que se definira antes da chegada dos parisiensesde 1915. Outros, manifestados em 1911, fazem parte damesma gerao, que conta ainda com uma dezena de

    artistas entre os quais Almada Negreiros, que passarado humorismo ao futurismo.Nasceram todos eles nos anos 80 ou 90, mas

    sobretudo deve contar o facto de terem aparecido empblico entre 1910 e 20, neste perodo particularmentefecundo e diverso em que se geraram as forasmodernistas que vigorariam durante mais uns vinte anos.Neste espao de tempo, at 1940, contou a aco daprimeira gerao, que, alis, nos casos principais, atingiuos pontos mais altos da sua criao em meados dos anos20; mas tambm j ento agiu uma segunda gerao,nascida desde os primeiros anos do sculo e at cerca de

    1915, e surgida nas lides artsticas j na segunda dcada,

  • 7/23/2019 Modernismo na arte portuguesa

    34/123

    34

    mas sobretudo ao longo dos anos 30. Por razes normaisde idade e de actividade muitos deles passaram os meadosdo sculo, e com eles se observou tambm a presena degente da primeira gerao. Viana morreu em 1967,

    Almada em 1970, Dordio em 1976, Soares em 1978:longos anos de produo tiveram, portanto, depois de1940, mas com a excepo maior de Almada Negreirosque realizou as suas obras mais importantes beira de1950 (ou ao fim da sua vida), todos os outros melhor oupior se sobreviviam; e quase se pode dizer o mesmo paraos pintores da gerao seguinte que, significativamente,ultrapassaram mal a barreira de 1940.

    Meia centena de nomes integram, dignos de registocrtico, as duas geraes que assim se definiram, durantetrinta anos de carreira, de 1911 a 40. Nomes de variadaimportncia e diverso significado, de diferentes opesde gosto tambm, conforme culturas e temperamentos.Classific-los rigidamente seria empresa aleatria,seno v mas importa discriminar neles duas ou trscorrentes de criao, que afinal continuam aquelas que

    vimos manifestarem-se nos trs momentos dos anos10, em termos mais ou menos plsticos, mundanos oupoticos.

    Eduardo Viana (1881-1967) exps em 1911, e j vimoscomo a sua pintura evoluiu dum naturalismo indistintopara uma conscincia pictural de intensidades cromticas,e vimos tambm quanto essa transformao deveu aosDelaunays. Mas este momento da sua carreira teve apenaspapel detonador a favor dum grande gosto sensual que,para sempre, envolveria a sua pintura. Sensual e materialtanto quanto matrico: ao aceitar os discos deDelaunay, Viana ligou-os aos prprios objectos pintados,concretizou-lhe a abstraco inicial. Para alm das suas

  • 7/23/2019 Modernismo na arte portuguesa

    35/123

    35

    experincias de ento (que a gente de Orpheu nodeixaria de criticar ironicamente) perfilava-se umaqualidade profissional que lhe manteria uma permanentecerteza plstica; impressionismo, fauvismo, cubismo,atravessaram essa certeza que Czanne havia de justificarestruturalmente. Em 1919, o Rapaz das Louas marcauma etapa, sintetizando pesquisas e certezas adquiridas,ao termo de uma primeira fase da obra de Viana. Comcertos quadros do seu amigo Amadeo, a obra maisimportante da pintura portuguesa deste perodo. At1925, o pintor seria, de certo modo, a vedeta da vidaartstica nacional, em exposies individuais ou naparticipao na decorao dA Brasileira, cujaimportncia veremos adiante. Neste mesmo ano, porm,

    Viana partiu para Paris e para a Blgica donde s voltariaquinze anos mais tarde, de novo trazido pela guerra; altima parte da sua carreira, mais de um quarto de sculo,seria vivida em Lisboa, num lento aprofundamento daobra que na primeira metade dos anos 20 se definira.

    A Pousada dos Ciganos (1922-23), Sintra (1925) edois Ns (1925) so obras que caracterizam esteperodo de Viana e o melhor da sua arte, emcomposies extremamente organizadas segundo

    valores tectnicos para-cubistas que podem completar-se, porm, com paisagens fortemente cenogrficas deigual construo ou ter resposta numa francasensualidade carnal, nica na pintura portuguesa detodos os tempos. Um terceiro volante da obra de Viana constitudo por naturezas-mortas em que a perenidadedos objectos simples garante a sua tactilidade essencial eforte. Depois de 1940 o pintor dedicar-se-ia mais a estegnero, num processo de economia formal queacompanha a sua ltima maturidade.

  • 7/23/2019 Modernismo na arte portuguesa

    36/123

    36

    Pintor czanneano, pintor sensual, Viana ficou na arteportuguesa da primeira metade do sculo como um dosseus casos maiores, e o primeiro numa linha detratamento estrutural de valores plsticos. Num quadromais amplo podemos ainda consider-lo como um dosltimos pintores sensuais do Ocidente.

    Expondo a seu lado, em 1911, dois outros pintores deatraco parisiense, Manuel Bentes (1885-1961) eFrancisco Smith (1881-1961), teriam destinos desiguais.O primeiro, regressado pouco antes da guerra eretornado a Frana depois dela, voltou de novo aPortugal em 1938 e num lado e no outro viveuamarrado a uma carreira modesta com uma pinturasensvel e melanclica, algo impressionista, corrigida por

    vaga influncia de Czanne, em paisagens e naturezas-mortas. Smith teve carreira inteiramente francesa, emParis desde 1902 e l expondo j em 14, comencomendas oficiais, Legio de Honra e naturalizao.No deixou por isso de conservar contactos em Portugal,de aqui expor e receber tambm encomendas oficiais.Mas a sua relao portuguesa tem um teor sentimental,numa temtica de saudades de Lisboa, gentilmentecoloridas, com um repetido imaginrio turstico e sensvelde bairros e festas populares que lhe granjearam umaadmirao certamente exagerada mas fiel do pbliconacional que teve nele, em certa medida, um abundanteUtrillo lisboeta.

    Do fundo dos anos 10 e pouco depois falecidos,vieram dois outros pintores tambm de prtica parisiense:Manuel Jardim (1884-1923) e Armando de Basto (1889-1923). Companheiro de Viana e de Bentes em 1905, dataem que tambm partiu para Frana, Jardim voltou em1914, mas para Coimbra, a cuja burguesia aristocrtica

  • 7/23/2019 Modernismo na arte portuguesa

    37/123

    37

    pertencia, sonhando sempre repartir, o que fez seis anosdepois, para logo regressar e morrer tuberculoso. O seuquadro mais interessante confessa directa influncia deManet (Le Djeuner, pintado e exposto em Paris em1911, e visto em Lisboa em 19). Maior influnciaimpressionista, algum extremo expressionista empaisagens e figuras, alguma lio de Ingres ao fim dabreve carreira, e certas frmulas de elegncia mundanamarcaram-lhe o resto da obra. Elegncia mundana maispropositada manifestou Basto, cuja aco deorganizador de Sales e revistas de humor e decartazista teve curso no Porto. Viveu em Paris de 1910 a14, e teve triste destino em Portugal, com uma pinturairregular, de paisagens e de interiores, que o vincularama um impressionismo assaz construdo como noquadro No Atelier do Artista, de 1913, composto comdiscreta elegncia.

    Mais idosos e marginando as aventuras domodernismo, dois pintores devem ter lugar aqui, por umou outro aspecto das respectivas obras que no seu todose mantiveram fiis a valores oitocentistas, em termossimbolistas (Antnio Carneiro, 1872-1930) ou maisacadmicos (Sousa Lopes, 1879-1944). Ao primeirodevem-se paisagens expressionistas, mais modernas,em 1917 (?) ou 21, do que os modernistas propunham, eao segundo cenas de marinhas, nos anos 20, tambmexplosivas de cor algo cenogrfica; e, na mesma altura,um notvel retrato de Madame Sousa Lopes, rara peanotvel do gnero em Portugal, com o seu gosto muitoda poca.

    Mas, mais slidos em valores plsticos e pictricos eassim mais fiis a esta linha que Viana encabea, so, nasua mesma primeira gerao, Abel Manta (1888-) e

  • 7/23/2019 Modernismo na arte portuguesa

    38/123

  • 7/23/2019 Modernismo na arte portuguesa

    39/123

    39

    para a Exposio de Paris) viveu ainda dessa formaoacrescentada de valores meio telricos meio decorativos,que so j dos anos 30.

    Carlos Botelho (1899-) pertence j gerao aparecidanos anos 20, e tarde, como caricaturista; s ao longo dodecnio seguinte se afirmar como pintor o pintor deLisboa. Por antonomsia assim conhecido, ejustamente, j que as imagens da cidade ganharam na suapintura um sentido plstico indito, expressivo esentimental; e que ao mesmo tempo que ela o perderam,num movimento comum que alterou os esquemaspicturais urbanos, tanto quanto a humana cenografiapintada. Uma influncia sbita de Van Gogh, visto em1937, deu a Botelho uma srie de retratos familiares etambm um certo entendimento da paisagemnovaiorquina pouco depois, bem observada no seusentido dramtico mas Lisboa havia de envolversempre a sua pintura, referncia constante e ltima,desdramatizada, tranquila e silenciosa, como um cenriodemasiadamente sentido para precisar de anedota. Acidade velha, vista da Costa do Castelo, com o rio aofundo, e um cu apenas apontado no horizonte elevado,no vem do impressionismo atmosfrico que o pintorsempre ignorou mas de um sentido vivo dos valores demassas que se articulam na sua realidade fsica. Ao longodos anos 40, porm, esta composio de volumes tornou-se cada vez mais abstracta, algo estereotipada, numarepetio de imagens que o prprio artista confessou,pronto a procurar outros caminhos, mais intelectuais, noincio de 50, sem resultado brilhante e sempreacolhido, em regresso, pelos antigos amores que desde osseus melhores anos lhe assistiam, em fidelidade lisboeta.

  • 7/23/2019 Modernismo na arte portuguesa

    40/123

    40

    Pintor dos anos 30, ningum melhor que Botelhoencarnou ento uma prtica da pintura nacional,condicionada por um gosto parisiense generalizado ondeecoavam lembranas de Czanne e que aceitava certosefeitos expressionistas na aplicao da matria pictural.Uma certa dose de ingenuidade na abordagem da pinturadeu a Botelho um encanto, assaz fcil, que completou aspropostas mais rigorosas de Viana ou de Dordio, nodecnio anterior.

    Pintores dos anos 30 foram tambm Lino Antnio(1898-1974), Jlio Santos (1906-1969) ou AugustoGomes (1910-1976), e outros, nascidos j na dcada de10. De um modo ou de outro eles receberam asinfluncias do seu tempo, pelos anos 30 fora.

    Lino Antnio pintou massas sombrias de varinas daNazar com uma conscincia de valores plsticos que aestilizao decorativa infelizmente espreitava. Por seulado, Jlio Santos modernizou os esquemas paisagsticosdo naturalismo, propondo um sistema que imperou dosanos 30 para 40, como um segundo academismo.

    Augusto Gomes definiu ento uma outra frmula escolar,que seria rapidamente adoptada, com as suas figurasslidas e bem impostas, em composies decorativas.

    Semelhante tendncia decorativa marcou a promoode artistas formados na Escola de Lisboa pelos anos 30:Estrela Faria, Magalhes Filho ou Manuel Lapa, que a elasubordinaram, em anos seguintes, valores plsticos deque revelaram boa conscincia tal como Toms deMelo (Tom), autor de pinturas de notvel valor estrutural.

    O desenhador desta gerao foi Jos Tagarro (1902-1931) que experimentou tambm a pintura emcomposies de inspirao fauve, mas que, em dezenasde desenhos e de retratos, deixou uma arte lmpida e

  • 7/23/2019 Modernismo na arte portuguesa

    41/123

    41

    difcil, atentamente realizada, com uma severa certeza demo. Para Tagarro, o desenho era vivido numa absolutaindependncia e numa absoluta exigncia, sem encantosmundanos nem habilidades de inveno. Falecido muitonovo, a sua obra no deixou por isso de apresentar umaunidade como que definitiva.

    Mas, no domnio do desenho e desde o princpio dosanos 10, ns vimos perfilar-se uma personalidade maisbrilhante e mais inventiva: Almada Negreiros (1893-1970). Com ele, e paralelamente a Viana, ser possvelencabear outra linha da criao artstica nacional, at1940 evoluindo do humorismo ao mundanismo, ecomprazendo-se numa elegncia formal raramente tocadapelas polmicas vanguardistas. Almada, neste campo, foio nico que recebeu tal toque, mas mais literria queartisticamente, ao princpio, nos seus poemas, nas suasnovelas e nas suas conferncias-manifestos. At 1919,data em que partiu para Paris, depois dum humorismoque se procurava, Almada limitou-se a experinciasavanadas que tinham muito de blague quando no sedefiniam, algo simbolistamente, em imagens de finosnobismo. Em Paris, onde permaneceu apenas um ano,as suas perspectivas mudaram, porm, completamente:no que o esprito de vanguarda local lhe desse novasforas (antes pelo contrrio: o nosso ideal no era omesmo, dir ele), mas a tendncia para a futilidade(que Pessoa lhe atribura) acalmou-se numa dupladiligncia formal e lrica. O seu desenho ganhou entouma conscincia linear concentrada e sinttica que, aindacom encantos mundanos, procurava j valores estruturaisclssicos que Picasso lhe apontava; e, por outro lado,gerava-se na sua arte um idealismo nacionalista ligadointimamente a uma ingenuidade de conhecimento do

  • 7/23/2019 Modernismo na arte portuguesa

    42/123

    42

    mundo e das coisas, que a conferncia dA Inveno doDia Claro, logo em 1921, exprimiu com uma magnficaqualidade potica.

    Paris foi para Almada uma aprendizagem inteiramentediferente da que fora para os seus companheiros degerao: em vez de l aprender caminhos de renovaoesttica, formou na sua estada uma aprendizagem interiorque no poema Presena terminou um ciclo potico deconhecimento. A sua produo artstica acompanhava,no entanto, incompletamente, a responsabilidade de tal

    viagem pela verdade das coisas, ao requintar o traoelegante em imagens de Pierrots e Arlequins ou, de novo,numa larga produo humorstica que marcou a suacolaborao no Dirio de Lisboa e nO Sempre-Fixe.

    Pelo meio dos anos 20, porm, Almada produziu duasobras que respondiam a ambos os caminhos tomados: oromance Nome de Guerra (que s ser publicado em1938), romance de aprendizagem num documento da

    vida lisboeta de bomia donde sai uma personagemrecriada em utopia espiritual; e dois quadros nABrasileira do Chiado. Nos quadros, paralelos a outrosfeitos para o clube Bristol que igualmente tinha papelna bomia da capital, ilustra-se a letra do romance, masno o seu esprito. Eles marcam, contudo, a entrada de

    Almada no domnio da pintura devidamente considerado.Os dois quadros do caf lisboeta representam duas

    raparigas na praia, em maillot de banho, estilizadas comofigurinos, e quatro personagens sentadas em torno de umamesa de caf, intelectuais e mundanas de companhia,figuras conhecidas da cidade, uma das quais era o prpriopintor, que se retratou sem pejo. O espao agenciado nestaprimeira pintura que realizou, tem uma qualidade mentalem que h lembranas cubistas tanto quanto recortes de

  • 7/23/2019 Modernismo na arte portuguesa

    43/123

    43

    desenho estilizado e tambm nesta obra h que ver umadas mais importantes dos anos 20, avizinhada, nas paredesdo caf, de paisagens de Viana. Para o Bristol, onde

    Viana pendurava os seus nus majestosamente carnais,Almada pintou um longo nu de estilizao maneirista, como cnone ou os modismos da poca delicadamentetratados, numa espcie de acadmia que no teveconcorrncia na produo nacional.

    No mesmo ano de 1925, o pintor era visto como umesprito inventor e no criador, digerindoinfluncias francesas, ou como um vulgarizador deachados, invenes, modas, descobertas emandamentos da nossa Hora artstica, por doisensastas da sua e da gerao seguinte (M. Saa e J.Rgio); e algo de verdade havia nestes comentrios,entre a superfcie da observao e a realidade maisprofunda das propostas do artista e do poeta.

    Estas residiam tambm num interesse entodespertado pelo polptico de S. Vicente-de-Fora, sobre oqual Almada longamente se deteria no futuro da suacarreira, no quadro dum nacionalismo mtico. Mas maisuma vez Almada partiu para o estrangeiro, buscandotrabalho que em Portugal no tinha, e deteve-se emMadrid, bem acolhido pelo grupo de Gomez de la Sernaque logo lhe proporcionou colaborao na imprensa e lheorganizou uma grande exposio, em 1927. Ali, osdesenhos do artista alcanaram uma definio j dematuridade. A sua voluptuosidade cerebral, o seucarcter corpreo e espiritual (que a crtica acentuou)situava-os entre valores de estrutura e de decorao,numa qualidade sinttica e nica.

    Encomendas de decoraes em cinemas madrilenos ena Cidade Universitria, permitiram a Almada dar largas

  • 7/23/2019 Modernismo na arte portuguesa

    44/123

    44

    sua fantasia que uma Ciudad Magica Portuguesa,montada em feiras, engenhosa pea folclrica, de certomodo coroou. O artista permaneceu em Espanha at1932, e voltou ento a Portugal, acossado pela crise que,l como c, se acentuava. Na sua bagagem, como de Paristrouxera, dez anos atrs, A Inveno do Dia Claro,transportou ento duas peas de teatro (s muito maistarde uma delas seria representada: Deseja-se Mulher)que ao mesmo tempo completam o sentido de Nome deGuerra e entram num visionarismo poltico que aconferncia Direco nica, marginal da situaoditatorial entretanto implantada em Portugal,especialmente traduz logo seguida, em 1935, pelarevista Sudoeste que inseriu uma srie de textosensasticos na mesma orientao nacionalista e, sempre,mtica.

    Os anos 30 deram muito trabalho a Almada nadecorao da primeira igreja modernista de N.a S.a deFtima, com notveis vitrais de inspirao medieval(1938), no novo edifcio do Dirio de Notcias, um

    vasto planisfrio de elegante fantasia formal (1940), e,finalmente, na Exposio do Mundo Portugus, como

    veremos. Em 1941, uma larga exposio comemorou-lhequarenta anos de desenho, com peas de definitivaimportncia sempre realizadas entre valores estruturaise decorativos, que passaram tambm pintura, com umsentido mental em que o Renascimento quatrocentistaest presente (Homenagem a Lucca Signorelli, 1942),tanto como um sentimento melancolicamente simbolistados seus princpios (Arlequim, 1941), e uma invenode massas ondulantes, em vrios nus. A sua obraprincipal preparava-se assim, arredado a pouco e pouco oartista do sentido mundano que at ento sobretudo o

  • 7/23/2019 Modernismo na arte portuguesa

    45/123

    45

    comandara, paralelamente a um discurso literrio que vira unificar-se no total da sua produo.

    Dois companheiros de Almada, do incio da suacarreira, Antnio Soares (1894-1978) e Jorge Barradas(1894-1971), simplificam aqui a classificao desta linhahumorstica de elegncias mundanas.

    Soares, humorista de 1913, recebeu ao seu comeovrias influncias, com mais notada preferncia deSteinlen. Mas cedo futilidade e modernismo seacordaram na sua arte, como foi dito em 1922, quando jmuitas obras dispersas o demonstravam, entre ilustraes,cartazes e figurinos de jeitos voluptuosssimos. Em1925, a decorao do Bristol e dA Brasileira, comcenas melanclicas de Quarta-feira de cinzas ou cenasde casa de ch e de caf, com mulheres de luxo ou gruposde intelectuais, em formas tenuemente definidas,mantinham o propsito sofisticado que fazia o encantodas capas de magazine que por ento ilustrava. Mas, em1928, Soares levaria esse gosto a um quadro notvel,retrato da bailarina russa Natacha, com que bemterminam os anos 20 portugueses, e, em certa medida, aobra do pintor que, em 1937, obteve um grand prix naExposio de Paris com uma convencional composioalegrica de Lisboa dos Velhos Bairros, marcando j ofcil pendor decorativo por que optaria, em composies,paisagens e naturezas-mortas que havia de praticar, nosmuitos anos que lhe restavam para viver. Decorador foisempre Barradas, desde os Humoristas de 1912, graciosoe simples, malicioso e popular no seu gosto bomio.Ilustrador, autor de notveis capas de magazine, estevetambm presente na decorao dA Brasileira comcenas de bairros populares ou de arrabalde que foram suaespecialidade e lhe valeram o nome de Malhoa de 1930.

  • 7/23/2019 Modernismo na arte portuguesa

    46/123

    46

    Nenhum realismo, todavia, neste folclore lisboeta, dadocom simpatia e humor. Incurses expressionistas, umluxo tropical apanhado em S. Tom, naturezas-mortasonde se dilua uma lembrana de Viana, mesmocomposies religiosas de teor decorativo, marcarammais irregularmente os anos 30 antes que, cerca de1945, Barradas iniciasse, com grande xito, uma novacarreira de ceramista, decorativo tambm.

    Mily Possoz (1888-1967), filha de belgas, esteve em1905 em Paris para onde voltaria de 1922 a 37, ali edepois definindo uma arte de encanto, docementedecorativa e muito feminina, com paisagens duma Sintraevocativa e ferica, naturezas-mortas e flores, meninas egatos, numa temtica em que o tempo nunca contou.

    Tambm Oflia Marques (1902-1952), desenhadora eilustradora de livros infantis, foi uma pintora deadolescentes, de expresso lrica e discreta.

    Bernardo Marques (1899-1962) foi outro desenhadorda segunda gerao, estreado em 1920, humorista nosseus comeos, ilustrador e cengrafo, artista grfico depublicidade por profisso, observador irnico da vidalisboeta, bomio ou popular, com um curioso perodoalemo, cerca de 1929, marcado pela directa influncia deGrosz. margem dessa abundante produo, ele foi, noentanto, criando uma vasta obra de desenhador depaisagens, fiel ao seu Algarve natal e a Lisboa ou ao valede Colares em que vivia tambm. Desenhadas a preto ebranco ou a gouache, as paisagens de Bernardo tm umaqualidade pictrica rarssima que fazem dele, semdvida, o melhor paisagista portugus da sua gerao,sensvel aos cambiantes naturais tanto quanto ao jogo designos com que subtilmente os identifica. Na cidade,ilustrador de Ea e de Cesrio Verde, meteu nas suas

  • 7/23/2019 Modernismo na arte portuguesa

    47/123

    47

    imagens uma nostalgia do passado que d sua obra dehomem culturalmente moderno uma ambiguidadediscretamente vivida.

    Muitos ilustradores, sempre de toque humorstico,completam este elenco, vindos dos anos 10 ou maistardios. Se j conhecemos o nome de Emmrico Nunes,autor de humor popular e sem leveza, devemos fixartambm o do seu contemporneo Stuart Carvalhais(1887-1961) de outro modo popular na prpria bomia, eque, como ningum, deu sentido alfacinha e brejeiro a umhumorismo abundantemente produzido. Mais tarde, ohumor intelectual de Jos de Lemos, em desenhosrigorosamente ingnuos, capazes de non sense, por seulado, mpar desde os anos 30. Roberto Nobre foi, nosanos 20 e 30, um ilustrador original, de empenho social(nA Batalha anarquista e nO Diabo), para alm dummodernismo mundano que tambm praticou, eigualmente em algumas pinturas algo futuro-expressionistas. Arlindo Vicente empenhou-se tambmem desenhos anti-burgueses de ndole nacionalista, mas pelos seus retratos de intelectuais dos anos 30, traadoscom penetrao psicolgica de amador dotado que elemerece maior meno. E, enquanto Olavo de Ea Leal,mais limitadamente mundano no seu amadorismo,imitava Almada Negreiros, Joo Carlos, no seu grafismosofismado, preferiu imitar Amadeo.

    Restam, neste inventrio, outros nomes, todos dasegunda gerao e diferentemente representativos deGuilherme Camarinha, criador de uma tapeariadecorativa estilizada por modelo francs, de PauloFerreira, com as suas discretas elegncias de folclore, deCarlos Carneiro, retratista de gosto inteligentemente snobe paisagista sensvel nas suas aguarelas excelentes e at

  • 7/23/2019 Modernismo na arte portuguesa

    48/123

    48

    Eduardo Malta, retratista caracterstico duma burguesiaendinheirada, mais ou menos oficial e de gosto primrio,fcil de lisonjear e de contentar.

    Poucos estrangeiros procuraram a vida artsticaportuguesa, como natural, e s o acaso os trouxe.Emmanuel Altberg, j antes de 1930, Gretchen Wohwill,Max Braumann, depois, como Hansi Stal, tambmceramista e gravador, foram os casos mais relevantes sem esquecer o suo Fred Kradolfer que, chegado aLisboa em 1927, foi o mestre de decorao publicitria detodos os artistas da segunda gerao que por essecaminho profissional enveredaram.

    s duas linhas de criao, plstica ou mundana, porvezes dificilmente distinguveis, dependendo sempre deuma dosagem discutvel, fora dos casos maiores, quesepara um Viana, um Dordio e um Botelho para um lado,e um Almada, um Soares e um Barradas para o outro, hque juntar uma terceira linha, de carcter maisimaginativamente potico, na qual se hesitaria ainda, at1940, em incluir Almada Negreiros e que retoma odestino quebrado dum Amadeo e dum Santa-Rita,embora com outro condicionamento de poca. So oscasos de Mrio Eloy, de Jlio, de Dominguez Alvarez, eainda de Sara Afonso. E de Antnio Pedro, cuja histriacomea em meados dos anos 30.

    Mrio Eloy (1900-1951) teve carreira de 1924 a poucodepois de 40, parte dela vivida em Paris e sobretudo emBerlim, onde constituiu famlia e donde regressou em1932; em 45 foi internado no manicmio onde morreria.

    Autodidacta, com natural tendncia expressionista que ofazia admirar van Gogh, como tal se apresentou e foicriticado pejorativamente ao mesmo tempo, porm,que interessava a uma crtica intelectual, de vrios

  • 7/23/2019 Modernismo na arte portuguesa

    49/123

    49

    quadrantes, entre os quais o psicologista, da Presena.Numa rpida passagem por Paris, foi retratista mundanoapreciado por van Dongen, sem renegar um poder deagudo e ntimo observador que sempre caracterizaria assuas obras desse gnero, incluindo um notvel auto-retrato de 1928, onde a influncia expressionista deHoffer visvel, orientando-lhe os contactos alemes. EmPortugal, na escassa dezena de anos que lhe restavam,Eloy produziu obras de grande qualidade plstica, comoo Nu, de 1932, O Livro Azul, A Varina, figurasimpostas severamente com grande conscincia dematria, para alm de qualquer valor sensual maspodendo encaminhar-se para um sentimentalismoespiritual que comeou cedo a traduzir desregramentosmentais. Deu-se ento a uma espcie de simbolismoapaixonado, com um ou outro compromisso mstico(luxuriosa loucura de Deus, disse dele o futurista RaulLeal) e, finalmente, a imagens estranhas, dumaimaginao em delrio onde a morte e o amor tinhampresena liricamente angustiada (O Enterro, 1938).

    Eloy fez entrar o sonho nas artes plsticas nacionais,disse-se. Pintor de Astro, como se declarava, ele bateu-se, na possibilidade das suas fracas foras, contra ummundo cruel onde se opunham figuras caricatas deburgus e seres de lmpida inocncia potica. Da passoua sua criao a um onirismo catastrfico que introduziuuma dimenso indita na pintura portuguesa, pela viaexpressionista que lhe convinha.

    Via expressionista que foi tambm, e pelo mesmotempo de finais de 20, seguida por Jlio, ou Jlio ReisPereira (1902-) pintor e poeta lrico.

    Ligado ao movimento da revista Presena, comoirmo de Jos Rgio, Jlio foi o artista que imediatamente

  • 7/23/2019 Modernismo na arte portuguesa

    50/123

    50

    traduziu em termos pictricos os seus princpiosestticos, de lirismo confessional, de expressividadeespontnea, de anti-academismo. As suas primeiraspinturas, dum ousado amadorismo com estridncias decor e de forma, lembram ingenuamente Grosz e Chagall,numa temtica satrica antiburguesa e num irrealismo quepara sempre habitar a obra abundantssima de desenho,a que Jlio voluntariamente se limitou, a partir de 1935.O Poeta, com sua guitarra, cantando e chorando,indiferente a leis da gravidade, passou ento a ser apersonagem constante da sua doce comdia amorvel,que novas influncias de Picasso ou de Matisseencaminharam formalmente, numa perspectivaneoromntica que foi nica na arte do seu tempoportugus, a par dos extremos de Eloy.

    Artista de certo modo marginal, na notvel coernciado seu onirismo pessoal, Jlio caracterizou uma geraoliterria com o imaginrio potico que lhe era necessrio epossvel, para alm do cosmopolitismo esttico corrente,por vias plsticas ou mundanas. Nisso, a sua artesentimental foi um valor s parcialmente entendido.

    Caso semelhante o de Dominguez Alvarez (1906-1942), que trabalhou isolado no Porto, e quase s deveureconhecimento aos intelectuais da Presena. A suapintura, garantida por um diploma altamente classificadoda Escola de Belas-Artes, escapou a todos os cnonesescolares, atravs dum expressionismo potico radicadoem lembranas ancestrais da Espanha ou da Galiza. Assuas paisagens solitrias e as suas figuras hirtas tm coresfunerrias, irreais, num todo fantasmagrico e naf nasua pureza.

    Tambm Sarah Afonso (1899 - ), mulher de AlmadaNegreiros, cabe nesta linha de imaginrio ingnuo, com

  • 7/23/2019 Modernismo na arte portuguesa

    51/123

    51

    as suas figuras fericas em romarias e feiras populares, deinspirao minhota, sem o compromisso folclrico queos anos 30 adoptaram. A sua pintura de encanto e comoque brincada, entre a observao transposta e a invenoonrica, teve destino breve, entre exposies individuaisem 1927 e 39, aps o que a artista voluntariamente seretirou para s deixar lembrana retrospectiva.

    Em 1935, um poeta estreado nos anos 20, AntnioPedro (1909-1966), autor de uma obra algo preciosa, etambm de caricaturas com que viera a pblico em 1925,teve uma inslita experincia parisiense que o ligou aomanifesto do Dimensionismo, brilhante fogo de palha,e o conduziu a cotejar o surrealismo. Poemas figurativosdimensionais que ento publicou (alguns tambmabstractos) levaram-no convico de que a pinturaprecisa cada vez mais de poesia sabendo j (1930)preferir a pintura que vai alm das coisas. Pedrocomeou ento a sua obra de pintor: Sabat dansa deroda (1936) apresenta j uma violncia carnal que lheser constante e que nO Avejo Lrico (1939)transporta uma ameaa monstruosa, alcanando assim naarte um exigvel rito mgico essencialmente humanotocado de exaltao, que foi nico e inslito na pinturaportuguesa do modernismo. Situado para alm dasangstias de Eloy e dos sonhos de Jlio, o imaginrio de

    Antnio Pedro outra coisa j, como veremos. Opanorama da escultura modernista esboa-se em datamais tardia que o da pintura, e pouco sentido tm aqui asfigurinhas graciosas de boulevardparisiense que Ernestodo Canto enviou para o Salo dos Humoristas de 1912.

    Ernesto do Canto da Maia (1890-) viveu largos anosem Paris, onde foi discpulo de Bourdelle, e l realizouuma obra que o gosto arts dco caracterizou finamente,

  • 7/23/2019 Modernismo na arte portuguesa

    52/123

    52

    com um esprito alheio cultura nacional e que em1931, num Salo da SNBA, deu, em Ado e Eva(modelo vrias vezes repetido e que havia de serpremiado em 1944, em outro contexto esttico), umapea de rara qualidade que sintetiza todo um gosto depoca. J nos anos 30, porm, o escultor entraria aoservio duma ideologia oficial, em esttuas nacionalistasde reis e heris a que forneceu estilizaes aindalembradas da sua prpria prtica modernista.

    Foi, porm, Francisco Franco (1885-1955) quemprops o modelo dessa estaturia, modelando a suacabea de srie, em 1928, no monumento de GonalvesZarco destinado ao Funchal. Regressado h dois anos aPortugal, depois duma estada parisiense de cinco anos,Franco esquecera l uma experincia expressionista queno Busto de Manuel Jardim (1921) atingiu notvelqualidade, revelada tambm em torsos femininos, pelamesma altura. Em Portugal e a partir da sua esttua de1928, Franco deixou o lirismo expressivo por umempenho formal que lhe garantiu a classificao deNuno Gonalves do cinzel, e numerosas e importantesencomendas oficiais, como a excelente esttua togada deOliveira Salazar (1937), ou a esttua equestre, naturalistae clssica, de D. Joo IV (1938-40), para Vila Viosa, aprimeira de autor portugus que se erigia desde MachadoCastro. Tudo havia de culminar, infelizmente, na esttuado Cristo-Rei em Almada que esboou antes de morrer.

    A Franco ficou, porm, devida a linha de classicismoaustero, discreto e esttico que, mais ou menossuperficialmente modernizada no gosto, comandaria aestaturia nacional durante uns quarenta anos.

    Ao classicismo de Franco pode, com alguma injustia,ligar-se o academismo de Leopoldo de Almeida (1898-

  • 7/23/2019 Modernismo na arte portuguesa

    53/123

    53

    1975) que facilmente esqueceu uma aproximaomodernista em fins de 20, para se dar, desde os anos 30,um proveitoso destino de autor de numerosa estaturiapblica, pedestre ou equestre, e sempre correcta, emconcorrncia com Franco, ao longo de demorada carreiraque o levou tambm ao mestrado da Escola de Belas-

    Artes de Lisboa, desde 1934.Se Maximiano Alves (1888-1954), no Monumento aos

    Mortos da Grande Guerra, de Lisboa, inaugurado em1931, marcou certa preferncia por valores modernizantesnas suas anatomias miguelangelescas, os monumentos de

    Abrantes (1930) e de Loureno Marques (1931-34), deRui Gameiro (1907-1935), manifestam uma qualidadeplstica de grande serenidade na sua imponncia que(at pela tcnica de cimento fundido) contam entre asmelhores obras deste perodo dando ao autor o lugarde primazia da sua gerao, j seguinte, que uma morteacidental lhe fez perder. Por outro lado, uma estilizadaSalom apresentada em 1929 e os baixos relevos deinspirao nuno-gonalvesca que em 1936 modelou paraum malogrado monumento ao Infante D. Henrique emSagres, levam a sua arte pelo caminho que dos anos 20passou, em cnones oficializados, aos anos 30.

    Antnio da Costa (1899-1970) e AlbuquerqueBettencourt (c. 1905-1939) deixaram tambm obrabreve, o primeiro lembrado de Bourdelle que foi seumestre em Paris desde 1919, e ambos dentro de umgosto estilizado vindo das arts dco.

    Duas geraes se confundem facilmente na produoescultrica modernista ou modernizante que, com a nicaexcepo de Canto da Maia (e, menor, a de Antnio de

    Azevedo, colaborador dos Modernistas portuenses,autor de bustos expressivos), s apareceu nos anos 20.

  • 7/23/2019 Modernismo na arte portuguesa

    54/123

    54

    Mas, expondo pela primeira vez em 1913, Diogo deMacedo (1889-1959), deve contar desde o primeirodecnio, parte do qual, como do segundo, viveu em Paris,at 1914 ou at 26. Na verdade, impressionista ouexpressionista, grande admirador de Rodin, como eracomum na sua gerao portuguesa, e especialmente entreos mais ou menos simbolistas do Porto, Diogo teve umaprimeira fase marcada pelo projecto romntico dummonumento a Cames a erigir em Paris em 1911 ou porum busto de Camilo (1914), cujo gosto expressionista semanifestou ainda em 1929, num busto de Antero. Aomesmo tempo, porm, recebeu lies de Bourdelle, que jem 1914 assomam nos baixos relevos em cimento,material novo, que fez para o Teatro So Joo do Porto,como vinte anos mais tarde far para um caf de Lisboa.Outras tendncias manifestou ainda a obra de Diogo, degosto clssico ou naturalista, ou ainda mais acadmico,em cabeas, bustos e monumentos. A sua pea principalser, porm, um notvel Torso de mulher, de 1922,contemporneo daquele que se destacou na obra deFranco, seu companheiro em Paris, e ao mesmo tempoexposto, em Lisboa, em 1926, numa propositadaafirmao de modernismo sensvel num e noutro casofatalmente involudo.

    Diogo de Macedo cabe inteiramente nos limites domodernismo nacional, com obra iniciada em 1911 eterminada, por desistncia profissional, em 1941. Jintegrado na gerao seguinte, Barata Feyo (1902-)praticou o expressionismo em finais de 20 ou emcomeos de 30, antes de assumir um caminho pessoal queo levar a excelentes realizaes em anos posteriores a 40.

    Alvaro de Bre (1903-1962), discpulo de Bourdelle ede Despiau, praticou um gosto arts dco no seu

  • 7/23/2019 Modernismo na arte portuguesa

    55/123

  • 7/23/2019 Modernismo na arte portuguesa

    56/123

    56

    rapidamente perdido da prtica parisiense para a prticalisboeta, como era culturalmente fatal.

    A meia dzia de peas que mereceram destaque nesteinventrio sucinto, dois torsos, um ou dois bustos, doismonumentos, uma pea decorativa, traduzem essesmesmos valores que atingiram mal os anos 30, a no serno empenho oficial que formularam em 1928 e que teriao seu maior desenvolvimento em 1940 e depois. Dequalquer modo, as incertezas estticas eram protegidaspelo facto de no haver concorrncia de esculturaoitocentista, que chegara exangue a essa altura e justamentemorria nos dois ltimos monumentos acadmicos dacapital, de Pombal e da Guerra Peninsular, inaugurados noincio dos anos 30, depois de arrastadssimas confeces.

  • 7/23/2019 Modernismo na arte portuguesa

    57/123

    57

    IV / ARQUITECTURA MODERNISTA

    O eclectismo internacional que dominava a Europa,para Portugal especialmente traduzido em Paris, ondealguns arquitectos do fim do sculo XIX se tinhamformado (mas tambm em Madrid, j dado como exemplo,no princpio de Novecentos, duma Lisboa Monumental

    Fialho de Almeida), tinha entre ns um coloridoespecialmente tradicionalista, neoromnico e aindaneomanuelino, ou marcado pela frmula incerta da casaportuguesa, produto do fim de sculo nacionalista.

    J. L. Monteiro, mestre incontestado da Escola de BelasArtes de Lisboa, como Marques da Silva no Porto,mantinham esse eclectismo a que Ventura Terra (falecidoem 1919) e Norte Jr. acrescentavam uma inveno maisparisiense, e Raul Lino uma mais moderna, mas aindaento ilegvel, proposta organicista, de tradicional qualidadeecolgica a que a cidade em apressado desenvolvimentono podia atender, republicana ou pequenoburguesmente.

    Em meados dos anos 20, ia ento Lisboa dos 500 milpara os 600 mil habitantes que teria em 1930, rompeu-seeste variado discurso arquitectnico com uma estilizaomodernizante (alis j anunciada em 1914 na fachada do

    hotel Metrpole do Rossio, de desenho alemo) que na

  • 7/23/2019 Modernismo na arte portuguesa

    58/123

    58

    fachada da futura Agncia Havas (Rua do Ouro) ou nonovo edifcio da Companhia dos Telefones, ou eminstalaes da Carris, em Santos, C. Ramos, Touzet e J.Segurado realizaram. Mas outra ruptura mais significativasucedeu ao mesmo tempo, com os projectos dum cinema-teatro, duma universidade tcnica e dum hospital: oCapitlio, o I. S. T. e o pavilho de Rdio do Institutode Oncologia (a que o projecto total inicial ficou reduzido),com trs autores: Cristino da Silva, Pardal Monteiro eCarlos Ramos. Nestes trs projectos se props umasituao inteiramente nova arquitectura portuguesa quenessa linha modernista-racionalista se desenvolveriadurante uma dezena de anos, referenciada por LeCorbusier e Gropius, e tambm por Mallet-Stevens.

    Cristino da Silva (1896-1976), bolseiro em Paris em1920, regressou a 25, vindo expor a Lisboa notveisdesenhos de ndole monumentalista modernizada elogo nesse ano comeou a trabalhar no projecto docinema-teatro-cervejaria Capitlio que, a construir nointerior do Parque Mayer (foi inaugurado em 1931),beneficiou de maior liberdade edlica. Esse edifcio, deamplo vo coberto por um terrao e fechado inicialmentepor uma parede mvel de painis de vidro gravado, numgosto arts dco que dominava tambm a fachada,caracterizada por um grande elemento publicitrioluminoso, foi uma das bases do modernismoarquitectnico nacional. Outra foi a realizao,igualmente funcionalista, do liceu de Beja, atravs dumconcurso que, em 1930, marcou uma notvel viragem nogosto oficial, capaz de ento preferir projectos modernos.Igualmente os aceitou um magazine feminino, Eva, que,no mesmo ano, propunha s suas leitoras, como prmiode Natal, uma moradia que Cristino traou no mesmo

  • 7/23/2019 Modernismo na arte portuguesa

    59/123

    59

    estilo racional, em que j, em 1926, desenhara umprimeiro prdio de rendimento em Lisboa. Mas, em 1930tambm, o arquitecto exps no Salo dosIndependentes um projecto de prolongamento da

    Avenida da Liberdade que revelava o teor monumentaldas suas ideias urbansticas. E se a sua grande habilidadede desenhador lhe garantiu, em 1933, o lugar de professorda Escola de Belas Artes de Lisboa, onde exercerianotvel influncia, foi esse pendor monumentalista quemarcou, j a partir de finais dos anos 30, uma involuoda sua obra a qual determinaria a inteira involuo daarquitectura portuguesa, regressada, de modo estilizado, auma viso tradicionalista das formas e dos smbolos.

    Veremos como esta involuo se processou, e qual oseu motor ideolgico. Agora interessa-nos, apenas,marcar o papel fundamental que Cristino teve nadeterminao do estilo racional que, na passagem dosegundo para o terceiro decnio, dominou a produoarquitectnica em Lisboa. Papel garantido, ao mesmotempo, por uma notvel adaptabilidade invenoformal, em termos em certa medida sumpturios, e poruma grande e rigorosa tcnica de desenho.

    Arquitecto de grande capacidade tcnica foi tambmPardal Monteiro (1897-1957), o autor das vastasinstalaes do Instituto Superior Tcnico, em Lisboa,terminadas ao longo dos anos 30. Sem grande convicoesttica nem inveno formal, ele era sobretudo guiadopor critrios funcionais bem expressos nesta obracomo no Instituto Nacional de Estatstica (1931-35) ouno edifcio Ford (1930), ou, posteriormente, em garesmartimas, seminrios, hotis, universidades e bibliotecasde que teve longo encargo, numa abundantssimaproduo oficial e no. Mas o I. S. T., mais do que

  • 7/23/2019 Modernismo na arte portuguesa

    60/123

    60

    funcional, teve papel na determinao dum ncleourbanstico de futuro numa nova zona da capital que osseus blocos de admirvel disposio espacialpromoveram. Ao termo deste perodo modernista, aigreja de N. Sr. de Ftima (1934-38), de Pardal, marcaum momento importante tambm, no extremoideolgico possvel, com apoio do Patriarcado. A obrapositiva deste arquitecto, que em comeo de carreiraaceitou valores neoromnicos e de arts dco (dentro decujo gosto realizou, alis, a obra-prima nacional, numamoradia de 1929, Av. Cinco de Outubro), apresenta-sebalizada pelo I. S. T. e por Ftima mas no pode seresquecido que, ao contrrio de Cristino, e talvez,paradoxalmente, por ter menos poder formal que o seucolega, nunca veio a abdicar inteiramente do sistemamodernista funcional em que se realizou.

    Pardal foi um arquitecto prtico e de trabalhodespachado, capaz de programaes mais funcionais quemonumentais, ou que incluam a monumentalidadecomo valor de funo. O seu rigor tcnico passava aolado de requintes de gosto; e a exposio de desenhos eprojectos que fez em 1938, no I. S. T., onde eraprofessor de arquitectura, com grande lgicaprofissional (que o fazia igualmente dirigir o Sindicato)traduziu bem, e exemplarmente, o seu empenho assim confundido com uma linha mestra da produoarquitectnica nacional que, numa certa fase, se serviuoficialmente do modernismo na formulao de umaimagem ideolgica dinmica.

    Se Cristino e Pardal Monteiro foram arquitectosoficiais do Esta