Dissertacao Liriana Carneiro

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I

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO Ncleo de Estudos em Sade Coletiva

PREVALNCIA DA CEFALIA E SUAS CONSEQNCIAS NA QUALIDADE DE VIDA DE MOTORISTAS DE UMA EMPRESA DE TRANSPORTE COLETIVO URBANO

Liriana Magalhes Carneiro

Rio de Janeiro 2005

II

LIRIANA MAGALHES CARNEIRO

PREVALNCIA DA CEFALIA E SUAS CONSEQNCIAS NA QUALIDADE DE VIDA DE MOTORISTAS DE UMA EMPRESA DE TRANSPORTE COLETIVO URBANO

Dissertao apresentada ao curso de Mestrado em Sade Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre em Sade Coletiva

Orientadora: Professora Dra. Anamaria Testa Tambellini

Rio de Janeiro 2005

III

LIRIANA MAGALHES CARNEIRO

PREVALNCIA DA CEFALIA E SUAS CONSEQNCIAS NA QUALIDADE DE VIDA DE MOTORISTAS DE UMA EMPRESA DE TRANSPORTE COLETIVO URBANODissertao apresentada ao curso de Mestrado em Sade Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre em Sade Coletiva

BANCA EXAMINADORA: ........................................................................................ Jano Alves de Souza Universidade Federal Fluminense Sociedade Brasileira de Cefalia ......................................................................................... Heloisa Pacheco Universidade Federal do Rio de Janeiro ........................................................................................ Anamaria Testa Tambellini Universidade Federal do Rio de Janeiro

Rio de Janeiro 2005

IV

Aos meus grandes amores Alaor, Glorinha e Fernanda, por serem a maior inspirao da minha vida.

Aos meus novos amores Ali e Lucas, por trazerem um novo sentido a minha vida.

V

minha av Lira, em memria, pela f e sabedoria de viver.

VI AGRADECIMENTOS minha orientadora Professora ANAMARIA TAMBELLINI, pelo grande senso tico e pela profissional competente, cujos estmulos e ajuda, tornaram possvel a realizao deste trabalho. Aos Professores JANO DE SOUZA e HELOSA PACHECO, pela honra de participarem da Banca Examinadora e pela amizade. Ao mestre ABOUCH V. KRYCHANTOWISKI, pela admirao e aprendizado em cefalias. Aos professores MEDRONHO, MARISA PALCIOS, VALNEY CMERA, ANDR MARTINS, MACU e ISABEL responsveis pela minha formao em Sade Coletiva. Ao VAL e PASCHOAL, por todas as mais belas alegrias. Ao amigo Dr. HELION PVOA, pela sabedoria e bondade. Ao amigo LUCAS FORTES MAIA, pela amizade e credibilidade em meu trabalho. Ao amigo ARMANDO STROZENBERG, pelo grande estmulo, sempre pronto a ajudar. amiga LEONOR PAPOUCHADO, pela confiana e cuidado. Ao amigo e grande exemplo de chefe CLEMENTE RANGEL, por ter me estimulado a ir ao encontro de meus sonhos. Ao professor PALMIRO TORRIERI, pela minha formao em fisioterapia e por ter me mostrado o caminho que me trouxe at aqui. Ao professor MARCO AURELIO BRUNO, pela sabedoria e pelo caminho que temos trilhado juntos. Ao professor FRANCISCO PEREIRA JUNIOR, por ter me inspirado na formao acadmica. grande mulher e profissional NILMA PIMENTEL, pelo que temos compartilhado juntas. Ao professor MARCUS VINICIUS DE MELLO PINTO, pela amizade e apoio. Ao professor HERMINIO DA SILVEIRA, por manter viva a qualidade no ensino da fisioterapia. Aos colegas da ESCOLA NACIONAL DE CIRCO, pelo apoio e compreenso durante todo este percurso. Ao amigo e grande chefe CARLOS CAVALCANTI, por saber entender a importncia deste trabalho em minha vida.

VII Aos meus grandes companheiros de estudo PROFESSOR SALLES CUNHA, SUELI DE CARVALHO, KIKO, CRIS, SIMONE, CARMINHA e PAULO AFONSO, por no desistirem nunca. Aos amigos CAROL, RAQUEL, DAYSE E VALDECI, por terem me dado as mos e me encaminhado ao mestrado; sem eles o caminho no teria sido trilhado de uma forma to mgica. Aos amigos REJANE, IARA, NDIA, ANDREA, RENATA, REGINA MIRANDA, GI, CONCEIO, SHIRLEY e LEO, pelo estmulo e amizade neste momento e sempre. s amigas AIDA, SIMONE(S), GISELA HAIKAL, PATRICIA, LU e ROSANI STODUTO, pela amizade, nosso maior tesouro. minha nova famlia no Rio D. LUIZA, FLAVIA, TED, GUIL, VITOR, RAFAEL, TIA LUCIA, EDUARDO e MONICA, pelo acolhimento e carinho constantes. Aos meus tios e primos MARRAZZO, DELIZETE, EVERTON, WELLINGTON e WALLACE, pelo sentido de famlia. s amigas BURAQUEIRAS, por representarem o maior sentido de cuidado, amizade e companheirismo. auxiliar ROSA, pelo cuidado e ateno neste momento. s amigas do mestrado CLAUDINHA, MARIA, DOLLY, LILIAN E SIGRID, pelo vnculo que construmos nestes dois anos. equipe do NESC, DELVACI, DONA CLEA, IVETE, GERALDO OLIVEIRA, JOO e IVISSON, pelo apoio e ajuda durante toda a realizao deste trabalho. Aos colaboradores LA CARDOSO ALVES, JOO LUIZ RIBEIRO, MAURCIO, RICARDO e ANA BADAR pela ajuda na reta final. Aos meus PACIENTES pela troca que firmamos nestes ltimos 10 anos, estimulando-me a trabalhar, estudar e produzir cada vez mais. Aos colaboradores da empresa pesquisada, em especial a ELLEN DOUTEL, por terem me acolhido com o maior carinho, respeito e disponibilidade. Aos motoristas; sem eles este trabalho no teria sentido. A DEUS, fonte de toda inspirao e proteo. Obrigada.

VIII RESUMO

A cefalia um sintoma comum. Cerca de 90% da populao experimentou ou vai experimentar algum dos tipos desse mal no decorrer da vida. A migrnea e a cefalia do tipo tensional (CTT) so as formas mais comuns de cefalia, com pico de prevalncia coincidindo com a idade produtiva da fora de trabalho. Isso acarreta importante impacto na qualidade de vida condicionada sade (QVCS) de seus portadores. O objetivo deste estudo avaliar a prevalncia das cefalias entre os motoristas de nibus de uma empresa de transporte coletivo urbano e o conseqente comprometimento na qualidade de vida e no desempenho profissional desta populao, bem como analisar a dinmica do processo de trabalho e sua organizao O estudo foi conduzido em duas fases. Primeiramente realizando o levantamento das condies de organizao do trabalho e a observao direta do processo das atividades laborais do grupo em foco. Em segundo lugar, levantamento da prevalncia da cefalia por meio de um questionrio subdividido em trs partes: dados gerais dos motoristas, descrio do quadro geral da cefalia e QVCS, medida pelo Medical Outcomes Short Forme 36-Item Health Survey (SF-36). Foram estudados 55 motoristas do sexo masculino. Deste total, 31 (56,4%) relataram apresentar cefalia no ltimo ano, com maior incidncia na faixa etria de 31 a 40 anos. As caractersticas clnicas mais observadas no grupo com cefalia foram: dor na fronte (41,9%); dor de intensidade leve (45,2%); carter pulstil (51,6%); freqncia menor do que uma vez por semana (41,9%); durao das crises de at 2 horas (67,7%). O consumo excessivo de medicaes sintomticas foi observado em 71,0% dos entrevistados que apresentam quadro de cefalia. Um motorista relatou mudana no padro da crise aps acidente. No foi encontrada associao significativa da ocorrncia freqente da cefalia com o nvel educacional dos pesquisados. O grupo de motoristas com relato de cefalia apresentou uma reduo da QVCS em relao ao grupo sem cefalia, registrando-se diferena estatisticamente significante em todos os componentes pelo teste t de Student. A totalidade dos motoristas (100%) respondeu no perder dia de trabalho devido cefalia, desempenhando sua atividade mesmo com dor. Conclumos que a empresa investe em Qualidade Total, melhorando as condies de trabalho e diminuindo os fatores de riscos a que esto submetidos os motoristas; a cefalia freqente entre a populao pesquisada e sua presena produz reduo da QVCS. Palavras-chave: Cefalia; qualidade de vida condicionada sade (QVCS); motorista de nibus; sade do trabalhador.

IX ABSTRACT

Headache is a common symptom. About 90% of the population has had or will have one of its varieties during their lifetimes. The most common varieties of chronic headaches are migraine and those caused by stress. Their peak of prevalence coincides with the most productive age of the work force, entailing a major impact on the health-related quality of life (HRQoL) of its sufferers. The aim of this study was to assess the prevalence of chronic headaches among bus drivers working on city routes and to avail the extent to which this condition undermines their quality of life and professional performance, as well as to analyze the dynamics of the work process and its organization. This study was conducted in two phases. First, the conditions of the work organization were investigated and a direct observation of the work process was conducted. In the second phase, the prevalence of chronic headaches was surveyed with the use of a questionnaire divided in three sections: 1) general data about the the drivers; 2) a general picture of chronic headaches and; 3) HRQoL, as measured by the Medical Outcomes Short-Form 36-Item Health Survey (SF-36). Fifty-five male drivers were surveyed, of which 31 (56.4%) reported to have had headache in the last 12 months, with more prevalence in the age groups of 31 to 40 years old. Clinical characteristics more frequently observed in the group with headache were: forehead ache (41.9%); mild intensity of pain (45.2%); throbbing headache (51.6%); frequency of less than once a week (41.9%); continuing occurrences of up to 2 hours (67.7%). Excessive consumption of symptomatic medication was observed in 71% of the cases. One driver reported a change in the pattern of occurrences after being involved in an accident. There were no signs of significant association between the prevalence of chronic headaches and educational level. The group of drivers with chronic headache presented a decrease of HRQoL as compared to the group of drivers thad did not report headaches. A statistically significant difference was present in all the of the participants, according to Students test t. All drivers (100%) reported not having ever missed a workday because of headache, working even in pain. We concluded that the company invests in Total Quality, improving work conditions and diminishing the risk factors which affect the drivers; headache is a frequent condition among the researched population and its presence leads to the reduction of HRQoL. Keywords: Headache; health-related quality of life (HRQoL); bus driver; workers health.

X LISTA DE ABREVIATURAS AC............................ Antes de Cristo AINE........................ Antiinflamatrio No-esteride ANTP....................... Associao Nacional de Transporte Pblico AP ............................ rea de Planejamento AT............................ Acidente de Trnsito BVQI ....................... Bureau Veritas Quality Internacional CCD ......................... Cefalia Crnica Diria CEP.......................... Comit de tica em Pesquisa CET-Rio ................. Companhia de Engenharia de Trfego do Municpio do Rio de Janeiro CID .......................... Classificao Estatstica Internacional de Doenas e Problemas Relacionados Sade CLT.......................... Consolidao das Leis do Trabalho CNT ......................... Confederao Nacional do Transporte COMPET ................. Programa Nacional da Racionalizao do Uso dos Derivados de Petrleo e do Gs Natural CPDI ........................ Cefalia Persistente e Diria Desde o Incio CPT ......................... Cefalia Ps-traumtica CS ............................ Cefalia em Salvas CTB ......................... Cdigo de Trnsito Brasileiro CTT.......................... Cefalia do Tipo Tensional CTTC ....................... Cefalia do Tipo Tensional Crnica CTTE ....................... Cefalia do Tipo Tensional Episdica DC............................ Depois de Cristo DEPT ....................... Desordem do Estresse Ps-traumtico DETRAN ................. Departamento de Trnsito DNER ...................... Departamento Nacional de Estradas e Rodagem FEEMA.................... Fundao Estadual de Engenharia do Meio Ambiente FETRANSPOR........ Federao das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro GEM ........................ Genetic Epidemiology of Migraine

XI IDAQ ....................... Instituto de Desenvolvimento, Assistncia Tcnica e Qualidade em Transporte INMETRO ............... Instituto Nacional de Metrologia, Normalizao e Qualidade Industrial INSS ........................ Instituto Nacional do Seguro Social ISO........................... International Standard Organization LII ............................ Lmpido e Isento de Impurezas NESC ....................... Ncleo de Estudos em Sade Coletiva da UFRJ OIT .......................... Organizao Internacional do Trabalho OMS ........................ Organizao Mundial de Sade QVCS ...................... Qualidade de Vida Condicionada Sade RH............................ Recursos Humanos RIONIBUS ........... Sindicato das Empresas de nibus da Cidade do Rio de Janeiro SAC ......................... Servio de Atendimento ao Cliente SBCe........................ Sociedade Brasileira de Cefalia SCCSIC ................... Subcomit de Classificao das Cefalias da Sociedade Internacional de Cefalia SF36......................... The MOS 36-item Short-Form Health Survey SIC ........................... Sociedade Internacional de Cefalia SIPAT ...................... Semana Interna de Preveno de Acidentes de Trabalho SMTU ...................... Superintendncia Municipal de Transportes Urbanos SPT .......................... Sndrome Ps-Traumtica SUNCT .................... Short-lasting Unilateral Neuralgiform Headache with Conjunctival Injection and Tearing (Cefalia de Curta Durao, Unilateral, Neuralgiforme com Hiperemia Conjuntival e Lacrimejamento) TCE.......................... Traumatismo Crnio-enceflico TCQ ......................... Transportando com Cidadania e Qualidade UAL ......................... Utilizao, Arrumao e Limpeza UKAS ...................... United Kingdom Accreditation Service UNICAMP............... Universidade Estadual de Campinas

XII LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Empresas de Transporte de Passageiros da Regio Metropolitana do Rio de Janeiro 2005..................................................................................................... 57 Tabela 2 Linhas de Coletivos da Regio Metropolitana do Rio de Janeiro 2005 .............................. 57 Tabela 3 Nmero de Veculos envolvidos em Acidentes, por Classe de Veculo - 1996-2000......... 63 Tabela 4 Nmero de Pessoas Envolvidas em Acidentes, Segundo a Gravidade - 1996-2000 ........ 63 Tabela 5 Nmero de Acidentes, Segundo a Gravidade - 1996-2000 ................................................ 64 Tabela 6 Atendimentos Ocupacionais de acordo com a Razo das Consultas 2004/2005.............. 75 Tabela 7 Distribuio (%) dos Motoristas segundo Faixa Etria ....................................................... 84 Tabela 8 Distribuio (%) dos Motoristas segundo as Variveis Selecionadas: ............................... 86 Tabela 9 Distribuio (%) dos Motoristas segundo Fator de Desgaste............................................ 87 Tabela 10 Freqncia de Localizao de Dores Relatada pelos Motoristas..................................... 88 Tabela 11 Distribuio da Presena de Cefalia por Faixa Etria dos Motoristas............................ 89 Tabela 12 Distribuio (%) dos Motoristas com Cefalia segundo as Variveis Selecionadas........ 91 Tabela 13 Tempo de Cefalia de acordo com o Tempo de Incio da Atividade de Motorista ........... 93 Tabela 14 Cefalia Auto-Referida segundo a Escolaridade .............................................................. 93 Tabela 15 Mdia dos Resultados da Avaliao da Qualidade de Vida dos Motoristas (Clculo do Raw Scale) de acordo com a presena de Cefalia ..................................... 95 Tabela 16 Comparao das Mdias dos Componentes do SF-36, segundo a Presena ou No de Cefalia ......................................................................... 96 Tabela 17 Classificao da Sade em Geral comparada h 1 Ano .................................................. 96 Tabela 18 Comparao das Mdias dos Componentes do SF-36, segundo a Presena ou No de Cefalia Combinada com Outras Dores ....................... 96

XIII LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Linhas Operadas ................................................................................................................ 69

LISTA DE GRFICOS

Grfico 1 Prevalncia Ajustada da Migrnea por rea Demogrfica e Gnero ................................ 36 Grfico 2 Mdia dos Resultados da Avaliao da Qualidade de Vida dos Motoristas (Clculo do Raw Scale) de acordo com a presena de Cefalia ..................................... 95

LISTA DE FOTOS

Foto 1 Setor de Manuteno na Garagem da Empresa .................................................................... 68 Foto 2 Prdio do Setor Administrativo na Garagem da Empresa...................................................... 69 Foto 3 Filtro de leo Diesel................................................................................................................ 76 Foto 4 e 5 Vista Interna e Externa da Cabine de Pintura ................................................................. 77 Foto 6 Motorista Parado no Semforo ............................................................................................... 82 Foto 7 Posio Sentada com Anteriorizao da Cabea .................................................................. 82 Foto 8 Inclinao do Tronco para Alcanar o Freio de Mo .............................................................. 82 Foto 9 Movimento Repetitivo de Cabea com Extenso Permanente de Cotovelo .......................... 82 Foto 10 Instalao no Ponto Final ..................................................................................................... 83 Foto 11 Limpeza da Instalao .......................................................................................................... 83 Foto 12 Personalizao do nibus .................................................................................................... 83

XIV SUMRIO

1 INTRODUO

......................................................................................................16

2 OBJETIVOS ..........................................................................................................19 2.1 GERAL........................................................................................................................... 19 2.2 ESPECFICOS ............................................................................................................... 19 3 MTODO ..............................................................................................................20 3.1 ESTUDO DA PREVALNCIA DA CEFALIA..........................................................20 3.2 ESTUDO DO PROCESSO E ORGANIZAO DO TRABALHO .............................23 3.3 ANLISE DOS DADOS ............................................................................................... 24 4 REVISO BIBLIOGRFICA ................................................................................25

4.1 ASPECTOS HISTRICOS DA CEFALIA ................................................................ 25 4.2 CLASSIFICAO DAS CEFALIAS ......................................................................... 31 4.3 EPIDEMIOLOGIA DAS CEFALIAS ......................................................................... 34 4.3.1 Prevalncia por Idade e Gnero ............................................................................ 35 4.3.2 Prevalncia por Distribuio Geogrfica .............................................................. 36 4.3.3 Prevalncia por Situao Socioeconmica............................................................37 4.3.4 Cefalia aps Trauma de Cabea .......................................................................... 37 4.4 CUSTO SOCIOECONMICO DAS CEFALIAS E QUALIDADE DE VIDA......... 38 4.5 QUADRO CLNICO DAS CEFALIAS ......................................................................42 4.5.1 Migrnea ............................................................................................................... 43 4.5.2 Cefalia do Tipo Tensional ................................................................................... 45 4.5.3 Cefalias em Salvas............................................................................................... 47 4.5.4 Cefalia Crnica Diria......................................................................................... 50 4.5.5 Cefalia Ps-Traumtica ....................................................................................... 52 5 RESULTADOS ......................................................................................................56

XV 5.1 DO ESTUDO DO PROCESSO E ORGANIZAO DO TRABALHO ..................... 56 5.1.1 Transporte Coletivo Urbano: Organizao e Normas, Responsabilidade Jurdica e Acidentes de Trnsito............................................... 56 5.1.2 Do Processo e Organizao do Trabalho na Empresa........................................... 65 5.2 DAS CARACTERSTICAS DA POPULAO ESTUDADA .................................... 84 5.3 DAS CARACTERSTICAS DA CEFALIA ............................................................... 88 5.4 DA QUALIDADE DE VIDA ........................................................................................94 6 DISCUSSO ..........................................................................................................97 6.1 OBSERVAO DO ESTUDO .....................................................................................97 6.2 DO PROCESSO DE TRABALHO E SUA ORGANIZAO ..................................... 97 6.3 DO ESTUDO DA CEFALIA .................................................................................... 102 6.4 DA QUALIDADE DE VIDA ......................................................................................106 6.5 DA CEFALIA E DO DESEMPENHO PROFISSIONAL.........................................108 6.6 LIMITAO DO ESTUDO ........................................................................................ 110 7 CONCLUSO ......................................................................................................112 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ......................................................................114

ANEXOS ...............................................................................................................125 ANEXO A CARTA DE SOLICITAO EMPRESA ................................................ 126 ANEXO B TERMO DE CONSENTIMENTO ................................................................128 ANEXO C ESTUDO DA CEFALIA ............................................................................130 PARTE 1 DADOS GERAIS DOS MOTORISTAS ..................................................131 PARTE 2 QUADRO GERAL DA DOR DE CABEA ............................................. 135 PARTE 3 SF-36 .........................................................................................................139 ANEXO D PONTUAO DO QUESTIONRIO SF-36 .............................................. 145 ANEXO E PROCESSO E ORGANIZAO DO TRABALHO .................................... 148 ANEXO F CLASSIFICAO INTERNACIONAL DAS CEFALIAS ....................... 150

16 1 INTRODUO

A ocorrncia de dor tem crescido, principalmente a dor crnica. Isso se d em decorrncia dos novos hbitos da vida, da maior longevidade do indivduo, do prolongamento de sobrevida dos doentes, das modificaes dos ambientes e, provavelmente, do conhecimento de novas condies lgicas e da aplicao de novos conceitos que traduzem seu significado (TEIXEIRA et al., 2003). A dor uma qualidade sensorial complexa que nem sempre est relacionada ao grau de leso tecidual e aos seus elementos anatmicos e fisiolgicos. A interpretao da sensao dolorosa varia de um indivduo para o outro, se manifesta de acordo com os componentes scio-culturais; particularidades do ambiente, chegando at ao momento histrico em que esta se encontra, influenciando a sua percepo. (TEIXEIRA & OKADA, 2003). Segundo estudo da Organizao Mundial da Sade OMS em atendimento primrio, a dor uma das razes mais comuns e um determinante pessoal para o indivduo procurar um mdico. Neste mesmo estudo, a cefalia aparece como a segunda queixa mais comum, s perdendo para a lombalgia (GUREJE et al., 1999). SILBERSTEIN et al. (1998) citam que a cefalia um sintoma comum na populao e que pode ter vrias causas. O sintoma cefalia pode ocorrer isoladamente, como manifestao de um complexo sintomtico agudo (por exemplo, a migrnea) ou como parte de uma doena em desenvolvimento (por exemplo, um tumor cerebral). Alm das alteraes relacionadas ao sofrimento que so geradas pela dor, a cefalia tambm causa uma perda no desempenho profissional, promovendo incapacidade para a execuo de tarefas. Em muitos estudos, a dor uma das principais causas de afastamento do trabalho, gerando um enorme nus para a empresa, governo e sociedade. Por essas razes, a cefalia deve ser considerada um srio problema de sade coletiva.

17 Anlises relatam a gravidade das perdas financeiras e de qualidade de vida causada pelas cefalias, como mostra o estudo de STEWART et al. (1998). Nos Estados Unidos, 50% das mulheres migranosas perdem trs dias ou mais por ano e 31% perdem seis dias ou mais em funo da cefalia. Entre os homens, 30% dos migranosos perdem trs dias ou mais e 17% perdem seis dias ou mais. Muitos migranosos vo trabalhar mesmo estando em crise de cefalia e, nesse caso, apresentam queda de produtividade (FERNANDES et al., 2002). Alm das perdas econmicas, a cefalia produz conseqncias negativas considerveis sobre a qualidade de vida. Um dos maiores avanos no cuidado da sade, na ltima dcada, tem sido o crescimento do consenso sobre a extenso do impacto da doena no bem-estar do indivduo (BIGAL et al., 2001). As mudanas ocorridas no mundo do trabalho tm proporcionado uma transformao da classe trabalhadora: a reduo da classe operria industrial, em paralelo expanso do trabalho no setor de servios (LANCMAN, 2004). Observamos uma substituio de valores, criando uma nova relao entre a produo e o meio. Estas mudanas vo desde a organizao do trabalho, passando pelo avano tecnolgico, at as novas formas de acumulao. Diante desta reestruturao produtiva, os trabalhadores se encontram recuados, no podendo fazer suas escolhas e, como resultado, aumentam e agravam o afastamento por doenas e acidentes. Neste perfil, inclumos os motoristas de transporte coletivo do Rio de Janeiro que diariamente enfrentam fatores de risco como trnsito pesado; instalaes inadequadas; excesso de rudos; temperatura elevada; longa jornada de trabalho; e violncia; a nveis que ultrapassam sua capacidade e tolerncia fsica e psquica. Segundo dados da OIT (ORGANIZAO INTERNACIONAL DO TRABALHO, 2002), todos os anos 270 milhes de trabalhadores so vtimas de acidentes de trabalho, dos quais 2 milhes resultam em acidentes fatais. A OIT calcula que 4% do PIB mundial gasto com doenas profissionais, absentesmo, adoecimentos, tratamentos, incapacidades e penses.

18 Nos pases mais industrializados onde se observou uma mudana no trabalho industrial, ocorreu uma diminuio significativa do nmero de leses graves. Em contrapartida, cresceram novas formas de adoecer como: leses musculoesquelticas, estresse, alteraes psquicas, e reaes asmticas e alrgicas (LANCMAN, 2004).

19 2 OBJETIVOS

2.1 GERAL Estudar a prevalncia das cefalias de acordo com a classificao da Sociedade Internacional de Cefalias e avaliar o comprometimento na qualidade de vida e no desempenho profissional da populao de motoristas de uma empresa de transporte coletivo da cidade do Rio de Janeiro.

2.2 ESPECFICOS Descrever e analisar a freqncia das cefalias auto-referidas em motoristas selecionados e suas caractersticas do ponto de vista sintomatolgico e dos elementos das condies do trabalho; Mensurar e analisar a qualidade de vida condicionada sade dos motoristas que referiram a presena de cefalia; Verificar o consumo de medicao sintomtica no grupo de motoristas com cefalia; Descrever e analisar a dinmica do processo de trabalho e sua organizao, caracterizando os agentes de trabalho da empresa, segundo suas caractersticas individuais, seus instrumentos e o ambiente em que se d, de maneira a estabelecer possveis articulaes entre este processo e a presena das cefalias em termos gerais.

20 3 MTODO

O estudo foi realizado em uma empresa de transporte coletivo da cidade do Rio de Janeiro. A populao estudada e a observao direta da dinmica do processo de trabalho foram realizadas em uma determinada linha de nibus, no decorrer dos turnos existentes, levando em conta os critrios de acessibilidade e segurana do pesquisador. empresa escolhida foi enviada uma carta de apresentao dos pesquisadores e de solicitao para realizao da pesquisa e acesso empresa e aos motoristas (ANEXO A). Foi informada a inteno da no divulgao do nome da companhia e de seus colaboradores, mantendo-os em sigilo. Esta pesquisa foi submetida ao Comit de tica em Pesquisa CEP, do Ncleo de Estudos em Sade Coletiva, de forma a resguardar a integridade e os direitos dos participantes. Os trabalhadores da empresa envolvidos na pesquisa precisaram estar de acordo com os termos desta e para isso, assinaram um Termo de Consentimento Livre e Informado explicando toda a sua inteno (ANEXO B). A pesquisa foi completada em duas fases, constando dos seguintes estudos: Estudo da prevalncia de cefalia e suas conseqncias na qualidade de vida dos motoristas; Estudo do processo e organizao do trabalho.

3.1 ESTUDO DA PREVALNCIA DA CEFALIA O estudo da prevalncia foi realizado em motoristas selecionados de uma determinada linha na qual foi feita a observao direta do processo de trabalho. Aceitamos a indicao da empresa que se norteou pela acessibilidade e espao seguro para a realizao das entrevistas.

21 As entrevistas foram realizadas durante o horrio de trabalho, em momentos anteriores ao incio e posteriores ao fim da jornada de trabalho, e nos intervalos entre as viagens, sempre no mesmo local. A pesquisadora se mantinha no ponto final da linha, e os motoristas se apresentavam voluntariamente para a atividade. O estudo da cefalia foi realizado por meio de questionrio (ANEXO C), subdividido em 3 partes, aps explanao esclarecedora da pesquisa e da assinatura do Termo de Livre Consentimento. Parte 1 Constitudo por quatro grupos de variveis que se referem s caractersticas do trabalhador (idade, escolaridade, estado civil); aos indicadores de percepo das condies de trabalho e satisfao com o prprio trabalho; aos episdios prvios de trauma durante a execuo da tarefa (violncia e acidentes); e presena de dor em geral. Os motoristas que relataram cefalia quando perguntados sobre a presena de dor, responderam segunda e terceira partes do questionrio. J os motoristas sem cefalia no responderam segunda parte, passando da primeira terceira parte do questionrio. Parte 2 Visa caracterizar a cefalia auto-referida. Suas variveis se referem ao tempo da dor; freqncia, intensidade, localizao, durao, ao carter, aos sintomas associados, ao comportamento de evoluo da dor, ao uso de medicamentos, sua relao com os traumas sofridos, hereditariedade e absentesmo. Parte 3 Objetiva mensurar a qualidade de vida condicionada sade dos motoristas. Qualidade de vida condicionada sade (QVCS) a expresso de uma percepo da posio na vida que afetada pela sade fsica, pelo estado psicolgico e relaes sociais. Isto inclui percepo subjetiva de uma situao de vida no contexto cultural e do sistema de valores no qual esto inseridos, e em relao s suas metas, expectativas e princpios (VAN SUIJLEKOM et al., 2003).

22 Utilizamos para esta anlise o The MOS 36-item Short-Form Health Survey (SF-36), questionrio elaborado a partir do The Medical Outcomes Study usado para avaliao genrica de sade, formado por 149 itens. No Brasil, o Short-Form-36 foi traduzido e validado por CICONELLI et al. (1999) em pacientes com artrite reumatide. O SF-36 um questionrio genrico multidimensional, formado por 36 itens, englobados em oito componentes, visando avaliar a qualidade de vida: (1) capacidade funcional, (2) aspectos fsicos, (3) dor, (4) estado geral de sade, (5) vitalidade, (6) aspectos sociais, (7) aspectos emocionais e (8) sade mental. Engloba tambm mais uma questo de avaliao comparativa entre as condies de sade atual e as de um ano atrs (SAKUMA, 2002). Os componentes do SF-36 medem o impacto da sade sobre a qualidade de vida e podem ser resumidos como: 1 Capacidade funcional: mede tanto a presena como a extenso das limitaes referentes capacidade fsica, atravs de itens relacionados ao grau de dificuldade em realizar atividades como correr, subir escada, levantar objetos pesados e cuidados pessoais, como se vestir; 2 Aspecto fsico: avalia o quanto as limitaes fsicas dificultam a realizao do trabalho e de atividades da vida diria; 3 Dor: avalia a sua intensidade e extenso no passar dos meses e sua interferncia no trabalho e atividades rotineiras; 4 Estado geral de sade: sumariza o status atual de sade de forma global; 5 Vitalidade: considera tanto o nvel de energia quanto o de fadiga; 6 Aspectos sociais: analisa a integrao do indivduo em atividades sociais; 7 Aspectos emocionais: avalia se o fato de se sentir deprimido ou ansioso pode dificultar as atividades do dia-a dia;

23 8 Sade mental: avalia a freqncia de nervosismo, depresso, felicidade e tranqilidade. Esse questionrio foi criado para estabelecer um mtodo mais efetivo de mensurar funes e conceitos subjetivos do estado de sade do paciente, possibilitando comparar o resultado de diferentes mtodos de cuidados. As pontuaes de cada componente do SF-36 so calculadas pelo somatrio dos itens de cada questo e transformadas em uma escala de 0 a 100 pelo clculo de Raw Scale (SAKUMA, 2002).

3.2 ESTUDO DO PROCESSO E ORGANIZAO DO TRABALHO Este estudo constou de 2 etapas, antecipadas pelo levantamento das condies de organizao do transporte urbano na rea metropolitana do municpio do Rio de Janeiro e suas normas, como tambm, do acidente de trnsito como indicador das condies de trabalho. . Etapa1Iniciamos esta fase da pesquisa pelo estudo das caractersticas da dinmica e da organizao do processo de trabalho dos motoristas. Os dados foram levantados, atravs de entrevistas feitas com a gerncia da empresa de transporte, com os motoristas, os profissionais de sade. Os dados dos documentos de gesto organizacional tambm foram levados em conta. Utilizamos o instrumento Investigando a Relao entre Sade e Trabalho (BUSCHINELLI, 1993), modificado por FERNANDES (2002) e pela autora. Abordamos as seguintes questes: Identificao e estrutura da empresa; Estrutura do processo: agente (sexo, idade, estado civil, escolaridade, data de admisso), instrumentos, meios e condies de trabalho;

24 Dinmica e organizao do processo de trabalho: turnos, horrios de trabalho, habilidades necessrias, hierarquia de trabalho, relao com o instrumento, fiscalizao, legislao e normas; Condies ambientais de trabalho.

Etapa Uma observao direta do processo de trabalho durante uma viagem do 2 nibus foi realizada, buscando avaliar as condies de trabalho que o motorista possui para executar sua tarefa. Utilizamos o questionrio elaborado a partir da adaptao do Manual de Anlise Ergonmica do Posto de Trabalho do Finnish Institute of Occupacional Health (1989), modificado por FERNANDES (2002), NEVES (2004) e pela autora. (ANEXO E), que aborda as seguintes variveis: tempo de viagem, postura, conservao do veculo, segurana, conversas, descanso entre as viagens, queixas. Esta observao foi realizada no intuito de nos familiarizarmos com as formas que o trabalho normatizado pela empresa se concretiza, ou seja, se refere ao trabalho real, possibilitando identificar atividades laboriais que possam dar origem ou influenciar condies potencialmente morbgenas.

3.3 ANLISE DOS DADOS As informaes foram geradas em meio eletrnico, utilizando o programa EPI INFO (6). Os dados levantados foram analisados do ponto de vista quantitativo e qualitativo dependendo do tipo da informao obtida. Foi realizada a anlise quantitativa dos dados referentes aos aspectos relacionados cefalia. O processo de trabalho foi submetido a uma anlise qualitativa. Foram construdos indicadores variados para melhor entendimento dos dados quantitativos. Para avaliao das relaes entre as variveis, utilizamos testes estatsticos (mdia, medida de tendncia central, desvio padro, p valor e teste t de Student).

25 4 REVISO BIBLIOGRFICA

4.1 ASPECTOS HISTRICOS DA CEFALIA A cefalia uma preocupao do ser humano desde os primrdios da civilizao. Dela encontramos referncias mdicas desde a poca pr-hipocrtica (BIGAL et al., 2000). Os aspectos histricos da cefalia por ns levantados, se encontram principalmente na obra de SIBERSTEIN et al. (1998) e no site da HEADACHE AUSTRALIA (2005). A evidncia histrica mostra sinais de neurocirurgia em 7000 AC. Crnios neolticos evidenciam que a trepanao foi muito executada e que pode ter sido usada para liberar demnios e maus espritos da cabea. O homem antigo acreditava que estes espritos eram os causadores das cefalias e de desordens como a loucura e a epilepsia. No sculo 17, a trepanao foi usada para o tratamento da migrnea e em 1660, William Harvey recomendou o procedimento para um paciente com migrnea intratvel. O Papiros de Ebers, datado aproximadamente de 1200 AC, menciona a migrnea, a neuralgia e as dores lancinantes da cabea. No documento encontra-se o primeiro relato de cefalia unilateral, acompanhada de vmitos, denominada doena da metade da cabea, alm da indicao de uma pomada para calvcie. De acordo com o papiro, os egpcios acreditavam que os deuses podiam curar suas doenas. Um crocodilo de argila prendendo um gro pela boca era colocado sobre a cabea do paciente, seguro por uma tira de linho cujos furos tinham os nomes dos deuses. Este processo pode ter produzido o alvio da cefalia pela compresso do couro cabeludo. Em 400 AC, Hipcrates separou a medicina da filosofia, alertando que a doena no era uma punio divina e foi o primeiro a descrever os sintomas visuais da migrnea, a aura visual. Ele discorreu sobre um brilho de luz, normalmente no olho direito, seguido de dor forte comeando nas tmporas e eventualmente atingindo a cabea como um todo e a rea do

26 pescoo. Tornando-se generalizada era aliviada pelo vmito. Hipcrates tambm notou a associao entre a cefalia e vrias atividades como o exerccio fsico e as relaes sexuais. Por muito tempo, as cefalias foram atribudas aos distrbios digestivos e ao fluxo da bile. A palavra migrnea derivada do vocbulo grego hemicrania e foi introduzida aproximadamente h 200 DC por Galeno, um mdico romano que comentou: Como constantemente ns vemos o ataque da cabea com dor quando a bile amarela est contida no estmago, a dor tambm cessa imediatamente quando a bile vomitada. Galeno criou e difundiu a teoria humoral, na qual existiriam quatro humores sangue, fleugma, bile amarela e bile preta. Ele acreditava que o ataque era causado pelos vapores prejudiciais ascendentes que atingiam o crebro, oriundos de outras partes do organismo e que os vmitos ocorriam em virtude do acmulo de bile amarela. Suas idias permaneceram como leis por quase 15 sculos. Hipcrates j havia atribudo a migrnea aos vapores que se levantam do estmago cabea e que atravs do vmito se poderia parcialmente aliviar a dor de cabea. No sculo 12 DC, Abbess Hildegarde of Bingen descreveu a atribuio que foi dada aura migranosa, tanto mstica quanto apocalptica. Na Europa do sculo seguinte, o pio e o vinagre foram largamente usados no tratamento das cefalias como remdios na forma de cataplasmas, embebidos e aplicados cabea. O vinagre, provavelmente, foi usado para abrir os poros do couro cabeludo e permitir que o pio fosse absorvido mais rapidamente atravs da pele. Trs sculos mais tarde, em 1672, Thomas Willis introduziu o termo neurologia e fez observaes exatas dos ataques de migrnea e de suas causas, incluindo a hereditariedade, mudanas de estaes, estados atmosfricos e dieta. Ele introduziu tambm a teoria vascular das cefalias, atribuindo como a causa do estado migranoso a vasodilatao, alm de relacionar os sintomas da cefalia aos espasmos ascendentes que comeam nas extremidades perifricas dos nervos (SILBERSTEIN et al., 1998; HEADACHE AUSTRALIA, 2005).

27 J em 1700, Bernardino Ramazzini publicou o primeiro tratado de medicina ocupacional. Dentre as 69 ocupaes listadas, havia 12 que provocavam cefalia como distrbio diretamente relacionado s condies do trabalho. Como profilaxia, desaconselhava aos indivduos queixosos de cefalia assumirem profisses que envolvessem a utilizao de instrumentos musicais de sopro e canto livre. A cefalia dos confeiteiros se dava em funo da permanncia por horas prximos ao carvo quente; das estengrafas, em virtude de horas de intensa tenso; dos lacaios e mensageiros, ao esforo; e dos caadores e marinheiros em decorrncia das modificaes de temperatura e exposio ao sol (MARANHO FILHO, 2002). Em 1783, Tisso distinguiu migrnea da cefalia comum, atribuindo-a neuralgia supraorbital. Durante o sculo seguinte, DuBois Reymond, Mollendorf e mais tarde Eulenburg propuseram diferentes teorias vasculares para a migrnea. No final de 1700, Erasmus Darwin (av de Charles Darwin) acreditava que as cefalias eram causadas pela vasodilatao, propondo o tratamento pela centrifugao. Sugeriu girar o paciente numa centrfuga para forar o desvio do sangue da cabea para os ps, aliviando-os assim do padecimento. Fothergill, em 1778, introduziu o termo fortificao espectro para descrever a aura visual tpica da migrnea. Ele usou o termo fortificao, porque os distrbios visuais assemelham-se s cidades fortificadas rodeadas de baluartes. Em 1814, James Ware descreveu ataques de aura visual desacompanhado de cefalia. A primeira monografia sobre migrnea intitulada On Megrim, Sick-headache, and Some Allied Disorders: A Contribution to the Pathology of Nerve-storms, foi escrita por Edward Liveing, em 1873. Foi ele o criador da teoria neuronal da migrnea que se diferenciava grandemente da teoria vascular. Considerou serem as auras o resultado de uma tempestade neural, originadas no tlamo e tambm acreditava na relao da migrnea e da epilepsia, sendo ambas causadas pela descarga do sistema nervoso central. Liveing ressaltou a influncia do sexo, a transmisso

28 hereditria e, como Tisso, enfatizou o carter paroxstico dos sintomas da migrnea. Descreveu os aspectos emocionais, visuais, tteis, afsicos e intelectuais do processo. Conhecido como o fundador da neurologia moderna, William Gowers contribuiu para a teoria neurognica da cefalia proposta por Liveing. Em 1888, publicou o manual de neurologia Um Manual de Doenas do Sistema Nervoso no qual enfatizava a importncia do estilo de vida saudvel e defendia o uso de uma soluo de nitroglicerina a 1% em lcool combinado com outros agentes para o tratamento das cefalias. Mais tarde, esse medicamento ficou conhecido como a Mistura de Gowers. Ele tambm fez uso da marijuana para alvio do ataque agudo de cefalia e foi um dos primeiros a dividir o tratamento em profiltico e episdico. Gowers defendeu o tratamento contnuo com drogas para diminuir a freqncia dos ataques e para tratamento dos prprios ataques. Considerava improvvel que os fenmenos relativos aura migranosa fossem ocasionados simplesmente por alteraes da vascularizao cerebral (SILBERSTEIN et al., 1998; HEADACHE AUSTRALIA, 2005). Em 1900, Deyl sugeriu que a migrnea, incluindo a migrnea menstrual, resultava do edema intermitente da hipfise com compresso do nervo trigeminal. Um ano depois, Spitzer, levantou a possibilidade da cefalia ser produzida pela freqente obstruo do forame interventricular, causando uma dilatao ventricular lateral. Na dcada de 30, Harold Wolff, juntamente com John Graham, estudou o assunto em laboratrio, realizando muitas experincias que sustentavam a teoria vascular da cefalia e publicou os resultados de suas experincias, nas quais utilizava mtodos criativos de aferir a dinmica da circulao extra e intracranial, assim como os efeitos da ergotamina injetada. Concluram que os escotomas ocorriam em virtude da constrio das artrias cerebrais e que a dor advinha da combinao de efeitos de dilatao das grossas artrias enceflicas, aliadas ao de substncias que, acumuladas na parede dos vasos e tecidos perivasculares, diminuam os limiares da dor (SILBERSTEIN et al., 1998; MARANHO FILHO, 2002).

29 Considerado pioneiro no tratamento das cefalias, Grahan introduziu o corticide para o tratamento da cefalia em salvas e descreveu as fceis caractersticas do paciente com essa doena. Bayard Taylor Horton (1895-1980) ser sempre lembrado pela descrio da artrite temporal (doena ou sndrome de Horton) e cefalia histamnica (cefalia de Horton ou sndrome da cefalia em salvas). Em 1941, Karl Lashley publicou o mapeamento com a cronometragem de suas prprias auras visuais. Considerou que o padro do escotoma seria consistente com sua teoria de integrao cortical, baseada na interferncia de ondas alastrantes de excitao cortical. Trs anos mais tarde, sem conhecer a publicao de Lashley, Aristides A Pacheco Leo, ao estudar a propagao de descargas epilpticas no crtex cerebral de coelhos, surpreendeu-se quando observou que em determinadas condies, em lugar do aparecimento de atividade de alta voltagem, caracterstica das crises epilpticas, havia diminuio da amplitude do eletrocorticograma normal. Alm disso, demonstrou que essa depresso alastrante da atividade eltrica espontnea alastrava-se para regies vizinhas do crtex exposto a uma velocidade de 3mm/minuto. Ele relacionou a depresso alastrante com a migrnea. Em 1957, Picarelli e Gaddum foram os primeiros a comprovar a existncia de tipos diferentes de receptores da serotonina (5-HT). A importncia prtica dessas descobertas pode ser avaliada pelos novos e mais especficos medicamentos antimigranosos que foram surgindo como opo teraputica. Nos ltimos 30 anos, o noruegus Ottar Sjaastad forneceu vrias contribuies no campo das cefalias: seu livro sobre cefalia em salvas; em 1976, a descrio da hemicrania paroxstica crnica; em 1978, denominou SUNCT (Short-lasting Unilateral Neuralgiform Headache with Conjunctival Injection and Tearing Cefalia de Curta Durao, Unilateral,

30 Neuralgiforme com Hiperemia Conjuntival e Lacrimejamento), uma forma rara de cefalia associada com fenmenos autonmicos; em 1982, a cefalia cervicognica; e, no ano seguinte, a hemicrania contnua. Em 1984, Moskowitz prope um mecanismo engenhoso para explicar o processo fisiopatolgico da migrnea, denominado teoria trigmino-vascular. Esta teoria associa um fenmeno neuronal (depresso alastrante) antecedendo e promovendo uma alterao vascular (liberao de neuropeptdeos e vasodilatao) e tem sido mais considerada e pesquisada nas ltimas duas dcadas. No Brasil o Dr. Edgard Raffaelli Jr., considerado pai da cefalia no pas, por no conseguir obter soluo mdica adequada para suas crises de cefalia, resolveu estudar o problema em 1956. Em 1973, comeou a freqentar os congressos internacionais e, em 1978, devido ao seu idealismo e firmeza, nascia a Sociedade Brasileira de Cefalia (SBCe). Foi ele o autor das primeiras monografias sobre cefalia (1979) e enxaqueca (1980) e das expresses cefalia em salvas para o cluster headache, alm das denominaes migrnea, cefaliatria e cefaliatra (MARANHO FILHO, 2002). Em 1979, foi realizado o primeiro congresso da nova entidade, a poca, denominada Sociedade Brasileira de Cefalia e Enxaqueca, com a participao de 172 mdicos. Com o transcorrer dos anos, a sociedade mudou de nome, perdendo o apndice Enxaqueca. Atualmente, os congressos se realizam uma vez ao ano, reunindo mais de 400 mdicos (SOCIEDADE BRASILEIRA DE CEFALIA SBCe, 2005). No Rio de Janeiro, em 1986, Dr. Abouch V. Krymchantowski fundou a primeira clnica especfica, em atividade at os dias de hoje, para avaliar e tratar pacientes com cefalia. Relatos de sinais e sintomas aps traumatismos cranianos, existem desde 1705, quando um homem cometeu suicdio arremessando a prpria cabea contra uma parede. A

31 autopsia no revelou leso do crebro. Desde 1800, h registros de sintomas persistentes aps leso da cabea sem sinais residuais e, no final deste sculo, o termo sndrome ps-concuso foi introduzido para a trade de cefalia, tonteira e intolerncia alcolica. Com o advento do automvel, acidentes por veculo automotores cresceram, tornandose a causa mais comum de leso de cabea e pescoo. O termo leso por chicotada foi usado pela primeira vez num encontro de ortopedistas em 1928, em que descreveram o efeito da flexe-extenso nos acidentes de veculo automotor. O primeiro artigo foi publicado em 1945 e, a partir da, tem crescido o interesse pelo assunto. Observa-se o aumento do nmero de pessoas envolvidas na leso de chicotada. Apenas na dcada passada, os fatores sociais e culturais tm sido acrescentados a esta condio (SOLOMON, 2005).

4.2 CLASSIFICAO DAS CEFALIAS Embora a cefalia seja uma das queixas mais antigas do ser humano, encontramos descries de 5.000 anos atrs , apenas no incio da dcada de 1930 comeou o seu estudo sistemtico embora de evoluo lenta. GBEL (2001) assinala que at 1960 no existia uma base internacional para classificao das cefalias que fosse aceita e usada consistentemente de forma universal. Em 1962, o Ad-Hoc Committee of the National Institute of Health publicou uma classificao das sndromes de cefalia, sendo o primeiro passo em direo a um consenso terminolgico na classificao e no diagnstico das cefalias. Porm, o glossrio de definies requeria interpretaes subjetivas e, como resultado, a classificao gerou muitas controvrsias. Desta forma, at o final da dcada de 1980 a nomenclatura e a classificao das cefalias no eram muito uniformes. Isto resultava em dificuldades para denominar, classificar e tratar os pacientes. Em 1982, foi fundada a SIC e em 1985, um comit foi organizado para redigir uma classificao internacional capaz de obter consenso.

32 Ainda segundo GBEL (2001), aps trs anos de trabalho foi publicada em 1988 a 1a edio da classificao da SIC sobre bases de critrios claros de operacionalizao. O manual original tinha 96 pginas e descrevia um total de 165 diagnsticos diferentes. A classificao foi traduzida para as mais importantes lnguas e adotada por todas as sociedades nacionais de cefalia representadas na SIC, na OMS (Organizao Mundial da Sade) e na Federao Mundial de Neurologia. KRYMCHANTOWSKI (2000) observa que a classificao representou um marco na cefaliatria, em funo do estabelecimento da uniformizao de critrios sistemticos e bem definidos para um grupo amplo de cefalias. Aps 15 anos, em janeiro de 2004, foi apresentada a segunda edio da classificao (SUBCOMIT DE CLASSIFICAO DAS CEFALIAS DA SOCIEDADE

INTERNACIONAL DE CEFALIA, 2004). Os critrios listados ainda esto longe de uma perfeio, mas permitem o diagnstico da maior parte das cefalias existentes (KRYMCHANTOWSKI, 2002), de forma mais consistente e sem discrepncia. Esta classificao divide as cefalias em 14 principais grupos e uma distino feita entre 2 subgrupos: primrias e secundrias. Cefalias Primrias abrange as que no mostram nenhum achado patolgico quando so usados os mtodos de investigao clnica e tcnica. So doenas independentes e no um sintoma secundrio, sendo elas prprias a doena e o sintoma. Correspondem a 90% das dores de cabea existentes. Na classificao da SIC, ocupam os grupos 1-4. 1 Migrnea; 2 - Cefalia do tipo tensional; 3 - Cefalia em salvas e outras cefalias trigmio-autonnicas; 4 - Outras cefalias primrias. Cefalias Secundrias decorrentes ou causadas por outras doenas, inclusive sistmicas, englobam vrios tipos diferentes de cefalias ou podem estar atribudas a simples

33 infeces virais de vias areas superiores, graves neoplasias intracranianas ou como seqela do TCE (Traumatismo Crnio-enceflico). possvel detectar um achado patolgico que pode estar associado com as sndromes de cefalia atravs dos mtodos de investigao clnica. Correspondem a 10% das cefalias. Na classificao da SIC, ocupam os grupos 5-14. 5 Cefalia atribuda a trauma ceflico e/ou cervical; 6 Cefalia atribuda doena vascular craniana ou cervical; 7 Cefalia atribuda a transtorno intracraniano no-vascular; 8 Cefalia atribuda a uma substncia ou a sua supresso; 9 Cefalia atribuda infeco; 10 Cefalia atribuda a transtorno da homeostase; 11 Cefalia ou dor orofacial atribuda a transtorno do crnio, pescoo, olhos, ouvidos, nariz, seios da face, dentes, boca ou outras estruturas faciais ou cranianas; 12 Cefalia atribuda a transtorno psiquitrico; 13 Neuralgias cranianas e causas centrais de dor facial; 14 Outra cefalia, neuralgia craniana e dor facial central ou primria. A classificao das cefalias da SIC 2004 tem carter hierrquico; esse sistema adotado na primeira edio permanece o mesmo na segunda edio. Todos os tipos de cefalia esto classificados em grandes grupos e cada um desses grupos subdividido uma, duas ou trs vezes em tipo, subtipo e subforma de cefalia (SPECIALI, 2005). Os cdigos da SIC permitem uma especificao diferenciada para uma profundidade de 4 dgitos, possibilitanado o uso sem dificuldades e com suficiente exatido no trabalho de rotina clnica, pesquisa clnica e experimental, assumindo uma alta subdiviso diferenciada. A SIC (2004) orienta que o detalhamento desejado depende do propsito. Na prtica clnica geral, apenas o primeiro e o segundo dgitos so empregados, enquanto para os cefaliatras e nos centros tercirios apropriado que se use at o terceiro ou quarto dgitos.

34 As doenas tm sido codificadas e classificadas usando a classificao internacional de doenas CID-10 da OMS, porque esses so os cdigos utilizados na prtica clnica, em atestados e para os pedidos de exames encaminhados aos convnios mdicos. A OMS tem adotado a classificao de cefalia da SIC e usado a CID-10 para as cefalias e dor facial (GBEL, 2001). As cefalias esto includas nos cdigos G43 e G44, podendo ser encontradas no cdigo R51, referente a 2 tipos do subgrupo secundria: cefalia atribuda a transtorno psiquitrico (12) e outra cefalia, neuralgia craniana e dor facial central e primria (14), e no G91, referente a cefalia atribuda a hipertenso intracraniana secundria hidrocefalia (7.13) (ANEXO F).

4.3 EPIDEMIOLOGIA DAS CEFALIAS A cefalia um sintoma bastante presente na populao em geral e na prtica clnica (BEKKELUND & SALVESE, 2003; BIGAL et al., 2001), com uma prevalncia anual estimada de 90% nos homens e 95% nas mulheres (BIGAL et al., 2001). SILBERSTEIN et al. (1998) descreveram que a cefalia um sintoma comum que pode ter vrias causas, podendo ocorrer isoladamente, como na crise de enxaqueca, ou como parte de uma doena em desenvolvimento, como na neoplasia cerebral. Das desordens de cefalia primria, a cefalia tipo-tensional (CTT) a mais comum na populao estudada. Mas a migrnea a mais freqente entre os pacientes que procuram cuidado mdico para cefalia. As formas mais prevalentes de migrnea so com e sem aura (LIPTON & BIGAL, 2005). RASMUSSEN (2001) cita em seu estudo sobre a epidemiologia da cefalia que a prevalncia da migrnea varia de 3% a 35%, esta variao se d devido larga diferena entre as definies e metodologias dos estudos. A prevalncia da migrnea em adultos foi de 10 a 12%, sendo 6% entre os homens e 15 a 18% entre as mulheres. Na populao geral, 20% dos

35 migranosos tm crises freqentes (mais do que uma vez ao ms). A prevalncia de migrnea sem aura de 6% e de migrnea com aura de 4%. Em relao cefalia tipo tensional (CTT), a variao grande em freqncia, durao e severidade das crises. Em seu outro estudo (RASMUSSEN et al., 1991), foi constatado que 59% das pessoas com CTT tinham um dia ou menos de dor ao ms, 37% vrias vezes ao ms, e 3% tinham CTT crnica (maior igual a 180 dias ao ano).

4.3.1 Prevalncia por Idade e Gnero A migrnea constitui a segunda cefalia primria mais prevalente, sendo mais comum antes da puberdade em meninos do que em meninas. Com a aproximao da adolescncia a migrnea aumenta mais rapidamente nas meninas do que nos meninos. Nas mulheres, a prevalncia aumenta durante a infncia e a vida adulta at aproximadamente os 40 anos; a partir da declina. A prevalncia alta entre os 25 e 55 anos para ambos os sexos, coincidindo com o perodo de maior produtividade (LIPTON & BIGAL, 2005). A epidemiologia da cefalia entre os adultos jovens de interesse particular, pois a idade mais comum do incio da migrnea entre os 10 e 19 anos (STEWART et al., 1994). As cefalias incapacitantes podem interferir significativamente no desenvolvimento (profissional, social e de sade) desses adultos jovens. A cefalia tipo-tensional tambm mais prevalente nas mulheres do que nos homens e, em ambos os sexos, seu pico ocorre entre os 30 e 39 anos, declinando com o avanar da idade (RASMUSSEN, 2001). Uma meta-anlise de 24 estudos (STEWART et al., 1995) explanou aproximadamente 70% de variao na prevalncia da migrnea entre os estudos (LIPTON & BIGAL, 2005). SOLOMON et al. (1993) citam em seu estudo sobre a qualidade de vida e o bem-estar dos pacientes com cefalia que o National Health Interview Survey (1991) apresentou a

36 prevalncia de migrnea crnica nos Estados Unidos: 41 pessoas para cada grupo de 1.000. Esse quadro representa um aumento de 60% na prevalncia nos ltimos 10 anos. Estudos epidemiolgicos mostram que a migrnea afeta 28 milhes de americanos, aproximadamente 18% de mulheres e 6% de homens (LIPTON et al., 2001), com uma alta prevalncia entre brancos (SCHER et al., 1999).

4.3.2 Prevalncia por Distribuio Geogrfica Uma meta-anlise de estudos de prevalncia usando os critrios da SIC realizada por SCHER et al. (1999) encontrou a prevalncia da migrnea alta na Amrica do Norte e do Sul, intermediria na Europa, baixa na frica e sempre mais baixa na sia (GRFICO 1). KRYNCHANTOWSKI et al. (2004) citam que nos EUA a prevalncia da migrnea menor em asiticos-americanos (9,2% em mulheres e 4,8% em homens), intermediria em afro-americanos (12,6% e 7,2%) e maior em caucasianos (20,4% e 8,6%).

Grfico 1 Prevalncia Ajustada da Migrnea por rea Demogrfica e Gnero

Fonte: Scher et al. (1999).

37 4.3.3 Prevalncia por Situao Socioeconmica A relao entre prevalncia da migrnea e situao socioeconmica incerta. A migrnea parece estar associada inteligncia e classe social elevadas. BILLE (1962 e 1989), porm, no encontrou associao entre prevalncia da migrnea e inteligncia em seus estudos com crianas. A prevalncia da migrnea foi inversamente relacionada com o rendimento familiar nos American Migraine Study I e II, nos quais se observou uma diminuio da prevalncia medida que o rendimento familiar aumentava (LIPTON et al., 1998 e 2001). Esta relao inversa entre migrnea e situao socioeconmica foi confirmada em outros dois estudos de STANG et al. (1993 e 1996). Na Europa, o estudo da GEM Genetic Epidemiology of Migraine (LAUNER et al., 1999), no demonstrou relao entre migrnea e classe social, apesar de um estudo ingls recente realizado por STEINER et al. (2003), t-lo feito. Na maioria dos estudos, nos Estados Unidos, a migrnea parece estar inversamente relacionada com a situao socioeconmica; j na Europa, o mesmo no ocorre (LIPTON & BIGAL, 2005). A alta prevalncia nos grupos socioeconmicos baixos pode ser uma conseqncia de circunstncias associadas tanto com o baixo rendimento e migrnea, como com uma dieta e cuidados mdicos pobres e estresse. Pessoas com migrnea podem ter baixos rendimentos porque a migrnea interfere na funo educacional e ocupacional, causando uma perda de rendimentos e/ou incapacidade para o progresso de um grupo socioeconmico baixo (LIPTON & BIGAL, 2005).

4.3.4 Cefalia aps Trauma de Cabea Sabe-se que nas leses da cabea, a cefalia um dos sintomas esperados e relatados pelos pacientes. No entanto, na maioria das ocasies, ela de curta durao e so poucos os

38 que desenvolvem a chamada cefalia ps-traumtica (CPT) que pode durar semanas, meses ou at anos (KRYMCHANTOWSKI et al., 2004) ou a Sndrome Ps-Traumtica (SPT) com sintomas somticos, cognitivos, emocionais e comportamentais, dentre os quais a cefalia (DE SOUZA et al., 1999). A cefalia o sintoma mais comum aps leso da cabea, podendo persistir durante anos (MARGULIES, 2000). EDNA & CAPPELEN (1987) relataram 23% de incidncia de cefalia 3-5 anos aps leso moderada de cabea. DENKER & PERRY (1954) tambm relataram que aps 3 anos, apenas 15-20% de seus pacientes tinham cefalia ps-traumtica (CPT). Entre a maioria dos pacientes, a CPT se resolve de 6 a 12 meses aps a leso, persistindo por mais de 1 ano em 33% e por mais de 3 anos em 15% a 20% dos pacientes (PACKARD, 1992). CARTLIDGE & SHAW (1981) encontram 52,4% pacientes sintomticos durante a hospitalizao, 36% na alta, 27% em 6 meses, 18% em 1 ano e 24% em 2 anos aps o trauma. Estudos mais recentes tm mostrado que 44% apresentam cefalia aps 1-3 meses e que 20% se queixa de cefalia 3 anos aps o trauma da cabea (KEIDEL & RAMADAN, 2000; JACOBSON, 1995).

4.4 CUSTO SOCIOECONMICO DAS CEFALIAS E QUALIDADE DE VIDA A cefalia constitui um grande problema de sade pblica, devido sua freqncia e morbidade associada, resultando em perda da produtividade, limitao da atividade e deteriorao da qualidade de vida (DELEU et al., 2002), alm do significante custo do servio mdico (BIGAL et al., 2000). A migrnea e a cefalia tipo-tensional esto associadas a um prejuzo significativo tanto nas atividades relativas ao trabalho quanto nas sociais (WALDIE & POULTON, 2002). A migrnea o grupo das cefalias mais pesquisado, sendo uma causa importante da falta ao

39 trabalho ou escola e da diminuio da produtividade, tornando-se uma possvel causa da reduo educacional e realizao profissional (SANTANELLO et al., 2002). A medida do impacto da migrnea na sociedade avaliada tanto pelos custos diretos com o atendimento mdico e o uso de medicamentos quanto pelos custos indiretos representados pela queda da produtividade devido ao absentesmo e reduo do desempenho no trabalho (LIPTON & BIGAL, 2005). Vrios estudos tm demonstrado que os custos indiretos das doenas excedem em muito os custos diretos (LIPTON et al., 1997). O estudo de OSTERHAUS et al. (1992) mostra que o custo anual nos EUA determinado pela falta ao trabalho ou diminuio da produtividade dos migranosos de 5 a 17 milhes de dlares por ano. STEWART et al. (2003) estimaram, estudando a fora-tarefa americana, que a perda do tempo de produtividade devido cefalia, de todos os tipos, no apenas a migrnea, de US$ 19,6 bilhes por ano, correspondendo a 31,9% num total de US$ 61,3 bilhes, incluindo as dores referentes a cefalia, artrite, coluna e outras dores musculoesquelticas no especficas. O estudo de HU et al. (1999) estimou que a perda de dias de trabalho e a diminuio da produtividade devido migrnea custam ao empregador americano U$ 13 bilhes por ano. Uma investigao recente determinou que a dor de cabea onera Comunidade Europia em 20 bilhes de euros por ano (GBEL et al., 2000). No Brasil, BIGAL et al. (2000) avaliaram os custos hospitalares para atendimento, investigao e tratamento clnico de pacientes com cefalias agudas numa Unidade de Emergncia pblica, estimando em 76 mil dlares os valores despendidos durante o ano (BAREA & FORCELINI, 2002). A gravidade das perdas financeiras e da qualidade de vida causadas pela cefalia nos trabalhadores mostrada no estudo de STEWART et al. (1998) nos Estados Unidos. Cinqenta por cento das mulheres migranosas perdem trs dias ou mais por ano e 31% perdem seis dias ou mais. Enquanto 30% dos homens migranosos perdem trs dias ou mais e

40 17% perdem seis dias ou mais. Muitos migranosos vo trabalhar mesmo estando em crise de cefalia e, neste caso, apresentam queda da produtividade (FERNANDES et al., 2002). O American Migraine Study II (LIPTON et al., 2001) constatou que 92% das mulheres e 89% dos homens com migrnea grave tinham vrias deficincias relacionadas cefalia, e que cerca da metade era severamente incapaz ou buscava repouso. Em relao incapacidade causada pelo ataque, muitos pacientes com migrnea vivem com medo, sabendo que a qualquer momento um ataque poder ameaar a sua capacidade no trabalho, os cuidados consigo prprio ou com seus familiares ou encontros sociais. A grande evidncia indica que a migrnea reduz a qualidade de vida relacionada sade. Os episdios de migrnea no apenas prejudicam a capacidade individual funcional durante um episdio, como tambm podem reduzir a qualidade de vida entre os episdios. A qualidade de vida reflete uma avaliao individual do bem-estar geral e posio na vida dentro do contexto de cultura, sistema de valores, crena e negcios. A OMS define conseqncias funcionais de uma doena em termos do prejuzo, limitaes das atividades funcionais e impedimento. Impedimento refere-se ao efeito primrio da doena e inclui dor e manifestaes fsicas ou mentais diversas. Limitaes das atividades funcionais so definidas como os efeitos da doena em outras reas incluindo tarefas domsticas e recreativas, social, familiar e outras atividades (LIPTON & BIGAL, 2005). KRYMCHANTOWSKI et al. (2004) citam um resumo relativa migrnea, qualidade de vida e interferncia sobre as atividades cotidianas: Migranosos tm qualidade de vida pior do que os no migranosos; A qualidade de vida dos migranosos afetada no apenas durante os ataques, mas tambm entre os ataques;

41 A maior parte dos migranosos teve seu rendimento afetado ou perdeu dia(s) de trabalho, estudo ou lazer nos ltimos meses; O impedimento (disabilidade) da migrnea severo. Cerca de 50% dos portadores so quantificados como tendo impedimento moderado ou intenso pela maioria dos estudos; O impacto da migrnea cumulativo ao longo da vida, aumentando com o passar dos anos; Migrnea est na lista das 20 doenas mais disabilitantes, de acordo com pesquisa sobre o impacto global das doenas, conduzida pela OMS (1997); O tratamento correto melhora muito a qualidade de vida e diminui substancialmente a disabilidade. Assim, so claras as conseqncias negativas ocasionadas pela migrnea, que pode ocasionar severas implicaes sobre a qualidade de vida e a disabilidade, impondo um considervel fardo ao paciente e sociedade. Muitos estudos examinando o efeito da cefalia sobre a produtividade no trabalho tm registrado perda de dias de trabalho, mas no a reduo como resultado da freqncia ao trabalho apesar da cefalia. Poucos estudos tm focado sobre os indivduos que continuam trabalhando mesmo com dor (RAAK & RAAK, 2003). Existem migranosos que, mesmo na ausncia de dor intensa, experimentam alto nvel de capacidade reduzida. Outros mantm todas as suas capacidades mesmo na presena de dor intensa. certo que a deficincia relativa cefalia varia consideravelmente entre as pessoas; muitas apresentam cefalias de baixo impacto com pouca deficincia, enquanto outras so acometidas de graves ataques incapacitantes. Um nmero substancial de pessoas que no

42 recebe tratamento para migrnea, experimenta um alto nvel de dor e deficincia (STEWART et al., 1996). Um estudo canadense demonstrou que 77% dos migranosos tm limitaes da atividade, 50% interrompem suas atividades e 30% precisam descansar durante a crise. RASMUSSEN et al. (1992) estimaram que o total de dias de trabalho perdidos por ano devido migrnea foi de 270 dias por grupo de 1.000 pessoas, enquanto em funo da cefalia tipotensional esse total foi de 820 dias por grupo de 1.000 pessoas. Em relao CTT, estudo citado por KRYMCHANTOWSKI et al. (2004) demonstrou que a CTTE respondeu por 19% do absentesmo e 22% da reduo na eficcia da atividade. BIGAL et al. (2001) mostraram que os estudantes universitrios tiveram 24% de queda em sua performance quando em crise de CTTE. MARCUS (2003) demonstrou que a cefalia crnica resultante de leso de cabea mais freqente do que a cefalia no-traumtica, com uma freqncia (mais de 4 dias por semana) descrita por 84% comparados com 60%, respectivamente, estando a cefalia traumtica muito mais associada com uma maior disabilidade e reduo do funcionamento fsico.

4.5 QUADRO CLNICO DAS CEFALIAS Cefalia toda dor que acomete a regio da cabea, que vai desde os olhos at o final da implantao do cabelo, na regio da nuca. Cerca de 90% da populao teve ou vai ter algum tipo de cefalia no decorrer de sua vida e cerca de 40% tm cefalia com certa regularidade. Cefalias primrias so doenas nas quais a dor de cabea o sintoma que mais chama a ateno e so diagnosticadas apenas pelas suas caractersticas clnicas (SPECIALI, 2003).

43 Vamos mencionar neste captulo a apresentao clnica das cefalias primrias mais freqentes como: Migrnea; Cefalia do Tipo Tensional; Cefalia em Salvas; Cefalia Crnica Diria; e, da cefalia secundria, Cefalia Ps-traumtica que apresenta uma estreita relao temporal com um trauma conhecido, podendo ser a queixa de muitos motoristas, alvo da nossa pesquisa. A migrnea e a cefalia do tipo tensional so as mais comuns, e tambm as mais estudadas e citadas na literatura.

4.5.1 Migrnea A migrnea uma cefalia primria comum e incapacitante. Pode ser definida como uma reao neurovascular anormal que ocorre num organismo geneticamente vulnervel e que se exterioriza, clinicamente, por episdios recorrentes de cefalia e manifestaes associadas que geralmente dependem de fatores desencadeantes (SANVITO, 2002). A migrnea decorrncia de uma disfuno bioqumica cerebral herdada. Em 75% dos migranosos, pode-se detectar um consangneo bem prximo que possui tambm a migrnea (RAFFAELLI JUNIOR & MARTINS, 1999). O histrico familiar, muitas vezes, constitui um pr-requisito para o diagnstico. A freqncia do quadro em algumas famlias sugere uma transmisso do tipo dominante, tendo uma maior freqncia em gmeos idnticos do que em gmeos fraternos. Costuma ter incio na infncia, adolescncia ou nos primrdios da fase adulta. Como j vimos, o pico de prevalncia se d entre os 30 e 45 anos, com ligeira predominncia nos meninos durante o perodo pr-pubertrio, entretanto, aps este perodo h uma ntida predominncia no sexo feminino. A migrnea altamente prevalente e estima-se que atinja 12% da populao, sendo mais freqente na mulher numa razo de 3:1 (SANVITO, 2002). Segundo a classificao da SIC (2004), a migrnea pode ser dividida em 2 subtipos principais: a Migrnea sem Aura que uma sndrome clnica caracterizada por cefalia com

44 caractersticas especficas e sintomas associados; a Migrnea com Aura que primariamente caracterizada pelos sintomas neurolgicos focais que normalmente precedem ou, s vezes, acompanham a cefalia. Alguns pacientes tambm experimentam uma fase premonitria, antecedendo em horas ou dias o aparecimento da cefalia, e uma fase de resoluo da cefalia. Os sintomas premonitrios e de resoluo incluem hiperatividade, hipoatividade, depresso, apetite especfico para determinados alimentos, bocejos repetidos e outros sintomas inespecficos relatados por alguns pacientes (SCCSIC, 2004). As crises tpicas de migrnea manifestam-se clinicamente por dor de cabea moderada ou intensa (incapacitando s atividades habituais), de localizao frontotemporal unilateral ou bilateral (podendo ser hemicrania), em carter pulstil e/ou presso, geralmente associada nusea (podendo estar associada a vmitos), e fobias ou intolerncia a luzes fortes e/ou a rudos intensos e/ou a odores mais marcantes. A dor pode durar de 4 a 72 horas quando no tratada ou tratada de forma ineficaz (KRYNCHANTOWSKI et al., 2004). Podemos, ento, dividir a crise da migrnea em 3 ou 5 fases: 1 Prdomo Precede ao aparecimento da dor em algumas horas ou at em um dia. Nessa fase, o paciente fica mais irritado, com raciocnio e memorizao mais lentos, tem fome de doces e o sono agitado e com pesadelos. 2 Aura Sintomas visuais que ocorrem em cerca de 15% das crises. So transtornos recorrentes que se manifestam em forma de crises de sintomas neurolgicos focais reversveis que geralmente se desenvolvem gradualmente de cinco a 20 minutos e que duram menos de 60 minutos. Acontece imediatamente antes ou no incio da cefalia da migrnea. A aura visual a mais comum, podendo se apresentar como flashes de luz, como falhas no campo visual ou imagens brilhantes em ziguezague (SBCe, 2005).

45 3 Dor Cefalia intensa, latejante/pulstil, piorando com as atividades do dia-a-dia, sensibilidade luz e aos sons, durando de 4 a 72 horas. 4 Nusea E/ou vmitos aparecem no final da fase de dor. Muitos pacientes referem que, vomitando, a dor passa. Isto ocorre porque os vmitos indicam o final da fase de dor. 5 Exausto ltima fase. Os pacientes ficam horas ou at dias com uma sensao de cansao, fraqueza, necessitando de um perodo de repouso para seu completo restabelecimento (SPECIALI, 2003). Vrios fatores so responsabilizados pelo incio da crise de migrnea, sendo deflagradores do processo cerebral. Os desencadeantes mais comuns so: Alimentos: queijos amarelos, chocolate, banana dgua, frutas ctricas, frituras, carne suna; Bebidas: principalmente fermentadas (vinho tinto, cerveja, chope); Exposio ao sol; Luzes, rudos e odores intensos; Mudana nos hbitos de sono; Perda ou atraso de uma refeio; Perodo menstrual; Grande estresse ou aborrecimento; Estresse fsico (doena, cirurgia, infeco) (KRYMCHANTOWSKI, 2001).

4.5.2 Cefalia do Tipo Tensional A cefalia do tipo tensional (CTT) , em sua forma episdica, a modalidade mais freqente de cefalia primria, com uma prevalncia anual estimada entre 30% e 80%. Estudos dinamarqueses mostram prevalncia anual de 63% em homens e 86% em mulheres. O incio habitual situa-se entre os 20-40 anos e a histria familiar de cefalia foi referida por

46 apenas 29% entre os examinados (migrnea 69%). A forma episdica bem mais freqente do que a crnica, o que deve explicar por que apenas 16% dos pacientes de cefalia tipo tensional procurem o mdico. J foi conhecida como cefalia tensional e j havia sido cognominada pelo comit de Bethesda, em 1962, como cefalia de contrao muscular, apresentando: dores ou sensao de aperto, presso ou constrio e amplamente variveis na freqncia, intensidade e durao, comumente suboccipitais (RAFFAELLI JUNIOR & DA SILVA, 2002). A classificao da SIC (2004) divide as cefalias do tipo tensional em trs tipos de acordo com a freqncia dos ataques: episdica infreqente (menos que um ataque por ms ou 12 por ano); episdica freqente (de um a 14 ataques por ms); e crnica (15 ou mais ataques por ms). As caractersticas clnicas dos trs grupos de CTT so exatamente as mesmas e so exemplificadas pela forma episdica (KRYMCHANTOWSKI et al., 2004). A cefalia do tipo tensional episdica (CTTE) apresenta como critrios diagnsticos pelo menos dez crises ocorrendo em menos de um dia por ms em mdia (< 12 dias por ano), com durao de 30 minutos a 7 dias e com pelo menos duas das seguintes caractersticas: localizao bilateral; carter em presso ou aperto; intensidade de leve a moderada; no agravada por atividade fsica rotineira como caminhar ou subir escadas; ausncia de nuseas ou vmitos. A fotofobia ou fonofobia podem no estar presentes ou haver manifestao de apenas uma delas (SIC, 2004). Menos de 10% dos pacientes podem apresentar dor pulstil e at 2% podem referir dor unilateral, mas sempre com intensidade leve e no agravada por esforos fsicos rotineiros (IVERSEN et al., 1990). A cefalia do tipo tensional crnica (CTTC) difere da episdica apenas pela freqncia de dor, que deve ser igual ou superior a 15 dias por ms, em mdia, por mais de trs meses (maior ou igual a 180 dias por ano), podendo durar horas ou ser contnua.

47 As cefalias do tipo tensional episdica e crnica ainda podem ser subdivididas, de acordo com a classificao atual de cefalias, nos subgrupos de cefalia associada ou no a distrbio dos msculos pericranianos. Essa diviso baseada na presena do aumento da sensibilidade dolorosa desses msculos demonstrada pela palpao manual ou pelo uso do algmetro de presso, ou ainda na presena do aumento dos limites eletromiogrficos em repouso ou durante testes fisiolgicos (KRYMCHANTOWSKI et al., 2004). O dolorimento pericraniano aumenta com a intensidade e a freqncia da cefalia e acentua-se ainda mais durante a crise. Os pacientes apresentam freqentemente associaes com depresso e ansiedade. Essas podem ser conseqncia ou participarem como desencadeantes, principalmente nos casos em que h um aumento da intensidade das crises de cefalia (ZUKERMAN, 2002).

4.5.3 Cefalias em Salvas Das cefalias primrias, a modalidade conhecida como cefalia em salvas (CS) a que acarreta maior sofrimento para os pacientes, evoluindo com caractersticas bem peculiares: dor excruciante e de curta durao; presena de distrbios autonmicos; ritmicidade circadiana das crises e sazonalidade das salvas. Tulpe, em 1641, relatou o caso de um homem que na mesma hora do dia e na mesma poca do ano tinha episdios de cefalia de grande intensidade e durao menor que duas horas, porm faltavam alguns elementos na sua descrio. Em 1745, Van Swietens fazia relato de um quadro clnico de um paciente masculino com dor periorbitria unilateral e sempre esquerda, de grande intensidade, evoluindo por crise de poucas horas de durao e que ocorriam na mesma hora do dia, tendo como sintomas paralelos hiperemia conjuntival e lacrimejamento (DA SILVA, 2002).

48 A cefalia em salvas varia principalmente de acordo com a latitude onde o estudo foi realizado. A prevalncia da CS tanto maior quanto mais distante do Equador (climas temperados ou subpolares). Sendo assim, a prevalncia pode variar de baixas, 0,04% a altas, 4%. O predomnio da CS ocorre em homens, variando de 3,5:1 at 5:1. A idade mdia de aparecimento ocorre dos 27 aos 31 anos, embora casos na infncia possam ocorrer. Diversos estudos documentam maior prevalncia em afro-americanos (KRYMCHANTOWSKI et al., 2004). A denominao de cefalia em salvas foi dada pelo Dr. Edgard Raffaelli Junior, conforme citado no captulo sobre a Histria das Cefalias (DA SILVA, 2002). A cefalia em salvas caracteriza-se, segundo a classificao da SIC (2004), por crises de dor forte, estritamente unilateral, na regio orbital, supra-orbital, temporal ou em qualquer combinao dessas reas. Sua durao de 15 a 180 minutos, ocorrendo desde uma vez a cada dois dias at oito vezes por dia. As crises associam-se a um ou mais dos seguintes sinais e sintomas locais de disfuno autonmica: hiperemia conjuntival e/ou lacrimejamento; congesto nasal e/ou rinorria; edema palpebral, sudorese frontal e facial; miose e/ou ptose, todos ipsilaterais dor. Os sinais e sintomas tendem a ocorrer regularmente, dia aps dia, com uma periodicidade aparentemente relacionada ao ciclo de sono-viglia. Os ataques de dor ocorrem em surtos, chamados de perodos ativos (na CS episdica) que duram de uma semana a alguns meses. Os perodos ativos so separados por remisses clnicas de no mnimo duas semanas e a causa da ritmicidade circadiana e circanual no reconhecida. Aproximadamente de 10% a 15% dos pacientes sofrem cronicamente sem perodos de remisso (CS crnica) (KRYMCHANTOWSKI et al., 2004). Embora pouco freqente, a dor da cefalia em salvas

49 causa tanto desespero aos seus sofredores que so encontradas atitudes suicidas e de projeo da cabea contra a parede durante as crises de dor (KRYMCHANTOWSKI, 2001). Em crianas, as crises tm durao bem menor, de 3-4 dias a 3-4 semanas, porm o aparecimento nessa faixa etria merece investigao. Segundo alguns autores, a cefalia em salvas uma doena de transmisso autossmica dominante em algumas famlias. As crises de dor podem comear com um simples desconforto na regio do olho, fronte ou tmpora. Em poucos minutos, esses sintomas tornam-se intensos e assumem um carter de dor propriamente dita. Em menos de 20 minutos, a dor se torna to intensa que chega a ser intolervel. O carter geralmente de presso, queimao ou de um objeto fino e pontiagudo que penetra o olho. A dor estritamente unilateral e pode se irradiar, a partir da regio periocular, para fronte, tmpora e regio parietal (sndrome superior) ou para regio infra-orbitria acometendo malar, mandbula e at pescoo e nuca ipsilaterais (sndrome inferior). A freqncia das crises bastante varivel. Em um mesmo perodo ativo o paciente pode ter crises que se apresentam de formas diferentes quanto intensidade, durao e freqncia. A maioria dos pacientes refere crises leves e/ou infreqentes na fase inicial do perodo ativo. A partir de alguns dias a dor se torna mais intensa, freqente e evolui at o fim da crise. Durante as crises, muitos pacientes deflagram crises de cefalia quando da ingesto de lcool, do contato com cheiros ativos de solventes qumicos e quando dormem tarde. Fora dos perodos ativos, estes fatores no precipitam os episdios de dor

(KRYMCHANTOWSKI et al., 2004).

50 4.5.4 Cefalia Crnica Diria O termo cefalia crnica diria (CCD) ainda no foi aceito pela Sociedade Internacional de Cefalia, porm engloba pacientes que apresentam cefalias bastante freqentes (RABELLO, 2002). Tipos diferentes de cefalia so definidos sob a denominao de cefalia crnica diria, constituindo o grupo das primrias de acordo com SILBERSTEIN & LIPTON (1997): migrnea crnica; cefalia do tipo tensional crnica; cefalia persistente diria de incio sbito e hemicrania contnua. SPIERINGS et al., (1998a) definiram a CCD como uma cefalia ou cefalias ocorrendo pelo menos cinco dias por semana por pelo menos um ano. MATHEW et al. (1987) criaram o termo migrnea transformada e chamaram a ateno para aqueles pacientes que desenvolvem cefalia diria ou quase diria a partir de uma migrnea episdica. As cefalias crnicas dirias e a migrnea crnica, no eram classificadas e definidas de forma prtica e adequada na classificao das cefalias de 1988 (1a edio). A classificao da SIC, lanada em 2004, engloba os quatro tipos de CCD. A migrnea crnica est classificada como uma complicao da migrnea episdica; a cefalia tipo tensional crnica permanece no grupo das cefalias do tipo tensional; a cefalia nova diria de incio sbito e a hemicrania contnua passam a ser includas no grupo 4 da classificao. Os pacientes com CCD comumente utilizam analgsicos em excesso, na maioria das vezes, os derivados da ergotamina, antiinflamatrios no-esteroidais (AINES) e triptanos. O consumo excessivo de medicaes por pacientes com migrnea freqentemente leva ao fenmeno de rebote, perpetuando a cefalia de apresentao diria ou quase diria e levando tambm, ao desenvolvimento de dependncia de medicaes sintomticas

(KRYMCHANTOWSKI et al., 2004). A cefalia por uso excessivo de medicao uma interao entre um agente teraputico usado de maneira excessiva e um paciente suscetvel. A cefalia tipo tensional

51 crnica est menos associada ao uso excessivo de medicao. Os pacientes com uma cefalia primria pr-existente que desenvolvem um novo tipo de cefalia ou cuja migrnea ou cefalia do tipo tensional piora notavelmente durante o uso excessivo de medicamento devem receber concomitantemente o diagnstico da cefalia primria pr-existente e o de cefalia por uso excessivo de medicao. Segundo os critrios diagnsticos da classificao, a cefalia desaparece ou reassume o seu padro prvio dentro de dois meses aps interrupo da medicao (SCCSIC, 2004). A migrnea crnica est includa no item da classificao complicaes da migrnea e descrita, na maioria dos casos, por iniciar-se como migrnea sem aura, sendo a cronicidade uma complicao da migrnea episdica. medida que a cronicidade se desenvolve, a cefalia tende a perder sua apresentao episdica. Os critrios diagnsticos da migrnea crnica atribuem uma durao de 15 dias ou mais por ms durante mais de trs meses, na ausncia de uso excessivo de medicao. A cefalia do tipo tensional crnica um transtorno que evolui da cefalia do tipo tensional episdica, com crises dirias ou muito freqentes de cefalia que duram de minutos a dias. A dor tipicamente de localizao bilateral, com carter em presso ou aperto, apresentando intensidade de fraca a moderada, e no piora com atividade fsica rotineira; pode apresentar sintomas como nusea leve, fotofobia ou fonofobia. Devemos lembrar que os pacientes com cefalia do tipo tensional crnica podem desenvolver caractersticas semelhantes s da migrnea, quando apresentam dor intensa. A hemicrania contnua, outro tipo de CCD, ocorre por mais de 3 meses de forma persistente sem intervalos livres de dor, estritamente unilateral (sem mudana de lado), de intensidade moderada, porm com exacerbaes para dor intensa. Durante as exacerbaes, h pelo menos uma das caractersticas autonmicas que ocorrem ipsilaterais dor: hiperemia

52 conjuntival e/ou lacrimejamento; congesto nasal e/ou rinorria; ptose e/ou miose. Uma caracterstica importante da hemicrania contnua a de ser responsiva indometacina. A cefalia crnica de incio sbito ou cefalia persistente e diria desde o incio (CPDI) diria e sem remisso desde o incio ou desde no mximo trs dias aps o incio. A dor tipicamente bilateral, de carter em presso ou aperto, de intensidade fraca a moderada, no se agravando com atividades fsicas rotineiras. Pode acompanhar de fotofobia, fonofobia ou nusea leve e apresenta caractersticas em comum com a cefalia do tipo tensional. Porm a CPDI nica pelo fato de ser diria e sem remisso desde o momento do surgimento, ou quase desde esse momento, tipicamente em pessoas sem uma histria prvia de cefalia. A lembrana do incio da dor (dia, ms e ano) necessria para o diagnstico. Estudos populacionais mostram que as CCDs so relativamente freqentes na populao em geral com prevalncia de 4%. Os mesmos estudos mostram que 0,5% a 1% da populao tem cefalia virtualmente diria e severa, tendo a cefalia do tipo tensional crnica como a CCD mais freqente. A migrnea crnica a CCD que mais interfere na qualidade de vida e no rendimento no trabalho (KRYMCHANTOWSKI et al., 2004).

4.5.5 Cefalia Ps-Traumtica A Classificao Internacional das Cefalias de 2004 (2a edio), como tambm a de 1988, reservou o captulo 5 para a cefalia atribuda a trauma ceflico e/ou cervical. Diferente da 1a edio, que classificava de forma genrica a cefalia ps-traumtica, englobando quadros com patogenia e manifestaes clnicas diferentes (DE SOUZA et al., 1999), a 2a edio conseguiu com suas novas subdivises, caracterizar melhor toda cefalia que apresenta uma estreita relao entre o trauma na cabea, pescoo ou crebro e o surgimento da dor. Pertencem a este grupo as cefalias ps-traumticas (CPT). Considera-se CPT, cefalia secundria, no caso, ao trauma, aquela que se inicia dentro de 7 dias aps o trauma

53 ceflico ou aps a recuperao da conscincia que segue ao trauma ceflico. As CPT podem ser divididas em agudas e crnicas, ambas podem estar atribudas leso ceflica moderada ou grave e leso ceflica leve. Consideram-se agudas aquelas que desaparecem dentro de trs meses aps o trauma ceflico ou as que persistem, embora no se tenha passado os trs meses do trauma ceflico. Encontramos, ainda, neste grupo, as cefalias atribudas leso em chicotada; as atribudas a outro trauma ceflico e/ou cervical; e as ps-craniotomia (estas seguem o mesmo padro para a subdiviso em agudas e crnicas); e as cefalias atribudas a hematoma intracraniano traumtico. Essas se subdividem em atribudas a hematoma epidural, com incio em minutos ou at 24 horas aps o desenvolvimento do hematoma, e a atribuda a hematoma subdural, com incio da cefalia de 24 a 72 horas aps o desenvolvimento do hematoma. A CPT tem causado controvrsia h muitos anos. Entretanto, as opinies diferem quando as consideraes so a patognese, o curso natural e o papel dos litgios (BAADRUP & JENSEN, 2004). A cefalia pode ocorrer em pacientes, mesmo aps leso moderada do crebro. Contudo, no existe, aparentemente, uma relao entre a severidade do trauma e a cefalia (BEKKELUND & SALVESEN, 2003). CARTLIDGE & SHAW (1981), assim como BRENNER et al. (1944) observaram pacientes que apresentam leso grave da cabea e tendem a ter uma menor incidncia de CPT, quando comparados com pacientes com menor leso da cabea. Outros estudos no tm encontrado a cefalia como o sintoma mais comum na leso leve da cabea, quando comparados com leso grave da cabea (COUCH & BEARSS, 2001). A apresentao clnica da CPT variada, indo desde as apresentaes tpicas das cefalias primrias como a migrnea, cefalia tipo tensional e cefalia em salvas (KRYMCHANTOWSKI et al., 2004) at manifestar-se como parte da sndrome pstraumtica (SPT), um conjunto de sintomas somticos, cognitivos, emocionais e

54 comportamentais (DE SOUZA et al., 1999). O dficit da funo cognitiva envolve, principalmente, o processo de aprendizagem rpido e a memria de curto prazo. Os pacientes que apresentam SPT no mostram sinais objetivos ou evidncias funcional ou morfolgica, envolvendo a trajetria neural e estruturas do sistema nervoso central, pela tomografia computadorizada do crnio e ressonncia magntica (ALBERTI et al., 2001). Relatos a respeito da SPT somente se tornaram freqentes a partir do sculo XIX, graas Revoluo Industrial e ao desenvolvimento de meios de transporte mais velozes, ocasionando maior nmero de acidentes ocupacionais e de trnsito (DE SOUZA, 1995). A SPT tem incio imediatamente aps ou passadas algumas semanas do TCE (Trauma Crnio-enceflico), que pode ser dos mais variados nveis de gravidade. No necessrio haver perda de conscincia para seu desenvolvimento (FLEMING & DE SOUZA, 2002). TATROW et al. (2003) divide os sintomas da SPT em trs reas: somtica, psicolgica e cognitiva. Os sintomas somticos incluem tonteira, fadiga, nusea, fraqueza, insnia e distrbios visuais. Nusea, vmitos e tonteira so os sintomas mais comuns na fase inicial. Dificuldades psicolgicas podem se desenvolver aps leso da cabea, especialmente nos casos em que a cefalia um sintoma associado. O estudo inclui a personalidade, embora esta no esteja envolvida com a etiologia da CPT, afetando a