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FUNDAÇÃO ESCOLA SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO
FACULDADE DE DIREITO
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU - MESTRADO
RODRIGO CHAMORRO DA SILVA
ACORDO DE LENIÊNCIA E COMPLIANCE: PERSPECTIVAS NO
ENFRENTAMENTO DA CORRUPÇÃO EMPRESARIAL
PORTO ALEGRE
2018
RODRIGO CHAMORRO DA SILVA
ACORDO DE LENIÊNCIA E COMPLIANCE: PERSPECTIVAS NO
ENFRENTAMENTO DA CORRUPÇÃO EMPRESARIAL
Dissertação apresentada como requisito final
para obtenção do título de mestre em direito do
Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu –
Mestrado – Área Tutelas à Efetivação de
Direitos Indisponíveis – Linha de Pesquisa:
Tutelas à Efetivação de Direitos Públicos
Incondicionados.
Orientador: José Tadeu Neves Xavier
PORTO ALEGRE
2018
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação – (CIP)
Bibliotecário Responsável: Julio Ridieri Costa – CRB-10/2063
S586a Silva, Rodrigo Chamorro da
Acordo de leniência e compliance : perspectivas no
enfrentamento da corrupção empresarial / Rodrigo Chamorro da
Silva. -- Porto Alegre, 2018.
223 f. : il. ; 29 cm.
Dissertação (Mestrado - Área Tutelas à Efetivação de Direitos
Indisponíveis) – Fundação Escola Superior do Ministério Público,
Porto Alegre, RS, 2018.
Orientador: Prof. Dr. José Tadeu Neves Xavier.
1. Direito Empresarial 2. Direito Penal Econômico 3. Lei
Anticorrupção 4. Acordo de Leniência 5. Compliance I. Título.
CDU: 347.7
RODRIGO CHAMORRO DA SILVA
ACORDO DE LENIÊNCIA E COMPLIANCE: PERSPECTIVAS NO
ENFRENTAMENTO DA CORRUPÇÃO EMPRESARIAL
DISSERTAÇÃO PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE EM DIREITO PÚBLICO
Aprovada em 19 de abril de 2018.
Julgamento: 10,00 (dez).
COMISSÃO JULGADORA
__________________________________________
Prof. Dr. José Tadeu Neves Xavier – FMP
Presidente e Orientador
__________________________________________
Prof. Dr. André Machado Maya – FMP
2º Examinador
__________________________________________
Prof.ª Dr.ª Raquel F. Lopes Sparemberger – FMP
3ª Examinadora
__________________________________________
Prof. Dr. Nereu Giacomolli – PUCRS
4º Examinador
Ao meu pai, Sérgio, por ter cultivado a semente do conhecimento em minha vida.
À minha mãe, Carmen, o mais belo exemplo de amor e esmero que eu poderia ter.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a todos aqueles que de contribuiram para a realização deste trabalho, em
especial:
Ao meu orientador, o estimado Professor José Tadeu Naves Xavier, o qual desde o
início revelou interesse pelo tema eleito, bem como pela incitante orientação e acolhimento na
FMP. A ele devo minha especial predileção pelo tema do Direito Empresarial, em face de
suas saudosas aulas ministradas na pós-graduação do Instituto de Desenvolvimento Cultural
(IDC).
À Professora Raquel F. Lopes Saparemberger, pela calorosa acolhida no início do
curso de mestrado, sempre disposta a apascentar os ânimos de alunos como eu, “verdes” na
seara das pesquisas científicas e do “background” da academia. Além disso, a prestimosa e
conselheira Professora sempre se mostrou disponível a realizar revisões nos aspectos
metodológicos de artigos por mim apresentados em vários encontros científicos, todos de
imensurável valia.
Agradeço, também, ao Professor André Machado Maya que, por meio da excelência
de sua cátedra, inspirou-me em inúmeros pontos desenvolvidos no segundo capítulo do
trabalho, ao longo das aulas ministradas em sua disciplina “Direito Fundamental à Segurança
e o Direito de Liberdade”. Além disso, propiciou-me a honra de participar na elaboração de
artigo científico com a sua coautoria, além de me convidar a integrar, na condição de
expositor, relevante seminário jurídico externo sobre o tema em Canela/RS, atividades que em
muito enriqueceram as minhas pesquisas.
Ainda, ao Professor Anízio Pires Gavião Filho, o qual, no curso de sua disciplina
“Colisão de Direitos Fundamentais e Argumentação Jurídica”, propiciou inolvidáveis lições
propedêuticas sobre o tema. Indo além, promoveu edificantes debates por meio de seminários
hábeis em despertar o interesse pela pesquisa em mestrandos que a recém iniciavam a
caminhada rumo à titulação.
Por fim, ao Ministério Público do Rio Grande do Sul, minha instituição, por ter dado
todo o apoio necessário a que minhas pesquisas fossem conduzidas com o resultado almejado.
O comércio é natural e, portanto, vergonhoso. O menos vil de
todos os comerciantes é o que diz: “Sejamos virtuosos, já que assim
ganharemos mais dinheiro que os tolos desonestos”. Para o
comerciante até a honestidade é especulação financeira.
(BAUDELAIRE, 1867)
RESUMO
A presente dissertação, vinculada à linha de pesquisa “Tutelas à Efetivação de Direitos
Públicos Incondicionados”, trata dos instrumentos acordo de leniência e compliance no
contexto de enfrentamento da corrupção empresarial, mediante uma abordagem histórico-
legal, dogmática e crítica. A pesquisa busca responder o seguinte problema: o acordo de
leniência e o compliance constituem instrumentos idôneos no enfrentamento da corrupção
empresarial? A hipótese de solução é a de que estes instrumentos, acaso atendidos
determinados critérios, são hábeis a minorar os efeitos negativos decorrentes das relações
empresariais corruptas. Para demonstrá-la, estruturar-se-á o trabalho em três capítulos. No
primeiro, apreciar-se-á o princípio da função social da empresa; apresentar-se-ão as razões
pelas quais se defende o perfil institucional ou corporativo da empresa e, ao final, apontar-se-
ão os centrais preceitos da governança corporativa. No segundo capítulo, cuidar-se-á do tema
do compliance anticorrupção no contexto da teoria da sociedade de risco, realizando-se,
também, uma análise dos elementos centrais para a adoção de um programa de compliance
idôneo. A parte final da pesquisa tratará do acordo de leniência anticorrupção, examinando
seus antecedentes legais nos Estados Unidos da América e no Brasil (acordo de leniência
concorrencial e colaboração premiada). Em sequência, será estudado o acordo de leniência da
Lei Anticorrupção (Lei n.º 12.846/2013), em tópico que será dividido em duas partes: por
primeiro, a análise de sua conceituação, natureza jurídica e finalidade e, por segundo, o seu
regime e estrutura legais. Ainda, será investigada a incidência da teoria dos jogos no processo
de colaboração, bem como as eventuais implicações éticas que a decisão pela delação
eventualmente desencadeia. Por fim, será feita uma análise crítica do regime legal do acordo
de leniência anticorrupção e enfocada a relação etiológica que o referido instituto possui com
o compliance. Para tanto, a metodologia utilizada é a dialética e, a técnica de pesquisa, a
bibliográfica.
Palavras-chave: Direito Empresarial. Direito Penal Econômico. Lei Anticorrupção. Acordo
de Leniência. Compliance.
ABSTRACT
The present thesis, linked to the research line "Guardianship to effectiveness Public
Unconditional Rights research line", deals with the leniency program and compliance
instruments in the context of dealing with corporate corruption, through a historical-legal,
dogmatic and critical approach. The research seeks to answer the following problem: is the
leniency program and compliance an appropriate instruments in dealing with corporate
corruption? The solution is that these instruments, if they obey certain criteria, are able to
mitigate the negative effects of corrupt business relations. To demonstrate this, the work will
be structured in three chapters. In the first one, the principle of the social function of the
company will be appreciated; the reasons for the corporate profile of the company will be
presented, and, at the end, the central principles of corporate governance will be pointed out.
In the second chapter, the issue of anti-corruption compliance will be addressed within the
context of risk society theory and an analysis of the core elements for adopting a suitable
compliance program will be carried out. The final part of the research will address the anti-
corruption leniency program, examining its legal precedents in the United States of America
and Brazil (antitrust leniency program and non-prosecution agreement). In the sequence, the
leniency program of the Anticorruption Law (Law nº. 12.846/2013) will be studied, in a topic
that will be divided into two parts: firstly, the analysis of its conceptualization, legal nature
and purpose and, secondly, its legal regime and structure. In addition, the incidence of game
theory in the process of collaboration will be examined, as well as the possible ethical
implications that the decision of treason may trigger. Finally, a critical analysis of the legal
regime of the anticorruption leniency program will be carried out, focusing on the aetiological
relationship that the institute has with compliance. Therefore, the methodology used is the
dialectic and, the research technique, the bibliographical one.
Keywords: Business Law. Economic Criminal Law. Anti-Corruption Law. Leniency
Program. Compliance.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Índice de Sustentabilidade Empresarial................................................................. 56
Figura 2- Índice de Governança Corporativa.......................................................................... 57
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
§ – Parágrafo
ACPERA – Antitrust Criminal Penalty Enhancement and Reform Act
ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade
ART. – Artigo
CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica
CC – Código Civil
CEIS – Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas
CEO – Chief Executive Officer
CF/88 – Constituição Federal de 1988
CGU – Controladoria Geral da União
CNEP – Cadastro Nacional de Empresas Punidas
COBIT – Control Objectives for Information and related Technology
COAF – Conselho de Controle de Atividades Financeiras
COSO – Committe of Sponsonring Organizations of the Treadway Comission
CVM – Comissão de Valores Mobiliários
DOJ – Antitrust Division Criminal Enforcement Program
FCPA – Foreign Corrupt Practices Act
FEBRABAN – Federação Brasileira de Bancos
GAFI/TAFT – Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento
do Terrorismo
IBGC – Instituto Brasileiro de Governança Corporativa
IBRADEMP – Instituto Brasileiro de Direito Empresarial
ISACA – Information Systems Audit and Control Foundation
LAC – Lei Anticorrupção
LIA – Lei de Improbidade Administrativa
OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
OEA – Organização dos Estados Americanos
PAR – Processo Administrativo de Responsabilização
R$ – Real
RDC – Regime Diferenciado de Contratações Públicas
SEC – Securities and Exchange Commission
STF – Supremo Tribunal Federal
TEI – Técnicas Especiais de Investigação
TCU – Tribunal de Contas da União
TI – Tecnologia da Informação
US$ – Dólar Americano
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.................................................................................................. 14
2 PREMISSAS CONSTITUCIONAIS E CONCEITUAIS ................................ 19
2.1 A Função Social como Princípio da Ordem Econômica e sua Projeção do
Direito Infraconstitucional..................................................................................
19
2.1.1 Distinções entre Função e Responsabilidade Social.............................................. 26
2.2 Visão Corporativa da Empresa.......................................................................... 33
2.3 Governança Corporativa..................................................................................... 44
3 COMPLIANCE ANTICORRUPÇÃO.............................................................. 60
3.1 Evolução Regulatória do Tema na Sociedade de Risco.................................... 60
3.1.1 A Sociedade de Risco e suas Confluências com o Direito Penal (Direito Penal
de Risco)................................................................................................................
60
3.1.2 O Advento da Cultura do Compliance na Tutela dos Riscos................................. 71
3.2 Controle Anticorrupção no Brasil...................................................................... 78
3.2.1 Corrupção: uma Deformidade Social..................................................................... 78
3.2.2 Diretrizes da Lei Anticorrupção Brasileira............................................................ 84
3.3 Elementos Centrais em um Programa de Compliance..................................... 98
3.3.1 Atos Normativos de Regulamentação de Política de Compliance......................... 103
4 ACORDO DE LENIÊNCIA ANTICORRUPÇÃO.......................................... 113
4.1 Antecedentes Histórico-Legais da Leniência..................................................... 113
4.1.1 O Programa de Leniência dos Estados Unidos da América no Direito
Antitruste...............................................................................................................
113
4.1.2 A Colaboração Premiada: Experiência Brasileira de Consensualidade................ 119
4.1.3 Programa de Leniência Concorrencial do Brasil................................................... 124
4.2 Programa de Leniência na Lei Anticorrupção.................................................. 132
4.2.1 Conceituação, Natureza Jurídica e Finalidade. A Questão da Indisponibilidade
do Interesse Público...............................................................................................
133
4.2.2 Regime e Estrutura do Acordo de Leniência no Âmbito da Lei Anticorrupção... 139
4.3
A Delação sob o Prisma da Teoria dos Jogos: do Dilema do Prisioneiro à
Ética.......................................................................................................................
152
4.3.1 Enfrentamento das Críticas Jurídicas e Éticas à Delação...................................... 158
4.4 Perspectivas no Enfrentamento da Corrupção Empresarial........................... 172
4.4.1 Aprimoramento Sistemático-legal e a Medida Provisória n. 703/2015................. 173
4.4.2 Uma Palavra Final: O Liame Etiológico entre Acordo de Leniência e
Compliance............................................................................................................
189
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................. 198
REFERÊNCIAS.................................................................................................. 204
14
1 INTRODUÇÃO
A presente dissertação de mestrado está vinculada à Linha de Pesquisa “Tutelas à
Efetivação de Direitos Públicos Incondicionados”, do Programa de Pós-Graduação Stricto
Sensu da Faculdade de Direito da Fundação Escola Superior do Ministério Público.
A pesquisa gira em torno do tema da corrupção empresarial que, em épocas de
operação Lava Jato1, nunca esteve tão em pauta da sociedade brasileira como agora. Junto
com ele assomam instrumentos afins um tanto quanto recentes no Brasil, a exemplo do
compliance e do acordo de leniência anticorrupção.
O presente trabalho tratará destes assuntos, tendo por base, especialmente, a Lei n.º
12.846/2013, conhecida como Lei Anticorrupção, mas sem descurar das premissas
constitucionais e conceituais mais relevantes para o entendimento do tema, tais quais os
consectários do princípio da função social da empresa e dos preceitos da governança
corporativa.
O ponto do compliance anticorrupção será descortinado no contexto da sociedade do
risco, cuja concretude é determinante na evolução regulatória internacional do referido
instrumento. Na pesquisa ele será apreciado, primeiramente, no âmbito da global law; e, em
um segundo momento, na conjuntura da Lei Anticorrupção; por fim, examinar-se-ão os
elementos centrais para um programa de integridade corporativa eficaz.
Finalmente, a sequência da pesquisa tratará das centrais nuances do acordo de
leniência anticorrupção, mediante uma abordagem, nesta ordem: histórico-legal, dogmática e
crítica.
1 “A operação Lava Jato é a maior investigação de corrupção e lavagem de dinheiro que o Brasil já teve. Estima-
se que o volume de recursos desviados dos cofres da Petrobras, maior estatal do país, esteja na casa de bilhões de
reais. Soma-se a isso a expressão econômica e política dos suspeitos de participar do esquema de corrupção que
envolve a companhia. No primeiro momento da investigação, desenvolvido a partir de março de 2014, perante a
Justiça Federal em Curitiba, foram investigadas e processadas quatro organizações criminosas lideradas por
doleiros, que são operadores do mercado paralelo de câmbio. Depois, o Ministério Público Federal recolheu
provas de um imenso esquema criminoso de corrupção envolvendo a Petrobras. Nesse esquema, que dura pelo
menos dez anos, grandes empreiteiras organizadas em cartel pagavam propina para altos executivos da estatal e
outros agentes públicos. O valor da propina variava de 1% a 5% do montante total de contratos bilionários
superfaturados. Esse suborno era distribuído por meio de operadores financeiros do esquema, incluindo doleiros
investigados na primeira etapa.” Segundo o site do Ministério Público Federal, o nome do caso, “Lava Jato”,
decorre de uma rede de postos de combustíveis e lava a jato de automóveis usada para movimentar recursos
ilícitos pertencentes a uma das organizações criminosas inicialmente investigadas. BRASIL. Ministério Público
Federal. Caso Lava Jato: entenda o caso. Brasília, DF: MPF, 2017. Disponível em:
<http://www.mpf.mp.br/para-o-cidadao/caso-lava-jato/entenda-o-caso>. Acesso em: 30 mar. 2018.
O Departamento de justiça dos Estados Unidos considera o esquema de corrupção do Grupo Odebrecht,
investigado pela Lava Jato, como o maior pagamento de suborno da história mundial. HELCIAS, Ricardo. Para
EUA, Odebrecht praticou ‘maior caso de suborno da história’. Veja, São Paulo, 21 dez. 2016. Disponível em:
<https://veja.abril.com.br/brasil/para-eua-odebrecht-praticou-maior-caso-de-suborno-da-historia/ >. Acesso em
30 mar. 2018.
15
Nesses contornos, o problema da pesquisa gira em torno da seguinte indagação: o
acordo de leniência e o compliance constituem instrumentos idôneos no enfrentamento da
corrupção empresarial?
A hipótese eleita para a solução do problema é a de que a adoção dos programas de
compliance e de leniência, atendidos determinados critérios que serão explorados no presente
trabalho, constituem instrumentos jurídico-sociais idôneos a minimizar, eficientemente, o
impacto negativo que as relações empresariais corruptas provocam na sociedade.
A justificativa do tema eleito para este trabalho passa pela percepção de que a empresa
é instituição vencedora na sociedade. Resistente a guerras e alternâncias de regimes políticos,
a empresa insiste em perenizar-se como instrumento de circulação de riquezas. Retrações
econômicas, estatizações, taxações e tributações espoliativas sucedem ao longo da história,
mas a empresa resiste em sucumbir. Ao revés, redescobre-se, reconfigura-se, desburocratiza-
se, moderniza-se e finda por sempre sair, ao final, fortalecida.
Contudo, há um mal que, paulatinamente, vem debruçando os seus tentáculos sobre
ela: o agir corrupto, propulsor de combinações secretas, posturas sociais desleais, deliberações
antissociais e atos criminosos. Não raro, a máquina empresarial, inclusive em virtude do
sucesso de sua estrutura, como já destacado, tem se prestado para a prática de condutas
escusas e abusos de direito, com prejuízo à probidade administrativa, aos sócios minoritários,
ao meio ambiente, aos consumidores, ao sistema financeiro e, em última análise, à dignidade
da pessoa humana.
Atento a este fato, as comunidades científica e jurídica passaram a desenvolver estudos
e criar mecanismos empresariais e legais de combate a esses males, visando a conferir mais
transparência, controle e conformidade ética às atividades empresariais. Nesse cenário,
políticas de governança corporativa e compliance passaram a ser defendidas por especialistas
e, gradualmente, a entrar nas agendas das grandes empresas brasileiras.
No âmbito legal, o advento da Lei 12.846/2013 (Lei Anticorrupção) veio a suprir a
lacuna existente no ordenamento jurídico brasileiro quanto à responsabilização de pessoas
jurídicas pela prática de atos ilícitos contra a administração pública, em especial por atos de
corrupção, bem como a atender aos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil no
combate à corrupção. A novel legislação, além de valorizar os programas de integridade
corporativa (compliance), previu o instrumento do acordo de leniência anticorrupção, objeto
central da presente pesquisa.
Ocorre que estes instrumentos jurídicos e administrativos ainda carecem de profundas
reflexões acadêmicas, justificando-se a temática eleita.
16
Nesse propósito, o trabalho analisa como a Ordem Econômica Constitucional vigente
regula o instituto da função social da empresa, buscando-se uma exegese, sem descurar das
normas infraconstitucionais afins ao tema, que prime pelo equilíbrio entre a função social e os
objetivos econômicos da atividade empresarial, sendo essa a harmonização estabelecida pelo
art. 170 da CF/88 quando afirma que a ordem econômica tem como princípio a livre-
iniciativa, a livre concorrência e a redução das desigualdades sociais.
Na esteira do princípio da função social da empresa, este estudo considerará o ente
empresarial em seus perfis objetivo, subjetivo, funcional e institucional/corporativo,
defendendo-se que este importante ente social, na atualidade, pode e deve escolher um
caminho que cada vez mais se afine com os interesses da sociedade – consumidores,
fornecedores, parceiros, organizações comunitárias e demais colaboradores – a qual, por sua
vez, está cada vez mais ativa e vigilante acerca das políticas e culturas corporativas.
Em prosseguimento, demonstrar-se-á que, no paradigma da sociedade dos riscos
provenientes dos avanços tecnológicos, o homem passa a ser assombrado com perigos de toda
a ordem, presentes, por exemplo, no ar, na água e nos alimentos. Nessa nova ambiência
social, aliada à globalização e à desfronteirização, a criminalidade se alastra, não mais
respeitando barreiras sociais, políticas ou econômicas. Em tal quadro, a inépcia estatal em
combater os novos delitos praticados por pessoas físicas e jurídicas detentoras de sofisticado
aparato organizativo, findou por demover as autoridades políticas a buscar outras frentes de
atuação repressiva diluídas na sociedade civil, isto é, compartilhadas com as empresas e os
cidadãos. Eis a realidade que descortina a promoção à cultura do compliance e a adoção dos
institutos colaborativos, a exemplo do acordo de leniência.
Tal panorama determina o nascedouro de um novo marco regulatório da global law: o
encadeamento de organizações internacionais atuando em rede com atores públicos e privados
(empresas multinacionais) que se valem de instrumentos normativos oriundos do hard law, do
soft law e da autorregulação empresarial.
Neste recente marco de prevenção da corrupção globalizada, fomentado pelos
referidos instrumentos normativos internacionais, intenta-se que as empresas realizem um
sistema investigatório interno de inibição à prática de delitos e, na hipótese de sua
consumação, que os descubram e os punam, adotando medidas corretivas e entregando os
resultados das investigações internas às autoridades. Assim, elas passam a ter de fiscalizar
atos de seus clientes, comunicar operações suspeitas aos órgãos de inteligência, trabalhar para
evitar que seus empregados ou parceiros pratiquem ilícitos e, ainda, cooperar ativamente nos
17
atos de investigação. Em suma, passa-se a esperar, das empresas, que adotem efetivos
programas de integridade corporativa; leia-se: programas de compliance.
Os acordos colaborativos – delação premiada e acordo de leniência – colhem seus
fundamentos de assemelhados elementos causais, na medida em que o Processo Penal clássico
encontra dificuldades para investigar as complexas ações criminosas que advém da sociedade
de risco, a exemplo dos crimes antieconômicos, contra o meio ambiente e da criminalidade
organizada. Nessa esteira, o paradigma consensual encoraja o autor do crime a confessar e
entregar os demais envolvidos mediante o fornecimento de provas que facilitem o
aprofundamento das investigações e, permitindo, assim, que o juiz tenha acesso a documentos
que dificilmente teria sem o auxílio do delator.
Embora inicialmente projetado para a coibição de infrações à ordem econômica, o
acordo de leniência passou a se revelar como um relevante instrumento apurador de ilícitos
praticados por organizações criminosas sofisticadas, em razão da acentuada dificuldade para a
obtenção de provas.
Dentre estes ilícitos, destacam-se os atos de corrupção, motivo pelo qual a Lei
Anticorrupção, inspirada no consagrado modelo norte-americano (Leniency Program),
regulou o acordo de leniência em um capítulo próprio, de modo que o instrumento passa a se
apresentar como um meio célere de obtenção de provas e de resolução consensual do processo
administrativo de responsabilização das pessoas jurídicas pela prática de atos de corrupção.
De outro lado, os institutos consensuais plasmados na delação são criticados pela
doutrina por fundamentos que dizem respeito aos direitos e garantias individuais do acusado
(direitos a não autoincriminação, ao contraditório, à publicidade e ao devido processo legal,
etc.). Além disso, é inegável que o ato de delatar, quando se está lidando com a prática de
ilícitos praticados por mais de um agente, envolve a ideia de traição.
Esta realidade traz algumas importantes consequências, dentre as quais duas que serão,
igualmente, objeto do presente trabalho: a) a racionalização do ato de trair como uma escolha
que prepondera sobre o silêncio, máxime porque a incerteza concernente ao que o comparsa
irá fazer conduz o agente racional a delatar, de modo que esta passa a ser a estratégia
dominante e b) as eventuais implicações éticas que a tutela da traição, pela ordem jurídica
posta, eventualmente podem impingir ao Estado Democrático de Direito. Tais pontos serão
apreciados em item próprio do trabalho, sendo que, o primeiro, em cotejo com a Teoria dos
Jogos e o Dilema do Prisioneiro.
No enfrentamento das críticas éticas à delação, ver-se-á que, em outros países, como
nos Estados Unidos da América, os whistleblowers (delatores) gozam de muito maior
18
prestígio. Já aqui, no Brasil, embora a percepção da sociedade não tenha chegado a tal ponto,
a conscientização acerca dos malefícios decorrentes do agir corrupto e da impunidade, aos
poucos demonstra estar aumentando em escala, de modo que a resistência aos institutos
colaborativos parece estar, gradualmente, minorando.
O último tópico do trabalho, por fim, objetivará tecer um exame crítico-legal do
modelo do programa de leniência adotado pela legislação anticorrupção, apontando correções
e, inclusive, sugestões legislativas, as quais serão perfectibilizadas nas considerações finais.
Cabe, ainda, referir que a pesquisa, além de perscrutar conceitos dogmáticos de
Direito Penal e Administrativo-Sancionador, também investiga aspectos de Direito
Empresarial que não são, corriqueiramente, tratados pela bibliografia da Lei Anticorrupção
brasileira, normalmente mais afinada com as primeiras duas áreas de Direito citadas. A
motivação para tal opção epistemológica reside tanto na constatação da carência deste
enfoque científico, pela academia, no concernente ao tema do controle anticorrupção
empresarial, quanto pela oportunidade de se explorar e aprofundar pesquisa acerca do tema da
“Ética Empresarial” que esta autoria iniciara em anterior pós-graduação de Direito
Empresarial cursada e concluída no biênio 2014/2015.
Ao final, também merece ser esclarecido que a escassez de casos práticos franqueados
ao grande público, relativamente à celebração de acordos de leniência anticorrupção,
traduzindo um reduzido estrato informacional acerca dos meandros das negociações prévias,
bem como dos inteiros teores das disposições finais dos instrumentos firmados, determinaram
a opção epistêmica de que o alvo das pesquisas fosse a normativa legal e infralegal existente
sobre o assunto. De outro lado, a estreita contemporaneidade da legislação (2013), aliada à
reduzida firmatura de acordos ocorrida até a data de conclusão desta pesquisa, também obstou
uma análise jurisprudencial, visto que, ao revés do instituto da colaboração premiada, ainda
não sobrevieram decisões meritórias representativas do tema acordo de leniência
anticorrupção, em especial nas Cortes Superiores.
19
2 PREMISSAS CONSTITUCIONAIS E CONCEITUAIS
2.1 Função Social como Princípio da Ordem Econômica e sua Projeção do Direito
Infraconstitucional
O Estado atual apresenta especificidades bem marcantes, o que se reflete no modelo
econômico que adota. Nas palavras de André Ramos Tavares o capitalismo em voga não é
mais essencialmente liberal individualista, tendo, inclusive, assimilado conceitos socialistas,
mas sem que para o socialismo pretenda caminhar, exemplificando este diagnóstico com o
respeito à função social da propriedade e a aplicação de recursos estatais em políticas sociais
de educação, saúde e saneamento. O desafio, na sua ótica, reside em conjugar conteúdos
socialistas com as técnicas jurídico-políticas que derivam da tradição liberal-democrática.
Para tanto, o autor sugere um caminho de conciliação baseado no manejo da dignidade do ser
humano como fonte para uma construção econômica viável, ressaltando-se o social sem que
se perca de vista o individual.2
Dentre as razões para o malogro do modelo liberal clássico, André Ramos Tavares
aponta a ilusão de que o mercado seria formado por um número razoavelmente elevado de
compradores e vendedores em interação recíproca e portes equânimes. Todavia, a previsão
não se deu em função da notória existência de “leviatanescas multinacionais, cujo poder
econômico rivaliza (e por vezes corrompe) até o de Estados altamente desenvolvidos.”3 Nesse
panorama, há duas grandes consequências nefastas: a primeira é a natural capacidade dessas
grandes empresas influírem no mercado em benefício próprio e em detrimento da maioria e a
segunda é a grande possibilidade de todo o mercado se ressentir das mesmas dificuldades
2 Nas suas palavras: “A concepção de Estado liberal gerou, em momentos críticos da humanidade, uma situação
insuportável, de modo que, mesmo em países de imensa tradição liberal e capitalista, passou-se a admitir a
necessidade de intervenção do Poder Público no mercado e na economia, ainda que extremamente restrita ou
em setores específicos e predeterminados. A demanda por um Estado interventor, desta feita, decorre da
existência de falhas na concepção – utópica – liberal da economia. [...]. A concepção liberal da economia,
centrada nesse corpo místico que é o mercado, imaginava que o mercado apresentaria uma capacidade de
autocorreção, capacidade esta, inclusive, que seria automática. Nos primeiros indícios de desaquecimento de
determinada atividade econômica, os seus agentes, de pronto, tomariam as medidas necessárias para contornar
o recém-surgido empecilho ou, simplesmente, realocariam seus recursos em outras atividades econômicas.
TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo:
Método, 2011. p. 43-44. 3 TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo:
Método, 2011. p. 50.
20
sofridas por um único agente, quando alguma dessas grandes empresas experimentasse
dificuldades econômicas.4
Ainda na esteira das lições de André Ramos Tavares, é relevante a sua referência à
ilusória criação dos teóricos liberais de que o agente econômico naturalmente incorporaria
todos os efeitos positivos e negativos provenientes de sua atividade. Esse presságio não se
consagrou, existindo diversos custos cuja responsabilidade não consegue ser identificada: são
as chamadas externalidades, responsáveis por dois centrais malefícios: de um lado, a
tendência de os agentes econômicos externalizarem todos os prejuízos possíveis, a exemplo
dos resíduos poluentes, e, de outro, a busca pela internalização de todos os benefícios
produzidos, inclusive pleiteando do Estado subsídios fiscais em troca dos mesmos benefícios.5
É neste viés que atuará o Estado tanto para restabelecer a normalidade impulsionando
a mudança de condutas por meio, por exemplo, da legislação antitruste, quanto
proporcionando, diretamente, tais bens de fruição coletiva, melhor garantindo, assim, o
funcionamento do liberalismo e o aprimoramento do capitalismo.
No mesmo sentido, Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior
asseveram que o capitalismo primitivo concebia o mercado como um mecanismo
autorregulador, do qual naturalmente decorriam todas as regras econômicas. Os aspectos
básicos da economia como o mercado, as empresas e as relações de trabalho não recebiam
atenção do sistema jurídico. Nessa linha, a ordenação jurídica da economia constitui uma
preocupação recente, do início do século XX.6
Segundo Dirley da Cunha Junior, a ordem econômica e social teve sua primeira
disciplina constitucional na revolucionária Constituição Mexicana de 1917, enquanto no
Brasil, a Constituição de 1934, sob a influência da Constituição alemã de Weimar de 1919, foi
a primeira a tratar de princípios e normas relativos ao tema. Era o prenuncio de que as
Constituições não mais se limitariam ao trato da organização política do Estado, tampouco à
mera promulgação de direitos civis e políticos, mas passariam a também disciplinar questões
no âmbito do domínio privado, inaugurando o chamado Estado Social. A regulamentação do
4 TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo:
Método, 2011. p. 50. 5 Ibid., p. 51.
6 Conforme os autores: “Com efeito, a evolução das relações econômicas demonstrou uma irrecusável tendência
concentradora do capitalismo, em que o mercado, em vez de palco da concorrência entre diversos agentes
econômicos, passou a ser objeto de práticas monopolistas, partilhadas pelo chamado abuso do poder
econômico. Detectou-se, assim, a necessidade de uma ordem jurídica mais abrangente, que, ademais,
contivesse regras específicas para a regulação das relações econômicas, o que propiciou, desse modo, a
chamada constitucionalização da economia.” ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano.
Curso de direito constitucional. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 465-466.
21
conjunto da vida social, intensamente plural e complexa, propiciou o advento de
Constituições formatadas por direitos com caracteres culturais e socioeconômicos7.
Nessa progressão, Dirley da Cunha Junior define a Constituição econômica como
sendo “um conjunto de normas constitucionais que têm por objeto a disciplina jurídica do fato
econômico e das relações principais dele decorrentes”.8
A Constituição Federal de 1988 (CF/88, doravante) seguiu a mesma trilha das Cartas
pretéritas, igualmente instituindo uma ordem econômica intervencionista.
O valor da livre iniciativa (aquela que com primazia movimenta a economia) foi
colocado juntamente com o da dignidade humana como fundamento da República brasileira,
sendo mesmo impensável atingir os objetivos constitucionais inseridos no art. 3º da CF/88 –
construção de uma sociedade livre, justa e solidária; garantia do desenvolvimento nacional,
erradicação da pobreza e da marginalização, reduzindo-se as desigualdades sociais e regionais
e promoção do bem de todos –, sem a conciliação das estruturas econômicas com o respeito
ao princípio da dignidade da pessoa humana.9
Desse modo, todo instrumental econômico e jurídico do qual a sociedade
contemporânea é dotada deve, gradualmente, ser concertado para convergir com a promoção
da dignidade humana.
A par disso, tal associação entre a dignidade humana e a livre iniciativa é reprisada no
Título VII da CF/88, local onde estão contempladas as disposições referentes à ordem
econômica. No art. 170, além de estabelecer que a valorização do trabalho humano e da livre
iniciativa é o pilar da ordem econômica, tendo por finalidade assegurar existência digna a
todos, promovendo a justiça social, a Constituição Federal de 1988 elenca outros nove
princípios:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre
iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da
justiça social, observados os seguintes princípios:
I - soberania nacional;
II - propriedade privada;
III - função social da propriedade;
IV - livre concorrência;
V - defesa do consumidor;
7 A Constituição Brasileira de 1946 e, inclusive, a Carta outorgada de 1967 e a Emenda Constitucional n.º 01 de
1969 pautaram-se na positivação de uma ordem econômica essencialmente intervencionista. 8 CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de direito constitucional. 7. ed. Salvador: JusPodivm, 2013. p. 1.222 e
1.226. 9 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF, 1988.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em:
15 set. 2017.
22
VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme
o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e
prestação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003).
VII - redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII - busca do pleno emprego;
IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as
leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 6, de 1995).10
Como se vê, o constituinte igualou os valores do capital (representado pela livre
iniciativa) e do trabalho humano no mesmo patamar (art. 170 da CF/88), os quais, juntamente
com a dignidade da pessoa humana, constam como três dos fundamentos republicanos postos
no art. 1º da Carta Magna.11
Prosseguindo, na forma do parágrafo único do citado artigo, a Carta Maior estabelece
ser “assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica,
independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.”12
Já
a exploração direta de atividade econômica pelo Estado, na forma do art. 173, só será
permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse
coletivo, conforme definidos em lei e ressalvados os casos previstos na própria Constituição.
Analisando tais disposições, Roseana Cilião Sacchelli afirma que a Ordem Econômica,
estabelecida na CF/88, adotou a economia de mercado, todavia, em um regime organizado. A
intervenção do Estado ocorre como instrumento de desenvolvimento econômico e social.
Neste contexto, os agentes econômicos decidem sobre as questões fundamentais da economia,
figurando o Estado como terceiro agente, em um verdadeiro sistema econômico de
concorrência mista. Nele, o Estado interage no mercado definindo e estabelecendo as regras
para maior eficiência da economia.13
Por fim, Roseana Cilião Sacchelli alerta que a função social delineia a iniciativa do
empreendedor no sentido de nortear as ações para o bem de todos, mas nunca no sentido de
10
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF, 1988.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em:
15 set. 2017. 11
De acordo com Roseana Cilião Sacchelli: “Embora a livre iniciativa confirme o modelo econômico capitalista,
deverá respeitar os valores sociais do trabalho visando compatibilizar o regime de produção escolhido, capital e
lucro, com a dignidade da pessoa humana e a dimensão econômico-produtiva da cidadania. [...]. Assim, as
atividades empresariais devem ser norteadas pela incidência do princípio constitucional da justiça social nas
relações jurídicas empresariais em que decorrem múltiplos direitos e obrigações. [...] Desse modo, continua
prevalecendo o regime da livre iniciativa e a competição econômica. Entretanto, o lucro só será aceito como
legítimo e reconhecido como justa recompensa a ser recebida pelos investidores se obtido sem causar prejuízos
à sociedade.” SACCHELLI, Roseana Cilião. A livre iniciativa e o princípio da função social nas atividades
empresariais no contexto globalizado. Revista da AJURIS, Porto Alegre, v. 40, n. 129, p. 249-278, mar. 2013.
p. 256, 266, 268. 12
BRASIL, loc. cit. 13
SACCHELLI, Roseana Cilião. A livre iniciativa e o princípio da função social nas atividades empresariais no
contexto globalizado. Revista da AJURIS, Porto Alegre, v. 40, n. 129, p. 249-278, mar. 2013. p. 255.
23
cercear a força interna que move as atividades econômicas no desempenho da função própria
do empresário. A valorização do trabalho humano, por meio de melhores remunerações e
ambiente de trabalho, em curto prazo onera o custo de transação, mas, a médio e longo prazo,
reverte em resultados positivos para o empreendedor e para toda a sociedade. Assim, para a
autora, “a função social incidindo na propriedade, em contratos e na empresa, eleva os custos
de transação, que devem ser compensados não somente na harmonia de uma sociedade mais
justa e solidária, mas no próprio desenvolvimento.”14
Nessa linha, merece haver um equilíbrio entre a função social da empresa e os
objetivos econômicos da atividade empresarial, sendo essa a harmonização estabelecida pelo
art. 170 da CF/88 quando afirma que a ordem econômica tem como princípio a livre-
iniciativa, a livre concorrência e a redução das desigualdades sociais.
Mas é preciso ter em mira que o princípio da função social da empresa também é
corolário do próprio princípio da função social da propriedade elencado no citado art. 170 da
CF/88, o qual, como visto, regula a ordem econômica – a função social da propriedade
também é prevista nos arts. 5º, inc. XXIII, 182, §2º e 186, todos da Constituição Federal.
Assim, embora a propriedade não represente um fim em si mesma, pois dinamiza-se como
meio de obter frutos e produzir fatores econômicos, ela igualmente deve respeitar valores
sociais.15
A mensagem constitucional projeta-se de forma indelével também no âmbito
infraconstitucional. Atente-se:
A Lei de Falência e Recuperação Econômica de Empresas (Lei n. 11.101/05), em seu
art. 47, além de demonstrar a preocupação do legislador com a possibilidade de manutenção
da empresa, e não somente com os interesses creditícios envolvidos no juízo falimentar,
expressamente prevê a função social da empresa como valor presente na recuperação judicial.
Neste texto positivo, há referência expressa no sentido de que a recuperação judicial tem por
objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de
permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos
14
SACCHELLI, Roseana Cilião. A livre iniciativa e o princípio da função social nas atividades empresariais no
contexto globalizado. Revista da AJURIS, Porto Alegre, v. 40, n. 129, p. 249-278, mar. 2013. p. 275. 15
Conforme Eros Roberto Grau: A moderna legislação econômica considera a disciplina da propriedade como
elemento que se insere no processo produtivo, ao qual converge um feixe de outros interesses que concorrem
com aqueles do proprietário e, de modo diverso, o condicionam e por ele são condicionados. [...] Esse novo
direito – nova legislação – implica prospecção de uma nova fase (um aspecto, um perfil) do direito de
propriedade, diversa e distinta da tradicional: a fase dinâmica. Aí, incidindo pronunciadamente sobre a
propriedade dos bens de produção, é que se realiza a função social da propriedade. Por isso se expressa, em
regra, já que os bens de produção são postos em dinamismo, no capitalismo, em regime de empresa, como
função social da empresa”. GRAU, Eros. A ordem econômica na Constituição Federal de 1988. 7. ed. São
Paulo: Malheiros, 2002. p. 273-274.
24
credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à
atividade econômica.
Ainda, merece, também, menção a legislação do anonimato (Lei n.º 6.404/76), a qual
trata da função social da empresa como sendo uma das finalidades a serem observadas pelo
acionista controlador (art. 116, parágrafo único: “O acionista controlador deve usar o poder
com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem
deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham
e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e
atender”) e pelo administrador (art. 154: “O administrador deve exercer as atribuições que a
lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as
exigências do bem público e da função social da empresa”).16
Andre Fernandes Estevez, valendo-se de Modesto Carvalhosa, afirma que, com a
reforma introduzida pela Lei n.º 10.303/2001, tornou-se expressa a possibilidade de
vinculação de diretores e membros do Conselho de Administração ao acordo de acionistas
regulado no art. 118 da Lei n. 6.404/76. Contudo, assinala que os membros do Conselho não
estão vinculados exclusivamente aos interesses dos acionistas, de forma que o próprio acordo
atenderá ao interesse social porque a Diretoria e o Conselho de Administração não atendem
exclusivamente à vontade dos sócios.17
No âmbito contratual-empresarial, a função social está prevista no art. 421 do Código
Civil: “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do
contrato”.18
Newton De Lucca, citado por José Renato Nalini, propôs a inserção de um
dispositivo específico – na forma de um § 2º ao art. 966, assim justificando:
Em primeiro lugar, daria uma ‘demonstração de coerência interna e externa’ do
Código [...]. Em segundo lugar – e sobretudo -, pelo fato de que essa função social
deve ser cumprida, não apenas pelas sociedades em geral, mas igualmente pelo
empresário individual.19
16
BRASIL. Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as Sociedades por Ações. Brasília, DF,
1976. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L6404consol.htm>. Acesso em: 15 set.
2015. 17
CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. v. 2.
p. 540. Apud ESTEVEZ, André Fernandes. Modelos de Conselho de Administração Corporativa. Revista
Síntese Direito Empresarial, São Paulo, v. 7, n. 38, p. 38-55, maio/jun. 2014. p. 44. 18
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília, DF, 2002. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 15 set. 2015. 19
DE LUCCA, Newton. Da Ética Geral à Ética Empresarial. São Paulo: Quartier Latin, 2009. Apud NALINI,
José Renato. Ética geral e profissional. 12. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 416.
25
Contudo, não parece deva tal crítica prevalecer. É que, a rigor, a cláusula geral da
função social, conforme asseveram Nery Junior e Nery, decorrem dos próprios artigos 1º, inc.
IV, 3º, inc. I, 5º, inc. XXIII e 170, inc. III, todos da CF/88 e já mencionados no presente
trabalho, os quais alçam a cláusula geral da função social do contrato a uma magnitude
constitucional e não apenas civilística.20
No mesmo sentido é a posição de Guilherme Nogueira da Gama e Bruno Paiva
Bartholo, os quais, além de citarem o art. 422, que elenca a probidade e a boa-fé como
princípios contratuais, bem como o art. 1.228, §1º (finalidade social da propriedade), ambos
do Código Civil (CC), mencionam os “critérios dirigentes da interpretação do diploma civil
de 2002, que são a eticidade, a sociabilidade e a operabilidade” como fundamentos da função
social da empresa .21
Ainda, o Enunciado n.º 53, aprovado na I Jornada de Direito Civil do Centro de
Estudos Judiciários do Conselho de Justiça Federal conferiu a seguinte exegese ao art. 966 do
CC: “Art. 966: deve-se levar em consideração o princípio da função social na interpretação
das normas relativas à empresa, a despeito da falta de referência expressa”.22
E, por fim, o
enunciado n.º 26 da I Jornada de Direito Comercial, promovida pelo mesmo Centro de
Estudos, estabeleceu que “O contrato empresarial cumpre sua função social quando não
acarreta prejuízo a direitos ou interesses, difusos ou coletivos, de titularidade de sujeitos não
participantes da relação negocial”.23
Verifica-se, pois, que a função social da empresa é reconhecida de forma sistemática
no ordenamento jurídico brasileiro. Do conjunto de distintos dispositivos legais e
constitucionais, extrai-se o objetivo jurídico de que a empresa, ao buscar o lucro com as suas
atividades econômicas, deve igualmente atender a exigências de ordem social que buscam, em
última análise, tutelar a dignidade da pessoa humana.
Em suma, o apanhado constitucional e infraconstitucional acima enfocado denota,
expressamente, que o sistema jurídico pátrio tutela a função social da propriedade e do
contrato. E, considerando que a atividade empresarial resulta da combinação dessas duas
20
NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código civil comentado. 10. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2013. p. 627. 21
GAMA, Guilherme Nogueira da; BARTHOLO, Bruno Paiva. Função social no direito civil. 2. ed. São Paulo:
Atlas, 2008. p. 120. 22
BRASIL. Conselho da Justiça Federal. Enunciado n. 53. In: JORNADA DE DIREITO CIVIL, 1., 2002,
Brasília, DF. Enunciados Aprovados... Brasília, DF: CJF, 2002. Disponível em:
<http://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/754>. Acesso em: 15 set. 2017. 23
BRASIL. Conselho da Justiça Federal. Enunciado n. 26. In: JORNADA DE DIREITO COMERCIAL, 1.,
2012, Brasília, DF. Enunciados Aprovados... Brasília, DF: CJF, 2012. p. 53. Disponível em:
<http://www.cjf.jus.br/cjf/corregedoria-da-justica-federal/centro-de-estudos-judiciarios-1/publicacoes-
1/jornadas-de-direito-comercial/livreto-i-jornada-de-direito-comercial.pdf>. Acesso em: 15 nov. 2017.
26
grandezas, resulta inegável o culto à função social da empresa. A assimilação desta premissa é
relevante no presente trabalho porque da função social da empresa extrair-se-ão outros
conceitos centrais do presente capítulo os quais, em seu conjunto, fomentarão substrato
propedêutico fulcral na narrativa dos dois capítulos vindouros.
2.1.1 Distinções entre Função e Responsabilidade Social
A análise da função social da empresa nos remete de imediato à temática da
responsabilidade social empresarial, pois embora representem figuras distintas, a vinculação
entre elas é inevitável.
Guilherme Nogueira da Gama e Bruno Paiva Bartholo defendem que a função social
da propriedade atua sob dois âmbitos distintos de incidência: um endógeno e outro exógeno.
O primeiro domínio expressa os efeitos que o princípio irradia na ambiência interna da
empresa; e, o segundo, denota as repercussões que afetam os grupos de interesse externo.24
Nessa inteligência, a primeira vertente vincula-se, por exemplo, com as relações
trabalhistas desenvolvidas no âmbito da empresa. A esse respeito, o empresário cumprirá o
princípio da função social da empresa quando fielmente atender às normas laborais aplicáveis
à espécie, contribuindo para a criação de um ambiente de trabalho seguro e salutar, em
sintonia com os arts. 7º e 170, VIII, da CF/88. Contudo, segundo os autores citados, o valor
do trabalho humano e o seu decorrente princípio da busca pelo pleno emprego, não implicam
total inviabilidade de medidas de redução de postos de trabalho motivadas, por exemplo, pela
absorção de determinadas tecnologias da atividade empresarial, sob pena de se inviabilizar a
própria atividade econômica do empresário, o que, em última análise, viria em prejuízo ao
princípio da preservação da empresa.
A relação jurídica entre os sócios e os administradores, assim como a existente entre o
controlador e os sócios minoritários, também constituem outros grandes exemplos de
interesses afeitos à vertente endógena do princípio da função social da empresa. Conforme
Guilherme Nogueira da Gama e Bruno Paiva Bartholo, o Código Civil tendeu a reforçar a
consideração dos interesses dos sócios minoritários mediante a regulamentação do quórum
24
GAMA, Guilherme Nogueira da; BARTHOLO, Bruno Paiva. Função social no direito civil. 2. ed. São Paulo:
Atlas, 2008.
27
necessário para a aprovação de certas matérias mais relevantes e a redução do poder de
deliberação exclusiva dos administradores.25
Por fim, como espécies de interesses exógenos destacam-se três âmbitos distintos: o
concorrencial, o consumerista e o ambiental. O primeiro sufraga-se no art. 170, inc. IV da
CF/88, aliado ao §4º do art. 173 do mesmo diploma constitucional, o qual estabelece a
vedação contra o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à
eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros (objeto de legislação própria –
Lei n. 12.529/2011); já os consumidores encontram tutela constitucional expressa no inciso
IV do art. 170 da CF/88, o qual eleva a sua defesa a princípio constitucional da Ordem
Econômica, além da Lei n. 8.078/90, considerado um Código de Defesa do Consumidor de
vanguarda; e, por fim, o meio ambiente, igualmente alçado a princípio da ordem econômica,
possui previsão expressa no inciso VI do último artigo citado, inclusive mediante tratamento
diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de
elaboração e prestação, além de profusa legislação esparsa.
Desse modo, o empresário atenderá a função social quando, na realização de seu
objeto social, não contrariar as leis ambientais, trabalhistas, comerciais, consumeristas,
concorrenciais, urbanísticas, etc. Nessa ótica, pois, o cumprimento da função social da
empresa, seja em seu âmbito interno/endógeno ou externo/exógeno, verificar-se-á quando o
empresário ou a sociedade empresária exercer a sua atividade sem extrapolar os limites da lei
(dimensão negativa ou restritiva).
Há, nada obstante, quem identifique uma dimensão positiva ao referido princípio.
25
GAMA, Guilherme Nogueira da; BARTHOLO, Bruno Paiva. Função social no direito civil. 2. ed. São Paulo:
Atlas, 2008. p. 114-115.
Conforme análise sistemática dos arts. 1.071 e 1.076 do referido diploma, a saber: “Art. 1.071. Dependem da
deliberação dos sócios, além de outras matérias indicadas na lei ou no contrato:
I - a aprovação das contas da administração;
II - a designação dos administradores, quando feita em ato separado;
III - a destituição dos administradores;
IV - o modo de sua remuneração, quando não estabelecido no contrato;
V - a modificação do contrato social;
VI - a incorporação, a fusão e a dissolução da sociedade, ou a cessação do estado de liquidação;
VII - a nomeação e destituição dos liquidantes e o julgamento das suas contas;
VIII - o pedido de concordata.” e “Art. 1.076. Ressalvado o disposto no art. 1.061 e no § 1o do art. 1.063, as
deliberações dos sócios serão tomadas:
I - pelos votos correspondentes, no mínimo, a três quartos do capital social, nos casos previstos nos incisos V
e VI do art. 1.071;
II - pelos votos correspondentes a mais de metade do capital social, nos casos previstos nos incisos II, III, IV e
VIII do art. 1.071;
III - pela maioria de votos dos presentes, nos demais casos previstos na lei ou no contrato, se este não exigir
maioria mais elevada.” BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília,
DF, 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 15 set.
2015.
28
É o caso de Ricardo Lupion Garcia, para quem:
Inicialmente a empresa era vista apenas com o escopo de dar lucro ao seu dono e de
desenvolver produção, mas depois ganharia sua própria vida, e o dono ou chefe
seriam apenas a cabeça ou a alma do negócio, como esclareceu Menezes Cordeiro –
com apoio em Wilhelm Endemann – ao examinar o termo Geschäft. Mas foi na
década de trinta do século passado que Berle e Means, na célebre obra The modern
corporation & private property, sustentaram que a empresa é um meio de organizar
a vida econômica e que a moderna sociedade anônima não deveria servir apenas aos
proprietários, mas a toda sociedade, ideia que se desenvolveu ao longo do século
passado.26
Segundo o autor, impende reconhecer-se uma dimensão positiva da função social da
empresa em razão de seu importante papel e da relevância social do seu funcionamento em
um sistema econômico capitalista. Com a geração e a circulação de riquezas, a empresa
produz os recursos financeiros necessários para a implementação das políticas públicas do
Estado de proteção à vida (segurança pública), à saúde (gratuidade do tratamento médico,
com a construção de hospitais públicos e o fornecimento gratuito de medicamentos) e ao meio
ambiente saudável (promovendo a educação ambiental, a fiscalização e punição dos
infratores).27
Na ótica de Ricardo Lupion, em face da opção do Constituinte de 1988 de afastar o
Estado do exercício das atividades econômicas, reservando-as para a iniciativa privada, as
atividades realizadas pelas empresas assumem papel relevante para a melhoria da vida dos
cidadãos. É nesse contexto que advém a dimensão positiva da função social da empresa,
compreendida como núcleo propulsor da criação e geração de riquezas necessárias para que o
Estado, por meio dos tributos sobre elas incidentes, possa programar as suas políticas públicas
e oferecer condições para que os trabalhadores tenham salário digno, assistência à saúde e à
previdência e educação.
Além dessa contribuição para o financiamento das políticas públicas do Estado
(realidade econômica), a dimensão positiva da função social da empresa também se manifesta
por meio da implementação, pela própria empresa, de programas de inclusão social para os
seus empregados e colaboradores em face do precário funcionamento do serviço público de
educação, saúde, trabalho, previdência social, entre outras (realidade social).28
A ideia, pois, de que a função social da empresa, além de uma dimensão negativa
(compreendida como a abstenção de lesar terceiros) também possui uma dimensão positiva,
26
LUPION, Ricardo. Função social do contrato empresarial. Revista Síntese Direito Empresarial, São Paulo,
v. 6, n. 35, p. 38-51, nov./dez. 2013. p. 38. 27
Ibid., p. 39. 28
Ibid., p. 42.
29
conforme apregoa Ricardo Lupion, parece se afinar com o substrato da ideia de
Responsabilidade Social, o que doravante inspirarão algumas providentes reflexões.
Conforme Letícia Caroline Méo, a função social da empresa decorre da interpretação
conjunta dos dispositivos legais que a ela fazem referência, a exemplo daqueles já citados no
item anterior, os quais determinam a todos os empresários e sociedades empresárias a
obrigação de cumprirem as normas esparsas do sistema jurídico, imprimindo às suas
atividades, além de um papel econômico, também um ambiental e social. Mas isso não deve
ser confundido com responsabilidade social, a qual se trata de prática voluntária (não há
obrigação legal) cuja expressão foi recentemente reconhecida por várias organizações
internacionais e pelas instituições da União Europeia, existindo redes de empresas mundiais
que discutem o tema, tais como a World Corporate Social Responsability, a Corporate Social
Responsability Europe e a Business for Social Responsability.29
A responsabilidade social, nessa ótica, traduz uma série de medidas sociais e
ambientais tomadas tanto nas atividades empresariais em sentido estrito, quanto na interação
com a comunidade. Assim, por interesse próprio, as empresas tornam-se, mais do que
organizações econômicas, agentes sociais proativos frente aos objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II -
garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as
desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem,
raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.30
Desse modo, enquanto a função social repousa no plano da legalidade, a
responsabilidade social encontra-se no da liberalidade, e, assim como a primeira, também
29
MÉO, Letícia Caroline. Empresas sociais, função social da empresa e responsabilidade empresarial social.
Revista de Direito Privado, São Paulo, v. 15, n. 59, p. 193-230, jul./set. 2014. p. 221-222. 30
Para Nalini, responsabilidade social: “É o plus que a empresa pode oferecer à comunidade, além do legítimo
interesse de exercer uma atividade lucrativa. Ou, conforme já se definiu, a responsabilidade social da empresa
é a integração voluntária das preocupações sociais e ecológicas das empresas às suas atividades comerciais e às
relações com todas as partes envolvidas interna e externamente (acionistas, funcionários, clientes, fornecedores
e parceiros, coletividades humanas), com o fim de satisfazer plenamente as obrigações jurídicas aplicáveis e
investir no capital humano e no meio ambiente. [...].” NALINI, José Renato. Ética geral e profissional. 12.
ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 416-417. Na mesma linha, Guilherme Nogueira da Gama e
Bruno Paiva Bartholo apontam sintomática distinção entre os dois conceitos: “Outra diferença reside na
limitação objetiva do raio de aplicação da função social da empresa às atividades que constituem os elementos
daquela, as quais coincidem, como regra, com o objeto social desenvolvido pela sociedade empresária ou pelo
empresário, ao passo que a responsabilidade social abrange as atividades não consubstanciadas no objeto
social da empresa, que não constituem a sua finalidade, sendo simplesmente benéficas à sociedade. Assim
como a função social da empresa, como oportunamente se verá adiante, a responsabilidade social pode ser
dividida em uma espécie interna, relativa a preocupações com as condições de trabalho e demais questões dos
funcionários da empresa, e em outra externa, correspondente a cuidados com a comunidade, nas figuras de
clientes, de fornecedores e de entidades públicas.” GAMA, Guilherme Nogueira da; BARTHOLO, Bruno
Paiva. Função social no direito civil. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 108.
30
possui uma espécie endógena, relacionada aos fatores internos de produção, como as relações
trabalhistas e os interesses dos sócios, e uma espécie exógena, vinculada com os fatores
externos às atividades empresariais, alcançando o meio ambiente, consumidores e a
comunidade em geral. Adotando a responsabilidade social, os empresários ultrapassam o
mero cumprimento legal, interno e externo, da função social de sua empresa e vão além de
tais exigências, dispondo-se a cumprir tarefas que seriam em tese do Estado, oferecendo
serviços, amparo, formação profissionalizante e cultura.
Em suma, a responsabilidade social parece mais se relacionar com a ideia de
“cidadania empresarial”, correspondendo a uma recente etapa de maior conscientização do
empresariado no pertinente aos problemas sociais e ao seu potencial papel na correspondente
solução, independentemente do objetivo da empresa aderente não ser tão nobre, como, por
exemplo, visar apenas atrelar a seu empreendimento uma imagem positiva junto à
comunidade, a qual é composta por potenciais consumidores de seus produtos e serviços.31
Conforme esclarece Wilges Bruscato, embora a empresa que demonstre ter
compromisso social tenha a sua imagem cada vez mais valorizada pelos empresários,
consumidores e todas as demais partes interessadas (stakeholders), não se pode conceber a
responsabilidade social como uma exigência. No Brasil ela ainda é um diferencial competitivo
valioso que se soma aos demais elementos do aviamento do estabelecimento, mas “à medida
que a população for recebendo educação e informação de qualidade, talvez essa participação
seja requisitada com mais intensidade”.32
É ilustrativo o exemplo de Viviane Perez, no sentido de que assim como não se
poderia imaginar aplicar o princípio da função social da propriedade para obrigar particulares
a oferecer abrigo em suas casas a “sem-tetos”, de maneira semelhante não se presta a função
social da empresa para coagir empresas a fornecer educação gratuita aos filhos de seus
funcionários, ou a contratar novos empregados, ou a deixar de dispensá-los, “em detrimento
da informatização da linha de produção capaz de garantir um implemento na capacidade
produtiva e uma ampliação da margem de lucro”.33
Eis ai relevância da distinção conceitual entre as noções de função social e de
responsabilidade social da empresa. Embora ambas tenham aplicação interna/endógena e
31
GAMA, Guilherme Nogueira da; BARTHOLO, Bruno Paiva. Função social no direito civil. 2. ed. São Paulo:
Atlas, 2008. p. 107. 32
BRUSCATO, Wilges. Manual de direito empresarial brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 50. 33
PEREZ, Viviane. Função Social da Empresa: uma proposta de sistematização do conceito. 2004. Dissertação
(Mestrado em Direito Civil) - Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2004. Apud GAMA, Guilherme Nogueira da; BARTHOLO, Bruno Paiva. Função social no direito
civil. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 109.
31
externa/exógena no âmbito da empresa, sua distinção se acentua especialmente devido à
imperatividade decorrente da função social e à falta de coercibilidade da responsabilidade
social. Além disso, a função social é atendida simplesmente quando o empresário, ao
desenvolver sua atividade em busca de lucro, assim o faz mirando valores constitucionais e
legais, ou seja, sem contrariar a lei e fomentando os princípios magnos de preservação do
meio ambiente, valorização do trabalho e defesa do consumidor. De outro lado, a
responsabilidade social constitui um plus ético externado mediante comportamentos positivos
e políticas sociais que não estão codificados pela lei.
Conceitualmente, em suma, conclui-se que todas as empresas estão submetidas ao
instituto jurídico da função social da empresa; e, ao contrário, nem todas possuem políticas de
responsabilidade social.
Nada obstante, o empresariado aos poucos vem despertando para a realidade de que
não mais basta apenas ser eficiente em seu negócio. Exigências ambientais, sociais, políticas e
morais generalizadas evidenciam que a empresa não mais é apenas uma organização
econômica, mas uma instituição de múltiplos escopos além dos imediatos da função
empresarial.34
Se todos esses novos fatores vem exigindo mais de todos, com a empresa não
poderia ser diferente. Conforme bem apanhado por Renato Nalini: “A empresa tem
compromisso com o porvir e, se fechar os olhos para ele, poderá colher insucessos que tolham
o seu futuro.”35
Ademais, essa ampliação de fins da empresa considerada em seu perfil institucional ou
corporativo, acarretou o surgimento do termo stakeholder, que, conforme Graziela Maria
Rigo Ferrari e Ricardo Lupion Garcia, abrange, “além dos sujeitos que têm poder de
determinar diretamente a conduta da empresa, outros que, embora não o tenham, possuem
alguma espécie de interesse em como essas atividades são desenvolvidas”.36
Nesse conceito,
então, se incluem acionistas, empregados, fornecedores, consumidores, parceiros, os
governos, a sociedade, bem como as associações e os órgãos de proteção de interesses
específicos, como os ambientalistas e os de defesa do consumidor, personagens que cada vez
mais têm sido ouvidos e atendidos em suas expectativas.
34
TOFFLER, Alvin. A terceira onda. Tradução de João Távora. 27. ed. Rio de Janeiro: Record, 2003. 35
NALINI, José Renato. Ética geral e profissional. 12. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 417. 36
FERRARI, Graziela Maria Rigo; GARCIA, Ricardo Lupion. Função social da empresa: dimensão positiva e
restritiva e responsabilidade social. Revista Síntese Direito Empresarial, São Paulo, v. 8, n. 45, p. 15-35,
jul./ago. 2015. p. 31.
32
Ainda, conforme Renato Nalini:
Aí que entra a ética da empresa. Os consumidores hoje são mais bem informados e
serão fiéis a marcas e organizações que lhes deem razões para confiar. A impressão
que as pessoas têm da empresa está vinculada ao conceito de responsabilidade
social. Ou seja, a empresa não tem apenas de procurar o lucro. Precisa também
exercer o seu papel social. Ela é um agente produtor, dela dependem muitas pessoas
e ela interage com o meio em que atua. Não pode permanecer alheia às
transformações que afetam a sociedade. [...] Cumpre a cada empresa – qualquer que
seja o seu tamanho ou ramo de atuação – detectar os temas emergentes e
motivadores de preocupação comunitária, com vistas a adequarem suas políticas de
responsabilidade social às expectativas dos grupos parceiros. Dentre esses temas
avulta o meio ambiente, a saúde e o bem-estar de todos, mas, principalmente, dos
empregados e dos moradores nas imediações da empresa, a violência e a segurança,
a diversidade e os direitos humanos, entre muitos outros. Por óbvio, a seleção dos
temas depende da inserção concreta na comunidade, de seu ramo de atuação, do
número de empregados, das condições de trabalho, além de tantos outros fatores.
[...] As empresas, por conhecerem o mercado, são hábeis ao descobrir o anseio por
ética. Sentem o clamor da população desiludida com o governo, desconfiada de toda
atuação pública, a exigir compostura e retidão de conduta. Se conseguem preencher
esse vácuo moral com atuação reconhecida pelos parceiros, agregarão ao valor
intrínseco daquilo que produzem – bens e serviços – um capital efetivo. Conseguem
reputação.37
O autor acrescenta que a boa reputação é um ativo intangível que corresponde “a gozar
de prestígio ou a construir um nome ao longo de anos”, vinculando-se “à identidade
corporativa ou pessoal, constituída pelos traços mais expressivos que observadores atribuem”
e, por fim, derivando “de uma percepção cristalizada e que vai sendo forjada, dia após dia, à
medida que a organização ou o profissional satisfaz as expectativas de seus stakeholders”. Já
não satisfaz à comunidade saber que uma empresa produz apenas produtos e presta serviços
de boa qualidade, ela exige que aqueles que retiram seus lucros dessas atividades, devolvam
mais à comunidade, daí a importância crescente da responsabilidade social, a qual Nalini
aponta como sendo o nome empresarial para a “responsabilidade ética”.38
De outro lado, embora os postulados da função social e da responsabilidade social da
empresa não se confundam, conforme critérios acima analisados, eles se complementam na
fundamentação de uma teoria ética empresarial. Os dispositivos constitucionais e legais
reguladores da função social da empresa acabam por fomentar a cultura ética no seio
empresarial mediante a adoção de ações e políticas que tem por fim melhor executar esses
comandos normativos.
No concernente à função social, merece ser reiterado o exemplo, por sua pertinência
temática, relacionado às disposições legais do Código Civil que regulam o quórum necessário
37
NALINI, José Renato. Ética geral e profissional. 12. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 418-420. 38
Ibid., p. 420-421.
33
para a aprovação de certas matérias mais relevantes, reduzindo o poder de deliberação
exclusiva dos administradores, conforme análise sistemática dos arts. 1.071 e 1.076 do
Código Civil. Tais comandos fomentam o respeito aos interesses minoritários e um agir
transparente por parte da administração, concitando-a a, com lisura, se empenhar na tutela dos
interesses da sociedade. E, de tanto se comprovar na prática o quanto tal filosofia é salutar,
similares preceitos vieram a integrar o conceito de governança corporativa, cada vez mais
propagada na atualidade por meio de associações como o IBGC – Instituto Brasileiro de
Governança Corporativa -, inclusive com o incentivo da BOVESPA – Bolsa de Valores de
São Paulo (assunto do tópico 2.3).
Já no respeitante à responsabilidade social, a prática reiterada de uma série de normas
e padrões de comportamento visando atender aquilo que as partes interessadas da empresa
reivindicam como legítimo e correto finda por construir uma imagem institucional própria da
empresa e a desfraldar a bandeira de suas causas mais genuínas. Não raro, tais ideologias
corporativas findam por redundar em medidas de compliance de feição a conformar todos os
colaboradores aos padrões institucionais, a exemplo da elaboração de códigos de ética
destinados a regular a postura dos colaboradores da empresa (administradores, sócios,
empregados e fornecedores).
Enfim, função e responsabilidade social da empresa constituem matrizes conceituais
complementares que, a par de sua relevância intrínseca, fundam e agregam com solidez
valorativa outras categorias jurídico-empresariais, tais quais os institutos da governança
corporativa e do compliance, ambos compondo vindouros itens deste estudo. Antes de a eles
se passar, todavia, cumpre primeiramente melhor explorar a concepção
corporativa/institucional da empresa, germe da governança corporativa.
2.2 Visão Corporativa da Empresa
O presente item tem por objeto a concepção institucional/corporativa da empresa,
primordialmente identificada pelo jurista italiano Alberto Asquini. Além de se delimitarem
seus quadrantes conceituais, apreciarem-se e rebaterem-se as críticas que a teoria recebeu,
buscar-se-á, com apoio na doutrina especializada, resgatar a tese do autor peninsular
demonstrando que sua ideia base revela-se sensivelmente harmonizada com os predicativos
mais modernos do direito empresarial do século XXI.
O Código Civil Italiano de 1942, em razão da multiplicidade de usos da palavra
empresa, ensina Ricardo Negrão, preferiu não defini-la, optando por apenas conceituar
34
empresário. A versão brasileira optou pelo mesmo caminho na redação do art. 966 do Código
Civil: “Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica
organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.” Desse modo, o perfil
subjetivo de quem exerce a empresa (o empresário), definido como o sujeito (empresário
individual, sociedade empresária ou empresa individual de responsabilidade limitada - Eireli)
que, em nome próprio, exerce, de forma profissional, a atividade econômica organizada, teria
sido o modelo adotado no Brasil a partir do Código Civil de 2002. Com base nesse critério,
transparente resulta a distinção entre empresário e empresa, visto que, no primeiro, temos o
sujeito de direito e, na segunda, mesmo como exercício de direito, o objeto de direito.39
Nada obstante, por se afinar aos propósitos metódicos deste estudo, importa ampliar
em parte esta inteligência e citar a teoria dos perfis da empresa, ou poliédrica, de Alberto
Asquini, surgida na sequência da aprovação do Código Civil italiano de 1942 e mencionada
amplamente pela doutrina pátria e estrangeira como talvez a sistematização que mais já se
repercutiu, com críticas positivas e negativas, acerca do tema.40
Alberto Asquini concluiu que a empresa pode ser vista sob diversos ângulos, conforme
os vários elementos que nela se inserem.
O primeiro aspecto, denominado perfil subjetivo, se relaciona às pessoas dos
empreendedores que exercem a atividade empresarial. O perfil funcional, de outro lado,
destaca-se pela face dinâmica, pela força em movimento que significa a atividade empresarial
voltada para um escopo produtivo. O perfil objetivo, por sua vez, refere-se à empresa como
patrimônio, que nada mais é do que o estabelecimento empresarial definido como complexo
de bens móveis e imóveis, corpóreos e incorpóreos, utilizado pelo empresário para o exercício
de sua atividade empresarial. E, por fim, pelo perfil corporativo ou institucional, a empresa é
vista como o resultado da organização do pessoal, formado pelo empresário e por seus
colaboradores, criando uma filosofia e ideologia próprias de cada empresa.41
Waldírio Bulgarelli se distancia da teoria de Alberto Asquini para conceber não
quatro, mas apenas três aspectos jurídicos significativos de empresa: o empresário (perfil
39
NEGRÃO, Ricardo. Manual de direito comercial e de empresa. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. v. 1. p. 64-
65. 40
Ricardo Negrão menciona que a teoria poliédrica de Asquini foi a tentativa de definição jurídica de empresa
que mais se destacou na doutrina empresarial, merecendo profundo e completo estudo de juristas brasileiros,
dos quais se notabilizou Waldirio Bulgarelli. A tese do renomado jurista italiano foi publicada na Rivista del
Diritto Commerciale, em 1943, e traduzida no Brasil por Fábio Konder Comparato na Revista de Direito
Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo: RT, v. 35, n. 104, out./dez. 1996. NEGRÃO,
Ricardo. Manual de direito comercial e de empresa. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. v. 1. p. 64. 41
ASQUINI, Alberto. Profili dell’impresa. Rivista del Diritto Commerciale, Padova, v. 41, n. 1, p. 109-126,
1943. p. 114-125.
35
subjetivo), o estabelecimento (perfil objetivo ou patrimonial) e a empresa (perfil funcional ou
exercício da atividade empresarial), desconsiderando o perfil corporativo ou institucional,
assim:
Essa ideia de organização de pessoas, como corpo social, estruturada com base
numa hierarquia em relação a uma ideia diretriz, capaz de manter sua integridade
apesar das mutações em seus elementos, está contida também em Hauriou e seus
seguidores. Mas, primeiro, é incontestável que se trata de visão sociológica; e
segundo, que dá relevo aos aspectos da organização estável que sobrevive e
permanece independentemente das vicissitudes de seus membros, em razão de uma
ideia a realizar. Nesse sentido é que é vista comumente, atribuindo-se essa
designação às escolas, às sociedades, às fundações e ao próprio Estado. Mas,
certamente, não tem correspondência às categorias jurídicas; referindo-se à
instituição como um conjunto de regras estáveis, ou uma organização de pessoas e
de bens, terá sua importância para influenciar o jurista ou o legislador, em termos
axiológicos talvez, mas, sem dúvida, não permite sua qualificação entre as
categorias jurídicas fundamentais.42
O mestre paulista não acolhe todos os quatro aspectos da teoria poliédrica de Alberto
Asquini, acentuando que a empresa concebida sob este tripé conceitual (subjetivo, objetivo e
funcional) constitui critério orientador para a qualificação do empresário, sem que fique
ausente a referibilidade ao estabelecimento, o qual exsurge do conceito de organização técnica
dos bens e ao empresário, como agente dessa atividade, revelando assim a íntima conexão
deste tríplice conceito. A partir desses elementos, Waldírio Bulgarelli define empresa como
“atividade econômica organizada de produção e circulação de bens e serviços para o mercado,
exercida pelo empresário em caráter profissional, através de um complexo de bens.”43
Fábio Ulhoa Coelho também tece críticas ao mestre italiano, vindo a expor veementes
ressalvas à teoria dos perfis da empresa:
A visão multifacetária da empresa proposta por Asquini, sem dúvida, recebe apoio
entusiasmado de alguma doutrina (entre nós, Marcondes, 1977:7/8), mas dos quatro
perfis delineados apenas o funcional realmente corresponde a um conceito jurídico
próprio (cf. Ferrara, 1945:90/91). Os perfis subjetivo e objetivo não são mais que
uma nova denominação para os conhecidos institutos de sujeito de direito e de
estabelecimento empresarial. O perfil corporativo, por sua vez, sequer corresponde a
algum dado de realidade, pois a ideia de identidade de propósitos a reunir na
empresa proletários e capitalistas apenas existe em ideologias populistas de direita,
ou totalitárias (como a fascista, que dominava a Itália na época).44
42
BULGARELLI, Tratado de direito empresarial. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1995. p. 87-88. Apud NEGRÃO,
Ricardo. Manual de direito comercial e de empresa. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. v. 1. p. 68. 43
BULGARELLI, Tratado de direito empresarial. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1995. p. 100. Apud NEGRÃO,
Ricardo. Manual de direito comercial e de empresa. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. v. 1. p. 68-69. 44
COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de direito comercial. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. v. 1. p. 19.
36
Para o autor, assim:
Empresa é a atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens
e serviços. Sendo uma atividade, a empresa não tem a natureza jurídica de sujeito de
direito nem de coisa. Em outros termos, não se confunde com o empresário (sujeito)
nem com o estabelecimento (coisa).45
Marlon Tomazette perfilha do mesmo entendimento. Segundo o autor, a concepção de
Asquini, embora tenha tido o mérito de trazer à tona vários conceitos intimamente
relacionados ao de empresa, os quais traduziram o fenômeno da empresarialidade,
hodiernamente parece estar superada, por ter confundido a noção de empresa com outras
noções, o que demonstraria a imprecisão terminológica do Código Italiano. Segundo o autor,
o perfil corporativo não encontraria fundamento em dados, mas apenas em ideologias
políticas que influenciaram a concepção fascista da elaboração do Código Italiano.46
Ricardo Negrão, da mesma forma, aderindo às críticas de Waldirio Bulgarelli, utiliza
apenas os aspectos subjetivo, objetivo e funcional fixados pela teoria poliédrica para discorrer
as suas lições sobre o tema.47
Por fim, André Luiz Santa Cruz Ramos, igualmente, levanta as similares críticas ao
perfil corporativo da empresa, imputando-o de ultrapassado porque “só se sustentava a partir
da ideologia fascista que predominava na Itália quando da edição do Código Civil de 1942”.48
Não há como se apartar a mencionada controvérsia do aperfeiçoamento experimentado
pelas sociedades de capitais no século XX, mediante a separação entre propriedade e controle,
o que, segundo André Fernandes Estevez, teve como uma das consequências outra discussão
jurídica, qual seja, a criação de duas teorias antagônicas no direito societário, a saber, a
contratualista e a institucionalista.
Embora nutrindo imenso respeito à posição dos ilustrados juristas, de destacada
grandeza na doutrina pátria, que recusam o perfil institucional da empresa, adere-se, neste
estudo, à posição de Wilges Bruscato, para quem, embora se alastre a ideia de que a teoria dos
perfis da empresa se encontra superada, pois, na atualidade, juridicamente a empresa é vista
como a atividade econômica organizada, mesmo esse conceito jurídico não se divorcia
totalmente da referida teoria, a qual ainda enseja profícuas reflexões.49
45
COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de direito comercial. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. v. 1. p. 19. 46
TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2009. v. 1. p. 37. 47
NEGRÃO, Ricardo. Manual de direito comercial e de empresa. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. v. 1. p. 68. 48
RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito empresarial esquematizado. 3. ed. São Paulo: Método, 2013. p.
11. 49
BRUSCATO, Wilges. Manual de direito empresarial brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 83.
37
Como visto, há pontos em que o consenso prepondera. Primeiramente, no pertinente à
conclusão de que o conceito jurídico de empresa, entendida como atividade determinada,
planejada e executada segundo um padrão de continuidade, coincide com o nominado perfil
funcional de empresa. Por segundo, de que esta atividade deve ser exercida por alguém
(algum dos possíveis sujeitos do Direito Empresarial), residindo ai o perfil subjetivo da teoria.
E, por fim, de que, em proporção diminuta ou não, sempre haverá bens envolvidos na
prestação da atividade, não havendo mesmo como dar início à exploração empresarial sem a
organização de um estabelecimento (perfil objetivo).
Já quanto ao perfil corporativo, embora se o atribua a uma concepção política
dominante à época da edição do Código Civil Italiano de 1942 (populismo, totalitarismo,
fascismo, etc.), endossa-se o entendimento de Wilges Bruscato no sentido de que este perfil
está presente na empresa moderna, visto ser razoável concebê-la como uma corporação,
instituição ou organização, já que envolve a reunião de pessoas em torno de um mesmo
objetivo. Assim, ela é a mobilização das forças e das ideias dos agentes que nela atuam, sejam
os empreendedores ou os colaboradores.50
Assim, em que pese as críticas originais de Waldírio Bulgarelli e de Fábio Ulhoa
Coelho, às quais ulteriormente conquistaram seguidores mais modernos, no sentido de que o
perfil coorporativo estaria contaminado por uma “visão sociológica” ou “axiológica” que
“não permitira a sua qualificação entre as categorias jurídicas fundamentais”, rebate-se que a
autonomia ou “pureza” absoluta do direito (valendo-se da expressão cunhada por Hans
Kelsen, jusfilósofo austríaco, cuja obra Teoria Pura do Direito se insere nos cânones da escola
juspositivista) sempre foi alvo de críticas contundentes na história da evolução dogmática do
direito sendo que, mesmo entre muitos de seus representantes, manteve-se hígida a ideia de
que a validade do direito vincula-se ao requisito fático de eficácia social mínima, o qual se
relaciona ao requisito de legitimidade do sistema jurídico.51
A esse respeito, Paulo Nader bem sintetiza a mútua dependência entre direito e
sociedade:
50
BRUSCATO, Wilges. Manual de direito empresarial brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 84. 51
No mesmo tom, cita-se a doutrina de J. X. Carvalho de Mendonça: “[...] o direito não se inventa, não nasce do
arbítrio, nem surge espontaneamente dos congressos legislativos. Desenvolve-se no terreno social, num
ambiente histórico, em relação ao grau de civilização, aos usos e costumes, à organização política dos
Estados. [...] o direito comercial não se formou numa época, nem no meio de um só povo. A cooperação de
todos os povos em tempos sucessivos, firmada fundamentalmente nas bases econômicas, é que constituíram e
lhe imprimiram o caráter autônomo.” MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado de direito comercial
brasileiro. São Paulo: Freitas Bastos, 1953. v.1. p. 49 e 51. Apud BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Márcia
Carla Pereira. Curso avançado de direito comercial. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 34.
38
Direito e sociedade são entidades congênitas e que se pressupõe. O direito não tem
existência em si próprio. Ele existe na sociedade. A sua causa material está nas
relações da vida, nos acontecimentos mais importantes para a vida social. A
sociedade, ao mesmo tempo, é fonte criadora e área de ação do Direito, seu foco de
divergência. Existindo em função da sociedade, o Direito deve ser estabelecido à sua
imagem, conforme as suas peculiaridades, refletindo os fatos sociais, que significam,
no entendimento de Émile Durkheim, maneiras de agir, de pensar e de sentir,
exteriores ao indivíduo, dotadas de um poder de coerção em virtude do qual se lhe
impõe. Fatos sociais são criações históricas do povo, que refletem os seus costumes,
tradições sentimentos e cultura. A sua elaboração é lenta, imperceptível e feita
espontaneamente pela vida social. Costumes diferentes implicam fatos sociais
diferentes. Cada povo tem a sua história e seus fatos sociais. O Direito, como
fenômeno de adaptação social, não pode formar-se alheio a esses fatos. As normas
jurídicas devem achar-se conforme as manifestações do povo.52
Não há como analisar, pois, o fenômeno empresa sem aliarmos, à epistemologia
jurídica, a sociológica. E não há nenhuma coincidência nisso: no curso da história humana, as
atividades empresariais representam relevante ramificação das relações econômicas do
homem enquanto sujeito inserido em uma sociedade. Conforme Giuseppe Ferri:
“Apresentando o fenômeno econômico da empresa, perante o Direito, aspectos diversos, não
deve o intérprete operar com o preconceito de que o mesmo caiba, forçosamente, num
esquema jurídico unitário.”53
Alerte-se que não se esta aqui a defender um apego exacerbado da ciência jurídica à
sociológica, mas apenas reconhecendo a sua inexorável relação. Conforme explica Miguel
Reale, não se deve conceber que a sociologia jurídica possa explicar todo o mundo jurídico
“até ao ponto de negar autonomia à jurisprudência, reduzindo-a a uma arte de bem decidir
com base nos conhecimentos fornecidos pelos estudiosos da realidade coletiva”, mas sim
reconhecer que “não há, inegavelmente, fenômeno jurídico que não se desenvolva em certa
condicionalidade histórico-social”.54
Assim, embora não se deva conferir aos fatores sociais “a primazia, quando não a
exclusividade na produção do fenômeno político e jurídico”, deve-se ter por mira que todo e
qualquer sistema de normas jurídicas é impulsionado por um conjunto de fatos de natureza
social, política ou econômica. Segundo o mestre paulista, pois, “devemos evitar o simplismo
das explicações unilaterais, características de uma época de naturalismo sequioso de encontrar
a ‘raiz’ única dos processos humanos.” E ele conclui: “Quase se pode dizer que existe hoje
52
NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 34. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 28. 53
FERRI, Giuseppe. Manuale di Diritto Commerciale. Torino: UTET, 1950. p. 25. Apud BRUSCATO, Wilges.
Manual de direito empresarial brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 85. 54
REALE, Miguel. Filosofia do direito. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 434.
39
acordo no reconhecimento de que tais explicações redutivistas mutilam a verdadeira natureza
da sociedade e do Estado.”55
De outro lado, e agora considerando especialmente a crítica de Fábio Ulhoa Coelho,
no sentido de que a visão institucional da empresa, concebida por Alberto Asquini, sequer
corresponderia a um “dado de realidade”, apenas existindo em ideologias populistas de
direita, ou totalitárias, contrapõe-se o argumento de que eventuais deformações sócio-políticas
não parecem ser motivo suficiente a decretar, de forma inapelável, a inocuidade de categorias
ou conceitos jurídicos.
É verdade que fatores externos ao direito podem repercutir negativamente na aplicação
de seus institutos, até porque, como já se teve a oportunidade de demonstrar, o Direito não
tem existência em si próprio, mas sim na sociedade. Agora, não parece acertado concluir que
os consectários sociais negativos de uma dada época seriam o bastante para se refutar, de
forma universal, certas concepções jurídicas. Cada povo tem sua história e seus fatos sociais,
de modo que categorias jurídicas deturpadas no passado por uma determinada ideologia
vigente no seu contexto sócio-político podem simplesmente adequar-se em uma estrutura
social diversa no tempo e no espaço.
Na concepção defendida neste estudo, tal é o que sucede com o perfil corporativo ou
institucional da empresa na atualidade, quando vem se acentuando a visão da empresa como
sendo um ente organizacional-institucional, aliado à implantação de programas de governança
corporativa e compliance, os quais buscam engajar a comunidade empresarial em modelos de
transparência, compartilhamento de gestão, conformidade a padrões éticos e responsabilidade
social.56
55
REALE, Miguel. Filosofia do direito. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 435. 56
Acerca dessa visão organizacional da empresa, vale transcrever excerto de ensaio da autoria de Giovani
Magalhães Martins Filho: Retomando o raciocínio exposto anteriormente, discorda-se aqui da doutrina
dominante, na conceituação de empresa. A doutrina majoritária, como visto, reduz os quatro perfis de Asquini,
considerando apenas três como de relevância e de importância, que seriam os perfis subjetivo, objetivo e
funcional. Com os perfis subjetivo e objetivo, restam definidos, respectivamente, o empresário e o
estabelecimento. O perfil funcional é tido pelos juristas como o conceito próprio de empresa. Por ele, a
empresa seria a atividade econômica realizada pelo empresário, no estabelecimento, descartando-se o perfil
corporativo ou institucional. O aludido perfil só existiu por razões políticas existentes à época de discussão e
aprovação do Código Civil Italiano. Acontece que é justamente o perfil corporativo que os economistas se
utilizam para definir a empresa, desde que se retire do referido perfil qualquer traço ou conotação meramente
política. A definição dada por Asquini para tal perfil é, em síntese, a definição de firma dada por Coase. O
perfil corporativo de Asquini tem a mesma definição da firma de Coase, vale dizer, a relação existente entre o
empresário e seus diversos colaboradores, visando tal relação a um fim comum, equivale, em outros termos,
dizer que a firma é uma coordenação de contratos, um feixe de contratos organizados e coordenados pelo
empresário. Paula Andrea Forgioni (2009, p. 82-83), após ressaltar que com a derrocada do regime fascista
houve, doutrinariamente, um movimento visando a neutralizar o conceito de empresa, ensina: Vimos que, nos
anos 1950 e 1960, a doutrina italiana esforçou-se para içar a empresa do contexto fascista que lhe deu origem;
a partir dos anos 1960, com a ligação entre empresa e liberdades econômicas, esse passado vai sendo
definitivamente sepultado. Os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência concretizam-se na disciplina
40
Como apregoa Calixto Salomão Filho, talvez nessa ótica, remodelados por valores e
necessidades atuais, dois sejam os perfis que melhor condensem a ideia de empresa: “a
empresa concebida como empresário (perfil subjetivo) e a grande empresa, entendida como
instituição ou comunidade de interesses (perfil institucional)”.57
Remodelados por valores e necessidades atuais porque da década de quarenta do
século passado para cá se passaram mais de oitenta anos. Segundo Alain Touraine, não é
demasia definir nossa atual sociedade como “pós-industrial”:
Não é, de forma nenhuma, contraditório definir a nossa sociedade como
ultramoderna e dizer que ela resultou deste pensamento evolucionista que
caracterizara uma etapa das sociedades modernas. Da mesma maneira, a sociedade
clássica, a da filosofia política dos séculos XVI, XVII e XVIII, fora já uma
sociedade moderna, a do Renascimento, da criação da ciência e dos estados
modernos, mas fora pensada em termos de ordem e não de movimento, em termos
políticos e não econômicos. Depois desta sociedade pensada por Maquiavel, Hobbes
e Rousseau, depois também da sociedade industrial pensada por Comte, Hegel e
Marx, vemos formar-se uma sociedade pós-industrial, programada, na qual as
categorias morais ocupam o lugar central que havia sido o das categorias políticas e
depois econômicas e que, antes de ter surgido a modernidade, tinha já sido ocupado
pelo pensamento religioso.58
Pois bem, essa “grande empresa” inserida em uma nova etapa da modernidade (ou
pós-modernidade, ou pós-industrialismo) e concebida cada vez mais como instituição
comprometida com os valores e as necessidades atuais da sociedade, identifica-se com a ideia
da visão institucional da empresa.
Nesta ótica, e empresa é vista como uma instituição de múltiplos fins porque passa a
ter mais “produtos” de longo alcance, tirante os imediatos da função empresarial – produtos
ambientais, sociais, informacionais, políticos e morais, não apenas econômicos. Essa
ampliação de “produtos” trouxe, consequentemente, o surgimento dos stakeholders, que são
todas as partes interessadas com que a empresa tenha um percurso exitoso: acionistas,
da atividade da empresa, marcando seu perfil. Por causa dos tratados europeus que visam à integração
econômica, a empresa passa de instrumento intervencionista à peça-chave da economia de mercado. Não se
pode deixar de notar que, se com o perfil subjetivo se define o empresário, com o perfil objetivo se define o
estabelecimento, e com o perfil funcional se define a atividade econômica, é com o perfil corporativo que se
vai definir a organização. Empresário, estabelecimento, atividade econômica e organização são quatro
realidades distintas ocorrendo no âmbito da empresa. Empresa, portanto, não é somente a atividade econômica,
mas sim a atividade econômica organizada pelo empresário, exercida num estabelecimento, visando a atender
ou a suprir um interesse de mercado. MARTINS FILHO, Giovani Magalhães. O provável confronto entre
Alberto Asquini e Ronald Coase: uma análise dos perfis da empresa a partir da Teoria da Firma. In:
ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI, 19., 2010, Fortaleza. Anais... Fortaleza: CONPEDI, 2010.
Disponível em: <http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/fortaleza/3353.pdf.>. Acesso em: 24 set.
2015. 57
SALOMÃO FILHO, Calixto. A sociedade unipessoal. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 14-15. Apud
BRUSCATO, Wilges. Manual de direito empresarial brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 84. 58
TOURAINE, Alain. Crítica da modernidade. Lisboa: Instituto Piaget, 1994. p. 426.
41
empregados, fornecedores, consumidores, parceiros, os governos, a sociedade, bem como as
associações e os órgãos de proteção de interesses específicos, como os ambientalistas e os de
defesa do consumidor. E nem poderia ser diferente: pelo perfil institucional ou corporativo, a
empresa é vista como o resultado da organização do pessoal, formado pelo empresário e por
seus colaboradores.
Sobre essas partes interessadas (stakeholders), Ricardo Lupion cita,
[...] célebre debate entre Adolf Berle e Merrick Dodd nos anos 30 do século XX, nas
páginas da Harward Law Review, a respeito das responsabilidades dos gestores das
empresas, seus acionistas e de outros grupos, como funcionários, clientes e
comunidades. Berle defendia que os deveres fiduciários exigem dos gestores das
empresas agirem em nome e em benefício exclusivo de seus acionistas, e Dodd
sustentava que essa posição ignora as partes interessadas – empregados, clientes,
fornecedores e comunidade – e que os gestores das empresas deviam a sua lealdade
à entidade corporativa, como fiduciários para a instituição e não para os seus
membros, posição que também passou a ser adotada por Berle nos anos 50, quando
escreveu The 20th Century Capitalist Revolution.59
Conforme Ricardo Lupion, esse debate histórico se travou em razão da decisão de uma
empresa petrolífera de adquirir um navio para o transporte de petróleo, devendo escolher entre
um de navio de casco único ou um de casco-duplo baseada apenas no menor preço. Contou
que certamente o primeiro custaria menos do que o segundo, mas faltariam requisitos de
segurança aptos a evitar ou atenuar um acidente ambiental.60
O advir destas novas feições da empresa, em contraposição à ideia de que o seu único
escopo seria o econômico – fulcrado na busca do lucro – parecem atender às conclamações de
Alain Touraine em prol do reconhecimento da importância do indivíduo contra a lógica do
mercado e do poder, o enaltecimento do “Sujeito” em face da “Razão” moderna estabelecida,
como a melhor forma de impedir a fragmentação da sociedade moderna.
Para o autor, a “Razão” hoje posta é a da economia de mercado, a qual subjuga os
indivíduos – agentes sociais – ao sistema, à normalização e à padronização que, após terem
destruído a autonomia dos trabalhadores, se estende ao mundo do consumo e da comunicação,
submetendo cada um aos interesses de um todo. Ao desenvolver sua tese, Alan Touraine tece
59
LUPION, Ricardo. Função social do contrato empresarial. Revista Síntese Direito Empresarial, São Paulo,
v. 6, n. 35, p. 38-51, nov./dez. 2013. p. 40. 60
No original: Dod questioned Berle’s solution, namely, fiduciary duties requiring corporate managers to act on
behalf of and for the sole benefit of the company’s shareholders. This ignores corporations’ other stakeholders
such as labor, customers, and the general public, Dodd wrote. SNEIRSON, Judd F. Doing well by doing good:
leveraging due care for better, more socially responsible corporate decisionmaking. The Corporate Governance
Law Review, n. 431, p. 440-445. Apud LUPION, Ricardo. Função social do contrato empresarial. Revista
Síntese Direito Empresarial, São Paulo, v. 6, n. 35, p. 38-51, nov./dez. 2013. p. 40.
42
profundas críticas à acentuada sobreposição dessa “autoridade racional” da modernidade em
detrimento do indivíduo.61
Alan Touraine indaga se não será essa modernidade “cega ao reduzir a sociedade a um
mercado, não se preocupando, nem com as desigualdades por si provocadas, nem com a
crescente destruição do seu ambiente natural e social?”. Para o autor, insta libertar a
modernidade da tradição histórica que a reduziu à racionalização e introduzir nela o tema do
sujeito pessoal e da subjetivação, estimulando-se o diálogo entre a “Razão” e o “Sujeito”,
pois, “Sem a Razão, o Sujeito encerra-se na obsessão de sua identidade e, sem o Sujeito, a
Razão torna-se instrumento de poder”.62
Nessa nova realidade, se encontra suplantada a imagem da empresa da fase industrial,
qual seja, a de um papel secundário consistente em um mero terreno de luta de classes,
movimento operário que opunha o trabalho proletário ao lucro capitalista. Para Alan
Touraine, a empresa, na fase pós-industrial, deixa de ser considerada como mera expressão
concreta do capitalismo, figurando como um genuíno agente econômico e de propagação
tecnológica e, portanto, ostentando um papel altamente estratégico em um mercado
internacional cada vez mais competitivo. A racionalidade e a luta de classes ficaram para trás,
repousados aos seios da modernidade clássica. Hoje, na pós-modernidade, a gestão de
mercados e de tecnologia é o que melhor define a empresa.63
Defende o autor, pois, que todas as organizações políticas e sociais devem redescobrir
o “Sujeito” na penumbra das racionalidades que fizeram o mundo girar na modernidade
clássica: o capitalismo, consumismo massivo, a busca desenfreada de lucros, a concentração
desmedida de recursos, etc., todos fatores que, na verdade, correspondem a uma lógica de
poder, e não à lógica da razão. Nas suas palavras, “A modernidade é refratária a todas as
formas de totalidade, e é o diálogo entre a razão e o Sujeito, que não pode dissipar-se nem
chegar ao fim, que mantém aberto o caminho da liberdade.”64
Não é ninguém menos que o próprio Alberto Asquini quem ressalta a relevância de se
compreender o trabalhador como sujeito de direito e não como mero fator numérico da razão
mercadológica:
Sob este perfil, colhe-se de outra feita o substancial significado do princípio
corporativo, que considera o trabalho como sujeito e não como objeto da economia;
porque se o estabelecimento pertence ao empresário, da empresa, no sentido
61
TOURAINE, Alain. Crítica da modernidade. Lisboa: Instituto Piaget, 1994. p. 10-11. 62
Ibid., p. 14. 63
Ibid., p. 170-171. 64
Ibid., p. 442-443.
43
corporativo, formam parte, como sujeitos de direito, tanto o empresário quanto os
seus colaboradores. Somente sob este perfil, explica-se enfim a orientação da
legislação corporativa em considerar os empregados, na empresa, como
“associados” do empresário para um fim comum, donde a tendência a favorecer a
participação dos empregados nos lucros da “empresa” e a criar adequados órgãos
corporativos, mesmo no interior da empresa, que permitam aos trabalhadores
participar no exame dos interesses comuns da empresa.65
Na linha de concepção da empresa para além de uma mera luta ideológica ou de
classes, Wilges Bruscato expõe que a superação de certos fatores ideológicos, tanto da parte
do capitalismo, como da parte do socialismo, revela que a empresa deve buscar um novo
caminho. Urge que, em sintonia com a Constituição da República e os anseios da sociedade
contemporânea, se vença a histórica e necessária luta de classes, encontrando o equilíbrio que
permitirá maximizar os bens de vida para toda a população. A meta é alcançar os limites
mínimos da dignidade humana para todos. É preciso uma nova ideologia, intermediária e
aproximativa das anteriores capitalistas e socialistas antagônicas entre si. Uma visão filosófica
em que se encarem as divergências da clássica luta de classes do século XX como
complementariedades e não como excludentes mútuas. Nas palavras da autora,
[...] o novo modo de pensar a empresa deve ser harmônico no sentido de dar impulso
à iniciativa privada, enquanto aos titulares dessa caberá a promoção do ser humano.
Necessário, então, que, aos poucos, todas as contradições existentes no sistema
atual, que abarca de modo segmentado o que é interesse público e o que é interesse
privado dentro do direito empresarial, sejam revistas para que os esforços de todos
caminhem num único sentido. Dessa forma, o que interessa ao coletivo interessará
ao individual, porque só naquele este se realiza, e, o coletivo se debruçará sobre o
individual, porque este deve ser, em última análise, a razão de ser daquele.66
65
ASQUINI, Alberto. Profili dell’impresa. Rivista del Diritto Commerciale, Padova, v. 41, n. 1, p. 109-126,
1943. p. 123. 66
BRUSCATO, Wilges. Manual de direito empresarial brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 42-43. Sobre
essa nova visão harmoniosa entre as partes interessadas da empresa, vale reproduzir, também, o pensamento
de Ricardo Lupion, quando ele cita José Luis Blanco, referência em governança corporativa na Espanha: “Na
linha do perfil corporativo da empresa como instituição, há íntima relação entre a empresa e os seus
empregados, na medida em que estes também são os consumidores dos bens e serviços produzidos pela
empresa. Afinal, ‘muchas personas piensan que las empresas son de su accionistas, ¿pero es esto realmente
cierto?’: Los accionistas y los inversores forman las asambleas y los consejos de administración que eligen
los órganos rectores de las empresas. Sin embargo, las empresas subsisten, crecen o se deterioran, gracias a
que existen clientes que compran sus productos o servicios. ¿Son las empresas también de estos? Los clientes
votan en cada licitación o cada vez que vamos al supermercado premiando en la elección de los accionistas al
poner a esos gestores al frente de la empresa. Pero en la misma situación se encuentran los empleados
responsables de la puesta en funcionamiento de la empresa e incluso su familias, los estados que otorgan
licencias para operar o protegen los activos de la compañía, las comunidades locales que permiten construir
fabricas, los proveedores que confían sus inversiones al éxito de sus clientes, etc. ¿Son las empresas de sus
accionistas?”BLASCO, José Luis. La empresa del futuro, la empresa que queremos. Comité Econòmic i
Social de la Comunitat Valenciana, p. 49. Apud LUPION, Ricardo. Função social do contrato empresarial.
Revista Síntese Direito Empresarial, São Paulo, v. 6, n. 35, p. 38-51, nov./dez. 2013. p. 43.
44
Realmente, não há como deixar de se reconhecer um paralelo entre o enaltecimento do
“indivíduo” e o “sujeito” de Alan Touraine com o valor da dignidade humana erigida como
fundamento do Estado no art. 1º da CF/88, juntamente com a soberania, o trabalho, o
pluralismo político e a iniciativa privada.
Tais postulados, dignidade da pessoa humana, livre iniciativa e trabalho humano,
associados ao princípio da função social da propriedade, constituem valiosos elementos para
se compreender o princípio da função social da empresa.
É que a empresa, considerada em seus perfis objetivo, subjetivo, funcional e
institucional/corporativo, embora tenha como escopo primordial a busca de lucro em um
regime de livre iniciativa, também agrega valores sociais: manutenção de postos de trabalho,
aquecimento econômico decorrente da circulação de bens e serviços que proporciona
recolhimento de tributos, aprimoramento tecnológico do país e por ai vai.
Portanto, o direito empresarial, hoje, não mais trilha apartado dos elementos
determinados pelas realidades social, política e econômica. Esses fatores precisam ser
coordenados entre si para otimizarem uma estrutura econômica organizada e eficiente que
tenha como valor fundamental a preservação da empresa, condicionada à sua função social,
porque assim melhor se respeita a dignidade da pessoa humana, na forma do art. 170 da Lei
Maior.
A valorização dos postulados relacionados à função social da empresa e ao seu perfil
institucional finda por fomentar o respeito aos interesses dos sócios minoritários, dos
colaboradores da empresa em geral e, em última análise, da própria sociedade. No próximo
item, ver-se-á que esta filosofia corporativa substantifica o conceito de governança
corporativa, cada vez mais propagada na atualidade por meio de associações como o IBGC –
Instituto Brasileiro de Governança Corporativa -, inclusive com o incentivo da BOVESPA –
Bolsa de Valores de São Paulo.
2.3 Governança Corporativa
Conforme analisado no tópico anterior, o aperfeiçoamento experimentado pelas
sociedades de capitais no século XX, mediante a separação entre propriedade e controle, teve
como consequência a criação de duas teorias antagônicas no direito societário, a saber, a
contratualista e a institucionalista. Para a primeira, não importa o interesse de terceiros, mas a
45
satisfação e o benefício econômico dos contratantes. E, para a segunda, existem interesses
sociais, além daqueles atinentes ao sócio, que devem ser observados.67
Também se demonstrou que a busca dos interesses protetivos dos stakeholders é
associada pela doutrina com a teoria institucionalista e com a função e a responsabilidade
sociais da empresa. Conforme se passará a doravante demonstrar, a citada separação entre
propriedade e controle na empresa moderna, aliada à sua visão institucional ou corporativa,
trará como um de seus corolários o fortalecimento da concepção da governança corporativa.
Célia Lima Negrão e Juliana de Fátima Pontelo informam que, em meados da década
de 1980, o mercado norte-americano tinha como maiores acionistas das principais
organizações, os fundos de pensão, os quais buscavam garantir aos seus associados uma
aposentadoria tranquila. Contudo, na maior parte das vezes, esses acionistas não participavam
da gestão dos empreendimentos, dando ensejo a condutas temerárias dos executivos e,
inclusive, fraudes. Esse panorama negativo provocou nos acionistas a necessidade de
fiscalizar seus executivos, dai surgindo os primórdios da governança corporativa.68
Em 27 de novembro de 1995 foi criada uma organização sem fins lucrativos dedicada
à promoção de governança corporativa no Brasil, denominada Instituto Brasileiro de
Governança Corporativa (IBGC), que, em 1999, lançou o 1º Código das Melhores Práticas de
Governança Corporativa no Brasil, focado na capacitação dos administradores e nas pesquisas
relacionadas ao tema na ótica da realidade brasileira. Em 2001 o Código foi revisado,
ampliando-se suas recomendações para os demais agentes interessados das empresas, como o
conselho de administração, conselho fiscal e auditorias independentes. Hoje ele se encontra
em sua 4ª edição, publicada em 2009.
Outro relevante manual é a “Cartilha de Recomendações de Governança Corporativa”,
editada em junho de 2002 pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Esse documento,
que via de regra é seguido pelas sociedades anônimas brasileiras de capital aberto, dispõe
acerca das práticas de governança corporativa que devem ser respeitadas pelas empresas que
pretendem abrir seu capital no mercado de valores mobiliários ou que já subscreveram seu
capital na bolsa de valores.
Conforme consta no sítio de internet do IBGC, as causas originárias da concepção de
um modelo de governança corporativa remontam ao modelo de propriedade dispersa que
passou a se expandir inicialmente nos Estados Unidos por força de aspectos econômicos,
67
ESTEVEZ, André Fernandes. Modelos de Conselho de Administração Corporativa. Revista Síntese Direito
Empresarial, São Paulo, v. 7, n. 38, p. 38-55, maio/jun. 2014. p. 39. 68
NEGRÃO, Célia Lima; PONTELO, Juliana de Fátima. Compliance, controles internos e riscos: a
importância da área de gestão de pessoas. Brasília: Senac-DF, 2014. p. 24.
46
culturais e políticos que datam dos anos 20 do século XX. Naquela década, o país viveu um
momento de prosperidade econômica, consolidando-se como potência mundial, cujo poder de
influência foi evidenciado pelos efeitos da Crise de 1929, episódio da quebra da bolsa de
Nova Iorque, a qual rapidamente teve repercussões globais em todas as economias
capitalistas, ocasionando graves consequências econômicas, políticas e sociais.
Na cultura empresarial predominante até aquele período, os proprietários tinham o
poder sobre as decisões administrativas de suas empresas, frequentemente ocupando os mais
importantes cargos da gestão. Décadas mais tarde, já no segundo pós-guerra, a força e o
dinamismo da economia dos Estados Unidos propiciou o advento das grandes organizações
empresariais com estrutura de propriedade dispersa e ações negociadas no mercado de
capitais, modelo que passou a se estender para as demais economias capitalistas mundiais,
como os mercados da Inglaterra, França e Alemanha.
As estruturas dessas grandes corporações propiciaram a existência de um conjunto
disperso de inúmeros proprietários – ou acionistas –, inviabilizando, na prática, a interferência
direta de todos na empresa. Tal privilégio foi reservado a um seleto grupo de controladores
majoritários que, a exemplo do que ocorria nas empresas familiares, muitas vezes ocupavam a
função de presidente do conselho de administração (Chairman) e a de principal executivo (ou
CEO - Chief Executive Officer), ou, não raro, optavam pela contratação de gestores
profissionais para essa função.69
Essa dispersão acionária deu origem a um problema gerencial ao qual se convencionou
denominar de Teoria da Firma, Teoria da Agência ou Teoria do Agente-Principal, que se
verifica quando o sócio (principal) contrata outra pessoa (agente) para administrar a empresa
em seu lugar.
Segundo a tese referida, os executivos e conselheiros contratados pelos acionistas
tenderiam a agir de forma a maximizar seus próprios benefícios (maiores salários, maior
estabilidade no emprego, mais poder, etc.), isto é, privilegiando os interesses próprios em
detrimento dos interesses da empresa, de todos os acionistas e demais partes interessadas
(stakeholders). Visando a minimizar esta problemática, as empresas e seus acionistas
passaram a adotar uma série de medidas para alinhar os interesses de todas as partes
69
FRENTROP, Paul. A history of Corporate Governance: 1602-2002. Amsterdam: Deminor, 2002. SILVA,
André Luiz Carvalhal. Governança Corporativa e sucesso empresarial: melhores práticas para aumentar o
valor da firma. São Paulo: Saraiva, 2006. Apud INSTITUTO BRASILEIRO DE GOVERNANÇA
CORPORATIVA. Origens da Governança Corporativa. Disponível em:
<http://www.ibgc.org.br/inter.php?id=18166>. Acesso em: 28 set. 2015.
47
interessadas. Dentre elas, foram propostas medidas que incluíam práticas de monitoramento,
controle e ampla divulgação de informações.70
Segundo Robert Henry Srour, o fenômeno da teoria da agência imbrica-se ao
problema estrutural do sistema capitalista que decorre do aparecimento de grandes empresas e
conglomerados econômicos. À medida que a empresa cresce, o fundador deixa de atuar como
o “homem-orquestra” e passa a delegar atribuições a profissionais de sua confiança,
divisando-se assim, a propriedade (quotistas e acionistas) e a gestão (gestores).71
De maneira semelhante, Mônica Mansur Brandão expõe que nos anos oitenta, do
século passado, foi iniciada uma mudança fundamental nas relações de poder que permeavam
a cúpula de importantes companhias norte-americanas. Conforme já mencionado, os
acionistas dessas corporações eram, em grande medida, fundos de pensão, os quais buscavam
garantir rendimentos adequados aos seus portfólios. São espécies de investidores constituídos
para gerir o patrimônio de conjuntos de pessoas.72
Tais investidores não participavam da gestão das empresas; os presidentes das
corporações ou chief executive officers - CEO´s – as dirigiam sem maiores divergências com
os primeiros. Entretanto, decisões executivas ineptas e inconsequentes, quando não
fraudatórias, conduziram a uma mudança no modus operandi de relevantes investidores
institucionais, os quais se organizaram para se posicionar de forma diferente, alterando as
relações de poder dos CEO´s. Tais investidores, então, passaram a exigir a adoção de
melhores práticas de governança corporativa, exercendo seus poderes de pressão e voto, de
forma organizada, para destituir membros da cúpula de organizações e implantar políticas e
iniciativas de interesses de todos os colaboradores.
Conforme a autora, dada a sua melhor organização e recursos, esses investidores
reuniam, nos anos oitenta, as condições mais adequadas para provocar mudanças e melhor
70
INSTITUTO BRASILEIRO DE GOVERNANÇA CORPORATIVA. Origens da Governança Corporativa.
Disponível em: <http://www.ibgc.org.br/inter.php?id=18166>. Acesso em: 28 set. 2015. 71
Segundo o autor: “Os gestores que administram o negócio não são seus proprietários e possuem interesses
diferenciais, já que são assalariados. Isso significa que, embora ganhem bem mais do que os demais
funcionários e exerçam o mando, não estão autorizados a se apropriar dos lucros. Além dos salários, o que
remunera seu trabalho? Benefícios variados, mordomias, privilégios, bônus, stock options, participação nos
lucros e resultados. Ocorre que nem sempre esses incentivos materiais bastam para saciar o apetite de alguns
deles. Daí o risco moral incorrido pelos proprietários. Inseguros quanto à atuação de seus gestores, eles
estabelecem e sofisticam mecanismos de prevenção e controle, tais como o compliance, os controles internos, a
auditoria interna e a externa, assim como a governança corporativa. De maneira que procuram assegurar a
confiabilidade da gestão contra os abusos de poder que opõe acionista controlador e acionistas minoritários,
diretoria executiva e acionistas, administradores e terceiros. Procuram também se precaver contra erros
estratégicos decorrentes da concentração de poder, principalmente em mãos do presidente (executivo
contratado), e contra fraudes, tais como o uso de informação privilegiada em proveito próprio ou a atuação em
conflito de interesses”. SROUR, Robert Henry. Casos de ética empresarial. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsever,
2014. p. 60. 72
No Brasil, além dos fundos de pensão, compreendem as seguradoras, fundos e clubes de investimento.
48
equilibrar o conflito entre gestores e acionistas, os típicos conflitos de agência. Se, de um lado
a delegação de poder aos executivos para tomar decisões em nome de acionistas apresenta a
vantagem da profissionalização, de outro traz a desvantagem do conflito citado.73
Conforme Célia Lima Negrão e Juliana De Fátima Pontelo, embora a governança
corporativa tenha se difundido em âmbito global, ela ainda não está totalmente sedimentada,
de modo que continuam a surgir ultrajes financeiros envolvendo grandes corporações
estadunidenses e em outros países. Escândalos corporativos em organizações como a Enron
Corporation, a qual veio a falir em decorrência de diversas denúncias de fraudes contábeis e
fiscais - os dirigentes ocultaram dos investidores grandes perdas econômicas decorrentes de
baixo desempenho -, provocaram a edição de novas regras para a governança corporativa.
Estas novas normas modificaram os processos, o controle das organizações, as
regulamentações e os responsáveis pelas criações e alterações das normas e das auditorias,
impondo um conjunto de exigências de grande abrangência e impacto, inclusive, no Brasil e
em outros países onde há companhias listadas em bolsas de valores norte-americanas.74
Para Mônica Mansur Brandão, embora o movimento pela governança corporativa
incite grandes mudanças nos mercados de capitais e nas corporações, ensejando um aumento
significativo da produção acadêmica sobre o tema, ainda não se conseguiu produzir um
conceito de governança corporativa que seja universalmente aceito. Para ela:
Ao mesmo tempo e à luz dos principais estudos disponíveis sobre o tema, pode-se
afirmar que a sua compreensão exige que se discutam os diversos desafios de
interesse da cúpula das organizações – o ambiente de governança corporativa ou de
condução dos negócios organizacionais -, tais como:
1. desenho da estratégia e tomada de decisões estratégicas, objetivando um
desempenho organizacional minimamente desejado por públicos relevantes
(stakeholders);
2. responsabilidade social, abrangendo a responsabilidade com públicos relevantes e
com a sociedade, no sentido mais amplo – incluindo-se as gerações futuras;
3. relacionamento com públicos relevantes, em termos de equidade, de monitoração
de seus interesses e dúvidas e de outros aspectos que possam enriquecer a estratégia
e as decisões;
4. produção de informações para os públicos relevantes citados, visando
transparência informacional (disclosure);
5. equacionamento de riscos que possam comprometer seriamente a sobrevivência
e/ou a longevidade organizacional;
73
BRANDÃO, Mônica Mansur. Governança Corporativa e a influência dos acionistas minoritários no
sistema de decisões estratégicas. 2004. 292 f. Dissertação (Mestrado em Administração) - Faculdade de
Administração da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2004. f. 16-17.
Disponível em: <http://www.biblioteca.pucminas.br/teses/Administracao_BrandaoMM_1.pdf>. Acesso em: 28
set. 2015. 74
NEGRÃO, Célia Lima; PONTELO, Juliana de Fátima. Compliance, controles internos e riscos: a
importância da área de gestão de pessoas. Brasília: Senac-DF, 2014. p. 25.
49
6. fortalecimento da propriedade e dos direitos de propriedade, por meio de
consistentes políticas de distribuição de dividendos, de recompras de ações
(operações de buyback) e outras;
7. equacionamento, em âmbito interno, de influências familiares e da sucessão
corporativa;
8. equacionamento de aspectos jurídicos e regulatórios que afetam companhias
submetidas aos ditames da legislação e da regulamentação que regem o mercado de
capitais;
9. fiscalização do cumprimento da missão e dos objetivos organizacionais, da
utilização dos recursos aplicados por investidores e de outros aspectos relevantes;
10. codificação dos princípios, normas de comportamento e práticas de governança
corporativa, consolidando-se uma plataforma de governança corporativa – um
conjunto de regras do jogo internas e práticas a observar na condução dos negócios
organizacionais.75
Conforme o IBGC, Governança Corporativa:
[...] é o sistema pelo qual as organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas,
envolvendo as práticas e os relacionamentos entre proprietários, conselho de
administração, diretoria e órgãos de controle. As boas práticas de Governança
Corporativa convertem princípios em recomendações objetivas, alinhando interesses
com a finalidade de preservar e otimizar o valor da organização, facilitando seu
acesso ao capital e contribuindo para a sua longevidade.76
Em outros termos, pois, a Governança Corporativa é compreendida como uma técnica
de gestão que acelera a tomada de decisões corporativas por meio da descentralização e
delegação de poderes, aliada à profissionalização dos administradores da empresa. Ela tem
como princípios básicos:
Transparência - Mais do que a obrigação de informar é o desejo de disponibilizar
para as partes interessadas as informações que sejam de seu interesse e não apenas
aquelas impostas por disposições de leis ou regulamentos. A adequada transparência
resulta em um clima de confiança, tanto internamente quanto nas relações da
empresa com terceiros. Não deve restringir-se ao desempenho econômico-
financeiro, contemplando também os demais fatores (inclusive intangíveis) que
norteiam a ação gerencial e que conduzem à criação de valor.
Equidade - Caracteriza-se pelo tratamento justo de todos os sócios e demais partes
interessadas (stakeholders). Atitudes ou políticas discriminatórias, sob qualquer
pretexto, são totalmente inaceitáveis.
Prestação de Contas (accountability) - Os agentes de Governança devem prestar
contas de sua atuação, assumindo integralmente as consequências de seus atos e
omissões.
75
BRANDÃO, Mônica Mansur. Governança Corporativa e a influência dos acionistas minoritários no
sistema de decisões estratégicas. 2004. 292 f. Dissertação (Mestrado em Administração) - Faculdade de
Administração da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2004. f. 15-16.
Disponível em: <http://www.biblioteca.pucminas.br/teses/Administracao_BrandaoMM_1.pdf>. Acesso em: 28
set. 2015. 76
INSTITUTO BRASILEIRO DE GOVERNANÇA CORPORATIVA. Governança Corporativa. Disponível
em: <http://www.ibgc.org.br/inter.php?id=18166>. Acesso em: 28 set. 2015.
50
Responsabilidade Corporativa - Os agentes de Governança devem zelar pela
sustentabilidade das organizações, visando à sua longevidade, incorporando
considerações de ordem social e ambiental na definição dos negócios e operações.77
Segundo Célia Lima Negrão e Juliana de Fátima Pontelo, a Governança Corporativa
pode ser considerada como uma reunião de domínios de governança, exemplificando-se:
governança de administração, de gestão de pessoas, industrial, comercial de Tecnologia da
Informação (TI), entre outras, e atua com foco nos princípios acima elencados e na
conformidade com as regras (compliance).78
Filipe Vinícius Aparecido Ferreira, após analisar diversos agrupamentos conceituais já
laborados acerca de Governança Corporativa, concluiu, com base nos pilares e nas práticas
verificadas no mercado, não existir um modelo único e universal de governança corporativa, e
que as diferenças resultam da diversidade cultural e institucional dela decorrentes. Para o
articulista citado, pode-se, então, entender a governança como um conjunto de valores e
regras “que rege o sistema de poder e os mecanismos de gestão das corporações, buscando a
maximização da riqueza dos acionistas e o atendimento dos direitos de outras partes
interessadas, minimizando oportunismos conflitantes com este fim.”79
Ele acrescenta que organizações como as Nações Unidas e a Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) visualizam as boas práticas de
governança como pilares da economia na atualidade, bem como um valioso instrumento do
desenvolvimento sustentável em suas três dimensões: econômica, ambiental e social.80
É relevante novamente ressaltar que a governança corporativa é um fenômeno
relativamente recente cujas bases rudimentares remontam a logo após a crise de 1929, em
decorrência da separação entre propriedade e controle de empresa.
Segundo Andre Fernandes Estevez, insta acentuar que o Conselho de Administração
se encontra, por essa razão, no centro da problemática citada por ser o órgão onde se dá o
controle gerencial da empresa, separando propriedade e gestão, sendo considerado o
principal órgão colegiado e deliberativo criado pela Governança Corporativa, dado o seu
importante papel de incentivador da inovação estratégica da empresa. Assim sendo, em
praticamente todos os Códigos de Governança, inclusive no do IBGC, recomenda-se que os
77
INSTITUTO BRASILEIRO DE GOVERNANÇA CORPORATIVA. Princípios básicos. Disponível em:
<http://www.ibgc.org.br/inter.php?id=18163>. Acesso em: 28 set. 2015. 78
NEGRÃO, Célia Lima; PONTELO, Juliana de Fátima. Compliance, controles internos e riscos: a
importância da área de gestão de pessoas. Brasília: Senac-DF, 2014. p. 26. 79
FERREIRA, Filipe Vinícius Aparecido. Governança Corporativa: a situação dos acionistas minoritários (não
controladores) em Assembleias Gerais. Revista Síntese Direito Empresarial, São Paulo, v. 8, n. 45, p. 41-59,
jul./ago. 2015. p. 48. 80
Ibid.
51
Conselhos de Administração sejam compostos, predominantemente, por membros externos ou
independentes da empresa.81
O referido autor cita ainda diversas normas de governança corporativa acerca do
número mínimo de conselheiros recomendados a depender do porte de cada empresa,
presença de representatividade dos diversos grupos de acionistas, mecanismos de controle de
suas condutas (visando minimizar os conflitos entre os interesses pessoais dos conselheiros e
os sociais da empresa), questões relacionadas à transparência de sua remuneração e, por fim,
necessidade de medidas especiais nas hipóteses de empresas familiares, mediante a formação
de três conselhos distintos: a) Conselho de Administração; b) Conselho Familiar e c)
Conselho de Sócios, tudo visando a evitar a confusão patrimonial que famílias empresárias
praticam ao utilizar parte do patrimônio em benefício próprio.
Na estrutura acima delineada, os conselhos de família, por exemplo, definem os planos
de sucessão avaliando os herdeiros quanto às habilidades, interesses e perfis pessoais, de
feição a apurar qual aquele que possui o perfil de liderança necessário para dar continuidade
ao negócio.82
No concernente às citadas empresas familiares, Bruno Modesto Silingardi refere que,
no Brasil, aproximadamente 90% (noventa por cento) das empresas pertencem a grupos
familiares.83
Assim, na ótica das empresas familiares, diversas políticas de Governança
Corporativa apresentam fatores positivos, tais quais, “o alinhamento dos interesses de seus
gestores, preservação dos valores da organização, o aumento da confiança entre os membros
da família e, especialmente, a perpetuidade da empresa”. Nesse condão, a Governança
81
Conforme o autor: “A governança corporativa centra-se em quatro pilares, a saber: a) transparência
(disclousure); b) prestação de contas (accountability); c) justiça com os minoritários (fairness); d)
cumprimento das leis (compliance). Baseado em tais premissas, o Conselho deve ser composto de maioria
independente, com mais razão no modelo stakeholder. Não deve ficar submisso à vontade do acionista que o
escolheu, mas à vontade da sociedade. A escolha de conselheiros externos ou independentes aumenta o
profissionalismo e a efetividade do Conselho, reduzindo a probabilidade de conluio dos altos executivos com o
objetivo de expropriar a riqueza dos acionistas. Assim, reduz-se o problema de desequilíbrio de informações
entre acionistas, além de facilitar a substituição do diretor executivo.” ESTEVEZ, André Fernandes. Modelos
de Conselho de Administração Corporativa. Revista Síntese Direito Empresarial, São Paulo, v. 7, n. 38, p.
38-55, maio/jun. 2014. p. 45. 82
ESTEVEZ, André Fernandes. Modelos de Conselho de Administração Corporativa. Revista Síntese Direito
Empresarial, São Paulo, v. 7, n. 38, p. 38-55, maio/jun. 2014. p. 46-51. 83
O autor acentua que, “No entanto, devido a conflitos de ordem legal, econômico, gerencial e, principalmente,
emocional, apenas um terço dessas empresas chegam à segunda geração, e, desse percentual, somente 15%
(quinze por cento) passam para a terceira geração. Ainda, na ótica do autor, pois, o tema governança
corporativa ganhou maior visibilidade no Brasil em decorrência do elevado número de empresas familiares
constituídas, aliado a este péssimo resultado percentual citado”. SILINGARDI, Bruno Modesto. As
implicações da Governança Corporativa nas empresas familiares. Revista Síntese Direito Empresarial, São
Paulo, v. 6, n. 32, p. 77-100, maio/jun. 2013. p. 78.
52
Corporativa é avaliada como a prática de gestão moderna mais utilizada atualmente pelas
empresas familiares que anseiam perpetuar o empreendimento no tempo e amenizar os
conflitos de interesses gerados por força do crescimento dos negócios.
Para tanto, o Conselho de Administração “é considerado o principal responsável
pelas decisões estratégicas da companhia, decidindo sempre de acordo com a missão, a visão
e os valores preestabelecidos pela organização.”84
, bem como por “desempenhar papel de
prevenção e administração de conflitos de interesses entre os acionistas, sócios, executivos e
demais partes interessadas, contornando as opiniões controvertidas e escolhendo aquela que
melhor atenda aos interesses da empresa.”85
De outra banda, para Gregory H. Watson, uma boa governança corporativa deve focar
na afirmação de que as corporações levam em conta os interesses de uma ampla faixa de
elementos (stakeholders na condição de clientes-consumidores, investidores-proprietários-
acionistas, funcionários-parceiros, de sistemas legais-regulatórios e de comunidades nas quais
a corporação opera) e que o Conselho é responsável tanto pela empresa como por seus
acionistas.86
84
SILINGARDI, Bruno Modesto. As implicações da Governança Corporativa nas empresas familiares. Revista
Síntese Direito Empresarial, São Paulo, v. 6, n. 32, p. 77-100, maio/jun. 2013. p. 78. 85
Ainda conforme o autor citado: “O respectivo conselho é comandado, coordenado e supervisionado por um
dos conselheiros, mais conhecido como ‘chairman’, expressão utilizada no meio corporativo para indicar o
presidente do conselho de administração. No entanto, o conselheiro nomeado para o cargo de “chairman” de
maneira alguma poderá assumir simultaneamente a função de presidente executivo (CEO – chief executive
officer) da corporação. Diversos manuais de governança corporativa ratificam a segregação das referidas
funções. Independentemente de acumular ou não os dois cargos, o principal executivo da empresa geralmente
participa das sessões apenas como convidado. Além do diretor presidente, podem se convidados a participar
das reuniões diversos profissionais ou consultores especializados nos temas constantes da pauta. Outra
importante função atribuída ao presidente do conselho é a avaliação anual de desempenho dos demais
conselheiros e do diretor presidente. A respectiva avaliação consiste em verificar o cumprimento das metas
imputadas no ano anterior, a aplicação de novos objetivos para o próximo exercício, bem como a análise de
outros indicadores como assiduidade e participação das deliberações. Os resultados serão apresentados aos
sócios e/ou acionistas por meio do relatório da administração. Nesses moldes, constata-se a importância desse
órgão no processo decisório das empresas, afastando por completo, o poder unilateral do grupo controlador em
relação aos rumos a serem tomados pela corporação. Além disso, é imprescindível que o CAD seja
considerado como um organismo vivo dentro da empresa, com voz ativa e poder de persuasão, e não apenas
um requisito formal imposto pela legislação brasileira para algumas sociedades empresárias.” SILINGARDI,
Bruno Modesto. As implicações da Governança Corporativa nas empresas familiares. Revista Síntese Direito
Empresarial, São Paulo, v. 6, n. 32, p. 77-100, maio/jun. 2013. p. 79 e 87/88. 86
Segundo o autor, há uma “boa governança” quando todas as condições seguintes são satisfeitas: (a) O
Conselho estabelece uma diretriz que define o propósito e a visão de longo alcance de toda a corporação, além
de colocar limitações nos métodos e nos estilos que a Diretoria Executiva possa usar para atingir seus
objetivos [sob condições em que os requisitos dos acionistas são conhecidos e definidos como objetivamente
mensuráveis, e os objetivos de negócios passíveis de auditoria]; (b) O Conselho estabelece uma estrutura para
a execução do modo como a organização possa optar para cumprir os objetivos de negócios (condições
morais, éticas e legais limítrofes que restringem as ações da Diretoria Executiva), e descreve-a em termos de
princípios ou políticas orientadoras que a organização fica com a obrigação de aplicar. (c) O Conselho aloca
essa diretriz ao CEO para sua posterior delegação aos gerentes operacionais por meio da estrutura
organizacional de gestão de negócios; (d) O Conselho revisa o desempenho em relação aos objetivos
utilizando um sistema objetivo de mediações que reflete as inquietações de todos os principais participantes da
53
Não é meta do presente estudo – o qual se centra nos temas compliance, acordo de
leniência e corrução empresarial – esgotar as concepções jurídico-administrativas decorrentes
de uma política de governança corporativa, havendo dezenas de obras, tanto da área jurídica,
quanto da de administração, contabilidade e economia, que se debruçam com destacadas
amplitude e profundidade sobre a temática.
Para os fins metodológicos deste trabalho, embora originalmente a Governança
Corporativa tenha representado uma tentativa de superação dos conflitos de interesses
surgidos nas empresas (seja de agência, familiar ou em face de credores), o que aqui se
defende é que ela também passou a catalisar preocupações relacionadas à harmonia das
relações, à maximização do valor da empresa concebida em um perfil institucional e, em
especial, ao fortalecimento da conformidade ética da empresa por meio dos pilares da
transparência, equidade e respeito a todas as partes interessadas na atividade econômica
(stakeholders).
Na visão do jurista norueguês Bjorn Andersen, a ética nos negócios representa
relevante aspecto na Governança Corporativa. Administrar uma empresa de maneira ética
gera, primeiramente individualmente, uma sensação de que se está procedendo de forma
adequada. À medida que esse sentimento se propaga, ele resulta em um ambiente positivo que
percorre toda a organização; uma sensação muito forte de comunidade e de pertença de algo.
Essa é uma força poderosa que constitui um inestimável bem a qualquer empresa. Segundo o
autor, esse expressivo efeito motivacional estimula indivíduos e organizações inteiras a
alcançarem picos de rendimento jamais vistos, conforme resultados documentados em
numerosos estudos.87
Bjorn Andersen assevera que essa “onda de sentimentos bons e positivos” se estende
aos clientes, fidelizando-os. As organizações que chegam nesse ponto têm o atrativo de algo
mais “nobre” do que a mera consciência sobre preços, de modo que seus clientes mantem sua
lealdade por maiores períodos de tempo. E, quando uma organização consegue posicionar-se
de tal forma que a imagem geral no mercado é a de uma empresa dotada de integridade, os
empresa; (e) O Conselho incentiva o CEO para que ele autorregule as ações da organização de modo a obter os
resultados desejados; (f) Quando há a percepção de que a organização está operando fora de um sistema de
controle de negócios que fora estabelecido pelo Conselho, então deve empreender ações corretivas para trazer
o realinhamento da organização [se ele não agir dessa maneira, então a inação minará o seu poder, que fora
concedido pelos stakeholders representativos do capital da empresa]. WATSON, Gregory H. Governança
Corporativa requer liderança de qualidade. In: WATSON, Gregory H.; BERTIN, Marcos E. J. (Org.).
Governança Corporativa: excelência e qualidade no topo. Tradução Celso Roberto Paschoal. Rio de Janeiro:
Qualitymark, 2007. p. 21-22. 87
BJORN, Andersen. O papel da ética em Governança Corporativa de qualidade. In: WATSON, Gregory H.;
BERTIN, Marcos E. J. (Org.). Governança Corporativa: excelência e qualidade no topo. Tradução Celso
Roberto Paschoal. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2007. p. 25-32.
54
potenciais clientes terão menos receios de se comprometerem com uma compra dessa fonte,
conforme resultados já documentados em análises empíricas.
Ainda com lastro nas lições do jurista norueguês, reavivar uma abordagem ética nos
negócios em uma organização é uma tarefa que consiste de muitos elementos e etapas
diferentes que variam, significativamente, de uma empresa para outra a depender das
características da organização, níveis anteriores de consciência e treinamento e cultura
organizacional. Nada obstante, existem elementos que normalmente seriam comuns à maioria
desses processos de mudanças, cujas decisões-chave ou atividades de processo podem ser
assim sucintamente indicadas: i - decidir o nível de ambição ética; ii - desenvolver práticas
éticas nos negócios; iii - decidir o desenho ético organizacional; iv - ministrar treinamento
ético; v - decidir um novo perfil organizacional; vi - lançar o novo perfil ético; vii - assegurar
conformidade ao novo perfil ético e; viii - reforçar o processo de implementação.88
Nesse contexto, citam-se dois exemplos diametralmente opostos, ambos extraídos do
ramo industrial automobilístico. No primeiro, vislumbra-se a adoção dos pilares da
governança corporativa e, no segundo, a ausência de uma mínima gestão ética.
Segundo Robert Henry Srour, em 2003, a General Motors lançou um site
(AutoChoiceAdvisor.com) para orientar os compradores de automóveis. As recomendações
eram verdadeiramente neutras, incluindo veículos da concorrência. Um algoritmo imparcial
recomendava o melhor carro em face das necessidades apresentadas pelos clientes.
“Benefícios para a GM? Obter informações sobre as preferências do mercado para
desenvolver novos produtos e modelos que atendessem as demandas específicas. Moral da
história? O fato de prestar um bom serviço ao cliente cria valor para as partes”. Segundo o
autor, o conhecimento ético aplicado a situações reais gera valor: tece laços de respeito e
confiança entre pessoas e organizações, beneficiando a todos sem prejudicar ninguém.89
No reverso da moeda, em setembro de 2015 as mídias escritas e televisivas mundiais
amplamente divulgaram o escândalo que se abateu sobre a montadora alemã Volkswagen,
descrita pela revista Veja como “uma tragédia corporativa de enormes proporções, mas que de
forma alguma foi um acidente”. Segundo noticiado, depois que a companhia reconheceu ter
deliberadamente criado um software que engana os testes ambientais de emissão veiculares,
suas ações caíram 23%. O CEO Martin Winterkorn renunciou e outros dois executivos
estariam em vias de serem substituídos. A Agência de Proteção Ambiental estadunidense
88
BJORN, Andersen. O papel da ética em Governança Corporativa de qualidade. In: WATSON, Gregory H.;
BERTIN, Marcos E. J. (Org.). Governança Corporativa: excelência e qualidade no topo. Tradução Celso
Roberto Paschoal. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2007. p. 31-35. 89
SROUR, Robert Henry. Casos de ética empresarial. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsever, 2014. p. 37-38.
55
(EPA, na sigla em inglês) ameaçou aplicar à empresa uma multa de até 18 (dezoito) bilhões
de dólares. Ainda, as indenizações exigidas por consumidores que se sentiram enganados,
segundo a revista citada, deveriam proliferar em diversos países e o Departamento de Justiça
dos Estados Unidos já abrira uma investigação criminal contra a montadora por fraude.
Conforme a reportagem, descobriu-se que, quando o veículo está há muito tempo
parado, com o motor ligado, o software interpreta que ele está sendo submetido a um teste e
aumenta a filtragem de óxido de nitrogênio. Dessa forma, o dispositivo garante que os carros
passem nos rigorosos testes de qualidade americanos, mas, fora do laboratório, emitam um
volume até quarenta vezes maior de poluentes.
Ainda segundo a revista Veja, o caso da Volkswagen é potencialmente mais destrutivo
do que anteriores já ocorridos na indústria automobilística porque se tratou de um ato
deliberado, o que gerará muito mais desconfiança entre os consumidores e movimentos
ambientais.90
Inegável, pois, que o agir antiético pode implicar severos desempenhos negativos e
diferentes tipos de reações tanto nas esferas da sociedade civil organizada, quanto da
governamental, maculando profundamente a imagem da organização, em especial porque os
clientes medem os riscos de fazer transações com empresas que “devem à Justiça”.
A assunção da postura ética vai ao encontro de uma realidade inexorável: os
consumidores inconscientes ou desinformados representam, cada vez mais, reduzidas
minorias e, de outro lado, os grupos de pressão e fiscalização organizados majoram (mídia,
agências de defesa, a Justiça, o boicote), multiplicando-se de tal modo que os espaços para
trapaças e manobras espúrias vêm diminuindo sensivelmente. No caso da Volkswagen, a
desconfiança surgiu em testes nas ruas feitos por pesquisadores do Conselho Internacional
para Transporte Limpo (ICCT, na sigla em inglês), uma organização de consultoria sem fins
lucrativos.
Conforme Robert Henry Srour, a assunção da ética nas atividades empresariais traz
benefícios variados a começar pela conquista de uma boa reputação institucional. Também
reduz drasticamente a possibilidade de se responder a processos judicias ou administrativos,
fortalece a responsabilidade corporativa, garante o benefício da dúvida em caso de crise,
confere um crédito de confiança para as iniciativas empresariais, além de uma série de outros
fatores positivos. Em resumo, agrega significativo valor aos negócios.
90
WATKINS, Nathalia. É hora de mudar. Veja, São Paulo, v. 48, n. 39, 30 set. 2015. Internacional, p. 76-80.
56
Para ilustrar o seu argumento, o autor apresenta figura representativa que compara os
resultados acionários de empresas socialmente responsáveis com os das demais integrantes do
índice Bovespa:
Figura 1- Índice de Sustentabilidade Empresarial
Fonte: Srour91
Ao comentar o gráfico acima, Robert Henry Srour aponta que :
[...] a série histórica do valor das ações que integram os índices Bovespa e das
empresas sustentáveis mostra que, no longo prazo, essas empresas se deslocam do
índice geral, gerando retornos maiores. Mesmo quando o desempenho não é superior
aos índices referenciais dos respectivos mercados, os resultados ficam muito
próximos. Temos aí um claro indício de que as orientações éticas são rentáveis ou,
na pior das hipóteses, não provocam prejuízos aos negócios, a contrapelo da falácia
que estigmatiza como “bobagem” quaisquer intervenções organizacionais que visem
estabelecer um “compliance ético”.92
91
SROUR, Robert Henry. Casos de ética empresarial. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsever, 2014. p. 159-161. 92
Ibid.
57
Em sequência, o autor apresenta figura comparativa do índice Ibovespa com o Índice
de Governança Corporativa:
Figura 2- Índice de Governança Corporativa
Fonte: Srour93
Também por este índice, denota-se que as empresas que exercem boas práticas – a
exemplo da transparência nas informações fornecidas (disclousure), da responsabilização na
prestação de contas (accountability), da equidade no trato dos interesses dos acionistas
(fairness) e da conformidade corporativa aos procedimentos legais (compliance) – apresentam
resultados substancialmente superiores ao restante do mercado acionário.94
Mediante o cotejo dos gráficos, pode-se concluir com facilidade que um modelo de
governança corporativa eticamente comprometido “tem alto impacto social, viabiliza a
perenidade das empresas e, sobretudo, pode contribuir para assegurar a habitabilidade do
planeta. Haveria melhor jogo de soma positiva para os negócios?”95
93
SROUR, Robert Henry. Casos de ética empresarial. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsever, 2014. p. 159-161. 94
Ibid. 95
Ibid.
58
As ponderações do capítulo inaugural do presente trabalho tiveram por desiderato
subministrar o leitor com as “premissas constitucionais e conceituais” essenciais para a
melhor compreensão dos assuntos que doravante serão explorados: o compliance e o acordo
de leniência como instrumentos de enfrentamento da corrupção empresarial. Nesse sentido, o
panorama jurídico-empresarial analisado é concebido, aqui, como um referencial epistêmico
inafastável na delimitação teórica do tema chave deste estudo.
A corrupção empresarial é uma crise real e atual que vem assolando as empresas
nacionais, as quais, de sua parte, são juridicamente reguladas pelo direito empresarial, dai a
relevância de se ter estudado os postulados da função social e da responsabilidade social da
empresa, mediante o enfoque de suas bases constitucionais e infraconstitucionais.
Ademais, é de tais axiomas que se fundam importantes normas de direito empresarial,
a exemplo daquelas que regulam o quórum necessário para a aprovação de certas matérias
mais relevantes, reduzindo o poder de deliberação exclusiva dos administradores, conforme
disposições legais analisadas nos itens anteriores. A irradiação principiológica da função
social da empresa, além de fortalecer a ideia de responsabilidade social, enaltece o seu perfil
institucional/corporativo.
Em sequência, demonstrou-se que tais dogmas – função social da empresa e seu perfil
corporativo – firmaram as premissas teóricas de respeito aos interesses minoritários e de um
agir ético e transparente por parte da administração da empresa, a qual passa a ser vista como
uma instituição de múltiplas atribuições sociais. Por fim, destacou-se que tal filosofia
corporativa veio a integrar os preceitos da Governança Corporativa, tema estudado no
presente item.
Embora não se desconheça a posição, às vezes propagada, de que a Governança
Corporativa teria destinatário específico: acionistas minoritários e somente eles, sendo tema
interno que respeitaria exclusivamente à sociedade empresária e a seus acionistas, adere-se,
neste estudo, à posição de que, por meio de quatro pilares governamentais – a) transparência
(disclousure); b) prestação de contas (accountability); c) justiça com os minoritários (fairness)
e d) cumprimento das leis (compliance) –, ela sistematiza boas práticas relacionadas ao
fortalecimento da ética empresarial em prol de todas as partes interessadas na atividade
econômica (stakeholders), sejam estas os seus colaboradores ou mesmo todos os cidadãos que
compõe a sociedade civil na qual a empresa esta inserida.
O próximo capítulo terá por objeto o último pilar citado por ser aquele que,
intimamente, mais se relaciona com o tema da corrupção empresarial. Não que a transparência
nas informações fornecidas à sociedade, a responsabilização na prestação de contas e a
59
equidade no trato dos interesses dos acionistas não tenham relação com o tema. Muito pelo
contrário, constituem, todos os três, preceitos de justiça empresarial que fomentam posturas
corporativas mais probas e afinadas com os interesses da sociedade (função social da
empresa), o que por certo dificulta o agir corruptivo no seio da empresa.
Nada obstante, a conformidade corporativa aos procedimentos legais (compliance)
constitui o pilar da Governança Corporativa que, por excelência, atua como instrumento
anticorrupção em várias frentes, como se passará a demonstrar com pormenores no próximo
capítulo.
60
3 COMPLIANCE ANTICORRUPÇÃO
3.1 Evolução Regulatória do Tema na Sociedade de Risco
O presente tópico analisará o contexto jurídico-político que envolveu o
enaltecimento da cultura do compliance no controle anticorrupção, com ênfase na teoria da
Sociedade de Risco, de Ulrich Beck. O apontado cotejo tem por desiderato demonstrar que
muitas das causas originárias do compliance coincidem com as preocupações teóricas do
autor alemão citado e que dizem respeito aos novos riscos a que a sociedade se depara no
atual ciclo histórico.
3.1.1 A Sociedade de Risco e suas Confluências com o Direito Penal (Direito Penal de Risco)
Este subitem tem por desiderato expor, de modo abreviado em razão do objeto deste
trabalho, as discussões doutrinárias existentes em torno da dogmática do Direito Penal no
contexto da Sociedade de Risco. Tal digressão é oportuna porque, embora o compliance, hoje,
constitua um dever de atendimento a obrigações legais de múltiplas naturezas, onde ele por
primeiro se notabilizou e engrandeceu foi na seara criminal.
A compreensão da relação entre Sociedade de Risco e Direito Penal pressupõe
compreender como o homem se posiciona em relação ao ambiente social nos diferentes
formatos estatais.
Ao analisar a condição cultural da pessoa, Stuart Hal explora três concepções
distintas de identidade: a) sujeito do Iluminismo; b) sujeito sociológico e o c) sujeito pós-
moderno.96
O primeiro é aquele que se coloca como senhor da razão, cujo centro essencial do
“eu” reside na sua identidade, constituindo, pois, uma concepção altamente “individualista”
do sujeito. Em uma aproximação sociológica, retrata o homem-no-mundo, mencionado por
Louis Dumont, em referência ao indivíduo que, diante do conhecimento propiciado pelo
racionalismo científico, passa de uma posição de contemplação – homem-fora-do-mundo – a
uma posição de interação e de domínio da natureza e do universo. É nesta quadra histórica
96
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução Tomaz Tadeu da Silva e Guacira
Lopes Louro. 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. p. 10.
61
que se afirma a pessoa enquanto indivíduo e centro do universo, cuja preservação dos direitos
mais básicos justifica a formação do Estado, no limiar das aspirações iluministas.97
A noção de sujeito sociológico, por sua vez, condiz com o aumento da complexidade
do mundo moderno e a consciência de que o “núcleo interior do sujeito não era autônomo e
autossuficiente, mas baseado na relação com outras pessoas importantes para ele”,
responsáveis pelo compartilhamento dos valores de sua cultura. Nas palavras de Stuart Hall:
“De acordo com essa visão, que se tornou a concepção sociológica clássica da questão, a
identidade é formada na ‘interação’ entre o eu e a sociedade”. Aqui o diálogo se estabelece
com a teoria dos campos de Pierre Bourdieu98
, segundo a qual os ambientes sociais,
denominados campos, moldam a personalidade dos sujeitos que nele atuam, mas, em
contrapartida, são também moldados por estes agentes. As relações de poder características de
cada campo atuam sobre os corpos e a partir dos corpos. O habitus, explica o sociólogo
francês, a um só tempo constitui e é constituído pelas relações de força, de modo que o
homem não existe descontextualizado do seu contexto social.99
É também isso o que se extrai
da filosofia de Martin Heidegger100
, segundo a qual o homem, enquanto ser-no-mundo, existe
e molda sua existência a partir das relações com o seu meio social. Nessa ótica, retornando à
doutrina de Stuart Hall, o sujeito se “costura” à estrutura, estabilizando “tanto os sujeitos
quanto os mundos culturais que eles habitam, tornando ambos reciprocamente mais
unificados e predizíveis.”101
Por fim, o sujeito da pós-modernidade é aquele que está, hoje, testemunhando a
fragmentação de sua identidade em várias outras, muitas vezes contraditórias e não resolvidas.
A sua conformidade à cultura vigente, igualmente, está entrando em colapso, em face das
drásticas mudanças estruturais e institucionais em contínuo processamento na hodierna fase
histórica. Nessas circunstâncias, a identidade do sujeito resulta volúvel, pois em contínua
97
DUMONT, Louis. O individualismo: uma perspectiva antropológica da ideologia moderna. Tradução Álvaro
Cabral. Rio de Janeiro: Rocco, 2000. p. 37 et seq. 98
BOURDIEU, Pierre. Espíritos de estado: gênese e estrutura do campo burocrático. In: _____. Razões
práticas: sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus, 1996. 99
Pierre Bourdieu estrutura sua teoria sociológica tomando como pressuposto a coexistência, na constituição da
realidade social, de estruturas objetivas que orientam e limitam as práticas dos agentes sociais, e de estruturas
subjetivas de percepção, pensamento e ação, constitutivas do que denomina de habitus e de campo. Trata-se de
uma teoria construtivista-estruturalista fundada no tripé composto pelos conceitos de capital, campo e habitus,
na junção entre o objetivo e o subjetivo, do que resulta uma dupla dimensão da realidade social. BOURDIEU,
Pierre. Espíritos de estado: gênese e estrutura do campo burocrático. In: _____. Razões práticas: sobre a
teoria da ação. Campinas: Papirus, 1996. 100
HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo: parte I. 15. ed. Tradução: Maria Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis:
Vozes, 2005. p. 209-210. 101
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução Tomaz Tadeu da Silva e Guacira
Lopes Louro. 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. p. 11.
62
transformação com relação “às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos
sistemas culturais que nos rodeiam.”102
Depois desta perscrutação da “identidade cultural do indivíduo”, Stuart Hall
assevera:
A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia. Ao
invés disso, à medida em que os sistemas de significação e representação cultural se
multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e
cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos
identificar – ao menos temporariamente.103
Essa fragmentação do indivíduo é bem observada por Zygmunt Bauman104
no seu
ensaio sobre a vida líquida pós-moderna. Neste estudo é destacado o novo individualismo
resultante da globalização negativa, do que resulta o enfraquecimento dos vínculos humanos
e o definhamento da sociedade, com o abandono dos indivíduos pelo Estado e a sua
instrumentalização como “ferramenta para a promoção de terceiros”. O padrão de organização
social globalizado se caracteriza, então, por um descontrolado avanço tecnológico, científico e
cultural em detrimento dos valores humanos, redundando na “coisificação” do homem. 105
Tal paradigma de desenfreada mutação social é posto em evidência por Jacques
Demajorovic, quando, de modo contundente, admoesta que a sociedade contemporânea
ultrapassa, frequentemente, limites cuja possibilidade de reversão é cada vez mais distante ou
desconhecida. A maximização desordenada das forças produtivas conduz a consequências
imprevisíveis nas economias das nações, desencadeando problemas socioambientais de ordem
planetária, a exemplo do excesso de poluição emitida pelo sistema industrial.106
102
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução Tomaz Tadeu da Silva e Guacira
Lopes Louro. 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. p. 12-13. 103
Ibid., p. 13. 104
BAUMAN, Zygmunt. Tempos líquidos. Tradução: Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2007. p. 30. 105
Segundo Norbert Elias, na medida em que as sociedades modernas vão se tornando mais complexas, cada vez
mais o indivíduo imerge no burburinho das grandes cidades, em uma realidade na qual a maioria das pessoas
não se conhece e quase nada mais têm a ver umas com as outras. Como consequência, o indivíduo finda por
se diluir na sociedade de massas. ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivíduos. Tradução: Vera Ribeiro. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar, 1994. p. 20-21. Apud DE CARLI, Carla Veríssimo. Lavagem de dinheiro:
ideologia da criminalização e análise do discurso. 2. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2012. p. 47. 106
DEMAJOROVIC, Jacques. Sociedade de risco e responsabilidade socioambiental. 2. ed. São Paulo: Senac,
2013. p. 19. De modo semelhante, Claudio do Prado Amaral aduz que os perigos existentes na sociedade
contemporânea não decorrem apenas de elementos da natureza, mas também da voracidade da atividade
humana – responsável pela transnacionalização de perigos que ignoram fronteiras entre Estados. O autor
explica que, nas sociedades tradicionais, e também no processo de industrialização, o homem se preocupava
com os fenômenos oriundos da natureza exterior, como, por exemplo, pragas e inundações. Mas,
posteriormente, em um passado não muito distante, passou a se importar menos com o que a natureza poderia
fazer contra ele e a se preocupar mais com o que ele, ser humano, poderia fazer contra a natureza e o meio
que o circunda. Assim, o risco exterior passou a perturbar menos, enquanto que o risco provocado pela
63
Esse fator de imprevisibilidade é objeto da análise de Marta Rodriguez de Assis
Machado107
, para quem a sociedade experimenta um drama de consciência em face de riscos
que se revelam sem solução de contenção. Nessa ambiência, começam a surgir debates e
conflitos públicos questionando a razão pela qual as instituições da sociedade industrial
assentiram com a liberação de riscos cujas consequências não são controláveis.
Enfim, este processo de transmutação do tecido social é examinado pela sociologia de
Ulrich Beck108
, o qual, ao constatar o ciclo de mudanças políticas, sociais e econômicas,
advindas do sistema de industrialização, denomina esse estágio da modernidade de Sociedade
de Risco. Para o autor, as forças produtivas humanas, impulsionadas pelo capitalismo da era
da globalização, desencadeiam uma superprodução de riscos com potencial de ameaçar a vida
do planeta em níveis desconhecidos. Com isso, passa-se do modelo de sociedade industrial
clássica para o modelo de sociedade de risco. 109
Ulrich Beck, ao verificar que o avanço tecnológico e a produção social da riqueza
conduzem à produção social do risco, explica que este paradigma social finda por dispor de
novas fontes de conflito e consenso: se todos estão igualmente expostos, precisam se unir para
enfrentar os perigos. Assim como à ideia de sociedade de classes correspondia o ideal de
igualdade, à sociedade de risco corresponde o ideal de segurança.110
Para Jesús-Maria Silva Sánchez, um dos traços mais marcantes das sociedades da era
pós-industrial é a sensação geral de insegurança, de tal modo que ele nomina a sociedade
atual como sendo a “sociedade do medo” ou da “insegurança”. O autor pondera que a
complexidade social, com toda a sua diversidade, pluralidade de opções e abundância
humanidade, a inquietar mais. AMARAL, Claudio do Prado. Bases teóricas da ciência penal
contemporânea: dogmática, missão do direito penal e política criminal na sociedade de risco. São Paulo:
IBCCRIM, 2007. 107
MACHADO, Marta Rodriguez de Assis. Sociedade do risco e direito penal: uma avaliação de novas
tendências político-criminais. São Paulo: IBCCRIM, 2005. p. 22. 108
BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. 2. ed. Tradução de Sebastião
Nascimento. São Paulo: Editora 34, 2011. p. 26 e ss. 109
Ibid., p. 60. 110
“O conceito de sociedade industrial ou de classes (no sentido empregado por Marx e Weber) girava em torno
da questão de como dividir as riquezas socialmente produzidas de maneira desigual e ao mesmo tempo
legítima. No novo paradigma da sociedade de risco, a questão é similar, mas, ao mesmo tempo,
completamente diferente: trata-se de saber como evitar, minimizar, canalizar os riscos e os perigos
produzidos sistematicamente pelo processo de modernização avançada e limitá-los e reparti-los de modo a
não impedir o processo de modernização, bem como a mantê-los dentro de limites suportáveis (ecológica,
médica, psicológica, socialmente?) […] O processo de modernização torna-se reflexivo: toma a si mesmo
como tema e problema. As questões de desenvolvimento e de aplicação de tecnologias (no âmbito da
natureza, da sociedade, da personalidade) são substituídas por questões de 'gestão' política e científica
(administração, descobrimento, inclusão, evitação, ocultação) dos riscos de tecnologias a aplicar atual ou
potencialmente em relação a horizontes de relevância a definir especialmente. A promessa de segurança
cresce com os riscos e precisa ser repetidamente ratificada frente a uma opinião pública alerta e crítica
mediante intervenções cosméticas ou reais no desenvolvimento técnico econômico.” BECK, Ulrich. La
sociedad del riesgo: hacia una nueva modernidad. Barcelona: Paidós, 1998. p. 25-26 e 55.
64
informativa, dificulta o estabelecimento de critérios idôneos para decidir sobre o que é bom e
o que é mau, o que é confiável ou não. Tais interrogações e incertezas trazem, por corolário,
ansiedade e insegurança.111
É neste cenário que se estabelecem as premissas de uma política criminal orientada à
segurança e à prevenção de riscos, pautada, segundo Blanca Mendoza Buergo, na: a)
ampliação do sistema penal para novos riscos, inclusive de mega dimensão; b) atribuição de
responsabilidades dificultada em face da complexidade das relações existentes na
organização; c) sensação de insegurança subjetiva generalizada.112
Na mesma esteira, José
Luis Diez Ripollés destaca como características do Direito Penal da sociedade de risco (I) a
dificuldade de atribuição de responsabilidade penal a pessoas físicas e jurídicas e (II) a
sensação de insegurança disseminada, em especial, pela atuação da mídia no exercício
desregulado da liberdade de imprensa, o que resulta potencializado pela dificuldade de
compreensão do cidadão leigo acerca dos limites postos ao exercício do poder punitivo estatal
no âmbito dos Estados Democráticos de Direito.113
Esses caracteres emergem em um mundo em que as relações inerentes a uma vida
econômica maximizada criam novos riscos com interesses cada vez maiores no plano
econômico que, por sua vez, conferem espaços para novas modalidades criminosas.114
Compreendem-se, aqui, perigos não raramente ligados às atividades de empresas
transnacionais atuantes, por exemplo, nas áreas químicas, energéticas e biogenéticas. Assim, a
absorção dos riscos de “mega dimensão” permite atrair, ao âmbito de proteção, delitos que
ultrapassam o núcleo tradicional patrimonialista do Direito Penal para abarcar a proteção de
bens jurídicos relacionados à atual complexidade da sociedade globalizada. Nesse enfoque, o
aperfeiçoamento das relações econômicas e jurídicas passa a ser visto, também, na
criminalidade organizada: estrutura empresarial, divisão de tarefas, hierarquia, pluralidade de
agentes e finalidade de lucro.
111
SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. La expansión del derecho penal. Aspectos de la Política Criminal en las
sociedades postindustriales. 2. ed. Buenos Aires: S. L. Civitas Ediciones, 2006. Passim. 112
BUERGO, Blanca Mendoza. El derecho penal en la sociedad del riesgo. Madrid: Civitas Ediciones, 2001.
p. 25-30. 113
DIEZ RIPOLLÉS, José Luis. De la sociedad del riesgo a la seguridad ciudadana: un debate desenfocado.
Revista Electrónica de Ciência Penal y Criminologia, Granada, n. 7, p. 1-37, jan. 2005. p. 5. 114
Conforme Huamán e Chávez: “La modernización de la sociedad también há llevado a una modernización de
la criminalidad lo cual haría irrecusable la modernización del propio Derecho Penal que tendría que
reaccionar de modo equivalente ante nueva realidad, que es ya uma característica común de las tendencias
modernas de Derecho Penal que consiste en abandonar el sistema dogmático cerrado que resulta poco eficaz
para la sociedad en la que estamos inmersos.” HUAMÁN, Raúl Ernesto Martínez; CHÁVEZ, Marleny
Margoth Minaya. Imposibilidad del tradicional modelo dogmatico penal como respuesta a la criminalidad de
empresa. Derecho y Cambio Social, Lima, v. 2, n. 6, 2005. Disponível em:
<http://www.derechoycambiosocial.com/revista006/ criminalidad%20de%20empresa.htm>. Acesso em: 09
mar. 2018.
65
Reconhecedor da tendência preventiva e expansiva da punibilidade, Claus Roxin, ao
apontar caracteres deste novo paradigma penal, assevera ter sido realizada uma deslocação da
proteção individual para a da coletividade (de toda a população, ou de grandes grupos),
citando, como exemplo dessas novas prescrições penais, os crimes antieconômicos e contra o
meio ambiente, bem como a responsabilidade pelo produto, os grandes riscos industriais, a
tecnologia genética e a criminalidade organizada; em suma, todo comportamento sentido
como ameaça à sociedade globalmente tomada.115
Na sociedade do risco, testemunha-se a potenciação dos bens jurídicos coletivos,
acarretando em uma tendência bem definida de tutela de bens jurídicos de caráter supra-
individual por meio de crimes de perigo. Assim é moldado o direito penal da prevenção,
marcado por restrições à segurança jurídica em prol da maior efetividade da intervenção
penal, pela adesão, nem sempre bem refletida, à ideologia da tolerância zero, pela proliferação
de leis de emergência e de tonalidade securitária.116
Na tutela desses bens jurídicos coletivos, predominariam, pois, os tipos de perigo
abstrato, bem como a antecipação do momento da intervenção penal para alcançar os atos
preparatórios, a exemplo da criminalização das organizações criminosas117
. Também se
operam modificações no sistema de imputação da responsabilidade, ampliando as situações de
imputação objetiva e a responsabilidade penal da pessoa jurídica,118
resultando, de tudo isso,
antecipação da intervenção penal como forma de lidar com o perigo e evitar o dano. Na
115
ROXIN, Claus. Política criminal e sistema jurídico-penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. Passim. 116
FARIA COSTA, José de. Direito Penal e globalização: reflexões não locais e pouco globais. Coimbra:
Coimbra editora, 2010. p. 60. 117
Depois de definir, em seu art. 1º, §1o, organização criminosa como sendo “a associação de 4 (quatro) ou mais
pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com
objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações
penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.”, a Lei
n. 12.850/2013 estabelece como crime: “Art. 2o Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou
por interposta pessoa, organização criminosa: Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem
prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas.” BRASIL. Lei n. 12.850, de 2 de
agosto de 2013. Define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção
da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal; altera o Decreto-Lei no 2.848, de 7 de
dezembro de 1940 (Código Penal); revoga a Lei no 9.034, de 3 de maio de 1995; e dá outras providências.
Brasília, DF, 2013. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-
2014/2013/lei/l12850.htm>. Acesso em: 14 ago. 2017. 118
É a hipótese da Lei de Crimes Ambientais, a qual em seu art. 3º estabelece a responsabilidade penal das
pessoas jurídicas e que, em seu art. 24, estabelece a gravíssima possibilidade de liquidação forçada: “A
pessoa jurídica constituída ou utilizada, preponderantemente, com o fim de permitir, facilitar ou ocultar a
prática de crime definido nesta Lei terá decretada sua liquidação forçada, seu patrimônio será considerado
instrumento do crime e como tal perdido em favor do Fundo Penitenciário Nacional.” BRASIL. Lei n. 9.605,
de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e
atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Brasília, DF, 1998. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9605.htm>. Acesso em: 12 set. 2017.
66
acurada doutrina de Jesús-Maria Silva Sánchez,119
ampliam-se os espaços de risco jurídico
penalmente relevantes e flexibilizam-se as regras de imputação e os princípios políticos de
garantia, tudo a evidenciar uma opção por mais Direito Penal em termos qualitativos e
quantitativos.120
Nesse sentido, as teorias de imputação objetiva apresentam o elemento de criação do
risco, não permitido para materializar o injusto no Direito Penal tradicional, conforme o qual
a ação penalmente relevante não é apenas aquela que causa, no sentido naturalístico, um
resultado danoso, mas, também, a que cria um risco relevante e intolerável para o bem
jurídico protegido. A figura do risco advém, então, como elemento de construção dogmática,
descortinando a relação aproximativa das modernas teorias penais com as modificações
estruturais do atual modelo de organização social. 121
Além disso, em razão do caráter ágil, oculto e por vezes efêmero dos novos perigos, o
Direito Penal de Risco vale-se de tipos penais em branco, os quais fazem remissões a outras
instâncias legislativas, geralmente órgãos técnicos do Executivo, mais céleres no encaixe do
complemento normativo porque não necessitam observar toda a tramitação burocrática e
demorada do processo legislativo. Compreende-se que as normas penais em branco
constituem um modelo pragmático que permite a alteração da proibição da norma de acordo
com a casuística. Assim, modificadas as condições que justificaram a elaboração da norma
complementar, basta substituí-la por outra. Percebe-se, pois, com o manejo deste expediente,
considerável relativização ao princípio da legalidade como meio de conferir maior agilidade
para a identificação dos perigos potenciais inerentes à sociedade de risco.
Marta Rodriguez de Assis Machado referencia que a adaptação do Direito Penal ao
paradigma da sociedade do risco revela o predomínio de iniciativas voltadas à prevenção, em
grande escala, de situações de perigo. A tendência político-criminal passa a mirar no
estabelecimento de garantias públicas tuteladoras de bens de conteúdo geral e abstrato, em
detrimento de um arquétipo focado na repressão pontual de lesões concretas a bens jurídicos
individuais. Nesse prisma, a operacionalização da tutela desses bens de conteúdo amplo e de
119
SILVA SÁNCHEZ, Jesús María. La expansión del derecho penal. Aspectos de la Política Criminal en las
sociedades postindustriales. 2. ed. Buenos Aires: S. L. Civitas Ediciones, 2006. p. 20. 120
D'ÁVILA, Fábio Roberto. Liberdade e segurança em direito penal. O problema da expansão da intervenção
penal. In: POZZEBON, Fabrício Dreyer de Ávila; ÁVILA, Gustavo Noronha de. Crime e
interdisciplinariedade. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2012. p. 273-286. Passim. 121
BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Crimes de perigo abstrato e princípios da precaução na sociedade de risco.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 95.
67
autoria difusa se dá de modo distinto do modelo tradicional porque seu caráter volátil torna a
delimitação da causalidade e do dano extremamente complexa. 122
Percebe-se, pois, que, no enfrentamento dessa criminalidade moderna, ocorrem
alterações semântico-dogmáticas: “perigo” no lugar de “dano”; “risco”, ao invés da ofensa
efetiva a um bem jurídico; “abstrato” no lugar de “concreto”, em uma hermenêutica que visa a
instrumentalizar o Direito Penal frente à complexidade criminal que impera na sociedade do
risco.
Nada obstante, a visão de que o crime é mero um risco nesse contexto, passou a ser
alvo de substanciosas críticas por parte da doutrina especializada, preocupada com a
desarrazoada expansão do Direito Penal. Debate-se acerca da dificuldade de se delimitar o
objeto da proteção criminal ou de se estabelecer um patamar de risco penalmente relevante,
sem prejuízo da sua funcionalidade e eficiência e sem se afastar de seus princípios
elementares (fragmentariedade, subsidiariedade, ultima ratio, proporcionalidade, intervenção
mínima, etc.).
Conforme ressalva Vera Regina Pereira de Andrade, os paradigmas expansionistas do
Direito Penal oferecem sedutora solução criminal para os mais diversos problemas sociais.
Contudo, na medida em que se revelam ineficazes, resultam em um Direito Penal simbólico
que, ao fim e ao cabo, vem a atingir, precipuamente, apenas os sujeitos enfraquecidos pelo
poder neoliberal globalizado, como os “sem-teto”, “sem-terra” e a burguesia tardia123
:
sonegadores, corruptos e agressores do meio ambiente.124
122
MACHADO, Marta Rodriguez de Assis. Sociedade do risco e direito penal: uma avaliação de novas
tendências político-criminais. São Paulo: IBCCRIM, 2005. p. 106-107. 123
O termo se relaciona com a concepção de que o Brasil viveu uma modernidade tardia. Segundo Tarso Genro,
a modernidade “propôs uma dupla possibilidade para a humanidade. Por uma delas, a realização da razão
seria o desenvolvimento universal para um sistema social que concretizasse o princípio da ‘igualdade
formal’, através da crescente redução das desigualdades reais no mundo moderno. Tal não aconteceu. Ao
contrário, o que ocorreu foi a pós-modernidade aprofundar a irracionalidade, aumentar as diferenças sociais e
consolidar relações cada vez mais alienadas. Foi isso o que os homens modernos fizeram da sua história. A
razão foi ‘assaltada’ no sentido de ser despida de sua vocação humanizadora”. GENRO, Tarso. Direito,
iluminismo e nova barbárie. In: ARGUELLO, Kátia (Org). Direito e Democracia. Florianópolis: Letras
Contemporâneas, 1996. Apud STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração
hermenêutica da construção do direito. 8. ed. Porto alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 241. No
pertinente aos legados da modernidade no Brasil, Lenio Streck pondera que eles estão longe de ser
realizados: “O Direito, como um desses principais legados – visto como instrumento de transformação social,
e não como obstáculo às mudanças sociais – formalmente encontrou guarida na Constituição de 1988. A
forma desse veículo de acesso à igualdade prometida pela modernidade foi a instituição do Estado
Democrático de Direito, que, porém, longe está de ser efetivado. É despiciendo dizer que o Estado Social-
Providência (ainda) não ocorreu no Brasil. O propalado welfare state foi (e é) um simulacro em terrae
brasilis. O Estado interveio na economia para concentrar riquezas. O Direito, por sua vez, foi (e continua
sendo) utilizado para sustentar essa ‘missão’ (secreta) do Estado, na medida em que este é entendido em sua
função (meramente) ordenadora/absenteísta. O que existe, pois, é uma imensa dívida social a ser resgatada”.
68
O alerta da autora desperta para o receio de que o endurecimento do Direito Penal
possa por findar servindo de meio preservador do “estado das coisas” vigente, acentuando a
seletividade, a estigmatização e a ampliação da potencialidade do Estado em cometer
arbitrariedades contra o cidadão.
No mesmo sentido se manifesta Vinicius Gomes de Vasconcellos, para quem, embora
no discurso declarado tais institutos almejem tutelar âmbitos de criminalidade organizada e de
“colarinho branco”, na práxis, o Direito Penal tem um “cliente preferencial”, “consolidando-
se como mecanismo redutor da complexidade do fenômeno criminal, tendente a reproduzir as
desigualdades sociais.” Segundo o autor, expedientes de facilitação da persecução penal
impactam precipuamente a parcela da sociedade comumente perseguida penalmente, sendo
falacioso concluir que tais mecanismos inverterão a lógica da seletividade.125
Além disso, outro fator que problematiza o Direito Penal de Risco, dificultando a sua
difusão isonômica, é o de que, mesmo em países capitalistas mais desenvolvidos, razões
ideológicas liberais também, não raro, determinam um padrão seletivo de repressão dos
crimes antieconômicos, como é o caso do delito de sonegação fiscal. Segundo Carla
Veríssimo, a política econômica liberal desaprova a generalidade das razões que conduzem os
Estados a criminalizar a conduta de sonegar tributos, a exemplo dos impostos elevados, gastos
inflacionários e falta de amparo estatal à proteção da propriedade privada. Já nos casos dos
delitos relacionados à migração do capital especulativo, a autora explica que as leis que
criminalizam tais condutas findam por inibir a livre circulação internacional de investimentos
financeiros, política que contraria os grandes investidores e detentores do capital mundial.
Esse déficit de consenso resulta no enfraquecimento de alguns Estados em proibir a
movimentação do dinheiro. Carla Veríssimo conclui, então, que tais forças privadas ostentam
um poder de pressão considerável para influenciar as políticas públicas, podendo redundar,
inclusive, em “ameaçar os governos com a retirada de investimentos, caso as condições do
país não lhes sejam favoráveis”.126
O jurista alemão Winfried Hassemer, célebre representante da “Escola de Frankfurt”, é
um notório e ardoroso crítico da expansividade do Direito Penal enquanto instrumento de
prevenção dos novos riscos. Embora ele reconheça os grandes problemas de uma moderna
STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do
direito. 8. ed. Porto alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 241. 124
ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Sistema penal máximo X cidadania mínima: códigos da violência na
era da globalização. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2003. p. 25. 125
VASCONCELLOS, Vinicius Gomes de. Colaboração premiada no processo penal. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2017. p. 50-51. 126
DE CARLI, Carla Veríssimo. Lavagem de dinheiro: ideologia da criminalização e análise do discurso. 2. ed.
Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2012. p. 73-74.
69
sociedade de risco, bem como a premência de que eles sejam observados minuciosamente, tal
não deve ser feito pelo prisma penal.127
O autor defende que o Direito Penal deve retornar ao
seu campo nuclear, onde se encontram os bens e direitos individuais, tais quais: a vida,
liberdade e propriedade, isto é, direitos que podem ser definidos com precisão, abandonando a
missão de solucionar todos os conflitos da sociedade. Todo ilícito que escape dessa redoma
deve ser objeto daquilo que o autor nomina de “Direito de Intervenção”, algo entre o Direito
Penal e o Administrativo, entre o Direito Civil e o Público.128
Também comungam desse mesmo viés crítico à expansividade do Direito Penal,
dentre outros, Cornelius Prittwitz, Felix Herzog, Wolfgang Naucke e Francisco Muñoz
Conde. Esses críticos do Direito Penal do risco defendem que haveria uma excessiva
antecipação da tutela penal por meio da eleição de bens jurídicos vagos e da adoção excessiva
dos crimes de perigo abstrato, em detrimento do princípio da ofensividade.
Jorge Figueiredo Dias, em sentido oposto, exprime descrença no modelo alternativo
proposto pela Escola de Frankfurt, entendendo que a sua adoção significaria retirar da tutela
penal justamente aquelas “condutas socialmente tão gravosas que põe simultaneamente em
causa a vida planetária, a dignidade das pessoas e a solidariedade com as outras pessoas – as
que existem e as que hão de vir”. O autor assevera que tais riscos devem ser objeto de uma via
intermediária, inerente a um Direito Penal expandido, afirmando:
Aos problemas próprios da sociedade pós-industrial deveria o direito penal
responder através de uma política criminal e de uma dogmática jurídico-penal duais
ou dualistas. Dotadas de um cerne relativamente ao qual valeriam, imodificados, os
princípios do direito penal clássico [...] E como uma periferia ou âmbito lateral
especificamente dirigido à proteção contra os grandes e novos riscos, onde aqueles
princípios se encontrariam amortecidos ou mesmo transformados, dando lugar a
outros princípios de “flexibilização controlada”, assentes na proteção antecipada de
interesses coletivos mais ou menos indeterminados, sem espaço, nem tempo, nem
autores, nem vítimas, definidos ou definíveis e por conseguinte, numa palavra, de
“menor intensidade garantística”.129
Tal posição se assemelha a de Jésus-Maria Silva Sánchez, o qual rechaça tanto o
apego exacerbado ao tradicionalismo clássico, quanto à ampla flexibilidade decorrente do
127
Se tentarmos solucionar esses problemas não teremos êxito e o máximo que conseguiremos será destruir o
direito penal ao eliminarmos seus princípios fundamentais. Retirando as garantias do Direito Penal
eliminaremos sua potência protetora jurídica e teremos instrumentos que não servirão para nada, porque
estarão mal localizados [...]. HASSEMER, Winfried. Perspectivas de uma moderna política criminal. Revista
Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 2, n. 8, p. 41-51, out./dez. 1994. p. 51. 128
HASSEMER, Winfried. Características e crises do moderno direito penal. Tradução Pablo Rodrigo Alflen da
Silva. Revista Síntese de Direito Penal e Processual Penal, São Paulo, n. 18, p. 144-157, fev./mar. 2003. p.
156. 129
DIAS, Jorge de Figueiredo. O direito penal entre a “sociedade industrial” e a “sociedade de risco”. Revista
Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 99, n. 33, p. 39-65, jan./mar. 2001. p. 54-55.
70
Direito Penal de risco, conformando-se à expansão moderada do Direito Penal. Aludindo ao
“Direito Penal de duas velocidades”, o autor professa que o conflito entre um Direito Penal
amplo e flexível e um Direito Penal mínimo e rígido deve encontrar um termo médio.
Conforme seu pensamento, embora não pareça que a sociedade atual esteja disposta a admitir
um “Direito Penal Mínimo”, isto não autoriza que a situação a conduza a um modelo do
“Direito Penal Máximo”. O autor entende que o Estado deve tratar a demanda social da
punição de uma forma racional que alie funcionalidade e garantismo.
Por essa lógica, o modelo clássico da imputação seria destinado ao núcleo intangível
dos delitos, aqueles que afetam os bens jurídicos tradicionalmente mais valiosos, como a vida
e a liberdade. Aqui, manter-se-iam rígidos os princípios político-criminais clássicos, as regras
acusatórias e os princípios processuais. E, de outro lado, restariam aqueles delitos que não
comportam pena privativa de liberdade, como, por exemplo, alguns pertencentes ao Direito
Penal econômico. Para estes últimos, seria cabível uma plasticidade controlada das regras de
imputação, a exemplo das referentes à responsabilidade penal das pessoas jurídicas e à
ampliação dos critérios de autoria. Além disso, também poderiam ser remodelados critérios
político criminais, a exemplo dos princípios da legalidade e da culpabilidade. Com isso, ao
defender que todos os ilícitos guardam natureza penal e devem ser processados e julgados
pelo Poder Judiciário, o autor também se distancia da doutrina de Winfried Hassemer.
Na inteligência de Jesús-Maria Silva Sánchez, para os crimes que pudessem resultar
em pena privativa de liberdade, haveria o devido procedimento regular e garantista; de outro
lado, nos casos de incidência da “flexibilização controlada”, não seria possível cominar aos
preceitos típicos correspondentes, desse âmbito, a sanção privativa de liberdade, mas a
aplicação de multa ou mesmo de restrição de direitos, admitindo-se, por isso, um
procedimento mais célere. Nessa conjuntura, o princípio da razoabilidade passaria a ter
central papel na ponderação da expansividade. O autor arremata que: “Na medida em que essa
exigência não vem sendo respeitada pelos ordenamentos jurídicos de diversos países, até o
momento, a expansão do Direito Penal carece, em minha opinião, da requerida razoabilidade
político-jurídica”.130
Em que pese esta gama de ponderações críticas, é inegável a clara influência que a
sociedade de risco exerce sobre a delimitação de uma política criminal e de um Direito Penal
idôneo a enfrentar as novas demandas da modernidade. Nesse contexto, a doutrina penal
130
SILVA SÁNCHÉZ, Jesús-Maria. A expansão do direito penal: aspectos da política criminal nas sociedades
pós-industriais. Tradução Luiz Otávio de Oliveira Rocha. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 145-
147.
71
moderna, embora com suas divergências dogmáticas, testifica a tendência da reconfiguração
do Direito Penal em face do atual contexto da sociedade de risco, cujas ameaças
civilizacionais têm o seu processamento acelerado pelos impactos da globalização.
Contudo, a par da expansividade ou do endurecimento do Direito Penal e da criação de
novas figuras delitivas, o deslocamento dos critérios repressivos domésticos para o âmbito
transnacional acarreta com que os Estados nacionais cada vez mais se tornem inábeis em
garantir segurança nessa nova ordem mundial.131
E é o próprio Ulrich Beck, desenvolvedor da
teoria do risco, quem fala que uma das razões para isso reside no fato de que as empresas
transnacionais prevalecem sobre os Estados nacionais em razão de suas formas
desterritorializadas de ação.132
Essa inexorável constatação conduz os Estados, da era
globalizada, a buscar outras frentes de atuação repressiva diluídas na sociedade civil, isto é,
compartilhadas com as empresas e os cidadãos, descortinando a promoção à cultura do
compliance. Eis o tema do próximo item.
3.1.2 O Advento da Cultura do Compliance na Tutela dos Riscos
No âmbito global, infere-se que a inépcia estatal em combater os novos delitos
praticados por pessoas físicas e jurídicas detentoras de sofisticado aparato organizativo,
determinou com que a estratégia de enfrentamento da criminalidade oriunda da sociedade de
riscos se lastrasse por um novo marco regulatório que, por sua vez, deu amparo à cultura do
compliance. Nesse sentido, o presente tópico busca demonstrar o quanto o advento desta nova
política de global law coaduna-se com as críticas ao expansionismo desordenado do Direito
Penal, acima analisadas, em especial quanto à corrupção.133
No curso desses anos, o compliance – a palavra vem do verbo em inglês “to
comply”, que significa “cumprir”, “executar”, “satisfazer”, “realizar o que lhe foi imposto” –
se estruturou e se tornou uma área complementar nas organizações, fortemente voltada à
prevenção e ao combate da corrupção, podendo hoje ser definida como “o dever de cumprir,
131
Flávio Rezende Dematté aduz que o mundo moderno se revela desafiador ao direito penal convencional,
“obrigando o Estado a recorrer a alternativas jurídicas capazes de lidar com os grandes e novos problemas
sociais que são colocados sob sua tutela”. DEMATTÉ, Flávio Rezende. Responsabilização de pessoas
jurídicas por corrupção. Belo Horizonte: Fórum, 2015. p. 98. 132
BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo: hacia una nueva modernidad. Barcelona: Paidós, 1998. p. 141-142. 133
Essa nova criminalidade demandou, segundo Adán Nieto Martín, um novo marco regulatório da global law: o
encadeamento de organizações internacionais atuando em rede com atores públicos e privados (empresas
multinacionais) que se valem de instrumentos normativos oriundos do hard law, do soft law e da
autorregulação empresarial. NIETO MARTÍN, Adán. La privatización de la lucha contra la corrupción. In:
ZAPATERO, Arroyo; NIETO MARTÍN, Adán. El derecho penal económico en la era compliance.
Valencia: Tirant lo Blanch, 2013. p. 191-209. p. 193.
72
de estar em conformidade e fazer cumprir regulamentos internos e externos impostos às
atividades das organizações.” Os resultados das ações de compliance demonstram a
conformidade da organização às políticas, legislações e procedimentos.134
O marco de prevenção da corrupção globalizada, pois, fomentado pelos novos
instrumentos normativos internacionais – primeiramente aderidos pela legislação americana
(Foreing Corrupt Practice Act – FCPA) e, depois, melhor consolidados pelo UK Bribery Act
– se caracteriza pela transferência, às empresas, em auxílio ao Estado, do dever de prevenção
e descoberta de delitos. Intenta-se que os próprios entes particulares realizem um sistema
investigatório interno de inibição à prática de delitos e, na hipótese de sua consumação, que os
descubram e os punam135
, adotando medidas corretivas e entregando os resultados de
investigações internas às autoridades.
Conforme Célia Lima Negrão e Juliana de Fátima Pontelo, “a evolução histórica das
atividades de compliance ocorre pela necessidade do próprio mercado de instituir controles
internos, em decorrência da necessidade de estar em conformidade (estar em compliance)”.136
Note-se, pois, como o advento do compliance se relaciona com a necessidade de prevenção e
de repressão dos delitos e da responsabilização de pessoas jurídicas, buscando inibir a sua
prática por meio das empresas: para se defender dos novos perigos oriundos da sociedade de
risco, estruturam-se programas preventivos de compliance.137
Pierpaolo Cruz Bottini é um entusiasta na adoção de medidas dessa natureza no lugar
do mero endurecimento da legislação penal. Ao comentar a proximidade entre as leis de
lavagem de dinheiro e de combate à corrupção, o autor aponta que o denominador comum
entre elas revela uma postura do legislador que, ao invés de aumentar penas, diminuir
garantias processuais e ampliar o aparato policial, opta por instituir a colaboração compulsória
do particular no combate à criminalidade. Com isso, ele passa a ter de fiscalizar atos de seus
clientes, comunicar aos órgãos de inteligência operações suspeitas, trabalhar para evitar que
seus empregados ou parceiros pratiquem ilícitos “e ainda coopera nos atos de investigação,
134
NEGRÃO, Célia Lima; PONTELO, Juliana de Fátima. Compliance, controles internos e riscos: a
importância da área de gestão de pessoas. Brasília: Senac-DF, 2014. p. 43. 135
NIETO MARTÍN, Adán. La privatización de la lucha contra la corrupción. In: ZAPATERO, Arroyo; NIETO
MARTÍN, Adán. El derecho penal económico en la era compliance. Valencia: Tirant lo Blanch, 2013. p.
191-209. p. 201-202. 136
NEGRÃO; PONTELO, op. cit., p. 23. 137
Robert Kurz aponta a existência de um sentimento paradoxal na sociedade: nunca existiu na história moderna
um consenso tão amplo das elites de todos os países como na atualidade, em que a economia global de
mercado e os critérios de concorrência se apresentam além de qualquer crítica e formam um sistema de
referência geral para toda a atividade humana; e, de outro lado, talvez também nunca tenha existido em toda a
história moderna uma insegurança política e econômica, nem uma angústia social em relação ao futuro, como
as que hoje existem. KURZ, Robert. O futuro é diferente: uma visão da sociedade do século 21. In:
OSZLAK, Oscar (org.). Sociedade e Estado superando fronteiras. São Paulo: Fundap, 1998. p. 16.
73
quase que substituindo a autoridade policial em diversos casos (como na oitiva de
empregados, apreensão interna de documentos e comunicações eletrônicas etc.)”.138
De modo semelhante, apontando que a mera multiplicação ou agravamento de leis
penais não é o caminho mais adequado para combater a criminalidade empresarial, Brent
Fisse e John Braithwaite aduzem que o melhor rumo reside em aliar a justiça criminal estatal
com o sistema de justiça privado da empresa. Para os autores, os particulares têm a
capacidade (mas não a vontade) de apurar violações corporativas à lei; de outro lado, o
sistema de justiça criminal pode ter a vontade, mas não tem essa idoneidade, dai a necessidade
de se conjugar o sistema de justiça privado da empresa (hábil na identificação dos autores dos
crimes) com o sistema de justiça estatal, o qual irá fiscalizar e exigir a atuação da corporação.
O direito, então, colocaria um machado sobre a cabeça da corporação no seio da qual ocorreu
o ilícito. Com isso, se o sistema de justiça privado da empresa atuasse sob a sombra dessa
ameaça, realizando uma legítima investigação interna, composta por um plano de ação
corretivo e disciplinar, o machado não iria cair. Mas, se a empresa optasse por ludibriar a
Justiça, fugindo à sua responsabilidade de desencadear o sistema da justiça privada, então o
machado despencaria sobre a empresa.139
Essa chamada das empresas a participarem da repressão aos novos perigos da
sociedade de risco atesta que, embora a busca pelo incremento da segurança pública tenha
provocado um sensível aumento de normas de natureza criminal e regulatória, constatou-se
que a mera atuação estatal não mais se revelava suficiente para combater os riscos emergentes
da sociedade globalizada. A inépcia estatal, pois, em combater a criminalidade emergente do
novo paradigma da segurança, finda por demover as autoridades políticas a buscar outras
frentes de atuação repressiva diluídas na sociedade civil, isto é, compartilhadas com as
empresas e os cidadãos140
, descortinando a promoção à cultura do compliance.
138
Pierpaolo Cruz Bottini conclui que “O que se pretende com as leis indicadas é instituir um dever de
contribuição com o combate à criminalidade apenas para aqueles que atuam em setores acessíveis à lavagem
de dinheiro e à corrupção, expressamente indicados na lei. Em outras palavras, quem lucra atuando em
setores propensos a tais ilícitos, deve colaborar para sua prevenção ou repressão. Se tal estratégia é adequada,
legitima ou racional, o tempo dirá. Mas criar dispositivos que incentivem a cooperação, ainda que
compulsória, dos agentes privados na prevenção ao crime parece mais eficiente do que a velha e fracassada
política de aumentar penas ou transformar tudo o que incomoda em hediondo, como se isso, num passe de
mágica, reduzisse o crime organizado a pó.” BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Leis instituem colaboração
compulsória contra crimes. Revista Consultor Jurídico, São Paulo, 19 nov. 2013. Disponível em:
<https://www.conjur.com.br/2013-nov-19/direito-defesa-leis-instituem-colaboracao-compulsoria-crimes>.
Acesso em: 20 set. 2017. 139
FISSE, Brent; BRAITHWAITE, John. Corporations, crime and accountability. Cambridge: Cambridge
University Press, 1993. p.15-16. 140
GARLAND, David. A cultura do controle: crime e ordem social na sociedade contemporânea. Rio de
Janeiro: Revan, 2008. p. 312.
74
Valdir Moysés Simão e Marcelo Pontes Vianna aduzem que a adoção, pela Lei
Anticorrupção, da responsabilização objetiva das pessoas jurídicas por atos lesivos à
Administração Pública, permitiu que parcela dos custos relativos ao combate à corrupção
fosse dividida com o mercado privado. Nas palavras destes autores, “Trata-se de interessante
estratégia do ponto de vista da racionalidade econômica e, ao mesmo tempo, espera-se que a
norma difunda a cultura de comportamento ético nas relações entre empresas e governo”.141
Por tal razão, passa-se a esperar dos particulares que implementem efetivos programas de
integridade corporativa.
Embora, assim como a Governança Corporativa, o compliance estenda suas causas
históricas à quebra da bolsa de 1929, data em que a maioria das organizações ainda não
controlava suas informações contábeis e financeiras, o que, como visto no item anterior,
desencadeou a necessidade de se gerenciá-las de forma mais controlada, em relação ao
compliance, o marco mais importante foi em 1950. Neste ano, a Prudental Securities, nos
Estados Unidos, contratou advogados para acompanhar a legislação e monitorar atividades de
valores mobiliários, inaugurando o que veio a ser chamado de “Era de compliance”.142
Segundo Célia Lima Negrão e Juliana de Fátima Pontelo, a partir de 1960, a Securities
and Exchange Commission (SEC), ou Comissão de Valores Mobiliários Norte-americana,
passou a insistir na contratação de compliance officers, objetivando criar mecanismos internos
de controle, treinar o pessoal e monitorar o cumprimento dos procedimentos. Prosseguindo,
narram acerca da expansão das ações de compliance no mercado financeiro americano a partir
da década de 80, culminando, em 1985, no surgimento do comitê denominado Committe of
Sponsonring Organizations of the Treadway Comission (COSO), uma organização sem fins
lucrativos dedicada a prevenir e evitar fraudes nos relatórios financeiros das organizações.
Ainda como marcos históricos importantes, Célia Lima Negrão e Juliana de Fátima
Pontelo citam dois eventos: a) a publicação, pela fundação americana Information Systems
Audit and Control Foundation (ISACA), do guia denominado “Control Objectives for
Information and related Technology (COBIT)”, importante ferramenta para a conformidade
na área de Tecnologia de Informação (TI), bem como a b) complementação do 1º Acordo de
Capital de 1988 para também tratar de documentações irregulares e fraudes, dentro do capital
141
SIMÃO, Valdir Moisés; VIANNA, Marcelo Pontes. O acordo de leniência na lei anticorrupção: histórico,
desafios e perspectivas. São Paulo: Trevisan, 2017, p. 150. 142
NEGRÃO, Célia Lima; PONTELO, Juliana de Fátima. Compliance, controles internos e riscos: a
importância da área de gestão de pessoas. Brasília: Senac-DF, 2014. p. 23.
75
mínimo definido pelo Comitê de Supervisão Bancária de Basileia, ambos ocorridos no ano de
1996.143
Por fim, no ano de 1998, teve início o que ficou conhecido como “Era dos controles
internos”, mediante a publicação, pelo Comitê de Basileia, dos 13 princípios a respeito da
supervisão pelos administradores dos controles internos e da promoção da estabilidade do
sistema financeiro mundial.144
Nada obstante inicialmente vinculada ao desenvolvimento do mercado financeiro, a
cultura de controles internos passou a ser promovida como pilar de governança corporativa de
qualquer empresa. Nesse sentido se cita o diploma americano Sarbanes Oxley Act, cuja seção
404 impôs às empresas o melhoramento dos controles internos e práticas contábeis,
disposições estas que recaíram sobre empresas brasileiras que negociavam em solo norte-
americano, a exemplo da Petrobrás, Ambev e Vale S.A.145
Segundo Euclides Rosa Filho, foram os norte-americanos os primeiros a tipificar os
atos de corrupção por meio da promulgação do Foreign Corrupt Practices Act (FCPA) no ano
de 1977, lei criadora de severas penalidades para as empresas estadunidenses que se valessem
da corrupção de oficiais de governos estrangeiros para expandir seus negócios em outros
países. Para ele, o advento de tais regras disciplinadoras de eficientes fiscalizações obrigou as
empresas a investirem para diminuir a possibilidade de serem constatadas más práticas. A
competitividade das empresas norte-americanas, por essa razão, foi impactada pelos custos
adicionais dos programas de compliance.
A reação, então, do governo americano na busca em moralizar o mercado
internacional foi rápida: pressionou a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE), a Organização dos Estados Americanos (OEA) e a Organização das
Nações Unidas (ONU) para que tais regramentos fossem obrigatórios para todos os países
participantes. Como resultado, firmaram-se três convenções internacionais (uma na ONU,
uma na OCDE e outra na OEA), instituindo mecanismos de coibição da corrupção no
mercado internacional, induzindo os Estados Unidos a, de pronto, adaptarem a FCPA às
convenções firmadas. Em sequência foi a vez da Inglaterra com o UK BriberyAct,
143
NEGRÃO, Célia Lima; PONTELO, Juliana de Fátima. Compliance, controles internos e riscos: a
importância da área de gestão de pessoas. Brasília: Senac-DF, 2014. p. 23. 144
Ibid., p. 23-24. 145
TARANTINO, Anthony. Manager’s guide to Compliance: Sarbanes-Oxley, COSO, ERM, COBIT, IFRS,
BASEL II, OMB A-123, ASX 10, OECD principles, Turnbull guidence, best practices, and case studies. New
Jersey: John Wiley & Sons, 2006. p. 21-23.
76
disciplinando as práticas comerciais para evitar condutas vedadas pelas convenções
internacionais.146
No Brasil, a reação internacional culminou na promulgação da Lei n.º 10.467/2002, a
qual criminalizou condutas relacionadas à corrupção de funcionários públicos estrangeiros,
mas que em momento algum adotava as condutas sugeridas nos tratados internacionais.147
Segundo Carla Veríssimo de Carli, os instrumentos internacionais contra o suborno
transnacional são dirigidos aos Estados Partes, os quais devem garantir a aplicação dos
padrões estabelecidos na convenção. Com isso, mais do que alcançar o maior número possível
de corruptores, coíbe-se que as empresas permitam-se utilizar comercialmente do suborno.
Intenta-se que elas percebam que, em assim agindo, expõem-se a sérios riscos materiais e
reputacionais. E, desse modo, a ameaça da sanção induz à adoção de programas de
compliance significativos.
Para a autora, a Inglaterra editou o “The Bribery Act”, em 2010, em atendimento às
críticas da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) quanto ao
cumprimento da Convenção, de modo a sanar deficiências em sua legislação anticorrupção, a
exemplo da ausência de criminalização da oferta de suborno a funcionário público
estrangeiro. Assim como o Foreign Corrupt Practices Act (FCPA) e a Convenção da OCDE,
o Bribery Act tem aplicação extraterritorial, alcançando companhias estrangeiras que tenham
negócios no Reino Unido, para transações que ocorram dentro ou fora deste território.148
Relativamente ao cenário brasileiro, cita-se a Lei n.º 9.613/98, a qual definiu o crime
de lavagem de dinheiro ou ocultação de bens, buscou a prevenção da utilização do Sistema
Financeiro Nacional para atos ilícitos e, ainda, criou o Conselho de Controle de Atividades
Financeiras (COAF), de feição a combater a lavagem de dinheiro e o financiamento do
terrorismo; e, também, a Resolução BACEN n.º 2.254/98 que determina, às instituições
financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, a
implantação e a implementação de controles internos voltados às atividades por elas
desenvolvidas, seus sistemas de informações financeiras, operacionais e gerenciais, bem como
o cumprimento das normas legais e regulamentares a elas aplicáveis. O normativo
146
ROSA FILHO, Euclides. Por que Investir em Compliance. Revista Síntese Direito Empresarial, São Paulo,
v. 8, n. 42, p. 206-212, jan./fev. 2015. p. 207. 147
NEGRÃO, Célia Lima; PONTELO, Juliana de Fátima. Compliance, controles internos e riscos: a
importância da área de gestão de pessoas. Brasília: Senac-DF, 2014. p. 24. 148
DE CARLI, Carla Veríssimo. Anticorrupção e Compliance: a incapacidade da Lei 12.846/13 para motivar
as empresas brasileiras à adoção de programas e medidas de Compliance. 2016. 342 f. Tese (Doutorado) -
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de Direito. Programa de Pós-Graduação em Direito,
Porto Alegre, BR-RS, 2016. f. 130. Disponível em: <http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/149239>.
Acesso em: 11 set. 2017.
77
expressamente exige, ainda, que os controles internos, independentemente do porte da
instituição, devem ser efetivos e consistentes com a natureza, complexidade e risco das
operações por ela realizadas. 149
Em 2012 foi sancionada a Lei n.º 12.683 que alterou a Lei n.º 9.613/98 para tornar
mais eficiente a persecução penal dos crimes de lavagem de dinheiro. Por fim, o controle
anticorrupção e a atuação de compliance foram imensamente fortalecidos com a sanção, em
2013, da Lei n.º 12.846, conhecida como Lei Anticorrupção, a qual dispõe sobre a
responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a
administração pública, nacional ou estrangeira, além de outras providências. Segundo Flávio
Rezende Dematté, a promulgação do citado diploma atesta a tendência nacional a aderir a um
modelo de direito interventivo no combate à corrupção, o que já ocorrera anteriormente com a
Lei de Improbidade Administrativa. E as vantagens em seguir esse rumo são notáveis: a
possibilidade de imposição de sanções dissuasórias de evidente natureza econômica e o
estímulo à prevenção por meio dos programas de integridade corporativa.150
Márcio de Aguiar Ribeiro observa que, com o advento do novo marco regulatório
internacional, aliado aos novos e mais complexos riscos aos quais as empresas
contemporâneas passaram a estar expostas, cresceram enormemente a importância e o
prestígio das práticas de compliance nas corporações. Os diplomas legais americanos acima
citados, Sarbanes Oxley Act e Foreign Corrupt Practices Act, determinaram a revisão do
prisma conceitual do due diligence, antes estritamente negocial, para um enfoque no âmbito
de um controle interno de integridade a pautar a atuação corporativa. Passa-se da gestão
meramente negocial, para a gestão do compliance.
É com esse espírito que adveio a Lei Anticorrupção Brasileira, albergando sensíveis
transformações na conformação corporativa do dever de diligência no ordenamento jurídico.
Inaugura-se um novo patamar de exigência, muito mais rigoroso do que aquele
tradicionalmente previsto nas leis empresariais, a exemplo do presente na Lei das Sociedades
de Ações. Ao invés do due diligence negocial, fala-se, agora, do due diligence anticorrupção,
pois a análise não está mais restrita ao mero processo de tomada de decisão negocial e ao
exame da culpabilidade do administrador, mas alcança um dever de diligência objetivo,
149
BRASIL. Banco Central do Brasil. Resolução n. 2.554, de 24 de setembro de 1998. Dispõe sobre a
implantação e implementação de sistema de controles internos. Brasília, DF, 1998. Disponível em:
<http://www.bcb.gov.br/pre/normativos/res/1998/pdf/res_2554_v3_P.pdf>. Acesso em: 05 fev. 2018. 150
DEMATTÉ, Flávio Rezende. Responsabilização de pessoas jurídicas por corrupção. Belo Horizonte:
Fórum, 2015. Passim.
78
referente à conformidade da atuação da empresa às exigências legais de integridade
corporativa e de moralidade administrativa.151
Sobre o aspecto da moralidade, Diogo de Figueiredo Moreira Neto e Rafael Véras de
Freitas acentuam que a referida lei conferiu contornos mais amplos ao princípio da
moralidade incrustado na Constituição Federal de 1988, passando a permitir o controle
finalístico – interno e externo – das atividades administrativas envolvendo os agentes privados
financiadores, e não somente daquelas exercidas pelos agentes do Estado.152
A Lei n. 12.846/13, assim, constitui diploma que objetiva justamente reprimir
condutas de pessoas jurídicas privadas que propiciam o agir imoral de agentes públicos. Com
ela, assim, o Brasil passaria a, supostamente, cumprir com os compromissos assumidos nas
convenções acima citadas, no sentido de coibir a corrupção em seu comércio interno e
externo, em igual medida que seus parceiros comerciais signatários das mesmas normas
internacionais.153
Este é o objeto do próximo tópico. Antes, todavia, de serem examinados os
seus centrais dispositivos, apreciar-se-ão algumas das condicionantes histórico-sociais que
antecederam o advento da Lei Anticorrupção.
3.2 Controle Anticorrupção no Brasil
3.2.1 Corrupção: uma Deformidade Social
Conforme se passará a demonstrar, a corrupção é a grande vilã da sociedade
brasileira.154
151
RIBEIRO, Márcio de Aguiar. Responsabilização administrativa de pessoas jurídicas à luz da lei
anticorrupção empresarial. Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 220-221. 152
Conforme os autores: “Nesse particular, é lícito falar-se em eficácia exógena do princípio da moralidade
administrativa. Em outros termos, embora os indivíduos não estejam compreendidos sob o princípio da
legalidade administrativa — oponível tão somente à Administração Pública — a extensão dos efeitos do
princípio da moralidade administrativa aos particulares — no âmbito da autonomia da vontade — está em
conformidade com o Direito, ou seja, com o princípio da juridicidade. Some-se a isso o fato de que,
reiterando, a corrupção propicia a apropriação privada de recursos públicos que deveriam ser investidos na
prossecução de políticas funcionalizadoras de direitos fundamentais, e, por isso, em frontal violação aos
objetivos elencados no art. 3º, incisos I, II, III e IV, da Constituição14 e, em última análise, a ser princípio
capital da dignidade da pessoa humana, destacado em seu art. 1º, inciso III.” MOREIRA NETO, Diogo de
Figueiredo; FREITAS, Rafael Véras de. A juridicidade da lei anticorrupção: reflexões e interpretações
prospectivas. Disponível em: <http://www.
editoraforum.com_br/ef/wpcontent/uploads/2014/O1/ART_Diogo-Figueiredo-Moreira-Neto-
etaI_LeiAnticorrupcao.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2017. 153
RIBEIRO, op. cit., p. 24. 154
“Na carta testamento da fundação do Brasil, Pero Vaz de Caminha, a serviço da Coroa Portuguesa, abre
inusitado expediente no texto oficial para solicitar um favor pessoal: a transferência de seu genro, Jorge de
Osório, que se encontrava na Ilha de São Tomé. A missiva é arrematada em um tom distinto da comunicação
institucional – ‘Beijo as mãos de Vossa Alteza’. Para o antropólogo Roberto Da Matta, a carta é a certidão de
79
Segundo Bruno Heringer Júnior, à época da proclamação da República, no final do
século XIX, o capitalismo industrial foi, paulatinamente, ganhando força em solo brasileiro,
acompanhado do ingresso de subsidiárias de grandes empresas estrangeiras. Nesse contexto
formou-se o sistema das relações sociais de dominação, figurando, no polo de cima, a aliança
entre grandes proprietários e líderes políticos, denominada coronelismo, e, no polo de baixo,
os escravos libertados e as classes inferiores dos núcleos urbanos, como prostitutas e os
contingentes de imigrantes recém-chegados.155
Após a Primeira República, observou-se a concentração econômica nas culturas
regionais do café (São Paulo), do leite (Minas Gerais) e do cacau (região do Nordeste), sendo
que o voto foi vedado aos analfabetos. Na época (1891 até 1930), o Brasil tinha composição
majoritária de uma massa de analfabetos, determinando com que o sufrágio ficasse restrito a
um grupo ou a um segmento privilegiado do povo brasileiro.156
Daí se explica a resignação e o conformismo dos acontecimentos sociais por
expressiva parcela da população, situação que se manteve sob o império do regime militar
brasileiro (1964-1985), com a suspensão dos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos.
As dificuldades enfrentadas na trajetória político-social brasileira (violência e
desigualdade), segundo José Murilo de Carvalho, relacionam-se com a natureza do percurso
histórico, ocorrendo uma lógica sequencial inversa à descrita por Marshall, pois
[...] primeiro vieram os direitos sociais, implantados em período de supressão dos
direitos políticos e de redução dos direitos civis por um ditador que se tornou
nascimento do ‘jeitinho’ que se firmaria na cultura brasileira. O ‘jeitinho à moda da casa’ revela-se nos
arranjos abertos para operar o sistema legal em benefício de interesses privados. O casuísmo se sobrepõe à
norma, o caráter impessoal se dilui na pessoalidade, e o funcionário público é um compadre amigo a
distribuir favores em nome do Estado. O público e privado aparecem cunhados no mesmo verso da moeda.”
BANNWART JÚNIOR, Clodomiro José. “Esperteza do Avesso”. Jornal Blitz, Londrina/PR, p. 6, jul. 2015. 155
HERINGER JÚNIOR, Bruno. A cor da pele: evolução histórica do direito penal brasileiro. In: GAVIÃO
FILHO, Anizio Pires; LEAL, Rogério Gesta. Coleção tutelas à efetivação de direitos indisponíveis. Porto
Alegre: FMP, 2016. p. 85-101. p. 91. Disponível em:
<http://www.fmp.com.br/imgs_upload/file/ebook%202016.pdf>. Acesso em: 12 set. 2017. 156
Conforme José Murilo de Carvalho, com a proclamação da República, em 1889, “mais de 85% dos cidadãos
eram analfabetos, incapazes de ler um jornal, um decreto do governo, um alvará da justiça, uma postura
municipal. Entre os analfabetos incluíam-se muitos dos grandes proprietários rurais. Mais de 90% da
população vivia em áreas rurais, sob o controle ou a influência dos grandes proprietários. Nas cidades, muitos
votantes eram funcionários públicos controlados pelo governo”. Acrescenta que “a Constituição Republicana
de 1891 eliminou apenas a exigência de renda de 200 mil-réis, que, como vimos, não era muito alta. A
principal barreira ao voto, a exclusão dos analfabetos, foi mantida. Continuavam também a não votar as
mulheres, os mendigos, os soldados, os membros das ordens religiosas. Não é, então, de estranhar que o
número de votantes tenha permanecido baixo. Na primeira eleição popular para a presidência da República,
em 1894, votaram 2,2% da população. Na última eleição presidencial da Primeira República, em 1930,
quando o voto universal, inclusive feminino, já fora adotado pela maioria dos países europeus, votaram no
Brasil 5,6% da população. Nem mesmo o período de grandes reformas inaugurado em 1930 foi capaz de
superar os números de 1872. Somente na eleição presidencial de 1945 é que compareceram às urnas 13,4%
dos brasileiros, número ligeiramente superior ao de 1872”. CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no
Brasil: o longo caminho. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. p. 32; 39-40.
80
popular. Depois vieram os direitos políticos, de maneira também bizarra. A maior
expansão do direito do voto deu-se em outro período ditatorial, em que os órgãos de
representação política foram transformados em peça decorativa do regime.
Finalmente, ainda hoje muitos direitos civis, a base da sequência de Marshall,
continuam inacessíveis à maioria da população. A pirâmide dos direitos foi colocada
de cabeça para baixo.157
O advento da modernidade, acompanhada do processo de globalização, ao contribuir
para a formação da sociedade de risco, também incrementou a desigualdade social,
especialmente em espaços físicos como as metrópoles, núcleos urbanos que estimulam a
criação de uma massa de excluídos econômica e socialmente desejosa, embora sem
perspectivas, de possuir o conforto proporcionado pelas novas tecnologias158
.
De outro lado, a essa profunda fissura de desigualdade social se associa o histórico
patrimonialismo brasileiro, formando um composto responsável por ensejar inúmeras práticas
corruptivas, a exemplo da corrupção eleitoral e do voto de cabresto159
, de modo que de 1822
até os nossos dias, entre o exercício das liberdades públicas e a satisfação das necessidades, a
escolha da população menos favorecida economicamente (a grande maioria),
corriqueiramente, é a segunda.
Historicamente, pois, verbas públicas destinadas a combater as desigualdades são
desviadas tanto por agentes públicos quanto particulares para fins não republicanos, mas
pessoais, em um sistema corruptivo que acentua as disparidades sociais quando diminui os
investimentos públicos na saúde, educação, segurança, habitação, dentre outros direitos
essenciais à vida.
Nesse sentido, estudo realizado pelo Departamento de Competitividade e Tecnologia
(Decomtec) da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo revelou que, em 2008, o
custo médio anual da corrupção no Brasil representava de 1,38% a 2,3% do Produto Interno
Bruto (PIB), isto é, em torno de R$ 41,5 bilhões a R$ 69,1 bilhões. Tais valores
157
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2002. p. 219-229. 158
AMARAL, Cláudio do Prado. Bases teóricas da ciência penal contemporânea: dogmática, missão do
direito penal e política criminal na sociedade de risco. São Paulo: IBCCRIM, 2007. p. 86-87. 159
Acerca do problema do coronelismo e sua influência no processo eleitoral, aduz Victor Leal Nunes que “o
elemento primário desse tipo de liderança é o ‘coronel’, que comanda discricionariamente um lote
considerável de votos de cabresto. A força eleitoral empresta-lhe prestígio político, natural coroamento de sua
privilegiada situação econômica e social de dono de terras. Dentro da esfera própria de influência, o ‘coronel’
como que resume em sua pessoa, sem substituí-las, importantes instituições sociais. Exerce, por exemplo,
uma ampla jurisdição sobre seus dependentes, compondo rixas e desavenças e proferindo, à vezes,
verdadeiros arbitramentos, que os interessados respeitam. Também se enfeixam em suas mãos, com ou sem
caráter oficial, extensas funções policiais, de que frequentemente se desincumbe com a sua pura ascendência
social, mas que eventualmente pode tornar efetivas com o auxílio de empregados, agregados ou capangas”.
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil. 2. ed.
São Paulo: Companhia das Letras, 2012. p. 24.
81
representariam aumento de 89% do número de leitos em hospitais públicos, ou 47% a mais de
jovens no ensino fundamental, ou mais de 74% no aumento de famílias recebendo casas
populares.160
Não se desconhece que este estudo se baseia em projeções aproximadas e pode estar
distante dos valores reais – a rigor, a grande parte dos atos corruptivos sequer é desvendada.
Contudo, não se pode deixar de perceber os valores vultosos desviados todos os anos.
Atualmente, contudo, a percepção dessa subversão vem alcançando a população em
geral. Tal conclusão se de pode inferir de medição global de corrupção (Global Corruption
Barometer) realizada em 2013 pela ONG Transparência Internacional, a qual atestou que a
maioria dos cidadãos entrevistados percebe como entes corruptos ou extremamente corruptos,
em ordem decrescente: os partidos políticos, o Congresso Nacional, a polícia, o sistema
público de saúde e o Judiciário.161
O discernimento dessa realidade implicou com que o movimento anticorrupção, desde
2013 (cujo mês de junho foi nomeado pela imprensa internacional de “primavera brasileira”),
viesse a, frequentemente, ganhar as ruas162
. Segundo Carlos Eduardo Martins, os protestos
ocorridos nos centros urbanos e regiões metropolitanas indicam a crise profunda do sistema
político brasileiro, a qual tem por base o esgotamento do projeto neoliberal no Brasil. Ele
explica que a versão social do neoliberalismo advinda no país com a ascensão do Partido dos
Trabalhadores (PT) ao poder, apoiado por um consenso entre o grande capital estrangeiro e
nacional, a oligarquia financeira, o agronegócio, os monopólios dos meios de comunicação e
os segmentos mais pauperizados da classe trabalhadora, ao que parece, não mais se revelou
capaz de conter a explosão social das ruas, colocando em questão a própria legitimidade da
democracia representativa, cujo modelo, diante das fissuras e da ausência de comunicação dos
160
FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DO ESTADO DE SÃO PAULO. Custo da corrupção no Brasil chega
a R$ 69 bi por ano. São Paulo, 2016. Disponível em: <http://www.fiesp.com.br/noticias/custo-dacorrupcao-
no-brasil-chega-a-r-69-bi-por-ano>. Acesso em: 20 out. 2016. 161
TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL. Global Corruption Barometer 2013. Disponível em:
<http://www.transparency.org/gcb2013/country?country=brazil>. Acesso em: 10 set. 2017. 162
Conforme Sebastião Botto de Barros Tojal e Igor Sant’Anna Tamsauskas, “[...] as manifestações populares
que tiveram lugar em junho de 2003 veiculavam inicialmente a indignação por parte de setores as sociedade
em relação ao aumento das tarifas de transportes públicos, sentimento esse que foi inflamado em razão dos
altos gastos para a consecução de objetivos secundários do ponto de vista de políticas públicas, como a Copa
do Mundo e as Olimpíadas. Após violenta repressão policial às manifestações, o foco transmutou-se de um
mero descontentamento com o valor das tarifas de transporte para um desprezo generalizado à classe política,
e a temática da corrupção logo foi alçada como tema preferencial nos protesto ao longo de todo o País.”
TOJAL, Sebastião Botto de Barros; TAMASAUKAS, Igor Sant’Anna. A Leniência anticorrupção: primeiras
aplicações, suas dificuldades e alguns horizontes para o instituto. In: Org. BOTTINI, Pierpaolo Cruz;
MOURA, Maria Thereza de Assis. Colaboração Premiada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. p. 237-
254. p. 237-238.
82
partidos e seus representantes com os representados, não mais atende às expectativas
comunitárias, provocando tensões entre o Direito e a Política.163
Tal consciência social pôde ser aferida de pesquisa de opinião realizada, em 2015,
pelo Instituto Datafolha, a qual apontou que, para a maioria dos entrevistados, a corrupção é o
maior problema no Brasil. 164
Embora ainda se revele precoce uma análise mais profunda das consequências
políticas de tais movimentos, eles ensaiam um relevante processo de amadurecimento cultural
por parte da população brasileira, os quais tiveram prosseguimento nos anos seguintes em
paralelo aos eventos da operação Lava Jato da Polícia Federal165
e do impeachment da
Presidente Dilma Roussef. Sintomático, nesse sentido, o desencadeamento de Projeto de Lei
de iniciativa popular de combate à corrupção, PL 4.850/2016, resultante do movimento “10
medidas de combate à corrupção”, promovido pelo Ministério Público Federal, o qual
recolheu 2.028.263 assinaturas de eleitores.
Nesse contexto, foi promulgada a Lei n.º 12.846 de 2013 (Lei Anticorrupção,
doravante), tendo por finalidade – mais do que buscar a harmonia com os instrumentos
internacionais sobre o combate à corrupção citados no item anterior – responder às
manifestações populares do ano do seu nascimento no afã de trazer lisura ao mercado e seus
agentes. 166
163
O autor aduz que “O projeto neoliberal alcançou hegemonia na sociedade brasileira, após o breve interregno
de Collor, durante os governos Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, a partir da aplicação dos
programas do consenso de Washington que impulsionaram a abertura comercial e financeira e a
sobrevalorização cambial em troca da renegociação da dívida externa dos anos 1980. A crise mundial, com
epicentro na Ásia em 1998, propiciou fuga de capitais da América Latina cortando o financiamento externo
destas experiências, deixando exposta a vulnerabilidade financeira dos Estados que adotaram essas
formulações e o seu alto custo social, manifesto na alienação do patrimônio público e da soberania nacional,
no enriquecimento privado, na corrupção e alto nível de endividamento estatal a serviço de oligarquias
financeiras, na perda de direitos sociais e trabalhistas, nos altos níveis de desemprego e na
desindustrialização.” MARTINS, Carlos Eduardo. A primavera brasileira: que flores florescerão? 2013. On
line. Disponível em: <https://blogdaboitempo.com.br/2013/07/08/a-primavera-brasileira-que-flores-
florescerao/>. Acesso em: 22 dez. 2013. 164
MENDONÇA, Ricardo. Pela 1ª vez, corrupção é vista como maior problema, do país, diz Datafolha. Folha
de São Paulo, São Paulo, 29 nov. 2015. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/11/1712475-pela-1-vez-corrupcao-e-vista-como-maior-problema-
do-pais.shtml>. Acesso em: 09 mar. 2018. 165
Para Emmanuelle Konzen Castro, a operação Lava Jato revelou um quadro, no Brasil, em que a corrupção
passou a fazer parte do próprio sistema sócio-político: “No Brasil pode-se falar que a corrupção é sistêmica,
ou seja, ela está instalada em grande parte das instituições sociais, fazendo parte do sistema. A sistematização
da corrupção nas instituições brasileiras ganha espaço à medida que a sociedade tende a criar uma certa
aceitação social da corrupção, em decorrência do fato dela sempre existir, ou seja, estar ‘enraizada’ em nossa
sociedade.” CASTRO, Emmanuelle Konzen. A corrupção sistêmica no Brasil. Dom Total, São Paulo, 14
fev. 2017. Disponível em: <http://domtotal.com/noticia/1125239/2017/03/a-corrupcao-sistemica-no-brasil/>.
Acesso em 09 mar. 2018. 166
Em junho de 2017, a Polícia Federal do Brasil totalizou que, a partir de 2013, as perdas nacionais com
diversos desvios corruptivos atingiram perto de 123 bilhões de reais. SALOMÃO, Alexa; BRAMATTI,
Daniel; GODOY, Marcelo. Organizações criminosas deixam rombo de R$ 123 bi. Estadão, São Paulo, 18
83
Merece menção, todavia, a ressalva de José Anacleto Santos167
no sentido de que a Lei
Anticorrupção não foi a primeira norma específica a tratar do tema, nada obstante o seu nome
tenha revertido em um grande impacto social e midiático. Essa percepção foi chancelada pela
própria exposição de motivos do projeto de lei encaminhado ao Congresso Nacional, o qual
assevera que a Lei n. 12.846/2013 “tem por objeto suprir uma lacuna existente no
ordenamento pátrio no que tange à responsabilização das pessoas jurídicas pela prática de atos
ilícitos contra a Administração Pública, em especial por atos de corrupção e fraude em
licitações.”
Contudo, para o autor citado, parte dos ilícitos previstos no art. 5º da Lei encontra
correspondência em artigos da legislação já vigente e que já eram passíveis de aplicação às
pessoas jurídicas, a exemplo dos artigos 86 a 88 da Lei n. 8.666/1993; do art. 47, inc. V da Lei
n. 12.462/2011, a qual institui o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC); da
Lei n. 12.529/2011 (Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência) e, finalmente, da própria
Lei de Improbidade Administrativa (Lei n. 8.429/1992), “cuja aplicabilidade às pessoas
jurídicas é inconteste (vide seu art. 3º), conforme decidiu o STJ em mais de uma
oportunidade”.
Para José Anacleto Abduch Santos, pois:
Quer-se com tais exemplos apenas demonstrar que mesmo antes da Lei 12.846/2013
era possível punir empresas que praticassem certas condutas fraudulentas contra a
Administração Pública, devendo considerar-se a nova lei como um reforço nesse
conjunto normativo de combate à corrupção, voltada a uniformizar e organizar
melhor o tratamento do tema, além de tornar mais severas as possíveis sanções.168
Em semelhante exegese, Valdir Moisés Simão e Marcelo Pontes Vianna defendem que
a Lei Anticorrupção (LAC) não deve ser interpretada de forma isolada, mas dentro do que
vem sendo chamado de microssistema jurídico anticorrupção, o qual é composto de todas as
normas que, direta ou indiretamente, busquem combater a prática de atos de corrupção. Nesse
grupo, pois, inserem-se a Lei de Improbidade Administrativa, Lei Antitruste, Lei de Combate
à Lavagem de Dinheiro e as demais normas penais que tratam dos crimes contra a
Administração Pública.169
jun. 2017. Disponível em: <http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,organizacoes-criminosas-deixam-
rombo-de-r-123-bi,70001846542>. Acesso em: 08 mar. 2018. 167
SANTOS, José Anacleto Abduch et al. Comentários à lei 12.846: lei anticorrupção. 2. ed. rev. e atual. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 53-56. 168
Ibid., p. 57. 169
SIMÃO, Valdir Moisés; VIANNA, Marcelo Pontes. O acordo de leniência na lei anticorrupção: histórico,
desafios e perspectivas. São Paulo: Trevisan, 2017. p. 60-61.
84
A esse respeito, José Alexandre da Silva Zachia Alan assim resume o quadro geral de
sistemas sancionatórios não penais direcionados à repressão dos atos lesivos à probidade
administrativa:
a.) por primeiro, há o sistema de sanções da Lei de Improbidade Administrativa,
organização normativa que se vaza em tipos abertos e que alveja, num primeiro
termo, os agentes públicos, mas que também alcança eventuais extraneus que
tenham concorrido com os ilícitos ou que tenham deles se beneficiado; b.) por
segundo, há o sistema da Lei Anticorrupção, sistema caracterizado por
responsabilidade objetiva e que alveja, num primeiro termo, as empresas que
negociam com a administração; c.) por terceiro, há o sistema de direito
administrativo sancionador, processos administrativos levados a efeito e sanções
aplicadas pela própria administração pública.170
O autor destaca que as citadas perspectivas de punição sobrepõem-se entre si e,
também, ao sistema penal de apurações. Segundo ele, “fala-se, em outras palavras, em
espaços de intersecção nos quais um único fato gerará múltiplas repercussões”.171
No próximo item, analisar-se-ão alguns dos centrais pontos do sistema da Lei
Anticorrupção.
3.2.2 Diretrizes da Lei Anticorrupção Brasileira
Em resposta às manifestações populares do ano de seu nascimento e, também, com o
desiderato de dar atendimento aos instrumentos internacionais sobre o combate à corrupção
dos quais o Brasil é signatário, aspectos analisados no item anterior, foi promulgada, em
2013, a Lei n.º 12.846 de 2013 (Lei Anticorrupção).
Embora não tenha sido a primeira norma específica a tratar do tema, a novel legislação
almejou punir empresas envolvidas em relações corruptas com a Administração Pública,
constituindo, pois, notável reforço no conjunto de sistemas sancionatórios não penais de
combate à corrupção, máxime por torná-lo mais severo.
Segundo Marcia Carla Pereira Ribeiro e Patrícia Dittrich Ferreira Diniz, os principais
objetivos da Lei Anticorrupção são suprir a lacuna existente no ordenamento jurídico
brasileiro quanto à responsabilização de pessoas jurídicas pela prática de atos ilícitos contra a
administração pública, em especial por atos de corrupção. Ainda, atender aos compromissos
170
ALAN, José Alexandre da Silva Zachia. Novos aspectos relacionados à leniência e à corrupção. Uma
abordagem sob a perspectiva da Teoria dos Jogos. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v.
275, p. 189-222, maio/ago. 2017. p. 201-202. Disponível em:
<http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/71652/69326>. Acesso em: 20 jan. 2018. 171
Ibid., 202.
85
internacionais assumidos pelo Brasil no combate à corrupção. Os autores salientam que o
Grupo de Trabalho sobre Corrupção nas Transações Comerciais Internacionais entendeu que a
aplicação da Lei nº 8.666/1993 (Lei de Licitações e Contratos Administrativos), da Lei nº
6.385/1976 (Lei do Mercado de Valores Mobiliários) e da Lei nº 12.529/2011 (Lei da Defesa
da Concorrência) não era suficiente para combater a corrupção.172
De semelhante modo, Egon Bockman Moreira e Andreia Cristina Bagatin asseveram
que o principal objetivo da Lei nº 12.846/2013 reside na construção de mecanismos
legislativos que determinem a responsabilização imediata de pessoas jurídicas caso se dê a
prática de determinados atos por meio de seus funcionários, acionistas e diretores. Assim,
visou-se superar os limites e obstáculos da Lei nº 8.666/1993 (que nem sempre se aplica a
pessoas jurídicas, nem promove o efetivo ressarcimento dos danos) e da Lei nº 8.429/1992, a
qual exige, mesmo para a responsabilização de pessoas jurídicas, a prova da culpa grave ou
dolo na improbidade, visto que apenas traz tipos vinculados à responsabilidade subjetiva dos
agentes.
Para os autores citados, a racionalidade lei em foco se afina mais a das normas de
proteção ao meio ambiente e da defesa da concorrência do que propriamente do Direito
Administrativo sancionador e do Direito Penal tradicional. Tal se pode inferir porque, tanto no
Direito Ambiental quanto no Direito Antitruste, é usual ter pessoas jurídicas a receber,
independentemente de culpa, o impacto normativo tanto para a prevenção/precaução, quanto
no concernente às sanções punitivas propriamente ditas – desde que não criminais. Além
disso, “o critério para a definição e punição do sujeito passivo é antes o econômico do que o
jurídico-formal de penas aflitivas e restritivas de direitos subjetivos de primeira dimensão”.173
Em suma, o critério definidor do “sujeito passivo, comprovação das hipóteses e aplicação das
normas, tanto no caso da Lei Antitruste como no da Lei Anticorrupção, é objetivamente o
econômico: a específica organização dos bens e fatores de produção”.174
172
RIBEIRO, Marcia Carla Pereira; DINIZ, Patrícia Dittrich Ferreira. Compliance e lei anticorrupção nas
empresas. Revista de Informação Legislativa, Brasília, DF, v. 52, n. 205, p. 87-105, jan./mar. 2015. p. 99. 173
MOREIRA, Egon Bockmann; BAGATIN, Andreia Cristina. Lei anticorrupção e quatro de seus principais
temas: responsabilidade objetiva, desconsideração societária, acordos de leniência e regulamentos
administrativos. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, v. 12, n. 47, p. 55-84,
jul./set. 2014. p. 61. 174
Oportuna, aqui, menção à Teoria da Escolha Racional utilizada por Gary Becker na análise da criminalidade
em seu consagrado artigo Crime and Punishment, no qual ele utiliza um modelo de análise econômica para o
desenvolvimento de políticas públicas de repressão a condutas delituosas. Mediante a análise de inúmeras
variáveis de custo-benefício (como, por exemplo, o processo de decisão das pessoas que cometem crimes e o
meio eleito pelo Estado para processar e punir delitos, etc.), o autor conclui que o crime com certeza gera um
custo social e econômico para o Estado, mas não se pode desconsiderar que seu combate também gera ônus
aos cofres públicos. Desse modo, o modelo econômico de repressão da LAC, baseado em pesadas multas que
podem ser revertidas ao Estado, poderia equilibrar os custos do processo e das punições, em especial porque
86
A Lei n. 12.846/13 é constituída por sete capítulos: I – Disposições Gerais, II – Dos
atos lesivos à Administração Pública nacional ou estrangeira, III – Da responsabilização
administrativa, IV – Do processo administrativo de responsabilização, V – Do acordo de
leniência, VI – Da responsabilização judicial e VII – Disposições Finais.
O art. 1º e seu parágrafo único estabelecem a responsabilidade objetiva da pessoa
jurídica e identifica os seus destinatários:
Art. 1o Esta Lei dispõe sobre a responsabilização objetiva administrativa e civil de
pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou
estrangeira.
Parágrafo único. Aplica-se o disposto nesta Lei às sociedades empresárias e às
sociedades simples, personificadas ou não, independentemente da forma de
organização ou modelo societário adotado, bem como a quaisquer fundações,
associações de entidades ou pessoas, ou sociedades estrangeiras, que tenham sede,
filial ou representação no território brasileiro, constituídas de fato ou de direito,
ainda que temporariamente.175
Segundo Marçal Justen Filho, o ato de corrupção somente pode ser realizado caso haja
uma ação humana, de modo que a responsabilidade objetiva das empresas não prescinde da
caracterização da responsabilidade subjetiva de uma pessoa física.176
o aumento de condenações gera altos encargos para toda a sociedade (construção de presídios, aparelhamento
dos órgãos da Justiça, etc). Esta consequência poderia ter o condão de atender ao modelo de Becker,
conforme o qual a decisão ótima é aquela que combate a criminalidade dentro de um reduzido custo
financeiro e com a imposição de penas com o menor impacto social possível. BECKER, Gary S. Crime and
Punishment: na economic approach. Journal of Political Economy, Columbia, v. 76, p. 169-217, 1968.
Apud MOREIRA, Egon Bockmann; BAGATIN, Andreia Cristina. Lei anticorrupção e quatro de seus
principais temas: responsabilidade objetiva, desconsideração societária, acordos de leniência e regulamentos
administrativos. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, v. 12, n. 47, p. 55-84,
jul./set. 2014. p. 61. Nada obstante, não se deve menoscabar o alerta de Robert Klitgaard do risco de que, em
um sistema baseado unicamente em sanções pecuniárias, elas podem vir a ser compreendidas como um preço
a ser pago para se praticar crimes; e que, ainda, a previsão isolada de multas não é o bastante para a mudança
cultural de uma sociedade, de modo a se revelar impositiva a concomitante condenação de pessoas físicas
como fator simbólico hábil a provocar uma genuína consternação social. KLITGAARD, Robert. Controling
corruption. Berkeley: University of California Press, 1988. Apud MOREIRA, Egon Bockmann; BAGATIN,
Andreia Cristina. Lei anticorrupção e quatro de seus principais temas: responsabilidade objetiva,
desconsideração societária, acordos de leniência e regulamentos administrativos. Revista de Direito Público
da Economia – RDPE, Belo Horizonte, v. 12, n. 47, p. 55-84, jul./set. 2014. p. 61-62. 175
BRASIL. Lei n. 12.846, de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de
pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras
providências. Brasília, DF, 2013. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-
2014/2013/lei/l12846.htm>. Acesso em: 23 set. 2015. 176
Na dicção do autor: “O texto literal deve ser interpretado em termos. Nenhuma pessoa jurídica atua
diretamente no mundo. Toda pessoa jurídica se vale de pessoas físicas. As práticas de corrupção são
consumadas por meio da conduta de uma ou mais pessoas físicas. Somente se consuma alguma das infrações
da Lei n. 12.846 quando a conduta da pessoa física for eivada de um elemento subjetivo reprovável. Esse
elemento será necessariamente o dolo. Em momento algum a Lei nº. 12.846/2013 instituiu uma espécie de
‘corrupção objetiva’, em que seria bastante e suficiente a ocorrência de eventos materiais. Ocorre que,
consumada a infração em virtude da conduta reprovável de um ou mais indivíduos, poderá produzir-se a
responsabilização de pessoa jurídica. Essa responsabilização será ‘objetiva’, na acepção de que bastará a
existência de um vínculo jurídico com a pessoa física infratora. Configurar-se-á a responsabilidade objetiva
87
Esta posição não é pacífica, prevalecendo a que entende que a responsabilização das
pessoas jurídicas independe da caracterização da responsabilidade subjetiva dos agentes
envolvidos.177
da pessoa jurídica se o indivíduo que cometeu a infração for a ela relacionado, ainda que não na qualidade de
administrador ou representante. O vínculo exigido compreende os casos de representação formal, mas
também abrange aquelas hipóteses em que a pessoa jurídica forneceu elementos ou recursos para a prática da
infração. Mais precisamente, é indispensável existir um vínculo que permitisse à pessoa jurídica controlar a
conduta do indivíduo infrator, especificamente para adotar as providências necessárias a impedir a prática da
infração.” JUSTEN FILHO, Marçal. A “nova” lei anticorrupção brasileira (Lei Federal 12.846). Informativo
Justen, Pereira, Oliveira e Talamini, Curitiba, n. 82, dez. 2013. Disponível em:
<http://www.justen.com.br/informativo.php?&informativo =82&artigo= 1110&l=pt>. Acesso em: 1º out.
2015. 177
Nesse sentido: OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende de; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. O sistema
brasileiro de combate à corrupção e a Lei n. 12.846/2013. Revista Síntese Direito Empresarial, São Paulo,
v. 7, n. 38, p. 121-134, maio/jun. 2014. p. 122. No concernente aos crimes cometidos contra o meio
ambiente, o Supremo Tribunal Federal já externou o entendimento de que a responsabilidade penal da pessoa
jurídica independe da culpabilidade do representante legal, contratual, ou do órgão colegiado, não sendo,
pois, exigível a dupla imputação. Assim, é suficiente a demonstração de que o ilícito adveio de deliberações
societárias legítimas (aceitas pela pessoa jurídica), externadas em benefício do ente empresarial. Na dicção da
Ministra Rosa Weber, “Para esclarecer a ideia que estou a sustentar, não se trata de considerar irrelevante o
conhecimento das pessoas, organismos internos ou sucessivas seções da empresa com responsabilidades
parciais pela produção de um injusto penal, pela prática de determinado ato ou decisão que se concretize em
crime ambiental. O que estou a dizer é que tal identificação do procedimento interno de decisão e de
produção de um fato em benefício ou interesse da empresa não significa o mesmo que atribuir a essa equipe
de trabalho ou órgãos parciais de decisão o cometimento do ilícito penal, exatamente porque as competências
parciais, no mais das vezes, podem levar apenas a responsabilidades incompletas das unidades operativas ou
órgãos gestores, sem que essa responsabilidade parcial pelo processo de produção ou direção da empresa se
possa converter numa específica responsabilidade penal por injusto típico concretizado. A identificação o
mais aproximada possível dos setores e agentes internos da empresa determinantes na produção do fato
ilícito, porque envolvidos no processo de deliberação ou execução do ato que veio a se revelar lesivo de bens
jurídicos tutelados pela legislação penal ambiental, tem relevância e deve ser buscada no caso concreto como
forma de esclarecer se esses indivíduos ou órgãos atuaram ou deliberaram no exercício regular de suas
atribuições internas à sociedade, e ainda para verificar se a atuação se deu no interesse ou em benefício da
entidade coletiva. Mas esse esclarecimento, relevante para fins de imputar determinado delito à pessoa
jurídica, não se confunde com subordinar a responsabilização da pessoa jurídica à responsabilização conjunta
e cumulativa das pessoas físicas envolvidas. Conforme já referi, em não raras oportunidades as
responsabilidades internas pelo fato estarão diluídas ou parcializadas de tal modo que não permitirão a
imputação de responsabilidade penal individual. Mesmo porque, para as pessoas físicas, não há como
pretender questionar a permanência do nexo de causalidade, nos moldes em que consagrado pela evolução da
ciência penal tradicional, como condição de imputação de um ilícito penal. Em resumo, a clivagem inerente
ao funcionamento dos modernos conglomerados empresariais, em muitos casos, quase que impede a
atribuição do fato delituoso a uma pessoa física determinada. Essa, exatamente, a ratio essendi, na minha
visão, da norma constitucional que acolhe a responsabilidade penal da pessoa jurídica em atividades lesivas
ao meio ambiente. Logo, não se coaduna com a norma do § 3o do art. 225 da Constituição da República o
condicionar ou o subordinar a responsabilização penal do ente moral à imputação cumulativa do fato ilícito a
indivíduo específico.” BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 548.181-PR.
Recorrente: Ministério Público Federal. Recorrido: Petróleo Brasileiro S/A – Petrobrás. Relatora: Min. Rosa
Weber. Brasília, DF, 6 ago. 2013. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2518801>. Acesso em: 19 jan.
2016. Segundo Carla Veríssimo, “A decisão, apesar de mencionar as várias teorias de imputação em direito
comparado (princípio da identificação, responsabilidade vicarial, teoria da agregação, etc.) não chegou a se
posicionar sobre o critério de fundamentação da culpabilidade empresarial, que, todavia, entendeu ser
própria, e não derivada, por atribuição, da culpabilidade de pessoa física que age em nome ou em benefício
da empresa. Segundo a relatora, a finalidade da imposição de uma pena aos entes coletivos não poderia se
guiar por critérios baseados na comparação de pessoas jurídicas com pessoas físicas, sendo necessária a
elaboração de novos e exclusivos conceitos de ação e de culpabilidade válidos para as pessoas jurídicas.” DE
CARLI, Carla Veríssimo. Anticorrupção e Compliance: a incapacidade da Lei 12.846/13 para motivar as
88
Patrícia Toledo de Campo assevera não ser necessário comprovar a culpa ou o dolo de
agentes específicos, mas simplesmente a atuação genérica da empresa inclinada à fraude, sem
necessidade de individualização de conduta ou comprovação do elemento subjetivo de
pessoas a ela vinculadas. Segundo ela, afirmar que os fatos típicos previstos na Lei
Anticorrupção somente se consumariam quando a ação da pessoa física contivesse o elemento
subjetivo dolo iria na contramão do objetivo pretendido pela lei. Como dispõe o artigo 3º, a
responsabilização da pessoa jurídica não exclui a responsabilidade individual de quaisquer
pessoas naturais – autoras, coautoras, partícipes, dirigentes, administradores – e independe da
responsabilização individual das referidas pessoas.178
Conforme Diogo de Figueiredo Moreira Neto e Rafael Véras de Freitas, a ratio desse
dispositivo é fomentar que as pessoas jurídicas estabeleçam sistemas de controle sobre as
condutas de seus agentes, visando a inibir a prática de atos violadores da moral
administrativa, uma vez que, em razão da objetivação da responsabilidade, ser-lhes-á
impossível isentarem-se de eventual responsabilização alegando ausência de culpa in
vigilando.179
Nesse sentido, Igor Sant’anna Tamasaukas e Pierpaolo Cruz Bottini fundamentam a
responsabilidade objetiva da pessoa jurídica no princípio da função social da empresa,
analisado no item 2.2. Tal postulado impingiria, à empresa, o dever de atuar conforme a
moralidade administrativa em sua relação com o Estado, daí a objetivação de sua
responsabilidade pela Lei Anticorrupção. Os autores, todavia, admitem-na somente para a
reparação do dano causado, apontando como inconstitucional a imposição de sanções
despidas de reprovabilidade na conduta (acrescem, também, como plausível, a hipótese de
debilidade na organização da estrutura empresarial). Nesse sentido, a existência de
mecanismos internos de compliance idôneos e eficazes poderia demonstrar que o ato
desviante da pessoa física foi isolado e individual, derrogando a culpabilidade da empresa.180
empresas brasileiras à adoção de programas e medidas de Compliance. 2016. 342 f. Tese (Doutorado) -
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de Direito. Programa de Pós-Graduação em Direito,
Porto Alegre, BR-RS, 2016. f. 72-73. Disponível em: <http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/149239>.
Acesso em: 11 set. 2017. 178
CAMPOS, Patrícia Toledo de. Comentários à Lei nº 12.846/2013 – Lei anticorrupção. Revista Digital de
Direito Administrativo, São Paulo, v. 2, n. 1, p. 160-185, 2015. p. 164. Disponível em:
<http://www.revistas.usp.br/rdda/article/view/80943>. Acesso em: 1º out. 2015. 179
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo; FREITAS, Rafael Véras de. A juridicidade da lei anticorrupção:
reflexões e interpretações prospectivas. Disponível em: <http://www.
editoraforum.com_br/ef/wpcontent/uploads/2014/O1/ART_Diogo-Figueiredo-Moreira-Neto-
etaI_LeiAnticorrupcao.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2017. 180
TAMASAUSKAS, Igor Sant’anna; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. A interpretação constitucional possível da
responsabilidade objetiva na lei anticorrupção. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 947, p. 133-144, set.
2014. p. 142-145.
89
Embora sedutora a posição adotada, ela não convence por uma razão curial: em
responsabilidade objetiva, não há se falar em culpabilidade do agente, pois os pressupostos
são apenas: conduta, nexo causal e dano, inexistindo o pressuposto culpa/dolo. Assim, se a
adoção de um programa idôneo de compliance afasta a culpabilidade da empresa, o fato
inexorável é o de que foi exatamente essa culpabilidade que o legislador optou por não exigir
para fins de caracterização da responsabilidade empresarial por atos corruptivos.
De forma mais técnica, Fábio Medina Osório apregoa que a existência de um sistema
interno de integridade (compliance) poderá conduzir à interrupção do nexo de causalidade.181
Como se vê, paira sobre a doutrina certa perplexidade na eleição da responsabilidade
objetiva pela Lei Anticorrupção, havendo tentativas de se apontar os programas de integridade
corporativa como meios eficazes de afastamento da responsabilidade, inclusive mediante
correlação ao princípio da culpabilidade o que, como já dito, não parece uma opção técnica.
Nesse estudo, defende-se que a melhor forma de compatibilização entre a
responsabilidade objetiva e a censurabilidade do agir corporativo, em obséquio ao princípio
da equidade, dá-se pela aplicação analógica do art. 944, parágrafo único, do Código Civil
Brasileiro, de seguinte teor: “Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.
Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano,
poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização.”182
Desse modo, verificado que a empresa possuía programa de integridade hábil em
detectar as condutas desviantes, de modo que o ato corruptivo, no caso concreto, fora oriundo
do agir isolado e individual de algum colaborador, poderá o ente processante reduzir
equitativamente a pena prevista pela LAC para a empresa na espécie.
Divergências doutrinárias a parte, o que neste momento urge sublinhar é um dado
elementar: independentemente da visão adotada, o que mais uma vez avulta é a acentuada
relevância das empresas estabelecerem políticas de governança corporativa sustentadas nos
quatro pilares - a) transparência (disclousure); b) prestação de contas (accountability); c)
justiça com os minoritários (fairness) e d) cumprimento das leis (compliance) -, para, assim
agindo, reduzirem drasticamente a possibilidade de que algum sujeito a elas vinculado goze
da possibilidade de se engajar na prática de condutas corruptas cuja consequência, como visto,
será atrair a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica.
181
OSÓRIO, Fábio Medina. Direito administrativo sancionador. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p.
406. 182
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília, DF, 2002. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 15 set. 2015.
90
Em suma, a responsabilidade da empresa decorrerá, em última análise, de sua própria
falha na implantação de modelos de conformidade ética e legal (compliance) apropriados.
Para evitar esta consequência, a empresa deve se aliar ao Estado prevenindo a ocorrência de
ilícitos e, não logrando os inibir, investigar o fato e colaborar com os órgãos estatais na sua
apuração.
Afinal, dada a amplitude da letra da lei, a possibilidade de algum colaborador se
engajar na prática dessas condutas desviantes não é remota, pois, conforme explica André
Pimentel Filho, a redação utilizada enseja dúvidas sobre os critérios a serem adotados para a
punição da pessoa jurídica em um sistema em que não é exigido o critério da culpabilidade. A
leitura literal da lei pode conduzir à concepção estendida de responsabilidade objetiva, cujo
único pressuposto é possuir a empresa interesse no ato corruptivo, mesmo que remoto. A
redação original do projeto fazia referência a atos praticados por qualquer agente ou órgão
que a represente. Essa redação, todavia, foi alterada durante a tramitação legislativa,
permitindo crer que o legislador optou por uma opção ampliativa.183
Tal formulação estendida, portanto, é consentânea com uma interpretação de que tanto
os atos dos órgãos da empresa (conselho de administração, conselho fiscal, etc.), quanto os
dos empregados (sufragada nos arts. 932, inc. III e 933 do Código Civil) poderão ensejar a
configuração da responsabilidade objetiva quando deles advier benefício para a empresa, dai a
passar ser do interesse das empresas que seus colaboradores não pratiquem atos ilícitos, pois
tal fatalmente conduzirá à punição da pessoa jurídica.
Cabe referir que, apesar de viger a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica, os
seus dirigentes ou administradores só poderão ser penalizados na medida de sua culpabilidade
(artigo 3º da Lei nº 12.846/2013), isto é, somente serão responsabilizados pelos atos de
corrupção se for comprovado que agiram com dolo ou culpa grave, o que não alcança os
administradores meramente inábeis ou imperitos.
As condutas puníveis se encontram no taxativo rol do art. 5º da Lei,184
as quais,
insista-se, já se encontravam tipificadas em outros dispositivos legais, a exemplo do Código
Penal, da Lei n. 8.429/92 e da Lei n. 8.666/93.185
183
PIMENTEL FILHO, André. Comentários aos artigos 1º ao 4º da Lei Anticorrupção. In: SOUZA, Jorge
Munhós de; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de (Org.). Lei anticorrupção. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 63-
86. p. 77-80. 184
Art. 5o Constituem atos lesivos à administração pública, nacional ou estrangeira, para os fins desta Lei, todos
aqueles praticados pelas pessoas jurídicas mencionadas no parágrafo único do art. 1o, que atentem contra o
patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da administração pública ou contra os
compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, assim definidos: I - prometer, oferecer ou dar, direta ou
indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a terceira pessoa a ele relacionada; II -
comprovadamente, financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a prática dos atos ilícitos
91
No concernente à concomitância de previsões legais em esferas jurídicas distintas,
prevalece o entendimento de que a estrutura do Direito Sancionador brasileiro é norteada pela
independência de instâncias, de modo que uma mesma conduta poderá receber reprimendas
distintas nas esferas cível, penal e administrativa, visto inexistir violação ao princípio do ne
bis in idem nesses casos. A Lei n. 8.429/92 bem expressa esse postulado, quando prevê, em
seu art. 12, caput, que as cominações de improbidade administrativa independem das sanções
penais, civis e administrativas. No mesmo sentido é o art. 225, §3º da Constituição Federal de
1988, o qual dispõe que as condutas e atividades lesivas ao meio ambiente sujeitarão os
infratores a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação cível de
reparação dos danos.
Nada obstante, certa perplexidade pode se dar nas hipóteses de existência de aplicação
de mais de uma sanção unicamente na esfera administrativa, como é o caso, por exemplo, das
Leis Anticorrupção, de Improbidade Administrativa e de Licitações e Contratos
Administrativos. Mas, para esses casos, Valdir Moisés Simão e Marcelo Pontes Vianna
esclarecem que o direito nacional admite esta possibilidade, mas desde que “respeitada a
previstos nesta Lei; III - comprovadamente, utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou
dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados; IV - no tocante a
licitações e contratos: a) frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o
caráter competitivo de procedimento licitatório público; b) impedir, perturbar ou fraudar a realização de
qualquer ato de procedimento licitatório público; c) afastar ou procurar afastar licitante, por meio de fraude
ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo; d) fraudar licitação pública ou contrato dela decorrente; e)
criar, de modo fraudulento ou irregular, pessoa jurídica para participar de licitação pública ou celebrar
contrato administrativo; f) obter vantagem ou benefício indevido, de modo fraudulento, de modificações ou
prorrogações de contratos celebrados com a administração pública, sem autorização em lei, no ato
convocatório da licitação pública ou nos respectivos instrumentos contratuais; ou g) manipular ou fraudar o
equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebrados com a administração pública; V - dificultar
atividade de investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes públicos, ou intervir em sua
atuação, inclusive no âmbito das agências reguladoras e dos órgãos de fiscalização do sistema financeiro
nacional. BRASIL. Lei n. 12.846, de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa
e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá
outras providências. Brasília, DF, 2013. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-
2014/2013/lei/l12846.htm>. Acesso em: 23 set. 2015. 185
Conforme Diogo de Figueiredo Moreira Neto e Rafael Véras de Freitas: “A primeira conduta punível é a de
‘prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a terceira pessoa
a ele relacionada’ se assemelha ao crime de corrupção ativa, previsto no art. 333 do Código Penal. Trata-se
de tipo administrativo formal, que, para sua consumação, independe de seu consequente resultado. A lesão ao
bem jurídico tutelado por este dispositivo se dá pela simples oferta de quantia financeira pelo particular,
independentemente se o servidor público aferiu acréscimos patrimoniais. Distintamente, para que sejam
tipificadas as ‘condutas de financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a prática dos atos
de corrupção’ e de ‘utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou dissimular seus reais
interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados, para sua caracterização’, cumpre que reste
comprovado, no bojo do processo administrativo sancionatório, que a autoridade pública, efetivamente,
recebeu os recursos privados. Trata-se, aqui, de tipo administrativo material, pois que depende de um
consequente resultado para a sua consumação.” MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo; FREITAS, Rafael
Véras de. A juridicidade da lei anticorrupção: reflexões e interpretações prospectivas. Disponível em:
<http://www. editoraforum.com_br/ef/wpcontent/uploads/2014/O1/ART_Diogo-Figueiredo-Moreira-Neto-
etaI_LeiAnticorrupcao.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2017.
92
teoria da tríplice identidade e quando os fundamentos da pena residirem em expressa previsão
legal”186
, visto que “o legislador cuidou de proteger de forma distinta os diversos bens
jurídicos, ainda que na mesma instância”. Desse modo, no Direito Sancionador inexistirá bis
in idem se as sanções cumulativas não tiverem identidade cumulativa de autor, fato e
fundamento.
Os autores citados exemplificam apontando que a Lei n. 8.112/90 (Regime jurídico
dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais)
tutela a moralidade administrativa, punindo os servidores que incorrem em desvios de
conduta, ao passo que a Lei n. 8.443/92 (Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União –
TCU) busca preservar os cofres públicos, possibilitando, assim, a imposição de multas aos
agentes que dilapidam o erário. Portanto, cada uma dessas esferas administrativas “cuidaria de
impor sanções típicas de sua natureza, buscando resguardar sua finalidade precípua”.187
Mas, embora defenda a viabilidade jurídica da apontada concomitância de previsões
similares e idênticas, Valdir Moisés Simão e Marcelo Pontes Vianna criticam o fato da Lei
Anticorrupção em nada ter restringido a competência de normas anteriores que já regulavam
as mesmas condutas, tampouco buscado harmonizá-las entre si. Assim, verificam-se condutas
bem similares, às vezes até idênticas, repreendidas em leis distintas, identificando-se uma
“verdadeira superabundância de penas e procedimentos punitivos sobrepostos”, de modo que
“a profusão de normas sancionadoras nem sempre atinge o fim almejado de reprimir a prática
de ilícitos.”188
Assim sendo, esta realidade de competências sobrepostas a diversos agentes
institucionais é causadora de grave insegurança jurídica, “uma vez que os agentes privados
não sabem com razoável previsibilidade a qual ação do Estado estão sujeitos.” Os autores
acrescem ser a própria Lei Anticorrupção que, em seu art. 30, expressamente prevê que a
aplicação de suas sanções não afeta as de outros diplomas legais.189
186
SIMÃO, Valdir Moisés; VIANNA, Marcelo Pontes. O acordo de leniência na lei anticorrupção: histórico,
desafios e perspectivas. São Paulo: Trevisan, 2017. p. 52. 187
Ibid. 188
Ibid., p. 47. 189
SIMÃO, Valdir Moisés; VIANNA, Marcelo Pontes. O acordo de leniência na lei anticorrupção: histórico,
desafios e perspectivas. São Paulo: Trevisan, 2017. p. 48-49.
Eis o teor do apontado dispositivo legal: Art. 30. A aplicação das sanções previstas nesta Lei não afeta os
processos de responsabilização e aplicação de penalidades decorrentes de: I - ato de improbidade
administrativa nos termos da Lei no 8.429, de 2 de junho de 1992; e II - atos ilícitos alcançados pela Lei
no 8.666, de 21 de junho de 1993, ou outras normas de licitações e contratos da administração pública,
inclusive no tocante ao Regime Diferenciado de Contratações Públicas - RDC instituído pela Lei no 12.462,
de 4 de agosto de 2011. BRASIL. Lei n. 12.846, de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização
administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou
93
Analisando as condutas puníveis na Lei Anticorrupção, Silvio Luís Ferreira da Rocha
esclarece que elas são praticadas pelos dirigentes, empregados e prepostos da empresa, mas o
responsável pelas sanções é a pessoa jurídica, em uma clara dissociação legal entre infrator e
responsável. Pela descrição das infrações na Lei nº 12.846/13, deve haver dolo do dirigente,
empregado ou preposto para que se consuma a infração administrativa e a consequente
responsabilização da pessoa jurídica. Todas as situações hipotéticas descritas no dispositivo,
pois, revelam a intenção preordenada do agente de lesar a moralidade, a igualdade e a
impessoalidade. Para o autor, todavia, a responsabilidade administrativa não pode ser
estendida a todo e qualquer ato praticado por terceiro, sendo premente a presença de vínculo
de presentação, representação ou de subordinação entre a pessoa jurídica e o infrator, sob
pena de violação dos princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da pessoalidade da
sanção.190
Por fim, o autor valoriza intensamente a presença de programas de integridade
corporativa ao aduzir que a responsabilização civil ou administrativa por atos praticados por
terceiros, sem que esteja presente a relação de presentação, representação ou subordinação,
somente poderia ocorrer, de maneira subsidiária, na hipótese da empresa não possuir
programa de compliance.191
E quanto à inexorabilidade de que os atos corruptivos empresariais estejam atrelados a
uma conduta corruptiva praticada por um agente público?
Modesto Carvalhosa apregoa que os atos lesivos tipificados na LAC
indispensavelmente exigem “o concurso simétrico dos agentes públicos, no sentido de que
não pode a pessoa jurídica enquanto sujeito ativo da conduta corruptiva, consumá-la sem o
concurso do outro sujeito ativo que é o agente público [...]”.192
Entende-se, contudo, que a posição mais consentânea com a realidade da vida é a de
Valdir Moisés Simão e Marcelo Pontes Vianna, para quem inexiste a necessidade dessa
relação simétrica de condutas.193
estrangeira, e dá outras providências. Brasília, DF, 2013. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm>. Acesso em: 23 set. 2015. 190
ROCHA, Silvio Luís Ferreira da. Responsabilidade objetiva da pessoa jurídica na Lei n. 12.846, de 1º de
agosto de 2013. Revista Brasileira de Infraestrutura, Belo Horizonte, v. 4, n. 7, p. 131-142, jan./jun. 2015.
p. 140-141. 191
Ibid., p. 142. 192
CARVALHOSA, Modesto. Considerações sobre a lei anticorrupção das pessoas jurídicas: lei n.
12.846/2013. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 57. 193
Para estes autores: “Apenas para ilustrar nossa posição, apresentamos alguns exemplos de situações que
entendemos caracterizar hipóteses de conduta vedada pela LAC, independentemente da participação, da
convivência ou do conhecimento de agente público: a. Apresentação, no curso de processo licitatório, de
certidão falsa de quitação de débitos trabalhistas (art. 5º, IV, ‘d’, LAC). b. Criação por uma pessoa jurídica de
94
Não é objetivo do presente trabalho analisar, à exaustão, os dispositivos da Lei
Anticorrupção, mas demonstrar como ela tem por desiderato valorizar a implantação dos
mecanismos de compliance pelas empresas. Segundo Egon Bockman Moreira e Andreia
Cristina Bagatin,
[...] a Lei nº 12.846/2013 inverte a lógica tradicional do combate à corrupção, que
antes pretendia basicamente imputar consequências gravosas, a posteriori, aos
agentes corruptos pessoas físicas — deixando-se de lado as pessoas jurídicas que
serviam como instrumento de geração e distribuição dos benefícios indevidos (salvo
raras exceções, muitas deles dependentes da prova da culpa grave ou dolo). Ao
contrário dessa concepção tradicional, que correlaciona atos ilícitos a castigos contra
pessoas físicas, a Lei Anticorrupção instalou um sistema de incentivos econômicos
para que as pessoas jurídicas efetivamente incorporem mecanismos de compliance.
A lógica é preventiva/acautelatória, uma vez que é de todo viável a adoção de boas
práticas, as quais, senão impeçam, ao menos atenuem os atos de corrupção. Caso tais
boas práticas sejam efetivamente implementadas — dentre elas, o acordo de
leniência (ou ao menos a certeza da alta probabilidade de que ele seja celebrado) —
e controladas por meio de protocolos-padrão, estará criado o ambiente proativo de
real combate à corrupção do lado de dentro das sociedades empresariais.194
Para os autores acima citados, a Lei Anticorrupção não visa a propriamente punir, mas
a instalar estímulos para que as pessoas jurídicas não se dediquem ao cometimento de ilícitos.
Com esteio na função social, a Lei Anticorrupção busca, em primeiro lugar, que as pessoas
jurídicas compreendam e internalizem tais incentivos, instituindo como regra interna a
vedação a atos que possam lesar o patrimônio e a moralidade pública. Em decorrência, caso
não haja essa conscientização aliada com práticas consentâneas à ética dos negócios, estarão,
as empresas, cientes de que poderão ser responsabilizadas de modo objetivo, com severas
penas econômicas (podendo a sanção mais gravosa culminar, inclusive, na sua extinção: a
“pena capital” aplicada a pessoas jurídicas).
Com relação à responsabilidade administrativa das pessoas jurídicas, cabe referir que
se admite, cumulativamente ou não, as seguintes sanções: a aplicação de multa, no valor de
0,1% (um décimo por cento) a 20% (vinte por cento) do faturamento bruto do último
exercício anterior ao da instauração do processo administrativo e a publicação extraordinária
da decisão condenatória (art. 6º).
“empresa de fachada” para participar de processo licitatório apenas para respaldar a ocorrência do certame
(art. 5º, IV, ‘e’, LAC). c. Oferecimento de valores indevidos a um agente público, que recusa a oferta e
reporta a ocorrência às autoridades competentes (art. 5º, I, LAC). Nos casos descritos, não se esperaria do
proponente do acordo de leniência informações a respeito de outras pessoas jurídicas ou agentes públicos
envolvidos na infração.” SIMÃO, Valdir Moisés; VIANNA, Marcelo Pontes. O acordo de leniência na lei
anticorrupção: histórico, desafios e perspectivas. São Paulo: Trevisan, 2017. p. 116-117. 194
MOREIRA, Egon Bockmann; BAGATIN, Andreia Cristina. Lei anticorrupção e quatro de seus principais
temas: responsabilidade objetiva, desconsideração societária, acordos de leniência e regulamentos
administrativos. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, v. 12, n. 47, p. 55-84,
jul./set. 2014. p. 55-56.
95
Diogo de Figueiredo Moreira Neto e Rafael Véras de Freitas aduzem que os valores
das multas são vultosos, motivo pelo qual a autoridade julgadora deverá subministrá-los com
parcimônia, sob pena de violar o princípio da liberdade de iniciativa (art. 1º, inc. IV e 170,
caput, da CF/88) e da função social da empresa (art. 116 da Lei n. 6.404/76). A sanção
administrativa possui natureza instrumental, não se constituindo em um fim em si, mas sendo
um dos diversos meios hábeis a viabilizar a prossecução do interesse público tutelado, em
sintonia com o princípio da proporcionalidade. Assim, ela jamais deverá ter fins meramente
arrecadatórios.195
Por fim, ainda com relação à aplicação das sanções administrativas, insta mencionar
que o processo administrativo de responsabilização (PAR) idôneo para a sua aplicação deverá
ser instaurado pela autoridade máxima da Administração e ser conduzido por comissão
composta por dois ou mais servidores estáveis, admitindo-se a desconsideração da
personalidade jurídica quando configurado abuso de poder, observados o contraditório e a
ampla defesa.196
Ainda no concernente à Lei Anticorrupção, pertinente mencionar que em seu último
capítulo (VII), referente às Disposições Finais, foi implantado o Cadastro Nacional de
Empresas Punidas – CNEP, no âmbito do Poder Executivo federal, responsável por reunir e
dar publicidade às sanções aplicadas pelos órgãos ou entidades dos Poderes Executivo,
Legislativo e Judiciário de todas as esferas de governo, os quais deverão informar e manter
atualizados, no Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas - CEIS, os dados
relativos às sanções por eles aplicadas, nos termos do disposto nos artigos 87 e 88 da Lei nº
8.666, de 21 de junho de 1993.
195
Aliás, a esse respeito, o art. 7º prevê os parâmetros que deverão ser considerados pela Administração Pública
na aplicação das sanções: “Art. 7o Serão levados em consideração na aplicação das sanções: I - a gravidade
da infração; II - a vantagem auferida ou pretendida pelo infrator; III - a consumação ou não da infração; IV -
o grau de lesão ou perigo de lesão; V - o efeito negativo produzido pela infração; VI - a situação econômica
do infrator; VII - a cooperação da pessoa jurídica para a apuração das infrações; VIII - a existência de
mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a
aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica; IX - o valor dos contratos
mantidos pela pessoa jurídica com o órgão ou entidade pública lesados; e X - (VETADO). Parágrafo único.
Os parâmetros de avaliação de mecanismos e procedimentos previstos no inciso VIII do caput serão
estabelecidos em regulamento do Poder Executivo federal.” BRASIL. Lei n. 12.846, de 1º de agosto de
2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra
a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências. Brasília, DF, 2013. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm>. Acesso em: 23 set. 2015. Como
se vê, o inciso VIII enuncia que a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade,
auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no
âmbito da pessoa jurídica serão levadas em consideração no momento da aplicação das sanções. Já o
parágrafo único estatui que os parâmetros de avaliação destes mecanismos e procedimentos serão
estabelecidos por regulamento do Poder Executivo Federal, o qual será apreciado no próximo item, quando
será enfocado o tema do compliance. 196
Arts. 8º, 10 e 14 da Lei Anticorrupção.
96
Segundo Patrícia Toledo de Campos, verifica-se que qualquer punição conferida à
pessoa jurídica ensejará a inscrição de sua razão social no Cadastro Nacional de Empresas
Punidas, resultando evidente que este procedimento visa a desestimular a prática de atos
ilícitos contra a Administração Pública, uma vez que será divulgada a imagem da empresa
como corrupta, uma espécie de classificação de “empresa ficha suja” que redunda em genuína
propaganda negativa.197
Tal rotulação pode ser especialmente gravosa para aquelas empresas
que possuem ações na Bolsa de Valores quando a presença no referido Cadastro redundar na
redução do preço de suas ações.
Patrícia Toledo de Campos ainda sugere que o Cadastro Nacional de Empresas
Punidas não deveria apenas reunir e dar publicidade às sanções aplicadas às empresas que
tenham praticado condutas ilícitas em desfavor da Administração, mas também servir como
banco de dados de análise obrigatória para futuras contratações do Poder Público, de modo
que as pessoas jurídicas que o integrassem fossem impedidas de pactuar com a Administração
Pública nos âmbitos federal, estadual ou municipal.198
Depois do prazo previamente estabelecido no ato sancionador ou do cumprimento
integral do acordo de leniência e da reparação do eventual dano causado, os registros das
sanções e dos acordos de leniência serão excluídos do CNEP.199
Importante registrar, ainda, que, nos termos da Lei Anticorrupção, a responsabilidade
administrativa não afasta a responsabilidade civil pelos atos lesivos à Administração,
considerada a independência das instâncias (art. 18 da Lei n. 12.846/2013), sendo que esta
última é buscada por meio do devido processo legal judicial.
Segundo o art. 21 da Lei em análise, na ação de responsabilização judicial será
adotado o rito previsto na Lei n. 7.347/85, que disciplina o procedimento da Ação Civil
Pública, de modo que a sua natureza, portanto, é a de ação coletiva, somando-se a outros
instrumentos previamente existentes em nosso cenário jurídico (v.g. ação popular, ação civil
pública e ação de improbidade administrativa) na defesa do patrimônio público.
A legitimidade ativa e as sanções cabíveis vêm regulamentadas pelo art. 19 da Lei
Anticorrupção.200
Segundo Rafael Carvalho Rezende Oliveira e Daniel Amorim Assumpção
197
CAMPOS, Patrícia Toledo de. Comentários à Lei nº 12.846/2013 – Lei anticorrupção. Revista Digital de
Direito Administrativo, São Paulo, v. 2, n. 1, p. 160-185, 2015. p. 181-182. Disponível em:
<http://www.revistas.usp.br/rdda/article/view/80943>. Acesso em: 1º out. 2015. 198
Ibid. 199
Art. 22, §§ 3º e 4º, da Lei n. 12.846/13. 200
Art. 19. Em razão da prática de atos previstos no art. 5o desta Lei, a União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios, por meio das respectivas Advocacias Públicas ou órgãos de representação judicial, ou
equivalentes, e o Ministério Público, poderão ajuizar ação com vistas à aplicação das seguintes sanções às
pessoas jurídicas infratoras:
97
Neves, embora a omissão legal, é pacífico que também possam ser cumulados os pedidos de
anulação do ato ilícito e de condenação por perdas e danos:
Na realidade, o art. 21, parágrafo único, da Lei ora analisada dá a entender que a
condenação por perdas e danos é um pedido implícito dessa ação ao prever que a
condenação torna certa a obrigação de reparar, integralmente, o dano causado pelo
ilícito, cujo valor será apurado em posterior liquidação, se não constar
expressamente da sentença.201
Por fim, feliz a observação dos autores de que não parece compatível com o princípio
da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, da CF/88) exigir que o processo
administrativo (PAR) seja condição para o exercício da ação judicial, de modo que, se por
qualquer razão, a pessoa jurídica de direito público optar por ingressar diretamente com esta
última, poderá, nela própria, postular a aplicação das sanções administrativas previstas no art.
6º (multa e publicação de sentença).202
De outro lado, segundo Valdir Moisés Simão e Marcelo Pontes Vianna, da mesma
discricionariedade desfruta o Ministério Público, o qual poderá cumular, aos pedidos da ação
judicial, a aplicação das sanções administrativas previstas na Lei Anticorrupção, mas “desde
que demonstrada a omissão por parte da autoridade competente para promovê-las”.203
Por derradeiro, o último instrumento relevante da LAC que reclama ponderações é o
acordo de leniência. Mas este, por constituir um dos objetos centrais do presente trabalho, será
apreciado com maior profundidade no capítulo final.
I - perdimento dos bens, direitos ou valores que representem vantagem ou proveito direta ou indiretamente
obtidos da infração, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé;
II - suspensão ou interdição parcial de suas atividades;
III - dissolução compulsória da pessoa jurídica;
IV - proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades
públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo mínimo de 1
(um) e máximo de 5 (cinco) anos.
§ 1o A dissolução compulsória da pessoa jurídica será determinada quando comprovado:
I - ter sido a personalidade jurídica utilizada de forma habitual para facilitar ou promover a prática de atos
ilícitos; ou
II - ter sido constituída para ocultar ou dissimular interesses ilícitos ou a identidade dos beneficiários dos atos
praticados. BRASIL. Lei n. 12.846, de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização
administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou
estrangeira, e dá outras providências. Brasília, DF, 2013. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm>. Acesso em: 23 set. 2015. 201
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende de; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. O sistema brasileiro de
combate à corrupção e a Lei n. 12.846/2013 (Lei Anticorrupção). Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, v.17,
n. 65, p. 193-206, maio/ago. 2014. p. 201-202. 202
Ibid., p. 202. 203
SIMÃO, Valdir Moisés; VIANNA, Marcelo Pontes. O acordo de leniência na lei anticorrupção: histórico,
desafios e perspectivas. São Paulo: Trevisan, 2017. p. 36.
98
3.3 Elementos Centrais em um Programa de Compliance
Conforme explanado no item 3.1.2, o controle anticorrupção e a atuação de
compliance foram imensamente fortalecidos, no Brasil, com a sanção, em 2013, da Lei n.º
12.846, conhecida como Lei Anticorrupção, a qual fortaleceu a tendência nacional a adotar
um modelo de direito interventivo no combate à corrupção. Dentre os benefícios em eleger
esta via, destacam-se a previsão de sanções desestimuladoras de natureza econômica e o
fomento à prevenção por meio dos programas de compliance, cujos elementos centrais
compõe o objeto de exposição do presente tópico.
A primeira norma internacional que tratou do compliance foi ao âmbito da soft
law204
: a ISO 19600:2014. Segundo seu texto, compliance é o resultado de uma organização
cumprir suas obrigações, tornando-se sustentável pela incorporação na cultura da organização
e na atitude das pessoas que trabalham nela. Compliance, então, define-se como o
204
Segundo Matusalém Gonçalves Pimenta, “pode-se conceituar soft law, no âmbito do direito internacional,
como espécie de norma, entre as muitas exaradas pelas entidades internacionais, quer na esfera das
organizações internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU) e suas Agências, quer na de
organizações regulatórias, tal qual a Câmara Internacional do Comércio (CIC). Diferencia-se a soft law de
outras normas pelo seu caráter de flexibilidade e dependência de governança. (...) Para a doutrina clássica, o
termo soft law é posto em paralelo com a expressão hard law. Esta, para identificar as normas cogentes
(tratados e costumes internacionais) e aquele, para indicar a espécie de norma flexível e, nessa visão, não
obrigatória.” O autor citado defende que as mudanças que se operam no direito internacional não permitem
mais que haja uma grande diferenciação entre soft e hard law. Na sua dicção: “Não se pode mais negar que
os efeitos da soft law estão traduzidos em um corte horizontal, nas relações multilaterais, que atinge
inexoravelmente o direito internacional público e o privado. Como negar as diferenças provocadas pela
Declaração Universal dos Direitos do Homem (Assembleia Geral da ONU em 1948) e as mudanças nas
atividades dos países pela Agenda 21 (Eco-92)? Como não reconhecer, no meio internacional privado, a
validade e a obrigatoriedade do uso dos padrões adotados pela International Organization for Standardization
(ISO)? Destarte, a soft law não é tratado internacional, na concepção posta pela Convenção de Viena, e
tampouco se harmoniza ao conceito de costume. Mas, por outro lado, o novo desenho feito pela comunidade
internacional para as relações entre Estados e sociedades transnacionais não mais permite que tais normas
sejam enquadradas como de menor importância ou que delas não se espere obediência.”
https://jus.com.br/artigos/64141/uma-visao-contemporanea-da-soft-law Acesso em 10 abr 2018. Liziane
Paixão Silva Oliveira e Márcia Rodrigues Bertoldi aduzem que o início do debate doutrinário acerca do soft
law ocorre entre os anos 70 e início dos anos 80 do século passado. Para as autoras: “Pode-se dizer que o soft
law começa a se destacar com o surgimento das organizações multilaterais, tanto as de natureza pública
quanto privada. Embora existissem antes, foi no início do século XX que tais organizações começaram a
aparecer com mais frequência no cenário internacional. Depois da segunda guerra mundial, com o
estabelecimento da ONU e das instituições criadas a partir de Breton Woods (FMI, Banco Mundial e o
GATT, atual OMC), é que esta fonte do Direito Internacional se expande e passa a ter grande influência nas
relações internacionais. Em outros termos, a partir da proliferação de instrumentos declaratórios e não
vinculantes se verifica uma alteração no modo de produção do direito internacional que passa a ser composto
tanto por hard law quanto por soft law. Cabe destacar que nos últimos 30 anos se constatou uma
intensificação na utilização de instrumentos soft.” OLIVEIRA, Liziane Paixão Silva; BERTOLDI, Márcia
Rodrigues. A importância do Soft Law na evolução do direito internacional. Revista do Instituto do Direito
Brasileiro, São Paulo, v. 1, n. 10, p. 6265-6289, 2012. Disponível em:
<http://cidp.pt/publicacoes/revistas/ridb/2012/10/2012_10_6265_6289.pdf >. Acesso em: 10 abr. 2018.
99
cumprimento de todas as obrigações de uma organização. De outro lado, o noncompliance é
verificado pelo não preenchimento de uma obrigação de compliance.205
Consoante documento publicado pelo Grupo de Trabalho da Federação Brasileira de
Bancos (FEBRABAN), a missão do compliance é:
Assegurar, em conjunto com as demais áreas, a adequação, fortalecimento e o
funcionamento do Sistema de Controles Internos da Instituição, procurando mitigar
os Riscos de acordo com a complexidade de seus negócios, bem como disseminar a
cultura de controles para assegurar o cumprimento de leis e regulamentos
existentes.206
Para Marcia Carla Pereira Ribeiro e Patrícia Dittrich Ferreira Diniz, não se pode
confundir o compliance com o mero cumprimento de regras formais e informais. Seu alcance
é bem mais amplo, compreendendo um conjunto de regras, padrões, procedimentos éticos e
legais que orientarão o comportamento da instituição no mercado em que atua, bem como a
atitude dos seus funcionários, controlando riscos legais ou regulatórios e de reputação.
Essa função deve ser exercida por um Compliance Officer, entendido como o
encarregado pela implementação e conferência do cumprimento deste código de condutas, o
qual deve ser independente e ter acesso direto ao Conselho de Administração. Ele será o
agente responsável pela consolidação de um novo comportamento por parte da empresa, a
qual deve buscar lucratividade de forma sustentável, focando no desenvolvimento econômico
e socioambiental na condução dos seus negócios. Além disso, o Compliance Officer terá o
205
Compliance is an outcome of an organization meeting its obligations, and is made sustainable by embedding
it in the culture of the organization and in the behaviour and atitude of people working for it. [...] An effective
organization-wide compliance management system enables an organization to demonstrate its commitment to
compliance with relevant laws, including legislative requirements, industry codes and organizational
standards, as well as standards of good corporate governance, best practices, ethics and community
expectations. SWITZERLAND. International Organization for Standardization. ISO 19600. Compliance
management systems: - guidelines. Systèmes de management de la conformité – Lignes Directrices, itens
3.17 e 3.18. [S.l]: ISO, 2014. Disponível em: <https://www.iso.org/obp/ui/#iso:std:iso:19600:ed-1:v1:en>.
Acesso em: 30 set. 2015. 206
FEDERAÇÃO BRASILEIRA DE BANCOS (FEBRABAN). Documento Consultivo: função de
Compliance. 2004. p. 9. Disponível em:
<http://www.febraban.org.br/7Rof7SWg6qmyvwJcFwF7I0aSDf9jyV/sitefebraban/Funcao_de_Compliance.p
df>. Acesso em: 30 set. 2015. Conforme Carla Veríssimo de Carli, “O compliance se diferencia de acordo
com o ramo do direito ou problema específico ao qual se relaciona. O compliance criminal é aquele voltado à
prevenção de crimes – surgiu, basicamente, no ambiente regulado quanto à prevenção da lavagem de
dinheiro, e alcança um protagonismo crescente no campo das medidas de prevenção à corrupção. Entretanto,
manifesta-se em diferentes contextos: está relacionado à prevenção dos sempre crescentes riscos na sociedade
de riscos; é expressão da governança regulatória dos Estados no capitalismo regulatório, assim como um dos
pilares da governança corporativa empresarial; e, finalmente, uma estratégia estatal no controle da
criminalidade empresarial.” DE CARLI, Carla Veríssimo. Anticorrupção e Compliance: a incapacidade da
Lei 12.846/13 para motivar as empresas brasileiras à adoção de programas e medidas de Compliance. 2016.
342 f. Tese (Doutorado) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de Direito. Programa de
Pós-Graduação em Direito, Porto Alegre, BR-RS, 2016. f. 277. Disponível em:
<http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/149239 >. Acesso em: 11 set. 2017.
100
papel de aconselhar todas as linhas de negócios e áreas de suporte da instituição, no que diz
respeito à regulação local e às políticas corporativas aplicáveis à indústria em que atua a
organização.207
Célia Lima Negrão e Juliana de Fátima Pontelo afirmam que o diretor de compliance
deve ter visão holística da organização, conhecer toda a legislação pertinente, além de olhar
estratégico e atuar nos moldes da governança corporativa. Ainda, é producente possuir algum
conhecimento na área de auditoria, na condição de profissional comprometido e eficaz na
prevenção e correção de qualquer desvio, seja este de conduta ou meramente formal.208
Além disso, como o leque de diplomas legais nacionais e internacionais que devem
ser consultados é muito amplo, para a avaliação dos riscos legais, será necessário também
contar com profissionais de formação jurídica, os quais auxiliarão na elaboração de seu
programa de compliance.
Andrew Newton referencia que a função de compliance não é trabalho para
amadores (“the compliance role is not a job for amateurs”), apontando os atributos
necessários à sua atuação, dentre os quais: conhecimento da regulação; liderança e iniciativa;
conhecimento dos negócios da empresa; domínio dos métodos e procedimentos previstos no
programa; habilidade em estabelecer boa relação com os demais colaboradores, inclusive
autoridade públicas; atuação preventiva, etc.209
Segundo Marcia Carla Pereira Ribeiro e Patrícia Dittrich Ferreira Diniz, para a
implantação de uma política de compliance, a empresa deverá partir de um programa com
base na sua realidade, cultura, atividade, campo de atuação e local de operação, o qual deverá
ser implementado em todas as entidades que a organização participa, controla ou investe. Este
programa deverá englobar o
[...] estabelecimento de políticas, a elaboração de um Código de Ética, a criação de
comitê específico, o treinamento constante e a disseminação da cultura, o
monitoramento de risco de Compliance, a revisão periódica, incentivos, bem como a
criação de canal confidencial para recebimento de denúncias, com a consequente
investigação e imposição de penalidades em razão de eventual descumprimento da
conduta desejada. Com a implantação da política de Compliance, a empresa tende a:
orientar todas as suas ações para os objetivos definidos; utilizar os recursos de forma
mais eficiente, visto que as decisões passam a ser mais econômicas, pois uniformes
para casos similares; “proteção contra as pressões das emergências”; ter
uniformidade e coerência em todos os seus atos e decisões, colaborando com a
207
RIBEIRO, Marcia Carla Pereira; DINIZ, Patrícia Dittrich Ferreira. Compliance e lei anticorrupção nas
empresas. Revista de Informação Legislativa, Brasília, DF, v. 52, n. 205, p. 87-105, jan./mar. 2015. p. 88. 208
NEGRÃO, Célia Lima; PONTELO, Juliana de Fátima. Compliance, controles internos e riscos: a
importância da área de gestão de pessoas. Brasília: Senac-DF, 2014. p. 27. 209
NEWTON, Andrew. The handbook of compliance: making ethics work in financial services. London: Mind
into Matter, 2007.
101
transparência dos processos; facilitar a adaptação de novos empregados à cultura
organizacional; disponibilizar aos gestores mais tempo para repensar políticas e
atuar em questões estratégicas; aumentar e aperfeiçoar o conhecimento da
organização por todos os seus atores.210
Para as autoras acima citadas, a implantação de um sistema de compliance impõe, à
empresa, que se prepare financeiramente para tanto. Ela deverá contratar especialistas no
assunto, organizar uma área específica para a execução do programa, investir em treinamento
permanente para os seus empregados em todas as unidades, apresentar a política de
conformidade aos stakeholders, elaborar um Código de Ética que estabeleça procedimentos e
as devidas punições, melhorar os seus mecanismos de controles de risco internos e externos,
investir em Tecnologia de Informação, além de diversos outros aportes que variarão de acordo
com as peculiaridades de cada empresa.
Mas, de outro lado, esses investimentos trazem valiosos retornos. Como o compliance
organiza documentação e procedimentos, gerenciando de forma adequada os riscos e
exaltando a transparência, ele abre um portal para que a empresa possa iniciar sua certificação
perante as normas ISO, adapte-se à Lei Sarbanes-Oxley (aplicada às empresas com ações ou
recibos de ações negociadas na bolsa de valores de Nova York) e concorra para a seleção dos
Índices Dow Jones e de Sustentabilidade Empresarial utilizado pela Bovespa.211
Conforme Marcelo de Aguiar Coimbra e Vanessa Alessi Manzi, talvez o maior risco
externo que o compliance pretende minorar é a quebra da reputação, pois a sua perda provoca
“publicidade negativa, perda de rendimento, litígios caros, redução da base de clientes e, nos
casos mais extremos, até a falência”.212
Segundo esses autores, Arnold Shilder, após realizar um estudo acerca do valor
comercial do compliance, concluiu que cada US$ 1,00 gasto com a implantação equivale a
uma economia de US$ 5,00, “referente a custos com processos legais, danos de reputação e
perda de produtividade. Fazendo uso das palavras de Newton, se você pensa que compliance é
caro (representa custo), tente não estar em compliance”.213
Ademais, a implantação da política
de compliance alavanca a vantagem competitiva em uma sociedade cada vez mais repleta de
consumidores críticos que não mais apenas se conformam em adquirir produtos e serviços,
mas valores e comportamentos sustentáveis.
210
RIBEIRO, Marcia Carla Pereira; DINIZ, Patrícia Dittrich Ferreira. Compliance e lei anticorrupção nas
empresas. Revista de Informação Legislativa, Brasília, DF, v. 52, n. 205, p. 87-105, jan./mar. 2015. p. 89-
90. 211
Ibid., p. 93-94. 212
COIMBRA, Marcelo de Aguiar; MANZI, Vanessa Alessi (Coord.). Manual de Compliance: preservando a
boa governança e a integridade das organizações. São Paulo: Atlas, 2010. p. 2 e 5. 213
Ibid.
102
Como se não bastassem tais razões, merece destaque a própria percepção dos governos
de que a reputação que se pretende resguardar não é somente a da empresa, mas também, em
uma visão macro, a do próprio país, daí o advento de estruturas de incentivo ao compliance:
Lei Sarbanes-Oxley, Índice Dow Jones, estrutura criada pela UK Bribery Act e, no Brasil, o
Índice de Sustentabilidade Empresarial da Bovespa e a Lei de Anticorrupção Empresarial, de
molde a fomentar uma política pública comum ao empresariado, em prol de toda a nação.
Afinal, o Brasil, entre 175 países avaliados, consta na 72ª posição do Índice de Percepção da
Corrupção Mundial no ano de 2013, elaborado pela sociedade civil Transparência
Internacional.214
Marcio de Aguiar Ribeiro esclarece que, embora o compliance tenha tido origem e
elevado desenvolvimento no âmbito das instituições financeiras, ele não se restringe a este
setor, estando hoje vinculado às mais diversas áreas da economia que se encontrem sujeitas à
supervisão de alguma autoridade ou órgão regulador de controle, a exemplo do compliance
ambiental, compliance trabalhista, compliance tributário e, finalmente, compliance
anticorrupção.
O autor acima referido explica que os “riscos de compliance” representam a somatória
de riscos de reputação e de sanção a que estão sujeitas as empresas em face de falhas no
cumprimento de leis, regulamentos e boas práticas empresariais, dividindo-se em risco de
imagem (publicidade negativa à reputação da empresa) e risco de sanção ou risco regulatório
(possibilidade de cominação de sanções de cunho patrimonial). Nesse sentido, a Lei
Anticorrupção incorporou de modo apropriado ambos os modelos teóricos de riscos de
compliance: a publicação extraordinária da decisão condenatória sintetiza risco reputacional,
enquanto que a pesada multa a ser calculada sobre o faturamento bruto revela significativo
risco sancionatório.215
Conforme Marcia Carla Pereira Ribeiro e Patrícia Dittrich Ferreira Diniz, as estruturas
de incentivo legais, em especial a da Lei Anticorrupção Empresarial, tem o condão de
disseminar nas empresas os conceitos de transparência e ética, ambos fundamentais para a
prevenção de condutas inadequadas e para o desenvolvimento e a perenidade das empresas no
mercado. Ademais, o tratamento diferenciado para empresas que investem em programas de
214
TRANSPARENCY INTERNATIONAL (IT). Corruption perceptions index 2013. Disponível em:
<http://www.transparency.org/cpi2013/results/.>. Acesso em: 30 set. 2015. 215
RIBEIRO, Márcio de Aguiar. Responsabilização administrativa de pessoas jurídicas à luz da lei
anticorrupção empresarial. Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 202-204.
103
integridade corporativa minimiza desvantagens competitivas e reduz distorções de mercado
que beneficiariam aquelas que nada fazem para evitar práticas ilícitas.216
Além da Lei Anticorrupção e de seu decreto regulamentador, outras estruturas legais
que devem ser consultadas para a avaliação dos riscos são as convenções internacionais sobre
a matéria (no Brasil, as convenções da OEA, da ONU e da OCDE217
); a Lei 8.666/93, que
institui normas para as licitações e contratos com a Administração Pública; a Lei 8.429/92,
que cuida da improbidade administrativa, além dos normativos da Corregedoria-Geral da
União218
e dos Estados e Municípios de atuação da pessoa jurídica. Por fim, se a empresa
atuar no mercado americano ou inglês (e em grande parte do continente europeu), incidem,
também, de modo extraterritorial, as normas do Foreign Corrupt Practices Act (FCPA) e do
Bribery Act. No próximo item, analisar-se-ão as disposições nacionais desse rol que,
precipuamente, se relacionam com o controle anticorrupção empresarial.
3.3.1 Atos Normativos de Regulamentação de Política de Compliance
Após mais de 18 (dezoito) meses de espera, em 18 de março de 2015 foi publicado o
Decreto nº. 8.420, visando regulamentar a Lei Anticorrupção. A publicação deste Decreto
revela-se de crucial relevância porque, baseado nas principais referências internacionais
existentes sobre o tema, ele reúne os parâmetros centrais de avaliação do plano de integridade
corporativa – a exigência de que as empresas pautem sua atuação em conformidade com o
compliance constitui um dos centrais aspectos da recente política de repressão à corrupção.
O normativo conceitua programas de integridade em seu art. 41:
216
RIBEIRO, Marcia Carla Pereira; DINIZ, Patrícia Dittrich Ferreira. Compliance e lei anticorrupção nas
empresas. Revista de Informação Legislativa, Brasília, DF, v. 52, n. 205, p. 87-105, jan./mar. 2015. p. 100. 217
A Convenção Interamericana contra a Corrupção, a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção e a
Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais
Internacionais. 218
As Instruções Normativas da CGU 1/2015 e 2/2015, as Portarias CGU 909/2015 e 910/2015, e a Portaria
Conjunta 2.279/2015 são os principais atos (todas as quatro normas foram publicadas em 7 de abril de 2015).
Em 16 de dezembro de 2016, foi publicada a Portaria Interministerial 2.278, a qual definiu os procedimentos
para celebração do acordo de leniência no âmbito da CGU. Referido ato revogou os dispositivos específicos
da Portaria 910/2015 (art.s 27 a 37), que regulavam a negociação do acordo de leniência. Além disso, a CGU
editou normas para regulamentar a LAC e definir parâmetros para a avaliação dos programas de integridade,
na hipótese da empresa apresentar em sua defesa informações e documentos referentes à existência e eficácia
do compliance. No documento “Programa de Integridade - Diretrizes para Empresas Privadas” a CGU
estabelece o Programa de Integridade como um programa de compliance específico para a prevenção,
detecção e remediação de atos lesivos previstos na lei 12.846/2013, que tem como foco, além da ocorrência
de suborno, também fraudes nos processos de licitações e execução de contratos com o setor público”
BRASIL. Controladoria Geral da União. Programa de integridade: diretrizes para empresas privadas.
Brasília, DF, 2015. p. 6. Disponível em: <http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/etica-
eintegridade/arquivos/programa-de-integridade-diretrizes-para-empresas-privadas.pdf>. Acesso em: 12 jul.
2017.
104
Art. 41. Para fins do disposto neste Decreto, programa de integridade consiste, no
âmbito de uma pessoa jurídica, no conjunto de mecanismos e procedimentos
internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na
aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes com objetivo
de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a
administração pública, nacional ou estrangeira.
Parágrafo Único. O programa de integridade deve ser estruturado, aplicado e
atualizado de acordo com as características e riscos atuais das atividades de cada
pessoa jurídica, a qual por sua vez deve garantir o constante aprimoramento e
adaptação do referido programa, visando garantir sua efetividade.219
Já em seu art. 42, o Decreto disciplinou quais são os parâmetros para fins de aplicação
do inciso VIII do art. 7º da Lei de Anticorrupção. Assim, na aplicação das sanções, será
levada em consideração a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade
por ela enumerados. O dispositivo elenca um rol de dezesseis elementos essenciais que
deverão ser objeto de avaliação no concernente à adequação e conformidade dos programas
de integridade das empresas, máxime quando em análise a dosimetria da penalidade de multa
para fins de aplicação do percentual de redução previsto no art. 18, inc. V do citado decreto.
Analisar-se-ão doravante os principais.
O ponto central é o estabelecimento de padrões de conduta, código de ética, políticas e
procedimentos de integridade, aplicáveis a todos os empregados e administradores,
independentemente de cargo ou função exercidos e, quando necessário, a terceiros, tais como,
fornecedores, prestadores de serviço, agentes intermediários e associados.220
Segundo Márcio
de Aguiar Ribeiro, quanto à possibilidade de extensão do código de ética a terceiros, o
Regulamento Federal revela um grande avanço, demonstrando que a legislação brasileira se
encontra afinada com os mais vanguardistas patamares de integridade corporativa esposados
nos principais diplomas internacionais.
Trata-se da aplicação do denominado due dligence anticorrupção também com relação
a terceiros. Afinal, é possível que o ato lesivo seja cometido não diretamente pela empresa,
mas por meio de parceiros comerciais, valendo mencionar que a própria Lei Anticorrupção
prevê a possibilidade de responsabilização da pessoa jurídica em face de condutas cometidas
em conluio com a atuação de terceiros e pessoas associadas, a exemplo do inciso III do art.
5º.221
219
BRASIL. Decreto n. 8.420, de 18 de março de 2015. Regulamenta a Lei no 12.846, de 1º de agosto de 2013,
que dispõe sobre a responsabilização administrativa de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a
administração pública, nacional ou estrangeira e dá outras providências. Brasília, DF, 2015. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Decreto/D8420.htm>. Acesso em: 23 set. 2015. 220
Arts. 8º, 10 e 14 da LAC. 221
RIBEIRO, Márcio de Aguiar. Responsabilização administrativa de pessoas jurídicas à luz da lei
anticorrupção empresarial. Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 208-209.
105
Por essa razão, cabe à empresa tomar as precauções devidas, empenhando-se em
conhecer bem os terceiros qualificados como seus parceiros negociais e mensurando todos os
riscos envolvidos a partir de aspectos relevantes, a exemplo do histórico de envolvimento do
terceiro em casos de corrupção; forma de relacionamento com órgãos públicos; capacidade
técnica e experiência no objeto contratado. Por fim, o mais importante: municiar os contratos
civis e mercantis, pactuados com os seus colaboradores e parceiros comerciais, com a
previsão de cláusulas punitivas e resolutivas para o caso de descumprimento de normas
anticorrupção ou previstas no seu programa de integridade corporativa.222
Um código de ética possibilita que todos de dentro e fora da organização conheçam os
padrões de comportamento ético definidos pela alta gerência. Daí porque, alerta José Renato
Nalini, se revela fundamental que ele derive de uma participação ativa de representantes de
todos os setores da empresa, mediante comitês integrados que devem se encarregar das
discussões prévias, da colheita de opiniões e da consulta aos demais exemplares já aprovados
em outras organizações, de tal forma que o código usufruirá de maior legitimidade e, por
conseguinte, poder de eficácia.223
Consoante a Controladora Geral da União224
, estas são algumas das previsões
sintonizadas com uma política anticorrupção na empresa: a) regras e orientações voltadas a
questões regulatórias, obtenção de licenças, autorizações ou permissões; b) procedimento de
realização de reuniões com servidores ou empregados públicos (controle da agenda de
reuniões com agentes públicos); c) proibição clara e irrestrita de atos de corrupção; d)
proibição clara e irrestrita de atos de corrupção transnacional; e) regras e orientações sobre a
atuação de diretores, funcionários e colaboradores que tenham parentesco com agentes
públicos com poder decisório no âmbito de negócios e operações com órgãos e entidades do
governo; f) regras e orientações sobre a contratação (permanente ou eventual) de atuais e ex-
servidores ou empregados públicos; g) regras e orientações sobre o oferecimento de presentes,
brindes, refeições, entretenimento, viagem, hospedagem e quaisquer outros benefícios ou
vantagens, econômicas ou não, a servidores ou empregados públicos; controle de presentes,
brindes e hospitalidade oferecidos; i) regras e orientações voltadas à participação em
procedimentos licitatórios e acompanhamento de contratos administrativos; medidas de
222
RIBEIRO, Márcio de Aguiar. Responsabilização administrativa de pessoas jurídicas à luz da lei
anticorrupção empresarial. Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 222. 223
NALINI, José Renato. Ética geral e profissional. 12. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 423. 224
BRASIL. Controladoria-Geral da União. Programa Empresa Pró Ética 2016: questionário de avaliação.
Brasília, DF, 2016. Disponível em: <http://www.cgu.gov.br/assuntos/etica-e-
integridade/setorprivado/empresa-pro-etica/arquivos/documentos-e-manuais/questionario-de-avaliacao-
2016.pdf>. Acesso em: 15 ago. 2017.
106
controle voltadas a prevenir fraudes e ilícitos, forma de aplicação e de controle de
conformidade destas medidas.
Além disso, com muito acerto, o Decreto Federal em análise prescreve o
comprometimento da alta direção da pessoa jurídica, incluídos os conselhos, evidenciado pelo
apoio visível e inequívoco ao programa de integridade e ao código de ética.225
O Regulamento também menciona a existência de treinamentos periódicos sobre o
programa de integridade; registros contábeis que reflitam de forma completa e precisa as
transações da pessoa jurídica e procedimentos específicos para prevenir fraudes e ilícitos no
âmbito de processos licitatórios, na execução de contratos administrativos ou em qualquer
interação com o setor público, ainda que intermediada por terceiros, tal como pagamento de
tributos, sujeição a fiscalizações, ou obtenção de autorizações, licenças, permissões e
certidões.
É mesmo curial que um apropriado mapeamento de riscos deva estar conectado com o
treinamento específico de funcionários que atuem mais próximos à condução dos negócios,
em especial aqueles sensivelmente sujeitos a maiores riscos, como os da seara de licitações,
contratos administrativos e todas as demais áreas sujeitas à prática de atos corruptivos.
Carla Veríssimo de Carli226
aponta que a Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE) elaborou um guia para empresas multinacionais
contendo recomendações dos governos às empresas estabelecidas em mais de um país. As
“Guidelines” destinam-se a promover a conduta empresarial responsável em um contexto
internacional. O guia registra que a primeira obrigação das empresas é obedecer às leis
domésticas dos países onde operam. Para tanto, umas das políticas gerais é justamente a de
que as multinacionais devem promover a consciência e o compliance por parte de seus
empregados mediante a adoção de programas de treinamento. A devida diligência com base
no risco (risk-based diligence) também deve ser fomentada incorporando-se na empresa
sistemas de administração de risco, para identificar, prevenir e mitigar impactos adversos
presentes e futuros.227
225
Conforme José Renato Nalini: “É essencial que a mais alta hierarquia da empresa não só explicite apoio a
esse código, como demonstre, de forma nítida, atuar de acordo com o seu conteúdo. Nada mais nefasto do
que distanciar a prática do discurso. Na linha do ‘faça o que eu digo, não faça o que eu faço’.” NALINI, José
Renato. Ética geral e profissional. 12. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 423. 226
DE CARLI, Carla Veríssimo. Anticorrupção e Compliance: a incapacidade da Lei 12.846/13 para motivar
as empresas brasileiras à adoção de programas e medidas de Compliance. 2016. 342 f. Tese (Doutorado) -
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de Direito. Programa de Pós-Graduação em Direito,
Porto Alegre, BR-RS, 2016. f. 219. Disponível em: <http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/149239>.
Acesso em: 11 set. 2017. 227
As recomendações do guia da OCDE se dirigem tanto às empresas privadas quanto às estatais. Por se tratarem
de soft law, não possuem efeito jurídico vinculante. Contudo, José Ruiz aponta motivos vantajosos para a sua
107
Ainda, a implantação desses sistemas deve ser permanente, e não apenas realizada
mediante auditorias episódicas.228
Outro parâmetro relevante é a exigência de independência da instância interna
responsável pela aplicação do programa de integridade e fiscalização de seu cumprimento.
Este elemento está estritamente relacionado ao nível de comprometimento da alta
administração com os objetivos da governança corporativa, conferindo o amparo necessário à
concretização da gestão de um programa de integridade.
Aconselhável, nesse quesito, que seja conferido um nível hierárquico superior ao
profissional responsável pelo gerenciamento de compliance, requisito imprescindível para que
a aplicação dos procedimentos e mecanismos de integridade não possa ser afastada, por
exemplo, por administradores ou conselheiros ligados à área executiva ou comercial,
mediante ações de constrangimento e assédio moral aos agentes de integridade. Nesse sentido,
o Guia de Boas Práticas da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE) recomenda que o programa de integridade deva estar sob a supervisão de um ou mais
altos executivos da corporação.
adoção: “numerosas razões sociológicas, políticas e jurídicas explicam seu surgimento, consolidação e
desenvolvimento crescente; a saber, o impacto dos métodos normativos empregados pelos organismos
internacionais, as divergências de interesses entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento (o que
leva ambos a refutar regras muito rigorosas ou rígidas) e a incessante e rápida evolução da situação
impulsionada pelo constante desenvolvimento da ciência e da tecnologia (que aconselha a adoção de normas
flexíveis, suscetíveis de acomodar-se às mudanças na medida em que vão se produzindo)”. RUIZ, José.
Derecho internacional del medio ambiente. Madrid: MacGraw-Hill, 1999. 228
Segundo documento publicado pelo Grupo de Trabalho da Federação Brasileira de Bancos (FEBRABAN),
compliance e auditoria interna assim se distinguem: “Conforme publicado pelo ‘The Institute Of Internal
Auditors’ dos EUA, a Auditoria Interna é uma atividade independente, de avaliação objetiva e de consultoria,
destinada a acrescentar valor e melhorar as operações de uma organização. A Auditoria Interna assiste a
organização na consecução dos seus objetivos, através de uma abordagem sistemática e disciplinada, na
avaliação da eficácia da gestão de risco, do controle e dos processos de governança. Contudo, para executar
seu trabalho é preciso que o profissional da Auditoria Interna esteja inteirado sobre as atividades
desenvolvidas pelo ‘Compliance’, com o estabelecimento de um trabalho em parceria, coordenado onde,
quando de suas visitas, a Auditoria possa munir-se das informações relevantes, principalmente sobre o
resultado da identificação e avaliação dos controles e riscos. As atividades desenvolvidas por estas áreas não
são idênticas, mas sim complementares pois, enquanto a Auditoria Interna efetua seus trabalhos de forma
aleatória e temporal, por meio de amostragens, a fim de certificar o cumprimento das normas e processos
instituídos pela Alta Administração, o Compliance executa suas atividades de forma rotineira e permanente,
sendo responsável por monitorar e assegurar de maneira corporativa e tempestiva que as diversas unidades da
Instituição estejam respeitando as regras aplicáveis a cada negócio, por meio do cumprimento das normas,
dos processos internos, da prevenção e do controle de riscos envolvidos em cada atividade. Compliance é um
braço dos Órgãos Reguladores junto a Administração, no que se refere à segurança, respeito a normas e
controles, na busca da conformidade.” FEDERAÇÃO BRASILEIRA DE BANCOS (FEBRABAN).
Documento Consultivo: função de Compliance. 2004. p. 9. Disponível em:
<http://www.febraban.org.br/7Rof7SWg6qmyvwJcFwF7I0aSDf9jyV/sitefebraban/Funcao_de_Compliance.p
df>. Acesso em: 30 set. 2015.
108
A esse respeito, Bruno Carneiro Maeda assevera que se este profissional não dispuser
destes atributos, ou puder ter suas decisões subordinadas ao escrutínio de parte de outras áreas
da empresa, dificilmente conseguirá desempenhar sua função de modo adequado.229
A existência de canais de denúncia de irregularidades, abertos e amplamente
divulgados a funcionários e terceiros, e de mecanismos destinados à proteção de denunciantes
de boa-fé, também é um parâmetro instituído pelo Decreto altamente salutar, pois visa
garantir a real aplicação do programa. Um empregado que intenta denunciar, por exemplo, o
seu gerente comercial pode naturalmente precisar da garantia de seu anonimato, sob pena de
por em risco o seu emprego. Já existem empresas especializadas na terceirização desses
serviços de disk-denúncia, com total garantia de sigilo e funcionamento 24 (vinte e quatro)
horas, porquanto, muitas vezes, o denunciante não tem como contatar o serviço no seu horário
de expediente.
Nada obstante, o Grupo de Trabalho sobre Suborno da Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) apontou a ausência de proteção aos
denunciantes no Brasil, expedindo recomendação para que o país estabelecesse políticas de
proteção aos denunciantes públicos e privados. O desleixo na proteção dos whistleblowers230
do país foi considerada gravemente nociva à prevenção e à apuração do suborno
transnacional.231
Pertinente mencionar que, no âmbito do serviço público federal, a proteção do
denunciante foi tutelada pela Lei de Acesso à Informação, a qual acresceu artigo na Lei do
Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União (Lei 8.112/1990) prevendo que a
informação (interna ou externa) relativa à prática de crimes ou atos de improbidade não
importará em qualquer tipo de penalidade ao servidor:
Art. 126-A. Nenhum servidor poderá ser responsabilizado civil, penal ou
administrativamente por dar ciência à autoridade superior ou, quando houver
suspeita de envolvimento desta, a outra autoridade competente para apuração de
informação concernente à prática de crimes ou improbidade de que tenha
229
MAEDA, Bruno Carneiro. Programas de compliance anticorrupção: importância e elementos. In: DEL
DEBBIO, Alessandra; MAEDA, Bruno Carneiro; AYRES, Carlos Henrique da Silva (Coord.). Temas de
anticorrupção e compliance. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013. p. 167-201. p. 184. 230
Nos Estados Unidos, os procedimentos internos de denúncia por parte das empresas são chamados de
whistleblowers. UNITED NATIONS GLOBAL COMPACT. Guide to corporate sustainability: shaping a
sustainable future. 2017. p. 9. Disponível em: <https://www.unglobalcompact.org/library/1151>. Acesso em:
10 set. 2017. E UNITED NATIONS GLOBAL COMPACT. The ten principles of the UN Global
Compact. Disponível em: <https://www.unglobalcompact.org/what-is-gc/mission/principles>. Acesso em:
10 set. 2017. 231
ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT. Brazil: phase 3 Report on
Implementing the OECD Anti-Bribery Convention. October 2014. p. 64. Disponível em:
<http://www.oecd.org/daf/anti-bribery/Brazil-Phase-3-Report-EN.pdf>. Acesso em: 17 ago. 2016.
109
conhecimento, ainda que em decorrência do exercício de cargo, emprego ou função
pública.232
Ainda, devem ser garantidos procedimentos que assegurem a pronta interrupção de
irregularidades detectadas e a tempestiva remediação dos danos gerados, bem como o
monitoramento contínuo do programa de integridade visando seu aperfeiçoamento na
prevenção, investigação, detecção e combate à ocorrência dos atos lesivos previstos no art. 5º
da Lei nº. 12.846/2013.
A ISO 19600 recomenda que as empresas avaliem a possibilidade de revelar às
autoridades os casos de noncompliance, ainda que a legislação assim não exija (voluntary self
disclosure).233
A Lei Anticorrupção realmente não obriga que os resultados de uma
investigação interna sejam passados às autoridades, mas estimula tal agir ao estabelecer que a
cooperação da pessoa jurídica para a apuração das infrações poderá atenuar a multa cabível
(inciso VII do art. 7º).234
No concernente à exigência de transparência da pessoa jurídica quanto a doações para
candidatos e partidos políticos, a disposição perdeu a sua eficácia ante o julgamento da Ação
Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4650, em 17/09/15, pelo Supremo Tribunal Federal
(STF), a qual declarou a inconstitucionalidade de dispositivos legais das Leis n.ºs 9.096/1995
e 9.504/1997 que autorizam a contribuição de empresas a campanhas eleitorais e partidos
políticos.
Conforme constou na ata, publicado no Diário de Justiça Eletrônico do STF de
25/09/15, a decisão do Plenário rejeitando as contribuições empresariais tem eficácia desde a
sessão de julgamento, valendo tanto para doações a partidos políticos quanto para o
financiamento das eleições de 2016 e seguintes.
Ainda, o Regulamento Federal estabelece que na avaliação dos parâmetros citados,
devem ser considerados o porte e especificidades da pessoa jurídica, tais como: a quantidade
de funcionários, empregados e colaboradores; a complexidade da hierarquia interna e a
quantidade de departamentos, diretorias ou setores; a área do mercado de atuação; a
quantidade e a localização das pessoas jurídicas que integram o grupo econômico; e o fato de
232
BRASIL. Lei n. 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos
civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. Brasília, DF, 1990. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8112cons.htm>. Acesso em: 10 set. 2017. 233
INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR STANDARDIZATION. ISO 19600. Compliance management
systems: Guidelines. Systèmes de management de la conformité – Lignes Directrices. [S.l]: ISSO, 2014. p.
27. Disponível em: <https://www.iso.org/obp/ui/fr/#iso:std:iso:19600:ed-1:v1:en>. Acesso em: 30 set. 2017. 234
Por sua vez, o inciso IV do art. 18 do Decreto 8.420/2015 estipula que a comunicação espontânea antes da
instauração do PAR também propiciará a incidência de redução percentual da multa.
110
ser qualificada como microempresa ou empresa de pequeno porte, as quais são beneficiadas
com a redução de muitas das formalidades dos parâmetros previstos no Decreto.
A esse respeito, oportuno citar a Portaria Conjunta da CGU e do Ministério da Micro
e Pequena Empresa nº 2279/2015, a qual dispõe sobre medidas de integridade simplificadas e
menos formais, suficientes a atestar que microempresas e empresas de pequeno porte estão
atuando comprometidas com a ética e a integridade.235
Por fim, importante acentuar que todos os parâmetros do Decreto Federal em estudo,
mais do que colocados em prática, devem estar documentados com transparência pelas
empresas, a fim de que ela possa, quando chamada a tanto, demonstrar a efetividade do seu
programa de compliance. Ausente comprovação idônea do número de denúncias internas
recebidas, dos procedimentos investigativos instaurados, medidas corretivas tomadas, além da
demonstração da capacitação do pessoal envolvido com o programa de integridade, à empresa
se afigurará inviável postular os efeitos positivos do compliance perante eventuais PAR ou
processos judiciais instaurados.
A Portaria CGU 909/2015 fixa os critérios de avaliação dos programas de
integridade das pessoas jurídicas que não se sejam microempresas ou empresas de pequeno
porte.236
Para que tal avaliação possa se concretizar, pois, a documentação dos atos (como
documentos oficiais, correios eletrônicos, relatórios e conclusões investigativas, notas fiscais,
etc.) se revela imperativa. O citado normativo contemplou dois relevantes instrumentos
informativos a serem produzidos pelas pessoas jurídicas: o relatório de perfil e o relatório de
conformidade. O primeiro voltado à definição da dimensão da empresa, considerando fatores
estruturais relevantes, a exemplo da quantidade de funcionários, empregados e colaboradores
e o grau de interação com o poder público237
; e o segundo voltado a mensurar a
235
Em seu art. 3º, a Lei Complementar nº 123/06 define os limites de faturamento bruto para o enquadramento
como microempresa e empresa de pequeno porte. BRASIL. Lei Complementar n. 123, de 14 de dezembro
de 2006. Institui o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte; altera dispositivos
das Leis no 8.212 e 8.213, ambas de 24 de julho de 1991, da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT,
aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, da Lei no 10.189, de 14 de fevereiro de 2001, da
Lei Complementar no 63, de 11 de janeiro de 1990; e revoga as Leis no 9.317, de 5 de dezembro de 1996, e
9.841, de 5 de outubro de 1999. Brasília, DF, 2006. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp123.htm>. Acesso em: 10 set. 2017. 236
BRASIL. Controladoria Geral da União. Portaria CGU 909, de 7 de abril de 2015. Brasília, DF, 2015.
Disponível em: <http://www.cgu.gov.br/sobre/legislacao/arquivos/portarias/portaria_cgu_909_2015.pdf>.
Acesso em: 20 maio 2017. 237
Art. 3º No relatório de perfil, a pessoa jurídica deverá: I - indicar os setores do mercado em que atua em
território nacional e, se for o caso, no exterior; II - apresentar sua estrutura organizacional, descrevendo a
hierarquia interna, o processo decisório e as principais competências de conselhos, diretorias, departamentos
ou setores; III - informar o quantitativo de empregados, funcionários e colaboradores; IV - especificar e
contextualizar as interações estabelecidas com a administração pública nacional ou estrangeira, destacando:
a) importância da obtenção de autorizações, licenças e permissões governamentais em suas atividades; b) o
quantitativo e os valores de contratos celebrados ou vigentes com entidades e órgãos públicos nos últimos
111
proporcionalidade e adequação do programa ao perfil da empresa, bem como a sua
conformidade e efetividade ao marco regulatório em que se encontra inserido.238
Além de conceituar programas de integridade e disciplinar quais são os parâmetros
para fins de avaliação, existência e aplicação dos programas de integridade, o ato normativo,
estabeleceu, em seu art. 18, que a redução da multa, no caso de se verificar a existência de um
programa de integridade efetivo, dar-se-á em no máximo 4% do faturamento bruto do
exercício anterior ao da instauração do processo administrativo sancionador. É verdade que o
Decreto foi tímido na definição do referido percentual – no Reino Unido, por exemplo, o
Bribery Act 2010 exime completamente a empresa de responsabilidade quando resulta
comprovada a efetividade do sistema de compliance. Nesse caso, responsabiliza-se apenas o
colaborador pessoa física que, ao contornar os controles internos e o programa de integridade,
logra consumar a conduta ilícita – mas, de qualquer forma, é inegável que a disciplina
normativa da anticorrupção, ao fomentar a prática de compliance pelas empresas, constitui um
avanço direcionado à ética e à transparência das relações negociais entre a Administração
Pública e o setor privado, bem como um sinal de que a empresa deve adotar um determinado
padrão de conduta compatível com uma boa-fé objetiva.
Nesse sentido, Marcia Carla Pereira Ribeiro e Patrícia Dittrich Ferreira Diniz,
asseveram que, embora as estruturas legais incentivem a conformidade aos padrões de
integridade, ainda mais importante do que a imposição legal é a cooperação voluntária
mediante uma genuína alteração de mentalidade dos atores abrangidos. No âmbito interno, ela
pode ser obtida por meio da majoração da importância da perspectiva de futuro e pela
três anos e a participação destes no faturamento anual da pessoa jurídica; c) frequência e a relevância da
utilização de agentes intermediários, como procuradores, despachantes, consultores ou representantes
comerciais, nas interações com o setor público;
V - descrever as participações societárias que envolvam a pessoa jurídica na condição de controladora,
controlada, coligada ou consorciada; e VI - informar sua qualificação, se for o caso, como microempresa ou
empresa de pequeno porte. BRASIL. Controladoria Geral da União. Portaria CGU 909, de 7 de abril de
2015. Brasília, DF, 2015. Disponível em:
<http://www.cgu.gov.br/sobre/legislacao/arquivos/portarias/portaria_cgu_909_2015.pdf>. Acesso em: 20
maio 2017. 238
Art. 4º No relatório de conformidade do programa, a pessoa jurídica deverá: I - informar a estrutura do
programa de integridade, com: a) indicação de quais parâmetros previstos nos incisos do caput do art. 42 do
Decreto nº 8.420, de 2015, foram implementados; b) descrição de como os parâmetros previstos na alínea "a"
deste inciso foram implementados; c) explicação da importância da implementação de cada um dos
parâmetros previstos na alínea "a" deste inciso, frente às especificidades da pessoa jurídica, para a mitigação
de risco de ocorrência de atos lesivos constantes do art. 5º da Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013;
II - demonstrar o funcionamento do programa de integridade na rotina da pessoa jurídica, com histórico de
dados, estatísticas e casos concretos; e III - demonstrar a atuação do programa de integridade na prevenção,
detecção e remediação do ato lesivo objeto da apuração. BRASIL. Controladoria Geral da União. Portaria
CGU 909, de 7 de abril de 2015. Brasília, DF, 2015. Disponível em:
<http://www.cgu.gov.br/sobre/legislacao/arquivos/portarias/portaria_cgu_909_2015.pdf>. Acesso em: 20
maio 2017.
112
valorização dos empregados mediante práticas como a existência de um plano de cargos e
salários objetivo e transparente. Criar espaços para que todos os colaboradores se realizem no
ambiente de trabalho mediante uma gestão participativa, criativa, inovadora e que estimule o
talento de cada um também é uma forma de contribuir para a melhor cooperação interna.
Já a cooperação no âmbito externo pode ser alcançada com a realização de contratos
de longo prazo que estabeleçam com os fornecedores e clientes relações de parceria
duradouras, mediante o incremento das relações de transparência, confiança e colaboração
mútua entre as partes.
A implantação de uma política de compliance auxilia não somente no desenvol-
vimento da empresa, mas principalmente da sociedade mediante a tendência natural de que os
comportamentos adotados em cada seara sejam replicados, estimulando a transparência, a
ética e a confiança no seio da comunidade, bases para uma verdadeira sustentabilidade. Em
suma, se é indiscutível que a existência de uma lei pode facilitar e adiantar mudanças
institucionais, ainda é mais elementar que o amadurecimento do ambiente social e
institucional brasileiro e a redução das condutas de corrupção se condicionam não só na
existência de normas impositivas, mas especialmente na adoção de políticas que estimulem a
cooperação e o estabelecimento de relações negociais duradouras e socialmente
sustentáveis.239
239
RIBEIRO, Marcia Carla Pereira; DINIZ, Patrícia Dittrich Ferreira. Compliance e lei anticorrupção nas
empresas. Revista de Informação Legislativa, Brasília, DF, v. 52, n. 205, p. 87-105, jan./mar. 2015. p. 103.
113
4 ACORDO DE LENIÊNCIA ANTICORRUPÇÃO
4.1 Antecedentes Histórico-Legais da Leniência
Ao se analisar a bibliografia sobre o tema do acordo de leniência, compreende-se ter
sido no combate à formação de cartéis que o seu modelo mais substancial se firmou, de modo
que o presente tópico irá demonstrar que o paradigma jurídico da experiência antitruste é
plenamente aplicável à esfera anticorrupção.
4.1.1 O Programa de Leniência dos Estados Unidos da América no Direito Antitruste
A edificação de um consenso base acerca dos requisitos para o êxito do programa de
leniência se lastrou não apenas no âmbito da dogmática jurídica, mas igualmente na análise da
evolução legislativa do tema em diferentes países, sendo o estadunidense o modelo mais
estudado.
A origem do acordo de leniência remonta à década de 1970, nos Estados Unidos,
tendo por escopo reprimir os atos ilícitos anticoncorrenciais, em especial os cartéis.240
O
instituto, cujo nome era Leniency Program, buscava a extinção da punibilidade penal por
práticas de atos antitruste, sob a condição de que a empresa colaborasse antes do início das
investigações e fosse a primeira do cartel a assim proceder. Além disso, ela deveria apresentar
provas e delatar os demais participantes. 241
A competência para a persecução de crimes de formação de cartel é do Departamento
de Justiça dos Estados Unidos da América, cuja alçada se limita aos crimes referentes ao
núcleo duro da Seção 1 da Lei Antitruste norte americana (Sherman Act), a exemplo da
fixação de preços, manipulação de licitações e divisão de mercado, todos relacionados à
formação de cartel. 242
Carolina Barros Fidalgo e Rafaela Coutinho Cannetti asseveram que, todavia, o
instrumento não obteve sucesso porque a Divisão Antitruste do Departamento de Justiça
240
Cf. PETRELLUZZI, Marco Vinicio; RIZEL JUNIOR, Rubens Naman. Lei anticorrupção: origens,
comentários e análise da legislação correlata. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 91. 241
SALOMI, Maíra Beauchamp. O acordo de leniência e seus reflexos penais. 2012. 293 f. Dissertação
(Mestrado em Direito Penal) - Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012. f. 138.
Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2136/tde-11102012-085658/>. Acesso em: 03
jun. 2017. 242
WIL, Walter P. J. Is criminalization of EU competition law the answer? Polskie, 2017. p. 12. Disponível
em: <http://pspe.org.pl/dokumenty/137_IsCriminalizationofEUCompetitionLawtheAnswer.pdf>. Acesso em:
17 jun. 2017.
114
conferiu a possibilidade de adoção de critérios subjetivos para a sua celebração, propiciando
um elevado grau de discricionariedade na celebração dos acordos. Este fato suscitou
insegurança jurídica que findou por desestimular a celebração dos acordos.243
Como a
concessão do perdão não era automática, os potenciais celebrantes ficavam inseguros com a
proposição e aceitação da avença, fato que se comprova com a ínfima aderência ao Programa:
a celebração média de apenas um Acordo de Leniência por ano ao longo dos quinze de
vigência deste modelo 244
. A isso soma-se o fato de, no mesmo período, a Divisão Antritruste
do Departamento de Justiça dos Estados Unidos da América (DOJ), não ter conseguido
ajuizar nenhuma ação judicial em desfavor de algum cartel internacional. 245
No ano de 1993, os Estados Unidos aperfeiçoaram o sistema para Programa de
Leniência Corporativa (Corporate Leniency Policy, Corporate Amnestesy Policy ou
Corporate Immunity Police), reduzindo amplamente a discricionariedade ao tornar o ato
vinculado, desde que celebrado antes da investigação e preenchidas as seguintes condições: (i)
Ainda não tenham sido recebidas informações por qualquer outra fonte; (ii) A sociedade tenha
tomado todas as medidas necessárias para cessar a sua participação no cartel; (iii) A sociedade
promova a completa e contínua cooperação com a autoridade responsável pela investigação;
(iv) A sociedade confesse a infração como um ato corporativo, não sendo suficiente a
confissão isolada de diretores individuais ou outros agentes; (v) Quando possível, a sociedade
restitua os danos causados a terceiros; (vi) A sociedade não tenha coagido às demais partes do
cartel a participar da atividade ilegal e claramente não tenha sido a líder da atividade ilegal.246
Nada obstante, a partir de então também passou a existir a possibilidade de
celebração de acordos no início das investigações, hipótese em que ele não seria concedido de
forma automática – vinculada –, estando presente a discricionariedade do Departamento para
concedê-lo, desde que atendidas as seguintes condições: (i) A sociedade seja a primeira a
requerer os benefícios do programa e se qualificar para tanto; (ii) A autoridade responsável
ainda não disponha de evidências contra a sociedade, suficientes para sua condenação; (iii) A
sociedade tenha cessado a sua participação na atividade ilegal; (iv) A sociedade promova
243
FIDALGO, Carolina Barros; CANETTI, Rafaela Coutinho. Os acordos de leniência na lei de combate a
corrupção. In: SOUZA, Jorge Munhos; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro (Org.). Lei anticorrupção. Salvador:
Juspodivm, 2015. p. 253-282. p. 258. 244
HAMMOND, Scott D. The evolution of criminal antitrust enforcement over the last two decades.
Disponível em: <https://www.justice.gov/atr/speech/evolution-criminal-antitrustenforcement- over-last-two-
decades>. Acesso em: 17 jun. 2017. 245
SALOMI, Maíra Beauchamp. O acordo de leniência e seus reflexos penais. 2012. 293 f. Dissertação
(Mestrado em Direito Penal) - Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012. f. 139.
Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2136/tde-11102012-085658/>. Acesso em: 03
jun. 2017. 246
Ibid., f. 258.
115
completa e continua cooperação com a autoridade responsável pela investigação; (v) A
sociedade tenha confessado; (vi) Quando possível, que a sociedade restitua os danos causados
pela atividade; (vii) A autoridade entenda que o deferimento da leniência não seja injusto.
Do cotejo das alterações procedidas com o modelo original, pode-se verificar a
notável preocupação das autoridades americanas em buscar a melhoria do acordo de leniência,
forte na premissa de que ajustes graduais são prementes conforme a práxis indique elementos
acerca da resposta dos indivíduos frente ao panorama de benefícios oferecidos pelo programa,
tudo em prol da melhor efetividade do sistema.
O Departamento de Justiça Americano (DOJ) também incorporou três significativos
benefícios ao delator: (i) imunidade completa automática, no caso de inexistir investigação
prévia; (ii) possibilidade de imunidade completa, mesmo no caso da investigação já ter
começado; (iii) imunidade criminal para todos os funcionários que colaboraram com as
investigações na apuração do delito.247
Scott Hammond, Diretor do DOJ, aponta que estes três beneplácitos citados foram as
principais mudanças que reestruturaram o Programa de Leniência com o objetivo de torná-lo
atrativo e eficiente.248
A partir disso, as empresas ganharam maior segurança jurídica para delatar a
existência de cartéis e seus participantes. Nas palavras do jurista acima referido: “estas
revisões tornaram o programa mais transparente e aumentaram os incentivos para que as
empresas relatassem as atividades ilícitas e cooperassem com a Divisão Antitruste”249
.
Por fim, ainda, no concernente ao programa de leniência estadunidense, foi criada a
possibilidade de que pessoas naturais (empregados, diretores, administradores, etc.) pudessem
celebrar o acordo, independentemente da confissão da corporação, desde que apresentadas
provas da existência do cartel em troca da anistia penal individual.250
Desse modo, conforme
247
KLOUB, Jindrich. Using leniency to fight hard core cartels – leniency as the most effective tool in combating
cartels. In: LATIN AMERICAN COMPETITION FORUM, 9-10 september, 2009, Santiago, Chile. Forum...
Santiago, Chile: IDB, 2009. p. 1-148. Disponível em:
<www.oecd.org/daf/competition/2009%20LACF_UsingLeniencytoFightHardCoreCartels.pdf>. Acesso em:
18 jul. 2017. 248
HAMMOND, Scott D. The evolution of criminal antitrust enforcement over the last two decades.
Disponível em: <https://www.justice.gov/atr/speech/evolution-criminal-antitrustenforcement- over-last-two-
decades>. Acesso em: 17 jun. 2017. 249
DEPARTMENT OF JUSTICE. These revisions made the program more transparent and raised the
incentives for companies to report criminal activity and cooperate with the Antitrust Division.
Washington, DC, [2017]. Tradução nossa. Disponível em: <https://www.justice.gov/atr/speech/evolution-
criminal-antitrust-enforcement-overlast-two-decades>. Acesso em: 17 jun. 2017. 250
“The Division today announces a new Leniency Policy for Individuals that is effective immediately and
applies to all individuals who approach the Division on their own behalf, not as part of a corporate proffer or
confession, to seek leniency for reporting illegal antitrust activity of which the Division has not previously
been made aware. Under this Policy, "leniency" means not charging such an individual criminally for the
116
aponta Maíra Beauchamp Salomi, a partir de 1993, o sistema norte-americano de leniência
ganhou três facetas: a) concessão automática e vinculada para a empresa que colabore antes
do início da investigação e preencha os demais requisitos já detalhados; b) concessão
discricionária após o início da investigação, desde que também preenchidos os requisitos
acima tratados e; c) a possibilidade de outorga dos benefícios a qualquer colaborador (pessoa
natural, jurídica, diretores etc.).
Além disso, o Congresso Americano, em 2004, aumentou os incentivos para que
participantes de cartel celebrassem Acordo de Leniência com o ACPERA (Antitrust Criminal
Penalty Enhancement and Reform Act), cuja previsão é a de que, ao entrar no Programa, as
empresas apenas pagariam danos relacionados a condutas próprias, nas ações de
responsabilidade civil, ao invés de todas as indenizações com responsabilidade solidária
estipuladas pela Lei Antitruste.251
Para tanto, além de contribuir com o governo, a empresa também deve cooperar com
os demandantes particulares em suas ações cíveis, relatando-lhes todos os fatos conhecidos
que sejam potencialmente relevantes para a ação, além de lhes franquear acesso aos
documentos e demais provas pertinentes de que disponha.252
Esse novo tratamento do Programa de Leniência fez com que a estatística de um
acordo por ano até 1993 saltasse para mais de um acordo por mês253
, sendo que desde o ano
fiscal de 1996, já foram aplicados mais de cinco bilhões de dólares em multas por crimes de
violação da concorrência – 90% delas decorreram de informação concedidas em Acordos de
Leniência.254
Como se pode ver, medidas hábeis a tornar o instrumento negocial atrativo o bastante
para que o colaborador se sentisse incentivado a parar de delinquir e colaborar com a justiça
foram tomadas com o desiderato de melhorar a capacidade persecutória do Estado. Segundo
activity being reported”. DEPARTMENT OF JUSTICE. Leniency policy for individuals. 10 ago. 1994.
Disponível em: <https://www.justice.gov/sites/default/files/atr/legacy/2006/04/27/0092.pdf>. Acesso em: 17
jun. 2017. 251
LYNCH, Niall E. Immunity in criminal cartel investigations: a US perspective. 2017. p. 3. Disponível em:
<https://www.lw.com/presentations/immunity-in-criminal-cartelinvestigations-us-perspective>. Acesso em:
17 jun. 2017. 252
Ibid., p. 4. 253
SALOMI, Maíra Beauchamp. O acordo de leniência e seus reflexos penais. 2012. 293 f. Dissertação
(Mestrado em Direito Penal) - Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012. f. 140.
Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2136/tde-11102012-085658/>. Acesso em: 03
jun. 2017. 254
HAMMOND, Scott D. The evolution of criminal antitrust enforcement over the last two decades.
Disponível em: <https://www.justice.gov/atr/speech/evolution-criminal-antitrustenforcement- over-last-two-
decades>. Acesso em: 17 jun. 2017.
117
Jindrich Kloub e Scott Hammond255
, catalogam-se em quatro aspectos os requisitos básicos
que determinam a eficácia de um programa de leniência: (i) As pessoas devem ter o receio de
que sanções severas podem ser impostas no caso do cometimento de ilícitos; (ii) As
autoridades devem demonstrar capacidade de investigar e aplicar sanções, independentemente
do uso de instrumentos de colaboração; (iii) É fundamental tornar público os resultados
atingidos por meio dos acordos de leniência celebrados, sopesando os benefícios concedidos e
os ilícitos descobertos e; (iv) Convém deixar o programa o mais previsível e transparente
possível, para que o potencial colaborador pondere adequadamente os riscos e benefícios que
estão em jogo no seu processo de decisão.256
Por outro lado, há, também, o programa de Anistia Plus (Amnesty Plus), que pode ser
utilizado por empresas que não lograram obter a leniência sobre uma conspiração “A”, a qual
já estava sob investigação da Divisão Antritruste do Departamento de Justiça dos Estados
Unidos da América (DOJ), mas que ao realizarem investigação interna (programa de
compliance), descobrem uma conspiração “B”, desconhecida pelo DOJ. Nesse caso, a
empresa pode receber leniência para a segunda conspiração e ter uma reconsideração pela
Divisão no envolvimento na primeira. A discricionariedade da sentença é da Corte em que o
caso está sendo investigado, mas a Divisão pode recomendar à Corte “descontos” na sentença
referente à conspiração “A”, em razão da cooperação na descoberta da conspiração B.257
Para conferir mais transparência, a Divisão Antritruste do Departamento de Justiça dos
Estados Unidos da América (DOJ) criou um “sistema de senhas” (marker system),
garantindo, por um tempo limitado, a posição do primeiro requerente na fila para leniência,
enquanto ele reúne mais informações para sustentar sua pretensão. Nesse interim, nenhuma
255
HAMMOND, Scott. Cornerstones of na effective leniency program in ICN workshop on leniency
programs. Australia, 2004. Disponível em: <www.justice.gov/atr/public/speeches/206611.htm>. Acesso em:
18 jul. 2017.
KLOUB, Jindrich. Using leniency to fight hard core cartels – leniency as the most effective tool in combating
cartels. In: LATIN AMERICAN COMPETITION FORUM, 9-10 september, 2009, Santiago, Chile. Forum...
Santiago, Chile: IDB, 2009. p. 1-148. Disponível em:
<www.oecd.org/daf/competition/2009%20LACF_UsingLeniencytoFightHardCoreCartels.pdf>. Acesso em:
18 jul. 2017. 256
Scott Hammond dá especial ênfase a este último requisito: “Nossa experiência foi que a transparência deve
incluir não apenas padrões e políticas explicitamente declaradas, mas também explicações claras sobre o
poder discricionário na aplicação dessas normas e políticas. A Divisão procurou proporcionar transparência
nas seguintes áreas de execução: (1) normas transparentes para a abertura de investigações; (2) padrões
transparentes para decidir quando arquivar denúncias criminais; (3) transparência nos casos prioritários; (4)
políticas transparentes na negociação de acordos de confissão; (5) políticas transparentes sobre sentença e
cálculo de multas; e (6) aplicação transparente do nosso Programa de Leniência.” HAMMOND, Scott.
Cornerstones of na effective leniency program in ICN workshop on leniency programs. Australia, 2004.
Tradução nossa. Disponível em: <www.justice.gov/atr/public/speeches/206611.htm>. Acesso em: 18 jul.
2017. 257
VARNEY, Christine A. United States. The cartels and leniency review. 2. ed. Londres: Law Business
Research, 2014. p. 392.
118
outra empresa pode “ultrapassar” a que possui a “senha”. A duração do tempo da “senha”
varia de acordo com dados fatores, tais como a localização e número de funcionários da
empresa a serem entrevistados, a quantidade e a localização dos documentos a serem
levantados, bem como se a Divisão já possui uma investigação em andamento no momento
em que a “senha” é requerida.
Para obter a “senha”, o advogado deve reportar que possui evidências que sugerem a
possibilidade de violação antitruste, a exemplo da fixação de preços, licitação fraudulenta,
restrição de capacidade e alocação de mercados, clientes, vendas ou volumes de produção.
Dependendo da indústria ou produto envolvido na conduta, é possível que apenas a
identificação da indústria já seja suficiente para a Divisão Antritruste do Departamento de
Justiça dos Estados Unidos da América (DOJ) determinar a viabilidade da leniência. É o caso,
por exemplo, de não existir investigações em andamento sobre os produtos ou serviços de
determinada empresa. Por conseguinte, é mais difícil obter a “senha” quando a Divisão já tem
posse de informações sobre a atividade ilegal.258
O processo de obtenção da leniência ganha termo com a emissão de uma Carta de
Leniência (Leniency Letter). Superada a fase de pedido de “senha” e, durante a investigação, é
dada a empresa ou ao indivíduo uma Carta de Leniência Condicional (Conditional Leniency
Letter). A Carta é inicialmente condicional porque a concessão da leniência final se
condiciona à verificação de que empresa ou o individuo efetivamente cooperaram com a
investigação, bem como atenderam com todas as exigências anteriormente mencionadas –
variáveis conforme o tipo de leniência.259
A anamnese do pioneiro modelo antitruste americano denota que a construção de um
regime bem-sucedido decorre, dentre outros fatores, da experiência galgada ao longo da
estruturação e aprimoramento da legislação, valendo ressaltar que ele serviu de inspiração
para diversos modelos de outros países, inclusive para aquele adotado pelo Brasil na Lei
Anticorrupção. Mas, antes de, a este último se ir, analisar-se-ão, prefacialmente, os institutos
da colaboração premiada criminal e do programa de leniência antitruste brasileiro, tanto em
respeito à ordem cronológica dos distintos modelos, quanto porque, como doravante se
demonstrará, a experiência neles obtida tem aptidão para conferir notável contributo ao
acordo de leniência anticorrupção, em especial no concernente aos reflexos da colaboração
em outras searas.
258
BARNETT, Belinda A.; HAMMOND, Scott D. Frequently asked questions regarding the antitrust
division’s leniency program and model leniency letters. Washington, DC: Department of Justice, 2008. p.
03-04. Disponível em: <https://www.justice.gov/atr/file/810001/download>. Acesso em: 22 out. 2017. 259
Ibid., p. 23-26.
119
4.1.2 A Colaboração Premiada: Experiência Brasileira de Consensualidade
No Brasil, a experiência na consensualidade entre o Estado e o autor da infração
iniciou com o acordo de colaboração premiada previsto, inicialmente, na Lei de Crimes
Hediondos de 1990.260
Vinicius Gomes de Vasconcellos conceitua o instituto como sendo “um acordo
realizado entre acusador e defesa, visando ao esvaziamento da resistência do réu e à sua
conformidade com a acusação, com o objetivo de facilitar a persecução penal em troca de
benefícios ao colaborador, reduzindo as consequências sancionatórias à sua conduta
delitiva.”261
Em uma visão crítica, Geraldo Prado define a delação premiada como o instituto
que busca substituir a investigação dos fatos “pela ação direta sobre o suspeito, visando torna-
lo colaborador e, pois, fonte de prova. Intenta-se contornar as proibições constitucionais e
transformar o acusado em testemunha”.262
O estudo do instituto, neste opúsculo, é tecnicamente conveniente tanto porque o
acordo de leniência, assim como o de colaboração premiada, constitui uma espécie de
260
A delação premiada foi inserida no parágrafo único do art. 8º da lei nº 8.072/90: Art. 8º Será de três a seis
anos de reclusão a pena prevista no art. 288 do Código Penal, quando se tratar de crimes hediondos, prática
da tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins ou terrorismo. Parágrafo único. O participante e o
associado que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá a pena
reduzida de um a dois terços. BRASIL. Lei n. 8.072, de 25 de julho de 1990. Dispõe sobre os crimes
hediondos, nos termos do art. 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal, e determina outras providências.
Brasília, DF, 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8072.htm>. Acesso em: 10
set. 2017. 261
VASCONCELLOS, Vinicius Gomes de. Colaboração premiada no processo penal. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2017. p. 55-56.
Em similar semântica, Andrey Borges de Mendonça conceitua a colaboração premiada como “a eficaz
atividade do investigado, imputado ou condenado de contribuição com a persecução penal, seja na prevenção
ou na repressão de infrações penais graves, em troca de benefícios penais, segundo acordo formalizado por
escrito entre as partes e homologado pelo juízo”. MENDONÇA, Andrey Borges de. A colaboração premiada
e a nova Lei do Crime Organizado (Lei 12.850/13). Revista Custos Legis, Rio de Janeiro, v. 4, p. 1-38,
2013. p. 4. Sob o enfoque da teoria dos jogos, Alexandre Morais da Rosa define o instituto premial como
sendo “o mecanismo pelo qual o Estado autoriza, no jogo processual, por mecanismo de barganha, o
estabelecimento de ‘mercado judicial’, pelo qual o colaborador, assistido por advogado, negocia com o
Ministério Público informações capazes de autoincriminar o agente e carrear elementos probatórios contra
terceiros”. ROSA, Alexandre Moraes da. Guia Compacto do processo penal conforme a teoria dos jogos.
3. ed. Florianópolis: Empório do Direito, 2016. p. 292.
Por fim, o STF já assentou que “[...] a colaboração premiada é um negócio jurídico processual, uma vez que,
além de ser qualificada expressamente pela lei como ‘meio de obtenção de prova’, seu objetivo é a
cooperação do imputado para a investigação e para o processo criminal, atividade de natureza processual,
ainda que se agregue a esse negócio jurídico o efeito substancial (de direito material) concernente à sanção
premial a ser atribuída a essa colaboração”. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n.
127.483/PR. Paciente: Erton Medeiros Fonseca. Impetrante: José Luiz Oliveira Lima e outros. Coator:
Relator da PET 5244 do STF. Relator Min. Dias Toffolli. Brasília, DF, 27 ago. 2015. p. 23-24. Disponível
em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10199666>. Acesso em: 20 mar.
2018. 262
PRADO, Geraldo. Da delação premiada: aspecto de direito processual. Boletim do IBCCRIM, São Paulo, v.
13, n. 159, p. 10-12, fev. 2006. p. 10.
120
instrumento de transação/negociação ou de acordo colaborativo, quanto porque, como
referencia José Alexandre da Silva Zachia Alan, se apresenta factível que
[...] tenha havido, ao menos no que concerne à redação original da Lei 12.846/2013,
espécie de contaminação das disposições a autorizar transações no sistema
sancionatório judicial em questão pelas normas estabelecidas para as colaborações
premiadas no âmbito da ordem normativa penal.
Fala-se, em outras palavras, do reconhecimento de que, no mais dos casos de
leniência, se estará num espaço de intersecção entre as diversas esferas de
sancionamento – penal e não penal – e que há a necessidade de que utilize a mesma
lógica de funcionamento, ainda que os resultados sancionatórios sejam diversos.263
Nesse condão, urge, ainda, serem examinados os distintos termos usados para
denominar o instituto: colaboração e delação premiada. A divergência recrudesceu com o
avento da Lei 12.850/13, a qual denominou o instituto de “colaboração premiada”, amparando
a hermenêutica de que ele se revela “bem mais amplo que a delação premiada até então
consagrada em várias leis brasileiras, a qual se restringia a um instituto de direito material”. 264
Como o referido diploma legal prevê mais de um tipo de colaboração a ser prestada pelo
agente,265
aduz-se que a delação seria apenas a incriminação de terceiros, enquanto a
colaboração envolveria, além da própria delação, outras formas colaborativas, a exemplo da
recuperação de proveitos da infração penal e localização da eventual vítima.266
263
ALAN, José Alexandre da Silva Zachia. Novos aspectos relacionados à leniência e à corrupção. Uma
abordagem sob a perspectiva da Teoria dos Jogos. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v.
275, p. 189-222, maio/ago. 2017. p. 202. Disponível em:
<http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/71652/69326>. Acesso em: 20 jan. 2018. 264
SILVA, Eduardo Araujo da. Organizações criminosas. Aspectos penais e processuais da Lei n. 12.850/13.
São Paulo: Atlas, 2014. p. 52-53. 265
Art. 4o O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a
pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e
voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou
mais dos seguintes resultados: I - a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa
e das infrações penais por eles praticadas; II - a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da
organização criminosa; III - a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização
criminosa; IV - a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela
organização criminosa; V - a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada BRASIL.
Lei n. 12.850, de 2 de agosto de 2013. Define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal,
os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal; altera o Decreto-Lei
no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); revoga a Lei no 9.034, de 3 de maio de 1995; e dá
outras providências. Brasília, DF, 2013. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-
2014/2013/lei/l12850.htm>. Acesso em: 14 ago. 2017. 266
PEREIRA, Frederico Valdez. Delação premiada: legitimidade e procedimento. 3. ed. Curitiba: Juruá,
2016. p. 35-36.
Mariana Lauand classifica o “instituto da colaboração processual como gênero, sendo a confissão, o
chamamento de corréu, a delação premiada e a colaboração processual stricto sensu (na forma de acordo
entre acusação e imputado, com concessão de benefício de caráter processual), suas espécies”. LAUAND,
Mariana de Souza Lima. O valor probatório da colaboração processual. 2008. Dissertação (Mestrado em
Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008. p. 48.
121
Em que pese se adira a esta distinção de conceitos, o presente estudo opta por adotar
ambos os termos, uma vez que, de modo geral, a doutrina não os distingue.
Acompanhando a sofisticação das organizações criminosas, a colaboração premiada
passou a ser prevista expressamente em leis diversas: a) Lei Contra o Crime Organizado, a
qual prevê, em seu artigo 6º, a redução de um a dois terços da pena quando a colaboração
espontânea do agente levar ao esclarecimento de infrações penais e sua autoria; b) Lei Contra
o Sistema Financeiro Nacional e Lei dos Crimes Contra a Ordem Tributária e Econômica
(Leis 7.492/86 e 8.137/90) que estabelecem a redução da pena de um a dois terços se o
coautor ou partícipe, por meio de confissão espontânea, revelar, à autoridade policial ou
judicial, toda a trama delituosa; c) Lei de Lavagem de Capitais (Lei n. 9.613/98), a qual prevê,
em seu artigo 1º, §5º, a redução da pena de um a dois terços, podendo ser substituída por
restritiva de direitos se o autor, coautor ou partícipe colaborar espontaneamente com as
autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais, à
identificação dos autores, coautores e partícipes, ou à localização dos bens, direitos ou valores
objeto do crime; d) Lei de Proteção às Testemunhas (Lei 9.613/98) que vai mais além e prevê
em seu artigo 13 o perdão judicial com extinção da punibilidade ao acusado que tenha
colaborado para a identificação dos demais coautores ou partícipes da ação criminosa, a
localização da vítima com a sua integridade física preservada, a recuperação total ou parcial
do produto do crime; e) Lei de Drogas (Lei 11.343/06), estabelecendo, em seu artigo 41, a
redução da pena de um a dois terços ao indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente
com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais coautores ou
partícipes do crime e na recuperação total ou parcial do produto do crime.
Finalmente, a partir da Lei das Organizações Criminosas (Lei 12.850/2013), diploma
legal que trata, quase que integralmente, de matéria processual, o tema recebeu maior
detalhamento ao ampliar as hipóteses de colaboração premiada. Além disso, ao majorar, na
medida do auxílio prestado, a vantagem para aquele que delata os demais coautores, a referida
norma representou considerável incremento legal de desestabilização das organizações
criminosas por meio de uma lógica precipuamente processual.
A Seção I da Lei 12.850/2013 estabelece que a colaboração premiada é um meio de
obtenção de prova, consolidando o entendimento doutrinário e jurisprudencial de que a
delação em si não constitui prova em desfavor dos demais réus, mas mero meio para obtê-
la.267
267
Segundo Vinicius Gomes de Vasconcellos, a Lei 12.850/13 consolidou, adequadamente, a visão que dá
primazia ao prisma processual da colaboração premiada, “pois o cerne do instituto é a facilitação da
122
Além disso, o §16 do art. 4º prevê que nenhuma sentença condenatória será proferida
apenas com base nas declarações do agente colaborador. Frente à possibilidade de advirem
acusações inverídicas pelo delator, não se deve receber o instituto premial com o mesmo peso
do testemunho de alguém desinteressado no processo, mas como instrumento de obtenção de
provas que deverão ser confrontadas com os demais resultados das investigações em curso.268
Portanto, além da colaboração premiada não possuir a mesma valoração da confissão,
pois incrimina terceiro presumidamente inocente, sequer pode ser igualada à prova
testemunhal, pois o colaborador participou do crime e age de forma parcial. Afinal, conforme
aduz Stephen S. Trott: “criminosos estão dispostos a dizer e a fazer qualquer coisa para
obterem o que querem, especialmente quando o que eles desejam é livrar-se de seu problema
com a lei” 269
.
Disposição relevante se encontra no §6º do mesmo artigo, responsável por vedar a
participação do juiz na negociação. Explica-se: é possível que o processo de negociação se
inicie entre o Ministério Público e o réu, mas não venha a atingir as expectativas almejadas
para a formalização da avença. Nessa primeira análise, constatando que as alegações são
genéricas e vazias de outras provas, o órgão acusatório pode rechaçar a proposta de acordo e
prosseguir com as investigações anteriores. De qualquer forma, no curso das tratativas, o réu
potencialmente assumiu o cometimento de crimes no desiderato de obter os benefícios da
delação, não sendo, por essa razão, aceitável que suas declarações, prestadas por ocasião da
proposta, fossem utilizadas em seu desfavor na hipótese de não ser celebrado o acordo.
persecução penal a partir da produção ou obtenção de elementos probatórios, como a confissão do delator e o
seu depoimento incriminador em relação aos corréus, além de outros tipos de prova possivelmente
indicados”. VASCONCELLOS, Vinicius Gomes de. Colaboração premiada no processo penal. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2017. p. 55. No mesmo sentido é a posição firmada pelo STF: “Dito de outro modo,
embora a colaboração premiada tenha repercussão no direito penal material (ao estabelecer as sanções
premiais a que fará jus o imputado colaborador, se resultar exitosa sua cooperação), ela se destina
precipuamente a produzir efeitos no âmbito do processo penal”. BRASIL. Supremo Tribunal Federal.
Habeas Corpus n. 127.483/PR. Paciente: Erton Medeiros Fonseca. Impetrante: José Luiz Oliveira Lima e
outros. Coator: Relator da PET 5244 do STF. Relator Min. Dias Toffolli. Brasília, DF, 27 ago. 2015. p. 24.
Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10199666>. Acesso
em: 20 mar. 2018. 268
Segundo Frederico Valdez Pereira: “Uma das exigências para se conferir valor probatório às declarações do
delator no processo, desfazendo o direito à presunção de inocência do acusado, é a necessidade de se
submeter esse elemento de prova ao contraditório. É necessário trazer ao processo as declarações reveladoras
do beneficiário da delação, permitindo que a defesa do acusado produza prova em contrário no curso do
procedimento. Sem isso, a colaboração premiada não pode ter o efeito de afastar a presunção de inocência”.
PEREIRA, Frederico Valdez. Valor probatório da colaboração processual (delação premiada). Revista CEJ,
Brasília, v. 13, n. 44, p. 25-35, jan./mar. 2009. p. 29-33. Disponível em:
<http://www.jf.jus.br/ojs2/index.php/revcej/article/viewFile/1126/1224>. Acesso em: 22 out. 2017. 269
TROTT, Stephen S. O uso de um criminoso como testemunha: um problema especial. Tradução Sérgio
Fernando Moro. Revista CEJ, Brasília, v. 11, n. 37, p. 68-93, 2007. p. 70.
123
Dai o aconselhamento de obstar o magistrado das negociações, sob pena de se
comprometer sua imparcialidade. Não é por menos que o §10 do art. 4º estabelece o direito
das partes se retratarem da proposta de acordo, hipótese em que as declarações confessórias
do colaborador não poderão ser utilizadas exclusivamente em seu desfavor. O Juiz, portanto,
irá analisar se as informações e provas apresentadas pelo colaborador realmente auxiliaram a
investigação e possibilitaram a denúncia dos demais envolvidos apenas se o acordo for
formalizado.
Verificando a regularidade, legalidade e voluntariedade do acordo, o magistrado
poderá conceder o perdão judicial, reduzir a pena privativa de liberdade em até dois terços ou
substituí-la por pena restritiva de direitos. Contudo, se a colaboração for posterior à sentença,
a pena poderá ser reduzida até a metade ou será admitida a progressão de regime, ainda que
ausentes os seus requisitos objetivos270
. A concessão do benefício levará em conta a
personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social
do fato criminoso, bem como a eficácia da colaboração.271
Por fim, cabe referir que o Ministério Público poderá deixar de oferecer denúncia se o
colaborador não for o líder da organização criminosa e for o primeiro a prestar efetiva
colaboração.272
Do exame procedido, pode-se inferir que o modelo penal nacional permite que a
pessoa natural colaboradora obtenha reduções de pena ou, mesmo, o perdão judicial.
Conforme se verá no item 4.2.2, o mesmo não ocorre no acordo de leniência anticorrupção
com relação às empresas colaboradoras. Mas, considerando os casos em que o colaborador
possa ser sócio, administrador ou empregado de uma empresa que responderá objetivamente
pela conduta da pessoa natural, sendo que esta última poderá receber benefícios na esfera
criminal, cabível perquirir se não seria indicado ter, a Lei Anticorrupção, também previsto a
extensão do benefício de perdão/isenção irrestrita para as pessoas jurídicas interessadas.
Antes de, todavia, se melhor investigar esta questão, cumpre ainda apreciar,
brevemente, o regime do Programa de Leniência Antitruste brasileiro, o qual ostenta
relevantes pontos que podem servir de inspiração à evolução legal do modelo anticorrupção.
Dentre eles, destaca-se o concernente à existência de incentivos premiais à delação procedida
tanto pela pessoa jurídica, quanto pela física – o que vai ao encontro da realidade inexorável
de que o ato colaborativo é fruto da cooperação de ambas.
270
Art. 4o [...] §5º da Lei n. 12.850, de 2 de agosto de 2013.
271 Art. 4
o [...] §1º da Lei n. 12.850, de 2 de agosto de 2013.
272 Art. 4
o [...] §4º da Lei n. 12.850, de 2 de agosto de 2013.
124
4.1.3 Programa de Leniência Concorrencial do Brasil
Depois da colaboração premiada, o ordenamento jurídico brasileiro foi contemplado
com o programa de leniência do direito concorrencial, o qual se constitui como o instrumento
de colaboração melhor consolidado no âmbito nacional.
O instituto advém no contexto de globalização e expansão das economias, o qual
acentuou a competição das grandes corporações pelo mercado, importando no aprimoramento
de métodos para frustrar a competição e a livre concorrência.273
Nesse panorama, surgiram os
cartéis, compreendidos como “acordos entre concorrentes para, principalmente, fixação de
preços ou quotas de produção, divisão de clientes e de mercados de atuação.”274
Conforme visto no primeiro capítulo (item 2.1), André Ramos Tavares aponta, dentre
as razões para o fracasso do modelo liberal clássico, a ilusão de que o mercado seria formado
por um número razoavelmente elevado de compradores e vendedores em interação recíproca e
portes equânimes. Essa concepção destoa da notória existência de “leviatanescas
multinacionais, cujo poder econômico rivaliza (e por vezes corrompe) até o de Estados
altamente desenvolvidos.” Nesse panorama, uma grande consequência nefasta é a natural
capacidade dessas grandes empresas influírem no mercado em benefício próprio e em
detrimento da maioria.275
Para Roberta Alessandra Pantoni, a realidade histórica finda por desmentir os
postulados da teoria liberal, máxime no pertinente à autorregulação dos mercados,
notabilizada pela ampla liberdade de atuação dos agentes econômicos. O capitalismo do
século XIX dá guarida a um novo poder: o poder econômico das grandes empresas de
mercado e de suas novas estratégias comerciais. Unidades industriais passam a se agrupar, o
que origina o fenômeno do Novo Estado Industrial, marcado pela presença das concentrações
empresariais. Nesse sentido, a alteração nos padrões de atuação dessas empresas suscita
273
Paula A. Forgioni acentua a relevância da concorrência no modelo econômico liberal: “A concorrência passa
a ser encarada como a solução para conciliar a liberdade econômica individual com o interesse público:
preservando-se a competição entre os agentes econômicos, atende-se ao interesse público [...] ao mesmo
tempo em que se assegura ao industrial ou comerciante a mais ampla liberdade de atuação, com a
concorrência evitando qualquer comportamento danoso à sociedade. A concorrência é o antídoto natural
contra o grande mal dos monopólios, apta a regular o mercado, conduzindo-se ao bem estar social, sem a
necessidade de intervenção estatal, ou seja, a existência do livre mercado seria assegurada sem que se
precisasse de maior atuação exógena. FORGIONI, Paula A. Os fundamentos do antitruste. 3. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 61-62. 274
BRASIL. Ministério da Justiça. Combate à cartéis e programa de leniência. Coleção SDE/CADE, Brasília, n.
01, 2009. p. 6. Disponível em:
<http://www.cade.gov.br/upload/Cartilha%20Leniencia%20SDE_CADE.pdf>. Acesso em: 02 nov. 2017. 275
TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo:
Método, 2011. p. 50.
125
indagações acerca da plena liberdade de comércio e da necessidade de se impor limites para a
correção de eventuais distorções.276
A intervenção do Estado na atividade econômica justifica-se, por essa razão, na
acentuada necessidade de se reorganizar o mercado, criando políticas públicas hábeis em
garantir a livre competição por meio da repressão de estruturas nocivas, a exemplo dos
monopólios e cartéis, viabilizando, assim, a plena consagração dos direitos constitucionais da
livre iniciativa e da liberdade de concorrência.277
É neste contexto político-econômico que o Acordo de Leniência surgiu na legislação
nacional, por meio da Lei nº 10.149/2000, responsável por inserir os artigos 35-B e 35-C na
Lei nº 8.884/1994 (Lei Antitruste ou Lei da Concorrência).278
Com o referido instrumento,
passou-se a admitir a extinção da ação punitiva da administração pública ou a redução de um
a dois terços da penalidade aplicável às pessoas físicas ou jurídicas que auxiliassem nas
investigações das infrações à ordem econômica.
Conforme João Grandino Rodas, os “acordos de leniência são aqueles firmados entre
um integrante-delator do cartel e a autoridade antitruste com vistas a reduzir ou afastar as
sanções que seriam aplicadas ao primeiro em troca de cooperação nas investigações”279
.
Constitui-se, pois, em um pacto de cooperação firmado entre o anuente e a autoridade
competente com o fito de punir os demais envolvidos na infração. Em troca da colaboração, o
infrator recebe imunidades administrativas e penais que poderão ser parciais ou integrais
dependendo do nível de comprometimento do denunciante.
276
PANTONI, Roberta Alessandra. Consensualidade como instrumento de legitimidade no processo
antitruste sancionador brasileiro: considerações sobre o “Acordo de Leniência”. 2012. 126 f. Dissertação
(Mestrado em Direito Público) - Faculdade de Direito, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia,
2012. f. 15. Disponível em:
<https://repositorio.ufu.br/bitstream/123456789/13200/1/ConsensualidadeInstrumentoLegitimidade.pdf>.
Acesso em: 10 out. 2017. 277
Ibid., f. 16. 278
Segundo Roberta Pantoni, “Além de contar com eficácia material na repressão ao abuso do poder econômico,
tanto em sua vertente repressiva – contra as condutas anticoncorrenciais capazes de limitar ou prejudicar a
livre concorrência – como de forma preventiva – submetendo à aprovação pelo CADE os atos e contratos
hábeis a produzir qualquer forma de concentração econômica – a Lei n.º 8.884/1994 foi a responsável pela
sistematização de toda a matéria relativa à defesa da concorrência, bem como pela transformação do CADE
em autarquia federal, afirmando sua condição de órgão judicante e conferindo-lhe independência e autonomia
de atuação. A Lei n.º 8.884/1994 é um marco na defesa da concorrência do Brasil. Trata-se, por certo, do
melhor diploma legal antitruste que o país já teve, reflexo da conscientização da importância da temática
concorrencial por parte da sociedade.” PANTONI, Roberta Alessandra. Consensualidade como
instrumento de legitimidade no processo antitruste sancionador brasileiro: considerações sobre o
“Acordo de Leniência”. 2012. 126 f. Dissertação (Mestrado em Direito Público) - Faculdade de Direito,
Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2012. f. 33. Disponível em:
<https://repositorio.ufu.br/bitstream/123456789/13200/1/ConsensualidadeInstrumentoLegitimidade.pdf>.
Acesso em: 10 out. 2017. 279
RODAS, João Gradino. Acordos de leniência em direito concorrencial: práticas e recomendações. Revista
dos Tribunais, São Paulo, v. 862, p. 22-33, ago. 2007. p. 22.
126
O Acordo de Leniência é regulamentado pela Portaria de nº 456/2010 do Ministério da
Justiça que o conceitua em seu art. 59 como “instrumento fundamental para garantir a plena
concretização do princípio constitucional da livre concorrência, com especial relevância para
a implementação da Política Brasileira de Combate a Cartéis”280
.
O instrumento em estudo, pois, consagra a mesma lógica presente na delação premiada
e que se funda na obtenção de provas de crimes complexos (cada vez mais presentes na
sociedade de risco, conforme visto no item 3.1), visando a sua melhor apuração e a
condenação de todos os envolvidos. Seu objetivo precípuo é reprimir os cartéis, pois
possibilita que infrações desse tipo sejam rapidamente identificadas e comprovadas com
baixos custos, o que se compraz com o princípio constitucional da eficiência da administração
pública.
Segundo o sítio eletrônico do Conselho Administrativo de Defesa Econômica
(CADE), o programa de leniência é um dos principais instrumentos de repressão a cartéis no
Brasil e no mundo, de modo que a entidade já celebrou mais de 50 acordos dessa natureza
desde o ano 2000.281
Relevante destacar, ademais, que o Acordo de Leniência protege os administradores da
empresa denunciante tanto na esfera administrativa quanto penal, desde que todos integrem o
acordo. No regime da Lei nº 8.884/1994, ele era celebrado com a Secretaria de
Desenvolvimento Econômico – SDE, órgão responsável pela instrução dos processos
280
Os incisos I, II, III, IV do mesmo dispositivo estatuem os objetivos do Acordo de Leniência no combate às
violações à ordem econômica: I - detectar, investigar e punir infrações contra ordem econômica, notadamente
aquelas previstas nos artigos 20 e 21, I, II, III, IV e VIII, ambos da Lei Nº 8.884, de 11 de junho de 1994; II -
informar e orientar permanentemente as empresas e os cidadãos em geral, a respeito dos direitos e garantias
previstos nos artigos 35-B e 35-C da Lei Nº 8.884, de 11 de junho de 1994; III - conscientizar os órgãos
públicos a respeito da importância do Acordo de Leniência como instrumento fundamental de repressão e
punição das infrações contra a ordem econômica; e IV - assistir, apoiar, orientar e incentivar os proponentes à
celebração de Acordo de Leniência. BRASIL. Ministério da Justiça. Portaria de n. 456/2010. Disponível
em: <http://www.cade.gov.br/upload/2010PortariaMJ456.pdf>. Acesso em: 11 set. 2017. 281
BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Programa de leniência. Disponível em:
<http://www.cade.gov.br/assuntos/programa-de-leniencia>. Acesso em: 02 nov. 2017. O programa de
Leniência da Lei n. 8.884/94 previa os seguintes requisitos para a celebração do acordo: (a) O proponente
(empresa ou pessoa física) deve ser o primeiro a se apresentar à SDE e a admitir sua participação na prática
denunciada. Se uma empresa se habilita para leniência, todos os seus funcionários que admitirem seu
envolvimento no cartel receberão o benefício da leniência da mesma forma que a empresa, desde que assinem
o Acordo de Leniência juntamente com a empresa e colaborem com a SDE durante as investigações. Por
outro lado, caso a empresa não queira aplicar para o Programa de Leniência, seu funcionário poderia fazê-lo
individualmente, caso em que a proteção não se estende à empresa. (b) O proponente deve cessar seu
envolvimento na prática denunciada. (c) O proponente não pode ser o líder da prática denunciada. (d) O
proponente deve concordar em cooperar com a investigação. (e) A cooperação deve resultar na identificação
dos outros membros do cartel e na obtenção de provas que demonstrem a prática denunciada. (f) No
momento da propositura do Acordo, a SDE não pode dispor de provas suficientes para assegurar a
condenação do proponente. BRASIL. Ministério da Justiça. Combate à cartéis e programa de leniência.
Coleção SDE/CADE, Brasília, n. 01, 2009. p. 20. Disponível em:
<http://www.cade.gov.br/upload/Cartilha%20Leniencia%20SDE_CADE.pdf>. Acesso em: 02 nov. 2017.
127
administrativos que investigam infrações contra a ordem econômica, dentro do Sistema
Brasileiro de Defesa da Concorrência.
Rejeitado o acordo pela referida Secretaria (SDE), todos os documentos fornecidos
pela empresa proponente do acordo deviam ser devolvidos, garantido sigilo total. Além disso,
a proposta não aceita não importaria em confissão ou reconhecimento de ato ilícito, sob pena
da ameaça de ser considerado réu confesso abalar a confiança dos potenciais delatores,
desencorajando-os a denunciarem.282
Atualmente, o Direito Concorrencial é regulamentado pela Lei n. 12.529/2011,
derrogadora da Lei n. 8.884/94 (à exceção de seus arts. 86 e 87, que seguem vigentes), a qual
promoveu alterações pontuais no programa de leniência da anterior legislação, dedicando-lhe
capítulo próprio.283
É com base na Lei Antitruste vigente que se passará, agora, a se abordar,
282
BRASIL. Ministério da Justiça. Combate à cartéis e programa de leniência. Coleção SDE/CADE, Brasília, n.
01, 2009. p. 20. Disponível em:
<http://www.cade.gov.br/upload/Cartilha%20Leniencia%20SDE_CADE.pdf>. Acesso em: 02 nov. 2017. 283
Art. 86. O Cade, por intermédio da Superintendência-Geral, poderá celebrar acordo de leniência, com a
extinção da ação punitiva da administração pública ou a redução de 1 (um) a 2/3 (dois terços) da penalidade
aplicável, nos termos deste artigo, com pessoas físicas e jurídicas que forem autoras de infração à ordem
econômica, desde que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo e que dessa
colaboração resulte: I - a identificação dos demais envolvidos na infração; e II - a obtenção de informações e
documentos que comprovem a infração noticiada ou sob investigação. § 1o O acordo de que trata
o caput deste artigo somente poderá ser celebrado se preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos: I
- a empresa seja a primeira a se qualificar com respeito à infração noticiada ou sob investigação; II - a
empresa cesse completamente seu envolvimento na infração noticiada ou sob investigação a partir da data de
propositura do acordo; III - a Superintendência-Geral não disponha de provas suficientes para assegurar a
condenação da empresa ou pessoa física por ocasião da propositura do acordo; e IV - a empresa confesse sua
participação no ilícito e coopere plena e permanentemente com as investigações e o processo administrativo,
comparecendo, sob suas expensas, sempre que solicitada, a todos os atos processuais, até seu encerramento. §
2o Com relação às pessoas físicas, elas poderão celebrar acordos de leniência desde que cumpridos os
requisitos II, III e IV do § 1o deste artigo. § 3
o O acordo de leniência firmado com o Cade, por intermédio da
Superintendência-Geral, estipulará as condições necessárias para assegurar a efetividade da colaboração e o
resultado útil do processo. § 4o Compete ao Tribunal, por ocasião do julgamento do processo administrativo,
verificado o cumprimento do acordo: I - decretar a extinção da ação punitiva da administração pública em
favor do infrator, nas hipóteses em que a proposta de acordo tiver sido apresentada à Superintendência-Geral
sem que essa tivesse conhecimento prévio da infração noticiada; ou II - nas demais hipóteses, reduzir de 1
(um) a 2/3 (dois terços) as penas aplicáveis, observado o disposto no art. 45 desta Lei, devendo ainda
considerar na gradação da pena a efetividade da colaboração prestada e a boa-fé do infrator no cumprimento
do acordo de leniência. § 5o Na hipótese do inciso II do § 4
o deste artigo, a pena sobre a qual incidirá o fator
redutor não será superior à menor das penas aplicadas aos demais coautores da infração, relativamente aos
percentuais fixados para a aplicação das multas de que trata o inciso I do art. 37 desta Lei. § 6o Serão
estendidos às empresas do mesmo grupo, de fato ou de direito, e aos seus dirigentes, administradores e
empregados envolvidos na infração os efeitos do acordo de leniência, desde que o firmem em conjunto,
respeitadas as condições impostas. § 7o A empresa ou pessoa física que não obtiver, no curso de inquérito ou
processo administrativo, habilitação para a celebração do acordo de que trata este artigo, poderá celebrar com
a Superintendência-Geral, até a remessa do processo para julgamento, acordo de leniência relacionado a uma
outra infração, da qual o Cade não tenha qualquer conhecimento prévio. § 8o Na hipótese do § 7
o deste
artigo, o infrator se beneficiará da redução de 1/3 (um terço) da pena que lhe for aplicável naquele processo,
sem prejuízo da obtenção dos benefícios de que trata o inciso I do § 4o deste artigo em relação à nova
infração denunciada. § 9o Considera-se sigilosa a proposta de acordo de que trata este artigo, salvo no
interesse das investigações e do processo administrativo. § 10. Não importará em confissão quanto à matéria
de fato, nem reconhecimento de ilicitude da conduta analisada, a proposta de acordo de leniência rejeitada, da
128
sucintamente, o acordo de leniência conhecido como concorrencial, antitruste ou do CADE
(Conselho Administrativo de Defesa Econômica284
).
Primeiramente, cabe referir que a legislação vigente manteve várias previsões da lei
anterior, bem como inseriu outras que já eram realizadas na prática para dar maior efetividade
aos acordos. O Acordo de Leniência é tratado na atual Lei Antitruste no capítulo VI, artigos
86 e 87, o qual alterou a competência para a sua celebração, que passou a ser da
Superintendência-Geral do CADE (antiga Secretaria de Direito Econômico - SDE). Tal se deu
porque a própria Lei em análise reformulou a composição do CADE, redundando na exclusão
da Secretaria de Desenvolvimento Econômico – SDE do Ministério da Justiça e a sua inclusão
na estrutura do CADE, sob a denominação de Superintendência-Geral.
Com relação às disposições existentes no regime legal anterior que permaneceram,
cita-se a possibilidade de extensão do Acordo de Leniência para as pessoas naturais
(administradores, empregados e demais colaboradores envolvidos na prática do cartel),
igualmente presente no modelo estadunidense acima analisado, sendo, inclusive, dispensado o
cumprimento do requisito de ser a denunciante a primeira se qualificar com respeito à
infração noticiada ou sob investigação.285
Também foi mantida a Leniência Plus, a qual possibilita, à empresa que teve sua
proposta de Acordo de Leniência rejeitada durante processo de instigação, denunciar a
qual não se fará qualquer divulgação. § 11. A aplicação do disposto neste artigo observará as normas a serem
editadas pelo Tribunal. § 12. Em caso de descumprimento do acordo de leniência, o beneficiário ficará
impedido de celebrar novo acordo de leniência pelo prazo de 3 (três) anos, contado da data de seu
julgamento. Art. 87. Nos crimes contra a ordem econômica, tipificados na Lei no 8.137, de 27 de dezembro
de 1990, e nos demais crimes diretamente relacionados à prática de cartel, tais como os tipificados na Lei
no 8.666, de 21 de junho de 1993, e os tipificados no art. 288 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de
1940 - Código Penal, a celebração de acordo de leniência, nos termos desta Lei, determina a suspensão do
curso do prazo prescricional e impede o oferecimento da denúncia com relação ao agente beneficiário da
leniência. Parágrafo único. Cumprido o acordo de leniência pelo agente, extingue-se automaticamente a
punibilidade dos crimes a que se refere o caput deste artigo. BRASIL. Lei n. 12.529, de 30 de novembro de
2011. Estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência; dispõe sobre a prevenção e repressão às
infrações contra a ordem econômica; altera a Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, o Decreto-Lei
no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, e a Lei n
o 7.347, de 24 de julho de 1985;
revoga dispositivos da Lei no 8.884, de 11 de junho de 1994, e a Lei n
o 9.781, de 19 de janeiro de 1999; e dá
outras providências. Brasília, DF, 2011. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-
2014/2011/Lei/L12529.htm>. Acesso em: 14 ago. 2017. 284
Conforme Valdir Mysés Simão e Marcelo Pontes Vianna, “O Cade tem como missão precípua zelar pela livre
concorrência no mercado, sendo a entidade responsável, no âmbito do Poder Executivo, por fomentar e
disseminar a cultura da livre concorrência. Em seu conjunto de competências, o Cade reúne o poder de
investigar, decidir e, sendo o caso, aplicar penalidades se houver infrações à ordem econômica”. SIMÃO,
Valdir Moisés; VIANNA, Marcelo Pontes. O acordo de leniência na lei anticorrupção: histórico, desafios
e perspectivas. São Paulo: Trevisan, 2017. p. 81. 285
Art. 86, § 2º da Lei n. 12.529, de 30 de novembro de 2011.
129
existência de outra infração desconhecida pelo CADE, desde que antes do julgamento da
primeira infração investigada.286
Como será visto no item 4.2.2, essa não foi a opção do legislador da Lei
Anticorrupção, a qual permite a celebração do acordo apenas com a empresa que por primeiro
trouxe o fato ao conhecimento da administração, mesmo que outra empresa envolvida traga
novas informações completamente inéditas sobre o mesmo caso.
A Lei do CADE igualmente manteve a proteção ao sigilo da proposta, assim como a
impossibilidade de utilizar a proposta de Acordo de Leniência como confissão de prática de
ato ilícito. Por fim, igualmente permaneceu a suspensão do prazo prescricional e a posterior
extinção da punibilidade penal das pessoas que celebrarem o Acordo de Leniência.
Por ocasião do julgamento do processo administrativo, nas hipóteses em que a
proposta de acordo tiver sido apresentada à Superintendência-Geral sem que essa tivesse
conhecimento prévio da infração noticiada e, verificado o seu cumprimento, será decretada a
extinção da ação punitiva da administração pública em favor do infrator. Nas demais
hipóteses, nas quais o proponente tenha se disponibilizado a realizar o acordo depois que a
Superintendência-Geral já tivesse conhecimento da conduta, será reduzido de 1 (um) a 2/3
(dois terços) as penas aplicáveis, devendo ser consideradas na gradação da pena a efetividade
da colaboração prestada e a boa-fé do infrator no cumprimento do acordo de leniência.
Nada obstante, existem diferenças quanto aos benefícios aplicados, a depender de
quem propõe o acordo. Quando a leniência for firmada por uma empresa, é permitido que os
efeitos do acordo sejam estendidos às demais empresas do mesmo grupo, de fato ou de
direito, e aos seus dirigentes, administradores e empregados envolvidos na infração, desde que
todos firmem em conjunto e respeitadas as condições impostas. Mas o mesmo não ocorre se o
acordo for firmado por pessoa física. Nesse caso, em não integrando o acordo celebrado por
um de seus colaboradores, a pessoa jurídica não gozará dos benefícios da avença. Conforme o
guia oficial do CADE:
A não extensão automática dos benefícios é um fator que objetiva aumentar a
instabilidade do cartel, de modo que todos os participantes envolvidos, sejam eles
empresas ou pessoas físicas, permaneçam incentivados em denunciar a prática
anticompetitiva ao Cade o mais cedo possível.287
286
Art. 86, § 7º da Lei n. 12.529, de 30 de novembro de 2011. 287
BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Programa de leniência. Disponível em:
<http://www.cade.gov.br/assuntos/programa-de-leniencia>. Acesso em: 02 nov. 2017.
130
No âmbito das novas previsões implementadas pela Lei n. 12.529/2011, merece
menção a possibilidade de serem celebrados acordos de dispensa e atenuação especial da
sanção com quem tenha assumido o papel de líder na infração (o que era proibido pelo citado
art. 35-B da Lei n.º 8.884/1994).
A atual legislação antitruste alterou, ainda, a competência para a declaração da
extinção da punibilidade ou redução da pena, que agora não é mais do CADE, mas sim do
Tribunal competente, devendo ser feita quando do julgamento. A modificação visou inibir
discussões relativas à constitucionalidade da previsão, já que antes o acordo era celebrado por
uma autoridade administrativa, sem que sobreviesse homologação judicial.
Além disso, a Lei n.º 12.529/2011, na medida em que deixou de vetar, passou a
permitir que o líder do cartel celebre o Acordo de Leniência. Tal previsão pode ser vista como
um estímulo à celebração do Acordo de Leniência, pois permite a qualquer interessado, sem
restrição, assinar o pacto. Assim, não mais importa o status da participação do denunciante no
crime, sendo possível a celebração do acordo mesmo nos casos em que o celebrante figurar
como o “agente-principal”.
A Lei do CADE inovou também ao proibir a celebração de outro Acordo de Leniência
pelo prazo de três anos, caso o anterior tenha sido descumprido por seus participantes. 288
Importante referir, ainda, que a celebração de acordo de leniência determina a
suspensão do curso do prazo prescricional e impede o oferecimento da denúncia com relação
ao agente beneficiário da leniência. Além disso, o benefício, que antes se aplicava somente
aos crimes contra a Ordem Econômica (Lei n. 8.137/1990), pela atual legislação se estende
aos demais crimes diretamente relacionados à prática do cartel, a exemplo dos licitatórios (Lei
n. 8.666/1993), importando em extinção da punibilidade desses crimes caso o acordo seja
devidamente cumprido. Contudo, o programa de leniência brasileiro não confere imunidade
na esfera cível, podendo os signatários de acordos de leniência ser processados por danos
causados a terceiros.
Acerca dessa previsão, Valdir Moysés Simão e Marcelo Pontes Vianna alertam que o
Ministério Público, por força constitucional, é detentor da titularidade da ação penal pública
(art. 129, inc. I da CF/88). Desse modo, a Lei n. 12.529/2011 previu hipótese na qual decisão
administrativa obstaculiza o exercício de múnus constitucional conferida a órgão diverso.
Mas, apesar dessa aparente contradição, os autores referem não haver notícia de que tal
previsão tenha configurado impedimento à implementação dos acordos de leniência antitruste.
288
Art. 86, § 12. da Lei n. 12.529, de 30 de novembro de 2011.
131
Para contornar tal empecilho, busca-se a interveniência do Ministério Público nos acordos
celebrados pelo CADE, a fim de conferir maior segurança jurídica ao instrumento, mesmo
que a lei a tanto não tenha exigido.289
Esta é a compreensão sufragada pela autarquia em seu guia oficial sobre o acordo de
leniência:
Muito embora os artigos 86 e 87 da Lei nº 12.529/2011 não exijam expressamente a
participação do Ministério Público para a celebração de Acordo de Leniência
Antitruste, a experiência consolidada do Cade é no sentido de viabilizar a
participação do Ministério Público, titular privativo da ação penal pública e detentor
de atribuição criminal, tendo em vista as repercussões criminais derivadas da
leniência. Assim, o Ministério Público (Estadual e/ou Federal) pode participar da
assinatura do acordo como agente interveniente, mesmo nos casos de carteis
internacionais, a fim de conferir maior segurança jurídica aos signatários do Acordo
de Leniência, além de facilitar a investigação criminal do cartel em face dos demais
envolvidos.290
Como se verá melhor no item pertinente, esta é uma substancial diferença com relação
ao Acordo de Leniência previsto na Lei Anticorrupção, visto que este diploma apenas
concede benefícios na esfera administrativa. Enquanto, no CADE, existe a possibilidade de a
pessoa física e a pessoa jurídica articularem conjuntamente a celebração de um acordo, na Lei
Anticorrupção tal hipótese não se afigura viável.
Para Valdir Moisés Simão e Marcelo Pontes Vianna, a empresa e funcionários, na Lei
do CADE, podem sopesar em conjunto os benefícios da leniência e apresentar uma versão
mais completa dos fatos denunciados, pois a imunidade criminal tende a albergar maior
tranquilidade às pessoas naturais interessadas em colaborar com as investigações; já na Lei
Anticorrupção, o panorama de colaboração das pessoas físicas envolvidas na infração é de
mais difícil configuração, sendo mais provável que a empresa se confronte com o dilema de
preservar ou não seus dirigentes e funcionários envolvidos na infração, diante da iminência de
uma persecução criminal.291
Segundo Victor Santos Rufino, no que toca à publicidade da informação, o programa
de leniência prevê o acesso restrito tanto à identidade dos signatários de um eventual acordo,
quanto aos documentos comercialmente sensíveis que lhes pertençam. Veda-se a divulgação
do acordo de leniência e de seus anexos, sob pena de responsabilização administrativa, civil e
289
SIMÃO, Valdir Moisés; VIANNA, Marcelo Pontes. O acordo de leniência na lei anticorrupção: histórico,
desafios e perspectivas. São Paulo: Trevisan, 2017. p. 85. 290
BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Programa de leniência. Disponível em:
<http://www.cade.gov.br/acesso-a-informacao/publicacoes-institucionais/guias_do_Cade/guia_programa-de-
leniencia-do-cade-final.pdf>. Acesso em: 02 nov. 2017. 291
SIMÃO; VIANNA, op. cit., p. 87.
132
penal dos responsáveis. Em geral, a identidade dos signatários da leniência e informações
essenciais para o desfecho do caso são tornadas públicas no julgamento do processo
administrativo, quando da divulgação do voto público do Conselheiro Relator (Artigo 207,
§2º, item II, do Regimento Interno do CADE).292
Este, em síntese, é o panorama legal do Acordo de Leniência antitruste, merecendo ser
acentuado tratar-se de sistema baseado em uma estrutura escalonada de incentivos a
permanente colaboração dos particulares com a investigação da administração, tudo baseado
na ordem de chegada das denúncias, do estágio do processo e do grau de colaboração. Além
disso, é um programa que prima pela transparência, visto que no site do CADE consta amplo
material sobre o assunto, com guias e divulgação dos casos já julgados pela autarquia. Tais
características trazem segurança jurídica aos infratores na deliberação quanto à oportunidade
de celebração do Acordo de Leniência.
Ao final deste tópico, aduz-se que as veredas eleitas pela legislação antitruste, nos
planos internacional e nacional, oferecem prestimoso modelo para o acordo de leniência
anticorrupção, inteligência presente na exposição do tema que se descortinará a partir do
próximo item.
4.2 Programa de Leniência na Lei Anticorrupção
Como visto no item anterior, embora inicialmente projetado para a coibição de
infrações à ordem econômica, o acordo de leniência passou a se revelar como um relevante
instrumento apurador de ilícitos praticados por organizações criminosas sofisticadas, em razão
da acentuada dificuldade para a obtenção de provas.
Dentre estes ilícitos, destacam-se os atos de corrupção, motivo pelo qual a Lei
Anticorrupção, inspirada no consagrado modelo norte-americano (Leniency Program),
analisado no item 4.1.1, regulou o acordo de leniência em um capítulo próprio, de modo que o
instrumento passa a se apresentar como um mecanismo jurídico de obtenção célere de provas
e de resolução consensual do processo administrativo de responsabilização das pessoas
jurídicas pela prática de atos de corrupção (PAR). Mas, antes de se adentrar no exame da
legislação, é oportuno perscrutar acerca da possibilidade da Administração Pública negociar
com o interesse público. Este é o objeto do próximo tópico.
292
RUFINO, Victor Santos. Os fundamentos da delação: análise do programa de leniência do CADE à luz da
teoria dos jogos. 2016. 101 f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Programa de Pós-Graduação da Faculdade
de Direito da Universidade de Brasília, Brasília, DF, 2016. f. 48. Disponível em:
<http://www.docs.ndsr.org/docdissertacaoVictorRufino.pdf>. Acesso em: 15 out. 2017.
133
4.2.1 Conceituação, Natureza Jurídica e Finalidade. A Questão da Indisponibilidade do
Interesse Público
O presente item objetiva apresentar propostas, existentes na doutrina, de conceituação
do acordo de leniência, bem como investigar qual a sua natureza no âmbito das categorias
jurídicas. Além disso, impende objetivar qual a finalidade genuína de um eficaz programa de
leniência no âmbito do combate a corrupção, tarefa que não se revela singela em face da
natureza pública dos direitos envolvidos, aliada ao fato de que a Administração Pública segue
vinculada ao princípio da legalidade. Assim, investiga-se a possibilidade, as condições e os
limites para que se possa cogitar do exercício negociado de competências administrativas
unilaterais, ou, em última análise, de se negociar com o próprio interesse público.
Segundo Egon Bockmann Moreira e Andreia Cristina Bagatin, se revela
consideravelmente complexo, na atualidade, o exercício de atividades estatais destinadas a
regular os novos setores econômicos e a disciplinar e controlar a atuação de seus agentes. Por
essa razão, paulatinamente vem se reconhecendo que a participação dos particulares pode ser
benéfica não só para os eventuais interessados, mas, igualmente, para o exercício das
competências administrativas. Nas palavras destes juristas: “Assim, tem-se cogitado admitir a
introdução de algum nível de negociação/contratualização no âmbito de competências
administrativas tradicionalmente autoritárias e unilaterais.”293
Contudo, asseveram que o fenômeno não representa que, necessariamente, a colusão
de vontades irá dar lugar a contratos administrativos, mas a atos administrativos consensuais,
visto que a primeira espécie apenas seria aquela que se enquadrasse nos ditames da Lei n.
8.666/1993 (Lei das Licitações). 294
293
MOREIRA, Egon Bockmann; BAGATIN, Andreia Cristina. Lei anticorrupção e quatro de seus principais
temas: responsabilidade objetiva, desconsideração societária, acordos de leniência e regulamentos
administrativos. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, v. 12, n. 47, p. 55-84,
jul./set. 2014. p. 77.
Para Thiago Marrara “os acordos de leniência representam o ponto mais delicado do movimento de
consensualização e de horizontalização da Administração Pública, na medida em que se inserem em uma
atividade tradicionalmente verticalizada, em que o Estado costuma agir de modo unilateral, monológico e
pouco cooperativo diante do cidadão. MARRARA, Thiago. Acordos de leniência no processo administrativo
brasileiro: modalidades, regime jurídico e problemas emergentes. Revista Digital de Direito
Administrativo, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 509-527, jun. 2015. Disponível em:
<http://www.revistas.usp.br/rdda/article/view/99195/98582>. Acesso em: 8 ago. 2017. 294
Em razão da pertinência de seu pensamento, reproduz-se excerto de suas ponderações: “De toda a forma, a
estruturação do Direito Administrativo brasileiro não permite que se reconduza o exercício negociado de
poderes unilaterais à categoria dos contratos administrativos. Isso porque, no Brasil, a expressão remete
primariamente à aplicação da Lei nº 8.666/1993, que disciplina exclusivamente contratos de aquisição de
bens e serviços, sem qualquer preocupação com a disciplina de outras formas de concertação entre
Administração Pública e particulares. Assim, pode-se afirmar que a categoria aproxima-se dos ‘atos
administrativos consensuais’. A expressão parece adequada, pois, ao mesmo tempo em que destaca a faceta
134
Os autores acima citados ressaltam a importância de existir uma lei autorizadora para
que se possa cogitar do exercício negociado de competências administrativas unilaterais, visto
que a Administração Pública segue vinculada ao princípio da legalidade. Nesse aspecto,
contudo, a legislação administrativa nacional não prevê cláusulas genéricas que autorizem a
negociação de competências unilaterais, de tal modo que inexiste um regime jurídico geral
sobre a temática. Essa realidade exige “a investigação casuística acerca de cada uma das
previsões legais e do regime jurídico a que porventura remetem”.295
Juliana Bonacorsi de Palma expressa o mesmo entendimento, referindo que o modelo
brasileiro de consensualidade administrativa é normativo difuso: em algumas leis encontram-
se previsões que permitem à Administração uma solução consensual; mas inexiste um
permissivo genérico, que englobe acordos em todas as esferas administrativas, como ocorre
em outros países.296
Por essa razão, descabe se concluir em violação ao princípio da
legalidade quando a Administração celebra Acordo de Leniência regularmente previsto na
legislação pátria (a exemplo, da Lei Anticorrupção).
Desse modo, é lícito concluir que a Administração está vinculada a conceder somente
os benefícios legalmente previstos (extensão, limites, etc), havendo, de outro lado,
discricionariedade tanto com relação à sua dosimetria (desde que respeitadas as limitações
negocial da atuação administrativa nessas situações, não perde de vista que tal concerto paira sobre
competências que originalmente deveriam ser exercidas unilateralmente. Ou seja: na mesma proporção que
não reconduz tais atos à categoria dos contratos administrativos (que, desde o início, tem-se que deverão ser
praticados por ato bilateral), não autoriza que sejam identificados com os atos administrativos praticados no
exercício de competências unilaterais. Quanto ao regime jurídico, tem-se que os atos que impliquem a
negociação de competências unilaterais não podem ser reconduzidos ao regime geral dos contratos
administrativos (Lei nº 8.666/1993). Isso tanto porque, como acima demonstrado, esses atos não são
identificados com contratos administrativos puros, quanto porque há evidente disparidade entre aquela
realidade e a fixada para os contratos administrativos brasileiros. Assim, essa modalidade de atuação
administrativa será reconduzida à categoria geral dos atos administrativos, colocando-se ao lado dos atos que
resultam de declarações unilaterais da Administração.” MOREIRA, Egon Bockmann; BAGATIN, Andreia
Cristina. Lei anticorrupção e quatro de seus principais temas: responsabilidade objetiva, desconsideração
societária, acordos de leniência e regulamentos administrativos. Revista de Direito Público da Economia –
RDPE, Belo Horizonte, v. 12, n. 47, p. 55-84, jul./set. 2014. p. 78-79. Thiago Marrara possui entendimento
diverso. Para ele, o acordo de leniência se trata de um “acordo administrativo integrativo, ou seja, de ajuste
que se acopla a processo administrativo com a finalidade de facilitar sua instrução.” A natureza integrativa
decorre da relação essencial do ajuste com o processo sancionador, sem o qual não haveria sentido ou
fundamento para cooperação. MARRARA, Thiago. Acordos de leniência no processo administrativo
brasileiro: modalidades, regime jurídico e problemas emergentes. Revista Digital de Direito
Administrativo, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 509-527, jun. 2015. Disponível em:
<http://www.revistas.usp.br/rdda/article/view/99195/98582>. Acesso em: 8 ago. 2017. 295
MOREIRA, Egon Bockmann; BAGATIN, Andreia Cristina. Lei anticorrupção e quatro de seus principais
temas: responsabilidade objetiva, desconsideração societária, acordos de leniência e regulamentos
administrativos. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, v. 12, n. 47, p. 55-84,
jul./set. 2014. p. 77-78). 296
PALMA, Juliana Bonacorsi de. Atuação administrativa consensual: estudo dos acordos substitutivos no
processo administrativo sancionador. 2010. 332 f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Faculdade de Direito
de São Paulo, São Paulo, 2010. f. 189. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2134/tde-
18112011-141226/pt-br.php>. Acesso em: 10 jul. 2017.
135
legais), quanto no concernente à concessão ou não de todos os beneplácitos previstos pela
legislação.
Estabelecidas, pois, a legalidade e a natureza jurídica dessa nova modalidade de
atuação administrativa consensual – não configura uma relação contratual, mas resulta de atos
administrativos (declarações unilaterais da administração) – insta assinalar que o acordo de
leniência não importa em renúncia do interesse público, mas na negociação dos meios de
alcança-lo com mais rendimento. Segundo Diogo de Figueiredo Moreira Neto, a velha ótica
de que, na esfera administrativa, não se poderia negociar com o interesse público, encontra-se
ultrapassada. Em todas as modalidades preventivas e de composição de conflitos relacionados
à “Administração Pública, no âmbito do Direito Administrativo, jamais se cogita de negociar
o interesse público, mas, sim, de negociar os modos de atingi-lo com maior eficiência”.297
Para o autor, o interesse em apaziguar as ordens social e econômica justifica que se
busquem meios alternativos de atendimento ao interesse público em jogo, os quais nem
sempre serão aqueles que a Administração executa de modo unilateral. Nesse sentido, os
acordos substitutivos constituem instrumentos administrativos que poderão ser manejados
pelo Poder Público sempre que, de ofício ou mediante provocação do interessado, for
constatado que “uma decisão unilateral de um processo poderá ser vantajosamente substituída
por um acordo em que o interesse público, a cargo do Estado, possa ser atendido de modo
mais eficiente, mais duradouro, mais célere ou com menos custos”.298
Assumindo-se, pois, a ideia de que a atribuição investigatória das infrações da Lei
Anticorrupção é exercida por meio de competências unilaterais, o acordo de leniência permite
a substituição de parcela desses atos unilaterais por um ato bilateral, no qual Administração e
particulares estejam mutuamente obrigados.
Sérgio Ferraz ressalta as vantagens do acordo de leniência porque ele não apenas
encerra uma situação de litigiosidade entre a Administração e o administrado, como facilita a
apuração de ilícitos ocorridos e a prevenção ao cometimento de outros. Ademais, em nada
interfere com os princípios da indisponibilidade do interesse público e o da legalidade,
inclusive porque somente admissível em razão de expressa previsão em lei (em sentido
estrito).299
297
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Novas tendências da democracia: consenso e direito público na
virada do século: o caso brasileiro. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (RERE), Salvador, n.
13, mar./maio 2008. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br/rere.asp>. Acesso em: 18 out. 2017. 298
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Novos institutos consensuais da ação administrativa. Revista de
Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 231, p. 153-154, 2003. 299
FERRAZ, Sérgio. A responsabilização na lei anticorrupção. Revista de Direito Administrativo
Contemporâneo, São Paulo, v. 3, n. 18, p. 33-47, maio/jun. 2015. p. 40.
136
De modo congênere, Thiago Marrara assevera: “a cooperação com o infrator que se dá
por meio da leniência é a própria concretização da supremacia do interesse público”. O autor
constata que: enquanto de um lado os ilícitos estão cada vez mais complexos e nocivos;300
de
outro, mesmo os poderes investigatórios mais lesivos às inviolabilidades constitucionais, a
exemplo da busca e apreensão e das interceptações telefônicas, revelam-se incapazes de trazer
a lume as provas necessárias a um processo acusatório eficaz.301
Em um segundo trabalho, o autor em questão refere que, há décadas atrás, seria
impensável a uma autoridade pública dialogar com um infrator confesso, responsável por
desvios bilionários de recursos financeiros, descortinando-se à Administração tradicional
apenas a via do devido processo acusatório, no qual ela deveria esforçar-se para levantar
provas idôneas à punição dos infratores. Mas, frente à nova realidade, muitos Estados se
depararam com o dilema de negociar com base em processos administrativos fortemente
instruídos ou não negociar e assentir com o crescimento da impunidade decorrente da
fraqueza probatória de processos de acusação baseados em técnicas tradicionais de instrução.
Por fim, ressalta:
[...] negociar não para beneficiar gratuitamente, não para dispor dos interesses
públicos que lhe cabe zelar, não para se omitir na execução das funções públicas.
Negociar sim, mas com o intuito de obter suporte à execução bem sucedida de
processos acusatórios e atingir um grau satisfatório de repressão de práticas ilícitas
altamente nocivas que sequer se descobririam pelos meios persecutórios e
fiscalizatórios clássicos.302
300
Márcio de Aguiar Ribeiro, na mesma passada, frisa que o acordo de leniência desponta “especialmente nas
situações de discrepância entre o poder investigativo da Administração e o imponente poder econômico e
material de grandes corporações e organizações, que se pautam por uma atuação delitiva cada vez mais
especializada e dissimulada, desequilíbrio a se sentir na implacável dificuldade para obtenção de provas dos
ilícitos, no seu alto custo investigativo e na correspondente demora da apuração”. RIBEIRO, Márcio de
Aguiar. Responsabilização administrativa de pessoas jurídicas à luz da lei anticorrupção empresarial.
Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 228. 301
MARRARA, Thiago. Leniência do Estado: lei anticorrupção permite que inimigo vire colega. Consultor
Jurídico, São Paulo, 15 nov. 2013. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2013-nov-15/thiago-
marrara-lei-anticorrupcao-permite-inimigo-vire-colega>. Acesso em: 18 out. 2017.
Conforme Fábio Medina Osório, as atividades instrutórias dificultaram-se em razão do respeito obrigatório ao
princípio da presunção de inocência e da vedação de se obrigar alguém a produzir provas contra si mesmo.
Assim, a complexidade das infrações em si, somada às essenciais garantias processuais que passaram a ser
asseguradas, ao cidadão, ao longo das décadas, provocaram com que os custos operacionais das tarefas
processuais do Estado aumentassem em demasia e, por conseguinte, acentuou-se consideravelmente a
improbabilidade de sucesso nos processos administrativos acusatórios. OSÓRIO, Fábio Medina. Direito
administrativo sancionador. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 502-503. 302
MARRARA, Thiago. Acordos de leniência no processo administrativo brasileiro: modalidades, regime
jurídico e problemas emergentes. Revista Digital de Direito Administrativo, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 509-
527, jun. 2015. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/rdda/article/view/99195/98582>. Acesso em: 8
ago. 2017. No mesmo tom pragmático se manifesta José Alexandre da Silva Zachia Alan: “Por fim, há de se
destacar que não é possível enxergar em tais disposições a mitigação das sanções ou de evitação dos
processos por conta de reconhecimento de mecanismo de direito premial, vertido em contraconduta que pode
ser positivamente valorada. Ademais, tampouco se pode compreender tal mecanismo de mitigação de
137
Marlon Roberto Sales e Clodomiro José Bannwart Júnior explicam que, na atualidade,
a Administração Pública consensual, ou dialógica, vem superando o paradigma da
Administração burocrática e verticalizada. Se desperta para a necessidade de uma
Administração Pública aberta ao diálogo e ao consenso com os atores sociais, permitindo-se a
participação direta dos cidadãos na tomada de decisões, corolário de um Estado Democrático
de Direito cujos objetivos muitas vezes podem ser mais bem alcançados mediante a adoção de
instrumentos negociais, ao revés dos mecanismos regulatórios verticais, corriqueiramente
mais gravosos para os interesses envolvidos. Para os autores, “a consensualidade é um
instrumento de legitimidade dos Acordos de Leniência que, por sua vez, é um instrumento de
manifestação do paradigma da Administração Pública Dialógica”, visto permitir a
participação do infrator na tomada das decisões administrativas.303
No mesmo diapasão, Márcio de Aguiar Ribeiro afirma que a Lei Anticorrupção advém
nesse novo contexto processual marcado por uma atuação mais dialógica da Administração
Pública, no qual se permite, em adendo ao tradicional modelo unilateral de investigação e
sancionamento, a negociação com o ente processado. Tal política legal tem por desiderato a
responsabilidade por decorrente do reconhecimento de baixa lesividade ou, mesmo, escolha por
autocomposição por mecanismo de desafogo do Poder Judiciário. Com efeito, resta claro que se está diante
de mecanismo de colaboração vazado exclusivamente no propósito de acréscimo de eficiência do sistema
sancionatório. Em outros e melhores termos: fala-se de mecanismo lançado a que o sistema punitivo opere
mais eficientemente.” ALAN, José Alexandre da Silva Zachia. Novos aspectos relacionados à leniência e à
corrupção. Uma abordagem sob a perspectiva da Teoria dos Jogos. Revista de Direito Administrativo, Rio
de Janeiro, v. 275, p. 189-222, maio/ago. 2017. p. 203. Disponível em:
<http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/71652/69326>. Acesso em: 20 jan. 2018. 303
SALES, Marlon Roberto Sales; BANNWART JÚNIOR, Clodomiro José. O acordo de leniência: uma análise
de sua compatibilidade constitucional e legitimidade. Revista do Direito Público, Londrina, v. 10, n. 3, p.
31-50, set./dez. 2015. p. 46-47.
Moreira Neto e Véras de Freitas explicam que, por meio da via dialógica, a Administração Pública opta por
uma atuação consensual cabível apenas em hipóteses legalmente previstas, tudo no afã de tutelar, de modo
mais eficiente, o interesse público primário. Eles destacam que, nesses atos, a Administração não dispõe
sobre direitos públicos, “mas sobre as vias formais para satisfação do interesse público envolvido. De resto, o
ordenamento jurídico brasileiro está repleto de previsões de acordos substitutivos, tais como o que ora se
comenta.” Os autores ainda exemplificam com os seguintes outros atos reguladores de caráter normativo,
instituidores de acordos substitutivos: “a Resolução de Diretoria Colegiada RDC/57, da Agência Nacional de
Saúde (ANS), que disciplina o termo de compromisso de ajuste de conduta no âmbito administrativo
regulatório setorial daquela autarquia, e a Resolução nº 442/04, da Agência Nacional de Transportes
Terrestres (ANTT), que dispõe sobre o termo de compromisso de ajuste de conduta nas matérias de sua
competência deslegalizada, a Resolução nº 33/2008, da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), que
estabelece critérios e procedimentos para celebração de Termo de Compromisso de Ajuste de Conduta entre
esta autarquia e as concessionárias, permissionárias e autorizadas de serviços e instalações de energia elétrica,
a Resolução nº 987/2008, da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ), que estabelece o
procedimento de fiscalização e aplicação de sanções administrativas neste setor regulado.” MOREIRA
NETO, Diogo de Figueiredo; FREITAS, Rafael Véras de. A juridicidade da lei anticorrupção: reflexões e
interpretações prospectivas. Disponível em: <http://www.
editoraforum.com_br/ef/wpcontent/uploads/2014/O1/ART_Diogo-Figueiredo-Moreira-Neto-
etaI_LeiAnticorrupcao.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2017.
138
suavização da sanção administrativa em troca de uma colaboração efetiva por parte do
delator. Nesse toar, o autor define o acordo de leniência anticorrupção como
[...] o ato administrativo consensual por meio do qual a Administração Processante
concede isenções ou atenuações de sanções administrativas imputáveis a
determinado infrator em troca de uma efetiva colaboração processual, consistente na
apresentação de informações relevantes e provas diretas relacionadas à prática de
ilícitos administrativos, que permitam inferir, de forma substancial, a existência de
elementos notórios de autoria e materialidade.304
Ibrahim Sobral também relaciona a Leniência com brandura ou suavidade. Para o
autor, o acordo de leniência, no processo administrativo sancionador, designa um ajuste entre
a autoridade pública e um infrator confesso, por meio do qual o primeiro recebe a colaboração
probatória do segundo em troca da suavização da punição ou mesmo da sua extinção. Trata-se
de instrumento negocial com obrigações recíprocas, pelo qual o delator assume os riscos e as
contas de confessar uma infração e colaborar com o Estado no exercício de seu poder de
investigação e punição.305
Conforme Gesner de Oliveira e João Grandino Rodas, a leniência envolve uma efetiva
transação entre o Estado e o particular, o qual, em troca de informações facilitadoras “da
instauração, da celeridade e da melhor fundamentação do processo, possibilita um
abrandamento ou extinção da sanção em que este incorreria, em virtude de haver também
participado na conduta ilegal denunciada.”306
Diogo de Figueiredo Moreira Neto e Rafael Véras de Freitas assim definem o
instrumento:
Trata-se de acordo substitutivo: atos administrativos complexos, por meio dos quais
a Administração Pública, pautada pelo princípio da consensualidade, flexibiliza sua
conduta imperativa e celebra com o administrado um acordo, que tem por objeto
304
RIBEIRO, Márcio de Aguiar. Responsabilização administrativa de pessoas jurídicas à luz da lei
anticorrupção empresarial. Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 228. 305
SOBRAL, Ibrahim Acácio Espírito. O acordo de leniência: avanço ou precipitação? Revista IBRAC, São
Paulo, v. 8, n. 2, p. 131-146, 2001. p. 133. 306
OLIVEIRA, Gesner; RODAS, João Grandino. Direito e economia da concorrência. Rio de Janeiro:
Renovar, 2004. p. 253.
Acerca do fornecimento de informações privilegiadas, Marrara leciona que, em outros sistemas jurídicos, as
delações são também designadas como sistema de bônus, de anistia ou da “testemunha da coroa”. Esta última
expressão “simboliza a cena do infrator que confessava a prática, delatava os coautores e permanecia ao lado
do trono em contraposição aos demais acusados pelo monarca. Seja qual for a terminologia preferida, a ideia
central é única e consiste na colaboração que o infrator oferece ao Estado no desejo de obter o benefício da
exclusão da punibilidade ou a redução da sanção.” MARRARA, Thiago. Sistema brasileiro de defesa da
concorrência. São Paulo: Atlas, 2015. p. 332.
139
substituir, em determinada relação administrativa, uma conduta, primariamente
exigível, por outra secundariamente negociável.307
Nada obstante, oportuna a ressalva de Márcio de Aguiar Ribeiro de que, não sendo o
acordo de leniência um mecanismo de negociação do interesse público em si, mas um
limitado meio de negociação da melhor forma de atendê-lo, “não restam dúvidas acerca da
existência de aspectos inegociáveis no bojo do acordo a ser firmado, dentre os quais, sem
sombra de dúvidas, a recomposição do patrimônio violado”308
.
No concernente à expressão “leniente”, cabem, igualmente, algumas ponderações
terminológicas. Conforme Ana Paula Martinez, “é amplamente disseminado o uso da palavra
‘leniente’ para referir-se ao signatário do acordo de leniência. Leniente é o órgão ou entidade
pública que celebra o acordo, e não supostamente aquele que tomou parte em um ilícito.”309
No mesmo tom é a cátedra de Thiago Marrara.310
Por derradeiro, vale frisar que a tendência à consagração de uma Administração
Pública consensual ou dialógica se materializou em diploma legal próprio: a Lei n.º 13.140,
de 26 de junho de 2015 (Lei da Mediação), a qual dispõe expressamente acerca da
possibilidade de autocomposição de conflitos no âmbito da própria administração.
4.2.2 Regime e Estrutura do Acordo de Leniência no Âmbito da Lei Anticorrupção
A Legislação Anticorrupção oferece sistemática própria para o acordo de leniência.311
307
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo; FREITAS, Rafael Véras de. A juridicidade da lei anticorrupção:
reflexões e interpretações prospectivas. Disponível em: <http://www.
editoraforum.com_br/ef/wpcontent/uploads/2014/O1/ART_Diogo-Figueiredo-Moreira-Neto-
etaI_LeiAnticorrupcao.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2017. 308
RIBEIRO, Márcio de Aguiar. Responsabilização administrativa de pessoas jurídicas à luz da lei
anticorrupção empresarial. Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 239. Esta, aliás, é a disposição expressa do §3º
do art. 16 da LAC: “o acordo de leniência não exime a pessoa jurídica da obrigação de reparar integralmente
o dano causado”. BRASIL. Lei n. 12.846, de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização
administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou
estrangeira, e dá outras providências. Brasília, DF, 2013. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm>. Acesso em: 23 set. 2015. 309
MARTINEZ, Ana Paula. Desafios do acordo de leniência da Lei n. 12.846/2013. Revista do Advogado, São
Paulo, v. 34, n. 125, p. 25-30, dez. 2014. p. 26. 310
“Em algumas áreas, como no direito concorrencial, costuma-se apontar o particular que celebra o acordo
como “leniente”. A terminologia em questão mostra-se claramente inadequada. Na prática, o papel de
leniente é exercido pela entidade pública. É ela que age com brandura no exercício de seu poder punitivo
perante o infrator colaborador. Leniente é o Estado e apenas ele. O particular deve ser chamado de
colaborador ou de beneficiário da leniência.” MARRARA, Thiago. Acordos de leniência no processo
administrativo brasileiro: modalidades, regime jurídico e problemas emergentes. Revista Digital de Direito
Administrativo, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 509-527, jun. 2015. p. 512. Disponível em:
<http://www.revistas.usp.br/rdda/article/view/99195/98582>. Acesso em: 8 ago. 2017. 311
A temática é tratada nos arts. 16 e 17 da Lei Anticorrupção, tendo ainda sido regulamentada nos arts. 28 a 40
do Decreto Federal n.º 8.420/15. BRASIL. Decreto n. 8.420, de 18 de março de 2015. Regulamenta a Lei
140
Na forma da lei, o instrumento poderá ser celebrado pela autoridade máxima de cada
órgão ou entidade pública com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos
legislativamente caracterizados como lesivos à Administração Pública, tendo por objetivo a
isenção ou a atenuação das sanções ali previstas, desde que colaborem efetivamente com as
investigações e o processo administrativo, sendo que, dessa colaboração, deve resultar a
identificação dos demais envolvidos na infração, quando couber, e a obtenção célere de
informações e documentos que comprovem o ilícito sob apuração. 312
A administração pública poderá também celebrar acordo de leniência com a pessoa
jurídica responsável pela prática de ilícitos previstos na Lei das Licitações e Contratos
Administrativos, com vistas à isenção ou atenuação das sanções administrativas que
restringem ou impedem o direito de licitar (art. 17).
O presente trabalho se ocupa apenas da primeira espécie de acordo de leniência,
estritamente relacionada ao controle anticorrupção. Nesta etapa, pois, é oportuno reprisar,
apertadamente, o liame gnosiológico da pesquisa.
no 12.846, de 1º de agosto de 2013, que dispõe sobre a responsabilização administrativa de pessoas jurídicas
pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira e dá outras providências. Brasília,
DF, 2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-
2018/2015/Decreto/D8420.htm>. Acesso em: 23 set. 2015. 312
Art. 16. A autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública poderá celebrar acordo de leniência com as
pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos previstos nesta Lei que colaborem efetivamente com as
investigações e o processo administrativo, sendo que dessa colaboração resulte: I - a identificação dos demais
envolvidos na infração, quando couber; e II - a obtenção célere de informações e documentos que
comprovem o ilícito sob apuração. § 1o O acordo de que trata o caput somente poderá ser celebrado se
preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos: I - a pessoa jurídica seja a primeira a se manifestar
sobre seu interesse em cooperar para a apuração do ato ilícito; II - a pessoa jurídica cesse completamente seu
envolvimento na infração investigada a partir da data de propositura do acordo; III - a pessoa jurídica admita
sua participação no ilícito e coopere plena e permanentemente com as investigações e o processo
administrativo, comparecendo, sob suas expensas, sempre que solicitada, a todos os atos processuais, até seu
encerramento. § 2o A celebração do acordo de leniência isentará a pessoa jurídica das sanções previstas no
inciso II do art. 6o e no inciso IV do art. 19 e reduzirá em até 2/3 (dois terços) o valor da multa aplicável. §
3o O acordo de leniência não exime a pessoa jurídica da obrigação de reparar integralmente o dano causado.
§ 4o O acordo de leniência estipulará as condições necessárias para assegurar a efetividade da colaboração e
o resultado útil do processo. § 5o Os efeitos do acordo de leniência serão estendidos às pessoas jurídicas que
integram o mesmo grupo econômico, de fato e de direito, desde que firmem o acordo em conjunto,
respeitadas as condições nele estabelecidas. § 6o A proposta de acordo de leniência somente se tornará
pública após a efetivação do respectivo acordo, salvo no interesse das investigações e do processo
administrativo. § 7o Não importará em reconhecimento da prática do ato ilícito investigado a proposta de
acordo de leniência rejeitada. § 8o Em caso de descumprimento do acordo de leniência, a pessoa jurídica
ficará impedida de celebrar novo acordo pelo prazo de 3 (três) anos contados do conhecimento pela
administração pública do referido descumprimento. § 9o A celebração do acordo de leniência interrompe o
prazo prescricional dos atos ilícitos previstos nesta Lei. § 10. A Controladoria-Geral da União - CGU é o
órgão competente para celebrar os acordos de leniência no âmbito do Poder Executivo federal, bem como no
caso de atos lesivos praticados contra a administração pública estrangeira. BRASIL. Lei n. 12.846, de 1º de
agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de
atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências. Brasília, DF, 2013.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm>. Acesso em: 23
set. 2015.
141
A Lei Anticorrupção objetiva prevenir a corrupção por meio de instrumentos que a
inibam e que a denunciem, nomeadamente a previsão de minoração das sanções para a
empresa que institui um programa de compliance considerado válido pelos padrões
regulamentares estudados no item 3.3. Além disso, a norma citada prevê um estruturado
sistema de punição para pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública,
nacional ou estrangeira, com multas que podem alcançar 20% do faturamento bruto da
empresa ou 60 milhões de reais (item 3.2.2).
Nessa inteligência, a Lei Anticorrupção busca evitar e punir as pessoas jurídicas que
pratiquem atos atentatórios ao patrimônio público nacional ou estrangeiro, aos princípios da
administração pública ou, ainda, aos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, tudo
nos termos previstos na legislação em foco.
Mas, conforme visto nos primeiros itens do presente capítulo, na ambiência da
sociedade de risco, a investigação e a punição de atos de corrupção, máxime quando
envolvem organizações criminosas, são complexas e dependentes de provas de acesso restrito
e dificultado. Lélio Braga Calhau observa que o crime evoluiu de tal modo que o delinquente
solitário ou ladrão de ocasião, já possui a resposta necessária no sistema jurídico-criminal
para os seus atos. A situação muda quando se cuida da criminalidade profissional, “com a
atuação hierárquica, sigilosa e quase sempre compartimentada de seus vários membros, sendo
que necessariamente poucos conhecem o funcionamento da parte superior da organização
criminal” 313
.
Por essa razão, a o acordo colaborativo se funda no fato de que, nesses tipos de
ilícitos, a sua investigação e resolução serão muito dificultosas se não se permitir ter acesso a
dados oriundos de membros da organização criminosa. Este fato motivou o legislador a
contemplar o acordo de leniência na Lei Anticorrupção, instrumento pertinente, inclusive,
para aquelas empresas que, mesmo tendo cumprido todos os requisitos-padrão do compliance,
ainda assim findaram por se envolver na prática de comportamentos reconhecidos como atos
de corrupção.
No concernente à regulamentação legal do acordo de leniência anticorrupção, o
primeiro ponto que Marcio de Aguiar Ribeiro314
destaca concerne ao fato de que ele somente
será proposto quando houver interesse da Administração na obtenção de novos elementos
313
CALHAU, Lélio Braga. Use com moderação: delação é arma importante para enfrentar crime organizado.
Revista Consultor Jurídico, São Paulo, 29 ago. 2005. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2005-
ago-29/delacao_arma_importante_enfrentar_crime_organizado>. Acesso em: 29 out. 2017. 314
RIBEIRO, Márcio de Aguiar. Responsabilização administrativa de pessoas jurídicas à luz da lei
anticorrupção empresarial. Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 233.
142
probatórios. A própria letra da lei dispõe que da colaboração deverá resultar a identificação
dos demais envolvidos e a célere obtenção de informações e documentos que comprovem o
ilícito sob apuração.
Por essa razão, o autor apregoa que o entabulamento do acordo não constitui direito
subjetivo do acusado, mas instrumento em prol do melhor para o processo segundo a ótica do
Ente Público, com base nos elementos probatórios até então colhidos.315
Nada obstante, a
delação deverá ser considerada, ao menos, como elemento geral de atenuação da pena, na
forma do art. 7º, inciso VII da LAC.316
E arremata:
Por isso, o aspecto tempestividade da informação denota destacada relevância na
análise da pertinência e cabimento do ato administrativo consensual. Inobstante a
proposta de acordo possa ser feita, nos termos do parágrafo 2º, do art. 30, do Decreto
Federal nº 8.420/15, até a conclusão do relatório final, quanto mais avançada se
encontrar a marcha processual, mais minuciosos e precisos deverão ser os dados
fornecidos pela pessoa jurídica, comprovando efetivamente a prática do ilícito, a fim
de que possam ser aproveitados no bojo do processo.317
A Norma Anticorrupção prevê que o Acordo de Leniência deve ser celebrado entre a
pessoa jurídica responsável pela prática do ato lesivo e a autoridade máxima do órgão ou
entidade. No concernente aos atos lesivos contra a Administração Pública Federal e contra a
Administração Estrangeira, o órgão competente para a celebração dos acordos é a
Controladoria Geral da União.318
O modelo se distingue do adotado pela colaboração
315
Marrara explica que a “leniência não exclui a ação unilateral do Estado. Como o acordo serve para que a
autoridade pública obtenha provas que facilitem a instrução e a punição, é normal que o acordo conviva com
o processo e com um ato administrativo final de natureza punitiva ou absolutória. Essa observação é
relevante para evitar qualquer impressão de que os modelos de administração consensual e contratual venham
a sepultar o estilo de administração unilateral. Qualquer impressão nesse sentido é falsa. Técnicas de
administração consensual e unilateral podem conviver e a leniência comprova essa afirmação, na medida em
que o acordo subsidia a formação de um ato administrativo final no processo punitivo.” MARRARA, Thiago.
Acordos de leniência no processo administrativo brasileiro: modalidades, regime jurídico e problemas
emergentes. Revista Digital de Direito Administrativo, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 509-527, jun. 2015.
Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/rdda/article/view/99195/98582>. Acesso em: 8 ago. 2017. 316
Art. 7o Serão levados em consideração na aplicação das sanções: I - a gravidade da infração; II - a vantagem
auferida ou pretendida pelo infrator; III - a consumação ou não da infração; IV - o grau de lesão ou perigo de
lesão; V - o efeito negativo produzido pela infração; VI - a situação econômica do infrator; VII - a
cooperação da pessoa jurídica para a apuração das infrações; VIII - a existência de mecanismos e
procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação
efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica; IX - o valor dos contratos mantidos
pela pessoa jurídica com o órgão ou entidade pública lesados; e X - (VETADO). BRASIL. Lei n. 12.846, de
1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela
prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências. Brasília, DF,
2013. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm>. Acesso
em: 23 set. 2015. 317
RIBEIRO, op. cit., p. 234. 318
Os consectários dessa atribuição da CGU são regulados pelo Decreto Federal nº 8.420/2015, o qual prevê, por
exemplo, que uma vez proposto o acordo de leniência, o referido órgão poderá requisitar os autos de
processos administrativos em tramitação em outros órgãos e entidades da Administração Pública Federal (art.
31, §3º).
143
premiada prevista na Lei n. 12.850/13, no qual a autoridade julgadora não participa das
negociações entabuladas entre o colaborador e o órgão processante, cabendo-lhe apenas
homologar o acordo jurídico.
A respeito da permissibilidade de que qualquer setor da pessoa jurídica lesada possa
celebrar o acordo, Carolina Barros Fidalgo e Rafaela Coutinho Canetti319
opinam que delegar
tal função para os órgãos de controle interno – a exemplo de como se dá no âmbito federal
(CGU) – garantiria uma maior efetividade nos acordos porque tais setores dispõem de melhor
estrutura para sua celebração, além de funcionários mais bem capacitados para tanto.
Ademais, esta opção também contornaria os casos em que a “autoridade máxima” estivesse
envolvida no ato de corrupção e, por isso, obstada de analisar imparcialmente os termos do
acordo.
Modesto Carvalhosa expressa similar preocupação com o risco de que as “autoridades
máximas” estejam atingidas pelos delitos praticados pela pessoa jurídica, de modo que, para o
autor, em todas as esferas estatais, somente os órgãos correcionais e disciplinares poderiam
deter atribuições para a celebração de acordos de leniência, tanto na investigação, quanto no
processo penal-administrativo. E isso porque somente tais órgãos, por serem “investidos de
específicas atribuições e funções investigativas e administrativamente judicantes, detêm
presunção legal de independência frente às ‘autoridades máximas’.” 320
No mesmo sentido é a observação de José Anacleto Abduch Santos, o qual advoga
que o ideal seria que a competência fosse centralizada nos órgãos de controle interno já
existentes ou a serem criados com o objetivo específico de aplicação da LAC. 321
Sob outro prisma, Valdir Moisés Simão e Marcelo Pontes Vianna asseveram que a
previsão do art. 16 guarda relação direta com o previsto no art. 8º da Lei Anticorrupção, o
qual confere aos mesmos personagens a capacidade para deflagração do processo
319
FIDALGO, Carolina Barros; CANETTI, Rafaela Coutinho. Os acordos de leniência na lei de combate a
corrupção. In: SOUZA, Jorge Munhos; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro (Org.). Lei anticorrupção. Salvador:
Juspodivm, 2015. p. 253-282. p. 270. 320
CARVALHOSA, Modesto. Considerações sobre a lei anticorrupção das pessoas jurídicas: lei n.
12.846/2013. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 390-391. 321
Colhe-se o ensejo para se citarem suas criteriosas palavras acerca do dispositivo legal em estudo: “Deste
caput, importa destacar, primeiramente, que os Estados, os Municípios e o Distrito Federal, ao
regulamentarem a Lei Anticorrupção mediante normatização própria, deverão indicar, na sua respectiva
estrutura administrativa, qual será a autoridade ou órgão responsável pela celebração desses pactos, na esteira
do que a própria Lei 12.846/2013 fez relativamente à esfera federal, ao dispor no §10 deste art. 16 sob
comento [...]. Tal providência parece indispensável, embora o texto da cabeça deste artigo enuncie que tal
acordo será celebrado pela ‘autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública’. À falta de
regulamentação, considerando a existência de centenas de órgãos e dezenas de entidades públicas no âmbito
interno da Administração Direita e Indireta dos diversos níveis de governo, é fácil perceber a confusão
administrativa e a insegurança jurídica a ser gerada.” SANTOS, José Anacleto Abduch et al. Comentários à
lei 12.846: lei anticorrupção. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 282.
144
administrativo de responsabilização. Desse modo, constituindo, o acordo de leniência, um dos
meios de resolução do Processo Administrativo de Responsabilização (PAR), pareceria
razoável que a sua celebração repousasse sobre a mesma autoridade competente para a sua
instauração. Nada obstante, os autores apontam não ser essa a conclusão mais acertada
porque, por meio do acordo de leniência, visa-se a alcançar outros resultados além da simples
conclusão do Processo citado. Sua negociação, na maioria dos casos, traz inevitáveis reflexos
em atribuições institucionais de outros órgãos, incluindo áreas de responsabilização diversas
da administrativa. Por essa razão, asseveram que o órgão com atribuição de celebrar os
acordos de leniência merece possuir capacidade de articulação com outras divisões estatais
responsáveis por enfrentar a corrupção.322
No concernente ao momento de proposição, não há nenhum prazo fatal, tirante o teor
do art. 16, §4º da legislação de combate à corrupção, o qual prevê que “o acordo de leniência
estipulará as condições necessárias para assegurar a efetividade da colaboração e o resultado
útil do processo”, a demonstrar que ele deve ser entabulado antes do advento da conclusão
decisória do Processo Administrativo de Responsabilização (PAR). 323
Valdir Moisés Simão e Marcelo Pontes Vianna324
afirmam que esta previsão
regulamentar traz certa insegurança jurídica, por se tratar de data imprevisível, visto que,
depois de apresentada a defesa formal, a comissão processante não tem um prazo específico
para apresentar o relatório, tornando incerta a data limite para a proposta do acordo de
leniência. Além disso, defendem a possibilidade de proposição do acordo de leniência após o
julgamento do PAR, a exemplo do que ocorre no âmbito da colaboração premiada criminal,
visto inexistir tal restrição explícita no âmbito da Lei Anticorrupção.
Os referidos autores argumentam que, embora a conclusão do processo com a
aplicação da penalidade testifique que a Administração logrou reunir elementos de provas
suficientes para a condenação, não se pode descartar a possibilidade de que a pessoa jurídica
possa vir a apresentar evidências “que auxiliem na identificação de novos envolvidos no
322
SIMÃO, Valdir Moisés; VIANNA, Marcelo Pontes. O acordo de leniência na lei anticorrupção: histórico,
desafios e perspectivas. São Paulo: Trevisan, 2017. p. 102. 323
No âmbito da Administração Pública Federal o marco temporal é mais preciso: a conclusão do relatório a ser
elaborado no seio do PAR (art. 30, §2º do Decreto n.º 8.420/2015). BRASIL. Decreto n. 8.420, de 18 de
março de 2015. Regulamenta a Lei no 12.846, de 1º de agosto de 2013, que dispõe sobre a responsabilização
administrativa de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou
estrangeira e dá outras providências. Brasília, DF, 2015. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Decreto/D8420.htm>. Acesso em: 23 set. 2015. 324
SIMÃO; VIANNA, op. cit., p. 110.
145
mesmo ilícito ou ainda numa infração distinta, cujo conteúdo o Estado desconhecia (como
ocorre na leniência plus no Cade)”.325
Márcio de Aguiar Ribeiro também compartilha do entendimento de que a dinâmica da
leniência plus possa ser aplicada no âmbito do Processo Administrativo de
Responsabilização326
, mas pondera que tal aplicação deve se cercar de alguns cuidados, “sob
pena de a pessoa jurídica acusada delatar casos de pequena expressão com a exclusiva
finalidade de obter redução de penalidades de fatos mais gravosos.” Para o autor, pois, pode-
se
[...] delimitar a pactuação do acordo posterior pelo acatamento, em especial, dos
seguintes critérios: (i) a relevância das provas apresentadas pelo leniente plus; (ii) a
potencial materialidade da infração delatada, devendo-se levar em consideração a
magnitude do ato lesivo, a extensão do dano causado, o número de empresas
envolvidas, etc.; e (iii) a probabilidade de detecção do ilícito sem a denúncia
ofertada pela empresa leniente.327
Além da identificação dos demais envolvidos na infração, quando couber328
, e a
obtenção célere de informações e documentos que comprovem o ilícito sob apuração, a Lei
Anticorrupção traz outros requisitos, de caráter cumulativo e taxativo,329
para a celebração do
Acordo de Leniência: a) a pessoa jurídica seja a primeira a se manifestar sobre seu interesse
em cooperar para a apuração do ato ilícito; b) a pessoa jurídica cesse completamente seu
envolvimento na infração investigada a partir da data de propositura do acordo; c) a pessoa
325
SIMÃO, Valdir Moisés; VIANNA, Marcelo Pontes. O acordo de leniência na lei anticorrupção: histórico,
desafios e perspectivas. São Paulo: Trevisan, 2017. p. 110. Fidalgo e Canetti de manifestam de modo
semelhante: “Não há previsão na lei de procedimento de ordenação dos pedidos de participação no programa
de leniência (a exemplo do sistema do Cade) ou a possibilidade de obtenção de benefícios do programa caso
sejam apresentados indícios relacionados a outro caso de corrupção, na linha de programas Amnestesy Plus
norte americano e europeu, analisados acima, o que nos parece que seria uma ferramenta útil de investigação
de outros casos de corrupção.” FIDALGO, Carolina Barros; CANETTI, Rafaela Coutinho. Os acordos de
leniência na lei de combate a corrupção. In: SOUZA, Jorge Munhos; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro (Org.).
Lei anticorrupção. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 253-282. p. 271. 326
Conforme já visto no item 3.1.1, por meio da Leniência Plus (Amnesty Plus), eventual interessado que não se
qualificar para um Acordo de Leniência para um determinado cartel, mas fornecer informações acerca de
outro cartel sobre o qual a Superintendência-Geral não tenha conhecimento, poderá se beneficiar da redução
de 1/3 (um terço) da pena que lhe for aplicável no primeiro processo e obter todos os benefícios da leniência
em relação à nova infração denunciada. 327
RIBEIRO, Márcio de Aguiar. Responsabilização administrativa de pessoas jurídicas à luz da lei
anticorrupção empresarial. Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 234. 328
No item 3.2.2, expôs-se que os atos lesivos previstos pela LAC podem ser unilaterais, isto é, não dependem
do envolvimento de um agente público ou de outro particular para sua execução, especialmente naqueles atos
relacionados à fraude licitatória e promessa indevida de vantagem a agente público por este não aceita, dai a
razão do inciso I do art. 16 em análise referir “quando couber”. 329
A esse respeito, Lívia Cardoso Viana Gonçalves menciona que a taxatividade dos requisitos citados “é de
crucial importância para garantir a efetividade do programa, na medida em que permite melhor transparência
e previsibilidade por parte do proponente do acordo, bem como delimita a margem do arbítrio do
representante da União.” GONÇALVES, Lívia Cardoso Viana. O acordo de leniência na investigação
antitruste: da legislação ao leading case brasileiro. In: GUEDES, Jefferson Carús; NEIVA, Juliana Sahione
Mayrink (Coord.). Pós-Graduação em direito público – UnB: coletânea de artigos. Brasília: Advocacia
Geral da União, 2010. p. 214.
146
jurídica admita sua participação no ilícito e coopere plena e permanentemente com as
investigações e o processo administrativo, comparecendo, sob suas expensas, sempre que
solicitada, a todos os atos processuais, até seu encerramento.
No concernente ao primeiro requisito, o legislador, aderindo aos modelos
internacionais e ao da própria Lei do CADE, valeu-se do critério do primeiro colaborador
(“first serve, first come”). Assim, veda-se um segundo Acordo de Leniência sobre os mesmos
fatos. No direito concorrencial, o acordo de leniência tem por desiderato a repressão ao cartel,
ilícito exclusivamente plurissubjetivo. Naquele contexto, a previsão possui relevância porque
estimula o “vírus da instabilidade” entre os atores responsáveis pela prática do ato
anticoncorrencial, neles criando o contínuo receio de serem descobertos em razão da delação
de quaisquer deles (“neurose do suspense”).
Mas, no contexto da anticorrupção, Márcio de Aguiar Ribeiro alerta que o requisito
em análise se aplica de modo mais apropriado às hipóteses de conluio envolvendo duas ou
mais empresas, tal qual a do ato lesivo consubstanciado no art. 5º, inciso IV, alínea “a”, da Lei
Anticorrupção (“frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro
expediente, o caráter competitivo de procedimento licitatório público”). No concernente aos
demais tipos, o pressuposto perde sua razão de ser, visto que nem todo ato de corrupção será
cartelizado. Nesse sentido, o autor cita o art. 30 do Decreto Federal n.º 8.420/15, o qual
expressamente ressalva que a observância do requisito em exame (“a”) apenas será exigível
“quando tal circunstância for relevante.”330
330
RIBEIRO, Márcio de Aguiar. Responsabilização administrativa de pessoas jurídicas à luz da lei
anticorrupção empresarial. Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 236-237. Sales e Bannwart Júnior, ao
analisarem a ressalva regulamentar inexistente na letra da lei, concluem pela não ocorrência de exorbitância
do poder regulamentar na espécie: “Quanto ao requisito ‘a’, previsto no artigo 16 parágrafo 1º e inciso I da
Lei, o Decreto 8420 de 2015, parecendo ir à contramão da lei, abriu espaço para que outras empresas
celebrem o Acordo de Leniência, ainda que não seja a primeira a manifestar esse interesse, porquanto,
segundo ele, poderão outras empresas, além da primeira celebrar o acordo de leniência, ‘quando tal
circunstância for relevante’ (artigo 30, I, Decreto 8420 de 2015). (...) É cediço que pelo princípio da
legalidade somente a lei pode criar direitos e obrigações (artigo 5, II, CRFB), bem como, segundo o artigo
84, IV, CFRB, um decreto somente pode dar fiel execução a uma lei, razão pela qual se trata de um ato
secundário, uma vez que não pode inovar na ordem jurídica, sob pena de violação de competência legislativa.
Desse modo, pergunta-se: o Decreto inovou a ordem jurídica? Defende-se no presente estudo que a
Administração não extrapolou seu poder regulamentar, porquanto hodiernamente a tarefa interpretativa da lei
não é mais como outrora era no século XVIII e XIX, qual seja, uma interpretação mecânica e apenas de
desvelar o conteúdo já imanente na lei. Nesta quadra histórica, não prevalece mais a ideia cognitivista de que
‘a interpretação consubstancia-se em um ato de puro conhecimento’, conforme aduz Marinoni, Arenhart e
Mitidiero (2015, p. 48). Na contemporaneidade, a tarefa interpretativa é ato de criação, isto é, constitutivo de
conteúdo e não apenas declaratório (conforme era no positivismo clássico de oitocentos). Destarte, necessária
se faz a distinção entre enunciado normativo (texto) e norma jurídica. O legislador cria o enunciado
normativo, ao passo que a Administração e o Judiciário, a norma jurídica. Portanto, esta é fruto da tarefa
interpretativa e é dada após aquele e não apriori como se entendia, pois, a norma não existe antes da
interpretação. ‘A interpretação é adscritiva de sentido a textos e a elementos não textuais da ordem jurídica –
essa outorga sentido’, conforme dispõem Marinoni, Arenhart e Mitidiero (2015, p. 50). Assim, o texto legal
147
Nesse propósito, cabe ponderar se não poderia o legislador ter previsto um modelo de
“sistema de senhas”, nos moldes de como é largamente utilizado, com sucesso, no programa
de leniência do CADE. No item 3.1.1 expôs-se que, com o sistema citado, o interessado pode
garantir a prioridade de sua proposta, condicionado a que ele apresente as informações e
documentos indicados pelo ente processante em até 30 dias. O método contorna, pois,
eventuais celeumas em torno de quem por primeiro formalizou o interesse na avença.
Como segundo requisito, figura o compromisso de interrupção da conduta ilícita (art.
16, §1º, II), o qual se revela como sendo aquele mais lógico dos pressupostos legais, visto que
o acordo de leniência não pode representar carta branca para a prossecução delitiva. Pondera-
se, apenas, que tal exigência é mais adequada às hipóteses de infrações cartelizadas,
naturalmente de caráter continuado. Já nos atos corruptivos, em sendo possível a ocorrência
de atos ilícitos instantâneos ou unissubissistentes, por vezes não seria pertinente impor a
“cessação da conduta ilícita”, visto que, nessas hipóteses, praticado o ato, já se encerra a
execução, tornando-se impossível sua cisão.331
De qualquer sorte, consignada a ressalva, a não observância do requisito em análise
importará na imediata ruptura do acordo avençado, com o consequente prosseguimento do
Processo Administrativo de Responsabilização (PAR), inclusive devendo incidir sobre a
sanção final a circunstância agravante referente à continuidade das infrações no tempo (art.
17, inc. I do Decreto Federal regulamentador da Lei Anticorrupção).
O último requisito envolve a admissão de participação no ilícito e a cooperação plena
e permanente com as investigações e o processo administrativo, devendo a empresa
comparecer, sob suas expensas, sempre que solicitada, a todos os atos processuais, até seu
encerramento.
não é uma norma pronta, acabada e dada anteriormente à tarefa de interpretação. Ao se fazer a atividade
interpretativa do enunciado normativo por intermédio dos seus elementos textuais e não textuais, percebe-se
que ele adotou o mesmo critério da Lei Antitruste; contudo, sem as adaptações pertinentes. A Lei Antitruste
preocupa-se com os cartéis e, como é cediço, esse requer a pluralidade de empresas participantes do ilícito
perpetrado, de modo que se mostra razoável conceder à primeira colaboradora o benefício do acordo em
detrimento das demais. Entretanto, não necessariamente a mesma dinâmica ocorre com os atos de corrupção
da Lei 12.846 de 2013. (AYRES, MAEDA, 2015, p. 245). Pode ocorrer de práticas de corrupção por uma
única empresa em detrimento de outras. Desse modo, não há uma associação de entes privados para a prática
de atos de corrupção, de modo que se torna irrelevante que a delatora seja a primeira, pois ela será a única.
Por isso, a interpretação do decreto se mostra razoável e sem ferir o enunciado normativo da Lei. Nesse
sentido, não há violação ao princípio da legalidade e nem extrapolação do Poder Regulamentar por parte da
Administração.” SALES, Marlon Roberto Sales; BANNWART JÚNIOR, Clodomiro José. O acordo de
leniência: uma análise de sua compatibilidade constitucional e legitimidade. Revista do Direito Público,
Londrina, v. 10, n. 3, p. 31-50, set./dez. 2015. p. 39-40. 331
Carvalhosa acentua a atecnia da previsão: “Fora do cartel, impossível configurar a ‘cessação da conduta
corruptiva (prescrição) e/ou no presente”. CARVALHOSA, Modesto. Considerações sobre a lei
anticorrupção das pessoas jurídicas: lei n. 12.846/2013. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 384.
148
No aspecto pertinente ao procedimento, a celebração do acordo de leniência, em
relação a atos de corrupção, também oferece peculiaridades. 332
O acordo de leniência poderá ser proposto pela pessoa jurídica, por seus representantes,
na forma de seu estatuto ou contrato social, ou por meio de procurador com poderes
específicos para tal ato333
, até a conclusão do relatório a ser elaborado no Processo
Administrativo de Responsabilização (art. 30, §§ 1º e 2º do Decreto Federal n. 8.420/2015).
Nota-se, assim, que a proposta deve partir do ente processado, descabendo à Administração
impor a sua pactuação.
Conforme o art. 31 do Regulamento Federal, a proposta de celebração de acordo de
leniência poderá ser feita de forma oral ou escrita, oportunidade em que a pessoa jurídica
proponente declarará expressamente que foi orientada a respeito de seus direitos, garantias e
deveres legais e de que o não atendimento às determinações e solicitações da Controladoria-
Geral da União, durante a etapa de negociação, importará na desistência da proposta.
De outro lado, a proposta apresentada receberá tratamento sigiloso e o acesso ao seu
conteúdo será restrito aos servidores especificamente designados pela Controladoria-Geral da
União (CGU) para participar da negociação do acordo de leniência, ressalvada a possibilidade
de a proponente autorizar a divulgação ou compartilhamento da existência da proposta ou de
seu conteúdo, desde que haja anuência da CGU. Ainda, poderá ser firmado memorando de
entendimentos entre a pessoa jurídica proponente e a CGU para formalizar a proposta e
definir os parâmetros do acordo de leniência. Por fim, uma vez proposto o acordo de
leniência, a Controladoria-Geral da União poderá requisitar os autos de processos
administrativos, em curso em outros órgãos ou entidades da Administração Pública Federal,
relacionados aos fatos objeto do acordo.334
Toda a negociação a respeito da proposta do acordo de leniência deverá ser concluída
no prazo de 180 dias, contados da data de apresentação da proposta, sendo que, a critério da
Controladoria-Geral da União, poderá ser prorrogado o prazo estabelecido no caput, caso
presentes circunstâncias que o exijam.335
Disposições relevantes também se encontram nos arts. 33 e 34, os quais regulamentam
que não importará em reconhecimento da prática do ato lesivo investigado a proposta de
acordo de leniência rejeitada (da qual não se fará qualquer divulgação) e que a pessoa jurídica
332
A ritualística a ser observada na celebração do acordo de leniência é tratada nos arts. 28 a 40 do Regulamento
Federal (Decreto n.º 8.420/15). 333
Art. 26 da Lei Anticorrupção. 334
Art. 31, §§ 1º a 3º do Regulamento Federal (Decreto n. 8.420, de 18 de março de 2015). 335
Art. 32 do mesmo Regulamento Federal.
149
proponente poderá desistir da proposta de acordo de leniência a qualquer momento que
anteceda a assinatura do referido acordo.
O primeiro dispositivo citado contempla a mesma disposição do art. 16, §7º da Lei
Anticorrupção. Contudo, na esteira da doutrina de Márcio de Aguiar Ribeiro, tanto a Lei
como o seu Regulamento apenas disciplinaram as consequências da hipótese em que a
negativa da celebração parte do ente processante, desconsiderando a potencialidade de que o
desinteresse possa advir do ente processado, “situação que, em regra, considerando o caráter
bilateral do programa de leniência, devem ser observados os efeitos inerentes à rejeição.”336
Na esteira do programa de leniência do CADE,337
o art. 35 do Decreto prevê que, caso o
acordo não venha a ser celebrado, os documentos apresentados durante a negociação devem
ser devolvidos, sem retenção de cópias, à pessoa jurídica proponente, sendo vedado seu uso
para fins de responsabilização, exceto quando a administração pública federal tiver
conhecimento deles independentemente da apresentação da proposta do acordo de leniência.
Cabe, também, destacar que, até a celebração do acordo de leniência pelo Ministro de
Estado Chefe da Controladoria-Geral da União, a identidade da pessoa jurídica signatária do
acordo não será divulgada ao público, ressalvada a possibilidade de a proponente autorizar a
divulgação ou o compartilhamento da existência da proposta ou de seu conteúdo.338
A regra citada tem fundamento no §6º do art. 16 da Lei Anticorrupção, cujo espírito é o
de manter as tratativas sob o crivo da sigilosidade, no afã de garantir um ambiente seguro às
empresas interessadas em delatar os atos corruptivos e, de quebra, preservá-las de eventuais
retaliações por parte das demais infratoras e de repercussões negativas perante o meio social e
empresarial em que estão inseridas. Conforme visto no item 2.2, na esteira do princípio da
função social da empresa, o ente empresarial é considerado em seus perfis objetivo, subjetivo,
funcional e institucional/corporativo. Assim, embora tenha como escopo primordial a busca
de lucro em um regime de livre iniciativa, a empresa também agrega valores sociais:
manutenção de postos de trabalho, aquecimento econômico decorrente da circulação de bens e
serviços que proporcionam recolhimento de tributos, aprimoramento tecnológico do país, etc.
Nesse contexto, o direito empresarial, na atualidade, inspira exegese que se relacione
com os elementos determinantes das realidades social, política e econômica, coordenando
estrutura econômica organizada e eficiente cujo valor fundamental seja o da preservação da
336
RIBEIRO, Márcio de Aguiar. Responsabilização administrativa de pessoas jurídicas à luz da lei
anticorrupção empresarial. Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 241. 337
BRASIL. Ministério da Justiça. Combate à cartéis e programa de leniência. Coleção SDE/CADE, Brasília, n.
01, 2009. p. 20. Disponível em:
<http://www.cade.gov.br/upload/Cartilha%20Leniencia%20SDE_CADE.pdf>. Acesso em: 02 nov. 2017. 338
Art. 39 do Decreto Federal em estudo.
150
empresa, condicionada à sua função social. Esse o caminho necessário para que melhor se
respeite o postulado da dignidade da pessoa humana, na forma do art. 170 da Lei Maior.
Na ótica deste estudo, é na esteira dessa inteligência que a parte final da redação do §6º
do art. 16 (“a proposta do acordo de leniência somente se tornará pública após a efetivação do
respectivo acordo, salvo no interesse das investigações e do processo administrativo”) merece
ser interpretada: como a possibilidade de extensão do sigilo da negociação para momento
ulterior à formalização do respectivo acordo, sempre que a sua publicidade puder trazer
consectários negativos à investigação e à imagem da empresa, em prejuízo de sua função
social e, de viés, de todos os seus stakeholders. Não é por menos que o art. 22 da Lei
Anticorrupção, responsável por criar o Cadastro Nacional de Empresas Punidas (CNEP), com
aptidão para dar publicidade às sanções aplicadas pelos órgãos ou entidades dos Poderes
Executivo, Legislativo e Judiciário de todas as esferas de governo com base na LAC, previu,
em seu §3º, que as informações acerca do acordo de leniência celebrado deverão ser
armazenadas no referido cadastro apenas após a efetivação do respectivo acordo, salvo se esse
procedimento vier a causar prejuízo às investigações e ao processo administrativo. Assim,
nesses casos, a pactuação da leniência não importará em armazenamento no CNEP.
Ainda afim ao tópico, oportuna a menção ao §2º do art. 16 da Lei Anticorrupção,
segundo o qual a celebração do acordo de leniência isentará a pessoa jurídica da sanção de
publicação extraordinária da decisão condenatória (prevista no art. 6º, inc. II). Tal pena busca
dar publicidade à multa aplicada no Processo Administrativo de Responsabilização (PAR),
alargando, com isso, o seu caráter retributivo ao macular a imagem da empresa. Por tal razão,
andou bem o legislador ao prever a dita isenção porque a referida sanção não se compraz com
a finalidade do programa de leniência, uma vez que o art. 22, §3º da LAC, acima mencionado,
prevê o já referido modo específico de publicidade do acordo, baseado na inserção de seus
termos no Cadastro Nacional de Empresas Punidas.
Além desse resultado em prol da empresa colaboradora, a legislação anticorrupção
também prevê a isenção da proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações
ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou
controladas pelo poder público (art. 19, inc. IV) e a redução, em até 2/3 (dois terços), do valor
da multa aplicável para a espécie. Interessante mencionar que a primeira sanção referida é
passível de ser aplicada apenas na esfera judicial, e não no PAR, de modo que, conforme
ponderam Simão e Vianna, sua isenção por efeito do acordo de leniência é no mínimo
151
discutível, cabendo indagar se o benefício, por ser conferido por uma autoridade
administrativa, não teria caráter precário.339
De sua parte, o art. 40 do Regulamento Federal acresceu como efeito benéfico, também,
a isenção das sanções administrativas previstas nos diplomas legais que versem sobre
licitações e contratos administrativos e, por fim, o seu parágrafo único estabeleceu que os
efeitos do acordo de leniência serão estendidos às pessoas jurídicas que integrarem o mesmo
grupo econômico, de fato e de direito, desde que tenham firmado o acordo em conjunto,
respeitadas as condições nele estabelecidas.
Outro relevante efeito do acordo de leniência, por fim, consiste na interrupção do prazo
prescricional dos atos ilícitos tipificados na Lei Anticorrupção340
. Com a formalização da
avença, pois, o prazo recomeça a correr na íntegra, permitindo o prosseguimento da apuração
dos ilícitos, em especial na hipótese de descumprimento de seus termos. A estipulação da
regra fez-se necessária, sob pena de a firmatura do acordo poder servir de mero subterfúgio
protelatório para aguardar o escorrimento do lapso prescricional, de modo que, fluído este, a
pessoa jurídica delatora poderia simplesmente não mais cumprir as obrigações assumidas em
razão da perda da capacidade punitiva estatal.341
Por derradeiro, pertinente registrar que o acordo de leniência apenas pode ser proposto
por pessoas jurídicas.342
Assim sendo, fica descartada a possibilidade de sua celebração com
pessoas naturais, ao revés da opção eleita pela legislação antitruste. E, ainda, conforme
recordam Valdir Moisés Simão e Marcelo Pontes Vianna, sua legitimidade se refere apenas à
pessoa jurídica corresponsável pela prática de um ato corruptivo, de modo que ele não
constitui o meio adequado para quem deseje denunciar ilícitos dos quais não tenha feito parte.
Nas palavras dos referidos autores: “Para tais casos, restam os mecanismos típicos de
representação, como as ouvidorias, o disque-denúncias e as demais modalidades de
interlocução com o Estado”.343
Enfim, estes os centrais pontos que envolvem o regime legal do acordo de leniência da
Lei Anticorrupção, cabendo finalizar este item aduzindo que, tirante os aspectos avaliativos
que já foram nele adiantados, as demais ponderações críticas acerca do expediente legal em
foco serão esposadas no item 4.4 infra.
339
SIMÃO, Valdir Moisés; VIANNA, Marcelo Pontes. O acordo de leniência na lei anticorrupção: histórico,
desafios e perspectivas. São Paulo: Trevisan, 2017. p. 138. 340
Art. 16, § 9o:
da Lei n. 12.846/2013. 341
MARTINEZ, Ana Paula. Desafios do acordo de leniência da Lei n. 12.846/2013. Revista do Advogado, São
Paulo, v. 34, n. 125, p. 25-30, dez. 2014. p. 26. 342
Nos termos do caput do art. 16 da Lei Anticorrupção. 343
SIMÃO; VIANNA, op. cit., p. 106-107.
152
4.3 A Delação sob o Prisma da Teoria dos Jogos: do Dilema do Prisioneiro à Ética
É inegável que o ato de delatar, quando se está lidando com a prática de ilícitos
praticados por mais de um agente, envolve a ideia de traição.
Esta ponderação traz algumas importantes consequências, dentre as quais duas que
serão o objeto deste tópico: a) a racionalização do ato de trair como uma escolha que
prepondera sobre o silêncio, máxime porque a incerteza concernente ao que o comparsa irá
fazer conduz o agente racional a delatar, de modo que esta passa a ser a estratégia dominante
e b) as eventuais implicações éticas que a tutela da traição, pela ordem jurídica posta,
eventualmente podem impingir ao Estado Democrático de Direito.
Neste subitem será apreciado o primeiro aspecto acima delineado, dentro do contexto
da teoria dos jogos. Já, no vindouro, enfrentar-se-ão as objeções éticas (e jurídicas) que
considerável doutrina, de um modo geral, levanta contra os acordos colaborativos.
Conforme Ana Paula Martinez, nos distintos modelos de delação premiada se encontra
presente a lógica da “cenoura e do porrete” (stick-and-carrot approach), o qual consiste em
garantir um tratamento leniente (cenoura) para aquele que decide por fim a uma conduta
ilícita e delatar a prática que, de outro modo, estaria suscetível a receber sanções severas
(porrete).
Os meandros do processo decisório entre a “cenoura” e o “porrete” são bem
explicados, segundo considerável doutrina, pela teoria dos jogos (game theory dinamics),
como se passará a se demonstrar.
A teoria dos jogos tem por objeto estudar os enfrentamentos dos agentes de dada
situação real (nominada de “jogo”), analisando as possíveis alternativas comportamentais que
se lhes descortinam e, com isso, verificar quais delas são as mais indicadas para os distintos
cenários possíveis.344
344
Alexandre Morais da Rosa destaca existir ampla bibliografia sobre a teoria dos jogos: “John von Neumann,
Oskar Morgenstern, John Nash, dentre outros, passaram a desenvolver a teoria, inicialmente utilizada nos
‘jogos de soma zero’, em que o ganho de ‘A’ é igual à perda de ‘B’, ou seja, o conjunto a ser dividido é o
mesmo. Entretanto, o jogo processual penal não se confunde com um jogo de soma zero em que o prêmio do
adversário é o negativo do outro. Dito de outra forma: em que o ganho do jogador acusador é igual à perda do
jogador-defensor e vice-versa, já que o conjunto a ser dividido no processo penal não é o mesmo (trabalha-se
com liberdade e efeitos penais). Ainda é possível aplicar-se a lógica da soma zero em questões meramente
patrimoniais, mas inservível para compreender a aplicação no processo penal.” ROSA, Alexandre Morais da.
Teoria dos jogos e processo penal: a short introduction. Florianópolis: Empório Modara, 2017. p. 50.
Morton David Davis explica os conceitos de “soma zero” e “soma não-zero”: “A expressão ‘soma zero’
deriva de jogos de salão, como pôquer, onde não se cria nem se destrói riqueza. Quem quiser ganhar dinheiro
terá de ganha-lo de um outro jogador. Encerrado o jogo, a soma dos ganhos é sempre zero (as perdas são
ganhos negativos). Esse jogo se distingue de um jogo de soma não-zero – um dissídio entre empregados e
empregadores, por exemplo – no sentido de que, neste último, se não houver acordo, ambos os participantes
153
Segundo José Alexandre da Silva Zachia Alan, os acordos de leniência e as
colaborações processuais se inserem em uma espécie de jogo própria: a cooperativa, na qual
os atores se encontram em uma determinada situação em que se lhes afigura cabível escolher
cooperar ou não cooperar.345
Alexandre Morais da Rosa explica que a natureza do processo penal até a
delação/colaboração era linear, ausente a possibilidade de acordos e de cooperação na
aplicação das penas. Mas, com a ampliação dos espaços de consenso, modifica-se o objeto do
jogo, que passa a poder operar na lógica dos negócios jurídicos, com manifesta aplicação da
teoria dos jogos.346
Conforme Márcio de Aguiar Ribeiro, a teoria dos jogos se projeta na aplicação do
dilema do prisioneiro, cujas raízes deitam na seara da matemática aplicada, na qual se
investigam as possibilidades existentes nos processos decisórios, nos quais as escolhas se
condicionam “a variantes relacionadas ao fornecimento de uma informação compartilhada
com outras pessoas, que podem se beneficiar ou se prejudicar a depender do momento e
oportunidade em que a informação é divulgada”.347
Alex Fernandes Santiago, por sua vez, explica que o Dilema do Prisioneiro é um
problema da Teoria dos Jogos concebido por Albert W. Tucker348
. Ele parte da ideia de que
cada prisioneiro, de maneira independente, procura maximizar sua própria vantagem sem se
podem, ao mesmo tempo, perder. Em outras palavras, o que um perde pode não ser o que o outro ganha.”
DAVIS, Morton David. Teoria dos Jogos: uma introdução não técnica. Trad. Leonidas Hegenber e Otanny
Silveira da Mota. São Paulo: Cultrix, 1973. p. 26. Apud ROSA, Alexandre Morais da. Teoria dos jogos e
processo penal: a short introduction. Florianópolis: Empório Modara, 2017. p. 50. 345
Pela pertinência e clareza, transcreve-se excerto de seu pensamento: “Nos casos de coordenação, os atores se
acham previamente envolvidos em interação e seu desejo de coordenar ou não sua conduta com os demais
atores importa na obtenção de resultados diversos. Então, cumpre-lhes, por primeiro, escolher cooperar ou
não cooperar e verificar que sorte de resultado sobrevém de sua opção. No caso das cooperações
características de direito sancionatório, está-se diante de quadro no qual o agente ativo do ilícito haverá de
escolher se cooperará ou não com as autoridades ou se manterá vínculo de lealdade com os outros agentes do
ilícito, sendo que sua escolha, qualquer que seja, gerará diferentes repercussões.” ALAN, José Alexandre da
Silva Zachia. Novos aspectos relacionados à leniência e à corrupção. Uma abordagem sob a perspectiva da
Teoria dos Jogos. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 275, p. 189-222, maio/ago. 2017. p.
206. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/71652/69326>. Acesso
em: 20 jan. 2018. 346
ROSA, Alexandre Morais da. Teoria dos jogos e processo penal: a short introduction. Florianópolis:
Empório Modara, 2017. p. 50. 347
RIBEIRO, Márcio de Aguiar. Responsabilização administrativa de pessoas jurídicas à luz da lei
anticorrupção empresarial. Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 235. 348
Rosa imputa à autoria do dilema à Merril Flood e Melvin Dresher, em 1950. De qualquer sorte, para os
efeitos deste trabalho, o que deve prevalecer é a compreensão de que o referido estudo rendeu “repercussões
em diversos campos do conhecimento, também no direito processual, especialmente no regime de delações
premiadas, já que o manejo de prisões cautelares procura colocar os investigados/acusados em situação de
déficit de informações.” ROSA, Alexandre Morais da. Teoria dos jogos e processo penal: a short
introduction. Florianópolis: Empório Modara, 2017. p. 63.
154
importar com o resultado que para o outro advirá da sua escolha. A estrutura clássica do
dilema é a seguinte:
Dois suspeitos, A e B, são presos pela polícia. A polícia tem provas insuficientes
para condená-los, mas, separando os prisioneiros, oferece a ambos o mesmo acordo:
se um dos prisioneiros, confessando, testemunhas contra o outro e esse outro
permanecer em silêncio, o que confessou sai livre enquanto o cúmplice silencioso
cumpre 10 anos de sentença. Se ambos ficarem em silêncio, a polícia só poderá
condená-los a 6 meses de cadeia cada um. Se ambos traírem o comparsa, cada um
leva 5 anos de cadeia. Cada prisioneiro faz a sua decisão sem saber que decisão o
outro vai tomar, e nenhum tem certeza da decisão do outro. A questão que o dilema
propõe é: qual decisão correta a ser tomada sem saber como o outro prisioneiro vai
reagir?349
Frente ao dilema posto, verifica-se um contexto no qual as escolhas de ambos os
prisioneiros influenciam-se reciprocamente: as opções de cada um interferirão não apenas na
determinação de sua própria pena, mas igualmente na de seu comparsa; e, examinando-se
todas as possibilidades acima, percebe-se que “A” ou “B” sempre obterão o melhor resultado
caso colaborem, qualquer que seja o comportamento da parte adversa, de tudo se concluindo
que ambos os agentes terminarão por confessar seus envolvimentos no crime.
Do ponto de vista racional, trair é a estratégia dominante porque agentes racionais,
movidos por interesses próprios, escolherão trair o comparsa. Tal se dá porque se o delatado
silenciar, o delator estará livre e se aquele também delatar, ambos serão condenados a uma
pena reduzida. Mas, em sendo assim, os dois buscarão trair. E, por fim, ambos traindo, ambos
sofrerão consequência pior do que se não tivessem agido racionalmente, isto é, tivessem
permanecido em silêncio. Contudo, a incerteza concernente ao que o outro vai fazer conduz o
agente racional a delatar, de modo que esta passa a ser a estratégia dominante.
Segundo Elson Pimentel, essa dinâmica é de certo modo paradoxal: ao buscar o maior
benefício individual, ambos os agentes alcançarão um resultado pior do que aquele que
obteriam se não tivessem cooperado, pois, se ambos confessarem, ambos terão uma pena
maior do que aquela que teriam caso tivessem em conjunto silenciado. Assim, impera um
conflito entre o cálculo do benefício individual e o melhor resultado coletivo: “se ambos os
jogadores confessarem, cada um irá piorar o resultado obtido do que aquele obtido se não
349
SANTIAGO, Alex Fernandes. O compromisso de cessação e o acordo de leniência como mecanismo de
defesa da concorrência na Argentina e no Brasil. Revista Magister de Direito Empresarial, São Paulo, n.
35, p. 52-54, out./nov. 2010. p. 53.
155
confessar, mas é possível atingir uma solução melhor para ambos se ambos desistirem de
confessar.”350
Também acentuando o paradoxo silogístico que reside no dilema do prisioneiro Raul
Marinho explana:
Mais do que isso, se eu achar que meu comparsa pensa exatamente como eu,
concluo que ele vai confessar, o que me leva a um beco sem saída. Na prática, eu só
posso confessar! E é efetivamente isso o que acontece: os dois prisioneiros
confessam e passam ambos, dois anos presos. A isso, chama-se “equilíbrio de
Nash”: a melhor decisão possível levando-se em conta a decisão que o outro deve
tomar – o que revela o caráter interativo da teoria.351
Para José Alexandre da Silva Zachia Alan, a conclusão de que, diante da situação
apresentada, os colaboradores terminariam por escolher a solução ótima para o policial (duas
condenações, aliadas ao máximo de penas possíveis consideradas as possibilidades de
escolhas postas), decorre da incidência direta da teoria conhecida por equilíbrio de Nash352
,
aplicável aos jogos de cooperação. A premissa desta tese reside na constatação de que “a
estabilidade de um sistema que envolve diversos atores em interação ocorre na situação em
que nenhum participante consegue obter ganho pessoal com a modificação de sua estratégia
caso todos os demais permaneçam inertes”; ou seja, o sistema com o “equilíbrio Nash”, neste
caso, seria aquele em que de nada valeria a mudança para a estratégia de não delatar, se os
demais agentes mantiverem a opção pela traição (presença, pois, do requisito da não
cooperação entre os players). 353
350
PIMENTEL, Elson. L. A. Dilema do prisioneiro: da teoria dos jogos à ética. Belo Horizonte: Argvmentvm,
2007. p. 12. 351
MARINHO, Raul. Prática na teoria: aplicações da teoria dos jogos e da evolução aos negócios. São Paulo:
Saraiva, 2011. p. 44. 352
John Nash auferiu o prêmio nobel de matemática ao construir sua teoria mais tarde cunhada de “equilíbrio
Nash”. A vida do matemático foi retratada no filme "A Beautiful Mind” ou “Uma Mente Brilhante” (Ron
Howard, 2002). Segundo Da Rosa, “Embora o filme e o livro tenham pontos de divergência, inclusive com
alguns detalhes sórdidos da vida pessoal de Nash -, ganhou expressão coletiva com o Oscar concedido ao
filme e o interesse por um campo de pesquisa um tanto quanto outsider. A curiosidade impulsionou muitos a
estudar em quê, afinal, a teoria dos jogos poderia auxiliar em suas práticas diárias. ROSA, Alexandre Morais
da. Teoria dos jogos e processo penal: a short introduction. Florianópolis: Empório Modara, 2017. p. 21. 353
ALAN, José Alexandre da Silva Zachia. Novos aspectos relacionados à leniência e à corrupção. Uma
abordagem sob a perspectiva da Teoria dos Jogos. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v.
275, p. 189-222, maio/ago. 2017. p. 212. Disponível em:
<http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/71652/69326>. Acesso em: 20 jan. 2018.
Conforme Robert Cooter e Thomas Ulen: “A solução para este jogo, a confissão por parte de ambos
suspeitos, é um equilíbrio: não há razão para qualquer um dos dois jogadores mudar sua estratégia. Há um
conceito famosos na teoria dos jogos que caracteriza esse equilíbrio – um equilíbrio de Nash. Nesse tipo de
equilíbrio, nenhum jogador individualmente pode se sair melhor mudando seu comportamento desde que os
outros jogadores não mudem o deles. [...]. Mas você deveria observar que essa não é uma solução Pareto-
eficiente para o jogo do ponto de vista dos acusados. Quando ambos os suspeitos confessam, cada um deles
passará 5 anos na prisão. É possível para ambos os jogadores se saírem melhor. Isso aconteceria se ambos
ficassem calados. [...] Está claro que essa solução é impossível porque os suspeitos não podem assumir
156
Nesse contexto de jogo cooperativo, se os participantes tomarem decisões racionais, o
resultado se estabilizará em um quadrante predeterminado, de modo que nenhum deles
conseguirá melhorar seu proveito unicamente a partir da mudança de sua conduta. Mas o autor
acima citado refere que, para além de se equacionar as propostas de modo a que o equilíbrio
de Nash privilegie os resultados pretendidos pelo ente processante, “há também de se garantir
não haja cooperação entre os demais participantes do jogo na ocasião em que se lhes cobra a
realização de suas escolhas”. 354
Laborada esta breve incursão na Teoria dos Jogos, no Dilema do Prisioneiro e, por
fim, no equilíbrio de Nash, cabe reproduzir o reflexivo pensamento de Alexandre Morais da
Rosa, no sentido de que, embora a versão originária do dilema do prisioneiro possa parecer
ingênua, em razão do acesso ao defensor e da possibilidade de comunicação anterior, em
processos envolvendo organizações criminosas e delação/cooperação premiada, sua matriz
teórica pode auxiliar. Isso porque tais casos envolvem diversos potenciais acusados e muita
informação a ser subministrada, afora o uso das prisões cautelares, atuação da mídia e, ainda,
vazamentos táticos de provas. Além disso, considerando que os benefícios de uma delação
dependem de informação valiosa, a demora em delatar pode produzir informações
despiciendas e, por isso, sem valor de troca, tornando premente o concerto prévio de táticas. O
autor conclui que:
Não se pode, todavia, reduzir a teoria dos jogos ao dilema do prisioneiro. É só mais
uma aplicação. Além disso, simplifica a questão, ainda que sirva de metáfora
relevante na compressão jogo processual penal, especialmente o da
delação/colaboração premiada. O que importa sublinhar é que dependeremos da
guerra pela obtenção de informação, táticas dos jogadores, pressuposições e muita
incerteza.355
compromissos vinculantes de não confessar”. COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direto e Economia. Trad.
Luis Marcos Sander e Francisco Araújo da Costa. Porto Alegre: Bookman, 2010. p. 58. 354
Na dicção de Zachia Alan: “[...] caso o policial tivesse deixado de determinar a separação dos investigados na
ocasião em que chegaram à Delegacia de Polícia e tivesse permitido que, por exemplo, combinassem sua
atuação, é bastante provável que o resultado do dilema fosse outro. É que em tendo havido a colusão de
vontades entre os futuros colaboradores, rompe-se a essência do jogo de cooperação, arrastando-se a solução
para outro quadrante que não o do equilíbrio de Nash. (...) Caso tal ocorra, a tendência é que a migração do
resultado se dê para o que lhes garanta a melhor solução compartilhada. No caso deste escrito, fala-se do
quadrante em que ambos negam a prática delitiva e que, a despeito de não lograrem a isenção total de
responsabilidade, logram a obtenção de resultado significativamente mitigado.” ALAN, José Alexandre da
Silva Zachia. Novos aspectos relacionados à leniência e à corrupção. Uma abordagem sob a perspectiva da
Teoria dos Jogos. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 275, p. 189-222, maio/ago. 2017. p.
213. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/71652/69326>. Acesso
em: 20 jan. 2018. 355
MARTINEZ, Ana Paula. Desafios do acordo de leniência da Lei n. 12.846/2013. Revista do Advogado, São
Paulo, v. 34, n. 125, p. 25-30, dez. 2014. p. 27.
157
A respeito da citada “tática dos jogadores e pressuposições”, cita-se, também, Ana
Paula Martinez, para quem existem diversos aspectos relevantes na tomada de decisões sobre
delatar ou não uma prática ilícita perante a autoridade. Primeiramente, delatar poderá
significar, nos casos em andamento, o fim da participação na prática ilícita para o delator,
com o consequente encerramento do aferimento de benefícios oriundos da corrupção, leia-se:
perda financeira para o delator. Por segundo, há também um dano reputacional, porquanto é
factível que o traidor queira seguir atuando no mercado a tal modo que sua decisão de delatar
outras empresas e agentes públicos “pode isolá-lo no futuro, não apenas de arranjos
lucrativos, ainda que ilícitos, mas inclusive de iniciativas legítimas de um setor.” Por último,
ao colaborar com as investigações, o delator expõe a empresa a ações privadas de
indenização, capazes de expor o agente a sanções pecuniárias mais gravosas do que as
próprias potenciais multas impostas pelo ente processante. 356
Segundo Valdir Moisés Simão e Marcelo Pontes Vianna, a decisão de uma pessoa
jurídica pela delação passa pelo cotejamento entre os benefícios oferecidos e os riscos
existentes, tendo em vista que alguns riscos são inerentes a qualquer instrumento negocial,
seja qual for o estágio de consolidação. Dentre eles, os autores destacam os seguintes: a)
Exposição da imagem do colaborador; b) Vazamento de informações antes da celebração do
acordo e c) frustração da negociação.
Dai a importância de que a proposta do acordo de leniência e toda sua negociação
tenha caráter sigiloso (conforme visto no item 3.2.2), vedando-se a divulgação da identidade
da pessoa jurídica e o teor do acordo ainda não celebrado, visto que, acaso um agente tome
conhecimento de que seu comparsa esteja em vias de delatar, sobreviria considerável
possibilidade de que ele adotasse medidas de fraude probatória, como a destruição de
evidências e o assédio no colaborador buscando o constranger a não delatar, expediente que
abalaria o “equilíbrio de Nash” em face do afastamento do requisito da “não cooperação entre
os agentes”. Ainda,
Do ponto de vista da pessoa jurídica, há de se lembrar a importância que sua
imagem tem para seu valor econômico. Dependendo de seu modelo societário, o
impacto do dano reputacional em sua atividade empresarial pode ser bastante
significativo. Basta pensar no caso de empresa que tem ações negociadas em bolsa
de valores. A simples antecipação da existência de tratativas com o governo com
vistas a um possível acordo pode provocar oscilações no seu valor de mercado com
repercussão sobre todos os acionistas. 357
356
ROSA, Alexandre Morais da. Teoria dos jogos e processo penal: a short introduction. Florianópolis:
Empório Modara, 2017. p. 65-66. 357
SIMÃO, Valdir Moisés; VIANNA, Marcelo Pontes. O acordo de leniência na lei anticorrupção: histórico,
desafios e perspectivas. São Paulo: Trevisan, 2017. p. 111-112.
158
Além da complexidade técnica, pois, que circunda o ato decisório de delatar, ele
também repercute na seara da ética de diversos modos (tema do próximo item). Eis ai porque
se revela manifesto o interesse em que o tema dos acordos colaborativos siga sendo alvo de
estudo da doutrina especializada e objeto de permanente reflexão por parte do empresariado.
4.3.1 Enfrentamento das Críticas Jurídicas e Éticas à Delação
Conforme visto no item 3.1.1, o Processo Penal clássico encontra dificuldades para
investigar as complexas ações criminosas que advém da sociedade de riscos, a exemplo dos
crimes antieconômicos e contra o meio ambiente, da criminalidade organizada e dos grandes
riscos industriais; em suma, todo comportamento sentido como ameaça à sociedade
globalmente tomada. Nessa esteira, o paradigma consensual encoraja o autor do crime a
confessar e entregar seus comparsas mediante o fornecimento de provas que facilitem o
aprofundamento das investigações, permitindo, assim, com que o juiz tenha acesso a
documentos que dificilmente teria sem o auxílio do delator.
No entanto, os institutos consensuais plasmados nos acordos colaborativos também
são criticados pela doutrina por fundamentos assemelhados aos vistos quando do exame do
Direito Penal de Risco. Aponta-se a afronta aos direitos e garantias individuais do acusado,
como o direito de não produzir provas contra si, de contraditório358
, ampla defesa, publicidade
e do devido processo legal. Tais postulados seriam violados por força do caráter secreto e
confessório da delação, aliado à impossibilidade de o corréu delatado conferir nos autos tanto
as alegações promovidas pelo delator, quanto a legalidade da fundamentação do acordo.359
Para o jovem jurista Vinicius Gomes de Vasconcellos, atualmente um dos maiores
expoentes nacionais na doutrina sobre a colaboração premiada, o “aniquilamento da
presunção de inocência, pedra de toque do processo penal, especialmente em sua vertente
como regra probatória, que deveria impor a carga da prova integralmente à acusação” é um
dos problemas centrais da justiça criminal negocial. Segundo o autor, impõe-se ao próprio réu
o dever de comprovar a acusação por meio de uma “hipervalorização da confissão
358
José de Assis Santiago Neto verbera que, no lugar do embate de duas versões, o processo vira palco exclusivo
da acusação, na medida em que “a delação/colaboração premiada se trata de método de produção de ‘provas’
que impossibilita o contraditório, não permite que exista participação e fomenta a paranoia inquisitorial”.
SANTIAGO NETO, José de Assis. A colaboração premiada e sua (des) conformidade com o sistema
acusatório e com o modelo constitucional de processo. In: MENDES, Soraia da Rosa (Org.). A
delação/colaboração em perspectiva. Brasília: IDP, 2016. p. 43. 359
COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda; CARVALHO, Edward Rocha de. Acordos de delação premiada e o
conteúdo mínimo ético do estado. Revista Jurídica, Porto Alegre, v. 54, n. 344, p. 91-99, jun. 2006. p. 95.
159
incriminadora”, o que fomenta uma dependência do Estado à colaboração do processado em
razão de sua ineficiência na produção probatória idônea a afastar a presunção da inocência.360
Além disso, o mecanismo também infringiria a ética processual, ao exigir que o
acusado denuncie seus colegas por interesses egoísticos, conforme se passará a demonstrar.
Desde há muito tempo, autores clássicos da processualística criminal chamavam a
atenção para a inexistência de valor probatório na chamada de corréu.361
Por todos, cita-se
Joseph Anton Mittermayer:
O depoimento do cúmplice apresenta também grandes dificuldades. Têm-se visto
criminosos que, desesperados por conhecerem que não podem escapar à pena, se
esforçam em arrastar outros cidadãos para o abismo em que caiem: outros
denunciam cúmplices, aliás, inocentes, só para afastar a suspeita dos que realmente
tomaram parte do delito, ou para tornar o processo mais complicado ou mais difícil,
ou porque esperam obter tratamento menos rigoroso, comprometendo pessoas
colocadas em altas posições.362
Sob o ponto de vista ético, Tales Castelo Branco expressa que o instituto da Delação
Premiada apresenta dois pesos e duas medidas, por trazer: “punições diferentes para
procedimentos totalmente iguais, com recompensas especiais ao traidor, como se a traição
360
Além disso, o autor explica que, com o manejo indiscriminado da colaboração premiada, “o processo penal
tem a sua estrutura distorcida, deixando de ser desenhado a partir de um sistema acusatório, com duas partes
e um terceiro imparcial julgador. A defesa adere à acusação, que tem a sua principal função (acusar e
produzir provas para fundamentar suas imputações) esvaziada, e, por fim, o juiz torna-se, fundamentalmente,
mero homologador do acordo realizado.” VASCONCELLOS, Vinicius Gomes de. Colaboração premiada
no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. p. 45. 361
Para Mariana Lauand, o “chamamento do corréu” é instituto idêntico à delação premiada (incriminação de
terceiro pelo imputado), mas somente poderia ocorrer durante o processo, ao passo que a “delação” pode se
dar em qualquer fase da persecução criminal. LAUAND, Mariana de Souza Lima. O valor probatório da
colaboração processual. 2008. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de
São Paulo, São Paulo, 2008. f. 57-59. 362
MITTERMAYER, Carl Joseph Anton. Tratado da prova em matéria criminal. Tradução Hebert Wüntzel
Heinrich. 3. ed. Campinas: Bookseller, 1996. p. 195. Nessa linha, é bem difundida a proximidade que a
delação possui com os regimes ditatoriais. Em já conhecido manifesto em repúdio a tal expediente, assim se
pronunciou José Sarney: “Era a forma escolhida pelos nazistas para pegar os judeus, técnica de exportação
adotada pelo governo de Vichy, aquele que traiu a França. Na Rússia de Stalin, chegou-se ao máximo da
denúncia premiada erguendo estátuas ao menino Pavlik Morozov, condecorado e elevado a herói porque
denunciara o pai que estava traindo os ideais socialistas! [...] Na revolução de 64 também houve uma onda
avassaladora de denuncismo e de caça aos infiéis. [...] O problema da delação premiada é saber onde está a
verdade e o interesse das pessoas. O que é necessário, desejável e urgente é que os envolvidos não mintam
tanto e falem a verdade. Com esta, nada de prêmio a quem se chafurdou na lama da corrupção. A opção entre
tortura e delação premiada para investigar crimes é trágica para os direitos humanos. Isso é o que se diz no
mundo inteiro.” SARNEY, José. Bordalesa e delação premiada. Folha de São Paulo, São Paulo, 26 ago.
2005. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2608200507.htm>. Acesso em: 10 jul.
2017. Também acerca do regime totalitário soviético, Jean-Claude Carrière narra o seguinte conto filosófico,
titulado de “Uma boa razão”: “Poucos regimes no curso da história do mundo suscitaram tantas histórias
insolentes, ou absurdas, ou cruéis, como o regime soviético. A mais clássica é a que apresenta dois oficiais.
Um pergunta ao outro: - O que pensa sobre o regime, camarada? – A mesma coisa que você, camarada. –
Nesse caso, é meu dever prendê-lo.” CARRIÈRE, Jean-Claude. Contos filosóficos do mundo inteiro.
Tradução Cordelia Magalhães. São Paulo: Ediouro, 2008. p. 142.
160
fosse um valor positivo de caráter humano”.363
Alberto Silva Franco, de semelhante modo,
verbera que a delação premiada é eticamente indefensável porque “se trata de consagração
legal da traição que rotula, de forma definitiva, o papel do delator”.364
Roberto Soares Garcia, ainda, acentua que a
[...] delação sempre é ato imoral e aético, já que a própria vida em sociedade
pressupõe o expurgo da traição das relações sociais e pessoais. A quebra de
confiança que se opera com a delação gera, necessariamente, desagregação, e esta
traz a desordem, que não se coaduna com a organização visada pelo pacto social e
com a ordem constitucional legitimamente instituída.365
Para Edson de Arruda Câmara,
[...] o instituto da delação premiada é fruto sazonado de dois fatores
importantíssimos: o estado de fraqueza moral por que passam as instituições e a
impotência dessas mesmas instituições quanto ao uso de recursos técnicos de
pesquisa criminológica.366
Até mesmo a alteração legal para a denominação “colaboração” é objeto de críticas
por parte da doutrina porque ocultaria o real desiderato de “disfarçar certa conotação antiética
que a conduta em questão possui”. 367
Nesse sentido, Fernanda C. Osório e Camile E. Lima
sustentam que “o abandono do termo ‘delação’ nada mais representa do que verdadeira burla
de etiquetas no qual objetiva-se dar uma visão mais positiva e menos pejorativa do instituto
363
BRANCO, Tales Castelo. Delação e cumplicidade criminosa. Folha de São Paulo, São Paulo, 4 dez. 1994.
Caderno 4, p. 2. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/1994/12/04/cotidiano/7.html>. Acesso
em: 10 jul. 2017. 364
FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 359. 365
GARCIA, Roberto Soares. Delação premiada: ética e moral, às favas! Boletim do IBCCRIM, São Paulo, v.
13, n. 159, p. 2, fev. 2006.
Acerca do desprezo à traição no âmbito das relações sociais, João Ubaldo Ribeiro assevera que “Os próprios
militares e policiais encarregados dos inquéritos tinham desprezo pelos dedos-duros – como, imagino, todo
mundo tem, a não ser, possivelmente, eles mesmos. E, superado aquele clima terrível seria de se esperar que
algo tão universalmente rejeitado, epítome da deslealdade, do oportunismo e da falta de caráter, também se
juntasse a um passado que ninguém, ou quase ninguém, quer reviver. Mas não. O dedurismo permanece vivo
e atuante, ameaçando impor traços cada vez mais policialescos à nossa sociedade. [...]. Sei que as intenções
dos autores são boas, mas sei também que vem do desespero e da impotência e que terminam por ajudar o
quadro lamentável em que vivemos, pois o buraco é bem, mas bem mesmo, mais embaixo”. RIBEIRO, João
Ubaldo. Opinião. Jornal O Globo, Rio de Janeiro, 17 dez. 1995. 366
O autor também utiliza a analogia entre os delatores e os famosos traidores da história, tais como Judas
Iscariotes, que traiu Jesus Cristo, e Joaquim Silvério dos Reis, que denunciou Tiradentes: “Desço, pois, aos
infernos onde se encontram Judas Iscariotes, Domingos Fernandes Calabar e Joaquim Silvério dos Reis para
dizer em bom som que delação é coisa suja, muito suja, campeã das coisas mais reles e indignas desse mundo
e todo delator é a escória maior da sociedade, pouco se importando se se trate de delação legal ou não. E,
ainda que legal, a delação continua a ser imoral, já que o Direito e Moral não se confundem, embora o ideal
do Direito é que suas normas sejam todas imbuídas do mais profundo caráter moral e ético. Mas nós, juristas,
sabemos que não é bem assim.” CÂMARA, Edson de Arruda. Delação premiada: moral ou imoral? Avanço
ou retrocesso? Revista Prática Jurídica, São Paulo, v. 4, n. 45, p. 48-50, dez. 2005. p. 48. 367
BITENCOURT, Cezar Roberto; BUSATO, Paulo César. Comentários à Lei de Organização Criminosa.
Lei n. 12.850/2013. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 115.
161
(como se isso fosse possível), a fim de que o agente passe a ser visto como um colaborador da
justiça e não um traidor”. 368
As críticas referenciadas apontam, pois, para o problema ético existente na postura
estatal de incentivo à traição mediante o oferecimento de benefícios, a tal ponto que, nesse
sentido crítico, o legislador pátrio teria sido claramente “contagiado pela euforia trazida pela
operação italiana mani pulite (mãos limpas), como se fosse possível resolver toda a
criminalidade em apenas um lampejo de ideias mal traduzidas.” 369
No mesmo norte aponta Heloísa Estellita, para quem o tema da delação premiada
desafia questões que vão desde “a sua conveniência político criminal, passando por sua
apreciação sob o ponto de vista da quebra da ética ínsita ao Estado Democrático de
Direito.”370
Paulo Cláudio Tovo, de modo semelhante, afirma que a delação premiada se
constitui de uma violação ética que importa na confissão de que o Estado não tem capacidade
científica de chegar à verdade.371
Já Juliano Keller do Vale pondera que a redenção como
parte integrante do prêmio concedido para a prática da delação constitui “exemplo mais do
que evidente da desintegração social mediante o estímulo à traição, que afronta
indelevelmente o princípio da dignidade da pessoa humana.”372
As passagens e apontamentos colacionados testificam que os acordos colaborativos
colecionam críticas por incentivar a traição, o que provocaria implicações de natureza ético-
moral. Conforme a visão exposta, não é desejável que o Estado incentive conduta – traição –
que gere desconfiança e desordem social, vigendo uma resistência cultural à delação, em face
do negativo estigma do delator,373
referido como “X-9”, “dedo-duro”, “alcaguete”374
.
Exemplos dessa resistência cultural podem ser encontrados na jurisprudência nacional:
368
OSÓRIO, Fernanda C; LIMA, Camile E. Considerações sobre a colaboração premiada: análise crítica do
instituto introduzido com o advento da Lei n. 12.850/2013. In: PRADO, Geraldo; CHOUKR, Ana Cláudia;
JAPIASSÚ, Carlos Eduardo (Org.). Processo penal e garantias. Estudos em homenagem ao professor
Fauzi Hassan Choukr. Florianópolis: Empório do Direito, 2016. p. 156. 369
FONSECA, T. D.; FRANZINI. M de O. Delação premiada: metástase política. São Paulo: Boletim
IBCCrim, São Paulo, v. 13, n. 156, p. 9, nov. 2005. 370
ESTELLITA, Heloísa. A delação premiada para a identificação dos demais coautores ou partícipes: algumas
reflexões à luz do devido processo legal. Boletim IBCCrim, São Paulo, n. 202, p. 2-4, 2009. p. 2. 371
TOVO, Paulo Cláudio. Opinião sobre investigação criminal. Boletim IBCCrim, São Paulo, n. 154, p. 9,
2005. 372
VALLE, Juliano Keller do. Crítica à delação premiada: uma análise através do garantismo penal. São
Paulo: Conceito Editorial, 2012. p. 114. 373
Conforme Miguel Reale Júnior citado por Ferraz Júnior: “A americanização do Direito, especialmente nessa
área, o problema da leniência, passa por cima de qualquer princípio ético. É o autor do fato delituoso, que se
mantém beneficiário, até o instante em que vê a casa cair e denuncia os seus comparsas. E o Estado se vale
do delator, do covarde, para querer condenar os outros. É o Estado antiético, que alimenta a delação. Até
criminoso tem de ter a sua dignidade.” FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Indício e prova de cartel:
palestra proferida em reunião do Conselho Superior de Assuntos Jurídicos e Legislativos realizada em 27 de
março de 2003 na sede da Fiesp/Ciesp. São Paulo: CONJUR, 2003. Disponível em:
<http://www.terciosampaioferrazjr.com.br/?q=/publicacoes-cientificas/116>. Acesso em: 10 jun. 2017.
162
[...] não recepciono o acordo de leniência como instrumento suficiente a embasar a
busca e apreensão, assemelhando-se à delação, pois por si é eticamente condenável,
posto que seu autor, como partícipe da conduta ilegal detém moral questionável para
servir de prova.375
Ana Carolina Pereira C. F. Lamy assevera que “o ponto central da crítica é que a
delação apenas justifica investigações deficientes, sendo um paliativo à parca atuação do
Estado”, visto que “estaria consubstanciada em meio pelo qual o Ministério Público, titular da
ação penal pública incondicionada, poderia buscar elementos de convicção aptos a
fundamentar o sumário de culpa, isentando-se da coleta das provas necessárias”.376
Na mesma
exegese, Michele B. Brito expressa que o processo penal não pode se tornar um mero
instrumento fictício para confirmação sistêmica dos elementos produzidos por meio da
colaboração premiada.377
Por fim, José de Assis Santiago Neto aduz que a delação fomenta
um quadro mental paranoico, visto que a “confiança cega na versão de um delator leva à
formação de uma hipótese a qual se passará a buscar qualquer elemento que seja que a
fundamente, pouco importando a (re) construção dos fatos através dos argumentos e
provas”.378
Nessa exegese, a barganha com o acusado em troca de informações eficazes à
elucidação dos fatos e identificação dos demais acusados evidencia a total inoperância do
Estado em combater a criminalidade organizada. Volta-se, aqui, mais uma vez, a problemática
dos consectários da sociedade de risco e da decorrente expansividade do direito penal,
ensejando a criação de novos mecanismos jurídico-penais. Em razão do caráter ágil, oculto e
por vezes efêmero dos novos perigos, o Direito Penal de Risco vale-se de instrumentos como
os dos acordos e delações. Tais instrumentos, dentre outros expedientes estudados no item
374
Ana Paula Martinez explica que “X-9 era o nome de um agente secreto de historinha em quadrinhos criada
em 1934 por Dashiell Hemmet e Alex Raymond. X-9 também era o nome de um dos pavilhões do extinto
presídio Carandiru, para onde eram enviados os presos que estavam sujeitos à agressão física por parte dos
demais, como delatores e estupradores. A expressão “dedo-duro” remonta ao fato de que aquele que delata
aponta para alguém, tem o dedo duro. Por fim, alcaguete é palavra de origem árabe, alcahuete, que significa
alcoviteiro”. MARTINEZ, Ana Paula. Desafios do acordo de leniência da Lei n. 12.846/2013. Revista do
Advogado, São Paulo, v. 34, n. 125, p. 25-30, dez. 2014. 375
SÃO PAULO; MATO GROSSO DO SUL. Tribunal Regional Federal 3. Região. Processo n.
2006.03.00.017554-7, Des. Alda Bastos, São Paulo, SP, 13 de julho de 2006. p. 4. Disponível em:
<http://web.trf3.jus.br/consultas/Internet/ConsultaProcessual/Processo?NumeroProcesso=20060300017554>.
Acesso em: 20 set. 2017. 376
LAMY, Anna Carolina Pereira C.F. Reflexos do acordo de leniência no processo penal: a implementação
do instituto ao direito penal econômico brasileiro e a necessária adaptação ao regramento constitucional. Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2014. p. 26-27. 377
BRITO, Michelle B. Delação premiada e decisão penal: da eficiência à integridade. Belo Horizonte:
D’Plácido, 2016. p. 73-74. 378
SANTIAGO NETO, José de Assis. A colaboração premiada e sua (des) conformidade com o sistema
acusatório e com o modelo constitucional de processo. In: MENDES, Soraia da Rosa (Org.). A
delação/colaboração em perspectiva. Brasília: IDP, 2016. p. 42.
163
3.1.1, são vistos como mais eficientes na proteção de bens jurídicos relacionados à atual
complexidade das relações sociais, responsável por ampliar os espaços de riscos jurídicos
penalmente relevantes, o que descortina a opção por mais Direito Penal em termos
qualitativos e quantitativos.379
Esta expansividade desordenada molda o direito penal da prevenção, marcado por
restrições à segurança jurídica em prol da maior efetividade da intervenção penal,380
pela
existência de uma marcante tendência “premial” (desconto de pena ou benefício
penitenciário) aos acusados que colaborarem (acordarem/delatarem) com a apuração dos
fatos, bem como pela adoção de procedimentos abreviados.381
Dentro desta ambiência crítica, Luiz Flavio Gomes aponta a falta de um regramento
harmônico e coerente acerca de delação premiada. Ele defende a necessidade do Estado
aparelhar-se cada vez mais, de modo a não carecer da delação. Enquanto tal não ocorre, a
prioridade deve ser o detalhamento legal do instituto, a fim de se evitarem denúncias
irresponsáveis, o sensacionalismo da mídia e a precipitação das autoridades legais
constituídas.382
De outro lado, em que pese a eloquência dos argumentos desfavoráveis à delação
premiada, o panorama atual do campo jurídico brasileiro direciona-se para a aplicação do
instituto premial sob o baluarte da constitucionalidade e da moralidade. Muitos doutrinadores
aceitam o uso da delação ao avaliar a sua inegável serventia perante a acentuada lesividade
das organizações criminosas e a dificuldade no seu enfrentamento. Na dicção de José
Alexandre Marson Guidi, “apesar de ser severamente criticada pela esmagadora maioria da
doutrina, o instituto da delação premiada tem inúmeras vantagens e, com certeza, é uma forma
muito eficaz de combater a criminalidade organizada.” 383
Além disso, conforme explica Alfredo Falcão, a confissão pode representar
arrependimento e recuperação e, por fim, quando o Ministério Público oferecer a denúncia, o
379
SILVA SÁNCHEZ, Jesús María. La expansión del derecho penal. Aspectos de la Política Criminal en las
sociedades postindustriales. 2. ed. Buenos Aires: S. L. Civitas Ediciones, 2006. p. 20. 380
FARIA COSTA, José de. Direito penal e globalização: reflexões não locais e pouco globais. Coimbra:
Coimbra, 2010. p. 60. 381
GOMES, Luiz Flávio. Crime Organizado: enfoques criminológico, jurídico (Lei 9.034/95) e político-
criminal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 47. 382
GOMES, Luiz Flávio. Corrupção política e delação premiada. Revista Síntese de Direito Penal e Processual
Penal, São Paulo, v. 6, n. 34, p. 18-19, out./nov. 2005.
Acerca da imprecisão científica do tema, Roberto Soares Garcia lembra que com a chancela da delação “o
ordenamento jurídico brasileiro deu a este um colorido algo esquizofrênico: ora a traição é tida como
circunstância agravante ou qualificadora de crime, ora, na forma de delação, pode levar à isenção ou à
diminuição da pena”. GARCIA, Roberto Soares. Delação premiada: ética e moral, às favas! Boletim do
IBCCRIM, São Paulo, v. 13, n. 159, p. 2-3, fev. 2006. p. 2-3. 383
GUIDI, José Guilherme Marson. Delação premiada no combate ao crime organizado: teses inéditas sobre
o tema. São Paulo: Lemos & Cruz, 2006. p. 145.
164
delatado terá acesso às provas e às acusações que a embasam, podendo exercer o contraditório
de modo pleno.384
Assim, trata-se de mera procrastinação do contraditório, a exemplo de
como já ocorre com o inquérito policial.385
Igualmente, inexistiria ofensa ao devido processo
legal porque, ao colaborar com a justiça, o delator aponta os demais autores e esclarece as
circunstâncias do crime, mas tais alegações deverão ser confirmadas mediante outros
elementos probatórios. Na lição de Eugênio Pacelli, “há que observar que a colaboração
premiada no Brasil não dispensa a sentença condenatória, isto é, ela depende da apreciação de
todos os fatos e provas, ao final do que somente a procedência da acusação é que permitirá a
aplicação da pena assim negociada”.386
Consoante esclarece Carlos Fernando dos Santos Lima, as palavras de um colaborador
representam meros indícios de crimes a serem investigados, constituindo caminhos a serem
seguidos e confirmados. Por essa razão, devem ser tratados com o sigilo necessário por duas
razões: preserva “a prova para diligências a serem realizadas – como no caso de busca e
apreensões futuras – e preserva a imagem de pessoas eventualmente implicadas”387
.
Já no concernente à inexistência de legislação específica e coesa sobre o tema,
Marcelo Batlouni Mendroni aduz que, embora coexistam inúmeras leis tratando do instituto,
cada uma delas tem sede própria de aplicação, inexistindo, assim, conflito de normas.388
No pertinente ao argumento de que, com a delação, o Estado admitiria o seu fracasso
em combater a criminalidade organizada, contrapõe-se que, sem a sua adoção, seria muito
difícil descobrir quem é o “chairman” da organização criminosa, pessoa quase sempre bem
sucedida, com grande poder social e laços muito estreitos com o Poder Público. Para Lélio
Braga Calhau, não se pode permitir o uso abusivo da delação premiada, mas “negar a
384
FALCÃO JÚNIOR, Alfredo Carlos Gonzaga. Delação premiada: constitucionalidade e valor probatório.
Revista Eletrônica do Ministério Público Federal, Brasília, DF, p. 1-22, 2011. p. 4. Disponível em:
<http://www.prrj.mpf.mp.br/custoslegis/revista_2011/2011_Dir_Penal_Falcao_Junior.pdf >. Acesso em: 15
out. 2017. 385
No concernente aos acordos de leniência, como visto no item precedente, os eventuais delatados poderão se
defender no Processo Administrativo de Responsabilidade (PAR), inexistindo, pois, violação ao contraditório
e à ampla defesa, visto que estes serão postergados ou diferidos. 386
PACELLI, Eugênio. Curso de Processo Penal. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2016. p. 844.
A esse respeito, Vinicius Gomes de Vasconcellos admoesta: “...é fundamental reforçar a regra de que a
colaboração premiada pressupõe a corroboração da acusação por meio de elementos dela independentes,
mantendo a necessidade de produção probatória e os atos do procedimento de instrução e julgamento. A
colaboração premiada não pode se tornar barganha, devendo-se repudiar a tendência de o processo se tornar
mera farsa para confirmação dos elementos produzidos a partir da cooperação do acusado-delator.”
VASCONCELLOS, Vinicius Gomes de. Colaboração premiada no processo penal. 1ª ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2017, p. 51. 387
LIMA, Carlos Fernando dos Santos. Delação para colaborar com a sociedade. Folha de São Paulo, São
Paulo, 29 ago. 2005. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2908200509.htm>. Acesso
em: 20 set. 2017. 388
MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime organizado: aspectos gerais e mecanismos legais. 2. ed. São Paulo:
Atlas, 2007. p. 38.
165
complexidade e a necessidade do enfrentamento, em especial das organizações criminosas
com a delação premiada, é negar a própria dinâmica da realidade criminológica que nos
cerca".389
Nesse sentido, o acordo sigiloso de delação escuda-se no primado da equidade e da
paridade de armas, encontrando-se em harmonia com os preceitos fundamentais da
Constituição Federal, a exemplo da Justiça e da Segurança.
Ademais, Cibele Benevides Guedes Fonseca explica que, nos crimes graves praticados
por entidades do tipo mafioso, “a lei do silêncio (omertà) é a garantia de sua impunidade, de
modo que a descoberta e o desbaratamento só são possíveis – ou no mínimo menos difíceis –
se alguém de ‘de dentro’ falar”. 390
A valia da delação se constata, também, no âmbito dos esquemas de cartel. Na esteira
da lição de Jindrich Kloub, os cartéis modernos operam em segredo e se esforçam para ocultar
sua existência empregando linguagem codificada, meios de telecomunicações criptografadas,
contas de e-mail anônimas e outros mecanismos sigilosos. Em razão desses expedientes,
desbaratar um cartel se revela de acentuada dificuldade para as autoridades se elas
dependerem apenas dos métodos tradicionais de investigação, a exemplo de pesquisa de
mercado ou reclamações de consumidores e concorrentes, dados externos ao cartel.391
De modo similar, Thiago Marrara esclarece:
[...] negociar não para beneficiar gratuitamente, não para dispor dos interesses
públicos que lhe cabe zelar, não para se omitir na execução das funções públicas.
Negociar sim, mas com o intuito de obter suporte à execução bem sucedida de
processos acusatórios e atingir um grau satisfatório de repressão de práticas ilícitas
389
CALHAU, Lélio Braga. Use com moderação: delação é arma importante para enfrentar crime organizado.
Revista Consultor Jurídico, São Paulo, 29 ago. 2005. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2005-
ago-29/delacao_arma_importante_enfrentar_crime_organizado>. Acesso em: 29 out. 2017. 390
A autora acrescenta: “Neste último [Itália], a partir de acordo de colaboração premiada feito pelo Juiz
Giovanni Falcone com Tommaso Buscetta, foi possível, na década de 1980, desbaratar a associação mafiosa
‘Cosa Nostra’, com base em Palermo, Sicilia. Do mesmo modo, a partir de acordo com Mario Chiesa, na
década de 1990, a Justiça italiana pôde prender e punir organização criminosa envolvendo partidos políticos e
crimes de corrupção arraigados em todo país, na Operação que se iniciou em Milão e que recebeu o nome de
‘Operações Mãos Limpas’ (‘Mani Pulite’).” FONSECA, Cibele Benevides Guedes et al. A colaboração
premiada compensa? Texto para discussão n. 181. Brasília: Núcleo de Estudos e Pesquisas/Conleg/Senado,
2015. 391
No original: “However, as mentioned above, modern cartels, aware of their illegality, operate in secrecy and
oftentimes engage in elaborate efforts to conceal their existence from the authorities. They employ encoded
language, encrypted telecommunication means, anonymous email accounts and other ways of maintaining
secrecy. 5 9. Due to these efforts, learning about the existence of a cartel, as a prerequisite for its
investigation and prosecution, becomes very difficult for competition agencies when relying on traditional
investigative methods, such as market research or complaints from consumers and competitors, which are
essentially sources of information outside the cartel.” KLOUB, Jindrich. Using leniency to fight hard core
cartels – leniency as the most effective tool in combating cartels. In: LATIN AMERICAN COMPETITION
FORUM, 9-10 september, 2009, Santiago, Chile. Forum... Santiago, Chile: IDB, 2009. p. 1-148. p. 7.
Disponível em:
<www.oecd.org/daf/competition/2009%20LACF_UsingLeniencytoFightHardCoreCartels.pdf>. Acesso em:
18 jul. 2017.
166
altamente nocivas que sequer se descobririam pelos meios persecutórios e
fiscalizatórios clássicos.392
Oportuno, ainda, citar a Justificativa da Proposta n. 5 da Campanha “10 Medidas
Contra a Corrupção”, capitaneada pelo Ministério Público Federal (MPF), conforme a qual os
acordos de colaboração premiada ou de leniência, em que o delator se dispõe a esclarecer o
esquema de corrupção e a apontar os envolvidos e os elementos de prova dos ilícitos, em troca
de benefício (prêmio) para reduzir o impacto de suas sanções ou a elas ficar imune,
constituem umas das mais modernas técnicas especiais de investigação (TEI), utilizadas no
mundo inteiro.
Segundo o MPF, além de acelerar a resolução do caso, tal técnica de investigação
“também evita injustiças, já que ninguém melhor do que um coautor da infração, tendo-a
vivenciado, para esclarecer os fatos, a estrutura da organização criminosa, o modus operandi,
bem como para apontar o caminho das provas”.393
Além disso,
[...] quanto ao risco de colaborações mentirosas para ganho indevido de benefício ou
retaliação de outras pessoas, há as regras de segurança do instituto, a saber, a
corroboração (confirmação do depoimento do colaborador com outros elementos de
prova, não valendo o depoimento em si como meio de prova) e a possibilidade de
rescisão do acordo em casos de manipulação da verdade, má-fé ou reincidência na
prática infracional. Não foi por outra razão que em dois dos maiores escândalos
noticiados no Brasil e investigados por meio da Operação Lava-Jato e da Operação
Ararath, sob o controle e supervisão do Ministério Público Federal, houve o
desbaratamento de organizações criminosas com o auxílio da colaboração premiada,
cujo resultado se mostrou mais eficaz para a colheita de provas que o antigo método,
bastante utilizado nas investigações criminais, da interceptação telefônica. Isso
porque a colaboração premiada não só explica a inteligência das provas já colhidas,
mas uma das obrigações do colaborador é a de fornecer meios de prova para a
autoridade competente ou, no mínimo, indicar o caminho onde as evidências podem
ser recolhidas.394
A mesma posição vem sendo constantemente reiterada nas homologações dos acordos
realizadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o qual assentou haver “previsão
em Convenções firmadas pelo Brasil para que sejam adotadas ‘as medidas adequadas para
encorajar’ formas de colaboração premiada (art. 26.1 da Convenção de Palermo) e para
392
MARRARA, Thiago. Acordos de leniência no processo administrativo brasileiro: modalidades, regime
jurídico e problemas emergentes. Revista Digital de Direito Administrativo, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 509-
527, jun. 2015. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/rdda/article/view/99195/98582>. Acesso em: 8
ago. 2017. 393
BRASIL. Ministério Público Federal. 10 medidas contra a corrupção. Brasília, DF, 2015. Disponível em:
<http://www.dezmedidas.mpf.mp.br/apresentacao/conheca-as-medidas/docs/medida_5_versao-2015-06-
25.pdf.>. Acesso em: 20 jan. 2018. 394
Ibid.
167
‘mitigação da pena’ (art. 37.2 da Convenção de Mérida).” Assim, “Os princípios da segurança
jurídica e da proteção da confiança tornam indeclinável o dever estatal de honrar o
compromisso assumido no acordo de colaboração, concedendo a sanção premial estipulada,
legítima contraprestação ao adimplemento da obrigação por parte do colaborador. (...)”.395
Já no respeitante à questão ética envolvendo a traição, a primeira investigação que se
revela premente é se ela existiria entre criminosos. Para José Alexandre Guidi, “é incorreto
afirmar que se o criminoso se arrepender e delatar seus comparsas, estará agindo contra a
ética, pois ele assim estará agindo se não o fizer.”396
Na mesma inteligência, Alexis Brito
pondera que a suposta lealdade entre integrantes de uma mesma organização criminosa “não
passa de uma miragem” porque, na ótica do autor, “a relação entre indivíduos do grupo não se
pauta pela ideia do justo, mas sim do interesse vil e do temor exercido pelos chefes da
organização, apoiado exclusivamente no domínio e uso da força.”397
Eugênio Pacelli se posiciona de semelhante modo:
Ora, a partir de que ponto dos estudos da ética pode-se chegar à conclusão de que a
violação ao segredo da organização criminosa, isto é, ao segredo relativo aos crimes
praticados, pode revelar-se eticamente reprovável? Existiria uma ética afastada de
quaisquer considerações morais, já que a revelação da existência do crime é a
revelação da existência de uma conduta evidentemente contrária à ética e ao Direito?
Existiria, enfim, uma ética criminosa?398
Ana Paula Martinez verbera que associações criminosas são naturalmente instáveis,
inexistindo expectativa de que haja um laço consistente de confiança entre coautores e
partícipes do crime. Desse modo, quem se aventura na senda criminosa, não espera ter dos
seus comparsas o mesmo nível de confiança existente nas relações sociais lícitas. Sob outro
395
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 127.483/PR. Paciente: Erton Medeiros Fonseca.
Impetrante: José Luiz Oliveira Lima e outros. Coator: Relator da PET 5244 do STF. Relator Min. Dias
Toffolli. Brasília, DF, 27 ago. 2015. p. 23-24. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10199666>. Acesso em: 20 mar.
2018. 396
GUIDI, José Guilherme Marson. Delação premiada no combate ao crime organizado: teses inéditas sobre
o tema. São Paulo: Lemos & Cruz, 2006. p. 147. 397
BRITO, Alexis Augusto Couto de. Execução penal. São Paulo: Quartier Latin, 2006. p. 374-375.
Esta é a mesma posição de Eugênio Bucci, para quem a delação premiada “quebra a falsa ‘ética’ do crime
(uma ‘ética’ essencialmente antiética), que se resume à lealdade irracional entre bandidos. Essa lealdade se
funda no medo, não na virtude. Não é por ser virtuoso que os criminosos não se delatam jamais – é por medo
de morrer. Os corruptos notórios que posam de heróis impolutos só porque ‘não entregam’ ninguém não
calam por virtude, mas por medo pusilânime. Nesse quadro, o que a ‘delação premiada’ consegue fazer é
dissolver essa ‘ética’ do crime. Se o ladrão ‘leal’ só é leal porque tem medo, nada mais ético do que levá-lo a
colaborar com a Justiça democrática por uma motivação tão mesquinha quanto o medo: o interesse de ter a
pena abrandada.” BUCCI, Eugênio. A ética do crime e a delação premiada. Revista Época, São Paulo, 20
abr. 2015. Disponível em: <http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/eugenio-bucci/noticia/2015/04/etica-do-
crime-e-delacao-premiada.html>. Acesso em: 18 ago. 2017. 398
PACELLI, Eugênio. Curso de direito penal. 7. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 630-631.
168
aspecto, a autora esclarece que, mesmo em havendo o mesmo grau de confiança, insta
distinguir a existência de dois valores distintos: de um lado, “a proteção de um bem jurídico
que recebe tutela penal – e que, portanto, pressupõe um valor constitucionalmente protegido e
socialmente desejado” e, de outro, a lealdade entre parceiros do crime.399
Ampliando seu raciocínio, a autora explica que o conflito remete à lealdade à
sociedade brasileira versus lealdade entre indivíduos específicos, de modo que a primeira
deve prevalecer, tanto que esta foi a opção do legislador ao introduzir o instituto da
colaboração premiada em diversos diplomas legais a partir de 1990. E o legislador
democraticamente eleito “é a expressão dos desejos de uma sociedade que, por definição, se
alteram ao longo do tempo”400
.
Marcus Cláudio Acquaviva envereda pela mesma senda de que deve ser dada guarida
ao interesse/ética/lealdade social em detrimento da grupal:
Quanto à justificação ética da delação premial reside, a nosso ver, na utilidade
social. Afinal de contas, é notório na doutrina clássica ou moderna que o Direito,
enquanto instrumento de realização da paz social, não é obra para santos, mártires ou
heróis. Se a delação premial merece reprovação absoluta, temos que condenar,
também, a estipulação de recompensa para quem revela o local onde o criminoso se
acha acoutado ou, ainda, o instituto da delação anônima, que tem propiciado a
solução de inúmeros delitos. Além disso, embora a delação premial traga, consigo, a
pecha de “alcaguete” ou “dedo-duro” para o delator que, forçoso admitir, delata ou
colabora apenas no intuito de se safar das penalidades a que está sujeito, também é
verdade que seus comparsas não deixam de ser menos culpados quando supostas
“vítimas” de uma delação [...]. Não há o menor cabimento, portanto, em falar na
injustiça ou imoralidade da delação premial.401
De modo semelhante, mas trocando o enfoque dos interesses da sociedade pela tutela
da legalidade e da democracia, Paulo José Freire Teotônio e Marcus Túlio Alves Nicolino
399
MARTINEZ, Ana Paula. Desafios do acordo de leniência da Lei n. 12.846/2013. Revista do Advogado, São
Paulo, v. 34, n. 125, p. 25-30, dez. 2014. p. 29.
No mesmo tom verbera David Teixeira de Azevedo: “De um lado, o valor positivo de o Estado eficiente e
eficazmente combater a criminalidade; de outro, o valor ético da concessão de benefício legal para quem,
reformulando os valores, pretende orientar a vida aderente às normas jurídicas e sociais.” AZEVEDO, David
Teixeira de. Quando a delação premiada cruza com a ética. O Estado de São Paulo, São Paulo, 16 ago.
2014. 400
Idêntica posição é defendida por Carlos Fernando dos Santos Lima: “Primeiro ponto a ser superado é o da
suposta imoralidade desse acordo, comparado muitas vezes à traição. Amiúde seus detratores equiparam os
investigados/réus colaboradores a Judas Iscariotes ou a Joaquim Silvério dos Reis. Trata-se de imagem forte,
mas destituída de qualquer razoabilidade. Nenhuma pessoa delatada é Jesus Cristo nem Tiradentes. Não há
regra moral na omertà, não se pode admitir como obrigação ética o silêncio entre criminosos. Na verdade, a
obrigação é para com a sociedade. O que existe realmente é o dever de colaborar para a elucidação do crime,
pois esse é o interesse social.” LIMA, Carlos Fernando dos Santos. Delação para colaborar com a sociedade.
Revista Jurídica Consulex, São Paulo, v.11, n. 208, p. 30-31, set. 2005. 401
ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Delação premiada. In: _____. Dicionário acadêmico de direito. São Paulo:
Método, 2005. Apud GUIDI, José Guilherme Marson. Delação premiada no combate ao crime
organizado: teses inéditas sobre o tema. São Paulo: Lemos & Cruz, 2006. p. 148.
169
ponderam não parecerem justas as críticas de que o instituto premiaria o traidor porque, sob o
ponto de vista da sistemática processual, a sua utilização aproxima-se mais da descoberta da
verdade real, permitindo a persecução da pena.402
No mesmo sentido se posiciona David
Teixeira de Azevedo, ao referir que “a delação premiada é instituto jurídico que atende o
interesse estatal de persecução de crimes e o interesse do cidadão” o qual, ao mudar a sua
escala de valores, passa a ter direito a ter a sua “responsabilidade criminal excluída ou
diminuída como resultado da colaboração com a Justiça. Está permeado de eticidade”. E
arremata: “não se pode é prestigiar uma ética torta, fixada na fidelidade de membros de
grupos criminosos”403
.
Do esposado, percebe-se ainda vigorar, no Brasil, relevante controvérsia acerca das
implicações éticas dos institutos colaborativos. A figura do delator como sendo um indivíduo
corajoso e virtuoso, que afronta os riscos da delação para dar cabo a conduta delituosa e
passar a agir conforme o bom direito não é propagada a contento em nosso país – embora haja
nascente doutrina a defender o valor ético daquele que decide colaborar com a Justiça.
Ao largo da divergência doutrinária de caráter ético-jurídico, o Acordo de Leniência
tem se revelado instrumento útil nas investigações e combate aos cartéis, a tal ponto que, nos
Estados Unidos da América, o referido instrumento, no ano de 2015, foi responsável pela
arrecadação de 3,6 bilhões de dólares em multas aplicadas às empresas que foram condenadas
por formação de cartéis.404
Nesse toar, o estabelecimento de mecanismos de incentivo à colaboração de infratores
é um método que se tem propagado no mundo inteiro. Para as autoridades internacionais, ele
se constitui de um moderno meio de prova recomendado por organismos como ONU
(Organização das Nações Unidas) e GAFI/TAFT (Grupo de Ação Financeira contra a
Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo), sendo prevista em dois relevantes
tratados internacionais: a Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade
Transnacional Organizada (Convenção de Palermo)405
e a Convenção das Nações Unidas
contra a corrupção (Convenção de Mérida).406
402
TEOTÔNIO, Paulo José Freire; NICOLINO, Marcus Túlio Alves. O Ministério Público e a colaboração
premiada. Revista Síntese de Direito Penal e Processual Penal, São Paulo, v. 6, n. 21, p. 26-35, ago./set.
2003. 403
AZEVEDO, David Teixeira de. Quando a delação premiada cruza com a ética. O Estado de São Paulo, São
Paulo, 16 ago. 2014. 404
DEPARTMENT OF JUSTICE. Antitrust division. Public documents. Criminal enforcement: fine and jail
charts through fiscal year 2015. Disponível em: <https://www.justice.gov/atr/criminal-enforcement-fine-and-
jail-charts>. Acesso em: 20 nov. 2017. 405
Decreto n. 5.015, de 12 de março de 2004. Promulga a Convenção das Nações Unidas contra o Crime
Organizado Transnacional. Artigo 26 Medidas para intensificar a cooperação com as autoridades
competentes para a aplicação da lei 1. Cada Estado Parte tomará as medidas adequadas para encorajar as
170
Imbuídos dos espíritos dessas recomendações, em outros países, como nos Estados
Unidos da América, os whistleblowers (expressão deslindada no item 3.3.1) são glorificados
como personalidades do ano.407
Embora a percepção da sociedade brasileira não tenha
chegado a tal ponto, a conscientização acerca dos malefícios decorrentes do agir antiético e da
impunidade, conforme visto no item 3.2.1, aos poucos demonstra estar aumentando em escala,
pessoas que participem ou tenham participado em grupos criminosos organizados: a) A fornecerem
informações úteis às autoridades competentes para efeitos de investigação e produção de provas,
nomeadamente i) A identidade, natureza, composição, estrutura, localização ou atividades dos grupos
criminosos organizados; ii) As conexões, inclusive conexões internacionais, com outros grupos criminosos
organizados; iii) As infrações que os grupos criminosos organizados praticaram ou poderão vir a praticar; b)
A prestarem ajuda efetiva e concreta às autoridades competentes, susceptível de contribuir para privar os
grupos criminosos organizados dos seus recursos ou do produto do crime. 2. Cada Estado Parte poderá
considerar a possibilidade, nos casos pertinentes, de reduzir a pena de que é passível um arguido que coopere
de forma substancial na investigação ou no julgamento dos autores de uma infração prevista na presente
Convenção. 3. Cada Estado Parte poderá considerar a possibilidade, em conformidade com os princípios
fundamentais do seu ordenamento jurídico interno, de conceder imunidade a uma pessoa que coopere de
forma substancial na investigação ou no julgamento dos autores de uma infração prevista na presente
Convenção. 4. A proteção destas pessoas será assegurada nos termos do Artigo 24 da presente Convenção. 5.
Quando uma das pessoas referidas no parágrafo 1 do presente Artigo se encontre num Estado Parte e possa
prestar uma cooperação substancial às autoridades competentes de outro Estado Parte, os Estados Partes em
questão poderão considerar a celebração de acordos, em conformidade com o seu direito interno, relativos à
eventual concessão, pelo outro Estado Parte, do tratamento descrito nos parágrafos 2 e 3 do presente Artigo.
BRASIL. Decreto n. 5.015, de 12 de março de 2004. Promulga a Convenção das Nações Unidas contra o
Crime Organizado Transnacional. Brasília, DF, 2004. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5015.htm>. Acesso em: 20 nov. 2017. 406
Decreto 5.687, de 31 de janeiro de 2006. Promulga a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção,
adotada pela Assembléia-Geral das Nações Unidas em 31 de outubro de 2003 e assinada pelo Brasil em 9 de
dezembro de 2003. Artigo 37 Cooperação com as autoridades encarregadas de fazer cumprir a lei 1. Cada
Estado Parte adotará as medidas apropriadas para restabelecer as pessoas que participem ou que tenham
participado na prática dos delitos qualificados de acordo com a presente Convenção que proporcionem às
autoridades competentes informação útil com fins investigativos e probatórios e as que lhes prestem ajuda
efetiva e concreta que possa contribuir a privar os criminosos do produto do delito, assim como recuperar
esse produto. 2. Cada Estado Parte considerará a possibilidade de prever, em casos apropriados, a mitigação
de pena de toda pessoa acusada que preste cooperação substancial à investigação ou ao indiciamento dos
delitos qualificados de acordo com a presente Convenção. 3. Cada Estado parte considerará a possibilidade
de prever, em conformidade com os princípios fundamentais de sua legislação interna, a concessão de
imunidade judicial a toda pessoa que preste cooperação substancial na investigação ou no indiciamento dos
delitos qualificados de acordo com a presente Convenção. 4. A proteção dessas pessoas será, mutatis
mutandis, a prevista no Artigo 32 da presente Convenção. 5. Quando as pessoas mencionadas no parágrafo 1
do presente Artigo se encontrem em um Estado Parte e possam prestar cooperação substancial às autoridades
competentes de outro Estado Parte, os Estados Partes interessados poderão considerar a possibilidade de
celebrar acordos ou tratados, em conformidade com sua legislação interna, a respeito da eventual concessão,
por esse Estrado Parte, do trato previsto nos parágrafos 2 e 3 do presente Artigo. BRASIL. Decreto n. 5.687,
de 31 de janeiro de 2006. Promulga a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, adotada pela
Assembléia-Geral das Nações Unidas em 31 de outubro de 2003 e assinada pelo Brasil em 9 de dezembro de
2003. Brasília, DF, 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-
2006/2004/decreto/d5015.htm>. Acesso em: 20 nov. 2017. 407
TIME. Persons of the year 2002. The whistleblowers, 2002. Disponível em:
<http://content.time.com/time/specials/packages/0,28757,2022164,00.html>. Acesso em: 18 ago. 2017.
O Programa de Leniência já se encontra consolidado no ordenamento jurídico de mais de cinquenta países,
tais quais o Reino Unido, Alemanha, França, Holanda, Canadá, Japão, Coréia do Sul, acentuando-se a não
distante revisão política de leniência pela União Europeia levada a cabo em fevereiro de 2002. GRIFFIN,
James M. The modern leniency program after ten years: a summary overview of the Antitrust Division’s
Criminal Enforcement Program. In: THE AMERICAN BAR ASSOCIATION SECTION OF ANTITRUST
LAW ANNUAL MEETING, São Francisco, 2003. Disponível em:
<http://www.justice.gov/atr/public/speeches/201477.htm>. Acesso em: 10 set. 2017.
171
de modo que a resistência ao instituto outrora nominado de “beijo de Judas”408
parece estar,
gradualmente, minorando. O caminhar desse duradouro processo depende, entre outros
fatores, do uso consciente e técnico da delação pelas autoridades responsáveis409
, as quais
devem atuar despidas de quaisquer inclinações políticas ou escusas. Ademais, sempre se deve
ter presente que a contribuição do delator, mesmo quando presente o requisito da
voluntariedade, nunca é totalmente apartada de seu interesse pessoal de ver minorada a
eventual pena que receberá ao final do procedimento.
Segundo Vinicius Gomes de Vasconcellos, uma vez superada a oposição à expansão
da justiça criminal negocial, “impera a necessidade de adoção de postura cautelosa e
limitadora à colaboração premiada, buscando parâmetros para sua adequada compreensão e
limitação.”, de tal modo que “esse instituto deve ser concebido como mecanismo excepcional,
com critérios restritivos e limitações consolidadas, para afastar eventual amorfismo que
permita abusos e brechas para arbitrariedades.”410
Nesse propósito, os acordos colaborativos
devem ser limitados mediante a adoção de regras transparentes e técnicas. Na dicção de
Andrey Borges de Mendonça, “deve-se ter cautela para não banalizar o instituto”. 411
É por essa razão que não se ignoram as proposições levantadas pela corrente contrária
à adoção dos instrumentos negociais, uma vez que indicam argumentos consistentes para os
riscos da propagação inconsequente dos institutos colaborativos. Caso empregadas com a
sapiência recomendada, as colaborações premiadas – e suas subespécies acordos de leniência
– passarão a, paulatinamente, serem vistas como mecanismos que permitem ao membro da
408
GIORGIS, José Carlos Teixeira. A ética da delação premiada. Zero Hora, Porto Alegre, 18 dez. 2013.
Disponível em: <http://wp.clicrbs.com.br/opiniaozh/page/486/>. Acesso em: 18 set. 2017. 409
A sensatez na utilização de tais instrumentos por parte das autoridades encarregadas, mesmo nos casos em
que o Estado já reúne condições para desencadear uma investigação, permite, conforme acentuam Ayres e
Maeda, “a melhor utilização dos recursos públicos, uma vez que documentos e informações fornecidas para
as autoridades, muitas vezes, somente poderiam ser obtidos por meio de investigações e diligências
custosas.” AYRES, Carlos Henrique da Silva; MAEDA, Bruno Carneiro. O acordo de leniência como
ferramenta de combate à corrupção. In: SOUZA, Jorge Munhós; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro (Org.). Lei
anticorrupção. Salvador: Juspodium, 2015. p. 239-251. p. 241. 410
VASCONCELLOS, Vinicius Gomes de. Colaboração premiada no processo penal. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2017. p. 48. 411
MENDONÇA, Andrey Borges de. A colaboração premiada e a nova Lei do Crime Organizado (Lei
12.850/13). Revista Custos Legis, v. 4, p. 1-38, 2013. p. 7. O mesmo alerta é encontrado na jurisprudência pátria: “A aplicação da delação premiada, muito controversa
na doutrina e na jurisprudência, deve ser cuidadosa, tanto pelo perigo de denúncia irresponsável, quanto pelas
consequências dela advinda para o delator e sua família, no que concerne, especialmente, à segurança.”
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 97.509 MG (2007/0307265-6). Impetrante:
Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais.
Paciente: Deni Antônio dos Santos. Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima. Brasília, DF, 15 jun. 2010.
Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=10726581&nu
m_registro=200703072656&data=20100802&tipo=5&formato=PDF >. Acesso em: 20 mar. 2018.
172
organização criminosa agir conforme a boa ética: cessar a conduta ilícita e colaborar com as
autoridades encarregadas na investigação dos crimes.
4.4 Perspectivas no Enfrentamento da Corrupção Empresarial
Conforme demonstrado na presente pesquisa, ao lançar um pacote legislativo
anticorrupção inspirado em instrumentos adotados em países de origem anglo-saxã (item
3.1.2), o legislador nacional intentou oferecer respostas aos reclamos e protestos da sociedade
civil organizada (item 3.2.1). Nesse propósito, o novo marco legal anticorrupção fundou-se,
especialmente, na consensualidade (item 3.2.2), objetivando estabelecer instrumentos de
cooperação do particular (compliance – item 3.3) e transação entre o Estado e os agentes
processados (colaboração premiada e acordo de leniência – itens 4.1.2 e 4.2.1).
No âmbito criminal, foi instituída a Lei 12.850/2013 (Lei de Combate ao Crime
Organizado), responsável por regulamentar o instituto da colaboração premiada de modo mais
completo em relação aos diplomas legais antecedentes. Conforme visto, tal instrumento
destina-se às pessoas físicas interessadas em: a) reconhecer os atos ilícitos praticados; b)
colaborar com as investigações e c) ressarcir os prejuízos decorrentes de seus atos. Em troca,
o colaborador pode receber imunidade penal, perdão judicial e redução das sanções penais.
Já na seara civil/administrativa, o legislador editou a Lei 12.846/2013 (Lei
Anticorrupção), a qual dispõe sobre a responsabilização de pessoas jurídicas pela prática de
atos corruptivos contra a administração pública, nacional ou estrangeira. Além de relevantes
inovações, como a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica por atos ilícitos praticados
pelos agentes a ela vinculados, o referido diploma legal regulou, no enfrentamento da
corrupção empresarial, duas importantes figuras: a) o compliance e o b) acordo de leniência.
Contudo, como a história não cansa de testemunhar, respostas institucionais açodadas
advindas por ocasião de furores político-sociais são, não raramente, eivadas de atecnias que
emperram a sua efetividade. No caso da Lei Anticorrupção (LAC) não foi diferente,
constatando-se imperfeições relacionadas à ausência de delimitação das funções dos
diferentes órgãos de controle e de sistematização entre as distintas estruturas legais de
repressão à corrupção.
A comprovar esta realidade, foi editada, logo após a vigência da lei em estudo, a
Medida Provisória 705/2015, a qual buscou conferir maior racionalidade sistêmica à LAC e
resolver parte dos problemas relacionados à insegurança jurídica que envolve a aplicação dos
acordos de leniência. As disposições da referida norma, todavia, perderam a sua vigência em
173
razão do cenário político conflituoso que vinha – e ainda vem – imperando no país desde o
avanço da Operação Lava Jato, aliado à resistência institucional encampada pelos órgãos de
controle.412
O insucesso na tentativa de, por meio da própria via legislativa, realizar adequações
técnico-dogmáticas na Lei Anticorrupção conclama o hermeneuta a desvelar os critérios
interpretativos que conferirão melhor aplicabilidade à norma legal. Eis a árdua tarefa, pois,
que desafia a doutrina nacional e que orienta o presente tópico: investigar quais os caminhos
exegéticos possíveis com relação ao acordo de leniência; perquirir quais as centrais
instigações legais que inspiram melhor reflexão; identificar as perspectivas de efetividade do
instituto no enfrentamento da corrupção empresarial e, por fim, perscrutar, em sede de
epílogo, a conexão existente entre o acordo de leniência e o compliance.
4.4.1 Aprimoramento Sistemático-legal e a Medida Provisória n. 703/2015
A Lei Anticorrupção foi sensivelmente alterada pela Medida Provisória de nº
703/2015 (vigente entre 21/12/2015 e 29/05/2016).413
O referido ato normativo foi editado
antes mesmo que fosse celebrado o primeiro Acordo de Leniência, promovendo significativas
alterações nas regras de sua celebração. Como se passará a demonstrar, algumas modificações
se deram sobre pontos que, conforme a doutrina especializada, poderiam representar
insegurança jurídica ao celebrante do acordo ou ofuscar a sua eficácia. Além disso, a apontada
412
“[...] há algo que chama a atenção na MP 703: ela mudou a Lei Anticorrupção antes mesmo desta ser
aplicada. Publicada em agosto de 2013 e regulamentada ao nível federal em março de 2015 (Decreto 8.420 ),
não se tem notícia de que sequer uma punição tenha sido aplicada. Conforme consta de reportagem d’O
Estado de S. Paulo, publicada em 22 de dezembro de 2015, o ‘Cadastro Nacional de Empresas Punidas
(CNEP) está zerado’, muito embora haja 30 processos administrativos em trâmite, 29 dos quais oriundos da
‘Operação Lava Jato’. (Um detalhe curioso está no fato de que o ‘acesso ao sistema é feito de forma restrita
pelos entes públicos para que seja preservada a fidedignidade dos dados registrados’, conforme consta da
página da CGU relativa ao CNEP. Fato que seria risível não fosse verdadeiro: para a CGU, somente os ‘entes
públicos’ são aptos a preservar a ‘fidedignidade dos dados registrados’ em casos de punições sobre atos de
corrupção envolvendo... entes públicos.). Isto é, a Lei Anticorrupção só existe em teoria – e já foi alterada! O
que isto pode significar? Que talvez existam acordos de leniência pendentes, já exaustivamente negociados,
mas que não foram celebrados devido à ausência de normas legais que dessem maiores garantias aos
colaboradores e aos poderes públicos.” MOREIRA, Egon Bockmann. Lei anticorrupção, acordos de leniência
e a MP 703/2015. Gazeta do Povo, São Paulo, 28 dez. 2015. Disponível em:
<http://www.gazetadopovo.com.br/vida-publica/justica-e-direito/colunistas/egon-bockmann-moreira/lei-
anticorrupcao-acordos-de-leniencia-e-a-mp-7032015-8vc5b08d4xmtgmbtfbf4wszei >. Acesso em: 22 nov.
2017. 413
O referido ato normativo foi objeto de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI nº 5466) ajuizada pelo
Partido Popular Socialista (PPS), com pedido de concessão de liminar para suspender integralmente a sua
eficácia. Contudo, em razão da perda de eficácia da MP, a ADI 5466 foi julgada prejudicada por perda
superveniente do objeto, sendo extinta sem resolução de mérito em junho de 2016 pela Relatora Ministra
Rosa Weber. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5466. Brasília,
DF, 2016. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp>. Acesso em:
20 nov. 2017.
174
norma majorou a extensão dos benefícios obtidos com o acordo e, ainda, repercutiu em
previsões pontuais de outras leis afins ao tema anticorrupção.
Conforme leciona o professor Egon Bockmann Moreira, a razão de ser da positivação
dos acordos de leniência reside da na consciência de haver determinados ilícitos que, embora
tragam graves efeitos para a sociedade, são de complexa apuração:
Grandes sociedades empresariais não vão se arriscar à prática de um ilícito
milionário se não possuírem informações que lhes permitam cogitar da certeza da
impunidade. Uma coisa é a propina paga à luz do dia a agentes públicos de baixo
escalão (que exige apenas ganância, ousadia e fraqueza moral dos indivíduos); outra,
muito mais complexa, é a sistematização de contratos (públicos e/ou privados) que
envolvam dezenas – ou centenas – de milhões de reais. Quanto maior o ganho, mais
bem-elaborado, sigiloso e complexo é o delito. Em outras palavras: mais inacessível
às autoridades de controle direto e indireto (Administração Pública, Poder
Legislativo, Ministério Público e Poder Judiciário). Em tais delitos sofisticados,
dificilmente são obtidas provas “de fora para dentro”. Sozinhas, as autoridades
públicas não conseguem desvendá-los. Logo, o caminho é facultar aos envolvidos na
sua prática a possibilidade de se verem isentos de penalidades, desde que forneçam
provas “de dentro para fora”. (...) Mas são poucos os que fornecem provas dessa
ordem por mero arrependimento moral. Faz-se necessária a certeza de que a
colaboração implicará vantagens concretas, de prévio conhecimento do futuro
colaborador (ao menos em termos gerais).414
Para o autor, o núcleo de preocupações da Medida Provisória nº 703 decorre dessa
realidade, advindo daí a ideia de um “acordo”, a envolver a condescendência do Estado para
com a prática de determinados ilícitos.
Das trinta e duas alterações normativas que a Medida Provisória nº 703 gerou na Lei
12.846/2013 e em outros diplomas normativos, Egon Bockmann Moreira aponta três temas
como merecedores de atenção: a definição da autoridade competente para celebrar os
acordos; o impacto nas “declarações de inidoneidade” das Leis de Licitações e a possibilidade
de os acordos serem celebrados em ações de improbidade administrativa.
Acompanhando o doutrinador citado, dedicar-se-ão pontuais ponderações acerca
destes três assuntos, dada a sua inegável relevância e a afinidade tópica que os envolve.
O ente competente para a celebração do Acordo de Leniência, na redação original da
Lei Anticorrupção, é “a autoridade máxima de cada órgão ou entidade”. Pela redação do ato
normativo em análise, ele passou a ser a União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios, que “poderão, no âmbito de suas competências, por meio de seus órgãos de
controle interno, de forma isolada ou em conjunto com o Ministério Público ou com a
414
MOREIRA, Egon Bockmann. Lei anticorrupção, acordos de leniência e a MP 703/2015. Gazeta do Povo,
São Paulo, 28 dez. 2015. Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/vida-publica/justica-e-
direito/colunistas/egon-bockmann-moreira/lei-anticorrupcao-acordos-de-leniencia-e-a-mp-7032015-
8vc5b08d4xmtgmbtfbf4wszei>. Acesso em: 22 nov. 2017.
175
Advocacia Pública, celebrar acordo de leniência”. Portanto, foi transferida a competência para
a alçada de órgãos de controle interno, bem como possibilitada a participação do Ministério
Público ou da Advocacia Pública na celebração.
De acordo com o art. 15 da Lei Anticorrupção – na redação dada pela Medida
Provisória nº 703 –, a instalação do procedimento administrativo, por si própria, já deverá ser
comunicada ao Ministério Público “para apuração de eventuais delitos”. Nesse sentido, Egon
Bockmann Moreira refere que, por essa sistemática, o Ministério Público deveria,
primeiramente, ser comunicado da instalação do processo de responsabilização, a fim de
tomar as medidas julgadas pertinentes na sua esfera funcional e, posteriormente, ser
“cientificado de que foi realizado acordo de leniência sem o seu conhecimento e/ou
participação (com as respectivas consequências quanto à isenção sancionatória)”415
. Além
disso, na hipótese de inexistência de órgão de controle interno, a presença do Ministério
Público passa a se revelar inafastável, visto que nestes casos o acordo “somente será
celebrado pelo chefe do respectivo Poder em conjunto com o Ministério Público” (art. 16, §
13 – incluído pela MP 703). Dessa sistemática se denota sensível enaltecimento do apontado
órgão constitucional, considerado essencial à função jurisdicional do Estado por defender a
ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis, nos
termos do art. 127 da Constituição Federal.
A inclusão do Ministério Público no rol de autoridades legitimadas para o acordo de
leniência sanou relevante omissão da Lei Anticorrupção, uma vez que o referido órgão detém
a legitimidade constitucional para o ajuizamento da ação penal pública contra as pessoas
físicas administradoras das pessoas jurídicas. Para Marcio de Aguiar Ribeiro, a alteração
conferia maior segurança à negociação dos termos do acordo, especialmente em razão dos
reflexos da pactuação nas esferas administrativa e civil, impedindo, por exemplo, o
ajuizamento de ações cíveis e de improbidade administrativa contra a empresa pelo mesmo
objeto do acordo de leniência.416
Segundo o autor:
Tais mudanças, no sentido de harmonizar a atuação dos diversos órgãos públicos
com competência sancionadora, muito se aproximam das alterações inseridas no
programa norte-americano de leniência na década de 90, e que representaram
415
MOREIRA, Egon Bockmann. Lei anticorrupção, acordos de leniência e a MP 703/2015. Gazeta do Povo,
São Paulo, 28 dez. 2015. Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/vida-publica/justica-e-
direito/colunistas/egon-bockmann-moreira/lei-anticorrupcao-acordos-de-leniencia-e-a-mp-7032015-
8vc5b08d4xmtgmbtfbf4wszei >. Acesso em: 22 nov. 2017. 416
Art. 16, §11, acrescido pela MP n. 703/15. BRASIL. Lei n. 12.846, de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a
responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração
pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências. Brasília, DF, 2013. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm>. Acesso em: 23 set. 2015.
176
momento crucial no processo de consolidação do acordo de leniência como um dos
principais instrumentos de combate a desvios praticados por entes empresariais.
Inobstante a perda de eficácia do aludido ato normativo, no campo prático, a
participação do Ministério Público e dos órgãos da Advocacia Pública se apresentará
como medida quase impositiva, aliás, conforme já mencionado, um dos pilares de
sucesso da celebração do acordo de leniência é justamente a transparência de
previsibilidade da atuação do Poder Público, de maneira que interessará a ambas as
partes uma resolução global de todas as implicações decorrentes do ato de
corrupção.417
Além disso, o art. 2º da Medida Provisória n.º 703418
revogou expressamente o
dispositivo da Lei de Improbidade Administrativa que veda a transação, acordo ou conciliação
nas ações daquela seara, alavancando a harmonização das distintas esferas repressivas à
corrupção. Consoante estudado no item 3.2.2, no microssistema legal anticorrupção
estabelecido, existem hipóteses de aplicação de mais de uma sanção na esfera administrativa,
como é o caso, por exemplo, das Leis Anticorrupção, de Improbidade Administrativa e de
Licitações e Contratos Administrativos. Nesse sentido, apontou-se que, embora a doutrina
defenda a viabilidade jurídica da referida concomitância de previsões similares e idênticas,
critica-se o fato da Lei Anticorrupção em nada ter restringido a competência de normas
anteriores que já regulavam as mesmas condutas, tampouco buscado harmonizá-las entre si.
Assim, verificam-se condutas bem similares, às vezes até idênticas, repreendidas em leis
distintas, identificando-se uma “verdadeira superabundância de penas e procedimentos
punitivos sobrepostos”.419
Para Valdir Moisés Simão e Marcelo Pontes Vianna, esta realidade de competências
sobrepostas a diversos agentes institucionais é causadora de grave insegurança jurídica, “uma
vez que os agentes privados não sabem com razoável previsibilidade a qual ação do Estado
estão sujeitos.”420
417
RIBEIRO, Márcio de Aguiar. Responsabilização administrativa de pessoas jurídicas à luz da lei
anticorrupção empresarial. Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 246-247. 418
Art. 2º Ficam revogados: I - o § 1º do art. 17 da Lei nº 8.429, de 2 de junho de1992; e II - o inciso I do §
1º do art. 16 da Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013. BRASIL. Medida Provisória n. 703, de 18 de
dezembro de 2015. Brasília, DF, 2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-
2018/2015/Mpv/mpv703.htm>. Acesso em: 22 jan. 2018. 419
SIMÃO, Valdir Moisés; VIANNA, Marcelo Pontes. O acordo de leniência na lei anticorrupção: histórico,
desafios e perspectivas. São Paulo: Trevisan, 2017. p. 47. 420
“[...] se existe uma certeza por parte da pessoa jurídica que pratica um ilícito é a de que ela estará sujeita a
uma enorme quantidade de processamentos e penalidades, muitas das quais de idêntica natureza e sem
qualquer previsão normativa quanto a regras de compensação entre si, ou ao menos exasperação. [...]
entende-se que esse não é o cenário ideal ao combate à corrupção, quando legislador não prevê de forma
adequada a forma como as normas devem interagir. Esse tipo de situação fica ainda mais evidente quando a
norma acrescenta um meio alternativo de resolução de uma das esferas de responsabilização sem, contudo,
prever as repercussões diretas sobre as demais searas. No caso da LAC, o acordo de leniência firmado
causará efeitos tão somente às sanções administrativas ali previstas e àquelas constantes das normas de
licitações e contratos. A pessoa jurídica colaboradora, entretanto, ficará sujeita à responsabilização judicial
com base na própria LAC e na Lei de Improbidade Administrativa, além das sanções dos Tribunais de
177
Para Harvey Pitt, ex-presidente da Securities and Exchange Commission (SEC), órgão
americano equivalente à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o papel dos governos é
conferir segurança jurídica para que as empresas investigadas possam firmar acordos de
leniência:
É importante para as empresas ter condições de minimizar o número de vezes que
podem ser alvo de penalidades governamentais pelo mesmo delito. Veja só: no
futebol americano, não é permitido ter dez jogadores atacando um só adversário ao
mesmo tempo.421
Por essa razão, a previsão em foco, trazida a lume pela Medida Provisória em análise,
possuía o mérito de unificar, em parte, o sistema repressivo da Lei Anticorrupção (LAC) e da
Lei de Improbidade Administrativa (LIA) porque, como a responsabilização da pessoa
jurídica se dá em face de condutas praticadas por pessoas naturais, na prática é factível
concluir que, em grande parte dos casos, uma vez constatada a responsabilidade
administrativa do ente moral, concomitantemente advirá o ajuizamento de ações penais ou de
improbidade administrativa em desfavor da pessoa física. E, em assim sendo, a possibilidade
legal de realização de transação, acordo ou conciliação em ambas as esferas, LAC e LIA,
constituía medida de atratividade, segurança e transparência do Estado perante os seus
súditos.
Acresça-se que, a rigor, a expressa autorização legal de realização de acordo de
leniência no âmbito da Lei de Improbidade Administrativa constitui a Proposta n. 5 da
Campanha “10 Medidas Contra a Corrupção”, capitaneada pelo Ministério Público Federal.
Segundo constou na Justificativa da Proposta, a lacuna apontada provoca incoerência no
sistema, visto que um mesmo fato pode gerar consequências sancionadoras em diversas
instâncias, gerando “um certo temor ao potencial colaborador de entregar provas em troca de
benefício numa instância e se auto incriminar em outra instância em troca de nenhum
prêmio”.
A Justificativa assevera que, a partir do microssistema anticorrupção, é possível extrair
a autorização normativa para se celebrarem acordos de colaboração no âmbito da improbidade
administrativa. Contudo, “a ausência de norma expressa acaba inibindo o reporte espontâneo
Contas, conforme o caso.” SIMÃO, Valdir Moisés; VIANNA, Marcelo Pontes. O acordo de leniência na lei
anticorrupção: histórico, desafios e perspectivas. São Paulo: Trevisan, 2017. p. 48-49 e 57. 421
VIEIRA, André Guilherme; VALENTI, Graziella. Ex-chefe da SEC diz que governo precisa assegurar
acordos de leniência. Valor Econômico, São Paulo, 13 out. 2015. Disponível em:
<http://www.valor.com.br/politica/4266852/ex-chefe-da-sec-diz-que-governo-precisa-assegurar-acordos-de-
leniencia>. Acesso em: 22 jan. 2018.
178
do investigado e diminuindo substancialmente o número de acordos celebrados nessa esfera
de responsabilidade”. Por tal razão, faz-se necessária a inserção legislativa de acordo de
leniência na Lei de Improbidade Administrativa, “a fim de fechar uma interlocução necessária
e sem antinomias entre as diversas esferas de responsabilidade do nosso direito sancionador, e
em observância às garantias constitucionais dos investigados”.422
A esse respeito, Egon Bockmann Moreira chega a asseverar que a celebração do
acordo de leniência englobante dos sistemas da Lei Anticorrupção e da Lei de Improbidade
Administrativa “esgota as pretensões – materiais e processuais – que porventura o Estado
possa ter em face daquela pessoa jurídica que o celebrou, no que respeita ao fato objeto da
composição”.423
Contudo, a tanto se discorda, visto que o Estado ainda dispõe da seara criminal para,
ao menos indiretamente, atingir as empresas sujeitas a seu império. E, concernente à
imunidade penal, similares são as preocupações que a Lei Anticorrupção inspira ao
hermeneuta atento, visto que a ausência de previsão expressa acerca da participação das
pessoas físicas na negociação e, sobremaneira, da possibilidade de extinção da punibilidade
dos crimes dos agentes envolvidos, configura evidente insegurança jurídica quanto ao exato
alcance do acordo de leniência, como se passará a demonstrar.
Repise-se que as condutas lesivas do art. 5º da Lei Anticorrupção já se encontravam
previamente tipificadas em outros dispositivos legais, a exemplo do Código Penal e da Lei n.
8.666/93, existindo, pois, uma assistemática comunicação da legislação anticorrupção com as
normas penais, inclusive mediante a identidade de conteúdo entre elas.424
Por essa razão,
422
Ainda conforme a Justificativa: “O Brasil dispõe de arsenal legislativo voltado ao combate à corrupção, nas
diversas esferas de responsabilidade (criminal, civil, administrativa e política), podendo-se afirmar a
existência de um verdadeiro microssistema anticorrupção. Assim é que um único fato pode deflagrar a
instauração de diversas esferas de responsabilidade, possibilitando a aplicação de sanções criminais, cíveis,
administrativas e políticas sem que se incorra na vedação do bis in idem. Como todo microssistema –
organismo normativo menor, dentro do sistema jurídico maior – hão de ser garantidas a integridade, a
coerência e a previsibilidade dos seus institutos, fazendo com que as diversas esferas de responsabilidade
conversem entre si e permitam uma aplicação de onde se possa retirar o máximo de efetividade da norma
com o maior grau de segurança jurídica possível. É nesse cenário que se vislumbra a necessidade de
regulamentação do acordo de leniência no âmbito da Lei de Improbidade Administrativa, dando maior
previsibilidade e segurança ao investigado no campo da dimensão premial do direito sancionador.” BRASIL.
Ministério Público Federal. 10 medidas contra a corrupção. Brasília, DF, 2015. Disponível em:
<http://www.dezmedidas.mpf.mp.br/apresentacao/conheca-as-medidas/docs/medida_5_versao-2015-06-
25.pdf.>. Acesso em: 20 jan. 2018. 423
MOREIRA, Egon Bockmann. Lei anticorrupção, acordos de leniência e a MP 703/2015. Gazeta do Povo,
São Paulo, 28 dez. 2015. Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/vida-publica/justica-e-
direito/colunistas/egon-bockmann-moreira/lei-anticorrupcao-acordos-de-leniencia-e-a-mp-7032015-
8vc5b08d4xmtgmbtfbf4wszei >. Acesso em: 22 nov. 2017. 424
Diogo de Figueiredo Moreira Neto e Rafael Véras de Freitas exemplificam: “A primeira conduta punível é a
de ‘prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a terceira
pessoa a ele relacionada’ se assemelha ao crime de corrupção ativa, previsto no art. 333 do Código Penal.”
179
embora não se admita a responsabilidade penal de pessoas jurídicas pela prática de atos
corruptivos, “não há dúvidas sobre a responsabilização penal de pessoas físicas pelos ilícitos
praticados no interesse direto de pessoas jurídicas”.425
Nesse particular, José Alexandre da Silva Zachia Alan apregoa que, inobstante os
ditames relacionados à Lei Anticorrupção tenham natureza eminentemente não penal, urge
reconhecer que a repressão da corrupção e dos seus atos associados costuma aconselhar a
necessidade de um enfrentamento transversal, de modo a se aproveitarem as iniciativas
probatórias em todas as instâncias. Nessa inteligência, eventual acordo de leniência surtirá
efeitos nas exigências a serem feitas, ao investigado, na oportunidade em que se estabelecer a
negociação de colaboração premiada. Para o autor, pois
[...] parece evidente que se no correr da negociação do acordo de leniência se exige
da empresa investigada o reconhecimento da prática do ilícito, é indiscutível que tal
assunção gerará efeitos no âmbito do processo criminal que trate, eventualmente,
dos mesmos fatos e alcance os dirigentes da empresa. 426
A esse respeito, a professora Carla Veríssimo enfatiza que a legitimação do Ministério
Público constitui relevante motivação adicional à estruturação de programas de compliance
criminal pelas empresas investigadas/processadas pela prática de atos lesivos à Administração
Pública quando este for firmado, por exemplo, em paralelo à celebração de acordos de
colaboração premiada com as pessoas físicas envolvidas. Esse nível de resolutividade dos
conflitos, baseado na sua transparente operabilidade e, ainda, na harmonização entre as
instâncias investigatórias, pode contribuir para que os programas de integridade não sejam
adotados pelas empresas apenas depois da ocorrência de fatos lesivos e do início da ação do
Estado para apurá-los, mas preventivamente, em uma análise de custos e benefícios
corporativamente planejada.427
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo; FREITAS, Rafael Véras de. A juridicidade da lei anticorrupção:
reflexões e interpretações prospectivas. Disponível em: <http://www.
editoraforum.com_br/ef/wpcontent/uploads/2014/O1/ART_Diogo-Figueiredo-Moreira-Neto-
etaI_LeiAnticorrupcao.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2017. 425
RIBEIRO, Márcio de Aguiar. Responsabilização administrativa de pessoas jurídicas à luz da lei
anticorrupção empresarial. Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 247. 426
ALAN, José Alexandre da Silva Zachia. Novos aspectos relacionados à leniência e à corrupção. Uma
abordagem sob a perspectiva da Teoria dos Jogos. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v.
275, p. 189-222, maio/ago. 2017. p. 214. Disponível em:
<http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/71652/69326>. Acesso em: 20 jan. 2018. 427
DE CARLI, Carla Veríssimo. Anticorrupção e Compliance: a incapacidade da Lei 12.846/13 para motivar
as empresas brasileiras à adoção de programas e medidas de Compliance. 2016. 342 f. Tese (Doutorado) -
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de Direito. Programa de Pós-Graduação em Direito,
Porto Alegre, BR-RS, 2016. Passim. Disponível em: <http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/149239>.
Acesso em: 11 set. 2017.
180
Por essa razão, Márcio de Aguiar Ribeiro428
aponta a existência de retrocesso com
relação ao modelo de programa de leniência contemplado na Lei do CADE (Lei n.º
12.539/2011), cujo teor expressamente dispõe sobre a participação de pessoas físicas no
âmbito do acordo de leniência e sobre a possibilidade de extinção de punibilidade de crimes
confessados.429
Já com relação à participação obrigatória do Ministério Público, embora a lei
assim não o exija, o CADE, buscando conferir maior segurança jurídica ao acordo de
leniência, promove a interveniência do Ministério Público, conforme se depreende do guia
oficial da autarquia federal acerca do tema:
Muito embora os artigos 86 e 87 da Lei nº 12.529/2011 não exijam expressamente a
participação do Ministério Público para a celebração de Acordo de Leniência
Antitruste, a experiência consolidada do Cade é no sentido de viabilizar a
participação do Ministério Público, titular privativo da ação penal pública e detentor
de atribuição criminal, tendo em vista as repercussões criminais derivadas da
leniência. Assim, o Ministério Público (Estadual e/ou Federal) pode participar da
assinatura do acordo como agente interveniente, mesmo nos casos de carteis
internacionais, a fim de conferir maior segurança jurídica aos signatários do Acordo
de Leniência, além de facilitar a investigação criminal do cartel em face dos demais
envolvidos.430
Conforme visto no item 4.1.3, esta é uma substancial diferença com relação ao Acordo
de Leniência previsto na Lei Anticorrupção, visto que este diploma apenas concede benefícios
428
Na dicção do autor: “Não há dúvidas de que a falta de previsão expressa sobre a participação de pessoas
físicas no curso da negociação e sobre a possibilidade de extinção da punibilidade dos crimes então
relacionados descortina ambiente de insegurança e incerteza em relação à real extensão do acordo de
leniência, fragilizando o juízo acerca de sua exata utilidade. Perceba que a possibilidade de extinção da
punibilidade penal é uma das marcas mais características do modelo de acordo de leniência adotado na
grande maioria dos países, inclusive nos EUA, reconhecido berço da dinâmica do plea bargain.” RIBEIRO,
Márcio de Aguiar. Responsabilização administrativa de pessoas jurídicas à luz da lei anticorrupção
empresarial. Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 247-248. 429
Art. 86. O Cade, por intermédio da Superintendência-Geral, poderá celebrar acordo de leniência, com a
extinção da ação punitiva da administração pública ou a redução de 1 (um) a 2/3 (dois terços) da penalidade
aplicável, nos termos deste artigo, com pessoas físicas e jurídicas que forem autoras de infração à ordem
econômica, desde que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo e que dessa
colaboração resulte: [...] Art. 87. Nos crimes contra a ordem econômica, tipificados na Lei no 8.137, de 27 de
dezembro de 1990, e nos demais crimes diretamente relacionados à prática de cartel, tais como os tipificados
na Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, e os tipificados no art. 288 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de
dezembro de 1940 - Código Penal, a celebração de acordo de leniência, nos termos desta Lei, determina a
suspensão do curso do prazo prescricional e impede o oferecimento da denúncia com relação ao agente
beneficiário da leniência. Parágrafo único. Cumprido o acordo de leniência pelo agente, extingue-se
automaticamente a punibilidade dos crimes a que se refere o caput deste artigo. BRASIL. Lei n. 12.529, de
30 de novembro de 2011. Estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência; dispõe sobre a
prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica; altera a Lei no 8.137, de 27 de dezembro de
1990, o Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, e a Lei n
o 7.347, de 24 de
julho de 1985; revoga dispositivos da Lei no 8.884, de 11 de junho de 1994, e a Lei n
o 9.781, de 19 de janeiro
de 1999; e dá outras providências. Brasília, DF, 2011. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/Lei/L12529.htm>. Acesso em: 14 ago. 2017. 430
BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Programa de leniência. Disponível em:
<http://www.cade.gov.br/acesso-a-informacao/publicacoes-institucionais/guias_do_Cade/guia_programa-de-
leniencia-do-cade-final.pdf>. Acesso em: 02 nov. 2017.
181
na esfera administrativa. Enquanto no CADE existe a possibilidade de as pessoas física e
jurídica articularem, conjuntamente, a celebração de um acordo, na Lei Anticorrupção tal
hipótese não se afigura viável.
Na esteira do analisado naquele tópico, na Lei do CADE, empresa e funcionários
podem sopesar, em conjunto, os benefícios da leniência e apresentar uma versão mais
completa dos fatos denunciados, pois a imunidade criminal tende a albergar maior
tranquilidade às pessoas naturais interessadas em colaborar com as investigações; já na Lei
Anticorrupção, o panorama de colaboração das pessoas físicas envolvidas na infração é de
mais difícil configuração, sendo mais provável que a empresa se confronte com o dilema de
preservar ou não seus dirigentes e funcionários envolvidos na infração, diante da iminência de
uma persecução criminal.431
Para Guilherme de Souza Nucci, é desarrazoado que o dirigente
da pessoa jurídica admita o cometimento de crimes, colaborando com as investigações, mas
não receba proteção na esfera penal:
Quem, em sã consciência, salva a pessoa jurídica de uma publicação de decisão
condenatória ou de uma ausência de incentivos fiscais, colocando a própria cabeça a
prêmio para ser preso, sem nenhuma vantagem na órbita criminal? Qual dirigente de
uma pessoa jurídica – porque esta não fala sozinha – faz um acordo de leniência para
aquela, enquanto ele mesmo vai encrencar-se em todos os âmbitos, em particular, o
penal?432
Acerca desta disparidade sistemática entre os distintos regimes legais do acordo de
leniência, Márcio de Aguiar Ribeiro lança ponderações conciliatórias:
431
Valdir Moisés Simão e Marcelo Pontes Vianna relacionam a importância da imunidade criminal com a regra
da responsabilidade jurídica empresarial prevista na LAC: “Necessário repisar que a Lei estabeleceu o
critério da responsabilidade objetiva da pessoa jurídica. Portanto, a empresa pode propor o acordo de
leniência sempre que tiver conhecimento de que uma pessoa natural, agindo em seu benefício ou interesse,
tenha praticado um ato ilícito, independentemente da verificação de dolo ou culpa do corpo gerencial da
pessoa jurídica. Esse aspecto é bastante importante, uma vez que, ao não abranger as pessoas naturais, o
acordo também não as conferirá benefícios. Logo, adianta-se, desde já, o dilema proposto pela Lei à pessoa
jurídica candidata ao acordo de leniência. Trabalhando exclusivamente sob o manto da Lei 12.846/2013, a
opção pelo acordo de leniência implica necessariamente a exposição de uma pessoa natural ao devido
processo de responsabilização competente.” SIMÃO, Valdir Moisés; VIANNA, Marcelo Pontes. O acordo
de leniência na lei anticorrupção: histórico, desafios e perspectivas. São Paulo: Trevisan, 2017. p. 87 e 107. 432
NUCCI, Guilherme de Souza. Corrupção Anticorrupção. São Paulo: Forense, 2015. p. 129. Na mesma
dicção, a doutrina de Marrara: “Outro ponto interessante da leniência no combate à corrupção diz respeito aos
efeitos penais e civis. Em regra, não existe nenhum efeito penal. Com isso, a legislação deixou de aproveitar
todas as discussões teóricas travadas no direito administrativo concorrencial e acabou tornando o acordo de
cooperação pouco atrativo. Que pessoa física se motivará a propor o ajuste sob o risco de ser processada
criminalmente? Na medida em que as pessoas jurídicas são movidas por pessoas físicas, será que a falta de
benefícios penais a administradores e dirigentes não brecará acordos buscados pelas próprias pessoas
jurídicas?”. MARRARA, Thiago. Acordos de leniência no processo administrativo brasileiro: modalidades,
regime jurídico e problemas emergentes. Revista Digital de Direito Administrativo, São Paulo, v. 2, n. 2, p.
509-527, jun. 2015. p. 522. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/rdda/article/view/99195/98582>.
Acesso em: 8 ago. 2017.
182
Inobstante tal constatação, não se deve desconsiderar de forma peremptória a
possibilidade de repercussões no acordo de leniência na seara de responsabilização
criminal, a exemplo da suspensão condicional do processo criminal ou, mesmo, a
extinção de punibilidade. Uma opção viável nesse sentido é a participação dos
órgãos de persecução criminal no bojo da negociação em curso, em especial o
Ministério Público. Ou seja, o órgão competente pela responsabilização
administrativa deveria orquestrar a participação conjunta e efetiva do órgão
ministerial na elaboração das cláusulas a serem observadas pelo delator, fazendo
constar, dessa maneira, os efeitos da negociação na seara de responsabilização
criminal.
A mencionada opção demandará, indiscutivelmente, uma maturidade institucional
entre os órgãos detentores da competência para responsabilização administrativa e
criminal, no sentido de viabilizar atuação harmônica e concatenada entre eles.433
Assim, embora a participação do Ministério Público não constitua condição de
validade ou eficácia para o Acordo de Leniência, ela traz mais segurança para a pessoa
jurídica celebrante e para o ente processante.
Nesse desiderato, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei n. 3636/2015 que
promove alterações pontuais da Lei Anticorrupção, dentre elas uma que propõe a inclusão de
um parágrafo único ao art. 30, assim redigido:
O acordo de leniência, quando celebrado em conjunto com órgãos do Ministério
Público com atribuição para exercer a ação penal e a ação de improbidade pelos
mesmos fatos, poderá abranger, em relação às pessoas físicas signatárias, as sanções
penais e por improbidade decorrentes da prática do ato.434
Por fim, Egon Bockmann Moreira destaca, como possível raison d’être da Medida
Provisória 703/2015, a previsão de que o acordo de leniência poderia isentar a pessoa jurídica
não só de algumas das sanções previstas na Lei Anticorrupção, mas também inibir a
incidência de todas as punições relativas “ao direito de licitar e contratar previstas na Lei nº
8.666, de 21 de junho de 1993, e em outras normas que tratam de licitações e contratos” (art.
16, § 2º, inc. I, na redação dada pela MP 703). Assim, caso ocorra a delação, o fato nela
apurado e a ela circunscrito obstará a “que a pessoa jurídica seja decretada inidônea para
participar de licitações e executar contratos com a Administração Pública. Caso já o tenha
sido, esvazia-se a punição pela superveniência do acordo”. Para o professor, aplica-se
analogicamente, à espécie, a única hipótese de retroatividade normativa prevista como direito
433
RIBEIRO, Márcio de Aguiar. Responsabilização administrativa de pessoas jurídicas à luz da lei
anticorrupção empresarial. Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 248. 434
BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei n. 3636, de 16 de novembro de 2015. Altera a Lei nº
12.846, de 1º de agosto de 2013, e a Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, para permitir que o Ministério
Público e a Advocacia Pública celebrem acordo de leniência, de forma isolada ou em conjunto, no âmbito da
Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, e dá outras providências. Brasília, DF, 2015. Disponível em:
<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2055350>. Acesso em: 22 jan.
2018.
183
fundamental, ínsita a todo o Direito Sancionatório – seja ele penal, político, civil ou
administrativo: a lei penal deve retroagir, sempre que possa beneficiar o réu (Constituição, art.
5º, inc. XL).435
Nada obstante, como já referido, com a perda da vigência da Medida Provisória em
análise, a vantagem acima citada foi suprimida, retornando o leque originário e inferior de
benesses do acordo de leniência anticorrupção. A esse respeito, Thiago Marrara ressalta que o
pacote restante de benefícios se revela tímido e mal construído; além do mais, considerando o
fato de que a leniência por atos corruptivos não produz efeitos em processos do CADE ou
naqueles conduzidos com fulcro na Lei de Licitações por outras entidades públicas, “paira
uma dúvida cruel: o instrumento de cooperação criado para o processo administrativo
sancionador em debate é atrativo?”.436
O autor acima citado salienta que o acordo de leniência anticorrupção não gera efeitos
protetivos para o colaborador em outros processos administrativos sancionadores (nessa
hipótese, a falha se percebe também no acordo da lei do CADE). Assim, em face, por
exemplo, de uma prática de cartel licitatório, a realização da leniência com o CADE não
protege o delator contra processos administrativos iniciados pela “entidade lesada com base
na lei anticorrupção ou nas disposições da lei de licitações. Da mesma forma, pelo acordo
assinado com base na Lei Anticorrupção, o colaborador não se imunizará contra sanções
aplicadas pelo CADE.” Disso decorre que, para certas práticas, o infrator interessado em
cooperar com o Estado acabe tendo de buscar inúmeros acordos de leniência para adquirir
uma blindagem minimamente segura. Mas Thiago Marrara adverte que nada garantirá que ele
irá lograr “cumprir todos os requisitos de cada lei para celebrar os vários acordos previstos no
direito positivo – e é esta imprevisibilidade que torna a negociação de um acordo
extremamente arriscada na prática”.437
O autor em foco também aponta aspectos relacionados à esfera civil de
responsabilidade, a qual foi objeto de exame no item 3.2.2, ressaltando que a celebração da
leniência não afasta qualquer pretensão de reparação naquela seara, nos termos do art. 16, § 2º
435
MOREIRA, Egon Bockmann. Lei anticorrupção, acordos de leniência e a MP 703/2015. Gazeta do Povo,
São Paulo, 28 dez. 2015. Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/vida-publica/justica-e-
direito/colunistas/egon-bockmann-moreira/lei-anticorrupcao-acordos-de-leniencia-e-a-mp-7032015-
8vc5b08d4xmtgmbtfbf4wszei >. Acesso em: 22 nov. 2017. 436
MARRARA, Thiago. Acordos de leniência no processo administrativo brasileiro: modalidades, regime
jurídico e problemas emergentes. Revista Digital de Direito Administrativo, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 509-
527, jun. 2015. p. 522-523. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/rdda/article/view/99195/98582>.
Acesso em: 8 ago. 2017. 437
Ibid., p. 518.
184
da LAC.438
Perceba-se que esta realidade permaneceu inalterada mesmo quando da vigência
da Medida Provisória n.º 703/2015. Pelo sistema posto, pois, o acordo de leniência não obsta
a possibilidade de determinação judicial de extinção da pessoa jurídica delatora ou de
suspensão das suas atividades. A colaboração gera benefício no tocante apenas a um tipo
determinado de medida civil que o Judiciário pode aplicar contra o infrator, consistente na
sanção de “proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos
de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo
poder público, pelo prazo mínimo de 1 (um) e máximo de 5 (cinco) anos” (art. 19, IV)439
. A
esse respeito, Thiago Marrara redargui:
Ora, a legislação padece aqui de um grave vício lógico. De que adianta conceder
esse benefício ao infrator colaborador, se a leniência não impede que o juiz
determine a sua extinção como pessoa jurídica? Para que os benefícios sejam reais e
efetivos, portanto, é preciso reinterpretar a Lei Anticorrupção. Embora o art. 16 não
o diga, a leniência impõe uma imunidade também contra a medida prevista no art.
19, inciso III. Se não for assim, de nada adiantará o benefício quanto ao inciso IV.440
Como última reflexão neste item, concernente às alterações levadas a cabo pela
Medida Provisória 703/201 – tendo por enfoque a busca pela melhor forma de enfrentamento
da corrupção empresarial – insta apreciar as modificações levadas a cabo nos elementos
constantes do § 1º do artigo 16, os quais configuram requisitos cumulativos exigidos para a
firmatura dos acordos de leniência.
438
“Art. 16 [...] §2o A celebração do acordo de leniência isentará a pessoa jurídica das sanções previstas no
inciso II do art. 6o e no inciso IV do art. 19 e reduzirá em até 2/3 (dois terços) o valor da multa aplicável.”
BRASIL. Lei n. 12.846, de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de
pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras
providências. Brasília, DF, 2013. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-
2014/2013/lei/l12846.htm>. Acesso em: 23 set. 2015. 439
Art. 19. Em razão da prática de atos previstos no art. 5o desta Lei, a União, os Estados, o Distrito Federal e
os Municípios, por meio das respectivas Advocacias Públicas ou órgãos de representação judicial, ou
equivalentes, e o Ministério Público, poderão ajuizar ação com vistas à aplicação das seguintes sanções às
pessoas jurídicas infratoras: I - perdimento dos bens, direitos ou valores que representem vantagem ou
proveito direta ou indiretamente obtidos da infração, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé;
II - suspensão ou interdição parcial de suas atividades; III - dissolução compulsória da pessoa jurídica; IV -
proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades
públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo mínimo de 1
(um) e máximo de 5 (cinco) anos. § 1o A dissolução compulsória da pessoa jurídica será determinada quando
comprovado: I - ter sido a personalidade jurídica utilizada de forma habitual para facilitar ou promover a
prática de atos ilícitos; ou II - ter sido constituída para ocultar ou dissimular interesses ilícitos ou a identidade
dos beneficiários dos atos praticados. BRASIL. Lei n. 12.846, de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a
responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração
pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências. Brasília, DF, 2013. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm>. Acesso em: 23 set. 2015. 440
MARRARA, Thiago. Acordos de leniência no processo administrativo brasileiro: modalidades, regime
jurídico e problemas emergentes. Revista Digital de Direito Administrativo, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 509-
527, jun. 2015. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/rdda/article/view/99195/98582>. Acesso em: 8
ago. 2017.
185
Na esteira da redação original do dispositivo, estes eram os requisitos necessários para
a realização do acordo de leniência: a) a pessoa jurídica fosse a primeira a se manifestar
acerca do seu interesse em cooperar para a apuração do ilícito; b) houvesse a cessação
imediata da participação da empresa com o ilícito investigado; c) houvesse, também, a
admissão na participação do ilícito e cooperação plena e permanentemente com as
investigações e o processo administrativo, comparecendo, sob suas expensas, sempre que
solicitada, a todos os atos processuais, até seu encerramento.
A Medida Provisória n.º 703/2015, todavia, descaracterizou a exigência de que apenas
a primeira das empresas a procurar o acordo fosse a beneficiada pela leniência, visto que
simplesmente suprimiu o inciso I, do artigo 16, § 1º da LAC.
Neste contexto, deve-se questionar o que tal supressão pode representar em termos
estratégicos de utilização do acordo de leniência.
Em criterioso estudo apresentado no opúsculo “Novos aspectos relacionados à
leniência e à corrupção: uma abordagem sob a perspectiva da teoria dos jogos.”, José
Alexandre da Silva Zachia Alan oferece interessantes reflexões sobre esta questão.441
Para o autor referido, a formulação de estratégia para o dilema do prisioneiro (assunto
tratado no item 4.3) denota que a obtenção dos resultados pretendidos, em impasses nos quais
a informação precisa ser obtida a partir de colaboração, há de se assentar em duas premissas.
Nessa progressão, “a primeira é a formulação de proposta desenhada de tal fórmula a
que os resultados provenientes do equilíbrio Nash sejam suficientes para o sucesso da
investigação”. Conforme visto, no dilema do prisioneiro verifica-se um contexto no qual as
escolhas de ambos os prisioneiros influenciam-se reciprocamente: as opções de cada um
interferirão não apenas na determinação de sua própria pena, mas igualmente na de seu
comparsa; e, examinadas as possibilidades dadas anteriormente, percebe-se que “A” ou “B”
sempre obteriam o melhor resultado caso colaborassem, qualquer que fosse o comportamento
da parte adversa, de tudo se concluindo que ambos os agentes terminariam por confessar seus
envolvimentos no crime.
Desse modo, como visto, do ponto de vista racional, trair seria a estratégia dominante
uma vez que agentes racionais, movidos por interesses próprios, escolherão trair o comparsa.
Tudo isso porque, se o comparsa silenciar, o delator estará livre, mas se aquele também
441
ALAN, José Alexandre da Silva Zachia. Novos aspectos relacionados à leniência e à corrupção. Uma
abordagem sob a perspectiva da Teoria dos Jogos. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v.
275, p. 189-222, maio/ago. 2017. Disponível em:
<http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/71652/69326>. Acesso em: 20 jan. 2018.
186
delatar, ambos serão condenados a uma pena reduzida. Em sendo assim, os dois buscarão
trair. Nessa ambiência estratégica, tudo se assenta no oferecimento de redução de pena apenas
suficiente para os casos de dupla confissão, antevendo-se que o equilíbrio se daria justamente
na dúplice delação.
Prosseguindo no raciocínio do autor, a segunda premissa é a necessidade de que se
rompam os vínculos colaborativos entre os envolvidos no ilícito. Na hipótese clássica do
dilema do prisioneiro, a medida tomada pelo agente estatal a evitar a colaboração pode se
traduzir na colocação dos investigados em salas separadas e na formulação de proposta a que
se devesse decidir imediatamente.
Mas, no caso de empresas envolvidas em atos de corrupção,
[...] é evidente que as autoridades não poderão simplesmente trancar os
representantes em salas distintas, propor-lhes o acordo e aguardar decidam
imediatamente. Então, no ambiente da firmatura dos acordos de leniência a
ferramenta utilizada para a quebra do vínculo cooperativo é justamente estabelecer a
regra de que apenas o primeiro a vir à frente será o beneficiado.
Em outras palavras, viabilizar o benefício da leniência a todos os envolvidos mesmo
tenha havido acordos anteriores importa, na prática, jogar por terra a garantia
estratégica necessária a evitar haja cooperação entre os que recebem as propostas. É
que se todos puderem se beneficiar indistintamente, bastará ao interessado aguardar
a possibilidade da firmatura de acordo por algum interessado. Caso isso ocorra,
bastar-lhe-á endereçar-se a autoridade para dizer que também deseja colaborar e,
também, ser beneficiado. Caso não haja leniência, basta se aguarde o desfecho da
apuração sem a colaboração.442
Em suma, os delatores, pela aplicação direta da teoria conhecida por equilíbrio de
Nash, aplicável aos jogos de cooperação, terminam por escolher a solução ótima para o agente
do Estado (duas condenações, aliadas ao máximo de penas possíveis consideradas as
possibilidades de escolhas postas). Mas, para que o equilíbrio de Nash vigore no contexto de
jogo cooperativo, privilegiando os resultados pretendidos pelo ente processante, há de se
garantir que não impere cooperação entre os demais participantes do jogo na ocasião em que
se lhes interpele a realizar suas escolhas.
Por essa razão, a eliminação do mecanismo da precedência pela Medida Provisória n.º
703/2015 neutralizaria o obstáculo a que os coautores do ilícito traçassem, entre si, vínculos
de cooperação.443
442
ALAN, José Alexandre da Silva Zachia. Novos aspectos relacionados à leniência e à corrupção. Uma
abordagem sob a perspectiva da Teoria dos Jogos. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v.
275, p. 189-222, maio/ago. 2017. p. 216. Disponível em:
<http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/71652/69326>. Acesso em: 20 jan. 2018. 443
O autor esmiúça as possibilidades presentes na redação original da Lei Anticorrupção: “[...] há de se ponderar
que ‘A’ haverá de enfrentar duas possibilidades de atuação de seu adversário. Com efeito, ‘A’ haverá de
ponderar se seu adversário pretende ou não colaborar. Caso compreenda que o adversário pretende colaborar
187
Se pela redação original da Lei Anticorrupção os acordantes se viam impedidos de
colaborar porque somente recebia benefícios o primeiro delator, a possibilidade franqueada
pela Medida Provisória de se conceder benefícios para todos facilita, na ótica de José
Alexandre da Silva Zachia Alan, a que os investigados se aglutinem em grupo de interesses e,
com isso, estabeleçam uma estratégia de “jogo” de feição a maximizar sua obtenção de
resultados.
O autor em exame arremata que o mecanismo estabelecido pela Medida Provisória n.º
703/2015 não permite a obtenção de equilíbrio adequado no enfrentamento da corrupção
empresarial (não há estímulo a que as opções dos investigados se estabilizem). Em assim
sendo, “não se permite ao proponente do acordo – o Ministério Público, a polícia judiciária ou
a autoridade administrativa competente - a possibilidade da montagem de interação vazada
em estratégia que facilite a colaboração.” O regime da medida provisória, pois, permite aos
investigados, “por primeiro, a variação de posições de maneira ampla e, por segundo, a
adesão à colaboração do comparsa”. Enfim,
Diante desse quadro de instabilidade é certo afirmar que se os acordantes
simplesmente aguardam o posicionamento do outro com a possibilidade de adesão
futura, há significativa chance de que a estabilidade termine ocorrendo na não
realização de acordo por nenhum dos envolvidos.444
De outro lado, há quem conteste o critério do primeiro colaborador (“first serve, first
come”), o qual se funda em modelos internacionais consagrados e ao da própria Lei do
CADE. Como analisado no item 4.2.2, no direito concorrencial, o acordo de leniência tem por
desiderato a repressão ao cartel, ilícito exclusivamente plurissubjetivo. Naquele contexto, a
em momento futuro, restam a ‘A’ duas escolhas: 1.) poderá resolver também colaborar, sendo que em tal caso
sua única chance de obtenção do benefício é correr às autoridades para oferecer-se ao benefício de modo
precedente; 2.) poderá recusar-se a colaborar, ocasião em que o benefício será somente alcançado ao seu
comparsa e, ainda por cima, corre o risco de ver produzido contra si farto material probatório decorrente da
assunção do ilícito pelo seu adversário. Então, se o contexto probatório relacionado ao ilícito é contundente e
‘A’ presume que o adversário haverá de colaborar, sua melhor escolha é buscar também a colaboração, o que
haverá de fazer o mais rapidamente possível. Caso ‘A’ preveja que seu adversário não colaborará, restam-lhe
duas alternativas: 1.) caso resolva colaborar, é certo que receberá o benefício integral previsto na legislação;
2.) caso resolva não colaborar, restará juntamente com seu comparsa a aguardar a solução do processo. Então,
caso se verifique que o contexto probatório relacionado ao ilícito investigado é suficientemente firme a
fundamentar eventual condenação, sua opção racional é colaborar.” ALAN, José Alexandre da Silva Zachia.
Novos aspectos relacionados à leniência e à corrupção. Uma abordagem sob a perspectiva da Teoria dos
Jogos. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 275, p. 189-222, maio/ago. 2017. p. 218.
Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/71652/69326>. Acesso em: 20
jan. 2018. 444
ALAN, José Alexandre da Silva Zachia. Novos aspectos relacionados à leniência e à corrupção. Uma
abordagem sob a perspectiva da Teoria dos Jogos. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v.
275, p. 189-222, maio/ago. 2017. p. 220. Disponível em:
<http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/71652/69326>. Acesso em: 20 jan. 2018.
188
previsão possui relevância porque estimula o “vírus da instabilidade” entre os atores
responsáveis pela prática do ato anticoncorrencial, neles criando o contínuo receio de serem
descobertos em razão da delação de quaisquer deles (“neurose do suspense”).
Mas, no contexto da anticorrupção, Márcio de Aguiar Ribeiro alerta que o requisito
em análise se aplica de modo mais apropriado às hipóteses de conluio envolvendo duas ou
mais empresas, tal qual a do ato lesivo consubstanciado no art. 5º, inciso IV, alínea “a”, da Lei
Anticorrupção (“frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro
expediente, o caráter competitivo de procedimento licitatório público”). No concernente aos
demais tipos, o pressuposto perde sua razão de ser, visto que nem todo ato de corrupção será
cartelizado.445
Com base nessa inteligência de que a lógica do acordo de leniência da LAC não segue
necessariamente a da empregada no combate a cartéis, Valdir Moisés Simão e Marcelo Pontes
Vianna opinam que a legislação poderia ter elegido outra via como elemento central para
julgar o grau de efetividade do acordo de leniência: ao invés da ordem cronológica, fosse
valorado o ineditismo da informação trazida pelo proponente. Lastrando-se na concepção de
que novas provas devem ser apresentadas pelos colaboradores,
[...] é natural que os primeiros que as colocarem à disposição estarão em melhores
condições de pleitear o acordo de leniência. Entendemos que assim fica assegurado
o propósito da Lei de haver disputa, entre os potenciais colaboradores, pessoas
jurídicas ou naturais, para buscar o Estado, mesmo que em diferentes searas.446
Para os autores acima citados, pois, o espírito de disputa tutelado pela lei residiria não
na prioridade da manifestação, mas no ineditismo e valia dos informes prestados pela
delatora. Nada obstante, ressalvam não desconsiderarem a potencialidade de infrações serem
perpetradas mediante concurso de empresas. Para esses casos, realmente, tanto o requisito do
ineditismo quanto o da ordem de manifestação de interesse pela delação se afiguram
conjuntamente relevantes, de modo que ambos os critérios devem ser sopesados.
445
RIBEIRO, Márcio de Aguiar. Responsabilização administrativa de pessoas jurídicas à luz da lei
anticorrupção empresarial. Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 236-237. 446
Os autores exemplificam: “[...] é plenamente possível que, numa situação complexa de atos de corrupção,
com o envolvimento de diversas empresas, a primeira pessoa jurídica proponente da leniência colabore de
forma efetiva e celebre o acordo e, ainda assim, o Estado tenha interesse em informações desconhecidas
daquela, mas de domínio de outra empresa também envolvida no ilícito. É plausível que a outra empresa, em
sede do mesmo esquema de corrupção, tenha tido contato mais próximo e indevido com outros agentes
públicos ou, ainda, tenha a guarda de documentos que indiquem a localização de valores ilícitos, cujo
conteúdo não era de conhecimento da primeira empresa colaboradora. Uma eventual colaboração da segunda
empresa não atingiria a finalidade do instrumento da leniência em aumentar a capacidade persecutória do
Estado? Parece-nos que sim.” SIMÃO, Valdir Moisés; VIANNA, Marcelo Pontes. O acordo de leniência na
lei anticorrupção: histórico, desafios e perspectivas. São Paulo: Trevisan, 2017. p. 119-122.
189
Além disso, não é razoável que os benefícios concedidos à primeira delatora sejam
estendidos de modo idêntico às sucessivas candidatas à delação, sob pena de se retornar ao
indesejado cenário de desincentivo à colaboração. Assim, é exatamente “nesse momento que
a norma deveria ter estabelecido uma gradação de incentivos aos colaboradores e não impor a
limitação de que apenas uma pessoa jurídica poderia ser contemplada com o acordo de
leniência”. Tudo isso porque não se aconselha permitir ser vantajoso, do ponto de vista dos
benefícios, que uma pessoa jurídica aguarde a primeira propor o acordo e posteriormente se
apresente como segunda delatora.447
Retorna-se, aqui, à lógica do Dilema do Prisioneiro e do
equilíbrio de Nash.
4.4.2 Uma Palavra Final: a Relação Etiológica entre Acordo de Leniência e Compliance
Consoante exposto no item 3.1.1, na ambiência da sociedade de risco, a inépcia estatal
em combater a nova criminalidade praticada por pessoas físicas e jurídicas detentoras de
sofisticado aparato organizativo, findou por demover as autoridades políticas a buscar outras
frentes de atuação repressiva diluídas na sociedade civil, isto é, compartilhadas com as
empresas e os cidadãos448
, descortinando a promoção à cultura do compliance e a adoção dos
instrumentos colaborativos, a exemplo do acordo de leniência.
No item 3.1.2, por seu turno, logrou-se demonstrar que esta criminalidade oriunda da
sociedade de risco fomentou um novo marco regulatório da global law: o encadeamento de
organizações internacionais atuando em rede com atores públicos e privados (empresas
multinacionais) que se valem de instrumentos oriundos do hard law, do soft law e da
autorregulação empresarial.449
Neste novo marco de prevenção da corrupção globalizada, as empresas são
estimuladas a implantar sistemas investigatórios internos de inibição à prática de delitos; na
hipótese de sua consumação, elas devem os descobrir e os punir450
, adotando medidas
sanatórias e entregando os resultados das investigações internas às autoridades. Assim, elas
447
SIMÃO, Valdir Moisés; VIANNA, Marcelo Pontes. O acordo de leniência na lei anticorrupção: histórico,
desafios e perspectivas. São Paulo: Trevisan, 2017. p. 122-123. 448
GARLAND, David. A cultura do controle: crime e ordem social na sociedade contemporânea. Rio de
Janeiro: Revan, 2008. p. 312. 449
NIETO MARTÍN, Adán. La privatización de la lucha contra la corrupción. In: ZAPATERO, Arroyo; NIETO
MARTÍN, Adán. El derecho penal económico en la era compliance. Valencia: Tirant lo Blanch, 2013. p.
191-209. p. 193. 450
NIETO MARTÍN, Adán. La privatización de la lucha contra la corrupción. In: ZAPATERO, Arroyo; NIETO
MARTÍN, Adán. El derecho penal económico en la era compliance. Valencia: Tirant lo Blanch, 2013. p.
191-209. p. 201-202.
190
passam a ter de fiscalizar atos de seus clientes, parceiros comerciais e empregados,
comunicando operações suspeitas aos órgãos de controle e envidando esforços para evitar que
seus colaboradores pratiquem ilícitos.451
Por tal razão, passa-se a esperar das empresas que implementem efetivos programas de
integridade corporativa.
É nesse contexto de controle anticorrupção e atuação de compliance que veio a lume a
legislação anticorrupção, cuja promulgação atesta a tendência nacional a aderir a um modelo
de direito interventivo no combate à corrupção lastrado na possibilidade de imposição de
sanções dissuasórias de natureza econômica e no fomento à prevenção por meio dos
programas de integridade corporativa.452
Como já anteriormente ressaltado, inaugura-se um novo patamar de exigência, muito
mais rigoroso do que aquele tradicionalmente previsto nas leis empresariais, a exemplo do
presente na Lei das Sociedades de Ações. Ao invés do due diligence negocial, fala-se, agora,
do due diligence anticorrupção, pois a análise não está mais restrita ao mero processo de
tomada de decisão negocial e ao exame da culpabilidade do administrador, mas alcança um
dever de diligência objetivo, referente à conformidade da atuação da empresa às exigências
legais de integridade corporativa e de moralidade administrativa.453
No atual marco legal anticorrupção, a responsabilidade da empresa decorrerá, em
última análise, de sua própria falha na implantação de modelos de conformidade ética e legal
(compliance) apropriados. Para evitar esta consequência, a empresa deve se aliar ao Estado
prevenindo a ocorrência de ilícitos e, não logrando os inibir, investigar o fato e colaborar com
os órgãos estatais na sua apuração.
A lógica é preventiva/acautelatória, uma vez que é de todo viável a adoção de boas
práticas, as quais, senão impeçam, ao menos atenuem os atos de corrupção. Caso tais boas
práticas sejam efetivamente implementadas — dentre elas, o acordo de leniência (ou ao
menos a certeza da alta probabilidade de que ele seja celebrado) — e controladas por meio de
protocolos-padrão, estará criado o ambiente proativo de real combate à corrupção do lado de
dentro das sociedades empresariais.454
451
BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Leis instituem colaboração compulsória contra crimes. Revista Consultor
Jurídico, São Paulo, 19 nov. 2013. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2013-nov-19/direito-defesa-
leis-instituem-colaboracao-compulsoria-crimes>. Acesso em: 20 set. 2017. 452
DEMATTÉ, Flávio Rezende. Responsabilização de pessoas jurídicas por corrupção. Belo Horizonte:
Fórum, 2015. Passim. 453
RIBEIRO, Márcio de Aguiar. Responsabilização administrativa de pessoas jurídicas à luz da lei
anticorrupção empresarial. Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 220-221. 454
MOREIRA, Egon Bockmann; BAGATIN, Andreia Cristina. Lei anticorrupção e quatro de seus principais
temas: responsabilidade objetiva, desconsideração societária, acordos de leniência e regulamentos
191
Egon Bockmann Moreira e Andreia Cristina Bagatin destacam o compliance e o
acordo de leniência como relevantes meios de defesa das empresas no cenário da
responsabilidade objetiva da Lei Anticorrupção:
Aqui surge uma questão relevante: o que se passará àquela pessoa jurídica que,
tendo cumprido todos os requisitos-padrão do compliance, ainda assim veja-se
envolvida por ato de corrupção praticado nos termos do art. 5º da Lei nº
12.846/2013? A própria Lei Anticorrupção fornece a solução para esse dilema, que
pode ser de duas ordens. (...) Por um lado, a Lei nº 12.846/2013 prevê a
possibilidade do acordo de leniência (arts. 16 e 17). Esta solução permite que a
pessoa jurídica, cujo funcionário tenha praticado algum dos atos de corrupção
previstos no art. 5º da Lei nº 12.846/2013, tome a iniciativa e colabore ativamente
com a apuração dos ilícitos e, assim o fazendo de modo eficaz, o acordo a isentará
“das sanções previstas no inciso II do art. 6º e no inciso IV do art. 19 e reduzirá em
até 2/3 (dois terços) o valor da multa aplicável” (art. 16, §2º). Isso importa dizer que
as pessoas jurídicas precisam manter ativos seus sistemas de controle interno e não
devem hesitar em manifestar, de modo inaugural, a colaboração ativa para o acordo
de leniência. Assim, poderão impedir a incidência da regra da responsabilidade
objetiva. Desde a edição da Lei Anticorrupção, todos sabem disso — e, assim,
precisam estabelecer sistemas de controle a montante e a jusante, no começo e no
fim de todos os processos produtivos e negociais (máxime aqueles que envolvam
interações público-privadas).455
Já como “segunda ordem de solução", os autores apontam o art. 7º, inc. VIII da Lei
Anticorrupção, o qual estipula como atenuante para a aplicação de suas sanções “a existência
de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de
irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa
jurídica”.456
É como base nesse mesmo dispositivo que Valdir Moisés Simão e Marcelo Pontes
Vianna apontam outra interessante interconexão entre o compliance e o acordo de leniência e
que repercute no momento apropriado para a proposição do último. Para eles, a referência
genérica presente na legislação ao termo processo administrativo pode dar a errônea ideia de
que o acordo apenas poderia ser firmado depois da instauração do processo administrativo.
Contudo, com base em uma interpretação sistemática457
, pode-se defender que um dos
objetivos da Lei Anticorrupção é o de que as empresas passem a se tornar mais vigilantes da
conduta de seus funcionários, adotando as medidas de integridade pertinentes nos casos de
desvios éticos. Nessa ambiência, os autores asseveram que “apesar de a lei não ter colocado
administrativos. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, v. 12, n. 47, p. 55-84,
jul./set. 2014. p. 55-56. 455
Ibid., p. 69. 456
BRASIL. Lei n. 12.846, de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de
pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras
providências. Brasília, DF, 2013. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-
2014/2013/lei/l12846.htm>. Acesso em: 23 set. 2015. 457
Especialmente fulcrada nos art. 2º e 7º, inciso VIII da Lei Anticorrupção.
192
como uma obrigação da empresa, o mais desejado seria a proposição de acordo de leniência
acerca de fatos sobre os quais a Administração ainda não tem qualquer conhecimento.”458
Nada obstante, enfoca-se que a dicção da norma anticorrupção não veda a proposição
do acordo de leniência em qualquer momento do seu processo administrativo, de modo que
caberá, ao ente processante que já detenha indícios da prática dos atos ilícitos, valorar a
pertinência da aceitabilidade da delação. Essa possibilidade também vai ao encontro da
relevância dos programas de integridade adotados pelas pessoas jurídicas porque, dependendo
da natureza e complexidade dos fatos, a investigação interna da empresa pode demandar
tempo para ser concluída, máxime se o sistema de integridade corporativa não for eficiente.459
O acordo de leniência, pois, busca justamente que a empresa infratora, mediante o
recebimento de benefícios negociados, apresente provas substanciais da prática dos atos
corruptivos, auxiliando, assim, na apuração de ilícitos cuja comprovação é de elevada
complexidade. Mais do que confessar lisamente sua participação na prática da infração,
deverá a delatora expor, detalhadamente, o grau de participação das demais empresas envoltas
no esquema corruptivo, cooperando mediante o fornecimento de todas as informações de que
dispuser a respeito do ilícito.
Nessa lógica cooperativa, a Lei Anticorrupção previu a possibilidade de o Estado
estipular, no acordo de leniência, as condições necessárias para assegurar a efetividade da
colaboração e o resultado útil do processo, de modo que, por tal faculdade, requisitos
adicionais, desde que pertinentes com os termos do acordo, podem ser agregados como
condicionantes à sua celebração. Com o mesmo espírito, o próprio Regulamento Federal
estatuiu a adoção, aplicação ou aperfeiçoamento de programa de integridade como condição
geral à celebração do acordo de leniência.460
E o compromisso em adotar medidas de
autossaneamento (corporate self-cleaning) vai ao encontro com um dos mais relevantes
458
SIMÃO, Valdir Moisés; VIANNA, Marcelo Pontes. O acordo de leniência na lei anticorrupção: histórico,
desafios e perspectivas. São Paulo: Trevisan, 2017. p. 107-108. 459
Em defesa de uma alargada liberdade temporal para a delação, vale citar o pensamento de Ayres e Maeda:
“[...] uma vez concluída a investigação interna ou tendo ela elementos sólidos sobre a ocorrência de atos
lesivos (afinal, a pessoa jurídica também precisará admitir sua participação no ilícito), aí sim poderá a pessoa
jurídica, se for o caso, reportar para as autoridades, colaborando efetivamente com as investigações. É
inegável que as pessoas jurídicas, por estarem próximas aos fatos, têm informações importantes que, sem a
cooperação, as autoridades públicas jamais terão conhecimento. Evidentemente, uma vez que a pessoa
jurídica tenha conhecimento concreto da ocorrência de fatos ilícitos, quanto antes for sua cooperação, maior
deverá ser o seu crédito. Entretanto, limitar a possibilidade de cooperação significa ir na contramão de boas
práticas internacionais no combate à corrupção e fechar os olhos para uma importante fonte de informação.”
AYRES, Carlos Henrique da Silva; MAEDA, Bruno Carneiro. O acordo de leniência como ferramenta de
combate à corrupção. In: SOUZA, Jorge Munhós; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro (Org.). Lei anticorrupção.
Salvador: Juspodium, 2015. p. 239-251. p. 240. 460
Art. 37, IV do Decreto n.º 8.420/2015.
193
pontos da Lei Anticorrupção: a consolidação de um novo paradigma de integridade e
governança corporativa.
Para Carla Veríssimo, a exigência de concordância com cláusulas de aperfeiçoamento
de um programa de compliance acarretará com que as empresas que optem pela negociação
de um acordo de leniência tenham de avaliar a relação entre custo e benefício. Nesse cenário,
a formulação de programa de integridade atua como um relevante componente em uma
estratégia de redução de danos. Nessa linha, o gozo dos benefícios “previstos no acordo de
leniência, ao final de seu cumprimento, dependerá, além do atendimento de outras obrigações
assumidas pela empresa, da comprovação da efetividade do programa ou das medidas de
compliance adotadas”.461
Com efeito, segundo Carla Veríssimo, o compliance anticorrupção transfere, às
empresas, parcela da obrigação de prevenção, descoberta e investigação dos delitos, além da
adoção de medidas corretivas, o que fomenta a privatização da luta contra a corrupção. Nesse
sentido,
[...] a entrega dos resultados das investigações internas às autoridades é estimulada
pelas legislações, sob a promessa de, em retorno à cooperação havida, oferecer uma
sensível redução ou até a isenção das sanções aplicadas às empresas. A obrigação de
implementar ou aperfeiçoar programas de compliance anticorrupção é cláusula
frequente nos acordos de não persecução penal e de suspensão do processo penal
firmados nos Estados Unidos (NPAs e DPAs), e já aparece em contratos de leniência
firmados no Brasil, sob a Lei 12.846/2013.462
461
DE CARLI, Carla Veríssimo. Anticorrupção e Compliance: a incapacidade da Lei 12.846/13 para motivar
as empresas brasileiras à adoção de programas e medidas de Compliance. 2016. 342 f. Tese (Doutorado) -
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de Direito. Programa de Pós-Graduação em Direito,
Porto Alegre, BR-RS, 2016. f. 216-217. Disponível em: <http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/149239>.
Acesso em: 11 set. 2017. 462
“Em agosto de 2015, o Ministério Público Federal firmou acordo de leniência com a Construtora e Comércio
Camargo Corrêa S.A.; neste acordo, a empresa se comprometeu a implantar mecanismos modernos e eficazes
de compliance com as regras de combate à corrupção, ‘os quais, se adotados pelas demais empreiteiras,
implicariam um ambiente corporativo mais limpo e honesto no Brasil.’” BRASIL. Procuradoria Geral da
República. Acordo de leniência com a Camargo Corrêa. Brasília, DF, 21 ago. 2015. Disponível em:
<http://noticias.pgr.mpf.mp.br/noticias/noticias-do-site/combate-a-cor? searchterm=leniência>. Acesso em:
27 jan. 2016. O acordo foi tornado público, embora com algumas restrições, no âmbito da ação de
improbidade proposta contra a empresa na Justiça Federal do Paraná. O termo do acordo pode ser visualizado
nos autos da ação de improbidade administrativa em trâmite perante a 5a. Vara Federal de Curitiba.
PARANÁ. Tribunal Regional Federal da 4. Região. Ação Civil de Improbidade Administrativa nº
5006717-18.2015.4.04.7000 (Processo Eletrônico - E-Proc V2 - PR). Autor: Ministério Público Federal.
Réu: Paulo Roberto Costa. Réu: Construções e Comércio Camargo Correa S.A. Juiza: Silvia Regina Salau
Brollo. Curitiba, 2015. Disponível em:
<https://www2.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?acao=consulta_processual_resultado_pesquisa&txtValor=500
671718.2015.4.04.7000&selOrigem=PR&chkMostrarBaixados=&selForma=NU&hdnRefId=&txtPalavraGer
ada=>. Acesso em: 30 jan. 2016. Este é o primeiro acordo de leniência proposto pelo MPF no bojo do qual
foi imposta a condição de formular e implementar um programa de compliance. DE CARLI, Carla
Veríssimo. Anticorrupção e Compliance: a incapacidade da Lei 12.846/13 para motivar as empresas
brasileiras à adoção de programas e medidas de Compliance. 2016. 342 f. Tese (Doutorado) - Universidade
Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de Direito. Programa de Pós-Graduação em Direito, Porto Alegre,
194
É nesse contexto que se insere a determinação de que o acordo de leniência contenha,
entre outras disposições, cláusula que verse sobre a adoção, aplicação ou aperfeiçoamento de
programa de integridade.463
Segundo a autora acima citada, todavia, ainda não existem
elementos suficientes para se avaliar “a importância que será dada, no âmbito do Poder
Executivo federal, à implementação ou reforço de programas de compliance pelas empresas,
nem se haverá a exigência da instituição de um monitor de compliance”.464
Para além disso, insta ressaltar que, em regra, se a empresa logrou identificar de modo
antecipado a ocorrência de um ato desviante da ética, vindo a investiga-lo e decidindo pela
sua tempestiva comunicação às autoridades competentes, tal se deu “porque detinha os
mecanismos de integridade para tanto. Ou seja, em determinado momento, a empresa decidiu
implementar um conjunto de ferramentas que lhe foi sugerido pelo Estado e o sistema
funcionou.”
Nesse aspecto, debate-se se a normatização anticorrupção não poderia ter sido mais
benéfica com as empresas delatoras que demonstrassem ter apurado os fatos em decorrência
de um eficiente programa de compliance, por vezes descobrindo fatos que não eram de
qualquer conhecimento do ente processante. Veja-se que, conforme visto nos itens 4.1.2 e
4.1.3, enquanto a legislação antitruste permite a extinção da ação punitiva da administração
pública e isenta a empresa de qualquer sanção administrativa, a colaboração premiada
criminal permite o perdão judicial.465
BR-RS, 2016. f. 138-139. Disponível em: <http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/149239>. Acesso em: 11
set. 2017. 463
Art. 37, IV do Decreto n.º 8.420/2015. 464
“Ao examinar a legislação anticorrupção brasileira, a OCDE também se preocupou com a capacidade da
CGU em avaliar os programas de compliance e sua implementação, questão de particular complexidade
quando for o caso de operações internacionais e entidades ou subsidiárias [ORGANISATION FOR
ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT, 2014, p. 28]. No caso de acordos de leniência, a
utilização de um monitor de compliance poderá ser uma solução a ser experimentada.” DE CARLI, Carla
Veríssimo. Anticorrupção e Compliance: a incapacidade da Lei 12.846/13 para motivar as empresas
brasileiras à adoção de programas e medidas de Compliance. 2016. 342 f. Tese (Doutorado) - Universidade
Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de Direito. Programa de Pós-Graduação em Direito, Porto Alegre,
BR-RS, 2016. f. 138 e 272. Disponível em: <http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/149239>. Acesso em:
11 set. 2017. 465
Conforme Valdir Moisés Simão e Marcelo Pontes Vianna, “Talvez a anistia completa da sanção pecuniária da
LAC fosse hipótese interessante a ser reservada nos casos em que o fato trazido pela pessoa jurídica é
absolutamente inédito para o Estado e as provas disponibilizadas possibilitam de forma robusta a persecução
penal, administrativa e cível de todas as pessoas naturais envolvidas. Em outras palavras, todas as finalidades
do acordo de leniência teriam sido atingidas em seu alcance máximo. Colocar-se na perspectiva da empresa,
nesse caso, pode auxiliar o exercício hipotético. A (incerta) redução em até dois terços da multa
administrativa talvez não seja incentivo suficiente para uma empresa reportar de forma espontânea uma
ocorrência que implique sua responsabilização. Ainda que ela não esteja preocupada com a repercussão para
as pessoas naturais envolvidas na situação, o corpo diretivo da empresa deve levar em consideração a
necessidade de assumir o pagamento do valor pecuniário, além da reparação do dano causado.” SIMÃO,
Valdir Moisés; VIANNA, Marcelo Pontes. O acordo de leniência na lei anticorrupção: histórico, desafios
e perspectivas. São Paulo: Trevisan, 2017. p. 107-108 e 130-131.
195
Conforme Thiago Marrara, embora a Lei Anticorrupção estipule que a celebração do
acordo de leniência isentará a pessoa jurídica das sanções de publicação extraordinária da
decisão administrativa condenatória e reduzirá em até 2/3 o valor da multa aplicável, ela não
define o benefício mínimo em relação à multa, resumindo-se a prever o desconto máximo de
2/3. O autor critica que a lei não prevê qualquer tipo de isenção de multa, além de, tampouco,
fazer a importante diferenciação entre a leniência prévia e a leniência concomitante. Na sua
dicção,
[...] na defesa da concorrência, a leniência prévia é estimulada com benefícios
maiores (isenção de multa), mas no combate à corrupção, não há qualquer variação.
Certamente, essa lacuna apenas servirá para desestimular acordos anteriores ao
processo administrativo.466
Pierpaolo Cruz Bottini critica de maneira mais enérgica a possibilidade legal vigente
de que uma empresa que adota medidas sérias e efetivas de compliance possa ser penalizada.
Segundo o autor, a responsabilidade objetiva empresarial estatuída pela Lei Anticorrupção
permite que mesmo pessoas jurídicas que não tenham deliberado cometer atos corruptivos;
mas que, ao revés, detenham efetivos sistemas de compliance, possam vir a ser punidas caso
sejam beneficiadas pela conduta ilícita de seus colaboradores. E, tudo isso, mesmo que a
corrupção tenha sido detectada e investigada pela própria corporação, bem como
imediatamente comunicada às autoridades competentes. Assim,
[...] imaginemos uma empresa cujo setor de compliance detecta um funcionário que
oferece vantagens a servidores públicos para obter contratos, ampliando seu bônus
em vendas com tal prática. Em seguida, a instituição apura os fatos, junta
documentos, e comunica a prática às autoridades do ente afetado. É justo e correto
que os danos eventualmente causados sejam suportados pela empresa, que foi
beneficiada. Mas não parece adequado que a pessoa jurídica, que não decidiu pelo
ato, e que não foi imprudente – ao contrário, dispunha de um sistema de integridade
que detectou o ato – seja castigada com as sanções previstas nos artigos 6º e/ou 19
do diploma.
Ainda que a multa seja pequena – reduzida a 0,1% do faturamento bruto com um
desconto de 2/3 por uma eventual leniência – não parece ser aplicável. Não se trata
de tamanho, mas de princípio. Impor a pena neste caso é admitir que se castigue um
ato sem culpabilidade, algo que não se justifica em um Estado cuja constituição
prevê a intranscendência da pena.467
466
MARRARA, Thiago. Acordos de leniência no processo administrativo brasileiro: modalidades, regime
jurídico e problemas emergentes. Revista Digital de Direito Administrativo, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 509-
527, jun. 2015. p. 521-522. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/rdda/article/view/99195/98582>.
Acesso em: 8 ago. 2017. 467
BOTTINI, Pierpaolo Cruz. A controversa responsabilidade objetiva na Lei Anticorrupção. Revista Consultor
Jurídico, São Paulo, 9 dez. 2014. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2014-dez-09/direito-defesa-
controversa-responsabilidade-objetiva-lei-anticorrupcao>. Acesso em: 10 jan. 2018.
Merece ser dito que esta inteligência parece ser uma tendência nos ordenamentos jurídicos de outros países
com tradição na regulação do tema, a exemplo do FCPA, o qual, segundo Simão e Vianna, embora não
196
O ponto defendido por Pierpaolo Cruz Bottini foi encampado pelo Instituto Brasileiro
de Direito Empresarial (IBRADEMP), o qual elaborou extenso relatório baseado na
experiência de outros países. Dentre as recomendações, constou sugestão de redação legal
com o desiderato de promover o empenho das empresas a aperfeiçoarem seus programas de
compliance mediante a concessão de benefícios que incluíam a exclusão da aplicação das
sanções, assim:
Art. X° - Levar-se-ão em consideração na aplicação das sanções administrativas e
judiciais desta lei:
§ 3° - A existência efetiva de mecanismos e procedimentos mencionados no inciso
VIII, na ocasião da conduta lesiva, e/ou a cooperação mencionada no inciso VII
excluirá / poderá excluir a aplicação de sanções administrativas ou judiciais à pessoa
jurídica, ressalvada a reparação do dano. A Secretaria de Prevenção da Corrupção e
Informações Estratégicas (SPCI) da Controladoria-Geral da União deverá elaborar
diretrizes, mediante prévia discussão pública, sobre fatores que devem existir para
que os mecanismos e procedimentos do inciso VIII sejam considerados efetivos.468
Segundo o referido Instituto, “empresas que agem de boa-fé na prevenção da
corrupção não devem ter o mesmo tratamento de empresas que agem de má fé ou que fecham
seus olhos para o risco de ilícitos.” Desse modo, o reconhecimento de programas de
compliance minimizará discrepâncias no mercado, isto é, que empresas que invistam na
prevenção (inclusive em decorrência de legislações internacionais) fiquem em desvantagem
contenha previsão explícita de que a existência de programas de compliance possa acarretar na isenção da
pena, permite que o acusador analise casuisticamente a oportunidade do ajuizamento da ação penal. Nesse
sentido, dois documentos oficias americanos de orientação a promotores e juízes recomendam que as
autoridades competentes levem em consideração a existência e a eficiência do compliance da empresa na
tomada decisória relativa a casos de corrupção. E, sendo o caso, o resultado pode ser a atenuação ou a
isenção total da responsabilidade da pessoa jurídica. SIMÃO, Valdir Moisés; VIANNA, Marcelo Pontes. O
acordo de leniência na lei anticorrupção: histórico, desafios e perspectivas. São Paulo: Trevisan, 2017. p.
133-134. Conforme relatório do IBRADEMP, a possibilidade de exclusão total das sanções também se
verifica nos sistemas do Reino Unido e da Espanha: “Em abril de 2010, o Reino Unido aprovou o UK
Bribery Act, a nova lei britânica de combate à corrupção. Referida lei vai além da legislação FPCA norte-
americana e criminaliza a falha na prevenção de corrupção, sendo aplicável tanto para atos de corrupção no
setor público como no setor privado. Entretanto, a existência de programas de compliance efetivos é capaz de
eximir a responsabilidade das empresas. A Espanha, por sua vez, em junho de 2010, aprovou lei que alterou o
código penal do país, criando a responsabilidade penal da pessoa jurídica. A lei espanhola dispõe que as
pessoas jurídicas serão responsabilizadas pelos atos praticados por seus empregados que estiverem
relacionados à falha da empresa em exercer certo dever de controle. Referida lei também traz dispositivo
determinando que a existência de programas de compliance efetivos reduzirá ou excluirá a responsabilidade
penal da empresa.” INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO EMPRESARIAL. Comitê anticorrupção e
compliance: comentários ao Projeto de Lei n. 6.826/2010. São Paulo: IBRADEMP, 2011. Disponível em:
<http://documents.jdsupra.com/0243bf96-9bac-43e1-b0df-1721e22b4ad3.pdf >. Acesso em: 12 jan. 2018. 468
INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO EMPRESARIAL. Comitê anticorrupção e compliance:
comentários ao Projeto de Lei n. 6.826/2010. São Paulo: IBRADEMP, 2011. p. 39-40. Disponível em:
<http://documents.jdsupra.com/0243bf96-9bac-43e1-b0df-1721e22b4ad3.pdf>. Acesso em: 12 jan. 2018.
197
competitiva em comparação com empresas que não possuem qualquer obrigação ou incentivo
para a adoção de programas de compliance.
Nada obstante, a fim de contrabalancear o aspecto dissuasório, o qual poderia entrar
em conflito com a isenção total da multa, o Instituto sugeriu formas de obrigação à empresa
delatora, cujos encargos se revelam harmonizados com o desiderato do acordo e a gravidade
do ato corruptivo, a saber:
§ 3º Com relação ao inciso II do § 1º deste artigo, entre outras medidas, as
autoridades deverão analisar e pertinência de imporem as seguintes obrigações:
I - implementação ou aprimoramento dos mecanismos e procedimentos internos
mencionados no art. Xº, inciso VIII desta lei;
II - realização ou aperfeiçoamento de treinamento para funcionários sobre os
mecanismos e procedimentos internos mencionados no art. Xº, inciso VIII desta lei;
III - contratação de terceiro independente para auxiliar na implementação,
aprimoramento e monitoramento do mencionado no inciso I deste parágrafo, por
prazo não superior a 2 anos;
IV - informar à autoridade signatária do termo de compromisso sobre a ocorrência
de novos atos lesivos previstos nesta lei a partir da celebração do termo;
V - envio de relatórios trimestrais à autoridade signatária do termo de compromisso,
contados a partir de sua celebração, reportando o progresso das obrigações
constantes no termo.469
Como se sabe, nenhuma das sugestões citadas foi acatada e incorporada à redação
final da Lei Anticorrupção. Nada obstante, mais do que se defender a isenção total da multa
administrativa (nos casos em que a delação anteceder a própria apuração dos fatos pelo ente
processante – leniência prévia), busca-se, aqui, chamar a atenção para a suma relevância do
compliance no contexto do acordo de leniência. Intenta-se fomentar salutar debate quanto aos
vastos consectários do liame etiológico existente entre estes institutos; bem como enfocar o
quanto uma equilibrada relação entre a promoção do primeiro e a parcimoniosa regulação dos
benefícios do segundo constitui um dos centrais pilares na promoção de um novo paradigma
ético para a comunidade empresarial. E, sem uma postura empresarial ética, não se acredita
que o enfrentamento da corrupção empresarial possa prosperar apenas por meio da adoção de
severas punições legais.
469
Ibid., p. 45.
198
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O princípio orientador supremo das empresas sempre foi o da maximização do lucro.
Na velha ótica de Adam Smith, se cada um corresse atrás de seu próprio interesse, em um
livre mercado, o resultado seria uma maior eficiência produtiva e, por conseguinte, o
crescimento da riqueza nacional e do bem-estar de todos. Nessa ideologia, a única função da
empresa consistiria na satisfação dos interesses dos sócios ou acionistas e o seu encontro com
a sociedade se daria, unicamente, no oferecimento de atividades econômicas de prestação de
produtos ou serviços úteis à população.
Mas, como se demonstrou, nas últimas décadas, essa visão de mundo passou a perder
suas forças com o surgimento de uma nova cultura corporativa por meio do qual a probidade e
o respeito à função social passaram a integrar o foco das decisões empresariais. Já na primeira
metade do século XX, um conclame mundial pela ética nos negócios passou a ganhar voz
ativa, até culminar na tomada de concretas políticas jurídicas e econômicas nas décadas de 80
e 90, primeiramente nos Estados Unidos, depois na Europa, e mais recentemente no Brasil.
Hoje, acentua-se a necessidade de a empresa agir com integridade, transparência e respeito a
todas as partes interessadas na sua atividade econômica (stakeholders).
Paralelamente, as empresas tornaram-se mais conscientes dos impactos positivos ou
negativos de suas atividades na sociedade, bem como de suas funções e responsabilidades
sociais enquanto agentes inseridos em uma dada comunidade; tocaram-se da importância de
sua participação em prol da construção de um mundo mais justo e igualitário, tarefa cuja
história constantemente vem demonstrando não se concretizar quando atribuída unicamente
aos governos instituídos.
Para as concepções iluministas dos séculos XIX e XX, um racionalismo sustentado no
liberalismo econômico seria o bastante para garantir o progresso da humanidade, com o
aumento da produtividade, da riqueza material e da felicidade do homem. O empresariado,
nada obstante, na era da responsabilidade social e da governança corporativa, aos poucos
desperta para a mentalidade de que não mais basta apenas ser eficiente em seu ramo, urgindo
conciliar as suas atividades econômicas às preocupações sociais e ambientais. Assim como
qualquer agente social, a empresa tem compromissos com a sustentabilidade e, se contra ela
se voltar, estará tolhendo o seu próprio futuro, dai a compreensão da visão
corporativa/institucional da empresa.
Nessa ambiência, a valorização dos postulados relacionados à função social da
empresa e ao seu perfil institucional constituem matrizes conceituais complementares que, a
199
par de sua relevância intrínseca, fundam e agregam, com solidez valorativa, outras categorias
jurídico-empresariais, fomentando o respeito aos interesses dos sócios minoritários, dos
colaboradores da empresa em geral e, em última análise, da própria sociedade. A pesquisa
demonstrou que esta filosofia corporativa substantifica o conceito de governança corporativa,
cada vez mais propagada na atualidade por meio de associações como o IBGC – Instituto
Brasileiro de Governança Corporativa -, inclusive com o incentivo da BOVESPA – Bolsa de
Valores de São Paulo.
Além disso, a sucessão de escândalos e fraudes que conduziram à bancarrota de
empresas americanas e europeias, como visto, majorou a relevância de temas como
transparência (disclousure); prestação de contas (accountability); justiça com os minoritários
(fairness) e cumprimento das leis (compliance), pilares da governança corporativa,
compreendida esta como um valioso instrumento de propagação da ética empresarial. A
adoção harmoniosa dessas medidas positivas, pois, como demonstrado ao longo da pesquisa,
fortalece a responsabilidade corporativa, confere um crédito de confiança para as iniciativas
empresariais e viabiliza a perenidade das organizações.
Em sequência, deu-se enfoque ao último pilar citado (compliance) por ser aquele que,
por excelência, atua como instrumento anticorrupção em várias frentes, na esteira do
examinado ao longo desta dissertação.
O assunto foi apresentado dentro do contexto jurídico-político que envolveu o
enaltecimento da cultura do compliance no controle anticorrupção, com ênfase na teoria da
Sociedade de Risco, de Ulrich Beck. O apontado cotejo demonstrou que muitas das causas
originárias do compliance coincidem com as preocupações teóricas do autor alemão citado e
que dizem respeito aos novos riscos a que a sociedade se depara na atualidade.
Ainda a partir do texto apresentado, inferiu-se que as promessas do mundo pós-
moderno ainda não foram cumpridas no Brasil, especialmente em razão de um “caldo de
cultura” de corrupção entranhado na relação entre o poder estatal e a sociedade. De outro
lado, também foi possível delinear algumas premissas que, embora não conclusivas,
permitiram vislumbrar estar-se processando um momento de mutação na consciência coletiva
nacional frente ao estado de corrupção que assola os poderes da República. Nessas
circunstâncias, em resposta às manifestações populares do ano de seu nascimento e, também,
com o desiderato de dar atendimento aos instrumentos internacionais sobre o combate à
corrupção dos quais o Brasil é signatário, foi promulgada, em 2013, a Lei n.º 12.846 de 2013
(Lei Anticorrupção). Embora não tenha sido a primeira norma específica a tratar do tema, a
novel legislação almejou punir empresas envolvidas em relações corruptas com a
200
Administração Pública, constituindo, pois, notável reforço no conjunto de sistemas
sancionatórios não penais de combate à corrupção, em especial por torná-lo mais severo.
Com ela, o controle anticorrupção e a atuação de compliance foram fortalecidos,
confirmando-se a tendência nacional a aderir a um modelo de direito interventivo no combate
à corrupção. As vantagens em seguir esta trilha centralizam-se na possibilidade de imposição
de sanções dissuasórias de evidente natureza econômica e o estímulo à prevenção por meio
dos programas de integridade corporativa (compliance).
Ademais, a legislação citada deu guarida ao acordo de leniência anticorrupção,
instrumento de notável potencialidade na repressão dos ilícitos nela tipificados.
Ao se analisar a bibliografia sobre os programas de leniência, constatou-se que a
edificação de um consenso base acerca dos requisitos para o seu êxito se lastrou não apenas
no âmbito da dogmática jurídica, mas, igualmente, na análise da evolução legislativa do tema
em diferentes países, em especial o norte-americano. Nesse sentido, demonstrou-se ter sido no
combate à formação de cartéis que o modelo mais substancial de acordo de leniência se
firmou, de modo que o paradigma jurídico da experiência antitruste constitui excepcional
norte hermenêutico na aplicação da Lei Anticorrupção.
Contudo, o estudo evidenciou que, lamentavelmente, o legislador não atentou, com o
devido merecimento, à experiência internacional e nacional acerca do tema, visto que a práxis
antitruste poderia ter contribuído de modo mais significativo na edificação de um modelo de
acordo de leniência anticorrupção mais técnico e eficaz. Ao contrário, a análise crítica da
pesquisa demonstrou a existência de consideráveis fragilidades no arquétipo concebido pela
Lei 12.846/2013.
Entende-se que alguns dos requisitos legais para a celebração do acordo, bem como a
natureza e extensão de seus benefícios podem ser reformulados de modo a melhor incentivar a
espontânea colaboração das empresas no enfrentamento da corrupção.
Nesta progressão, concebe-se como salutar a previsão de mais duas modalidades
adicionais de acordo ao programa de leniência: a) leniência prévia em que seja concedida
isenção integral da multa porque o Estado não tem qualquer conhecimento anterior do ato
corruptivo delatado e b) leniência plus, compreendida como aquela em que a empresa não se
qualifica para a celebração do acordo de leniência, mas presta informações sobre um ato
ilícito distinto, acerca do qual o ente processante não tem conhecimento. Nesse caso, a
colaboradora receberá isenção integral da multa em relação ao novo ato e, quanto ao anterior,
uma atenuação percentual inferior a que teria direito caso tivesse preenchido as condições
201
para a celebração do acordo. Note-se, contudo, que quaisquer das modalidades de leniência
não importam em isenção da pessoa jurídica em reparar o dano (esfera cível).
Não há qualquer ineditismo nestas propostas, pois traduzem exegeses do modelo
adotado pelo CADE no regime legal antitruste e da proposta do Instituto Brasileiro de Direito
Empresarial (IBRADEMP) veiculada quando do debate do Projeto de Lei n.º 6.826/2010,
ambos os pontos tratados na pesquisa.
Outra questão crítica suscitada ao longo do trabalho concerne à ausência de
harmonização entre as diversas esferas de responsabilização por atos corruptos. Tratando-se, o
acordo de leniência, de um instrumento à disposição de um processo administrativo, não
pairam dúvidas quanto a ele ter de ser conduzido pela Administração Pública.
Ocorre que, conforme examinado no texto, no microssistema legal anticorrupção
estabelecido, existem hipóteses de aplicação de mais de uma sanção na esfera administrativa,
como é o caso, por exemplo, das Leis Anticorrupção, de Improbidade Administrativa e de
Licitações e Contratos Administrativos. Nesse sentido, embora a doutrina defenda a
viabilidade jurídica da referida concomitância de previsões similares e idênticas, critica-se o
fato da Lei Anticorrupção em nada ter restringido a competência de normas anteriores que já
regulavam as mesmas condutas, tampouco buscado harmonizá-las entre si.
Nesse sentido, é aconselhável que haja um canal de diálogo entre o sistema repressivo
da Lei Anticorrupção e da Lei de Improbidade Administrativa. Como a responsabilização da
pessoa jurídica se dá em face de condutas praticadas por pessoas naturais, na prática é
intuitiva a conclusão de que, em grande parte dos casos, uma vez constatada a
responsabilidade administrativa do ente moral, concomitantemente advirá o ajuizamento de
ações penais ou de improbidade administrativa em desfavor da pessoa natural. E, em assim
sendo, a possibilidade legal da realização de transação, acordo ou conciliação em ambas as
esferas interrompe um fator de incoerência do sistema, constituindo medida de atratividade,
segurança e transparência do Estado perante os seus súditos.
Por tal razão, faz-se necessária a inserção legislativa de acordo de leniência na Lei de
Improbidade Administrativa, “a fim de fechar uma interlocução necessária e sem antinomias
entre as diversas esferas de responsabilidade do nosso direito sancionador, e em observância
às garantias constitucionais dos investigados”.470
470
BRASIL. Ministério Público Federal. 10 medidas contra a corrupção. Brasília, DF, 2015. Disponível em:
<http://www.dezmedidas.mpf.mp.br/apresentacao/conheca-as-medidas/docs/medida_5_versao-2015-06-
25.pdf.>. Acesso em: 20 jan. 2018.
202
Além desse aspecto, o procedimento da Lei Anticorrupção também repercute sobre a
esfera penal, de modo que a celebração do acordo de leniência não pode ficar adstrita ao
âmbito da Administração Pública, devendo, também, emanar efeitos para outras esferas, sob
pena de se tornar um instrumento imprevisível e desestimulante. Contudo, a presente pesquisa
expôs existir uma assistemática comunicação da legislação anticorrupção com as normas
penais, inclusive mediante a identidade de conteúdo entre elas. Desse modo, embora não se
admita a responsabilidade penal de pessoas jurídicas pela prática de atos corruptivos, não se
questiona acerca da responsabilização penal de pessoas físicas pelos ilícitos praticados no
interesse de pessoas jurídicas. Com frequência, pois, os fatos tratados em acordos de leniência
também desaguarão em inquéritos policiais investigadores de pessoas naturais.
Por essa razão, considerando que o Ministério Público detém a legitimidade
constitucional para o ajuizamento da ação penal pública – além da concorrente para propor as
ações judiciais da Lei de Improbidade Administrativa e da Lei Anticorrupção – é de todo
recomendável que a legislação imponha como cogente a sua integração ao programa de
leniência. Nesses termos, a articulação interinstitucional entre os órgãos estatais é
determinante para o sucesso da apuração e responsabilização dos atos corruptos.
Propõe-se, portanto, seja acrescido, à legislação, que a celebração do acordo de
leniência, com a participação do Ministério Público, confere imunidade criminal às pessoas
naturais envolvidas nos mesmos fatos que forem objeto da avença, na esteira dos modelos
adotados pelas legislações brasileira e estadunidense antitruste.
Por último, outro aspecto legal que merece ser aprimorado concerne ao fortalecimento
do liame etiológico entre os instrumentos do acordo de leniência e compliance.
A Lei Anticorrupção previu a possibilidade de o Estado estipular, no acordo de
leniência, as condições necessárias para assegurar a efetividade da colaboração e o resultado
útil do processo, de modo que, por tal faculdade, requisitos adicionais, desde que pertinentes
com os termos do acordo, podem ser agregados como condicionantes à sua celebração. No
mesmo diapasão, o Regulamento Federal estatuiu a adoção, aplicação ou aperfeiçoamento de
programa de integridade como condição geral à celebração do acordo de leniência.471
E o
compromisso em adotar medidas de autossaneamento (corporate self-cleaning) vai ao
encontro de um dos mais relevantes pontos da Lei Anticorrupção: a consolidação de um novo
paradigma de integridade e governança corporativa.
471
Art. 37, IV do Decreto n.º 8.420/2015.
203
Nesses contornos, a exigência de concordância com cláusulas de aperfeiçoamento de
um programa de compliance acarreta com que as empresas que optem pela negociação de um
acordo de leniência tenham de avaliar a relação entre custos e benefícios, dentro de uma
conjuntura estratégica de redução de danos. É nesse aspecto que se insere a determinação de
que o acordo de leniência contenha cláusulas referentes à adoção, aplicação ou
aperfeiçoamento do programa de integridade. Tais disposições representariam o compromisso
da empresa em assumir obrigações acessórias proporcionais ao ato ilícito praticado, tais quais:
a) realização de cursos de aperfeiçoamento de boas práticas para os empregados; b)
contratação de um compliance officer; c) desligamento das pessoas naturais envolvidas em
atos ilícitos; d) rescisão de contratos com parceiros e colaboradores comerciais envolvidos
nos atos corruptivos apurados; e) reformulação de códigos de ética detectados como falhos,
etc.
Mas, se de um lado todos esses apontamentos inspiram maiores reflexões por parte da
comunidade jurídica, inclusive mediante alterações legislativas pontuais, de outro, figura
lídimo concluir que o compliance pode reduzir os riscos legais aos quais estão sujeitos, tanto
as pessoas jurídicas, como as físicas que as administram, na medida em que a existência de
um programa de integridade efetivo minimiza as chances de responsabilização das últimas na
esfera penal, por uma razão elementar: a grande parte dos atos ilícitos arrolados pela Lei
Anticorrupção corresponde a condutas penalmente típicas para as pessoas naturais envolvidas.
204
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