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REMUNERAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO – TAXA E TARIFA - LIMITES CONSTITUCIONAIS IMPOSTOS AO LEGISLADOR
MESTRADO EM DIREITO
SÃO PAULO 2013
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
ANNA EMILIA CORDELLI ALVES
REMUNERAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO – TAXA E TARIFA -
LIMITES CONSTITUCIONAIS IMPOSTOS AO LEGISLADOR
MESTRADO EM DIREITO
Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de SãoPaulo, como exigência parcial paraobtenção do titulo de Mestre em Direito Tributário sob a orientação do ProfessorDoutor Paulo de Barros Carvalho.
São Paulo
2013
BANCA EXAMINADORA
______________________________
______________________________
______________________________
ANNA EMILIA CORDELLI ALVES
REMUNERAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO – TAXA E TARIFA -
LIMITESCONSTITUCIONAIS IMPOSTOS AO LEGISLADOR
RESUMO
O presente trabalho visa construir o conteúdo da norma constitucional que rege a prestação direta e indireta de serviço público especifico e divisível, sob o ponto de vista do Direito Tributário e dos direitos e garantias do usuário. Tal norma será construída a partir da conjugação da regra constitucional do artigo 145, inciso II, inserida no Sistema Constitucional Tributário, com aquela do artigo 175, posta na Ordem Econômica. Entende-se que o valor pago pelo usuário deverá ter sempre natureza tributária, posto que para aConstituiçãoo serviço público, independentemente de quem venha a prestá-lo,tem natureza deres extra commercio (é uma utilidade e não um produto). Por tal motivo, o texto constitucional cria, em seu artigo 145, inciso II instrumento tributário especifico para remunerar a prestação de serviço, sem distinguir a prestação direta pelo Estado, da prestação indireta pelo particular, concessionáriode serviço publico. Ademais, o artigo 175 da Constituição não cria instrumento diverso da taxa para remunerar a prestação indireta do serviço publico. A política tarifária - que por determinação constitucional é estabelecida por lei infraconstitucional – diz respeito ao contrato de concessão entre o Poder Concedente e o concessionário. Trata-se de relação jurídica que não envolve o usuário. Propõe-se entender a política tarifária como a conjugação do valor pago pelo usuário para fazer face ao custo do serviço, e que tem natureza tributária, com receitas outras tais como subsídios, receitas alternativas, receitas dos impostos, de modo a garantir a justa remuneração do concessionário (lucros e investimentos).No plano pragmático é possível conceber entre o usuário e o concessionário, a instauração de uma relação tributaria parafiscal , mediante a delegação, pelo Poder Concedente, ao prestador de serviço, da capacidade ativa para ser sujeito ativo do referido tributo. Finalmente, a interpretação construída, além de garantir que o usuário remunere exclusivamente o custo do serviço, como lhe garante o artigo 145, inciso II da CF, poderá resultar para o concessionário: (a) na possibilidade de exclusão do valor percebido a titulo de taxa da base de cálculo dos impostos que venham a incidir sobre sua receita operacional, (b) na constitucionalidade da remuneração do serviço publico de utilização potencial.
PALAVRASCHAVES: TAXA, POLITICA TARIFÁRIA, CONCESSIONÁRIO, SERVIÇO PÚBLICO, TARIFA.
ANNA EMILIA CORDELLI ALVES
REMUNERAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO – TAXA E TARIFA –
LIMITES CONSTITUCIONAIS IMPOSTOS AO LEGISLADOR
ABSTRACT
The present paper intends to construe the content of the constitutional rule that governs the direct and indirect provision of specific and divisible utility services from the point of view of the Tax Law and end users’ rights and guarantees. Such rule will be construed under the constitutional provision section 145(II) of the Constitutional Tax System combined with section 175 in the Economic Order. The purpose herein is to show that the amounts paid by end users always have a taxable nature, seeing that for the Constitution the utility service is a res extra commercio (it is a utility and not a product), regardless of its provider, which implies the absence of profit in such provision. For that reason, in its section 145(II) the constitutional text provides a specific tax instrument to remunerate the provision of such services without distinguishing whether it is provided directly by the State or indirectly by a private party, a public utility company. Furthermore, section 175 of the Federal Constitution does not provide any other instrument to remunerate indirect utility services provision. The rate policy – which under constitutional provision is established by non-constitutional rule – is related to the services agreement between the Administration and the services provider. This is a legal relationship where the end user is not involved at all. The proposal herein is to understand the rate policy as the combination between the rate paid by the user to face service costs, and which has a taxable nature, and other revenues, such as subsidies, alternative revenues and tax revenues to warrant a fair remuneration to the services provider (profits and investments). Pragmatically, the existence of a parafiscal tax relationship between the end user and the services provider may be conceived upon the Administration’s delegation of its taxable capacity to the services provider that is the actual collector of such tax. Finally, this construction, in addition to warranting that the end user will remunerate only the cost of the services, as guaranteed by section 145(II) of the Federal Constitution, will grant to the services provider: (a) the possibility of excluding the amount collected as rate from the tax base of the taxes incident on its operational income; (b) the lawful remuneration of potentially usable utilities.
KEY WORDS: RATE, RATE POLICY, UTILITY SERVICES PROVIDER,
UTILITY SERVICES, TAX
- 1 -
REMUNERAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO – TAXA E TARIFA -
LIMITES CONSTITUCIONAIS IMPOSTOS AO LEGISLADOR
(...) ou a Constituição é norma e, pois preceito obrigatório, ou
não é nada, não existe, não tem eficácia. O que não pode o
jurista é atribuir-lhe a singela função de lembrete ou
recomendação. A Constituição, lei máxima, sagrada e superior,
ordena, manda, determina, impõe. A tarefa do intérprete é
exatamente, desvendar o que a norma esta impondo, em cada
caso. (...) (GERALDO ATALIBA- “HIPOTESE DE INCIDENCIA
TRIBUTARIA”
- 2 -
SUMÁRIO
1- INTRODUÇÃO...................................................................................................................6
2- METODOLOGIA DO TRABALHO.....................................................................................9
3- SISTEMA CONSTITUCIONAL....................................................................................... 17
3.1. Evolução Historia de Sistema ...............................................................................17
3.2. O Direito positivo como Sistema.............................................................................. 19
3.3. Ordenamento e Sistema..........................................................................................21
3.4. A Constituição como Norma Máxima do Ordenamento Jurídico.............................22
3.5. Das Normas de Estrutura e Normas de Conduta...................................................25
4- INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS..............................................29
4.1. Interpretação como construção de conteúdo.................................................... 29
4.2. Dispositivo Legal e Norma Jurídica .......................................................................30
4.3. Processo Dialético da Compreensão do Texto...................................................31
4.4. Dos Princípios e Valores Constitucionais- Importância na Interpretação das Normas
Constitucionais............................................................................................................... 34 4.5. Interpretação conforme a Constituição .................................................................35
4.6. A Interpretação não e neutra ..................................................................................36
4.7. Princípios específicos para a interpretação da Norma Constitucional 38
4.7.1. Principio da unidade da Constituição................................................................... 38
4.7.2. Principio da Efetividade....................................................................................... 38
5- PROPOSTA DE CONSTRUCAO DE SENTIDO DA NORMA CONSTITUCIONAL QUE
REGE A PRESTACAO DE SERVICO.............................................................................40
5.1. Dos Planos Sintático, Semântico e Pragmático.................................................. 40
6- A CONSTITUIÇÃO E A ATRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIAS........................................43
6.1 Competências Materiais e Legislativas................................................................43
6.2. Regras de Competência como Regras de Estrutura..............................................46
- 3 -
6.3.Competência Legislativa Tributária e Capacidade para ser Sujeito Ativo da Relação
Juridico-Tributário.......................................................................................................48
7- DA NOCAO DE TRIBUTO...............................................................................................50
7.1. Espécies Tributárias- Generalidades....................................................................50
7.2. Taxa e Serviço Público...........................................................................................52
8- O CONCEITO DE SERVICO PUBLICO. SUA EVOLUCAO........................................... 55
8.1. Breve Histórico do Direito Europeu.......................................................................55
8.2. Serviço Publico no Direito Brasileiro- Breve Histórico............................................61
8.3. Disciplina da Prestação do Serviço Público na Constituição de 88...................... 63
9- CARACTERIZACAO DE DETERMINADA ATIVIDADE COMO SERVICO
PUBLICO.........................................................................................................................66
9.1. A Constituição Brasileira acolhe como Serviço Público atividades de titularidade do
Poder Publico............................................................................................................66
9.2. Serviço Público Próprio e Impróprio.....................................................................67
9.3. O Serviço Público e os Valores Fundamentais.................................................... 68
9.4. Os Direitos Fundamentais como Valores objetivos e fins da ação do Poder
Público.............................................................................................................................70
9.5. Classificação dos Direitos Fundamentais............................................................. 72
9.6. Dos Direitos Fundamentais Sociais......................................................................72
9.7 Da Proteção ao Mínimo Existencial........................................................................74
10- A NOCAO DE SERVICO PUBLICO NA CONSTITUICAO DE 1988............................... 75
10.1. Da Flexibilização do conceito..............................................................................75
10.2. Das Concepções Doutrinarias de Serviço Publico...............................................78
10.3. Uma Proposta de Construção do Conteúdo de “Serviço Público”......................... 81
10.3.1. A Constituição Federal estabeleceu clara distinção entre a Atividade Econômica
e a Prestação de Serviço Público.............................................................................83 10.3.2. Dos Serviços atribuídos a União.................................................................... 86
- 4 -
10.3.3. Dos Serviços atribuídos aos Estados............................................................... 87
10.3.4. Dos Serviços atribuídos aos Municípios ...........................................................87
10.3.5 Busca do Significado Pretérito de “Serviço Público”, Concessão e
Permissão................................................................................................................... 87 10.3.6. Do significado de “Serviço Publico” na Regra Matriz da Taxa de Serviço (Artigo
145, II da CF).......................................................................................................... 90
11- REGIME JURIDICO DA REMUNERAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO ESPECIFICO E
DIVISIVEL........................................................................................................................94 11.1. Das Taxas..............................................................................................................94
11.1.1. Origem do Tributo..............................................................................................94
11.1.2. Perfil Constitucional da Regra Matriz de Incidência...................................... .96
11.1.2.1 Aspecto Material- Núcleo da Hipótese de Incidência.........................99
11.1.2.2 Serviço Público Específico e Divisível.............................................. 100
11.1.2.3. O Serviço Publico e a Composição do Fato Jurídico Tributário.................103
11.1.2.4. Utilização Efetiva ou Potencial....................................................... 104
11.1.2.5. Caráter Contraprestacional................................................................109
11.1.2.6. Conceito Jurídico...............................................................................113
11.1.2.7. Base de Cálculo................................................................................. 113
11.1.2.7.1. A Taxa não pode ter Base de Cálculo de Imposto...................... 114
12- TAXA E PREÇO PUBLICO.......................................................................................... 117
12.1. Preço, Tarifa e a Imunidade Recíproca.................................................................121
12.2. Conteúdo de Preço Publico para o presente Trabalho....................................... 130
13- TAXA E TARIFA............................................................................................................134
13.1. Regime Constitucional.......................................................................................134
13.2. Princípios da Ordem Econômica e Financeira................................................ 135
13.3 Normas Aplicáveis a Prestação Indireta de Serviço Publico............................ 137
13.4. Concessão de Serviço Público- Regime Jurídico da Prestação........................ 139
13.5. Histórico Constitucional da Tarifa..................................................................... 141
- 5 -
13.6.“Tarifa” – Natureza Jurídica Tributária ou Não Tributária- Discricionariedade do
Legislador?............................................................................................................ 143 13.7. Crítica das Condicionantes impostas à Discricionariedade do Legislador para a
fixação do valor devido pela Prestação Indireta de Serviço Público......................... 148
14- TARIFA, TAXA E POLÍTICA TARIFÁRIA - NOVO SENTIDO
HERMENÊUTICO.................................................................................................... 153
14.1. As receitas devidas ao Concessionário e que compõem a “cesta tarifaria” possuem
distintos regimes jurídicos........................................................................................156
14.2. O Legislador infraconstitucional não tem liberdade de optar pela Taxa ou pela
Tarifa............................................................................................................................... 15914.3. Análise do regime tarifário sob a ótica dos direitos e garantias do usuário-
contribuinte..........................................................................................................................161 14.4. Requisitos para a construção de um Novo Sentido Hermenêutico....................... 165
14.5. Adoção de “Novo Referencial”..............................................................................178
14.6. Serviço Público - Direito Constitucional do Usuário Contribuinte ........................ 183
14.7. Do Direito Constitucional do Concessionário........................................................ 185
14.8. Do Plano Pragmático da Construção de Sentido Proposta.................................. 189
15- TEMAS CONEXOS...................................................................................................192
15.1. Taxa e Capacidade Contributiva.................................................................... 192
15.2. Taxa e Principio da Solidariedade.................................................................. 194
16- CONCLUSÕES.............................................................................................................198
- 6 -
1- INTRODUÇÃO
Reza a Magna Carta, em seu artigo 145, inciso II, que a prestação de serviço
público específico e divisível será remunerada por tributo vinculado da espécie taxa
de serviço.
Afirma-se, também, que o serviço público específico e divisível, passível de
tributação, somente será remunerado por taxa quando a prestação ocorrer
diretamente pela pessoa de direito público interno competente – União, Estados e
Municípios. Isso porque, a mesma Constituição que cria a figura da taxa para
remunerar a prestação de serviço público especifica e divisível, cuida - no artigo 175
do Capítulo da Ordem Econômica - da política tarifária, para a hipótese da prestação
indireta dos referidos serviços, por pessoas diversas da figura do ente público.
Boa parte dos estudiosos do Direito Administrativo afirma que na hipótese de
serviços públicos concedidos não é possível adotar-se a “taxa” como remuneração,
uma vez que o regime jurídico tributário não se coaduna com o instituto da
concessão.
Muito embora alguns estudiosos do direito tributário tenham se debruçado
sobre o tema, os trabalhos mais expressivos sobre a remuneração dos serviços
públicos concedidos encontram-se na seara do Direito Administrativo.
Busca-se com o presente trabalho propor uma definição da natureza jurídica
da remuneração paga pelo usuário quando da prestação indireta de serviço públicos,
à luz do sistema constitucional tributário.
Assim, propõe-se analisar o conceito originário e respectiva evolução da
expressão “serviço público”, até a atualidade, bem como as eventuais figuras
remuneratórias – taxas, preços públicos, tarifas, etc.
- 7 -
Não basta, porém, compreender o conceito de serviço público, visto que nem
todo serviço público apresenta as características de especificidade e divisibilidade,
pressupostos que devem necessariamente estar presentes para que ocorra o fato
imponível da taxa de serviço.
Impõe-se também uma análise das diversas formas de prestação de serviço
público, de suas características e peculiaridades constitucionais, com especial
atenção para o estudo da assim chamada “política tarifária”, constante do artigo 175
da Carta Magna.
De posse de tais conceitos e considerando que por sua própria
natureza, taxa e tarifa são institutos jurídicos diversos; considerando ainda que cabe
ao Poder Público, por si ou por terceiros, a prestação de serviço público ininterrupto
e de boa qualidade, buscar-se-á responder às seguintes indagações:
1- Como justificar, em face do sistema constitucional tributário pátrio, deva o
contribuinte pagar valor muito superior pela prestação de serviço público
especifico e divisível por terceiros (tarifa), do que aquele pago (taxa)
quando o mesmo serviço seja prestado diretamente pela pessoa de direito
público interno?
2- Tem o contribuinte o direito constitucionalmente garantido de pagar apenas
o valor da taxa (custo do serviço) exigida quando da prestação indireta do
serviço público especifico e divisível?
Importante salientar que o tema objeto do presente trabalho implica em uma
tomada de posição contrária àquela agasalhada pela Ciência do Direito
Administrativo e, bem assim pela Jurisprudência pátria sobre a matéria. De fato, está
consolidado o entendimento no sentido de que a taxa deve remunerar
exclusivamente os serviços públicos prestados diretamente pelo Estado.
- 8 -
A posição a ser adotada neste trabalho, porém, não é isolada. Decorre de
estudos e leitura de autores, especialmente de estudiosos do Direito Tributário, que
demonstram certo desconforto com a definitividade do referido entendimento.
Esse desconforto aparece nítido, por exemplo, em HUGO DE BRITO
MACHADO, quando afirma que em um país como o Brasil, no qual a esmagadora
maioria do povo vive em estado de pobreza ou miserabilidade, é óbvio que o serviço
público para cumprir sua função jurídica natural terá de ser remunerado por valores
baixos, muitas vezes subsidiados. Lembra o autor que o Estado, por exemplo, ao
licitar a concessão de um serviço público, coloca entre os itens da “cesta tarifária” o
denominado valor da outorga (quantia a ser paga pela vencedora da licitação ao
poder concedente). Ao pagar tal valor, afirma o autor, a empresa concessionária o
inclui como “custo” de sua atividade e o considera na fixação da tarifa cobrada do
usuário. Porém o valor da outorga não traz qualquer beneficio para o usuário, não
configura contraprestação por utilidade que deva ser ofertada pelo Estado. Ademais,
ressalta ainda corretamente, que, na outra ponta, os serviços prestados pela
concessionária sofrem tributação por via de impostos, tendo em vista não serem
beneficiados pela imunidade. Questões como essa, demonstram que a tarifa ao
contrário da taxa, cuja base de cálculo é o custo do serviço incorpora valores muito
além do custo que, indevidamente são exigidos do usuário (inclusive com o repasse
para a “tarifa” de carga tributária do prestador particular)
Desse modo, as questões formuladas nesta Introdução, serão enfrentadas à
luz do sistema constitucional tributário, adotando-se um sistema de referência
diverso daquele agasalhado por significativa doutrina e jurisprudência
Finalmente, e para que restem claros os limites deste estudo, estaremos nos
referindo àqueles serviços públicos específicos e divisíveis, assim qualificados
constitucionalmente.
- 9 -
2- METODOLOGIA DO TRABALHO
“Todo o conhecimento é redutor de dificuldades” ensina PAULO DE BARROS
CARVALHO. Porém, não existe conhecimento sem sistema de referência: esta é a
condição sem a qual aquele não subsiste. É por se colocarem em um tipo de sistema
de referência que os objetos adquirem significado, pois algo só se apresenta
inteligível na medida em que conhecida sua posição em relação a outros elementos,
tornando-se clara sua postura relativamente a um ou mais sistemas de referência1·.
A palavra método é derivada do grego méthodos que significa caminho para
se chegar a um fim. 2
O método é o meio escolhido pelo sujeito que busca conhecer para aproximar-
se do objeto por ele delimitado. LOURIVAL VILANOVA desenvolveu e aplicou, no
Brasil, o método denominado constructivismo lógico-semântico.
“Constructivismo” é vocábulo empregado para denominar a teoria que defende
a idéia de que há sempre intervenção do sujeito na formação do objeto. As normas
não são dadas, de antemão, no ordenamento, mas dependem de uma atividade
construtiva, em que se atribui sentido ao texto de lei. A norma jurídica, unidade
irredutível de manifestação do deôntico é no dizer do Professor VILANOVA, “uma
estrutura lógico-sintática de significação”. É a significação construída na mente do
intérprete, resultado da leitura dos textos do direito positivo, apresentando a forma de
um juízo hipotético. Adotado esse método, o cientista do direito não se limita a
contemplar o texto da lei, mas efetivamente constrói os sentidos normativos.3
1 DEL PADRE TOMÉ, FABIANA- “Vilém Flusser e o Constructivismo Lógico-semântico” in “Vilem Flusser e
Juristas- Comemoração dos 25 anos do Grupo de Estudos de PAULO DE BARROS CARVALHO”, coordenação
FLORENSE HARET E JERSON CARNEIRO, NOESES, 2009, p. 321
2 AUTORA TOMAZINI, p. 45
3 Autora e obra citada, p.323 e 324
- 10 -
Nessa proposta metodológica o esforço do sujeito é acentuado nos planos
lógico e semântico, mediante o emprego de técnica analítica para decompor o objeto
de estudo em uma série de elementos que facilitem a compreensão do fenômeno
que se observa.
No constructivismo lógico-semântico o objeto de análise é a linguagem. O
método em questão tem por procedimento reduzir os complexos lingüísticos a
elementos básicos, para facilitar a compreensão de seu significado. Trata-se de
trabalho analítico com influência culturalista4, em razão de ser o direito um objeto
cultural. Assim, o referido método analisa a linguagem jurídica e, a cada instante,
recupera a circunstância do homem, contextualizando-o (aspecto culturalista) 5
Ademais, o constructivismo lógico semântico considera que a positivação do direito
se opera mediante a presença indispensável da linguagem, num contexto de
crenças, idéias e convicções, decorrentes dos valores dos sujeitos que integram a
sociedade6.
Na linha do constructivismo lógico-semântico há interdependência entre o
sujeito e objeto: o sujeito só é sujeito perante um objeto e o objeto só é objeto em
face de um sujeito. E tal relação ocorre em um contexto especifico, sendo o
conhecimento determinado pela cultura. O conhecimento não aparece como relação
entre sujeito e objeto, mas como relação entre linguagens, entre significações,
inserindo-se na concepção da filosofia de linguagem (giro lingüístico) 7. Sendo
produzido pelo homem, o conhecimento apresenta-se condicionado ao contexto em
que opera, dependendo do meio social, do tempo histórico e até mesmo da vivência
4 “No que diz respeito ao culturalismo, este tem em MIGUEL REALE seu maior representante brasileiro. Essa
corrente filosófica consiste em uma concepção do Direito integrada pelo historicismo e pelos princípios
fundamentais da Axiologia, considerando a teoria dos valores em função dos graus de evolução social. É
exatamente o toque de cultura que, na lição de PAULO DE BARROS CARVALHO, evita que se pretenda entrever
o mundo pelo prisma reducionista do mero racionalismo descritivo- DEL PADRE TOMÉ, FABIANA, obra citada p.
326
5 Autora e obra citada, p.325 a 327
6 Autora e obra citada, p. 327
7 Autora e obra citada, p. 329
- 11 -
do sujeito cognoscente. Ademais, entre o conhecimento e comunicação há um
vinculo incindível. Só existe conhecimento, propriamente dito, quando este se torna
objetivo e comunicável. Com isso tem-se a superação da dualidade sujeito
cognoscente/realidade conhecida: o que se percebe é a realidade vista pelo sujeito,
sendo dependente de condições subjetivas e intersubjetivas8
O Neopositivismo9 enfatiza a linguagem como instrumento e como meio de
controle do saber científicos10. Aquela corrente de pensamento percebeu a
necessidade de se construir modelos artificiais de linguagem para a comunicação
cientifica, visto que tal comunicação enseja uma rigorosa e sistemática visão do
mundo. 11.
8 Autora e obra citada, p.331
9 “NEOPOSITIVISMO LÓGICO ou, simplesmente, POSITIVISMO LÓGICO - além de FILOSOFIA ANALÍTICA,
EMPRIRISMO CONTEMPORÂNEO ou EMPIRISMO LÓGICO - são os nomes pelos quais dá a conhecer uma
corrente do pensamento humano que adquiriu corpo e expressividade em Viena, na segunda década do século
XX, quando filósofos e cientistas se encontravam, sistematicamente, para discutir problemas relativos à natureza
do conhecimento científicos. Tratavam, portanto, de Filosofia das Ciências, mais preocupados, porém, com uma
Epistemologia Geral, na medida em que cada um dos participantes lá estava movido pelos interesses específicos
do seu campo de indagações. O grupo era heterogêneo, reunindo filósofos, físicos, sociólogos, matemáticos,
psicólogos, lógicos, juristas (Kelsen esteve presente em alguns encontros), etc.. Profundamente interessados nos
fundamentos das respectivas Ciências, mantiveram intenso intercâmbio de idéias, num regime de cooperação
intelectual poucas vezes registrado, circunstância que possibilitou uma série de conclusões tidas como válidas
para os diversos setores do conhecimento. É daí que se pode falar de uma Epistemologia Geral, isto é, de uma
teoria critica voltada para o estudo e a análise dos conceitos básicos, dos princípios e dos objetivos do
conhecimento científico em geral, bem como dos resultados de sua efetiva aplicação. A forte preocupação com
os princípios básicos do saber científicos ainda não é suficiente para caracterizar a índole desse movimento
filosófico. De fato, tal tendência epistemológica revela uma redução do campo filosófico, uma vez que a Filosofia
da Ciência não se esgota com as especulações a propósito do quadro de possibilidades e das avaliações
atinentes a Epistemologia. Vai mais além. Os neopositivistas lógicos reduziram também a Epistemologia à
Semiótica, compreendida esta como teoria geral dos signos, abrangendo todo e qualquer sistema de
comunicação, desde os mais singelos e primitivos até os sistemas lingüísticos dos idiomas naturais e das
linguagens formalizadas das Ciências. (PBC- Linguagem e método p. 21)
10 Os neopositivistas lógicos afirmam que “compor um discurso científicos é verter em linguagem rigorosa os
dados do mundo, de tal sorte que ali onde não houver precisão lingüística não poderá haver Ciência”)
11
CARVALHO, PAULO DE BARROS- “ Linguagem e Método`- p. 27 e 28
- 12 -
La science n´est pas autre chose qu’ une langue bien fait. Citando Taine,
WILLIS SANTIAGO GUERRA FILHO afirma que essa condição é plenamente
assumida pela filosofia contemporânea que, reconhecendo a maior autoridade das
ciências na aquisição segura de conhecimentos, volta-se para a pesquisa dos
fundamentos daqueles de natureza lingüística, pois é comum a todas o fato de se
constituírem como linguagem, entendida esta no sentido de conjunto sistemático de
signos. Ensina GUERRA FILHO que para cumprir essa tarefa surge no século XX
uma nova disciplina, a semiótica, a partir do trabalho de lógicos e filósofos como
Charles Sanders, Peirce, Frege, Bertrand Russell e principalmente L.Wittgenstein,
bem como sob o influxo de movimentos que se respaldam no pensamento deste
último, como o positivismo lógico do Circulo de Viena ou a filosofia analítica do Grupo
de Oxford.12
A importância atribuída à linguagem para a busca do conhecimento implica na
necessária utilização dos recursos semióticos, os quais permitem analisar a
linguagem sob as seguintes dimensões: (a) sintática, em que os signos lingüísticos
são examinados nas suas relações mútuas, isto é, signos com signos; (b) semântica:
que se ocupa da relação do signo com o objeto que ele representa; e c) pragmática:
em que os signos são vistos na relação que mantém com os utentes da linguagem.
PAULO DE BARROS CARVALHO13 ressalta que os neopositivistas, na
procura da depuração discursiva, outorgam uma importância muito grande à sintaxe
e à semântica, em detrimento do ângulo pragmático. Nesse sentido propõe que se
tome a língua14 como um sistema de signos15 (em vigor numa determinada
12
Teoria da Ciência Jurídica, 2ª edição, 2009, Ed. Saraiva. p. 117
13 In “Linguagem e Método” – p. 28
14 A palavra “língua” é tomada pelo jurista como sinônimo de idioma. Para o autor, “Linguagem” é palavra mais
abrangente, significando a capacidade do ser humano para comunicar-se por intermédio de signos cujo conjunto
sistematizado é a “lingua””- in “ Linguagem e Método” (p.32)
15 PAULO DE BARROS CARVALHO assim define “signo”: é uma unidade de um sistema que permite a
comunicação inter-humana. É ente que tem status lógico de relação. Nele um suporte físico se associa a um
significado e uma significação. O suporte físico da linguagem idiomática é a palavra falada ou a palavra escrita.
- 13 -
comunidade social), que cumpre o papel de instrumento de comunicação entre os
seus membros. O jurista adota a Semiologia para o estudo daquele sistema. Assim
fazendo, ao analisar o sistema idiomático, percebe haver múltiplas possibilidades de
utilização das palavras, individualmente consideradas, assim como numerosos usos
para as construções frásicas que a gramática de cada língua permite compor, sem
que as regras sintáticas16 venham a ter caráter decisivo para o esclarecimento da
específica função em que a linguagem está sendo empregada 17.
Nesse sentido, esclarece que a correspondência entre forma e função da
linguagem não acontece como relação necessária. Para PAULO DE BARROS
CARVALHO as estruturas gramaticais oferecem apenas precários indícios a respeito
da função. Assim, propõe ao intérprete “sair da significação de base” em busca da
amplitude do discurso, onde encontrará a significação contextual, determinada por
uma série de fatores, entre eles e, principalmente, pelos propósitos do emissor da
mensagem.
Com esta proposta o Professor dá ênfase ao plano pragmático da linguagem
que se caracteriza como aquele ângulo da Semiótica que analisa a relação dos
signos com seus usuários, isto é, considera o ser humano enquanto produtor da
mensagem que visa, com a emissão da mensagem, obter determinados efeitos.
Refere-se a algo do mundo exterior ou interior, da existência concreta ou imaginária, atual ou passada, que é seu
significado; e suscita em nossa mente uma noção, idéia ou conceito que chamamos de “significação” – in “
“Linguagem e Método” p. 33
16 Obra e Autor citado – p. 36- “Peirce e outro americano – Charles Morris, distinguem três planos na investigação
dos sistemas sígnicos: o sintático em que se estudam as relações dos signos entre si, isto é, signo com signo.
(...) Exemplo da dimensão semiótica da sintaxe é a gramática de um idioma, conquanto a pesquisa gramatical vá
além, ocupando-se da morfologia e da fonologia.
17 Obra e Autor citado- p. 39 “(...): toda e qualquer manifestação lingüística, desde as mais simples às mais
complicadas, raramente encerram uma única função, aparecendo como espécies quimicamente puras, no dizer
de Copi. Ainda que haja uma função dominante, outras a ela se agregam no enredo comunicacional, tornando
difícil a tarefa de classificá-las.” Para contornar essa dificuldade concernente ao fato de que toda comunicação
efetiva exige certa combinação de funções PAULO DE BARROS propõe uma classificação das linguagens, de
acordo com as funções que cumprem no papel comunicacional.
- 14 -
Adotando um critério que parte das funções da linguagem no processo
comunicacional e da importância dos vários modos adotados pelo homem para
manipular os signos do seu idioma, leva em conta, o Professor, o animus18 que move
o emissor da mensagem (critério pragmático), sem desprezar as particularidades
sintáticas que as linguagens ostentam (critério sintático ou lógico) (p.39).192021 22
18
“Em comentários ligeiros, os recursos a serem utilizados pelo cientista variam segundo a região ôntica do
objeto a ser descrito. Há um tipo de veemência recomendado para o domínio dos entes físicos e naturais; outro
para o dos ideais e ainda outro para o dos culturais, levando-se em conta, nesse setor, a multiplicidade imensa de
manifestações objetais. Tudo para advertir, de maneira incisiva, que não é qualquer torneio retórico que convém
ao discurso da Ciência do Direito ou mesmo daquel‟outros produzidos com objetivo de convencer a autoridade
competente ou o juiz de direito nos respectivos autos
19 BARROS CARVALHO, Paulo de- “Linguagem e Método” – p. 40, 41 e 42 - Assim, dentre outras, identifica a
Linguagem Prescritiva de Condutas, a Linguagem Descritiva e a Linguagem Lógica A linguagem prescritiva
presta-se à expedição de ordens, de comandos, de prescrições dirigidas ao comportamento das pessoas. Todas
as organizações normativas operam com essa linguagem para incidir no proceder humano, canalizando as
condutas no sentido de implantar valores. As ordens não são verdadeiras nem falsas, mas sim válidas ou
inválidas ou não-válidas (valores lógicos). Esses valores lógicos, ensina PBC, não se confundem com os
modalizadores das condutas intersubjetivas. São três os modais da linguagem do direito: (OP) Obrigatório; (VP)
Proibido e (Pp) Permitidos . O chamado comportamento Facultativo (Fp) não é um, quarto modal, precisamente
porque se resolve sempre numa permissão bilateral: permitido cumprir a conduta, mas permitido também omiti-la
(Pp . P-p) A sintaxe dessa linguagem é estudada pela Lógica Deôntica, de que faz parte a Lógica Deôntico-
Jurídica, cujo objeto é a organização sintática da linguagem do direito positivo. A linguagem descritiva apresenta-
se como um feixe de proposições, afirmadas ou negadas, que remetem o leitor ou o ouvinte aos referentes
situacionais ou textuais. É linguagem própria para a transmissão de conhecimentos (vulgar e científico). Seus
enunciados se submetem aos valores de verdade e falsidade, razão pela qual essa sintaxe é estudada pela
Lógica Clássica (tb. Apofântica ou Alética). A relação entre o enunciado factual e o acontecimento por ele
informado só é possível se dispusermos de metalinguagem que afirme ou negue a correspondência entre
enunciado e fato.
20 Obra e Autor citados p. 68/69 - A linguagem descritiva do direito positivo caracteriza-se como uma
metalinguagem, cujo objeto de estudo é a linguagem prescritiva do direito positivo. A metalinguagem é uma
manifestação de linguagem que fala sobre outra linguagem. Igualmente a Lógica atua como uma
sobrelinguagem quer da linguagem prescritiva, como da linguagem descritiva do Direito
21A lógica, afirma PAULO DE BARROS CARVALHO é apenas um ponto de vista sobre o conhecimento. Ela
existe apenas onde houver linguagem. O raciocínio lógico deixa de lado a significação das palavras adotando
signo convencionalmente estabelecido que não aponta para um objeto específico, mas para o objeto em geral.
Assim, se a linguagem em seu conteúdo ao se referir aos homens refere-se a Pedro, Antonio ou Luis, a
linguagem lógica vai adotar “S”, como significado de “homem em geral” podendo tal signo substituir tanto “Pedro”
como “Antonio” ou “Luis”. Por outro lado, o predicado “mortal” poderá ser substituído pelo signo “P” (p. 70 a 74).
- 15 -
Portanto, a função do cientista do direito reside na sistematização dos
enunciados jurídicos, mediante a utilização de um método, de modo a definir as
conseqüências e efeitos das normas jurídicas e valores sobre os fatos concretos.
Nesse sentido, o presente trabalho adota o Construtivismo por entender que a
interpretação do direito decorre de uma posição pessoal do estudioso/intérprete,
perante os fatos recortados pelo Direito, não sendo possível deixar de lado as
circunstâncias históricas quer do legislador, quer do intérprete, sua formação e
princípios. Ademais o conhecimento do direito além de estar atrelado ao momento e
circunstância do estudioso/intérprete, decorre da relação pragmática entre a
linguagem do legislador e a sua percepção concreta pelos seus destinatários.
O presente estudo deverá valer-se dos instrumentos da Semiótica para buscar
construir interpretação jurídica das normas atinentes à matéria em estudo,
procurando “sair da significação de base” da expressão “política tarifária” utilizada
pelo constituinte, e, como propõe PAULO DE BARROS CARVALHO, ir em busca da
amplitude do discurso, para encontrar a sua significação contextual. Como restará
demonstrado, a significação de “política tarifária” a ser proposta será aquela em que
prevaleça a função semântica do vocábulo, ao passo que doutrina e jurisprudência,
em especial a doutrina do direito administrativo, consagram para a expressão uma
significação construída e proposta a partir da função pragmática da expressão.
Assim, na hipótese da frase “Pedro é mortal”, ao formalizarmos referido conteúdo haverá no dizer de PAULO DE
BARROS CARVALHO um “descontiniuum que representa verdadeiro salto para o território das entidades
lógicas”. Ensina o mestre que ao substituirmos o conteúdo “Pedro é mortal” por “S é P”, em que “S” refere-se ao
objeto e “P” ao predicado, será possível aplicar a mesma proposição “S é P” em domínio estranho, sendo cabível
preenche-la com as significações de qualquer linguagem-objeto. “LINGUAGEM E MÉTODO” –P. 68/69
22 PBC- “Linguagem e Método” – p. 82- Já o Direito Positivo é expresso em linguagem prescritiva. O legislador
seleciona fatos e regula condutas que recorta no campo social. Os fatos jurídicos previstos nos antecedentes e
conseqüentes das normas apresentam-se, no dizer de PBC, na forma de fenômeno físico, relações de causa e
efeito, mais o sentido jurídico que os permeia.
- 16 -
É fundamental para o presente trabalho a análise dos diversos signos
envolvidos na construção de sentido que se busca: a tarifa, a taxa e o preço público.
A construção e delimitação do conteúdo desses vocábulos poderão contribuir para
aprimorar as necessárias distinções e similitudes entre os mesmos, de modo a
contribuir para afastar interpretações doutrinárias e jurisprudenciais ainda hoje
contraditórias.
De fato, essas contradições e inseguranças aparecem claras quando
procedemos à leitura de votos proferidos nos Tribunais, quando buscam definir a
natureza jurídica de valores cobrados quer diretamente pelos entes de direito público
interno, quer pela execução indireta de serviços públicos, ou mesmo pela
disponibilização e utilização, pelos particulares, de bens públicos e serviços
comerciais e industriais (prestados pela União, Estados e Municípios, e respectivos
entes das administrações indiretas).
Importante tal distinção do ponto de vista científico e pragmático, considerando que a
taxa tem regime jurídico tributário estabelecido pelo legislador constitucional de modo
rigoroso e limitado por inúmeros princípios constitucionais e direitos e garantias dos
contribuintes. Por outro lado, ao lado dos serviços públicos, os serviços industriais e
comerciais que se encontram sob regime de direito privado também podem ser
prestados pelo Poder Público diretamente, ou pelas pessoas jurídicas que integram a
Administração Direta (empresas públicas, sociedades de economia mista,
autarquias, etc.)
- 17 -
3- DO SISTEMA CONSTITUCIONAL.
O que é sistema?
Para tratar da evolução histórica de Sistema, invocam-se as lições de WILLIS
SANTIAGO, consubstanciadas em seu "Teoria da Ciência Jurídica".23
3.1. Evolução Histórica De “Sistema”
O termo aparece já no século XVIII com o Movimento do Direito Racional
Jusnaturalista. Sistema, à época, coincidia com a idéia geral que se tem de um todo
funcional composto por partes relacionadas entre si e articuladas de acordo com um
principio comum. A teoria jurídica é entendida como uma construção sistemática da
razão e, em nome da própria razão, um instrumento de crítica da realidade a partir de
normas e padrões éticos contidos nos princípios reconhecidos pela razão.
O século XIX traz à baila a chamada Escola Histórica, a qual emprega pela
primeira vez a expressão Ciência do Direito. Nesse momento, instaura-se o confronto
que vai servir de orientação às mais diversas teoria jurídicas aparecidas desde
então. Trata-se da oposição entre a concepção sistemática, de caráter formal-
dedutivo e representada pelo jusnaturalismo racionalista e aquela que acentua a
inserção histórica e social do Direito, que determina a busca do direito onde ele
ocorre concretamente, isto é, na experiência jurídica dos povos. Savigny,
representante máximo dessa Escola, pugna contra a sistematização do Direito em
códigos escritos. Dentre os que enfatizam o aspecto da concreção histórico-social
temos a jurisprudência dos interesses e a concepção pragmática do direito norte-
americano, cuja oposição radical ao sistematismo é expressa na celebre frase do
Juiz Holmes: “ The life of the law has not been logic it has been experience”.
23
Saraiva, 2ª edição, 2009, p.38 a 76
- 18 -
A chamada Escola Pandectistica, defendeu a aplicação do Direito utilizando
elementos exclusivamente jurídicos, com a separação de outros quaisquer de ordem
política, econômica, ética, etc., prenunciando a idéia central do positivismo científico,
a qual remonta à diferenciação operada por Kant entre as ordens moral e jurídica,
donde resulta o formalismo como principio retor da pratica cientifica.
Com o Formalismo a ordem jurídica passa a ser vista como um sistema
fechado e pleno, com autonomia e independência da realidade social. Não há
lacunas no ordenamento jurídico, por ser sempre possível a subsunção lógica a
princípios ou conceitos devidamente construídos; a atividade judicial de aplicação do
direito é automática, em razão da referida subsunção silogística; o ensino jurídico
torna-se um treino de manejo de conceitos desvinculados da realidade pratica.
O Formalismo além de distribuir as diversas matérias do conhecimento em
compartimentos estanques, inaugura uma cisão radical entre o sujeito cognoscente e
o objeto cognoscível, postulando o valor científico de conhecimentos objetivos,
validos universalmente, cuja veracidade se opõe a qualquer sujeito.
O positivismo normativista de Kelsen vai lançar mão de um princípio
transcendental, suprapositivo para identificar as normas jurídicas positivas que
consiste na Norma Fundamental. A superação do modelo de ciência jurídica
normativista começa quando a necessária interpretação das normas jurídicas não se
mostra mais satisfatória apenas com base em outras normas. Abandona-se o
enfoque meramente formal, enfatizando a necessidade de buscar inserção social
daquelas questões, os interesses que estavam por trás delas, os valores que elas
faziam entrar em choque
O isolamento e a especialização técnica da elaboração jurídica típica do
positivismo terminam por proteger o status quo dos embates ideológicos e sociais.
Os conceitos centrais da ciência jurídica normativista – autonomia privado, direito
- 19 -
subjetivo, propriedade individual, relação jurídica, liberdade contratual -, vieram ao
encontro dos interesses da classe empresarial emergente.
A concepção positivista, porem, foi duramente criticada por todos - socialistas,
correntes autoritárias e representantes do próprio liberalismo -, o que influenciou a
virada de Jhering do Pandectismo para o que veio a se chamar a Jurisprudência dos
Interesses (inicio do século XX). Trata-se de paradigma científico que propõe um tipo
de explicação finalística (teleológica) para o Direito, levando-se em conta
principalmente a categoria extranormativa dos interesses em conflito a serem
juridicamente harmonizados, mas evitando-se, contudo, o recurso a elementos
suprapositivos. Jhering introduz o método teleológico de interpretação, pelo qual se
há de buscar, para além da intelecção gramatical, filológica, histórica e sistemática, a
finalidade social, os interesses individuais, coletivos e públicos, que são beneficiados
ou prejudicados com determinada interpretação, em busca do estabelecimento de
um equilíbrio entre esses diversos interesses, para que sejam atendidos na justa
proporção, requerida pela idéia de igualdade.
É essa a idéia de proporcionalidade, de sopesamento entre bens jurídicos
conflitantes, que será projetada no centro da metódica interpretativa, na
Jurisprudência dos Interesses e, mais ainda, naquela forma como ela hoje se
apresenta: a Jurisprudência das Valorações. O coroamento dessa evolução e o
advento do Estado Social, estabelecido constitucionalmente.
3.2. O Direito Positivo como “Sistema”
O Direito Positivo pode ser entendido como um Sistema?
Sistema Jurídico é expressão ambígua que, em alguns contextos, pode
provocar equívoco. Com esse nome encontramos designados tanto o Sistema da
Ciência do Direito quanto o do Direito Positivo (ordenamento)..
- 20 -
Há dúvidas no que concerne à amplitude significativa da locução, pois não
faltam os que negam a possibilidade de o Direito Positivo apresentar-se como
sistema, configurando aquele caos de sensações a ser ordenado pelas categorias do
pensamento, a que aludiu Kant. A Ciência do Direito, organizando descritivamente o
material colhido do direito positivo, atingiria o nível de sistema24
Assim por exemplo, para MARIA HELENA DINIZ, o direito não é um sistema,
mas uma realidade que pode ser analisada sistematicamente pela ciência jurídica,
para facilitar seu conhecimento e sua aplicação25.
Diversa, porém, a posição de PAULO DE BARROS CARVALHO, para quem o
direito posto, enquanto conjunto de enunciados prescritivos que se projetam sobre a
região material das condutas interpessoais, há de ter um mínimo de racionalidade
para ser compreendido pelos sujeitos destinatários, circunstância que lhe garante,
desde logo, a condição de sistema26
Ensina aquele mestre que onde houver um conjunto de elementos
relacionados entre si e aglutinados perante uma referência determinada, ter-se-á a
noção fundamental de sistema27. Partindo da significação de base procura examinar
na palavra Sistema quais as possibilidades de uso que o idioma oferece para
expressar a conjunção de elementos governados por uma idéia comum.
Sobre a condição de Sistema do Direito Positivo, ensina Paulo de Barros
Carvalho que o material bruto dos comandos legislados, mesmo antes de receber o
tratamento hermenêutico do cientista dogmático, já se afirma como expressão
24
CARVALHO, Paulo de Barros- “Derivação e Positivação no Direito Tributário”- Vol. II, Ed. NOESES, 2013, P.
186/187
25 Ob citada, p.21
26 Obra e Autor citado, p.187
27 Curso de Direito Tributário,2012,24ª edição, Ed. Saraiva, p. 171
- 21 -
lingüística de um acto de fala, inserido no contexto comunicacional que se instaura
entre enunciador e enunciatário. De seu turno, o trabalho que a doutrina elabora
sobre o direito positivo, em nível de sobrelinguagem, pode ser objeto de sucessivas
construções hermenêuticas, porque a compreensão é inesgotável. Entende, pois que
Sistema é o discurso da Ciência do Direito, mas Sistema também é o domínio finito,
mas indeterminável do Direito Positivo.
A linguagem do constituinte não é técnica, mas reflete os anseios da
sociedade relativamente à organização pretendida para determinado Estado. Cabe,
pois, ao estudioso do direito, verter a linguagem do constituinte para um sentido
técnico.
Portanto, analisado sistematicamente, o direito constitucional pode ser
entendido como um plexo de normas jurídicas que visam, de um lado, estabelecer a
organização e funcionamento do Estado, bem como o exercício do poder pelos
órgãos estatais e, de outro, as limitações desse exercício mediante a fixação dos
direitos e garantias individuais e sociais.
3.3 Ordenamento E Sistema
Seriam sinônimos? Paulo de Barros Carvalho, em seu Curso de Direito
Tributário28 emprega livremente ordenamento como sinônimo de ordem positiva,
direito posto e direito positivo.
Não obstante, vários autores distinguem as expressões. Assim, conforme
assinala aquele jus filósofo, segundo esse entendimento os enunciados prescritivos
assim que postos em circulação como conjunto de decisões emanadas das fontes de
produção do direito, formariam matéria bruta a ser ordenada pelo cientista, à custa
de ingentes esforços de interpretação e organização das unidades normativas em
28
p.178 a 180
- 22 -
escalões hierárquicos, até atingir o nível apurado de sistema, entidade que
apareceria como resultado desse intenso labor estruturante, sem contradições,
isento de ambigüidades e pronto para ser compreendido pelo destinatário. Segundo
esse padrão, o Direito posto não alcançaria o status de “Sistema”, reservando-se o
termo para designar a contribuição do cientista, a atividade do jurista que,
pacientemente, compõe as partes e outorga ao conjunto o sentido superior de um
todo organizado. Ordenamento e Direito Positivo, de um lado, Sistema e Ciência do
Direito, de outro, seriam binômios paralelos, em que os dois últimos termos implicam
os primeiros.
3.4. A Constituição Como Norma Máxima Do Ordenamento Jurídico.
A norma constitucional pode ser entendida como norma jurídica
A norma constitucional nem sempre será enquadrada no esquema teórico
proposto por Kelsen, que identifica a norma jurídica com um juízo ou proposição
hipotética, em que se prevê um fato e uma conseqüência dele decorrente29.
Nas lições de MIGUEL REALE a referida estrutura lógica somente
corresponde a algumas categorias de normas, como aquelas que disciplinam os
comportamentos sociais, não alcançando as que dispõem sobre a organização do
Estado ou que fixam atribuições de ordem pública ou privada: Nesses casos não se
tem uma prescrição condicional ou hipotética, mas sim categoria que independe de
qualquer condição para sua incidência. Exemplo: Artigo 18 parágrafo 1º da
Constituição Brasileira : “Brasília é a Capital Federal”.30
29
GARCIA, Emerson - Conflito entre Normas Constitucionais- Esboço de uma Teoria Geral – 2008, Ed. Lumen
Juris, p. 157
30 Lições Preliminares de Direito, 27ª ed., 3ª tiragem, Sao Paulo, Saraiva, 2003 p. 93 e 94
- 23 -
A Constituição pode ser concebida como um sistema de normas jurídicas,
acomodando tanto prescrições hipotéticas, como prescrições categóricas.31
O texto da Constituição é o espaço, por excelência, das linhas gerais que
informam a organização do Estado. A ordem jurídica apresenta normas dispostas
numa estrutura hierarquizada, regida pela fundamentação ou derivação, que se
opera tanto no aspecto material quanto no formal ou processual, o que lhe imprime
possibilidade dinâmica, regulando, ele próprio, sua criação e seus modos de
transformação. Examinando o sistema de baixo para cima, cada unidade normativa
encontra-se fundada, material e formalmente, em normas superiores. Invertendo-se o
prisma de observação, verifica-se que das regras superiores derivam, material e
formalmente, regras de menor hierarquia. A Carta Magna exerce esse papel
fundamental na dinâmica do sistema, pois nela estão traçadas as características
dominantes das várias instituições que a legislação comum posteriormente
desenvolverá32
A Constituição, como fundamento de validade de todo o ordenamento jurídico,
estabelece o modo como as normas jurídicas serão produzidas, e, por vezes, os
parâmetros do conteúdo das mesmas.
Contém, portanto, normas básicas que determinam “como” e “por quem” vão
ser elaboradas as demais normas que lhe são inferiores. A norma constitucional
apresenta, assim, preceitos sobre a produção de outras normas33.
No dizer de LOURIVAL VILANOVA34, o sistema de proposições normativas
contém como parte integrante de si mesmo, as regras (proposições) de formação e
de transformação de suas proposições.
31
GARCIA, Emerson, obra citada, p. 158
32 CARVALHO, Paulo de Barros
33 DINIZ, Maria Helena, ob. Cit. P. 14) “Derivação e Positivação no Direito Tributário”, Vol. II, 2013, p. 188
34 “As Estruturas Lógicas e o Sistema do Direito Positivo”- NOESES, 2005, p.167 e 168
- 24 -
Para aquele Professor, as normas que estatuem como criar outras normas,
isto é, as normas-de-normas, ou proposições-de-proposições, não são regras
sintáticas fora do sistema. Estão no interior dele. Não são metassistemáticas, apesar
de constituírem um nível de metalinguagem (uma linguagem que diz como fazer para
criar novas estruturas de linguagem). A unidade e a unicidade caracterizam o
sistema do Direito Positivo.
Para o Professor VILANOVA, as proposições normativas integrantes do
sistema jurídico têm o mais variado conteúdo. São formas que se saturam com
referências a fatos do mundo. A unidade do sistema jurídico é formal. Não provém da
homogeneidade de uma região de objetos. O que interliga proposições normativas
dos mais variados conteúdos é o fundamento de validade que cada uma tem no
todo. Na norma fundamental reside o fundamento limite de validade.
O conceito de ordenamento jurídico é tratado por ROQUE CARRAZZA, que o
concebe como um conjunto de normas dispostas hierarquicamente, que se ordenam
segundo uma relação sintática, pelas qual as normas inferiores recebem respaldo de
validade daquelas que as encimam, até o patamar máximo que é o constitucional35.
Sobre a Constituição, o Professor ROQUE CARRAZZA lembra que ela ocupa
o nível supremo da ordem jurídica, acima do qual não se reconhece outro patamar
de juridicidade positiva. É ela que enumera os princípios fundamentais, organizativos
e finalísticos da comunidade estatal, definindo as relações do poder político, dos
governantes e governados e - respeitados os direitos e garantias individuais e sociais
e o principio da livre iniciativa – até das pessoas físicas e jurídicas 36.
Além disso, afirma o jurista, a Constituição, longe de ser, na estrutura
hierárquica do ordenamento, simplesmente uma lex superior, também é a matriz de
35 “Curso de Direito Constitucional Tributário, 27ª Ediçai, 2011, p. 35
36 Obra citada, p. 36
- 25 -
todas as manifestações normativas do Estado, já que regula o processo de criação
de normas jurídicas e traça os princípios, as diretivas e os limites para o conteúdo
das leis futuras.37
3.5. DAS NORMAS DE ESTRUTURA E NORMAS DE CONDUTA
Para Paulo de Barros Carvalho, a lei constitucional abriga em grande parte,
regras de estrutura, quer dizer, normas que prescrevem como outras normas devem
ser produzidas, modificadas ou extintas.
São verdadeiras sobrenormas, porque falam não diretamente da conduta que suscita
vínculos tributários, mas do conteúdo ou da forma que as regras hão de conter.
Na Lei das Leis estão consignadas as permissões para os legislativos da União,
Estados e dos Municípios instituírem seus tributos, como também é lá que estão
fixados os limites positivos e negativos da atividade legiferante daquelas pessoas.
Igualmente, é o texto constitucional portador de grandes princípios que servem como
diretrizes supremas a orientar o exercício das competências impositivas,
consagrando os postulados do Estado e, em contrapartida, preservam e garantem os
direitos individuais dos cidadãos
Ensina ainda o jus filósofo que toda e qualquer norma jurídica, simplesmente
por integrar o sistema, tem que ver com disciplina das condutas entre os sujeitos da
interação social. Porém em uma análise mais fina das estruturas normativas, o
Professor identifica unidades (normas) que tem como objetivo final ferir de modo
decisivo os comportamentos interpessoais, modalizando-os deonticamente como
obrigatórios (O), proibidos (V) e permitidos(P), com o que exaurem seus propósitos
regulatorios. Tais regras, quando satisfeito o direito subjetivo do titular por elas
indicado, são terminativas de cadeias de normas. Outras, paralelamente, dispõem
37
Obra e autor citado, p.40
- 26 -
também sobre condutas, tendo em vista, contudo a produção de novas estruturas
deôntico-jurídicas.
São normas que aparecem como condição sintática para a elaboração de
outras regras, a despeito de veicularem comandos disciplinadores que se vertem
igualmente sobre os comportamentos intersubjetivos. Este tipo de norma tem caráter
mediato, requerendo outra prescrição intercalar, de modo que a derradeira
orientação dos comportamentos intersubjetivos ficará a cargo de unidades (normas)
que serão produzidas sequencialmente.
Para melhor comunicar seu raciocínio o Professor PAULO DE BARROS
trabalha com dois exemplos: (a) Regra de Conduta: Antecedente: prestar serviço de
peritagem no Município de São Paulo, dando-se como prestado o serviço no instante
da entrega do correspondente laudo pericial. Consequente: o prestador devera pagar
à Fazenda Municipal o valor correspondente a 5% do valor cobrado pelo trabalho; (b)
Regra de Estrutura: Antecedente: dado o fato da existência do órgão legislativo
municipal. Consequente: deve ser a competência para que esse órgão edite a
normas sobre o ISSQN38
Ensina PAULO DE BARROS CARVALHO que uma vez cristalizada a limitação
ao poder legiferante, pelo seu legítimo agente (o constituinte), a matéria dá-se por
pronta e acabada, devendo o legislador infraconstitucional regulá-la nos exatos
termos constitucionalmente prescritos.
TACIO LACERDA GAMA, ao analisar a competência como norma que regula
a criação de outras normas, assevera que o ordenamento regula ações humanas
que se dividem em sociais em geral e ações de criar outras normas, entendendo que
o “criar normas” é uma conduta regulada pelo próprio sistema de direito positivo39.
38
Autor Citado, Fundamentos Juridicos da Incidencia Tributaria- 8ª ed.,2010, Ed. Saraiva, p. 62 e 63
39 In “Competência Tributária- Fundamentos para uma Teoria da Nulidade, Ed. Noeses,2009,p.24
- 27 -
Para o autor, as normas de competência regulam a conduta de criar outras
normas e estabelecem efetiva sanção pelo descumprimento de seus preceitos: a
invalidade da norma criada.
Buscando traduzir a linguagem do direito positivo para o plano das fórmulas
lógicas, TACIO GAMA parte da estrutura básica prevista para toda e qualquer norma
jurídica, segundo a qual (F→Rj) v (-Rj→Rj’), ou seja, dado um fato deve ser a
instauração de uma relação jurídica e, não cumprida a relação jurídica deve ser uma
nova relação de cunho sancionatório coercitivo; a partir daí, afirma o autor, deve o
intérprete promover, a partir do conceito de competência jurídica, sucessivos
enriquecimentos semânticos, saturando de sentido as variáveis da fórmula
anteriormente enunciada.40
No mesmo trabalho TACIO GAMA lembra que HART coloca como condição
de possibilidade de um sistema jurídico o preenchimento dos seguintes requisitos: de
um lado, normas de conduta que regulam o comportamento dos agentes sociais e,
de outro, regras que indicam como reconhecer normas jurídicas, como produzi-las
validamente e como determinar sua expulsão do sistema. As primeiras – normas de
conduta – HART chamou de normas primárias. As segundas – que disciplinam a
relação dos cidadãos com as normas - chamou de normas secundárias.
Adotando essa classificação TACIO GAMA entende que as normas de
competência são justamente normas secundárias, pois disciplinam quem, como e
onde se podem produzir novas normas jurídicas válidas. São normas que tratam de
outras normas, daí por que não prescreveriam direitos e deveres a quem quer que
seja. Seu papel consistiria em qualificar sujeitos, atribuindo-lhes a faculdade de editar
novas normas, estas sim, prescrevendo condutas41.
40
“Competência Tributaria” –p. 62
41 Obra e autor citados, p. 28 e 29
- 28 -
Para CRISTIANO CARVALHO42, o sistema jurídico é formado por elementos e
uma estrutura, e caracteriza-se por suas qualidades auto-reguladoras e auto-
produtora. Nesse sentido propõe denominar normas de produção normativa ou
metanormas as normas que regulam a criação de outras normas no sistema. Por
entender que o direito fala de si mesmo, o autor justifica as denominações propostas
com o entendimento de que as normas de produção normativa operam com a função
de linguagem metalingüística: são normas que falam de outras normas, o que lhes
confere o status de metanormas do sistema jurídico43.
O mesmo autor aponta os critérios ditados pela Constituição e pelo sistema,
para a produção de normas: 1) órgão competente para produzir o diploma
normativo que é a mensagem cujo sentido será a norma inserida no ordenamento; 2)
procedimento previsto em normas constitucionais ou infraconstitucionais para a
produção do diploma normativo; 3) matéria a ser normatizada44.
42
In “Teoria do Sistema Juridico” Ed Quartier Latin, 2005, p. 196
43 Obra e autor citados, p. 196
44 Obra e autor citados, p.197
- 29 -
4-DA INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS
4.1. Interpretação como Construção de Conteúdo
Preliminarmente, no dizer de MARTIRES COELHO, e também segundo as
lições do Professor PAULO DE BARROS CARVALHO deve ser destacado o caráter
lingüístico de qualquer interpretação, a exigir que os interlocutores falem a mesma
linguagem, como condição de possibilidade de sua mútua compreensão. Daí
decorre, em rigor e imediatamente, a perda de sentido da velha disputa entre
aqueles que atribuem à função interpretativa a finalidade de descobrir, por detrás das
normas jurídicas, uma suposta vontade do legislador, e os que, também
voluntaristas, impõem ao intérprete o dever de se curvar às palavras ou à vontade da
lei, como condição de legitimidade de todo labor hermenêutico. O objeto da
interpretação, segundo Emilio Betti, invocado por MARTIRES COELHO, não é a
vontade como tal, mas a forma em que está explicitada: o feito ou falado.45
PAULO DE BARROS CARVALHO propõe entender o vocábulo “interpretação”
na sua acepção mais ampla, abrangendo o que ficou conhecido como hermenêutica
filosófica46, ou seja, a atividade intelectual que se desenvolve à luz de princípios
hermenêuticos, com a finalidade de construir o conteúdo, o sentido e o alcance das
regras jurídicas.
O Direito Brasileiro se assenta em textos normativos editados pelo
constituinte, pelo Legislativo e pela Administração, dos quais se extrai um conjunto
normativo de estrutura piramidal, em cujo ápice encontra-se um conjunto de normas
dotadas de rigidez e supremacia, cuja superioridade normativa é efetivada por um
denso controle judicial. Diante dessa coadunação de fatores – sistema da Civil Law,
monopólio judicial da jurisdição, sistema misto de controle de constitucionalidade -, a
4545
MARTIRES COELHO, Inocencio, Curso de Direito Constitucional, , 4ª edição, 2009, ed. Saraiva, p. 97
46 Adota o pensamento de Heidegger e de Gadamer. Para este último, interpretar é criar, produzir, elaborar
sentido, diferentemente do que proclamaou a Hermenêutica tradicional, em que os conteudos de significação dos
textos legais eram “procurados”, “buscados” e “encontrados” mediante as chamadas técnicas interpretativas.
- 30 -
doutrina da Constituição rígida encontra no direito positivo brasileiro arrimo
máximo47.
4.2. Dispositivo Legal e Norma Jurídica.
Para Paulo de Barros Carvalho, toda interpretação que venha a desconsiderar
o sistema de normas constitucionais, não será confiável.
De fato, para aplicar a norma ao fato concreto, não basta a leitura de um único
dispositivo constitucional, isto porque o dispositivo não se confunde com a norma
jurídica. A norma caracteriza-se por um conjunto de prescrições (dois ou mais
dispositivos), não necessariamente alocados em um mesmo texto legal. A norma
jurídica poderá ser encontrada em mais de um texto, porque é composta pelo
conjunto de prescrições positivas que se referem a um mesmo instituto legal.
No entender de EMERSON GARCIA, o texto é uma mera fração da norma que
congrega, além de aspectos lingüísticos, aqueles decorrentes das especificidades
históricas e culturais inerentes ao seu âmbito de incidência. Assim, para o autor, a
norma jurídica é o resultado de um processo construtivo, direcionado pela realidade
e conduzido pelo intérprete a partir de seu texto.48 Uma norma jurídica resulta da
conjunção de significados normativos que podem defluir de diversas leis ou artigos
de leis, editados em épocas diferentes por diferentes corpos legislativos.
Para o autor, o texto normativo não sofre a ação do tempo e não recebe
influxos do meio social, permanecendo intocado enquanto formalmente em vigor. A
norma, ao revés, recebe uma influência decisiva desses fatores, sendo possível que
do mesmo texto emanem normas diametralmente opostas, estando sua identificação
47
MARTINS, Ricardo Marcondes, in “Regulação Administrativa à luz da Constituição Federal,MALHEIROS 2011,
p. 39 e 40
48 Conflito entre Normas Constitucionais- Esboço de uma Teoria Geral
- 31 -
suscetível a inúmeros fatores exógenos, influenciando o processo de interpretação
do texto a luz da realidade que deve regular.
4.3. Processo Dialético Da Compreensão Do Texto
Ensina ainda EMERSON GARCIA que enquanto as disposições normativas
estão no interior do ato normativo (efeito ou produto das fontes do direito), as normas
estão no exterior, assumindo um significado próprio: não é por outra razão que
costumam divergir, máxime com o fluir do tempo, do sentido anteriormente atribuído
às respectivas disposições que a originaram.
Dai se falar num processo de mutação constitucional permanente ou em
metamorfoses normativas sem 49alteração textual. Ainda que o iter de concretização
da norma se principie em um texto específico, múltiplos outros influenciam no
delineamento de seu contorno final, isto sem olvidar o relevante papel
desempenhado pelos princípios jurídicos que reforçam a correção da solução
alvitrada no texto, atenuam a sua aspereza ou exasperam a sua leniência, permitindo
a harmônica convivência de distintos bens e valores, característica inerente às
sociedades democráticas e pluralistas. Daí se dizer que interpretação e aplicação da
norma formam um processo unitário.50
Citando Martin Kriele, INOCÊNCIO MÁRTIRES COELHO escreve que não se
pode interpretar nenhum texto jurídico a não ser colocando-o em relação com
problemas jurídicos concretos (reais ou imaginários), com soluções que se procuram
para os casos correntes, porque é somente na sua aplicação aos fatos da vida e na
concretização, que assim necessariamente se processa, que se revela
49
p. 161
50 p.162
- 32 -
completamente o conteúdo significativo de uma norma e ela cumpre a sua função de
regulamentar situações concretas51.
Afirma ainda o jurista que a cada concretização os modelos normativos se
ampliam e se enriquecem, constituindo-se o processo dialético da compreensão
como atividade infinita, seja porque uma interpretação, que até então parecia
adequada, mais adiante pode vir a mostrar-se incorreta, seja porque de acordo com
a época em que vive o interprete e com base no que então ele sabe não se excluem
outras interpretações que, precisamente para aquela época e para o que nela se
sabe, serão as melhores e mais adequadas, sem que essas novas formas de
compreensão signifiquem a condenação, como erradas, de quantas se produziram
anteriormente52.
Ao cuidar da interpretação judicial, MÁRTIRES COELHO assevera que nesse
terreno as exigências sociais são imediatamente absorvidas e racionalizadas pelo
aplicador do direito, sob a forma de mutações normativas ou novas leituras dos
mesmos enunciados normativos, leituras tão inovadoras que chegam a criar modelos
jurídicos inteiramente novos, o que, tudo somado, só faz confirmar a encarecida
distinção entre texto e norma53
A norma não se confunde com as proposições jurídicas que a Ciência do
Direito54 produz ao descrevê-la, sob a forma, quase sempre, de juízos hipotéticos55.
51
Autor Citado- Curso de Direito Constitucional- GILMAR FERREIRA MENDES, INOCENCIO MARTIRES
COELHO e PAULO GUSTAVO GONET BRANCO- 4ª edição, 2009. Editoras Saraiva e Instituto Brasiliense de
Direito Públicos p. 78
52 obra e autor citados, p. 78 e 79
53 autor e obra citados, p.79
5454 TERCIO FERRAZ JR- A CIENCIA DO DIREITO- P. 18 E SEGUINTES- . o autor traça um panorama da
Historia da Ciência do Direito de modo a mostrar como essa ciência, em diferentes épocas, se justificou
teoricamente. A expressão Ciência do Direito é relativamente recente, tendo sido inventada no século passado
pela Escola Histórica Alemã, que se empenhou em dar à investigação do Direito um caráter científico. Entre os
romanos essa preocupação não existia, visto que a teorização romana sobre o Direito ligavam-se à práxis
jurídica. O jurista colocava o problema e buscava argumentos. Tratava dos conflitos e suas soluções. Na ciência
- 33 -
As leis são enunciados literais buscando um fim. As proposições normativas
são descrições das normas jurídicas que defluem do universo legislado, produzidas
por um sujeito (jurista ou juiz). 56
Encontrada a norma jurídica, ainda assim não cabe falar em sistema jurídico,
que se caracteriza pela coexistência de normas jurídicas que guardam coordenação
entre si e que são informadas por princípios comuns que lhes dão unidade.
jurídica dos romanos está presente, de modo agudo, a problemática da chamada ciência prática, do saber que
não apenas contempla e descreve, mas também age e prescreve. A chamada ciência européia do Direito nasce
propriamente em Bolonha, no século XI, com o aparecimento de uma resenha critica dos Digestos justinianeus
transformados em texto escolar do jus civile europeu. Tomando como base esses textos, os juristas da época
passaram a dar-lhes tratamento metódico, e desenvolveram uma técnica especial de abordagem de textos pré-
fabricados e aceitos por sua autoridade e, caracterizada pela exegese ou explicação do sentido, pela
concordância, pela distinção. Neste confronto entre o texto estabelecido e o seu tratamento explicativo é que
nasce a Ciência do Direito com seu caráter eminentemente dogmático. Na leitura e aplicação dos textos
dogmáticos os juristas se empenhavam em uma harmonização entre os textos (exegética) de modo a enfrentar a
falta de acordo relativamente comum dos textos. Assim as suas contrariedades davam lugar a dúvidas e à sua
discussão cientifica que exigia uma solução, usualmente chamada de elaboração de concordância, cujo método
mais simples era a subordinação (hierárquica) de autoridades, ou, quando as autoridades tinham a mesma
dignidade, a distinção de peculiaridades, que acabavam por fazer que cada texto se mantivesse num circulo
limitado de validade. Trata-se da ciência jurídica dos glosadores que dominou a Ciência do Direito sem oposição
até o século XVI, quando começou a ser criticada quanto à falta de sistematicidade. A ligação entre ciência e
pensamento sistemático pode ser datada do século XVII. A Ciência do Direito, nos quadros do jusnaturalismo,
quebra o elo entre jurisprudencia e procedimento dogmático fundado na autoridade dos textos romanos, mas não
rompe com o caráter dogmático que tentou aperfeiçoar, ao dar-lhe a qualidade de sistema, que se constrói a
partir de premissas cuja validade repousa na sua generalidade racional. A teoria jurídica passa a ser um
construído sistemático da razão e, em nome da própria razão, um instrumento de crítica da realidade. O século
XIX representa ao mesmo tempo a destruição e o triunfo do sistema legado pelo jusnaturalismo, que baseava
toda sua força na crença ilimitada da razão humana. Em Savigni o sistema perde, em parte, ou pelo menos na
aparência, o caráter absoluto da racionalidade lógico-dedutiva que envolve, com sentido de totalidade perfeita, o
jurídico. A Escola Histórica, sobretudo por intermédio de Savigni, estabelece uma íntima ligação entre Direito e
Historia, entre Ciência do Direito e sua pesquisa histórica, como forma de estabelecer o que no passado ainda
seria utilizável no presente.
55 SACHA CALMON NAVARRO COELHO, in Curso de Direito Tributário Brasileiro, 9ª. edição, 2006,Ed. Forense,
p. 27 56
Idem, ibidem, p. 27
- 34 -
4.4. Dos Princípios e Valores Constitucionais - Importância na Interpretação
das Normas Constitucionais
Desse modo, transpondo a noção de sistema jurídico para análise da
Constituição Federal, podemos afirmar que o sistema constitucional consiste no
conjunto de normas constitucionais, que são harmonizadas mediante a aplicação de
princípios constitucionais.
Em sua concepção clássica, de alicerce jus naturalista, os princípios seriam
proposições supremas, de natureza universal e necessária, extraídos da natureza
humana, sendo informados por elementos da razão, da consciência e pela interação
do homem com o ambiente.
Já para os positivistas, que encontram na Teoria Pura de KELSEN a sua
pedra fundamental, os princípios, em essência, são proposições básicas, verdadeiros
alicerces do sistema jurídico, sendo utilizados para limitar e direcionar a sua
aplicação: seriam instrumentos de interpretação e de integração. Podem ser
explícitos ou implícitos, conforme estejam expressamente previstos no direito positivo
ou sejam dele extraídos com a utilização de um processo hermenêutico, permitindo
sejam densificados e aplicados pelo intérprete. Hodiernamente, tem-se a total
maturação do entendimento de que os princípios deixaram de ser meros
complementos das regras, passando a ser vistos como formas de expressão da
própria norma, que e subdividida em norma e principio57
Os princípios conferem unidade e coerência ao sistema, desempenhando um
relevante papel no processo de interpretação constitucional. Pode-se afirmar que o
método sistemático de interpretação é necessariamente influenciado pelos princípios,
que conectam espécies normativas aparentemente dissociadas entre si,
harmonizando-as e integrando-as. Os princípios, em face de sua maior generalidade,
57
GARCIA, Emerson- Conflito entre Normas Constituiconais- esboço de uma Teoria Geral- 2008, Ed Lumen
Juris, p. 177 e 178
- 35 -
permitem a identificação dos pontos de contato existentes entre as demais normas e
contribuem para a sua compatibilização, desempenhando um relevante papel na
eliminação de antinomias aparentes58
4.5. Da Interpretação Conforme a Constituição
Da supremacia da Constituição decorre uma valiosa ferramenta para a
hermenêutica jurídica: a regra da interpretação conforme a Constituição, da qual se
extraem vários desdobramentos. Primeiro deles: todo o direito infraconstitucional
deve ser compreendido à luz da Constituição; há uma preeminência normativa da
Constituição, impositiva da exigência da leitura e releitura da ordem
infraconstitucional tendo por base o texto da Lei Maior.
Essa preeminência impõe o dever de interpretar todas as normas
infraconstitucionais sob o prisma da “axiologia constitucional”, de modo a apurar o
significado indicativo da máxima realização dos valores positivados na Lei
Fundamental, considerada a exata medida em que foram positivados pelo
constituinte59.
RICARDO MARCONDES MARTINS, ao tratar do tema da interpretação
conforme a Constituição invoca Paulo Ricardo Schier para mencionar um terceiro
efeito, ainda mais importante, do referido método: a filtragem constitucional. Vale
dizer, toda ordem infraconstitucional deve ser lida a partir de uma Constituição
fundada em princípios jurídicos, tomados como normas jurídicas autônomas. Pela
filtragem constitucional as normas infraconstitucionais não são apenas
compreendidas à luz da Constituição, são consideradas desdobramentos do texto
constitucional; ou melhor, concretizações dos valores nele positivados.
58
Obra e Autor citados, p. 192
59 MARTINS, Ricardo Marcondes, - “Regulação Administrativa......- p. 41
- 36 -
Pela filtragem o Direito foi praticamente reconstruído: hoje é impossível
estudar qualquer ramo dogmático sem detida análise do texto constitucional. Se uma
norma jurídica pode ser interpretada de duas ou mais maneiras, uma compatível com
a Constituição e outra incompatível, impõe-se ao intérprete a escolha da primeira.
Mais ainda: se forem possíveis duas ou mais interpretações, todas compatíveis com
a Constituição, mas uma delas configurar-se a melhor, porque mais adequada à
axiologia constitucional que as demais, ela é impositiva ao interprete. Nesse último
caso há o que a doutrina chama de interpretação orientada para a Constituição.
O intérprete, porém, não pode substituir-se ao agente normativo. Dai a
importância dos limites impostos à aplicação da regra da interpretação conforme: a
interpretação não pode contrariar o sentido inequívoco que se extrai da fórmula
normativa objetivada no texto60. Ocorre que o dever de fidelidade ao texto não
significa que o resultado da interpretação seja algo meramente matemático ou lógico
dedutivo. O interprete não faz uma álgebra de significados (...) 61
O primeiro intérprete da linguagem contida nas normas constitucionais
detentoras de poder de criação e propagação da realidade é o legislador, seja ele
constitucional ou infraconstitucional, que, como já afirmado, nem sempre é um
técnico62.
4.6. A Interpretação não é Neutra
Sobre o tema, afirma MARCO AURÉLIO GRECO63 que as normas, seja por
consagrarem valores, seja porque o intérprete deles também é portador, implicam,
igualmente, valorações que interferem na operação de fragmentação e recomposição
do discurso normativo, ou seja, o primeiro ponto a considerar é que a interpretação
60
MARTINS, Ricardo Marcondes, p. 43,44
61 GRECO, Marco Aurelio, obra citada, p. 496
62 GONÇALVES JR, Jerson Carneiro- Vilém Flusser, p. 351
63 in “Planejamento Tributário” , 3ª Edição, Dialética, p. 492
- 37 -
interfere diretamente no resultado do processo de aplicação do direito positivo,
inclusive no campo judicial (...)
Em razão do papel desempenhado pela Constituição no Estado de Direito,
que não assume uma perspectiva neutral, não será incorreto afirmar que de suas
disposições se extrai uma certa ordem de valores, necessariamente presentes nas
opções políticas fundamentais do constituinte64
Portanto, interpretação é, em última análise, a expressão de como o
intérprete, através do texto, vê e constrói seu próprio mundo65, seu ambiente num
determinado contexto66. De qualquer modo, o intérprete, para desenvolver o seu
mister, deve escolher uma concepção filosófica para a compreensão do direito posto.
64
GARCIA, Emerson, obra citada, p. 194
65 A ideologia corresponde a uma valoração de valores; implica dar diferentes graus de relevância para certo
conjunto de valores. Isto tem influência na medida em que o objeto da interpretação não é o mundo do texto, nem
o mundo atrás do texto, mas o mundo na frente do texto. Esta visão coloca o intérprete não mais numa posição
de mero descritor da realidade, mas de alguém que, no processo de compreensão e construção do seu mundo,
vai agregar aquele grau de relevância que considera adequado para os valores que estejam consagrados
naquele determinado ordenamento. e. a partir disto, encontrar a resposta adequada à situação a resolver. OBRA
CITADA, P. 505
66 GRECO, Marco Aurelio- in “Planejamento tributário” p. 501/502. Trata-se de entendimento do Filósofo Paul
Ricoeur ao e analisa a “interpretação” no nível pragmático da Semiótica. Sobre o tema “interpretação e
ideologias” Greco cita entendimento de Paul Ricoeur que ao examinar a atividade do interprete procura mostrar
qual mundo ele “interpreta”. Uma primeira visão afirma que na relação entre intérprete e texto interpreta-se o
mundo do texto, ou seja, o texto seria compreendido enquanto tal; segundo essa visão, o intérprete deveria
expressar o que o texto diz. . Esta postura recebe criticas porque não é bem assim, pois o texto sozinho não diz
nada; basta pensar na datilografia de uma determinada poesia (...) O texto isolado nada diz. Daí surge uma
segunda visão segundo a qual não se interpreta o mundo do texto. Ao se interpretar um texto, o que estaria
sendo efetivamente interpretado seria o mundo atrás do texto, ou seja, o texto estaria representando certa
realidade que o intérprete deveria buscar, para conhecer o efetivo alcance do texto. Interpretar seria explicitar e
conhecer que o texto quer significar como existente atrás dele, uma determinada realidade que envolve certa
situação, objeto, relação e assim por diante. Do ângulo da semiótica estariamos no nível semantico. Afirma Greco
que essa visão também não é satisfatória, porque nada garante que aquela seja a realidade do mundo que está
por trás do texto; como pode o interprete saber qual a realidade subjacente, sem saber a intenção do autor? Além
disso, o texto pode até sintaticamente conter erros em si (sintáticos) ou contradições semânticas. Nada garante
que aquilo seja um mero erro e, portanto, uma frase sem sentido ou, ao revés, seja uma tentativa de explicar um
mundo ou realidade que está além do texto. Mais uma vez invocando Paul Ricouer, relata que o filósofo conclui
- 38 -
4.7. Princípios Específicos para a Interpretação da Norma Constitucional
As características peculiares de um texto constitucional impõem a utilização
de princípios específicos para a interpretação de suas normas, entre os quais serão
destacados: (a) o principio da unidade da Constituição e (b) o principio da
efetividade.
4.7.1. Principio da Unidade da Constituição
O primeiro desses princípios impõe ao intérprete a obrigação de analisar as
normas constitucionais dentro do contexto em que se inserem, de maneira a evitar a
existência de contradições. O intérprete deve considerar a Constituição em sua
globalidade e procurar harmonizar os espaços de tensões reais ou imaginárias que
existam entre normas constitucionais e delimitar a força vinculante e o alcance de
cada uma delas.
4.7.2. Principio da Efetividade
Já o segundo daqueles princípios – o da efetividade – atribui a uma norma
constitucional, em razão da posição por ela ocupada no ordenamento jurídico, o
sentido que maior eficácia lhe ofereça. Também designado por principio da eficiência
ou da interpretação efetiva, determina que a uma norma constitucional deve ser
atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê. É principio operativo em relação a
todas e quaisquer normas constitucionais, e embora a sua origem esteja ligada à
tese da atualidade das normas programáticas é hoje, sobretudo invocado no âmbito
que, na relação intéprete e texto, o que se interpreta efetivamente e o que se descreve não é o “mundo do texto”
nem um mundo “atrás do texto”, mas o mundo “diante do texto”.
- 39 -
dos direitos fundamentais, isto é e, no caso de duvida deve-se preferir a
interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais67
67
SPITZCOVISK, Celso- Princípios do Direito Administrativo Economico- in Curso de Direito Administrativo
Economico, Vol. I, org. JOSE EDUARDO MARTINS CARDOZO, JOAO EDUARDO LOPEZ QUEIROZ E MARCIA
WALQUIRIA BATISTA DOS SANTOS, 2006, Malheiros Editora, p. 39 a 41
- 40 -
5-PROPOSTA DE CONSTRUÇÃO DE SENTIDO DA NORMA CONSTITUCIONAL
QUE REGE A PRESTACÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS
5.1. Dos Planos Sintático, Semântico e Pragmático
Como afirmado anteriormente, o método escolhido para o presente trabalho
decorre das concepções do constructivismo lógico semântico, que, no dizer de
PAULO DE BARROS CARVALHO toma o direito como um grande fato
comunicacional.
Ensina o mestre que na acepção mais geral “comunicação” designa qualquer
processo de intercâmbio de uma mensagem entre um emissor e um destinatário,
mensagem que para ser eficaz requer um contexto apreensível pelo destinatário,
um código total ou parcialmente comum ao remetente e destinatário e, finalmente
um contato, isto é um canal físico e uma conexão psicológica entre o remetente e o
destinatário que os capacite a entrar e permanecer em comunicação 68.
Com esse pano de fundo, PAULO DE BARROS CARVALHO situa o direito
como um fato comunicacional, entendendo o consequente normativo como categoria
fundamental do conhecimento jurídico e que se forma por uma proposição relacional,
enlaçando dois ou mais sujeitos de direito em torno de uma conduta regulada como
proibida, permitida ou obrigatória.
No seu entender, para terem sentido e serem devidamente compreendidos
pelo destinatário, os comandos jurídicos devem revestir um quantum de estrutura
formal.
Em simbolismo lógico ter-se-ia: D[F→ (S’RS’’)], assim interpretado pelo jus-
filósofo: “deve-ser que, dado o fato F, então se instale a relação jurídica R, entre os
68
Direito Tributário, Linguagem e Método, p. 166
- 41 -
sujeitos S’ e S‟‟. Para o Professor apenas com esse esquema formal haverá a
possibilidade de sentido deôntico completo, pois sua composição sintática é
constante: um juízo condicional, em que se associa uma conseqüência à realização
de um acontecimento fáctico previsto no antecedente, fazendo-o por meio
implicacional. 69
Em tema da interpretação do direito e da linguagem como seu integrante
constitutivo, o direito positivo se apresenta ao intérprete como objeto cultural por
excelência, plasmado numa linguagem que porta, necessariamente, conteúdos
axiológicos. Ao tomar o direito positivo como camada lingüística vazada em termos
prescritivos e dirigida ao comportamento social nas relações intersubjetivas, PAULO
DE BARROS propõe que a sua interpretação ocorra com base nos métodos
empregados em sistema de linguagem70, com a investigação de seus três planos
fundamentais: a sintaxe, a semântica e a pragmática.
O plano sintático é formado pelo relacionamento que os símbolos lingüísticos
mantêm entre si, sem qualquer alusão ao mundo exterior do sistema. O plano
semântico diz respeito às ligações dos símbolos com os objetos significados, as
quais, tratando-se de linguagem jurídica, são os modos de referência à realidade:
qualificar fatos para alterar normativamente a conduta. E o plano pragmático é tecido
pelas formas segundo as quais os utentes da linguagem a empregam na
comunidade do discurso e na comunidade social para motivar comportamentos.
Todas as normas contidas no texto constitucional possuem uma utilidade no
ordenamento. Além disso, o dinamismo dos fatos econômicos, culturais e sociais
conduz mudanças na realidade normativa do ordenamento jurídico constitucional. A
ligação entre o dinamismo (língua e linguagem) e estabilidade das relações jurídicas
encontra-se no cerne da Constituição, através do fenômeno da mutação
constitucional, que apresenta alteração informal do texto constitucional pela
69
PBC Linguagem e método, p.167 e 168
70 Obra e autor citados, p. 198 e 199
- 42 -
interpretação jurisprudencial, ocorrendo de maneira espontânea no sistema, sem
qualquer previsibilidade legal. A linguagem da norma constitucional não é uma
decisão pronta e acabada, pois a norma se completa no momento de sua
interpretação, adequando-se, através desta, à realidade71.
Aplicando-se tais lições ao tema objeto do presente trabalho, tem-se que ao
se buscar construir a norma constitucional que deverá reger a prestação de serviços
públicos é necessário associar a regra constante do artigo 145, II da CF, com aquela
posta no artigo 175 também da Magna Carta, além de outros dispositivos
constitucionais direta ou indiretamente atrelados ao tema.
Assim, no plano sintático buscar-se-á relacionar os textos constitucionais para
construir a(s) norma jurídica(s) que disciplinará (ão) os vários aspectos jurídicos da
prestação dos serviços públicos, diretamente pelo Estado ou indiretamente mediante
contrato de concessão de serviços público.
No plano semântico, ao ligar referidas regras ao objeto analisado, isto é, à
prestação de serviço público em sentido amplo – direta e indireta -, restará
demonstrado que tal atividade - seja prestada diretamente pelo Estado ou
indiretamente por particulares - será remunerada pelo tributo taxa. E mais, que a
tarifa - locução não utilizada pelo artigo 175 do texto constitucional – e a taxa,
referida no artigo 145, inciso II, longe de se caracterizarem como conceitos com
sentidos lingüísticos que se excluem mutuamente (tal como entende parte da
dogmática do direito administrativo), possuem sentidos que se completam, posto que
a taxa de serviço paga pelo usuário, é item (parte) que integra a composição da
política tarifaria.
Antes, porém, é necessário tratar de tema de grande importância para o
presente trabalho: a atribuição de competências administrativas (materiais) e
tributárias aos entes de direito publico interno.
71
Autor e obra citada, p. 350 a 362
- 43 -
6- A CONSTITUIÇÃO E A ATRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIAS
6.1. Competências Materiais e Legislativas
Como nos ensina PAULO DE BARROS CARVALHO, o modo minucioso
segundo o qual o constituinte brasileiro estabeleceu o campo das possibilidades
impositivas, obriga o estudioso a ingressar no exame acurado da ordem
constitucional como pressuposto indeclinável do entendimento das instituições
tributárias. 72
O ordenamento jurídico brasileiro introduzido pela Constituição de 1988
configura um sistema marcado pela rigidez no que se refere à repartição de
competências, entendidas como poderes-deveres estatais. Assim, as diferentes
ordens de poder político – federal, estadual, distrital e municipal – recebem da
Constituição atribuições e prerrogativas próprias, decorrentes da divisão feita pelo
constituinte, e que não está à mercê do legislador infraconstitucional de qualquer
uma das mencionadas esferas, ainda que revestido sob o manto do Poder
Constituinte Derivado ou Decorrente. 73
Ao lado das competências materiais, temos as competências legislativas, dentre as
quais nos interessa de perto, a competência tributária.
Referida competência se insere no subsistema constitucional tributário, cujas
características básicas são a Rigidez e a Exaustividade. Rígido porque o legislador
constitucional atribuiu nominalmente à União, Estados e Municípios, a competência
para criar os tributos não vinculados – impostos-.
A rigidez determina que o legislador infraconstitucional esteja sujeito à
expressa e completa ordenação constitucional, a qual não lhe deixa liberdade jurídica
72
Direito Tributário Linguagem e Método, p. 158
73BERTI - obra citada, pág. 88
- 44 -
de ação que ultrapasse os limites da simples descrição legislativa do quanto
esculpido no texto constitucional. 74
Sobre tais limites, ROQUE CARRAZZA realça ser induvidoso que o legislador,
ao exercitar a competência tributária, encontra limites jurídicos, caracterizando-se, o
primeiro desses limites na observância das normas constitucionais. Para o autor, o
respeito devido a tais normas é absoluto e sua violação importa irremissível
inconstitucionalidade da lei tributária. 75
Em matéria de impostos, o legislador constituinte nomeou cada um deles,
traçando-lhes a matriz constitucional com a definição de seus traços característicos.
Desse modo, os impostos outorgados, por exemplo, à competência da União,
somente por ela podem ser criados e exigidos, não cabendo a delegação da
competência legislativa a outro ente, para sua criação.
Já a atribuição de competência para criar tributos vinculados – taxas e
contribuições – afigura-se menos rígida do que aquela referente à criação dos
impostos.
As primeiras – taxas - podem ser criadas e exigidas pela União, Estados e
Municípios, bastando para tanto que, no exercício de competência administrativa
própria, igualmente recebida da Constituição Federal, tenham prestado - ou posto à
disposição do administrado - serviço público específico e divisível, ou praticado ato
de poder de polícia.
A outra característica do sistema tributário constitucional - exaustividade -
decorre da própria rigidez do sistema, o qual, a par de estabelecer, rigorosamente,
cada uma das competências privativas dos entes de direito público interno, o fez de
modo exaustivo, vale dizer, não só com a denominação, mas também com a
74
ATALIBA, Geraldo - Sistema Constitucional Tributário Brasileiro,RT, 1968,p. 30-31
75 CARRAZZA, Roque - Curso de Direito Constitucional Tributário 19ª. edição, Malheiros, 2004, pág. 441
- 45 -
descrição da regra matriz de cada um dos impostos, em especial com o
delineamento do critério material de cada um deles.
Tratando-se de atribuição de competência, estão envolvidas não apenas as
autorizações, mas também limitações, não podendo a pessoa competente
ultrapassar as fronteiras de sua atuação demarcada as no texto supremo. Temos no
Brasil, portanto, minuciosa discriminação de competências, em que e relacionado, de
forma pormenorizada, o campo tributável atribuído a cada pessoa política,
As taxas e as contribuições de melhoria são atribuídas às pessoas políticas,
titulares do poder de tributar, de forma genérica e comum, e estão atreladas ao
exercício das competências administrativas para prestar serviços e exercer atos de
poder de policia. Os impostos têm atribuição privativa e discriminada a cada um dos
entres de direito publico interno. Como corolário lógico tem-se que os impostos são
nomeados e discriminados na Constituição um a um. São atribuídos privativamente,
portanto, a cada uma das pessoas políticas, enquanto as taxas e as contribuições de
melhoria são indiscriminadas, inominadas e atribuídas em comum às pessoas
políticas.
Os impostos têm nome e são numerus clausus, em princípio. As taxas e
as contribuições de melhoria são em número aberto, numerus apertus, e são
inumeráveis. 76
Ao se abordar o tema da exaustividade das normas constitucionais que
outorgam competências tributárias, em geral, vincula-se tal característica
especialmente aos tributos não vinculados – os impostos –.
Não obstante, é possível afirmar que tal característica também informa
as regras constitucionais de competência para criar os tributos vinculados – taxas e
76
SACHA CALMON NAVARRO COELHO, in Curso de Direito Tributário Brasileiro, 9ª. edição , Forense, 2006, p.
72 e 73
- 46 -
contribuições – inclusive as contribuições sociais, profissionais, de intervenção no
domínio econômico e aquelas para a seguridade social, na medida em que, com
relação às taxas, os gêneros das atividades estatais que podem render ensejo à
instituição e cobrança do referido tributo - prestação de serviço público e atos de
poder de policia -, estão expressamente definidas no texto constitucional e, bem
assim as hipóteses de incidência das contribuições.
6.2. Regras de Competência como Regras de Estrutura
Adota-se, no presente trabalho, o entendimento de que as normas de
competência são normas de estrutura. Ao se falar em competência está-se referindo
quer às normas constitucionais que cuidam da competência legislativa, inclusive da
competência tributária, quer aquelas que veiculam as competências materiais.
Para o presente trabalho, importa considerar a existência, na Constituição
Federal, de normas de estrutura que outorgam competência legislativa tributária aos
entes de direito públicos interno. E mais, em matéria de tributos vinculados da
espécie taxas, apresentam relevância as chamadas competências materiais
daqueles mesmos entes, por estarem atreladas à competência legislativa para a
criação do referido tributo.
Assim, o artigo 145, inciso II da Constituição Federal, é norma de estrutura
que outorga competência legislativa à União, Estados e Municípios, para criar e
exigir taxas como instrumento constitucional de remuneração da prestação de
serviço público específico e indivisível ou para remunerar a prática dos atos de poder
de policia diretamente dirigidos a determinado administrado.
Por outro lado, o artigo 175 da mesma Magna Carta, pode ser entendido
também como regra de estrutura que outorga competência material (poder-dever) à
União, Estados e Municípios para prestar serviços públicos direta ou indiretamente
- 47 -
aos administrados. Nesta segunda hipótese, como será tratado mais adiante, o
legislador constitucional prevê a edição de uma norma de norma e define a natureza
da matéria sobre a qual deverá o legislador infraconstitucional legislar (concessão e
permissão de serviço publico), bem como o conteúdo da referida lei (direito dos
usuários, regime contratual do concessionário prestador do serviço, modicidade da
tarifa, etc.)
Assim, levando-se em conta a classificação das normas jurídicas em regras
de conduta e regras de estrutura77, podemos afirmar que as regras constitucionais
que outorgam competências aos entes de direito público interno, pertencem à
categoria das regras de estrutura. De fato, como visto anteriormente, o conteúdo das
regras de estrutura consiste de outras regras que vão regrar o procedimento ou o
conteúdo das regras de comportamento, ou ainda os limites dentro dos quais estas
podem ser veiculadas. Constituem-se em verdadeiras “regras sobre regras” ou
normas de “sobredireito”, posto que estruturam a própria atuação do legislador78
Nesse sentido, ainda com relação à rigidez e à exaustividade, as regras
constitucionais tributárias de estrutura, acabam servindo como parâmetros de
atuação do legislador infraconstitucional, impondo-lhes um campo relativamente
restrito, o qual, se ultrapassado, acarretará vício formal de invalidade
(inconstitucionalidade) do produto legislado, das leis editadas. 79
No Brasil, República Federativa, o legislador constituinte de 1988 partilhou o
poder tributário entre os entes de direito público interno, não estando autorizada a
alteração da referida repartição pelo legislador infraconstitucional, e mesmo pelo
77
BURTI, obra citada pág. 94: “ Quando se está diante de uma regra voltada diretamente para a normatização
quanto ao comportamento dos indivíduos, tem-se uma regra de conduta; de outro lado, quando a regra não se
dirige diretamente para o comportamento dos indivíduos, tem-se a chamada regra de estrutura”.
78 Autor e obra citada, pág. 95
79 Autor e obra citada, pág. 97
- 48 -
poder constituinte derivado, sob pena de rompimento do equilíbrio na Federação e
lesão ao princípio federativo. 80
6.3. Competência Legislativa Tributária e Capacidade para ser Sujeito Ativo da
Relação Jurídico-Tributária
A competência legislativa é indelegável. Como sua atribuição pelo constituinte
é rígida e exaustiva, o não exercício por qualquer dos entes de direito público interno,
não autoriza o exercício por qualquer outra pessoa de direito públicos.
A competência legislativa tributária consiste na aptidão para editar norma
jurídica que crie ou aumente tributo.
É pelo exercício dessa competência que os entes de direito público interno
introduzem no direito positivo as normas-matrizes de incidência tributária.
Como ensina ROBSON MAIA LINS ao analisar a RMIT (regra matriz de
incidência tributaria) constata que ela apresenta na composição de seu antecedente
os seguintes critérios: (i) material; (ii) espacial; (iii) temporal. O critério material
consiste no cerne do fato jurídico tributário, sendo composto sempre de um verbo
acompanhado do complemento. O critério espacial e critério temporal interligam,
respectivamente, o lugar e o tempo nos quais o fato jurídico pode ocorrer. Já no
consequente da RNIT estão o critério subjetivo e critério quantitativo. Aquele aponta
para os sujeitos ativo e passivo da relação jurídico tributária; este, para os critérios
de apuração do quantum pertinente ao tributo. São seus componentes a alíquota e a
base de calculo81
80
Autor e obra citada, pág. 108
81 Controle de constitucionalidade da Norma Tributaria- Decadencia e Prescricao- 2005- Quartier latin
- 49 -
O ente que recebe da Constituição a competência tributária, recebe também a
chamada capacidade tributária ativa, vale dizer, a aptidão para figurar no pólo ativo
da relação jurídico-tributária. Assim, a competência tributária pressupõe a
capacidade tributária ativa.
Essa capacidade tributária, porém, ao contrário da competência legislativa,
pode ser delegada. Trata-se da aptidão para arrecadar tributos e pode ser delegada
pela pessoa de direito público interno a outro ente público ou mesmo privado.
Quando tal delegação for acompanhada da possibilidade de aplicação da
receita auferida na manutenção das próprias finalidades do ente que recebe a
delegação, estar-se-á diante do fenônemo da PARAFISCALIDADE.
De se ressaltar que a delegação da capacidade tributária a pessoa de direito
privado somente poderá ocorrer quando a delegatária exerça funções publicas ou de
interesse público. Exemplo clássico de parafiscalidade: as contribuições arrecadadas
e utilizadas pelos entes representativos de categorias profissionais (OAB, CREA.
CRM, etc.) previstas constitucionalmente
- 50 -
7-DA NOÇÃO DE TRIBUTO
7.1. Espécies Tributárias - Generalidades
Antes de tratar das Taxas, como uma das espécies tributárias, cumpre
analisar o gênero a que pertencem: o Tributo.
Na estória da evolução da tributação, o tributo acompanhou a própria evolução
da civilização, afirma LUIS EDUARDO SCHOUERI. De instrumento de opressão e
preço de liberdade dos antigos até instrumento da liberdade coletiva do Estado
Fiscal, houve por certo uma evolução nas relações entre o soberano e seus súditos.
O que no passado se achava legítimo, como decorrência das conquistas da guerra,
hoje seria intolerável. Nos dias atuais, não mereceria a denominação de tributo tal
instrumento de opressão. O surgimento do Estado de Direito definitivamente exigiu
que o poder de tributar se conformasse aos ditames constitucionais, dando origem
ao Direito Tributário. 82
A cobrança dos tributos nasce como exigência estatal de recursos financeiros
para fazer frente aos fins do Estado.
Enquanto o Direito Financeiro reúne as normas jurídicas atinentes à obtenção,
gestão e despesa publicas, pode-se afirmar o Direito Tributário como um subramo do
Direito Financeiro. Este último reúne as normas jurídicas especificamente voltadas a
regular o primeiro daqueles ramos: a obtenção de recursos tributários.
Importante lembrar que a receita tributária deve ser entendida como receita
pública de caráter derivado, ao lado das chamadas receitas originárias. Estas últimas
decorrem da exploração, pelo Estado, de seus bens e serviços não públicos. Nesse
82
Autor citado, In “ Direito Tributário”,, 2011, Ed. Saraiva, p.119
- 51 -
papel, o Estado comparece na relação jurídica com os particulares, sem seu caráter
soberano, atuando como se fosse um mero agente econômico.
Assim, por exemplo, ao locar bens de sua propriedade, ou quando presta um serviço
de interesse público que poderia ser prestado por qualquer particular. Nessas
hipóteses os valores recebidos não terão caráter tributário, mas natureza jurídica de
meros preços públicos.
Diferentemente as receitas tributárias são cobradas no âmbito de uma relação
não mais horizontal entre o Estado e o particular, mas sim uma relação vertical, na
qual o Estado assume posição de soberania, sendo irrelevante a expressão da
vontade das partes na formação da relação jurídico - tributaria. Portanto, os tributos
são sempre receitas derivadas, assim como os valores percebidos pelo Estado em
decorrência da imposição de penalidades (multas em geral).
O artigo 3º do Código Tributário Nacional define tributo como: “prestação
pecuniária compulsória, prevista em lei, em moeda ou cujo valor nela se possa
exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, e cobrada mediante atividade
administrativa plenamente vinculada”.
Quis o legislador estabelecer em lei o conceito de tributo. Assim, preocupado
com o caráter compulsório da figura legal, foi redundante ao afirmar tratar-se de
prestação compulsória e prevista em lei, quando esta última expressão já contém em
si a compulsoriedade, visto tratar-se de qualidade intrínseca à norma jurídica.
Ademais, ao proibir que o tributo seja utilizado como instrumento de sanção de ato
ilícito, traçou o legislador do Código Tributário Nacional um claro limite entre o tributo
e as penalidades.
De se ressaltar que nos termos da Constituição Federal, tributo é gênero
sendo suas espécies os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria. Muito
embora existam divergências com relação a esta classificação tripartite, não é o
caso, para o presente trabalho, de maiores indagações sobre o assunto,
- 52 -
Importa, para o momento, adotar a proposta de GERALDO ATALIBA que ao
classificar os tributos adota critério jurídico consistente na análise do aspecto
material da hipótese de incidência tributária. Assim, quando o aspecto ou critério
material, como quer PAULO DE BARROS CARVALHO, consistir numa atuação do
Estado em relação ao particular, estar-se-á diante dos chamados tributos vinculados:
taxas e contribuições. Na hipótese do aspecto ou critério material consistir numa
atividade do particular, ter-se-á a figura dos impostos, como tributos não vinculados.
7.2. Taxa e Serviço Público
O artigo 145 inciso II da Magna Carta atribui à União, aos Estados aos
Municípios e DF, a competência para instituir o tributo vinculado Taxa.
(a) Em razão do exercício do poder de policia
(b) Pela utilização efetiva ou potencial de serviços públicos específicos e
divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição.
Assim, o pressuposto constitucional para a incidência da taxa de serviço é a
efetiva prestação de serviço público específico e divisível, ou a mera colocação do
referido serviço à disposição do particular.
Em razão do tema escolhido para a presente dissertação, será deixada de
lado a análise da matriz constitucional da taxa de polícia, voltando-se a atenção,
exclusivamente, para o estudo da chamada “taxa de serviço”.
O estudo dessa figura tributária pressupõe construir o conteúdo da expressão
serviço publico tal como posta no sistema constitucional tributário, a fim de que se
possa concluir, com segurança, a respeito da incidência ou não do tributo em cada
caso concreto, inclusive na hipótese de prestação indireta de serviço publico. A
- 53 -
prestação de serviço público específico e divisível é o único pressuposto
constitucional para a exigência do tributo
Como aludido anteriormente o tema serviço público foi e tem sido objeto de
estudo por inúmeros juristas, professores e estudiosos do Direito Administrativo.
Porém, como o instituto é invocado e usado no sistema constitucional tributário,
como realidade fática apanhada pelo legislador para a composição da regra matriz
de incidência da taxa (artigo 145, II), é preciso verificar qual o entendimento que a
doutrina do direito tributário atribui ao instituto enquanto objeto de hipótese de
incidência tributaria.
Essa tarefa foi muito bem realizada por MARCO AURÉLIO GRECO e
HAMILTON DIAS DE SOUZA83,*
Buscando apreender em profundidade o conceito de serviço público, para fins
de incidência tributária, aqueles autores constataram que a idéia de serviço envolve
a idéia de atividade realizada por alguém (prestador), no interesse de outrem
(tomador do serviço).
Além disso, afirmam que o serviço se constitui em um fazer algo, seja porque
o tomador, podendo realizar a atividade não o faz, seja porque o tomador não tem
habilidade para tanto. Em ambas as hipóteses, destaca-se a idéia de fruição de uma
utilidade em razão da atividade de alguém, que é prestador de serviço.
Quanto ao qualificativo público, segundo os autores, várias podem ser as
acepções em que ele vem utilizado.
Assim, asseveram, embora a dogmática em geral afirme estar buscando
critérios de definição de serviço público, na realidade as discussões centram-se no
qualificativo público, não havendo grandes debates quanto ao complemento serviço.
83
"A Natureza Jurídica das custas judiciais”, Editora Resenha Tributária,p. 37 e seguintes
- 54 -
De fato, os estudiosos do assunto, a pretexto de buscarem a essência da
figura, discutem, na realidade, porque uma atividade de prestação de utilidade deve
ser considerada serviço público, encontrando cada qual a razão determinante, seja
na pessoa que a presta, seja na essencialidade da atividade - por envolver
interesses de toda coletividade -, seja nas normas essenciais que a disciplinam.
- 55 -
8-O CONCEITO DE SERVIÇO PÚBLICO. SUA EVOLUÇÃO
8.1. Breve Histórico do Direito Europeu
O conceito de serviço público nasceu com as teorias do Estado de Direito e do
Estado Providência no inicio do século XX, como um de seus pilares.
Tal idéia foi promovida pela Escola Francesa de Serviço Público, conduzida
por Leon Duguit, para quem o Estado era uma corporação de serviços públicos
organizados e controlados pelos governantes, sendo o serviço público toda atividade
cuja realização deve ser regulada, assegurada ou controlada pelos governantes. 84
Na sua concepção clássica, o serviço público representa a responsabilidade
do poder público pelo bem-estar coletivo. É a idéia de que a iniciativa privada e o
mercado não podem responder a essas necessidades coletivas em termos
satisfatórios, quer porque não garantem sequer a existência dos serviços, quer
porque não o asseguram em termos de igualdade e acessibilidade a todos os
cidadãos.
Trata-se, portanto, de uma obrigação publica, uma prestação administrativa
fora do mercado (exclusivo público, tarifas administrativas, obrigação de
fornecimento a todos; centralidade dos utentes, que são a “razão de ser” dos
serviços públicos) 85
84
No in íc io do século XX, Dugui t buscava subst i tu i r as bases t rad ic ionais do Di re i to
Públ ico, que g i rava em torno do pr inc ip io da soberania, para, em seu lugar, co locar o
concei to de serviço públ icos, com a conseqüência de que toda atuação admin is t ra t iva
passava a ser cons iderada “serv iço públ ico ”
85 MOREIRA, Vi ta l - “Os Serviços Públ icos Tradic ionais sob o impacto da União Européia ” in
Revis ta de Di re i to Públ i cos da Economia - RDPE, B. Hor izonte, Ed. Fórum, 2003,p.228
- 56 -
Os serviços públicos foram a expressão mais manifesta do Estado
intervencionista e do Estado Social do século XX, em contraposição ao Estado liberal
do século XIX, essencialmente voltado às tarefas da defesa e da manutenção da
segurança e da ordem pública.86 87.
A Constituição Francesa de 1946 assumia essa concepção, concretizando um
amplo setor público. A propriedade publica tornava-se, assim, a regra em matéria de
prestação de serviço público. Formaram-se grandes monopólios público-nacionais88·.
Exceto a Espanha, os demais países europeus com regimes administrativos de
inspiração francesa receberam aquela influência, mas delimitaram o significado de
serviço público dentro de suas fronteiras89.
A partir do século passado, sobretudo após a Segunda Grande Guerra, o
Estado passou a exercer tantas atividades econômicas stricto sensu, que passaram
a constituir uma modalidade especifica de atividade estatal, quebrando a unidade
que até então existia na Escola Clássica francesa, que igualava os serviços públicos
a todas as atividades estatais, ou pelo menos a todas as atividades da Administração
Pública90.
Assim, para explorar essas atividades econômicas stricto sensu, como
também serviços públicos que necessitavam de uma estrutura industrial complexa e
em rede, o Estado passou a adotar mecanismos de direito privado (sociedades de
economia mista e empresas públicas) com a exclusão das referidas atividades o
86
Enquanto o Estado L ibera l era quase exc lus ivamente um Estado Legis la t ivo e
admin is t ra t i vo , o Estado de serviços públ i cos é também um Estado propr ie tá r io ,
empresár io , prestador. Enquanto o Estado l ibera l se abst inha de in ter fer i r na vida
econômica e soc ia l , que eram cons ideradas do foro pr i vado, e su je i tas às le is do mercado,
o Estado de serv iços públ icos assume expressamente a responsabi l idade na organização e
no fornec imento de bens e serviços aos par t iculares, mui tas vezes à margem da in ic ia t iva
pr ivada , do mercado e da concorrênc ia
87 Idem, ib idem, p.231
88 Idem, p. 111
89 Idem, p. 112
90 ARAGAO, Alexandre Santos - “Di re i to Admin is t ra t ivo e seus novos parad igmas - O serviço
públ ico e as suas cr ises” , Belo Hor izon te , Ed. Fórum, 2008, p . 424.
- 57 -
máximo possível do regime jurídico de Direito Públicos, quebrando, definitivamente,
o critério formal pelo qual serviço público seria apenas a atividade regida pelo direito
público91.
Com o advento da União Européia, os franceses passaram a defender a
inscrição de sua noção de serviço público na Constituição da União Européia,
encontrando, porém, fortes oposições dos demais países membros92. 93
O Estado francês passou a ter um duplo desafio: submeter suas empresas
publicas às regras da concorrência, acabando em certos casos com monopólios de
que dispunha, e garantir o cumprimento das missões de serviço públicos94
A partir da segunda metade do século XX vários setores que prestavam
exclusiva ou essencialmente serviços de interesse econômico geral foram
gradualmente abertos à concorrência (ex: telecomunicações, serviços postais,
transportes, energia, eletricidade e gás), promovendo a União Européia uma
liberalização controlada, uma abertura progressiva do mercado, com medidas de
proteção do interesse geral, em particular mediante o conceito de serviço universal,
com o fim de garantir o acesso de todos, - independentemente da situação
econômica, social ou geográfica -, a um serviço de qualidade comprovada e preço
acessível, impedindo a exclusão do acesso a serviços essenciais, de grupos sociais
ou regiões vulneráveis95.
91
Idem, ib idem, p. 425
92 Helga, p .113
93 Ocorreu aqui lo que a lguém já des ignou como “o choque f ronta l do d i r ei to f rancês dos
serviços públ icos com o Di re i to Comuni tár io “ (Simonian -Gineste, 1997)
93A noção f rancesa de serviço públ ico se f lexib i l i zou cons ideravelmente em face do
reconhecimento de que o ambiente econômico e f inancei ro mundia l v inha se tornando mais
compet i t ivo e, por tanto ser ia vão e até contrár io aos in teresses dos operadores f ranceses,
manterem-se numa postura protec ion is ta.
94 Idem, p. 114 e 115
95 Helga, p .118
- 58 -
A dificuldade em estabelecer um critério geral para o serviço público da União
Européia estava no fato de que aquela abrigava países de tradições jurídicas não
coincidentes (civil law e common law).9697.
Foi preciso que as instituições comunitárias se dedicassem a um estudo para
elaborar uma noção em cada um dos países membros de modo a forjar um conceito
que, em lugar de ser imposto pela União Européia, fosse aceito por todos eles e que
compreendesse as duas distintas tradições.
Chegou-se, assim, às noções de serviço de interesse geral98; serviço de
interesse econômico geral99·; serviço universal; e serviço público simplesmente, as
96
De fa to, a lguns haviam soluc ionado as necess idades de serviços de sua co let iv idade,
a t ravés da publ icat io – dec laração fo rmal como serviço públ ico de t i tu lar idade estata l e
gestão d i re ta ou ind i re ta por concess ionár ios – e outros que se t inham decantado pela v ia
da s imples regulação de at iv idades desenvolvidas por par t icu lares
97 Helga, p . 119
98 O termo “serv iços de in teresse gera l ” também não f igura nos Tratados, re fer indo -se o
TFUE a “serv iços de in teresse econômico gera l ” , expressão da qual der i vam estes serviços
de in teresse gera l . Sob esta denominação são reconhecidos, ho je, os serviços públ icos de
t rad ição cont inenta l européia. São todas aquelas at iv idades prestadas aos admin is t rados,
d i re tamente ou por de legação a terce i ros a que os poderes públ icos impõem obr igações de
serviço públ ico, por entender que estão dotados de in teresse gera l , operem no mercado ou
fora de le, comerc ia is ou não. Nesta categor ia estão presentes as at iv idades de serv iços
não econômicos (escola obr igatór ia , proteção soc ia l ) ; as funções soberanas e bás icas do
Estado (segurança e jus t iça) ; e os serv iços de in teresse econômico gera l (energ ia e lé t r ica
e te lecomunicações) . HELGA P. 120
99 Os “serv iços de in teresse econômico gera l ” par tem de uma idé ia espec i f icamente
comuni tár ia , que embora não def in ida nem nos Tratados nem no Di re i to der ivado , aparece
refer ida no TFUE . Refere-se a at iv idades de serv iço comerc ia l que operam no mercado, às
quais , por mot ivo de in teresse gera l , também são impostas pelos Estados membros
obr igações de serv iço públ ico . São os serviços prestados pelas grandes indústr ias de rede
(energ ia e lé t r ica, comunicação, posta is e t ransportes) . Estes serviços devem func ionar em
conformidade com pr incíp ios e condições econômicas e f inancei ras, pr inc ipa lmente, que
lhes poss ib i l i te cumpr i r suas f ina l idades ( missão de in te resse públ ico ) . São serviços que se
produzem no âmbi to do s is tema econômico, não no sent ido de que se jam ou não prestados
com in tu i to de lucro, mas no sent ido de que o poder públ ico tenha encomendado sua
gestão, tornando obr igação legal sua p restação. O Di re i to comuni tár io não os def ine “a
pr ior i ” , nem se pos ic iona quanto à forma de sua gestão, de ixando a cada Estado Membro a
- 59 -
quais, se nem sempre estão expressas nos Tratados, fazem parte do dia-a-dia das
atividades e das instituições na União Européia100.
Porém, o termo serviço público está ausente nos Tratados da União Européia.
O novo Tratado de Funcionamento da União Européia (TFUE), não define serviço
público e, salvo uma única vez, a ele não se refere explicitamente. 101102
Já a expressão serviço universal refere-se à noção desenvolvida pelas
instituições da UE, no marco dos processos de liberação, para garantir o acesso de
todos, em todas as partes, a determinadas prestações essenciais103. O conceito de
serviço universal exprime um conjunto de princípios e de obrigações que
determinados serviços deverão cumprir de modo a serem acessíveis a todos os
cidadãos a preços razoáveis.
A noção de serviços de interesse econômico é, talvez, a noção de maior
transcendência no âmbito europeu, uma vez que o artigo 36 da Carta de Direitos
Fundamentais da UE dispõe que a União reconhece e respeita o acesso a tais
f i xação de quais serviços vão ser cons iderados de in te resse econômico gera l . O TFUE
es tabelece apenas um marco normat ivo, de modo que as empresas gestoras de ta is
serviços deverão estar submet idas às normas de l ivre concorrênc ia, com uma única
exceção: a dos monopól ios natura is , que, por sua essênc ia tem de estar subtraídos da l ivre
concorrênc ia.
100 Idem p. 119
101 Esc lareça-se que com o Tratado de L isboa (2007, com ent rada em v igor em 2009 ) foram
modi f icados o Tratado da União Européia - TUE e o Tratado const i tu t i vo da Comunidade
Européia – TCE , ganhando, este ú l t imo, a denominação de Tra tado de Func ionamento da
União Européia – TFUE .
102 Na dout r ina por tuguesa o concei to de servico públ icos e bastante controverso. Part indo
do concei to proposto por PEDRO GONCALVES, poderemos af i rmar que serviço públ ico e
uma tarefa admin is t ra t i va de prestação is to e, o serviço públ ico e uma at iv idade de que
admin is t ração e t i tu lar e por cu jo exerc ic io e responsavel ( responsabi l idade de execução.
GOUVEIA, Rodr igo- in Os serviços de in teresse gera l em Portugal - Co imbra Edi tora, 2001,
p . 20
103 A Comissão Européia def ine -os como o conjunto mín imo de serviços de uma
determinada qual idade aos quais tem aces so todos os usuár ios e consumidores, em função
das condições nac ionais especí f icas, a um preço acessíve l .
- 60 -
serviços com o fim de promover a coesão social e territorial da União 104. Tais
serviços são uma subespécie do conceito mais amplo de serviços de interesse geral.
Os serviços de interesse geral são os que satisfazem necessidades básicas
dos cidadãos, quer sejam de natureza econômica, social ou cultural. Sendo assim,
os serviços de interesse econômico geral são aqueles que satisfazem necessidades
básicas de natureza econômica dos cidadãos.105 Ao lado dos serviços de interesse
econômico geral, também como subespécies do gênero serviços de interesse geral,
têm-se os serviços de interesse social geral (como a segurança social, a proteção no
desemprego, os serviços prestados por instituições de solidariedade social, etc.) e os
serviços de interesse cultural geral (como o ensino, a ciência, o desporto, etc.) 106.
Todos os serviços de interesse geral devem ter alguma exigência de serviço
universal, como uma forma de obstar os efeitos indesejáveis da atuação das regras
de mercado. RODRIGO GOUVEIA lembra que cada vez mais os cidadãos
consagram uma grande parte do seu orçamento aos serviços de interesse geral, uma
vez que tais serviços são essenciais à vida, à saúde, e à participação social. Assim,
afirma a garantia de acesso de todos os cidadãos a esses serviços, a preços
razoáveis, e um imperativo para a manutenção e melhoramento do nível de coesão
econômica e social na União Européia.
Ressalta o autor que a recente privatização dos serviços de interesse geral
levanta a preocupação de que o mercado possa não assegurar, por si só, as
exigências que se impõem no âmbito dos serviços de interesse geral. GOUVEIA
assevera que certos serviços poderão não ser fornecidos a preços acessíveis,
segundo as regras de mercado, por exemplo, a consumidores que vivam em regiões
onde as condições de aprovisionamento sejam demasiado onerosas. Noutro prisma,
as regras de mercado poderão conduzir a situações em que um determinado serviço
104
Helga, p . 121
105 GOUVEIA, Rodrigo- Os Serviços de Interesse Geral em Portugal-2001-Coimbra Editora, p. 22
106 obra e autor citados, p. 22
- 61 -
de interesse geral não é, pura e simplesmente, fornecido devido a sua falta de
rentabilidade107
A importância deste conceito consiste em que os serviços econômicos de
interesse geral representam o serviço público liberalizado. Na Comunidade européia
a distinção entre a natureza econômica ou não de determinados serviços de
interesse geral tem relevância, sobretudo porque aos primeiros não serão aplicadas,
plenamente, as regras do mercado interno e da concorrência108
A partir das liberalizações e da introdução da concorrência, serviços de
natureza comercial que eram tratados como públicos passaram a não revestir mais o
caráter de serviço público tradicional, e sua prestação ficou submetida ao regime de
livre concorrência, com a imposição, ao prestador, de obrigações de serviço público,
com o fim de garantir a todos os cidadãos um mínimo comum de serviços em
condição de igualdade e a um preço acessível. Garante-se, assim, a consecução de
certos objetivos de interesse públicos, pois, guiados só por seu interesse comercial,
os operadores provavelmente não os prestariam do modo exigido pela regulação 109.
8.2. Serviço Público no Direito Brasileiro - Breve Histórico
O Estado brasileiro, ao longo do tempo, organizou o desempenho de seus
serviços públicos sob diversas modalidades.
Originariamente só se conhecia a prestação direta pelo Estado, vale dizer,
pelos órgãos que compõem o seu próprio aparato administrativo.
107
obra e autor citados, p. 25 e 26
108 obra e autor citados, p. 23
109 Idem p. 122
- 62 -
Nos anos 20 do século XX inicia-se um processo de descentralização do
Estado, com a criação das Autarquias, que ganhou força após a Revolução de 30,
exercendo tanto funções administrativas como de natureza industrial ou comercial.
Também no mesmo período encontramos a concessão a favor de pessoas privadas
(nacionais e estrangeiras), com o intuito de desenvolver a indústria e a economia
como um todo.
A concessão se generaliza no período do Estado Social quando o Estado
passou a assumir novos encargos no campo social e econômico, que exigiam
grandes investimentos financeiros e em pessoal técnico especializado.
Daí a necessidade de se buscar novas formas de gestão do serviço público e
da atividade privada exercida pela Administração, tendo em mira a especialização, a
obtenção de melhores resultados, maior flexibilidade de formas inclusive mais
adaptáveis ao novo tipo de atividade assumida pelo Estado.
Após a segunda grande guerra, houve um declínio do instituto da concessão,
principalmente pelo fato de que o Estado estava participando dos prejuízos
decorrentes da outorga de concessão, e começavam a surgir as pessoas jurídicas de
direito privado – sociedades de economia mista e empresas públicas - concebidas
inicialmente para dar maior flexibilidade e eficácia à máquina administrativa,
operando nos moldes das empresas privadas. Com este modelo, o Estado mantinha
o controle sobre o concessionário, inclusive na fixação de preços; de outra parte,
como acionista majoritário da empresa, assumia os riscos do empreendimento.
Na quadra final do século passado, as alterações ocorridas em decorrência da
chamada reforma do Estado, levaram a um desmonte do Estado prestador, produtor,
interventor e protecionista, e a um redimensionamento de sua atuação como agente
regulador da atividade econômica.
- 63 -
Inicia-se, então, um movimento inverso e várias empresas estatais ou áreas
absorvidas pelo Estado foram transferidas para o setor privado, com o retorno da
concessão para a empresa privada. O instituto ressurge com a mesma justificativa
que direcionou sua elaboração no século XIX: realização de serviços sem ônus
financeiros para a Administração, mas num outro contexto.
Neste momento de retomada da concessão ela ressurge para servir a um
projeto de exploração concorrencial dos serviços anteriormente monopolizados, por
empresas particulares na fase de sua implantação, e depois por empresas estatais
na fase de seu maior desenvolvimento.
É introduzida a gradativa competição entre prestadores, sob a tese de que
mercados em concorrência são mais eficientes que mercados monopolistas. Nesse
modelo, a concessão não se presta para comprometer o Estado com a rentabilidade
do empreendimento, como ocorria no passado, mas sim como instrumento para o
tratamento igualitário dos prestadores pelo próprio Estado.
Outro aspecto relevante no novo modelo reside no maior cuidado com os
usuários, que devem exercer um papel de maior participação e cooperação na
fiscalização e controle sobre a concessionária 110.
8.3. Disciplina da Prestação do Serviço Público da Constituição de 1988
O artigo 175 da Magna Carta disciplina a prestação de serviço público
outorgando ao Estado (em seu sentido lato) a competência para tanto. Permite que
tal exploração ocorra diretamente pelo Estado (ou por suas empresas) ou,
indiretamente, por empresas privadas que atuem no âmbito da Ordem Econômica, e
recebam do Poder Publico a concessão do referido serviço, mediante competente
procedimento licitatório. Tal significa como restará mais claro adiante, que o regime
110
GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti- “A experiencia brasileira nas concessoes de serviço públicos”, p. 1 a 10
- 64 -
jurídico de direito publico não se altera, ainda que o serviço público não seja
prestado diretamente pelo Estado
Retomando-se as espécies de normas constitucionais já analisadas no âmbito
deste trabalho, verifica-se que o referido dispositivo constitucional veicula norma de
competência material, que determina às pessoas de direito público interno – União,
Estados e Municípios – a adoção das necessárias ações para que sejam prestados
os serviços públicos.
Prevê ainda que essa prestação pode ocorrer diretamente pelas pessoas de
direito público interno ou indiretamente, por terceiros, nos termos de lei própria,
mediante contrato de concessão de serviços público.
Desse modo, a regra constitucional que ora se analisa, veicula norma de
estrutura que determina ao legislador infraconstitucional como deve ser construído o
regime jurídico da prestação indireta de serviço público. De fato, na hipótese da
prestação indireta de serviço público, o que hodiernamente se configura como regra
do sistema -, determina a Constituição que deverá ser editada lei que regulamente: o
regime jurídico das empresas concessionário-permissionárias; o caráter especial de
seu contrato e de sua prorrogação, bem como suas condições de caducidade,
fiscalização e rescisão da concessão /permissão; os direitos dos usuários; a política
tarifária e a obrigação de manter serviço adequado.
Trata-se, pois de norma constitucional com dupla função: (a) norma
constitucional de estrutura de outorga de competência material consistente no poder-
dever de prestar serviços públicos, e (b) norma sobre norma, ao estabelecer como
deve ser elaborada a (s) lei (s) de regência da matéria, bem como o (s) seu (s)
conteúdo (s) mínimo (s) obrigatório (s) (matéria (s) legislativa(s)).
Assim, foram editadas as leis 8987/95 e 9074/95, posteriormente alteradas.
Editaram-se também, diplomas legislativos disciplinando setores específicos e
- 65 -
determinados como a Lei 9427/96 e respectivas alterações sobre energia elétrica; Lei
9295/96 e 9472/97 (alterada pela lei 9986/2000) sobre telecomunicações, criando
assim regimes jurídicos diversos para essas áreas.
Com fundamento na regra constitucional analisada, a política legislativa
subjacente à edição da Lei Geral de Concessões estabeleceu os seguintes
princípios: (a) eliminação da exclusividade estatal na prestação dos serviços
públicos, buscando atenuar as características monopolísticas do serviço, passando a
exclusividade ao restrito campo da impossibilidade material ou econômica de
desempenho do serviço público em regime de competição; (b) política tarifária
embasada no valor da proposta vencedora, conforme critérios contratuais, e não
mais a garantia de remuneração fixa, tudo com vistas a incentivar a eficiência da
concessionária; (c) regime de controle e fiscalização do serviço, com a participação
do usuário, com vistas à elevação dos padrões de eficiência.
Mais recentemente, e em face, principalmente, da escassez de recursos
orçamentários para projetos de alto custo, e o déficit de projetos estruturantes em
áreas como transportes, saneamento e saúde, foi editada a Lei 11.079/2004111 que
institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada, no
âmbito da Administração Publica, estendendo-se sua aplicação aos fundos
especiais, às autarquias, às fundações publicas, às empresas públicas, às
sociedades de economia mista e às demais entidades controladas direta ou
indiretamente pela União, Estados e Municípios112.
111
Relata ANTONIO CARLOS CINTRA DO AMARAL que ate o final de dezembro de 2004, existia no Direito
brasileiro um único tipo de concessão de service public regido pelas Leis 8987 e 9074, ambas de 1995, e
subsidiariamente pela Lei 8666/93. A partir da edição da Lei 11079/2004, passaram a existir dois: a assim
chamada “ concessão Simon”, ou seja, a ja existente, e a “concessão patrocinada”, criada pela nova lei como um
dos tipos de parceria publico privada (PPP)- in “ II- A Concessão de Serviço Publico e as Parcerias Publica-
Privadas (PPPs), in “Concessão de Serviços Públicos”- Novas Tendências. 2012, Ed. Quartier Latin, p.38
112 Idem, ibidem, p.11 e 12
- 66 -
9 - CARACTERIZAÇÃO DE DETERMINADA ATIVIDADE COMO SERVIÇO
PÚBLICO
9.1. A Constituição Brasileira acolhe Serviço Publico como Atividade de
Titularidade do Poder Publico
DINORÁ GROTTI afirma que cada povo diz o que é serviço público em seu
sistema jurídico.
Para ela, a qualificação de uma dada atividade como serviço público remete
ao plano da concepção sobre o Estado e seu papel. É o plano da escolha política,
que pode estar fixada na Constituição do país, na lei, na jurisprudência e nos
costumes vigentes em um dado momento. Entende não haver um serviço público por
natureza ou por essência. Só o serão as atividades que estiverem definidas na
Constituição Federal – ou na própria lei ordinária, desde que editada em consonância
com as diretrizes ali estabelecidas – decorrendo, portanto, de uma decisão
política113.
Para a Administrativista, a Constituição Brasileira acolhe a categoria de
serviço público como atividade de titularidade do Poder Público, que não se
desnatura quando sua execução é delegada a particulares, pois a Magna Carta
estabelece um vinculo orgânico com a Administração, ao dispor, no caput do artigo
175, que incumbe ao Poder Público o prestação de serviços públicos, diretamente ou
sob o regime de concessão ou permissão.
Admite também que a Constituição não trata todos os serviços de maneira
uniforme, havendo submissão em graus variáveis, a um regime de direito público e,
em algumas situações ao direito privado114.
113
Idem ibidem, p-. 88
114 Idem, ibidem, p. 89
- 67 -
9.2. Serviço Público Próprio e Impróprio
Propõe, com vistas a preservar o conceito de serviço público de
generalizações excessivas, a sua distinção do chamado serviço público impróprio ou
virtual.
Lembra que foi Arnaldo De Valles, quem, na Itália, chamou de serviços
públicos em sentido próprio os que são públicos também sob o aspecto subjetivo
(porque este é o elemento que determina o caráter público do instituto) e de serviços
públicos em sentido impróprio, os que, pelo aspecto subjetivo, são atividades
privadas e atingem o nome, não a qualidade de públicos pela tradição e pelo uso
comum, em vista de sua função, mas que, como atividades particulares, estão
subordinadas a especial regime publicístico, porque, pelo direito público podem ser
regidas muitas das relações entre seus sujeitos e as pessoas jurídicas publicas e os
particulares, destinatários dos serviços 115.
Esclarece que enquanto no denominado serviço público próprio o titular é o
Estado, no serviço público impróprio ou virtual o titular é o particular116. Cita como
exemplos de atividades assim consideradas as de táxis, farmácia, ensino privado,
etc. Quer-nos parecer que outro exemplo pode ser encontrado na atividade de
transporte coletivo por fretamento, que, apesar de estar sujeita aos ditames do direito
privado, reúne as características do serviço público impróprio117.
115
Musetti, Dinorá- obra citada, p. 116/117
116 As notas definidoras sobre as quais se construiu o conceito de serviço público impróprio e virtual são:
a) Atividades fundamentalmente privadas; b) Não assumidas nem executadas pelo Estado, seja direta ou
indiretamente;c) Mas apenas por ele autorizadas, regulamentadas e fiscalizadas; d) Dirigidas ao públicos para
satisfazerem necessidades ou exigências de interesse geral ou públicos. Entende a Administrativista que todas
as atividades consideradas pela doutrina como serviços públicos impróprios, objetivos ou virtuais, não são
verdadeiros serviços públicos, porquanto em nenhuma delas há publicatio da atividade, assim entendida a
reserva de titularidade a favor do Estado, nem se exige, a rigor, concessão, mas apenas uma autorização. IDEM,
IBIDEM, P. 119
117 Idem, ibidem, p. 121
- 68 -
DINORÁ alerta para o fato de que ao se tentar estender o conceito de serviço
público às atividades consideradas pela doutrina serviços públicos impróprio, corre-
se o risco de que o mesmo venha a “perder seu sentido descritivo de atividade
prestacional da Administração”, e, portanto, de torná-lo completamente inservível.
De fato, os serviços públicos impróprios não são serviços públicos; são
realizados sob contrato de direito privado e apenas por apresentarem interesse
público, estão sujeitos à rigorosa fiscalização e autorização do Poder Público. São
serviços privados exercidos sob controle oficial e somente podem ser executados
mediante prévia autorização emitida pelo Poder Publico.
Portanto, para os fins do presente trabalho, serão considerados apenas os
serviços públicos próprios
9.3. O Serviço Público e os Valores Fundamentais
A Constituição afetou o serviço público à realização de valores fundamentais e
relevantes da sociedade. Essa ligação entre o serviço público e conveniências
essenciais ou básicas da sociedade impõem-se como limite à sua configuração
legislativa, autorizando-se a inferência de que, se nem toda atividade dedicada à
realização de valores relevantes e fundamentais prezados pela sociedade deva ser
qualificada ou definida como serviço público, certo é que todo serviço público há de
traduzir essa vocação. Trata-se de um limite negativo.118
Mas no que consistem os direitos fundamentais?
INGO WOLFGANG SARLET salienta que a noção de que os direitos
fundamentais cumprem papéis diversificados na ordem constitucional pode ser
atribuído ao publicista alemão Georg Jellinek, tendo sido formulada no final do século
118
GUIMARÃES, Fernando Vernalha, “Concessão de Sserviço Públicos” Ed. Saraiva, 2012, p. 99 a 101
- 69 -
XIX, portanto ainda fortemente impregnada de elementos do Estado Liberal, mas que
mesmo assim foi precursora da evolução posterior.
Para Jellinek, alude SARLET, “o individuo, como vinculado a determinado Estado,
encontra sua posição relativamente a este cunhada por quatro espécies de situações
jurídicas (status), seja como sujeito de deveres, seja como titular de direitos”. No
âmbito do status passivo, o indivíduo estaria subordinado aos poderes estatais,
sendo, neste contexto, meramente detentor de deveres, de modo que o Estado
possui a competência de vincular juridicamente o cidadão por meio de mandamentos
e proibições. O status negativus consiste numa esfera individual de liberdade imune
ao jus imperii do Estado, que, na verdade é poder juridicamente limitado. O terceiro
status é o assim chamado status positivus (ou status civitatis), no qual ao individuo é
assegurada juridicamente a possibilidade de utilizar-se das instituições estatais e de
exigir do Estado determinadas ações positivas. Por fim, encontra-se o chamado
status activus, no qual o cidadão passa a ser considerado titular de competências
que lhe garantem a possibilidade de participar ativamente da formação da vontade
estatal, como por exemplo, pelo direito de voto119
WOLFGANG SARLET, ao desenvolver substancioso trabalho sobre a Teoria
Geral dos Direitos Fundamentais conceitua os direitos fundamentais como posições
jurídicas reconhecidas e protegidas na perspectiva do direito constitucional interno
dos Estados.120
A Constituição Federal, no artigo 5º, § 2º admite expressamente a existência
de outros direitos fundamentais que não os integrantes do catálogo (Titulo II da CF),
com ou sem assento na Constituição. No sentido juridico-constitucional, determinado
direito é fundamental não apenas pela relevância do bem jurídico tutelado
considerado em si mesmo (por mais importante que seja), mas especialmente pela
119
Autor citado- Teoria Geral dos Direitos Fundamentais, in Curso de Direito Constitucional- 2ª parte- O Sistema
Constitucional Brasileiro- 1ª Edição, 2ª Tiragem, 2012, Ed. Revista dos Tribunais, p. 266 a 300.
120 Obra e Autor citados, p.266
- 70 -
relevância daquele bem jurídico na perspectiva das opções do constituinte,
acompanhada da atribuição da hierarquia normativa correspondente e do regime
juridico-constitucional assegurado pelo Constituinte as normas de direitos
fundamentais.121
9.4. Os Direitos Fundamentais como Valores Objetivos e Fins da Ação do Poder
Público
SARLET invoca ainda as lições de Robert Alexy que edifica sua concepção de
direitos fundamentais (que chamou de sistema das posições jurídicas fundamentais)
com base na seguinte tríade de posições fundamentais, que, em principio, pode
integrar um direito fundamental na condição de direito subjetivo: (a) direitos a
qualquer coisa (que englobariam os direitos a ações negativas e positivas do Estado
e ou particulares e, portanto, os clássicos direitos de defesa e os direitos a
prestações; (b) liberdades (no sentido de negação de exigências e proibições) e (c)
os poderes (competências ou autorizações). No âmbito da teoria constitucional dos
direitos fundamentais, também no Brasil tem sido recepcionada a noção de que a
função dos direitos fundamentais não se limita a serem direitos subjetivos, já que
também representam decisões valorativas de natureza juridico-objetiva da
Constituição, que se projetam em todo o ordenamento jurídico. Em outras palavras,
os direitos fundamentais passaram a apresentar-se, no âmbito da ordem
constitucional, como um conjunto de valores objetivos básicos e fins diretivos da
ação positiva dos poderes públicos, e não apenas garantias negativas (e positivas)
dos interesses individuais122
Ensina MARÇAL JUSTEN FILHO que o direito fundamental é instituído pela
Constituição, mas não se confunde com o texto escrito (disposição) constitucional.
121
Obra e Autor citados, p.268
122 Autor citado - Teoria Geral dos Direitos Fundamentais, in Curso de Direito Constitucional, Segunda parte- O
Sistema Constitucional , p 294 a 296 - INGO WOLFGANG SARLET, LUIZ GUILHERME MARINONI E DANIEL
MITIDIERO- 2ª tiragem- maio de 2012, ed. Revista dos Tribunais
- 71 -
Ele é produzido por uma pluralidade de dispositivos constitucionais, mas, muitas
vezes, requer uma norma de direito fundamental derivada, para sua aplicação
concreta123.
Isso não quer dizer que os direitos fundamentais não tenham pronta eficácia.
Esclarece JUSTEN FILHO que prevalece uma orientação no sentido de que os
direitos fundamentais são diretamente eficazes e atribuem direitos subjetivos aos
particulares, especialmente em face do artigo 5º, parágrafo 1º do texto constitucional.
O mesmo artigo, em seu inciso LXXI, determina que “conceder-se-á mandado de
injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos
direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à
soberania e à cidadania” 124.
Desse modo, de acordo com a tese esposada, conclui JUSTEN FILHO, que a
configuração de determinada atividade como serviço público, faz-se essencialmente
a partir do critério de referibilidade direta e imediata aos direitos fundamentais.
Algumas utilidades apresentam intensa pertinência a tanto, motivo pelo qual foram
referidas constitucionalmente. Isso não significa, afirma que a Constituição teria
transformado em serviço público toda e qualquer atuação relacionada a tais
atividades. Sempre se impõe como indispensável a vinculação com os direitos
fundamentais. Por outro lado entende aquele Professor que não se pode reputar que
todos os possíveis serviços teriam sido referidos exaustivamente na dimensão
constitucional.
Concluindo, assevera que excluídos dois campos – aquilo que é
obrigatoriamente serviço público e aquilo que não pode ser serviço público – existe
possibilidade de o legislador infraconstitucional determinar outras atividades como
tais respeitados os princípios constitucionais. 125
123
Obra e autor citados, p. 143
124 Idem, ibidem, p. 155
125 Obra e autor citados, p. 155
- 72 -
Portanto, para JUSTEN FILHO, será serviço público aquela atividade direta e
imediatamente referida aos direitos fundamentais.
9.5. Classificação dos Direitos Fundamentais
MARÇAL classifica os direitos fundamentais sob o prisma da natureza da
prestação em: (a) direitos de defesa: são basicamente os direitos individualistas,
relacionados à idéia de liberdade; (b) direitos à prestação: têm por objeto um fazer
por parte do Estado, envolvendo uma prestação material ou imaterial a ser
executada perante um ou mais sujeitos privados; (c) direitos à proteção: prestações
do Estado em face de terceiros para assegurar a defesa do particular. Significa que o
Estado tem que proteger cada cidadão126.
Os direitos fundamentais conduzem à consagração de normas de
organização, delimitadoras de poderes e competências, de modo a assegurar que o
desenvolvimento das atividades estatais será feito de modo compatível com a
preservação de tais direitos127.
9.6. Dos Direitos Fundamentais Sociais
Para os fins do presente trabalho, importa analisar os chamados direitos
fundamentais sociais, ou de terceira geração. São direitos que se afirmaram ao longo
do século XX, pretendendo que o exercício da liberdade seja universal. Segundo
essa concepção, a pessoa é dotada de necessidades. Muitas delas podem ser
126
Idem, ibidem, p. 152 e 153
127 Aa satisfação dos direitos fundamentais encontra limite na reserva do possível, isto é ao que cada individuo
razoavelmente pode exigir da sociedade, quer do ponto de vista orçamentário, quer do ponto de vista jurídico,
levando-se em conta as exigências decorrentes dos demais direitos, bens e interesses constitucionais protegidos-
IDEM, IBIDEM, P. 155
- 73 -
satisfeitas individual e privadamente ou por meio de mecanismos econômicos não
estatais. Mas nem todas podem ser satisfeitas sem a intervenção do Estado. E nem
todas as pessoas dispõem de condições idênticas para promover a auto-satisfação
de suas necessidades essenciais. Há um dever difuso de solidariedade que “se
concretiza em um dever cujo destinatário é o Estado, dimensão politicamente
organizada da sociedade, e que é correlativo aos deveres de prestação. Os direitos
fundamentais sociais envolvem, portanto, a prestação de serviços públicos por parte
do Estado, incluindo educação, saúde e outras necessidades coletivas. Mas também
compreendem a segurança individual e coletiva e outras garantias que não se
enquadram propriamente no conceito de serviço públicos128.
Portanto, a disciplina constitucional relativa à prestação direta ou indireta de
serviço público, deve ser interpretada e aplicada - inclusive as normas
infraconstitucionais sobre a matéria - de modo conforme com a força e irradiação dos
direitos fundamentais, a fim de protegê-los e evitar o risco de uma indevida redução
do seus significados e conteúdos materiais
Assim, quando a prestação de serviço público ocorra não pelo Estado, mas
por particular, concessionário de serviço público especifico e divisível, está o Estado
obrigado a exercer deveres de proteção dos administrados usuários do serviço,
inclusive zelar pela proteção dos direitos fundamentais do individuo contra agressões
por parte dos referidos prestadores particulares. Esse dever e reconhecido pela
doutrina como uma das funções dos direitos fundamentais
Deve-se salientar que também os direitos sociais, como direitos fundamentais,
estão submetidos a medidas restritivas, muito embora estejam protegidos pela
proibição de medidas de retrocesso social.
Esta proibição guarda relação com o principio da segurança jurídica e busca
impedir a afetação dos níveis de proteção já concretizados das normas de direitos
128
Idem ,ibidem p. 151 e 152
- 74 -
sociais, sobretudo no que concerne às garantias mínimas de existência digna. Assim,
o conjunto de prestações básicas, especialmente aquelas que densificam o principio
da dignidade da pessoa humana e correspondem ao mínimo existencial, não poderá
ser suprimido nem reduzido, mesmo se ressalvados os direitos adquiridos, já que a
violação de medidas de concretização do núcleo essencial da dignidade humana e
injustificável do ponto de vista da ordem jurídica e social.129
9.7. Da Proteção ao Mínimo Existencial
No que diz respeito com a recepção do mínimo existencial no âmbito da
jurisprudência brasileira, SARLET afirma que o Supremo Tribunal Federal reconhece
proteção ao mínimo existencial tanto na perspectiva de um direito de defesa, quanto
no que toca a sua vocação prestacional.
O Autor refere como exemplo da primeira função (invocação do mínimo
existencial como direito de defesa), o direito à não afetação (não intervenção)
consubstanciado em decisões da Corte Suprema relativas a proibição de confisco.130
129
SARLET, Ingo Wolfgang, obra citada, p. 567 e 568
130 Assim, como exemplo, invoca o Recurso Extraordinário 397744, relator Ministro Joaquim Barbosa,
fundamentando a proibição constitucional do confisco em matéria tributária, dentre outros, no exercício do direito
a uma existência digna, através de atividade profissional que satisfaça necessidades vitais como saúde,
educação e habitação (j.15.10.2009).
- 75 -
10. A NOÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO NA CONSTITUIÇÃO DE 88
10.1. Da Flexibilização do Conceito.
A partir da Constituição Federal de 1988, houve uma flexibilização do
conteúdo de serviço publico, por parte da dogmática do direito administrativo.
Difundiu-se entre nós, uma noção de atividade econômica, como gênero, de
que serviço público e atividade econômica em sentido estrito são espécies. Isso
significa dizer que tanto o serviço público quanto a atividade econômica em sentido
estrito seriam formas de gerar bens e serviços: a primeira adstrita ao âmbito do setor
público e o segundo no âmbito do setor privado.
Ao tratar dos serviços públicos no direito brasileiro, MARÇAL JUSTEN FILHO
salienta que a Constituição, ao discriminar competências dos diversos entes
federados, refere-se a certas atividades como serviços públicos. O artigo 21 contém
diversas previsões acerca de serviços públicos (incisos X, XI e XII), o que conduziu
parte substancial da doutrina a reconhecer tais atividades como serviços públicos por
inerência. O próprio autor, inicialmente, partilhava tal entendimento. Para MARÇAL,
no entanto, as atividades referidas nos diversos incisos do artigo 21 da Magna Carta
poderão ou não ser qualificadas como serviços públicos, de acordo com a
circunstância131.
Para o autor existirá serviço público apenas quando as atividades referidas na
Constituição envolverem a prestação de utilidades destinadas a satisfazer direta e
imediatamente os direitos fundamentais. Na hipótese de oferecimento de utilidades
131
In “Serviço Públicos no Direito Brasileiro”- Revista de Direito Público da Economia RDPE- Editora Fórum, ano
2, n.7, p. 1-255, jul/set/2004, p. 151
- 76 -
desvinculadas da satisfação de tais direitos, existirá uma atividade econômica em
sentido estrito (ou um serviço de interesse coletivo). 132
O artigo 21, incisos X a XII cuida dos serviços públicos concebidos pela
doutrina como serviços públicos por inerência.
Sobre tais hipóteses constitucionais FERNANDO GUIMARÃES assinala,
contrariamente à posição de JUSTEN FILHO, que delas pode-se inferir uma
presunção constitucional acerca da qualificação daqueles serviços como públicos,
que pelo seu caráter relativo é passível de afastamento pela constatação de que tais
atividades não atendem a um núcleo de materialidade inerente à noção
constitucional de serviço público. Para o autor, o exame do enquadramento daquelas
atividades como sendo serviço público ou atividade econômica dependerá da análise
dos casos concretos, o que envolve o exercício de uma interpretação dinâmica do
texto constitucional.
132
MARÇAL fundamenta tal interpretação em quatro argumentos: a subordinação a requisitos previstos na lei
ordinária; a previsão constitucional de “autorização”; a discriminação de competências federativas e a autonomia
legislativa infraconstitucional para a criação do serviço público. Relativamente à subordinação, ressalta o
administrativista o consenso acerca da interpretação do elenco do artigo 21 da Constituição Federal, no sentido
de que só haverá serviço público diante da presença de alguns requisitos legais específicos e determinados. Tal
interpretação é reforçada, segundo o autor, pelo fato de que os incisos X, XI e XII do artigo 21 do texto
constitucional se referir à competência da União para outorgar concessão, permissão ou autorização para o
desempenho daquelas atividades. Lembra que a autorização é incompatível com a idéia de serviço públicos,
prestando-se a expressão apenas para o exercício de certas atividades econômicas em sentido estrito, sujeito
seu desempenho à fiscalização mais ampla e rigorosa do Estado. Quanto à discriminação de competências
federativas JUSTEN FILHO assevera que as disposições constitucionais que operam essas atribuições,
especialmente o artigo 21, não se destinam a diferenciar serviço públicos e atividade econômica em sentido
estrito, tendo em vista que a disciplina da atividade econômica (em sentido amplo) está consagrada em outro
Título constitucional. Finalmente, entende o autor competir à lei ordinária determinar a “publicização” de certa
atividade e as hipóteses em que configurará serviço público, muito embora reconheça tratar-se de autonomia
limitada constitucionalmente, tendo em vista que o artigo 21, incisos X a XII da Carta Magna impõe que tais
atividades serão qualificadas como serviço público quando estiver presente o pressuposto necessário: a
satisfação imediata de direitos fundamentais. OBRA E AUTOR CITADOS, P. 151, 152, 153 e 154
- 77 -
Sobremodo discutível a relativização do texto constitucional vislumbrada por
GUIMARÃES. Seu ponto de vista sobre os serviços postos constitucionalmente vai
muito além da proposta de boa parte da doutrina no sentido de que além dos
serviços postos constitucionalmente apenas o legislador poderia publicizar
determinada atividade. Segundo sua concepção a publicização não estaria sequer
afeta à lei, mas poderia ser decidida pela mera análise interpretativa dos casos
concretos.
A flexibilização constitucional proposta é fundamentada pelo autor em razões
extrajurídicas e pragmáticas. E não poderia ser outro o fundamento já que tal
flexibilização, entende-se, não está autorizada pela Magna Carta.
De fato, GUIMARAES assinala uma substancial alteração no contexto fático
relativamente à materialidade das prestações consideradas no artigo 21 do texto
constitucional, desde a gestação da CF/88. Afirma que o intenso desenvolvimento
tecnológico produziu novas modalidades de prestação (consideradas em sua
materialidade) no âmbito daquelas utilidades presumidamente essenciais.
Exemplifica com a telefonia móvel que, surgida e disseminada com ampla
capilaridade nesse período, passou a integrar o grupo das atividades de
telecomunicações, ampliando materialmente o seu espectro de configurações.
Para o Autor, essa alteração no contexto fático, importa consequências no
tratamento jurídico correspondente, implicando a alteração do regime jurídico de
certas prestações inseridas nos incisos X a XII do artigo 21 da CF/88133
Sem embargo do respeito que merece o autor, não parece correto o
entendimento esposado.
Nesse sentido, oportuno trazer à baila o ensinamento de CELSO ANTONIO
BANDEIRA DE MELLO sobre a feição constitucional do serviço público no Brasil:
133133
Obra e autor citado, p. 103 e 104
- 78 -
“Assentar uma noção jurídica não sobre elementos de direito, mas sobre dados da
realidade fática seria chocante equivoco. Isso porque “serviço público”, como noção
jurídica, só pode ser um dado regime, nada importando que se altere o substrato
sobre o qual se aplica, pois este, obviamente é mutável tanto quanto a realidade
social “134
Os fatos não têm o condão de alterar o direito. Ainda mais quando o texto
constitucional é de suma clareza quando trata das competências materiais para a
realização de serviços públicos.
Ocorre que a ampliação indevida que levou à chamada crise do serviço
público, foi pressionada pela necessidade de efetiva alteração da ordem jurídica, de
modo a permitir, em curto espaço de tempo, as alterações necessárias à privatização
do serviço publico. Razões econômicas e financeiras efetivamente pressionavam por
tal alteração. Nesse sentido, vários estudos doutrinários nacionais valeram-se da
noção européia de serviço de interesse geral econômico, não adotada por nosso
constituinte, para construir uma nova e “revigorada” noção de serviço publico pós
crise.
A situação relatada pode ser invocada como exemplo da presença inafastável
dos valores (ideologias) na construção da interpretação do direito.
10.2. Das Concepções Doutrinárias de Serviço Publico
Discorrendo sobre os dispositivos constitucionais relacionados com a temática
dos serviços públicos135, ALEXANDRE ARAGÃO, conclui que a Republica Federativa
134
In “Serviço Público e sua feição constitucional no Brasil” in “Direito do Estado. Novos rumos” Coord. PAULO
MODESTO e OSCAR MENDONÇA. São Paulo, Max Limonad, 2001, p. 13/35
135 Aragão exclui do conceito de serviços públicos as atividades legislativas consistentes na edição de normas
gerais e abstratas e jurisdicionais, consistentes na composição definitiva de conflitos, voltando sua pesquisas
para as atividades exclusivamente administrativas
- 79 -
do Brasil é, por excelência, um Estado prestacional, com uma série de obrigações
com sua população. A questão, segundo o autor, é saber se todas essas obrigações
jurídicas devem ter a sua execução material considerada como prestação de serviço
público, ou se apenas uma parte delas deve sê-lo136.
Para ARAGÃO, a Constituição Federal de 1988 apesar de possuir várias
regras específicas sobre os serviços públicos, não chega a ser precisa na utilização
da nomenclatura, ora se referindo a serviços públicos em sentido apenas econômico,
como atividades da titularidade do Estado que podem dar lucro (ex: artigo 145, II, e
175), ora como sinônimo de Administração Publica (ex: art. 37), ora para tratar do
serviço de saúde prestado pelo Estado (ex: art. 198).
Outras vezes, afirma o autor, se refere apenas a serviços (ex: art. 21) e a
serviços de relevância pública (ex: artigos 121 e 197).
Assim, para ARAGÃO, a Constituição, poderia, em tese, ter contemplado as
seguintes concepções doutrinarias de serviços públicos, de acordo com a sua maior
ou menor abrangência:
(a) Concepção amplíssima de serviço público, que advém da escola clássica
do serviço público de Léon Duguit, equivalendo o serviço público a toda atividade
exercida pelo Estado ou, quando menos, a um sinônimo da própria Administração
Pública (critério orgânico ou subjetivo), sejam elas interna ou externas, inerentes ou
não à soberania, econômicas/potencialmente lucrativas ou não, prestacionais, de
policia administrativa ou de fomento.
(b) Concepção ampla de serviço público, pela qual o serviço público
corresponderia às atividades prestacionais em geral do Estado, isto é, às funções
que exerce para proporcionar diretamente aos indivíduos comodidades e utilidades,
136
“O conceito de serviços público no Direito Constitucional Brasileiro” in REDAE- Revista Eletrônica de Direito
Administrativo Econômico, no. 17, fev/março/abril, 2009. , p. 19
- 80 -
independentemente de poderem deles ser cobradas individualmente ou não, ou de
serem de titularidade do Estado. Abrangeriam os chamados serviços públicos
econômicos (remuneráveis por taxa ou tarifa), os serviços sociais (que podem ser
prestados livremente – sem delegação pela iniciativa privada) e os serviços uti
universi (inespecíficos e indivisíveis, sem beneficiários identificáveis com exatidão).
Ficariam de fora do conceito a policia administrativa que restringe a esfera de
liberdade dos indivíduos e o fomento, que visa apenas incentivar a sociedade e o
mercado, a, eles próprios, atuarem no sentido da realização do interesse público;
(c) Concepção restrita de serviço público - que abrangeria apenas as
atividades prestacionais que tivessem um liame imediato com os indivíduos, podendo
seus beneficiários ser identificados e a sua fruição quantificada. Desta concepção
ficariam excluídos os serviços uti universi, insuscetíveis de serem remunerados pelos
seus beneficiários diretos. O conceito conteria os serviços públicos econômicos e
sociais, que constituiriam a sua classificação básica.
(d) Concepção restritíssima de serviço público: decorrente dos artigos 145, II e
175 da CF, que prevêem a remuneração especifica dos serviços públicos por taxa ou
tarifa, respectivamente. Essa concepção contemplaria apenas os serviços que
pudessem ser financiados dessa forma (serviços públicos específicos e divisíveis,
em que é possível a identificação de quem usufruiu o serviço e em que proporção),
devendo ainda, nos termos do artigo 175, ser de titularidade exclusiva do Estado,
exploráveis pela iniciativa privada apenas mediante concessão ou permissão 137.
Para o tema do presente trabalho, o foco será posta na concepção
restritíssima proposta por ARAGÃO, isto é, naqueles serviços específicos e
divisíveis, em que é possível saber quem usufruiu do serviço e em que quantidade.
Essa, aliás, é a proposta metodológica adotada por CESAR GUIMARÃES
PEREIRA. O autor parte do pressuposto de que o serviço público referido na
137
ARAGAO , Alexandre Santos, ob. Citada, p.20 a 24
- 81 -
Constituição Federal, ou seja, o serviço público em sentido próprio e jurídico é o
chamado serviço uti singuli. Para a caracterização de um serviço público, exigir-se-ia
a possibilidade de fruição singular do serviço. Os serviços uti universi, tidos como
serviços públicos em sentido amplo, são atividades públicas positivas da
Administração, indissociáveis de outras como a realização de obras publicas.
Para CESAR PEREIRA os serviços uti universi têm regime e função mais
próximos das obras públicas ou de outras atividades públicas não referidas
diretamente a particulares do que dos serviços públicos propriamente ditos (os uti
singuli). Nos serviços uti singuli haveria, segundo o autor, uma relação jurídica
concreta que vincula o prestador ao usuário. Nos serviços uti universi não há
usuários, mas beneficiários difusos. Há um dever de agir do Poder Público não
contraposto a um direito especifico dos beneficiários. Exemplifica o autor com o
serviço uti universi de instalação de iluminação de uma praça, serviço esse que não
é atividade distinta da própria construção da praça. Chama tais atividades de puras,
cuja finalidade se exaure na própria atividade138
Pode-se afirmar que o conceito de serviço “uti singuli” é o conceito adotado
pelo artigo 145, inciso II da Constituição Federal, ao erigir a regra matriz da taxa de
serviço.
10.3. Uma Proposta de Construção do Conteúdo de “Serviço Público”
Preliminarmente, cumpre consignar que deixaremos de lado a discussão do
Direito Administrativo acerca do universo jurídico que cuida da delimitação e elenco
dos serviços públicos.
138
Autor citado – A Posição dos Usuários e a Estipulação da Remuneração por Serviços Público- in Serviços
Público e Direito Tributário- Coord. HELENO TAVEIRA TORRES, 2005, Quartier Latin, p. 300
- 82 -
Vimos que alguns autores, como MARÇAL, entendem que os serviços
públicos não estão exaustivamente previstos no texto constitucional, mas podem ser
assim definidos (como público) pelo legislador infraconstitucional139.
Igualmente, será posta de lado, no presente trabalho, tanto a noção do serviço
público não privativo - que é aquele prestado quer pelo Poder Publico quer pelos
particulares, como a saúde, a educação, etc. – bem como aquele serviço atinente à
atividade de intervenção estatal na economia, prestado pelo Estado, em geral por
suas empresas publicas e/ou sociedades de econômica mista, no campo da
atividade econômica e, portanto, sob regime de direito privado (ex: empresas estatais
dedicadas ao incremento do turismo, processamento de dados, etc.)
Tais denominações foram propostas por EROS GRAU que distingue o gênero
– atividade econômica – apresentando como suas espécies a atividade econômica
stricto sensu e o serviço público140. Para o autor, nem toda atividade exercida pelo
139
Argumento de peso para sustentar aquele entendimento residiria no fato de a Emenda Constitucional n. 8 de
1995 ter introduzido nos incisos XI e XII do artigo 21 da Constituição Federal o instituto da “autorização”. Assim,
ao adotar vocábulo – “autorização”- que se refere ao ato estatal de controle do exercício de atividade econômica
do particular, teria o legislador constituinte derivado retirado do campo dos serviços públicos as atividades ali
previstas. De outra parte, juristas como CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO, minimizam a alteração
constitucional justificando tal despreocupação no fato de que o artigo 175 da CF cuida da normalidade da
prestação de serviços público ao prever apenas os institutos da “concessão” e “permissão”, e, mesmo porque,
assevera BANDEIRA DE MELLO, o serviço de telecomunicação previsto no inciso XI do artigo 21 refere-se aos
serviços de radioamador e ao serviço de interligação de empresas por cabos de fibra ótica, os quais,
rigorosamente não podem ser considerados serviços públicos. Do mesmo modo, para o jurista, o vocábulo
“autorização” utilizado no inciso XII do artigo 21 apesar de abranger casos em que está em pauta um serviço
público, serviu para resolver emergenc ia lmente dada s i tuação concreta, a té a adoção dos
necessár ios procedimentos de outorga de permissão ou concessão
140 A classificação proposta, pelo Professor Eros Grau parece, data vênia, não atender aos ditames da Teoria
das Classes. Sobre essa teoria, ensina PAULO DE BARROS CARVALHO (in “Direito Tributário, Linguagem e
Método, p. 116 e segs.) que classificar é distribuir em classes, é dividir os termos segundo a ordem da extensão
ou, para dizer de modo mais preciso, é separar os objetos em classes de acordo com as semelhanças que entre
eles existam, mantendo-os em posições fixas e exatamente determinadas em relação às demais classe. Ensina
Paulo de Barros Carvalho que os diversos grupos de uma classificação recebem o nome de espécies e de
gêneros, sendo que espécies designam os grupos contidos em um grupo mais extenso, enquanto gênero é o
grupo mais extenso que contém as espécies. A presença de atributos ou caracteres que distinguem determinada
espécie de todas as demais espécies de um mesmo gênero denomina-se “diferença”, ao passo que “diferença
- 83 -
Estado representará necessariamente um serviço público, visto que entende possível
a intervenção do Estado no campo econômico stricto sensu.
EROS GRAU propõe a seguinte definição de serviço público: “(...) é o
tipo de atividade econômica cujo desenvolvimento compete preferencialmente ao
setor público. Não “exclusivamente” – note-se – visto que o setor privado presta
serviços públicos em regime de concessão ou permissão. Desde aí poder-se-á
também afirmar que o serviço público está para o setor público assim como a
atividade econômica está para o setor privado” 141.
10.3.1. A Constituição Federal estabeleceu clara distinção entre a Atividade
Econômica e a Prestação de Serviço Público
Respeitado o brilho do Professor e Ministro EROS GRAU, não parece correto
afirmar que o serviço público seja uma espécie do gênero atividade econômica.
Apenas em tese, afigura-se possível tal entendimento, se considerarmos o
direito alienígena, em especial o direito europeu. Porém, do ponto de vista do direito
positivo brasileiro, especialmente tendo em conta a disciplina constitucional da
matéria, não parece correto dito entendimento. 142
especifica” é o nome que se dá ao conjunto das qualidades que se acrescentam ao gênero para a determinação
da espécie, de tal modo que é licito enunciar: “a espécie é igual ao gênero mais a diferença especifica (E =G +
De). Assim, aplicando-se a fórmula enunciada, “serviço público” somente seria espécie de “atividade econômica”
se fosse possível afirmar: “o serviço público é igual a atividade econômica acrescido de uma diferença especifica
em relação à atividade econômica”. Como já afirmado, no âmbito do presente trabalho tal não é possível, visto
que adotado o instituto como “res extra commercium”, conteúdo que se opõe frontalmente ao conceito de
“atividade econômica” . 141
GRAU, Eros Roberto, Constituição e serviço público. In____ (Org.) GUERRA FILHO, Willis Santiago, Direito
Constitucional; estudos em homenagem a Paulo Bonavides, p. 250. São Paulo: Malheiros, 2002
142 Difundiu-se na doutrina uma flexibilização da divisão entre atividade econômica e serviço público. Passou-se a
defender que, como o artigo 175 está inserido no Capitulo I, intitulado “Dos princípios gerais da atividade
econômica”, do Titulo VII da CF de 1988, intitulado “Da ordem econômica e financeira”, então os serviços
públicos qualificar-se-iam também como “atividade econômica”- daí a classificação: atividade econômica em
- 84 -
De fato, a Constituição Federal tratou fartamente da matéria, estabelecendo
claras distinções entre a atividade econômica e a prestação do serviço público. A
atividade econômica é área preferencialmente atribuída aos particulares e apenas
excepcionalmente pode o Estado exercê-la.
Da mesma forma a prestação de serviços públicos é matéria afeta
constitucionalmente ao Poder Público (ressalvados aqueles serviços atribuídos tanto
ao poder públicos como ao particular - ensino, saúde, etc.), podendo ser prestado
por particulares mediante contrato de concessão ou permissão.
Assim, de acordo com a disciplina constitucional brasileira o exercício
excepcional pelo Estado de determinada atividade econômica, se rege por regime
jurídico de direito privado, enquanto a prestação de serviços público (inclusive pela
iniciativa privada) encontra-se sob o regime de direito público.
sentido amplo, abrangente da atividade econômica em sentido estrito e dos serviços públicos. Sem desprestigiar
os defensores desse entendimento, discorda-se. Se essa tese fosse correta, os serviços públicos seriam regidos
pelo rol de princípios do artigo 170. É inviável essa submissão, por várias razões. Primeiro: inexiste
compatibilidade conceitual entre o principio da livre concorrência e os serviços públicos; estes são, por definição,
de titularidade estatal, estão fora do mercado; e ainda que se cogite de instituir um regime de concorrência entre
os concessionários, tal idéia jamais terá o condão de elevar a livre concorrência a principio do serviço público;
livre concorrência pressupõe liberdade de atuação, é conceito inerente ao mercado, incompatível com atividades
submetidas a integral controle e necessariamente alheias ao mercado. Segundo: o principio da propriedade
privada é conceitualmente incompatível com os serviços públicos, os bens afetos a estes são públicos, por
definição. Terceiro: o principio da defesa do consumidor é incompatível com os serviços públicos, pois o
destinatário do serviço é usuário, e não consumidor- conceitos substancialmente distintos; a situação jurídica do
usuário pressupõe muito m ais direitos que a situação jurídica do consumidor. Basta dizer que o Estado tem o
dever constitucional de prestar o serviço e o fornecedor tem o direito de explorar atividade econômica. A busca do
pleno emprego, apesar de não ser, do ponto de vista lógico, incompatível, é um principio dissociado do conceito
de serviço público: ainda que a prestação de serviços gere empregos, ela não se assenta nesse princípio, trata-
se de efeito colateral, Perceba-se: como o rol de princípios da ordem econômica nada tem a ver com os serviços
públicos, associá-los à ordem econômica não faz sentido. RICARDO MARCONDES MARTINS, in “Regulação
Administrativa... p. 197 e 198
- 85 -
Uma conceituação adequada de serviço público envolve delimitar, entre
atividades diversas, as características comuns que possam ser diferenciadas de
outras atividades (econômicas ou não).
A eleição de critérios pela doutrina varia em um amplo espectro: de conceitos
estritamente formais (considerando o regime jurídico dessas atividades) a conceitos
materiais (buscando características próprias da atividade em si que a diferenciem
independentemente do tratamento jurídico) passando pela utilização de conceitos
mistos143.
Classicamente tem-se o critério orgânico que dá ênfase à presença do ente
público na prestação do serviço, para classificá-lo como público; o critério material,
que se refere ao serviço público como atividade de interesse coletivo destinada a
todos e o critério formal que atrela a natureza pública do serviço à submissão de sua
prestação ao direito público.
Mantendo a diretriz proposta para o desenvolvimento do presente trabalho, no
sentido de extrair referido critério a partir da análise das competências postas pelo
texto constitucional, tem-se o seguinte quadro geral, no qual se distinguem: 1-
serviços públicos (aqueles elencados pelos artigos 21 e 25 da CF); 2- atividades de
interesse público (como saúde e educação) que podem ser exercidas tanto sob o
regime público, como sob regime privado; 3- atividades de intervenção do Estado na
economia, ou seja, de exercício de atividades econômicas stricto sensu pelo Estado;
e 4 - exercício de atividade econômica pela iniciativa privada144.
143
CEZNE, Andréa Narriman- “ O Conceito de serviço públicos e as transformações do Estado contemporâneo”-
Revista de Informação Legislativa , n.167,jul/set 2005- pág. 318
144 CEZNE, Andréa Narriman- “ O Concei to de serviço públ icos e as t ransformações do
Estado contemporâneo” - Revis ta de In formação Legis la t iva , n .167, ju l /se t 2005- pág. 319
- 86 -
10.3.2. Dos Serviços atribuídos à União
O artigo 21 estabelece as chamadas competências materiais outorgadas à
União Federal.
Determina o texto constitucional que a União deverá: X - manter o serviço
postal aéreo nacional; XI - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão
ou permissão os serviços de telecomunicações, devendo o legislador federal editar
lei que estabeleça regras de organização dos serviços, crie um órgão regulador e
discipline outros aspectos institucionais; XII – explorar diretamente ou mediante
autorização, concessão ou permissão (a) os serviços de radiodifusão sonora e de
sons e imagens; (b) os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento
energético dos cursos de água, em articulação com os Estados onde se encontrem
os potenciais energéticos; (c) a navegação aérea, aeroespacial e a infra-estrutura
portuária; (d) os serviços de transporte ferroviário e aquaviário entre portos
brasileiros e fronteiras nacionais, e os limites de Estado e de Território; (e) os
serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros; (f) os
portos marítimos, fluviais e lacustres; XV – organizar e manter os serviços oficiais de
estatísticas, geografia, geologia e cartografia de âmbito nacional; XXII – executar os
serviços de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras; XXIII – explorar os
serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e exercer o monopólio estatal
sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e
o comercio de minérios nucleares e seus derivados (a utilização de radioisótopos
para a pesquisa e usos medicinais, agrícolas, industriais e atividades análogas é
autorizada sob o regime de concessão ou permissão).
- 87 -
10.3.3 Dos Serviços atribuídos aos Estados
A competência material dos Estados vem prevista no artigo 25, parágrafo 2º:
explorar diretamente, ou mediante concessão os serviços locais de gás canalizado,
na forma da lei.
10.3.4. Dos Serviços atribuídos aos Municípios
Nos termos do artigo 30, inciso V da Constituição Federal, compete aos
Municípios organizar e prestar diretamente ou sob regime de concessão ou
permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo,
que tem caráter essencial
Os Municípios também recebem a incumbência constitucional de manter, com a
cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação
infantil de ensino fundamental, e serviços de atendimento à saúde da população
(artigo 30, incisos VI e VII).
10.3.5. Busca do Significado Pretérito de “Serviço Publico”, “Concessão” E
“Permissão”.
RICARDO MARCONDES MARTINS, ao tratar da atividade econômica e do
serviço público na Constituição de 1988, e, partindo da literalidade dos artigos 173 e
175 lembra que em pelo menos 18 vezes o constituinte originário utilizou a
expressão serviço público145.
Sobre o significado de “serviço público”, “concessão” e “permissão” lembra o
mesmo autor que não se está diante de palavras próprias da linguagem natural. Tais
145
Autor citado, in “Regulação administrativa à luz da Constituição Federal” p. 192 e 193
- 88 -
expressões, explica, tornaram-se correntes na linguagem natural em decorrência da
difusão do significado técnico. São palavras próprias da técnica jurídica, do
vocabulário jurídico.
Propõe, invocando o postulado do significado pretérito, a busca do significado
das referidas palavras na linguagem dos juristas à época da promulgação da
Constituição, por entender que o significado técnico dos termos jurídicos é dado
primeiro pela legislação vigente quando da promulgação da Constituição. Se da
legislação não se extraem contornos precisos, o significado técnico de termos
jurídicos é dado pela doutrina e pela jurisprudência. Nesse sentido, recorda que a
doutrina brasileira amplamente majoritária em outubro de 1988 considerava os
serviços públicos atividades de titularidade do Estado, submetidas ao regime de
direito público, estranhas ao mercado146.
Afirma que o constituinte brasileiro estabeleceu uma divisão fundamental ao
distinguir os dois campos de atuação, em dois blocos, um próprio do particular e
outro próprio do Estado – a atividade econômica e o serviço público. O Estado, como
regra geral, não deve explorar a atividade econômica diretamente, ressalvadas
circunstâncias excepcionais. Em matéria de atividade econômica o Estado é terceiro,
isto é regulador. Ele só pode explorar diretamente a atividade econômica em dois
casos: quando necessário aos imperativos da segurança nacional ou a relevante
interesse coletivo. Tal intervenção direta para fins regulatórios é sempre subsidiária e
só é possível na falta, na insuficiência da atuação privada.
Ademais, lembra o autor que de acordo com o texto constitucional, quando o
Estado explora a atividade econômica ele o faz em concorrência com os particulares:
não os exclui do mercado, atua junto com eles. Daí uma regra fundamental, inserta
no inciso II do parágrafo 1º do artigo 173: o sistema jurídico protege a atuação
privada e, assim, veda a incidência de normas de direito público quando essa
incidência desequilibrar a competição. A exploração da atividade econômica pelo
146
Regulação Administrativa...p. 196
- 89 -
Estado o sujeita às regras de direito privado necessárias à manutenção da livre
concorrência, no mercado, entre o Estado e os particulares.
Insiste MARCONDES MARTINS: o campo econômico é dos particulares: é
vedado ao Estado apropriar-se desse campo147.
Interessante a afirmação do mesmo autor, no sentido de que se da
Constituição brasileira constasse apenas o artigo 173 seria possível pressupor a
inexistência dos serviços públicos, isto é, que todas as atividades seriam dos
particulares, de modo que a prestação estatal direta só seria permitida
subsidiariamente, como meio de regulação148.
Vale dizer que para MARCONDES MARTINS, se não existisse na
Constituição Federal o comando do artigo 175, poder-se-ia entender o serviço
público como inserido no conceito de atividade econômica.
Consta, todavia, no referido dispositivo do texto constitucional que “incumbe
ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou
permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos”.
A partir dessa regra constitucional conclui o autor: Primeiro: a prestação dos
serviços públicos não incumbe aos particulares, mas ao Poder Público; Segundo: ele
não os presta subsidiariamente; a regra não é a prestação pelos particulares, trata-se
de um campo de titularidade estatal, em que incide uma presunção absoluta de
publicização. Decorrência lógica: essas atividades referem-se a um campo diferente
do referido no artigo 173149
147
Autor e obra citado, p. 194
148 Obra citada, p. 194
149 Obra citada, p.194
- 90 -
10.3.6. Do Significado de “Serviço Público” na Regra Matriz da Taxa de Serviço
(Artigo 145, II da CF/88)
Nos estudos desenvolvidos por MARCO AURÉLIO GRECO e HAMILTON
DIAS DE SOUZA150, anteriormente invocados, aqueles autores buscaram no texto
constitucional critério que permitisse separar, do conjunto de atividades que
produzem “utilidades”, aquelas que têm caráter público.
A este propósito, aliás, asseveram que a Constituição Federal é clara ao
traçar uma linha divisória dentre as atividades concretamente realizáveis pelas
entidades existentes no País, separando dois campos de atuação. Um primeiro
campo é expressamente reservado às empresas privadas, por força do artigo 173,
"caput", da Constituição Federal, que reza:
"Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta
Constituição, a exploração direta de atividade econômica
pelo Estado só será permitida quando necessária aos
imperativos da segurança nacional ou a relevante
interesse coletivo, conforme definido em lei”.
Ora, afirmam GRECO E SOUZA, se o legislador constituinte atribui
preferência aos particulares na organização e exploração das atividades
econômicas, está considerando tais atividades como o campo precípuo da ação das
empresas privadas. Isto, aliás, é perfeitamente coerente com a sistemática
constitucional que, ao enunciar os princípios basilares da ordem econômica e social
incluiu em primeiro lugar, a liberdade de iniciativa.
150
"A Natureza Jurídica das custas judiciais”, Editora Resenha Tributária,p. 37 e seguintes
- 91 -
Daí concluem que, para o legislador Constituinte, as atividades de geração de
riqueza em que o seu móvel principal é a obtenção de lucro e acumulação de capital,
ficam entregues, principalmente, às empresas privadas. Nestas, portanto, o
fornecimento de uma utilidade não é o objetivo final da atividade, mas um meio, um
instrumento de que se socorrem os operadores privados para conseguir o resultado
econômico almejado.
Asseveram que se este é o campo precípuo das empresas privadas, então
aqui não encontramos o serviço público.
Por outro lado, chamam a atenção para o fato de que todo o Título III da
Constituição Federal não se preocupa fundamentalmente com a atividade das
empresas privadas, mas objetiva definir as competências e atribuições do Poder
Público, indicando seus órgãos e seu campo de atuação.
Ora, se o constituinte, numa parte do texto, indica o campo de atuação dos
particulares (atividades econômicas) e em outra, a esfera de atuação dos Poderes
Públicos, nesta segunda é que, segundo MARCO AURÉLIO GRECO E HAMILTON
DIAS DE SOUZA, encontra-se o serviço público.
A partir daí, extraem uma conclusão intermediária qual seja a de que, por
força do texto Constitucional, “serviço público será um tipo de atividade
originariamente pública que se apresenta como conteúdo de uma prestação e da
qual advém uma utilidade ao destinatário, e que se inspira nas atribuições
explicitadas no Título III da CF”.
Com essa conclusão, afirmam que a prestação de serviço público não se
vocaciona à produção de riqueza, nem à geração de lucro, mas ao fornecimento de
utilidade aos indivíduos, sendo que a remuneração que daí advém é puramente
eventual e não essencial para a figura.
- 92 -
Essa circunstância de o constituinte haver separado os campos básicos de
atuação do Poder Público e dos particulares acarreta uma outra peculiaridade para o
serviço público. De fato, se este tipo de prestação foi excluído do campo de atividade
econômica, se ele está fora do mercado, então estamos perante aquelas entidades
que a doutrina conhece como res extra commmercium. Vale dizer, esta atividade
está fora das forças que condicionam e influenciam o mercado, exatamente porque a
razão dessa qualificação está na constância do fornecimento de uma utilidade à
coletividade, e não à produção de riqueza.
Ora, afirmam, se o serviço público é uma res extra commercium, sua
prestação está fora da livre disposição da vontade das partes, não lhe sendo
aplicáveis os institutos jurídicos formulados para aplicação típica em relações
informadas pela disponibilidade quanto aos interesses em jogo.
Esta a razão pela qual, segundo os autores, a Constituição Federal se
preocupa em explicitar a figura jurídica mediante a qual será possível gerar recursos
pecuniários necessários ao atendimento do serviço: a taxa.
Diante de todos esses argumentos, concluem afirmando que, de acordo com o
ordenamento constitucional vigente, é serviço público toda prestação que não se
insira no campo da atividade econômica, atribuída originariamente ao Poder Público
e da qual o destinatário extrai uma utilidade.
Em suma, entendem os autores que o serviço público está, no texto
constitucional, onde a atividade econômica não está.
Este é o entendimento adotado no âmbito do presente trabalho, isto é, toma-
se como serviço público aquela atividade constitucional privativamente atribuída ao
Estado (sentido lato), e que, em alguns casos, por autorização constitucional, pode
ser realizada pelo particular, mediante regime de autorização, permissão e
concessão.
- 93 -
Essa também, a matriz constitucional da taxa de serviço.
Pode-se, nesse sentido, afirmar que ainda quando o serviço publico seja
prestado por particular, concessionário de serviço publico, tal prestação estará
sujeita às normas de direito público, não perdendo o serviço publico sua
característica de res extra commercio que configura uma utilidade a ser fornecida
adequadamente e sem interrupção
- 94 -
11. REGIME JURIDICO DA REMUNERAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO
ESPECIFICO E DIVISIVEL
11.1. Das Taxas
11.1.1 Origem do Tributo
Como nos ensina BERNARDO RIBEIRO DE MORAES151, a taxa aparece de
forma embrionária como remuneração que certos funcionários costumavam auferir
das pessoas favorecidas com determinadas prestações de serviços, embora a
respectiva importância não tivesse por destino o erário público. O Rei, em lugar de
pagar seus agentes, preferia conferir-lhes o direito de auferirem receitas à medida
que iam prestando serviços, exigindo dos indivíduos interessados a devida
compensação. Pouco a pouco, os Estados civilizados foram abandonando esse
sistema.
Em 1776 Adam Smith152 encontrou uma diferença entre certos tributos que
recaiam sobre todos os indivíduos e outros, que somente atingiam os usuários ou
beneficiários da atividade pública, afirmando a injustiça de toda sociedade contribuir
para as despesas, das quais só pequena parte recolhe os frutos. Isto foi o germe
para o aparecimento de estudos científicos sobre a taxa153
Em 1832, com Kurt H.Rau (“Princípios de Ciência das Finanças”) surge uma
teoria científica de taxa, concebendo-a como uma contraprestação que se paga ao
Estado, por um serviço especial deste, ligada a um interesse público. Forma-se,
segundo Aliomar Baleeiro, a noção clássica da taxa como um processo de repartição
151
Doutrina e Prática das TAXAS- 2ª. edição- 2007- Ed. Quartier Latin, p.18 e segs
152 In “A Inquiry into the Nature and causes of the Walth of Nations”
153 Bernardo Ribeiro de Moraes, ob. Citada, p.21
- 95 -
duma despesa pública, para fim especial, exclusivamente entre aqueles que se
beneficiaram dela ou deram motivo a que ela se fizesse154.
O Brasil, como outros países, demorou a acolher um conceito legal de taxa.
Com a Constituição Federal de 1934, admitiu-se uma divisão bipartida dos tributos,
não deixando clara, porém, a real configuração constitucional do tributo.
De se notar que, até a EC 18 de 1/12/1965, a amplitude do conceito legal de
taxa, levou a abusos legislativos.
Lembra BERNARDO RIBEIRO DE MORAES155, que inúmeras taxas, com
destinação específica do produto da arrecadação, eram exigidas de terceiros, sem
relação alguma com a pessoa que realmente estava ligada à atuação estatal.
Exemplifica o autor com a Taxa de Educação e Saúde da União, instituída em 1932 e
revogada apenas em 1990, e que incidia sobre todos e quaisquer documentos
sujeitos ao selo federal (à exceção de correspondência postal e cheque), destinando-
se o produto de sua arrecadação aos serviços de saneamento e profilaxia rural, além
de atender as despesas federais com o ensino.
Relata-nos ainda o autor que em 1964, diante da inflação sem precedentes
que se manifestou no país, o governo preocupou-se em realizar uma reforma
tributária, a fim de que os tributos pudessem servir melhor como instrumentos
eficientes para a ação econômica. Ademais, afirma, era até então a taxa talvez o
maior instrumento de violação das regras da discriminação constitucional, melhor
dizendo, de toda estrutura do regime tributário. Esse fato determinou que a
Comissão Oficial, então encarregada de elaborar a emenda constitucional da reforma
tributária, tivesse como preocupação, no dizer de Rubens Gomes de Souza, “trancar
essa porta à fraude”, com a inclusão, no anteprojeto, de definições das diversas
154
Aliomar Baleeiro, Uma introdução à Ciência das Finanças, apud Bernardo R.Moraes, ob. Cit. Pág. 21
155 Ob. Citada. P. 30
- 96 -
espécies tributárias, a fim de dar maior segurança e rigidez ao novo sistema
tributário. 156
Assim, a EC 18/65 aperfeiçoou o conceito de taxa, deixando claro que a
distinção entre a taxa e o imposto reside no fato gerador da respectiva obrigação. No
imposto, a situação de fato prevista em lei para dar origem à obrigação tributária será
sempre uma situação independente de qualquer atividade estatal específica dirigida
ao contribuinte. Na taxa, a aludida situação de fato será sempre ligada a certa
atividade estatal, dirigida ao contribuinte157.
11.1.2 PERFIL CONSTITUCIONAL - REGRA MATRIZ DE INCIDENCIA
O perfil constitucional das taxas (regra matriz de incidência) está descrito no
artigo 145, II da Constituição Federal:
"Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios poderão instituir os seguintes tributos:
I -...
II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou
pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos
específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou
postos a sua disposição;
Como afirma GERALDO ATALIBA, não há necessidade de a Constituição
discriminar competências para a exigência de taxas (como há, pelo contrário, no que
respeita a impostos) porque a hipótese de incidência da taxa é sempre uma atuação
estatal (atividade de polícia ou prestação de serviço público especifico e divisível). A
pessoa pública competente para desempenhar a atuação, e só ela, é competente
156
Autor e obra citados, p. 30 e 31
157 Autor e ob. Cit. P. 32 e 33
- 97 -
para legislar sobre sua atividade e colocar essa atuação no núcleo da hipótese de
incidência de taxa sua158
Sobre essa questão, assim se manifesta ROQUE CARRAZZA: "Obviamente
os serviços públicos, as diligências ensejadoras dos atos de polícia e as obras
públicas, devem estar dentro da faixa de atribuições (da competência administrativa)
da pessoa política que instituir os tributos vinculados (taxas e contribuição de
melhoria). Lembramos, de passagem, que as competências administrativas foram
repartidas, pela Suprema Carta, entre a União, os Estados, os Municípios e o Distrito
Federal. O artigo 21 da Constituição aponta as competências administrativas da
União; o artigo 25, as dos Estados; os artigos 29 e 30 as dos Municípios; e o art. 32,
as do Distrito Federal. Só quando a pessoa política tem competência administrativa
para realizar a atuação estatal e efetivamente a realiza, é que poderá fazer nascer o
tributo vinculado. Evidentemente, para atuar, a pessoa política depende de uma lei,
que a tanto a autorize”.
E conclui aquele jurista: “Portanto, a criação legislativa da taxa ou da
contribuição de melhoria pressupõe a existência da competência administrativa, da
pessoa política tributante. Dito de outro modo, a competência para instituir tributos
vinculados está ligada ao exercício da competência administrativa que a entidade
tributante recebeu da Constituição para prestar o serviço público, para praticar o ato
de polícia ou para realizar a obra pública” 159
As taxas como os impostos e as contribuições, estão sujeitas aos princípios
constitucionais que informam a tributação, tais como o princípio da estrita legalidade,
da anterioridade, da igualdade e outros.
158
ATALIBA, Geraldo- “Hipótese de Incidência Tributária”- p. 154, 6ª Edição, 9ª tiragem, MALHEIROS, 2008, p.
155
159“Curso de Direito Constitucional Tributário”, 12ª edição, 1999, Malheiros Editores, São Paulo, págs. 411/412).
- 98 -
O caráter de prestação pecuniária, exigida compulsoriamente pelo Estado,
como emanação de seu Poder Tributário, em virtude de lei, é que oferece à taxa a
essência de tributo.
O contribuinte paga a taxa em decorrência de uma obrigação legal, de uma
imposição do Poder Público. A taxa não fica ao sabor da vontade do particular uma
vez que sendo todo tributo uma imposição compulsória, a própria idéia de um tributo
facultativo é contraditória, além do que, todo serviço ou atividade do Estado não é
instituído em benefício dos particulares, individualmente, mas em benefício do
interesse da coletividade.
Ensina GERALDO ATALIBA que a taxa pode ser identificada pela análise de
sua base imponível adotada pela lei. Assim o legislador cria uma taxa quando adota
como base de cálculo do referido tributo atividade estatal consistente numa
prestação de serviço público ou num ato de poder de polícia. Aquele Mestre
inesquecível conceitua a taxa como o tributo vinculado cuja hipótese de incidência
consiste numa atuação estatal direta e imediatamente referida ao obrigado. Não
basta que a consistência da hipótese de incidência seja uma atuação estatal. É
preciso que esta seja, de qualquer modo, referida ao obrigado (sujeito passivo), para
que dele possa ser exigida. Se pudesse ser exigida de outra pessoa desapareceria,
segundo ATALIBA, qualquer utilidade na distinção entre taxa e imposto160
Assim, o fato gerador da taxa "não é um fato do contribuinte, mas um fato do
Estado. O Estado exerce determinada atividade e, por isso, cobra a taxa da pessoa a
quem aproveita aquela atividade161”.
160
Obra e Autor citados, p. 156
161 LUCIANO AMARO, in "Direito Tributário Brasileiro", 4ª Edição, 1999, Editora Saraiva, São Paulo pag. 31).
- 99 -
11.1.2.1. Aspecto Material - Núcleo da Hipótese de Incidência
Definido o conceito de serviço público que será adotado no desenvolvimento
do presente trabalho, vale dizer aquele “especifico e divisível prestado direta ou
indiretamente (ou posto à disposição do) ao usuário” sob o regime de direito publico,
passa-se à análise do núcleo da hipótese de incidência constitucional da taxa.
Caracteriza-se como aspecto ou critério material da taxa a prestação de
serviço público específico e divisível ao contribuinte ou mesmo a simples colocação
desse serviço à disposição do contribuinte, quando ocorre uma utilização potencial.
Verifica-se, pois, que a taxa pode ser cobrada não só quando o contribuinte
efetivamente se vale do serviço prestado, mas também quando ele tem esse serviço
público apenas à sua disposição.
O serviço público, isto é a atividade cujo exercício direto ou indireto é
conferido pelo ordenamento jurídico ao Poder Público, pode ser de dois tipos: um
primeiro tipo corresponde àquelas atividades que, pelo menos em tese - por
admitirem uma exploração econômica -, poderiam ficar a cargo das empresas
privadas, e que são deferidas ao Poder Público por razões ligadas à sua relevância
para a comunidade, ou em razão da essencialidade da utilidade material fornecida.
Essas atividades não são exploradas preferencialmente pelos particulares,
não porque não pudessem sê-lo, mas porque o ordenamento, em função de
circunstâncias da época histórica vivida, atribuiu seu exercício ao Poder Público.
Tanto é assim que, num determinado momento da vida do país tais atividades
podem estar em mãos dos particulares, sem, com isto, ocorrer qualquer alteração
fundamental à estrutura (é o que ocorre com os serviços de água, esgotos,
transportes aéreos, etc.).
- 100 -
Ao lado destas atividades, porém, há outro grupo de atribuições que estão em
mãos do Poder Público, não por razões episódicas ou decorrentes de uma evolução
cultural, mas porque dizem respeito à própria essência do Estado e mais, à
concepção de Estado de Direito. Neste campo estão as atribuições essenciais do
Estado, ou aquelas que dão a nota característica dessa Instituição.
Esclarecem GRECO e DIAS DE SOUZA que, qualquer que seja o tipo de
atividade estatal, seja ela inerente à própria estrutura do Estado, seja ela exercida
pelo Estado em substituição ao particular, em razão da importância do serviço, pode
constituir-se em pressuposto de cobrança de taxa de serviço.
Para tanto, não se deve esquecer que é preciso que o serviço público
prestado ou colocado à disposição do contribuinte seja específico e divisível.
11.1.2.2. Serviço Público Específico e Divisível
O que quer dizer serviço público específico?
No dizer de BERNARDO RIBEIRO DE MORAES, serviço público específico,
também denominado individual ou particular é aquele que proporciona vantagem ao
indivíduo ou grupos de indivíduos, embora haja sempre um interesse público em
jogo. Neste tipo de serviço encontra-se um usuário do serviço, sendo possível a
determinação da relação entre quem fornece (Estado) e quem consome (indivíduo ou
grupo de indivíduos).
Este tipo de serviço se opõe ao chamado serviço público geral ou universal.
Este é o serviço consumido por todos os cidadãos, indistintamente, não havendo
possibilidade de se determinar o grau de interesse que cada um possa ter,
individualmente, na existência do serviço. Ex: serviço de defesa nacional,
preservação da integridade do território, serviço de segurança pública, etc.
- 101 -
Para PAULO DE BARROS CARVALHO, é exatamente a referência direta ao
particular que constitui a especificidade: “um serviço público é especifico quando há
individualização no oferecimento da utilidade e na forma como é prestada”162.
O que quer dizer serviço público divisível?
Ensina BERNARDO RIBEIRO DE MORAES que é o serviço suscetível de
dividir-se em prestações individualmente utilizadas. Permite, assim, uma divisão de
seu custo, determinando em que medida cada um dos usuários aproveita a atividade
estatal.
Tendo em vista que a hipótese de incidência da taxa de serviço consiste na
prestação de uma atividade estatal dirigida ao obrigado, a menção à exigência da
configuração de serviço público divisível é de suma importância. Somente nesse tipo
de serviço - suscetível de utilização separadamente -, é que se pode constatar uma
atividade estatal referida ao contribuinte. Somente os serviços públicos divisíveis é
que podem ser partilhados em unidades de uso ou consumo, particularizando-se
com relação a certa pessoa.
São serviços que podem ser destacados em unidades autônomas de
intervenção, de utilidade ou de necessidades públicas, fazendo-se um liame entre
quem fornece (o Estado) e quem usufrui (individuo ou grupo de indivíduos) o serviço.
Um serviço público que não possa ser individualizado, v.g., o de defesa nacional ou
de segurança pública, tecnicamente não pode ser custeado por taxa 163.
Sobre a divisibilidade leciona PAULO DE BARROS que significa possibilidade
de mensurar o serviço efetivamente prestado ou posto à disposição de cada
contribuinte. É elemento correlato à especificidade, pois se o serviço mostra-se
162
“Direito Tributário Linguagem e Método”, p. 699
163 Bernardo Ribeiro de Moraes, ob. Cit. P.180
- 102 -
individualizado, importará admitir que permitirá o cálculo de seu custo relativamente
a cada usuário, tornando possível a exigência da taxa164.
Se o serviço público tem como finalidade o fornecimento de utilidades aos
indivíduos, daí decorre sua natureza universal. Não obstante essa universalidade,
alguns serviços são específicos e divisíveis e outros não.
Exemplificando: o serviço de iluminação é gênero, do qual são espécies:o
serviço de iluminação pública e o serviço de iluminação domiciliar. Os dois tipos de
serviço têm natureza universal, porem o primeiro deles – iluminação publica – tem
caráter geral, não específico e não divisível.
De fato, não é possível identificar (especificar) quem usufrui do serviço de
iluminação pública, visto que tanto os moradores de determinada via pública quanto
o turista que por ela trafega, ainda que por uma única vez, serão beneficiados pelo
referido serviço público. Dai a impossibilidade de tal serviço ser custeado por taxa de
serviço. Trata-se de atividade que deve ser suportada pela receita geral dos
impostos.165
Já o serviço de iluminação domiciliar, que também tem caráter geral,
caracteriza-se como especifico e divisível, em razão de ser possível identificar seus
usuários (especificidade) e, em conseqüência, dividir entre eles, proporcionalmente
ao uso, o custo do serviço (divisibilidade).
Aliás, cumpre sobre a matéria trazer decisão proferida pelo Supremo Tribunal
Federal, relativamente à Taxa de Iluminação Publica criada pelo Município de
Andradina, a Ementa da decisão proferida no RE n. 385955, Relator Ministro Carlos
164
Obra citada, p.699/700
165 Nesse sentido parece inconstitucional a criação da COSIP (contribuição municipal para a iluminação
publica)
- 103 -
Velloso que está assim esta redigida: I- Ilegitimidade da taxa, dado que o serviço de
iluminação publica é um serviço destinado a coletividade toda, prestado uti universi e
não uti singuli. II Precedentes do STF. III Agravo não provido.166
11.1.2.3. O Serviço Público e a Composição do Fato Jurídico Tributário
O serviço público, como todo e qualquer conceito jurídico, pode ser recortado
pela hipótese normativa e não ingressar, em toda sua totalidade semântica, na
composição do fato jurídico que ensejará a relação jurídica prescrita no consequente
normativo, como também pode a hipótese normativa selecionar apenas uma espécie
entre o gênero referido mediante o conceito. É o que acontece com a hipótese
tributária da taxa pela prestação de serviço público167.
Nesse sentido o artigo 145, inciso II da Constituição Federal que estabelece
como pressuposto da taxa não a simples prestação de serviço publico, mas a
prestação de serviço público que seja específico e divisível.
Na mesma direção caminhou a legislação infraconstitucional. O artigo 79 do
CTN, muito embora seja anterior ao texto da Constituição de 1988, mostra-se
compatível com os ditames do inciso II do artigo 145 do texto maior.
“Artigo 79. Os serviços públicos a que se refere o artigo
77 consideram-se:
I - (...)
II - específicos, quando possam ser destacados em
unidades autônomas de intervenção, de utilidade ou de
necessidade publica;
166
jurisprudencia citada por RICARDO SANTOS MASSET LACOMBE in Comentarios ao Codigo Tributário
Nacional- 2ª edição, 2008, MP Editora, p. 771
167 ROCHA FRANÇA, Vladimir- “Aspectos constitucionais da hipotese tributariada taxa pela prestação de serviço
públicos”, in Revista de Informação Legislativa, jan/março de 2001, n. 149, p. 197
- 104 -
III - divisíveis, quando suscetíveis de utilização,
separadamente, por parte de cada um dos usuários
(grifos nossos)
Em suma, o que se deve entender por serviço publico específico é a relação
de causalidade entre a utilidade prestada pela Administração e o particular que dela
se beneficia, ou seja, se essa relação de causalidade pode ser determinada de forma
especifica ou genérica.
Por sua vez, a divisibilidade do serviço público, conforme prescrito pelo
Código deve ser entendida como a qualidade de utilização, separadamente, por
parte de cada um dos seus usuários. Mas não só. O que realmente se objetiva com a
divisibilidade é medir a intensidade da utilização, do beneficio auferido pelo particular
decorrente do serviço público usufruído.
RUBENS GOMES DE SOUZA, co-autor do anteprojeto do Código Tributário
Nacional, sustenta que serviço divisível é aquele que por sua natureza própria
permite que se identifique a fração utilizada individualmente pelo contribuinte e que,
por consequência, permite calcular o montante do tributo devido em cada caso em
função dessa fração individualmente utilizada168
11.1.2.4. Utilização Efetiva ou Potencial
O legislador constituinte, bem como o legislador do CTN (artigo 77 e 79)
determinaram que as taxas podem ser cobradas pela utilização efetiva ou potencial
dos serviços públicos. Desse modo, o serviço que esteja apenas à disposição do
usuário pode render ensejo à cobrança da taxa de serviço.
- 105 -
Ensina ROQUE CARRAZZA que “a disponibilidade que autoriza a tributação
por via de taxa de serviço há de ser direta e imediata e não difusa. Alem disso,
afirma: para que este tributo seja exigível, é mister que a utilização (não a prestação)
do serviço seja compulsória, isto é, obrigatória por imperativo legal”.
Assim, afirma: “se o serviço estiver à disposição de todos, mas não
diretamente do contribuinte, ou ainda que à disposição direta deste, sua fruição for
facultativa, a taxa só poderá ser exigido – sempre com apoio em lei – de quem
efetivamente vier a utilizá-lo”.
Explica melhor CARRAZZA: “A prestação do serviço público, por ser
determinada por lei, é sempre obrigatória para o Estado. Ele deve prestá-lo quando a
lei a isto o compele. Já a utilização do serviço público pelo administrado pode, nos
termos da lei, ser compulsória ou facultativa. A compulsoriedade da fruição do
serviço público nasce da lei. Esta, no entanto, não tem total liberdade para impor,
aos administrados, o dever de utilizar todo e qualquer serviço público. Antes, tal
obrigatoriedade deve respaldar-se num valor ou interesse público prestigiado pela
Constituição”. Assim, exemplifica o jurista, a lei pode e deve obrigar os administrados
a fruírem, dentre outros, do serviço público de vacinação, de coleta de esgotos, de
coleta domiciliar de lixo, de fornecimento domiciliar de água potável, porque nestes
casos está em jogo a saúde pública, um dos valores que a Constituição Brasileira
prestigiou.
Em contrapartida, ensina aquele jurista da PUCSP, “a lei não pode obrigar os
administrados a fruírem dos serviços públicos de telefone, de gás, de conservação
de estradas de rodagem, etc. É que embora esses serviços devam ser prestados
pelo Estado (dai serem públicos), não realizam valores constitucionalmente
consagrados. São serviços públicos de fruição facultativa, posto que ninguém pode
ser compelido a ter telefone em sua residência, a servir-se do gás canalizado que o
Poder Público coloca a sua disposição, a viajar, e assim por diante” 169
169
Autor citado- Curso de Direito Constitucional Tributário- 27ª edição, 2011- Ed. Malheiros, p. 573 e 574
- 106 -
A respeito do tratamento legislativo da matéria, entende RODRIGO LACOMBE
que, num primeiro momento pode parecer injusta a cobrança de taxa pelo simples
fato de um serviço estar à disposição, mas, em verdade, a injustiça é aparente, isso
porque, segundo o autor, há serviços públicos cuja lei de regência presume sua
utilização- chamados de serviços compulsórios.
Os serviços assim considerados, afirma o autor, em regra estão relacionados
com um interesse público maior que justifica a imposição de sua utilização – ex:
serviço de coleta de esgoto. Esclarece que para que a taxa por serviço potencial
possa ser cobrada e preciso, como determinado no artigo 79, inciso I, “b” do CTN
que os serviços específicos e divisíveis sejam de utilização compulsória e sejam
postos à disposição dos administrados mediante atividade administrativa em efetivo
funcionamento.170
De fato, referido dispositivo do Código Tributário Nacional, além de conceituar
serviço especifico (inciso II) e serviço divisível (inciso III), em seu inciso I assevera
que o serviço passível de gerar a incidência tributária considera-se utilizado
efetivamente pelo contribuinte quando por ele usufruído a qualquer titulo (a) e
utilizado potencialmente quando sendo de utilização compulsória seja posto à sua
disposição mediante atividade administrativa em efetivo funcionamento.
Ao analisar a regra jurídica em questão, CESAR GUIMARAES PEREIRA,
assevera que causa perplexidade inicial o entendimento da doutrina no sentido de
condicionar a instituição de taxa por serviço fruível (o serviço posto à disposição) à
compulsoriedade do serviço. Tal significa, segundo o autor, a admissão implícita da
possibilidade de ausência de fruição efetiva em serviço de fruição obrigatória. Porém,
afirma, o mesmo entendimento assume algum sentido na medida em que reconhece
a impossibilidade de cobrança pela mera disponibilidade do serviço nos casos em
que sua utilização e facultativa. Afinal, conclui, se o usuário pode escolher utilizar ou
170
autor e obra citados, p. 773 e 774
- 107 -
não o serviço não é cabível pretender realizar cobrança pela mera colocação do
serviço à sua disposição. Só há sentido em se realizar a cobrança pela mera
disponibilidade do serviço se o usuário for obrigado a utilizá-lo.171
Em geral a lei institui a compulsoriedade de determinado serviço, em razão da
sua essencialidade, de seu interesse público. Assim, por exemplo, o fornecimento de
água potável, o serviço de esgoto, varrição de rua, coleta de lixo, são declarados
compulsórios por motivo de saúde pública (salubridade).
Desse modo, ainda que o administrado não utilize a água fornecida por
possuir, por exemplo, um poço artesiano em seu imóvel suficiente para atender suas
necessidades, ainda assim referido administrado poderá ser definido legalmente
como sujeito passivo da taxa por serviço público potencial, na medida em que para
prestar referido serviço o Estado dispõe de todo um aparato, inclusive com ligação
do imóvel referido à rede de água pública, de modo que o administrado poderá
jamais utilizar o serviço de água, mas se decidir pela utilização poderá fazê-lo.
Assim, poderá o Poder Público cobrar uma taxa mínima pela mera potencialidade do
uso do serviço.
Claro está que, nessa hipótese, a base de cálculo do tributo será diversa para
este usuário potencial e para os efetivos usuários. De fato, na hipótese de taxa por
utilização potencial, a base de cálculo deverá levar em conta apenas a
disponibilidade da infra-estrutura, não cabendo falar no valor atinente à divisibilidade
do custo da prestação (fornecimento de água).
Sobre a matéria, CESAR GUIMARAES PEREIRA, invoca estudo realizado por
Luiz Alberto Pereira Filho que defende a tese de que não é a compulsoriedade, mas
a possibilidade de identificação a priori do usuário que determinaria a possibilidade
de cobrança da taxa por serviço fruível: Será inconstitucional, portanto, a taxa pela
171
A Posição dos Usuarios e a Estipulação da Remuneração do Serviço Públicos- in Serviços Público e Direito
Tributário- Coord. HELENO TAVEIRA TORRES, 2005, Quartier Latin,p.343 e 344
- 108 -
colocação do serviço à disposição do contribuinte, se o sujeito passivo não puder ser
identificado pelo sujeito ativo, sem que, para isto, haja uma colaboração do primeiro.
Sobre o referido trabalho CESAR PEREIRA assevera que embora na maior
parte dos casos de possibilidade de identificação a priori do usuário (e da quantidade
de serviço imputável a ele) se esteja diante de serviços de fruição obrigatória, pode-
se cogitar também de situações envolvendo serviços facultativos. As chamadas
tarifas mínimas relativas a serviços facultativos como os de telecomunicações tem
esse sentido. A partir da adesão ao serviço, a tarifa é cobrada pela disponibilidade do
serviço, ainda que não materialmente utilizado pelo usuário172173
172
obra citada, p. 344 e 345
173 SOBRE OS SERVIÇOS COMPULSÓRIOS E SERVIÇOS FACULTATIVOS - A jurisprudência dominante no
STJ considera que o valor exigido como contraprestação pelo serviço de água e esgoto possui natureza jurídica
de taxa sempre que seja de utilização compulsória, independentemente de ser prestado diretamente pelo Poder
Publico ou por concessionário173
Esse entendimento leva em conta a distinção elaborada pela doutrina entre os
serviços compulsórios e os serviços facultativos. As decisões proferidas invocam lições de Hugo de Brito
Machado, no sentido que a remuneração de um serviço publico como taxa ou como preço publico depende da
compulsoriedade ou facultatividade do referido serviço. Segundo esse entendimento, a compulsoriedade impõe a
cobrança por taxa e a facultatividade a cobrança por preço publico.
Mas o que seriam serviços compulsórios e serviços facultativos?
Nas decisões proferidas constam exemplos invocados por Hugo de Brito Machado, no seguinte sentido: “(...)
imaginemos a necessidade que se tem de energia elétrica. Se o ordenamento jurídico nos permite atender a essa
necessidade com a instalação de um grupo gerador em nossa residência (...)então a remuneração que o Estado
nos cobra pelo fornecimento de energia é um preço publico, pois não somos juridicamente obrigados a utilizar o
serviço publico para a satisfação de nossa necessidade. (...) A remuneração que pagamos pelo serviço de
fornecimento de energia elétrica, portanto, não é compulsória.
Outro exemplo invocado pelo autor e acolhido pelo STJ refere-se ao serviço de água e esgoto.
Mas será que o critério adotado para definir a aplicação ou não do regime tributário, tem fundamento na
Constituição Federal?
A matéria também foi decidida pelo STF. Em Recurso Extraordinário nº 89876-RJ, relator o Ministro Moreira
Alves, os Ministros daquela Corte Suprema, em decisão plenária e por maioria de votos, analisou e decidiu sobre
o regime jurídico da “tarifa básica de limpeza urbana” , chamada “taxa de lixo”, criada pelo Prefeito do Rio de
Janeiro em 1975 (Decreto 196). A materialidade da referida cobrança era a remoção de lixo no Município e a
limpeza dos logradouros públicos, com a cobrança de contrapartida pelos munícipes. O Ministro Moreira Alves,
em seu voto, analisando o sistema constitucional tributário brasileiro, afirmou que sendo a taxa uma das
modalidades de tributo, está ela sujeita às restrições constitucionais do poder de tributar, que são garantias
estabelecidas em favor do contribuinte, restrições essas que não existem em matéria de preços públicos. Como o
- 109 -
11.1.2.5. Caráter Contraprestacional
BERNARDO RIBEIRO DE MORAES, ao analisar as teorias sobre a natureza
das taxas ressalta que elas “ora sublinham a existência de um benefício ou
vantagem para o contribuinte, dando a elas um caráter contraprestacional, ora as
vêem como reembolso do custo da atuação estatal, ora as caracterizam meramente
como tributo ligado à atuação específica do Estado, abstraídas eventuais vantagens
que possam ser fruídas pelo contribuinte”.
Mais adiante afirma o autor que o “que está assente é que, se as atividades
gerais do Estado devem ser financiadas com os impostos, arrecadados de toda a
Poder Publico não pode fugir a essas restrições de seu poder de tributar, é evidente que, nos casos em que é
devida taxa, não pode ele – sob pena de fraude às limitações constitucionais- esquivar-se destas, impondo, ao
invés de taxa, preço publico.
No referido voto, assinala o Relator, Ministro Moreira Alves que a discussão sobre o tema é quase infinita.
Relembra que um dos critérios de distinção entre as figuras foi consignado na Sumula 545, porém, em seu
entender, de modo deficiente. Tal deficiência, aliás, relata Moreira Alves, foi reconhecida pelo próprio Ministro
Luiz Gallotti, que invocou o referido critério de distinção no primeiro dos acórdãos em que se fundamenta a
Súmula (ERE 54.194), assinalando que é possível haver exigência sem tal obrigatoriedade, referindo-se à
hipótese do serviço publico estar colocado apenas à disposição do usuário.
De acordo com a referida Súmula, como redigida, a distinção entre preços públicos e taxas estaria no fato de que
as taxas são compulsórias e têm sua cobrança condicionada à previa autorização orçamentária, em relação à lei
que as instituiu.
O Ministro Moreira Alves, no referido voto, propõe buscar o critério de distinção no exame da natureza da relação
jurídica entre o Poder Publico e o particular. Afirma que, partindo de tal critério, a contrapartida será preço publico
se o serviço prestado (no caso remoção de lixo domiciliar) for serviço comercial ou industrial e será taxa se for
serviço próprio do Estado, que decorra das atribuições do Poder Publico, que tem o dever de prestar aquelas
serviços que visam, num primeiro plano, a coletividade e somente em segundo plano, o interesse individual.
Trata-se, no entender do Relator do voto se o serviço é obrigatório para o Poder Publico, ou se se trata de serviço
facultativo para o ente publico.
Transplantando tal entendimento para o serviço de remoção de lixo, Moreira Alves afirma que o referido serviço é
função essencial do Poder Publico, isto é, é serviço que tem que ser prestado obrigatoriamente pelo ente publico,
sem poder dele dispensar o particular que produz lixo no meio urbano, porque tal atividade visa atender em plano
preferencial ao interesse da coletividade consubstanciado na preservação de condições de saúde e higiene, e,
somente em plano secundário, ao interesse do particular em ver-se livre do lixo que produziu. Assim também, no
entender do Ministro Relator, os serviços de varredura, lavagem e capinação dos logradouros públicos.
- 110 -
coletividade, há outras atividades estatais que, dada sua divisibilidade e referibilidade
a um indivíduo ou a um grupo de indivíduos determinável, podem (e, numa
perspectiva de justiça fiscal), devem ser financiadas por tributos pagos pelos
indivíduos a que essas atividades estatais se dirigem (...). Por isso, Alberto Xavier
anotou que, não obstante as divergências doutrinárias a respeito dos critérios para
distinguir as categorias do imposto e da taxa, em regra se admite como ponto
comum de partida o critério tradicionalmente formulado na ciência das finanças, para
o qual o imposto é o modo de financiamento próprio dos serviços públicos indivisíveis
e a taxa dos serviços divisíveis”174
Para RIBEIRO DE MORAES, “nossa Constituição claramente adota esse
critério, ao atrelar as taxas ao exercício do poder de polícia e à execução de serviço
público divisível, permitindo extremá-las dos impostos, não vinculados a nenhuma
atuação estatal divisível”. Para o autor, essa característica da taxa (vinculação a uma
atuação estatal divisível e referível ao contribuinte) “serve para evitar que ela se
confunda com o imposto, mas não se presta para separar dessa figura as demais
exações tributárias, o que demandará outros critérios distintivos. Nem é útil, por outro
lado (a referida característica da taxa), para distingui-la do preço público (...)"
A respeito da chamada teoria da taxa como benefício auferido pelo obrigado,
BERNARDO RIBEIRO DE MORAES nos relata que entre os juristas pátrios muitos
autores também entendem ser característico da taxa a especialização do serviço em
proveito direto do contribuinte, conforme é o caso de Bilac Pinto e de Theotonio
Monteiro de Barros Filho. Para o primeiro, ”o beneficio especial objetivo, mensurável,
é condição essencial para que o tributo seja conceituado como taxa“, sendo certo
que o indivíduo que paga a taxa, “recebe vantagem determinada”. Para o último
autor citado, “taxa é a quantia paga ao Estado pelo particular, sempre que tenha
provocado despesa especial, e que, graças ao consumo facultativo ou compulsório
de um serviço público, haja auferido individualmente vantagem mensurável” 175.
174
Ob. e autor citados, pág. 31/32 175
Bernardo Ribeiro de Moraes, ob cit. P. 44 e 45
- 111 -
Porém, tal teoria não é aceita pelo autor, ao afirmar que “o elemento “benefício
especial” ou “vantagem privada”, como característico da taxa, não tem qualquer
relevância jurídica, sendo resultado da influência das doutrinas econômicas
predominantes na época”.
Lembra BERNARDO RIBEIRO DE MORAES, que existem taxas,
principalmente aquelas fundadas no poder de polícia, que nenhuma vantagem
privada proporciona ao contribuinte, citando como exemplo a taxa de licença de
funcionamento. Afirma ainda que a vantagem é incompatível com a idéia de receita
tributária
Por seu turno, HUGO DE BRITO MACHADO também não acata a teoria ao
analisar o argumento de que a taxa é um tributo contraprestacional, vale dizer, o seu
pagamento corresponde a uma contraprestação do contribuinte ao Estado, pelo
serviço que lhe presta, ou pela vantagem que lhe proporciona. Ao autor “não parece
existir uma correlação necessária entre o valor da taxa cobrada e o valor do serviço
prestado, ou posto à disposição do contribuinte, ou ainda da vantagem que o Estado
lhe proporcione” 176
BRITO MACHADO entende que “a instituição e cobrança de uma taxa não
tem como pressuposto essencial um proveito, ou vantagem, para o contribuinte,
individualmente e prefere excluir do conceito de taxa a idéia de contraprestação, não
obstante o maior respeito pelas opiniões divergentes “177
Já GERALDO ATALIBA não se preocupa em analisar a existência ou não de
eventual vantagem para o administrado que recebe o serviço ou o tem
176
(in "Curso de Direito Tributário" pag. 256, 17ª edição, 2000, Editora Malheiros, São Paulo) 177
ob. e autor citados, pag. 256
- 112 -
potencialmente, mas realça a importância da referibilidade direta que deve existir
entre a atuação estatal e aquele que a recebe.
Ensina ATALIBA que “não se pode esquecer que a Constituição ao prefigurar
a taxa - como entidade distinta dos impostos - reconheceu-lhe função econômico-
financeira diversa da daqueles. Não quer isto dizer, absolutamente, que se pretendeu
transpor para o plano jurídico, noções pré-legislativas, mas sim, reconhecer que os
institutos jurídicos são instrumentais, e devem servir às finalidades para as quais
foram criados”.
Para o saudoso Mestre, “a referibilidade entre a atuação - posta como aspecto
material da hipótese de incidência da taxa - e o obrigado, é essencial à configuração
da taxa. Não pode a lei exigir taxa de conservação de rua de um proprietário não
lindeiro à via pública que recebeu o serviço,ou taxa por serviço de correio que ele
não utilizou; nem taxa por fiscalização que não houve. É essencial na definição da
taxa a referibilidade (direta) da atuação ao obrigado. Só quem utiliza o serviço
(público, específico e divisível) ou recebe o ato "de polícia" pode ser sujeito passivo
de taxa “ 178 .
Sobre o caráter contraprestacional da taxa, MARCO AURELIO GRECO entende que
“quando a administração publica, por força da lei, se vê na contingência de executar
determinada prestação - característica esta conjugada com outras próprias do regime
administrativo - ela o faz independentemente de qualquer “eventual” e “futuro”
pagamento a cargo dos usuários”. Como conseqüência desse entendimento,
GRECO afirma que “a posterior imputação de uma obrigação a cargo do usuário do
serviço, não se constituirá em contraprestação ou contrapartida “de nada”, pois a
atuação se dá por força da lei que assim o determinou, e não com base num acordo
de vontades” 179.
178
in " Hipótese........., pag. 138s).
179 Autor citado, “Norma Jurídica Tributária”, p. 75, EDUC, 1974
- 113 -
11.1.2.6. Conceito Jurídico
Desse modo, a taxa - juridicamente considerada - é espécie do gênero tributo,
constituindo-se, como obrigação legal compulsória, cobrada mediante atividade
administrativa plenamente vinculada.
No dizer de BECKER, uma vez concretizada a situação de fato estabelecida
na lei, há a incidência da regra jurídica de tributação, irradiando-se a relação jurídica
tributária. O Estado, como sujeito ativo, passa a ter direito à prestação, pretensão em
obtê-la. O contribuinte, como sujeito passivo, passa a ter o correlativo dever, ou
obrigação de prestar pecúnia. O objeto da prestação é o tributo180.
E é o próprio BECKER quem chega ao ponto fulcral da discussão: o critério
objetivo e jurídico que permitirá distinguir os múltiplos gêneros jurídicos e espécies
jurídicas do tributo “é a respectiva base de cálculo”
11.1.2.7. Base de Cálculo
Se como visto anteriormente, a base imponível ou base de cálculo, é a medida
do aspecto material da hipótese de incidência tributária, a base imponível da taxa
deverá, necessariamente, ser uma medida qualquer da própria atividade do estado.
No dizer de GERALDO ATALIBA: “Efetivamente, se a hipótese de incidência
da taxa é só uma atuação estatal, referida a alguém, sua base imponível é uma
dimensão qualquer da própria atividade do estado: custo, valor ou outra grandeza
qualquer da própria atividade181”
180
Alfredo Augusto Becker, Teoria geral do Direito Tributário, São Paulo, Saraiva, 1ª. ed. P. 336
181 ob. e autor citados pag. 133
- 114 -
Para o Mestre, entre a base de cálculo e o fato gerador dos tributos existe
uma relação de inerência quase carnal, uma relação de pertinência, de harmonia. Do
contrário, estaria instalada a confusão e o arbítrio com a prevalência do nomen júris,
isto é, da simples denominação formal, sobre a ontologia jurídica e conceitual dos
tributos, base científica do Direito Tributário182.
Desse modo, se a taxa é um instrumento de custeio das atividades estatais
dirigidas ao contribuinte, deve existir uma relação entre o produto da taxa e o custo
da respectiva atividade estatal. Tal relação deve ser perquirida, buscando-se uma
razoável equivalência, descabendo a destinação da sua arrecadação para fins
alheios à atividade estatal que lhe deu origem183.
11.1.2.7.1. A Taxa não pode ter Base de Cálculo de Imposto
O parágrafo 2º do artigo 145 da Constituição Federal estabelece a proibição
do legislador adotar como base de cálculo da taxa aquela própria dos impostos.
Ontologicamente não é mesmo possível que tal ocorra, salvo se o legislador der o
nome de taxa a tributo diverso, e se assim for, estar-se-á diante de tributo
inconstitucional.
De fato, se a materialidade dos fatos geradores de impostos e taxas é, sempre
e necessariamente, distinta (uma vez que o imposto tem como pressuposto de
incidência uma atividade do particular, enquanto que na taxa tal pressuposto repousa
em uma atividade estatal), e se a base de cálculo é a medida do seu fato gerador,
então a base de cálculo da taxa jamais poderá ser a medida de uma atividade do
particular!
182
SACHA CALMON, in Curso de Direito Tributário Brasileiro”, FORENSE, 9ª. edição, 2006, p.97 183
Bernardo Ribeiro de Moraes, ob. Cit. P.235
- 115 -
No dizer de SACHA CALMON, o dispositivo em comento (parágrafo 2º do
artigo 145 da CF) ao conferir à base de cálculo esta missão de controle, busca
impedir que as pessoas políticas venham a criar fatos geradores de taxas com bases
de cálculo de imposto, burlando, assim, o sistema, provocando invasões de
competências em áreas já reservadas às outras, com evidente sobrecarga tributária
em favor dos contribuintes184.
Essa situação, na prática, é muito mais comum do que possa parecer. Cite-se
como exemplo, órgãos estatais que atuam em nome do Estado (DER, EMTU, etc)
executando atos materiais de poder de policia, tais como cadastramento,
fiscalização, emissão de autorizações para o exercício de determinadas atividades
privadas, etc. cuja remuneração (taxa) adota como base de calculo não a medida
razoável da atuação estatal, mas um valor calculado com base no patrimônio das
empresas (ex: quantidade de veículos (ônibus) utilizada para realização de
transporte intermunicipal)
Ao tratar do valor das taxas RAMON VALDES COSTA afirma que a forma
típica para estabelecer o quantum da obrigação de pagar o tributo seria relacionar
referido valor com as características da atividade desenvolvida, isto é, regulá-la em
função da importância do serviço prestado, tendo em conta a quantidade e
complexidade das prestações efetuadas pelo Estado e outras circunstâncias
similares. Aceita o autor uruguaio, com base na doutrina e jurisprudência, que além
das vantagens obtidas pelo contribuinte seja considerada sua capacidade
contributiva, desde que aliada à regra da razoável equivalência entre a atividade
estatal e o valor a ser cobrado.185
184
SACHA CALMON, IN Curso de Direito Tributário Brasileiro, Forense, 9ª. edição, 2006, p. 97
185 “ La forma típica sería la de relacionarla com los caracteres de la actividad desarrollada, es decir, regularla em
función de la importância del servicio prestado apreciada a través de la cantidad e complejidad de las
prestaciones efectuadas y otras circunstancias similares. Em la doctrina y em jurisprudência se há admitido
también la consideración de las ventajas obtenidas por el contribuyente así como su capacidad contributiva,
critérios éstos que no merecen reservas mientras se contemple la regla de la razonable equivalência”- in obra
citada p. 318
- 116 -
Por evidência, nem sempre é possível estabelecer-se real equivalência entre
o custo da atividade estatal e o valor da taxa. Para RUBENS GOMES DE SOUZA
deve haver “uma relação aproximada entre o montante do tributo e o custo de
serviço ou da atividade para o Estado186. Aliás, a fixação do valor da taxa configura-
se como opção política e financeira do legislador. Vale dizer, ao editar a lei, esta
pode prever que a atividade estatal será remunerada parcial ou integralmente, o que
significa que nem sempre o importe total da taxa corresponde ao efetivo custo da
atividade estatal desenvolvida.
De qualquer modo, como afirma SAMPAIO DÓRIA “corolário inelutável da
taxa é o de que o quantum exigido dos usuários dos serviços não ultrapasse o custo
global destes, sob pena de transmudar em imposto a quota excedente apurada e,
assim, descaracterizada, subordinar-se todas as restrições constitucionais próprias
daquele” 187.
186
In Compendio de legislação tributaria, apud Bernardo Ribeiro de Moraes, nota de rodapé 287, p. 245
187 In Princípios Constitucionais tributários e a cláusula “due processo f law” apud Bernardo Ribeiro de Moraes,
nota de rodapé 305, p.257
- 117 -
12. TAXA E PREÇO PÚBLICO
Como afirmado no inicio, é proposta do presente trabalho a utilização dos
instrumentos da semiótica para construir interpretação jurídica das normas
aplicáveis.
Ensina AURORA TOMAZINI DE CARVALHO188 que tanto o Direito Positivo
quanto a Ciência do Direito, sendo constituídos por linguagem, consubstanciam-se
num conjunto estruturado de signos. O direito positivo, enquanto corpo de linguagem
tem como suporte físico os enunciados prescritivos que o compõem materialmente
(artigos, incisos e parágrafos de uma lei). Tais enunciados reportam-se a conduta
humana - isto e, as relações intersubjetivas - que é seu significado, e suscitam na
mente daqueles que os interpretam a construção das normas jurídicas, que se
constituem na sua significação. Diferentemente, a Ciência do Direito, enquanto
sobrelinguagem voltada ao direito positivo com finalidades cognitivas tem como
suporte físico os enunciados descritivos que a compõem materialmente. A Autora
invoca como exemplo de suporte físico da linguagem da ciência do Direito, as linhas
e parágrafos de um livro de doutrina.
Também MISABEL DERZI assevera que a Lingüística e a Filosofia da
Linguagem ensinam que os signos gráficos são entidades físicas as quais
associamos significações. Essas significações possibilitam mentar o objeto, a norma
e são extraídos não apenas do texto legal em sua estrutura interna, mas também do
contexto maior em que se insere a proposição jurídica, inclusiva as circunstancias
históricas e sociológicas em que o texto foi produzido e no qual ele e colhido pelo
interprete189
Lembrando os três planos de investigação dos sistemas sígnicos ensinados
por PAULO DE BARROS CARVALHO, AURORA TOMAZINI salienta que o exame
188
Curso de Teoria Geral do Direito, 2ª edição, 2010, NOESES, p.162 a 165
189 Modificação da Jurisprudencia no Direito Tributariio – 2009,p.77
- 118 -
do direito positivo no seu plano sintático permite o estudo das relações dos signos
entre si, ou seja, o vinculo que se estabelecem entre eles quando estruturados num
discurso. Já o estudo do direito positivo no plano semântico permite examinar as
relações dos signos com a realidade que eles exprimem (suportes físicos e
significados) e, finalmente, no plano pragmático, a atenção do estudioso se volta
para as relações dos signos com seus utentes de linguagem, isto e, ao modo como
emissores e destinatários lidam com o signo no contexto comunicacional.
Assim, para distinguir taxa da categoria próxima preço público propõe-se que
tal investigação seja realizada, inicialmente, no plano sintático do direito positivo,
relacionando-se os símbolos (signos) lingüísticos entre si.
No dizer de PAULO DE BARROS CARVALHO, trata-se de relacionar os
signos sem qualquer alusão ao mundo exterior do sistema.
Nesse sentido é mister anotar que o signo “preço público”, não integra o
sistema constitucional brasileiro, sendo tratado apenas pela legislação
infraconstitucional. Apenas o conceito de taxa integra aquele sistema
O ponto comum entre os dois signos reside no fato de que tanto a taxa como o
preço público são prestações pecuniárias pagas pelo particular ao Estado ou quem
lhe faça as vezes. De resto, são conceitos absolutamente distintos.
Ensina AMERICO MASSET LACOMBE que ao conceituar taxa, o sistema
constitucional conceitua preço por exclusão. Se o preço não remunera serviço
público, pois o Estado exige taxa em razão do serviço público, ele só poderá
remunerar a atividade estatal não considerada serviço público, mas mera intervenção
no domínio econômico190
190
in Taxa e Preço Públicos- Caderno de Pesquisas Tributaria n. 10- Ed. RT- Coord. IVES GANDRA DA SILVA
MARTINS- 1985- p. 17
- 119 -
De se ressaltar que o conceito de preço é essencialmente do direito privado.
Dai porque a dogmática jurídica e algumas normas infraconstitucionais adotam a
denominação preço público para distinguir a contraprestação nos contratos de direito
privado (preço) daquela devida ao Estado ou a quem lhe faça as vezes, em
decorrência de uma atividade civil ou comercial sob regime de direito privado (preço
publico).
Trabalho anteriormente mencionado, de autoria dos Professores MARCO
AURÉLIO GRECO e HAMILTON DIAS DE SOUZA, analisa detidamente a distinção
entre as duas figuras.
Entre nós, dentro de um contexto histórico, costuma-se afirmar que o critério
distintivo está na facultatividade existente nos preços e na coercitividade das taxas.
Tal distinção, afirmam os Autores, tem sido apoiada por autores de nomeada,
sendo objeto da Súmula 545 do STF: "Preços públicos e taxas não se confundem,
porque estas, diferentemente daqueles, são compulsórias e têm sua cobrança
condicionada à prévia autorização orçamentária, em relação à lei que as instituiu"
Ao que tudo indica, tal orientação inspirou-se na tese de GIANNINI, quando
leciona que, sob o aspecto teórico a distinção reside no papel que desempenha a
vontade na formação da relação jurídica, de sorte que, se aquela é fonte da referida
relação, o ingresso decorrente será preço; se, todavia, a fonte for a lei, sendo
irrelevante o papel da vontade humana, estaremos em face de taxa.
Não parece satisfatório o argumento que teria dado origem à referida Sumula,
afirmam os autores citados, lembrando que a Constituição de 1946 admitia a
existência de duas categorias distintas de receitas publicas: uma de caráter derivado
- 120 -
(as taxas) e outras de cunho originário (outras rendas) 191·. A falta de uma previsão
constitucional expressa no sentido de explicitar quando se estaria perante uma taxa
e quando haveria outra renda (um preço público) levou a doutrina e a jurisprudência
a elaborar critérios distintivos para fins de enquadramento concreto das exações
existentes. Assim surgiu o critério da compulsoriedade ou da facultatividade da
prestação paga pelo particular. Desse modo, o preço público seria devido se e
quando o usuário pudesse espontaneamente escolher entre usar determinado
serviço público ou não, enquanto a taxa deveria ser obrigatoriamente paga pelo
particular independentemente da sua manifestação de vontade concordante. Esta
situação, porém, foi substancialmente alterada com o advento da EC nº18 de 1965
que, modificando o sistema constitucional tributário eliminou a categoria das “outras
rendas”. A partir daí as Constituições, inclusive a de 1988, deixou de tratar de preço
e fundiu numa única figura (serviços prestados e postos a disposição) conectando a
esta apenas à figura da taxa. Assim, o critério do regime do pagamento, que fora
adequado para superar uma dificuldade exegética gerada pela Constituição de 1946,
tornou-se inadequado depois da alteração de 1965, posto que o Texto Magno hoje
utiliza um conceito distinto de 1946, referindo-se, exclusivamente as taxas.192
A origem ex lege da obrigação de pagar taxa quer significar que dita obrigação
não tem origem, como sucede com os contratos, na vontade do obrigado, mas na
vontade da lei. Sobre o conteúdo de tal afirmação, entende LAPATZA193 que é a lei,
e só a lei que determina o nascimento da obrigação de pagar taxa, sua configuração,
conteúdo e modos de extinção, sem que a vontade do obrigado seja de alguma
forma relevante . No seu entender a vontade do obrigado dirige-se à realização do
fato imponível, e não para dar nascimento a uma obrigação tributária que tem sua
191
Art igo 30. Compete a Uniao, Estados, ao Dis t r i to Federa l e aos Munic íp ios cobrar ( . . . ) I I -
taxa; I I I - quaisquer ou tras rendas que possam prov i r do exerc ic io de suas at r ibu ições e da
ut i l i zação de seus bens e serv iços
192 DIAS DE SOUZA, Hamilton e GRECO, Marco Aurelio- Taxa e Preço Públicos- Caderno de Pesquisas
Tributarias n. 10- 1985- Ed.RT- p. 114 a 116
193 LAPATZA, José Juan Ferreiro- “Tasas e Precios” – Cadernos de Direito Tributário in Revista de Direito
Tributário, n. 55, p. 13 e seguintes
- 121 -
única fonte na lei. Para o autor espanhol a vontade do obrigado pode ser relevante
para determinar se o fato imponível realizou-se ou não, porém não é relevante para
determinar o nascimento, validade e conteúdo da obrigação.
Deixa claro LAPATZA que a Constituição Espanhola não trata das espécies
tributárias, restando tal tarefa outorgada ao legislador infraconstitucional194. No
entanto, entende que o artigo 31.3 da Constituição espanhola, segundo o qual todas
as prestações patrimoniais de caráter públicos somente podem ser criadas por lei,
está-se referindo a obrigações ex lege e não a obrigações contratuais de caráter
públicos.195196
12.1. Preço, Tarifa e a Imunidade Recíproca
Muito embora “preço público” não seja expressão utilizada pelo legislador
constitucional, preço é expressão utilizada no artigo 150, inciso VI da CF, ao cuidar
da imunidade tributaria.
A regra de imunidade tem a função de contribuir para o recorte da realidade e
desenho da competência tributaria dos entes de direito publico. Isto porque, o
194
O autor espanhol deixa claro que a Constituição espanhola não estabelece regimes jurídicos diversos para as
taxas e os preços público, estando assim os limites entre os dois institutos a cargo da opção legislativa e,
portanto, política
195 Autor citado, p.14
196 Nesse sentido, cabe uma referencia à Lei Geral Tributária Espanhola que, em seu artigo 2º afirma que os
tributos, qualquer que seja sua denominação se classificam em taxas, contribuições especiais e impostos.
Segundo aquela lei espanhola, as taxas são os tributos cujo fato imponível consiste na utilização privativa ou
aproveitamento especial do domínio público, a prestação de serviços ou a realização de atividade em regime de
direito público que se refiram, afetem ou beneficiem de modo particular o obrigado tributário, quando os serviços
ou atividades não sejam de solicitação ou gozo voluntários e não sejam prestados ou realizados pelo setor
privado. 196
Portanto, para a lei espanhola a taxa e a figura que remunera a utilização privativa de bem públicos e
serviços público obrigatórios, deixando clara a referida lei que quando tais serviços forem realizados pela
iniciativa privada, não haverá cobrança de taxa.
- 122 -
legislador ordinário ao utilizar sua competência para criar impostos, deve respeito
aos objetos e pessoas retirados, pelo legislador constituinte, do alcance da
tributação.
O suporte físico da regra de imunidade que integra o Sistema Constitucional
Tributário, ao regular a imunidade recíproca utiliza as expressões preço e tarifas.
Trata-se de proibição constitucional imposta aos legisladores federal, estadual
e municipal de, reciprocamente, instituírem impostos sobre o patrimônio, bens e
serviços uns dos outros.
Vale dizer, a prestação de serviço público pelos entes de direito publico
interno não pode ser adotada como materialidade da regra matriz dos respectivos
impostos.
Para estabelecer o alcance da regra de imunidade, a regra constitucional do
parágrafo 2º do artigo 150 estende a vedação de tributar reciprocamente o
patrimônio, rendas e serviços as autarquias e fundações instituídas e mantidas pelo
Poder Publico. De outra parte o parágrafo 3º exclui a aplicação da imunidade ao
patrimônio, rendas e serviços relacionados com a exploração de atividades
econômicas regidas pelo direito privado ou quando haja contraprestação ou
pagamento de preços ou tarifas pelo usuário.
Nesse ponto, o texto constitucional usa os signos preço e tarifa.
A pergunta que se coloca é a seguinte: E quando se tratar de prestação de
serviço público por entes integrantes da administração publica indireta ou mesmo por
empresa privada?
Se, como vimos, é pacifico na dogmática do direito administrativo que o
serviço público não perde esse caráter ainda quando prestado por entes particulares
na esfera do domínio econômico, como sustentar interpretação no sentido de que
tais serviços, ainda que públicos venham a ser alcançados pela tributação recíproca
- 123 -
Ao se examinar o suporte físico da regra constitucional de imunidade,
constata-se que: (a) as sociedades de economia mista, suas subsidiarias e as
empresas públicas que explorem atividade econômica de produção ou
comercialização de bens ou de prestação de serviço deverão se sujeitar ao regime
jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações
civis, comerciais, trabalhistas e tributários. (b) A Constituição Federal afasta a
incidência da regra imunizante e não permite que tais entes descentralizados gozem
de privilégios fiscais não extensivos ao setor privado (artigo 173, parágrafo 2º, da CF)
e (c) Estão excluídas do alcance da norma de imunidade recíproca aquelas
atividades que sejam remuneradas por preços ou tarifas.
Buscando conceber uma resposta para a dúvida suscitada, é preciso,
preliminarmente, salientar que boa parte da doutrina sobre o assunto, ao buscar fixar
o conteúdo de preço público trata como sinônimos preço público e tarifa. Senão
vejamos.
LUIS EDUARDO SCHOUERI toma as expressões como sinônimos e afirma
que a distinção entre preço público (receita originaria) e tributo (receita derivada) não
é pacifica. Lembra o autor que um dos elementos apontados pela doutrina para a
distinção é que os preços públicos, por não se vincularem a liberdades fundamentais,
remuneram serviços não essenciais do Estado. Assevera também que outra
distinção útil reside no fato da presença ou não do mercado. Assim, preço público
seria a receita que o Estado aufere no mercado enquanto agente econômico ao
passo que o tributo independe do mercado. Aponta como exemplo de preço público o
aluguel que se paga a um centro municipal de exposições, para a realização de uma
feira197.
Percebe-se, pela leitura da obra, que o referido autor acaba por não adotar
posição sobre a distinção entre aquelas receitas publicas, concluindo não ser opção
do legislador criar uma taxa ou um preço público, por mais tênues que sejam os
limites entre as duas figuras
197
Autor citado, obra citada, p.120 a 123
- 124 -
Elenca também alguns exemplos de receitas originarias com natureza de
preço público, como a compensação financeira por exploração de recursos minerais.
Lembra SCHOUERI que essa compensação financeira se relaciona com a
exploração, pelo Estado, de seu próprio patrimônio e está prevista no artigo 20 § 1º
do texto constitucional que assegura “aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação no
resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de
geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território,
plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação
financeira por essa exploração” 198.
Analisa o autor as diversas posições doutrinárias que buscam definir a
natureza jurídica da mencionada “compensação financeira”.
Uma primeira posição entende tratar-se de um tributo, tendo em vista que a
Lei 7990/89 que disciplina a matéria utilizou de expressões próprias do Direito
Tributário, como “fato gerador” e “lançamento”.
Uma segunda posição, sustentada dentre outros por REGINA HELENA
COSTA, entende que a referida receita possui natureza indenizatória. Para esta
corrente os Estados, Distrito Federal, Municípios e órgãos da administração direta da
União são partes estranhas ao contrato de concessão, mas têm garantido o
ressarcimento em decorrência da exploração mineral ocorrida em seu território, em
razão do prejuízo sofrido por aqueles entes com a exploração mineral em seu
território. Nesta hipótese, tratar-se-ia de uma receita derivada alheia ao Direito
Tributário, posto que decorrente de imposição de penalidade.
198 A Lei 7.990/1989 disciplina a matéria
- 125 -
Esta segunda posição é, no dizer de SCHOUERI, veementemente criticada
por ALBERTO XAVIER pelas seguintes razões:
a) não possui a referida receita natureza indenizatória, pois a Constituição não quis
relacioná-la com um dano sofrido por uma entidade publica;
b) os recursos naturais são bens da União, de modo que não seria justificável uma
atribuição de direitos a indenização a outros entes federativos que não são titulares
de tais recursos, por uma suposta perda de recursos naturais verificada em seus
respectivos territórios;
c) não é possível falar-se em prejuízo da União em função da perda de recursos
minerais, já que a razão da atribuição da propriedade federal sobre tais recursos
consiste justamente em modo de garantir que sua exploração seja feita de forma
racional e ordenada pelos particulares
Lembra SCHOUERI que o Supremo Tribunal Federal já se manifestou acerca
da natureza jurídica da CFEM (Contribuição Financeira sobre a Exploração de
Minerais), como preço público, no julgamento do REx nº 228.800-5/DF, afastando a
natureza tributaria da receita, primeiro porque o instituto em questão não está
previsto no capitulo da Constituição Federal dedicado ao sistema tributário, mas no
§1º do artigo 20 do texto constitucional, que trata justamente dos bens da União, o
que evidenciaria a natureza patrimonial da receita auferida com sua arrecadação. O
relator, Ministro Sepúlveda Pertence, afirmou também em seu voto que a CFEM tem
como causa a exploração de recursos minerais, bens integrantes do patrimônio da
União, enquanto os impostos são espécie de tributo não vinculado a qualquer
contraprestação estatal.199
Retornando a questão posta no inicio deste Capitulo - no sentido de fixar o
conteúdo dos signos preço e tarifa utilizados na regra constitucional de imunidade
recíproca -, pode-se concluir que a maior parte da doutrina, com franco acolhimento
199
SHOUERI, in Direito Tributário, p. 124 e 125
- 126 -
pela jurisprudência, adota a expressão preço como sinônimo de tarifa. Nesse
sentido, é possível afirmar que um dos sentidos possíveis para aqueles signos, seria
a adoção de preço e tarifa como locuções sinônimas. Militaria a favor dessa
interpretação o fato do suporte físico do parágrafo 3º do artigo 150 do texto
constitucional ter utilizado da expressão preços ou tarifas.
De qualquer modo, parece que uma leitura atenta do texto analisado pode suscitar
no interprete os seguintes juízos:
(a) A regra de imunidade recíproca ao referir-se a serviços prestados pelos entes
de direito publico interno não distingue entre serviço publico e serviço não
publico; Pode-se assim afirmar que: (i) a regra não alcança o serviço publico,
pois toda vez que quis se referir a serviço público o texto constitucional utilizou
o complemento “publico”, (II) a regra constitucional ao utilizar a locução
serviço não distinguiu entre serviço publico e serviço não publico, autorizando
assim, uma interpretação mais ampla do signo serviço.
Do ponto de vista ontológico e axiológico parece não ser adequada a primeira
proposta interpretativa (i), tendo em vista que a regra de imunidade decorre do fato
de que o legislador constituinte buscou proteger do alcance da tributação por via de
impostos, determinadas pessoas e coisas – entes de direito publico, partidos
políticos, templos, entidades educacionais e assistenciais, livros, etc. – considerados
importantes (axiologicamente falando) para a sociedade. Dentro dessa perspectiva
parece não ter sentido a primeira leitura interpretativa proposta, visto que estariam
excluídos da proteção constitucional, os serviços públicos que buscam atender, no
mais das vezes, direitos fundamentais das pessoas.
(b) a regra de imunidade alcança os serviços públicos (também rendas e
patrimônio) quando prestados por entes da administração indireta, sob regime
de direito publico- Esta interpretação decorre da conclusão posta no item
anterior
- 127 -
(c) a regra de imunidade não alcança serviços (patrimônio e rendas)
relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas
de direito privado ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços
ou tarifas pelo usuário - Aqui transparece com clareza a distinção entre
atividade econômica (mercado) e prestação de serviço publico, abordada no
âmbito do presente trabalho.
Essa conclusão decorre da própria Constituição Federal que em seu artigo
173 caput e parágrafo 1º, ao cuidar da exploração de atividades econômicas pelo
Estado, determinou ao legislador infraconstitucional a criação de um estatuto jurídico
da empresa publica, sociedade de economia mista e suas subsidiarias que explorem
atividade econômica, estabelecendo as clausulas obrigatórias do referido regime
legal.
Como visto anteriormente, esses entes integrantes da administração indireta
alem de prestarem serviço publico em nome do ente central – União, Estados,
Municípios e Distrito Federal - por vezes são criados para atuarem como verdadeiros
particulares, no âmbito do domínio econômico. Nessa hipótese, por determinação
constitucional, as empresas públicas e sociedades de economia mista devem estar
sujeitas ao regime próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e
obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários (artigo 173, parágrafo 1º, II),
não podendo gozar de privilégios fiscais não extensivos as do setor privado (artigo
173, parágrafo 2º).
Desse modo, e como conclusão necessária, inaplicável, também, na hipótese,
a regra constitucional imunizante aos entes da administração indireta.
Sobre as características da imunidade recíproca a Ministra do STJ REGINA
HELENA COSTA200 assevera que a imunidade em exame tem natureza subjetiva
(porque estabelecida em função das pessoas políticas) e ontológica (porque e
consequência necessária do principio da isonomia). Afirma ainda que a imunidade
200
Curso de Direito Tributario, 2009, Ed. Saraiva, p. 84
- 128 -
mútua das pessoas políticas e clausula pétrea, pois decorre do principio federativo e
da autonomia municipal. Fundamenta também a imunidade recíproca na ausência de
capacidade contributiva das pessoas políticas, posto que os recursos públicos
destinam-se a prestação dos serviços públicos que lhes incumbem.
A interpretação corrente desta clausula do parágrafo 3º do artigo 150, VI
adotada não só pela doutrina, como pela jurisprudência e bem sintetizada por
PAULO DE BARROS CARVALHO: A imunidade recíproca não se aplica aos serviços
públicos concedidos.201
Essa interpretação advém da explicitação constitucional transcrita na parte
final do item “c” supra. Aquele mestre, ao assim afirmar, não distingue entre as
empresas concessionárias integrantes da administração indireta e as empresas
concessionárias privadas. Essa falta de especificação, porém, provavelmente
decorre do fato de que a imunidade recíproca, por sua própria natureza, refere-se
apenas aos entes de direito publico interno e suas longa manus – os entes da
administração indireta prestadores de serviços públicos -.
Outro entendimento nos expõe SACHA CALMON202: “a finalidade do principio
imunitório é precisamente não permitir que a coisa pública venha a ser molestada
pela tributação: o patrimônio (uma universitas rerum), as rendas e os serviços
públicos”. Afirma também que “as pessoas políticas que convivem na Federação não
possuem capacidade contributiva e são dotadas de competência para tributar, não
porem umas as outras. Tais entes estão voltados ao bem comum”.
Com base nesse ponto de vista pretende o autor que “a delimitação das
atividades que condicionam a imunidade de impostos, e daquela outra sujeita ao
mesmo tratamento fiscal das atividades privadas, depende de se conceituar o que
sejam serviços públicos”. Esse, aliás, o pressuposto adotado no presente trabalho.
201
in Curso de Direito Tributario, 23ª edição, 2011, p. 241, Ed. Saraiva
202 in Curso de Direito Tributario, 9ª edição, 2006, p.297 e 298
- 129 -
SACHA CALMON parte de um exemplo prático- a incidência do ISS municipal
sobre os serviços INFRAERO -, para afirmar que referido imposto somente incide
sobre serviço prestado a terceiro mediante venda, que não e o caso da referida
empresa, visto que os serviços de administração de aeroportos têm a natureza de
serviços genéricos, gerais e universais, proporcionando vantagens a coletividade
como um todo. O autor distingue a atividade desenvolvida pela INFRAERO daquelas
atividades econômicas prestadas individualmente, no âmbito dos aeroportos, tais
como restaurantes, banca de jornal, pelas companhias aéreas, etc.
Nessa matéria, não se pode deixar de mencionar as lições de ROQUE
CARRAZZA, ao analisar a cláusula constitucional que assim afirma: “A imunidade
também não beneficia as pessoas políticas enquanto exercem atividades
econômicas, mediante contraprestação ou recebimento de preços ou tarifas”. O autor
inverte o raciocínio e afirma que se pode afirmar que as pessoas políticas são
imunes quando exercem atividades econômicas sem contrapartida ou pagamento de
preços ou tarifas pelo beneficiário. CARRAZZA estende a mesma ordem de
raciocínio para as empresas estatais (publicas e sociedades de econômica mista),
enquanto delegatárias de serviços públicos, ao afirmar que a elas também se aplica
o principio da imunidade recíproca. Para o autor, aqueles entes da administração
indireta, quando prestadores de serviço público, são tão imunes aos impostos quanto
as próprias pessoas políticas, porque são a longa manus do Estado, pessoas
administrativas que agem em nome do Estado para a consecução do bem comum.
Assevera, finalmente, que tal entendimento recebeu endosso do STF, em 2004, em
acórdão da lavra do Min. Carlos Velloso (RE 407.099-5-RS) 203
Em resumo, parece coerente construir interpretação no sentido de que o
dispositivo constitucional analisado: (i) não utiliza a expressão “preço publico”; (ii)
utiliza “preço” como sinônimo de tarifa; (iii) coloca sob o manto constitucional da
imunidade o serviço publico independentemente de quem o exerça – seja o Poder
Publico ou as empresas publicas e sociedades de economia mista concessionárias
203
Curso de Direito Constitucional Tributario- 27aedição- 2011- Ed. Malheiros, p. 791 e seguintes.
- 130 -
de serviço publico - .(iv) exclui da incidência da regra de imunidade as empresas
publicas e sociedades de economia mista quando exercem atividade econômica
Assim, como o artigo 173 da Constituição Federal, busca equiparar os entes
da administração indireta às empresas particulares, de forma a não prejudicar a livre
iniciativa, parece correto inferir com base na mesma norma, agora conjugada com a
interpretação do artigo 150, inciso VI e parágrafos, que o contrario, isto é, a
prestação de serviço público pelas empresas de direito privado, sob o regime de
direito publico, também deve ser equiparada, por isonomia, à atuação das empresas
publicas e sociedades de economia mista que prestam serviços públicos.
A adoção do referido entendimento teria o importante papel de resguardar a
prestação de serviço de uma perversa tributação por via de impostos, que, sem
sombra de dúvida, encarece sobremaneira o custo do serviço publico, que por
evidente, é repassado ao usuário, ferindo de morte seus direitos, especialmente
aquele referente ao direito de uma tarifa módica.
12.2. Conteúdo de Preço Público para o presente Trabalho
Quer parecer que o exemplo mencionado anteriormente trazido por
SCHOUERI é oportuno para distinguir preço público não só da taxa, como também
da tarifa.
De fato, como restará explicitado mais adiante, o presente trabalho não adota
a posição proposta por SCHOUERI, no sentido de tratar preço público como
sinônimo de tarifa. Em primeiro lugar porque tarifa é utilizada no artigo 150 ao cuidar
da imunidade recíproca, enquanto política tarifária é expressão utilizada pela CF no
seu artigo 175, ao cuidar da prestação indireta, por particulares, de serviços públicos.
A locução preço público, como já afirmado, não e figura constitucional, nem é
tributo, mas consta em geral das Constituições Estaduais e Leis Orgânicas
Municipais. A denominação preço público constante dos referidos diplomas legais,
- 131 -
refere-se no mais das vezes à remuneração devida pelo particular quando se utiliza
de um bem público ou usufrui de um serviço não público, isto e, de um serviço
prestado pelo Estado no exercício de uma atividade econômica.
Assim, por exemplo, tem natureza de preço público o valor pago mensalmente
pelo particular ao Estado pela utilização de um prédio público; o valor pago pela
locação de “box” em mercado municipal; o valor devido pela permissão de uso de
área pública para realização de atividade particular; o valor cobrado pelas empresas
públicas ou sociedades de economia mista na prestação de serviço sob regime de
direito privado, etc.
O exemplo trazido à baila pelo Professor SCHOUERI – natureza jurídica da
Compensação Financeira de Exploração de Minerais – CFEM – reveste a natureza
jurídica de verdadeiro preço público remuneratório de bens de propriedade da União.
O dispositivo constitucional em questão indica a compensação financeira como uma
alternativa à participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de
recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos
minerais nos territórios dos Estados e Municípios e órgãos da administração direta
da União.
Trata-se, pois, de receita originária decorrente da exploração de bens da
União, receitas essas que são transferidas, por determinação constitucional, aqueles
entes de direito públicos interno, em cujos territórios se dão a referida exploração.
Portanto, o preço público ao contrário da taxa, não possui natureza tributária,
e, portanto não é regido pelo regime jurídico aplicável aos tributos. Dai porque o
Poder Público muitas vezes e indevidamente, de modo a escapar ao principio da
legalidade, da anterioridade, do não confisco, etc., busca remunerar os atos de poder
de policia e as prestações de serviço público mediante a criação de um preço.
Para chegar à distinção entre taxa e preço público, MARCO AURÉLIO
GRECO e HAMILTON DIAS DE SOUZA, retornam à distinção entre as funções
reservadas à iniciativa privada, onde o Estado poderá interferir apenas em caráter
- 132 -
supletivo e aquelas que só podem ser desenvolvidas diretamente ou por concessão
pelo Poder Público. As primeiras são atividades econômicas executadas por
empresas comerciais e industriais, sujeitas ao regime jurídico de direito privado,
ainda quando exploradas pelo Estado diretamente. Às segundas aplica-se o regime
jurídico de Direito Público.
Assim, quando o Estado exerce supletivamente atividades econômicas em
regime de direito privado, não está autorizado a cobrar taxa. Aqui, entenda-se
“Estado” como a administração direta e/ou administração indireta.
Por outro lado, está constitucionalmente autorizado a exigir aquele tributo
vinculado quando exercer, diretamente, atividade de prestação de serviço público
especifico e divisível. Se o Estado desempenha uma atividade reservada à iniciativa
privada, despe-se da condição de Poder Público, passando a atuar como se
particular fosse, sob regime de direito privado. Nesta hipótese, sua atividade será
remunerada não mais por taxa, mas por preço público.
Na primeira hipótese está-se diante de uma relação jurídica de direito público,
para cujo nascimento a vontade das partes não tem a menor relevância. Nessa
relação, o poder público assume uma posição vertical em relação ao sujeito passivo
(contribuinte), fazendo atuar sua soberania. Já na segunda hipótese está-se diante
de uma relação jurídica de direito privado, assumindo o Estado uma posição
horizontal em relação ao sujeito passivo. Para a formação do vinculo exige-se a
convergência das duas vontades204
Finalmente, mas ainda com relação à distinção entre taxa e preço público, não
se pode deixar de mencionar, que a denominação preço público, tem natureza
jurídico-financeira de receita originária, isto é, aquela receita que é auferida a partir
do uso, pelo particular, de bens públicos e de serviços prestados pelo Poder Público,
204
Exemplo clássico reside no contrato de locação firmado entre o Estado, proprietário de determinado imóvel, e
o particular, locatário do imóvel. Para que o ajuste seja firmado requer-se a concorrência da vontade das partes,
em uma relação jurídica horizontal. O Estado despe-se de sua soberania, atuando como verdadeiro particular.
- 133 -
sob regime de direito privado. Assim também no direito espanhol, segundo
LAPATZA: “La Ley establece la exigência de precios públicos por la utilizacion
privativa o especial del domínio público o por la prestacion de servicios de solicitud
voluntária o que puedan prestarse em concurrencia com el sector privado”205
Construído o sentido de preço público e taxa, para o presente trabalho, pode-
se afirmar em síntese, sobre a relação sintática entre os dois signos: que taxa é
conceito constitucional, enquanto preço é conceito legal.
Sobre a relação semântica entre os dois signos, isto é sobre o significado dos
dois institutos, pode-se afirmar que:
(a) taxa é uma receita derivada, de natureza tributária, enquanto preço é
receita originária, portanto não e tributo;
(b) preço público além de remunerar a utilização de bens públicos é também
forma de remuneração de serviços prestados no âmbito da atividade econômica pela
administração indireta.
(c) A taxa remunera a prestação de serviço publico especifico e divisível, quer
se trate de prestação direta , pelo Estado, ser se trate de prestação indireta por
particular concessionário de serviço público é
As conclusões anteriores, porém, não são confirmadas no plano pragmático
quando a atenção se volta para aos utentes da linguagem jurídica, De fato, o modo
pelo qual os intérpretes utilizam das referidas palavras, não coincide com o plano
semântico construído no presente trabalho, como restara mais claro adiante.
205
LAPATZA, obra citada, p. 23
- 134 -
13. TAXA E TARIFA
13.1. Regime Constitucional
Descrita, pois, a matriz constitucional da taxa de serviço, modalidade de
tributo vinculado que nos interessa analisar nos limites deste trabalho, e mais,
verificados os pontos de aproximação e de distanciamento entre o referido tributo, os
impostos e o preço público, devemos agora enfrentar a relação entre a taxa e a
tarifa.
Preliminarmente, é preciso que se diga que a Constituição Federal não utiliza
a expressão tarifa, mas sim política tarifária.
BERNARDO RIBEIRO DE MORAES, ao tratar da distinção entre taxa e preço
público, refere-se a este último como expressão sinônima de tarifa, porém reservada
à remuneração exigida por empresa concessionária. Esclarece que tarifa significa
tábua, catálogo ou pauta. É uma lista ou relação em que fixam quotas. Assevera o
autor que a tarifa acha-se ligada, sempre, a um serviço público concedido,
destinando-se a remunerar o prestador, enquanto preço é vocábulo ligado ao
resultado de uma venda econômica. 206
A concordância ou não com tal entendimento, requer a leitura atenta de alguns
dispositivos constitucionais.
O artigo 175 da Constituição Federal está localizado no Capítulo I – Dos
Princípios Gerais da Atividade Econômica – do Título VII, que cuida da Ordem
Econômica e Financeira.
206
Bernardo Ribeiro de Moraes, ob.cit. p.126 e 127
- 135 -
A expressão política tarifária é utilizada no inciso III do parágrafo único do
artigo 175.
Nesse sentido, e sempre com a preocupação de buscar uma interpretação
sistemática do texto constitucional, analisemos, previamente, as normas constantes
do referido Título VII, para que possamos, mediante a aplicação dos necessários
princípios constitucionais e instrumentos da semiótica, construir a interpretação da
expressão posta constitucionalmente.
13.2. Princípios Informadores da Ordem Econômica e Financeira
Para DINORÁ GROTTI, a diferença entre atividade econômica (artigo 173) e
serviço público (artigo 175) somente se justifica porque a Constituição previu que a
primeira estaria sujeita ao regime próprio da iniciativa privada, inclusive quanto às
obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributárias ,como deixa claro o parágrafo
1º, II, e parágrafo 2º do artigo 173 da Carta, de modo a evitar a concorrência desleal
em relação aos competidores privados207.
A Constituição Federal, a partir do seu artigo 170 estabelece as balizas
normativas e princípios informadores da Ordem Econômica e Financeira do nosso
Estado Federal Brasileiro. Assim, a ordem econômica tem seu fundamento na
valorização do trabalho humano e na livre iniciativa. Sua finalidade: assegurar a
todos existência digna, de acordo com a justiça social.
Ademais, as normas jurídicas que tratam da Ordem Econômica, são
informadas pelos seguintes princípios constitucionais: (a) soberania nacional; (b)
propriedade privada; (c) função social da propriedade; (d) livre concorrência; (e)
defesa do consumidor; (f) defesa do meio ambiente; redução das desigualdades
regionais e sociais; (g) busca do pleno emprego e (h) tratamento favorecido para as
207
Idem,ibidem, p.139
- 136 -
empresas brasileiras de pequeno porte e as que tenham sua sede e administração
no País208.
Mais adiante, o artigo 173209 estabelece como regra constitucional, que a
exploração direta da atividade econômica pelo Estado, somente poderá ocorrer
excepcionalmente, e apenas na hipótese dessa exploração mostrar-se necessária
aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, na forma da
lei. Tal significa que a regra constitucional é a da exploração da atividade econômica
pela iniciativa privada.
Quando configurada a excepcional hipótese de exercício de atividade
econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, o
Estado o faz, em geral, por intermédio de empresa pública ou sociedade de
economia mista.
Tais empresas integrantes da administração indireta têm seus estatutos
jurídicos fixados em lei. Essa lei deve estabelecer a função social da empresa; a
forma de fiscalização (pelo Estado e pela sociedade) das atividades desenvolvidas e
a sua sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, quanto aos direitos
e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários.
Portanto, tal como já afirmado neste trabalho, ainda que integrantes da
Administração Pública Indireta, tais empresas quando venham a exercer atividade
econômica, deverão ter o mesmo tratamento jurídico dispensado às empresas
privadas, inclusive no que diz respeito à tributação de suas atividades.
208
No dizer da Professora, a Constituição Federal de 1988, já em seu artigo 1º, fez a opção por um especifico
modelo econômico, ao inscrever, no inciso IV, a livre iniciativa como um dos fundamentos do Estado brasileiro.
209 Seu conteúdo, assevera, tem longa tradição em nossas Cartas Políticas; suas raízes têm origem nos artigos
116 da CF de 1934; 146 da CF de 1946; 157, parágrafo 8º da CF de 1967; e 163 da EC n. 1/69, sendo que todas
as Constituições mencionadas empregaram a expressão “atividade econômica” no seu sentido estrito, o que
confirma a interpretação nessa mesma acepção para o artigo 173 da atual Constituição-
- 137 -
13.3. Normas Aplicáveis à Prestação Indireta de Serviço Público
A concessão de serviço público vem prevista no artigo 175 da Constituição
Federal, que impõe, ao Poder Público, a obrigação de prestar serviços públicos, seja
diretamente, ou indiretamente, sob regime de concessão ou permissão.
Em seu parágrafo único, o referido dispositivo constitucional estabelece as
normas aplicáveis às concessões, reservando à lei o papel de: (a) definir o regime
das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos; (b) dispor
sobre o caráter especial do contrato, as condições de caducidade, fiscalização e
rescisão da concessão ou permissão; (c) os direitos dos usuários; (d) a política
tarifária e (e) a obrigação de manter serviço adequado.
No campo infraconstitucional, a concessão de serviço público é regulada pelas
Leis Federais 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, e 9.074, de 7 de julho de 1995,
sujeitando-se às determinações da primeira delas toda a legislação sobre a matéria
editada pelos entes federados, no âmbito das respectivas esferas de competência.210
O conceito legal de concessão está posto nos inciso II e III, do art. 2º, da lei
8.987, que distingue entre a concessão de serviço público propriamente dito e a
concessão de serviço público precedida da execução de obra pública.211.
210
Na primeira das modalidades - concessão de serviço público - o Estado delega sua prestação, mediante
licitação, na modalidade concorrência, à pessoa jurídica que demonstre capacidade para o seu desempenho, por
sua conta e risco e por prazo determinado. Já a concessão de serviço público, precedida da execução de obra
pública, também dependerá de concorrência, diferenciando-se esta modalidade da primeira pelo fato de que o
concessionário de serviço público, apesar de assumir a concessão por sua conta e risco, deve ter a garantia do
poder concedente de que terá seu investimento remunerado e amortizado mediante a exploração do serviço ou
da obra por prazo determinado
211 No âmbito do Estado de São Paulo, a matéria é regida pela Lei Estadual 7.835, de 8 de maio de 1992, que
praticamente repete os conceitos da Lei federal.
- 138 -
Segundo HELY LOPES MEIRELLES a “Concessão é a delegação contratual
da execução do serviço, na forma autorizada e regulamentada pelo Executivo”.212
No conceito da Prof.ª MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, concessão de
serviço público é “o contrato administrativo pelo qual a Administração Pública delega
a outrem a execução de um serviço público, para que o execute em seu próprio
nome, por sua conta e risco, assegurando-lhe a remuneração mediante tarifa paga
pelo usuário ou outra forma de remuneração decorrente da exploração do serviço”.
213
Para MARÇAL JUSTEN FILHO, a concessão é modalidade de
transferência da prestação do serviço público 214.
A delegação do serviço será sempre feita a pessoa jurídica ou consórcio
de empresas com capacidade para o seu desempenho.
O concessionário executa os serviços concedidos em seu nome, por sua
conta e risco, sendo remunerado por tarifa, na forma regulamentar.
A concessão é formalizada mediante contrato administrativo, precedido de
licitação, na modalidade de concorrência, conforme exigido tanto pela Constituição
Federal, como pelas Leis Federais 8.666/93 e Lei 8.987/95.
Na concessão, o poder concedente não transfere a propriedade dos bens
ao concessionário, nem se despoja de qualquer direito ou prerrogativa pública. O
serviço continua sendo público.
212
Direito Administrativo Brasileiro, Malheiros Editores, 24ª Edição, 1999, p. 341
213 Parcerias na Administração Pública, Editora Atlas, 2ª edição, 1997, p. 51.
214 Direito Administrativo e Constitucional - Algumas considerações acerca da Concessão de Serviço Público -
Estudos em homenagem ao Professor Geraldo Ataliba 2, Celso Antonio Bandeira de Mello (organizador),
Malheiros Editores, 1997, p. 470 e segs.
- 139 -
Na relação com o Poder Público, o concessionário fica adstritos à
observância do regulamento e do contrato, que podem estabelecer direitos e
deveres, inclusive para os usuários.
A execução do serviço é delegada nos limites e condições legais e
contratuais, sempre sujeita a regulamentação e fiscalização do poder concedente.
A concessão fica submetida a duas categorias de normas: as de natureza
regulamentar, que disciplinam o modo e a forma de prestação do serviço e são
denominadas leis do serviço; e as de ordem contratual que fixam as condições de
remuneração do concessionário, e são as chamadas cláusulas econômicas ou
financeiras.
As cláusulas regulamentares são alteráveis unilateralmente pelo poder
concedente. As cláusulas contratuais são fixas e só podem ser alteradas por acordo
entre as partes.
À Concessionária são outorgadas prerrogativas próprias do poder público,
algumas delas previstas na Lei Federal 8.987/95, como por exemplo, a de promover
desapropriações e constituir servidões autorizadas pelo poder concedente, podendo
receber outras prerrogativas previstas na norma regulamentadora do serviço
concedido.
13.4. Concessão de Serviço Público - Regime Jurídico da Prestação
Os serviços públicos, a par de sua dimensão econômica – visto serem
também relativos a bens escassos - obedecem a parâmetros diferentes a respeito da
oportunidade e conveniência de serem prestados em determinadas condições, sob
prerrogativas e sujeições especiais. Sua prestação supõe excluir uma atividade das
regras de mercado.
- 140 -
Dessa forma, os serviços públicos podem ter diferentes modos de prestação,
atendendo às necessidades coletivas, à garantia dos usuários, funcionando,
inclusive, como uma técnica de proteção aos direitos humanos, consoante a maneira
conjuntural de abordar a realidade social em determinado momento histórico.
Para DINORÁ GROTTI se os serviços públicos ficarem diretamente afetados
pelas forças do mercado, condicionados inteiramente pelo valor da troca, segundo a
lógica do capital e do mercado, é obvio que deixarão de ser públicos para passarem
a ser atividades econômicas, segundo o ordenamento jurídico pátrio, sujeitos às
circunstâncias e contingências que elas reclamam.
A Professora 215 ao tratar dos serviços públicos assim definidos pelo próprio
legislador constitucional, afirma a impossibilidade da lei, pura e simplesmente,
eliminar a incidência do regime de direito público sobre uma atividade reservada pela
Constituição à atuação do Estado216, ressalvando a possibilidade de questionar se a
opção legislativa, ao adotar o regime de direito privado, violou ou não o núcleo
mínimo que a Constituição delineou para a atuação estatal.
Para RICARDO MARCONDES MARTINS, o constituinte originário tipificou
como serviço público as atividades que necessariamente tinham que ser assim
tipificadas. Afirma o autor, especificamente com relação aos serviços de
215
O serviço público e a Constituição Brasileira de 1988, p.259/253 216
Porém esse pos ic ionamento não tem o r igor que à pr imei ra v is ta possa parecer. De fa to,
ressalva a Professora que mesmo aqueles serviços reservados const i tuc ionalmente à
atuação do Estado, podem ser decompostos em inúmeras at iv idades, a lgumas das quais
está o leg is lador au tor i zado a a l tera r o reg ime jur íd ico de públ ico para pr i vado. Ass im
reconhece que o leg is lador ord inár io - em decorrênc ia de mudança em fatores soc ia is ou
econômicos - , pode estabelecer qual segmento deve ser assumido pelo Estado. Exempl i f ica
o seu rac iocín io com o setor de te lecomunicações, lembrando que em épocas passadas a
at iv idade de fornec imento de apare lhos te le fôn icos in tegrava o serviço de te le fon ia f i xa,
in tegrando, inc lus ive o monopól io estata l .
- 141 -
telecomunicações, ser inquestionável a necessidade dos mesmos serem prestados
pelo Estado. Nesse sentido, assevera que a despublicização desses serviços pelo
poder reformador e sua transformação em atividades privadas sob regime especial é
inconstitucional217l
13.5. Histórico Constitucional da Tarifa
Na Constituição de 1967 o artigo 167 exigia, expressamente, a fixação de
tarifas que permitissem ao concessionário a justa remuneração do capital, o
melhoramento e a expansão dos serviços e assegurassem o equilíbrio econômico-
financeiro do contrato. Portanto, a tarifa cobrada pela exploração do serviço era a
fonte de remuneração da concessionária pela exploração do serviço.
Assim, a natureza da tarifa não era meramente contraprestacional do serviço
público prestado, mas devia fazer face quer ao custo propriamente do serviço
público, como também permitir a remuneração do capital da empresa
concessionária, bem como o melhoramento e expansão dos serviços concedidos, de
modo a assegurar o equilíbrio econômico financeiro do contrato.
A atual Constituição, no artigo 175, parágrafo único, inciso III, deixou ao
legislador infraconstitucional a definição e a determinação dos princípios orientadores
da política tarifária e a escolha entre as possíveis opções no tocante à regulação de
preços. Não se refere à figura da tarifa, determinando ao legislador que disponha
sobre algo bem mais amplo: a política tarifária.
217
. Refere-se o Autor ao instituto da “autorização” inserido pela Emenda 8. No seu entender, a enigmática
expressão “autorização de serviço públicos” introduzida no artigo 21 do texto originário da Magna carta (inciso
XII), não configura autorização para prestar serviço destinado ao público mas para explorar atividade econômica
destinada ao próprio executor
- 142 -
Pelo atual texto constitucional deve a lei privilegiar o princípio da modicidade
da tarifa adotando outros critérios, além do preço do serviço, para, se for o caso,
garantir a justa remuneração do concessionário por outras fontes de receita.
Assim, afirma DINORÁ GROTTI, enquanto pela Constituição anterior o
equilíbrio econômico era assegurado pela tarifa paga pelo usuário, pelo texto atual
nada impede que a lei adote critério diverso, possibilitando, por exemplo, a fixação
de tarifas mais acessíveis ao usuário (preço político) compensando-se o
concessionário por outra forma, de modo a manter hígido o equilíbrio econômico e
financeiro firmado no contrato.
Lembra ainda a Professora da PUC/SP que a lei geral de concessões, ao
conceituar a concessão de serviço público, não faz referência à remuneração paga
pelo usuário (artigo 2º, inciso II) abrindo assim, em seu entender, a possibilidade
para o Poder Público concedente substituir a tarifa por outro meio de remuneração
em favor do concessionário, muito embora suscite duvida quanto ao fato dessas
formas alternativas de remuneração do concessionário descaracterizarem a
concessão218.
218
Relata DINORÁ que as opin iões se d iv idem, af i rma. Para CELSO ANTONIO
BANDEIRA DE MELLO, MARÇAL JUSTEN FILHO, E MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, a
remuneração do concess ionár io decorrente da própr ia explo ração do serviço, a inda que
não proveniente d i re tamente de pagamento efe tuado pelo usuár io , é o traço que d is t ingue
a concessão do mero contrato admin is t ra t i vo de prestação de serviços, remunerado pela
ent idade contratante. Ao contrár io , lembra que BENEDICTO PORTO NETO entende que a
Admin is t ração Públ ica pode t ransfer i r a pres tação de serviço públ ico a terce i ro , sob o
mesmo regime jur íd ico da concessão, sem que sua remuneração guarde re lação com o
resul tado da exploração do serviço. FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES também sustenta,
como sal ientado por DINORÁ, que dentre as fontes a l ternat i vas pode estar o pagamento,
pe lo Estado, de um valo r ( inc lus ive com natureza tar i fár ia ) def in ido em le i , no edi ta l ou no
contrato por un idade de serviço ut i l i zado. Exempl i f ica com a determinação do Tr ibunal de
Contas de União para a outorga à in ic ia t i va pr ivada dos serviços de te lecomunicação
(ut i l ização de redes d ig i ta is ) a serem universa l izados com recursos do FUST - Fundo de
Universa l ização dos Serviços de Telecomunicações. Is to é, o Tr ibuna l de Contas União
dec id iu no sent ido da p lena poss ib i l ida de (e mesmo obr igator iedade) de que os refer idos
serviços se jam obje to de concessão outorgada à in ic ia t iva pr i vada, com remuneração não
- 143 -
A opinião de importantes juristas sobre a natureza da remuneração devida ao
concessionário privado demonstra que a denominada tarifa, a partir da Constituição
de 1988 não deve ser vista como sinônimo da remuneração do concessionário, visto
que tal conceito é mais amplo do que o conceito de tarifa.
De fato, a remuneração do concessionário pode ser composta,além do valor
pago pelo usuário, por inúmeras outras verbas (prestações), podendo mesmo o
valor da tarifa ser excluído da composição do valor final a que faz jus,
contratualmente, o concessionário.
13.6.“Tarifa”- Natureza Jurídica Tributária ou não-Tributária -
Discricionariedade do Legislador?
Os estudiosos do direito administrativo têm tratado da discricionariedade do
legislador dentro do tema mais abrangente referente ao contrato de concessão de
serviço público.
Sobre a faculdade que - no entender de parte da doutrina do Direito
Administrativo -, a Constituição teria dado ao legislador de optar entre o regime
tributário (das taxas) e o regime administrativo (das tarifas ou preço públicos) para
remunerar o concessionário, deve-se ressaltar o entendimento do professor de
direito administrativo da PUCSP - JACINTHO ARRUDA CÂMARA, constante de
trabalho fruto de tese de Doutoramento publicado sob o título “Tarifa nas
concessões”. 219
pelos usuár ios do serviço (população carente ) e s im pelos recursos públ icos depos i tados
no FUST .
219 “Tarifa nas Concessões”- Malheiros Editores, 2009
- 144 -
No referido trabalho CÂMARA trata da chamada crise do serviço público, a
qual, no seu entendimento, é imputada às mudanças na organização estatal.
Lembra que na Europa, em países de cultura jurídica romano-germânica, a
visão tradicional de serviço público está sendo confrontada por uma acentuada
alteração legislativa, que vem sendo implantada de modo a proporcionar uma
abertura maior destes setores à iniciativa privada, com a introdução de instrumentos
até então notabilizados pela sua vinculação à atividade econômica. Cita como
exemplo o regime de competição na prestação desses serviços220. Entende, porém o
autor, que a propagada crise do conceito de serviço público, na verdade, mostra-se
como sintoma de outro fenômeno, qual seja a mudança no regime jurídico de
exploração dos serviços públicos.
Com o intuito de delimitar o exame do tema, CÂMARA adota a expressão
serviço público como “atividade sobre a qual incide um regime jurídico de direito
público”. Aliás, esse pressuposto também é adotado pelo presente trabalho. Porém,
ao contrário do quanto se pretende aqui sustentar, entende aquele Autor que a
prestação de serviços públicos pode ensejar a cobrança de contraprestação por
parte do usuário sob dois regimes: um de índole tributária, relativo à instituição de
taxas; outro com natureza de direito administrativo, o modelo tarifário ou dos preços
públicos 221
Acrescenta que a Constituição ao lado do regime tarifário, também prevê a
adoção de um regime mais rígido de natureza tributária, deixando claro que os dois
regimes apresentam distinções relevantes entre si, caracterizando-se o regime
tributário como aquele que oferece maiores garantias aos particulares, enquanto que
a flexibilidade informa o regime tarifário.222
220
Obra e autor citados, p. 15
221 Obra e autor citados, p. 33
222 Lembra que a cobrança de taxa está v inculada ao pr inc ip io da legal idade e
anter ior idade, enquanto as tar i fas podem ser cr iadas por a tos admin is t ra t ivos vinculados a
cr i tér ios legais e, ademais , conf iguram valores que podem ser exig idos imediatamente
- 145 -
O mesmo autor busca o critério para adoção de um ou outro regime, na
evolução jurisprudencial a respeito da matéria, ressaltando que depois de muita
discussão judicial, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula 545 de 3 de
dezembro de 1969: “Preços de serviços públicos e taxas não se confundem, porque
estas, diferentemente daqueles, são compulsórias e têm sua cobrança condicionada
à prévia autorização orçamentária, em relação à lei que as instituiu”.
A partir dessa Súmula, segundo o autor, o entendimento do Supremo Tribunal
Federal sobre a matéria, evoluiu no sentido de entender que o critério distintivo entre
preço e taxa residiria no fato de que o primeiro decorre de relação contratual,
enquanto a exigência de taxa estaria ligada à obrigatoriedade do serviço223
Câmara identifica, porém, um grande desconforto de parte da doutrina e da
própria jurisprudência em reconhecer a existência de um forte traço de
discricionariedade na competência legislativa para determinar o regime jurídico a ser
aplicado à forma de contraprestação a ser cobrada dos usuários do serviço público.
Acaba por concluir que não há propriamente um critério que seja inerente à
natureza do serviço público e, como tal venha a impor este ou aquele regime de
cobrança, existindo, apenas a definição de condicionantes que passa por uma opção
legislativa. 224
Enfim, o autor valida a discricionariedade do legislador desde que obedecidas
as condicionantes inerentes a um ou outro regime.
São as seguintes as condicionantes impostas ao legislador, apontadas por
CÂMARA
223
Obra citada, p. 38 e 39
224 Obra citada, p. 43 e 44
- 146 -
(A) A ADOÇÃO DA TAXA TORNARIA INVIÁVEL A UTILIZAÇÃO DA
CONCESSÃO
Essa posição encontra respaldo no entendimento sobre a matéria esposado
por MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, para quem, a partir do momento em que o
serviço é objeto de concessão, o regime haveria de ser o tarifário, mesmo na
hipótese de obrigatoriedade da fruição do serviço.
Assevera que se a Constituição permite a prestação de serviço público por
meio de concessão ou permissão, também está permitindo a cobrança de tarifa. Para
aquela Professora, impor a instituição de taxa (sujeita ao principio da legalidade) aos
serviços públicos concedidos torna inviável a utilização da concessão, já que a taxa é
inadequada como meio de assegurar ao concessionário o seu direito ao equilíbrio
econômico financeiro. Para ela, afirmar que determinado serviço só pode ser
remunerado por taxa é o mesmo que afirmar que esse serviço não pode ser objeto
de concessão ou permissão. 225 O fundamento básico do entendimento da
Professora MARIA SYLVIA reside no argumento de que o tributo em questão não se
presta a assegurar o equilíbrio econômico financeiro do contrato, inviabilizando,
portanto, a prestação privada indireta de serviço público.
(B) A NATUREZA TRIBUTARIA DA TAXA INVIABILIZARIA O DIREITO DO
CONCESSIONARIO
Na mesma linha do raciocínio da Professora MARIA SYLVIA DI PIETRO,
JACINTHO CÂMARA entende que o legislador deve levar em conta, na escolha de
um dos dois regimes – tributário ou administrativo - a natureza jurídica de quem
assume o dever de prestar o serviço. Assim, afirma, havendo delegação, aplicar-se-á
225
“PARCERIAS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: Concessão, Permissão, Franquia, Terceirização e outras
Formas, 4ª. edição p. 335
- 147 -
necessariamente o regime jurídico tarifário, visto que a natureza tributária e
impositiva das taxas seria incompatível com a sua cobrança por particulares.
Para aquele Autor, a natureza tributária da receita não poderia ter outra
destinação que não o orçamento da entidade tributante. Não fosse assim, afirma,
estaria praticamente inviável a delegação de serviços a particulares. 226
(C) SE O SERVIÇO PRESTADO FOR DE FRUIÇÃO OBRIGATORIA A
REMUNERAÇAO DEVERÁ OBEDECER AO REGIME TRIBUTARIO
A posição do usuário caracteriza-se como outro elemento a que o autor dá
relevância. Segundo seu entendimento, se a legislação impuser um regime de
fruição obrigatória dos serviços por parte dos usuários, a forma de remuneração a
ser fixada há de ser necessariamente a tributária. A mera disponibilidade do serviço,
ainda que não utilizado, implica, segundo o autor, na possibilidade de exigência da
taxa do potencial usuário (critério da obrigatoriedade).
Por evidente que essa taxa deverá remunerar não a utilização do serviço, mas
a sua mera colocação à disposição do administrado, isso é, a potencial utilização do
mesmo. É por essa razão que CÂMARA afirma que a opção do legislador pela
obrigatoriedade do serviço, implica na necessidade de adoção do regime tributário,
afastando o regime tarifário. De fato, a cobrança pelo chamado “serviço potencial” é
pressuposto constitucional exclusivo da taxa, não se aplicando às hipóteses de
cobrança de tarifa.
226
“Tarifa nas Concessões” p. 45
- 148 -
13.7. Critica às Condicionantes impostas à Discricionariedade do Legislador
para a fixação do Valor Devido pela Prestação Indireta do Serviço Publico
As condicionantes indicadas pelo Professor de Direito Administrativo estão
atreladas à natureza jurídica do valor pago pelo usuário ao prestador do serviço, as
quais, porém, nem sempre estão presentes, uma vez que, modernamente, a
remuneração do concessionário não decorre necessariamente de pagamento a
cargo dos usuários do serviço.227
Ademais, trata-se de construção de conteúdo que parte da análise jurídica sob
a perspectiva do contrato público e do direito do concessionário à justa remuneração,
e, que, em ultima analise busca dar efetividade ao instituto da Concessão de serviço,
sem atentar para os direitos do usuário do serviço em sua condição de contribuinte.
O entendimento dogmático exposto prioriza o direito subjetivo do
concessionário, sem esclarecer se a opção foi adotada apos a necessária
confrontação e ponderação dos valores em jogo: direito subjetivo do usuário X direito
subjetivo do concessionário
Também, a afirmação de que a receita tributária decorrente de taxa somente
poderia ser destinada ao erário, ressalvado o brilho do trabalho analisado, deixa de
considerar a possibilidade jurídica de se atribuir à taxa, o regime da parafiscalidade
fiscal.
227
Aliás, o próprio autor entende que não há necessidade absoluta de que a tarifa seja paga diretamente pelo
usuário para caracterizar um legitimo regime de concessão, uma vez que a legislação admite receitas alternativas
que podem compor o total das receitas das concessionárias, e em dados serviços chega a eliminar a
necessidade de cobrança de tarifas de usuários, exemplificando com o caso da radiodifusão. Lembra que há
tarifas cobradas pelo poder concedente ,e repassadas às concessionárias, bem como tarifas pagas por outras
prestadoras de serviço, na hipótese de segmentação de serviços. Ressalta finalmente que o pagamento à
concessionária feito exclusivamente com recursos decorrentes de orçamento estatal não pode ser considerado
tarifa, apesar de, atualmente, ser expressamente admitido na legislação brasileira na figura da concessão
administrativa. OBRA E AUTOR CITADOS P. 57 E 58
- 149 -
De fato, ao contrário da competência legislativa da pessoa de direito público
interno, que é indelegável, a atividade de arrecadar o tributo, a que também se
denomina capacidade tributária ativa,, pode ser delegada a outra pessoa que
arrecadando o tributo aplica a receita assim obtida na manutenção de suas próprias
finalidades. A título de exemplo, tal ocorre com as contribuições para órgãos de
classe (OAB, CREA, CRM, etc.) e com as contribuições para a Seguridade Social,
que são criadas pela União que detém competência legislativa, porém são
arrecadadas e utilizadas por terceiros na manutenção das suas finalidades
institucionais.
Atente-se para o fato de que CÂMARA denomina tarifa, indistintamente, tanto
o valor pago pelo usuário como o valor percebido pelo concessionário a titulo de
receitas alternativas.
Quer parecer, porém, como já acenado anteriormente, que o equacionamento
da questão importa em afastar a mesma denominação para valores pagos sob
diferentes títulos jurídicos. 228
De fato não é possível dar o nome de tarifa tanto ao valor pago pelo usuário
como contraprestação do serviço especifico e divisível prestado pelo concessionário,
quanto às demais receitas estabelecidas em lei e no contrato para remuneração final
do concessionário.
A expressão tarifa é adotada pela legislação infraconstitucional. Porém a
Constituição de 1988, conforme anteriormente afirmado no presente trabalho, ao
contrário da anterior, não utiliza o vocábulo tarifa, mas sim a expressão política
tarifária.
228
Gera l do Ata l iba ens ina que não se pode acei tar a confusão terminológ ica cons is tente
em des ignar duas rea l idades d is t in tas pe lo mesmo nome. Para e le não é possíve l
desenvolver t rabalho c ient í í f ico sem o emprego de um vocabulár io técnico r igoroso,
objet ivo e unívoco. In “ Hipótese de Inc idênc ia Tr ibutár ia ” 6ª ed ição, 9ª t i ragem, p.54, i tem
18.4- Malhei ros, 2008
- 150 -
Tal não significa que haja uma contradição entre a lei das concessões e a
Constituição. Isso porque, o conteúdo da referida legislação infraconstitucional de
regência segue a direção apontada pelo texto constitucional, na medida em que
dispõe sobre a política tarifária garantida na Constituição, ao prever que a
remuneração do concessionário possa ser composta por diversos itens (receitas
alternativas) além do valor a cargo do usuário.
O legislador assim o faz para atender ao principio constitucional da
modicidade229 do valor devido pelo usuário. Para tanto, ao lado do valor a cargo do
usuário, prevê o estabelecimento de outras receitas que podem tanto decorrer da
exploração, pelo concessionário, de bens e serviços complementares, como do
próprio poder concedente230, este sim responsável contratualmente pela
229
DA MODICIDADE DAS TARIFAS COMO DIREITO DO USUARIO - Uma das principais diretrizes em matéria
de política tarifária foi fixada no momento em que a Lei 8987/95 definiu o conceito de serviço adequado, um dos
direitos básicos conferidos aos usuários de serviços públicos (art. 7º, I). Serviço público adequado, para a lei, é
aquele que satisfaz, dentre outros requisitos, ao de modicidade das tarifas (art. 6º, par. 1º.)229
Esse princípio,
pode ser invocado como fundamento da validade de medidas administrativas em matéria tarifária e constitui uma
barreira à instituição de valores que onerem em demasia o usuário de serviço públicos.Segundo JACINTHO
CÂMARA, para garantir ao usuário esse direito, a lei, de modo indireto, ao invés de inibir a atuação
administrativa, acaba funcionando como fundamento legal para jus t i f icar a implementação de
determinados ins t rumentos de pol í t ica ta r i fár ia229
. A in tenção desse reg ime ser ia a de
equi l ibrar o va lo r cobrado de todos os usuár ios , de modo a que todos t ivessem acesso ao
serviço a va lo res módicos ou razoáveis .229
A inda sobre a tar i fa , a Le i 8987/95 previu a
poss ib i l idade de f ixação de tar i fas d i ferenc iadas “ em função das caracter ís t icas técnicas e
dos custos especí f icos provenientes do atendimento aos d is t in tos segmento s de usuár ios ”
(ar t igo 13) . Sobre essa poss ib i l idade, DINORA GROTTI af i rma não exis t i r impedimento
legal a que se f i xem, por exemplo, tar i fas de energ ia e lé t r ica d i ferenc iadas para
res idênc ias, estabelec imentos prestadores de serviços, estabelec imentos com erc ia is e
industr ia is . Também não há impedimento à f i xação de tar i fas progress ivas, em função do
maior consumo. 229
230 DOS SUBSÍDIOS - Nos casos em que a explo ração se faça por “ tar i fa ” , nada impede que
o poder concedente subs id ie parc ia lmente o concess ionár io , ou preveja fontes a l ternat i vas
de recei ta , complementares ou acessór ias, o que é expressamente admi t ido pela le i
federa l , tendo em vis ta , como já d i to , favorecer a modic idade da ta r i fa paga pelo usuár io
pe la f ru ição do serviço públ ico. Neste caso, o co ncess ionár io se remunera bas icamente
pela percepção da “ tar i fa ” , mas não exc lus ivamente por e la .
- 151 -
remuneração final do concessionário e pelo equilíbrio econômico e financeiro do
ajuste231.
Nesse sentido, entende-se que o legislador não pode optar indiferentemente
pela adoção de um ou outro regime (tributário ou privado), devendo, ao fixar a
contraprestação do usuário, adotar o regime tributário, ainda quando o serviço
público e divisível seja prestado por particular.
Assim, é possível estabelecer algumas balizas para a discricionariedade
legislativa:
(a) Pode o legislador decidir se o serviço público- especifico e divisível - será
ou não remunerado pelo usuário. Isto é, a Constituição não impõe como
requisito necessário da concessão a remuneração dos serviços pelo usuário.
(b) Se optar pela remuneração, esta deverá revestir natureza jurídica de tributo
(taxa de serviço) nos moldes do artigo 145, inciso II, que, como se viu,
deverá remunerar apenas o custo do serviço;
(c) Como o valor da taxa, por remunerar exclusivamente o custo do serviço, nos
serviços de maior porte, em geral não garante a remuneração total do
231 DAS RECEITAS ALTERNATIVAS A QUE FAZ JUS O CONCESSIONARIO - Como
leg is lação in f raconst i tuc ional , a Le i Federa l nº 8 .987/95, ao estabelecer normas gera is em
matér ia de concessões e permissões de serviços públ icos, d ispõe no seu ar t . 11 sobre a
poss ib i l idade de previsão de outras fontes provenientes de recei tas a l ternat ivas,
complementares, acessór ias ou de pro je tos assoc iados , com ou sem exc lus iv idade, v isando
favorecer a modic idade da tar i fa . Ta is fontes de recei ta deverão estar previs tas no edi ta l
de l ic i tação (ar t . 18, inc iso VI) e devem compor o equi l íbr io econômico - f inancei ro do
contrato (ar t . 11, parágrafo ún ico) .231
Na concepção t rad ic ional da concessão d e serviço
públ ico, a remuneração do concess ionár io , em gera l e bas icamente, se faz pe la percepção
da “ tar i fa ” cobrada dos usuár ios. En tretanto , em a lguns casos, a exploração poderá ser
fe i ta por outros meios. É o que sucede nas concessões de rád io e te levi são, em que o
concess ionár io se remunera pela d ivu lgação de mensagens publ ic i tár ias cobradas dos
anunciantes. Não se t ra ta de “ tar i fa ” e quem paga não é necessar iamente o usuár io , mas a
exploração do própr io serviço concedido.
- 152 -
concessionário, a remuneração do prestador privado (concessionário) deverá
ser complementada por outras receitas tributárias (decorrentes da receita
dos impostos) ou não, previstas na própria legislação de regência.
(d) A obrigatoriedade do serviço público não integra a matriz constitucional da
taxa
- 153 -
14. “TARIFA”, “TAXA” E “POLITICA TARIFÁRIA”- NOVO SENTIDO
HERMENÊUTICO
Mesmo correndo o risco da redundância, cumpre reafirmar que a Constituição
Federal não estabelece o conteúdo da expressão política tarifaria. O legislador
constitucional de 1988 refere-se a política tarifária e não mais simplesmente à
fixação de tarifa, como previsto na Constituição de 1967.
A Constituição atribui a tarefa à lei infraconstitucional (reserva de lei formal)
que consagra a expressão tarifa como sinônimo do valor pago pelo usuário ao
concessionário componente da remuneração total do concessionário.232
Mas ao assim dispor deixa claro que a remuneração a que faz jus o
concessionário, em decorrência do contrato de concessão, não se confunde com a
tarifa.
De fato, a remuneração do concessionário é mais ampla do que a tarifa a
cargo do usuário. É composta por itens que integram uma cesta tarifaria: um valor
básico decorrente de tarifa módica garantida constitucionalmente ao usuário (pela
qual pagará apenas o custo do valor do serviço), acrescido da previsão de receitas
outras – tributarias ou não tributarias - que visem complementar a remuneração do
concessionário, na busca do atendimento do seu direito constitucional ao lucro
(empresa capitalista).
A política tarifária, por determinação constitucional, está sob reserva de lei
formal, e pode consistir na previsão: (a) de uma remuneração do custo do serviço a
ser paga pelo usuário à concessionária, (b) de outras fontes acessórias de receitas
232
A título de exemplo, tem-se o conceito legal de “tarifa” expresso no artigo 11, da lei Estadual (SP) n.7.835/92,
como componente da remuneração a ser complementada por outras fontes acessórias de receita, fixadas no
edital, de modo a garantir, de um lado, a modicidade da “tarifa”, e de outro, o efetivo equilíbrio entre a exigência
de prestação e de manutenção de serviço adequado e a justa remuneração da empresa concessionária.
- 154 -
(desde que constantes do edital e do contrato) a favor da concessionária e (c) de
vantagens ou subsídios públicos.
Como mencionado anteriormente MARIA SYLVIA ZANELLA DE PIETRO
identificou no artigo 175 duas idéias antitéticas, na medida em que, de um lado o
dispositivo constitucional garante a modicidade da tarifa em favor do usuário e, de
outro resguarda as garantias constitucionais de lucro e remuneração do capital do
concessionário com a manutenção do equilíbrio econômico financeiro do contrato.
Em ultima analise, a Jurista identifica, assim, a oposição entre dois valores
igualmente protegidos pelo legislador constitucional, tal como anteriormente já
asseverado no presente trabalho
Porém, quer parecer que essas idéias não se contradizem, vez que a
própria Constituição Federal e as leis de regência ao disciplinar a matéria buscam
equilibrar e atender os dois interesses: do usuário e do concessionário.
Nesse sentido, cite-se como exemplo os contratos de concessão do sistema
rodoviário, celebrados no âmbito do Estado de São Paulo, que prevêem, em cláusula
própria, as fontes acessórias de receita, dentre as quais se inclui a renda proveniente
da exploração de publicidade, benefício também expressamente previsto nos
respectivos editais de licitação. Nessa hipótese a remuneração básica do
concessionário corresponde ao valor (que deveria ser módico!) devido pelo usuário
pela utilização do serviço (que no caso é o pedágio); as demais fontes alternativas de
receita terão sempre o caráter acessório, e serão adotadas como complemento de
remuneração do concessionário, de modo a permitir a modicidade do preço do
serviço público, e a manutenção do equilíbrio econômico e financeiro do contrato de
concessão.233
233
O artigo 11 da Lei estadual 7.835/92 estabelece os critérios que o poder concedente deverá levar em conta
para efetuar a revisão, a saber: a) A variação do custo do serviço, apurado com base em planilha aprovada pelo
Executivo, as quais deverão conter os parâmetros, coeficientes técnicos, e a metodologia de cálculo, usualmente
aceitos, em função do tipo de serviço delegado (art. 12, § 1º); b) A receita oriunda de fontes acessórias.
- 155 -
Constata-se, assim, que em decorrência do principio da modicidade da tarifa o
valor pago pelo usuário, que deve remunerar o custo do serviço, é apenas um dos
componentes da política tarifária a que se refere a Constituição.
Aliás, a modicidade, como princípio informador das concessões de serviço
público, espelha a garantia constitucional de que o usuário pague apenas e tão
somente o custo do serviço recebido, tal como ocorre na hipótese de incidência da
taxa.
Nesse sentido e para atender a interesse público relevante, o artigo 14 da lei
estadual (SP) n.7.835/92 permite ao poder concedente até mesmo estabilizar ou
reduzir o valor das tarifas, desde que continue a garantir à empresa concessionária,
o equilíbrio econômico e financeiro do contrato.
Tome-se como exemplo atual, a notícia sobre proposta de projeto de lei
municipal para permitir a veiculação de publicidade no vidro traseiro dos ônibus que
realizam o transporte coletivo publico na cidade de São Paulo, de modo a propiciar
uma receita alternativa à remuneração do concessionário, como forma de diminuir a
tarifa paga pelos usuários, como aliás vem sendo requerido publicamente ate mesmo
por movimentos populares (Movimento “Passe Livre”)
Portanto, no caso extremo de redução do valor de tarifa, caberá às fontes
complementares garantir ao concessionário o retorno do capital investido, o
incremento de investimentos, melhoria da prestação de serviços, em última análise, a
garantia do lucro inicialmente previsto no contrato de concessão.
- 156 -
14.1. As Receitas Devidas ao Concessionário e que compõem a “Cesta
Tarifaria” possuem distintos Regimes Jurídicos
Entende ANTONIO CARLOS CINTRA DO AMARAL que a Constituição de
1988 deixou de contemplar a justa remuneração do capital.
Para o autor, seu artigo 175 limitou-se a dizer no parágrafo único, inciso III,
que “A lei disporá sobre (...) III- política tarifaria”. Afirma que embora a nova
constituição não tenha assegurado a justa remuneração do capital, ao aprovar a
política tarifaria a lei poderia ter adotado o regime de tarifa pelo custo, que vigorava
anteriormente. O legislador, porém, optou pela tarifa pelo preço (preço definido na
licitação) quando ao aprovar , em 1995, a lei das concessões, explicitou que a
concessionária deveria prestar o serviço concedido por sua conta e risco (artigo 2º,
inciso III). Assim, atualmente se os custos forem superiores aos projetados, a
concessionária perde. Se mantidos estáveis ou reduzidos, a concessionária ganha. É
o risco do negocio
Afirma ainda o autor que a política tarifaria estabelecida pela legislação
repousa na equação econômica do contrato de concessão e que abrange, de um
lado, a receita tarifária e as receitas alternativas complementares, acessórias ou de
projetos associados, com vista à modicidade da tarifa (artigo 11 da lei 8987), e de
outro, os custos, o ônus da concessão (no caso de licitação de maior oferta), a
amortização dos investimentos efetuados pela concessionária e o lucro.
Assim, para CINTRA DO AMARAL, a Equação Econômico-Financeira do
Contrato pode ser assim formalizada:
EEFC = (custos + lucro + amortização de
investimentos) – (tarifas + receitas alternativas +
receitas acessórias).
- 157 -
Propõe o presente trabalho, que a chamada EEFC (Equação Econômico-
Financeira do Contrato) corresponda à política tarifária posta na Constituição
Federal, isto é, a Cesta Tarifaria aqui mencionada.
O conteúdo da expressão política tarifária, utilizada no artigo 175 da Magna
Carta, é integrado tanto pelo valor devido pelo usuário - pago ao concessionário pelo
custo da prestação do serviço público -, como pela remuneração do capital e o lucro
do prestador, que, via de regra, acabam por ser garantidos por outras receitas
tributárias ou não tributárias, subsídios estatais ou pela constituição de Fundos
específicos. Aliás, tal interpretação do texto constitucional é adotada pelos textos
infra-legais que regulam as concessões de serviço público.
Melhor explicando o concessionário ao prestar serviço público especifico e
divisível, perfaz a hipótese de incidência da taxa de serviço, tal como posta na regra
matriz constitucional (artigo 145, inciso II), fazendo jus à percepção do tributo criado
especialmente para cobrir os custos decorrentes de tal prestação. Portanto, o assim
entendido valor módico pago pelo usuário ao concessionário deve ter natureza
jurídica tributária de taxa e deve corresponder, tanto quanto possível, ao efetivo
custo do serviço. Ainda que denominado tarifa, no âmbito do Direito Administrativo, o
valor devido pelo usuário é um tributo e é apenas um dos itens da cesta tarifária.234
234
Assevera ADILSON DE ABREU DALLARI que pode ocorrer que a tarifa seja fixada pelo Poder Públicos em
valor maior do que o estritamente necessário para a remuneração do serviço, de molde a assegurar ao
concedente uma vantagem economica correspodente a um pagamento pela outorga ou ao reembolso de
despesas com o acompanhamento, fiscalização e controle da concessão. (...) A tarifa se refere a um conjunto de
obras e serviços a ser executado durante um largo período de tempo. Assim, a tarifa é também remuneração por
um serviço, mas esse serviço deve ser entendido em sua integralidade, compreendendo a dimensão temporal (o
prazo da concessão), as metas, ou percentuais de atendimento contratualmente determinado e, em face disso,
oss valores deverão ser pago pela massa dos beneficiários, presentes e futuros. O fundamento último da
concessão é a solidariedade. IN “SERVIÇOS PÚBLICO E DIREITO TRIBUTÁRIO, COORD. HELENO TORRES,
Ed. Quartier Latin, 2005, p.214 a 237
- 158 -
Desse modo, à luz da norma constitucional ora construída, entende-se
não estar autorizada a proposição jurídica que afirme “a taxa é tributo que remunera
a prestação de serviço público especifico e divisível quando prestado diretamente”,
enquanto que “a tarifa é forma de remuneração do serviço público quando prestado
por concessionário”.
O fato de o serviço ser prestado por terceiro - concessionário de serviço
público -, não transmuda a realidade jurídico-constitucional. Vale dizer, o serviço
continua sendo público e, quando especifico e divisível, a remuneração exigida do
usuário, não importa o “nomen iuris” que se lhe dê, deverá revestir natureza jurídico-
tributária, como determinado constitucionalmente. Assim propõe-se a seguinte
formalização para a Equação Econômica e Financeira do Contrato:
Por evidente que esta afirmação deve ser tomada dentro dos limites
estabelecidos para o presente trabalho. O serviço aqui referido é aquele definido
constitucionalmente como “público”, e que apresente as características de
especificidade e divisibilidade.
Como visto ao longo do presente trabalho, a dogmática administrativa
caminhou no sentido de que a adoção da taxa ou da tarifa para remunerar o serviço
público prestado indiretamente por concessionários de serviço público, depende de
critério discricionário do legislador, entendimento esse que teria sido construído pela
própria evolução da jurisprudência pátria sobre o tema.
EEFC = POLITICA TARIFARIA = CESTA TARIFARIA: [(custos + lucro +
amortização de investimentos) – (taxas + receitas
alternativas + receitas acessórias)].
- 159 -
Reconhecendo a qualidade e profundidade dos trabalhos analisados,
pretende-se, porém, dar destaque a alguns pontos, com ênfase, agora, nas
disposições constitucionais, em especial aquelas que regem o sistema constitucional
tributário.
14.2. O Legislador não tem Liberdade de optar pela Taxa ou pela Tarifa
Sobre a faculdade a Constituição teria dado ao legislador de optar entre o
regime tributário (das taxas) e o regime administrativo (das tarifas ou preço público)
para remunerar o concessionário de serviço público especifico e divisível, deve-se
ressaltar o entendimento adotado por Geraldo Ataliba235:
(...) ou a Constituição é norma e, pois preceito obrigatório, ou
não é nada, não existe, não tem eficácia. O que não pode o
jurista é atribuir-lhe a singela função de lembrete ou
recomendação. A Constituição, lei máxima, sagrada e superior,
ordena, manda, determina, impõe. A tarefa do intérprete é
exatamente, desvendar o que a norma esta impondo, em cada
caso. (...)
Entende o Mestre que a única liberdade dada ao legislador consiste em decidir
se a prestação de determinado serviço público, especifico e divisível, será ou não
remunerada. Se decidir pela remuneração, não poderá optar senão pela taxa, ou
seja, sua prestação só pode ser retribuída mediante taxa 236
Ensina ainda ATALIBA que o que qualifica uma receita publica como taxa ou
preço é o regime jurídico tributário ou não que se lhe aplica. Se se disser que de taxa
se trata, aplicam-se os princípios de estrita legalidade, proibição de delegação,
235
Hipótese de Incidência Tributaria, 6ª ed. 9ª. tiragem, p. 160
236 Obra e autor citados, p. 160
- 160 -
anterioridade, igualdade, generalidade, irretroatividade, etc. Do contrário, todas
essas restrições – que tolhem a discrição legislativa – podem ser superadas,
contornadas, em prejuízo da segurança jurídica.
Ora, assevera o Mestre sempre presente em nosso espírito, parece absurda a
afirmação – entre nós, tradicional e dominante – de que o legislador é livre para
escolher o regime a que se submeterá a remuneração do serviço público. Lembra
ATALIBA que a nossa legislação, imbuída desse equivocado espírito, optou
francamente pela tarifa, de tal sorte que, hoje, mais de 90% das receitas
remuneratórias publicas têm a designação de tarifa. E, afirma o que é pior, recebem
da literatura e da jurisprudência tratamento de tarifa (preço) 237.
Para GERALDO ATALIBA tal proceder é incompatível com a sistemática
constitucional e incoerente com o estrito regime jurídico objetivo que a Constituição
põe para todas as atividades públicas e o relacionamento, principalmente financeiro,
com os administrados. Para ele soa óbvio que a lei não previu o dever de a
Administração prestar serviços para ter, com isso, receita, mas sim, porque os
considerou relevantes para a comunidade. Nesse sentido adota em sua obra
“Hipótese de Incidência” conclusão grafada em letras maiúsculas: SE SE TRATAR
DE ATIVIDADE PÚBLICA (ART.175) O CORRESPECTIVO SERÁ A TAXA (ART.
145, II); SE SE TRATAR DE EXPLORAÇÃO DE ATIVIDADE ECONÔMICA
(ART.173) A REMUNERAÇÃO FAR-SE-Á POR PREÇO238.
Afirma a Ministra do Superior Tribunal de Justiça REGINA HELENA COSTA
que na prática atual o que se vê são inúmeros serviços públicos prestados sob
regime de concessão ou permissão, remunerados mediante tarifa ou preço público,
por ser assim atraente à iniciativa privada, já que, submetida tal remuneração ao
regime tributário, sabidamente mais restritivo diante da obrigatoriedade da
237
obra e autor citados, p.168 a 170, 6ª edição, 11ª tiragem, 2010
238 Autor e obra citados, p. 170, 6ª edição, 11ª tiragem, 2010
- 161 -
observância de princípios como os da legalidade e anterioridade, as empresas,
provavelmente, não se interessariam pela assunção de sua execução.
A Professora REGINA HELENA toca no ponto fulcral ao asseverar que a
remuneração do serviço público por tarifa ou preço público, decorre de razão
extrajurídica, isto é, do fato de ser atrativa aos prestadores privados.
Sustenta, porém, que a delegação da execução de serviços públicos a
particulares não é suficiente para afastar a aplicação do regime remuneratório
próprio do direito público, traduzido na exigência de taxa. Isso porque o regime
jurídico aplicável à atividade continua sendo o de direito administrativo e, consistindo
o serviço público atividade estatal, a remuneração pela sua prestação somente pode
estar regrada pelo mesmo regime jurídico imposto àquela.
14.3. Análise do Regime Tarifário sob a ótica dos Direitos e Garantias do
Usuário - Contribuinte
Opiniões de importantes estudiosos do direito administrativo sobre a natureza
jurídica da remuneração dos serviços públicos prestados, indiretamente, por
empresas concessionárias de direito privado, deixam clara a distinção posta pela
legislação infraconstitucional quando cuida da “política tarifaria”, entre o valor pago
pelo usuário pelo serviço prestado e o valor contratual a que faz jus o
concessionário, de modo a ver garantido o equilíbrio econômico e financeiro do
ajuste.
Estão em jogo direitos subjetivos que parecem se opor: o direito do usuário a
um serviço contínuo e de boa qualidade, por um preço justo (módico), e o direito do
concessionário a uma remuneração que seja capaz de cobrir os custos da prestação,
bem como garantir os investimentos em melhorias na prestação e o lucro decorrente
da atividade.
- 162 -
A afirmação da doutrina do direito administrativo, no sentido de que, “a
obrigatória adoção da taxa como figura remuneratória dos serviços públicos,
acabaria por inviabilizar a adoção do instituto da concessão de serviço público” parte
de pressuposto decorrente da análise unilateral da questão: a do direito
administrativo.
Tal construção dogmática parece levar em conta, porem, dentre outros,
pressupostos alheios ao direito, com foco na realidade social, política e econômica
que há tempos vem determinando a adoção da prestação indireta dos serviços
públicos essenciais pelo particular que, na condição de concessionário de serviço
público tem como objeto imediato a obtenção do lucro. 239
A prestação do serviço público é para o concessionário um meio para a
obtenção de um fim.240 Nesse ponto exato localiza-se a preocupação do direito
administrativo em afastar, do cenário da concessão, a figura tributária da taxa como
forma de remuneração do concessionário, quer pela rigidez do sistema
constitucional, quer pela alegada inadequação do tributo como instrumento
remuneratório, inviabilizador, sob aquele entendimento dogmático, da manutenção
do necessário equilíbrio econômico e financeiro do contrato de concessão.
239
Quer parecer que tal interpretação tem fundamento na interpretação constitucional decorrente da evolução das
concepções politicas e sociais, exigindo a contínua atualização do conteúdo normativo da Constituição . Para,
EMERSON GARCIA (“Conflito entre normas constitucionais. Esboço de uma Teoria Geral” p. 63, 2008, Ed.
Lumen Juris), observado o balizamento fixado pelo texto constitucional, é ampla a liberdade do intérprete na sua
constante releitura, permitindo que, sem acréscimos, modificações ou supressões formais seja a Constituição
continuamente atualizada .
240 Para o concessionário, afirma Bandeira de Mello (“Curso de Direito Administrativo”, Malheiros., 2009, 26ª ed.,
págs. 706-707), a prestação do serviço é um meio através do qual obtém o fim que almeja: o lucro.
Reversamente, para o Estado, o lucro que propicia ao concessionário é meio por cuja via busca sua finalidade,
que é a boa prestação do serviço240
. Também Hely Lopes Meirelles afirma que o contrato administrativo, por
parte da Administração destina-se ao atendimento das necessidades publicas, mas, por parte do particular
contratante objetiva um lucro, através da remuneração consubstanciada nas cláusulas econômicas e financeiros.
(“Licitação e Contrato Administrativo”, Ed. Rev. Trib., 3ª edição, 1971, p.205 )
- 163 -
É verdade que o sistema jurídico assimila os fatores do meio ambiente, porém
tais influências externas são selecionadas no interior do sistema jurídico, com a
criação de conceitos próprios. Trata-se da Teoria da Autopoiese que, no dizer do
Professor PAULO DE BARROS CARVALHO traz contribuição significativa à
compreensão sistemática do direito positivo, chamando a atenção para sua
autonomia operacional e mostrando que o único modo de apreender-lhe as
mensagens prescritivas é interpretando-o juridicamente, isto é, a partir de suas
estruturas, categorias, processos e formas.
Para o jus filósofo da PUC/SP e das Arcadas, não há como aceitar uma
interpretação econômica do direito, ou uma interpretação histórica do direito, que, no
seu entender são mecanismos espúrios que ainda contaminam nossa cultura
jurídica241
Como uno que é o direito deve ser analisado sob todos os seus aspectos, e,
nesse sentido, deve ser enfocada a questão posta neste trabalho também sob o
ângulo do usuário contribuinte, mais precisamente sob o enfoque de seus direitos e
garantias em face do Estado Fiscal, como ensina Ataliba e se propõe neste estudo.
Retomando a noção de sistema jurídico, posta no inicio do presente trabalho,
é oportuna a lição de PAULO DE BARROS CARVALHO no sentido que as normas
jurídicas formam um sistema, na medida em que se relacionam de várias maneiras,
segundo um princípio unificador.
241
Autor citado, “Curso de Direito Tributário”, p.184.
Sobre a teoria da autopoiese, ver p. 180-181: “Decisivo impulso para uma nítida percepção da identidade do
objeto jurídico e de sua autonomia autorreferencial adveio com a teoria da autopoiese, hoje em franco debate nos
melhores salões intelectuais e acadêmicos da Europa. Foi concebida no domínio das ciências biológicas, no
começo da década de 70, com os trabalhos pioneiros de Maturana e Varela, sendo transposta para o campo
social pela obra maiúscula de Niklas Luhmann. A partir de 1984, a visão autopoiética desenvolvida no contexto
dos sistemas sociais chegou ao território do jurídico”
- 164 -
Trata-se, segundo o Professor, do direito posto que apareça no mundo
integrado numa camada de linguagem prescritiva, cujas normas estão dispostas
numa estrutura hierarquizada, regida pela fundamentação ou derivação, que se
opera tanto no aspecto material, quanto no formal ou processual, o que lhe imprime
possibilidade dinâmica, regulando ele próprio, usa criação e transformações.242
Afirmando a condição de sistema ao direito positivo, o que, segundo aquele
mestre, lhe outorga um mínimo de racionalidade inerente às entidades lógicas,
assevera que o material bruto dos comandos legislados, mesmo antes de receber o
tratamento hermenêutico do cientista dogmático, já se afirma como expressão
lingüística de um “acto de fala” inserido no contexto comunicacional que se instaura
entre enunciador e enunciatário.
Para BARROS CARVALHO, tal entendimento é confirmado pelo fato de que o
trabalho sistematizado que a doutrina elabora, em nível de sobrelinguagem, pode
perfeitamente, ser objeto de sucessivas construções hermenêuticas, porque a
compreensão é inesgotável243.
De fato, ensina o mestre, onde houver conhecimento haverá um sujeito, o
objeto e a possibilidade de o sujeito captar ao seu modo, a realidade desse objeto.
Aliás, foi esse tipo de reflexão, segundo ele que conduziu o pensamento a uma
desconstrução da verdade objetiva, firmando o pressuposto da indeterminabilidade
da “verdade última”.
Foi segundo BARROS CARVALHO, o movimento do “giro-linguistico” que
superou os métodos científicos tradicionais, deixando de valorizar exclusivamente o
valor da “verdade” para dirigir o interesse daquele que busca conhecer também para
242
“Curso de Direito Tributário”, 23ª ed., 2011, p.175 – Editora Saraiva
243 Obra e autor citados, p. 175
- 165 -
o “sujeito”, para o “objeto” e para o próprio “conhecimento”, elegendo como condição
preliminar para a apreensão do objeto o próprio conhecimento da linguagem244
Para o Professor da PUC/SP, onde houver um texto, haverá sempre a
possibilidade de interpretá-lo, de reorganizá-lo, de repensá-lo, dando origem a novos
textos de nível lingüístico superior.
Nesse sentido, como proposto no presente trabalho, a busca da construção de
outro sentido, diverso daquele perfilhado pela dogmática administrativista e acolhido
pela jurisprudência pátria, tem como objetivo melhor harmonizar as disposições
constitucionais que cuidam da taxa de serviço - criada pela Carta Magna para
remunerar o serviço especifico e divisível, independentemente de sua prestação ser
direta ou indireta -, com as disposições constitucionais que estabelecem o perfil
jurídico do contrato de concessão.
Essa construção de sentido deve, tanto quanto possível, atender,
simultaneamente, ao interesse público na prestação adequada do serviço, ao
interesse do usuário que guarda referibilidade direta com a prestação do serviço
especifico e divisível e ao legitimo interesse do concessionário de obtenção de
lucro com essa prestação.
14.4. Requisitos para a Construção de um Novo Sentido Hermenêutico
Ao buscar construir um novo sentido para as referidas normas constitucionais,
a partir do próprio texto constitucional, afigura-se importante observar os requisitos
que, no dizer de LOURIVAL VILANOVA, se apresentam como condição da
cientificidade do sistema da Ciência do Direito: (a) critérios que permitam decidir se
uma dada proposição pertence ou não ao sistema; (b) coerência interna, isto é,
244
Dir. Tributário, Linguagem e Método, p.159 a 161
- 166 -
compatibilidade entre os elementos proposicionais integrantes do sistema e (c)
completude - o sistema contém uma proposição ou a contraditória.
Quer o festejado jus filósofo significar que uma ciência jurídica que não
disponha de critério que permita decidir se uma proposição pertence ou não ao seu
sistema, fica à mercê de proposições provenientes de diversas origens: no seu
campo acodem em atropelo, proposições de conteúdo físico, biológico, psicológico,
sociológico ou axiológico (filosófico) 245.
Ora, ao se analisar as previsões constantes do artigo 145, II e artigo 175 da
Constituição Federal, constata-se que ambas se caracterizam como proposições
normativas, restando assim atendido o primeiro requisito proposto por LOURIVAL
VILANOVA, no sentido de que ambas pertencem ao sistema constitucional.
Quanto à coerência e completude interna do sistema, ensina o filósofo que a
ciência jurídica tem-na como requisito essencial.
Assevera que para se testar a possibilidade lógica de um pretendido sistema
de ciência positiva do Direito é possível que para qualquer interpretação que se
confira às variáveis “p” e “não-p”, elas não podem pertencer a um só sistema, por
sua recíproca impossibilidade ou mútua excludência. Se há contradição entre os
enunciados ou proposições, ambos não podem ser verdadeiros246.
Na tentativa de aplicar aqueles critérios ao presente estudo parte-se da
análise dos seguintes enunciados:
A) As pessoas jurídicas de direito interno poderão instituir o tributo taxa
(competência tributaria) para remunerar a utilização efetiva ou potencial de
serviço público especifico e divisível (artigo 145, II CF)
245
Autor citado- “ Estruturas Lógicas e o Sistema do Direito Positivo”,p.173-174-2005- Editora NOESES
246 Autor citado, p.174-175
- 167 -
B) Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de
concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de
serviços públicos (artigo 175, caput) (competência material)
C) Na hipótese da prestação indireta, a competência legislativa devera regular
(artigo 175, par. único)
O regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviço
público,
O caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação
As condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou
permissão
Os direitos dos usuários
A política tarifaria
A obrigação de manter serviço adequado
De se reafirmar que as duas normas constitucionais sob analise, têm caráter
de normas de estrutura.
De fato, a Constituição Federal em seu artigo 145 - primeiro dispositivo do
Capítulo I da Constituição que cuida do Sistema Constitucional Tributário inciso II -
outorga competência tributária aos entes de direito publico interno para criarem taxa
de serviço como instrumento de remuneração da prestação de serviços públicos
específicos e divisíveis.
O mesmo dispositivo constitucional já estabelece a regra-matriz do tributo,
elegendo como critério ou aspecto material a “efetiva prestação ou potencial
utilização de serviço público especifico e divisível”, sem distinguir o modo dessa
prestação – se direta ou indireta.
- 168 -
A regra contida no artigo 175 caput e no seu parágrafo único configura
verdadeiro complemento daquela prevista no inciso II do artigo 145.
Trata-se de regra igualmente atinente à prestação de serviço público, cuja
finalidade é a outorga expressa de competência material (poder-dever) às pessoas
de direito público interno para a prestação de serviços público. Aqui, a regra
constitucional se refere à prestação de todo e qualquer serviço e não apenas de
serviços públicos específicos e divisíveis.
O dispositivo constitucional que ora se analisa, atribui expressamente ao
Poder Público, a incumbência de prestar serviço público. Diz mais, que o Poder
Público pode optar por prestar diretamente tais serviços ou pela prestação indireta,
isto é, a prestação de serviço público sob o regime de concessão ou permissão,
sempre através de licitação.
Em uma apreensão preliminar do quanto contido no suporte físico (literalidade)
daquelas duas normas constitucionais é possível dizer sobre seus conteúdos;
a) Que o legislador constitucional recortou do universo social um suporte
fático que pode assim ser vertido em linguagem natural: prestação de
serviço público;
b) Que no artigo 145, II, o antecedente da regra matriz constitucional do
tributo taxa adota o seguinte critério material: a prestação - efetiva ou
utilização potencial de serviço público especifico e divisível. Se utilizada a
fórmula proposta por Geraldo Ataliba (verbo + complemento(s)) o critério
ou aspecto material poderá ser assim sintetizado: prestar + serviço público
+ especifico e divisível”.
Adotando-se a fórmula lógica deôntica da regra matriz tributaria ter-se-á:
- 169 -
NORMA PRIMÁRIA - D1 (H→M)
Se ocorrer a hipótese deve ser o mandamento.
Desformalizando:
o (Hipótese de Incidência), “dada a prestação efetiva ou
utilização potencial de serviço público especifico e divisível”
o (Mandamento) “deve ser o pagamento, pelo usuário, de
remuneração com natureza jurídica de tributo/taxa”
A norma primária, se descumprida, ensejará a incidência da norma secundária
sancionatória:
NORMA SECUNDÁRIA --D2(H→M)
Cuja Hipótese consistirá no descumprimento do Mandamento da
norma primária.
Adotando-se a fórmula lógica deôntica que desformalizada:
(Hipótese): “se não cumprido o mandamento da norma
primaria” (pague)
(Mandamento): “deve ser a sanção” (pagamento do
valor tributário corrigido, acrescido de juros de mora e
multa)
c) O “caput” do artigo 175 veicula regra de competência material ao atribuir à
União, Estados e Municípios o poder-dever de prestar os serviços públicos.
Do mesmo dispositivo parece possível extrair, como reverso da norma de
competência material, uma regra de responsabilidade estatal, que dará
ensejo a uma relação jurídica com inversão dos pólos. O pólo ativo (credor
da obrigação) será integrado pelo usuário e o pólo passivo pelo ente
Público responsável pela prestação do serviço público.
- 170 -
Ter-se-á então como hipótese de incidência:
Desformalizando:
(H) = o direito constitucional do usuário (U) de receber o serviço público
E como Mandamento :
(M)= o dever constitucional outorgado aos entes de direito públicos interno
(PP) de prestar o serviço público aos usuários. Nessa hipótese a mesma
fórmula deôntica D(H →M) será preenchida com outras variáveis, com
inversão dos sujeitos.
d) Ainda o “caput” do artigo 175 veicula norma de estrutura determinando
que o legislador infraconstitucional discipline a prestação indireta dos
serviços públicos, impondo em seu parágrafo único o conteúdo da referida
lei, a saber: regime jurídico das concessionárias e permissionárias; caráter
especial do contrato; condições de caducidade; fiscalização e rescisão da
concessão; direito dos usuários; política tarifária e a obrigação de manter
serviços adequados. Trata-se, pois de norma constitucional sobre
normas.
Adotando-se fórmulas lógicas, a construção do conteúdo dos dispositivos
constitucionais invocados, tal como proposto pela doutrina e jurisprudência
dominante, poderia ser assim formalizada:
DEVER DIREITO
PP Usuário
ServicoPublico
- 171 -
a) “P →T1”
Lendo-se em “P” a “prestação de serviço público especifico e divisível” e
em “T1” a remuneração dessa prestação por taxa (artigo 145, II)
b) “P→T2”
Lendo-se em “P” a “prestação de serviço público especifico e divisível e
em “T2” a “remuneração dessa prestação por tarifa” (artigo 175, caput e
parágrafo único)
De se ressaltar que a identidade de “P” para a construção de sentido proposta
neste trabalho, para os dois dispositivos constitucionais, decorre da consideração de
que a remuneração será devida pelo usuário quando se tratar de serviço público
específico e divisível trate-se ou não de prestação direta pelo Poder Público.
A desformalização acima aponta para uma aparente “contradição” (antinomia)
247. De fato, não é possível afirmar-se que ocorrido “P” deverá ser “T1” e que
ocorrido “P” deve ser “T2”. Como afirmado por LOURIVAL VILANOVA trata-se de
fórmulas que se excluem mutuamente.
No entanto, no âmbito do presente trabalho pretende-se demonstrar que a
contradição é apenas aparente, e que aqueles dispositivos legais pertencem e
convivem harmonicamente no mesmo sistema jurídico constitucional.
247
Para MARIA HELENA DINIZ, antinomia é a presença de duas normas conflitantes, sem que se possa saber
qual delas deverá ser aplicada ao caso singular. (...) ambas devem ser vigentes e pertencentes a um mesmo
ordenamento juridico; ambas devem emanar de autoridades competentes num mesmo âmbito normativo,
prescrevendo ordens ao memso sujeito; ambas devem ter operadores opostos (uma permite, outra obriga) e seus
conteúdos (atos e omissões) devem ser a negação interna um do outro. A Autora, explica que a antinomia pode
se referir ao ÂMBITO de aplicação das normas surgindo assim uma ANTINOMIA DE DIREITO INTERNO, que
ocorre entre normas dentro de um ramo do direito, ou entre normas de diferentes ramos juridicos- in “Conflitos de
Normas”- 9ª edição, 2009. Ed. Saraiva, p. 19 a 28
- 172 -
É possível mesmo afirmar que as regras constitucionais analisadas se
complementam e que a partir da análise conjunta de seus comandos pode-se
construir uma única norma jurídica constitucional disciplinadora da prestação dos
serviços públicos específicos e divisíveis.
Ensina BECKER que a fenomenologia do fato gerador não é especificidade do
Direito Tributário, pois toda e qualquer regra jurídica, independente de sua natureza
tem a mesma estrutura lógica: hipótese de incidência (suporte fático) e a regra
(preceito, regra de conduta), cuja incidência sobre a hipótese de incidência fica
condicionada à realização desta hipótese de incidência248.
Para aquele mestre a diferença entre duas regras jurídicas, e suas
especificidades, reside no conteúdo das respectivas hipóteses de incidência e o da
regra. Ensina que para que duas regras sejam distintas, isto é sejam duas e não uma
só, não é necessário que tanto a regra como a hipótese de incidência tenham
conteúdo diferente. Para que haja dualidade de regras jurídicas é suficiente que a
regra ou a hipótese de incidência tenha conteúdo diferente. Isto quer dizer que, para
BECKER, nada impede que o mesmo fato ou complexo de fatos forme o conteúdo
das hipóteses de incidência de duas ou mais regras jurídicas e sofra,
simultaneamente, a incidência daquelas múltiplas regras jurídicas249.
Da mesma forma, segundo aquele jurista, é perfeitamente possível a
existência de duas ou mais regras jurídicas com idêntico mandamento (a mesma
conseqüência jurídica), porém com hipótese de incidência de conteúdo distinto250.
Nesse sentido alerta BECKER que se deve distinguir, dentro de uma única fórmula
248
Obra citada, p. 289
249 Cita como exemplo a incidência concomitante de uma regra de direito comercial e uma regra tributaria: a
sociedade distribui lucros aos sócios; o fato da distribuição de lucro realiza a hipótese de incidência de regras de
direito comercial (satisfação do direito do sócio perante a sociedade) e a hipótese de incidencia tributária que dá
nascimento à obrigação do sócio pagar IR sobre os valores percebidos
250 Exemplifica : uma lei de imposto de renda determina que o salaries de empregado e a parte da gratificação de
direito que exceder determinado limite, pagarão o mesmo imposto de renda à razão de 5%
- 173 -
literal legislativa, o numero de regras jurídicas ali contidas e o conteúdo das
respectivas estruturas lógicas251.
Ora, no presente trabalho parte-se da análise de dispositivos constitucionais
que se encontram, geograficamente, em posições absolutamente distintas: um deles,
o artigo 145, II, no capitulo do sistema tributário e o outro- artigo 175 no capitulo da
ordem econômica.
O valor pago pelo usuário do serviço público específico e divisível será sempre
um tributo, independentemente do fato de tal prestação ser direta (pelo Estado) ou
indireta (por concessionário).
A norma constitucional identificada a partir das regras estabelecidas no artigo
145 e artigo 175 da Constituição Federal, como já analisado, não estabelece um
instrumento diverso da taxa para remunerar o serviço público prestado indiretamente,
mas apenas obriga o legislador a estabelecer em lei, uma política tarifária, isto é,
uma política de remuneração do concessionário que vier a prestar, em seu lugar, os
serviços públicos de sua (Poder Público) competência.
O aspecto ou critério material da hipótese de incidência constante do “caput”
do artigo 175 impõe um dever ao Estado, e pode ser assim resumido: prestar +
serviço público. Esse seu núcleo. O aspecto ou critério pessoal apresenta como
sujeito ativo os poderes públicos ou o concessionário/permissionário de serviço
publico e como sujeito passivo o usuário do serviço publico efetivamente prestado ou
de utilização potencial. A base de cálculo há de ser o valor do serviço prestado ou
colocado à disposição
Atente-se para o fato de que o núcleo da hipótese de incidência da norma
analisada é o mesmo núcleo da hipótese de incidência do inciso II do artigo 145 que
disciplina a taxa de serviço.
251
Obra citada, p. 291 e 292
- 174 -
A lei prevista no parágrafo único e incisos do artigo 175 da Constituição
Federal estabelece o regime constitucional da concessão de serviços públicos,
dispondo assim sobre os três atores envolvidos. Assim exclui do Poder Publico o
regime legal do contrato, na medida em que determina que tal disciplina está sob
reserva de lei formal. A lei sobre a matéria deverá, obrigatoriamente, dispor sobre os
direitos dos usuários, uma vez que estes têm o direito constitucional oponível
diretamente ao Poder Público, de receber não apenas um serviço público, mas de
receber um “adequado” serviço público. Com isso pretendeu o legislador
constitucional fortalecer a obrigação imposta pelo Constituinte ao Poder Público de
prestar o serviço e, em não querendo ou não podendo fazê-lo, transferir a terceiro tal
incumbência, desde que garanta, nos termos da lei, o direito do usuário a um serviço
adequado.
Muito embora estejamos sublinhando neste trabalho o direito do usuário, não
se pode deixar de ressaltar que, na outra ponta, o Poder Público responde perante o
concessionário que deverá prestar o serviço ao usuário do serviço público. O
concessionário, ao prestar o serviço, ao contrário do Poder Público, busca o lucro.
De fato, a localização espacial do dispositivo constitucional – artigo 175 – tem
em mira garantir os direitos dos agentes econômicos, ao prestar serviços públicos.
Assim, sob os fundamentos expostos propõe-se a seguinte construção
dogmática da norma constitucional que rege a prestação dos serviços públicos:
Os poderes públicos- federal, estaduais, municipais e distritais - têm a
incumbência constitucional (poder-dever) de prestar serviços públicos aos
seus administrados. Podem se desincumbir de tal competência prestando
diretamente tais serviços, ou indiretamente, quer através de suas
autarquias, fundações, empresas publicas, sociedades de economia mista,
quer através de empresas particulares concessionárias ou permissionárias
de serviço público obedecido o processo licitatório. Se e quando o Estado
- 175 -
(lato sensu) vier a prestar aos administrados, direta ou indiretamente,
serviço público específico e divisível, poderá exigir dos usuários, como
instrumento de remuneração de sua atividade, tal como previsto no artigo
145, II, o tributo vinculado denominado taxa, seja pela efetiva prestação
do serviço, seja pela colocação do serviço à disposição dos administrados
(utilização potencial). Se optar pela prestação indireta dos serviços
públicos de sua responsabilidade, deverá estabelecer em lei as condições
do contrato de concessão ou permissão, as garantias de remuneração do
concessionário de modo a respeitar o equilíbrio econômico e financeiro
do contrato (política tarifária); os direitos dos usuários, o regime jurídico
e contratual, com as condições de caducidade, fiscalização e rescisão.
Diante dessa proposta de construção de sentido, pode uma dúvida assaltar o
espírito do intérprete: Porque o legislador constitucional teria alocado as regras
atinentes à prestação de serviço publico no Titulo VII da Magna Carta, ao cuidar da
Ordem Econômica e Financeira – Não seria incoerente incluir o tratamento
constitucional das atribuições estatais no capitulo que rege a atividade econômica?
Parece que não. Assim como o exercício da atividade econômica pelo Estado
(administração indireta), não desnatura o caráter privado dessa atuação (tanto assim
que os entes da Administração Indireta não podem ter tratamento fiscal distinto
daquele dispensado às empresas privadas), igualmente a prestação de serviço
público por agente econômico, não desnatura a natureza publica da atividade e nem
autoriza a cobrança, do usuário, de valor distinto da taxa de serviço.252
252
A Ordem Econômica, na Const i tu ição Federa l , es tá ass im d isc ip l inada: ( a) O
art igo 170 es tabelece os princíp ios informadores da a t iv idade econômica ; (b) A
exploração di reta da a t iv idade e conômica pe lo Estado é estabelec ida, como exceção,
pe lo art igo 173 , condic ionando essa atuação à cr iação, por le i , de es tatuto jur id ico das
empresas publ icas, soc iedades de economia mis ta e subs id iár ias que venham a explorar
- 176 -
Por outro lado, a obrigatoriedade ou não do serviço público não autoriza a
adoção ou abandono do regime tributário da taxa, tendo em vista que o elemento
condicionante, para adotar expressão utilizada por JACINTHO CÂMARA, encontra-
se, segundo a visão adotada neste trabalho, na especificidade e divisibilidade do
serviço público prestado, e não na sua obrigatoriedade.
De fato, a obrigatoriedade ou não do serviço público não é adotada
constitucionalmente como critério distintivo entre os dois institutos. “A fruição
potencial, tal como previsto no artigo 145, inciso II do Texto Constitucional, consiste
na obrigatoriedade da “prestação do serviço” e não na obrigatoriedade da sua
utilização”
O fato gerador da taxa ocorre não somente quando o serviço público
específico e divisível é utilizado, mas também quando se encontre à disposição do
at iv idade economica de produção ou comerc ia l i zação de bens ou de prestação de serv iços
(parágrafo 1º ) (c )
A mesma le i (art . 173 inc iso I ) deverá : ( i ) Disc ip l inar as formas de f iscal ização ,
pe lo Estado e pela soc iedade, da atividade economica desenvolv ida pelas empresas
integrantes da adminis tração indireta ; ( i i ) Regular os procedimentos l ic i ta tór ios para a
contratação, por aqueles entes da admin is t ração ind i re ta, de obras, se rviços, compras e
a l ienações ; ( i i i ) Const i tu i r e d isc ip l inar o func ionamento dos Conselhos de Admin is t ração e
F isca l , garant indo a par t ic ipação de ac ion is tas minor i tár ios , os mandatos, a aval iação de
desempenho e a responsabi l idade dos admin is t radores. ( iv) Prever a igualdade de
tratamento entre as empresas part iculares e os entes da adminis tração indi reta que
exerçam ativ idade economica, vedando-lhes o gozo de priv i légios f iscais não
extensivos ao setor privado . (§ 2 º do ar t igo 173)
No art igo 174 , o const i tu in te destaca o papel do Estado, como agente normativo e
regulador da at iv idade economica , cabendo- lhe a f isca l ização, o incent ivo e
p lanejamento (obr iga tor io para o setor públ ico e ind icat ivo para o setor p r ivado).
O ar t igo 175 deixa c lara a t i tular idade estatal do serv iço públ ico , e a possibi l idade de
sua execução indi reta pela in iciat iva privada, no âmbito da a t iv idade econômica,
exatamente por se t ra ta r de desempenho de função publ ica - prestação de serv iço públ ico
– por empresas pr i vadas que desempenham at i v idade econômica.
- 177 -
usuário (fruição potencial). Exemplificando, quando o Estado presta o serviço
especifico e divisível e obrigatório de fornecimento de água, tal serviço poderá não
vir a ser utilizado por alguém que possua um poço artesiano. Não obstante, o fato do
Poder Público disponibilizar-lhe o serviço, com a colocação de infra-estrutura e
ligação domiciliar que lhe permite, quando e se assim o entender, utilizar do serviço,
também se caracteriza, posto que eleito constitucionalmente como hipótese de
incidência da taxa de serviço, distinguindo-se uma hipótese da outra, apenas pela
diversidade da base de cálculo a ser adotada.
Vale dizer, no caso do efetivo usuário, a base de cálculo deverá medir a
atuação estatal consistente no fornecimento de água e consumo efetivo, enquanto
para o usuário potencial, a base de cálculo deverá dimensionar aspecto material
mais restrito, consistente apenas na possibilidade (potencialidade) de seu acesso
imediato a um serviço posto na porta de sua casa, inexistindo, neste caso, consumo
atual. Cites-se como exemplo, os boletos de cobrança recebidos, por exemplo, em
imóveis não utilizados, referentes a uma “tarifa mínima” devida de água, de luz, etc.
Desse modo, ainda que tal serviço venha a ser objeto de concessão de
serviço público, o mesmo critério deverá ser levado em conta na remuneração do
concessionário, não havendo justifica para se entender diversamente.
Portanto, sob esse prisma parece legitima a cobrança da assim chamada
assinatura telefônica, visto que o legislador constitucional ao eleger como uma das
hipóteses de incidência - da taxa de prestação de serviços públicos, específicos e
divisíveis -, a mera disponibilidade do serviço telefônico (uso potencial), pretendeu
remunerar o prestador do serviço (Estado ou terceiro públicos ou privado), pela
disponibilização da infra-estrutura necessária à referida prestação e potencial
utilização
- 178 -
14.5. Adoção de “Novo Referencial”
Como afirmado por PAULO DE BARROS CARVALHO o trabalho
sistematizado que a doutrina elabora, em nível de sobrelinguagem, pode
perfeitamente, ser objeto de sucessivas construções hermenêuticas, porque a
compreensão253 é inesgotável254
De fato, a dogmática jurídica, expressão usada neste trabalho com o sentido
de Ciência do Direito, configura-se como uma linguagem (sobrelinguagem) que fala a
respeito de outra linguagem (Direito Positivo).
Ao se tentar construir uma nova proposta hermenêutica, de antemão já se
sabe das dificuldades da tarefa, ainda mais quando se trata de construção que
diverge do entendimento majoritário, quer da doutrina, quer da jurisprudência255.
Deve-se lembrar também que, conforme nos ensina AURORA TOMAZINI DE
CARVALHO, não há que falar em verdades absolutas próprias de um objeto, porque
o mesmo dado experimental comporta inúmeras interpretações256. Para a autora, a
253
BARROS CARVALHO, Paulo de - “Di re i to Tr ibutár io - l inguagem e método” - 2ª ed ição,
Edi tora Noeses, p .17 - “ ( . . ) Já os cu l tura is (ob jetos) são rea is , têm exis tênc ia espaço -
tempora l suscept íve is , por tanto, à exper iênc ia, a lém de serem va l iosos, pos i t iva ou
negat ivamente . O acesso cognosc i t ivo se dá pela compreensão e o método própr io é o
empír ico-d ia lé t ico, já que o saber, nesse campo, pressupõe incessantes idas e v indas da
base mater ia l ao p lano dos va lores e, deste ú l t imo, à concreção da ent idade f ís ica que
examinamos 254
Obra e autor c i tados, p . 175.
255 Porém, entende -se que no âmbi to de um t rabalho c ient í f ico como o p resente, é possíve l
e mesmo desejável ta l busca, sempre com o cu idado da manter a coerênc ia no curso da
missão.
256 Sobre s is tema de refe renc ia: AURORA TOMASINI - “Curso de Teor ia Gera l do Di re i to , p .
22: “Não há conhecimento sem s i s tema de referenc ia, po is o ato de conhecer se estabelece
por meio de re lações assoc iat ivas, condic ionadas pelo hor i zonte cu l tura l do su je i to
cognoscente e determinadas pelas coordenadas de tempo e espaço em que são
processadas. Chamamos de s is tema de referênc ias as condições que in formam o
conhecimento sobre a lgo” . p .23 - ( . . . ) “Para i lus t rar ta l a f i rmação Paulo de Barros Carvalho
invoca Gof f redo Tel les Junior quando lembra do c láss ico exemplo, imaginado por Einste in ,
- 179 -
verdade é uma característica da linguagem, determinada de acordo com o modelo
adotado, pelas condições de espaço-tempo e, também, pela vivência sociocultural de
uma língua. É, portanto, sempre relativa257
Assim, o presente trabalho desenvolve proposta de interpretação que
contrariamente aquela formulada pela doutrina do direito administrativo acolhida pela
jurisprudência pátria, entende não apenas possível, mas obrigatória a adoção da
de um t rem mui to compr ido e caminhando numa veloc idade constante, em movimento
ret i l íneo e uni forme que t ivesse uma lâmpada bem no centro e duas por tas, uma d iante i ra e
outra t rasei ra e que se abr i r iam, automat icamente, ass im que os ra ios de luz emi t idos pela
lâmpadas as at ing isse. Einste in de monstrou que um via jante desse t rem ver ia as por tas se
abr i rem s imul taneamente, nove segundos depois de ver a lâmpada acender -se. Por outro
lado, um lavrador, parado na p la taforma, fo ra do t rem, a inda que observasse a lâmpada se
acender no mesmo instante que o via jante, ve r ia a por ta t rasei ra abr i r -se c inco segundos
após e a por ta d iante i ra somente quarenta e c inco segundos depois . Apesar do evento
observado pelos dois ser exa tamente o mesmo, para o v ia jante a aber tura das por tas fo i
s imul tânea, enquanto q ue para o lavrador a abertura fo i sucess iva. Qual desses fa tos é o
verdadei ro? A abertura das por tas fo i s imul tânea ou sucess iva? Depende, uma vez que o
s is tema de referenc ia do via jan te é d iverso do s is tema de refe renc ia do lavrador. Conforme
o referenc ia l a resposta é d i feren te” . p .24 ( . . . ) “Ass im, af i rma Paulo de Barros Carvalho ,
quando se af i rma a lgo como verdadei ro, faz -se mis ter que ind iquemos o modelo dentro do
qual a propos ição se a lo ja , v is to que será d i ferente a resposta dada, em função das
premissas que desencadeiam o rac iocín io”( . . . ) “Em razão d isso, não há que fa lar em
verdades absolutas, p rópr ias de um objeto, porque o mesmo dado exper imenta l comporta
inúmeras in terpre tações.” p . 25 ( . . . ) “ tudo pode ser a l terado em razão da mudança de
re ferenc ial ” .
257 Entende a Autora que cada pessoa d ispõe de uma forma part icu la r de conhec imento em
conformidade com um s is tema de referênc ias adotado e condic ionado por seus hor izontes
cu l tura is e que tudo pode ser a l terado em razão da mudança de referenc ia l . Ta l
entendimento se espelha na concepção f i losóf ica denominada giro l ingüíst ico , cu jo te rmo
in ic ia l é marcado pela obra de Ludwig W i t tgenste in (Tra tactus lóg ico -phi losophicus) ,
segundo a qual a l inguagem deixa de ser apenas ins t rumento de comunicação de um
conhecimento já rea l i zado e passa a ser condição de poss ib i l idade para const i tu ição do
própr io conhec imento enquanto ta l . Antes do g i ro l ingüís t ico o conhec imento era concebido
como a reprodução in te lectua l do rea l , sendo a verdade resul tado da correspondência ent re
ta l reprodução e o ob jeto re fer ido. Uma propos ição era cons iderada verdadei ra quando
demonstrava a essênc ia de a lgo, já que a l inguagem não passava de um ref lexo , uma cópia
do mundo.
- 180 -
taxa de serviço na hipótese da prestação de serviço ser realizada por particular,
concessionário de serviço público.
Trata-se de proposta interpretativa que decorre, no dizer de AURORA
TOMAZINI, da “mudança de referencial”.
De fato, a análise do tema, à luz da Ciência do Direito Administrativo, foi e é
levada a efeito com foco nas prescrições jurídicas atinentes ao instituto da
“concessão de serviço público”. Nesse sentido, tanto a doutrina como a
jurisprudência, ao se debruçarem sobre as normas do direito positivo que cuidam do
contrato de concessão, concluíram que a taxa, com sua natureza tributária, não seria
instrumento adequado de remuneração do concessionário, em razão de inúmeros
fatores, já mencionados, tais como: o regime constitucional tributário sobremodo
rigoroso, o fato da taxa estar sujeita ao principio da estrita legalidade o que dificulta
ou mesmo inviabiliza a relação jurídica contratual entre o poder concedente e o
concessionário; o fato dos recursos auferidos com o recolhimento da taxa
ingressarem nos cofres públicos; o fato de tais recursos tributários serem
insuficientes para garantir o equilíbrio econômico-financeiro do contrato, etc.
Desse modo, o ponto de referência dos estudos de direito administrativo é
diverso daquele que orienta o intérprete que se propõe a analisar a questão do ponto
de vista do direito tributário, isto é, da relação jurídica - tributaria entre o Estado e o
contribuinte.
Não se pretende, como de resto nem seria tarefa fácil para aquele que estuda
o Direito Tributário, discutir a natureza do contrato de concessão e as demais
indagações jurídico-administrativas daí decorrentes, missão muito bem
desempenhada por inúmeros autores e juristas, alguns dos quais aqui foram
invocados.
- 181 -
Adota-se, isto sim, como ponto de referência, o sistema constitucional
tributário, em especial os direitos e garantias do contribuinte-usuário de serviço
público especifico e divisível.
O direito tributário como direito de sobreposição, vai buscar em outros ramos
do direito os diversos institutos jurídicos para, a partir deles, construir o seu próprio
conjunto de enunciados prescritivos258.
Daí a necessidade de se analisar, ainda que sem a profundidade e o brilho
dos Administrativistas, alguns de seus institutos, como é o caso do contrato de
concessão de serviço público e as questões jurídicas daí advindas, na sua interseção
com as normas tributarias que regem o tributo vinculado taxa.
Como já acenado anteriormente, o Poder tributário das pessoas de direito
público interno é limitado constitucionalmente pelas imunidades e princípios
tributários, que, em última analise revelam os direitos e garantias constitucionais dos
contribuintes.
O sistema constitucional apresenta todos os possíveis instrumentos tributários
postos à disposição do Estado, para a obtenção de suas receitas, discriminando os
impostos e traçando os fatos geradores das taxas.
Nesse sentido, como anteriormente explicitado, a Constituição criou figura
tributária própria - a taxa -, para remunerar a prestação de serviço público especifico
258
Para Paulo de Barros Carvalho, os enunc iados se apresentam com o f rases so l tas, como
estruturas atômicas, p lenas de sent ido, uma vez que a expressão sem sent ido não pode
aspi rar à d ign idade de enunc iado. Ent retanto, sem encerrar uma unidade completa de
s ign i f icação deônt ica, na medida em que permanecem na expectat i va de juntar -se a outras
un idades da mesma índole. Terão que conjugar -se a out ros enunc iados, consoante
espec i f ica est rutura lóg ico -molecular , para formar normas jur íd icas, es tas s im, expressões
completas de s ign i f icação deônt ico - jur íd ica . ( . . . ) as normas são as s ign i f icações
construídas a par t i r dos suportes f ís icos dos enunc iados prescr i t i vos. As normas são da
ordem das s ign i f icações - in “Di re i to Tr ibutá r io L inguagem e Método”, p . 182
- 182 -
e divisível. Quando o Estado presta serviço público não específico e não divisível,
não pode exigir taxa, devendo o custo de tal prestação ser ressarcido pela receita
geral decorrente da arrecadação dos impostos.
Ao tratar da distinção entre o usuário do serviço publico e o consumidor,
CÉSAR GUIMARÃES, deixa claro que a posição do usuário frente ao prestador de
serviço não é caracterizada pela fragilidade própria do consumidor privado, mas pela
participação na própria configuração e produção do serviço. Essa a razão, segundo o
autor, que a Constituição exige um regramento próprio para o usuário de serviços
públicos, distinto do aplicável ao consumidor.
Para o autor, a principal distinção, da qual derivam as demais, é a de que o
usuário é credor em face do Estado, tendo o direito ao oferecimento de certas
utilidades em seu favor, ou, no mínimo, de uma prestação de contas sobre a
impossibilidade de seu oferecimento. Isto é o que configura o direito à criação e à
organização do serviço públicos259.
Conclui o administrativista, que a diferença de tratamento constitucional
ressalta a impossibilidade de se pretender identificar as duas figuras. O consumidor é
um agente da economia de mercado (artigo 170, V); o usuário é o destinatário de
uma prestação que, por definição, está fora do mercado (artigo 175). O consumidor
tem uma posição jurídica caracterizada pela titularidade de direitos subjetivos; o
259
Relata que as a lusões const i tuc ionais a usuár io são completamente d is t in tas. Ass im,
a lém do ar t igo 150, parágrafo 3º, que insere o usuár io na re lação de prestação
caracter izada como serv iço públ ico, o ar t igo 175, I I t ra ta dos “d i re i tos dos usuár ios” como
devendo ser ob jeto da le i que regula r ia a concessão e a permissão de se rviços públ icos.
Lembra a inda que esse concei to está presente a inda no ar t igo 37, parágrafo 3º que dois
sent idos a usuár io – o benef ic iár io dos serviços públ icos( inc iso I ) e o admin is t rado em
gera l ( inc isos I I e I I I ) . Apenas o pr imei ro de les é corre la to ao de consumidor. O a r t igo 27
da EC 19 /1998 a lude à edição de uma le i de de fesa do usuár io de serviços públ icos (ar t igo
37, parágra fo 3º e ar t igo 175, I I da Const i tu ição) t ransmi t indo a idé ia de que se t ra ta r ia de
d ip loma inconfundíve l com o refer ido no ar t ig o 48 do ADCT. Autor e obra c i tados, p . 356
- 183 -
usuário ocupa uma posição jurídica instrumental para a realização dos valores que
inspiram a definição de certos serviços como públicos, pelo que titulariza direitos
subjetivos funcionalizados. O usuário tem direitos em relação à criação e
organização do serviço, completamente incompatíveis com a posição jurídica de um
consumidor260.
14.6. Serviço Público - Direito Constitucional do Usuário Contribuinte
Ao tratar da distinção entre o usuário do serviço publico e o consumidor,
CÉSAR GUIMARÃES, deixa claro que a posição do usuário frente ao prestador de
serviço não é caracterizada pela fragilidade própria do consumidor privado, mas pela
participação na própria configuração e produção do serviço. Essa a razão,
segundo o autor, que a Constituição exige um regramento próprio para o usuário de
serviços públicos, distinto do aplicável ao consumidor.
Para o autor, a principal distinção, da qual derivam as demais, é a de que o
usuário é credor em face do Estado, tendo o direito ao oferecimento de certas
utilidades em seu favor, ou, no mínimo, de uma prestação de contas sobre a
impossibilidade de seu oferecimento. Isto é o que configura o direito à criação e à
organização do serviço públicos261.
260
Obra e autor citados, p. 358
261 Relata que as a lusões const i tuc ionais a usuár io são completamente d is t in tas. Ass im,
a lém do ar t igo 150, parágrafo 3º, que insere o usuár io na re lação de prestação
caracter izada como serv iço públ ico, o ar t igo 175, I I t ra ta dos “d i re i tos dos usuár ios” como
devendo ser ob jeto da le i que regula r ia a concessão e a permissão de serviços públ icos.
Lembra a inda que esse concei to está presente a inda no ar t igo 37, parágrafo 3º que dois
sent idos a usuár io – o benef ic iár io dos serviços públ icos( inc iso I ) e o admin is t rado em
gera l ( inc isos I I e I I I ) . Apenas o pr imei ro de les é corre la to ao de consumidor. O a r t igo 27
da EC 19 /1998 a lude à edição de uma le i de de fesa do usuár io de serviços públ icos (ar t igo
37, parágra fo 3º e ar t igo 175, I I da Const i tu ição) t ransmi t indo a idé ia de que se t ra ta r ia de
d ip loma inconfundíve l com o refer ido no ar t igo 48 do ADCT. Autor e obra c i tados, p . 356
- 184 -
Conclui o administrativista, que a diferença de tratamento constitucional
ressalta a impossibilidade de se pretender identificar as duas figuras. O consumidor é
um agente da economia de mercado (artigo 170, V); o usuário é o destinatário de
uma prestação que, por definição, está fora do mercado (artigo 175). O consumidor
tem uma posição jurídica caracterizada pela titularidade de direitos subjetivos; o
usuário ocupa uma posição jurídica instrumental para a realização dos valores que
inspiram a definição de certos serviços como públicos, pelo que titulariza direitos
subjetivos funcionalizados. O usuário tem direitos em relação à criação e
organização do serviço, completamente incompatíveis com a posição jurídica de um
consumidor262.
O usuário-contribuinte tem o direito constitucional de receber e fruir dos
serviços públicos específicos e divisíveis, sem que para isso esteja obrigado a pagar
qualquer outro valor além daquele referente ao custo do serviço, representado pela
exigência constitucional da “taxa de serviço”.
Por outro lado, o fato do mesmo texto constitucional, fazer referência à política
tarifária a ser prevista em lei, como aplicável às concessionárias de serviço público,
não altera o direito constitucional do contribuinte - usuário de pagar, exclusivamente,
taxa de serviço pelo custo do serviço público especifico e divisível recebido ou posto
à sua disposição.
Mesmo porque, ao criar a taxa para a remuneração de serviço público
específico e divisível, a Constituição Federal não restringiu tal cobrança à hipótese
de tal prestação ocorrer direta ou indiretamente.
Como ensina ROQUE CARRAZZA, a política tarifaria a que alude o artigo 175,
parágrafo único, III deve ser realizada não pelo utente do serviço publico, mas pela
pessoa política que o concedeu ou permitiu. Esclarece o autor, que o destinatário
262
Obra e autor citados, p. 358
- 185 -
imediato desta norma constitucional não é o fruidor do serviço público concedido ou
permitido, mas o Poder Público concedente ou permitente.263
A Constituição Federal outorga a competência material para a execução dos
serviços do Estado. Se este não pode ou não quer prestá-lo, ao outorgar tal dever
por lei e licitação, ao particular, não se altera a relação jurídica daí decorrente. Vale
dizer, O Estado continua responsável perante o usuário e assume, em outra relação
jurídica, direitos e obrigações em face do concessionário. A decisão de não prestar
diretamente o serviço, não tem o condão de criar, para o usuário, ônus superior
aquele decorrente da obrigação tributaria de pagar a taxa de serviço. No dizer de
CINTRA DO AMARAL, a concessionária exerce função publica. Ela tem não apenas
o poder, mas também o dever de prestar adequadamente o serviço a ela concedido
Acrescenta o autor: dizer que a concessionária age “em nome próprio” só teria
sentido se houvesse a transferência da titularidade do serviço, eximindo-se o poder
concedente da responsabilidade por sua prestação. Ou seja, se a concessionária
exercesse função privada. (...) A concessionária age “em nome do poder
concedente”, mas por sua “conta e risco”. Portanto, o Poder Publico transfere a
obrigação de prestar o serviço, mas continua responsável, solidariamente, pelo
cumprimento da obrigação transferida264
14.7. Do Direito Constitucional do Concessionário
O legislador constitucional reconhece, prestigia e garante o direito do
prestador privado ao impor à lei infraconstitucional que estabeleça regras contratuais
rigorosas que disciplinem os direitos e deveres recíprocos do Poder Público e do
concessionário, de modo a que reste respeitado, de um lado, o lucro do particular -
263
Curso de Direito Constitucional Tributário, 27ª Edição, 2011, ed. Malheiros, p. 580
264 Autor Citado, - VII- A Concessionária de Serviço Publico age em Nome Próprio?- in “ Concessão de Servicos
Públicos- Novas Tendências, 2012, Ed. Quartier Latin, p.101 e seguintes
- 186 -
mediante a adoção de uma devida política tarifária -, e de outro, o Poder-dever do
Estado de zelar pela prestação, aos usuários de um serviço público de qualidade.
O contrato de concessão é ajustado entre o Poder Concedente e o
concessionário, após o necessário processo licitatório. Nesse contrato, devem ser
estabelecidos os direitos e deveres tanto do Poder Publico como do concessionário
prestador do serviço publico, em especial, o dever de este último prestar o serviço
publico de modo adequado e contínuo como reflexo do dever estatal - perante o
usuário - da prestação nos mesmos moldes265
Por outro lado, de acordo com o entendimento do presente trabalho, o
prestador, ao exercer essa sua atividade em nome do Estado, realiza o fato gerador
da taxa de serviço, tal como previsto no artigo 145, II, da CF, fazendo jus ao
recebimento do referido tributo, para ressarcir exclusivamente os custos do
serviço266.
No entanto, com a complexidade moderna que envolve a prestação de
inúmeros serviços, o valor da taxa, via de regra não consegue cobrir o valor da
remuneração efetiva dos investimentos e retorno garantidos contratualmente ao
prestador, sendo necessário que o Poder Público, como parte no contratante,
providencie outras receitas a serem auferidas ou repassadas ao prestador
Tem-se, portanto, no contrato de concessão apenas dois atores:
a) O Poder Público concedente, a quem o constituinte atribui a titularidade e o
dever, perante os usuários de prestar o serviço público por si ou por terceiro;
b) O Concessionário ou permissionário que tem o dever de prestar aos
usuários, em nome do Estado, serviço publico adequado e continuo, bem
265
Entende-se que não obstante o concessionário, ao prestar o serviço de titularidade do Estado, deva observar
os direitos do usuário, este último não integra a relação jurídica decorrente do contrato de concessão.
266 Nessa afirmação está pressuposta a delegação, pelo Poder Concedente, ao Concessionário, da sua
capacidade ativa tributaria.
- 187 -
como o direito de receber não só pelo custo do serviço, o retorno pelos
investimentos, e o seu lucro.
Portanto, muito embora o usuário detenha direito oponível ao Poder Público de
receber, dele ou do Concessionário,um serviço público adequado e continuo,
desembolsando para isso valor tributário que remunere exclusivamente o custo da
atividade, ele, usuário, não integra a relação contratual decorrente da concessão.
A questão que aqui se coloca refere-se à natureza jurídica da relação entre o
usuário e o concessionário.
Para aquela doutrina que sustenta a obrigação imposta ao usuário de pagar ao
concessionário uma tarifa, portanto, um valor não tributário, a relação entre o usuário
e o concessionário teria natureza jurídica de contrato de direito privado, ainda que se
caracterize como um contrato de adesão.
Parece, porém que a afirmação de que entre o usuário e o concessionário não
se estabelece uma relação tributária, mas sim contratual, não é unânime.
No dizer de MARÇAL JUSTEN FILHO, o serviço público é prestado porque
assim o impõe a lei, que fixa condições gerais atinentes à prestação e fruição. Essas
condições são detalhadas por atos administrativos e podem ser alteradas a qualquer
tempo. A fruição do serviço público, para o administrativista, não envolve um vínculo
contratual entre o usuário e o prestador do serviço, mas uma situação jurídica de
natureza unilateral. O usuário do serviço manifesta sua vontade no sentido de fruir os
benefícios e de subordinar-se ao regime jurídico pertinente ao serviço público.
Porém, não há acordo de vontades, mas uma manifestação de vontade individual
que é condição para a fruição do serviço.
- 188 -
Assim, exemplifica o autor, ao contrário do que imaginava o Direito Privado do
século XIX, não existe “contrato de prestação de serviço de transporte” na hipótese
de serviço público.267
De fato ensina JUSTEN FILHO, a característica básica de uma relação
contratual reside no acordo de vontades; no estabelecimento do objeto da prestação
e do preço do serviço. Ora, na hipótese, o preço (tarifa) não é estabelecido pelo
concessionário, mas sim pelo poder concedente. A tarifa é um instrumento de
remuneração em que o controle externo é um elemento pressuposto, inerente à sua
própria constituição. Diferentemente dos contratos comuns, em que as partes
definem o conteúdo de suas obrigações recíprocas, nas relações jurídicas
envolvendo a prestação de serviços públicos em regime de concessão, a
remuneração é definida por terceiro: o titular do serviço. Desse modo, a
contraprestação pelo usuário não corresponde a um dado livre de uma relação
comercial celebrada entre prestador de serviço e usuário. 268
No mesmo sentido, afirma JACINTHO CÂMARA que a tarifa, antes de ser a
remuneração paga pelo usuário ao prestador do serviço, representa o valor que o
Poder Público aprova para que ocorra esta remuneração. 269
Portanto, quando se fala em controle das tarifas, está-se referindo a “controle
sobre atos administrativos ou atos produzidos com a aprovação do poder público”,
inclusive sobre o controle judicial sobre tais atos270.
267
JUSTEN FILHO, Marçal- “Serviço Públicos no Direito Brasileiro”, in Revista de Direito Público da Economia-
RDPE- ano 2, n. 7, p. 1- 255- jul/set 2004 Ed. FORUM, p.159 e 160
268 JACINTHO CÂMARA, ob. Cit. p. 150
269 Obra e autor citados, p. 150
270 É bem verdade que o ato administrativo em questão tem natureza discricionária, o que implica afirmar que o
mérito de tal ato não é passível de controle judicial, ao contrário do ato administrativo tributário, que por ser
absolutamente vinculado, está sujeito ao controle formal e material, com maiores garantias para o contribuinte, no
que diz respeito ao principio do contraditório.
- 189 -
Assim, como admitido pela própria doutrina do direito administrativo a
contraprestação paga pelo usuário ao concessionário não se caracteriza como um
dado livre, como ocorre na relação comercial entre prestador e usuário. Tal
entendimento leva à conclusão de que não está correto afirmar que o valor pago pelo
usuário não possui característica de preço.
14.8. Do Plano Pragmático da Construção de Sentido proposta
Muito embora as consequências fáticas da adoção da proposta ora formulada
escapem à análise exclusivamente jurídica da matéria, não se pode deixar de
abordar o aspecto pragmático dessa interpretação.
Pela importância dos direitos subjetivos tutelados constitucionalmente, quer do
usuário, quer do concessionário prestador, deve-se ter em conta a pertinência da
preocupação da doutrina no sentido de que o rigor do regime jurídico tributário
poderá inviabilizar os direitos protegidos
Deve-se ter em mente, igualmente, que o artigo 145, inciso II da CF/88 ao
estabelecer a regra matriz da taxa de serviço, além de outorgar competência
tributária ao Poder Público, estabeleceu, em contrapartida, para o usuário, um dever
tributário voltado ao ressarcimento da prestação do serviço público.
Sob outra ótica, o mesmo dispositivo constitucional garante ao usuário o
direito subjetivo (decorrente de direito fundamental de 3ª geração) de exigir ações do
Poder Público, voltadas à prestação direta dos serviços públicos ou à delegação de
tal dever a terceiro, mediante licitação e contrato de concessão/permissão.
Nesta última hipótese ter-se-á uma relação jurídica entre o Poder Público
concedente e o prestador concessionário, da qual se irradiam direitos e deveres
recíprocos. Assim, o prestador de serviço público terá o direito oponível ao Poder
- 190 -
concedente de ver remunerado não só seus custos como também seu lucro, como
detentor que é de direito subjetivo decorrente de seu direito fundamental
individualista, igualmente garantido constitucionalmente.
Incumbe, pois ao Poder Público concedente garantir os direitos do usuário de:
(a) receber o serviço público e (b) só pagar pelo seu custo mediante o recolhimento
de uma taxa que será calculada sobre o montante equivalente ao custo do serviço
(artigo 175 e artigo 145, II ).
De outra parte e, paralelamente, incumbe ao Poder Público garantir a
remuneração e o lucro do concessionário, garantidos constitucionalmente e, tal
garantia deverá ser custeada não só pelo valor pago pelo usuário, mas por outros
meios, já amplamente analisados no presente trabalho (artigo 175).
Assim, aquilo que aqui se denomina cesta tarifária será composta pelo tributo
a cargo do usuário (taxa) cuja receita deverá cobrir parcela do custo total do serviço
(divisibilidade do custo do serviço) + outras receitas adicionais auferidas pelo
prestador, receita decorrente de impostos, subsídios, etc. previstas em lei, no edital e
no contrato de concessão, e que vinculam juridicamente, exclusivamente prestador e
Poder Concedente, e não o usuário.
Nos termos da construção de sentido da norma constitucional, que deflui das
regras previstas nos artigos 145, II e artigo 175 da Magna Carta, como proposto no
presente trabalho, tem-se que uma das conseqüências ainda no campo tributário
será a própria definição da composição da base de cálculo dos impostos devidos
pela concessionário-permissionária. De fato, é possível incluir na base de calculo dos
impostos os valores recebidos a titulo de taxas de serviço? 271; Podem tais valores
271
A tributação por via de impostos busca onerar comportamentos de pessoas físicas ou jurídicas, que denotem
capacidade contributiva. Assim, o fato alcançado pelo imposto deverá ter conteúdo econômico. Sabe-se que a
base de cálculo deve dimensionar o aspecto material da hipótese de incidência. Na hipótese figurada neste
trabalho, a receita auferida pela concessionária de serviço publico, a ser alcançada pelos impostos incidentes na
espécie, deve ser calculada com a exclusão da taxa de serviço, uma vez que se trata de receita publica que não
perde esse caráter, apesar da concessionária caracterizar-se, nesta proposta, como sujeito ativo de tributo
- 191 -
ser considerados como receita operacional (para efeito de ISS, por exemplo), ou
mesmo como receita tributável pelo IR (renda nova)? Trata-se, porém de estudo que
escapa ao conteúdo proposto para o presente trabalho,
vinculado parafiscal. De se ressaltar que a taxa é figura constitucional criada para remunerar uma res extra
commercio o que pode indicar a exclusão do referido valor, da base tributaria dos impostos.
- 192 -
15- TEMAS CONEXOS
Dois temas, ao longo dos estudos realizados e da elaboração da presente
dissertação, chamaram nossa atenção, por estarem conexos com os conceitos aqui
analisados Trata-se da relação entre a “Taxa” e os princípios da capacidade
contributiva e da solidariedade.
Nesse sentido, algumas poucas e sucintas referências sobre a matéria:
15.1. Taxa E Capacidade Contributiva
O Principio da Capacidade Contributiva realiza o principio da igualdade na
esfera da tributação. No dizer de ROQUE CARRAZZA, o principio da capacidade
contributiva hospeda-se nas dobras do principio da igualdade e ajuda a realizar, no
campo tributário, os ideais republicanos272
Nosso sistema constitucional tributário, afirma WALTER ALEXANDRE
BUSSAMARA, ao confirmar esse principio como realizador da igualdade fiscal, assim
o fez não indistintamente em relação a todos os tributos, estendendo-o apenas aos
impostos, no sentido de que apenas nesses tributos a isonomia tributaria se faria
presente com a aplicação do principio da capacidade contributiva. Nas taxas o
principio da capacidade contributiva não teria aplicação não apenas por constar em
nossa Carta que tal princípio se aplica apenas aos impostos, mas, antes de tudo,
porque o que se mede na hipótese do tributo vinculado é uma participação, de
alguma forma, do Estado, a ser, ainda que aproximadamente, ressarcida273
272
Curso de Direito Constitucional Tributário, 19 ed. p. 77
273 “ Taxas – Limites Constitucionais” 2003, ed. Malheiros, p.147
- 193 -
Para GERALDO ATALIBA o principio da igualdade se reflete na taxa pelo
especifico principio da retribuição ou remuneração274
CESAR GUIMARAES PEREIRA, assevera que o principio fundamental é o da
igualdade entre os usuários, que apresenta inúmeros desdobramentos. Sob certo
angulo, afirma o autor, aproxima-se da noção de capacidade contributiva, com suas
duas faces: (a) a que impede o atingimento de situações que não revelem
capacidade de pagamento e (b) a que impõe a adoção de mecanismos que atinjam
efetivamente essa capacidade, promovendo a igualdade material
275SACHA CALMON entende que nos impostos, mais do que nas taxas e
contribuições de melhoria, esta o campo de eleição da capacidade contributiva.
Afirma que mesmo os impostos “de mercado”, “indiretos”, não se prestam a realizar o
principio com perfeição. „Para o autor, é nos impostos patrimoniais e nos impostos
sobre a renda, principalmente nestes, que a efetividade do principio „é plena pela
adoção das tabelas progressivas e das deduções pessoais. Para SACHA nas taxas e
contribuições de melhoria, o principio realiza-se negativamente, pela incapacidade
contributiva, fato que tecnicamente gera remissões e reduções subjetivas do
montante a pagar imputado ao sujeito passivo sem capacidade econômica real. O
autor exemplifica com a isenção da taxa judiciária para os comprovadamente
pobres.276
Portanto, por razões diversas, a doutrina tributária confirma a literalidade do
dispositivo constitucional afastando a aplicação do principio de capacidade
contributiva das taxas.
No entanto, o principio da igualdade, que contem em si o principio da
capacidade contributiva, parece autorizar a adoção de base de calculo e ou alíquotas
274
“Sistema Tributário na Constituição de 1988” RDT 51/140
275 “A Posição dos Usuários e a Estipulação da Remuneração por Serviços Públicos” in “Serviços Públicos e
Direito Tributário” ,Coord. HELENO TAVEIRA TORRES,2005, Ed Quartier Latin, p.320
276 “Curso de Direito Tributário Brasileiro” 9a edição, 2006, Editora Forense,
- 194 -
diversas para a taxa quando o serviço público for prestado a pessoas de baixo poder
aquisitivo, de modo a permitir que as mesmas possam usufruir da utilidade oferecida.
Aliás, como aludido no presente trabalho, o Poder Publico ao prestar o serviço
ou delegar a concessionário a obrigatoriedade dessa prestação, não esta obrigado a
cobrar do usuário pelo fornecimento da utilidade. De fato, a remuneração do serviço
poderá ocorrer a partir de outras fontes, sem onerar o usuário.
A própria Constituição Federal, no que diz respeito, por exemplo, aos serviços
públicos de saúde e educação, previu a gratuidade dos mesmos. Tais serviços são
custeados com um percentual constitucional obrigatório decorrente da receita geral
dos impostos.
A característica da taxa como tributo retributivo ou remuneratório, parece
afastar a capacidade contributiva, visto que não se trata de dimensionar a
capacidade econômica do usuário, mas sim, a atividade de prestar serviço publico
especifico e divisível. Ainda que o legislador possa levar em conta as condições
econômicas das diversas classes de usuários, tal decorre não do principio da
capacidade contributiva, mas do principio da igualdade e da utilização extrafiscal das
taxas (utilização dos tributos não com finalidade arrecadatória, mas com finalidades
sociais, econômicas, etc.)
15.2. Taxa E Principio Da Solidariedade
O Principio da solidariedade esta previsto no artigo 3º da Constituição Federal.
O referido dispositivo estabelece, dentre os objetivos fundamentais da Republica
Federativa do Brasil, a construção de uma sociedade livre, justa e solidaria.
No dizer de JOSE AFONSO DA SILVA, este artigo correlaciona-se com as
promessas do preâmbulo da Constituição, pois construir uma sociedade livre, justa e
- 195 -
solidaria, corresponde a formar uma sociedade dotada dos valores supremos dos
direitos sociais e individuais, tais como a liberdade, segurança, o bem-estar, o
desenvolvimento, a igualdade e a justiça. Ensina aquele Jurista que o que a
Constituição quer, com esse objetivo fundamental, é que a Republica Federativa do
Brasil construa uma ordem de homens livres, em que a justiça retributiva seja um
fator de dignificação da pessoa e em que o sentimento de responsabilidade e apoio
recíprocos solidifique a idéia de comunidade fundada no bem comum277
CESAR GUIMARAES PEREIRA, ao tratar do principio da legalidade assevera
que referido principio impede que se imponha tarifa a quem não é usuário e cria, em
principio, obstáculo a que o usuário seja chamado a remunerar o serviço em
montante superior aquela parcela do custo que lhe é imputável278. A base de calculo
da taxa deve refletir, tanto quando possível, o uso individual do serviço pelo usuário.
Não obstante, assinala CESAR PEREIRA parte da doutrina do direito
administrativo, ao tratar da relação entre a tarifa e o principio da igualdade, sustenta
a solidariedade entre gerações de usuários. Por exemplo: em uma concessão
rodoviária, as tarifas pagas hoje compõem uma equação que permitira ao prestador
realizar obras de arte daqui a 10 anos. Segundo parcela da doutrina isso implicaria
em ofensa ao principio da isonomia, alem de outros aspectos da disciplina da
prestação de serviços públicos, pois os usuários estariam financiando
antecipadamente tais obras, isto é, pagariam tarifas, mas não se beneficiariam das
obras custeadas por tais tarifas.
Sobre essa possibilidade CESAR PEREIRA entende que a circunstância de a
tarifa refletir o valor de obras futuras não ofende a isonomia. Ao contrario, afirma que
se deve reconhecer a existência de uma solidariedade entre gerações de usuários, a
fim de realizar a modicidade tarifaria como bem coletivo.
277
“ Comentario Contextual a Constituicao” 2005, Editora Malheiros, p.45 a 47
278 Obra e Autor citados, p.320 e 321
- 196 -
Para o autor, “não se trata de redistribuir renda (como no caso das tarifas
sociais ou extrafiscais), mas de identificar o usuário e sua fruição a partir de
parâmetros solidarísticos. O usuário apresenta, neste caso, um aspecto atual e um
aspecto teórico, de usuário médio, vinculado a realização dessa solidariedade entre
gerações”279
As chamadas tarifas sociais e extrafiscais têm a finalidade de indução de
comportamento (extrafiscalidade) ou de compensação pela adoção de tarifas sociais
(tarifas redistributivas). Alguns autores, como MARCAL JUSTEN FILHO entendem
que as mesmas podem será adotadas desde que haja autorização legislativa. Outros
autores, como o próprio CESAR GUIMARAES PEREIRA, reputam que as tarifas
sociais não devem ser compensadas por subsídios internos, mas por subsídios
públicos oriundos de receitas gerais.
Porem, ainda quando admitidas, salientam os juristas que a transferência do
custo da tarifa social para a tarifa paga pelos demais usuários produz efeitos
imprevisíveis e desvinculados da titularidade da riqueza.
Lembra MARCAL JUSTEN FILHO que ainda que se admita o principio de que
a solidariedade social obriga a transferência de recursos para atendimento aos
carentes, tem de reconhecer-se que essa solidariedade social se exercerá na medida
da capacidade contributiva, a qual não é corretamente avaliada quando se incorpora
nas tarifas pagas pelos demais usuários o custo da tarifa social280
Os pontos de vista acima relatados parecem ser de difícil assimilação, quando
observados e estudados sob o ponto de vista do sistema constitucional tributário.
De fato, por ser a taxa, no dizer de GERALDO ATALIBA, tributo que se
caracteriza pela referibilidade direta e imediata entre o cidadão e uma atividade
279
Obra e Autor citados, p. 323
280 Obra e autor citados, p.324 e 325 e NOTA 33
- 197 -
estatal – no caso em exame, a prestação de serviço publico -, não se entende
possível, em razão do seu regime constitucional, que aquele tributo vinculado seja
capaz de realizar a chamada solidariedade fiscal.
Importante estudo do Jurista português JOSE CASALTA NABAIS demonstra
que em matéria tributaria a solidariedade depende daquilo que o autor chama de
Estado fiscal. Trata-se de um Estado que financeiramente é suportado
fundamentalmente por impostos, isto é por tributos que chama de unilaterais, e não
por tributos bilaterais ou taxas (Estado tributário).
Afirma o autor que “a simples existência de um estado fiscal convoca desde logo
uma idéia de justiça, que se não contem nos estritos quadros de uma justiça
comutativa, como seria a concretizada num estado financeiramente suportado por
tributos bilaterais ou taxas, figura tributaria cuja medida se pauta pela idéia de
equivalência entre a prestação em que ela se traduz e a contraprestação especifica
publica que é a sua causa as taxas (...)”
Quer NABAIS significar que a idéia de solidariedade fiscal está vinculada aos
tributos não vinculados- impostos – e não as taxas.
De fato, a própria idéia de equivalência, e, bem assim, da referibilidade direta
entre a atividade (prestação de serviço) e o cidadão usuário, que caracterizam a
taxa, parece não autorizar a utilização do referido tributo com a finalidade de atender
ao principio constitucional da solidariedade. Esse é o entendimento adotado no
presente trabalho.
- 198 -
16. CONCLUSÃO
Como visto anteriormente, a tarifa - entendida como a remuneração devida
pelo usuário ao concessionário de serviço publico – corresponde à remuneração do
custo do serviço público específico e divisível, prestado por pessoa diversa do
Estado.
Esse raciocínio, de certo modo simples e objetivo, tem sua origem na
interpretação do artigo 145, II, da CF/88 que cria uma figura tributária própria para
custear uma atividade extra commercio – a prestação de serviços públicos
específicos e divisíveis
Relembre-se, mais uma vez que o presente trabalho tem como limites a
prestação de serviços considerados públicos pelo próprio texto constitucional, e
caracterizados pela especificidade e divisibilidade.
A prestação, por particular, de um serviço público, não transmuda a sua
natureza jurídica publica. Se tal afirmação está correta, como compatibilizá-la com o
objetivo último do concessionário – o intuito de lucro?
O concessionário tem como direito fundamental - oponível ao Estado
concedente -, a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Porém
essa garantia constitucional não está atrelada ao reajuste do valor da tarifa. Não
possui o concessionário uma garantia de que o valor da tarifa será reajustado ou
revisado. Isto ocorre, porque o valor da tarifa, apesar de ser parte integrante
significativa desse equilíbrio, não representa fator determinante da equação. Sendo
assim, desde que o Poder concedente consiga manter as condições contratuais
originais (agregando receitas alternativas, conferindo subsídio ao serviço, reduzindo
determinadas exigências, por exemplo), é possível que o valor da tarifa seja
- 199 -
preservado ao longo do tempo, ou que venha mesmo a ser reduzido.281 Em algumas
hipóteses, por exemplo, como nas Parcerias Público-Privadas – PPP´s - inexiste, no
contrato, a figura da tarifa como valor devido pelo usuário.
Em última análise é esse o conteúdo proposto pelo presente trabalho para a
locução política tarifária. A taxa de serviço paga pelo usuário ao concessionário é
item que integra a política tarifária
Quer parecer que as aparentes contradições apontadas no tema em questão,
decorrem, sob nosso ponto de vista, da incorreta compreensão jurídica do fenômeno,
ao menos em matéria constitucional tributária. De fato, as dificuldades encontradas
pelo direito administrativo, surgem da negação do caráter tributário do valor pago
pelo usuário.
Porem, o fato do valor pago pelo usuário ter natureza de tributo vinculado que
remunera o custo do serviço, não implica na negação da característica fundamental
do contrato de concessão.
De fato, a garantia do equilíbrio econômico financeiro do contrato a que faz jus
o particular prestador do serviço, como visto, pode ocorrer, e em geral ocorre
independentemente do valor pago pelo usuário.
Ademais, o equilíbrio econômico financeiro do contrato, não é somente um
direito do concessionário, mas também do poder concedente. Assim, podem ocorrer
situações fáticas em que a busca desse equilíbrio implique na diminuição dos valores
recebidos pelo concessionário. Cite-se, como exemplo, o ganho de produtividade do
concessionário em decorrência de modernização no “modus operandi”, com
diminuição de custos e despesas.
Desse modo, o usuário, que não é parte no contrato de concessão, não deve
ser afetado negativamente pelas medidas tendentes a garantir o equilíbrio
281
Jacintho Câmara, ob. Cit. p.206
- 200 -
econômico e financeiro, uma vez que lhe é imposto constitucionalmente, apenas e
tão somente o dever de custear a atividade (estatal ou particular) de prestação de
serviços públicos específicos ou divisíveis mediante o pagamento de uma taxa de
serviço.
As garantias decorrentes do contrato de concessão devem ser prestadas
pelas partes vinculadas contratualmente. Portanto a natureza jurídica tributária da
prestação devida pelo usuário ao concessionário, não tem o condão de comprometer
garantias contratuais que não envolvem o usuário, mas apenas o Poder Concedente
e o concessionário.
À eventual alegação de que o particular prestador de serviço não pode ser
sujeito ativo em relação jurídico tributária, responde-se com facilidade.
O instituto da parafiscalidade explica o exercício da capacidade tributária ativa
por pessoa diversa do ente público, visto que a função de arrecadar tributos pode ser
validamente delegada, uma vez que apenas a competência tributaria legislativa, esta
sim, é indelegável. Desse modo, a par de arrecadar o tributo, o concessionário, ao
utilizá-lo em suas próprias finalidades - prestação de serviços públicos - perfaz o
figurino exato da “parafiscalidade”.
Ademais, se o Poder Público não tem condições de prestar o serviço, e, nesse
sentido, delega tal incumbência ao particular, não pode a decisão política onerar o
usuário contribuinte mais do que se o serviço fosse prestado diretamente pelo
Estado.
De fato, se o serviço é posto constitucionalmente como público, tal significa
que se trata de atividade tida pelo legislador maior como fundamental para a
sociedade.
- 201 -
Daí porque atribuída ao Estado como munus público de caráter extra
commercium.
Portanto, ainda que autorizado constitucionalmente, ao optar pela prestação
indireta do referido serviço, o Estado deve garantir aos utentes a fruição do serviço
nas mesmas condições em que seria prestado diretamente pela máquina estatal:
assim, ao lado da adequação do serviço, continuidade e qualidade, está o direito
constitucional do usuário de que a remuneração se dará com a utilização da figura
tributária própria - a taxa de serviço-.
Assim, para a implementação da proposta de interpretação do presente
trabalho, o objeto da relação jurídica entre usuário e concessionário deverá ser uma
obrigação ex-lege, nascida com a ocorrência do fato gerador da taxa de serviço
especifico e divisível, na qual, será sujeito ativo tributário o Concessionário de
serviço publico e sujeito passivo o usuário, devendo a base de cálculo ser o valor,
tão aproximado quanto possível do custo individualizado do serviço.
Para que o concessionário possa ocupar a posição de sujeito ativo da relação
tributaria, poderá o poder publico responsável por prestar determinado serviço,
transferir ao concessionário a capacidade tributaria ativa, isto é, a função de
arrecadar o tributo cumulada com o direito de utilizar o produto da arrecadação como
contraprestação pelo custo do serviço. Neste caso, estar-se-á diante de uma relação
jurídico tributária na qual o sujeito passivo – usuário do serviço – tem a obrigação de
pagar ao sujeito ativo – empresa concessionária de serviço público- um tributo
vinculado parafiscal (taxa de serviço), cuja base de cálculo será o custo do
serviço282.
282
A re fer ida proposta não deixa de levar em conta as d i f icu ldades decorrentes da
apl icação do reg ime t r ibutár io . Deve -se ter presente, porém que ta is d i f icu ldades são
postas pelo Texto Const i tuc ional , exatamente para garant i r a e fet i v idade dos d i re i tos
fundamenta is dos c idadãos -usuár ios. Ademais , ta is d i f icu ldades podem ser superadas ou
min imizadas com a adoção de outras so luções, igualmente const i tuc ionais . De fa to, o
Poder Públ ico concedente poderá, por exemplo, arrecadar d i re tamente a taxa e dest iná - la
- 202 -
Nesta hipótese, ficará fora dessa relação jurídica entre o usuário e o
concessionário a garantia de lucro e dos investimentos e do equilíbrio econômico
financeiro do contrato de concessão. Tais garantias estarão abarcadas por outra
relação jurídica: a relação jurídico-administrativa entre o Poder Concedente e a
Empresa concessionária.
Observe-se que tanto a relação jurídica entre usuário - concessionário, como a
relação jurídica entre concessionário-Poder Público, serão regidas pelo Direito
Público.
Tal interpretação, ao levar em conta os ditames do artigo 145, inciso II da
Constituição Federal, parece favorecer uma melhor compreensão da linguagem
constitucional utilizada no parágrafo único do artigo 175, ao se referir a política
tarifária e não a tarifa e, salvo melhor juízo, pode ser extraída da própria legislação
infraconstitucional de regência dos contratos de concessões de serviço públicos
Sobre a liberdade do legislador para escolher o regime de remuneração dos
serviços público, afirma GERALDO ATALIBA que esse entendimento, generalizado
pela literatura, pela jurisprudência e pelos legisladores, parte do pressuposto de que
o inciso II do artigo 145 da Constituição encerra não norma jurídica superior e
imperativa, mas simples sugestão ao legislador.
Tal interpretação culmina por afirmar aquele Mestre, implica em que o
legislador pode ou não seguir a diretriz do dispositivo. Discordando de tal
a um Fundo vo l tado à cobertura f inancei ra dos respect ivos serviços públ icos. Não se
confunde o esta proposta, com o FUST – Fundo cr iado para dar suporte f inancei ro aos
serviços de Telecomunicações, que é formado por contr ibu ições dos própr ios
concess ionár ios de serv iço, e não pelos va lores pagos pelos usuár ios. Esta so lução tem a
vantagem de manter a responsabi l idade pela arrecadação do t r ibuto, f isca l ização, cobrança
amigável e cobrança jud ic ia l , em mãos do própr io poder publ ico concedente que, em sua
est rutura organizac iona l já possui os quadros necessár ios à f isca l i zação t r ibuta r ia e
cobrança ext ra jud ic ia l ou mesmo jud ic ia l .
- 203 -
entendimento, afirma que “ou a Constituição é norma, pois, preceito obrigatório, ou
não é nada; não existe; não tem eficácia. O que não pode o jurista é atribuir-lhe a
singela função de lembrete ou recomendação. A Constituição, lei máxima, sagrada e
superior, ordena, manda ,determina, impõe”.
Desse modo, ATALIBA, conclui que a única liberdade que a Constituição dá
ao legislador é para decidir se a prestação de dado serviço públicos divisível e
especifico será remunerada ou não. Com efeito, afirma poder o legislador decidir que
os serviços sejam prestados sem remuneração. Se, entretanto, resolver que haverá
remuneração, não pode senão optar pela taxa.283
Nessa linha de entendimento, GERALDO ATALIBA assim interpreta o texto
constitucional constante do artigo 145, II: “Aí esta dito, que no contexto de um
sistema republicano (artigo 1º) – em que todo poder emana do povo (parágrafo único
do artigo 1º) dominado pelo principio da legalidade (artigo 5º, II) especialmente em
matéria tributária (artigo 150, I)- que os administrados que devam desembolsar
recursos financeiros em favor do estado (em razão de serviços públicos prestados ou
postos à sua disposição, terão a proteção do regime tributário (...) 284
Entende-se por regime tributário, ensina ATALIBA, o conjunto de princípios e
normas constitucionais que regulam o exercício da tributação. Esse regime, traçado
amplamente nos artigos 145 a 156 – essencialmente informado pela legalidade,
igualdade, vedação de delegações, irretroatividade e segurança jurídica -, é
283
Ao afirmar que ainda que o serviço público seja prestado indiretamente por concessionário particular a
remuneração a cargo do usuário/contribuinte será necessariamente uma “taxa” ensina Ataliba que o legislador,
nessa hipótese, não pode abandonar o regime tributário para estabelecer regime de preços, típico do direito
privado, informado pela autonomia da vontade, de que decorrem a liberdade de contratar e a liberdade contratual,
inconviventes com o regime administrativo informador de toda atividade publica, seja de polícia, seja de prestação
de serviços público. Preço só cabe quando há disponibilidade da coisa. Ora, A Administração não tem nenhuma
disponibilidade sobre as coisas publicas (...) A atividade que a Constituição qualifica como serviço públicos é
originariamente publica(...) e não se confunde com a produção de riqueza, com exploração econômica, que não
incumbe ao Estado e que a Constituição reservou à iniciativa privada (art. 73), “ Hipótese.... p.160/161 284
ATALIBA, Geraldo, “Hipótese... p. 160
- 204 -
obrigatório para o legislador e erige direitos público subjetivos para todos os
contribuintes285
De fato, é razoável supor que se o legislador constitucional tivesse em mente
adotar uma remuneração diversa (da taxa), na hipótese da prestação de serviço
públicos especifico e divisível ser prestada por pessoa diversa do Poder Públicos,
teria previsto que aqueles serviços, quando prestados por concessionárias
/permissionárias seriam remunerados por “tarifa”.
Ao contrário, o legislador constituinte não tratou da forma de remuneração dos
serviços públicos prestados por terceiros; nada dispôs a respeito; e não adotou a
tarifa- valor devido pelo usuário - como remuneração distinta da taxa. O artigo 145,
ao estabelecer a regra matriz tributária da taxa o fez como instrumento a ser adotado
pelo legislador infraconstitucional das três esferas de poder, para remunerar a
prestação de serviços públicos e divisíveis.
E, mais importante, ao fazê-lo não estabeleceu qualquer restrição à utilização
do instrumento tributário taxa como tributo remuneratório do custo do serviço público
prestado ou posto a disposição do usuário, a não ser o fato de que somente poderão
ser remunerados por taxa os serviços públicos específicos e divisíveis.
Nesse sentido, não parece possível distinguir onde o constituinte não
distinguiu. Parece não estar autorizada a interpretação doutrinária e jurisprudencial
que se consolidou a partir da Sumula 545, no sentido de que os serviços públicos
prestados diretamente pelo Estado são remunerados por taxa – adotando-se assim o
regime tributário - e aqueles prestados por pessoa diversa (concessionários /
permissionários) serão remunerados por tarifa - afastando-se o regime tributário.
Nenhum dos dispositivos analisados permite afastar a taxa como figura
remuneratória dos serviços públicos específicos e divisíveis quando os mesmos
venham a ser prestados por terceiros concessionários ou permissionários.
285
Autor e obra citados, p. 160
- 205 -
Do ponto de vista do plano pragmático do discurso, como afirma PAULO DE
BARROS CARVALHO, deve-se concluir que o regime jurídico tributário foi plasmado
pelo Constituinte, de modo a efetivamente garantir os direitos e garantias do usuário-
contribuinte. Nesse sentido, argumentos no sentido de que tal regime, por seu rigor,
travaria ou dificultaria o cumprimento dos contratos de concessão, acabam por negar
o alto desígnio constitucional mediante a contraposição de razões extrajurídicas que
podem e devem ser equacionadas e resolvidas pelos próprios intérpretes e
aplicadores do direito. A dificuldade de operacionalização não tem o condão de
afastar as garantias constitucionais.
Ainda no plano pragmático, propõe-se o repensar, por suas conseqüências
nefastas, do entendimento doutrinário e jurisprudencial que afasta a regra da
imunidade tributária quando o ente prestador do serviço for um particular e não ente
estatal.
De fato, se o serviço público é tratado pelo texto constitucional como direito
fundamental.
O fato do mesmo ser prestado por particular implica em ônus tributário para o
prestador, que, em última análise, será suportado pelo usuário, fazendo-se letra
morta o seu direito constitucional a uma tarifa módica.
Apenas a titulo de observação paralela e por todo o exposto, entende-se, no
âmbito do presente trabalho, que o valor pago pelo usuário, por sua natureza
tributária, não deve entrar na composição da base de cálculo dos impostos devidos
pelo concessionário, em virtude da própria natureza constitucional de tal parcela
como remuneratória de res extra commercio.
- 206 -
O direito ao lucro da empresa capitalista , concessionária do serviço publico,
também garantido constitucionalmente, deve ser prestigiado pelo Poder Concedente,
porém não às custas do usuário do serviço público286.
Finalmente, as rápidas mudanças no cenário social e econômico não devem
atropelar o Direito e as construções doutrinárias e jurisprudenciais.
CELSO CAMPILONGO, ao discorrer sobre a dinâmica das transformações da
noção de serviço público afirma: “não se trata, de forma alguma, de dizer que o
direito não segue o ritmo das mudanças de ambiente que o circunda. Antes o
contrário: a capacidade reflexiva da teoria jurídica é que não forjou nem robusteceu
ferramentas aptas a descrever, juridicamente, os novos fenômenos”287
286 O consumidor paulistano paga 25% de alíquota do ICMS em suas contas de telefone, segundo o Sindicato
Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal. No Estado, em uma conta de telefone, por exemplo, em que o consumidor gaste R$ 100 com o serviço, ele terá de pagar mais R$ 33,00 de ICMS, como é utilizada uma formula de cálculo por dentro, onde o imposto fica ainda maior do que alíquota, e somando a outros tributos federais, essa conta chega a R$ 143. Ou seja, só os impostos representam quase metade do que o consumidor paulistano gasta com o serviço. Site da UOL- in UOL ECONOMIA- EM 16/05/2012 - 17h50
287
“Serviço Públicos e regulação sistemica”in “Serviços Público e Direito Tributário”- Coord. HELENO TORRES-
Quartier latin, 2005, p.48
- 207 -
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AMARO, Luciano - "Direito Tributário Brasileiro", 4ª Edição, 1999, Editora Saraiva ARAGAO, Alexandre Santos- “Direito Administrativo e seus novos Paradigmas - O serviço público e as suas crises”, Belo Horizonte, 2008, Ed. Fórum. ATALIBA, Geraldo- “Hipótese de Incidência Tributária”- p. 154, 6ª Edição, 9ª tiragem, MALHEIROS, 2008 __________Sistema Constitucional Tributário Brasileiro, RT, 1968 BALEEIRO, Aliomar - “Uma introdução à Ciência das Finanças”, 17ª edição - Editora Forense BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio – “Serviço Público e sua feição constitucional no Brasil” in “Direito do Estado - Novos rumos” Coord. PAULO MODESTO e OSCAR
MENDONÇA. Max Limonad. BATISTA, Joana Paulo – “Remuneração dos Serviços Públicos “- Coleção Temas de Direito Administrativo nº 11- Malheiros- 2005 BECKER, Alfredo Augusto, Teoria geral do Direito Tributário, São Paulo, Saraiva, 1ª. Edição BERTI, Flavio de Azambuja- “Direito Tributário e Principio Federativo”- Ed. Quartier Latin- 2001 BONFÁ de Jesus, Ricardo- “Imunidade da Sociedade de Economia Mista”- in “Imunidades Tributarias”- Coord. ELIZABETH NAZAR CARRAZZA - Elsevier - Campus Juridico - 2012 BUSSAMARA, Walter Alexandre – “Taxas – Limites Constitucionais” 2003, Malheiros CÂMARA, Jacintho Arruda- “Tarifa nas Concessões”- Malheiros Editores, 2009. CARRAZZA, Roque – “Curso de Direito Constitucional Tributário”, 27ª Edição CARVALHO, Cristiano - “Teoria do Sistema Juridico”- Ed Quartier Latin CARVALHO, Paulo de Barros- “Derivação e Positivação no Direito Tributário”- Vol. II, Ed. NOESES, 2013.
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