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Uma vida marcada (Starting Over) Lynsey Stevens Bianca no. 161 Alguns disseram que tinha sido o destino. Outros, a vontade de Deus. Mas nenhuma explicação diminuía a agonia de Jo. Devia haver algum motivo além de sua compreensão para ela sobreviver ao horrível acidente que matara seu marido e seu filhinho. E de que adiantava viver, se estava sozinha e com o rosto marcado por uma cicatriz? Nunca mais poderia voltar aos palcos. Nem queria. Seu único desejo era se esconder do mundo. Por isso, tinha ido se isolar naquela praia. Que não era tão isolada como imaginava. Havia Sam, a menininha carente de afeto. Havia Ja-ke, o tio de Sam. E os dois invadiram a vida de Jo, exigindo amor. Só que ela não tinha coragem de amar. Não ousava mais ser feliz. Este Livro faz parte do LivrosFlorzinha , sem fins lucrativos e de fãs para fãs. A comercialização deste produto é estritamente proibida. Livros Florzinha - 1 -

Lynsey Stevens - Uma vida marcada

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Uma vida marcada (Starting Over) Lynsey StevensBianca no. 161

Alguns disseram que tinha sido o destino. Outros, a vontade de Deus. Mas nenhuma explicação diminuía a agonia de Jo. Devia haver algum motivo além de sua compreensão para ela sobreviver ao horrível acidente que matara seu marido e seu filhinho. E de que adiantava viver, se estava sozinha e com o rosto marcado por uma cicatriz? Nunca mais poderia voltar aos palcos. Nem queria. Seu único desejo era se esconder do mundo. Por isso, tinha ido se isolar naquela praia. Que não era tão isolada como imaginava. Havia Sam, a menininha carente de afeto. Havia Ja-ke, o tio de Sam. E os dois invadiram a vida de Jo, exigindo amor. Só que ela não tinha coragem de amar. Não ousava mais ser feliz.

Este Livro faz parte do LivrosFlorzinha, sem fins lucrativos e de fãs para fãs. A comercialização deste produto é

estritamente proibida.

Uma vida marcada “Starting Over”

Lynsey Stevens

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CAPÍTULO I

Já fazia uma semana que ela estava na casa, quando viu a criança, O tempo estava tão ruim que não era surpreendente não ter aparecido ninguém na praia durante todos aqueles dias. Ela já chegara embaixo de chuva, e a névoa cinzenta continuava cobrindo o horizonte acima do mar.

Agora estava parada, muito tensa, olhando pela grande janela da sala de visitas, vendo a figura pequena andando peia beira da água. De vez em quando, a criança dava um salto ou se inclinava para pegar uma concha ou uma pedrinha e guardá-la cuidadosamente num balde vermelho que balançava na outra mãozinha.

Daquela distância, não conseguia distinguir se era um menino ou uma menina, pois usava um short azul, uma camiseta e um chapéu. Continuou olhando, querendo se afastar, mas incapaz de fazê-lo, consciente daquele peso da dor no coração. A criança sentou~se, sem parecer notar nada à sua volta, distraída com o conteúdo do balde.

Ela soltou a cortina e afundou-se numa poltrona. Por que tinha que ser torturada desse modo? Só viera para a casa da praia porque era isolada, e assim poderia entregar-se à solidão. Levara um bom tempo convencendo Maggie e Ben de que já estava suficientemente boa para ficar sozinha e que seria uma boa terapia acabar de escrever o romance que já começara há meses, quando a vida ainda tinha algum significado para ela. Bem, nem mesmo havia tirado o manuscrito da mala, e não tinha a mínima intenção de fazê-lo, a não ser que fosse necessário.

Queria simplesmente ficar sozinha, longe do mundo, daquele mundo cheio de ontens, de dias seguidos, tentando continuar vivendo como se toda sua existência não tivesse sido feita em pedaços; longe dos amigos bem-intencionados que sugeriam gentilmente que ela devia reconstruir a vida, começar de novo. Começar de novo? Será que eles não conseguiam entender que ela não tinha qualquer desejo, nenhuma motivação para recomeçar?

Seus olhos azul-acinzentados percorreram vagarosamente a sala de visitas. Se ainda fosse capaz de se emocionar com a beleza, aquela casa seria o ideal. A

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estrutura em forma de "A", pintada de branco e com madeirame envernizado, estava construída afastada da praia, numa elevação coberta de grama muito verde, que lhe dava um aspecto de algo saído das ilustrações de um livro infantil. Era pequena e afastada de tudo, e por isso servia muito bem a seus propósitos. Ou, pelo menos, tinha servido até agora. Naturalmente, se a criança aparecesse de novo, teria que ir embora e procurar outro lugar para ficar. Mas onde?

Balançou a cabeça, trazendo seus pensamentos de volta à segurança da casa. O terraço coberto que dava para o mar levava à sala de visitas, coda em madeira rústica e vigas expostas, e o assoalho encerado estava coberto de tapeies de pele de carneiro. A escada levava ao único quarto e, nos fundos, ficavam a cozinha, o banheiro e uma pequena lavanderia.

Concentrou-se em cada detalhe, e o tempo passou sem que notasse. Adquirira esse hábito nos últimos dezoito meses. Desse modo, podia perder a noção de grande parte de seus dias, o que era um alívio para o sofrimento.

Ao perceber que já estava escurecendo, ela se forçou a voltar à realidade. Tinha que comer alguma coisa e, naturalmente, precisava se preparar para o dia seguinte, quando Maggie e Ben viriam para se certificarem de que ela estava bem. Sabia que Maggie ia querer ver alguma prova de que sua permanência na casa estava sendo benéfica, ou então começaria a insistir para que voltasse.

O fato de morar com eles já estava se transformando numa carga para todos. Não podia continuar se apoiando na irmã de criação. Maggie linha que cuidar de Ben, seu marido, e das duas filhas.

O mais estranho de tudo era que ela não queria realmente se apoiar em ninguém e, ao mesmo tempo, temia ficar sozinha. Desejava simplesmente continuar existindo dentro de um casulo quente e totalmente vazio, onde não tivesse que pensar ou sentir. Não queria olhar para a frente e não podia se permitir olhar para trás. Se começasse a pensar no passado, podia ficar louca novamente, e tinha um medo enorme disso. Apesar de não esperar mais nada da vida, ainda se apavorava com a idéia de voltar àquele negro rodamoinho de horror que, sem piedade, a fazia viver o mesmo pesadelo sem parar.

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Não pense! Não pense!, repetia a si mesma. Esse era o único jeito

que encontrava para se acalmar. Durante aqueles meses, tinha conseguido cultivar um meio quase mecânico de desligar a mente.

Uma campainha tocava em algum lugar e sua insistência a arrancou do devaneio. Sem acender a luz, tateou sobre a mesinha-de-cabeceira, até alcançar o telefone.

— Alô.— Jo? Jo, é você?— Sim, Maggie, sou eu.— Oh, Deus, parece que a acordei! Sinto muito, Jo,

mas precisava avisá-la de que não podemos descer para a praia neste fim de semana. Imagine só. Tracy está com sarampo!

— O quê? Pensei que ela já tivesse tido.— Não, foi Kerry que teve, no começo do ano passado.

Mas, Jo, e você? Está tudo bem aí? — Maggie parecia sinceramente preocupada.

— Sim, estou ótima. Choveu muito e aproveitei para descansar bastante. Talvez. .. talvez eu vá à praia hoje. — Sentiu-se um pouco culpada, pois não tinha a mínima intenção de fazer isso.

— Ah, que bom! Estou contente. — A voz de Maggie veio tão alegre, que Jo sentiu-se mal por ter mentido. — Não está muito solitária, não é? Porque posso deixar Ben com as meninas e ir sozinha.

— Não estou solitária — respondeu, com sinceridade. — Não precisa vir, Mag. Não seria certo deixar Tracy sozinha, e você só iria ficar se preocupando o tempo todo. Estou muito bem, é verdade. Aqui é bem tranquilo.

— Bem, se tem certeza… — Maggie parecia hesitante. — Já viu alguém por aí?

— Não! — Jo respondeu, rapidamente. — Não. Mas esteve chovendo muito.

— Só imaginei que pudesse ter visto alguém da velha casa O'Connor. Sabe, aquela que fica do outro lado da baía e que estava à venda. Mostrei-a a você, quando estávamos chegando.

— Não, Maggie. Não sei se há alguém lá… acho que nem dá para vê-la, daqui.

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— Não. Fica atrás daquela colina cheia de árvores, a que começa depois dos rochedos. Bem, foi só por curiosidade. Ela é linda e tão grande! Ben e eu sempre gostamos dela. Se tivéssemos mais dinheiro, pensaríamos em comprá-la. Acho que vamos ter que nos contentar em fazer uma reforma na nossa. Precisamos de mais uns dois quartos. Já está pequena para a família, e papai gosta de ir, quando estamos todos juntos. Espere um instante, Jo. — Houve um murmúrio abafado no outro lado da linha. — Alô?

— Sim.— Ben está dizendo que o tempo deve estar bom

para pegar mariscos. Lembro-me de vocês dois metidos na água fria, até a cinuira, há alguns anos. Nunca compreendi como alguém pode se divertir desse jeito.

Jo podia ver a irmã estremecendo.— Nós nos divertimos muito, não é? Diga a Ben que

talvez eu vá, se me sentir mais disposta. Acho… acho que ando muito preguiçosa.

— Bem, é para isso que você está aí. Procure descansar bastante. Jo, preciso desligar agora, as crianças estão chamando. Tem certeza de que ficará bem?

— Sim, Maggie, pode ficar sossegada. — Jo procurou mostrar entusiasmo.

— Certo, então. Se tudo estiver bem, nós a veremos no outro fim de semana. Olhe, querida, prometa me telefonar, se precisar de alguma coisa. Oh, Jo, ia me esquecendo!

— Sim?— Eu. .. hã… Jo, Aaron Daniel me ligou ontem…

Instintivamente, a mão de Jo levantou-se para tocar o lado esquerdo

do rosto, os dedos percorrendo a pele franzida que ia da têmpora até o queixo.

— Você não disse a ele onde eu estava, não é. Maggie?

— Não, claro que não. Mas, Jo, por que não telefona a ele, nem que seja para conversar um pouco? Está sempre perguntando por você.

— Não, não posso. Terminei com tudo aquilo. Ele já está sabendo... acabará desistindo.

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— Certo, Jo, se é assim que você quer. — Maggie suspirou. — Ele é uma ótima pessoa. É uma pena.

Quando Jo não deu resposta, Maggie despediu-se e desligou.

Jo pôs o telefone no gancho e ficou olhando para o espaço, seus dedos acariciando a face, sabendo de cor cada dobra da cicatriz. Quando a dor começou a voltar, ela abaixou a mão para agarrar os cobertores.

Não pense! Não pense!, continuou repetindo, como numa ladainha. Obrigou seus pensamentos a voltarem para Maggie e suspirou. Pobre Maggie! Devia à meia irmã muito mais do que poderia calcular. Maggie era, e sempre havia sido, a pessoa mais gentil, mais dedicada, mais verdadeira que conhecia.

Ambas estavam com quinze anos, quando a mãe de Jo, divorciada há cinco anos. casara com o pai de Maggie, que era viúvo. Para as mocinhas, foi tudo muito romântico. Seus pais tinham sido colegas de

escola e se reencontraram numa reunião anual. Seis meses mais tarde já estavam casados e tiveram cinco anos de felicidade, antes da morte da mãe de Jo. Depois de um casamento infeliz com um alcoólatra que maltratava tanto a esposa quanto a filha, a vida familiar que compartilharam com Maggie e o pai pareceu uma bênção do céu.

As duas gostaram uma da outra desde o primeiro encontro, apesar de não poder haver duas adolescentes mais diferentes. Jo era alta e loura, e Maggie, morena e baixinha. Enquanto Jo planejava se tornar uma atriz de teatro, o único sonho de Maggie era casar com seu namorado de infância, Ben Chamberlain, e ter uma família para cuidar. Ambas conseguiram o que queriam.

Ao fazer dezoito anos, Maggie casou com Ben. Dois anos mais tarde, já tinha as duas filhas.

Enquanto isso, Jo frequentava a escola de arte dramática e começava a ser convidada para alguns papéis. Eles foram melhorando pouco a pouco, até que se tornou protagonista de uma peça montada por uma companhia de teatro muito famosa. Foi quando conheceu Mike e. . .

Não pense! Não pense!Agitada, saltou da cama e começou a se vestir,

dizendo a si mesma que precisava manter a calma, que seria bom descer para preparar o café da manhã.

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Mantendo a mente totalmente vazia, Jo tomou uma xícara de café e mordiscou uma torrada. O sol começava a aquecer a casa. Quase sem perceber, dirigiu-se a janela da sala, como uma mariposa atraída por uma chama. Levantando a cortina, olhou toda a extensão da praia e respirou fundo, ao ver que estava vazia. Provavelmente, a criança só tinha vindo passar aquele dia. Não havia motivo para voltar. Sentindo-se mais segura. Jo saiu para o terraço.

Três dias mais tarde, foi à praia. Não poderia dizer o que a fizera sair de casa, mas encontrou-se pisando na areia fofa. antes de perceber conscientemente o que havia feito. O sol estava bastante quente, mas havia uma brisa agradável, e ela foi andando vagarosamente até a água. Parou na areia molhada, deixando as pequenas ondas lamberem seus pés.

Uma vez teve que recuar rapidamente, para fugir de uma onda mais forte, e descobriu-se sorrindo. Respirou fundo, enchendo os pulmões com o ar limpo e salgado, e sorriu novamente, experimentando uma leve centelha no fundo de seu ser, a coisa mais próxima de uma consciência de vida que sentia em vários meses.

Confusa com suas reações, franziu a testa, imaginando como a simples visão da água azul podia aliviar o peso que carregava na alma. Ficou olhando para o mar, acompanhando as evoluções de um pedaço de alga e de peixinhos prateados que surgiam nadando antes de as ondas quebrarem.

— Por que não põe os pés na água?A vozinha veio de perto e Jo gelou, girando devagar a

cabeça, sabendo instintivamente o que ia ver, os músculos do estômago se contraindo dolorosamente. — Ela não está muito fria.

A criança usava o mesmo short, só que dessa vez a camiseta era amarela, com a estampa de um urso dançando com uma tartaruga. Tinha um dos rostinhos mais feios que Jo já vira. Sem querer, comparou-a com Jamie, e aquela raiva antiga voltou para sufocá-la. Por que essa criança feia continuava vivendo, enquanto seu lindo bebê estava morto?

— Vamos, eu seguro sua mão.

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A criança pegou sua mão e puxou-a delicadamente em direção à água, até que as ondas começaram a molhar seus tornozelos.

A criança riu, um som alegre, ingênuo, que tocou os nervos vulneráveis de Jo. Sentiu-se empalidecer e a boca ficar subitamente seca.

— Não é gostoso?Grandes olhos azuis se levantaram para ela e a criança

sorriu, acrescentando um certo encanto a seu rostinho feio. Um dos dentes da frente estava faltando e alguns fios de cabelo castanho escapavam por baixo do chapeuzinho de tecido atoalhado.

Jo olhou para aquela figurinha, captando cada detalhe: os cílios longos, os olhos azuis, o queixinho firme, o modo como o sol tinha clareado os pêlos nos bracinhos finos, o esparadrapo num dos joelhos.

— É gostoso, não acha? — insistiu a criança, seu sorriso diminuindo um pouco, ao perceber a tensão da mulher.

— Sim. Sim, é gostoso.O sorriso da criança se ampliou de novo.— Meu nome é Sam. Qual é o seu?— Jo.Riu, encantada.— Então, nós duas temos nomes de meninos. —

Franziu o narizi-nho. — Na verdade, sou Samantha, mas todos me chamam de Sam. Qual é o seu nome inteiro?

— Joelle — respondeu, depois de hesitar um pouco, sentindo relutância em conversar, mas incapaz de virar-se para ir embora.

— Joelle — a menina repetiu, experimentando o som da palavra. — É bonito. — Olhou para cima. — Você também é bonita. Usa esses óculos escuros porque o sol incomoda os seus olhos?

— Eu… sim. Algumas vezes. — Jo levou a mão ao lenço de cabeça para se certificar se ainda estava no lugar, mantendo os cabelos sobre a face. Deu um passo atrás, e a menina largou sua mão. Sentiu um grande alívio por não estar tocando mais aquela criança, que logo foi seguido por uma ponta de remorso. Era irracional culpar a pobre inocente pela crueldade do destino.

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— Tio Jake também usa óculos, de vez em quando. Seus olhos ficam muito cansados porque ele fica acordado até tarde por causa dos livros. Você mora ali, não é? — Apontou para a casa.

Jo fez que sim, desejando poder escapar, fugir da tortura, da agonia.

— Já vi você lá. Mora sozinha? Jo balançou a cabeça.— Eu… eu tenho que voltar, agora.— Parece uma casa de boneca, não é? — Tio Jake

também acha. Nós viemos andando pela praia, uma dessas noites, e você estava com todas as luzes acesas. Ela parecia flutuar no ar, como se estivesse num tapete mágico. — Os olhos azuis voltaram-se para Jo. — Nós moramos lá do outro lado, naquela casa grande. — Apontou para a outra extremidade da baía. — Tio Jake, Chrissie e eu. Tio Jake disse que precisava ficar longe daquela corrida de ratos. — A menina deu uma risadinha. — Gozado, não? Os ratos não apostam corridas. Por que está aqui sem ninguém?

— Eu.. . eu estou de férias.— Ah… Aqui é muito bonito, não? Tio Jake gosta

porque não há ninguém por perto. As pessoas podem causar problemas e ele não quer um monte de gente se intrometendo na nossa vida. E também não quer ninguém lá em casa. — Deu uma boa olhada em Jo. — Mas você pode ir. Gosto de você e acho que tio Jake também vai gostar. Sorriu.

Jo experimentou um desejo quase irresistível de atirar os braços em volta daqueles ombros magrinhos e apertá-la com força. Mas, naturalmente, só continuou parada, tentando analisar os sentimentos que aquele fiapo de gente estava despertando no fundo de sua alma, sentimentos que imaginava mortos e enterrados, enterrados com Jamie.

O que estava acontecendo com ela? Num instante, parecia se inclinar para um lado e, depois, para o outro. Tudo andava depressa demais, por caminhos que não desejava trilhar novamente.

— Preciso mesmo ir agora — disse, tentando disfarçar a confusão. — Eu... tenho muitas coisas para fazer.

A menininha suspirou de um modo resignado.— Está bem. Você vem à praia outras vezes? —

perguntou, com um ligeiro ar de súplica.

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— Não sei. Talvez. — Jo escolheu as palavras cuidadosamente. — É bem provável. — Ficou com pena da carinha séria, embora se arrependesse, quase que imediatamente, de ter assumido esse meio compromisso.

— Que bom! Então, nós poderemos conversar de novo. Será divertido ter outra pessoa para conversar. Chrissie está sempre ocupada e tio Jake passa um tempão com os livros. Acha que pode vir de novo amanhã? — Os grandes olhos azuis se abriram numa interrogação.

— Bem, talvez. Se eu tiver tempo. Até logo.— Até logo, Jo. — Uma mãozinha se levantou num

aceno. Quando chegou ao terraço, Jo virou-se para olhar para a praia.

A menina continuava onde a deixara e o bracinho levantou-se novamente, num aceno vigoroso.

Nos dois dias seguintes, a criança veio andar pela praia e ficou sentada, olhando para a casa por algum tempo, antes de se afastar, parando de vez em quando para se certificar de que Jo não estava saindo. Oculta pela cortina da janela, ela se debatia entre o desejo de ir a seu encontro e a incapacidade de se mover de onde estava.

No terceiro dia, Maggie ligou novamente, toda agitada, para dizer que, por incrível que parecesse, Ben tinha pegado sarampo também, de modo que a viagem para a praia teria que ser adiada mais uma vez. Talvez fosse pelo pensamento de ficar sozinha um outro fim de semana, mas o fato é que, quando a menina apareceu na praia, Jo foi a seu encontro, antes mesmo de pensar no que fazia. Já estava na metade do gramado, quando a criança a viu. Levantando-se de um salto, limpou as mãozinhas no short e veio correndo pela praia.

— Oi, Jo! — O rostinho parecia brilhar de felicidade. — Pensei que nunca mais viesse. Estava até achando que tinha sonhado com você.

Jo tentou sorrir, o que pareceu agradar à criança, e elas começaram a andar devagar na direção da água.

— O tio Jake voltou ontem. — Sam conversava alegremente. — Ele foi à cidade e me trouxe uma surpresa. Adivinhe o que foi.

— Não posso nem imaginar.— Vou dar uma pista. É uma coisa para se comer. —

Sam enfiou um dedo na boca.

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— Um chocolate?— Não. Mas está bem perto. Quer que eu conte? Jo fez

que sim.Um pirulito. Era redondo, vermelho e branco, e com

vinte centímetros de comprimento. Eu medi com a minha régua. Ainda sobrou um pouco. Quer que eu traga um pedaço amanhã?

— Oh, não. Fique com ele todo para você. Seu tio foi muito bonzinho em lhe trazer o pirulito, não?

— Tio Jake é maravilhoso. Sabe, se eu fosse moça, casaria com ele. — Sam falou muito séria e depois acrescentou: — É verdade.

— Vai ter que dizer isso a ele.— Já disse. — Sam franziu a testa. — Lexie riu de mim

e disse que vou ter que esperar na fila. — Olhou para Jo. — Não gosto de Lexíe. Nunca sei do que ela está falando, e ela também não gosta de mim.

Sem saber como lidar com aquela confidência, Jo hesitou, antes de fazer qualquer comentário, e a menininha continuou:

— Ouvi Lexie dizer a tio Jake que sou o bichinho mais feio que ela já viu. — Sam chutou a areia com o pé descalço. — Gostaria que ela sumisse.

— Pode ser que você não tenha ouvido bem — começou Jo, lembrando-se de sua primeira impressão da criança e sentindo uma pontada de remorso.

Sam encolheu os ombros.— Vamos sentar um pouco, Jo. — Atirou-se na areia e

bateu com a mão no chão a seu lado. Dobrou os joelhos e pôs o queixinho entre as mãos. — Gostaria que conhecesse Lexie. Assim, podia me dizer se ela é mesmo bonita. Tio Jake deve achar que é. Eles estão compo... compome… — Deu um suspiro. — Sabe, eles estão noivos. Pelo menos, parece que estão.

— Eles estão comprometidos — ajudou Jo.— É isso. Eu não ligo para Lexie, quando ela está

perto do tio Jake. Aí, ela é toda boazinha. Mas fica horrível quando ele não está. Não quero que Lexie venha morar com a gente. Sei que ela… — Sam parou e Jo virou-se para olhá-la.

A menina brincou com a areia e depois levantou os olhos.

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— Ela vai me obrigar a apagar a luz quando eu for dormir. — As palavras saíram apressadas e o medo surgiu nos olhos azuis. — Detesto o escuro, a não ser que tio Jake esteja comigo.

— Eu também costumava ter medo do escuro — disse Jo, quase a si mesma, e ambas ficaram em silêncio por alguns instantes.

— Chrissie está fazendo a comida favorita do tio Jake para o jantar de hoje. Ele adora pastelão de carne. — Sam arregalou os olhos. — Ela também fez um pudim de maracujá.

— Hum, parece delicioso.— Ei, quer ir jantar conosco?— Oh, não, acho que não vou poder. E também acho

que seu tio ficaria um pouco aborrecido, se você convidasse uma estranha para jantar. — Jo sorriu, imaginando como esse tio, esse paradigma de todas as virtudes, para Sam, lidaria com uma situação como aquela. Uma risada escapou de seus lábios e foi como se tivesse ouvido uma música. Tinha rido! Uma semana atrás, pensava que nunca sorriria de novo, e agora devia isso àquela menina que, de início, lhe despertara uma sensação de ódio.

— Eu podia ir lá em casa para pedir a ele.— Não, pode deixar, Sam. Vou estar muito ocupada,

esta noite.— O que vai fazer?Antes que pudesse responder, alguém chamou a

menina, quebrando a tranquilidade da cena. As duas se levantaram, olhando para o lado de onde tinha vindo a voz. A menininha sorria, cheia de alegre expectativa, mas Jo permaneceu imóvel, como colada ao chão, assolada por um milhão de temores.

À medida que o homem se aproximava, a uma velocidade que lhe pareceu quase sobre-humana, Jo viu que era alto, bronzeado e musculoso. Usava apenas um short de brim desbotado e tinha pernas fortes e compridas.

O fato de ser muito bonito alertou o subconsciente de Jo. O coração começou a bater loucamente, como um pássaro preso numa gaiola. Num movimento trêmulo, levantou a mão para se certificar de que o lenço estava bem preso no lugar. Sabia que precisava fugir, antes que aquela criatura magnífica chegasse mais perto. Ele

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pertencia àquele outro mundo, o mundo das pessoas bonitas, onde não havia. .. Porém, suas pernas se recusaram a obedecer e começaram a tremer incontrolavelmente.

Agora que ele estava mais perto, Jo podia ver melhor suas feições. Olhos escuros, um rosto forte e bem marcado, um queixo quadrado, lábios bem-feitos, cabelos escuros e cheios, com um pouco de branco nas têmporas, levemente despenteados por causa da brisa que soprava. Era um rosto bonito, mas, naquele instante, estava muito sombrio. O sorriso da menina desapareceu.

— Sam, é melhor ir para casa. Chrissie esteve procurando por você. — Sua voz soava tensa e seu olhar passou da sobrinha para Jo, tornando-se duro como uma lâmina de aço.

— Estivemos conversando, tio Jake.. .— Certo. Já para casa. Eu irei depois — disse ele, o

tom se suavizando um pouco.— Está bem. Até logo, Jo. — Sam falou baixinho e

fez um pequeno aceno, antes de sair correndo pela praia.Nenhum dos dois fez qualquer tentativa de falar, antes

de a criança estar bem longe. Dois metros de areia os separavam e a corrente elétrica que atravessou a distância encheu Jo de um súbito e inexplicável pavor. Reconheceu que suas sensações eram causadas pelo medo, enquanto as dele eram mais complexas, apesar de a emoção prepon-derante ser a raiva, A cor fugiu de seu rosto e, virando-se rapidamente, ela começou a correr na direção da casa.

A areia fofa impediu seu progresso, cansando os músculos de suas pernas, e a respiração ficou difícil. Se ao menos conseguisse chegar logo ao gramado… A mão que veio por trás dela pegou seu braço com força. Jo parou de repente e teria caído, se ele não a amparasse.

— Não tão depressa, sua vagabunda bonita — falou, enquanto ela tentava recuperar o fôlego.

— Me largue! — A voz saiu rouca, desigual. — Me solte!

— Não antes de termos uma conversinha.— Eu. .. eu não quero conversar com você. Me largue!— Ah, não. Vamos conversar. Pelo menos, eu vou

falar e você vai me ouvir. Agora escute, srta. Seja-lá-quem-for. Pode voltar depres-sinha para aquele jornal ou revista

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de escândalo que a mandou para cá e, se ousar publicar uma só palavra sobre minha sobrinha ou sobre mim, juro que vou fazer você pagar cada tostão que ganhar, a vida toda, como indenização! — Seus olhos pareciam perfurá-la e cintilavam com uma raiva mal controlada.

— O quê? Do que está falando? — Os joelhos de Jo começaram a tremer de novo e lhe ocorreu que ele podia ser meio louco.

— Você não está lidando com uma criança inocente, agora. Pode falar claro. — Ele deu uma risada áspera. — E não diga besteiras. Uma só palavra, e eu a quebrarei em dois. Você e seu patrão.

— Está louco! Me largue! — Os esforços de Jo para se libertar não significavam nada para ele. Estava totalmente à sua mercê e, enquanto lutava, foi puxada para muito perto dele, sua mão se encostando no peito nu.

O rosto dele estava tão perto, que ela podia sentir o hálito quente nos lábios, e seu corpo começou a reagir. O homem também parecia excitado, puxando-a ainda mais para perto, para aumentar o contato físico. Jo ficou tonta com aquele turbilhão de sensações inesperadas, mas uma parte de sua mente pareceu se distanciar, olhando para aquela cena com repulsa. Que tipo de mulher era ela? Como podia se deixar levar assim, pelo toque de um homem qualquer, depois de tudo o que havia acontecido?

Afastou-se bruscamente, enojada consigo mesma, arfando com dificuldade, enquanto procurava recuperar o controle. Ele também parecia estar com a respiração acelerada, apesar de não demonstrar qualquer mudança de expressão.

Então, riu, um riso áspero, e ela sentiu um arrepio percorrer a espinha.

— Sabe, acho que fez o jogo errado. Se tivesse me procurado para conseguir uma permissão formal, era bem provável que tivesse conseguido. Estou certo de que daríamos um jeitinho. — Sorriu maliciosamente, não deixando dúvidas sobre o que pensava. — Gosto de uma carinha bonita, e a sua não é de se jogar fora. Por que escondê-la? Vamos dar uma olhada no resto.

Num gesto rápido, ele tirou os óculos escuros de Jo. Ela tentou se esquivar, sentindo o desespero crescer. Tinha que impedi-lo.

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— Não! — A voz saiu quase num soluço. — Não, por favor! O medo aumentou sua força para lutar, e ela puxou a cabeça,

fugindo daquela mão implacável. Ouviu-o rir novamente e, no segundo seguinte, ele arrancava o lenço que prendia seus cabelos.

Eles caíram para a frente numa cascata dourada. Sempre lhe haviam dito que eram o que tinha de mais bonito. Num tom de mel natural, caíam sobre seus ombros como ouro líquido.

Jo virou o rosto, os lábios trêmulos, os olhos apertados contra a luz do sol.

— Ora, ora, não é que ela é mesmo uma beleza? — Pegou-a pelo queixo. — Por que esconder tudo isso? — continuou, obrigando-a a virar o rosto para ele.

Um brilho de resignação surgiu nos olhos azuis de Jo. Todo o desejo de lutar tinha abandonado seu corpo. Nesse instante, numa brincadeira cruel, o vento mudou de direção e, numa lufada mais forte, afastou seus cabelos.

Ela não tentou esconder a face marcada e ficou observando aquele homem, cheia de horror, sabendo que ele reagiria como todos os outros. Sentiu um peso no coração e o sangue lhe gelar nas veias.

Teve a impressão de que aqueles olhos castanhos percorriam em câmara lenta a cicatriz que descia por seu rosto. Há um segundo, eles mostravam uma expressão cruel e zombeteira, misturada com admiração, mas agora sabia que ele estava se controlando para não demonstrar seu choque.

Muito calma e resignada, Jo teve que admitir que o homem se comportava muito melhor do que os outros. Quando sentiu que já não a segurava com tanta força, afastou-se com um gesto firme e tomou a direção da casa, dando dois ou três passos vagarosos, antes de começar a correr, ansiando por voltar a seu santuário para ficar longe dele e de todas as memórias que aquele primeiro olhar de admiração havia despertado.

Porém, não precisava ter corrido nem trancado a porta ao entrar, porque ele não fez qualquer tentativa para segui-la. Quando teve coragem de espiar pela janela, a praia estava completamente deserta.

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CAPITULO II

Naquela noite, os pesadelos voltaram. Ficou acordada por horas a fio, tentando se esquecer daquele rosto moreno e cheio de raiva, que continuava a se materializar diante de seus olhos, desafiando todos os seus esforços para afastá-lo da mente.

A cena na praia teimava em se repetir, enquanto Jo se debatia entre os lençóis quentes. Não havia dúvida de que ele pensava que ela era uma jornalista. Mas por quê? Quem seria aquele homem que imaginava que uma repórter chegasse a extremos para conseguir uma reportagem a seu respeito? Nem mesmo sabia seu nome. Jake. Jake do quê? Podia ser só um apelido, um diminutivo. Era bastante comum. E seu rosto não era conhecido. Nunca o vira antes.

Talvez o tivesse visto e esquecido. Desde o acidente, não era tão positiva sobre muitas coisas, acontecimentos, pessoas, lugares. Mas, na certa, se lembraria de um homem como aquele.

Mais uma vez, o rosto se materializou diante de seus olhos e um tremor percorreu-lhe o corpo. Sentia novamente nos lábios aquele hálito quente, que lhe evocava lembranças sensuais.

Não! Não! Nunca mais queria uma intimidade daquele tipo. A alegria de serem uma só pessoa. A desilusão. A dor da perda. Não pense!, começou a repetir sem parar.

Finalmente, pegou no sono e o pesadelo voltou como sabia que voltaria. Quando começou, Jo tentou acordar para fugir da agonia, mas o cansaço cruel a forçou a se manter na inconsciência e reviu toda a tragédia, como num filme angustiante.

Tudo surgiu em sua mente com infinita clareza: a escuridão que enchia aquelas horas antes do acidente, o mau humor de Mike, a irritação de Jamie e seu próprio aborrecimento, que haviam precipitado tudo. Na verdade, não deviam estar naquela estrada, mas tinham

perdido a entrada para a rodovia e, só ao verem a placa meio amassada, perceberam que era um atalho que subia pela montanha. Consultando rapidamente o mapa, Jo

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descobriu que era uma estrada secundária que ia cruzar a principal, a vários quilómetros de distância.

A pequena discussão que tivera com Mike, ao passarem pelo cruzamento, voltou para acusá-la, assumindo proporções incríveis. Sentado na cadeirinha presa no banco de trás, Jamie começou a choramingar, piorando a atmosfera entre os pais. Com alguma dificuldade, Jo conseguiu acalmá-lo, e continuaram num silêncio tenso e irritado.

Quando o asfalto terminou e o carro começou a rodar no cascalho, molhado por causa da umidade da floresta, ela sugeriu, nervosamente, que seria melhor voltarem, só para ouvir a resposta irada de Mike, lembrando-a de que só faltavam dez quilómetros até a rodovia. Voltar significaria terem que percorrer mais sessenta.

O lado da estrada desaparecia numa encosta íngreme coberta de árvores; instintivamente, Jo procurou ficar mais perto de Mike. Quase todas as noites sentia sua memória voltando ao horror que passara durante aqueles poucos segundos. Nada mais do que segundos, mas suficientes para acabar com tudo o que havia de precioso em sua vida. Por meses e meses, depois daqueles instantes de pavor, ficara deitada na cama de hospital, reprimindo as lembranças sepultadas no subconsciente, não se permitindo pensar nelas.

Alguns disseram que havia sido a mão do destino; outros, a vontade de Deus. Mas o fato era que Jo não encontrava uma explicação. Em sua agonia febril, implorava para saber por quê. Por que salvá-la para essa meia vida, para essa deformação em seu rosto perfeito? E por que Jamie, tão inocente. . .

Quando Mike fez uma curva fechada à direita, Jamie acordou do cochilo e, num movimento brusco, deixou cair o brinquedo favorito, um ursinho de pelúcia. Com um choro cansado, chamou Jo para pegá-lo. Ela soltou o cinto de segurança e, quando se inclinou sobre o banco, um carro que descia a serra entrou na curva em alta velocidade. Os dois automóveis chocaram-se de lado, com um terrível ruído de metal rasgado, e o que descia bateu no paredão de pedra, matando o motorista instantaneamente.

Incapaz de controlar o carro, Mike tentou mantê-lo na estrada, mas ele derrapou sobre a beirada coberta de mato

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molhado. Quando caiu na ribanceira, Jo foi atirada para longe, enquanto Mike e Jamie rolavam dentro dele, presos pelos cintos de segurança.

Ela ficou inconsciente por horas. Agora, em seu pesadelo, revivia aqueles instantes, quando abriu os olhos na escuridão, sentindo a chuvinha fina bater no rosto e paralisada pelo horror de não saber onde estava, ou como tinha ido parar sobre a terra molhada. Um milhão de pensamentos horríveis surgiu em sua cabeça naqueles pri-meiros segundos.

De início, pensou que estava cega. Quando tentou ficar em pé para sair dali, seu corpo se recusou a se mover e teve certeza de que estava paralítica.

Jo gritou no sono, debatendo-se sob os lençóis molhados de suor.

Um pouco depois, no pesadelo, começou a subir pela encosta, engatinhando por entre as árvores e os arbustos, até alcançar o cascalho áspero da estrada. Não sabia exatamente onde estava nem quanto tempo levara para alcançar o topo. Estava muito ferida, o braço direito quebrado em vários lugares, as costelas trincadas, o baço rompido e o lado esquerdo do rosto cortado por um galho de árvore que impedira sua queda até o fundo da ravina. Mas não sentia dor. Todo seu corpo parecia entorpecido, ou talvez sua mente simplesmente tivesse alcançado o ponto máximo de sofrimento e se desligado.

Mais tarde, descobriram que ela se arrastara por uns trinta metros. Ao chegar à estrada, começou a descer, talvez por sentir automaticamente que seu progresso era mais fácil.

Quase deu de encontro com o carro, que rolara pela encosta, caindo numa outra parte da pista, Tateando, descobriu a porta do lado do motorista e tentou abri-la. Quando passou a mão pela janela aberta, encontrou o corpo caído sobre o volante. Outro grito de desespero escapou da sua garganta, ao perceber que ele estava morto.

Podia ouvir a si mesma resmungando de modo incoerente, enquanto lutava com a maçaneta. Desistindo, procurou a porta de trás, quase caindo, quando ela se abriu repentinamente. Com gestos febris, tateou o banco, sem encontrar nada, nem compreendendo muito bem por que

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chorava desesperadamente. Só sabia que sentia uma enorme perda. Fugindo do carro amassado, começou a correr, soluçando. A dor física não significava nada, comparada com uma agonia muito mais terrível que rasgava seu corpo, causada por um motivo que seu cérebro atordoado não conseguia compreender.

O Sol estava começando a surgir no horizonte, quando um carrinho velho veio roncando pela estrada e freou perto dela. O motorista deve ter levado o maior susto da vida, ao ver aquela figura lamentável cambaleando pelo cascalho. Ted Marsden. Lembrava-se do nome até agora, ainda podia ver seu rosto enrugado, enquanto saía do automóvel para socorrê-la. Porém, não se recordava de ele tê-la colocado no banco e levado para sua casa, onde a mulher lhe prestara os primeiros socorros e ele chamara a ambulância.

Em seu sono inquieto, ainda podia ouvir a conversa aflita dos dois, tentando imaginar o que acontecera, e sua própria voz balbuciando algumas palavras que pareciam soar como "'o banco de trás".

Jo foi internada com uma amnésia temporária. Só um mês depois, Maggie contou-lhe que Mike e Jamie tinham morrido instantaneamente, naquela noite. O menino fora encontrado sob o banco da frente, perto do pai. A essa altura, grande parte de sua vida estava voltando à sua memória, mas, por duas semanas, ela continuou garantindo a Maggie que não conhecia ninguém chamado Mike ou Jamie. Um ursinho de pelúcia salvara sua vida e foi um outro ursinho que a fez dar o último passo para a insanidade.

Ocupava um quarto particular e só a irmã e o cunhado tinham permissão para visitá-la. Um dia, estava sentada na cama, com o rosto ainda enfaixado e o braço e as costelas engessados, quando a porta se abriu e uma mulher entrou, logo se desculpando por ter vindo ao quarto errado. Porém, Jo não ouviu uma palavra do que ela disse. Seus olhos estavam fixos na criança a seu lado, uma criança segu-rando um ursinho de pelúcia.

Todos os pedaços de memória que estavam faltando entraram no lugar naquele momento de agonia, rasgando sua alma com garras de aço. Mike, seu vestido de noiva, a igreja, risos, alegria. Uma outra cama de hospital e um anjinho rosado em seus braços, um menininho

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engatinhando pelo chão, com grandes olhos azuis e cachinhos dourados. E o barulho terrível de metal se rasgando, enquanto ela tentava pegar o ursinho.

Seu grito fez aparecer enfermeiras de todos os lados, e, mesmo enquanto o sedativo já devia estar fazendo efeito, ela continuava a chamar por Mike, pedindo-lhe para tirar Jamie do carro. Pouco a pouco, os gritos foram se transformando num choro desesperado pelo filhinho morto.

Jo acordou soluçando. As roupas da cama estavam molhadas, e seu corpo, coberto de suor. Há três meses que não tinha mais aquele pesadelo. Imaginara estar livre dele para sempre.

No entanto, agora sabia que não. Começou a tremer dos pés à cabeça. Teria que suportá-lo pelo resto da vida? Qualquer incidente mais emocional, como aquele ocorrido na praia, desencadearia tudo novamente? Cobriu o rosto com as mãos. Oh. Deus, livre-me disso! Por favor, não deixe que uma coisa dessas aconteça comigo!

CAPITULO III

Nos dias que se seguiram, Jo mal comeu ou dormiu. Seus maxilares começaram a ficar proeminentes e as olheiras a faziam parecer ainda mais pálida e doente, apesar de não estar dando a mínima importância para a aparência.

Voltou a ficar horas e horas sentada, olhando para o vazio, forçando a mente a não pensar em nada. Em algum lugar de seu consciente, como a última centelha de uma luz, sabia que tinha que fazer um esforço para sair da depressão, antes que ela se instalasse mais profundamente, fazendo-a voltar àqueles meses horríveis, quando mergulhara num vácuo escuro e sem fim.

Podia se levantar e telefonar para Maggie. Ela viria imediatamente. Maggie conversaria com ela c a faria voltar à realidade. Maggie saberia como agir.

Não! Tinha que aprender a usar seus próprios recursos, sua própria força de vontade. Precisava ser independente. Força de vontade, independência. Onde estavam elas? Usando um resto da antiga determinação,

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levantou-se e foi para a cozinha. Sem parar para pensar, pôs a chaleira no fogão e pegou uma xícara.

Enquanto esperava o chá ficar pronto, foi para o banheiro e começou a escovar os cabelos, deixando-os cair livremente em volta do rosto, lembrando-se de como costumava ser, das fotografias que apareciam nas revistas de cinema e televisão. Um rosto perfeito, sem aquela cicatriz selvagem. . .

Não pense! Não pense! Seus reflexos começaram a ladainha e ela voltou para a cozinha. A xícara estava em suas mãos, o aroma forte e quente brincando com seu estômago, fazendo-a lembrar-se de que estava com fome, quando um ruído leve a deixou imóvel, gelada. Alguém estava batendo na porta da frente.

Maggie! Jo deu um passo e depois parou. Não, Maggie telefonaria primeiro. A respiração ficou presa na garganta. Ele não se atreveria a vir até ali. Não, não. A batida era fraca demais. Ele seria muito mais agressivo.

— Jo? Jo? Você está em casa? — chamou a vozinha. — É Sam.

Colocando a xícara sobre o balcão, que servia de mesa e bar, Jo andou até a porta e abriu-a.

— Alô, Jo. — Uma expressão preocupada surgiu no rostinho feio, enquanto a menina mudava o peso do corpo de um pé para o outro. — Está doente?

_ Oh, não, Sam… estou ótima — respondeu, hesitante. A menina tirou a mão de trás das costas e mostrou um saco de papel.

— Tio Jake mandou isto de volta: seu lenço e seus óculos escuros. Ele me disse para pedir desculpas por ter ficado com eles.

Jo ficou olhando para o pacote, antes de pegá-lo.— Obrigada.— Tudo bem. — Sam inclinou a cabeça para o lado,

como se estivesse muito curiosa, mas não disse nada. — Há uma carta aí dentro para você ler. É do tio Jake, eu pedi a ele para escrever.

Jo segurava o pacote como se ele fosse explodir a qualquer momento, enquanto tentava adivinhar o que aquele homem revoltante poderia ter escrito. Sua vontade era atirar tudo para bem longe.

— Você não vai abrir?

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— Sim, é claro. É melhor entrar. — Jo afastou-se da porta e a menina entrou, com os olhos arregalados, examinando tudo à sua volta. — Eu ia tomar uma xícara de chá. Quer um pouco de leite? Um refrigerante?

— Eu gostaria de um pouco de chá também. De vez em quando, tomo uma xícara com Chrissie. — Subiu no banquinho.

— Tio Jake toma café.Jo sentou-se de frente para Sam, olhando a sacola de

papel sobre o balcão. Era melhor resolver logo o assunto. Com um gesto decidido, pegou o pacote, notando o olhar curioso da menina. A folha de papel estava dobrada e, quando a abriu, as três palavras foram como um soco no estômago. Mordeu o lábio trémulo.

"Prezada srta. Brent".Então, ele sabia quem ela era."Prezada srta. Brent:Minha sobrinha gostaria de convidá-la para jantar, esta

noite às seis e meia. Se não tiver transporte, minha governanta, sra. Christiansen, irá buscá-ia. Infelizmente, estarei ocupado na cidade e não poderei voltar a tempo."

Estava assinado: "J. Marshall".— Você vai, não é, Jo? Por favor! — A voz de Sam

cortou seus pensamentos e ela afastou o olhar da caligrafia ousada para o rosto miúdo da menina. — Chrissie é uma ótima cozinheira. Pedi a ela para fazer um pudim de maracujá. Lembra que eu falei dele?

— Não sei, Sam. Não costumo sair muito. Estive doente… — Vendo a decepção no olhar de Sam, Jo acrescentou, quase sem perceber: — Por isso, não vou poder voltar muito tarde.

— Que bom! — O rosto de Sam se iluminou num grande sorriso e ela escorregou do banco para passar os bracinhos em torno da cintura de Jo. — Vamos nos divertir muito. Vou lhe mostrar Snuffy… é o meu gatinho. E Betsy, minha boneca, e todos os meus brinquedos. Acha que vamos ter tempo para ler uma historinha? — Falava ani-madamente, sem poder adivinhar o tumulto de emoções dentro de Jo. — Minha mamãe costumava ler muitas histórias para mim.

De início, ao sentir o toque da criança, Jo ficara gelada. Porém, num gesto instintivo, seus braços se levantaram

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para envolvê-la. De repente, Sam estava sentada em seu colo, e um soluço subiu à sua garganta, ao se lembrar de um outro corpinho frágil e do cheiro de cabelinhos limpos e macios. Uma lágrima escorreu por sua face. No mesmo instante, uma grande preocupação apareceu no olhar da menina.

— O que foi, Jo? É por causa de seu rosto? — Franziu a testa, numa expressão de compaixão quase adulía. — Tio Jake me disse que você tem um machucado. Dói muito?

— Não. — Jo falou com dificuldade. — Não, não dói.Sam levantou a mão para os cabelos louros de Jo,

afastando-os para trás, e depois passou os dedos suavemente pela cicatriz.

— Como foi que aconteceu?Ninguém tocara em sua face, depois de ela sair do

hospital. Só os dedos de Jo percorriam aquela marca, conhecendo cada dobra, cada sulco. Sentiu vontade de arrancar aquela mãozinha dali, mas só a cobriu com a sua.

— Foi um acidente de automóvel — respondeu, finalmente.

— Ah! E o doutor não pôde consertar?— Não. Agora faz parte de mim e tenho que aprender

a viver com isso. — Jo falou distraidamente, lembrando-se das palavras de Maggie: "Se não vai deixá-los fazerem a plástica, Jo, terá que: aprender a viver com isso".

— Não precisa ficar triste, Jo. Mal dá para se ver, quando o

cabelo está por cima. — Sam deu-lhe uns tapinhas no braço, num gesto de consolo. — Por favor, não chore… Você ainda é a moça mais bonita que já vi na vida.

— Oh, Sam! — Engasgou com um soluço e abraçou-se à menina, sentindo um prazer agridoce naquela agonia. Quantas vezes apertara o corpinho de Jamie contra o seu, consolando-o, amando-o, derramando sobre ele todos os sentimentos de uma mãe por seu filho, toda a ternura que, de algum modo, ela e Mike tinham perdido pelos caminhos da vida...

Com um pouquinho de imaginação, podia quase se permitir acreditar que esse fiapo de gente era Jamie, aquele menino bonito, de olhos azuis, cachinhos dourados e sorriso encantador. Afastou-se de Sam, quando seu estômago começou a se contrair dolorosamente. Não. Jamie estava

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morto e nada, nem ninguém, poderia trazé-lo de volta. Nem mesmo essa criança pura e inocente, que agora a abraçava com tanto carinho. Num gesto firme, Jo tirou os bracinhos do pescoço.

— Nosso chá está esfriando — disse, desviando o olhar do rosto de Sam. — Acho… devo ter alguns biscoitos por aqui. — Procurando no armário, encontrou um pacote e ofereceu-o à menina.

— Obrigada. Não vai comer também?— Não, não quero.— Você vai escrever uma carta para eu levar para o

tio Jake? — perguntou Sam, depois de comer dois biscoitos e tomar um gole de chá, com um ar muito adulto.

— Oh. sim, seria bom.Jo foi buscar uma caneta e uma folha de papel e ficou

olhando para eles sem ver. A imagem de Jake Marshall apareceu diante de seus olhos e o coração começou a acelerar. Podia ver a expressão de raiva se transformando em admiração. Piscou com força para afastar aquela visão e acalmar os nervos.

— Não consegue pensar no que dizer? — A voz de Sam interrompeu suas fantasias e Jo olhou para o rostinho inquiridor, — Tio Jake também levou um tempão para escrever para você. Ele ficou assim. — Sam franziu a testa.

Jo sorriu ligeiramente e respirou fundo."Prezado sr. Marshall", escreveu, sentindo os dedos

rígidos, desacostumados a usarem a caneta, terei muito prazer em jantar com sua sobrinha. Tenho meu próprio transporte, obrigada."

Pensou um pouco, antes de assinar, mordendo a ponta do dedo, desejando que ele não a tivesse reconhecido. Era o poder da propaganda, pensou, tristemente. Já há dois anos que fizera aquele anúncio, mas Jake Marshall ainda se lembrava do rosto que vendera milhares de dólares de um conhecido sabonete.

Finalmente, tomou uma decisão e escreveu: "J. Harrison". Talvez ele pensasse que estava enganado, que ela não podia ser Joelle Brent, ex-modelo. Ex-atriz. Ex-esposa. Ex-mãe. Ex-tudo. Sua mão tremia ligeiramente, ao dobrar a folha de papel e ao dá-la para a menina.

Sam guardou-a cuidadosamente no bolso da calça e sorriu.

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— Bem, acho melhor eu ir, agora. — Tomou um último gole de chá. — Tio Jake me disse para não demorar, porque ele tem que ir para a cidade. — Escorregou do banco e saiu correndo para a porta. Virou-se, antes de sair. — Acho que ele vai ver Lexie. — Franziu o narizinho. — Chrissie diz que os homens gostam de passear com moças de vez em quando. Acha isso certo, Jo? — perguntou, gravemente, com a cabeça inclinada para o lado.

— Sim, é bastante comum. — Jo escolheu as palavras com cuidado.

— Não sei por que ele sai com Lexie. Ela é horrível!— Oh, Sam, isso não é bonito de dizer. A menina deu

um suspiro.— Acho que não. Fui mal-educada, não? Mas é que

gosto muito do tio Jake. Ele é bonzinho… como você, Jo. — Sorriu e acenou em despedida. — Até de noite!

Já estava escurecendo quando Jo entrou no carrinho velho. Olhando para as nuvens cinzentas e pesadas, girou a chave na partida. Teve que apertar várias vezes o acelerador para o motor pegar, e ele resfolegou como em desagrado, enquanto subia a colina até a estrada que acompanhava a costa. Dirigindo devagar para não forçá-lo, Jo tomou a direção da velha casa O'Connor, como Maggie a chamava.

Maggie… Esperava que a irmã não telefonasse, enquanto estivesse fora. Tentara ligar várias vezes, antes de sair, mas a linha estava sempre ocupada. Por causa do sarampo, Ben devia estar cuidando dos negócios em casa.

Sentiu um estremecimento, quando entrou na alameda, estacionando o carro perto da enorme casa térrea que parecia ter uma ampla varanda em todos os lados. Ia bater, mas Sam veio correndo pelo gramado e atirou os braços em volta de sua cintura.

— Oi, Jo! Puxa, como é bom ver você aqui! — Pegou a mão dela. — Sabe? Você é a primeira amiga que convido para jantar.

— Eu… eu também estou muito contente. Faz… faz bastante tempo que não saio para jantar fora.

Sam sorria alegremente, enquanto subiam os degraus que levavam à varanda. Uma mulher baixinha apareceu na porta, limpando as mãos no avental. Os cabelos grisalhos estavam presos num coque e sua roupa parecia fresca e

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imaculada. Com a mesma alegria de Sam, estendeu a mão para Jo.

— Chrissie, esta é minha amiga Jo — disse a menina, cheia de

orgulho.— Muito prazer. Sou Joan Chnstiansen.— Joelle Harrison, sra. Christiansen. — Jo sorriu e,

percebendo os músculos da boca ainda tensos, levou a mão ao rosto, para verificar se os cabelos estavam cobrindo a cicatriz.

— Pode me chamar de Chrissie.. . como todos. Posso chamá-la de Jo? — Afagou a cabeça da menina. — Sam fala tanto em você, que duvido que pudesse chamá-la por outro nome.

Entraram no vestíbulo, de onde saía um corredor que devia dar para os quartos. Logo à frente ficava a sala de visitas, com uma janela panorâmica, e depois a sala de jantar e a cozinha.

— O jantar estará pronto dentro de uns dez minutos — disse Chrissie. — Sam, querida, leve Jo para a sala de visitas. Eu aviso quando a mesa estiver servida.

Jo colocou a bolsa e o casaquinho sobre uma das confortáveis poltronas e foi até a janela. Apesar de já estar bastante escuro, ainda podia ter uma boa vista da praia. A área escura à sua direita era a colina coberta de árvores que ocultava sua casa.

— Bonito, não? — perguntou Sam, ajoelhando-se no braço da poltrona para poder acompanhar o olhar de Jo.

— Sim, muito bonito. Faz tempo que estão morando aqui?

O rostinho de Sam pareceu empalidecer subitamente e um lampejo de medo surgiu nos olhos azuis.

— Faz. — Começou a mexer no tecido do estofado. — Tio Jake me trouxe para morar com ele e já estivemos em muitos lugares. Mas gosto mais daqui.

— Pois acho que você tem muito bom gosto. — Jo forçou sua voz a ficar mais alegre e a menina pareceu relaxar.

— Adoro brincar na praia, mas sozinha não tem muita graça. — Deu um suspiro exagerado. — Tio Jake às vezes vem fazer castelos de areia comigo, mas quase sempre está muito ocupado com seus livros. — O sorriso iluminou

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novamente o rostinho. — É tão bom ler alguém para falar, como você, Jo, e tio Jake disse que agora posso conversar quanto quiser. Quer ver meu quarto? Vamos, vou lhe mostrar meus brinquedos. — Sam já estava pegando a mão dela para levá-la, quando Chrissie veio chamar.

— O jantar está servido. Você vai ter que deixar a apresentação de suas bonecas para depois, queridinha.

Quando chegou a hora de Chrissie servir seu tão recomendado pudim de maracujá, Jo percebeu que estava se divertindo muito. Há anos não se sentia tão relaxada. Nem uma vez sua mão se levantara para tocar a cicatriz, e esse pensamento a fez ficar quase feliz. Quem sabe estaria dando os primeiros passos para voltar a ser dona de si mesma? Poderia começar a pensar em ser uma pessoa inteira novamente?

Chrissie não fez nenhuma pergunta pessoal durante a refeição e, como o único tópico da conversa de Sam parecia ser seu querido tio Jake, Jo pouco a.pouco foi se habituando a ouvir seu nome sem sentir aquele mal-estar no estômago,

Depois do jantar, da insistiu em ajudar Chrissie com a louça, enquanto Sam ia guardando tudo com um ar de responsabilidade. Ao terminarem, passou uma ou duas horas no quarto da menina, sendo apresentada a todas suas bonecas e bichinhos de pelúcia, vendo brinquedos e os pequenos tesouros escondidos em gavetinhas. Às nove horas, Chrissie veio avisar Sam de que era hora de vestir o pijama e ir dormir.

— Quer ler uma história para mim, Jo? — pediu a menina, com os olhos muito brilhantes, enquanto se acomodava nos travesseiros.

— Não, Sam. Acho que Jo já está cansada de tanta conversa — começou a governanta.

— Oh, não, nada disso! — Jo apressou-se a interrompê-la, quando viu a decepção no rostinho da garota. — Vou ler, sim; só não quero atrasar sua hora de dormir.

Sam sorriu e tirou um livro meio rasgado da estante que ficava sobre a cama.

— Oh, não faz mal. Tio Jake me disse que esta seria uma noite especial, porque você ia estar aqui. — Folheou o livro procurando a história que queria e deu-o a Jo. — É a minha favorita, O Príncipe Feliz.

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— Vou fazer uma xícara de chá para nós duas, Jo — disse Chrissie, baixinho. — Quando terminar de ler, deixe o abajur aceso e depois venha para a cozinha.

Quando Jo terminou de ler a triste história do príncipe, viu que as pálpebras de Sam já estavam pesadas. Sonolenta, ela a abraçou, encostando a cabecinha em seu ombro.

— Foi lindo, Jo. Muito obrigada por ler para mim.Um turbilhão de sensações, um misto de dor e prazer,

percorreu o corpo de Jo, e ela fechou os olhos para combatê-lo, segurando a menina contra o peito, esforçando-se para não pensar em Jamie. Porém, uma lágrima escapou, escorreu pelo rosto e caiu no braço

de Sam.— Não chore, Jo — disse a menina, passando

delicadamente a mão em sua face. — Quando chorei por causa do príncipe, tio Jake disse que eu não devia ficar triste porque a história significa que o amor continua para sempre, mesmo quando as pessoas se separam.

Jo abraçou-a com mais força e depois ajeitou os cobertores. Sussurrou um boa-noite e quase saiu correndo. Quando se viu no corredor, apoiou-se na parede para não cair.

Como tinha sido idiota em vir! Devia saber o que ia acontecer. A criança a fazia recordar-se de tudo e, o que mais temia, lhe mostrava o que perdera.

Levou a mão ao rosto, tocando a cicatriz. Podia aprender a viver com ela, mas viver sem Jamie.. . Não pense! Não pense!, repetia em silêncio, enquanto respirava fundo. Afastou-se da parede e começou a andar peio corredor, meio cambaleando. Precisava sair dali, tinha que voltar para casa.

— Ah, você está aí. — Chrissie veio em sua direção. — Venha, vamos tomar nosso chá.

— Eu… eu… já está tarde. Acho que devo ir para casa.— É melhor esperar um pouco, meu bem. Está

chovendo muito. Vai ficar ensopada, só em ir até o carro.Jo percebeu que o ruído que ouvia não estava dentro

de sua cabeça; era a chuva batendo no telhado.— Que pena estarmos tendo um tempo tão ruim…

Chuva na praia é tão deprimente, não acha? — Chrissie começou a andar para a cozinha e Jo seguiu-a, com

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relutância. — Espero que melhore um pouco amanhã. Como gosta do chá?

— Só com açúcar, por favor. — Jo sentou-se, respirando fundo. Chrissie serviu o chá e colocou a xícara sobre a mesa.

— Pronto. Você parece um pouco pálida. Não está se sentindo bem?

— Não, estou ótima. .Deve ser cansaço. — Apertou a xícara, tentando aquecer os dedos gelados.

— Espero que Sam não a tenha cansado demais. Olhe, se ela começar a exagerar, é só dizer, e terei uma conversinha com ela. Jake ficaria aborrecido, se soubesse que Sam está sendo inconveniente.

— Oh, não, ela não é nenhum incômodo. Eu me diverti muito, esta noite. — E era verdade, pelo menos até a hora em que linha se despedido da menina. — Ela.. . ela é um amor.

— É mesmo, coitadinha.. . — Chrissie balançou a cabeça. — Perder os pais daquele jeito e ainda… — Parou e tomou um gole de chá, — Oh, Deus, já estava começando. Jake detesta comentários. — A governanta procurou mudar de assunto. — Sabe, até levei um susto, quando Sam voltou da praia dizendo que tinha estado brin-cando com Jo. No início, pensei que tivesse arranjado um amiguinho. Nem posso lhe dizer como fiquei contente. Geralmente, ela é muito tímida com estranhos, mantém-se fria, afastada. Isso me preocupa muito. A pobrezinha precisa de mais companhia do que eu e Jake podemos dar. — Chrissie parou de falar para servir mais chá para as duas, — Claro, Jake precisa tomar muito cuidado — continuou.

— Teve um trabalho enorme, todo este ano, para manter os repórteres afastados. Foi por isso que ficou tão perturbado, quando voltou para casa e eu lhe disse que "o tal Jo" de quem Sam tanto falava era uma mulher, e muito bonita, de acordo com a menina. Ele só sossegou quando teve certeza de que você não era jornalista. Faz sete meses que estamos aqui, e só ultimamente conseguimos relaxar um pouco.

— Balançou a cabeça, tristemente. — Foi terrível. Jake quase ficou maluco.

— Para falar a verdade, pensei que ele era meio doido, quando veio falar comigo na praia. — Jo tentou sorrir.

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— Acho que me pegou de surpresa. Estava tão... tão furioso. . .

— Posso imaginar. — Chrissie deu uma risada. — Jake pode ser terrível, quando se trata de sua privacidade. . , e é plenamente justificável. A tragédia, em si, já foi muito grande para ter que aguentar as perguntas e flashes, toda vez que põe a cabeça fora da porta.

— O que aconteceu? Teve a ver com os pais de Sam?— Não ouviu falar? Esteve em todos os jornais e

noticiários da TV.— Não me lembro. — Jo fixou o olhar na xícara. —

Eu… bem, estive doente, no ano passado, de modo que não acompanhei as notícias e… coisas desse tipo.

— Oh… — Chrissie fez uma pausa, como se tentasse decidir se contava ou não. — Acho que não fará mal eu lhe contar. Afinal, muito poucos não sabem o que aconteceu. O irmão de Jake, pai de Sam, era repórter de televisão e estava sempre viajando para todos esses lugares distantes, cobrindo acontecimentos políticos, revoluções, desastres, essas coisas. Há pouco mais de um ano, os dois, ele e a mulher, foram mortos num desses atos terroristas no Oriente Médio. — Oh, Deus, que horror! — disse Jo, baixinho.

— Sam estava com eles e se salvou por milagre. Jake pegou um avião e foi buscá-la. A menina passou semanas sem dizer uma palavra, mas ele foi perseverante e não desistiu, até ela sair do choque, pobrezinha. Jake tem sido maravilhoso e a ama como se fosse sua própria filha. — Chrissie passou a mão pelos olhos para enxugar algumas lágrimas.

Jo estava tendo um pouco de dificuldade para reconhecer tantas virtudes naquele homem que a tratara com tanta grosseria na praia. Quanto a Sam. . .

— Bem, chega deste assunto, E você, Jo? — A governanta mordeu uni pedaço de bolo.

— Oh. Bem.. . não há muito que dizer. — Sentiu seu rosto ficar vermelho e instintivamente levou a mão aos cabelos para ver se estavam no lugar.

— Não pude deixar de notar a cicatriz. — O rosto da outra mostrava compaixão. — Foi algum desastre de automóvel?

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Gelando, Jo teve que lutar com aquela ânsia inevitável de gritar que não queria tocar no assunto, que não queria nem pensar no que acontecera. Olhou para a porta c pensou em sair correndo. No entanto, a mulher continuava tão calma e atenta, que aquela tranquilidade funcionou como um bálsamo. Até agora, só Maggie tinha possuído essa qualidade, e, pouco a pouco, Jo sentiu os músculos relaxarem.

Colocou a xícara sobre a mesa com mãos trêmulas e ouviu a si mesma responder:

— Sim, foi um acidente de automóvel.— Deve ter sido muito traumatizante — falou Chrissie,

cheia de simpatia. — Mas, sabe?, eu nem teria notado a cicatriz, se Sam não tivesse me contado. Seus cabelos a escondem muito bem, imagino que vai fazer uma plástica, não é?

Os dedos de Jo repetiram a viagem pelo sulco e ela franziu a testa, tentando afastar todas as associações dolorosas.

— Não sei. Eu… não há nada decidido ainda.— Entendo. Claro que sua família. .. — Chrissie

interrompeu-se, um pouco embaraçada: — Lá vou eu de novo, bisbilhotando! Por favor, desculpe-me. Sou uma velha metida e minha única desculpa é que gosto das pessoas e procuro me interessar por elas.

— Está bem, não há o que perdoar. Acho que estou um pouco enferrujada, quando se trata de conversar. Desde.. . desde o acidente, eu.. . — Jo engoliu em seco. — Estou encontrando dificuldades em fazer minha vida voltar aos eixos e parece estranho falar de mim mesma. A única pessoa com quem converso sobre o que aconteceu é Maggie, minha meia irmã. Meu padrasto, o pai de Maggie, ela, o marido e as duas filhas são minha única família. — Engoliu em seco novamente. — Meu… meu marido morreu no acidente.

Pronto, já tinha falado. Agora, só precisava contar a Chrissie que seu filho também tinha morrido. Fale!, dizia alguma coisa dentro dela. Fale bem alto!

Não! Não pense! Não pense! Seus reflexos voltaram a gritar e ela torceu as mãos, até sentir a aliança machucando a carne.

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— Pobrezinha, que coisa terrível! — estava dizendo a governanta, cheia de compaixão. — Há quanto tempo foi isso?

— Há… há quase dezoito meses.Chrissie viu a palidez de Jo e inclinou-se para tocar seu

braço.— Sinto muito. Espero que não tenha ficado muito

nervosa por eu ter tocado no assunto. Quer outra xícara de chá? Posso fazer um fresquinho.

— Não, obrigada. Preciso ir embora. — Levantou-se, pesadamente.. — É tarde e acho que a chuva já amainou um pouco.

— Sim, está bem melhor. — Chrissie também se levantou. — Tenho um guarda-chuva de sobra. Pode usá-lo. Vai precisar dele para entrar e sair do carro. — Foi procurar o guarda-chuva e entregou-o a Jo. — Muito obrigada por ter vindo. Fiquei muito contente. Agora que sabe onde moramos, espero que volte outras vezes.

— Obrigada pelo jantar. Estava delicioso. — Jo vestiu o ca saquinho.

— Oh, eu adoro cozinhar. E, Jo, muito obrigada por Sam. Você fez um bem enorme à menina. Acho que agora entendeu por que Jake estava tão preocupado, quando foi procurá-la.

Uma onda de culpa tomou conta de Jo, ao se lembrar de sua pri meira reação ao ver a criança na praia. Estava tão envolvida em si mesma e na própria dor que nem lhe passara pela cabeça que a menina podia estar sofrendo também.

O ronco de um motor suplantou o barulho da chuva e dois raios de luz iluminaram as folhagens.

— Oh, é Jake! Ele chegou cedo.As palavras da governanta encheram Jo de pavor, e

um desejo quase histérico de escapar a fez desejar sair correndo pela escuridão.

No entanto, estava logo atrás de Chrissie, que continuava parada na porta, e não poderia passar por ela sem empurrá-la. Ficou - imóvel, agarrando o guarda-chuva, vendo a figura alta sair do carro, levantar a gola do paletó e alcançar a varanda com aiguns passos longos e seguros.

Para Jo, os segundos seguintes foram um turbilhão de imagens incoerentes, como pedaços de filme. Jake Marshall,

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parecendo enorme perto delas. Jake Marshall abrindo o paletó para sacudir os pingos de chuva. A impressão de força dos ombros largos, moldados no pulôver bege que usava.

Seus olhos encontraram os dela, e Jo abaixou o rosto, tentando controlar o nervosismo.

— Que surpresa, Jake! — disse Chrissie, sorrindo. — Pensei que fosse ficar na cidade por causa da chuva.

— Não estava tão forte, quando saí. — Falou com a mesma voz profunda da qual Jo se lembrava tão bem. — Nesta última meia hora, tive que vir quase me arrastando. — Virou-se para Jo. — Como vai, srta. Brent?

Chrissie olhou para ela, intrigada.— É.. . é Harrison, Joelle Harrison — Jo disse

rapidamente.Ele inclinou ligeiramente a cabeça, sem desviar o

olhar. Ela sentiu as pernas ficarem fracas e teve certeza de que Jake podia ver o que havia no fundo de sua alma.

— Tenho que ir, agora. — Tentou abrir o guarda-chuva, mas ele se recusou a obedecer a seus gestos nervosos.

Jake tirou-o das mãos dela e abriu-o com aparente facilidade.

— Vou acompanhá-la até o carro — disse, segurando o guarda-chuva, de modo que ela teve que ficar bem perto.

Seus braços se tocaram, e Jo sentiu um arrepio na espinha. Sua mão tremia, quando abriu a porta do carro. Algum tempo depois, teve que concordar com ele em que o motor não ia pegar.

— Talvez haja uma condensação no distribuidor — sugeriu Jo, olhando para ele, parado ao lado da porta, a chuva caindo em cascata pelo guarda-chuva. — Vou… vou tentar limpar.

— Vou levá-la para casa e amanhã darei uma olhada — disse Jake, com firmeza.

— Oh, não… eu não poderia aceitar.A mão forte se fechou sobre seu braço e, antes que ela

pudesse dizer outra palavra, já estava fora tio carro e ele guardando as chaves no bolso. Depois de colocá-la em seu próprio carro, foi até a varanda Para falar com Chrissie. Finalmente, acomodou-se atrás do volante do luxuoso

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BMW. A chuva ficara ainda mais forte, formando quase uma parede de água.

Jo apertou as mãos no colo, desejando não estar tão consciente de cada movimento que ele fazia. Com gestos firmes e suaves, manobrou o automóvel e entrou na estrada, dirigindo devagar pela curva da baía. Ela fechou os olhos com força, usando todos os seus recursos para apagar a lembrança daquela outra viagem de carro pela noite chuvosa e suas terríveis consequências. Depois do que lhe pareceu uma eternidade, viu que ele estacionava o mais perto possível da porta de trás da casa.

O guarda-chuva quase se dobrava, sob o peso da água, e Jo teve que gritar para dizer a Jake que a chave estava junto com a do automóvel, que ele guardara no bolso.

A porta de trás se abria na lavanderia, que pareceu ainda menor, quando Jake Marshall entrou, tirando o paletó e dobrando-o cuidadosamente sobre o tanque. O guarda-chuva foi colocado ao lado. Jo ficou imóvel, boquiaberta. Por acaso aquele homem tinha a intenção de ficar? Depois do encontro na praia, não havia mais nada para ser dito.

Jake deu uma última olhada para a porta, antes de fechá-la e virar-se para ela.

— Numa hora destas, é difícil acreditar nas previsões do tempo, que prometem sol para amanhã — disse, calmamente, passando a mão pelos cabelos. Os pingos caíram sobre seu pulôver e ele fez uma careta.

Com um gesto automático, Jo pegou uma toalha passada que estava sobre a máquina de lavar e entregou-a a ele, percebendo que seu casaquinho também estava todo molhado, de um lado. Enquanto Jake enxugava a cabeça, tirou o casaco e ficou olhando, desanimada, para o vestido, também molhado.

— É melhor ir trocar de roupa. — A voz veio meio abafada pela toalha.

— Está. .. está tudo bem.— Será mais confortável — disse ele, aparecendo por

entre as dobras do tecido. — Quero falar com você. Sobre Sam — acrescentou, muito sério.

— O que há com ela? — perguntou Jo, sem fazer qualquer movimento para atender à sua sugestão.

Jake pôs a toalha sobre a mesa de passar.

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— Olhe, srta. Brent.. . — Encolheu os ombros num gesto irritado. — Sra. Harrison. Acho que nós dois deveríamos tentar esquecer nosso primeiro encontro. Quero realmente conversar sobre minha sobrinha e dou-lhe minha palavra de que não precisa temer nada de minha

parte. Não tenho o hábito de agir com tanta grosseria como fiz na praia acredite, e acho que lhe devo desculpas. Estava furioso porque imaginava que suas intenções eram outras. .

Jo ficou observando-o cautelosamente e depois sacudiu a cabeça.

— Está bem, entre. Vou lá em cima trocar de roupa.Acendeu as luzes enquanto subia a escada,

percebendo que tremia de frio. Ou, pelo menos, garantindo a si mesma que era por causa do frio.

Tirou o vestido molhado e rapidamente escolheu uma calça de veludo e um pulôver de malha grossa, sentindo o calor dissolver o torpor de seu corpo. Escovou os cabelos dourados. O ar úmido os fazia ficar mais armados, e notou, com alívio, que a onda grande e cheia cobria totalmente a cicatriz.

— Tomei a liberdade de pôr a água para ferver — disse Jake Marshall, quando Jo desceu. O vidro de café instantâneo já estava sobre o balcão. — Com açúcar? — perguntou, preparando duas xícaras.

— Sim, obrigada.— Vamos ficar aqui mesmo? — Ele indicou as

banquetas. — Ou prefere ir para a sala?— Aqui está bem, — Jo deu graças por o banco ficar

na ponta do balcão, c não lado a lado com o outro. Pelo menos, poderia manter alguma distância.

Começou a beber o café, sentindo o olhar sério sobre ela. A tensão era quase insuportável. Quando ele finalmente falou, o som de sua voz a fez se sobressaltar:

— Gostaria de agradecer pela… atenção que tem dado à minha sobrinha. Ela simpatiza muito com você. Seu tipo é muito semelhante ao da mãe dela. — Fez uma pausa, olhando para o rosto de Jo, c ela precisou se segurar no balcão para impedir a mão de cobrir a face, num gesto de defesa. — Mas esse fato também representa um problema.

Jo arregalou os olhos, imaginando de que problema ele poderia estar falando, e a dor surda que sentia no fundo de

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sua alma pareceu se intensificar. Jake Marshall não podia compreender o problema que Sam criara para ela. Não podia saber das associações dolorosas que aquele corpinho infantil trazia à sua consciência.

— Por quanto tempo pretende ficar aqui? — perguntou ele, um pouco bruscamente. — Sei que não é a dona desta casa, ela pertença aos Chamberlain, de modo que imagino que a esteja alugando e gostaria de saber por quanto tempo.

Jo sentia uma emoção, mas não conseguiu defini-la. Era algo como irritação, quase raiva, pela arrogância com que aquele homem faiava, exigindo uma resposta, a uma pergunta pessoal, que não tinha nenhum direito de fazer.

— Ainda não decidi — disse, finalmente. — Esta casa é de minha irmã e meu cunhado, de modo que posso ficar o tempo que quiser. Vim… vim descansar um pouco e não tenho data marcada para voltar. — Fez um grande esforço para enfrentar calmamente o olhar de Jake.

— Entendo. — Passou a mão pelo queixo, pensativo.— O que entende, sr. Marshall? — Jo ouviu a própria

voz e, com um pequeno choque, percebeu que um pouco da antiga segurança transparecia em seu modo de falar.

Os olhos castanhos brilharam estranhamente, como se ele estivesse desconcertado com a mudança de tom.

— Não é minha intenção me intrometer em sua vida, acredite. Me único objetivo é proteger minha sobrinha.

— De mim? — perguntou Jo, incrédula.— De qualquer outro tipo de.. . — Fez uma pausa. —

Traumas. — Chrissie me contou que Sam perdeu os pais de um modo muito

trágico… e sinto muito por isso. Mas como eu… bem. . .

Jake ficou em pé e deu alguns passos pela pequena cozinha, parando de costas para ela, massageando os músculos tensos da nuca. O pulôver se esticou sobre os ombros sólidos e largos, e Jo sentiu quase que fisicamente a força que emanava de sua figura alta.

Ele devia ter pelo menos um metro e oitenta, era grande e musculoso, e as calças bem cortadas realçavam os quadris estreitos e as pernas firmes e compridas. Quase sem perceber, Jo começou a se lembrar da sensação

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daquele corpo forte apertado contra o dela, quando a segurara na praia. Seu coração acelerou.

De repente, ele se virou para olhá-la e Jo corou quando seus olhares se cruzaram. Engoliu o café, e a xícara fez barulho quando a colocou sobre o pires, com a mão trémula.

— Como você poderia criar um problema? — disse Jake, enquanto voltava para o balcão e se sentou novamente perto dela. — Esta é a questão. Eu não saberia exatamente dizer. Para falar a verdade, não sei como agir com você, srta. Brent.

— Harrison — corrigiu, automaticamente.Jake levantou uma sobrancelha e estendeu a mão para

pegar o pulso de Jo, olhando para a aliança em seu dedo. — Estive fazendo algumas perguntas, hoje. Sobre você. Acho que posso dizer que sei muitas coisas sobre Joelle Brent Harrison.

CAPÍTULO IV

Jo ficou olhando para ele com a mente totalmente entorpecida. Sabia que devia tentar dar uma resposta adequada, proteger-se, dizendo que não fazia idéia do que ele estava falando. Porém, as palavras se recusaram a sair.

— Não foi difícil — disse Jake, suavemente. — Metade da população talvez não saiba seu nome, mas certamente se lembra de seu rosto. Afinal, foi uma campanha de publicidade de grande penetração. Qualquer pessoa interessada em teatro também saberia dizer quem é Joelle Brent. Você é uma atriz bastante famosa.

Tomando consciência de que Jake ainda segurava sua mão, Jo tentou se soltar.

— Por favor, me largue:Os dedos se apertaram ainda mais.— E então, Joelle Brent Harrison, você não é uma atriz

de sucesso?— "Era" é a palavra adequada, sr. Marshall. No

passado. Apesar de eu não ver por que isso possa lhe interessar.

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— Eu me interesso por Sam. Ela é uma menina muito perturbada. Está começando a se recuperar e não vou permitir que nada, nem ninguém, a faça retroceder.

— E o que tenho a ver com isso? Como eu poderia fazer mal a Sam?

Ele demorou um pouco para responder:— Poderá prejudicá-la muito, se dedicar atenção a ela

para depois abandoná-la sem mais nem menos.— Sr. Marshall, eu não procurei sua sobrinha.— Sei disso. Infelizmente, você estava por perto

quando Sam começou a se aventurar a sair de casa. Cada vez que nos mudamos, ela passa semanas, até meses, antes de se sentir segura no novo ambiente. — Suspirou. — De qualquer modo, Sam fala em você constantemente e suspeito de que vê em você a imagem da mãe que perdeu.

Jo notou uma expressão de dor nos olhos castanhos, antes de o rosto dele tornar-se novamente sério e impassível. Começou a sentir a volta da velha agonia e levantou-se rapidamente, puxando a mão que ele segurava. Balançando a cabeça, pôs os braços em torno de si mesma e virou-se de costas.

— Olhe, não queria deixá-la nervosa. — Jake deu a volta ao balcão e veio para a frente dela.

Jo levantou a mão como para afastá-lo e deu um passo para trás.

— Talvez eu esteja vendo fantasmas onde não existem — disse ele, passando a mão pelos cabelos úmidos. — Mas o fato é que me preocupo demais com Sam, e você, sendo atriz, poderia estar demonstrando algo que realmente não sente por ela. Tem que entender que não posso me dar ao luxo de ignorar todos os aspectos da situação.

Todos os aspectos. Jo sentiu vontade de rir, mas lutou contra isso porque estava à beira da histeria. E tudo por causa de Jake Marshall! O que podia ele saber de todos os aspectos? Se tinha se informado sobre ela, por que não percebia a agonia que estava lhe inflingindo? Não sabia que cada criança que atravessava seu caminho, até mesmo as filhas de Maggie, era uma dolorosa lembrança da única coisa pura e genuinamente verdadeira que existira em sua vida vazia, disfarçada por uma fachada de luzes?

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Uma névoa cinzenta pareceu envolvê-los. Alguém, em algum lugar, estava fazendo um barulho horrível, dando um grito como um animal ferido, e Jo tentou não ouvir. Depois, sentiu tiras de aço prendendo seus ombros e sua cabeça sendo balançada vigorosamente, os cabelos se afastando do rosto. Mas o barulho continuou, até ela escutar uma batida, como uma bofetada, e uma grande dor se espalhar por sua face.

Levou a mão ao rosto, do lado sem cicatriz, e olhou para Jake através de uma cortina de lágrimas. Não havia mais nenhum som, e o silêncio pesado caiu entre eles.

Piscando com força para poder focalizar melhor os olhos, Jo percebeu o que havia de verdade na situação. Ele lhe dera uma bofetada porque ela perdera o controle. A dignidade suplantou todas as outras emoções. Como se atrevera? Antes, sempre havia um sedativo, uma palavra tranquilizadora, nunca uma agressão física.

— Sinto muito. Tive que fazer isso. — A voz de Jake estava firme, controlada. — Você ficou fora de si.

— Como pôde… como teve coragem de fazer isso comigo? — As palavras saíram misturadas com soluços convulsivos. — Como se atreveu a me bater?

— Estava histérica e não consegui fazê-la me ouvir. Tive que usar o último recurso.

As lágrimas a cegaram novamente e começaram a correr pelo rosto. Ouviu a exclamação abafada de Jake, enquanto ele a puxava de encontro ao corpo, passando um braço por suas costas, a outra mão segurando sua cabeça contra o peito largo.

— O que causou tudo isso? — perguntou, suavemente.

Jo só conseguiu balançar a cabeça, tomada pelas lágrimas. Pouco a pouco, a tensão foi diminuindo e os soluços se enfraquecendo. Seu rosto se apoiou no calor daquele peito largo e ela tomou consciência daquela proximidade, do aroma da loção de barba de Jake, das batidas de seu coração. Essa consciência trouxe um outro tipo de tensão. Em algum lugar dentro dela, uma onda de calor começo a dissolver o torpor, fazendo o sangue latejar nas veias, despertando todas as sensações que imaginava adormecidas para sempre. Vagarosamente, levantou a cabeça para olhar para ele, sem saber da

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incerteza e vulnerabilidade que seus olhos tristes transmitiam.

Jo viu um músculo se contraindo no queixo forte de Jake e sentiu uma mudança no modo como a segurava contra seu corpo. Sob sua mão as batidas do coração dele tinham mudado de ritmo e os olhos escureceram. Quando seus lábios desceram vagarosamente para tomar os dela, não fez qualquer esforço para se afastar, para negar, e um pequeno suspiro escapou pelos lábios entreabertos, ávidos de receber aquela carícia suave.

Os braços de Jake a envolveram com mais força, puxando-a mais para junto do corpo firme, enquanto o beijo se tornava sensual, exigindo uma rendição. As mãos de Jo subiram pelo peito dele para acariciar o pescoço musculoso sob a gola do pulôver e os cabelos escuros e úmidos. Os lábios quentes tocaram a ponta de sua orelha, movendo-se para a pele macia de seu pescoço, e ela sentiu seu próprio tremor se repetindo no corpo de Jake.

Ele levantou a cabeça para olhá-la, seus olhos captando cada detalhe, parando sobre os lábios cheios. Quando se inclinou para torná-los mais uma vez, Jo ouviu-o murmurar seu nome com uma voz espessa de desejo.

— Santo Deus! Você é linda. . .Jo respondia às carícias, sabendo que não tinha

qualquer resistência àquele homem. De repente, a minúscula pontinha de medo que sentia começou a crescer, até se tornar emoção avassaladora, e ela o empurrou com as duas mãos.

— Jo? — A voz estava rouca, e ele tentou puxá-la novamente.

— Não. Por favor. — Continuou a empurrá-lo.por alguns segundos que pareceram uma eternidade,

Jake ficou abraçando-a. Depois, suas mãos caíram para os lados e o espaço entre eles aumentou, tornando-se um abismo intransponível. Subitamente gelada, Jo começou a ansiar pelo calor do corpo dele.

— Acho melhor eu ir — disse Jake, num tom normal. — Parece que a chuva diminuiu um pouco.

Jo deu uns passos hesitantes atrás dele, estendendo a mão, querendo desesperadamente chamá-lo de volta, mas seu raciocínio ignorou as ordens do coração.

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Quando chegaram à lavanderia, Jake vestiu o paletó e virou-se para ela, ajeitando a gola. Seus olhos estavam escuros e impenetráveis.

— Obrigada… — Jo parou, sentindo a garganta apertada. Ele levantou uma sobrancelha, numa expressão irônica.

— O prazer foi todo meu — observou, de modo sugestivo, e Jo corou.

— Por… por me trazer para casa — acrescentou ela, rapidamente, torcendo as mãos.

Um canto dos lábios de Jake se levantou num sorriso cínico e ele inclinou a cabeça quase imperceptivelmente.

— Repilo: o prazer foi todo meu. Boa noite, srta. Brent.

Jo ficou parada na porta, vendo o carro subir a colina e as lanternas vermelhas desaparecerem na escuridão. Com movimentos vagarosos, trancou a porta e foi apagando as luzes, enquanto se dirigia para a cozinha. Como um robô, pegou as xícaras do balcão, lavou-as e colocou-as no escorredor. Quando chegou ao quarto, foi até o espelho e ficou se olhando. Tocou os lábios ligeiramente inchados, lembrando-se das sensações evocadas pela pressão exigente dos beijos de Jake.

A simples lembrança daqueles lábios sensuais nos dela, do corpo firme pressionando o seu, fez seus sentidos começarem a girar fora de controle e desaparecer qualquer idéia de resistência. Seu corpo pareceu tomar conta de tudo, dominando a mente.

Jo afundou na cama. Se ele tivesse pedido para ficar, não teria negado. Santo Deus, o que estava acontecendo com ela? Nunca agira desse modo antes. Mesmo nos tempos de estudante, na escola de arte dramática, sempre se mantinha afastada de envolvimentos sexuais; nunca se sentira tentada a aceitar os avanços de homens encantadores que conhecera em seus tempos de atriz. Preocupada com a carreira, fugia de relacionamentos mais íntimos que poderiam desviar sua atenção. Até mesmo com Mike… sim, até com ele mantinha-se firme, apesar de todas as discussões, só se entregando depois de ter absoluta certeza de que era mesmo o homem com quem ia casar, com quem estava disposta a compartilhar todo um futuro.

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E agora reagia a um homem que mal conhecia com um abandono' de que nem mesmo sabia que era capaz. Inacreditável! E aterrador. Começou a tremer. E se o acidente tivesse afetado sua capacidade de se manter firme em suas convicções, em distinguir o certo do errado? Não. Apesar de tudo, ainda tinha noção de seus padrões morais, porém, Jake Marshall só precisava olhá-la com aqueles olhos escuros e profundos, e tudo parecia desaparecer...

Como gostaria que Maggie estivesse ali... Ela seria calma sensata, diria que era uma reação natural a um homem atraente depois de todo aquele tempo. Jo estendeu a mão para o telefone ia discar, quando pensou melhor. Não podia perturbar a irmã essa hora da noite. Maggie pensaria que algo estava muito errado e ficaria preocupada.

Mas havia algo errado. Era esse o problema, e parecia se transfor-mar numa bola de neve, fugindo de seu controle. Estava começando a sentir de novo, a experimentar, a reagir, e não queria isso. Tinha medo dessas sensações. Sem elas, não haveria dor. Não haveria agoniai da perda. Nem ansiedade...

Encolheu-se toda, num gesto de autoproteção, o estômago se con traindo num nervosismo desesperado. Não podia se permitir sentir novamente. Não tinha forças para enfrentar os traumas que certa-mente surgiriam com o tipo de relacionamento que os beijos de Jake Marshall prometiam.

Levantando-se num gesto decidido, forçou seus pensamentos a se fixarem numa resolução. Tinha que cortar todos os laços com aquela família. Tinha que se proteger, que cuidar de seu escudo, daquela concha ainda frágil que começara a formar em torno dos restos da pessoa que havia sido no passado.

O rostinho feio de Sam surgiu em sua mente e Jo mordeu o lábio. Fosse qual fosse a decisão que tomasse, a menina sofreria. Seria melhor cortar tudo agora, no início, do que permitir que a situação evoluísse.

Sentiu o coração apertado. A pobrezinha já sofrera tanto, em sua curta existência… Como o destino podia ser tão cruel? Que coinci-dência terrível manobrara sua vida

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para fazê-la vir a esse lugar, quando a menina estava precisando tanto de uma substituta para a mãe morta

tão tragicamente? E por que ela? Sam era uma criança inocente. Não podia ter idéia do que seus braços evocavam, da dor que seus olhos azuis eram capazes de provocar.

Abafando um soluço, Jo atirou-se novamente na cama. Sim, os laços tinham que ser cortados. Logo que Jake Marshall devolvesse seu carro, na manhã seguinte, iria embora, voltaria para a casa de Maggie por alguns dias, até encontrar um outro lugar, uma toca para se esconder, um refúgio para cuidar das feridas.

O rosto de Jake Marshall surgiu com tanta clareza, diante de seus olhos, que Jo até prendeu a respiração. Todos os outros pensamentos desapareceram e sentiu um estremecimento pelo corpo, que há bem pouco considerava um terreno deserto, onde não havia lugar para a volta de experiências mortas e esquecidas. A imagem em seu pensamento era tão forte e definida, cada detalhe aparecia com tanta nitidez, que ela sentia que, se estendesse a mão, poderia tocar o corpo firme e musculoso de Jake. Quando sua lembrança se focalizou naqueles lábios sensuais, começou a tremer de novo, recordando-se da pressão suave dos beijos que pouco a pouco tinham ficado mais duros, mais exigentes, E de sua resposta, de seu abandono...

Inclinando-se para a frente com um gemido, Jo cobriu o rosto com as mãos, tentando apagar aquela figura impressa em seu cérebro, livrar-se da teia do desejo que ele podia tecer em torno de suas emoções, tão frágeis e vulneráveis.

Não pense! Não pense!, gritou consigo mesma. Era simplesmente uma coisa física. Ele era só um outro homem atraente, igual a tantos que conhecera no passado. Tinha vivido num mundo cheio de homens charmosos e conseguira lidar com eles. Saberia lidar com Jake Marshall também. De qualquer modo, não teria que se preocupar com isso. No dia seguinte já estaria longe dali e ele seria apenas mais uma lembrança mergulhada na névoa escura de seu passado.

Jo levou muito tempo para pegar no sono. Quando acordou, o sol já estava brilhando, secando a terra molhada. Tomou um banho quente que aliviou o mal-estar.

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Ao se sentar para tomar uma xícara de café, já começava a se convencer de que a mudança para uma outra casa de praia ou de montanha seria a resposta para seus

problemas imediatos.Claro que teria que enfrentar Jake, quando viesse

trazer o carro. Olhou para o relógio, imaginando a que horas chegaria e quanto tempo teria para se preparar. Precisava tomar uma atitude mais composta, levantar a cabeça, mostrar-se calma, E distante.

Ele a beijara, só isso; não significava nada, no mundo atual. Quantos a beijaram, em sua vida fútil do passado? Era um cumprimento normal, aceito por todos... porém, nenhum deles fora como Jake Marshall. Por que se enganar? Ninguém a beijara daquele modo fazendo ruir todas as suas defesas. Nem mesmo Mike.

Seus ombros tombaram, tristemente. Nem mesmo Mike, repetiu si mesma, e sentiu uma ponta de culpa. Sabia que tivera uma grande parcela de responsabilidade pelos problemas de seu casamento e tinha certeza de que, se não fosse por Jamie, já estariam separados.

Respirou com dificuldade, quando as temíveis recordações começa ram a surgir com mais força. Não pense! Não pense!

Num gesto decidido, levantou-se e arrumou a cozinha, mantendo o pensamento fixo no que estava fazendo. Depois foi para a lavanderia para secar as roupas molhadas da véspera. O sol ainda estava fraco, mas, com a porta e as janelas abertas, dentro de poucas horas as roupas secariam.

Quando abriu a porta, ficou surpresa. O carro estava parado no lugar habitual. Jake devia ter vindo enquanto ela dormia. As chaves estavam no assento do motorista, sobre uma folha de papei dobrada.

"O carro não lhe dará mais problemas." Estava assinado com as iniciais. Jo sentiu-se tomada de raiva. Aquelas duas letras, grandes e decididas, eram uma demonstração da autoconfiança dele, de sua arrogância. Devia estar satisfeita por não ter que vê-lo. Agora podia partir sem qualquer outro contato com Jake Marshall… ou com a menina. Sentiu o coração gelado, enquanto voltava decidida para dentro da casa, dizendo a si mesma que a

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tristeza era só por Sam e não tinha nada a ver com aquele seu tio prepotente.

Duas horas mais tarde, a casa já estava arrumada, e as mala prontas. Tudo o que restava para ser recolhido eram as coisas na geladeira, que teriam que ser deixadas para o último minuto. Olhando em volta, Jo sentiu uma certa relutância cm partir, apesar de saber que não havia motivo para permanecer ali. Era um lugar ideal. Havia sido um lugar ideal... em tempo passado. Tudo agora tinha que ser falado no passado. . .

Uma batida forte na porta de trás quase a matou de susto. Ficou imóvel, até que a voz histérica de Sam, repetindo seu nome várias vezes, a fez sair do choque. Correu para a lavanderia. Ao abrir a porta, Sam se atirou em seus braços, soluçando desesperadamente.

A menina levou algum tempo até conseguir falar com coerência; suficiente para Jo entender o que havia acontecido. Levou-a para sentar-se num banquinho perto da pia da cozinha e limpou seu rosto com uma toalha úmida.

— Agora acalme-se, Sam, e diga exatamente o que aconteceu com Chrissie. — Jo fingia uma tranquilidade que não sentia.

— Ela… ela caiu. — A menina falava com dificuldade. — Ela caiu da escada da frente e não... ela não consegue se levantar.

— Novos soluços estremeceram seu corpinho. — Você tem que vir,

Jo! Chrissie disse para eu correr c vir pedir ajuda. Vim correndo pela estrada o mais depressa que pude. Você vai comigo, Jo?

— Claro. — Pegou Sam e levou-a rapidamente para o carro,

um milhão de pensamentos aterrorizantes tomando conta de sua imaginação.

O motor pegou imediatamente, e em poucos minutos estavam na casa dos Marshall. Sam saiu correndo para a parte da varanda que dava para a praia, com Jo atrás dela, temerosa do que iria encontrar.

— Os olhos dela estão fechados. — Sam parou de repente, o rosto branco como cera. — Oh, Jo, será que ela está morta?

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Jo abaixou-se e pegou a mão da governanta para sentir o pulso. Chrissie abriu os olhos com dificuldade.

— Graças a Deus! — disse a mulher, numa voz fraca. — Estive rezando para Sam encontrá-la em casa.

— Oh, Chrissie, você não está morta! Que bom! — Sam debruçou-se sobre a mulher, abraçando-a carinhosamente.

— Claro que não estou, queridinha. — Olhou-a com uma expressão de dor e, pegando sua mão, virou-se para Jo. — Acho que quebrei a perna. Não consigo me mexer.

— Vou… vou chamar o medico. — Jo levantou-se, tentando não deixar nenhuma das duas perceber o choque que sentia por ver o ângulo tão pouco natural daquela perna. — Onde encontro o número?

— No caderninho ao lado do telefone. Dr. Hodges.— Fique aqui e tome conta de Chrissie, Sam,

enquanto telefono para o doutor.Jo correu para a sala e, com gestos nervosos, procurou

o número.— Já estão a caminho — disse, num tom aliviado,

alguns minutos depois, enquanto cobria Chrissie com um cobertor que tinha ido buscar no quarto de Sam.

Menos de meia hora mais tarde, a ambulância chegou e a governanta foi levada para o hospital, com Jo e Sam seguindo no carro. No instante em que chegaram, um atendente veio buscar a maca, e Chrissie segurou a mão da moça, ansiosa.

— Quer cuidar de Sam até Jake voltar para casa? — pediu, muito agitada. — Vai fazer isso, não é, Jo?

— Claro. Não se preocupe com ela. Pode deixar tudo comigo,

— Muito obrigada, Jo. Nem sei como agradecer. — Lágrimas brilhavam nos olhos da velha. — Não quero nem pensar no que teria acontecido, se você não estivesse por perto. — Engoliu um soluço. Jake não vai demorar. Disse que estaria de volta lá pelas nove.

Jo apertou a mão de Chrissie e se afastou para dar passagem à maca.

— Ela vai estar boa, amanhã? — Os olhos de Sam estavam fixos em Jo, enquanto caminhavam de mãos dadas até o estacionamento.

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— Bem, vai levar algum tempo, até a perna sarar — respondeu cautelosa. — O médico tem que engessar para que o osso fiquei direitinho no lugar.

— Quanto tempo ela vai ficar no hospital? — Sam continuava assustada e seus olhos estavam cheios de lágrimas.

— Não sei. Depende do lugar em que a perna quebrou. Agora os médicos vão tirar as radiografias para ver se será fácil consertá-la.. — Jo abriu a porta do carro e prendeu o cinto de segurança em volta da cintura da menina.

— Jo?— Sim? — Virou-se para olhar a criança.— Quando voltarmos para casa.. . quer ficar comigo

até tio Jake voltar?Jo sentiu um aperto na garganta e pôs os braços em

torno de Sam num gesto de conforto.— É claro, meu bem. Prometi a Chrissie que ia tomar

conta de você. Vamos voltar para casa, vou fazer o jantar e depois podemos telefonar para o hospital para ver como Chrissie está passando, Ficarei com você, até. .. até seu tio voltar.

— Oh, Jo! Estava com tanto medo de ficar sozinha! — Deu um suspiro de alívio. — Que bom que você está comigo… Eu… eu tenho muito medo do escuro.

Por volta das oito horas, Sam começou a cabecear de sono. O dia fora cheio de emoções. Depois de colocá-la na cama, Jo começou a ler uma história. Antes de terminar, a menina dormia profundamente.

Um pouco incerta sobre o que fazer até a hora de Jake chegar preparou uma xícara de chá e sentou-se na cozinha, tentando não pensar nele. Seus dedos tremeram e apertou a xícara com força, desejando que o coração não batesse tão forte.

E ela que decidira não vê-lo novamente!, pensou, desanimada. Não queria nem imaginar como a estada de Chrissie no hospital iria afetar Jake Marshall e a sobrinha. Ele teria que contratar outra governanta, uma estranha para Sam, aquela criança já tão traumatizada. . .

Terminou de arrumar a cozinha, ajeitou as almofadas na sala, e Jake ainda não havia chegado. Sentindo uma

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culpa inexplicável, como se entrasse num território proibido, começou a explorar os outros cómodos da casa.

Era bem maior do que pensara de início. Além do quarto da menina, havia outros três dormitórios e dois banheiros. Afastou-se rapidamente da porta de um deles, que obviamente pertencia a Jake, pois viu o pulôver bege sobre uma cadeira ao lado da camiseira.

O único cômodo que faltava para explorar abria-se para a sala de visitas, e Jo experimentou a maçaneta, com a sensação inexplicável de que a porta devia estar trancada. No entanto, ela se abriu com facilidade. Tateou à procura do interruptor. Era um escritório amplo e confortável, e ficou surpresa com o número de livros nas estantes que cobriam as paredes. Num dos lados ficava uma escrivaninha grande e maciça, com uma máquina de escrever cuidadosamente coberta com sua capa de plástico. A cadeira giratória, prática e ajustável, contrastava com o conforto da grande poltrona colocada perto da janela.

Jo atravessou o assoalho acarpetado para passar a mão pelo couro marrom e macio da poltrona. Empilhados cuidadosamente sobre uma mesinha estavam três ou quatro livros, todos marcados com pedaços de papei, com anotações feitas naquela caligrafia ousada que conhecia tão bem. Com muito cuidado, levantou o de cima e leu o título na lombada, franzindo ligeiramente as sobrancelhas, ao ver que era um compêndio sobre medicina forense. Os outros três livros também estavam relacionados com leis e técnicas de investigação.

Colocando os livros de volta no lugar, Jo começou a ler os títulos nas prateleiras. Antes do acidente, era uma leitora inveterada, sempre lamentando não ter tempo para se dedicar mais a seu passatempo. Jake Marshall também parecia ter um gosto muito variado.

Um volume de capa verde chamou sua atenção e ela o tirou da estante com um sorriso brincando nos lábios. Era de uma de suas autoras favoritas na juventude e não podia imaginar o que um romance como aquele estaria fazendo na biblioteca de Jake. Ergueu a capa e viu o nome escrito na primeira página, numa caligrafia quase infantil: Denise Willis.

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Sentando-se na poltrona de couro, colocou o livro no colo e começou a ler, ficando logo absorvida na história romântica passada na Idade Média. Cochilou no trecho em que a heroína era raptada e estava sendo levada para a França. Nem percebeu quando o livro caiu no chão, enquanto se acomodava melhor na almofada macia.

Profundamente adormecida, não ouviu a porta do carro bater nem os passos pela varanda, fazendo uma parada em frente à porta da cozinha e depois entrando na casa.

Algo locou seu rosto, com suavidade e carinho, e ela sorriu de leve, ainda meio adormecida. Estava com a cabeça apoiada no braço e espreguiçou-se, levando a mão à face para identificar aquela carícia. Devia ter sonhado, pensou, abrindo os olhos devagar.

Nesse instante, viu Jake Marshall perto dela, inclinado sobre a poltrona, com as mãos em seus braços, prendendo-a onde estava.

Não poderia dizer por quanto tempo ficaram assim, olhando um para o outro, pois o momento foi tão cheio de emoção que era impossível pensar com coerência. Foi Jake quem quebrou aquela imobilidade. Com um movimento vagaroso, abaixou-se para pegar o livro caído, dando uma olhada rápida à capa, antes de co!ocá-lo sobre a mesa, junto com os outros.

— Eu estava lendo… devo ter pegado no sono — Jo gaguejou, desejando que ele se afastasse para fugir de sua presença magnética. — Que horas são?

— Mais de meia-noite — respondeu, com naturalidade.

— Tão tarde? Você está atrasado — disse, baixinho, antes de pensar no que falava.

— E você parece uma esposa. — Jake levantou uma sobrancelha e falou no mesmo tom.

Jo ficou vermelha.— Desculpe. Eu… é que nós o esperávamos… bem…

Chrissie me disse que você chegaria lá peias nove. . .— Houve um contratempo — disse Jake, os olhos

fixos nos lábios dela.Jo sentiu um tremor de puro desejo percorrer seu

corpo. Como queria que ele a abraçasse! como queria sentir aqueles lábios tomarem os seus mais uma vez! Mas Jake se

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afastou rapidamente, ficando em pé e colocando entre eles um pouco daquela distância que ela havia desejado antes.

— Por falar em Chrissie — disse ele, finalmente —, que diabo aconteceu por aqui?

CAPÍTULO V

O fato de estar afundada na poltrona colocou Jo em desvantagem e ela se moveu de sua posição meio deitada. Jake deu alguns passos à frente e estendeu a mão para ajudá-la a se levantar. Ela olhou para aqueles dedos morenos, sentindo uma súbita relutância em locá-los, desejando poder recusar sua ajuda. Mas claro que isso seria uma grosseria indesculpável e, com um gesto hesitante, aceitou a mão.

Com um mínimo de esforço, viu-se em pé, por um instante tão perto dele que leve a impressão de sentir o calor de seu corpo, uma forte atração que parecia puxá-la. Porém, ele se afastou e foi se recostar na escrivaninha, uma perna cruzada sobre a outra e os braços cruzados.

Numa fração de segundo, Jo pensou em todas as mulheres que estariam dispostas a correr para ele. Era, de longe, o homem mais atraente que conhecia, e aquele magnetismo inconsciente que parecia dele emanar era um perigo muito real. Jo já tinha problemas demais para aumentá-los, entrando na fila de mulheres ansiosas pelas atenções de Jake Marshall.

Ele levantou uma sobrancelha e Jo teve certeza de que sabia que ela não tinha qualquer controle sobre suas emoções.

— E então? — A voz suave e profunda ressoou no silêncio da sala, fazendo-a estremecer.

— Sam está na cama… dormindo.— Isso eu já sei. Fui ao quarto dela, quando ninguém

respondeu a meu chamado.— Sinto muito, não ouvi nada. Acho que peguei no

sono.— Onde está Chrissie?— Ela sofreu uma queda, na escada da frente. — Jake

afastou-se da escrivaninha e descruzou os braços. —

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Chrissie está no hospital. Ela… ela quebrou a perna. Mas telefonei ao hospital um pouco antes de pôr Sam na cama, e disseram que passa bem, que não houve complicações. Está só um pouco abalada.

— Entendo. — Jake esfregou o queixo. — Isso significa que vai passar um bom tempo no hospital.

— Acho que, no mínimo, uma semana. Mas vai ter que ficar mais tempo engessada.

Ele balançou a cabeça devagar e virou-se para apoiar as mãos no tampo da escrivaninha.

— Ela vai precisar ficar em convalescença. Se voltar para cá, não descansará nem um pouco, de modo que seria melhor que ficasse na casa de sua irmã, na cidade.

Jo observava seu perfil forte, enquanto ele franzia a testa, preocupa-do. Deu um passo à frente, querendo ficar perto dele, mas parou horrorizada com seus sentimentos.

— Acho que está na hora de eu ir para casa. — Tinha que escapar o mais depressa possível. — Prometi a Chrissie que tomaria conta de Sam até você voltar — terminou, quase ofegante.

— Ah, sim. Sinto muito não ter chegado mais cedo.— Está tudo bem. Eu… eu vou indo. — Virou-se para

a porta sentindo o corpo rígido, parecendo não querer obedecer-lhe. — Boa noite — disse, enquanto ele se inclinava para abrir a maçaneta.

— Na verdade, é bom dia. — Jake falou tão perto de seu rosto que ela precisou se esforçar para não recuar. — São duas horas da manhã — disse ele, olhando para o relógio.

Ela saiu para a varanda e estremeceu ligeiramente por causa do vento úmido que vinha do mar.

— Jo? — Ela parou, virando-se timidamente para encará-lo. — Muito obrigado pela sua ajuda. Foi muita bondade.

Jo balançou a cabeça, sentindo um nó inexplicável na garganta, e foi para o carro. Quando subia para a estrada, deu uma olhada para trás e viu-o parado na varanda, ainda olhando em sua direção.

Mais uma vez, teve uma enorme dificuldade para pegar no sono. Tivera que abrir a mala para pegar a camisola, prometendo a si mesma que voltaria para a casa

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de Maggie assim que amanhecesse. O acidente de Chrissie só tinha adiado sua partida por um dia.

Ajeitando o travesseiro, virou de bruços e apoiou o rosto na mão. Ao sentir a cicatriz, ficou muito quieta. Levantou a cabeça e passou os dedos pela face. Não pensara naquela marca terrível o dia todo, nem mesmo se preocupara em escondê-la.

Um pensamento de culpa passou por seu cérebro. Estivera se concentrando em outras pessoas, nos sentimentos de outras pessoas, e não nos seus próprios. Pela primeira vez desde o acidente, não linha ficado trancada no casulo de auto-inquirição e autopiedade.

Por que não deveria sentir pena de si mesma?, argumentou em sua defesa. E por que, de repente, sentia que precisava se defender? Por algum motivo, sentia-se presa numa armadilha, como se tivesse topado com uma teia de aranha e não conseguisse se soltar de seus fios sedosos e envolventes. E no centro da teia estava Jake Marshall, que a atraía como um imã. E havia também a menina. . .

Virou de costas, agitada. Sentia um medo terrível ao pensar em suas reações. Antigamente, teria tudo sob controle e evitaria a situação com frieza e confiança. Mas agora… agora não podia mais confiar totalmente em si mesma.

Sentiu uma nova onda de apreensão. Não tinha escolha. Não tinha outra alternativa, a não ser escapar daquela teia.

Finalmente o cansaço a venceu e Jo pegou no sono. Ao acordar, guardou a camisola na mala e vestiu as roupas que havia separado para a viagem.

Devia telefonar para Maggie, pensou, enquanto tomava uma xícara de café. Ao imaginar o que a irmã diria quando a visse de volta, deu um suspiro. Maggie era única. Aceitaria sua decisão sem uma só palavra. Era o que sempre fazia.

Ouvindo o ronco abafado de um motor, Jo quis se convencer de que poderia ser o carro da irmã, apesar de saber que aquele ruído era de um automóvel de luxo, como um BMW. Duas portas bateram ao mesmo tempo e logo depois Sam chamou:

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— Jo! Jo! Sou eu. E tio Jake também — acrescentou, cheia de entusiasmo, como se esse fato devesse ser considerado uma grande honra para Jo.

Ela sentiu a mão úmida, quando pegou a maçaneta. Seu coração batia descompassadamente. Sam entrou correndo e abraçou-a pela cintura.

— Oi, Jo! Por que não ficou em nossa casa? Temos um monte de quartos!

Por cima da cabeça da menina, os olhos de Jo se encontraram com os de Jake.

— Não… não podia deixar minha casa sozinha por tanto tempo. — Inventou uma desculpa apressada. — Vocês já... Como está Chrissie?

— Estamos indo ver Chrissie agora, não é, tio Jake? — A menina virou-se para pegar a mão do tio. — Ele telefonou para o hospital e o médico disse que ela está ótima. Você quer ir conosco ao hospital?

— Bem, eu... — Jo parou. Agora seria a hora de dizer-lhes que estava de partida. Talvez pudesse mentir que havia sido chamada com urgência. Mas, ao olhar para a menina, as palavras se recusaram a sair.

— Espere um pouco, Sam — Jake falou. — Quero conversar primeiro com a srta, Harrison. Podemos entrar?

— Claro. Sinto muito. — Jo afastou-se, sentindo que havia algo de estranho no ar.

Sam entrou saltilando e foi logo para a janela que dava para a praia. Muito tensa, Jo seguiu atrás dela e sentou-se na beira do sofá, com as mãos no colo, observando Jake atravessar tranquilamente a sala, indo colocar-se atrás da sobrinha.

— Você tem uma linda vista.— Sim. É… é muito tranquila. — Jo falou aos arrancos,

sentindo sua tensão crescer.Ele se virou para olhá-la, passando a mão pelo queixo

num gesto distraído, e não deixou de notar as malas colocadas perto da porta.

— Estou numa encrenca — disse Jake. — Preciso de sua ajuda.

— Em que sentido? — Por acaso, ia lhe pedir para ficar com a menina ali em sua casa?

— O acidente de Chrissie me deixou com um problema. O pior é que a avó de Sam está fazendo

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companhia à filha, que acaba de ter um bebê, e não lenho ninguém que possa cuidar dela. — E fez uma pausa. — Então pensei em você.

— Mas você pode ficar em casa com ela… — começou Jo, horrorizada com a sugestão. Ficar com a menina o dia todo… Não! Não conseguiria. Como ele podia ter pensado nisso? Sentia que Sam estava se tomando muito especial para ela e não podia permitir que essa amizade fosse mais longe. Aceitaria a proximidade de outra pessoa, não queria sentir mais a dor da perda.

Lançou um olhar para Sam, que acompanhava os desenhos da cortina com a ponta do dedo, e sentiu seu coração se apertar. Talvez a menina realmente precisasse dela. E é possível que você também precise da criança, disse uma vozinha dentro dela, mas Jo afastou rapidamente esse pensamento.

— Claro que estarei com ela — Jake respondeu. — Mas vou ter que trabalhar muiio, nas próximas semanas. Tenho um contrato a cumprir e não posso estender meu prazo. Seria só por algumas semanas, um mês, no máximo, e estou disposto a lhe pagar muito bem. Sam é uma boa menina. Você não terá muito trabalho com ela.

Nesse instante, Sam correu para Jo, ajoelhou-se e colocou os cotovelos em seu colo.

— Diga que vai para ficar conosco, Jo. Precisamos de você. E prometo ser muito boazinha. Chrissie gostaria muito também, foi o que ela disse no telefone, não é, tio Jake?

A menina virou-se para o tio, que estava parado, com as mãos na cintura, olhando Jo.

— Oh, Sam, não sei. Eu estava para voltar à cidade. A decepção tomou conta do rosto da criança.

— Quer dizer… — Seu lábio começou a tremer. — Quer dizer que você não quer ficar comigo e com tio Jake? — Os olhos começaram a se encher de lágrimas.

— Não é que eu não queira ir, Sam. É só que... — Jo afastou o olhar do rosto angustiado da menina e, ao virar-se para Jake, viu que ele estava com uma expressão muito tranquila. Ocorreu-lhe que linha trazido a sobrinha de propósito, para conseguir o que queria.

Ficou furiosa, desejando poder dar vazão à raiva, dizendo-lhe o que achava daquela atitude tão baixa. Ele estava usando uma pobre criança perturbada para

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conseguir uma babá e poder cuidar da própria vida sem ter que se preocupar com problemas domésticos. E sabia muito bem que ela não resistiria à súplica nos olhos da menina.

— Por favor, Jo — implorou Sam. — Você vai ter um quarto só seu — disse, muito séria.

— Ela não poderia ficar aqui comigo? — Jo olhou para Jake, que balançou os ombros.

— Prefiro que venha para casa — respondeu, com toda a naturalidade. — Então, saberia que vocês duas estariam… em segurança. Também, quando estou trabalhando, não gosto de me preocupar com comida, lavanderia, etc., e seria bom ter alguém para cuidar dessas coisas para mim. Sei que posso parecer egoísta, mas… — Levantou as mãos e deixou-as cair, seu olhar encontrando o dela com um brilho de desafio.

Cozinheira e babá de luxo, pensou Jo. Era preciso ser muito descarado! Nesse instante. Jake sorriu para ela e, enquanto uma pequenina parte de seu cérebro tentava dizer-lhe que aquele sorriso era a cartada definitiva, seus sentidos traiçoeiros já estavam sucumbindo ao charme dele.

— Você não vai ter que me ver muito — acrescentou Jake. — Estive ocupado com uma série de coisas, nestas últimas semanas, e agora vou ter que trabalhar da manhã até a noite.

— Bem.. . — começou Jo, sentindo-se sem ar. Sabia que podia recusar e terminar o assunto ali mesmo. Seria o mais seguro a fazer, acabar com tudo e fugir. Porém, hesitava, querendo e não querendo. Jake virou-se vagarosamente e voltou para a janela, deixando-a para tomar a decisão.

A mãozinha de Sam bateu em seu joelho e, depois de um olhar de conspiração para o tio, ela se inclinou e sussurrou:

— Por favor, diga que vai. Se você não for, acho que tio Jake vai pedir a Lexie, e eu não suporto ela.

— O que foi, Sam? — Jake virou-se para a sobrinha, e ela olhou para o chão com um ar culpado.

— Está tudo bem — disse Jo, apesar de não saber exatamente para quem estava bem. — Eu… eu vou.

— É mesmo? — Os olhos de Sam se iluminaram. — Oh, Jo, sensacional! — Atirou-se ao pescoço da amiga.

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Mais uma vez, os olhares de Jake e Jo se cruzaram, por cima da cabeça da menina, e ela ficou pensando em todos os xingamentos que gostaria de lhe dizer.

— Você vai agora mesmo? — perguntou Sam, toda feliz.

— Ainda tenho algumas coisas para arrumar, aqui, de modo que acho melhor você ir visitar Chrissie. Mais tarde, quando eu terminar de fazer as malas, e depois de telefonar para a minha irmã… — Olhou para Jake. — Quando vocês estarão de volta?

— Acho que lá peías quatro.— Nós vamos almoçar num res… res… Como é

mesmo, tio Jake?— Restaurante.— Num restaurante, Jo. Não é divertido? Tem certeza

de que não pode vir também?— Não, meu bem, preciso deixar tudo arrumado. Irei

assim que vocês chegarem em casa.Jake tirou um chaveiro do bolso e separou uma chave.— Olhe, leve a chave de casa. Pode entrar e ir se

acomodando, quando terminar.Seus dedos tocaram os dela, ao colocar a chave em

sua mão, e Jo levantou-se abruptamente, sentindo um frio no estômago. Agora não poderia mais voltar atrás.

Depois que eles saíram, Jo ficou ensaiando seu telefonema para a irmã. Finalmente, respirou fundo e ligou.

— Maggie? É Jo.— Jo! Graças a Deus! Estava certa de que alguma

coisa horrível tinha acontecido com você. O telefone esteve com defeito? Liguei um monte de vezes e você não atendeu. .. Se o carro não estivesse no conserto, eu já estaria aí.

Enquanto Maggie parava para tomar fôlego, Jo conseguiu dizer algumas palavras:

— Tentei ligar para você, também, mas estava sempre ocupado. Ben está trabalhando em casa, não é?

— Sim, mas, graças a Deus, ele já ficou quase bom do sarampo.

— Que bom! Não deve ter sido um ataque muito forte. — Jo procurava ganhar tempo. —- E as meninas?

— Tudo bem. Mas, e você? O telefone estava mesmo com defeito?

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— Eu... estive fora. Fui jantar.— Saiu para jantar! — Maggie pareceu entusiasmada.

— É mesmo? Oh, Jo, que ótimo! Eu sabia que uns dias na praia iam fazer maravilhas por você. Onde esteve? No Queen's Head, ou foi mais para o sul?

— Não foi num restaurante. Eu... bem, as pessoas que estão morando na casa dos 0'Connor… eles me convidaram, e eu... eu fui.

Houve uma pequena pausa, enquanto Maggie digeria a novidade.

— Você se divertiu?— Sim. Eles… são muito agradáveis.— Oh, Jo, não imagina como isso me deixa feliz. É um

grande passo na direção certa. Estou muito contente. Quem são eles? Conte-me tudo.

— Na verdade, não há muito que contar. Eu os vi pouco.

— Há quanto tempo eles estão aí?.Não vi ninguém, quando passamos as últimas férias.

— Pelo que soube, parece que estão aqui há alguns meses. Jake… disse que sabia que você e Ben eram os proprietários do chalé. — Jo esperou que Maggie não tivesse notado seu lapso.

— É mesmo? É possível que tenha sido o sr. Warren, na imobiliária. Ele fala pelos cotovelos.

— Talvez.— Quem é Jake? — perguntou Maggie, pondo fim ao

alívio de Jo. — Jake? — repetiu ela, tentando parecer desinteressada e só conseguindo demonstrar que estava sem jeito. — É o dono da casa.

— Ele é casado? — A voz de Maggie soou exageradamente despreocupada.

— Eu… não, acho que não.— Oh. — Houve uma riqueza de expressão nessa

pequena palavra, e Jo sentiu que corava. — Ele é alto, moreno e bonito, além de solteiro?

— Sim, para falar a verdade, é. Um pouco alto, moreno e bonito demais.

— E é rico? — Maggíe riu. — O que faz" para viver? — Não tenho a mínima idéia.

— Oh… Você disse "eles". Ele mora com os pais?

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— Não. Há uma governanta chamada Chrissie, ou pelo menos havia. Ela sofreu um acidente ontem e quebrou a perna. Foi por isso que estive lá novamente, ontem à noite. Eu… eu fiquei com a sobrinha de Jake, até ele chegar da cidade.

— Há uma sobrinha também?— Sim, o nome dela é Samantha e tem seis anos. — Jo

fechou os olhos e apertou os lados do balcão com toda a força.

— Entendo. — A voz de Maggie estava mais suave. — Por que ela mora com o tio?

— Os pais foram… mortos no ano passado. Não sei mais detalhes, mas estou lhe telefonando para avisar que, com Chrissie no hospital, não há ninguém para cuidar de Sam. Então, eu… eu aceitei ficar com ela. Só por algumas semanas.

Houve um silêncio estupefato do outro lado da linha.— Maggie? Ainda está aí?— Sim, estou. Não sei o que dizer, Jo. Como… como

acha que vai conseguir lidar com a situação?— Acho que vai dar certo. — Jo voltou a sentir aquela

dor surda no coração. — Ela é muito boazinha e não dará trabalho.

— E você, Jo? Sei como se sente a respeito de. . , bem… — Maggie fez uma pausa, procurando as palavras certas.

— Estarei bem, Maggie. Não há outra pessoa que possa ajudar. Não tive como me recusar. — Era a pura verdade.

— Se tem certeza… Bem, acho uma ótima idéia. Você me manterá informada, não é?

— Claro. Vou ligar para dar o número dos Marshall, assim que chegar lá.

— Quer dizer que vai ficar na casa deles?— Sim. Jake achou que assim seria melhor. — Jo sentiu

uma ponta de irritação com a própria complacência.— Jo?— Sim?— Ele sabe o que… bem, ele sabe quem você é?— Sim, ele me reconheceu por causa da propaganda

do sabonete. Bem, é melhor eu desligar, agora. Preciso

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terminar a arrumação antes de ir para lá. Dê um abraço em Ben e um beijo nas meninas.

— Certo, Jo. E, se quiser conversar ou precisar de qualquer coisa, sabe onde estou, querida.

— Obrigada, Maggie. Até logo. — Desligou e ficou sentada, com o queixo apoiado nas mãos.

Tinha dito a Maggie que ficaria bem, que conseguiria lidar com a situação. Um arrepio de temor a invadiu e começou a sentir a volta da velha tensão.

Depois de algumas horas, não havia mais nada para retardar sua partida. Pôs as malas no carro, tomando a direção da casa. O BMW não estava sob a cobertura e ela abriu a poria, sentindo-se um pouco como uma invasora.

Escolheu um dos quartos desocupados e não levou muito tempo para desfazer as malas. Olhando para o relógio, decidiu que era hora de começar a pensar no jantar. Já que aceitara o emprego, tinha que levá-lo a sério. Estava fazendo um inventário do que havia na geladeira, quando o telefone tocou, assustando-a de tal modo que quase deixou cair a bandeja de carne.

Ao ouvir a, voz de Jake, ainda mais profunda e vibrante no telefone, Jo sentiu as pernas fracas e precisou procurar uma cadeira para se apoiar.

— Oh, sim. Como vai?— Liguei para saber se você estava aí e para avisar

que não precisa se preocupar com o jantar. Já estamos indo e compramos pratos prontos. Espero que goste de comida chinesa.

— Sim, gosto, obrigada. — Jo estava encontrando grande dificuldade para respirar.

— Ótimo, chegaremos em meia hora, mais ou menos. E, Jo — a voz abaixou um pouco —, mais uma vez obrigado por concordar em nos ajudar.

Ela levou algum tempo para afastar o olhar do telefone desligado.

CAPITULO VI

Naquela primeira manhã, Jo acordou cedo, vendo o sol entrar pela janela com as cortinas abertas. Virou-se na

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cama estranha, piscando algumas vezes antes de reconhecer o quarto decorado em azul-claro. Jake Marshall. Estava na casa dele e ali ficaria por algum tempo. Respirou fundo.

A casa estava em silêncio. Jo virou-se na cama para dormir mais um pouco, mas um barulho vindo da cozinha a fez sentar-se, erguendo-se como uma mola. Não sabia ao certo se devia se levantar para ver quem era. Não queria se encontrar com Jake Marshall logo cedo, mas... e se fosse Sam? Podia haver algum perigo.

Afastou as cobertas rapidamenle e vestiu o roupão de tecido de toalha, amarrando a faixa na cintura com gestos nervosos. Foi para a porta e abriu-a vagarosamente. Com passos hesitantes, tomou a direção da cozinha.

Estava atravessando a sala de jantar, quando um palavrão abafado a fez parar. Não havia dúvida de que era Jake Marshall, e não parecia de muito bom humor. Talvez fosse do tipo de pessoa que acorda e se levanta com o pé esquerdo. Mike era assim. O menor barulho provocava uma torrente de palavras irritadas. Jo sempre dera um jeito de se afastar, e a Jamie, de seu caminho, até ele se acalmar.

Enquanto hesitava, Jake apareceu na porta da cozinha, com os cabelos despenteados como se tivesse passado as mãos por eles. O queixo estava escuro, com a barba da manhã, e os olhos pareciam cansados e pesados. Usava a mesma roupa da véspera.

Teria trabalhado a noite inteira? Jo lembrou-se de ter ouvido o som abafado da máquina de escrever até tarde. Ele parou quando a viu, a xícara a meio caminho da boca.

— Bom dia. — Jo engoliu em seco. — Ouvi um barulho e pensei que podia ser Sam.

Jake tomou um gole e suspirou, com prazer.— Estava precisando disto. Quer um também? A água

está quente.— Sim, gostaria. — Seguiu-o até a cozinha.Ele preparou outra xícara de café instantâneo e

ficaram bebendo em silêncio. Apesar de Jo manter os olhos na bebida, sentia o olhar de Jake passando por ela, intensificando sua tensão. Incapaz de suportar mais aquilo, levantou a cabeça, muito nervosa.

— Você… você trabalhou a noite inteira?Jake fez uma careta.

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— Perdi a noção da hora. Só percebi que já era dia quando vi o sol batendo na janela. Pelo menos estou satisfeito com o que fiz. Produzo muito mais quando estou bem concentrado e ultimamente não estava tendo tempo para me dar a esse luxo.

— Deve estar cansado. — Uma observação idiota, pensou Jo, mas tinha que continuar falando.

— E estou mesmo. — Jo notou os olhos escuros se fixarem em seus lábios e começou a tremer de novo. — Venha comigo para o estúdio. Lá é mais confortável. — Não esperou pela resposta e fez um sinal para ela passar à sua frente pela porta da cozinha.

A manga do roupão tocou o braço dele e Jo teve que se esforçar para manter os passos tranquilos e compassados, em vez de sair correndo.

— O que é que você escreve? — perguntou, olhando a pilha de papéis ao lado da máquina.

Ele não respondeu imediatamente. Tomou um gole de café e olhou-a com uma expressão ligeiramente intrigada.

— Livros.— Quer dizer que é escritor? — perguntou, surpresa,

pois imaginava que ele fosse jornalista.O rosto bonito de Jake abriu-se num sorriso divertido,

que o fez parecer muito mais jovem.— Pode-se dizer isso.— Que tipo de livros escreve? Não me lembro de… —

Jo parou, corando de embaraço.— Ter ouvido falar de mim? Não uso meu próprio

nome. — Fez um sinal para uma prateleira, onde havia vários livros encadernados formando uma coleção. Jo pôs a xícara sobre a mesa e foi pegar um dos volumes.

Sua mão começou a tremer, e ela deixou escapar uma exclamação de surpresa:

— Quer dizer que você é Jason Marsh? — perguntou, incrédula. Jake inclinou a cabeça. — Li todos os seus livros. Pelo menos, todos os que saíram antes do… Eu… eu gostei demais. São sensacionais! — Notou um certo ceticismo na expressão dele. — É verdade.

Colocando a xícara de lado, Jake deu a volta á escrivaninha.

— Obrigado.

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Com aquela proximidade, os nervos de Jo começaram a clamar por mais espaço e ela desejou poder se afastar.

— Também vi todas as peças em que você trabalhou. E gostei muito.

Os dedos de Jo se apertaram cm torno do livro, e ele os cobriu com os seus, ao tirar o volume da mão dela.

— A última foi a minha preferida.Enquanto Jake colocava o livro na estante, Jo tocou a

cicatriz. Todos os medos, o horror e o desespero tinham voltado subitamente para maltratá-la, e, junto com eles, o desejo de se afundar no nada, na escuridão, procurando o conforto do esquecimento.

Não pense! Não pense! Ordenou a si mesma. Precisava fugir. Precisava chegar ao quarto. . .

Dedos fortes fecharam-se sobre seu braço, impediram a fuga e a obrigaram a se virar para ele. Num gesto automático, Jo deixou os cabelos caírem para a frente, cobrindo a cicatriz. As mãos dele só a soltaram para deslizarem sob aquela cortina de fios de puro ouro que brilhavam ao sol. Com gentileza, mas cheios de determinação, os polegares forçaram seu queixo para cima, até seus olhares se encontrarem.

— Você é uma ótima atriz — disse Jake, num tom tranquilo.

— É? — A voz de Jo retorceu a palavra com amargura e ela respirou fundo. — Joelle Brent não existe mais, sr. Marshall.

— Talvez esteja um pouco afastada, mas não acredito que Joelle Brent teria desistido do modo como você fez.

— Desistido? O que está querendo dizer?— Exatamente isso. Você não quer deixar a

verdadeira Joelle Brent sair para lutar, não é?— Não..— Foi um sussurro quase inaudível. — Não. —

Dessa vez, ela falou mais alto, a raiva subindo daquele tumulto de emoções. — Como pode saber o que… — As lágrimas sufocaram suas palavras e ela teve que piscar com força para poder focalizar o rosto de Jake.

Havia uma tensão no queixo forte e quadrado, e na linha da boca sensual. Os olhos estavam semicerrados, ocultando sua expressão. O momento de imobilidade, devido àquela centelha de atração física, tornou-se impossível de ser medido, e Jake vagarosamente abaixou

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os lábios sobre os dela, suas mãos acariciando suavemente o maxilar, as pontas das orelhas, seu corpo se moldando contra o dela, mal a tocando, mas fazendo-a estremecer com sua virilidade.

No instante em que a beijou, Jo já estava perdida. Respondeu sem qualquer hesitação consciente. Sua boca entreabriu-se sob a dele, convidando à procura sensual de um modo quase febril como se estivesse morta de sede e ele lhe oferecesse água pura e cristalina.

Suas mãos escorregaram em torno da cintura firme, seu corpo se curvando numa reação submissa, a pressão das coxas musculosas a incendiando através do tecido macio do roupão. Os dedos longos e morenos acariciavam suas costas, deixando uma trilha de prazer, e os lábios quentes e sensuais deslizaram para a brancura aveludada do pescoço. Jo gemeu baixinho, entrelaçando os dedos nos cabelos escuros.

Seus seios endureceram, de encontro à solidez daquele peito, pulsando em seu despertar, e ele lhe deslizou as mãos para os quadris, a fim de puxá-la para mais perto, como se isso fosse possível, não deixando qualquer dúvida quanto à própria excitação.

Naqueles tórridos segundos, uma parte de Jo, perdida num torvelinho de emoções, lhe dizia que era loucura, que ambos estavam perdendo a cabeça, mas ela a ignorou totalmente, apertando o corpo contra o de Jake, numa completa rendição aos sentidos.

— Jo? Jo? — Uma vozinha penetrou em sua mente entorpecida peia sensualidade, fazendo-a voltar à realidade de um modo brusco e quase doloroso. — Jo, onde está você?

Ela enrijeceu nos braços de Jake, as mãos escorregando para a cintura dele para afastá-lo. Mesmo enquanto seus corpos se separavam, os lábios continuaram unidos, não querendo que findassem aqueles momentos de prazer. Com relutância, ele a libertou. Os olhos, ainda escuros de desejo, a queimavam com sua intensidade.

— O nome é Jake — disse ele suavemente.Jo ficou a olhá-lo, a ponta da língua umedecendo os

lábios, late-jantes, por causa dos beijos apaixonados, num movimento que era um convite inconsciente.

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— Diga! — ele pediu baixinho. — Meu nome. Tenho que ouvir você dizê-lo.

— Jake...Seus dedos a apertaram com força, antes de ele se

afastar de um modo quase brusco e ir se sentar à escrivaninha.

— Jo? Ah, você está aí. — A figurinha magra de Sam, vestida num pijama, atravessou o assoalho acarpetado, vindo abraçá-la pela cintura. — Pensei que tivesse ido embora ou que tinha sonhado que estava conosco.

— Não, não sou um sonho — disse Jo, suavemente.— Bom dia, tio Jake. — Sam sorriu para ele, incapaz

de perceber a tensão que ainda havia no ar. — Vai poder ir à praia conosco?

Jake passou a mão pelos músculos tensos da nuca.— Acho que não, Sam. Vou tomar um banho e depois

voltar para meu trabalho.Ele tirou a folha que estava na máquina e leu o trecho

que escrevera, com toda a atenção voltada para o papel. Jo pegou a mão de Sam, levando-a para a porta.

— Venha, vamos tomar café — disse, baixinho. Jake parecia totalmente absorto, mas, enquanto ela safa, Jo sentiu um estremecimento de emoção e soube que ele a observava.

Os dias seguintes foram de calma rotina, e Jo descobriu que nunca se sentira tão bem desde o acidente. Tinha muito pouco tempo para pensar e passava grande parte do dia na praia com Sam, que raramente parava de falar. Resolveram se dedicar á tarefa de recuperar a horta abandonada que ficava ao lado da garagem e plantar novas sementes que Sam ia verificar a cada meia hora.

O serviço não era muito, pois Chrissie tinha deixado tudo meticulosamente limpo, de modo que era fácil para Jo estar fora de casa. E longe de Jake Marshall. Desde aquela primeira manhã, mal o vira. Fiel à sua palavra, ele trabalhava de sol a sol, e muitas vezes atravessava a noite batendo à máquina.

Jo dizia a si mesma que o melhor que tinha a fazer era se afastar dele o mais possível, porque sabia que não podia confiar nas próprias emoções. Se pudesse ficar com Sam em sua casa, não teria que enfrentá-lo diariamente. Mas, quando tentou faiar no assunto, Jake recusou

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terminantemente, entrando no escritório com uma expres-são sombria.

No que dizia respeito à menina, Jo agora conseguia relaxar para conversar calmamente com ela e até mesmo tocá-la sem sentir qualquer repulsa, como acontecia antes. Estava até dormindo melhor, apesar da presença perturbadora de Jake Marshall, e não acordava mais no meio da noite, perdida naquela escura sensação de puro medo.

Cerca de uma semana depois de sua chegada, Jo estava passando algumas roupas que lavara pela manhã, aproveitando a hora de tranquilidade em que Sam tirava uma soneca, e começou a pensar em Jake. Ouvia o leve ruído da máquina de escrever e ficou curiosa. Qual seria o roteiro do novo livro? Gostaria de ir lhe perguntar. No entanto, isso significava entrar no estúdio sozinha e, depois daquela primeira manhã, sempre procurava ter Sam a seu Jado, quando ia falar com ele. Entrar naquele domínio sem a companhia da menina seria se arriscar a enormes perigos emocionais. Jake sabia que ela estava usando Sam como um escudo, contra ele, isso ficava óbvio no modo como a olhava, quando seus olhos escuros se encontravam com os dela.

A campainha do telefone a sobressaltou, fazendo-a se sentir culpada por estar pensando em Jake. Desligou o ferro e correu para atender, antes que perturbasse o sossego da casa.

— Alô — disse, ofegante.Houve uma pequena pausa, antes de a voz rouca

perguntar se era da casa de Jake Marshall.— Sim — respondeu Jo, sem se importar com o tom

ligeiramente grosseiro da mulher.— Quem está falando? Onde está Chrissie?— A sra. Christiansen sofreu um pequeno acidente. Ela

caiu e, infelizmente, quebrou a perna. Sou... sou Jo Harrison. Estou no lugar dela até ela poder voltar.

— Entendo. Bem, quero falar com Jake. Jo hesitou.— Sinto muito, o sr. Marshall está trabalhando e

deixou instruções para não ser perturbado.— Isso não me inclui. Ele falará comigo.— Sinto muito. Posso anotar o recado e, quando Ja. ..

quando o sr. Marshall estiver livre, ele lhe telefonará. — Jo

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sentia-se muito mal em ter que dizer aquilo, mas Jake havia sido incisivo: nenhuma interrupção, por qualquer motivo que fosse, Ela e Sam tinham andado na ponta dos pés toda a manhã.

Houve um instante de silêncio pesado.— Quem é você, mesmo? — O tom rouco

desaparecera, deixando uma nota áspera.— Jo Harrison.— Sim. Pois bem, srta. Harrison, faça o favor de ir

informar ao sr. Marshall que estou telefonando. Diga-lhe que é a srta. Vale.

Jo hesitou novamente. A máquina de escrever tinha parado, mas ele deixara mais do que claro que não admitiria interrupções. Mal tomara uma xícara de café, e ela suspeitava de que não estivesse no melhor dos humores.

— Srta. Harrison! — A moça não disfarçou a irritação.

— Sra. Harrison — disse Jo, tentando ganhar tempo.— Seja lá quem for, é melhor chamar Jake

imediatamente!— Com quem está falando, Jo? — perguntou Sam,

entrando na sala com os olhos ainda sonolentos.Cobrindo o bocal, ela respondeu:— Srta. Vale.— Lexie? Hum! — A menina franziu o narizinho numa

careta.Jo sabia que devia chamar a atenção de Sam, mas, na

verdade, sentiu-se mais inclinada a rir.— Sra. Harrison! — A voz gritou no ouvido de Jo. —

Exijo que informe a seu patrão que quero falar com ele, ou então, estou avisando, vai perder esse seu emprego!

Jo suspirou. Não ia conseguir resolver a situação sem irritar um dos dois. Se essa moça era a noiva de Jake… Uma cinta de aço envolver seu coração, mas eia se forçou a ignorá-la. Se Lexie Vale era a noiva de Jake, na certa ele não se importaria com a interrupção.

— Por favor, espere um instante, srta. Vale. — Colocou o fone sobre a mesa e foi para o estúdio.

— Tio Jake vai ficar uma fera — disse Sam, com ar de sabida. Jo levantou as mãos e deixou-as cair num gesto de resignação.

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Respirando fundo, bateu à porta. A máquina continuou no mesmo ritmo, e ela bateu mais forte. O ruído parou e um palavrão precedeu uma ordem para ela entrar.

— Há um telefonema para você — começou Jo, não muito encorajada pela expressão sombria de Jake.

— Nada de chamados — disse, lacônico, voltando a olhar para a folha datilografada.

— É a srta. Vale.— Diga-lhe para ligar na semana que vem,— Acho que ela não vai aceitar um recado desses

vindo de mim — falou, numa vozinha fraca.— Por que não?— Por que? Ora, ela não tem a mínima idéia de quem

eu sou. Jake encolheu os ombros.— Diga-lhe que ligarei depois. — Mal disfarçando a

irritação, olhou novamente para ela, uma sobrancelha levantando-se num ar inquiridor, quando viu que continuava parada na porta. — O que foi

agora ?— Bem, como ela é sua noiva… — Jo parou, ao notar

que ele franziu a testa.— Lexie disse isso? — Não. Foi Sam.— Sam?Jo fez que sim e Jake a encarou, antes de se levantar.— Então é melhor eu ir logo e não deixar minha…

noiva esperando.Sam olhou para o tio com um ar de dúvida, quando ele

atravessou a sala para atender ao telefone, seu rosto se abrindo num sorriso, depois que ele piscou para ela. Jo ficou incerta sobre se devia sair. No entanto, se Jake quisesse privacidade, teria atendido na extensão que havia no estúdio. Resolveu simplesmente não prestar atenção.

— Alô, Lexie. É Jake.Não prestar atenção à voz profunda e vibrante era

mais Fácil de dizer do que fazer, Jo viu-se procurando ouvir cada palavra. Não que ele estivesse falando muito. Lexie Vale parecia monopolizar a conversa.

Só quando Jake se virou ligeiramenie para olhá-la é que abaixou a cabeça sobre o vestidinho que passava.

— Na verdade, a sra. Harrison tem sido de uma grande ajuda — disse ele, e, à menção de seu nome, Jo olhou para ele, para surpreender um ar divertido em seu

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rosto. — Bem, não é da idade de Chrissie. mas também não poderia ser chamada de adolescente.

Jo corou de raiva. Como ele se atrevia a discuti-la com outra pessoa como se não estivesse ali?!

— Muito atraente — comentou Jake, seus olhos dançando por sobre o corpo de Jo, enquanto Sam abafava uma risadinha com a mão. — Ainda não discutimos isso. — A voz profunda estava mais áspera, e ele se virou de costas, pondo a mão no bolso de trás do jeans e balançando-se para a frente e para trás, flexionando os músculos das pernas. — Sinto muito, Lexie — disse, finalmente. — Não vou poder. Estarei trabalhando por umas duas semanas e talvez leve ainda mais tempo, se houver outras interrupções. — Seu rosto ficou sombrio, enquanto lançava um outro olhar para Jo.

— Na semana passada eu lhe disse que ia ficar trabalhando. Tenho um prazo para entregar o livro, e por isso não adianta insistir. — Alguns segundos depois, ele desligou e, pelo jeito, a despedida não devia ter sido muito amigável.

Jo procurou se concentrar no vestido que estava passando.

— Lexie vem para cá? — perguntou Sam.— Acho que não — respondeu Jake, falando com

naturalidade e espreguiçando-se languidamente. — Estou precisando nadar um pouco para afastar as teias de aranha. Tenho companhia?

— Eu! — berrou Sam. — Vou pôr o maiô. — E saiu correndo da cozinha.

— E você, Jo? — ele parou diante dela, com os braços cruzados, tão perturbadoramente masculino, que ela teve que se esforçar para afastar o olhar.

— Não, preciso terminar isto — disse, rapidamente,— Covarde! — murmurou, desafiando-a. — Deixe essa

roupa para depois. Não tem obrigação de acabar tudo agora.

— Eu sei, mas… eu… eu não estou com vontade de nadar.

— Vai querer quando estiver na água. — Deu aquele sorriso que fazia suas pernas ficarem moles. — Vamos, Jo, a vida não é só trabalho.

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No instante em que viu aquele sorriso, Jo soube que não ia conseguir resistir ao apeio. Com um suspiro, desligou outra vez o ferro.

— Vou trocar de roupa.— Boa menina!— Boa menina, ora essa! — resmungou Jo, enquanto

vestia o biquini. Qualquer um pensaria que ela era uma criança da idade de Sam, e Jake estaria lhe dando uns tapinhas na cabeça por ela ser obediente. Na certa, a convidara para nadar porque queria ter alguém cuidando de Sam, enquanto mergulhava despreocupado. E ela, como sempre, tinha caído feito um patinho.

Mordeu o lábio.Santo Deus, estava se comportando como uma

mocinha ingénua, tecendo sonhos de príncipe encantado e romances de cinema! Era isso, nada mais que um sonho gravado em celulóide. Precisava tomar muito cuidado para não se envolver com Jake Marshall. Ela mesma era sua pior inimiga.

Afastando os pensamentos, vestiu a saída-de-praia e pegou uma toalha. Sabia que precisava manter trancada a porta que levava às suas emoções. Seria sua única proteção.

Além de um olhar dos pés à cabeça, quando ela saiu para a varanda, Jake mal pareceu notar sua presença, não fazendo qualquer esforço para conversar, enquanto se dirigiam para a praia. Usando um calção azul-marinho, e com uma toalha jogada no ombro, ele parecia simplesmente magnífico e extremamente masculino. Tanto que Jo teve que se esforçar para ouvir a conversa alegre de Sam.

Deu um suspiro de alívio, quando o viu atirar-se diretamente nas ondas, enquanto ela mexia no cinto, um pouco tímida em tirar a saída-de-praia. Sam correu atrás do tio, chamando Jo para acompanhá-los.

A água estava muito fria e ela sentiu um arrepio ao molhar as pernas.

— Vamos, Jo — encorajou-a Sam. — Não vai sentir frio depois que entrar.

Não muito animada, ela molhou o corpo, na esperança de se acostumar mais depressa com a água fria. Jake veio boiando para perto, observando-a com um ar divertido.

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— Seria mais fácil se nós a ajudássemos a se decidir? — perguntou, com uma risadinha.

— Não, obrigada. Prefiro entrar aos pouquinhos.— Oh, eu também! Mas às vezes é mais divertido com

um pequeno empurrão de uma mão amiga.Vendo que ele se aproximava, Jo resolveu não arriscar.

Mergulhou na primeira onda, emergindo depois de alguns metros para afastar do rosto os cabelos molhados, seus olhos procurando o corpo bronzeado de Jake.

A risada profunda veio de sua direita.— Eu disse que com um pouco de ajuda seria melhor.Antes que pudesse responder, sentiu os braços de

Sam nos ombros e virou-se para ela, surpresa.— Como chegou até aqui? — A água mal estava

dando pé para ela.— Eu nadei — respondeu a garota, cheia de orgulho,

— Sou uma grande nadadora, não é, tio Jake? Vou mostrar como consigo pegar uma onda até a praia.

Nem tinha acabado de falar, e seu corpinho já desaparecia, levado por uma vaga mais forte.

— Será que não há perigo? — perguntou Jo, preocupada, sem tirar os olhos da cabeça da menina, temendo perdê-la de vista.

— Pode ficar tranquila. Ela é como um peixe. — Jake estava muito mais perto agora. — Estou sempre de olho, é claro. Apesar de ser confiante, ela não é irresponsável.

Enquanto ambos a observavam, Sam chegou à praia e acenou.

— Vou fazer um castelo de areia — gritou, e logo se ajoelhou um pouco afastada das ondas.

Jo virou-se para Jake.— A água não parece tão fria, depois do primeiro

choque — disse, gostando de ver o modo como as gotas de água salgada escorriam pelos ombros dele, brilhando como diamantes ao sol. Ele também a observava.

— Vai ter que tomar cuidado para não ficar muito queimada. Sua pele é muito clara.

— Felizmente, costumo ficar com um bom bronzeado, desde que não exagere.

Uma grande onda os levantou e Jo abriu os braços para se equilibrar, mantendo o queixo fora da água. Jake fez o mesmo e sua mão tocou a dela, os dedos se fechando

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depois em torno do braço de Jo, logo acima do cotovelo; ele sentiu a pele áspera e olhou para a cicatriz de mais de dez centímetros.

— O mesmo acidente? — perguntou baixinho, acariciando a marca.

— É.Levantou a mão para cobrir a face, mas ele a pegou.— Sei que tem uma cicatriz no rosto, Jo. Não há

motivo para tentar esconder — disse, com naturalidade, seus olhos fixando-se deliberada-mente na face marcada. Ela recuou ligeiramente, incapaz de controlar a reação involuntária.

Uma onda veio sobre eles, traiçoeira. Apanhada de surpresa, Jo agarrou-se a ele, mas Jake também perdera o pé e afundaram juntos. Seus corpos quase nus se tocaram e a sensualidade daquela sensação eletrizante fez Jo passar os braços pela cintura de Jake.

Enquanto emergiam, a realidade voltou, e ela se afastou, mas ele a segurou com força, acariciando-lhe as costas. Seus olhos se encontraram, o castanho-escuro e o azul-turquesa do mar.

O corpo de Jake se moveu em sua direção, uma perna nua se insinuou entre as dela, as mãos agarrando-a pelos quadris, a excitação do homem atiçando o fogo que começava a queimar nela, no fundo de seu ser.

— Jake, por favor. . .— Não. Não será um favor, será um prazer. Um

grande prazer.— Não é isso. Quero.. . quero voltar para a praia. — As

mãos de Jo estavam apoiadas no peito forte e bronzeado, e ela precisou se controlar para não acariciá-lo.

— Eu também. — Ele deu um gemido, e seus lábios tocaram o ombro delicado de Jo, a língua enviando ondas de prazer pelos seus nervos.

— Jake! Por favor, não me toque.— Quero você, Jo — disse, suavemente, de um modo

sensual, sua voz numa melodia excitante acompanhada pelo murmúrio do mar.

Jo mal conseguia respirar e sentia-se imobilizada por aquele olhar penetrante.

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— Deus, será que não percebe o que está fazendo comigo, o que esteve fazendo, desde o primeiro instante em que a vi?!

A cabeça bem-feita inclinou-se sobre ela, ocultando o sol, e Jo soube que simplesmente não ia encontrar forças para recusar aquele beijo. Estavam tão absorvidos um no outro, que não viram a onda enorme que se quebrou contra eles, fazendo Jake soltá-la, enquanto afundavam.

Quando Jo conseguiu voltar ã tona, esfregando os olhos, viu que estava sozinha; Jake ia se afastando com braçadas poderosas. Presa de emoções conflitantes, começou a nadar para a praia para se encontrar com Sam, que tentava salvar as paredes de seu castelo de serem destruídas peias ondas.

Levando a mão aos olhos para protegê-los do sol, Jo viu a figura de Jake na água. Ele havia dito que a queria. Muitos homens tinham dito isso em outros tempos, sem jamais conseguir fazê-la reagir. Um arrepio de medo passou por seu corpo. Agora sabia o que aquelas palavras significavam, pois também queria Jake e não sabia como apagar aquele fogo que ele despertara e que podia crescer, fugindo totalmente de seu controle, para consumi-la em suas chamas.

CAPITULO VII

À medida que os dias passavam, a tensão entre Jo e Jake parecia aumentar, tornando-se mais explosiva sempre que seus caminhos se cruzavam. E Jo tinha a impressão de que eles estavam se cruzando muito mais frequentemente do que acontecia antes daquele encontro na praia.

Mais uma vez, seu sono tornou-se inquieto e perturbado, mas a causa não era mais o terror que a perseguira depois do acidente. O motivo de sua atual inquietação era uma coisa perfeitamente tangível. Jake Marshall a mantinha acordada, debatendo-se nos lençóis até as primeiras horas da madrugada. Jake Marshall fazia seu corpo pulsar, ansiando por ele, querendo ser beijada, acariciada e levada ao auge do prazer que seu corpo agora desperto exigia.

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Sabia que aqueles olhos profundos estavam sempre sobre ela, não tentando esconder o desejo, e só precisava pensar na expressão dele para queimar com um fogo igual. Cheia de valentia, tentava ignorar o que lia em cada linha do rosto tenso e viril. Procurava fugir, absorvendo-se no serviço da casa.

A certa altura, decidiu que a coisa mais sensata a fazer seria conversar com Jake e esclarecer a situação, antes de ela fugir ao controle e resultar numa explosão que poderia deixá-los emocional-mente feridos. Sim, seria muito sensato, mas não conseguiu nem tentar tocar no assunto.

A primeira rachadura na parede tórrida que havia entre eles foi causada por Sam. Um dia, depois do almoço, as duas estavam fazendo homenzinhos de massa de biscoito, quando Jake veio juntar-se a elas, encostando-se na porta da cozinha com os braços cruzados, seu olhar penetrante não combinando com a atitude casual.

— O que estão fazendo?Ajoelhada numa cadeira e com as mãozinhas cheias de

pedacinhos de cereja cristalizada, Sam sorriu para ele.— Estamos fazendo bonecos de biscoito e estou

pondo os narizes. Venha ver, tio Jake.Ele se aproximou da mesa, parando ao lado do corpo

tenso de Jo.— Será que vão ficar tão gostosos como parecem? —

A pergunta foi dirigida à menina, mas Jo sentiu-se estremecer.

— Claro — garantiu Sam, cheia de confiança. — Jo é uma cozinheira fantástica. Sabe?, acho que Jo e Chrissie são as melhores das melhores cozinheiras do mundo!

Jake levantou uma sobrancelha e deu um sorriso. Desviando o olhar para Jo, notou que a mão que segurava a xícara com passas tremia visivelmente.

— Olhe estes aqui, tio Jake! — continuou Sam, feliz, — Jo pôs nossos nomes nestes bonequinhos.

Nesse instante, Jo deixou cair a xícara de plástico, que bateu no chão com um ruído abafado. As passas se espalharam pelos ladrilhos, Jake abaixou-se ao mesmo tempo que ela para pegá-las, e sentiu o hálito quente dele perto do rosto. Quando seus dedos se tocaram, puxou a mão como se tivesse sido queimada.

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Endireitando-se imediatamente, Jake pareceu ficar com o rosto escuro de raiva. Jo levantou-se, com o rubor tingindo as faces.

— Quando os bonequinhos estiverem prontos, Jo pode jogar o meu no lixo. Acho que isso lhe dará uma grande satisfação — disse ele, ríspido, e saiu da cozinha.

Jo ficou olhando para a porta, até sentir Sam tocar seu braço. A menina estava com o rostinho feio muito pálido, o lábio tremendo.

— Por que tio Jake está tão bravo? Por que está com raiva de nós? — Duas grandes lágrimas escorreram por suas faces.

Jo abraçou-a carinhosamente, sentindo um grande conforto naquela proximidade.

— Ele… ele não está com raiva de você, queridinha — disse, afastando os cabelinhos finos da testa de Sam.

— Então, por que está com raiva de você? — O pensamento perturbou-a ainda mais, e deu um soluço dolorido. — Não quero que tio Jake fique com raiva de você.

— Ele está só cansado, querida. Tem trabalhado sem parar naquele livro e por isso está um pouco irritado. — Esperou ter sido convincente.

— Você não vai embora, não é, Jo? — Sam se agarrou ao pescoço dela. quase com desespero. — Mesmo se tio Jake ficar muito bravo, você não vai me deixar, promete?

Jo sentiu uma contração dolorida, ao ver a preocupação no rosto da menina, e enxugou as lágrimas com um gesto carinhoso.

— Ora, como posso ir embora? Olhe, tenho todos estes homenzinhos de biscoito para assar.

Forçou sua voz a parecer alegre, enquanto pensava no que estaria fazendo a esse inocente e inseguro pedacinho de gente. Mais cedo ou mais tarde, teria que devolvê-la aos cuidados de Chrissie. Sentiu um nó na garganta e engoliu doloridamente. Não só Jake Marshall, mas também Sam, tão necessitada de amor e segurança, tinham conseguido penetrar sua armadura contra emoções.

Apesar de tentar não dar grande importância ao incidente, Jo percebeu que a menina, como ela mesma, ficou preocupada, não encontrando a alegria que esperava no projeto de fazer os bonequinhos de biscoito. Pelo resto da tarde, enquanto Jake se mantinha no estúdio, a máquina

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de escrever em silêncio, sentiu várias vezes o olhar ansioso da menina sobre ela.

Jake jantou sozinho, no escritório, e, quando Jo começou a ler para Sam dormir, apareceu na porta do quarto, com o rosto cansado e a barba já mostrando a sombra de um dia. As duas olharam para ele um pouquinho assustadas e Jake deu um ligeiro sorriso, quase uma careta, vindo sentar-se na beira da cama.

— Que história estamos lendo hoje? A do príncipe, de novo?

— Não, A Viagem da Chaleira. Jo comprou para mim quando fomos fazer compras — disse Sam. — É sobre uns anõezinhos que saíram para procurar um novo lar. Venha ver, tio Jake! — Apontou para o livro aberto no colo de Jo.

Ele se levantou e veio para perto dela, olhando a ilustração. Sua perna tocou o joelho de Jo, e o ruído do brim raspando contra o algodão do vestido arrepiou-a.

— Olhe o barco, tio Jake. É uma chaleira. Eles atravessam o oceano nela. E aqui é onde o golfinho vai salvá-los. Quer que Jo comece de novo para você poder ouvir a história toda?

— Esta noite, não. Continuem de onde estão. Além disso, desconfio de que Jo já leu essa história muitas vezes. — Tocou o narizinho de Sam com a ponta do dedo antes de se abaixar para beijá-la, apoiando-se momentaneamente no ombro de Jo. Quando se endireitou, ela suspirou com um misto de dor e alívio.

Jake flexionou os músculos com um gesto cansado.— Só vim para dar boa-noite. Vou tomar um banho e

dormir — I disse, abafando um bocejo. — Até amanhã.— Quer tomar uma xícara de chá ou um copo de leite,

antes de se deitar? — perguntou Jo, e ele balançou a cabeça. — Por que não dá um beijo de boa-noite em Jo, tio Jake? — disse Sam, inesperadamente. — Não faz mal que sua barba está picando.

— Por que não? — Ele deu uma risadinha divertida e, antes que Jo percebesse o que ia fazer, pegou sua mão e beijou a palma, fazendo I seu coração bater a cem por hora. O toque dos lábios estava mais

carregado de sensualidade do que se tivesse beijado sua boca.

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Sam deu uma risadinha gostosa, olhando para os dois com um ar encantado. Quando Jake saiu, Jo usou toda sua determinação para se recompor e se concentrar no resto da história.

— Pronto — disse, quando terminou. — Muito bonita, não é?

— Hum, hum. Gostaria que os anõezinhos viessem morar aqui, na nossa praia. — Sam suspirou e olhou para Jo, com a testa franzida. — Posso perguntar uma coisa?

— Claro. — Procurou manter a voz natural, percebendo de repente que talvez não pudesse responder ao que estava por vir.

— Você gosta do tio Jake?— O que a faz pensar que eu poderia não gostar dele?

— disfarçou, sentindo a garganta se contraindo.— Ah, não sei. Acho que é porque eu quero que

você goste muito dele.— Pois bem. eu gosto dele. — Jo arrumou as cobertas

e ajeitou os travesseiros. — Agora, feche esses olhinhos e durma.

— Ele gosta muito de você, Jo… eu sei.— Que bom… — Ficou com o rosto muito vermelho.

— É agradável saber que há alguém que gosta da gente, não é?

— Você gostaria de casar com ele? — Os olhos azuis de Sam estavam muito brilhantes. — Tio Jake diz que agora sou filhinha dele. Assim, eu poderia ser sua filhinha também, Jo.

Ela sentiu um aperto no coração, enquanto olhava para o rostinho solene da menina.

— Oh, Sam — suspirou, sentando-se na beira da cama. — Querida, as coisas não são assim tão simples. As pessoas… bem, as pessoas têm que se amar de um modo especial, antes de começarem a pensar em casar.

— Eu sei. Mas será que você não podia amar tio Jake de um modo especial?

— Eu... não faz muito tempo que conheço seu tio e não sabemos muito um sobre o outro. — Jo procurava desesperadamente pelas palavras. — Acho que ainda é muito cedo para responder a uma coisa dessas.

— Ah… — Sam fez uma carinha triste. — Quando vi tio Jake beijando você, naquele dia em que estávamos

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nadando, achei que ele ia querer casar. Não quero que vá embora. — A voz de Sam se prendeu num soluço, e Jo pegou sua mãozinha.

— Você sabe que só ficarei aqui até Chrissie voltar — começou, procurando demonstrar tranquilidade. — Depois, vou voltar para… para minha casa, lá do outro lado da praia.

— Mas eu gosto de você, Jo, e quero que fique para sempre. — Sam esfregou os olhos.

— Nós… bem, nós vamos nos visitar muitas vezes. — Sentia-se absolutamente perdida, tentando lidar com aquela situação, apesar de saber desde o início que ela iria surgir, mais cedo ou mais tarde.

Sam ficou olhando para ela, agarrando as cobertas com toda força.

— Ainda acho que você devia casar com tio Jake. Ele é muito bonzinho, E você lambem é muito boazinha. Muito, muito mais do que Lexie. Lexie é horrível!

— Sam, acho que não deve falar essas coisas na frente de seu tio — disse Jo, apressadamente, decidindo que o assunto tinha ido longe demais e imaginando, seu embaraço, se a menina resolvesse tocar nele quando os três estivessem juntos. — Além disso, se ele quer casar com a srta. Vale, você terá que aceitar a situação. É uma escolha que só seu tio pode fazer.

Sam deu um suspiro dolorido, e Jo passou-lhe um lenço de papel.

— Agora assoe esse nariz e pare de se preocupar. Amanhã vamos fazer um colar com as conchinhas que você pegou na praia.

Sam balançou a cabeça, com uma carinha triste, enxugou os olhos e afundou nos travesseiros. Quando Jo se inclinou para beijá-la, a menina abraçou seu pescoço.

— Boa noite. — Você e tio Jake são as pessoas que mais adoro neste mundo.

Lágrimas brilhavam nos olhos de Jo, quando entrou no quarto para pegar a camisola e o roupão. Um banho quente ajudou-a a relaxar um pouco. Seus músculos cansados pediam cama, mas, como já estava se tornando um hábito, custou a pegar no sono. A figura de Jake Marshall se interpunha entre sua mente ativa e o esquecimento que seria mais do que bem-vindo.

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As palavras de Sam juntaram-se ao quadro, e ela sentou-se na cama, apoiando o queixo nos joelhos. O que estava acontecendo? Se não estivesse tão decidida a enterrar as emoções, diria que se apaixonara por aquele homem.

Tinha todos os sintomas: a tensão quando ele estava perto, as batidas aceleradas do coração quando pensava nele, o calor dolorido quando sentia seu toque, a ânsia, o desejo. Oh, Deus, como o queria! Não se lembrava de ter sentido isso por qualquer outro homem.

E ele a queria também, já o admitira claramente. Mas querer e amar eram duas emoções completamente diferentes. Pelo menos, sempre pensara assim. Agora, estava tão confusa… Jake Marshall transformara sua vida numa coisa quase irreal, como um conto de fadas, completamente diferente do que era, mesmo antes do acidente.

Sabia que podia se envolver facilmente num caso com ele e que estaria disposta a se contentar com muito pouco, com o que ele quisesse dar. Jo fechou os olhos com força.

Maldito Jake Marshall! Nenhum homem a havia feito nem mesmo considerar a possibilidade de se envolver num caso. Até mesmo Mike acabara desistindo da idéia de viverem juntos por algum tempo, antes de se decidirem a casar. Jo suspirou, sentindo a pontada de dor que sempre acompanhava seus pensamentos sobre ele. Talvez, se tivessem ficado juntos, descobrissem antes que não eram realmente compatíveis e não teriam casado. E não haveria Jamie.

Jamie. Jamais poderia esquecer a alegria e felicidade de tê-lo nos braços pela primeira vez. Já era lindo ao nascer. E também sabia que jamais esqueceria o medo que se juntou à alegria. O medo da responsabilidade de criá-lo, medo de ter que fazê-lo completamente sozinha, pois, àquela altura, Mike e ela já tinham se tornado praticamente estranhos um para o outro. E aquele outro medo, ainda mais terrível a cada minuto que passava, causado pelo conhecimento de que Jamie era lindo demais, de que ela era bem-sucedida demais, de que tinha sorte demais e que, de algum modo, teria que pagar por isso.

Não! Não! Não pense! Não pense!, gritou para si mesma, ouvindo o terror ecoando em seus ouvidos. Foi

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então que percebeu que não era seu grito que ouvia. Em poucos segundos, já estava correndo pelo corredor, na direção do quarto de Sam.

Apesar de o pequeno abajur estar aceso, Jo ligou o interruptor e foi direto para a cama onde a menina estava encolhida num dos cantos. As cobertas tinham caído no chão e Sam abafava os gritos no colchão.

Jo a fez virar, e os gritos aumentaram, gelando seu sangue. Uma frase se destacava, horrível, aguda, perfeitamente clara:

— Mamãe está cheia de sangue!Por um segundo, ela ficou imóvel, e logo estava com

Sam nos braços, ninando-a com infinito carinho, murmurando palavras de conforto, quase cantando, até os gritos se transformarem em soluços e Sam levantar os braços para se agarrar a ela, com um desespero que revelava o quanto estivera apavorada há poucos instantes.

— Vamos, queridinha, não chore mais. Já passou e estou aqui com você.

Afastou delicadamente a cabecinha molhada de seu ombro, sentindo o tecido fino da camisola molhado pelo suor que empapava o pijama de Sam. Podia compreender muito bem o que a menina sofrera em pesadelo e sentiu-se tomada de compaixão. Beijou a testa úmida e, gentilmente, tirou os bracinhos de seu pescoço.

— Estou aqui, Sam. Não precisa mais ter medo,— Oh, Jo. fiquei tão assustada! Não me deixe. Não vá

embora! Tenho medo de ficar sozinha!— Vamos, vamos, . . — Jo segurou a cabecinha contra

o ombro e, nesse momento, Jake entrou no quarto, muito pálido.

Ele atravessou o quarto e sentou-se na cama perto delas. Sua perna nua encostou-se na de Jo e o braço passou por cima do dela para afagar a cabeça de Sam.

— Eí, o que foi isso, bonequinha?— Ah, tio Jake! — Sam olhou para ele com o rosto

muito branco, as lágrimas escorrendo pelas faces. — Sonhei de novo. Aquele sonho feio. Vi mamãe com… Oh, tio Jake, eu estava sozinha! — terminou com um soluço, atirando-se no colo do tio.

— Bom, agora tudo acabou. Jo e eu estamos aqui — disse, abraçando-a carinhosamente.

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Depois de alguns minutos, os soluços por fim cessaram e Sam bocejou, cansada.

— Eu queria um copo de água.— Espere. — Jo levantou-se e pegou a pequena

moringa decorada com bichinhos que ficava sobre a camiseira à noite. Enquanto Sam bebia, olhou-a com um ar preocupado. — Ela está encharcada de suor e os lençóis também — disse, baixinho. Jake balançou a cabeça e pegou a menina no colo. — Vou dar-lhe um banho quente, enquanto você troca a cama,. Quando ele voltou, trazendo Sam enrolada numa toalha felpuda, Jo vestiu-a com um pijama passado e colocou-a na cama. A menina já estava quase dormindo. Puxando as cobertas, Jo afastou os cabelos finos da testa, não escondendo sua preocupação com a palidez daquele rostinho.

— Vamos, já está tudo bem — disse Jake.— Talvez acorde de novo. Não seria melhor eu ficar

aqui?— Não, vá para a cama. — Passou a mão pelos

cabelos, num gesto cansado. — Geralmente, ela não acorda de novo. Sempre parece dormir profundamente, depois desses pesadelos. Ficarei um pouco mais, até ter certeza de que ela está tranquila.

Jake desligou a luz principal e virou-se para Sam, seus olhos brilhando na semi-escuridão. Nesse instante, Jo tomou consciência da transparência de sua camisola, ainda maior por causa da umidade, e estremeceu ligeiramente.

— Você está com frio. É melhor trocar de roupa também. E obrigado por ter vindo ajudar Sam.

Encostada na porta de seu quarto, Jo começou a tremer de verdade, por causa da brisa fresca do mar que entrava pelas venezianas. Olhou para si mesma, horrorizada com a figura que fazia naquela camisola transparente. Santo Deus, era como se estivesse nua! Sentiu o rosto em fogo, enquanto pegava outra camisola na gaveta.

Estava sendo completamente ridícula. Ambos tinham apenas reagido automaticamente, ao ouvir os gritos de Sam, sem pararem para verificar se estavam vestidos adequadamente.

Porém, sua camisola curta deixava muito pouco para a imaginação, realçando os seios e os quadris, terminando

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bem acima dos joelhos, exibindo uma boa parte das pernas. Muito corada, Jo puxou as cobertas para se cobrir, com muitos minutos de atraso, tentando se convencer de que Jake já vira muito mais de seu corpo quando usara o biquini. E que, agora há pouco, estava mais interessado no bem-estar de Sam.

Lembrou-se do modo como a olhara enquanto saía do quarto da menina e cobriu o rosto para afastar a visão do fogo que vira no brilho daqueles olhos castanhos.

Depois de algum tempo, ouviu passos no corredor e seu coração quase parou, pois ele fez uma pausa à sua porta, antes de continuar até o quarto. Não conseguiu mais pegar no sono.

Forçando seus pensamentos a se afastarem dele, foi até a janela e ficou olhando para a praia banhada pelo luar. Pensou em Sam. Pobre criança! Que coisas horríveis estavam guardadas em sua memória " para causar pesadelos como aquele? Lembrando-se dos próprios terro-res, encheu-se de compaixão por ela, ainda tão novinha e passando por tanta agonia.

Por várias vezes, voltou para a cama e tentou dormir, mas o sono se recusava a vir. Finalmente, depois de mais de uma hora, decidiu ir à cozinha para tomar um pouco de leite ou uma xícara de chá.

Abriu a porta sem fazer o menor ruído e andou peio corredor nas pontas dos pés. Deu uma espiada no quarto de Sam. Dormia tranquilamente, como se o pesadelo nunca tivesse ocorrido.

Quando o chá ficou pronto, levou a xícara para a mesa da cozinha e tomou um gole, suspirando.

— Parece que você estava mesmo precisando. — A voz de Jake quase a matou de susto, e ficou olhando para ele, sem palavras. — Gostaria de um pouco também. Posso? — Sem esperar pela resposta, Jake serviu-se de uma xícara e sentou-se em frente a ela.

Jo tomou outro gole. Todos os seus sentidos estavam plenamente acordados, gritando por causa daquela proximidade.

— Não conseguiu pegar no sono? — perguntou Jake, depois de beber um pouco de chá.

— Não. Pensei… pensei que, tomando alguma coisa. . .

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— Foi o que imaginei, quando a ouvi andando por aí. Não é fácil relaxar, depois de ser acordado de um sono profundo com um choque.

Ficaram em silêncio, o único ruído vindo do relógio que tiqueta-queava na parede.

— Sam costuma ter sempre esses pesadelos? — perguntou Jo, depois de algum tempo.

— No começo, aconteciam quase todas as noites, mas fazia tempo que não tinha um. Pensei que a pobrezinha estivesse livre deles, mas vejo que me enganei. Você tem idéia do que poderia tê-lo desencadeado? Quero dizer, Sam parecia preocupada ou nervosa por causa de alguma coisa, antes de dormir?

Jo não queria mencionar a irritação de Jake naquela tarde, mas, como ele a observava com uma expressão inquiridora, encolheu os ombros e resolveu falar:

— Sam ficou nervosa esta tarde. Pensou que estivesse bravo com ela.

— Entendo — disse ele, abaixando o olhar para a xícara.

— Mas eu expliquei que você estava cansado por causa do excesso de trabalho e ela pareceu ficar satisfeita com a explicação.

Jake murmurou um palavrão e algumas recriminações contra si mesmo. Esforçando-se para entendê-las, Jo percebeu alguma coisa como "era bom que fosse só isso". Imaginou que talvez algo não estivesse indo muito bem com o livro.

— E foi tudo?— Sim. — Jo hesitou e depois achou que seria justo

acrescentar: — Ela também parece muito preocupada com seu futuro casamento com a srta. Vale.

Jake ficou muito quieto e tomou um outro gole de chá, suas pálpebras escondendo a expressão dos olhos.

— Talvez você devesse... — Jo parou, achando melhor não se aprofundar muito no assunto para seu próprio bem.

— Devesse o quê?— Bem, Sam é muito sensível e insegura. O que ela

precisa é de uma mãe. Acho que deveria falar-lhe de seu noivado com a srta. Vale, deixar a menina passar mais tempo com sua noiva para conhecê-la melhor e… e

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gostar dela. — Sua voz foi sumindo, e mais uma vez o único ruído que rompeu o silêncio foi o do relógio.

— E acha que elas conseguiriam?— Conseguiriam? — repetiu Jo, sem compreender.— Gostar uma da outra.— Não sei dizer, não conheço a srta. Vale. — Mas se

lembrou de sua má impressão ao atender ao telefone. — No entanto, para começar, seria bom se elas se vissem com mais frequência.

Jake sorriu, cínico.— É um pouco mais difícil do que parece. Sabe, a srta.

Vale tem muitos atrativos, mas não morre de amores por crianças; especialmente as do tipo de Sam... tão feinhas. — Apoiou os cotovelos na mesa e encarou Jo. — Para completar, acho que sou egoísta demais para pensar na necessidade de encontrar uma mãe para Sam como um motivo para me decidir a casar. — Seus olhos escuros pareciam penetrá-la. — O que posso conseguir do casamento além do que já tenho, sem ter que me comprometer?

Jo sentiu que corava, por causa daquela franqueza, e afastou o

olhar do rosto moreno.— Não tenho nada com o assunto — disse. — Foi só

uma sugestão,nada mais do que isso.— Certo, sra. Harrison. — Jake inclinou a cabeça,

caçoando. — No entanto, eu seria um patife, se não reconhecesse o problema de minha sobrinha. A pobrezinha já sofreu mais do que muitos adultos.

— Chrissie me contou que os pais dela foram mortos longe daqui — disse Jo, afastando o pensamento dos próprios sofrimentos.

— Você não leu os jornais?— Não. Eu… estive fora… por algum tempo. .—

Como podia contar a alguém que estivera internada, cheia de sedativos, para não

se ferir ou a outra pessoa?— Foi há quase quinze meses. A imprensa fez o maior

estardalhaço, como sempre. Não posso culpá-los. — Jake encolheu os ombros.

— Chrissie me disse que seu irmão era repórter.

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— Ah, sim. — Ele fez uma careta. — Dave nunca, ficava mais de duas semanas no mesmo lugar. Mal voltava para casa, já estava ansioso para partir. Só parou algum tempo quando conheceu Denise.

— Sua cunhada?— Sim. Eles casaram um mós depois de se

conhecerem. Por muitos anos, Denise o acompanhou a todos os lugares. Ela gostava de novidades, de toda aquela excitação. — Por um instante, Jake ficou com uma expressão muito fria. — Para ser justo, Denise foi a esposa perfeita para Dave. Ajudou-o muito.

— Ela ia a todos esses lugares que são notícia? — perguntou Jo, incrédula. — Mas… e Sam?

— A chegada de Sam perturbou todo o esquema. Denise nunca se importou com a maternidade e, logo que pôde, deixou a menina com a avó e seguiu para perto de Dave. A menina só estava com eles no Oriente Médio porque a mãe de Denise sofreu um pequeno problema cardíaco e precisava descansar no hospital. O hotel onde estavam foi atingido por uma bomba e muitos morreram, inclusive Dave e Denise. Sam escapou por milagre, mas ficou várias horas sob os escombros, engatinhando para encontrar a mãe. — Jake deu um suspiro. — Esse é o motivo dos pesadelos.

— Oh. Jake, que coisa terrível! — Impulsivamente, tocou a mão dele. — Então, você foi buscá-la?

A mão morena se moveu, os dedos se cruzando com os dela, apertando-os firmemente.

— Normalmente, Sam teria voltado para a casa da avó, que foi praticamente quem a criou, mas a notícia da morte de Denise causou um outro ataque cardíaco, muito mais grave. Esteve internada por muito tempo e só agora está se recuperando. Mora com outra filha, no Sul. Sam pensa que é porque a tia teve um bebê. — Jake deu um outro suspiro. — Assim... a menina teve que ficar comigo.

— E... e ela o adora — Jo falou, emocionada.— Eu sei — murmurou Jake, passando o polegar

suavemente peia palma dela, e toda a atmosfera do momento mudou dramaticamente, enchendo o ar com uma tensão eletrizante.

A consciência do que estava acontecendo atingiu Jo como um soco, e ela quis puxar a mão. Os dedos de Jake a

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apertaram mais, seu olhar desafiando-a a tentar se afastar dele. Ficaram sentados assim, imóveis, por segundos que pareceram infinitos.

— É… é tarde. Acho que vou voltar para a cama. — Ela empurrou a cadeira para trás, ainda tentando libertar a mão. — Não resta muito da noite, mas. . .

Jake levantou-se com ela, seu olhar fixando-se nas mãos entrelaçadas, antes de soltar lentamente os dedos.

— Não não resta — disse, rouco.Jo dirigiu-se para a porta, sentindo os cabelos da nuca

se arrepiarem sob o olhar de Jake. Sua audição pareceu ficar mais sensível e podia ouvir a respiração dele, a cada passo, cada movimento, enquanto a seguia pelo correto até o quarto de Sam, onde a menina dormia

profundamente. Ao chegar a seu próprio quarto, entrou e virou-se

para dizer boa-noite na voz mais natural que conseguiu. Ele parou por um instante seus olhos percorrendo o rosto de Jo, os seios sob o tecido do roupão, os quadris arredondados, as pernas elegantes e bronzeada .

— Não seria melhor dizer bom-dia?— Apoiou-se na parede. juntinho dela — É o que gostaria de ouvi-la dizer de manhã, quando acordássemos lado a lado.— Sua voz era uma carícia, suas pupilas brilhantes pareciam queimá-la. — E também gostaria de um boa-noite quando estivéssemos pegando no sono. Por isso, não posso me afastar de você, agora.

CAPITULO VIII

Jo ficou suspensa por um segundo, sem conseguir acreditar no que ouvia. Depois, entrou rapidamente no quarto, batendo a porta. Porém, seu momento de hesitação custou caro e Jake foi rápido demais para ela. Mesmo com o peso de Jo contra a porta, ele não teve que fazer muito esforço para abri-la e entrar.

Os braços fortes a aprisionaram, ela se virou para enfrentá-lo, esmagada entre o peito forte e a porta. Ficaram assim, imóveis, olhos nos olhos.

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A cada segundo que passava, Jo se sentia sucumbindo à sedução que emanava daquele corpo poderoso. Os olhos escuros, carvões na meia-luz do abajur, percorriam seu rosto, a linha suave do queixo, e se demoravam por instantes nos lábios trêmulos. Jake ficou mais tenso, enquanto seu olhar descia pelo pescoço, até chegar aos seios que acompanhavam o ritmo agitado da respiração.

— Faz idéia do quanto desejo você, Jo? — murmurou, com voz rouca, e passou a ponta do dedo pelo queixo bem-feito, tocando a curva sensível dos lábios numa carícia leve, como o toque de uma pluma, deslizando pelo pescoço elegante para parar na ponta do decote em "V" do roupão.

Jo sabia que devia fugir, fazer alguma tentativa para quebrar o encantamento, mas seu corpo queimava, incendiado pelo fogo daquele olhar que a imobilizava, deixando-a surda a todos os sons, exceto o da respiração de Jake; cega a tudo, exceto àquele corpo alto e musculoso. Seria um sonho, uma alucinação da sua imaginação exaltada? Não. Sua reação era real; a ânsia de ser tocada, quase uma sensação de fome que contorcia suas entranhas.

O dedo se afastou da pela macia, mas só para que a mão pudesse exigir o toque total de um seio cheio e palpitante. Jo literalmente parou de respirar.

— Não! Por favor, Jake, não... — As palavras foram afogadas pelo desejo que a carícia provocava, mas ela tentou se libertar.

— Por favor, Jake, sim. — Ele imitou sua voz e se inclinou sobre ela.

Jo virou o rosto, apavorada, sabendo que seu corpo a trairia, no instante em que aqueles lábios sensuais tocassem os seus. Por um pouco, Jake contentou-se em lhe mordiscar a ponta da orelha, de um modo enlouquecedor, e depois deslizou os lábios pelo pescoço vulnerável. Ela começou a tremer, sentindo as pernas bambas. Quando os lábios de fogo começaram a descer, seguindo a linha do decote, Jo virou-se para olhá-lo.

— Jake, pare. . .Suas palavras se perderam, abafadas pelo beijo

exigente, embriagador, e o corpo de Jake foi chegando mais perto, com uma demora premeditada, até se apoiar

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totalmente no dela. As coxas firmes e o peito largo e forte pareceram derreter o tecido de suas roupas.

Jake soltou a faixa do roupão e vagarosamente o fez escorregar pelos ombros macios até cair abandonado no chão. Depois a mão voltou para o seio quente. Jo gemeu baixinho.

Levantou os braços para envolvê-lo, seus dedos se afundando na carne firme daquelas costas poderosas.

— Meu roupão — disse Jake, rouco. — Desamarre!Procurando peio cinto com dedos trêmulos, ela desfez

o nó e escorregou as mãos pela pele macia da cintura de Jake, deliciando-se com uma exploração vagarosa c sensual daquele físico poderoso.

A mão forte e experiente puxou a alça da camisola e os lábios quentes acompanharam a linha do ombro, descobrindo um seio e deixando-a totalmente enlouquecida.

Jake puxou-a novamente contra ele, os lábios tomando posse dos dela.

Num instante qualquer, a camisola caiu no chão, junto ao roupão, é Jake tomou-a nos braços para colocá-la sobre a cama estreita, desarrumada pelo sono inquieto do começo da noite. Tirando o próprio roupão num gesto rápido, ele se ajoelhou ao lado dela, as mãos per correndo os contornos arredondados do corpo maduro e feminino.

— Meu Deus, como você é linda… Muito mais linda do que imaginei...

Os lábios encontraram novamente seus seios e Jo entrelaçou os dedos nos cabelos fortes e espessos, deliciando-se com sua maciez. Jake levantou a cabeça para olhar para ela, o rosto iluminado por um raio de luar que se insinuava por entre as cortinas.

— Como tenho sonhado ter você assim junto a mim — murmurou com dificuldade. — Nunca desejei uma mulher como desejo você. Jo E nunca imaginei que um dia fosse confessar uma coisa dessas — terminou, tão baixinho, que ela precisou se esforçar para entender as palavras.

Seus lábios se encontraram, e o beijo foi longo e ardente, transportando-a numa onda sensual. Nunca havia sido levada por caminhos, como esse, com Mike. Jamais, em toda sua vida de casada… A primeira centelha de dúvida a assaltou, formada em parte de culpa, em parte de medo, e

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começou a crescer, a gritar, chamando por sua mente consciente, alertando-a para tomar cuidado. Depois daquele êxtase, teria que enfrentar a viagem de volta à realidade, as consequências de seus atos.

Consequências!, gritou novamente a voz dentro dela. Santo Deus o que estava fazendo? Jo ficou gelada. E se engravidasse? Não estava tomando qualquer precaução, e Jake... Oh, não! Um filho, não! Nunca! Jamais poderia ter outro filho, não suportaria passar novamente pela alegria da maternidade, para depois enfrentar… Oh. a desolação e a agonia da perda. . .

— Não! — A palavra saiu rouca, numa voz que mal reconheceu como sendo sua. — Não! Não!

Jo sacudia a cabeça freneticamente, as mãos contra o peito de Jake. impotentes contra aquela parede de músculos, como se ele agora fosse só um adversário pronto a trazer dor e angústia.

— Não, Jake, não posso. — As lágrimas começaram a escorrer por entre os cílios, enquanto olhava o rosto tenso à sua frente.

— Então, acha que pode chegar até aqui e depois dizer que não quer? — perguntou, áspero. Seu olhar parecia queimá-la. — Não pode estar falando sério — disse, depois de segundos que pareceram uma eternidade, num tom de ameaça, seus lábios se esmagando contra os dela num beijo sem ternura, de puro castigo.

O terror aumentou a força de Jo e ela lutou, esmurrando-o nos ombros e nas costas. Quando os lábios exigentes finalmente a libertaram. Jake estava respirando pesadamente, os olhos dele penetrando-a como lâminas de aço negro.

— Pelo amor de Deus. por quê?! — rosnou Jake, seu corpo ainda prendendo o dela contra a cama. — Jo fechou os olhos e balançou s cabeça, em silêncio. — Não me diga que foi só fingimento. Você pode ser uma atriz, mas não sou um menino inexperiente. Estava me querendo tanto quanto quero você, não é?

Ela continuou em silêncio, o rosto virado para o lado. Ele lhe agarrou o queixo, forçando-a a encará-lo.

— Não estava?Jo fechou os olhos novamente, concordando com um

levíssimo movimento da cabeça.

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Os dedos de Jake a apertaram, provocando dor e depois ele a libertou, respirando fundo.

— Imagino que exista um motivo — disse, com sarcasmo.

Jo continuou imóvel, com a garganta apertada, incapaz de emitir qualquer som.

— Que, pelo jeito, você não está disposta a revelar. Por favor, queira me esclarecer. — O tom a fez gelar até os ossos.

Como poderia explicar a ele a agonia? Nesse momento de paixão frustrada, depois da volta da lucidez, como poderia começar a falar sobre seus fracassos como esposa, como… E sobre Jamie, o lindo Jamie. .. e sobre a muralha de culpa que construíra à sua volta, tijolo por tijolo, e que se desmoronara na noite do acidente, esmagando seu corpo e sua alma?

— Quer dizer que vou ter que adivinhar? — brincou Jake, com um humor gelado. — Vejamos! Falta de vontade? Não, nós dois sabemos que não é verdade. Medo de perder sua preciosa virgindade, sra. Harrison? — Deu uma risada áspera. — Ora, vamos, Jo, invente outra!

— Jake, por favor, não… não torne as coisas mais difíceis.

— Mais difíceis? Seria possível?— Jake, eu... Mike... — Engoliu dolorosamente e

começou novamente: — Meu marido. . .Jake disse um palavrão e levantou-se, ficando parado

ao lado da cama.— Não precisa dizer mais nada — falou, por entre os

dentes cerrados, enquanto se abaixava para pegar o roupão, o corpo suado brilhando ã luz suave do luar. — Não me interessa servir de substituto para um morto.

— Oh, Jake, eu. . .— Pelo amor de Deus, não me venha com desculpas

lacrimosas. Estou a ponto de possuí-la com ou sem seu consentimento, pelo simples motivo animal de você ser mulher e eu estar precisando de uma mulher, qualquer uma. Se ouvir um "sinto muito", acabarei me esquecendo de que sou civilizado.

Sem outro olhar, saiu fechando a porta. Jo teve certeza de que, se Sam não estivesse dormindo no outro quarto, ele teria batido a porta com estrondo.

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Continuou deitada, sentindo um frio terrível. As lágrimas haviam secado e uma dor gelada latejava dentro dela. Um gemido baixo, quase uma risada sem humor, escapou de seus lábios, ao pensar que ele estava imaginando que ela ainda amava Mike, que queria perma-necer fiel á sua memória.

Sentiu-se tomada pela culpa. O que poderia ter dito para Jake entender tão mal a situação? E como se permitira levá-lo até aquele ponto? Tinha ficado furioso, e com todo o direito. Ela se comportara de um modo abominável, indesculpável.

Sem um segundo pensamento, Jo levantou-se da cama, vestiu rapidamente o roupão e saiu para o corredor. Hesitou um pouco, quando seus dedos tocaram a maçaneta da porta de Jake, mas forçou-se a abri-la e entrar.

Tentaria contar a ele sobre Jamie e sobre o fracasso de seu casamento. Não podia deixá-lo pensando que ainda estava apaixonada por Míke. Não podia haver algo mais distante da verdade.

Quando seus olhos se acostumaram com a escuridão, viu que a cama estava vazia. Enquanto permanecia imóvel, hesitante, sentiu uma brisa forte vindo pelo corredor e foi para a sala, encontrando as portas de vidro abertas. Saiu para o terraço a tempo de ver Jake desaparecendo pelos degraus que levavam à praia.

— Jake! — O vento trouxe sua voz de volta, enquanto ele se afastava com passos largos, perdendo-se na escuridão.

Jo só pôde voltar para o quarto e se atirar na cama, soluçando desesperadamente. Sabia que sua atitude afastara Jake para sempre.

Como poderia voltar a viver normalmente, depois de sentir aquelas mãos acariciando sua pele, o contato com aquele corpo viril? Estava apaixonada por Jake Marshall, agora sabia disso. Ele tomara seu coração como se lhe tivesse rasgado o peito com suas carícias, e ela sentia um vazio imenso.

Jo só pegou no sono quando começaram a surgir os primeiros raios de sol, e o cansaço daquela noite cheia de emoções a fez perder a hora de se levantar.

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Um leve toque em seu braço a acordou. Abriu os olhos pesados, piscando por causa da luz que entrava pela janela. Gemeu baixinho, num protesto, sentindo a cabeça pesada.

— Você está muito dorminhoca esta manhã, Jo — brincou Sam, subindo na cama. — Tio Jake já está com nosso café quase pronto. Vai ficar aí o dia inteiro, sua preguiçosa?

Jake. Toda a sordidez da situação voltou num segundo, e Jo sentiu um nó na garganta, ao pensar em enfrentá-lo novamente. Qualquer tentativa de desculpas aumentaria ainda mais seu embaraço.

A menina a observava com um ar de expectativa, e Jo sentou-se, com uma careta.

— Já estou indo.— Tio Jake disse que a comida estará na mesa em

cinco minutos. — Sam pulou da cama e baixou a voz, num tom conspirador: — Acho que é melhor vir depressa, porque ele está com uma cara muito feia. — A menina franziu a testa, imitando a expressão do tio.

— Está bem. Vá indo, que estarei lá num minuto. — Jo atirou as cobertas para longe, sem perder tempo em imaginar qual seria o motivo para tanta irritação.

Não demorou muito tempo para vestir um jeans e uma camisa. Fez outra careta, ao ver que escolhera, sem perceber, uma de mangas compridas, com decote fechado até o pescoço. A quem estava querendo enganar? Com um gesto nervoso, dobrou as mangas e abriu os primeiros botões, enquanto se dirigia para a cozinha. Jake estava de costas, quando entrou, e ela teve certeza de vê-lo ficar muito tenso, ao ouvir Sam dizer:

— Vamos comer ovos mexidos em cima das torradas, Jo. — A menina já estava sentada em frente ao prato.

Jake virou-se, seus olhos encontrando-se com os cie Jo por um momento terrível, antes de ele colocar a jarra de suco na mesa.

— Sinto muito por ter perdido a hora — disse ela, quando ele se sentou à sua frente, tão perto e tão distante ao mesmo tempo. — Obrigada por ter cuidado do café.

— Tudo bem. — A voz saiu neutra, e depois disso só a conversa de Sam interrompeu o silêncio dos adultos.

Jo começou a mexer no prato, perdida em seus pensamentos, lembrando-se de cada cena da noite anterior,

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incapaz de acreditar que tudo aquilo tinha realmente acontecido.

— Não está gostando dos ovos, Jo? — perguntou Sam, inocentemente.

— Sim, claro. É só que ainda não estou bem acordada.— Tudo por minha culpa — disse a menina, com uma

carinha arrependida. — Se eu não tivesse acordado você no meio da noite, não estaria com sono.

Jo voltou à realidade com um pequeno choque. Não imaginava que a garota se lembrasse do pesadelo.

— Não foi nada, querida. Esses sonhos feios são muito assustadores, não é?

— Detesto eles — disse Sam, balançando a cabeça. — Podemos ir à praia depois?

— Claro.Jake pôs a faca e o garfo sobre o prato e se levantou.— Bem, com licença. Estarei no estúdio, se

precisarem de alguma coisa.— Acho que tio Jake está cansado de novo —

observou Sam, cheia de compreensão, vendo-o se afastar.Ao voltar da praia, as duas estavam tomando suco de

frutas, quando Jake reapareceu na cozinha. Usava um safári azul-marinho, com uma camisa combinando, e estava tão atraente que Jo quase perdeu o fôlego,

— Vou à cidade. Passarei a noite Sá. Devo estar de volta amanhã.

— Vai visitar Chrissie, titio? Podemos ir também?— Não, Sam. Depois, você pode telefonar para

Chrissie, para perguntar como ela está passando. — Apalpou os bolsos e tirou as chaves do carro. — Bem, estou saindo. Até amanhã.

Sam correu para o tio e ele a pegou no colo, até chegar aos degraus da varanda.

— Até amanhã, tio Jake. — Beijou-o, carinhosamente.Jo sentiu um nó na garganta. Como gostaria de poder

imitar a menina, correndo para abraçá-lo, e se despedir com um beijo. . .

A casa pareceu ficar morta e vazia, sem Jake, apesar de Jo saber que, se ele ficasse ali, passaria todo o tempo trancado no estúdio. O dia pareceu se arrastar, enquanto ansiava por sua volta, desesperada para se desculpar, para explicar suas ações da noite anterior.

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Foi se deitar assim que Sam pegou no sono e, felizmente, o cansaço cobrou sua dívida e ela dormiu imediatamente.

A batida da porta de um carro acordou-a assustada. Sentou-se na cama, esperando por outros ruídos. Quem poderia ser? Jake havia dito que só voltaria no dia seguinte. Num segundo, lembrou-se de que ela e Sam estavam completamente sozinhas numa casa isolada, e o pânico apertou sua garganta. Lutando para se controlar, vestiu o roupão e abriu cuidadosamente a porta do quarto. Tinha que investigar o que estava acontecendo.

Entrou no corredor, andando nas pontas dos pés, e foi para a porta dos fundos, querendo e não querendo ouvir um outro ruído. Uma batida no chão, como se alguém tivesse tropeçado nos degraus, quase a matou de susto, mas ela foi seguida por um palavrão abafado, dito numa voz profunda e conhecida que trouxe uma onda de alívio.

Acendendo a luz, ela abriu a porta. Jake estava com a chave na mão, pronta para colocá-la na fechadura, e a primeira impressão de Jo foi que devia estar um pouco bêbado. Tinha o paletó jogado sobre um ombro e a camisa desabotoada até quase a cintura, escapando do cinto em um dos lados.

— Ora, ora, um comitê de boas-vindas — disse ele, com sarcasmo, e entrou com um passo decidido e tranquilo, que desmentiu sua aparência.

Atirou o paletó sobre uma poltrona e foi para a cozinha, acendendo todas as luzes no caminho. Sem muita certeza do que fazer, Jo seguiu-o e ficou parada na porta, observando-o enquanto ele enchia de água a cafeteira elétrica.

— Ouer… quer que eu faça isso? — perguntou, hesitante.

— O quê? — Os olhos escuros pareciam líquidos e brilhantes.

— Quer que eu faça o chá? — Ficou muito corada e começou a torcer as mãos.

— Não precisa se incomodar. — Jake pegou uma xícara só.

— Não o esperava esta noite. Levei um susto. Você… você fez boa viagem? — gaguejou, seu bom senso dizendo-lhe que devia deixá-lo sozinho.

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— Ótima. — A resposta saiu de má vontade.— Bem, eu... boa noite.— Quer um pouco?— Se quiser que eu faça companhia. . .— Santo Deus, mulher! Não preciso de companhia

para tomar uma xícara de chá!Jo abaixou os olhos, as lágrimas ameaçando cair por

causa daquele tom tão grosseiro e inesperado.— Desculpe. Boa noite.— Jo?Seu tom tinha perdido muito da agressividade, e ela

parou, viran-do-se para lançar-lhe um olhar apreensivo.— Acho que devo pedir desculpas — disse Jake, mais

tranquilo. — Não estou no melhor dos humores.— Está tudo bem. — A mudança de atitude trouxe

novas lagrimas a seus olhos. — Você deve estar cansado.— Cansado? — Sua boca se contorceu num sorriso

sem alegria. — Não o bastante. Oh, Deus, como gostaria de estar exausto... — resmungou, e Jo recuou um passo.

Jake xingou novamente e virou-se de costas para ela.— Vá para a cama!Ela começou a se afastar e, quando ouviu as palavras

seguintes, parou por um segundo, mas não se virou.— E, Jo, se eu fosse você, passaria a chave na porta.Ela fugiu pelo corredor e trancou a fechadura com

dedos trémulos, antes de se apoiar na parede, soluçando desesperadamente.

Os dias seguintes foram passando num crescendo de tensão. Jake se mantinha fechado no estúdio, apesar de Jo e Sam nunca ouvirem, o ruído da máquina de escrever. Ela tentou escapar da atmosfera,: inventando mil desculpas para estar fora de casa, fazendo compras no supermercado, passeando pelo centro comercial, vendo vitrines, chamando a atenção de Sam para as novidades, algo que nunca fizera antes. Com receio de ser reconhecida, só ia ao supermercado para o essencial, fugindo de volta para casa o mais rápido possível.

À noite, Jo lutava para dormir, mas o sono se recusava a vir. Procurava ler até ficar exausta, tentando se concentrar nas palavras impressas para afastar qualquer pensamento da proximidade de Jake. Pouco a pouco, começou a entrar em pânico, assustada com a possível

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volta da antiga depressão. Tinha verdadeiro pavor, ao pensar no esgo-. tamento nervoso que a afastara do mundo por tantos meses.

Se Maggie estivesse ali! Se pudesse conversar com ela! Talvez de- vesse ir procurá-la. Levaria Sam. Seria bom para ela também. Poderia brincar com crianças de sua idade. Porém, como falaria de Jake à irmã? Teria primeiro que confessar a si mesma que estava apaixonada como uma adolescente e tinha muito medo disso. Precisava manter aquele vazio dentro dela, o vazio que a salvava da loucura.

Pensou em falar com Jake à noite, durante o jantar. Sabia que precisava ver Maggie, conversar um pouco com ela, procurar algum conforto. Pediria para levar Sam, e ele não poderia recusar. Porém, Jake não apareceu para o jantar, mandando Sam com o recado de que comeria um sanduíche mais tarde.

Depois de pôr a menina para dormir, Jo tomou um banho de chuveiro e acomodou-se na cama, encostada nos travesseiros, tentando ler. Ficou ali durante uma meia hora, mas a história não conseguiu prender seu interesse.

Um pouco de televisão, talvez? Raramente via algum programa, mas um show de variedades ou um filme talvez a ajudasse a relaxar um pouco. Ouviu o ruído abafado da máquina de escrever, quando entrou na sala de visitas para ligar o aparelho. Acomodou-se numa poltrona e, usando o controle remoto, começou a escolher os programas, deci-dindo-se por uma comédia inglesa com artistas conhecidos.

Quando o filme terminou, meia hora mais tarde, já se sentia bem melhor. O programa seguinte seria um debate político. Sem disposição para se concentrar em assuntos mais sérios, Jo passou para outro canal. Sua mão se congelou sobre o botão, ao ver aquele rosto tão conhecido sorrindo para ela.

O penteado estava um pouco mais severo, de acordo com a moda da época e o tipo que representava. Os lábios perfeitos, pintados num tom de rubi, brilhavam. Os olhos azuis, realçados por cílios escuros, mostravam pureza e inocência. Não havia nuvens no horizonte daquela moça tão bonita, nenhum peso em seus ombros bronzeados.

Jo começou a tremer. De início, foi só um ligeiro arrepio, mas logo teve que se abraçar para impedir o

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tremor. Seu rosto estava pálido, como se tivesse visto um fantasma. E era o que havia visto... um verdadeiro fantasma. Aquela imagem era a mesma que costumava ver no espelho todas as manhãs. No entanto, havia uma diferença, uma enorme diferença. A Joelle Brent do vídeo tinha um rosto perfeito, sem aquela terrível cicatriz, sem as marcas da agonia.

Desligou a televisão e ficou olhando para o vídeo escuro. Não pense! Não pense!, gritou dentro de si, enquanto corria para o quarto, procurando um refúgio, imaginando que, quando fechasse a porta, fecharia todas as lembranças do lado de fora.

Claro que não era tão simples. Começou a andar pelo quarto, ansiando pelo sono e seu esquecimento, e ao mesmo tempo temendo as consequências que aquela coincidência poderia desencadear.

Jo participara de três filmes, sempre preferindo trabalhar no palco, e aquele havia sido o primeiro. Esses filmes a tinham levado a papéis cada vez melhores, até o estrelato, no terceiro, feito logo após seu casamento com Mike. Sua atuação resultou num convite para trabalhar numa superprodução internacional, que a levaria a ser uma atriz mundialmente conhecida. A oportunidade do século, dissera Mike, que jamais a perdoara por recusar o papel.

Como um animal ferido, Jo arrastou-se para a cama e cobriu a cabeça com os lençóis. No entanto, suas feridas eram profundas demais e não haveria bálsamo para elas.

Como era ingênua e tola, naquela época! Como vivia num mundo de ilusões, cheio de flores e presentes! Era tudo tão positivo à sua volta, que nem podia imaginar o que seria uma única coisa negativa.

Nunca pensara em ter filhos, até a tarde em que o médico confirmou sua gravidez. Diferente de mulheres como Maggie, não se imaginara tendo uma família para cuidar. No entanto, ao saber que havia uma criança crescendo em seu ventre, toda sua perspectiva se modificou.

Ainda podia se lembrar do calor que sentia dentro de si, enquanto se dirigia para casa, saboreando seu segredo. Maggie estava certa: era uma experiência deliciosa, indescritível.

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Naquela noite, preparou um jantar especial, com velas e música suave, ansiando pela volta de Mike. Antes que ele pudesse tirar o paletó ao entrar, já estava em seus braços, e ele a carregou alegremente para o centro da sala do pequeno apartamento.

— Ei, o que é tudo isto? O que estamos celebrando? Não me diga que Aaron telefonou, sem esperar que eu chegasse.

— Não, ele não ligou. Por quê?— Conto depois. Mas diga-me, o que estamos

celebrando?— Bem, para começar, já estamos casados há oito

meses — brincou Jo.— É só isso? Então, tenho uma coisa muito melhor

para comemorar. — Mike colocou-a no chão.— Eu disse que era só o começo.— Certo. E o que mais?— Vou deixar para depois. Primeiro, conte o que você

tem para celebrar.— Tive um dia sensacional. Aaron e eu passamos a

maior parte do tempo com Bill Davies, discutindo sua próxima produção.

— Bill Davies, o produtor americano?— Sim. E decidimos que você será perfeita para o

papel principal.— A estrela de uma superprodução?Mike sorriu, não cabendo em si de contente.— Isso merece aquela garrafa de champanhe que

estávamos guardando para uma ocasião especial.— Oh, Mike, acho que não vou poder participar.— Por causa do teatro? Bobagem! A filmagem só vai

começar daqui a seis meses, justamente quando seu contrato vai estar terminando. Tudo se encaixa maravilhosamente!

— Não é isso. É por causa de minha novidade, Mike. Não vou estar com o corpo certo para filmar. Estou grávida. Não é maravilhoso?

Mike ficou boquiaberto por alguns instantes, antes de se deixar cair numa cadeira.

— Mike, o que aconteceu? — Seu sorriso sumiu.Ficou olhando para ela em silêncio, e Jo atravessou a

sala para ajoelhar-se perto dele.

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— Mike.. . não fique assim — disse suavemente, mas sentindo um frio no coração. — Haverá outros papéis.

— Não seja boba, Jo! — gritou, levantando-se e indo para o bar, servir-se de um uísque duplo. — Sabe muito bem que nunca haverá outra oportunidade como esta.

— Tenho fé em meu talento, Mike. — Afastou-se dele. — De qualquer modo, agora é tarde.

Mike veio até ela e a fez virar-se delicadamente para ele.

— Jo, sinto muito. Você me pegou de surpresa, é tudo. Sabe que tínhamos decidido não ter filhos por um bom tempo.

— Não fiquei grávida porque quis.— Eu sei, eu sei. — Acariciou os ombros dela. — Vai

dar tudo certo. Poderemos ter outros filhos mais tarde. — Outros filhos? O que está querendo dizer?

— Estou querendo dizer que… bem, hoje em dia é uma operação simples e segura. — Mike desviou o olhar.

— Um aborto?— Jo.. . — Apertou seus ombros. — Ainda não é a hora

para termos uma família. Precisamos pensar em sua carreira. ..

— E na sua — disse Jo, cheia de amargura.— E na minha, droga!— E, sem a minha, a sua não irá para a frente.— Não tão depressa como eu gostaria.— Foi por isso que casou comigo, Mike? — perguntou

ela, baixinho.— Não seja ridícula! Sabe muito bem por que casei

com você. — Mike afastou-se. — Jo, tenho que ser franco. Simplesmente, não estou pronto para lidar com fraldas, choro, vida doméstica. Acho que não devemos ter essa criança.

— Não vou assassinar meu bebê.Sem uma palavra, Mike deixou o apartamento. Desse

momento em diante, nunca mais falaram sobre a criança, e seu casamento deixou de existir. Tornaram-se dois estranhos morando na mesma casa. Para agradar Mike, Jo voltou a trabalhar quinze dias depois do nascimento de Jamie.

Jo enxugou as lágrimas. Sim, Mike estava certo: devia ter feito o aborto. Assim, não teria havido toda aquela

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agonia… Não pense! Não pense! Fechou os olhos com força, tentando apagar aquelas imagens do passado, que teimavam em passar em sua mente, como um filme.

à certa altura deve ter pegado no sono, pois começou a sentir a escuridão, a umidade, o terror, O barulho de metal se rasgando, a dor.

Não! Não! Jo gritou em seu sono, as mãos procurando algo para segurar, para não cair no vácuo da agonia. E, pela primeira vez, sentiu que não estava agarrando no nada. Braços fortes a envolveram, puxando-a para um calor quente e seguro.

— Jo, está tudo bem… estou aqui. Você está segura — murmurava uma voz profunda e confortante.

— Jake? — Ela estava quase acordada, agora, e reconheceu a voz familiar.

— Calma.. . — Ele puxou sua cabeça contra o ombro, acariciando delicadamente os cabelos.

— Oh, Jake, pobre Jamie… coitadinho do Jamie… — Estremeceu e aninhou-se ainda mais naquele peito forte. — Por favor, Jake, me abrace. ..

Jo sentiu a perna nua encostada na dela e, bem no fundo da mente, percebeu que ele se deitara a seu lado. Um estremecimento de alarme passou por seu pensamento, mas a necessidade de amparo a fez se moldar contra ele como se fossem um só. Era loucura… mas uma deliciosa e celestial loucura.

— Jake, já estou bem, acho que você deveria ir, agora — disse baixinho, sonolenta, sem tentar se afastar.

— Eu sei. — Beijou-lhe a testa, suavemente. — Relaxe e volte a dormir.

— Mas...— Jo, fique quieta, e talvez eu me console só com um

pedacinho do bolo, esta noite. Estou fazendo tudo para me manter controlado. Não quero perder a cabeça.

Jo sorriu e se aninhou junto a ele, suspirando de alívio e felicidade, seu hálito acariciando o ombro de Jake. Ouviu-o prender a respiração e seus braços se apertaram por um instante, antes de ele forçá-los a relaxar um pouquinho. Ela se deixou levar por um sono tranquilo, protegida pela força de Jake, esquecida de todos os pavores.

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CAPITULO IX

Movimentando os músculos entorpecidos, Jo abriu os olhos bem devagar, piscando na escuridão. Bocejou, imaginando o que podia tê-la acordado. Virou a cabeça para o relógio sobre a mesinha-de-cabeceira. Ainda não eram cinco horas. Levantou o braço para mudar de posição e ficou gelada, quando ele se encostou numa solidez viva e macia.

Todo seu corpo ficou rígido, enquanto o cérebro registrava que Jake estava deitado a seu lado. Tudo voltou de repente, o Filme, o pesadelo, o terror cego e, depois, os braços fortes envolvendo-a, a proteção, a segurança.

Respirou fundo e voltou para o absoluto conforto daquela proximidade. O peito de Jake subia e descia, num movimento rítmico, indicando que ainda dormia profundamente. Sentindo-se segura, Jo deu vazão a seus impulsos, encostando-se toda nele. Ficou muito vermelha, quando percebeu que ele estava completamente nu, e as batidas do coração começaram a latejar em seus ouvidos.

Virando a cabeça, descansou os lábios contra o ombro forte, passando delicadamente a língua pela pele bronzeada, o gosto de Jake como um néctar na boca.

— Oh, Jake! Se eu. .. — murmurou.Ele se mexeu e virou-se para ela. O braço envolveu-a

pela cintura, puxando-a para bem perto. Os lábios encontraram os dela, na escuridão, movendo-se suavemente, com uma sensualidade sonolenta.

— Se o que? — perguntou, baixinho, antes de beijar a pontinha da orelha de Jo, provocando faíscas de desejo por todo seu corpo.

— Está acordado?— Hummm, espero que sim. — A voz veio rouca,

vibrante. — Se não estiver, não me acorde. — Gemeu, e seus lábios voltaram aos dela, numa exigência desesperada.

Jo respondeu espontaneamente, reagindo à sua insistência com um fervor que a fez ficar tonta. Quando Jake começou a acariciá-la por cima do tecido fino da camisola, gemeu seu nome baixinho, arqueando-se contra o corpo dele. Com mãos ansiosas, ajudou-o a despi-la,

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ouvindo-o prender a respiração, quando a primeira luz da madrugada iluminou os seios, que pulsavam à espera do toque daquela mão forte e morena.

Suavemente, ela começou a lhe explorar as curvas e formas da figura musculosa e, por uma centelha de seu raciocínio, ficou muito chocada com sua falta de pudor. No entanto, a verdade que havia naquele magnetismo mútuo afastou todos os pensamentos de timidez, deixando-a sem temores de se entregar a Jake com todo amor que seu coração ressuscitado tinha a dar.

Os músculos fortes das coxas dele ficaram tensos, quando os acariciou, e ele começou a mordiscar os seios macios, enrijecidos pelo desejo. Quando seu corpo cobriu o dela, ele disse seu nome num gemido rouco e, para Jo, a doçura daquele som trouxe lágrimas de alegria. Não houve qualquer pensamento de desistir, e em poucos segundos o único ar que havia era o que respiravam; o único som, a música que havia na harmonia de seus corpos; a única vida, esse momento de puro desejo.

O ato de amor criou uma nova dimensão para Jo. Até então, estivera dormente, escondida no fundo da escuridão de seu ser, e agora subia a alturas que nunca imaginara que pudessem existir.

— Jake. — O nome saiu num suspiro, enquanto flutuava, os desejos satisfeitos, de volta a uma suave realidade. Um sorriso de puro encantamento curvou seus lábios, que ainda sentiam o fogo daqueles beijos. — Jake. ..

Quando acordou, os raios de sol entravam pela janela. O sorriso se acentuou e diminuiu momentaneamente, ao ver que ele não estava mais a seu lado. Porém, a marca no travesseiro ainda estava lá, e Jo abraçou-se a ele, espreguiçando-se langorosamente. Amava-o tanto, tanto. E ele.. .

Uma pequenina nuvem escura flutuava no horizonte dourado. Sabia exatamente o que sentia por Jake: amava-o apaixonadamente. Mas quais seriam seus sentimentos por ela? Na noite anterior, muito poucas palavras tinham sido ditas. Ele não chegara a dizer que a amava, enquanto ela. .. Oh, Deus, o que havia dito?

Porém, ele fizera amor como se... Um soluço ficou preso na garganta. Jake dissera que a queria, mas não mencionara a palavra amor. Sentiu um arrepio gelado e

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percebeu que sua mão se levantara inconscientemente para tocar a cicatriz no rosto, seguindo as dobras e sulcos, um por um. No pouco tempo em que estivera naquela casa, a importância daquela marca diminuíra. Agora, assumia proporções gigantescas. Como podia ter se esquecido?

Com um nó dolorido na garganta, Jo levantou-se e olhou para o relógio, arregalando os olhos, pois eram mais de onze horas. A casa estava totalmente em silêncio, e ela correu para o banheiro para tomar uma ducha rápida.

O quarto de Sam estava vazio, e a porta do estúdio, aberta. Encontrou um bilhete encostado no bule de chá, sobre a mesa da cozinha: "Estamos na praia".

Sentou-se e apoiou a cabeça nas mãos. Como ia poder enfrentá-lo, depois do comportamento despudorado daquela madrugada? Como poderia culpá-lo, se estivesse pensando que ela era uma mulher fácil, sem moral?

A voz alegre de Sam entrou pela porta, seus passinhos apressados seguidos pelos de Jake, firmes e tranquilos. Jo levantou-se num salto, as faces coradas, agarrando-se às beiradas da mesa.

— Oi, Jo! Fomos nadar, enquanto você estava acordando. — Sam passou os bracinhos molhados em volta da cintura dela.

— É, eu dormi demais novamente. Ando muito preguiçosa — disse, rapidamente, tentando não olhar para Jake, mas sua presença era como um imã atraindo seus olhos.

Finalmente, seus olhares se encontraram, e Jo inclinou rapidamente a cabeça para o rostinho molhado de Sam. Ele estava com uma expressão distante, como se aquela noite não tivesse acontecido, como se fosse um produto de sua imaginação exaltada.

— Tio Jake disse que você estava cansada. — Sam deu um beijo molhado na face de Jo, e ela se abraçou àquele corpinho frágil, precisando dar vazão ao amor que tinha reservado para Jake, dando-o a alguém pronto a aceitá-lo sem perguntas ou reservas. Sam sorriu, feliz, — Eu adoro você, Jo.

— É melhor ir tomar banho e se trocar, Sam — disse Jake, afinal.

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— Está bem. — A menina passou saltando perto dele e depois parou, virando-se para Jo. — Quer vir me ajudar a escolher uma roupa para vestir?

— Claro. — Levantou-se, o coração acelerado, enquanto se aproximava dele, hesitando quando viu que sua figura grande continuava bloqueando a porta. Nervosa, levantou os olhos.

— Jo — disse Jake, suavemente. — Sobre a noite passada. . .

— Jo! — gritou Sam do quarto.Ele tendeu os músculos do queixo e passou a mão

pelos cabelos molhados.— Conversaremos mais tarde —. disse, saindo da

cozinha e desaparecendo na direção de seu quarto.Depois do almoço, Jo e Sam estavam ocupadas

cuidando da horta, quando o ruído de um motor de automóvel as fez se levantarem, curiosas. Jo levou a mão ao lenço que prendia seus cabelos, certificando-se de que ainda estava no lugar, e empurrou os óculos escuros mais para cima do nariz.

— É um táxi — disse Sam. — Quem será?A mulher que desceu não podia ser outra senão Lexie

Vale, pensou Jo, um segundo antes de Sam se chegar para tão perto dela, que precisou dar um passo à frente para se equilibrar. Olhou para o rosto da menina. Estava contraído, com uma expressão preocupada.

— É Lexie — sussurrou, quase desesperada, apertando sua mão com força.

Um mundo de emoções conflitantes tomou conta de Jo, ameaçando sufocá-la. Até esse momento, não tinha pensado naquela mulher, e agora a noiva de Jake estava ali, e ela se sentia cheia de vergonha. Como podia ter se esquecido de que ele não era livre, que tinha pelo menos um compromisso moral com aquela linda criatura?

Subitamente, aquele ato de amor cobriu-se de uma onda de sordidez, e ela senliu uma náusea contraindo o estômago. Que tipo de mulher era ela?

E Jake? Que desculpa podia ter para se esquecer de que estava noivo? Não era a atitude de um... um homem decente? Era quase engraçado. Se ele não fosse decente, que adjetivo poderia encontrar para si mesma?

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Respirando fundo, foi ao encontro de Lexie Vale, que estava pagando o motorista e indicando que ele devia pôr sua mala na varanda.

— Posso ajudá-la? — falou, ao se aproximar, e a moça parou nos degraus, virando-se para olhá-la.

Os olhos perfeitamente maquilados se estreitaram, passando, quase insolentes, desde o lenço na cabeça até a ponta dos dedos. Jo desejou ter o apoio moral de um traje mais elegante. Seu short desbotado e a camiseta velha pareciam itapos, comparados com o modelo exclusivo que a outra usava.

O conjunto de Lexie era verde, num tom exatamente igual ao dos olhos, e a cor dos cabelos acobreados se repetia no estampado da blusa de seda. Cada costura, cada linha denunciava luxo e sofisticação.

— Me ajudar? Não, não será necessário. — A voz rouca era só um pouco mais alta do que tinha soado no telefone. — Estou aqui para ver Jake.

Jo tirou as luvas de jardinagem e colocou-as sobre um dos bancos do jardim.

— Vou avisá-lo de que está aqui.— Não precisa se incomodar, sra. Harrison. — Toda a

postura de Lexie transpirava arrogância. — É a sra. Harrison, não?

— Sim, sou. — A culpa que Jo sentia fazia com que precisasse se esforçar para olhar a moça frente a frente.

— Muito bem, pode continuar com o que estava fazendo. — Indicou a direção da horta. — Conheço bem a casa e sou capaz de encontrar Jake sozinha — disse, virando-se e subindo os degraus.

— Ela nem disse alô para mim — falou Sam, baixinho. — Se tio Jake estivesse aqui, ela teria me beijado e abraçado. — Franziu o narizinho, — Por que será que ela veio?

— Não sei. — Jo olhou para a porta por onde a moça tinha desaparecido. — Na certa, para ver seu tio.

Ou… Tentou afastar o pensamento. Talvez Jake tivesse percebido o erro cometido naquela madrugada e pedira para Lexie vir encontrá-lo, para lembrar a si mesmo que era um homem comprometido. O coração de Jo começou a bater dolorosamente. A coisa mais sensata a fazer seria deixá-los sozinhos. Se a noiva estava lá, podia ficar

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cuidando de Sam, e ela estaria livre para partir. E era provavelmente o que ele tinha em mente, pensou, sentindo o antigo torpor começar a tomar conta de seu corpo novamente.

— Mas, querido, . . — Os dedos de Lexie, com as unhas pintadas de vermelho, apoiaram-se no braço de Jake. — Pensei que íamos sair sozinhos, aproveitar a noite… jantar, um show, um joguinho de cartas, dançar. . .

— Sam não pode entrar no clube. Iremos a um restaurante

qualquer.— Oh, Jake! — Lexie fez um beicinho. — Você

está muito diferente. Acho que tem vegetado demais, aqui, longe da civilização. Onde está toda aquela disposição? Você costumava querer dançar a noite inteira. Não me diga que está ficando velho! — A risada alegre pareceu ralar os nervos de Jo.

— Pode ser.— Além disso.. . — Lexie chegou mais perto dele,

lançando-lhe um olhar encantador — ... talvez Sam prefira ficar em casa com a sra. Harrison.

Os olhos de Jake fixaram-se em Jo, que engoliu doloridamente, sentindo a boca seca, desejando ardentemente poder fugir para não ver essa mulher exibir seu direito de propriedade sobre ele.

— Eu não vou, se Jo não for — disse Sam, olhando para Lexie com uma carinha infeliz.

— Eu não falei? — A moça sorriu, satisfeita.— Jo irá conosco também — disse Jake, firmemente,

soltando-se de Lexie. — Vou telefonar para fazer a reserva.— Oue bom! — Sam bateu palmas. — Assim, Jo e eu

poderemos usar nossos vestidos novos. São muito bonitos. Nós compramos na semana passada.

Jake sorriu para a sobrinha.— Muito bem, quero ver você linda, então. — Seus

olhos se encontraram com os de Jo, antes de voltarem para a menina. — E isso não significa que terá a tarde inteira para se vestir. — Afagou a cabeça de Sam. — Sairemos daqui a uma hora, quer esteja pronta ou não.

— Vamos, Jo! — Sam riu, toda contente. — É melhor começarmos já. Acha que devo ir de trancinhas ou de cabelos soltos?

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Jo não teve escolha senão seguir a menina, mas estremeceu ao sair da sala, sentindo os olhos verdes e frios de Lexie perfurando suas cosias e admitindo, cheia de culpa, que a moça tinha toda a razão de estar irritada.

O fato de Lexie Vale não estar satisfeita com a presença de Jo na casa dos Marshall ficara bem claro desde sua chegada. Jo não sabia, nem queria pensar sobre o que ela e Jake teriam conversado naquela tarde. Passara o tempo todo na praia com Sam, procurando deixá-los à vontade.

Se Jake estava com remorsos, não o aparentava. Sempre que olhava para ele, Jo via uma expressão impassível, quase indiferente. Como gostaria de ser assim: conseguir ligar e desligar as emoções de acordo com o momento. . .

Enquanto punha o vestido novo, olhou, pensativa, para sua imagem no espelho. Por que Jake estava insistindo para ela sair junto com eles para o jantar? Gostaria de ficar ali, sozinha em sua casca, fugindo de dolorosas comparações com o rosto perfeito de Lexie.

Olhou para o vestido. O algodão macio moldava os seios maduros, a cintura estreita e os quadris arredondados. Um toque de batom rosa-pálido completou o conjunto em tom pastel, o azul-claro do vestido combinando com os olhos e o dourado dos cabelos de Jo. Começou a escová-los, sentindo as ondas suaves batendo nos ombros. O penteado que começara a usar após o acidente formava uma grande onda de lado, escondendo a cicatriz.

Deixando o quarto com alguma relutância, foi chamar Sam e não a encontrou. Continuou na direção da sala e, para seu horror, viu que Jake estava lá sozinho, de costas para ela, olhando peia janela. Seus ombros pareciam um pouco caídos, como se estivesse deprimido.

Ele era a última pessoa com quem gostaria de se encontrar a sós. Ficou parada, imóvel, perto da entrada. Talvez pudesse sair sem chamar atenção, porém, no mesmo instante, ele se virou e, por um segundo, Jo viu um ligeiro brilho de tristeza nos olhos escuros.

— Não sabia que você… Estou procurando por Sam — disse, corando.

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— Ela está lá fora, na varanda, impaciente por sair. — Ah, bem. Vou. . .

— Jo! — A palavra, dita numa voz controlada, a fez parar.

Ele atravessou a sala e se aproximou. A mente de Jo dizia que devia sair dali o mais rápido possível, mas as pernas se recusaram a seguir a ordem.

— Jo — repetiu, num tom mais rouco, desta vez mais pedindo do que ordenando.

Continuou parada, com os punhos cerrados, sentindo uma dor enorme que roubou sua voz. A única coisa que conseguia fazer era ficar olhando para ele, absorvendo cada detalhe de sua beleza viril. Os cabelos escuros, com alguns fios brancos nas têmporas, os olhos castanhos com cílios longos e espessos, que num outro homem poderiam dar até uma impressão de feminilidade, mas que nele tinham um efeito exatamente contrário. Os lábios. Lábios que davam uma impressão precisa de força e resolução e que podiam se curvar numa sensualidade excitante, capaz de levar qualquer mulher a alturas jamais imaginadas.

Oh, Jake, por que teve que ser na hora errada? Por que não nos conhecemos antes de Mike, de Lexie, antes de Jamie?

Um pouco de sua tristeza devia ler transparecido, pois ele pareceu ficar tenso, e suas mãos estavam se levantando para tocá-la, quando Lexie entrou na sala. Jo sobressaltou-se, com uma sensação de culpa, afastando-se do círculo magnético da atração de Jake, corando, ao ver o olhar desconfiado da moça. A tensão que havia no ar pareceu explodir, e, pelo brilho nos olhos verdes, sabia que Lexie tinha consciência dela.

— Está pronto, querido? — perguntou, docemente, tomando o braço dele.

— Vou… vou ver se Sam está lá fora — gaguejou Jo, saindo apressada, com os ombros pesados, como se o mundo estivesse sobre eles.

A viagem de quarenta e cinco minutos até o restaurante pareceu durar uma eternidade, para Jo, mas procurou prestar atenção à conversa animada de Sam para distrair o pensamento. Lexie, sentada ao lado de Jake no banco da frente, fazia questão de se dirigir só a ele, falando sobre lugares e pessoas que só os dois conheciam. Era uma

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sucessão de eventos sociais que, pelo jeito, deviam ocupar a maior parte do tempo da moça. De quantos acontecimentos semelhantes ela própria participara no passado?, pensou Jo. Tinha que ser vista, dizia Mike, e amizades eram importantes para sua carreira.

De algum modo, não podia imaginar Jake Marshall interessado em festas e reuniões desse tipo. Olhou para a nuca bonita à sua frente, os cabelos cheios terminando logo acima do colarinho branco da camisa. Ansiando por estender a mão e tocá-lo, olhou para Lexie, admirando com relutância o modo como a moça continuava a falar alegremente, apesar das respostas lacónicas e pouco frequentes de Jake. Se ele agisse dessa maneira com ela, pensou, teria se fechado num silêncio tenso e magoado.

Seus olhos voltaram para ele e, por alguns segundos, seus olhares se cruzaram pelo espelho retrovisor. Para Jo, foi como um choque elétrico. Pelo resto da viagem, forçou-se a ficar voltada para Sam e a paisagem que passava pela janela lateral.

A comida do restaurante estava excepcionalmente boa, mas, para Jo. tinha gosto de cinzas. Estava nervosa como um animalzinho assustado. A maior parte de sua agitação era devida à proximidade de Jake, ao modo como seus olhares se cruzavam por sobre a mesa, sempre que ela levantava a cabeça do prato. Mesmo quando ele se inclinava para ouvir melhor algum murmúrio de Lexie, seus olhos permaneciam voltados para ela, causando uma sensação de angústia que a impedia de comer.

A outra causa de seu nervosismo era o fato de ser sua primeira aparição em público desde o acidente, e o ruído dos talheres, da conversa dos outros fregueses, parecia ecoar em sua cabeça. Estavam numa cidade maior, num restaurante grande e muito frequentado. E se alguém a reconhecesse? Deu uma olhada rápida em volta, procurando por algum rosto familiar, e depois reprovou a si mesma. Quem podia reconhecê-la? Já fazia quase dois anos e, como Mike costumava dizer, o público esquecia facilmente.

— Diga-me, sra. Harrison. — Os olhos calculistas de Lexie estavam sobre ela. — Já não a vi antes, em algum lugar?

— Não. — O coração de Jo quase parou.

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— Tem certeza?— Sim. Estou. .. estou certa de que me lembraria de

tê-la visto. — A voz de Jo falhou, e sentiu as palmas das mãos úmidas de suor. Esperou ardentemente que Jake não mencionasse seu passado.

— Hum… É estranho — disse Lexie, pensativa. — Parece-me um pouco familiar, agora que está assim, com os cabelos soltos. O que fazia antes de trabalhar como governanta?

— Eu... estive parada por um bom tempo. — Jo tomou um gole de vinho para disfarçar o nervosismo.

— Posso tomar sorvete, tio Jake? — perguntou Sam, numa vozinha animada. — Ou, então, morangos com creme?

— Claro. E você, Lexie, quer sobremesa? Jo? — perguntou Jake. As duas fizeram que não. — Bem, então vamos até o balcão para você escolher alguma coisa bem deliciosa. — Ele se levantou e ajudou Sam a descer da cadeira. — Vocês nos dão licença por alguns instantes? — Afastaram-se de mãos dadas, deixando Jo e Lexie sozinhas.

— Por quanto tempo pretende ficar cuidando da casa de Jake, sra. Harrison? — perguntou a moça, depois de acender um cigarro.

— Até Chrissie estar em condições de voltar ao trabalho.

— Entendo. — Os olhos verdes ficaram contemplando a ponta do cigarro e depois voltaram-se para Jo.

Como uma cobra, pensou ela. Olhos frios e calculistas como os de uma cobra, esperando pelo momento de dar o bote mortal.

— O acidente de Chrissie deve ter sido um golpe de sorte para você. Jo encarou-a estupefata,

— Como pode dizer que um acidente com alguém é um golpe de sorte?

— Ora, vamos, sra. Harrison! Jake não está aqui, não precisa fingir.

— Fingir? — repetiu Jo, seu primeiro pensamento sendo de que Lexie devia ter se lembrado de onde a conhecia. — Não tenho idéia do que está falando.

— Acho que sabe. — Lexie deu uma risada. — Você construiu um belo ninho na casa de Jake e foi bem

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espertinha. Vejo que conseguiu as boas graças da menina.

Jo respirou fundo para poder falar com calma.— Estou simplesmente substituindo Chrissie, até ela

se recuperar. — Como gostaria de se levantar e deixar aquela mulher falando sozinha! — E gosto mesmo muito de Sam.

— Oh, eu não a culpo por isso. Afinal, deve ter sido um grande choque ter que voltar a trabalhar, depois de ficar viúva. Hoje em dia, não é fácil uma pessoa se sustentar sozinha. Parece que me disse que é viúva, não?

— Sim, eu disse. E, se insinua que estou procurando alguém para me sustentar, saiba que não pode estar mais errada. Sou financei- ramente independente, como se costuma dizer. Estou bem de vida.

Lexie levou a taça de vinho aos lábios.— Sorte sua. Jake é um pedaço de homem, não é? —

Um sorriso frio contorceu seus lábios. Quando Jo não respondeu, insistiu: — então, sra. Harrison? Ele não é lindo?

— Acho que é bastante bonito, sim. — Jo manteve a voz calma e desinteressada, os olhos presos na mesa.

— Bastante? — A risadinha de Lexie doeu nos nervos de Jo. — Mesmo assim, vou lhe dar uma palavrinha de aviso, porque não gostaria de vê-la magoada.

— Olhe, srta. Vale, eu...— Ora, vamos! — Lexie bateu de leve na mão de Jo,

que estava sobre a mesa, e ela não conseguiu evitar de puxá-la. — Você é uma mulher atraente e jovem demais para ser viúva. A propósito, há quanto tempo perdeu seu marido?

— Há mais de um ano — respondeu, baixinho, rezando para Sam e Jake voltarem depressa.

— Pois é isso! Entende-se, você se acha num estágio suscetíve! e muito vulnerável. — Lexie teve um ar de falsa compaixão. — Mas creia, é uma absoluta perda de tempo pretender alguma coisa com Jake, porque. .. bem, Jake e eu, . .

— Tudo isso é perfeitamente inútil, srta. Vale. Estou a par de seu noivado com Jake. Por favor, poderia mudar de assunto?

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— É claro. — Lexie passou a ponta do dedo pela beirada da taça. — Diga-me, foi o próprio Jake que lhe disse que estamos noivos?

— Sim. — Jo desviou o olhar, esperando que a outra não visse a dor em seu rosto.

— Ah, ótimo. Bem, posso ver que é uma pessoa sensata. Mas, sabe?, achei que devia avisá-la. Ele sempre tem montes de mulheres correndo atrás dele, e acho que não seria humano, se, de vez em quando, não perdesse a cabeça por uma carinha bonita.

Jo engoliu em seco, sentindo uma pontada no coração. Carinha bonita! Teve que abafar uma explosão de riso histérico.

— Mas… — Lexie encolheu os ombros. — Ele acaba sempre voltando para mim, esse malandro arrogante, e sou fraca demais para me recusar a perdoá-lo. — Ajeitou os cabelos com um gesto estudado. — Para falar a verdade, acho que Jake não tem uma opinião muito favorável sobre as mulheres, desde que seu primeiro amor fugiu com seu irmão.

Jo arregalou os olhos, e Lexie balançou a cabeça.— É difícil de acreditar, não? Foi há muitos anos, é

claro, e acho que na época Jake não era suficientemente excitante para Denise. Ela o deixou falando sozinho e casou com Dave. Na certa, foi por isso que ele tomou a responsabilidade de ficar com a menina, apesar de eu achar que ela estaria muito melhor com a família da mãe.

Tanto Lexie quanto Jo procuraram com o olhar a figura alta de Jake, que vinha se aproximando, trazendo a sobrinha à sua frente.

— A única coisa que posso dizer é que Dave Marshall deve ter sido uma coisa extraordinária — disse Lexie, baixinho.

Jo sentia-se quase fisicamente doente, imaginando como aguentaria o resto da noite. Seu olhar procurou o de Jake, tentando ver alguma expressão de segurança, de apoio; algo que dissesse que tudo aquilo não era mais do que um sonho, um outro pesadelo, e que dentro em pouco ela acordaria para ouvir o barulho das ondas quebrando na praia, a risada alegre de Sam, o ruído da máquina de escrever, qualquer coisa, menos essa agonia de ficar

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trocando confidências com a criatura fria e calculista a quem Jake pertencia.

Ele sentou-se, rindo de alguma coisa que Sam tinha dito, e Jo sentiu uma parte de seu ser morrendo. Vivia na mesma casa com ele. Fazia as refeições com ele. Compartilhara uma cama com ele, numa noite de encantamento. Conhecia seu corpo firme e tinha se apaixo-nado desesperadamente por ele. Tudo isso para descobrir que mal o conhecia.

Foi com enorme alívio que se viu de volta ao refúgio de seu quarto. Depois de passar horas tentando dormir e de fazer uma análise de seus sentimentos, decidiu finalmente que teria que se afastar dali, romper todos aqueles laços, para seu próprio bem.

Porém, como conseguir escapar era o problema. Se não fosse pela menina, teria desaparecido no meio da noite. Mas, com Jake planejando levar Lexie de volta à cidade no dia seguinte, não podia deixar Sam sozinha. No entanto, tinha que sair dali o mais rápido possível. Ele que encontrasse outra pessoa para cuidar da casa e da sobrinha, porque ela não suportaria esperar pela volta de Chrissie.

Durante toda a manhã, tentou encontrar alguns minutos a sós com Jake para poder lhe comunicar sua decisão, mas não o viu sem a presença de Sam ou Lexie. Depois do almoço, Jake e Lexie saíram para visitar uns amigos que estavam hospedados num hotel, numa outra praia, avisando Jo de que voltariam à noite e que a partida da moça havia sido adiada para o dia seguinte.

— Gostaria que ela estivesse indo embora agora mesmo — murmurou Sam, vendo o carro do tio desaparecer na alameda. — Ela não gosta de mim.

Jo olhou para a menina e suspirou, pondo o braço em torno de seus ombros e considerando que Lexie também não gostava dela.

— Jo? Acha que tio Jake vai querer casar comigo, se eu crescer e ficar uma moça bonita feito você?

Rindo com alguma relutância, ela sentou-se no degrau e pôs a menina no colo.

— Você vai ser muito linda, e seu tio passará a maior parte do tempo espantando um monte de rapazes bonitos que vão querer ser seus namorados.

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A menininha riu, e seu rosto tomou uma expressão muito parecida com a de Jake. Jo abraçou-a, pensando como um dia podia ter imaginado que ela era feia. Sentia uma enorme dor no coração. Como ia conseguir abandoná-la? Sam era agora parte de sua vida tanto quanto Jake. Teve que lutar contra as lágrimas que teimavam em surgir nos olhos.

— Gostaria que você ficasse conosco até eu crescer, Jo.

— Chrissie vai voltar logo — começou ela, num tom de falsa alegria.

— Eu sei, mas eu queria ficar com você também. — Sam começou a mexer no botão da camisa de Jo. — Tio Jake também. Ele gosta de você.

Quem sabe, pensou Jo, seu coração se contraindo dolorosamente. Mas, antes que pudesse fazer qualquer comentário, um carro entrou na alameda e ela se levantou apreensiva, segurando Sam nos braços. Só podia ser Jake, Por que estaria voltando tão de repente?

O automóvel fez a curva e estacionou. Uma figura alta e magra saiu de trás do volante, e o sol da tarde bateu nos cabelos louros e um pouco compridos, fazendo-os ficarem quase brancos. Jo protegeu os olhos com a mão e abriu a boca, espantada, ao reconhecer as feições quase perfeitas.

— Aaron! O que… como.. . como me encontrou?— Puro trabalho de detetive, querida. — Riu um pouco

sem jeito, como se estivesse incerto sobre a reação à sua chegada. — Você já devia saber que seria só uma questão de tempo. Acha que eu deixaria que desaparecesse de minha vida, criatura maravilhosa?

— Mas eu disse para Maggie não. . .— Não dizer onde você estava — terminou Aaron. — E

ela não me contou. Sabe muito bem como é Maggie. Nem a tortura a faria falar.

— Então, como?— Fiz uma coisa muito feia. Consegui dar um jeito de

ser convidado para jantar e, enquanto ela e Ben estavam na cozinha tratando da comida e dos drinques, faiei com as meninas. — Sorriu, um pouco envergonhado. — Não consegui o endereço exato, é claro, mas, quando elas me disseram que você estava passando uns tempos com uns vizinhos da casa na praia, resolvi bancar o detetive. Feliz-

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mente, não há muitas casas por aqui. Passei por duas ou três e aqui estou!

— Oh, Aaron! — Jo balançou a cabeça. Se ele tivesse vindo logo após sua chegada à casa de Maggie, antes de ficar conhecendo Sam e Jake, teria fugido dele com horror, porque era um dos elos da cadeia que a prendia ao passado. Agora, podia olhar para ele sem qualquer sensação de agonia, e sorriu.

Os olhos de Aaron se iluminaram.— Essa é a verdadeira Jo que conheço. — E ficaram

sorrindo um para o outro.Sam mexeu-se no colo de Jo, interessada no estranho.— Ele é seu namorado? — perguntou, baixinho, seus

braços se apertando com mais força em volta do pescoço da amiga.

— Infelizmente não, bonequinha. — Aaron passou o dedo no queixo da menina, e ela sorriu, timidamente. — Eu sempre quis ser, mas Jo nunca deixou. — Havia uma ponta de tristeza na brincadeira.

Jo desviou o olhar. Aaron era muito amigo de Mike, e ela sabia como tinha ficado aborrecido, ao descobrir que seu casamento não ia bem. Na época, tentou falar com o amigo, mas Mike não quis discutir o assunto, mandando-o tratar da própria vida. E Jamie adorava Aaron. Jo afastou as lembranças, quase antes de elas começarem a surgir.

— Quer… quer uma xícara de café?— Adoraria. — Aaron seguiu-a para dentro da casa. —

E qual é seu nome? — perguntou a Sam.— Sam. E o seu?— Sou Aaron Daniel e costumava trabalhar com Jo.Jo levou a mão aos cabelos, para ver se estavam

cobrindo a cicatriz.— Maggie me disse, depois de eu insistir muito, que

você tinha ido procurar um lugar para escrever — Aaron continuou.

— Sim, mas, na verdade, vim para cá para… descansar. E para livrar Maggie e Ben de minha companhia por algum tempo. Depois, Chrissie, a governanta, quebrou a perna e eu... eu me ofereci para cuidar de Sam.

Aaron fez que sim, admirando o rosto de Jo.— Você está ótima. Mais linda do que antes. Ela

tocou os cabelos sobre a cicatriz.

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— Também acho que a Jo é muito bonita. — disse Sam, e os dois adultos olharam para ela. — E ela disse que, quando eu crescer, vou ser muito bonita também.

— E sabe de uma coisa? Acho que Jo tem toda razão. — Aaron sorriu para Sam e ela devolveu o sorriso, toda feliz.

— Você conhece meu tio Jake?— Não, acho que não. — Aaron lançou um olhar

rápido para Jo.— Já acabei o leite, Jo. Posso ir brincar em meu

quarto?— Claro, querida.Quando Sam saiu da cozinha, Jo ficou olhando para a

xícara de café nas mãos.— É verdade — disse Aaron, suavemente.— O quê?— Que você é linda. Nunca vi um rosto tão fotogênico.— Está tudo acabado, Aaron. Pela primeira vez, não

havia amargura em suas palavras, só uma calma aceitação, e sentiu que uma parte do grande peso que carregava estava desaparecendo. — Sabe? Não me importo mais com isto. — Passou a mão pelos cabelos, afastando-os do rosto com um gesto natural.

Aaron conseguiu olhar para a cicatriz sem nem mesmo piscar.

— Eu já estava sabendo. Maggie me manteve informado. — Pegou o queixo de Jo, virando sua face para a luz. — Você está muito bem, e uma coisa como essa pode ser disfarçada. No palco, usaremos maquilagem, e nos anúncios procuraremos encontrar os ângulos certos,

Jo franziu a testa e encolheu os ombros.— Não percebe o que estou dizendo? Posso fazê-la

voltar ao palco, e bem lá no alto, onde estava antes. — Aaron estalou os dedos. — E você pode escolher qualquer produto que quiser anunciar na TV. Com o sucesso da outra campanha, será você quem dará o preço.

— Oh, muito obrigada pelo voto de confiança, mas não, obrigada. — Jo suspirou. — Faz tanto tempo que estou fora de cena.

— Bobagem, meu bem! E sabe muito bem disso. — Pegou a mão dela. — Não imagina quanto todos têm sentido sua falta.

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Jo deu-lhe um olhar cético e Aaron balançou a cabeça, um pouco

irritado.— Em nosso mundo, meu bem, carinhas bonitas vêm

e vão. . , a maioria vai. Mas você tem o que nenhuma delas possui: talento. E essa é a única coisa que não termina,

— Aaron. . .— Não. Jo, deixe-me terminar. Vou dirigir uma nova

peça e gostaria que ficasse com o papel principal. Vou buscar a cópia que está em meu carro e a deixarei com você. Faço questão de que leia.

— Sinto muito, Aaron, não quero voltar àquele mundo —- disse,

decidida.Aaron ia insistir, mas suspirou e encolheu os ombros.— Bem, eu tentei. Mas parece que está mesmo

decidida. — Tomou um gole de café. — Quais são seus planos, então? O que pretende fazer, quando a tal governanta voltar? O que vai acontecer, quando terminar esse trabalho temporário?

— Ainda não pensei no assunto. Talvez continue aqui mesmo. Na casa de Maggie, é claro. — Não enfrentou o olhar dele, pois estava mentindo; ficar seria a última coisa que faria. Não aguentaria continuar perto de Jake e ao mesmo tempo tão longe.

— Quer dizer que vai vegetar aqui, quando tem tanto talento para dar? — Havia um pouco de raiva na voz de Aaron.

— Gosto… gosto da solidão. — Se ele soubesse… Se Jake quisesse que ela ficasse, se Jake… Jo fez um esforço para se controlar, lembrando a si mesma que não havia "ses", que não devia se iludir.

— Besteira! — Aaron franziu a testa. — Quem é o sujeito para

quem está trabalhando?Jo ficou um pouco surpresa com a pergunta.— Pelo que entendi, ele é o tio da menininha, não? —

Aarontomou o resto do café.— Ele é escritor — respondeu Jo, com relutância.— Ah! Um desses que estão tentando ou um bem-

sucedido?

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— Muito bem-sucedido.— Eu o conheço? — Olhou-a com curiosidade, quando

percebeu que hesitava em responder.— Acho que ele não gostaria que muita gente

ficasse sabendo onde mora.— É tão famoso assim? — Aaron levantou as

sobrancelhas. — Vamos, Jo, estou morrendo de curiosidade. Sabe que posso ser um túmulo, quando se trata de segredos. Meus lábios estão selados. — Prendeu os lábios com os dedos.

— Está bem — disse, com um leve sorriso. — Jason Marsh. Aaron endireitou-se na cadeira e assobiou baixinho.

— Jason Marsh, em pessoa? Puxa! Agora entendo sua hesitação. O homem protege sua vida particular como um rei guarda seu tesouro. Tive a oportunidade de conhecê-lo numa convenção de editores em Sidnei. Um sujeito agradável. — Fez uma pausa, olhando para ela cautelosamente. — Bonitão, todas as mulheres presentes estavam arrastando as asinhas para ele.

— Sim, acho que é mesmo bastante atraente. — A garganta de Jo ameaçou fechar, e, quando Aaron continuou em silêncio, olhou para cima e corou ao ver seu olhar.

— Ah… Entendo. É por causa dele que não está interessada em retomar sua carreira?

— Claro que não. Não é nada disso, Aaron. Jake. , . ele… Você está muito enganado — terminou, desajeitada, sabendo que não parecia convincente nem para si mesma. — Ele está noivo.

Aaron continuou olhando para ela por alguns instantes e depois levantou as mãos num gesto expressivo.

— Então, por que não ler o roteiro?— Não quero. Seria pura perda de tempo. — Jo

respirou fundo. — Acho que sou como uma pessoa que caiu do cavalo. Não voltei para a sela no mesmo instante, e agora perdi a coragem.

— Bobagem!— Acho que simplesmente perdi a motivação.— Está desperdiçando todo esse talento, menina, é

uma pena. — Aaron sacudiu a cabeça. — E eu que tinha certeza de que ia convencê-la com meu charme irresistível — terminou, com uma careta.

— Sinto muito, Aaron — sorriu Jo.

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— Não tanto quanto eu, acredite. — Olhou fixamente para ela, fazendo-a corar de novo.

— Eu… eu não tive oportunidade de agradecer… pelas flores e os cartões que mandou, quando estava… estava no hospital. Foi muita gentileza. — Ela engoliu em seco. — Desculpe ter me recusado a recebê-lo. Eu… eu não estava em condições de ver ninguém.

— Não se preocupe, foi mais do que compreensível. Você passou por um mau pedaço.

— Sim — disse Jo, baixinho. — Como estão seus pais?— Ótimos. — Aaron pegou a deixa de Jo para

mudarem de assunto e conversaram amigavelmente por quase uma hora, antes de ele se levantar para sair. — Infelizmente, lenho que ir agora. Estou na casa de uns amigos e prometi voltar para o jantar — disse, com alguma relutância.

Jo e Sam o acompanharam até o carro. Abrindo a porta, Aaron tirou um envelope grosso do banco de trás e colocou-o nas mãos da moça.

— Fique com ele. Dê uma olhada. Por mim, Jo.— Aaron, eu...— Só estou pedindo para você ler. Que mal há nisso?

Bem, até logo, querida. Sabe meu telefone e pode entrar em contato comigo

quando quiser. Aliás, gostaria que o fizesse.— Aaron Daniel, você nunca desiste, não é? — Jo

fingiu estar muito brava.Ele sorriu e inclinou-se para beijá-la no rosto, antes de

entrar no carro.Naquela noite, logo depois de acomodar Sam para

dormir, Jo foi para o quarto. Não sabia a que horas Jake e Lexie chegariam e não queria dar a impressão de estar esperando por eles. Olhou várias vezes para o envelope com a peça, antes de ser vencida pela curiosidade. Finalmente, acomodou-se na poltrona e começou a ler.

Em poucos minutos, estava totalmente absorvida na leitura. Quando terminou, já era mais de meia-noite. Aaron estava certo; era uma peça magnífica. No passado, teria feito qualquer coisa para conseguir o papel principal. Agora, não havia a mesma magia, o mesmo desejo de criar, nenhuma sede de dar vida àquelas palavras datilografadas.

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A centelha vital estava morta e não sentia qualquer vontade de ressuscitá-la.

Depois de desligar o abajur, Jo foi para a cama e ficou no escuro, de olhos abertos. Talvez devesse aceitar a sugestão de Aaron. Não!, gritou uma voz dentro dela. Não havia volta, estava tudo acabado. No entanto, seria uma desculpa perfeita para ir embora, para virar as costas à sua tolice em relação a Jake Marshall, para começar uma nova vida.

Seus lábios se contorceram com um pouco do antigo cinismo. Não era o que todos haviam sugerido? Que devia começar de novo? Oh, Jake!, gritou seu coração. Por que não pode ser com você?

Passou uma noite inquieta e, por isso, não se admirou, ao se sentir muito desanimada pela manhã. Quando entrou na cozinha para preparar o café, viu que o carro de Jake estava estacionado perto da varanda. Eles deviam ter chegado de madrugada, pensou, pois já era muito tarde, quando pegara no sono.

Quando Jake entrou na cozinha, já vestido com uma calça de brim e uma camisa de malha, tanto ela quanto Sam o olharam com

surpresa.— Oi, tio Jake! Pensamos que ainda estava dormindo.

Você sedivertiu, na festa?Sorrindo para a sobrinha, ele se sentou à mesa. Depois

de uma olhada rápida, Jo percebeu que devia estar muito cansado.

— Mais ou menos. E você? Foi à praia com Jo? — perguntou, agradecendo com um aceno, Quando a moça pôs a xícara de café à sua frente. Tomou um gole e deu um suspiro satisfeito.

— Não. — Sam balançou a cabeça. — Cuidamos da horta e depois tomamos chá com Aaron.

A mão de Jake parou no ar e ele levantou uma sobrancelha.

— Aaron é amigo de Jo — explicou a menina. — Gostei muito dele, é bonito e está sempre rindo. — Sam deu uma risadinha e cobriu a boca com a mão. — Ele beijou Jo, quando foi embora.

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Os olhos de Jake voltaram-se para a moça e seu rosto pareceu ficar tenso e sombrio.

— Ele… ele era meu amigo… é meu amigo — gaguejou ela, e reprovou a si mesma ao perceber que havia uma culpa injustificada em sua voz. Que motivo tinha para se sentir culpada? — Trabalhei com ele e o conheço há muitos anos. Vai querer ovos com presunto?

Os olhos de Jake permaneceram sobre ela por alguns segundos, antes de ele fazer que não.

— Café é suficiente.Jo sentou-se para terminar de comer, enquanto Sam

continuava a conversar alegremente, sem perceber a tensão que tinha surgido entre os adultos. Depois de tomar o café, Jake desapareceu pela porta do estúdio.

Como a porta do quarto de Lexie ainda estava fechada, Jo começou a arrumar a sala de visitas, procurando não fazer muito barulho para não perturbá-los. Mandou Sam ir brincar no jardim e estava distraída com seus pensamentos, quando ouviu a porta do escritório se abrir e virou-se para encontrar Jake encostado no batente, observando-a com um olhar sério e hostil.

Respirando fundo para não demonstrar sua perturbação, ela continuou a arrumar as almofadas sobre o sofá, sentindo que o coração começava a bater descompassadamente.

— Quem era aquele sujeito? — perguntou ele, finalmente, e Jo virou-se, segurando uma almofada nos braços como um escudo.

Jake entrou na sala e parou perto dela. Sua atitude relaxada, com as mãos nos bolsos, não a enganou nem um pouco. Estava tenso como uma mola, e Jo recuou involuntariamente, sua perna encostando-se no sofá.

— Bem, quem era ele?— Já disse, um amigo com quem costumava

trabalhar! — A voz de Jo saiu um pouco mais alta por causa do nervosismo.

— Como ficou sabendo que você estava aqui? — Ele não tinha se mexido nem um milímetro, mas os olhos pareciam perfurá-la.

— Ele… minha irmã. - . — gaguejou Jo, e engoliu em seco.

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— Na verdade, ele ficou sabendo pelas minhas sobrinhas, filhas de Maggie. Ela jamais teria contado.

— Então, você não queria que ele soubesse onde está?

— Sim. .. não. Não, exatamente.— Sim… não. Não, exatamente — repetiu Jake, com

sarcasmo.— Isso explica tudo.— Eu... o que quis dizer é que não queria ver

ninguém que conhecia antes… antes do acidente. Também não queria ver Aaron

pessoalmente.— Mas você o convidou a entrar,— Ele chegou de surpresa e, quando o vi... — Jo fez

uma pausa.— Só estava sendo sociável.— Sociável? — A voz saiu calma e assustadora. — Não

queria vê-lo, mas foi sociável. E ainda estava sendo sociável, quando deixou

que a beijasse?— Não foi desse jeito. — Jo enfrentou seu olhar.— De que jeito?— Do modo como está insinuando.— Consciência culpada, Jo?— Não. — Levantou a voz, indignada, e afastou-se

dele, atirandoa almofada no sofá.Os dedos fortes agarraram seu braço e a obrigaram a

se virar.— Quero a verdade, Jo!— Eu contei a verdade! — disse, cheia de raiva.— É mesmo? Duvido. — Nada mais que alguns

centímetros separavam seus corpos, enquanto Jake a olhava com uma expressão implacável. — Vou adivinhar. Você e esse tal de Aaron tiveram uma

briguinha de namorados e você fugiu para cá, para dar-lhe uma lição, sabendo que ele acabaria descobrindo onde estava, através de sua família, e que viria correndo, morto de arrependimento.

— Não! Isso é ridículo! — Olhou para ele, incrédula. — Como pôde imaginar uma coisa dessas? Aaron e eu somos só amigos. Ele… ele era amigo de meu marido.

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Os lábios de Jake se apertaram numa linha tensa.— Isso significa muito pouco, hoje em dia. Talvez

formassem uma grande e feliz família — falou, cheio de malícia.

— Jake, por favor, pare com isso... — implorou Jo, tentando se soltar. — Não é nada do que está imaginando. Aaron veio me procurar para me oferecer um papel na peça que vai dirigir.

Os olhos de Jake percorreram seu rosto.— É um diretor?— Sim, e muito conhecido. Talvez não se lembre, mas

ele disse que foi apresentado a você em Sidnei. Aaron Daniel.

— Você lhe disse quem eu era? — A mão apertou-lhe o braço de novo, os dedos como garras machucando a carne de Jo.

— Pedi que guardasse segredo. Sei que posso confiar nele.

— É você quem diz.— Sim, e você tem que acreditar em mim. Agora me

largue, está me machucando.— Machucando? Gostaria de esganá-la! — Os dedos

se apertaram ainda mais e depois ele a soltou de repente, virou-se de costas e passou a mão pela nuca. — Quando vai começar os ensaios?

— Ensaios? — repetiu Jo, sem compreender, massageando o braço dolorido.

— Para essa tal peça. Vou ter que arranjar alguém para cuidar de Sam.

Ali estava a oportunidade de ir embora, de sair com dignidade, antes de deixá-lo perceber o quanto o amava, o quanto estava desespe-radamente apaixonada, como… Porém, não teve coragem.

— Eu disse que pretendo ficar até Chrissie voltar.Ele se virou para olhá-!a de frente.— Eu jamais aceitaria depender dos arranjos de uma

outra pessoa para retomar minha carreira; portanto, não vou lhe pedir que faça isso. Você foi uma atriz brilhante, com um futuro ainda mais brilhante. Sua carreira foi interrompida e agora surgiu a oportunidade de recomeçar.

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— Quer que eu aceite o papel? — perguntou, baixinho, sentindo uma onda de dor surda tomar conta do corpo.

Não quero voltar ao teatro!, gritou para si mesma. Só desejo ficar com você. Quero seu amor, seu... Não pense! Não pense! Ela mordeu o lábio, antes que esquecesse o orgulho e deixasse as palavras saírem do coração.

— Não se trata do que quero ou não quero. — Jake foi até a janela e apoiou-se no peitoril. O silêncio que se seguiu às suas palavras foi terrível. Depois ele se endireitou, olhando para Jo com uma expressão pensativa. — Vou procurar algumas agências de empregos, quando levar Lexie de volta à cidade, hoje à tarde. Gostaria que ficasse até eu encontrar alguém para substituí-la.

CAPITULO X

Logo depois do almoço, Jake e Lexie saíram para a cidade e Jo sentiu uma nuvem de tristeza envolvê-la completa mente. Procurou prestar atenção ã conversa de Sam para tentar fugir da depressão.

Até aquela manhã, quando Jake a aconselhara a aceitar a idéia de retomar sua carreira, sabia que, bem no fundo da alma, estava guardando uma esperança de que não se enganara completamente, de que ele também sentia um pouco de carinho por ela. Agora percebia o quanto havia sido tola. Estava tão flagrantemente claro que aquela noite de amor não significara nada. que até chegava a sentir um pouco de nojo de si mesma por ter permitido que tudo acontecesse. Estremeceu, sentindo-se sórdida e barata, e sua depressão aumentou ainda mais.

Como fora breve seu momento de felicidade! As lágrimas marejaram seus olhos. Perdera todo o auto-respeito, ao se deixar levar por uma simples paixão física.

Todos aqueles pensamentos não fizeram nada para aliviar sua sensação de vergonha e Jo desejou ter alguém com quem falar, para se abrir em confidências como costumava fazer com… Maggie! Só o som da voz da boa e querida Maggie seria o suficiente para confortá-la. O que

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mais precisava, no momento, era da tranquilidade e sensatez da irmã.

Correu para o telefone. Por que não ir a Brisbane para visitar Maggie? Jake tinha dito que provavelmente ficaria na cidade por uns dois dias, de modo que poderia levar Sam com ela. Seria bom para a menina brincar com crianças de sua idade. Em poucos minutos, já tinha falado com Maggie, combinando passar a noite com ela para voltar na tarde seguinte.

Começou a se sentir melhor e, antes de saírem, telefonou para o hotel onde Jake costumava ficar, deixando um recado, dizendo onde poderia ser encontrada, em caso de necessidade. Logo depois, estavam a caminho.

— Acha que elas vão gostar de mim, Jo? — perguntou Sam, um pouco assustada, quando viu a casa térrea que a moça lhe indicava.

— Claro que vão. — Estacionou o carro e desligou o motor. Mal tinha acabado de tirar a chave, duas menininhas, seguidas por

uma mulher de cabelos escuros, saíram correndo pela porta, dando

gritos de alegria.— Jo, parece que faz uma eternidade que não vejo

você! — Maggie abraçou-a com força, antes de ser obrigada a entregar a irmã aos abraços das filhas.

— Alô, querida! Sarou do sarampo? — Jo abraçou uma de cada vez.

— Fiquei toda pintada — disse Tracy, com os olhos arregalados.

— Papai também — gritou Kerry.— Trouxe alguém para brincar com vocês. — Ajudou

Sam a descer do carro, segurando sua mão, enquanto ela se escondia timidamente atrás da saia de Jo. — Esta é Sam, uma amiga minha. Sam, estas são Kerry e Tracy, filhas de minha irmã. E esta é Maggie.

— Alô, como vai? — responderam todas em coro.— Quer ver nossa casa de bonecas? — perguntou

Kerry. — Papai construiu uma no quintal. É de verdade, dá para se andar dentro dela.

— Vá, Sam — encorajou-a Jo.— Você não vai embora sem me avisar, não é? —

perguntou a menina, muito séria.

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— Claro que não. Prometo. — Jo ajoelhou-se perto dela e arrumou a blusinha dentro do short. — Vamos passar a noite aqui. Não foi o que combinamos?

Sam balançou a cabeça, e as duas meninas, muito entusiasmadas, pegaram suas mãos para levá-la pelo corredor ao lado da casa. Jo a seguiu com os olhos por alguns instantes e depois virou-se para a irmã.

— Oh, Maggie, é tão bom ver você de novo!— Pois eu digo o mesmo. Está maravilhosa, com esse

bronzeado. E vejo que está mais gordinha também. O ar do mar lhe fez muito bem.

Jo pegou as malas no carro e seguiu a irmã para dentro da casa.

— Tem certeza de que não viemos incomodar? Afinal, liguei em cima da hora. Você e Ben não tinham nada planejado para esta noite?

— Não seja boba! Sabe muito bem que nossa casa é sua, que pode aparecer na hora que quiser. Nem precisava ter telefonado. — Maggie olhou-a, cheia de carinho. — Ben vai trabalhar até tarde, hoje. e poderemos conversar à vontade. Só vai chegar lá pela uma da madrugada. Pus uma caminha em seu quarto, porque achei que a menina se sentiria mais segura com você perto. Fique sossegada, está tudo arrumado.

— Obrigada, Maggie, você é um amor. — Jo olhou em volta quando entrou no quarto, pondo a bagagem no chão. Parecia que havia partido há séculos, tantas coisas tinham acontecido desde a última vez que vira aquelas paredes.

— Vamos tomar uma xícara de café. — Maggie lhe interrompeu os pensamentos. — As meninas ainda têm uma hora para brincar, antes que anoiteça, de modo que teremos tempo para você me contar tudo. Estive morrendo de vontade de descer a serra para visitá-la, mas, com Ben fazendo horas extras para pôr o trabalho em dia por causa do sarampo, nem pude pensar nessa possibilidade.

Ligou a cafeteira elétrica, enquanto Jo pegava as xícaras.

— Fez uma boa viagem?— Graças a Deus. — Jo flexionou os músculos

cansados. — É um bom pedaço de estrada.

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— Sabe, você está muito bonita, com esse bronzeado, mas me parece um pouco abatida. — Maggie pôs o café sobre a mesa. — Não tem dormido bem?

— Oh, mais ou menos. — Jo suspirou sem perceber.— Certo, Jo, vamos lá. Qual é o problema? Percebi que

havia alguma coisa errada por seu tom de voz, quando me ligou, esta manhã.

— Oh, Maggie, você deve estar farta de mim. Foi só pensar que estava livre de amolações, e aqui estou eu de novo, para chorar no seu ombro. — Jo enxugou as lágrimas que marejavam seus olhos.

— Que bobagem! Para que servem as irmãs? Tenho certeza de que faria o mesmo por mim, meu bem.

— Só que você é muito sensata e não se deixaria cair aos pedaços como eu.

— Você não tem culpa disso, querida. Qualquer um teria ficado abalado, se passasse pelo que você passou. — Maggie apertou a mão da irmã num gesto carinhoso. — E agora… está mais fácil? Quer dizer, foi bom ficar na praia?

— Sim. Acho que consegui ficar em paz comigo mesma. Na medida do possível, pelo menos,

— E por que as noites sem sono? — perguntou, Maggie, com um olhar inquiridor.

Jo encolheu os ombros, precisando desesperadamente se abrir com alguém, mas sem saber por onde começar. Num gesto distraído, passou os dedos pela cicatriz, seguindo o sulco de alto a baixo.

— Jo, você… bem, não está se preocupando com isso, não é? — Os olhos de Maggie indicaram a face marcada.

— Não, quase nem me lembro dela. — Jo deu uma risada sem humor. — Engraçado como, com o passar do tempo, as prioridades vão mudando. Quando fui para a casa da praia, só pensava em meu rosto o tempo todo. Nele e no… — Fez uma pausa. — Estava tão envolvida em mim mesma, que nem sei como você e Ben me aguentaram, todos aqueles meses.

— Nós a amamos, meu bem, e sabíamos que, mais cedo ou mais tarde, acabaria se recuperando.

— Eu podia ter me afogado em autopiedade peio resto de meus dias, porque era o que pretendia fazer. Eu… eu menti a você, quando disse que queria ir para lá para escrever. Meu verdadeiro desejo era ficar sem fazer nada,

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pensando como a vida tinha sido cruel para mim. Foi preciso aparecer Sam para me fazer sair da casca.

Maggie levantou as sobrancelhas.— Quando a vi na praia pela primeira vez, fiquei cheia

de raiva. Mas ela era tão… tão confiante, que não pude extravasar minha agressividade nela, embora quase o tenha feito, no início. Depois, Chrissie, a governanta, me contou como os pais de Sam tinham sido mortos na frente dela, e então percebi que não era a única pessoa do mundo que tinha perdido a família de um modo trágico. Ela era uma menina, com muito menor capacidade do que eu para lidar com uma situação tão triste. Isso me fez pensar em outras coisas, esquecendo meu egoísmo.

— Jo! Jo! — Sam entrou correndo junto com as meninas. — Posso pegar minha boneca no carro?

— Eu a trouxe para dentro com a bagagem. Está no quarto. Elas mostram onde é.

— Está bem. — Ela estava saindo, mas parou e virou-se para Jo, muito excitada. — Você precisa ver a casa de bonecas. É linda! Vou pedir ao tio Jake para fazer uma igualzinha pra mim.

— Falando sobre o tio Jake — disse Maggie, quando as meninas saíram —, como é ele? Alto, moreno e bonito, foi o que você disse.

— Acho que isso o descreve bem. — Jo corou.— E esse Jake Marshall é o responsável por suas

olheiras? — Maggie foi direto à raiz do problema.Incapaz de controlar as lágrimas, Jo balançou a

cabeça, num gesto de tristeza.— Está assim tão óbvio?— Talvez, só para mim. Mas logo desconfiei, quando

você telefonou que estava vindo para cá. Seu tom de voz mudou, ao falar dele. Ficou! muito esquiva, e achei que devia haver algo de estranho. — Maggie sorriu. — Então, se ele é alto, moreno e bonito, qual o problema?

— Tudo! Tenho sido a mais idiota, a mais cega, a mais estú-pida das.. .

— Quantos elogios! — brincou Maggie, — Você deve estar apaixonada pelo sujeito.

— Aconteceu tão rápido que nem percebi… Oh, Maggie, eu o amo tanto! Mas ele... ele...

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— Ele não sente o mesmo — terminou Maggie, e Jo concordou. — Ele disse isso?

— Não, exatamente. Nós… bem. .. nós não falamos sobre isso.

— Então, não sei onde está o problema. Se o quer, meu bem, tudo que precisa fazer é piscar esses lindos olhos azuis. Não há homem que resista.

— Gostaria que fosse tudo tão simples. Sabe?, nunca senti uma coisa dessas por ninguém. Nem mesmo por Mike — acrescentou, num sussurro. — Jake só tem que olhar para mim, e eu... — Parou, muito vermelha, e olhou para a xícara nas mãos. — Ele é comprometido. Está noivo.

— Noivo? Entendo — Maggie disse, muito séria. — Sinto muito, meu bem.

Ficaram em silêncio por alguns instantes.— O que pretende fazer? — perguntou Maggie.— Vou sair de lá. Ê tudo o que posso fazer. Neste

momento, Jake está em Brisbane, procurando alguém para tomar conta de Sam.

— Quer dizer que ele lhe pediu para ir embora?— Não. Ele... ele pensa que vou voltar a trabalhar no

teatro, Aaron apareceu e me ofereceu um papel numa peça. . .

— Aron Daniel? Como ele soube onde você estava? — perguntou Maggie, muito surpresa. — Ele esteve aqui na semana passada, mas não falou nada sobre procurá-la nem que estava pensando em tê-la numa peça.

— Ele me disse que as meninas contaram onde eu estava.

— Tracy e Kerry? Quer dizer que Aaron as interrogou? Meu Deus, que coragem! Oh, Jo, sinto muito … Nunca me passou pela cabeça que devia avisar as meninas. — Maggie pareceu preocupada.

— Está tudo bem. Nós conversamos bastante e ele insistiu muito para eu ler a peça. Quer que trabalhe nela.

— E você vai?— Talvez. Pelo menos, terei uma desculpa para sair

de lá, preservando minha dignidade. O que resta dela, pelo menos — acrescentou.

— E o que me diz de Aaron? Sempre achei que, com um pouco de encorajamento, ele cairia a seus pés.

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— Somos só amigos, Maggie. E agora não me conformaria só com uma amizade carinhosa, depois de ter conhecido o amor verdadeiro.

— Acho que tem razão. — Maggie suspirou e se levantou. — Bem, já está ficando escuro. Vamos dar uma olhada na famosa casa de bonecas e cuidar do jantar.

Algumas horas com a irmã fizeram muito para consolar Jo. Apesar de sofrer por causa de Jake, sentia-se feliz por ter vindo. Enquanto observava Sam se divertindo tanto, experimentou uma pontinha de remorso, ao perceber que o mundo da menina iria ruir de novo. Porém, Chrissie logo voltaria, e Sam acabaria se esquecendo dela.

Depois do jantar, telefonou para Aaron e lhe comunicou que tinha lido e gostado da peça, mas, apesar de todas as pressões, recusou-se a aceitar o papel. Eram quase onze horas, quando escutaram um carro estacionando em frente à casa.

— Ben está chegando mais cedo do que eu pensava — disse Maggie, intrigada. — Não sei por que não pôs o carro na garagem.

Uma música suave tocava na vitrola, e Jo acomodou-se na poltrona, tentando manter a mente vazia.

— Jo? — disse Maggie da porta. — Há alguém procurando por você.

Levantou-se e ficou tensa, quando Maggie se afastou e a figura alta de Jake, tão conhecida, tão querida, entrou na saia. Ela empalideceu, completamente incapaz de falar.

— Bem — disse Maggie, alegremente —, vou deixá-lo com Jo, sr. Marshall, enquanto faço um café para nós.

Quando Maggie saiu, Jo abriu a boca para chamá-la, mas as palavras não saíram e seus olhos voltaram rapidamente para Jake.

— O que... o que está fazendo aqui? — perguntou, hesitante, notando o cansaço no rosto moreno, o vermelho nos. olhos.

— É tudo que tem a dizer? No que acha que estive pensando, enquanto você estava aqui, fazendo visita? Sabe como… — Respirou fundo. — Não sabe nada, droga! — murmurou, e, com dois passos resolutos, estava junto dela, puxando-a contra o peito forte, os lábios esmagando os dela num beijo que era um castigo.

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Vagarosamente, o beijo mudou, a paixão substituiu a raiva, incendiando os sentidos de Jo. Quando ele finalmente levantou a cabeça, ficaram muito juntos, respirando com dificuldade, olhando-se nos olhos.

Jo começou a tremer, chocada pela intensidade de sua resposta, e os braços de Jake voltaram a apertá-la. Ele fechou os olhos e seus lábios pousaram na testa delicada.

— Jo! Jo! Todos os minutos destes últimos dias estive desejando tê-la assim em meus braços, sonhando em beijá-la, até você gritar por piedade, querendo-a tanto que cheguei a sentir dor.

— Por favor, Jake! — Tentou empurrá-lo. — Não devemos.. . — Eu sei que não posso confiar em mim, quando você está perto.

Lembra-se daquela noite? — Seus lábios procuraram os dela numa carícia tão perlurbadora que qualquer resistência que Jo poderia oferecer desapareceu, enquanto ela se entregava àquelas exigências sensuais em completo abandono.

As mãos de Jake escorregaram por seus braços.— Vou levar você de volta comigo, Jo, e não vou

deixar que vá embora nunca mais. Se quiser continuar sua carreira, poderemos nos mudar para a cidade. Continuaremos juntos, decida o que decidir.

— Mas, Jake.. .— Não, deixe-me terminar — disse Jake, com a voz

espessa pela paixão mal controlada. — Quando voltei para casa e vi que você tinha ido embora sem deixar nenhum recado, pensei que ia ficar louco. Naqueles primeiros momentos de tortura, senti que alguma coisa tinha morrido dentro de mim. — Um estremecimento passou peto corpo de Jake. — Tentei dizer a mim mesmo que devia haver uma explicação lógica, que você não teria ido muito longe com Sam, sem tentar entrar em contato comigo. Tentei ligar para sua casa na praia, para Chrissic. Já estava ficando desesperado, sem saber o que pensar, quando me ocorreu que devia ter ligado para o hotel.

— Oh, Jake, sinto muito. Pensei que fosse direto para lá, depois que você e Lexie... — A voz de Jo sumiu e uma sombra de dor passou por seu rosto. Procurou se libertar, mas Jake a abraçou mais forte.

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— Não fique assim, Jo. Lexie não significa nada para mim.

— Como pode dizer uma coisa dessas? Ela é sua noiva. Não temos o direito. . .

— Lexie não é nem nunca foi minha noiva.— Mas você disse. . .— Sei muito bem o que disse. — Afastou-se um pouco,

passando a mão pelos cabelos sedosos de Jo. — E me arrependi no mesmo instante por deixar você acreditar nisso. Pensei que estava sendo muito esperto. Achei que um pequeno subterfúgio me serviria de escudo, porque estava me apaixonando por você, Jo, de um modo como jamais havia acontecido com outra mulher, e tenho que admitir que na época não morri de alegria por isso. Não estava interessado numa ligação permanente. Com todas as outras, sempre foram alguns meses de prazer mútuo e depois adeus.

Jo abaixou o olhar, não se atrevendo a pensar no que viria depois.

— Tudo isso foi antes de você aparecer — continuou Jake, rouco. — Naquela manhã na praia, quando me comportei de um modo abominável, senti que tudo estava mudando.

Jake levantou o queixo de Jo com a ponta do dedo, obrigando-a a olhar para ele. Deliberadamente, tocou a cicatriz, percorrendo-a suavemente com o dedo.

— Perdoe-me por ter sido tão grosseiro. Sc é algum consolo, saiba que passei dias me recriminando, moído de remorsos. Preferia ter cortado minha mão a ter magoado você daquele jeito.

— Por favor, não se desculpe. Você não podia saber. ..— Se não estivesse tão cego, certo de que você

estava ali por causa de Sam, teria percebido que fugia de medo, e não por ser culpada. — Enxugou as lágrimas dela com os polegares. — Nos dias seguintes, fiquei pensando no toque de seu corpo, em seus braços. Pegava seu lenço e procurava sentir o perfume de seus cabelos. — Jake puxou a cabeça de Jo contra o ombro. — Eu a amo, Jo, e quero que case comigo. Farei tudo o que puder para fazê-la feliz.

— Oh, Jake! — Passou os braços pela cintura forte.— Não vou dizer que será um mar de rosas. Às vezes,

sou um monstro de mau humor, quando estou escrevendo,

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mas sei que vai dar tudo certo. — Seus dedos se entrelaçaram nos cabelos suaves, deliciando-se com seu toque. — O que me diz? — Ele a afastou, o sorriso desaparecendo, ao ver a expressão de Jo.

— O café está pronto — avisou Maggie, da cozinha, e logo depois entrou, sorrindo para eles, não parecendo notar a tensão que havia no ar. — A propósito, sou Maggie, a irmã de Jo. Ela me falou muito sobre você, Jake.

— É mesmo? — Mediu Jo com o olhar, e ela se sentou na poltrona, antes que as pernas trémulas falhassem completamente.

— Sim. Bem, meu marido, é um fã ardoroso de seus romances. Quer açúcar? — Maggie serviu o café, conversando à vontade, nem um pouco desconcertada com a expressão sombria de Jake.

Jo ficou segurando a xícara, incapaz de engolir a bebida quente, até que, a uma certa altura, Maggie bocejou de modo teatral e piscou para ela.

— Oh, Deus, estou muito cansada. Acho que está na hora de ir deitar. Você me dá licença, Jake?

— É claro. — Ele colocou a xícara sobre a mesa e levantou-se.

— Continuem conversando. Se quiser passar a noite aqui, lemos um sofá no escritório. Será um prazer tê-lo conosco. — Maggie ia saindo da sala. — Foi um prazer conhecê-lo. Boa noite. Boa noite, Jo.

Com a saída de Maggie, houve um silêncio pesado, até Jake se aproximar para ficar em frente à poltrona de Jo.

— E então?— Então, o quê?Jo começou a tremer, desejando a volta de Maggie

para adiar tudo aquilo. Sua cabeça girava com um milhão de pensamentos torturantes. Como ansiava por se atirar nos braços de Jake, dizendo o quanto o amava, quanto precisava dele! Porém, havia ainda muito a ser dito, recordações demais inibindo-a, e ficou sentada, torcendo as mãos no colo, sem coragem de encará-lo.

— Jo, eu lhe pedi para ser minha esposa. Um simples sim ou não será suficiente. Acho que não é esperar muito, é?

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Ela olhou rapidamente para ele, sentindo o coração se contrair, ao ver o rosto pálido, a tensão que tinha tomado conta de todo o seu corpo.

— Sinto muito… não é assim tão fácil, Jake. — Sua voz foi pouco mais do que um sussurro.

Ele se inclinou, pegou-a pelos ombros e a fez se levantar.

— Pensei que fosse muito simples. Se não quer, é só dizer.

— Não é que não queira. Eu... eu simplesmente não posso.

— Jo, não importa o quanto tenha amado seu marido. Isso não poderá trazê-lo de volta.

Olhou para ele e tentou falar, mas não saiu nenhum som. Uma sombra de dor passou pelos olhos escuros. Ela levantou a mão, acariciando aquele rosto tão amado, ansiando por ele, por seu amor,

— Não, Jake, por favor, não fique assim. Nós… eu… Mike e eu não nos amávamos de verdade. Talvez no início, não sei. Nosso casamento foi um erro, um erro terrível! — Tentou continuar, mas sua voz sumiu.

— Então, por quê, Jo? Peio amor de Deus, sei que não sou indi- ferente para você... — Respirou fundo, procurando se controlar. — Você falou num tal de Jamie. É por causa dele?

O rosto de Jo ficou muito pálido.— Jamie? — sussurrou.— Teve um caso com ele, quando seu casamento

começou a fra- cassar? Ainda o ama?Jo olhou para ele, completamente confusa.— Um caso? — repetiu. — Não, não! Pensei que

estivesse sabendo. Disse que tinha lido sobre… sobre o acidente nos jornais.

— É verdade. As manchetes não falavam em nenhum Jamie. Não li as reportagens completas.

— Jamie. .. Jamie era meu filho.Jake ficou olhando para ela, muito pálido.— Seu filho?! Ele também estava no carro?Ela balançou a cabeça, e Jake, vendo sua dor, abraçou-

a carinhosamente, apoiando o queixo nos cabelos dourados.

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— Não poderia passar por tudo aquilo de novo, Jake. Não poderia ter outro filho, passar pela agonia de imaginar. ..

— Jo, toda nossa vida é uma loteria. — Afastou-a um pouco para poder olhá-la nos olhos. — Temos que arriscar para poder viver.

— Não posso, Jake. Eu o amo demais para envolvê-lo no sofrimento. Não entende? Tudo o que toco parece dar errado… Mike, meu casamento, Jamie. Principalmente Jamie.

Jake sentou-se numa poltrona e puxou Jo para o colo.— Acho que é melhor me contar tudo desde o início.Assim que ela começou a falar, não parou mais. Foi

como se uma barragem se arrebentasse dentro dela, fazendo toda a história jorrar numa torrente. Às vezes, percebia que não estava sendo muito clara, mas Jake não a interrompeu. Simplesmente, deixou que falasse, fazendo uma catarse, expulsando todos os fantasmas da mente. Ela falou sobre Mike, o noivado rápido, o casamento, um milhão de pequenas coisas das quais nem imaginava que ainda pudesse se lembrar, abrindo-se de um modo como nunca fizera com ninguém, nem mesmo com Maggie. Só quando começou a contar sobre o nascimento de Jamie é que passou a hesitar, e aninhou-se nos braços de Jake, a dor profunda demais, até para as lágrimas.

— Ele era tão lindo, Jake!Contou como Mike havia sido radicalmente contra seu

nascimento.— Eu sentia que ele pertencia só a mim. Foi um erro,

é claro, agora posso compreender, mas na época... Eu me senti tão culpada! — As lágrimas começaram a correr, silenciosas. — Algumas semanas depois, me disseram que ele era completamente surdo. Não pude deixar de culpar a mim mesma. Se tivesse ouvido Mike e feito o aborto.. . Oh, Jake, foi tanto sofrimento… Horas de desespero, de incerteza quanto ao futuro… É por isso que não quero… não posso, . . E se houver outro como Jamie?

— Jo, escute-me. Há um número enorme de coisas que podem sair erradas numa gravidez. Não temos motivos para acreditar que acontecera de novo, mas, se ouver outra fatalidade, enfrentaremos o problema juntos. É um risco que todos temos que correr.

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— Jake, acho que não sou bastante forte para me arriscar novamente.

— Sou bastante forte por nós dois — disse ele, rouco, os lábios brincando com a ponta da orelha de Jo.

— Jake, por favor, não posso pôr esse peso em suas costas. E não consigo pensar direito, quando faz isso.

— Esse é um dos motivos por que estou fazendo. Na minha opinião, meu amor, você tem pensado demais. De agora em diante, vou deixá-la tão ocupada que não terá tempo para ficar remoendo o passado. Não importa o que o destino reservou para nós, vamos enfrentar tudo juntos. Teremos altos e baixos, mas os altos serão tantos, que os baixos não terão grande significado.

Seus lábios procuraram os dela com tanto carinho, que Jo esqueceu a tristeza, reagindo com todo o amor que tinha por ele. Quando se separaram, ofegantes, Jake sorriu.

— Viu? Os altos não serão os melhores?— Mas, Jake, estou com medo. Eu o amo tanto… Ele

pôs um dedo nos lábios dela.— Psiu! De agora em diante, vamos nos concentrar só

nos altos. Proíbo terminantemente que aconteçam coisas más. — Beijou-a quase com reverência. — Este é um novo começo.

Algum tempo depois, aninhada nos braços fortes de Jake, Jo murmurou, sonolenta:

— Acho melhor irmos dormir. Ben vai chegar logo e, se Sam acordar com o barulho, pode ficar assustada, quando não me vir a seu lado.

— Hummm. — Jake beijou-lhe o rosto suavemente. — Tendo que me dividir entre Sam e você, é melhor eu ir me acostumando a dormir menos.

— Jake!— Ora, você vai casar comigo, não? — perguntou,

com um ar de brincadeira, apesar de a observar com uma expressão cautelosa.

— Sim — disse Jo, e ele respirou aliviado.— Ótimo. Isso vai deixar todo mundo sossegado.

Temos que considerar que você me deixou numa situação muito comprometedora. — Fez um ar de falsa seriedade.

— Eu?— Sim, senhora. Onde já se viu, sozinha em minha

casa! Não pensou nos falatórios?

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— Sam estava lá — disse Jo, indignada. — Além disso, ninguém ficou sabendo.

— Nós ficamos.Ela deu uma risada e Jake sorriu, cheio cie satisfação.

— Espero que Sam aceite — disse Jo.— Pode estar certa de que, nesse aspecto, não

teremos problemas. Desde o primeiro dia em que a conheceu, tem feito insinuações, e das mais descaradas, sobre suas qualidades para ser a esposa ideal. Não sei como levei tanto tempo para aceitar suas sugestões.

Abafou um bocejo e Jo olhou-o, preocupada.— Deve estar exausto. É melhor irmos para a cama —

disse, tentando levantar-se do colo dele.— Que mulher atrevida! Onde já se viu dizer uma coisa

dessas!— Você sabe o que eu quis dizer. — Jo ficou muito

vermelha.— Claro que sei, sua bobinha. — Jake levantou-se com

alguma relutância e continuou prendendo-a entre os braços.

Jo olhou para ele, um pouco tímida.— O que o fez ter tanta certeza de que eu queria

casar com você? O que estou querendo saber. . bem, eu estava sendo assim tão transparente sobre meus sentimentos?

— Não, pelo contrário. Eu só soube na noite do pesadelo. — Jake fechou os olhos. — Meu Deus, ainda não sei como consegui atravessar aquelas horas, segurando-a nos braços e não… até de manhã, peto menos. — Sorriu.

— Cheguei a pensar que você só tinha se aproveitado de um instante disponível — Jo passou-lhe os dedos pelo queixo forte e bonito.

— Foi o melhor instante disponível de minha vida. Eu já estava chegando ao limite do sofrimento. Não havia mais escolha: tinha que me levantar dali e deixá-la, ou ficar e fazer amor com você. Então, você deu aquele sorriso sonolento e a decisão saiu de minhas mãos. Quando me disse que me amava. . .

— Quando foi que eu disse isso?!— Aquelas palavras foram a música mais doce que já

ouvi. — Jake falou muito sério.

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— Então, eu lhe disse? Quando acordei e não o vi a meu lado, não estava muito certa do que havia dito. Estava tudo em meu pensamento, mas… — Jo fez uma pausa. — Quando o vi depois, você estava tão distante! Não soube o que pensar.

— Eu saí porque não queria lhe causar embaraços. Sam podia aparecer e fazer perguntas inconvenientes. — Jake balançou a cabeça. — Sempre que tentei falar com você mais tarde, Sam estava por perto.

Para piorar tudo, Lexie apareceu. Cheguei a pensar em matá-la! Conhecendo aquela moça como conheço, não podia deixar que percebesse que não a queria lá, senão teria ficado por um mês inteiro. Foram os dias mais longos de minha vida.

— Lexie me disse. . .— Logo imaginei que ia falar um monte de bobagens.

Nunca houve nada de sério entre nós.— Ela me disse.. . bem, mencionou a mãe de Sam.— Vejo que Lexie não perdeu tempo! — Ele deu um

suspiro, — Conheci Denise quando estava na universidade e me apaixonei perdidamente por ela. Eu era muito jovem e inexperiente. Pensei que também sentisse o mesmo por mim, até o dia em que ela conheceu Dave, meu irmão mais velho. Foi amor à primeira vista para os dois, e casaram logo depois. Viveram muito felizes e nunca se arrependeram. Claro que meu orgulho levou uma sova. — Sorriu, com um ar brincalhão. — Mas logo me esqueci de tudo. Fui amadurecendo, conheci muitas mulheres, tive muitas aventuras… Nunca culpei nenhum dos dois, Jo, apesar de não concordar com o modo como estavam criando Sam, deixando-a sempre com a mãe de Denise.

Jo sorriu para ele.— Talvez goste de saber que fiquei morta de ciúme.— Entendo o que é isso. Quando Sam me contou, com

tanta inocência, que aquele sujeito, o tal de Daniel, tinha beijado você, fiquei tão transtornado que nem conseguia olhá-la de frente. — Beijou-a docemente. — E quanto a isso, querida? Quer voltar ao teatro?

Jo balançou a cabeça, sem reservas.— Não. Mesmo antes do acidente, eu já tinha perdido

toda a motivação. Foi uma fase de minha vida. Agora só quero ficar com você e Sam.

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Os lábios de Jake tomaram os dela e depois ambos se encostaram um no outro, sonolentos. Ele suspirou.

— Bem, onde é que fica esse sofá que sua irmã me ofereceu? — perguntou, com uma careta. — Será que dá para nós dois?

— Não.— Não... — gemeu, pesaroso.Quase dormindo, Jo acomodou-se na cama, ouvindo a

respiração tranquila de Sam, e sorriu, tocando os lábios ainda um pouco inchados pelos beijos de Jake. Seu coração batia alegre.

Ele estava certo: tinha que aceitar o risco, ou não teria vida, pois continuar sem Jake seria assim, sem vida.

Sorriu novamente. Na manhã seguinte seria o começo. Ia começar de novo. Com Jake.

F I M

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