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Profª. RITA FREITAS
LICENCIADA EM HISTÓRIA
PÓS GRADUADA –ESPECIALISTA EM PLANEJAMENTO EDUCACIONAL E POLÍTICAS PÚBLICAS
PÓS GRADUADA –ESPECIALISTA EM EDUCAÇÃO INCLUSIVA
PÓS GRADUADA –ESPECIALISTA EM CULTURA AFRO BRASILEIRAS
PÓS GRADUANDA –ESPECIALISTA EM DOCENCIA DO ENSINO SUPERIOR
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I UNIDADE 1. APRENDENDO FILOSOFIA
Provavelmente muitos de vocês nunca estudaram filosofia ou leram o livro de algum filósofo.
Desse modo, ao ficarem sabendo que estudariam filosofia no ensino médio devem ter se
perguntado: O que é filosofia? O que nós vamos estudar em filosofia? Alguns podem estar
curiosos e outros preocupados.
Antes de respondermos essas perguntas é importante fazermos algumas uma observações:
para estudar filosofia é preciso uma dedicação a leitura, pois na nossa disciplina nosso
principal material de trabalho serão os TEXTOS. Utilizaremos tanto os textos clássicos
escritos pelos filósofos como textos de revistas e jornais que nos auxiliem a estudar
determinados problemas filosóficos.
Para começarmos a entender o que é a filosofia e o que os filósofos estudam vamos observar o
afresco do pintor renascentista Rafael:
Essa pintura de Rafael tem o nome de Filosofia. Vemos
primeiramente no afresco uma mulher que representa a
filosofia segurando dois livros. Na mão esquerda ela tem
um livro sobre “Moral” já na mão direita um livro
sobre a “Natureza”. Esses dois livros segurados pela
mulher da pintura nos ajudam a compreender “o quê” a
filosofia estuda. A filosofia surgiu primeiramente como
uma investigação da Natureza, ou seja, tudo aquilo que
não é produzido pelo ser humano, tal como o movimento
dos astros, a cheia dos rios, a mudança das estações.
Posteriormente a filosofia passou a se interessar pelo estudo do
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próprio ser humano e pelas coisas que só existem porque foram produzidas pelos seres
humanos. O livro sobre “Moral” que a mulher da pintura segura representa o conhecimento
dessas “coisas” que são produzidas pelo homem. Se pensarmos, por exemplo, nas noções de
bem e mal, veremos que elas só existem onde existe o ser humano, elas não se encontram na
natureza entre os animais ditos irracionais, os vegetais ou os minerais. É importante levarmos
em consideração que a moral não é a única coisa produzida pelos seres humanos que a
filosofia estuda. Os filósofos também se dedicam ao estudo das ciências e das tecnologias, da
política, da arte, das religiões. Tudo isso foi produzido pela humanidade, de modo que ao
conhecermos essas coisas conhecemos melhor o próprio ser humano. Sócrates, o mais famoso
filósofo da Grécia Antiga, ao se consultar no oráculo da cidade de Delfos ouviu o seguinte:
“Conhece-te a ti mesmo!” Sócrates não foi para casa e ficou sozinho tentando conhecer quem
era ele, muito pelo contrário, o filósofo passou a perambular pelas ruas de Atenas debatendo
com as pessoas sobre política, ciência, arte, religião e moral. O que Sócrates nos ensina é que
investigar aquilo que foi produzido pela humanidade é a melhor forma dos seres humanos
conhecerem o que eles são.
Já sabemos então o que os filósofos estudam: 1) a natureza, ou seja, as coisas que não foram
produzidas pelos seres humanos; 2) o ser humano e tudo que é produzido por ele, isto é, a
moral, a política, as religiões, as leis, a arte, a ciência, a tecnologia. Vemos que os filósofos
estudam muitas coisas e muitas coisas que eles estudam também são estudadas por outros
profissionais como o biólogo, o físico, o químico, o sociólogo, o economista, o psicólogo ou o
historiador. Mas o que o filósofo faz de diferente? O que distingue a filosofia de outras formas
de conhecimento? Para entendermos isso voltemos a observar a pintura de Rafael.
Na pintura de Rafael ao lado da mulher que simboliza a filosofia há dois querubins. Eles
carregam duas placas com a inscrição em latim Causarum Cognitio, que significa “Conheça
através da causas”. Rafael pretende com essa imagem fazer uma alusão ao filósofo grego
Aristóteles. Foi Aristóteles que afirmou que a filosofia é o conhecimento das causas
primeiras. Sendo assim, a filosofia aborda aqueles temas que descrevemos acima buscando
compreender suas causas. A filosofia aborda esses temas fazendo as seguintes perguntas: "Por
quê?", "Como?", "Para quê?" e "De que é feito?". Isso é que distingue a filosofia de outras
formas de conhecimento, uma busca incessante das causas primeiras.
Calma, calma, calma! Talvez essa história de causas primeiras ainda não esteja clara para
vocês. Vamos entender isso melhor já, já.
1.1. O CONHECIMENTO DAS CAUSAS PRIMEIRAS
Segundo Aristóteles a filosofia é o conhecimento das causas primeiras. Mas o quê esse
filósofo grego queria dizer com isso? Quais são essas causas primeiras? Antes de começarmos
a entender isso é importante sabermos que Aristóteles enumera quatro causas diferentes:
causa material, causa formal, causa eficiente e causa final. As histórias em quadrinhos abaixo
vão nos ajudar a compreender quais são essas causas que a filosofia busca conhecer. Vejamos
o primeiro quadrinho:
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Acima temos o quadrinho da Mafalda desenhado pelo cartunista argentino Quino. No
quadrinho temos a personagem Mafalda com seu amigo Miguelito. Nesse quadrinho temos
um bom exemplo disso que Aristóteles chama de causa material. Para Aristóteles a causa
material diz respeito às menores partes ou os materiais de que algo é feito. O filósofo que
busca conhecer a causa material de algo faz a seguinte pergunta: de quê é feito isto? No
quadrinho o personagem Miguelito, graças a sua imaginação infantil, supõe que o mar é feito
de sopa, ou seja, ele acredita que a causa material do oceano é a sopa, a sopa é o material de
que é feito o mar. Mafalda por não gostar muito de sopa não se sente muito bem com a
especulação de seu amiguinho.
O próximo quadrinho da Mafalda vai nos ajudar a entender o que Aristóteles chama de causa
formal.
No quadrinho acima Mafalda olhando o dicionário descobre a definição, o conceito de
democracia que é: um governo em o poder político é exercido pelo povo. Aristóteles chama
de causa formal uma definição, um conceito que serve de modelo para alguma coisa. Por
exemplo, um carpinteiro ao construir uma cadeira terá em mente o conceito de cadeira, isto é,
a ideia de uma peça mobiliária utilizada para se sentar com quatro pernas e um encosto para
as costas. Essa noção é a causa formal e ela servirá de modelo para o carpinteiro. Podemos
pensar outro exemplo a partir do quadrinho da Mafalda. A ideia de “um governo em que o
povo exerce o poder” é o modelo, a causa formal de um país que queira ser democrático.
Mafalda parece não achar possível que esse tipo de modelo possa ser realizado, tanto é que ela
passa o dia inteiro rindo depois de conhecer o conceito de democracia. Ao investigar a causa
formal os filósofos perguntam: como é? o quê define isto?
O conceito de causa eficiente será explicado com a ajuda do próximo quadrinho:
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Nesse quadrinho vemos Mafalda, seu amigo Filipe e seu irmão Guile. O irmão de Mafalda
pergunta se o calor é culpa do governo. Guile acha que foi o governo que deu início, que
provocou o aparecimento do calor. O garotinho pergunta isso provavelmente porque ele
sempre escutou os adultos falando que uma coisa ruim é sempre culpa do governo. O que
Aristóteles chama de causa eficiente é aquilo que dá início, aquilo que faz algo surgir. O
personagem Guile acha que o governo é causa eficiente do calor, já que ele acha que foi o
governo que começou o calor. Ao investigar a causa eficiente os filósofos perguntam: o que
fez começar algo? o quê deu início a uma ação? Vejamos outro exemplo. O filósofo francês
Jean-Jaques Rousseau buscou compreender como surge a desigualdade entre os homens. Por
que uns tem poder e outros não? Por que uns são ricos e outros pobres? Por que uns mandam
e outros obedecem? Para Rousseau a desigualdade surge com o aparecimento da propriedade
privada. Para ele antes os homens tinham tudo em comum, todas as coisas pertenciam a todos.
A partir do momento que algum homem cerca a terra e fala isso é meu e não seu, surge a
propriedade privada, e com isso a desigualdade. Ou seja, podemos dizer que para Rousseau a
propriedade privada é a causa eficiente da desigualdade entre os homens, pois é ela que faz
surgir a desigualdade.
Por último temos agora a causa final. Vejamos o último quadrinho da Mafalda.
Neste quadrinho a personagem Mafalda se surpreende com os operários furando, martelando e
batendo em uma rua. Com sua inocência infantil Mafalda quer saber qual o objetivo dos
operários, qual é a finalidade dessas atividades praticadas por ele. Por isso ela pergunta se os
operários estão querendo que a rua confesse algo. No entendimento da garotinha os operários
parecem estar torturando a rua. Aristóteles chama de causa final aquilo que é o objetivo
aquilo que é a finalidade de alguma coisa ou alguma ação. Para Mafalda a causa final dos
operários é fazer com que a rua confesse algo. Quando os filósofos investigam a causa final
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eles perguntam: Para quê é isso? Para quê se faz isso? Assim, um filósofo que estuda a
política pode querer investigar “para quê os homens criam leis?”
Se as quatro causas que os filósofos buscam explicar ainda não estão claras para vocês, vejam
os quadrinhos abaixo em que Aristóteles as explicam junto com seu aluno Alexandre Magno,
que posteriormente se tornou Alexandre “o grande”.
ATIVIDADES
1. Construa uma tabela explicando as quatro causas que a filosofia estuda. Na tabela
deve conter o nome das causas, a definição de cada uma delas, um exemplo de cada e a
pergunta feita quando se busca compreendê-las.
2. Encontrando as quatro causas nos textos: Leia os textos abaixo buscando identificar
uma das quatro causas descritas por Aristóteles. Depois de ler você deve indicar: qual é
o tipo da causa (material, formal, eficiente e final)? o quê é a causa? A causa é causa de
quê? Vejam os dois exemplos abaixo.
A) “A alma é corpórea, composta de partículas sutis, difusa por toda a estrutura corporal [...]”.
(Antologia de textos. Epicuro)
B) “[...] a união entre o homem e a mulher tem por fim não somente a procriação, mas a
perpetuação da espécie [...]”. (Segundo tratado sobre o governo civil. John Locke)
C) “O governo do estado moderno não é se não um comitê para gerir os negócios comuns de
toda a classe burguesa”. (Manifesto do partido comunista. Karl Marx)
EXEMPLOS:
“[...] a origem de todas as sociedades, grandes e duradouras, não é a boa vontade mútua
que os homens têm entre si, mas sim o medo mútuo que nutriam uns pelos outros”. (Do
Cidadão. Thomas Hobbes)
Tipo de causa: causa eficiente
O que é a causa? O medo mútuo entre os homens
A causa é causa de quê? Todas as sociedades grandes e duradouras
Esse texto trata da causa eficiente. Ele mostra que a causa eficiente de todas as
grandes sociedades é o medo mútuo entre os homens, ou seja, o que faz surgir as
grandes sociedades é o medo mútuo entre os homens.
“A Cidade é uma sociedade estabelecida, com casas e famílias, para viver bem, isto é,
para se levar uma vida perfeita e que se baste a si mesma”. (Política. Aristóteles)
Tipo de causa: causa final
O que é a causa? Viver bem, levar uma vida perfeita
A causa é causa de quê? A Cidade
Esse texto trata da causa final. Ele mostra que o bem viver é a causa final da Cidade,
ou seja, a finalidade da Cidade é proporcionar um bem viver para as pessoas.
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D) “O único objetivo do Estado é proteger os indivíduos uns dos outros e todos juntos de
inimigos externos”. (A arte de insultar. Arthur Schopenhauer)
E) “A verdadeira e legítima meta das ciências é a de dotar a vida humana de novos inventos e
recursos”. (Novum Organum. Francis Bacon)
F) “Disfunções do cérebro explicam atitudes violentas” (Notícia. Site Terra)
3. Os quadrinhos abaixo são da tira “Calvin e Hobbes” (traduzido como Calvin e
Haroldo) do cartunista Bill Watterson. Calvin, o garotinho dos quadrinhos, é uma
criança bem curiosa, ele está o tempo todo fazendo perguntas que envolvem as quatro
causas descritas por Aristóteles. Procure identificar nas histórias abaixo quais causas
Calvin investiga, justifique suas respostas.
A)
B)
1.2. A EXPLICAÇÃO MITOLÓGICA DO MUNDO
A filosofia surge por volta do século VII a.C na Grécia Antiga. Havia outra forma de
explicação do mundo antes do surgimento da filosofia, a explicação por meio da mitologia. A
mitologia é o conjunto de mitos de um determinado povo. Mas afinal, o quê é um mito? Um
mito é uma narrativa sobre a origem de alguma coisa (origem dos astros, da Terra, dos
homens, das plantas, dos animais, do fogo, da água, dos ventos, do bem e do mal, da saúde e
da doença, da morte, dos instrumentos de trabalho, das raças, das guerras, do poder, etc.).
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O Mito (Mythos) é narrado pelo poeta-rapsodo, que escolhido pelos deuses transmitia o
testemunho incontestável sobre a origem de todas as coisas, oriundas da relação sexual entre
os deuses, gerando assim, tudo que existe e que existiu. Os mitos também narram o duelo
entre as forças divinas que interferiam diretamente na vida dos homens, em suas guerras e no
seu dia-a-dia, bem como explicava a origem dos castigos e dos males do mundo. Ou seja, a
narrativa mítica é uma genealogia da origem das coisas a partir de lutas e alianças entre as
forças que regem o universo. Por exemplo, o poeta Homero, na Ilíada, obra que narra a guerra
de Tróia, explica por que, em certas batalhas, os troianos eram vitoriosos e, em outras, a
vitória cabia aos gregos. Os deuses estavam divididos, alguns a favor de um lado e outros a
favor do outro. A cada vez, o rei dos deuses, Zeus, ficava com um dos partidos, aliava-se com
um grupo e fazia um dos lados - ou os troianos ou os gregos - vencer uma batalha. A causa da
guerra, aliás, foi uma rivalidade entre as deusas. Elas apareceram em sonho para o príncipe
troiano Paris, oferecendo a ele seus dons e ele escolheu a deusa do amor, Afrodite. As outras
deusas, enciumadas, o fizeram raptar a grega Helena, mulher do general grego Menelau, e
isso deu início à guerra entre os humanos.
[...] Na Nova Guiné, numerosos mitos falam de longas viagens pelo mar, fornecendo assim
“modelos aos navegadores atuais”, bem como modelos para todas as outras atividades, “quer
se trate de amor, de guerra, de pesca, de produção de chuva, ou do que for... A narração
fornece precedentes para os diferentes momentos da construção de um barco, para os tabus
sexuais que ela implica etc.” Um capitão, quando sai para o mar, personifica o herói mítico2
Aori. “Veste os trajes que Aori usava, segundo o mito; tem como ele o rosto enegrecido e,
ESTUDO DIRIGIDO
- O texto abaixo do filósofo Mircea Eliade trata dos mitos. Leia, interprete e responda
as questões.
O mito conta uma história sagrada, quer dizer, um acontecimento primordial que teve lugar
no começo do Tempo, desde o início. Mas contar uma história sagrada equivale a revelar
um mistério, pois as personagens do mito não são seres humanos: são deuses ou Heróis
civilizadores. Por esta razão seus feitos constituem mistérios: o homem não poderia
conhecê-los se não lhe fossem revelados. O mito é pois a história do que se passou em
tempos idos, a narração daquilo que os deuses ou os Seres divinos fizeram no começo do
Tempo. “Dizer” um mito é proclamar o que se passou desde o princípio. Uma vez “dito”,
quer dizer, revelado, o mito torna-se verdade apodítica1: funda a verdade absoluta. “É
assim porque foi dito que é assim”, declaram os esquimós netsilik a fim de justificar a
validade de sua história sagrada e suas tradições religiosas. O mito proclama a aparição de
uma nova “situação” cósmica ou de um acontecimento primordial.
[...] Cada mito mostra como uma realidade veio à existência, seja ela a realidade total, o
Cosmos, ou apenas um fragmento: uma ilha, uma espécie vegetal, uma instituição humana.
Narrando como vieram à existência as coisas, o homens explica as e responde
indiretamente a uma outra questão: por que elas vieram à existência? O “por que” insere se
sempre no “como”. E isto pela simples razão de que, ao se contar Como uma coisa nasceu,
revela se a irrupção do sagrado no mundo, causa última de toda existência real.
[...] A função mais importante do mito é, pois, “fixar” os modelos exemplares de todos os
ritos e de todas as atividades humanas significativas: alimentação, sexualidade, trabalho,
educação etc. Comportando se como ser humano plenamente responsável, o homem imita
os gestos exemplares dos deuses, repete as ações deles, quer se trate de uma simples função
fisiológica, como a alimentação, quer de uma atividade social, econômica, cultural, militar
etc.
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1.3. OS PRIMEIROS FILÓSOFOS
A filosofia surgiu quando alguns gregos, admirados e espantados com a realidade,
insatisfeitos com as explicações que a tradição lhes dera (através dos mitos), começaram a
fazer perguntas e buscar respostas para elas, demonstrando que o mundo e os seres humanos,
os acontecimentos naturais, os acontecimentos humanos e as ações dos seres humanos podem
ser conhecidos pela razão humana. Em suma, a Filosofia surgiu quando alguns pensadores
gregos se deram conta de que a verdade do mundo e dos homens não era algo secreto e
misterioso, que precisasse ser revelado por divindades a alguns escolhidos, mas que, ao
contrário, podia ser conhecida por todos por meio das operações mentais de raciocínio, que
são as mesmas em todos os seres humanos.
De acordo com a tradição histórica, a fase inaugural da filosofia grega é conhecida como
período pré-socrático. Esse período abrange o conjunto das reflexões filosóficas
desenvolvidas desde Tales de Mileto (640-548 a. C.) até Sócrates (469-399 a.C.). Os
primeiros filósofos buscam o princípio absoluto (primeiro e último) de tudo o que existe. O
princípio é o que vem e está antes de tudo, no começo e no fim de tudo, o fundamento, o
fundo imortal e imutável, incorruptível de todas as coisas, que as faz surgir e as governa. É a
origem, mas não como algo que ficou no passado e sim como aquilo que, aqui e agora, dá
origem a tudo, perene e permanentemente. No vasto mundo Grego, a filosofia teve como
berço a cidade de Mileto, situada na Jônia, litoral ocidental da Ásia Menor. Caracterizada por
múltiplas influências culturais e por um rico comércio, a cidade de Mileto abrigou os três
primeiros pensadores da história ocidental a quem atribuímos a denominação de filósofos. São
eles: Tales, Anaximandro e Anaxímenes.
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Em outras palavras, os primeiros filósofos queriam descobrir, com base na razão e não na
mitologia, o princípio substancial existente em todos os seres materiais. Os pré-socráticos
ocuparam-se em explicar o universo e examinavam a procedência e o retorno das coisas. Os
primeiros filósofos gregos tentaram responder à pergunta: Como é possível que todas as
coisas mudem e desapareçam e a Natureza? Para tanto, procuraram um princípio a partir do
qual se pudesse extrair explicações para os fenômenos da natureza. Um princípio único e
fundamental que permanecesse estável junto ao sucessivo vir-a-ser. Esse princípio absoluto
que os primeiros filósofos buscavam seria a chave de explicação da existência, morte e
mudança nos seres. As atividades a seguir mostram como Tales pensava esse princípio.
4. SÓCRATES: “CONHECE-TE A TI MESMO”!
O filósofo ateniense Sócrates (470 a.C.-399 a.C.) é considerado um divisor de águas na
filosofia. Antes os filósofos estavam mais preocupados em explicar o funcionamento da
ESTUDO DIRIGIDO
- Os textos abaixo tratam das principais idéias de Tales. Depois de lê-los respondam as
questões.
A maior parte dos primeiros filósofos considerava como os únicos princípios de todas as
coisas os que são de natureza da matéria. Aquilo de que todos os seres são constituídos, e de
que primeiro são gerados e em que por fim se dissolvem, [...] tal é, para eles, o elemento, tal é
o princípio dos seres; e por isso julgam que nada se gera nem se destrói, como se tal natureza
subsistisse sempre… Pois deve haver uma natureza qualquer, ou mais do que uma, donde as
outras coisas se engendram, mas continuando ela mesma. Quanto ao número e à natureza
destes princípios, nem todos dizem o mesmo. Tales, o fundador da filosofia, diz ser água [o
princípio] (é por este motivo também que ele declarou que a terra está sobre água), levando
sem dúvida a esta concepção por ver que o alimento de todas as coisas é o úmido, e que o
próprio quente dele procede e dele vive [...]. Por tal observar adotou esta concepção, e pelo
fato de as sementes de todas as coisas terem a natureza úmida; e a água é o princípio da
natureza para as coisas úmidas (…). (ARISTÓTELES. Metafísica, I, 3.983 b6) .
1. O que investigavam os primeiros filósofos?
2. O que Tales considerava o princípio de todas as coisas?
3. Como Tales chegou às suas conclusões?
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natureza. Diferentemente dos antigos filósofos, Sócrates cada um deveria, primeiro e antes de
tudo, conhecer-se a si mesmo.
Dizem que Sócrates era um homem feio, mas, quando falava, era dono de estranho fascínio.
Procurado pelos jovens, passava horas discutindo na praça pública. Interpelava os transeuntes,
dizendo-se ignorante, e fazia perguntas aos que julgavam entender determinado assunto.
Colocava o interlocutor em tal situação que não havia saída senão reconhecer a própria
ignorância. Com isso Sócrates conseguiu rancorosos inimigos. Mas também alguns
discípulos. O interessante e que na segunda parte do seu método, que se seguia à destruição da
ilusão do conhecimento, nem sempre se chegava de fato a uma conclusão efetiva. Sabemos
disso não pelo próprio Sócrates, que nunca escreveu, mas por seus discípulos, sobretudo
Platão e Xenofonte.
Sócrates se indispôs com os poderosos do seu tempo, sendo acusado de não crer nos deuses
da cidade e corromper a mocidade. Por isso foi condenado e morto. Costumava conversar
com todos, fossem velhos ou moços, nobres ou escravos, preocupado com o método do
conhecimento. Sócrates parte do pressuposto "só sei que nada sei", que consiste justamente na
sabedoria de reconhecer a própria ignorância, ponto de partida para a procura do saber.
Por isso seu método começa pela parte considerada "destrutiva", chamada ironia (em grego,
“perguntar fingindo ignorância"). Nas discussões afirma inicialmente nada saber, diante do
oponente que se diz conhecedor de determinado assunto. Com hábeis perguntas, desmonta as
certezas até o outro reconhecer a ignorância. Parte então para a segunda etapa do método, a
maiêutica (em grego, "parto"). Dá esse nome em homenagem a sua mãe, que era parteira,
acrescentando que, se ela fazia parto de corpos, ele "dava à luz" ideias novas.
Sócrates, por meio de perguntas, destrói o saber constituído para reconstruí-lo na procura da
definição do conceito. Esse processo aparece bem ilustrado nos diálogos relatados por Platão,
e é bom lembrar que, no final, nem sempre Sócrates tem a resposta: ele também se põe em
busca do conceito e às vezes as discussões não chegam a conclusões definitivas. As questões
que Sócrates privilegia são as referentes à moral, daí perguntar em que consiste a coragem, a
covardia, a piedade, a justiça e assim por diante. Diante de diversas manifestações de
coragem, quer saber o que é a "coragem em si", o universal que a representa. Ora, enquanto a
filosofia ainda é nascente, precisa inventar palavras novas, ou usar as antigas dando-lhes
sentido diferente. Por isso Sócrates utiliza o termo logos, que na linguagem comum
significava "palavra", "conversa", e que no sentido filosófico passa a significar "a razão que
se dá de algo", ou mais propriamente, conceito. Quando Sócrates pede o logos, quando pede
que indiquem qual é o logos da justiça, o quê é a justiça, o que pede é o conceito da justiça, a
definição da justiça.
1.4. O MITO DA CAVERNA
Sócrates começou a fazer suas perguntas buscando conhecer o conceito de justiça, de bem, de
belo. Perguntava ele: o quê faz uma ação ser justa? Um político ao aumentar o seu salário de
17 mil reais para 24 mil, dirá que o aumento foi justo. Mas o quê é a justiça para ele dizer que
sua ação é justa? Alguém poderá dizer: a justiça não é nada, não existe justiça. No entanto, se
admitirmos que não existe justiça, jamais poderemos reclamar que alguém agiu de maneira
injusta conosco.
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Esse exemplo acima mostra uma coisa que Sócrates começou a reparar entre seus
conterrâneos gregos. A maioria das pessoas tem opiniões sobre vários temas, mas não tem
conhecimento sobre eles. Falam da justiça, mas não sabem dizer o quê é a justiça, falam da
bondade, mas não sabem dizer o quê é a bondade. Vejamos outro exemplo. Joana conseguiu
um emprego público por meio de um parente seu que se tornou político, então ela afirma: “Ele
é uma boa pessoa!”. Quatro anos depois o parente de Joana perde a eleição, outro político
entra no lugar. Joana é demitida e o novo político coloca um parente dele no lugar dela.
Então, Joana afirma: “Esse cara é um mau-caráter, corrupto e safado!”. Duas ações parecidas
são julgadas de maneiras diferentes, uma é vista como exemplo de bondade, outra como uma
ação reprovável. Isto mostra que no exemplo acima a personagem Joana não tem muita noção
do conceito de bondade, isto é, ela não tem muita noção do que define uma ação boa.
Para Sócrates há uma distinção entre opinião e conceito. A opinião é algo que a pessoa tem
mais nunca parou para pensar por que ela pensa daquele jeito. A opinião varia o tempo todo
de acordo com as circunstâncias, além de variar de pessoa para pessoa. Já o conceito é algo
justificado, fundamentado. O conceito é resultado do pensamento, da reflexão, chegamos ao
conceito não por acaso, mas por meio de uma investigação rigorosa.
Mas como são formadas em nós as opiniões? Como acabamos acreditando em ideias que
nunca sequer paramos para pensar por que as possuímos? Sócrates busca explicar isso no
famoso Mito da caverna. Essa história se encontra no livro de Platão chamado A república.
Na história o personagem Sócrates conta a seguinte história: “Imagina uma caverna onde
estão acorrentados os homens desde a infância, de tal forma que, não podendo se voltar para a
entrada, apenas enxergam o fundo da caverna. Aí são projetadas as sombras das coisas que
passam às suas costas, onde há uma fogueira. Se um desses homens conseguisse se soltar das
correntes para contemplar à luz do dia os verdadeiros objetos, quando regressasse, relatando o
que viu aos seus antigos companheiros, esses o tomariam por louco, não acreditando em suas
palavras”.
Nessa história as sombras representam as
opiniões equivocadas que adquirimos da
realidade, isto porque a sombra é sempre
algo inconstante que muda o tempo todo de
acordo com a variação dos reflexos, de
modo que podemos ser levados a enganos
por causa delas, tal como na caricatura ao
lado. Deste modo, o fato de nossos
sentidos nos enganarem faz com que
estejamos sempre sujeitos a tomar o
verdadeiro pelo falso, a aceitar as sombras
como a verdadeira realidade. Na
Antiguidade e na Idade Média, por
exemplo, as pessoas acreditavam que a
Terra ficava sempre parada, e o sol girava
em torno dela. Esta opinião era
fundamentada muito mais em uma
percepção dos nossos sentidos do que em
estudos astronômicos. Expliquemos. Todos
os dias nós vemos o sol nascer de um lado e desaparecer do outro lado. Parece que estamos
parados e o sol girando em torno de nós. Sem contar que não conseguimos perceber o
movimento de translação da Terra, isto é, não conseguimos perceber que ela está se
movimentando, girando em torno do sol.
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Vemos então que, para Sócrates muitas das opiniões falsas surgem porque nossos sentidos nos
enganam. No entanto, há outra forma como adquirimos opiniões em vez de conceitos é
quando nos deixamos influenciar somente pelo senso-comum. O senso-comum é o conjunto
de ideias e concepções ensinadas pela tradição e que a maioria das pessoas aceitam sem fazer
a pergunta: por que tenho que aceitar isso? Até pouco tempo atrás, julgava-se que mulher
decente não saía de casa para trabalhar, ficava em casa cuidando da casa e das crianças para o
marido. As primeiras mulheres que questionaram essa opinião eram vistas com maus olhos.
No Mito da caverna vemos que quando o prisioneiro libertado conta que o mundo está do
lado de fora, sendo as sombras meras ilusões, ele também é visto com maus olhos. O
prisioneiro liberto questiona o senso-comum dos outros prisioneiros. Outro exemplo de como
o senso-comum forma opiniões equivocada em nós, e não conceitos, basta pensarmos no caso
do racismo. Uma pessoa criada em um ambiente racista, no meio de uma família racista,
cresce acreditando que brancos são superiores aos negros. Embora na família dessa pessoa se
aceite de maneira inquestionável a superioridade dos brancos, não existe nenhum estudo que
comprove tal superioridade, sendo que a única diferença entre negros e brancos está no fato
de os primeiros terem um pouco mais de melanina na pele. O senso-comum pode ser
reproduzido pela família, pela televisão, pelas escolas, pelo cinema, pela música, etc. Sócrates
acreditava que aceitar as opiniões do senso-comum é se eximir da atividade de pensar,
deixando então que outro pense por você.
ATIVIDADES
1. Leia e interprete a letra da música e o quadrinho abaixo para depois responder as
questões.
Televisão Titãs
A televisão me deixou burro, muito burro demais
Agora todas coisas que eu penso me parecem iguais
O sorvete me deixou gripado pelo resto da vida
E agora toda noite quando deito é boa noite, querida.
Ô cride, fala pra mãe
Que eu nunca li num livro que um espirro fosse um vírus sem cura
Vê se me entende pelo menos uma vez, criatura!
Ô cride, fala pra mãe!
A mãe diz pra eu fazer alguma coisa mas eu não faço nada
A luz do sol me incomoda, então deixo a cortina fechada
É que a televisão me deixou burro, muito burro demais
E agora eu vivo dentro dessa jaula junto dos animais.
Ô cride, fala pra mãe
Que tudo que a antena captar meu coração captura
Vê se me entende pelo menos uma vez, criatura!
Ô cride, fala pra mãe!
TITÃS. Televisão, 1985.
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a. Tanto a música quanto o quadrinho, tratam do mesmo tema? Explique.
b. É possível dizer que tanto o quadrinho quanto a música mostram que a televisão
nos ensina a buscar conhecer aquilo que Sócrates chama de “conceito”? Sim ou
não? Justifique.
c. Indique passagens da música e do quadrinho que mostram a televisão como uma
forma de reproduzir ideias e concepções do senso-comum.
2. AS RELIGIÕES E O SAGRADO
A missa no domingo, a pregação do pastor, os batuques do candomblé, a peregrinação a
Meca, o sacrifício de animais ou as orações no muro das lamentações. Todos esses eventos
são considerados manifestações religiosas, todos eles estão ligados a alguma religião. Mais
afinal o que é uma religião? Como que atividades tão diferentes podem ser reunidas sob um
único nome, isto é, religião. O que tem em comum o islamismo, o cristianismo, o judaísmo e
o candomblé para serem chamados de religião? Alguns poderão dizer: é religião porque
acredita em Deus! Errado! Existem as religiões politeístas que acreditam em diversos deuses.
Ou seja, acreditar em Deus não é critério para definir se algo é uma religião ou não. O filósofo
e historiador romeno Mircea Eliade buscou entender o que é uma religião. Ele investigou
quais características em comum tem atvidades tão diferentes.
A palavra religião vem do latim: religio, formada pelo prefixo re (outra vez, de novo) e o
verbo ligare (ligar, unir, vincular). A religião é um vínculo, re-liga o homem ao sagrado. Toda
religião tem essa função, estabelecer um vínculo entre os homens e algo sagrado. Mas o é o
sagrado? Sagrado é, pois, a qualidade excepcional – boa ou má, benéfica ou maléfica,
protetora ou ameaçadora – que um ser possui e que o separa e distingue de todos os outros. O
sagrado pode suscitar devoção e amor, repulsa e ódio. Esses sentimentos suscitam um outro: o
respeito feito de temor. Nasce, aqui, o sentimento religioso e a experiência da religião.
A manifestação de algo sagrado é chamado por Mircea Eliade de hierofania. A manifestação
do sagrado pode se dar por meio de uma pedra, uma árvore, uma montanha, uma pessoa. Na
religião cristã, por exemplo, a manifestação do sagrado se dá por meio da encarnação de Deus
em Jesus Cristo. Em todos esses fenômenos existe a compreensão de que algo que pertence a
“uma ordem diferente” ou “a um outro mundo” se manifesta no nosso mundo profano. O
profano é justamente aquilo que não é sagrado.
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Na imagem ao lado vemos a foto da mesquita de
Meca, este é um lugar considerado sagrado pelos
Mulçumanos. Embaixo da foto da mesquita vemos
a foto de um templo hindu. Logo abaixo vemos um
barracão de candomblé. O que a mesquita, o
templo e o barracão têm em comum? Todos eles
são lugares considerados sagrados para as suas
respectivas religiões.
Toda religião é constituída por espaços sagrados,
ou seja, lugares privilegiados onde o homem
religioso pode entrar em contato com o sagrado. O
espaço sagrado pode ser uma igreja, uma mesquita
ESTUDO DIRIGIDO
-O texto abaixo é do livro “O sagrado e o profano” do filósofo e historiador Mircea Eliade.
Leia atenciosamente o texto para em seguida responder as questões.
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Para o homem religioso, o espaço não ê homogêneo1: o espaço apresenta roturas
2, quebras;
há porções de espaço qualitativamente diferentes das outras. “Não te aproximes daqui, disse
o Senhor a Moisés; tira as sandálias de teus pés, porque o lugar onde te encontras é uma terra
santa.” (Êxodo, 3: 5) Há, portanto, um espaço sagrado, e por conseqüência “forte”,
significativo, e há outros espaços não sagrados, e por conseqüência sem estrutura nem
consistência, em suma, amorfos3.
2.1. O espaço sagrado
uma
sinagoga, um barracão de candomblé. No entanto, os espaços sagrados não são somente
construções humanas. Existem montanhas, florestas, campos que podem ser considerados
espaços sagrados.
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[...] A fim de pôr em evidência a não homogeneidade do espaço, tal qual ela é vivida pelo
homem religioso, pode-se fazer apelo a qualquer religião. Escolhamos um exemplo ao
alcance de todos: uma igreja, numa cidade moderna. Para um crente, essa igreja faz parte
de um espaço diferente da rua onde ela se encontra. [...] Assim acontece em numerosas
religiões: o templo constitui, por assim dizer, uma “abertura” para o alto e assegura a
comunicação com o mundo dos deuses.
[...] Todo espaço sagrado implica uma hierofania4, uma irrupção do sagrado que tem
como resultado destacar um território do meio cósmico que o envolve e o torna
qualitativamente diferente. Quando, em Haran, Jacó viu em sonhos a escada que tocava
os céus e pela qual os anjos subiam e desciam, e ouviu o Senhor, que dizia, no cimo: “Eu
sou o Eterno, o Deus de Abraão!”, acordou tomado de temor e gritou: “Quão terrível é
este lugar! Em verdade é aqui a casa de Deus: é aqui a Porta dos Céus!” Agarrou a pedra
de que fizera cabeceira, erigiu a em monumento e verteu azeite sobre ela. A este lugar
chamou Betel, que quer dizer “Casa de Deus” (Gênesis, 28: 1219).
[...] Quando não se manifesta sinal algum nas imediações, o homem provoca o, pratica,
por exemplo, uma espécie de evocação com a ajuda de animais: são eles que mostram que
lugar é suscetível de acolher o santuário ou a aldeia. Trata-se, em resumo, de uma
evocação das formas ou figuras sagradas, tendo como objetivo imediato a orientação na
homogeneidade do espaço. Pede se um sinal para pôr fim à tensão provocada pela
relatividade e à ansiedade alimentada pela desorientação, em suma, para encontrar um
ponto de apoio absoluto. Um exemplo: persegue se um animal feroz e, no lugar onde o
matam, eleva se o santuário; ou então põe se em liberdade um animal doméstico – um
touro, por exemplo –, procuram-no alguns dias depois e sacrificam no ali mesmo onde o
encontraram. Em seguida levanta se o altar e ao redor dele constrói se a aldeia (Mircea
Eliade. “O sagrado e o profano”).
1Homogêneo: aquilo que não possui partes ou elementos diferntes.
2Rotura: ruptura; rachadura.
3Amorfo: aquilo que não tem forma; desorganizado
4Hierofania: manifestação ou aparição de algo sagrado.
1. Explique como o homem religioso compreende o espaço.
2. Qual é a função do espaço sagrado?
3. O texto mostra dois modos diferentes de se escolher um espaço que será
considerado sagrado. Explique cada um deles.
2.2. Os ritos
Porque a religião liga humanos e divindade, porque organiza o espaço e o tempo, os seres
humanos precisam garantir que a ligação e a organização se mantenham e sejam sempre
propícias. Para isso são criados os ritos. Vemos então que o rito é outra característica comum
a todas as religiões.
O rito é uma cerimônia em que gestos determinados, palavras determinadas, objetos
determinados, pessoas determinadas e emoções determinadas adquirem o poder misterioso de
presentificar o laço entre os humanos e a divindade. Para agradecer dons e benefícios, para
suplicar novos dons e benefícios, para lembrar a bondade dos deuses ou para exorcizar sua
cólera, caso os humanos tenham transgredido as leis sagradas, as cerimônias ritualísticas são
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de grande variedade. No entanto, uma vez fixada os procedimentos de um ritual, sua eficácia
dependerá da repetição minuciosa e perfeita do rito, tal como foi praticado na primeira vez,
porque nela os próprios deuses orientaram gestos e palavras dos humanos. Um rito religioso é
repetitivo em dois sentidos principais: a cerimônia deve repetir um acontecimento essencial
da história sagrada (por exemplo, no cristianismo, a eucaristia ou a comunhão, que repete a
Santa Ceia); e, em segundo lugar, atos, gestos, palavras, objetos devem ser sempre os
mesmos, porque foram, na primeira vez, consagrados pelo próprio deus. O rito é a
rememoração perene do que aconteceu numa primeira vez e que volta a acontecer, graças ao
ritual que abole a distância entre o passado e o presente.
2.3. Os objetos simbólicos
A religião não sacraliza apenas o espaço e o tempo, mas também seres e objetos do mundo,
que se tornam símbolos de algum fato religioso. Os seres e objetos simbólicos são retirados de
seu lugar costumeiro, assumindo um sentido novo para toda a comunidade – protetor,
perseguidor, benfeitor, ameaçador. É assim, por exemplo, que certos animais se tornam
sagrados, como a vaca na Índia, o cordeiro perfeito consagrado para o sacrifício da páscoa
judaica. É assim, por exemplo, que certos objetos se tornam sagrados, como o pão e o vinho
consagrados pelo padre cristão, durante o ritual da missa. Também objetos se tornam
símbolos sagrados intocáveis, como os pergaminhos judaicos contendo os textos sagrados
antigos, certas pedras usadas pelos chefes religiosos africanos, etc.
A religião tende a ampliar o campo simbólico. Ela o faz, vinculando seres e qualidades à
personalidade de um deus. Assim, por exemplo, em muitas religiões, como as africanas, cada
divindade é protetora de um astro, uma cor, um animal, uma pedra e um metal preciosos, um
objeto santo.
A figuração do sagrado se faz por símbolos: assim, por exemplo, o emblema da deusa
Fortuna era uma roda, uma vela enfunada e uma cornucópia; o da deusa Atena, o capacete e a
espada; o de Hermes, a serpente e as botas aladas; o de Oxossi, as sete flechas espalhadas pelo
corpo; o de Iemanjá, o vestido branco, as águas do mar e os cabelos ao vento; o de Jesus, a
cruz, a coroa de espinhos, o corpo glorioso em ascensão.
1Aborígenes: nativo; indígena.
2Circuncisão: retirada cirúrgica do prepúcio, praticada por razões higiênicas e/ou religiosas.
3Sabatino: relativo ao sábado.
4 Hierogamia: casamento das divindades.
5Paleo-oriental: do velho Oriente.
6Sumérios: relativo ou pertencente à Suméria, antigo país da Mesopotâmia (Ásia) , ou o que é seu natural ou
habitante 7Fecundidade: fertilidade.
8Regenerado: renovado; restaurado.
1. O que os rituais religiosos tomam como modelo?
2. Nos rituais de casamento qual acontecimento os homens pretendem imitar?
3. Que resultados espera-se atingir por meio dos rituais de casamento?
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ESTUDO DIRIGIDO
-O texto abaixo do filósofo e historiador Mircea Eliade foi retirado do livro “O sagrado e
o profano”. Leia atenciosamente o texto para em seguida responder as questões.
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Antes de falarmos da Terra, precisamos apresentar as valorizações religiosas das Águas, e
isso por duas razões: (1) as Águas existiam antes da Terra (conforme se exprime o Gênesis,
“as trevas cobriam a superfície do abismo, e o Espírito de Deus planava sobre as águas”);
(2) analisando os valores religiosos das Águas, percebe-se melhor a estrutura e a função do
símbolo. Ora, o simbolismo desempenha um papel considerável na vida religiosa da
humanidade [...].
[...] O simbolismo das Águas implica tanto a morte como o renascimento. O contato com a
água comporta sempre uma regeneração1: por um lado, porque a dissolução é seguida de
um “novo nascimento”[...]. Ao dilúvio ou à submersão periódica dos continentes (mitos do
tipo “Atlântica”) corresponde, ao nível humano, a “segunda morte” do homem [...]. A
imersão nas Águas equivale não a uma extinção definitiva, e sim a uma reintegração
passageira no indistinto, seguida de uma criação, de uma nova vida ou de um “homem
novo”.
[...] Em qualquer conjunto religioso em que as encontremos, as águas conservam
invariavelmente sua função: desintegram, abolem as formas, “lavam os pecados”, purificam
e, ao mesmo tempo, regeneram. [...]O “homem velho” morre por imersão na água e dá
nascimento a um novo ser regenerado. Este simbolismo é admiravelmente expresso por
João Crisóstomo (Homil. in Joh., XXV, 2), que, falando da multivalência2 simbólica do
batismo, escreve: “Ele representa a morte e a sepultura, a vida e a ressurreição... Quando
mergulhamos a cabeça na água como num sepulcro, o homem velho fica imerso, enterrado
inteiramente; quando saímos da água, aparece imediatamente o homem novo” (Mircea
Eliade. “O sagrado e o profano”).
1Regeneração: renovação; restauração.
2Multivalência: qualidade de multivalente. (multivalente: que possui várias utilidades, vários significados.
1. A água é um símbolo que aparece em diversas religiões com. Quais funções são
atribuídas a ela?
2. Explique o simbolismo do batismo na religião cristã.
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Jeitinho brasileiro!
Estavam na china um brasileiro, um americano e um argentino.
Estavam bebendo na praça.
Só que na China isso é proibido e eles foram pegos em flagrante.
Presos, foram mandados ao Juiz pra receberem sua sentença.
O Juiz deu uma bronca enorme e disse que cada um ia receber
20 chicotadas como punição.
Só que estavam em transição entre o ano do cão e o do rato,
então cada prisioneiro tinha direito à um pedido:
- Você americano! Seu país é racista, capitalista e eu odeio
vocês, mas promessa é promessa!
Qual o seu desejo, desde que seja não escapar da punição?
- Quero que amarrem 1 travesseiro nas minhas costas!
- Que assim seja! E tome as chicotadas com o travesseiro nas costas...
Lá pela décima chicotada o travesseiro cedeu e o americano levou 10 chicotadas.
- Sua vez argentino! Seu povo é muito arrogante e trapaceiro.
Odeio vocês, mas promessa é promessa!! Qual o seu desejo?
- Que amarrem 2 travesseiros nas minhas costas!
E assim foi. Lá pela décima quinta chicotada os travesseiros
cederam e o argentino tomou 5 das 20 chicotadas. Mas ficou
feliz por que passou a perna no americano!Foi a vez do brasileiro.
- Ora, ora, você é brasileiro... povo simpático, bom de
futebol, humilde... como eu gosto do seu povo você terá 2
pedidos!!
- Bem, eu queria levar 100 chicotadas...
- Espantoso!! Ainda por cima é corajoso!! Seu pedido será
realizado!! Qual é o próximo?
- Amarra o argentino nas minhas costas!!!...
Fonte: http://www.piadasonline.com.br!
II UNIDADE
3. O QUÊ É UMA AÇÃO MORAL?
A piada ao lado é o ponto de partida para o tema que começaremos a estudar: a ação Moral.
No texto vemos como determinadas características de uma pessoa se devem ao fato de ela
pertencer a algum povo. Vemos na piada, por exemplo, que o juiz chinês considera o
americano racista, o argentino trapaceiro e o brasileiro simpático. De certa forma cada povo
tem os seus costumes e características bem particulares, e o fato de eu pertencer a este povo
pode fazer com que minhas ações sejam fruto dos costumes e tradições locais. A piada, por
exemplo se chama “jeitinho Brasileiro”. Comumente chamamos de “jeitinho brasileiro”
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PENSANDO NOSSO TEMPO
-Leia a notícia abaixo para depois responder as questões.
Estudantes protestam contra aumento de salário deputados em frente à assembléia
Estudantes e sindicalistas realizaram um protesto em frente à Assembleia Legislativa do
Espírito Santo (Ales) na tarde desta segunda-feira (27) contra o reajuste de 61,8% nos
vencimentos dos deputados estaduais. A manifestação ocorreu simultaneamente em diversas
capitais brasileiras, contra ao aumento dos salários de deputados federais e senadores no
Congresso Nacional. Segundo os manifestantes, a ideia é mostrar que a população não se
conforma com o aumento que elevou de R$ 12.384,00 para R$ 20.042,34 o salário dos
parlamentares, aprovado na última terça-feira (21).
Universitários como Thiago Moreira de Carvalho, 21 anos, estiveram com narizes de
palhaço, cartazes e distribuíram um manifesto de repúdio em relação ao aumento dos
parlamentares. "O capixaba precisa ficar atento a essas coisas. Precisa protestar mesmo. De
uma forma civilizada e trazendo os esclarecimentos para toda a população. É preciso fazer
um barulho para o povo ficar ciente da situação", afirmou.
aquela esperteza que o brasileiro tem para resolver problemas em situações difíceis. Nem
sempre essa esperteza é acompanhada de soluções muito honestas.
Já sabemos então que nossas ações podem ser motivadas por determinados costumes e
tradições do lugar onde nascemos. No entanto, o fato de agirmos de acordo com costumes e
tradições quer dizer que nossa ação seja moral? Várias vezes vemos pessoas que usam do
“jeitinho brasileiro” e depois são acusadas de imorais. Os políticos são o melhor exemplo
disso. Eles sempre dão aquele “jeitinho” de conseguir um emprego público para um parente
mesmo existindo leis que proíbem o nepotismo. Um dos meios para eles conseguirem isso é o
nepotismo cruzado. Ou seja, um político coloca o parente de algum amigo político em um
cargo público, em seguida o amigo emprega algum parente dele.
Vemos então que agir de acordo com os costumes e tradições não é suficiente para fazer de
uma ação uma ação moral. Mas o que faz uma ação ser moral? Qual é o critério que distingue
uma ação moralmente boa de uma ação moralmente má? Esses são problemas que a filosofia
sempre buscou responder e que agora vocês poderão estudar.
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Em frente a um carro de som que chamou a atenção dos cidadãos que passaram em frente à
escadaria da Assembleia, o presidente do Sindicato dos Servidores Públicos do Espírito Santo
(Sindipúblicos-ES), Gerson Correia de Jesus, afirmou que o aumento foi legal do ponto de
vista da lei, mas imoral do ponto de vista da ética de um representante público. "O aumento
em si está previsto em lei. O que não podemos aceitar é essa imoralidade do momento. Um
aumento desses concedido em fim de mandato, com a chegada de novos deputados e com os
atuais fazendo isso com a sociedade. Não podemos aceitar isso. Deveria ser respeitado pelo
menos o que é dado à sociedade. O reajuste do salário mínimo, por exemplo, foi de 6%",
explicou. (A GAZETA)
1. Por que os políticos são pessoas geralmente acusadas de cometer atos imorais?
2. O que você entende quando os manifestantes dizem que o aumento foi “legal mas
imoral”?
3. Para você o que define uma ação moral e uma ação imoral?
4. Você também considera que o aumento dos salários dos deputados é imoral? Justifique
sua resposta.
3.1. KANT: O FILÓSOFO DA MORAL
Durante a Idade Média, a visão teocêntrica do mundo fez com que os valores religiosos
impregnassem as concepções éticas, de modo que os critérios do bem e do mal se achavam
vinculados à fé e dependiam da esperança de vida após a morte.
No entanto, a partir da Idade Moderna, culminando no movimento da Ilustração no século
XVIII, a moral se torna laica, secularizada. Ou seja, ser moral e Ser religioso não são pólos
inseparáveis, sendo perfeitamente possível que um homem ateu seja moral. O movimento
intelectual do século XVIII conhecido como Iluminismo, Ilustração ou Aufklãrung e que
caracteriza o chamado Século das Luzes exalta a capacidade humana de conhecer e agir pela
"luz da razão".
A máxima expressão do pensamento iluminista se encontra em Kant (1724 -1804). Para Kant
a razão não é só a capacidade de humana de conhecer o mundo. Ou seja, a razão não é
somente um instrumento que nós temos e os animais não e que nos permite aprender,
matemática, física, filosofia, biologia, etc. A razão é também a capacidade humana de
discernir uma ação moralmente boa de uma ação moralmente má. É por ser racional que o
homem cria distinções entre o certo e o errado, o bom e o mau. Para os animais essas
distinções não existem.
Para Kant, todo ser humano possui dentro de si um critério para distinguir o certo do errado,
ou seja temos a capacidade racional de saber se uma ação é moral ou não. Essa capacidade
nós não aprendemos com ninguém, mas ela pertence à própria natureza humana. Segundo
Kant a razão nos ensina que para uma ação ser moral ela tem que estar de acordo com a
seguinte lei: “Age de tal modo que possa querer que a máxima de sua ação se torne valor
universal”. Por exemplo, pensemos no exemplo do político que rouba o dinheiro público. Ao
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observar essa lei da razão ele pode fazer as perguntas: e se todos agirem como eu? E se todos
tiverem o direito de roubar? O político chegará a conclusão de que se todos roubarem ele não
conseguirá nem manter a posse daquilo que roubou. Logo, ele não vai querer que todos ajam
de maneira semelhante. A razão o diz que o seu modo de agir não pode se tornar universal,
isto é, ele não quer que “todos roubem” porque sabe que roubar é imoral. Se sua ação fosse
moral ele não veria problemas nenhum em todos agirem da mesma forma.
Vemos que para Kant todos sabem e todos podem distinguir uma ação moral de uma ação
imoral. No entanto, nem todos agem de acordo a razão, de acordo com a moral. Por que isso
acontece? Vejamos o quadrinho abaixo do cartunista Bill Watterson.
No quadrinho temos os personagens Calvin e Hobbes (Calvin e Haroldo na versão traduzida
para o português). Calvin é o garotinho, Hobbes o tigre. Na tirinha Hobbes diz duvidar que o
ser humano precise de alguma coisa além dele mesmo para cometer atos imorais. Kant tem
uma visão parecida com a do personagem do quadrinho. Pertence à própria natureza humana a
possibilidade de agir de maneira imoral. Isto porque o ser humano não é somente um ser
racional. Também somos seres naturais, submetidos à causalidade necessária da Natureza.
Nosso corpo e nossa psique são feitos de apetites, impulsos, desejos e paixões. A Natureza
nos impele a agir por interesse. Este é a forma natural do egoísmo que nos leva a usar coisas
e pessoas como meios e instrumentos para o que desejamos.
Por ser um ser racional e ao mesmo tempo um ser natural movido por interesses pessoais o
homem acaba muitas vezes vivendo um conflito. A pessoas podem ter desejos que contrariam
a razão, que contrariam a moral. A natureza nos impele a agir como animais buscando
somente a satisfação imediata, mais a razão diz que a ação é contra a moral. A razão acaba
funcionando como uma voz interior que diz para agirmos de outra forma e luta contra os
instintos. Vemos isso no quadrinho da Mafalda, personagem do cartunista argentino Quino:
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3.2. MORAL, INTENÇÃO E RELIGIÃO
Neste quadrinho vemos o personagem Calvin querendo saber se ele terá alguma recompensa
em uma outra vida para o seu bom comportamento. Calvin parece demonstrar que não faz
muito sentido agir corretamente se não somos recompensados. Para Kant praticar uma boa
ação não é necessariamente agir moralmente. Uma celebridade pode ajudar necessitados com
doações só para ganhar um destaque na mídia. Embora essas doações ajudem muitas pessoas,
a celebridade foi movida por interesses pessoais. A ação moral tem um fim em si mesmo, ela
não é um meio para se atingir algum fim. O indivíduo age de determinada maneira pois
considera ser o seu dever agir daquela forma. A sua intenção é agir moralmente. Como nunca
vemos as intenções, mas só as ações, é difícil determinar se uma pessoa está agindo por
interesse ou não.
Outra coisa importante no quadrinho acima é que Calvin quer orientar as suas ações por uma
ideia religiosa: a vida após a morte. Para ele se houver uma vida depois da morte vale a pena
agir corretamente, se não houver não vale. Esta situação lembra a famosa frase de Dostoievski
presente no seu romance Os irmãos Kamarazov: “Se Deus não existe, tudo é permitido”. No
entanto, para Kant ideias e princípios religiosos não são necessários para o homem agir
moralmente. Na razão o homem já encontra um critério para a ação moral, o imperativo
categórico: “Age de tal modo que possa querer que a máxima de sua ação se torne valor
universal”. Deste modo, um descrente que não possui religião não agirá de modo imoral só
por causa disso.
Embora não seja necessário ser religioso para agir moralmente, Kant entende que a religião
pode fornecer exemplos que sirvam de estímulo. Na fé cristã, por exemplo, Kant diz que
cristo é apresentado como aquele que resiste as tentações, sacrifica seus interesses particulares
age pelo dever e o difundi ao seu redor. Para o filósofo alemão o que menos importa é se o
Cristo realizava milagres ou se era o messias. A maior contribuição dele foi servir de modelo
moral, de modo a estimular as pessoas a tentarem agir de modo semelhante. A religião cristã
ao incitar (através dos seus credos) os fiéis a tomarem Cristo como um arquétipo para sua
conduta, nada mais faz do que incitá-los a agir de acordo com o dever moral que a razão dá a
si mesma. É nesse sentido que se deve entender o seguinte dito de Kant: “[...] pode dizer-se
que, entre a razão e a Escritura, existe não só compatibilidade, mas também harmonia de
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modo que quem segue uma (sob a direção dos conceitos morais) não deixará de coincidir com
a outra”.
3.3. MORAL E FELICIDADE
O fato de o homem poder se guiar pela razão agindo moralmente não garante a ele uma vida
feliz. A ação moral pode despertar a ira dos outros, além do isolamento. Imagine um político
que atormentado por sua consciência decida denunciar um esquema de corrupção presente no
congresso. Apesar de ele tomar essa atitude com satisfação, pois sabe que é a coisa certa a
fazer, as conseqüências que cairão sobre ele podem ser terríveis: perseguição, ameaças a
familiares, isolamento, expulsão do partido. Tais consequências com certeza não
proporcionarão a ele uma vida tranquila e feliz. Apesar da ação moral não garantir a
felicidade e não ser motivada por uma busca da felicidade, Kant julga que o indivíduo que age
moralmente é digno de ser feliz, isto é, ele mer
4. POLÍTICA SE DISCUTE
No quadrinho acima, há no diálogo entre Calvin e Hobbes uma sátira a um fenômeno muito
comum nas sociedades modernas: a apatia política. O desinteresse das pessoas pela política
surge por vários motivos: decepção com escândalos de corrupção, a falsa crença de que a
política não interfere nas nossas vidas, o comodismo, e também por se ter uma visão não
muito clara do que é “política” e o que é “discutir política”.
Falar de política não é só conversar sobre quem você vai votar. Para entendermos o que é
política, cabe observarmos o significado dessa palavra. Política etimologicamente deriva da
palavra grega polis, que significa cidade-Estado. A expressão grega ta politika (política)
significa “os assuntos da polis (cidade-Estado”. Para os gregos os “assuntos da polis” dizem
respeito a todos os cidadãos, não só aqueles que ocupam cargos no governo. Mas quais são os
assuntos da polis? As leis, os costumes, a criação de estradas, a cobrança de impostos, a
administração dos bens públicos, a organização da defesa e da guerra, etc.
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ESTUDO DIRIGIDO
TEXTO 1
- O texto abaixo do italiano Noberto Bobbio trata da falta de interesse pela política nas
democracias modernas. Leia e interprete o texto para responder as questões abaixo.
O cidadão não educado
A educação para a cidadania foi um dos temas preferidos da ciência política americana nos
anos cinquenta, um tema tratado sob o rótulo da “cultura política” e sobre o qual foram
gastos rios de tinta que rapidamente perdeu a cor: das tantas distinções, recordo aquela
estabelecida entre cultura para súditos, isto é, orientada para os output1 do sistema (para os
benefícios que o eleitor espera extrair do sistema político), e cultura participante, isto é,
orientada para os input2, própria dos eleitores que se consideram potencialmente
empenhados na articulação das demandas3 e na formação das decisões.
Olhemos ao nosso redor. Nas democracias mais consolidadas assistimos impotentes ao
fenômeno da apatia4 política, que frequentemente chega a envolver cerca da metade dos que
têm direito ao voto. Do ponto de vista da cultura política, estas são pessoas que não estão
orientadas nem para os output nem para os input.
No nosso contexto os assuntos da polis se ampliaram. São temas políticos que dizem respeito
a todos: a geração de emprego, a redução da miséria, o saneamento básico, a melhoria da
saúde, dos transporte público, da educação e da segurança pública, dentre outros. Mesmo
quem não quer nem ouvir nem falar sobre tais temas não consegue escapar de ter sua vida
influenciada por eles.
O ANALFABETO POLÍTICO
O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos
acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da
farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas.
O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a
política. Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política, nasce a prostituta, o menor
abandonado, e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e
lacaio das empresas nacionais e multinacionais
(Bertolt Brecht)
.
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Estão simplesmente desinteressadas daquilo que, como se diz na Itália com uma feliz
expressão, acontece no “palácio”. Sei bem que também podem ser dadas interpretações
benévolas da apatia política. Mas até mesmo as interpretações mais benévolas não
conseguem me tirar da cabeça que os grandes escritores democráticos se recusariam a
reconhecer na renúncia ao uso do próprio direito um benéfico fruto da educação para
cidadania. Nos regimes democráticos, como é o italiano, onde a porcentagem dos votantes é
ainda muito alta (embora diminua a cada eleição), existem boas razões para se acreditar que
esteja em diminuição o voto de opinião e em aumento o voto de permuta5, o voto, para usar
a terminologia asséptica6 dos cientistas políticos, orientado para os output, ou, para usar
uma terminologia mais crua mas talvez menos mistificadora, o voto clientelar, fundado
(frequentemente de maneira ilusória) sobre o apoio político em troca de favores pessoais.
(BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia)
1Output: saída resultado
2Input: entreda.
3Demandas: necessidades.
4Apatia: falta de ânimo; desinteresse.
5Permuta: troca.
5Asséptica: extremamente limpo
1. Explique o que significa se orientar pelo output do sistema político e o que significa
se orientar pelo input.
2. Explique o fenômeno da apatia política.
3. Você acha que no Brasil os cidadãos estão mais interessados pelo output ou pelo
input do sistema político? Justifique.
4. No texto acima Norberto Bobbio faz algumas observações sobre a política no seu
país, a Itália. Nestas observações o quê há de semelhante entre a Itália e o Brasil?
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TEXTO 2
- O texto abaixo discute o comportamento político dos cidadãos brasileiros. Leia e
interprete para responder as questões a seguir.
O brasileiro condena o brasileiro
Nossa tradição cultural, por diversas razões, criou um ideal de cidadania política sem
vínculos com a efetiva vida social dos brasileiros. Na teoria aprendemos que devemos
ser cidadãos; na prática, que não é possível, nem desejável comportarmo-nos como
cidadãos. A face política do modelo de identidade nacional é permanentemente corroída
pelo desrespeito aos ideais de conduta. Idealmente, ser brasileiro significa herdar a
tradição democrática na qual todos somos iguais perante a lei e onde o direito à vida, à
liberdade e à busca da felicidade é uma propriedade inalienável de cada um de nós; na
realidade, ser brasileiro significa viver em um sistema socioeconômico injusto, onde a
lei só existe para os pobres e para os inimigos e onde os direitos individuais são
monopólio dos poucos que têm muito.
Preso nesse impasse, o brasileiro vem sendo coagido a reagir de duas maneiras. Na
primeira, com apatia e desesperança. É o caso dos que continuam acreditando nos
valores ideais da cultura e não querem converter-se ao cinismo das classes dominantes e
de seus seguidores. Essas pessoas experimentam uma notável diminuição da auto-estima
na identidade de cidadão, pois não aceitam conviver com o baixo padrão de moralidade
vigente, mas tampouco sabem como agir honradamente sem se tornarem vítimas de
abusos e humilhações de toda ordem. Deixam-se assim contagiar pela inércia ou sonham
em renunciar à identidade, abandonando o país. Na segunda maneira, a mais nociva, o
indivíduo adere a ética da sobrevivência ou à lei do vale-tudo: pensa escapar a
delinquência, tornando-se delinquente.
Nos dois casos, obviamente, perde-se a confiança na ideia de justiça, legalidade e
interesse comum. É o primeiro passo para o império do banditismo – o modo de
convívio social em que a lei se confunde com o interesse de um indivíduo ou de um
grupo e a força substitui o diálogo. No banditismo, as leis dão lugar ao mercado da
violência, que tende à expansão ilimitada. Numa sociedade regida pela moral da
delinqüência, a cada dia se inventam novas formas de transgressão e de desmoralização
das leis e novas formas de submissão dos mais fracos aos mais fortes.
(COSTA, Jurandir F. O brasileiro condena o brasileiro. Superinteressante, São Paulo, 5 (11): 35, Nov.
1991.)
1. Vocês concordam com a análise do psicanalista Jurandir F. Costa? Por quê?
2. Identifiquem os dois tipos de cidadãos citados no texto. Como eles agem no dia-a-
dia?
28
4.1. O QUÊ A FILOSOFIA TEM A DIZER SOBRE A POLÍTICA?
Participamos da política ao votar, ao participar de uma greve ou manifestação, boicotando um
produto importado, conversando sobre a situação de insegurança do bairro, ou da situação de
abandono da saúde pública. Estamos o tempo todo discutindo política de maneira informal,
mesmo sem saber que estamos fazendo isso.
Contudo, existe outra maneira de se falar de política. A filosofia busca, por exemplo, falar
sobre política formulando explicações científicas. Nesse caso, os filósofos levantam questões
como: Por que uma forma de governo é melhor que outra? O quê faz uma lei ser considerada
justa? O quê é o direito? A religião deve se envolver com a política? A política deve ser
guiada pela moral? Por que há desigualdade entre os homens?Por que o homem é um animal
político?
4.2. ARISTÓTELES: O HOMEM É UM ANIMAL POLÍTICO
Aristóteles (384-322 a.C.) nasceu em Estagira, na Calcídica
(região dependente da Macedônia). Seu pai era médico de Filipe,
rei da Macedônia. Mais tarde. Alexandre, filho de Felipe, foi
discípulo de Aristóteles até o momento em que precisou assumir
precocemente o poder e continuar a expansão do império.
Frequentou a Academia de Platão e a fidelidade ao mestre foi
intercalada por críticas que mais tarde justificaria dizendo: "Sou
amigo de Platão, mas mais amigo da verdade".
As principais ideias da filosofia política de Aristóteles foram
escritas no livro A política. Desde as primeiras páginas de seu
livro A política, Aristóteles explica a origem do Estado enquanto
valendo-se de uma reconstrução histórica das etapas através das
quais a humanidade teria passado das formas primitivas às formas
mais evoluídas de sociedade, até chegar à sociedade perfeita que é
o Estado. Aristóteles vê a evolução da sociedade humana como
uma passagem gradual de uma sociedade menor para uma mais ampla. Os homens seriam
para Aristóteles por natureza “animais políticos”. Sendo o Estado o resultado do
desenvolvimento dessa natureza humana. A política define a própria essência do homem,
e o Estado é considerado uma instituição natural.
O raciocínio de Aristóteles é o seguinte: os homens buscam sempre um bem, algo que
os tornem felizes. Mas sozinho o homem não consegue prover tudo que precisa para
ser feliz, por isso os homens se associam em grupos para poder alcançarem a
felicidade. O primeiro grupo que os homens formaram foi a família, estas foram
unificadas por laços sanguíneos. A sociedade que em seguida se formou de várias famílias
chama-se aldeia. Da união de várias aldeias surgiu o Estado.
29
Mas afinal, o que é o Estado? Nas aulas de geografia vocês aprenderam que Estados são
divisões territoriais de determinados países. Por exemplo, no Brasil são Estados o Espírito
Santo, São Paulo, Rio de Janeiro, etc. Contudo, essa mesma palavra é usada com outro
sentido no campo da filosofia política. Estado aqui significa uma nação com território próprio,
politicamente organizado por meio de leis e que possui instrumentos de repressão para fazer
valer o direito (a polícia, por exemplo), além disso possui um exército para proteger os seus
espaços. Nesse caso o Brasil é um Estado, a Argentina, a França, a Alemanha, etc. Na Grécia
do tempo de Aristóteles as cidades eram chamadas de cidades-Estado, isto porque elas eram
independentes umas das outras, não se encontravam submetidas ao mesmo governo. As
cidades gregas eram como os países hoje.
Os Estados podem ser organizados em diversas formas de governo. Hoje no Brasil, por
exemplo, o governo é organizado na forma de uma democracia. Aristóteles foi um dos
primeiros filósofos a elaborar um estudo sobre as diversas formas de governo. Abaixo
leremos um texto do filósofo grego onde ela traça essa distinção das formas de governo.
4.3. A POLÍTICA E A MORAL: MAQUIAVEL
ESTUDO DIRIGIDO
- O texto a seguir é um trecho do livro A política de Aristóteles. A partir da leitura do
texto construa uma tabela explicativa com as formas de governo descritas por
Aristóteles. A tabela deve conter tanto as formas que contribuem para a felicidade
geral quanto as formas degeneradas.
Formas de governo
O governo é o exercício do poder supremo do Estado. Este poder só poderia estar ou nas
mãos de um só, ou da minoria, ou da maioria das pessoas. Quando o monarca, a minoria ou
a maioria não buscam, uns ou outros, senão a felicidade geral, o governo é necessariamente
justo. Mas, se ele visa ao interesse particular do príncipe ou dos outros chefes, há um
desvio. O interesse deve ser comum a todos ou, se não o for, não são mais cidadãos.
Chamamos monarquia o Estado em que o governo que visa a este interesse comum
pertence a um só; aristocracia, aquele em que ele é confiado a mais de um, denominação
tomada ou do fato de que as poucas pessoas a que o governo é confiado são escolhidas
entre as mais honestas, ou de que elas só têm em vista o maior bem do Estado e de seus
membros; república, aquele em que a multidão governa para a utilidade pública [...]
[...] Estas três formas podem degenerar: a monarquia em tirania; a aristocracia em
oligarquia; a república em democracia. A tirania não é, de fato, senão a monarquia voltada
para a utilidade do monarca; a oligarquia, para a utilidade dos ricos; a democracia, para a
utilidade dos pobres. Nenhuma das três se ocupa do interesse público. Podemos dizer ainda,
de um modo um pouco diferente, que a tirania é o governo despótico exercido por um
homem sobre o Estado, que a oligarquia representa o governo dos ricos e a democracia o
dos pobres ou das pessoas pouco favorecidas.
(Aristóteles. A política)
30
No livro “O príncipe”, Maquiavel ensina o
que os governantes devem fazer para se
manter no poder
A filosofia política moderna começa com a obra de Maquiavel (1469-1527). Nascido em
Florença, Itália, Maquiavel foi um dos grandes responsáveis pela noção moderna de poder.
Em Maquiavel também encontramos uma renovação do sentido e da relação entre ética e
política. Desta forma, muito folclore se construiu em torno de seu nome e de sua pessoa,
principalmente pela interpretação precipitada que se fez muitas vezes de seu pensamento.
Maquiavel foi compreendido como alguém
imoral e desprovido de quaisquer valores. Por
isso a perspectiva do termo “maquiavélico” é
sempre pejorativa. Mas, seria Maquiavel digno
desta fama? O que ele pretendia? Vamos por
partes.
Maquiavel choca por fazer uma análise do
homem considerando-o a partir de uma de suas
facetas, a do egoísmo. Se para Aristóteles e para o
pensamento greco-cristão no geral o homem
buscava a vida em sociedade, o bem viver como
algo natural, para Maquiavel “os homens tendem à divisão e à desunião”.
Seu livro mais conhecido, O Príncipe, é um conjunto de recomendações para que os
governantes ascendam ao poder e mantenha-se
como líder. Suas recomendações podem ser
resumidas na máxima “os fins justificam os
meios”, que significa que todos os recursos
honráveis ou não devem ser utilizados para a conquista e a manutenção do poder. Para chegar
a este objetivo, tudo era válido, inclusive mentir, enganar, trair e matar. Maquiavel argumenta
que o governante deve ser dissimulado quando é necessário, porém nunca deixando
transparecer sua dissimulação. Não é necessário, a um príncipe, possuir todas as qualidades,
mas é preciso parecer ser piedoso, fiel, humano, íntegro e religioso já que às vezes é
necessário agir em contrário a essas virtudes.
Vemos que para Maquiavel a moral não é uma questão política. Não existe certo e errado na
política. O que existe é o que serve para se manter no poder e o que não serve. Maquiavel
“comenta que aquele que trocar o que se faz por aquilo que se deveria fazer aprende antes sua
ruína do que sua preservação; pois um homem que queira fazer em todas as coisas profissão
de bondade deve arruinar-se entre tantos que não são bons”.
Outra ideia bem famosa defendida por Maquiavel no livro O Príncipe é a de que os
governantes para se manterem no poder devem ser temidos. Segundo Maquiavel, é melhor
para um governante ser temido do que amado, o temor de uma punição faz os homens
pensarem duas vezes antes de trair seus líderes. O temor surge das punições. O líder deve ser
cruel quanto às penas com as pessoas, mas nunca no caráter material, Maquiavel diz que "as
pessoas esquecem mais facilmente a morte do pai, do que a perda da herança". Punir as
pessoas materialmente as torna revoltadas, em vez de provocar o temor do governante.
31
A obra de Maquiavel, criticada em toda a parte, atacada por católicos e protestantes,
considerada ateia e satânica, tornou-se, porém, a referência obrigatória do pensamento
político moderno. A ideia de que a finalidade da política é a tomada e conservação do poder e
que este não provém de Deus, nem de uma ordem natural feita de hierarquias fixas exigiu que
os governantes justificassem a ocupação do poder. Em alguns casos, como na França e na
Prússia, surgirá a teoria do direito divino dos reis. Na maioria dos países, porém, a concepção
teocrática não foi mantida e, partindo de Maquiavel, os teóricos tiveram que elaborar novas
teorias políticas.
Essas novas teorias não pretendiam mais mostrar porque o Estado é uma obra de Deus, ou
fruto do desenvolvimento natural do homem. Elas queriam responder questões como: por que
indivíduos isolados formam uma sociedade? Por que indivíduos independentes aceitam
submeter-se ao poder político e às leis?
4.4. A RELIGIÃO TEM ALGUMA COISA A VER COM A POLÍTICA?
John Locke (1632 - 1704), filósofo inglês, era médico e descendia de uma família de
burgueses comerciantes. Com a obra Dois tratados sobre o governo civil, tornou-se o grande
teórico do liberalismo, cujas ideias iriam repercutir em todo o século XVIII, dando
fundamento filosófico às revoluções ocorridas na Europa e nas Américas.
Para Locke, a separação entre a Religião e o Estado é algo que reside na natureza e finalidade
de ambos. Apesar disso, aquelas que advogam a falsa religião têm sustentado a sua unidade
para melhor prosseguirem os seus interesses particulares. O resultado é a intolerância
religiosa. Locke entende que a única forma de acabar com a mesma é separar aquilo que por
natureza é distinto. Locke estudou as relações entre Igreja e Estado na sua obra Carta sobre a
tolerância.
a) Estado. O domínio do Estado é o da ordem pública, garantindo, defendendo e promovendo
o desenvolvimento dos interesses particulares. O Estado foi constituído por mútuo acordo
entre homens livres para resolverem os seus conflitos e protegerem os seus direitos. Está ao
serviço dos cidadãos e sob forma alguma pode atentar contra os seus direitos naturais
(liberdade, vida e bens).
b) Igreja. O domínio da Igreja é o culto público a Deus e o encorajamento dos homens para
que levem uma vida virtuosa e piedosa a fim de salvarem as suas almas. As Igrejas são
assembleias livremente constituídas e qualquer um as pode criar. Nenhuma tem mais
autoridade ou se pode arrogar ser mais verdadeira que outra. Apenas Deus sabe qual é a
verdadeira, e só a Ele compete julgar a conduta dos seus membros. A organização e a
hierarquia nas Igrejas resultam da vontade dos homens e não de Deus.
Vemos que com Locke o Estado não deve ser confessional, ou seja, o Estado não deve
declarar possuir uma religião oficial. Para o filósofo inglês o Estado deve ser laico, secular.
Um Estado laico é aquele que não sofre interferência das religiões e dos religiosos, não se
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encontra submisso a Igreja e não fundamenta suas leis se baseando em recomendações dos
livros sagrados.
PENSANDO NOSSO TEMPO
- Leia e interprete as notícias abaixo para responder as questões.
Ministério Público pede retirada de símbolos religiosos de órgãos públicos em SP
O Ministério Público Federal em São Paulo pediu que a Justiça obrigue a União a retirar
todos os símbolos religiosos fixados em locais de grande visibilidade e atendimento ao
público em órgãos públicos federais no Estado. No pedido, a Procuradoria Regional dos
Direitos do Cidadão pede também a aplicação de multa diária simbólica de R$ 1 em caso de
descumprimento. A multa deverá servir como um contador do desrespeito à determinação
judicial. O prazo proposto pelo Ministério Público para a retirada dos símbolos é de até 120
dias após a decisão.
Segundo o Ministério Público, a ostentação de símbolos religiosos seria uma ofensa à
liberdade de crença dos cidadãos. Além disso, o órgão argumenta que a Constituição Federal
determina que o Brasil é um Estado laico, ou seja, onde não há vinculação entre o poder
público e a religião. Para o procurador regional dos Direitos do Cidadão e autor da ação,
Jefferson Aparecido Dias, cabe ao Estado proteger todas as manifestações religiosas sem
tomar partido de alguma. "Quando o Estado ostenta um símbolo religioso de uma
determinada religião em uma repartição pública está discriminado todas as demais ou
mesmo quem não tem religião afrontando o que diz a Constituição", defendeu. (Folha
Online)
1. O texto faz referência ao conflito entre duas instituições. John Locke escreveu sobre
esse conflito. Quais instituições são essas?
2. Quais argumentos o Ministério Público utiliza para pedir a proibição da ostentação
de símbolos religiosos em órgãos públicos?
Aumentam denúncias contra intolerância religiosa no Rio
As denúncias de ofensa à religião vêm crescendo no estado do Rio de Janeiro, onde, até
novembro de 2008, a Lei Caó, que considera crime a intolerância religiosa, não estava
incluída no sistema das delegacias legais. Com a mudança recente, ainda não há números ou
estatísticas para mensurar esse movimento, mas, segundo o delegado Henrique Pessoa,
coordenador do setor de inteligência da Polícia Civil, hoje há praticamente um registro por
dia nas delegacias do estado. Nessa “guerra” da fé, os seguidores de religiões afro-brasileiras
são as vítimas mais frequentes.
Segundo o delegado, os devotos da umbanda e do candomblé estão entre as maiores vítimas.
Já evangélicos e judeus ainda não apareceram entre os registros. [...] “Os adeptos da
umbanda e do candomblé não estão mais dispostos a apanhar calados. Já os judeus sofrem
preconceito, mas é um preconceito velado. E aumentou muito o respeito pela comunidade
judaica também”. De acordo com a Lei Caó (número 7.716), a pena para intolerância
religiosa pode variar de um a três anos. Mas, no caso de uso da mídia para difundir a
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5. A DEMOCRACIA EM QUESTÃO
Muitas vezes podemos rir como a personagem Mafalda ao imaginarmos que a democracia era
para ser uma forma de governo em que o povo é soberano, isto é, que o povo exerce o poder.
Vivemos num país cuja democracia é a forma de governo adotada, mas nem sempre a voz do
povo é escutada.
A palavra democracia vem do grego demos ("povo") e kratia, de krátos ("governo", "poder",
"autoridade"). Os atenienses são o primeiro povo a elaborar teoricamente o ideal democrático,
dando ao cidadão a capacidade de decidir os destinos da pólis (cidade-estado grega).
Habituado ao discurso, o povo grego encontra na ágora (praça pública) o espaço social para o
debate e o exercício da persuasão.
Na Grécia a democracia era direta, ou seja, os cidadãos participavam diretamente da vida
pública, não havia escolha de representantes políticos. No mundo moderno surgiu a
democracia representativa. Países como o Brasil possuem esse tipo de regime político. Na
democracia representativa os cidadãos através de eleições concedem mandatos a
representantes que passarão a exercer autoridade em seu nome.
A democracia moderna pretende garantir direitos individuais que preservem a privacidade e
liberdade, vida e bens dos cidadãos. Além de direitos que garantam a participação dele na
vida política seja através do direito de voto, greve, ou de fazer parte de alguma organização
(sindicato, associação de moradores, partido).
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Geralmente em democracias como a brasileira o governo é organizado em três poderes
democráticos. Tal forma de organização das democracias modernas em três poderes diferentes
foi inspirada pelas ideias do filósofo francês Montesquieu (1689-1755). Montesquieu
escreveu sobre essa organização do governo em três poderes no seu livro o Espírito das Leis.
A partir da leitura do texto de Montesquieu logo abaixo entenderemos quais são esses três
poderes e porque o filósofo sugeriu que os governos deviam ser organizados dessa forma.
5.1. DILEMAS DA DEMOCRACIA: A TECNOCRACIA
ESTUDO DIRIGIDO
- Leia e interprete o trecho do livro Do espírito das leis de Montesquieu. A seguir responda as
questões.
Os três poderes
Para que não se possa abusar do poder, é preciso que, pela disposição das coisas, o poder limite o
poder. [...] Existem em cada Estado três tipos de poder: o poder legislativo, o poder executivo [...] e
o poder judiciário [...]. Com o primeiro, o príncipe ou o magistrado cria leis por um tempo ou para
sempre e corrige ou anula aquelas que foram feitas. Com o segundo, ele faz a paz ou a guerra, envia
ou recebe embaixadas, instaura a segurança, previne invasões. Com o terceiro, ele castiga os crimes,
ou julga as querelas1 entre os particulares.
A liberdade política, em um cidadão, é esta tranqüilidade de espírito que provém da opinião que
cada um tem sobre a sua segurança; e para que se tenha esta liberdade é preciso que o governo seja
tal que um cidadão não possa temer outro cidadão. Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de
magistratura o poder legislativo está reunido ao poder executivo, não existe liberdade, pois pode-se
temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado apenas estabeleçam leis tirânicas para executá-las
tiranicamente. Não haverá também liberdade se o poder de julgar não estiver separado do poder
legislativo e do executivo. Se estivesse ligado ao poder legislativo, o poder sobre a vida e a
liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria legislador. Se estivesse ligado ao poder
executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor.
Tudo estaria perdido se o mesmo homem ou o mesmo corpo dos principais, ou dos nobres, ou do
povo, exercesse esses três poderes: o de fazer leis, o de executar as resoluções públicas e o de julgar
os crimes ou as divergências dos indivíduos. (Montesquieu. Do espírito das leis)
1Querelas: disputas.
1. Construa uma tabela explicativa com os três poderes descritos por Montesquieu. A tabela
deve conter o nome do cargo dos principais representantes de cada poder no Brasil. Por
exemplo, presidente, governador, juiz, etc.
2. Para Montesquieu, por que é necessário essa organização da democracia em três
poderes?
35
A palavra tecnocracia é formada por duas palavras de origem grega. A palavra tékhné que
significa técnica e krátos que significa 'governo, poder, domínio'. Tecnocracia seria o
governo exercido por aqueles que dominam as técnicas, que detém o saber tecnológico. A
palavra tecnocracia parece ter sido criada pelo inglês, radicado nos EUA, William Henry
Smyth (1855-1940), para designar 'um novo sistema e filosofia de governo, no qual os
recursos industriais de uma nação seriam organizados e manipulados por pessoas
tecnicamente competentes, para o bem-comum, em vez de serem deixados sob controle de
interesses privados, para benefício próprio'; a partir de 1932 essa palavra passou a fazer parte
do vocabulário da filosofia política.
O termo tecnocracia passou a ser utilizado para designar um fenômeno que toma proporções
cada vez maiores nos países democráticos: a importância das pessoas tecnicamente
competentes para a administração do governo. Compreenderemos porque esse fenômeno
(tecnocracia) é um dilema da democracia estudando o texto abaixo.
- O texto abaixo é do livro O futuro da democracia, do italiano Norberto Bobbio. Leia e
interprete para responder as questões.
[...] Na medida em que as sociedades passaram de uma economia familiar para uma economia de
mercado, de uma economia de mercado para uma economia protegida, regulada, planificada
aumentaram os problemas políticos que requerem competências técnicas. Os problemas técnicos
exigem por sua vez experts, especialistas, uma multidão cada vez mais ampla de pessoal
especializado. Há mais de um século Saint-Simon havia percebido isto e defendido a substituição
do governo dos legisladores pelo governo dos cientistas. Com o progresso dos instrumentos de
cálculo, que Saint-Simon não podia nem mesmo de longe imaginar, a exigência do assim chamado
governo dos técnicos aumentou de maneira desmesurada
Tecnocracia e democracia são antitéticas1: se o protagonista
2 da sociedade industrial é o
especialista, impossível que venha a ser o cidadão qualquer. A democracia sustenta-se sobre a
hipótese de que todos podem decidir a respeito de tudo. A tecnocracia, ao contrário, pretende que
sejam convocados para decidir. Na época dos Estados absolutos, como já afirmei, o vulgo devia ser
mantido longe dos arcana imperii3 porque era considerado ignorante demais. Hoje o vulgo é
certamente menos ignorante. Mas os problemas a resolver – tais como a luta contra a inflação, o
pleno emprego, uma mais justa distribuição da renda – não se tornaram por acaso crescentemente
mais complicados? Não são eles de tal envergadura4 que requerem conhecimentos científicos e
técnicos em hipótese alguma menos misteriosos para o homem médio de hoje (que apesar de tudo
é mais instruído)?
1Antitéticas: contrários; estão em oposição.
2Protagonista: que ocupa papel de destaque.
3Arcana imperii: autoridades ocultas, misteriosas.
4Envergadura: importância; peso.
1. Por que a democracia e a tecnocracia são antitéticas?
2. O quê propôs Saint-Simon?
3. Quais são os complexos problemas que acabam tornando necessário a participação dos
especialistas no governo?
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5.2. DILEMAS DA DEMOCRACIA: A DESIGUALDADE ENTRE OS IGUAIS
O quadrinho acima mostra uma situação muito comum nos países com regime democrático
“a desigualdade entre os iguais”. Apesar de a democracia buscar garantir a participação
política e o direito de todos, nem sempre isso acontece. Uma boa parte da população acaba
sendo excluída da participação na vida política não tendo seus direitos garantidos. A
desigualdade econômica e a miséria são os principais motivos para essa exclusão. Se uma
pessoa não tem como comer, estudar e não tem nem mesmo onde morar, dificilmente ela vai
conseguir participar do “governo de todos” que as democracias visam garantir.
Os Estados democráticos modernos ao não conseguirem resolver esse problemas da
desigualdade acabou gerando diversos críticos. Um de seus principais críticos foi o filósofo
alemão Karl Marx (1818-1883). Para Marx a história sempre foi uma luta de classes
incessante entre classes dominantes e classes dominadas. As democracias dos Estados
modernos apesar de buscarem garantir o bem comum a todos não teriam realizado tal
promessa. Os Estados democráticos modernos estão a serviço da classe dominante, a
burguesia. A burguesia é classe detentora da maior parte da riqueza de um pai, além de
possuir o controle sobre dos meios de produção, isto é, as fábricas, os latifúndios, a mão de
obra do trabalhador, enfim, tudo que é necessário para produção dos bens materiais. Segundo
Marx “o Estado moderno é somente um comitê para gerenciar os negócios da burguesia”. A
classe dominada é formada pelo proletariado, isto é, os trabalhadores que vendem sua mão-
de-obra e não conseguem ter seus direitos garantidos no regime democrático burguês.
O Estado de direito burguês, na medida em que representa apenas os interesses de uma
parcela da população, exercendo uma ação policial de controle sobre as demais classes da
sociedade, é contra o bem comum, é uma ameaça às liberdades democráticas. O jovem Marx,
dos primeiros escritos, entende que a verdadeira democracia só poderia nascer sobre os
escombros desse Estado que não está a serviço do bem comum.
Para Marx o Estado é um mal que deve ser extirpado. Ao lutar contra o poder da burguesia, o
proletariado deve destruir o poder estatal, o que não será feito por meios pacíficos, mas pela
revolução. No entanto, diferentemente dos anarquistas, Marx não considera viável a passagem
brusca da sociedade dominada pelo Estado burguês para a sociedade sem Estado, havendo a
necessidade de um período de transição. A classe operária, organizando-se num partido
revolucionário, deve destruir o Estado burguês e criar um novo Estado capaz de suprimir a
propriedade privada dos meios de produção. A esse novo Estado dá-se o nome de ditadura do
proletariado, uma vez que, segundo Marx, o fortalecimento contínuo da classe operária é
indispensável enquanto a burguesia não tiver sido liquidada como classe no mundo inteiro.
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A primeira fase, de vigência da ditadura do proletariado, corresponde ao socialismo, que
supõe a existência do aparelho estatal, da burocracia, do aparelho repressivo e do aparelho
jurídico. Nessa fase persiste a luta contra a antiga classe dominante, a fim de evitar a contra -
revolução. O princípio do socialismo é: "De cada um, segundo sua capacidade, a cada um,
segundo seu trabalho". A segunda fase, chamada comunismo, tem como princípio: "De cada
um, segundo sua capacidade, a cada um, segundo suas necessidades". O comunismo se define
pela supressão da luta de classes e, consequentemente, pelo desaparecimento do Estado. Na
"anarquia feliz" o desenvolvimento prodigioso das forças produtivas levaria à "era da
abundância", à supressão da divisão do trabalho em tarefas subordinadas (materiais) e tarefas
superiores (intelectuais), à ausência de contraste entre cidade e campo e entre indústria e
agricultura.
6. DUALISMO CORPO-ALMA
O quadrinho acima da personagem Mafalda é obra do cartunista argentino Quino. Nessa
tirinha Quino brinca com a ideia de que o ser humano é uma criatura formada por duas partes,
o corpo e a alma. A visão de que o ser humano é uma unidade formada por duas partes, corpo
e alma, está presente em muitas religiões e nas teorias de muitos filósofos. Essa ideia tão
antiga que pode ser observada em diversas culturas, também serviu de motivo para alguns
conflitos. Vejamos o relato do filósofo Francês Claude Lévi-Strauss:
Na história narrada por Lévi-Strauss vemos uma situação curiosa. Enquanto os colonizadores
queriam saber se os indígenas possuíam alma, para então descobrir se eles eram seres
humanos ou não, por outro lado os primeiros habitantes do nosso continente queriam saber se
os corpos dos espanhóis apodreciam, descobrindo então se eles eram seres humanos ou não.
6.1. PLATÃO E O DUALISMO CORPO-ALMA
“Nas Grandes Antilhas, alguns anos após a descoberta da América, enquanto os espanhóis
enviavam comissões de investigação para indagar se os indígenas possuíam ou não alma,
estes últimos dedicavam-se a afogar os brancos feitos prisioneiros para verificarem, através
de uma vigilância prolongada, se o cadáver daqueles estava ou não sujeito à putrefação”.
(Raça e história. Lévi-Strauss)
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Dentre os primeiros filósofos que tentaram explicar o ser humano como uma unidade formada
por corpo e alma está Platão. Esse filósofo parte do pressuposto de que a alma, antes de se
encarnar, teria vivido a contemplação do mundo das ideias, onde tudo conheceu por simples
intuição, ou seja, por conhecimento intelectual direto e imediato, sem precisar usar os
sentidos. Quando - por necessidade natural ou expiação de culpa - a alma se une ao corpo, ela
se degrada, pois se torna prisioneira dele.
Todo drama humano consiste, para Platão, na tentativa de domínio da alma sobre o corpo.
Este (corpo) perturba o conhecimento verdadeiro, pois, escravizada pelo sensível, leva à
opinião e, consequentemente, ao erro. O corpo é também ocasião de corrupção e decadência
moral, e se a alma não souber controlar as paixões e os desejos, o homem será incapaz de
comportamento moral adequado.
No entanto, pode parecer contraditória a constatação de que os gregos sempre se preocuparam
com o seu corpo, estimulando os exercícios físicos, a ginástica, os esportes. Não é à toa que a
Grécia aparece como o berço das Olimpíadas. Ora, Platão também valoriza a ginástica, e isso
apenas confirma a ideia da superioridade do espírito sobre o corpo. "Corpo são em mente sã"
significa que a educação física rigorosa põe o corpo na posse de saúde perfeita, permitindo
que a alma se desprenda do mundo do corpo e dos sentidos para melhor se concentrar na
contemplação das ideias. Caso contrário, a fraqueza física torna-se empecilho maior à vida
superior do espírito.
6.2. RENÉ DESCARTES: O CORPO É UMA MÁQUINA
Na modernidade o filósofo francês René Descartes (1596-1650),
manteve essa distinção platônica entre o corpo e alma. Entretanto,
diferentemente de Platão, para Descartes o corpo é associado à ideia
mecanicista do homem-máquina. Descartes que afirma: "Deus
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fabricou nosso corpo como máquina e quis que ele funcionasse como instrumento universal,
operando sempre da mesma maneira, segundo suas próprias leis". Com isso Descartes torna o
corpo autônomo, alheio a alma. Alma em Descartes é pensamento, não força vital que move o
corpo. Os corpos têm movimento porque Deus injetou movimento neles quando os criou.
Descartes afirma que Deus é como um grande relojoeiro e nossos corpos são relógios que ele
colocou para funcionar automaticamente.
Tal como Platão, para Descartes a alma seria superior ao corpo. É por meio da alma que eu
conheço a leis físicas e matemáticas que fazem que meu corpo funcione. A filosofia de
Descartes tem uma visão mecanicista do corpo humano, ou seja, qualquer explicação de
fenômenos que acontecem nele (corpo humano) é feito através de cálculos matemáticos.
Descartes dá um exemplo interessante para indicar como que as funções do corpo são regidas
por leis físicas e matemáticas independentemente da alma. Ele fala o seguinte “as cabeças,
pouco depois de decepadas, ainda se movem e mordem a terra, apesar de não serem mais
animadas”. Ou seja, mesmo depois da morte de um indivíduo, e isto significa mesmo depois
que não haja mais nenhum pensamento no seu corpo, ainda é possível observar que o corpo
ainda exerce algumas atividades.
PENSANDO O NOSSO TEMPO
-Leia notícia abaixo, interprete e responda a partir dos conhecimentos filosóficos adquirimos.
Começam testes com chip implantado no cérebro
A FDA, órgão de saúde norte-americano, liberou os primeiros testes clínicos com uma nova
tecnologia, que permite que uma pessoa controle um computador por meio de um chip implantado
em seu cérebro. Chamada BrainGate ("portal do cérebro"), a nova interface neural foi projetada
para permitir que os deficientes com imobilidade motora possam se comunicar, ou mesmo acionar
equipamentos por meio de um computador, como telefones, TV, as luzes da casa ou qualquer
outro dispositivo que possa ser acoplado ao PC. O chip implantado no cérebro é um sensor do
tamanho de um comprimido, que contém centenas de finíssimos eletrodos de ouro. No caso do
BrainGate, ele é implantado na área do cérebro responsável pelos movimentos. Mas, em outras
aplicações, ele poderá também ser implantado em outras áreas do cérebro, responsáveis por outros
processos corporais. Embora em um futuro ainda mais distante, a empresa afirma também que,
potencialmente, seu sistema poderá ser utilizado para restabelecer o movimento de braços e pernas
em alguns tipos de deficiência motora. (Site inovação tecnológica)
1. Lendo essa notícia é possível dizer que os cientistas de hoje compreendem o corpo
humano como uma máquina da mesma forma que Descartes compreendia? Justifique sua
resposta.
2. De acordo com essa notícia é possível afirmar que os cientistas consideram o conceito de
“alma” importante para as suas pesquisas? Sim ou não? Explique.
3. Na antiguidade e na Idade Média os filósofos afirmaram que o corpo humano era
animado pela psique (alma). Ou seja, era a parte espiritual do indivíduo a responsável pela
movimentação da parte corporal. Na notícia acima é possível identificar que os cientistas
hoje procuram comprovar essa teoria? Sim ou não? Por quê?
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6.3. O QUÊ TEM NA ALMA?
Descartes descreve a alma como a parte imaterial do ser humano. É graças a ela que o ser-
humano pensa, imagina, tem memória. Contudo, existe alguma ideia na alma que não foi
ensinada? Existe alguma ideia inata (isto é, que possuímos desde o nascimento)? Ou tudo que
possuímos na nossa alma, no nosso intelecto, foi nos ensinado desde cedo?
Pensemos em alguns exemplos: Imaginem uma pessoa que desde criança recebeu
ensinamentos nos quais a morte é retratada como uma situação agradável. Essa pessoa terá um
medo natural da morte ou o medo da morte é algo ensinado? Agora imaginem uma pessoa que
foi criada sem nunca ouvir falar em Deus. Ela chegará a noção de Deus por conta própria ou a
ideia de Deus é algo transmitido pela educação?
Descartes diz que há na alma ideias inatas, ou seja, ideias que já trazemos desde o nosso
nascimento. Ideias inatas são aquelas que não poderiam vir de nossa experiência sensorial
porque não há objetos sensoriais ou sensíveis para elas, nem poderiam vir de nossa fantasia,
pois não tivemos experiência sensorial para compô-las a partir de nossa memória. As ideias
inatas são inteiramente racionais e só podem existir porque já nascemos com elas. Por
exemplo, a ideia do infinito (pois não temos qualquer experiência do infinito), as ideias
matemáticas (a matemática pode trabalhar com a ideia de uma figura de mil lados, o
quilógono, e, no entanto, jamais tivemos e jamais teremos a percepção de uma figura de mil
lados), a ideia de Deus.
Essas ideias, diz Descartes, são “a assinatura do Criador” no espírito das criaturas racionais, e
a razão é a luz natural inata que nos permite conhecer a verdade. Como as ideias inatas são
colocadas em nosso espírito por Deus, serão sempre verdadeiras, isto é, sempre
corresponderão integralmente às coisas a que se referem, e, graças a elas, podemos julgar
quando um conhecimento que adquirido pelos órgãos dos sentidos é verdadeiro ou falso e
saber que as ideias fictícias (fantasias) são sempre falsas (não correspondem a nada fora de
nós).
O filósofo inglês John Locke (1632-1704) critica as ideias inatas de Descartes, afirmando que
a alma é como uma tábula rasa (uma tábua onde não há inscrições), como uma cera onde não
houvesse qualquer impressão, e o conhecimento só começa após a experiência sensível. Se
houvesse ideias inatas, as crianças já as teriam: além disso, a ideia de Deus não se encontra
em toda parte, pois há povos sem nenhuma representação de Deus ou, pelo menos, sem a
representação de um ser perfeito.
Locke explica que nossos conhecimentos começam com a experiência dos sentidos, isto é,
com as sensações. Os objetos exteriores excitam nossos órgãos dos sentidos e vemos cores,
sentimos sabores e odores, ouvimos sons, sentimos a diferença entre o áspero e o liso, o
quente e o frio, etc.
As sensações se reúnem e formam uma percepção; ou seja, percebemos uma única coisa ou
um único objeto que nos chegou por meio de várias e diferentes sensações. Assim, vejo uma
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cor vermelha e uma forma arredondada, aspiro um perfume adocicado, sinto a maciez e digo:
“Percebo uma rosa”. A “rosa” é o resultado da reunião de várias sensações diferentes num
único objeto de percepção. As ideias, trazidas pela experiência, isto é, pela sensação, pela
percepção e pelo hábito, são levadas à memória e, de lá, à alma as apanha para formar os
pensamentos
PENSANDO NOSSO TEMPO
- Leia a notícia abaixo para responder as questões relacionadas ao tema que estamos
estudando.
A ALMA CABE EM UM CHIP?
Universidade árabe cria um robô com aparência humana e outro pronto para ser seu
amigo. E agora vem o melhor: juntar os dois androides
por Denise Dalla Colleta
De um lado, um amontoado disforme de lata, chips, molas e lentes capazes de proezas sobre-
humanas. De outro, feições e corpos parecidos com os nossos, mas que fazem pouco além de
balbuciar algumas palavras e mexer sobrancelhas, boca e olhos. Assim caminhou a robótica.
Até que centros como o Laboratório de Mídia e Robôs Interativos (IRML), da Universidade
dos Emirados Árabes Unidos, resolveram criar robôs com corpo e, vá lá, alma. O caminho
que o laboratório está trilhando reproduz a divisão do mundo robótico. A pesquisa é feita em
partes separadas, mas que serão unidas no final, o que dará à luz um androide à nossa imagem
e semelhança. Para começar, foi desenvolvido o primeiro robô humanoide que fala árabe, o
IbnSina. Essa parte “corpo” da pesquisa é capaz de compreender palavras na língua da
maioria dos pesquisadores envolvidos no projeto — árabe, inglês, grego e até português —,
piscar e produzir expressões faciais. “Nós temos capacidades cognitivas absurdas para ler
emoções e intenções em qualquer criatura com a nossa aparência. É óbvio que, para se
comunicar com naturalidade, os robôs devem herdar isso dos homens”, diz Nikolaos
Mavridis, diretor do laboratório.
A parte “alma” do projeto tem jeito de primo pobre do Wall-E, o robozinho da Pixar. Sarah é
o primeiro robô a ter conta no site de relacionamentos Facebook. A meta aqui foi criar um
androide capaz de reconhecer e ter relacionamento íntimo com humanos. E com algumas
vantagens inatingíveis para nós: eles conseguirão gerenciar círculos sociais enormes e ter
memórias perfeitas do passado. Para os cientistas, isso não significa que uma forma de
relacionamento mais completa esteja surgindo. “Não dá para prever as interações que irão
aparecer”, afirma o diretor. Por enquanto, só uma certeza: quando Sarah e IbnSina formarem
um ser só, de corpo e alma, você terá a chance de iniciar um relacionamento com um amigo
que será mais assíduo do que 85% das pessoas que estão hoje no seu Facebook ou Orkut.
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Fonte: http://revistagalileu.globo.com
1. Isto que os cientistas estão chamando de alma se assemelha ao que Platão chamava de
alma? Sim ou não? Por quê?
2. É possível ver semelhanças entre o quê John Locke chamava de alma e o quê os
cientistas estão chamando de alma no robô. Explique qual é essa semelhança.
7.. VOCÊ É LIVRE?
Para começarmos a discutir o assunto dessa unidade vamos ler a notícia abaixo:
Na notícia acima vemos que cientistas tentam explicar a pedofilia por meio de uma anomalia
do cérebro. Ou seja, os pedófilos têm uma modificação no cérebro diferente dos não-
pedófilos. No entanto, se aceitarmos a ideia de que as ações do pedófilo são em decorrência
IbnSina, o “corpo”... • Aparência humana
• Fala árabe e está “aprendendo” outras
línguas
• Imita expressões humanas
• Contém 26 motores localizados em
pontos estratégicos, sempre com o intuito
de expressar sentimentos
...e Sarah, a “alma”
• Não tem a menor preocupação com
aparência
• Anda pelo ambiente à procura de faces
humanas para conversar
• Lembra-se das pessoas que conheceu
• Tem perfil no Facebook e bate papo
com pessoas por lá também
Origem da pedofilia pode estar no cérebro, diz estudo
Notícia folha UOL. 28/11/2007 - 15h45
A origem dos abusos sexuais contra as crianças poderia estar no cérebro, de acordo com um estudo do Centro
de Dependência e Saúde Mental dos Estados Unidos divulgado nesta quarta-feira pela revista "Psychiatric
Research". Na pesquisa foi utilizado um avançado método de análise que comparou a atividade cerebral de um
grupo de pedófilos com a de autores de delitos não sexuais.
Segundo os cientistas, os pedófilos revelaram ter uma quantidade consideravelmente menor de "massa branca",
que é responsável por conectar as diferentes partes do cérebro. Os pesquisadores indicaram que os resultados do
estudo põem em xeque a crença generalizada de que a pedofilia é resultado de um trauma ou de abusos sofridos
durante a infância. Por outro lado, esta descoberta é a prova mais concreta que as origens do
problema estão no cérebro, acrescentaram.
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dessa anomalia, como podemos dizer que ele é responsável por suas ações? O pedófilo age
livremente? Ele escolhe agir de determinada forma e não de outra?
Definir se o homem é livre, isto é, se é responsável ou não por suas escolhas e ações é uma
questão filosófica fundamental. Toda sociedade não tem como se esquivar dessa questão
também. O cérebro comanda uma série de funções do corpo humano, não temos o poder de
desligá-lo e fazê-lo funcionar novamente. Seria ele também responsável por todas as nossas
escolhas? No entanto, em um julgamento, como seria possível acusar um criminoso de
assassinato, sendo que ele possui uma anomalia no cérebro? Ele não tem culpa de ter aquela
anomalia, como pode ser então responsabilizado por suas ações? A partir do momento que
todas as ações humanas começam a ser explicadas por relações de causa e efeito, o espaço da
liberdade diminui cada vez mais, ou seja, o ser humano se torna menos responsável pelos seus
atos.
No entanto, é possível também afirmarmos que o ser humano é um animal tão superior aos
outros que todas as suas ações não são influenciadas por nada? Uma criança que cresce em
uma família extremamente violenta e cheia de miséria não sofre nenhuma influência desse
ambiente? Uma pessoa que nasceu em uma grande metrópole como São Paulo, seria a mesma
pessoa, fazendo as mesmas escolhas e tendo as mesmas ações, se tivesse nascido em uma
tribo indígena na floresta amazônica? Uma criança que sofreu abuso sexual cresceria da
mesma forma se não tivesse sofrido esses abusos?
Todas essas questões foram levantadas para chamar a atenção para duas propostas distintas de
explicação das escolhas e ações humanas. A primeira proposta é chamada de determinismo.
Como veremos mais adiante existem diferentes formas de determinismo, no entanto, o que
caracteriza as teorias deterministas é que todo comportamento humano é explicado por
relações de causa e feito. Isto significa, toda ação, toda escolha humana nada mais é do que o
efeito de uma determinada causa. Deste modo, conhecendo as causas podemos entender o
comportamento das pessoas, e até exercer um controle sobre suas ações, escolhas, pensamento
e sentimentos. A segunda proposta de explicação do comportamento humano é chamada de
teoria da liberdade incondicional ou indeterminismo. Segundo esse modelo de explicação,
o homem age livremente não se deixando influenciar por nada. Seu comportamento não é
determinado por causas precedentes, ele é o único responsável por suas escolhas e ações, não
se deixando influenciar nem pelo ambiente em que vive, nem por possíveis anomalias
genéticas.
7.1. OS DIFERENTES TIPOS DE DETERMINISMO
As Moiras, divindades da mitologia grega, são três irmãs que dirigem o movimento das
esferas celestes, a harmonia do mundo e a sorte dos mortais. Elas presidem o destino (moira,
em grego) e dividem entre si as diversas funções: Cloto, que significa "fiar", tece os fios dos
destinos humanos; Láquesis, que significa "sorte", põe o fio no fuso; Átropos, ou seja,
"inflexível", corta impiedosamente o fio que mede a vida de cada mortal. Está implícita nesse
mito a ideia de que a ação humana se acha ligada aos desígnios divinos. Os relatos de Homero
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e Hesíodo revelam como os heróis até se orgulham de ser escolhidos por certos deuses, que os
fazem seus protegidos, defendendo-os da ação malévola de outros deuses.
Vamos ler agora a citação do psicólogo americano Watson: "Dêem-me doze crianças sadias,
de boa constituição, e a permissão de poder criá-las à minha maneira. Tenho a certeza de que,
se escolher uma delas ao acaso, e puder educá-la, convenientemente, poderei transformá-la
em qualquer tipo de especialista que eu queira - médico, advogado, artista, grande
comerciante, e até mesmo em mendigo e ladrão -, Independente de seus talentos, propensões,
tendências, aptidões, vocações e da raça de seus ascendentes".
Prosseguindo nesse ideal de controle do comportamento, Skinner, outro psicólogo
experimental, imagina uma utopia no romance Walden II, onde todos os atos humanos seriam
cientificamente planejados e controlados. Aí as pessoas são felizes, pois os técnicos e
cientistas cuidam para que elas queiram fazer precisamente as coisas que são melhores para
elas e para a comunidade. Nesse mundo, as questões sobre determinismo e liberdade são
reduzidas a pseudo-questões de origem linguística.
O mito relatado no primeiro parágrafo perde-se no tempo da história da Grécia Antiga.
Homero talvez tenha vivido no século IX a.C. e sabe-se que ele apenas recolheu as histórias
transmitidas desde longo tempo pela tradição oral. Já os americanos Watson e Skinner,
psicólogos da corrente comportamentalista, são nossos contemporâneos. O que distingue
essas duas posições tão distantes no tempo é que a primeira é mítica e a segunda, científica, O
que as aproxima é que, em ambos os casos, inexiste a liberdade humana, porque no mito o
homem se acha submetido ao destino inexorável, e no discurso científico daqueles psicólogos
o homem está sujeito ao determinismo.
Segundo o determinismo científico, tudo que existe tem uma causa. O mundo explicado pelo
princípio do determinismo é o mundo da necessidade, e não o da liberdade. Necessário
significa tudo aquilo que tem de ser e não pode deixar de ser. Nesse sentido, a necessidade é o
oposto de contingência, que significa o que pode ser de um jeito ou de outro. Exemplificando:
se aqueço uma barra de ferro, ela se dilata; a dilatação é necessária, no sentido de que é um
efeito inevitável, que não pode deixar de ocorrer. No entanto, é contingente que neste
momento eu esteja usando roupa vermelha ou amarela. Ora, se a ciência não partisse do
pressuposto do determinismo, seria impossível estabelecer qualquer lei. A física, a química, a
biologia se constituíram em ciências ao longo dos três últimos séculos procurando descobrir
as relações constantes e necessárias entre os fenômenos. Não haveria conhecimento científico
se tudo fosse contingente, isto é, pudesse acontecer ora de uma forma, ora de outra. Já no
século XVIII, os materialistas franceses D'Holbach e La Mettrie explicam os atos humanos
como simples elos de uma cadeia causal universal, o físico Laplace resumiu assim esse
determinismo: "Um calculador divino, que conhecesse a velocidade e a posição de cada
partícula do universo num dado momento, poderia predizer todo o curso futuro dos
acontecimentos na infinidade do tempo".
No século XIX, o positivismo, na ânsia de aplicar o mesmo método das ciências da natureza
às ciências humanas, estende a estas o determinismo, considerando a escolha livre uma mera
45
ilusão. Hippolyte Taine (1828 -1893) tornou-se conhecido, sobretudo pelas leis da sociologia,
segundo as quais toda vida humana social se explicaria por três fatores:
- a raça, que é a grande força biológica dos caracteres hereditários determinantes do
comportamento do indivíduo;
- o meio, pelo qual o indivíduo se acha submetido aos fatores geográficos (como o clima, por
exemplo), bem como ao ambiente sócio-cultural e às ocupações cotidianas da vida;
- o momento, pelo qual o indivíduo é fruto da época em que vive, estando subordinado a uma
determinada maneira de pensar característica do seu tempo.
O pressuposto do pensamento de Taine é o determinismo, pois o ato humano não é livre, já
que é causado por esses fatores e deles não pode escapar.
7.2. TEORIA DA LIBERDADE INCONDICIONAL OU INDETERMINISMO
Contrapondo-se ao determinismo, há teorias que enfatizam a possibilidade da liberdade
humana absoluta, do livre-arbítrio, segundo o qual o homem tem o poder de escolher um ato
ou não, independentemente das forças que o constrangem. Segundo essa perspectiva, ser livre
é decidir e agir como se quer, sem qualquer determinação causal, quer seja exterior (ambiente
em que se vive), quer seja interior (desejos, caráter).
Mesmo admitindo que tais forças existam, o ato livre pertence a uma esfera independente em
que se perfaz a liberdade humana. Ser livre é, portanto, ser incausado. Bossuet (séc. XVII), no
Tratado sobre o livre -arbítrio, diz o seguinte: "Por mais que eu procure em mim a razão que
me determina, mais sinto que eu não tenho nenhuma outra senão apenas a minha vontade:
sinto aí claramente minha liberdade, que consiste unicamente em tal escolha. É isto que me
faz compreender que sou feito à imagem de Deus".
ATIVIDADES
1. Nos quadrinhos abaixo é possível identificar tanto ideias das teorias que defendem o
“determinismo” quanto das teorias que defendem a “liberdade incondicional”. Analise
os quadrinhos abaixo identificando em qual deles é defendido o “determinismo” e em
qual é defendido a “liberdade incondicional”. Justifique suas análises.
A)
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B)
2. Analisando a charge abaixo é possível dizer que a publicidade seja capaz de
determinar as ações e escolhas das pessoas? Justifique tomando por base a situação
mostrada na charge.
7.3. LIBERDADE OU DETERMINISMO?
Mas afinal de contas, o homem é totalmente determinado ou totalmente indeterminado? Quais
teorias estão certas as que explicam o comportamento humano por relações causa-efeito ou as
que dizem que o homem é completamente livre? Parece que ambas as teorias tem um pouco
de razão, mas as duas também parecem exagerar. Parece que conciliar o determinismo com o
indeterminismo é a atitude mais acertada. Pensemos na seguinte situação. O homem nas
sociedades primitivas ao se encontrar ameaçado pela natureza viu que havia necessidades de
abrigo para ele se proteger. Ou seja, utilizar abrigos para se proteger foi uma determinação da
natureza, a natureza é a causa que leva o homem a construir uma moradia. No entanto, a
forma como o homem vai criar esse abrigo varia de região para região, de tribo para tribo.
Alguns podem utilizar cavernas para moradia, outros podem construir elas com palha, outros
com bambu.
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Se construir um abrigo é algo determinado pela natureza, a forma como irei construí-lo e
depois organizar a aldeia é um ato livre. Podemos dizer que tal ato é livre, pois não está
programada na natureza humana a forma como os homens devem construir seus abrigos. O
mesmo não acontece com os animais, seu comportamento é todo programado pela natureza.
Vejamos o caso de uma famosa ave brasileira o “joão-de-barro”. Este pássaro é famoso por
construir seus ninhos de barro no formato de um forno. O joão-de-barro independente do local
que ele esteja ele vai sempre construir seus ninhos da mesma forma, utilizando o mesmo
material. Além disso, o joão-de-barro não precisa ser ensinado como construir o seu ninho, ele
já é determinado pela natureza a construí-lo, ele age instintivamente e não há espaço para agir
de outra forma.
Vemos na história da filosofia uma variedade de autores que tentaram conciliar a liberdade
com o determinismo, vejamos um deles, o francês Jean-Jacques Rousseau (1772-1778). O
filósofo francês observa que várias das atividades do nosso corpo ocorrem independentes de
nossa vontade. Pensemos no caso do espirro, é uma atividade totalmente involuntária, uma
determinação da natureza, onde nosso organismo pretende expulsar um corpo estranho. No
entanto, mesmo a natureza nos determinando buscamos agir contra ela várias vezes. Pense
numa pessoa que sempre quando come determinada comida tem uma irritação no estômago.
A natureza dá uma determinação a essa pessoa, não coma determinada comida, pois não fará
bem a você. No entanto, essa pessoa mesmo sabendo desse problema insiste em contrariar os
sinais que o seu corpo lhe dá e continua comendo tal comida. A liberdade humana se
manifesta então nessa atitude de poder agir contrariando aquilo que a natureza determina. Mas
é claro, essa liberdade tem sempre um limite. Ninguém é livre para parar o coração e depois
ligá-lo de novo, no entanto somos livres para comer uma comida não saudável mesmo a
natureza determinando que não a comamos.
7.4. MATERIALISMO HISTÓRICO: AS DETERMINAÇÕES MATERIAIS DA VIDA
HUMANA
O problema liberdade-determinismo também foi
estudado pelo filósofo alemão Karl Marx (1818-1883).
Marx buscou explicar que a base econômica da
sociedade é o elemento que determina a vida humana.
Ele fez isso por meio de sua teoria chamada de
“materialismo histórico”.
O materialismo histórico é a explicação da história por
fatores materiais, ou seja, econômicos e técnicos. Marx
inverte o processo do senso comum que pretende
explicar a história pela ação dos "grandes homens", ou,
às vezes, até pela intervenção divina. Para o marxismo,
no lugar das ideias, estão os fatos materiais; no lugar dos
heróis, a luta de classes. Em outras palavras, o que Marx explicitou foi que, embora possamos
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tentar compreender e definir o homem pela consciência, pela linguagem, pela religião, o que
fundamentalmente o caracteriza é a forma pela qual reproduz suas condições de existência.
Para Marx , a sociedade se estrutura em níveis.
O primeiro nível, chamado de infra-estrutura, constitui a base econômica (que é
determinante, segundo a concepção materialista). Engloba as relações do homem com a
natureza, no esforço de produzir a própria existência, e as relações dos homens entre si. Ou
seja, as relações entre os proprietários e não-proprietários, e entre os não-proprietários e os
meios e objetos do trabalho.
O segundo nível, político-ideológico, é chamado de superestrutura. É constituído:
a) pelo aparato jurídico-político representada pelo Estado e pelo direito: segundo Marx, a
relação de exploração de classe no nível econômico repercute na relação de dominação
política, estando o Estado a serviço da classe dominante.
b) pelo aparto ideológico referente às formas da consciência social, tais como a religião, as
leis, a educação, a literatura, a ciência, a arte etc. Também nesse caso ocorre a sujeição
ideológica da classe dominada, cuja cultura e modo de vida reflete as idéias e os valores da
classe dominante.
Vamos exemplificar como a infra-estrutura determina a superestrutura, comparando valores
de dois diferentes períodos da história.
A moral medieval valoriza a coragem e a ociosidade da nobreza ocupada com a guerra, bem
como a fidelidade, que é a base do sistema de suserania e vassalagem; do ponto de vista do
direito, num mundo cuja riqueza é a posse de terras, considera-se ilegal (e imoral) o
empréstimo a juros. Já na Idade Moderna, com o advento da burguesia, o trabalho é
valorizado e, consequentemente, critica-se a ociosidade; também ocorre a legalização do
sistema bancário, o que exige a revisão das restrições morais aos empréstimos. A religião
protestante confirma os novos valores por meio da doutrina da predestinação, considerando o
enriquecimento um sinal da escolha divina.
Conforme os exemplos, as manifestações da superestrutura (no caso, moral e direito) são
determinadas pelas alterações da infra-estrutura decorrentes da passagem econômica do
sistema feudal para o capitalista. Portanto, para estudar a sociedade não se deve, segundo
Marx, partir do que os homens dizem, imaginam ou pensam, e sim da forma como produzem
os bens materiais necessários à sua vida. Analisando o contrato que os homens estabelecem
com a natureza para transformá-la por meio do trabalho e as relações entre si é que se
descobre como eles produzem sua vida e suas ideias.
No entanto, essas determinações não são eternas: ao tomar conhecimento das contradições, o
homem pode agir ativamente sobre aquilo que o determina. Ou seja, é porque o homem é livre
que ele pode revolucionar a infra-estrutura que determina o seu modo de vida.
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ESTUDO DIRIGIDO
- Leia e interprete o texto abaixo de Karl Marx para poder responder as questões.
Prefácio à Contribuição à crítica da economia política
Nas minhas pesquisas cheguei à conclusão de que as relações jurídicas - assim como as formas
de Estado- não podem ser compreendidas por si mesmas, nem pela dita evolução geral do
espírito humano, inserindo-se pelo contrário nas condições materiais de existência [..]; por seu
lado, a anatomia1 da sociedade civil deve ser procurada na economia política. (.)
A conclusão geral a que cheguei e que, uma vez adquirida, serviu de fio condutor dos meus
estudos, pode formular-se resumidamente assim: na produção social da sua existência, os
homens estabelecem relações determinadas, necessárias, independentes da sua vontade, relações
de produção que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forças
produtivas materiais. O conjunto destas relações de produção constitui a estrutura econômica
da sociedade, a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e à
qual correspondem determinadas formas de consciência social. O modo de produção da vida
material condiciona o desenvolvimento da vida social, política e intelectual em geral. Não é a
consciência dos homens que determina o seu ser; é o seu ser social que, inversamente,
determina a sua consciência.
Em certo estágio de desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em
contradição com as relações de produção existentes ou, o que é a sua expressão jurídica, com as
relações de propriedade no seio das quais se tinham movido até então. De formas de
desenvolvimento das forças produtivas, estas relações transformam-se no seu entrave2. Surge
então uma época de revolução social. A transformação da base econômica altera, mais ou
menos rapidamente, toda a imensa superestrutura. (Karl Marx)
1Anatomia: exame detalhado.
2Entrave: barreira.
1. Explique o papel da produção da existência material nas sociedades humanas?
2. O quê determina a consciência dos homens?
3. Explique o quê é a estrutura econômica da sociedade.
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8. O TRABALHO
A concepção de trabalho sempre esteve predominantemente ligada a uma visão negativa. Na
Bíblia, Adão e Eva vivem felizes até que o pecado provoca sua expulsão do Paraíso e a
condenação ao trabalho com o "suor do seu rosto". A Eva coube também o "trabalho" do
parto. A etimologia da palavra trabalho vem do vocábulo latino tripaliare, do substantivo
tripalium, aparelho de tortura formado por três paus, ao qual eram atados os condenados, e
que também servia para manter presos os animais difíceis de ferrar. Daí a associação do
trabalho com tortura, sofrimento, pena, labuta.
Na Antiguidade grega, todo trabalho manual é desvalorizado por ser feito por escravos,
enquanto a atividade teórica, considerada a mais digna do homem, representa a essência
fundamental de todo ser racional. Para Platão, por exemplo, a finalidade dos homens livres é
justamente a "contemplação das idéias". Também na Roma escravagista o trabalho era
desvalorizado. É significativo o fato de a palavra negocium indicar a negação do ócio: ao
enfatizar o trabalho como "ausência de lazer", distingue-se o ócio como prerrogativa dos
homens livres.
Na Idade Média, Santo Tomás de Aquino procura reabilitar o trabalho manual, dizendo que
todos os trabalhos se equivalem, mas, na verdade, a própria construção teórica de seu
pensamento, calcada na visão grega, tende a valorizar a atividade contemplativa. Muitos
textos medievais consideram a ars mechanica (arte mecânica) uma ars inferior.
Na Idade Moderna, a situação começa a se alterar: o crescente interesse pelas artes mecânicas
e pelo trabalho em geral justifica-se pela ascensão dos burgueses, vindos de segmentos dos
antigos servos que compravam sua liberdade e dedicavam-se ao comércio, e que portanto
tinham outra concepção a respeito do trabalho.
Vemos essa nova concepção de trabalho na filosofia do inglês John Locke (1632-1704). O
trabalho não é mais visto como uma atividade de escravos, e sim como uma atividade de
homens livres. Por meio do trabalho o homem modifica a natureza e estabelece a propriedade
privada, delimitando aquilo que é seu do que é dos outros.
O texto a seguir de John Locke vai nos permitir compreender melhor essa nova concepção de
trabalho que surge na modernidade.
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ESTUDO DIRIGIDO
- O texto abaixo é um trecho do livro Dois tratados sobre o governo civil, de John Locke. Leia e
interprete para responder as questões.
Ainda que a terra e todas as criaturas inferiores pertençam em comum a todos os homens, cada um
guarda a propriedade de sua própria pessoa; sobre esta ninguém tem qualquer direito, exceto ela.
Podemos dizer que o trabalho de seu corpo e a obra produzida por suas mãos são propriedade sua.
Sempre que ele tira um objeto do estado em que a natureza o colocou e deixou, mistura nisso o seu
trabalho e a isso acrescenta algo que lhe pertence, por isso o tornando sua propriedade. Ao remover
este objeto do estado comum em que a natureza o colocou, através do seu trabalho adiciona-lhe algo
que excluiu o direito comum dos outros homens. Sendo este trabalho uma propriedade
inquestionável do trabalhador, nenhum homem, exceto ele, pode ter o direito ao que o trabalho lhe
acrescentou, pelo menos quando o que resta é suficiente aos outros, em quantidade e em qualidade.
Aquele que se alimentou com frutos que colheu sob um carvalho, ou das maçãs que retirou das
árvores na floresta, certamente se apropriou deles para si. Ninguém pode negar que a alimentação é
sua. Pergunto então: Quando começaram a lhe pertencer? Quando os digeriu? Quando os comeu?
Quando os cozinhou? Quando os levou para casa? Ou Quando os apanhou? E é evidente que se o
primeiro ato de apanhar não os tornasse sua propriedade, nada mais poderia fazê-lo. Aquele trabalho
estabeleceu uma distinção entre eles e o bem comum; ele lhes acrescentou algo além do que a
natureza, a mãe de tudo, havia feito, e assim eles se tornaram seu direito privado. Será que alguém
pode dizer que ele não tem direito àqueles frutos do carvalho ou àquelas maçãs de que se apropriou
porque não tinha o consentimento de toda a humanidade para agir dessa forma? Poderia ser
chamado de roubo a apropriação de algo que pertencia a todos em comum? Se tal consentimento
fosse necessário, o homem teria morrido de fome, apesar da abundância que Deus lhe proporcionou.
Sobre as terras comuns que assim permanecem por convenção, vemos que o fato gerador do direito
de propriedade, sem o qual essas terras não servem para nada, é o ato de tomar uma parte qualquer
dos bens e retirá-la do estado em que a natureza a deixou. E este ato de tomar esta ou aquela parte
não depende do consentimento expresso de todos. Assim, a grama que meu cavalo pastou, a relva
que meu criado cortou, e o ouro que eu extraí em qualquer lugar onde eu tinha direito a eles em
comum com outros, tornaram-se minha propriedade sem a cessão ou o consentimento de ninguém.
O trabalho de removê-los daquele estado comum em que estavam fixou meu direito de propriedade
sobre eles.
[...] Quando Deus deu o mundo em comum a toda a humanidade, também ordenou que o homem
trabalhasse, e a penúria de sua condição exigia isso dele. Deus e sua razão ordenaram- lhe que
submetesse a terra, isto é, que a melhorasse para beneficiar sua vida, e, assim fazendo, ele estava
investindo uma coisa que lhe pertencia: seu trabalho. Aquele que, em obediência a este comando
divino, se tornava senhor de uma parcela de terra, a cultivava e a semeava, acrescentava-lhe algo
que era sua propriedade, que ninguém podia reivindicar nem tomar dele sem injustiça.
(Locke, John. Dois tratados sobre o governo civil)
1. Como Locke explica o surgimento da propriedade privada?
2. Para Locke, o surgimento da propriedade privada depende de um contrato entre
todos os homens? Sim ou não? Justifique.
3. De acordo com o texto, qual foi o comando divino dado ao homem? Quais vantagens
teriam as pessoas obedientes a tal comando?
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8.1. TRABALHO E ALIENAÇÃO
Nas sociedades modernas onde foi implantando o sistema capitalista o trabalho não se
configurou como uma atividade de homens livres. Embora seja propagandeado que o contrato
de trabalho seja um contrato livremente firmado entre as partes, isto é patrão e empregado, o
operário não escolhe o horário nem o ritmo de trabalho e passa a ser comandado de fora, por
forças estranhas a ele. Por ser muitas vezes a única opção que o operário tem para não passar
fome, ele se submete a tais condições. Além disso, o trabalho não se mostrou um meio para a
produção da propriedade privada para o trabalhador. Quanto mais o trabalhador trabalha,
maior se torna a propriedade privada de seus patrões. É nesse contexto que Karl Marx (1818-
1883) desenvolve sua teoria sobre a alienação do trabalho.
Etimologicamente a palavra alienação vem do latim alienare, alienas, que significa "que
pertence a um outro". E outro é alienus. Sob determinado aspecto, alienar é tornar alheio,
transferir para outrem o que é seu. Para Marx a alienação por meio do trabalho ocorre de dois
modos diferentes.
Em primeiro lugar, os trabalhadores, como classe social, vendem sua força de trabalho aos
proprietários do capital (donos das terras, das indústrias, do comércio, dos bancos, das
escolas, dos hospitais, das frotas de automóveis, de ônibus ou de aviões, etc.). Vendendo sua
força de trabalho no mercado da compra e venda de trabalho, os trabalhadores são
mercadorias e, como toda mercadoria, recebem um preço, isto é, o salário. Entretanto, os
trabalhadores não percebem que foram reduzidos à condição de coisas que produzem coisas;
não percebem que foram desumanizados e coisificados.
Em segundo lugar, os trabalhos produzem alimentos (pelo cultivo da terra e dos animais),
objetos de consumo (pela indústria), instrumentos para a produção de outros trabalhos
(máquinas), condições para a realização de outros trabalhos (transporte de matérias-primas, de
produtos e de trabalhadores). A mercadoria trabalhador produz mercadorias. Estas, ao
deixarem as fazendas, as usinas, as fábricas, os escritórios e entrarem nas lojas, nas feiras, nos
supermercados, nos shoppings centers parecem ali estar porque lá foram colocadas (não
pensamos no trabalho humano que nelas está cristalizado e não pensamos no trabalho humano
realizado para que chegassem até nós) e, como o trabalhador, elas também recebem um preço.
O trabalhador olha os preços e sabe que não poderá adquirir quase nada do que está exposto
no comércio, mas não lhe passa pela cabeça que foi ele, não enquanto indivíduo e sim como
classe social, quem produziu tudo aquilo com seu trabalho e que não pode ter os produtos
porque o preço deles é muito mais alto do que o preço dele, trabalhador, isto é, o seu salário.
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Apesar disso, o trabalhador pode, cheio de orgulho, mostrar aos outros as coisas que ele
fabrica, ou, se comerciário, que ele vende, aceitando não possuí-las, como se isso fosse muito
justo e natural. As mercadorias deixam de ser percebidas como produtos do trabalho e passam
a ser vistas como bens em si e
por si mesmas (como a propaganda as mostra e oferece).
Na primeira forma de alienação econômica, o trabalhador está separado de seu trabalho – este
é alguma coisa que tem um preço; é um outro (alienus), que não o trabalhador. Na segunda
forma da alienação econômica, as mercadorias não permitem que o trabalhador se reconheça
nelas. Estão separadas dele, são exteriores a ele e podem mais do que ele. As mercadorias são
igualmente um outro, que não o trabalhador.
8.2. O CULTO AO TRABALHO
Apesar de teorias como as de Marx mostrarem como ocorre o processo de alienação do
trabalho nas sociedades capitalistas vivemos uma época em que o “culto ao trabalho”
prevalece. A quantidade de empregos ofertados no ano é visto como um critério para se
avaliar o progresso das sociedades, as pessoas bem sucedidas são as que trabalham. Ter tempo
disponível para não trabalhar é um luxo destinado a poucos. Se submeter a condições
degradantes ainda é visto como algo melhor do que não ter um trabalho.
De um lado temos o aumento de doenças causadas por stress no trabalho, por outro lado
temos a repetição de bordões como o “trabalho dignifica o homem”. Quem faz perguntas
demais sobre a forma como é realizado esse culto ao trabalho, é visto com maus olhos, ou é
um preguiçoso ou um baderneiro.
Apesar de a cada ano serem produzidas novas tecnologias que dispensam o homem de
trabalhar, ainda é mantido o discurso: “Trabalhar é preciso!”, ou como diziam as placas nos
campos de concentração nazistas, “O trabalho liberta!”.