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    FALA MASCULINA E FEMININA EM AWET

    Sebastian Drude (Museu Paraense Emlio Goeldi e Freie Universitt Berlin)

    1)

    Introduo

    A presente comunicao visa apresentar o que sabemos sobre a varia-o entre fala masculina e feminina na lngua Awet. Como bem conheci-do, o Awet uma lngua do tronco Tup, hoje falada por um pequeno grupode ca. 115 pessoas, que habita o parque indgena do Xing, Mato Grosso.At alguns anos atrs, pensava-se que o Awet seria uma lngua (se bem quealgo divergente) da famlia Tup-Guaran (cf. Rodrigues 1964). Avaliamos,

    porm, mais apropriada a proposta de Aryon Rodrigues (p.ex., em 1985) deconsiderar o Awet como uma lngua isolada dentro do tronco (ou, o que equivalente, uma famlia de um s membro). No entanto, possvel quefuturas pesquisas confirmem a impresso que o Awet seja a lngua geneti-camente mais prxima famlia Tup-Guaran, posio pela qual eventual-mente pode competir com o Maw (cf. Rodrigues e Dietrich 1997).

    J Ruth Monserrat1 observou e relatou diferenas entre a fala doshomens e a fala das mulheres em Awet (cf. Monserrat 1976). De fato, a

    lngua mostra duas variedades lingsticas relacionadas ao sexo dos falantes.Sendo os Awet um grupo muito pequeno (um censo da FUNAI de 1954,depois de uma epidemia de sarampo, contou apenas ca. 25 Awet), esta podese constituir como a variao mais marcada da lngua, antes da variaodialetal e social, as quais so mnimas ou mesmo ausentes. No sabemos,ainda, o suficiente sobre a estrutura do Awet para avaliar se a variao esti-lstica (especialmente, graus de formalidade) se articula no nvel da estruturalngstica, introduzindo registros como outras variedades maiores da lngua.De qualquer maneira, no nvel ainda incipiante dos conhecimentos cientfi-cos da lngua Awet, evidente que os generoletos (termo criado imitandouma palavra inglesa: genderlects) so as variedades lingsticas mais ressal-tantes nesta lngua.

    Este fato faz do Awet uma excepo entre as lnguas amaznicas, pe-lo menos daquelas faladas no Brasil. Conhecemos relatos de generoletos depoucas lnguas, como o Omagua, no alto Amazonas / Solimes, e o Karaj.Mas possvel que outras lnguas entrem neste grupo. Por exemplo, investi-gaes recentes sobre o Yawalapiti, lngua Aruak no Alto Xing, e portanto

    vizinha do Awet, indicam a presena de generoletos marcados tambm nes-

    1Pesquisadora que conduziu o primeiro estudo de lingstica sobre o Awet (iniciada nos finsdos anos sessenta do sculo vinte e descontinuada desde meados dos anos setenta).

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    ta lngua (comunicao pessoal de Bruna Franchetto, baseada em observa-es de Jaqueline Medeiros de Frana). Estas diferenas entre fala masculi-na e feminina, em Yawalapiti, aparentemente mostram-se em nveis sema-lhantes aos do Awet (cf. esp. os ltimos pargrafos de seco 4, abaixo). Omesmo pode valer para outras lnguas Aruak, do Alto Xing e possivelmen-te, de outras regies. De qualquer forma, generoletos no so um fato muitocomentado na literatura sobre lnguas indgenas da Amrica do Sul. Futurosestudos comparativos destas variedades, especialmente em Yawalapiti eAwet, podero indicar uma causa comum ou uma relao significativa entreelas, o que poderia, inclusive, dar indcios para a pr-histria das comunida-des dos falantes das respectivas lnguas.

    A lngua Karaj, entretanto, apesar da proximidade geogrfica com oAwet, mostra propriedades bastante diferentes. Conforme Eduardo Ribeiro

    (comunicao pessoal), as diferenas entre fala masculina e feminina se evi-dencia basicamente no nvel fonolgico, sendo que a variante feminina mos-tra traos mais conservadores (fennemo aparentemente comum, mesmoquando as diferenas entre fala masculina e feminina no chegam a seremto marcantes que poderiamos falar de generoletos).

    O caso da lngua Awet diferente. Aqui, as diferenas se manifestamno nvel morfolgico e lexical, e em muitos casos, impossvel dizer qualvariante seria mais conservadora e qual inovadora. Nesta comunicao,

    pretendemos expr os detalhes desta variao, que se d, pelo que sabemos,em quatro reas:

    a) O paradigma dos pronomes,b) O paradigma dos prefixos,c) O paradigma dos diticos ed) Diferenas lexicais.

    2)

    O Paradigma dos Pronomes

    Ao contactuar uma lngua, o primeiro interesse versa, usualmente, so-bre as formas dos pronomes pessoais. Estas, sendo usadas para se referir aosparticipantes imediatos da comunicao e, portanto, bsicas para qualquerinterao lingstica.

    logo nesta rea que em Awet se manifestam as primeiras diferenasentre fala masculina e feminina, a saber, na primeira pessoa do singular, e naterceira pessoa. Damos aqui as formas em uma tabela (tabela 1):2

    2Escrevemos as formas em Aweti na ortografia estabelecida para esta lngua, com aqualificao que marcamos, neste trabalho, a slaba acentuada das palavras, e que usamos, porrazes tcincas, o trema em vez do til para marcar nasalidade. O y representa a vogal

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    Categorias Fala masculina Fala feminina1. pessoa singular atit [atit] ito [it]2. pessoa singular en [n]

    3. pessoa singular n [na] [] 1. pessoa plural inclusiva kaj [kaa]1. pessoa plural exclusiva ozoza [a]2. pessoa plural eipe [ip]3. pessoa plural ts [tsa] tai [tai]

    Tabela 1: Pronomes Pessoais em Awet

    Como se pode observar, algumas das formas onde no h diferenaentre fala masculina e feminina, tambm so formas que tendem a corres-ponder s formas anlogas em outras lnguas do tronco Tup, e que, so as-sim possivelmente cognatos.3

    Isto vale, em particular, para o pronome da segunda pessoa do singu-lar:

    (1) 2. pessoa singular(en): Mau: en, Karo: en, Munduruk: en,Karitiana: an, Tup-Guaran: *en(d)e, Xipaya: ena, Purubo-r: et, Proto-Tupari (e Mekens): et, Gavio: eet, Surui: e-et,(?) Mekens: ejat

    O mesmo vale para a primeira pessoa do plural (exclusiva), embora as cor-respondncias no sejam to evidentes como no caso anterior. (Awet -z-,um som bastante particular desta lngua, corresponde muitas vezes a ocor-rncias de -r- em outras famlias, particularmente, no Tup-Guaran.)

    (2) 1. pessoa plural exclusiva(ozoza, sendo -zaum sufixo que marcacoletividade, ou plural): Mau: uruto, Tup-Guaran: *ore,Xipaya: uzud ~ud , Munduruk: oced, Mekens: ose,Karitiana: ta, Karo: te

    central alta no-arredondada [], o z uma fricativa retroflexa sonora [], e o apstrofo

    uma ocluso glotal [].3 Dados comparativos gentilmente fornecidos pelos pesquisadores das respectivas lnguas,que participaram no primeiro Workshop Tup Comparativo, no Museu Goeldi / Belm,Agosto de 2001: Nilson Gabas Jnior, Ana Vilacy Galcio, Gessiane Lobato, Srgio Meira,Denny Moore, Carmen Rodrigues e Luciana Storto.

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    Ainda vale, se bem que com menos correspondncias, para o pronomeda segunda pessoa do plural:

    (3) 2. pessoa plural(eipe): Mau: eipe, Munduruk: ejd, epe-je-,Tup-Guaran: *pen(d)e, (?) Karitiana: aita, (?) Xipaya: esi

    No podemos estabelecer correspondncias no caso do pronome daprimeira pessoa do plural inclusiva (kaj), embora se possa notar uma analo-gia interessante entre a forma das lnguas Tup-Guaran (TG), jan(d)e, e aforma do Awet, kaj, num lado, e as respectivas formas da segunda pessoado plural,pen(d)e(TG) e eipe(A), no outro lado. Nos dois casos, o Awetcombina o prefixo pessoal de uma srie nominal (ver tabela 3, abaixo, a-qui: as formas kaj- e ei- ) com slabas que, em lnguas Tup-Guaran, socombinadas com -n(d)e para formar o pronome: j-e pe-. Partindo destaobservao, pode-se, ento, especular se as partes j- em Awet e Tup-Guaran so geneticamente relacionados.

    O que surpreende a ausncia quase total de correspondncias clarasno caso dos pronomes da primeira pessoa do singular, tantono caso da vari-edade masculina comono caso da variedade feminina. Esperava-se que umadas duas formas estivesse claramente relacionada com formas anlogas emoutras lnguas Tup, especialmente com as lnguas Tup-Guaran, e que aoutra forma teria algumas relaes com outras lnguas, pertencentes ou no

    ao tronco Tup (como relatado para o Omgua). Porm, a nica corres-pondncia que achamos entre a forma feminina, ito, e a forma do prono-me da primeira pessoa do singular em Maw, uito. Mas, nem estas formasnem a forma Awet da fala masculina, atit, mostram uma relao clara comformas anlogas de outras lnguas Tup, apesar de que vrias destas formas,entre si (excluindo Maw, Awet, e Tup-Guaran), so um conjunto prome-tedor de possveis cognatos. S observamos a ocorrncia de uma oclusivadental entre duas vogais, o que encontramos tambm em vrias das formas

    de outras lnguas.A ausncia de correspondncias claras no caso dos pronomes da ter-ceira pessoa no deve surpreender, pois em vrias lnguas (inclusive, emlnguas Tup, e especialmente Tup-Guaran) estas formas sequer existem(no lugar, costuma-se fazer uso de pronomes diticos). Tambm, bemcomum que estas formas, quando existentes, surgem, diacronicamente, defontes variadas, particularmente de pronomes. Mas vale ressaltar que o A-wet no somente possui verdadeiros pronomes de terceira pessoa, comotambm possui, tanto na fala masculina como na fala feminina, uma diferen-ciao entre singular e plural na terceira pessoa, fato pouco comum nas ln-guas Tup, e, em geral, nas lnguas que diferenciam entre a primeira pessoado plural inclusiva e a primeira pessoa do plural exclusiva.

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    No caso dos pronomes da terceira pessoa, capital ainda mencionaruma particularidade que reencontraremos mais adiante no paradigma dosditicos. notvel que as duas formas masculinas, como a forma femininado singular, terminam numa vogal nasal. No caso das formas masculinas, nomnimo, esta vogal nasal no se comporta normalmente, como podemosobservar no caso delas combinarem com posposies. Por exemplo, a pos-posio (cltica) -pe tem duas formas, uma sendo -pe, usada depois depalavras que terminam numa vogal, e uma outra, -ype, usada depois depalavras que terminam numa consoante. Compare:

    (4) nuhju-pe [nuhijup] (no Rio de Janeiro, o nome da cidade entrouem Awet na forma nuhju), vs.

    (5) belj-ype [belep] (em Belm, o nome desta cidade entrou nalngua na forma de belj, o que termina numa consoante).

    Poderiamos dizer, numa abordagem tradicional, que a forma bsicada posposio comea com uma consoante, e que a vogal default, //, (que, de fato, a vogal Aweti mais perto de Shwa) inserida depois de conso-ante, para evitar o encontro de duas consoantes. O mesmo vale para a maio-ria das posposies, isto , para todas (que encontramos at agora) cujaforma bsica comea com consoante.

    Agora, quando estas posposies so combinadas com os pronomes daterceira pessoa da fala masculina, aparece um /n/ entre o pronome e a pos-posio, a qual aparece, consequentemente, na sua forma extendidaps-consonantal (isto , a forma com //):

    (6) nn-ype [nanp] (nele, nela, na fala masculina), e

    (7) tsn-ype [tsanp] (neles, nelas, na fala masculina).

    Uma vez que as posposies combinam, nas outras pessoas sem ser aterceira, no com os pronomes pessoais mas sim, com os prefixos da srienominal (ver tabela 3, abaixo), poderia-se argumentar que estamos diante deuma irregularidade desta srie de prefixos, quando aparecerem diante deposposies. Porm, uma vez que as formas do plural entram no paradigma,e exatamente porque nunca aparece somente o prefixo n-, que seria a formaregular desta srie, e pela analogia com os pronomes diticos (ver seco 4,mais adiante), me parece mais indicado analisar a combinao destas formascomo a combinao do pronome com a posposio, e no como a posposio

    inflexionada na terceira pessoa. De qualquer forma, as formas esperadasseriam:

    (8) *n-pe [nap] (nele, nela, na fala masculina), e

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    (9) *ts-pe [tsap] (neles, nelas, na fala masculina).

    No caso da forma do singular na fala feminina, , que tambm mostravogal nasal, parece ter uma irregularidade que precisa ser pesquisada me-lhor. At agora, no elicitamos dados com falantes mulheres (pelo fato delas

    no dominarem o Portugus e em razo do pesquisador ser do sexo masculi-no). Ainda assim, analisamos textos narrados por mulheres e constatamosque na fala, pelo menos na fala coloquial, aparece a forma esperada:

    (10) -pe [p] ou mesmo i-pe [ip] (nele, nela, na fala feminina),

    mas na fala cuidadosa, particularmente na escrita, os informantes insistemem corrigir esta forma para:

    (11) j-ype [p] (nele, nela, na fala feminina).A ocorrncia de [] poderia, talvez, ser explicada de duas maneiras:

    ou pela assimilao de um /n/ vogal /i/, ou por uma insero semi-automtica de/j/ entre /i/e //, neste caso, num ambiente nasal ([] alofo-ne nasal de/j/). A segunda explicao no cobre o fato que a forma da pos-posio com//foi escolhida, j que esta forma em princpio entraria somen-te depois de consoantes.

    De qualquer modo, necessita-se de investigaes cuidadosas da falafeminina no futuro para responder a estas questes.

    Irregularidades semalhantes acontecem diante de posposies queno mostram a alterao que descrevemos acima (ou seja, posposies cujaforma bsica comea com vogal). Compare:

    (12)Waranku-ete (a Waranku), e

    (13)op-ete [uwt] (a seu prprio pai), com

    (14)nn-ete [nant] (a ele, ela, na fala masculina), e(15)tsn-ete [tsant] (a eles, elas, na fala masculina), e

    (16) j-ete [t] (a ele, ela, na fala feminina)

    De novo, inserido um/n/entre a forma isolada do pronome e a pos-posio. Mas, no possvel:

    (17)*n-ete [nt] (a ele(s), ela(s), na fala masculina)

    Com estas observaes fechamos a descrio dos pronomes pessoais.

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    3) O Paradigma dos Prefixos

    Falta aqui o espao para apresentar, em detalhe, todos os paradigmasde prefixos. Portanto, remetemos o leitor ao trabalho de Monserrat (1976).

    Encontramos, porm, nos nossos dados, algumas divergncias das formasconstatadas por ela. Por isso damos aqui todas as formas dos prefixos emforma de tabela (sem pormenoriz-las).

    O Awet tem, como muitas lnguas da famlia Tup (em particular,Tup-Guaran), dois tipos bsicos de verbos, opondo verbos ativos e verbosestativos (que possivelmente podem ser vistos como expresses nominaisque funcionam como predicado). Nos verbos ativos, em Awet, muitoressaltante a distino entre verbos transitivos e verbos intransitivos. Osverbos transitivos mostram duas sries de prefixos, uma que marca o sujeito

    e outra que marca o objeto. Como o verbo pode sempre possuir somente umprefixo pessoal, h a necessidade de escolher entre o prefixo que se refere aosujeito e o que se refere ao objeto. A escolha do prefixo apropriado segue auma rgida hierarquia referencial, que semelhante quela que foi descritapara vrias lnguas Tup-Guaran (cf., em particular, Monserrat e Fac-Soares 1983). No entanto, o Aweti no apresenta formas portmanteau, e,h uma diferena marcada entre os prefixos dos verbos ativos intransitivos ea srie dos prefixos que marcam o sujeito nos verbos transitivos. As trs

    sries restantes, que denominaramos de nominais4

    , so quase que idnti-cas, se no fosse pelas diferenas entre fala masculina e feminina, as quaisabordamos logo abaixo.

    Como vemos na tabela 2 (prxima pgina), existe uma diferena entrefala masculina e feminina somente nos prefixos pessoais que ocorrem emformas de substantivos (o que inclue verbos nominalizados). Aqui, as for-mas masculinas mostram uma relao prxima com os pronomes pessoais,sendo a forma diante de consoantes, n-, idntica do pronome. A formaempregada diante de vogais, n-, parece ser uma variante mais curta (nota-seque o prefixo n- no causa a nasalizao da primeira slaba). As formasfemininas, por sua vez, so idnticas s formas encontradas em verbos esta-tivos, e parecem ser de origem Tup (pelo menos se assemelham com asformas de lnguas da famlia Tup-Guaran).

    4Isto : a srie para objeto (nos verbos transitivos), a srie para os verbos estativos, e a sriede prefixos para substantivos (que usualmente expressam o possuidor da entidade mencionada

    pelo tema do substantivo, ou, no uso predicativo do substantivo, exercem funo de cpula).Estas sries de prefixos ope-se s duas sries ativas (que no devem ser confundidas com osverbos ativos).

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    1. P. Sing. 2. P. Sing. 1.P.Pl.incl. 1.P.Pl.excl. 2. P. Pl. 3. P

    Pref.

    Srie:+C +V +C +V* +C +V +C +V +C +V +

    Vb. intrans. a- aj- e- e-/ej- kaj- ozo- ei- o

    ativos

    Sujeito a- at- e- et- ti- tit- ozoj- ozojt-

    pej-

    pejt-

    w

    Vb.

    trans.

    Objeto i- it- e- e-/ej- kaj- ozo- ei-

    Vb. estativo i- it- e- e-/ej- kaj- ozo- ei-

    nominais

    Substantivo i- it- e- e-/ej- kaj- ozo- ei- n-

    *) Se h duas formas nesta coluna, a segunda, ej-, usada diante de/a/, a primira, e+) A possvel resilabificao de o-depende de vrios fatores, como a qualidade da

    o e, provavelmente, o registro da fala (grau de formalidade). Diante de/u/, mo-.

    ) Aqui, Ruth Monserrat (1976) constatou ozo-t-. Ela dedica uns pargrafos (loc.esta forma aparentemente irregular. Ela analisa o -t-, em todos prefixos da s

    genrica de objeto.) Aqui, Ruth Monserrat (1976) d ei-resp. ei-t-. Ela registrapej-somente como

    Tabela 2: Prefixos Pessoais em Awet

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    No estado atual das pesquisas, restam dvidas, ainda, quanto relaoexata destes prefixos com os pronomes pessoais. No caso da fala feminina, asituao no est clara, ao que parece h a possibilidade de colocar, em vezdo prefixo i-, a forma do pronome pessoal, quase idntica mas nasal, -. Istoparece ser normal no caso de verbos nominalizados. No sabemos se isto uma oscilao na lngua, possivelmente uma transio de um sistema paraum outro, ou se h outros fatores, por exemplo pragmticos, que determinamo emprego de uma ou outra forma, ou, ainda, se esta ambigidade resulta-do de observaes errneas por parte dos pesquisadores. Devemos, em futu-ras pesquisas, esclarecer estas incertezas e, inclusive, estudar sua permutabi-lidade e a possibilidade de combinar os prefixos com os pronomes, ou mes-mo com outros nomes (uma vez que, em Awet, a justaposio de nomesserve freqentemente para formar o que parecem ser palavas compostas).

    Tambm precisamos saber se a distino entre singular e plural estaria en-trando, atravs dos pronomes pessoais, nos paradigmas dos prefixos. Atagora, isto no parece ser o caso.

    primeira vista, as diferenas entre fala masculina e feminina, no ca-so dos prefixos pessoais, parecem mnimas. Porm, lembramos que a dife-renciao atinge exatamente as formas com maior frequncia, e as formas decitao, no caso de substantivos inalienveis, e tambm no caso de verbos.Este um problema, entre outros, para a lexicografia: Um dicionrio (dire-

    cionado aos falantes Awet) deve listar a palavra pai, inalienvel, com otemaup, sob um lemanupoutup? Os verbos ativos tambm possuem umaforma de citao, baseada na nominalizao abstrata do verbo, usando oprefixo da terceira pessoa. Portanto, devemos citar, por exemplo, o verboamarrar (tema: -at) pela forma masculina nattu, ou pela forma femininatattu? Igualmente, o verbo ver (tema: -tup) porntupuou tupu(ou, pos-sivelmente ainda, itupu)? Como no caso de dialetos ou outras variedadeslingsticas, estamos diante da necessidade de escolher uma variedade comostandard, o que, especialmente no caso de generoletos, no nada banal.

    4) O Paradigma dos Diticos

    Uma outra rea em que se manifestam diferenas entre as duas princi-pais variedades do Awet so os diticos. Diferentemente dos casos tratadosacima, encontramos, aqui, uma possvel relao morfolgica entre as formasmasculinas e femininas. As formas masculinas se destacam pela presena daslaba -t, ausente nas formas da fala feminina.

    Em Awet, o sistema ditico distingue basicamente trs posies:(1) perto do falante, (2) perto do ouvinte, (3) distante do falante e do ouvinte(semelhante ao sistema em vrias lnguas romanas, como no Portugus). Nocaso da variedade feminina, tudo indica que a distino bipartida, fusando

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    posies (2) e (3). H, nesta posio, na fala feminina, duas formas ligeira-mente diferentes, mas seu uso parece depender de outros fatores, no semn-ticos. Possivelmente trata-se de variao estilstica, dialetal ou mesmo indi-vidual.

    Em forma de mais uma tabela, damos os pronomes diticos e os ad-vrbios diticos derivados a partir deles (formados com a posposio locati-va -pe).

    Fala Masculina Fala Feminina

    PronomesPos.

    Singular PluralAdvrbio Pronome Advrbio

    (1)jat

    [jata]

    jatsza

    [jatsaa]

    jatnype

    [jatanp]

    uj [uja]ujpe

    [ujap](2)

    kit

    [kita]kitsza

    [kitsaa]kitnype

    [kitanp]

    (3)kujt

    [kujta]kujtsza

    [kujtsaa]kujtnype

    [kujtanp]

    akj [akj]/

    akj [akj]

    akjype

    [akjp]/

    akjype

    [akjp]

    Tabela 3: Diticos em Awet

    Percebemos uma possvel relao entre a primeira slaba dos diticos

    da fala masculina e a segunda slaba das formas correspondentes da falafeminina: no caso da posio (1), as duas formas ja so idnticas (abstrain-do do acento das palavras). No caso das posies (2) e (3), temos um com-plexo de vrios morfes semelhantes, incluindo ki, kuj, kyj e koj. Soma-sea estes, a slaba ky na forma kype aqui, uma forma cuja funo exatatambm precisa de mais estudo. Aparentemente, ela aparece somente na falamasculina e tem significado semelhante a jatnype. Tambm cabe aquifazer referncia a dois outros advrbios locativos: kojpe longe, muito

    distante, e kopreym perto. Estes dois advrbios aparecem tanto na falamasculina como na fala feminina. O primeiro, kojpe [kjp],est aparen-temente diretamente relacionado com o ditico akjype, da fala feminina(mas observe-se a diferena na acentuao). O segundo pode ser, diacroni-camente, uma contrao de kojpe e o negador nominal -eym (resta expli-car a acentuao e a presena do/r/).

    A slaba -t , aparentemente, um acrscimo que a fala masculinaadquiriu. Ela mostra o mesmo comportamento (insero de um /n/ diante

    de posposies) que j constatamos no caso dos pronomes pessoais masculi-nos, na seco 2, acima. Mais significativo, ainda, que o nico caso pre-senciado, at agora, de uma slaba nasal que no causa harmonia nasal suaesquerda, dentro da palavra. No aqui o lugar de expor as regras da har-

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    monia nasal em Awet, mas vale dizer que esperariamos formas como[ata], [kta] e [kuta], que so ingramaticais e inaceitveis. (Omesmo vale para as formas do plural, com a slaba nasal -ts.)

    Inicialmente pensou-se que a slaba -t fosse algo como uma marca

    da fala masculina. Porm, desde que nos deparamos com a existncia deformas do plural que mostram a slaba -ts, na mesma posio (alm dosufixo -za, para o coletivo), acreditamos que a explicao mais complexae envolve outras categorias funcionais. evidente, na fala masculina, a rela-o da slaba -ts com o pronome pessoal da terceira pessoa do plural. Istodeixa suspeitar que existe, da mesma forma, uma relao entre a slaba -t eo pronome n, do singular. Todas estas formas so, de um lado, marcada-mente nasais, e mostram, por outro lado, um comportamento irregular comrespeito nasalidade (insero de um /n/, no causar harmonia nasal).Sendo /n/ e /t/ oclusivas dentais que se diferenciam somente pela presenaou ausncia de nasalidade, esta relao parece altamente plausvel. Contudo,no sabemos, por enquanto, os detalhes do desenvolvimento destas formas.(Ao que parece, a fala feminina tambm possui formas pronominais no plu-ral, formadas somente com -za: ujza e akjyza (?) / akjyza (?), cujo usono parece to regular como o das formas anlogas na fala masculina.)

    Faz-se importante mencionar um fato que aumenta crucialmente a sa-lincia da diferena entre fala masculina e feminina. As formas citadas, na

    tabela 3, nas colunas de pronomes (no caso da fala masculina, somente asformas do singular) funcionam no somente como pronomes, mas tambmcomo partculas discursivas. Nesta funo, elas so muito freqentes, embo-ra seu uso seja quase sempre opcional. A construo serve, pelo que enten-demos, para topicalizar uma constituinte da frase, e pode muitas vezes sertraduzida para o Portugus por que. Por exemplo, uma frase muitas ve-zes empregada como primeira frase de narrativas ou explicaes formais,mostra duas ocorrncias destas formas, uma vez como pronome um uma vez

    como partcula topicalizadora. Segue a frase em sua forma masculina e fe-minina:

    (18)Jat tsu jat ozoporywyt. (Assim que nosso costume., na fala mas-culina),

    (19)Uja tsu uja ozoporywyt. (Assim que nosso costume., na fala femi-nina).

    A grande freqencia com que as formas pronominais aparecem na

    funo de partculas topicalizadoras faz com que a fala masculina se distin-gua marcadamente da fala feminina, inclusive na mera impresso acstica.

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    5) Diferenas lexicais

    comum ouvir um Awet afirmar de uma ou outra palavra que ela se-ria uma palavra das mulheres. Tanto que, quando pensei em apresentar

    esta comunicao, achava que a apresentao de diferenas lexicais em clas-ses abertas comporia uma parte substancial dos resultados.Os pares de palavras anlogas da fala masculina e feminina que juntei

    nas primeiras idas para o campo, caram em uma de duas categorias: Algu-mas realmente mostraram material lexical diferente, outras se diferenciarampelo som inicial, sendo que na variante masculina houve um/n/, ausente nasformas femininas que iniciavam com uma vogal. Em preparao desta co-municao, pretendi aprofundar estas diferenas e buscar mais exemplos.

    Porm, nos ltimos contatos com a lngua tive a oportunidade de per-

    seguir estas supostas diferenas lexicais, e o resultado um tanto entibiante.Investigando de mais perto vrios pares tentativos do primeiro grupo, resta-ram muito poucos que realmente fossem sinnimos e no mostrassem dife-renas semnticas. Insistindo, muitas vezes resultou que homens tambmpodem fazer uso das palavras indicadas como femininas. Em outras ocasi-es alguns falantes afirmaram que as palavras significavam exatamente omesmo, enquanto outros discordaram dizendo que havia uma diferena nosignificado, sim. Um destes exemplos contraditrios o par para:

    (20) curica: taknyt() vs. takr().

    Possvelmente estes dois termos designam espcies ou subespcies di-ferentes.

    Entre os poucos exemplos que se confirmaram achamos:

    (21) cuia para beber: yajt() vs. mopojt(),

    sendo que a palavra masculina literalmente significa pequena coisa redondapara gua, enquanto a palavra feminina seria pequena cabaa. Outro

    exemplo seriam as palavras que designam o talo da palha usado para cobriras casas: os homens diriam tawypepoapy, enquanto as mulheres, ta-pajjypoapy. tawypsignifica teto, esteira grande, enquanto tapajjyp onome da planta (como em tapajjyp op, (folha da) palha). Como se v,estes exemplos no so muito significativos, pois as duas palavras envolvemsomente morfemas aparentementemente nativos do Awet, sendo que oshomens usam metforas baseadas na funcionalidade, enquanto as mulheresusam as palavras para as espcies biolgicas pelas quais os utenslios foram

    feitos.No caso do outro grupo, confirmou-se a variao entre formas com /n/inicial, versus formas sem este /n/. As palavras que mostram esta variao

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    so, muitas vezes, nomes de espcies, por vezes tambm de utenslios. Te-mos, por exemplo:

    (22) pato: nypk vs. ypk,

    (23) papagaio: napryt vs. apryt, e

    (24) arco: nyzapt vs. yzapt.

    O que no se confirmou, no entanto, que o uso destas variantes seriadeterminado pelo sexo do falante. Ainda no foi possvel elicitar uma amos-tra significativa com falantes mulheres, mas j no caso dos homens encon-tramos a variao. Indagando o por qu da variao, a explicao usando afala do homem versus a fala da mulher a mais rapidamente empregada.Apontando para a variao tambm entre os homens, os Awet admitem que

    isto acontece, e as explicaes que seguem muitas vezes fazem referncia amudanas lingsticas, afirmando que uma variante seria mais aplicada pelosvelhos, enquanto os jovens j falam de qualquer jeito, quer dizer, sem sepreocupar se esto falando correto ou no. Agora, no existe unanimidadena questo de qual das duas formas seria a mais tradicional. A minha hip-tese preliminar que, na maioria das palavras, a forma sem /n/ a formaantiga, o /n/ sendo introduzido para evitar incio voclico da palavra, e pos-sivelmente em analogia com substantivos inalienveis, onde na forma mas-

    culina entra um /n/ (o prefixo da terceira pessoa, cf. tabela 2, acima). Istoexplicaria porque a variante com /n/ atribuida fala masculina.Resumindo, as diferenas no nvel lexical no parecem ser a rea mais

    importante da oposio entre fala masculina e feminina em Awet. Poss-velmente, trata-se mais de uma concepo ideolgica dos falantes ao perce-berem mudanas lingsticas. Que se usa esta explicao (e no outra), po-rm, significativo, pois indica que a oposio entre fala masculina e femi-nina um tpico importante na lngua, mesmo que suas maiores consequn-cias sejam na rea das classes fechadas cujos paradigmas especificamos nas

    seces 2, 3 e 4.

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