FREIRE, A. Analise Economia Do Direito - Posner

Embed Size (px)

DESCRIPTION

economia e direito

Citation preview

  • 21

    ODISSEU OU HRCULES?

    SOBRE O PRAGMATISMO E A ANLISE ECONMICA DO DIREITO DE RICHARD A. POSNER

    Alonso Reis Freire

    Foi com imensa alegria que recebi o convite para participar do I Congresso Brasileiro de Filosofia do Direito da PUC Minas Serro. Trata-se de uma boa oportunidade para discutirmos o pragmatismo no Direito e o movimento dele tributrio, conhecido como Direito e Economia, que uma forma abreviada de se referir queles cujo interesse a Anlise Econmica do Direito, sobretudo porque as obras de seu mais conhecido defensor, Richard A. Posner, comeam a circular nas academias brasileiras aps importantes tradues feitas por editoras brasileiras. Gostaria de agradecer ao meu amigo professor Jos Emlio Medauar Ommati, a quem dedico esta preleo, e a toda comisso organizadora deste congresso na pessoa da professora Paula Maria Nasser Cury.

    Espero ter tempo para expor por completo a preleo que escrevi e que constar dos anais deste evento. Para isso, a delimitei da seguinte forma. Desejo expor, em um primeiro momento (I) a ascenso do pragmatismo e a influncia deste movimento no Direito explicitada no realismo jurdico norte-americano, bem como o declnio dessa corrente no incio da segunda metade do sculo XX. Feito isso, (II) exporei a tentativa de Richard Posner de resgatar o pragmatismo na perspectiva terica que ele denomina de maximizao da riqueza e a de demonstrar que a Anlise Econmica do Direito por ele defendida no apenas um utilitarismo aplicado ao Direito. Em um terceiro momento, (III) demonstrarei, com base nos argumentos sustentados por Ronald Dworkin, que a Anlise Econmica do Direito, como maximizao de riqueza, no passa de um tipo peculiar de fetichismo, restando a

    Professor de Teoria do Direito da UFMA. Mestre em Direito pela UFMG. Dedico essa preleo ao querido colega Professor Jos Emlio Medauar Ommati.

  • 22

    Richard Posner apenas a defesa de uma viso antiterica e pragmtica rf de qualquer fundamento.

    I

    Quando alguns estudiosos se dispem a fazer um longo resgate histrico do pragmatismo, geralmente o fazem a partir da Literatura, partindo da obra Odisseia, de Homero1. Robert Brandon, por exemplo, afirma que a razo no pragmatismo a razo de Odisseu (ou Ulisses) e no a de Plato. Como se sabe, Odisseu um personagem prtico e adaptativo, instrumental e especulativo, no dado, portanto, reflexo, mas ao agir prtico. Da perspectiva da tica heroica, Odisseu um pragmtico. Plato, por sua vez, era dado reflexo, buscava a verdade em questes morais, cientficas e polticas. dessa forma que devemos compreender a afirmao de que [a] definio mais simples de pragmatismo a rejeio da raiz e dos ramos do platonismo2.

    O tom pragmtico, como dizem os pragmatistas, comeou a assumir uma forma filosfica com os filsofos pr-socrticos e ganhou corpo posteriormente com o epicurismo. No obstante seja possvel encontrar na literatura filosfica afirmaes de que Epicuro foi o precursor do pragmatismo, mais comum encontrarmos a afirmao de que esse movimento filosfico surgiu apenas a partir dos trabalhos de Charles Sanders Peirce, a despeito de o prprio Peirce atribuir esse crdito a Nicholas St. John Green, jurista amigo seu3. Afirma-se tambm que os sectrios de Pierce foram, na sequencia, William James, John Dewey, George Mead e F. S. C. Schiller. Esse pragmatismo filosfico apresentou-se na histria como um movimento de rejeio dos principais dualismos cientficos oriundos do movimento iluminista, tais como: sujeito e

    1 A literatura sobre o tema vasta. Alguns trabalhos, porm, merecem destaque. So eles: CHOW, Daniel C.K., A pragmatic model of law, Washington law review, vol. 65, 1992, pp. 775-825; FARBER, Daniel A. The inevitability of practical reason: statutes, formalism, and the rule of law, Vanderbilt law review, vol. 45, 1992, pp.533-559; FARBER, Daniel A. Legal pragmatism and the constitution, Minnesota law review, vol. 72, 1988, pp. 1331-1378; MORRISSEY, Daniel J. Pragmatism and the politics of meaning. Drake law review, vol. 43, 1995, pp.615-650. POSNER, Richard A. Problemas de filosofia do direito. So Paulo, Martins Fontes, 2007; POSNER, Richard A. Para alm do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2009. POSNER, Richard A. The jurisprudence of skepticism, Michigan law review, vol. 86, 1998, pp.827-891.

    2 POSNER, Richard A. Direito, pragmatismo e democracia. Forense: Rio de Janeiro, 2010, p.23.

    3 LANCASTER, Robert. A note on Pierce, pragmatism, and jurisprudence. Journal of Public Law, vol. 7, n. 13, 1958.

  • 23

    objeto, mente e corpo, percepo e realidade, forma e substncia etc. Como sabemos, os grandes tericos dos sculos XVII e XVIII estavam encantados e persuadidos pela fsica newtoniana e pela infalibilidade da razo humana quando expressada em clculos matemticos. Socilogos, filsofos e juristas acreditavam que os sistemas sociais tambm poderiam ter estrutura racional semelhante.

    Os poetas e filsofos romnticos desafiaram essa viso cientfica calcada unicamente na observao. O principal representante dessa Escola Romntica foi Ralph Waldo Emerson, cujos trabalhos literrios e filosficos influenciaram Pierce, na Filosofia e Oliver Wendell Holmes Jr., no Direito. A propsito, afirma-se que o equivalente europeu de Emerson teria sido Nietzsche. Ambos confrontavam a relao passiva e contemplativa entre o sujeito que observa e a realidade observada, seja ela natural ou social. Ambos aspiravam a que se passasse a considerar essa relao de um modo ativo e criativo, e viam o pensar como o exerccio da vontade em funo de um desejo. Ocorre, portanto, a partir de ento, o deslocamento do vetor cientfico, que passa do descobrimento das leis eternas da natureza para a formulao de teorias movidas pelo desejo dos seres humanos de prever e controlar o entorno natural e social. No h mais uma busca por verdades e realidades supremas. A verdade, para eles, no deveria ser considerada como algo que independe do observador. Dever-se-ia viver aceitando-se que as ideias e atos de qualquer pessoa somente so verdadeiros se servem soluo imediata de seus problemas como realizao de seus desejos. Nesse caso, toma-se a verdade pelo o que til para algum propsito, e no como algo a ser conhecido. O pragmatismo, pois, surge como uma reao contra a metafsica e compreenso da realidade por meio de categorias abstratas.

    Com o realismo jurdico, ocorreu o triunfo do pragmatismo e do relativismo em geral no Direito. Os realistas encontraram apoio sobretudo no pragmatismo de William James e John Dewey, mas tambm na sociologia jurdica de Roscoe Pound4.

    Muitas vezes confundido com a escola sociolgica do Direito, sobre a qual ele se expandiu, o movimento realista norte-americano conhecido, juntamente com aquela escola, por ter servido de base para o desenvolvimento de uma abordagem sociolgica

    4 Ver SAVARESE, Ralph J. Americanl legal realism. Houston law review, vol. 03, 1966, pp.180-200.

  • 24

    do Direito em oposio a um formalismo, que estava h quase dois sculos no cerne do debate filosfico-jurdico. Na teoria do direito norte-americana, a expresso formalismo jurdico empregada dentro de um sentido crtico de conotaes negativas, sendo uma forma de positivismo. O formalismo jurdico que o realismo combateu, portanto, era aquele que considerava, como assunto tipicamente jurdico, no o resultado da regulao das relaes sociais, quaisquer que eles sejam, mas a forma do prprio Direito, como modo de conhecimento das normas que deve ignorar os aspectos relevantes do que regulado, a despeito das modificaes e pleitos sociais.

    Os fundadores da escola do realismo jurdico norte-americano foram bem mais antiformalistas que os expoentes da escola sociolgica do Direito. A principal caracterstica do realismo norte-americano est na ateno que seus sectrios davam ao processo judicial, ou seja, ao que acontece efetivamente nos tribunais, e no ao que o Direito estabelecia por meio das leis. Como as normas jurdicas funcionam nos tribunais, no o que elas so no papel, o tema da abordagem realista do Direito, que tem como seu primeiro grande expositor Oliver Wendell Holmes Jr. Em um ensaio j clssico, publicado em 1897, Holmes afirmou que para compreendermos o direito como ele era na realidade deveramos adotar o ponto de vista de um malfeitor:

    Tomemos a pergunta fundamental, o que constitui o direito? Alguns escritores diro que ele algo diferente do que decidido pelos tribunais de Massachusetts ou da Inglaterra: que um sistema de raciocnio, que uma deduo feita a partir de princpios de tica, axiomas pressupostos ou sabe-se l o qu, deduo essa que pode coincidir ou no com as decises. Porm, se olharmos da perspectiva de nosso amigo, o malfeitor, veremos que ele quer realmente saber o que os tribunais de Massachusetts ou da Inglaterra podero de fato fazer.5

    A corrente realista eclode concomitantemente com a instaurao de um ensino universitrio do direito por professores em tempo integral, pois, poca, a formao jurdica nos Estados Unidos era assegurada pelo ensino por prticos e no por acadmicos. A ltima metade do sculo XIX testemunhou um movimento em prol de uma profunda transformao do Direito. Essa transformao tem incio em 1870, quando Christopher Columbus Langdell se tornou diretor da Faculdade de Direito da

    5 HOLMES Jr., Oliver Wendell. The path of the law, Harvard law review, vol. 10, p. 457.

  • 25

    Universidade de Harvard. A reforma educacional de Langdell baseava-se na ideia de que o Direito era uma cincia, o que tornava natural o pressuposto de que os advogados, antes prticos, deveriam passar por uma universidade antes de ocupar as tribunas. Esse novo ambiente acadmico, portanto, fez com que o ensino passasse a ser uma indagao a respeito daquilo que poderia ser apresentado como Cincia do Direito, ou jurisprudence6. O Direito, considerado como uma cincia afirmava Langdell, um conjunto de princpios e doutrinas7. O vigor e o flego que o pragmatismo havia ganhado juntamente com o triunfo das cincias experimentais sugeriram um modelo aos juristas realistas.

    A sociologia norte-americana das primeiras dcadas do sculo XX divide com o realismo jurdico norte-americano a preocupao com os efeitos sociais das tomadas de deciso e isto ser uma caracterstica fundamental daquilo que, posteriormente, foi denominado de Direito e Sociedade nos Estados Unidos.

    Mas foi a partir da dcada de 1920 que essa viso reificante dos conceitos jurdicos, em oposio a uma compreenso instrumental do Direito, foi superada de fato pelo realismo jurdico. O realismo jurdico substituiu, portanto, o conceitualismo jurdico pelo pragmtico. Quanto ao Direito, os realistas jurdicos consideram como pertinentes apenas uma pergunta: o que deve fazer o juiz neste ou naquele caso? E como sustenta Posner, quase tudo o que os realistas disseram e que digno de nota pode ser encontrado nos ensaios de Oliver Wendell Holmes Jr. e de Benjamin N. Cardozo.

    Os escritos de Oliver Wendell Holmes, Jr. foram as primeiras demonstraes de transposio das teses e concepes do pragmatismo filosfico para o Direito. Considerado, hoje, um realista jurdico, sua tese consiste em negar que o Direito possa ser compreendido por meio de um instrumental lgico formado por regras aplicveis por mera subsuno. Quando se estuda o Direito, [o] objeto de nosso estudo , por conseguinte, uma predio, a predio da incidncia do poder pblico atravs da

    6 Sobre o assunto, ver sobretudo SPEZIALE, Marcia. Langdells concept of law as science; the beginning of anti-formalismo in american legal theory, Vermont law review, vol. 5, n.01, 1980, pp. 1-38.

    7 Idem, apud, p. 14.

  • 26

    instrumentalidade dos tribunais8, dizia Holmes. Nesse sentido, o bom jurista aquele que torna mais precisas as profecias acerca de como os juzes iro decidir os casos. As profecias do que, de fato, faro os tribunais, e nada mais pretensioso do que isso, o que entendo por direito9, afirmava Holmes. Foi ele um crtico de Christopher Columbus Langdell, que pensava que o Direito, como a matemtica e a fsica, referia-se a relaes entre conceitos, e no relaes entre estes e a realidade qual so aplicados. A vida do Direito no tem sido lgica; tem sido experincia tambm uma clssica passagem em escrito de Holmes que revela muito claramente seu pensamento e sua concepo sobre o Direito. Em sua opinio, era inegvel, ou melhor, desejvel que o Direito se modificasse para adaptar-se a mudanas de opinio e defendia que essas mudanas no poderiam ser obstrudas pelo cego respeito a princpios antes aceitos como frutos da razo humana, j que a razo uma competncia humana instrumental. O Direito e seus conceitos abstratos, portanto, no deveriam ser obstculos transformao social. Pelo contrrio, o Direito deveria ser considerado um meio de transformao.

    A vida do direito no tem sido lgica; tem sido experincia. As necessidades sentidas em cada poca, a moral e as teorias polticas dominantes, as intuies da poltica pblica expressas ou inconscientes, mesmo os preconceitos que os juzes partilham com os seus concidados tm contado mais do que o silogismo na determinao das leis pelas quais os homens devem ser regidos. O direito incorpora a histria do desenvolvimento de uma nao ao longo de muitos sculos e no pode ser tratado como se contivesse apenas os axiomas e as regras de um livro de matemtica. Para sabermos o que ele temos de saber o que ele foi e o que ele tem tendncia a ser no futuro.10

    Na gerao seguinte do realismo e da teoria do direito norte-americanos, aparece Benjamin Cardozo, que fez uso do arcabouo terico de Holmes na construo de ensaio clssico, considerado hoje uma clara exposio do pragmatismo no Direito que floresceu nas dcadas de 1920 e 1930. John Dewey era o principal pragmatista quando o livro de Cardozo foi publicado, e foi exatamente a sua verso do pragmatismo que mais influenciou aquele ensaio. A causa final do Direito", diz

    8 HOLMES Jr., Oliver Wendell. The path of the law, Harvard law review, vol. 10, p. 457.

    9 Idem.

    10 Idem. The essential Holmes. Chicago: Chicago University Press, 1992, p. 01.

  • 27

    Benjamin Cardozo numa clssica afirmao, " o bem-estar da sociedade". Cardozo, porm, no afirmava que os juzes possuem um poder discricionrio para decidir conforme suas prprias convices pessoais sobre o bem-estar da sociedade. Afirmava, sim, que os juzes deveriam fazer uso de um critrio objetivo, mas objetivo em um sentido pragmtico. [O] que conta, dizia ele, no aquilo que acredito que certo, mas aquilo que posso razoavelmente crer que outros homens de intelecto e conscincia normais poderiam considerar razoavelmente como certo. Sendo assim, as normas jurdicas deveriam ser adaptadas a um fim. Aqui surge uma importante concepo instrumental do Direito. O princpio ltimo para os juzes [...] o da adequao a um fim, dizia Cardozo. Contra os formalistas, que sustentavam que a validade de uma norma depende de uma fonte revestida de autoridade, replicava Cardozo que a norma que funciona a contento produz reconhecimento. Ou seja, se uma norma e sua interpretao fossem adequadas causa final do Direito elas obteriam o reconhecimento de seus destinatrios, e isso o que importava. Portanto, para Cardozo, a interpretao no deveria ser contemplativa, mas criativa, e por essa razo que, para seu realismo, a mesma liberdade que possuem os juzes no commom law tm eles na interpretao da legislao.

    As normas jurdicas devem ser consideradas em termos instrumentais e, nesse sentido, o Direito deve ter seu olhar voltado para o futuro. O principal no a origem, mas a finalidade. No pode haver sabedoria na escolha de um caminho, a menos que saibamos onde ele vai dar, afirmava Cardozo. O juiz no deveria ser apenas o intrprete dos conceitos jurdicos; O juiz deve ter em mente a concepo teleolgica de sua funo. Ento de onde mais ele deveria retirar o fundamento de suas decises, uma vez que ele no deveria se basear apenas no Direito? Posso apenas responder, dizia Cardozo, que ele deve busc-lo [...] na experincia, no estudo e na reflexo; em poucas palavras, na prpria vida. Portanto, seria o juiz um criador.

    Contudo, realistas como Holmes e Cardozo encontraram muitas dificuldades ao tentarem aplicar suas teses ao direito legislado11. A concepo de Holmes do juiz como legislador intersticial causava muito incomodo entre os juristas da poca por insinuar

    11 Ver SAVARESE, Ralph J. American legal realism. Houston law review, vol. 03, 1966, p.187.

  • 28

    que os juzes e os legisladores exerciam quase as mesmas funes, sempre guiados pelas mesmas metas, valores e funes. Se assim fosse, os juzes poderiam ser considerados auxiliares do legislativo, preenchendo as lacunas deixadas por estes. O processo legislativo, todavia, muito mais suscetvel a presses de grupos de interesses12. As leis no so aprovadas por meio de juzos imparciais. Resultam muitas vezes de trocas de interesses, e um juiz que a interpreta com base em suas concepes de interesse pblico est sujeito a entrar em conflito com o Poder Legislativo e isso no bom para uma democracia.

    O entusiasmo ingnuo que o realismo nutria pelo Estado o marcou como um movimento de carter liberal, tornando-o uma escola de esquerda, e isso enfraqueceu a confiana que os juristas da poca do seu alvorecer depositavam em suas teses. Contudo, a maior fraqueza do realismo jurdico, e que facilitou o seu declnio como concepo terica a ser seguida, foi, sem dvida alguma, a falta de mtodo. Como afirma Posner, os realistas sabiam o que fazer (pensar as coisas e no as palavras; sondar as consequncias reais das doutrinas jurdicas e buscar o equilbrio entre vises diferentes do interesse pblico), mas no como fazer13.

    Contudo, aqueles que analisam a ascenso e declnio do realismo jurdico norte-americano costumam, nesse ponto, defend-lo afirmando que as ferramentas metodolgicas da economia e de outras cincias afins encontravam-se insuficientemente desenvolvidas, de tal modo que isso tornava impossvel o desenvolvimento de uma abordagem coerente do Direito voltada para a engenharia social. Por outro lado, costuma-se acusar o realismo jurdico de ser um movimento que pendia para a irresponsabilidade14.

    A fora do pragmatismo de John Dewey tinha enfraquecido no final da dcada de 1960. Nas duas dcadas seguintes, o pragmatismo reaparece em sua verso contempornea, representado por autores como Donald Davidson, Hilary Putnam e Richard Rorty, na filosofia, e Stanley Fish, na crtica literria. No adequado, porm,

    12 Esse argumento foi retirado de POSNER, Richard A. Para alm do direito. So Paulo: Martins Fontes, p.415.

    13 Idem.

    14 Idem., p. 416.

  • 29

    denominar esses pensadores de neopragmatistas, tendo em vista a profundidade das diferenas entre eles e os primeiros pragmatistas e a que perceptvel entre esses prprios novos autores.

    Mais til que tentar identificar e comparar escolas antigas e novas do pragmatismo observar simplesmente que as qualidades do pragmatismo so mais bem percebidas hoje do que a trinta anos antes e que isso se deve ao fracasso das outras filosofias, como o positivismo lgico, em cumprir aquilo que prometeram, assim como a um crescente reconhecimento de que as qualidades dessas filosofias residem em caractersticas compartilhadas com o pragmatismo. Entre estas, esto a hostilidade metafsica e a simpatia para com os mtodos da cincia, por oposio a f no poder da cincia de tomar o lugar da religio como definidora das verdades definitivas.15

    O valor do pragmatismo talvez esteja na manuteno dos debates sobre os temas analisados e no no encerramento prematuro das discusses geradas sobre esses temas. Talvez esteja no na desconfiana, mas na permanente tentativa de incrementar o conhecimento e a compreenso de um objeto. Por isso, o processo de construo do entendimento est sempre aberto ao pragmatista. Contudo, o modo de analisar ou reanalisar a verdade acerca das consequncias do sim e do no a serem dados como respostas a questes como o direito de privacidade, liberdade e igualdade so questes prticas e empricas. Trata-se de saber quais seriam os danos causados pela liberao da pornografia, pelo uso de provas obtidas indevidamente, pela poltica de cotas raciais, por exemplo. Os pragmatistas no se importam com a discusso terica acerca desses temas. No se importam como o significado desses direitos nas prticas sociais e como o que esses direitos exigem em situaes especficas, mas com as consequncias derivadas das aes permitidas, proibidas ou impostas com base nesses direitos. A realidade objetiva, diz Posner, no a pedra de toque da ideia de objetividade pragmatista16.

    O pragmatismo mantm-se como antdoto para o formalismo. A ideia de que as questes jurdicas devem ser respondidas mediante a investigao das relaes entre conceitos e, portanto, sem necessidade mais que um exame superficial da relao destes com o mundo dos fatos, to antipragmtica

    15 Idem., p. 417.

    16 Idem., p. 420.

  • 30

    quanto antiemprica. Nesse contexto, no se pergunta o que funciona, mas sim que regras e decises formam vnculos em uma cadeia lgica que aponte a uma fonte jurdica revestida de autoridade, como o texto da Constituio ou uma doutrina inquestionada do common law17.

    Os formalistas afirmam que o mtodo da interpretao fidedigna justifica-se na prtica como forma de limitar o poder discricionrio dos juzes, de elevar a previsibilidade das decises relativas s leis e de disciplinar o processo legislativo, forando os legisladores a serem mais claros a respeito de suas intenes. Contra esse formalismo, influenciado pelo positivismo lgico, que lutou contra o realismo, surgem no cenrio jurdico norte-americano juzes ativistas. O ativismo judicial norte-americano teve grande apoio entre as dcadas de 1950 e 1960, apoio este vindo dos espectros acadmico e judicial. Somente na primeira metade da dcada de 1970 que esse ativismo arrefeceu-se, dando espao retomada de doutrinas baseadas na tica kantiana que buscavam afirmar a importncia de se dar continuidade ao passado, em detrimento de uma postura progressista voltada para o futuro.

    II

    Posner afirma que a Anlise Econmica do Direito, a propsito da maximizao da riqueza, possui afinidades tanto com a tica kantiana quanto com a utilitarista: com a primeira, porque a abordagem protege a autonomia dos indivduos produtivos ou ao menos potencialmente produtivos (a maioria de ns); com a segunda, devido a relao emprica entre mercado livre e riqueza humana18.

    Entre os crticos mais severos da Anlise Econmica do Direito esto aqueles que a atacam como uma verso do utilitarismo. Esses crticos costumam igualar economia a utilitarismo e criticam essa filosofia poltica como se ela tivesse os mesmos pressupostos daquela cincia social. possvel distinguir utilitarismo e economia? Concordo com Posner que sim. O utilitarismo sustenta que o valor moral de uma ao

    17 Idem., p. 421.

    18 Idem, p. 426.

  • 31

    ou ato poltico deve ser julgado observando-se o princpio segundo o qual deve-se buscar "o mximo de felicidade para o maior nmero de pessoas". Esse princpio, pensado por Jeremy Bentham, funciona como parmetro para verificao da solidez de qualquer poltica ou ao. Conforme a economia normativa, todavia, uma ao deve ser julgada por sua eficcia na promoo do bem-estar social. Ocorre que o termo "bem-estar social" era definido de forma to abrangente que muitos o consideram sinnimo do conceito utilitarista de felicidade. Da a tendncia de identificao da cincia econmica com o utilitarismo. Contudo, a economia um ramo da atividade intelectual bem distinto do utilitarismo, possuindo vocabulrio tcnico especfico e s a ele aplicado. Posner chama ateno para o fato de que conquanto a teoria do direito tenha sentido o impacto do utilitarismo j na poca de Bentham, os estudos sobre a aplicao da Economia no Direito teve seu incio apenas a partir da dcada de 1960, poca em que o utilitarismo j se encontrava arraigado no imaginrio jurdico, de modo que o que comeou a ser produzido na perspectiva de uma abordagem econmica do Direito era considerado como simples aplicao daquela viso filosfica ao Direito19. bem verdade que muitos estudiosos, incluindo o prprio Bentham, e alguns juzes, mesmo inadvertidamente, j se esforavam por aplicar o utilitarismo ao Direito, mas eles raramente aplicavam o instrumental da economia em suas teorias. Essa situao, porm, parece ter se invertido nas ltimas dcadas, e os tericos passaram a rejeitar o utilitarismo como teoria normativa. Ora, isso significa que utilitarismo e economia so coisas distintas. Mas o que os diferem?

    Podemos afirmar que o utilitarismo , a um s tempo, um teoria da moral individual e uma teoria da justia social. Com efeito, o homem ntegro aquele que se esfora para elevar o grau de felicidade da sua comunidade e a sociedade justa aquela que busca levar essa felicidade a seu patamar mais alto. Nesse sentido, "[a]tinge-se o mximo de felicidade, ou utilidade, quando as pessoas (ou criaturas) so capazes de satisfazer suas preferncias, quaisquer que sejam estas, na mxima medida possvel"20. O utilitarismo possui uma caracterstica muito atraente, responsvel pelo o crdito que a teoria recebeu no sculo passado. Trata-se do seu

    19 POSNER, Richard A. A economia da justia. So Paulo: Martins Fontes, pp. 72-78.

    20 Idem., p. 63.

  • 32

    "consequencialismo". Isso significa que o utilitarista verifica se uma ao ou um procedimento faz algum bem identificvel ou no. Pessoas costumam afirmar que alguns comportamentos ou escolhas - o homossexualismo e o aborto, por exemplos - so moralmente errados sem, contudo, apontar quaisquer consequncias ruins que se originem deles. O consequecialismo do utilitarismo impede essas concluses infundadas e arbitrrias. Exige-se, pelo contrrio, que se demonstre que algo considerado errado, condenvel ou injusto prejudica algum, tornando sua vida pior. Do mesmo modo, de acordo com o consequencialismo, uma ao s moralmente boa se torna melhor a vida de algum ou um estado de coisas. Portanto, o utilitarismo no um mero conjunto de regras prescritivas de comportamento. Ele fornece um verdadeiro teste para assegurar que essas regras esto servindo para alguma funo til. Com efeito, julgar condutas e aes torna-se uma questo de medir o bem-estar humano, no de consultar e seguir lderes e crenas espirituais ou alguma metafsica, o que por muito tempo oprimiram os seres humanos. Portanto, apesar das crticas que sero expostas a seguir, o utilitarismo uma poderosa arma contra o preconceito e a superstio21.

    A primeira crtica diz respeito ao fato de o utilitarismo possuir um campo incerto de ao, no sentido que no fica claro quem dever ter sua felicidade includa na elaborao de polticas ou aes que maximizem a felicidade. Os animais entram no clculo? A pergunta deveras pertinente tendo em vista que a utilidade, em seu sentido mais amplo, aplica-se a muitos animais. Bentham, por exemplo, dizia que o princpio da maior felicidade exige que os legisladores devam proibir atos que tendam produzir um "esprito de desumanidade". Com efeito, e pelo fato de que os animais tambm experimentam sofrimento (aqui, portanto, a infelicidade), defendia ele a proibio legal da crueldade para com os animais22. Nesse sentido, e utilizando o exemplo de Posner, conforme a tica utilitarista, se um motorista, para desviar de dois carneiros, matasse deliberadamente uma pessoa, no poderia ele ser considerado um homem mau, uma vez que sua ao, de salvar dois carneiros, teria aumentado a felicidade geral. Outro problema que diz respeito tambm aos destinatrios das

    21 Ver KYMLICKA, WILL. Filosofia poltica contempornea. So Paulo: Martins Fontes, 2007, cap. 01.

    22 POSNER, Richard A. A economia da justia. So Paulo: Martins Fontes, p. 41.

  • 33

    polticas utilitaristas seria o fato de o utilitarismo no ser capaz de resolver a questo da incluso dos estrangeiros e daqueles que ainda no nasceram. que a incluso destes na populao destinatria pode gerar, em temas como o aborto, adoo e homossexualismo, polticas diferenciadas de tal modo que poderia restar comprometido o clculo de maximizao.

    Entre todos os problemas apontados pelos crticos do utilitarismo a falta de um mtodo para calcular o efeito de uma deciso ou poltica na felicidade de uma comunidade poltica certamente o mais citado. Realmente, os utilitaristas no propem nenhuma tcnica confivel para medir a mudana no grau de satisfao dos destinatrios e praticantes de uma ao. Poder-se-ia pensar que a abordagem de Pareto poderia fornecer alguma base de mensurao da satisfao. Uma mudana Pareto-superior quando beneficia ao menos uma pessoa sem prejudicar ningum. Esse tipo de mudana, conforme essa abordagem, elevaria a quantidade total de felicidade humana, j que nenhuma perda h, apenas ganho de felicidade. Contudo, ainda assim, o utilitarismo permaneceria indefinido.

    O quarto problema do utilitarismo apontado por Posner aquilo que ele chama de os perigos do instrumentalismo23. que, se a felicidade depender de que as pessoas tenham bens materiais e oportunidades, a poltica utilitarista far de tudo para garantir tais coisas. Todavia, se para aumentar a felicidade for necessrio desconsiderar direitos, isso tambm ser feito. O utilitarismo, portanto, diz Posner, parece fundamentar direitos de suma importncia no mero palpite emprico de que promovem a felicidade24, e isso pode levar prtica de monstruosidades morais tanto no nvel das escolhas pessoais quanto no das escolhas sociais. No primeiro deles, possvel que o utilitarismo aprove a seguinte afirmao: uma pessoa A que gasta seu tempo livre em jogos de cartas seria uma ser humano melhor que a pessoa B que gasta seu tempo limpando seu quintal. que a atividade de A acrescenta-lhe mais felicidade que a de B. Quanto ao nvel das escolhas sociais, imaginemos a seguinte situao: uma determinada comunidade poltica resolve exterminar um grupo minoritrio odiado pela maioria de sua populao ao argumento de que a extino

    23 Idem., p. 68.

    24 Idem.

  • 34

    daquele grupo geraria o desaparecimento do dio e um aumento da felicidade da maioria. O utilitarista dificilmente condenaria tal prtica, muito embora pudesse chamar a ateno dos seus custos psicolgicos.

    Para Posner, se o perigo do utilitarismo so as monstruosidades morais, o das teorias kantianas o preciosismo moral, ou extremismo, de modo que ele considera a anlise econmica um sistema tico alternativo25.

    Posner comea por distinguir riqueza e utilidade. Antes, porm, preocupa-se em esclarecer o vocabulrio econmico que utilizado pela anlise econmica que pretende justificar. a partir do conceito de valor que entendemos a noo de riqueza. Valor, em economia, o valor de troca, medido ou pelo menos mensurvel no mbito de um mercado explcito ou implcito. Observe-se que valor no o mesmo que preo. O preo de uma mercadoria, esclarece Posner, o valor desta para o consumidor marginal, e os consumidores intramarginais a valorizaro mais, no sentido de que estariam dispostos a pagar um preo mais alto por ela26. Riqueza, ento, e em economia, a soma de todos os bens e servios no interior de uma sociedade, calculados pelo valor de mercado, no sentido de preo, que cada um possui, multiplicado pela totalidade de mercadorias e dos servios que ela produz, assim como a soma de todos os superavits dos consumidores e produtores, gerados por essas mercadorias e esses bens. Note-se que o que importante observar no conceito de valor que ele se funda naquilo que as pessoas esto dispostas a pagar por uma mercadoria e no, frise-se, na felicidade que essas pessoas extrairo de sua aquisio. Com efeito, uma pessoa que deseja muito ter determinada mercadoria, no estando, todavia, disposto a pagar por ela ou incapaz de faz-lo, inclusive devido a sua baixa condio financeira, no a valoriza no sentido em que Posner utiliza o termo valor. De igual modo, entenda-se por riqueza da sociedade apenas a totalidade da satisfao das preferncias financeiramente sustentadas, a saber, as preferncias que se manifestam em um mercado de troca, seja ele real ou hipottico.

    25 Idem., p. 72.

    26 Idem., p. 73.

  • 35

    Posner acredita que o mercado hipottico desempenha um importante papel no common law e que sua anlise tambm deixa claro que maximizao de riqueza e maximizao de felicidade no so a mesma coisa. Ele nos d o exemplo de uma fbrica que, localizada prximo a uma pequena cidade, esteja poluindo o meio ambiente e, com isso, reduzindo em US$ 2 milhes o valor das propriedades locais, mas que, se obrigada a mudar de lugar, teria um prejuzo de US$ 3 milhes. Segundo a maximizao de riqueza, a fbrica deveria ganhar a causa, a despeito da infelicidade dos proprietrios das reas e edificaes locais. Imaginemos, agora, que os proprietrios locais so pessoas ricas. Nesse caso, se a fbrica fechar, os trabalhadores tero grandes prejuzos e pequenos empresrios locais iro falncia. Assim, como diz Posner, a deciso que obrigue a fbrica a mudar-se ser eficiente, mas muito provvel que esta deciso no maximize a felicidade27. Outro claro exemplo de que felicidade e riqueza no correspondem uma outra o fato de que os habitantes de pases ricos nem sempre so mais felizes que os de pases pobres, a despeito de ricos em muitos pases aparentarem serem mais felizes que os pobres.

    Se a riqueza, pergunta Posner, no apenas outro nome para felicidade, e certamente no , enfatiza ele, por que a busca da riqueza deveria ser considerada moralmente superior busca da felicidade?28. Para responder a essa pergunta, Posner inicia seu argumento afirmando que o que torna o utilitarismo to repugnante s pessoas o fato de ele no respeitar a liberdade individual. Contudo, lembra ele, a insistncia intransigente na liberdade ou autonomia individual, a despeito das consequncias desta para a felicidade ou utilidade dos membros da sociedade, parece algo igualmente equivocado e inaceitvel29. Refere-se ele s perspectivas kantianas Direito, segundo as quais nenhum argumento h para o preterimento de direitos individuais. Diante disso, sustenta ele, [a] tica da maximizao da riqueza pode ser vista como uma mescla dessas tradies filosficas rivais30. Segundo ele, a busca da maximizao da riqueza, fundada no modelo de transaes voluntrias de mercado,

    27 Idem., p. 75.

    28 Idem., p. 78-79.

    29 Idem., p. 79

    30 Idem.

  • 36

    funciona com maior respeito s escolhas individuais quando comparada maximizao da felicidade proposta pelo utilitarismo.

    Como isso possvel? Vejamos um exemplo dado por Posner. Imaginemos que h um colar venda por US$ 10 mil e que h um homem disposto a pagar esse valor por esta mercadoria e outro que no tem dinheiro, mas que est disposto a incorrer em desutilidade pecuniria, como pagar uma fiana de US$ 30 mil caso venha a ser preso por roubo ou furto. A escolha do primeiro homem moralmente superior, tendo em vista que, alm de adquirir a mercadoria, ela estar beneficiando outra pessoa, o dono do colar. Ademais, tudo indica que homem disposto a pagar pelo colar acumulou a quantia referida por meio de atividade(s) produtiva(s) que certamente beneficiaram terceiros, como empregadores e clientes, e que, sendo a renda de uma pessoa menor que valor total de sua produo, pode-se concluir que ele deu sociedade mais do que tirou dessa. O outro homem deste exemplo, ao roubar ou furtar o colar, no beneficia ningum, a no ser a si mesmo, no sentido de maximizar sua felicidade, o que um utilitarista acataria. Observe-se que Posner, com este exemplo, tenta demonstrar que ao valorizar uma mercadoria, no sentido anteriormente descrito, uma pessoa estar respeitando direitos individuais de terceiros, o que no ocorreria no utilitarismo, dado o fato de que o furto pode ser uma fonte de maximizao da felicidade.

    A abordagem econmica da maximizao da riqueza, segundo Posner, encontra limites nos direitos individuais, como, por exemplo, o direito de propriedade. Vejamos mais um exemplo fornecido por ele: se A estaciona seu carro na garagem pertencente a B e este pede em juzo que A retire seu carro de l, A no pode se defender alegando em juzo que a garagem vale mais para ele do que para B, por ser seu carro mais caro que o de B. Para que A utilize a garagem necessrio que ele a negocie com B. O que faz com que o direito em questo seja absoluto, esclarece Posner, o fato de no se poder extingui-lo ou transferi-lo sem o consentimento de seu detentor31. As negociaes voluntrias efetuadas em consenso direcionam recursos a suas aplicaes mais vantajosas.

    31 Idem., p. 84. Sem grifos no original.

  • 37

    Mas isso no parece muito coerente com a anlise que Posner faz da discriminao, anlise esta que ele faz a partir de uma pergunta de natureza econmica: qual o impacto da reduo do comrcio sobre a riqueza dos grupos envolvidos? Desejo ilustrar seu pensamento com a situao de discriminao no ambiente de trabalho.

    Para Posner, leis contra discriminao no mercado de trabalho so dispendiosas, mesmo quando impostas a empregadores que de fato discriminem. que o empregador pode ser obrigado a pagar um salrio mais alto aos trabalhadores brancos que tenham inclinao para a discriminao e que tenham oportunidades de emprego atraentes em outras empresas ou locais onde no haja empregados negros. Mesmo se isso no existir, haveria uma grande chance de custos no pecunirios, na forma de convvio social indesejado e desagradvel. O argumento de que a contratao de negros traria vantagens econmicas s empresas devido ao aumento do comrcio com os clientes negros no prospera, segundo Posner. que, em sua anlise, se tal ganho fosse provvel ou realmente existisse, provavelmente os negros teriam sido contratados sem que leis precisassem impor sua contratao.

    Qual seria o remdio judicial, segundo Posner, adequado em caso de discriminao no mercado de trabalho, no qual se tenham constatado real violao da lei?

    Se o empregador praticou discriminao contra negros, deveria a meu ver, ser obrigado a pagar indenizao por perdas e danos a todos os indivduos negros que tenha discriminado (talvez com valor dobrado ou triplicado, para facilitar a execuo da lei em casos de indenizaes pequenas). Esse tipo de sentena, compensatria e preventiva, parece prefervel a um remdio judicial que obrigasse o empregador a contratar uma quantidade ou porcentagem determinada de negros; pois isso o foraria a demitir funcionrios brancos, ou, o que d na mesma, favorecer os candidatos negros em detrimento dos brancos at o cumprimento da cota estipulada. Uma sentena desse tipo, ao impor custos aos empregados brancos (pessoas possivelmente desprovidas de preconceitos raciais) para melhorar as condies de vida dos trabalhadores negros, funciona como uma forma extravagante e contraproducente de tributao da classe trabalhadora negra. Alm disso, muitos

  • 38

    negros que se beneficiaro da sentena podem no ter sofrido discriminao por parte da empresa, e muitos dos que sofreram podem no se beneficiar da sentena.32

    Vejamos, agora, a situao em que a responsabilidade pela discriminao for tanto dos empregados quanto do empregador. Imaginemos que empregados brancos tenham impedido a entrada de negros em seu sindicato ou associao, e o motivo da discriminao pelo empregador tenha sido indireto, pois ele no contratou negros devido a discriminao dos seus empregados. Nesse caso, diz Posner, o remdio judicial consiste em obrigar os trabalhadores ou o sindicato a pagarem indenizao por perdas e danos. Mais uma vez, a imposio judicial da obrigao de fazer seria inadequada33.

    Em que sentido os negros consentiram? O direito dos negros igualdade no era para ser absoluto? A resposta parece estar na seguinte suposio de Posner: o custo para os discriminadores inferior quando, devido regulao do Estado, a renda pecuniria rejeitada como resultado da discriminao menor do que seria se no houvesse regulao34.

    III

    Desejo me concentrar, doravante, nos fundamentos ticos e polticos da maximizao da riqueza e para isso necessrio voltarmos um pouco ao utilitarismo ou mais especificamente soluo encontrada pelos utilitaristas para a aferio da maximizao da felicidade e para a comparao interpessoal de utilidades. Como afirmei acima, uma mudana Pareto-superior quando beneficia ao menos uma pessoa sem prejudicar ningum. Vejamos um exemplo: se B vende sua garagem a A por R$ 10 mil e ningum mais atingido por essa transao, pode-se concluir que a utilidade de R$ 10 mil para B maior que a da garagem para A, sendo o inverso, porm, tambm verdadeiro, a despeito de no sabermos em que medida essa

    32 Idem., pp. 426-427.

    33 Idem., p. 427.

    34 Idem., pp. 47-418.

  • 39

    transao incrementou as utilidades de A e de B. Neste exemplo, nenhum terceiro foi afetado e possvel afirmar que a transao beneficiou no s uma pessoa, mas todas as envolvidas diretamente. Portanto, trata-se aqui de uma mudana Pareto-superior. Como a aferio da utilidade impossvel, a soluo de Vilfredo Pareto tenta todavia, no consegue - mostrar que nas transaes analisadas houve consentimento das pessoas afetadas. Contudo, essa soluo no d conta, por exemplo, de analisar o livre mercado, onde no haveria preos tabelados ou mesmo um teto para ele. que sem esses limites, as consequncias das transaes so inmeras, de modo a impossibilitar a identificao dos afetados e, com isso, a anlise do consentimento resta comprometida35.

    Em resposta, Posner tenta demonstrar que a sada para a maximizao da riqueza a noo de consentimento ex ante. Tome-se o seguinte exemplo: uma pessoa que compra um bilhete de loteria e no ganha o prmio consentiu com a perda, desde que a questo no envolva fraude ou coao36. Essa noo de consentimento ex ante uma resposta ao argumento de que o critrio de maximizao da riqueza violaria o consentimento quando aplicada a ambientes de mercado. Contudo, situaes no ligadas ao mercado tornam a aplicao dessa noo de consentimento mais complicada, embora algumas instituies aplicveis a essas situaes possam ser vistas como maximizadoras de riquezas. Seria o caso da responsabilidade civil por negligncia em acidentes. Se nenhuma pessoa culpada, em que sentido aquele que se feriu em um acidente consentiu em no ser compensado pelo dano?

    Muito se critica a pressuposio de um consentimento ex ante. Afirma-se que, por ele no ser explcito, no h como justificar muitos casos. Posner tenta se defender:

    Mas, se no h mecanismos confiveis de obteno do consentimento explcito, nem por isso devemos abandonar o princpio do consentimento. Deveramos nos satisfazer com o consentimento implcito (ou talvez, mais precisamente, hipottico) onde este existir. Pode-se averiguar sua existncia

    35 Esse argumento pertence a Posner. Idem., p. 106.

    36 Idem., p. 112.

  • 40

    perguntando-se hipoteticamente se, caso os custos de transao fossem nulos, as partes afetadas concordariam com a instituio. O procedimento assemelha-se ao de um juiz, quando este imputa intenes s partes de um contrato que no preveja explicitamente uma determinada eventualidade. Embora a tarefa de imputao seja mais fcil no caso do contrato, ainda assim esse caso serve para mostrar que o consentimento implcito pode ser importante. A ausncia de um contrato pode afetar nossa confiana para inferir consentimento implcito, mas no afeta a exatido de tais inferncias37.

    H outras objees e uma das mais importantes dentre elas tambm o de que o consenso raramente unnime. Mas no desejo me prender a essas crticas, por assim dizer, internas maximizao da riqueza. Desejo, pelo contrrio, saber se a prpria maximizao da riqueza respeita direitos. A propsito, o prprio Posner reconhece que o consentimento, como critrio de justificao tica da maximizao da riqueza possui limitaes38, o que ao final o torna muito pouco atraente para a prpria dele.

    H muitas dificuldades conceituais na ideia de maximizao da riqueza individual e social. No incio de um importante artigo39, Ronald Dworkin tenta demonstrar que a Anlise Econmica do Direito, que sustenta a ideia da maximizao da riqueza, deve ser distinguida da anlise do Direito dos economistas feita a partir da aplicao a questes jurdicas da noo de eficincia de Pareto. Contudo, no desejo aqui exp-la em mais detalhes, j que, anos depois, Posner, como demonstrado acima, declarou que sua perspectiva econmica no depende da eficincia de Pareto. Desejo, pelo contrrio, me alongar com aquilo que Dworkin denomina de cerne do problema: a maximizao da riqueza um objetivo digno?

    Segundo Dworkin, h vrias respostas para essa pergunta e tentarei exp-las aqui da forma como ele as imagina40. (1) Pode-se pensar que a riqueza social , ela prpria, um componente do valor social isto , algo que por si s vale a pena ter. H duas verses para essa resposta. Vejamos: (a) uma verso afirma que a riqueza social

    37 Idem., p. 115.

    38 Idem., pp. 121-123.

    39 Publicado como captulo 12 em DWORKIN, Ronald. Uma questo de princpio. So Paulo: Martins Fontes, 2001.

    40Ver idem., pp. 356-357.

  • 41

    o nico componente do valor social. Ou seja, afirma que valorizamos to somente a riqueza social e que ela o nico padro para averiguarmos se uma sociedade est em melhor ou pior condio; (b) uma verso mais modesta afirma que a riqueza social apenas mais um componente do valor social. Ou seja, uma sociedade no melhor, comparada a outras, apenas porque possui mais riqueza. preciso averiguar se os outros componentes, como a igualdade e a liberdade, esto presentes.

    Vejamos a segunda resposta: (2) Pode-se pensar na riqueza social no como um componente, mas como um instrumento do valor. As melhoras na riqueza social no so valiosas em si mesmas, mas valiosas porque podem ou iro produzir outras melhoras que so valiosas em si. Isso quer dizer que o aumento da riqueza social pode aumentar os reais componentes do valor social, como a igualdade e a liberdade, por exemplo. Tambm para essa segunda resposta h diferentes verses. (a) melhoras na riqueza podem, por si s, causar outras melhoras; (b) embora no melhore automaticamente outros componentes, a riqueza social possibilita essa melhora; (c) a riqueza social no causa direta nem indireta do incremento de outros componentes, mas ele um segundo melhor objetivo, que valorizado no por si nem porque causar ou poder causar outras melhoras, mas por haver uma correlao entre melhoras na vida social e melhoras na riqueza social. Ou seja, a promoo de qualquer valor componente ocasionar, obrigatoriamente e de modo diretamente proporcional, o aumento ou a diminuio da riqueza social.

    As afirmaes de que a riqueza social o prprio valor social ou pelo menos um dos seus componentes so ideias defensveis? Se a Anlise Econmica do Direito defende que as decises judiciais devem ser tomadas de modo a aumentar a riqueza social, ento deve ela demonstrar por que uma sociedade mais rica melhor ou est em melhor situao que uma sociedade menos rica.

    Pode-se afirmar, como dito anteriormente, que a riqueza , em si, um componente do valor social, no seguinte sentido: se uma sociedade muda, havendo aumento em sua riqueza, essa mudana um aumento tambm do valor social. Mas no est claro porque o progresso social significa que a riqueza um valor. Considere-se o exemplo: A tem um livro que B quer. A venderia o livro para B por R$ 2,00 e B

  • 42

    pagaria por R$ 3,00 por ele. Um tirano T toma o livro de A e o d a B. Em que aspecto o segundo momento da sociedade, em que o livro j pertence a B, superior ao primeiro momento, em que o livro ainda pertencia a A?

    Poder-se-ia pensar que se A aceitaria R$ 2,00 pelo livro e B pagaria R$ 3,00, ento livro traria mais satisfao a B do que a A. Esse raciocnio, contudo, baseia-se no ganho de utilidade. Mas, como vimos, Posner defende que a Anlise Econmica do Direito um instrumento de maximizao da riqueza, sendo esta conceitualmente independente da utilidade. Tornemos, ento, nosso exemplo mais especfico. A pobre, doente e infeliz, sendo o livro do nosso exemplo um dos poucos prazeres que ele tem. Acrescente-se que ele s ps a venda o livro porque precisa do dinheiro para comprar remdios. B rico e muito satisfeito com o que j tem, mas est disposto a gastar R$ 3,00 pelo livro. Se T fora a transferncia, sem nenhuma compensao a A, a utilidade ser bastante reduzida, embora a riqueza aumente. Observe que a pergunta no se a transferncia forada feita por T injusta. A pergunta : mesmo com a ao de T o segundo momento teria realmente uma melhora. Em nosso exemplo, o fato de o livro estar com que pagaria mais para obt-lo to irrelevante, do ponto de vista moral, quanto o livro permanecer nas mos de que estaria disposto a vend-lo. Portanto, como diz Dworkin, separada da utilidade, a riqueza social perde toda a plausibilidade como componente do valor.

    E embora o prprio Posner reconhea que mais riqueza no produz mais felicidade, deveria tambm reconhecer que em muitas situaes a riqueza ocasiona uma perda de felicidade, uma vez que as pessoas no pensam apenas em riqueza e que muitas preferem a felicidade riqueza. A riqueza til, mas apenas quando possibilita algum levar uma vida melhor, mais bem sucedida, feliz ou mais moral. Como diz Dworkin, qualquer um que considere [o dinheiro] mais valioso um fetichista das verdinhas41. Portanto, a histria de A e B demonstra que a prpria maximizao da riqueza no um valor ou um componente de valor ou mesmo um instrumento do valor social. Ela demonstra no apenas que a maximizao da riqueza pode ser contrabalanado por perdas de utilidade, de justia ou de algum outro verdadeiro valor.

    41 Idem., p. 365.

  • 43

    Enfim, [d]emonstra que um ganho de riqueza social, considerado por si s e separadamente de seus custos ou de outras consequncias, boas ou ms, no absolutamente um ganho42.

    Posner at ofereceu, em 1983, uma resposta a essa crtica, afirmando que a crtica de Dworkin enganosa, j que, se os valores utilizados em seus exemplos fossem majorados, as transferncias aumentaria a quantidade de felicidade na sociedade, mesmo se no houvesse compensaes43. Essa resposta se mostra bastante confusa, j que Posner sustenta a distino entre a maximizao da felicidade e a maximizao da riqueza. No se nega que h possibilidade de incremento da felicidade, a despeito de suas consequncias nefastas. O que Dworkin procurou negar foi que a riqueza no um valor.

    A partir de ento, Posner passou a sustentar aquilo que chama de posio antiterica, uma tentativa desesperada e constrangedora de defender que os juzes devem decidir seus casos de modo a produzirem as melhores consequncias, mesmo no mais especificando ele de que modo esses juzes devem decidir quais so essas melhores consequncias. Entretanto, ele afirma que no deseja fundamentar suas recomendaes em nenhuma teoria geral, mas em uma posio pragmtica. Em 1995, Posner escreveu o seguinte acerca do que ele chama de abordagem pragmtica no direito:

    Como o termo pragmatismo no tem um significado preciso, nunca se sabe ao certo o que est em jogo quando ele discutido. Os simpatizantes do pragmatismo geralmente o definem a fim de torn-lo sinnimo de sensatez, enquanto seus inimigos fazem dele sinnimo de irracionalidade e autocontradio. Algo, entretanto, est em jogo. Os adjetivos que empreguei para caracterizar o ponto de vista pragmtico (prtico, instrumental, voltado para o frente, ativista, emprico, ctico, antidogmtico, experimental) no so aqueles que vm mente quando se considera a obra de, digamos, Ronald Dworkin.44

    Mas sua relutncia no apenas contra os argumentos Dworkin acerca do papel da moral no raciocnio jurdico. A lista dos moralistas acadmicos com os

    42 Idem.

    43 POSNER, Richard A. A economia da justia. So Paulo: Martins Fontes, p. 130.

    44 POSNER, Richard A. Para alm do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2009, p. 11.

  • 44

    quais Posner se preocupa engloba Elizabeth Anderson, Sissela Bok, David Gauthier, Alan Gewirth, Frances Kamm, Thomas Nagel, Martha Nussbaum, John Rawls, Joseph Raz e Judith Jarvis Thomson. Segundo Posner, alguns desses autores citados so considerados primeiramente como filsofos do direito (por exemplo, Dworkin e Raz) ou filsofos polticos (por exemplo, Rawls), e no como filsofos da moral. Mas todos eles anseiam fazer com que o direito siga as lies da teoria moral, embora nem sempre com a mesma proximidade45.

    No tenho tempo para expor em detalhes os problemas do relativismo moral que Posner sustenta. Mas encerro com uma passagem de Dworkin a respeito do que acreditar ser o novo pragmatismo de Posner:

    Ele pede a morte da teoria moral, mas, como todos os pretensos coveiros da filosofia, deseja apenas o triunfo de sua prpria teoria. Seus argumentos mostram o contrrio do que ele pretendia: mostram que a teoria moral no pode ser eliminada e que a perspectiva moral indispensvel, mesmo para o ceticismo ou o relativismo morais. O prprio Posner guiado por uma crena moral tcita, dissimulada e pouco atraente, porm inexorvel.46

    Se a razo do pragmatismo a de Odisseu, bom sabermos que podemos ser como o filho de Zeus e de Alcmena: Hrcules.

    45 POSNER, Richard A. The Problematics of Moral and Legal Theory, Harvard law review, n. 11, 1998, pp. 1639-40.

    46 DWORKIN, Ronald. A justice de toga. So Paulo: Martins Fontes, 2010, p.133.

  • 45

    Bibliografia

    CHOW, Daniel C.K., A pragmatic model of law, Washington law review, vol. 65, 1992, pp. 775-825; DWORKIN, Ronald. A justice de toga. So Paulo: Martins Fontes, 2010. DWORKIN, Ronald. Uma questo de princpio. So Paulo: Martins Fontes, 2001. FARBER, Daniel A. Legal pragmatism and the constitution, Minnesota law review, vol. 72, 1988. FARBER, Daniel A. The inevitability of practical reason: statutes, formalism, and the rule of law, Vanderbilt law review, vol. 45, 1992. HOLMES Jr., Oliver Wendell. The essential Holmes. Chicago: Chicago University Press, 1992. HOLMES Jr., Oliver Wendell. The path of the law, Harvard law review, vol. 10, 1897. KYMLICKA, WILL. Filosofia poltica contempornea. So Paulo: Martins Fontes, 2007, cap. 01. LANCASTER, Robert. A note on Pierce, pragmatism, and jurisprudence. Journal of Public Law, vol. 7, n. 13, 1958. MORRISSEY, Daniel J. Pragmatism and the politics of meaning. Drake law review, vol. 43, 1995. POSNER, Richard A. A economia da justia. So Paulo: Martins Fontes, 2010. POSNER, Richard A. Direito, pragmatismo e democracia. Forense: Rio de Janeiro, 2010. POSNER, Richard A. Para alm do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2009. POSNER, Richard A. Problemas de filosofia do direito. So Paulo, Martins Fontes, 2007 POSNER, Richard A. The jurisprudence of skepticism, Michigan law review, vol. 86, 1998. POSNER, Richard A. The Problematics of Moral and Legal Theory, Harvard law review, n. 11, 1998. SAVARESE, Ralph J. Americanl legal realism. Houston law review, vol. 03, 1966. SPEZIALE, Marcia. Langdells concept of law as science; the beginning of anti-formalismo in american legal theory, Vermont law review, vol. 5, n.01, 1980.