150
Carlos Pimenta I I n n v v e e s s t t i i g g a a r r e e r r e e d d i i g g i i r r u u m m a a t t e e s s e e e e m m c c o o n n t t e e x x t t o o i i n n t t e e r r d d i i s s c c i i p p l l i i n n a a r r (texto inacabado) Escrito 2005 «Publicado» 2016

IInnvveessttiiggaarr ee rreeddiiggiirr uummaa tteessee ... · própria «complexidade» das problemáticas –, faz-se apenas uma rápida e ligeira abordagem destas matérias, aliciando,

Embed Size (px)

Citation preview

CCaarrllooss PPiimmeennttaa

IInnvveessttiiggaarr ee rreeddiiggiirr uummaa tteessee

eemm ccoonntteexxttoo iinntteerrddiisscciipplliinnaarr

((tteexxttoo iinnaaccaabbaaddoo))

EEssccrriittoo 22000055 ‒‒ ««PPuubblliiccaaddoo»» 22001166

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 2/150 - Versão 01

EExxpplliiccaaççããoo pprréévviiaa

1. Sempre nos preocupámos com as metodologias de estudo e investigação.

Quando editámos Pensar a Economia 10º Ano (1993) dedicámos uma parte

inicial aos “Métodos de Estudo”. Considerámos que era o mais importante daquele

livro, embora constatássemos posteriormente que tanto professores como estudantes

do Secundário pouco lhe ligassem, empenhados na resposta às perguntas. Na

sequência desse escrito, com as evoluções conceptuais pessoais que registámos

(desbravar da aplicação da teoria do caos à Economia; aprofundar a

interdisciplinaridade) resolvemos avançar para um guia inovador que lograsse orientar

os estudantes de mestrado e doutoramento (antes Bolonha). A nossa responsabilidade

por disciplinas de metodologia em mestrados foi o despoletar do processo.

Então dedicámos algum tempo à leitura de obras de especialidade e, tendo-se

encontrado livros de enorme qualidade em todos descobrimos deficiências. Uns eram

muito dogmáticos, descritivos de procedimentos e acríticos. Outros estudavam o

qualitativo e remetiam para segundo plano, ou esquecimento, o quantitativo. Outros

ainda tinham grande qualidade (ainda hoje consideramos o livro de Umberto Eco um

monumento de sapiência) mas estavam tecnologicamente ultrapassados. Em todos

constatámos uma abordagem disciplinar ou generalista, sem atender à especificidade

que uma focagem interdisciplinar comporta.

O nosso objectivo era escrever um estudo que reunisse o qualitativo e o

quantitativo (agradecemos ao colega Luís Torgo os documentos de base que serviram

para escrever o anexo sobre a utilização do R), a operacionalidade do estudante com a

reflexão crítica das suas opções e, sobretudo, que ajudasse quem o lesse a praticar a

interdisciplinaridade. Sim, a interdisciplinaridade exige uma metodologia própria, e a

experiência disciplinar de cada um desemboca automaticamente numa pobre

metodologia disciplinar bastante acrítica.

2. Modificações nos mestrados a que estávamos ligados e o envolvimento noutras

tarefas remeteram para “um dia repegamos”, enquanto fomos percorrendo outros

rumos.

Alguns dos aspectos que mais nos inquietavam ao começarmos a escrever este

trabalho foram positivamente superados com a publicação do nosso livro

Interdisciplinaridade nas Ciências Sociais (2013), ele próprio o culminar de longos

anos de trabalho interdisciplinar (influência de Armando Castro; direcção de equipes

interdisciplinares ligadas ao desenvolvimento regional, ao sistema educativo e à

fraude; investigação que nos acompanhou desde a tese de doutoramento e que está

plasmado em diversos artigos sobre a interdisciplinaridade ou a epistemologia).

Acabámos, há dois dias, de escrever a versão definitiva de um livro sobre

“Paradigmas da Economia e Racionalidade”, depois de quatro anos de trabalho. Dele

resultaram novas prioridades de escrita, a acompanhar o trabalho simultâneo e

continuo sobre a fraude. Percebi que este livro nunca seria acabado.

Por isso decidimos colocá-lo em linha como está… Creio que mesmo assim

ainda pode ter alguma utilidade. Há matérias que estão completamente escritas.

E desculpem não termos chegado para mais!

.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 3/150 - Versão 01

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 4/150 - Versão 01

EESSTTRRUUTTUURRAA Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar exige abordar um conjunto

de matérias que de seguida se enunciam. Muito provavelmente a elaboração do livro

vai exigir modificar pontos, certamente vai impor subpontos adicionais, mas desde já

se apresenta um esquema geral provisório.

1. Introdução

Apresentação dos objectivos do livro e da metodologia seguida. É necessário,

sobretudo esclarecer os seguintes pontos: (1) havendo tantos livros sobre metodologia

de investigação será necessário mais um? (2) Referindo o título “tese” este livros só é

aplicável a essa situação? (3) Há metodologias diferentes conforme as disciplinas

científicas e, no caso de se responder afirmativamente, a que ciências se aplica este

livro? (4) O que diferencia a metodologia disciplinar da metodologia em “contexto

interdisciplinar”?

2. Oportunidade desta temática

Qual a importância da metodologia? Qual o momento mais adequado para a sua

apresentação pelo professor e a sua leitura pelo estudante? São estas duas questões a

que se pretende responder neste ponto introdutório.

3. Considerações preliminares

Toda a actividade intelectual exige rigor. Uma investigação científica que, por

definição, é uma sistemática incursão no desconhecido, no novo, por muito que

tenhamos que relativizar este termo, obriga a um rigor acrescido, a uma enorme

precisão terminológica e conceptual. Do ponto de vista científico é um erro grave

“admitir-se que todos sabemos” as questões epistemológicas e sociológicas essenciais

relacionadas com a noção de conhecimento, ciência, sociedade do conhecimento,

práticas sociais e funcionamento das instituições. Neste ponto pretende-se fazer um

sobrevoo – pela natureza introdutória destas matérias, pelo conteúdo do livro e pela

própria «complexidade» das problemáticas –, faz-se apenas uma rápida e ligeira

abordagem destas matérias, aliciando, quiçá, para leituras complementares por parte

dos leitores.

3.1. Conhecimento e conhecimento científico

3.2. Ciência e ciências

3.3. Sociedade do conhecimento

3.3.1. Características gerais

3.3.2. Importância das redes

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 5/150 - Versão 01

3.4. Conflitualidade interna e “Colégios Invisíveis”

3.4.1. Significado da conflitualidade interna

3.4.2. Raízes da conflitualidade

3.4.3. “Colégios invisíveis” e ciência oficial

3.5. Instituição universitária

3.6. Conhece-te a ti próprio

3.6.1. Características psico-somáticas

3.6.2. Liberdade e determinismo

4. Gosto e eficácia no estudo

Não há investigação sem estudo. Estudo do muito que foi previamente descoberto e

transmitido, estudo das melhores formas de investigar, estudo das informações

obtidas, estudo das dificuldades e erros encontrados. Não pode haver bom

investigador sem ter o gosto pelo estudo. Gostar de estudar e saber estudar pode ser

decisivo. Contudo consideramos matéria adquirida e dispensamo-nos de tratar de uma

forma sistemática estas questões. Contudo, ainda a título introdutório, faremos

algumas breves alusões a alguns assuntos, numa ténue tentativa de obrigar a repensar

as formas de estudar.

4.1. Entre os conhecimentos corrente e científico

4.2. Tudo saber, sem angústia

4.3. Direccionamento do estudo

4.4. Aumento da eficácia

5. Sobre a tese

A referência deste livro é a tese. Uma tese tem elementos diferenciadores em relação a

outros tipo de documentos científicos. Por outro lado esse mesmo termo pode ser

aplicado a diversas situações. Este é o último ponto “introdutório” esclarecendo

brevemente estas noções.

5.1. O que é uma tese

5.2. Tipos de tese

5.3. A tese e a vida futura

6. Aproximação à “realidade” que se pretende estudar

Este capítulo é o primeiro de tratamento do cerne do problema: como se faz uma

investigação científica e se a divulga? Trata especificamente da primeira parte, de um

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 6/150 - Versão 01

segmento da primeira parte: Qual o percurso de uma investigação científica? A

investigação é também uma relação dialéctica entre o real e o investigador cuja síntese

é a constituição de um objecto científico próprio. Essa síntese resulta de múltiplos

factores e exige um longo caminho a percorrer. Primeiro há que segmentar a realidade

e escolher o que queremos estudar, compreendendo qual é o duplo espaço a

preencher: espaço da relação concreto-abstracto, espaço de disciplinaridade e

interdisciplinaridade. Depois há que observar a “realidade escolhida” recorrendo a um

conjunto de procedimentos e técnicas que, em grande medida, só serão abordados no

capítulo seguinte. Após a separação, o isolamento, da realidade a estudar, há que

proceder à sua parcial reintegração, que já pressupõe uma multireferencial leitura

dessa mesma realidade, processo frequentemente designado de contextualização.

Estamos então em condições de formular as questões a que pretendemos responder, de

transformar a anterior “leitura” da realidade em problema que carece de uma nova

fase da investigação. Estão então criadas as condições para interpretar –

independentemente do que se possa pretender designar por esse termo – a realidade

seleccionada.

O tratamento destas questões tem de ser pormenorizado. Tomando como referência as

ciências da realidade humana, mas ganhando com a experiência das outras ciências,

atendendo às questões disciplinares, mas tendo sempre em vista uma leitura

interdisciplinar.

6.1. Escolha da “realidade” a estudar

6.2. Observar a realidade

6.3. Contextualizar a realidade

6.4. Problematizar a realidade

6.5. Interrogar a realidade

6.6. Interpretar a realidade

6. 7. “Companheiros” da aproximação

6.7.1. Razão e sentimentos

6.7.2. Curiosidade e imaginação

6.7.3. Cultura

7. Metodologia e técnicas de investigação científica

Como se afirmou anteriormente, para interpretar a realidade é necessário utilizar

determinadas metodologias e determinadas técnicas. Centrados essencialmente nas

ciências da realidade humana apresentam-se algumas das metodologias e algumas das

técnicas. Umas são exclusiva ou dominantemente utilizadas por algumas ciências

enquanto outras são comuns a diversas disciplinas ou até de aplicabilidade global.

Como a nossa preocupação é interdisciplinar é importante saber que metodologias e

técnicas existem, para que se recorra a elas quando necessário.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 7/150 - Versão 01

Tendo em atenção que cada vez mais a exigência da interdisciplinaridade aconselha

ou impõe a utilização de metodologias e técnicas de uma disciplinas científicas por

outras, este conhecimento extensivo é vital. A necessidade de utilização de uma

dessas técnicas exigirá que se proceda a um estudo mais intensivo do que o realizado

aqui. Simultaneamente deve-se ter presente que a utilização do computador modifica

o ponto de vista de abordagem destas técnicas e metodologias. Hoje há condições para

sermos utilizadores esclarecidos de diversos programas, isto é, utilizadores que não

necessitam de conhecer pormenorizadamente os algoritmos, mas que, no entanto, tem

uma clara visão de conjunto da ferramenta, do seu significado e das alternativas que

se colocam.

Os pontos que se seguem pretendem fazer uma abordagem deste tipo das

metodologias e técnicas, pelo que este capítulo deve ser articulado com alguns dos

anexos deste livro. Anexos porque são complementares, mas nem por isso menos

importantes.

7.1. Metodologia

7.1.1. Da ruptura com as “evidências”

7.1.2. Das metodologias consagradas ao anarquismo metodológico

7.1.3. Dedução e indução

7.1.4. “Teoria” e “prática”

7.1.5. Do qualitativo e do quantitativo

7.1.6. Teoria e investigação “empírica”

7.1.7. Modelização

7.1.8. Classificação consciente

7.1.9. Experimentação

7.1.10. Questões problemáticas

7.1.11. Delimitação do tema

7.2. Técnicas

7.2.1. Pesquisa e utilização de informações sobre o assunto

7.2.2. Fontes históricas

7.2.3. Inquéritos

7.2.4. Entrevistas

7.2.5. Observação participante

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 8/150 - Versão 01

7.2.6. Sondagens

7.2.7. Uso de estatísticas

7.2.8. Análise de casos

7.2.9. Simulação informática

7.2.10. Análise de conteúdo

8. A problemática, o modelo e a “verificação”

Uma tese pode ter objectivos mais ou menos ambiciosos conforme a sua inserção

institucional e quem a realiza, mas na sua formulação mais completa uma tese

envolve a elaboração de um modelo explicativo da “realidade” seleccionada e

reconstruída. Por isso mesmo é interessante que antes de redigir a tese o estudante

saiba claramente do que se está a falar. Também aqui é imperioso ter conceitos e

ideias claros. Este ponto visa precisar o conceito de modelo e como é que este se

insere no desenvolvimento do conhecimento científico.

8.1. Potencialidades e condicionantes da problemática

8.2. Modelo científico

8.2.1. Características

8.2.2. Veracidade e aceitabilidade

8.2.3. As hipóteses

8.2.4. As variáveis

8.2.5. As lógicas

8.3. A complexidade e os modelos

8.4. Verificabilidade e falsabilidade

9. Redacção de trabalhos científicos

Feita a investigação há que expor aos outros o trabalho realizado ou as conclusões a

que se chegou. Há que combinar as informações obtidas, as características individuais

na exposição das ideias, as técnicas consagradas e estabelecidas, nacional ou

internacionalmente, a eficácia em função do público a que se dirige, utilizando uma

determinada forma de comunicação. Assumiremos que na grande maioria das

situações essa forma é a escrita, utilizando o papel, embora cada vez mais outras

alternativas se apresentem com eficácia.

O objectivo deste capítulo é responder à pergunta multifacetada: qual a melhor forma

de apresentar a minha investigação?

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 9/150 - Versão 01

Procurando dar uma visão de conjunto damos particular atenção a algumas questões

que tradicionalmente ou são esquecidas ou são centro de dificuldades por parte dos

alunos.

9.1. Condicionantes prévios

9.1.1. Considerações preliminares referidas

9.1.2. Lógica de investigação versus lógica de redacção

9.1.3. Destinatários

9.2. Título e Plano provisório

9.3. Plano definitivo

9.4. Sequência de redacção

9.5. “Estilo” da redacção

9.6. Alguns cuidados com a redacção

9.6.1. Bibliografia, latus sensus

9.6.2. Corpo do trabalho, notas e anexos

9.6.3. Inclusão de informação quantificada

9.7. Questões formais e de apresentação

9.8. Revisão do texto

9.8.1. Importância da primeira frase

9.8.2. Inventário dos cuidados a ter

9.8.3. Técnicas de revisão

10. Apresentação do trabalho científico

O texto foi escrito e entregue. Segue-se a necessidade de, formal ou informalmente,

fazer a sua defesa oral. Apresentam-se aqui alguns comentários sobre o assunto.

11. Especificidades de um trabalho interdisciplinar

Todas os assuntos tratados nos capítulos anteriores foram feitos no âmbito de um

tratamento interdisciplinar, o que pressupõe também a abordagem disciplinar. No

entanto, ao terminar este longo percurso sobre a epistemologia e a metodologia

científicas, é conveniente retomar mais explicitamente a interdisciplinaridade, precisar

um pouco mais o seu significado, recapitular o que lhe é específico, aliciar os leitores

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 10/150 - Versão 01

para a importância de romperem com as amarras disciplinares sem delas abdicar. É

esse singelo exercício que é feito neste ponto.

11.1. Notas breves sobre interdisciplinaridade

11.2. Contextualização, importação, reconstrução

11.3. Interparadigmacidade

11.4. Interculturalidade

11.5. Especificidades

11.5.1. De conteúdo

11.5.2. De processo

11.5.3. Individual e colectivo

A. ANEXOS

Algumas das matérias abordadas ao longo do livro aconselham algumas informações

complementares, um tratamento sistemático de algumas matérias que são melhor

tratadas se agrupadas em anexos. Há uma concepção generalizada que os anexos são

matéria secundária. Neste caso seria contraproducente pensar-se assim. Dizemos que

são matéria diferente, exigindo um tratamento diferente e diferenciado. Admitimos até

que os assuntos tratados em alguns capítulos só produzem efeito se o leitor se

apropriar das ideias contidas nos anexos seguintes. Reduzimo-los ao mínimo

indispensável.

A.1: Estudo eficiente e agradável

Apontamentos sobre algumas questões relacionadas com o estudo que têm de ser

integralmente dominadas para que a investigação produza efeito: a leitura exige

correcta interpretação; a pesquisa bibliográfica e sua consulta exige um tratamento

que permita rápida e eficaz utilização futura; a capacidade de sintetizarmos em poucas

ideias, em poucas palavras, os trabalhos dos outros é indispensável para uma correcta

apresentação da nossa investigação.

A.1.1. Considerações gerais

A.1.3. “Fichas” em computador

A.1.3.1. Sistematização da informação

A.1.3.2. Sua utilização

A.1.3.3. O computador e o raciocínio modular

A.1.3. Leitura e Interpretação

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 11/150 - Versão 01

A.1.4. Resumos

A.1.5. Utilização do computador

A.1.6. Palavra-chave

A.2: Rudimentos de tratamento quantificado

Nas ciências da realidade humana há disciplinas que fazem intensa utilização do

tratamento quantificado, há as que às vezes utilizam o tratamento quantificado e as

que nunca o utilizam. Enquanto alguns investigadores são entusiastas do tratamento

numérico outros arranjam todos os subterfúgios para fugir dele. Esta diversidade de

posições é altamente prejudicial para a construção científica, para o diálogo entre

diferentes investigadores, para a interdisciplinaridade. Um trabalho científico tanto

pode ser quantitativo como qualitativo, mas o que marca a diferença deve ser o tema e

a metodologia, nunca os preconceitos dos investigadores ou o medo das Matemáticas.

Neste anexo visamos três objectivos diferentes. Em primeiro lugar reduzir as

diferenças entre os investigadores face à Matemática, mais enquanto atitude do que

enquanto conhecimentos. Em segundo lugar mostrar que em muitas circunstâncias a

“fuga aos números” é uma fuga à cientificidade, que um trabalho científico exige

frequentemente quantificações. Finalmente chamar a atenção que a necessidade de

utilização da Matemática é viável, mesmo para investigadores que há muitos anos se

divorciaram delas.

Este último aspecto não significa que as Matemáticas sejam (sempre) simples, mas

significa que há necessidade de trabalhar em rede, mesmo quando a investigação é

“individual”. Significa ainda que hoje existem programas informáticos gratuitos de

grande qualidade, com aplicabilidade em situações muito diversas.

Procura-se ampliar esses horizontes informáticos, frequentemente pouco explorado.

A.2.1. Permutações, Arranjos e Combinações

A.2.2. Universo e amostra

A.2.3. Descrição estatística

A.2.4. Índices

A.2.5. Correlação

A.2.6. Teste de hipóteses

A.2.7. Classificação

A.2.8. O auxilio do computador

A.2.8.1. Bases de dados

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 12/150 - Versão 01

A.2.8.2. Representação gráfica

A.2.8.3. Programas tratamento da informação

A.2.9. Modelos de simulação

A.3: Tese como projecto

Um trabalho de investigação é sempre um projecto. Define-se hoje o que se pretende

obter no futuro. Quanto mais soubermos da gestão de projectos mais poderemos ser

precisos na definição dos objectivos, na estruturação das tarefas, na afectação dos

recursos.

Numa investigação associada à elaboração de uma tese o projecto é elementar e não

exige conhecimentos de gestão de projectos. Numa investigação interdisciplinar há

maior exigência. Numa investigação interdisciplinar em equipe e a médio prazo, a

utilização da gestão de projecto é indispensável.

Apenas pretendemos alertas para estes facto, criando disponibilidade para

futuramente, se necessário, aprofundar estas questões.

A.3.1. Objectivos e tempo

A.3.2. Tarefas e sua articulação

A.3.3. Recursos e sua utilização

A.3.4. Avaliação

A.4: Apontamentos sobre a Redacção de outros documentos

A nossa atenção concentra-se, ao longo do livro, nas teses. Aqui procura-se chamar a

atenção para algumas questões complementares que outro tipo de documentos

exigem.

A.4.1. Relatório de Investigação

A.4.2. Artigo de revista especializada

A.4.3. Comunicação em conferência

A.4.4. Artigo de revista não especializada

A.4.5. Livro

A.5: Correcção tipográfica

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 13/150 - Versão 01

Simples apresentação do conjunto de símbolos tradicionalmente utilizados na

correcção de provas tipográficas. Referência a processos de correcção utilizando

documentos electrónicos.

A.6: Pesquisa em Computador

A investigação exige a utilização da Internet. Cada vez mais há o seu reconhecimento

e uma habituação a esta situação. Contudo, não é despiciendo algumas observações

sobre esta matéria.

Glossário

Ao longo do trabalho utilizaremos o conjunto de termos que são específicos das

matérias tratadas, que muitas vezes têm significados diferentes conforme a ciência

que os utiliza. Aqui pretendemos de uma forma sintética elucidar o(s) seu(s)

significado(s).

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 14/150 - Versão 01

Investigar e Redigir uma Tese

em contexto interdisciplinar

Í N D I C E

ESTRUTURA ................................................................................................................ 1

Convenções de apresentação ........................................................................................ 16

Oportunidade desta temática ........................................................................................ 17

Aproximação à “realidade” que se pretende estudar ................................................... 25

Escolha da “realidade” a estudar .............................................................................. 27

A escolha do assunto ............................................................................................ 29

Questões prévias .............................................................................................. 29

Algumas grandes opções .................................................................................. 38

Conhecimentos prévios e assunto .................................................................... 46

Que assunto? .................................................................................................... 52

A delimitação do objecto ..................................................................................... 52

As questões problemáticas iniciais ...................................................................... 52

Observar a realidade ................................................................................................ 54

Contextualizar a realidade ........................................................................................ 54

Problematizar a realidade ......................................................................................... 54

Interrogar a realidade ............................................................................................... 54

Interpretar a realidade .............................................................................................. 54

“Companheiros” da aproximação ............................................................................ 54

Razão e sentimentos ............................................................................................. 54

Curiosidade e imaginação .................................................................................... 54

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 15/150 - Versão 01

Cultura .................................................................................................................. 54

Redacção de trabalhos científicos ................................................................................ 55

Alguns cuidados com a redacção ............................................................................. 55

Bibliografia, latus sensus ..................................................................................... 55

Tipos de Bibliografia ....................................................................................... 59

Formas de Apresentação da Bibliografia ......................................................... 64

Sistemas bibliográficos ................................................................................ 64

Informações sobre a obra referenciada ........................................................ 73

Localização da bibliografia na tese .............................................................. 87

Estruturação da Bibliografia ........................................................................ 88

Recomendação ............................................................................................. 90

Relações entre o Texto e a Bibliografia ........................................................... 91

A02: Rudimentos de tratamento quantificado ........................................................... 107

Exemplos iniciais ................................................................................................... 107

Exemplo 1 – Precaver-me com o R ................................................................... 107

Porquê escolher o R? ..................................................................................... 108

Como instalar o R? ......................................................................................... 109

Aspectos gerais e breves de como funciona o R? .......................................... 110

Como saber que função utilizar? .................................................................... 112

Como usar e instalar packages extra? ............................................................ 117

Como mantê-lo sempre actualizado? ............................................................. 119

Exemplo 2 – Uma questão de altura .................................................................. 120

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 16/150 - Versão 01

CCoonnvveennççõõeess ddee aapprreesseennttaaççããoo

Coloca-se em janela, com borda de duplo traço, os desafios que se lançam aos

alunos em termos de resultado final da obra a editar.

Coloca-se em janela, com borda a tracejado, os exemplos utilizados para

ilustrar algumas situações. Estão apresentados dessa forma todos os exemplos

que justificam uma apresentação autónoma.

Coloca-se em janela, com borda denteada, o que constitui uma síntese de uma

determinada matéria e são recomendações essenciais para o leitor deste

trabalho.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 17/150 - Versão 01

OOppoorrttuunniiddaaddee ddeessttaa tteemmááttiiccaa

“fazer uma descoberta não é muito diferente de estar apaixonada ou

de fazer amor” (GOODFIELD [sd], 35)

“Deixemo-nos transportar, mesmo que só por um momento, ao

coração destas matérias, «sintamo-las» precisamente como as sente

em certas ocasiões especiais quem as vive por dentro, com a

imaginação e com o sentimento. Todas as matérias emitem as suas

cintilações próprias.” (PALMARINI 1992, 176)

A ignorância da ignorância é atroz. O conhecimento da ignorância é frutuoso.

A ignorância da ignorância é desconhecermos os limites do nosso saber. É

aniquilarmos a construção de um percurso consciente, estruturado, eficaz de aquisição

de novos conhecimentos. É desprezarmos metas futuras de objectivos a atingir ou os

caminhos para a sua concretização. Poderá a vontade individual ou os imperativos

sociais exigirem trabalho de obtenção de conhecimento, quiçá da sua divulgação, mas

o esforço substitui a clarividência, a sua intensidade a eficácia, a angústia a alegria.

“Só sei que nada sei” de Sócrates perdura como um longo caminho da Filosofia, mas

também como um saber popular, que fica atónito entre o trocadilho das palavras e as

rupturas que o conhecimento corrente exigiria para se superar a si próprio, para

procurar o que sei que não sei.

Muito frequentemente desconhecemos que ignoramos os métodos de investigação e

essa ignorância é atroz. Fazer investigação é sempre trilhar caminhos que

desconhecemos. É descobrir caminhando e em cada passo saber observar, interpretar a

observação, decidir sobre o passo seguinte. E quando se chega ao fim de um percurso

de investigação deve-se aproveitar integralmente o caminho percorrido, dá-lo a

conhecer. O método de investigação pode ser um mapa, deve ser sabê-lo interpretar,

convém ser a sua utilização como guia, acrescentando-lhe informações, melhorando-

o. Poderemos encontrar um terreno de caminho fácil e não sentiremos grande falta do

mapa, poderemos defrontarmo-nos com obstáculos de difícil transposição ou

encruzilhadas sem indicação de destinos e desejaríamos ter um mapa por perto;

poderemos perder-nos e apenas precisarmos de encontrar uma alternativa de

sobrevivência. Não devemos assumir que sabemos metodologia de investigação se

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 18/150 - Versão 01

ainda não a estudámos. Não devemos assumir que sabemos tudo sobre ela quando já

começamos a trabalhar com e sobre ela. Eis um primeira razão para nos ocuparmos

deste tema.

O conhecimento da ignorância é frutuoso. Permite superar-nos individual e

colectivamente. Permite manter-nos na prática científica, seleccionarmos espaços de

ignorância a serem explorados, inventariarmos antecipadamente ferramentas e apoios

logísticos para essa exploração, assim como os tempos necessários previsíveis,

definirmos projectos de investigação. Projectos porque definimos os objectivos a

alcançar; porque o futuro comanda o presente; porque procuramos uma combinação

inteligente de dificuldades, recursos e tempos. Simultaneamente, porque a época

histórica de podermos saber tudo o que de relevante se descobriu no passado, de ser-

se sabiamente enciclopédico está há muito ultrapassada, o projecto evita-nos a

“angústia de não termos tempo em vida para ler todos os livros da biblioteca”, exige e

mantém a clarividência da escolha. Eis uma segunda razão para nos ocuparmos desses

assuntos.

O projecto científico actual é dominantemente especializado. Ciência é, quase sempre,

sinónimo de disciplina. O que marca a especialização não é a escolha de uma

determinada realidade formal, da natureza ou da realidade humana para estudo, mas

fazê-lo com uma focagem, metodologia, teorias e modelos, próprios de uma

determinada ciência, ficarmos encerrados no terreno que nós próprios balizámos,

sejam quais forem as razões que levem a tal. Se sabemos que a disciplinaridade é um

percurso para a construção de sábios ignorantes – com todas as virtudes de serem

sábios no assunto que conhecem, investigam e divulgam; com todas as restrições de

serem ignorantes de tudo o resto, dramaticamente ignorantes de outras focagens,

metodologias, teorias e modelos que estudam a mesma realidade, que tratam das

fronteiras desta –, se tivermos a pretensão de reduzirmos, por pouco que seja, essa

ignorância, deveremos estar atentos e escolhermos os caminhos adequados. Se o

caminho da investigação do novo é inexplorado o caminho da interdisciplinaridade –

chamemo-lhe assim, para já – é vedado com arame farpado, recheado de obstáculos.

Se não tivermos os métodos adequados para o percorrermos não iremos longe. Eis

uma terceira razão para nos ocuparmos desses assuntos.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 19/150 - Versão 01

As considerações anteriores parecem convencer-nos das vantagens de começar um

trabalho de investigação, como farão muitos dos leitores destes apontamentos, pelo

estudo da sua respectiva metodologia. Contudo nem sempre assumimos essa atitude,

raramente encontramos unanimidade sobre tal assunto. Com efeito, investigando e

ensinando sobre estas matérias há mais de um quarto de século, procurando aplicá-las

a diversos níveis de ensino e em diferentes contextos sócio-geográficos, não

mantivemos sempre a mesma posição sobre a importância de antes de qualquer

investigação abordar os assuntos que aqui fazemos. Esclareça-se, no entanto que a

dúvida não é científica, é pedagógica (ou só é científica porque é pedagógica).

É pedagógica porque diferentes são as posturas adoptadas pelos alunos no tratamento

das questões relacionadas com a metodologia de investigação.

Se o aluno de metodologia de investigação continua a ficar deslumbrado com o cheiro

de uma rosa, com as cores de um Gaugin, o diálogo instrumental em Wagner ou com

o mistério revelado na multiplicidade de leituras de um poema, se é capaz de estudar

chinês pela simples apropriação de uma cultura milenar, ao apresentarmos

metodologia de investigação antes da investigação se iniciar ele assimilará o máximo

de conhecimentos, registará situações e problemas para futura reflexão. A experiência

é um pilar do conhecimento, os sentimentos de prazer viabilizam uma aprendizagem

profícua, pelo que alguns enunciados poderão ser mal compreendidos, ficando

latentes até ao momento em que os caminhos da investigação os façam saltar

novamente para o consciente. Estes alunos merecem sempre o nosso esforço.

Muitos alunos são menos emotivos na apreciação da situação, são mais pragmáticos, o

conhecimento faz-se para ser aplicado. O conhecimento é um instrumento, neste caso

de novo conhecimento. Para estes os ensinamentos sobre metodologia de investigação

são mais úteis no momento em que se defrontam com as dificuldades, quando têm que

agir. Certamente que este grupo de alunos também tirará vantagem na prévia

abordagens dos assuntos aqui tratados, mas é modesta. Será preferível ir-lhes

transmitindo os ensinamentos a pouco e pouco, no decorrer da investigação, de

preferência após a investigação, antes de passar ao registo do novos conhecimentos

adquiridos.

Estamos em crer que o primeiro tipo de alunos é uma minoria. Não são melhores ou

piores que os outros, tão somente são diferentes. Provavelmente grandes

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 20/150 - Versão 01

investigadores mundialmente reconhecidos pertencerão indiferentemente a um ou

outro grupo.

Defrontando-nos com estes diferentes públicos, algumas vezes optámos pelo primeiro

cenário (fornecer toda a metodologia no início), outras vezes pelo segundo (fornecer a

metodologia a pouco e pouco ao longo da investigação), particularmente quando era

possível transmitir a todos os alunos todos os ensinamentos, escolhendo o momento

mais oportuno para cada um1.

Mantendo sempre subjacente estas alternativas, actualmente considero preferível esta

abordagem prévia. Três razões alicerçam esta opção:

1) As razões científicas devem imperar sobre as pedagógicas. Em muitas situações ou

há uma abordagem inicial ou muitos alunos ficarão privados de conhecimentos que

podem ser decisivos. Essa lacuna é individualmente colmatada, perante a ignorância

da ignorância, pelo recurso ao conhecimento corrente, a expedientes cientificamente

inadequados. A existência de um texto de referência que se pode consultar, quando se

considerar necessário, pode ser decisivo.

2) A nossa abordagem é num contexto interdisciplinar. Ou se está alertado à

partida para o que tal significa, e quais são os melhores caminhos para o conseguir,

mesmo que o resultado seja sempre relativamente incerto, ou nunca se fará uma

investigação interdisciplinar. A tendência espontânea do investigador é enveredar pela

disciplinaridade. É desde o início que se têm de fazer outras opções. É do início que

se tem de ter consciência da existência de outras técnicas.

3) Admitimos frequentemente que a ignorância da ignorância e o conhecimento da

ignorância são os extremos de situações limite e que nas situações concretas há uma

combinação de ambas. Somos mesmo levados ingenuamente a admitir que em cursos

de pós-graduação o peso relativo do conhecimento é superior ao da ignorância.

1 Nas opções não deixou de contar o percurso inicial. Não me situando em nenhum dos dois tipos

anteriormente referidos, tenderei dominantemente para o segundo: saber a pouco e pouco à medida das

necessidades. Contudo frequentemente me defrontei com a situação “se tivesse sabido disto antes tinha

poupado tantos meses de trabalho!”. Por tentativa e erro fui-me aproximando cada vez mais do

reconhecimento da importância do conhecimento aprofundado destas problemáticas na fase inicial da

investigação. As minhas investigações em epistemologia e sobre a interdisciplinaridade mais me

convenceram dessa importância pois apercebi-me que há “forças”, “tendências”, “colégios” que

espontaneamente nos podem encaminhar para percursos que não serão os mais correctos ou, pelo

menos os mais adequados a uma leitura interdisciplinar, abrangente.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 21/150 - Versão 01

Contudo este conhecimento espontâneo tem tanto de válido quanto o contrário até ao

momento da sua quantificação científica. Vários anos a acompanhar trabalhos de

investigação em diversas áreas das ciências do conhecimento humano permite-nos

constatar que em fases avançadas da investigação muitos alunos continuam a

desconhecer totalmente questões essenciais.

Eis algumas razões para anteciparmos a investigação tratando da metodologia de

investigação em contexto interdisciplinar.

As relações entre metodologia da investigação e epistemologia são grandes. Como

poderemos, por exemplo, compreender o que “científico” se não soubermos o que é

Ciência. Assim sendo podemos estabelecer uma relação entre os diferentes níveis da

Epistemologia e os da metodologia da investigação. Poderemos então falar de uma

Metodologia de Investigação Geral, de uma Metodologia de Investigação Regional,

de uma Metodologia de Investigação Disciplinar e ainda de uma Metodologia de

Investigação Interdisciplinar2.

Pertencerão à Metodologia de Investigação Geral todos os temas e problemas que são

aplicáveis a todas as investigações, independentemente do seu objecto real ou teórico.

Serão, por exemplo, os casos do entendimento do que é Ciência ou a possibilidade de

se divulgar o resultado de uma investigação utilizando a sequência de investigação ou

a sequência de exposição.

Pertencerão à Metodologia de Investigação Regional todos os temas e problemas que

são aplicáveis às investigações que têm determinados objecto e metodologia que lhes

transmite um conjunto de características diferenciadoras. Tomando como referência

do conjunto as disciplinas, as regiões disciplinares dependem das classificações que

adoptarmos, estando a história marcada por várias, diferentes entre si. Assumimos,

sem as explicações que o problema exigiria mas com a certeza de que este não será o

local mais apropriado para o fazer, com todas as limitações que as classificações

apresentam, a distinção de GODIN:

2 Utilizamos a terminologia de CASTRO (1975). Fala em Epistemologia Geral, que trata da ciência em

geral; em Epistemologia Regional que trata do que específico de um determinado conjunto de ciências,

por exemplo as ciências da natureza; em Epistemologia Disciplinar que estuda cientificamente uma

determinada ciência, tal como Química, Linguística ou Matemática.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 22/150 - Versão 01

“Les sciences peuvent être rangées en trois grandes familles - les sciences

logico-mathématiques, les sciences de la réalité physique et les sciences de la

réalité humaine. Elles diffèrent d'abord, bien entendu, par leurs objets, mais

cette divergence de préoccupation en induit toute une série d'autres :

concepts, méthodes, statut de la preuve, degrés de vérité et de

certitude.”(GODIN 1997, p. 116)

Preocupar-nos-emos essencialmente com a terceira região, as ciências da realidade

humana:

“Le quatrième et dernier chapitre de ce livre sur la totalité réalisée dans les

sciences concernera les sciences de la réalité humaine. Peirce les appelait

sciences nomothétiques ou nomologiques - l'expression de sciences humaines

a fini par l'emporter - ; nous préférons, quant à nous, parler, en regard des

sciences de la réalité physique, des sciences de la réalité humaine.”(GODIN

1997, p. 119)

São exemplos de temas e problemas da Metodologia da Investigação das Ciências da

Realidade Humana o Homem ser sujeito e objecto da investigação, a possibilidade ou

especificidade da experimentação, a utilização da informação estatística.

Dentro dela há ainda metodologias de investigação de cada uma das disciplinas.

Temos uma formação disciplinar. A experiência adquirida na direcção de projectos

interdisciplinares, no ensino e investigação com participantes de várias áreas do saber,

a preocupação em acompanhar a evolução geral das ciências, o estudo empenhado da

interdisciplinaridade, o reconhecimento da pluralidade de paradigmas dentro das

disciplinas contribuíram para uma fuga à clausura disciplinar mas não nos forneceram

conhecimentos para tratar com a mesma profundidade a metodologia da investigação

em História, em Economia ou em Linguística. No entanto temos a ambição deste livro

conseguir abarcar grande parte dessas situações, fornecendo a uns uma visão de

metodologias e técnicas utilizadas por outros. Aliás essa é a única forma de

consistentemente tratar todos os assuntos numa perspectiva interdisciplinar.

Para concretizar esse projecto contamos com a colaboração de todos os

mestrandos, esperando que cada um tenha perante este livro, quiçá com

a ajuda dos exercícios e outros materiais disponibilizados no espaço de

e-learning:

»» uma atitude de crítica, sendo leitores implacáveis

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 23/150 - Versão 01

»» uma atitude de colaboração, abordando várias questões numa

perspectiva disciplinar diferente da minha.

A todos ficaremos reconhecidos e essas colaborações não serão

esquecidas nem assimiladas sem uma expressa referência aos seus

autores.

O que está frente a vós é, em certa medida, um projecto de livro

colectivo.

Pertencerão à Metodologia de Investigação disciplinar o tratamento da documentação

histórica, a utilização da econometria, a investigação participada, a construção de

amostras para um inquérito, por exemplo.

Pertencem à Metodologia de Investigação Interdisciplinar todos os temas e problemas

que abordam a possibilidade de ir para além do quadro disciplinar de especialização

actualmente existente. Na actual fase histórica o grande salto qualitativo é passar de

uma investigação estritamente disciplinar para uma relação dialéctica dentre aquela e

uma leitura da mesma realidade envolvendo a contribuição de diversas ciências, seja

partindo dos contributos das diversas disciplinas, seja formulando novas

problemáticas, seja encarando de forma diferente conhecimento-acção, seja ainda

conseguindo observar o que antes não o era.

São exemplos de campos desta metodologia a classificação e tipificação das diversas

interdisciplinaridades ou dificuldades objectivas ou subjectivas ao trabalho

interdisciplinar. Trata-se de um espaço de reflexão em que muitos problemas ainda

não obtiveram resposta satisfatória, em que muitas questões ainda não foram

adequadamente formuladas.

Nestes apontamentos não temos a preocupação de caminhar do geral para o particular,

embora em diversas situações seja esse o percurso, em começar por trabalhar a

Metodologia da Investigação Geral e terminar na Disciplinar ou na Interdisciplinar.

Vamos articulando todas elas a propósito de cada assunto.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 24/150 - Versão 01

Uma última recomendação. Sobre cada um dos assuntos procuraremos ser o mais

exaustivos possível, sem nunca perdermos a visão de conjunto, sem nos perdermos no

pormenor. Sobre cada assunto muito foi conscientemente excluído, mas, mesmo

assim, várias páginas são ocupadas no desenvolvimento do tema.

Distinguindo o que são exemplos (colocados em janelas próprias ou remetidos para

notas de fim de página) e colocando no fim de certas matérias a sistematização das

opções que cada um deverá fazer quando se defrontar com o problema, estamos a

contribuir para uma mais fácil leitura. Contudo estas pode ser vantajosamente feita a

dois ritmos e em dois tempos. Numa primeira fase ler e compreender o que é

essencial. Numa segunda retomar os pormenores que nos fazem falta para o nosso

trabalho.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 25/150 - Versão 01

AApprrooxxiimmaaççããoo àà ““rreeaalliiddaaddee”” qquuee ssee pprreetteennddee eessttuuddaarr

O título deste capítulo exige alguns esclarecimentos prévios.

Em primeiro lugar as razões da utilização da palavra realidade “protegida” por aspas.

Os conceitos de “real” e de “realidade” estão no cerne de muitas investigações e,

simultaneamente de muitas controvérsias filosóficas e científicas: a alternativa

idealismo–materialismo ou idealismo–realismo–materialismo; relações entre o

ontológico e o gnosiológico, entre o ontológico e o epistemológico; a ciência

«moderna» e «pós-moderna»; a relação entre «observador» e «observado». Com os

desenvolvimentos recentes das neurociências e, já antes disso, da física quântica, estes

debates, que pareciam exclusivamente filosóficos, transformaram-se em questões

centrais para a compreensão da ciência, logo do conhecimento, actual.

Poderia não ser descabido aqui retomar essas questões, pelo menos fazer o ponto da

situação dessas diversas posições, mas certamente que extravasaria muito os nossos

propósitos, bem mais modestos, para além, de poder revelarem-se pedagogicamente

desastrosos.

A utilização de “realidade” no título deste capítulo visa tão somente chamar a atenção

para alguns aspectos que já são bastante bem nossos conhecidos:

os objectos científicos são uma certa leitura dos factos

o concreto “ultrapassa” as nossas capacidades descritivas e interpretativas

partimos para a observação dos factos com um conjunto de modelos que

funcionam como filtros de leitura.

Assuntos bem nossos conhecidos, mas que exigem uma vigilância permanente: o

nosso conhecimento das situações, a sua descodificação e interpretação em cada caso;

a procura de procedimentos capazes de nos garantir uma leitura mais completa, uma

interpretação mais holista; uma redução da subjectividade, uma mais “eficiente” e

“verdadeira” aproximação ao factos relevantes.

Uma “aproximação à realidade” que pode seguir percursos que a nossa tendência

espontânea, a nossa inevitável ligação ao conhecimento corrente, podem tender a

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 26/150 - Versão 01

ignorar ou considerar como “caminhos tortos”. Contudo a ciência pode ter que seguir

esses “caminhos tortos” para escrever direito, para escrever correctamente.

Um exemplo.

“Conhecer o quadro «Les Demoiselles

d’Avignon»” poderá ser para muitos, na melhor

das hipóteses, deslocar-se ao museu em que ele

se encontra e olhá-lo, eventualmente trocar

algumas opiniões sobre a obra. Cientificamente

olhá-lo é legítimo, mas de pouco servirá se não

conhecer a vida de Picasso, se não souber

bastante da história da pintura, das artes

plásticas no período em que é legítimo situar o

autor, se não entender de estética, se não

atender aos novos conceitos de tempo e espaço

que a física revelava, se não discutir os

contributos diversos que diferentes ciências (da

Psicologia à Sociologia, da Física à Semiótica, etc.) podem fornecer na interpretação

daquele quadro, enfim se não reflectir os contributos que muitíssimos especialistas

expressaram sobre esse famoso quadro de Pablo Picasso. O conhecimento daquela

obra, exigido num trabalho científico, tem vários percursos, diríamos uma infinidade

deles, cabendo ao investigador seleccionar os que são mais relevantes para as suas

preocupações atendendo também às limitações de partida. Os caminhos mais

relevantes dependem das investigações a fazer. São certamente bastante diferentes se

“conhecer «Les Demoiselles d’Avignon»” visa fazer a psicanálise de Picasso através

da sua produção artística, se visa estudar uma obra significativa de uma escola

pictória, se visa explicitar a representação artística dum espaço quadridimensional, se

visa dissecar o mercado da arte através desse exemplo, se visa elucidar aspectos da

complexidade e da importância da interdisciplinaridade, se visa qualquer outra coisa

que nem sequer somos capazes neste momento de admitir. Atendendo às limitações de

partida que podem ir desde o tempo disponível para proceder à investigação aos

recursos financeiros do investigador, dos conhecimentos linguísticos para ler a

bibliografia à formação de partida em estética.

Em segundo lugar esclarecer que ele pretende cobrir todo o processo de investigação,

desde a reflexão primeira sobre o seu futuro objecto de estudo – que muito

frequentemente se designa por “escolha do assunto”, “pergunta de partida”,

“delimitação do objecto de investigação” – até à construção de um modelo

interpretativo da realidade – utilizando a bem organizada sequência invocada por

QUIVY {1992 #960}, para além da “pergunta de partida” engloba a “exploração”, a

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 27/150 - Versão 01

“problemática”, “a construção do modelo de análise”, “a observação” e as

“conclusões”3; cada uma destas fases e o conjunto.

Feitos estes dois esclarecimentos iniciais estamos em condições de avançar.

EEssccoollhhaa ddaa ““rreeaalliiddaaddee”” aa eessttuuddaarr A possibilidade e liberdade de escolha da realidade a estudar depende de diversas

circunstâncias.

Muitas vezes o estudante ou o investigador é confrontado com uma situação

específica: (1) “vais fazer um trabalho sobre o papel do futebol nas sociedades

actuais”; (2) “o nosso centro de investigação tem trabalhado sobre o cancro no

estômago e o seu contributo vai ser particularmente importante nas experiências de

manipulação ...”; (3) “sendo o mestrado em estudos africanos a realidade a estudar

terá necessariamente a ver com África”. Muitos de nós já nos defrontamos com estas

diversas situações.

Outras vezes é remetido para o estudante ou investigador a responsabilidade de definir

o que pretende estudar e é frequente termos respostas muitíssimo diversas: (4) “já que

estou a fazer este mestrado gostava de trabalhar em algum tema que fosse útil para a

região em que vivo”; (5) “ainda não consegui encontrar um tema que considere

interessante”; (6) “há tantas hipóteses de trabalho que não sei para que lado me hei de

virar”; (7) “o meu objectivo é a eco-arquitectura e dinâmicas territoriais em Nairobi,

Quénia”.

Não se pode enunciar as vantagens e inconvenientes de uma ou outra situação porque

aqueles dependem das características do estudante, da forma como o docente ou o

coordenador de uma equipe sugere, orienta e trabalha, do contexto social, individual e

colectivo, em que o trabalho se processa. Há, no entanto, dois aspectos a salientar:

1. Um trabalho de investigação é um trabalho apaixonadamente racional. O

prazer de pôr “as celulazinhas cinzentas a funcionar”, o prazer de confirmar ou

3 A fase de “análise das informações” é, na nossa opinião, um aspecto da observação e remete para a

utilização de um conjunto de técnicas que tratamos autonomamente.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 28/150 - Versão 01

infirmar hipóteses, o prazer de superar as dificuldades, o prazer de adquirir

novos conhecimentos, de rasgar novos horizontes.

2. O investigador deve conhecer-se bem, aproveitar o percurso para cada vez

mais se conhecer a si próprio. Este conhecimento ajuda a perceber até onde se

pode ir, a melhor forma de superar as dificuldades, a capacidade de reviver e

reactivar o prazer do seu trabalho.

Infelizmente nesse sempre essas condições óptimas estão reunidas, muitas vezes a

investigação faz-se exactamente em contextos opostos ao que aqui referimos: a

ciência ao serviço da barbárie, conflitos entre a estratégia de sobrevivência e as

preocupações éticas do cientista, a instauração da rotina e da burocracia. Nas

considerações que se seguem vamos admitir, por hipótese, que estão criadas as

condições para o trabalho de investigação se processar nas melhor condições

individuais e colectivas ou que, pelo menos, está ao alcance do investigador criá-lo.

Consideraremos ainda, como hipóteses de trabalho, que compete ao estudante ou

investigador escolher, com total liberdade, o assunto a tratar, que será ele a decidir os

paradigmas e as disciplinas a utilizar, que é da sua responsabilidade, acompanhado

por colegas ou pelo orientador, delimitar o objecto de estudo4.

4 Dissemos, e mantemos, que as diferentes situações em que o estudante ou investigador é colocado

deve ser globalmente apreciado, tendo em conta um vasto conjunto de variáveis individuais e

contextuais, mas as sete situações anteriormente referidas correspondem, sem a transposição exacta, a

situações com que, ao longo dos anos, nos defrontamos no acompanhamento de trabalhos de

investigação, e poderá ter algum interesse, desde já, alguns comentários introdutórios.

“Vais fazer um trabalho sobre o papel do futebol nas sociedades actuais”. O professor enunciou um

vastíssimo assunto dentro do qual o aluno tem de se movimentar. Se o professor está ciente desta

situação e acompanha o aluno no processo de escolha do tema dentro desse vasto assunto estamos

perante um percurso correcto. Se o aluno tem consciência que o trabalho a realizar não é sobre todo

aquele assunto mas apenas sobre uma parte dele poderá corrigir a indicação que lhe foi dado.

Infelizmente temos constatado ao longo dos anos situações destas em que o professor não tem uma

visão clara do que está a pedir e o aluno não tem conhecimentos para superar a situação.

“O nosso centro de investigação tem trabalhado sobre o cancro no estômago e o seu contributo vai ser

particularmente importante nas experiências de manipulação ...” é quase certamente uma situação de

sucesso. O investigador faz uma escolha consciente dentro das possibilidades que se lhe ofereciam, o

centro tem uma estratégia e uma organização que permite integrar o investigador, dando-lhe tarefas

bem precisas e, simultaneamente, uma visão de conjunto.

“Sendo o mestrado em estudos africanos a realidade a estudar terá necessariamente a ver com África”.

Reflecte as “regras de jogo” conhecidas à partida: um determinado mestrado ou doutoramento exige

um determinado tipo de investigação e tese. Contudo este tipo de posições reflecte por vezes uma

leitura rotineira – “burocrática”, no sentido de conduzir um trabalho em esforço, monocórdico, sem

entusiasmo.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 29/150 - Versão 01

AA eessccoollhhaa ddoo aassssuunnttoo

QQuueessttõõeess pprréévviiaass

O primeiro cuidado a ter é aparentemente simples: conhecermo-nos a nós próprios.

É certo que já Camões nos alertava contra os perigos de falar de si próprio5

“«Que outrem possa louvar esforço alheio,

Cousa é que se costuma e se deseja;

Mas louvar os meus próprios, arreceio

Que louvor tão suspeito mal me esteja;”

{CAMÕES, 2005 #7560, Canto III 4}

e que outros autores já o fizeram com argumentação científica6. É certo que o

“conhece-te a ti próprio” é sempre limitado, que esse conhecimento das nossas

“Já que estou a fazer este mestrado gostava de trabalhar em algum tema que fosse útil para a região em

que vivo”. É uma atitude válida, frequentemente válida, mas que pode enfermar de um excessivo

pragmatismo. Corre-se o risco de o “útil” ser entendido como algo de aplicação imediata, de

reconhecimento mediático, poder transportar uma grande carga de significância do conhecimento

corrente. Sem dúvida que o estudioso, o cientista, deve procurar manter-se ligado à realidade, respirar

os anseios das pessoas, das instituições, das sociedades, mas simultaneamente deve criar algum

distanciamento em relação ao imediato. Como alguém dizia, “uma investigação é como uma matança

do porco, tudo se aproveita”, mas com a diferença que na investigação o aproveitamento pode não ser

imediato.

“Há tantas hipóteses de trabalho que não sei para que lado me hei de virar”. Embora pareça revelar uma

certa desorientação na escolha do assunto ou na precisão do tema, uma tal afirmação é frequentemente

um início muito promissor. Ao afirmá-lo o estudante revela abertura a uma diversidade de

problemáticas, expressa que já pensou no assunto e, sobretudo, parece apontar para uma dose

interessante de imaginação, esse bem raro. Quando se pretende que o trabalho seja interdisciplinar esta

“abertura de espírito” pode ser um bom indicador da sua atenção à diversidade de leituras disciplinares

e paradigmáticas. Contudo há que ter cuidado e o docente deve calendarizar e balizar essa procura do

assunto e do tema. O período que medeia entre esta afirmação alegre e a escolha (quase) definitiva do

tema é frequentemente de grande actividade intelectual, de grande exigência em toma de decisões, de

enorme angústia pessoal. Sobretudo quando o aluno assume – erradamente – que a tese que vai fazer é

“o trabalho da sua vida”. As decisões têm de ser assumidas num prazo breve e com confiança e alegria.

“O meu objectivo é a eco-arquitectura e dinâmicas territoriais em Nairobi, Quénia”. Esta é uma posição

que seria assumida com entusiasmo por muitos orientadores. O aluno “revela que sabe o que quer”.

Em muitas situações assim é, sobretudo quando é o resultado de um trabalho de investigação anterior

que se deseja continuar. Contudo uma tal posição pode ser indiciadora de alguns perigos: não

aproveitar a nova situação criada – ex. estar num novo curso de mestrado ou doutoramento – para

repensar as suas certezas, pouca disponibilidade para ouvir a opinião dos outros e aproveitar o ambiente

interdisciplinar.

Em todas as situações convém uma vigilância do estudante e do orientador em relação ao seu próprio

trabalho e à actuação colectiva.

5 Esta referência de Camões foi-nos sugerida por {[sa], [sd] #25183}

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 30/150 - Versão 01

tendências para o estudo e a investigação vai sendo mais perfeito ao longo do

processo, que nós próprio, enquanto objecto observado, mudamos de forma

descontínua. Contudo, e apesar de todas estas limitações é de todo conveniente

sabermos quais as nossas tendências fundamentais no que se refere ao estudo, à

investigação, à escrita.

ECO distingue os monocrónicos e os policrónicos7. Observemos o que ele nos diz:

“Há indivíduos monocrónicos e indivíduos policrónicos. Os monocrónicos só

trabalham bem se começarem e acabarem uma coisa de cada vez. Não

conseguem ler enquanto ouvem música, não podem interromper um romance

para ler outro, pois de outro modo perdem o fio à meada e, nos casos limite,

nem sequer podem responder a perguntas quando estão a fazer a barba ou a

maquilhar-se.

Os policrónicos são ao contrário. Só trabalham bem se cultivarem vários

interesses ao mesmo tempo e, se se dedicarem a uma só coisa, deixam-se

vencer pelo tédio. Os monocrónicos são mais metódicos, mas frequentemente

têm pouca fantasia; os policrónicos parecem mais criativos, mas muitas vezes

são trapalhões e volúveis.” {ECO, 1980 #3741, p. 105}

Certamente que esta diferença condiciona a organização do trabalho, mas também

condiciona a escolha do assunto e a delimitação do tema. Um tema muito delimitado,

exigindo a repetição de certos procedimentos, pode ser muito interessante para um

monocrónico, enquanto o policrónico sentir-se-ia melhor num objecto de estudo mais

geral, exigindo formas de abordagem muito diversificadas. Enquanto há uma

tendência para os primeiros ficarem melhor enquadrados em trabalhos de investigação

que se centram no particular, que caminham deste para o geral, os segundos

frequentemente preferem partir do geral para o particular. Utilizando uma linguagem

simbólica habitual, o monocrónico trabalha bem sobre a árvore sem conhecer a

floresta e o policrónico só consegue conhecer a árvore depois ter uma visão sobre a

floresta.

6 Ver por exemplo {HOLLANDA, 1993 #25184}, onde se faz uma referência a alguns desses

trabalhos.

7 Três observações. (1) a designação na língua original em que o texto foi escrito, o italiano, é

monocronici e policronici; (2) esta distinção, que nem sempre é tão abrupta e que exige gradações

intermédias, é bastante relevante; contudo não conseguimos encontrar estudos psicológicos e outros

que tratassem mais sistematicamente do problema; (3) por vezes, estas duas alternativas de

comportamento face ao tempo tem sido utilizado para caracterizar “culturas”, para classificar o

comportamento de agregados sociais face ao tempo.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 31/150 - Versão 01

Uma outra distinção “clássica” é entre espírito geométrico e espírito de finura de que

falava Pascal:

“Diferença entre o espírito de geometria e o espírito de finura. – Num, os

princípios são palpáveis, mas distanciados do uso comum; de maneira que se

torna difícil olhá-los, por falta de hábito: mas, por pouco que se olhe, vêem-

se os princípios em cheio; e seria preciso ter o espírito completamente

desafinado para raciocinar mal sobre princípios tão importantes que é quase

impossível que escapem.

Mas, no espírito de finura, os princípios são do uso comum e estão à vista de

toda a gente. Não tem que se esforçar o olhar nem que se fazer violência; é

apenas questão de ter boa vista, mas é preciso que seja boa; pois os princípios

são tão subtis e em tão grande número, que é quase impossível que não

escapem. Ora, a omissão de um princípio conduz ao erro; assim, é preciso ter

o olhar bem preciso para ver todos os princípios, e depois um espírito exacto

para não raciocinar falso sobre os princípios conhecidos.

Todos os geómetras seriam, pois, subtis, se tivessem boa vista, pois não

raciocinam falso sobre os princípios que conhecem; e os espíritos subtis

seriam geómetras se pudessem dobrar o seu olhar sobre os princípios

invulgares da geometria.” {PASCAL, 1959 #4365, p. 29}

sem que, no entanto, nos elucidasse devidamente. Muitas vezes esta distinção serve

para explicitar diferentes níveis de utilização da imaginação, de combinação desta

com a estrita observação racional. Outras vezes procura explicitar maior ou menor

tendência para a abstracção ou concretização. Ainda com este tipo de preocupações

alguns autores fazem referência a esta distinção para referir maior ou menor

capacidade para o “pensamento complexo” {DESHAIES, 1997 #25078, p. 185} Esta

distinção é apresentada pelo autor de forma tão vaga8 que também permite relacioná-

la com a maior ou menor perspicácia para a intuição e capacidade para a sua

utilização cientifica.

Uma última distinção é entre os “imitadores” e os “criativos”:

“Há perto de um século, o geólogo T. C. Chamberlin considerava que

existiam dois modos de aprender: um primeiro, por imitação, e um segundo,

por criação. A imitação consiste sobretudo em memorização. Na linguagem

da investigação actual, fala-se em replicação, quer dizer em reprodução ou

repetição de uma experiência ou de um estudo. O conhecimento ou a perícia

podem ser adquiridos desta maneira. Ela corresponderia àquilo a que

8 Também sobre ela não conhecemos estudos de Psicologia que analise cientificamente as diferenças

que aqui estão referidos. Não dizemos que não haja. Apenas desconhecemos.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 32/150 - Versão 01

Chamberlin chamava «a regra da teoria». Quanto ao outro modo, a criação,

pressupõe um esforço de descoberta, quer dizer uma tentativa de pensarmos

por nós próprios, apesar de podermos estar num campo de conhecimentos

conhecido ou não. Para alcançar este fim, Chamberlin propunha a utilização

do método das múltiplas hipóteses de trabalho visando desenvolver um

modo de «pensamento paralelo» ou «complexo».” {DESHAIES, 1997

#25078, p. 180}

Feita a referência a algumas das classificações dos indivíduos atendendo a algumas

das suas características, e insistindo que termos conhecimento das nossas próprias

características ajuda a escolher o assunto, o tema e a forma de abordagem da tese, é

importante relativizarmos o seu significado:

Não se pode deduzir das diferenças qualquer relação quantitativa, de

superioridade e inferioridade. Como alguns autores têm o cuidado de salientar,

é possível encontrar investigadores relevantes com uma ou outra característica.

O fundamental é ajustar os procedimentos às suas características.

Muitas destas classificações, embora reflictam alguns aspectos da realidade,

não estão suficientemente estudadas psicológica e sociologicamente para delas

deduzirmos as devidas conclusões.

É hoje suficientemente reconhecido que cada indivíduo é o resultado de

características biológicas, ontogenética e filogeneticamente determinadas, da

interacção com o seu meio, das relações sociais e de si próprio, das relações

que estes elementos estabelecem entre si. O homem é existência e, numa

lógica de projecto, uma investigação científica é uma oportunidade para se

modificar.

O conhecimento de nós próprios é sempre incompleto. Em primeiro lugar

porque somos uma realidade concreta e o conhecimento completo do concreto

é impossível. Depois pelas limitações resultantes da unidade entre sujeito e

objecto.

Há outras questões prévias que nos devem preocupar. Analisemos algumas.

O que esperam do nosso trabalho?

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 33/150 - Versão 01

Elaborar uma tese, assim como qualquer outro documento relacionado com a

aquisição de conhecimentos, pode ter significados muito diversos conforme o país, a

época histórica, a instituição, o curso, a disciplina ou o docente.

ECO distingue entre “tese de compilação” e “tese de investigação” {ECO, 1980

#3741, p. 13}. O objectivo da primeira é fazer o ponto da situação da investigação

sobre um determinado assunto, enquanto o da segunda é apresentar alguns resultados

novos, seja provando a falsidade de algo admitido até então, seja abrindo a

possibilidade de novos entendimentos. Normalmente a tese de primeiro tipo é menos

exigente em termos de tempo e esforço e a segunda é de resultado mais incerto,

exigindo o despertar de características que quotidianamente não nos são exigidas.

Contudo, o autor parece tirar uma conclusão que, para nós, nem sempre é a mais

adequada:

“a escolha entre tese de compilação e tese de investigação está ligada à

maturidade e à capacidade de trabalho do candidato” ({ECO, 1980 #3741, p.

13}

embora de seguida acrescente que factores económicos também podem influenciar.

Se é verdade que as características individuais podem levar a optar por um ou outro

tipo, frequentemente são os contextos anteriormente referidos que mais influenciam9.

9 Consideremos, para referência, três tipos de “tese”: de licenciatura, de mestrado, de doutoramento.

Em muitas situações entende-se que a primeira é para o jovem investigador começar a exercer com

correcção todas as técnicas de instigação, a segunda para fazer o ponto da situação sobre determinado

assunto (“tese de compilação”) e a terceira para levar a novas descobertas num determinada área

disciplinar ou interdisciplinar. Contudo quando as teses de doutoramento são raras tende-se a exigir

mais das teses de mestrado e quando estas também escasseiam as teses de licenciatura tendem a

cristalizar todas as expectativas de investigação, tanto da parte dos docentes e das instituições como dos

próprios estudantes. Algumas das poucas teses de licenciatura de alguns países africanos dariam boas

teses de mestrado, até bons inícios de teses de doutoramento, na Europa. Uma tese de mestrado em

Portugal há 50 anos tinha de ter mais atributos que algumas teses de doutoramento actuais. E não se

infira que os licenciados africanos são melhores que os europeus ou que o nível dos doutoramentos e

mestrados em Portugal diminuiu nos últimos cinquenta anos. pelo menos não se infira a partir das

situações anteriormente referidas.

Contudo considerar o contexto institucional exige uma leitura mais fina: num mesmo momento certas

áreas científicas são “mais exigentes” que outras, duas escolas superiores da mesma área científica

terão objectivos diferentes, que se reflectem na exigência. Enquanto para uma, por exemplo, o essencial

de uma tese é permitir elaborar um artigo publicável em certas revistas internacionais, para outra é

garantir ao jovem investigador uma boa iniciação nessa nova actividade, entusiasmá-lo a prosseguir.

Escusado será dizer que todas as opções reflectem-se tanto no trabalho exigido como no assunto a

tratar, na problemática a construir. Se o mestrando pretender estudar as condições laborais em Portugal

(assunto que levaria a um tema preciso e a uma questão problemática) os aspectos a abordar e a forma

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 34/150 - Versão 01

É também preciso compreender que a fronteira entre os dois tipos de tese é difusa,

seja porque uma tese de investigação exige uma síntese dos conhecimentos já

existentes e porque um ponto da situação pode rasgar de imediato hipóteses de novos

conhecimentos, seja porque uma boa tese de compilação é muito melhor que uma má

tese de investigação.

Antes de tomar opções convém estar bem informado sobre o que esperam de si. Essa

é uma das funções iniciais que o orientador deve desempenhar, Esse é um primeiro

novo conhecimento a que deve estar aberto, sem ideias pré-estabelecidas e

irredutíveis, e atento.

Não se deixe enganar por declarações formais10

.

Tenha a consciência que uma descoberta científica para se impor nos meios

científicos internacionais e adquirir credibilidade pública precisa de muito mais do

que ser descoberta11

.

Quanto tempo tenho para a investigação e a redacção?

de o fazer serão bastante diferentes se o objectivo for publicar um artigo numa revista americana (terá

que pegar em aspectos preferencialmente aceites pela referida revista e talvez numa análise comparada

com outros países) ou aumentar as suas capacidades de investigação (em que se poderá concentrar

sobre Portugal pegando no que considera ser as vertentes mais relevantes para o conhecimento da

realidade laboral).

10 Por vezes o que se diz nos documentos oficiais de um curso ou de uma instituição pode não

corresponder exactamente ao que se pretende. As instituições são por vezes levadas a afirmações

pomposas que não correspondem a nada. Será bom assistir a algumas provas académicas, consultar

alguns trabalhos recentes, falar com os docentes, para perceber melhor o que se pretende. Sobretudo

quando se está a trabalhar com investigações interdisciplinares. É bonito falar-se em

“multidisciplinaridade” ou em “transdisciplinaridade”, às vezes sem se saber muito bem o que é isso.

Outras vezes as instituições têm uma leitura burocrática das exigências. Admitem, por exemplo, que

quando limitam a dimensão máxima de uma tese de duzentos para cento e cinquenta ou cem páginas

está a diminuir o nível de exigência. Pode ser verdade, se o júri esperar menos por a tese ter menor

dimensão, mas poderá ser exactamente o contrário se o júri esperar o mesmo em menos páginas. Além

disso a dimensão depende dos assuntos e da metodologia de abordagem. Muito frequentemente a

dimensão necessária diminui à medida que aumenta a matematização. As expressões matemáticas que

modificaram o mundo podem ser apresentadas e justificadas em muito poucas páginas, em muito

poucas linhas.

11 Por vezes o jovem investigador admite que uma descobertas científicas será tanto mais reconhecida,

aproveitada, mediatizada, quanto mais importante for. Errado. Pode não haver, pelo menos no

imediato, qualquer correlação entre os dois aspectos. Se não lhe bastar olhar à sua volta aconselhamos a

leitura de {FEYERABEND, 1991 #3784} ou {FEYERABEND, 1988 #3093}.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 35/150 - Versão 01

O tempo oficialmente estabelecido é um dado. Poderemos transformá-lo em mais ou

menos tempo efectivo conforme a parte do dia que podemos dedicar à tese, conforme

a intensidade de cada hora de trabalho, conforme a nossa rapidez de leitura, de

tratamento matemático, de trabalho laboratorial, de manipulação do computador e dos

diversos programas necessários, de escrita, de raciocinar sobre os assuntos. A situação

é bastante diferente se a gestão do tempo depende exclusivamente de nós ou se

estamos dependentes de terceiros12

.

Aconselhamos, no entanto, muita prudência neste tipo de análise por diversas razões,

relativamente óbvias:

Por muita experiência que tenhamos da gestão do tempo a realização de uma

investigação, seja de que tipo for, é sempre uma incursão no desconhecido e a

previsão nessas circunstâncias tem sempre uma grande margem de erro.

Quando se está a fazer um trabalho interdisciplinar pode haver necessidade de

avançar em áreas científicas que nos são menos habituais, aconselhando

estudos complementares, que inicialmente não estavam previstos.

Existem sempre “acidentes de percurso” que ultrapassam as nossas

possibilidades de intervenção. Podemos fazer regularmente cópias de

segurança dos documentos que temos no computador para nos precavermos de

um problema com o equipamento. Podemos contratar alguém que faça as

entrevistas ou recolha os dados estatísticos se temos recursos para tal e

receamos que tal seja demorado. Podemos ter aprendido antecipadamente

leitura dinâmica para aumentar a nossa velocidade de consulta dos

documentos. Podemos pedir a ajuda de uma amigo para fazer a revisão do

texto. Pouco ou nada podemos fazer se a “vulgaridade” do tema fazia supor a

existência de muita bibliografia e na verdade são muito escassas as obras sobre

o assunto. Pouco podemos fazer se em determinado momento descobrimos

que há um documento fundamental para o tratamento do assunto e ele está

geograficamente longe e indisponível via Internet. Pouco podemos fazer, ou só

o podemos com tempo disponível, se todas as indicações apontavam para

12 Esta dependência pode ser de diverso tipo: do orientador, do fornecimento de alguma obra

considerada fundamental, dos dados estatísticos que não dependem de nós, da observação da instituição

que primeiro tem de dar o seu consentimento, etc.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 36/150 - Versão 01

existência de muitos dados estatísticos e depois eles não existem ou não são

fiáveis.

O “tempo de investigação” é um tempo muito próprio, um tempo que tem os

seus próprios ritmos: as ideias novas, as relações anteriormente insuspeitas

podem exigir “tempo de maturação no subconsciente”, podem exigir práticas

totalmente alheias à própria investigação (ler poesia ou ouvir música13

, ver

tranquilamente um pôr do sol, participar na luta social14

, olhar para as nuvens

à procura do indecifrável15

, fazer exercício físico16

, etc.)

Mais, os prazos estabelecidos são constrangimentos que nos balizam positivamente,

que devemos encarar como algo a cumprir.

O prolongamento excessivo do trabalho em torno de uma tese é psicologicamente

contraproducente, podendo mesmo conduzir à angústia, à depressão e à não realização

da mesma.

Qual a relação com o orientador?

Chamemos de orientador o docente ou investigador com maior experiência, ou grau

académico, com quem se trabalha durante o período de investigação. Essa relação

pode ser mais ou menos importante conforme as características de ambos e o espaço

institucional em que se movimentam.

Há orientadores que dão ao orientado uma ampla margem de decisão quanto ao

assunto e questão problemática, enquanto outros são muito impositivos e exigem que

o orientado estude um assunto muito específico, por vezes até obriga à adopção de

certos paradigmas, de certas ideias. Para alguns orientadores uma nova tese é um

trabalho a que não podem fugir ou que convém para o seu curriculum, enquanto para

outros é uma oportunidade de abordar novas problemáticas. Certos orientadores

13 Recorde-se a importância da “rêverie” na filosofia de Gaston Bachelard

14 Recorde-se, por exemplo, a estreita relação entre a luta política e a obra científica em Marx.

15 A necessidade de rever o que sempre vimos é particularmente importante nos momentos de mudança

qualitativa (mudança paradigmática, mudança individual). Por isso é interessante, a este propósito, ler

{GLEICK, 1989 #3753}

16 É uma prática habitual, por exemplo, dos grandes jogadores de xadrez.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 37/150 - Versão 01

reconhecem que o trabalho científico é sempre de equipe e procuram articular os

conteúdos e formas de abordagens dos diversos orientados enquanto outros

privilegiam o trabalho individual do orientado. Há orientadores para quem

acompanhar um trabalho de investigação é uma actividade entusiasmaste que o

enriquece intelectualmente e outros que consideram que é um favor que prestam ao

orientado. Há orientadores para quem todos os actos são um espectáculo de

narcisismo e outros que pecam por excessiva modéstia. Há orientadores honestos, que

dão o seu melhor, e outros que são desonestos ao ponto de se apropriarem do trabalho

alheio17

.

Há orientados que gostam de executar o que lhes é imposto, ou tão somente sugerido,

enquanto outros preferem ter um campo de manobra bastante maior, mesmo correndo

o risco de errar18

. Há orientados para quem a elaboração de uma tese é uma obrigação

que tem de ser cumprida para se progredir na carreira e outros que a assumem como

um desafio pessoal entusiasmante. Há orientados que gostam e têm a possibilidade de

trabalho em equipe, nomeadamente com os que investigam sobre a matérias

semelhantes e outros que preferem trabalhar isolados, escondendo os seus resultados

de todos, potenciais usurpadores das suas ideias. Há orientados que vêm no seu

trabalho, frequentemente mais no que esperam fazer do que no já feito, “o ovo de

Colombo” capaz de transformar o mundo enquanto outros manifestam uma

confrangedora falta de confiança nas suas capacidades. Há orientados que são muito

bons numa determinada matéria e revelam uma confrangedora falta de cultura quando

saiem dela e outros eventualmente menos conhecedores na sua especialidade, mas

com uma vasta e sólida cultura geral. Há orientados honestos e outros desonestos19

.

Quase que poderíamos dizer que há orientadores e orientados para todos os gostos e

que a probabilidade de compatibilidade entre ambos, da sua relação ser harmónica, é

muito pequena.20

17 Esta listagem, incompleta, não é um exercício de retórica. Certamente que alguns comportamentos

são mais habituais que outros, mas para todos encontro exemplos com rosto.

18 Não há processo de construção de novos conhecimentos sem o erro. Já tivemos oportunidade de

tratar deste assunto {CORREIA, 2000 #8608}, o qual é matéria de muitos trabalhos.

19 Também aqui temos presente situações concretas destas diversas alternativas.

20 Dois comentários. (1) Esta situação ainda se agrava quando há co-orientação. Se é difícil uma relação

a dois, muito mais o é a três. (2) A conclusão que aqui tiramos é uma consequência lógica. No entanto

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 38/150 - Versão 01

O orientado escolher um orientador é uma arte. Este perceber a melhor forma de se

relacionar com aquele um processo de tentativa e erro, por vezes com falhas de

percurso graves.

ECO parece considerar que este problema é facilmente ultrapassável:

“Como evitar estes inconvenientes? O estudante, ao abordar um determinado

docente, já terá ouvido falar dele pelos seus amigos, terá contactado

licenciados anteriores e ter-se-á feito uma ideia da sua correcção. Terá lido

livros seus e terá reparado se ele cita frequentemente os seus colaboradores

ou não. Quanto ao resto, intervêm factores imponderáveis de estima e

confiança.” {ECO, 1980 #3741, p. 52}

mas muitas vezes não o é, e é inegável que essa relação é importante para o sucesso.

Uma similitude entre os assuntos a abordar pelo orientando e os trabalhos de

investigação ou os temas de docência do orientador é, provavelmente a razão mais

frequente de uma escolha, para além das imposições dos regulamentos. Sendo

importante, não é suficiente. Em trabalhos interdisciplinares ainda pode ser menos

importante.

AAllgguummaass ggrraannddeess ooppççõõeess

É impossível catalogar todas as opções que se colocam a quem começa a conceber o

início de uma investigação, a elaboração de uma tese. Muito menos o é inventariar as

alternativas que deveriam colocar a si e que, no entanto, nem lhe passaram pela

cabeça.

Se a dúvida é sobre a sua capacidade para a investigar científica a resposta é simples:

basta que a dúvida surja para revelar que quem a coloca tem maturidade suficiente

para avançar, que é capaz. Poderá ter mais ou menos dificuldades, necessitar de mais

ou menos trabalho e imaginação, mais ou menos tempo, mais ou menos

acompanhamento, mas desde já lhe pudemos garantir que realizar uma investigação

está ao seu alcance.

raramente verificamos incompatibilidade e, ainda menos, conflito. Pensamos que esta “inadequação”

entre a nossa conclusão e a realidade observada na relação orientador-orientado resulta dos conflitos

serem “absorvidos”, dramaticamente absorvidos, pela relação de poder do orientador em relação ao

orientado.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 39/150 - Versão 01

Se a dúvida é sobre a sua capacidade de planear detalhadamente o percurso a

realizar21

, nada melhor que as palavras avisadas de quem há muito trabalha sobre

estas problemáticas:

“dificuldade em começar de forma válida um trabalho tem, frequentemente,

origem numa preocupação de o fazer demasiado bem e de formular desde

logo um projecto de investigação de forma totalmente satisfatória. É um erro.

Uma investigação é, por definição, algo que se procura. É um caminhar para

um melhor conhecimento e deve ser aceite como tal, com todas as hesitações,

os desvios e as incertezas que isto implica. Muitos vivem esta realidade como

uma angústia paralisante; outros, pelo contrário, reconhecem-na como um

fenómeno normal e, numa palavra, estimulante.” {QUIVY, 1992 #960, 29}

Se a dúvida é sobre o interesse e vantagem em abandonar o seu estrito reduto

disciplinar e ingressar na aventura da interdisciplinaridade respondemos que seria

vantajoso optar pela interdisciplinaridade, mas vale mais um bom trabalho disciplinar

que um mau trabalho interdisciplinar.

As questões que aqui pretendemos referir são, eventualmente, mais comezinhas.

Como diz QUIVY, se não equacionar essas questões poderá ter oportunidade no

futuro, caso se revele relevante, fazê-lo. Contudo, se à partida tivermos ideias claras

sobre alguns assuntos poderemos ter o trabalho facilitado, poderemos sobretudo

poupar tempo e fugir a algumas “tentações” que a investigação criará.

Formulemos então algumas e esbocemos algumas hipóteses de resposta.

Tese monográfica ou tese panorâmica?

Esta é a primeira questão que ECO {ECO, 1980 #3741, 19} levanta.

Nem sempre essa opção se coloca. Se um investigador trabalha numa equipe, se já

está inserido numa divisão de trabalho científico, se o não está mas essa é a situação

do orientador, o qual procura enquadrar os seus mestrandos e doutorandos no trabalho

global da instituição, quase naturalmente caminha-se para uma tese monográfica.

21 Esta dúvida pode ser reforçada pelo que tem lido neste mesmo livro. Há questões que colocamos,

alertas que fazemos, referências que consideramos importantes, que certamente lhe podem provocar

uma reacção deste tipo: “nunca tinha pensado no assunto... provavelmente ainda não tenho as ideias

suficientemente amadurecidas”. Seria inadequada uma tal conclusão.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 40/150 - Versão 01

Depende também das áreas disciplinares e do grau de pormenorização que a

investigação assume internacionalmente.

Os maiores perigos de se pretender fazer uma tese panorâmica surge de quem se vai

iniciar numa investigação sobre assuntos anteriormente não estudados por si. Aí surge

a tendência para pretender colocar no trabalho tudo o que vai aprender, tudo o que

resulta do seu trabalho, tendo dificuldade de discernir o que já é conhecido da

comunidade científica e quais são os seus verdadeiros contributos, afinal o que é

importante transmitir aos outros.

Em algumas situações a tendência para uma tese panorâmica pode resultar de

excessiva vaidade do investigador, dum excessivo orgulho ou mesmo de algum

narcisismo. Nesses casos as causas são quase patológicas e há claramente um

problema a resolver, pois essas causas podem também conduzir a dificuldade de

diálogo, a pouca receptividade à aprendizagem, a inflexibilidade intelectual, a ser

arrastado pelas suas “evidências”. Haverá o risco de tudo lhe correr mal e nem sequer

ter a capacidade para aprender que a responsabilidade é sua, não dos outros.

Do que ficou dito parece claro que uma tese monográfica é vantajosa em relação a

uma tese panorâmica. Analisemos algumas das razões.

Uma tese tem sempre um tempo limitado, como já referimos. Em princípio uma tese

panorâmica tenderá a levar mais tempo até se conseguir obter resultados novos.

Sobre um assunto genérico há muitos mais intelectuais que possuem informação,

parcial ou completa, sobre o assunto, enquanto um tema monográfico só é conhecido

de especialistas. Esta situação conduz a três consequências que são nefastas para o

jovem investigador:

Há mais «ideias feitas» sobre o tema e torna-se bastante mais difícil para o

jovem investigador apresentar leituras alternativas aceites pela comunidade

científica. É certo que na tese pode-se tentar combater essas «ideias feitas»

mas a vastidão do assunto e quantidade destas não deixarão tempo e espaço

para rebater aprofundadamente todos esses obstáculos a uma leitura

alternativa.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 41/150 - Versão 01

Como é impossível conhecer tudo sobre um tema panorâmico e aprofundar

uma leitura crítica dos diversos materiais, há muito mais possibilidade de

crítica, vinda dos mais diversos sectores.

A defesa da tese é um momento particularmente sensível em que a «correlação

de forças dos conhecimentos mútuos» pode jogar um papel. Numa tese

monográfica a capacidade do jovem investigador ser um especialista, o maior

especialista, é francamente maior.

Acrescente-se ainda que numa tese panorâmica é, por vezes mais difícil formular

perguntas precisas, elaborar questões problemáticas rigorosas.

1. “A poluição nas sociedades contemporâneas” é manifestamente o título, se

correctamente formulado, de uma tese panorâmica, quase certamente de uma tentativa

de tese, pois haveria dificuldade em lhe associar um conjunto de questões

problemáticas.

“A relação indivíduo-sociedade na obra de José Saramago” é, quase certamente, o

título, se correctamente formulado, de uma tese monográfica, a que não será difícil

associar um conjunto de questões problemáticas.

A primeira, apesar do amplo (impreciso) significado de qualquer um dos termos, não

poderia deixar de analisar os diversos tipos de poluição, de classificar as sociedades

segundos certos critérios e de estabelecer fases diferentes da situação mesmo

considerando um número reduzido de anos recentes.

A segunda, apesar de se centrar na obra de José Saramago – o que já por si é bastante

vasta – não pode deixar de ignorar os debates filosófico milenares sobre a relação

indivíduo-sociedade e as contribuições científicas para o seu esclarecimento.

Provavelmente o candidato a investigador ao formular o primeiro título acima referido

não visava indicar qual seria o objecto da sua tese, mas tão somente referir que

gostaria de investigar sobre um tema que se enquadrasse naquele assunto.

Provavelmente pretendia exprimir a preocupação que hoje a poluição apresenta-se

objectiva e subjectivamente de forma diferente do que acontecia na primeira metade

do século XX. “Análise comparada da poluição nos períodos 1900-1925 e 1980-

2005” ou “Causas da evolução da poluição após 1980” parecem ser assuntos mais

delimitados, mas ainda correm o risco ou de dizerem “o que todos sabem” ou de

levarem a constatações diferente dos vulgarmente aceite, difíceis de se imporem. As

questões problemáticas também terão dificuldade de serem válidas.

2 Nem sempre a natureza monográfica ou panorâmica é clara. Por outras palavras,

podemos ter uma tese que aparentemente é de um tipo mas que nas intenções do autor

é de outro. Mais um exemplo que, se tiver alguma semelhança com a vida real é pura

coincidência. Depois de muitos debates o título acabou por ficar Pobreza nos E.U.A.

– Abordagem crítica do contributo das teorias marxista e neoclássica para a sua

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 42/150 - Versão 01

análise. Aparentemente é monográfica; depois de precisar o(s) conceito(s) de pobreza,

a partir de uma série de informações estatísticas quantificar e modelizar o fenómeno

nas últimas décadas daquele país. Contudo o subtítulo é tendencialmente panorâmico,

sobretudo se estivesse escrito da forma que o mestrando gostaria: Abordagem crítica

do contributo das teorias do valor marxista e neoclássica para a sua análise e

hipóteses alternativas. Com efeito, qualquer que fosse a arrumação das matérias o

que abordava das teorias marxista e neoclássica era o valor e terminava o trabalho

apresentando uma proposta alternativa. Sabendo-se que a teoria do valor é um tema de

debate desde a autonomização disciplinar da Economia, que as duas correntes

referidas consubstanciam o essencial do confronto de posições e, ainda por cima tendo

a pretensão de apresentar uma proposta alternativa, não resta dúvida que o que o

mestrando considerava essencial era panorâmico. Centena e meia de páginas como

limite, um título monográfico e um subtítulo (e verdadeira intenção) panorâmico só

poderia dar o que ECO refere na generalidade, provavelmente pensando em diversos

casos concretos:

“Em teses deste género, o estudante acaba geralmente por acusar os membros

do júri de não o terem compreendido, mas estes não podiam compreendê-lo

e, portanto, uma tese demasiado panorâmica constitui sempre um acto de

orgulho” {ECO, 1980 #3741, 19/20}

Dito isto convém acrescentar alguns argumentos a favor de uma tese (mais)

panorâmica, para que não se transforme em “causa perdida”.

Em primeiro lugar uma tese é um acto intelectual em que a componente afectiva

também é muito importante. Alguns terão dificuldade em “falar da árvore sem ver a

floresta”, em focalizar-nos num problema muito circunscrito, muito limitado.

Em segundo lugar há diferentes histórias de vida que conduzem à elaboração de uma

tese. São muito diferentes as situações do jovem licenciado que tem que elaborar uma

tese para terminar o seu curso e a do investigador que resolve enveredar por um

doutoramento como consagração de uma trabalho de estudo conduzido durante muitos

anos ou mesmo uma vida. Alguns desses percursos podem justificar a adopção por

temas panorâmicos.

Em terceiro lugar em muitas áreas há mais carência de trabalhos de síntese, de uma

síntese criadora, que de investigação de alguns aspectos particulares, que de

apresentação de resultados de especialidade22

.

22 No entanto faz aqui sentido recordar um aviso de ECO. Uma síntese inovadora pode ser interpretada

como trabalho de génio se o autor é consagrado – e todos reconhecerão que citar umas coisas e

esquecer outras é o resultado de uma escolha consciente – ou como um trabalho negligente se o autor

não é consagrado – em que “esquecer outras” será entendido como ignorância ou negligência.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 43/150 - Versão 01

Convém também recordar que quer a tese seja monográfica ou panorâmica terá

sempre a sensação ao longo do trabalho de que o objecto de estudo deveria ter sido

ainda mais restrito. Numa tese do segundo tipo há uma grande extensão de matérias a

abordar, mas numa do primeiro há sempre que aprofundar mais e mais, explorar cada

pormenor até à exaustão23

.

Qualquer um dos dois tipos de tese podem ser válido se der lugar a um conjunto de

questões problemáticas24

correctamente formuladas, inovadoras e coerentes. E quando

se consegue concretizar essa fase inicial da investigação as fronteiras entre um tipo e

outro tende a dilui-se.

Apesar desta diluição parece-nos válida a recomendação de ECO

“recordemos este princípio fundamental: quanto mais se restringe o campo

melhor se trabalha e com maior segurança. Uma tese monográfica é

preferível a uma tese panorâmica. É melhor que a tese se assemelhe mais a

um ensaio do que a uma história ou uma enciclopédia” {ECO, 1980 #3741,

23}

Devemos escolher um tema “quente”?25

“Juntar o útil ao agradável” parece ser uma preocupação frequente. “Já que vou

elaborar uma tese, que seja sobre um assunto que hoje preocupa as pessoas, que

aconselhe uma justificação política inevitável”.

Embora nunca seja de pôr de lado nenhuma alternativa sem ser cuidadosamente

estudada, embora seja sempre de compreender as razões que levam a referir um

determinado assunto e tema para uma tese, poderemos quase categoricamente afirmar

23 Por muito restrito que seja o objecto de estudo acontecerá com o investigador o que na história se

passou com a microfísica. Durante séculos, considerou-se que a mais pequena partícula da matéria era

o átomo e que decomposta aquela em átomos teríamos o conhecimento completo da matéria. Depois

olhou-se para o átomo. Afinal o que era considerado indivisível tinha electrões, núcleo, que mais uma

vez são considerados como o “indivisível”. Entretanto constata-se que o núcleo é constituído de protões

e neutrões. E a história continua.

24 Trataremos em breve das “questões problemáticas”, conjunto de perguntas correctamente formuladas

orientadoras do objecto de estudo e do trabalho de investigação..

25 ECO, mais uma vez tomamo-lo como referência, nunca formula explicitamente esta pergunta,

embora formule outras que indirectamente parecem conduzir a esta.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 44/150 - Versão 01

que optar por um “tema quente”, por um “tema que está na ordem do dia26

” é uma das

piores alternativas.

Em primeiro lugar, em nenhum momento se pode esquecer que o trabalho a realizar é

científico. Por outras palavras, está fora do âmbito de um tese de investigação a

realização de uma “tese política”. Ainda dito de outra forma, é legítimo abordar

problemáticas que tenham impactos políticos, que sejam preocupação de uma grande

percentagem de cidadãos, que merecem a atenção dos órgãos de informação, mas essa

legitimidade passa pelo seu tratamento científico, pela capacidade do investigador

manter uma atitude crítica em relação à realidade, ao seu trabalho e às suas

conclusões.

Em segundo lugar e em reforço do afirmado anteriormente, deve-se ter consciência

que um tema “quente” é muito mais “exigente cientificamente”. Com efeito, a luta

contra as evidências é social e psicologicamente mais difícil. As fronteiras entre os

conhecimentos corrente e científico, por um lado, e entre este e a ideologia, tendem a

modificarem-se e diluírem-se se não houver a devida cautela da nossa parte. Se se

pretende que o contributo científico seja tido em conta é necessário explicita ou

implicitamente combater as “ideias feitas” que dificultam leituras alternativas e ter

uma capacidade argumentativa muito forte.

Em terceiro lugar a atenção nos temas “quentes” pode estar associada a uma

sobrevalorização do trabalho a realizar. Os “ciclos” dos temas “quentes” têm

frequentemente tempos inferiores aos exigidos para a elaboração de uma tese. Nunca

devemos perder de vista que socialmente o impacto de uma tese é muito pequena.

Quando os temas, para além de “quentes”, são contemporâneos, a informação válida

sobre eles (artigos científicos, dados estatísticos, etc.) é muito menor27

.

1. O ascenso mundial da ideologia neoliberal, que tanto se situa no plano das ideias

como da acção, da actuação política, fez com que o tema das privatizações estivesse

na ordem do dia em muitos países, abrangendo desde participações do Estado em

26 “Um tema que está na ordem do dia” tanto pode estar associado a um assunto contemporâneo como a

uma assunto temporalmente passado.

27 No que se refere à informação há o reverso da medalha: a contemporaneidade permite que seja o

investigador a recolher os dados, a obter informações in loco.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 45/150 - Versão 01

empresas industriais à segurança social. Por isso era habitual os estudantes

pretenderem fazer trabalhos sobre esse assunto.

Por vezes eram «panorâmicos» (“Privatizações”; “Privatizações em Portugal”;

“Privatização da Segurança Social”) outras situar-se-iam entre o «panorâmico» e o

«monográfico» (“Privatização da Energia em Portugal”; “União Europeia e

Privatizações”) e outras claramente monográficas (“Vantagens das Privatizações da

Segurança Social em Portugal”).

Contudo, em quase todas as situações enfrentava a dificuldade de ser um tema

“quente”, o que significava que o estudante partia com um conjunto de ideias feitas,

de “evidências”, que nunca eram explicitadas, que não se transformavam em hipóteses

de trabalho a serem testadas: “a gestão privada é superior à pública”, “a privatização

aumenta a liberdade dos consumidores”, “quanto menos Estado melhor”, etc. eram

evidências à partida. Simultaneamente eram ignorados muitos aspectos relacionados

que nunca eram matéria da comunicação social: as nacionalizações, a natureza social

do Estado, as relações objectivas e subjectivas entre a chamada sociedade civil e o

Estado, a estrutura oligopolista da economia mundial e nacional, etc.

Significa que, pelo facto das privatizações serem um tema “quente”, não possa ser

estudado, não possa ser objecto de uma tese científica? Nada disso. Apenas se torna

necessário decompor o problema, escolher uma das suas facetas, formular correctas

questões problemáticas, introduzir a interdisciplinaridade, utilizar uma metodologia

adequada.

Sendo a economia algumas facetas de uma sociedade que constitui um todo, quais são

os impactos da nacionalização ou da privatização de uma grande empresa num sector

estratégico? poderia dar uma tese com um título do tipo Contributos para a

inventariação dos impactos sociais das nacionalizações e das privatizações numa

sociedade capitalista, podendo-se ainda acrescentar uma referência à metodologia

(ex. uma análise de casos) ou à matriz disciplinar (ex. uma leitura económica, uma

leitura sociológica, uma leitura psicológica, uma leitura histórica, uma leitura

interdisciplinar).

Quais são os pressupostos (científicos, ideológicos ou outros) do pensamento

neoliberal ao defender as privatizações? poderia dar uma tese com um título do tipo

As privatizações na obra de Milton Friedman.

Os acontecimentos passados de nacionalização e privatização permitem-nos tirar

conclusões políticas aplicáveis no contexto social presente? poderia dar uma tese com

um título do tipo Contributos para a história das nacionalizações e privatizações em

França após a II Guerra Mindial.

As nacionalizações e as privatizações têm os mesmos pressupostos e as mesmas

consequências em todas as sociedades ou depende da estrutura destas? Em que

medida é que o dualismo pode influenciar uns e outras? são questões que poderiam

dar lugar a diversos trabalhos, tais como Análise comparada das privatizações nas

economia desenvolvidas e subdesenvolvidas após a queda do muro de Berlim, ou

Especificidades das nacionalizações e privatizações nas sociedades africanas pós

independência – o caso do país X, ou ainda, numa leitura mais abstracta, As

nacionalizações e privatizações nos principais modelos de crescimento e

desenvolvimento de orientação estruturalista. E a lista poderia continuar.

Qual o significado e relevância que os cidadãos dão à palavra “privatização”? é uma

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 46/150 - Versão 01

pergunta que se orienta para um tipo de investigação totalmente diferente das

anteriores, remetendo fortemente para uma interdisciplinaridade entre a Psicologia

(Psicologia Económica), a Linguística, a Semiótica, a Antropologia, a Sociologia, a

Economia, pelo menos, dando lugar a um trabalho que pode eventualmente ter o título

Contributos para o significado individual e colectivo de privatização – uma leitura

interdisciplinar.

Qual o impacto das nacionalizações e privatizações sobre as importações e

exportações de bens e serviços dos países em que aquelas se realizam? poderá dar

lugar a um tema do género Impactos das nacionalizações e privatizações sobre a

balança comercial – das estatísticas à sua interpretação.

A lista de pergunta e as hipóteses de trabalho são imensas. Ficam aqui apenas alguns

exemplos.

CCoonnhheecciimmeennttooss pprréévviiooss ee aassssuunnttoo

Os conhecimentos possuídos quando se começa a preparar o trabalho de investigação

são uma restrição objectiva ao trabalho a desenvolver.

Se a minha formação é estritamente de Linguística e nunca me dediquei ao estudo

aprofundado da Física não será justificável avançar para uma tese nesta última

disciplina. Se a minha formação e prática é de Medicina não parece haver nenhuma

razão válida para fazer uma tese de Sociologia. Se toda a minha actividade e

conhecimentos é de Literatura não parece haver razões para optar por uma tese de

Economia. Dir-me-ão que é evidente, que se fizessem esse tipo de opção nem sequer

saberiam escolher o assunto a tratar, o tema preciso a investigar, as questões

problemáticas a que deverão responder. Se a vossa reacção é essa, podemos ficar por

aqui na apreciação da validade destas opções de rumo28

.

É certo que é fácil fazer uma listagem de personalidades do mundo da ciência que se

licenciaram numa área disciplinar e fizeram o mestrado ou doutoramento noutra, mas

tal não está contra o que afirmamos anteriormente. Quando falamos em

conhecimentos adquiridos anteriormente estamos a englobar tanto os formais como os

informais. Qualquer um de nós pode adquirir um título académico numa área e, no

28 Acrescentaria que nem sempre as opções são tão claras. Os investigadores das “ciências moles”

quase certamente não se atreverão em avançar em teses das “ciências duras”, mas a recíproca não é

totalmente verdadeira.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 47/150 - Versão 01

entanto, dedicar-se de forma mais ou menos formal, mais ou menos autodidacta a

outra área disciplinar.

Contudo o que temos vindo a afirmar coloca um problema quando defendemos que há

vantagens em adoptar uma postura interdisciplinar. Quase ninguém tem uma

formação interdisciplinar e na quase totalidade das instituições de ensino a nível

mundial a interdisciplinaridade (com este ou outros nomes) é muito frequentemente

anunciada, mas muito raramente promovida. Se a formação do licenciado, mestrando

ou doutorando é disciplinar como pretender-se que ele avance interdisciplinarmente29

?

Podemos responder a esta intrigante pergunta com as seguintes observações:

Defendemos que grandes saltos entre os conhecimentos possuídos e o trabalho

de investigação que se pretende realizar é ilógico, inadequado e altamente

explosivo, mas também defendemos que se aproveite um processo de

investigação, de penetração no «novo», para rasgar novos horizontes.

Como é sabido há diversos graus de interdisciplinaridade (que vai do que

frequentemente se designa por multidisciplinaridade até à

transdisciplinaridade) e a mudança pode ter uma gradação quase infinita entre

a “disciplinaridade estrita” e a “interdisciplinaridade absoluta” (se é que esta

pode existir). A tese é um importante momento para mudanças de atitude.

A interdisciplinaridade começa por uma mudança de atitude (renegar um

imperialismo disciplinar, consciência de participar duma comunidade

científica altissimamente diversificada, estar atento aos conhecimentos dos

outros, promover comportamentos articulados com os outros, etc.), por um

estudo que se prolonga ao longo de toda a vida e, sobretudo por uma procura

de novo posicionamento institucional. Trabalhar em rede e participar em redes

é decisivo. Há muito que não é possível o “homem enciclopédico”.30

29 Há alguns anos, um professor catedrático de longa experiência, defensor da interdisciplinaridade

,afirmava que uma tese de doutoramento interdisciplinar era o melhor passaporte para uma reprovação.

E justificava-lo no facto de uma tese interdisciplinar exigir que no júri estejam especialistas de diversas

áreas científicas, muito provavelmente com uma leitura muito disciplinar, que nunca ficarão satisfeitos

com o que lhes é dado apreciar, porque estariam sempre à espera de uma maior aprofundamento

disciplinar.

30 Estas redes podem ser mais ou menos formais, mas é importante termos em atenção que hoje a

Internet é uma poderosíssima ferramenta de cruzamento de saberes. Esse assunto foi magistralmente

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 48/150 - Versão 01

Seria louvável que as instituições também se apercebessem das mudanças em curso e

encontrassem outras formas de funcionamento e de diálogo.

Alberto tem uma formação específica em língua portuguesa. Aproveitando essa

formação (Linguística) pretende fazer uma análise comparativa entre o português de

Portugal e o português do PALOP X. Para o efeito teve que recorrer a processos de

amostragem e tratamento de dados (Matemática). Entretanto considerou ser útil

conhecer a génese de formação da língua em X (História) e perceber em que medida a

orografia influenciou o processo (Geografia). Tendo dado conta que o contexto

geopolítico influenciava a evolução social na região considerou útil ter uma visão,

embora sumária, da globalização (Economia). Fez uma contextualização do problema

linguístico que exigiu entrar, embora de forma insipiente, na interdisciplinaridade.

Ricardina tem uma formação matemática e ficou entusiasmada com o que leu sobre a

Etnomatemática, o que desde logo exigiu que se apercebesse da importância da

Antropologia. Considerou que a tese de doutoramento era um momento oportuno para

aprofundar o problema. Porque a Etnomatemática era essencialmente trabalhada junto

de populações de África, colocou-se-lhe o problema: não será que a Etnomatemática é

aplicável às populações europeias? Para tal equacionou um conjunto de situações e

problemas matemáticos e projectou fazer uma análise comparada de comportamentos

numa limitada população africana e europeia. Teve que aprofundar a Antropologia,

que até então só tinha abordado como curiosidade. Para uma mais adequada

explicação considerou importante entender as diferenças cognitivas entre as duas

populações, o que lhe exigiu aprofundar as Neurociências e a Anatomia. Apercebeu-

se que subjacente a estes processos existiam procedimentos lógicos que pareciam ser

diferentes. O que tinha lido sobre as culturas greco-latina e banto pareciam dar

consistência a essa possibilidade. Formulada essa hipótese teve de introduzir a Lógica.

Por este facto, e também para compreender a relação entre os números e operações e a

forma de pensar os povos que tinham diversas línguas, teve que tentar compreender

quais oscontributos que a Linguística (especialmente a Psicolinguística e a

Sociolinguística) poderia dar. O campo de investigação estava já demasiado amplo.

Os desafios eram aliciantes, mas incompatíveis com o tempo disponível, apesar da

muita informação que a Internet lhe permitia obter rapidamente, apesar de ter

conseguido estabelecer contacto regular com alguns dos mais eminentes especialistas

nestas matérias que ficaram entusiasmados com a utilização das suas especialidades

numa tal investigação. Aliás alguns sites sobre Etnomatemática e o um livro editado

na Nova Zelândia foram pontos de partida fundamentais e a utilização comum do

inglês permitiu a comunicação fácil. Comparando a investigação previsível e o tempo,

assim como outros recursos, resolveu delimitar ainda mais o seu objecto de estudo e

remeter para investigações futuras uma parte do trabalho que inicialmente tinha

pensado realizar. Apesar deste “contratempo” lucidamente resolvido, estava contente

e estava certa que tinha dados importantes passos na descoberta do novo, o que só lhe

tratado em {CHAZAL, 2004 #25309}, cuja leitura aconselhamos vivamente. A este propósito é

imperioso chamar a atenção que o computador não é apenas mais um instrumento de trabalho, que a

Internat não é apenas mais um local de contacto entre pessoas e fornecimento e obtenção de

informações. Está em jogo uma mudança de atitude.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 49/150 - Versão 01

tinha sido possível graças à interdisciplinaridade e à participação em redes

internacionais.

Depois de ter escrito e defendido a tese com sucesso mandou um exemplar da mesma,

com os agradecimentos, para Paulus Gerdes31

e Helen Verran32

por terem sido autores

que a alertaram para a problemática.

Analisemos agora dois aspectos particulares dos nossos conhecimentos: o nosso

conhecimento de línguas, o nosso conhecimento do mundo.

No que se refere às línguas ECO é perentório:

“1) Não se pode fazer uma tese sobre um autor estrangeiro se este autor não

for lido no original.

(...) 2) Não se pode fazer uma tese sobre um tema se as obras mais

importantes sobre ele estão escritas numa língua que não conhecemos.

(...) 3) Não se pode fazer uma tese sobre um autor ou sobre um tema lendo

apenas as obras escritas nas línguas que conhecemos” {ECO, 1980 #3741,

32}

embora introduza diversas atenuantes no se refere ao terceiro ponto.

Hoje, com a utilização generalizada do inglês nos trabalhos científicos, com a

possibilidade de aplicar programas automáticos de tradução (que geralmente fazem

um trabalho muito deficiente mas que, mesmo assim, pode ajudar a entender algumas

passagens) a comunicação está muito mais facilitada. Contudo não resolve todos os

problemas e os pontos anteriormente colocados, particularmente os dois primeiros,

são pertinentes.

Uma tradução, por muito cuidada que seja, é uma dupla reconstrução do texto: porque

passa a estar redigido noutra língua; porque o tradutor interveio. Por isso não será

legítimo estudar a obra de um autor – um estudo que exige atenção sobre todos os

aspectos dos textos publicados, quiçá traduzidos, mas que também pode exigir

consultar manuscritos – sem conhecer aprofundadamente a língua em que se

exprimiu.

Não é viável fazer uma tese sobre A poesia de Shimazaki Toson sem conseguir ler

aquele autor em japonês. Não será muito adequado fazer uma tese sobre Also sprach

31 Holandês de nascimento, moçambicano de naturalização após a independência foi um dos

precursores da Etnomatemática constituindo uma valorosa equipe de investigadores nesta área. São

muitas as obras editadas ou escritas por ele sobre estas problemáticas.

32 {VERRAN, 2001 #55}

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 50/150 - Versão 01

Zarathustra de Nietzsche sem ler em alemão. Seria um absurdo fazer uma tese sobre

As figuras de estilo no Canto IV dos Lusíadas de Luís de Camões sem saber

português. Como se poderia escrever uma tese sobre História Postal das Ilhas Fëroe

se uma parte dos documentos postais a consultar estão em feróico, língua oficial local

próxima do islandês, que não conhecemos?

Poderia ser bastante imprudente escrever uma tese sobre Influência de Italo Calvino

na literatura italiana sem saber italiano pois poderia ser necessário ler na língua

original algumas partes da sua obra e um parte da bibliografia está escrita

exclusivamente naquela língua. Poderia ser muito arriscado escrever sobre Menger no

contexto científico germânico no século XIX sem saber alemão porque provavelmente

seria necessário ler alguns autores que não estão traduzidos e porque há uma forte

probabilidade de bibliografia significativa estar em alemão.

Comparado com as situações anteriores seria bastante menos arriscado escrever uma

tese sobre História Postal Pré-filatélica da África do Sul apesar de alguma

bibliografia poder estar em africânder ou investigar sobre A influência de Nietzsche na

Filosofia Ocidental do Século XX apesar de poder haver obras interessantes em

línguas que não conhecemos (alemão, dinamarquês, etc.)

Acrescente-se que em algumas das situações anteriores é possível modificar

ligeiramente o tema para contornar a dificuldade do conhecimento linguístico.

Para além da dificuldade da acessibilidade linguística, refira-se a da acessibilidade

geográfica. Há livros editados em alguns países que, embora sejam escritos em

línguas nossas conhecidas, são de muito difícil acesso, seja porque foram editados por

instituições muito pouco conhecidas, porque não entram nos “circuitos comerciais”33

,

etc.

Claro que esta dificuldade é adicional quando o trabalho de investigação exige o

acesso a documentos (livros, artigos, apontamentos, partituras, etc.) que nunca foram

publicados e que não estão disponibilizados na Internet. Em alguns casos ainda é

necessário previamente averiguar da sua existência.

Para terminar algumas breves notas sobre o conhecimento do local onde os

acontecimentos tratados na tese se desenrolam.

33 Poderia apresentar vários exemplos de situações destas quando trabalhamos com temáticas

relacionadas com África. Alguns dos melhores livros lidos, algumas obras que marcaram o meu

percurso intelectual só as conheci porque passei por esses países, porque alguém falou neles, porque

num monte de livros emprestados ele constava.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 51/150 - Versão 01

Há alguns anos FRAZÃO era desafiado para escrever sobre a história postal do

Porto34

. Na introdução afirma:

“Comecei assim praticamente do zero, tentando antes do mais sentir um

pouco da cidade que visitava todas as semanas por motivos profissionais, e

que admirava mas não conhecia. Para tal recorri a dois instrumentos de

trabalho: o livro «História da Cidade do Porto», que li como um romance,

complementado por inúmeros passeios a pé por toda a zona da cidade

correspondendo à superfície que tinha até meados do século XIX. E quanto

mais lia e mais andava, mais me agradava a ideia, embora maior me

parecesse a tarefa, pois que se desde o fim do século XVIII e até meados do

século XIX já tinha coligido alguns dados, daí para trás era um vazio quase

total.” {FRAZÃO, 1997 #913, 7}

Considero particularmente interessante a referência aos passeios a pé.

Em muitas áreas científicas não faz qualquer sentido o conhecimento pessoal do local

(desgraçada Astronomia se assim fosse!), mas nas ciências da realidade humana, no

tratamento de instituições e sociedades com usos e costumes diferentes dos que

formaram a personalidade do investigador, o conhecimento do local pode ter algum

interesse. Não é indispensável, mas pode transmitir uma forma diferente de encarar os

problemas35

.

Se a tese versa um tema actual, se incide sobre sociedades que não se conhece

pessoalmente, obviamente que é recomendável que leia livros genéricos sobre elas.

De História, de Geografia, de outro tipo, mas aconselho particularmente que leiam

cronistas, contistas, romancistas, poetas36

.

TTeessee,, ppuubblliiccaaççããoo ee ccuurrrriiccuulluumm

34 Este desafio deu lugar a dois volumes: {FRAZÃO, 1997 #913} e {FRAZÃO, 1997 #912}.

35 Ao longo de vários anos tenho estado em júris de provas de mestrado e doutoramento relacionadas

com países africanos. Da leitura das teses, sem conhecer quase nada do candidato, costumo tirar as

minhas conclusões sobre o grau de conhecimento in loco por parte do candidato. Nota-se quando estão

a falar de uma realidade com a qual não tiveram esse contacto.

36 “Conhecer uma sociedade” naquilo que a “intuição” pode fornecer é essencialmente aperceber-se do

todo que constitui o seu quotidiano. Essa totalidade facilita e torna mais fiável a dissecação disciplinar.

Ora esse todo é mais perceptível num quadro, numa estátua, numa música, num poema, num romance

que em obras científicas. Um bom romance não carece de interdisciplinaridade porque ele revela, no

objecto de narração, uma totalidade que as disciplinas científicas não são capazes de reter.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 52/150 - Versão 01

QQuuee aassssuunnttoo??

Afinal sobre que assunto devemos versar a tese?

Apenas podemos responder que a escolha é de cada um.

Note bem, estamos a falar de assunto e ainda não de tema. Este resultará da

delimitação do assunto, da interligação entre essa delimitação e a possibilidade de se

formularem questões problemáticas correctas.

Apenas uma sugestão: escolham o assunto de forma que não se encerrem à partida as

possibilidades de interdisciplinaridade.

As religiões no Mali é um bom assunto, embora seja necessário percorrer um longo

caminho até se tornar num objecto de estudo claramente identificado. Os modelos de

desenvolvimento utilizados em África é um bom assunto que provavelmente exige

delimitação temporal e paradigmática. A gramática da língua changana pode ser um

assunto interessante e viável, pode abrir-se para uma leitura disciplinar, mas

apresenta-se à partida excessivamente vinculado à Linguística. Uma estratégia

educativa para África é um assunto, grosso modo interessante e viável, mas apresenta

dois riscos: ser demasiado amplo, o que é fácil de resolver, correr o risco de estar

demasiado virado para o futuro, recorrendo mais a hipóteses políticas que científicas.

AA ddeelliimmiittaaççããoo ddoo oobbjjeeccttoo

AAss qquueessttõõeess pprroobblleemmááttiiccaass iinniicciiaaiiss

»»» Assuma o trabalho de investigação que vai realizar como um momento

importante, nunca decisivo, da sua vida. A seriedade e ponderação têm de ser

permanentes companheiros de viagem neste breve percurso.

»»» Face às opções que se lhe apresentam procure traçar alguns rumos ao seu

trabalho que mais se adaptam às suas características pessoais. Essa adequação

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 53/150 - Versão 01

do trabalho à sua personalidade pode poupar-lhe equívocos e até dissabores,

mas assuma essa reflexão sem dramatismos. O trabalho de investigação e

escrita também o ajudará a conhecer-se melhor e as opções não são

irreversíveis. Está sempre a tempo de corrigir o rumo.

»»» Aproprie-se do ambiente institucional em que vai realizar o trabalho de

investigação e fazer a sua defesa. Observe atentamente e assuma as atitudes de

afirmação da sua personalidade como cidadão e investigador que considere

mais adequadas à circunstância.

»»» Muito do que fizer durante o processo de investigação é reversível. Os

erros são momentos inevitáveis da construção científica, e não há que receá-

los desde que estejamos sempre prontos a corrigi-los37

. Apenas a escolha do

orientador e a institucionalização da relação é, muitas vezes, irreversível.

Estude pois atentamente o problema confrontando, pelo menos

hipoteticamente, diversas alternativas.

»»» Quanto mais alternativas explicitar no início, e mais opções fizer com

plena consciência das suas consequências, melhor. Contudo não invente. Más

alternativas e deficientes opções podem ser pior que não as colocar. Este

poderá ser um tema para uma primeira conversa com o seu orientador. Nesse

diálogo não se iniba de dizer tudo o que pensa, sem medo dos erros. É através

destes que mais avançará.

»»» A não ser que tenham muito poderosas razões para fazer uma opção

diferente, opte por uma tese monográfica, isto é, visando um assunto preciso,

realista para o tempo de que vai dispor.

»»» Não dê muita importância à “actualidade” do tema, a não ser na medida

em que tal o estimule, o que é muito provável que aconteça. De qualquer

forma resista às tentações que os temas de actualidade possam apresentar e

nunca, mesmo nunca, perca de vista que o seu trabalho é científico.

37 Uma frase similar é o “cartão de visita” do grande investigador, professor e cidadãos Bento Jesus

Caraça a partir do momento em que uma tal frase acompanha a sua representação no Instituto Superior

de Economia e Gestão em Lisboa.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 54/150 - Versão 01

»»» Tenha em conta os seus conhecimentos (nas potencialidades e limitações),

aceite as restrições do trabalho futuro que daí resultam, mas, após medir os

prós e contras, assuma os riscos da inovação para os quais se sinta preparado.

OObbsseerrvvaarr aa rreeaalliiddaaddee

CCoonntteexxttuuaalliizzaarr aa rreeaalliiddaaddee

PPrroobblleemmaattiizzaarr aa rreeaalliiddaaddee

IInntteerrrrooggaarr aa rreeaalliiddaaddee

IInntteerrpprreettaarr aa rreeaalliiddaaddee

““CCoommppaannhheeiirrooss”” ddaa aapprrooxxiimmaaççããoo

RRaazzããoo ee sseennttiimmeennttooss

CCuurriioossiiddaaddee ee iimmaaggiinnaaççããoo

CCuullttuurraa

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 55/150 - Versão 01

RReeddaaccççããoo ddee ttrraabbaallhhooss cciieennttííffiiccooss (...)

AAllgguunnss ccuuiiddaaddooss ccoomm aa rreeddaaccççããoo

BBiibblliiooggrraaffiiaa,, llaattuuss sseennssuuss3388

Analisámos anteriormente a procura de informação. Já sabemos que é impossível

recolher toda a informação existente sobre um assunto, muito menos toda a que esteja

directamente relacionada com ele. Já abordámos esse assunto ao definir um conjunto

de critérios delimitativos da procura que realizámos, resultantes dos objectivos da

investigação, do tempo disponível ou das nossas limitações. Perante essa

impossibilidade temos que revelar muita argúcia na selecção das fontes de

informação, na capacidade para tentarmos atingir uma situação limite: com uma

determinada quantidade de fontes de informação obtermos o máximo de informação

relevante; para obtermos toda a informação relevante utilizarmos o mínimo de fontes.

Essas fontes de informação são muito variadas. Deve haver uma preocupação para

que assim seja, quer porque o tipo de informação está, de alguma forma, associado ao

38 [nota temporária] Este ponto ocupa no livro em construção uma posição quase terminal, tendo-se

adoptado pela sua elaboração porque é um dos pontos em que mais frequentemente sentimos fortes

carências.

Para perceber melhor o seu posicionamento indica-se os grandes pontos anteriores e o enquadramento

específico deste:

Introdução

Oportunidade desta temática

Considerações preliminares

Gosto e eficácia no estudo

Sobre a tese

Aproximação à “realidade” que se pretende estudar

Metodologia e técnicas de investigação científica

A problemática, o modelo e a “verificação”

Redacção de trabalhos científicos

Condicionantes prévios

Título e Plano provisório

Plano definitivo

Sequência de redacção

“Estilo” da redacção

Alguns cuidados com a redacção

Bibliografia, latus sensus

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 56/150 - Versão 01

meio da sua divulgação39

, quer porque há certeza de uma maior cobertura da

informação existente.

É a referência a esse conjunto de fontes de informação que, aqui e em quase todos os

locais, se designa por bibliografia. No entanto este termo comporta ambiguidades que

por vezes se transforma em problema para quem redige ou defende uma tese.

Originalmente “bibliografia” está muito associado aos documentos escritos,

essencialmente aos livros:

“bibliografia, s.f. descrição ou conhecimento dos livros quanto à edição,

papel e tipo; notícia acerca das obras de determinado autor ou assunto;

secção de um jornal ou revista destinada à recensão crítica das obras

recentemente publicadas. (do gr. bibliographía, «transcrição de livros», pelo

fr. bibliographie, «bibliografia»),” (COSTA and MELO 1994, p. 263)

“bibliografia (...) 1. Ciência da descrição e classificação detalhada dos

textos publicados ou impressos e das respectivas edições. 2. Relação ou

catálogo de livros ou obras publicadas sobre um assunto ou autor, geralmente

com elementos descritivos dos documentos que permitem a sua identificação.

Bibliografias internacionais, nacionais, regionais. Bibliografias

especializadas, selectivas. Bibliografias analíticas, críticas. Consulta de +.

3. Secção de uma revista ou outra publicação onde se divulgam e se criticam

as obras recentemente publicadas. 4. Referência das obras consultadas para a

elaboração de um trabalho, geralmente colocado no fim do documento e

ordenada alfabeticamente por autores ou títulos, com ou sem comentários

acerca da obra ou do seu autor.” (Academia de Ciências de Lisboa 2001, p.

523)

“bib-lio-graphy, (...) 1 [C] listo f books or articles about a particular subject

or by a particular author: There is a useful bibliography at the end of each

chapter. 2 [U] study of the history of books and their production. (…)”

(COWIE 1991, p. 104)

“BIBLIOGRAPHIE (...) n. f. 1633; du gr. biblion «livre» et graphein

«écrire» 1. DIDACT Science des documents écrits (analyse, description,

39 Note-se:

“Enquanto suporte material da comunicação, o meio tende a ser definido como transparente,

inócuo, incapaz de determinar positivamente os conteúdos comunicativos que veícula. A sua

única incidência no processo comunicativo seria negativa, causa possível de ruído ou

obstrução na veículação da mensagem. Pelo contrário, McLuhan chama a atenção para o facto

de uma mensagem proferida oralmente ou por escrito, transmitida pela rádio ou pela televisão,

pôr em jogo, em cada caso, diferentes estruturas perceptivas, desencadear diferentes

mecanismos de compreensão, ganhar diferentes contornos e tonalidades, em limite, adquirir

diferentes significados. Por outras palavras, para McLuhan, o meio, o canal, a tecnologia em

que a comunicação se estabelece, não apenas constitui a forma comunicativa, mas determina o

próprio conteúdo da comunicação.” (POMBO 1994, p. 40)

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 57/150 - Versão 01

classification, publication), et SPÉCIALT des livres. 2. Repertoire des écrits

relatifs à un sujet donné. Une abondante bibliographie. => litérature (I, 2º).

Consulter la bibliographie d’une thèse, la liste des ouvrages cités, des

sources. Bibliographie d’un auteur. => biobibliographie. ABRÉV. FAM.

(1943) BIBLIO. 3. Liste périodique d’ouvrages récement parus. «La

Bibliographie de la France».” (ROBERT, REY-DEBOVE, and REY 1993,

p. 217)

embora a utilização do termo “obra” possa dar-lhe um significado mais vasto.

As obras consultadas são cada vez mais diferentes entre si no suporte e na forma e não

há nenhuma razão, do ponto de vista da organização do trabalho e do processo de

registo da informação, para fazer classificações conducentes a incluir uns e a excluir

outros da “listagem das obras”. Ultrapassando a tradição o termo bibliografia tende a

englobar uma grande diversidade de fontes de informação. Isso mesmo reflectem as

normas sobre bibliografia, embora estas não se atrevam a redefinir este termo:

“A presente Norma destina-se a especificar os elementos das referências

bibliográficas relativas a: monografias (na totalidade, em partes ou volumes

e contribuições), publicações em série (na totalidade ou em parte), artigos de

publicações em série, séries monográficas (como monografia ou como

publicação em série), teses, actas de congressos, relatórios científicos e

técnicos, documentos legislativos e judiciais, publicações religiosas, patentes,

normas, música impressa e resumos.” (Instituto Português da Qualidade

1995, p. 5)

“A presente Norma destina-se a especificar os elementos das referências

bibliográficas relativas aos seguintes documentos: documentos icónicos

(cartazes, gravuras, postais e cartões estereográficos), filmes (filme em

bobina e filme "loop"), microformas (microfichas e microfilmes),

multimédia, registos vídeo (cassetes vídeo e discos vídeo), registos sonoros

(discos compactos, discos sonoros e cassetes sonoras), objectos (brinquedos,

modelos, etc.), projecções visuais (diapositivos e transparências) e partes

componentes de alguns tipos destes documentos.

Esta Norma deverá ser sempre utilizada juntamente com a NP 405-1”

(Instituto Português da Qualidade 1998, p. 2)

“A presente Norma destina-se a especificar os elementos das referências

bibliográficas relativas aos seguintes documentos não publicados:

documentos impressos de tipologia variada (monografias, publicações em

série, cartas, ofícios, circulares), manuscritos, música manuscrita, materiais

cartográficos e materiais não livro. Não são abrangidos documentos

integrados em fundos de arquivos.

Esta Norma deverá ser sempre utilizada juntamente com a NP 405-1 e NP

405-2 nas quais são contemplados todos os aspectos gerais e comuns.”

(Instituto Português da Qualidade 2000, p. 2)

“Tem aparecido em suporte electrónico um número crescente de documentos

que são criados, armazenados e difundidos por um sistema informático.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 58/150 - Versão 01

Um documento electrónico pode ser definitivo e imutável ou, aproveitando

as vantagens do seu ambiente informático. modificado, quer no seu suporte,

quer no seu conteúdo. Um documento electrónico pode ter ou não um

equivalente em suporte papel ou outro. Dado que os utilizadores da

informação têm necessidade de fazer as referências bibliográficas das fontes

electrónicas com que se documentaram, esta Norma fornece urna orientação

para a sua apresentação.

Embora um documento electrónico se possa assemelhar a uma publicação

impressa (como urna monografia, uma publicação em série, um artigo ou um

capítulo). as características físicas inerentes às publicações impressas podem

não aparecer no suporte electrónico. Por exemplo, a existência de volumes,

números e páginas é essencial para os formatos impressos, mas não para os

electrónicos. As particularidades que permitem ao utilizador deslocar-se à

vontade de um ponto de um documento electrónico para um outro ponto ou

mesmo para um outro documento, adicionam uma complexidade que não se

encontra na natureza linear tradicional dos formatos impressos.

Embora se possa estabelecer uma correspondência entre certas publicações

impressas e certos documentos electrónicos. estes têm a sua própria

identidade enquanto programas de computadores, bases de dados. ficheiros

ou registos que existem num suporte electrónico, corno sistema em linha,

CD-ROM banda magnética, disco ou qualquer outro meio de

armazenamento. As referências bibliográficas destes documentos devem

reflectir essa identidade e não a de substitutos do papel.

(...) O âmbito da parte 4 da NP 405 c a especificação dos elementos a

mencionar nas referências bibliográficas (tos seguintes documentos

electrónicos: monografias (livro electrónico ou qualquer outro documento

monográfico), bases de dados, programas, partes e contribuições desses

documentos. publicações em série, artigos e outras contribuições; BBS(s),

news groups. listas de discussão e mensagens.

Esta norma deverá ser sempre utilizada com a NP 405-1, na qual são

contemplados todos os aspectos gerais e comuns” (Instituto Português da

Qualidade 2002, p. 2).

Um programa especializado de tratamento da bibliografia considera, na sua última

versão, os seguintes tipos de fontes de informação:

“has three unused and 34 pre-defined reference types: Artwork, Audiovisual

Material, Bill, Book, Book Section, Case, Chart or Table, Classical Work,

Computer Program, Conference Paper, Conference Proceeding, Edited Book,

Electronic Book, Electronic Journal, Electronic Source, Equation, Figure,

Film or Broadcast, Generic, Government Report or Document, Hearing,

Journal Article, Legal Rule/Regulation, Magazine Article, Manuscript, Map,

Newspaper Article, Online Database, Online Multimedia, Patent, Personal

Communication, Report, Statute, Thesis, and Unpublished Work”

(ResearchSoft 2004, help: reference types)

Deste modo, quando falamos em bibliografia a procurar, bibliografia a utilizar ou

bibliografia a apresentar estamos sempre a ter um entendimento amplo desse termo:

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 59/150 - Versão 01

listagem de fontes de informação de algumas forma utilizadas na investigação e na

redacção de um tema científico.

Obtido este entendimento, de alguma forma implícito no que tratamos sobre procura

de fontes de informação, e tendo-se já abordado a procura da bibliografia existente e a

sua selecção, tratemos pois das seguintes questões:

Tipos de bibliografia

Formas de apresentação da bibliografia

Relação entre o texto e a bibliografia.

Estas questões nunca devem perder de vista o essencial:

“Come capite il problema cambia secondo il tipo di tesi, e la questione sta

nell'organizzare una-bibliografia che permetta di distinguere o di individuare

fonti primarie e fonti secondarie, studi rigorosi e materiale meno attendibile,

eccetera.

In definitiva, e alla luce di quanto si è detto nei capitoli precedenti, i fini di

una bibliografia sono: (a) rendere riconoscibile l'opera a cui ci si riferisce; (b)

facilitarne la reperibilità e (c) connotare familiarità con gli usi della disciplina

in cui ci si laurea.” (ECO 1998, p. 234/5)40

TTiippooss ddee BBiibblliiooggrraaffiiaa

Designar a lista de fontes de informação apenas por Bibliografia é impreciso quanto

ao conteúdo e pode ser inadequado deontologicamente.

Com efeito pode haver diversos tipos de bibliografia, nomeadamente

Bibliografia completa

Bibliografia consultada

Bibliografia citada

40 “Como se compreende, o problema varia com o tipo de tese, e a questão está em organizar uma

bibliografia que permita distinguir e identificar fontes primárias e fontes secundárias, estudos rigorosos

e material menos digno de crédito, etc.

Em definitivo, e à luz de tudo o que se disse nos capítulos anteriores, os objectivos de uma bibliografia

são: (a) tornar reconhecível a obra a que nos .referimos; (b) facilitar a sua localização e (c) conotar

familiaridade com os usos da disciplina em que se faz a tese.” (ECO 1980, p. 200/201)

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 60/150 - Versão 01

Se optamos pela bibliografia completa estamos a apresentar um inventário de tudo o

que foi produzido até ao momento de elaboração do trabalho sobre uma determinada

matéria. Certamente há muitas fontes de informação cuja existência foi identificada

por nós mas que não lemos, seja pelos critérios de selecção adoptados quer por

impossibilidade humana e temporal.

Se optamos pela bibliografia consultada apenas referimos as fontes de informação

que de alguma forma foram utilizadas por nós para a realização do trabalho. A

expressão utilizada “de alguma forma” é propositadamente ambígua, mas com ela

queremos designar que nela é legítimo incluir tanto o livro que lemos cuidadosamente

e que utilizámos permanentemente como referência obrigatória, como a gravação que

depois de escutada constatamos ser irrelevante para o nosso objectivo; tanto o livro

que mereceu os cuidados anteriormente referidos como o que foi “lido em diagonal”

porque rapidamente nos apercebemos que apenas reproduzia o que outros já tinham

dito. Mas a expressão é ambígua porque deixa sem resposta concludente várias

perguntas: (1) devemos englobar o artigo de que só lemos o resumo? (2) devemos

referir uma obra que consideramos aberrantemente anticientífica?

Aceitamos que podem existir diferentes respostas, embora devamos perceber que as

razões da diversidade são diferentes num caso e noutro.

Na nossa opinião, a primeira questão merece, na generalidade das situações, uma

resposta negativa. A leitura dos resumos é frequentemente uma fase importante do

trabalho, mas prévio ao estudo da bibliografia; faz parte da pré-selecção que é

inevitável fazer. Mas podem existir circunstâncias particulares que justifiquem a sua

inclusão como, por exemplo, se consideramos que o artigo era importante, utilizamos

algumas das suas ideias e, apesar dos esforços desenvolvidos, não conseguimos

encontrar o artigo. Inclusão que deve alertar para essa mesma situação e

especificidade.

Quanto à segunda questão responderíamos afirmativamente. Contudo deve-se estar

atento a uma questão: pode haver conveniência em este tipo de bibliografia ser

anotada, isto é, após cada fonte de informação fazer-se um pequeno texto sobre ela.

Utilizando em todas as obras o mesmo critério tanto se pode colocar um resumo muito

sintético da obra (permitindo ao leitor aperceber-se do que se trata) ou uma apreciação

crítica do autor.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 61/150 - Versão 01

Se optamos pela bibliografia citada apenas indicamos as fontes de informação que

utilizamos ao longo da redacção do texto, ou fazendo transcrições ou chamando a

atenção que a ideia foi retirada de certa obra ou ainda que se trata de uma fonte de

referência sobre aquela matéria.

Por qual optar?

ECO é peremptório ao afirmar

“La risposta più ovvia è che la bibliografia di una tesi deve contener solo

l’elenco delle opere consultate e ogni altra soluzione sarebbe disonesta”

(ECO 1998, p. 235)41

mas logo de seguida introduz uma série de atenuantes.

Independentemente da opção que fizermos é decisivo que fique muito claro que tipo

de bibliografia é que utilizamos e quiçá a sua justificação42

.

Poderemos ainda tomar alguns cuidados adicionais para que não haja qualquer

interpretação incorrecta. Exemplo, assinalar com um caracter explicado em nota de

fim de página, quais as obras consultadas (ECO 1980, p. 201)

Podem existir diversos critérios para optar por um ou outro tipo de bibliografia. Eles

têm de ser ponderados em conjunto e não existe nenhum manual que possa substituir-

se ao autor na tomada de decisão. Façamos, contudo, algumas referências indicativas,

começando pelos critérios científicos.

Se um tema é bastante delimitado, se não existem trabalhos anteriores de bibliografia

geral sobre esse tema, se a própria inventariação das fontes de informação pode ser

considerado um trabalho científico relevante, se a sua divulgação pode trazer um

contributo significativo a investigações posteriores, pode-se justificar optar por uma

bibliografia completa.

Justificar a opção pela bibliografia consultada é despiciendo pois é normalmente a

situação adoptada seja porque espelha o trabalho de investigação realizado seja

41 “A resposta mais óbvia é que a bibliografia de uma tese deve conter apenas a lista das obras

consultadas e qualquer outra solução seria desonesta” (ECO 1980, p. 201)

42 Esta justificação pode ser feita ou no início da Bibliografia ou na Introdução do trabalho. Dum ponto

de vista lógico seria ainda possível apresentar essa explicação noutros locais (ex. num ponto sobre a

metodologia utilizada) mas correr-se-ia o risco de não ser lida com a devida atenção.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 62/150 - Versão 01

porque fornece aos leitores todos os elementos para confirmar ou infirmar as

conclusões a que o autor chega.

Se a bibliografia consultada é muito vasta, quiçá de qualidade muito variada, se é

quase impossível fazer uma referência completa às fontes de informação consultadas,

se é pedagogicamente aconselhável reduzir a bibliografia ao mínimo, podemos optar

pela bibliografia citada.

Não tenhamos ilusões. Qualquer decisão por mais ponderada e sensata que seja tem

sempre contra-indicações43

.

Seríamos, contudo, muito ingénuos se apenas considerássemos critérios científicos e

pedagógicos na nossa opção. As limitações intransponíveis ou optativas adoptadas na

pesquisa bibliográfica, assunto que já tratamos, o tempo disponível, a probabilidade

da bibliografia ser considerada pelo júri ou pelo leitor como o capítulo mais

importante da tese, até as manifestações simbólicas que acompanham todo o acto de

apreciação de um trabalho, podem justificar outras opções. A experiência do autor

também pode ser um elemento muito importante44

.

Nos trabalhos de investigação interdisciplinar há uma forte possibilidade das fontes de

informação serem muito diversificadas em forma e conteúdo, pertencendo a diversas

disciplinas científicas. Este aspecto dever ser tido em conta na opção que estamos a

43 Alguns exemplos.

(1) O assunto do trabalho é “a vinha na poesia contemporânea”, numa primeira investigação não se

encontrou nenhuma inventariação completa das fontes de informação existentes sobre o assunto, o

conteúdo da tese aconselha um conhecimento vasto do tema (embora certamente o tema seja bastante

mais limitado que o assunto referido) e decide-se optar por uma bibliografia completa. Há sempre a

probabilidade que numa fase subsequente da investigação vir a constatar que essa inventariação já está

feita e que, quando muito apenas se justificaria uma actualização.

(2) Para não enfastiar o leitor com longa bibliografia ou para apenas referir o essencial pode optar pela

bibliografia citada. Contudo essas preocupações pedagógicas podem-se esvaziar porque em

determinada fase do trabalho cita uma série de obras que considera erradas e que, por isso mesmo,

foram citadas para serem combatidas.

44 Um autor com longos anos de investigação transporta para a obra em construção todos os

conhecimentos anteriormente adquiridos, havendo uma forte probabilidade daqueles serem dos mais

diversos campos do conhecimento (particularmente se o tema é vasto ou aberto, se o autor tem

interesses diversificados ou se o trabalho é interdisciplinar). Uma frase lida em Nicolai Hartmann,

apesar de estar inserida em outros contextos, um poema de Dionísio, o Sofista, um comentário do

historiador Tayeb Chenntouf ou ainda uma frase jocosa de Albert Einstein podem ter repercussões

directas ou indirectas sobre um ensaio que se está escrever sobre A lógica multivalente no tratamento

da complexidade em Sociologia.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 63/150 - Versão 01

tratar, assim como nas formas de apresentação, pois nunca se pode perder de vista a

quem se destina o trabalho que escrevemos.

Em qualquer das circunstâncias poderá optar-se por uma bibliografia anotada ou não.

Fica ainda um pequeno problema para resolver: como designar a bibliografia.

“Molte volte l'attendibilità di una bibliografia è data dal titolo che ha. Essa

può intitoarsi Riferimenti Bibliogrrafici, Opere consultate, Bibliografia

generale sull'argomento X, e capite benissimo come sulla base del titolo le

verranno rivolte richieste che essa dovrà essere in grado di soddisfare o sarà

autorizzata a non soddisfare. Non potrete intitolare Bibliografia sulla II

guerra mondiale una magra raocolta di una trentina di titoli in italiano.

Scrivete Opere consultate e sperate in Dio.” (ECO 1998, p. 236)45

A modéstia científica é o resultado do conhecimento da ignorância. É, por isso, um

bom prenuncio. Mas ela não deve ser excessiva, atribuindo um título que acaba por

ser inadequado.

»» Comece por verificar quais são as normas adoptadas pela

instituição onde apresentará o documento que está a elaborar ou pela

publicação para onde está a escrever. Se essas normas são explícitas

siga-as. Se concorda com elas trabalha tranquilamente. Se não

concorda por alguma razão (ex. obriga-o a colocar de lado o

resultado de uma parte do seu labor de investigação) aplique-as na

mesma, procurando alguns artifícios legítimos para minimizar o seu

desagrado.

»» Se não existem normas estabelecidas, se as pessoas com quem

trabalha ainda não fizeram opções definitivas ou deixam a si inteira

liberdade, comece por ponderar os aspectos científicos e

pedagógicos e fazer uma opção provisória.

»» Pondere sobre os restantes factores que podem influenciar a sua

opção.

»» Decida “definitivamente” sobre o tipo de bibliografia que vai

apresentar no trabalho e da necessidade, ou não, de em algum local

justificar a opção.

45 “Muitas vezes a credibilidade de uma bibliografia é dada pelo seu titulo. Ela pode intitular-se

Referências Bibliográficas, Obras Consultadas ou Bibliografia Geral sobre o Tema X, e vê-se muito

bem como na base do titulo se lhe põem exigências que ela deverá estar em condições de satisfazer ou

será autorizada a não satisfazer. Não se poderá intitular Bibliografia sobre a Segunda Guerra Mundial

uma magra recolha de uma trintena de títulos em italiano. Escrevam Obras Consultadas e tenham

confiança em Deus.” (ECO 1980, 202)

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 64/150 - Versão 01

»» Só como solução última adopte a apresentação de duas

bibliografias e nesse caso veja qual a melhor forma de o fazer46

.

»» Se não existem motivos muito fortes para optar por uma

bibliografia anotada é preferível limitar-se a colocar adequadamente

as referências à obra sem qualquer resumo ou comentário.

»» Escolha o título adequado. Se se trata de uma bibliografia

completa pode ser adequado optar por Bibliografia sobre .... Se se

trata de uma bibliografia consultada poderá ficar bem Referências

bibliográficas. Se se trata da bibliografia citada ou põe-se isso

mesmo, como diz ECO, ou Referências bibliográficas citadas.

»» Recorde-se que as decisões ainda não estão todas tomadas. Terá

ainda que optar por diversas hipóteses de formas de apresentação e

de citação.

FFoorrmmaass ddee AApprreesseennttaaççããoo ddaa BBiibblliiooggrraaffiiaa

Precisamos o significado de “bibliografia”, Verificámos a existência de diversos tipos.

Independentemente destes há diversas formas de apresentação da bibliografia. É disso

que nos vamos ocupar agora, tratando em sequência três aspectos:

Sistemas bibliográficos

Localização da bibliografia na obra

Estruturação da bibliografia

Concluiremos pela existência de diversas formas de apresentar a bibliografia e da

conveniência do autor manter alguma margem de manobra, mas é importante, como

instrumento auxiliar e como referência, conhecermos as normas existentes sobre a

matéria.

SSiisstteemmaass bbiibblliiooggrrááffiiccooss

Os sistemas bibliográficos tem a ver com três aspectos:

1. Forma de no nosso texto indicar uma certa obra alheia

46 Admitamos por exemplo que se procedeu à inventariação completa da bibliografia do tema X,

considerando-se que essa foi uma parte importante do trabalho de investigação e que esse produto deve

ser disponibilizado aos leitores. Contudo, muita dessa bibliografia não foi consultada por nós. Poderá

ser adequado apresentar a “bibliografia completa” como parte da investigação, colocando-a num anexo,

e colocar como bibliografia propriamente dita a “bibliografia consultada”.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 65/150 - Versão 01

2. Conteúdo e forma das informações sobre a obra alheia

3. Articulação entre os dois aspectos anteriores.

SERRANO faz uma boa síntese do que designa por sistemas mais usados, e que

exactamente o são, porque são protótipos da forma de solucionar determinadas

preocupações:

“Os sistemas de referenciar bibliografia actualmente mais usados são os

sistemas nome e ano, numérico-alfabético, e por ordem de menção (...):

SISTEMA NOME E ANO

Consiste em, após a transcrição ou a paráfrase, apresentar, entre parêntesis

curvos, uma notação de referência formada pelo nome (último nome) do

autor e pela data de publicação do trabalho citado. Por exemplo: (Dermaches,

1988). A lista de referências não é numerada e é ordenada por ordem

alfabética do último nome do autor.

SISTEMA NUMÉRICO-ALFABÉTICO

Consiste em numerar cada uma das citações do texto segundo uma lista de

referências ordenada alfabeticamente pelo último nome do autor. A lista de

referências é numerada sequencialmente de 1 a n e a essa numeração

corresponde uma sequência alfabética segundo o último nome do autor. (...)

A cada autor citado, logo após a citação e entre parêntesis curvos, é atribuído

o algarismo determinado pelo ordenamento alfabético da lista de referências

(...)

SISTEMA POR ORDEM DE MENÇÃO

Segundo a ordem em que é mencionada a primeira vez no texto, cada

transcrição ou paráfrase é identificada com um número (colocado entre

parêntesis curvos), número que irá crescendo de 1 para n à medida que outros

autores vão sendo citados e as páginas do relatório evoluem (...). A lista de

referências é ordenada numericamente segundo o último nome do autor e não

segue a ordem alfabética, uma vez que as Referências são ordenadas de

acordo com a sua citação no texto.” (SERRANO 1996, p. 126/7)

Comecemos por apresentar mais em pormenor estes três sistemas, analisando as

eventuais vantagens e desvantagens de cada um. Porque há uma tendência para

apresentarmos em último lugar a opção que nos parece estar melhor posicionada na

comparação entre vantagens e desvantagens, seguimos a ordem inversa à do autor

anterior47

.

47 Sugerimos que nesta fase da análise ainda não se preocupem com os detalhes do tipo: conteúdo de

cada referência bibliográfica e sua forma, por que esses aspectos são de abordagem posterior.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 66/150 - Versão 01

Se adoptarmos o sistema por ordem de menção o texto e a bibliografia têm a

seguinte apresentação:

tigos que ajudassem a ultrapassar o problema dos artigos médicos

produzidos em França: apesar da sua qualidade científica, os artigos

franceses não conseguiam facilmente ser publicados em revistas

internacionais e, se o eram, ninguém os entendia (19).

O problema foi rapidamente diagnosticado. Para além de alguns

defeitos de estrutura, os artigos médicos franceses pecavam sobretudo

pelo seu estilo caseiro (franceses pensando e escrevendo apenas para

compatriotas), elíptico, pouco preciso e redundante.

Até tarde, na segunda metade deste século, a França marcou

fortemente a cultura portuguesa, nomeadamente através do idioma, da

literatura, do cinema e da música. As escolas médicas portuguesas,

umas mais outras menos, não escaparam ao fenómeno.

Essa influência pode ser apreciada na nomenclatura anatómica

adoptada por algumas faculdades, na bibliografia aconselhada aos ,

alunos de Medicina e, consequência de todo o processo, no estilo da

redacção médica portuguesa, bouquet composto por pecadilhos

semelhantes aos que ensombravam o discurso dos escritos médicos

gauleses.

E embora, à luz do valor intrínseco da pesquisa, tudo isto pareça

secundário e apenas uma questão de estilo, o certo é que uma

investigação que não se entende é uma investigação inviável, com a

qual não vale a pena perder tempo, ou desperdiçar papel.

Assim o consideram mais de 400 revistas da área biomédica, entre as

quais as quatro revistas médicas mais lidas em todo o mundo: Lancet,

Science, British Medical Journal e New England Journal of Medicine,

que recusam sistematicamente a publicação de trabalhos que não

observem as normas internacionais de redacção de artigos biomédicos

(11)(12)(16)(20)(21). Exemplos portugueses de revistas que seguem as

normas internacionais de redacção médica podem ser ilustrados pela

Acta Médica Portuguesa e pela Revista Portuguesa de Clínica Geral.

Essas normas exigem que a redacção médica obedeça a regras

estruturais definidas e aos valores e princípios que caracterizam o estilo

científico: simplicidade, clareza, precisão e brevidade.

Referências

1. Roland, Francisco, ed. O Vade Mecum do Médico, ou Breve

Resumo de Medicina Prática. Lisboa: Typografia Rollandiana,

1804.

2. Vigarello, Georges. O Limpo e o Sujo. Lisboa: Editorial

Fragmentos, 1988.

3. Sournia, Jean-Charles, e Jacques Ruffie. As Epidemias na História

do Homem. Lisboa: Edições 70, 1986.

4. Dubos, René. Man Adapting. New Haven and London: Yale

University Press, 1980.

5. Gehlbach, Stephen H. Interpreting the Medical Literature. 3rd ed.

New York: McGraw-Hill, 1993.

6. Bailar III, John C; Louis, Thomas A.; Lavori, Philip W.; Polansky,

Marcia. A classification for biomedical research reports. New

England Journal of Medicine 1984; 311(23):1482-1487.

7. Popper, Karl. O Realismo e o Objectivo da Ciência. 2.a ed. Lisboa:

Publicações D. Quixote, 1992.

8. Pallás, J. Argimón, e J. Jiménez Villa. Metodos de Investigacion:

Aplicados a la Atención Primaria de Salud. Barcelona: Doyma,

1991.

9. Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC). Guia Para

Preparação de Comunicações Científicas para Publicação. Lisboa:

LNEC, 1990.

10. Farfor, J. A. Enseigner la rédaction médicale, II: La structure du

compte rendu de recherche. Cah. méd. (Paris) 1976; (2)12. 11. Day, Robert A. Cómo Escribir y Publicar Trabajos Científicos.

Washington: Organización Panamericana de la Salud, 1990. 12. International Committee of Medical Journal Editors. Uniform

requirements for manuscripts submitted to biomedical journals. Br.

Med. J. 1991; 302:338-41.

Página de texto Página de bibliografia

Retirado de (SERRANO 1996, p. 56 e 311)

Na página de bibliografia constatamos que a cada fonte de informação corresponde

um número (1, 2, 3, ..., 12, ...) que indica a ordenação em que essa referência

bibliográfica apareceu na versão final do texto (a 1ª referência foi a obra de

Farnscisco Roland, a 2ª a de Georges Vigarello, e assim sucessivamente).

No texto a identificação do autores das ideias ou de um textos transcritos é feita pela

colocação do número ou números das obras donde foram tiradas (a ideia contida no

primeiro parágrafo da página, sequência do anterior, foi retirada da obra 19,

identificada como um trabalho de J. A. Farfor; a informação de que há revistas “que

recusam sistematicamente a publicação de trabalhos que não observem as normas

internacionais de redacção de artigos biomédicos” está nos trabalhos (11), (12), ...).

Este procedimento tem as características essenciais exigidas a um sistema

bibliográfico: (1) clara identificação das fontes bibliográficas; (2) clara identificação

da autoria da ideia; (3) possibilidade do leitor localizar as obras utilizadas pelo autor;

(4) fácil articulação entre o texto e a bibliografia.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 67/150 - Versão 01

No entanto apresenta alguns inconvenientes: (1) ao consultar-se autonomamente a

bibliografia não há um ordem, pois esta resulta exclusivamente do fluir do texto; (2)

quando se remete do texto para uma obra na bibliografia não há uma indicação precisa

de que parte da obra foi retirada a ideia ou a transcrição, o que dificulta a

reconstituição do percurso seguido pelo autor; (3) a sequência da bibliografia faz-se

na base da primeira referência a essa obra, pelo que a mesma numeração aparece

diversas vezes no texto, com uma ordem “aleatória”; (4) não é possível organizar a

bibliografia atendendo a outros critérios48

.

Um sistema bibliográfico com estas características aconselha vivamente que na

redacção do texto e colocação das referências bibliográficas ao longo do texto se

utilize um sistema informático automático que articule o processamento de texto com

as referências bibliográficas49

. Caso contrário a redacção de um texto – que quase

sempre é elaborado de forma modular, não sequencial – e a sua revisão levaria a

sucessivas renumerações, sempre fastidiosas.

Uma variante deste sistema é o que por vezes é designado por sistema francês

(TORRES 2000, p. 12): no texto remete-se para uma nota de fim de página e é nesta

que é colocada a referência bibliográfica, com explicitação do local exacto donde foi

retirada a transcrição ou a ideia. Tem a seguinte apresentação:

vineuse, acéteuse, aromatique, fétide, styptique, etc. ». L'abbé Poncelet

ne manque pas de dénoncer par ailleurs (p. 103) « l'abus des termes

(qui) a répandu d'étranges ténèbres sur les notions que l'on croit avoir

des êtres abstraits ou métaphysiques » (comme le mouvement). C'est un

trait assez curieux de l'esprit scientifique de ne pouvoir diriger ses

critiques contre soi-même. L'esprit scientifique a une tout autre

puissance d'auto-critique.

Ainsi que nous en avons fait la remarque pour la coagulation, nous

pouvons aussi donner des exemples où le concept trop général de

fermentation reçoit une extension manifestement abusive. Pour

Geoffroy1 : a La Végétation est une sorte de fermentation qui unit

quelques-uns de ces mêmes principes dans les Plantes, tandis qu'elle en

écarte les autres ». La fermentation est tel un processus si général qu'il

totalise les contraires. Un auteur inconnu, écrivant comme Geoffroy en

1742, s'exprime ainsi2 : «Dans la grappe de raisin, le suc vineux ne

48 Este aspecto será melhor entendido num ponto seguinte.

49 Hoje é quase impensável não se possuir um qualquer programa informático para o tratamento da

bibliografia. A questão está no que se entende por “tratamento”. Como vimos em ponto anterior, hoje

não faz sentido utilizar fichas de diversos tipos para manusear o resultado das nossas leituras. Isso

significa que necessitamos de uma base de dados para arquivar os resultados das nossas pesquisas

bibliográficas e para guardar os nossos apontamentos de leitura. A generalização dos processadores de

texto também fazem com que alguns aspectos da bibliografia possam ser trabalhados utilizado as

ferramentas que aqueles disponibilizam. Um tratamento mais completo permitirá articular a existência

da base de dados com o processamento de texto (transferindo da base de dados para o texto segundo

determinadas regras) e o processamento de texto com a base de dados (transferindo do texto para a base

de dados segundo certas instruções). Há vários programas disponíveis, tanto comerciais como gratuitos.

procure o que se adapta ao seu processador de texto e às suas necessidades.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 68/150 - Versão 01

fermente pas autrement que dans le tonneau... Mêmes ferments, mêmes

actions, fins égales ; auxquelles vous pouvez comparer généralement

tout ce qui se passe dans l'histoire des végétaux. Ainsi la fermentation

est établie sur un système général (qui ne fait) que varier dans les

sujets». De cette généralisation excessive et sans preuve on peut

rapprocher l'opinion de Boerhaave qui affirme que tous les végétaux,

préparés par une fermentation convenable, donnent des Esprits vineux

qui s'exhalent: a Ainsi on peut regarder l'Air comme une nuée d'Esprits

de Vin3 »

Naturellement, la notion de fermentation porte sa valeur d'explication

dans le règne minéral. Pour Lémery4 a la fermentation, qui agit comme

le feu, écarte dans la production du métal les parties terrestres et

grossières... Il faut un degré de fermentation pour la production des

métaux qui ne se trouve pas dans toutes les terres... Comme le métal est

un ouvrage de la fermentation, il faut nécessairement que le Soleil ou la

chaleur des feux souterrains y coopèrent ». n La fermentation fait

souvent élever jusqu'au haut de la montagne... des filets de mine

pesante ou quelque marcassite » (p. 76). Ici encore, comme nous l'avons

1. Histoire de l'Académie des Sciences, p. 43.

2. Sans nom d'auteur, Nouveau traité de Physique sur toute la nature ou méditations,

et songes sur tous les corps dont la Médecine tire les plus grands avantages pour

guérir le corps humain ; et où l'on verra plusieurs curiosités qui n'ont point paru, 2

vol., Paris, 1742, t. 1, p. 181.

3. Herman BOERHAAVE, Eléments de Chymie, traduits du latin par J. N. S.

Allamand, membre de la Soc. Roy. de Londres, 2 vol., Leide, 1752, t. I, p. 494.

4. Nicolas LÉMERY, Cours de Chymie, 7• éd., Paris, 1680, p. 75. Página de texto com as respectivas notas.

Não há no fim do livro uma listagem da

bibliografia50

.

A primeira vez que uma obra é referida a respectiva nota de fim de página (também

poderia ser uma nota de fim de capítulo ou de livro) dá uma informação completa

sobre a obra. Nas vezes seguintes apenas dá a informação necessária para associar a

referência a algo que já foi anteriormente citado. Ex. a próxima vez que foi feita uma

referência à obra citada na nota 3 do exemplo colocar-se-ia apenas “Ver

BOERHAAVE (H.), Éléments..., pag. 145” ou, tão somente, “BOERHAAVE, loc.

cit., p. 145” ou “BOERHAAVE, Ob.. cit., p. 145”. Se em duas notas seguidas o autor

é o mesmo, poderemos colocar em vez do nome do autor “Idem” e se o título da obra

é o mesmo “Ibidem”.

A colocação da referência bibliográfica em nota resolve alguns dos problemas

anteriormente referidos, mas coloca dois novos problemas: (1) A “lista da

bibliografia”, se assim se pode chamar, encontra-se dispersa por todas as páginas do

livro; (2) A referência a uma obra, quando a nota remete para uma outra nota anterior,

torna-se penosa.

Para obviar ao primeiro inconveniente podemos completar esta forma de anotação

com uma listagem, segundo um qualquer critério, normalmente por ordem alfabética

50 A exemplificação utilizou (BACHELARD 1999, p. 70)

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 69/150 - Versão 01

do último nome dos autores, bibliográfica. Frequentemente este procedimento é

acompanhado por uma simplificação do conteúdo da nota.

Quanto ao segundo aspecto

“Há quem considere que a referência bibliográfica deve ser feita de forma

quase completa (ou pelo menos só com o título) em qualquer nota onde ela

surja. Dizem, em parte com razão, que poderemos citar uma obra na nota 10

e voltar a fazê-lo na nota 123; então, ao pormos "Ob. cit. ", teremos que

percorrer todas as notas (ou ter de ir à Bibliografia) para ver a referência.”

(SOUSA 2003, p. 70)

mas, se pretendermos ser rigorosos na aplicação das regras nada há a fazer.

Analisemos agora o sistema numérico-alfabético.

perfused cartridges) to study osteogenesis under controlled in vitro

conditions. Isolated and culture-expanded cells were positive for MSC

markers, and had a capacity for selective differentiation into either

cartilage-or bone-forming cells. When cultured on highly porous

protein scaffolds for up to 5 weeks, MSC formed mineralized bone

matrix, and the density, structure, and orientation of bone matrix

depended on scaffold degradation and hydrodynamic conditions of the

in vitro cultivation. These results suggest that osteogenesis in cultured

MSC can be modulated by scaffold properties and flow environment,

and that the cell–scaffold–bioreactor systems which mimic some

aspects of the native environment can be utilized in controlled studies

of cell function and tissue development.

An ideal cell source for tissue engineering should have the capacity

to first proliferate and then differentiate in vitro, in a manner that can be

reproducibly controlled. The type or maturity of the cells may

substantially influence the robustness and nature of the regenerative

response. MSCs isolated from adult human bone marrow are an obvious

choice for engineering autologous bone grafts, in vivo and in vitro, as

these cells have a documented potential for osteogenic and

chondrogenic differentiation.4,8,28,40

The MSC nature of the cells used in

this study was determined on the basis of the expression of

CD105/endoglin (a putative marker of MSCs,3,29

), and CD71 (a

receptor expressed in proliferating cells20,25

) as well as the lack of

expression of CD31 and CD34 (markers for cells that are of

endothelial7

or hematopoietic origin.7,36,48

) (Fig. 1(A) and 1(B), Table

2). Importantly, expanded cells could be induced to undergo either

chondrogenic or osteogenic differentiation via medium supplementation

with chondrogenic or osteogenic factors, respectively (Fig. 1(C) and

1(D)), without notable differences in cell differentiation capacity over

three passages in culture (Fig. 1(E) and 1(F)). Taken together, the

robust capacity of MSC for proliferation and differentiation establish

bone-marrow-derived cells as a suitable cell source for bone tissue

engineering.

The chemistry and the architecture of the two scaffolds clearly

influenced the progression of bone formation. Collagen scaffolds used

in our study had excellent biocompatibility and supported the

attachment, chondrogenic and osteogenic differentiation of MSC (Fig.

4). Comparable extent of mineralization on collagen films and

scaffolds, assessed by the amount of calcium per unit DNA (Fig. 2),

was unexpected. High porosity, in conjunction with large

interconnected pores, is the likely explanation for this result observed in

static cultures.

Ideally, a biomaterial scaffold is gradually replaced by engineered

tissue deposited by the cells. MSCs begin calcium deposition between

weeks 2 and 3 of culture (Fig. 3). On collagen scaffolds cultured in

spinner flasks, the deposition of mineralized matrix was accompanied

by a substantial loss in the scaffold weight and in DNA content, both of

which decreased to 25% of initial over 4 weeks of culture

REFERENCES 1

Athanasiou, K. A., C. Zhu, D. R. Lanctot, C. M. Agrawal, and X.

Wang. Fundamentals of biomechanics in tissue engineering of bone.

Tissue Eng. 6:361–381, 2000. 2

Bancroft, G. N., V. I. Sikavitsas, J. van den Dolder, T. L. Sheffield, C.

G. Ambrose, J. A. Jansen, and A. G. Mikos. Fluid flow increases

mineralized matrix deposition in 3D perfusion culture of marrow

stromal osteoblasts in a dose-dependent manner. Proc. Natl. Acad. Sci.

U.S.A. 99:12600–12605, 2002. 3

Barry, F. P., R. E. Boynton, S. Haynesworth, J. M. Murphy, and J.

Zaia. The monoclonal antibody SH-2, raised against human

mesenchymal stem cells, recognizes an epitope on endoglin (CD105).

Biochem. Biophys. Res. Commun. 265:134–139, 1999. 4

Caplan, A. I. The mesengenic process. Clin. Plast. Surg. 21:429– 435,

1994. 5

Casser-Bette, M., A. B. Murray, E. I. Closs, V. Erfle, and J. Schmidt.

Bone formation by osteoblast-like cells in a threedimensional cell

culture. Calcif. Tissue Int. 46:46–56, 1990. 6

Crane, G. M., S. L. Ishaug, and A. G. Mikos. Bone tissue engineering.

Nat. Med. 1:1322–1324, 1995. 7

DeLisser, H. M., P. J. Newman, and S. M. Albelda. Platelet endothelial

cell adhesion molecule (CD31). Curr. Top. Microbiol. Immunol.

184:37–45, 1993. 8

Dennis, J. E., A. Merriam, A. Awadallah, J. U. Yoo, B. Johnstone, and

A. I. Caplan. A quadripotential mesenchymal progenitor cell isolated

from the marrow of an adult mouse. J. Bone Miner. Res. 14:700–709,

1999. 9

Einhorn, T. A. Enhancement of fracture healing by molecular or

physical means: An overview. In:Bone Formation and Repair, edited

by C. T. Brighton, G. Friedlaender, and J. M. Lane. Rosemont,

IL:American Academy of Orthopaedic Surgeons, 1994, pp. 223–238. 10

Farndale, R. W., D. J. Buttle, and A. J. Barrett. Improved quantitation

and discrimination of sulphated glycosaminoglycans by use of

dimethylmethylene blue. Biochim. Biophys. Acta 883:173– 177, 1986. 11

Freed, L. E., A. P. Hollander, I. Martin, J. R. Barry, R. Langer, and G.

Vunjak-Novakovic. Chondrogenesis in a cell–polymer– bioreactor

system. Exp. Cell Res. 240:58–65, 1998. 12

Freed, L. E., and G. Vunjak-Novakovic. Tissue engineering

bioreactors. In: Principles of Tissue Engineering, 2nd ed., edited by R.

P. Lanza, R. Langer, and J. Vacanti. San Diego, CA: Academic Press,

2000, pp. 143–156. 13

Garcia, A. J., P. Ducheyne, and D. Boettiger. Effect of surface

reaction stage on fibronectin-mediated adhesion of osteoblastlike cells

to bioactive glass. J. Biomed. Mater. Res. 40:48–56, 1998.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 70/150 - Versão 01

Texto51

Referências Bibliográficas

As referências bibliográficas foram ordenadas alfabeticamente tomando como

elemento o último nome do primeiro autor e foi-lhes atribuída uma numeração

sequencial. Quando no texto se pretende indicar que uma dada ideia ou uma certa

transcrição foi retirada de um certo autor indica-se o respectivo número.

Este sistema de referência bibliográfica é dos menos utilizados, mas diversas

publicações científicas o exigem (por exemplo, em fisiologia e a engenharia).

Os comentários são em parte comuns ao sistema anterior:

Tem os elementos essenciais: (1) clara identificação das fontes bibliográficas; (2)

clara identificação da autoria da ideia; (3) possibilidade do leitor localizar as obras

utilizadas pelo autor; (4) fácil articulação entre o texto e a bibliografia. Além disso é

um sistema adequado para quem pretenda introduzir, como veremos, diversos

critérios de classificação da lista das obras consultadas.

No entanto apresenta um inconveniente: quando se remete do texto para uma obra na

bibliografia não há uma indicação precisa de que parte da obra foi retirada a ideia ou a

transcrição, o que dificulta a reconstituição do percurso seguido pelo autor.

Um sistema bibliográfico com estas características aconselha vivamente que na

redacção do texto e colocação das referências bibliográficas ao longo do texto se

utilize um sistema informático automático que articule o processamento de texto com

as referências bibliográficas. Caso contrário a obtenção de uma nova referência

bibliográfica e sua utilização altera uma parte da numeração (nas referências

bibliográficas e no texto).

Analisemos, por último, o sistema nome e ano, certamente um dos mais utilizados,

quase sempre utilizado nas ciências da realidade humana, frequentemente designado –

de uma forma genérica e apesar das suas variantes – como sistema anglo-saxónico. É

um nome abusivo pois, como vimos, diversas revistas científicas de países anglo-

saxónicos exigem os sistemas anteriormente referidos. Pensamos que esta designação

51 Utilizado como exemplo (MEINEL, KARAGEORGIOU, and Others 2004, p. 120/1)

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 71/150 - Versão 01

resulta da divulgação das normas de Chicago (15ª, versões A e B) nas publicações de

humanidades52

.

Alguns livros sobre metodologia continuam a referir-se à versão A (ex. (TORRES

2000)), mas é a seguinte, neste momento, que faz escola.

Comecemos por ilustrar a utilização da metodologia53

:

lacks a common unit of account, and may contain elements that cannot

be easily expressed according to any quantitative or qualitative scale.

The characteristics of cultural goods which give rise to their

cultural value might include their aesthetic properties, their spiritual

significance, their role as purveyors of symbolic meaning, their historic

importance, their significance in influencing artistic trends, their

authenticity, their integrity, their uniqueness, and so on. These are also

the characteristics of such goods that we might identify as economists if

we were to adopt a Lancastrian approach to depicting their demand. In

other words the preferences of individuals for a cultural good are likely

to be formed by many of the same attributes of the good as contribute to

its cultural value, suggesting that the economic value of the good as

defined above is likely to be closely related to its cultural value in many

cases. But if, as we have argued, CVM and other weapons in the

economist’s tool kit should fail to capture some sources or types of

value in evaluating cultural goods, the relationship will not be perfect.

Although there are aspects of cultural value that cannot be

expressed in monetary terms, this does not imply that the implicit

cultural value assigned to a cultural good in an economic study is zero.

Rather it is to say that we are talking about different metrics, and

although there is likely to be a broad correlation between them across a

range of cultural goods, it is quite possible in specific cases for low

economic value to be associated with high cultural value and vice versa.

Nevertheless, as the examples mentioned earlier make clear, even a

state-of-the-art CVM study will tend systematically to undervalue a

cultural good to the extent that there exist significant positive elements

in the good’s value that are incapable of expression as individual WTP.

A disjunction between an economic approach to the value of art

and a broader social or cultural approach has been recognised in recent

writings in the cultural arena. Joseph and Lisbet Koerner, for example,

suggest that current critical theories of the art object as a source of

value are united in their attempt to account for the irrationalityof art

value in opposition to the abstracting rationalismof the assessment of

art within neoclassical economics (Koerner and Koerner, 1996, p. 300).

Michael Benedikt distinguishes between aesthetic, moral and economic

values, and argues that they have to be made commensurable, “if only

because real life asks us so often to compare and choose amongst them

in the name of some ‘larger’ value” (Benedikt, 1997, p. 54).

Contributors to Avrami et al. (2000) speculate about economic and

cultural values as contrasting imperatives in the assessment of cultural

heritage projects. These and many other writings suggest that the

standard neoclassical model, despite its considerable theoretical and

empirical power, will be unable on its own to provide a fully satisfying

account of the value of cultural goods.

In concluding this section, it is useful to ask how cultural value

might be determined. This is a critical question for a number of

disciplines interested in art, culture and society.13

If we were to adopt

the mind-set of the neoclassical economist, we might suggest that the

cultural worth of an artistic good could

References

Avrami, Erica, Mason, Randall, and De La Torre, Marta (eds.) (2000)

Values and Heritage Conservation. Getty Conservation Institute,

Los Angeles.

Bateman, lan J. and Willis ,Kenneth G. (eds.) (1999) Valuing

Environmental Preferences: Theory and Practice of the

Contingent Valuation Method in the U.S., EU and Developing

Countries. Oxford University Press, Oxford.

Baumol, William J. and Bowen, W illiamG. (1966) Performing Arts:

The Economic Dilemma. Twentieth Century Fund, New York.

Benedikt, Michael (1997) "Value and Psychological Economics: An

Outline", in Michael Benedikt et al. (eds.), Value: Center

10/Architecture and Design in America. University of Texas Press,

Austin.

Bille Hansen, Trine (1997) "The Willingness-to-Pay forthe Royal

Theatre in Copenhagen as a Public Good". Journal of Cultural

Economics 21:1-28.

Bille Hansen, Trine, Christoffersen, Henrik , and Wanhill, Stephen

(1998) "The Economic Evaluation of Cultural and Heritage

Projects: Conflicting Methodologies". Tourism, Culture and

Communication 1:27-48.

Clark, Charles M.A. (1995),"From Natural Value to Social Value", in

Charles M.A. Clark (ed.), Institutional Economics and the Theory

of Social Value: Essays in Honour of Marc R. Tool. Kluwer,

Boston.

Connor, Steven (1992) Theory and Cultural Value. Blackwell, Oxford.

Cuccia, Tiziana and Signorello, Giovanni (2000) `A Contingent

Valuation Study of Willingnessto Pay for Visiting a City of Art:

The Case Study of Noto (Italy)". Paper presented at Conference of

the Association for Cultural Economics International,

Minneapolis, 28-31 May.

De La Torre, Marta (ed.) (2002) Assessing the Values of Cultural

Heritage. Getty Conservation Institute,LosAngeles.

Di Maggio, Paul (2003) "Book Review of Throsby (2001)". Journal of

Cultural Economics 27: 73-75.

Etlin, Richard A. (1996) In Defense of Humanism: Value in the Arts

and Letters. Cambridge University Press, New York.

Gérard-Varet, Louis-André, Kolm, Serge-Christophe, and Mercier-

Ythier, Jean (eds.) (2000) The Economics of Reciprocity, Giving

and Altruism. St. Martin's Press, New York.

Hammond, Peter J. (1987) "Altruism",inJohnEatwelletal.(eds.), The

New Palgrave: A Dictionary of Economics. Macmillan, London,

pp. 85-87.

Hausman, Jerry A. (ed.) (1993) Contingent Valuation: A Critical

Assessment. North-Holland, Amsterdam.

Head, John G. (1990) "On Merit Wants: Reflections on the Evolution,

Normative Status and Policy Relevance of a Controversial Public

Finance Concept", in Geoffrey Brennan and Cliff Walsh (eds.),

Rationality, Individualism and Public Policy. Centre for Research

52 Sinteticamente

Chicago 15th A ens.

This style requires both footnotes and bibliography. To add cited pages to your in-text

citations and footnotes, include them in your in-text citation by adding an "@" symbol

followed by the pages: [Waugh, 1945 #32@ 88]

Chicago 15th B ens.

This version of the Chicago style does not include footnotes. For footnotes, use Chicago 15th

A. (ResearchSoft 2004)

53 Nesta exemplificação utilizamos (THROSBY 2003)

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 72/150 - Versão 01

on Federal Financial Relations, Australian Nationa lUniversity,

Canberra.

Texto54

com referências para a bibliografia Referências bibliográficas ordenadas por nome e

data

A listagem das obras está ordenada pelo último nome do primeiro autor e dentro de

cada autor ou conjunto de autores está ordenado por data de edição da obra. No caso

de haver várias obras do mesmo autor editada no mesmo ano acrescenta-se à data a, b,

etc. (ex. 2003a 2003b etc.). Para tornar mais visível a ordenação destaca-se o nome do

autor, começando no início da linha. No texto a indicação de que a ideia ou a

transcrição foi retirada de uma determinada obra faz-se indicando à frente do nome do

autor o ano da edição (ex. Avrami et al. (2000)) ou indicando em conjunto autor e

ano (ex. (ThrosbyandWithers, 1984)). Se pretendemos precisar exactamente de onde

foi retirado acrescenta-se a página (ex. (Benedikt, 1997, p. 54)).

Para ilustrar mais em pormenor consideremos uma passagem do texto anterior.

“Michael Benedikt distinguishes between aesthetic, moral and economic

values, and argues that they have to be made commensurable, “if only

because real life asks us so often to compare and choose amongst them in the

name of some ‘larger’ value” (Benedikt, 1997, p. 54).”

Esta última informação diz-nos que a transcrição anterior (if ...value) foi retirada da

obra editada por Benedikt em 1997. Observando as referências bibliográficas ficamos

a saber que

Benedikt, Michael (1997) "Value and Psychological Economics: An

Outline", in Michael Benedikt et al. (eds.), Value: Center 10/Architecture

and Design in America. University of Texas Press, Austin.

a transcrição foi retirada de um artigo (capítulo de livro ou comunicação) intitulado

Value and Psychological Economics: An Outline que foi editado num livro editado

pelo autor do artigo conjuntamente com outros autores e que se designa Value: Center

10/Architecture and Design in America. Sabemos ainda que a obra foi publicada em

1997 pela University of Texas Press, a qual se situa em Austin55

.

54 Foi utilizado neste exemplo (THROSBY 2003)

55 Apresentamos aqui esta precisão de informação, mas ela podia perfeitamente ser retirada igualmente

dos sistemas retirados anteriormente. As diferenças não se situam ao nível da informação que

transmitem, pois aí há grande similitude.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 73/150 - Versão 01

Que dizer das vantagens e desvantagens em relação aos sistemas anteriormente

referidos? Tal como os anteriores este sistema apresenta, como não podia deixar de

ser os elementos essenciais de qualquer sistema bibliográfico: (1) clara identificação

das fontes bibliográficas; (2) clara identificação da autoria da ideia; (3) possibilidade

do leitor localizar as obras utilizadas pelo autor; (4) fácil articulação entre o texto e a

bibliografia.

Apesar de apresentar algumas vantagens em relação a um ou outro dos anteriores (ao

consultar-se autonomamente a bibliografia há uma ordem; quando se remete do texto

para uma obra na bibliografia há uma indicação precisa de que parte da obra foi

retirada a ideia ou a transcrição; é fácil acrescentar bibliografia e é indiferente a

sequência de produção do texto, não exigindo qualquer procedimento informático de

articulação texto-bibliografia) também apresenta alguns inconvenientes: (1) dificulta a

estruturação da bibliografia segundo procedimentos diversos, a que faremos alusão

oportunamente; no caso de uma mesma ideia estar em muitas das obras indicadas na

bibliografia, a sua indicação é mais enfadonha que nos sistemas anteriores56

.

Um último apontamento: o que se disse não gosta as maneiras de indicar as fontes

bibliográficas e de articular o texto com o seu inventário. É possível encontrar formas

de combinação de sistemas diferentes e porque há sempre outras alternativas.

Além disso até agora não nos preocupámos com a informação que devemos colocar

para identificar adequadamente uma obra57

. É deste aspecto que nos ocuparemos no

ponto seguinte.

IInnffoorrmmaaççõõeess ssoobbrree aa oobbrraa rreeffeerreenncciiaaddaa

Quais os elementos identificadores de uma obra que devem ser referidos?

56 Em (POMBO 2004, p. 125/7) duas notas de com referências bibliográficas ocupam cerca de duas

páginas do livro, o que resulta da aplicação criteriosa deste sistema bibliográfico.

57 Cada sistema de referência bibliográfica tem, nas suas diversas variantes, a especificação dessas

informações, mas não foi sobre esse aspecto que concentrámos a atenção.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 74/150 - Versão 01

A resposta genérica é simples:

pelo menos os essenciais para uma correcta e fácil identificação

apresentados de uma forma que chame a atenção do leitor para o essencial

atendendo às especificidades de identificação cada tipo de obra.

Contudo os pormenores destas considerações podem ser concretizados de formas

muito diversas conforme as normas, as publicações, os autores58

.

Porque seria pedagogicamente inadequado apresentar todas essas variantes e

perfeitamente inoportuno: seria enfadonho e susceptível de uma rápida

desactualização, limitar-nos-emos a referir o que consta das normas portuguesas sobre

bibliografia59

.

Consideremos a obra sobre o qual temos a seguinte informação:

Tipo de obra: Livro

Autor: Matt Ridley

Ano de edição: 2001

Título: Genoma

Subtítulo: Autobiografia de uma espécie em 23 capítulos

Colecção: Ciência Aberta

Número na colecção: 111

Local do Editor: Lisboa

Editor: Gradiva

Número de volumes: 1

Número de páginas: 352

Edição: 1ª

Desenho da capa: Tom Lau

Impressão e acabamento: Tipografia Guerra/Viseu

Tradução: REGO, Carla (Tradução); ALMEIDA, José Soares (Revisão)

ISBN: 972-662-772-9

Nome da Publicação original: Genome - The Autobiography of a Species in 23

Chapters

Data da edição original: 1999

Editor original: ?60

Data da 1ª edição inglesa: ?

58 Como exemplo diga-se que o programa de tratamento informático da bibliografia que utilizamos

neste momento identifica 1186 estilos tipo (ResearchSoft 2004), sendo um estilo uma combinação de

sistema bibliográfico e diferentes pormenorizações na sua concretização.

59 Em termos de normas tenha-se em conta que cada país pode ter as suas normas e que além disso há

as normas da International Organization for Standardization (ISO) (SERRANO 1996)

60 “?” indica que na edição que se possui não constam esses elementos.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 75/150 - Versão 01

Sendo um livro a forma de o referenciar é a que é especificada para as Monografias.

É considerado essencial a indicação do autor ou autores, título, edição, publicação

(local, editor e ano) e ISBN.

No nome do autor podem ser utilizadas abreviaturas “desde que fiquem

inequivocamente identificados” (Instituto Português da Qualidade 1995, p. 31), o que

não se revela necessário neste caso. O apelido do autor deve ser em letras maiúsculas

“quando no início da referência bibliográfica”, o que acontece sempre porque “o

nome do autor deve aparecer como o primeiro elemento da referência bibliográfica”

(Instituto Português da Qualidade 1995, p. 33). Além disso

“O nome do autor deve ser dado como aparece na fonte, mas invertido de

forma a referir em primeiro lugar o último apelido ou o penúltimo no caso

dos apelidos compostos ou com relações familiares. Os nomes espanhóis

devem ser referenciados pelo apelido que aparece a seguir ao nome próprio”

(Instituto Português da Qualidade 1995, p. 33).

O título da obra está em caracteres romanos pelo que não carece de transliteração, a

qual deveria seguir normas internacionais. O título deve ser reproduzido como

aparece na fonte. Como “a pontuação e a apresentação tipográfica devem tornar os

pormenores das referências facilmente compreensíveis” e o título (e subtítulo) é um

elemento fundamental de identificação num livro, “deve recorrer-se à utilização de

sublinhados (...) ou relevos tipográficos” (Instituto Português da Qualidade 1995, p.

32)61

.

Uma referência bibliográfica deve ser feita de forma que o leitor do trabalho

facilmente a encontre e possa certificar-se que o autor do documento a utilizou

adequadamente. Ora a localização de algo pode variar de edição para edição, pelo que

a sua indicação é um aspecto essencial. Convém que se forneça todas as indicações

sobre ela (é uma edição revista? por quem? foi ampliada? etc.) podendo-se utilizar

abreviaturas.

E sobre essa edição (muitas vezes não há indicação, seja porque é a primeira e o editor

considera irrelevante referir seja porque a sua não referência permite evitar

61 Quando se utilizava a máquina de escrever o mais habitual era o sublinhado. Com o computador

utiliza-se habitualmente o itálico ou o carregado.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 76/150 - Versão 01

pagamentos de direitos a autor ou editora original) deve-se fornecer os dados da

publicação. O local onde se situa a editora deve ser transcrito como se encontra na

obra (se não indicar colocar [S.I:] iniciais de “sem local” em latim. No caso presente é

irrelevante, mas é cada vez mais frequente tratar-se de uma editora multinacional e

indicar uma lista de locais; nesse caso coloca-se o que está mais evidência ou em

primeiro lugar acrescido de [etc.]. Uma outra situação muito habitual actualmente é a

obra ser editada por mais de uma editora; deve-se indicar as diversas editoras e

respectivos locais. No caso presente o local da editora é bem conhecido e não se

necessita de fornecer ao leitor qualquer informação adicional, mas nem sempre é

assim. Se o nome do local se presta a confusão ou pode não haver conhecimento

imediato por parte do leitor pode-se acrescentar entre [] (símbolo que é

sistematicamente utilizado quando se trata de dados adicionais fornecidos por nós)

outros aspectos referentes à localização: [região], [país], etc. A editora pode ser

colocada com informação completa (ex. Gradiva – Publicações Ldª) ou parcial desde

que inequívoca (ex. Gradiva). Se o editor for desconhecido, o que não é o caso,

coloca-se, utilizando mais uma vez abreviaturas do latim, [s.n.]. Para um livro a data

é apenas o ano ou o mês ano. Quando a data não existe ou se coloca a data de

impressão (imp. ano) ou a data dos direitos de autor (cop. ano) ou a data do depósito

legal (D.L. ano) ou a presumível ([ano?]).

O ISBN também é um elemento essencial embora para livros anteriores a uma certa

data não exista esta informação62

.

62 Eis uma informação sobre o ISBN constante do seu site na Internet:

“O sistema ISBN (International Standard Book Number) é controlado pela Agência

Internacional do ISBN, sediada em Berlim, na Alemanha, que supervisiona a sua utilização,

aprova a definição e estrutura dos grupos (linguísticos ou geográficos), e delega poderes às

Agências Nacionais designadas em cada país.

A APEL é a Agência Portuguesa do ISBN desde 1988, sendo responsável, entre outras

funções, pela atribuição de números de identificação a monografias, i.e., a publicações não

periódicas editadas em Portugal, pela atribuição de prefixos de editores, pelo fornecimento do

Manual ISBN aos editores e pela promoção da utilização do sistema a nível nacional.

O princípio fundamental em que assenta o sistema é que cada ISBN identifica um livro numa

determinada edição, com todas as vantagens que daí advêm, a nível económico e cultural, ao

possibilitar uma mais fácil recuperação e transmissão de dados em sistemas automatizados,

para fins públicos ou privados, ao facilitar a pesquisa e a actualização bibliográfica, bem como

a interconexão de bibliotecas e arquivos. (...)

- o ISBN é constituído por uma série de números separados por um hífen (-). Pegando no

ISBN 972-9202-43-5 como exemplo:

"972" é o identificador de grupo (grupo nacional, geográfico, linguístico ou outro similar;

actualmente, os prefixos nacionais são "972" e "989");

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 77/150 - Versão 01

No exemplo anteriormente referido a referência bibliográfica deve, no mínimo,

apresentar-se da seguinte forma:

RIDLEY, Matt – Genoma. 1ª ed. Lisboa: Gradiva, 2001. ISBN 972-662-772-9.

É, no entanto recomendável que se indique também o subtítulo (complemento de

título) e a descrição física, para dar ao leitor uma ideia mais precisa da obra.

O complemento de título segue no essencial o que se disse para o título. Quanto à

descrição física pretende-se dar uma informação sobre a dimensão da obra, o que

pode ser feito pela indicação do número de volumes que constitui a obra ou o seu

número de páginas.

Entrando com as informações essenciais e recomendadas a referência bibliográfica

assumiria a seguinte forma

RIDLEY, Matt – Genoma: Autobiografia de uma espécie em 23 capítulos. 1ª ed.

Lisboa: Gradiva, 2001. 352 p. ISBN 972-662-772-9.

Na maior parte das situações esta informação é suficiente. Contudo se algumas obras

têm uma grande importância para a tese que estamos a elaborar justifica-se a

apresentação de informações complementares63

.

Nos casos apontados devem figurar na referência bibliográfica alguns ou todos os

elementos facultativos: “responsabilidade secundária”, “série” e “notas”.

"9202" corresponde ao prefixo de Editor (identifica um Editor em concreto);

"43" é o identificador do título (identifica um título específico ou a edição de uma obra

publicada por um Editor em concreto);

"5" é o dígito de controlo (permite a verificação automática de que o ISBN está correcto);

(...)

- em livros editados em co-edição, recomenda-se a atribuição de um número ISBN para cada

Editor;

- edições de um mesmo livro em vários idiomas, implicam um número ISBN para cada

edição; “ (APEL, "Sistema ISBN". [em linha]. [consult. 25 Dez 2004]. Disponível na Internet:

<URL: http://www.apel.pt/default.asp?s=12204>)

63 Alguns exemplos: se a nossa tese é uma comparação sobre a concepção inicial e actual da

relatividade restrita, a informação bibliográfica sobre as obras dos autores principais deve conter o

máximo de elementos; se estamos a fazer uma tese sobre Tolstoi e não sabemos russo justifica-se que

nas obras consultadas de Tolstoi forneçamos outras informações que permitam aquilatar da obra a

partir da qual se fez a tradução e da qualidade desta; se o nosso trabalho é sobre um romance de Eça de

Queiroz convém que todas as edições consultadas sejam referidas com o máximo de dados.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 78/150 - Versão 01

Continuemos a seguir de perto das normas portuguesas.

Para além do autor de um livro outras pessoas podem ter uma responsabilidade

secundária sobre o seu conteúdo: o eventual autor do prefácio ou da introdução; o

revisor do texto na língua em que foi escrito; o tradutor; o revisor da tradução,

eventualmente qualquer comentador do conteúdo em algumas notas. Estes elementos

podem ter interesse em muitas circunstâncias.

“Os editores literários, compiladores, anotadores e directores literários

podem ser tratados como autores, desde que apareçam destacados na página

do título. Neste caso devem acrescentar-se ao nome as abreviaturas

correspondentes à função antecedidas de vírgula (...) Os nomes das pessoas

ou colectividades com responsabilidade secundária no documento e as suas

funções (editores literários, tradutores, ilustradores, inventores, organismos

responsáveis, etc.) podem figurar depois do título ou do complemento do

título” (Instituto Português da Qualidade 1995, p. 36/7)

A informação sobre a série é, no essencial, a colecção em que se integra o livro e,

eventualmente, o seu número. Há colecções com tal prestígio que esta informação

quase que seria suficiente para procurar a obra em qualquer livreiro.

Em notas podem ser dadas outras informações consideradas relevantes.

Entrando em conta com todos os elementos teríamos, no nosso exemplo:

RIDLEY, Matt – Genoma: Autobiografia de uma espécie em 23 capítulos. Trad. Carla

Rego; rev. trad. José Soares Almeida. 1ª ed. Lisboa: Gradiva, 2001. 352 p. (Ciência

Aberta; nº 111). Tradução de: Genome - The Autobiography of a Species in 23

Chapters; 1999. ISBN 972-662-772-9.

Outros aspectos de que temos informação (ex. tipografia) é suficientemente

irrelevante para se colocar, por muito pormenorizada que seja a informação.

Neste nosso exemplo referimo-nos à situação mais habitual e simples: o livro.

Contudo a diversidade de documentos informativos é grande e cada um apresenta

especificidades.

A utilização exaustiva das normas estabelecidas pode ser enfadonho e exigir

demasiado tempo. Enfadonho porque exige considerar um grande conjunto de

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 79/150 - Versão 01

pormenores; porque as redes informáticas internacionais obriga-nos a assumirmos

decisões sobre situações que ainda não estão normalizadas ou que estando não cobre

todas as situações; porque a excessiva preocupação pelas questões formais e de

apresentação pode enfraquecer a nossa atenção sobre o conteúdo. Exigir demasiado

tempo porque há que conhecer muito em pormenor as normas e consultá-las

frequentemente; porque quase sempre umas normas remetem para outras normas;

porque exige em diversas situações investigações complementares sobre os

documentos actualizados para obter algumas referências que a norma considera

essenciais ou recomendáveis, porque cada vez menos é aconselhável seguir apenas as

normas de um país, havendo que estabelecer comparações entre países ou destes com

as normas internacionais. Contudo, apesar destes inconvenientes, as normas devem

ser tidas em conta porque nos ensinam procedimentos, porque nos introduzem na

lógica de apresentação das fontes, porque nos pode salvar de críticas desnecessárias.

Utilizemo-las com conta, peso e medida, como diz o bom senso popular.

Vejamos, então, essas normas mais em pormenor, identificando as situações,

resumindo o que elas dizem64

.

(Instituto Português da Qualidade 1995) refere-se a documentos impressos:

(A) As monografias são a situação mais geral

“Monografia – publicação contendo texto e/ou ilustrações apresentados em

suportes destinados à leitura visual, completa num único volume, ou a ser

completada num número determinado de volumes” (8)

e as fronteiras com outro tipo de documentos são por vezes difusas. Nuns casos a

nossa referência bibliográfica aplica-se à monografia no seu conjunto, como no

exemplo que apresentámos (A1)65

, noutros a partes ou volumes de monografias (A21)

ou a contribuições em monografias (A22).

64 Quem pretenda conhecê-las em pormenor deve fazer a sua leitura e tê-las à mão quando surgem

dificuldades.,

65 Esta simbologia e outras seguintes serão utilizadas nos quadros de síntese das normas para os

diversos tipos de documentos.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 80/150 - Versão 01

(B) As publicações em série são uma das fontes mais utilizadas na investigação

científica, pois as revistas da especialidade são muito frequentemente, o primeiro local

de divulgação das descobertas científicas.

“Publicação em série – publicação, impressa ou não, editada em fascículos

ou volumes sucessivos, ordenados geralmente numérica ou

cronologicamente, com duração não delimitada à partida e

independentemente da sua periodicidade. As publicações em série incluem os

periódicos (revistas, jornais, boletins, anuários), as séries de actas e relatórios

de instituições e congressos, bem como as série monográficas” (8)

Podem surgir situações em que pretendemos fazer referência bibliográfica para a

totalidade da publicação em série (B1), embora frequentemente consideremos apenas

uma parte da publicação (B2) ou apenas um artigo (B3).

As série monográficas são referidas como publicação em série, mas podem ser

tratadas ou como monografias (B41) ou como publicação em série (B42).

(C) As teses, dissertações e outras provas académicas não se enquadram em nenhuma

das situações anteriores.

“Tese (dissertação) – documento que apresenta uma investigação e os seus

resultados, proposto para apreciação, pelo seu autor, em princípio destinado à

obtenção de um grau académico ou de uma qualificação profissional” (8)

(D) As actas de congressos (“com ou sem título próprio”, com ou sem “editor

literário”) têm um tratamento similar às monografias. Os “relatórios científicos e

técnicos” também se podem configurar como algumas das situações anteriores.

(E) Os documentos legislativos e judiciais têm um tratamento similar a algumas das

situações anteriores:

“A ordem dos elementos da referência bibliográfica das publicações de

carácter legislativo e judicial é a mesma das monografias, partes ou volumes

e contribuições em monografias, capítulos e páginas de monografias,

publicações em série e artigos de publicações em série” (8)

Se assim ´+e, o que se deve colocar como autor de um Decreto-Lei, por exemplo? É

frequente considerar como autor a instituição que foi responsável pela sua criação (ex.

Assembleia da República para uma Lei, Governo para um Decreto-Lei, etc.) e

considerar que ela é parte do Estado (pelo que o referido Decreto-Lei teria como autor

PORTUGAL. Governo). Contudo os exemplos constantes da norma não referem

autor.

Em muitas publicações religiosas também não há referência ao autor.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 81/150 - Versão 01

(F) Também as patentes se encontram entre os documentos impressos fornecedores de

informações para a investigação.

“Patente – Descrição de uma invenção destinada a obter ou a justificar os

direitos de propriedade industrial” (8)

(G) As normas poderiam ter um tratamento similar aos documentos legislativos, mas a

norma que temos estado a analisar autonomiza este tipo de documento.

(H) A música impressa é ainda outro tipo de referência bibliográfica.

Num ponto anterior colocámos a questão: devemos englobar o artigo de que só lemos

o resumo? Não devemos englobar o artigo mas podemos colocar o resumo (I) e ao

fazê-lo devemos seguir as normas estabelecidas para os documentos anteriores tendo-

se o cuidado em nota colocar “a indicação de resumo, a fonte de onde foi extraído e o

número de resumo” (30).

Designando com E o que é essencial, R o que é recomendável e F o que é facultativo

temos:

A1 A21 A22 B1 B2 B3 B41 B42 C F G H

Autor(es) E R R R E E E R E

Entidade Responsável R

Título E R R E E R E R E R R E

Sigla e Nº da Norma E

Complemento do Título R R R R R F R

Responsabilidade F F F

Responsabilidade Secundária F F F F F R

Autor(es) da totalidade E E

Título da totalidade66

E E E

Edição E E E E E E E E

Numeração F

Publicação E E E E E E

Local R R R R F

Editor F F F F R

Data E E E E

País E

Descrição Física R R R R F R

Designação tipo documento E E

Série F F F R F

Notas F F F F F E

ISBN/ISSN F E E E E E E E

Localização na totalidade E E E

Volume E

66 Neste quadro sintético designamos por “totalidade” a obra em que se insere uma certa parte

considerada (o artigo tem como totalidade a revista, o capítulo tem como totalidade o livro, etc.).

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 82/150 - Versão 01

Número E E

Ano E

Código de Classificação F

Área R

Placa de matrícula E

Grande parte dos elementos considerados já foram abordados quando do exemplo

inicial com base num livro. Explicitemos apenas que

a Área da norma serve para indicar a que aquela se aplica;

a Placa de Matrícula na música impressa é “o número de série atribuído pelo editor a

cada publicação musical para o seu registo e identificação” (8).

(Instituto Português da Qualidade 1998) refere-se a materiais não livro

(J) O documento icónico – “Documento cuja principal característica é a

representação de imagens a duas ou, aparentemente, a três dimensões.” (4) – cartaz é

o primeiro tipo de documento a ser considerado.

(K) O filme, entenda-se “fita de filme fotográfico”, em bobina (K1) ou em «loop»

(K2) são considerados separadamente embora tenham, aparentemente, o mesmo

tratamento bibliográfico.

(L) A microficha – "documento que necessita de ampliação para ser utilizado", “em

folha transparente, na qual as microimagens são apresentadas em grelha” – é o único

tipo de documento que necessita de ampliação apresentado nesta norma. Caso se

tenha utilizado outro tipo destes documentos há que estabelecer as semelhanças e

diferenças para a sua referência.

(M) Os registos de som e imagem, combinados ou isolados ocupam as referências

seguintes. A norma trata da multimédia (M1) – “Item composto por duas ou mais

categorias diferentes de material, em que nenhuma é considerada de primordial

importância e que,em geral, se destinam a ser usadas como um todo unitário” (5) – do

registo vídeo: cassete (M2), do registo vídeo: disco (M3), do registo sonoro: disco

compacto (M4), disco sonoro (M5) e cassete sonora (M6), embora só trate

explicitamente de alguns, admitindo-se que os restantes são situações similares.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 83/150 - Versão 01

(N) A referência seguinte é para o objecto, cuja imprecisão de significado aconselha

que comecemos por explicitar o que a norma designa por tal:

“Artefacto de três dimensões. O termo pode ser usado para designar um

objecto ou um conjunto de partes separadas.” (5).

(O) O diapositivo (O1) e a transparência (O2) são os dois tipos de projecção visual

considerados, sendo de admitir que o segundo segue as regras constantes do primeiro.

(P) Em todas as considerações anteriores considerou-se a totalidade da componente,

mas muitas vezes o que é utilizado é apenas uma parte (a banda sonora de um filme, o

vídeo de um multimédia, etc.) É esse aspecto que é tratado na parte final desta norma,

referindo explicitamente o registo sonoro (P1) e dando exemplos de documento

icónico (P2) e de projecção visual (P3).

Utilizando a terminologia e simbologia já nossa conhecida, temos a seguinte situação

síntese:

J K1 L M1 M2 M4 N O1 P1

Autor(es) E E E E E E E E R

Título E E E E E E E E R

Complemento do Título R R R R R R R R R

Responsabilidade Secundária R R R R R R R F

Autor(es) da totalidade E

Título da (totalidade) E

Responsabilidade secundária da totalidade F

Localizana na totalidade E

Edição E E E E

Publicação (Local, Editor, Data) E E E E E E E E E

Descrição Física

Designação específica E E E E E E E E E

Outras indicações físicas R R R R R R R R R

Dimensões F R F F F F F F F

Material acompanhante F F F F F F F F F

Designação tipo documento F F F F F F F F F

Série F F F F F F F F F

Notas F F F F F F F F F

Número normalizado F F F F F F F F F

(Instituto Português da Qualidade 2000) refere-se a documentos não publicados.

Os documentos expressamente considerados neste documento foram (Q1)

Documentos Impressos: Monografias e Publicações em série; (Q2) Cartas, ofícios,

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 84/150 - Versão 01

circulares, etc.; (R) Manuscritos; (S) Música manuscrita; (T) Materiais cartográficos;

(U) Materiais não livro: Diapositivos.

Eis um conjunto de documentos particularmente importantes em teses em que a

História seja uma disciplina relevante. Certamente que outros haverão, mas estes

funcionam como uma referência importante.

Mais uma vez podemos de uma forma muito sintética apresentar as recomendações

através do seguinte quadro: Q1 Q2 R S T U

Autor(es) E E E E E E

Título E E E E E

Complemento do Título R

Responsabilidade Secundária R

Numeração R

Referência E

Data E E E E E E

Acessibilidade E E E E E E

Descrição Física R R R

Designação específica E E

Outras indicações físicas F R

Dimensões F F

Material acompanhante F F

Designação tipo documento E E E F F

Assunto R

Série F

Escala E

Informação adicional da escala F

Notas F F E E F F

Identificador do documento E E E

Justificam-se alguns comentários adicionais:

Tratando-se de documentos não publicados a “acessibilidade” – “Local onde

se pode consultar um determinado documento.” (3) – assume uma importância

essencial.

A “numeração” em Q1 apenas se aplica às publicações em série.

Se existir um elemento identificador daquele este “Deverá transcrever-se tal

como se apresenta no documento.”

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 85/150 - Versão 01

(Instituto Português da Qualidade 2002) é o último documento actualmente existente e

trata dos documentos electrónico.

A relevância que os documentos electrónicos assumem, as confusões que por

vezes fazemos na sua utilização, a tendência para transpor mecanicamente o

que sabemos das “publicações tradicionais” para este novo tipo de

documento, justifica a releitura do prâmbulo desta norma, apresentado

quando discutimos o significado de bibliografia.

Registe-se que:

a fonte de informação não é o suporte electrónico mas um certo documento,

uma certa informação, que está nesse suporte magnético;

o acesso à informação nos documentos electrónicos é modular (não

dominantemente sequencial), onde as redes e os cruzamentos de saberes e

informações, onde os entrelaçamentos de disciplinas e de paradigmas, são

intensos;

os documentos em suporte magnético têm muitas especificidades formais.

Registe-se ainda que a grande quantidade de documentos electrónicos, sobretudo em

páginas web, têm frequentemente referências bastante mais difusas que os

documentos que estivemos a analisar até agora.

Esta norma refere-se primeiramente às “monografias, bases de dados e programas”

considerando estes como documentos completos (V1), sejam partes de documento

(V2) , sejam ainda contribuições em documentos (V3). Em cada uma destas situações

as monografias, as bases de dados – “Conjunto de dados estruturados armazenados

sob forma electrónica e acessíveis por computador” (4) – e os programas – “Conjunto

de instruções para a execução em computador de determinadas tarefas” (5) – têm

algumas especificidades.

As publicações em série constituem o segundo conjunto, enquanto documento

completos (W1) ou como “artigos e outras contribuições” (W2).

BBS(s) – “sistema de computadores no qual a informação emensagens respeitantes a

um determinado tema ou temas são disponibilizadas para visualização por utilizadores

remotos” (4) –, news groups – “serviço na Internet no qual a informação e mensagens

respeitantes a um determinado tema ou temas são disponibilizadas para visualização

por utilizadores remotos” (5) –, listas de discussão – “grupo de discussão sobre

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 86/150 - Versão 01

determinado tema ou temas através de uma rede informática entre os assinantes de

uma lista de correio electrónico, no qual as contribuições dos participantes individuais

são enviadas automaticamente por correio electrónico a todos os subscritores” (4) – e

mensagens constituem o terceiro conjunto, seja enquanto “sistemas completos de

mensagens” (X1) seja enquanto “mensagens electrónicas” (X2).

A norma pode ser especificada de forma resumida por

V1 V2 V3 W1 W2 X1 X2

Autor(es) E E E E E

Título E E E E E E E

Responsabilidade Secundária F F F

Autor(es) da totalidade E E

Título da (totalidade) E E E

Responsabilidade secundária da totalidade F

Edição E E E E

Tipo de suporte E E E E E E E

Publicação (Local, Editor, Data) E E E E E E

Data de actualização ou revisão E E E E

Data de consulta E/F E/F E/F E/F E/F E E

Disponibilidade e Acesso E/F E/F E/F E/F E/F E E

Série F F

Notas F F F F F F F

Número normalizado E E E E E

Numeração no documento F F

Capítulo ou designação equivalente F

Localização na totalidade E E E

Numeração no interior do sistema F

Localização no sistema de mensagens E

Quanto ao tipo de suporte recomenda-se que “o tipo de suporte electrónico deve ser

indicado entre parênteses rectos depois do título. Recomenda-se a utilização das

seguintes palavras ou equivalentes: [CD-ROM] [Disco] [Disquete] [Em linha]. Se se

desejar pode também precisar-se o tipo de documento: monografia, publicação em

série, programa, base de dados, mensagem, etc. Ex.: [Base de dados em linha]

[Monografia em CD-ROM] [Jornal em linha] [Programa em disco] [BBS em linha]

[Mensagem em linha] [Lista em linha] [Programa em disquete] [Resumo em CD-

ROM] [Revista em linha]” (21/2).

“Disponível em :WWW <URL:http://listas.sdum.uminho.pt>" ou “Também

disponível em versão Postscript em: <URL:

http://www.thomson.com/itcp/WebExtras>” são exemplos de informação sobre

disponibilidade e acesso.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 87/150 - Versão 01

Quanto à data de consulta a norma indica “no caso de documentos susceptíveis de

utilização frequente ou naqueles em que não tenha sido possível encontrar a data de

publicação deve ser referida a data em que o documento foi consultado precedida da

abreviatura consult. e entre parênteses rectos.” (19), mas na nossa opinião existe outra

razão importante para a referir: muitos dos documentos electrónicos estão em

frequente mudança e nada garante que o mesmo endereço electrónico tenha o mesmo

conteúdo (exista) quando foi consultado por quem elaborou a tese e quando foi

acedido pelo seu leitor. A referência da data de consulta funciona como garantia da

veracidade da informação constante na referência bibliográfica.

LLooccaalliizzaaççããoo ddaa bbiibblliiooggrraaffiiaa nnaa tteessee

Conforme o sistema de referência bibliográfica utilizada assim o local onde podemos

encontrar o conjunto das obras utilizadas para a realização do trabalho. É possível que

seja necessário, enquanto leitores, percorrermos as notas (colocadas no fim de página,

no fim do trabalho ou em qualquer outro local) para conhecer quais foram essas obras.

É possível que exista, para além doutros aspectos anteriormente referidos, uma

listagem bibliográfica. É dessa situação que trataremos muito singelamente neste

ponto.

Se o objectivo é facilitar a leitura das obras utilizadas a lista das referências

bibliográficas devem estar concentradas num único local do trabalho. Seria

desaconselhável, por exemplo, espalhar num livro a bibliografia pelos diversos

capítulos, mesmo que se pretenda referenciar os trabalhos utilizados em cada um

deles. E o local mais indicado para a colocar é o fim do texto. Tratando-se de uma

tese, situação que nos ocupa particularmente, no fim da tese. Se somos responsáveis

pela edição de uma obra que tem a contribuição autónoma de vários autores as

bibliografias devem estar no fim de cada um desses textos autónomos (artigos,

comunicações, por exemplo).

E o que se deve entender por fim do texto? Temos encontrado dois entendimentos:

(a) fim do corpo do trabalho, o que faz com que os anexos venham depois da

bibliografia:

“A apresentação de notas ao longo do trabalho não prescinde o registo

sistemático das referências bibliográficas consultadas ao longo do mesmo, ou

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 88/150 - Versão 01

ainda, e caso tenham sido consultadas, de fontes manuscritas, impressas,

computorizadas, ou outras. Vem sequencialmente, após a conclusão”

(SOUSA 2003, p. 65)

(b) fim da do trabalho, colocando-se a bibliografia depois de todos os anexos. Se for

hábito colocar no fim os índices, só estes iriam depois da lista bibliográfica.

Porque os anexos também podem remeter para bibliografia e porque é de mais fácil

localização pelo leitor esta parece-nos ser a solução mais adequada.

EEssttrruuttuurraaççããoo ddaa BBiibblliiooggrraaffiiaa

Já fizemos alusão ao facto de ECO sugerir que se distinga as fontes primárias das

fontes secundária, o que exemplifica:

“Non ci resta che aggiungere alcune istruzioni su come pub strutturarsi una

bibliografia. ?so.. ciamo l'esempio di una tesi su Bertrand Russell, La

bibliografia si suddividerà in Opere di Bertrand Russell e Opere su Bertrand

Russell (potrà ovviamente avere anche una sezione più generale di Opere

sulla storia della filosofia del secolo XX). Le opere di Bertrand Russell

saranno elenoate in ordine cronologico mentre le opere su Bertrand Russell

saranno in ordine alfabetico. A meno che il soggetto della tesi fosse Gli studi

_su Russell dal 1950 al 1960 in Inghilterra, nel qual caso, allora, anche la

bibliografia su Russell potrebbe giovarsi di un ordine cronologico.

Se invece si facesse una tesi su I cattolici e l'Aventino la bibliografia

potrebbe avere una divisione del genere; documenti e.atti parlamen tari,

articoli di giornali e riviste della stam pa cattolica, articoli s riviste della

stampa fascista, articoli e riviste di altra parte politica, opere

sull'avvenimento (e magari una sezione di opere generali sulla storia italiana

del periodo).” (ECO 1998, p.233/4)67

67 Tanto no original como na tradução portuguesa, que se apresenta de seguida” utiliza o sublinhado e

não o itálico pois essas páginas são reproduzidas directamente de texto escrito em velha máquina de

escrever:

“Só nos resta acrescentar algumas instruções sobre como se deve estruturar uma bibliografia.

Ponhamos como exemplo uma tese sobre Bertrand Russell. A bibliografia subdividir-se-á em Obras de

Bertrand Russell e Obras sobre Bertrand Russell (poderá evidentemente também haver uma secção

mais geral de Obras sobre a história da filosofia do século XX). As obras de Bertrand Russell serão

enumeradas por ordem cronológica, enquanto as obras sobre Bertrand Russell estarão por ordem

alfabética. A menos que o assunto da tese fosse Os estudos sobre Russell de 1950 a 1960 em Inglaterra,

caso em que, então, tambem a bibliografia sobre Russell poderia beneficiar com a utilização de uma

ordem cronológica.

Se, pelo contrário, se fizesse uma tese sobre Os católicos e o Aventino, a bibliografia poderia ter uma

divisao do género: documentos e actas parlamentares, artigos de jornais e revistas da imprensa

cató1ica, artigos e revistas da imprensa fascista, artigos e revistas de outros sectores políticos, obras

sobre o acontecimento (e talvez uma secçáo de obras geraís sobre a história italiana da epoca).” (ECO

1980, p. 200/1)

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 89/150 - Versão 01

Outros autores também admitem essa possibilidade:

“Em termos genéricos, todas as fontes, obras monográficas e publicações em

série consultadas, referidas ou não nas notas, devem ser agrupadas num item

designado por "Fontes e Bibliografia", ou só `Bibliografia", se não tiver

havido consulta de outras fontes.

Vejamos a seguinte sequência de apresentação, que recomendamos:

- Fontes manuscritas;

- Fontes impressas;

- Fontes iconográficas;

- Fontes computorizadas;

- Bibliografia (esta pode eventualmente ser dividida);

- Monografias;

- Periódicos.

Recentemente, os investigadores tiveram acesso a uma nova fonte de

informação que importa saber localizar: as fontes computorizadas, ou seja,

aquelas que podem ser obtidas através dos computadores. Vamos incluir

neste conceito os CD Roms, mas também, e sobretudo, os dados extraídos da

INTERNET. Em ambas as realidades, tal como nas restantes indicações das

fontes e bibliografia, impera o critério de ordenação alfabética.

Há quem complexifique este item, estabelecendo várias bibliografias de

acordo com os temas tratados. Se bem que prefiramos um agrupamento

unitário, tal subdivisão não é metodologicamente incorrecta, e tem até sido

utilizada por prestigiados investigadores. É uma questão de opção

metodológica. Há quem também inclua, o que sucede neste trabalho, uma

bibliografia temática, ou seja, uma bibliografia que inclui obras consultadas,

podendo igualmente dela constar estudos que não foram utilizados pelo autor

na feitura do trabalho, mas que se incluem na temática do mesmo.

Devia ainda ser observada, neste item, a sequência alfabética da ordenação,

seja, nas fontes manuscritas, dos diversos arquivos ou colecções onde se

encontram, e, nestes, por agrupamentos (ex.: no Arquivo Nacional da Torre

do Tombo, poder-se-ia colocar 1.º Chancelaria de D. José I; 2.º ; 3.º

Habilitações para a Ordem de Cristo; 4.º Habilitações para o Santo Ofício,

etc.). Na bibliografia, o critério alfabético é aplicado à primeira palavra ou

conjunto de palavras mencionadas (seja de autor ou título). No que diz

respeito aos artigos em publicações em série, devem ser incluídos os limites

extremos do mesmo (p. ex.: p. 5-29).” (SOUSA 2003, p. 65/6).

Todos esses critérios de decomposição da lista bibliográfica podem ser aplicados com

rigor, mas temos de ter consciência que

classificar não é fácil, e se por vezes o parece talvez seja porque não

reflectimos suficientemente sobre o problema e porque há hábitos adquiridos,

quiçá nem sempre correctos, sobre a matéria;

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 90/150 - Versão 01

não se deve introduzir critérios secundários no processo de decomposição; por

exemplo, uma monografia tem sempre as mesmas características seja editado

em papel ou electronicamente, e seria um erro sobrevalorizar, no conjunto das

suas características, o suporte em que se encontra;

muito frequentemente a distinção entre “obra do autor” ou “obras sobre o

autor”, entre “fontes manuscritas” e “fontes impressas”, entre “livros” e não

livros” é naturalmente feita seguindo em pormenor as recomendações

constantes das normas.

RReeccoommeennddaaççããoo

»» Analise cuidadosamente se a instituição para que está a redigir o trabalho

científico tem normas para as citações e referências bibliográficas. Se tem,

estude-as, analise a melhor forma de as aplicar e faça-o de forma cuidada.

»» Se não está vinculado a nenhum procedimento específico como condição

de publicação do seu texto preocupe-se em analisar quais são as práticas

habituais, o que certamente corresponde ao que as pessoas esperam de si.

Frequentemente esses hábitos reflectem o domínio de certos procedimentos

em certas áreas científicas. Atendendo aos “hábitos da instituição”, ao tipo de

obra que está a escrever e ainda aos seus gostos pessoais, faça uma opção.

Feita esta, deve segui-la escrupulosamente durante a primeira redacção do

trabalho.

»» Na revisão do trabalho estará em condições, se considerar oportuno, de

introduzir algumas “inovações” que considere adequadas. Contudo só o deve

fazer se for fortemente aconselhável e será bom que dedique algumas linhas

a justificá-lo.

»» Em todo esse processo tenha em conta as normas nacionais e

internacionais existentes, as quais podem ajudar a esclarecer o que é

essencial e secundário, a resolver situações de dúvidas. Se a obra é decisiva

no seu trabalho considere todos os elementos da norma, incluindo os

facultativos. Se não é decisivo considere o que é essencial e recomendável.

Esta diferença entre uma e outras exige acautelar para não se pôr em causa a

uniformidade de procedimentos.

»» Quando lhe surgirem dúvidas sobre qual o texto que deve ser destacado

numa referência bibliográfica pergunte a si próprio: qual o elemento que

servirá para o leitor encontrar este documento? Se for uma monografia será

essencialmente pelo título e autor que ele o encontrará na livraria. Logo o

título deve ser destacado. Se for um artigo de uma revista é essencialmente

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 91/150 - Versão 01

pelo nome da revista que o poderá encontrar numa livraria ou numa base de

dados bibliográfica, pelo que será aquele que deve ser destacado68

.

»» Sempre que seja possível – tão somente porque o sistema bibliográfico o

exige, ou porque não contraria essa possibilidade – apresente uma listagem

bibliográfica, dando-lhe o título adequado (já vimos esse assunto).

»» Se nada estiver esclarecido em contrário coloque as “referências

bibliográficas” no fim do texto, depois de todos os anexos.

»» Sempre que possível construa as referências bibliográficas sem qualquer

decomposição, lista única. Tal facto exige uma aplicação mais rigorosa das

normas.

»» Se algum conjunto de obras exige uma pormenorização de informação

maior (por exemplo, as “obras do autor” normalmente exigem que se recorra

às versões originais e que se indique tanto o que é essencial ou recomendável

como o que é facultativo) que as restantes alinhe pelas de maior exigência.

RReellaaççõõeess eennttrree oo TTeexxttoo ee aa BBiibblliiooggrraaffiiaa

Ao longo dos assuntos anteriores já analisámos com bastante minúcia os aspectos

formais de articulação entre a referência a um autor ou obra no texto e a indicação

bibliográfica. Pelos menos concluímos que é um assunto bastante estudado, que há

um conjunto de regras que combinam diversas cambiantes: epistemológicas

(explicitar o rigor da investigação), éticas (“o seu ao seu dono”), pedagógicas

(facilidade de acompanhamento pelo leitor), estéticas (sequências, tipos de letras,

etc.), institucionais (hábitos consolidados em determinados grupos), disciplinares (o

tipo de referências depende da disciplina) e até políticas (há normas homologadas

pelo Estado, por exemplo).

Não nos parece necessário voltar ao assunto, embora nunca fique tudo dito e, muito

menos, definitivamente. O que agora nos ocupa é mais uma preocupação de conteúdo:

em que circunstâncias é que se deve remeter para um autor ou uma obra? Que

cuidados deve haver com as transcrições ou as paráfrases? Como proceder se

conhecemos um autor através de outro autor? Merecerá ainda a pena falar um pouco

68 Tem que se reconhecer que a evolução dos motores de busca na Internet tornam as respostas menos

lineares.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 92/150 - Versão 01

do plágio, temática que é frequentemente abordada nos meios académicos e que tem

assumido internacionalmente uma crescente importância.

As duas primeiras situações que exigem uma referência para o autor do texto ou da

ideia são nossas bem conhecidas:

“Durante a redacção do texto (...) teve de referir trabalhos de outros autores,

que o ajudaram a fundamentar (teórica e empiricamente) os seus

enquadramentos, argumentos e comparações.

Essas menções podem ser feitas de duas maneiras: citando directamente as

linhas que lhe interessam desses autores (transcrição), ou integrando as

ideias ou afirmações dos autores no seu próprio discurso e, se este for o caso,

terá cometido uma paráfrase.

Ambos os métodos são legítimos para inserir no texto material de outros

autores, mas a paráfrase é mais difícil de praticar do que a transcrição, pois

implica uma fusão das afirmações de outros autores no nosso próprio

discurso, procedimento que exige uma subordinação do nosso pensamento ao

que outros escreveram. (...).

Em qualquer um dos casos deverá assinalar, no espaço imediatamente a

seguir à transcrição ou à paráfrase, que aquele pedaço não é seu.”

(SERRANO 1996, p. 114/5)

Em muitas outras situações pode ser aconselhar, mesmo exigível, remeter-se para um

autor: a utilização de uma terminologia própria de um determinado autor; o estar-se a

tratar de uma problemática, de um modelo ou de uma teoria que foi particularmente

tratada por alguns autores; a condução do leitor para obras que lhe permitirão

aprofundar um assunto.

TORRES coloca, a este propósito, uma questão interessante, a que não dá resposta:

“Lendo um autor, acontece por vezes que, ao virar de página, um conceito,

ideia ou imagem despertam uma intuição que podemos desenvolver. Não

fora a centelha desencadeada por essa leitura talvez não tivéssemos tido

"intuição" alguma...

Será excessivo "pagar" essa dívida com uma simples menção?” (TORRES

2000, p. 116)

Atrever-me-ia a responder negativamente: não, não é excessivo.

Optar pela transcrição ou pela paráfrase depende do estilo do autor, dos hábitos

institucionais, da combinação entre a fase de investigar e a de escrever. A paráfrase é

frequentemente mais agradável para o autor, mas há maior probabilidade de não se

assumir plenamente o que o autor disse. Em qualquer dos casos é necessário rigor e

correcto entendimento.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 93/150 - Versão 01

Em ciência todos os argumentos só são válidos enquanto não forem reconhecidos

como falsos, todos os argumentos estão sujeitos à crítica, à verificação experimental, à

confrontação com os modelos construídos. O argumento de autoridade (X disse, logo

há que aceitar como verdadeiro) é irrelevante. A história das ideias revela com

facilidade a importância da crítica metódica, tão magistralmente apresentada por

Descartes.

Mas há, na produção e difusão científica o reverso da medalha. Em muitas situações a

validade de um modelo ou experiência depende da aceitação pela comunidade

científica. A verdade não resulta do confronto com o objecto que se pretende

descrever e interpretar. O poder social e institucional de um paradigma em relação a

outros pode não resultar de uma superioridade epistemológica – provavelmente nem

se poderá por assim o problema –. mas antes ser a expressão da correlação de forças

social e da forma como esta é validada pela “comunidade científica”, em que os

“colégios invisíveis” têm, por vezes, uma função decisiva69

.

Contrabalançamos entre a ausência de validade ou o seu reconhecimento no caso dos

argumentos de autoridade. É nesta oscilação que as transcrições de autores

reconhecidos numa tese assume a função de “escudo invisível” contra as críticas. É

mais frequente nas teses de literatura e ciências da realidade humana, menos nas

ciências da realidade física, menos ainda das ciências lógico-matemáticas.

69 Recorde-se as palavras contundentes de DEMO, ao tratar exactamente “O Argumento de

Autoridade”:

Embora autoridade não seja, por ela mesma, argumento algum, não se pode desconhecer o

fenômeno constante de que a evocação de certas autoridades desperta imensa respeitabilidade.

Para muitos, uma análise científica repleta de citações de Marx, Weber, Platão e Fernando

Henrique será considerada especialmente científica, em vista do apelo a tais autoridades. A

mesma análise, elaborada de próprio punho exclusivamente, poderá ser tachada de

diletantismo de principiante. Escrevem-se obras para justificar alguma atitude dúbia de um

mestre - por exemplo, problema da anomia em Durkheim, da neutralidade em Weber, do

determinismo científico em Marx, do isomorfismo em Parsons -, que se pode passar por um,

momento de rara profundidade intelectual, deslocando-se então a dubiedade do mestre para o

intérprete; neste, porém, se não for célebre, a dubiedade será declarada simplesmente de

dubiedade. Talvez seja um dos pontos mais infantis da produção científica o apego exagerado

à crendice na autoridade, o substituto moderno e elegante da justificação dogmática, típica da

abordagem teológica. As ciências sociais estão repletas de monstros sagrados que estereotipam

o trabalho científico preconceitualmente. (DEMO 1981, p. 29)

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 94/150 - Versão 01

ECO (ECO 1998, p. 170/7; 1980, p. 152/9) enuncia dez princípios orientadoras das

citações que podem ser tomados como ponto de partida para algumas recomendações

sobre a matéria, tendo também em conta a contribuição de outros autores e a nossa

experiência70

.

1ª) As transcrições podem ser curtas ou longas, tendo cada um destes tipos as

suas formas próprias.

Que podem ser curtas ou longas não é surpresa para ninguém. A questão coloca-se no

estabelecimento das fronteiras. Há diversas opiniões entre 3 e 10 linhas, sem

pormenores de especificação da sua dimensão em palavras ou caracteres. Uma

referência frequentemente aceite e tão válida ou inválida quanto qualquer outra: três

ou menos linhas é uma citação curta, mais do que três é uma citação longa. O que está

em jogo é apenas a apresentação a dar à transcrição, de forma a corresponder à

preocupação de separar claramente o que é de nossa autoria e o que é dos outros. Se

for uma citação curta é integrada na sequência do texto, havendo o cuidado de a

colocar entre aspas (“”) e citando autor. Se é uma citação longa deve destacar-se do

restante texto, aumentado a margem do lado esquerdo.

Nunca podemos perder de vista que “la tolerancia es un valor perteneciente a la ética

de la convivencia” (VINUESA, 2000: 225) pelo que deve ser analisado nos contextos

sociológico, da convivência entre os homens, e da moral, valores de conduta humana.

Esta é uma citação curta, integrado no texto que estamos a escrever.

Contrariamente ao que se poderia admitir o funcionamento da democracia faz apelo a

outros aspectos diferentes da tolerância:

“Por otra parte, libertad e igualdad, en una sociedad democrática, implican el

derecho del otro a tener sus propias opiniones, a expresarlas abiertamente y a

actuar de acuerdo con ellas, siempre que nada de ellas interfiera en el

70 Não seguimos a ordem de ECO. Agregamos recomendações diferentes.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 95/150 - Versão 01

derecho de los demás. Pero esos derechos y libertades no equivalen a la

tolerancia; son ajenos a ella. El ejercicio de los derechos efectivos del otro no

motiva ni requiere mi tolerancia, sino mi propia subordinación o sujeción al

ordenamiento jurídico. Nadie tolera los derechos y libertades de los demás.”

(VINUESA, 2000: 265)

Creio que desta forma fica mais claro ...

Esta é uma citação longa, que mereceu o devido destaque.

Se todos os autores estão de acordo com a forma de apresentar as citações curtas, o

mesmo não se passa com as longas. No caso anterior não só de aumentou a margem

esquerda como se reduziu o espaçamento entre as linhas, mas segundo alguns autores

não deveria haver essa diferença entre o que é nosso e o que é dos outros. No caso

anterior, colocámos aspas no início e no fim, mas outros autores consideram que tal

não é necessário (o que concordamos, apesar de usarmos) e outros ainda consideram

categoricamente que não se deve usar aspas, pois já basta a diferente apresentação.

Para além do procedimento aqui adoptado poderíamos ter utilizado outros

expedientes, já que o essencial é garantir uma clara diferença entre o nosso texto e o

dos outros: aumentar também a margem do lado direito; ter um maior espaçamento

entre o nosso texto e a transcrição no início e no fim ou só no fim; utilizar o mesmo

tipo de letra mas com caracteres mais pequenos; ou usar outro tipo de letra.

Se não existem normas estabelecidas na instituição onde está a elaborar a tese ou na

revista para onde está a enviar o artigo – o que é pouco provável – faça como melhor

entender, procurando sempre soluções simples e de formatação habitual. A surpresa

do leitor por qualquer forma de apresentar mais extravagante não é um elogio mas

uma crítica.

SERRANO (SERRANO 1996, p. 119) recorda que há outros aspectos a que se deve

atender:

“Embora a distinção entre transcrições curtas e transcrições longas se baseie

fundamentalmente na sua extensão, este não deve ser o único critério usado

na opção entre umas ou outras. Outros factores merecem ser considerados:

* Homogeneidade: Se, por exemplo, decidiu que vai considerar transcrição

longa todas aquelas que ocupam mais do que quatro linhas de texto,

mantenha o critério uniformemente ao longo de todo o trabalho e não

apresente citações de três linhas destacadas do texto;

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 96/150 - Versão 01

* Finalidade: Se as transcrições possuem uma relativa autonomia em relação

ao texto do autor ou se destinam a ser analisadas comparativamente,

apresente-as todas entalhadas, incluindo aquelas que possuem apenas uma ou

duas linhas de extensão;

* Atenção do leitor: Um número demasiado grande de transcrições longas

distraem o leitor e, quase inevitavelmente, levam-no a saltar essas partes do

texto (33). De igual modo, um trabalho repleto de transcrições de tamanho

desigual (curtas e em texto; longas e destacadas) levará à dispersão do leitor

e neste caso o melhor é apresentar todas as transcrições incluídas no correr

natural do texto, mesmo que tenham mais do que dez linhas (25).”

2ª) “As citações devem ser fiéis”

Parece uma afirmação tão facilmente compreensível que pareceria desnecessário

estarmos a referir. E no entanto não é tão simples quanto aparenta e é um princípio

multifacetado.

Em primeiro lugar coloca-se o problema da língua em que devem ser feitas. Se as

citações devem ser fiéis, se uma tradução é sempre uma adaptação ou recriação, as

transcrições devem ser feitas, em princípio, na língua em que estão escritas.

Colocámos “em princípio” porque a aplicação desta regra tem graus da aplicabilidade

diferente conforme as circunstâncias e têm que ser adaptadas a diversos aspectos.

Quando se estuda a obra (literária, filosófica) de um autor estrangeiro é quase

imprescindível lê-lo na língua original e as transcrições devem ser na língua original.

Como seria possível alguém estudar a obra de Pablo Neruda sem o ler em espanhol?

Mas surgem muitas outras situações similares. Será possível alguém estudar a

sociedade chinesa (independentemente da disciplina que se utilize) numa determinada

época histórica sem saber chinês? Se assim fosse apenas seria capaz de conhecer o

que os outros dizem sobre a China e nunca seria capaz de trabalhar a opinião dos

próprios chineses (mesmo que em épocas mais recentes comecem a surgir textos de

autores chineses escritos em inglês). Em síntese em diversas situações é

imprescindível ler textos em línguas estrangeiras (originais ou traduções que

consideramos fidedignas) e se elas são importantes, como nos exemplos anteriores,

para a investigação a tese deve reproduzi-los na língua original. Admitindo que

existem leitores que não conhecem suficientemente essas línguas há toda a

conveniência de em nota apresentar a tradução para a língua em que está escrita a

tese.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 97/150 - Versão 01

Citar na língua original em que está escrita o texto que transcrevemos e apresentar em

nota a sua tradução parece ser o princípio que mais razoavelmente se deve aplicar em

todas as situações.

Contudo não podemos nunca perder de vista a quem se destina o documento que

redigimos. Se numa tese, de mestrado ou de outro tipo, esse princípio pode ser

aplicado em absoluto, num livro para o grande público tal procedimento surgiria

enfadonho e tenderia a afastar muitos leitores. Então pode-se justificar apresentar a

citação na nossa língua e colocar o texto original em nota ou anexo ou tão somente

apresentarmos apenas a tradução. A referência bibliográfica, que mostra claramente

que se tomou como referência uma obra estrangeira, indica implicitamente que

procedemos à tradução do texto original.

Na nossa opinião tudo o que dissemos anteriormente se aplica a variantes da mesma

língua, apenas com a especificidade de nunca se justificar a “tradução”. Quando muito

pode justificar-se uma qualquer referência à nacionalidade do autor se, e só se, tal não

ressaltar claramente da referência bibliográfica71

. Se se deve respeitar ao máximo a

obra de onde estamos a fazer as citações é necessário que:

assinalemos a supressão de uma qualquer parte do texto colocando (...) ou

[...] em sua substituição.

assinalemos eventuais alterações introduzidas; por exemplo, se

consideramos que uma determinada frase deve ser assinalada porque é

importante para o nosso trabalho, podemos coloca-la em itálico mas colocando

logo de seguida [itálico nosso].

os comentários nossos no meio de uma citação devem ser reduzidos ao

mínimo indispensável e devem ser sempre feitos entre [ ].

E se o texto que estamos a transcrever tem um erro (factual, lógico ou

ortográfico)? Na grande maioria das situações basta colocar logo a seguir ao erro

[sic], que significa «deste modo», o que transmite ao leitor que estamos a seguir

estritamente o que estava escrito, que nos apercebemos do erro e que alertamos disso

71 Se, por exemplo, estamos a transcrever um autor brasileiro devemos fazê-lo com o grafismo

brasileiro utilizado pelo autor.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 98/150 - Versão 01

o leitor. Se se trata de um erro ortográfico pode-se a seguir à palavra errada colocar

[palavra certa].

Permitam-me ainda que, a este propósito, retomemos um assunto já abordado. Se eu

estou a fazer a citação de um texto que está numa certa página (chamemo-lhe X) do

livro que tenho na mão, é este livro que tenho que referenciar na bibliografia.

Provavelmente a mesma obra publicadas por outros editores ou por este noutras

edições, tem essa mesma citação noutra página. Assim o rigor da informação obriga-

nos a colocar na referência bibliográfica este livro que temos na mão, incluindo a sua

data de edição. É assim que está certo: depois da citação colocamos uma referência

para a obra que está indicada na bibliografia. Se o sistema utilizado implica colocar

(AUTOR, data, página) podemos ter situações como (ARISTÓTELES, 1987, 23),

(GALILEU, 2004, 15) ou (RICARDO, 1963, 231). Se o leitor perceber claramente

que se trata da data de edição tudo é claro, mas se associar erradamente a data à

eventual criação da ideia, as confusões podem ser muitas. Se receamos estes

equívocos, ou utilizamos um dos outros sistemas bibliográficos atrás analisados ou na

referência bibliográfica no fim do trabalho acrescentamos alguma informação sobre a

data em que essa obra foi inicialmente escrita72

.

3ª) “De todas as citações devem ser claramente reconhecíveis o autor e a fonte” e

a “referência ao autor e à obra deve ser clara”

Tudo o que dissemos sobre os sistemas de referência bibliográfica tem por objectivo a

resposta a esta regra e já verificámos há diversas soluções possíveis e, todas elas,

inteiramente satisfatórias.

Implicitamente verificámos igualmente que é incorrecto começarmos por referir que

em determinado assunto seguimos de perto um autor e depois utilizarmos frases e

ideias dele sem uma referência explícita à sua autoria e localização.

72 Um apontamento final. Se utiliza o scanner e algum programa de OCR (programa de reconhecimento

dos caracteres ortográficos) para fazer as transcrições não confie demasiado na técnica e não deixe de

fazer a revisão dos textos obtidos.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 99/150 - Versão 01

Refiramos apenas uma situação que é frequente ponto de confusão: faz-se uma citação

de Y porque no livro de X está essa citação que consideramos interessante para os

nossos propósitos. No fim da citação indico o autor Y ou X?

Esta é uma questão frequentemente colocada. Contudo antes de formularem esta

pergunta haveria uma outra, mais importante, que deveriam formular e à qual deviam

responder: é legítimo tomar em consideração, utilizar, citar um autor que não

consultamos, de que só conhecemos os seus textos através de outro?

A resposta pode ser diferente conforme as circunstâncias: (1) se a posição de Y é

importante para o nosso trabalho devemos consultar directamente a obra de Y; (2) se a

posição de Y não é importante para o nosso trabalho pode ser suficiente conhecê-la

através da obra de terceiros, mas não teremos necessidade em citá-la. Contudo há

algumas situações que não apresentam esta clareza e que exige encontrar soluções

hábeis: se é importante, mas não conseguimos ter acesso ao original73

? Então pode ser

legítimo ou conveniente utiliza-lo, apesar de só o conhecermos através de terceiros.

Mas ao fazermos devemos sempre explicitar que a nossa fonte é outro autor, é outra

obra:

Segundo SIMÕES “...” (ALCIBIADES, 1974: 37)

Tenha-se sempre em atenção que “...” (SIMÕES, in ALCIBIADES, 1974: 37)

Tenha-se sempre em atenção que “...” [6]74

Tenha-se sempre em atenção que “...”k

________________

k Afirmação se SIMÕES em A lenda do cavaleiro maldito citada por ALCIBIADES, Lendas

Maléficas, (... restantes informações)

Devemos fazê-lo por honestidade intelectual (“o seu a seu dono”) e para nossa própria

defesa: quem nos garante que a transcrição está correcta? quem nos garante que

73 Esta dificuldade de acesso pode ter diversas razões. A obra citada pode ser um livro que é

relativamente raro e difícil de encontrar, pode ser um manuscrito que se encontra geograficamente

longe, não está digitalizado e a instituição que o possui não fornece fotocópias, pode ser um disco em

vinil que há muito está fora do mercado, etc.

74 [6] refere a obra de ALCIBIADES.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 100/150 - Versão 01

aquele autor disse efectivamente aquilo? Certamente ficaria espantado com as

desonestidades que existem nestas matérias!

Sublinhemos o que é essencial: Deve-se utilizar os autores importantes em primeira

mão. Mais, “As citações de fontes primárias são feitas, na medida do possível,

com referência à edição crítica ou à edição mais reputada [carregado da nossa

responsabilidade]” (ECO 1980, p. 154)

4ª) Citar apenas trabalhos relevantes

Mais uma afirmação de simples bom senso. Se estamos a citar um autor é

provavelmente porque

1. a(s) sua(s) obra(s), as suas formas de comunicação, são nosso objecto de

estudo e consideramos útil fornecer ao leitor as posições que vamos apreciar

para que ele possa acompanhar-nos mais fácil ou criticamente;

2. é o autor de uma ideia que é relevante para o nosso trabalho e consideramos

por alguma razão (por uma “questão de justiça”, porque “melhor que ninguém

o autor soube apresentar a ideia”, porque temos receio de não interpretarmos

fielmente o que nos deixou, etc.) que é conveniente reproduzi-lo;

3. pretendemos mostrar ao júri, aos leitores, que não estamos sozinhos num

determinado tipo de posições e que outros autores corroboram as nossas

ideias;

4. admitimos que num trabalho interdisciplinar recorramos a diversas áreas do

saber que serão desconhecidas de uma parte dos leitores75

.

75 Se estou a escrever um trabalho de linguística admito que os meus leitores têm alguma formação em

linguística e que, portanto têm por adquirido, por exemplo, a diferença entre “língua” e “linguagem”.

Contudo se a temática ou a forma de a abordar é interdisciplinar poderei ter leitores que têm uma

formação disciplinar muito diversa (Física, Biologia, Economia, Filosofia) e que desconhecem aquela

“pequena” diferença essencial. Então eu posso sentir a necessidade de elucidar um pouco mais o leitor,

tendo o cuidado de não escrever um livro dentro de outro livro. Como proceder? Há diversas formas,

frequentemente complementares:

inclusão de um glossário em anexo;

alertar para o problema numa nota e remeter o autor que desconhece a diferença para algumas

obras fundamentais;

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 101/150 - Versão 01

Não se excluem outras situações, mas certamente se exclui fazer uma citação para

nela colocar o que todos sabem, o que é já do conhecimento corrente, o que é banal.

Um amigo dizia, com razão, que várias citações em teses são do tipo “como disse X o

dia tem 24 horas” ou “como refere L. Testut ‘o corpo humano divide-se em cabeça

tronco e membros’.” (SERRANO 1996, p. 115). Se na maior parte dos trabalhos esta

“citacidite” não surge, nos trabalhos académicos e sobretudo em teses, esta “doença”

ataca frequentemente, atingindo até investigadores que pareciam de boa saúde.

5ª) “Os trechos objecto de análise interpretativa são citados com uma extensão

razoável”

Este é corolário de alguns aspectos já anteriormente referidos. Se estamos a trabalhar

sobre um poema, sobre um romance, sobre uma partitura, sobre um filme76

, sobre uma

obra específica; se admitimos que pode haver dúvidas sobre o que o autor estudado

efectivamente realizou; se é aconselhável fornecer ao leitor o essencial das fontes

primárias estudadas, então devemos citá-lo, obviamente de forma clara.

Frequentemente a clareza pressupõe apresentar o texto e (uma parte d) o contexto.

Estas situações conduzem ao que se afirma em epígrafe.

Contudo, se a afirmação é demasiado longo, e não consideramos conveniente fugir a

essa situação, devemos remeter a citação para um anexo e no corpo do texto manter o

mínimo indispensável.

6ª) “A citação pressupõe que se partilha da ideia do autor citado, a menos que o

trecho seja precedido e seguido de expressões críticas”

Mais uma afirmação óbvia.

colocar em anexo alguns extractos de obras que permitam o leitor obter uma primeira

informação correcta sobre o assunto

etc.

76 Neste caso poderíamos estar a falar de uma tese que em vez de assumir a forma escrita tradicional

assumisse a forma multimédia (se a lei o permitir!)

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 102/150 - Versão 01

Faz sentido citarmos um autor que tem as mesmas posições que nós sobre um assunto,

ou semelhantes, apesar dos perigos do argumento de autoridade.

Não faz sentido, por exemplo, estar a defender a tese que o Senhor X é o melhor

treinador de futebol mundial e sem mais colocar a citação de uma obra que defende

que o melhor treinador é, indubitavelmente, o Senhor Y. A apresentação desta posição

divergente, só se justifica se eu a utilizar para a criticar, se a utilizar para reforçar as

minhas posições.

Muitas vezes a referência a autores que têm posições diferentes das nossas faz parte

de uma estratégia de autodefesa ou de convencimento do leitor. Por exemplo, se

sabemos que há forte probabilidade de um certo académico estar no júri da prova de

doutoramento e conhecemos que existem fortes divergências entre nós e ele, porque

não “fazer uma jogada de antecipação” e tecer a crítica a autores que lhe são

queridos? Se sabemos que a nossa interpretação de uma dado fenómeno social não é o

apresentado habitualmente pelos meios de informação e que a opinião pública é

diversa, porque não, aqui e além, partir dessas posições generalizadamente aceites

para mostrar a sua inconsistência?

Em algumas circunstâncias a forma do documento em elaboração pode ser bastante

ajustada a este tipo de preocupações.77

7ª) Uma citação pressupõe a nossa capacidade de demonstrar que os autores

referidos são dignos de crédito e que as citações também.

Um “intelectual da nossa praça” dizia-me que em polémicas em que começa a ser

difícil defender as suas posições afirma com ar sério e convicto “Como disse Senhor

K, ...”. O truque resultava apesar do Senhor K não existir, ter sido inventado por ele

na ocasião. E acrescentava: “nunca ninguém se atreveu a perguntar quem era o senhor

K; as pessoas têm receio de mostrar ignorância”. Aqui está uma atitude altamente

repreensível em todos os aspectos mas que mostra a importância deste princípio.

77 Recordem-se os diálogo de Platão e como eles são particularmente ajustados para “esgrimir

argumentos”, para partir de posições contrárias às nossas e mostrarmos a maior correcção destas. Não

serão alguns romances magistrais obras sociológicas, conseguindo conduzir o leitor para posições que

dificilmente alcançariam de outro modo?

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 103/150 - Versão 01

Não só as citações devem ser de autores existentes, como de autores que merecem

toda a credibilidade. Por outras palavras, o autor citado foi seleccionado entre vários

em resultado de um processo de investigação; não foi o acaso que levou a

encontrarmos uma determinada obra que utilizámos. Sabemos que as nossas

capacidades de leitura e a razoabilidade de referências bibliográficas e de citações faz

com que ao optarmos por alguns autores estamos a colocar outros de lado: não basta

sabermos o que ganhamos com esses autores, mas também o que perdemos em não

utilizar outros (o que os economistas chamam “custo de oportunidade”).

Também devemos estar em condições de defender a nossa escolha entre as diversas

versões, revisões e edições de uma determinada obra. Porque escolhemos a gravação

da Nona Sinfonia de Bethoven dirigida por um determinado maestro, gravada por uma

determinada editora num determinado ano? Porque escolhemos uma determinada

publicação e edição da Critica da Razão Pura de Kant?

Nada deve acontecer por acaso. Tudo deve ser o resultado criterioso das opções que

mais se ajustam à investigação que pretendemos realizar.

Se as regras anteriores forem seguidas escrupulosamente há menor probabilidade de

plágio, mal ele pode continuar a existir, até porque tanto pode surgir na citação como

na paráfrase como ainda no texto original que escrevemos.

Este tema exige algumas considerações adicionais, até porque

“Os critérios que separam uma utilização legítima e frutuosa do trabalho de

outrem de um plágio infame são ligeiramente (só ligeiramente) diferentes de

época para época, de sector para sector. Os professores de literatura ensinam-

nos que em épocas passadas era frequente, e era considerado normal,

reelaborar assuntos e temas já desenvolvidos por outros autores (a famosa

contaminatio). Hoje pensa-se de maneira diferente. O que está agora

consolidado é o princípio de que também existe uma propriedade intelectual

e de que não é lícito desfrutar o trabalho resultante do engenho de outro sem

se pedir a autorização do autor e sem se dividir com ele (ou com os seus

herdeiros) os benefícios morais (e materiais). Nem sempre aquilo que é

estritamente legal é também moralmente lícito.” (PALMARINI 1992, p.

273/4)

A interpretação do que é plágio alterou-se ao longo dos anos, mas o que conta para

nós é a situação actual. E o seu significado é claro. Plágio é “roubo literário ou

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 104/150 - Versão 01

científico”, “acto ou efeito de plagiar”; plagiar é “apresentar como seu aquilo que

copiou ou imitou de obras alheias” (COSTA and MELO 1994, p. 1407).

Se por vezes os dicionários não são suficientemente adequados para determinadas

abordagens, estas explicitações são bastantes ajustadas e precisas. Partindo delas

começaríamos por referir dois aspectos:

Não há qualquer referência à intencionalidade.

Trata-se do roubo de uma ideia, que pertence aos campos literário ou

científico, e não de um texto.

A ausência de referência à intencionalidade nas definições é importante, porque o

argumento mais habitual utilizado pelo plagiador é “não era minha intenção”, “foi um

descuido involuntário”, “não me apercebi que estava a fazer plágio”. Já encontrámos

argumentos mais descarados (“como poderia fazer a tese se não recorresse às ideias

dos outros?”; “nunca admiti que percebesse que esse texto não era meu”, etc.) e até

construções maquiavelicamente montadas (onde o plágio era bastante mais difícil de

detectar), mas na maioria das situações o plágio resulta de improvidências, que podem

ser de diversos tipos:

(1) Atreveu-se a fazer uma tese, a elaborar um trabalho científico, sem nunca se ter

preocupado em ler algum trabalho sobre metodologia da investigação e técnicas de

redacção, orgulhosamente ignorantes da sua ignorância, admitindo que um tal

trabalho é um simples prolongamento dos trabalhos que realiza no seu local de

trabalho (onde frequentemente também há plágio, mas que não tem sanção). No

extremo desta situação o pretenso investigador nem sequer sabe o que é plágio, que

ele existe e que evitá-lo deve ser uma das suas grandes preocupações.

(2) Pensam que o plágio refere-se exclusivamente às citações. Então substituem

espontaneamente esta pela paráfrase e julgam que estão libertos da obrigação de

referir o autor da ideia. Não se apercebem de duas coisas importantes: (a) o plágio

refere-se à ideia; (b) as referências bibliográficas não reduzem a importância do seu

trabalho (“afinal, as ideias que apresentam não são dele”), mas, antes pelo contrário,

aumentam-na (“fez uma boa investigação”, “soube aproveitar o que já tinha sido

descoberto”, “teve honestidade intelectual”, “comportou-se com modéstia”)

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 105/150 - Versão 01

Se tivesse copiado

“Já no que respeita à poesia o discurso é muito diferente, estando hoje tão

posta de parte na vida quotidiana que se tornou um «objecto de consumo»

quase exclusivamente escolástico.”

talvez se sentisse na obrigação de citar o seu autor, mas se optou por escrever

no que se refere à poesia a situação é bastante diferente, pois ela não faz parte da

nossa vida quotidiana, pelo que se tornou um bem de consumo, usufruído

escolasticamente

considera que o texto já é seu.

(3) Foi um estudioso criterioso e atento e fez fichas de leitura das obras lidas. Nessas

fichas de leitura colocou, sem uma ordem pré-estabelecida, um resumo da obra,

algumas das citações que considerou mais relevantes – colocando a indicação da

página de onde as tirou – e comentários seus. Contudo não foi suficientemente

minucioso e houve uma citação em que não colocou o número da página. Porque esse

era o único elemento diferenciador entre as citações e os seus comentários, quando

passados anos ou meses repegou na ficha de leitura admitiu que era uma apreciação

sua.

(4) Teve consciência que a ideia utilizada era de outro, mas como essa ideia foi obtida

por um processo diferente da leitura (opinião de um especialista, entrevista na rádio,

etc.) teve dificuldade em explicitar quem lhe transmitiu. Perante a dificuldade, perante

esse entendimento restrito de bibliografia, quiçá admitindo que a ausência de escrita

diminuiria os seus riscos, “deixou cair”.

Eis algumas situações de plágio que não são “inteiramente intencionais”, mas que

objectivamente são tão graves como as intencionais. Assim como a ignorância da lei

não justifica o seu incumprimento, também a ausência de intencionalidade não

justifica o seu perdão. Quando muito poderá permitir um comportamento diferente da

parte do orientador na fase de investigação e redacção.

Temos de ter clara consciência da gravidade que hoje representa o plágio:

“Nos meios académicos, o plágio é uma ofensa muito séria; só a invenção de

dados é considerada mais grave. Quando o plágio é comprovado numa

universidade de prestígio, a sanção é única: professores são demitidos,

graduados perdem seus diplomas, e estudantes são expulsos (...). Fora da

academia, o plagiário arrisca-se a cair no descrédito e a ser levado perante o

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 106/150 - Versão 01

tribunal face a exigências para compensar o autor legítimo pelos danos

sofridos” (COUGHLIN and LANGA 1997, p. 220)

Acrescente-se ainda – na medida em que o aumento da probabilidade de o ladrão ser

apanhado aumenta o seu receio em roubar – que é bastante fácil detectar que estamos

perante um plágio (pelo estilo da escrita, pela terminologia, pelo assunto tratado e seu

enquadramento, por transmitir uma informação que não pode resultar da investigação,

etc.), embora seja por vezes mais difícil detectar donde foi feito (uma ideia não

apresenta o princípio da exclusão: a utilização por um não impede a utilização por

outro, antes pelo contrário!). Contudo também a sua detecção é quase sempre possível

e hoje há alguns meios bastante eficientes para o conseguirmos.

Fujam, pois, do plágio como “o diabo da cruz”.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 107/150 - Versão 01

AA0022:: RRuuddiimmeennttooss ddee ttrraattaammeennttoo qquuaannttiiffiiccaaddoo7788

EExxeemmppllooss iinniicciiaaiiss O que se pretende com estes exemplos, antes de um tratamento um pouco mais

sistemático dos conceitos é familiarizar os leitores, sobretudo os menos habituados a

estas questões, com diferentes situações que a investigação coloca.

Se se começa a introduzir conceitos e métodos de tratamento da informação,. a

ensinar algumas técnicas de manuseamento informático, o decisivo é chamar a

atenção para o que é importante na investigação, que decisões metodológicas

quantitativas devemos assumir.

EExxeemmpplloo 11 –– PPrreeccaavveerr--mmee ccoomm oo RR

Ao longo da nossa investigação vamos defrontar-nos muitas vezes com a necessidade

de recolher informação, tratar a informação e guardarmos os resultados obtidos.

Muitas vezes estes serão parcial ou totalmente englobados na tese, no corpo do texto,

em notas ou em anexos, mas muitas outras servirão apenas de suporte para ideias que

apresentamos.

É sempre possível fazer os cálculos manualmente ou utilizando uma máquina de

calcular, mas todos estaremos de acordo que não é o processo hoje mais adequado. Os

computadores são um indispensável instrumento de trabalho. É certo que termos de

aprender a funcionar com o computador, termos de aprender a trabalhar bem com o

sistema operativo e ainda termos de aprender a manusear bem um programa

específico exige tempo, exige esforço, exige desviar-nos temporariamente da nossa

preocupação de investigar os documentos e os dados, de escrever a tese, mas toda

“essa perda de tempo” é, contrariamente ao que pode parecer, um enormíssimo ganho

de tempo79

. Mais, de algo que se ganha para toda a vida e não apenas para o período

em que se está a elaborar a tese.

78 Todo este ponto conta com a prestimosa colaboração de Luís Torgo, especialista do programa R. É

dele a autoria de todos textos referentes a esse programa.

79 Continuamos a recorrer aos exemplos, porque eles têm uma nitidez muito grande. Quando me

licenciei (1971) o meu primeiro trabalho foi calcular a sazonalidade de algumas séries de produção e

venda de alguns bens. Calcular a sazonalidade significa determinar padrões típicos de evolução dos

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 108/150 - Versão 01

Estejamos, pois, convencidos, da vantagem em funcionar bem com um programa de

tratamento da informação quantificada. Vamos optar que um programa que tem as

vantagens acumuladas se ser de grande qualidade, aplicar-se a uma multiplicidade de

situações, é pouco exigente quanto ao equipamento em que pode ser instalado e é

gratuito.

Podemos precavermo-nos desde já.

PPoorrqquuêê eessccoollhheerr oo RR??

O R é uma linguagem e ambiente para computação estatística. Uma das características

que o tornam mais atractivo é o facto de ser completamente gratuito e ser um software

de código aberto. Quer isto dizer que qualquer utilizador, caso esteja interessado, pode

inspeccionar, alterar e usar o próprio R bem como as centenas de extensões que

existem para trabalhar com ele. Esta característica torna-o bastante atractivo pois

garante uma grande adaptabilidade às necessidades do utilizador.

Por outro lado este programa está disponível para todos os principais sistemas

operativos e arquitecturas de computadores, desde os tradicionais PC com Windows a

computadores Apple com o sistema operativo MacOS, passando por estações de

trabalho com sistemas operativos tipo Unix (e.g. Linux).

Por fim, e de um ponto de vista mais científico, o facto de todo o código que constitui

este software estar disponível, permite a qualquer pessoa verificar a validade do

mesmo, originando assim uma saudável detecção de eventuais erros ou incorrecções

dados ao longo dum ano (trabalhando com dados, por exemplo, diários). O que interessava não era

apenas determinar essa sazonalidade mas retirá-la das séries de dados de forma a fosse possível analisá-

las sem esse “ruído”. Usando uma máquina de calcular mecânica de roldana (a primeira máquina de

calcular elctrica seria comprada por mim em França três anos mais tarde), demorei cerca de seis meses

de trabalho.

Alguns anos depois (1975), defrontado com problema similar num estudo sobre salários considerei que

a única possibilidade era encomendar esse trabalho numa empresa de informática. Estávamos ainda no

tempo da exclusividade dos grandes computadores com sistema operativos próprios, porque era

necessário introduzir os dados fazendo a perfuração de cartões e a verificação de eventuais erros (de

conteúdo e de paridade), escrever e testar o programa e finalmente meter o computador a trabalhar e a

produzir os resultados. O custo era elevadíssimo. Tive que desistir.

Entretanto surgiram as primeiras máquinas de cálculos em que se podia armazenar os dados, elaborar

um programa e executá-lo, imprimir os resultados. Eram as “Texas Instrument”. Foi então possível

realizar o trabalho pretendido, o que demorou cerca de um mês, em que uma parte significativa do

trabalho foi carregar os dados.

Hoje, com qualquer computador pessoal, fazem-se os cálculos em menos de um minuto e, se os dados

estivessem disponíveis de forma digital, a sua obtenção exige igual tempo.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 109/150 - Versão 01

teóricas em algumas das rotinas que muitos de nós usamos, enquanto que noutros

programas temos que nos resignar a confiar “cegamente” na competência de um

qualquer programador sem rosto da empresa que o vende.

Apesar do seu carácter gratuito estamos em face de um programa de grande

qualidade, como se disse. O R é considerado por muitos eminentes estatísticos e

outros cientistas, o melhor software deste tipo que se encontra disponível hoje em

dia. Para isso muito contribui o seu carácter de código aberto, o que o sujeita a um

constante escrutínio de uma cada vez maior comunidade, bem como a equipa de

cientistas de renome mundial que são responsáveis pelo seu desenvolvimento. A

juntar a esta qualidade o R acrescenta ainda diversos documentos (livros, manuais,

etc.) gratuitos disponíveis no seu portal (www.r-project.org), bem como uma

excelente lista de e-mail de apoio aos seus utilizadores.

Por todas estas razões o R posiciona-se como uma das melhores escolhas, senão a

melhor, em termos de programa para análise de dados e computação estatística.

CCoommoo iinnssttaallaarr oo RR??

Nesta nossa descrição sobre como instalar o R vamos focarnos na plataforma

PC/Windows por ser claramente o mais comum.

O primeiro passo para proceder a esta instalação é ter um PC com acesso à Internet

para desse modo irmos ao portal do R buscar esse programa. Partindo desse

pressuposto basta-nos então abrir num qualquer browser (por exemplo o Internet

Explorer) o portal www.r-project.org.

Uma vez nesse portal poderemos seguir o link com o nome “CRAN” diponível no

menu do lado direito por baixo da palavra download. Podemos em seguida escolher

um portal para fazer o download, de preferência um que esteja mais perto do nosso

país.

O passo seguinte consiste em escolher o sistema operativo para no qual pretendemos

instalar o R, que no nosso caso é o Windows. Seguido esse link vamos agora escolher

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 110/150 - Versão 01

o link base para então sim carregar no link “rw2001.exe”80

que é o programa que

vamos fazer download.

Escolhemos então uma pasta do nosso computador onde vamos colocar o ficheiro que

estamos a transferir, o qual permite instalar o programa.

Após terminarmos esse download, essa transferência, vamos executar esse ficheiro

que já está no nosso computador. Isso irá então despoletar o processo de instalação do

R no nosso computador. Seguir-se-ão uma série de passos de resposta óbvia e comum

a qualquer instalação típica de um programa em Windows. Findo este processo

ficamos então com o R disponível no nosso computador, podendo executá-lo através

do processo habitual, ou através do link que normalmente aparecerá no nosso visor ou

no menu.

Quando o tiver instalado e o fizer correr aparecerá com o aspecto seguinte. É no local

do cursor que escreverá o necessário.

AAssppeeccttooss ggeerraaiiss ee bbrreevveess ddee ccoommoo ffuunncciioonnaa oo RR??

A interacção do utilizador com o R poderá parecer um pouco estranha a princípio. De

facto, após a execução do R o que vamos ver aparecer é aquilo que se chama o prompt

do R (um sinal de maior, ‘>’), que mais não que um local onde podemos introduzir

um comando para o R executar. Isto consiste em digitar o nome do comando, seguido

80 Este é o nome do ficheiro na altura em que a versão actual do R é a 2.0.1, sendo que o nome será

diferente se a versão actual do R entretanto mudar como é natural.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 111/150 - Versão 01

de carregar na tecla “Enter”. Assim, a nossa interacção com o R vai ser feita,

normalmente, por uma sequência de pedidos de execução de comandos aos quais o R

responde produzindo o resultado a ele associado. Isto quer dizer que o início da

aprendizagem do R poderá ser um pouco mais custoso por obrigar o novo utilizador a

saber que comandos produzem que resultados81

. Veremos, no entanto, que esta forma

de interacção também tem as suas vantagens.

Um outro aspecto fundamental do R é podermos guardar qualquer resultado da

execução de um comando num “objecto”, isto é num entidade que tem um nome

escolhido por nós e ao qual podemos então associar um qualquer valor (que pode ter

um grau muito diverso de complexidade, desde um simples número até um modelo ou

um gráfico). Dessa forma podemos mais tarde voltar a utilizar o resultado do

comando, caso o desejemos. Guardar um qualquer resultado num objecto pode ser

feito usando uma das operações mais básicas da linguagem R, que é a atribuição.

Vejamos um exemplo, forçosamente simples82

:

> idade <- 34

Neste exemplo colocamos (atribuímos) o número “34” a um objecto que resolvemos

chamar “idade”. Como podemos ver, o sinal correspondente à operação de atribuição

é formado por um sinal de menor (‘<’) imediatamente seguido por um sinal menos (‘-

‘). O nome de um objecto é da responsabilidade do utilizador, que normalmente

deverá escolher um nome que o ajude a facilmente memorizar o conteúdo do objecto.

Existem algumas restrições ao tipo de nomes que podemos usar, sendo que a mais

notória é a impossibilidade de usarmos espaços (por exemplo ‘preço com iva’ é um

nome inválido por ter espaços).

Terminamos esta abordagem introdutória indicando a forma como se abandona o R.

Há duas possibilidades:

usando o botão usual para o efeito de qualquer aplicação Windows (o “X” no

canto superior direito da sua janela)

81 Com efeito o utilizador dos programas em ambiente Windows está habituado a ir ao menu e escolher

uma das opções que se lhe apresentam. O ambiente do R, de que apresentámos a imagem, também tem

menus que ajudam em certas operações, mas no essencial o seu funcionamento passa por se proceder

como aqui se indica.

82 Para distinguir uma operação no R do resto do texto utilizamos um tipo de letra diferente.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 112/150 - Versão 01

executando a função “q()” do R que tem esse mesmo objectivo.

Em qualquer dos casos, irá aparecer uma caixa de diálogo com 3 opções para a

pergunta “Save workspace image?”:

a opção “sim” permite ao utilizador gravar o estado actual do R, o que poderá

ser útil para continuar mais tarde o que quer que tenha estado a fazer no R,

exactamente no mesmo ponto; quando voltar a abrir o programa aparecer-lhe-á

a mensagem “[Previously saved workspace restored]”;

a opção “não” não grava o estado actual do R;

enquanto a opção “cancelar” termina o processo de abandono do R, isto é,

mantem-se no programa.

CCoommoo ssaabbeerr qquuee ffuunnççããoo uuttiilliizzaarr??

Como já mencionamos atrás, a interacção com o R vai ser feita primordialmente

através da execução de comandos ou funções83

com o objectivo de obtermos

determinados resultados.

Nesta altura é importante perceber como podemos usar uma função do R. Uma

função, como qualquer outro objecto do R, tem um nome, e é através da digitação

desse nome que vamos pedir ao R que execute a função.

83 Uma função em R é também um objecto que tem um conteúdo, como qualquer outro objecto do R.

Recorde que mencionamos a possibilidade de um objecto poder guardar conteúdos bastante complexos.

O conteúdo de uma função é o conjunto de comandos do R que têm que ser executados de modo a

calcular o que quer que a função produza. Em princípio, não temos que nos preocupar com o conteúdo

das funções disponíveis no R, a não ser que as queiramos alterar de alguma forma para melhor se

adequarem aos nossos objectivos, ou então caso queiramos confirmar como algo é calculado em R.

Ainda assim, é importante perceber o que é uma função, uma vez que uma das coisas que é possível em

R, é os próprios utilizadores criarem funções, e assim estender o R. Exploraremos mais tarde esta

possibilidade.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 113/150 - Versão 01

Além disso, todas as funções do R podem ter parâmetros, que mais não são objectos

aos quais nós pretendemos aplicar a função. Esses parâmetros são indicados entre

parênteses curvos a seguir ao nome da função. Vejamos um exemplo simples, com a

função “sqrt” que calcula a raíz quadrada do seu argumento. Se eu pretender calcular

a raíz quadrada de 984

, então esse é o argumento com que devo chamar a função, isto

é:

> sqrt(9)

[1] 3

Qualquer função do R, tem que ser executada indicando o seu nome imediatamente

seguido dos parênteses curvos, entre os quais colocamos eventuais argumentos da

função separados por vírgulas. Mesmo quando não queremos usar os parâmetros das

funções temos que indicar os parênteses, como vimos anteriormente na execução da

função “q” que termina o R,

> q()

Qualquer função dá como resultado um valor qualquer (3 no caso da chamada

“sqrt(9)”), e poderá ainda ter como consequência qualquer outro efeito complementar

(por exemplo o aparecimento de um gráfico ou terminar a execução do R). Esse valor

poderá ser simplesmente escrito no écran, como no exemplo acima, ou então ser

guardado num objecto para mais tarde o re-utilizarmos, como por exemplo,

> rq5 <- sqrt(5)

Neste caso, o R não escreve o resultado da função no écran, limitando-se a guardá-lo

no objecto que indicamos do lado esquerdo da operação de atribuição, o objecto com

o nome “rq5”. Em qualquer altura podemos questionar o R sobre o valor de um

objecto digitando o seu nome seguido da tecla “Enter”85

,

> rq5

[1] 2.236068

84 Recordemos: 3

2, o que se lê como “três ao quadrado” ou “três elevado à potência de dois” é o mesmo

que 3 x 3, o “numero três multiplicado por si próprio duas vezes”, logo igual a 9. Calcular a raiz é a

operação contrária. 2 9 lê-se “raiz quadrada de nove” e tem como resultado 3.

85 Recorde-se, para se entender, o resultado seguinte, que o R, como grande parte dos programas de

computador, utiliza a anotação americana dos números: 2.5 é, na anotação portuguesa, 2,5; dois e meio.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 114/150 - Versão 01

Ou seja o conteúdo do objecto “rq5” que havíamos criado anteriormente é o número

2.236068 (a raiz quadrada de 5)86

.

O R é um programa muito completo, como dissemos. Por outras palavras, o R possui

uma quantidade muito grande de funções de todo o tipo. A isto acresce que o R pode

ser extendido através da instalação de centenas de packages extra que estão

disponíveis com funcionalidades mais específicas de diversas áreas do saber87

. Neste

contexto, torna-se imperioso saber como podemos procurar informação sobre as

funções disponíveis. Qualquer instalação do R vem com um sistema de ajuda

incorporado. A função base que pode ser usada para obter ajuda sobre uma qualquer

função é a função “help”.

Por exemplo, se pretendessemos saber algo mais sobre a função “sqrt” que usamos

anteriormente poderiamos executar a seguinte função do R,

> help('sqrt')

A função “help” tem como argumento o nome de uma função (um valor textual,

também conhecido como uma string, que por isso deve ser indicado entre pelicas ou

aspas), e tem como efeito lateral o aparecimento de uma janela com ajuda sobre a

função em causa. Estas janelas de ajuda possuem uma estrutura genérica semelhante

para todas as funções, detalhando os argumentos das funções e seu significado, o

valor retornado, eventuais referências, funções relacionadas, bem como exemplos

ilustrativos de utilização das funções.

86 O significado do “[1]” que aparece antes dos resultados será explicado mais tarde quando

introduzirmos a noção de vector.

87 Expliquemos um pouco melhor. Quando se instala o R ele coloca no nosso computador um conjunto

de ficheiros que contêm os códigos para executar um elevado conjunto de funções. As mais habituais.

Contudo, se se estiver a realizar cálculos muito específicos, habitualmente não realizados, pode ser

necessário carregar ficheiros adicionais com funções adicionais.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 115/150 - Versão 01

Os exemplos são bastante úteis para aprender mais sobre as funções. Além disso

permite por copy e paste88

desses exemplos para a linha de comando do R.

Também poderá executar a função help() utilizando um atalho, o que é mais rápido

de digitar, fazendo,

> ? sqrt

Note que esta alternativa tem exactamente as mesmas funcionalidades da utilização da

função “help”.

Uma outra facilidade de ajuda do R consiste em utilizar o menu HELP do R para

aceder a diversas formas de documentação de ajuda.

88 O que, como é sabido, corresponde à utilização das teclas Ctrl+C para o Copy e Ctrl+V para o Paste.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 116/150 - Versão 01

Uma que vem com qualquer instalação do R, está disponível na sub-opção “Html

help” desse menu. Esta opção faz lançar um browser onde podemos consultar

diversos manuais gratuítos de ajuda sobre R. Recomendamos vivamente a sua

consulta, e em particular o manual An Introduction to R, que contém uma breve

introdução a várias facetas do R.

Finalmente, existem alturas em que não sabemos exactamente qual o nome preciso da

função que procuramos, mas temos uma ideia da funcionalidade que pretendemos. Por

exemplo, poderíamos estar interessados na “função de distribuição de Poisson”, mas

não nos lembrarmos de quais as funções disponíveis. O R dispõe da função

“help.search” que pode ajudar nestas situações, sugerindo locais onde procurar

funcionalidades relaccionadas com o que pretendemos. Vejamos um exemplo89

. Se eu

fizer,

> help.search('poisson distribution')

vai-me aparecer uma janela com as funções relaccionadas com estes termos que se

usou, bem como as packages onde estas funções se encontram (o nome da package

aparecer entre parênteses a seguir ao nome da função disponível, sendo que o package

chamado base é o R base que nós instalamos. Em face desta informação poderemos

agora usar a função “help” para procurar ajuda sobre as funções sugeridas pelo

“help.search” para vermos qual a que melhor se adequa às nossas necessidades.

89 Nunca nos esqueçamos que o programa utiliza o inglês.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 117/150 - Versão 01

Note que, no caso de funções pertencentes a packages que não a base poderá ter que

carregar e eventualmente instalar essas mesmas packages antes de poder obter essas

mesma ajuda. Esse é o tópico da próxima secção.

CCoommoo uussaarr ee iinnssttaallaarr ppaacckkaaggeess eexxttrraa??

O R foi concebido como uma ferramenta facilmente extensível. Para isso conta com

um sistema de packages, extras que adicionam certo tipo de funcionalidades, a maior

parte das vezes sobre uma área específica. Basta que os utilizadores os obtenham,

também gratuitamente, e instalem se quiserem ter acesso a essas funcionalidades90

.

Podemos ver a lista (constantemente a crescer) de packages actualmente disponíveis

para o R, no portal do R. Relativamente à instalação do R disponível no nosso

computador, uma package pode:

estar instalada mas não “carregada” ;

estar instalada e “carregada”;

não estar instalada.

Quando instalamos o R, de facto o programa que usamos instalou já várias packages

seleccionadas pela sua utilidade. Algumas destas são mesmo automaticamente

carregadas sempre que executamos o R. Isso quer dizer que podemos usar em

qualquer altura as suas funcionalidades sem nos preocuparmos com mais nada.

Podemos saber que packages são carregadas automaticamente fazendo na linha de

comando:

> search()

[1] ".GlobalEnv" "package:methods" "package:stats"

[4] "package:graphics" "package:grDevices" "package:utils"

[7] "package:datasets" "Autoloads" "package:base"

90 Embora possa parecer que esta forma de funcionar do R não é prática, na realidade é bastante mais

racional que muitos dos programas que normalmente utiliza. Quando por exemplo instala o Word

instala todas as suas funcionalidades, mesmo que depois só utilize 10% das mesmas. Entretanto enche

o disco, exige processador mais rápidos, exige uma ligação à Internet mais potente para as

actualizações, etc. Os programas estão frequentemente a dizer “que o seu computador é velho”. Na

lógica do R instala o que utiliza, só utiliza os recursos do computador estritamente necessários.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 118/150 - Versão 01

Esta função mostra-nos uma série de informações91

, entre a qual figuram as packages

que estão neste momento carregadas, ou seja, cujas funções podem ser usadas sem

mais.

Podemos saber quais as packages que estão instaladas no nosso computador (que

incluem as automaticamente carregadas, mas também outras por carregar), fazendo:

> library()

ou em alternativa, indo ao menu “Packages” e escolhendo a opção “Load package...”

o que faz aparecer uma caixa de diálogo onde nos é mostrada a lista de packages

disponíveis para serem carregadas no nosso computador.

Como decorre do mencionado anteriormente, se pretendemos carregar uma package

instalada no nosso computador, mas ainda por carregar, o processo mais simples é

seleccioná-la na caixa de diálogo que aparece na opção “Load package...” do menu

“Packages” e carregar no botão “Ok” da referida caixa. O mesmo efeito pode ser

conseguido, através da função “library”, como vemos neste exemplo:

> library(cluster)

O efeito da execução desta função é carregar a package cujo nome indicamos como

argumento, e que é suposto estar instalada no nosso computador, mas até agora ainda

por carregar.

Finalmente, iremos ver como ter acesso a uma package que nem está carregada no

nosso computador, nem aparece na lista de packages disponíveis, ou seja ainda não

está instalada. Para instalar uma nova package precisamos de ter o nosso computador

ligado à internet. Assumindo que tal é verdade, podemos ir ao menu “Packages” e

escolher a opção [Install Package(s) from CRAN...]. Aparece uma caixa de diálogo

semelhante à anterior, mas agora com uma lista de packages mais vasta (todas as

packages disponíveis para o R, que não estejam instaladas no seu computador). Em

face desta lista basta-nos seleccionar a(s) package(s) que pretendemos instalar e

carregar em seguida no botão “OK”, tratando o R de fazer tudo o resto (download,

91 A sua utilidade pode para já ficar por especificar por obrigar a saber coisas que ainda não

aprendemos sobre o R

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 119/150 - Versão 01

instalação, actualização do help, etc.). Fazer tudo o resto, não sem perguntar se

pretende apagar os ficheiros que serviram de base à instalação, o que é recomendável.

Depois de instaladas as novas packages elas passam a estar disponíveis para serem

carregadas usando o processo descrito acima.

CCoommoo mmaannttêê--lloo sseemmpprree aaccttuuaalliizzaaddoo??

O R é um programa em constante escrutínio por uma comunidade cada vez maior,

devido às suas características de código aberto. Isto leva a que vão aparecendo com

alguma frequência novas versões com pequenas correcções. Tipicamente, têm saído

duas versões do R por ano, embora isto não seja uma regra. Para além disso, cada

package individual segue o seu próprio ritmo de desenvolvimento em função do seu

criador. Veremos então como actualizadar packages e como actualizar o próprio R.

Para saber se existem packages instaladas no nosso computador para as quais existem

versões mais recentes no portal do R, podemos fazer (mais uma vez o nosso

computador tem que estar ligado à Internet para fazermos isso):

> old.packages()

Isto faz aparecer uma lista com as packages que estão desactualizadas no nosso

computador. Em concreto são apresentados os seus nomes, bem como a versão

instalada no nosso computador e a versão mais recente disponível no portal do R

(coluna “CRAN”). Casa queiramos podemos actualizá-las todas de uma vez fazendo:

> update.packages()

ou escolhendo a opção do menu [Packages] / [Update Packages from Cran]

Quanto ao R propriamente dito, o processo de actualização para uma nova versão é

exactamente igual ao processo de instalação que descrevemos anteriormente. Ou seja

consiste em instalar a versão mais recente disponível no portal, executando todos os

passos que descrevemos anteriormente. O programa de instalação, coloca cada versão

do R num directório diferente com o nome da versão. Isto quer dizer que vamos ficar

com duas versões do R instaladas no nosso computador. A ideia deste processo é

possibilitar ao utilizador usar ambas enquanto não tem a certeza absoluta que prefere a

versão mais recente, bem como verificar que tudo o que desenvolveu para a versão

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 120/150 - Versão 01

anterior funciona da mesma forma na nova versão. Em princípio isso será o que

acontece, salvo quando o R muda de versão major (por exemplo das versões 1.xx para

as versões 2.xx), o que normalmente só acontece quando existem modificações mais

profundas entre as versões, o que poderá levar a algumas incompatibilidades de

código. Note no entanto que, sempre que aparece uma nova versão, todas as

modificações são claramente documentadas no portal do R para facilitar a

identificação destes eventuais pequenos problemas que possa ocorrer.

Caso o utilizador decida optar definitivamente pela nova versão, poderá desinstalar a

versão anterior, usando a operação para esse efeito disponível no menu Iniciar do

Windows na secção Programas onde está o R.

EExxeemmpplloo 22 –– UUmmaa qquueessttããoo ddee aallttuurraa

Pedro está neste momento a fazer uma investigação em que a altura dos cidadãos é

uma variável que pode ter algum interesse.

Aproveitou a aula e a presença dos 23 alunos para lhes perguntar qual as suas alturas,

tendo obtido o dados que constam da tabela seguinte.

1 Tiago 1,73

2 Anabela 1,64

3 Ricardina 1,69

4 Hortense 1,82

5 António 1,66

6 Pedro 1,83

7 Catarina 1,72

8 Gustavo 1,58

9 José 1,98

10 Carlos 1,80

11 Francelina 1,76

12 Alfredo 1,82

13 Humberto 1,77

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 121/150 - Versão 01

14 Ana 1,58

15 Maria do Céu 1,69

16 Rosa 1,87

17 Asdrúbal 1,77

18 Manuel 1,84

19 Emanuel 1,99

20 Miguel 1,73

21 Gonçalo 1,69

22 Teresa 1,71

23 Armanda 1,66

Que leitura pode fazer desses dados?

De facto nesse contexto ele pode calcular, por exemplo, o valor máximo, o valor

mínimo, a média, o desvio padrão, talvez outras medidas estatísticas, mas o seu

significado social é pequeno, pois para que tais medidas estatísticas assumam

significado precisam de aplicar-se a grandes números92

.

Apesar do seu nulo significado para o trabalho calculemos esses indicadores

estatísticos. Porque temos poucas observações (23) os cálculos podem ser feitos à

mão. Assim, para a média teríamos duas fases no seu cálculo:

Fase 1: somar todas as idades: 1,73 + 1,64 + 1,69 + 1,82 + 1,66 + 1,83 + 1,72

+ 1,58 + + 1,98 + 1,80 + 1,76 + 1,82 + 1,77 + 1,58 + 1,69 + 1,87 + 1,77 + 1,84

+ 1,99 + 1,73 + + 1,69 + 1,71 + 1,66 = 40,33

Fase 2: dividir pelo número de observações: 40,33 / 23 = 1,75

(arredondadndo)

Contudo, o tempo e o rigor é precioso e podemos começar por utilizar o R para fazer

o cálculo da média e de outros indicadores.

Como veremos é possível obtê-lo facilmente, exigindo duas fases:

introdução dos dados

92 Quando alguém pretende menosprezar a importância do tratamento estatístico costuma contar a

anedota bem conhecida: “se tu comeres um frango e eu não comer nenhum, em médio comemos meio

frango cada um”. Certamente que não pretende ridicularizar a formula de cálculo, mas sim o seu

significado social. Se assim é, apenas menospreza a sua ignorância ao aplicar um “exemplo” sem

signhificado.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 122/150 - Versão 01

aplicação de algumas funções

Contudo, porque é a primeira vez que estamos a lidar com estas matérias, convém

algumas explicações complementares.

Em R a estrutura de dados mais adequada para armazenar uma tabela de dados93, como a

do exemplo acima, é o data frame. Um data frame é formado por um conjunto de colunas

que representam as variáveis que estamos a estudar sobre um conjunto de indivíduos (as

linhas do data frame). Existem várias formas de criar data frames em R. Podemos ler os

dados de um ficheiro externo ao R (por exemplo um ficheiro de texto, uma folha de

cálculo, ou uma base dados) usando funções do R para esse efeito, ou podemos introduzir

os dados directamente no R.

Para este pequeno exemplo das alturas dos alunos vamos seguir esta segunda via. Ainda

assim temos duas hipóteses. A primeira consiste em usar a função data.frame() do R

indicando o conteúdo de cada coluna da tabela de dados, separadas por vírgulas.94

Vejamos como,

> turma <- data.frame(nomes = c('Tiago', 'Anabela',

'Ricardina', 'Hortense', 'Antonieta', 'Pedro',

'Catarina', 'Gustavo', 'Josefina', 'Carlos',

'Francelina', 'Alfredo', 'Humberto', 'Ana', 'Maria',

93 Tabela de dados é uma designação muitas vezes utilizada em informática, havendo programas que

tornaram a sua construção particularmente simples, como é o caso do Excel. Uma tabela de dados é um

conjunto de números em que cada um pertence a uma determinada linha (cada linha se refere, por

exemplo, a um indivíduo) e coluna (cada linha refere-se, por exemplo, a uma característica dos

indivíduos, neste exemplo, a altura). A esse conjunto de números em que cada um dos seus elementos

pertence a uma e só uma linha e a uma e só uma coluna, designa-se por matriz. Cada número

(genericamente X) é identificado por pertencer à linha i (Xi) e à coluna j (Xij). A dimensão da matriz é

dada pela quantidade de números que a constitui, que é igual ao numero de linhas vezes o numero de

colunas.

94 Ainda um apontamento para se perceber melhor o que se segue. Já anteriormente dissemos como se

atribui um valor a uma objecto:

> minha_turma <- “Carlos”

o que se pode confirmar.

> minha_turma

[1] "Carlos".

Se se pretende atribuir dois ou mais valores a um mesmo objecto, isto é, se pretendermos atribuir ao

objecto uma matriz (com uma dimensão unitária, isto é vector) utilizamos a função c().

> minha_turma <- c("Carlos", 1.76)

> minha_turma

[1] "Carlos" "1.76"

Para mais pormenor sobre esta função fazer

> help(c)

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 123/150 - Versão 01

'Rosa', 'Asdrubal', 'Manuel', 'Emanuel', 'Miguel',

'Carlota', 'Teresa', 'Armanda'), alturas = c(1.73, 1.64,

1.69, 1.82, 1.66, 1.83, 1.72, 1.58, 1.98, 1.80, 1.76,

1.82, 1.77, 1.58, 1.69, 1.87, 1.77, 1.84, 1.99, 1.73,

1.69, 1.71, 1.66))95

Se quisermos agora ver o conteúdo do data frame que acabamos de criar basta-nos fazer:

> turma

nomes alturas

1 Tiago 1.73

2 Anabela 1.64

3 Ricardina 1.69

4 Hortense 1.82

5 Antonieta 1.66

6 Pedro 1.83

7 Catarina 1.72

8 Gustavo 1.58

9 Josefina 1.98

10 Carlos 1.80

11 Francelina 1.76

12 Alfredo 1.82

13 Humberto 1.77

14 Ana 1.58

15 Maria 1.69

16 Rosa 1.87

17 Asdrubal 1.77

18 Manuel 1.84

19 Emanuel 1.99

20 Miguel 1.73

21 Carlota 1.69

22 Teresa 1.71

23 Armanda 1.66

Uma nota sobre a forma como indicamos os valores de cada coluna quando criamos o

data frame. Cada coluna tem 23 valores correspondentes aos 23 alunos. A forma de

guardar um conjunto de valores em R é através de um vector, que pode ser criado usando

a função c(), como já tínhamos referido. Esta função recebe como argumentos os valores

que formam o conjunto separados por vírgulas96. Veremos mais tarde outras utilidades

dos vectores de valores.

95 Os espaços em branco antes e depois das vírgulas e antes e depois do sinal de igual são ignorados

pelo R

96 Reparem que no exemplo anterior há duas operações:

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 124/150 - Versão 01

A outra hipótese para introduzir a tabela de alturas, seria ter usado a função edit() do R

que permite usar um interface tipo folha de cálculo para introduzir os dados. Vejamos

como:

> turma <- edit(data.frame())

Primeiro. atribuição de um vector de valores a nomes e alturas

> nomes = c('Tiago', 'Anabela', 'Ricardina', 'Hortense',

'Antonieta', 'Pedro', 'Catarina', 'Gustavo', 'Josefina',

'Carlos', 'Francelina', 'Alfredo', 'Humberto', 'Ana',

'Maria', 'Rosa', 'Asdrubal', 'Manuel', 'Emanuel',

'Miguel', 'Carlota', 'Teresa', 'Armanda')

> alturas = c(1.73, 1.64, 1.69, 1.82, 1.66, 1.83, 1.72,

1.58, 1.98, 1.80, 1.76, 1.82, 1.77, 1.58, 1.69, 1.87,

1.77, 1.84, 1.99, 1.73, 1.69, 1.71, 1.66)

Depois, construção de uma matriz com dois vectores:

> data.frame(nomes,alturas)

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 125/150 - Versão 01

Uma vez no interface de introdução dos dados podemos começar por dar o nome que

queremos às colunas da nossa tabela, carregando no respectivo cabeçalho da coluna o que

fará aparecer o seguinte diálogo:

Aqui podemos dar o nome à coluna, por exemplo “nomes”, e também definir o tipo de

valores que ela vai conter: números (numeric) ou texto (character). Depois de dar o nome

às duas colunas do nosso data frame podemos então preencher os valores para os 23

alunos, sendo que no fim da introdução podemos carregar no botão com um “X” do editor

de dados para voltar ao R. O efeito será o mesmo que a introdução dos dados usando a

função data.frame().

Posteriormente, se pretendessemos alterar o conteúdo do data frame (por exemplo porque

nos enganamos na introdução de algum dado, ou mesmo para acrescentar mais linhas ou

colunas ao data frame), poderíamos fazê-lo do seguinte modo:

> turma <- edit(turma)

Um data frame espalha os seus dados por duas dimensões, as linhas e as colunas. Para

vermos o conteúdo de todo o data frame podemos, como vimos acima, simplesmente

escrever o nome do objecto na linha de comando97. Haverão certamente alturas em que

não pretendemos ver todos os dados do data frame. Vejamos como podemos aceder a

partes dos dados contidos num data frame. Para obtermos a altura do primeiro aluno

podemos fazer:

97 Recorde-se que isto é comum a qualquer objecto seja ele um data frame ou qualquer

outro objecto

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 126/150 - Versão 01

> turma[1,2]

[1] 1.73

Isto pode ser lido como: “Mostra-me o conteúdo da segunda coluna da primeira linha do

objecto que se chama turma”. Em alternativa, como demos nomes às colunas, podemos

usar:

> turma[1,'alturas']

[1] 1.73

Se pretendermos o conteúdo de toda uma linha podemos omitir o índice (número)

referente à coluna:

> turma[4,]

nomes alturas

4 Hortense 1.82

Neste exemplo perguntamos ao R qual o conteúdo da quarta linha do data frame. De igual

forma podemos pedir ao R o conteúdo de toda uma coluna omitind o número referente à

linha, como no seguinte exemplo:

> turma[,'alturas']

[1] 1.73 1.64 1.69 1.82 1.66 1.83 1.72 1.58 1.98 1.80

1.76 1.82 1.77 1.58 1.69

[16] 1.87 1.77 1.84 1.99 1.73 1.69 1.71 1.66

Repare que o conteúdo de uma coluna é um vector (conjunto) de valores e como tal o R

mostra-nos todos os 23 valores. Podemos agora entender qual o significado dos números

entre parênteses rectos que o R usa quando lhe perguntamos o conteúdo de objectos.

Quando o objecto tem vários valores, como é o caso de um vector, o seu conteúdo pode

ser formado por vários elementos que não cabem numa só linha. Para nossa informação o

R diz qual o número de ordem do primeiro elemento apresentado em cada linha. Assim,

no exemplo acima, a primeira linha começa por mostrar o 1º elemento do vector de

alturas, e a segunda linha começa por mostrar o 16º elemento.

Vamos ver que existem várias outras formas de obter partes dos dados de um data frame.

Para já ficamo-nos por estas mais básicas.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 127/150 - Versão 01

Tendo então os dados dos 23 alunos no data frame turma, vejamos como obter algumas

estatísticas sobre esses dados. Por exemplo se pretendermos saber qual a maior altura (o

máximo) podemos fazer:

> max(turma[,'alturas'])

[1] 1.99

Portanto, a função max() pega num conjunto de números (um vector) e dá como resultado

o maior deles. De forma equivalente existe a função min(). Experimente obter a menor

altura da turma.

Poderíamos estar interessados em saber qual o aluno (ou alunos) que têm a altura

máxima. Para isso poderiamos usar a função which.max() do R que nos indica qual o

elemento (em termos de ordem num vector de números) onde está o máximo. Por

exemplo,

> which.max(turma[,'alturas'])

[1] 19

Isto quer dizer que o 19º número é a altura máxima. Tirando partido da forma como

vimos que podíamos aceder ao conteúdo de uma linha de um data frame, poderíamos

saber qual o aluno que tem a maior altura da seguinte forma:

> turma[which.max(turma[,'alturas']),]

nomes alturas

19 Emanuel 1.99

Tente perceber o que fizemos com esta instrução. Repare que a função which.max() dá

como resultado um número e que vimos anteriormente como obter linhas específicas de

um data frame. Se quiser pode experimentar também com a função which.min() que faz

algo equivalente para o valor mínimo.

Poderíamos querer saber outras estatísticas sobre as alturas. Uma forma simples de obter

várias estatísticas descritivas de um conjunto de números é através da função

summary(),

> summary(turma[,'alturas'])

Min. 1st Qu. Median Mean 3rd Qu. Max.

1.580 1.690 1.730 1.753 1.820 1.990

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 128/150 - Versão 01

Esta função dá-nos os valores máximo, mínimo e médio das alturas, bem como o 1º e 3º

quartil e a mediana98.

Se preferirmos uma representação gráfica dos dados referentes às alturas dos alunos,

poderíamos escolher apresentar um histograma99 dessas alturas, o que pode ser obtido da

seguinte forma em R:

> hist(turma[,'alturas'],main='Histograma das alturas da

Turma',xlab='Alturas',ylab='Frequências')

Isto faria aparecer o seguinte gráfico:

O que o R fez foi dividir o intervalo de alturas num número significativo de sub-

intervalos e depois contou quantos alunos tinham a altura em cada sub-intervalo,

98 De forma informal, quando dizemos que o 1º quartil é1.690, estamos a dizer que 25% dos alunos têm

uma altura inferior a este número. O 3º quartil tem uma leitura equivalente mas indica o limite abaixo

do qual estão 75% dos alunos, enquanto que a mediana tem 50% dos alunos abaixo dela.

99 O histograma é um gráfico de colunas que nos indica o número de ocorrências nos diversos

intervalos de uma variável. Neste caso, por exemplo, quantos alunos existem com alturas entre

determinados intervalos.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 129/150 - Versão 01

desenhando uma barra para representar esse número. Assim, podemos ler no gráfico que

existem 5 alunos com altura no intervalo de 1,65 a 1,70 cm.

A forma como usamos a função hist() merece alguns comentários sobre o uso de funções

do R em geral. Repare que chamamos a função hist() com 4 argumentos. No entanto, a

forma como indicamos os valores dos argumentos foi diferente. Tentemos então perceber

como a chamada de funções do R funciona. Qualquer função do R pode ter vários

argumentos. Pedindo ajuda sobre uma qualquer função100 vemos entre outras coisas, quais

os argumentos da função e qual o seu significado. Vejamos um extracto da ajuda sobre a

função hist(),

> ? hist

A secção “Usage” da ajuda de qualquer função indica-nos quais os argumentos da

mesma. Como podemos ver no exemplo da função hist() ela tem como primeiro

argumento “x” que mais abaixo na ajuda (secção “Arguments”) nos é dito que deve

conter o vector de número para os quais pretendemos obter um histogram. Depois vem

um parâmetro “breaks” que é indicado de modo diferente: breaks = “Sturges”. Os

argumentos indicados desta forma podem ser vistos como opcionais, ou seja, quando

usamos a função não necessitamos de os indicar. Se optarmos por não os indicar, então o

R vai usar o valor que aparece à frente do sinal igual (neste caso “Sturges”), que é

conhecido como o valor por omissão do argumento. Sempre que um argumento não tem

qualquer valor por omissão então temos que indicar o seu valor quando usamos a função,

100 Como já vimos anteriormente podemos usar a função help() ou usar antes ?.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 130/150 - Versão 01

pois de contrário o R irá dar uma mensagem de erro. Portanto, neste caso temos que dar

um valor para o primeiro argumento (“x”), ou seja, para usarmos a função hist()

precisamos de indicar qual o vector de números para o qual pretendemos um histograma,

o que tem a sua lógica! Já os outros argumentos são opcionais. Ao usar uma função

podemos indicar os valores dos argumentos de duas formas: pela sua posição, ou pelo seu

nome. No nosso exemplo de chamada da função hist() usamos estas duas formas.

Começamos por colocar no primeiro argumento da função o conjunto de números

“turma[,'alturas']”. Como não indicamos o nome do argumento que deveria

ficar com esse conjunto de números o R assume que será o primeiro argumento, isto é o

“x”. Usamos portanto a indicação do argumento pela sua posição. Já nos outros

argumento, optamos por indicar o nome do argumento seguido do sinal igual e do valor

que pretendemos que o argumento tome (p. ex. “xlab=’Alturas’”). Esta segunda forma é

mais prática quando as funções têm muitos argumentos, e o argumento que pretendemos

usar é dos últimos (p.ex. o argumento xlab é o 14º da função hist()), o que tornaria pouco

prática a indicação do valor do argumento pela sua posição. Para o R, a forma que

escolhemos é indiferente, podendo nós decidir o que é mais prático para nós.

Relativamente à função hist() ainda mais alguns detalhes sobre o significado dos

argumentos que usamos. O argumento “main” permite-nos dizer ao R qual o título que

pretendemos que apareça no gráfico. O argumento “xlab” qual o título do eixo dos X’s, e

o argumento “ylab”, qual o título do eixo dos Y’s.

Feita esta leitura dos dados chegou pois, à conclusão, que não lhe servia para grande

coisa a recolha que tinha feito dos alunos presentes na aula. O que ele efectivamente

precisava era de saber a altura dos portugueses.

Altura de cada um ou do conjunto?

Se pretendesse utilizar essa informação para fazer comparações ou integrar num

modelo que apenas exigisse essa informação, provavelmente seria suficiente utilizar

um indicador que tivesse em conta a situação de conjunto, eventualmente a média.

Contudo, não é essa a situação. O que pretende é explicar a altura o que exige

relacionar a altura de cada pessoa com outros dados que a caracterizam biológica ou

socialmente.

De todos os portugueses ou da população adulta numa fase de estabilidade de altura?

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 131/150 - Versão 01

É notório que é a segunda opção que lhe interessa. Se estivesse a incluir crianças ou

pessoas muito idosas estaria a afastar-se do que pretende analisar: em que medida é

que certo conjunto de factores biológicos e sociais influencia a altura da pessoa?

Decidiu incluir apenas cidadãos dos 20 aos 60 anos.

Estarão já disponíveis esses dados?

A única possibilidade desse dado estar disponível nas fontes estatísticas nacionais,

mesmo que não publicado, seria constar uma pergunta sobre a altura no

recenseamento geral da população. Tal não acontece. Poder-se-ia ainda dar o caso de

algum estudo demográfico, sociológico ou biológico já se ter preocupado com o

problema e ter recolhido esses dados. Contudo, nessa hipótese seria desaconselhável

repegar nesses dados, devendo o actual estudo servir para confirmar ou infirmar as

conclusões desse trabalho.

Como obter esses dados?

Não há outra alternativa. Só por amostragem101

. Haveria, em abstracto duas

possibilidades para obter esses dados: ou através de uma escolha aleatória na base de

101 Nem sempre é possível obter uma amostra ou esta tem significado. Há essencialmente três situações

que não permitem seguir este percurso:

Não conhecemos o universo. Vamos admitir que o nosso objectivo é estudar como é que os

portugueses (não apenas os “portugueses ilustres” mas todos os portugueses,

independentemente de profissão e cultura) reagiram ao reconhecimento da independência do

Brasil por D. João VI. Não sabemos qual é o universo. É necessário proceder a “análise de

casos” com base em documentos que relatem acontecimentos da época.

Conhecemos o universo mas não conseguimos determinar a amostra. Vamos admitir que o

nosso objectivo é estudar o comportamento das empresas portuguesas face à “sociedade da

informação”. Sabemos quantas empresas portuguesas existem e até é possível obter, vamos

admitir, uma listagem; é possível decompô-las por sectores e regiões, mas tal é irrelevante; é

possível decompô-las por dimensão segundo diversos critérios, mas é pouco provável que seja

relevante; temos conhecimento de algumas empresas bem sucedidas e outras mal sucedidas.

Por outro lado a empresa é uma “instituição complexa” e são muitos os aspectos a ter em conta

na análise do problema. A solução mais viável é recorrer à “análise de casos”.

É possível conhecer o universo, é possível obter uma amostra, mas é demasiado oneroso.

Vamos admitir que é nosso propósito numa tese de mestrado conhecer qual é a “intensidade”

de utilização da língua portuguesa pelas populações actuais do território angolano. É possível,

vamos admiti-lo com algum erro, o universo, é possível encontrar critérios de determinação de

uma amostra aleatória representativa, mas a especialização exigida ao entrevistador, a

quantidade de entrevistas a realizar, a sua dispersão geográfica, os custos de viagem e estadia e

o tempo necessário torna esse processo demasiado oneroso. Neste caso também não é viável

recorrer à “análise de casos” que desvirtuaria o que se pretende estudar. Estamos perante uma

situação em que o melhor poderá ser reformular o objecto de estudo.

Na situação de análise de casos há que perceber que estes podem ter diversas naturezas e coloca-se

sempre as dificuldades da generalização.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 132/150 - Versão 01

dados do Arquivo de Identificação; ou inquirindo, por alguma forma, um conjunto de

cidadãos. A primeira hipótese não são é inviável – felizmente essa base de dados não

é acessível – como é irrelevante para a quantificação de algumas variáveis escolhidas

para explicar o fenómeno. Assim não resta que inquirir.

Como não sabia muito sobre amostragem, depois de consultar alguns livros e de falar

com um colega – forma embrionária das redes, inevitáveis nos trabalhos

interdisciplinares, como dissemos – apercebeu-se que o caminho que tencionava

percorrer

definir a amostra

escolher as variáveis explicativas

contactar as pessoas

estava errado. Com efeito para a escolha da amostra já necessita de saber quais são

essas variáveis.

Resolveu optar por três variáveis “explicativas”102

:

Sexo (H/M).

Rendimento. Aqui surgiu um problema. Perguntar a alguém, que não se

conhece, qual é o seu rendimento é impedir a obtenção de qualquer resposta.

Além disso há grande probabilidade de a resposta ser errada (por muitíssimas

razões, sem ser possível dizer, pelo menos, se a resposta está sub ou

sobrestimada). Por isso optou por cinco intervalos de rendimento,

suficientemente amplos. Esta precaução, conjuntamente com o anonimato, é

capaz de superar o problema. Falemos então em níveis A / B / C / D / E em

que este é o rendimento mais baixo.

Viver na cidade (I) ou no campo (O)

Contudo saber escolher amostras ou poder recorrer a alguém especializado nessa área é, muito

frequentemente, condição indispensável para o rigor de uma investigação nas ciências do conhecimento

humano.

102 Muita atenção. Este é um exemplo que tem por preocupação iniciar os menos habituados à

quantificação a começarem a trabalhar com os dados. Qualquer estudo demográfico sobre a altura da

população adulta teria de entrar com muitas outras variáveis, tendo em conta os objectivos do estudo.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 133/150 - Versão 01

tendo procedido, de seguida à escolha da amostra103

, à opção sobre o método de

obtenção da informações e ao seu calendário. Optou por uma amostra estratificada

que no total envolve 2000 indivíduos de nacionalidade portuguesa com idade entre os

20 e os 60 anos..

Finalmente tem os dados. Como estava minimamente familiarizado com o Excel

resolveu colocar os dados numa tabela desse programa: cada linha corresponde aos

dados de um indivíduo e cada coluna refere-se a um indicador. Chamou a esse

ficheiro de Excel T001104

, de que se apresenta aqui uma parte105

:

Indivíduos Sexo Rendimento Cid/Camp Altura

1 M B O 1,93

2 M A I 1,92

3 M B O 1,90

4 M A I 1,69

5 F D O 1,85

Esses mesmos dados podem ser objecto de diversos tratamentos, mais ou menos

sofisticados, mais ou menos complicados, mas é bom nunca perdermos de vista o que

pretendemos: fazer uma leitura dos dados recolhidos que nos permita tirar conclusões

103 A amostra pretendida da altura da população considera as variáveis sexo, rendimento e localização

geográfica (campo/cidade), tendo cada uma delas vários níveis: Sexo (2 níveis), Rendimento (5 níveis)

e Localização geográfica (2 níveis). Temos, portanto, ao todo 2 x 5 x 2 = 20 estratos da população. Um

dos processos utilizados para este tipo de sondagens consiste na estratificação proporcional, por estrato.

Ou seja, inquirir em cada estrato, uma proporção de indivíduos igual à proporção existente na

população. Isso obriga-nos a conhecer a composição de cada estrato na população. Por exemplo,

quantos homens possuem um determinado rendimento e vivem na cidade. Pode-se tentar obter a

informação para a população portuguesa e fazer uma matriz com estes 20 estratos.

Para se determinar a dimensão total da amostra, convém impor um limite máximo (que seja coerente),

mas que garanta um limite mínimo de, por exemplo, 30 indivíduos nos estratos menos representativos.

O resto são cálculos de proporções para fazer com que cada estrato amostral seja proporcional ao

estrato populacional.

Para a selecção dos indivíduos, o INE, por exemplo, recorre habitualmente a bases de dados de

moradas, o que torna o processo demasiado caro e moroso, mas que garante o calculo de erros, da

precisão, etc. Quando essa base não está acessível, costuma-se fazer (normalmente fazem-no a maioria

das empresas de sondagens) a recolha de informação com alguma aleatoridade, através de entrevista

telefónica ate se recolherem os indivíduos que cumprem os requisitos de todos os estratos. Esta variante

tem o nome de amostragem por quotas. Esta muito em moda hoje em dia. (Informação prestada por

Pedro CAMPOS).

Sobre esta matéria veja-se, por exemplo {VICENTE, 1996 #9} e {CAMPOS, 1997 #7}

104 Chama-se a atenção que os dados constantes desta tabela não correspondem a uma recolha de dados

efectivamente realizada. As alturas foram “inventadas” por um processo que só pode ter como

consequência os resultados que apresentamos de seguida.

105 Pode ter acesso ao quadro todo por html mas não é necessário.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 134/150 - Versão 01

sobre a altura dos cidadãos e da relação entre a altura e algumas outras variáveis

escolhidas por nós.

Para esse efeito vamos mais uma vez usar o R.

Comecemos por ver como poderemos usar os dados que temos no nosso ficheiro

Excel chamado T001, no R.

Existem diversas formas de passar os dados do Excel (bem como de outras aplicações

disponíveis no Windows) para o R. Aquela que talvez seja a mais simples consiste em

fazer os seguintes passos: Começar por abrir a folha de cálculo no Excel e, após

seleccionar toda a área onde estão os dados106

, fazer “copia”107

ou seja copiar os dados

para o “Clipboard” do Windows. Feito isto, podemos agora ir para o R e aí introduzir

o comando,

> dados <- read.table(file('clipboard'),header=T,dec=',')

O objecto dados contem toda a informação que estava em

Excel108

.

> head(dados)

Sexo Rendimento Cid.Camp Altura

1 M B O 1.93

2 M A I 1.92

3 M B O 1.90

4 M A I 1.69

5 F D O 1.85

6 F C I 1.73

106 Aqui convirá seleccionar unicamente as colunas B, C, D e E, uma vez que a coluna A não tem

informação relevante para a nossa análise, sendo somente um número de ordem dos indivíduos. Note

bem, seleccione as colunas e não apenas a tabela referente a aquelas colunas.

107 Utilizando o Menu do Excel fazer fazer “EDIT” seguido de “COPY”. Ou simplesmente fazendo

“Ctrl+C”.

108 Por exemplo, se fizer

> dados

aparecer-lhe-ão todos os dados, assim como se fizer

> dados[2,]

lhe aparecerão os dados da segunda linha.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 135/150 - Versão 01

A primeira instrução leu os dados que haviam sido anteriormente colocados no

“Clipboard” para um data frame que resolvemos chamar “dados”. Essa leitura foi

feita usando a função read.table() que é uma das várias funções que podem ser usadas

no R para ler dados de fontes externas, nomeadamente de ficheiros. O argumento

“header=T” indica ao R que aquilo que estamos a ler tem na primeira linha um

cabeçalho com o nome das variáveis, e portanto esta primeira linha não deve ser

interpretada como um indivíduo. O argumento “dec=’,’” indica ao R que as casas

decimais dos números estão representadas por vírgulas no ficheiro que estamos a ler.

Isto é necessário porque o R assume o ponto como separador decimal como já vimos,

por ser essa a norma anglo-saxónica. Depois de ler os dados podemos ver as primeiras

linhas dos dados lidos, só para confirmar que tudo está bem, usando a função head()

que mostra as primeiras linhas de qualquer data frame.

Se quisermos saber quantos indivíduos foram lidos podemos perguntar ao R qual o

número de linhas do data frame,

> nrow(dados)

[1] 2000

Temos portanto todos os nossos 2000 indivíduos no data frame dados. Vamos então

agora ver alguma análise que podemos fazer com esta amostra.

Uma forma fácil de ficarmos rapidamente com uma perspectiva global das estatísticas

descritivas dos dados é usar de novo a função summary() que quando aplicada a um

data frame nos fornece as estatísticas descritivas básicas de todas as variáveis

(colunas) da tabela de dados,

> summary(dados)

Sexo Rendimento Cid.Camp Altura

F: 963 A:405 I: 956 Min. :0.910

M:1037 B:389 O:1044 1st Qu.:1.570

C:387 Median :1.720

D:399 Mean :1.701

E:420 3rd Qu.:1.870

Max. :2.040

Faça a leitura destes dados e descreva o que é que eles significam. Por outras

palavras, ponhas por palavras o que os números dizem.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 136/150 - Versão 01

No casos de variáveis numéricas, a função dá-nos os valores mínimo, máximo e

médio, bem como o 1º quartil, o 3º quartil e a mediana, o que nos permite de imediato

ter uma ideia não só do valor central da Altura (informação dada quer pela média quer

pela mediana), bem como a dispersão das Alturas o que nos é estimado pelos 1º e 3ºs

quartis, uma vez que sabemos pela sua definição que 50% da amostra se encontra

entre estes dois valores. Refira-se que se preferirmos outras medidas de dispersão de

uma variável como por exemplo a variância ou o desvio padrão, poderemos usar as

respectivas funções do R que calculam estas estatísticas,

> var(dados[,'Altura'])

[1] 0.04165124

> sd(dados[,'Altura'])

[1] 0.2040864

Acrescente ao texto anteriormente elaborado o que estes dados traduzem.

Se não sabe o que são a variância e o desvio padrão significam comece por

entender o seu significado.

Voltando à função summary(), no caso de variáveis nominais ela indica-nos qual o

número de vezes que cada valor da variável ocorre na tabela de dados. Assim,

podemos verificar que dos 2000 indivíduos, 963 são do sexo feminino e os restantes

1037 do sexo masculino. No caso da nossa amostra ter valores desconhecidos em

alguma variável, a função summary() também iria mostrar essa informação, o que não

acontece nos nossos dados. Os valores desconhecidos em R são representados por

“NA” de non available109

.

109 Não disponível em inglês.

Vejamos um pequeno exemplo só para ficarmos com a ideia como isto funciona em

R. Vamos criar um pequeno vector de números com as idades de 5 indivíduos e

vamos supor que não sabemos a idade do 3º indivíduo,

> idades <- c(32,21,NA,45,23)

> summary(idades)

Min. 1st Qu. Median Mean 3rd Qu. Max. NA's

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 137/150 - Versão 01

Continuemos pois a nossa exploração das propriedades estatísticas da nossa amostra

de indivíduos. Se pretendermos saber a distribuição percentual dos mesmos, pelos

diferentes valores de cada uma das variáveis nominais, podemos obter tal informação,

por exemplo, da seguinte forma:

> 100*table(dados[,'Sexo'])/nrow(dados)

F M

48.15 51.85

Nesta cálculo usamos a função table() que pega num conjunto de valores de uma

variável nominal (que em R são conhecidos como factores) e conta quantas vezes

aparece cada valor distinto (uma informação idêntica à que nos foi fornecida pela

função summary() mas para todas as variáveis). Em seguida dividimos essa contagem

pelo número total de indivíduos (o número de linhas do nosso data frame dados), e

multiplicamos o resultado por 100 para termos os valores em percentagem. Assim,

ficamos a saber que 45.15% dos indivíduos são do sexo feminino e os restantes

51.85% do sexo masculino. Poderíamos obviamente proceder de igual modo para

qualquer uma das outras variáveis nominais dos nossos dados,

> 100*table(dados[,'Rendimento'])/nrow(dados)

A B C D E

20.25 19.45 19.35 19.95 21.00

> 100*table(dados[,'Cid.Camp'])/nrow(dados)

I O

47.8 52.2

Como temos vindo a observar, é bastante frequente referir-mo-nos ao conjunto de

valores de toda uma coluna da nossa tabela de dados (p.e. dado[,’Sexo’]). Por essa

razão o R possibilita o uso de formas mais sucintas de nos referirmos ao conteúdo de

toda uma coluna. Veja os seguintes exemplos,

21.00 22.50 27.50 30.25 35.25 45.00 1.00

Como já haviamos visto anteriormente a função c() permite-nos criar vectores (ou conjuntos) de

números (ou mesmo de outro tipo de informação, como por exemplo nomes). Os elementos que

formam o conjunto devem ser indicados separando-os por vírgulas, e no nosso exemplo, o 3º elemento

foi indicado como NA, para informar o R que não sabemos o seu valor. Desta forma, quando pedimos

um sumário das estatísticas descritivas deste conjunto de números, usando a função summary(), o R dá-

nos a informação habitual e ainda a informação de que existe 1 valor NA neste conjunto de números.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 138/150 - Versão 01

> 100*table(dados$Sexo)/nrow(dados)

F M

48.15 51.85

> max(dados$Altura)

[1] 2.04

Assim, podemos usar o esquema DataFrame$NomeDaColuna110

para nos referimos

aos valores dessa coluna111

. No casos de data frames estáveis, ou seja cujo conteúdo

não iremos mudar, podemos ainda facilitar mais o acesso às colunas através da função

attach(). Esta função, quando aplicada a um data frame faz com que as suas colunas

passem a poder ser referenciadas directamente pelo seu nome. Vejamos uns exemplos,

> attach(dados)112

> 100*table(Sexo)/nrow(dados)

Sexo

F M

48.15 51.85

> max(Altura)

[1] 2.04

Portanto, a partir do instante que executamos a função attach() aplicada a um data

frame passamos a poder referir as suas colunas directamente. Nos exemplos que se

seguem iremos usar esta facilidade.

Continuemos a nossa análise. Por vezes estamos interessados em fazer tabulações

cruzadas de várias variáveis nominais113

. Por exemplo, poderíamos querer ver como

se distribuem os indivíduos pelas diferentes combinações de sexo e classes de

rendimento,

> table(Sexo,Rendimento)

Rendimento

110 No nosso caso, se quisermos listar a coluna dos rendimentos fazemos

> dados$Rendimento

Tome atenção com as maiusculas e as minusculas, porque são interpretadas como letras diferentes.

111 Note a ausência de aspas no nome da coluna.

112 Note que é a utilização aqui desta função que permite que as funções seguintes sejam escritas como

são.

113 Por outras palavras, cruzar informações.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 139/150 - Versão 01

Sexo A B C D E

F 205 183 170 206 199

M 200 206 217 193 221

Se pretendermos esta informação sob a forma de percentagens do número total de

indivíduos podemos fazer,

> 100*table(Sexo,Rendimento)/nrow(dados)

Rendimento

Sexo A B C D E

F 10.25 9.15 8.50 10.30 9.95

M 10.00 10.30 10.85 9.65 11.05

Por outro lado, poderíamos estar interessados em saber qual a percentagem de cada

sexo, dentro de cada classe de rendimentos, o que conseguimos aplicando a função

prop.table() ao resultado obtido com a função table(),

> 100*prop.table(table(Sexo,Rendimento),2)

Rendimento

Sexo A B C D E

F 50.61728 47.04370 43.92765 51.62907 47.38095

M 49.38272 52.95630 56.07235 48.37093 52.61905

O argumento 2 que usamos na função prop.table() tem como significado (pode-se

confirmar na ajuda da função), que estamos a calcular as percentagens por coluna, ou

seja para cada classe de rendimento. Se pretendêssemos uma resposta para a pergunta

inversa, ou seja, como se distribuem percentualmente as classes de rendimentos por

cada sexo, poderíamos usar um 1 em vez do 2,

> 100*prop.table(table(Sexo,Rendimento),1)

Rendimento

Sexo A B C D E

F 21.28764 19.00312 17.65317 21.39148 20.66459

M 19.28640 19.86500 20.92575 18.61138 21.31148

Refira-se que as tabelas cruzadas obtidas com a função table() não precisam de se

restringir a duas variáveis. Veja se entende o significado do seguinte exemplo,

> table(Sexo,Rendimento,Cid.Camp)

, , Cid.Camp = I

Rendimento

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 140/150 - Versão 01

Sexo A B C D E

F 84 87 87 105 88

M 102 88 103 102 110

, , Cid.Camp = O

Rendimento

Sexo A B C D E

F 121 96 83 101 111

M 98 118 114 91 111

Podemos também usar variáveis numéricas nestas tabulações. Com isso vamos

conseguir explorar as eventuais relações da altura com os outros factores. Para fazer

este tipo de tabulações podemos criar intervalos de estudo para a altura de modo a não

ter demasiados valores para a altura o que tornaria a tabela pouco legível e

eventualmente com pouca significância estatística. Para criar intervalos podemos usar

a função cut(),

> table(Sexo,cut(Altura,5))

Sexo (0.909,1.14] (1.14,1.36] (1.36,1.59] (1.59,1.81]

(1.81,2.04]

F 9 66 181 377 330

M 8 67 228 388 346

O segundo argumento da função cut() pode especificar o número de intervalos em que

queremos dividir os valores das alturas. O que o R fez foi dividir o intervalo

observado de alturas em 5 sub-intervalos de igual amplitude. Se esta divisão não fizer

sentido para o nosso estudo, podemos explicitar no segundo argumento os limites dos

intervalos, como no exemplo seguinte,

> table(cut(Altura, c(0.5,1,1.5,1.7,1.8,1.9,2.1)),

Rendimento)

Rendimento

A B C D E

(0.5,1] 1 0 0 0 0

(1,1.5] 64 62 64 52 64

(1.5,1.7] 130 129 123 144 119

(1.7,1.8] 79 58 69 57 74

(1.8,1.9] 65 72 55 75 79

(1.9,2.1] 66 68 76 71 84

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 141/150 - Versão 01

Note-se que também é possível fazer este tipo de tabulações para todos os valores

observados da altura, embora como mencionamos isso leve a muita dispersão da

informação por existirem demasiadas alturas diferentes. De qualquer modo, caso fosse

esse o nosso objectivo poderíamos fazê-lo do seguinte modo114

,

> table(as.factor(Altura),Rendimento)

Rendimento

A B C D E

0.91 1 0 0 0 0

1.01 0 0 0 0 1

1.03 0 0 1 0 0

1.05 1 0 0 0 0

1.07 0 0 1 0 0

1.09 1 1 0 0 0

1.11 0 0 0 0 1

1.12 0 0 3 0 1

1.13 3 0 1 0 1

1.14 0 1 0 0 1

A função as.factor() transforma uma variável numérica numa variável nominal (um

factor na nomenclatura do R, como já mencionámos).

Podemos agora estudar a forma como se distribuem as alturas para diferentes grupos

de indivíduos de acordo com alguma das outras variáveis. Por exemplo, podemos

estar interessados em saber as estatísticas descritivas básicas da altura, para cada

grupo sexual,

> by(Altura,Sexo,summary)

INDICES: F

Min. 1st Qu. Median Mean 3rd Qu. Max.

0.910 1.570 1.720 1.704 1.870 2.040

---------------------------------------------------------

INDICES: M

Min. 1st Qu. Median Mean 3rd Qu. Max.

1.010 1.560 1.720 1.698 1.860 2.040

A função by() é uma função bastante genérica que nos permite aplicar uma qualquer

função (no exemplo acima a função summary()), a subconjuntos do seu primeiro

114 Não apresentamos todo resultado do comando por ser demasiado extenso.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 142/150 - Versão 01

argumento (neste caso a Altura), de acordo com um factor (neste caso o Sexo). Isto

permite toda uma série de variações, como por exemplo,

> by(dados,Sexo,summary)

Sexo: F

Sexo Rendimento Cid.Camp Altura

F:963 A:205 I:451 Min. :0.910

M: 0 B:183 O:512 1st Qu.:1.570

C:170 Median :1.720

D:206 Mean :1.704

E:199 3rd Qu.:1.870

Max. :2.040

---------------------------------------------------------

Sexo: M

Sexo Rendimento Cid.Camp Altura

F: 0 A:200 I:505 Min. :1.010

M:1037 B:206 O:532 1st Qu.:1.560

C:217 Median :1.720

D:193 Mean :1.698

E:221 3rd Qu.:1.860

Max. :2.040

Neste exemplo factorizamos todos os indivíduos do data frame dados de acordo com

o seu sexo e aplicamos a função summary() a cada um dos dois sub-grupos.

> by(Altura,list(Sexo,Cid.Camp),summary)

: F

: I

Min. 1st Qu. Median Mean 3rd Qu. Max.

0.91 1.56 1.70 1.69 1.87 2.04

---------------------------------------------------------

: M

: I

Min. 1st Qu. Median Mean 3rd Qu. Max.

1.010 1.540 1.700 1.687 1.850 2.040

---------------------------------------------------------

: F

: O

Min. 1st Qu. Median Mean 3rd Qu. Max.

1.030 1.590 1.740 1.716 1.880 2.040

---------------------------------------------------------

: M

: O

Min. 1st Qu. Median Mean 3rd Qu. Max.

1.090 1.570 1.740 1.709 1.860 2.040

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 143/150 - Versão 01

Neste outro exemplo, factorizamos as alturas usando todas as combinações de Sexo e

Cid.Camp, aplicando a função summary() a cada grupo. Isto permite-nos ver as

estatísticas descritivas básicas da altura para cada um destes sub-grupos.

Por vezes diz-se que uma imagem vale mil palavras, e de facto esta informação ficaria

provavelmente mais legível com o seguinte gráfico,

> boxplot( Altura ~ Sexo + Cid.Camp, outline = FALSE,

main='Boxplots da Altura por Sexo e Cid.Camp',

xlab='Combinações de Sexo e Cid.Camp')

que nos mostra a mediana, os quartis e os valores extremos para cada intersecção

Sexo / Cidade-Campo.

Acrescente ao texto anteriormente elaborado outras análises da situação, seja

pegando nos dados e gráficos anteriormente apresentados seja fazendo novos

cálculos, utilizando o R.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 144/150 - Versão 01

Provavelmente os resultados obtidos não correspondem ao que estaríamos à

espera ou, mais rigorosamente, não confirmam as hipóteses eventualmente

formuladas. Tente encontrar uma justificação para essa situação.

A melhor forma de encontrar as funções do R que correspondem às suas

necessidades é consultar o help() do R, é ler os manuais de introdução, é saber

o que quer obter e utilizar os termos em inglês.

Contudo, fazemos aqui um primeiro apanhado das funções que temos vindo a

utilizar.

OPERAÇÕES

<- atribuição

* multiplicação

/ divisão

c() atribuir conjunto de valores

sqrt() raiz quadrada

FUNCIONAMENTO DO R

help() ajuda

? ajuda

help.search() procura de ajuda

search() procura de packages carregados

library() procura e instalar packages

old.packages() packages a actualizar

update.packages() actualizar packages

q() sair

by() aplicar função a várias situações

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 145/150 - Versão 01

MANIPULAR DADOS

attach() permissão para variáveis serem identificadas pelo nome

cut() divisão em intervalos

data.frame() atribuir matriz

edit() utilizar quadro para atribuir valores

file() ler ficheiro

head() listagem inicial de dados

nrow() número de linhas

read.table() ler matriz

TRATAMENTO ESTATÍSTICO

max() máximo

sd() desvio padrão

summary() conjunto de informações estatísticas

table() criação de matrizes e tabulações cruzadas

var() variância

which.max() quem tem máximo

GRAFICOS

boxplot() gráficos boxplot

hist() histograma

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 146/150 - Versão 01

RReeffeerrêênncciiaass BBiibblliiooggrrááffiiccaass CAMPOS, Pedro. 1997. Relatório de Aula Prática sobre Teoria da

Amostragem. Porto: FEP.

VICENTE, P., E. REIS, and F. FERRÃO. 1996. Sondagens: A amostragem como factor decisivo da qualidade. Lisboa: Sílabo.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 147/150 - Versão 01

Glossário

Bibliografia

Epistemologia

Gnosiologia

Interdisciplinaridade

Plágio

Média

Mediana

Moda

Desvio padrão

Amostra

Variável

Indicador

Índice

Modelo

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 148/150 - Versão 01

Bibliografia citada

Academia de Ciências de Lisboa. 2001. Dicionário da Língua Portuguesa

Contemporânea. Vol. 1. Lisboa: Verbo.

BACHELARD, Gaston. 1999. La Formation de l'Esprit Scientifique. 7 ed. Paris:

VRIN. Original edition, 1938.

CASTRO, Armando. 1975. Teoria do Conhecimento Científico. 1 ed. Vol. I.

Porto: Limiar.

COSTA, J. Almeida, and A. Sampaio e MELO. 1994. Dicionário da Língua

Portuguesa. 7ª ed. 1 vols. Porto: Porto Editora.

COUGHLIN, Peter, and Julieta LANGA. 1997. Claro e Directo: como escrever

um ensaio. 2 ed. 1 vols. Maputo: Peter Coughlin.

COWIE, A. P. 1991. Oxford Advanced Learner's. 5th ed. 1 vols. Oxford: Oxford

University Press.

DEMO, PEDRO. 1981. Metodologia Cientifica em Ciências Sociais. São Paulo:

Editora Atlas.

ECO, Umberto. 1980. Como se Faz uma Tese em Ciências Sociais. Translated by

TTVV. Lisboa: Editorial Presenca. Original edition, 1977.

———. 1998. Come si fa una Tesi di Laurea. 13 ed. Milão: Strumenti Bompiani.

Original edition, 1977.

GODIN, Christian. 1997. La Totatlité. Prologue. Pour une Philosophie de la

Totalité. Seyssel: Édition Champ Vallon.

GOODFIELD, JUNE. [sd]. Um Mundo Imaginado. Uma História de Descoberta

Científica. Translated by M. P. GOMES. 1 vols, Ciência Aberta. Lisboa:

Gradiva. Original edition, 1981.

Instituto Português da Qualidade. 1995. NP 405-1: Informação e Documentação.

Lisboa: IPQ.

———. 1998. NP 405-2: Informação e Documentação. Referências

Bibliográficas. Parte 2. Materiais não livro: Instituto Português da

Qualidade.

———. 2000. NP 405-3: Informação e Documentação. Referências

Bibliográficas. Parte 3. Documentos não publicados: Instituto Português

da Qualidade.

———. 2002. NP 405-4: Informação e documentação. Referências bibliográficas.

Parte 4: Documentos electrónicos.

MEINEL, LORENZ, VASSILIS KARAGEORGIOU, and Others. 2004. Bone

Tissue Engineering Using Human Mesenchymal Stem Cells: Effects of

Scaffold Material and Medium Flow. Annals of Biomedical Engineering

32 (1):112–122.

PALMARINI, MASSIMO PIATELLI. 1992. A Vontade de Estudar. O que é e

como fazê-la despertar. Translated by C. CARVALHO. 1 ed. Lisboa:

Difusão Cultural. Original edition, 1991.

POMBO, Olga. 1994. O Meio é a Mensagem. Caderno de História e Filosofia da

Educação (1: McLuhan. A Escola e os Media):40-50.

———. 2004. Interdisciplinaridade: Ambições e Limites. Edited by Antropos. 1

ed. 1 vols. Lisboa: Relógio d'Água Editores.

EndNote8 8.01. Thomson ISI ResearchSoft, Berkeley.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 149/150 - Versão 01

ROBERT, Paul, Josette REY-DEBOVE, and Alain REY. 1993. Le Nouveau Petit

Robert. Dictionnaire Alphabétique et Analogique de la Langue Française. 1

vols. Paris: Dictionaires Le Robert.

SERRANO, PEDRO. 1996. Redacção e Apresentação de Trabalhos Científicos.

Lisboa: Relógio d'Água.

SOUSA, Gonçalo de Vascocelos e. 2003. Metodologia da Investigação, Redacção e

Apresentação de Trabalhos Científicos. 2 ed. Porto: Livraria Civilização.

Original edition, 1998.

THROSBY, David. 2003. Determining the Value of Cultural Goods: How Much

(orHowLittle) Does Contingent ValuationTell Us? Journal of Cultural

Economics (27):275–285.

TORRES, Adelino. 2000. Novos Elementos do Método no Estudo. 4 ed. 1 vols.

Lisboa: Vega.

Investigar e redigir uma tese em contexto interdisciplinar

Fundamentos Interdisciplinares Carlos Pimenta Página 150/150 - Versão 01

Ponto 9 do esquema considerar 2815, p. 40