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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PIAUÍ MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL EXMO. SR. DR. JUIZ FEDERAL DA VARA FEDERAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DO PIAUÍ O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PIAUÍ e o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por intermédio de seus representantes infra-assinados, fundamentados nos arts. 129, III e 225, caput da Constituição Federal, arts. 1º, I e 5º, I e § 5º da Lei nº 7.347/85; art. 25, IV da Lei nº 8.625/93, vêm à presença de Vossa Excelência propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARA IMPOSIÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER, com pedido de ANTECIPAÇÃO DE TUTELA, contra o ESTADO DO PIAUÍ , pessoa jurídica de direito público, inscrito no CNPJ sob o número 06.553.481/0001-49, com endereço para citação na sede Procuradoria Geral do Estado do Piauí, na Av. Senador Área Leão, 1650, Jockey Club, nesta Cidade, INSTITUTO BRASILEIRO DE MEIO AMBIENTE E RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS, pessoa jurídica de direito público, CNPJ sob o número 03.659.166/0001-02, com endereço para citação à Avenida Homero Castelo branco, 2240, Jóquei Clube, Teresina/PI, e SUZANO PAPEL E CELULOSE S.A, pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ sob o número 16.404.287/0001-55, com endereço para citação na Av. Professor Magalhães Neto, 1752, 2º andar, salas 206, 207 e 208, Pituba, Salvador-BA, pelos fatos e fundamentos a seguir expendidos:

EXMO. SR. DR. JUIZ FEDERAL DA VARA FEDERAL DA … SUZANO.pdf · A Empresa Suzano Papel e Celulose S.A iniciou, em julho de 2007, estudos ... sulfúrico, sulfato de magnésio, sulfito

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PIAUÍMINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

EXMO. SR. DR. JUIZ FEDERAL DA VARA FEDERAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DO PIAUÍ

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PIAUÍ e o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por intermédio de seus representantes infra-assinados,

fundamentados nos arts. 129, III e 225, caput da Constituição Federal, arts. 1º, I e 5º, I

e § 5º da Lei nº 7.347/85; art. 25, IV da Lei nº 8.625/93, vêm à presença de Vossa

Excelência propor a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARA IMPOSIÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER, com pedido de ANTECIPAÇÃO DE TUTELA,

contra o ESTADO DO PIAUÍ, pessoa jurídica de direito público, inscrito no

CNPJ sob o número 06.553.481/0001-49, com endereço para citação na sede

Procuradoria Geral do Estado do Piauí, na Av. Senador Área Leão, 1650, Jockey Club,

nesta Cidade, INSTITUTO BRASILEIRO DE MEIO AMBIENTE E RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS, pessoa jurídica de direito público, CNPJ sob o número

03.659.166/0001-02, com endereço para citação à Avenida Homero Castelo branco,

2240, Jóquei Clube, Teresina/PI, e SUZANO PAPEL E CELULOSE S.A, pessoa

jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ sob o número 16.404.287/0001-55, com

endereço para citação na Av. Professor Magalhães Neto, 1752, 2º andar, salas 206,

207 e 208, Pituba, Salvador-BA, pelos fatos e fundamentos a seguir expendidos:

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1. DOS FATOS

A Empresa Suzano Papel e Celulose S.A iniciou, em julho de 2007, estudos

para implantação de novos centros de produção de celulose de eucalyptus para o

mercado, os quais indicaram a implantação de unidades no Nordeste brasileiro, sendo

uma no estado do Piauí, no Município de Palmeirais.

Esta fábrica tem como previsão a produção de 1.500.000 (um milhão e

quinhentas mil) toneladas por ano de celulose branqueada de eucalipto e geração de

500.000 (quinhentas mil) toneladas por ano de papel. Afora isso, utilizará como

matéria-prima básica, aproximadamente, 5,5 (cinco e meio) milhões de metros cúbicos

de eucalipto por ano e ocupará área de terreno total estimada em 25.000.000 (vinte e

cinco milhões) de metros quadrados. Além da madeira, serão utilizados outros

insumos, como exemplo: oxigênio, hidróxido de sódio, peróxido de hidrogênio, ácido

sulfúrico, sulfato de magnésio, sulfito de sódio, metanol, clorato de sódio, cal virgem,

sulfato de alumínio, amidos, carbonato de cálcio, dentre outros. Muitas das fazendas

de eucaliptos no Estado do Piauí já se encontram em funcionamento.

Estreme de dúvidas, o empreendimento é uma atividade industrial,

pertencente ao ramo de atividades de produção industrial de Celulose e Papel,

classificada de acordo com a CNAE-IBGE (Classificação Nacional de Atividades

Econômicas – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) como 17.10 – Indústria de

Papel e Papelão, conforme Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto

Ambiental (EIA/RIMA) apresentado à Secretaria Estadual de Meio Ambiente. Logo, é

atividade considerada efetiva ou potencialmente poluidora, nos termos do Anexo I da

Resolução CONAMA nº 237/97, sujeitando-se ao licenciamento ambiental.

O empreendimento planeja suas futuras instalações a uma distância

aproximada de 03 (três) quilômetros do Rio Parnaíba, inclusive com captação de água

deste na ordem de 168.000 m³/dia (cento e sessenta e oito mil metros cúbicos ao

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dia) que equivale a aproximadamente 62 (sessenta e duas) piscinas olímpicas. Afora isso, haverá deposição de efluentes tratados da fábrica nas águas do Rio Parnaíba, nos municípios de Palmerais no Estado do Piauí e Parnarama no Estado do Maranhão.

O licenciamento ambiental do empreendimento já cursa na Secretaria

Estadual de Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos - SEMAR, inclusive já tendo sido

realizadas Audiências Públicas nos municípios de Palmeirais e Teresina nos dias 05 e

06/05/11, respectivamente. Contudo, apesar de necessária, não foi realizada qualquer

audiência pública no Município de Parnarama/MA, aliás o Poder Público do Maranhão

nem ao menos foi comunicado da implantação do empreendimento.

Outrossim, no que pertine à expedição de licenças ambientais pelo Órgão

Ambiental Estadual, não se dispõe de informações sobre a concessão destass em

favor do empreendimento em comento. Entretanto, caso estas tenham sido expeditas,

faz-se necessário a sua anulação, face a incompetência administrativa da Secretaria

Estadual do Meio Ambiente.

È oportuno se deter forma pontual e minuciosa sobre a responsabilidade

pelo licenciamento ambiental do empreendimento Suzano Papel e Celulose S.A ser

conduzido pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais

Renováveis – IBAMA, e não da SEMAR, uma vez que os impactos ambientais diretos

ultrapassam os limites territoriais do Estado do Piauí, pois o efluente mesmo que

tratado será diretamente lançado no Rio Parnaíba, e em caso de acidente ambiental

provocado pela indústria, as conseqüências do dano incidirão sobre toda a população

a jusante da unidade fabril, portanto sobre aqueles que vivem no Piauí e no Maranhão.

2. DA PRELIMINAR AO MÉRITO

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No direito ambiental a responsabilidade que resulta dos danos causados ao

meio ambiente é objetiva, independente da comprovação de culpa, da mesma forma

que é solidária.

Infere-se a objetividade da responsabilidade civil pelo dano ambiental

através do art. 14, § 1° da Lei federal 6.938/81 (lei que institui a Política Nacional do

Meio Ambiente) c/c art. 225, §3° da Constituição Federal. Já a solidariedade

fundamenta-se nos art. 3°, IV da Lei 6.938/81 c/c art. 942 do Código Civil. Assim, com

fundamento nas normas ora apontadas, constatado o nexo causal entre a ação e a

omissão daquele que causou o dano ao meio ambiente, surge, objetiva e

solidariamente, o dever de repará-lo.

Ademais, especialmente, há que se firmar a legitimidade do IBAMA para

figurar no pólo passivo da presente Ação Civil Pública, vez que este agiu com omissão

na assunção da condução do licenciamento ambiental da Unidade Fabril da Suzano

S.A, que, nos termos do art. 4º, incisos II e III, da Resolução n. 237 do Conselho

Nacional do Meio Ambiente, era sua por direito.

Com efeito, pela via administrativa, o Ministério Público Estadual do Piauí

requisitou do IBAMA posicionamento acerca da competência do licenciamento pela

SEMAR, diante dos impactos ambientais do empreendimento.

Em resposta à solicitação ministerial, o IBAMA limitou-se a encaminhar

cópia da Recomendação Técnica S/N/DICAF/IBAMA-PI (em anexo), relativo ao EIA e

RIMA do empreendimento Suzano Papel e Celulose S.A , informando que diante dos

estudos ambientais apresentados pelo empreendimento e com vistas a se compensar

as medidas mitigadoras identificadas, foram elencadas diversas condicionantes

ambientais para em conjunto com as demais apresentadas pela SEMAR, instruir o

processo de licenciamento, com vistas ao atendimento por parte da Suzano e posterior

apreciação para a emissão das respectivas licenças ambientais.

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Quanto à SEMAR, sua responsabilidade advém da condução ilegítima do

licenciamento ambiental.

No que tange à Suzano Papel e Celulose S.A, sua legitimidade passiva

surge das muitas inconsistência dos estudos ambientais (EIA/RIMA) apresentados,

especialmente nos pontos que mascaram a regionalidade do impacto ambiental do

empreendimento.

3. DO MÉRITO

3.1. DO IMPACTO AMBIENTAL REGIONAL

A Lei Federal nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, estabeleceu como um

dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente o licenciamento e a revisão

de atividades consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras, determinando que a

construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades

utilizadores de recursos ambientais, considerados efetiva ou potencialmente

poluidores, bem como os capazes, sob qualquer forma, de causar degradação

ambiental, dependerão de prévio licenciamento por órgão estadual competente,

integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, e do Instituto Brasileiro

do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, em caráter supletivo,

sem prejuízo de outras licenças exigíveis.

A competência para a realização do licenciamento ambiental leva em

consideração o grau do impacto, dividindo-os em intercontinental, nacional, regional,

intermunicipal e local, adotando o princípio da descentralização e predominância de

interesses.

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No presente caso, o IBAMA é o órgão ambiental legalmente investido de atribuição para o correto licenciamento ambiental do empreendimento, conforme se extrai do art. 4º, itens II e III, da Resolução n. 237 do Conselho Nacional do Meio Ambiente, que dispõe o seguinte:

Art. 4º - Compete ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recur-sos Naturais Renováveis - IBAMA, órgão executor do SISNAMA, o licen-ciamento ambiental a que se refere o artigo 10 da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, de empreendimentos e atividades com significativo im-pacto ambiental de âmbito nacional ou regional, a saber:I - [omissis]II - localizadas ou desenvolvidas em dois ou mais Estados;III - cujos impactos ambientais diretos ultrapassem os limites terri-toriais do País ou de um ou mais Estados; (grifou-se)

Conforme se constata dos estudos ambientais apresentados, o principal

argumento para o licenciamento ambiental do empreendimento Suzano Papel e

Celulose está sob a tutela do Órgão Estadual de meio ambiente reside no fato de que

o impacto ambiental alcança apenas o Estado do Piauí, e, portanto não ter alcance

regional, não havendo competência do IBAMA para tal licenciamento.

Tal alegativa não merece prosperar porque a área de influência direta do

empreendimento foi mal dimensionada pelo EIA/RIMA olvidando, propositadamente,

os impactos nas águas no Rio Parnaíba e em suas margens, conseqüentemente os

potenciais danos ambientais à população ribeirinha, não somente do Piauí, como

também do Maranhão.

Conceituando impacto ambiental, a Resolução CONAMA nº 01/86 dispõe

nos seguintes termos:

Artigo 1º - Para efeito desta Resolução, considera -se impacto ambiental qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia re-sultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam:

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I - a saúde, a segurança e o bem-estar da população; II - as atividades sociais e econômicas; III - a biota; IV - as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; V - a qualidade dos recursos ambientais.

In casu, conforme será exaustivamente demonstrado a seguir, o impacto

ambiental do empreendimento não é local, ao contrário, o impacto ambiental, nos

termos do art. 1º, III, da Resolução CONAMA nº 237/98, é regional, uma vez que o

mesmo atinge dois estados.

Referido dispositivo conceitua impacto regional nos seguintes termos:

Art. 1º - Para efeito desta Resolução são adotadas as seguintes defini-ções:III – Impacto Ambiental Regional: é todo e qualquer impacto ambi-ental que afete diretamente (área de influência direta do projeto), no todo ou em parte, o território de dois ou mais Estados.

Com efeito, os impactos do empreendimento devem ser avaliados também para os municípios de Timon, Parnarama, Matões, São Francisco do Maranhão e Barão de Grajaú, localizados na margem esquerda do Rio Parnaíba no Estado do Maranhão, pois serão afetados uma vez que a calha do rio não funciona como barreira para os impactos considerados no EIA/RIMA, quer estes sejam positivos, quer sejam negativos. Diversamente o leito do rio funciona como

um dispersor dos efluentes da unidade fabril, e caso haja algum vazamento atingirá

todos os municípios à jusante do empreendimento, estejam estes no Piauí ou no

Maranhão.

Ora, se o impacto ambiental ultrapassa o Estado do Piauí, alcançando

aqueles municípios maranhenses é patente que o impacto ambiental é regional, não

havendo como se dividir ou isolar os impactos ambientais, os quais alcançam ambos

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os lados do Rio Parnaíba, gerando, por via de conseqüência, a necessidade do

licenciamento ambiental ser conduzido pelo IBAMA, o qual deverá obrigatoriamente

ouvir os dois Estados.

Nesse mesmo sentido, colaciona-se os seguintes julgados:

ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESASSOREAMENTO DO RIO ITAJAÍ-AÇU. LICENCIAMENTO. COMPETÊNCIA DO IBAMA. INTERESSE NACIONAL.1. Existem atividades e obras que terão importância ao mesmo tempo para a Nação e para os Estados e, nesse caso, pode até haver duplicidade de licenciamento.2. O confronto entre o direito ao desenvolvimento e os princípios do direito ambiental deve receber solução em prol do último, haja vista a finalidade que este tem de preservar a qualidade da vida humana na face da terra. O seu objetivo central é proteger patrimônio pertencente às presentes e futuras gerações.3. Não merece relevo a discussão sobre ser o Rio Itajaí-Açu estadual ou federal. A conservação do meio ambiente não se prende a situações geográficas ou referências históricas, extrapolando os limites impostos pelo homem. A natureza desconhece fronteiras políticas. Os bens ambientais são transnacionais. A preocupação que motiva a presente causa não é unicamente o rio, mas, principalmente, o mar territorial afetado. O impacto será considerável sobre o ecossistema marinho, o qual receberá milhões de toneladas de detritos.Está diretamente afetada pelas obras de dragagem do Rio Itajaí-Açu toda a zona costeira e o mar territorial, impondo-se a participação do IBAMA e a necessidade de prévios EIA/RIMA. A atividade do órgão estadual, in casu, a FATMA, é supletiva. Somente o estudo e o acompanhamento aprofundado da questão, através dos órgãos ambientais públicos e privados, poderá aferir quais os contornos do impacto causado pelas dragagens no rio, pelo depósito dos detritos no mar, bem como, sobre as correntes marítimas, sobre a orla litorânea, sobre os mangues, sobre as praias, e, enfim, sobre o homem que vive e depende do rio, do mar e do mangue nessa região. (STJ - RECURSO ESPECIAL: REsp 588022 SC 2003/0159754-5).

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROVA. CONSTRUÇÃO DE USINA HIDRELÉTRICA EM RIO DE DOMÍNIO DA UNIÃO SITUADO EM TERRAS INDÍGENAS. ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL E RELATÓRIO DE IMPACTO AMBIENTAL. LICENCIAMENTO AMBIENTAL: COMPETÊNCIA DO IBAMA. DISPENSA DE LICITAÇÃO: ART. 24 DA LEI Nº 8.666/93.1. Não sendo apta a demonstrar os fatos, correta a sentença que indeferiu a produção de prova testemunhal, não havendo nulidade a ser reconhecida em face da ausência de prejuízo.

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2. O Estudo de Impacto Ambiental e o Relatório de Impacto Ambiental - EIA/RIMA deve ser realizado com intervenção do IBAMA quando se cuida de empreendimentos e atividades com significativo impacto ambiental, de âmbito nacional ou regional, que possam afetar terras indígenas ou bem de domínio da União (artigo 10, caput e § 4º, da Lei nº 6.938/81 c/c artigo 4º, I, da Resolução nº 237/97 do CONAMA).A dispensa de licitação prevista no artigo 24, XIII, da Lei nº 8.666/93 requer que a contratada detenha inquestionável reputação ético-profissional. (TRF1 - APELAÇÃO CIVEL: AC 5867 PA 2001.39.00.005867-6).

APELAÇÃO EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LICENCIAMENTO

AMBIENTAL. COMPETÊNCIA COMUM DA UNIÃO, DOS ESTADOS,

DO DISTRITO FEDERAL E DOS MUNICÍPIOS. ART. 235 DA CF/88.

SIGIFICATIVO IMPACTO AMBIENTAL NACIONAL OU REGIONAL. COMPETÊNCIA DO IBAMA. PARÁGRAFO 4º, ART. 10 DA LEI Nº 6.938/81 (REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 7.804/89). SENTENÇA

MANTIDA. (TRF5 - Apelação Civel: AC 436672 AL 0000612-

76.2004.4.05.8000).

Outrossim, conforme discorreremos, o próprio EIA/RIMA apresentado pela

Empresa Suzano Papel e Celulose S.A (cópia digitalizada em anexo), em diversos

trechos, demonstra a regionalidade do impacto do empreendimento.

O Volume III do EIA, às fls. 27/29, item 2.7 - Identificação e Avaliação de Impacto Ambiental, subitem 2.7.6.1.7 Alteração na característica das águas superficiais devido às obras do emissário e captação de água, menciona que:

Impacto ambiental potencial Alteração das características de qualidade do rio Parnaíba por solos re-movidos das margens, e intervenção em Área de Preservação Perma-nente - APP, para a construção da captação de água e emissário.Fator potencialmente gerador de impacto Extração de solos para construção da captação e emissário em APP, afetando a estabilidade do solo de APP e, por via de conseqüência, cau-sando turbidez no rio Parnaíba. Fundamentação técnica

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Na fase de implantação do empreendimento há necessidade executar a captação de água e o emissário de efluentes, nas margens do rio Parna-íba. Estas atividades são importantes para o empreendimento e tem grande porte em função das vazões envolvidas, sendo a captação de 7.500 m³/h e o efluente tratado de 6.500 m³/h. A captação de água demanda uma estrutura de porte, de forma a estar em cota acima de enchente, com platô para canal, gradeamento, caixa de areia e bombeamentos. O emissário subaquático necessita uma estação de controle no final do emissário terrestre para evitar entrada de ar no sistema.Estas obras necessitam escavações e construção de valas nas margens e no próprio fundo do rio Parnaíba, de forma que o solo será removido do local para esta implantação. Neste momento de remoção de solo das margens ocorrerá perda de só-lidos para o rio causando turbidez local, o que poderá alterar a qualidade atual do rio que se apresenta com valor médio de turbidez de 9 NTU, abaixo da resolução CONAMA 357/05 que estabelece padrão máximo de 100 NTU, portanto haverá um impacto local. Ressalta-se que este impacto pode afetar também a fauna aquática lo-cal neste ponto, assim como estas obras irão alterar a paisagem típica de margem de rio, pela estruturas de concreto propostas. As obras poderão também afetar temporariamente a navegação e pesca no local proposto. Atualmente há pouca movimentação de bar-cos e pesca no local. O controle adequado das escavações, a execução em rápido tempo, assim como minimizando a retirada de solo local, com o destino adequado deste solo, minimizará os possíveis impactos ambi-entais.Outro aspecto a ser considerado refere-se à contaminação do rio por vazamento/derramamento acidental de combustíveis, lubrifi-cantes, óleos e graxas ou outro produto líquido qualquer que venha a ser usado nos veículos e equipamentos durante a obra. Toda ati-vidade que venha a lidar com produtos líquidos que causem riscos ao ambiente serão feitas dentro de procedimentos de segurança e prevenção de acidentes. O impacto visual da paisagem não será mitigável. Os impactos são de caráter negativo em termos de efeitos ambientais, sendo de razoável magnitude, mas minimizados por atender todas as exigências legais e constar no Programa de Gerenciamento de Resí-duos Sólidos. (Grifo nosso).

Portanto, é observado que a caracterização deste impacto, também afetará o meio ambiente e a população dos municípios de Matões (MA), Parnarama (MA) e Timon (MA), localizados na margem leste do Rio Parnaíba.

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Seguidamente, o Volume III do EIA/RIMA menciona, às fls. 46, item 2.7 -

Identificação e Avaliação de Impacto Ambiental, subitem 2.7.6.3.7 Interferência na

navegação de barcos para transporte, turismo e pesca, que:

Impacto ambiental potencial Risco de acidentes de barcos para transporte, turismo e pesca.Fator potencialmente gerador de impacto Obra de construção do emissário.Fundamentação técnica Próximo à construção do emissário, o rio Parnaíba é usado para pe-quena navegação de barcos para transporte e pesca. Durante a fase de implantação deverá haver uma restrição local destes bar-cos em parte do rio, pois o emissário será localizado próximo as margens do Parnaíba. Verifica-se que o emissário deverá ter uma extensão de 80 metros, sen-do 30 metros difusores. O rio possui uma largura de aproximadamente 230 metros no local. (Grifo nosso).

No trecho acima mencionado do EIA/RIMA, percebe-se que a

navegabilidade do rio será comprometida nas proximidades das margens onde será

instalado o emissário, portanto, caracterizando impacto ambiental na modalidade

regional.

Por seu turno, o mesmo Volume III do EIA menciona, às fls. 67, item 2.7.7 Fase de Operação, subitem 2.7.7.2.2 Alteração na estrutura das comunidades aquáticas, informa ainda:

Impacto ambiental potencial Modificação da estrutura das comunidades aquáticas (abundância e composição de espécies). Fator potencialmente gerador de impacto O lançamento de efluentes, mesmo tratados, nas águas do rio Par-naíba pode possibilitar um aumento local das concentrações de matéria orgânica e de outros parâmetros químicos e físicos dessas águas. Fundamentação técnica Os efluentes gerados na operação da unidade industrial, tratados e cla-rificados, serão lançados nas águas do rio Parnaíba.

Ainda no mesmo EIA/RIMA, volume III, nas tabelas 2.7.8-1 (Impactos da Fase de Planejamento – Meio Físico/Biótico e Socioeconômico), 2.7.8-2

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(Impactos da Fase de Implantação – Meio Físico/Biótico e Socioeconômico) e 2.7.8-3 (Impactos da Fase de Operação – Meio Físico/Biótico e Socioeconômico) ,

cujas cópias seguem em anexo com o devido destaque, são descritos um total de 30

(trinta) impactos ambientais a serem gerados pelo empreendimento, cuja extensão

demonstra que o licenciamento se enquadra na modalidade REGIONAL. Pela

importância das informações vale mencionar as que mais se destacam:

• Alteração na característica do solo e das águas superficiais e

subterrâneas devido à disposição inadequada de resíduos gerada pela

alteração na característica do solo e das águas superficiais e subterrâneas

devido à disposição inadequada de resíduos.

• Alteração da qualidade no rio Parnaíba, gerada pela não-instalação

de Estação de Tratamento de Efluentes temporária ou operação

inadequada da mesma, bem como na hipótese de disposição do efluente

tratado no rio Parnaíba.

• Alteração na característica das águas superficiais devido às obras do

emissário, gerada pela extração de solos para construção de captação e

emissário em APP, afetando a estabilidade do solo de APP e, por via de

conseqüência, causando turbidez ao rio Parnaíba.

• Interferência na navegação de barcos para transporte, turismo e

pesca, gerada pela obra de construção do emissário.

• Uso conflitivo da água, gerada pela alteração na quantidade de água

no rio Parnaíba para abastecimento de fábrica.

Ocorre que, apesar de o empreendedor destacar os diversos impactos

ambientais negativos com extensão regional, após a aplicação das medidas

mitigadoras, define o grau de resolução das medidas, em sua maioria, com o valor

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“alto” e “médio” [vide tabelas 2.7.8-1 (Impactos da Fase de Planejamento – Meio

Físico/Biótico e Socioeconômico), 2.7.8-2 (Impactos da Fase de Implantação – Meio

Físico/Biótico e Socioeconômico) e 2.7.8-3 (Impactos da Fase de Operação – Meio

Físico/Biótico e Socioeconômico), em anexo], em uma clara tentativa de

descaracterizar e afastar a regionalidade do impacto ambiental.

Outrossim, tal forma de projeção da extensão do impacto ambiental, isto é,

a delimitação do mesmo após a aplicação das medidas mitigadoras, é forma

desvirtuada de cálculo do alcance territorial dos danos ambientais.

Com efeito, o impacto ambiental deve ser delimitado sem a aplicação da medida mitigadora, de forma que, eliminada hipoteticamente a medida, avalie-se o impacto em todas suas formas de caracterização.

A fim de ilustrar o exposto acima, cabe deixar consignado que, às fls. 99, do

volume III do EIA, a própria empresa admite a existência do impacto “alteração da

qualidade no rio Parnaíba”, de extensão “regional” e que tem como “fato gerador” a

“disposição de efluente, tratado no rio Parnaíba”, em seguida aplica-se a medida

mitigadora “tratar o efluente da fase de operação para lançamento no rio Parnaíba de

acordo com a legislação vigente” e outras, tendo essas medidas uma possibilidade

mitigadora apenas de grau “média”.

A elaboração do EIA/RIMA tem como metodologia a análise primeira dos

impactos ambientais anteriormente à aplicação das medidas mitigadoras;

posteriormente analisa-se novamente os impactos, dessa vez acrescidos das medidas

mitigadoras. Esta última análise tem como escopo constatar o grau de eficiência das

medidas aplicáveis para a atenuação dos potenciais impactos ao meio ambiente. Dito

isso, analisados os impactos da atividade sub oculi, volta-se para a medida mitigadora

que é a instalação de Estação de Tratamento de Efluentes (ETE).

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A observação supra ilustra bem o entendimento que aqui se defende: a extensão dos impactos deve ser avaliada de forma isolada e independente da medida mitigadora, vez que não se tem a certeza de que a mesma sugerida alcançará a eficácia planejada no controle da poluição ambiental. Trata-se de

metodologia adotada sempre pelos experts quando da produção de qualquer

EIA/RIMA, conforme dispõe o art. 6° da Resolução CONAMA 001/86, como se verá

mais adiante.

Nesse caso, contudo a empresa utiliza via transversa para fugir do

reconhecimento da regionalidade do impacto e, conseqüentemente a realização do

licenciamento pelo IBAMA. Assim, admite a existência do impacto de forma regional,

mas em seguida, após aplicar as medidas mitigadoras (fundamentalmente, uma

simples Estação de Tratamento de Efluentes, que nem sequer teve sua eficácia

testada ainda na prática) reduz a extensão do impacto para a forma local, ainda que

de forma velada, tentando induzir em erro a sociedade

Deveras, se partirmos do princípio de que a medida é totalmente eficiente,

nenhum empreendimento causará impacto em qualquer grau, mesmo que local,

quanto mais, regional.

Dessa forma, concluiu-se que as medidas mitigadoras foram usadas para

diminuir os impactos do empreendimento, e não para delinear sua dimensão, à qual

deverá ser delimitada anteriormente à implementação de tais medidas, conforme já foi

explicitado.

A própria Resolução CONAMA nº 001/86, corroborando o entendimento supra, traça a metodologia de elaboração do EIA/RIMA, trazendo a análise dos impactos ambientais (inciso II) em precedência à definição das medidas mitigadoras dos impactos negativos, in verbis:

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Artigo 6º - O estudo de impacto ambiental desenvolverá, no mínimo, as seguintes atividades técnicas: I - Diagnóstico ambiental da área de influência do projeto completa des-crição e análise dos recursos ambientais e suas interações, tal como existem, de modo a caracterizar a situação ambiental da área, antes da implantação do projeto, considerando: a) o meio físico - o subsolo, as águas, o ar e o clima, destacando os re-cursos minerais, a topografia, os tipos e aptidões do solo, os corpos d'á-gua, o regime hidrológico, as correntes marinhas, as correntes atmosfé-ricas; b) o meio biológico e os ecossistemas naturais - a fauna e a flora, desta-cando as espécies indicadoras da qualidade ambiental, de valor científi-co e econômico, raras e ameaçadas de extinção e as áreas de preser-vação permanente; c) o meio sócio-econômico - o uso e ocupação do solo, os usos da água e a sócio-economia, destacando os sítios e monumentos arqueológicos, históricos e culturais da comunidade, as relações de dependência entre a sociedade local, os recursos ambientais e a potencial utilização futura desses recursos. II - Análise dos impactos ambientais do projeto e de suas alternativas, através de identificação, previsão da magnitude e interpretação da im-portância dos prováveis impactos relevantes, discriminando: os impac-tos positivos e negativos (benéficos e adversos), diretos e indiretos, imediatos e a médio e longo prazos, temporários e permanentes; seu grau de reversibilidade; suas propriedades cumulativas e sinérgicas; a distribuição dos ônus e benefícios sociais. III - Definição das medidas mitigadoras dos impactos negativos, entre elas os equipamentos de controle e sistemas de tratamento de despe-jos, avaliando a eficiência de cada uma delas. lV - Elaboração do programa de acompanhamento e monitoramento (os impactos positivos e negativos, indicando os fatores e parâmetros a se-rem considerados. Parágrafo Único - Ao determinar a execução do estudo de impacto Am-biental o órgão estadual competente; ou o IBAMA ou quando couber, o Município fornecerá as instruções adicionais que se fizerem necessári-as, pelas peculiaridades do projeto e características ambientais da área.

Noutro giro, esse entendimento reforça a aplicação do princípio reitor do ordenamento jurídico ambiental, isto é o da prevenção de danos ambientais, previsto no artigo 225, caput, da Constituição Federal, o qual determina que incumbe ao Poder Público e à coletividade o dever de proteger e preservar o meio ambiente para às presentes e futuras gerações.

Ao se mencionar a idéia de prevenção, esta engloba tanto atividades de

reparação do dano, como de proteção a fim de evitar que este ocorra.

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Neste sentido ensina Marcelo Abelha Rodrigues (Elementos de Direito

Ambiental: Parte Geral. 2ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2005. pág. 203)

sobre o princípio da prevenção:

“Sua importância está diretamente relacionada ao fato de que, se ocorri-do o dano ambiental, a sua reconstituição é praticamente impossível. O mesmo ecossistema jamais pode ser revivido. Uma espécie extinta é um dano irreparável. Uma floresta desmatada causa uma lesão irrever-sível, pela impossibilidade de reconstituição da fauna e da flora e de to-dos os componentes ambientais em profundo e incessante processo de equilíbrio, como antes se apresentavam”

Assim, embora hajam estudos ambientais que estimam a extensão do

impacto ambiental, constata-se que o EIA/RIMA apresentado não açambarca in

tontum os impactos, vez que ao dimensionar a área de influência direta o faz levando

em conta os impactos já acrescidos das medidas mitigadoras, quando deveria

considerá-los de per si, como já se demonstrou exaustivamente.

Nesta seqüência, em não funcionando a ETE da forma esperada, os danos

serão certamente sentidos pelos dois Estados, vez que não há como separar as águas

que banham o Estado do Piauí das do Estado do Maranhão.

3.2. DA ÁREA DE INFLUÊNCIA DIRETA E INDIRETA

Independentemente da questão jurídica envolvida – como a competência

concorrente entre a União, os estados e os municípios – há um problema bastante

complexo de natureza essencialmente técnica a ser esclarecido.

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Trata-se do estabelecimento da área geográfica de incidência dos impactos

diretos do empreendimento ou atividade. Tal delimitação da área de influência direta se faz necessária uma vez que a definição da competência do licenciamento fundamenta-se nos denominados impactos ambientais diretos.

Nos termos da Resolução CONAMA 001/86, a delimitação das áreas de

influência de um determinado projeto é um dos requisitos legais para avaliação de

impactos ambientais, constituindo-se em fator de grande importância para o

direcionamento da coleta de dados, voltada para o diagnóstico ambiental.

Áreas de influência são aquelas afetadas direta ou indiretamente pelos

impactos, positivos ou negativos, decorrentes do empreendimento, durante as fases

de implantação e operação deste. Estas áreas normalmente assumem tamanhos

diferenciados, dependendo da variável considerada (meio físico, biótico ou sócio-

econômico).

Classicamente, são utilizados os conceitos de: Área de Influência Direta (AID), como sendo aquele território onde as relações sociais, econômicas, culturais e

os aspectos físico-biológicos sofrem os impactos de maneira primária, tendo suas

características alteradas, ou seja, há uma relação direta de causa e efeito; e Área de Influência Indireta (AII), onde os impactos se fazem sentir de maneira secundária ou

indireta e, de modo geral, com menor intensidade, em relação ao anterior.

Nesse diapasão, a fim de restar demonstrada a competência do IBAMA para o licenciamento, tem-se que a Área de Influência Direta do empreendimento Suzano Papel e Celulose S.A abrange área dos estados do Piauí e Maranhão.

Nesse sentido, o Volume II do EIA, menciona, às fls. 05 e 06, item 2.5 - Área de Influência do Empreendimento, e seus subitens 2.5.3 - Área de Influência Direta e 2.5.4 - Área de Influência Indireta, que:

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A Área de Influência Direta (AID) é a área sujeita aos impactos diretos do empreendimento. A delimitação desta área é em função das caracte-rísticas físicas e biológicas dos ecossistemas a serem estudados e das características da atividade. Definiu-se como AID a superfície envolvida por um raio médio de 3 km, a partir do ponto de instalação do empreendimento, que contemplasse as maiores concentrações de emissões atmosféricas ao nível do solo. A AID também teve como limite, a área de influência do emissário de captação de água e lançamento de efluentes tratados no rio Parnaí-ba. Os estudos referentes ao diagnóstico da AID receberam enfoque mais direto e mais detalhado da área considerada, apoiado tanto nas informa-ções dos dados secundários disponíveis, como principalmente nas ob-servações de campo. (Grifo nosso).

Com o intuito de esclarecer a questão, extrai-se do EIA a seguinte figura

geográfica ali colacionada para demonstrar a limitação da Área de Influência Direta e

da Área de Influência Indireta:

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Figura 02: Área Diretamente Afetada – ADA (em branco), Área de Influência Direta – AID

(em amarelo) e Área de Influência Indireta – AII (em azul). Fonte: (EIA - Volume II, Pöyry, 2011).

Do item acima se observa que a Área de Influência Direta tem como limite,

a área de influência do emissário de captação de água e lançamento de efluentes

tratados no Rio Parnaíba.

Portanto, o que se constata da simples observação da figura acima, é a ocorrência de um dimensionamento falho da Área de Influência Indireta (AII), vez que o raio de 3 km do empreendimento não foi totalmente fechado, sendo esta área (área de influência indireta) limitada ao Piauí, não incluindo assim o Estado do Maranhão, a fim de mascarar a ocorrência do impacto ambiental regional. Assim, pergunta-se apenas por amor a argumentação, qual o impedimento físico

(natural ou artificial) para que os efluentes lançados de um lado do rio no Piauí não

atravessem para o outro lado no Maranhão?

Dessa forma, é notório que os impactos não se limitam a uma única

margem do Rio Parnaíba, tendo em vista que os efluentes lançados no rio não

permanecem contidos, apenas na margem em que foram lançados

A demonstrar a abrangência da Área de Influência Direta do

Empreendimento também no Estado do Maranhão, a carta hidrológica abaixo,

constante do EIA, apresenta a rede de recursos hídricos da região em estudo:

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a) Figura 03: Carta hidrológica ilustrativa da área de influência direta (AID) e indireta (AII).

Fonte: Omega Consultoria, 2010. Fonte: (EIA - Volume II, Pöyry, 2011).

Nesse mesmo sentido, o EIA – Volume II deixa claro, às fls. 118, a

preocupação com o monitoramento dos recursos hídricos, in verbis:

São necessários, portanto, esforços no sentido de criação de uma rede de monitoramento nos estados dos Maranhão e principalmen-te Piauí, que permita caracterizar a qualidade natural das águas subterrâneas nas áreas do projeto industrial da SUZANO S/A e que permita diagnosticar os efeitos antrópicos especialmente naquelas regiões de maior demanda pelo recurso hídrico. Recomenda-se que esse monitoramento seja priorizado nas regiões em que a demanda de água subterrânea seja mais significativa.

Outra etapa fundamental no gerenciamento dos recursos hídricos sub-terrâneos é a questão da proteção das águas subterrâneas. Neste senti-

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do, o planejamento da ocupação de áreas de recarga e o zoneamento dos aqüíferos,segundo a sua vulnerabilidade natural, de forma a orientar a ocupação futura do solo através dos planos diretores é fundamental. Tal ação é de particular relevância nas áreas críticas onde a demanda por água subterrânea é elevada e onde são fortes as tendências de crescimentos populacional, industrial e agrícola. (Grifo nosso).

Do exposto acima observa-se que a empresa vai criar uma rede de

monitoramento nos estados dos Maranhão e Piauí , ficando evidente que os impactos diretos atingem também as margens opostas ao lançamento dos efluentes tratados,

não apenas em função das águas superficiais, mas também tendo por objetivo não

contaminar as águas subterrâneas contidas no lençol freático.

Dessa forma, em relação ao subitem 2.5.3 - Área de Influência Direta do

EIA, o que se conclui é que esta primeira foi formulada de forma incorreta, pois os

impactos certamente vão além do que foi afirmado, abarcando o Estado vizinho,

Maranhão.

3.3. DA AUSÊNCIA DE AVALIAÇÃO DE IMPACTOS AMBIENTAIS NEGATIVOS CONJUNTOS COM A CONSTRUÇÃO DE NOVAS HIDRELÉTRICAS NO RIO PARNAÍBA

O Governo Federal tenciona construir, no âmbito do Programa de

Aceleração do Crescimento (PAC), 05 (cinco) usinas hidrelétricas ao longo da bacia do

Rio Parnaíba em seu perímetro que abrange as dividas dos estados do Piauí e

Maranhão, nos Municípios de Ribeiro Gonçalves, Uruçuí, Amarante, Floriano e

Palmeirais, sendo que 03 (três) destas (AHE Castelhano, no Município de Palmeirais;

AHE Estreito, no Município de Amarante e AHE Cachoeira, no Município de Floriano).

Sendo este projeto público, anterior a pretendida instalação da unidade fabril da

Empresa Suzano S.A, mas próximo ao empreendimento, sendo, portanto previsível a

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geração de significativos impactos ambientais que repercutirão na Área de Influência

Direta da empresa.

Desta forma, as hidrelétricas terão influência direta sobre a Unidade

Industrial de Produção de Celulose e Papel da Suzano S.A, especialmente quanto ao

Aproveitamento Hidrelétrico Castelhano, que será implantado nas proximidades do

Município de Palmeirais.

O eixo da barragem Castelhano situa-se a 541 km da foz do Parnaíba, a

montante da cidade de Parnarama e Palmeirais, isto é, a Barragem fica localizada

antes do local de deposição de efluentes da Empresa Suzano S.A. O reservatório

possui área de inundação na cota máxima normal de 77 km2, abarcando terras dos

municípios de Palmeirais e Amarante, no Piauí, Parnarama e São Francisco do

Maranhão, no Estado do Maranhão.

Outrossim, em que pese a proximidade e quase coincidência territorial dos

empreendimentos Suzano Papel e Celulose S.A e AHE Castelhano, ambos no

Município de Palmeirais, o EIA/RIMA apresentado pela Suzano S.A não mencionou

qualquer impacto ambiental, quer positivo ou negativo, a ter como fato gerador a

implantação da Hidrelétrica supra mencionada, limitando-se a noticiar a existência de

planejamento da construção desses novos aproveitamentos hidrelétricos, quando de

fato deveria obrigatoriamente ter considerado em seu EIA/RIMA os impactos destes

empreendimentos sobre sua unidade fabril.

Entretanto, é evidente que a construção do empreendimento Castelhano, de vultosas proporções, gerará diversas conseqüências na área de influência, tanto direta como indireta, da indústria de papel e celulose. Uma das conseqüências da implantação da AHE Castelhano sobre a área de influência direta do empreendimento Suzano Papel e Celulose S.A, certamente, é a diminuição da vazão do rio Parnaíba no ponto de despejo de efluentes deste

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último e, conseqüente diminuição da capacidade de diluição e depuração dos dejetos despejados naquele local, agravando o impacto ambiental anteriormente calculado sem a análise dessa variável.

O próprio EIA/RIMA apresentado pelos empreendedores responsáveis pelo

Aproveitamento Hidrelétrico Castelhano, às fls.212 e 223 (cópia em anexo) aponta que

causará os seguintes impactos, entre outros:

• Interrupção da navegação e da operação de balsas à jusante

do reservatório pela redução da vazão, a ser causada pela construção da

barragem.

• Redução da frequência de inundação de várzeas, lagoas

perenes e intermitentes afetando a ictiofauna do trecho a montante de Boa

Esperança, a ser causada pela atenuação dos pulsos cíclicos do rio.

• Redução dos estoques de peixes que dependem das áreas

alagáveis para o desenvolvimento inicial, ou que tem seu período

sincronizado às cheias, a ser causada pela atenuação dos pulsos cíclicos

do rio e retardamento de picos de cheia.

Frise-se que o Licenciamento Ambiental do Aproveitamento Hidrelétrico

Castelhano, assim como das outras 04 (quatro) barragens a serem implantadas na

Bacia Hidrográfica do Rio Parnaíba, vem sendo conduzido pelo IBAMA.

Logo, faz-se necessário que a Empresa Suzano S.A complemente as

informações prestadas no EIA/RIMA anteriormente apresentado, conjugando ao

mesmo os possíveis impactos ambientais a serem gerados ou agravados pela

implantação do aproveitamento Hidrelétrico Castelhano, no município de Palmeirais.

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Vale destacar que, apesar de a presente ação cingir-se aos aspectos do

impacto ambiental, deve ser observado, nos termos da Lei n° 9433/97, a qual institui a

Política Nacional de Recursos Hídricos, que constituem diretrizes gerais de ação para

implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos a integração da gestão de

recursos hídricos com a gestão ambiental.

Ademais, no presente licenciamento ambiental há de haver observância ao

art. 4º da Resolução CONAMA nº 01/86, in verbis:

Artigo 4º - Os órgãos ambientais competentes e os órgãos setoriais do

SISNAMA deverão compatibilizar os processos de licenciamento com

as etapas de planejamento e implantação das atividades modificadoras

do meio Ambiente, respeitados os critérios e diretrizes estabelecidos por

esta Resolução e tendo por base a natureza o porte e as peculiaridades

de cada atividade.

4. DA TUTELA ANTECIPADA

Até que seja proferida a decisão final, após a tramitação regular do

processo, o que naturalmente demanda tempo, o licenciamento ambiental do

empreendimento denominado “Unidade Industrial da Empresa Suzano S.A (Fábrica de

Papel e Celulose)” deverá ser conduzido pelo IBAMA, órgão legalmente competente

para tanto.

No caso presente, o Juízo de verossimilhança para conceder a tutela

antecipada não decorre apenas da presença dos elementos probatórios robustos que

apontam à existência do direito material alegado, mas traduz-se no próprio perigo de

que o dano se torne irreparável e irreversível em continuando a condução do

licenciamento pela SEMAR , órgão ambiental incompetente.

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Assim, presentes os pressupostos necessários para a concessão da tutela

antecipada, requer o Ministério Público a Vossa Excelência, a antecipação da mesma

na forma do art. 273 do CPC, para que:

a) seja determinada a suspensão imediata do licenciamento ambiental da Unidade Industrial de Produção de Celulose e Papel da Suzano S.A no Estado do Piauí pela SEMAR, até que seja proferida decisão final;

b) seja determinado ao IBAMA que assuma o licenciamento ambiental da Unidade Industrial de Produção de Celulose e Papel da Suzano S.A no Estado do Piauí, em face dos impactos ambientais regionais do empreendimento, até decisão definitiva.

Requer-se ainda a Vossa Excelência que estabeleça que o

descumprimento de quaisquer dos itens ora requeridos acarrete a imposição de multa

diária no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), conforme art. 273, § 3° c/c art. 461, §

4°, do Código de Processo Civil.

5. DO PEDIDO

Diante do exposto, o Ministério Público Estadual do Piauí e o Ministério Público Federal requerem a Vossa Excelência que:

a) seja declarado o IBAMA como o órgão ambiental responsável pelo licenciamento ambiental da Unidade Industrial de Produção de Celulose e Papel da Suzano S.A no Estado do Piauí, em face dos impactos ambientais regionais do empreendimento;

b) sejam declaradas nulas quaisquer licenças ambientais eventualmente concedidas pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente e

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Recursos Hídricos – SEMAR em favor do empreendimento Unidade Industrial de Produção de Celulose e Papel da Suzano S.A no Estado do Piauí;

c) seja determinado ao IBAMA que assuma o licenciamento ambiental do empreendimento Unidade Industrial de Produção de Celulose e Papel da Suzano S.A no Estado do Piauí ;

d) seja determinado à empresa Suzano Papel e Celulose S.A a complementação do Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), a fim de delimitar corretamente a Área de Influência Direta (AID) e incluídos os impactos ambientais nos municípios do Estado do Maranhão, bem como complementar as informações prestadas, conjugando os possíveis impactos ambientais a serem gerados ou agravados pela implantação do Aproveitamento Hidrelétrico Castelhano, no município de Palmeirais, assim como os demais Aproveitamentos Hidrelétricos a serem implantados no Município de Ribeiro Gonçalves, Uruçuí, Amarante e Floriano;

e) seja determinado ao IBAMA a realização de novas Audiências Públicas nos Municípios atingidos pelos impactos ambientais do empreedimento, nos Estados do Piauí e Maranhão;

f) sejam citados os Requeridos para, querendo, contestarem a presente ação e acompanhá-la em todos os seus termos;

g) seja julgada procedente a presente Ação Civil Pública, nos termos dos pedidos acima formulados, condenando os Requeridos nos ônus de sucumbência;

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Requer-se ainda a Vossa Excelência que estabeleça que o

descumprimento de quaisquer dos itens ora requeridos acarrete a imposição de multa

diária no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), conforme art. 273, § 3° c/c art. 461, §

4°, do Código de Processo Civil.

Os Requerentes protestam provar o alegado por todos os meios de prova

em direito admitidos, especialmente a prova documental apresentada com esta

exordial.

Dá-se a causa o valor de 100.000,00 (cem mil reais), para efeitos legais, já

que se trata de interesse difuso, e pois, de valor inestimável.

Teresina, 19 de Maio de 2011

MARIA CARMEM CAVALCANTI DE ALMEIDAPromotora de Justiça

DENISE COSTA AGUIARPromotora de Justiça

TRANVANVAN DA SILVA FEITOSAProcurador da República