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FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM CURSOS DE PEDAGOGIA: DESAFIOS DO
EXERCÍCIO DA POLIVALÊNCIA E DA ARTICULAÇÃO ENTRE TEORIA E PRÁTICA
Profa. Dra. Marineide de Oliveira GOMES, Universidade Federal de São Paulo -
Unifesp /EFLCH – campus Guarulhos/ PPGE
Profa. Dra. Vanda Moreira Machado LIMA, Universidade Estadual Paulista – UNESP,
Faculdade de Ciências e Tecnologia/ campus Presidente Prudente/ PPGE
Eixo temático:01 - Formação inicial de professores da educação básica
Agência Financiadora: Capes/CNPq/MCTI
Introdução
A pesquisa, ora apresentada, se aproxima do tema do evento: “Profissão de
professor; cenários, tensões e perspectivas” ao trazer à reflexão e debate seus
resultados acerca da polivalência e da articulação entre teoria e prática na formação
de professores e, ao mesmo tempo, contribui para a reflexão acerca da qualidade da
formação dos professores nos cursos de Pedagogia no estado de São Paulo, que
sabemos ter grande influência e expressão no resto do país.
Resulta de pesquisa interinstitucional envolvendo dezessete investigadores de
diferentes instituições de ensino superior (sendo a maioria públicas) e objetivou
analisar a forma de organização dos cursos de Pedagogia visando identificar qual o
tratamento dado aos conhecimentos relacionados à formação do professor para atuar
nos campos da educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental
(PIMENTA; FUSARI, 2014). Constatou-se que dos 144 cursos analisados 86%
estavam ligados à instituições privadas e 13,9% à instituições públicas, reforçando
estudos anteriores nessa área (GATTI; NUNES, 2009; GATTI; BARRETO, 2009).
Empreendemos um trabalho investigativo de abordagem quanti/qualitativa com
análise documental das matrizes curriculares dos cursos de Pedagogia oferecidos por
instituições públicas e privadas do Estado de São Paulo, como uma das expressões
do currículo desses cursos e também uma maneira de acessar a cultura ali produzida,
uma vez que, concordamos com Stenhouse (1984, p. 29) de que “o currículo é uma
tentativa para comunicar os princípios e traços essenciais de um propósito educativo,
de tal forma que permaneça aberto à discussão crítica.”
Como forma de acesso a tais documentos, coletamos informações acerca dos
dados do EMEC (Ministério da Educação) e também nos sítios (página na Internet)
dos cursos presenciais de Pedagogia no Estado de São Paulo.
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Delimitamos a apresentação em duas partes, iniciando com o conceito de
polivalência como aspecto relevante para uma compreensão da atuação e da
formação dos professores na educação infantil e nos anos iniciais do ensino
fundamental em cursos de Pedagogia, seguido de uma apreciação acerca da
articulação entre teoria e prática nos cursos de formação de professores em geral e
nos cursos de Pedagogia em análise. Ao final, salientamos os resultados da pesquisa
e os seus desdobramentos em uma segunda etapa de investigação.
Polivalência na atuação docente e nos Cursos de Pedagogia: desafios e
perspectivas
O termo polivalente, conforme Houaiss (2001) significa assumir múltiplos
valores ou oferecer várias possibilidades de emprego e de função; ser multifuncional;
alguém que executa diferentes tarefas; ser versátil; que envolve vários campos de
atividade; plurivalente; multivalente. O polivalente representa ser uma pessoa com
múltiplos saberes, capaz de transitar com propriedade e conhecimento em diferentes
áreas (LIMA, 2007).
Para Cruz e Batista Neto (2012) o termo polivalência tem sido comumente
usado no contexto do mundo do trabalho, requisitado pelo discurso neoliberal no
período pós-crise do capitalismo. A polivalência designa a capacidade de o trabalhador
poder atuar em diversas áreas, podendo caracterizar ainda um profissional pautado
pela flexibilização funcional.
O Parecer CNE/CEB nº 16/99 (BRASIL, 1999) estabelece que as competências
dos cursos de ensino profissionalizante, entre outros objetivos, devem objetivar uma
polivalência profissional compreendida como o atributo de um profissional possuidor
de competências que lhe permitam superar os limites de uma ocupação ou campo
circunscrito de trabalho, para transitar para outros campos ou ocupações da mesma
área profissional ou de outras áreas afins.
A polivalência, segundo mesmo documento, deveria ser garantida pelo
"desenvolvimento das competências gerais, apoiadas em bases científicas e
tecnológicas e em atributos humanos, tais como criatividade, autonomia intelectual,
pensamento crítico, iniciativa e capacidade para monitorar desempenhos" (BRASIL,
1999, p. 37). Para Batista (2006, p. 105) verifica-se a necessidade de “novo perfil de
trabalhador que deve ser polivalente e multifuncional, possuidor de comportamento e
atitudes - coquetel individual - capazes de levá-lo a agir com ‘autonomia’ diante da
realidade em geral.”
De acordo com Cruz e Batista Neto (2012) no contexto atual do mundo do
trabalho, observa-se, de um lado, a defesa entusiasmada da polivalência entendida
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como atributo do trabalhador contemporâneo, adaptado a contextos diversos e
possuidor de competências múltiplas que lhe permitem atuar em diferentes postos de
trabalho, agrega eficiência e aumenta a produtividade. Por outro lado, desenvolve-se
um movimento que se caracteriza pela crítica ao trabalhador polivalente e sua
formação com base na ideia do trabalhador politécnico. Esse movimento inspira-se em
correntes marxistas e tem gerado novos debates e novas propostas no campo
educacional, orientando o ensino para um posicionamento crítico às atividades
produtivas baseadas nos fundamentos da ciência.
A compreensão dos dois aspectos apontados por Cruz e Batista Neto (2012)
precisam ser considerados ao relacionarmos a polivalência ao professor da educação
infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental.
Lima (2007) considera que a polivalência é a essência do trabalho do
professor, que é um trabalho de formação do ser humano que se constitui de várias
dimensões. O professor polivalente seria um profissional capaz de apropriar-se e
articular os conhecimentos básicos das diferentes áreas do conhecimento que
compõem atualmente a base comum do currículo nacional nas etapas iniciais da
educação básica, desenvolvendo um trabalho interdisciplinar. Esse profissional não é
apenas o somatório das áreas do conhecimento. Ser professor polivalente significa
saber ensinar essas diferentes áreas e também apropriar-se de valores inerentes ao
ato de ensinar “crianças pequenas”, interagir, comunicar-se e formar seus educandos
com qualidade.
Wajskop (2003) apresenta o significado de ser professor polivalente na
Educação Infantil:
Ser polivalente significa, portanto, trabalhar com conteúdos denaturezas diversas, que abrangem desde cuidados básicosessenciais até mesmo conhecimentos específicos provenientes dasdiversas áreas do conhecimento. Esse caráter polivalente demanda,por sua vez, uma formação bastante ampla do profissional, que devetornar-se também ele, um aprendiz, refletindo constantemente sobresua prática, debatendo com seus pares, dialogando com suasfamílias e a comunidade e buscando informações necessárias para otrabalho que desenvolve. (WAJSKOP, 2003, p. 16).
Na Resolução CNE/CP nº 1/2006, que estabeleceu as Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Curso de Pedagogia (BRASIL, 2006), o artigo 5º define como
orientação que os/as professores/as tenham um conhecimento aprofundado de cada
disciplina, de modo que identifiquem possibilidades de diálogo entre os vários saberes.
A recente Resolução CNE nº 2/2015 (art 2.) compreende a docência [...] como
ação educativa e como processo pedagógico intencional e metódico, envolvendo
conhecimentos específicos, interdisciplinares e pedagógicos, conceitos, princípios e
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objetivos da formação que se desenvolvem na construção e apropriação dos valores
éticos, linguísticos, estéticos e políticos do conhecimento inerentes à sólida formação
científica e cultural do ensinar/aprender, à socialização e construção de
conhecimentos e sua inovação, em diálogo constante entre diferentes visões de
mundo.
Considerando esses aportes legais, a polivalência aparece como aspecto
relevante na atuação dos professores na educação infantil e anos iniciais do ensino
fundamental, portanto essencial na reflexão sobre os cursos de formação de
professores, principalmente os cursos de Pedagogia.
Cruz e Batista Neto (2012) analisaram duas experiências de pesquisas, uma
brasileira e outra francesa, enfatizando as concepções e práticas que estão sendo
construídas para a efetivação da polivalência nas salas de aula dos anos iniciais do
processo de escolarização formal nesses países. Mas propomos pensar a
polivalência, também na Educação Infantil.
Um primeiro elemento que os autores apresentam sobre a polivalência é o tipo
de relação professor-aluno. A polivalência garantiria a formação de uma pedagogia
global que visa atender tanto às necessidades e interesses do aluno como incentivar o
professor a perceber os conhecimentos de maneira integral. Nessa docência global, o
fator tempo seria um facilitador, uma vez que o professor teria um tempo maior de
contato com os alunos, identificando assim as suas particularidades e realizando a
retomada de conteúdos ainda não apreendidos. (CRUZ; BATISTA NETO, 2012).
Nesse sentido a polivalência poderia contribuir com a formação integral do
aluno, inclusive na sua formação moral e crítica. Além de provocar um repensar no
formato curricular dos cursos de Pedagogia no Estado de São Paulo, que segundo
nossa pesquisa dos 144 cursos analisados 93% deles (134) são organizados em
termos curriculares sob o enfoque disciplinar, o que dificulta uma sólida formação
polivalente do professor dos anos iniciais da Educação Básica.
Outro aspecto da polivalência apresentado refere-se a uma tensão, entre a
busca por uma especialização em relação às áreas de conhecimento do currículo
básico da escolarização inicial e a defesa da formação e atuação geral de um único
professor no ensino das diferentes áreas. (CRUZ; BATISTA NETO, 2012). Essa tensão
se intensifica ao compararmos a formação dos professores que atuam na educação
infantil e nos anos iniciais e os professores que atuam nos anos finais e no ensino
médio, conforme destaca Libâneo:
Vive-se no Brasil, no âmbito da formação de docentes, um estranhoparadoxo: professores dos anos iniciais do ensino fundamental, queprecisam dominar conhecimentos e metodologias de conteúdos muitodiferentes, como português, Matemática, História, Geografia, Ciências
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e à vezes, Artes e Educação Física, não recebem esses conteúdosespecíficos em sua formação, enquanto que os professores dos anosfinais, preparados em licenciaturas específicas, passam quatro anosestudando uma só disciplina, aquela em que serão titulados(LIBÂNEO, 2010, p. 580-1).
Ainda segundo Cruz e Batista Neto (2012) foi consenso entre as pesquisas
analisadas, a associação da configuração da polivalência com o princípio da
interdisciplinaridade. Contudo, a compreensão da interdisciplinaridade não se mostrou
clara. A princípio, a interdisciplinaridade, pareceu associada à multifuncionalidade,
como exercício de papéis demandados pela realidade concreta nas escolas e na sala
de aula. Ela também foi compreendida não apenas como o atendimento à perspectiva
disciplinar dos conteúdos das diferentes áreas de conhecimentos, mas o atendimento
à compreensão e ao envolvimento na formação humana dos alunos.
O Conselho Estadual de Educação de São Paulo mediante a Deliberação
126/2014 e a 111/2012 estabeleceu que os cursos de Pedagogia deverão ter no
mínimo carga horária de 3.200 horas, sendo: 800 horas para formação científico-
cultural; 1.600 horas para formação didático-pedagógica específica para a educação
infantil e anos iniciais do ensino fundamental; 400 horas para estágio supervisionado;
400 (quatrocentas) horas do Curso de Pedagogia para a formação de docentes para
as demais funções previstas na Resolução CNE/CP n. 01/2 (SÃO PAULO, 2014, Art.
4º). Podemos inferir que essa deliberação ampliará a carga horária das disciplinas
relacionadas as áreas de conhecimentos, devido a exigência das 800h de formação
científico-cultural. Provavelmente teremos modificações nos currículos dos cursos de
Pedagogia no Estado de São Paulo.
Mas como ser capaz de desenvolver práticas interdisciplinares, tendo uma
frágil base disciplinar? Como atuar com práticas interdisciplinares se a maioria de
nossos cursos de Pedagogia se estrutura de modo disciplinar? Como atuar com
práticas interdisciplinares sem vivenciá-las nos cursos de formação em Pedagogia?
Verificamos em pesquisas que os professores dos anos inicias, geralmente
enfatizam em sua atuação as disciplinas presentes nas avaliações externas em larga
escala, a saber: Língua Portuguesa e Matemática, caracterizando-se com uma postura
de total negação das demais disciplinas. (LIMA, 2007). Tal aspecto é reforçado pelas
atuais políticas da área da educação do Governo do Estado de São Paulo, que têm
explicitamente direcionado o currículo para as avaliações externas que medem
exclusivamente o desempenho dos alunos em Língua Portuguesa e Matemática.
Analisando a Resolução CNE nº 2/2015 (BRASIL, 2015) observa-se a ênfase na
interdisciplinaridade (curricular, valorização do trabalho coletivo com intencionalidade
pedagógica clara e presença de conteúdos específicos da área ou interdisciplinares)
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Um elemento de tensão apontado pelas diferentes realidades analisadas em
pesquisas foi a ambivalência entre a dita polivalência oficial e a polivalência real. No
caso brasileiro, se por um lado os documentos oficiais de certa maneira defendem ou
silenciam sobre a polivalência integral, sob diferentes justificativas, por outro lado, os
professores destacaram que a realidade não é vivenciada da maneira como está
sendo proposto e, inclusive, na maioria dos casos, mostra-se muito distante de ser
alcançada. Nesse contexto, parece-nos que a indicação da monodocência
coadjuvada, apresentada na realidade portuguesa, e a formação de equipes ou a
presença de interveninentes ou profissionais externos, indicadas na realidade
francesa, surgem como uma proposição para se atenuar tal distanciamento e atender
às aprendizagens propostas nos currículos dos anos iniciais de escolarização. (CRUZ;
BATISTA NETO, 2012).
Na pesquisa realizada identificamos que os conhecimentos relativos à
formação profissional docente representa o maior percentual entre as demais
categorias estudadas. Ela contempla os conteúdos curriculares presentes na
educação infantil e nos anos iniciais (Língua Portuguesa, Matemática, História,
Alfabetização, Movimento, Linguagem oral e escrita, Natureza e Sociedade, por
exemplo) e suas respectivas metodologias de ensino, assim como os demais
conteúdos que contribuem diretamente com a prática docente.
Embora esta seja a categoria mais expressiva, entende-se que ainda a carga
horária é insuficiente para contemplar a complexidade de atuar nas dimensões da
educação, dos cuidados e do ensino para crianças até 10 anos, seja do ponto de vista
do domínio dos conteúdos e metodologias específicas sejam dos conhecimentos
necessários para que o professor compreenda como ocorre o processo de educação e
ensino-aprendizagem nas diferentes etapas da infância.
Na pesquisa identificamos que os conhecimentos relativos as áreas
disciplinares, sem especificação de nível de ensino, têm percentuais mais elevados
que as disciplinas identificadas para a educação infantil e anos iniciais do ensino
fundamental. Aqui precisaríamos investigar as ementas das disciplinas para verificar
se a ausência de identificação significa o desenvolvimento de um trabalho articulado
entre os níveis (ou não), contudo pela constatação da carga horária pequena para
cada disciplina podemos inferir a existência de fragilidade na formação dos
professores. Constatamos ainda que embora o segmento dos anos iniciais do ensino
fundamental centralize a formação docente dos alunos dos cursos de Pedagogia no
Estado de São Paulo, a área de educação infantil tem conquistado espaço curricular
uma vez que se trata de um campo em consolidação.
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Em relação aos anos iniciais do ensino fundamental há uma expressiva
variedade de denominações a respeito das oitenta e nove (89) disciplinas que tratam
das metodologias específicas. Evidencia-se nas denominações dos conteúdos
curriculares, demasiada fragmentação e dispersão, pois tais conteúdos são
identificados como fundamentos teóricos metodológicos de..., metodologia do ensino
de..., conteúdos e metodologia de..,metodologia e prática de ensino de...envolvendo
cinquenta e três (53) disciplinas. Constata-se que a área de Alfabetização
(Alfabetização, Letramento e Práticas Alfabetizadoras nas séries iniciais do ensino
fundamental) é identificada em apenas quatro (4) disciplinas.
Na categoria “Conhecimentos integradores” definida com o objetivo de
identificar nos cursos perspectivas de organização curricular mais integradora e ou
interdisciplinar, encontramos um índice muito baixo, o que mostra a prevalência nos
cursos investigados da perspectiva disciplinar fragmentada. Nesta categoria
encontramos 168 disciplinas que se enquadram no núcleo de estudos integradores,
que visa proporcionar ao estudante do curso de Pedagogia enriquecimento curricular e
experiências abrangentes de cunho teórico-metodológico. Verificamos alto grau de
dispersão e movimento pendular, tendo em vista que ora se aproximam do campo dos
Fundamentos da Educação, ora às áreas específicas de atuação profissional.
O Núcleo de Estudos Integradores permanece na Resolução CNE n.2/2015
definido como enriquecimento curricular, compreendendo a participação em variados
eventos teóricos e práticos e atividades de comunicação e expressão pelo estudante.
Considerando as exigências da formação polivalente do professor de educação
infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental, observamos a quase inexistência de
uma organização curricular que integre as áreas de conhecimento, por meio de ações
integradoras em que os estudantes possam dialogar, na prática futura profissional com
as aprendizagens construídas nas diferentes disciplinas, o que pode deslocar para a
responsabilidade dos estudantes uma ação inerente à formação do professor
polivalente, qual seja, a integração e diálogo entre áreas de conhecimento, oriunda de
diferentes saberes.
Teoria e Prática: quando a teoria na prática não é outra...
Uma vez que a estrutura disciplinar prevalece nos cursos pesquisados,
constatamos que somente a metade dos cursos (50,3%) oferece disciplinas ligadas ao
estágio supervisionado, com uma diversidade de nomenclaturas para identificar
estágios e/ou atividades práticas. Constatamos também que os cursos de Pedagogia
padecem de indefinição do campo pedagógico, com grande dispersão do objeto da
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Pedagogia, reduzindo-a à docência, obedecendo uma perspectiva formativa pela via
da racionalidade técnica.
A fragmentação curricular e a diversidade das disciplinas salta aos olhos na
análise das matrizes curriculares dos cursos, observando-se também ausência de
espaços formativos para orientação e supervisão dos estágios e, na maioria dos
cursos, o não atendimento das exigências legais com relação às atividades téorico-
práticas e de estágio curricular supervisionado.
De maneira geral, os cursos de graduação de formação de professores se
organizam na perspectiva curricular em três grandes áreas: uma área inicial de
Fundamentos da Educação seguido de outra área de Metodologias e uma terceira
área de Práticas Pedagógicas, em que, via de regra se situam os estágios
curriculares.
Sabemos que mais do que ensinar algo, o professor, em qualquer nível ou
modalidade educacional, traduz concepções de conhecimento (e consequentemente,
de adesão a determinadas configurações epistemológicas), de educação, de teoria e
de prática. Há quase um consenso no campo da educação e dos cursos que formam
professores de que é necessário primeiro ensinar teorias a serem aplicadas na prática
(como se fosse possível reproduzir nos diferentes contextos e realidades das práticas
pedagógicas no âmbito da educação básica os saberes e fazeres apreendidos pelos
estudantes nos cursos de formação de professores, nesse caso, a Pedagogia).
É ainda Sacristán (2000) quem nos esclarece acerca da importância de uma
formação de professores mais integradora, ampliando o sentido restrito da técnica em
si, evidenciando que o tema fundamental da prática de ensino está em ver como se
cumpre a função cultural das escolas, considerando o processo de escolarização
como uma forma de transmissão cultural (em sua dimensão oculta e manifesta) e
também de produção cultural, como outras, que parte da filosofia até a técnica
pedagógica, considerando as condições em que o currículo se desenvolve, entendido
como um processo historicamente determinado e um campo no qual interagem ideias
e práticas recíprocas e como projeto elaborado condiciona a profissionalização do
docente, daí a importância de vê-lo como uma pauta com diferentes graus de
flexibilidade para que os professores nele intervenham.
Assumimos aqui uma perspectiva de estágio curricular como forma de contato
e reconhecimento do campo profissional (GOMES, 2011) o que supõe: i) desenvolver
a autonomia do profissional em formação (visão de totalidade e de unidade); ii) ser o
centro da formação profissional com dimensão investigativa como princípio formativo
da docência, com formas e procedimentos de aproximação com a realidade de
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trabalho e de reflexão da/na escola; iii) favorecer práticas curriculares integradoras que
impliquem na formação do professor polivalente.
Ao nosso ver, é de fundamental importância a reconfiguração de concepções
educacionais na formação de professores, sobretudo a concepção de conhecimento
como acontecimento, como algo provisório, situando a imprevisibilidade e a incerteza
da realidade no campo complexo e multifacetado da Educação, distanciando-se de
uma perspectiva prescritiva e regulatória (PIMENTA; FUSARI, 2014). Destacamos aqui
uma concepção de conhecimento global em contraposição às concepções dualistas
e/ou dicotômicas, articulando formas diferentes de conhecimento, subjetiva e
intersubjetiva, resultando em ações mais transformadoras do que reprodutoras,
valorizando os saberes da experiência que ocorre na relação entre conhecimento e
vida humana (LAROSSA, 2002).
Aproximar-se das práticas profissionais de professores da educação básica
implica em acessar a essência dos fenômenos que ali ocorrem, com condições de
descrição e de indagação crítica sobre como estes se manifestam naquele
determinado contexto e como, ao mesmo tempo, nele se escondem, de forma criativa,
por meio da práxis. Dessa forma, para se compreender os fenômenos se faz
necessário atingir sua essência (KOSIK, 1976).
Uma Pedagogia (como campo e como área de estudos) que se sustente em
novas bases necessita repensar as dimensões de controle, de prescrição e de
normalização do trabalho dos professores, alicerçando-se na dúvida, mais existencial
que lucrativa, integrando uma comunidade de pensamento e ação, podendo
ressignificar os acontecimentos educativos, recuperando certa ancestralidade da
Educação, a serviço da vontade de saber, de comunicar, de pertencer e de fazer e
usar o mundo comum (GOMES, 2015).
Desse ponto de vista entendemos que não há neutralidade nas práticas de
formação nos cursos de Pedagogia, nem tão pouco isenção de saberes. Contrariando
o ditado popular de que ‘na prática, a teoria é outra’, enfatizamos que ‘a teoria na
prática não é outra’, pois as formas de organização curriculares e as práticas docentes
informam e delimitam campos de saberes, concepções e perspectivas que merecem
análise e crítica.
CONCLUSÕES
Inferimos pela análise das matrizes curriculares dos cursos de Pedagogia no
que se refere à polivalência docente e à articulação entre teoria e prática que os
cursos traduzem modelos de integração insuficientes, denominados por Saviani (2008,
3893
p. 8) como “modelos de conteúdos culturais cognitivos ou modelos pedagógico-
didáticos”. Entendemos que trata-se de superar tais modelos prescritivos e
fragmentados de conhecimento, dando lugar a estruturas curriculares que tenham
essencialidade e foco na formação profissional do professor (e do pedagogo), em um
contexto de mudanças paradigmáticas. As configurações inter, multi e
transdisciplinares e/ou outras formas de tradução do projeto cultural dos cursos está
por ser feita ainda, considerando que a grande maioria dos cursos encontra-se
‘gradeado’ disciplinarmente dificultando integrações, interfaces e diálogos entre áreas.
Em se tratando da formação de crianças de 0-10 anos e de jovens e adultos
nos anos iniciais do ensino fundamental é importante salientar nos cursos de
Pedagogia a necessidade de se considerar quem são as crianças e os jovens e
adultos da atualidade, sem infantilismos nem ideias pré-determinadas, antes como
sujeitos de experiências e construtores de relações dotadas de sentido (LAROSSA,
2006).
Para além desse aspecto parece-nos importante situar na articulação entre
teoria e prática nos cursos de Pedagogia o campo das Políticas Públicas para a
infância nas últimas décadas no Brasil e a relação com as práticas cotidianas dos
professores, os avanços legais, tal como a condição de direitos das crianças, as
dimensões da educação e dos cuidados, a presença do lúdico e as interrogações
presentes nas práticas dos professores de crianças da educação infantil e dos anos
iniciais do ensino fundamental, com as eminentes exigências que cercam o ensino
fundamental de nove anos, as transições da educação infantil para o ensino
fundamental, a presença marcante das novas tecnologias e das imagens (uso abusivo
dos meios eletrônicos pelas crianças), os processos de avaliação (com as avaliações
em larga escala dominando as orientações profissionais) e as diferentes concepções
de currículo que se traduzem nas rotinas e nas diferentes formas de organização do
trabalho educativo e pedagógico nas instituições educacionais que atuam com
crianças de 10 anos (creches, pré-escolas e escolas de ensino fundamental). Também
a especificidade da Educação de Jovens e Adultos merece destaque, assim como a
complexidade da gestão educacional, compreendida desde a gestão do fazer cotidiano
do professor em sala de aula até as diferentes configurações de gestão, de forma a
explicitar e compreender a gestão educacional em uma perspectiva democrática e
intersetorial.
A pesquisa, em uma segunda etapa (em andamento) objetiva continuar a
análise na forma de estudos de casos de cursos de Pedagogia que superaram a
fragmentação curricular, com dimensões inovadoras na formação de
professores,ampliando a análise documental por meio de estudos de casos incluindo
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análise dos Projetos Pedagógicos dos Cursos e entrevistas com coordenadores dos
cursos selecionados e no que se refere aos estágios curriculares busca identificar as
concepções de estágio e de articulação entre teoria e prática, as formas de
organização e de supervisão, a perspectiva investigativa e de pesquisa; as relações
com as escolas de educação básica compreendendo estas como lócus de trabalho e
de reflexão teórico-prática. Tal perspectiva investigativa que assumimos visa contribuir
para a melhoria da qualidade dos cursos de Pedagogia no que se refere à
profissionalização docente e, consequentemente, para a elevação do patamar de
qualidade da educação básica, na intenção de apresentar novos cenários para os
desafios dos cursos de Pedagogia na atualidade.
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