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ISSN 2178-3039 - v. 07, n. 01 setembro de 2012
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ISSN 2178-3039
APRESENTAÇÃO A Revista Eletrônica Pedagogia em Foco apresenta estudos, pesquisas e
reflexões em torno da Pedagogia, das práticas de ensino, isto é, da Educação, sob a
responsabilidade de autores vinculados a diferentes instituições de ensino superior e
grupos de pesquisas.
Em 2012, no intento de assegurar os logros de 2011, a Revista contemplou
discussões temáticas em diferentes regiões brasileiras, o que nos permite criar espaços
diferenciados e articulados de atuações e repercussões na identidade e prática educativa.
O desenvolvimento da 7ª edição no âmbito da Faculdade FAMA, também se
consolidou como mais um espaço de discussão sobre a educação e o cenário dos cursos
de pós-graduação e a necessidade de valorização de pesquisas locais.
O trabalho é também um esforço de sistematização para socialização, não apenas
com a comunidade acadêmica; constitui-se em mais um instrumento de reflexão e
formação de (professores, gestores, conselheiros municipais de educação, Poder Público
e sociedade civil) interessados em contribuir para a melhoria da qualidade da educação
brasileira.
Esta edição está organizada em 26 artigos que deixam vir à tona estudos e
pesquisas que alçam distintas abordagens para a multidisciplinaridade da Educação -
tecnologias em educação, literatura e educação, avaliação e educação, gestão escolar,
inclusão na educação, formação continuada de professores; dentre tantas outras frentes
que vocês terão o privilégio de ler.
Eis um pouco de nossas reflexões...
Diretora de Editoração Danieli Tavares.
Revista Eletrônica Pedagogia em Foco, v. 7, setembro de 2012
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Conselho Editorial Diretora Geral: Me. Naime Souza Silva Diretora de Editoração: Me. Danieli Tavares Diretor de Divulgação: Me. Léo Huber Secretária: Dra. Raimunda Abou Gebran Consultores: Profa. Me. Ana Paula Pereira Arantes Profa. Me. Naime Souza Silva Consultor Ad hoc Prof. Me. Fernando Souza Costa
Revista eletrônica Pedagogia em Foco, v. 7, setembro de 2012. ISSN 2178-3039
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Conselho Científico Prof. Dr. Adriano Rodrigues Ruiz (UNOESTE)
Profa. Dra. Eli Nazareth Bechara (IBILCE/ UNESP)
Profa. Me. Eneida Gomes N. de Oliveira (UNIFRAN)
Prof. Me. Hércules F. Cunha (UniSalesiano/AEMS)
Prof. Me. Jehu Vieira Serrado Júnior (AEMS)
Prof. Dr. José Camilo dos Santos Filho (Unicamp/ UNOESTE)
Profa. Dra. Lindamir Cardoso Vieira Oliveira (UFGD)
Profa. Me. Maria Auxiliadora V. de Lima Arsioli (UFMS)
Profa. Dra. Maria do Carmo Brazil (UFGD)
Profa. Dra. Maria Flávia Figueiredo (UNIFRAN)
Profa. Me. Maria Laura Pozzobon Spengler (UNISUL)
Profa. Me. Patrícia S. Teixeira (UNILAGO)
Profa. Dra. Raimunda Abou Gebran (UNOESTE)
Profa. Me. Sandra Zepeda (Doctoranda em Estudios Americanos USACH- Santiago,
Chile)
Prof. Dr. Silvio César Nunes Militão (UNESP)
Revista eletrônica Pedagogia em Foco, v. 7, setembro de 2012. ISSN 2178-3039
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SUMÁRIO
*Sessão Artigos Organização da prática docente no ensino superior: possibilidades de construção de competências na articulação entre ensino-pesquisa Catarina da Silva Souza Francisco de Assis Ribeiro Cavalcanti Hugo Dias Barros Magna do Carmo Silva Cruz Sandra Cristina da Silva..............................................................................................p. 08
Da dor ao prazer: circuito de práticas educativas com os pais das crianças com necessidades especiais da APAE/Santarém André Luiz Machado das Neves Nedy Pedroso de Sousa Iolete Ribeiro da Silva Viviane Lopes Moura..................................................................................................p. 30
Qual o lugar da Educação Ambiental escolar na Revista Brasileira de Educação Ambiental (REVBEA)? Danieli Tavares Vanessa Bernardes de Souza........................................................................................p.40
A implementação do bloco inicial de alfabetização na reorganização do ensino fundamental de nove anos Emiliana Cristina Rodrigues Nunes .........................................................................p.55
A redefinição do papel do Estado brasileiro na década de 1990 e suas relações com as políticas educacionais Marina da Silva Margiotti.............................................................................................p.69
Textos e contextos das mídias educacionais: relatos de um estudo de caso na educação infantil com a obra Caçadas de Pedrinho de Monteiro Lobato Solange de Andrade Ribeiro Sônia da Cunha Urt......................................................................................................p. 84
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Educação para a diversidade considerado o contexto étnico-racial Elza Maria de Andrade Léo Huber....................................................................................................................p. 98 Integração das tecnologias no projeto político-pedagógico: estado da arte Marilusa Rossari Marcelo Bolfe............................................................................................................p. 107 Políticas públicas de formação profissional: a (ex) inclusão de pessoas com deficiência no mundo do trabalho Glaucimara Lopes Schneider Hova...........................................................................p. 117
Física ambiental e educação do campo: experiência em ensino de ciências na Amazônia legal Geison Jader Mello Vinicius Machado Pereira dos Santos Regina Célia Rodrigues da Paz.................................................................................p. 126
(Re)pensando o ensino da Literatura Infantil Ana Maria Zanoni da Silva .......................................................................................p. 145
Crenças e suas influências no processo de formação de professores de línguas estrangeiras Eduardo Barbuio .......................................................................................................p. 155
Blogs: comunicação e interação em prol da educação Aléx Gomes da Silva
Raquel Rosan Christino Gitahy ............................................................................p. 165 Prática pedagógica e recursos tecnológicos na educação: o caso da Escola Municipal Pingo de Gente de Iturama-MG Danieli Tavares Edvânia Aparecida Cândida Martins ........................................................................p. 176
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Análise sobre a dificuldade de aprendizagem na leitura e interpretação dos alunos 3º ano do ensino fundamental em uma escola pública de Iturama-MG Edna Lúcia Crispin de Araújo Teixeir Waldete Firmina Assis Cruz Ana Paula Pereira Arantes ........................................................................................p. 192
As relações étnicas raciais e a Educação Infantil Elza Maria de Andrade Léo Huber ...............................................................................................................p. 204
A presença do computador na infância contempôranea Janete Ferreira de Oliveira.........................................................................................p. 218 A importância da leitura para crianças de 0 a 6 anos Bernadete Aparecida Leal Oliveira Marcimeire Fátima Gonçalves Bácaro Neuza Maria de Medeiros Ana Paula Pereira Arantes ........................................................................................p. 234
Identificação do talento pela observação direta Tereza Raquel Fiorile Nogueira................................................................................p. 244 Mais educação: uma avaliação frente à visão de educação integral Sebastiana Aparecida Moreira...................................................................................p. 254 Escola espaço de emancipação social: uma leitura a partir de Antonio Gramsci Mariclei Przylepa.......................................................................................................p. 267 O conhecimento sobre direitos humanos na comunidade escolar Adneia de Souza Leite Ribeiro Léo Huber .................................................................................................................p. 282
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Era uma vez uma literatura meramente pedagógica Juliana Pádua Silva Medeiros....................................................................................p. 296 O acesso ao curso de pedagogia da UFGD: uma análise da relação entre educação básica e educação superior Mary Ane de Souza Giselle Cristina Martins Real....................................................................................p. 307 O pedagogo no âmbito hospitalar vínculo mãe e bebê Ana Paula Mayer Hass .............................................................................................p. 319 Reflexos da formação continuada no educador em uma instituição educacional do terceiro setor Ana Paula Pereira Arantes Adriana Barbosa Oliveira Marrega Anderson José de Paula Marilourdes Ferreira Amaro......................................................................................p. 327 Alunos ingressantes no curso de Pedagogia – Representações Sociais Naime Souza Silva Raimunda Abou Gebran...............................................................................................p. 342
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ORGANIZAÇÃO DA PRÁTICA DOCENTE NO ENSINO SUPERIOR: POSSIBILIDADES DE CONSTRUÇÃO DE COMPETÊNCIAS NA
ARTICULAÇÃO ENTRE ENSINO-PESQUISA
Catarina da Silva Souza1 Francisco de Assis Ribeiro Cavalcanti2
Hugo Dias Barros3 Magna do Carmo Silva Cruz4
Sandra Cristina da Silva5 Resumo
Este trabalho corresponde a uma pesquisa qualitativa, com enfoque dialético, desenvolvida em duas instituições de ensino superior, sendo uma pública e outra privada, que teve por objetivo compreender as concepções e práticas de professores/as do ensino superior referentes à organização da prática docente, na articulação entre pesquisa-ensino, visando à construção de competências nos alunos. Nosso estudo fundamentou-se nas discussões sobre a constituição da prática docente no ensino superior, sua organização e as possibilidades de mobilização de competências pelos alunos e professores/as por meio de/na prática docente (PIMENTA & ANASTASIOU, 2002; CUNHA, 1998; SANTOS, 2004; TARDIF, 2002; ZEICHNER, 1993, ZABALA, 1998; PERRENOUD, 1998, dentre outros). Foram utilizadas, como procedimentos metodológicos: a análise documental, entrevista semiestruturada, com duas professoras, e duas observações de sala de aula, em cada turma. A análise dos resultados apontou
1 Mestre em Educação. Professora temporária do curso de Pedagogia da UFRPE - UAG, Professora do curso de Educação Física da Autarquia de Ensino Superior de Arcoverde (AESA), Professora do Colégio Diocesano de Garanhuns. [email protected] 2 Mestre em Educação. Professor do Colégio Boa Viagem, Colégio Visão e Facol -Vitória de Santo Antão. [email protected] 3Mestre em Direito. Professor Direito Constitucional Faculdade Boa Viagem. [email protected] 4 Doutora em Educação. Professora de Educação do IFPE. [email protected] 5 Mestre em Educação. Consultora Educacional e Revisora de Textos Acadêmicos (MCCG). [email protected]
Revista Eletrônica Pedagogia em Foco, v. 7, setembro de 2012
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que a concepção dos professores/as e a sua prática docente estão caminhando para uma transição paradigmática que prioriza a construção de competências nos alunos para o exercício da docência, na perspectiva de um ensino pautado por uma concepção de pesquisa que prioriza a atitude investigativa. Palavras-chave: pratica docente, competências, ensino e pesquisa, ensino superior.
Para início de conversa...
O presente estudo situa-se no âmbito das discussões sobre a didática no ensino
superior, especificadamente na organização da prática docente, cujo objetivo central
residiu em buscar compreender as concepções e práticas de professores/as do ensino
superior referentes à organização da prática docente, na articulação entre pesquisa-
ensino, visando à construção de competências nos alunos, no intuito coletivo de refletir
sobre possíveis e/ou novos significados para essa prática.
A validade deste estudo deve-se, por um lado, ao fato de haver certo ‘consenso’
de que “a docência no ensino superior não requer formação no campo do ensinar”
(PIMENTA & ANASTASIOU, 2002, p. 36); e, por outro lado, pela relevância da
“discussão corrente” sobre o possível despreparo e/ou o desconhecimento científico
desses professores/as a cerca do processo de ensino e aprendizagem pelo qual são
responsáveis.
Nessa perspectiva, o interesse por essa discussão e, mais precisamente, pelas
concepções e práticas de professores/as do ensino superior referentes à organização da
prática docente visando à construção de competências nasce, primeiramente, num
âmbito mais geral da reflexão, amparada em Souza (2006), ao tomar a
profissionalização como um dos meios que contribuem para nos tornar
humanos(humanização6) ou para uma desumanização7 (p.17); em um outro movimento,
mais específico, esse interesse autonomiza-se pela atualidade da discussão (PIMENTA
& ANASTASIOU, 2002; CUNHA, 1998; SANTOS, 2004) no campo da didática no
ensino superior, sendo este um dos temas mais debatidos dentre aqueles relacionados à
relação entre ensino e pesquisa.
Além dos aspectos apontados, nosso interesse pela temática advém, também, do
fato de a discussão acerca da questão do desenvolvimento de competências na educação
básica ser bastante ampla; em contrapartida, na educação superior,notamos uma
carência no que se refere tanto a inserção da discussão das competências nas práticas
6 Falamos de humanização tanto em relação ao “processo que nos faz homens” quanto ao fato da possibilidade dos bens culturais também se humanizarem (LATERZA & RIOS, 1976, p.19). 7 Nesse último caso, não a entendemos como educação (SOUZA, 2006, p.17).
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docentes nas Instituições de Ensino Superior (doravante IES) como a sua investigação
como objeto de estudo em pesquisas cientificas.
Nesta perspectiva, entendemos que a prática docente é permeada por contradições
na busca da articulação entre ensino e pesquisa visando à construção de competências
para o exercício da docência pelos alunos dos cursos de licenciaturas diversas. Desta
forma, a questão que norteia o presente artigo é: como os professores/as do ensino
superior organizam sua prática docente visando à construção de competências na
articulação entre ensino-pesquisa em turmas de licenciaturas?
Temos como objetivo geral compreender as concepções e práticas de
professores/as do ensino superior referentes à organização da prática docente, na
articulação entre pesquisa-ensino, visando à construção de competências nos alunos das
licenciaturas. Como objetivos específicos propomo-nos a analisar a organização e os
procedimentos didáticos referentes à articulação entre ensino-pesquisa previstos e
realizados na sala de aula, identificar os elementos que evidenciam a concepção de
prática docente baseada na relação ensino-pesquisa e identificar sinalizações das
competências que a prática docente no ensino superior mobilizou.
Para isso, em um primeiro momento, que chamaremos de bloco de discussões,
lançaremos breves considerações sobre a constituição da prática docente no ensino
superior; em seguida, apontaremos algumas possibilidades de organização da prática
docente no ensino superior na perspectiva da mobilização de competências para o
exercício da docência; e, por fim, faremos algumas reflexões sobre a construção de
competências e sua abrangência como avanço ou retrocesso. No segundo momento,
apresentaremos um bloco da análise dos resultados bem como as considerações finais.
Discussões sobre a constituição da prática docente no ensino superior
Discutir sobre a constituição da prática docente no ensino superior nos remete a
questão paradigmática existente nesse meio. Conforme Santiago (2006), a discussão
sobre a formação de professores/as e prática pedagógica parte da diversidade de
modelos, denominações e concepções que definem a formação e o ser professor/a
sinalizando para os paradigmas que estabelecem uma espécie de tipologia docente:
professor/a culto, professor/a técnico, prático, artesão, professor/a prático reflexivo
(ênfase nesse tipo), ator social e pessoa. Subjacente a essas denominações, parece
residir um movimento de inquietação entre os profissionais da educação “que procuram,
através de um processo de sistematização, organizar um quadro teórico ou registram
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práticas que tracejam um perfil de profissional da educação para lidar com as tensões e
intenções sociais” (SANTIAGO, 2006, p. 113).
Portanto, ao tratarmos da constituição da prática docente, ressaltamos que, de
acordo com Santiago (2006, p.114), nosso estudo sobre essa prática “vai na direção dos
sujeitos que instituem o trabalho docente, da relação docente-discente e da postura
necessária àquela e àquele que vivenciam o trabalho educativo”, ainda que estes
figurem tacitamente sob o liame da relação docente – discente, com especificidades que
se materializam diferentemente do ponto de vista da concepção de pesquisa, ensino,
competência. É nesse sentido que se percebe a concepção de ensino, aprendizagem,
aluno/a, professor/a/a, pesquisa que permeia cada prática docente desenvolvida.
Para melhor contextualizarmos nossa discussão, consideramos o professor/a
como ator do seu saber-fazer e do saber ser, capaz de tomar decisões sobre suas ações
apoiados em sua trajetória profissional e pessoal. Nesse sentido, defendemos que os
professores/as são sujeitos de sua história.Farias (et al, 2008) destaca que a identidade
docente é constituída de três elementos: história de vida, prática pedagógica e formação.
Esses elementos envolvem duas esferas, já mencionadas, a profissional e a pessoal.
Ainda nos preâmbulos de nossa discussão, acreditamos ser importante
definirmos e delimitarmos os conceitos de prática docente e prática pedagógica, que
utilizaremos amplamente nesse estudo. Nesta perspectiva, entendemos prática
pedagógica e prática docente como elementos interligados, porém a primeira transcende
à última em sua amplitude e abrangência; estando a prática docente inserida na prática
pedagógica e mais diretamente relacionada ao ato de ensino. Assim, tomamos a
concepção de prática pedagógica, como práxis pedagógica, na perspectiva de Souza
(2006, p.13), quando afirma que esta é, portanto, “inter-relação de práticas de sujeitos
sociais formadores que objetivam a formação de sujeitos que desejam ser educados
(sujeitos em formação) respondendo aos requerimentos de uma determinada sociedade
em um momento determinado de sua história, produzindo conhecimentos que ajudem a
compreender e atuar nessa mesma sociedade e na realização humana dos sujeitos”, por
entendermos que esta concepção articula-se às especificidades do ensino superior,
transcendendo os limites da visão corrente de prática pedagógica em relação de
sinonímia com prática docente.
Nesse sentido, uma das questões importantes ao falarmos dos elementos
constituintes da prática docente é refletirmos sobre os saberes desses docentes. Tardif
(2002), ao situar a questão dos saberes na profissão docente, procura relacioná-los às
diversas instâncias nas quais os professores/as estão inseridos. Para isso, destaca que o
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“saber dos professores é o saber deles e está relacionado com a pessoa e a identidade
deles, com a sua experiência de vida e com a sua história profissional, com as suas
relações com os alunos em sala de aula e com outros atores escolares da escola, etc”
(p.11).
Desta forma, este autor nos revela que, como o saber dos professores/as transita
constantemente entre o que os professores/as são e fazem, é um saber social, pois o
mesmo é construído nas relações: entre os professores/as, entre os grupos sociais, com
professor/a e alunos e nas construções sociais. Tardif (2002) ainda aponta que o saber
dos professores/as é um saber que deve ser compreendido na ação, um saber do e no
trabalho. Ainda segundo esse teórico, “cotidianamente, os professores/as partilham seus
saberes uns com os outros através do material didático, dos macetes, dos modos de
fazer, dos modos de organizar a sala de aula, etc” (p.53).
Outro elemento que constitui a prática docente e a caracteriza como uma prática
reflexiva é a capacidade que o professor/a tem de refletir criticamente sobre a sua
própria ação/pensamento. Segundo Zeichner (1993), a proposição da reflexão está
ligada ao reconhecimento dos educadores como partícipes da prática educativa. Assim,
as reflexões do professor/a unidas à experiência de sua prática pedagógica fomentam
um processo educativo, reflexivo e dialógico que o acompanha em toda a sua ação
como docente. Desta forma, a reflexão não é um conjunto de técnicas que possam ser
empacotadas e ensinadas aos professor/es e nem consiste em um conjunto de passos ou
procedimentos específicos. Ou seja, ser reflexivo é uma maneira de “ser professor/a”.
Conforme Zeichner (op. cit., p. 21-22),
Uma maneira de pensar na prática reflexiva é encará-la como a vinda à su-perfície das teorias práticas do professor, para análise crítica e discussão. Ex-pondo e examinando as suas teorias práticas, para si próprio e para os seus colegas, o professor tem mais hipóteses de se aperceber das suas falhas. Dis-cutindo publicamente no seio de grupos de professor/aes, estes têm mais hipóteses de aprender uns com os outros e de terem mais uma palavra a dizer sobre o desenvolvimento da sua profissão.
Nesse sentido, os professores/as estão, a todo o momento, refletindo sobre suas
ações e não podem ser vistos como participantes passivos do processo de ensino dentro
da sala de aula. Eles são profissionais que precisam desempenhar um papel ativo e
reflexivo, na formulação de objetivos e metodologias para o seu trabalho.Segundo
Zeichner (1993),
Reflexão também significa o reconhecimento de que a produção de conhecimentos sobre o que é um ensino de qualidade não é propriedade exclusiva das universidades e centros de investigação e desenvolvimento e
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de que os professores também têm teorias que podem contribuir para uma base codificada de conhecimentos do ensino (p. 16).
Por essa razão, não podemos tratar o professor/a como aquele que vai “transpor as
teorias” para dentro sala de aula, tal como elas lhe foram transmitidas; pois os docentes não são
apenas técnicos executores;eles tomam decisões sobre suas ações; escolhem teorias; juntam
teorias específicas com suas crenças particulares; refletem sobre suas ações. Assim, “cada
professor, com base no seu conhecimento construído ao longo da sua trajetória, poderá
criar diferentes caminhos que poderão fazer parte da sua prática pedagógica, estando
incluídos nesse processo variados discursos (não apenas os que estão na ordem do dia)”
(FERREIRA, 2005, p.75).
Desta forma, de acordo com Cunha (1998) o professor/a atua como um elemento
fundamental na transição dos paradigmas educacionais favorecendo mudanças “pela sua
condição de dar direção à prática pedagógica que desenvolve, mesmo reconhecendo
nesta os condicionantes históricos, sociais e culturais.” (op. cit., 1998, p.33). Desta
forma, a autora defende que existe um processo de ruptura de paradigmas no cotidiano
da prática pedagógica universitária (CUNHA, 2006); ou seja, para se conseguir essa
ruptura os professor/es encontram motivações oriundas de suas próprias histórias de
insatisfação e satisfação no ambiente educacional, como também condições que
facilitam esta atitude, como por exemplo “uma estrutura de apoio ligado a um projeto
pedagógico institucional” (CUNHA, 1998 p.109).
É, portanto, neste processo de construção da prática pedagógica, na qual o
professor/a desenvolve sua prática docente, que este desenvolva certas habilidades,
compromissos e competências com seus alunos nesta relação do ensino e pesquisa como
produção de conhecimento; dentre elas, podemos citar: a capacidade de ter o aluno
como referência; a valorização do cotidiano e a avaliação vista como um processo.
Desta forma, os grandes ganhos deste processo são a “recuperação do prazer” e, assim,
a relação entre ensinar e aprender torna-se uma atividade prazerosa; “possibilidade de
interdisciplinaridade” e “novas aprendizagens”; pois, estarão trabalhando na perspectiva
de produção de conhecimento.
Possibilidades de organização da prática docente no ensino superior: primeiras ideias
Entendemos que nessa perspectiva de prática docente que busca desenvolver
competências para o exercício da docência nos cursos de pedagogia e licenciatura, seria
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importante priorizar a construção de conhecimentos e competências profissionais
características da docência tendo como viés a pesquisa atrelada ao ensino. Para isso,
haveria a necessidade de (1) conceber o ensino, a aprendizagem e a pesquisa como
elementos interdependentes e interligados; de (2) pensar novas formas de avaliação; e
de (3) desenvolver a perspectiva que considera a organização da prática docente como
algo complexo e dialético.
No que se refere à necessidade de uma (1) nova concepção de ensino,
aprendizagem e pesquisa, entendemos que um dos elementos que possibilitaria
desenvolver essa perspectiva de educação no ensino superior seria considerar a
mobilização de competências pelos alunos/as para o exercício de sua profissionalização
e pelo professor/a para o exercício da docência. Nessa discussão, resgatamos os três
elementos enfatizados por Zeichner (1993) como pré-requisitos para uma prática
reflexiva, por compreendermos que eles podem incentivar o germe da relação entre
ensino e pesquisa possibilitando uma prática viável nessa perspectiva, que são:
percepção de novas alternativas a sua prática sem ficar preso a preconceitos que
promovem a redução de sua ação; aceitação da possibilidade do erro como um dos
caminhos para aprender; responsabilidade, concebida mais como um traço moral do que
um recurso intelectual, e ponderação quanto às conseqüências do ato de ensinar;
sinceridade, em dedicação, porém com atenção para que não se confunda prática
reflexiva com subserviência.
Nesse processo, é importante, na organização da prática docente, (2) pensar
novas formas de avaliação, ou seja: abrir mão da avaliação como barganha; dominar a
observação formativa; aceitar os desempenhos coletivos; desistir de padronizar a
avaliação; criar situações de avaliação; favorecer a avaliação mútua; considerar os
conhecimentos como recursos a serem mobilizados; trabalhar regularmente por
problemas; criar ou utilizar outros meios de ensino; negociar e conduzir projetos com
seus alunos; adotar um planejamento flexível/indicativo e improvisar;implementar e
explicitar um novo contrato didático; praticar uma avaliação formadora em situação de
trabalho; dirigir-se para uma menor compartimentação disciplinar (PERRENOUD,
1998).
Desta forma, faz-se necessário (3) considerar a organização da prática docente
como algo complexo e dialético. Sobre essa consideração, podemos destacar no trabalho
do professor/a Zabala (1998) que o processo de aprendizagem encadeado na sala de
aula, está sujeito a um número enorme de variáveis. Diante disto, modelos de tradição
escolar, que sustentam a simplificação excessiva, mutilam a experiência de
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aprendizagem, evitando uma série de questionamentos. Ou seja, saber sobre o que
devemos informar, sobre os processos e resultados que podemos esperar, são questões
fundamentais para realização da aprendizagem, ofuscadas diversas vezes pela busca de
um caminho único, capaz de indicar como informar a todos, de um mesmo jeito, com o
mesmo resultado.
Entretanto, esta não parece uma opção viável, tanto para a turma, para o aluno e
a organização, que o processo de aprendizagem seja simplificado desta maneira; é
fundamental compreender que cada aluno, tem uma maneira diferente para superar os
diferentes obstáculos apresentados em sala de aula. Conforme Zabala (1998, p. 211):
O costume de trabalhar conforme um modelo seletivo proporcionou uma fórmula extremamente simples e ao mesmo tempo simplista. No fundo, o que tem que se fazer é ir precisando o quanto antes a capacidade de cada aluno para superar os diferentes obstáculos que encontrará no percurso até a universidade.
Zabala (1998) ainda destaca a necessidade de observar os processos que cada
aluno segue, de forma a obter o máximo rendimento das suas potencialidades. Este
panorama evidencia que é bastante complicado conceber um único processo de
aprendizagem. Diante do que conhecemos sobre a forma como se conhecem as coisas, o
processo de aprendizagem é uma situação singular, onde cada individuo vai progredir
ao seu ritmo seguindo seu próprio caminho. O que significa que a pluralidade de
indivíduos gera a necessidade da diversidade nos processos de aprendizagem. Quanto
maior o número de métodos e quanto mais atento estiver o professor/a, maior também
será a chance de estimular os alunos e favorecer o aprendizado. Conseqüentemente, em
meio a esse trato com a diversidade de possibilidades de aprendizagens e de formas de
se ensinar diferentemente a todos, o processo de avaliação aparece como um caminho a
ser construído; não só pelo professor/a, mas como pelo aluno e IES.
Algumas reflexões sobre a construção de competências: avanço ou retrocesso?
Por adotarmos a perspectiva que concebe o professor/a como um profissional
reflexivo, em meio a um contexto de ruptura paradigmática, na qual o próprio
professor/a precisaria construir/desenvolver um trabalho docente como prática social,
tomamos por base a ampla discussão acerca da inserção das competências nos
currículos e programas escolares bem como as possibilidades de mudanças na pratica
docente.
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Desta forma, trazemos para nossa discussão o conceito que Perrenoud (1998)
apresenta sobre competências e oficio de professor/a, entendendo a prática docente
como eminentemente uma “prática social”. Assim, a partir da proposta preconizada por
Philippe Perrenoud acerca da abordagem por competências,traçamos algumas reflexões
sobre as possibilidades e limites dessa configuração/organização/conceitualização sobre
a relação entre a construção de conhecimentos e seu uso nas práticas sociais. Nossa
escolha deve-se ao fato de a discussão do ensino por competências possibilitar ricas
discussões a cerca da relação entre ensino e pesquisa no ensino superior como viés para
o processo de aprendizagem.
Para este autor, uma competência nunca é a implementação racional, pura e
simples de conhecimentos, de modelos de ação, de procedimentos, pois a simples
apropriação de numerosos conhecimentos não permite sua mobilização em situações de
ação.Na verdade tanto o conhecimento quanto a competência são necessários em uma
situação a resolver. Nessa perspectiva de educação por competências, o ensino
possibilitaria uma evolução na elaboração de competências pelos alunos que deveria ser
pensada de forma integrada em toda sua estrutura, incluindo os programas, as didáticas,
a avaliação, o funcionamento das classes e os estabelecimentos, o ofício de professor/a e
o ofício de aluno.
Na implementação de uma proposta de educação que tem como base a lógica
da construção de competências, surge a questão da necessidade de convencer os alunos
a uma mudança no seu “ofício”, ou seja, convencê-los a trabalhar e aprender de uma
maneira diferente daquela que a cultura de progressão curricular havia imposto e a qual
todos já estavam acostumados a trabalhar. Não basta, no entanto, apenas o professor/a
entender a proposta e decidir utilizá-la; é preciso a participação dos discentes.
Desta forma, na busca por uma prática educativa visando à formação de
competências por meio da educação, Perrenoud (1998) postula a necessidade de uma
considerável transformação da relação dos professor/es com o saber e, inclusive, da
maneira como os docentes vão “dar aulas”. Trata-se de um “novo ofício” – Ofício de
professor/a – cuja preocupação está centrada na lógica do fazer aprender e não do
ensinar, numa clara contraposição a idéia de transmissão automática de conhecimentos.
Nesse percurso, o professor/a também desenvolve competências e não só os
alunos. No que se refere às competências do professor/a, Perrenoud (1998) aponta que é
preciso levar em consideração: a capacidade de incentivar, de ver o erro como
possibilidade, de valorizar a cooperação, a capacidade de explicitar e ajustar o contrato
didático, de não ficar sempre como um árbitro ou avaliador. O professor/a precisaria,
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então, assumir o ensino como mediação; a aprendizagem ativa do aluno com a ajuda
pedagógica do professor/a; modificar a idéias de uma escola e de uma prática
pluridisciplinares para uma escola e uma prática interdisciplinares; conhecer do ensinar
a pensar; persistir no empenho de auxiliar os alunos a buscarem uma perspectiva crítica
dos conhecimentos. Assim, chegamos a uma questão central nesse tópico: “o ensino por
competências seria avanço ou retrocesso na discussão da prática docente no ensino
superior?”.
Inicialmente, esclarecemos que, em Perrenoud (1998), resgatamos a idéia de
competência como essa capacidade de agir eficazmente em um determinado tipo de
situação, apoiada em conhecimentos, mas sem limitar-se a eles; e na perspectiva de que,
para enfrentar uma situação, põe-se em ação vários recursos cognitivos
complementares, entre os quais estão os conhecimentos. Com isso, salientamos que o
ensino nos cursos de Pedagogia e Licenciatura que visem à construção de competências
para o exercício da docência poderia possibilitar um meio aos alunos/as de
desenvolverem-se na sua profissionalização, tendo, principalmente, como viés dessa
prática docente o ensino e a pesquisa.
No entanto, apesar de concordarmos ser necessária uma “revolução cultural” que
possibilite a todos os envolvidos o trânsito da lógica do ensino como transmissão para
uma outra,distanciamo-nos da proposta de adotar uma lógica do treinamento por meio
de exercícios sem uma dimensão sócio-contextual, como apontada por Perrenoud
(1998). Em vez disso, aceitamos a idéia de transitar da lógica da transmissão para a
lógica da construção/fabricação do conhecimento sem desconsiderar os aspectos
contextuais e as relações de poder que estão presentes no contexto dessas práticas.
Assim, buscamos uma perspectiva crítica da ação do homem como transformação do
contexto em busca da humanização (SOUZA, 2006).
A Instituição Superior de Ensino de Pedagogia e/ou Licenciatura precisaria,
então, formar sujeitos capazes de articular e relacionar os diferentes saberes,
conhecimentos, atitudes e valores, construídos dentro e fora dela; ou seja, formar
sujeitos competentes para atuarem profissionalmente como docentes, humanizando por
meio do diálogo o processo de ensino e da aprendizagem. Para isso, faz-se necessário
articular os conteúdos dos currículos a ação prática vivenciada pelos alunos,
capacitando-os a atuarem; no entanto, essa articulação se constrói a partir das
necessidades da vida diária, das emoções e do enfrentamento das situações desafiadoras
com as quais temos que dialogar.
18
Nessa perspectiva, a competência associa-se à conjugação dos diversos saberes
mobilizados pelo indivíduo (saber, saber-fazer e saber-ser) na realização de uma
atividade. Ela articula não somente os seus conhecimentos formais, mas toda uma gama
de aprendizagens interiorizadas nas experiências vividas, constitutivas de sua própria
subjetividade. A competência seria, portanto, uma ação cognitiva, afetiva e social que se
traduz em práticas e ações que remetem a conhecimentos sobre o outro e sobre a
realidade.
Assim, nesta proposta,fica evidente a necessidade da existência de uma atividade
construtiva sobre os objetos do conhecimento, cumprindo a função primordial da IES
que é a de ensinar na perspectiva do ensino e pesquisa. Portanto, desde que a
competência seja vista como uma capacidade necessária de entendimento/ação/atuação
do profissional, que está em formação para a docência, sem a dimensão tecnicista e/ou
instrumental; ela seria um avanço para a compreensão do processo de ensino e
aprendizagem na docência do ensino superior.
Delineando o percurso teórico metodológico
Desenvolvemos uma pesquisa de caráter qualitativo, (LUDKE e ANDRÉ, 1986)
com um enfoque dialético8, objetivando compreender as concepções e práticas de
professor/es do ensino superior referentes à organização da prática docente, na
articulação entre pesquisa-ensino, visando à construção de competências nos
alunos.Escolhemos fazer essa pesquisa em uma instituição pública e uma outra privada,
para levarmos em conta os dois contextos na análise sobre a construção de
competências na relação entre ensino e pesquisa. Sabemos que há a premissa de que nas
instituições públicas haveria uma maior sistemática envolvendo ensino, pesquisa e
extensão, enquanto que nas instituições privadas9 essa articulação estaria deficitária
(SANTOS, 2004; PIMENTA & ANASTASIOU, 2002). Assim, esta pesquisa foi
realizada em duas instituições de Ensino Superior: uma pública e uma privada. Na
pública escolhemos a professora da disciplina “Didática I” para a turma de
Licenciaturas Diversas e na privada a professora do curso de Pedagogia, na disciplina
“Fundamentos e Metodologia do Ensino de Ciências”.
8 Consideramos o enfoque dialético com base na concepção de ensino enquanto “fenômeno complexo e prática social” (PIMENTA e ANASTASIOU, 1997), reconhecendo a “contradição” como constituinte da prática docente (CUNHA, 2006, 1998). 9Referimo-nos especialmente às faculdades.
19
Os sujeitos de nossa pesquisa foram duas docentes com disponibilidade para
participarem da pesquisa, com formação inicial em pedagogia e mestrado em Educação,
sendo indicadas por outros professor/es da instituição e que trabalhavam com
disciplinas pedagógicas. Para montagem do perfil das professor/aas e garantia do seu
anonimato, denominamo-las de Professora A (instituição pública) e professora B
(instituição privada). A Professora A exerce a docência há 11 anos; leciona há 1 ano
em ensino superior público; tem formação básica e superior em instituição particular;
trabalha 16hs e leciona em Educação Básica e Ensino Superior Público Federal; é
professora substituta. Já a Professora B exerce a docência há 16 anos; leciona há 5 anos
em ensino superior público e privado; tem formação básica e superior em instituição
publica; trabalha 16h como assessora em Educação Básica e leciona em Ensino
Superior Privado.
Como instrumentos para coleta de dados, utilizamos três recursos
metodológicos, constitutivos do trabalho de pesquisa, tais como: a entrevista semi-
estruturada e a observação da prática docente das professor/as, e a análise documental,
por entendermos que tais recursos configuram-se como necessários para melhor colher e
tratar os dados que foram coletados e analisados, dialogando com o nosso objeto de
pesquisa.
Utilizamos a entrevista semi estruturada (ANEXO I), por ela ser um dos
instrumentos básicos na pesquisa qualitativa que permite a captação imediata e corrente
da informação desejada (LUKDE e ANDRÉ, 1986). Desta forma, buscamos montar o
perfil das professor/as e identificar as suas concepções sobre a organização da prática
docente, ensino e pesquisa e mobilização das competências.
Um outro instrumento utilizado foi a observação. Ela possibilita “um contato
pessoal e estreito do pesquisador com o fenômeno pesquisado [...] e a experiência direta
é sem dúvida o melhor teste de verificação de um determinado fenômeno” (LUDKE e
ANDRÉ, 1986, p.26). Apoiados nessa definição, observamos duas aulas de cada
professora. Essa observação teve por finalidade analisar a organização e os
procedimentos didáticos referentes à articulação entre ensino-pesquisa previstos e
realizados na sala de aula. Para o registro das observações, foi elaborado um roteiro de
observação (ANEXO II) com critérios baseados em alguns aspectos foram objetos de
nossa análise, tais como: a relação ensino-pesquisa, as atividades desenvolvidas, a
avaliação da aprendizagem, as competências mobilizadas, a relação entre professor/a
aluno, entre outros que surgiram no contato com o campo de pesquisa.
20
Por fim, analisamos os planos de atividades (professora A) e de aula (professora
B) propostos pelas docentes para a disciplina por meio da análise documental; pois, para
Ludke e André (1986), “a análise documental pode se constituir uma técnica valiosa de
abordagem de dados qualitativos, seja complementando as informações obtidas por
outras técnicas, seja desvelando aspectos novos de um tema ou problema”.
Os dados obtidos nos três instrumentos de coleta foram agrupados em três
categorias: a constituição da prática docente, organização da prática docente; as
competências mobilizadas pela prática docente. Em seguida, foram analisados
qualitativamente,levando em conta o perfil das professoras, com base na análise de
conteúdo, a partir das considerações de Bardin (1977), e relacionados entre si para
melhor compreensão.As reflexões foram construídas com base nas aproximações e
distanciamentos entre os dados obtidos, com intuito de relacionar os seus possíveis
porquês (SANTOS, 2004).
Análise e discussão dos resultados
1. A organização da prática docente no ensino superior:
Consideramos que o saber dos professor/es transita constantemente entre
o que eles são e fazem, sendo um saber construído nas relações entre o professor/a e
alunos, em meio à prática pedagógica (TARDIF, 2002). Nessa perspectiva, a análise da
constituição da prática docente das professoras A e B indicou que ambas tinham uma
prática diferenciada de ensino que buscava a intencionalidade na ação docente, estando
vinculada a uma perspectiva de ensino superior emancipatória (SOUZA, 2006).
Professora A realizou, nos dias observados, oficinas para a construção do
projeto didático e do plano de aula, que seria desenvolvido nas escolas pelos alunos e
alunas, por meio da formação de grupos. Esta atividade proporcionou grande interação
entre os alunos e a professora por ser uma atividade coletiva de produção do
conhecimento, na qual várias hipóteses foram lançadas pelos alunos em relação ao
projeto didático e ao plano de aula e confrontadas pela professora, que atuava como
mediadora na construção desse conhecimento específico. A fala da professora A
explicita um pouco de sua intencionalidade com esse tipo de situação didática em que os
alunos pensam na construção de elementos que irão se utilizar na sua atuação
profissional futura:
A primeira questão é fazer os alunos construírem o conhecimento [...]. Os alunos estão dialogando a todo o momento com os conceitos trabalhados, as
21
reflexões em sala e a relação com a fundamentação teórica da área. Eles registram, em um Diário Etnográfico, todo o trabalho desenvolvido na disciplina. (Professora A)
Essa mesma preocupação com o processo de ensino e aprendizagem que
possibilita a reflexão da/na realidade foi observada na aula da professora B. Essa
professora promoveu um momento de atividade em grupo para análise da práxis
proposta pela LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), no que tange ao ensino de
ciências, especificamente, educação sexual. Em seguida, ela propôs a apresentação dos
grupos e uma discussão sobre as temáticas tratadas e os conceitos/relatos de
experiências produzidos pelos alunos. Ficou evidente que a professora constantemente
intervinha no processo de construção do conhecimento pelos alunos, fazendo-os refletir
sobre a sua própria fala e experiências vivenciadas no estágio curricular.
Busco primeiramente mobilizar a compreensão sobre o que se está discutindo e nessa compreensão vou envolvendo a importância da temática para a formação e para possibilitar a tomada de decisão consciente por parte dos alunos diante das situações de ensino. Os conhecimentos que eles, os alunos, trazem (saberes prévios) também são mobilizados para atingir a compreensão. (Professora B)
Além dessas nuances que deixam clara uma perspectiva de avaliação formativa,
a análise do plano de atividades da professora A e da dinâmica das aulas das
professor/as A e B, apontou como elas identificavam o erro dos alunos, durante a
exposição deles, e como elas procuravam esclarecer, de forma construtiva, os avanços e
insucessos deles. Ou seja, percebemos a busca por novas formas de avaliação em uma
perspectiva diferenciada que aceita os desempenhos coletivos e desiste de padronizara
avaliação, criando situações diversas de avaliação e considerando os conhecimentos
como recursos a serem mobilizados (PERRENOUD, 1998).
Nas análises, percebemos, também, a consideração da organização da prática
docente como algo complexo e dialético; pois em muitos momentos da aula fica
evidente uma intencionalidade nas duas professoras em observar os processos que cada
aluno estava desenvolvendo de forma a obter o máximo rendimento das suas
potencialidades. Nas intervenções feitas durante todas as aulas observadas, as
professoras buscaram dirimir dúvidas individuais e coletivas chamando, algumas vezes,
a atenção de todos quando a dúvida sobre um ponto/assunto era recorrente.Nas
abordagens individuais, ela os escutava quanto à elaboração dos trabalhos e intervia de
acordo com os questionamentos que surgiam. Assim, concordamos com Zabala (1998)
que a pluralidade de indivíduos gera a necessidade da diversidade nos processos de
22
aprendizagem e que nem sempre é fácil para o professor/a promover momentos em que
todos os alunos progridem de forma satisfatória.
Um exemplo é quando, durante as atividades desenvolvidas pela professora A,
os alunos estavam dispostos em grupos e, apesar de as tarefas recebidas serem idênticas,
pois se tratava de um Projeto didático, cada grupo possuía suas especificidades e a
demonstração do projeto deveria ser em suas escolas que, por sua vez, também são
singulares. Ou seja, a atuação/direcionamento do Projeto era diferente. Havia, portanto,
uma diversidade no que tange às áreas de conhecimento/atuação dos alunos o que pode
ter levado a professora a ter dificuldades no que se refere à articulação entre elas para a
concepção da atividade proposta. É bom lembrar que a turma era formada por discentes
de Licenciaturas Diversas.
Assim, as dificuldades encontradas pela professora A ao propor as atividades
não correspondiam à diversidade dos conhecimentos ministrados pela disciplina e sim
às áreas de proveniência dos discentes. Porém, a atitude da docente foi de buscar sempre
saber onde os alunos tinham mais dúvidas. Como a turma estava disposta em grupos a
professora tinha a possibilidade de atender mais especificamente às necessidades
apresentadas.
Por fim, outro traço característico da forma de organização da prática docente das
professoras investigadas é forma como demonstram responsabilidade e ponderação
quanto às conseqüências do ato de ensinar, por meio de uma relação dialógica que
considera o outro como autor de seu conhecimento e a si mesmo, professora, como
mediadora nesse processo. Essa característica ficou evidente na fala da professora B
quando, apesar de demonstrar uma concepção e prática que evidenciava a busca pela
relação entre o ensino e a pesquisa no exercício da docência e apesar dos condicionantes
da prática pedagógica (CUNHA, 1998), buscou por caminhos alternativos desenvolver a
docência em sua turma por meio de uma prática investigativa.
Ensino e pesquisa: concepções e caminhos na/para a construção de competências para o exercício da docência
Os resultados indicaram que há nas docentes investigadas uma concepção de que
o ensino, a aprendizagem e a pesquisa são elementos interdependentes e interligados; ou
seja, a pesquisa e o ensino deveriam “andar” atrelados ao processo de aprendizagem de
forma a promover a construção de competências no processo de constituição dos alunos
como docentes, desde a sua formação inicial.
23
O olhar do pesquisador precisa ser ensinado. O aluno aprender a partir do olhar reflexivo e investigativo irá facilitar a construção das demais competências de formação que são propostas para a disciplina e para a sua prática futura enquanto docente. Para o aluno aprender a pesquisar, desenvolvo também analises de situações-problema que são vistas na prática quando os mesmos vão entrevistar professores sobre o que significa a didática. (Professora A)
Portanto, o trecho apresentado deixa bastante claro que, para a professora A, a
concepção de pesquisa e ensino e aprendizagem não está apenas atrelada a uma
perspectiva da pesquisa científica; mas, também, ao ato de investigar, sendo uma atitude
que deve/pode ser incentivada pelo professor/a e experienciada pelos alunos de forma
prioritária na sua formação como docentes. O trecho de sua entrevista exemplifica
melhor a sua concepção.
Proponho pesquisas em didática a serviço da reflexão dos alunos e da construção de suas identidades como professores. Além disso, problematizo essas pesquisas diante da realidade do ensino nas escolas, procurando desenvolver nos alunos uma atitude investigativa.(Professora A)
Podemos perceber, nesse trecho da entrevista, que ela deixa clara uma
concepção de pesquisa que vai além da pesquisa puramente cientifica, rompendo de
forma paradigmática com as concepções de pesquisa corrente (CUNHA, 2006, 1998);
avançando na idéia de que a própria prática docente, que está se construindo à medida
eles que estudam e dialogam com os pares e nas idas às escolas, pode ser alvo de
pesquisa na perspectiva de desenvolver uma curiosidade investigativa motivadora da
identidade dos alunos como docentes, evidenciada na construção do diário etnográfico.
Essa concepção de pesquisa demonstra uma ruptura com a dimensão mais tradicional
que não concebe a própria prática docente do professor/a como objeto de sua pesquisa.
Essa concepção ficou evidente no plano de atividades produzido pela professora
A o qual evidencia essa relação, pois: a ementa faz uma relação entre os conteúdos
disciplinares, o processo de formação desse professor/a e a prática educativa; os
conteúdos estão relacionados “ao trabalho docente: relações de ensino-pesquisa no
cotidiano escolar”; a metodologia busca promover “aproximações com a realidade
escolar” por meio de “relatos de experiências”, da “construção de diário etnográfico”;as
atividades propõem entrevistas com professores; construção de diário etnográfico,
aplicação de plano de atividades e de aula nas escolas.
Desta forma, apesar de a análise documental do plano de atividades dessa
professora não indicar de forma explicita objetivos/competências referentes à relação de
ensino e pesquisa na organização da prática docente; ficou perceptivo, por meio da
24
ementa, conteúdos, metodologia e atividades propostas que já havia essa relação e esse
objetivo no desenvolvimento da pratica docente. Ou seja, “na pratica” o plano de
atividades foi ampliado, tornando-se um verdadeiro plano de ação e de intervenção em
meio ao contexto. A mesma concepção foi percebida no plano de aula fornecido pela
professora B.
Ainda de acordo com a análise documental do plano de atividades da professora
A, as seguintes atividades eram feitas para fins de avaliação do processo de ensino e de
aprendizagem dos alunos: entrevistar um professor/a para analisar o seu conceito de
didática; apresentação de seminário com resumo para a turma e a professora; análise de
filme relacionando com os fundamentos didáticos estudados; relato sobre o seu processo
de ensino-aprendizagem em um diário etnográfico (cognitivo, sócio-afetivo e intuitivo)
com seus acertos, sucessos, vitórias, avanços, dificuldades, desafios, insucessos,
problemas bem como com sugestões para o encaminhamento da disciplina, avaliando
conteúdos, organização da disciplina, atividades, relação professora-aluno; elaboração
de um Projeto Didático (em grupo); elaboração de um Plano de aula com conteúdos do
Projeto Didático (em grupo) – com apresentação na escola/comunidade e com
apresentação para a turma e para a professora.
Segundo a professora B, a sua maior dificuldade no desenvolvimento da prática
docente são as contradições e limitações que a sua prática sofre, na perspectiva do
ensino com pesquisa, pelo fato de as turmas serem cheias e ela terem muitas turmas para
acompanhar, o que pode impossibilitar o desenvolvimento de pesquisas de cunho
cientifico com todos os alunos, pelo pouco tempo que possuem para o seu
desenvolvimento. Outro fator apontado por ela é o desestímulo pelo exercício da
docência por parte dos alunos, que na sua maioria buscam essa modalidade de
profissionalização pelo fácil acesso, segundo eles, a esses cursos. Um trecho da
entrevista abaixo apresenta um desabafo dessa professora por não poder desenvolver
uma prática docente que na sua concepção estaria nos “moldes ideais”:
Não tenho conseguido fazer uma atividade de pesquisa nos moldes ideais, mas apenas respondido a necessidades pontuais, no que diz respeito a uma análise em sala de aula de situações problemáticas vivenciadas pelos alunos em seus estágios e trabalhos. (Professora B)
Entretanto, podemos perceber que, tanto na professora A como na professora B,
há uma preocupação em organizar a prática docente baseada na reflexão sobre a própria
prática (ZEICHNER, 1993) por meio da exploração, retomada e discussão das
experiências vividas ou investigadas para possibilitar uma melhor compreensão dos
25
saberes (TARDIF, 2002) bem como uma mobilização de competências
(PERRENOUD,1999) para o exercício de sua profissionalização como docente. Ou
seja, esses alunos, que estão se constituindo como docentes, já estão inseridos em um
contexto em que são considerados partícipes da prática educativa, em uma perspectiva
reflexiva e dialógica, que, provavelmente,poderá os acompanhará em toda a sua ação
como docente; pois a identidade docente desses alunos irá se constituir pela sua história
de vida, a prática pedagógica e sua formação (FARIAS et al, 2008).
Sinalizações de competências mobilizadas pela/na prática docente
Tanto a observação, quanto às entrevistas e à análise documental evidenciaram
uma concepção de competência na qual o processo de formação inicial do profissional
docente deveria estar permeado por situações que mobilizam competências para o
exercício da docência. Desta forma, subdividimos esse tópico em dois blocos. O
primeiro bloco está relacionado às competências que foram mobilizadas pelos alunos
nas aulas e no segundo as competências mobilizadas pelas docentes.
Dentre as sinalizações das competências mobilizadas nos alunos percebemos a
elaboração por eles de projetos didáticos e planos de aula (professora A) e a discussão
sobre a teoria com base nas experiências vividas/observadas no estágio (professora B).
Na entrevista, a professora A apontou que mobiliza três competências nos alunos;
porém no plano de atividades ela não explicita estas competências e sim os objetivos de
ensino. No entanto, em geral, as docentes apresentaram a concepção de que a
construção de competências para o exercício da docência estaria ligada às práticas
sociais (PERRENOUD, 1999).
Já as sinalizações das competências mobilizadas pelas professor/as apontam para
o fato de elas (1) buscarem uma adequação do planejamento às
necessidades/dificuldades da turma (op. cit.), conforme ficou explicito na fala da
professora B quando falou da necessidade de ter “paciência na relação professora-aluno,
para que um saiba esperar o tempo de aprendizagem do outro”; pois, segundo ela, é
muito difícil “conseguir acompanhar as diferentes formas de aprender” bem como
“envolver os alunos menos participativos para que ele dê um retorno da sua
aprendizagem”. Atendendo a essa dificuldade de desenvolver um ensino que atenda as
especificidades dos alunos, a professora A apresenta como uma das soluções um
planejamento flexível e adequado à turma, como fica explicito no trecho abaixo:
26
[...] o meu plano de ensino propõe favorecer a construção dessas competências ao termino da disciplina. As estratégias são construídas após o primeiro contato com a turma. Só entrego o plano de ensino completo após a primeira semana de aula.(Professora A)
Uma outra sinalização das competências mobilizadas pelas professor/as,
identificada na análise dos resultados, foi (2) o uso de novas formas de ensino como
estímulo à mudança de postura dos alunos em relação à docência (op. cit., 1999). Esta
competência das professor/as foi evidenciada tanto na professora A como na B; pois,
durante toda a aula havia uma preocupação em que o aluno participasse ativamente das
discussões da aula e da elaboração das atividades propostas. A característica dessa
forma de ensino seria partir de situações problemáticas (aluno) e utilizar a realidade e a
teoria para responder a esses problemas. O trecho abaixo exemplifica bem essa busca
por um “oficio de aluno” que vise à construção autônoma de competências por meio da
construção dos saberes docentes para a sua profissionalização:
Inicialmente a dificuldade é a falta de vontade desses estudantes em se encontrar com a sua profissão. Na grande maioria os estudantes não querem ser professor/es. Em seguida, a possibilidade é que, a partir do trabalho desenvolvido, percebo a mudança de percepção desses alunos em relação aos saberes da docência. Quando consigo quebrar essa barreira entre o ser professor/a ou apenas ter uma graduação, o envolvimento dos alunos é de outra forma. (professora A)
A fala da professora A indica que, de alguma forma, alguns alunos estão nos
cursos de pedagogia e licenciatura apenas para terem um curso superior e não para de
fato exercerem a docência como opção profissional. No entanto, percebemos que o
incentivo da professora quanto a sensibilizar os alunos para o exercício da prática
docente apontou, também, como um dos focos do processo de ensino (3) despertar a
participação/interesse do aluno no seu processo de aprendizagem, sendo mais uma das
sinalizações das competências mobilizadas pelas professor/as no exercício de sua
função docente.
Essa perspectiva foi apontada por ZEICHNER (1993) quando vê o professor/a
como profissional reflexivo da própria prática; assim, caberia a esse professor/a
despertar no aluno o interesse pelo seu próprio processo de aprendizagem como um
“aluno reflexivo”, parodiando as colocações de Zeichner (op. cit.). No trecho abaixo, a
professora B cita alguns elementos que poderiam contribuir para esse processo de
motivação do aluno para com seu percurso escolar no ensino superior.
27
Reflexão, pois ela possibilita ver que aquilo que é visto na universidade possibilita uma analise da prática, ou seja, a teoria ajudando a compreender a prática; ou seja, despertar o interesse do aluno por aquilo que é ensinado. (Professora B)
Por fim, outra sinalização das competências mobilizadas pelas professoras para o
exercício da docência foi a adoção de intervenções individuais e coletivas, durante a
elaboração das atividades solicitadas, na perspectiva da avaliação formativa (ZABALA,
1998). Essas intervenções foram observadas durante todas as aulas das professor/as A e
B; evidenciadas no plano de atividades (professora A) e no plano de aula (professora B);
e identificadas na proposta de construção de diário etnográfico como forma de
registro/avaliação do percurso de aprendizagem do aluno. Desta forma, percebemos
uma prática docente baseada na negociação de responsabilidades do professor/a e aluno
pelo processo de aprendizagem (PERRENOUD, 1999).
Considerações finais
Este estudo buscou compreender as concepções e práticas de professores/as do
ensino superior referentes à organização da prática docente, na articulação entre
pesquisa-ensino, visando à construção de competências nos alunos, no intuito coletivo
de refletir sobre possíveis e/ou novos significados para essa prática. A análise dos
resultados apontou que a concepção dos professor/es e a sua prática docente estão
caminhando para uma transição paradigmática que prioriza a construção de
competências nos alunos para o exercício da docência na perspectiva de um ensino
pautado por uma concepção de pesquisa que prioriza a atitude investigativa.
Desta forma, entendemos que a reflexão sobre a prática docente no ensino
superior voltada para a construção de competências mobilizadas no exercício da
docência poderia contribuir para um processo de identificação dos alunos e alunas dos
cursos de pedagogia e licenciaturas para com a sua profissionalização. Em consonância
com essa discussão, identificamos alguns elementos nessa pesquisa que poderiam
contribuir para uma melhor compreensão sobre a prática docente: a presença de
negociação de responsabilidades sobre o processo de ensino e aprendizagem como elo
importante na construção do conhecimento; a busca pelo exercício da docência
considerando o ensino e a pesquisa em meio aos condicionantes, contradições e
limitações a essa prática; e a sinalização de mobilização de competências nos
professores/as e alunos durante o exercício da prática docente observada.
No mais, essa pesquisa poderia contribuir para ampliar as discussões sobre a
importância de vivenciarmos o ensino com pesquisa na nossa formação como docente
28
do Ensino Superior. Além de percebemos a importância de uma prática baseada no
ensino-pesquisa na perspectiva da formação docente, viabilizando a mobilização de
competências, através do recorte da realidade; sentimos a necessidade de considerarmos
a mobilização de competências para o exercício da docência como fator inerente à
profissionalização.
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29
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30
DA DOR AO PRAZER: CIRCUITO DE PRÁTICAS EDUCATIVAS COM OS
PAIS DAS CRIANÇAS COM NECESSIDADES ESPECIAIS DA APAE/SANTARÉM
André Luiz Machado das Neves10
Nedy Pedroso de Sousa11 Iolete Ribeiro da Silva12 Viviane Lopes Moura13
Resumo
Este artigo tem a finalidade de relatar a experiência da implantação do projeto de extensão “Da dor ao prazer: circuito de práticas educativas com os pais das crianças com necessidades educacionais especiais da APAE/Santarém”, cujo objetivo consistiu em oportunizar atividades que visassem à interação e a troca de experiência entre os pais e cuidadores, elaborando com eles a compreensão de seus sentimentos na relação com filhos, a importância da afetividade para o desenvolvimento de seus filhos e estimulando-os para que estes se sintam motivados com o processo gradativo de desenvolvimento dos filhos. Este projeto foi implantado pelo PROEX IESPES/Fundação Esperança, atingindo cerca de 60 cuidadores (pais, tios e tutores) através de Palestras, Técnicas de Dinâmicas de Grupos e Oficinas, sendo delineada por temas referentes a direitos e deveres, sexualidade, afetividade, inclusão das pessoas com necessidades especiais. Esta experiência proporcionou ao grupo troca de saberes e estimulou a consciência crítica dos cuidadores acerca do seu papel junto ao desenvolvimento biopsicossocial das crianças da APAE entre pais que estavam em fase de “Dor” na aceitação e entre aqueles que estavam em “Prazer”, ou seja, conseguiram elaborar a deficiência dos filhos. O projeto foi de grande relevância, uma vez que
10
Psicólogo. Mestrando em Psicologia pela Universidade Federal do Amazonas Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal do Amazonas - UFAM. E-mail: [email protected] 11
Psicóloga. Mestre em Gestão do Desenvolvimento pela Universidade Moderna Diretora da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais – APAE-Santarém/Pará. Docente do Instituto Esperança de Ensino Superior. 12
Psicóloga. Doutora em Psicologia pela Universidade de Brasília. Professora adjunto IV da Faculdade de Psicologia da UFAM. Docente dos Programas de Pós-graduação em Psicologia e Educação. 13
Psicóloga graduada pelo Instituto Esperança de Ensino Superior. Psicóloga. Coordenadora do Projeto de Extensão: Da dor ao Prazer – APAE/Santarém
Revista Eletrônica Pedagogia em Foco, v. 7, setembro de 2012
31
muitos alunos atendidos pelo Centro de Atendimento Educacional Especializado da APAE estavam sendo inclusos nas escolas regulares e muitos pais estavam inseguros frente a suas atitudes e a todo esse novo “mundo” fora dos muros da APAE.
Palavras-chave: Dor (negação), Prazer (superação), práticas educativas
INTRODUÇÃO
Os seres humanos experimentam sentimentos em todos os momentos de suas
vidas, quer pelos momentos agradáveis e alegres, quer pelos momentos desagradáveis e
tristes. Os sentimentos estão presentes desde o instante em que passamos a existir
enquanto seres humanos, pertencentes a um meio social. Por isso, os sentimentos estão
vinculados a uma cultura e "[...] esses sentimentos pressupõem diversas nuances. Sobre
eles atuam fatores econômicos, sociais e pessoais” (WERNECK, 1992, p. 92). Sendo,
portanto, subjetivos, os sentimentos humanos são difíceis de serem quantificados ou
qualificados.
A diversidade cultural propicia a construção de diferentes modos de criação e
educação de crianças, porém, os genitores possuem também objetivos universais em
relação aos filhos, que independem da cultura em que estão inseridos, tais como a saúde
da criança, a sobrevivência física e sua satisfação pessoal e autorrealização (SINHA,
1995). No entanto, o nascimento de uma criança com necessidades especiais pode
provocar várias reações e sentimentos dentro da família, bem como mudar a estrutura
familiar estabelecida antes de seu nascimento. Estudos (Brito & Dessen, 1999; Casarin,
1999) têm demonstrado uma grande variedade de reações e sentimentos vivenciados
pela família, sugerindo que cada uma apresenta recursos diferentes para enfrentar as
dificuldades com suas crianças com deficiência.
A convenção da Guatemala internalizada na Constituição brasileira pelo decreto
nº 3956/2001, no seu artigo 1º define deficiência como [...] “uma restrição física mental
ou sensorial, de natureza permanente ou transitória que limita a capacidade de exercer
uma ou mais atividades essenciais da vida diária, causada ou agravada pelo ambiente
econômico e social”. Deste modo, busca extinguir qualquer forma de tratamento
excludente baseado na deficiência, portanto é a família que constitui o primeiro
universo de relações sociais da criança, podendo proporcionar-lhe um ambiente de
crescimento e desenvolvimento, especialmente em se tratando das crianças com
deficiência mental, as quais requerem atenção e cuidados específicos.
32
A influência da família no desenvolvimento de suas crianças se dá
primordialmente, através da relação estabelecida por meio de uma via fundamental: a
comunicação, tanto verbal como não verbal. A gama de interações e relações
desenvolvidas entre os membros familiares mostra que o desenvolvimento do indivíduo
não pode ser isolado do desenvolvimento da família (Dessen & Lewis, 1998). O
impacto sentido pela família com a chegada de uma criança com algum tipo de
deficiência é intenso. Segundo Brito e Dessen (1999), esse momento é traumático,
podendo causar uma forte desestruturação na estabilidade familiar.
O momento inicial é sentido como o mais difícil para a família (Petean, 1995), a
qual tem que buscar a sua reorganização interna (Taveira, 1995) que, por sua vez,
depende de sua estrutura e funcionamento enquanto grupo e, também, de seus membros,
individualmente. A família passa, então, por um longo processo de superação até chegar
à aceitação da sua criança com deficiência mental: do choque, da negação, da raiva, da
revolta e da rejeição, dentre outros sentimentos, até a construção de um ambiente
familiar mais preparado para incluir essa criança como um membro integrante da
família. Segundo Casarin (1999), a reorganização familiar fica mais fácil quando há
apoio mútuo entre o casal. Nesse caso, o ambiente familiar contribui grandemente para
o desenvolvimento e crescimento da criança.
Para alguns pais, o nascimento de um filho com deficiência muda suas vidas,
seus valores e suas concepções de mundo. Diante desses sentimentos evidenciados na
literatura (DESSEN, 1999; PETEAN, 1995; TAVEIRA 1995), no ano de 2009, por
meio do estágio supervisionado básico I, surgiu a oportunidade de inserção dos alunos
de Psicologia na APAE - Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais / Santarém,
onde verificou-se in loco através de relatos dos pais atendidos pelo Centro de
Atendimento Educacional Especializado, que estes se veem envolvidos em um turbilhão
de sentimentos quando recebem a confirmação de que seu filho possui alguma
deficiência. Nessa perspectiva, surgiu a necessidade da implantação do projeto Da dor
ao Prazer: circuito de práticas educativas com os pais de pessoas com necessidades
especiais na APAE, pois muitos relataram sentimentos de rejeição para com a criança
após o nascimento, o sentimento de perda e de luto pelo filho desejado que não veio,
porém, não fora relatado somente narrativas negativas, pois, algumas das mães que
tivemos contato falaram da superação e da evolução da dor para o prazer.
Este projeto, ao ser implantado, discutido e efetuado, objetivou estimular os pais
e os cuidadores a aceitarem a deficiência daqueles que ainda se sentem fragilizados e
33
incitar a acreditarem no potencial dos seus filhos e, deste modo, promover a
dialogicidade entre eles no que tange a troca de experiências.
MÉTODO
O projeto teve como público alvo os pais e cuidadores das pessoas com
necessidades especiais que participam dos programas especializados da
APAE/Santarém. O projeto de extensão – PROEX conseguiu abarcar cerca de 60
cuidadores. O Centro de Atendimento Educacional Especializado “Humberto Frazão”
da APAE de Santarém, atende cerca de 260 usuários, atua na educação especial e
reabilitação em consonância com a filosofia que norteia a sua ação preventiva e
educacional, tendo como finalidade oferecer à pessoa com deficiência, condições
adequadas para o desenvolvimento do seu potencial, proporcionando sua inclusão
social. Esses programas especializados priorizam o atendimento de crianças e
adolescente com síndromes genéticas, intercorrências: intrauterina, peri e pós-natais,
que resultam no comprometimento de estruturas e funções psicocognitivas, bem como
crianças de alto risco provindas de complicações durante o período de gestação e
trabalha com diversos tipos de deficiência mental, múltiplas deficiências e transtornos
globais do desenvolvimento.
Para a estruturação e implantação do PROEX: Da Dor ao Prazer: circuito de
práticas educativas com os Pais das crianças com necessidades educacionais especiais
da APAE/Santarém, tomou-se como referência relatos dos pais e cuidadores que
frequentam os programas de Estimulação Precoce e o Centro Especializado “Humberto
Frazão”, coletados através de observação sistemática e de entrevista semiestruturada
com 10 perguntas, elaboradas e aplicadas pelos acadêmicos de psicologia durante o
período de estágio básico I, na APAE, no ano de 2009, e deste modo foram necessários
seguir os seguintes procedimentos:
Submissão ao edital do Programa de Incentivo ao Docente, a Pesquisa e
Extensão do IESPES/Fundação Esperança, posterior à aprovação foi necessário
formalizar as observações e coleta de relatos dos pais e cuidadores, com o intuito de
identificar os seus atuais sentimentos, haja vista que o projeto iniciou no ano de 2010 e
para não entrar com uma proposta fechada, o grupo manifestou esta necessidade.
Para tal procedimento foram feitas observações uma vez por semana durante um
mês. A observação amplia as informações do pesquisador e é considerada por muitos
como um dos principais instrumentos de pesquisa qualitativa (LUDKE; ANDRÉ, 1986;
34
BOGDAN; BIKLEN, 1994) e entrevistas semiestruturadas. A opção por este tipo de
entrevista se deu por se caracterizar como um roteiro básico dentro do foco da
pesquisa/intervenção e que, ao mesmo tempo amplia o jogo interativo por possibilitar
novas perguntas baseadas nas respostas do entrevistado, uma vez que, este tipo de
entrevista consiste numa conversa intencional, geralmente entre duas pessoas, em que
uma delas tem como objetivo obter informações detalhadas sobre a outra (BOGDAN &
BIKLEN, 1994). Foram 48 pais dos turnos da manhã e tarde, sendo que 96% eram do
sexo feminino; esta primeira entrevista serviu para identificação das temáticas a serem
utilizadas nas intervenções.
Foi possível revelar sentimentos permeados por dúvidas no que se refere à
afetividade na vida das pessoas com necessidades especiais, à sexualidade das pessoas
com necessidades especiais, como lidar com a sexualidade e seus mitos, direitos legais
das pessoas com necessidades especiais (ECA e Legislação vigente), preconceito: da
rejeição a superação, medo e ansiedade em relação ao futuro dos filhos e autogestão das
pessoas com necessidades especiais. Desse modo, essas foram as temáticas usadas para
elaboração das intervenções.
Após os dados coletados, iniciou-se o segundo procedimento, que consistiu no
estudo acerca das literaturas da autora base, Maria Auxiliadora Dessen e dos
documentos da Secretaria de Educação Especial/ Brasil para serem subsídios nas
intervenções. Com esses dados em propriedade dos bolsistas de extensão e da
orientadora, foram marcadas reuniões semanais durante um mês com os acadêmicos, a
psicóloga e com a assistente social da instituição para organização de logística e o
contato com os pais. Na primeira reunião com os pais, foram apresentados o projeto e os
acadêmicos e por fim foi montado o cronograma das intervenções e estruturação do
circuito de palestras e técnicas de dinâmicas de grupos.
O terceiro procedimento se deu através da implantação do Circuito Educativo de
Palestras e Dinâmicas de Grupo – CEPDG, com ênfase na afetividade e nas relações
interpessoais que facilitassem o desenvolvimento global das pessoas assistidas pela
APAE.
Durante o CEPDG, foi usado aparelho data show, balões, canetas, papel de cor
branca, lápis, Tecido não Tecido - TNT, Slides produzidos em Office PowerPoint,
revistas, caixa de som, microfone e dezessete técnicas de dinâmicas de grupos que
enfatizavam o tema do dia da intervenção. Este procedimento foi efetivado uma vez por
semana, ou seja, todas as sextas feiras, com duração de uma hora e quinze minutos,
iniciando às nove horas da manhã.
35
Para analisar os resultados do CEPDG, foram utilizadas amostras intencionais, a
qual foi estabelecida os seguintes critérios para seleção dos sujeitos: ter participação
ativa nos eventos da APAE, o filho frequentar a APAE mais de 05 anos, ser de ambos
os sexos e participar de todas as intervenções do CEPDG. O levantamento dos dados
para analisar os resultados, encerrou-se quando as falas tornaram-se redundante.
Segundo Fontanella, Ricas e Turato (2008, p.17),
Amostragem por saturação é uma ferramenta conceitual frequentemente empregada nos relatórios de investigações qualitativas em diferentes áreas no campo da Saúde, entre outras. É usada para estabelecer ou fechar o tamanho final de uma amostra em estudo, interrompendo a captação de novos componentes.
O fechamento amostral por saturação é configurado na suspensão de inclusão de
novos sujeitos na pesquisa quando os dados na ótica do pesquisador começam
apresentar certa redundância e repetição nos conteúdos do discurso dos sujeitos
(FORTANELLA; RICAS; TURATO, 2008). Os resultados dessas entrevistas foram
analisados à luz do referencial teórico da psicanálise e de pesquisadores na área da
Educação Inclusiva.
RESULTADOS
Em Santarém/Pará, o projeto de extensão “Da dor ao prazer: circuito de práticas
educativas com os pais das crianças com necessidades especiais da APAE” foi efetivado
através da implantação do CEPDG,sendo fomentado pelo Programa de Incentivo ao
Docente a Pesquisa e Extensão da Fundação Esperança, que, em articulação com o
Instituto Esperança de Ensino Superior - IESPES teve a aprovação da Coordenação de
Pós Graduação, Extensão e Pesquisa em 2010.
A execução do CPEDG proporcionou momentos de autorreflexão entre os pais e
cuidadores das pessoas com necessidades especiais da Associação de Pais e Amigos dos
Excepcionais de Santarém.
“Quando eu soube que o J. era deficiente, foi através de uma vizinha, eu sempre dizia: onde já menina?! Aí eu procurei a APAE e eles fizeram a avaliação e deu que ele era deficiente. Quando eu soube do resultado eu escondia ele com a fralda, só andava com ele coberto, mas fui entendendo que a culpa não era minha [choro] (...) aqui a na APAE a gente vai aprendendo a lidar com a vergonha, as “coisa ruim” que a gente sente, mas essas palestras faz a gente pensar longe nas nossas atitudes” ( M. E. S. 38 anos, mãe de um usuário da APAE).
36
Segundo Glat e et al (2004), nas pesquisas voltadas à educação especial, o que
mais se pode identificar é a culpa presente nos discursos das mães. Quando os pais
recebem a confirmação de que seu filho possui alguma deficiência, os sentimentos de
frustração, culpa e medo se tornam inevitáveis, assemelham-se com uma morte, porém
simbólica, pois o filho idealizado e planejado não veio, haja vista que não é comum
ninguém afirmar que deseja possuir um filho com alguma deficiência.
O circuito de práticas educativas com os pais e os cuidadores foi um canal do
despertar de novas dúvidas e questionamentos e de esclarecimentos, o que contribuiu
para que eles, os pais, conseguissem alcançar a autonomia.
“Estou com muito medo desse negócio do nosso filho ir ‘pra’ escola regular, lá eles não têm estrutura física para receber eles, preferia que meu filho ficasse aqui. Aqui na APAE tem uma equipe para trabalhar, “tá” sensibilizando a família, lá parece que estão sempre de mau gosto, algumas professoras que são da educação especial que aceitam eles, legal, mas outras a gente sente que não” (M. E. S. 29 anos, mãe de um usuário da APAE).
A ausência de tensões e preocupações que poderão existir diante dos eventos que
podem estar acontecendo, é o prazer que a mãe sente em cuidar da criança
(WINNICOTT, 1977). Muitas vezes os pais ficam no paradoxo ao ver o filho crescer,
pois as pessoas com deficiência em decorrência das limitações ficam por muito tempo
ligadas ao mundo familiar e os pais tentam superproteger, por consequência da rejeição
ou violência que muitas vezes as pessoas com necessidades especiais são submetidas.
Tornou-se possível também, detectar que os pais, após o CPEDG saíram mais
fortalecidos e estimulados em participar das futuras intervenções e da vida escolar de
seus filhos, conforme observa-se na fala de um cuidador de um usuário da APAE:
“Na primeira vez que fui convidado a participar pela APAE da reunião com os alunos psicologia, só vim mesmo porque minha esposa não podia vim! Só que depois que participei da primeira reunião gostei muito, pois vi que a intenção de vocês é nos ajudar, e hoje, depois desta reunião pretendo não faltar mais em nenhuma, porque tudo que aqui foi falado é muito importante para a nossa relação com os nossos filhos” (J. M. 49 anos, pai de um usuário da APAE).
Nesta dimensão, a implantação do Circuito Educativo de Palestras e Dinâmicas
de Grupos – CEPDG, constituiu-se como ponto de partida para uma proposta de
amenizar os sentimentos vivenciados pelos pais e cuidadores das pessoas com
necessidades especiais atendidas pelos programas da APAE e atuou como prática
transformadora, o que pressupõe uma perspectiva de mudança de concepções,
minimização de preconceitos e estereótipos bastante arraigados no contexto da
sociedade e foi possível criar um espaço que possibilitou a amenização dos sentimentos
negativos que causam sofrimentos vivenciados pelo grupo, como o de rejeição, negação,
preconceito, medo quanto ao futuro, angústias e superproteção.
37
CONCLUSÃO
Estimular os pais na aceitação da deficiência, trabalhar com a fragilidade, a
aceitação e o potencial dos filhos com deficiência e por fim promover a dialogicidade
entre os pais e cuidadores no que tange a troca de experiências referente ao
enfrentamento dos próprios preconceitos, aquisição de saber frente a doenças e
deficiências, é uma proposta bastante desafiadora e complexa, entretanto, todo esse
núcleo central do projeto (desafiador e complexo), foi que ofereceu a essa atividade de
extensão sua relevância.
A superação dos sentimentos de dor entre pessoas que lidam com situações de
exclusão, medo do desconhecido e preconceito, exige um esforço enorme, contudo, nem
sempre existem condições necessárias para superações de desamparo. Isso vem
corroborar que práticas educativas são relevantes e amenizadoras diante de demandas
sociais e contribui para a transformação, mobilização e participação social.
Ao se inserirem na realidade desses pais e cuidadores, foi possível perceber
aspectos que vão além da ausência da afetividade, como aspectos educacionais escolares
e econômicos, o que acabam interferindo também nos sentimentos, estes, no entanto,
não são elementos definidores, mas têm suas influências nas relações entre o contexto
familiar em geral.
Proporcionar atividades que visam à interação e a troca de experiências entre os
pais e cuidadores das pessoas com necessidades especiais, funcionam como uma
oportunidade de aquisição de conhecimento e resignificação dos sentimentos,
quebrando a barreira de contato entre eles e assim fazerem sua catarse. “Deixam de
haver caminhos diferenciados e se estabelece como que um só caminho que é um não-
caminho, já que qualquer percurso é possível” (GARCIA-ROZA, p. 141-142).
O cuidado sempre foi uma característica entre os seres humanos fundamental
para sobrevivência de todos os seres vivos, todavia de forma marcante foi alterada entre
os homens à medida que aconteciam as grandes transformações socioeconômicas e
culturais dos povos (SALES, 2003). Portanto, é necessário criar ambientes onde possam
amenizar a dor, proporcionar a troca de saberes, de experiências e também de despertar
a consciência crítica acerca do cuidado entre pais e cuidadores das crianças com
necessidades educativas especiais.
38
REFERÊNCIAS
BRASIL. Atendimento Educacional Especializado para a Deficiência Mental, editado pela secretaria de educação especial do MEC, 2005.
BRASIL. Decreto legislativo n. 3.956 de 08 de outubro de 2001. Promulga a Convenção Internacional para Eliminação de Todas as Formas de discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência. Diário Oficial da União, Brasília, 09 de out. 2001.
BOGDAN, R.; BIKLEN, S. Investigação qualitativa em educação. Porto: Porto Editora, 1994.
BRITO, A.M.W. & DESSEN, M.A. (1999). Crianças surdas e suas famílias: um panorama geral. Psicologia: Reflexão e Crítica, 12, 429-445. CASARIN, S. (1999). Aspectos psicológicos na síndrome de Down. Em J.S. Schwartzman (Org.), Síndrome de Down (pp. 263-285). São Paulo: Mackenzie. CASARIN, S. Aspectos psicológicos na síndrome de Down. Em J.S. Schwartzman (Org.), Síndrome de Down. São Paulo: Mackenzie, 1999. DESSEN, M.A. & PEREIRA-SILVA, N.L. (no prelo). Análise da produção científica na área de deficiência mental e família. Cadernos de Psicologia e Educação Paidéia. DESSEN, M.A. & LEWIS, C. (1998) Como estudar a família e o “pai”. Cadernos de Psicologia e Educação Paidéia. 8(14/15),105-121. FORTANELA, B, J, B; RICAS, J; TURATO, E. R. Amostragem por saturação em pesquisas qualitativas em saúde: contribuições teóricas. Caderno de Saúde Pública, Rio de Janeiro, 24(1):17-27, jan, 2008 GARCIA-ROZA, J. A. Introdução à metapsicologia freudiana. 4. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. GLAT, R; SANTOS, R.S; PLETSCH, M.D, NOGUEIRA, M.L.L. DUQUE, M, F, T. Revista Brasileira de Educação Especial. 2004. LUDKE, M; ANDRÉ, M. D. A. A pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: E.P.U, 1986
PETEAN, E.B.L. Avaliação qualitativa dos aspectos psicológicos do aconselhamento genético através do estudo prospectivo do atendimento das famílias. Tese de Doutorado, Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP, Campinas, 1995. SALES, Z. N. Representações sociais do cuidado no diabetes mellitus. Tese de Doutorado. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará, Programa de Pós graduação em Enfermagem, Departamento de Enfermagem; 2003. SINHA, S.R. (1995). Childrearing practices relevant for the growth of dependency and competence in children. Em J. Valsiner (Org.), Child development within
39
culturally structured environments (pp. 105-135). Norwood, NJ.: Ablex Publishing Corporation. TAVEIRA, R.M.T. (1995). Privação auditiva precoce em crianças portadoras da síndrome de Down e suas implicações para o desenvolvimento da linguagem. Dissertação de Mestrado, Universidade de Brasília, Brasília.
WERNECK, C. Muito Prazer Eu Existo: um Livro Sobre o Portador de Síndrome de Down. São Paulo: MEMNON, 1992.
WINNICOTT, D. W. A criança e seu mundo. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.
40
QUAL O LUGAR DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL ESCOLAR NA REVISTA BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL (REVBEA)?
Danieli Tavares14 Vanessa Bernardes de Souza15
Resumo
Este artigo é parte de um Trabalho de Conclusão de Curso apresentado a Faculdade FAMA em junho de 2012. O presente trabalho tem como objetivo enfatizar as diferentes abordagens sobre o tema Educação Ambiental propostas em discussões sobre a escola nos artigos publicados na Revista Brasileira de Educação Ambiental (REVBEA) nos anos de 2010 e 2011. A REVBEA é um periódico avaliado pela CAPES com critérios definidos no escopo da avaliação de periódicos. A avaliação do periódico é feita de forma criteriosa preservando seus conceitos e respeitando sua qualificação utilizada como meio de comunicação. O trabalho visa informar o leitor através de um olhar diferenciado a importância do tema em escolas e na sociedade englobando de forma eficaz os meios que buscam melhorar o conhecimento relacionado ao periódico. A Educação Ambiental como tema de periódico se avança cada vez mais nos dias atuais em sites de busca em endereços de internet. É de suma importância apresentar para os leitores a produção cientifica do periódico REVBEA e sua relação com a temática Educação ambiental nas escolas. O trabalho buscou contribuir no sentido de apresentar uma amostra da produção veiculada na REVBEA nas edições de 2010 e 2011.
Palavras-chave: Educação Ambiental, REVBEA, Sensibilização
14 Mestre em Educação. Docente no curso de Pedagogia na Faculdade Aldete Maria Alves (FAMA), em Iturama-MG. Docente no curso de Pedagogia/PARFOR/CAPES no Centro Universitário de Votuporanga (Unifev). Pesquisadora do Grupo Educação e Processo Civilizador (UFGD). http://dgp.cnpq.br/buscaoperacional/detalhepesq.jsp?pesq=6011903353602809. 15 Aluna do 7º semestre de Pedagogia da Faculdade Aldete Maria Alves (FAMA), em Iturama-MG.
Revista Eletrônica Pedagogia em Foco, v. 7, setembro de 2012
41
Introdução
Conhecer as abordagens sobre o tema Educação Ambiental na revista é um dos
principais focos deste trabalho, uma vez que o periódico esteja veiculado em relação
nacional. Conhecer o programa da Educação Ambiental foi o que motivou a escrita
deste trabalho monográfico.
O objetivo do texto é analisar os artigos publicados na Revista Brasileira de
Educação Ambiental nos anos de 2010 e 2011 e verificar como é tratado o tema
sensibilização correlacionado ás discussões sobre a escola. Além disso será relatado os
conceitos de sensibilização apontando os artigos que tratam do tema Educação
Ambiental, analisando as características do periódico no todo e em particular as
características identificadas nos artigos a partir da análise de conteúdo esboçada por
Bardin (1979): Categorização, Inferência, Descrição e Interpretação.
Hoje em dia já se sabe do importante papel que a Educação Ambiental tem sobre
a sociedade. Devido á situação em que o mundo se encontra é necessário explorar o
tema de uma forma transversal onde se busca mais informações para esclarecimentos da
significância de cuidar e preservar o meio ambiente. Sabendo da importância do tema,
deve-se colocar em prática em todos os níveis de ensino buscando a conscientização e o
respeito com o ambiente onde vivemos.
As transformações científicas e sociais, ocasionadas pela dinamicidade com que
têm sido gerados novos conhecimentos, trouxeram, dentre outros desafios, os de
divulgação das pesquisas junto à comunidade científica. No entanto, para que as
pesquisas sejam consideradas e reconhecidas cientificamente é necessária sua
publicação em periódicos de qualidade conceituada e com artigos avaliados pelos pares.
Tal fato justifica a necessidade de pesquisar a revista Brasileira de Educação
Ambiental no intuito de destacar a abordagem do tema Educação Ambiental e sua
referência às escolas.
O trabalho foi realizado através de uma pesquisa bibliográfica, pois através dos
livros e artigos foi possível chegar a um resultado que pudesse acrescentar novos meios
para a realização do trabalho.
Neste texto de artigo será abordada a estrutura e política da REVBEA com o
intuito de levar ao leitor o discernimento sobre o periódico tratado. Serão
disponibilizados resumos sobre os temas abordados na REVBEA nos anos de 2010 e
2011 enfatizando o que há de mais importante nas edições citadas. Trataremos também
42
sobre a sensibilidade na REVBEA e serão descritos como os artigos tratam essa questão
que tanto se fala hoje em dia, a sensibilização ambiental. O foco, nesse sentido, é
apresentar para os leitores a produção científica do periódico REVBEA e sua relação
com a temática Educação Ambiental nas Escolas.
Objetivo geral é analisar os artigos publicados na Revista Brasileira de Educação
Ambiental nos anos de 2010 e 2011 e verificar como é tratado o tema sensibilização
correlacionado ás discussões sobre escola. Discutiremos as diversas ramificações sobre
analise de conteúdo com a finalidade de esclarecer para o leitor a forma com que é
trabalhado o conteúdo na revista.
A REVBEA foi a fonte principal utilizada nessa pesquisa. Ela engloba temas
ambientais com a finalidade de informar os leitores através de seus artigos. A estrutura e
política da REVBEA são questionadas com a intenção de mostrar a qualidade e o
comprometimento da revista com o seu público.
Estrutura e Política da REVBEA
A REVBEA é uma revista eletrônica publicada anualmente em volumes e
números. A REVBEA é um sistema eletrônico de editoração de revistas cuja sua função
é passar ao leitor os textos produzidos no campo da Educação Ambiental. Até no
momento foram exibidas 6 edições da revista. Na página da REVBEA estão disponíveis
vários itens que permitem o leitor ter acesso aos artigos e os itens de interesse o leitor.
Algumas de suas palavras-chave são: Ecologia, Meio Ambiente e Gestão Ambiental. Ao
contrário de que muitos pensam, a intenção da Revista é oferecer aos leitores
publicações que visam oferecer uma ampla experiência sobre a Educação Ambiental.
Estão disponibilizados na página virtual tudo sobre a REVBEA, a sua trajetória, seus
conteúdos das revistas anteriores e as noticias referentes ao tema Educação Ambiental.
A REVBEA, como os demais periódicos nacionais é avaliado pela CAPES de
várias formas e em diversas requisições. São considerados os critérios de normalização
do periódico, os critérios de instruções aos autores e os critérios de avaliações dos
artigos. A avaliação da CAPES ocorre de forma que as áreas estabelecem os critérios e
instrumento de avaliação dos periódicos em que seus docentes e discentes publicam.
São usados alguns princípios para serem definidos: respeitar os critérios das áreas,
submeter os critérios das áreas á aprovação do CTC e preservar o conceito de extratos e
os percentuais instituídos pelo CTC. Assim, dessa forma é feita a avaliação da CAPES.
43
Sobre a primeira fase de avaliação, Normalização do Periódico, é válido
mencionar que no periódico consistem determinadas regras e alguns princípios a serem
seguidos, e é claro que a REVBEA não podia ficar fora de tais tarefas. Todo periódico
deve deixar suas informações bem claras para o leitor e para isso existem alguns meios
que levam o público a se integrar na notícia.
Dentro do critério de avaliação estão as seguintes Normalizações: Legenda
bibliográfica, Endereço completo do periódico, Registro do periódico ISSN, Indicação
da periodicidade, Indexação e Referências bibliográficas. Conforme foi relato acima,
agora segue as explicações.
Uma legenda bibliográfica conforme Bomfá (2003) “Considera-se que uma
legenda bibliográfica está normalizada, de acordo com a ABNT, quando incorpora
claramente o periódico, o volume, o número, o(s) mês(es), o local da edição e o ano
referente ao fascículo.” Todos esses requisitos são selecionados para melhor
aprofundamento de uma pesquisa.
Através do endereço pode-se obter bons resultados no processo de tal pesquisa,
levando-se em consideração o registro do periódico no ISSN.
Hoje em dia o periódico é um dos canais mais utilizados para a comunicação
cientifica. Os periódicos devem satisfazer os aspectos e conteúdos que serão avaliados e
cumprir com as normas que são exigidas para que tenham uma boa apresentação na
qualificação existente no periódico.
Temas e tramas da educação ambiental na REVBEA de 2010 e 2011
Neste item serão descritos os resumos dos textos de artigos publicados na
REVBEA no ano de 2010 e 2011. São resumos de suma importância para um melhor
entendimento do leitor do que houve e aconteceu durante esses anos com a questão do
meio ambiente.
No ano de 2010 a REVBEA levou aos leitores grandes informações sobre a
questão ambiental, os autores preocuparam com a qualidade e diversidade dos assuntos.
O Vol. 5, No 1 (2010) foram recheados de artigos que proporcionaram informações
inéditas ao leitor. Nesta edição foram relatados e discursados vários temas ambientais
que a partir de agora vocês leitores poderão acompanhar breves relatos desses artigos
que foram apresentados no ano de 2010.
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Vale como informação sabermos que no ano de 2010 foram publicados na
REVBEA 13 artigos e no ano de 2011 um total de 10 artigos, dos quais indicaremos as
temáticas nos itens que seguem.
Publicações REVBEA em 2010
O texto “Concepções e práticas para contribuir na sensibilização ambiental”trata
sobre constantes transformações provocadas pelo homem. Desde muitos anos atrás o
índice de catástrofes ambientais aumentou pelo fato de maus cuidados do homem. Hoje
o que as escolas buscam é orientar os alunos para que eles possam se sensibilizar em
relação ao tema e ter uma relação mais amiga com o meio ambiente através de
discussões com a família, vizinhos e amigos priorizando o essencial que é a motivação
para um planeta mais limpo, calmo e cheio de harmonia.
O artigo “Educação Ambiental no ensino fundamental: A experiência de uma
escola municipal em Uberlândia (MG)” tem como objetivo conhecer a prática da
educação ambiental de uma escola municipal de Uberlândia. Foram feitas várias visitas
com o intuito de entrevistar professores/alunos e conhecer os métodos utilizados na
prática abordada pelos professores. Foram entrevistados os professores de Reforço,
Português, História, Ciências e Geografia. Através dessas entrevistas foi possível
constatar que a Educação Ambiental é diagnosticada como um processo que busca
sensibilizar os comportamentos para a conservação de meio ambiente. Conforme as
autoras através das entrevistas notou-se também que cada profissional tem um método
diferencial de abordar o tema. Também notou-se que apenas os professores de Ciências
e Geografia dão maior ênfase ao tema pelo motivo que essas duas disciplinas possuem
conteúdos ecológicos. Nesta pesquisa feita na escola municipal de Uberlândia MG
notou-se que por mais que os professores tentem passar informações de sensibilização
ambiental muitos encontram dificuldades na prática do tema e questionam somente de
forma simplificada o conteúdo a ser explicado em sala de aula. Quanto aos alunos, a
maioria diz que colaborou com a conservação ambiental e sabe da importância em
cuidar do meio ambiente.
O texto “Ambientalização curricular na formalização inicial de professores: o
curso de Pedagogia da Fé – Unicamp” investiga como a Educação Ambiental se insere
no currículo do curso de Pedagogia da Unicamp. Por meio da pesquisa foi possível
constatar que os docentes não se comprometem com uma intenção pedagógica para
transmitir conhecimentos da área e que os alunos não se apoiam naquilo em que o curso
os oferece para reconhecimento da temática ambiental. Também foi verificado que os
45
docentes desse curso não se preocupam com a transformação da Educação Ambiental,
ou seja, eles não priorizam e nem se manifestam quanto aos princípios da Educação
Ambiental.
No artigo “Análise sobre a conscientização ambiental em escolas da rede
municipal de ensino” relata o processo de realização do estudo para saber como está o
nível de conscientização ambiental nas escolas da rede pública no estado de Rio Grande
do Sul (RS). Na pesquisa foi constatado que as dinâmicas, as criatividades e as
dificuldades caminham juntas em um contexto de ensino. Muitos alunos ainda não se
aderiram a esse tema e acham as aulas ambientais chatas, isso acaba provocando uma
incompatibilidade entre as aulas e os alunos. Para isso os professores devem ousar na
sua criatividade e tornar a aula dinâmica com a finalidade de chamar a atenção do aluno.
Foram feitas várias observações com o intuito de registrar a real situação do ensino.
Depois de tantas observações foi concluído que o professor deve quebrar paradigmas e
inovar, refletir, pensar e recriar novas maneiras de contribuir positivamente na formação
de cidadãos conscientes capazes de viver em harmonia e ter respeito com o ambiente.
No texto “Percepção e sensibilização ambiental de universitários sobre os
impactos ambientais da disposição de resíduos sólidos urbanos em Passo Fundo-RS,
mostra como os universitários do curso de Arquitetura, Urbanismo e Engenharia
Ambiental se dispõe para ajudar e como eles se sensibilizam para tal questão ambiental
em RS. Os resíduos sólidos urbanos tem causado grandes preocupações em relação a
questão ambiental do planeta. Devido a tantos deles soltos e jogados no ambiente é que
são ocasionados tamanhos problemas tanto para a sociedade quanto para o meio
ambiente. Manter um planeta limpo é um desafio que está longe das concepções
humanas. Por esses motivos é necessário que incentivem a sociedade a lutar e envolver
o seu comprometimento para tentar melhorar essa situação, reaproveitando os resíduos e
reciclando para que toda a população possam ter uma melhor qualidade de vida.
No artigo “A dimensão subjetiva na Educação ambiental” tem por objetivo
trazer o estudo da subjetividade e o entendimento do sujeito ao âmbito da Educação.
Hoje em dia a educação está se transformando em um leque, ou seja, se abrindo a todas
as oportunidades. A educação ambiental deve ser incluída no contexto escolar em busca
de informação mundial e uma forma de repreender os transtornos ambientais. Quanto
mais informações forem repassadas mais conscientização terá as pessoas. Quem se
propõe a atuar como educador tem uma grande responsabilidade, pois o seu papel é
fundamental para sensibilizar e ensinar a construir uma sociedade mais justa e solidária
46
em um processo de um indivíduo crítico que qualifica suas opiniões em relação ao meio
ambiente.
O texto “Educação ambiental: entre a intenção e a ação” tem por objetivo
apresentar resultados de investigação sobre as percepções de meio ambiente e educação
ambiental de professores. Foram entrevistados 25 professores das escolas estaduais de
ensino médio de Divinópolis-MG. Foram coletados depoimentos sobre percepções da
Educação Ambiental e concepções sobre meio ambiente. Os depoimentos expressam
uma preocupação em relação á preservação e aos cuidados que devem existir na
educação ambiental. O que precisa ser feito é registrar a necessidade de mudança da
atitude para que a responsabilidade esteja presente no cotidiano de cada um.
O artigo “A Educação vem do lixo: um estudo do programa ‘Piedade sem lixo’ e
formação da cidadania ambiental” tem por objetivo formar cidadãos conscientes a
qualquer hora e a qualquer momento, seja de entretenimento ou intelectualidade. A
educação ambiental está se tornando o papel principal para mobilização e sensibilização
na defesa e qualidade de vida. Todos estão preocupados em melhorar suas qualidades de
vida a começar pelo meio ambiente. Promover Educação Ambiental na cidade é muito
importante para a construção da cidadania. Através de uma pesquisa realizada no
município de Piedade do Rio Grande- MG constatou-se a existência do projeto
realizado pela Prefeitura Municipal denominado “Piedade sem Lixo”. A cidade que
tinha suas economias em torno da agricultura e pecuária, agora conta também com uma
Usina de Reciclagem e Compostagem. Assim sendo, a Educação Ambiental ganhou
espaço na vida dos moradores e no cotidiano de cada um. A educação ambiental
promovida em Piedade do Rio Grande está transformando a vida dos moradores e a
realidade que vivem.
No texto “Literatura popular como ferramenta para a educação ambiental” relata
como a literatura de cordel tem contribuído muito em esclarecimentos sobre ás questões
ambientais. Esse projeto nasceu da necessidade de identificar os assuntos que dizem
respeito ás questões ambientais e de sustentabilidade. A literatura de cordel é uma das
tradições populares mais antigas do Brasil. A literatura de cordel é jornalismo popular.
Ela registra acontecimentos da vida real através de uma linguagem simples. A literatura
de corda é uma linguagem popular e informal usada pelos poetas para atingir
abrangência direta e clara. È importante lembrar que a literatura de cordel tem o seu
papel ampliado e já não está mais limitado a contar causos, e sem fugir da tradição o
cordel percorre um novo caminho, com a atualização da linguagem das ciências.
47
O artigo “Baia de Guanabara Educação Ambiental e interdisciplinaridade no
ensino profissionalizante” relata como foi desenvolvido um projeto interdisciplinar que
envolveu as disciplinas química e estudos regionais. A Baia de Guanabara foi o ponto
central para discussões sobre origens, causas e possíveis soluções para resoluções de
problemas. O trabalho mostrou aos alunos que os assuntos e estudos ambientais
transbordam limites disciplinares. A Baia de Guanabara é um processo histórico de um
modelo de desenvolvimento para o meio ambiente. A Baia de Guanabara é paisagístico
e regional importante no cotidiano dos alunos onde ela agrega um processo relevante na
formação do jovem para o grave problema ambiental.
No texto “Breve discussão sobre sustentabilidade nos cursos de formação de
educadores: construindo as bases para uma educação sustentável”, mostram a finalidade
de analisar e discutir o tema sustentabilidade como prática de Conscientização
Ambiental. Os cursos de formação de professores para educação infantil tem como
finalidade preparar os futuros docentes a orientar seus alunos para a preservação do
planeta. Trabalhar com a Educação Ambiental é ter oportunidades de refletir os aspectos
entre as pessoas e meio ambiente. Formar educadores vai além do cumprimento de
regras específicas é contemplar as habilidades quanto ás competências e ter respeito ao
meio ambiente. Pensar em uma consciência sustentável é ser solidário na ética e nos
valores pessoais competências para uma educação autossustentável.
No artigo “Educação Ambiental Integradora (EAI): unindo saberes em prol da
consciência ambiental sobre problemática do lixo” enfatiza como é crescente o
crescimento do lixo que esta tomando conta das ruas de grandes e pequenas cidades.
Quanto mais cedo se conscientizar sobre o problema global melhor será o resultado.
Quanto a isso a escola tem um papel de incentivar e explorar a cada nova idéia do aluno.
Deve haver debates com discussões que leve o aluno a compreender a importância de
jogar o lixo no local certo. Mas, nem sempre as escolas agem e tomam atitudes para
poder reverter essa situação, apenas abordam o tema com uma mera simplicidade.
O texto “Educação ambiental numa perspectiva dialógico-problematizadora e o
XI Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental (FICA)” apresenta como
aconteceu o XI Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental (FICA), realizado
na cidade de Goiás-GO de 16 a 21 de junho de 2009, na sua programação teve um mini
curso “Educação Ambiental: Ensinando e aprendendo com a natureza”. O objetivo do
trabalho era analisar a relação entre a educação ambiental realizada no mini curso e o
próprio FICA e suas mostras de cinema e vídeo. Nessa perspectiva recomenda-se que os
cineastas sejam orientados a usar sua criatividade e liberdade, fazendo uso delas, para
48
produzirem e inscreverem no FICA filmes animados e educativos, capazes de aproveitar
a linguagem animada para conscientizá-los no cotidiano.
Conhecer os artigos da REVBEA de 2010 foi muito importante, pois foi possível
realizar um balanço das publicações com o intuito de levar aos leitores uma favorável
condição de entender com mais clareza e precisão sobre o que foi produzido na edição
de 2010. Na edição de 2010 foram abrangidos artigos que preocuparam-se com relatar
com grande frequência sobre a questão da sustentabilidade e com a questão social em
relação a Educação Ambiental. Ficou claro também que muitos se preocupam com o
fazer acontecer, ou seja, muitos buscam melhoria mas não é fácil, porque existem
pessoas que querem o melhor, mas outras não estão preocupadas com a questão
ambiental.
Publicações REVBEA em 2011 O artigo “A experiência da implantação da agenda 21 em ambiente escolar”
revela que agenda 21 é um programa de ação que se constitui na tentativa de realizar e
promover um novo padrão de desenvolvimento. O presente trabalho relata a experiência
da implantação da agenda 21 em uma escola pública de Batatais/SP. O trabalho foi
realizado em 2003 com 632 alunos da pré-escola a 4° série do ensino fundamental.
Primeiramente foram feitas as apresentações a alunos, funcionários, pais e direção da
escola. Os alunos participaram observando o espaço físico e entrevistando pessoas.
Foram analisados diversos documentos que revelaram a história daquele bairro ou
daquela rua. Analisaram a população, o consumo de energia elétrica, o departamento de
água do município, conheceram o destino do lixo produzido na escola e na cidade,
foram avaliados os estados físicos da escola onde estudavam, houve integração para
refletirem sobre o relacionamento, fizeram pesquisas para saber quanto era o gasto
mensal da escola e também entrevistaram os serventes para saber os produtos utilizados
na limpeza da escola. Os resultados do diagnóstico foram mostrados em uma feira, com
apresentação de cartazes, teatro e exposição dos alunos.
O texto “A relação da saúde com a qualidade do meio antrópico: uma questão de
debate” enfatiza como é importante discutir e debater sobre os problemas que permeiam
a sustentabilidade. É normal devido a tantas descasos no meio ambiente discutir a
relação da saúde com a qualidade do meio antrópico. A questão ambiental está se
tornando um assunto fundamental na atualidade, principalmente para os trabalhadores
de saúde. E necessário que haja mudança de paradigmas para a discussão da
sustentabilidade ambiental, além disso, as políticas públicas de saúde devem contemplar
49
a questão da sustentabilidade. É primordial que sejam discutidas as questões sobre
qualidade de vida, pois precisam ser tomadas novas posturas para que a humanidade
possa ter uma condição de vida mais saudável.
No artigo “Análise descritiva de cultivares de mamoeiras em dois anos de
cultivo no recôncavo baiano” o objetivo foi estudar a interação entre quatro genótipos
de mamoeira em dois anos no recôncavo baiano. A mamoeira é um arbusto de cujo fruto
se extrai um óleo de excelentes propriedades de largo uso como consumo industrial. O
trabalho foi realizado entre abril de 2006 e fevereiro de 2007, e entre os meses de maio
de 2007 e fevereiro de 2008 em área experimental. Na pesquisa foi concluído que o mês
de abril é mais favorável para o desenvolvimento da cultura do que a semeadura
realizada na segunda quinzena do mês de maio, pois existe um maior aproveitamento no
período chuvoso no Recôncavo Baiano. Foi observado que ao cultivar SIPEAL 28
houve melhores rendimentos para os dois anos de estudo, demonstrando que há
possibilidade deste material para utilização em cultivos de baixas atitudes.
O texto “Representação social de meio ambiente e educação ambiental nas
escolas públicas de Teófilo Otoni-MG” a intenção foi analisar e identificar as
representações sociais de meio ambiente dos professores e alunos do ensino
fundamental das escolas da área rural e urbana em Teófilo Otoni-MG. Devido o
problema homem/natureza, o mundo está sofrendo com os problemas ambientais, por
isso é preciso que haja urgentemente discussões sobre as questões ambientais no âmbito
escolar. Foram definidas quatro escolas para levantamento de dado: duas escolas
públicas da área urbana, sendo a Escola Municipal Irmã Maria Amália e a Escola
Estadual Colégio Tiradentes e duas escolas públicas na área rural, sendo a Escola
Estadual José Expedito de Souza Campos e a Escola Municipal Geraldo Leão Lopes.
Foi concluído nesta pesquisa que o meio ambiente para os professores e alunos de
ambas áreas (urbana e rural) do município de Teófilo Otoni é representado na visão
antropocêntrica e que as praticas de Educação Ambiental e representações sociais de
professores e alunos quanto ao meio ambiente estão relacionadas aos universos onde
estão inseridas.
No artigo “A educação ambiental em tempos de globalização da natureza” teve
como embasamento relatar como o planeta vem sofrendo desde alguns anos uma
profunda crise ambiental que se reflete nas relações sociedade com a natureza, quanto
nas relações sociais. São visíveis os sinais de que a crise ambiental da virada para o
século XXI já atingiu uma dimensão que ultrapassa as questões circunstanciais que
configuram a maior parte dos impactos ambientais do planeta. A natureza está pedindo
50
socorro devido a tantas modificações e a crise ambiental mais do que reforçar os
princípios da relacionalidade cientifica hegemônica, abre espaço e impulsiona também
estratégias conceituais no sentido da construção de novas relacionalidades e novos
futuros.
No texto “Cachorro Vinagre (Speothon Venaticus) e educação ambiental:
subsídios para o desenvolvimento de atividades” teve como objetivo produzir algum
subsídio inicial para o desenvolvimento de atividades de educação ambiental com o
Cachorro Vinagre. Foram utilizados três formas de coleta de dados: O questionamento
de múltipla escolha, visando fazer uma estimativa do conhecimento prévio que o
público tem deste animal; Observação de comentários em zoológico, visando entender
as impressões que ele causa no público; e levantamento de sites na internet, para
determinar quão fácil é encontrar informações sobre ele em uma busca rápida. Foi
concluído que toda espécie pode ser utilizada em ações de educação ambiental,
dependendo do enfoque. Como a espécie cachorro vinagre é pouco conhecida pelo
público em geral a descoberta será grande, o que favorece o seu uso em atividades de
educação ambiental.
No artigo “Educação Ambiental e Meio Ambiente: as práticas pedagógicas dos
professores da Educação Básica de Palmas-TO” foram investigados como as
representações sociais sobre o meio ambiente e Educação ambiental de 71 professores
de 15 escolas da Educação básica da cidade de Palmas-TO estão orientando suas
práticas pedagógicas nas três redes de ensino: Municipal, Estadual e Privado. Foi
utilizada uma investigação através de pesquisa de campo e análise documental. Foi
concluído que os professores(as) da Educação de Palmas-TO buscam incorporar a
temática ambiental, baseada nas suas concepções de meio ambiente, que acabam por
constituir-se em sua vivência de Educação Ambiental. A educação ambiental básica de
Palmas-TO precisa incorporar uma educação ambiental tecida de prática reflexiva e
tentar mudar as concepções para uma melhor compreensão referentes aos assuntos
propostos na área ambiental
No texto “Montagem de material didático para ensino de temas em educação
ambiental” relata que as situações dos laboratórios de escolas públicas do Brasil são
precárias e grande parte delas não possuem laboratórios para uso dos alunos. A
principio, a escola onde foi realizado o estudo não havia laboratório, mas para que os
alunos pudessem realizar seus estudos foi possível montar um laboratório com materiais
reaproveitáveis com o objetivo de abordar temas ambientais. A escola de Ensino
Fundamental São José da Mata situada na cidade de Campina Grande promoveu a
51
Educação Ambiental, criando um laboratório de Ciências e Biologia em busca de
soluções e ações em beneficio do meio ambiente. O período da pesquisa aconteceu entre
os meses de setembro a dezembro de 2008. O plano de atividade construído e aplicado
foi constituído das seguintes etapas: montagem do laboratório e aplicação das praticas
com material didático.
O presente artigo “Pesca artesanal na Ilha Diana e meio ambiente: um estudo de
caso” descreve as mudanças ocorridas na comunidade da Ilha Diana, área continental de
Santos (SP). Trata-se de um estudo socioambiental sobre os habitantes da Ilha Diana e a
relação que eles têm com a pesca artesanal. Foi possível diagnosticar através de
pesquisa as poucas atividades pesqueiras desenvolvidas na comunidade e como os
moradores lidam com a mudança ambiental no local. A comunidade da Ilha Diana foi
escolhida para a realização da pesquisa por ser uma comunidade que se preocupa com a
preservação do ambiente em que vivem e também com a preocupação que as novas
gerações não possam conhecer os ensinamentos sobre o mar e os peixes. A pesca
artesanal já foi a principal atividade econômica da Ilha Diana. Através de um curto
espaço de tempo essa comunidade tende a desaparecer e com ela a pesca artesanal. Esse
tipo de ambiente está sujeito aos impactos industriais e ao esquecimento das políticas
públicas.
No texto “Percepção da flora por calouros do ensino superior: a importância da
educação ambiental” fala sobre o setor Litoral da Universidade Federal do Paraná
(UFPR), localizada em Marinhos, tem se destacado nacionalmente desde sua
inauguração em 2005 por atuar em um Projeto Político Pedagógico Inovador sustentado
por fundamentos emancipatórios de envolvimento e aprendizagem. O objetivo dessa
investigação foi identificar a percepção de identidade da flora brasileira, independente
do curso em que o estudante estivesse, já que reconhecer a biodiversidade nativa é um
valor cultural e potencial para processos de conscientização. É muito importante que as
ações de educação ambiental esteja presente numa perspectiva de transversalidade
curricular e muitos currículos tradicionais da maioria das instituições de ensino não tem
favorecido essa formação.
De dez (10) artigos publicados na REVBEA de 2011, quatro (4)deles fizeram
menção a escola.
Considerações sobre os artigos na REVBEA de 2010 e 2011
52
Dentre todos os artigos resumidamente citados acima, alguns deles relacionaram
o tema Educação Ambiental á escola e os demais posicionaram suas ideias para o
campo da qualidade de vida e ao meio ambiente.
Os artigos que incluíram a escola como peça chave no tema Educação
Ambiental obtiveram diversas opiniões de autores que buscaram relatar os diagnósticos
das pesquisas feitas na educação. Os artigos criticaram a forma que muitas escolas
incluem o Tema em seu currículo.
Segundo os artigos da REVBEA (2010 e 2011) a Educação Ambiental é um
tema amplo que abrange três principais matérias nas escolas: Ciências, História e
Geografia. No campo escolar o tema deve ser abrangido com inovação, reflexão e
principalmente pensando na contribuição desses estudos na vida cotidiana de cada
aluno.
No artigo “Análise sobre a conscientização ambiental em escolas da rede
municipal de ensino” REVBEA (2010) foram constatadas grandes dificuldades que os
professores encontram para explorar e quebrar paradigmas em sala de aula quanto ao
tema Educação Ambiental.
Os artigos foram de grande importância para o conhecimento do leitor. Foram
explorados com clareza e de forma conclusiva o tema Educação Ambiental. Na área
escolar o tema foi encontrado com grandes dificuldades. As escolas não possuem
recursos suficientes e necessários para ampliar tais conhecimentos. Foram encontrados
professores que não procuram incentivar o tema com mais diversificação e acabam
mantendo somente os princípios básicos.
Por meio das dificuldades encontradas pelos professores, ou seja, pela falta de
conhecimento é talvez impossível mudar essa historia. E são por esses motivos que
grandes autores criticam o meio escolar, pela falta e compromisso com a educação das
crianças.
O gráfico a seguir revela como foram tratados os artigos da REVBEA em 2010 e
2011 nos quesitos Educação Ambiental voltada para a escola e os demais artigos
voltados para a qualidade de vida e o meio ambiente.
53
Dados referentes aos artigos da Revista REVBEA no ano de 2010 e 2011
Fonte: Vanessa Bernardes de Souza Dos 23 artigos referentes aos anos de 2010 e 2011, apenas 48% deles trataram
do tema Educação Ambiental na escola. Os outros 52% referiu-se ao tema para o meio
ambiente e a qualidade de vida.
É fato que quem trabalha com Educação Ambiental com certeza já leu ou lê até
hoje as publicações da REVBEA. A REVBEA é um meio eletrônico que facilita as
informações chegarem aos leitores por meio da sua atuação no desenvolvimento das
ações ambientais. Ela tem como objetivo levar informações sobre o ambiente e os
problemas causados pelo tratamento inadequado do ser humano.
De acordo com a REVBEA (2010 e 2011) tudo que se relaciona ao meio
ambiente está também ligado à sociedade, pois estudar o meio ambiente é uma forma de
envolver os professores e alunos nas praticas ambientais utilizando as percepções no
sentido de entender o ser humano e o ambiente onde ele vive. Essas questões sobre
percepção e sensibilização são abordadas com frequência nas edições da REVBEA.
Hoje em dia apesar da Educação Ambiental ser foco nos assuntos sociais, as
instituições estão diante de grandes dificuldades em adaptar um aprendizado mais
amplo desse tema, porque muitos professores encontram barreiras que os impedem de
passar um conhecimento mais claro e objetivo, e o principal deles é a falta de
qualificação e informações necessárias para explorar dentro da sala de aula.
As edições de 2010 e 2011 da REVBEA são de suma importância para os
educadores e leitores que acompanham passo a passo o trabalho da revista. A REVBEA
é construída por reflexões e sugestões colaborativas em busca de promover a
Sustentabilidade nas comunidades.
54
Essa pesquisa caracteriza-se como exploratória, que conforme Tripodi, Fellin e
Meyer (1981, p. 64) tem “a principal finalidade de desenvolver, esclarecer e modificar
conceitos e ideias a fim de fornecer hipóteses pesquisáveis para estudos posteriores”.
Na literatura analisada verificamos o interesse por parte dos autores em divulgar
as pesquisas no periódico científico, pondo à tona a necessidade de contribuir para a
qualidade das informações registradas.
REFERÊNCIAS BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Ed. 70, 1979.
BOMFÁ, Cláudia Regina Ziliotto Bomfá. Publicação de Revistas Científicas em Mídia Digital: critérios e procedimentos.Florianópolis: Visual Books, 2003. DAMETO, Nair. A Importância das Revistas. Rio de Janeiro, Academia Brasileira de Letras. nº 34, Jan-Fev-Mar 2003. REVISTA BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL/Rede Brasileira de Educação ambiental-n.5(dez.2010), Rio Grande do Sul, ISSN: 1981-1764. REVISTA BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL/Rede Brasileira de Educação ambiental-n.6(abr.2011), Rio Grande do Sul, ISSN: 1981-1764.
TRIPODI, T; FELLIN, P.; MAYER, H.Análise da pesquisa social.Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1981.
55
A IMPLEMENTAÇÃO DO BLOCO INICIAL DE ALFABETIZAÇÃO NA REORGANIZAÇÃO DO ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS
Emiliana Cristina Rodrigues Nunes16
Resumo Com a Lei nº 11.274/2006 que dispõe sobre a ampliação do Ensino Fundamental para nove anos o ensino brasileiro mais uma vez se atentou para a necessidade de se reorganizar em atendimento as ações políticas do Estado, este trabalho consiste em reflexões acerca dessa reorganização do ensino tendo como objetivo buscar elencar algumas das orientações nacionais e locais para a implementação do Bloco Inicial de Alfabetização (BIA) e analisar as políticas implementadas pelo município de Dourados/ MS, no que se refere ao mesmo. A fundamentação deste texto acontece apoiada nas técnicas de pesquisa bibliográfica, documental e na modalidade da pesquisa empírica com suporte na técnica de entrevista. Compreendo que o cumprimento da lei não deve acontecer apenas no sentido figurativo, mas é preciso assegurar que a criança de seis anos ao iniciar sua fase escolar no BIA tenha um ensino que considere sua singularidade infantil e a conceba como sujeito da aprendizagem. Palavras-chave: Ampliação do Ensino Fundamental. Bloco Inicial de Alfabetização. Políticas Públicas.
Introdução
16Mestranda bolsista pela CAPES/Observatório de Educação do Programa de Pós-Graduação em Educação-Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) - Dourados - Mato Grosso do Sul.
Revista Eletrônica Pedagogia em Foco, v. 7, setembro de 2012
56
Este texto é fruto de inquietações advindas de reflexões acerca do contexto
educacional atual e dos resultados parciais da pesquisa que se encontra em andamento e
que é financiada pelo Observatório de Educação “Política, Gestão e Monitoramento do
processo de alfabetização em contextos adversos” do Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal da Grande Dourados.
Considerando que a educação brasileira tem passado por mudanças
significativas no que tange as políticas públicas direcionadas à organização da educação
brasileira e as experiências como educadora na educação básica e superior, somadas a
leituras a respeito das políticas educacionais, da formação docente e das práticas
pedagógicas, deram origem a questionamentos que resultaram na elaboração deste
trabalho.
A recente ampliação do Ensino Fundamental trouxe para a escola novas
possibilidades de organização do ensino como também novos desafios em relação à tão
almejada educação democrática e de qualidade e, esta ampliação corresponde a um
conjunto de políticas educacionais que fazem parte de um aparato macro de políticas
públicas.
Assim no ano de 2005 a Lei nº 11.114, de 16 de maio, instituiu a matrícula das
crianças de seis anos de idade no EF como obrigatória, o que de imediato repercutiu nas
escolas como um desafio de transformação em sua estrutura de organização. Esta lei
apresenta como viés um discurso que entende a medida tomada e instituída como
estratégia de garantia à universalização do ensino, bem como à erradicação da
repetência e da evasão escolar.
Contudo é somente com a Lei nº 11.274, de 6 de fevereiro de 2006, que altera
os artigos 29, 30, 32 e 87 da Lei 9.394/96, que se efetiva a legalização da ampliação do
EF para nove anos, possibilitando que as crianças que tenham seis anos completos até
31 de março do mesmo ano letivo tenham sua matrícula e assim o seu acesso ao EF
garantidos.
Segundo Scaff e Brito (2010) esse processo de ampliação iniciado em 2005
ainda no ano de 2010 já havia sido implantado em mais de 90% dos municípios
brasileiros, sendo que mesmo antes da promulgação da Lei 11.274 mais de 70% dos
municípios já haviam implantado a organização do EF ampliado.
Com a ampliação surgiram possibilidades alternativas para os sistemas
organizarem o ensino em nove anos e, dentro destas possibilidades encontra-se nas
orientações de cunho nacional um bloco denominado “Bloco Inicial de Alfabetização”
ou o “BIA” que compreende os três primeiros anos do EF organizados seguindo a
57
lógica da progressão e que o município de Dourados, Mato Grosso do Sul, optou por
implantar ainda no ano de 2006.
Assim o eixo de análise deste texto compreende elencar as orientações
nacionais e locais no que se referem à ampliação do EF de nove e concomitantemente
ao BIA e analisar o processo de implementação do mesmo no município de
Dourados/MS, consistindo num exercício de investigação acerca das políticas
educacionais, entendendo a complexidade e relevância deste tema para os debates
atuais, sendo este um objeto ainda pouco investigado.
Mas, o que esta ampliação de oito para nove anos representa efetivamente para
a organização e prática educativa? O que representa para a sociedade e para a classe
trabalhadora, sendo esta a demanda que a escola pública atende e é a que mais apresenta
dificuldades na implantação e implementação dessa ampliação, visto que parte-se do
princípio de que na rede privada este processo já acontece há tempo?
A ampliação do EF para nove anos representa algo mais do que apenas um
rearranjo na organização da estrutura da educação básica com vistas à universalização,
representa um desafio à sociedade brasileira. De acordo com Saveli (2008, p. 2):
Não basta dizer que todos, sem qualquer exceção, têm o mesmo direito de ir à escola; é necessário também que tenham a mesma possibilidade. O acesso à educação obrigatória mais cedo se constitui em um instrumento de luta política, para que todas as crianças, inclusive as das classes populares, possam usufruir da igualdade de oportunidades.
Ao abordar a ampliação dos anos de escolaridade, estamos tratando também de
questões de cunho mais profundo do que somente a alteração da idade da criança para
sua inserção no sistema de ensino, como a autora aponta, trata-se de questões de cunho
político e ideológico. O ensino com qualidade é um direito da criança, assim como a
garantia da educação como um instrumento para a emancipação e crescimento do
sujeito.
De acordo com Saveli (2008), a reestruturação do EF implica em
reorganizações por parte do Estado e das instituições de ensino em seus aspectos
político, administrativo e pedagógico. Tal rearranjo estrutural não se concretiza apenas a
efeito das leis, mas sim com a extensão das proposições expostas na lei para o interior
da escola à luz de discussões e análises para a tomada das devidas providências
daqueles que estão responsáveis pela prática pedagógica.
Deste modo a complexidade desta proposta de ampliação do ensino se
engendra não somente no bojo do primeiro ano, mas se estende à estrutura dos nove
58
anos do EF e seu plano curricular, implicando não somente na reorganização, como
também na necessária relação entre as ações administrativas e pedagógicas.
Considerando a complexidade que a ampliação sugere, parto então para o
elencar de algumas das orientações nacionais e as locais do que diz respeito à esta
ampliação e à implantação do BIA em Dourados/MS.
As orientações para a inclusão da criança de seis anos
É sabido que a criança de seis anos tem necessidades específicas de
aprendizado que correspondem à sua fase de desenvolvimento, não tocante somente a
sua iniciação no mundo da leitura e escrita, como também, esta criança deve ter a
garantia de acesso a outros bens intelectuais correspondentes à sua cultura o que implica
numa prática pedagógica específica e bem organizada dentro do BIA (BRASIL, 2006).
Elencaremos adiante os aspectos abordados nas orientações de documentos
nacionais para a inclusão da criança de seis anos de idade no EF.
O primeiro documento analisado é de nível nacional distribuído nas escolas
intitulado Ensino Fundamental de nove anos: orientações para a inclusão da criança
de seis anos de idade, documento organizado pelo Ministério da Educação em 2006,
com 135 páginas apresenta primeiramente considerações sobre a implantação do EF de
oito pra nove anos e sobre a necessidade de uma escola que atenda as crianças como
sujeitos da aprendizagem.
Apresenta nove artigos de variados autores que tratam de temas que permeiam
a figura da criança, estes são: A infância e sua singularidade, A infância na escola e na
vida: uma relação fundamental, O brincar como um modo de ser e estar no mundo, As
diversas expressões e o desenvolvimento da criança na escola, As crianças de seis anos
e as áreas do conhecimento, Letramento e alfabetização: pensando a prática
pedagógica, A organização do trabalho pedagógico: alfabetização e letramento como
eixos orientadores, Avaliação e aprendizagem na escola: a prática pedagógica como
eixo de reflexão e Modalidades organizativas do trabalho pedagógico: uma
possibilidade.
Nota-se assim que a inclusão da criança com seis anos desperta a necessidade
de discussões e estudos de um leque de assuntos como a singularidade da infância, a
aprendizagem, o letramento, a alfabetização e a avaliação. Não são recentes essas
preocupações por parte dos intelectuais e educadores brasileiros, contudo, a partir do
59
momento que se requer a inclusão da criança mais cedo na escola17a complexidade em
torno da organização escolar e da prática pedagógica é redimensionada.
Em outro documento agora de nível local (Dourados/MS, 2008) temos 64
páginas organizadas pela Superintendência de Educação e Ensino e pela Coordenadoria
do Ensino Fundamental da Secretaria Municipal de Educação (SEMED) junto à uma
comissão de sistematização formada professores representantes de variados polos de
ensino, intitulado Orientação Pedagógica para o Bloco Inicial de Alfabetização que
apresentam de forma.
Este é disposto em quatro capítulos, contendo primeiramente a apresentação e
introdução, momento em que se discorre sobre a ampliação do ensino e o modo como o
município organizou-se para atender a Lei nº 11.274/06 concebendo o BIA em duas
fases. A primeira correspondente aos 1º e 2º anos, que não têm como objetivos a
retenção ou promoção da criança; o 3º ano corresponde a segunda e última fase do
bloco, tendo como característica a passagem para o regime seriado.
Os capítulos abordam aspectos diversos, que se intitulam: Organização da
educação básica na rede municipal de ensino, Alguns conceitos norteadores do Bloco
Inicial de Alfabetização/BIA – Dourados – MS, Função social das áreas de
conhecimento: Bloco Inicial de Alfabetização/BIA e o quarto e último capítulo
Programa de avaliação formativa que trás os modelos das fichas descritivas do
desempenho das crianças que estudam na primeira fase do bloco. As fichas são
apresentadas separadamente de acordo com as matérias (Língua Portuguesa,
Matemática, Ciências, História e Geografia, Artes e Educação Física ou Movimento) e
uma ficha de Desenvolvimento do Autoconceito Positivo da Criança.
Percebe-se novamente a preocupação com a apresentação de alguns conceitos
considerados norteadores para a prática de ensino da criança de seis anos como criança,
infância, aprendizagem, linguagem, letramento e alfabetização, porém este documento
trabalha outros conceitos como: professor, escola, diversidade e currículo dentre outros.
Discorre também sobre a função social dos conteúdos considerando que
[...] é de suma importância ter clareza de que essa relação de conteúdos não é obrigatória nem se constitui em regra, mas em um norte, para o desenvolvimento do trabalho com as crianças de 6 e 7 anos. [...] se propõe é que os conteúdos sejam para o BIA, sendo que no 1º Ano sejam realizados trabalhos usando as diferentes linguagens e no 2º Ano se repitam com um maior aprofundamento dos conceitos (DOURADOS, 2008, p. 36).
17A Emenda Constitucional No, 59/2009, altera o Art. 208 da LDB 9394/96, tornando obrigatória a educação dos 4 aos 17 anos de idade, com prazo de implantação até 2016.
60
Consideramos que os conteúdos a serem trabalhados no bloco constituem como
uns aspectos mais importantes e complexos no fazer de diretores, coordenadores e
professores, levando em conta as especificidades de idade e desenvolvimento cognitivo.
Deste modo, podemos concluir que a ênfase nos conceitos que permeiam
criança e aprendizagem está presente nas orientações dos documentos tanto de nível
federal quanto municipal, nos quais foram apresentados de maneira clara e ricamente
fundamentada.
Sendo estes documentos apresentados como orientações pedagógicas,
acreditamos que estas ainda não configuram num suporte concreto para que as escolas
cumpram com a lei, com vistas a oferecer um ensino que respeite e atenda as
especificidades da infância e da criança de forma equitativa e qualitativa.
Levando em consideração que o bloco ainda é novidade nas instituições
escolares que optaram por implementá-lo e que como a escola e seus atores sociais já
possuidores de costumes que se tornaram culturais tornam-se de certa maneira rígidos
em relação à esta nova proposta do bloco: o ensino não seriado.
Consideramos como necessário com vistas à implementação exitosa do EF de
nove anos e do BIA o diálogo entre os atores sociais que estão envolvidos com a
educação e os órgãos que organizam e normatizam a mesma, para possibilitar que esta
criança aprenda e se desenvolva dentro e fora da escola, como assim lhe é configurado
como direito.
O educar consiste numa prática complexa e, não menos complexo é o educar
da criança e assim o compromisso político, a organização coletiva e a reflexão mais do
que nunca se fazem necessários para a escola.
A implementação do Bloco Inicial de Alfabetização no município de Dourados/MS
Para que as escolas se adaptassem a nova realidade apresentada para a
educação brasileira o governo propôs e apresentou diferentes possibilidades de
organização do ensino com vistas à melhor adaptação dos alunos e melhor
desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem.
Sendo assim o Bloco Inicial de Alfabetização (BIA) foi proposto dentro do
objetivo de reestruturar o ensino fundamental para nove anos, proporcionando às
crianças o melhor desenvolvimento do processo de construção da
leitura/escrita/letramento, bem como o seu desenvolvimento integral.
61
Dessa forma, ao passo que, em todo o país, a ampliação foi se efetivando,
foram também desenvolvidas algumas orientações como suporte para a sua organização,
considerando que de acordo com as orientações de nível federal a responsabilidade da
organização dos anos iniciais fica com os municípios (SILVA; SCAFF, 2009), estas
orientações apresentam somente sugestões, ou melhor, possibilidades de organização do
ensino.
A Resolução do CNE/CEB nº3/2005, fundamentada pelo Parecer CNE/CEB nº
6/2005, que apresenta possíveis formas de organização do EF em nove anos, é exibida
no documento nacional intitulado Ampliação do ensino fundamental para nove anos: 3º
relatório do programa e estas possibilidades de organização do EF ficam a depender da
opção das gestões locais.
Estas possibilidades de organização do EF de nove anos apresentadas pelo
Conselho Nacional de Educação podem ser observadas no quadro abaixo:
QUADRO I - Possibilidades de organização do Ensino Fundamental de nove anos
FONTE: BRASIL, 2006.
O mesmo documento afirma que:
[...] todas essas possibilidades de organização do ensino fundamental em nove anos demandam estudos, análises e reflexões por parte dos sistemas de ensino. Entendemos que, ao fazerem suas reflexões, os sistemas/escolas devem levar em conta os sujeitos e suas temporalidades humanas, uma vez que, antes de serem estudantes, as crianças e os adolescentes são sujeitos em desenvolvimento humano (BRASIL, 2006, p.05).
62
Observa-se que as opções apresentadas contemplam desde a tradicional
seriação, passando por organizações que integram diferentes etapas dos anos iniciais do
EF, até a possibilidade de dois grandes ciclos de organização do EF (anos iniciais e anos
finais) sendo que a organização em ciclos, ou blocos, supõe a progressão dentro de cada
etapa.
O BIA pode ser compreendido como uma etapa do EF que atende ao
dispositivo do governo federal de reorganização da educação básica em ciclos com
vistas à erradicação da repetência e, da evasão escolar, ao passo que a ampliação do EF
para nove anos trás em seu bojo uma concepção de prática pedagógica diferenciada nos
três primeiros anos de ensino.
O BIA foi proposto para melhorar e estrutura do tempo e espaço nas escolas,
renovar os métodos usados para o ensino-aprendizagem, organizar o currículo escolar, a
organização do sistema de alfabetização e propor orientações para a ação educativa do
professor (VILLAS BOAS, 2006).
Diante do contexto de transformações pelas quais a educação brasileira passou
no que tange á sua organização, o município de Dourados/MS se adaptou às orientações
federais, deste modo, os anos de escolaridade que o BIA compreende devem:
[...] respeitar o conhecimento prévio da criança, partir de sua realidade, oferecer oportunidades para que a mesma chegue ao saber elaborado (científico), oportunizar diferentes portadores de textos com atividades de análises de textos, recontando-os e interpretando-os. Além disso, deve proporcionar um ambiente estimulador que desperte o desejo para a aprendizagem nas diferentes linguagens: gestual, tátil, escrita, visual; e, ainda, desenvolva a oralidade, o brincar, o concreto, a coordenação e outras habilidades (DOURADOS, 2008, p. 17).
A regulação nacional e municipal sobre o BIA esclarece satisfatoriamente o
conceito de Bloco Inicial de Alfabetização e como este deve se desenvolver,
considerando a singularidade da infância e as especificidades do processo de construção
de conhecimento nessa etapa da educação básica.
Temos como exemplo o parecer CNE/CEB nº 4, de 20 de fevereiro de 2008
que, reafirma a importância da criação de um novo ensino fundamental; reforça o
redimensionamento da educação infantil; estabelece o 1º ano do ensino fundamental
como parte integrante de um ciclo de três anos de duração denominado “ciclo da
infância” ou “Bloco Inicial de Alfabetização (BIA)” e ressalta os três anos iniciais como
63
um período voltado à alfabetização e ao letramento no qual deve ser assegurado também
o desenvolvimento das diversas expressões e o aprendizado das áreas de conhecimento.
Ainda segundo o aqui já mencionado 3º Relatório do Programa de Ampliação
do Ensino Fundamental:
O primeiro ano do ensino fundamental de nove anos não se destina exclusivamente à alfabetização. Mesmo sendo o primeiro ano uma possibilidade para qualificar o ensino e a aprendizagem dos conteúdos da alfabetização e do letramento, não devem ser priorizadas essas aprendizagens como se fossem a única forma de promover o desenvolvimento das crianças dessa faixa etária. É importante que o trabalho pedagógico implementado possibilite ao aluno o desenvolvimento das diversas expressões e o acesso ao conhecimento nas suas diversas áreas. (BRASIL, 2006, p.09).
Entretanto em Dourados o BIA possui peculiaridades como veremos a seguir.
No ano de 2006 com a deliberação nº 028, de 05 de dezembro, o Conselho
Municipal de Educação (COMED) apresenta e dispõe sobre a organização da ampliação
do EF e do BIA, considerando que o primeiro e segundo ano desta etapa da Educação
Básica não deveriam ter objetivo a promoção ou retenção do aluno, assim a retenção só
seria possível no final do 3º ano, ou seja, na passagem do 3º para o 4º ano.
Já a deliberação do COMED nº 001, 20 de outubro de 2008, apresenta não só
os objetivos na formação do cidadão com a ampliação e da inserção da criança de seis
anos como também uma nova forma de organizar o BIA. Assim em seu artigo 18,
parágrafo 1º, temos:
§ 1º. Os dois primeiros anos do Ensino Fundamental serão reunidos em um bloco denominado BIA - Bloco Inicial de Alfabetização, onde o regime adotado será o de progressão continuada do 1º (primeiro) para o 2º (segundo) ano, respeitada a tabela a seguir (Grifo nosso, p.08).
Sendo que na deliberação de 2006, o texto apresentou a seguinte redação em
seu artigo 13, parágrafo 1º:
§1º. Respeitadas as orientações do Ministério da Educação em relação à operacionalização da matrícula aos seis anos no Ensino Fundamental e, em relação, ao Ensino Fundamental de 9 (nove) anos, o primeiro e segundo ano desta etapa da Educação Básica não deverão ter objetivo de promoção [...] (Grifo nosso, p.07).
Esta sutil mudança na redação das deliberações refletiu nas salas de aula
douradenses, esta quer dizer que o BIA no município de Dourados/MS é organizado de
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maneira diferenciada das orientações federais e de outras redes que optaram pela
implementação do mesmo. Assim o BIA atualmente neste município acontece somente
nos dois primeiros anos do EF, havendo a possibilidade de retenção já do 2º para o
3ºano, o que pode ser observado no quadro abaixo:
QUADRO II - Organização do EF em Dourados, MS
Ensino Fundamental
Anos Iniciais Anos Finais 1º ANO 2º ANO 3º ANO 4º ANO 5º ANO 6º ANO 7º ANO 8º ANO 9º ANO
Bloco Inicial de Alfabetização
Regime seriado
FONTE: DOURADOS, 2008.
Esta mudança na organização do BIA é justificada nas seguintes falas
concedidas em uma entrevista realizada em 2011, de uma representante da Secretaria
Municipal de Educação (SEMED) responsável por projetos ligados à alfabetização do
município referido, quanto ao fato das escolas terem requerido a mudança na
organização do BIA (de três anos para dois anos):
Sim, porque eles entraram com um pedido, as escolas né? Os professores alfabetizadores solicitando ao COMED que revisse a resolução acho que a deliberação né? E a deliberação é visava... A deliberação número 1 tinha essa visão de trabalhar com a progressão do 1º “pro” 2º e do 2º “pro” 3º aí nesta perspectiva seria o BIA como um bloco em três anos, né? [Então dois anos de progressão?] É, 2008 e 2009, 2010 já teria retenção [Então por causa desta visão... E qual o argumento deles?] Que a criança chega no terceiro ano despreparada e a gente discutia com eles nas formações que ela não tem que tá preparada, mas que ela tem que receber esse auxílio nesses três anos pra ser alfabetizada, mas aquela visão de que ele tem que tá num nível tal pra progredir pra próxima série, pro próximo ano.
A educadora ainda continua:
[...] Aquele 1º ano antigo, antiga 1ª série era grande o número de retenção como se eu tivesse um aluno, eu teria que ter um aluno totalmente alfabetizado pra prosseguir para o segundo ano, eu encontrei situações em que a criança estava sendo reprovada por três anos, era o terceiro ano de reprovação... Esta criança escrevia palavras comuns como bala, faltando, colocando BAL porque ela engolia letras né? Esse era o argumento do professor... Ela engole letras, então ela
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não está pronta para ir para o segundo ano, como que eu vou trabalhar com uma criança lá na segunda série... Isto é a antiga segunda série... Se ela retém... É se ela engole letras... Então é melhor que ela fique novamente no 1º ano, ou seja, seja bem treinada entre aspas pra...
Lembra, ainda, que apesar do BIA ser desenvolvido apenas nos dois primeiros
anos as atividades de formação continuada promovidas pela SEMED são direcionadas
aos professores dos 1º, 2º e 3º anos.
[...] nós incluímos o professor do 1º¸ 2º e 3º ano como alfabetizadores, inclusive o professor de Artes e Educação Física que trabalha no 1º, 2º e 3º ano, então eles também são considerados alfabetizadores, porque, ele tem um olhar sobre a criança, sobre o aprendizado da criança, sobre o seu desempenho, sobre o desenvolvimento dessa criança...
Partindo da concepção de que a implementação de uma política pública, neste
caso da ampliação do EF e mais propriamente das variadas possibilidades de
organização do ensino, assume um caráter de processualidade, ou seja, considerando
que não podemos investigar o BIA a partir de impactos, mas sim aspectos de sua
implementação obtivemos a seguinte resposta em relação aos resultados
preliminarmente apresentados no decorrer do conturbado processo de implementação do
mesmo, obtivemos a seguinte fala:
[...] o que eu percebo é o nível de envolvimento dos alfabetizadores no todo, porque mudou, quando você tá nos cursos de formação você percebe na fala dos professores uma preocupação né? Se eu sou professor do 1º ano o que exatamente eu tenho que trabalhar e o que eu espero desse aluno, e eles chamam isso de mínimo, o que é o mínimo? Qual é a base desse 1º ano, pra mim não tá claro, então há... Mesmo não dominando ele tem preocupação sim! E ele tem cobrado muito a formação para o professor do 1º ano que nós ainda não fizemos somente para o 1º, os momentos de formação tem sido coletivo 1º, 2º e 3º, ontem, por exemplo, nós tivemos um encontro, uma discussão com base no currículo do Estado aquela listagem de conteúdos, e eles discutiram no interior da escola, enviaram sugestões de alteração, as alterações e ontem nós reunimos com 1, 2º e 3º, dividimos por área, discutimos essas áreas e registramos as propostas de alterações então nós vamos ter como base o material do estado mas com a adequação que o professor do munícipio julga como necessária.
A complexidade que caracteriza o BIA se concentra em dois aspectos centrais,
o primeiro é de esse bloco propor um ensino organizado seguindo a lógica da
progressão e não da promoção, fruto do tradicional regime de ensino seriado que
caracteriza as escolas brasileiras, e segundo é desse compreender um dos períodos mais
especiais da escolarização, a alfabetização e letramento.
66
Esta problemática da progressão que o BIA aborda não cabe neste trabalho
considerando sua característica de parcial, mas já desperta tamanho interesse para a
complexidade que a implementação deste engendra, considerando o BIA como um ciclo
centrado na alfabetização, assim a discussão e análise desta particularidade ficam para
trabalhos posteriores.
Deste modo não quero discutir aqui a validade e eficácia das políticas
educacionais formuladas e implementadas, em especial a reorganização do EF em nove
anos como respostas aos problemas que a escola apresenta como repetência e evasão
(problemas que, aliás, fazem parte da nossa agenda educacional há muitos anos), o que
deve nos chamar a atenção é que estas políticas por muitas vezes estão sendo
implementadas desconsiderando a extensão territorial, a má distribuição de renda, as
diferentes classes sociais e os problemas escolares que nosso país apresenta.
O que preocupa é o fato destas políticas (a ampliação neste caso) serem
pensadas por instituições e organismos internacionais (consequência da globalização) e
passarem por todo um processo de elaboração a partir de realidades que não
correspondem à realidade escolar brasileira e que as peculiaridades do ensino não são
levadas em conta durante este processo como a escassez de materiais, repetência,
evasão, infraestruturas de má qualidade e o que ainda representa um dos maiores
desafios da educação brasileira: a alfabetização.
Considerações Finais
O cumprimento da Lei nº 11.274/2006 corresponde ao direito da criança de
receber uma educação formal de qualidade, acredito que devemos buscar não apenas o
cumprimento figurativo deste direito, ou seja, a inserção da criança na escola não basta,
é preciso assegurar que a criança de seis anos ao iniciar sua fase escolar e adentrar o
BIA tenha um ensino que a considere como sujeito da aprendizagem respeitando seus
limites e potencialidades.
Considerando a complexidade do processo de implementação de uma política
entendo que a ampliação iniciada lá no ano de 2006 ainda que implantada em 100% das
escolas brasileiras ainda apresenta desafios para os sistemas de ensino, como pude
observar no município de Dourados/MS no que tange ao BIA. Este bloco que foi
implementado em 2006 ainda é desconhecido em muitos de seus aspectos por uma boa
parte dos atores sociais que estão envolvidos com o processo de ensino-aprendizagem.
67
Pude perceber que os discursos se misturam num jogo de erro e acerto que
constitui a implementação de uma política, a adequação de três para dois anos do BIA
em Dourados/MS constitui numa dessas tentativas de equacionalizar problemas antigos
das escolas brasileiras como repetência e a dificuldade de se desenvolver um processo
de alfabetização exitoso.
Assim procurei investigar caminhos escolares desenvolvidos dentro do BIA e
que caracterizam sua implementação, considerando a complexidade de sua implantação
e desenvolvimento, visto que os questionamentos a respeito do mesmo ainda são
muitos.
Considero que outros aspectos relacionados ao BIA também carecem de
investigação como lugar ocupado pelo primeiro ano no contexto do EF de nove anos e
os conceitos como alfabetização, letramento, criança, infância, avaliação.
Estas breves reflexões têm a pretensão de servir como subsídio para suscitar
questionamentos e reflexões que poderão dar origens a outros trabalhos,além de
propiciar reflexões acerca de possíveis caminhos para a prática pedagógica no tocante
ao desenvolvimento da alfabetização nos três anos que compreendem o BIA, na busca
por uma efetivação de uma educação brasileira de qualidade com vistas à emancipação
do sujeito.
Referências Bibliográficas
BRASIL. Lei nº 11.114. Altera os arts. 6o, 30, 32 e 87 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, com o objetivo de tornar obrigatório o início do ensino fundamental aos seis anos de idade. Brasília, DF: Casa Civil, 2005. _____.Lei nº 11.274. Altera a redação dos Artigos 29, 30, 32 e 87 da Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, dispondo sobre a duração de nove anos para o ensino fundamental, com matrícula obrigatória a partir dos seis anos de idade. Brasília, DF, 2006. _____.Ensino fundamental de nove anos: orientações para a inclusão da criança de seis anos de idade. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Brasília: FNDE, Estação Gráfica,2006a. ______. Conselho Nacional de Educação. Parecer nº 6, de 08 de junho de 2005. Brasília, DF: MEC/Secretaria de Educação Básica. ______. Conselho Nacional de Educação. Parecer nº 3, de 03 de agosto de 2005. Brasília, DF: MEC/Câmara de Educação Básica. ______. Conselho Nacional de Educação. Parecer nº 4, de 20 de fevereiro de 2008. Brasília, DF: MEC/Secretaria de Educação Básica.
68
______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Ampliação do ensino fundamental para nove anos: 3º Relatório do Programa / Secretaria de Educação Básica. Brasília, 2006. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php>. Acesso em: 11 de abril de 2011. DOURADOS. Secretaria Municipal de Educação. Orientação Pedagógica para o Bloco Inicial de Alfabetização. Dourados, Mato Grosso do Sul, 2008. ______. Conselho Municipal de Educação. Deliberação COMED n. 028, de cinco de dezembro de 2006. Disponível em: <http://www.dourados.ms.gov.br/>. Acesso em: 01 de setembro de 2011. ______. Conselho Municipal de Educação. Deliberação COMED n. 001, de vinte e um de outubro de 2008. Disponível em: <http://www.dourados.ms.gov.br/>. Acesso em: 01 de setembro de 2011. ______. Conselho Municipal de Educação. Deliberação COMED n.012, de 26 de agosto de 2010. Disponível em: <http://www.dourados.ms.gov.br/>. Acesso em: 01 de setembro de 2011. SAVELI, E. de L. Ensino Fundamental de Nove Anos: bases legais de sua implantação.Práxis Educativa. Ponta Grossa, PR, v. 3, n. 1, p. 67 – 72, jan.-jun. 2008. SCAFF, E. A. da S.; SILVA, A. A. Ensino Fundamental de nove anos: política de integração ou de conformação social? Práxis Educativa, Ponta Grossa, PR, v.5, n.1, p.97-107, jan.-jun. 2010. ________; BRITO, V. M de. Ampliação dos anos de escolaridade no Brasil: uma análise das políticas educacionais vigentes. In: CONGRESSO Ibero-Luso-Brasileiro de Política e Administração da Educação, 2010, Elvas, PT e Caceres, ES. Espaço Público da Educação: emergências de políticas e práticas locais, regionais e nacionais: programa e trabalhos completos do Brasil. Niterói, RJ; Elvas, PT; Caceres, ES: ANPAE, FPAE, FEAE, v.1. p. 1-13, 2010.
VILLAS BOAS, B. M. de F. A avaliação no Bloco Inicial de Alfabetização do DF. Caxambu – MG: Anais, 29ª Reunião anual da Anped, 2006.
69
A REDEFINIÇÃO DO PAPEL DO ESTADO BRASILEIRO NA DÉCADA DE 1990 E SUAS RELAÇÕES COM AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS
Marina da Silva Margiotti18
Resumo
A crise estrutural do capitalismo e a reforma do Estado, assim como o redimensionamento de seu papel perante a sociedade, constituem-se elementos de grande relevância no contexto político-educacional, visto que interferem e são parte constituinte das políticas públicas brasileiras, sejam elas no âmbito econômico, político ou social. Em relação à educação, acreditamos ser de extrema importância a análise da configuração que as políticas educacionais vêm assumindo a partir da década de 1990, uma vez que as ações implementadas nessa esfera estão relacionadas a esse quadro. Assim, para que possamos aprofundar essa investigação, tentaremos ultrapassar os estudos relativos apenas à esfera educacional. Dessa forma, faremos, neste artigo, uma recente análise do Estado brasileiro, buscando identificar a natureza e as características do papel que ele vem assumindo como desencadeador de políticas públicas. Vale lembrar que utilizaremos o conceito marxista de que o Estado não pode ser entendido por ele mesmo, mas sim, nas relações materiais de existência. Palavras-chave: Estado Brasileiro, Neoliberalismo, Políticas Educacionais.
Introdução
18
Mestre em Educação (UNESP- Campus de Rio Claro). UNIFEV- Centro Universitário de Votuporanga- Docente do Curso de Pedagogia/ Parfor. [email protected] http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4212050A6
Revista Eletrônica Pedagogia em Foco, v. 7, setembro de 2012
70
Na sociedade contemporânea, marcada pela globalização, as relações
econômicas, políticas e sociais são reguladas pelo mercado. A predominância do ideário
neoliberal, nesse mundo de reestruturações tecnológicas e de um mercado sem
fronteiras, afetou não só as formas de produção e a organização industrial, como
também a própria natureza do Estado enquanto regulador e promotor do bem-estar
social.
Nessa nova organização mundial, a economia é dominada pelo sistema
financeiro e pelo investimento à escala global, na qual há as tecnologias de informação
e comunicação são vistas como instrumentos necessários a essa nova forma de relações
econômicas. Há também uma transformação das economias nacionais, que são
reguladas por diversas agências financeiras multilaterais, tais como Banco Mundial
(BM), Fundo Monetário Internacional, (FMI), Programa das Nações Unidas para a
Educação, Ciência e a Cultura (Unesco), Organização das Nações Unidas (ONU),
Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), dentre outras.
As economias nacionais devem ser capazes de competir com o mercado
internacional, adequando-se aos preços praticados ao redor do mundo, contribuindo,
dessa forma, com os processos de câmbio entre diferentes nações, por meio de
processos de importação e exportação. Os preços e os produtos praticados por diferentes
segmentos do mercado, inclusive pelas empresas estatais, devem seguir um padrão
internacional adotado por empresas privadas. Nesse mercado globalizado, a intervenção
estatal torna-se mínima, cabendo a ele a função de apenas regular esse mercado que está
dominado pelos padrões internacionais.
Pretendemos considerar o nosso objeto de estudo estreitamente vinculado com
as circunstâncias históricas e temporais na qual é produzido e constituído. Dado esse
pressuposto, pesquisamos a contextualização histórica da crise do capital e da ofensiva
neoliberal e a globalização, para corroborarmos finalmente com a análise dos impactos
do plano de reforma do Estado no Brasil.
A reestruturação capitalista nas últimas décadas do século XX
As três últimas décadas do século XX são marcadas pela crise do Estado, que
por sua vez é parte de um movimento maior que é a crise do capital. O questionamento
do papel do Estado e de sua reforma são elementos relevantes no contexto político-
histórico brasileiro, dado que as diretrizes políticas, sociais e econômicas são a
materialização dessa nova organização, especialmente quanto à educação, onde as
políticas implantadas nesse período são relacionadas a este quadro.
71
Diante deste contexto de reformas, a ênfase na educação está na eficiência e na
qualidade dos resultados das instituições escolares. Esse movimento é parte da marcante
pressão das organizações internacionais para o estabelecimento de novas diretrizes tanto
para a educação como para todo o aparelho de Estado. Dessa forma, para garantir mais
eficiência em sua gestão, o Estado buscou imprimir maior racionalidade à gestão
educacional pública, descentralizando as esferas de execução para os municípios, por
exemplo.
Nas décadas de 1970 e 1980, marcadas pela crise do sistema capitalista, tentou-
se uma recuperação do sistema financeiro por meio da ampliação da competitividade do
mercado mundial, necessitando, portanto, de uma adequação do sistema exportador e de
um padrão de qualidade mundial. Há, portanto, uma reorganização capitalista,
conferindo novas formas de gestão da produção do trabalho, acirrando a competição e
intensificando o controle do trabalho, para que seja atingido com eficiência o modelo do
processo produtivo.
Segundo Mészáros (2003), a crise do capital afeta todos os setores do Estado e
seus métodos organizacionais e, junto com a crise capitalista emerge também a crise
política. De acordo com a corrente neoliberal, um dos fatores que corroboram para essa
crise é a interferência estatal, que garante serviços sociais tais como as garantias
trabalhistas, impedindo, portanto, a acumulação do capital por livre iniciativa. Dessa
maneira, a bandeira neoliberal propõe a diminuição da participação do Estado nas
políticas sociais, transferindo essa participação para o setor privado.
A participação do setor privado caracteriza-se por uma política de liberalização,
de desregulamentação do capital e de privatizações e terceirizações de funções do
Estado e efetiva-se de diferentes maneiras por meio de medidas legislativas e
reguladoras de desmantelamento de instituições anteriores e de colocação no lugar de
novas, por meio de acordos de livre comércio.
A corrente neoliberal
A teoria do Estado formulada a partir do século XVII é a base do pensamento
neoliberal, pois expressa o ideário do liberalismo clássico emergente na época. À
medida que o capitalismo avançava, essa teoria foi sendo modificada. É nessa corrente
que surge a concepção do Estado neutro, cabendo à “mão invisível” do mercado regular
as atividades econômicas.
Sobre essa questão, Azevedo (1997) afirma que “(...) os fundamentos de
liberdade e do individualismo são tomados aqui para justificar o mercado como
72
distribuidor de riqueza e de renda (...) e o Estado (...) potencializa as habilidades e a
competitividade individual, possibilitando a busca ilimitada do ganho (...)”
(AZEVEDO, 1997, p. 10). Esse ideário, vigente até o século XIX, foi debilitando-se em
função de uma nova articulação entre Estado e mercado.
O neoliberalismo apresentou-se como uma das possíveis soluções para a crise
capitalista da década de 1970, por meio da implantação de uma série de reformas que se
fundamentaram nos princípios da privatização de empresas estatais e serviços públicos e
da desregulamentação ou criação de novas regras, para diminuir a interferência do
Estado nos negócios privados.Nesse aspecto, o neoliberalismo cumpre com a função de
salvaguardar o mercado daqueles fatores que poderiam tornar-se obstáculos para o seu
desenvolvimento, sobretudo, o modo de regulação do Estado.
Assim, o neoliberalismo protege o mercado daqueles fatores que poderiam
constituir-se em entraves para o seu desenvolvimento, dentre estes, o modo de
regulamentação estatal. Tal tipo de intervenção, se fosse estruturada sob forma de
garantia de bens públicos, ocasionaria desvantagens à dinâmica do livre-mercado, que
seria impedido de oferecer seus serviços, posto que o Estado o faria pela garantia de
benefícios à população.
O neoliberalismo, portanto, é uma corrente de pensamento fruto do capitalismo,
que busca a máxima financeirização e acumulação do capital. Seus expoentes defendem
o “Estado Mínimo” e sintetizam seu pensamento com a máxima “menos Estado e mais
mercado”. De acordo com Azevedo,
(...) os neoliberais creditam ao mercado a capacidade de regulação do capital e do trabalho e consideram as políticas públicas as principais responsáveis pela crise que perpassa as sociedades. A intervenção estatal estaria afetando o equilíbrio e a ordem, tanto no plano social e moral, na medida em que tende a desrespeitar os princípios da liberdade e da individualidade, valores básicos do ethos capitalista. (AZEVEDO, 1997, p.12)
Por meio da minimização do Estado e pela privatização de empresas estatais,
desregulamentação e livre-comércio que foram consideradas estratégias de
desenvolvimento e de superação, o neoliberalismo ganhou força, principalmente a partir
da década de 1970. O Estado, de acordo com o neoliberalismo, deve ser mínimo, já que
a intervenção do governo tende a coibir e ameaçar os estímulos individuais necessários
à produção e à competição, além de não estimular a livre iniciativa infringindo,
portanto, a ética do trabalho.
73
As políticas sociais adotadas pelo governo são consideradas, pelos neoliberais,
como fatores de “inchamento” ou “hipertrofia” da máquina governamental, pois, de
acordo com Friedman (1984), os governos necessitam de maiores receitas ao tomarem
para si a responsabilidade pelo bem-estar social. Nesse sentido, a crítica neoliberal
atinge o âmago do estado de bem-estar social, responsabilizando-o pela chamada “crise
fiscal”.
Podemos afirmar que a minimização do Estado dá-se apenas para os
investimentos sociais, pois o Estado continua forte para o capital.
[...] é importante frisarmos que o Estado mínimo proposto é mínimo apenas para as políticas sociais conquistadas no período de bem-estar social (...) na realidade, o Estado é máximo para o capital, porque, além de ser chamado a regular as atividades do capital corporativo, no interesse da nação, tem, ainda, de criar um ‘bom clima de negócios’, para atrair o capital financeiro [...] (PERONI, 2003, p.33)
Dessa maneira, continua prevalecendo um Estado de classe, onde as elites do
setor financeiro detêm a hegemonia, por meio de uma associação com nações que
controlam o capital mundial, favorecendo seus negócios, sem que haja o controle por
parte do Estado enquanto regulador de suas atividades. É a dinâmica do imperialismo,
onde os mais fortes continuam a dominar os fracos, garantindo ao capital um Estado
forte, que estimula a sua máxima financeirização, sem que haja grandes investimentos
para as políticas sociais.
Redefinição do papel do Estado e o Plano de Reforma do Estado no Brasil
O Estado, que é o desencadeador das políticas públicas e educacionais, tem na
vida material a sua base, o que significa que ele não existe como obra da classe
dominante, mas, ao constituir-se como o resultado do modo material de vida dos
indivíduos, assume a forma da vontade dominante. (MARX; ENGELS, 1986).
Dessa forma, temos um Estado histórico, concreto e de classe e, portanto, Estado
máximo para o capital e Estado mínimo para as políticas de bem-estar social. Os
mecanismos de reformulação do Estado que foram implantados na década de 1990
devem ser vistos como “[...] as estratégias e os instrumentos para se manter intactas as
condições de reprodução das relações sociais capitalistas [...]” (SILVA, 2003, p.78).
A iniciativa da redefinição estatal no Brasil teve como principal justificativa a
crítica ao modelo estatal calcado sobre uma concentração e centralização rígida das suas
74
funções e, portanto, incapaz de responder ao volume das demandas sociais. Como parte
da disseminação de um consenso que passa a apontar os limites desse tipo de
organização, situa-se o que chamamos de “satanização do Estado e exaltação do
mercado”. Essa ofensiva se reverte em uma significativa descaracterização do Estado,
no sentido de atribuir-se a esse um perfil de ineficiência, e, por outro lado, a
disseminação de um ideário que se centra nas virtudes de um Estado orientado para um
modelo de mercado e na apologia à eficiência do setor privado.
A prescrição de uma reforma administrativa pautada no modelo gerencial, ponto
fundamental da proposta de redefinição estatal, tem seus fundamentos nos critérios que
compõem a esfera mercadológica, cujas metas centradas na competitividade e
eficiência, nitidamente comporiam o perfil desse novo modelo.
É nesse contexto que o governo Fernando Henrique Cardoso, desde a campanha
presidencial, dá início à ideia de uma reforma do Estado Brasileiro, ao propor uma
mudança organizacional da administração pública. A redefinição do Estado no Brasil foi
proposta em 1995, a partir da criação do Ministério da Administração e Reforma do
Estado (MARE), que elaborou o Plano Diretor da Reforma do Aparelho de Estado, com
o objetivo de “[...] orientar e instrumentalizar a reforma do aparelho do Estado nos
termos definido pela Presidência” (BRASIL, 1995, p.11).
De acordo com o MARE, a reforma do Estado deve estar inserida num
movimento maior que é o da redefinição do papel do Estado. Este Estado “deixa de ser
responsável direto pela via da produção de bens e serviços, para fortalecer-se na função
de promotor e regulador desse desenvolvimento” (BRASIL, 1995, p.12). Uma das
justificativas dos documentos de reorientação do Estado está calcada na crítica ao
modelo estatal de concentração e centralização das suas funções, portanto, num modelo
de Estado burocrático, ineficiente e engessado, incapaz de responder ao volume das
demandas sociais. Em contrapartida, atribui-se ao setor privado um ideário de eficiência
e produtividade, o que corrobora para que o Estado transfira parte de suas funções para
a iniciativa privada. O Estado busca a mudança de “um tipo de administração pública,
burocrática, rígida e ineficiente, voltada pra si própria e para o controle interno, para
uma administração pública gerencial, flexível e eficiente, voltada para o atendimento da
cidadania,” (BRASIL, 1995, p.12).
Ponto fundamental da proposta de redefinição do Estado, a reforma
administrativa pautada no modelo gerencial é fundamentada em critérios que compõem
o ideário do mercado, com objetivos centrados na competitividade, na eficiência e na
política de resultados. “A administração pública gerencial tem, como estratégias, a
75
definição precisa dos objetivos e a autonomia do administrador para gerir recursos
humanos, materiais e financeiros. Mas essa autonomia é cobrada através dos resultados,
verificando-se se foram ou não atingidos os objetivos propostos no contrato”. (PERONI,
2003, p.59)
Posto que tais princípios sejam vistos sob a esfera da administração gerencial, há
um deslocamento dos procedimentos para os resultados, e, com isso, desobriga o Estado
na participação do provimento desses recursos.
Ao propor as formas de participação do setor privado, os neoliberais
argumentam que somente o Estado é insuficiente na oferta e garantia dos serviços
sociais, recorrendo, então, à instâncias privadas que compartilhem esse compromisso.
Essa colaboração seria efetivada a partir de diferentes segmentos, sejam por formas de
privatização, terceirização ou de parcerias.
Segundo essa lógica, a função do Estado estaria em exercer um papel de
prestador de serviços, mantendo-se, entretanto, no papel de regulador de alguns serviços
sociais, tais como a educação. Dessa maneira, o Estado redirecionaria apenas o nível de
execução das suas atividades básicas, sem que deixe de controlar tais serviços. A
descentralização incorpora-se à reforma e torna-se característica do novo Estado, que
apenas gerencia. Concluímos que por meio da descentralização o Estado “(...) quer
transferir para a sociedade, tarefas que eram suas no que se refere às políticas públicas e
principalmente às políticas sociais” (PERONI, 2003, p.69).
Como visto, a reestruturação do Estado nos moldes neoliberais culminou com a
transferência de parte das responsabilidades estatais com políticas sociais para a
iniciativa privada, ou para diferentes segmentos da sociedade civil, seja por forma de
privatizações, publicizações, terceirizações ou outras formas de parceria.
As políticas educacionais compõem e se materializam a partir do conjunto de
políticas públicas do Estado e, como tais, se constituem no processo de adequação da
educação brasileira às necessidades da nova etapa do capitalismo mundial, em
consonância com o que ditam as agências financiadoras. A educação, por sua vez, por
não se apartar do contexto que a gera, será também considerada a partir dos princípios
norteadores da reforma do Estado. Nessa ótica, o Estado deixa de ser provedor para
tornar-se avaliador, transferindo suas responsabilidades para a sociedade civil, mas
fiscalizando os resultados conforme políticas influenciadas pelas agências multilaterais.
Ademais, há de se considerar a interpenetração das esferas públicas e privadas.
Posto que a lógica da reforma atrela-se fielmente à nova lógica do capital
mundial, setores estritamente sociais são transformados em mercadorias, o que outrora
76
fora público, agora pertence ao capital. A cidadania ganha uma nova configuração: a da
produtividade, e os direitos sociais são totalmente restritos. A Educação, seguindo a
mesma matriz ideológica que serviu de base à reforma do Estado é transformada
também em mercadoria.
Nesse sentido, as políticas educacionais da década de 1990 estão intrinsecamente
relacionadas com a o ideário neoliberal que caracteriza esse novo Estado brasileiro. Tais
políticas também se encontram situadas no contexto da reestruturação produtiva e das
reformas do Estado. É nesse contexto que passaremos à análise das políticas da década
de 1990 para a educação.
As políticas educacionais da década de 1990
A crítica ao Estado intervencionista, efetivada pelos partidários do
neoliberalismo, e a busca de minimização da atuação do Estado no tocante às políticas
sociais, pela redução ou desmonte das políticas de proteção, são prescritas como
caminho para a retomada do desenvolvimento econômico por meio da reforma do
Estado.
Consubstanciando essa lógica, os neoliberais propõem, ainda, o enxugamento da
máquina estatal e privatização de bens e serviços. Nesse contexto, a reforma do Estado é
entendida como superação de um Estado completamente engessado, por meio da
transferência da produção de bens e serviços à iniciativa privada. A defesa ideológica
dessa reforma é implantada pelo discurso de modernização e racionalização do Estado,
objetivando, desse modo, a superação das mazelas do mundo contemporâneo e de
adaptação às novas demandas pelo processo de globalização em curso.
Aliada a essas premissas, a reforma do Estado defende mudanças nas formas de
organização e gestão dos recursos públicos, por meio de uma administração pública
gerencial que indique como setores do Estado moderno “o núcleo estratégico, as
atividades exclusivas, os serviços não-exclusivos e a produção de bens e serviços para o
mercado”. Tal lógica implica alterações substantivas no campo educacional no que se
refere à organização das instituições educativas, ao possibilitar, entre outros aspectos,
novos processos de regulação e gestão.
Desse modo, a inserção do país na lógica neoliberal, como coadjuvante no
processo de globalização em curso, sintonizado às premissas de liberalização
econômica, desregulação financeira, alterações substantivas na legislação previdenciária
77
e trabalhista e, fundamentalmente, na intensificação dos processos de privatização da
esfera pública, tem sido apresentada pelos setores dirigentes como um claro indicador
de modernização do até então Estado patrimonial. A perspectiva neoliberal é, nesse
contexto, ideologicamente difundida apenas como reformulação da gestão do
desenvolvimento capitalista.
No campo educacional, diversas agências configuram-se como interlocutores
desse ideário neoliberal ao apontar os caminhos da agenda educacional brasileira, como
o Banco Mundial, o BID e agências da ONU. Dar conta da análise da política de
Progressão Continuada demanda também a inserção no debate sobre os processos de
elaboração e execução de políticas públicas educacionais pós 1990, já que consideramos
que a implantação dessa política no Estado de São Paulo também é determinada pelos
condicionantes mais amplos que orientam a política brasileira. Isso por sua vez, implica
o entendimento de que os fundamentos que dão sustentação à política educacional
adotada pelo governo brasileiro, obviamente, não são gerados exclusivamente em
âmbito nacional. Em decorrência, ao admitir vinculações de abrangência mundial,
torna-se obrigatório considerar a influência direta ou indireta das agências
internacionais nas reformas de cunho neoliberal implantadas pelos governos, bem como
no direcionamento das políticas públicas, dentre elas a educação.
A justificativa para a adoção dessa abordagem encontra-se na constatação da
influência das agências internacionais no período analisado. Evidentemente, essa
influência não se resume a empréstimos financeiros, pois faz parte das metas dos
organismos financiadores voltar-se para as políticas públicas e sociais, em especial a
educação, por intermédio do estabelecimento de condicionalidades feitas aos países
tomadores de empréstimos, ao definir as metas, os prazos e os ajustes estruturais que
esses têm a cumprir.
Nesse sentido, o Banco Mundial e demais instituições associadas aparecem
como os principais articuladores de consensos sobre prioridades e estratégias de
reformas educacionais, as quais têm como alvo principal os países considerados “em
desenvolvimento” ou periféricos. É atribuído papel central à educação básica como fator
de desenvolvimento social e de garantia de estabilidade do sistema capitalista mundial.
É notório o papel que o Banco Mundial exerce no âmbito educacional na América
Latina e, particularmente, no Brasil ao difundir, entre outras medidas, em seus
documentos, uma nova orientação para a articulação entre educação e produção do
conhecimento, por meio da privatização e mercantilização da educação.
78
Das orientações gerais do Banco Mundial é possível depreender a prescrição de
políticas educacionais que induzem as reformas concernentes ao ideário neoliberal, cuja
ótica de racionalização do campo educativo deveria acompanhar a lógica do campo
econômico, sobretudo, a partir da adoção de programas de ajuste estrutural. A respeito
disso Soares (1996) afirma que:
Nos anos 80, a eclosão da crise de endividamento abriu espaço para uma ampla transformação do papel até então desempenhado pelo Banco Mundial e pelo conjunto dos organismos multilaterais de financiamento (...). De um Banco de Desenvolvimento, indutor de investimentos, o Banco Mundial tornou-se o guardião dos interesses dos grandes credores internacionais, responsável por assegurar o pagamento da dívida externa e por empreender a reestruturação e abertura dessas economias, adequando-as aos novos requisitos do capital globalizado. (SOARES, 1996, p. 20)
A atuação do Banco Mundial no âmbito das políticas educacionais tem indicado
o papel deste organismo internacional como importante interlocutor da política
macroeconômica, em sintonia com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e outras
agências multilaterais. A redefinição da função do Estado no Brasil, por meio da adoção
das diretrizes do Banco Mundial, segundo LEHER (2001, p. 162), efetiva-se na medida
em que “os empréstimos estão condicionados à adoção pelo país tomador das diretrizes
dos organismos. Sendo o MEC o equivalente a uma subseção do banco, a convergência
é completa”.
Esses indicadores revelam o caráter utilitarista presente nas concepções do
Banco Mundial para a educação, pois fragmentam e desarticulam a luta pela
democratização da educação em todos os níveis, entendida como um direito social
inalienável. A prioridade para o Banco Mundial é a educação básica, o que corresponde
ao Ensino Fundamental na organização brasileira, ou seja, aproximadamente nove anos
de escolarização mínima.
O Banco Mundial vem estimulando os países a concentrar os recursos públicos
na educação básica, que é responsável, comparativamente, pelos maiores benefícios
sociais e econômicos e é considerada elemento essencial para um desenvolvimento
sustentável e de longo prazo assim como para aliviar a pobreza. (TORRES, 1996, p.
131)
Entretanto, ao priorizar a educação básica escolar, restrita à aprendizagem das
habilidades cognitivas básicas, as propostas do Banco Mundial indicam que o discurso
da centralidade do conhecimento, a despeito de enunciado, configura-se como um
artifício de retórica e adesão às premissas do neoliberalismo, reduzindo o processo de
formação a uma visão de racionalidade instrumental, tutelada, restrita e funcional ante o
79
conhecimento universal historicamente produzido.
As reformas educativas propostas pelo Banco Mundial são justificadas pela
urgente necessidade da garantia de educação básica para todos, além de uma maior
racionalização dos investimentos para a educação. Entretanto, muitas vezes os objetivos
proclamados em documentos oficiais escamoteiam outras intenções que não as
explicitadas. Assim, o apelo à inovação e à modernização, como se o novo
necessariamente implicasse na melhoria do sistema educacional, são recorrentes nos
textos que tratam de reformas educacionais.
Os ajustes pautados pelas diretrizes neoliberais redundam em políticas de
contenção de gastos com setores sociais, descentralização administrativa, parceria com
o setor privado, terceirização, privatização, para garantir a flexibilização e
racionalização da máquina, apresentados como imprescindíveis para a modernização do
sistema.
É nesse contexto pragmático neoliberal que diversos encontros financiados por
agência internacionais, dentre elas o Banco Mundial, são realizados na década de 1990
com a finalidade de traçar para os países da periferia do capitalismo diretrizes para a
Educação. No ano de 1990, foi realizado em Jomtiem, na Tailândia, a Conferência
Mundial da Educação para Todos, financiada por diversas agências multilaterais, como
a UNICEF, a UNESCO, o PNUD e o Banco Mundial, além de 155 governos.
A Conferência Mundial de Educação para Todos foi uma referência fundamental
para as políticas educacionais desenvolvidas na década de 1990, principalmente entre os
países mais pobres e populosos do planeta. Esse evento foi um ponto de partida para
que o Brasil, que pertencia a um dos nove países com as maiores taxas de
analfabetismo, se comprometesse com os organismos internacionais visando reverter
esse quadro.
Várias metas e compromissos foram estabelecidos para o ano 2000, de modo que
a escolarização, em sua Educação Básica, garantisse as necessidades mínimas de
aprendizagem a toda a população. Essas necessidades básicas, de acordo com as
agências promotoras da conferência, deveriam adaptar-se às diferentes culturas de cada
povo, mas acima de tudo deveriam garantir o desenvolvimento pleno das capacidades
dos sujeitos, tornando-os aptos a continuar aprendendo e a melhorar a condição de vida
e sobrevivência.
Dessas estratégias resultaram seis principais metas a serem cumpridas até o ano
de 2000, já que nessa data foi marcado um encontro em que os governos deveriam
apresentar os esforços para melhorias na Educação. As metas consistiam em expandir a
80
assistência por meio da educação, garantir o acesso universal à Educação Básica,
melhorar a aprendizagem, reduzir a taxa de analfabetismo, principalmente entre as
mulheres, ampliar os serviços de Educação Básica a todos, de modo que garantisse o
desenvolvimento a todos os membros da família. (SHIROMA, et al. 2000)
Após o impeachment do presidente Fernando Collor de Melo foi estabelecido,
no Brasil, em 1993, o Plano Decenal da Educação, que visava cumprir as diretrizes
políticas propostas na Conferência Mundial de Educação para Todos. O Plano Decenal
da Educação foi uma maneira de operacionalizar as diretrizes propostas em Jomtien.
“Com esse plano, o Brasil traçava as metas locais (...) e acenava aos organismos
multilaterais que o projeto educacional por eles prescrito seria aqui implantado.”
(SHIROMA, et al, 2000, p.62) Vários documentos foram produzidos em todo o mundo
a partir de Jomtiem, e, principalmente os países periféricos, como o Brasil, firmaram
vários acordos a partir dessa conferência.
A CEPAL (Comissão Econômica para América Latina e Caribe) definiu também
alguns objetivos a serem cumpridos por seus países membros. Estabeleceu os Códigos
da Modernidade, sendo o conjunto de destrezas mínimas necessárias ao
desenvolvimento da vida em sociedade, basicamente o desenvolvimento da leitura,
escrita e operações aritméticas básicas.
No período de 1993 a 1996, a UNESCO produziu, sob a coordenação do francês
Jacques Delors, um documento revendo a política educacional de vários países da
atualidade. O relatório Delors propunha três desafios para o século XXI: desenvolver
em todos os países a ciência e a tecnologia, informatização da sociedade e por fim a
democratização, ou seja, viver em comunidade. Basicamente, o Relatório Delors
complementava as propostas de Jomtiem, também enfatizando o papel da família da
escola, e do devotamento por parte dos profissionais da educação, coerente com o
caráter neoliberal de tais propostas ao desresponsabilizar o Estado como promotor da
Educação.
A América Latina também procurou publicar documentos relativos à
universalização da Educação Básica. Em 1993, foi organizada uma conferência com os
ministros e especialistas em educação, que ficou conhecida como PROMEDLAC V, já
que foi realizada pelo Projeto Principal de Educação para a América Latina. Nesse
encontro, foram discutidas maneiras para “melhorar os níveis globais de qualidade das
aprendizagens”, que consistiam basicamente em não apenas reformar a escola, mas toda
a sua estrutura, assim como modernizar seus sistemas educacionais. (SHIROMA, et al,
2000)
81
No Brasil, o Fórum Capital-Trabalho reuniu-se na USP (Universidade de São
Paulo) em 1992 para discutir com representantes de várias esferas administrativas os
critérios de aplicação do dinheiro público na Educação. Foi aprovada uma Carta
Educação, que enfatizava a carência da Educação Básica brasileira e a falta de estrutura
na educação capaz de enfrentar a competitividade internacional para o desenvolvimento.
A carta não mencionava os aspectos da profissão docente, visto que esse é um eixo
central na discussão da melhoria da educação. “Sem qualquer referência aos baixos
salários e precária formação dos professores, condições objetivas a serem superadas
para a realização do bom trabalho pedagógico, a Carta Educação conclui: “vê-se por aí
que não faltam matrículas, falta eficiência”. (SHIROMA, et al. 2000)
O que podemos afirmar é que em diversos arranjos e políticas para
operacionalizar as metas da Conferência de Jomtienas diretrizes foram aplicadas com o
objetivo de garantir os indicadores quantitativos, tais como a taxa de matrícula bruta, o
número de aprovações e reprovações e evasão. Oliveira (2004) complementa esse
raciocínio afirmando que as diretrizes de Jomtien para erradicar o analfabetismo e
ampliar o atendimento no Ensino Fundamental têm como premissa a não elevação
proporcional dos investimentos públicos em Educação.
Diante dos novos objetivos, a escola pública é exposta a um intenso bombardeio
de políticas que vem adequá-la para os novos conceitos ligados à lógica neoliberal, pois
a crise estrutural demanda novas fontes e frentes de valorização do capital. Desta forma,
conceitos como produtividade e eficiência são aplicados na gestão e até nas práticas
pedagógicas. Isso acontece devido ao fato de a política educacional, tanto nacional
quanto internacionalmente, ser pensada e concebida por profissionais ligados mais à
economia do que à pedagogia. O discurso econômico chegou a dominar o panorama
educativo a tal ponto que o discurso propriamente educativo – o das realizações na
escola e no sistema educativo como um todo, o das relações e dos processos ensino-
aprendizagem na aula, “o da pedagogia, o da educação como tal – e seus portadores-
professores, pedagogos, especialistas em educação e áreas afins-são apenas
considerados nesse discurso e na sua formulação” (TORRES, 1996 p. 139).
Considerações Finais
O que podemos concluir é que as políticas educacionais da década de 1990
propostas, sobretudo, pelo Banco Mundial, são pautadas pelo imediatismo e são ligadas
ao governo e a administração partidária da época, sem uma visão do futuro. As políticas
82
são amarradas às exigências dos organismos internacionais, que são bem claros quanto
aos caminhos que os países como o Brasil devem seguir.
Tanto na sua concepção como na sua implementação, em vez de contribuir para
melhorar a qualidade, a equidade e a eficiência do sistema educativo, o pacote do Banco
Mundial está ajudando os países do em vias de desenvolvimento a reforçar e a investir
na reprodução ampliada – oculta talvez sob nova roupagem e modernas terminologias –
do modelo educativo convencional. (TORRES, 1996, p.176)
A respeito de garantir educação básica a todos- exigência do Banco Mundial
para países em desenvolvimento, Torres ainda conclui que: “A matrícula escolar se
constitui o indicador por excelência (e só a ele se reduz a compreensão do que significa
“universalizar o ensino de primeiro grau”), enquanto se dá pouca ou nenhuma atenção à
retenção, à conclusão e à aprendizagem efetiva. A educação é medida e valorizada pelo
número de certificados e/ou anos de instrução, e não pelo efetivamente aprendido.
(TORRES,1996, p. 177)
Desta forma, podemos afirmar que as políticas públicas para a educação no
Brasil confirmam a lógica utilitarista e mercadológica que configuram as relações
educacionais pautadas pelo ideário neoliberal que permeou a reforma do Estado
brasileiro da década de 1990 e que se fazem presentes até os dias atuais.
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84
TEXTOS E CONTEXTOS DAS MÍDIAS EDUCACIONAIS: RELATOS DE UM
ESTUDO DE CASO NA EDUCAÇÃO INFANTIL COM A OBRA CAÇADAS DE PEDRINHO DE MONTEIRO LOBATO
Solange de Andrade Ribeiro19
Sônia da Cunha Urt20
Resumo
O presente artigo apresenta uma parte de um projeto didático. Objetiva-se identificara partir da perspectiva histórico-cultural e da teoria da representação social as representações da cultura e do meio ambiente pantaneiro contida na obra Caçadas de Pedrinho de Monteiro Lobato, veiculadas por meio de diferentes mídias educacionais. Os resultados mostraram que as representações contidas na obra Caçadas de Pedrinho de Monteiro Lobato estão associadas à relação natureza/humano, com o entrelaçamento das subjetividades infantis e adultas. Entre outras considerações concluiu-se que a obra se constitui a partir de diálogos e imagens, e nesse processo produz novas relações de linguagens, outras representações do mundo real, da natureza e da relação homem/meio, representações capazes de criar novos conhecimentos sobre a natureza, a cultura e as interferências humanas, criando novos significados em relação aos diferentes ambientes.
Palavras- chave: Representações. Cultura e meio ambiente pantaneiro. Monteiro Lobato.
1 Introdução
19Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisa em Antropologia e Sociologia da Educação- (GEPASE). Pedagoga licenciada pela UFMS (2008), especialista em Mídias Integrada a Educação pela mesma instituição (2010). Mestranda do (PPGEdu) Programa de Mestrado em Educação (UFMS/2011). E-mail [email protected] 20Professora Doutora Associada do Departamento de Ciências Humanas DCH/UFMS e do PPGEdu. Coordenadora do GEPPE Grupo de Estudos e Pesquisa em Psicologia e Educação em cujo âmbito desenvolve pesquisas na interface Psicologia e Educação. E-mail [email protected]
Revista Eletrônica Pedagogia em Foco, v. 7, setembro de 2012
85
O presente artigo visa apresentar uma parte do projeto didático desenvolvido
durante a especialização em Mídias na Educação com alunos da Educação Infantil da
rede municipal de ensino do município de Campo Grande, MS no ano de 2009 e
2010. Objetiva compreender as representações da cultura e do meio ambiente
pantaneiro contida na obra Caçadas de Pedrinho de Monteiro Lobato. Pretende-se na
perspectiva histórico-cultural e na teoria da representação social analisar as
representações contidas na obra Caçadas de Pedrinho de Monteiro Lobato e na série
televisiva o Sítio do Pica-Pau Amarelo, destacando-se como as mesmas produzem
significados no imaginário infantil sobre a cultura e o meio ambiente pantaneiro.
No início do projeto, o foco estava voltado para a compreensão do meio
ambiente pantaneiro, valorizando o conhecimento desse espaço e a sua preservação, e
objetivava-se a utilização das mídias para esse fim. Porém, no decorrer do processo,
as informações levantadas pelo trabalho direcionaram a análise para as representações
da cultura e do meio ambiente pantaneiro expressas nas mídias e na obra Caçadas de
Pedrinho de Monteiro Lobato.
Esse artigo está organizado em cinco partes: na primeira, apresenta-se uma
breve caracterização do Pantanal e as relações entre a tríade sociedade, educação e
cultura pantaneira. Na segunda, aponta-se a relevância da perspectiva histórico-
cultural para o estudo da cultura e do meio ambiente pantaneiro entrelaçando com
algumas considerações a respeito da teoria da representação social. A terceira
apresenta os pilares epistemológicos da cultura, na literatura, e nas mídias. Na quarta
são apresentados os pressupostos metodológicos da pesquisa e na quinta, faz-se a
discussão e a análise dos dados. Por fim, são tecidas as considerações finais.
1.1 Cenário: ambiente pantaneiro
O Complexo do Pantanal, ou simplesmente Pantanal, constitui um bioma
formado por uma savana estépica, alagada em sua maior parte, com aproximadamente
250 mil Km2 de extensão, altitude média de 100 metros, situado ao sul de Mato
Grosso e no noroeste de Mato Grosso do Sul, ambos estados do Brasil, englobando o
norte do Paraguai e leste da Bolívia (denominado de chaco boliviano).
O Pantanal é considerado pela UNESCO Patrimônio Natural Mundial e
Reserva da Biosfera. Possui uma das maiores extensões úmidas contínuas do planeta
com 65% de seu território situado no estado de Mato Grosso do Sul e 35% no Mato
86
Grosso. É importante mencionar o que estudiosos enfatizam que dificilmente pode ser
estabelecido um cálculo exato de suas dimensões, porque há dificuldades em
estabelecer onde começa e onde termina o Pantanal e as regiões que o circundam,
pois as estações de seca e de águas modificam o Pantanal.
O Pantanal é singular com seus ciclos e movimentos, que delineiam não
apenas a paisagem natural pantaneira como também os modos de vida humana. Para
habitar essa região o homem precisou adaptar-se ao meio compreendendo-o para
depois relacionar-se, o que originou uma cultura específica desses homens21 que
habitam essa região. Nesse sentido, enfatiza-se que estudar o meio ambiente
pantaneiro remete a estudar as vicissitudes naturais, culturais e sociais, ou seja, é
olhar não apenas a natureza, mas o homem nas suas relações com o seu entorno
natural, (URT, 2006).
1.1.2 Cultura Pantaneira: a relação entre sujeito e conhecimento
Sempre que se pensa ou se fala do Pantanal se remete ao que lhe é singular,
“sua exuberância natural”. Ao se propor a trabalhar o Pantanal num projeto didático
que integrava as diferentes mídias, no contexto da educação infantil, já se sabia das
limitações e possibilidades, embora não se percebesse ainda que as representações
que existem sobre a cultura e o meio ambiente pantaneiro nos recursos paradidáticos
propõem o desenvolvimento de aprendizagens e conhecimentos do contexto regional.
O conhecimento do meio natural não é apenas um ato de exploração
humana, mas sim uma construção histórica que os sujeitos desenvolvem nas suas
relações enquanto grupos, que se organizam e transformam as condições objetivas
desse meio em condições naturais, sociais e culturais de existência. Nesse sentido, a
construção da identidade se dá no processo de constituição do sujeito a partir de suas
relações culturais e sociais, que se constitui por meio de suas trajetórias individuais e
coletivas, reflexo de sua história de vida. (REY, 2004).
A educação tem se constituído em um instrumento imprescindível no
decorrer desse processo de adaptação do homem com o meio natural e o seu entorno
social. De acordo com Leontiev (1978) o homem é um ser de natureza social, ou seja,
tudo o que há de humano nele é iminente de sua vida em sociedade, no interior da
cultura construída pela humanidade. E é na busca pelo seu desenvolvimento, na
21 Quando aqui se faz referência ao homem pantaneiro, consideram-se as pessoas que vivem no pantanal, homens, mulheres e crianças que têm modos de vida particulares, considerando que até mesmo a educação segue a sequência natural da região.
87
perspectiva de suprir suas necessidades, que o homem atua sobre a natureza
transformando-a e transformando a si próprio.
Nesse sentido, compreende-se que o ser humano constitui-se enquanto tal na
sua relação com o outro social e na sua relação com o mundo, mediada pelos
instrumentos e símbolos desenvolvidos culturalmente, (VIGOTSKY, 2003). A
constituição do sujeito é, portanto sempre um processo educativo, mesmo quando
essa educação é realizada de maneira informal. A educação é mais do que
sistematização e apropriação do conhecimento, pois o espaço educativo quer seja no
meio familiar, na escola, ou em outros contextos da sociedade é sempre uma prática
social.
2 Teoria histórico-cultural e teoria da representação social: um diálogo entre Vygotsky, Rey e Moscovici
A sociedade contemporânea tem passado por grandes transformações, não
apenas por transformações naturais, as quais têm sido constantemente destaque nas
mais diversas mídias, o que contribui para que essa discussão permaneça no cerne do
processo educativo, mas também por transformações humanas e sociais,
influenciando o meio ambiente, que também é um espaço humano.
As discussões a respeito das questões ambientais adquirem uma dimensão
cada vez maior no planeta, motivando o homem a adotar novas posturas diante dos
problemas que se apresentam. Torna-se imprescindível perscrutar as representações
que se tem sobre o meio ambiente, especificamente sobre o meio ambiente
pantaneiro, para assim buscar novas alternativas que subsidiem as ações em prol de
uma relação entre homem e meio baseada no equilíbrio.
Encontra-se na perspectiva histórico-cultural um fio condutor de análise da
relação homem-meio ambiente, pois a constituição cultural e social do ser humano
segundo a perspectiva de Vigotsky (2003) é marcada por uma série de elementos
ligados a cultura de um determinado espaço geográfico e social. Uma das ideias que
fundamenta a teoria de Vigotsky é que o ser humano constitui-se enquanto tal na sua
relação com o outro social e na sua relação com o mundo, mediada pelos
instrumentos e símbolos desenvolvidos culturalmente.
Em conformidade, Rey (2004) pondera que a subjetividade do ser humano
de dá de maneira inter-relacionada, é o individual e o social constituindo-se
reciprocamente. O autor argumenta que a subjetividade individual refere-se aos
processos e formas de produção subjetiva que contradiz e confronta os espaços
88
sociais de subjetivação. Já a subjetividade social é o sistema onde se integram
diferentes configurações subjetivas na vida social.
Dentro dessa análise, o espaço é essencial na construção das identidades
coletivas e individuais, visto que, os saberes e as práticas cotidianas resultam em
representações constituídas pelos elementos naturais e culturais que compõem uma
determinada região. Para aproximar-se de um diálogo entre as questões ambientais da
região pantaneira e a obra de Monteiro Lobato, adotou-se como referencial de análise
a Teoria das Representações Sociais.
Segundo Moscovici (1978 apud SILVA e BARCELOS 2005, p. 3) “[...] as
representações sociais e individuais são como conjuntos dinâmicos, seu status é o de
uma produção de comportamentos e de relações com o meio ambiente [...]”.
As Representações Sociais tem como intuito a formação de procedimentos e
orientação das comunicações sociais. É a partir dessas teorias do senso comum que os
grupos encaminham suas ações e interpretam a realidade, mediante a conversação.
Essas duas funções apresentam-se vinculadas ao processo de identificação no grupo,
que reconhece signos e práticas sociais próprias em seus pares.
Essa compreensão corrobora para a análise das representações que
circundam o entorno social do sujeito por meio dos mitos, lendas, fantasias, ou seja,
por meio das práticas discursivas. Segundo Vigotsky (1987), a linguagem expressa o
pensamento e é também uma forma de interação, de comunicação e elaboração. O
desenvolvimento humano se dá nessa perspectiva a partir das relações sociais que se
constituem pela linguagem, em processos que são denominados por Vigotsky de
mediação (pelo instrumento, pelo signo e pelo outro).
Desse modo, a constituição do sujeito é, portanto resultado de um processo
educativo, haja vista, que o espaço educativo existe no interior da prática social, é por
meio da relação de quem aprende com quem faz a mediação do conhecimento. Para
Gonzalez Rey (2004), o objetivo da educação não é simplesmente o de efetivar um
saber no aluno, mas levar o aluno a organizar sentidos subjetivos que se
transformarão em sistemas motivacionais que resultará em uma aprendizagem.
A tese da constituição desse sujeito da aprendizagem confirma o pressuposto
que a constituição do sujeito se dá pela natureza histórico-social do indivíduo. Pois,
não se trata de uma constituição pré-estabelecida, pois o sujeito vai se constituindo
por diversas formas, em todo momento de sua vida, dependendo das condições
objetivas e subjetivas que lhes são colocadas a disposição.
89
As relações sociais e as formas culturais de uma sociedade podem ser
expressas por meio da literatura, pela qual é possível dizer muitas coisas a respeito do
que se conhece do mundo, sobre o que se pensa, é por meio dela também que se
contam histórias e se possibilita às outras gerações o conhecimento do imaginário
constituído em um determinado período. A obra de Monteiro Lobato representa para
a sociedade brasileira o conhecimento de uma literatura que abrange características da
cultura brasileira.
Destaca-se assim, a relevância da teoria das Representações Sociais para
leitura do meio ambiente, pois as representações sociais podem ser adotadas como
fenômenos sociais apreendidos a partir dos contextos onde foram produzidas, isto é, a
partir das suas funções simbólicas que servem como meio de apropriação cultural, o
sujeito tem a sua identidade forjada a partir das relações culturais que ele estabelece
ao longo de sua vida.
Considera-se então, a concepção de educação apresentada como um processo
dinâmico de apropriação dos conhecimentos acumulados. O sujeito assimila
pausadamente a experiência histórico-social com a qual entra em contato em suas
relações sociais por meio das representações que perpassam todos os contextos da
sociedade. Essas representações estabelecem sistemas motivacionais ao qual esse
sujeito atribui um sentido que estrutura as suas ações.
3. Os pilares epistemológicos da cultura, na literatura e nas mídias
Salienta-se que as representações que condicionam os saberes, assim como
as práticas sociais que são constituídas no interior da sociedade são frutos de um
processo vivo e mutante que proporciona ao sujeito um arcabouço cultural próprio.
Esses saberes são frutos das práticas cultuais e sociais que permite ao sujeito se
posicionarem em relação às outras pessoas com as quais se relaciona. Essas
representações e saberes perpassam os instrumentos educacionais presentes na
sociedade.
A literatura traz em seu cerne desde ensinamentos diretos, objetivos até
traços e características de indivíduos ou situações que somados às experiências de
cada um podem contribuir para ampliar as ideias culturais das crianças. Nesse âmbito,
a literatura infantil apresenta-se não somente como veículo de manifestação cultural,
mas também como instrumento mediador entre o sujeito e o sistema de ideias que
compõe o todo social.
90
A linguagem por si só, constitui-se em um instrumento de interação entre o
pensamento humano e seu meio. Nos dias atuais essa comunicação pode ocorrer de
modo direto ou pode ser mediada por outros instrumentos e artefatos como as
tecnologias de informação e comunicação. Almeida (2000, p. 66) afirma que, “[...]
com o avanço do desenvolvimento tecnológico a escola passou a ser responsável por
propiciar o conhecimento das novas tecnologias e fornecer condições dos alunos e
professores o domínio das mesmas.”
Nesse sentido, as mídias passam a configurar novas maneiras para os
indivíduos utilizarem e ampliarem suas possibilidades de expressão, constituindo
novas interfaces para captarem e interagirem com o mundo. Nas relações entre a
literatura e a tecnologia, a educação ambiental captura informações de como os seres
humanos percebem, experienciam e concebem seus ambientes, expondo as relações
de saberes envolvidas na construção histórico-social do conhecimento.
Trazendo essa ideia para as obras de Monteiro Lobato, descobrem-se
histórias com personagens brasileiros, que contemplam características da região
pantaneira, sendo estes personagens colocados em circunstâncias experimentais em
que estão envolvidas uma ou mais representações de mundo em ação, inclusive
representações de conhecimentos científicos. Embora tecida com matéria prima
regional, a magia das histórias de Monteiro Lobato conserva entre outros aspectos,
seu caráter universal, colocando as crianças em contato com as múltiplas culturas
existentes.
4 Pressupostos metodológicos
A presente pesquisa ocorreu no Centro de Educação Infantil Triângulo Azul,
no município de Campo Grande, estado de Mato Grosso do Sul entre os meses de
fevereiro a junho do ano de 2010. Na sala de aula investigada foram observados vinte
e cinco (25) alunos matriculados, sujeitos desse estudo.
Inicialmente foi realizada uma pesquisa exploratória no intuito de levantar
pesquisas e relatos de experiências que contemplassem a mesma temática proposta.
Para tanto, pautou-se na abordagem qualitativa, no estudo de caso com características
da etnografia, em que o pesquisador precisa ter claro qual o seu objeto de observação,
o que e como observar. “Na medida em que o observador acompanha as experiências
diárias dos sujeitos, pode tentar apreender a sua visão de mundo, isto é, o significado
91
que eles atribuem à realidade que os cerca e às suas próprias ações”. (LÜDKE;
ANDRÉ, 2004, p. 26).
Os procedimentos em princípio basearam-se na pesquisa bibliográfica. A
partir de um levantamento bibliográfico, selecionou-se o material a ser trabalhado:
artigos científicos, teses e obras pertinentes ao tema, bem como os recursos que foram
utilizados na pesquisa de campo. A leitura e análise do material se estenderam
durante toda a investigação, tendo em vista não só uma revisão do que foi produzido,
mas também a definição de conteúdos necessários à leitura e análise de outros
resultados obtidos pela pesquisa de campo.
A coleta de dados dessa pesquisa abrangeu várias etapas. Primeiro um
levantamento temático para definir o tema em questão, a partir do interesse dos
próprios alunos. E a partir da literatura infantil chegou-se ao trabalho com o meio
ambiente pantaneiro e ao tema em questão.
No segundo momento buscou-se conhecer como tem sido a produção do
conhecimento sobre os descritores: representação, literatura e meio ambiente por
meio do estado da arte no banco de teses da CAPES e da ANPED. Dos treze
trabalhos encontrados para o estado do conhecimento, sete tratam especificamente
das representações. Dois são sobre as representações nas mídias, três sobre as
representações de professores a respeito do meio ambiente, da literatura e da infância
e dois trabalhos relacionados às questões étnicas.
Por fim, três trabalhos privilegiam as obras de Monteiro Lobato,a respeito
dos significados imagéticos contidos no site do Sítio do Pica-Pau Amarelo, e a última
acerca da produção e revisão textual contidas nas obras: “Os doze trabalhos de
Hércules”.
O presente trabalho se distingue por na sua fase inicial se tratar de um
projeto didático direcionado à prática pedagógica em sala de aula, fazendo a
articulação entre o referencial teórico histórico-cultural e a situações práticas do dia a
dia da sala de aula, valorizando as possibilidades didáticas contidas na obra de
Monteiro Lobato. Para o desenvolvimento desse artigo fizemos um recorte dos dados
produzidos no decorrer do projeto, buscando compreender as representações que
essas obras transmitem.
92
Os dados ora apresentados são o resultado da análise da obra Caçadas de
Pedrinho e dos recursos midiáticos da série televisiva da coleção Monteiro Lobato
(Memórias de Emília e Caçadas de Pedrinho).
5 Análise e discussão dos dados
A obra de Monteiro Lobato tem se firmado ao longo da história da literatura
brasileira como um marco da literatura destinada ao público infantil. A escolha pela
obra de Monteiro Lobato, deve-se primeiro ao fato de existir uma coleção na
biblioteca do Centro de Educação Infantil, e também porque as suas obras apresentam
uma forte preocupação com as questões ambientais.
Um grande contributo para esse processo é a expansão dos meios de
produção cultural para a infância, pois essas novas tecnologias oportunizam a
ampliação das experiências literárias, o que remete a uma compreensão de mundo
cada vez maior. Os avanços tecnológicos tornam possível a utilização de diversas
mídias no contexto educativo, desencadeando uma gama de apropriações simbólicas
geradoras de representações.
O processo de criação cada vez mais envolvido pelas tecnologias digitais
alimenta o imaginário das crianças. Nesse sentido, a obra de Monteiro Lobato
adaptada para televisão em 2006, tem sido digna de estudos e de utilizações dentro do
processo educativo.
A programação infantil é um espaço de projeções e identificações, em que os
contos de fadas servem para um encontro entre o mundo real e o imaginário da
infância. Desse modo, as relações e representações a partir das produções
audiovisuais possuem dimensões diferentes das produzidas pelo contato com a
literatura. É possível apreender por meio do trabalho com os audiovisuais (TV e
meios digitais) a dimensão simbólica da imagem representada. A questão estética das
imagens e efeitos produzidos contribui para os sistemas de abstração superiores
realizadas pelas crianças. Vigotsky (1998) destaca a importância das imagens
armazenadas pelas crianças na produção de novos sentidos, novos conceitos de
mundo.
Para o referido autor, é a partir das imagens que as crianças são capazes de
reelaborar concepções combinatórias adequadas, estruturantes das novas realidades
93
em consonância com os seus desejos e necessidades. A série televisiva do Sítio do
Pica-Pau Amarelo, bem como o site do mesmo, propicia uma reflexão constante sobre
a relação homem/natureza.
O enaltecimento da natureza é construído em consonância com a obra
original22. A relação entre o urbano e o rural é tratada com detalhes, constituindo-se
em uma rede de significados temporais que são passíveis de análise das crianças.
Em sua composição estética, a série televisiva e o site do Sítio do Pica-Pau
Amarelo na internet possibilitam às crianças, por meio de suas imagens e interações
sonoro-verbais, a identificação com o outro e com o imaginário existente além do real
vivido.
O trabalho com as mídias televisivas e computacionais promovem um
contato com o real, as crianças relacionam as mídias e as linguagens midiáticas como
um elemento constitutivo da realidade, eles desempenham uma representação do real
para o simbólico, e nesse processo internalizam novos conhecimentos que geram
novos modos de agir e pensar. Por meio do trabalho com a literatura, as crianças
partem do simbólico para o real, eles representam os valores, as normas, os
comportamentos e as regras por meio da fantasia e das simbologias construídas a
partir do conto literário.
Esses conhecimentos produzidos desencadeiam a percepção de temas
geradores que possibilitam uma maior compreensão do contexto regional e dos
aspectos que o singularizam, e isso compõe um saber que parte dos modos de vida
para os conhecimentos científicos e escolares.
5.1 As representações da cultura e do meio ambiente pantaneiro contida na obra: Caçadas de Pedrinho de Monteiro Lobato
No decorrer do desenvolvimento do projeto, trabalhou-se com cinco títulos
da coleção Monteiro Lobato, a saber: Caçadas da Pedrinho; O Saci, A Reforma da
Natureza, Bichos Brasileiros e Aves disponíveis na biblioteca do Centro de Educação
Infantil estudado. Os dados encontrados no decorrer de todo esse processo são
numerosos e relevantes, em função das produções escritas e digitais resultantes.
Entretanto, esse trabalho de conclusão se restringe a um artigo limitado à escolha de
01 obra para se fazer um recorte dos dados produzidos.
22 1ª Versão da obra lançada em 1933 Caçadas de Pedrinho teve origem no livro À caçada da onça.
94
A escolha pelo livro “Caçadas de Pedrinho” se fez em primeiro lugar pela
preferência das crianças, e depois pelo enredo que compõe todas as histórias
contempladas na obra. Num misto de relações entre o meio ambiente e o homem,
contemplando uma diversidade peculiar da região pantaneira, ainda que no interior
das histórias não se encontre a palavra Pantanal, mas sim, encontraram-se
características e animais que pertencem a essa região, Lobato (2008, p. 9-11) “[...] No
capoeirão dos Taquaruçus o Marquês de Rabicó escuta um miado que parece rugido
[...] Aquilo só podia ser onça-pintada, e das grandes! [...] Numa floresta [...], foi visto,
dentro de um cerrado de taquaruçus [...]”.
Muitas dessas características e falas se constituíram em uma fonte riquíssima
sobre as representações que circundam o Pantanal.
-Está louco Pedrinho? Não sabe que onça é um bicho feroz que come gente? (fala da menina Narizinho)- Sei, sim, como também sei que gente mata onça. (fala de Pedrinho) – Sabe Dona capivara, o que aconteceu à onça da Toca Fria? Morreu, disse o sagüi, fazendo uma carinha muito assustada. Morreu de quê sagüi?- Indagou a capivara. –De morte morrida ou de morte matada? –De morte matadíssima. Os meninos do sítio de Dona Benta, mataram-na a tiros, facadas e espetadas [...] A situação é bastante grave- disse por fim o animalão, depois de muito pensar e repensar. – Vejo que esses meninos constituem um grande perigo para nós aqui. Vou reunir uma assembléia de todos os bichos para discutirmos o caso. [...]. (LOBATO 2008, p. 22).
É relevante destacar que para Moscovici (1978) as representações sociais se
configuram como um modo de ação que produz comportamentos. Nesse sentido, é
por meio das representações sociais que a humanidade produz a ordem social.
Percebeu-se que as representações contidas na obra estão associadas à relação
natureza/humano. Nelas são abordadas as relações interpessoais com o
entrelaçamento das subjetividades infantis e adultas.
Ao se perscrutar a referida obra pôde-se entendê-la no contexto do qual
compartilham conceitos, explicações, ordens discursivas, formas normativas da
natureza, da ciência, do conhecimento de mundo, que podem ser associadas à
educação ambiental. Nas falas das personagens que compõe a obra as questões
ambientais aparecem por meio dos aspectos físicos e biológicos das personagens:
[...] No dia seguinte à tarde os animais foram chegando. Vieram as pacas, tão medrosinhas; vieram os veados ariscos; as antas pesadonas; os quatis sempre alegres e brincalhões; os cachorros-do-mato e as iraras de olhar duro; as jaguatiricas de movimentos macios. Vieram os tatus encapotados em suas cascas rijas [...]. Também vieram cobras [...]. (LOBATO 2008, p. 22).
95
A natureza é representada como um recurso disponível e irrestrito ao ser
humano. É possível perceber as representações de uma natureza em constante ameaça
pelas atividades humanas, e que as relações outrora desenvolvidas pela sociedade
levou ao aniquilamento de várias regiões e espécies.
Um jabuti adiantou-se e disse: - O meio que vejo é mudar-nos para outras terras. – Que terras? – Replicou a capivara. – Não há mais terras habitáveis neste país. Os homens andam a destruir todas as matas, a queimá-las, e reduzi-las a pastagem para bois e vacas. No meu tempo de menina podíamos caminhar cem dias e cem noites sem ver o fim da floresta. Agora quem caminha dois dias para qualquer lado que seja dá com o fim da mata. A ideia do jabuti não vale grande coisa. Impossível mudar-nos, porque não temos para onde ir. (LOBATO 2008, p. 23).
A natureza ainda aparece nessa obra como um lugar ameaçador para o
homem, (especificamente para o grupo de crianças do Sítio do Pica-Pau Amarelo), há
uma dicotomia entre a existência humana e a existência de um ecossistema “natural” 23. Os animais são representados fora de uma cadeia alimentar na obra literária, já na
versão digital a cadeia alimentar é apresentada. No entanto, nas duas versões essa
relação alimentar é apresentada de forma dualista, o que leva a interpretação da
existência de animais com personalidade má, cruel, agressiva, e animais dóceis.
[...] Declaremos guerra a eles. Reunamos todos os animais de dentes agudos e garras afiadas para um assalto ao sítio de Dona Benta. A capivara ficou pensativa. Isso de assaltar um sítio era realmente coisa que só onças e jaguatiricas podiam fazer, porque são animais guerreiros. – Sim disse a capivara-, a ideia não me parece de todo má, mas semelhante guerra só poderá ser feita por vocês, onças, ajudadas pelos cachorros-do mato e iraras [...]- Pois que fique a luta a nosso cargo-disse a jaguatirica. Encarregar-me-ei de reunir todas as onças e jaguatiricas e cachorros-do-mato e iraras da floresta para um ataque ao sítio de Dona Benta. Havemos de vencer aqueles meninos e comer todos da casa-inclusive as duas velhas. [...] pensaram os animais. As onças fariam a guerra. Se vencessem, a bicharia inteira das selvas estariam salvas de novas incursões dos meninos. Se não vencessem, a vingança deles iria recair sobre as onças e não sobre as outras. (LOBATO 2008, p. 23).
Lobato (2008), por meio da literatura infantil, soube mostrar suas
representações sobre as coisas do mundo. Na relação que Lobato faz entre o mundo
real e o mundo da fantasia, ele compõe por meio de representações sobre crenças,
mitos, ciência e fantasias presentes no imaginário social, trazendo para a discussão
importantes reflexões sobre temas ambientais, temas geradores de significados.
Como bem pontua Rey (2004), a aprendizagem é uma ação singular, em que o sujeito
atribui sentido às suas aprendizagens. 23Grifo nosso: O natural representado na obra, e aqui entendido por nós, como um lugar não habitado pelo homem.
96
Considerações finais
O trabalho com as questões ambientais no dia a dia escolar, mais do que uma
obrigação formal, se estabelece em uma exigência do mundo contemporâneo. As
obras de Monteiro Lobato mostram cenários “naturais”, sobre os quais se discutem os
modos de endereçamento, a dicotomia tantas vezes assumida entre alta e baixa
cultura, bem como com situações que envolvem e colocam em oposição o urbano e o
rural, o global e o local. E com as representações de natureza, que a configuram ora
como ameaçadora, ora como ameaçada em muitos desses episódios.
O Sítio do Pica-Pau Amarelo se constitui a partir de diálogos e imagens, e
nesse processo produz novas relações de linguagens, novos signos visuais, verbais,
outras representações do mundo real, da natureza e da relação homem/meio,
representações capazes de criar novos conhecimentos.
Essas contribuições fazem ponderar que os conhecimentos produzidos por
meio do trabalho com a obra de Monteiro Lobato, participam dos processos de
significação associados à fábula, à imaginação e à invenção. Eles não funcionam
como um desenho, ou cópia de um campo cultural único, ou ainda suposto como
original.
Nesse processo de significação produzem-se representações culturais sobre a
natureza, a cultura e as interferências humanas, criando novos significados em relação
aos diferentes ambientes. No que tange aos resultados do trabalho com as obras de
Monteiro Lobato, é válido ressaltar as possibilidades como produções literárias,
dramatizações, conhecimento dos aspectos da fauna e flora brasileira, além das
lendas, mitos e fantasias, que contribuem para a assimilação de conceitos e
aprendizagens significativas sobre o meio natural e cultural da criança.
Referências
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97
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98
EDUCAÇÃO PARA A DIVERSIDADE CONSIDERADO O CONTEXTO ÉTNICO-RACIAL
Elza Maria de Andrade24
Léo Huber25
Resumo Este artigo discute a importância da Lei 10.639, sancionada em 9 de janeiro de 2003, pelo Presidente Luís Inácio Lula da Silva, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e incluiu a obrigatoriedade do ensino da História e Cultura Afro-Brasileira em todos os currículos escolares. A reflexão sobre essa temática se justifica pela importância de se reconhecer como acontece a diversidade étnica racial/cultural no contexto escolar. Analisamos a realidade das escolas onde reflete e acontece o preconceito vivido na sociedade, inclusive como ele se dá de forma sutil na nossa literatura. Ainda encontramos escolas e professores que continuam sem preparo para contribuir com uma pedagogia de superação do preconceito desde a educação infantil. Faz-se necessário um novo olhar, na perspectiva da lei, que exige professores com uma formação que contemple essa proposta, imbuídos de novos comprometimentos político-pedagógicos e capazes de construir um novo saber-fazer sobre a questão racial no contexto escolar. Palavras-chave: Relações étnico-raciais. Diversidade. Educação. Introdução
24 Elza Maria de Andrade, Especialista emDidática e Metodologia do Ensino de História, graduada em Educação Artística e Desenho, é professora do curso de Pedagogia na FAMA/MG e do Curso de Artes na UNIJALES/SP. 25 Léo Huber, mestre em História Social pela PUC-SP, especialista em História do Brasil, é professor na FAMA/MG, e na UNIJALES/SP.
Revista Eletrônica Pedagogia em Foco, v. 7, setembro de 2012
99
Neste artigo que trata das relações étnico-raciais na escola, tem por objetivo
refletir como acontecem as ações de preconceito e discriminação vividas na sociedade e
que são transferidas para a escola com a mesma intensidade. Apontamos como o quadro
profissional da comunidade escolar ainda tem formação insuficiente para tratar destas
mesmas questões com a atenção que esta exige em busca de uma educação pela
igualdade na diversidade. Diante das novas proposições legais que determina que as
instituições de ensino abordem de forma efetiva e adequada a questão da história da
África e da cultura afro-brasileira, como forma de superar preconceitos e estereótipos
cristalizados ao longo de nossa história e que coloca em situação de inferioridade
grande parcela do povo brasileiro.
Desenvolvimento O Brasil contemporâneo participa do crescente debate em torno das políticas de
promoção da igualdade das relações étnico-raciais. Cresce em instituições de ensino de
todo território Nacional o número de iniciativas com o objetivo específico de atender
uma alteração da LDB determinada pela lei 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que tornou
obrigatório, na educação básica, o ensino de história e cultura africana e afro-brasileira e
a educação para as relações étnico-raciais. Esta lei foi ratificada pela Lei 11.645, de 10
de março de 2008, que acrescentou a história e cultura indígena ao texto original da
10.639/03, com a designação final de “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena” e
como constatamos a seguir:
Art. 1o O art. 26-A da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar com a seguinte redação: Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena. § 1o O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil. § 2o Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileiras (LEI 11.645/2008).
100
A alteração na LDB promovida pelas duas leis reforça e amplia este preceito,
apontando os temas que devem constar no conteúdo programático das escolas
especificamente com relação à história e cultura africana, afro-brasileira e dos povos
indígenas. Determina a inserção destes temas em todo o currículo escolar, em diferentes
disciplinas, e institui o Dia da Consciência Negra (20 de novembro) no calendário
escolar.
A Lei 10.639/03 determina que a cultura Afro-Brasileira deve ser valorizada e reconhecida como elemento integrante da cultura brasileira, e que cidadãos afrodescendentes não deverão ser mais sujeitos de invisibilidade histórica e vítimas de discriminações. Determina também, que a escola deve ser o órgão responsável por promover a inclusão destes grupos que foram excluídos da história do Brasil (RIBEIRO, 2004, p. 07).
A interpretação da lei na visão de Ribeiro aponta para as prioridades de superar a
invisibilidade dos grupos afrodescendentes e indígenas como forma de combate ao
preconceito. Como afirma André Lázaro, Secretário de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade (SECAD) do MEC, citado por Celani:
O preconceito racial não é um problema dos negros, é um problema do Brasil. É um problema que deve ser combatido por todos os brasileiros”. Um ambiente escolar sem preconceito certamente contribui para aprimorar o desempenho dos alunos. E uma criança aprende melhor lendo coisas que sejam interessantes para ela; se eu consigo que alunos negros leiam sobre História da África, estarei contribuindo para o aprendizado da leitura (CELANI, 2008, s.p.).
Celani aponta para leituras interessantes, o que exige que a visão estoriotipada
que hoje temos dos povos afros e indígenas provoque desinteresse em leituras desta
história, normalmente vistos como incapazes e sem cultura. Observa-se então que até
para ler seus textos de história precisamos reconhecer a princípio que são povos com
história, cultura e capacidade.
O avanço legal nesta área representa um reconhecimento das antigas
reivindicações e preocupações do movimento social negro em nosso país em relação à
educação, cuja bandeira de luta consiste em incluir no currículo escolar o estudo da
história e cultura afro-brasileira. Representa um avanço e abre caminho para a
construção de uma educação antirracista, ao garantir promover a cidadania e a igualdade
racial por meio de práticas educacionais que valorizem o “outro”.
Nessa legislação que traz consigo o debate das políticas afirmativas e a
educação, poder-se-á avançar na compreensão das mesmas dentro das atuais condições
de organização social para a reflexão mais ampla em relação à questão racial, na
perspectiva da transformação social conforme reflete Paixão(2000). Por outro lado, não
101
podemos nos esquecer que ainda precisamos de muitas ações para que a Lei não se
torne letra-morta e contribua, de fato, para uma educação multicultural e o
questionamento das relações sociais desiguais.
A realidade demonstra que ainda é tímida implementação da lei em nível
nacional. As iniciativas que ocorrem ainda de forma isolada e sua implementação vêm
seguindo o compasso descontínuo. Ainda há muito por fazer para que a LDB seja
realmente cumprida por todas as etapas de ensino no que tange à lei 10.639/03, e
particularmente nas 203,9 mil escolas de educação básica brasileiras (Censo Escolar
2006, INEP), escreve Celani (2008). Porém, as ações em curso nesta direção estão
aumentando não apenas quantitativa, mas qualitativamente e esse movimento abre
caminhos para que a lei 11.645/08 seja aplicada de fato.
Fora da África, o Brasil é o maior país em população negra do mundo, segundo
o IBGE em 2005, cerca de 91 milhões de pessoas (quase 50%) se assumem oficialmente
como “pretas” e “pardas”. É urgente que as políticas de ações afirmativas, políticas de
reparações e de reconhecimento e valorização de sua história, cultura e identidade, se
tornem uma realidade palpável. Pensar uma escola que tenha por base uma educação na
perspectiva da pluralidade étnico-racial, romper com o modelo pedagógico vigente e
incluir o afro-descendente de forma igualitária na sociedade civil tornou-se pauta da
reflexão do meio educacional brasileiro.
A formação de opiniões quando o tema é população afro-brasileira passa pela
questão cultural e também pelos ambientes educativos de nossas escolas, com uma
visão preconceituosa reforçada pela sistemática do ensino da história da escravidão no
Brasil. As tensas relações entre brancos e negros fazem parte do universo das escolas e
inúmeras vezes são simuladas como harmoniosas ou retratadas como singulares e
normais pelos profissionais da educação, escreve Fávero (2007).
Presenciadas por muitos educadores e colegas os alunos afro-descendentes que
sofrem discriminação nas escolas, aprendem a permanecer calados, por motivos como
humilhação, falta de confiança nos professores para intervirem na situação, a própria
sociedade que camufla situações de racismo, tudo escamoteado numa idéia que povo
brasileiro não é racista. Fáveronos faz refletir a partir da seguinte afirmação:
As atitudes, idéias e intenções do aluno negro, envolvido em situações de discriminação e racismo, podem ser algumas vezes, julgadas negativamente, antes mesmo de ele se manifestar ou tomar qualquer iniciativa considerada equivocada pelos não negros(FÁVERO, 2007, p.8).
102
Reforçado por um sistema educacional que contribuiu para disseminar através
dos próprios livros didáticos e da ação didática pedagógica ao longo de décadas, uma
imagem negativa, de inferioridade, de passividade da população afro-brasileira, deve-se
reconhecer que o brasileiro tem um conhecimento com idéias preconceituosas
alimentada por pouca informação e por um conhecimento desvirtuado sobre a
verdadeira história dos afro-descendentes e da própria história da África, gerando e
reforçando o preconceito. Assim Felipe e Teruya entendem que:
Trata-se de um conhecimento sincrético. Começa com a entrada do negro no Brasil como mercadoria. A imagem do negro descalço, seminu e selvagem é mostrada na literatura escrita por brancos, sem contar a história do africano livre, dono de sua própria vida e produtor de sua própria cultura. Ao falar dos aspectos da cultura africana e da história do negro no Brasil, entramos em um campo de tensões e de relações de poder que nos leva a questionar as representações e os estereótipos sobre a África, os africanos, negros brasileiros e sua cultura. A idéia de inferioridade cultural dos negros, construída historicamente e socialmente, justificou os processos de dominação, colonização e escravização (FELIPE; TERUYA, 2008, s.p.).
Quando se fala em discriminação étnico-racial nas escolas, refere-se a práticas
discriminatórias, preconceituosas, que envolvem um universo composto de um
imaginário produzido por visões distorcidas e esteriotipadas, por relações raciais
pessoais entre os estudantes, professores e direção da escola, mas também o forte
racismo repassado através dos livros didáticos. Não pode ignorar ainda o racismo
institucional, refletido através de políticas educacionais, que até hoje afetaram
negativamente a população afro-descendente.
Na pesquisa realizada pela Professora Ana Célia da Silva, da Universidade
Federal da Bahia, intitulada “Estereótipos e Preconceitos em Relação ao Negro no Livro
de Comunicação e Expressão de 1º grau, nível 1 (1ª à 4ª séries)”, constatou-se a
existência de uma ideologia da inferiorização do negro que é fortalecida na escola
através do livro didático e do professor, sob a forma de estereótipos e preconceitos. Os
dados apontaram também, que o professor, figura importantíssima na educação do
aluno, lamentavelmente, não percebe a presença destes estereótipos e preconceitos, bem
como o destacado papel que exerce como o grande mediador no processo ideológico,
reforçando a transmissão destes estereótipos e preconceitos (SILVA, 1987, p. 91-98).
A escola como reprodutora das relações da sociedade reflete o racismo, o
preconceito e a discriminação. Ali crianças, adolescente e adultos agem com todos os
valores e não valores culturalmente assimilados dos grupos a qual pertencem como
famílias, amigos, religiões, comunidades. Uma rápida análise nas relações pessoais nas
escolas facilmente constatará como o preconceito manifesta-se em brincadeiras ou
103
apelidos alusivos à cor, na seleção racial do colega de estudo ou do banco escolar e na
própria expectativa do professor quanto ao rendimento do aluno negro quando
comparado ao branco.
A convivência com a imagem estereotipada, que causa danos psicológicos e
morais, pode bloquear a personalidade étnica e cultural do afro-descendente, levando-os
a serem vistos, muitas vezes, como menos capazes.
Cunha Júnior (1998) enfatiza que o racismo, o preconceito e a discriminação são
os malefícios que existem tanto na escola quanto na sociedade em geral, muitas vezes
mascarados e naturalizados ou, ainda, assumidos explicitamente nas atitudes, nos
valores e nas normas vigentes, presentes em nosso cotidiano. São manifestações de um
processo cruel de dominação, que mina a cultura dos grupos sociais considerados
dominados entre nós, os negros e os indígenas.
Denota-se uma realidade atroz na medida em que a escola não está preparada
para lidar com a questão racial, com raras exceções, e que a postura do professor com
sua condição de autoridade na sala de aula, por ser aquele que transmite conceitos que
serão absorvidos pelos alunos normalmente como verdades científicas. Por tal motivo a
formação do professor, no que toca a sua visão sobre o negro, é imprescindível.
Numa sociedade em que se mascara o preconceito racial em nome de uma
harmonia social, os educadores se tornam involuntariamente e até inconscientemente
propagadores destes comportamentos, numa defesa que o racismo que parece estar
sempre “no outro”. Favero (2007) enfatiza que concepções de superioridade de cultura,
de superioridade de raça são passadas pela escola em todos os níveis de ensino e
introjetadas por professores e alunos. Enquanto os primeiros perpetuam, através de seu
discurso, essas ideias, os alunos as assimilam e reproduzem a partir de gestos e
comportamentos.
Conceitos como raça, racismo e preconceito tornam-se mais importantes quando refletimos a respeito de qual o impacto da discriminação sobre população negra e não negra e sobre o papel que a escola tem desempenhado para discutir situações de racismo e de discriminação envolvendo a população pobre e negra desse país. A questão é, também, social (FÁVERO, ano 2007, p.8).
Diante de um quadro social desta natureza Felipe e Teruya apontam que:
Ações de transformação devam acontecer na sala de aula, especialmente formar um novo perfil de professor e professora e de aluno e aluna que, no exercício da reflexão sobre o seu “eu” e o “outro”, apropriem-se dos saberes sobre a história e a cultura afro-brasileira e africana (Felipe; Teruya, 2008 s.p.).
104
Ainda segundo Fernandes (2005) um dos gargalos do sistema educacional
brasileiro reside na qualificação do corpo docente, sobretudo os que exercem o
magistério nas séries iniciais do ensino fundamental. Esses professores e professoras,
em sua maioria, recebem uma formação polivalente e, portanto, precisam de
qualificação para trabalhar com essa nova temática curricular. A Lei 10.639/2003 tem
um caráter obrigatório para todo o magistério e com a função estratégica para a
formação do cidadão brasileiro. Para cumprir a lei, os conhecimentos relativos a essa
temática devem ser socializados entre os demais educadores e educadoras e ampliados
para toda comunidade escolar.
Destaque-se que o curso de Pedagogia da FAMA tem em sua grade a disciplina
que contempla essa formação, oferece aos futuros pedagogos a reflexão, o
conhecimento e abre novas perspectivas para uma atuação educacional calcada numa
nova visão sobre a história da África e de cultura afro-brasileira.
Munanga (2008) afirma que desconhecer a Lei contribui para o fortalecimento
de resistências na aplicação da própria Lei, mas lembra que é preciso que não
confundamos não conhecer com não querer conhecer, Portanto é papel fundamental das
instituições formadoras oferecer por meio de formação continuada e nas grades
curriculares regulares a oportunidade de conhecer e aprofundar estes conteúdos, como
aponta o MEC.
[...] a necessidade de se insistir e investir para que os professores, além de sólida formação na área específica de atuação, recebam formação que os capacite não só a compreender a importância das questões relacionadas à diversidade étnico-racial, mas a lidar positivamente com elas e sobretudo criar estratégias pedagógicas que possam auxiliar a re-educá-las (MEC PARECER N.°003/04).
Para o cumprimento desta tarefa observa-se a necessidade de mais publicações
de material didático-pedagógico que possa dar suporte técnico à atuação no processo de
ensino e aprendizagem, para tanto, é necessário um esforço por parte dos órgãos
governamentais ligados à área de promoção da igualdade racial para oferecer, também
em parceria com as instâncias educacionais, cursos de extensão sobre a história da
África e de cultura afro-brasileira.
O Presidente Fundação Cultural Palmares, afirmou acreditar:
[...] que o ensino da História e da Cultura Afro-Brasileiras representará um passo fundamental para um convívio social caracterizado pelo mútuo respeito entre todos os brasileiros, na medida em que todos aprenderão a valorizar a herança cultural africana e o protagonismo histórico dos africanos e de seus descendentes no Brasil (SOUZA , 2005, p.7).
105
Consideração final
O grande desafio é vencer estereótipos e preconceitos, criar um panorama que
favoreça a curiosidade e o interesse por novos conhecimentos e como fazer para que os
professores/professoras e os alunos/alunas compreendam que instituir práticas
curriculares que incentivem a alteridade é caminho para construir uma educação menos
excludente. Certamente há ainda há um longo caminho para que o professorado, como
categoria, compreenda a importância da sua prática e da ingenuidade de acreditar na
neutralidade do seu trabalho, de suas ações e de sua postura. Além de inserir novos
conteúdos no currículo escolar, para efetivação da Lei 10.639/2003, é imprescindível
questionar e muitas vezes desconstruir os conhecimentos sociais já instituídos nos
currículos(FELIPE E TERUYA, 2008).
Referências
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106
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107
INTEGRAÇÃO DAS TECNOLOGIAS NO PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO: ESTADO DA ARTE
Marilusa Rossari26
Marcelo Bolfe27
Resumo
O presente artigo caracteriza a produção acadêmica referente ao projeto político-pedagógico desenvolvidopelos discentes de Pós-Graduação (PPG)Stricto Sensu na área de educação. Trata-se de resumos das produções acadêmicas de universidades públicas e privadas, em âmbito nacional, coletados em portais de domínio público da Capes no período compreendido entre os anos de 2001 e 2009, totalizando 189 dissertações relacionadas aos projetos político-pedagógicos na Educação Básica. A análise da questão proposta sobre projeto político-pedagógico apoia-se nos argumentos teóricos de Veiga (1995, 2008), e Vasconcellos (2002). Já Sancho (1998), Mercado (2002), Almeida (2000, 2003, 2010) e Kenski (2007) são autores que subsidiam a análise no que tange a integração das tecnologias no projeto político-pedagógico. O problema que orienta a investigação desta pesquisa busca conhecer como a perspectiva das tecnologias é abordada nas investigações acadêmicas que têm como foco de estudo o projetos político-pedagógico das instituições educacionais de educação básica. Para a realização deste estudo, a metodologia adotada foi a pesquisa do tipo estado da arte. Como resultado da pesquisa, de acordo com os dados levantados, concluímos que a discussão em torno da integração da tecnologia no projeto político-pedagógico não é objeto de estudo representativo nas pesquisas, sendo que os estudos focalizam em maior número a formação dos professores. Palavras-chave: Projeto Político-Pedagógico. Educação Básica. Tecnologias Educacionais.
26 Diretora da Escola Ecológica Marista em Almirante Tamandaré. Mestranda em Educação pela PUC – Pontifícia Universidade Católica de Curitiba. E-mail: [email protected]. 27 Coordenador de Curso e Docente do Centro Educacional Marista em Londrina. Graduado em Tecnologia em Processamento de Dados e Matemática. Especialização em Informática na Educação e Mestre em Educação pela Universidade do Oeste Paulista. E-mail: [email protected].
Revista Eletrônica Pedagogia em Foco, v. 7, setembro de 2012
108
INTRODUÇÃO
O cenário que se apresenta para o século XXI se caracteriza por “um período de entusiasmo e
apoio político e econômico à introdução das tecnologias digitais no sistema educacional” (SANCHO,
2006, p. 170).
Contudo esta afirmação ainda não reflete a realidade de grande parte das instituições de ensino
que buscam integrar-se a cultura tecnológica, enquanto recurso para atingir de forma efetiva os princípios
elencados por Veiga (1995, p.16):
a) igualdade de condições para acesso e permanência na escola; b) qualidade de ensino para todos; c) gestão democrática; d) liberdade e autonomia da escola e de todos os envolvidos; e) valorização do magistério.
As mudanças causadas com o advento das tecnologias mudam de conhecer, compreender e agir
sobre mundo (SANCHO, 2006) e consequentemente acabam por influenciar a própria forma de
manutenção dos princípios necessários para organização e gestão escolar.
Considerando as mudanças citadas por Sancho (2006) é possível percebermos que mudamos a
forma de nos comunicar, de lidar com as informações e de fazer nossas intervenções no mundo. Hoje a
comunicação é mais rápida e eficaz por meio das tecnologias disponíveis. Dessa maneira, ela pode
auxiliar significativamente no modo que os espaços educativos conduzem seus processos e intervir na
prática educativa potencializando a aprendizagem.
Na Rede de Solidariedade do Grupo Marista, uma das tarefas da equipe de gestão é buscar
alternativas para aprimorar os processos relacionados ao ensino e aprendizagem assim como a
comunicação com a comunidade e, no século XXI não podemos esquecer que todos estes processos são
permeados pela tecnologia e para isso é necessário planejar o processo a integração desta tecnologia.
A proposta de planejamento das ações da Rede delineadas pelo projeto pedagógico é a
integração curricular das tecnologias educacionais. Portanto, neste estudo buscamos identificar como as
pesquisas que têm como objeto de estudo o Projeto Político Pedagógico oferecem subsídios para o
planejamento das ações da escola considerando a integração das tecnologias.
O PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO
Os estudos referentes ao Projeto Político-Pedagógico (PPP) são de fundamental
importância para compreender as inter-relações entre a escola e sua autonomia,
expectativas, necessidades e condutas em relação ao território onde está inserido.
O Projeto Político Pedagógico é um documento que regulariza e norteia todas as
ações educativas, discute os problemas, as especificidades e as necessidades da escola,
além disso, define direitos e deveres, o calendário escolar e a forma de avaliação.
109
Segundo Vasconcellos (2005), o projeto político-pedagógico:
pode ser entendido como a sistematização, nunca definida, de um processo de Planejamento Participativo, que se aperfeiçoa e se concretiza na caminhada, que define claramente o tipo de ação educativa que se quer realizar. É um instrumento teórico-metodológico para a intervenção e mudança da realidade (VASCONCELLOS, 2005, p. 169).
Para que esta mudança se concretize a LDBEN (BRASIL, 1996), em seu artigo 12, inciso I,
prevê que os “[...] estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as de seu sistema de
ensino, terão a incumbência de elaborar e executar sua proposta pedagógica.” (BRASIL, 1996).
Diante dessa possibilidade, o Projeto Político-Pedagógico representa a expressão de autonomia
da escola para formular e executar sua proposta de trabalho. A partir da lei, o PPP passa a ser um
documento juridicamente reconhecido, que norteia as atividades desenvolvidas no espaço escolar e tem
como objetivo central identificar e propor alternativas para melhorar a qualidade do ensino,
reorganizando seu trabalho pedagógico.
No entanto, para VEIGA (2001), sua eficiência depende, em parte, do compromisso dos
envolvidos em executá-lo, pois é um instrumento de trabalho que:
Mostra o que vai ser feito, quando, de que maneira, por quem, para chegar a que resultados. Além disso, explicita uma filosofia e harmoniza as diretrizes da educação nacional com a realidade da escola, traduzindo sua autonomia e definindo seu compromisso com a clientela. É a valorização da identidade da escola e um chamamento à responsabilidade dos agentes com as racionalidades interna e externa. Esta ideia implica a necessidade de uma relação contratual, isto é, o projeto deve ser aceito por todos os envolvidos, daí a importância de que seja elaborado participativa e democraticamente (VEIGA, 2001, p.110).
Em consonância com Veiga (1995, p.23), considera-se que por se tratar de um
projeto político é importante conhecer as finalidades estabelecidas na legislação em
vigor e o que a escola defina o que ela persegue com maior ou menor ênfase. São elas:
a) finalidade cultural: compreensão da sociedade em que vivem; b) finalidade política e social: participação política e cidadania; c) finalidade de formação profissional: compreensão do papel do trabalho; d) finalidade humanística: o desenvolvimento integral da pessoa.
A partir das finalidades, estabelecem-se diretrizes básicas de organização e funcionamento da
escola, integradas às normas comuns do sistema nacional e do sistema ou rede ao qual ela pertence,
reconhecendo e expressando a identidade da escola de acordo com sua realidade.
Partindo da premissa de que é necessário melhorar a qualidade do ensino, a discussão em torno
do projeto político-pedagógico se volta para a discussão da autonomia e da inovação e nesta inovação não
110
podemos nos esquecer das tecnologias. Tanto na estrutura administrativa quanto na estrutura pedagógica,
aliadas aos demais princípios da organização do trabalho escolar, apontados anteriormente. Com base em
Veiga (1995), considera-se que o projeto político-pedagógico é norteador de toda a organização da escola,
refletindo a própria organização da sociedade. Nesse aspecto, podemos considerar que a integração da
tecnologia pode contribuir para a construção de uma nova forma de organização das instituições
educacionais.
INTEGRAÇÃO DAS TECNOLOGIAS NOS PROJETOS POLÍTICO- PEDAGÓGICOS
Integrar as tecnologias nos projetos político-pedagógicos, bem como na prática da escola, é um
desafio com o qual a educação se depara. Esse processo exige que tenhamos um olhar amplo para todos
os fatores que contribuem no processo educacional. Nesse contexto, é de fundamental importância que o
espaço possua bons equipamentos, que funcionários, pais, alunos e comunidade tenham acesso à
tecnologia – com a possibilidade de uso além do espaço do laboratório de informática –, e formação
adequada dos professores (SANCHO, 2006).
Para isso é necessário investir tanto na preparação dos professores e dos demais educadores que
atuam na escola, incluindo os gestores, de modo que cada um deles possa inserir a tecnologia à sua
prática. Pois,
ter acesso à tecnologia não quer dizer apenas estar inserido na sociedade da informação, mas principalmente saber utilizar essa tecnologia para a busca e a seleção de informações que permita a cada pessoa resolver os problemas do cotidiano, compreender o mundo e atuar na transformação de seu contexto (ALMEIDA, 2005, p.71).
Estar inserido na sociedade da informação vai além de possuir acesso à tecnologia, são
necessárias transformações organizacionais para o uso adequado das tecnologias incorporadas ao
processo de ensino e aprendizagem e de gestão do espaço educativos.
A formação da equipe pedagógica, do gestor, professores e até da comunidade é fundamental
para que mudanças possam ocorrer.
A presença de uma determinada tecnologia pode induzir profundas mudanças na maneira de organizar o ensino [...] existe uma relação direta entre educação e tecnologia. Usamos muitos tipos de tecnologias para aprender e saber mais e precisamos da educação para aprender e saber mais sobre as tecnologias (KENSKI, 2007, p. 44).
A mesma especificidade na compreensão da escola, proposta para a concepção do Projeto
Político Pedagógico, também deve ser considerada na integração das tecnologias no contexto escolar.
111
em uma perspectiva que extrapola a ideia de ferramentas de auxílio ao ensino, sendo “[...] compreendidas e incorporadas pedagogicamente [o que] significa [...] respeitar as especificidades do ensino e da própria tecnologia para poder garantir que o uso, realmente, faça diferença (KENSKI, 2007, p. 46).
Além disso, “não se trata apenas de adaptar o modelo de escola tradicional aos novos
equipamentos ou vice-versa, já que “[...] novas tecnologias e velhos hábitos de ensino não combinam”
(KENSKI, 2003, p. 75).
Considerando que a tecnologia pode permear toda a estrutura do espaço escolar, Sacho (2006,
p.23) orienta que a integração contribui para:
a) promover uma cultura de mudança pedagógica e tecnológica nas escolas; b) oferecer alternativas para superar as limitações que dificultam a mudança e melhoria dos ambientes educativos; c) propiciar um papel protagonista à comunidade educativa como agente de mudança e melhoria da escola.
Caso essas contribuições apontadas por Sancho (2006, p.23) não ocorram, a tecnologia na escola
não promoverá formas alternativas para ensinar e aprender, pelo contrário, costuma reforçar as estruturas
e as relações de poder existentes. E estas mudanças necessitam estar previstas no documento norteador
da escola.
Nesse contexto, defende-se que o professor deve dar sentido e significado à sua ação.
[...] para assumir novas perspectivas filosóficas, que contemplem visões inovadoras de ensino e escola, aproveitando-se das amplas possibilidades comunicativas e informativas das novas tecnologias, para a concretização de um ensino crítico e transformador de qualidade. (KENSKI, 2006, p. 73)
No intuito de contribuir para a essa concretização, os dados e análises realizadas neste artigo
poderão contribuir de forma significativa para reflexões acerca da apropriação das tecnologias TIC por
parte dos atores escolares e para a discussão a respeito dos desafios centrais de sua integração nos
projetos político-pedagógicos.
METODOLOGIA
O mapeamento das pesquisas científicas, ancoradas no estado da arte, requereu a
consecução das seguintes etapas para apresentação do resultado:
a) definição da palavra-chave: Projeto Político Pedagógico e Educação Básica;
b) exploração das possibilidades de busca no Banco de Teses e Dissertações da CAPES;
c) captura dos títulos mostrados pelo BDC entre os anos de 2001 e 2009;
d) transferências da lista fornecida pelo BDC para uma planilha Excel;
112
e) classificação pelos indicadores elaborados para a pesquisa;
f) leitura dos resumos das dissertações;
g) elaboração da planilha de análise do conteúdo dos resumos;
h) análise dos resumos selecionados através do software Atlas.TI;
i) análise final do resultado.
No primeiro levantamento, obtivemos uma listagem de 189 periódicos na área. A seguir, fizemos
a segunda filtragem, procurando identificar pelo título e/ou temática abordada. Nesse processo,
percebemos que muitas vezes os títulos dos periódicos não expressam o que a pesquisa pretende.
A próxima fase foi acessar os resumos de todas as publicações para realizarmos a seleção das
pesquisas com o propósito de analisar a produção científica na área de educação voltada para as questões
relacionadas aos projetos político-pedagógicos. O resultado dessa seleção foi uma listagem de 84 resumos
que discutem o tema Projeto Político Pedagógico na Educação Básica os quais foram transferidos ao
software Atlas.Ti e sobre o qual procedemos a análise.
O QUE NOS REVELAM AS PESQUISAS
Por meio dos dados analisados,observamos que as temáticas apresentadas nas
dissertações relacionadas aos projetos político-pedagógicos apresentam os temas
listados no Quadro 01.
Número de pesquisas Temáticas 10 Formação De Professores 06 Currículo 06 Gestão 05 Necessidades Educacionais Especiais 04 PPP 03 Educação ambiental
03 Educação infantil 04 Avaliação institucional 02 Evasão 02 Políticas educacionais do campo 02 PDE – Plano Desenvolvimento da Educação 01 Educação Técnica\Profissional 01 Não Retenção 01 Escola Indígena 01 Modelo Multinível 01 Educação Para o Trabalho 01 Escola Pública 01 Reforma Do Ensino Médio 01 Interdisciplinaridade Na Educação 01 Gênero 01 Medida Socieducativa 01 Praticas Educativas, 01 Ensino Fundamental de 9 anos 01 Professores Contratados 01 Música 01 Cidadania 03 Avaliação
113
01 Práticas profissionais dos professores de Creches 01 Voluntariado, 01 Conselho de Classe 01 Língua Portuguesa 01 Pedagogia das africanidades 01 Direitos Humanos 01 Desenvolvimento Sustentável 01 Impactos do projeto São Paulo no trabalho do Professor, 01 Legislação 01 Educação para o Capital 01 Concepção emancipatória 01 Políticas de Currículo em Conflito 01 Estágios curriculares 01 Incentivo a leitura 04 Tecnologias 01 Avaliação da aprendizagem
Total 84 Quadro 01Fonte: Autor
Apenas quatro documentos abordam a temática das tecnologias (Figura 1).
Figura 1 – Temáticas relacionadas às Tecnologias
Fonte: Atlas TI
Classificação pelo Referencial Teórico
Em relação ao referencial teórico das pesquisas selecionadas, os autores (Quadro2) mais
utilizados nas pesquisas analisadas para fundamentar o tema tecnologias são:
Autores Anos das Referencias
Moran (1995, 2000, 2007)
Almeida (1997, 1999, 2000)
Kenski (2003)
Sancho (2006)
Quadro 02Fonte: Autor
114
Com relação a metodologia, das pesquisas coletadas, o principal método adotado
foi o de análise documental de caráter qualitativo. Desse total, somente três
denominaram-se de natureza quantitativa e de outras formas de análise, como
entrevistas e estudos de caso.
ANÁLISE DA INTEGRAÇÃO DAS TECNOLOGIAS NAS PESQUISAS SOBRE PPP
De acordo com os resumos das pesquisas analisadas, apenas 4 (quatro) documentos
mencionavam a tecnologia educacional como tema central de pesquisa.
Dentre as relacionadas com o tema, nenhuma sugere a integração da tecnologia nos projetos
político-pedagógicos das instituições de ensino. Elas discutem: A formação continuada de professores
nas políticas públicas de inclusão das tecnologias da informação e comunicação da educação básica:
Um estudo de caso sobre o projeto "Escolas em Rede" da SEE-MG; Políticas Públicas e Formação de
Professores na Área de Tecnologias de Informação e Comunicação – TIC na Rede Pública Estadual
de Ensino do Paraná;Internet na educação: reflexões, realidade e possibilidades e Utilização das
tecnologias educacionais nas escolas da rede estadual da cidade de Umuarama.
Pensar em integração tecnológica requer pensar em processos adequados, selecionando e
avaliando qual a proposta de educação que queremos e as necessidades que temos de acordo com o
contexto que atuamos.
Para atender e responder às necessidades educacionais, de acordo com Mercado (2002), é
necessário que
as instituições educacionais enfrentem o desafio não apenas de incorporar as novas tecnologias como conteúdos de ensino, mas também reconhecer e partir das concepções que os aprendizes têm sobre estas tecnologias para elaborar, desenvolver e avaliar práticas pedagógicas que promovam o desenvolvimento de uma reflexão sobre os conhecimentos e os usos tecnológicos” MERCADO, (2002, p. 12)
É importante estar claro para a instituição que a contribuição mais significativa das tecnologias é
de intervir como mediadora no processo educativo e por meio dela potencializar o conhecimento dos
envolvidos no processo, promovendo, como ressalta Mercado (2002), a reflexão sobre os conhecimentos
e os usos tecnológicos. Sancho (2006) aponta os principais problemas identificados na implementação de
novas perspectivas de ensino e aprendizagem incorporando as tecnologias. São elas:
115
especificações e níveis de currículos atuais; restrições da própria administração; esquemas organizativos das aulas; a organização do espaço; os sistemas de formação permanente de que impedem a mudança educativa; o conteúdo disciplinar dos currículos que dificultam as propostas transdisciplinares e a aprendizagem baseada em problemas; as restrições na organização de espaço e tempo; a falta de motivação dos professores para introduzir novos métodos; a pouca autonomia de professores e alunos. (SANCHO 2006, p. 26)
Na perspectiva apontada por Sancho (2006, p. 26), a dificuldade de
implementação de novas perspectivas de ensino e aprendizagem e de acordo com os
resultados obtidos na pesquisa, há necessidade de rever a prática de integração das
tecnologias no âmbito do projeto político-pedagógico a fim de que seja atingido o que
preconiza Veiga (1995, p.16) com relação aos princípios citados anteriormente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados da pesquisa apontam que os estudos sobre a integração das
tecnologias nos projetos político-pedagógicos das instituições de ensino não são
relevantes, pois mostram que não há uma preocupação de integrar as tecnologias
enquanto dimensão no documento oficial escola.
A pesquisa realizada permitiu uma análise geral sobre como a tecnologia é
tratada na educação, contribuindo assim para uma melhor compreensão sobre a
integração das tecnologias utilizadas na educação nos projetos político- pedagógicos.
Do Universo de 84 pesquisas com a temática projeto político-pedagógico na
Educação Básica, encontramos somente 4 (quatro) que mencionavam a tecnologia como
tema central da pesquisa. Dessa forma, podemos perceber que o tema integração das
tecnologias no projeto político-pedagógico ainda é um assunto muito pouco debatido
nas pesquisas acadêmicas e, por consequência, nas instituições de ensino.
Compreende-se que a incorporação da temática é o primeiro passo para que a
tecnologia permeie as dimensões dos projetos político-pedagógicos organizando a
prática educativa nas escolas.
De acordo com Lévy (2000, p.17), é necessário oportunizar a todos que atuam
na escola: “a participação na cibercultura, que é constituída como o ‘conjunto de
técnicas’ (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e
de valores”. (LÉVY, 2000, p. 17)
116
Para que essa integração ocorra no contexto escolar, é necessário pesquisa,
investigação, reflexão a fim de que as tecnologias sejam articuladas ao processo,
fortalecendo as potencialidades e considerando a multiplicidade de recursos.
A discussão sobre tecnologia vem se constituindo num dos principais campos de
estudos, porém ainda não se constitui enquanto objeto de estudo nas escolas integrando
o principal documento norteador das ações, o projeto político-pedagógico.
Frente a esse cenário, a investigação prossegue no estudo dos documentos de
espaços de educação Marista na busca da análise de integração das tecnologias nos
projetos político-pedagógicos dos centros sociais de ensino fundamental da Província
Marista do Brasil centro-sul.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, Maria Elizabeth Bianconcini. Gestão de tecnologias na escola: possibilidades de uma prática democrática. Boletim Salto para o Futuro. Brasília: Seed-MEC, 2005. (Série Integração de Tecnologias, Linguagens e Representação. TV Escola). Disponível em: <http://www.tvebrasil.com.br/ salto>. Acesso em: 25 jan. 2012.
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KENSKI, Vani Moreira. Educação e tecnologias: o novo ritmo da informação. Campinas: Papirus, 2007.
LÉVY, Pierre. Cibercultura. Trad. Carlos Irineu da Costa. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2000.
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VASCONCELLOS, Celso dos S. Planejamento: projeto de ensino-aprendizagem e projeto político pedagógico. 14. ed. São Paulo: Libertad, 2005.
VEIGA, Ilma Passos Alencastro. (Org.) Projeto político-pedagógico da escola: uma construção possível. 23. ed. Campinas: Papirus, 1995.
VEIGA, Ilma Passos Alencastro (org.). Projeto Político Pedagógico: uma construção possível. 16 ª Ed. Cortez, 2001.
117
POLÍTICAS PÚBLICAS DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL: A (EX) INCLUSÃO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NO MUNDO DO TRABALHO
Glaucimara Lopes Schneider Hova28
Resumo
No século XXI o discurso de inclusão social da pessoa com deficiência ganha destaque em acordos internacionais e documentos oficiais. A pesquisa apresentada teve como objetivo verificar se no mundo do trabalho ocorre tal inclusão. O foco central deste trabalho foi a análise da realidade tecida em torno dos discursos oficiais e do conhecimento das ações cotidianas vividas pelas pessoas com deficiência na trajetória de formação e inclusão no mundo do trabalho na cidade de Dourados, Mato Grosso do Sul. As fontes escolhidas foram os documentos legais frente aos relatos e vivências de pessoas com deficiência, identificando desta forma: o dito e o escrito. Optou-se pela pesquisa qualitativa, entrevistas coletivas por meio de grupo focal, com análise do discurso fundamentada nos referenciais teórico-metodológicos foucaultianos. A análise dos discursos, tal qual uma colcha de retalho, teceu os recortes das falas e possibilitou o confronto com o discurso oficial, o que proporcionou uma melhor visualização da realidade. Este estudo abordou questões importantes como a formação profissional, as propostas políticas e as dificuldades enfrentadas pelas pessoas com deficiência na busca pela inserção no mercado de trabalho. Os resultados revelaram a inexistência de uma política pública que abarque a educação, a formação profissional e estratégias para a inclusão de pessoa com deficiência no mercado de trabalho no município de Dourados. Evidenciou-se também que não há nenhuma prerrogativa da área educacional para a formação profissional da pessoa com deficiência no âmbito municipal, inclusive durante a pesquisa deparou-se com a falta de documentos que abordassem essa temática, o que revela a presença de mecanismos de exclusão e de micropoderes exercidos na busca por um espaço no mercado de trabalho e na negligência do aparelho estatal quanto a essa ausência.
Introdução
28 Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Membro do Grupo de Estudos de Investigação Acadêmica nos Referenciais Foucaultiano (GEIARF) da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS).
Revista Eletrônica Pedagogia em Foco, v. 7, setembro de 2012
118
O Século XXI é marcado por um discurso de inclusão da pessoa com
deficiência no mundo de trabalho, principalmente, em virtude dos benefícios fiscais
para esse fim. Particularmente na última década, essa discussão tem ganhado força na
sociedade, vive-se um momento de lutas pela garantia ao acesso, ao ingresso e a
permanência da pessoa com deficiência em todos os serviços oferecidos à comunidade.
O tema aqui proposto, envolve a formação para o trabalho e a profissionalização da
pessoa com deficiência, o que remete à análise das atuais políticas e ações no âmbito
das políticas públicas de Assistência Social e Educação Especial da cidade de Dourados,
Mato Grosso do Sul.
Os princípios da inclusão social fundamentam-se no reconhecimento da
diversidade, da igualdade de oportunidades e participação da pessoa com deficiência em
espaços educacionais e no mundo formal de trabalho. Entretanto, paira na sociedade
uma visão idealizada do ser humano, ou, nas palavras de Amaral (1998, p. 14): o “tipo
ideal”, o que faz com que pessoas com diferenças significativas causem estranhamento
e sejam rejeitadas. Cabe pontuar que no pensamento Foucaultiano nenhum discurso é
neutro, o discurso é aquilo que traduz os sistemas de dominação, inclusive os conceitos
de “normalidade” e “patologia” são construídos pelo saber e produzidos pelo poder.
Acredita-se que a presença de uma pessoa com deficiência num espaço empresarial é
equivalente a essa presença no contexto escolar, pois, além de promover a inclusão, o
fato de conviver com um “estranho no ninho” quebra a rotina e contribui para que as
pessoas conheçam e repensem conceitos e preconceitos, transformando suas atitudes.
Ora, como lembra Amaral (1994, p.49), “se o deficiente não foi seu colega de banco de
escola, como ser seu colega de bancada de trabalho? Como ser seu empregado?".
Este estudo teve como objetivo geral conhecer a política pública de inclusão de
pessoas com deficiência no mundo do trabalho, na cidade de Dourados. Os objetivos
específicos foram: identificar as facilidades e ou dificuldades encontradas pelas pessoas
com deficiência no acesso ao mercado de trabalho; verificar se o direito ao trabalho da
pessoa com deficiência está sendo respeitado e quais os mecanismos de
acompanhamento para inclusão no mundo do trabalho; dimensionar os avanços e as
dificuldades encontradas, nesse âmbito, na vida social da pessoa com deficiência.
Para tanto, procurou-se revirar arquivos e escavar os enunciados. Os sujeitos da
pesquisa foram pessoas com deficiência que frequentam ou frequentaram o Centro de
Convivência e Geração de Renda da Pessoa Portadora de Deficiência Dorcelina Folador
e, por meio de seus depoimentos, buscou-se compreender a formação discursiva e a
atual ordem do discurso sobre o mundo do trabalho. É importante salientar que tais
119
sujeitos buscavam espaço na sociedade, sendo que a maioria estudava (dois cursavam o
Ensino Superior), ou seja, estão em constante luta na busca de inclusão no trabalho
formal.
Quanto ao caminho metodológico, inicialmente foi realizada uma pesquisa
documental, a qual se fundamentou na arqueologia de Michel Foucault, onde o discurso
é tomado como uma prática social, historicamente determinada. Por esse caminho,
utilizou-se de procedimentos dialógicos para identificar e analisar, por meio dos
enunciados de sujeitos com deficiência, aspectos do seu cotidiano, suas histórias de vida
e as relações escola-trabalho.
Para melhor compreender a inserção das pessoas com deficiência no mundo de
trabalho, conhecer o nível de participação dos atores, a qualidade da proposta da
educação profissional e as ofertas de trabalho, optou-se pelo estudo tipo etnográfico,
com entrevista coletiva por meio de grupo focal. Os procedimentos de coleta de dados
constituíram-se em três encontros com jovens e adultos com deficiência e para a análise
dos dados, recorreu-se à teoria Foucaultiana, pelo olhar diferenciado no qual lê a
história. Como o próprio autor diz, a arqueologia seria o método próprio da análise das
discursividades locais (FOUCAULT, 1999).
Para analisar as formas de exercício de poder enquanto elemento capaz de
explicar como se produzem os saberes, utilizou-se da genealogia. Dessa forma, os
discursos também serão analisados em constante tensão com as práticas de poder. Em
“Microfísica do Poder”, ao discursar sobre genealogia e poder, Foucault (1979, p. 172)
afirma que a genealogia seria “um empreendimento para libertar da sujeição dos saberes
históricos, isto é, torná-los capazes de oposição e de luta contra a coerção de um
discurso teórico, unitário, formal e científico”.
Assim, buscou-se compreender o trajeto que está sendo desenhado para a
inclusão das pessoas com deficiência no mundo de trabalho na cidade de Dourados, bem
como desvelar as contradições das políticas públicas, o tipo de formação, as
dificuldades e os desafios encontrados nessa caminhada em relação à escola, à família e
à comunidade.
Desenvolvimento
Revendo historicamente a educação no Brasil, percebe-se que as nossas
instituições de ensino perpetuam e reforçam a homogeneidade. Segundo Mantoan
(2006, p. 186) esse “nivelamento está enraizado nas políticas públicas”.
120
Em cada espaço e tempo instituem-se, por meio dos discursos, os saberes que
determinam o que pode ser pensado e como será pensado. Enquanto, que, no passado,
as pessoas com deficiência estavam à margem da sociedade, nos dias atuais a
discriminação e a exclusão da pessoa com deficiência é invisível e ignorada pelos
discursos políticos e pelas práticas dos diferentes agentes sociais.
Foucault apresenta ao longo de sua obra uma teoria a respeito da sociedade
disciplinar. A disciplina seria mais uma modalidade de aplicação de poder “que
comporta todo um conjunto de instrumentos, de técnicas, de procedimentos, de níveis
de aplicação, de alvos” (FOUCALT, 1987, p.176) e que só tornou-se possível através da
produção de saberes e da organização de inúmeras práticas que passaram a disciplinar
os indivíduos. As disciplinas podem ser consideradas técnicas para assegurar a
ordenação das multiplicidades humanas de maneira discreta e o menos dispendiosa
possível.
O aumento pouco significativo da pessoa com deficiência no mundo do trabalho
deve-se, em grande parte, aos entraves em sua formação educacional. Destarte, é
importante destacar que contribuem para isso as inter-relações entre as modalidades de
ensino: Educação Especial, Educação Profissional e Educação de Jovens e Adultos.
Uma das questões mais polêmicas na Educação Especial tem sido a inserção do
estudante com deficiências na escola regular. Quando a Política Nacional de Educação
Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008) nos diz que o atendimento deve
ser oferecido exclusivamente no ensino regular29, observa-se que a escolarização e a
educação para o trabalho ainda ocorrem em escolas especiais.
As políticas públicas, as Diretrizes e os programas voltados à defesa da inclusão
educacional são recentes no Brasil, muitos adultos com deficiência não tiveram acesso à
escola, e quando tiveram, foram experiências em instituições especiais, onde
vivenciaram ambientes de trabalho protegido.
A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva
(BRASIL, 2008) tem como objetivo o acesso, a participação e a aprendizagem de
alunos com deficiência nas escolas regulares, orientando os sistemas de ensino para
promover respostas às necessidades educacionais especiais, garantindo: transversalidade
da educação especial em todas as etapas, níveis e modalidades de ensino; atendimento
educacional especializado; continuidade da escolarização nos níveis mais elevados do
29 “Entende-se por educação especial, para os efeitos dessa Lei, a modalidade de ensino que perpassa todos os níveis, etapas e modalidades e realiza o atendimento educacional especializado aos educandos com deficiência, trasntornos globais de desenvolvimento e altas habilidades.” (BRASIL, 2008, p.14)
121
ensino; formação de professores para o atendimento educacional especializado e demais
profissionais da educação para a inclusão escolar; participação da família e da
comunidade; acessibilidade urbanística, arquitetônica, nos mobiliários, nos
equipamentos, transporte, na comunicação e informação; articulação intersetorial na
implementação das políticas públicas.
Poder-se-ia afirmar que essa política constitui-se um grande avanço para a
garantia do direito à inclusão educacional, entretanto, a educação profissional e a
formação para o ingresso no mundo do trabalho não aparecem como objetivos e sim
ligeiramente como ações do atendimento educacional especializado para ampliar as
oportunidades de escolarização e efetiva participação social.
A disciplina funciona na medida em que isola um espaço, determina um
segmento, o regulamenta; a segurança tem essencialmente por função responder a
realidade de maneira que essa resposta anule ou freie essa realidade a que ela responde.
Frente a esse quadro, percebe-se que esses adultos com deficiência excluídos do
processo educacional poderão voltar à escola, mas desta vez, em sala regular e em outra
modalidade de ensino: a Educação de Jovens e Adultos, o que representa um grande
desafio aos gestores e educadores do ensino regular.
Estudos de A. G. Bruno (2006, p.74) sobre a Política de Jovens e Adultos com
Deficiência no Estado de Mato Grosso do Sul, entre 1996 e 2006, mostram que “[...]
não existem políticas governamentais (União, Estados e Municípios) para a inclusão
educacional de alunos com deficiência na EJA [...]”. Existem esboços de projetos que
raramente se viabilizam.
No município de Dourados, segundo o Censo REME/2005, aproximadamente
6,29% da população não é alfabetizada, ou seja, cerca de 11 mil pessoas com 14 anos ou
mais não sabem ler ou escrever. Atualmente, 17 escolas da Rede Municipal de Ensino
oferecem a EJA, abrangendo cerca de 2.400 alunos. Diante dessa situação percebe-se
que existem falhas quanto ao acesso à educação formal de jovens e adultos, o que
poderíamos dizer, então, dos jovens com deficiência? Presume-se que muitas pessoas
com deficiência integram as estatísticas de analfabetismo, citadas acima.
Quanto à Educação Profissional, realizou-se uma pesquisa em busca de
documentos legais que normatizassem a educação e a formação para o trabalho da
pessoa com deficiência, no âmbito da Educação Especial, no município de Dourados, os
quais não foram encontrados.
Segundo informações da coordenação da Educação Especial da Secretaria
Municipal de Educação (SEMED), alguns alunos com deficiência frequentam a EJA,
122
entretanto não há nenhuma ação que articule educação profissional ou que vise à
formação para o ingresso ao mercado de trabalho. O único documento encontrado que
aborda diretamente o mercado de trabalho da pessoa com deficiência foi o Programa
Intersetoril para o Desenvolvimento da Política Municipal da Pessoa Portadora de
Deficiência, uma proposta da Secretaria Municipal de Assistência Social, Habitação e
Cidadania (SEMASCH), atual Secretaria Municipal de Assistência Social e Economia
Solidária (SEMASES). Embora o referido documento não faça referência à data,
segundo informações prestadas pela SEMED, sua elaboração deu-se no ano de 2001.
Em relação ao Centro de Convivência e Geração de Renda da Pessoa com Deficiência e
ao mercado de trabalho, esse programa prevê que é competência da SEMASHC: a
habilitação e reabilitação para capacitar a obter trabalho, participar da vida comunitária
e o apoio a microunidades produtivas favorecendo a geração de emprego e renda.
Assim, para uma maior aproximação possível da realidade do acesso ao mercado de
trabalho na cidade de Dourados, a coleta de dados realizou-se junto às pessoas com
deficiência, que frequentam ou frequentaram o Centro de Convivência e que já
acompanharam ou participaram de algum curso oferecido nessa instituição.
Solicitado ao grupo que se manifestassem quanto ao mercado de trabalho do
município de Dourados, um dos participantes se manifesta: “O mercado de trabalho tá
dando trabalho, tá dando trabalho...”. Todo discurso também reponta acontecimentos
extra-discursivos, para Foucault (1996), o discurso é aquilo que traduz os sistemas de
dominação. Destarte, essa curta frase expressa, implicitamente, as dificuldades e lutas
que têm que ser travadas para um real acesso ao mercado de trabalho.
Durante as discussões, os documentos verbais também foram abordados,
principalmente a questão que uma imposição legal que favorece a inclusão não é
garantia de seu cumprimento. Por exemplo, quanto à Lei 7.853/89, regulamentada pelo
Decreto 3298/99, que determina que toda empresa com mais de 100 funcionários,
deverá ter no seu quadro de 2 a 5% de deficientes, outro participante diz, demonstrando
sua insatisfação: “[...] eles fazem um jogo de gato e rato... eles fazem a lei, que diz que
são obrigados, se tem mais de cem funcionários, a ter apenas dois ou três deficientes,
uma coisa assim, não tô bem lembrado disso, e aí o que acontece [...] eu e minha
esposa estamos pedindo que eles chamem a gente pra fazer algum currículo, nos
chamam para estar lá [...] aí eles fazem uma experiência e dizem que a gente... colocam
algum empecilho dentro da loja para que a gente não possa trabalhar...”. Esta fala
ilustra o que Foucault chama de governamentalidade, que defende a dimensão política
do governo não só centralizada no poder do Estado, mas num conjunto de
123
procedimentos que permite o exercício desse poder, onde as dimensões políticas,
econômicas e morais se dobram umas sobre as outras.
Dessa forma, para o cumprimento de uma lei não basta aprovação, mas também
sua aceitação pela sociedade, nos seus aspectos econômicos e morais. Para Foucault, o
poder está em todas as partes, é uma rede produtiva que atravessa todo o corpo social.
Outra dificuldade apontada pelo grupo foi a forte presença de preconceito: “[...]
o preconceito impera [...] ainda, forte, forte, forte...”. Sob a ótica Foucaultiana, tal
acontecimento traduz os sistemas de dominação, para ele, os conceitos de
“normalidade” e “patologia” são produzidos pelo poder político.
Quando o assunto abordado foi o Benefício de Prestação Continuada
regulamentado pela Lei 8.742/93 percebe-se, por meio dos discursos, como essa política
assistencialista interfere na luta e inserção no mercado de trabalho: Tal interferência
remete aos conceitos foucaultianos de procedimentos de exclusão, pois, quando o
Estado interdita essas pessoas da participação da vida produtiva do país, ele as exclui.
Outra dificuldade na inserção no mundo do trabalho apontada pelo grupo
envolve acessibilidade. Essas barreiras relacionadas à mobilidade caracterizam-se em
omissão do Estado. Foucault defende que a omissão é mais um procedimento de
exclusão, ela ocorre quando o Estado não se preocupa em implantar programas e
políticas consistentes de inclusão social.
Todos os participantes do grupo focal concordam que a inserção profissional é
facilitada quando existe formação profissional e tecem uma crítica aos cursos oferecidos
pelo Centro de Convivência, os quais não atendem à demanda do mercado de trabalho e
não possibilitam ao aluno com deficiência experiência real de trabalho dentro de uma
empresa.
O poder controlador do Estado desvia a atenção da ausência de política
consistente de garantia dos direitos sociais e práticas inclusivas na educação de pessoas
com deficiência realizando pequenas ações que aparentam preocupação com a
problemática, mas que não contemplam o acesso, a permanência, a promoção e a
progressão da pessoa com deficiência na escola e no trabalho.
Pode-se dizer que a SEMED silencia quanto à formação profissional da pessoa
com deficiência, pois não há uma formação profissional no âmbito educacional no
município de Dourados. Os dados revelam que tanto a Educação Especial quanto a EJA
ignoram a urgência de formação profissional dessa parcela da população, uma vez que
124
não há, propostas, nem delineamento de programas de preparação para o trabalho para
alunos com deficiência.
Considerações Finais
Constatou-se que no âmbito municipal não há uma política pública, com
diretrizes e programas concretos pertinentes à educação e orientação para o trabalho,
mas apenas projetos e ações esparsas.
As dificuldades relacionadas ao trabalho da pessoa com deficiência são muitas.
Essas pessoas são vítimas de preconceito no contexto profissional, caíndo, portanto, no
desemprego com muita frequência. Muitas vezes, a resistência da inclusão da pessoa
com deficiência no mercado de trabalho pode vir da própria família, o que traduz uma
tendência paternalista, tendência manifestada também pelo Estado, como o Benefício de
Prestação Continuada.Esse programa tem sido um entrave para colocação das pessoas
com deficiência no mundo do trabalho, pois esbarram no medo de trocar o benefício
pela instabilidade do mercado de trabalho. A acessibilidade física, nos transportes,
equipamentos e na comunicação constituem-se em mais uma barreira ao exercício do
direito ao trabalho.
Todos esses fatos, identificados nos discursos, remetem aos conceitos
foucaultianos de omissão e interdição, pois, quando o Estado não garante a efetivação
de seus direitos, ele interdita as pessoas, ele as exclui. Mesmo na questão da
discriminação familiar ou escolar, configura-se a omissão do Estado, uma vez que não
há iniciativas de esclarecimentos e/ou sensibilizações na esfera da educação de Jovens e
Adultos.
A ausência da Educação Profissional (prevista pela LDB/1996) faz com que o
caminho para o mercado de trabalho seja tortuoso. A única alternativa de qualificação
voltada para esse público resume-se nos cursos oferecidos pelo Centro de Convivência e
Geração de Renda para a Pessoa com Deficiência “Dorcelina Folador” (cursos de
artesanato, massagem, carpintaria, entre outros), previstos no Programa Intersetorial
para o Desenvolvimento da Política Municipal da Pessoa Portadora de Deficiência, que
é uma proposta da Assistência Social.
Apesar de a legislação “ter avançado’, os órgãos municipais responsáveis não
têm conseguido implementar efetivamente as ações prescritas em leis. É preciso
conhecer a realidade social e educacional das pessoas com deficiência, chamá-las para o
debate e participação na elaboração de políticas públicas que lhes façam sentido. Para
Foucault, o poder é manifesto na cotidianidade. Não são as leis, mas as práticas
125
regulamentadoras, disciplinadoras que dão concretude ao poder. Trata-se então, não de
uma negação de que há estruturas objetivas promotoras de poder, mas de uma
recuperação da consciência, ou melhor, do olhar da esfera da subjetividade que é onde,
de fato, o poder se materializa.
Há, ainda, um longo caminho a ser percorrido na busca de uma política
consistente voltada à educação para o trabalho e inclusão social da pessoa com
deficiência no município de Dourados.
Referências
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126
FÍSICA AMBIENTAL E EDUCAÇÃO DO CAMPO: EXPERIÊNCIA EM ENSINO DE CIÊNCIAS NA AMAZÔNIA LEGAL
Geison Jader Mello30
Vinicius Machado Pereira dos Santos31
Regina Célia Rodrigues da Paz32
Resumo Neste trabalho relatamos a inserção de tópicos de física ambiental no ensino médio na Amazônia Legal do norte de Mato Grosso, onde se desenvolve um projeto de educação do campo embasado na teoria da aprendizagem significativa. A partir de experimentos didáticos e aulas de campo ancoradas em aulas teóricas, os conteúdos programáticos e os temas geradores foram contextualizados com agricultura familiar, produção agrícola e fatores climáticos. As atividades foram desenvolvidas sob o foco da temática agricultura, e problemática quais as influências dos aspectos meteorológicos para a agricultura na comunidade? Delimitou-se esta problemática em variáveis passíveis de serem aferidas pelos estudantes: velocidade do vento, temperatura e umidade relativa do ar, e radiação solar. Usando materiais descartados, os estudantes construíram uma estação meteorológica didática, coletaram dados, plotaram gráficos, correlacionaram estes dados e apresentaram os resultados em seminários na feira de ciências da escola. Os resultados da investigação exprimiram a eficácia do ensino por mapas conceituais na integração entre teoria e experimentação, favorecendo a aprendizagem conceitual e a percepção física ambiental dos estudantes.
Palavras-chave: aprendizagem significativa, experimentos didáticos, mudanças climáticas.
INTRODUÇÃO E FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
30
Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Física Ambiental, IF,[email protected] 31
Professor Assistente, Departamento de Matemática, ICET, [email protected] 32
Professora Adjunta, Dep. Ciências Básicas e Produção Animal, FAMEVZ, UFMT.Av. Fernando Corrêa da Costa, S/N. Cidade Universitária - 78060-900 - Cuiabá – [email protected]
Revista Eletrônica Pedagogia em Foco, v. 7, setembro de 2012
127
A investigação se deu na Escola Municipal Rural Minuano, município de Terra
Nova do Norte – MT, localizada na Amazônia Legal. A região, conhecida como Portal
do Amazonas, possui uma população marcadamente migrante do Estado do Rio Grande
do Sul, em sua maioria pequenos proprietários rurais.
Para atingir os estudantes inseridos nesta comunidade escolar elaborou-se o
projeto político pedagógico (Re) Projetando Aspectos de Vida no Campo (Brasil, 2007),
desenvolvendo uma práxis pedagógica multidisciplinar, com temas geradores e ensino
significativo em Moreira. As atividades e conteúdos foram então alicerçados nas
grandes áreas do conhecimento (Linguagem, Ciências Exatas, Ciências Naturais e
Ciências Sociais). Dessa forma, o projeto rompe com os trabalhos fechados em
disciplinas, os quais dividem o saber em gavetas de conhecimento, reproduzindo o
modelo formador da década de 1960, cartesiano e positivista. No século XXI, a
complexidade do conhecimento sustenta um ensino com significação, por isso um
ensino com olhar sistêmico que promova aos educandos uma aprendizagem
significativa.
A proposta dessa investigação é construída numa visão crítica e embasada na
ação-reflexão-ação da prática pedagógica, ascendendo frutificar no contexto da
educação em ciências naturais no ensino médio para a realidade em questão, levando o
estudante a desenvolver conhecimento científico de forma interdisciplinar e
transdiciplinar, superando o conteudismo (conteúdo pelo conteúdo) e adquirindo
habilidades e competências básicas de cidadania que permitirão a construção e a leitura
dos conceitos físicos em seu cotidiano pelo senso de observação, reflexão e ação.
Freire, no ideário de uma práxis a altura da proposta, afirma que “só existe saber
na invenção, na reinvenção, na busca inquieta, impaciente, permanente, que os homens
fazem no mundo, com o mundo e com os outros” (Freire apud Nascimento, 2005, p.
39), elevando o espírito a uma negação do conformismo, para a consciência da
necessidade de se tornar um agente transformador da realidade presente, na busca de
uma melhor qualidade de vida para a comunidade. “toda a realidade está ai submetida à
nossa possibilidade de intervenção nela.” (Freire apud Nascimento, 2005, p. 38). Visto
nossos estudantes, nosso Projeto Político Pedagógico, nossa comunidade rural, o que
realmente existe em lócus, “as teorias da educação multicultural enfatizam ainda mais a
necessidade dos educadores atentarem para as diferenças de cor, classe, raça, sexo, etc.”
(Freire, 1996, pag. 10) Nas proposições de Freire, as possibilidades transformadoras da
educação estão associadas a uma concepção de história que recusa o fatalismo
pragmático neoliberal.
128
A aprendizagem mecânica, bancária e tradicional não leva em consideração os
conhecimentos prévios, enxergando os estudantes como uma folha de papel em branco,
prática que beneficia aqueles com uma boa capacidade de memorização em detrimento
a estudantes com habilidades para raciocínio lógico. Também desconsidera os
subsunçores, da teoria da aprendizagem significativa, de David Ausubel
(AusubelapudNovak, 1984), em que o novo conhecimento se relaciona com o
conhecimento já existente, cognitivamente. Face esta, que torna interessante apontar
para a interação estudante / professor, descobrindo o que o estudante já sabe, e
construindo sobre essas estruturas cognitivas. O mais importante na aprendizagem
significativa não são os conhecimentos que serão ensinados, e sim o que o estudante já
sabe. Cada estudante é único, igual em direito e diferente em sua construção humana.
Neste processo, os mapas conceituais (Moreira, 2005) são úteis para separar a
informação fundamental da acessória e para escolher exemplos, bem como para decidir
a seqüência mais lógica a seguir. Mapas conceituais são diagramas que indicam relações
entre conceitos (apenas conceitos) e procuram refletir a estrutura conceitual de um certo
conhecimento. Mais especificamente, podem ser vistos como diagramas conceituais
hierárquicos. Construí-los, "negociá-los", apresentá-los, refazê-los, são processos
altamente facilitadores de uma aprendizagem significativa. (Moreira, 2005, p.5)É “[...]
um instrumento dinâmico, refletindo a compreensão de quem o faz no momento em que
o faz.” (Moreira, 2005, p.14).
Assim, para alcançar a aprendizagem significativa Moreira enfatiza:
Para isso é preciso: Aprender/ensinar perguntas ao invés de respostas. (Princípio da interação social e do questionamento). Aprender a partir de distintos materiais educativos. (Princípio da não centralidade do livro de texto). Aprender que somos perceptores e representadores do mundo. (Princípio do aprendiz como perceptor/representador). Aprender que a linguagem está totalmente implicada em qualquer e em todas as tentativas humanas de perceber a realidade. (Princípio do conhecimento como linguagem). Aprender que o significado está nas pessoas, não nas palavras. (Princípio da consciência semântica). Aprender que o homem aprende corrigindo seus erros. (Princípio da aprendizagem pelo erro). Aprender a desaprender, a não usar conceitos e estratégias irrelevantes para a sobrevivência. (Princípio da desaprendizagem). Aprender que as perguntas são instrumentos de percepção e que definições e metáforas são instrumentos para pensar. (Princípio da incerteza do conhecimento). Aprender a partir de distintas estratégias de ensino. (Princípio da não utilização do quadro-de-giz). (Moreira, 2005, p.15-16)
Os PCNs corroboram afirmando que “devem ser contempladas sempre
estratégias que contribuam para esse diálogo” [...] “sendo considerados objetos, coisas e
fenômenos que façam parte do universo vivencial do aluno,”. (PCN+,2002, p. 83) Ainda
podem ser estimuladas visitas...
[...] de forma a permitir ao aluno construir uma percepção significativa da realidade em que vive [...] enquanto objeto de estudo, mas também de todas as
129
dimensões culturais, sociais e tecnológicas que podem ser por ele vivenciadas na cidade ou região em que vive. (PCN+, p. 83)
Neste estudo é dado importância à experimentação: É indispensável que a experimentação esteja sempre presente ao longo de todo o processo de desenvolvimento das competências em Física, privilegiando-se o fazer, manusear, operar, agir, em diferentes formas e níveis. [...] É tão possível trabalhar com materiais de baixo custo, tais como pedaços de fio, pequenas lâmpadas e pilhas, quanto com kits mais sofisticados, que incluem multímetros, etc. [...] Experimentar pode significar observar situações e fenômenos a seu alcance, em casa, na rua ou na escola, desmontar objetos tecnológicos, [...] construir aparelhos e outros objetos simples [...] (PCN+, pag.84)
Após aulas com experimentações, uma: [...] formalização matemática continua sendo essencial, desde que desenvolvida como síntese dos conceitos e relações, compreendidos anteriormente de forma fenomenológica e qualitativa. Substituir um problema por uma situação-problema, nesse contexto, ganha também um novo sentido, pois se passa a lidar com algo real ou próximo dele. [...] necessitando a [...] identificação da situação-problema, o levantamento de hipóteses, a escolha de caminhos para a solução, além da análise dos resultados, principalmente no que diz respeito à sua coerência com o que o aluno conhece da realidade. (PCN+, p.85)
A física como cultura busca investigar e resgatar a história do desenvolvimento
do saber técnico e científico local. Pode também ser uma estratégia significativa na
direção do estabelecimento de uma visão da ciência enquanto atividade humana e
social. Portanto, um amplo conjunto de atividades, como as exemplificadas, que podem
contribuir para que o ensino de Física promova competências de caráter cultural e
social, conferindo ao conhecimento científico suas dimensões mais humanas. (PCN+,
85)
Importante estimular a efetiva participação dos jovens na vida de seu bairro e cidade, conscientizando-os de sua responsabilidade social. Isso poderá ser feito por meio de projetos que envolvam intervenções na realidade em que vivem, [...] levantamento de dados, [...] poluição ambiental, [...] acompanhando o impacto ambiental [...], identificando os problemas da comunidade, sempre buscando intervenções significativas no bairro ou localidade. Ações dessa natureza podem fazer com que os jovens se sintam de fato detentores de um saber significativo, a serviço de uma comunidade, expressão de sua cidadania. (PCN+, p.85-86)
O objeto escolhido para a avaliação, para registro da aprendizagem, ou seja,
acompanhamento do desenvolvimento dos estudantes foi o portfólio. O portfólio (Villas
Boas, 2004, p. 38) é um procedimento de avaliação que permite aos alunos participar da
formulação dos objetivos de sua aprendizagem e avaliar seu progresso. Eles são,
portanto, participantes ativos da avaliação, selecionando as melhores amostras de seu
trabalho para incluí-las no portfólio.
Percebe-se, então, que o portfólio é mais do que uma coleção de trabalhos do aluno. Não é uma pasta onde se arquivam textos. A seleção dos trabalhos a serem incluídos é feita por meio de auto-avaliação crítica e cuidadosa, que envolve o julgamento da qualidade da produção e das estratégias de aprendizagem utilizadas. A compreensão individual do que constitui qualidade em um determinado contexto e dos processos de aprendizagem envolvidos é
130
desenvolvida pelos alunos desde o início de suas experiências escolares. (VILLAS BOAS, 2004, p. 39)
O Portfólio é um dos procedimentos condizentes com a avaliação formativa.
Diferentemente de outros métodos de avaliação, ele é construído pelo próprio aluno,
observando os princípios de reflexão, criatividade, parceira e autonomia. Serve para
vincular a avaliação ao trabalho pedagógico em que o aluno participa da tomada de
decisões, de modo que ele formule suas próprias idéias, faça escolhas e não apenas
cumpra prescrições do professor e da escola. Desse modo, a avaliação deixa de ser
classificatória, unilateral e excludente, refletindo a aprendizagem de cada aluno.
(VILLAS BOAS, 2004, p.37-105)
O objetivo geral foi avaliar o ensino de Física dando significado aos conteúdos,
contextualizando-os. De forma a exemplificar como “reorganizar as áreas
tradicionalmente trabalhadas como: Mecânica, Termometria, Eletromagnetismo e Física
Moderna; de forma a atribuir-lhes novos sentidos” (PCN+, p.71) usando como
ferramenta a teoria da aprendizagem significativa (Moreira, 2005).
Sob o foco da temática ‘Agricultura’, delimitou-se os seus aspectos físicos
ambientais, e destes, as suas relações com os aspectos micrometereológicos.
Restringindo-se à problemática “Quais as influências dos aspectos
micrometeorológicospara a agricultura na comunidade?”
Levou-se em conta a relação entre três variáveis passíveis de serem aferidas
pelos estudantes e os conteúdos programáticos que eles estavam estudando no
momento:
A velocidade do vento foi aferida pelos estudantes do 1º ano através da
confecção de um anemômetro, pois estavam estudando Mecânica: cinemática e
dinâmica.
A temperatura e umidade relativa do ar foram aferidas pelos estudantes do 2º
ano que construíram um termohigrômetro, pois estavam estudando Termologia: em
todos os processos que ocorrem na natureza e nas técnicas, o calor está direta ou
indiretamente presente. (PCN+, 2002, p.73).
A radiação solar foi aferida por estudantes do 3º ano pela confecção de um
fotômetro, visto estarem estudando eletricidade e eletromagnetismo.
A meteorologia é ciência do ramo da Física que combina os fenômenos
atmosféricos, como variações de temperatura e umidade, radiação solar... (Tolentino,
2006); e os estudantes das três turmas do Ensino Médio foram provocados a construir
uma estação meteorológica didática, cada qual com seus aspectos pré-delimitados,
131
conforme itens supracitados. Após a construção da estação, os dados foram coletados,
gráficos foram plotados e os dados cruzados para apresentação de seminário em feira de
ciências usando data show. Os dados também foram registrados em portfólio. Para esse
fim, foram utilizados esquemas organizacionais como metodologia para apresentar as
propostas com as quais os estudantes trabalhariam.
Dos recursos metodológicos: biblioteca escolar, laboratório de informática com
10 computadores conectados á internet, data show, maquina fotográfica, área verde da
Escola Municipal Minuano, material recolhido para reciclagem, bússola, furadeira
manual, dois termômetros com amplitude entre -10º e 160º, vasilhas de alumínio,
fogareiro, multímetro, resistências de aparelhos eletrônicos, calculadoras sucateadas,
duas sucatas de fotocélula de poste de iluminação pública, ferramentas de carpinteiro,
relógios com cronômetro, rolo de barbante, pistola e refil para cola quente, pilhas e
baterias em geral.
Utilizando um serrote, martelo, pregos, pedaço de madeira, e uma hélice de
ventoinha de bebedouro foi confeccionado um anemômetro modelo aviãozinho. Os
movimentos circulares da hélice eram aferidospor minuto e depois transformados de
rotações por minuto para velocidade linear do vento. Para aferir a direção do ventousou-
se uma bússola.
Os estudantes do 2º ano construíram um termohigrômetro de dois bulbos (um
seco e um úmido). O primeiro passo foi calibrar dois termômetros na temperatura de
fusão e de ebulição da água colocando-os primeiro no gelo e aferindo a temperatura e
depois em água fervendo. Em, seguida eles foram fixados com silicone em uma tabua.
O termômetro de bulbo úmido é resfriado por capilaridade através de um pequeno
recipiente contendo água e apresenta temperatura menor do que o termômetro de bulbo
seco. Da diferença da temperatura entre os dois termômetros estima-se a umidade
relativa do ar através de uma tabela psicrométrica simples previamente fornecida.
Para confeccionar um sensor de luz, o Fotômetro, usamos um multímetro
acoplado a LEDs (Light Emitting Diode) de calculadoras de bolso.Os LEDs diodos
emissores de luz são semicondutores que emitem luz quando uma corrente é aplicada e
quando recebem a incidência de luz produzem uma corrente.
Os estudantes se dividiram em equipes para coletar os dados em intervalos de
uma hora entre as 8 horas da manhã e 5 horas da tarde por um período de 15 dias.
Eles foram avaliados através de apresentação em Feira de Ciências, debates e
portfólio, com ênfase neste último. Também foi avaliada a participação nas aulas
práticas de campo.
132
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Para a apresentação da temática ‘Agricultura’ e a metodologia de trabalho das
aulas de física para os alunos utilizamos os mapas conceituais.Os mapas conceituai
sutilizados foram validos, pois serviram para fixar os conceitos e os objetivos das
atividades, de modo que os estudantes estavam esclarecidos quanto aos pontos de saída
e de chegada. Por vezes os parâmetros desta teoria não foram atingidos, ficando no que
Moreira chama de esquemas organizacionais:
Aparentemente simples e às vezes confundidos com esquemas ou diagramas organizacionais, mapas conceituais são instrumentos que podem levar a profundas modificações na maneira de ensinar, de avaliar e de aprender. (MOREIRA, 1997)
Acreditamos que se o planejamento das atividades fosse apresentado aos
estudantes por outro método (em um texto de algumas páginas, por exemplo), durante
toda a atividade e mesmo ao final dela, muitos deles não saberiam o porquê e para que
estavam fazendo aquilo. Outro aspecto relevante é o do conhecimento que se assentou
cognitivamente, de modo que, posteriormente a essas atividades, os estudantes
tornaram-se aptos a responder questionamentos a respeito do assunto estudado.
Estes resultados são muito positivos, visto que na aprendizagem mecânica e
tradicional, os estudantes tendem a preocupar-se em apenas guardar conhecimentos até
a próxima avaliação, de forma que os conteúdos são contextualizados ao dia a dia do
estudante: “Esse Projeto Educação do Campo, o que ele traz de bom para o aluno, é
que o aluno vai poder conciliar a vida dele no campo sem ele ter que estar se
projetando para as cidades, abandonando o sitio e a família dele para ir inflamar mais
as cidades como já esta acontecendo.” (C. A. M. F. – aluna do 2º ano e mãe).
Os livros didáticos não foram usados nestas atividades, não por postura radical
anti-livro didático, mas sim á luz da teoria da aprendizagem significativa, no que tange a
própria construção e elaboração dos livros texto que seguem lógica sequencial linear na
apresentação dos conceitos e atividades. Também que as atividades relatadas
centralizaram-se em e na perspectiva de uma temática, sendo que essa temática deve
promover o afloramento dos conceitos. Ou seja, partimos do tema, da realidade
vivenciada no projeto para os conceitos formalizados, e não dos conceitos formais
apresentados no livro didático, para a temática. Dessa forma o livro texto serviu apenas
com um objeto de pesquisa, sendo utilizado pelos estudantes apenas com esse cunho.
133
Os estudantes foram levados a refletir sobre a temática e a problemática
relacionando-as com suas experiências cotidianas: “ventos e chuvas fortes que vem
derrubando árvores e destelhando casas no nosso município.” (P. A. – aluno do 1º
ano). Nos trabalhos com o 1º ano, o estudante A. L. S., perguntou-nos como
transformar o giro de sua hélice em velocidade em km/h. Para responder a esta questão
pedimos aos demais estudantes, que, munidos de pedaços de barbantes montassem uma
tabela com medidas de várias circunferências e seus respectivos diâmetros. Em seguida
dividissem o comprimento da circunferência pelo diâmetro, anotando o valor e
escrevendo suas observações. Feito isto, analisamos a tabela, concluindo em grupo que
existe uma relação entre essas medidas, uma constante, e que ela se chama PI = π, que
vem da palavra perímetro (do circulo), sendo também a constante matemática mais
antiga que se tem notícia. Esse foi o primeiro passo no sentido de relacionar velocidade
angular com velocidade linear.
Muito interessante também é perceber que os estudantes relapsos em aulas
teóricas tradicionais em sala de aula, acabaram por adotarem uma postura participativa e
reflexiva que surpreendeu até mesmo os colegas da turma. Os estudantes são
inteligentes, e pessoas inteligentes querem aprender coisas interessantes,
contextualizadas, não conteúdos teóricos e abstratos apresentados em livros didáticos,
reproduzidos tradicionalmente usando “fórmulas”, assassinando a física, em salas de
aulas abafadas, e por fim cobrando um esforço enorme para memorização em
detrimento de um raciocínio lógico e significativo. (Mello, 2008)
“Professor, professor, funcionou professor!”, dizem os alunos ao confeccionar o
experimento e coletar os primeiros dados. Questionamos os estudantes sobre qual a
grandeza física que quantifica a velocidade do vento, e eles responderam que os
telejornais apresentam as velocidades de furacões usando km/h. Perguntamos então,
como eles fariam a medida em km/h usando nosso instrumento, instigando-os a
refletirem sobre as práticas que tivemos para encontrar a proporção entre o
comprimento da circunferência e seu diâmetro (π). Logo, os estudantes concluíram que
seria necessário relacionar o diâmetro ou o raio das hélices com a circunferência dela,
pois existe relação entre o espaço percorrido linearmente pelo vento em um intervalo de
tempo e o espaço percorrido pela hélice em sua circunferência, em torno de si mesma,
quando gira forçada pelo vento.
Um método foi proposto pelos estudantes: marcando uma das hélices, um
estudante ficaria responsável por contar suas voltas e outro estudante marcaria o tempo
por 30 segundos. Deu certo. As medidas da respectiva coleta foram 2Hz.
134
Com esses dados, retornamos à sala de aula, juntamente com nosso instrumento
de aferir a velocidade do vento, no intuito de formalizar matematicamente as atividades
da aula. No quadro negro revisamos conceitos e, passo a passo os raciocínios
construídos pelos estudantes, os quais permearam a prática, juntamente com o
tratamento dos dados. Nesse processo, duas estudantes resolveram pegar barbante e
régua para medir a circunferência e o diâmetro das hélices do anemômetro, numa
perspectiva de reforçar a compreensão de π e também de levantar o comprimento da
circunferência que seria necessário para nossos cálculos. Entre os conceitos de π,
velocidade, Momentum, Leis de Newton, movimento e velocidade linear e angular,
freqüência e período, conversão de medidas, entre outros, chegamos à velocidade do
vento de 4,5 km/h. Dados estes, que se apresentam como fruto de um processo de
compreensão de fenômenos naturais, de conceitos físicos e matemáticos, de confecção e
experimentação de instrumentos, e ainda com as mudanças climáticas globais e sua
relação com a comunidade local. A direção do vento foi aferida utilizando uma bússola
simples que era segurada na palma da mão ao lado da haste do instrumento.
A interdisciplinaridade do tema mudanças climáticas globais é um bom veículo
para a aplicação dos conceitos termodinâmicos. As queimadas são prática freqüente na
comunidade da escola Minuano, seja a dona de casa que varre as folhas e as queima no
final da tarde (a famosa cultura do foguinho) seja o fazendeiro que queima as pastagens
para livrá-la das brotações. Desde o início do ano letivo os professores da escola se
empenharam na luta contra esse tipo de prática, que começou dentro da escola, em uma
perspectiva de melhoria de qualidade do ambiente e bem estar da comunidade: [...]
“esse projeto surgiu como a oportunidade de estarmos construindo uma escola
diferente neste ambiente, ou seja, no campo, no intuito de ampliar a visão do estudante
em relação ao ambiente onde ele vive, ou seja, proporcionando mais sustentabilidade, e
a partir disso mais qualidade de vida. Isso foi desenvolvido na comunidade a partir de
uma aula, que trouxe um insight quase que espontâneo. Estávamos em uma aula
abordando o tema aquecimento global, a carta da terra, e efeito estufa e o nosso
guarda estava aqui atrás da escola botando fogo em lixo e folhas, então sentimos a
necessidade de realizar esse trabalho a partir destes fatos.” (Eduardo R. Mueller –
professor de química)
O psicrômetro (do grego psíkros = frio), aparelho para medir a umidade relativa
do ar consiste de dois termômetros fixados em uma mesma base, um deles envolvido
por uma mecha de algodão (gase) embebida com água. Os valores aferidos nos dois
termômetros são subtraídos ∆T=T(seco)-T(úmido), e observados em uma tabela ∆TxTs.
135
Na confecção deste aparelho o primeiro passo foi calibrar os termômetros na
temperatura de fusão e ebulição da água. Para que fosse feita a calibração tivemos que
explanar sobre o conceito de calibração, e fazer uma revisão das Leis da
Termodinâmica. É interessantíssimo como estudantes muitas vezes parecem
compreender conceitos, resolvem exercícios em provas, mas quando se faz necessário
manusear os instrumentos teoricamente estudados, percebe-se que aparecem dúvidas
importantes. As bases conceituais do funcionamento do termômetro tiveram que ser
revistas, pois os estudantes não compreendiam a necessidade de calibração.
Para fazer a calibração trouxemos uma vasilha cheia de gelo e colocamos os
termômetros dentro. Procuramos interferir o mínimo possível, deixando os estudantes
tirarem suas próprias conclusões. Pelas observações dos estudantes os termômetros
marcaram 0º na temperatura de fusão da água, isto foi muito positivo para facilitar a
experiência didática mas ainda faltava a verificar como os termômetros se
comportariam no ponto de ebulição da água. Então os colocamos na água fervendo eles
marcaram aproximadamente 100ºC. Por fim os termômetros estavam calibrados em
relação aos pontos de mudança de fase e um em relação ao outro. Explicamos aos
estudantes como seriam feitas as correções de calibração caso fossem necessárias.Por
fim, os orientamos quanto à leitura do instrumento, que foi analógico e não digital, e
sendo um objeto tridimensional sua leitura deveria ser feita de forma perpendicular, no
intuito de não ter leituras enganosas. Confeccionou-se o psicrômetro.
Terminada a construção de nosso instrumento para a aferição da umidade
relativa do ar, os estudantes colocaram água no recipiente e começamos a discutir no
intuito de selecionar os locais aonde o psicrômetro iria permanecer. Unanimidade. O
primeiro local escolhido foi à sala de aula, uma sala improvisada no galpão da escola,
sem forro e coberto com telhas de folhas de fibrocimento. O psicrômetro foi pendurado
na lousa e aguardamos uma hora para começar as leituras. Tomei o cuidado para que
todos os estudantes fizessem leituras, orientando-os a compreenderem as formas
corretas de se aferir um termômetro e, incorporassem o sentimento de trabalho em
grupo e cooperativismo.
A primeira leitura apontou Ts=32ºC, e Tu=24ºC, logo ∆T=Ts-Tu, e na tabela
encontraram o valor referente á ∆TxTs uma umidade relativa do ar de 52%, ás 10:40h
da manhã do dia 25 de junho de 2008 na sala de aula. Fizemos mais uma série de
medidas durante este dia para treinar os estudantes e minimizar os erros nas tabelas que
seriam construídas. Programamos para que no dia seguinte os estudantes colocassem o
Psicrômetro embaixo de uma árvore, uma mangueira no pátio da escola e fizessem
136
medidas de hora em hora, anotassem os dados e construíssem tabelas e gráficos da
umidade em função dos respectivos horários. Esta mangueira se localiza ao lado da nave
da escola, recebendo a luz do sol a maior parte do dia.
O aparelho para medir a radiação solar deveria ser construído de como um
veículo para utilizar os conhecimentos subsunsores dos estudantes, no que tange a suas
experiências pessoais e os conteúdos já aprendidos previamente sobre
eletromagnetismo, modelo atômico e educação ambiental. O primeiro passo foi um
levantamento bibliográfico sobre um aparelho capaz de aferir a quantidade de luz e que
fosse passível de construção a partir de materiais descartados. Posteriormente a turma
recebeu três calculadoras descartadas pela secretaria da escola, e que essas calculadoras
continham LEDs.(Light Emitting Diode). Esses diodos emissores de luz são diodo
semicondutor que emitem luz quando uma corrente é aplicada sobre eles. Os LEDs são
usados para mostrar pequenas quantidades de informação, geralmente são reconhecidos
como pequenas luzinhas em aparelhos eletrônicos como em calculadoras de bolso,
relógios, indicadores, etc. No entanto, quando o LED recebe a incidência de luz, ele
também produz uma corrente elétrica. Com o auxílio de um multímetro testamos os
LEDs expondo-os ao sol, com seus eletrodos fixados a um multímetro. A corrente
produzida foi da ordem de 10-3 volts. Eis o fotômetro. As outras partes das calculadoras
foram utilizadas para vários experimentos: circuitos com lâmpadas, circuitos com
resistores em série e paralelo.
Estas práticas foram proveitosas pararelembrá-los quanto à corrente contínua
(DC) e corrente alternada (AC), leituras das inscrições dos aparelhos, pilhas e baterias e
pedindo que os estudantes explicassem com suas próprias palavras o que
compreendiam. Feito isto apanhamos o multímetro e mostramos quais as suas funções e
como operá-lo. Após tirar as dúvidas, pedimos que saíssem pela escola aferindo a
voltagem das tomadas e baterias que encontrassem, e que tomassem cuidado para com
os equívocos de regulagem do multímetro no que se refere a corrente alternada ou
contínua, pois poderia queimar o aparelho. Acreditamos na importância de atribuir
responsabilidades aos estudantes, no compromisso do manuseio de aparelhos, elevando
a autoestima e senso de competência. Foram aferidas as tomadas da cozinha da escola,
da sala de informática, quadra esportiva, salas de aula, bateria dos ônibus escolar,
relógio de parede, motos do estacionamento e até mesmo as baterias dos celulares.
Esses dados foram anotados e relatados no Portfólio. Observamos que embora o
multímetro trocasse de mão várias vezes, e também por varias vezes foi regulado para
se adaptar á tensão a ser lida, apenas uma vez houve erro, regulando corrente contínua
137
para aferir corrente alternada, fazendo uma grande faísca na tomada, cheirando
queimado, mas para o bem, não queimou o aparelho.
Também foram construídos circuitos com baterias e LEDs, tomando o cuidado
para haver a participação de todos os estudantes na experimentação, sempre indagando
sobre o funcionamento do pequeno circuito, sobre como os elétrons viajam pelo fio,
dessa foram os estudantes iam construindo suas próprias experiências. Utilizando os
condutores das calculadoras pedimos que construíssem circuitos de resistores,
começando com um resistor e aferindo com o multímetro, depois com dois resistores
em série e aferindo, em seguida com três resistores; e assim consecutivamente até seis
resistores. Também que fossem anotando os dados e construindo uma tabela. No
momento que os estudantes terminaram as aferições, questionei sobre os resultados
obtidos, sobre possíveis observações que poderiam ser feitas a partir da tabela
construída. As observações feitas pelos estudantes que a resistência total é a soma das
resistências de cada o resistor. Dessa forma, os próprios estudantes chegaram ás regras
para Resistores em Série. Dando prosseguimento, orientei que organizassem os
resistores a partir de um chegando até ao numero de seis, mas desta vez em paralelo,
anotando os dados também em uma tabela. Feito isto, mais uma vez os chamei á
reflexão sobre os resultados obtidos. O fato de todos os resistores terem mesma
resistência facilitou a compreensão dos estudantes. Analisando a tabela dos resistores
em série, a cada resistor adicionado, adicionava-se uma resistência final; más na tabela
dos resistores em paralelo, a cada resistor adicionado em paralelo acontecia uma
diminuição na resistência final. Más qual é o formalismo matemática que regula essa
diminuição? Nesta oportunidade pedi que buscassem um livro de física e encontrassem
a regra matemática que regula associação de resistores em paralelo: ‘o inverso da
resistência equivalente da associação é igual á soma dos inversos das resistências
parciais associadas’. Também trabalhei a leitura de resistores de acordo com suas
marcações de anéis coloridos; foi uma boa oportunidade para revisão de notação
científica. Devido a nossos resistores serem de 1.10-1 Ω, pedi que usassem as equações
da associação em paralelo para verificar se coincidiam com as medidas feitas, e
verificou-se que elas ficaram muito próximo devidas á margem de erro do multímetro e
do resistor. Estes experimentos também trouxeram como resultado a intimidade dos
estudantes com o multímetro que seria muito utilizado posteriormente.
Socializamos os conhecimentos sobre o LED, e dando prosseguimento orientei-
os a acoplarem o LED na carcaça de uma calculadora para tornar mais fácil o manuseio
do aparelho. Fizemos algumas aferições com o grande grupo, possibilitando a todos o
138
manuseio do Fotômetro. Escalamos estudantes para fazerem medidas de hora em hora
durante toda a semana, e assim foi feito. Do ponto de vista físico, a luz pode ser
definida como uma transmissão de energia entre corpos materiais à distância (Bohr,
1995).
Não demorou muito para que começassem a questionar como o LED
funcionava, como era capaz de transformar a luz em corrente elétrica, e a final, o que
era luz? Para responder a estas questões a princípio apresentei as idéias de Newton
sobre a luz, as suas conjecturas e os seus argumentos. Após essa compreensão e breve
revisão dos conteúdos de Óptica (vistos por esta turma no ano letivo anterior e agora
reafirmados) abordei a da luz e seu comportamento de onda observado por Christian
Huygens; e o padrão de interferência da luz, assim como acontece com a água,
observado por Thomas Young; também a onda eletromagnética proposta por James
Clerk Maxwell, na qual a luz é uma onda oscilando perpendicularmente entre os campos
elétrico e magnético; e por fim, o quantum e o fóton. Assistimos ao vídeo ‘Dr.
Quantum, e o Experimento da Dupla Fenda’ <www.youtube.com>.
A energia solar é usada na movimentação do ar, na agitação das ondas, na
formação de correntes marítimas, na ação química da fotossíntese, na formação de
pigmentos da pele dos seres humanos e de outros animais, e na evaporação da água
durante o ciclo hidrológico. O que sobra de todo esse dispêndio de energia retorna ao
espaço sob a forma de radiação terrestre.
Para elucidar ainda mais sobre essa energia, sobre a natureza da luz e sua
interação com matéria, trouxe dois aparelhos responsáveis em ligar e desligar as
lâmpadas dos postes da iluminação pública. Eles estavam queimados, mas deixei os
estudantes bem a vontade para desmontá-los e posteriormente me explicarem como o
aparelho funcionava. Foi uma atividade muito interessante, até mesmo pela declaração
de um dos estudantes, que disse apontando para a fotocélula do aparelho: ”é aqui que
aponto o laser para apagar a luz do poste?!”, e em seguida nos contou as suas
peripécias, em que com uma caneta com um laser indicador desses usados pelos
professores, caminhava á noite na rua da sua casa apontando o mesmo para o
aparelhinho de poste em poste, e apagando as luzes dos postes da rua toda. “Mas
porque ele (o laser) apaga a luz do poste, professor?” perguntou o estudante.
Fomos mais uma vez ao laboratório de informática, e com o uso do data show,
trabalhamos com um aplett, uma simulação computacional, o Efeito Fotoelétrico,
abordando também as aplicações tecnológicas desses conhecimentos, como por
exemplo as portas de alguns Shopping Center(s) que se abrem quando nos aproximamos
139
e se fecham quando nos distanciamos, ou mesmo o brilho característico de alguns
metais que nada mais é do que elétrons sendo arrancados pela incidência da luz.
Estudamos com muito cuidado o Espectro Eletromagnético verificando as frequências
de luz capazes de arrancar elétrons.
A partir do momento que os estudantes começaram as fazer as medidas, houve
interesse entre os alunos de turmas diferentes sobre os experimentos. Estudantes do 2º
Ano perguntando para os estudantes do 3º Ano que aparelho era aquele, para que servia
e como funcionava. Também estudantes do 1º Ano ao ver estudantes do 2º Ano fazendo
aferições com o Psicrômetro, queriam saber como estavam trabalhando para encontrar a
umidade relativa do ar. Eles conversavam, nos intervalos e durante as medições, sobre o
que estavam fazendo e quais os resultados que estavam encontrando. Ressalto isso de
tal maneira que nos pareceu uma feira de ciências permanente.
Não demorou muito para criatividade dos estudantes aflorarem durante as
medições com o Fotômetro. Faziam as leituras normalmente, e depois, munidos de uma
lupa, centralizavam os raios de luz sobre o pequeno LED, chegando a alcançar 1volt na
leitura do multímetro. Este dado os deixou muito impressionados quanto ao poder da
energia solar e suas possibilidades. Também tiveram contado com um fogão solar na
feira de ciências do final da semana seguinte.
Figura 1. (a) anemômetro aviãozinho, (b) psicrômetro de dois buldos e (c) fotômetro de LED.
Os dados de seus trabalhos foramcoletados durante duas semanas e apresentados
na Feira de Ciências da escola. O 1º Ano foi a primeira turma a apresentar seus dados,
demonstrando através da tabela e gráfico, que pela manhã a velocidade do vento é
menor, e aumenta gradativamente no decorrer do dia diminuindo à tarde.
Tabela 1. Médias dos dados de velocidade do vento (anemômetro) e direção do vento (anemoscópio) coletados pelos alunos do 1ºano.
140
Horário Velocidade Direção 08h 4,5 km/h Sul 09h 10 km/h Sul 10h 7 km/h Sudeste 11h 7 km/h Leste 12h 9 km/h Sudeste 13h 7 km/h Sudeste 14h 9 km/h Sudeste 15h 5 km/h Sul 16h 3 km/h Sul
A turma do 2º Ano explanou suas aferições inferindo uma relação inversamente
proporcional à dos ventos, ou seja, pela manhã a Umidade Relativa do Ar é maior e
tende a diminuir durante o dia, vindo a se elevar um pouco ao fim da tarde. À medida
que a temperatura subia, a umidade diminuía.
Tabela 2. Médias dos dados das temperaturas (bulbo seco e bulbo úmido em separado) e Umidade Relativa do ar (psicrômetro) coletados pelos alunos do 2ºano.
Horário Ts Tu ∆T (Ts-Tu)
U.R.A. (∆TxTs)
08h 25ºC 21ºC 4ºC 71% 09h 28ºC 21ºC 7ºC 54% 10h 30ºC 22ºC 8ºC 50% 11h 32ºC 22ºC 10ºC 41% 13h 32ºC 22ºC 10ºC 41% 14h 32ºC 24ºC 8ºC 43% 15h 32ºC 23ºC 9ºC 46% 16h 30ºC 23ºC 7ºC 54% 17h 30ºC 24ºC 6ºC 61%
A turma do 3º Ano foi o ultima a apresentar os seus dados, levando a apreciação
dos demais, os seus resultados e conclusões. Devido aos estudos feitos sobre a interação
da luz com a matéria, explicaram que a radiação solar aumenta durante o dia
promovendo o aquecimento do ambiente.
Tabela 3. Médias dos dados de radiação solar (fotómetro) em d.d.p. coletados pelos alunos do 3º ano.
Horário Diferença de Potencial
08h 3,2 x 10-3 V
09h 4 x 10-3 V
10h 5,1 x 10-3 V
11h 5,5 x 10-3 V
12h 6 x 10-3 V
141
13h 6,3 x 10-3 V
14h 4,1 x 10-3 V
15h 3 x 10-3 V
16h 2,2 x 10-3 V
Cruzando os dados e sobrepondo as tabelas e gráficos, os estudantes
responderam a pergunta central do trabalho: “Quais as influências dos aspectos físicos
climáticos na agricultura da comunidade?”, ou mais especificamente, “quais as relações
existentes entre velocidade do vento, umidade relativa do ar e radiação solar na
agricultura da comunidade?”. A questão central direcionou os olhares para a
sazonalidade local, caracterizada por um período seco e chuvoso bem definido, que por
sua vez tem apresentado características extremas, com secas mais rigorosas e longas e
chuvas mais intensas em períodos de tempo mais curtos. Essas mudanças talvez estejam
relacionadas com a ocupação do espaço e uso do solo na região.
Horas
6 8 10 12 14 16 18
Radiação Solar
Umidade Relativa do Ar
Vento
Figura 2. Comportamento diurno das variáveis: velocidade do vento (anemômetro), umidade relativa do ar (psicrômetro) e radiação solar (fotômetro), do mês de maio no pátio da Escola Municipal Rural Minuano.
Os seminários dos estudantes foram enriquecidos com a comparação dos
resultados de conforto ambiental em ambientes externos (campo aberto, quadra de
esportes, sombra das árvores) e internos (salas de aulas e corredores) a partir dos dados
de temperatura e umidade do ar. Relações entre área arborizada e descampado, e a
variação dos valores de umidade e temperatura durante o dia também foram discutidas
levando as conclusões de que o desmatamento para a implantação da atividade
agropecuária determina uma resposta ao ambiente: a temperatura com maior amplitude
142
e variabilidade e umidade do ar mais baixa, sendo que a vegetação age como
termorregulador ambiental tornando ao clima mais agradável para se viver.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As respostas foram mais profundas do que era esperado para o ensino médio.
Sensibilizados, provocados e munidos de postura crítica pelas novas informações sobre
a questão ambiental, os próprios estudantes decidiram elaborar e implementar um
projeto que se chamou “Nascentes: Um Retrato Preto e Branco”. Esse projeto objetivou
levantar a situação das nascentes in locus: fotografar/filmar algumas nascentes na
comunidade; realizar entrevistas com os moradores locais; realizar estudo de
esclarecimento acerca da responsabilidade da Agenda 21 com ações que promovam a
conservação de nascentes; identificar a postura das pessoas acerca da situação das
nascentes nas comunidades; propor hipóteses acerca dos resultados levantados, usando
como metodologia a leitura de textos, visita a algumas nascentes na comunidade,
entrevista com pioneiros sobre as nascentes em suas propriedades; entrevista com
responsáveis pela Agenda 21 local e pesquisa na Internet sobre a situação das nascentes
no Portal da Amazônia. O projeto foi executado e apresentado à comunidade escolar. Os
estudantes observaram que a maioria das nascentes da comunidade está assoreada e sem
mata ciliar. Também que existe a preocupação dos moradores com a situação ambiental,
mas às vezes falta-lhes informação e/ou recursos para iniciar um processo que reverta os
danos causados à aguas locais pela agricultura e pecuária.
Os registros dos resultados destas atividades foram Portfólios, e as fichas de
avaliação de trabalhos, bem como vídeos, fotografias e apresentações em PowerPoint.
Experiências didáticas como essa implicam em responsabilidade, e levantam
uma questão que não é fácil de resolver: a do fazer e do não fazer e as suas
consequências práticas, principalmente porque é possível e alguém está fazendo.
Encontrar professores que compreendem a proposta, que se alinham à proposta, que
assumem a responsabilidade afim de que, no caminhar não percam a vontade de fazê-lo.
Essas são as adversidades e as diversidades. O ser humano é um ser complexo, ou seja,
é um ser de possibilidades. Logo, a sala de aula é um ambiente de diversidades, de seres
com características tão diferentes, com formas tão diferentes de ver o mundo, fazendo
do mundo objeto de discussão, por que é através do diálogo, da interação que
construímos a nós mesmos e ao meio, numa relação simbiótica.
O que fazemos ou deixamos de fazer influi intimamente na realidade. Se não
tivéssemos as ações balizadas sobre esse tipo de pensamento teria sido praticamente
impossível a execução deste trabalho da forma como foi conduzido. Deixamos clara a
143
importância da formação interdisciplinar em Ciências Naturais, com suas
especificidades, embasamento teórico e metodologias, para o êxito das atividades. Foi e
é difícil promover atividades como esta, seja diante do grupo de professores para com a
temática, seja diante da Área de Ciências Naturais, seja diante dos estudantes e seus pais
que por vezes não compreendem a proposta. Todas essas dificuldades foram
vivenciadas desde o momento em que o grupo se reuniu para propor o projeto
pedagógico; algo completamente diferente de tudo o que se estava acostumado a ver nas
escolas; até a sua conclusão. Por acreditar nessa teoria trabalhamos com um senso de
responsabilidade muito grande, apresentando resultados concretos que, por sua vez
foram levados à apreciação de pais, mestres e estudantes diariamente. Era sabido que
nesse universo ter-se-iam grupos com dificuldades para entender a proposta, afinal, esta
é uma experiência inovadora e como tal carregada de peculiaridades, sendo necessário
planejamento para a ação e reflexão na ação. Uma escola com a oportunidade de
formação sem provas tradicionais, com metodologias de ensino, registro e avaliação
diferenciadas gerou polêmica, mas dentro desta mesma população, atingiu-se um
percentual muito significante de aproveitamento da proposta, o que fez a diferença.
Toda solução imediatista e extremista acaba frustrada, então tomamos os
cuidados necessários, respeitando a idiossincrasia dos estudantes e seu contexto. Com
esta experiência podemos afirmar que esta é uma proposta viável, e que ao continuar
trabalhando na pretensão de novas conquistas mais resultados desta natureza poderão
ser alcançados.
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144
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145
(RE)PENSANDOO ENSINO DA LITERATURA INFANTIL
Ana Maria Zanoni da Silva33 Resumo
Este trabalho tem por objetivo rever alguns aspectos da história do desenvolvimento da literatura infantil, a fim de se iniciar uma reflexão a respeito do ensino da literatura infantil, tomando por base autores como Zilberman , Lajolo, Todorov, Coutinho entre outros. Palavras-chave: Ensino; Literatura infantil; Leitor.
1 Introdução
Chega mais perto e contempla as palavras. Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta, pobre ou terrível, que lhe deres:
"Trouxeste a chave?" - Carlos Drummond de Andrade.
Nos versos de Drummond, a definição de literatura vem à tona por meio da
comparação metafórica das múltiplas faces que as palavras apresentam de acordo com a
posição de quem as contempla, ou seja, “a literatura é um fenômeno estético. É uma
arte, a arte da palavra”. (COUTINHO, 1978, p.8).
Para penetrar no reino da escrita, o leitor precisa de uma chave que lhe abrirá as
múltiplas possibilidades semânticas de cada palavra, bem como a carga de significação
da junção de todas elas em um tecido emaranhado que confere vida e forma ao texto. Se
a literatura vem a ser a arte da palavra, para qual se faz necessário ter uma “chave” que
proporcione a interpretar o texto e apreender o efeito estético, então, como ensiná-la?
33 Doutora em Estudos Literários pela FCLAR/UNESP- Campus de Araraquara SP. Professora de Língua Portuguesa e Inglês Instrumental da UEMG (Universidade do Estado de Minas Gerais – Campus de Frutal).
Revista Eletrônica Pedagogia em Foco, v. 7, setembro de 2012
146
Existem diferentes formas de abordagem do ensino da literatura, porém dois
vieses são mais privilegiados no cotidiano escolar: o histórico e o filológico. Quando
tratado sob a ótica histórica, o ensino da literatura tende “a reduzir o ensino da literatura
ao da história literária (...). O aprendizado reduziu-se, em última análise, à memorização
de nomes, títulos e datas, ou a alguns pitorescos fatos biográficos” (COUTINHO,1978,
10).
No viés filológico o interesse literário fica subordinado ao filológico e a
literatura converte-se em simples “texto para o estudo da linguagem” (COUTINHO,
1978, p. 10). Sob essa ótica, nada mais propício para servir ao propósito de ensinar a
leitura de que usar a velha técnica de apresentar aos alunos textos direcionados ao
público infantil, sobretudo àqueles que estão começando a descobrir o universo da
escrita, ou seja, os alunos do Ensino Fundamental em fase de alfabetização. Nesse
contexto a literatura é, geralmente, empregada comocoadjuvante no ensino da
decodificação dos signos linguísticos, e, portanto, não vem a ser o melhor caminho para
despertar o gosto do publico infantil por essa arte, mesmo porque o prazer que advêm de
uma obra literária é estético e não está a serviço da transmissão do conhecimento
histórico, filosófico, social, religioso, etc.
O problema do ensino da literatura infantil possui muitos matizes, porém o fato
de se tratar de uma literatura “para” criança, ou seja, de uma criação artística feita por
adultos e impregnada da visão deles do mundo ao seu redor, vem ser o mais crucial de
todos. Como ter certeza de que a visão de mundo exposta em determinado texto
despertará o prazer no leitor infantil? Como proceder, em sala de aula, para despertar o
gosto pela literatura? Essas questões estão presentes no cotidiano de todos os
envolvidos no processo de educação, principalmente dos professores dos anos iniciais.
Os primeiros contatos realizados pela criança com a literatura, nem sempre são
proporcionados pela família e, sendo assim,é comum que o encontro do leitor com o
texto ocorra, a priori , na escola. O mediador desse processo vem a ser o professor, ao
qual também se atribui a responsabilidade de criar o hábito e despertar o gosto pela
leitura em seus alunos. Mediante essas constatações, um recuo no tempo, mostrando a
história do desenvolvimento da literatura infantil, pode ser uma luz no fim do túnel para
se iniciar uma reflexão a respeito do ensino da literatura infantil.
2 O novo público leitor
As crianças não têm idéia [sic] da riqueza que podem encontrar num livro porque ninguém mostrou a elas.
147
- Tzvetan Todorov –
O século XVIII pode ser considerado como um marco para o surgimento do
leitor infantil, uma vez que o advento da Revolução Industrial propiciou a formação de
uma nova classe social denominada de burguesia, detentora de muitos cifrões e
promovedora da divisão do trabalho entre os membros das diversas instituições,
sobretudo da família. Naquele período, a estrutura familiar tornou-se mais hierárquica,
cabendo ao pai as responsabilidades econômicas e à mãe os afazeres domésticos e a
educação dos filhos. Pai e mãe passam a cuidar de um bem comum – os filhos.
O reconhecimento da criança como um ser em formação com necessidades
diferentes daquelas inerentes aos adultos, tal como demonstra Cunha em Literatura
Infantil:Teoria eprática.
A história da literatura infantil tem relativamente poucos capítulos. Começa a delinear-se no início do século XVIII, quando a criança pelo que deveria passa a ser considerada um ser diferente do adulto, com necessidades e características próprias, pelo que deveria distanciar-se da vida dos mais velhos e receber uma educação especial, que a preparasse para a vida adulta. (.Cunha,1999,p22)
O reconhecimento da criança, por parte da sociedade, motivou “o aparecimento
de objetos industrializados (o brinquedo) e culturais (o livro) ou novos ramos da ciência
(a psicologia infantil, a pedagogia ou a pediatria)”. (LAJOLO ET ZILBERMAN, 1988,
p. 17). Chega-se a conclusão de que a criança requer cuidados que a auxiliem a crescer e
desenvolver suas potencialidades intelectuais e, portanto, torna-se necessário a
solidificação da instituição responsável pelo saber, ou seja, a escola, cuja
obrigatoriedade foi efetivada a partir do século XVIII. A junção escola/criança, em meio
a uma sociedade industrializada, promoveu o surgimento do comércio livreiro e as obras
voltadas ao novo público ganharam ares de mercadoria, pois o livro transformou-se em
um dos objetos, cuja produção passou a ser em série. Produzida em série, a literatura
destinada à criança objetivou um mercado específico e transformou-se em veiculo de
disseminação dos ideais e valores das classes dominantes e, portanto, passou a exercer
uma função pedagógica e utilitária, da qual ainda não conseguiu se livrar.
A partir do momento em que se estabelece uma classificação denominada de
literatura infantil, torna-se necessário rever alguns aspectos do conceito de literatura,
para que se tenha uma melhor compreensão dos textos enquadrados na categoria de
infantil.
Segundo Manoel Antonio de Castro (1999, p.35) a termo literatura deriva da
palavra latina littera, e significa a arte que concerne às letras, ou seja, a arte de escrever
148
e ler. Nessa definição a literatura está ligada, ainda que de forma indireta, ao ensino, à
aprendizagem e a formação cultural do ser humano. A concepção de fenômeno de
natureza estética conferida à literatura ocorreu a partir da segunda metade do século
XVIII. Se houve uma fase em que o conceito de literatura estava amalgamado
restritamente ao ato de escrever e ler, foi possível também, considerar essa arte apenas
como mais um elemento facilitador apenas do processo de alfabetização. Mas, a partir
do momento em que se passa a considerar a literatura como fenômeno de natureza
estética, cabe também repensar a literatura voltada para criança sob o aspecto estético.
Nesse sentido o texto de cunho moralizante e voltado apenas para a transmissão de
preceitos culturais, religiosos deveria de ter deixado de ser o foco das atenções. Uma
forma de se elucidar o quão distante estava e, talvez ainda esteja, o texto denominado de
literatura infantil, vem a ser uma retomada do pensamento estético do escritor brasileiro
Monteiro Lobato a respeito da produção literária voltada à criança e explícito em Carta
a Godofredo Rangel,: “Ainda acabo fazendo livros onde as nossas crianças possam
morar”. (1926).
Monteiro Lobato ao desejar criar obras que as crianças iriam supor verdadeiras e
atraentes a ponto de nelas querer morar, já demonstrava uma preocupação com o
universo literário infantil. Para conseguir despertar o gosto do leitor, por meio da
criação de uma atmosfera que atendesse aos anseios de sonho e fantasia do público
infantil, Lobato teve de encarar o texto literário infantil com o mesmo rigor que se
escreve um romance para adultos, porque conforme afirma Coelho: “A literatura infantil
é, antes de tudo, literatura; ou melhor, é arte: fenômeno de criatividade que representa o
mundo, o homem, a vida, através da palavra. Funde os sonhos e ávida prática, o
imaginário e o real, os ideais e a sua possível/impossível realização” ( 2000, p. 27).
A acuidade estética de Lobato mostra a plena compreensão de que a literatura
resume, através dos recursos da ficção, uma realidade que tem relação com o que o
leitor vive no seu dia-a-dia. Dessa identidade entre o mundo representado no texto e a
conjuntura do qual participa o leitor, que surge a relação entre leitor e a obra. Quem não
tem em suas reminiscências momentos de deleite na companhia de sua avó ou das
peraltices vivenciadas entre irmãos ou primos, permeadas por bonecos ou bonecas com
aos quais nos identificamos, conferindo-lhes a função de interlocutor ao segredar-lhes
os mais diversificados anseios, medos e sonhos. Em o Sitio do Pica- Pau Amarelo,
Lobato estende um convite ao leitor para adentrar em um universo de múltiplas
possibilidades e revela que ,nem sempre por se tratar de uma produção escrita, a
difusão da literatura infantil depende da capacidade de leitura das crianças, ou seja, “da
149
habilitação da criança para o consumo de obras impressas”. (LAJOLO ET
ZILBERMAN, 1988, p. 18).
Embora quando nos referimos ao conceito de literatura infantil, somos levados a
crer que se trata da produção escrita, faz-se necessário lembrar que muito antes da
invenção da imprensa, crianças reunidas em torno de fogueiras já ouviam narrativas dos
feios heróicos e culturais de seu povo, por meio da voz dos anciãos. Com o advento da
imprensa e difusão de obras impressas o elo entre criança/literatura e escola se fecha,sob
o ponto de vista dos interesses econômicos e, nesse cenário, o gosto e prazer de ler
perderam muito de sua força.
Mas nem só de relações comerciais vive a literatura infantil, pois ela apresenta
outras características particulares, como, por exemplo, o tipo de representação do real,
em que prevalece o modo pelo qual o adulto quer que a criança veja o mundo. Tomada
sob esse aspecto a literatura infantil revela um caráter utópico, considerado como
escapista por trazer à tona um mundo perfeito, repleto de finais felizes e, ao meso
tempo, expor “um projeto para a realidade, em vez de apenas documentá-la
fotograficamente”. (LAJOLO ET ZILBERMAN, 1988, p. 18).
Outra característica da literatura infantil vem a ser a expressão simbólica de
vivencias interiores do leitor. Para se transmitir, contemplar e “ensinar” a expressão
simbólica das vivências interiores, escritor/professor e aluno precisam compactuar da
mesma chave que os habilite a contemplar as inúmeras faces das palavras que compõem
o texto, ou seja, é preciso que o texto desperte um efeito, possível de ser captado pelo
leitor. Apreender e compreender efeitos e significados são processos que requerem
habilidades além da mera decodificação dos sinais gráficos, pois envolve emoções,
sentimentos e contextualização das idéias expostas.
Se o interesse comercial foi o elemento impulsionador da publicação de livros, a
sensibilidade revelou-se como o fator promovedor da permanência e conversão de obras
produzidas nos séculos XVII, XVIII e XIX em modelos de histórias capazes de agradar
o publico infantil. Entre os preferidos do gosto infantil estão os Contos de Mamãe
Gansa de Charles Perrault, as histórias fantásticas presentes nos Contos de Hans
Christian Andersen , em Alice no país das maravilhas de Lewis Carrol e Peter Pan de
James Barrie, bem como as narrativas de aventuras, gênero que consagrou Julio Verne
e Robert Luis Stevenson como preferidos pelas crianças.
Os textos ficcionais enquadrados na categoria de literatura infantil formam um
espaço privilegiado para incitar no indivíduo a criação das hipóteses mágicas, uma vez
que a linguagem de uso corrente nesses textos constitui-se em intercessora entre a
150
criança e o mundo e oferece condições para se desenvolver o domínio lingüístico, por
meio do ensejo ao fictício, à fantasia, à aquisição do saber.
Desenvolver o interesse e o hábito pela leitura é um processo constante, que
começa muito cedo, em casa, aperfeiçoa-se na escola e continua pela vida inteira.
Existem diversos fatores que influenciam o interesse pela leitura. O primeiro e talvez
mais importante vem a ser a criação de uma “atmosfera literária” que, segundo
Bamberguerd (2000, p.71), deve ser proporcionada ainda em casa.O ouvir histórias, o
contato direto com livros e os estímulos constantes propiciam o desenvolvimento do
vocabulário e a aptidão pela leitura.
3 Leitura : hábito ou prazer ?
Ler não é hábito. Ler é paixão. - Ruth Rocha. Se atentarmos para a afirmação de Ruth Rocha, talvez possamos formular
algumas hipóteses capazes de auxiliar na resposta para a eterna pergunta dos
educadores: Como proceder, em sala de aula, para despertar o gosto pela literatura?
Desenvolver o interesse e o gosto pelo ato de ler constitui um processo
constante, que começa em casa, aperfeiçoa-se na escola e continua pela vida inteira,
afinal a paixão carece de ser nutrida diariamente, porque existem diversos fatores que
influenciam no interesse pela leitura. Um dos estímulos talvez mais importante vem a
ser,segundo Bamberguerd (2000, p.71), o propiciar de uma “atmosfera literária” anterior
ao adentrar da sala de aula, ou seja, criada em casa. O contato direto e constante com
livros, a oportunidade de ouvir histórias e o estímulo dos pais propicia à criança o
desenvolvimento favorável do vocabulário, bem como a prontidão para a leitura.
O papel da família torna-se fundamental, pois ao invés de chegar à escola e ter o
texto literário apenas como um dos elementos didáticos auxiliadores na decodificação
dos sinais gráfico, a criança que vive imersa em uma atmosfera literária, terá maior
compreensão de que literatura não é apenas passatempo ou um suporte pedagógico para
se aprender a praticar o ato de ler, mas, parafraseando Cecília Meireles, uma das
maneiras pela qual ela irá nutrir-se ao longo de sua vida. Se a criança é privada do
contato com livros e narrativas orais, será maior grau de repulsa de aceitar a leitura
como paixão e não como dever.
Na fase escolar, segundo Zilberman (1984, p. 69), cabe ao professor utilizar os
diferentes tipos de textos dirigidos às crianças, tais como a poesia, as letras de música,
as adivinhas, as parlendas, as quadrinhas, os trava-línguas, etc., visando a proporcionar-
151
lhes momentos de contato com as diferentes formas de expressão verbal e cultural.O uso
de diferentes tipos de texto que fazem parte da chamada da literatura infantil, em sala de
aula, possibilita a indagação dos valores em uso na sociedade (senso crítico), propicia a
ampliação dos horizontes cognitivos do leitor em formação e auxilia no processo de
socialização.
Atualmente, o acesso às obras literárias foi facilitado, porém, nota-se que o
prazer e o gosto pela leitura não são desenvolvidos por falta de motivação e incentivo.
Para que o aluno se torne um leitor e tenha uma maior aprendizagem da
língua, é necessário que o professor estabeleça uma atitude estratégica, ou
seja, uma aula de leitura, o que levará aluno e professor a compreenderem a
riqueza do universo ficcional. Por isso, construir um espaço cheio de
opiniões críticas em busca do saber e da liberdade é tarefa e
responsabilidade que todo professor deve assumir. Deve também, incluir na
sala de aula, o estudo do fato histórico, da biografia, a realidade do texto,
usando-os para cativar o leitor (BACA, 2002).
Pelo exposto acima, constata-se a necessidade de se manter a atmosfera literária
proporcionada em casa, pela família, e também em sala de aula. Um aspecto a ser
levado em consideração vem a ser as especificidades do texto voltado para o público
infantil como, por exemplo, o formato dos livros, cujos formatos estão diretamente
ligados a algum personagem ou lugar mencionado na obra, bem como a quantidade de
ilustrações. Os contos de fadas apresentam uma gama de ilustrações que descrevem, por
meio das gravuras e desenhos, a cena ou fato que está sendo narrado.
Embora essas diferenças possam motivar e despertar na criança o gosto pela
leitura cabe ressaltar algumas indagações feitas pelo escritor Carlos Drummond de
Andrade em Confissões de Minas.
O gênero *literatura infantil tem, a meu ver, existência duvidosa. Haverá música infantil? Pintura infantil?A partir de que ponto uma obra literária deixa de constituir alimento para o espírito da criança ou do jovem e se dirige ao espírito adulto?Qual o bom livro para crianças, que não seja lido com interesse pelo homem feito? Qual o livro de viagens ou aventuras, destinado a adultos, que não possa ser dado a crianças, desde que vazado em linguagem simples e isento de matéria de escândalo?Observados alguns cuidados de linguagem e decência, a distinção preconceituosa se desfaz. Será a criança um ser à parte, estranho ao homem, e reclamando uma literatura também à parte? Ou será a literatura infantil algo de mutilado, de reduzido, de desvitalizado – porque coisa primária, fabricada na persuasão de que a imitação da infância é a própria infância?Vêm-me à lembrança as miniaturas de árvores, com que se diverte o sadismo botânico dos japoneses; não são
152
organismos naturais e plenos; são anões vegetais. A redução do homem que a literatura infantil implica dá produtos semelhantes. Há uma tristeza cômica no espetáculo desses cavalheiros amáveis e dessas senhoras não menos gentis, que, em visita a amigos, se detêm a conversar com as crianças de colo, estas inocentes e sérias, dizendo-lhes toda sorte de frases em linguagem infantil, que vem a ser a mesma linguagem de gente grande, apenas deformada no final das palavras e edulcorada (adoçada) na pronúncia...Essas pessoas fazem oralmente, e sem o saber, literatura infantil. (ANDRADE, 1964, p.)
Os questionamentos de Drummond enfatizam a importância do papel dos pais e
dos professores na orientação das crianças durante a escolha da obra a ser lida. Muito
embora a literatura destinada ao público infantil tenha algumas especificidades como
ilustrações e formatos diferenciados das demais obras literárias, Drummond chama
atenção para a questão da linguagem, esta deve ser simples, sem reducionismo,
diminutivos e tom moralizador.
Cecília Meireles ao se referir à obra ideal para despertar o gosto das crianças
afirma: Ah! tu, livro despretensioso, que, na sombra de uma prateleira, uma criança
livremente descobriu, pelo qual se encantou, e, sem figuras, sem extravagâncias,
esqueceu as horas, a merenda... tu, sim, és um livro infantil, e o seu prestígio será, na
verdade, imortal. (1979, p.28).
Os enfoques conferidos por Drummond e Meireles colocam em questionamento
a restrição do acesso da criança apenas àquelas obras, enquadradas na categoria de
literatura infantil, mas que em sua grande maioria, não despertam o gosto e sim a
aversão.
4 Considerações Finais
O prazer de ler, seja durante a infância ou na idade adulta, não pode ser reduzido
somente à ideia de se criar o hábito de leitura, uma vez que praticamos ações
denominadas de hábito e que nem sempre nos proporcionam prazer. Promover
momentos de contato da criança com o texto literário, organizados de forma a
proporcionar vivencias prazerosas, deixando de lado cobranças e indagações vinculadas
apenas aos aspectos estruturais da obra, constitui uma atitude simples, capaz de ser
praticada tanto pelos pais como pelos educadores.
A presença da preposição “para” criança na denominação de uma obra não
constitui, por si só, um elemento capaz despertar o gosto do público, porque não
podemos deixar de lado a fato que: “Na literatura para crianças ou adultos, o mágico e o
153
absurdo irrompem na rotina cotidiana e fazem desaparecer os limites entre o real e o
imaginário”. (COELHO, 2000, p. 26). Pais, educadores e escritores exercem um papel
importante no oferecimento de obras a crianças , que abandonem a perspectiva
tradicional, focada na função pedagógica, tal como explicita Lajolo e Zilberman ao se
referirem ao encontro do poeta e a criança: “ o ponto de encontro entre o poeta e a
criança (...), ocorre ou pela tematização do cotidiano infantil ou pela adoção, por parte
do autor, de um ponto de vista que compartilha com seus pequenos leitores a
anticonvencionalidade, quer da linguagem, quer do recorte da realidade (...). (1988, p.
148)
5 Referencias Bibliográficas ABRAMOVICH, Fanny. Literatura Infantil: gostosuras e bobices. 4.ed. São Paulo: Scipione, 1997. ANDRADE, Carlos Drummond de. “Literatura Infantil”. In: Confissões de Minas. Rio de Janeiro: Aguilar,1964. CHAVES, Iduina Mont’Alverne Braun; COZZI, Tânia de Rezende. Acolhendo o diálogo entre Letramento e Literatura Infantil Acolhendo alfabetização nos países de língua portuguesa. Revista Eletrônica do Grupo Acolhendo. São Paulo, ano 2, n. 3, 2007. Disponível em: <www.mocambras.org/0003mocambras/ 0003mocambras_textos/1alfabcrianca/04acolhe_dial_letra_litera_infant.pdf >. Acesso em 16 abr. 2008. COELHO, Nelly Novaes. A literatura infantil! Abertura para a formação de uma nova mentalidade. In: ______ Literatura Infantil: teoria-análise-didática. São Paulo: Moderna, 2000 CUNHA, Maria Antonieta Antunes. Literatura Infantil: Teoria e prática.18 ed.São Paulo: Ática,1999. LAJOLO, Marisa; ZILBERMAN, Regina. Literatura Infantil Brasileira Histórias E Histórias. São Paulo: Ática, 1988. LOBATO, Monteiro. Carta a Godofredo Rangel, Rio de Janeiro, 7/5/1926) MEIRELES, Cecília. “O livro que a criança prefere”, in: Problemas da literatura infantil. 2ª ed., São Paulo: Summus, 1979, p. 28. TODOROV,Tzvetan. A Literatura em Perigo. Difel, 1996. __________________. “Literatura não é Teoria, é Paixão". Disponível em : http://bravonline.abril.com.br/materia/tzvetan-todorov-literatura-nao-teoria-paixao. ZILBERMAN, Regina. Literatura infantil: autoritarismo e emancipação. São Paulo, Ática, 1984.
154
_______________. A Literatura Infantil na Escola. São Paulo: Global, 1985.
155
CRENÇAS E SUAS INFLUÊNCIAS NO PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS
Eduardo Barbuio34
Resumo
As crenças podem ser componentes fundamentais no ensino de línguas e na formação de professores de línguas. Pesquisas acerca das crenças têm apresentado várias implicações para a formação de professores. Diante dessas considerações, este trabalho procurou analisar as crenças de professores de línguas estrangeiras em processo de formação, bem como identificar possíveis influências destas nesse processo.
Palavras-Chave: ensino de língua estrangeira,crenças, formação de professores de LE.
1. INTRODUÇÃO
A problemática em torno da formação de professores é antiga, bem como demais
estudos relacionados a esse tópico. No entanto, quando se fala de professores de línguas
estrangeiras (doravante LE) especificamente, percebe-se que os estudos acerca de sua
formação são bem mais recentes e que muitos aspectos necessitam ser investigados.
Artigos que resgatam a história do ensino de línguas estrangeiras no Brasil assinalam a
década de 1930, como um marco de mudança no ensino de LE, especificamente Leffa
(1999) e Almeida Filho (2001). No entanto, a formação de professores de LE, como
linha de pesquisa na Linguística Aplicada (LA), apresenta uma história mais recente. O
34 Mestre em Linguística pela UNIFRAN. Professor Assistente das disciplinas de Língua Inglesa e Estágio Supervisionado de Língua Inglesa do curso de Letras da UFRPE/UAST.
Revista Eletrônica Pedagogia em Foco, v. 7, setembro de 2012
156
processo interacional em sala de aula destacou-se como objeto de investigações, a partir
das quais emergiram outras (Moita Lopes, 1996), fazendo surgir no Brasil em meados
de 1990, tal linha de pesquisa (Gil, 2005). Esse fato veio reforçar o caráter
interdisciplinar da LA, que nas palavras de GIL (2005) criam “uma nova transformação
transdisciplinar da área, onde novas questões (por exemplo, as educacionais) começam
a ter mais peso” (p. 174).
Diante dessa condição de área de pesquisa relativamente nova, no Brasil e no
mundo, justifica-se a necessidade de mais pesquisas sobre a formação de professores de
LE, considerando a complexidade das questões envolvidas e, principalmente, o fato de
que muitos desses aspectos merecem um maior aprofundamento investigativo.
Gil (2005) apresenta um mapeamento sobre os estudos de formação de
professores de línguas no Brasil. O artigo que visa situar o leitor, demonstra como vem
crescendo o interesse de pesquisadores brasileiros, principalmente do centro do país, por
essa área. Segundo a autora, os focos investigativos mais comuns são principalmente:
(1) formação de professores e prática reflexiva/consciência crítica; (2) formação de
professores e crenças; (3) formação de professores e construção da identidade
profissional. Além desses, aparecem outros tópicos, como: a formação de professores e
(a) novas tecnologias, (b) gêneros textuais, (c) leitura/letramento e (d) ideologias.
As crenças se configuram, assim, como um dos elementos importantes para a
compreensão do que acontece em sala de aula, uma vez que elas têm grande impacto na
imagem que os professores trazem de si e também na forma com que explicam suas
práticas (Johnson, 1994), a fim de desvendar um pouco do que acontece nesse processo.
2. FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE LE
Formar indivíduos capazes de exercer a cidadania conscientemente é um dos
objetivos da educação. Todavia, as políticas educacionais nem sempre estão
direcionadas para isso, pois são afetadas por políticas econômicas e sociais. A
linguagem é de extrema importância para a articulação desse saber conscientizador,
colocando a Linguística Aplicada (LA) em evidência. Muitos linguistas aplicados
preocupam-se com o progresso de uma conscientização linguística, “tanto em relação à
língua enquanto sistema, quanto em relação à língua enquanto meio de comunicação
socialmente construído” (Celani, 2000, P. 21). A questão de formação de professores
constitui importante fator em uma política educacional.
157
Os professores que atuam em cursos de graduação devem se preocupar em
preparar futuros professores para tratar com questões ligadas ao entendimento da
linguagem como socialmente construída. A reflexão do professor sobre o seu próprio
processo de aprendizagem desenvolverá a compreensão crítica de seu trabalho como
educador (CELANI, 2000). O professor em serviço deve estar continuamente
procurando melhorar sua prática, suprindo carências de sua capacitação. Nos programas
de pós-graduação encontra-se o ponto mais alto da formação do professor. É aí que as
investigações sobre problemas inerentes à linguagem inserida no contexto social se dão
e seus resultados possibilitam o desenvolvimento de profissionais em vários níveis de
ensino. O número de estudos sobre formação de professores é crescente (Almeida Filho,
2000; Barcelos, Batista e Andrade, 2004; Telles, 2002b, dentre outros), comprovando a
importância que pesquisadores da área de educação e LA dedicam ao tema.
O ensino e a aprendizagem de línguas passaram por mudanças ao longo dos
anos. A formação de novos professores, até a década de 1970, centrava-se muito no
treinamento desses profissionais para a utilização do melhor método (Almeida Filho,
2005). Na década de 1980, os processos internos de aquisição e fatores afetivos que
interferem na aprendizagem começaram a ser explorados. Na década seguinte, o método
deixou de ser o principal item na formação de professores, havendo maior interesse pela
interação dos agentes da aprendizagem e do ensino (Almeida Filho, op. Cit.).
Segundo Almeida Filho (2002), uma formação verdadeira, que prepara para o
cotidiano profissional e para a condução do processo real de ensinar línguas, deveria
preocupar-se em formar profissionais competentes e competitivos na área, trabalhando
aspectos de sua cultura geral, flexibilidade, capacidade de resolver problemas, que
estejam em constante evolução. Deveria, da mesma forma, desenvolver uma
compreensão da importância da linguagem na educação formal e geral.
A formação de profissionais na área de ensino de línguas caminha lentamente
rumo ao equilíbrio, mas ainda precisa de revisões para formar profissionais competentes
e competitivos (Almeida Filho, 2000). O mesmo autor aponta para um “renascimento de
interesse público pela área da linguagem” o que pode nos trazer certo otimismo com
relação à atenção e importância reservadas a nós, atuantes na área, e a futuros colegas.
3. CONCEITUANDO CRENÇAS
158
O conceito de crenças não é específico da área da Linguística Aplicada ou da
área da Educação, pois ela tem sido utilizada há muito tempo em outras áreas do
conhecimento, como a Antropologia, a Sociologia, a Psicologia e a Filosofia. Não existe
uma definição única para esse conceito, mas vários termos e definições, mesmo dentro
de uma única área, o que dificulta, ainda mais, sua investigação. Essa profusão de
termos, denominada por Woods (1996) de “floresta terminológica”, reforça a
complexidade e o potencial de investigação do conceito, motivando pesquisadores a se
debruçarem sobre as questões relacionadas ao processo de ensino-aprendizagem de
línguas (BARCELOS, 2001). Apesar das diferentes definições, todas têm como ponto
comum a referência à “natureza da linguagem e ao ensino/aprendizagem de línguas”
(BARCELOS, 2004, p. 132) ou ao que diz respeito ao seu aspecto cultural e social,
tomando-as como ferramentas que auxiliam alunos e professores e compreenderem suas
experiências.
Como membros de uma determinada sociedade, todos nós temos percepções
sobre o que é linguagem, assim também como “receitas” sobre a melhor maneira de
aprender línguas e sobre a nossa atuação em uma sala de aula. Essas percepções
culturais podem afetar ou até mesmo inibir a receptividade do aprendiz quanto aos
novos métodos de ensino trazidos com tanto entusiasmo pelo professor. Dessa maneira,
quanto mais informados estivermos sobre as crenças de nossos alunos, tanto maiores
serão as chances de sucesso de qualquer intervenção que se queira fazer
(KUMARAVADIVELU, 1991 p.107).
Segundo Coterall (1995, p.201), a experiência anterior de aprendizagem exerce
um papel crucial tanto no desenvolvimento de crenças quanto na percepção que o aluno
tem de si mesmo, determinando o seu nível de autoconfiança e seu consequente sucesso
na aprendizagem. Desta forma, emerge a necessidade de melhor explorar as crenças dos
alunos e de ajudá-los a se conscientizarem sobre crenças que podem ser prejudiciais à
sua aprendizagem.
Kern (1995, p.71) acredita que o maior conhecimento sobre noções pré-
concebidas dos alunos sobre aprendizagem de língua estrangeira (doravante LE) ajuda a
prevenir os conflitos de expectativas que podem levar à frustração, ansiedade, falta de
motivação e até mesmo ao término do estudo de LE.
Wenden (1986, p.4) também reconhece a influência da experiência educacional
anterior, e define crenças como “opiniões de pessoas respeitáveis que influenciam a
159
maneira de agir dos aprendizes de línguas”35. Essa experiência educacional, segundo a
autora, pode fazer com que alguns alunos encarem o estudo de línguas de maneira
semelhante ao estudo de biologia e de história, por exemplo, ou de esperar aprender
toda a língua em pouco tempo.
Em uma pesquisa realizada com 25 aprendizes adultos de segunda língua nos
Estados Unidos, Wenden (1987) detectou algumas crenças nesses alunos. Eles
acreditam que devem: 1) aprender a língua de maneira natural sem a presença de uma
sala de aula; 2) praticar a língua sempre; 3) pensar na segunda língua, i.e., não traduzir
da língua materna para a segunda língua; 4) viver e estudar no lugar onde se fala a
segunda língua, para ter maior oportunidade de prática e melhor compreensão da
cultura; e 5) não se preocupar com os erros, dentre outros. Em artigo anterior (1986,
p.8), a autora sugere alguns módulos de atividades para uso em sala de aula a fim de
proporcionar uma discussão com os alunos sobre crenças a respeito de aprendizagem de
línguas.
Assim como Wenden, Horwitz (1987) também acredita que a influência das
crenças pode vir das experiências anteriores dos alunos ou serem formadas pela sua
experiência cultural. Entretanto, a autora adverte ainda que se sabe muito pouco a
respeito da natureza da crença e seus tipos.
Horwitz (1988, p.120) desenvolveu o sistema Balli que acessa as crenças dos
aprendizes em três áreas: atitude em relação à LE, dificuldade de aprendizagem e
comunicação e motivações. A metodologia utilizada por Horwitz envolveu quatro
grupos de professores de inglês e outras línguas estrangeiras de formações culturais
diferentes, que numa tarefa de “relato livre” listaram: A) suas crenças; B) crenças de
outras pessoas; C) crenças de seus alunos sobre a aprendizagem de línguas.
Para outros autores, como Holec e Wenden (1987), Fernandes, Ellis & Sinclair
(1990) e Parigi (1978), as crenças dos aprendizes de línguas são resultantes de uma falta
de conhecimento sobre o processo de aprendizagem. Segundo Wenden (1988, p.14), os
alunos deveriam ter conhecimento a respeito da aprendizagem humana e de fatores
cognitivos e afetivos que podem facilitar ou inibir essa aprendizagem, como, por
exemplo, os diferentes estilos de aprender, a natureza da linguagem e o conhecimento
sobre a utilidade das estratégias de aprendizagem. Holec (1987) levanta algumas
representações comuns dos aprendizes de línguas, como a de que aprender equivale a
35 Traduzido a partir de “respectable people's opinions that influence the way to act of the of languages learners”.
160
“ser ensinado” e a obedecer cegamente ao professor. Parigi (1978, p.35) explica o
fracasso dos alunos através de falsas promessas feitas a eles como a de que se aprende
uma língua em pouco tempo e com um mínimo de esforço. Fernandes, Ellis e Sinclair
(op. cit.) acreditam que fatores advindos de experiências educacionais passadas, como,
por exemplo, a inibição de se comunicar em uma língua não familiar por medo ou
vergonha de errar em frente aos colegas, fazem com que os alunos tornem-se frustrados
e desmotivados ao aprender uma L.E.
No Brasil, os trabalhos de Viana (1993), Leffa (1991), Barcelos (1995) e Carmagnani
(1993) também mostram a importância das concepções sobre aprendizagem de
línguas e os mitos que os alunos das respectivas pesquisas possuem. Esses trabalhos
são pioneiros e sinalizam para um crescente corpo teórico a respeito das
características culturais brasileiras na aprendizagem de línguas.
Viana (op.cit.) chama atenção para os mitos – no sentido de ideias falsas, sem
correspondentes na realidade – que os alunos de Letras possuem. Um desses mitos
refere-se ao tipo de exposição à língua-alvo e à rapidez do processo de aprendizagem. A
maioria dos aprendizes acredita que viver no país da língua-alvo é suficiente para
aprender a LE toda.
O trabalho de Carmagnani (1995, p.195), realizado com alunos de Letras em
uma instituição privada de ensino superior, mostra a resistência dos alunos a um tipo de
aprendizagem auto-orientada. A autora argumenta que diferentes culturas podem
adequar-se em ideias de aprendizagem auto-orientada de acordo com o seu histórico
político, econômico e cultural. Assim, o aluno brasileiro mostra-se resistente a esse tipo
de aprendizagem devido à sua visão particular dos conceitos de aprender e ensinar LE.
Os resultados referentes às concepções de aprender línguas desses alunos mostraram
que eles possuem uma visão idealizada do processo e da escola, segundo a qual a
aprendizagem é vista como algo agradável, sem conflitos e sob o controle de um
professor ou de uma instituição. Os alunos possuem ainda uma visão simplista de língua
e linguagem, consideradas como acúmulo de vocabulário e de estruturas gramaticais.
Para a autora, o paternalismo, traço característico da sociedade brasileira, torna-se um
grande empecilho para a tarefa de aprender a ser independente. A tradição é: o professor
se mostra e dirige caminhos e os alunos habituam-se a isso.
Através da análise do trabalho de Carmagnani (1993), é possível ter uma ideia
das crenças e concepções de alunos brasileiros de cursos de Letras sobre aprendizagem
161
de línguas, que parecem não ser muito diferentes das que foram relatadas anteriormente
por Wenden (1986), Holec (1987), Parigi (1978), Fernandez, Ellis & Sinclair (1990).
Por fim, o trabalho de Leffa (1991, p.60) investiga as concepções de alunos de
Ensino Médio antes de iniciar o estudo da língua inglesa, mostrando que eles já trazem
concepções sobre linguagem e aprendizagem de línguas. A primeira conclusão a que o
autor chega não é muito diferente da encontrada por Carmagnani. Para esses alunos, a
língua é vista como um conjunto de palavras e aprendê-la é decorar listas de palavras e
usar o dicionário, dentre outros. Na opinião destes, o dicionário ajuda não só a traduzir,
mas também a falar a língua, mesmo que a transcrição fonética não seja oferecida. A
segunda conclusão é que os alunos veem a língua inglesa como mais uma matéria do
currículo, associada ao ambiente de sala de aula. Para eles, aprende-se inglês da mesma
maneira que se aprendem outras matérias: lendo livros, escrevendo palavras, estudando
duro e às vezes sozinhos.
As crenças são ideias ou conjunto de ideias baseadas também nos valores e nos
objetivos que o professor tem em relação ao processo de ensino-aprendizagem, no papel
que ele desempenha e na percepção que tem de onde trabalha. Sendo assim, as crenças
de um indivíduo podem variar de acordo com cada situação na qual este se encontra
inserido (Richards & Lockhard, 1994).
Os trabalhos citados acima sugerem que as crenças são complexas e embasadas
em experiências relevantes de nossa história e por isso são tantas
vezes não modificáveis. Embora possamos perceber o fator afetivo e emocional que
envolve as crenças, não há como invalidar a importância dessas investigações para a
compreensão mais detalhada do ambiente da sala de aula e suas implicações para a
inovação do contexto da escola pública, para a formação de novos professores e para a
educação continuada dos professores em serviço.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo de crenças já está consolidado em LA, o que nos traz mais respaldo e
condições de traçar caminhos cada vez mais específicos dentro do amplo campo de
crenças de ensino e aprendizagem de LE. A formação de professores ainda é um campo
162
fértil para investigação em LA, as crenças dos professores que fazem parte desse
processo demandam maiores análises dadas sua importância para o processo de ensino e
aprendizagem de línguas; pois apontam para a influência que as crenças têm sobre as
práticas dos professores, no modo como eles preparam as aulas, na forma como irão
ensinar, nas escolhas pedagógicas e consequentemente na sua prática cotidiana. As
crenças registradas por meio desta investigação, somadas as de outros estudos podem
indicar caminhos que melhorem a formação dos profissionais que atuam nessa área,
além de iluminar a necessidade da tomada de consciência por parte dos professores de
quais são suas crenças e de como estas influenciam suas ações. O conhecimento das
crenças dos professores e das relações destas com suas ações poderão viabilizar efeitos
positivos em suas formações como professores de LE. Portanto, não há como negar a
importância desses estudos para a compreensão do que acontece no processo de
formação de professores porque tanto as crenças dos professores pré-serviço, como as
crenças dos professores em serviço e dos professores formadores podem influenciar
pensamentos, ações e atitudes na sala de aula e consequentemente todo o processo de
formação do professor de LE.
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165
BLOGS: COMUNICAÇÃO E INTERAÇÃO EM PROL DA EDUCAÇÃO
Aléx Gomes da Silva36
Raquel Rosan Christino Gitahy37
Resumo
O presente trabalho propõe uma reflexão sobre o universo dos blogs e a aplicação destes no campo educacional, promovendo a socialização do saber e permitindo a interação entre professores e alunos no ambiente virtual. O blog ganha destaque no âmbito escolar aprimorando o conhecimento e apresentando-se como um recurso facilitador/mediador da aprendizagem pelo fato de possuir fatores que lhe são específicos como: dispensar o conhecimento da linguagem de programação; permitir a hospedagem gratuita em alguns sites; possuir grande capacidade de interação entre visitantes e quem administra o blog. Como fundamentação teórica, recorremos à visão de especialistas que apostam no emprego de tecnologias na educação. Os blogs constituem-se como uma mídia de comunicação de massa, com possibilidades crescentes de apoio do processo ensino e aprendizagem, permitindo, dessa forma, que educadores inovem a sua prática pedagógica. Palavras-chave: Blogs. Tecnologias da Informação e Comunicação. Educação. Introdução
36
Mestre em Educação pela Universidade do Oeste Paulista (UNOESTE). Especialista em Matemática pelo Centro Universitário de Patos de Minas (UNIPAM). Graduado em Ciências – Habilitação em Matemática pela Universidade do Oeste Paulista (UNOESTE). Docente da Rede Pública de Ensino do Estado de Minas Gerais. E-mail: [email protected] 37
Doutora em Educação pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP). Docente da Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul (UEMS) e da Universidade do Oeste Paulista (UNOESTE). E-mail: [email protected]
Revista Eletrônica Pedagogia em Foco, v. 7, setembro de 2012
166
O uso de tecnologias da informação e comunicação (TIC) está se acentuando,
inclusive no cenário educacional. São inúmeras as vantagens que se despontam quando
associamos recursos tecnológicos à realidade em sala de aula e que permitem inovar e
atribuir novas perspectivas para a melhoria do ensino.
Conforme Silveira (2003, p. 10), “[...] as TIC permitem deslocamentos
simultâneos, fácil intercâmbio de mensagens, comunicação anódina e isenta de
restrições”. A autora acrescenta que “[...] o impacto dessas tecnologias está
proporcionando o incremento das práticas comunicativas de forma a que se chegue a
pensar no advento de uma nova estrutura de sociedade, a Sociedade da Informação” (p.
10).
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) nº 9394/96 em seu
parágrafo 1º do artigo 36 que trata do currículo do ensino médio estabelece:
Os conteúdos, as metodologias e as formas de avaliação serão organizados de tal forma que ao final do ensino médio o educando demonstre: I – domínio dos princípios científicos e tecnológicos que presidem a produção moderna. II – conhecimentos das formas contemporâneas de linguagem. (BRASIL, 1996).
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) também fazem referência ao uso
de tecnologias para subsidiar o processo ensino e aprendizagem. Segundo os PCN
(BRASIL, 1997, p. 69) os alunos devem “[...] saber utilizar diferentes fontes de
informação e recursos tecnológicos para adquirir e construir conhecimentos”.
“Com o século XXI, estamos vivendo o fortalecimento da comunicação digital,
que tem tido participação cada vez mais abrangente na vida das pessoas de todas as
idades” (LEITE, 2008, p. 64).
Nesse sentido, o universo dos blogs tem despertado o interesse de vários
estudiosos e docentes para aplicação em sala de aula, desenvolvendo projetos que se
associam e se valem dos recursos desta mídia.
Segundo Martins (2011, p. 4):
A evolução das novas tecnologias causou grande impacto na educação atual, ampliando conhecimentos, gerando novas formas de aprendizado e melhorando as relações entre alunos e professores. Possibilitando assim, maior rapidez na transmissão de informações para a sociedade.
Sobre Blogs
167
Inicialmente, se faz necessário conhecermos alguns aspectos do blog para que,
num segundo momento, possamos situar e ressaltar sua viabilidade no campo
educacional.
Investigando a origem do blog, remete-se ao ano de 1997, quando se conferiu ao
norte americano Jorn Barger, o atributo de ser o responsável pelo emprego da expressão
“weblog” (web = rede e log = diário de bordo). Termo que foi alterado por Peter
Merholz ao desmembrar para “wee-blog” e, permanecendo somente blog na abreviação
da palavra.
Baltazar e Aguaded (2006, p. 3) ressaltam que “[...] os blogs são um local
privilegiado de partilha de opiniões, onde todos têm a possibilidade de se exprimir
livremente, partilhar ideias, opiniões e reflexões”.
Segundo Gomes (2005, p. 311):
Na sua origem e na sua acepção mais geral, um weblog é uma página da web que se pressupõe ser actualizada com grande freqüência através da colocação de mensagens – que se designam “posts” – constituídas por imagens e/ou textos normalmente de pequenas dimensões [...].
Na visão de Boeira (2009, p. 1), “[...] os blogs são páginas criadas e publicadas
através de serviços especializados que permitem que seus usuários registrem e
publiquem através de linguagem verbal escrita e não verbal [...]”.
Os blogs se consolidaram como importantes veículos disseminadores de ideias e
opiniões, além de se prestar a expor temas e registrar experiências como um diário, só
que em ambiente virtual, como afirma Silva Filho (2006):
Um blog é uma espécie de diário eletrônico interativo através do qual pessoas podem expor suas idéias e comunicar suas opiniões pela Web. Atualmente, o blog constitui mais uma ferramenta de informação e comunicação. Ele já é considerado um novo paradigma de aquisição e disseminação da informação, servindo como alternativa a mídia tradicional. Além disso, é uma ferramenta interativa ao permitir comentários e a interação entre aqueles que comentam, tornando-se assim numa ‘rede social’, uma blogosfera, onde esforços colaborativos interagem, aumentando o efeito da rede.
A criação de um blog requer a escolha de um site que ofereça esse serviço, a
hospedagem e a publicação na internet (BOEIRA, 2009). Entre as opções encontram-se
o site do Blogger (www.blogger.com) e o do Wordpress (www.wordpress.org).
Os blogs popularizaram-se como meio de comunicação virtual por fatores que
lhes são específicos. O primeiro deles refere-se à criação e à manutenção dessas páginas
168
na web que dispensam conhecimento de linguagem de programação e permitem
hospedagem gratuita por determinados sites.
Terra (2008, p. 21), em sua obra Blogs Corporativos: modismo ou
tendência?,faz referência a essa característica dos blogs:
Para ter acesso ao blog não é necessário conhecer a linguagem HTML ou outra ferramenta mais técnica, o que representa uma vantagem em termos de acesso à comunicação, diferentemente da construção de um site ou outro elemento pertencente à Web.
Outro aspecto que confirma a preferência por blogs deve-se à capacidade de
interação entre visitantes e quem administra o blog (denominado blogueiro). Dotado de
espaço para postagens de opiniões, cada um pode deixar seu comentário e ampliar a
rede de comunicação e debate, agrupados num só ambiente virtual, num processo de
comunicação bidirecional ou de mão-dupla como define Terra (2008, p. 32): “[...]
comunicação bidirecional é a comunicação que permite a oportunidade de resposta e
interação entre os emissores e receptores de sua mensagem”.
Terra (2008) destaca, ainda, outros atributos comuns à comunicação digital e que
não se exclui ao segmento dos blogs: além de comunicação segmentada, de relevância
para o usuário; interativa, que permite a participação e a construção coletivas; é direta,
ágil e de rápida disseminação (capacidade viral).
Diante das facilidades, “[...] diariamente são criados milhares de blogs nos mais
diversos idiomas e com os mais variados temas, inclusive educacionais” (BOEIRA,
2009, p. 2), formando um contingente de sites que compõem a blogosfera, sendo esta,
“[...] em potencial, um espaço de quebra do monopólio da produção de conteúdos das
mídias tradicionais” (VIANA, PRADO, SANTOS, 2009, p. 4).
Geralmente os blogs são temáticos, incorporando seguidores que se identificam
com o(s) tema(s) apresentado(s), o que demonstra que um blog será atrativo para certo
público que assim se identificar com seu conteúdo. Há várias classificações para os
blogs que os agrupam em categorias diversas. No blog Webcétera (2008), encontramos
a seguinte categorização:
1. Diário ou impressões– [...] Pode ser algo como um diário de viagens, a vida na faculdade, no trabalho, etc… ou “impressões” sobre um livro ou filme, o big brother ou a cena política. Não é exatamente uma dissecação, mas um relato das sensações causadas.
2. Consultor ou especialista - São os blogs de quem trabalha ou tem profundo interesse em alguma área e tenta explicar ou resolver dúvidas.
3. Humor - Provavelmente é o blog do sujeito que sentava com a “turma do fundão” e dizia besteira a aula inteira. De alguma forma precisa recriar
169
essa sensação e acaba reproduzindo ou aprimorando o estilo e linguajar dos “bons tempos”, tirando sarro de tudo e/ou de todos.
4. Apontador ou lista de links - O blogueiro que reúne links e notícias que acha interessante, geralmente são quase clippings do noticiário.
5. Jornalístico - O blog é jornalístico mas o blogueiro não precisa ser jornalista. O conteúdo também pode ser original ou baseado em outros meios de comunicação.
6. Obcecado- O sujeito que fala da sua banda favorita, coleção de qualquer tranqueira, do time de futebol ou da série de televisão. O/A típico(a) fã. É diferente do especialista, que usa o conhecimento para “construir”. O obcecado satisfaz sua mania consumindo. (WEBCÉTERA, 2008).
Recuero (2003) classifica os blogs em três categorias: diários eletrônicos (que
discorrem sobre aspectos da vida de cada indivíduo), publicações eletrônicas
(destinados a informar sobre determinado assunto) e publicações mistas (mesclando
posts pessoais e posts informativos).
Primo (2008) definiu uma forma de classificar um blog seguindo
quatro gêneros abrangentes (Profissional, Pessoal, Grupal e Organizacional) e que,
posteriormente, se subdividem em quatro subcategorias (Auto-reflexivo, Informativo
Interno, Informativo e Reflexivo), totalizando 16 grupos de classificação.
A classificação de Baltazar e Aguaded (2006) é semelhante à de Primo quando
se verifica a divisão em blogs individuais ou coletivos, contudo, os autores acrescentam
a categoria de blogs temáticos (focam em um assunto) e generalistas (tratam de vários
assuntos do interesse do autor).
Qualquer que seja a categoria de um blog é essencial que seu administrador
tenha disponibilidade de tempo para atualizá-lo, no mínimo, uma vez por semana, pois
do contrário, os internautas não se interessarão em visitar um blog que não mantém
conteúdo atualizado, dinâmico e atraente.
Blogs Educacionais
Num cenário educacional impregnado por inúmeras tendências metodológicas,
aquelas que apostam no uso de tecnologias ganham prestígio e reconhecimento por estarem
condizentes com a evolução social e por promoverem o aprimoramento do conhecimento,
como recurso facilitador/mediador da aprendizagem.
Há várias correntes de pensamento que apostam na combinação de tecnologias
ao processo ensino e aprendizagem. No entanto, algumas questões são pertinentes: Será
que os docentes estão preparados para interagirem com esses recursos tecnológicos,
dominando o conhecimento necessário para o uso correto deles? Quantos professores
ainda estão marginalizados não tendo acesso a ferramentas tecnológicas básicas como
170
computador, máquina fotográfica digital, aparelho de DVD, aparelho de projeção, entre
outros?
Quanto à disponibilidade de produtos midiáticos pelas escolas, Filé (2008, p. 41)
aponta que é necessário ir além da postura de aderir ou retroceder:
Exigem reflexões que nos permitam incorporar tais tecnologias como parte de projetos político-pedagógicos que levem em consideração as diversas faces do problema dessa difícil relação entre tecnologias eletrônicas e digitais e uma determinada lógica, uma determinada racionalidade escriturística que se quer exclusiva e excludente. Incorporação que ultrapasse o uso instrumental, como resposta ao mercado, sem que deixem de considerar as estruturas de desigualdade.
Se pensarmos na Internet e suas múltiplas possibilidades educacionais,
ampliaremos os horizontes da informação, que poderão ser empregados tanto como
capacitação docente ou intermediação dos mais variados assuntos em sala de aula.
Marques e Caetano (2002, p. 136), em seu artigo “Utilização da Informática na Escola”
afirmam que:
O computador, permite novas formas de trabalho, possibilitando a criação de ambientes de aprendizagem em que os alunos possam pesquisar, fazer antecipações e simulações, confirmar ideias prévias; experimentar; criar soluções; construir novas formas de representação mental.
Nesse aspecto, dados confirmam que os blogs configuram-se como um meio de
comunicação com ampla preferência no ambiente virtual, principalmente entre jovens
com idade que varia de 16 a 24 anos (faixa etária que mais utiliza blogs, segundo
pesquisa do Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação –
CETIC.BR, com relação a atividades desenvolvidas na internet no quesito comunicação,
entre usuários da área urbana, nos anos de 2008 e 2009).
Um estudo investigativo sobre o emprego de blogs a favor da educação se
configura como pertinente, nos dias atuais, para promover uma visão diferente da
realidade educacional, que anseia por novas oportunidades de levar o conhecimento de
forma prazerosa; ao encontro das expectativas dos alunos e recorrendo à tecnologia que
é inevitável e impossível de ignorarmos, tornando-a uma aliada em prol do ensino e da
melhoria das condições de formação dos discentes em cidadãos conscientes do seu
papel no cenário social.
Oportunizar o emprego de blogs, na esfera educacional, é permitir a ampliação
de contextos interativos e criar espaços que desenvolvam habilidades e possam construir
uma trajetória de projetos e experiências próprias de um grupo ou indivíduo.
171
Segundo Gomes (2005, p. 313):
A criação e dinamização de um blog com intuitos educacionais pode, e deve, ser um pretexto para o desenvolvimento de múltiplas competências. O desenvolvimento de competências associadas à pesquisa e selecção de informação, à produção de texto escrito, ao domínio de diversos serviços e ferramentas da web são algumas das mais valias associadas a muitos projectos de criação de blogs em contextos escolares.
A esse respeito, Bezerra (2008, p. 18) assinala que:
[...] as experiências com Blogs educacionais, no Brasil, vêm sendo realizadas por instituições de ensino e pesquisa e por professores visando os seguintes objetivos: discutir sobre as inserções das novas tecnologias no ambiente educacional; criar espaço para desenvolver atividades disciplinares com seus alunos; capacitar professores a trabalharem com as possibilidades da Internet, entre outros.
Diante dessas vantagens, o blog desponta como mais um aliado ao processo
ensino e aprendizagem, podendo ter diferentes características, como especifica Gomes
(2005, p. 311):
Há blogs criados e dinamizados por professores ou alunos individuais, há blogs de autoria colectiva, de professores e alunos, há blogs focalizados em temáticas de disciplinas específicas e outros que procuram alcançar uma dimensão transdisciplinar. Há blogs que se constituem como portfólios digitais do trabalho escolar realizado e blogs que funcionam como espaço de representação e presença na Web de escolas, departamentos ou associações de estudantes.
Por meio desta citação, percebe-se a amplitude de possibilidades e estratégias
pedagógicas que os blogs podem prestar na esfera educacional. “O leque de explorações
e o número de professores e alunos envolvidos não para de aumentar. A blogosfera
educacional é cada vez mais transversal aos diferentes níveis de ensino, do pré-escolar
ao ensino superior” (GOMES, 2005, p. 311).
Buscando determinar uma tipologia dos blogs no ensino, Baltazar e Aguaded
(2006) os dividiram nas seguintes categorias: blogs de professores (dispondo
informações, arquivos e resumos de aulas referentes à disciplina lecionada), blogs de
alunos (prestando-se a postar trabalhos para serem avaliados por uma disciplina ou
serem direcionadores de links e sites para acesso a publicações diversas) e blogs de
disciplina (atualizados pelo professor e alunos, promovendo uma extensão do trabalho
em sala de aula).
Ainda segundo esses autores, os blogs de disciplina são os que mais poderão
prestar contribuições ao ensino, devido ao dinamismo neles presente,
172
“[...]onde todos podem participar, escrevendo posts e comentários, colocando questões,
publicando trabalhos, etc.” (BALTAZAR; AGUADED, 2006, p. 4).
Além de um canal de troca de informações, opiniões e reflexões, um blog pode
trazer um enriquecimento também a nível humano, “[...] contribuindo para a
aproximação entre professor e alunos e mesmo entre os próprios alunos, o que
inevitavelmente contribuirá para a melhoria do ensino” (BALTAZAR; AGUADED,
2006,p. 6).
Se, por um lado, criar um blog tornou-se fácil, por outro, manter a interação
necessária entre professor e alunos, constitui-se em ações que devem ser planejadas e
orientadas aos interesses coletivos, sustentando a motivação do grupo para a
continuidade desse trabalho.
Considerações Finais
A dinâmica de um blog é concebida pela liberdade que tanto o blogueiro possui
ao administrá-lo quanto os usuários para se expressarem, por meio de comentários, suas
ideias e opiniões ao que está sendo vinculado.
Compartilhamos da mesma opinião de Baltazar e Aguaded (2006, p. 3) ao
afirmarem que “[...] a facilidade de comunicar é um dos aspectos mais importantes e
apelativos da Internet e, especialmente dos blogs”.
Enxergar no blog o horizonte de oportunidades na conciliação de aprendizagem
e inovação é estar caminhando para um ensino colaborativo, sendo o aluno um ser
atuante na construção do seu conhecimento.
Acredita-se que ao considerar o blog como ambiente de aprendizagem, a aprendizagem neste ambiente deve ser ativa, isto é, os alunos devem contribuir com o processo de aprendizagem, pois aprender é um processo que tanto o professor quanto o aluno devem participar. (BOEIRA, 2009, p. 4).
Diante da necessidade de desenvolvimento da leitura e escrita e da habilidade de
expressão, pode-sepensar em estruturar ações que confiram aos alunos autonomia para
coletarem, organizarem, selecionarem, pesquisarem e produzirem posts a serem
direcionados para manutenção do blog. Estariam, com essa prática, promovendo a
capacidade de argumentação e interpretação, habilidades no ordenamento, síntese,
encadeamento de ideias e no cultivo de artimanhas para tornar o texto atraente e com
linguagem acessível.
Reforçando essa ideia, Rodrigues (2006, p. 109) pontua que:
173
O papel da comunicação não presencial proporcionada através do blog pode incentivar aqueles que se sentem mais à vontade em transmitir a sua posição através da escrita, até porque às vezes é difícil promover a intervenção e participação oral dos alunos nas aulas. Neste caso, um blog pode assumir-se como mais uma fonte de conhecimento para todos os participantes e talvez por isso esta forma tenha cada vez mais adeptos.
Na visão de Grübel e Bez (2007, p. 37-38) verifica-se que:
A utilização de Blogs na educação possibilita o enriquecimento das aulas e projetos através da publicação e interação de ideias na Internet. Basta adequá-los aos objetivos educacionais para que o conhecimento seja construído através da interação dos recursos informativos e das capacidades individuais criando um ambiente favorável para a aprendizagem.
Ressaltando as qualidades dos blogs (entre elas, a interatividade, o caráter da
comunicação e da socialização), esperamos que mais indivíduos possam vislumbrar as
potencialidades dessa mídia, bem como sua aplicação no contexto escolar,
disseminando e compartilhando assuntos em função de seus anseios e interesses.
Referências
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176
PRÁTICA PEDAGÓGICA E RECURSOS TECNOLÓGICOS NA EDUCAÇÃO: O CASO DA ESCOLA MUNICIPAL PINGO DE GENTE DE ITURAMA-MG
Danieli Tavares38 Edvânia Aparecida Cândida Martins39
Resumo Este artigo é parte de um Trabalho de Conclusão de Curso apresentado a Faculdade FAMA em junho de 2012. O objetivo do trabalho é apresentar os resultados de uma pesquisa sobre a utilização da tecnologia em sala de aula e a formação docente na relação com as tecnologias. Para o desenvolvimento da pesquisa foram pesquisados 21 professores da Escola Municipal Pingo de Gente da cidade de Iturama-MG. O presente estudo objetiva apresentar os meandros conceituais entre “Tecnologia na educação” e “Tecnologia e Educação”, objetivando analisar e verificar através dos questionários quais os tipos de tecnologias encontradas na escola pesquisada, quais as reais utilidades da tecnologia em sala de aula, em interface com a formação acadêmica e tecnológica dos professores. Compreender o contexto dessas relações aliadas aos anos de atuação dos docentes no ambiente escolar possibilita verificar questões como investimento em cursos e capacitação dos professores e a participação dos mesmos em cursos oferecidos por programas de governo, da Secretaria de Educação ou do terceiro setor. A problemática da pesquisa busca responder: os saberes dos professores os permitem utilizar a tecnologia em sala de aula, aliando a sua prática pedagógica a tecnologia do século XXI, de modo que possam enriquecer pedagogicamente o ensino através de novas metodologias de ensino? Ao buscar a relação entre o professor/aluno/tecnologiaesta pesquisa tem por objetivo principal refletir sobre as
38 Mestre em Educação pela UFGD. Docente no curso de Pedagogia na Faculdade Aldete Maria Alves (FAMA), em Iturama-MG. Docente no curso de Pedagogia/PARFOR no Centro Universitário de Votuporanga (Unifev). Pesquisadora do Grupo Educação e Processo Civilizador (UFGD). http://dgp.cnpq.br/buscaoperacional/detalhepesq.jsp?pesq=6011903353602809. 39 Aluna do 7º semestre de Pedagogia da Faculdade Aldete Maria Alves (FAMA), em Iturama-MG. Cursa especialização em Docência no Ensino Superior na Faculdade Aldete Maria Alves. Professora de Informática na empresa Microlins de Iturama-MG.
Revista Eletrônica Pedagogia em Foco, v. 7, setembro de 2012
177
práticas pedagógicas e a formação docente quanto à utilização das tecnologias em sala de aula. Palavras-Chave: Educação. Formação Docente. Tecnologia. Introdução
O objetivo principal da pesquisa é refletir sobre as possibilidades da tecnologia
em sala de aula, bem como o interesse dos professores a se adaptarem à nova realidade
educacional para integrar os recursos tecnológicos, como o computador e a internet à
escola e à comunidade. O uso da tecnologia no contexto escolar requer a formação, o envolvimento e o
compromisso de todos que atuam no processo educacional no sentido de repensar o
processo de ensino e aprendizagem na e para a sociedade do conhecimento. Cada um
tem um papel específico e o uso da tecnologia deve atender a todos, para que, juntos
possam articular as ações em prol do desenvolvimento global do aluno.
No intuito de entender o uso da tecnologia no contexto escolar e a formação
docente requerida, esta pesquisa estará embasada em autores que explicitam o assunto,
como Cunha (1994), Antunes (2007), Leite (2003), Sampaio e Leite (2008) e Lévy
(1993).
Em relação à função da tecnologia no trabalho escolar Lévy (1993) esclarece:
A tecnologia é [...] uma tecnologia da inteligência, fruto do trabalho do homem em transformar o mundo, e é também ferramenta dessa transformação. Apesar da produção das tecnologias estarem a serviço dos interesses de lucro do sistema capitalista a sua utilização ganha o mundo e acontece também de acordo com as necessidades, desejos e objetivos do usuário (LEITE 2003, p.11 apud LÉVY, 1993, p. 11).
Pensando o campo escolar, a partir do alerta de Lévy sobre a tecnologia
enquanto ferramenta transformadora é que, sendo uma tecnologia da inteligência, exige
profissionais capazes e com aptidão intelectual para adaptar técnicas e até mesmo mudar
a atuação.
A vida cotidiana é a objetivação dos valores e conhecimentos do sujeito dentro
de uma circunstância. Conforme Cunha (1994, p. 35), “é através dela que se faz
concreta a prática pedagógica, no caso do professor”.
O conhecimento do aluno está não só ali, no banco da escola, mas em toda sua
história e seu cotidiano, relata Antunes (2007).
178
Um verdadeiro mestre usa a sala de aula, mas sabe que seus alunos aprendem dentro e fora da mesma e dessa forma, quando esse espaço se restringe faz do mesmo um elo estimador de desafios interrogações, posições e ideias que seus alunos em outros espaços buscarão (ANTUNES, 2007, p.23).
O uso crescente dos meios audiovisuais e da tecnologia em geral na sociedade
diversificou as estratégias de aprendizagem informal, nos elucidam Sampaio e Leite
(2008, p. 10).
O ritmo acelerado da sociedade tecnológica é rico de possibilidade e apresenta características que merecem atenção, por conduzir-nos à busca de possíveis respostas pedagógicas para esta, que vem sendo chamada de sociedade tecnológica e ou da informação (SAMPAIO & LEITE, 2008, p. 32-3).
Apesar destes diversos fatores de ampla abrangência o trabalho na escola se
materializa através do trabalho do professor, porque é ele quem orienta o processo
ensino aprendizagem. (SAMPAIO& LEITE, 2008, p. 68).
Nesse estudo, vamos abordar sobre o as perspectivas do educador da Escola
Municipal Pingo de Gente40 frente às inovações tecnológicas e como o processo de
ensino-aprendizagem devem ser vistos para atender as novas exigências da sociedade.
O trabalho de pesquisa se faz necessário por se constituir “inovador” ao ter como
foco uma Escola de Iturama-MG, cidade localizada no interior do estado de Minas
Geraise por dedicar-se a desvelar o imaginário de professores (as) e suas representações
sobre os recursos tecnológicos e suas possibilidades na prática docente. Conhecer os
depoimentos de professores (as) faz-se imprescindível, uma vez que estamos “dando
voz” aos seus saberes.
Para a execução do trabalho foi realizada uma pesquisa de campo à Escola
Municipal Pingo de Gente para coleta de dados e informações do grupo docente através
de questionários.
A metodologia utilizada para a análise dos dados coletados foi embasada no
livro Alfabetização Tecnológica do Professor, de Sampaio e Leite (2008).Os dados
foram analisados de forma quantitativa, através da confecção de gráficos para melhor
visualização do leitor.Para que as informações sobre as tecnologias da educação e as
práticas dos professores da Escola Municipal Pingo de Gente fossem complementadas,
organizamos este texto de artigo em itens que compõem essa tessitura.
40Escola Municipal Pingo de Gente foi um nome fictício cunhado por Edvânia Aparecida Cândida Martins a pedido de Danieli Tavares, no intuito de manter salvaguardado o nome real da escola, uma vez que para a realização da pesquisa a importância maior está nas informações coletadas.
179
Quando falamos em Tecnologia e Educação, logo pensamos em mundo
globalizado, integrador, mas, quando surgiu a integração entre Tecnologia e Educação?
Qual a finalidade dessa integração? Os professores estão preparados para essas
tecnologias? São apenas algumas perguntas que com a pesquisa iremos responder ou
trazermos à tona neste artigo. O item Introdução faz-se inicial, portanto, não menos
provocativo que os demais.
TICs: Tecnologias e Educação ou Tecnologias na Educação?
Este item objetiva esclarecer termos ou expressões ainda não resolvidas na
contemporaneidade sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação - TICs.
Entendemos que as concepções de tecnologia e educação e tecnologia na educação é o
ponto de partida conceitual neste estudo.
No movimento de reconfiguração de trabalho e formação docente, outro aspecto
parece constituir objeto de consenso: a possibilidade da presença das chamadas “novas
tecnologias” ou, mais precisamente, das tecnologias da informação e da comunicação
(TICs).
Essa presença tem sido cada vez mais constante no discurso pedagógico,
compreendido tanto como o conjunto das práticas de linguagem desenvolvidas nas
situações concretas de ensino quanto as que visam a atingir um nível de explicação para
essas mesmas situações. Em outras palavras, as TICs têm sido apontadas como
elemento definidor dos atuais discursos do ensino e sobre o ensino, ainda que
prevaleçam nos últimos.
Atualmente, nos mais diferentes espaços, os mais diversos textos sobre educação
têm, em comum, algum tipo de referência à presença das TICs no ensino. Entretanto, a
essa presença têm sido atribuídos sentidos tão diversos que desautorizam leituras
singulares. Assim, se aparentemente não há dúvidas acerca de um lugar central atribuído
às TICs, também não há consenso quanto à sua delimitação.
A leitura de artigos e livros sobre o assunto permitiu-nos conhecer e observar
que alguns autores como Chaves, Sampaio & Leite relatam a integridade entre os dois
termos tecnologia e educação e tecnologia na educação, dando a ambos o mesmo
significado e relevância em seus estudos.
No entanto há o grupo de autores que diferem os termos e os contradiz, cada
uma com sua forma de agir e pensar sobre o assunto:
180
Quando se fala em tecnologia na educação existem várias definições para o termo sendo a mais abrangente toda e qualquer forma de tecnologia relevante à educação (“hardware” ou “software”, incluindo a fala humana, a escrita, a imprensa, currículos e programas, giz e quadro-negro, a fotografia, o cinema, o rádio, a televisão, o vídeo e, naturalmente, computadores e a Internet) na promoção da educação(CHAVES, s.p, s.n – grifo do autor).
Já quando falamos de tecnologia e educação Chaves (s.p) elucida que:
[...] Faz-se uma junção entre os meios educativos e as novas tecnologias surgidas no mercado, promovendo ainda mais o ensino-aprendizagem, pois vivemos em mundo totalmente globalizado onde as crianças (estudantes) já nascem com um grande conhecimento tecnológico, esperando tornar a educação mais atrativa aos olhos dessas crianças a junção entre tecnologia e educação se faz muito necessária e o oportuna no século em que vivemos (CHAVES, s.p, s.n).
Estamos embasados na concepção de Chaves, pois consideramos os termos
tecnologias e educação e tecnologias na educação diferentes, com particularidades e
extensões próprias.
Para enriquecer a proposta conceitual deste item, podemos adicionar mais um
termo a essa discussão: a Tecnologia Educacional (TE). Sampaio e Leite (2008 p. 21)
relatam que “T.E significa utilizar instrumentos na educação”.
Kraft afirma que como o conceito de TE, refletia nos pensamentos da época em
que foram introduzidas.
Nesta fase conservadora inicial, TE significava aparelhagem possibilidades técnicas. Foi à fase de acepção físico-técnica da TE. O desenvolvimento a introdução e a utilização de equipamentos ocupavam o primeiro plano de interesse (KRAFT 1973 apud SAMPAIO E LEITE, 2008, p. 22).
A ABT (Associação Brasileira de Tecnologia educacional) avalia o conceito de
TE, associado à utilização de recursos físicos que facilitam no ensino aprendizagem.
A tecnologia educacional é a forma sistemática de planejar, implementar e avaliar o processo total de aprendizagem e da instrução em termos de objetivos específicos, baseados nas pesquisas de aprendizagem humana e comunicação empregando recursos humanos e materiais de maneira a se tornar a instrução mais efetiva (LUCKESI, 1986 apud SAMPAIO E LEITE, 2008, p. 22).
Com a difusão da tecnologia os meios audiovisuais e a modernização dos meios
educacionais, o uso das tecnologias está cada vez mais presente no nosso dia-a-dia.
181
O uso crescente dos meios audiovisuais e da tecnologia em geral na sociedade
diversificou as estratégias de aprendizagem informal, afirmam Sampaio e Leite (2008,
p. 10).
Com a interação e crescimento do uso de novas tecnologias na educação cada
dia mais cresce o interesse e novas ações para o uso da tecnologia no ambiente escolar,
seja como um auxiliador da aprendizagem ou mesmo como a própria educação em si.
Essas novas possibilidades de ensino abrem um leque de oportunidades para o
ensino-aprendizagem tanto dos alunos, quanto dos professores, através da capacitação
dos profissionais que atuam na área educacional e dos alunos que são formados e
preparados para os desafios da sociedade em que vive.
Cabe lembrar que, embora apontemos as facetas da tecnologia na Educação, por
razão da proposta e dos objetivos delimitados neste texto de artigo, mais
especificamente nesta seção, o próximo item tratará de examinar criticamente as
questões relacionadas à inserção da informática na educação, o que condiciona sua
utilização a um preparo adequado do profissional que exercerá a atividade docente,
portanto à prática docente empregada.
Formação docente e o uso de tecnologias: interfaces
Nos itens anteriores mencionamos sobre as tecnologias na educação. Este item,
complemento aos anteriores, intenta responder à questão: Os professores estão sendo
formados para fazer uso de recursos tecnológicos em suas aulas?
Afinal, o que são recursos tecnológicos? Quais equipamentos ou materiais os
integram?
Recursos tecnológicos são todas as tecnologias que temos a nossa disposição,
desde as mais simples até a mais complexa.
Os autores Sampaio & Leite (2008, p.111) elucidam que as principais
tecnologias utilizadas na educação são:
QUADRO 1. Tipologia das tecnologias utilizadas na Educação
RECURSOS TECNOLÓGICOS
Álbum seriado Cartão relâmpago
Cartaz Computador
182
Ensino por fichas Estudo dirigido
Fita de vídeo Fita Sonora
Flanelógrafo Gráfico
História em Quadrinhos Ilustrações/Gravuras
Ilustração Programada Instrução programada
Jogo Jornal
Jornal escolar Livro Didático
Livro Infanto-Juvenil Mapa e Globo
Modelo Módulo Instrucional
Multimídia Interativa Mural
Quadro de giz Quadro de pregos
Rádio Revistas
Slide Sucata
Televisão Comercial Televisão Educativa
Texto Transparência para retroprojetor
Quadro organizado por Edvânia Aparecida Cândida Martins com base no texto de Sampaio e Leite
(2008).
No entanto, com todo esse repertório disponível, será que o professor está atento
a tudo o que lhe é oferecido na escola como “recurso tecnológico”?
Nessa perspectiva é de suma importância que o professor saiba lidar com essas
novas tecnologias e recursos, para que possa ajudar a construir cidadãos críticos
conhecedores de seus direitos e deveres, que possam valorizar seu conhecimento de
mundo a sua realidade, usando a tecnologia a seu favor e não contra as suas perspectivas
de vida.
A alfabetização tecnológica do professor faz-se muito necessário para que o
mesmo possa trabalhar com clareza e domínio de todas as tecnologias necessárias para
realizar sua aula com os objetivos bem delineados.
Escola Municipal Pingo de Gente e recursos tecnológicos: primeiras aproximações
A Escola Municipal Pingo de Gente, foi fundada em 1998, como o governo
estava municipalizando o ensino infantil e fundamental das escolas estaduais, o
183
município de Iturama-MG decidiu fundir duas escolas já existentes e criar a então hoje
Escola Municipal Pingo de Gente.
Essas informações, como as que seguem, foram coletadas41 no Regimento
Escolar da instituição, bem como no Projeto Político Pedagógico.
A Escola Municipal Pingo de Gente conta hoje com cerca de 705 alunos,
organizados em três turnos, Matutino, Vespertino e Noturno. Disponibilizando a
comunidade 32 salas de aulas divididas em 30 salas de Ensino Fundamental e 2 salas de
EJA (Educação de Jovens e Adultos), da Educação Infantil ao 5° ano, dos turnos
Matutino e Vespertino, e a EJA no turno Noturno.
A Escola conta ainda com uma diretora responsável pelo andamento da escola, e
uma vice-diretora para cada turno que a escola trabalha.
Tomando como assunto o quantitativo de computadores, ao todo 17,maior em
relação aos 15 quadros de giz instalados nas salas de aula, percebemos que até pouco
tempo o uso do computador na escola era um privilégio, quase que exclusivo das
escolas particulares. No entanto, com a iniciativa do Programa Nacional de Informática
na Educação, e parceria do Ministério da Educação e Cultura - MEC e das Secretarias
de Estado de Educação, esse privilégio, tornou-se realidade em muitas escolas do ensino
público brasileiro.
A sala de informática da Escola Municipal Pingo de Gente é apresentada na
imagem a seguir.
Sala de Informática
Foto tirada por Edvânia Aparecida Cândida Martins na visita realizada à escola pesquisada para a coleta
de dados, informações e imagens
41 Coleta de dados e informações realizada mediante visita à Escola Pingo de Gente em outubro de 2011.
184
É percebível a preocupação dos gestores Federais, Governamentais, Estaduais e
Municipais oportunizando as escolas laboratórios de computadores, assim
oportunizando aos educandos, aos educadores trabalhos diferenciados no contexto
educacional.
Porém, a grande parte das escolas não sabem realmente como fazer o uso ideal
do computador, muito menos tem clareza dos motivos que provocam a busca da
tecnologia, nem os mitos, concepções e ideologias que perpassam a introdução do
computador na escola.
É imprescindível que a introdução do computador na escola, não se torne em
mais uma panaceia, como tantas outras experiências vistas para tentar resolver os
problemas da educação brasileira, torna-se necessário à reflexão, a discussão e o
entendimento acerca das implicações da introdução dessa inovação no campo
pedagógico.
Como na maioria dos países do mundo, no Brasil, surge um novo modelo
econômico, assim trazendo mudanças em todos os setores da sociedade. Partindo dessa
nova mudança, para o país poder adequar-se a esse novo modelo e poder concorrer de
forma igualitária com os países desenvolvidos no mercado internacional, torna-se
fundamental empregar os avanços científicos e tecnológicos no processo de
desenvolvimento econômico.
Porém, o modo estão sendo inseridas tais inovações na escola, mesmo que sob o
discurso da melhoria da qualidade da educação não atinge os reais objetivos esperados,
pois não basta somente ter os computadores na escola para que se resolvam todos os
problemas econômicos, sociais e educacionais.
No entanto, faz-se notório que a chegada do computador na escola, na maioria
das vezes, não possui uma proposta pedagógica gerada a partir de um estudo da
comunidade escolar envolvida; a maioria dos projetos envolvendo Educação e
Informática desenvolvidos pelas escolas são elaborados por grupos externos a elas, o
que torna ainda mais difícil o acesso e o envolvimento dos educadores.
Explicitando a técnica de pesquisa elegida: o questionário
Para a obtenção de dados que nos forneçam informações sobre o uso dos
computadores por professores da escola Pingo de Gente, como também informações
185
sobre o perfil dos professores foi-nos necessário a elaboração de um questionário que
teve como objetivo refletir sobre o uso da informática e sua aplicabilidade como meio
pedagógico de ensino-aprendizagem.
O presente trabalho parte da ideia de que é possível identificar mediante a
aplicação de questionários aos professores da escola Pingo de Gente, o conhecimento
dos mesmos sobre o uso dos meios de comunicação contemporâneos, através da adoção
uma pedagogia imagético-tecnológica investigativa, na perspectiva de construção de
uma prática docente atualizada, que se proponha refletir e acompanhar as possibilidades
e efeitos que o desenvolvimento tecnológico pode engendrar na relação ensino-
aprendizagem numa sociedade que caminha cada vez mais a se tornar virtual.
O uso do computador na educação é um grande aliado para o processo ensino-
aprendizagem. O que infelizmente acontece é que os educadores em sua grande maioria
não estão preparados para o uso dessa máquina, que muitas vezes aterroriza os seus
cotidianos sociais, econômicos e culturais.
O computador vem colaborar com a educação, sendo mais um meio e não um
fim para a aquisição do conhecimento, ou poderíamos chamar de saber escolar, no qual
todo educador deve estar em prontidão para a sua aquisição.
Na perspectiva da pesquisa foram entregues 30 questionários42 aos professores
da Escola Pingo de Gente, dos quais somente 21 foram devolvidos e respondidos na
íntegra todas as questões ali inseridas.
O questionário foi elaborado com 20 questões. Destas, 3 questões se referiam as
informações pessoais como sexo, idade e estado civil, 4 questões relacionavam o cargo,
a função e o tempo de serviço, 3 questões identificavam a formação do professor, e, as
10 questões restantes intentavam apreender dos professores a posse de computadores, a
realização de cursos de informática, a frequência do uso, o tipo de utilidade e a
representação social dos recursos tecnológicos.
As perguntas elaboradas foram de forma aberta e fechada. No tipo de pergunta
aberta o interrogado responde com suas palavras. Perguntas dessa natureza são
adequadas para estudos formuladores ou exploratórios. Na modalidade fechada todas as
respostas possíveis são pré-fixadas (múltipla escolha).
No questionário aplicado prevaleceu o quantitativo de perguntas fechadas que
nos permitiram iniciar um estudo exploratório acerca do uso do computador por
professoras da escola Pingo de Gente.
42Para mais Informações, consultar o Questionário anexo ao Trabalho.
186
Preocupamo-noscom a Formulação das Perguntas, uma vez que o conteúdo da
resposta está diretamente relacionado com a maneira como foi formulada a pergunta.
Apreciações sobre os desafios dos Professores
A informática na educação vem assumindo diversos significados dependendo da
visão educacional e da condição pedagógica em que o computador é utilizado.
A inserção do computador no processo de aprendizagem dos conteúdos
curriculares de todos os níveis e modalidades de educação, nada mais é que a
“Informática na Educação”. O professor da disciplina curricular deve ter conhecimento
sobre os potenciais educacionais do computador e ser capaz de alternar adequadamente
atividades tradicionais de ensino-aprendizagem e atividades que usam computador.
(VALENTE, s.a)
Entretanto, a atividade com o uso do computador na disciplina curricular pode
ser feita tanto para continuar transmitindo a informação para o aluno e, portanto, para
reforçar o processo tradicional de ensino, quanto para criar condições para o aluno
construir seus conhecimentos por meio da criação de ambientes de aprendizagem que
incorporem o uso do computador.
A informática tem provocado uma revolução na educação, por conta de sua
capacidade de “ensinar”. As possibilidades de implantação de novas técnicas de ensino
são praticamente ilimitadas.
Diante disso tem exigido cada vez mais a preparação de novos profissionais para
a area tecnológica, levando a uma nova postura, comportamentos e raciocínios próprios
e específicos dos professores em lidar com essas novas tecnologias.
As crianças e adolescente do século XXI nasceram em uma época onde o
computador as tecnologias então inseridas em todo e qualquer lugar, isso gerou e deve
gerar uma mudança nos conceitos quanto a ensinar e aprender.
Alguns professores não estão preparados para essas novas tecnologias não estão
se adequando a chegada e implantaçao dessas tecnologias, não se preparam para uma
nova metodologia utilizando a tecnologia, para serem aplicadas de modo adequado.
Segundo o autor Levy (1995) mencionado por Torres e Berbet (2011) considerar
o computador somente como recurso para reproduzir textos é negar sua fecundidade
cultural, ou seja, o aparecimento de novos gêneros ligados a interatividade.
187
O Professor precisa reconhecer o computador como uma ferramenta para
auxiliar em sua prática pedagógica e não como um inimigo.A maior parte dos
professores que responderam o questionário revelaram que não acessam os
computadores todos os dias como mostra o gráfico abaixo.
Número de Acesso a Intenet por semana
Fonte: Questionário realizado pela aluna Edvânia Aparecida Cândida Martins.
No entanto, todos os professores relatam a importância do uso do computador
como ferramenta de aprendizagem para um mundo globalizado e moderno em
que vivemos.
O desafio está na contradição da concepção e da prática pedagógica, ou seja, no
modo como as professoras estão convencidas de seus benefícios para o processo de
ensino-aprendizagem e seu desestímulo em buscar atividades, programas ou softwares
educativos.
A pesquisa realizada com os questionários revela também a formação dos
professores como no gráfico abaixo:
Formação dos Professores
Fonte: Questionário realizado pela aluna Edvânia Aparecida Cândida Martins.
188
Quanto à formação dos professores: 100% dos pesquisados cursaram o curso de
Magistério, 24% dos professores possuem além do magistério duas licenciaturas, 66%
possuem licenciatura em Pedagogia, 5% possuem uma licenciatura, mas que não estão
relacionadas à área educacional, O% com formação em Letras e 5% não possuem
nenhum tipo de licenciatura.
Houve um caso em que perguntava-se se a professora tinha Curso Superior
(Licenciatura) e a mesma relatou no questionário que sim, que possuía o Curso Normal
Superior.
Muitos autores defendem o foco na formação de professores: a inicial, por meio
do curso de licenciatura, e a continuada, por meio de atividades de extensão, que
incluem cursos e eventos de capacitação. No quantitativo de questionários respondidos
pelas professoras 20 responderam ter participado de cursos de capacitação nos últimos 3
anos. Além disso, 7professoras possuem pós-graduação.
A relevância do papel do professor na pesquisa, situando-o como sujeito–real,
concreto – de um fazer docente, no que este guarda de complexidade, importância social
e especificidade, incluem dar-lhe a voz que precisa ter na produção de conhecimento
sobre sua prática.
Palavras dos professores sobre o uso da tecnologia na escola
No questionário realizado com os professores, em 100% dos casos eles
responderam que sabem da importância e da necessidade de se trabalhar com a
informática na escola.
Mas, se sabem dessa importância e da realidade em que vivemos, porque não usar o
computador em sua prática, usar o computador como um aliado.
No livro Alfabetização Tecnológica do Professor, de Sampaio e Leite (2008),
publicado em 2008, os autores fazem uma pesquisa sobre a formação do professor
quanto ao ambiente tecnológico em que vivemos e se os professores estão capacitados
para vivenciar esse mundo, em sua entrevista ele pergunta aos professores sobre a
importância da formação do professor para o mundo tecnológico alguns responderam:
O relacionamento crítico é importante para aprender a parte principal da definição: quando, como e porque utilizar. Não adianta endeusar, achar que isso é uma panacéia ou uma grande maravilha” (Professora 1 da E.M. Luís
189
Delfino). “Não se pode adiar mais é extremamente necessário preparar o professor para lidar com essas tecnologias de forma crítica, Isso já devia ter sido feito” (Professora 1 da UFRJ). Um dado muito importante é o relacionamento crítico com as tecnologias, quer dizer, não apenas usar o recurso, mas saber explorá-lo no sentido do enriquecimento, naquilo que ele pode acrescentar realmente, não apenas para parecer moderno (Professora 2 da Escola Normal Carmela Dutra) (SAMPAIO E LEITE, 2008, , p.79-80).
Vimos então que os professores tem consciência da necessidade da formação
tecnológica dos professores para o mundo atual. Ainda nesse mesmo contexto alguns
professores afirmam para a pesquisa de Sampaio e Leite, que ainda revelou que tinham
consciência sobre a importância e sobre a necessidade de uma visão ampla sobre o tema
tecnologia, a importância em distinguir a hora certa de utilizar cada tecnologia a seu
favor.
O governo ainda investe muito pouco em cursos e formação dos professores para
se usufruir dessa técnica, no entanto todos os professores estão cientes do mundo em
que vivemos e dos desafios que vamos enfrentar no decorrer da prática docente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo buscou refletir e contribuir para a compreensão da aplicabilidade da
tecnologia na educação. O foco da pesquisa foi às práticas docentes quanto ao uso de
tecnologias na Escola Municipal Pingo de Gente, analisar quais técnicas e formas que se
eram utilizadas as tecnologias, a partir dos dados apresentados neste texto, entendemos
que as novas tecnologias estão em constante e cada vez mais impregnadas na educação
sociedade e isso se reflete em um papel fundamental, a formação dos professores que
necessitam de cursos de reciclagem e aperfeiçoamento para a aplicabilidade da
informática.
O professor do século XXI deve tecer uma teia entre a Tecnologia-Escola-
Sociedade, para que todas possam caminhar de mãos dadas para que assim formem os
cidadãos do futuro.
A alfabetização tecnológica do professor faz-se muito necessário para que o
mesmo possa trabalhar com clareza e domínio de todas as tecnologias necessárias para
dar uma boa aula.
A formação do professor se faz necessário e imprescindível na utilização da
tecnologia na educação, pois com o conhecimento adquirido poderá aliar a sua prática
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profissional, sabendo com isso como aplicar a tecnologia na sala de aula, sem medo e
dúvidas de como isso vai acontecer ou mesmo como manusear as tecnologias.
O governo deve propiciar novos cursos e formação continuada para que o
professor possa ter uma visão da realidade em que vive, podendo assim aplicar de forma
adequada as mídias e tecnologias da educação, fazendo um elo entre educação e
realidade (cotidiano) do aluno.Autores como Rosalen e Mazzili (2008) relatam que o
treinamento para os professores são importantes, mas não a única e exclusiva saída para
a introdução da tecnologia na educação.
Os cursos de treinamento preparam tecnicamente os professores, o que não deixa de ser importante, mas não é o suficiente. O professor precisa se capacitar para entender porque e como integrar o computador em sua prática educativa, atendendo aos objetivos pedagógicos e às necessidades de seus alunos. Para isto é essencial o processo de reflexão da própria prática, como indicado por Zeichner (1993) e por Elias (1996) (ZEICHER E ELIAS apud ROSALEN E MAZZILI, 2008, p. 14).
O interesse e a forma com que o professor atua em sala de aula devem ser de
forma diferenciada, para que o professor possa atingir de uma forma igual todos os
alunos através do conhecimento, propondo para que este alcance seja de forma
uniforme, mantendo a capacitação profissional, incentivando os professores a formação
e lançando novos olhares para a utilização da tecnologia.
Conclui-se que a principal forma de se introduzir a tecnologia e a utilização da
mesma na educação é através da formação e capacitação dos profissionais da educação,
sejam eles professores, diretores, supervisores enfim toda a comunidade escolar deve
estar atenta e em busca de novos olhares e novas propostas de ensino/aprendizagem,
visando assim a formação plena e global do seu aluno.
REFERÊNCIAS ANTUNES, Celso. Professores ou Professauros? Reflexões sobre a aula e práticas pedagógicas diversas. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008. BERBET, E.;TORRES, Miguel A. H.. O Desafio do educador no Planejamento e Aplicação da Tecnologia nos dias Atuais. Disponível em <http://www.feol.com.br/sites/Revista%20eletronica/artigos/>Acesso em 20 de Fevereiro de 2012. CHAVES, Eduardo O. C. Tecnologia na Educação: Conceitos Básicos. Disponível em<edutec.net/Tecnologia%20e%20Educacao/edconc.htm 09/10/11>Acesso em 09 de Outubro de 2011.
191
CUNHA, Maria Isabel. O Bom Professor e sua prática. Petrópolis, RJ: Papirus, 2009. LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência — O futuro do pensamento na era da informática. Tradução de Carlos Irineu da Costa. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1993. ROSELAN Marilena, MAZZILLI Sueli. Formação de Professores para o uso da Informática nas escolas: Evidências da Prática. Disponível em <www.anped.org.br/reunioes/28/textos/gt08/gt081345int.rtf > Acesso em 18 de Janeiro de 2012.
SAMPAIO, Marisa Narcizo, LEITE, Lígia Silva. Alfabetização tecnológica do Professor. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008. VALENTE, José. A. Por que computadores na educação? IN: J. A. Valente (org). Computadores e conhecimento: repensando a educação. Campinas/SP: UNICAMP, 1993.
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ANÁLISE SOBRE A DIFICULDADE DE APRENDIZAGEM NA LEITURA E INTERPRETAÇÃO DOS ALUNOS 3º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL EM UMA ESCOLA PÚBLICA DE ITURAMA-MG
Edna Lúcia Crispin de Araújo Teixeira43
Waldete Firmina Assis Cruz44
Me. Ana Paula Pereira Arantes45
RESUMO
O objetivo deste artigo é refletir sobre a dificuldade de aprendizagem na leitura e Interpretação dos alunos matriculados no 3º ano do Ensino Fundamental de uma escola pública de Iturama-MG. Trata se de uma questão que vem suscitando debates e polemicas não só nas áreas especificas da pesquisa acadêmica e das práticas escolares: mais as pessoas interessadas pela educação, inclusive os governos que a partir de alguns anos vem aplicando provas externas para avaliar também a leitura têm multiplicado programas e projetos de enfrentamento dos problemas de ensino e aprendizagem da língua escrita nas escolas. Entre aqui a questão da estratégia didática. A questão das estratégias pode ser resumida na relação entre escolhas, ganho e perdas e zona de interesse. O uso de estratégias expressa em dois aspectos, essenciais ao conhecimento: O cognitivo (modo de compreensão) e o afetivo (interesse ou valor) , ter de escolher e fazê-lo bem, de fato é o grande problema da inteligência para qualquer um de nós as primeiras experiências de aprendizagem são muito significativas, pois é através delas
43Graduada em Pedagogia e Especialista em Gestão Escolar Integradora pela Faculdade Aldete Maria Alves – FAMA-MG. 44Graduada em Pedagogia e Especialista em Gestão Escolar Integradora pela Faculdade Aldete Maria Alves – FAMA-MG. 45 Mestre em Educação (UNOESTE), Especialista em Supervisão Escolar (UNIMONTES) e Gestão Escolar Integradora (FAMA). Graduada em Pedagogia (UFU). Atualmente é Diretora Acadêmica,docente do curso de Pedagogia da Faculdade Aldete Maria Alves – FAMA e integrante do Grupo de Pesquisas: Contexto escolar e processo de ensino aprendizagem: ações e interações – UNOESTE/ CNPq. [email protected]
Revista Eletrônica Pedagogia em Foco, v. 7, setembro de 2012
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que a criança vai estruturando as bases efetivas novas aprendizagem e desenvolver-se de forma saudável. A metodologia usada neste trabalho foi qualitativa onde foi feito pesquisa em livros, site e revistas. Conclui-se que a dificuldade de aprendizagem no 3º da escola pesquisada tem trazido debates para os educadores que estão inseridos neste processo alfabetizador.
Palavra chave: Dificuldade leitura; ensino fundamental; escola pública
Introdução
O processo de aprender inicia-se quando o bebê nasce. As primeiras
experiências de aprendizagem são muito significativas, pois é através delas que a
crianças vai estruturando as bases efetivas, cognitivas e sociais nas quais se apoiará pra
realizar novas aprendizagens e desenvolver-se de forma saudável. (FERREIRO;
TEBEROSKY, 1986)
Sobre a psicogênese da língua escrita demonstram como aprendizagem da
criança começa muito antes e sem a mediação do ensino formal. Ao participar dos
contextos sociais de leitura e escrita, ela espontaneamente explora e reflete sobre esses
processos e inicia-se a construção de hipóteses sobre o que é a escrita, para que serve e
como de o processo de sua aquisição. Normalmente quando se fala de dificuldade de
leitura e escrita utiliza-se como referencial a escolarização formal (a partir do 1º ano do
ensino fundamental), quando algumas crianças passam a apresentar dificuldades para
dar conta das exigências dessa etapa: ler, escrever, realizar cálculos matemáticos
simples.
No entanto, se ficarmos presos a tal formalidade, perdeu de vista a riqueza de
subsídios que a informalidade da educação infantil pode oferecer para as discussões
sobre as dificuldades de aprendizagem.
Precisa-se estar ciente de que a educação no ensino fundamenta constitui em um
espaço de construção de conhecimento e de troca significativas, complementando o que
já foi adquirido nas séries iniciais. Esse espaço pode formar os jovens que
desenvolverão postura mais autônoma, criticas criativas diante do aprender ou, ao
contrário, postura dependentes, passivas, inseguras, que acabam por colocá-las em
situações de risco de desenvolver problemas de aprendizagem futuros.
“É por isso que, em alguns casos, as dificuldades de aprendizagem surgidas em
series escolares avançadas estão relacionadas com as primeiras experiências que a
criança desenvolve na educação infantil”. (WEIS, 1992, p.20)
Tais experiências, vividas por um sujeito em processo de formação de sua
identidade, deixam marcas, sejam elas positivas ou negativas.
194
O presente trabalho tem como objetivo analisar as dificuldades de leituras dos
alunos do 3º ano do ensino fundamental de uma escola publica de Iturama.
Para alcançar esse objetivo foi feito uma pesquisa qualitativa desenvolvida na
forma de pesquisa bibliográfica e de campo. A pesquisa foi realizada utilizando como
sujeitos cinco professoras, que trabalham em escolas publica na cidade de Iturama- MG
e foi identificada por nome fictícios.
Para fazer parte da pesquisa qualitativa, o requisito essencial, além de ser
professora, era estar ou já ter trabalho com crianças que apresenta dificuldade de
aprendizagem.
Para conhecer como as escolas realizam o trabalho de intervenção pedagógica
com os alunos que possuem dificuldade de aprendizagem e como os professores
trabalham com eles. Foi realizada uma pesquisa de campo por se justificar dentro do
contexto.
A pesquisa foi feita apenas sobre crianças que apresentam dificuldade de
aprendizagem, e que estudam em escolas regulares.
Sendo uma escola pública,Essa escola têm como meta sanar as dificuldade de
aprendizagem dos alunos que apresenta este quesito que supõe uma mudança de olhar
em relação à essa deficiência, seja ela qual for.
Para analisar os dados foram feita se interpretação minuciosa das respostas
dadas pelas professoras ao questionário, sobre as suas concepções, do que elas
conhecem dentro do contexto. “Dificuldade de aprendizagem ”, o que permitiu
compreender os processos de significação construídos pelas docentes sobre os alunos
que apresenta essa dificuldade e também como elas vêem a intervenção pedagógico
de alunos com dificuldade de aprendizagem em escolas regulares. Pensando em uma
escola para todos não somente física, mas também que assegure a aprendizagem e
participação desses alunos. O questionário aplicado aos professores sujeitos da pesquisa
era composto de 11 questões
Desenvolvimento
A dificuldade de aprendizagem na leitura e Interpretação não é um assunto novo,
já que o processo de se trabalhar textos, de vários gêneros tem sido objeto de ajuda aos
professores, desde que se democratizou o acesso à escola, ele ganha intensidade neste
inicio do século XXI, em decorrência, sobretudo, de dois fatores: de um lado, as
evidências de fracasso na aprendizagem da língua escrita que vêm sendo revelada por
195
sucessivas avaliações externas à escola. De outro lado, as mudanças conceituais e
teóricas sobre a aprendizagem inicial da língua escrita decorrentes de novos olhares que
a ciência psicológica e lingüística tem lançado nas últimas duas ou três décadas sobre
essa aprendizagem
Em primeiro lugar, para evidenciarmos se há de fato uma dificuldade de leitura
interpretação de textos ou um atraso no desenvolvimento, é fundamental que possamos
construir um conhecimento profundo sobre os processos de aprendizagem e
desenvolvimento do educando e saber quais são as características do desenvolvimento
referentes à faixa etária que ele apresenta: nível de pensamento, linguagem, uso do
corpo, trocas sociais, expressão gráfica. Caso contrário, corremos o risco de considerar
etapas normais do desenvolvimento como sendo problemas ou falhas.
Por exemplo, os sintomas do transtorno de déficit de atenção/hiperatividade
(TDAH) podem estar presentes desde muito cedo na vida da criança: agitação constante,
choros freqüentes desde bebê, dificuldade para esperar a sua vez e permanecer sentado
para ouvir uma historia (ROHDE, 1999, p. 187).
No entanto, todo o cuidado é pouco: as pessoas nessa faixa etária são
geralmente bastante ativas e apresentam tais comportamentos com alguma freqüência.
Para que se possa fazer a diferenciação entre hiperatividade como sintoma e atividade
intensa como parte do desenvolvimento normal, é essencial um conhecimento sobre o
desenvolvimento normal das crianças.
Em segundo lugar, é preciso conhecer a individualidades de cada aluno. De que
forma se expressa? Do que brincar? Como brincar? Quais as suas particularidades? Em
que área se destaca? O que ainda não consegue fazer? Qual o momento de vida em que
se encontra?
Segundo Rohde (1999, p. 33) “é muito importante que possamos diferenciar os
problemas de aprendizagem das dificuldades momentâneas vividas pela criança em
função de algumas situações estressoras”.
De acordo com o autor, mais do que detectar as dificuldades de aprendizagem, a
educação infantil precisa ter como foco sua prevenção.
A expressão de comportamento regressivo, do tipo mordida, choros para ficar na escola, desinteresses e pouca concentração nas atividades desenvolvidas, baixa tolerância à frustração e dificuldade no relacionamento com os colegas são compreensível quando a criança está diante de, por exemplo, troca de professor, separação dos pais, nascimento de um irmão, doenças na família. Tais situações podem interferir negativamente no aprendizado, porque mobilizam alto nível de ansiedade nos pequenos. (WEIS, 1992, p.89)
196
Devemos lembrar que, quando a escola e a família estabelecem uma boa
parceria, o resultado é muito favorável: crianças, professores e pais mais seguros e
felizes. Todos se beneficiam com um diálogo aberto, por meio do que se possam
compartilhar os acertos, as dúvidas e as angústias. a família e a escola convivem com a
criança em diferentes contextos e, por isso, as trocas constantes entre essas instituições
contribuem muito para uma maior compreensão das reais possibilidades e
necessidades de cada aluno.
Atitudes e comportamentos que já não deveriam aparecer com tanta freqüência. É preciso ficar atentos em relação àquelas crianças que constantemente evidenciam conduta anti-social, dificuldade para estabelecer vínculo, capacidades para brincar desfocada, desabilidade no desenho, recorte e pintura, torpeza motora, dificuldade na articulação de palavras, fala muito infantilizada. Conduta dessa ordem,quando já deveriam ter sido superadas pela criança, além de limitarem a capacidade para aprender, podem ser reveladora de patologias que necessitam ser diagnósticas, pois a identificação precoce é capaz de agilizar a intervenção adequada (WEIS, 1992,p.89)
Deve-se considerar também que o processo de aprendizagem e
desenvolvimentos são seqüenciais, ou seja, ocorrem por etapas. As etapas são as
mesmas para todos os indivíduos, mais existe uma trajetória individual e um ritmo
maturacional próprio de cada criança que devem ser respeitada. Isso nada mais é do que
a expressão da diversidade, que está presente em todos os aspectos da aprendizagem.
Para Dorneles (2000, p.167) “a aprendizagem é um fenômeno complexo, que
envolve toda uma gama de componentes. Na verdade, são muitos os fatores que
influenciam no desenvolvimento e a aprendizagem humana”.
Além de detectar as dificuldades de aprendizagem, aqui leitura interpretação de
textos a educação precisa ter como foco sua prevenção, ou seja, evitar que as
dificuldades se instalem. Mas como isso acontece? Garantindo uma educação infantil
de qualidade, uma educação que ofereça às crianças acolhimentos, segurança, lugar para
a emoção, para a curiosidade e investigação, lugar para fazê-lo - de contas e para o
brinquedo, para o desenvolvimento da senilidade e das diversas formas de expressão,
para o desenvolvimento das habilidades sociais, o conhecimento e o domínio do corpo.
De acordo com Macedo (2006, p. 43) “uma educação que adota uma postura
preventiva de dificuldade é aquela que atenda à criança “aqui e agora”,com suas
necessidades seus interesses e suas possibilidades do momento em que vive”.
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O papel do professor
Uma educação de qualidade requer professores que tenham uma formação inicial sólida e que possam dar continuidade a essa formação, sendo assistidos, na instituição em que trabalham, por um bom programa de formação continuada, que lhes forneça dispositivos de acompanhamento e reflexão do seu fazer pedagógico (PIAGET, 1986, p. 91)
Esses aspectos são essenciais para que o professor possa construir relações
maduras e conscientes com as crianças, suas famílias e a equipe escolar.
A preocupação com a promoção da saúde e a prevenção de dificuldade exige do
professor uma observação sistemática de seus alunos. Requer que ele envolva um olhar
e uma escuta cuidadosos em relação ao modo como as crianças brinca e interagem com
os colegas, como resolvem sues conflitos, como expressam os mais diversos sentimento
e como ser relacionam com o conhecimento. O professor deve atentar para as mudanças
no comportamento habitual da criança estando preparado para compreendê-las e
contextualizá-las.
Deve apoiar e, acima de tudo, oferecer uma estabilidade de relações que acaba
por compensar a “instabilidade” (conflito) que faz parte de qualquer processo de
aprendizagem.
Dados obtidos na análise dos questionários das onze questões deixa claro como
as professoras entrevistadas vêem os alunos com dificuldade de aprendizagem.
Para conhecer como as escolas realizam o trabalho de intervenção pedagógica
com os alunos que possuem dificuldade de aprendizagem e como os professores
trabalham com eles, foi realizada uma pesquisa de campo.
A pesquisa foi feita apenas sobre crianças que apresentam dificuldade de
aprendizagem, e que estudam em escolas regulares.
Sendo uma escola pública, e essa escola ter como meta sanar as dificuldades de
aprendizagem dos alunos que apresenta este quesito o que supõe uma mudança de olhar
em relação a essa deficiência, seja ela que for.
Dados obtidos na análise dos questionários deixa claro como as professoras
entrevistadas vêem os alunos com dificuldade de aprendizagem.
A professora Fabiana, descreve que:
“é preciso repensar o sentido que se está atribuindo à educação, atualizar nossas concepções e ressignificar o processo de construção de todo o individuo”,
198
Já a professora Ana, esclarece que:
“ “Esse tema, no momento está sendo muito discutido principalmente se for sobre dificuldade de aprendizagem, já é hora de se repensar a conduta do professor alfabetizador , dentro de um sentido amplo envolvendo toda a sociedade”.
A professora Juliana respondeu.
“Permito concordar com vários autores que afirmam que o conceito de diferença, enquanto categoria analítica apresenta-se com vários significados, segundo a natureza da prática discursiva na qual se inscreve”.
A professora Maurília, disse:
“A família deve apoiar a escola e o professor”. A professora Clarice5 disse: “Acredito que importante mudar o método de alfabetizar e que deva haver a integração de todos sem distinção”.
Caracterização da Escola
A Escola Pingo de Ouro6, localiza-se na Avenida Ayton Sena da Silva, 1320, foi
criada pela Lei 3.037 de 04 de dezembro de 1.997 e Resolução SEE nº 8702/98 de 09
de fevereiro de 1.998 e Resolução CEE nº 306, de 19 de janeiro de 1.984. Emenda nº
01/98 – Altera Lei Municipal 3071 de 17 de junho de 1.998. Funciona em prédio
próprio em três turnos atendendo a demanda de alunos da Educação Infantil, Ensino
Fundamental do 1º ao 5º ano e EJA.
A Escola possui um diretor, uma secretaria,6 auxiliar de secretaria, 42
professores, 22 ajudantes de serviço gerais, 4 zeladores, 2 guardas.
A Escola Pingo de Ouro contempla 32 turmas, num total de 926 alunos. Dessas
turmas 04são de alfabetização, cada sala de alfabetização possui 18 alunos.
A proposta pedagógica da Escola Pingo de Ouro leva em conta a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB 9.394/96, a Constituição Brasileira, o
Estatuto da Criança e do Adolescente, o disposto nos Parâmetros Curriculares Nacionais
- PCN e Deliberação no. 01/99 do Conselho Estadual de Educação de Minas Gerais.
Segundo Carvalho (1998) a educação é instrumento que possibilitará a cada
individuo membro da sociedade, o provimento dos meios de sua sustentação em
condições justas de sobrevivência. Daí ele deve possibilitar a criação de condições
199
adequadas para uma vida digna e o desenvolvimento das capacidades naturais,
intelectuais e profissionais dos cidadãos de modo suficiente para que cada um possa se
habilitar aos exercícios das funções sociais (cívicas) a que tem direito de ser chamado a
exercer. Existe necessidade de algumas mudanças nas escolas para que passassem a
valorizar expletivamente uma atuação socialmente responsável.
Construindo seu Projeto Político Pedagógico a escola instaurará uma forma de
organizar os trabalhos pedagógicos, buscando eliminar barreiras impessoais. O Projeto
Político Pedagógico tem sido Objeto de estudos para o acompanhamento pedagógico da
escola e de estudos para professores, pesquisadores e instituições em nível nacional,
estadual e municipal, em busca da melhoria da qualidade do ensino.
Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais para Educação Infantil (1998) a
escola é o lugar de concepção, realização e avaliação de seu projeto educativo uma vez
que necessita organizar seu trabalho pedagógico com base em seus alunos. Nessa
perspectiva, é fundamental que ela assuma suas responsabilidades, sem esperar que as
esferas administrativas superiores tomem essa iniciativa, mas que lhe dêem as condições
necessárias para levá-la adiante. Para tanto, é importante que se fortaleçam as relações
entre escola e sistema de ensino.
Ainda de acordo com os PCN (1998) Todo projeto pedagógico da escola é,
também, um projeto político por estar intimamente articulado ao compromisso
sociopolítico com os interesses reais e coletivos da população majoritária.É político no
sentido de compromisso com a formação do cidadão para um tipo de sociedade. Na
dimensão pedagógica reside à possibilidade de efetivação da intencionalidade da escola,
que é a formação do cidadão participativo, responsável, compromissado, critico e
criativo, Pedagógico, no sentido de definir as ações educativas e as características
necessárias às escolas de cumprirem seus propósitos e sua intencionalidade.
Segundo Veiga (2004) a principal possibilidade de construção do projeto
político-pedagógico passa pela relativa autonomia da escola, de sua capacidade de
delinear sua própria identidade. Isto significa resgatar a escola como espaço público,
lugar de debate, do diálogo, fundada na reflexão coletiva. Portanto, é preciso entender
que o projeto político-pedagógico da escola dará indicações necessárias à organização
do trabalho pedagógico, que inclui o trabalho do professor na dinâmica interna da sala
de aula.
Para que a construção do projeto político pedagógico seja possível não é
necessário convencer os professores, a equipe escola e os funcionários a trabalhar mais,
200
ou mobilizá-los de forma espontânea, mas propiciar situações que lhes permitam
aprender a pensar e a realizar o fazer pedagógico de forma coerente.
O ponto que nos interessa é que a escola tem mais possibilidades de ser dirigida
de cima para baixo e na ótica do poder centralizado que dita as normas e exerce o
controle técnico burocrático. A luta da escola é para a descentralização em busca de sua
autonomia e qualidade.
A Escola Pingo de Ouro ao elaborar sua proposta pedagógica, organizou os
trabalhos fundamentando nos princípios que deverão nortear a ação pedagógica da
escola: a) Igualdade de condições para acesso e permanência na escola; b) Qualidade;
c) Gestão democrática; d) Liberdade; e) Valorização do magistério.
A gestão democrática exige a compreensão em profundidade dos problemas postos pela prática pedagógica. Ela visa romper com a separação entre concepção e execução, entre o pensar e o fazer, entre teoria e prática. Busca resgatar o controle do processo e do produto do trabalho pelos educadores. (SILVA, 2008, p. 33)
A formação continuada é um direito de todos os profissionais que trabalham na
escola e deve fazer parte do Projeto Político Pedagógico essa formação não deve
limitar-se aos conteúdos curriculares, mas se estender à discussão da escola como um
todo e suas reações com a sociedade. A liberdade deve ser concedida, também, como
liberdade para aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a arte e o saber direcionados para
uma intencionalidade defina coletivamente.
Os educadores precisam ter clareza das finalidades de sua escola. Para tanto há necessidade de se refletir sobra à ação educativa que a escola desenvolve com a base na finalidade e nos objetivos que ela define. As finalidades da escola referem-se aos efeitos intencionalmente pretendidos a almejados. (ALVES 1992, p.19)
É necessário decidir, coletivamente, o que se que reforçar dentro da escola e
como detalhar as finalidades para se atingir a almejada cidadania.Dentro do projeto
político pedagógico não pode esquecer o tempo escolar que é um dos elementos
constitutivos da organização do trabalho pedagógico. O calendário escola ordena o
tempo: determina o início e o fim do ano, prevendo os dias letivos, as férias, os períodos
escolares em que ao não se divide o feriado cívico e religioso, as datas reservadas à
avaliação, o período para reuniões técnicas cursos etc. Segundo Enguita (1989, p. 180)
“o horário escolar que fixa o número de hora por semana e que varia em razão das
disciplinas constantes na grade curricular, estipula também o número de aulas por
professor”.
201
Acompanhar as atividades e avaliá-las leva-nos à reflexão, com base em dados
concretos sobre como a escola organiza-se para colocar em ação seu projeto
pedagógico. A avaliação do projeto político-pedagógico, numa visão crítica, parte de
necessidade de se conhecer a realidade escolar, busca explicar e compreender
criticamente as causas da existência de problemas, bem com suas relações, suas
mudanças e se esforçar para propor ações alternativas (criação coletiva). Esse caráter
criador é conferido pela autocrítica.
Segundo Vasconcelos (1998) A avaliação envolve três momentos: a descrição e
a problematizarão da realidade escolar, a compreensão crítica da realidade escrita e
problematizada e a proposição de alternativa de ação, momentos de criação coletiva.
O Projeto Político Pedagógico exige dos educadores, funcionários, alunos e pais
a definição clara do tipo de escola que intentam, requerem a definição de fins. Assim
todos deverão definir o tipo de sociedade e o tipo de cidadão que pretendem formar. As
ações especificas para a obtenção desses fins são meios, Essa distinção clara entre fins e
meios é essencial para a construção do projeto político pedagógico.
A turma pesquisada possui 18 alunos, sendo 10 meninas e 8 meninos, todos de
classe social baixa, sendo que a maioria é oriunda do Estado de Alagoas e suas famílias
trabalham no corte de cana. Ao analisar o questionário respondido pelas professoras
ficou claro quando a professora Fabiana, descreve que:
“É preciso repensar o sentido que se está atribuindo à educação, atualizar nossas concepções e ressignificar o processo de construção de todo o individuo”.
Precisa então trazer mais cursos de capacitação envolvendo todos os professores.
Quando a professoraAna2, descreve:
“Esse tema, no momento está sendo muito discutido principalmente se for sobre dificuldade de aprendizagem,já é hora de se repensar a conduta do professor alfabetizador, dentro de um sentido amplo envolvendo toda a sociedade”.
Percebemos que existem muita dificuldade por parte dos professores de 3º ano
em repassar o que aprendeu e que os alunos também estão tendo dificuldade em receber
o que a professora propõe no dia a dia.
Quando a professora Juliana3 respondeu.
202
“Permito concordar com vários autores que afirmam que o conceito de diferença, enquanto categoria analítica apresenta-se com vários significados, segundo a natureza da prática discursiva na qual se inscreve”.
Realmente existem diferenças entre as crianças, mas acreditamos não ser isso o
problema da dificuldade de aprendizagem dos alunos do 3º ano, mas um falta de base
vindo das outras séries onde os alunos chegam ao 3º ano sem o pré requisito necessário
para essa série.
O interesse pela leitura A escola atende os ritmos, as diferenças individuais e a especificidade do
trabalho pedagógico com atividades referentes aos diferentes eixos de ação, priorizando
sempre a formação de identidade ativa e solidária com o grupo social. Estimula também
o desenvolvimento dos valores essenciais à convivência humana e a promoção da
dignidade do nosso educando e família.
É do conhecimento da comunidade que esse estabelecimento de ensino sempre
levou a educação a serio. Os professores são comprometidos e recebem apoio da
supervisão escolar e da gestão escolar.
Considerações finais
As dificuldades de aprendizagem na leitura e interpretação de textos precisam
ser encaradas como sendo originadas por um interjogo de fatores (sociais,psicológicos,
familiares,pedagógicos,orgânicos) que podem atuar como facilitadores ou inibidores da
aprendizagem. Deve-se evitar que nosso olhar apenas se fixe no aluno que vem
apresentando alguma dificuldade, sem avaliar todo o contexto no qual ela está inserida.
Tal perspectiva sugere que todos aqueles que estão envolvidos com crianças (pais
professores, escola) possam rever e avaliar sua participação na construção das
dificuldades de aprendizagem que porventura surfam já na educação infantil.
O questionário respondido pelas professoras pode mostrar com mais clareza o
por que dessas dificuldades de aprendizagem no 3º ano do ensino fundamental da
Escola Municipal de Iturama, onde de acordo com o regimento escolar as crianças
avançam a série sem poder ser retido no 2º ano, essa é uma das principais causas desse
desnível de aprendizagem onde o aluno chega ao 3º sem sanar todas as competências
das séries anteriores mas também ficou evidenciado que todos são comprometidos com
a educação como um todo.
203
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVES, J. M. Organização, gestão e projetos educativos das escolas. Porto Alegre:Asa. 1992. BRASIL. Referencial Curricular para a Educação Infantil. Brasília: MEC, 1998.
________ .Parâmetros Curriculares Nacionais.v. 1, Brasília: MEC/SEF, 1998
BOTELHO, N. E. A. O. Práticas Pedagógicas do Inspetor Escolar. Coordenação Pedagógica Instituto Prominas, 2011.
FERREIRO, E.; TEBEROSKY, A. Psicogênese da língua escrita. Rio Grande do Sul:Ed. Artes Médicas, 1985.
DORNELES, S. Educação e cidadania. São Paulo: Pirus, 2000,
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LUDKE, T. S. Escola Democrática, São Paulo: Vozes, 1998
MACEDO, L. Uma questão de escolha. São Paulo: Pioneira, 2006
KRAMER, S. A Política da Pré Escolar no Brasil: Editora: Achiamé, São Paulo, 1992.
WEISS, D. H. Organize sua vida! São Paulo: Nobel, 1992.
204
AS RELAÇÕES ÉTNICAS RACIAIS E A EDUCAÇÃO INFANTIL
Elza Maria de Andrade46 Léo Huber47
Resumo O presente artigo discute sobre o ambiente e o espaço escolar como um local de encontro de grupos étnico-raciais portadores de culturas, valores e visões de mundo diferenciadas e que muitas vezes são razão de conflito, discriminação e preconceito. Refletimos sobre a questão da formação dos profissionais da educação e as particularidades nesta formação para atender a demanda de uma educação voltada para a igualdade na diversidade. Em outra parte fazemos uma análise da literatura e sua contribuição na criação, fortalecimento e manutenção de preconceitos e estereótipos, particularmente contra a população afro descendente. Buscamos ainda nas novas literaturas indicações de um entendimento novo na questão que envolve estas populações em busca do reconhecimento da história, cultura, identidade e dignidade do afro descendentes. Palavras-chave: Étnico-raciais. Educação infantil. Literatura.
Introdução
Neste artigo em sua primeira parte apresentamos uma reflexão sobre o cotidiano
escolar da Educação Infantil, pautada em vários amparos legais para construir uma
46 Elza Maria de Andrade, Especialista emDidática e Metodologia do Ensino de História, graduada em Educação Artística e Desenho, é professora do curso de Pedagogia na FAMA/MG e do Curso de Artes na UNIJALES/SP. 47 Léo Huber, mestre em História Social pela PUC-SP, especialista em História do Brasil, é professor na FAMA/MG, e na UNIJALES/SP.
Revista Eletrônica Pedagogia em Foco, v. 7, setembro de 2012
205
educação intercultural, num diálogo para compartilhar idéias com profissionais da
educação que são os que podem fazer do cotidiano das creches e pré-escolas um
ambiente favorável à igualdade. Destacamos questões que possam promover uma
reflexão por parte, da comunidade escolar, principalmente, de educadores e educadoras,
sobre como as diferenças socioculturais são trabalhadas em escolas de educação infantil
e de que forma vem sendo incorporadas aos projetos político-pedagógicos das escolas.
Na segunda parte fazemos um estudo para analisar a imagem do negro (enquanto
personagem) em algumas obras da literatura brasileira, publicadas antes e após a
abolição da escravatura. Buscamos demonstrar como é histórico e está enraizado no
nosso universo cultural o preconceito e estereótipos em relação aos afro descendentes.
Destacamos como foram retratados os negros e mulatos, seus conflitos e problemas
cotidianos, sua convivência com os outros da comunidade no universo literário. É
importante o reconhecimento da necessidade da valorização da literatura infanto-juvenil
nas escolas de ensino básico, onde as temáticas culturais afro-brasileiras devem estar
inseridos para contribuir com a formação de uma identidade positiva do negro e,
proporcionar aos alunos não negros o contato com a diversidade e seus valores.
Serviram de base para este estudo os textos que discutem a questão da igualdade, da
exclusão, e das ações pedagógicas em tornos destas temáticas e da educação para a
diferença.
Cotidiano escolar da educação infantil e a questão intercultural
Por determinação legal:
A Educação Infantil é a primeira etapa da Educação Básica e tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança de zero a cinco anos de idade em seus aspectos físico, afetivo, intelectual, lingüístico e social, complementando a ação da família e da comunidade (Lei nº 9.394/96, art. 29).
Portanto, creches e pré-escolas se constituem em estabelecimentos educacionais,
onde acontece a real e necessária presença das diferenças socioculturais que, são parte
de nossa existência humana. São o espaço para a construção da identidade da criança,
que se inicia no seio familiar; ou ainda, pode vir a ser o lugar onde a construção da
identidade nega suas raízes étnicas, caso se confronte com relações de exclusão.
Sabe-se que a construção de identidade da criança é favorecido pelas relações
com seus pares de famílias diversificadas que acontece no ambiente da escola que é a
206
responsável pelo processo de socialização infantil. Este pode ser o primeiro ambiente de
vivência das tensões raciais que segrega, exclui, assim possibilitando que a criança
negra adote em alguns momentos uma postura introvertida, por medo de ser rejeitada ou
ridicularizada pelo seu grupo social.
A criança pequena nem tem compreensão do ato de discriminação sofrido, mas
se sente diferente em relação aos coleguinhas, e o silêncio conivente de professores,
deixa marcas em sua vida. Trindade (2005) aponta que infelizmente, ainda há muita
insensibilidade para com as crianças negras. Que estas, ao serem discriminadas, ficam
acuadas, envergonhadas, inibidas em denunciar. Se essa é uma experiência muito
confusa para uma pessoa adulta, imaginemos para um ser humano de pouca idade, uma
criança de 0 a 6 anos.
Incluir no projeto pedagógico uma educação intercultural, para contemplaras
relações étnico-raciais e culturais com crianças pequenas pode trazer resultados
positivos, uma vez em que passam a considerar as diferenças, não apenas as ligadas ao
tom da pele, como algo comum que não deve levar à exclusão ou discriminação.
Para Trindade (2005) em algumas crianças negras a dificuldades de auto
aceitação decorre de um possível comprometimento de sua identidade com as
atribuições negativas de seu grupo social. O que acontece, sobretudo com as crianças
que estão em processo de desenvolvimento emocional, cognitivo e social e que,
especialmente nesta idade, internalizam o discurso alheio. Nesta fase o papel da escola,
de ser o local onde criança realiza de forma coletiva descobertas e vivências, é
fundamental a ela permitir a experiência da crítica, competições, perdas e realizações. A
escola entendia como aquela que ministra o conhecimento esta deve se basear em
valores éticos e democráticos pois é o ambiente onde os grupos sociais estão em
constante diálogo e conflito, sob o desafio do respeito à diversidade.
Indigna-se a autora de como historicamente cometeu-se atitudes pedagógicas
que não contribuíram com valorização da criança afro-descendente e com uma educação
pela igualdade.
É impressionante que, por muito tempo, ninguém se preocupou com a importância de colocar, no acervo de brinquedos das crianças da Educação Infantil, bonecas e bonecos negros, livros infantis com imagens e personagens negros em posição de destaque, não ter mural com personagens negros, não serem trabalhadas as lendas, as histórias e a História africanas, entre outras formas de afirmação de existência e desvalorização dos negros em nosso país. (TRINDADE, 2005, s.p.).
207
Rever e reformular conteúdos, problematizar a questão do afro-descendente no
contexto escolar da Educação Infantil e séries iniciais, trazer para a pauta do dia a dia
escolar o conhecimento da diversidade cultural e tornar o contexto escolar uma via de
acesso para a criança afro-descendente promover sua identidade, autoestima e
autonomia.
Como a realidade está em constante construção e não há receitas infalíveis na
área de ciências humanas, destacamos alguns desafios para as escolas de educação
infantil, principalmente no que diz respeito ao estabelecimento de uma pedagogia capaz
de estabelecer um diálogo entre sujeitos com diferenças étnicas e culturais. Tais
desafios, conforme Marcon, são:
a) Reconhecer que não existe uma cultura única e nem apenas uma infância. São múltiplas temporalidades que se entrecruzam no espaço da educação e da cultura infantil. b) Um segundo desafio é o de reconhecer os direitos da criança a uma educação para a cidadania e para a solidariedade. c) Um terceiro desafio da educação infantil é aprofundar a perspectiva intercultural no seu trabalho pedagógico (MARCON, 2006, p. 13-14).
Deduz-se que os projetos político-pedagógicos da escola precisam contemplar a
diversidade cultural das crianças e suas famílias, conhecer essa realidade seus modos de
vida, valores, comportamentos, etc.Através da educação difundir uma cultura de
enfrentamento dos valores difundidos pela sociedade de consumo e pela mídia, que
estimulam a concorrência e a competição, já que a infância é propícia para a
constituição de valores e de princípios, sejam eles considerados bons ou não.
Segundo Pacífico (2006), a Lei n° 11.645 de 10 de março de 2008 não inclui a
educação infantil. De fato não contempla, mas temos a Resolução do MEC n° 05 de 17
de dezembro de 2009, que institui as diretrizes para a educação infantil que aponta
claramente essa necessidade. O Art. 4º desta Resolução destaca que:
As propostas pedagógicas da Educação Infantil deverão considerar que a criança, centro do planejamento curricular, é sujeito histórico e de direitos que, nas interações, relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura (BRASIL, MEC, 2009b).
Ainda o Art. 9º da referida Resolução destaca que:
208
As práticas pedagógicas que compõem a proposta curricular da Educação Infantil devem ter como eixos norteadores as interações e a brincadeira, garantindo experiências que: [...] VII – possibilitem vivências éticas e estéticas com outras crianças e grupos culturais, que alarguem seus padrões de referência e de identidades no diálogo e reconhecimento da diversidade [...]. (BRASIL, 2009b).
Também sobre este assunto o Parecer n° 20 de 11 de novembro de 2009, que deu
origem à citada Resolução,destaca:
O importante é apoiar as crianças, desde cedo e ao longo de todas as suas experiências cotidianas na Educação Infantil no estabelecimento de uma relação positiva com a instituição educacional, no fortalecimento de sua auto-estima, no interesse e curiosidade pelo conhecimento do mundo, na familiaridade com diferentes linguagens, na aceitação e acolhimento das diferenças entre as pessoas. (BRASIL, 2009a, p. 14).
A educação intercultural contribui para a educação infantil visto que a
construção de novas relações socioculturais implica na formação de sujeitos com a
capacidade de dialogar e, nesse processo, possam crescer. No entendimento de Marcon
(2006) a pedagogia dialógica, proposta pela educação intercultural, apresenta uma
potencialidade, mas precisa estar articulada de forma global com os projetos político-
pedagógicos das escolas.
O afro descendente na literatura brasileira e a educação pela igualdade
De que brancura deslumbrante nos saíra aquele negro! E como são negros certos ministros brancos! Negro quando acerta de ser bom vale por dois brancos. (Trechos de contos de Monteiro Lobato)
Quase todos já devem ter ouvido a expressão, “Ele é um homem bom, é um
negro de alma branca”. Um olhar na literatura brasileira nos ajuda a encontrar a resposta
do porque há na nossa sociedade idéias cristalizadas de preconceitos e discriminação em
relação aos afro-descendentes. Um olhar um pouco mais atento contará que ela está
repleta de exemplos que dão um abrangente painel de estereótipos e caricaturas
depreciativas referentes à população negra.
209
A literatura dirigida ao público infantil surgiu no Brasil nos fins do século XIX e
começo do século XX. Mas os personagens negros aparecem especialmente a partir da
década de 1930. As histórias dessa época servem para verificar a condição subalterna do
negro. Normalmente os personagens negros apresentados em tais histórias são tidos
como pessoas sem cultura que, não sabendo ler nem escrever, apenas repetem o que
ouviram de outros igualmente ignorantes. Destacamos que o contexto histórico em que
as primeiras histórias com personagens negros foram publicadas era de uma sociedade
recém saída do longo período de escravidão. Não se encontra histórias deste período nas
quais os povos negros, seus conhecimentos, sua cultura e sua história, sejam retratados
de modo positivo.
O autor sempre revela através dos personagens de sua criação a sua visão de
mundo e, principalmente, à do meio social, pois ambos estão interligados. A literatura,
por expressar a realidade subjetiva do ser humano e seus sentimentos a respeito desta
mesma realidade, é matéria muito interessante para se tomar como objeto, pois, através
dela, pode-se vislumbrar os costumes da época em que foi produzida.
Encontra-se na ficção brasileira, segundo os estudos de autores como Roger
Bastide (1973), Heloísa Toller Gomes (1988) David Brookshaw (1983) citados por
Abramowicz (2005), os estereótipos do negro servil, fiel ao seu senhor benevolente; da
feiúra simiesca ou apenas animal do negro e da sua submissão hereditária ao senhor
branco. Estes autores apontam os estereótipos utilizados pela literatura oitocentista do
Brasil em relação ao negro como um ser humilde, infantil e dócil, mais preocupado com
a felicidade do outro (branco) do que com a sua própria, capaz de sacrificar-se até a
auto-imolação pela “bondosa” família de seu senhor. Outros estereótipos sugerem o
escravo nobre, o escravo demônio, o negro vítima (resignado), o negro infantilizado,
pervertido, erotizado, sensual.
São estereótipos, que permanecem, introjetados e revelados em diferentes
linguagens e atitudes de nosso cotidiano, expressos nas brincadeiras, piadas, textos,
imagens de livros didáticos e de revistas, na publicidade enos meios de comunicação em
geral.
Constitui um exemplo de onde se pode retirar estereótipos como o do negro servil,
o do negro feiticeiro (encarnado pelo personagem pai Benedito), do bom cativo e
eternamente grato a seu senhor, na obra O Tronco do Ipê (1871), de José Alencar: “E o
bom preto expandia-se de júbilo, mostrando duas linhas de dentes alvo como jaspe. Ser
motivo de alegria para esse menino que ele adorava, não podia ter maior satisfação a
alma rude, mas dedicada do africano” (José de Alencar, 1958. s.p.).
210
Vê-se o grau de subserviência do personagem pai Benedito, na sua relação com
o filho do senhor.
O mesmo romance de José Alencar (1871)retrata a escravidão como um sistema
revestido de extrema benevolência por parte daquele que escraviza. Sob essa
perspectiva, não havia lugar para conflitos entre brancos e negros ou entre a casa grande
e a senzala.
Da mesma forma o romance A Escrava Isaura (1875), de Bernardo Guimarães
tematiza a escravidão atribuindo à personagem Isaura (uma escrava) o lugar de
protagonista. Embora tivesse sangue negro, Isaura não possuía nenhum traço físico que
lembre qualquer herança africana, fato que a aproxima dos leitores e leitoras
oitocentistas. O trecho em que a personagem sinhá Malvina refere-se à Isaura é
revelador: “És formosa e tens uma cor linda, que ninguém dirá que gira em tuas veias
uma só gota de sangue africano”. (GUIMARÃES, 1976, s.p.).Segundo Gomes (1988) o
êxito obtido por esse romance deve-se ao fato de que é uma escrava branca que sofre os
horrores do regime escravocrata descritos na obra.
A Escrava Izaura é um romance que ao mesmo tempo em que denuncia a
escravidão exalta o branco através de seus traços físicos, opondo ao negro africano.
O romance fornece inúmeros indícios da visão do homem branco em relação à mulher branca e à mulher negra. A primeira possui características para ser esposa enquanto a segunda, sobretudo a mulata, é vista como objeto sexual. Aliás, observando as personagens femininas, vemos que há uma certa hierarquia definida pela cor: negras (para trabalhar), mulatas (para satisfazer os desejos sexuais dos homens) e brancas (para casar) (GUIMARÃES, 1976, s.p.).
Exemplo maior de caricaturização do negro se encontra no romance O Cortiço
(1890), de Aluísio Azevedo, que apresenta o negro estereotipado como vadio, beberrão,
desordeiro, violento através do personagem Firmo e a negra Bertoleza, descrita como
suja, pouco inteligente e símbolo da aceitação passiva da sua submissão ao personagem
João Romão.
Na medida em que estudos sobre o negro na Europa ganharam força e terreno é
que músicos, artistas plásticos, poetas e romancistas passaram a usar temas relacionados
às raízes africanas em suas artes o que aconteceu a partir da Semana de Arte Moderna
de 1922, com o Modernismo Brasileiro. Este movimento valoriza as etnias formadoras
do povo brasileiro e abrem assim espaço para uma atuação literária através de textos
jornalísticos. A partir deste evento apareceram jornais como O Clarim da Alvorada
(1924) e A voz da raça (1939), em São Paulo. São porta-vozes da comunidade negra e,
211
sem dúvida, criam condições para o surgimento de uma literatura negra, no Brasil.
Nesses escritos o negro é sujeito de ações que buscam uma identidade negra e instauram
uma poética da diversidade.
O escritor Monteiro Lobato, contemporâneo do Modernismo, é um exemplo de
como esses estereótipos estavam (e estão) implantados no imaginário da sociedade
brasileira. Mesmo nesse contexto favorável à desconstrução dos estereótipos referente
são negro, sua literatura se revestirá com o mesmo estilo que reforçam preconceitos
mesmo que procurasse descrever os problemas brasileiros, mostrando a situação real
em que se encontrava o negro. Podemos reconhecer em alguns contos que compõem a
obra Negrinha, publicada pela primeira vez em 1920, reforço de estereótipos.
O conto O jardineiro Timóteo, relata a história do negro Timóteo, um preto
branco por dentro, que cuida, há mais de quarenta anos, do jardim de uma fazenda. Por
ser zeloso e bom, conforme será reforçado várias vezes, é aceito pela família do senhor,
pode viver feliz naquele lugar. O texto desenha a postura humilde, servil e dócil do
jardineiro em relação aos proprietários da fazenda, como mostram os trechos e não há
nenhum vestígio de qualquer conflito racial. O negro liberto era feliz vivendo ligado ao
seu senhor, brancos e negros parecem conviver harmonicamente, uma vez que:
“Timóteo era feliz. (...) Sem família, criara uma família de flores;pobre, vivia ao pé de
um tesouro.(...) era feliz sim. Trabalhava por amor”. (LOBATO, 1981, s.p.)
Monteiro Lobato enaltece a bondade de Timóteo e sua benevolência que são
cada vez mais acentuadas, procurando comover o leitor nunca o levando a uma reflexão
sobre aquela situação, dando apenas um caráter sentimental. A afetividade do negro em
relação aos seus patrões pode ser resumida como uma apologia ao senhor branco.
No conto Os Negros, Lobato reúne diversos estereótipos. Nele é contada a
trágica história de amor entre a filha de um fazendeiro e um empregado português. Um
dos estereótipos mais recorrentes nesse texto é o do negro rude cativo do campo,
desprovido de qualquer vestígio de inteligência. O destaque é dado à idéia de que o
negro foi feito para obedecer, submeter-se, uma vez que tem a alma servil. Os trechos a
seguir dão-nos a dimensão dessas características:
– Há de morar aqui por perto algum urumbeva, disse eu. Não existe tapera sem lacraia.
– Pai Adão, viva! – Vassumcristo! Respondeu o preto. – Era dos legítimos... – Tio Bento, pra servir os brancos. O excelente negro sorriu-se, com a gengiva inteira à mostra... (LOBATO, 1981, s.p.)
212
No texto a seguir aparece reforçado o vazio social do negro: sem família, sem
bens próprios ele se assemelha aos bichos do mato, conforme citado:
O melhor é acomodar-nos na casa grande, que isto cá não é casa de bicho homem, é ninho de cuitelo... E fomo-nos à casinhola do preto engulir o café e arrear os animais. Morreu tudo, meu branco, e fiquei eu só. Tenho umas plantas na beira do rio, palmito no mato e uma paquinha lá de vez em quando na ponta do chuço. Como sou só... (LOBATO, 1981, s.p.)
Ninguém, entretanto, estranhava aquilo. Os pretos sofriam como predestinados à
dor. O sentimento de revolta não latejava em ninguém, a figura do negro digno de
compaixão, indefeso e sem nenhuma ação concreta de auto-defesa, como se os castigos
recebidos por ele pertencessem à ordem natural das coisas, de forma que, assim, ele os
compreendia.
A imagem da mucama que serve e vive para cuidar da Sinhazinha retratada na
personagem Liduina, uma crioula muito viva que desde bem criança passou da senzala
pra casa grande, como mucama de Sinhazinha Zabé encarna exaustivamente os
estereótipos por nós já assinalados.
Na literatura de Monteiro Lobato normalmente as personagens negros aparecem
despojadas de vida própria e com atitudes questão mais próximos dos animais agindo
mais por instinto que por cultura.
Amor? Respondeu a arguta mucama em quem o instinto substituía a cultura. Bobagens, muxoxou a mucama, trepando à pitangueira com agilidade de macaco. Pois Sinhazinha não sabe que sou mais sua amiga do que sua escrava? (LOBATO, 1981, s.p.)
No texto do conto O Fisco evidencia o estereótipo da feiúra simiesca do negro.
Todos os seus traços de origem africana veicularão a idéia do feio e do animalesco, terá
como pano de fundo a imagem do negro degenerado, violento, movido tão somente por
seus instintos primitivos e que os traços sionômicos de ascendência africana são
indícios da inferioridade:
[...] Este glóbulo branco era negro. Tinha o beiço de sobejar e nariz invasor de meia cara, aberto em duas ventas acesas. E o Pau-de-Fumo, em atitude de Bonaparte em face das pirâmides ficou, de dedo no nariz e boca entreaberta... (LOBATO, 1981, s.p.)
213
Os traços físicos descritos como “beiço”, “nariz invasor de meia cara”, isto é,
grande de formato peculiar africano, são apresentados como indícios da inferioridade
racial do negro, registrados nos textos de Monteiro Lobato em que demonstra uma visão
comum na sua época, mas que foram inculcados em nossa cultura e permanecem vivos
através da literatura.
A literatura, respeitadas as exceções, implantou, difundiu e materializou
pedagogicamente fortes mecanismos vemos explícitos estereótipos do negro submisso,
cujos traços africanos mais o aproximam de um animal que de um ser humano. Embora
liberto, não poderia sobreviver sem a tutela do senhor, pois era hereditariamente
predisposto ao trabalho servil e desprovido de qualquer autonomia enquanto pessoa.
Em seus estudos Silva apud Mariosa; Reis (2011) citam a forma como Monteiro
Lobato se refere às suas personagens de origem negra de forma estereotipada e
preconceituosa
Em um diálogo de seu livro, Reinações de Narizinho, é possível constatar o estigma estético, quando Lobato fazia referência ao beiço de Tia Nastácia, animalizando-a [...] A personagem Tia Nastácia é bastante hostilizada, às vezes, pode até ser tratada como membro da família, no entanto, a cozinha é seu habitat natural, e é chamada de negra de estimação, o que reforça a sua inferioridade e a teoria de que negros só ocupam os papéis de serviçais, malandros, dignos de piedade (Silva apud Mariosa; Reis, 2011, s.p.).
Silva afirma ainda que Monteiro Lobato foi por muito tempo afastado da
literatura infantil, reaparecendo posteriormente, com nova roupagem.
A obra de Monteiro Lobato pode abrir um leque de discussão sobre a visão do
negro na literatura infantil tradicional da época, portanto não deve ser rejeitada, mas
abordada com visão crítica e, neste caso, oferecer subsídios importantes para o
entendimento sobre as origens e permanência dos esteriótipos.
Na maioria dos textos infantis publicados até a década de 30, a personagem
feminina negra é invariavelmente representada como a empregada doméstica, retratada
com um lenço na cabeça, um avental cobrindo o corpo gordo: a eterna cozinheira e
babá. Como empregada de uma família branca, passa a maior parte do tempo confinada
em uma cozinha. Certamente, aqui, podemos nos lembrar da Tia Nastácia, personagem
de Monteiro Lobato.
Em Histórias de Tia Nastácia, a personagem principal ocupa uma posição de inferioridade sócio-cultural. Como contadora de histórias, Tia Nastácia retoma narrativas de tradição oral, porém não têm aliados, não há outros personagens que partilhem ou que vejam de modo positivo as expressões culturais trazidas por Tia Nastácia em suas narrativas. Seus ouvintes criticam constantemente o valor de verdade de suas histórias e fazem críticas sempre negativas sobre o conteúdo dessas histórias. Já em outros momentos
214
do texto de Monteiro Lobato, Tia Nastácia é descrita como a “negra de estimação”. Algo como a velha frase que ainda hoje ouvimos: “É como se fosse da família” (JOVINO 2006 p. 188).
Os estereótipos citados e repetidos durante um longo tempo em todos os
segmentos sociais e ainda usados hoje, derivam dessas idéias cristalizadas, no âmbito da
nossa sociedade, onde se aceita e considera naturais algumas atitudes, piadas e ditos
populares de cunho preconceituosos, onde para ter valor os negros precisassem ser
reconhecidos como “os pretos de alma branca”. Desta forma se perpetuam as formas de
ralações que inferiorizam os ser humano e estão enraizadas em nossa sociedade
historicamente racista.
Para vislumbrar uma mudança de comportamento e de atitudes que não
acontecerá de forma mágica, mas na construção cotidiana de novas formas de
relacionamentos calcados no respeito ao ser humano e na educação para a igualdade e
respeito, a literatura infantil terá um papel relevante. Assim como ela direcionou de
forma negativa na afirmação dos estereótipos, a literatura pode influenciar de forma
positiva no processo de construção de identidades tolerantes e respeitosas nas crianças.
A literatura serve, muitas vezes, como fonte de significados existenciais que poderão ser
aplicados ao mundo real. Então, conforme Abramovich apud Mariosa; Reis (2011) para
que o indivíduo possa formar a sua própria identidade, ele precisa recriar a realidade e
imaginá-la.
O currículo deve contemplar todas as tradições, culturas e referenciais
simbólicos que constituem a cultura brasileira, com destaque para um diálogo com as
africanidades promovendo a diversidade. De acordo com Meyer (2003), é preciso estar
atento às histórias que estão sendo produzidas dentro da escola e nestes currículos.
Perceber se estas histórias são capazes de construir sentidos de pertencimento ou
exclusão e se proporcionam instrumentos de ruptura ou reafirmação de fronteiras raciais
e étnicas.
Mais recentemente observa-se a produção de um texto infantil que busca refletir
de forma crítica a literatura infantil. É a partir de 1975que surge uma produção de
literatura infantil mais comprometida e mais realista da vida social brasileira. O
resultado é um esforço programado de abordar temas até então considerados tabus e
impróprios para menores, por exemplo, o preconceito racial (ABRAMOWICZ, 2005).
Já em meados da década de 80 é possível encontrar obras mostrando
personagens negras na sua resistência ao enfrentar os preconceitos, no resgate de sua
identidade racial e desempenho de papéis e funções sociais diferentes. São obras que
215
rompem lentamente com as consagradas formas de representação da personagem negra
na literatura. Os afro descendentes são transformados em personagens principais, cujas
ilustrações mostram-se mais diversificadas e menos estereotipadas, haja vista que são
representadas com tranças de estilo africano, penteados e trajes variados
(ABRAMOWICZ ,2005).
Atualmente a literatura afro-brasileira é encontrados em maior quantidade e as
temáticas são diversas. Os textos voltados para o público infanto-juvenil buscam romper
com as representações que inferiorizam os negros e sua cultura. As obras os retratam em
situações comuns do cotidiano, enfrentando preconceitos, resgatando sua identidade e
valorizando suas tradições religiosas, mitológicas e a oralidade africana. Sendo assim, é
necessário que haja disposição política para que sejam trabalhados de forma assertiva, em
ambiente escolar e durante todo o ano letivo e não apenas em datas especiais ou
comemorativas. Jovino destaca esta ocorrência e afirma:
Há também os livros que retomam traços e símbolos da cultura afro-brasileira, tais como as religiões de matrizes africanas, a capoeira, a dança e os mecanismos de resistência diante das discriminações, objetivando um estímulo positivo e uma auto-estima favorável ao leitor negro e uma possibilidade de representação que permite ao leitor não negro tomar contato com outra face da cultura afro-brasileira que ainda é pouco explorada na escola, nos meios de comunicação, assim como na sociedade em geral. Trata-se de obras que não se prendem ao passado histórico da escravização. (JOVINO, 2006, p. 216)
Conforme Mariosa e Reis (2009) citados por Silva (2010), o papel da escola na
escolha dos livros utilizados nas séries iniciais é fundamental. É responsabilidade da
escola estar atenta para a escolha do acervo de sua biblioteca, devendo optar por livros
que contribuam para a formação de uma identidade positiva do negro e,
simultaneamente, proporcionar aos alunos não negros o contato com a diversidade e as
especificidades da cultura africana, aprendendo a valorizar também as contribuições dos
africanos para a cultura brasileira.
Considerações finais
Diante do desafio da educação intercultural como forma de vencer preconceitos
e promover a convivência justa entre os indivíduos na realidade escolar brasileira, de
sua dinâmica, é inevitável não reconhecer a falta de formação adequada das professoras
e professores na temática da educação infantil relativa às questões étnico-raciais. Há
necessidade de se formar educadores preparados para lidar com a diversidade cultural
216
em sala de aula, inclusive para educação das crianças, que não é educar somente para
uma fase da vida, mas para a vida toda. Assim compromissados professores e alunos
passam a construir, a partir dos estudos sobre a África e o Brasil, e a constituição de
seus povos e sua cultura, um novo currículo, vivo, embasado numa nova concepção de
educação, intercultural pautada no respeito e promoção da igualdade étnica, cultural e
racial.
O papel da escola em apresentar uma imagem positiva dos referenciais afro-
brasileiros e africanos é essencial. É necessário, para tanto, um aproveitamento crítico
da literatura brasileira marcada por estereótipos e preconceitos contra os afro
descendentes. Mostrar como ela é derivada de uma sociedade que viveu um tempo
histórico diferente, um tempo de escravidão, de relações econômicas e sociais
diferenciadas e valores culturais que privilegiavam a discriminação. Atualmente
vivemos num tempo marcado pela tolerância ao diferente e a convivência respeitosa e
igualitária entre grupos de origens étnicas diferentes. Temos agora também o apoio da
Lei como mais um componente importante que veio para corroborar com a necessidade
de uma educação inclusiva e promoção de uma igualdade de direito. Ainda no campo da
literatura é precisa buscar e incorporar as novas literaturas que trabalham seus
personagens com as marcas do respeito e da valorização de todas as culturas e sujeitos
de diferentes origens étnicas.
A valorização e o respeito aos afro descendentes significa compreender seus
valores e lutas, ser sensível ao sofrimento causado pelas mais diferentes formas de
desqualificação: apelidos, brincadeiras, piadas que sugerem incapacidade,
ridicularização de seus traços físicos, a textura de seus cabelos, fazendo pouco das
religiões de raiz africana. Implica criar condições para que os estudantes negros não
sejam rejeitados em virtude da cor da sua pele, menosprezados em virtude de seus
antepassados terem sido explorados como escravos, não sejam desencorajados de
prosseguir estudos, de estudar questões que dizem respeito à comunidade negra.
Referências
ABRAMOWICZ; et. All. São Paulo: Educando Pela Diferença Para a Igualdade. Secretaria da Educação do Estado de São Paulo. 2005 ALENCAR, José de. Obra completa. Rio de Janeiro, Aguilar, 1958. AZEVEDO, Aluísio. O Cortiço. São Paulo: Ática, 1974.
217
BASTIDE, Roger. Estereótipos de negros através da Literatura Brasileira in: Estudos Afro-Brasileiros. Perspectiva, São Paulo, 1973. BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Parecer n° 20 de 11 de novembro de 2009. Brasília: CNE/MEC, 2009a. _______. Conselho Nacional de Educação. Resolução n° 05 de 17 de dezembro de 2009. Brasília: CNE/CEB, 2009b. _______. Lei n° 11.645 de 10 de março de 2008. Brasília: Congresso Nacional, 2008. BROOKSHAW, David. Raça e cor na literatura brasileira.Porto Alegre:Mercado Aberto, 1983. GOMES, Heloísa Toller. O negro e o Romantismo Brasileiro. São Paulo: Atual, 1988. GUIMARÃES, Bernardo. A escrava Isaura. 6ª ed. São Paulo, Ática, 1976. JOVINO, Ione da Silva. Literatura infanto-juvenil com personagens negros no Brasil. Disponível em: http://www.ceao.ufba.br/livrosevideos/pdf/literatura%20afrobrasileira_cV.pdf Acesso em: 02/07/2012. LOBATO, Monteiro. Negrinha. São Paulo: Brasiliense, 1981. ______. Histórias da Tia Nastácia. São Paulo: Brasiliense. 1982. MACHADO DE ASSIS, J. M. Obra completa. Rio de Janeiro, Aguilar, 1959. MARCON, Telmo. Educação Interculturalidade e infância. GT Educação de crianças de 0 a 6 anos, n° 07, 2006. Disponível em: http://www.anped.org.br/reunioes/29ra/trabalhos/ MEYER, D. Escola currículo e diferença: implicações para a docência. In: Org. BARBOSA, R. L. Formação de Educadores: Desfios e Perspectivas. São Paulo: UNESP, 2003.
PACÍFICO, Juracy Machado. A Diversidade Étnico-Racial e a de Educação Infantil. Disponível em: http://www.periodicos.unir.br/index.php/semanaeduca/article/viewFile/117/157. Acesso em: 02/07/2012. TRINDADE, Azo Ilda Loroto Da. Valores Civilizatórios Afro-Brasileiros na Educação Infantil. 2005. Disponível em: http://www.tvbrasil.org.br/fotos/salto/series/151432Valoresafrobrasileiros.pdf. acesso em: 26/06/2012.
218
A PRESENÇA DO COMPUTADOR NA INFÂNCIA CONTEMPÔRANEA
Janete Ferreira de Oliveira48 Resumo
A tecnologia avançada deu espaço ao computador como uma ferramenta indispensável nos lares, nos escritórios, no lazer e nas escolas. A nova geração está dominando a máquina com destreza e acabam ajudando seus pais no dia a dia. A inclusão digital hoje é fato, o importante é utilizar o computador de uma forma educativa e com cuidado. O computador se tornou um elemento de sedução infantil, criando inovações que evoluem de modo alucinante no ambiente educativo. O computador está interferindo ativamente na construção da identidade das crianças e através de seus jogos vêm desempenhando um importante papel na educação. A informática educativa vem fazendo com que os alunos adquiram vários conceitos através do computador, colaborando no estabelecimento de relações entre o conteúdo dado pelo professor, pesquisa e jogos de computador, enriquecendo assim o conhecimento dos alunos. O que se faz necessário é a formação de profissionais capacitados em informática educacional, situação hoje encontrada em meio aos diferentes cursos de formação continuada voltada a esta especialidade.
Palavra chave: Computador. Educação infantil. Formação. 1. INTRODUÇÃO
Este artigo é uma versão da monografia final do curso de Pós-Graduação
Lato Sensu de Psicopedagogia e busca tratar de várias questões relacionadas com a
48Janete Ferreira de Oliveira é acadêmica da Faculdade Aldete Maria Alves
Revista Eletrônica Pedagogia em Foco, v. 7, setembro de 2012
219
informática no processo de ensino enquanto ferramenta que promove o aprimoramento
e a facilitação no processo de aprendizagem do aluno.
Nosso ponto de partida para refletir sobre a presença do computador na
infância contemporânea está relacionado com as formas de apropriação das crianças às
novas tecnologias, assim como com a capacidade das crianças diante de sua
aprendizagem virtual, sobre o quanto mostram interesse por referenciais virtuais e com
questões sobre as possibilidades que este recurso pode fornecer ao desenvolvimento
cognitivo das crianças.
Entendemos que um programa de computador a ser utilizado no contexto
educativo traz benefícios para o desenvolvimento intelectual de uma criança sendo para
isso necessário uma análise do material a ser usado, se este corresponde às expectativas
do usuário, se são adequados à sua faixa etária, se os aspectos pedagógicos do conteúdo
contêm elementos relacionados à atenção, concentração, estratégias lógicas, de modo
promova e provoque articulações lógicas no seu pensamento.
O computador no mundo da criança representa o universo de informações
que ela está vivenciando no seu dia-a-dia. Sabemos que o computador é uma ferramenta
importante e necessária, principalmente quando usada com objetivos educativos. Nesse
sentido, tanto pais quanto educadores podem orientar crianças ajudando-as a se
relacionarem com ele de um modo construtivo e formativo.
Os recursos tecnológicos desenvolvidos para o aprendizado infantil
permitem uma visão maior a respeito da produção do conhecimento humano e podem
auxiliar no processo evolutivo da criança, uma vez que são capazes de relacionarem-se
com ambientes e dispositivos virtuais de modo bastante dinâmico e adaptativo.
Pretende-se neste artigo abordar sobre o uso do computador na educação
infantil institucionalizada, ressaltando possibilidades e dificuldades a ele vinculadas. E
mais, nos propomos a apresentar as articulações entre o uso do computador na escola e
as concepções atuais de ensino-aprendizagem. Assim, nossa preocupação em ressaltar
aspectos referentes à importância que o computador e a linguagem virtual adquiriram
nos dias atuais diante do desenvolvimento da criança, assim como a emergência de
profissionais que sejam preparados para utilizar os recursos da informática na educação
através de cursos de capacitação profissional.
2. A PRESENÇA DO COMPUTADOR NA INFÂNCIA CONTEMPORÂNEA
220
Muitas crianças hoje ainda sem conhecimento de conceitos de leitura e
escrita já manipulam um mouse com a mesma destreza que brincam com um brinquedo
de manipulação, visto que o contato da criança com a tecnologia tem sido iniciado cada
vez mais cedo em sua vida.
Na maioria das escolas particulares, as aulas de computação atendem a um
numero cada vez maior de crianças, cada vez mais pequenas, situação que provoca a
antecipação de muitos processos cognitivos antes não despertados.
A um momento evolutivo entre os quatro e seis anos, em que as modernas
tecnologias de informação e comunicação despertam as atenções e quase uma
dependência por parte das crianças, elas apresentam intensa motivação para os
conhecimentos e o manuseio de computadores, jogos e agendas eletrônicas, dentre
outros equipamentos desta natureza.
O computador parece vir se tornando um elemento de sedução para as
crianças. Em alguns países, como Estados Unidos, França e Inglaterra, por exemplo, a
inclusão digital é menos complexa e melhor distribuída, uma vez constata-se milhares e
milhares de crianças fazendo uso cotidiano do computador para brincar, jogar, criar,
aprender e comunicar-se.
As crianças criam vetores importantes na implantação da Sociedade da
Informação, que se refere o autor Lévy (em Cibercultura, 1999). De fato, à medida que
avançam na manipulação do computador, em casa ou na escola, as crianças mantêm um
contato com uma nova linguagem que caracteriza a própria Sociedade da Informação e
que estará presente por toda a vida futura do indivíduo.
Como destaca Lévy em “A máquina do universo: criação, cognição e
cultura informática” (1998), o uso dos computadores prepara mesmo para uma nova
cultura informatizada, sendo de posse desta nova linguagem de comunicação e
expressão, desta cultura hipertextual, que a criança vai interagir com o mundo à sua
volta, na escola, no trabalho e no lazer, transformando informações em conhecimento.
A presença marcante dos computadores e dos programas para produção de
textos, sons e imagens vêm tornando mais viável os planos de produzir mídia com
crianças e adolescentes num contexto educativo.
Boa parte de teóricos e educadores, como Maurício Peixoto (2005) e Léa
Wilma Vieira Borges (2005), afirmam que os males da mídia residiriam basicamente no
conteúdo que ela veicula e na padronização dos formatos e da linguagem audiovisual
dos produtos, problemas estes que se vistos por outro anglo poderiam ser superados
com reflexões elaboradas a partir de produções alternativas.
221
Nos últimos anos a tendência de produção de mídia com crianças e
adolescentes vem sendo colocada em prática nas escolas e organizações não-
governamentais, como parte essencial do processo de formação dos futuros cidadãos.
Partamos do pressuposto de que as crianças de hoje nascem e convivem
com a era digital. Tomemos como ponto de partida de nossas reflexões a idéia de que as
mídias são de interesse das crianças menores de 7 anos, postas através da televisão de
plasma, TV a cabo, música em MP3, computadores, máquinas fotográficas digitais,
filmadoras digitais, celulares e muitos outros equipamentos cada dia mais inovadores.
As crianças de 0 a 6 anos estão muito mais envolvidas com essa nova
tecnologia, sentem vontade de aprender e mexer em diferentes instrumentos e a
informática entra neste universo pleno de novidades e de opções.
A ação da criança é carregada de emoção, aprendizagem, experiência,
criação e inventividades. Por isso, suas produções são importantes e devem ser
valorizadas, pois representam a construção de seu conhecimento.
O uso de novas tecnologias é bastante novo, não havendo prontuários,
receituários, proposições, metodologias, nem prisões delimitadoras na sua forma de
apropriação, tratando-se de uma tarefa a ser construída, um caminho a ser percorrido e
descoberto.
Deste modo, é necessário analisar e refletir sobre como as crianças reagem
frente às mídias, o que elas querem saber e construir diante de seus recursos e
possibilidades.
Visto deste modo, entendemos que a mídia é um instrumento colaborador na
educação infantil, podendo ser utilizado como um recurso importante para o
desenvolvimento cognitivo da criança.
3. A ESCOLHA DO PROGRAMA IDEAL PARA O DESENVOLVIMENTO COGNITIVO DA CRIANÇA NA ESCOLA
A - APRESENTAÇÃO DO PRODUTO:
O primeiro cuidado é não se deixar envolver pela apresentação do
produto. A utilização de frases de impacto, cores vistosas, descrições que lembram
contos de fadas, não passam logicamente de um recurso publicitário para encher
os olhos do comprador e iludi-lo a comprar, pois são postos no mercado para
vender.
222
B - INDICAÇÃO PARA FAIXAS DE IDADE MUITO AMPLAS:
Um bom programa educativo deve ser adaptável a diferentes níveis de
desenvolvimento. Em muitos casos, o que se encontra são programas construídos
para serem usados por diferentes faixas sendo praticamente impossível abranger
atividades que estejam de acordo com todas as faixas e serem todos interessantes
para uma faixa tão ampla.
C - IDENTIFICAÇÃO DA MODALIDADE DO PROGRAMA:
Exercício e prática
Jogos
Simulações
Hipermídia
Tutor inteligente
D - ASPECTOS PEDAGÓGICOS:
1 - ELEMENTOS QUE PODEM SER IDENTIFICADOS DIANTE DE PROGRAMAS.
O programa contempla aspectos motivadores?
São levados em consideração os seguintes aspectos:
Memorização de conteúdos
Atenção / concentração
Pensamento lógico
2 - RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS
Combinação de vários aspectos
Qual o tratamento que é dado ao erro? Permite que a criança aprenda com seus
erros ou apenas verifica se alguma coisa "passada" pelo professor foi assimilada?
Permite a intervenção do professor como agente de aprendizagem, ou seja,
permite a intervenção do professor ou se apresenta como dependente da autonomia
do sujeito?
É importante observar se o programa prescinde do professor, da interação com
os alunos, como sendo adaptável a qualquer realidade e situação e tem como
fundamento o ensino programado, no qual a padronização "promove o ensino" de
qualquer conteúdo, sem nenhuma problematização.
Quais os níveis de atividades que predominam no programa?
223
o Seqüenciais- as atividades procuram apenas transferir informação?
Nesse caso, o objetivo é apresentar o conteúdo para que o aluno
memorize de modo a poder repetí-lo.
o Relacionais- Procura a aquisição de determinadas habilidades,
permitindo que o aluno faça relações com outros fatos ou outras
fontes de informação. A ênfase é dada ao aluno e a aprendizagem
se processa somente com a interação entre esse e a tecnologia.
o Criativo e Aberto - Associado à criação de novos esquemas
mentais, possibilita a interação entre pessoas e tecnologias
compartilhando objetivos comuns, levando a um aprendizado
participativo. Normalmente, estes programas permitem
modificações e adaptações de acordo com as necessidades do
professor.
E - EM RELAÇÃO AO CONTEÚDO:
Verificar se apresenta algum tipo de preconceito religioso, racial ou de gênero;
Apresenta condutas violentas ou promove atitudes contrárias aos valores do
projeto educacional da instituição onde vai ser utilizado?
O conteúdo é adequado e atrativo à idade a que se dirige o programa?
Apresenta múltiplos caminhos para a solução do problema?
Apresenta diferentes alternativas de uso para que não se torne cansativo para o
aluno em pouco tempo?
Trata de temas que não fiquem obsoletos em curto prazo?
Os conteúdos e as atividades respondem às necessidades de ensino-
aprendizagem dos níveis e áreas do conhecimento a que se dirige?
F - ASPECTOS TÉCNICOS:
As telas são bem diagramadas?
Os recursos de animação são de boa qualidade?
Os recursos de som são bem utilizados?
O tempo de resposta é satisfatório?
Todas as opções estão implementadas?
As instruções são apresentadas claramente?
Apresenta help-desk (Plataforma de comunicação desenvolvida para Web com
a intenção de iniciar o estabelecimento dos canais de comunicação entre alunos e
professores visando o esclarecimento de questões sobre temáticas escolares.)
224
Contém material de apoio para o professor?
Pode ser utilizado em rede e em conjunto com a Internet?
É compatível com o hardware da instituição?
Apresenta recursos de hipertexto e hiperlink?
Qual a mídia utilizada?
4. O COMPUTADOR INTRODUZIDO NO MUNDO DA CRIANÇA
Neste mundo em que a informação flui com extrema velocidade e em
grandes quantidades de informação em tão curto espaço de tempo, fica evidente que as
crianças (principalmente as que vivem em grandes centros), são protagonistas
privilegiadas da era digital.
Segundo Santos (1996, p.5) (Ph. D. em Educação – Informática
Educativa), os novos códigos e as novas linguagens decorrentes da revolução
tecnológica dos anos 80 constituem parte inerente ao mundo das crianças, que se lançam
com tranqüilidade e naturalidade na integração e na internalização das novas
tecnologias de comunicação e de informação às quais têm acesso e nos modos de
interação e de interatividade que elas propõem.
De acordo com o autor, a criança tem o potencial para desenvolver um
pensamento complexo e sabe lidar com a interatividade de modo orgânico, natural e
intuitivo. Aprende e aplica novos códigos na construção dinâmica de conhecimentos
igualmente dinâmicos, estabelece prontamente elos entre conhecimentos já
internalizados e novas aquisições. Efetua continuamente estratégias de transferência de
conhecimentos, estabelece conexões meta-cognitivas, manifesta-se de modo
hipertextual e lida com novos conhecimentos com agilidade, rapidez, autonomia e
destreza. A criança revela a mesma facilidade com um computador e com outras
tecnologias em relações educativas tanto formais quanto informais, presenciais e à
distância.
As crianças constroem representações extremamente positivas com
relação às tecnologias de comunicação e informação, sejam elas ficcionais ou reais e
assim demonstram conhecer, descrever e entender os computadores sem medo, sem
traumas, sem limitações, organizando uma nova linguagem para a compreensão e
intervenção na sociedade como um todo.
225
Esta nova linguagem, articulada pela criança em torno do uso do
computador e da Internet como meios de comunicação, de informação, de lazer e de
construção de conhecimentos, trata-se da linguagem hipertextual.
Ainda de acordo com Santos (1996), desconsiderando os excluídos do
mundo digital em nosso país, é impressionante o número de crianças que utilizam
computadores, e revelam um movimento social inquestionável rumo a Sociedade da
Informação.
O computador e a Internet vêm se apresentando como dispositivos
tecnológicos cada vez mais inseridos no cotidiano das crianças. Com o computador, têm
acesso a um ambiente lúdico repleto de jogos, atividades, sons, cores, movimentos e aos
conteúdos mais diversos, de modo que a educação à distância, independente do avanço
da educação presencial, torna-se uma realidade cotidiana.
A linguagem de comunicação e informação que as crianças desenvolvem
com o contato com o computador, a Internet, programas educativos, jogos eletrônicos,
chats, blogs e com outros dispositivos relacionados à tecnologia informática, surge
naturalmente ancorada em um ambiente cognitivo no qual não existem barreiras,
dificuldades ou impossibilidades nos processos de apreensão e de construção de
conhecimentos, mediados por tecnologias de comunicação e informação.
No caso específico do uso do computador como meio de ensino e de
aprendizagem, presencial ou à distância, junto às crianças em fase de educação
fundamental, são necessários alguns cuidados, tais como:
Não ensinar computação sem um objetivo cognitivo;
As estratégias de utilização devem ser definidas em função da proposta
pedagógica da escola, em sintonia com o uso do computador;
Ser compreendido pelos professores e assessores como uma ferramenta para
ajudar na construção de conceitos em qualquer atividade através de uma
abordagem lúdica;
Permitir que a criança explore o computador, como ferramenta para resolver
problemas ou realizar tarefas como pintar, desenhar, classificar, estabelecer
relações, escolher alternativas de ação e sugar todo o conteúdo que o computador
possa lhe oferecer;
Ter o projeto da Informática Educativa dirigido por um profissional que tenha
conhecimento da máquina e de seus programas, que saiba como o aluno constrói o
seu conhecimento, as etapas do desenvolvimento infantil, suas dificuldades e
226
limitações, que possa estar orientando esta criança de uma forma pedagógica e que
tenha discernimento para escolher material adequado para o nível das crianças;
A descoberta e o domínio da linguagem hipertextual depende também da
vivência de situações de aprendizagem nas quais as crianças apliquem processos
que sejam fundamentais para o desenvolvimento do conhecimento para que elas
possam aprender:
Elaborar formas de representações em vários níveis;
Estabelecer relações entre suas ações e as conseqüências resultantes;
Permitir realizar ações antes do tempo previsto e tornar possível a analise dos
resultados das ações praticadas;
Desenvolver jogos coordenados perceptivos-motores vivenciados com o corpo
e incrementado com a informática;
Fazer com que a criança construa conceitos como: conservação, ordenação,
seriação, quantificação, classificação, reversibilidade e espaço-tempo;
Desenvolver a curiosidade, aguçar percepções;
Desenvolver a concentração, atenção e a memória;
Construir habilidades através do entretenimento;
Criar um ambiente de interação para o aluno trabalhar com a máquina através
várias possibilidades;
Trabalhar com a capacidade lógica de cada criança;
Estar atendendo as necessidades de convivência em grupo;
Estabelecer suas opiniões e ter seu próprio ritmo;
Estabelecer conceitos corretos;
Ter o cuidado de tratar o erro de uma forma construtiva que não afete a auto-
estima da criança;
No âmbito do processo de ensino e aprendizagem, a introdução de
tecnologias de comunicação e informação na escola vem provocando transformações no
conhecimento, na produção, armazenamento e propagação da informação.
5. OS RECURSOS TECNOLÓGICOS DESENVOLVIDOS PARA O APRENDIZADO INFANTIL
A aprendizagem, segundo a epistemologia genética de Piaget e o sócio-
interacionismo de Vygostky, é vista por uma visão menos empirista da produção do
conhecimento humano.
227
O conhecimento se constrói na interação do sujeito e do objeto, agindo
sobre os objetos e sofrendo a ação destes, pois o homem amplia a sua capacidade de
conhecer superando, assim, seus próprios limites.
A interação é percebida não somente como um processo de troca, mas muito
mais do que isto, se trata de um processo dialético de interferência e produção de
mudanças mútuas.
Para Piaget, uma criança entre seis a dez anos encontra-se em um especial
momento do seu desenvolvimento cognitivo. Ao superar progressivamente o
egocentrismo do pensamento, admite relações de cooperação, brincando e aprendendo
com o outro. Neste período, as assimilações e acomodações ocorrem de forma mais ágil,
ampliando notavelmente os esquemas mentais. A formação de classes e séries já ocorre
mentalmente, com a internalização de ações físicas tais como operações e ações
mentais. Apresenta facilidade de operar concretamente, mas a dificuldade em solucionar
problemas verbais faz com que opere frequentemente com tentativas e erros.
O raciocínio lógico progressivamente impõe-se à intuição e à percepção,
sendo que a criança passa a organizar as informações e sistemas, relacionando-as no
interior dos mesmos.
Temos importantes aquisições nesta fase: a reversibilidade do pensamento, a
conservação de quantidades, a relação ordinal, a classificação operatória e a inclusão
hierárquica.
Retirando diretamente a abstração empírica dos objetos ou da ação exercida
sobre eles e somando-se à abstração reflexionada, se obtém o conhecimento da
coordenação das ações e mais tarde a antecipação das possíveis ações exercidas sobre o
objeto.
Com os avanços cognitivos da criança nesta fase de desenvolvimento, é
notável o crescimento de possibilidades da utilização da linguagem, atingindo a fala
socializada e a capacidade crescente de utilizar variadas linguagens. A esquematização e
a progressiva coordenação do corpo, dos esquemas mentais e do universo conceitual já
construído, contribuem muito para o amadurecimento cognitivo.
É necessário destacar que a criança nesta fase também já alcançou grandes
avanços em termos emocionais e sociais, atingindo maior autonomia em relação ao
adulto, capacidade do tomar iniciativas e acentuado gosto por jogos e brincadeiras.
Todo o crescimento, somado a grande capacidade de interagir com o meio,
torna a criança capaz de relacionar-se com ambientes virtuais de aprendizagem, e em
especial com o computador.
228
6. SOBRE O IMPACTO DO COMPUTADOR NA VIDA DA CRIANÇA
Vigotsky (1989) enfatiza a dialética entre o indivíduo e a sociedade, o
intenso efeito da interação social, da linguagem e da cultura sobre o processo de
aprendizagem.
O autor afirma ser este processo fundamental para a interiorização do
conhecimento ou transformação dos conceitos espontâneos em científicos, a partir do
processo de tornar intrapsíquico o que antes era interpsíquico.
Vigotsky (1989) empresta valor especial à interação em seus conceitos:
“A criança nasce em um mundo pré- estruturado. A influencia do grupo
sobre a criança começa muito antes do nascimento, tanto nas circunstâncias
implícitas, históricas e socioculturais herdadas pelo indivíduo como nos
preparos explícitos, físicos e sociais mais óbvios que os grupos fazem
antecipando o indivíduo. Tudo isso exerce sua força até mesmo em tarefas
cotidianas simples que requerem o gerenciamento e o emprego da ação
individual.” (pag. 91)
As tecnologias de informação, a comunicação e a educação a distancia,
propiciam de uma forma progressiva todas as formas de interação (desde a síncrona,
quando o grupo interage ao mesmo tempo e nos mesmos lugares, até a forma
semipresencial que permite a interação in loco) até a modalidade assíncrona quando a
interação ocorre em diferentes tempos e lugares (como nos chats), permitindo sempre
em encontro educacional.
O conceito de interação derrubou o mito da interiorização na Psicologia,
sendo que o estudo sobre o ser psicológico migrou progressivamente para abordagens
do ser social.
Atividades consideradas como componentes do mundo interior do homem
passaram a ter caráter social e cultural, lembrando que Vigotsky afirmava sobre os
processos intrapsíquicos serem antes, obrigatoriamente, interpsíquicos, adquiridos
através da interação social.
Segundo Oliveira (2002) e Villard (2002), a construção da identidade da
criança vem sendo afetada por vários fatores: o impacto das interações estabelecidas
pelo indivíduo com o meio e as experiências vividas em ambientes educativos virtuais
que se constituem em modalidades especiais de interação.
229
A criança se vê diante de inovações que se sucedem de modo alucinante no
ambiente educativo e em especial o computador, objeto-fetiche que atrai no momento a
maioria das crianças.
O computador vem interferindo ativamente na construção da identidade das
crianças e juntamente com o ethos tecnológico da cultura, assumindo variadas
significações.
O computador além de jogos, diversão e lazer também têm um papel
fundamental na aprendizagem e como instrumento de trabalho.
A interação com o computador facilita, através da ativação de funções da
zona de desenvolvimento proximal, pode atingir o alcance de níveis mais elevados de
desenvolvimento real.
A seguir, podemos observar cinco estágios no processo de aquisição do
conhecimento na criança diante do uso do computador, segundo Abigail Housen (in
Pillar, 2001, p. 88 – 9).
a) Descritivo, enumerativo, narrativo – curiosidade
acentuada e uma exploração intensa do computador. A criança quer
conhecer tudo, faz muitas perguntas sobre o funcionamento da máquina,
quer experimentar todas as possibilidades, sempre acentuando a feição
lúdica no contato.
b) Construtivo – o computador passa a ter uma existência
própria, sendo incorporado à realidade e deixando de ser apenas um
brinquedo, adquirindo outras funções mais úteis e funcionais.
c) Classificativo – a curiosidade pela história do
computador, como ele surgiu, modelos, marcas e programas existentes,
quanto mais afinidades se tem com a máquina mais se quer saber sobre
novos e outros modelos, programas, mega bytes e preços.
d) Interpretativo – a criança percebe os variados enfoques e
significados em relação ao computador, já conseguindo discutir os
aspectos positivos e negativos do uso da máquina, tendo noção do que é
bom ou ruim para seu uso.
e) Recreativo – incorporação plena e a utilização do
computador em várias funções. A criança já apresenta preferências claras
por determinadas atividades e programas, assim como o desejo de
interferir de forma criativa, propondo situações de uso e atividades.
230
A criança necessita da orientação da família e da escola, no seu contato
com o computador, sem que isso acentue a dinâmica do desenvolvimento que vem
sendo presente na nossa sociedade.
É necessário que a criança construa o papel de usuário crítico e reflexivo
na sua convivência com o computador.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo busca conscientizar sobre a importância do
computador para as crianças de hoje e refletir sobre o quanto o computador está inserido
na vida das pessoas, principalmente das crianças e dos jovens.
Muitos teóricos e educadores como Setzer (dez/99 pág. 40), do Instituto
de Matemática da USP e Peixoto (ano), professor do Núcleo de Tecnologia Educacional
na Área da Saúde (NUTES) da UFRJ, e co-autor do livro Aprenda a Aprender (Editora
Campus), vêem com maus olhos esta influência na vida das crianças.
De acordo com Costa (1998. 284 p.), do Departamento de Psicologia da
PUC - Rio, autora de “Na malha da Rede”, a influência da mídia pode trazer benefícios
para as crianças, jovens e educadores nas escolas.
As crianças de hoje já nascem no meio informatizado e age de maneira
natural a tudo isto.
Como bem afirmaram os autores ora citados, concordamos que a
informática é uma ferramenta auxiliar na educação infantil e se constitui como um
elemento estimulador para o desenvolvimento cognitivo da criança.
O importante é se tenha cuidado é com o material utilizado no contexto
educativo formal e com os recursos didáticos.
O importante é atentar para a escolha de um material adequado à fase de
desenvolvimento cognitivo-afetivo do sujeito, de modo a identificar as modalidades de
programa e se o mesmo motiva o usuário.
Em uma perspectiva pedagógica, é importante que contenha alguns
requisitos básicos como ativar a memorização, atenção, concentração e pensamento
lógico.
Além disso, é importante que se permita que a criança aprenda com seus
erros e que o educador possa acompanhar o seu desenvolvimento.
Seu conteúdo deve ser desprovido de preconceito seja racial, religioso ou
de gênero.
231
Sobre o aspecto técnico, é bom observar sua qualidade visual, o som e se
o tempo de resposta é satisfatório.
O computador e a Internet já fazem parte do cotidiano das crianças e dos
adolescentes e a aceitação deste fato é inevitável entre pais, professores e instituições
educacionais.
O que é necessário é trabalhar com essas crianças um acesso a um
ambiente lúdico, atividades que desenvolvam seu cognitivo com supervisão de
profissionais capacitados.
A aprendizagem, segundo Piaget e Vigotsky, permite ter uma visão
menos empirista da produção do conhecimento humano.
As crianças entre seis a dez anos encontram-se em especial
desenvolvimento cognitivo, segundo Piaget.
Vista desta forma, entendemos que o crescimento infantil, somado a
grande capacidade de interagir com o meio, torna a criança capaz de relacionar-se com
ambientes virtuais de aprendizagem, e em especial com o computador.
Mesmo assim, a introdução do computador na educação ainda é polêmica
e provoca inseguranças em alguns professores.
É necessário que os professores tenham conhecimento em relação ao
conteúdo que estão desenvolvendo, além de uma interação efetiva com a máquina.
As escolas necessitam exigir profissionais capacitados e salas bem
equipadas para trabalhar com essas crianças.
Por todos estes motivos, entendemos que o computador, hoje, é um meio
didático e seu uso inadequado pode ser prejudicial ao desenvolvimento dos educandos.
As escolas particulares já estão colocando a informática em seu currículo
e as escolas públicas estão caminhando para a era digital. Com isto estão surgindo
novos cursos de capacitação para professores trabalharem com a informática associada à
educação.
A experiência tem mostrado que é necessário profissionais que dominem
não só o conhecimento da informática, mas também a área pedagógica.
Como já afirmamos anteriormente, encontramos cursos relacionados com
a área da informática e da educação e que colaboram com passos dados em direção à
mudança de postura destes novos educadores.
Cremos que a informática nas escolas chegou para se estabelecer e está
se aprimorando, capacitando profissionais e com certeza em um futuro breve nos trará
grandes benefícios ao universo educativo.
232
REFERENCIA BIBLIOGRÁFICA
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233
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OLIVEIRA, Janete Ferreira de Oliveira – CONTRIBUIÇÕES DE PIAGET, VYGOTSKY E WALLON PARA A PSICOPEDAGOGIA - Trabalho elaborado na disciplina coordenada pela Profa. Mestre em Educação Claudia Ximenez Alves. MATTOS, M. I. L., (1992). O COMPUTADOR NA ESCOLA PÚBLICA - ANÁLISE DO PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE SEGUNDO GRAU NO USO DESTA TECNOLOGIA. Tese de Doutorado. Instituto de Psicologia da USP, São Paulo. MENEZES, S. P. (1993) Logo e a Formação de Professores: O USO INTERDISCIPLINAR DO COMPUTADOR NA EDUCAÇÃO. Tese de Mestrado, Escola de Comunicação e Arte, USP, São Paulo. SETZER – Valdemar Waingort – Matemático do Instituto de Matemática da USP – autor de O USO DE COMPUTADORES EM ESCOLAS.
234
A IMPORTÂNCIA DA LEITURA PARA CRIANÇAS DE 0 A 6 ANOS
Bernadete Aparecida Leal Oliveira49 Marcimeire Fátima Gonçalves Bácaro50
Neuza Maria de Medeiros51 Ana Paula Pereira Arantes52
Resumo
O ensino da leitura e, principalmente, da literatura infantil são de suma importância para o desenvolvimento integral do aluno, bem como para a formação pessoal e intelectual do ser humano, por isso precisam estar presente no cotidiano escolar desde as séries iniciais. Este trabalho tem como objetivo verificar a importância de estimular e despertar o interesse da criança de 0 a 6 anos pela leitura.A pesquisa foi devolvida na abordagem qualitativa, usando como instrumento a pesquisa bibliografia, tendo como finalidade a obtenção de subsídios teóricos para melhor analisar a temática em analise neste trabalho.A literatura infantil é como uma revelação de sentimentos e palavras, que transporta a criança ao desenvolvimento de seu intelecto, da sua personalidade, atende as suas necessidades e aumenta sua capacidade crítica dando assim oportunidade de crescimento dentro de cada gênero textual. A leitura deve ser estimulada tanto pela escola, quanto pela família, pois, atitudes como gostar de ler e interessar-se pela leitura são construídas no seio familiar e ou na convivência em que a escrita circula ou, sobretudo na escola. Portanto é preciso rever as práticas escolares brasileira, o educador compromissado com a formação do aluno leitor, deve designar tempo para propor novas 49 Graduada em Pedagogia e pós graduada em, Pisicopedagogia pela FAMA. Pós graduada em Educação Infantil pela FINON, atua como supervisora pedagógica na Escola Municipal José Lúcio de Sampaio. E-mail [email protected] 50 Graduada em Pedagogia pela FAMA. E-mail: [email protected] 51 Graduada em Pedagogia pela Fundação Educacional de Ituiutaba-MG ISEPI- Instituto Superior de Ensino e Pesquisa de Ituiutaba-MG- E-mail: [email protected] 52Mestre em Educação (UNOESTE), Especialista em Supervisão Escolar (UNIMONTES) e Gestão Escolar Integradora (FAMA). Graduada em Pedagogia (UFU). Atualmente é Diretora Acadêmica,docente do curso de Pedagogia da Faculdade Aldete Maria Alves – FAMA e integrante do Grupo de Pesquisas: Contexto escolar e processo de ensino aprendizagem: ações e interações – UNOESTE/ CNPq. [email protected]
Revista Eletrônica Pedagogia em Foco, v. 7, setembro de 2012
235
estratégias estimuladoras e prazerosas, sem a obrigação de impor a leitura como forma de avaliar o educando. O docente deve promover uma leitura, que possa buscar a participação, por meio da integração, do gosto e da cooperação de todos os envolvidos. A metodologia usada neste trabalho foi a qualitativa, buscando embasamentos em livros, site e revistas. Conclui-se a leitura infantil e de suma importância para o desenvolvimento integral do aluno. Palavras-chave: Leitura. Escola. Família. INTRODUÇÃO
Um dos maiores desafios sociais de nosso país é a consolidação de estratégias de
formação de leitores nos mais variados contextos e de acordo com necessidades também
variadas. Sabe-se que o desenvolvimento das capacidades linguística da leitura não
acontece espontaneamente, elas precisam ser ensinadas sistematicamente,
principalmente nos anos iniciais da alfabetização, de maneira significativa e prazerosa.
Diante disso, a escola busca conhecer e desenvolver na criança as competências
da leitura e da escrita, e como a literatura infantil pode influenciar de maneira positiva
neste processo. Assim, Silva (1992) expressa sobre a literatura infantil abordando que
por ser um instrumento motivador e desafiador,ele é capaz de transformar o indivíduo
em um sujeito ativo, responsável pela sua aprendizagem, que sabe compreender o
contexto em que vive e modificá-lo de acordo com a sua necessidade.
O aluno não precisa saber ler e escrever para que se inicie o trabalho com leitura,
a leitura deve ser trabalhada sempre. Conforme Silva (1992, p.57) “bons livros poderão
ser presentes e grandes fontes de prazer e conhecimento. Descobrir estes sentimentos
desde bebezinhos poderá ser uma excelente conquista para toda a vida.”
O contato da criança com o livro pode acontecer muito antes do que os adultos
imaginam. Muitos pais acreditam que a criança que não sabe ler não se interesse por
livros, portanto não precisa ter contato com eles. O que se percebe é bem ao contrário.
Segundo Machado (2001, p.12) “a criança percebe desde muito cedo, que livro é
uma coisa boa, que dá prazer”. As crianças bem pequenas interessam-se pelas cores,
formas e figuras que os livros possuem e que mais tarde, darão significados a elas,
identificando-as e nomeando-as.
Apesar da grande importância que a literatura exerce na vida da criança, seja no
desenvolvimento emocional ou na capacidade de expressar melhor suas ideias, em
geral, de acordo com Machado (2001), elas não gostam de ler e fazem-no por obrigação.
Mas afinal, por que isso acontece? Talvez seja pela falta de exemplo dos pais ou dos
professores, talvez não.
236
Percebe-se que a literatura, bem como toda a cultura criadora e questionadora,
não está sendo explorada como deve nas escolas e isto ocorre em grande parte, pela
pouca informação dos professores. A formação acadêmica, infelizmente não dá ênfase à
leitura e esta é uma situação contraditória, pois segundo comentário de Machado (2001,
p.45) “não se contrata um instrutor de natação que não sabe nadar, no entanto, as salas
de aula brasileira estão repletas de pessoas que apesar de não ler, tentam ensinar”.
Este trabalho tem como objetivo verificar a importância de estimular e despertar
o interesse da criança de 0 a 6 anos pela leitura.
A pesquisa foi devolvida na abordagem qualitativa, usando como instrumento a
pesquisa bibliografia, tendo como finalidade a obtenção de subsídios teóricos para
melhor analisar a temática em analise neste trabalho.
A metodologia foi desenvolvida na abordagem qualitativa, utilizando a pesquisa
bibliográfica. Sendo assim, uma boa definição do que seria a pesquisa bibliográfica é a
busca de uma problematizacão de um projeto de pesquisa a partir de referencias
publicadas, analisando e discutindo as contribuições culturais e cientificas. Ela constitui
uma excelente técnica para fornecer ao pesquisador a bagagem teórica, de
conhecimento, e o treinamento cientifico que habilitam a produção de trabalhos
originais e pertinentes.
Trata-se de um método de coleta de dados que elimina, ao menos em parte, a eventualidade de qualquer influência – presença ou intervenção do pesquisador – do conjunto das interações, acontecimentos ou comportamentos pesquisados, anulando a possibilidade de reação do sujeito à operação de medida. (CAULLEY apud LÜDKE e ANDRE, 1986 p. 38)
Este trabalho visa enfocar toda a importância que a literatura infantil possui, ou
seja, que ela é fundamental para a aquisição de conhecimentos, recreação, informação e
interação necessárias ao ato de ler. De acordo com as ideias acima, percebe-se a
necessidade da aplicação coerente de atividades que despertem o prazer de ler, e estas
devem estar presentes diariamente na vida das crianças, desde bebês. Conforme Silva
(1992, p.57) “bons livros poderão ser presentes e grandes fontes de prazer e
conhecimento. Descobrir estes sentimentos desde bebezinhos poderá ser uma excelente
conquista para toda a vida.”
237
Apesar da grande importância que a literatura exerce na vida da criança, seja no
desenvolvimento emocional ou na capacidade de expressar melhor suas ideias, em
geral, de acordo com Machado (2001), elas não gostam de ler e fazem-no por obrigação.
Mas afinal, por que isso acontece? Talvez seja pela falta de exemplo dos pais ou dos
professores, talvez não.
Percebe-se que a literatura, bem como toda a cultura criadora e questionadora,
não está sendo explorada como deve nas escolas e isto ocorre em grande parte, pela
pouca informação dos professores. A formação acadêmica, infelizmente não dá ênfase à
leitura e esta é uma situação contraditória, pois segundo comentário de Machado (2001,
p.45) “não se contrata um instrutor de natação que não sabe nadar, no entanto, as salas
de aula brasileira estão repletas de pessoas que apesar de não ler, tentam ensinar”.
DESENVOLVIMENTO
A leitura aparece como objetivo prioritário da prática educacional na educação
fundamental. Segundo Solé (1998) “um dos múltiplos desafios a ser enfrentado pela
escola é o de fazer com que os alunos despertem o gosto pela leitura”.
No entanto é proposto dois fatores que contribuem para que a criança desperte o
gosto pela leitura, a família e a escola. Neste sentido, o livro deveria ter a importância
de uma televisão dentro do lar. Os pais deveriam ler mais para os filhos e para si
próprios.No entanto, de acordo com a UNESCO (2005, p.68), “somente 14% da
população tem o hábito de ler, portanto, pode-se afirmar que a sociedade brasileira não é
leitora.” Nesta perspectiva, cabe a escola desenvolver na criança o hábito de ler por
prazer, não por obrigação, mas por prazer.
Diz a historia que os primeiros livros direcionados ao público infantil surgiram
no século XVIII. Autores como La Fontaine e Charles Perrault escreviam suas obras,
enfocando principalmente os contos de fadas. De lá pra cá, a literatura infantil foi
ocupando seu espaço e apresentando sua relevância. Com isto, muitos autores foram
surgindo, como Hans Christian Andersen, os irmãos Grimm e Monteiro Lobato,
imortalizados pela grandiosidade de suas obras.
Nesta época, a literatura infantil era tida como mercadoria, principalmente para a
sociedade aristocrática. Com o passar do tempo, a sociedade cresceu e modernizou-se
por meio da industrialização, expandindo assim, a produção de livros.
238
Laços entre a escola e literatura começam a se estreitar, pois para adquirir livros era preciso que as crianças dominassem a língua escrita e cabia a escola desenvolver esta capacidade. “a escola passa a habilitar as crianças para o consumo das obras impressas, servindo como intermediária entre a criança e a sociedade de consumo”.( ZILBERMANN, 2002, p.25)
Assim, surge outro enfoque relevante para a literatura infantil, que se tratava na
verdade de uma literatura produzida para adultos e aproveitada para a criança. Seu
aspecto didático-pedagógico de grande importância baseava-se numa linha moralista,
paternalista, centrada numa representação de poder. Era, portanto, uma literatura para
estimular a obediência, segundo a Igreja, o governo ou ao senhor. Uma literatura
intencional, cujas histórias acabavam sempre premiando o bom e castigando o que é
considerado mal. Segue à risca os preceitos religiosos e considera a criança um ser a se
moldar de acordo com o desejo dos que a educam, podando-lhe aptidões e expectativas.
Até as duas primeiras décadas do século XX, as obras didáticas produzidas para
a infância, apresentavam um caráter ético-didático, ou seja, o livro tinha a finalidade
única de educar, apresentar modelos, moldar a criança de acordo com as expectativas
dos adultos. A obra dificilmente tinha o objetivo de tornar a leitura como fonte de
prazer, retratando a aventura pela aventura. Havia poucas histórias que falavam da vida
de forma lúdica, ou que faziam pequenas viagens em torno do cotidiano, ou a afirmação
da amizade centrada no companheirismo, no amigo da vizinhança, da escola, da vida.
Essa visão de mundo maniqueísta, calçada no interesse do sistema, passa a ser
substituída por volta dos anos 1970 e a literatura infantil passa por uma revalorização,
contribuída em grande parte pelas obras de Monteiro Lobato, no que se refere ao Brasil.
Ela então, se ramifica por todos os caminhos da atividade humana, valorizando a
aventura, o cotidiano, a família, a escola, o esporte, as brincadeiras, as minorias raciais,
penetrando até no campo da política e suas implicações.
Hoje a dimensão de literatura infantil é muito mais ampla e importante. Ela
proporciona à criança um desenvolvimento emocional, social e cognitivo indiscutíveis,
portanto é preciso ler para as crianças. Segundo Abramovich (1997), quando as crianças
ouvem histórias, passam a visualizar de forma mais clara, sentimentos que têm em
relação ao mundo. As histórias trabalham problemas existenciais típicos da infância,
como medos, sentimentos de inveja e de carinho, curiosidade, dor, perda, além de
ensinarem infinitos assuntos.
Através de uma história que se pode descobrir outros lugares, outros tempos, outros jeitos de agir e de ser, outras regras, outra ética, outra ótica… É ficar
239
sabendo história, filosofia, direito, política, sociologia, antropologia, etc. sem precisar saber o nome disso tudo e muito menos achar que tem cara de aula (ABRAMOVICH, 1997, p.17).
Neste sentido, quanto mais cedo a criança tiver contato com os livros e perceber
o prazer que a leitura produz, maior será a probabilidade dela tornar-se um adulto leitor.
Da mesma forma por meio da leitura a criança adquire uma postura crítico-reflexivo,
extremamente relevante à sua formação cognitiva.
Quando a criança ouve ou lê uma história e é capaz de comentar, indagar,
duvidar ou discutir sobre ela, realiza uma interação verbal, que neste caso, vem ao
encontro das noções de linguagem de Bakhtin (1992). Para ele, o confrontamento de
ideias, de pensamentos em relação aos textos, tem sempre um caráter coletivo, social.
A leitura é um processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de construção
do significado do texto. Segundo Coelho (2000), a leitura, no sentido de compreensão
do mundo é condição básica do ser humano. A compreensão e sentido daquilo que a
cerca inicia-se quando bebê, nos primeiros contatos com o mundo.
Ler, no entanto é uma atividade que implica não somente a decodificação de
símbolos, ela envolve uma série de estratégias que permite o indivíduo compreenderem
o que lê.
Neste sentido, relata os PCN’s (2001) um leitor competente é alguém que, por
iniciativa própria, é capaz de selecionar, dentre os trechos que circulam socialmente,
aqueles que podem atender a uma necessidade sua. Que consegue utilizar estratégias de
leitura adequada para abordá-los de forma a atender a essa necessidade.
Assim, pode-se observar que a capacidade para aprender está ligada ao contexto
pessoal do indivíduo. Desta forma, Lajolo (2002), afirma que cada leitor, entrelaça o
significado pessoal de suas leituras de mundo, com os vários significados que ele
encontrou ao longo da história de um livro, por exemplo.
Ler então, não representa apenas a decodificação, já que esta não está
imediatamente ligada a uma experiência, fantasia ou necessidade do indivíduo. De
acordo com os PCN’s (2001), a decodificação é apenas uma, das várias etapas de
desenvolvimento da leitura. A compreensão das ideias percebidas, a interpretação e a
avaliação são as outras etapas que segundo Bamberguerd (2003, p.23) “fundem-se no
ato da leitura”.
Desta forma, trabalhar com a diversidade textual, segundo os PCN’s (2001),
fazer com que o indivíduo desenvolva significativamente as etapas de leitura é
contribuir para a formação de leitores competentes.
240
Por exemplo, ouvir histórias é um acontecimento tão prazeroso que desperta o
interesse das pessoas em todas as idades. Se os adultos adoram ouvir uma boa história,
um “bom causo”, a criança é capaz de se interessar e gostar ainda mais por elas, já que
sua capacidade de imaginar é mais intensa.
Narrativa faz parte da vida da criança desde quando bebê, através da voz amada,
dos acalantos e das canções de ninar, que mais tarde vão dando lugar às cantigas de
roda, a narrativas curtas sobre crianças, animais ou natureza. Aqui, crianças bem
pequenas, já demonstram seu interesse pelas histórias, batendo palmas, sorrindo,
sentindo medo ou imitando algum personagem. Neste sentido, é fundamental para a
formação da criança que ela ouça muitas historias desde a mais tenra idade.
Primeiro contato da criança com um texto é realizado oralmente, quando o pai, a
mãe, os avós ou outra pessoa conta-lhe os mais diversos tipos de histórias. A preferida,
nesta fase, é a história da sua vida. A criança adora ouvir como foi que ela nasceu, ou
fatos que aconteceram com ela ou com pessoas da sua família. À medida que cresce, já
é capaz de escolher a história que quer ouvir, ou a parte da história que mais lhe agrada.
É nesta fase, que as histórias vão tomando-se aos poucos mais extensas, mais detalhes.
Dessa forma, a criança passa a interagir com as histórias, acrescentam detalhes,
personagens ou lembra-se de fatos que passarem despercebidos pelo contador. Essas
histórias reais são fundamentais para que a criança estabeleça a sua identidade,
compreender melhor as relações familiares.
Outro fato relevante é o vínculo afetivo que se estabelece entre o contador das
histórias e a criança. Contar e ouvir uma história aconchegando a quem se ama é
compartilhar uma experiência gostosa, na descoberta do mundo das histórias e dos
livros.
Algum tempo depois, as crianças passam a se interessas por histórias inventadas
e pelas histórias dos livros, como: contos de fadas ou contos maravilhosos, poemas,
ficção, etc. Tem nesta perspectiva, a possibilidade de envolver o real e o imaginário que
de acordo com Machado (2000, p.15), afirmam que “os livros aumentam muito o prazer
de imaginar coisas. A partir de histórias simples, a criança começa a reconhecer e
interpretar sua experiência da vida real”.
Importante é contar histórias mesmo para as crianças que já sabem ler, pois
segundo Abramovich (1997, p.23), “quando a criança sabe ler é diferente sua relação
com as histórias, porém, continua sentindo enorme prazer em ouvi-las”. Quando as
crianças maiores ouvem as histórias, aprimoram a sua capacidade de imaginação, já que
ouvi-las pode estimular o pensar, o desenhar, o escrever, o criar, o recriar. Num mundo
241
hoje tão cheio de tecnologias, onde as informações estão tão prontas, a criança que não
tiver a oportunidade de suscitar seu imaginário, poderá no futuro, ser um indivíduo sem
criticidade, pouco criativo, sem sensibilidade para compreender a sua própria realidade.
Portanto é necessário reafirmar a importância do papel do professor como agente
mediador do processo de aquisição do hábito de leitura, levando em consideração as
diferenças individuais e proporcionando atividades diversificadas e motivadoras, que
façam do ensino e da aprendizagem grandes aventuras.
Neste sentido, é importante que o livro seja tocado pela criança, folheado de
forma que ela tenha um contato mais íntimo com o objeto do seu interesse. A partir daí,
ela começa a gostar dos livros, percebe que eles fazem parte de um mundo fascinante,
onde a fantasia apresenta-se por meio de palavras e desenhos. De acordo com Machado
(2000, p.16), “o amor pelos livros não é coisa que apareça de repente”. É preciso ajudar
a criança a descobrir o que eles podem oferecer. Assim, pais e professores têm um papel
fundamental nesta descoberta: serem estimuladores e incentivadores da leitura.
Segundo Freire (1986) quando alguém faz uso da leitura, está descobrindo um
novo mundo por que ler significa muito mais que ver as letras do alfabeto e juntá-las em
palavras, mas também estudar a escrita, decifrar e interpretar o sentido, reconhecer e
perceber.
Dentro do contexto escolar a aprendizagem da leitura sempre se apresenta
intencionalmente como algo mágico, senão enquanto ato, enquanto processo da
descoberta de um universo desconhecido e maravilhoso. Então com isso pode-se
perceber a importância do educador em sala de aula. A prática docente tem impacto
direto na formação dos alunos, e o professor tem grande responsabilidade sobre isso.
Eles têm oportunidade de expressar de maneira correta o seu desejo de ensinar,
pois esses cidadãos estão em fase de construção, esses alunos, que hora estão em suas
mãos, deve-se fazer com que eles se adaptem a escola, fazendo um diálogo com a
família. Assim sendo, os profissionais precisam estar preparados para receber todos os
alunos, usando de criatividades, conhecimento, diálogo para um bom desenvolvimento
de suas aulas.
Hoje os profissionais da educação não têm mais dificuldade em termos de
conhecimentos, as tecnologias têm facilitado a vida desses profissionais, eles podem
fazer uma faculdade diferenciada e por meio de programas educativos tem
oportunidade de fazer cursos de aperfeiçoamento presencial ou mesmo a distância, bem
como pesquisas em sites confiáveis.
242
Considerações finais
Com a avalanche de conhecimento escrito, imediato e disponível, o papel da
Literatura é desenvolver nas pessoas, principalmente nas crianças, um espírito analítico
e crítico, o que não acontece quando a oportunidade lhes é negada.
O ato de ler está presente quando a escola compreende a importância da leitura
no contexto mais amplo, como uma produção de sentidos do aluno, a leitura torna-se
um processo natural. O indivíduo torna-se um ser crítico e cria um autoconhecimento
com capacidade de reconhecimento,em que a relação ao prazer pela leitura satisfatória é
diferente daquelas impostas pelo autoritarismo.
Dessa forma, a leitura, enquanto oportunidade de enriquecimento e experiência é
primordial na formação do indivíduo e do cidadão. Pessoas habituadas à leitura são
capazes de melhor desempenho em suas atividades e apresentam melhor aptidão para o
enfrentamento dos problemas sociais.
A motivação e a influência da instituição escolar e da família são fundamentais
para a ampliação da leitura.No entanto, é preciso estimular a leitura não apenas na
escola, mas em casa também.
A escola torna-se fator fundamental na aquisição do hábito da leitura e formação
do leitor, pois mesmo com suas limitações, ela é o espaço destinado ao aprendizado da
leitura. Em suas práticas onde enriquece, dinamiza e conscientizam as ações, com a
importância da realização da formação de leitores ativos, participantes comunicativos
que constroem o sentido e habilidade, que a leitura leva por diferentes caminhos, o ler e
o saber, para compreender, para refletir, para sonhar e emocionar.
Quando a escola compreende a importância da leitura no contexto mais amplo, como
uma produção de sentidos do aluno, a leitura torna-se um processo natural para as
crianças acreditando na possibilidade da criança ser leitora, e que o adulto torna-se
apenas o mediador para que a leitura aconteça.
É fundamental a construção de novos conceitos que estimulem a leitura.
Acredita-se que a família e a escola, podem ajudar a aguçar o prazer por este ato
de ler, e que a leitura realizada pelos alunos com fluência é resultado da prática da
mesma.
REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS
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243
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2002
244
IDENTIFICAÇÃO DO TALENTO PELA OBSERVAÇÃO DIRETA
Tereza Raquel Fiorile Nogueira53
Resumo O objetivo geral desse trabalho foi estabelecer o grau de validade da metodologia empregada para identificação de crianças bem dotadas e talentosas na faixa de 6 a 12 anos em todas as camadas sociais, de 1992 a 1996. Os objetivos específicos foram os seguintes:Aperfeiçoamento da folha de observação direta para identificação de crianças dotadas e talentosas, que possa ser utilizada por professor de sala de aula; o aumento de acervo de informações para o preparo do professor na identificação das crianças talentosas; acompanhar as crianças talentosas selecionadas pela metodologia da observação direta, documentando em que grau se desenvolve ou modifica o talento detectado; aferir o grau de adequação da folha de observação direta em crianças de diferentes origens sociais; identificar interesses e necessidades especiais de crianças e adolescentes portadores de talento, capacidade e habilidades especiais e prover assistência apropriada; criar oportunidades de interação social, e no trabalho escolar, para estudantes bem dotados e talentosos frequentando diferentes escolas na comunidade; oferecer apoio à criança, adolescente e jovem bem dotado em seu desenvolvimento emocional e pessoal; assim como assegurar a estimulação e assistência ao desenvolvimento de talentos e habilidades específicas. Palavras chave: talento, educação, habilidades. INTRODUÇÃO Uma perturbadora discrepância frequentemente observada na área de educação é
a diferença entre o que é conhecido, discutido e explicado a nível verbal, e quão pouco
desse conhecimento chega a ser concretamente expresso na ação e na prática educativa.
Isso acontece na educação especial para bem dotados e talentosos. Embora exista um
conhecimento razoável, interesse e boas intenções por parte de muitos educadores, o
531Pedagoga, Mestre em Educação Ambiental, Rua Antônio Norberto da Silva, 427, Centro, Cep 15730000, Marinópolis/SP. [email protected]
Revista Eletrônica Pedagogia em Foco, v. 7, setembro de 2012
245
trabalho comas crianças bem dotadas é praticamente inexistente. O pouco que existe é
quase sempre realizado em escolas particulares ou iniciativas relacionadas a projetos de
pesquisa acadêmica.
Os longos séculos de submissão religiosa e colonialismo predatório acabaram
por condicionar a maioria dos países do chamado terceiro mundo a um nível de
expectativa e metas educacionais baixo, ou orientado por diretrizes externas.
Atualmente parece haver maior consciência e preocupação com a perda do
talento e evasão dos cérebros ocorrendo nos países não desenvolvidos, o que pode
estimular e apoiar a ação educativa voltada para desenvolver o talento na infância e
juventude.
Para iniciar um programa efetivo de educação para bem dotados e talentosos é
necessário muito esforço e persistência, não apenas no sentido de convencer grupos e
ganhar aliados, mas principalmente para esclarecer idéias e princípios. A noção mais ou
menos estabelecida de que talento é alguma coisa dada, fixa e estática precisa ser
substituída por um conceito maior e mais global de talento como um conjunto de
capacidades, capabilidades, traços pessoais, interesses e inclinações, combinado com
habilidades que podem ser apreendidas. O talento se desenvolve através de um processo
de diferenciação na dimensão espacial e temporal, quando existe ampla oportunidade
para vivência, experiência, riscos, sucesso e fracasso assistidos e direcionados para o
crescimento pessoal.
Frequentemente se ouve que, provavelmente, todas as crianças e jovens seriam
beneficiados por este tipo de experiência, oportunidade e atenção educativa, o que é em
essência verdadeiro. Porém, mesmo que isso fosse proporcionado a todos os escolares,
os mais capazes, rápidos e talentosos ainda necessitariam ritmos, níveis e quantidades
diferentes do que a escola estaria oferecendo a todos os alunos.
A situação se complica ainda mais ao se considerar as crianças bem dotadas das
classes pobres, subalternas e desprivilegiadas. Num país como o Brasil, onde mais da
metade da população vive em luta com insuportáveis níveis de pobreza material e
econômica, qualquer proposta educacional séria tem que levar em conta esse fator.
A questão se compõe ainda mais com o uso de testes e medidas mentais
traduzidas ou adaptadas de outras culturas. Não apenas o processo de identificação das
crianças dotadas e talentosas tem que acomodar uma dimensão inteiramente nova, mas
também o próprio programa necessita provisões específicas para atender às crianças de
classes desprivilegiadas. Todavia quando se faz um esforço para educar melhor as
crianças bem dotadas há sempre a esperança e a expectativa de que toda a área de
246
educação se beneficia. Ao compreender melhor um grupo minoritário de alunos, o que
os bem dotados são, por definição, os educadores compreendem melhor também os
outros alunos com quem trabalham.
Foi sobre esses princípios que o CEDET foi concebido, para atender às
necessidades e aspirações das crianças talentosas de Lavras-MG, gerando um conjunto
de dados extremamente valiosos, que devem ser trabalhados e analisados, trazendo uma
gama enorme de informações e conclusões, para a educação brasileira.
REVISÃO DE LITERATURA Denominados pelos mais diversos termos e expressões, tais como: privatização
cultural, minorias, culturalmente carentes, classe sócio-econômico baixa,
desprivilegiados, classes subalternas, ou simplesmente carentes, o que esses grupos têm
como denominador comum na expressão de PASSOW (1967) é pobreza material e
econômica, acompanhada de todas as concomitantes sociais, culturais e psicológicas
relacionadas. É nesse ponto de vista que, realmente, esta a raiz de todos os problemas,
pois a ausência de recursos econômicos traz consigo um rosário de carências que, uma
vez estabelecidas, não podem ser removidas facilmente pela ação educacional, e, em
curto prazo, nem mesmo pela simples injeção de recursos materiais. Tal aspecto é
apontado por TANNEMBAUM (1967), que define carência social como uma condição
na qual certos fatores externos e internos combinam para estreitar as alternativas de
comportamento disponíveis para pessoa alcançar auto realização.
Dentro deste contexto, há uma grande dificuldade de pessoas dentro da classe
pobre descrita anteriormente, de se destacarem nas mais variadas atividades sociais,
embora alguns autores como MACKLER & GIDDINGS (1965), constata que o número
de crianças e jovens de classes desprivilegiadas que conseguem demonstrar alto nível de
desenvolvimento pessoal e intelectual, não só em comparação com seu grupo, mas com
a população no seu todo, está acima do nível de chance, ou seja, esta acima da
probabilidade.
Uma grande dificuldade se faz presente quando se pretende identificar
inteligência, dotação intelectual de crânios nas classes desprivilegiadas, formando-se
barreiras quase intransponíveis. A identificação através de testes e escalas de
inteligência é totalmente inadequada, em razão de muitos fatores, inclusive do
reconhecido elemento cultural que sublinha a construção dos chamados testes de
inteligência. ANTIPOFF (1972) aponta que a escola não pode, nem nas melhores
condições, reconhecer a criança bem dotada de classe pobre, porque a criança sente
247
dificuldade em funcionar a nível elevado, no ambiente escolar. O apelo da escola é
dirigido a um tipo de postura mental que vai em direção contrária aquela que a criança
de classe pobre esta habituada. Também TORRANCE (1965) discute a dificuldade que
os professores encontram em diferenciar pensamento criativo de comportamento
indesejável, linguagem, e valores, nas crianças carentes.
No estudo com bem dotados tem sido comentada a similaridade entre suas
características, cruzando as classes sociais, especialmente nas séries escolares mais altas
e idades mais avançadas. DAVIDSON & GREENBERG (1967) encontraram poucas
diferenças entre crianças de QI 120 a 200, de grupos sócios econômicos diferentes, e
JOHNSON (1966) demonstrou que bem dotados são mais parecidos do que diferentes
entre si, em todas as classes sociais. Mas a questão parece permanecer intocada, quando
se observa que o número de bem dotados carentes reconhecidos como tal é muito
pequeno, podendo-se até perguntar se a identificação desses bem dotados não teria sido,
pelo menos parcialmente, determinada pela sua semelhança, em atitudes e
comportamentos, com crianças de classe média e alta (GUENTHER, 1979). Pois, de
fato, as dificuldades que uma criança carente enfrenta, crescendo na adversidade de um
ambiente de pobreza, são visíveis, e não devem ser demitidas.
SOARES (1981), estudando o padrão linguístico de crianças brasileiras, mostra
que existem diferenças entre as classes sociais: as crianças pobres não só verbalizam
menos, mas possuem um estilo qualitativamente diferente de expressão verbal. Quer
dizer, enquanto uma criança de classe alta, olhando o por do sol diz - Que lindas nuvens
coloridas, nesse céu azul, uma criança de classe pobre, da mesma idade, olhando a
mesma cena, expressará a sua admiração através da expressão facial, e interjeições,
como olha, oh, ahn! .
A primeira vista, as distorções introduzidas pelas condições de carência
socioeconômica podem até parecer favoráveis ao desenvolvimento e maturação da
criança, pelo fato de provocarem uma espécie de independência mais cedo na vida, e
alguns estudiosos, realmente, defendem esse ponto. Mas, aprofundando-se um pouco
mais, vemos que há um problema sério: na linha de desenvolvimento do quadro pessoal
de referência, que é o que possibilita ao indivíduo processar e relacionar as informações
presentes no ambiente, e parece mesmo influir na seleção de quais informações são
captadas (COMBS et al, 1976), há uma interrupção que deixa de fora uma importante
gama de fontes de informação, e meios de avaliação, para a criança de classe pobre,
especificamente as informações captadas através da identificação com não iguais, que
baseia o processo de ampliação da visão de mundo. Isso quer dizer que, provavelmente,
248
a sua visão de mundo permanece ancorada no grupo de iguais, e limitada ao aqui e
agora imediato, em tempo e espaço. Presumivelmente não acontece também de maneira
natural, o exame das condições das dicotomias, que possibilita a abertura à experiência,
e redefinição de valores.
FREIRE (1970) coloca a ênfase na importância de se alargar a visão de mundo, e
aumentar o nível de consciência e conscientização sobre o mundo, com base do
processo de educação popular, no, que sem dúvida se trata de um aspecto muito
importante.
ANTIPOFF (1972), em suas observações sobre crianças bem dotadas do meio
rural, expressa admiração pelo rico e amplo conhecimento que elas têm sobre seu meio,
lamentando o fato de que esse saber não é reconhecido pelos testes escolares e medidas
de inteligência.
A noção mais ou menos estabelecida de que talento é alguma coisa dada, fixa e
estática precisa ser substituída por um conceito maior e mais global de talento como um
conjunto de capacidades, capabilidades, traços pessoais, interesses e inclinações,
combinado com habilidades que podem ser aprendidas (FELDHUSEN, 1995).
Os longos séculos de submissão religiosa e colonialismo predatório acabaram
por condicionar a maioria dos países do chamado terceiro mundo a um nível de
expectativa e metas educacionais baixo, e orientado por diretrizes externas (SHERMIS,
1994).
A importância e necessidade de se assistir e estimular o potencial e talento tem
sido apontadas inúmeras vezes por diferentes estudiosos e educadores, como
RENZULLI (1978), GALLAGHER (1984), FELDHUSEN (1995) entre outros. Já
RICHERT (1987) chama a atenção para a necessidade de expandir o conceito de talento
para alcançar as classes mais pobres. A questão se compõe ainda mais com o uso de
testes e medidas mentais traduzidas ou adaptadas de outras culturas. Não apenas o
processo de identificação das crianças dotadas e talentosas tem que acomodar uma
dimensão inteiramente nova, mas também o próprio programa necessita provisões
específicas para atender às crianças de classes desprivilegiadas (PATTON,
PRILLAMAN e VAN TASSEL BASKA, 1990). Todavia quando se faz um esforço
para educar melhor as crianças bem dotadas há sempre a esperança e a expectativa de
que toda a área da educação se beneficia. Ao compreender melhor um grupo minoritário
de alunos, o que os bem dotados são, por definição, os educadores compreendem
melhor também os outros alunos com quem trabalham (FELDHUSEN, MOON e
RIFFNER, 1989).
249
Baseados na idéia de que o talento se manifesta de maneira mais efetiva nas
situações reais da vida diária, na aprendizagem, na interação com outros, e nas
atividades normais do dia-a-dia (FELDHUSEN, 1995) todas as pessoas de uma
comunidade devem participar no ensino complementar, observando as crianças nas
situações da vida escolar e oferecem as primeiras indicações de quem parece estar
precisando algo mais do que a escola normal oferece, devido a capacidades,
características ou talentos especiais.
3. Operação e Funcionamento do Projeto A primeira tarefa no programa foi compor uma maneira de se identificar as
crianças que iriam receber atendimento. Partindo do pressuposto que não se deve
confiar no emprego de escalas, testes ou medidas criadas e desenvolvidas em outros
países, dada a longa e frustrante experiência em relação a traduções, adaptações e
aculturações de testes e medidas psicológicas. Também não se tem no Brasil, exceto
alguns instrumentos de coleta de dados construídos por estudantes em cursos de
mestrado e doutorado ou pesquisadores, obviamente voltados para seus próprios
interesses de pesquisa. Assim houve a necessidade de construir um procedimento
próprio para identificação de bem dotados, os quais deveriam ser não uma tentativa de
determinar talento e dotação em si mesmos, mas uma busca de pistas indicativas da
melhor experiência educacional a ser provida para os mais capazes, como aconselha
FELDHUSEM (1995). O modo mais simples de se resolver esta situação é certamente,
a folha de observação (anexo 1).
O professor de sala de aula é a pessoa que tem contato diário com as crianças,
em situações de vida escolar real, orientado para tarefas (RICHERT, 1987), e é ele que
deve ser capaz de diferenciar seus alunos pelos traços pessoais. Com base nessa linha de
pensamento foi organizada uma lista de itens (anexo 1) para guiar a observação do
professor e indicar áreas em que a criança demonstra maior capacidade. Os professores
foram preparados para observar as crianças pelo estudo da lista de indicadores, fazendo
perguntas e examinando exemplos e ilustrações relativos aos atributos listados.
Em seguida são orientados a observar sua classe mais atentamente por 2-3
semanas, e escrever os nomes das duas crianças que mais frequentemente demonstram
cada traço observado (anexo 1). A comparação baseada na classe como grupo de
referência parece ser apropriada, uma vez que não somente as escolas servem
prioritariamente a camadas sócio econômicas identificáveis, mas também as turmas são,
em geral, formadas de acordo com critérios de desempenho escolar.
250
A folha de observação (anexo 1) é composta de 25 itens, com espaço para
comentários e observações, e para anexar exemplos de trabalhos das crianças.
As instruções lembram ao professor que o mesmo nome deve aparecer em todos
os itens que se aplicam aquela criança. Entre os 25 itens encontram-se, aleatoriamente
colocados, indicadores de habilidades e talento verbal, científico-matemático,
criatividade, capacidade social e habilidade psicomotora. Uma certa combinação de
itens indica capacidade geral, áreas de talento específico ou ambas.
Por esse processo um número de crianças são identificadas e agrupadas de
acordo com traços comuns, tipo de talento, e interesses, com base na visão da professora
de sala de aula. Em seguida a lista é examinada pela equipe técnica da escola
(supervisor, orientador, diretor) que estuda e modifica a lista, se for necessário, de
acordo com dados que os professores não consideraram, ou a que não tem acesso. Num
terceiro nível, depois de contactadas as crianças, os facilitadores começam a conversar
com elas, fazer reuniões em pequenos grupos, entrevista individuais, ouvir pais e
pessoal da escola e por esses meios vão adicionando mais informações sobre cada
criança. Ao fim do semestre faz-se uma avaliação detalhada e é ai decidido se aquela
criança precisa e/ou está se beneficiando do atendimento especial.
Se as indicações forem que não, medidas são tomadas levando a criança a gastar
mais tempo nas atividades de enriquecimento. Ela poderá ser novamente indicada na
ocasião da observação sistemática que acontece ao final do ano letivo.
Quadro 1- Relação das crianças atendidas pelo CEDET para ambos os sexos
Séries Sexo masculino Sexo feminino Total % 1a e 2a 53 53 106 16 3a e 4a 117 113 230 36 5a e 6a 116 95 211 33 7a e 8a 48 49 97 15 Total 334 310 644
% 52 48 100 Fonte: CEDET, Lavras, junho/1996. Quadro 2-Distribuição socioeconômica por tipo de escola das crianças atendidas pelo CEDET No de Crianças No de escolas Sexo masculino Sexo feminino
Origem* N % Freq. %
Freq. %
Total %
A 5 25 79 25 93 33 172 29 B 6 30 91 28 78 28 169 29 C 9 45 145 46 108 38 253 42
TOTAL 20 315 279 594 100
251
*origem sócio econômica da clientela das escolas; A-primordialmente classes mais altas; B-principalmente classe média e C-principalmente classes mais baixas. Fonte: CEDET, Lavras, junho/1995. O estudo será organizado essencialmente nos dados coletados desde 1992 até
1996 com a aplicação da folha de observação (anexo 1) para identificação das crianças
bem dotadas e talentosas. O critério adotado para condução da identificação foi à
relação professor/crianças de aproximadamente 01h35min, ou seja, cada professor
observa sua sala de aula, da 1a a 4a séries do ensino fundamental, sendo que a média de
alunos por sala é 35.
A próxima fase será a formação de quatro grupos correspondentes aos alunos
acompanhados durante:
• 1993 a 1996 = 4 anos • 1994 a 1996 = 3 anos • 1995 a 1996 = 2 anos • 1996 a 1997 = 1 ano • Os alunos identificados em 1996 não há ainda acompanhamento. Estudar o tipo de talento sinalizado em cada criança na época da identificação, e durante o período de acompanhamento, documentando permanência ou modificação no talento observado. Como medida suplementar de validação, será feita entrevistas com os docentes e corpo técnico das escolas verificando a produção da criança na escola em relação ao talento. Tabulação e Análise Estatística dos Resultados Os dados obtidos na observação das crianças talentosas serão tabulados e
analisados procurando comparar a origem pública ou privada, bem como as classes
sociais.
Serão utilizadas técnicas estatísticas (testes de proporções, métodos não
paramétricos) para a validação da metodologia empregada na identificação. Outras
técnicas estatísticas poderão ser utilizadas, após a tabulação dos dados, se necessário
for.
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254
MAIS EDUCAÇÃO: UMA AVALIAÇÃO FRENTE À VISÃO DE EDUCAÇÃO INTEGRAL
Sebastiana Aparecida Moreira54
Resumo Este trabalho aponta brevemente a situação educacional do Brasil na educação básica, tendo como aporte o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Analisa o programa Mais Educação, instituído nas escolas públicas brasileiras de ensino fundamental pelo Ministério da Educação (MEC). Utiliza-se pesquisa bibliográfica, acerca das concepções, justificativas e experiências de escolas de tempo integral no Brasil. São enfatizadas na revisão de literatura, as contribuições de Anísio Teixeira para a construção do programa de educação integral. A seguir, é descrito de forma detalhada o programa Mais Educação. Aspectos relacionados aos objetivos estabelecidos, as diretrizes definidas, a amplitude e abordagens pedagógicas desenvolvidas alargam o entendimento. Ao final, tecemos algumas considerações acerca das possibilidades do programa Mais Educação qualificar a educação integral nas escolas públicas. Este artigo é um recorte da pesquisa de dissertação de mestrado em educação, que ora se encontra em construção. Palavras – chave:Avaliação. Educação Integral. Mais Educação. INTRODUÇÃO
A realidade brasileira educacional é múltipla, diversa e desigual. Os avanços
quantitativos dos últimos tempos não superaram a desigualdade de oportunidades
educacionais entre centro e periferia, cidade e campo, capital e interior, entre bairros de
um mesmo município, entre municípios, estados e regiões. A maior desigualdade é
encontrada entre pobres e ricos e entre brancos e pardos (BRASIL, 2009, p.13).
54
[email protected]. Mestranda em Educação – Universidade de Passo Fundo-RS. http://lattes.cnpq.br/1643666586420999.
Revista Eletrônica Pedagogia em Foco, v. 7, setembro de 2012
255
Diminuir as desigualdades de oportunidades educacionais é desafio que começa na
educação infantil. Nesse contexto, a busca pela qualidade na educação é percorrida
desde a primeira etapa da educação básica. O enfrentamento das distâncias que
caracterizam as relações entre escola e comunidade amplia a dimensão das experiências
educativas dos estudantes do ensino fundamental e promove a qualificação da escola
pública brasileira (BRASIL, 2009, p.13).
De modo geral, a escola pública caracteriza-se pela ausência de qualidade, baixa
valorização dos profissionais, poucas condições de resgatar o alunado, além de não se
adequar às políticas e práticas educativas vigentes. Assim, mesmo que, teoricamente, a
escola pública tenha maior prontidão de estar em sintonia com o que é indicado na Lei
de Diretrizes e Bases (9.394/96) no que tange à educação equitativa, acaba não tendo a
possibilidade de pô-la em prática por falta de consenso, vontade ou agilidade dos
governantes, ou seja, “embora a elaboração de determinada política educacional seja
considerada para ‘fazer acontecer’, não é condição suficiente” (CAVALIERE, 2002, p.
227-270). O que se percebe é que, apesar de orientações e leis referentes à educação, há
uma distinção concreta em relação aos resultados obtidos pela educação privada e a
educação pública, que pode ser refletida no slogan: “Terminalidade legal para os nossos
filhos e terminalidade real para o filho dos outros” (SAVIANI, 1997, p.67). Em
consequência, o Estado Brasileiro não se revelou, ainda, capaz de democratizar o
ensino, estando distante da organização de uma educação pública democrática de
âmbito nacional.
Neste artigo temos por base os resultados do Índice de Desenvolvimento da
Educação Básica (IDEB), que gestaram políticas públicas instituídas pelo Ministério da
Educação, com vistas à melhoria da qualidade da educação básica. O texto está
organizado da seguinte forma: exploramos algumas questões sobre o IDEB e a
aprendizagem; em seguida conceituamos brevemente a educação integral e
apresentamos algumas experiências de escola de tempo integral no Brasil, enfatizamos a
operacionalização do programa Mais Educação; ao final apresentamos algumas
considerações acerca das possibilidades do programa Mais Educação, qualificar a
educação integral nas escolas públicas.
RELAÇÕES ENTRE AVALIAÇÃO E APRENDIZAGEM
Segundo o entendimento de Guarinello (2003, p.96), para que a escola consiga
evoluir junto às propostas das esferas oficiais é necessário ter o reconhecimento de
256
espaço de experiência e, mais que isso, que os sujeitos nela inseridos, sejam as
ferramentas para a construção de um alicerce forte para possibilitar a desejada inovação.
Guarinello (2003, p. 96) enfatiza que esse alicerce será efetivamente formado a
partir do momento em que o interesse geral for o mesmo que o objetivo proposto, sem
considerar as disputas de poder e os interesses econômicos. Buscando coerência entre
discurso e prática. A humanidade desenvolveu com o passar do tempo, teorias e práticas
para educar, ensinar, compreender, analisar e trocar experiência. E com as modificações
na sociedade, foi surgindo à necessidade de formalizar o processo de ensino-
aprendizagem, efetivando um sistema de ensinar e aprender a ler, escrever e interpretar
as demandas, da atualidade.
Contudo nesse processo educativo torna-se necessário analisar o desempenho
dos estudantes, ressalta-se para tanto, o IDEB como um dos indicadores que
demonstram o panorama da educação básica no Brasil. Os resultados expostos no
quadro I e II indicam o desempenho educacional na prova Brasil/ Saeb nos anos de
2005, 2007 e 2009. Já o quadro III, apresenta as metas mínimas que o Brasil busca
atingir.
Quadro I: Desempenho da prova Brasil/ SAEB em Língua Portuguesa.
DESEMPENHO- PROVA BRASIL/SAEB LINGUA PORTUGUESA
ANO Anos Iniciais do Ens. Fundamental Anos Finais do Ens. Fundamental 2005 172,3 231,8 2007 175,8 234,6 2009 184,3 244,0
Fonte: INEP/MEC. Quadro II: Desempenho da prova Brasil/ SAEB em Matemática.
DESEMPENHO- PROVA BRASIL/SAEB MATEMÁTICA
ANO Anos Iniciais do Ens. Fundamental Anos Finais do Ens. Fundamental 2005 182,4 239,5 2007 193,5 247,4 2009 204,3 248,7
Fonte: INEP/MEC.
Essas pontuações significam pouco em relação ao previsto nos documentos
Todos Pela Educação55 (TPE), Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) e no
Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) que prevê como meta mínina:
55Todos pela Educação consiste em estabelecer um conjunto de diretrizes a serem adotadas na gestão de suas redes de escolas e nas práticas pedagógicas, com vistas ao cumprimento de metas estabelecidas em relação ao Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), a partir de um diagnóstico da situação
257
Quadro III: meta mínina prevista pelos documentos oficiais: TPE, PDE e IDEB. Disciplina Série/Ano Nível Meta Língua Portuguesa 4ª/5º 4 200 Matemática 4ª/5º 5 225 Língua Portuguesa 8ª/9º 7 275 Matemática 8ª/9º 8 300 Fonte: WWW.inep.br/downald/saeb/2005/SAEB 1995_ pdf.
Segundo os dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira (INEP),participaram da prova Brasil/Saeb em 2009 nos Anos Iniciais:
5.467 municípios, 44.765 escolas e 2.559.566 alunos. Nos anos finais: 5.498
municípios, 32.901 escolas e 2.017.221 alunos e no ensino médio: 750 municípios,
1.644 escolas e 56.307 alunos. Com fins de comparação, o censo escolar em 2009,
registrou 31.705.528 matrículas no ensino fundamental e 8.337.160 no ensino médio.
Percebe-se a dura e difícil tarefa que o Brasil tem à sua frente, no sentido de
promover e realizar políticas educacionais que interfiram nesse quadro e que efetivem a
educação de qualidade como direito do cidadão. Importante ressaltar que o sentido dado
ao termo qualidade tem formas e conteúdos diversos (GENTILLI 1994, p.55). Dessa
abrangência infere-se que, no campo educacional, esse termo tem-se apresentado em
duas vertentes diferentes e antagônicas: uma com sentido de qualidade mercantil,
baseada na lógica empresarial e econômica e que se referencia no mercado em que o
produto se representa pelas notas escolares e outra, com sentido de qualidade
socialmente referenciada, a qual possui uma lógica que tenta compreender a relevância
social da construção dos conhecimentos e de posturas na escola.
Gracindo (2004, p.89) enfatiza que, a qualidade na educação é marcada pela
busca da construção da emancipação dos sujeitos sociais. Para tanto desenvolve
conhecimentos, habilidades e atitudes que irão encaminhar a forma mediante a qual o
indivíduo se relaciona com a sociedade, com a natureza e consigo mesmo, a partir da
concepção de mundo, sociedade e educação que possui.
Muitos carregam o consenso de que a educação brasileira precisa melhorar.
Famílias, estudantes, profissionais da educação, autoridades, ativistas de movimentos
sociais e Organizações Não Governamentais (ONGs), empresários, sindicalistas e
pesquisadores perseguem a educação pública de qualidade. Nesse sentido, creches e
educacional de um determinado município, estado ou Distrito Federal. Nesta perspectiva, “a qualidade da educação básica será aferida, objetivamente, com base no IDEB, calculado e divulgado periodicamente pelo INEP, a partir dos dados sobre rendimento escolar, combinados com o desempenho dos alunos, constantes do censo escolar e do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), composto pela Avaliação Nacional da Educação Básica (ANEB), e a Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (Prova Brasil)” (Art. 3º, do Decreto nº 6.094/07).
258
escolas públicas buscam oferecer uma educação que possibilite às crianças e jovens
desenvolverem suas capacidades e potencialidades.
Romper as barreiras da cercania do desempenho educacional significa promover
e realizar políticas educacionais que interfiram no quadro negativo e legitimem a
educação de qualidade como direito do cidadão com o fito de superar desafios históricos
do acesso, permanência e aprendizagem em todos os níveis e modalidades de ensino.
Vale ressaltar que existe um conjunto de ações sendo desenvolvidas para
garantir a educação básica, democrática e de qualidade, como políticas de
financiamento, políticas de universalização da educação básica, de valorização dos
profissionais da educação e políticas de gestão democráticas. Nesse contexto, a partir do
Plano de Desenvolvimento da Educação/PDE (2007), o Ministério da Educação, institui
ações objetivando viabilizar políticas públicas efetivas e articuladas na área
educacional. Dentre estas ações destacamos o Programa Mais Educação, que converge
para a formação integral do ser humano e a articulação com as famílias e comunidades
do entorno da escola. Sublinha, entre os objetivos do programa [...] “a conquista efetiva
da escolaridade dos estudantes, através da ampliação de experiências educadoras, as
práticas realizadas além do horário escolar que precisam estar sintonizadas com o
currículo e os desafios acadêmico” (BRASIL, 2009, p.13).
Na próxima seção avançamos nossa análise, explorando algumas concepções de
educação integral, as experiências brasileiras e o emergente programa Mais Educação,
sob a óptica de sua efetivação enquanto proposta de política pública repleta de boas
intenções.
CONCEPÇÕES DE EDUCAÇÃO INTEGRAL As concepções abordadas nesse artigo têm o intuito de tecer alguns elementos que
signifiquem a escola de tempo integral, permitindo refletir sobre as práticas existentes e
construir novas, sem perder o foco da educação integral. Em outras palavras Moll
(2007) empresta os conceitos de educação integral, de Guará (2006, p.16)
O desenvolvimento humano como horizonte (...), a necessidade de realização das potencialidades de cada individuo para que possa evoluir plenamente com a conjugação de suas capacidades, conectando as diversas dimensões do sujeito (cognitiva, afetiva, ética, social, lúdica, estética, física, biológica).
Nesse sentido, a educação integral no Brasil tem seu inicio no período histórico
de 1920 com o intelectual Anísio Teixeira. Precursor, Anísio Teixeira, intelectual
259
baiano, retorna dos Estados Unidos, onde foi aluno de John Dewey56, para assumir a
Diretoria Geral da Instrução Pública do Distrito Federal em 1930 (GHIRALDELLI,
2003, p. 31).
Em 1929 Lourenço Filho publicou a obra Introdução ao Estado da Escola Nova,
que divulgava a nova filosofia da educação de Anísio Teixeira. Assentando em dois
pilares básicos, a saber: a escola deveria preparar técnicos e homens capazes de se
integrar rapidamente na civilização baseada na ciência e tecnologia. Pelo mesmo víeis a
escola deveria educar para a democracia, para a formação do cidadão, colocar as
pessoas das mais variadas origens em igualdade de condições para ascenderem
socialmente.
Ghiraldelli (2003, p.45) discute o Manifesto dos Pioneiros redigido em 1932 por
Fernando de Azevedo. Esse documento representava tendências de pensamentos como
os do filósofo John Dewey, do sociólogo Émile Durkhein entre outros. Compunha uma
autêntica, inovadora e sistematizada concepção pedagógica, indo da filosofia da
educação a formulações pedagógicas didáticas, incluindo política educacional. O
Manifesto prossegue afirmando, num apelo ideológico, que na escola pública seja dada
oportunidades iguais para todos.
Na compreensão do Manifesto, esta nova escola, teria por base a atividade
espontânea, alegre e fecunda, dirigida à satisfação das necessidades do próprio
individuo. Tanto na filosofia social de Dewey, como em todo o pensamento de Anísio, a
questão da democracia é crucial. “A reconstrução da experiência, ou seja, a
possibilidade de os indivíduos viverem experiências que são também pensamento é o
elemento fundamental para a criação do modo de vida democrático” (JAEGER, 2010, p.
258). A associação entre o projeto republicano de educação pública e a teoria
pragmatista da educação como reconstrução da experiência, ao lado da forte crítica ao
sistema escolar vigente (1960), impulsionou a elaboração do projeto assinado de
educação integral.
Coelho (2009, p. 83) sublinha que a educação integral está alicerçada em
concepções e práticas de diferentes pensamentos políticos filosóficos que foram
construídos e vem sendo construídos ao longo dos séculos.
EXPERIÊNCIAS DE ESCOLAS DE TEMPO INTEGRAL NO BRASIL
Cresce a cada ano a demanda de discussões sobre as possibilidades de ampliação
56
Filósofo norte - americano 1859-1952, defensor da democracia, da liberdade de pensamento como instrumentos para a maturação emocional e intelectual das crianças.
260
de tempos, espaços e oportunidades de aprendizagem aos estudantes das escolas
públicas brasileiras. Há no Brasil um percurso das investidas a favor da escola de tempo
integral. Após os intentos de Anísio Teixeira, verifica-se que a partir dos anos 30, é
ressaltada a idéia da implantação de um sistema público de ensino de boa qualidade para
o país. Teixeira advoga a idéia da educação, em que a escola ofereça às crianças
[...] um programa completo de leitura, aritmética e escrita, ciências físicas e sociais, e mais artes industriais, desenho, musica, dança e educação física, saúde e alimento à criança, visto não ser possível educá-la no grau de desnutrição e abandono em que vivia (TEIXEIRA, 1959, p. 78-84).
Teixeira pondera ainda que,
[...] a escola eduque, forme hábitos, forme atitudes, cultive aspirações prepare, realmente, a criança para a sua civilização - esta civilização tão difícil por ser uma civilização técnica e industrial a ainda mais difícil e complexa por estar em mutação permanente (TEIXEIRA, 1997, p. 64).
Sendo assim, Teixeira defende uma instituição escolar pública primária capaz de
dar a formação fundamental indispensável ao trabalho comum, uma escola média capaz
de atender à variedade de aptidões diversificadas de nível médio, e uma escola superior
capaz de dar a mais alta cultura e, ao mesmo tempo, a mais arojada especialização
(ESQUINSANI, 2002, p.36).
Vale ressaltar as práticas de escola de tempo integral enquanto políticas
públicas. No Brasil na década de 50, acompanhando as idéias de Anísio Teixeira foram
alicerçadas e iniciadas as primeiras tentativas de implantação de um sistema público de
escolas com a finalidade de promover uma jornada escolar em tempo integral.
Assim é implantado na década de 50, o projeto do Centro Educacional Carneiro
Ribeiro em Salvador, denominada Escola Parque e a experiência dos Ginásios
Vocacionais em São Paulo. Nos anos 80, surgem os Centros Integrados de Educação
Pública (CIEPs) no Rio de Janeiro e o Programa de Formação Integral da Criança
(PROFIC) em São Paulo bem como os Centros de Atenção Integral a Criança- Caics,
em 90 (PARO, 1988, p.19).
Ainda, na década de 90 aconteceu a experiência de Juiz de Fora em Minas
Gerais com a proposta denominada Educação em Tempo Integral (ETI) e Apucarana no
Paraná onde o projeto de educação integral constituiu-se enquanto política pública
alicerçada no compromisso da sociedade organizada com quatro pactos, primeiro pela
educação, segundo pela responsabilidade social, terceiro pela vida e quarto por uma
cidade saudável (PARO, 1988, p. 19).
Acompanhando as idéias propostas por Paro (1988, p. 19) é oportuno ressaltar,
que o Estado tem força em relação à implantação de políticas públicas, mas é no cerne
261
da sociedade que decorrem as necessidades para que sejam pensadas e efetivadas.
Assim, a demanda por educação integral se incorporou à pauta da política pública da
educação com a finalidade de obter êxitos no atendendo aos direitos da infância e
juventude nas últimas décadas. (BRASIL, 2011, p. 23).
Desse modo, em 2007, com a Portaria Normativa Interministerial nº 17 de 24 de
abril de 2007, o Ministério da Educação institui o Programa Mais Educação visando
fomentar a educação integral das crianças, adolescentes e jovens por meio do apoio a
atividades sócio-educativas no contra turno escolar, iniciado com cinco mil escolas
compostas por escolas estaduais e municipais onde a vulnerabilidade social e o baixo
Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, foram condições primeiras para a
implantação do programa.
OPERACIONALIZAÇÃO DO PROGRAMA MAIS EDUCAÇÃO
O programa Mais Educação, como o próprio nome já diz, tem um significado de
expandir, ampliar, alargar, estender algo que já existe, neste caso à educação. Essa
expansão de saberes toma sentido de aprendizado nos espaços de aprendizado nos
espaços escolares e extra-escolares.
O Programa Mais Educação está alicerçado em bases legais57 elencadas na
Constituição Federal; Decreto Nº 7083/10 (Mais Educação); Estatuto da Criança e do
Adolescente, Lei 10172 - Educação Integral, Lei 9.394/96 – LDB; Lei 11494/07 –
FUNDEB; Lei 11947/09 - PNAE (Mais Educação); Manual da Educação Integral /
PDDE – 2011; Portaria Normativa 17 I e II; Portaria Normativa 19 I e II;
Resolução/CD/FNDE/ Nº 38/09 – PNAE/Mais Educação; Resolução/CD/FNDE/ Nº
67/09 – PNAE/Mais Educação, e Resolução/CD/FNDE/ Nº 20/11.
Esse arcabouço legitima o programa Mais Educação, gerando uma política
indutora de ampliação da jornada escolar, oportunizando aos estados e municípios
condições de organizar a escola para a efetivação da educação integral.
Nessa perspectiva, obedecendo a Resolução nº 20, de seis de maio de 2011 o
governo federal dispõe sobre a destinação de recursos financeiros, nos moldes e sob a
égide da Resolução nº 17, de 19 de abril de 2011, à escolas públicas municipais
estaduais e do Distrito Federal, com vistas a assegurar a realização de atividades de
educação integral de forma a compor a jornada escolar de no mínino, sete horas diárias.
Dessa forma o programa Mais Educação constitui-se em estratégia do governo federal
57Disponível em http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=16701&Itemid=1114, Acesso em 23 de outubro de 2011.
262
para a promoção da educação integral no Brasil contemporâneo. A educação que este
programa quer evidenciar é uma educação que busque superar o processo de
escolarização tão centrado na figura da escola (BRASIL, 2010, p. 34).
Trata-se da construção de uma ação intersetorial entre as políticas públicas
educacionais e sociais, contribuindo, desse modo, tanto para a diminuição das
desigualdades educacionais, quanto para a valorização da diversidade cultural brasileira.
Por isso colocam em diálogo as ações empreendidas pelos Ministérios da Educação –
MEC, da Cultura – MINC, do Esporte – ME, do Meio Ambiente – MMA, do
Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS, da Ciência e da Tecnologia – MCT
e, também da Secretaria Nacional de Juventude e da Assessoria Especial da Presidência
da República, essa última por meio do Programa Escolas-Irmãs, passando a contar com
o apoio do Ministério da Defesa, na possibilidade de expansão dos fundamentos de
educação pública (BRASIL, 2009, p. 24).
Desta forma, o programa Mais Educação é operacionalizado pela Secretaria de
Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD), em parceria com a
Secretaria de Educação Básica (SEB), por meio do Programa Dinheiro Direto na Escola
(PDDE) do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para as escolas
prioritárias.
As atividades fomentadas foram organizadas nos seguintes macrocampos:
•Acompanhamento Pedagógico: matemática, letramento, línguas estrangeiras, ciências,
história e geografia, filosofia e sociologia;
•Meio Ambiente: com-vidas – agenda 21 na escola – educação para sustentabilidade,
horta escolar e/ou comunitária;
•Esporte e Lazer: atletismo, ginástica rítmica, corrida de orientação,ciclismo, tênis de
campo, recreação/lazer, voleibol, basquete, basquete de rua, futebol, futsal, handebol,
tênis de mesa, judô, Karatê, taekwondo,Ioga,natação,xadrez tradicional,xadrez virtual,
programa segundo tempo;
•Direitos Humanos em Educação: direitos humanos e ambiente escolar;
•Cultura e Artes: leitura, banda fanfarra, canto coral, hip hop, danças, teatro, pintura,
grafite, desenho, escultura, percussão, capoeira, flauta doce, cineclube, prática circense,
mosaico;
•Cultura Digital: software educacional,informática e tecnologia da informação,
ambiente de redes sociais;
•Promoção da Saúde: atividades de alimentação escolar saudável, saúde bucal, práticas
corporais e educação do movimento; educação para a saúde sexual, saúde reprodutiva e
263
prevenção das DST/AIDS, prevenção ao uso de álcool, tabaco e outras drogas, saúde
ambiental, promoção da cultura de paz e prevenção em saúde a partir do estudo dos
principais problemas de saúde da região como a dengue, febre amarela, malária,
hanseníase, doença falciforme e outras;
•Educomunicação: jornal escolar, rádio escolar,histórias em quadrinhos,fotografia,
vídeo;
•Investigação no Campo das Ciências da Natureza: laboratório, feiras de ciências e
projetos científicos;
•Educação Econômica: educação econômica e empreendedorismo, controle social e
cidadania.
Nesse contexto, a escola tem autonomia para escolher os macrocampos e as
atividades que melhor se adéquam a realidade e a especificidade local. Na
operacionalização do programa, defini-se o público que será atendido. Alguns critérios58
são observados nesta seleção:
• Estudantes que estão em situação de risco, vulnerabilidade social e sem
assistência;
• Estudantes que congregam seus colegas – incentivadores e líderes positivos
(âncoras);
• Estudantes em defasagem série/idade;
• Estudantes das séries finais da 1ª fase do ensino fundamental (4º / 5º anos), nas
quais há uma maior evasão na transição para a 2ª fase;
• Estudantes das séries finais da 2ª fase do ensino fundamental (8º e/ou 9º anos),
nas quais há um alto índice de abandono;
• Estudantes de séries onde são detectados índices de evasão e/ou repetência.
Assim, a escola articulada com o projeto político pedagógico específico e em
diálogo com sua comunidade, tem referências para definir quantos e quais alunos
participarão das atividades, (BRASIL, 2010, p.13).
Nesse contexto, não há uma definição “fechada” sobre quem pode executar as
atividades dos macrocampos e exercer a função de professor comunitário (BRASIL,
2010, p. 13). As atividades podem ser acompanhadas por estudantes universitários, em
processo de formação específica nos macrocampos e com habilidades reconhecidas pela
comunidade, por estudantes do ensino médio e estudantes do EJA, observando-se a Lei
nº 9.608/1998, que dispõe sobre o serviço voluntário. Aqui reside uma inquietação da
58
Disponível em:ftp://ftp.fnde.gov.br/web/pdde/manual_pdde_2009_escola_integral.pdf Acesso em 27 de dezembro de 2011.
264
pesquisadora, no sentido da qualificação deste ensino. O governo estaria transferindo a
responsabilidade do estado, para a sociedade?
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir do Plano Nacional da Educação – PNE/2011-2021, as discussões das
agências da UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância, da organização civil o
CENPEC- Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária, a
Lei de Diretrizes e Bases Nacionais que norteia as ações educacionais, a temática
educação integral ganha força e consolida-se vagarosamente com iniciativas tímidas em
todo o país. Atualmente em 2011 segundo dados do Ministério da Educação59 existem
15.018 mil escolas públicas atendendo 3.067.644 estudantes em mais de 389 municípios
brasileiros. Esses dados traduzem a idéia de que a educação integral em jornada
ampliada no Brasil é uma política pública em construção e um desafio para os gestores
educacionais, profissionais da área e comunidades. Infere-se que a educação integral
amplia o direito à educação básica dando plus na reinvenção da escola pública
brasileira.
Neste sentido, o programa Mais Educação não vê a educação integral como um
milagre ou como uma mágica para abrir as portas de um mundo onde todos os ideais
serão alcançados, mas sim como um dos principais meios á disposição da sociedade,
para favorecer a criação de uma forma mais profunda e mais harmônica de
desenvolvimento humano e, assim, reduzir a pobreza, a exclusão e a ignorância (MOLL,
2012, p. 130).
È plausível concluir que a escola de tempo integral almeja uma educação que
ultrapasse os termos de contra turno e de atividades complementares. Propõe-se por
meio do programa mais Educação, uma educação gerada com o conceito de
integralidade capaz de conduzir a uma escola contemporânea, ampliando os espaços de
formação do sujeito abarcando as dimensões afetivas, estética, ética, social, cultural,
política e cognitiva.
Existe uma preocupação com ampliação o tempo de permanência das crianças na
escola, em relação à promoção de uma educação de qualidade, uma vez que as crianças
são atendidas no contra turno por pessoas voluntarias, que muitas vezes não possuem
qualificação para desenvolver as atividades do macrocampo.
59Disponível em: HTTP://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=16689&Itemid=1115 Acesso em: 23 de outubro de 2011.
265
Esse questionamento mostra um dos desafios que a escola de tempo integral do
programa Mais Educação enfrenta: um desvirtuamento da essência do programa que é
garantir o direito a mais educação. Segundo Moll et all (2012, p.40), o programa Mais
Educação busca resgatar a infância desprotegida, ameaçada por formas muito indignas
de viver. Evidentemente, isso não significa inferiorizar as classes populares, mas
oportunizá-las reorganizar os tempos espaços do viver a infância e adolescência,
tornando-as mais próximas de um digno e justo viver ao menos na totalidade dos
tempos espaços escolares.
Assim, programa Mais Educação está propondo qualificar a educação integral na
agenda das políticas públicas brasileira. Não obstante possuir pontos positivos, o
programa ainda apresenta fragilidades, o que demanda mais estudos e debates em torno
dos seus conceitos e suas práticas com vistas à obtenção de aperfeiçoamento.
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267
ESCOLA ESPAÇO DE EMANCIPAÇÃO SOCIAL: UMA LEITURA A PARTIR
DE ANTONIO GRAMSCI
Mariclei Przylepa60
Resumo Este trabalho tem como objetivo apreender as políticas educacionais,a partir da década de 1990, e a função da escola dentro da sociedade capitalista. Como, também, evidenciar a concepção de educação em Gramsci e suas proposições para a organização da instituição escolar. Problematiza-se a escola como lócus de reprodução ou emancipação social. Trata-se de um estudo que possui caráter qualitativo, sustentado pela pesquisa bibliográfica. O trabalho inicia discutindo, sucintamente, como são concebidas e materializadas as políticas educacionais a partir da década de 90. Realiza uma, breve, análise do papel da instituição escolar na sociedade capitalista. Explicita as proposições para a organização do espaço escolar sugeridas por Gramsci. Finaliza compreendendo que a escola pode e deve ser um espaço de luta social, de desvelamento das contradições gestada pelo capitalismo, de construção de homens e mulheres que imbuídos de uma consciência crítica e de espírito de luta terão a coragem de buscar construir uma sociedade justa, fraterna e igualitária. Palavras-chave: Políticas educacionais; Gramsci; escola.
Introdução
O presente trabalho tem como objetivo compreender as políticas educacionais, a
partir da década de 1990, e a função da escola dentro da sociedade capitalista.
Evidenciar a concepção de educação em Gramsci e suas proposições para a organização
da instituição escolar. Portanto, é necessário apreender como a educação e,
conseqüentemente, as políticas educacionais vêm sendo gestadas no contexto societal,
60Mestranda em Educação da Universidade Federal da Grande Dourados- MS. Linha de pesquisa: Políticas e Gestão da Educação. E-mail: [email protected]
Revista Eletrônica Pedagogia em Foco, v. 7, setembro de 2012
268
suas significâncias no espaço escolar e na vida dos educandos. Bem como, a concepção
de educação de Gramsci e suas proposições para a instituição escolar.
Para tanto, o estudo inicia discutindo como são concebidas e materializadas as
políticas educacionais a partir da década de 90. Realiza uma, sucinta, análise do papel
da escola na sociedade capitalista. Explicita as proposições para a organização do
espaço escolar sugeridas por Gramsci. Salienta-se que a escolha desse autor decorrer do
entendimento que suas contribuições possibilitam compreender o papel da educação na
sociedade capitalista nos dias atuais, como também mostra a necessidade e as
possibilidades de se construir outra visão de homem, de sociedade e de mundo. Tendo
em vista que seus estudos e suas práticas, sempre, estiveram em defesa do acesso ao
conhecimento pela classe subalterna por acreditar que, assim, essa classe seria capaz do
enfrentamento ao estado de opressão a que estaria submetida pela ordem social.
Estes dois olhares, neoliberalismo e Gramsciano, sobre a educação com cerne no
espaço escolar impulsionaram à seguinte indagação: Como é e como deve ser a escola,
lócus de reprodução do sistema ou lócus de emancipação social?
A elaboração deste estudo é conduzido pela pesquisa qualitativa por entender
que essa pesquisa contribui para uma maior compreensão de um grupo social e de uma
organização por buscar apreender um fenômeno específico em profundidade
considerando a existência de uma relação dinâmica entre realidade e sujeito investigado.
(GOLDENBERG, 1999) Realizou-se, também, uma busca pelo referencial teórico de
autores que já se dedicaram a explorar o objeto de estudo em questão e a obra de
Antônio Gramsci: Os intelectuais e a organização da cultura foi a mais recorrente.
Ressalta-se que o eixo epistemológico que parte de referências teóricas presentes
nos escritos de Gramsci possibilitaram refletir sobre proposições políticas e práticas
libertárias/ emancipatórias de cultura e educação que efetivadas nas instituições
escolares representam uma possibilidade de superação e/ou transformação das relações
sociais capitalistas.
Políticas educacionais a partir da década de 1990
Com a crise do capital, desencadeada no início dos anos 1970, fruto da
combinação das baixas taxas de crescimento com altas taxas de inflação, acúmulo de
inovações tecnológicas no campo da microeletrônica e da informática, o capital vem
buscando formas de se reestruturar, recompor suas bases de acumulação. Nesse sentido,
269
as idéias neoliberais objetivando o desenvolvimento econômico propagaram-se nos
países em desenvolvimento, pelos defensores do neoliberalismo, como alternativa para a
política econômica e social.
De acordo com Lima (2009), a primeira metade do século XX, tem sido
caracterizada como o marco de esforços internacionais no “amparo” ao
desenvolvimento da capacidade produtiva de países periféricos. Esses esforços foram:
Materializados através de organismos internacionais como a ONU (Organização das Nações Unidas) e ramificações em nível de programas e organismos afiliados, do FMI (Fundo Monetário Internacional), do BM (Banco Mundial), do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e da OEA (Organização dos Estados Americanos). (LIMA, 2009, p. 2)
Nesse sentido, nas últimas três décadas o Banco Mundial vem formulando
diretrizes políticas para o setor social e vinculando o financiamento social ao projeto
econômico de ajuste estrutural. O financiamento destinado ao setor social não é
concedido independente dos outros setores, inclusive o setor econômico. Desta forma,
as políticas educacionais são definidas de acordo com a evolução do projeto econômico
do Banco.
Para Lima (2009), a partir da década de 1990 pode-se sentir os significativos
impactos de agências multilaterais nas políticas educacionais brasileiras em meio à
promoção da reestruturação produtiva e a reforma do estado. O Estado brasileiro, a
partir da referida década, se consolida como:
[...] agente regulador da economia, atendendo aos rogos do mercado internacional com forte ênfase na introdução e desenvolvimento de novos padrões da força produtiva e da adequação da força de trabalho. A orientação neoliberal de uma reestruturação produtiva, neste sentido, solicitava a reforma do Estado, projetando, conseqüentemente a tipologia necessária de “cidadão globalizado para a “inclusão social brasileira” das “benfeitorias da relação capital-trabalho enfaticamente valorizado pelos países centrais por meio de suas ideologias em sentido restrito. (LIMA, 2009, p. 2)
Ressalta-se que o neoliberalismo adentra com força, no Brasil, a partir da eleição
do governo de Fernando Collor de Melo, interrompida temporariamente pelo
impeachment e o governo breve de Itamar Franco, mas retomada com toda a força no
governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC).
Evidencia-se que após a Conferência Mundial de Educação para Todos, em
Jomtien,1990, no Brasil, iniciaram-se inúmeros debates e seminários que contribuíram
para formar as bases políticas e ideológicas da educação. Porém, só 1993, no governo
de Itamar Franco, buscou-se a materialização dessas bases. O então Ministro da
270
Educação – Murilo de Avelar Hingel – ao participar da Conferência de Educação para
Todos, na China, em março de 1993, assume o compromisso de apresentar um plano de
educação para o Brasil. Em dezembro de 1993 acontece a Conferência de Cúpula
“Educação para Todos” de Nova Delhi, na Índia, com a participação dos nove países em
desenvolvimento de maior população no mundo, na qual foi apresentado o Plano
Decenal brasileiro (PERONI, 2003, p. 94-96).
Torna-se salutar a afirmação feita por Saviani, quando se refere à formulação do
Plano Decenal, comenta que a formulação foi “[...] mais em função do objetivo
pragmático de atender a condições internacionais de obtenção de financiamento para a
educação, em especial aquele de algum modo ligado ao Banco Mundial do que para
melhoria de fato da educação” (SAVIANI, 1998, p. 80). Tendo o Plano Decenal de
Educação como referência houve inúmeras discussões em Fórum Nacional para traçar
propostas para a educação brasileira que culminou na elaboração da nova Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), exigência colocada pela
Constituição Federal, aprovada em 1988.
Porém, dois projetos para a educação brasileira orientariam essa nova Lei
(LDBEN/96), um organizado e elaborado pela sociedade civil, buscando garantir
qualidade social na escola pública e outra que referendava os ideais da classe dominante
objetivando garantir a acumulação do capital. Segundo Bastos (2005), nessa correlação
de força o projeto que prevaleceu foi o que representava os interesses da classe
dominante, consequentemente, o projeto que garantiu os pressupostos neoliberais de
educação, pautados na economia globalizada.
Portanto, “garantir” os pressupostos neoliberais na educação significa efetivar
políticas educacionais pautadas na reforma do Estado que visa à legitimação da
acumulação do capital e para tanto, tem-se um Estado mínino para as políticas públicas
sociais, e “máximo” para o mercado. Nesse sentido afirma Silva e Gentili (1999), que as
políticas educacionais implementadas pelas administrações neoliberais, notadamente a
partir dos nos de 1990, restringem-se às reformas educacionais que buscam por um lado
estabelecer mecanismo de controle e avaliação da qualidade dos serviços educacionais
promovendo e garantindo a materialização dos princípios meritocráticos e competitivos.
Por outro lado, articula e subordina a produção educacional às necessidades
estabelecidas pelo mercado de trabalho. Sendo o mercado de trabalho orientador das
decisões em matéria de política educacional.
Nesse contexto, entende-se que o Estado neoliberal é mínimo no que se refere ao
financiamento da escola pública e é máximo para definir de forma centralizada o
271
conhecimento oficial dos currículos escolares, quando estabelece mecanismos
verticalizados e antidemocráticos de avaliação do sistema e quando retira autonomia
pedagógica das instituições e dos educadores que passaram a serem vistos como meros
executores das políticas educacionais que objetivam formar mão-de-obra para o
mercado,ou seja, capital humano orientado para a legitimação do status quo.
2. O papel da Escola no Contexto da Sociedade Capitalista: manutenção ou emancipação social?
Partindo do pressuposto que o projeto educacional, em curso, busca garantir os
ideários neoliberais de educação, pautados na economia globalizada, sendo o mercado
de trabalho orientador das decisões em matéria de política educacional, então, pode-se
entender que a educação escolar encontra-se subordinada às necessidades estabelecidas
por esse mercado que visa à acumulação do capital. Sendo assim, a escola estaria a
“serviço” da legitimação da sociedade capitalista.
Ressalta-se que a escola como “aparelho privado de hegemonia”, dentro da
sociedade civil faz parte da superestrutura é uma discussão que já encontrávamos dentro
do Marxismo. Essa prerrogativa é, também, afirmada por Althusser (1980) quando
“denuncia” que a escola faz parte dos “Aparelhos Ideológicos do Estado” (AIEs). O
autor via o Estado como um representante da burguesia, cuja finalidade - através de seus
AIEs - era a de reproduzir a sociedade capitalista. Como os aparelhos ideológicos do
Estado reproduzem as relações de produção então, a escola realiza essa função. Por
meio da aprendizagem, é massivamente inculcada à ideologia da classe dominante com
o objetivo de reproduzir as relações de exploração que caracterizam a sociedade
capitalista, embora esse mecanismo seja camuflado e a escola é apresentada, pela classe
dominante, como um terreno neutro.
Porém, os valores, a moral e os ideários da classe dominante são trabalhados de
maneira simbólica pela escola, ou seja, a escola funciona como mecanismo de
disseminação ideológica, para os dominantes, como afirma Konder:
As necessidades práticas da reprodução, nas condições das sociedades classistas, exigem que exista um aparelho (repressivo) do Estado - compreendendo o governo, a administração, o exército, a polícia, os tribunais, as prisões, etc... - e uma pluralidade de aparelhos ideológicos de Estado (AIE): igreja, escolas, partidos, empresas, famílias, jornais, etc... Enquanto na ação do aparelho (repressivo) do Estado predomina a repressão, na ação dos AIE a repressão é secundária (às vezes bastante atenuada ou até mesmo simbólica) e o que prevalece é a ideologia. (KONDER, 2002, p.121)
272
Partindo deste contexto, evidenciou-se que, objetivando legitimar os
conhecimentos que a classe dominante almeja, o saber produzido pela escola passou por
um processo de minimização, negando seu papel histórico e as práticas pedagógicas
perderam suas concepções políticas, tornando-se, simplesmente, instrumentos
permeados pela racionalidade técnica. Para tanto, foram introduzidos, na instituição
escolar, métodos de trabalho semelhante o desenvolvido na empresa capitalista,
havendo uma divisão do trabalho pedagógico. Ampliando-se, assim, no espaço escolar,
a burocracia e reduzindo a dimensão política na administração escolar. A função social
da escola está, restringida, em preparar o indivíduo para o trabalho que tem significado
sempre preparação para o mercado, com prejuízo da formação humana, ética e política,
ou seja, preparação da mão-de-obra para a acumulação do capital, conforme
“denunciou” e, também, chamou para a “luta,”contrária, Paro (1999):
[...] assim, preparação para o trabalho tem significado sempre preparação para o mercado, com prejuízo de funções mais elevadas da escola. Isso precisa ser combatido de forma veemente, pois trata-se de arrebatar a escola (seus fins e propósitos) das mãos do capital, ou pelo menos fazer o máximo nesse sentido.(PARO, 1999, p. 109)
Nesse sentido, a prática pedagógica do professor pauta-se em uma concepção
“bancária” de educação não contribui, assim, para a compreensão e, nem tampouco,
para a superação das contradições do real que oprime e marginaliza a maioria dos
indivíduos. Tendo em vista que, a educação “bancaria” não compreende o
conhecimento como um processo em construção, mas sim, como uma “mera”
transmissão de saberes. Desta forma, referenda valores e conhecimentos “úteis” para a
manutenção das contradições existentes na sociedade, como se evidencia na fala de
Freire (2005):
Na concepção “bancária” a educação é o ato de depositar, de transferir, de transmitir valores e conhecimentos, não se verifica nem pode verificar-se esta superação. Pelo contrário, refletindo a sociedade opressora, sendo dimensão da “cultura do silêncio”, a “educação” “bancária” mantém e estimula a contradição. (FREIRE, 2005, p. 67)
Sendo assim, não é de estranhar que nesta visão “bancária” da educação, os
homens sejam vistos como seres da adaptação, do ajustamento e não como seres da
transformação. No entanto, para o educador que busca ser agente da transformação
social essa concepção de educação não deve pautar sua prática. Claro que essa
afirmação não nega a dificuldade do educador possuir uma prática dialética e de atuar
273
coerentemente numa estrutura de poder que nega o diálogo, no entanto algo
fundamental a ser feito, segundo Freire (2005), é “dialogar sobre a negação do próprio
diálogo.” (p.71) Para tanto, sua prática necessita ser pautada por uma concepção de
educação que vise à emancipação/libertação dos sujeitos de todo e qualquer sistema que
segrega, exclui e referenda as desigualdades sociais.
Portanto, temos como resultado deste processo, social, uma escola que não
evidencia as contradições sociais, transmite conhecimentos descontextualizados,
fragmentados, a-históricos incapazes de formar uma consciência crítica nos educandos
impossibilitando, assim, a apreensão e compreensão de suas realidades e não
contribuindo para a superação das relações desiguais existentes no contexto social.
Porém, salienta-se que mesmo entendendo que não é a escola que supera as
relações sociais desiguais e de exploração. Marx (1986), já dizia que o núcleo dessas
relações está na forma de produção do trabalho capitalista. No entanto, considera-se o
pensamento de Paro (1986), em que a escola como lócus de formação humana, pode
contribuir de forma significativa para o desvelamento das contradições sociais,
colaborando, assim, para sua superação:
No caso da escola, ela poderá concorrer com sua parcela para a transformação social, na medida em que, como agência especificamente educacional, conseguir promover junto às massas trabalhadoras, a apropriação do saber historicamente acumulado e o desenvolvimento da consciência crítica da realidade em que se encontram. (PARO, 1986, p.113)
Nesse contexto, as reflexões de Gramsci sobre o Estado e a escola são
importantes, pois, constitui a critica a idéia de que a educação e a cultura, estando na
“superestrutura”, são mecanicamente determinadas pela estrutura econômica. O autor
confere à educação e à cultura uma importância que estas jamais desfrutaram no
pensamento socialista, pois, entendia-se que a superação da sociedade capitalista só se
daria através do rompimento com a estrutura econômica. O autor vai além das teorias
dominantes no movimento socialista, em que as idéias não tinham importância, sendo
apenas um produto do domínio do capital.
Para Coutinho (1989), Gramsci diferente de Althusser vê na escola não só um
local de lutas, mas um campo altamente propício e essencial para a transformação. Ele
não nega o caráter reprodutivista da escola, mas, mais do que isto vê nesse processo
contradições:
De acordo com o método dialético, Gramsci vê o movimento social como um campo de alternativas, como uma luta de tendências, cujo desenlance não
274
está assegurado por nenhum ‘determinismo econômico’, de sentido unívoco, mas depende do resultado da luta entre vontades coletivas organizadas. (COUTINHO, 1989, p. 23)
Neste sentido, a escola para Gramsci, é ao mesmo tempo o lócus que reproduz a
sociedade capitalista, mas, também, é o lócus que instrumentaliza o proletariado, através
do acesso à cultura e que possibilita a cada cidadão se tornar um governante.
Para Paro (1986), a concepção de mudança social em Gramsci seria a criação de
um novo sistema hegemônico pautado no trabalho intelectual, na homogeneidade e na
autoconsciência do processo de transformação social.
Nesta direção, a educação escolar apresenta-se como força de transformação
social. A classe proletária deve apropriar-se da ciência, da tecnologia, da filosofia, da
arte e de todas as conquistas culturais realizadas pela humanidade em seu
desenvolvimento histórico. Esse conhecimento apreendido e compreendido pela classe
dominada, “(...) serve como elemento de sua afirmação e emancipação cultural na luta
pela desarticulação do poder capitalista e pela organização de uma nova ordem social.”
(PARO 1986, p.105)
A luta por um novo projeto social constitui-se, para Gramsci, na produção de um
novo Estado que, atuando um novo processo de educação, poderia gerar condições de
uma nova experiência de gestão democrática, não mais enraizada na individualidade
nem na propriedade privada, mas construída por novas relações coletivas de consciência
crítica, a fim de viabilizar possibilidades de transformação e tendo como horizonte a
superação dos processos e mecanismos de dominação e exploração do homem pelo
homem.
2.1. Como seria a escola concebida por Gramsci?
Conhecer um pouco de Gramsci torna-se pertinente para que se possa evidenciar
sua familiaridade com a educação, com a escola e, assim, perceber que suas proposições
advêm de sua experiência política, com viés educativo, e não de uma retórica vazia. Em
22 de janeiro de 1891, nasce em Ales, na Itália, Antonio Gramsci (1891-1937). Além de
jornalista, Gramsci foi um estudioso e militante político, fundador do Partido Comunista
da Itália. Elegeu-se deputado por este partido e, em 1926, foi preso por ordens de
Mussolini, apesar da imunidade parlamentar.
No período em que esteve preso, intensifica seus estudos sobre a situação
política, registrando-os em cadernos e cartas que foram publicados postumamente. Nas
275
cartas, se preocupa com a educação de sua sobrinha Edmea e de seus filhos Delio e
Giuliano. Ressalta que, na prisão com ajuda de seu amigo Bordiga montaram uma
escola tanto para presos políticos como para presos comuns. Nesta escola inicialmente
se estudava as primeiras letras, que eram ensinadas principalmente aos presos comuns.
Havia também um segundo e terceiro curso que abrangiam do terceiro ao quinto
elementar. Depois havia os cursos elementares: dois cursos de francês; um curso de
alemão. Os cursos elementares continham entre outras coisas: gramática, matemática,
história e geografia.
Percebe-se, portanto, a preocupação de Gramsci com a educação e com a escola.
Porém, a escola por ele pensada, que levaria o proletariado a emancipação, vir a ser
governo, não seria volta só para a formação técnica (ensino profissionalizante destinado
à classe subalterna), despolitizada, e a - histórica. Muito pelo contrário, seria uma escola
única, primeiramente, de formação humana (formação intelectual/autônoma) e depois
de atividade social, ele sugere uma escola unitária:
A escola unitária ou de formação humanista (entendido este termo, "humanismo", em sentido amplo e não apenas em sentido tradicional) ou de cultura geral deveria se propor a tarefa de inserir os jovens na atividade social, depois de te-los levado a um certo grau de maturidade e capacidade, à criação intelectual e prática e a uma certa autonomia na orientação e na iniciativa.(GRAMSCI, 1982, p.121)
No entanto, para que a escola unitária fosse materializada Gramsci entendia ser
necessária uma organização na prática da escola, isto é, dos prédios, do material
científico, do corpo docente etc. Para tanto, salienta a necessidade de ampliação do
financiamento para a educação que seria de competência do Estado. Ele ressalta que, o
corpo docente deveria ser aumentado, pois a eficiência da escola é muito maior e
intensa quando a relação entre professor e aluno é menor. Este tipo de escola deveria ser
uma escola-colégio, com dormitórios, refeitórios, bibliotecas especializadas, salas aptas
ao trabalho de seminário etc.
Para Gramsci, a prática pedagógica da escola unitária deveria ensinar as noções
de Estado e de Sociedade, ou seja, as contradições sociais que foram negligenciadas
pela classe dominante, construindo-se, assim, outra concepção de mundo nos educados:
A escola unitária deveria corresponder ao período representado hoje pelas escolas primárias e médias, reorganizadas não somente no que diz respeito ao conteúdo e ao método de ensino, como também no que toca à disposição dos vários graus da carreira escolar. O primeiro grau elementar não deveria ultrapassar três-quatro anos e, ao lado do ensino das primeiras noções “instrumentais “da instrução (ler, escrever, fazer contas, geografia, história),
276
deveria desenvolver notadamente a parte relativa aos “direitos e deveres”, atualmente negligenciadas, isto é, as primeiras noções do Estado e da sociedade, como elementos primordiais de uma nova concepção do mundo que entra em luta contra as concepções determinadas pelos diversos ambientes sociais tradicionais, ou seja, contra as concepções que poderíamos chamar de folclóricas. O problema didático a resolver é o de temperar e fecundar a orientação dogmática que não pode deixar de existir nestes primeiros anos. O resto do curso não deveria durar mais de seis anos, de modo que, aos quinze-dezesseis anos, dever-se-ia poder concluir todos os graus da escola unitária. (GRAMSCI, 1982, p.122)
O autor salienta que a escola unitária, deveria trabalhar coletivamente para a
construção de um conhecimento real, que seria essencial a vida dos educandos, e não de
maneira mecânica e disciplinada, “[...], a escola unitária deveria ser organizada como
colégio, com vida coletiva [...], liberta das atuais formas de disciplina hipócrita e
mecânica, e o estudo deveria ser feito coletivamente [...]”. (GRAMSCI, 1982, p.123.)
Para tanto, o ensino dogmático, que era ensinado pelas escolas, deveria passar para a
fase criadora que possibilitaria o desenvolvimento da autonomia dos sujeitos:
Do ensino quase puramente dogmático, [...] no qual a memória desempenha um grande papel, passa se à fase criadora ou de trabalho autônomo e independente; da escola com disciplina de estudo imposta e controlada autoritariamente passa-se a uma fase de estudo ou de trabalho profissional na qual a autodisciplina intelectual e a autonomia moral são teoricamente ilimitadas. (GRAMSCI, 1982, p.123)
Na escola pensada por Gramsci, ou seja, na escola unitária a última fase
(equivalente ao nosso ensino médio) deveria ser concebida e organizada como fase
decisiva contribuindo tanto para a construção do conhecimento de caráter científico
como para a construção do conhecimento de caráter prático produtivo:
[...] na escola unitária, a última fase deve ser concebida e organizada como a fase decisiva, na qual se tende a criar os valores fundamentais do "humanismo", a autodisciplina intelectual e a autonomia moral necessárias a uma posterior especialização, seja ela de caráter científico (estudos universitários), seja de caráter imediatamente prático produtivo (indústria, burocracia, organização das trocas, etc.) (GRAMSCI, 1982, p.124)
Partindo deste contexto, evidencia-se que a concepção educativa em Gramsci
propõe romper com a fragmentação entre trabalho manual e intelectual não só na escola,
mas em toda a vida social. Nesse sentido, os subalternos que antes ficavam só como o
ensino profissionalizante, voltado para o setor produtivo, passariam a ter acesso ao
conhecimento intelectual, político e crítico que os levariam a apreensão e compreensão
277
das contradições sociais, como também, os “instrumentalizariam” na luta pela superação
da hegemonia dominante.
2.1.1 O princípio educativo em Gramsci
A concepção de educação em Gramsci, assim como em Marx, concebe que o
ensino é indissociável do trabalho. Para ele o trabalho “é a forma própria através da qual
o homem participa ativamente na vida da natureza, visando transformá-la e socializá-la
cada vez mais profunda e extensamente”. (GRAMSCI, 1982, p. 130)
O trabalho torna-se, em Gramsci, o princípio educativo. Enquanto para Marx o
ponto de partido seria a fábrica para ele seria a cultura trabalhada pela escola. A escola
deveria introduzir as crianças no estudo das ciências naturais e nas ciências sociais, pois
assim, elas teriam uma visão histórica - dialética do mundo e valorizariam os esforços
humanos do passado para a construção do presente e futuro:
O conceito do equilíbrio entre ordem social e ordem natural sobre o fundamento do trabalho, da atividade teórico-prática do homem, cria os primeiros elementos de uma intuição do mundo liberta de toda magia ou bruxaria, e fornece o ponto de partida para o posterior desenvolvimento de uma concepção histórico-dialética do mundo, para a compreensão do movimento e do devenir, para a valorização da soma de esforços e de sacrifícios que o presente custou ao passado e que o futuro custa ao presente, para as gerações passadas, que se projeta no futuro concepção da atualidade como síntese do passado, de todas as gerações passadas, que se projeta no futuro. (GRAMSCI, 1982, p.130-131)
Porém, para que a escola ensinasse de forma dialética, aos educandos a ver o
mundo, estabelecendo um nexo entre instrução-educação, o trabalho do professor
deveria ser vivo e não mecânico. O mestre deveria ter consciência da importância de seu
trabalho na formação humana e conhecer a realidade social e cultural de seus alunos
para que o seu ensino não fosse uma mera retórica, sem sentido e sem validade para a
vida dos alunos. Gramsci chama a atenção que os professores medíocres podem instruir
os alunos, mas, não os fará cultos. O autor ressalta que, para uma participação ativa dos
alunos na escola, ela necessita estar ligada a vida e os programas dos professores devem
estar voltados para essa finalidade, com também, para a priorização da dimensão
interpretativa em detrimento da memorização mecânica que não contribui para o
desenvolvimento da autonomia intelectual dos sujeitos.
278
Gramsci é, radicalmente, contra o dualismo escolar existente na sociedade, ou
seja, escola profissionalizante para o povo e escola social/política (intelectual) para a
elite, tal situação só tende a reforçar as desigualdades sociais e a perpetuar a elite no
poder. Para superar essa situação o autor enfatiza a necessidade de uma escola unitária
(única):
A escola tradicional era oligárquica, pois era destinada à nova geração dos grupos dirigentes, destinada por sua vez a tornar-se dirigente: mas não era oligárquica pelo seu modo de ensino. Não é a aquisição de capacidades diretivas, não é a tendência a formar homens superiores que dá a marca social de um tipo de escola. A marca social ê dada pelo fato de que cada grupo social tem um tipo de escola próprio, destinado a perpetuar nestes grupos uma determinada função tradicional, diretiva ou instrumental.Se se quer destruir esta trama, portanto deve-se evitar a multiplicação e graduação dos tipos de escola profissional, criando-se, ao contrário, um tipo único de escola preparatória (elementar-média) que conduza o jovem até os umbrais da escolha profissional, formando-o entrementes como pessoa capaz de pensar, de estudar, de dirigir ou de controlar quem dirige. (GRAMSCI, 1982, p.136)
Para o autor, as pessoas precisariam compreender que estudo é trabalho,
portanto, é fatigante, exige esforço intelectual e disciplina. Para ele a emancipação
humana advém de intelectuais orgânicos compromissados com o materialismo dialético
e com a superação do trabalho alienado que, isso, só seria possível através de muito
trabalho intelectual.
Gramsci, parte da premissa que uma transformação social só advém se precedida
de uma “reforma intelectual e moral”. Para ele, é preciso ter, primeiramente, a “direção
intelectual e moral” para então, ai se poder dominar. Acreditava que todo o ser humano
possui, em seu interior, um intelectual “adormecido” em seu senso comum, mas, através
do trabalho intelectual crítico, realizado pela escola unitária, esse intelectual deixaria o
senso comum e passaria ao bom senso, (conjunto de pensamentos organizados,
coerentes e críticos) e assim, ter-se-ia um intelectual orgânico, capaz de agir
dialeticamente no mundo para transformá-lo.
Partindo deste contexto, entende-se que Gramsci acreditava na força
transformadora da escola, idealizada, por ele, como escola unitária. O autor não
acreditava em uma escola que estivesse a “serviço” do mercado capitalista e que fosse
passiva, acrítica, descontextualizada e fragmentada do real, despolitizada e com
predominância da racionalidade técnica sob a formação humana, como é concebida e
materializada, pelo neoliberalismo, a escola de hoje (século XXI), salienta-se que,
segundo uma compreensão gramsciana de educação, essa escola não leva a
emancipação social, muito, pelo contrário só serve para a reprodução do sistema.
279
Considerações
Para Aranda (2009), a política educacional implica ações, projetos, programas
que concretizam momentos históricos numa dada sociedade e a forma/modo de
participação dos sujeitos em cada um desses momentos demonstram a concepção de
sociedade, ser humano e educação presente. Concepção esta que pode afastar ou
aproximar os movimentos em direção a uma era revolucionária, progressista, crítica,
inovadora.
Nesse sentido, evidenciou-se que no Brasil a partir da década de 90,
particularmente, as políticas sociais e entre elas as políticas educacionais, foram
concebidas e materializadas de acordo com os ideários neoliberais que privilegiam a
acumulação do capital e legitimam o sistema social.
Portanto, a educação a “serviço” da ordem vigente pautada na racionalidade
técnica em detrimento da formação humana. Nessa direção, a escola prioriza um ensino
técnico, despolitizado, acrítico e descontextualizado do real tornando assim, os
educandos, meros expectadores da historia. A função social da escola volta-se para o
mercado de trabalho e não para a formação de intelectuais orgânicos. Resultado disso
tem-se uma escola que reproduz o sistema capitalista e todas as suas mazelas.
Entendendo que é possível e necessário conceber a educação e, conseqüente, a
escola de outra forma, capaz de contribuir para a emancipação dos sujeitos e não para
sua exploração e dominação, buscou-se compreender as idéias e as proposições de
Gramsci já que ele acreditava na instituição escola como lócus de emancipação humana
e defendia uma sociedade sem exploração e dominação.
Gramsci, por acreditar na força transformadora da escola propôs a escola
unitária. Uma escola que trabalhasse a dimensão humana e técnica dos sujeitos,
formando-os e os instrumentalizado nas ciências naturais e sociais. O ensino
trabalhando por essa escola formaria os intelectuais orgânicos que seriam capazes de
conceber dialeticamente o mundo e suas contradições e poderiam, assim, transformar a
sociedade.
Portanto, acredita-se que o pensamento de Gramsci, em relação à educação e a
ação humana na sociedade, podem ser “apreendidos” na fala de Paulo Freire, um
educador que, também, acreditava na força transformadora dos sujeitos e da educação:
“A existência humana, não pode ser muda, silenciosa, [...]. Existir, humanamente, é
280
pronunciar o mundo, é modificá-lo. [...]. Não é no silêncio que os homens se fazem,
mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão”. (FREIRE, 2005, p. 78).
Ao término, deste trabalho e buscando responder a problematização inicial:
Como é e como deve ser a escola, lócus de reprodução do sistema ou lócus de
emancipação social? Evidenciou-se que a escola do século XXI, assim como está
concebida e materializada, é lócus de reprodução do sistema capitalista, porém, a partir
dos apontamentos de Gramsci, entende-se que a escola pode e deve ser um espaço de
luta social, de desvelamento das contradições gestada pelo capitalismo, e de construção
de homens e mulheres que imbuídos de uma consciência crítica e de espírito de luta
tenham a coragem de buscar construir uma sociedade justa, fraterna e igualitária.
Referências bibliográficas
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O CONHECIMENTO SOBRE DIREITOS HUMANOS NA COMUNIDADE ESCOLAR
Adneia de Souza Leite Ribeiro61
Léo Huber62
Resumo
Este artigo realizado como parte dos trabalhos de conclusão do Curso de Pedagogia da Faculdade Aldete Maria Alves (FAMA) estuda como está o conhecimento sobre Direitos Humanos entre alunos, pais e professores nas escolas. Para sua realização foram colhidos depoimentos sobre questões consideradas relevantes e cujos resultados são apresentados e analisados ao longo deste estudo. Os depoimentos foram gravados transcritos e são citados literalmente ao longo do texto. Os depoentes são todos da região de Iturama/MG e a pesquisa de ateve a esta região. Destacamos que o estudo aponta para uma carência de conhecimento sobre Direitos Humanos, nos três segmentos pesquisados. Embora seja especialmente na escola que os alunos dizem ter aprendido sobre seus direitos, verificou-se que o espaço para este tema no cotidiano escolar é insuficiente, segundo o entendimento dos professores, que também deixaram transparecer dificuldade de domínio do assunto Direitos Humanos.
Palavras-chave: Direitos Humanos. Escola. Professores.
INTRODUÇÃO
Por considerar a Declaração dos Direitos Humanos uma boa plataforma de
direitos que podem e devem ser cumpridos em uma sociedade, e sempre que isto não
ocorre cabe aos cidadãos pleitear seu cumprimento, resolvemos desenvolver esta
pesquisa para ter uma indicação do quanto os direitos humanos são conhecidos no
61 Adneia de Souza Leite Ribeiro. Pedagoga, especialista em Psicopedagogia. 62 Léo Huber. Mestre em História Social é docente da FAMA/Iturama-MG e UNIJLAES/Jales-SP
Revista Eletrônica Pedagogia em Foco, v. 7, setembro de 2012
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universo escolar. A pesquisa foi realizada na região de Iturama/MG e envolveu alunos
do ensino fundamental, mães de alunos e professoras. A escolha dos depoentes ocorreu
de forma aleatória e suas narrativas foram gravadas e transcritas antes da elaboração
deste artigo. Os recortes dos depoimentos usados na produção deste trabalho foram
realizados considerados a relevância dentro do contexto da pesquisa. A citação dos
depoimentos procura reproduzir da forma mais fiel possível as falas registradas, para
serem interpretadas e analisadas logo a seguir.
Na pesquisa foram colhidas informações com cinco alunos com idade de dez
anos, estudantes do quarto ano do Ensino Fundamental. Foram ouvidas três mães sendo
duas delas donas de casa e uma assistente social. Pesquisamos também três professoras.
Uma delas é professora na Educação Infantil dois e no quarto ano do Ensino
Fundamental. A segunda professora pesquisada ministra aulas no quinto ano do Ensino
Fundamental e a terceira professora leciona português e inglês em todos os anos do
segundo ciclo do Ensino Fundamental e Ensino Médio.
A pesquisa focava especialmente investigar qual o grau de conhecimento se tem
sobre Direitos Humanos na comunidade escolar, quais Direitos Humanos elas
conhecem; se os Direitos Humanos são bons ou são ruins; qual Direito Humano ou
quais Direitos Humanos consideram mais importante.
Quando falamos em Direitos Humanos nos referimos ao que diz Soares (1998, p.
5), “[...] direitos humanos são universais no sentido de que aquilo que é considerado um
direito humano no Brasil também deverá sê-lo com o mesmo nível de exigência, de
respeitabilidade e de garantia em qualquer país do mundo (...)”. Direitos humanos
universais, como próprio nome diz, representam um direito de todas as pessoas em
qualquer lugar do mundo e que visam garantir uma vida humana digna. Entendemos
também que a escola deve ter um compromisso especial em ensinar sobre os Direitos
Humanos como forma de contribuir para a formação de um sujeito social crítico,
consciente, em condições de exercer a cidadania.
Os depoimentos foram colhidos em horário previamente agendado de acordo
com a disponibilidade de tempo do pesquisado.
DESENVOLVIMENTO
A primeira questão colocada para os depoentes foi sobre qual era o grau de
conhecimento sobre os direitos humanos e o que conheciam sobre estes direitos.As
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respostas obtidas dos cinco alunos do quarto ano do Ensino Fundamental foram as
seguintes:
“Ah, de jogar bola, de brincar, de ir pra escola, só”.
“Eu, eu sou criança, e criança tem direitos de muitas coisas. Criança tem direito
de brincar, tem direito de estudar, tem direito de dormir, tem direito de tudo”.
Olha, eu não sei quase nada, mais eu sei que a gente tem direito de comê, de bebê, e o que mais memo? Ah tamém di estuda né, porque minha mãe falou que a gente tem que aproveitá estuda porque é um direito nosso, que ela não teve jeito de ir pra escola porque ela era pobre e tinha que trabaia e não tinha dinheiro pra compra caderno, livro, porque não era igual hoje que a gente ganha.
“Direitos Humanos é o direito de ter comida, educação, lazer e direito de ter
liberdade”.
“Eu conheço. Ah eu não sei muita coisa, mas as crianças têm direito de ir pra
escola, de estuda né, ah deixa eu ver, no outro ano a tia falou que as crianças tem os
direitos da criança e ela falou que as crianças tem que estudá, mas as crianças tem que
brinca”.
Dos depoimentos podemos destacar que os alunos conhecem o mínimo dos
direitos que tem. Vale ressaltar que todos os depoentes relataram que tem direito de
estudar, ou seja, a educação e podemos observar o valor que as crianças dão ao direito
de ter educação escolar. Destaca-se o terceiro depoimento que fala que a mãe diz que
tem que aproveitar estudar porque na época em que ela foi criança era muito difícil ir
pra escola. Que sua mãe não teve oportunidade de estudar porque tinha que trabalhar e
mesmo trabalhando não tinha condições de freqüentar uma escola, de comprar livros,
caderno, enfim o material necessário exigido pela escola.
Percebe-se que a mãe do depoente viveu em uma época em que os direitos da
criança ainda não eram tão reconhecidos. Época em que apenas algumas pessoas
podiam estudar. Hoje as pessoas conhecem um pouco mais os direitos especialmente o
direito a educação, até porque os pais têm a obrigação de mandar seus filhos para a
escola.
Das três mães pesquisadas as respostas obtidas foram as que seguem:
“Uai, conheço várias coisas, por exemplo, sobre o racismo que não pode falá
alguém que seje de cor, não pode falá que a pessoa é negra, as ofensas, muitas coisas,
que no momento eu não tô lembrano mais, mais muitas coisas”.
285
Eu sei que nós temos muitos direitos, mas é difícil falar sobre isso. Eu sei que pelo menos dizem que todo mundo tem direito de ter casa pra morar, porque ninguém pode morar debaixo da ponte, nas ruas, mas tem muita gente que não tem onde morar. Ah, precisamos ter segurança, educação. Com certeza tem muito mais direito.
“Direitos Humanos é tudo que as pessoas têm direito para viver bem, com
dignidade como saúde, alimentação, educação, moradia, tudo isso e de boa qualidade”.
Observa-se que as depoentes têm conhecimento parcial sobre os direitos que tem
como ser humano, mas sabem dos direitos mais comuns na mídia ou pelas pessoas da
própria sociedade onde convivem. E entre eles estão alimentação, moradia, saúde e
educação. Mas não conseguem sair deste básico e desconhecem outros direitos também
essenciais para a sobrevivência digna do indivíduo. Sabendo que duas as depoentes tem
pouca educação escolar pode-se intuir que uma maior escolaridade influi no
conhecimento sobre Direitos Humanos. Como podemos verificar a terceira mãe
depoente possui curso superior e conseguiu uma resposta melhor.
A questão também foi colocada para as professoras que responderam o que
segue:
“Direitos Humanos? Ah não tenho muito, muito conhecimento não, mas o
suficiente pra defender o que preciso saber. O importante é defender meus direitos.
Direito a saúde, a boa alimentação. A educação é o principal né e a vida digna, direito a
vida digna, respeito, é isso”.
“Eu sei que o cidadão ele tem direito a moradia, né, ter uma casa própria, tem
direito a saúde, tem direito a escola”.
“São direitos garantidos pela constituição, direito de ir e vir, direito a escola, à
saúde, ao lazer, ter segurança, etc”.
Vale ressaltar que mesmo as professoras que tem um maior grau de instrução, se
comparada com quase todos os depoimentos, pode-se notar que seu conhecimento sobre
Direitos Humanos é deficitário. Considerando o que foi relatado pelos depoentes alunos
e as depoentes mães, as professoras não conseguiram se expressar melhor que os
anteriores sobre os Direitos Humanos. Uma análise mais crítica poderia até entender
que as professoras desconhecem mais os Direitos Humanos.
Apenas uma professora depoente falou que Direitos Humanos são os direitos
garantidos pela constituição, o que não é propriamente o que define direito humano,
pois uma constituição pode não atender ao que foi contemplado na Declaração
Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU). É verdade
286
que em cada país busca-se confirmar esta declaração na sua legislação constitucional e
ordinária.
Outro depoimento de professora não se intimida em dizer que não tem muito
conhecimento sobre o assunto abordado, mas relata que o que sabe é o suficiente para
defender os seus direitos. Como isto é possível se desconhece os Direitos Humanos?
Certamente tal realidade é de alarmar, pois é na escola que os Direitos Humanos
precisam também ser ensinados.
Podemos deduzir dos depoimentos que as professoras têm dificuldades para falar
sobre Direitos Humanos, e, de uma maneira genérica, enumeram o que é primordial
para a sobrevivência com um mínimo de dignidade do ser humano como alimentação,
saúde, moradia e educação.
A segunda questão colocada para os depoentes foi sobre o que mais conseguiam
lembrar que o ser humano tem direito, ao que responderam o seguinte:
Ah são muitas coisas. Ah! Eu tenho direito há muitas coisas. Eu tenho direito de ter roupa pra vestir, de ter um lugar pra dormir! Mais alguma coisa? Ah! Deixa eu ver Ah eu acho que nóis é tudo igual, todo mundo tem o mesmo direito, mas tem gente, criança que num tem o que come, num tem roupa, num tem casa, tem gente que mora até dibaixo da ponte que eu já vi passa na televisão, gente passano fome, que num vai pra escola. Ah e ainda tem muito preconceito. Tem gente na escola que só porque o outro é de cor, assim preto sabe tem preconceito. Preconceito com as pessoas que são gordas, com os pobres, com as pessoas negras! Tem muito preconceito hoje, preconceito que fica xingano o outro porque é gordinho, fica xingano o outro porque é negro!
“Ah sei lá. Será que a gente tem direito de escoiê o que a gente qué fazê, o que a
gente qué aprendê”.
“Os direitos dos idosos. Viche, o que mais heim. Ah eu não sei o que mais a
criança, as pessoa tem direito”.
Na lembrança sobre outros Direitos Humanos as crianças não conseguiram
lembrar muito mais do que já havia dito, mas cabe destacar o apontamento de que
somos todos iguais, temos os mesmos direitos, porém, que tem gente morando debaixo
das pontes porque não tem casa, tem pessoas passando fome, criança que não vão para a
escola. Chama a atenção a força do relato sobre a existência de muitos preconceitos na
escola onde crianças falam mal das outras porque é gordo, negro, pobre. O depoimento
não consegue citar o respeito como direito, mas indica que se há preconceito está
faltando respeito, um direito de todos.
Outro depoimento tem dúvidas se a liberdade de escolha é um direito. Podemos
deduzir que essa criança já deve ter ouvido falar, mas não tem certeza se pode ou não
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escolher e deduzimos que ela não vê que as pessoas tenham e nem que ela tem o direito
de liberdade de escolha.
Sobre o mesmo assunto, as mães as depoentes relataram que:
“Muitas coisas (pensando)! Aaah, eu tenho direito de moradia, de comida, senão que jeito que nois vai viver, não é? E eu sei que todas criança tem direito de estudá, direito de educação. Que hoje em dia as criança tem que ir pra escola. E é muito importante as criança estuda porque se estudar, se tivé educação a pessoa faz tudo o que quisé. Só o fato de tê educação ocê já tem o conhecimento dos otro direito que ocê tem e aí já tá meio caminho andado”.
“Ah já ouvi falar também que nós temos direito de ser tratado todo mundo
igual”.
“Nós temos direito de igualdade, liberdade, segurança, de ser respeitado. O ser
humano tem muitos direitos, mas é difícil lembrar assim de repente o direito das
crianças”.
Dos depoimentos deduzimos que a alimentação e moradia são importantes, mas
a educação foi citadocomo direito considerado imprescindível para o desenvolvimento
do ser humano. Podemos notar nos depoentes que aqueles que não tiveram oportunidade
de freqüentar a escola por muito tempo são os que mais valorizam esse direito. Querem
que os filhos tenham o direito a escolarização, adquirir conhecimentos para ter um
futuro melhor. No relato aparece com força a convicção de que tendo educação o sujeito
consegue mais, porque quem freqüenta a escolaconhece mais e,por isso mesmo, tem
melhores condições de ter seus direitos respeitados.
Sobre o assunto as professoras responderam que:
“Ah deixa eu ver. Direito a moradia, falei tudo não falei”?
“Nós temos direito de comer, né, alimentação e tenho direito de liberdade direito
de ir e vir”.
“Direito de formar família, adotar criança, de propriedade, de ter uma cidade
limpa e organizada, ser solidário, escolher sua profissão e mudá-la se preciso for,
direitos trabalhistas”.
Nos depoimentos transparece que mesmo os que têm maior escolarização não
conseguem lembrar muitos outros direitos além dos básicos já citados. Somente a
terceira depoente consegue avançar mais e enumerar direitos ainda não lembrados.
Na questão seguinte questionou-se os três grupos de depoentes sobre onde
aprenderam ou ouviram falar sobre os direitos humanos.
Os alunos responderam que:
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Aprendi na escola. No meu caderno tem os direitos de todos os alunos e os deveres. E a minha professora explica quando alguém briga, quando alguém faz coisa errada ela explica sobre direitos humanos. As pessoas que chama os outro de apelido ela fala que comete o bulling, porque chama o outro de gorducho, de baleia, de magrelo. Os direitos é bem mais fácil de aprender. Eu aprendi que as criança tem direito de alimentação na escola, tem direito de estudar e de brincar.
Eu, eu já ouvi fala na televisão, mas eu tamém escutei na escola. A minha professora um dia falou isso, que a gente tem direito de estudá, que a escola tem que dá a comida na hora do recreio, que a gente não pode trabaiá, mas só se for serviço que dá doença, que faz a gente ficá doente ou então que num tem jeito da gente estudá, mas que a gente pode trabaiá em casa ajudar nossa mãe, nosso pai, assim, lavá vazia, arrumar cama, ajuda limpa a casa.
“Eu lembro que a tia falou, a tia, a professora da escola”.
“Sei lá, eu sei que eu já ouvi falar essas coisas deve ser na televisão. Não sei,
não lembro”.
Observa-se que a lembrança mais forte dos alunos é que foi especialmente na
escola que aprenderam sobre Direitos Humanos. O depoente três relata ter ouvido na
escola e na televisão e aprendeu ter o direito de estudar, ter merenda escolar, que
criança não pode trabalhar, contudo pode ajudar em casa nas tarefas do lar. Que criança
não pode executar tarefas que prejudiquem sua saúde ou que lhe tirem as condições de
estudar, porém, pode sim ajudar nas atividades de casa. O alunos em suas repostas
evidenciam a força e importância da escola tratar da questão dos direitos humanos, pois,
é este especialmente, ou mesmo o único, espaço onde a questão pode ser bem trabalhada
e marca a consciência dos alunos. Assim entendemos ser a escola um espaço para
ensinar esse conteúdo de forma que todas as crianças consigam aprender e valorizar
seus direitos.
Das mães foram obtidas as seguintes respostas:
“A gente escuta falar na televisão que as criança tem direito de estuda, de ir pra
escola. Fala muita coisa, mas a gente não lembra”.
“Olha a gente escuta falar na televisão, nos jornal, eu já li numa revista. Lá tava
escrito muita coisa, mais é que a gente não lembra. Às vez a gente lê mais não dá muita
importância porque não adianta porque isso fica mais é só no papel”.
“Eu ouço falar na televisão, li em jornais, mas onde eu aprendi muito sobre os
direitos foi na faculdade, foi um trabalho que fiz”.
Se os alunos apontaram especialmente a escola como espaço onde aprenderam
sobre Direitos Humanos, as mães destacam especialmente a televisão. Um depoimento
aponta que além de ter visto na televisão leu em jornais, revistas, porém não põe muita
289
confiança no que houve ou lê, pois isto só fica no papel. Sua afirmativa certamente tem
a ver com sua experiência de vida na qual deve constatar que estes direitos não são
aplicados efetivamente. Uma mãe que cursou a graduação tem uma percepção
diferenciada dos direitos, especialmente por seus trabalhos elaborados na faculdade, o
que aponta novamente para a importância deste assunto ser tratado com eficiência no
meio escolar.
Os professores responderam o seguinte:
“Geralmente a gente vê em livros, revistas, jornais, televisão, é onde eu vejo”.
Ah, eu já li alguma coisa sobre, vejo na televisão, já ouvi no rádio e a gente as vezes ouve pessoas comentando, falando assim quando as pessoas vê alguém abandonado nas ruas comenta que onde é que tá as pessoas que toma conta desse país que não vê isso. Nossos governantes que não dá jeito de ajudar essas pessoas pra ter pelo menos uma casa pra morar, mas as pessoas falam muito pouco sobre direitos humanos. Eu mesma você não viu que eu quase não consegui falar nada.
“Eu já vi na TV, rádio, jornal, revistas e livros”.
Vale ressaltar que nenhum dos depoentes conheceu estes direitos a partir da
constituição. Isso indica que não há interesse por parte do sujeito social e mesmo dos
professores em conhecer o que está escrito na constituição.. O que mais me chamou a
atenção é que todos os depoentes disseram que viram na televisão e isso me permite
entender que as pessoas estão valorizando muito a televisão e pouca importância aos
livros, embora citem também os livros.
A quarta questão colocada para os depoentes foi se esses direitos estão sendo
respeitados. As respostas obtidas dos alunos foram as seguintes:
“Olha eu não sei. Pelo menos no meu país eu conheço algumas pessoas que os
respeitam, mas tem outras que não”.
“Ah num sei, mas acho que sim porque eu tenho comida, eu estudo. Ah e na
escola, lá dá comida pra gente, quase todo dia a comida é gostosa. Aqui onde a gente
mora eu acho que tá respeitano sim”.
“Não tá não. Tem muitos que não tem o que comê, não tem onde morá, que vive
nas ruas”.
“Ih, não sei não, mas é capaz que não, porque a tia falou que as crianças nem
pode brincar porque não tem lugar”.
Embora os depoimentos indiquem a impressão de cumprimento dos direitos da
parte de alguns e chegam a dar exemplo, outros depoimentos são bastante contundentes
em afirmar que falta o cumprimento dos Direitos Humanos pelo menos na sua
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totalidade e para todas as pessoas e aponta exemplos que há gente para quem falta
comida, moradia e local para as crianças brincarem.
Das mães foram obtidas as seguintes respostas:
“Oia, pra mim num tá faltano comida. Eu tenho minha casinha pra mora.
Minhas fia tá estudano. Então eu acho que tá respeitano sim”.
Ih, que jeito se tem tanta gente passano fome, sem ter onde morar. Segurança então nem se fala. Aqui onde a gente mora até não tem tanto isso, mas nas cidade mais grande a gente vê na televisão gente que mora debaixo das pontes, dos viadutos, naqueles barraquim nas beira das rodovia, sem ter comida, muitos vivem doentes e as autoridades não estão nem aí. Muitas crianças que vivem nessa situação não vão nem pra escola, então eu acho que para alguns até tão sendo respeitados, mais para a maioria que são os pobres não ta sendo não.
Não. Tem tantas pessoas que não tem onde morar, não tem alimentação boa, não tem acesso a escola. Tem muitas crianças que não tem oportunidade de ir pra escola, e hoje em dia quem não tem estudo pelo menos o ensino fundamental fica difícil conseguir emprego, que hoje em dia as empresas não tão querendo contratar pessoas que não estudaram e aí aonde fica o respeito do direito de trabalho? Então as pessoas têm que estudar pra aprender a cobrar das autoridades competentes os direitos que tem porque só assim mudará a cara desse país.
Vale ressaltar que das mães depoentes apenas a primeira fala que os direitos
estão sendo respeitados, embora perceba a falta de comida. Os outros depoentes têm
uma visão diferente. Demonstrando segurança, afirmaram que os Direitos Humanos não
estão sendo respeitados porque tem muita gente que não tem casa, comida, educação,
saúde e que o desrespeito dos direitos é principalmente com a população de menor
poder aquisitivo.
Dos professores foram obtidas as respostas seguintes:
“Não, não tá não, há muito abuso de poder, então eu acho que não ta sendo não,
ta faltando muito pra ser consolidado, uma coisa bem feita”.
Eu particularmente acho que não, mas pode ser que tem pessoas que acha que sim, que estão sendo respeitados. Pra mim precisa mudar muita coisa principalmente na área da educação. Precisamos ter uma educação de qualidade onde os alunos possam prender melhor. E não estão sendo respeitados principalmente também na área da saúde, a calamidade que tá né. Talvez nas cidades pequenas as vezes até tem falta de remédio, mas o médico está ali pra todos, mas a gente vê muito nas cidades grande o tanto que as pessoas doentes sofre nas portas dos hospitais, as vezes chega até morrer nos corredores esperando um socorro e atendimento adequado.
“Acredito que sim. Às vezes se ouve falar que os direitos não estão sendo
respeitados, mas deveria ser. Um exemplo disso é quando os políticos recebem os
impostos e não organiza a cidade, não oferece saúde, educação”.
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Embora a última depoente acredite que os direitos estejam sendo respeitados, ela
relata também que ouve falar que não estão sendo respeitados e cita como exemplo
quando os governantes não utilizam bem o dinheiro público, não oferecem atendimento
na saúde e educação de qualidade. Outra depoente se refere ao abuso de poder. Assim
entendemos que muitos dos sujeitos eleitos pelo povo e responsáveis em fazer cumprir a
lei não o fazem. Em função disso é comum ver sujeitos passando fome, morrerem por
falta de atendimento médico, morar em barracos, debaixo das pontes e viadutos, não ter
escolas de qualidade.
A quinta questão perguntava se os Direitos Humanos são bons ou prejudicam a
sociedade. As respostas obtidas dos alunos foram as seguintes:
“É bom. Já pensou tia se eu num tivesse a minha casa, num tivesse o que come.
Ah e se eu num tivesse minha caminha pra dormir, credo dormir no chão debaixo da
ponte é ruim. Tem gente que cata comida no lixo, pra mim direitos humanos é bom”.
“Ai, ai. Uai é bom né, é bom porque ajuda as pessoa”. “É bom, mas tem hora
que não é não. Tem hora que esse povo fica brigano por causa desses direito”.
“É bom né, porque a gente precisa tê comida, estudá né, senão como é que a
gente ia vive”?
Conforme apontam os depoentes, Direitos Humanos são de suma importância.
Uma resposta afirma que às vezes as pessoas brigam para ter seus direitos respeitados.
Podemos deduzir que esse aluno deve ter visto ou ouvido falar em reivindicações que
podem geram discussões e até conflitos mais violentos porque quererem seus direitos
atendidos. As manifestações citadas são para reivindicar algo que a sociedade necessita
e é para o bem da comunidade.
Das mães foram obtidas as seguintes respostas:
“Ah, tudo isso que fala que é direitos dos humanos, mais eu acho que é difícil
eles fazer isso porque eles tão numa boa.... Hmm, eles só querem ficar de boa e não ta
nem aí com ninguém”.
“É muito bom, mais precisava o povo aprendê, conhecê pra respeitá os direitos
que a gente tem”.
“É bom, claro que é bom. Não precisa nem ser uma pessoa entendida pra saber
que é muito bom. Existindo leis que dita esses direitos já não são respeitados como
deveria ser, imagina se não existisse. Os direitos humanos são bons, mas seria melhor se
fossem melhor respeitados”.
Todos os depoentes disseram que é bom. E alguns indagram de como seria a
situação se não existissem esses direitos. Dois depoimentos chamam atenção para “eles”
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ou “o povo” que no conjunto do depoimento permite intuir que se referem às
autoridades públicas como não comprometidas com o cumprimento dos Direitos
Humanos ou como quem não se preocupa em fazer estes direitos atingir a todos.
Chamam a atenção para o fato destas autoridades viverem bem e que por isso não se
preocupam com aqueles que não tem suas direitos respeitados. Outro depoimento
ressalta que não precisa ser sujeito instruído para saber que os Direitos Humanos são
bons, porém precisam ser melhor respeitados.
Os professores responderam o seguinte:
“É bom, mas precisa mudar muita coisa para que sejam realmente respeitados
esses direitos”.
“Os direitos humanos são muito bons só precisa as pessoas e principalmente os
governantes aprender a respeitar esses direitos e tentar fazer alguma coisa pra que isso
exista de verdade e não fique só no papel”.
“São bons desde que não extrapole os direitos do outro”.
Dos depoimentos deduzimos que também no entendimento dos professores os
Direitos Humanos são bons, mas que precisa mudar muita coisa pra que sejam
realmente respeitados. Observamos aqui, como ocorreu no entendimento das mães, um
sentimento de falta de compromisso das autoridades em estender os direitos a todos.
A sexta questão da pesquisa foi qual direito consideram mais importante.
Dos alunos foram obtidas as seguintes respostas:
“Pra mim é o direito de tê casa e a comida, mas também tem que i pra escola e
brinca”.
“Deve sê o de tê comida e casa”.
“O mais importante, acho que é de tê brinquedo, mais também tem outros”.
“Eu acho que é educação, mas ninguém fica sem comida e nem sem dormir,
então pra mim eu acho que todo mundo tem que tê casa, comida e um que cantinho pra
descansa”.
Chama a nossa atenção como as crianças tem especial sensibilidade para as
questões básicas em termos de direitos. Ter casa e comida aparece com toda força além
de escola e direito de brincar. É possível deduzir que estas crianças vivem uma situação
de vulnerabilidade, e que estes direitos correm riscos, se não em relação a eles próprios,
pelo menos que diz respeito a outros alunos que eles conhecem e convivem.
As mães responderam que:
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“Olha eu acho que é estudá, mas que jeito que eu vou estudá se eu num tivé o
que cumê. A gente precisa se alimentá porque senão a gente não aguenta i pra escola né.
Ahh, num sei, acho que os dois é importante”.
Meu Deus, isso é difícil porque acho que tudo é importante. Olha nós precisamos de alimento, de casa, escola né, educação. Ah sei não, mais acho que se alimentar, ter um lugar pra morar, mais educação também tem que ter porque hoje em dia todo mundo tem que estudar, porque se não estudar não consegue nem emprego e se não tem emprego como é que vai compra, estuda, fica difícil. Mais não sei acho que todos são importantes.
“Ah, acho que todos são importantes porque todos são essencial pro ser humano
viver bem, ter vida digna e eu acredito que se a gente tiver saúde, alimentação e
educação acho que a gente consegue correr atrás das outras coisas que o homem precisa.
Os depoimentos apontam para uma especial valorização do direito a educação.
Certamente a educação para elas está associada à possibilidade conseguir emprego.
Percebe-se nas mães uma coincidência de preocupação com direitos importantes como
casa e comida.
As respostas dos professores foram:
“Ah acho que o mais importante é a justiça social, direito a moradia, saúde e
educação, porque se a pessoa tiver educação digna, moradia digna e a saúde são
importante, que ele já consiga ter um pouco de vida digna”.
“Para mim o mais importante, ah acho que alimentação é importante, mas a
educação também é muito importante. Se a pessoa tiver uma formação é mais fácil
como eu já disse de conseguir trabalho e se tiver o trabalho, um emprego com certeza
ele vai conseguir se manter, manter a família se tiver”.
“De ir e vir e da liberdade de expressão”.
Nos depoimentos dos professores aparece certo descolamento de entendimentos
do que são direitos mais importantes se considerado o que indicaram alunos e mães.
Com as mães ocorre uma coincidência no direito à educação e alimentação. Um último
depoimento fala em direito e ir e vir e de liberdade de expressão, que certamente são
direitos importantes, mas que não foram citados por alunos e mães.
A sétima questão foi colocada apenas para os docentes. A questão colocada foi
se a escola está ensinando os Direitos Humanos. As respostas obtidas foram as
seguintes:
“Às vezes, parcialmente. Precisa ser mais trabalhado. Deveria ter até uma
disciplina, um conteúdo mais assim para trabalhar na sala de aula, que às vezes a gente
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percebe que as pessoas sofrem injustiças por falta de conhecimento, por falta de
informação, então deveria fazer parte do currículo escolar”.
A escola deveria ensinar mais sobre os direitos humanos. Ela podia aproveitar porque tem muitas oportunidades de ensinar, mas a gente fica presa em outros conteúdos que até se esquece do quanto é importante ensinar sobre os direitos humanos às nossas crianças. Precisamos pensar nisso e começar a ensinar esses direitos para que possamos realmente formar pessoas preparadas para exercer a cidadania.
“Sim, principalmente nas aulas de História, Geografia, Filosofia e Sociologia”.
As professoras são incisivas quanto a necessidade de ampliar o tempo dedicado
aos estudos dos Direitos Humanos. Se inicialmente observamos que as crianças
conhecem seus direitos especialmente a partir da escola, mas ao mesmo tempo as
professoras enfatizam a necessidade dedicar mais tempo a estes estudos, é porque a
prioridade para o tema ainda é insuficiente.Observamos em depoimentos anteriores que
as próprias professoras têm dificuldade em falar com fluência sobre direitos humanos o
que demonstra no mínimo que elas próprias se dedicam pouco ao assunto,
possivelmente até por ficar presas a outros conteúdos, talvez por não perceber sua falta
nos momentos de planejamento ou mesmo por insuficiência das grandes escolares
propostas. Salientamos, porém, que como indicaram as próprias crianças que
éespecialmente a escola ensina o que sabem dos direitos, mas ainda não é o suficiente
para formar cidadãos conscientes e críticos.
A oitava questão também foi colocada somente para os docentes e responderam
ao seguinte: Você acha que quem tem educação consegue exigir melhor que seus
direitos sejam respeitados? As respostas obtidas fora as seguintes:
“Ah tem né, porque a pessoa que tem mais informação ele tem mais
conhecimento, ele é mais esclarecido, não deixa assim ser enganado”.
“Com certeza e se a escola começa a ensinar mais sobre os direitos humanos,
com certeza teremos pessoas mais preparadas para exigir que respeitem seus direitos,
mas por enquanto acho que a escola ensina muito pouco”.
“Muitos sabem, mas há aqueles que sabem, mas não vão atrás de cobrá-lo”.
Observamos que o conhecimento dos direitos é condição fundamental para que
os sujeitos lutem por eles. Vimos também que é especialmente na escola que as crianças
aprendem sobre seus direitos o que aponta para o fato de que o conhecimento dos
direitos deve ser tratado como prioridade na educação. O último depoimento aponta que
conhecer pode não ser suficiente, pois não vão atrás de cobrá-lo. Isto, porém, pode
indicar para outra carência de conhecimento, especialmente dos mais excluídos,
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acostumados a não ser respeitados a tal ponto que não assimilam nem mesmo que tem
direito de ter os direitos que sabem que tem.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O tema dos Direitos Humanos permanece como uma plataforma importante de
luta por direitos mesmo nos tempos atuais. A pesquisa indicou que o conhecimento
sobre os Direitos é insuficiente. Alunos tem algumas noções gerais, as mães também, e
as professoras não conseguiram ir muito além disso. Mesmo assim os alunos apontaram
especialmente a escola como o local onde aprenderam o que sabem sobre direitos. As
mães também vêem na escola uma oportunidade fundamental para seus filhos ter uma
oportunidade na sociedade e ter seus direitos respeitados. As professoras entendem que
os direitos precisam ter um maior espaço de discussão e estudo na comunidade escolar.
Isto nos leva ao entendimento de que se pretendemos uma sociedade democrática e
justa, com cidadãos ativos, críticos e realizados é necessário investir mais no
conhecimento e debate sobre os Direitos Humanos nas escolas.
REFERÊNCIAS DEPOIMENTOS – Cinco alunos; três mães; três professoras. Depoimentos colhidos em suas residências durante o ano de 2010. SOARES, Maria Vitória de Mesquita Benevides. Cidadania e direitos humanos. 1998. Disponível em: http://owl.iea.usp.br/iea/textos. Acessado em 21 de novembro de 2010 às 15h35.
296
ERA UMA VEZ UMA LITERATURA MERAMENTE PEDAGÓGICA
Juliana Pádua Silva Medeiros 63
Resumo O presente artigo discorre sobre a literatura contemporânea para crianças e jovens, cujo veio distancia-se das bases meramente pedagógicas de outrora. Sob a perspectiva de um complexo fenômeno de criação humana, o texto literário é abordado no contexto escolar como produto da linguagem, evidenciando, dessa forma, a necessidade de um letramento literário.
Palavras-chave: letramento literário; literatura para infância e juventude; contemporaneidade;
INTRODUÇÃO
Enquanto um texto didático procura uma convergência, todos os leitores chegando a uma mesma resposta, apontando para um único ponto, o texto literário procura a divergência. Quanto mais diversificadas as considerações, quanto mais individuais as emoções, mais rico se torna o texto. Digo sempre que o livro é um objeto, e o leitor um sujeito. Numa relação entre objeto e sujeito, é o leitor que deve tomar da palavra. E a metáfora da voz ao leitor. Não há que se perguntar qual a mensagem do livro, mas o que o sujeito pensa sobre o que foi lido por ele. Deixo as “mensagens” para os livros de autoajuda e não para os literários. Há livros que “ensina”, ou melhor, determina a sina
63 Mestre pela Universidade de São Paulo. Membro do Grupo de Pesquisa em Produções Literárias e Culturais para Crianças e Jovens. [email protected]
Revista Eletrônica Pedagogia em Foco, v. 7, setembro de 2012
297
do sujeito. Há livros que concorre para o sujeito inventar o seu destino.
Bartolomeu Campos de Queirós
Na atual sociedade, aliadas a uma base que ambiciona romper paradigmas e
hegemonias, as produções literárias para infância e juventude, cada vez mais, se
distanciam de padrões didático-moralizantes, cujos esteios visam somente à formação
meramente instrutiva.
Entretanto, convém destacar que, apesar dessa atmosfera de constantes
mudanças, verifica-se que o adjetivo INFANTIL ainda sugere, para alguns, uma categoria
secundária, pueril, submissa à função utilitário-pedagógica, desconsiderando assim seu
estatuto de arte e sua força vital no enriquecimento da própria experiência humana.
Góes (1984) chama atenção para o fato de que o termo especificador não deve filtrar
um grupo e nem segregá-lo. A autora, retomando Ezra Pound, argumenta que literatura,
dirigida ou não às crianças, trata-se de uma linguagem carregada de significados até o
máximo grau possível.
Nessa esteira,
A partir de que ponto uma obra literária deixa de se constituir em alimento para o espírito da criança ou jovem e se dirige ao espírito adulto? Qual o bom livro de viagens ou aventuras destinado a adultos, em linguagem simples e isento de matéria de escândalo, que não agrade à criança? (ANDRADE, 1994, p. 220)
Frente aos questionamentos drummonianos, nota-se que estão em pauta assuntos
muito recorrentes no universo acadêmico: a categorização dos livros por idade -
estabelecida pelo mercado editorial - e a natureza da literatura para infância e juventude.
Segundo Palo e Oliveira (2006), a segmentação do público leitor é insustentável,
pois não se trata de endereçar uma obra a esta ou àquela faixa etária, mas de ofertar
determinadas estruturas de pensamento, comuns a todo ser humano. Além do mais:
[...] o pensamento infantil está apto para responder à motivação do signo artístico, e uma literatura que se esteie sobre esse modo de ver a criança torna-a indivíduo com desejos e pensamentos próprios, agente de seu próprio aprendizado. A criança, sob esse ponto de vista, não é nem um ser dependente, nem um “adulto em miniatura”, mas é o que é, na especificidade de sua linguagem que privilegia o lado espontâneo, intuitivo, analógico e concreto da natureza humana. (PALO & OLIVEIRA, 2006, p. 8)
298
Peter Hunt, em entrevista à Revista Língua Portuguesa64, afirma que o maior
problema da literatura para crianças e jovens está centrado na indústria livresca, uma
vez que os publishers (inglês, «editores») determinam o que deve ser lido e por quem,
através de catálogos, legitimando a classificação dos exemplares por idade em prol de
uma lista de vantagens pedagógicas.
Face ao exposto, se por um lado, a literatura para infância e juventude ainda seja
nivelada como algo pueril e meramente utilitário na contemporaneidade, por outro,
evidencia-se o seu caráter artístico em um rico acervo que se desvencilha do simples
didatismo65 e amplia a concepção de textos que buscam a literariedade: “[...] o estatuto
de arte, não de obra paradidática, [...] um espaço textual plurissignificativo do ser
humano diante do mundo.” (CECCANTINI, 2004, p. 38).
Nessa senda, a literatura destinada a crianças e jovens, cada vez mais, encarna o
seu potencial como objeto estético, ao mesmo tempo em que mantém o seu lastro
social66, pois, nas relações entre o texto literário e a sociedade, incorpora temas caros
para reflexões críticas. Portanto, como ressalta Cunha (2009, p. 53), essa literatura não
deve assumir uma utilidade iminente no âmbito escolar “[...] a não ser a que ela própria
se coloca. Assim, estariam trocados os papéis: o de supor que é preciso ensinar o que
parece ser útil e, ao fim e ao cabo, demonstra não ser, para aquilo que parece inútil, mas
é essencial.”.
Essa nova configuração de veio artístico mencionada alcança contornos bastante
expressivos já a partir do final do século XX, quando há uma explosão de criatividade
nas produções literárias, privilegiando o experimentalismo com a linguagem, a estrutura
narrativa e o aspecto visual do texto. A literatura para infância e juventude torna-se,
então, mais questionadora, estimulando a consciência crítica e a incorporação dos
valores reformulados em meio aos fios plurais que tecem a caótica sociedade
contemporânea.
Dessa forma, a fusão entre realidade e ficção, a dissolução entre as fronteiras
culturais, a busca pela identidade, a recontextualização do tradicional, o hibridismo de
64 Disponível em: http://revistalingua.uol.com.br/textos.asp?codigo=12191. Acesso em: 10 dez. 2011. 65À guisa das obras paradidáticas, o livro de feitio utilitarista desemboca em um padrão comportamental que se deseja instituir, valorizando temáticas específicas, enredos lineares, desfechos muitas vezes previsíveis e uma linguagem carregada de ideologia, pois o objetivo principal é difundir ensinamentos. Nessa ordem de ideias, faz-se imprescindível reconhecer a distinção entre o artefato livro (objeto) para crianças e jovens e obra literária (natureza) direcionada a infância e juventude. 66 Soriano (1975) afirma que a literatura para criança, mesmo quando não objetiva ensinar, carrega uma vocação pedagógica, pois como é direcionados à infância, período de rica aprendizagem, o mais gratuito e simplificado dos livros torna-se uma experiência de vida.
299
códigos, o jogo67 lúdico entre verbal e visual, a fragmentaridade, a estrutura alinear, o
registro coloquial, a metalinguagem, a polissemia, os diálogos intertextuais, a
participação do leitor na coprodução dos sentidos, o uso dos recursos linguístico-
expressivos, como a metáfora, são alguns dos traços relevantes dessa nova literatura.
No Brasil, explorando o dialogismo68, a intertextualidade, a metalinguagem, o
apelo à visualidade, as diferentes experimentações nos meandros da língua e da
organização textual, fulguram-se obras de Ana Maria Machado[S.n.t.], Angela
Lago[S.n.t.], Bartolomeu Campo de Queirós[S.n.t.], Ciça Fittipaldi[S.n.t.], Elias
José[S.n.t.], José Paulo Paes[S.n.t.], Lúcia Pimentel Góes[S.n.t.], Lygia Bojunga[S.n.t.],
Marina Colasanti[S.n.t.], Sérgio Capparelli[S.n.t.], Roseana Murray[S.n.t.], Ricardo
Azevedo[S.n.t.], Ruth Rocha[S.n.t.], Tatiana Belinky[S.n.t.], Ziraldo[S.n.t.], entre
outros.
Frente a esse cenário atual, o presente trabalho objetiva discorrer acerca do
letramento literário, isto é, a formação de um leitor que saiba:
[...] usar estratégias de leitura adequadas aos textos literários, aceitando o pacto ficcional proposto, com reconhecimento de marcas linguísticas de subjetividade, intertextualidade, interdiscursividade, recuperando a criação de linguagem realizada, em aspectos fonológicos, sintáticos, semânticos e situando adequadamente o texto em seu momento histórico de produção. (PAULINO, 2004, p.56)
Nesse sentido, o letramento literário configura-se muito além da mera
escolarização da literatura, pois oferta uma experiência na qual crianças e jovens
compreendem e transformam o conhecimento de si e do mundo por meio de um
discurso simbólico e humanizador.
LITERATURA ESCOLAR OU LITERATURA NA ESCOLA?
Chegamos ao ponto em que temos de educar as pessoas naquilo que ninguém sabia ontem, e prepará-las para aquilo que ninguém sabe ainda, mas que alguns terão que saber amanhã.
Margaret Mead
O ensino da leitura cabe à escola e a essa instituição compete oferecer ao aluno a
possibilidade de acessar uma multiplicidade de códigos, linguagens e suportes,
possibilitando ao mesmo o reconhecimento das funções dos mais vastos gêneros
discursivos.
67 A ideia de jogo sustenta-se no modo imprevisível e não programado de que o objeto é abordado. 68 O dialogismo, no sentido amplo, refere-se à construção caleidoscópica, na qual o texto, urdido por complexos fios que se convergem, “[...] escuta as ‘vozes’ da história e não mais as representa como uma unidade.” (CARVALHAL, 1992, p. 48).
300
Nessa ordem de ideias, é papel do sistema escolar, por excelência, a formação
também do leitor literário: sujeito apto a. ler as nuance de um texto estético, de modo a
depreender os fios simbólicos, culturais, ideológicos, sociais urdidos em sua tessitura.
No entanto, observa-se que boa parte das práticas de leitura adotadas no ensino
regular se limita a uma mesma dinâmica para lidar com os diferentes gêneros, não
propiciando, assim, o desenvolvimento de habilidades que tornem o leitor apto a
interagir com as mais variadas arquiteturas textuais.
Tal metodologia empregada pode ser entendida como reflexo de uma postura
docente que considera a literatura para crianças e jovens um simulacro do livro didático,
isto é, ignora as especificidades do signo estético, negando o status de arte, de modo a
reduzir a leitura da literatura ao ensino da língua.
Vale pontuar a lição de Candido (2004), para quem a literatura deve ser ensinada
porque atua como organizadora da mente e refinadora da sensibilidade, como oferta de
valores em um mundo onde eles se apresentam flutuantes.
Se, como já sinalizado, a gênese da literatura para infância e juventude
confunde-se com a escola, surgindo como um gênero menor, atrelada à função utilitário-
pedagógica, pertencente mais ao campo da educação do que da arte, é imperioso que os
professores reconheçam que ela apresenta, hoje, uma gama de produções que abarca o
trânsito de várias linguagens e códigos, portanto, cuja significação não se confina ao
aspecto verbal do livro, privilegiando também a dimensão visual e grafotipográfica, as
quais, por meio da complexa articulação de elementos artísticos e tecnológicos,
extrapolam o invólucro físico tradicional dos exemplares literários, como Um garoto
chamado Rorbeto, de Gabriel, o Pensador. De acordo com Góes (2003), essa
materialidade heterogênea reclama por um olhar multissensível capaz de descortinar
novos horizontes.
Esses novos paradigmas de leitura pleiteiam, então, um leitor apto69 a percorrer a
multiplicidade de caminhos em uma urdidura, cujos fios heterogêneos conduzem o
indivíduo na grande aventura de ler e outorgar sentidos, experiência única e
humanizadora.
A busca de significado é uma característica inerente ao ser humano, desde o refletir sobre a razão da própria existência e da natureza das relações interpessoais ou da compreensão do sentido de produtos oferecidos pelas mídias. Pela ativação do sensível e do inteligível, é
69 Um leitor hábil a imergir pela miríade de signos é aquele que possui sensibilidade perceptiva, sinestésica e uma dinâmica mental capaz de colocá-lo em interação com os múltiplos textos que emergem na sociedade contemporânea.
301
possível captar sutilezas de fenômenos da existência, ou mesmo, tanto pela carência quanto pelo excesso de estímulos, deixar de apreendê-las. Os modos de um leitor relacionar-se com as diferentes manifestações da sua realidade dependem, em grande parte, da capacidade de mobilizar as próprias experiências, considerar o entorno, os elementos e as articulações ali existentes. É um constante exercício de observar, analisar, organizar e capacitar-se a atribuir significado, ir além da superficialidade de percepções de um contexto saturado de informações. Esses são desafios de um saber ler, de conhecer mais e melhor. Como uma paisagem produzida por múltiplos elementos, os textos incluem horizontes diversos criados por várias linhas de fuga, que consolidam referências, orientam percursos significativos. Há um horizonte que estende pontes entre o próximo e o distante; orienta lembranças de outros cenários, pessoas e tempos diversos; leva a criar percursos internos e pontos de ancoragem, realizando caminhos de ida e também de volta, E, nesse movimento, ampliam-se experiências de legibilidade e de inteligibilidade sensível e significativa. (PANOZZO, 2007, p. 50)
Nessa esteira, com o objetivo de traçar os limites entre o uso escolar da
literalidade e a formação do leitor literário, este trabalho apresenta o seguinte diagrama:
Literatura e escola
O confronto entre as duas abordagens permite verificar que:
Estar sob a dominante utilitário-pedagógica ou poética traz, por decorrência, duas espécies de uso da informação: do mais unificado ao mais diversificado. Se o primeiro é possível de ser controlado pela função pedagógica, o segundo é um desafio a essa função, já que põe em crise qualquer previsibilidade de uso frente à alta taxa de imprevisibilidade da mensagem. Ao uso passivo e consumista se sobrepõe um uso que implica atividade efetiva da mente receptora, sujeito das conexões que cria, das sugestões de sentidos que capta e reconstrói em cumplicidade com seu outro – o livro -, também ele
302
renascendo a cada instante em que se vê em processo de leitura. (PALO, 2006, pp. 13 e 14)
Em síntese, em vez do emprego meramente pedagógico de um exemplar
literário, cabe à escola proporcionar um espaço de experimentação/sensibilização do
objeto estético, pois essa fruição liberta, (re)organiza e, portanto, humaniza a visão de
mundo do leitor.
PROFESSOR-ILUMIMADOR: UM AGENTE DE TRANSFORMAÇÂO
Para que serve a escola, senão para preparar indivíduos capazes de enfrentar o mundo futuro próximo, segundo as técnicas mais avançadas? [...] É preciso adaptar os programas e métodos aos indivíduos, e não vice-versa. [...] Conhecer as imagens que nos rodeiam significa também alargar as possibilidades de contato com a realidade; significa ver mais e perceber mais...
Bruno Munari
Em uma sala de aula, o professor-iluminador (guia) deve promover a apreensão
dos recursos da linguagem e dos contextos de produção (tempo/espaço, gênero, suporte)
para que o leitor seja capaz de construir sentidos e diálogos entre épocas, culturas,
saberes e textos em meio a uma profusão de sistemas sígnicos coexistentes em um
mesmo objeto.
O letramento literário exige, portanto, que o educador atente-se à escolha das
obras e às estratégias de leitura, ambicionando que a mediação dos livros no cenário
escolar vise realmente à formação de leitores aptos a interagir com a complexidade do
mundo atual.
Em O Reizinho mandão, de Ruth Rocha, por exemplo, é necessário que a
atividade leitora alcance a crítica sagaz ao contexto sócio político da época em que a
obra foi produzida70. No livro supracitado, a autora explora as potencialidades do
registro verbal escrito, recorrendo ao uso do diminutivo “reizinho” de forma pejorativa,
de modo a configurar a personagem. Dessa maneira, pelo viés da fantasia, subverte as
relações de poder, garantindo à criança uma experiência lúdica de compreensão dos
efeitos abusivos da autoridade.
70 Por meio de um jogo metafórico, a escritora alude ao regime ditatorial que se estabeleceu no Brasil entre 1964 a 1985. Cabe pontuar que a publicação da primeira edição ocorreu em 1978, pouco antes da extinção do AI-5.
303
Uma ação pedagógica que almeje vislumbrar essa rede de sentidos possibilita ao
aluno desdobrar-se pela vastidão do que não se sabe e não se limitar aquilo que se
conhece.
Uma abordagem que não se restringe a uma leitura puramente descritiva, mas
analítica, vincula o texto às práticas sociais, engendrando saberes de outras áreas, como
história, geografia etc. Com isso, a escola promove sujeitos mais observadores e
críticos, isto é, cidadãos ativos frente ao mundo que os rodeiam.
Vale evidenciar que o letramento literário, muitas vezes, antecede ao domínio
das letras, pois um livro somente com imagens também propicia caminhos de
entendimento da ação por intermédio da disposição das figuras pictóricas.
Além do mais:
Recorrendo à percepção visual para chegar ao pensamento, os signos visuais, através de suas propriedades, induzem conceitos. [...] a apreensão das formas é o meio de percepção mais espontâneo, sobre o qual se constroem posteriormente, os conceitos, o procedimento analítico, a reflexividade, enfim. O desenvolvimento da apreensão visual é, portanto, uma etapa básica e importante do desenvolvimento que a leitura requer. (CADERMATORI, 2006, p. 53)
Um exemplo de espetáculo plástico é o livro Pequeno azul e pequeno amarelo,
de Leo Lionni, o qual destaca, com originalidade, a harmonia entre imagem e frases
simples. A obra trata de duas pequenas cores que, em um abraço, se fundem,
convergindo para uma terceira. No enredo71, podem-se depreender aspectos da
identidade individual e coletiva a partir de novas experiências cromáticas.
Camargo (1995) desenvolve estudos a respeito da ilustração nos livros de
literatura brasileiros para a infância e juventude. Consoante ao autor, a obra Flicts, de
Ziraldo, constitui um marco divisório da fusão entre a linguagem verbal e o visual no
livro destinado aos jovens. Trata-se da história triste de uma cor rara chamada Flicts,
que se sente solitária e bastante rejeitada por outras tonalidades espalhadas pelo mundo:
“Sumiu / que o olhar mais agudo / não podia adivinhar / para onde tinha ido / para onde
tinha fugido / em que lugar se escondera / o frágil e / feio / e aflito / Flicts” (ZIRALDO,
1969, p. 32)
71
É possível assistir à animação do livro no site http://www.slideboom.com/presentations/53407/pequeno-azul-pequeno-amarelo
304
Flicts refere-se à busca incessante pelo autoconhecimento. Carlos Drummond de
Andrade, em artigo72, comenta que “Flicts é a iluminação [...], é estado de ser, e é a
própria imagem. Desprende-se da faculdade de simbolizar, e revela-se aquilo em torno
do qual os símbolos circulam, voejam, volitam, esvoaçam – fly, flit, fling – no desejo de
encarnar-se.”.
A comunhão de palavra e imagem, transmutação das linguagens em um só texto
potencializa-se após 1970, mas segundo Paulo (2006, p. 15)
O livro infantil, desde seus primórdios, tem procurado responder à questão, promovendo formas de diálogos entre a imagem – a ilustração – e o texto verbal. Diálogos nem sempre dialógicos, isto é, dando lugar ao cruzamento de vozes diversas em sintonia no espaço textual. O mais comum é o aparente diálogo que, no fundo, esconde um tom único, monológico, privilegiando a informação construída pelo texto verbal em detrimento daquela oriunda do visual. A imagem transforma-se num simples apêndice ilustrativo da mensagem linguística. (PALO, 2006 p. 15)
Luís Camargo, em suas discussões teóricas, assegura que a ilustração não
explica, não ornamenta, não traduz, não busca equivalências entre texto escrito e
pictórico - ela se constitui de um discurso duplo, dialógico. Portanto, não basta apenas
ver, é preciso aprender a olhar, porque, conforme o autor, "assim como o texto verbal, o
texto visual também exige uma espécie de alfabetização ou [...] letramento"73. Todavia,
isso é discussão para outro estudo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Um trabalho minucioso com crianças, apontando ou levando-as a descobrir esses elementos técnicos que fazem progredir a ação ou que explicam espaço, tempo, características das personagens etc. aprofundará a leitura da imagem e da narrativa e estará, ao mesmo tempo, desenvolvendo a capacidade de observação, análise, comparação, classificação, levantamento de hipóteses, síntese e raciocínio.
Maria Alice Faria
Em linhas gerais, “era uma vez” uma abordagem literária meramente
pedagógica. Hoje, como base nos apontamentos de Góes (2003) sobre esse olhar de
72
O artigo Flicts: o coração da cor foi publicado no Jornal do Brasil, em 22 de agosto de 1969, no Rio de Janeiro. 73 Rui de Oliveira (2008) e Donis A. Dondis (2007) discutem em suas obras sobre o alfabetismo visual.
305
descoberta - capacidade associativa por analogia, integrando sensações e percepções na
construção de significados – o leitor reclama por uma atividade leitora que o permita
apreender/compreender o mundo que o cerca e assim o ad-mirar (ver mais longe),
porque, com os sentidos despertos, a memória avivada e acionada, poderá abraçar a
multiplicidade de signos, sem submeter-se às leituras-desvios.
É preciso, então, que o educador reveja sua prática, afinal o seu papel é formar
mais do que leitores literários, mas cidadãos críticos que, através do prazer da
descoberta, ampliam sua percepção acerca do universo, resistindo ao neoliberalismo e
suas formas de opressão, consumo e alienação: “O espetáculo não é um conjunto de
imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediada por imagens.” (DEBORD,
1997, p. 14).
No mais, em tempos de gestação de uma sociedade mais humana, uma
abordagem nesse sentido reconhece as produções literárias como experimentação de um
processo:
[...] que confirma no homem aqueles traços que reputamos essenciais, como o exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso da beleza, a percepção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor. (CANDIDO, 2004, p. 180)
Então, se aatividade leitora for concebida como um processo de ensino e
aprendizagem no qual ocorre a “formação” do indivíduo pela sensibilização, é possível
concluir que era uma vez a literatura meramente pedagógica.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDRADE, Carlos Drummond.Confissões de Minas. Rio de Janeiro: América Editora, 1994. ______. Flicts:o coração da cor. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 22 de agosto de 1969. Disponível em: <http://www.divagaresempre.net/e-stante/flicts_drummond>. Acesso em: 12 de fev. 2010. CADERMATORI, Lúcia. O que é literatura infantil. São Paulo: Brasiliense, 2006. CAMARGO, Luís. Ilustração do livro infantil. Belo Horizonte: Ed. Lê, 1995.
306
CANDIDO, Antonio. Vários escritos. São Paulo: Duas Cidades, 2004. CARVALHAL, Tânia Franco. Literatura Comparada. São Paulo: Ática, 1992. CECCANTINI, João Luís Cardoso Tápias (Org). Perspectivas de pesquisa em literatura infanto-juvenil. In: Leitura e literatura infanto-juvenil: Memória de Gramado. São Paulo: Cultura Acadêmica; Assis: Anep, 2004. CUNHA, Maria Zilda da. Na tessitura dos signos contemporâneos: Novos olhares para a literatura infantil e juvenil. São Paulo: Editora Humanitas; Paulinas, 2009. DONDIS, Donis A.. Sintaxe da linguagem visual. São Paulo: Martins Fontes, 2007. GÓES. Lúcia Pimentel. Introdução à literatura infantil e juvenil. São Paulo: Pioneira, 1984. ______. Olhar de descoberta: Proposta analítica de livros que concentram várias linguagens. São Paulo: Paulinas, 2003. HUNT, Peter. A infância sem clichês [entrevista]. In: Revista Língua Portuguesa. São Paulo: Editora Segmento. 2010 dez.; (62). LIONNI, Leo. Pequeno vermelho e pequeno amarelo. São Paulo: Berlendes & Vertechia, 2005. OLIVEIRA, Rui de. Pelos jardins Boboli: Reflexões sobre a arte de ilustrar livros para crianças de jovens. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. PALO, Maria José; OLIVEIRA, Maria Rosa de. Literatura infantil: Voz de criança. São Paulo: Ática, 2006. PANOZZO, Neiva Senaide Petry. Leitura no entrelaçamento de linguagens: Literatura infantil, processo educativo e mediação [tese]. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2007. PAULINO, Graça. Formação de leitores: a questão dos cânones literários. In Revista Portuguesa de Educação, vol. 17, nº 1, Braga: Universidade do Minho,2004. ROCHA, RUTH. O reizinho mandão. São Paulo: Pioneira, 1978. SORIANO, Marc. Guide de literature pour la jeunesse. Paris: Flammarion, 1975. ZIRALDO. Flicts. São Paulo: Melhoramentos, 1969.
307
O ACESSO AO CURSO DE PEDAGOGIA DA UFGD: UMA ANÁLISE DA
RELAÇÃO ENTRE EDUCAÇÃO BÁSICA E EDUCAÇÃO SUPERIOR
Mary Ane de Souza74
Giselle Cristina Martins Real75
Resumo
O presente artigo tem como objetivo identificar as características dos candidatos ao curso de Pedagogia da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), nos anos 2009, 2010 e 2011, com vistas a explicitar possíveis alterações que se verifiquem nas características da composição sócio-econômica destes sujeitos.Como procedimentos metodológicos adotaram-se a pesquisa bibliográfica e as análises estatísticas referentes ao banco de dados disponíveis no Centro de Seleção da UFGD. Diante dos dados analisados pode-se perceber que não houve variação significativa na composição socioeconômica dos candidatos ao curso de pedagogia nos anos de 2009, 2010 e 2011. Palavras-chave: Acesso. Cotas. Educação superior.
Introdução
O presente artigo tem como objetivo identificar as características dos candidatos
ao curso de Pedagogia da UFGD, nos anos 2009, 2010 e 2011, com vistas a explicitar
possíveis alterações que se verifiquem nas características de perfil desses sujeitos,
considerando a adoção do sistema de cotas sociais na UFGD.
A UFGD adota o sistema de cotas sociais a partir do processo seletivo
(vestibular) de 2009 para todos os seus cursos. Essa política institucional foi delineada a
74
Acadêmica do Curso de Pedagogia da UFGD, bolsista do Programa de Iniciação Científica 2011/2012, E-mail: [email protected]://lattes.cnpq.br/4401683204018137 75 Professora adjunta FAED/UFGD, E-mail: [email protected]://lattes.cnpq.br/1670419259749996
Rev. Eletrônica Pedagogia em Foco, v. 7, setembro de 2012
308
partir do processo de elaboração do Plano Institucional da UFGD ao Programa de
Reestruturação e Expansão da Educação Superior – REUNI, cujas diretrizes foram
construídas pelo Ministério da Educação, a partir da aprovação do Decreto Ministerial
nº 6.096, de 24 de abril de 2007.
Segundo o Plano Institucional da UFGD, identificado como REUNI-UFGD
[...]. A partir do primeiro semestre de 2009, iremos superar o regime de matrícula seriado herdado da UFMS e adotaremos um sistema de crédito com ampla flexibilidade em consonância com as decisões a serem implantadas: a) Sistema diversificado de entrada dos alunos dos cursos de graduação. Atualmente, a única possibilidade é através do processo seletivo de vestibular aplicada aos candidatos. Com o programa Reuni, adotaremos um sistema diversificado com a combinação das avaliações: Vestibular, ENEM e de prova seriada que será aplicada aos alunos do ensino médio. Para o conjunto de vagas de todos os cursos será adotado o sistema de cotas de 25% para candidatos que cursarem 100% do ensino médio em escolas públicas; (UFGD, 2007, p. 63)
Segundo esse documento, a UFGD, com a adoção ao sistema de cotas, busca
contribuir com o processo de democratização do acesso ao ensino superior.
A literatura da área da educacional aponta que o acesso ao ensino superior é uma
questão complexa (SEVERINO, 2009), entre outros fatores, há cursos que são mais
procurados por candidatos ao vestibular do que outros. Entre os cursos em que há baixa
procura por vestibulandos estão as licenciaturas. Nesse sentido, Freitas (2007) expõe
que a baixa procura pelos cursos de licenciatura está relacionada com as más condições
de trabalho, baixos salários e precariedade dos planos de carreira relacionados à função
docente, segundo ela: “São estas as condições que afastam do magistério amplas
parcelas da juventude que, desde as universidades e no ensino médio normal, poderiam
incorporar-se aos processos de formação das novas gerações” (p.1.205).
No entanto, estudos do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
“Anísio Teixeira” – INEP apontam que o curso de Pedagogia está entre dez cursos mais
procurados no Brasil, conforme se pode observar a respeito dos dados apresentados na
Tabela 1.
Tabela 1 - Número de Inscrições no Vestibular por Região, segundo os dez cursos com maior número de Inscrições –1998
Brasil Norte Nordeste
Cursos Inscrições Cursos Inscrições Cursos Inscrições
Direito 490.610 Direito 21.245 Direito 68.078
Administração 275.966 Pedagogia 14.106 Administração 43.767
Medicina 262.344 Administração 9.128 Medicina 33.705
Engenharia 173.098 Medicina 7.965 Pedagogia 33.056
309
Pedagogia 135.649 Letras 7.629 Ciênc. Contábeis 23.217
Odontologia 115.509 Ciênc. Contábeis 5.917 Letras 22.625
Comum. Social 107.825 Engenharia 5.559 Engenharia 21.650
Letras 96.030 História 5.105 Enfer. Obst. 17.925
Ciên. Contábeis 91.843 Prod. De dados 4.592 Odontologia 15.830
Psicologia 78.634 Enfer. E Obst. 3.942 História 14.680
Sudeste Sul Centro-Oeste
Cursos Inscrições Cursos Inscrições Curso Inscrições
Direito 266.327 Direito 85.426 Direito 49.534
Medicina 165.261 Administração 56.137 Administração 24.669
Administração 142.065 Medicina 45.145 Pedagogia 12.750
Engenharia 104.699 Engenharia 33.564 Ciênc. Contábeis 10.492
Odontologia 67.734 Odontologia 23.727 Letras 10.476
Comunic. Social 65.605 Pedagogia 23.362 Medicina 10.268
Pedagogia 52.375 Ciênc. Contábeis 19.962 Comunic. Social 8.422
Psicologia 44.312 Comunic. Social 16.664 Ciênc. Da Comp. 8.056
Fisioterapia 41.349 Farmácia 16.084 Engenharia 7.726
Letras 39.612 Letras 15.688 Ciênc. Biológicas 6.195
Fonte: INEP, 1998.
Os dados referentes ao número de candidatos inscritos no vestibular,
considerando o território nacional apontam que o curso de Pedagogia é o quinto curso
com maior número de inscritos. Na lista dos dez cursos mais procurados há apenas duas
licenciaturas, sendo a Pedagogia em quinta posição e o curso de Letras em oitava
posição. Pode-se observar também, que nas regiões mais ricas do país, as regiões sul e
sudeste, a posição do curso de Pedagogia cai para a 6ª e a 7ª, respectivamente, bem
como a posição do curso de Letras que cai para a décima posição em ambas regiões.
Pode-se observar, ainda, que a procura pelo curso de Pedagogia cresce nas regiões mais
pobres, bem como aparecem mais licenciaturas no rol dos dez cursos mais procurados,
como é o caso do curso de História nas regiões norte e nordeste e Ciências Biológicas
na região centro-oeste.
Esses dados permitem inferir que a procura pela profissão docente é mais efetiva
nas regiões mais pobres, o que corrobora as afirmações de Freitas (2007) e de Severino
(2009) que apontam pela falta de atratividade da carreira, considerando especialmente
as questões salariais e a falta de impacto dessas carreiras na inserção social,
particularmente para os jovens que residem nas regiões com melhores condições
socioeconômicas.
310
A tabela 2, apresentada a seguir, sintetiza dados do INEP acerca do número de
matrículas dos dez maiores cursos no Brasil. Essas informações apontam o curso de
Pedagogia como o terceiro curso em volume de matrículas. Nesse dado, mais recente,
especialmente de 2009, quando já se deflagrou a expansão da educação superior privada
(CUNHA, 2004), observa-se que na lista dos cursos com maiores matrículas há a
presença de quatro cursos de licenciatura, a saber: Pedagogia, Letras, Educação Física e
Ciências Biológicas. Há que se ressaltar que os cursos de licenciatura, considerando
seus custos de implantação, são os mais interiorizados do país, se comparado com os
cursos de engenharia e dos cursos da área da saúde que demandam a instalação de
laboratórios específicos de custos mais elevados (PACHECO; RISTOFF, 2004).
Tabela 2 – número de matrículas nos cursos de graduação, presencial e a distância, segundo os dez cursos com maiores matrículas – 2009
Graduação: Presencial e a distância
Curso Matrículas %
Total 5.954.021 100
1 Administração 1.102.579 18,5
2 Direito 651.730 10,9
3 Pedagogia 573.898 9,6
4 Engenharia 420.578 7,1
5 Enfermagem 235.806 4
6 Ciências Contábeis 235.274 4
7 Comunicação Social 221.211 3,7
8 Letras 194.990 3,3
9 Educação Física 165.846 2,8
10 Ciências Biológicas 152.830 2,6
Outros Cursos 1.999.279 33,6
Fonte: Inep, 2010.
Diante desse cenário, o presente artigo teve o seguinte problema norteador: qual
o perfil do candidato ao curso de Pedagogia da Universidade Federal da Grande
Dourados (UFGD) após a adoção do sistema de cotas sociais?
Para responder a esse problema adotaram-se como procedimentos
metodológicos a pesquisa bibliográfica e as análises estatísticas referentes ao banco de
dados disponíveis no Centro de Seleção da UFGD que contem o questionário sócio-
econômico preenchido pelos candidatos ao vestibular.
O presente artigo está dividido em três partes, sendo que a primeira apresenta o
contexto em que foi criado o curso de Pedagogia da UFGD e o perfil de seus estudantes
311
em 2003, na segunda parte apresenta-se o perfil dos candidatos ao curso de Pedagogia
nos anos de 2009, 2010 e 2011 e por fim, apresentam-se algumas considerações.
O perfil dos estudantes do curso de Pedagogia: uma análise da UFGD em 2003
A UFGD é uma instituição pública criada em 2005, por desmembramento da
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS, por força da Lei nº 11.153, de 29
de Julho de 2005. A partir de sua criação implanta novos cursos, tanto de licenciatura
quanto de bacharelados. Atualmente, oferta 28 cursos, a saber: Economia,
Administração, Ciências Contábeis, Agronomia, Zootecnia, Engenharia Agrícola,
Química, Matemática, Sistemas de Informação, História, Geografia, Ciências Sociais,
Psicologia, Ciências Biológicas, Biotecnologia, Gestão Ambiental, Direito, Relações
Internacionais, Pedagogia, Educação Física, Licenciatura Indígena, Letras, Artes
Cênicas, Medicina, Nutrição, Engenharia de Alimentos, Engenharia de Produção e
Engenharia de Energia.
O curso de Pedagogia foi criado em 1979, no período matutino, com 40 vagas
anuais, vinculado ao Centro Universitário de Dourados (CEUD), que se constituía como
um campus da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Com o processo
de desmembramento o CEUD passa a ser UFGD, incorporando todos os seus cursos,
inclusive o curso de Pedagogia..Atualmente, o curso de Pedagogia é oferecido na
Unidade II da UFGD, localizada na cidade universitária de Dourados, no período
noturno, com 50 vagas anuais.
Ao longo do período de sua implantação o curso de Pedagogia passou por
alterações curriculares, as últimas alterações foram realizadas nos anos de 2007 e 2009.
Em 2007, buscou-se a sua adequação às Diretrizes Curriculares Nacionais de acordo
com a Resolução CNE/CP n.º1, de 15 de maio de 2006. Em 2009 buscou-se a
integração do curso ao Projeto Pedagógico Institucional, quando a UFGD adere ao
Programa REUNI (FAED, 2007; 2009).
Assim, como no contexto nacional o curso de Pedagogia está entre os dez cursos
mais procurados no vestibular da UFGD, embora em posição inferior ao apresentado
nos dados nacionais, conforme explicita a tabela 3 a seguir exposta:
Tabela 3 – Os 10 cursos mais procurados no ano de 2009 na UFGD
Cursos Vestibular Verão 2009
312
Ordem de classificação N° de inscritos Candidato Vaga
1 Medicina 3.285 65,7
2 Direito 834 15,13
3 Administração 515 10,34
4 Ciências Contábeis 472 9,44
5 Agronomia 471 9,42
6 Educação Física 434 8,68
7 Engenharia de Energia 335 6,55
8 Pedagogia 332 5,63
9 Relações Internacionais 232 4,22
10 Biotecnologia 231 4,2
Fonte: UFGD, 2011.
O Projeto Pedagógico de 2007 faz referência à pesquisa realizada por
professores do curso no ano de 2003, que delineou as características do perfil do aluno
do curso (FAED, 2007, p. 9). Segundo esses dados, o curso apresentava as seguintes
características:
• 95% dos alunos eram do sexo feminino;
• 50% do grupo eram solteiros, 46,5% eram casados ou com companheiros e
3,5% eram divorciados;
• 41% dos alunos tinham filhos;
• 69% eram trabalhadores, sendo que destes 66% tinham vínculos empregatícios
e 29% realizavam trabalho autônomo e 5% tinham situação de trabalho eventual;
• 78,5% assistiam a telejornais; 63% liam jornais; 55% liam revistas e 32%
tinham acesso a informações da internet, sendo que a maioria possuía mais de
uma fonte de informação;
• 76,5% optaram pela universidade pela qualidade oferecida; 54% pela
gratuidade do ensino; 23% pela possibilidade de continuar em cursos de pós-
graduação, sendo que a maioria tinha mais do que um motivo para essa opção;
• 64% optaram pelo curso pela adequação às suas aptidões pessoais; e 41% pela
possibilidade de contribuir com a sociedade;
• 75,5% tem como expectativa profissional a atuação no mercado de trabalho;
41% busca o enriquecimento em cultura geral para melhor compreensão do
mundo; 41% busca uma formação profissional voltada para a pesquisa; 19,5%
busca a aquisição de diploma, sendo que a maioria assinalou mais de uma
expectativa.
313
Pode-se observar que o curso de pedagogia, em 2003, era composto em sua
maioria, especificamente 69%, por alunos trabalhadores, sendo ainda que 50% dos
alunos eram casados ou foram casados, sendo ainda que 41% dos alunos já tinham
filhos. Essas informações explicitam que o curso de Pedagogia, em 2003, apresenta
características de um alunado que acessa a educação superior em um contexto de
massificação, após o período de sua expansão.
Essas alterações no perfil dos estudantes da educação superior estão presentes no
contexto mundial. Guy Neave (2001) detectou, no leste europeu, a entrada de alunos
mais velhos, que representaria uma demanda reprimida por esse nível de ensino. A
demanda reprimida consegue seu acesso na medida em que há a ampliação da oferta de
educação superior. Esse processo é identificado pelo autor como “pós-massificação”.
Com isso, há o ingresso de um número maior de alunos trabalhadores e chefes de
família. Diante desse quadro, cabe aos gestores das instituições de educação superior
construir ambiente e contextos que agreguem estudantes com esse perfil. Segundo
Severino:
Como conviver com a precariedade de nossos cursos de Licenciatura e Peda-gogia, como se nada tivessem a ver conosco? Todos sabemos muito bem que o fator predominante dessa crise vem da ausência de uma política pública mais consistente por parte do Estado mas quem vive dentro dos muros da Universidades bem sabe o quanto a Licenciatura é desprestigiada, conforme depoimento recente do próprio Ministro da Educação, ao justificar a criação da Bolsa de Iniciação à Docência (SEVERINO, 2009, p.261).
Diante desse contexto, em que há alterações no perfil do estudante da educação
superior após sua expansão, mais especificamente da pós-massificação da educação
superior, especialmente considerando as condições no Brasil dos cursos de licenciatura,
busca-se mapear e delinear o perfil do candidato ao curso de Pedagogia ao longo desse
processo, especialmente quando a UFGD reestrutura o seu formato de acesso à
universidade, estabelecendo o percentual de 25% para cotas sociais.
O perfil dos candidatos do curso de Pedagogia: uma análise da UFGD no período 2009 - 2011
Sem pretensões de comparar as características do perfil do aluno de Pedagogia
de 2003, com os dados coletados acerca dos candidatos ao curso no período de 2009 a
2011, uma vez que os dados não são compatíveis, busca-se delinear o perfil do
candidato ao curso de Pedagogia da UFGD, uma vez que se enquadra entre os cursos
314
mais procurados e com maior número de matrículas dentre os cursos de licenciatura do
país e da própria UFGD.
Para tanto, selecionou-se como procedimento da pesquisa a análise dos
questionários socioeconômicos respondidos pelos candidatos ao curso de Pedagogia da
UFGD nos anos de 2009, 2010 e 2011. Os instrumentos foram cedidos pelo Centro de
Seleção da UFGD, disponibilizados em formato eletrônico. O questionário utilizado é
composto por 19 questões nos anos de 2009 e 2010 e 24 questões no ano de 2011, sendo
idêntico para todos os candidatos, independentemente do curso pretendido. Analisou-se
100% dos questionários respondidos pelos candidatos inscritos ao curso de Pedagogia.
Em 2009 foram analisados 50 questionários, em 2010 205 instrumentos e em
2011 520. Pode-se perceber que esse número aumentou ao longo dos anos,
considerando que o número total de inscritos para o vestibular da UFGD permaneceu
crescente, pode-se inferir que a procura pelo curso de Pedagogia explicita o interesse
oscilante em relação ao curso.
Nesse sentido, há matéria recente publicada no Jornal da Tarde que explicita
essa realidade acerca do curso de Pedagogia.
O número de formandos nos cursos que preparam docentes para os primeiros anos da educação básica – como Pedagogia e Normal Superior – caiu pela metade em quatro anos, de acordo com os últimos dados do Censo do Ensino Superior, realizado anualmente pelo Ministério da Educação (MEC). De 2005 a 2009, os alunos que concluíram essas graduações foram de 103 mil para 52 mil, um indicador do desinteresse dos jovens pela carreira (ALVAREZ, 2011, p. 1).
Diante da análise dos dados coletados dos questionários econômicos, dos anos
de 2009, 2010 e 2011 aos candidatos ao curso de pedagogia, pode-se observar que a
maioria dos candidatos concluiu o ensino médio na cidade de Dourados, onde a
Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) é instalada. Sendo 74% em 2009,
72% em 2010 e 56,84% em 2011. Observa-se também uma pequena presença de
candidatos de outros estados. No ano de 2011, apesar do sistema de cotas ter sido
implementado pela UFGD em 2009, houve um candidato oriundo de uma tribo
indígena76.
No ano de 2009 o número de candidatos que concluíram todo o ensino médio em
escola pública era de 86%, já no ano de 2010 esse percentual baixou para 84,39% e no
ano de 2011 percebeu-se uma queda de 5,93% nesse percentual, comparado ao ano de
76 Cumpre destacar que a UFGD oferece o curso de Licenciatura Indígena (bilíngüe) desde 2006, destinado exclusivamente a indígenas da etnia guarani e na Reserva Indígena de Dourados hã também povos da etnia terena.
315
2010. Assim pode-se perceber que o número de candidatos que buscam o curso de
Pedagogia que terminaram o ensino médio em escolas particulares vem aumentando
conforme os anos.
Pode-se inferir, com esse dado, que o sistema de cotas não trouxe alterações
significativas no perfil do candidato ao curso de Pedagogia, pois o percentual de alunos
egressos do ensino médio público é bem superior aos 25% destinados às cotas.
Em 2009, apenas 2% dos candidatos escolheram o curso de pedagogia pelo
prestígio econômico e social da profissão. No ano de 2010 esse número cresceu para
9,26% e no ano de 2011 a taxa baixou para 5,38%. Pode-se concluir que o motivo da
procura do curso de Pedagogia não está relacionado com o prestígio econômico e social
da profissão, uma vez que o percentual de candidatos que optaram por essa alternativa
não é significativo. Esse dado confirma as proposições presentes na literatura que
apontam pela necessidade de melhoria nas condições salariais e de trabalho da profissão
docente, conforme apontado por Freitas (2007) e Severino (2009).
No ano de 2009 48% dos candidatos disseram ter escolhido a UFGD por ser uma
instituição pública, no ano de 2010 52,29% escolheram a UFGD por ser pública e em
2011 o percentual aumentou para 60%. Mas diante da alternativa ‘por oferecer o curso
de sua escolha com melhor qualidade’ no ano de 2009 46% dos candidatos escolheram
essa opção, no ano de 2010 42,92% e em 2011 apenas 33,65%.
Nesse sentido, pode-se observar que o fato preponderante pela opção por cursar
o curso de Pedagogia da UFGD está relacionado ao fato de ser uma instituição pública.
Embora a instituição tenha sido considerada por três anos consecutivos como a melhor
universidade do estado de Mato Grosso do Sul, pelo Índice Geral de Cursos (IGC)
estabelecido pelo INEP77.
Ao analisar o nível de escolaridade dos pais observou-se que os candidatos
possuem mais pais analfabetos do que com o ensino superior. No ano de 2009, 10% das
mães e 4% dos pais dos candidatos apresentaram ser analfabetos. E apenas 8% das mães
e 4% dos pais se descreveram com o nível de ensino superior completo. Em 2010,
8,78% das mães 7,31% dos pais se apresentaram analfabetos. E somente 5,85% das
mães e 1,95% dos pais se mostraram com o nível de ensino superior completo. Já em
2011, 9,42% das mães e 9,62% dos pais são analfabetos e apenas 3,65% das mãe e
4,23% dos pais tem o nível de ensino superior completo. Esse dado aponta que o
candidato ao curso de Pedagogia tem como perfil baixas condições socioeconômicas,
77 Nesse sentido ver: www.inep.gov.br/IGC_resultados
316
considerando que os pais com baixa escolaridade são oriundos das classes
trabalhadoras.
Quando falamos em aluno trabalhador, podemos constatar que a maior parte dos
candidatos ao curso de Pedagogia nos anos de 2009 2010 e 2011 possui algum tipo de
trabalho remunerado. Sendo 52% no ano de 2009, 52,14% no ano de 2010 e 54,42% no
ano de 2011.
Esses dados permitem afirmar que adoção ao regime de cotas não traz alterações
no perfil do candidato ao curso de Pedagogia, composto essencialmente por candidatos
oriundos da classe trabalhadora, que ascende ao ensino superior a partir do processo de
pós-massificação da educação superior.
Considerações Finais
Em síntese pode-se observar que o curso de Pedagogia se constitui como uma
carreira atrativa para os jovens da classe trabalhadora, egressa do ensino médio público,
que por não propiciar ascensão social e econômica tem na universidade pública, com o
seu processo de expansão, oportunidades de acesso ao ensino superior. Acesso que seus
pais não tiveram.
De forma geral, as condições da carreira docente e o processo de massificação
da educação superior são apontados, pela literatura, como os principais efeitos das
políticas educacionais na definição do perfil do candidato ao curso de Pedagogia. Outro
ponto detectado pela investigação aponta que a universidade pública se constitui como a
principal opção da classe trabalhadora para o acesso à educação superior.
Também, observou-se que as alterações nos processos de acesso â educação superior,
como o sistema de cotas sociais, adotado pela UFGD, não traz alterações no perfil no
candidato ao curso de Pedagogia, uma vez que mesmo antes da adoção ao regime de
cotas, o curso atraia essa parcela da sociedade, que em virtude de suas condições
socioeconômicas não conseguem acessar aos cursos mais prestigiados, especialmente
nas instituições públicas.
No entanto, pode-se sinalizar, a partir dos dados observados, que a expansão das
vagas e de instituições públicas se constitui como a principal alternativa para o acesso
da classe trabalhadora ao ensino superior. Também se observou que a inserção social
por meio da carreira docente está intrinsecamente ligada â melhoria das condições
salariais e da carreira, de forma que se emerge como aspecto vinculante se, de fato,
317
busca-se a ampliação do prestígio do professor da educação infantil e dos anos iniciais
do ensino fundamental.
Referências
ALVAREZ, Luciana. Cai pela metade número de formandos em Pedagogia. Jornal da Tarde. São Paulo, matéria publicada em 2 fev. 2011.
BRASIL. Decreto nº 6.096, de 24 de abril de 2007. Institui o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais - REUNI. Brasília: Casa Civil da Presidência da República, 2007. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6096.htm>. Acesso em: 27jul. 2011.
______. Resolução CNE/CP n.º1, de 15 de maio de 2006. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia, licenciatura. Brasil: CNE, 2006. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rcp01_06.pdf>. Acesso em: 31 jul. 2011. CUNHA, Luiz Antônio. Desenvolvimento desigual e combinado no ensino superior – Estado e mercado. Educação & Sociedade, Campinas, v. 25, n. 88, p. 795-817, out. 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/es/v25n88/a08v2588.pdf>. Acesso em: 30 jul. 2011. FAED. Projeto pedagógico do curso de pedagogia – licenciatura. Dourados: Faculdade de Educação: Universidade Federal da Grande Dourados, 2009. ______. Projeto pedagógico do curso de pedagogia, licenciatura. Dourados: Faculdade de Educação: Universidade Federal da Grande Dourados, 2007. FREITAS, Helena Costa Lopes de. A (nova) política de formação de professores: a prioridade postergada. Educação & Sociedade, Campinas, v. 28, n. 100, p. 1203-1230, out. 2007 Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/es/v28n100/a2628100.pdf>. Acesso em: 14 jul. 2011. INEP. Evolução da Educação Superior – Graduação: anos 1980/1998. Brasília: INEP, 1999. Disponível em: <http://portal.inep.gov.br/web/censo-da-educacao-superior/evolucao-1980-a-2007>. Acesso em 28 jul. 2011. _____. Resumo Técnico: Censo da Educação Superior 2009 Brasília: INEP, 2010. Disponível em: <http://download.inep.gov.br/download/superior/censo/2009/resumo_tecnico2009.pdf>. Acesso em 28 jul. 2011. NEAVE, Guy. Educación Superior: historia y política. Barcelona: Gedisa, 2001. PACHECO, Eliezer; RISTOFF, Dilvo Ivo. Educação Superior: Democratizando o Acesso. Avaliação. Campinas; Sorocaba, n.4, p. 9-22, dez. 2004.
SEVERINO, Antônio Joaquim. Expansão do ensino superior: contextos, desafios, possibilidades. Avaliação, Campinas; Sorocaba, v. 14, n.2, p. 253-266, jul 2009.
UFGD. Lei de Criação. Lei Nº 11.153, de 29 de Julho de 2005. Dispõe sobre a instituição da Fundação Universidade Federal da Grande Dourados - UFGD, por
318
desmembramento da Fundação Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS, e dá outras providências. Dourados: UFGD, 2005. Disponível em: < http://www.ufgd.edu.br/sobre/lei-de-criacao>. Acesso em 28 de jul. 2011. _____. Processo Seletivo Vestibular da UFGD 2009. Dourados: UFGD, 2011. Disponível em: <http://www.ufgd.edu.br/vestibulares> Acesso em: 27 de jul. 2011. ______.Reestruturação e Expansão da Universidade Federal da Grande Dourados: REUNI-UFGD. Dourados: UFGD, 2007. Disponível em: <http://www.ufgd.edu.br/reitoria/reuni>. Acesso em: 27 de jul. 2011.
319
O PEDAGOGO NO ÂMBITO HOSPITALAR VÍNCULO MÃE E BEBÊ
Ana Paula Mayer Hass78
Resumo Até bem pouco tempo a educação estava restrita ao espaço escolar, hoje a pedagogia está presente em espaços diferenciados com projetos que abrangem empresas, hospitais, praças e outros ambientes com a valorização do contexto proporcionando conhecimento a uma gama maior de pessoas de maneira a promover a formação integral do educando. Palavras-chave: Pedagogo.Hospital. Educação. Introdução A pedagogia hospitalar é uma área que surgiu a pouco tempo abrindo assim mais
um, espaço para atuação do pedagogo. Considerando a importância do trabalho do
pedagogo em parceria com o enfermeiro como dois profissionais trabalhando juntos
cada qual na sua função podem fazer do hospital , um local mais agradável,onde os
pacientes podem aprender se descontraindo, e funcionários motivando-se .
A presença da pedagogia no contexto hospitalar justifica-se pela necessidade de
incluir crianças hospitalizadas no processo escolar, proporcionando-lhe oportunidade de
acesso ao ensino regular. Tendo também papel importante no desenvolvimento das
relações interpessoais entre funcionários dos hospitais e com os pais ou responsáveis
pelas crianças enfermas,bem como as mães na maternidade, auxiliando-as sobre o
desenvolvimento do bebê de 0 a 2 anos,enfatizando a importância da
78
Pedagoga, com especialização em Educação Infantil e séries iniciais, atuando na rede estadual de ensino do estado do Paraná (SEED). E-mail [email protected]
Revista Eletrônica Pedagogia em Foco, v. 7, setembro de 2012
320
amamentação,higiene e vínculo afetivo família-criança,como por exemplo: a massagem
Shantala, que é instrumento eficaz para a aproximação entre mãe e filho como cita
(MATOS et al,2001p.20). Neste artigo quero destacar a importância da atuação do
pedagogo no hospital, auxiliando as mães com informações relevantes sobre o vínculo
mãe e filho.
O homem ,hoje está sedento de conhecimento, de novos mananciais de
sabedoria, cuja encruzilhada descortinam-se desafios sociais, tecnológicos e científicos.
O fundamental, todavia, é que se manifeste conscientemente por suas ações.
(MATOS,2001 p. 21)
A Sensibilidade do recém nascido
Segundo MONTAGU (1998,p.26) na evolução da sensibilidade no ser humano,
a sensibilidade total foi a primeira a surgir, e foi a partir dela que os outros sentidos se
diferenciaram, ela é o primeiro sentido a tornar-se funcional na espécie humana e em
outros mamíferos, fato este que comprova sua grande importância, pois segundo
fundamentos da embriologia,quanto mais cedo se desenvolve uma função mais
importante ela é para o individuo, a sensibilidade total já pode ser testada no embrião
humano de seis semanas,onde um leve acariciar do lábio superior ou das abas do
nariz,fazem o pescoço curvar-se até a fonte do estímulo.
DAVIS (1999,p.141) comenta que:
[...] comodamente instalado no útero, o feto sente sobre tudo a superfície do corpo, o calor e a pressão do liquido amniótico que amplifica a batida firme e ritmada do coração da mãe. Ao nascer, o bebê escorrega lenta e inexoravelmente desse lugar quente e latejante e sujeita-se por algum a tempo a sua grande pressão para em seguida ser expelido para fora, afim de sentir na própria pele, a força da gravidade, a pressão atmosférica e a temperatura que não coincide com a de seu corpo.
O recém nascido não manifesta respostas visíveis a irritações na pele, as
sensibilidade dolorosas e táteis não estão bem definidas, os bebês geralmente
respondem apenas a estimulação de pressão profunda. Esta relativa insensibilidade do
recém nascido dura até por volta dos dez dias de idade, quando os bebês começam a
responder a irritação cutânea.
Com o crescimento do bebê aumenta o numero de receptores sensitivos na pele
e o bebê passa então a desenvolver a sensibilidade do tato, que a princípio é percebida
por ele de modo muito generalizado,inespecífico e preciso.
O bebê explora o mundo pelo tato, é dessa forma que ele descobre onde termina
o seu corpo e onde começa o mundo exterior.Quando começa a se mexer, o sentido tátil
321
é seu primeiro guia, ele vai de encontro a superfícies que o suportam ou que cedem,
investe contra o calor e o frio, contra a aspereza e a maciez desta maneira ele vai
relacionar a experiência visual com a tátil.
O conhecimento das emoções também começa pelo tato a voz materna substitui
o toque materno, suas expressões faciais e seus gestos comunicando ao bebê as mesmas
coisas que a mãe comunicava quando pegava no colo.
Estudos em varias culturas do mundo mostram como o “vínculo mãe e bebê” é
fundamental para a formação de um adulto livre feliz e criativo.
São muitos os momentos que o vínculo pode ser estabelecido, mas há alguns
mais significativos; através da gestação, da amamentação e do toque. É inacreditável
como pode ser valioso para o bebê o simples contato da pele da mãe com a dele.
O vínculo é a ligação que se estabelece com a mãe e o bebê . Um fluxo de
energia da mãe para o filho, essa ligação é física, emocional e espiritual, e é natural
surge desde a concepção . A qualidade deste primeiro vínculo vai determinar, em
grande parte, a forma como o bebê vai se relacionar com o mundo em toda sua vida.
O papel do vínculo é fazer uma parte entre o conhecido (barriga da mãe), e
desconhecido (mundo externo).
Se esta ponte estiver bem constituída, a passagem de uma situação para outra é
favorecida, o que influenciará profundamente a relação que a criança terá com todas as
situações novas que encontrar em sua vida. O vinculo de “bem estar” que será vivido
pelo resto de sua vida como maneira de estar de bem com o mundo.
O bebê que tem esse vínculo fortalecido é feliz, está apto para crescer
independente e carinhoso. Ele buscará sua satisfação com confiança aprendendo a
suportar as frustrações que a vida lhe colocar, será alguém mais equilibrado. Com o
vínculo forte, a criança se sente mais livre, ela aprende e se desenvolve a partir das
experiências, amplia os limites do seu mundo.
O toque tem importância vital para fortalecer esse vínculo, ajudando ao
desenvolvimento físico e emocional do bebê. Após o nascimento ele precisa de ajuda
para se adaptar ao novo ambiente, tão diferente da barriga da mãe.
O tocar traz grandes benefícios, pois ao envolver o bebê nos braços, no peito, ao
dar-lhe apoio e contato, a mãe estará recriando as sensações de conforto e segurança
vindos do útero, facilitando sua transição para as novas condições de vida.
Segundo estudos e pesquisas do University of Miami Medical Schoole do Duke
University Medical School, os bebês massageados dormem melhor, ganham mais peso,
choram menos ficam mais alertas, tornam-se mais conscientes, toleram melhor ruídos e
322
ficam mais ligados aos pais, e uma das mais surpreendentes descobertas é o aumento da
imunidade ás doenças em que crianças que foram massageadas por suas mães.
A criança massageada é mais descontraída porque seu organismo exerce suas
funções de forma mais equilibrada.
A massagem Shantala
Nutrir a criança? Sim. Mas não só com o leite. É preciso pegá-la no colo É
preciso acariciá-la, embalá-la. E massageá-la, alimentos tão indispensáveis, senão
mais, do que vitaminas, sais minerais e proteínas. Se for privada disso tudo, do cheiro,
do calor e da voz que ela conhece bem, mesmo cheia de leite, a criança vai-se deixar
morrer de fome Frèdèrick Leboyer.
A massagem da vida é uma vigorosa massagem com óleo, combinado com um
pó produzido de uma raiz, que estimula os músculos e tecidos liberando as toxinas.Esta
massagem tem efeito terapêutico também a nível de corpo emocional. As emoções e
experiências vivenciadas e contraídas no corpo, são “tocadas” e liberadas, propiciando
um profundo processo de autoconhecimento e de transformação interna e externa a
partir de uma consciência corporal.
Shantala é uma massagem originária do sul da Índia e é transmitida
oralmente de geração em geração. Foi descoberta por Frédérick Leboyer, médico
francês que em uma de suas viagens ao sul da Índia (Calcutá), observou em uma
pequena aldeia uma mãe massageando seu bebê . Com movimentos suaves,
delicados e carinhosos ficou encantado com a força dessa técnica e batizou a
seqüência de movimentos com o mesmo nome da mãe que fazia a massagem:
SHANTALA. Shantala também é o livro mais lido que Dr. Frédérick Leboyer
escreveu; comemora a vida, fala com poesia da relação envolvente da mãe com o
bebê.
Sabemos que para um desenvolvimento psíquico saudável é necessário que
a mãe se encontre (estado de preocupação materna primária) em sintonia com seu
bebê.
A maneira como a mãe toca seu bebê, seja pelas suas mãos ou pelo seu olhar; a
forma com que é banhado, embalado, alimentado; o modo como ela lhe dirige as
palavras,permitem que o bebê entre em contato com as diversas partes do seu corpo e
vivencie um sentimento de continuidade de ser. É através desse contato que o bebê será
323
capaz de ascender à sua existência psicossomática, quando ocorrerá a inserção da
psique no soma e que essas experiências entre eles possibilitam que o bebê vá,
pouco a pouco,percebendo a existência de sua pele. Tanto para Winnicott quanto para
Leboyer, a pele tem um importante papel na constituição da psique do bebê . Para
Winnicott (1988): “a pele é de importância obvia o processo de localização
da psique dentro do corpo. O manuseio da pele no cuidado do bebê é um
fator importante no estímulo a uma vida saudável dentro do corpo, da
mesma forma que o para processo de integração” (WINNICOTT, 1988, p. 143).
Leboyer (2004) também traz sua contribuição quando nos fala com poesia
sobre a importância da pele: “percebe-se logo como é importante o contato, a
maneira de tocar a criança. É uma linguagem pele a pele. Desta pele da qual derivam os
outros órgãos dos sentidos” (LEBOYER, 2004. p. 93). Que são como janelas, que são
como aberturas nas paredes de pele que nos limitam e nos separam do mundo.Aberturas
através das quais entramos em relação com o exterior. É por meio desta pele que a
criança conhece o mundo: sua mãe. Primeiro contato com este mundo, com o
desconhecido, com o outro.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O hospital é um local onde as pessoas internadas sentem-se frágeis, e
enfraquecidas necessitam não só de atendimento médico, mas afetivo, pois este é
fundamental para sua recuperação. E quando se trata de criança o afeto é ainda mais
importante, pois lá ela fica longe dos amigos, da família e da escola, agravando ainda
mais seu quadro clínico. A pedagogia hospitalar, tem a finalidade de abrir novos
caminhos que proporcione aos pacientes, momentos agradáveis mesmo no hospital,
visto pelos mesmos como local triste. O “paciente” não deve ficar alheio ao mundo, e a
sociedade pelo fato de estar internado, mas ele deve ser motivado, para que sua
recuperação seja mais rápida.
No projeto Rede Sol em Curitiba a Fundação Cultural leva animação para as
instituições como: asilos, hospitais, albergues onde hospedam pessoas doentes e
portadoras de câncer que não tem onde ficar pra fazer seus tratamentos; uma das
cantoras que compõe o grupo relata afirmando “ a música tem poder curativo, para mim
os resultados deste trabalho são os melhores possíveis, porque além de levar momentos
de descontração leva também esperança”, A cantora lembra que em uma das
apresentações a doentes de câncer vindos do interior, alojados no albergue São João
324
Baptista,os pacientes continuaram cantando mesmo depois do show terminar.”Nos
recebemos um dom divino eu acho que temos a obrigação de compartilhá-lo”.
O que nos podemos fazer frente a realidade cada vez mais complexa é um
repensar em relação ao espaço pedagógico, afirma Pimenta, apud Libâneo (1991,p121).
Por certo a ampliação do campo de ação do pedagogo, em correspondência com
a amplitude cada vez maior das práticas educativas na sociedade, leva também , ao
aparecimento de operadores do processo educativo para além do educador escolar. Com
isso, aqueles elementos constitutivos da relação pedagógica vão adquirindo outras
acepções de aluno e educador. O educador não é mais apenas o docente,são os
múltilplos agentes educativos conforme as instancias em que operem(família, escola,
meios de comunicação, fábrica,movimentos sociais, etc). Não é apenas o aluno na
escola, mas o adulto,os pais, o telespectador,o leitor, o trabalhador,o morador, o
consumidor etc.
O curso de pedagogia passou por vários momentos – os cursos de pedagogia e
licenciatura tem papel significativo na sociedade, desde os anos 80 na luta pela
valorização do profissional da educação houve alguns avanços apenas em relação as
grades curriculares em cursos superiores, porém pouco se avançou em relação a
medidas de cunho efetivo e operacional, o curso de pedagogia tem a sua regulamentação
no Brasil a partir de 1939,que prevê a formação de Bacharel em Pedagogia,conhecido
como “ técnico em educação” a legislação posterior em atendimento a Lei nº 4.029/61
(LDB),mantém o curso de bacharelado para a formação do pedagogo (parecer CFE
292/62). O Parecer CFE 252/69 – última regulamentação existente abole a distinção
entre bacharelado e licenciatura, e mantém a formação do especialista. Com a intenção
de formar o especialista no professor, hoje a formação recebe o título licenciado.
Depois disso as iniciativas em reformular o curso de Pedagogia e as licenciaturas
surgem na segunda metade da década de 70, envolvendo organismos oficiais e entidades
independentes de educadores. Em meados de 80, investiu-se na formação do professor,
suprimindo as habilitações em Administração, Supervisão e Orientação por entenderem
que o parecer CFE 252/69, estaria fragmentando o ensino. Essa iniciativa seria uma
tentativa de formar o professor polivalente por acreditarem estar havendo divisões de
trabalho nas escolas, e pelos poucos avanços ocorridos ao longo de 50 anos questiona-se
a identidade do curso de pedagogia.
A pedagogia tem por tarefa promover a apropriação de saberes, atitudes e
valores através da ação mediadora, e se propõem a assegurar o desenvolvimento das
capacidades cognitivas operacionais, sociais e morais pra a promoção do cidadão mais
325
participativo. Para isso faz-se necessário superar as formas conservadoras, rompendo
com a ideia que é só na escola que se produz conhecimentos e buscar alternativas fora
dela para se efetivar este conceito de educação.
O que é a pedagogia? Quem é o pedagogo? Quais suas atribuições? É o que
conduz! Após tantas mudanças na sociedade, busca-se novos significados para a
pedagogia,e para os trabalhos do pedagogo; na escola ele é o professor,o articulador do
aprender da criança,e da boa vivência,é o que promove o clima da escola, é o articulador
da prática pedagógica quem da sustentação aos trabalhos da coletividade na escola, e
hoje ele busca esse espaço extraclasse como investigador, pesquisador de aprendizagens
em outros campos, levando informações e saberes nos espaços informais através de
trabalhos pedagógicos com crianças que permanecem internadas por mais tempo nos
hospitais,levando instruções as mães ajudando no desenvolvimento do vinculo afetivo.
As práticas educativas na sociedade sejam elas formais ou informais, escolares ou extra-
escolarizo com intencionalidade se configuram como ações pedagógicas.
Para NASSIF, as atividades se destacam através da sua própria prática educativa,
recebendo subsídios secundários das ciências auxiliares,e formando a ciência
pedagógica .Logo entendemos que a pedagogia é uma ciência inserida no conjunto das
ciências da educação, refere-se ao fenômeno educativo que se transformam em
conhecimentos educativos.
O contexto hospitalar enquanto ambiente de conhecimento, de vários
acontecimentos novos, possui características peculiares, todos que se encontram
inseridos em seu seio são profissionais da saúde. E nesse ambiente o Pedagogo deve
perceber as intenções subjetivas das respostas, ás necessidades do paciente, tomar
iniciativa e transpor barreiras, necessitando de equilíbrio emocional para agir com
segurança, atenção e tranquilidade junto aos pacientes.
Cabe ao educador tomar iniciativa, nesse novo enfoque educacional, fazendo
acontecer esta integração, escola-sociedade-hospital. Segundo Matos (et al 2001) a
pedagogia hospitalar propõe-se a realizar à ajuda eficaz que se pode realizar com o
enfermo, á finalidade da ação educativa continuada no âmbito hospitalar é própria de
um saber e de uma profissão específica, numa ação pedagógica que não se opõe nem se
confunde com a ação e a finalidade que são naturais a medicina e ao ato médico.
O compromisso do pedagogo no contexto hospitalar e com o exercício da
cidadania,visa estímulo que possibilite o desenvolvimento humano pleno, em todos os
seus sentidos, reestruturando o desenvolvimento afetivo, explicando seus medos, e
326
integrando o pensar, sentir e agir. Efetuando assim a inserção do autoconhecimento e
auto-estima dos pacientes, mesmo sendo uma mudança muitas vezes lenta e gradual.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABRAM, J. A linguagem de Winnicott. Dicionário das palavras e expressões utilizadas por Donald W Winnicott. Rio de Janeiro: Editora Revinter, 2000.
CECCIM, Ricardo Burg. Classe hospitalar: encontros da educação e da saúde no ambiente hospitalar.Revista Pedagógica Pátio, n. 10, p. 41-44, ago./out. 1999.
CECCIM, Ricardo Burg; CARVALHO, Paulo R. Antonacci. Criança hospitalizada: atenção integral como escuta à vida. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1997.
GIL,J.D; PAULA, E.M. A A MARCON, A.Olhar de professor, Revista Demet, Ponta Grossa,2001, p.13-113. LEI DE DIRETRIZES E BASE DA EDUCAÇAO NACIONAL, nº 9394, promulgada em 20/12/96, Ed. Abril. LEBOYER, F. (1998). Shantala Massagem para bebês: uma arte tradicional 7ª edição.São Paulo: Ground, 1998.
MATOS, Elizete L M; MUGGIATI, FREITAS, Margarida M.T. Pedagogia Hospitalar: Curitiba: Ed.Champagnat, 2001. MONTAGU, Ashely. Tocar o significado humano da pele. São Paulo: Summus,1998. SILVA, José M. Estatuto da criança e do adolescente. Comentário. Revista dos Tribunais. São Paulo: [s.n.] 1994.
327
REFLEXOS DA FORMAÇÃO CONTINUADA NO EDUCADOR EM UMA INSTITUIÇÃO EDUCACIONAL DO TERCEIRO SETOR
Ana Paula Pereira Arantes79 Adriana Barbosa Oliveira Marrega80
Anderson José de Paula81 Marilourdes Ferreira Amaro Marques82
Resumo
O presente artigo pretendeu identificar e analisar os reflexos da formação continuada no educador em uma instituição de terceiro setor, conceituando essa nomenclatura, caracterizando seus educadores, identificando o tipo de formação continuada e analisando os reflexos dela. Por meio de uma abordagem qualitativa na forma de estudo de caso, questionou-se os educadores sobre os benefícios da formação continuada praticada por eles na Fundação Credirama Viva, instituição do terceiro setor, localizada na cidade de Iturama. Sendo assim, tal formação proporcionou a esses educadores sanar as dificuldades em adequar o conhecimento específico e sua prática à atuação, uma vez
79 Ana Paula Pereira Arantes – Pedagoga pela Universidade Federal de Uberlândia(UFU). Especialista em Supervisão Escolar (UNIMONTES) e Gestão Escolar Integradora (FAMA). Mestre em Educação(UNOESTE). 80
Adriana Barbosa Oliveira Marrega – Licenciatura em Ciências Biológicas com habilitação em Matemática e Física no Centro Universitário de Votuporanga – UNIFEV e em Pedagogia com habilitação em Supervisão Escolar, pela Faculdade do Noroeste de Minas – FINOM; e pós graduanda “lato sensu” em Gestão Escolar Integradora pela Faculdade Aldete Maria Alves – FAMA. 81
Anderson José de Paula – Graduado em Letras – Licenciatura Plena em Português e Inglês pela Fundação Educacional de Fernandópolis – FEF e pós-graduado “latu sensu” em Didática do Ensino Superior pelo Centro Universitário de Rio Preto – UNIRP; graduando em Pedagogia ela Faculdade de Auriflama FAU/UNIESP e pós graduando “lato sensu” em Gestão Escolar Integradora pela Faculdade Aldete Maria Alves – FAMA. 82
Marilourdes Ferreira Amaro Marques – Graduada em Matemática – Licenciatura Plena em Ciências com Habilitação em Matemática pelas Faculdades Integradas de Jales – FAI Jales; e pós graduanda “lato sensu” em Gestão Escolar Integradora pela Faculdade Aldete Maria Alves – FAMA.
Revista Eletrônica Pedagogia em Foco, v. 7, setembro de 2012
328
que, para a equipe atuante, a denominação “Terceiro Setor” não foi assunto de seu currículo de graduação.
Palavras-chave: Formação Continuada. Educação. Terceiro Setor.
Introdução
O trabalho partiu da observação, em estágio do curso de pós-graduação em
Gestão Escolar Integradora da Faculdade Aldete Maria Alves – FAMA, dos benefícios
da formação continuada praticada pelos educadores da Fundação Credirama Viva –
FCV – Instituição Educacional do Terceiro Setor.
Tal formação proporciona a esses educadores sanar as dificuldades em adequar o
conhecimento específico e sua prática à atuação, visto que, por se tratar de uma
instituição não escolar, essa disciplina não fez parte do currículo de graduação desses
professores.
Sendo assim, ela tem como propósito identificar e analisar os reflexos da
formação continuada no educador em uma instituição educacional do terceiro setor,
conceituando esse setor, caracterizando os educadores e a instituição, identificando a
formação continuada utilizada e analisando os reflexos provocados por ela nos
educadores.
A pesquisa pode ser considerada um procedimento formal com método de pensamento reflexivo que requer um tratamento científico e se constitui no caminho para se conhecer a realidade ou para descobrir verdades parciais. Significa muito mais do que apenas procurar a verdade: é encontrar respostas para questões propostas, utilizando métodos científicos.(MARCONI; LAKATOS, 2009, p.43)
Esta pesquisa foi desenvolvida na abordagem qualitativa na forma de estudo de
caso.
Triviños (1987) define o estudo de caso na pesquisa qualitativa como a maneira
de aproximar o pesquisador à realidade em estudo, já que parte de alguns pressupostos
teóricos iniciais, mas procura se manter constantemente atentos a novos elementos
emergentes e importantes para discutir a problemática em questão.
Diante do exposto, entende-se o estudo de caso como uma estratégia de
pesquisa relevante no processo educativo.
Mediante Vergara (2009), na escolha da amostra, deve-se ter o cuidado de: [...] selecionar aqueles que sejam representativos do grupo social em estudo e que, pelo menos em princípio, possam trazer-lhe respostas que emprestem qualidade ao seu trabalho de pesquisa e que lhe permitam ter uma visão mais abrangente do seu problema de investigação. (p.24)
329
Assim, os sujeitos da pesquisa foram selecionados conforme a área de atuação
dentro da Instituição do Terceiro Setor, observando a oficina ministrada, nível de
formação e tempo de atuação na FCV.
Foram analisados cinco educadores denominados neste trabalho como: educador
α (alfa), educador β (beta), educador γ (gama) educador ω (ômega).
Foi aplicado um questionário aos sujeitos escolhidos para que fossem
identificados e analisados os reflexos da formação continuada. Para Vergara (2009),
esse questionário deve surgir a partir do problema que suscitou a investigação e do
referencial teórico utilizado, devem ser elaboradas questões simples, claras, diretas, em
linguagem adequada ao respondente.
Questionário é um método de coletar dados no campo, de interagir com o campo composto por uma série ordenada de questões a respeito de variáveis e situações que o pesquisador deseja investigar. Tais questões são apresentadas a um respondente, por escrito para que ele responda também dessa forma... (VERGARA, 2009, p.39)
O questionário foi aplicado no dia vinte e nove de fevereiro de dois mil e doze.
Após a aplicação foi realizada a análise e interpretação dos dados obtidos.
Desenvolvimento
Terceiro Setor: conceitos
A Educação chegou ao Brasil acompanhada pelos nossos “colonizadores” que
sob domínio da igreja católica tinha como objetivo atender os filhos da classe bem
sucedida, excluindo assim tal recurso às classes dos operários/escravos. E desde então a
educação voltada a estes, passou a ser ao longo do tempo, a luta de alguns.
[...] A história nos mostra que a educação em suas origens foi sistematizada por preceitos liberais do capitalismo, no qual a construção da sociedade moderna era alicerçada, sendo constituído por dois pilares: o mercado e a democracia. Já nesse momento, havia contradições, pois se por um lado, a concepção do mercado buscava a acumulação de riquezas por meio do lucro e da mais-valia, por outro, o ideal de democracia buscava ações e práticas mais inclusivas, buscando diminuir o grau de desigualdade e exclusão (DALBERIO, 2009, p.21).
Várias foram as políticas pelos quais buscavam a tão sonhada democracia.
Democracia esta que levou o setor educacional brasileiro a sofrer uma reestruturação
entre 1960 e 1980, empreendida inicialmente pelo estado e posteriormente pela política
neoliberal adotada por ele, e como consequência vivemos hoje a desqualificação da
educação nacional.
330
Muitas são as defasagens do ensino formal. Convivemos em pleno século
tecnológico com uma sociedade iletrada. Nossos representantes políticos descobriram
que a educação é cara, e se eximindo de sua responsabilidade, amparados no
neoliberalismo globalizado, incentiva cada classe a possuir sua escola. A educação
deixou de ser um direito e passou a ser um produto.
Vivendo todo esse drama, surgi após a década de 1990 no Brasil um terceiro
setor em prol de amenizar as marcas da população mais carente, que quando dizem
serem alfabetizados não passam de analfabetos funcionais. Tal setor distribui as
responsabilidades para com a esfera educativa, caracterizada pelas parcerias e
voluntariados.
O terceiro setor é constituído por organizações criadas por iniciativas privadas
que tem gerado bens e serviços de caráter público.
Gerou-se uma nova forma de se relacionar Estado e sociedade civil, alterando
com isso, o cenário educativo atual.
A denominação “Terceiro Setor” surgiu, após a análise das atividades de
organizações da sociedade civil. Isso se deu pela capacidade de englobar atividades que
não estão dentro da órbita de atividades governamentais.
O Estado reduz seu papel de executor ou de prestador de serviço e mantém seu
papel de regulador ou promotor destes, deixando claro que as instituições do terceiro
setor não possuem poder de Estado.
As organizações sociais devem obedecer aos critérios de eficácia, usufruindo
autonomia suficiente para gerir recursos e estão voltadas para o controle dos resultados.
Essas organizações não possuem fins lucrativos e estão voltadas ao atendimento do
interesse público.
Cabe ressaltar que muitas são as críticas que se relacionam com o trabalho do
terceiro setor, questionando as ações diante da dinâmica social.
Segundo Merege (2010):
Assim como o oxigênio, que sempre existiu no ar, mas que somente foi identificado por Lavoisier no século XVIII, o Terceiro Setor, apesar de sua existência secular, não era reconhecido como um setor com características próprias. Se o oxigênio é fundamental para a vida em sociedade. Daí a importância do reconhecimento de sua existência. (p.02)
Diante do exposto Aoyama (2005), se vale da necessidade de se aprofundar
teoricamente nas diferentes posições do assunto.
Essa especificidade de educação é compreendida como uma esfera de atuação
dentro da área educacional mais ampla e correspondem as educacionais que não
ocorrem nos moldes formais do universo educacional.
331
Todavia, os sistemas escolares são ambíguos podendo servir tanto para
promover a ampliação das oportunidades sociais quanto para a preservação das
desigualdades e como autores, devemos continuar a lutar por uma educação
democrática.
Caracterização da instituição e dos educadores pesquisados
A Fundação Credirama Viva – FCV é uma instituição educacional do Terceiro
Setor filantrópica de cursos livres.
Ela é resultado de um projeto que nasceu de um desejo ou sonho do diretor
presidente do Sicoob Credirama Sr. Fábio Reiff Biraghi que, sensibilizado e apoiado
por Tereza Márcia Queiroz Pontes tornou-o real com a efetivação do Projeto Oásis –
alicerce deste sonho.
Fundada em 05 de outubro de 2004, no município de Iturama, no Estado de
Minas Gerais, e mantida pela Cooperativa de Crédito Rural da região de Iturama Ltda –
Sicoob Credirama, a FCV tem como missão propiciar condições necessárias para que os
alunos possam explorar todas as suas possibilidades como cidadãos, possibilitando
oportunidades para transformar sua vida e o meio em que vive.
As atividades tiveram início na Av. Juscelino Kubitschek no910, centro em
prédio alugado, mas no final do ano de 2007 a FCV ganhou do município um terreno na
Rua 3, 270 – Bairro Boulanger na cidade de Iturama – MG e em Fevereiro de 2008
muda-se para o novo endereço – sede própria.
A sua mantenedora preocupada com o desenvolvimento social da população, ou
seja, com o progresso da cidade em que se estabelece, sob os valores do cooperativismo,
oferece além de conhecimento, a formação de seus alunos, desenvolvendo não somente
o conteúdo específico, mas também as características primordiais de um ser humano
completo, visando que os mesmos sejam capazes de exercer conscientemente a
Cidadania.
A Instituição atende alunos de baixa renda, oriundos de escolas municipais e
estaduais, na faixa etária de 10 a 14 anos (6o ao 9o Ano do Ensino Fundamental) dando
a oportunidade de desenvolver seu intelecto, a boa conduta, os valores humanos, a
formação social, com o intuito de que se destaquem em meio à adversidade em que
vivem.
As atividades curriculares em outubro de 2004 foram efetuadas com 20 crianças,
01 auxiliar de serviços gerais, 01secretária, 01 coordenadora pedagógica, 04 professores
que desenvolveram seu trabalho específico em oficinas sendo elas: oficina de Literária e
332
Linguística, oficina de raciocínio matemático, oficina de artes, oficina de práticas
esportivas e oficina de Inglês que foi terceirizada e Tereza Márcia Queiroz Pontes como
diretora.
As diversas oficinas têm como propósito suprir as necessidades dos alunos, além
de trabalhar com temas polêmicos, de interesse pessoal e coletivo, discutidos em seu dia
a dia. Os alunos estão sujeitos ao regimento interno assim como todos os profissionais
atuantes. O qual deixa claro que a frequência dos mesmos é condição necessária à
permanência dos mesmos em suas respectivas posições – alunos ou funcionários.
A FCV surgiu pensando em propor melhores condições de vida às crianças e
melhores fontes de trabalho ao término do período de 4 anos em que os alunos
permanecem na mesma, mostrando a todos os alunos os valores que devem prevalecer
na sociedade, como solidariedade, participação, justiça e capacidade para construir sua
própria identidade.
No início o período era dividido em 04 módulos diários de 50 minutos e
atualmente acontece em 05 módulos diários de 45 minutos. Sendo que o período inicia
às 13horas e 15 minutos com um lanche, e as oficinas, são ministradas das 13horas e 30
minutos às 17horas e 15 minutos, onde então é servido o jantar e os alunos são
dispensados às 18 horas. Atendia e continua atendendo no horário vespertino, tendo em
vista que os alunos estudam no período da manhã em escolas públicas. O período de
permanência na instituição é de 04 anos, no qual recebem uma variedade de estímulos
que contribuem para o desenvolvimento pleno e integral dos discentes.
O primeiro processo utilizado para o ingresso na instituição pautou-se em alguns
critérios estabelecidos pela FCV, regimento interno, que foram encaminhados para as
escolas e que serviram para que a direção e supervisão das mesmas fizessem a indicação
do número exato de meninos (10) e meninas (10) dos alunos propulsores do projeto
Oasis.
A partir do segundo processo seletivo a instituição, visando atender realmente o
público alvo do Projeto Oásis, inseriu provas de matemática, português, redação e
entrevistas, o qual tem sido utilizado até os dias atuais, além de visitas e consultas
socioeconômicas.
Junto às alterações do processo de inserção de alunos e funcionários à Fundação,
também o processo pedagógico sofreu alterações. Em 2005 foram implantadas a Oficina
de Xadrez, e aulas para a formação de um coral, cujas professoras trabalhavam como
voluntárias, membros da Comunidade Mar a Dentro. Em 2006 foi implantada a Oficina
de Cidadania, e a Literária foi desmembrada da Linguística.
333
No 3° Processo Seletivo a alteração foi em relação à renda familiar que não
podia ultrapassar dois salários mínimos. Havendo excesso, calcularam a media pelo
número de dependentes da mesma, não podendo extrapolar o valor de R$ 150,00 (cento
e cinqüenta reais) por pessoa. Hoje, utiliza-se, como mínima, a renda familiar de três
salários mínimos.
Em 2011, a FCV contou com 82 alunos, divididos em 8 turmas, 20 funcionários,
Tereza Márcia Queiroz Pontes diretora Educacional em segundo mandato, 13 oficinas
sendo que, em 2011, Literária volta a fazer parte da oficina de linguística e educação
musical passou a ser responsabilidade da instituição.
Atende à inclusão social étnica e social, mas não possui adequações para
atendimentos à inclusão de necessidades especiais, por ausência de espaço e
profissionais específicos para tal situação.
São utilizados 9 salas de aula, 1 sala de informática, 2 banheiros para alunos, 2
banheiros para profissionais, 1 campo gramado, 1 sala de professores e 1 refeitório
apropriado. Além do espaço à direção, coordenação pedagógica, coordenação
administrativa, secretaria/recepção, cozinha e dispensa.
A equipe de trabalho é formada por: Diretora Educacional – trabalho voluntário,
Coordenadora Pedagógica, Coordenadora Administrativa, Secretária, Guarda Noturno,
02 Cozinheira, 04 Auxiliares de Serviços Gerais e 11docentes.
A metodologia e o fazer pedagógico, em sintonia com as novas teorias da
educação, são propícias em despontar muitas estrelas. Seja alunos ou professores, frutos
de dedicação e responsabilidade. A equipe de trabalho vem, através de estudos e
pesquisas, construindo a identidade desta instituição de educação não formal do terceiro
setor deixando claro que sua missão está além de ensinar os PCN's,
Os profissionais da educação desta instituição, como agente da atividade
transformadora, necessita de uma sólida formação teórica (pedagógica), no sentido de
possibilitar a elucidação de situações educativas apontando para a humanização,
interpretando a educação como formação humana. Agir de forma prática, seja no
cotidiano, seja na atividade profissional, dá-se quando se estabelece o elo entre o agir e
o pensar.
Portanto, ao desejarem uma perspectiva emancipatória e um caráter cada vez
mais qualitativo para a educação que é ofertada, a FCV exige profissionais graduados, e,
seu quadro docente é composto de profissionais com licenciatura específica a que
trabalha, e aqueles que não a possuem apresentam cursos específicos na área de atuação,
como os professores de: inglês, educação musical, xadrez, informática e raciocínio
334
matemático. A Instituição utiliza-se de formação em serviço para deixar atualizado seu
quadro de profissionais da educação, além de incentivar cursos de extensão, pós-
graduação e especializações.
Todas as metodologias e didáticas educacionais utilizadas orientadas pela
direção e coordenação, são seguidas por todas as oficinas com um único propósito:
oferecer condições de aprendizagem eficazes aos educandos que permanecem na
instituição por quatro anos. O que permite verificar a unificação do trabalho pedagógico
no ambiente educacional, favorecendo a política institucional.
Os módulos com a coordenadora pedagógica são realizados todas as semanas,
sendo que a cada quinze dias o módulo é individual para apresentação dos planos de
ensino e eventuais situações, e quinzenalmente os encontros são coletivos para que cada
docente conheça o trabalho geral da instituição e os recados sejam transmitidos.
Seus registros são eletrônicos, em planilha elaborada pela própria Instituição,
onde o foco da avaliação formativa é a postura, pontualidade, participação, organização,
integração, disciplina, criatividade e criticidade do aluno. As notas são uma extensão a
evolução do discente em todos os quesitos analisados.
Formação continuada como capacitação docente: estudo de caso
Analisando o conceito de Terceiro Setor e a caracterização da instituição e dos
educadores pesquisados, percebe-se que a formação continuada tem sido o caminho
encontrado para o desenvolvimento profissional do docente de todos os níveis de
ensino. Na Educação Básica, esta tem sido uma prática de longos anos. Vejamos:
Educação permanente, cursos de reciclagem, de treinamento, de atualização e capacitação docente são alguns dos termos mais utilizados, cada um se refere a características diferentes de um mesmo objeto de atenção que é a formação do trabalhador, no caso o professor quando este já está no exercício de sua função. (BARBIERI; CARVALHO; UHLE, 1995 p. 32).
Parte-se do pressuposto que esse trabalho (de formação continuada) exige de
quem oferece “um trabalho simultâneo sobre a pessoa do professor, sobre o seu
universo simbólico e sobre as suas representações, [...] sobre seus contextos de trabalho
e o modo como se apropriam deles”. (BARROSO, 2003).
E ainda:
[...] não se trata de, primeiro, ‘formar professores’, para que depois eles possam aplicar o que compreenderam, na transformação das escolas, mas, partindo do principio de que, como diz Rui Canário (1994), ‘os indivíduos mudam, mudando o próprio contexto em que trabalham’ fazer da mudança das escolas um processo de formação (e mudança) dos professores. Isto implica estabelecer uma integração entre o ‘lugar de aprender’ e o ‘ lugar de fazer’ criando condições para que se produza outra relação entre o saber’ e o ‘poder’, nas escolas. (IDEM, p. 58).
335
Este é o princípio da formação continuada. Proceder a uma integração entre o
espaço do aprender e o lugar do fazer. Eliminar a fragmentação do pensamento,
situando a aprendizagem no próprio espaço da prática profissional. Na dinâmica do
processo ensino-aprendizagem, o professor reconstrói os conhecimentos, reelabora a
teoria e, ao mesmo tempo, a partir desta teoria, reconstrói a prática, em consonância
com os princípios de uma pedagogia da autonomia, conforme sugerem Nóvoa (1995),
Freire (1996), Perrenoud (2000), Contreras (2002), e dentre outros.
No Brasil, a temática da formação continuada de professores é contemplada na
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB 9394/96 em seu artigo 63, bem
como o “aperfeiçoamento profissional continuado” está em seu artigo 67. Assim, as
recomendações da nova lei tornam necessária a implementação de investimentos,
objetivando a melhoria da ação pedagógica.
Pensando nisso, a Fundação Credirama Viva iniciou suas atividades no ano de
2011, reunindo durante as duas primeiras semanas do mês de fevereiro, a equipe
docente, para a apresentação de assuntos necessários à construção de planejamentos e
metodologias. Cada profissional utilizou-se do tempo necessário para a explanação do
tema sugerido para estudo pela direção no final do ano de 2010, na sala de informática
da instituição, onde todos participaram de um curso de formação em serviço.
Os temas foram distribuídos e apresentados da seguinte maneira: Educação
Informal e terceiro setor; Pedagogia da autonomia de Paulo Freire; Dificuldades na
aprendizagem; Professor Reflexivo; Humanização x Competitividade; Processos
avaliativos; Cidadania; Adolescência, segundo Piaget; As múltiplas inteligências de
Celso Antunes; Didática; Currículo; Pedagogia da Alteridade; Planejamento.
O último tema, somado com o conhecimento adquirido pelo estudo de todos os
outros, deu continuidade, com mais segurança, à elaboração do Plano Global da
instituição. Sua construção foi feita paulatinamente, alternando períodos de aulas, muito
estudo e a sua efetivação.
Porém, mantendo o perfil da instituição (investimento no recurso humano) foi
possibilitada participação na escolha da literatura para o próximo trabalho de estudo,
proposto para 2012. Sendo este:
“De Piaget a Freud” de Leandro Lajonquiere
“Currículo, território em disputa” de Miguel G. Arroyo
“Gestão” de Heloísa Luck
“Indisciplina e Disciplina Escolar” de Celso dos Santos Vasconcellos
336
“Formação docente e profissional” de Francisco Imbernón
“Práticas interdisciplinares na escola” de (org) Ivani Fazenda
“Planejamento em sala de aula” de Danilo Gandin
“O monge e o executivo” de James C. Hunter
“O que é a pergunta”de Mario Sergio Cortella e Silmara Rascalha Casadei
“Avaliação da aprendizagem” de Lukesi
“A escola e o conhecimento” de Mario Sergio Cortella
“Educação e cidadania” de Teuler Reis
“Jean Piaget e Paulo Freire” de Fernando Becker
Para a escolha de tais livros e temas foram levadas em consideração as
necessidades da instituição, do corpo docente e as tendências da atualidade, além de
possibilitar crescimento pessoal a todos ao efetuar troca de experiências e adquirir
novos conhecimentos.
Reflexos da capacitação em serviço nos educadores
Os educadores caracterizados anteriormente foram escolhidos de acordo com a
área de atuação totalizando quatro sujeitos, denominados aqui, educador α (alfa),
educador β (beta), educador γ (gama),educador ω (ômega).
Dessa forma, observamos os seguintes reflexos:
Partimos da leitura geral das questões a fim de chegarmos a algumas
especificações.
Na questão número um os educadores deveriam responder a quantidade de
capacitações em que participaram. Assim, percebemos que a maioria participou seis
vezes. Isso mostra que os educadores apresentam um compromisso com a parte de
capacitação oferecida pela instituição.
[...] a formação deve estimular uma perspectiva crítico-reflexiva, que forneça aos professores os meios de um pensamento autônomo e que facilite as dinâmicas de autoformação participada. Estar em formação implica um investimento pessoal, um trabalho livre e criativo sobre os percursos e os projectos próprios, com vistas à construção de uma identidade, que é também uma identidade profissional. (NOVÓA, 1991, p. 25).
Com isso:
[...] a prática docente crítica, implicante do pensar certo, envolve o movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer. [...] O que se precisa é possibilitar, que, voltando-se sobre si mesma, através da reflexão sobre a prática, a curiosidade ingênua, percebendo-se como tal, se vá tornando. (FREIRE, 2001 p. 42)
337
Dessa forma, a reflexão crítica permanente deve constituir-se como orientação
prioritária para a formação continuada dos professores que buscam a transformação
através de sua prática educativa.
Na questão dois que os indaga sobre a sua contribuição para a realização das
capacitações, o educador ωmencionou que participou com a exposição (uso de slides)
intitulada “Cidadania”. Além da exposição individual feita por cada professor,
participou também de argumentações e questionamento em todas as exposições.
Já o educador β afirmou que fez leituras de alguns livros e muita pesquisa.
Ainda o educador γ respondeu que participou ativamente com a equipe
envolvida no projeto na parte teórica e pratica.
Por fim o educador α disse que em duas foi somente ouvinte em uma foi
capacitador e nas restantes foi presente e desempenhou o papel de um participante
muito interessado.
Assim ficou clara a efetiva contribuição dos educadores, utilizando vários meios
e métodos para expor os temas e discutir a temática, já que ora eram agentes
capacitadores, ora, pacientes capacitados.
Na próxima questão os educadores deveriam responder qual a contribuição da
capacitação desenvolvida para a sua prática em sala de aula.
Aqui, percebe-se que há uma unanimidade em relação a melhora no processo de
ensino aprendizagem vinculada a uma ação-reflexão-ação, por meio das práxis,
oferecendo aos educadores possibilidades concretas de ampliar conhecimentos, rever o
que sabe e o que ainda necessita conhecer para aprofundar seus estudos teóricos e
aperfeiçoar sua prática.
Diante disso, como afirma António Nóvoa (2011):
[...]através dos movimentos pedagógicos ou das comunidades de prática, reforça-se um sentimento de pertença e de identidade profissional que é essencial para os professores se apropriarem dos processos de mudança e os transformem em práticas concretas de intervenção. É esta reflexão coletiva que dá sentido ao seu desenvolvimento profissional.(p. 17)
Ainda ressalta-se que:
[...]poderemos, assim, valorizar na escola atitudes e abordagens reflexivas, insistindo em dois pontos. Primeiro, a reflexão não é um exercício vazio ou que se faça o vazio – é sempre a partir de saberes, de conhecimentos e experiências, que se elabora o sentido do trabalho escolar. Segundo, a reflexão não é um ato isolado ou solitário – sem esquecer a importância do “pensar consigo”, o que melhor caracteriza o trabalho escolar é o “pensar com os outros”, investindo assim o dialogo como lugar decisivo da aprendizagem. (p. 31)
338
Destaca-se aqui a resposta do educador α que não possui formação pedagógica,
mas que com as capacitações tidas na instituição do terceiro setor pode entender o
processo pedagógico da educação não formal, disciplina que não teve em seu currículo
de graduação, finalizando sua resposta com “foi nela (capacitação) que aprendi o
verdadeiro sentido em ser professor”.
Indagamos, na questão quatro, sobre a mudança de sua prática após a
capacitação, Os educadores mostraram, então, um novo olhar sobre o planejamento e
condução das aulas, buscando adequá-las ao perfil do aluno assistido pela Instituição de
Ensino por meio de atitudes cidadãs.
Segundo Pedro Demo (2011):
“[...] o centro da cidadania é saber pensar. É claro que, para a cidadania, o lugar, a capacidade coletivamente organizada de conquistar a autonomia. Saber pensar comparece como estratégia metodológica, habilidade de aprender, gestação da consciência crítica, e nisto faz parte do centro da cidadania... Retoma-se o papel fundamental da educação para a cidadania, acrescido pela orquestração da habilidade reconstrutiva com a habilidade política”. (p. 145)
Ainda, Garretón (1999) afirma que: “A cidadania é entendida como a
reivindicação de direitos e o exercício das responsabilidades referentes a um poder
especifico, logicamente, dentro de uma perspectiva de cidadania ativa e participativa e
não meramente formal” .
É nesse cenário então, que se encontra a formação cidadã, como espaço de
promoção do exercício da cidadania, surgindo como ponto de apoio num possível ciclo
de avanços democráticos e de respeito aos direitos fundamentais do individuo.
Na última questão abordou-se a diferença entre a prática docente na educação
formal e na educação não formal.
Nela evidenciaram-se três questões: currículo, formação humana e quantidade de
alunos/sala.
Perante esses três itens, a natureza dos conteúdos abordados reflete uma pratica
diferenciada na educação não formal, já que não é pré-estabelecida, como a da educação
formal e sim flexibilizada, conforme afirmação do educador ω.
A formação humanística dentro do terceiro setor possibilita uma maior
compreensão do cidadão que ela quer formar, pois a questão do currículo flexível torna
o processo e ensino aprendizagem voltado para uma conscientização e preparação para a
vida social.
Para Lukesi (2011):
339
Cada um de nós não nasceu como é e como se apresenta nos diversos momentos da existência. No estágio de vida em que estivermos vivendo no momento, seja ele qual for, somos o resultado de longo processo de formação, iniciado no nascimento. .. Cada um de nós é resultado tanto do que herdamos biológica, psicológica e espiritualmente quanto de nossa múltiplas interações, ao longo do tempo, com o mundo interior e exterior, incluindo os diversos espaços em que tivemos oportunidade de viver. Somos... aquilo que fizemos de nós mesmos no espaço e no tempo, dentro dos limites de nossas possibilidades.(p. 78)
Outro aspecto são as salas numerosas da educação formal que dificultam o
ensinar e aprender entre as partes, enquanto as salas da Fundação Credirama Viva
possuem dez alunos por turma em média. Sendo assim a recorrência nas respostas foi
que a prática dentro da sala não numerosa acontece de fato, como planejado, enquanto
nas salas numerosas o processo é dificultado.
Considerações Finais
Ao analisar o trabalho de formação em serviço da instituição é possível observar
que, o trabalho realizado busca suprir necessidades presentes em toda a equipe
pedagógica em uma cidade pequena e interiorana que enfrenta problemas e dificuldades
quanto ao acesso a formação e valorização profissional, consequentemente, a qualidade
de vida desses profissionais.
Frente às exigências da Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
9394/96, as concepções apresentadas pelos PCN’s e a realidade do município de
Iturama-MG, a FCV demonstra ser extremamente necessária e importante na formação
e valorização de seus profissionais, realizando seu trabalho em uma região, onde a
sociedade apresenta-se em momento de construção da própria identidade.
As bases da Instituição vão além do ensino formal dos conteúdos científicos.
Isso decorre de colaboradores que buscam fazer a diferença, por meio do
desenvolvimento de habilidades e competências, de modo a tornar seus alunos mais
participativos, solidários, íntegros e preparados para atuar na sociedade de maneira
reflexiva e crítica em relação àquilo que os cerca. Resultado da participação destes
colaboradores na formação em serviço, conforme a análise do questionário aplicado.
É possível observar que a instituição por se tratar de uma instituição educacional
do terceiro setor – educação não formal, tem se dedicado e conseguido alcançar seus
objetivos – contribuir com o processo ensino aprendizagem dos adolescentes atendidos
e melhorar sua formação humana, graças a pouca resistência dos professores ao
340
participar desta proposta de formação profissional, por meio das capacitações em
serviço.
A FCV apresenta estar atendendo as dimensões de uma gestão democrática e
participativa, tal qual orientam os teóricos que defendem esta forma de gestão, já que a
capacitação em serviço é o foco da formação continuada dos educadores que colaboram
com a instituição pesquisada.
Então, tal formação proporciona a esses educadores sanar as dificuldades em
adequar o conhecimento e sua prática à atuação, já que, para a equipe atuante, terceiro
setor, não foi assunto de seu currículo de graduação.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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341
MEREGE, L. C. As organizações do Terceiro Setor para que servem, o que fazem. 2010. Disponível em: <http: // www.ebookbrowse.com> Acesso em 25 out. 2010. NÓVOA, A. A formação contínua de professores: realidades e perspectivas. Aveiro: Universidade de Aveiro, 1991. ______.O Regresso dos professores. Pinhais: Editora Melo, 2011. TRIVIÑOS, A.N.S. Introdução à pesquisa em Ciências Sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987. VERGARA, S.C. Métodos de coletas de dados no campo. São Paulo: Atlas, 2009.
342
ALUNOS INGRESSANTES NO CURSO DE PEDAGOGIA - REPRESENTAÇÕES SOCIAIS
Naime Souza Silva83 Raimunda Abou Gebran84
Resumo
O tema abordado nesta pesquisa deve ao fato de que os alunos ingressantes do curso de Pedagogia de uma instituição privada de ensino superior no interior de Minas Gerais, apresentam uma diversidade de procedência, ou seja, alguns são egressos do ensino médio, outros egressos do magistério (técnico-profissional) e alguns já atuam como docentes em escolas de educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental. Assim, a presente pesquisa teve por objetivo analisar as representações sociais e a procedência dos acadêmicos ingressantes no curso de Pedagogia, procurando compreender as razões da escolha de um curso na área de formação de educadores em nível superior. A pesquisa configurou em uma abordagem qualitativa, envolvendo um estudo de caso. Os procedimentos de pesquisa que viabilizaram a consecução do objetivo pretendido foram: entrevistas semiestruturadas e o procedimento da análise documental e depoimentos. Participaram da pesquisa os acadêmicos ingressantes que foram selecionados por origem, ou seja, acadêmicos advindos do ensino médio, do magistério (técnico-profissional) e os que já atuam como docentes em escolas de educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental. O universo da pesquisa constituiu-se de 12 ingressantes (de um total de 30), destes, quatro acadêmicos de cada origem que concordaram em participar de forma anônima. A compreensão da diversidade de representação da clientela deverá contribuir para repensar o projeto pedagógico do curso
83 Graduada em Pedagogia e Bacharel em Direito pela Fundação Educacional de Votuporanga, Mestre em Educação pela Universidade do Oeste Paulista – UNOESTE, Pós graduação lato sensu na área da Educação, denominado O Processo Ensino Aprendizagem: Uma Fundamentação Filosófico-Antropológica e Técnico-Pedagógica, Psicopedagogia Institucional e Clínica, Inspeção Escolar, Coordenadora do Curso de Pedagogia Faculdade FAMA/Iturama. E-mail: [email protected] 84
Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas. Docente do Programa de Pós-Graduação em Educação (Mestrado) da Universidade do Oeste Paulista – UNOESTE – Presidente Prudente – SP. E-mail: [email protected]
Revista Eletrônica Pedagogia em Foco, v. 7, setembro de 2012
343
e subsidiar as ações dos docentes envolvidos na formação dos alunos como futuros profissionais docentes. Palavras Chave: Curso de Pedagogia. Alunos Ingressantes. Representações. 1 Introdução
A formação de professores para educação básica no Brasil, nos últimos dez
anos, passou por substantivas reformulações. As políticas educacionais concretizadas na
legislação atual e nos documentos oficiais, seja em nível nacional, estadual e municipal,
em suas diferentes modalidades, possibilitam um repensar dos cursos de formação e da
prática docente no que se refere à concepção, significado, estrutura, condições, clientela,
locus de formação, exercício docente, entre outros; pois a realidade atual parece não
mais satisfazer os educadores e a sociedade em geral, tendo em vista as frequentes
discordâncias, críticas e reflexões que são feitas em torno da formação e atuação
docentes.
O trabalho docente é complexo e exige a construção e integração de fatores que
ultrapassam as relações mantidas no interior da sala de aula.
A formação focada nos saberes pedagógicos e nas competências desenvolve uma
prática pedagógica reflexiva oportunizando o contato com as teorias educacionais o que
permite a compreensão das relações concretas vivenciadas no contexto educacional e no
processo ensino aprendizagem. As intervenções respaldam o repensar e o recriar de
práticas pedagógicas, com foco na colaboração, na reflexão e formas de ações no
processo reflexivo, bem como na relação teoria e prática, aspectos importantes na
formação do professor.
Nunes (2001) ao discutir os saberes docentes e a formação de professores
reconheceu que pensar em um modelo de professor implica considerar a
contextualização dos saberes docentes. Dessa forma, resgata a importância de:
Considerar o professor em sua própria formação, num processo de auto-formação, de reelaboração dos saberes iniciais em confronto com a prática vivenciada. Assim, seus saberes vão se constituindo a partir de uma reflexão na e sobre a prática. Essa tendência reflexiva vem-se apresentando como um novo paradigma na formação de professores, sedimentando uma política de desenvolvimento pessoal e profissional dos professores e das instituições escolares (NUNES, 2001, p. 30).
Ao analisar esse contexto e tomando-se por base os cursos de formação docente,
cujo objetivo é formar profissionais que irão atuar diretamente na educação, quer como
professores, ou como especialistas em educação (gestores, coordenadores, orientadores),
344
é que esta pesquisa se insere, e tem por objetivo analisar se as representações sociais dos
acadêmicos ingressantes num curso de Pedagogia e as razões da escolha de um curso na
área de formação de educadores em nível superior.
As representações constituem elementos simbólicos que os indivíduos expressam
mediante o uso das palavras, de figuras, de imagens, de gestos, de sons. No caso do uso
das palavras, por meio da linguagem, divulgam o que pensam, o que sentem, como
percebem as situações cotidianas, quais são suas opiniões acerca de determinado fato,
que expectativas tem sobre si mesmos, sobre os outros e sobre as coisas.
Conforme Jodelet (1989) as representações sociais são elaborações mentais
construídas socialmente a partir da relação dinâmica estabelecida entre a atividade
psíquica do sujeito que conhece e o objeto de conhecimento. Relação que ocorre na
prática social e histórica da humanidade e que é generalizada pela linguagem.
Assim, esta pesquisa analisou as representações sociais e a procedência dos
acadêmicos ingressantes no curso de Pedagogia, procurando compreender as razões da
escolha de um curso na área de formação de educadores em nível superior.
Para a consecução dos objetivos foi necessário:
Identificar as representações sociais que os alunos ingressantes das
diferentes procedências em relação ao curso de Pedagogia.
Investigar trajetórias escolares dos acadêmicos ingressantes do curso
de Pedagogia.
Apresentar as razões da escolha por um curso de formação de
educadores.
Relacionar as expectativas dos alunos com a proposta de formação do
educador no curso de Pedagogia.
Analisar as relações do projeto pedagógico do curso de Pedagogia
com as representações sociais e expectativas dos alunos ingressantes.
2 A Trajetória Metodológica da Pesquisa
Os procedimentos metodológicos utilizados para o desenvolvimento da pesquisa,
com vistas a compreender as expectativas e representações sociais dos acadêmicos
ingressantes de Pedagogia com relação ao curso. Para tanto, o fundamento
metodológico deste estudo está pautado em uma abordagem qualitativa de
345
investigação, utilizando como procedimento o estudo de caso e tendo como base
teórica metodológica a TRS (Teoria das Representações Sociais).
Conforme Minayo (1996, p. 21-22) uma pesquisa qualitativa pode ser caracterizada,
como aquela que possibilita a valorização do:
[...] universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis.
A pesquisa qualitativa pode assumir várias formas e neste estudo a pesquisa
convergiu para um estudo de caso. Conforme Lüdke e André (1986, p. 17):
O estudo de caso é o estudo de um caso, seja ele simples e específico como o de uma professora competente de uma escola pública, ou complexo e abstrato como o das classes de alfabetização (CA) ou o do ensino noturno. O caso é sempre bem delimitado, devendo ter seus contornos claramente definidos no desenrolar do estudo. O caso pode ser similar a outros, mas é ao mesmo tempo distinto, pois tem um interesse próprio, singular.
Portanto, ao analisar e compreender as representações sociais dos alunos ingressantes
em relação ao curso de Pedagogia configuram-se elementos a serem descobertos,
descritos, retratados, que caracterizam, dessa forma, um estudo de caso.
Participaram da pesquisa os acadêmicos ingressantes do curso de Pedagogia,
selecionados por procedência, ou seja, acadêmicos oriundos do ensino médio, do
magistério (técnico-profissional) e os que já atuam como docentes em escolas de
educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental. Foram selecionados doze
alunos de um total de trinta ingressantes que concordaram em participar de forma
anônima da pesquisa.
Assim, participaram da pesquisa doze alunos e foram identificados neste
trabalho por siglas da seguinte forma:
Participantes: A – 1; A – 2; A – 3; A – 4 = alunos oriundos do ensino
médio;
Participantes: B – 1; B – 2; B – 3; B – 4 = alunos oriundos do
magistério (técnico-profissional);
Participantes: C – 1; C – 2; C – 3; C – 4 = acadêmicos que trabalham
na educação infantil e ensino fundamental.
346
Os procedimentos de pesquisa que viabilizaram a consecução dos objetivos
pretendidos foram: pesquisa bibliográfica, pesquisa documental (análise do projeto
pedagógico do curso de Pedagogia) e entrevistas semi-estruturadas (realizadas a partir
de um roteiro planejado procurando identificar os ingressantes do curso de Pedagogia).
3 DISCUSSÃO
3.1 Os participantes da pesquisa: alunos envolvidos
Durante a pesquisa não se teve dificuldades para encontrar os participantes da
pesquisa, já na primeira semana de aula, foi realizado um levantamento para verificar
se os alunos eram oriundos do ensino médio, ou do magistério (técnico
profissionalizante) e por último, alunos que já atuavam no magistério nas escolas de
educação infantil e ensino fundamental. Logo no início foi explanado aos alunos,
selecionados de acordo com a procedência acima, que eles iriam participar de forma
anônima de uma pesquisa e se concordavam. Do total de trinta alunos apenas quatro
alunos participaram da pesquisa de acordo com sua procedência, num total de doze
entrevistados.
Algumas categorias precederam a análise do material coletado e dentre elas cita-
se: o perfil dos alunos ingressantes do curso de Pedagogia; trajetórias escolares; razões
da escolha do curso; atratividade docente, concepções sobre pedagogia, expectativas
dos ingressantes frente à matriz curricular.
3.2 Procedência dos alunos ingressantes do curso de Pedagogia
Apresenta-se a procedência dos alunos ingressantes do curso de Pedagogia
participantes desta pesquisa a partir da análise de dados referentes à questão de sexo,
idade, estado civil, naturalidade e condições socioeconômicas.
GRÁFICO 1 – Sexo dos alunos oriundos do ensino médio.
347
Fonte: Dados coletados pela autora (2010).
GRÁFICO 2 – Sexo dos alunos oriundos do magistério (técnico-profissionalizante).
Fonte: Dados coletados pela autora (2010).
GRÁFICO 3 – Sexo dos alunos oriundos do magistério atuantes na educação infantil e ensino fundamental.
Fonte: Dados coletados pela autora (2010).
Buscou-se vincular a história de criação do curso de Pedagogia às
questões de sexo, pois são poucos os trabalhos85 que apresentam as temáticas de
85 Pode-se citar aqui o trabalho de Louro (1997): Gênero e magistério no Brasil: identidade história e representação. Essa discussão está se ampliando, sobretudo, com o desenvolvimento de grupos de estudo e pesquisa na área de Educação e de fóruns de discussões privilegiados de encontros como, por
348
constituição do curso e, ao mesmo tempo, suas relações com a temática de sexo. A
maioria dos trabalhos que discutem a constituição do curso se prende às questões
legislativas e a períodos de mudanças em sua organização.
Fagundes (2002, p. 233) afirmou:
Grande parte de estudos sobre a educação feminina tem evidenciado a estreita ligação entre o ser mulher e a escolha de cursos com conteúdos humanísticos que convertem para profissões tipificadas socialmente como femininas como ser professora das séries iniciais ou das áreas das ciências humanas e sociais.
Sobre a idade dos alunos ingressantes oriundos do ensino médio
identificou-se que os mesmos tem entre 18 e 37 anos, com predominância (02 alunos)
na faixa etária de 18 anos.
Já os alunos ingressantes advindos do magistério (técnico-
profissionalizante), verificou-se que os mesmos tem entre 20 e 41 anos.
Os alunos atuantes no magistério na educação infantil e ensino
fundamental a faixa etária varia entre 20 e 54 anos, durante as entrevistas um foi
incisivos quanto à necessidade de um curso superior no final de sua carreira
profissional. Observe a fala do sujeito C – 1:
[...] apesar de já estar na educação há muitos anos, resolvi fazer o curso de Pedagogia para obter vantagens na hora da minha aposentadoria, estou um pouco cansada desta profissão, mas hoje a legislação vem cobrando muito, mas ... (pensou um pouco) acredito que não é de todo mal, a educação cada vez mais necessita de pessoas mais qualificadas ...e pra falar a verdade percebo já desde o início que o curso vai me ajudar, né?...(C - 1)
Ao verificar o estado civil, observou-se que dos doze alunos
entrevistados independente da diversidade de perfil, quatro são casados, cinco solteiros,
um separado e dois união estável.
Quanto à naturalidade dos alunos ingressantes, dez nascidos no Estado
de Minas Gerais, um no Estado do Mato Grosso e um no Estado de São Paulo.
exemplo, o GT 23 da Associação Nacional de Pós-graduação em Educação (ANPEd), o Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino (Endipe) e o Fazendo Gênero.
349
A formação de ensino médio quando questionados observou-se que onze
concluíram esta modalidade de ensino em escola pública e um em escola privada.
3.3 Trajetórias escolares
Uma nova concepção quanto à formação do pedagogo vem sendo elaborada para
atender às exigências advindas da reforma da educação, visto que propõe uma
abordagem metodológica que expressa uma concepção inovadora para a formação do
pedagogo, entendida não como a simples preparação técnica para o exercício do
magistério, mas para a formação do profissional competente, cidadão participativo,
capaz de assumir sua responsabilidade social, garantindo o exercício de sua atividade no
pleno sentido do termo educador.
Identificou-se na fala dos sujeitos da pesquisa, uma necessidade de maior
escolarização como uma forma de aperfeiçoamento profissional:
Terminei o magistério, mas o meu contato com a educação foi somente através do estágio, portanto acho que pra eu poder entrar numa sala de aula, necessito de maiores conhecimentos. (B – 1). Estou na carreira docente, mas não me sinto totalmente preparada, resolvi fazer o curso para aprimorar conhecimentos e adquirir principalmente um vocabulário pedagógico, pois necessito muito quando vou fazer relatórios da aprendizagem dos meus alunos. Quem aconselhou eu procurar o curso foi minha supervisora. (C - 2).
Assim, diante de tais perspectivas, pode-se integrar à dimensão social das
trajetórias a análise de subjetividades, como sentimentos em relação a experiências
escolares prévias, percepção das interações sociais vivenciadas por eles, e também as
redes de significados construídos por meio dessas relações afetivas estabelecidas no
âmbito do ambiente escolar.
Em relação às trajetórias escolares antecedentes ao ingresso no ensino superior,
verificou-se nesta pesquisa que a maioria dos entrevistados afirmou ter estudado em
escola pública. Dos doze sujeitos desta pesquisa apenas um afirmou ter estudado em
escola particular, Sujeito C - 3:
Nunca estudei em escola pública, a minha vida inteira estudei em escola particular. Por isso eu tenho uma base muito boa com leitura, com escrita, escrevo muito bem e me considero uma aluna preparada. (C - 3).
As condições socioeconômicas dos entrevistados também foi um dos pontos
destacados pela pesquisa. Em resumo, trata-se de alunos que tiveram dificuldades de
diferentes ordens para chegar ao ensino superior. Pode-se comprovar isso no seguinte
350
relato do sujeito B – 4 o qual concluiu o magistério (técnico profissionalizante), mas
ainda não atua na educação:
Trabalho desde 1993, ainda cursando o Ensino Médio, meu primeiro registro foi de pagem, trabalhei em indústrias e no comércio. Trabalho desde os 14 anos, mas depois que entrei na área da educação, pretendo nunca mais sair. Tomara que consiga um trabalho logo! (B - 4).
3.4 Razões da escolha do curso
A carreira profissional, segundo Nacif (1997), nas últimas décadas pode ser
caracterizada pela necessidade de existência de um projeto pessoal e também pela
conscientização dos indivíduos de que a gestão desse projeto faz parte de sua
responsabilidade.
Ao perguntar aos entrevistados como é avaliado o curso de Pedagogia e a
influência desse no seu projeto de vida profissional, obtive-se as seguintes respostas:
Já está influenciando e sei que quando terminar o curso serei um profissional completo e capacitado para continuar na área da educação. (C - 4). Muita gente que não acreditava quando eu contava que tinha feito o vestibular pra Pedagogia, mas vejo muita gente de outras áreas aí sem emprego, e os da educação são bem menos, e sei que no futuro muitas portas abriram para mim. (A- 4)
Ao visar o favorecimento de seus talentos, experiências, habilidades e
competências o indivíduo deve traçar de acordo com suas aspirações, desejos e
necessidades e principalmente sua ambição escolhas de forma consciente, permitindo
assim a realização de seus desejos. Veja a fala do aluno: A – 2:
Tenho outros planos na área da educação, um sonho que ainda desejo realizar, por isso quero aproveitar muito o curso, adquirir conhecimentos para colocá-los em prática. (A – 2).
Planejar a carreira profissional dá base para realização dos sonhos, desejos e
aspirações, metas essas que irá direcionar o seu futuro.
A influência dos pais também emerge, conforme a fala dos entrevistados abaixo:
Resolvi fazer o curso de Pedagogia, devido à influência da minha mãe, acredito que por não ter tido a oportunidade de estudar, sempre tentou influenciar mina escolha, até que resolvi. (A – 4). Estava indeciso se fazia ou não o curso, mas sempre busco conselhos com meus pais, foi aí que depois de uma conversa com eles, decidi, e percebo que fiz uma boa escolha. (C - 2).
Portanto, a participação dos pais na escolha do curso é bastante perceptível, mas
pode-se perceber que apesar das motivações desses familiares não perdem a
identificação, o gosto e o desejo em fazer determinado curso.
351
3.5 Atratividade docente
Nos últimos anos, a profissão professor tem se tornado objeto de preocupação,
que revela a escassez de profissionais para algumas áreas disciplinares nos níveis do
ensino fundamental e ensino médio.
Diferentes fontes retratam a falta de professores e destacam que a atual situação
da carreira docente contribui para que um número cada vez menor de jovens procurem
ingressar nos cursos de licenciatura.
Ao visar o favorecimento de seus talentos, experiências, habilidades e
competências o indivíduo deve traçar de acordo com suas aspirações, desejos e
necessidades e principalmente sua ambição escolhas de forma consciente, permitindo
assim a realização de seus desejos.
Valle (2006) constatou que as motivações para o magistério estão ligadas aos
fatores altruístas e também ao das realizações pessoais, a saber: o dom e a vocação, o
amor às crianças, o amor ao outro, o amor à profissão, o amor ao saber e a necessidade
de logo conquistar certa autonomia financeira.
Somente quis fazer o curso porque observava o amor que minhas professoras tinham quando eu estudava na Educação Infantil e eu quero ser como elas. (A - 1) Já ouvi professores reclamarem do salário, da falta de valorização do profissional da Educação, mas sei que continuam na carreira por amor à profissão. (C - 4)
Alguns buscam o curso visando um futuro próspero para a carreira, como se
observa a fala do aluno C - 2:
Muitos dos professores da minha cidade já estão velhos de carreira e aposentando e observando o mercado de trabalho, outras profissões são complicadas também, alguns formam e ficam desempregados e na área da educação é mais fácil arrumar emprego, eu penso, e sempre vejo reportagens da falta de professores de diversas disciplinas. (C - 2)
Dos alunos entrevistados, participantes da pesquisa, alguns apontaram razões
como “facilidade de acesso”, “gostarem mais da área de Humanas”, “questões relativas
à empregabilidade”, “conciliar estudo e trabalho” e várias outras, que não se achou tão
relevantes quanto as citadas. Os fatores evidenciados mostram que:
[...] os indivíduos não escolhem seus cursos superiores de maneira aleatória, a partir de atributos de caráter idiossincrático, mas em função de suas características socioeconômicas e acadêmicas, do seu gênero, de sua idade, e de seu pertencimento étnico (NOGUEIRA, 2004, p. 7).
352
Ponto balizador nos depoimentos dos entrevistados, sobre a escolha e
atratividade docente do curso de Pedagogia não se deu apenas pelas aptidões naturais,
mas diversas ordens, dentre eles estão às características socioeconômicas e
principalmente as áreas Humanas, de acordo com a fala da aluna entrevistada:
O que sempre gostei quando estudava, era português, história nada de cálculo, acho que isso me incentivou fazer o curso. (A – 3)
Desse modo, discussões sobre a atratividade docente potencializam algumas
contradições evidentes, sobre o “estar professor”, que oscilam entre satisfações e
frustrações, entre opção e necessidade. Mas os que já estão na carreira justificaram para
tanto o amor pela profissão, às crianças, contribuições para a sociedade, mas atualmente
se observa que a procura pela docência apesar dessas evidências vem diminuindo
tendencialmente.
3.6 Concepções sobre Pedagogia O curso de Pedagogia é destinado à produção e à reprodução de conhecimentos,
espaço esse que reflete traços e valores da sociedade e da cultura, privilegiado de
produção do simbólico, ideário e da formação docente.
De acordo com o projeto pedagógico da IES campo desta pesquisa, é objetivo do
curso de Pedagogia a formação de especialistas em educação, abrangendo várias áreas
de atuação profissional.
Já atuo no campo educacional, mas o curso de Pedagogia vai ajudar a compreender melhor a teoria educacional e também a prática, as matérias contempladas na matriz curricular até o final do curso favorecerá isso, tenho certeza. (C – 2). Comecei o curso meio de brincadeira, mas percebi que não é do jeito que pensava, as aulas trazem bastante teoria, mas temos aulas bastante interessantes, e com certeza vai ser uma base para minha atuação como profissional. (A – 4).
3.7 Expectativas dos ingressantes frente à matriz curricular
Sobre as expectativas dos ingressantes frente à matriz curricular, dos doze alunos dos
três perfis analisados, sujeitos dessa pesquisa, possuem uma imagem idealizada da
profissão docente. Ao analisar as entrevistas, uns relacionam ao sonho de ensinar; ao
aperfeiçoamento para a carreira; outros buscam métodos e uma didática para a
prática em sala de aula.
Quando comecei o curso não imaginava o quanto ia contribuir pra minha carreira profissional, hoje em sala até aplico algumas coisas que aprendo aqui. (C – 3).
353
Infelizmente hoje está difícil chamar a atenção das crianças, despertar elas pra aprendizagem, se não tivermos cartas nas mangas e um bom jogo de cintura em sala não conseguimos nada, mas já aprendi uns truques aqui e sei que ainda tem muito mais. (C – 4).
Referem-se também às metodologias e às funções específicas dessa matéria. Pode-se
observar nas falas dos alunos entrevistados tais relações:
Já nos primeiros dias de aula, nos foi apresentada pela Coordenadora do curso, o que nós íamos ver em termos de matéria até o final do ano e também do curso. A matriz é bem atrativa, acho que vou gostar. (C – 3). Quando vou preencher as fichas sobre a situação dos meus alunos tenho dificuldade, pois não tenho o conhecimento pedagógico, as palavras e conceitos certos. Mas o curso vai oferecer isso, com certeza. (C – 1).
Para Shulman, Wilson e Richert (1987), que pesquisaram especificamente esse
tema, o conhecimento pedagógico do conteúdo é saber fundamental que envolve os
aspectos mais relevantes da prática do ensino. É preciso que os professores tenham uma
compreensão da matéria ir além do que ele se propõe a ensinar e, é isso que os alunos
do curso de Pedagogia buscam adquirir no decorrer do curso. Observa-se na fala do
sujeito C- 4:
Necessito não só de conteúdos, mas, aprimorar minha prática. (C - 4).
Ao concluir a etapa da formação inicial o professor se vê habilitado a ingressar na
vida docente, porém, ocorre nas primeiras experiências o que Tardif, Lessard e
Lahayel (1991, p. 229) apresentam como o “choque com a realidade”.
Compreender o trabalho docente implica compreender a maneira como os saberes da
experiência intervem nas ações do professor em sala de aula, junto aos alunos, e, isso
somente será identificado pelos alunos a partir dos estágios.
Não vejo a hora de começar os estágios, aí sim o curso vai me mostrar o que é ser realmente professor, porque até agora é mais teoria, e sei que o estágio vai favorecer aprendizagem, já que é na prática. (A – 3).
O professor, quando aprende a fazer algo, pode executar as mesmas ações repetidas
vezes, sem pensar especificamente sobre elas agindo de forma espontânea, intuitiva,
rotineira, experimental. Esse conhecimento, não se revela em palavras, que muitas
vezes o professor nem sabe possuir, Schön (1995, p. 82) definiu como
“conhecimento tácito”, um conhecimento cotidiano, e pode-se perceber que isso
354
somente poderá acontecer por meio da prática, e essa somente se consolidará após
anos de experiência.
Sou professora, mas com pouca experiência, não vejo a hora de fazer o estágio, pois assim vou ter a oportunidade de conhecer um pouco de cada vez, outras séries, turmas e alunos diferentes dos meus. (C – 2). Eu espero muito desse curso além do conhecimento teórico a prática pra minha atuação como profissional. (A – 4).
Todos esses saberes são considerados advindos de fontes diversas e, com
tamanha relevância para o exercício da prática docente devem ser trabalhados na
formação inicial do professor de forma a garantir que esse, ao adentrar em seu campo de
trabalho, sinta-se preparado para enfrentar as diversas situações do cotidiano.
Diante disso, por meio do oferecimento de disciplinas, oficinas, cursos, tutoriais,
estudos dirigidos entre outras. Alguns dos alunos entrevistados demonstraram
dificuldades na aprendizagem e ainda não possuíam disponibilidade de horas semanais
para estudos, conforme relatos abaixo:
Não tenho tempo de estudar, porque trabalho a semana toda, o tempo que tenho para estudar é no ônibus durante o percurso para a faculdade, e mesmo assim nem sempre estudo, pois muitas vezes estou super cansada, e se for estudar vou dormir, por isso que minhas notas não são boas, mas não desisto do que quero, quando consigo estudar no ônibus estudo parte do caminho.(A – 1).
Ao analisar as falas acima observou-se a dificuldade dos alunos com relação à
absorção dos conteúdos aplicados no dia-a-dia, devido à falta de tempo pra os estudos.
Entende-se que, para atender a proposta do curso de Pedagogia conforme a
matriz curricular apresentada, o aluno necessitará adquirir o maior grau possível de
conhecimentos pedagógicos e além de tudo socializá-los, favorecendo momentos de
prática pedagógica e possibilitando uma formação com excelência.
Ao parafrasear Imbernón (2009, p. 05) pode-se conceituar a formação como
“terreno das capacidades, habilidades e atitudes e que os valores e as concepções de
cada professor, da professora e da equipe como um todo devem ser questionados
permanentemente”.
Apesar das considerações acima, a pesquisa demonstrou que a escolha pelo curso
de Pedagogia trouxe para eles certa indefinição, será que escolheram o curso “certo”,
conseguirão emprego e sucesso na carreira profissional.
Ainda tenho medo de não ser bem sucedido com esse curso, são tantas coisas que a gente ouve. (A – 1).
355
Sonho alto, quero ser mais que uma simples professora, quem sabe ainda uma diretora, por isso estou aqui. (A – 3).
O trabalho docente depende da relação com os alunos e se realiza a partir dela.
Apareceu nas representações dos alunos pesquisados, pelas suas experiências em sala de
aula, pois muitas vezes os próprios colegas tem uma imagem negativa.
Alguns colegas tem vergonha de contar que fazem o curso de Pedagogia, em função do salário, existe uma discriminação na própria faculdade, sentimos que outros cursos são mais privilegiados, não sei se é porque é um curso mais barato.. (A – 4).
São essas colocações negativas que afastam os alunos na escolha pela docência,
mas em contrapartida, as situações positivas acabam colaborando para a possibilidade
do aluno pensar em ser professor.
Somente uma aluna dos entrevistados teve a experiência de estudar no ensino
particular, mas a sua autoconfiança no decorrer da entrevista e nas falas citadas nesta
pesquisa, percebeu-se que o nível de escolarização contribuiu para sua autoestima tão
elevada.
Os demais, ou seja, mesmo os que não são oriundos de escola privada, são
conscientes das dificuldades enfrentadas pelos educadores, mas não tão confiantes em
relação à preparação para enfrentar tais dificuldades.
Posso até me arrepender no futuro por ter escolhido essa profissão, sou consciente das dificuldades e problemas que os educadores enfrentam nas escolas, são alunos com falta de limites e vários outros problemas. (A – 1).
A profissão docente está em declive e esse também é um dos motivos apontados
na pesquisa, pelos entrevistados, pois isso acarretará no futuro falta de professores, o
que torna a profissão motivadora.
Apesar de poucos querer ser professor, eu fiz até o magistério, pois sei que no futuro ainda vou ganhar muito dinheiro.(B – 4).
Mas o que mais chamou a atenção nesta pesquisa é a nobreza e o valor atribuído
pelos estudantes à carreira docente, apesar do não reconhecimento e da consciência
deles por isso, eles não deixam de enxergar as possibilidades na carreira profissional.
356
4 Considerações Finais
Nos últimos anos, a formação do professor sofreu reformulações e vem
sendo tema de diversos estudos. As políticas educacionais concretizadas na legislação
atual e nos documentos oficiais, nos mais diversos níveis, propõem um repensar da
prática docente que vai desde uma reflexão sobre sua concepção e significado até as
particularidades do exercício docente.
Essa preocupação resulta, dentre outros fatores, do fato de que os
parâmetros até então vigentes parecem não mais satisfazer os educadores e a sociedade
em geral, visto que são frequentes as discordâncias, críticas e reflexões em torno da
formação e atuação docentes. Além disso, intriga e preocupa a procura cada vez menor
pelos cursos de licenciatura, o que permite vislumbrar uma escassez de profissionais já
nos dias de hoje, situação que poderá se agravar outrora.
Como coordenadora do curso de Pedagogia de uma instituição particular
de ensino do interior de Minas Gerais, foi possível perceber a diversidade de
procedência dos alunos ingressantes: alguns oriundos do ensino médio, outros do
magistério (técnico profissional) e os que já atuam como docentes em escolas de
Educação Infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental. O dia a dia também era
permeado de conversas, nas quais os professores relatavam suas dificuldades em
trabalhar com tamanha diversidade.
Assim, surgiu o interesse em pesquisar as raízes dessa questão, seus
elementos norteadores: o perfil do aluno do curso de Pedagogia, sua procedência, perfil
socioeconômico e expectativas em relação ao curso e à profissão escolhida.
O trabalho pautou-se numa pesquisa qualitativa, constituída por
entrevistas com esses alunos. Entretanto, para nortear essa pesquisa, sobretudo, a
elaboração de um questionário que seria respondido pelos alunos, serviram de base
diversas contribuições teóricas, foram considerados os postulados, em especial, da
Teoria das Representações Sociais, que permitiu compreender os saberes elaborados e
partilhados no senso comum, as expectativas e perspectivas desses alunos em relação ao
curso, sempre considerando que apresentam uma diversidade de perfis, a qual implica
diferentes aspirações em relação ao curso.
A compreensão das representações sociais dos alunos sobre o curso de
Pedagogia é, portanto, de suma importância, haja vista que permite aos professores
entender atitudes e posturas dos discentes e, assim, efetivar ações e reestruturar suas
357
aulas adequando-as à realidade e aos objetivos desses alunos, buscando sanar suas
deficiências e valorizar suas habilidades.
Fica evidente, assim, que as representações sociais exercem um
significativo papel para a concretização das finalidades impostas pela educação e pela
sociedade, ao contribuir significativamente para uma melhor formação do profissional
da educação, já que permite organizar e compreender suas origens, aspirações, crenças,
atitudes e opiniões.
Imbuídos no projeto de compreender as representações sociais dos alunos
ingressantes do curso de Pedagogia, verificou-se que estes são, em sua maioria, do sexo
feminino, casados, com idade entre 20 e 32 anos. Grande parte deles é oriunda de escola
pública, apenas um frequentou escola particular. Nesse sentido, vale ressaltar que a
aluna oriunda do ensino particular apresenta, em suas colocações, um alto nível se
segurança, o qual ela mesma atribui à formação que recebera. Isso corrobora o ideal de
um ensino público inferior e precário, ideia enraizada em nossa sociedade e que deve
ser combatida por meio de políticas e investimentos específicos, começando, sem
dúvida, pela valorização do profissional docente.
Entre os alunos entrevistados, observou-se que alguns não conhecem o
processo de formação pedagógica, pois chegaram ao curso apenas com suas
experiências cotidianas e, portanto, desconhecem as reais necessidades da prática
profissional do pedagogo, não têm uma real dimensão daquilo que a profissão lhes
exigirá. Assim, alguns se sentem perdidos e inseguros, embora reconheçam a relevância
do nível superior em relação aos conhecimentos científicos e creiam nos benefícios que
a graduação acarretará para suas vidas.
Uma parte dos alunos participantes da pesquisa já atua nas escolas de
educação infantil e ensino fundamental, os mesmos veem no curso novas perspectivas
na aquisição de conhecimentos, almejam aprimorar suas técnicas, enfim, vislumbram na
graduação um mecanismo que contribuirá para o enriquecimento de sua prática
pedagógica em sala de aula.
Ao confrontar nas falas dos alunos entrevistados em relação às
expectativas que têm para sua formação e ao currículo oferecido pelo curso na
instituição pesquisada, nota-se que ambos se imbricam, pois o curso de Pedagogia
mostra-se bem organizado e coeso, além de que se busca alcançar os objetivos traçados
de acordo com as diretrizes curriculares exigidas para o mesmo, estruturado com base
nos conhecimentos indispensáveis à formação do pedagogo.
No tocante à trajetória escolar desses alunos, pode-se concluir que há
necessidade de maior escolarização como forma de aperfeiçoamento profissional. Além,
358
disso, ficou evidente que o fator socioeconômico dos entrevistados, embora implique
em dificuldades e restrições financeiras, não influenciam negativamente nas
perspectivas em relação à carreira docente. Ao contrário, acaba tornando-se um fator de
motivação, na medida em que alguns alunos revelaram o anseio de que a profissão lhes
oferecerá certa estabilidade num momento futuro.
Entretanto, esse estudo sobre o perfil desses alunos de várias
procedências revelou, ainda, um grupo de alunos despreparados para o mercado de
trabalho, alunos que, muitas vezes, não tiveram a oportunidade de pensar sobre a sua
opção profissional. Por esta razão, criam representações que não condizem com as reais
necessidades sociais da profissão para a qual estão sendo formados, e isso pode gerar
frustrações nesse futuro profissional. Nota-se, ainda, que os alunos, muitas vezes, não
têm uma dimensão exata do trabalho que poderão exercer, desconhecem as
particularidades do curso que escolheram e, nesse contexto, se sobressai a figura do
coordenador do curso, que deve tentar sanar essa deficiência logo nos primeiros
semestres do curso.
É notório, logo, o valor do curso no que se refere às concepções sobre
Pedagogia para esses ingressantes, e se torna desejável que a faculdade ofereça uma
acolhida mais segura e atenta aos anseios do alunado, preparando os professores que
atuam nos primeiros períodos para não se limitarem apenas aos conteúdos de sua
disciplina, mas também colaborarem para a conscientização do aluno sobre sua
profissão.
Sobre as expectativas dos ingressantes em relação à matriz curricular, os
alunos possuem uma visão idealizada da profissão docente, relacionando ao sonho de
ensinar, aperfeiçoamento e outros na busca de métodos e didática para a atuação prática.
Isso porque muitos desses alunos acreditam que irão atuar na
alfabetização e necessitam de conhecimentos pedagógicos relacionados diretamente ao
processo de alfabetização. E a faculdade em estudo proporciona essa formação, por
meio do oferecimento das disciplinas, cursos, oficinas e outras formas de estudo,
visando contribuir na formação do profissional com excelência, autônomo e preparado
para enfrentar a realidade da sala de aula.
Desperta atenção o fato de que, apesar das dificuldades dos alunos, já
citadas anteriormente, os mesmos não se mostraram frustrados com seu curso.
Acreditam, até mesmo, que a falta de professores no mercado de trabalho favorecerá, no
futuro, grandes oportunidades profissionais.
359
Das análises precedidas, conclui-se que algumas proposições
contribuíram para as expectativas dos alunos ingressantes em relação ao curso de
Pedagogia, alvo desta pesquisa:
• O aluno do curso de Pedagogia necessita adquirir conhecimentos e
habilidades, pois o campo de atuação irá exigir dele espírito de
iniciativa e decisão, capacidade de identificar oportunidades
pedagógicas específicas e muito mais.
• Definir e deixar claro no projeto pedagógico do curso as
especificidades do “ser professor” e da “docência” e não apenas uma
questão de “dom” para exercê-la.
• Valorizar o professor da sala de aula, uma progressão satisfatória,
melhorar o ambiente escolar, com reconhecimento para permanência
do mesmo.
Contudo, o que mais chamou a atenção nesta pesquisa foi a nobreza e o
valor atribuído pelos estudantes à carreira docente, apesar do não reconhecimento que
muitas vezes encontram e da consciência deles sobre essa realidade, não deixaram de
enxergar possibilidades na carreira profissional, acreditando na escolha que fizeram.
Além disso, tais estudantes são conscientes da necessidade do pedagogo
desenvolver suas capacidades e habilidades e buscar informações em diversas fontes e
das mais variadas formas, incorporando-as ao seu dia a dia. Pensando dessa forma, esse
profissional será capaz de tomar as decisões adequadas nas mais diferentes situações e
realidades, com autonomia e competências necessárias.
De forma sucinta, pode-se afirmar que este estudo demonstrou que a
formação do pedagogo é parte central para a mudança, no intuito de cristalizar ideais e
formar docentes capazes de realizar a relação teoria e prática, conforme destacam
Pacheco e Flores (1999, p. 45) “[...] um professor não nasce nem se vincula pela mística
do sacerdócio ou pela idéia do artístico, daí que o seu percurso formativo inclua
processos de aprendizagem contínua, de caráter formal e não formal.”
Entende-se que esta pesquisa ainda está em construção e que outras
discussões podem ser acrescentadas a este estudo. Tem-se, ainda, a expectativa de que
as reflexões aqui expostas possam contribuir para subsidiar e repensar o PPP do curso
de Pedagogia da instituição alvo da pesquisa, ressignificando saberes de acordo com o
360
perfil dos alunos ingressantes e permitindo aos docentes entender atitudes e posturas;
buscar conhecer as histórias vivenciadas por esses alunos; compreender suas
expectativas. Destaca-se, igualmente, a necessidade de se organizar a matriz curricular
do curso, tornando-a mais adequada e atualizada, sobretudo por ser tratar de uma
graduação que forma profissionais para atuarem na educação básica, cuja importância é
indiscutível.
Conclui-se, logo, que essa consciência e a consequente reestruturação no
curso de Pedagogia poderão oferecer melhor formação profissional. Espera-se que, de
alguma forma, as reflexões aqui apresentadas fomentem o desenvolvimento de
competências mínimas para a melhoria da prática educativa na perspectiva reflexiva.
Almeja-se, pois, que este trabalho abra caminhos para novos estudos
acerca dessa temática, cuja relevância rompe os limites de meras preocupações
institucionais e adquire dimensões mais amplas, apresentando, também, caráter social,
na medida em que constitui um dos pilares da qualidade da educação básica, já que a
formação do professor, sua constante capacitação e valorização constituem elementos
essenciais para o sucesso do processo de ensino aprendizagem.
361
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Faculdade Aldete Maria Alves - Revista Pedagogia em Foco Av. Rio Paranaíba, 1295 Centro Iturama-MG CEP: 38280-000 Telefone institucional para contato: (34) 3411- 9700 Site: www.facfama.edu.br