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UNIVERSIDADE DE FORTALEZA - UNIFOR MESTRADO EM DIREITO CONSTITUCIONAL DISSERTAÇÃO DE MESTRADO PROFESSOR ORIENTADOR: FRANCISCO LUCIANO LIMA RODRIG UES COMPETÊNCIAS CONSTITUCIONAIS DOS MUNICÍPIOS PARA LE GISLAR
SOBRE MEIO AMBIENTE (A EFETIVIDADE DAS NORMAS AMBIENTAIS)
LUCÍOLA MARIA DE AQUINO CABRAL
Fortaleza - Ceará Janeiro de 2008
2
LUCÍOLA MARIA DE AQUINO CABRAL COMPETÊNCIAS CONSTITUCIONAIS DOS MUNICÍPIOS PARA LE GISLAR
SOBRE MEIO AMBIENTE (A EFETIVIDADE DAS NORMAS AMBIENTAIS)
Dissertação de mestrado apresentada
como exigência para obtenção do título de Mestre em Direito Constitucional.
Fortaleza – Ceará Janeiro de 2008
3
COMPETÊNCIAS CONSTITUCIONAIS DOS MUNICÍPIOS PARA LEGISLAR
SOBRE MEIO AMBIENTE (A EFETIVIDADE DAS NORMAS AMBIENTAIS)
SUMÁRIO
RESUMO.........................................................................................................05 ABSTRACT......................................................................................................06 INTRODUÇÃO................................................................................................. 07 CAPÍTULO I – HISTÓRIA DO PODER LOCAL E DOS MUNICÍPIOS NO BRASIL ............................................................................................................12 1 Origens e formação do poder local no Brasil.................................................12 1.1 O regime de capitanias hereditárias............................................................13 1.2 O sistema de governadores gerais e a nova organização político-administrativa da colônia..................................................................................16 1.3 Delineamento constitucional do poder local no Império............................ 22 1.4 Poder local e poder central no Império (descentralização e centralização)33 CAPÍTULO II - A FEDERAÇÃO BRASILEIRA NA CONSTITUIÇÃO DE 1988..40 2 O Estado federal brasileiro.............................................................................40 2.1 O princípio federativo e a técnica da repartição de competências............. 45 2.2 Características da federação brasileira...................................................... 48 2.3 O perfil dos municípios brasileiros.... ........................................................ 51 CAPÍTULO III – SISTEMA FEDERATIVO E DESCENTRALIZAÇÃO POLÍTICA NO BRASIL....................................................................................................... 57 3 Aspectos relevantes do federalismo...............................................................57 3.1 Descentralização política.............................................................................61 3.2 Autonomia dos entes federados...................................... ......................... .67 3.3 Federalismo e pluralismo............................................................................ 68
4
CAPÍTULO IV – O PROBLEMA DA EFICÁCIA DAS NORMAS AMBIENTAIS 71 4 Sobre a definição de critérios interpretativos das normas ambientais ...........71 4.1 O Direito como sistema................................................................................71 4.2 Critérios de interpretação............................................................................ 73 4.3 Limites de interpretação dos direitos fundamentais........... ........................ 75 4.4 Competências constitucionais em matéria ambiental................................. 77 4.4.1 Competências comuns........................................................................... .77 4.4.2. Competências concorrentes................................................................... 82 4.5 Superposição de normas em matéria ambiental. .......................................82 4.6 A problemática do licenciamento ambiental................................................90 4.7 Possibilidades de regulamentação do licenciamento ambiental..................98 4.7.1 PL Complementar 37/2007 PAC.............................................................. 99 4.7.2 PL 20/2007..............................................................................................105 CAPÍTULO V – PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS RELACIONADOS ÀS COMPETÊNCIAS DOS MUNICÍPIOS PARA LEGISLAR SOBRE MEIO AMBIENTE.......................................................................................................107 5 O direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.........107 5.1 Princípio da predominância do interesse..................................................109 5.2 Princípio da subsidiariedade: fortalecimento do poder local. ...................115 5.3 Princípio do desenvolvimento sustentável................................................120 CONCLUSÃO..................................................................................................126 BIBLIOGRAFIA...............................................................................................132 ANEXO 1 PL Complementar 37/2007 - MSG 37-072201/PAC.......................138
ANEXO 2 PL 20/2007.....................................................................................148
5
RESUMO Este trabalho tem como tema central a discussão acerca das
competências constitucionais dos municípios para legislar sobre meio
ambiente. A delimitação do objeto do presente estudo remete as disposições
constantes dos arts. 23 (competência comum) e 24 (competência concorrente)
da Constituição de 1988.
Trata-se, na realidade, de discussão bastante atual, embora a tese no
sentido de que aos municípios foram conferidas atribuições tão somente em
matéria de competência comum material seja pacífica.
O mesmo não ocorre, entretanto, quando se trata de competência
concorrente prevista no art. 24 do texto constitucional. Verifica-se, no caso, que
as opiniões são divergentes, apesar de já existir uma expressiva maioria de
autores nacionais que sustentam a tese no sentido de os municípios possuem
competência para legislar sobre meio ambiente, com base no disposto no art.
30, I, da Constituição Federal de 1988, e, ainda, com amparo nos princípios do
federalismo, da autonomia municipal e da subsidiariedade. Acrescenta-se,
ainda, que além dos princípios já mencionados, esta conclusão guarda sintonia
com as normas do sistema constitucional e com a forma de organização
federativa do Estado brasileiro.
Palavras chave: meio ambiente, competências, autonomia, município, efetividade.
6
ABSTRACT
The main theme of this work is the discussion of the constitutional
competences of the cities to legislate over environmental issues. The
delimitation of the object of this study relates to the dispositions of the articles
23 (ordinary competence) and 24 (concurrent competences) of the 1988
(Brazilian) Constitution. In fact, this is a current discussion, although the thesis
that cities have only been granted ordinary competence attributions is
uncontested. However, the same does not happen when it comes to the
concurrent competences, foreseen in the article 24 of the constitutional text. In
that case, opinions are divergent, although there is already a significant majority
of national authors who, based on article 30, I, of the 1988 Federal Constitution,
and with the support of the principles of federalism, municipal autonomy and
subsidiarity, argue that cities have competence to legislate over environmental
issues. Furthermore, this conclusion is in tune with the norms of constitutional
system and the form of the federative organization of the Brazilian State.
Key words: environment, competencies, autonomy, municipalities, effectiveness.
7
INTRODUÇÃO
O tema das competências constitucionais dos municípios para legislar
sobre meio ambiente se constitui em uma das questões mais polêmicas da
atualidade.
Neste trabalho procura-se demonstrar que os municípios são
competentes para legislar sobre meio ambiente e que a efetividade das normas
ambientais está diretamente relacionada a afirmação de tal competência.
Todavia, para melhor compreensão do papel desempenhado pelos
municípios brasileiros na atualidade, entende-se ser necessário discorrer sobre
suas raízes históricas, desde o surgimento do poder local até o início do
período republicano. É disto que trata o primeiro capítulo deste estudo.
Importa destacar, porém, que, embora não haja divergência entre os
autores nacionais acerca da competência material dos municípios para atuar
na proteção do meio ambiente, em conformidade com a norma do art. 23 da
Carta da República, no tocante à norma constante do art. 24 do texto
constitucional, que trata das competências concorrentes, observa-se que
existem opiniões bastante divergentes, não obstante se possa perceber uma
forte tendência no sentido de reconhecer aos municípios competência para
legislar sobre meio ambiente.
Assim, as matérias relacionadas às competências comuns, arroladas
pelo art. 23 citado acima, não ensejam sequer questionamentos relevantes
aptos a provocar o judiciário.
Vale ressaltar que o legislador constituinte estabeleceu determinados
parâmetros para definir a esfera de atuação dos entes federados, a fim de que
o sistema federativo de ordens sobrepostas possa funcionar adequadamente.
Esta a razão pela qual são definidas pela Constituição as competências de
cada um dos entes que integram a federação brasileira.
Assim, no segundo capítulo, A federação brasileira na Constituição de
1988, foram analisados três aspectos importantes para o desenvolvimento
deste trabalho: a) O Estado federal brasileiro; b) O princípio federativo e a
técnica da repartição de competências; c) Características da federação
brasileira; d) O perfil dos municípios brasileiros.
8
Como ponto de partida foi estabelecido que a compreensão do tipo de
Estado delineado pela Carta da República seria indispensável, pois, a partir daí
é que se poderia demonstrar a coerência do trabalho como um todo. Em
seguida, são analisados o princípio federativo e a técnica da repartição de
competências no âmbito do sistema constitucional, objetivando destacar as
mudanças empreendidas pelo legislador constituinte. O redesenho do modelo
de Estado brasileiro evidencia também mudança na organização federativa e
nesse sentido é que se discute no item seguinte o novo perfil dos municípios
brasileiros.
Estas considerações são essenciais, tendo em vista que o que se
pretende neste trabalho é demonstrar que os municípios brasileiros possuem
hoje um leque de competências mais amplo que no passado. E, no caso
específico da matéria ambiental, encontram-se mais qualificados para cumprir
a norma do art. 225, § 1º., da Constituição de 1988, vale dizer, para dar
efetividade ao direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado.
No terceiro capítulo, Sistema federativo e descentralização política no
Brasil, foram tratadas questões relacionadas à afirmação das competências
constitucionais dos municípios, considerando-se os seguintes pontos: a)
Aspectos relevantes do federalismo; b) Descentralização política; c) Autonomia
dos entes federados; d) Federalismo e pluralismo.
Em primeiro são destacados os aspectos mais relevantes do
federalismo, no intuito de por em destaque a atipicidade do sistema federativo
brasileiro. Por decisão do legislador constituinte, o Estado brasileiro possui um
modelo de federação em três níveis, constituído que é por distintos centros de
poder. Em segundo, e em decorrência das adaptações do federalismo para
atender aos objetivos traçados pelo legislador constituinte, verificou-se a
necessidade de ser abordada a questão da Descentralização política, já que
inerente aos sistemas federativos. Em terceiro, abordou-se o tema da
Autonomia dos entes federados, que exsurge como uma exigência própria do
federalismo, referindo-se não só à autonomia administrativa, mas, sobretudo à
autonomia política e financeira.
O princípio da autonomia permite destacar o relevante papel que os
municípios passaram a desempenhar no Estado brasileiro, confirmando, com
9
apoio no princípio da subsidiariedade, a competência dos municípios em
matéria de meio ambiente.
No tocante ao tema específico da proteção ambiental, é indiscutível sua
aplicabilidade, diante das atribuições conferidas pelos arts. 23, VI e VII e 24, VI,
ambos do texto constitucional, enfatizando-se que o princípio da autonomia dos
municípios e o princípio da subsidiariedade, segundo Omar Serva Maciel,
mantém estreita relação com os princípios fundamentais da República
Federativa do Brasil, mais precisamente com aqueles que entendem com a
forma federal de Estado e com a preservação da cidadania, da dignidade da
pessoa humana e do pluralismo político.1 Por fim, ressaltou-se a importância do
federalismo e do pluralismo como instrumentos necessários à construção da
democracia brasileira.
No quarto capítulo, O problema da eficácia das normas ambientais,
discute-se a ocorrência de superposições de normas ambientais, mais
diretamente relacionadas à questão do licenciamento ambiental.
Verifica-se, na prática, que a superposição de normas ambientais
acarreta a indefinição do órgão responsável pela execução do licenciamento
ambiental, assim como o comprometimento da eficácia das referidas normas.
Eis porque, inicia-se discorrendo brevemente sobre a definição de critérios de
interpretação das normas constitucionais e a necessidade de o intérprete
compreender a unidade do sistema jurídico, a fim de buscar sua harmonia e a
coerência de suas normas.
Neste ponto, inevitável a abordagem do tema referente à técnica da
distribuição de competências adotada pelo constituinte de 1988, em especial
no que se refere às matérias dispostas nos artigos 23 (competência comum) e
24 (competência concorrente), ambos da Constituição Federal brasileira de
1988.
Observa-se, ainda, que o Sistema Nacional de Meio Ambiente –
SISNAMA, instituído pela Lei no. 6.938, de 31 de agosto de 1981, que
regulamenta a Política Nacional de Meio Ambiente, é desarticulado e
inoperante, não cumprindo a função a que se destina..
1 MACIEL, Omar Serva. Princípio da Subsidiariedade e Jurisdição Constitucional, Belo Horizonte: Mandamentos Editora, 2004, p. 45.
10
Ademais, a ausência de regras claras acerca da forma de cooperação
entre os entes federados contribui para o acirramento da disputa por
competências ambientais, gerando, por outro lado, multiplicidade de ações,
quando distintos órgãos ambientais arrogam para si o direito e a titularidade do
exercício dessas ações. Disto resultam graves prejuízos para a sociedade e
para o meio ambiente.
A solução desse impasse remete à regulamentação do parágrafo único
do art. 23 da Carta da República, que alude à cooperação entre os entes
federados. Na tentativa de definir as atribuições de cada esfera de poder, foram
encaminhadas ao Congresso Nacional, inúmeras propostas de Projeto de Lei
Complementar. Contudo, diante da impossibilidade de serem analisados todos
esses projetos, optou-se por analisar o PL 37/2007, atual MSG 37-072201, por
estar inserido no âmbito do programa de Aceleração do Crescimento – PAC,
proposto pelo governo federal, e o PL 20/2007, que modifica a Lei do
Parcelamento do Solo.
No quinto capítulo, Princípios constitucionais relacionados às
competências dos municípios para legislar sobre meio ambiente, são
encontrados os argumentos que robustecem o entendimento sustentado neste
trabalho.
Com base nos princípios constitucionais da predominância do interesse,
da subsidiariedade e do desenvolvimento sustentável é que se afirma a
competência constitucional dos municípios para legislar sobre meio ambiente,
explicitando-se as razões pelas quais se considera que a norma ambiental será
tanto mais eficaz quanto mais diretamente abrigar aspectos da realidade
política, social e econômica da população.
Neste contexto, vale destacar que a idéia de se ter uma Constituição
como lei fundamental, um instrumento que passaria a regular as relações entre
governantes e governados, sedimentada em conceitos basilares de uma
sociedade democrática, tais como a soberania popular e a igualdade de todos
os cidadãos perante a lei, é tida como a maior inovação da experiência norte-
americana. E, segundo Marques, para Madison uma das maiores novidades da
Constituição americana era o fato de que esta se transformou numa carta de
poder cedida pela liberdade, e não como aconteceu na Europa, numa carta de
liberdade cedida pelo poder:
11
A Constituição federal americana rompia com o passado e o presente para
entrar nos terrenos inéditos do futuro. A Constituição federal não significava
uma alteração das estruturas de um Estado pré-existente, mas ela coincidia
com o próprio nascimento da ordem política, jurídica e administrativa da nova
Nação.2
Não há como negar que a Constituição Federal brasileira de 1988
descortinou uma nova ordem jurídica, ao mesmo tempo em que implementou
profundas transformações no Estado brasileiro, promovendo, ainda, inovações
em sua forma de organização federativa.
A nova república federativa coloca-se como mecanismo institucional
protetor dos direitos humanos, que não são mais que a expressão jurídica de
seus interesses, sendo estes compreendidos em relação à idéia de
diversidade, de multiplicidade, e do inevitável choque de conflitos entre
interesses individuais e coletivos.
A Constituição, portanto, deve permitir a manifestação das diferenças e
a expressão dos conflitos, assegurando o respeito às leis e o bem estar da
sociedade. A base do constitucionalismo federal, no entanto, terá de ser
encontrada num aprofundamento do conceito de república, vale dizer, na
edificação de um Estado fundado na soberania popular, no império das leis, na
separação de poderes, e no respeito pelas minorias e pelos indivíduos. 3
Na esteira desse raciocínio, o problema da eficácia das normas
ambientais e da efetividade do direito fundamental ao meio ambiente
adequado, estando relacionados ao federalismo e à descentralização política
do Estado brasileiro, reclamam o reconhecimento das autonomias dos entes
federados e a afirmação das competências municipais, tendo em vista que a
essência do Estado brasileiro se encontra marcada pelos princípios republicano
e federativo, inerentes ao regime político democrático de Direito, que confere
forma ao modelo de convivência política do país e informa suas instituições.
2 MARQUES, Viriato Soromenho. A Revolução Federal, Lisboa, Edições Colibri, 2002, p. 43/45. 3 MARQUES, Viriato Soromenho. Ob. cit., p. 49.
12
CAPÍTULO I – HISTÓRIA DO PODER LOCAL E DOS MUNICÍPI OS NO
BRASIL
1 Origens e formação do poder local no Brasil.
Analisando-se as origens e formação do poder local no Brasil, em
especial o período compreendido entre a fase colonial e fase imperial, é
possível observar os fatores que contribuíram para seu fortalecimento, bem
como o importante papel dos donatários e colonos nessa primeira fase da
história brasileira.
A história registra como ocorreu a participação dos chamados chefes
locais na política brasileira nos dias que antecederam o movimento pela
Independência e os principais fatos relacionados a esta nova fase do país.
Neste período verifica-se que a preocupação fundamental do Imperador
consistia em manter a unidade política e territorial do país, naturalmente
dificultada em decorrência dos obstáculos geográficos, da extensão da costa
brasileira e, em especial, pela heterogeneidade de valores compartilhados por
seus habitantes. Esperava-se que a monarquia constitucional pudesse pacificar
o país, contudo, a criação do Poder Moderador representou um retrocesso no
processo político de organização do Estado brasileiro.
A diversidade de valores sociais, culturais e econômicos, a par da
dispersão territorial e do isolamento em que viviam os habitantes locais
originou conflitos e revoltas constantes, espalhadas por todo o território
nacional e que muito contribuíram para desestabilizar o governo e para retardar
o desenvolvimento econômico do país.
O foco principal desse debate refere-se à autonomia das províncias,
colocando-se em segundo plano a questão das liberdades civis e a escravidão,
paradoxo com o qual teve de conviver a nação brasileira por muitos anos. A
utilização de mão de obra escrava era justificada como sendo indispensável à
economia e para dar sustentação ao regime monárquico.
O avanço na legislação que restaura a autonomia das províncias e
fortalece o poder local ocorre com o Código de Processo Penal e o Ato
Adicional, que viabilizaram a implantação de medidas descentralizadoras e
modificaram a fisionomia dos municípios.
13
Na fase imperial colocam-se em destaque as questões de maior relevo
no plano político vinculadas a centralização e descentralização política. Nesse
período, a autoridade dos chefes municipais era mantida por meio dos
respectivos deputados que integravam a Assembléia Legislativa, cujas funções
consistiam não só em representá-los politicamente, mas principalmente em
defender seus interesses.
O Partido Conservador teve o mérito de construir as bases da
Conciliação, fase de grande estabilidade política do império e que perdurou por
mais de dez anos. Contudo, rompida a Conciliação, instalou-se o movimento de
Regresso, assim denominado em virtude das medidas centralizadoras
impostas ao país e que afetaram diretamente os chefes locais.
A disputa entre conservadores e liberais desencadeou nova crise política
em 1868, fazendo emergir o Partido Republicano, que empreenderia uma
grande luta para transformar a forma de organização política do país, abolindo
de vez o regime monárquico.
1.2 O regime de capitanias hereditárias.
O sistema político administrativo de Portugal tinha em sua base as
capitanias, cuja implantação, no Brasil, exigiu modificações e adaptações em
virtude da vasta extensão do território brasileiro.
As capitanias originavam-se com a Carta de Doação e o Foral. Tais
documentos consubstanciavam, respectivamente, a doação, por ordem do rei,
de parcela do território ao capitão e governador e os direitos, tributos e foros
que deveriam ser pagos ao rei e ao capitão donatário.
Segundo Faoro, “o capitão e governador, representava os poderes do
rei, como administrador e delegado, com jurisdição sobre o colono, português
ou estrangeiro, mas sempre católico”.4
A criação das capitanias hereditárias vinculadas ao sistema de
governadores-gerais tinha como objetivo possibilitar a colonização, mediante a
distribuição de terras aos colonos, através do instituto da sesmaria, importado
da legislação portuguesa. Tratava-se, na verdade, de concessão real de área
4 FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder: formação do patronato político brasileiro, São Paulo: Editora Globo, 3ª edição, revisada, 2001, p. 148.
14
pública a particular, realizada através dos donatários aos colonos, sob a
condição de cultivá-la, respondendo estes, pelo não aproveitamento da terra.
O regime de sesmaria, como forma de restrição administrativa do
domínio privado persistiu sob essa modalidade até 1695 quando então foi
estabelecida a imposição de foros, fixados em razão da extensão ou da
qualidade da terra. Tal fato modificou a realidade política e social da colônia, na
medida em que a concessão de terras passava a exigir que o colono detivesse
posses, recursos financeiros para pagar o foro, transformando assim, a
natureza jurídica do solo. A terra deixava de ser simples fator de
desenvolvimento, de colonização e passava a revestir natureza econômica,
favorecendo o surgimento de grandes latifúndios e da autonomia do potentado
rural. Este fato despertou a atenção da coroa portuguesa, fazendo com que por
volta do final do século XVII as áreas das sesmarias ficassem limitadas a três
léguas no máximo e, em algumas capitanias, esse limite alcançaria apenas
meia légua. Proliferou-se então, a figura do dependente agrícola, do colono de
terras aforadas e arrendadas, além de posseiros sem título, os quais tiveram
suas posses legitimadas em 1822, tornando-se proprietários das terras por
força da Resolução de 17 de julho de 1822, que extinguiu o regime de
sesmarias.
Ressalta ainda Faoro, que o desvirtuamento do sistema de sesmarias é
marcado pelo ingresso no reino do açúcar, com a monocultura e o escravo
africano, com a casa-grande conquistando a paisagem e a senzala projetando
sua sombra, ambas girando em torno do dinheiro.5 O velho feudalismo europeu
fora transportado e adaptado ao Brasil. Embora em sua origem os privilégios
feudais fossem condenados, o feudalismo colonial aqui implantado contrariava
preceitos das Ordenações, caracterizando-se de forma atípica em decorrência
da organização política e territorial do sistema de capitanias, que autorizava a
transmissão hereditária da propriedade, permitindo ao fazendeiro tornar-se
nobre, para, em seguida, tornar-se culto e passar a exigir participação política.
Todavia, não se pode falar em feudalismo brasileiro propriamente dito, tendo
em vista que as relações entre os capitães governadores e o rei e entre os
proprietários rurais e o governo eram de natureza patrimonial, seguindo as
5 FAORO, Raymundo. Ob. cit., p. 151.
15
regras do capitalismo mercantil orientado por Portugal. Ademais, falacioso o
argumento que caracteriza os senhores de engenhos e latifundiários como
pertencentes a uma nobreza, quando ambos tinham no escravo o ponto
instável de sua riqueza.
Indiscutível, portanto, o caráter capitalista dessa economia orientada ao
comércio internacional, preocupada somente em exportar o açúcar e trazer
escravos, pagando-se juros e lucros extorsivos, visando ao final retornar a
Portugal.
Contudo, a forma de organização política adotada pela coroa
portuguesa, assentada nas donatarias, permitiu a dispersão dos colonos e a
formação de pequenos núcleos resistentes ao controle central. Formaram-se
as oligarquias locais sob os olhares desconfiados do rei que lhes negava
qualquer autonomia política.
São Vicente foi a primeira vila fundada no Brasil, por Martim Afonso de
Sousa, por volta do ano de 1532. A pequena vila era constituída por casas para
os colonos, um forte, uma igreja, uma cadeia e uma Câmara Municipal, tal
como prevista nas Ordenações Manuelinas, cujos funcionários eram eleitos
pelos “homens bons”, reunidos em assembléia especialmente convocada para
essa finalidade.6
Os chamados “homens bons” eram, na verdade, chefes de bandos
armados, compostos por escravos, agregados, afilhados e por mercenários,
estes os povos daquela época que habitavam as terras brasileiras e elegeriam
seus representantes, os juízes ordinários e vereadores, responsáveis por todos
os assuntos públicos7.
Colonos e donatários, futuros construtores e mantenedores da riqueza
exportada para Portugal, cediam sua força de trabalho e seus recursos para
promover o desenvolvimento das terras brasileiras e, em troca contavam com a
benevolência da Coroa portuguesa que lhes permitia participar do governo
através da ocupação dos cargos públicos.
6 QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. O mandonismo local na vida política brasileira, São Paulo: Instituto de Estudos Brasileiros, 1969, p.8. 7 QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. Ob. cit., p. 9.
16
Assim nasceu e cresceu o poder e a importância política e econômica do
senhor de engenho, que ademais das relações de clientelismo, amizade e
compadrio, era também a única autoridade e o único defensor local.
A agricultura baseada no plantio da cana, juntamente com o comércio do
pau brasil, representavam a grande força da economia local. Não havia
investimento público para mover a economia, povoar as terras e torná-las
produtivas, para isto a Coroa contava com os recursos dos particulares, nobres
e ricos. Todavia, o sistema de donatarias mostrava-se ineficiente, em
decorrência do frágil esquema de segurança confiado aos capitães-
governadores e da crescente privatização dos donatários e colonos.8 Aliado a
esses fatores, o agravamento da dispersão territorial, era outro fator de ameaça
aos interesses portugueses, na medida em que favorecia o fortalecimento do
poder local e dificultava a vigilância e o controle exercidos pela Coroa. Tais
fatos explicam o fracasso desse sistema e a necessidade de mudança desse
regime, cuja saída apontava para uma centralização cada vez maior.
1.3 O sistema de governadores-gerais e a nova organização político-
administrativa da colônia.
O sistema colonial havia sido estabelecido a partir da associação entre
mercadores, armadores e a Coroa portuguesa, visando, por uma lado, a
expansão de seus domínios e, de outro, beneficiar-se com as rendas obtidas
na colônia. Essa aliança pressupunha o controle do mercado, pois só assim
seria assegurada a acumulação de capital. Uniram-se a burguesia comercial e
o Estado para implantar um regime de monopólios e de privilégios capaz de
garantir a divisão de lucros.9
Nesse contexto, a reformulação do sistema era praticamente inevitável e
essa mudança foi empreendida com a instituição, em 1548, do governo-geral,
instalado na Bahia.
A carta de nomeação de Tomé de Sousa, primeiro governador-geral,
fundamentava-se no Regimento de 17 de dezembro de 1548, que estabelecia
8 FAORO, Raymundo. Ob. cit., p. 164. 9 COSTA, Emília Viotti da. Da Monarquia à República: momentos decisivos, São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1999, p. 20.
17
que a competência administrativa dos donatários era revogável e fixava com
clareza sua competência, além de ressaltar o caráter temporário de sua
designação e o recebimento de ordenado certo.10
Com a instituição desse sistema foram absorvidas as atribuições dos
capitães donatários e impostas uma série de medidas visando restringir a
expansão dos povoamentos e da colonização, como por exemplo, a proibição
dos moradores locais de adentrar no sertão sem licença do rei.
Foram criadas também as juntas gerais, a figura do provedor-mor,
responsável pela contabilização e a cobrança dos impostos, e a do ouvidor-
mor, responsável pela justiça nas capitanias, com alçada sujeita a recursos
para Lisboa.
A unidade administrativa, judicial e financeira implantada na colônia,
calcada sob a disciplina da atividade econômica ali desenvolvida, consolidou o
regime político-administrativo oriundo da metrópole, sufocando os anseios de
autonomia de donatários e colonos. A centralização imposta, se por um lado,
guardava suas raízes na velha tradição portuguesa, por outro, como anota
Faoro, constituía aparente paradoxo:
Na área das tradições portuguesas foram os reis buscar as correntes de
controle da vida local, com os conselhos e municípios de velha origem.
Paradoxo aparente: para dominar as populações dispersas fixou-se o estatuto
do governo local. Na verdade, o município, na viva lembrança dos êxitos da
monarquia, foi instrumento vigoroso, eficaz, combativo para frear os excessos
da aristocracia e para arrecadar tributos e rendas. Diante do perigo semelhante
– o arreganho do senhor de engenho ou do fazendeiro sem as garras da
nobreza – o remédio seria igual. O modelo serviria, além disso, a outro
propósito, também coevo à corrente municipalista portuguesa: o povoamento,
com a disciplina dos moradores.11
A criação de vilas dependia da vontade do soberano, manifestada
através de alvará ou carta régia. A elevação de um povoado à qualidade de vila
era promovida, de modo geral, com o objetivo de reunir os colonos dispersos. A
presença do rei se fazia impor com o pelourinho, em cujas proximidades se
10 FAORO, Raymundo. Ob. cit., p. 167. 11 FAORO, Raymundo. Ob. cit., p. 170.
18
instalavam a alfândega e a igreja. O pelourinho era o símbolo da autoridade do
rei. O período de centralização repressiva teve início com D. João IV e
representou uma mudança de postura da Coroa com relação à colônia,
consolidando-se durante a fase de exploração minerária.
A Restauração que havia revigorado a Coroa portuguesa não conseguiu
manter estável a aliança entre comerciantes, nobres e eclesiásticos. As
tensões internas contribuíram para minar suas raízes. A queda do preço do
tabaco e do açúcar ameaçava a solvência dos credores ultramarinos. Assim,
por volta do final do século XVII o rei decide estimular as manufaturas locais
destinadas ao mercado da colônia, por intermédio das companhias do
comércio idealizadas pelo Padre Antônio Vieira. São elas: a) o Conselho
Ultramarino, criado em 1642, concebido como órgão de centralização da
colônia, encarregado de manter a ordem e compor os conflitos administrativos
nas colônias; b) a Companhia Geral do Comércio para o Estado do Brasil,
criado em 1647, cujas ações opressivas direcionavam o comércio da colônia
exclusivamente para a metrópole, num círculo que só seria rompido com a
descoberta das minas de diamante.
Tais fatos comprovam que o sistema de centralização colonial antecede
ao início das atividades de exploração das minas brasileiras, tendo sido
impulsionado pelo absolutismo reinante na Europa. Verifica-se, nesse período,
a redução das funções das Câmaras municipais, as quais haviam se tornado
órgãos meramente auxiliares da Coroa.
O plano da colonização, que durante longo tempo restringiu-se a
exploração do litoral leste brasileiro precisava ser expandido em direção ao
sertão, o que implicaria na inevitável dominação do índio e da natureza pelos
conquistadores, indutores do movimento das bandeiras, reconhecido e
orientado oficialmente pela Coroa.
O movimento das bandeiras tratava-se de instituto já conhecido em
Portugal desde a idade média, de natureza militar, sendo comandado pelo rei.
Como tantos outros, foi transplantado e adaptado à colônia, inicialmente para
protegê-la e, depois, para conquistá-la. Contudo, a dispersão territorial e sua
formação originária conferiu-lhe certa autonomia e independência, formando
uma classe social, cujo poder não advinha nem do engenho de açúcar nem da
riqueza do latifúndio, mas sim das armas.
19
Os caudilhos coloniais eram formados por “conquistadores e
bandeirantes”, que ao se ajustarem à sociedade, integravam-se no fazendeiro
ou no militar.12 Entretanto, ao final do século XVII, o ciclo do ouro impõe o
fortalecimento das medidas centralizadoras e absolutistas promovidas na
colônia. Muitas mudanças ocorreram desde então.
A retomada da Bahia aos holandeses e a mudança da capital para o Rio
de Janeiro, em 1763 demonstram a presença da força pública portuguesa,
agora muito mais poderosa e rigorosa quanto à cobrança dos tributos e rendas.
Portugal restabelece pela força a prevalência da lei do reino sobre focos de
insatisfações que surgiam por toda a colônia, no intuito de preservar seu
patrimônio, destruindo completamente resquícios de autoridade local. No
entanto, cresce o sentimento de rebeldia, traduzido em constantes conflitos de
norte a sul.
As mudanças introduzidas na organização da administração pública
colonial, traçada em linha vertical correspondia ao seguinte: o rei, o
governador-geral, os capitães e as autoridades municipais.
Os municípios, instituídos como unidade de governo para estimular e
facilitar os poderes do fisco foram regulamentados pelas Ordenações
Manuelinas, Afonsinas e Filipinas, porém, não traziam em si o espírito de
autonomia, vez que eram criados não para fortalecer o poder local, mas para
viabilizar o governo e a centralização.
As ações centralizadoras eram desempenhadas pelos agentes públicos,
detentores de títulos e patentes, responsáveis pela captação dos recursos e
pela implementação da política comercial portuguesa junto à colônia. Ao seu
lado, o funcionário público, com minguada remuneração, constituía uma classe
muito maior que, sentindo-se aviltada em sua dignidade, era fonte de
constantes denúncias de corrupção e de violência.
As eleições municipais representavam o vínculo entre os moradores da
colônia e a administração pública. Em torno do município, situado na base da
pirâmide de poder, gravita o terceiro elo da administração colonial.
A importância do município é revelada por meio da nomeação de um
presidente pelo monarca. O presidente, denominado juiz de fora, conferia
12 FAORO, Raymundo. Ob. cit., p. 186/187.
20
status mais elevado ao município. Quando desnecessária a presença dessa
autoridade, o juiz ordinário exercia suas atribuições.
A Câmara municipal era composta por juízes ordinários, vereadores (3
ou 4), o procurador, o tesoureiro e o escrivão, com funções administrativa,
policial ou judiciária, todos eleitos em assembléia pelos “homens bons”.
Quando exercia função deliberativa, a Câmara municipal era composta apenas
pelo juiz e os vereadores, ressaltando-se que os juízes ordinários e os
vereadores possuíam mandato de 1 (um) ano e só poderiam ser reeleitos
depois de 3 (três) anos do término dos respectivos mandatos. Somente depois
é que foi introduzida a figura do juiz de fora, que exercia a função de presidente
da Câmara.
Durante todo o período colonial o funcionamento das Câmaras
municipais foi regido pelas Ordenações Manuelinas e a partir de 1603 até a lei
de 19 de outubro de 1828 foram regidas pelas Ordenações Filipinas.
Na verdade, os limites que fixavam as atribuições das Câmaras e das
autoridades da colônia não eram muito precisos, havia certa confusão, uma vez
que as Câmaras podiam nomear procuradores para tratar de seus assuntos
junto à Corte, atropelando a autoridade dos capitães-gerais e dos
governadores.
As mudanças empreendidas pelas Ordenações Filipinas, que tornou as
eleições indiretas, a retirada dos poderes político e judiciário das Câmaras,
assim como a criação do juiz de fora, na verdade, tinham como finalidade
primordial reduzir a influência dos proprietários rurais. Nesse propósito, a
Coroa decidiu também colaborar com os comerciantes e negar auxílio aos
senhores de engenho, fato que resultou na guerra dos mascates, envolvendo
senhores rurais e comerciantes.
Outras medidas foram adotadas pela Coroa, no sentido de enfraquecer o
poder dos proprietários rurais, como por exemplo, o isolamento entre as
capitanias, com a proibição de se comunicarem e a proteção aos comerciantes,
tudo para proteger a metrópole. Enquanto isso crescia a cobrança de impostos
e a produção aurífera nas Minas Gerais decaia a cada ano, resultando em
conflitos freqüentes, principalmente pela instituição da derrama. Tais conflitos
evidenciavam o nítido choque de interesses, de um lado os interesses da
21
Coroa e, de outro, o dos senhores rurais, por verem reduzida sua autoridade e
a oposição aos seus interesses particulares.
A mudança no panorama político ocorreu com a vinda de D. João VI
para o Brasil em 1808. Logo de início foi decretada a abertura dos portos ao
comércio das nações amigas, podo fim ao sistema de monopólio mantido pela
metrópole até aquela data. Em seguida, foi autorizada a instalação de
indústrias no país, medidas que contribuíram para acalmar os ânimos
exaltados dos senhores rurais. Contudo, essa calmaria não se prolongaria por
muito tempo, uma vez que a mudança da Corte para o Brasil ensejou a vinda
de muitos fidalgos, o que despertou o ciúme e o receio dos moradores,
ameaçados novamente em sua autoridade e interesses. Surgiam novamente
os mesmos motivos que justificaram a guerra dos mascates e a dos emboabas,
a defesa dos privilégios e autoridade dos mais velhos contra os mais novos.13
A independência conquistada pelos Estados Unidos da América, que já
havia inspirado a fracassada tentativa da Inconfidência, em 1789, continuava a
repercutir junto a pequena camada de intelectuais formada entre os próprios
senhores rurais. As idéias políticas européia ecoavam aqui e em 1817, a
revolução republicana eclodiu em virtude dos privilégios e da insolência dos
portugueses recém chegados ao Brasil. As idéias liberais e republicanas
ganhavam força e penetravam no interior por influência dos jovens bacharéis.
Todavia, a adesão dos senhores rurais se manifestava mais por solidariedade
que por convicção. O apoio se dava em razão de laços familiares ou de
amizade e dependia, em certa medida, da confiança na alta cultura do amigo.
O movimento constitucionalista ganhava fôlego e espalhava-se por todas
as vilas e províncias. As idéias de liberdade e de república eram difundidas por
padres e bacharéis e sua aceitação variava em cada lugar, a depender da
orientação política do chefe local. Criara-se espaço para a realização de uma
constituinte brasileira. Entretanto, a atitude do chefe político local valia mais
que qualquer idéia política.
13 QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. Ob. cit., p. 30.
22
1.4 Delineamento constitucional do poder local no Império.
Como destaca Cerqueira, a mudança da Corte para o Rio de Janeiro
não foi uma decisão tomada de improviso e, portanto, não foi a simples
transplantação de um governo, mas sim a transferência dos elementos de um
Estado soberano que embora revestissem a forma de um sistema novo, era, na
prática, antigo e familiar.14
Tal mudança ensejou a criação da administração pública brasileira,
passando o Rio de Janeiro a sediar a capital administrativa e o governo, de
onde emanavam todas as ordens para províncias e câmaras municipais.
Ocorre que, com a proclamação da constituição portuguesa, em 14 de
abril de 1821, depois da Revolução Constitucionalista do Porto, em 1820, são
desencadeadas muitas mudanças no cenário brasileiro, iniciando-se com a
volta de D. João VI a Portugal, que representou uma nova fase política no
Brasil.
Essa mudança é retratada por Queiroz, que alude as agitações ocorridas
no Ceará, em virtude da Corte ter ordenado aquela província que jurasse as
bases da constituição portuguesa e comunicasse tal fato às vilas. Os senhores
rurais, entretanto, que desconheciam o significado da palavra “constituição”,
reagiram com bastante desconfiança diante daquela notícia, conforme observa
a citada autora:
Mandara o governador do Ceará comunicar às vilas do interior que, conforme
ordens recebidas da Corte, tinha jurado as bases da constituição portuguesa
proclamada a 14 de abril de 1821. A palavra “constituição”, que não era
compreendida pelos habitantes locais (e note-se que era zona em que tivera
lugar a revolução “liberal” de 1817), passou a causar agitações. “O que ela era
ignorava o vulgo; mas em sua perigosa curiosidade uns divulgavam nela uma
inovação na forma de governo em prejuízo do rei, e portanto uma impiedade,
um atentado contra a religião, segundo a afinidade que descobriam entre Deus
e o rei; outros reputavam-na uma tentativa contra a liberdade dos pobres, que
14 CERQUEIRA, Marcello. A História na Constituição: origem e reforma, Rio de Janeiro: Editora Revan, 1993, p. 222.
23
diziam se meditava cativar; outros, finalmente, a tomavam por uma entidade
palpável, a quem atribuíam uma perversidade de “horripilar”.15
O Rio de Janeiro tornara-se, contudo, um importante centro de poder,
fato que não era bem visto pela Coroa e que resultou na determinação no
sentido de prestigiar as províncias e aniquilar aquele pequeno núcleo político.
Assim, em 1821 foi decidido que as províncias passavam a depender
diretamente de Lisboa, ou seja, o Príncipe Regente não teria mais autoridade
sobre elas.
Costa destaca que a crise do sistema colonial coincidiu com a crise das
formas absolutistas de governo.16 As diversas crises que se instalaram no
Brasil representavam, na prática, o rompimento do Pacto Colonial, não havia
mais a mesma comunhão de interesses entre o produtor colonial, o
comerciante e a Coroa, e essa percepção de que os interesses eram
incompatíveis entre si abriu espaço para a aceitação das ideologias
revolucionárias difundidas na Europa no século XVIII. Pretendia-se restringir a
autonomia da colônia e limitar a liberdade de comércio aos brasileiros,
restabelecendo aos portugueses os monopólios e privilégios que detinham
anteriormente. Essas medidas restritivas provocaram tumultos e crescentes
insatisfações. Embora as idéias liberais não tivessem aqui as mesmas bases
sociais nem as mesmas funções daquelas divulgadas na Europa, as lutas dos
colonos dirigidas contra o governo da metrópole, resultaram na independência.
O principal motivo da discórdia, no entanto, residia na imposição de
restringir o livre comércio das mercadorias brasileiras, tornando Lisboa único
centro de comércio, isto significava, para os colonos, a proibição de vender
suas mercadorias pelo melhor preço, uma restrição inaceitável. Ademais, as
tentativas de implantação de uma monarquia dual haviam fracassado, assim,
restaram apenas duas alternativa a D. Pedro: retornar a Portugal em condições
nada favoráveis ou romper definitivamente e proclamar a independência.
Salienta-se, entretanto, que o movimento pela independência reuniu em
torno de si políticos das mais variadas tendências e ideologias, sob a liderança
do Príncipe Regente e que a adesão à causa não foi completa, de modo que se
15 QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. Ob. cit., p. 31. 16 COSTA, Emília Viotti da. Ob. cit., p. 22.
24
verificaram algumas resistências em diversos pontos do país, em especial nas
províncias do norte.
O domínio imperial no Brasil foi estabelecido através da implantação de
um governo central forte, destinado a promover a organização e a consolidação
da unidade nacional, através da integração das províncias, o que acarretou a
extinção dos poderes regionais. Essas modificações, contudo, foram
amparadas por uma base de legalidade, apoiada nas idéias do movimento
constitucionalista, resultando na adoção de uma Constituição escrita,
fundamentada nos modernos princípios do liberalismo e da democracia,
contendo também uma declaração de direitos do homem e mecanismos de
divisão de poderes, princípios mais consentâneos com aquela nova fase.
Todavia, a primeira Assembléia Constituinte, instalada em maio de 1823,
foi logo dissolvida por ordem do Imperador, em virtude de desavenças políticas,
ficando o Conselho de Estado encarregado de apresentar o projeto de
Constituição que seria posteriormente outorgado à Nação, em 25 de março de
1824.
A implantação da monarquia constitucional, no Brasil, ocorreu no
momento em que a estrutura política brasileira enfrentava profundas e
continuadas crises, influenciada por novas teorias políticas muito em moda na
Europa, como o liberalismo, o parlamentarismo, o constitucionalismo, o
federalismo, a democracia e o republicanismo.
Fazendo-se uma breve retrospectiva da história brasileira, observa-se
que o primeiro governo nacional, denominado de Governo Provisório, foi
formado em 7 de março de 1817, sendo constituído por representantes da
agricultura, do comércio, do clero, da magistratura e das forças armadas.
Nessa época, foi editada uma Constituição provisória, chamada “Lei Orgânica”,
de autoria de Antônio Carlos Ribeiro Andrada, que consubstanciava idéias
liberalistas, impondo limites ao Governo Provisório, afirmando a idéia de
nacionalidade e declarando a República como sistema de governo.
Naquele mesmo ano, entretanto, estava em curso o movimento
revolucionário em Pernambuco, deflagrado pela recessão da economia
nordestina causada pelos baixos preços dos produtos brasileiros nas bolsas de
Londres e Amsterdã e também pela seca de 1816. O movimento era liderado
por antigos senhores rurais, o clero e por homens livres e pobres, contando
25
com acentuada participação dos padres, o que resultou em sua identificação
como a “Revolução dos Padres”.17
Em 1817, Pernambuco havia sido palco de outra rebelião contra a
Coroa, sendo que esse movimento possuía natureza política mais nítida,
confundindo cores e intenções nativistas e republicanas espalhadas a outras
Províncias do nordeste. Ocorreram seguidas insurreições e revoltas em todo o
país. Muitos tropeços marcaram a fase monárquica que culminou com a
proclamação da independência em 1822, após anos de revoluções internas
motivadas por conflitos de interesses coloniais e metropolitanos.
A luta pela independência era justificada pelos excessos e
arbitrariedades praticadas pela Coroa portuguesa, repercutindo de forma direta
nas relações políticas entre portugueses e brasileiros. A Coroa era identificada
com os interesses exclusivos da metrópole, assim, “o anticolonialismo será a
luta contra o absolutismo e pela afirmação do princípio da soberania dos
povos”.18 Durante esse período, a política então dominante não era fruto de
uma ideologia, mas, sim, produto de alianças e rivalidades locais, uma vez que
o sistema eleitoral era controlado por uma minoria. Os políticos dependiam do
apoio das classes elitistas e não do voto popular para se manterem no poder. E
a luta pelo poder fez com que os grupos existentes aprofundassem suas
divergências, o que resultou na dissolução da Assembléia Constituinte em
1823 e na posterior outorga da Carta Constitucional em 25 de março de 1824.
Apesar de não ter conseguido impedir o florescimento das idéias
republicanas entre os brasileiros, observa-se que o grande mérito do Império
consistiu, indiscutivelmente, em consolidar a unidade nacional. A construção da
unidade nacional, contudo, fez com que sucumbissem os poderes regionais e
locais, em face do fortalecimento do poder central.
A forma de organização política estruturada pela Constituição Imperial
de 1824, ao instituir a figura do Poder Moderador, exercida pelo próprio
Imperador, concentrou excessivos poderes nas mãos de uma só pessoa.
Houve, nesse período, grande instabilidade política e social, em decorrência do
17 COSTA, Emília Viotti da. Ob. cit., p. 31. 18 CERQUEIRA,Marcelo. A Constituição na História: origem e reforma, Rio de Janeiro: Ed. Revan, 1993, p. 231.
26
descontentamento do povo brasileiro com o autoritarismo do Imperador,
conforme ressalta Arinos, citado por Cerqueira:
A Constituição de 1824 preparou...terreno para a instalação de uma Monarquia
representativa. Foi pena que os estadistas imperiais não houvessem
compreendido a tempo a conveniência da marcha do Brasil para regime
federal...A Constituição se prestava perfeitamente a uma evolução nesse
sentido. E foi em grande parte por não a terem empreendido os homens do
Império que a República se instalou, visto que a Federação foi uma das
grandes causas do movimento republicano.19
Este modelo de arcabouço jurídico, é certo, não abrigava a solução para
as questões políticas enfrentadas pelo regime monárquico. O fortalecimento do
poder central, se, por um lado, representava a consolidação da unidade
nacional, por outro era visto como fator de enfraquecimento dos poderes locais.
A instituição do Poder Moderador ampliou os poderes do Imperador, gerando
insatisfações e revoltas que perduraram durante toda a fase monárquica. Por
quase sessenta anos os liberais se insurgiriam contra esse mecanismo político
que havia ampliado os poderes do Imperador.
No que concerne a organização dos municípios brasileiros, a Carta de
1824 cuidou da matéria em seus artigos 167 e 169, Capítulo II, do Título VII,
estabelecendo a composição, constituição e composição das Câmaras
Municipais.20 Até então o municipalismo brasileiro era estruturado segundo o
modelo português, tingido com a experiência da colônia. Os citados artigos 167
e 169 dispunham o seguinte:
Art. 167 – Em todas as Cidades, e Villas ora existentes, e nas mais, que para o
futuro se crearem haverá Câmaras, às quaes compete o Governo econômico, e
municipal das mesmas Cidades, e Villas.
Art. 169 – O exercício de suas funcções municipaes, formação das suas
Posturas policiaes, aplicação das suas rendas, e todas as suas particulares, e
úteis atribuições, serão decretadas por uma Lei regulamentar.
19 ARINOS, Afonso. Apud, CERQUEIRA, Marcello. Ob. cit. p. 269. 20 ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. República e Federação no Brasil: traços constitucionais da organização política brasileira, Belo Horizonte: Del Rey, 1997, p. 275.
27
Evidencia-se que o texto constitucional relegou a lei a tarefa de
especificar o contorno das atribuições inerentes às Câmaras Municipais,
omitindo-se sobre a desejada autonomia municipal.
Posteriormente, a Lei de 1º de outubro de 1828, considerada a primeira
lei orgânica municipal e que vigorou por mais de 60 (sessenta) anos, declarou
que as Câmaras Municipais possuíam natureza de “corporações meramente
administrativas”. Esse reconhecimento tinha outros propósitos, como, por
exemplo, o de bloquear as funções administrativas e judiciais e impedir-lhes a
autuação em matéria relacionada à esfera judicial.21
Essa separação de atividades, segundo Leal, representava um avanço
no sentido de melhor organização do serviço público, tendo em vista que
atendia ao princípio geral da divisão do trabalho e especialização das funções.
O citado autor ressalta, ainda, que a ênfase conferida ao caráter meramente
administrativo das municipalidades representava, por um lado, eficiente
processo técnico de redução de sua autonomia e, de outro, obstáculo para a
formação de centros de atividade política mais intensa, capazes de despertar
os interesses das populações menos favorecidas.22
As câmaras municipais, outrora palco de manifestações dos senhores
rurais contra os abusos da Coroa, viram-se reduzidas em sua importância e
autonomia, sendo suas ações a partir de então vistas como atos de indisciplina
que deveriam ser prontamente reprimidos. Trata-se da imposição do sistema
de tutela a que ficaram submetidas, ou seja, as câmaras municipais passavam
a depender diretamente dos conselhos gerais que, por sua vez, dependiam da
Assembléia Geral situada na capital do Império. Criou-se uma nova forma de
centralização, na qual os senhores rurais perdiam completamente sua
influência sobre os negócios locais. Pequenas decisões de ordem
administrativa e econômica precisavam ser submetidas à aprovação do
governo central. As posturas municipais, que não mais incluíam atos judiciais,
só valiam por um ano e mesmo assim precisavam ser ratificadas pela
Assembléia Geral. Na prática, porém, essas medidas não eram de todo
21 ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Ob. cit., p. 276. 22 LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil, São Paulo: Editora Alfa-Omega, 1975, p.74.
28
exeqüíveis, em virtude das enormes distâncias e da falta de comunicações,
isto, contudo, não impediu que se formassem movimentos como a
Confederação do Equador, em Pernambuco, e a República de Piratini, no Rio
Grande do Sul.
Certo é que a Constituição de 1824 não conseguiu, ao final, harmonizar
os interesses das elites brasileiras, liberais ou conservadoras, que ficaram
incompatibilizadas com o Imperador, que se viu forçado a abdicar, em nome de
seu filho, na manhã de 7 de abril de 1831. A data, segundo Ferreira, “marcou a
afirmação da nacionalidade e dos princípios liberais contra o absolutismo e os
interesses portugueses, identificados com D. Pedro I.”23
Inicia-se com a regência a revisão da estrutura institucional vigente.
Desse período merece registro o primeiro projeto de reforma constitucional
aprovado pela Câmara dos Deputados, em outubro de 1831, que previa a
monarquia federativa, a criação de assembléias legislativas provinciais, a
extinção do Poder Moderador e do Conselho de Estado, além do fim da
vitaliciedade do Senado. O projeto, entretanto, foi transformado na lei de 12 de
outubro de 1832, que estabelecia quais artigos da constituição deveriam ser
reformados, dando origem mais tarde ao Ato Adicional.
Embora a elite dirigente não tivesse, àquela época, uma idéia clara
sobre o tipo de Estado mais adequado a seus interesses24, os liberais radicais
continuaram lutando pela descentralização, tendo encontrado apoio na Câmara
dos Deputados, que em 29 de novembro de 1832, aprovou o Código de
Processos, considerado um dos principais instrumentos de conquista rumo à
descentralização.
O Código de Processo Penal constituiu uma importante mudança no
sistema político-administrativo do Império, prestigiou a autonomia municipal, na
medida em que ampliou os poderes das autoridades locais.
Dentre as mudanças introduzidas pelo Código de Processos, podem ser
destacadas as seguintes: a) a autoridade judiciária tornou-se independente do
poder administrativo; b) a jurisdição criminal foi estendida aos juízes de paz; c)
o promotor, o juiz municipal e o juiz de órfãos passaram a ser escolhidos a
23 FERREIRA, Gabriela Nunes. Centralização e descentralização no Império: o debate entre Tavares Bastos e visconde Uruguai, São Peulo: Editora 34, 1999, p. 26. 24 FERREIRA, Gabriela Nunes. Ob. cit., p. 27.
29
partir de lista tríplice proposta pela Câmara Municipal, deixando, portanto, de
ser nomeados pelo governo central; d) foram conferidos amplos poderes ao
júri.
As únicas autoridades nomeadas livremente pelo imperador eram os
juízes de direito, não excedendo o número de três nas cidades maiores, onde
cumulariam também as funções de chefe de polícia, porém, sem atribuições
definidas.
Entende Ferreira, que a criação do sistema de jurados personificou o
ideal de localismo e ameaçou a magistratura profissional, única autoridade
vinculada ao poder central.25
Tais concessões, entretanto, provocaram reações entre os
conservadores, fazendo com que anos mais tarde o aludido Código viesse a
sofrer uma revisão mais de acordo com o espírito do liberalismo regressista
que imperava naquela época. As bases da continuidade monárquica, como se
pode constatar, foram fixadas com a abdicação e o Ato Adicional, que se
apresentaram como solução impeditiva da instalação precoce do regime
republicano.
O Ato Adicional, de 1834, constituiu a fórmula conciliatória das disputas
entre liberais radicais, moderados e conservadores, contemplando a supressão
do Conselho de Estado, mas mantendo a vitaliciedade do Senado e a
permanência do Poder Moderador. Além destas medidas fundamentais, os
Conselhos Provinciais foram transformados em Assembléias Legislativas,
tendo sido aprovada a discriminação de rendas e a divisão dos poderes
tributários, rejeitando-se, entretanto, a autonomia municipal. Os municípios
permaneceram subordinados ao governo provincial, cujo presidente da
província era nomeado pelo governo central.
As medidas descentralizadoras introduzidas por meio do Ato Adicional,
se por um lado revigoraram as províncias, por outro, concorreram para
fortalecer o movimento regressista liderado por Bernardo Pereira de
Vasconcelos que pugnava pela centralização, como destaca Gabriela Nunes
Ferreira:
25 FERREIRA, Gabriela Nunes. Ob. cit., p. 28.
30
A dissidência “regressista”, liderada por Bernardo Pereira de Vasconcelos,
levantava como bandeira a necessidade de revisão da estrutura institucional,
visando o restabelecimento da autoridade e da ordem, contra a “anarquia”
reinante e o perigo de dissolução territorial do Império. Criticado por ter
abandonado a causa liberal, Vasconcelos proferiu um discurso cujo seguinte
trecho pode ser tomado como o fundamento da política do Regresso e a
síntese do pensamento conservador do Segundo Reinado:26
Observa-se que duas leis consideradas materialmente constitucionais
provocaram enorme impacto sobre a vida política brasileira, a primeira delas, a
Lei de 12 de outubro de 1832, que continha a autorização para reformar a
Constituição, que originou o Ato Adicional de 1834, e a segunda, a Lei nº 105,
de 12 de maio de 1840, chamada “Lei de Interpretação”, que estabeleceu o
entendimento quanto à interpretação de alguns artigos objeto de reforma
constitucional. Esta última, contudo, representou considerável retrocesso
relativamente às correntes liberais e federativas inspiradoras do Ato Adicional.
Anos turbulentos se seguiram depois da promulgação do Ato Adicional,
ameaçando ruir a unidade nacional, em decorrência das inúmeras rebeliões,
como a Cabanagem, no Pará, a Sabinada, na Bahia, e a Farroupilha, no Rio
Grande do Sul. Segundo Costa, entre 1831 e 1848, a retórica liberal radical foi
utilizada por líderes revolucionários para justificar a rebelião, embora nem
sempre a adesão a esses movimentos ocorressem por motivos ideológicos,
como se observa em seguida:
As elites locais protestavam contra a perda de poder e as intrusões do governo
central em suas comunidades; irritavam-se com a substituição de autoridades
escolhidas pelo voto por outras designadas pelo governo; reclamavam da
arrecadação de novos impostos; opunham-se à intervenção do governo central
nas eleições locais e o seu controle sobre a iniciativa privada. ..... Durante
esses anos de luta foram tomando forma dois partidos políticos: o liberal e o
conservador. .... Os liberais eram federalistas, favoreciam a autonomia local,
exigiam a abolição do Poder Moderador e do Conselho de Estado, opunham-se
à vitaliciedade do Senado e à intromissão do governo na economia, eram
favoráveis ao comércio livre, à liberdade de expressão e de culto. Defendiam o
26 FERREIRA, Gabriela Nunes. Ob. cit., p. 30/31.
31
princípio de que o rei reina, mas não governa. Os conservadores defendiam a
posição oposta: a centralização, o Poder Moderador, o Conselho de Estado, a
vitaliciedade do Senado, a religião católica como religião de Estado e o
princípio de que o rei reina e governa.27
As disputas pelo poder prosseguiam entre os partidos políticos então
existentes, liberal e conservador, cujas divergências políticas e ideológicas
eram praticamente imperceptíveis. Na realidade, não havia conflitos ideológicos
fundamentais, tanto que o temor aos radicais uniu liberais e conservadores em
regime de cooperação conhecido como “Conciliação”, que teve início em 1852
e perdurou por mais de dez anos.28
Nesse ínterim, entretanto, ocorreu a chamada “reação centralizadora”
referida por Ferreira e que se consubstanciou em três medidas.29 A primeira,
por meio da Lei nº 105, de 12 de maio de 1840, chamada Lei de Interpretação
do Ato Adicional, cujo texto atacava diretamente o art. 10 daquele Ato, que
conferia às Assembléias Provinciais a atribuição de legislar sobre a criação e
supressão de empregos municipais e provinciais, excluída a possibilidade de
dispor sobre a natureza e funções dos mesmos. Esse entendimento viabilizou a
reforma do Código de Processo Penal e posterior fortalecimento do Poder
Executivo central. A segunda ocorreu com a lei que restabeleceu o Conselho
de Estado, em 23 de novembro de 1841. Logo depois ocorreu a reforma do
Código de Processo Penal, trazendo mudanças significativas na organização
policial e judiciária do Império, podendo ser citadas as seguintes: i) no
município da Corte e em cada província haveria um chefe de polícia, ao qual
ficariam subordinados os delegados e subdelegados atuantes nos municípios,
sendo todos funcionários nomeados pelo governo central ou pelos presidentes
das províncias; ii) as funções policiais e judiciárias seriam cumuladas pelos
delegados e subdelegados, os quais poderiam também julgar pequenas causas
criminais; iii) os inspetores de quarteirão seriam nomeados pelos delegados; iv)
os juízes de direito – nomeados livremente pelo governo, passaram a ter
atribuições mais amplas, ficando reduzidas as funções dos juízes de paz; v)a
27 COSTA, Emília Viotti da. Ob. cit., p. 156/157. 28 COSTA, Emília Viotti da. Ob. cit., p. 157/158. 29 FERREIRA, Gabriela Nunes. Ob. cit., p. 32.
32
escolha de juízes municipais e de promotores não dependia mais da indicação
das Câmaras; vi) foram extintas as juntas de paz e o júri de acusação.
Como observa Souza, o “policialismo judiciário”, com funções exercidas
por autoridades policiais, substituiu o “judiciarismo policial” de 1832, quando as
funções policiais eram entregues a juízes de paz eletivos.30
Por último, a reorganização da Guarda Nacional, realizada em 19 de
setembro de 1850, veio encerrar a fase de mudanças centralizadoras
empreendidas no Segundo Reinado. Criada em agosto de 1831, os oficiais
inferiores da Guarda Nacional eram escolhidos dentre membros da corporação
em eleição presidida pelo juiz de paz, o que deixava clara a expressão do
poder local contemplada pelo Código de Processo Penal, todavia, a partir da
reforma, o preenchimento de todos os postos de oficiais ficou sob a
responsabilidade do governo central, eliminando-se, por conseguinte, o
processo eletivo. Essas medidas propiciaram ao governo maior capacidade de
controle e maior poder de cooptação sobre os proprietários rurais.31
Todas essas medidas, entretanto, mostraram-se inócuas, tendo em vista
que os delegados e subdelegados dependiam do chefe local para sobreviver.
E, quanto a Guarda Nacional, seus postos mais elevados eram conferidos aos
chefes locais, que usavam de seu poder para reprimir ameaças e revoltas.
Assim, na realidade, o poder dos chefes locais ultrapassava os limites
da cidade. Os senhores rurais passaram a ser representados por políticos
profissionais que se destacavam pela cultura e preparo intelectual. Os
bacharéis tornaram-se importantes atores no cenário político brasileiro desde a
época da independência, quando passaram a ocupar postos políticos e
administrativos antes só ocupados por portugueses.
A alternância dos partidos políticos no poder era freqüente e pouco
significativa, uma vez que não havia compromisso ideológico, mas sim
convergência de interesses econômicos em torno dos quais se uniam liberais e
conservadores. A prosperidade econômica gerada com o plantio do café
reclamava estabilidade política. Liberais e conservadores estabeleceram a
30 SOUZA, Tarquíneo. Apud, FERREIRA, Gabriela Nunes. Ob. cit., p. 34. 31 CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro de sombras: a política imperial, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p.256.
33
“Política de Conciliação” que permitiu um período de cooperação entre esses
dois grupos durante quase dez anos.
Os partidos políticos na época do Império não se caracterizavam por
arregimentar pessoas em torno de um programa ou de ideal, mas sim por
abrigar a força dos chefes locais, destacando Queiroz que:
Govêrno era o ministério, mas como representantes dos senhores rurais, os
quais, fazendo e desfazendo maiorias, faziam ou derrubavam gabinetes,
mudando a face da política. Em lugar da centralização do poder nas mãos do
Imperador, o que havia era a sua fragmentação nas mãos dos proprietários
agrícolas.32
Todavia, com as mudanças sociais e o desenvolvimento econômico
verificado a partir dos anos 50, tornou-se impossível dar prosseguimento a
Política de Conciliação que manteve unidos os partidos Liberal e Conservador.
A instabilidade dos gabinetes, durante o período de reinado de Pedro II, pode
ser atribuída à falta de comprometimento ideológico e às divisões internas
desses partidos.
Somente nas últimas décadas do Império ocorreram mudanças
importantes, provocadas pelo aumento das diferenças sociais e econômicas. A
filiação partidária, entretanto, relacionava-se mais às questões de parentesco e
família do que de ideologia, fazendo com que a disputa eleitoral viesse
acompanhada das mais variadas manobras políticas e fraudes.33
1.5 Poder local e poder central no Império (descentralização e centralização).
As bases de sustentação do sistema monárquico eram alicerçadas nos
senhores rurais, que emprestavam seu apoio ao governo central e ao mesmo
tempo legitimavam seu domínio político em nível local.34
A política centralizadora do governo era contemporizada nas províncias
em decorrência da autoridade exercida pelos proprietários rurais, cujos
interesses se fariam representar na Corte por seus deputados.
32 QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. Ob. cit., p. 53/54. 33 COSTA, Emília Viotti da. Ob. cit., p. 161. 34 FERREIRA, Gabriela Nunes. Ob. cit., p. 36.
34
Carvalho registra, contudo, que somente a partir de 1837 é que se pode
falar em partidos políticos no Brasil e que as organizações políticas existentes
antes da Independência adotam a forma de sociedade secreta, influenciadas
em grande parte pela maçonaria.35
Observa o citado autor que a formação dos dois grandes partidos
políticos que dominaram a vida política do Império deve-se ao movimento de
descentralização iniciado com o Código de Processo Penal de 1832, o Ato
Adicional de 1834 e rebeliões provinciais. Estas as origens do Partido
Conservador, que, sob a liderança de Bernardo Pereira de Vasconcelos, lutava
pela reforma das leis de descentralização, e do Partido Liberal, que, na prática,
objetiva dar continuidade às medidas descentralizadoras.36
Trata-se do debate sobre centralização e descentralização que se
arrastaria por todo o período imperial, envolvendo, de um lado, o governo
central e, de outro, os chefes municipais.
A autoridade dos chefes municipais era mantida através de seu
representante na Assembléia Legislativa, que era a um só tempo seu
representante político e defensor dos interesses de seus mandatários. Seus
interesses em geral eram coincidentes, quando deixavam de sê-lo, retirava-se
o apoio emprestado ao político. As relações entre esses chefes e seus
representantes eleitos eram, portanto, bastante confusas, tendo em vista que o
deputado era visto como uma espécie de procurador ou de comissário geral do
coronel que o elegera e isto se comprova através do fenômeno do absenteísmo
político, conforme anota Queiroz:
Os coronéis entravam em contato com seus representantes quando iam à
capital da província ou do Império; porque os representantes não se abalavam
a difíceis viagens pelo interior. ... O absenteísmo era possível porque os
políticos graduados da capital eram êles mesmos proprietários rurais; podiam
não dirigir mais pessoalmente suas plantações, fazendo-o por intermédio de
um parente ou de um administrador de confiança; mas suas posses vinham da
terra, seus interesses eram os mesmos do coronel que o escolhia seu
representante. ... O político era, então, um prolongamento do proprietário rural
35 CARVALHO, José Murilo de. Ob. cit., p. 204. 36 CARVALHO, José Murilo de. Ob. cit., p. 204.
35
na cidade e na Corte; a êste prolongamento, correspondeu a cidade como um
prolongamento da fazenda.37
Assim, as tendências de centralização e descentralização do poder
refletem as divergências entre liberais e conservadores, podendo ser
sintetizadas em dois momentos: o primeiro nas leis descentralizadoras de 1832
e 1834 e o segundo nas leis do Regresso de 1840 e 1841.
O processo de centralização política, segundo Carvalho, foi apoiado
basicamente pelo Partido Conservador, salientando o citado autor que o núcleo
dos construtores do Estado imperial nas décadas decisivas de 1830 e 1840 era
formado por uma coalizão de burocratas, sobretudo magistrados e
representantes de setores de proprietários rurais.38
O Partido Conservador foi o grande responsável pelo longo período de
estabilidade política instaurada durante o Império e que ficou conhecida como a
Política de Conciliação, tendo sido constituído por magistrados e donos de
terra, fazendeiros voltados para a agricultura de exportação. O Partido Liberal,
por sua vez, também possuía entre suas fileiras donos de terra, produtores
para o mercado interno, além de profissionais liberais. Depois de rompida a
“Conciliação”, muitos políticos conservadores aderiram ao partido liberal. A
conversão foi justificada por Nabuco de Araújo, que em seu discurso afirmara
que: “...se convencera de que, em vez de lutar contra a crescente corrente
democrática, o homem de Estado devia tentar guiá-la para que não fosse fatal
à nação.”39
Em 1864, surge a Liga Progressista, fundada por Nabuco de Araújo e
outros políticos conservadores que haviam aderido ao partido liberal, dando
início a mais um ciclo de reformas.
O Partido Progressista, entretanto, foi dissolvido em 1868, depois da
queda do Gabinete Zacarias, surgindo em seu lugar o novo Partido Liberal,
fundado em 1869 e o Partido Republicano, fundado em 1870 por dissidentes
radicais do Partido Liberal, cujo programa tinha como pontos centrais o
seguinte: i) eleição direta nas cidades maiores; ii) Senado temporário; iii)
37 QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. Ob. cit., p. 56. 38 CARVALHO, José Murilo de. Ob. cit., p. 219/220. 39 ARAÚJO, Nabuco. Apud, COSTA, Emília Viotti da. Ob. cit., p. 162.
36
Conselho de Estado com funções meramente administrativas; iv) abolição da
Guarda Nacional; v) liberdade de consciência, de educação, de comércio e de
indústria; vi) reformas judiciárias; vii) abolição gradual da escravidão, iniciando-
se com a libertação do ventre.
Apesar de mantidas as demandas por maior centralização, temas
importantes foram acrescentados: liberdades civis; participação política e
reforma social. Nesse cenário, Silveira da Motta, autêntico representante do
liberalismo doutrinário, desponta como grande opositor do predomínio dos
magistrados na política e autor de propostas de reformas radicais, que segundo
ele, deveriam originar-se da opinião pública e não do governo.40
A crise política de 1868, desencadeada em razão da queda do ministério
liberal e sua substituição por um ministério conservador, postulava por medidas
descentralizadoras. Em um manifesto do partido liberal foram reivindicadas a
transformação do Conselho de Estado em órgão exclusivamente
administrativo, a abolição da vitaliciedade do Senado, eleições diretas,
extensão dos direitos de voto aos não-católicos, autonomia do judiciário,
criação de um sistema de educação independente do estado, a secularização
dos cemitérios, a liberdade religiosa e a emancipação gradual dos escravos.
Grupos mais radicais do partido exigiam, ainda, a abolição do Poder
Moderador, da Guarda Nacional, do Conselho de Estado e da escravidão.
Dissidentes do partido liberal fundariam meses mais tarde o partido
republicano, cujo manifesto, além de repetir reivindicações já lançadas pelo
partido liberal, acresceu a criação de uma Assembléia Constituinte com
poderes para modificar o sistema de governo.41
O Manifesto Republicano de 1870, publicado no Rio de Janeiro,
enfatizava os desvios do governo representativo, verdade democrática,
representação, direitos e liberdades individuais. Contudo, somente os
republicanos paulistas tiveram a preocupação de construir uma estrutura
organizacional sólida, ancorada em células municipais. As motivações dos dois
grupos eram diferentes, pois os signatários do Manifesto Republicano refletiam
preocupações de intelectuais e profissionais liberais urbanos, enquanto aos
republicanos paulistas interessava a federação, a autonomia provincial, o
40 CARVALHO, José Murilo de. Ob. cit., p. 207. 41 COSTA, Emília Viotti da. Ob. cit., p. 163.
37
fortalecimento e o controle do governo estadual. Estes últimos entendiam que a
centralização imperial, além de drenar os recursos da província para a Corte e
para outras províncias, impedia esse controle.
Queiroz ressalta, todavia, que a verdadeira base política imperial estava
na agitação local, na politicagem entre os chefes municipais pela supremacia
no município e na província.42
O conflito entre poder central e poder local revela a luta dos proprietários
rurais para a construção do Estado nacional e sustentação da monarquia,
devendo ser ressaltado que a participação dos chefes locais na política do
governo central foi decisiva para a manutenção da unidade nacional e para a
construção da estabilidade do próprio Império.
Em síntese, as várias fases políticas identificadas pela historiografia
brasileira registram três grandes períodos: colônia, império e república.
Contudo, este item concernente ao poder local no Brasil, limita-se às duas
primeiras fases.
O tema relacionado à centralização e descentralização do poder refere a
questões periféricas, como por exemplo, a autonomia das províncias e a
própria forma do Estado brasileiro, bem como as relações entre este e a
sociedade.
A discussão tem como pano de fundo a autonomia das províncias e o
confronto entre a autoridade central e os chefes locais em um país, cuja
economia era baseada na mão de obra escrava e que almejava integrar a
civilização, identificada esta com a Europa Ocidental.
Em torno dos proprietários rurais, donos de terras e de escravos,
estabeleciam-se a ordem e a vida na província. Desde a época da colonização
até o Império, foram constantes os conflitos e as revoltas, em conseqüência da
luta pela afirmação do poder, envolvendo, sempre, de uma lado, a Coroa, e, de
outro, colonos, e, depois, grandes proprietários rurais.
A questão da escravidão esteve sempre presente no centro de todas as
discussões. Justificada em um primeiro momento como sendo forma de
trabalho compulsória imprescindível à manutenção do sistema colonial,
assumiu maior dimensão depois da Independência, tendo em vista que o
42 QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. Ob. cit., p. 54.
38
movimento independentista havia sido inspirado nos princípios do liberalismo
reinante na Europa, constituindo, demais disso, motivo de recusa do regresso à
situação colonial.43
O Império do Brasil passou, então, a conviver com essa ambiguidade:
embora inspirado em princípios liberais, mantinha o regime de escravidão para
sustentar sua economia e assegurar condições de governabilidade. A liberdade
garantida pela Carta outorgada de 1824 não era extensiva aos negros, todavia,
a luta pelo direito à liberdade serviu de bandeira revolucionária em muitas
ocasiões. A liberdade permitia o ingresso e a participação na vida política,
embora não dispensasse o concurso do grande proprietário.44
A questão da autonomia das províncias revela, ademais, dois
importantes pontos de conflito da política brasileira: em primeiro põe em
destaque a criação do Poder Moderador e a imposição de medidas
centralizadoras pelo governo, visando assegurar a unidade nacional; em
segundo, a instabilidade política gerada por força do anseio de prevalência da
autoridade dos chefes locais.
Estas questões estiveram no centro de todas as divergências entre o
governo central e os proprietários rurais. A luta pelo poder tinha como pano de
fundo garantir a estabilidade do regime monárquico e a unidade territorial do
Império.
Na fase colonial, compreendida entre 1530 à 1822, quando vigente o
sistema de sesmarias, são encontrados os primeiros traços do surgimento do
poder local.
A distribuição de terras constitui a obra política e comercial mais
importante desse período, podendo-se afirmar que a forma de organização
política e territorial das capitanias deu origem ao feudalismo colonial
brasileiro.45
A dispersão territorial dos capitães e colonos determinou a fixação da
autoridade política, afastando a autoridade do rei. A formação de pequenos
núcleos constituídos pelas oligarquias locais era favorecida pela distância, pelo
43 PRADO, Maria Emília. Apud, GUIMARÃES, Lúcia Maria Paschoal et al. O liberalismo no Brasil imperial: origens, conceitos e prática, Rio de Janeiro: Editora Revan, 2001, p.164. 44 PRADO, Maria Emília. Apud, GUIMARÃES, Lúcia Maria Paschoal et al. O liberalismo no Brasil imperial: origens, conceitos e prática, Rio de Janeiro: Editora Revan, 2001, p.176. 45 FAORO, Raymundo. Ob. cit., p. 146.
39
isolamento geográfico e a vasta extensão costa brasileira, tornando-os
resistentes ao controle do governo central. Essa situação, todavia, não era bem
tolerada pela Coroa, que logo cuidou de implantar um sistema de delegação de
autoridade exercido por Governadores Gerais. Isto, porém, não impediu que
perdurasse o confronto entre poder central e poder local.
Na fase imperial, aqui compreendida com as seguintes divisões:
Primeiro Reinado (1822 a 1831), Período Regencial (1831 a 1834) e Segundo
Reinado (1840 a 1889)46, verifica-se que o tema centralização/descentralização
permeou a atividade política de forma mais contundente.
O movimento pela Independência, inspirado nos princípios do liberalismo
lusitano e não do liberalismo clássico europeu, trouxe consigo o primeiro
grande problema: consolidar a unidade política do país, tarefa que seria
dificultada em virtude dos naturais obstáculos geográficos e dos diferentes
valores assimilados pela sociedade da época. A Assembléia Constituinte
convocada pelo Imperador e a Constituição outorgada em 1824 refletem os
conflitos internos e justificam a política centralizadora implementada nesse
período.
Reorganizadas as bases do Estado com a Constituição de 1824,
observou-se que não foram pacificadas as disputas políticas que dividiam o
Imperador e o país. A instituição do Poder Moderador foi uma tentativa de
restabelecer a unidade política, uma vez que o imperador não dispensava os
poderes de dirigir, controlar e governar a nação.47 Todavia, a extinção do Poder
Moderador e do Conselho de Estado, além de outras medidas, ocupavam com
freqüência a pauta de reivindicações dos liberais e ensejaram conflitos e
revoltas que contribuíram para desestabilizar o governo.
Os conflitos persistiram no período regencial, destacando-se, nesse
contexto, o papel da guarda nacional estruturada pela lei de Feijó, de 18 de
agosto de 1831, depois do enfraquecimento do exército, visto com
desconfiança pelos liberais, que naqueles dias procuraram sedimentar seu
poder nas forças locais.
A autonomia local foi restaurada através do Código de Processo Penal,
de 29 de novembro de 1832, e o Ato Adicional, de 12 de agosto de 1834. Estas
46 CERQUEIRA, Marcello. Ob. cit., p. 224. 47 FAORO, Raymundo. Ob. cit., p. 332.
40
medidas descentralizadoras introduzidas na fase regencial representaram um
avanço em termos de legislação, por modificar o perfil dos municípios
conferindo-lhes atribuições judiciárias e policiais.
A reação contra a descentralização foi conduzida pelo Partido
Conservador, com base na lei de Interpretação, de 12 de maio de 1840, que
supostamente viria elucidar o texto do Ato Adicional, mas que, na realidade,
modificou substancialmente sua finalidade. A lei de interpretação retirou a
autonomia das províncias e restabeleceu a autoridade do imperador, fazendo
com que as autoridades locais passassem a ficar atreladas ao governo central.
Mas o movimento do regresso, assim como a ascensão de Pedro II ao trono
não foram capazes de pacificar o império.
Constata-se ademais, que a chamada Conciliação, instaurada em 1852
foi o período de maior estabilidade do governo imperial.
Mudanças mais significativas só ocorreram na década de 1860, em
conseqüência de uma nova orientação ideológica denominada de novo
liberalismo, que enfocava três aspectos políticos fundamentais: i) administrativo
(defesa da descentralização); ii) econômico (defesa do livre-cambismo); iii)
doutrina sobre escravismo (defesa da abolição).48
Pode-se afirmar que o discurso liberalista reacendeu a discussão acerca
da forma de organização do Estado, resultando, como se veria mais tarde, na
queda da monarquia e na mudança radical da forma de organização política do
Estado brasileiro.
CAPÍTULO II – A FEDERAÇÃO BRASILEIRA NA CONSTITUIÇÃ O DE 1988
2 O Estado federal brasileiro.
Cuida-se, nesse capítulo, de examinar as mudanças empreendidas no
Estado federal brasileiro a partir da Constituição de 1988, com base na
aplicação do princípio federativo e seus desdobramentos, objetivando por em
destaque sua nova forma de organização federativa e características, assim
como o perfil dos municípios.
48 BEIGUELMAN, Paula. Apud: FERREIRA, Gabriela Nunes. Ob. cit., p. 46.
41
A República Federativa que dá nome ao Estado brasileiro instalou-se
pela primeira vez em 1889, depois de proclamada a independência do Brasil, e,
desde então, muitos foram os percalços ocorridos até ser alcançado o
processo de redemocratização do país iniciado em 1988.
A trajetória política da Constituição Federal brasileira de 1988 é bem
diversa das Cartas anteriores, isto se depreende especialmente pelos dois
novos elementos acrescentados à expressão república, conforme definição
constante de seu art. 1º.
O primeiro elemento refere-se à instituição da República Federativa
como Estado Democrático de Direito de forma expressa.
Esta opção política do constituinte quer significar que a essência do
Estado brasileiro encontra-se marcada por dois importantes princípios: o
princípio republicano e o princípio federativo, sendo ambos inerentes ao regime
político democrático de Direito. E mais que isto, estes princípios dão forma ao
modelo de convivência política do país, informando suas instituições,
viabilizando o regime democrático.
Como ressalta Rocha, os princípios republicano e democrático
modelam-se e condicionam-se reciprocamente:
Os dois princípios estão fundidos e condenados a serem tomados como uma
expressão única e indissociável enquanto vigorar o atual sistema: República
Democrática. Essa expressão passa a ser acoplada àqueloutra empregada
desde o final do século XIX, a República Federativa. No sistema de Direito
modelador do Estado do Brasil tem-se a República Federativa Democrática
enunciada, principiológica e impositivamente, no art. 1º da Constituição. 49
O segundo elemento inovador, segundo a mesma autora, refere-se à
fragilização da República em favor do princípio federativo, em virtude da
exclusão do núcleo de matérias tidas como inatingíveis pela ação reformadora
do constituinte de segundo grau. É que o constituinte inseriu a forma federativa
de Estado entre as cláusulas pétreas, como se pode observar pela redação do
§ 4º. do art. 60 da Constituição de 1988.
49 ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. República e Federação no Brasil. Belo Horizonte: Del Rey Editora, 1997, p. 69.
42
Não há dúvida de que no âmbito do ordenamento jurídico pátrio, o
princípio republicano foi erigido à condição de princípio fundamental, traduzindo
traço característico do Estado brasileiro, determinante de sua forma de ser e do
exercício do poder político. Disto resultam conseqüências práticas na esfera do
judiciário, uma vez que apesar de ter alcançado status privilegiado, como
afirma Rocha, os tribunais superiores não asseguram sua efetiva aplicação:
Não obstante a unanimidade sobre a condição de princípio constitucional
fundamental, de que goza a República no Brasil, o desacato a tal comando
principiológico é manifesto... O de que o Brasil se ressente, pois, é de prática
constitucional democrática, segundo as normas postas e a doutrina mestra. A
prática constitucional vincula-se, diretamente, à atuação do Poder Judiciário,
no qual se tem o órgão máximo competente ao exercício da função de “guarda
da Constituição”. E o poder Judiciário brasileiro ainda não extraiu dos princípios
constitucionais em geral, e do princípio da República, em especial, as
conseqüências jurídicas que nele se contêm para a sua efetividade. 50
O conceito de república, conforme redefinido por Madison, foi
transportado e aplicado à República Federativa do Brasil sem os necessários
ajustes e adaptações. Conforme assevera Rocha “O Brasil dormiu Monarquia e
acordou República”. 51
A falta de ajustes e de adaptações talvez constitua a justificativa que
ampara o argumento de que os tribunais superiores não asseguram a efetiva
aplicação do princípio republicano. Esta mesma explicação pode também se
prestar para justificar as razões pelas quais, o sistema presidencialista
brasileiro tornou-se, na prática, muito distante da matriz idealizada pelos
founding fathers. O modelo norte americano estabeleceu uma Constituição
escrita, onde tudo deveria estar bem definido, competências, restrições,
limitações, separação e relação entre órgãos e poderes, rompendo com a
tradição teórica e prática do regime monárquico de origem inglesa. 52
50 ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Ob. cit., p. 72/74. 51 ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Ob. cit., p. 54. 52 PAINE, Thomas. Apud MARQUES, Viriato Soromenho. A Revolução Federal, Lisboa: Edições Colibri, 2002, p. 42.
43
O tipo de constitucionalismo criado pelos federalistas refletia uma
sociedade complexa, contraditória, dominada pela tensão e pelo conflito, cuja
base repousa no alargamento do conceito de república.
Marques salienta que, para Madison, o republicanismo representava a
vitória de uma idéia moderna de poder popular sobre uma idéia arcaica de
democracia direta. 53 Nesse contexto, a criação do Estado federal americano
exigiu a formalização da Constituição, tendo em vista que no Estado
constitucional as normas fundamentais de organização estatal são redigidas
em um documento solene, no qual se contêm, especialmente, seus limites de
atuação. Esse tipo de Estado federal, além de instituir um constitucionalismo
diferente, inaugurou um sistema político de governo completamente novo,
reunindo em torno do presidente da república as funções de Chefe de Governo
e de Chefe de Estado.
Essa forma de organização política estatal tornou-se cada vez mais
comum no mundo moderno, em virtude da possibilidade de fácil adaptação do
federalismo às necessidades de cada lugar.
A análise do desenho constitucional de um Estado federal permite
observar aspectos relativos à divisão de poderes dentro do legislativo e entre
níveis de governo, o papel do judiciário, a alocação de recursos fiscais e de
competências e as garantias constitucionais dos entes integrantes da
federação.
A existência de um sistema federal, no entanto, implica a cooperação
política e financeira entre o governo federal e as demais esferas da federação,
devendo ser considerados, em cada caso, o tipo de federação e o grau de
descentralização entre os entes federados:
O federalismo no seu conceito amplo se refere aos laços constitutivos de um
povo e de suas instituições construídos através de consentimento mútuo e
voltados para objetivos específicos, sem, contudo, significar a perda de
identidades individuais. 54
53 MARQUES, Viriato Soromenho. Ob. cit., p. 42. 54 SOUZA, Celina. Federalismo e Intermediação de Interesses Regionais nas Políticas Públicas Brasileiras, São Paulo, 1998, p. 5. Disponível na internet: <http://www.fia.com.br/reforma/textos.htm>. Acessado em 01/02/07.
44
O federalismo no Brasil foi concebido desde o início como uma
instituição amortecedora das profundas disparidades regionais, sendo
compatível com a técnica de distribuição de competências adotada pela
Constituição de 1988. Na realidade, a repartição das competências entre o
poder central e os demais entes políticos constitui uma das questões mais
complexas na organização do Estado Federal.
A forma federativa do Estado brasileiro configura uma garantia
assegurada pelo art. 60, § 4º, I da Constituição de 1988, não podendo,
portanto, ser objeto de proposta de emenda à Constituição. No tocante à
organização político-administrativa brasileira, o art. 18 da Carta da República
deixa claro que “A organização político-administrativa da República Federativa
do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios,
todos autônomos, nos termos desta Constituição”.
Na realidade, o art. 18 referido acima apenas ratifica o que foi declarado
já no art. 1º do texto constitucional, sendo razoável concluir que o constituinte
quis apenas enfatizar quais os entes que compõem a República Federativa
brasileira: a) União, b) Estados; c) Distrito Federal; e d) Municípios.
Assim, a interpretação dos dispositivos mencionados acima (art. 1º e art.
18) permite afirmar que o princípio republicano e o princípio federativo, ao lado
dos princípios do Estado de Direito e do Estado Democrático, constituem os
alicerces do Estado brasileiro.
Consoante anota Bastos, o federalismo tornou-se a forma de
organização predominante do Estado democrático, creditando-se tal fato à
descentralização do poder, instrumento fundamental para o exercício da
democracia.
Quer dizer, quanto mais perto estiver a sede do poder decisório daqueles que a
ele estão sujeitos, mais probabilidade existe de o poder ser democrático. Esse
é um ponto fundamental: não teremos uma autêntica democracia no Brasil se
não houver uma forte tendência descentralizadora. Urge, pois, abrir mão de
certas velharias inseridas na Constituição, que confundem a federação com um
mecanismo de convivência de Estados carentes de unidade nacional para
abraçar a federação como um instrumento de democracia. 55
55 BASTOS, Celso Ribeiro. Ob. cit., p. 249.
45
Dentro desse contexto, o papel desempenhado pelos municípios
assume especial importância, não só pelo fato de constituírem a base
geográfica onde estão situadas as cidades, mas em especial por concentrarem
questões relacionadas à convivência social e política de seus habitantes.
Nas cidades vivem os cidadãos. A proximidade destes com o poder local
é que lhes permite reclamar mais diretamente dos problemas relacionados com
habitação, saneamento, infra-estrutura, saúde, transporte público, educação,
segurança, meio ambiente, dentre outros. É na esfera municipal que os
cidadãos encontram maior espaço para exercer seus direitos.
A organização federativa do Estado brasileiro coloca os municípios no
mesmo patamar de igualdade dos Estados e da União, inexistindo hierarquia
entre os entes da federação. Todavia, a descentralização política do poder
exige a delimitação de competências para que os entes federados possam
conviver e desempenhar suas atribuições de maneira equilibrada e
harmoniosa.
Necessário, portanto, analisar a inter-relação entre o princípio federativo
e a técnica da repartição de competências no âmbito do Estado federal
brasileiro, objetivando demonstrar suas características e estabelecer as bases
para o aprofundamento do tema central desse trabalho relacionado às
competências constitucionais dos municípios para legislar sobre meio
ambiente.
2.1 O princípio federativo e a técnica da repartição de competências.
A federação, como forma de associação de Estados pactuada por meio
da Constituição, surgiu para dar solução ao problema de convivência entre as
treze colônias inglesas que se haviam tornado Estados independentes e que
desejavam adotar uma forma de poder político unificado, sem prejuízo da
independência, da liberdade e da soberania que haviam conquistado. O
federalismo caracteriza-se, assim, por ser um modelo de descentralização
estatal que tornou possível compatibilizar a independência das colônias
inglesas, que já possuíam um acentuado grau de autonomia, com um poder
central forte e unificado.
46
O Estado federal brasileiro, compreendido como uma república
federativa e democrática, apresenta, por natureza, pelo menos duas
características básicas: a autonomia dos entes que o integram e a delimitação
do exercício do poder. Tais características representam o principal traço
distintivo entre o Estado federal e o Estado unitário, no qual não são
encontradas divisões internas, existindo apenas uma jurisdição nacional plena.
Na atualidade, a maior parte dos Estados têm optado pela forma
federativa. Como ressalta Bastos, o princípio federativo tem permanecido atual
porque soube se adaptar e encontrar novos fundamentos:
O federalismo é, ainda em nossos dias, um princípio rector que encontra
grande receptividade e ressonância na vida de muitos países. Ele não se
desatualizou porque soube encontrar novos fundamentos em substituição
àqueles que lhe deram origem. 56
Kelsen, por sua vez, afirma que “Apenas o grau de descentralização
diferencia um Estado unitário dividido em províncias autônomas de um Estado
federal”, salientando, ainda, o citado autor, que no Estado federal coexistem
uma ordem jurídica central e várias ordens jurídicas parciais,
As normas centrais formam uma ordem jurídica central por meio da qual é
constituída uma comunidade jurídica central parcial que abarca todos os
indivíduos residentes dentro do Estado federal. Essa comunidade parcial
constituída pela ordem jurídica central é a “federação”. Ela é parte do Estado
federal total, assim como a ordem jurídica central é parte da ordem jurídica
total do Estado federal. As normas locais, válidas apenas para partes definidas
do território inteiro, formam ordens jurídicas locais por meio das quais são
constituídas comunidades jurídicas parciais. O Estado federal caracteriza-se
pelo fato de que o Estado componente possui certa medida de autonomia
constitucional, ou seja, de que o órgão legislativo de cada Estado componente
tem competência em matéria referentes à constituição dessa
comunidade...Essa autonomia dos Estados componentes é limitada. 57
56 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, São Paulo: Editora Saraiva, 11ª ed., 1989, p. 246. 57 KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. São Paulo: Martins Fontes Editora, 1992, p. 309/310.
47
Depreende-se, por conseguinte, que o Estado federal é composto por
várias unidades autônomas, que são constitucionalmente limitadas pela ordem
jurídica total, a fim de garantir a harmonia do sistema jurídico e a existência de
um sistema político integrado, consentâneos com as peculiaridades das
diversas realidades geográficas, humanas, históricas e culturais que
conformam o Estado.
O princípio federativo, consoante evidenciado acima, tem sede
constitucional, e conforme salientado por Rocha, é elemento informador da
forma de Estado, caracterizado pela pluralidade consorciada e coordenada de
mais de uma ordem jurídica incidente sobre um mesmo território estatal, com
âmbitos de competências previamente estabelecidas, a submeter um povo. 58
Uma vez elegido pelo constituinte originário, o princípio federativo
definirá o perfil do tipo de Estado federal e suas particularidades, objetivando
alcançar a eficácia do poder no plano interno e resguardar sua integridade e a
de seus componentes, assegurando, ainda, a eficiência de suas ações.
O princípio federativo promove a vinculação da organização social a
uma determinada forma de convivência humana baseada no pluralismo,
servindo de parâmetro para o ordenamento jurídico do Estado. 59
Observa-se que a Constituição de 1988, em seu art. 1º, consagrou os
denominados princípios políticos de natureza conformadora ao estatuir que “A
República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de
Direito”. Os princípios políticos de natureza conformadora são aqueles que
explicitam as valorações políticas fundamentais do legislador constituinte.
Conforme Canotilho,
Nestes princípios se condensam as opções políticas nucleares e se reflecte a
ideologia inspiradora da Constituição. Expressando as concepções políticas
triunfantes ou dominantes numa assembléia constituinte, os princípios político-
constitucionais são o cerne político de uma Constituição política, não
admirando que: (1) sejam reconhecidos como limites do poder de revisão; (2)
58 ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Ob. cit., p. 171. 59 MARTINS, Cristiano Franco. Princípio Federativo e Mudança Constitucional: Limites e Possibilidades na Constituição Brasileira de 1988. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2003, p. 38.
48
se revelem os princípios mais directamente visados no caso de alteração
profunda do regime político.60
O Estado federal brasileiro, compreendido como uma pluralidade de
Estados menores dentro de um Estado maior, e fundamentado nos princípios
mencionados acima, deverá assegurar a autonomia dos entes que o integram.
Essa autonomia, decorrente da própria Constituição, é também por ela limitada.
No entanto, a verdadeira autonomia caracteriza-se somente quando instituídos
mecanismos para prover as necessidades de ordem pública.
2.2 Características da federação brasileira.
Desde 1891 as constituições brasileiras preservaram os princípios
federativo e republicano, os quais desempenham funções de indiscutível
importância no ordenamento jurídico nacional. Tais princípios dão suporte aos
alicerces do sistema constitucional brasileiro e destinam-se também a orientar
a interpretação dos demais princípios que o integram.
O Estado Federal, originariamente, configura-se pela reunião de dois
tipos de entidades: a União e as coletividades regionais autônomas (Estados
federados). Como ressalta Ataliba:
Exsurge a federação como a associação de Estados (foedus, foederis) para a
formação de novo Estado (o federal) com repartição rígida de atributos da
soberania entre eles. Informa-se seu relacionamento pela “autonomia recíproca
da União e dos Estados, sob a égide da Constituição Federal” (Sampaio Dória),
caracterizadora de sua igualdade jurídica (Ruy Barbosa), dado que ambos
extraem suas competências da mesma norma (Kelsen).61
O federalismo brasileiro, a exemplo do modelo norte americano,
caracteriza-se pela repartição espacial de poder, possibilitando a formação de
60 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional, Coimbra: Livraria Almedina, 5ª ed., 1992, p. 178 61 ATALIBA, Geraldo. República e Constituição, São Paulo, Malheiros Editores, 2ª. ed., 2001, p. 37.
49
múltiplas organizações governamentais, distribuídas regionalmente, dotadas de
autonomia política, administrativa e financeira.
Ressalva-se, entretanto, que o Estado federal brasileiro é uma federação
atípica, tendo em vista que em sua conformação foram incluídos, além da
União e os Estados-membros, os municípios. Somente o Estado federal – que
constitui o todo - possui personalidade jurídica de Direito Público internacional,
enquanto a União – formada pela reunião das coletividades, constitui pessoa
jurídica de Direito Público interno, autônoma em relação aos Estados e
Municípios, competindo-lhe exercer as prerrogativas da soberania do Estado
brasileiro. Os Estados-membros, por sua vez, assim como os Municípios e o
Distrito Federal, são entidades federativas dotadas de personalidade jurídica de
direito público interno e de autonomia.
Esta atipicidade que caracteriza a federação brasileira está delineada
pela norma do art. 1º da Constituição de 1988, que declara expressamente que
o Brasil é uma República Federativa formada pela união indissolúvel dos
Estados, Municípios e do Distrito Federal, constituindo-se em Estado
Democrático de Direito e fundamentado nos princípios da soberania, da
cidadania, da dignidade da pessoa humana, nos valores sociais do trabalho e
na livre iniciativa e no pluralismo político.
No âmbito das relações internacionais, apenas o Estado federal é
considerado como uma unidade, por ser detentor da soberania. Internamente,
a União exercita sua competência sobre um único corpo nacional, reservando-
se aos demais entes da federação o exercício das competências atribuídas
pela Carta da República. Nas relações internas, a autonomia do Estado federal
assenta-se, basicamente, em dois elementos: a) na existência de órgãos
governamentais próprios, ou seja, que não dependam do órgão central
relativamente à forma de seleção e investidura; b) na posse de competências
exclusivas. Tais elementos encontram-se inseridos nos artigos 18, 22, 25 e 30
do texto constitucional em vigor.
É sabido que os limites da repartição de competências dos entes
federados são fixados pela Constituição, podendo, entretanto, apresentar
variações de acordo com o tipo de Estado federal.
No caso do Estado brasileiro, observa-se que a Constituição de 1988
estabeleceu um sistema de distribuição de competências mais equilibrado que
50
as anteriores, objetivando reduzir as desigualdades regionais e sociais e
instituir uma convivência harmoniosa entre o poder central e os poderes
estaduais e municipais.
Os mecanismos de equilíbrio estabelecidos para preservar a harmonia
entre os poderes realçam a supremacia da república, e, a exemplo do modelo
da matriz norte – americana, foram estruturados com base nos ideais de
democracia, liberdade, igualdade e soberania popular.
Assim, tanto a forma de organização federativa do Estado brasileiro
como a técnica da repartição de competências obedecem às regras fixadas
pela Constituição.
Como observa Conti, depois de estabelecida a divisão territorial do
poder entre as pessoas políticas integrantes da federação, necessário se faz
definir as respectivas atribuições, objetivando tornar eficiente a provisão de
bens e serviços públicos:
Este item é bastante relevante, pois a divisão das competências, aliada à
repartição dos recursos entre as unidades que compõem a federação, são o
fator determinante no equilíbrio federativo e conseqüente coexistência
harmônica entre eles, e, portanto, da própria manutenção da federação. 62
O federalismo brasileiro é uma instituição reconstruída pela Constituição
de 1988, caracterizado por um processo de mudanças contínuas entre
centralização e descentralização, com reflexos nas relações de poder entre as
esferas central, regionais e locais. Todavia, apesar das mudanças
desencadeadas pelos processos de democratização e de descentralização,
persistem os desequilíbrios inter e intra-regionais, os quais contribuem para a
criação de contradições e conflitos sociais.
Se por um lado a descentralização política e financeira fortalece a
autonomia dos entes federados, por outro a realidade política brasileira tem
demonstrado que tais medidas ainda não são suficientes para resolver o
problema das desigualdades nem para o aperfeiçoamento da democracia.
62 CONTI, José Maurício. Federalismo Fiscal e Fundos de Participação, São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2001, p. 17.
51
Contudo, é inegável que sob o regime da Carta da República de 1988
modificou-se o perfil do Município na organização do Estado brasileiro, tendo
em vista que no sistema anterior o reconhecimento da autonomia municipal
tinha um sentido apenas remissivo, uma vez que competia aos Estados-
membros organizar seus municípios. E, embora lhes fossem asseguradas as
capacidades de auto-administração, auto-legislação e auto-governo, as normas
constitucionais dirigiam-se aos Estados-membros e não aos municípios como
acontece hoje. Essa mudança reduziu a ingerência dos Estados nos assuntos
municipais, cuja participação se restringe aos casos especificados pela
Constituição, como por exemplo, a criação, incorporação, fusão e
desmembramento de Municípios e a intervenção. 63
2.3 O perfil dos municípios brasileiros.
No contexto do Estado federal brasileiro merece ser enfatizada a
questão concernente à inserção dos Municípios como ente federativo.
Para alguns autores, o Município é divisão política de Estado-membro e,
portanto, não pode ser considerado como entidade federativa, mas simples
componente da federação, como entendem Horta64 e Silva .65
Em sentido contrário, podem ser citados Meirelles, que sustenta que o
Município brasileiro é entidade estatal integrante da Federação e que esta
integração é uma peculiaridade nacional66 e, Bonavides, que entende que o
constituinte de 1988 inovou ao inserir o Município na organização político-
administrativa da República Federativa do Brasil, fazendo com que ele, ao lado
do Distrito Federal, viesse a formar a terceira esfera de autonomia, alterando
63 A intervenção do Estado-membro em seus Municípios encontra-se prevista no art. 35, I, II, III e IV, da Constituição de 1988, podendo ocorrer quando: I – deixar de ser paga, sem motivo de força maior, por dois anos consecutivos, a dívida fundada; II – não forem prestadas contas devidas, na forma da lei; III – não tiver sido aplicado o mínimo exigível da receita municipal na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde; IV – o Tribunal de Justiça der provimento a representação para assegurar a observância dos princípios indicados na Constituição Estadual, ou para prover a execução de lei, de ordem ou de decisão judicial. 64 HORTA, Raul Machado. Direito Constitucional, Belo Horizonte: Del Rey Editora, 2ª ed., 1999, p. 333. 65 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros Editores, 24ª edição, 2005, p. 475. 66 MEIRELLES, Hely Lopes. Apud, Cármen Lúcia Antunes Rocha. Ob. cit., p. 263.
52
assim, a tradição dual do federalismo brasileiro, acrescido agora de uma nova
dimensão básica.67
O entendimento de Meirelles e de Bonavides coincide com a tese
defendida hoje pela maioria dos autores nacionais.
Os municípios integram a federação brasileira, constituindo uma terceira
esfera governamental, sendo esta uma característica específica da federação
brasileira, resultante da opção política do constituinte originário, que promoveu
modificações significativas na estrutura e na organização federativa do Estado
brasileiro. Esta opção política resultou no redesenho do perfil e na ampliação
das atribuições conferidas aos municípios, construindo-se, desta forma, uma
federação tríplice e não dual como o era reconhecidamente até a data que
antecede a promulgação da Constituição de 1988.
Uma vez que uma das grandes vantagens do federalismo reside
exatamente na sua flexibilidade, porquanto não existe apenas um tipo de
Estado federal. A Constituição é que irá definir seu perfil. Ressalta-se,
entretanto, que a idéia de Constituição é atemporal, dado que não se encontra
vinculada a um determinado momento histórico. Ela representa, no sentido
histórico-universal, conforme assevera Martins, a organização fundamental de
uma determinada comunidade política. 68
Martins salienta, ainda, que “A Constituição que surge no século XVIII,
como fruto das grandes revoluções daquele período, nasce sob um novo signo:
o signo da razão. A razão é a luz que elimina as trevas da ignorância”. 69
Conforme Duguit, o fundamento para a instituição de uma Constituição
como um instrumento solene e expresso é encontrado no art. 16 da Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão, o qual preceitua que em uma sociedade
onde a garantia dos direitos não está assegurada, nem determinada a
separação de poderes, carece de Constituição. 70
A Constituição formal, portanto será, necessariamente, obra de um
poder especialmente convocado para cuidar de sua elaboração, o poder 67 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, São Paulo, Malheiros Editores, 13ª ed., 2003, p. 345. 68 MARTINS, Cristiano Franco. Princípio Federativo e Mudança Constitucional: Limites e Possibilidades na Constituição Brasileira de 1988,Rio de Janeiro, Editora Lumen Juris, 2003, p. 8. 69 MARTINS, Cristiano Franco. Ob. cit. p. 8. 70 DUGUIT, Léon. La Separación de Poderes y La Asamblea Nacional de 1789, Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1996, p. 23.
53
constituinte, e deverá abrigar um conjunto de normas sistemático, garantidor de
sua superioridade relativamente às demais normas que compõem o
ordenamento jurídico.
É nesse sentido que a Constituição formal, concebida como a norma
fundamental de um Estado, abriga em si o conceito de supremacia, o que a
coloca em um patamar de superioridade no âmbito do ordenamento jurídico
vigente. Porém, somente à Constituição formal, como destaca Martins, pode
ser atribuída à supremacia constitucional, entendida como superioridade no
universo do direito objetivo do Estado.71
Embora a Constituição material possa apresentar uma supremacia, esta se
resume a uma superioridade filosófica. A verdadeira supremacia constitucional
é jurídica e só existe no âmbito da Constituição formal. A Constituição formal
contém normas que são materialmente constitucionais, isto é, normas que
organizam o poder estatal, mas, contém, ainda, outras normas que, por opção
do constituinte, foram alçadas à categoria de constitucional e, por isso,
passaram a ter superioridade diante do ordenamento jurídico. 72
As Constituições formais são sempre rígidas, sendo esta uma exigência
decorrente da supremacia de suas normas, representando, por outro lado, uma
garantia à sua força normativa, o que lhe permite conciliar estabilidade e
flexibilidade.
A estabilidade pressupõe a permanência das instituições ao longo do
tempo, enquanto a flexibilidade possibilita que essas instituições sobrevivam na
medida em que se adaptam às novas circunstâncias do tempo.
Assim, a rigidez constitucional, mais que uma garantia de estabilidade,
representa uma exigência da democracia, colocando-se como uma proteção
instituída em favor das minorias contra eventuais abusos das maiorias. Por
essa razão é que o federalismo foi consagrado como fenômeno social capaz de
promover, com maior eficiência, os valores inerentes ao pluralismo,
assinalando Croisat que El concepto de federalismo, desde esta perspectiva,
71 MARTINS, Cristiano Franco. Ob. cit., p. 21. 72 MARTINS, Cristiano Franco. Ob. cit., p. 8.
54
afecta tan sólo a las idéas, los valores, las concepciones del mundo que
expresan “una filosofia comprensiva de la diversidad en la unidad. 73
O Estado federal, por conseguinte, abriga a idéia de pluralidade,
prevalecendo o conceito de unidade na pluralidade explicado por Rocha nos
seguintes termos:
A idéia predominante do princípio federativo é a unidade na pluralidade, aqui
considerada a unidade total da ordem jurídica nacional compondo-se,
coordenando-se, harmonizando-se, sistematizando-se pela diversidade de
ordens jurídicas internas (denominadas por Kelsen de parciais), que se
acoplam e formam uma única e que mantêm, nessa unidade sistêmica
nacional, um movimento equilibrado em sua aplicação. O princípio federativo
assegura a pluralidade de ordens jurídicas autônomas e afinadas numa
unidade que se assenta na totalidade da ordem constitucional soberana. Isso
explica por que o federalismo representa uma forma descentralizada de
organização do Poder no Estado, sem embargo de se manter um centro
assegurador da unidade do sistema jurídico. 74
A idéia de pluralidade tantas vezes mencionada acima se refere à
diversidade, às diferenças encontradas entre os grupos sociais, sendo, por
isso, associada à democracia.
O pluralismo, enquanto valor social complexo se baseia em quatro
valores: autodeterminação, tolerância, integração e participação, não se
aproximando, portanto, da idéia de desagregação, mas, sim, de uma unidade
construída sobre a diversidade. 75
Evidencia-se, por conseguinte, que a Constituição de 1988, criou,
efetivamente, outro modelo de federação e definiu um novo regime
constitucional para os Municípios. Este entendimento é compartilhado por
Rocha, que defende que a Carta da República ao criar um novo regime
constitucional para os Municípios, apenas conferiu um tratamento diferenciado
à matéria:
73 CROISAT, Maurice. Apud, MARTINS, Cristiano Franco. Ob. cit., p. 32. 74 ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Ob. cit., p. 172 . 75 MARTINS, Cristiano Franco. Ob. cit., p. 33.
55
O fortalecimento do Município na Constituição de 1988 aparece no art. 1º, o
qual, conforme antes salientado, transformando o perfil da Federação
brasileira, expressa que as entidades locais compõem a forma do Estado
brasileiro. Todavia, conquanto pessoa política dotada de autonomia (art. 18), o
Município não é referido expressamente na Constituição da República como
entidade federada, pois sempre que essa Lei Fundamental menciona as
unidades federadas (e ela o faz mais de dez vezes), está se remetendo tão
somente aos Estados-membros da Federação. Dúvida não pode subsistir de
que a autonomia municipal é encarecida na Constituição vigente, e sua
organização passou por uma inegável modificação no sentido do seu
revigoramento. O Brasil traçou, naquela Lei Fundamental, um novo regime
constitucional para o Município. 76
A discussão acerca da inovação produzida pelo vigente texto
constitucional foi bem sintetizada pela autora acima citada, devendo ser
acrescentado ademais, que o princípio federativo conforma-se através de sub-
princípios igualmente contemplados pela Constituição de 1988: a) o princípio
da descentralização política constitucional; e, b) o princípio da participação
política.
Consoante Arinos, a forma de descentralização colimada e representada
pelo estado federal tem como mais importante característica, a de ser uma
descentralização política e não somente administrativa. 77
Certo é que a descentralização política constitucional assegurada pelo
Estado federal confere maior autonomia e estabilidade aos entes federados, na
medida em que lhes possibilita o exercício da autonomia. Segundo Martins, a
autonomia pode ser definida como o poder intermediário entre a soberania e a
submissão, originariamente limitado, que compreende a capacidade de tomar
decisões e de elaborar as leis próprias, concretizando-se pelas suas próprias
forças. 78
A descentralização política do Estado brasileiro, na forma prevista pelo
art. 18 da Constituição de 1988 é bastante peculiar. O constituinte inovou ao
76 ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Ob. cit., p. 290. 77 FRANCO, Afonso Arinos de Melo. Curso de Direito Constitucional Brasileiro, vol. I, Rio de Janeiro: Revista Forense, 1958, p. 161. 78 MARTINS, Cristiano Franco. Ob. cit., p. 67.
56
estabelecer a criação de esferas distintas de poder (federal, estadual e
municipal) e disso resulta o novo perfil traçado pelo texto constitucional.
O princípio da participação política, por outro lado, refere-se à exigência
de que os entes federados participem da formação da vontade política do
Estado, representando inequívoca manifestação do pluralismo. A realização
desse princípio, porém, não está a depender de fórmulas jurídicas absolutas,
mas sim da efetiva participação popular no processo de construção da
democracia. A participação, além de se revelar como importante mecanismo de
atuação direta dos cidadãos em uma democracia constitui também a prática
mais efetiva e permanente de controle da coisa pública. 79
Consoante anota Carrazza, a definição dos traços característicos de um
Estado deverá ser buscada no texto constitucional, por conseguinte, as
dimensões da República Federativa do Brasil só serão encontradas na própria
Carta Magna:
Consta do art. 1º da Constituição Federal que o Brasil é uma República. As
verdadeiras dimensões desse acerto devem ser buscadas, a nosso ver, não na
História dos Povos (v.g. o romano), nem no Direito estrangeiro (e.g., o norte-
americano), mas em nossa própria Carta Magna. É ela – e só ela – que traça o
perfil e as peculiaridades da República brasileira. 80
Os argumentos expostos até aqui permitem concluir que o princípio
federativo e o princípio republicano constituem os alicerces do Estado brasileiro
e da democracia. A partir desta constatação podem ser enumeradas algumas
conclusões:
a) o Brasil possui uma estrutura federativa atípica;
b) os municípios integram a federação brasileira;
c) a técnica de repartição de competências adotada pelo Constituinte
representa, de um lado, uma garantia aos entes federados do pleno exercício
das competências que lhes foram atribuídas e, de outro, a proibição de
usurpação destas mesmas competências por outros entes da federação;
79 WOLKMER, Antônio Carlos. Ideologia, Direito e Estado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 97. 80 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário, São Paulo, Malheiros Editores, 19ª ed., 2003, p. 47.
57
d) a forma de organização federativa do Estado brasileiro instituída pela
Constituição de 1988 possibilita aos municípios o pleno exercício de suas
competências.
CAPÍTULO III – SISTEMA FEDERATIVO E DESCENTRALIZAÇÃ O POLÍTICA
3 Aspectos relevantes do federalismo na Constituição de 1988.
Para análise do desenho constitucional de um Estado federal, importa
observar aspectos relativos à divisão de poderes dentro do legislativo e entre
níveis de governo, o papel do judiciário, a alocação de recursos fiscais e de
competências e as garantias constitucionais dos entes integrantes da
federação.
A existência de um sistema federal, segundo Souza, implica a
cooperação política e financeira entre o governo federal e as demais esferas da
federação, devendo ser considerados, em cada situação, o tipo de federação e
o grau de descentralização entre os entes federados. Para a autora, em sentido
amplo, o federalismo se refere aos laços constitutivos de um povo e de suas
instituições, construídos conjuntamente e destinados a atender objetivos
específicos sem, contudo, acarretar a perda de identidades individuais.81
Ademais, consoante explica Souza, o federalismo, no Brasil, tem
funcionado como uma instituição amortecedora das profundas disparidades
regionais, cujas características refletem uma federação que constrange o
“centro” e que redireciona o papel dos governos sub-nacionais, em face de
políticas econômicas ditadas pelo governo central:
As tensões hoje existentes no federalismo brasileiro expressam velhos e não-
resolvidos conflitos políticos de um país social e regionalmente muito desigual.
Essas tensões não são, todavia, produto do federalismo em si mesmo. As
possibilidades dessas tensões políticas e financeiras serem enfrentadas
dependem menos do federalismo enquanto instituição e mais do enfrentamento
de conflitos políticos mais amplos. Argumenta-se, também, que o pacto político
81 SOUZA, Celina. Federalismo e Intermediação de Interesses Regionais nas Políticas Públicas Brasileiras, São Paulo, 1998, p. 5. Disponível em: <http://www.fia.com.br/reforma/textos.htm>. Acessado em 01/02/07.
58
da redemocratização no Brasil sugeria maior comprometimento do Estado com
as questões das desigualdades sociais e regionais. Esse compromisso, no
entanto, tem sido difícil de ser cumprido devido às restrições impostas pela
política econômica. 82
O sistema federativo deu origem à descentralização política e ao
pluralismo, compreendido este como elemento de sustentação da participação
do indivíduo em assuntos de natureza política, assegurando, ainda, ao cidadão
e às unidades autônomas, o direito de realizar tudo aquilo que lhes é concedido
pelo todo e expressado pela Constituição.
O equilíbrio do sistema federativo repousa, basicamente, sob três
pilares: i) descentralização política; ii) autonomia dos entes federados; iii)
pluralismo.
No caso do Estado brasileiro, o constituinte adotou a técnica da
repartição de competências como instrumento de realização do federalismo,
cuja característica fundamental reside na coexistência de distintos níveis de
poder: um poder central e poderes periféricos, sendo o poder político
compartilhado pela União e demais entes federados, no caso, os Estados, os
Municípios e o Distrito Federal.
Em verdade, a distribuição de competências é um pressuposto da
autonomia dos entes federados, e, ao instituir diferentes esferas de poder
político, o constituinte de 1988 modificou o sistema de distribuição de
competências dando, assim, maior substância à descentralização proposta, a
fim de permitir que as unidades integrantes da federação pudessem funcionar
de forma autônoma e concomitante.
Horta entende que essa autonomia conferida aos entes federados é que
demonstra a feição do Estado federal, evidenciando maior ou menor grau de
descentralização, através da partilha de competências, conforme explicado
abaixo:
A autonomia do Estado-membro pressupõe a repartição constitucional de
competências para o exercício e o desenvolvimento de sua atividade
normativa. O Estado federal não autoriza que se desvinculem esses dois
82 SOUZA, Celina. Ob. cit., p. 5.
59
aspectos fundamentais de sua fisionomia. A técnica de repartição é elemento
específico e essencial ao sistema federal. E, sob o ângulo da autonomia, a
distribuição constitucional de competência entre o governo central e os
governos estaduais irá conduzir ao conteúdo da atividade autonômica. 83
A maior inovação do modelo federalista brasileiro consiste no fato de os
municípios terem sido inseridos como entes integrantes da federação, dotados
de autonomia política, administrativa e financeira. E, embora não haja
consenso entre os autores nacionais sobre a caracterização dos municípios
como entes da federação, predomina atualmente o entendimento de que os
municípios brasileiros alcançaram tal status. Isto porque a norma contida no
art. 1º. c/c o art. 18, ambos do texto constitucional, colocam no mesmo patamar
de igualdade a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios,
assegurando-lhes uma correspondente autonomia política, administrativa e
financeira. O exercício dessa autonomia, entretanto, não afasta a busca da
preservação do equilíbrio das relações entre o poder central e os poderes
periféricos, que devem coexistir de maneira harmoniosa, respeitando-se as
várias esferas de competência.
Os poderes conferidos aos entes federados devem ser sopesados, a fim
de possibilitar a convivência pacífica entre os mesmos e o desempenho de
suas atribuições nos exatos limites fixados pela Constituição, o que só se
cumprirá mediante a apropriação dos recursos financeiros necessários à sua
existência. Este o sentido de federalismo concebido desde o surgimento dos
Estados Unidos da América.
A descentralização e a autonomia financeira dos entes federados não
podem ser dissociadas, sob pena de perder-se o sentido verdadeiro de
federação.
O tema da repartição de competências, por conseguinte, abriga a
análise do exercício das atividades desempenhadas pelos órgãos federados.
Salienta-se que, no Brasil, há que ser considerada ainda a atividade dos
municípios, em decorrência da tríplice estrutura da federação. Ao modificar o
perfil dos municípios brasileiros, a Constituição de 1988 ampliou a autonomia
83HORTA, Raul Machado. Apud, ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988, São Paulo: Editora Atlas, 2ª. ed., 2000, p. 29.
60
destes entes políticos como forma de estabelecer o reequilíbrio federativo e
para permitir a opção pelo federalismo cooperativo. Todavia, os resultados
práticos dessas mudanças geraram apenas mais desequilíbrio e sobrecarga
tributária, uma vez que até o momento não foi estabelecida a forma de
cooperação a ser adotada pelos entes federados.
Consoante observa Selcher, esse desequilíbrio ocorreu porque o diálogo
entre os políticos foi de baixo conteúdo filosófico. Interessava mais aumentar a
arrecadação de impostos e a distribuição de recursos, ficando em segundo
plano as questões relativas à estrutura, à representação governamental, às
esferas de responsabilidade, à autonomia política e à eficiência
administrativa.84
Com efeito, a estrutura política brasileira é uma combinação entre
representação proporcional, multipartidarismo, federalismo e bicameralismo,
apontando a necessidade de formar governos de coalizão ampla.
No chamado presidencialismo de coalizão, o presidente é o grande
mediador de conflitos entre os diversos partidos políticos, é quem soluciona as
divergências, representando, ao mesmo tempo, o centro para onde estas
convergem.
Os conflitos entre os Poderes Executivo e Legislativo, se por um lado
originaram o presidencialismo de coalizão , por outro, demonstram a
fragilidade do sistema, na medida em que, mesmo o Presidente da República
tendo sido eleito diretamente e detendo total legitimidade democrática, não
consegue construir uma base política sólida, em virtude da fragmentação
partidária.
Além de ser centralizador, o presidencialismo brasileiro, segundo
Mainwaring, possui algumas características peculiares: i) em primeiro porque
os presidentes brasileiros, depois da Constituição de 1988, tiveram seus
poderes ampliados; ii) em segundo, a fragmentação partidária tem afetado o
sistema presidencialista brasileiro; iii) em terceiro, os partidos “atrapatodo”,
atrapalhados, indisciplinados, dificultam manter a confiança nos canais de
apoio partidário; iv) finalmente, o funcionamento do presidencialismo brasileiro
tem sido modelado pelo federalismo. Observa-se que a lógica que informa os
84 SELCHER, Wayne A. Apud, RAMOS, Dircêo Torrecillas. O Federalismo Assimétrico, Rio de Janeiro: Editora Forense, 2ª ed., 2000, p. 178.
61
políticos e os partidos, no Brasil, está profundamente enraizada em um
federalismo forte, o qual reforça a dispersão do poder criada por um sistema de
partidos altamente fragmentados. Esta combinação institucional faz com que os
presidentes possuam amplíssimos poderes constitucionais (especialmente
depois da Constituição de 1988), porém, débeis poderes partidários.85
O que se pode concluir é que, embora as normas constitucionais
atendam a critérios normativos básicos de descentralização, dividindo as
funções entre os níveis de governo de maneira semelhante à ditada pelos
paradigmas teóricos e da experiência internacional, o Brasil se ressente de
uma política nacional coordenada de descentralização.
3.1 Descentralização política no Brasil.
O princípio da descentralização, ora enfocado sob o aspecto político
constitucional, apresenta-se como forma de oposição ao despotismo, tendo em
vista que a descentralização consiste na transferência de funções, de um poder
central para entes periféricos. Assim, a descentralização política acarreta a
descentralização administrativa, pois quem detém o poder de decidir,
implicitamente, deve potencializar o poder de executar.
Martins observa que a descentralização política sob a forma territorial
promove uma divisão política geográfica comumente qualificada pela doutrina
de “separação vertical do poder” e que, no caso do Estado federal, podem
ocorrer variações em diversos níveis:
Os Estados federais, em geral, fazem uma descentralização política de 1º grau,
distinguindo o poder central e os poderes periféricos, designados por
províncias, cantões, Estados-membros etc. Não é incomum, porém, uma
descentralização política de 2º grau, atribuindo aos entes municipais a
capacidade de decisão política. O limite dessa graduação, ao menos nos
Estados federais, pode ser encontrado entre os valores do federalismo: a
eficiência. Pode-se admitir ampla descentralização, desde que esta não
comprometa a eficiência do sistema político do Estado.86
85 MAINWARING, Scott. SHUGART, Matthew Shugart. Presidencialismo y democracia en América Latina, Buenos Aires: Paidós, 1ª ed., 2002, p. 65/66. 86 MARTINS, Cristiano Franco. Ob. cit., p. 61.
62
Zippelius por sua vez afirma que constitui exigência da teoria do Estado
dividir estruturalmente as unidades políticas em subsistemas, atribuindo-lhes
máximo grau de autonomia para tratar de assuntos de seu interesse, não
necessariamente sob a forma de uma região.87
O moderno regionalismo, todavia, encontra-se integrado aos princípios
da subsidiariedade e da federalização, abrigando a idéia da resolução de
conflitos pela via cooperativa. É que, como explica Zippelius, da mesma forma
que a intimidade e a solidariedade podem ser mais fortemente sentidas em
âmbitos de vida mais próximo do cidadão, o mesmo ocorre com relação ao
sistema político global, uma pátria é sentida mais intensamente pelos seus
cidadãos na medida em que promove a vida das pequenas comunidades.88
A descentralização política é inerente à democracia, propiciando ao
indivíduo a possibilidade de participar na formação da vontade política da
entidade federada. Além disto, do ponto de vista da economia nacional, permite
que se cobre maior transparência nas decisões econômicas de interesse da
coletividade.
Em unidades descentralizadas serão maiores as possibilidades das
relações entre custos e benefícios, beneficiários e contribuintes de prestações
públicas se tornarem mais transparentes, o que exigirá, por outro lado, uma
participação mais responsável nas decisões que envolvam a distribuição de
bens e encargos públicos.
Pode-se citar como exemplo, a Lei Fundamental da República Federal
da Alemanha, que, conforme se pode observar em Konrad Hesse, privilegia o
princípio da descentralização, por considerar que a construção federal
completa e fortalece a ordem democrática, assim como a ordem de direito
social, em virtude dos efeitos produzidos por seus divisores internos de poder:
À alta complexidade de exigências na coletividade moderna corresponde um
sistema político descentralizado que independiza unidades de decisão políticas
autônomas a nível nacional, regional (e local), antes que um centralista. ...Com
a construção descentralizada une-se a divisão de poderes vertical, que
87 ZIPPELIUS, Reinhold. Teoria Geral do Estado, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 504. 88 ZIPPELIUS, Reinhold. Ob. cit., p. 506.
63
caracteriza o Estado federal. (....) Simultaneamente, essa repartição contêm
elementos de um equilíbrio dos poderes que contribui a isto, impedir o
surgimento de um poder estatal onipotente.89
Portanto, pode-se afirmar que a descentralização política concorre para
a diversidade estrutural de forças políticas, abrindo espaço para os partidos
políticos minoritários participarem da construção de uma sociedade
democrática.
No Estado federal brasileiro, a descentralização política evidenciada no
texto constitucional, caracteriza-se através da repartição de competências.
Segundo Martins, a competência representa uma via de mão dupla para
o poder, tendo em vista que, por um lado, assegura ao seu detentor a
autoridade necessária para executar as tarefas que lhe foram atribuídas, e, por
outro lado, impede-o de realizar atribuições que não lhe são próprias. 90
A repartição de competências, contudo, é determinada em grande
medida, por fatores históricos e sociais, uma vez que a Constituição
simplesmente traduz a realidade encontrada em uma determinada sociedade,
sendo ela responsável pela definição constitucional do nível de centralização
ou descentralização de um Estado federal.
Conforme explica Horta, a técnica da repartição de competências
funciona como um instrumento de controle, no sentido de que é através dela
que são definidas as competências de cada ente federado, podendo acentuar a
centralização – conferindo maior soma de poderes à União – bem como induzir
a descentralização, de forma dosada e comedida, no intuito de estabelecer o
equilíbrio entre o ordenamento central e os ordenamentos parciais. O sistema
de distribuição de competências se coloca a serviço da pluralidade dos
ordenamentos do Estado federal, mantendo a unidade dialética de duas
tendências contraditórias, a tendência à unidade e a tendência à diversidade.91
O constituinte de 1988 optou por introduzir nova técnica de repartição de
competências no âmbito do federalismo brasileiro, estabelecendo a seguinte
distribuição: i) competências exclusivas e privativas dos entes federados
89 HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha, Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1998, p. 186/187. 90 MARTINS, Cristiano Franco. Ob. cit., p. 74. 91 HORTA, Raul Machado. Ob. cit., p. 352.
64
(União, Estados–membros, Distrito Federal e Municípios); ii) competências
concorrentes da União, dos Estados-membros e do Distrito Federal; iii)
competências comuns a todas as entidades federadas (União, Estados-
membros, Municípios e Distrito Federal).
Ressalta-se que as competências exclusivas são distintas das
competências privativas.
As competências exclusivas traçam a esfera de autonomia de cada
pessoa política, de forma que a exclusividade elide a participação de um ente
federativo na esfera de competência de outro, não comportando, portanto, a
delegação de matérias. Quanto às competências privativas, são aquelas
exercidas pelas respectivas entidades federativas para o atendimento de suas
atribuições, permitindo, entretanto, a delegação, nos termos do art. 22,
parágrafo único da Carta da República.
A competência concorrente, no Brasil, refere-se à função legislativa e
encontra-se expressamente definida no art. 24, caput da Constituição de 1988.
Relativamente aos municípios, entretanto, essa competência foi inserida
no art. 30, I e II, que dispõem, respectivamente, que: I) compete aos Municípios
legislar sobre assuntos de interesse local e, II) suplementar a legislação federal
e a estadual no que couber.
Observa-se que existe uma dualidade de competências sobre a mesma
matéria, havendo casos até mesmo de tríplice atuação, consoante destaca
Rocha:
A nenhuma das entidades federadas a Constituição comete, em princípio,
competência legislativa plena das matérias listadas no rol das matérias
dispostas como de tratamento concorrente da União, dos Estados-membros e
do distrito Federal. Comete-se-lhe, sim, competência primária, pois o primeiro
tratamento originário e que compõe os princípios gerais dos institutos cuidados
legislativamente são fixados nas normas gerais. 92
As competências comuns são aquelas previstas no art. 23 da
Constituição de 1988, outorgadas à União, aos Estados-membros, ao Distrito
Federal e aos Municípios em condições de igualdade quanto à titularidade,
92 ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Ob. cit., p. 248.
65
visando à implementação de determinadas funções de natureza administrativa.
No parágrafo único do citado art. 23 está prevista a edição de Lei
complementar para fixar as normas sobre cooperação entre os entes
federados, objetivando o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em
âmbito nacional.
Ao destacar a natureza cooperativa do federalismo brasileiro, Bercovici
ressalta a distinção entre funções de coordenação e de cooperação,
relacionando-as às competências concorrentes e comuns. 93
Segundo citado no parágrafo anterior, a função de coordenação consiste
em um modo diferente de atribuição e exercício conjunto de competências, no
qual os integrantes da federação possuem relativa participação. Trata-se de
procedimento no qual todos buscam um resultado comum, materializado
através da técnica da repartição de competências concorrentes previstas no
art. 24 da Constituição Federal de 1988.
A função de cooperação, por sua vez, requer a atuação conjunta dos
entes federados, ou seja, todos devem exercer suas competências
conjuntamente. Significa dizer que não há prevalência de nenhuma das esferas
de poder sobre outra, resultando em responsabilidades igualmente comuns. O
pressuposto da coordenação é a estreita interdependência que existe entre
inúmeras matérias e programas de interesse comum, correspondendo, na
prática, às chamadas competências comuns previstas no art. 23 da Carta da
República.
O que caracteriza a cooperação é o fato de que embora a decisão seja
conjunta, a execução dos atos ocorre individualmente, cada ente executa suas
ações, podendo estas, entretanto, serem realizadas também conjuntamente.
Neste sentido deve ser compreendido o federalismo cooperativo, que
tem como objetivo equilibrar a descentralização federal com os imperativos da
integração econômica nacional. Em termos fiscais, fundamenta-se na
cooperação financeira que se desenvolve em virtude da necessidade de
solidariedade federal por meio de políticas públicas conjuntas e de
compensações das disparidades regionais. 94
93 BERCOVICI, Gilberto. Desigualdades Regionais, Estado e Constituição. São Paulo: Editora Max Limonad, 2003, p. 151. 94 BERCOVICI, Gilberto. Ob. cit., p. 157.
66
As desigualdades regionais e sociais é que geram a necessidade de se
promover uma distribuição equânime de recursos, visando beneficiar os entes
menos desenvolvidos e possibilitar igualdade de condições sociais para todos.
Isto revela a importância da distribuição de receitas entre os entes
federados, cuja autonomia só é assegurada quando lhes são garantidos os
recursos necessários à manutenção de seus encargos.
A repartição de competências em matéria tributária, no caso brasileiro, é
tratada no âmbito do sistema tributário nacional, que constitui um subsistema
constitucional. Dada sua especialização, a Lei Maior enumerou as
competências tributárias de todos os entes federados para a instituição de
tributos, ressalvando, ainda, à União, competência tributária residual, nos
termos do art. 154, I, e, aos Estados-membros, competência tributária
reservada, conforme previsão constante do art. 25, §1º, do texto constitucional.
O ponto central do sistema tributário constitucional é a partilha de fontes de
receitas entre os entes da federação. Isto porque, sabe-se que era intenção
dos constituintes de 1987 promoverem máxima descentralização de poderes
entre os entes da federação, todavia, analisando-se a forma de repartição de
competências sob a óptica da colaboração que possa ter trazido para o
reequilíbrio do federalismo brasileiro, é forçoso admitir a ampliação das
competências da União.95
Almeida assinala que é inegável a preponderância da União no
federalismo contemporâneo e que se faz necessário, contudo, impedir a
hegemonia do poder federal, a fim de que o sistema não seja desnaturado e
que:
Se pensarmos principalmente em termos de interação federalismo/democracia,
o Estado federal tanto mais propiciará a democracia quanto mais perto estiver
a sede do poder decisório daqueles que a ele estão sujeitos.96
Não é demais lembrar que, no Brasil, compete ao Chefe do Poder
Executivo, formular e executar as políticas públicas, visando ao
desenvolvimento nacional e à redução das desigualdades regionais e sociais, 95ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988, São Paulo: Editora Atlas, 2ª ed., 2000, p. 91. 96 ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Ob. cit., p. 9
67
conforme art. 3º do texto constitucional. Tal disciplinamento tem contribuído
para a manutenção desses problemas econômicos e sociais, desde o momento
em que o presidente da república se coloca como único responsável pela
definição e implantação de políticas públicas nacionais.
Necessário, portanto, que se proceda à revisão da distribuição de
competências, no sentido de descentralizar, tanto quanto possível, as
atribuições hoje concentradas na União, objetivando um melhor planejamento
das ações e das políticas públicas, no sentido de viabilizar um crescimento
econômico mais ordenado e equilibrado. Nesse contexto, o papel dos
municípios é fundamental, tendo em vista que é neles que se concretizam as
ações governamentais e onde são exercitadas as funções das cidades. Neles
se permite o exercício de uma cidadania baseada no poder territorial menor e,
portanto, mais descentralizado.
3.2 Autonomia dos entes federados.
A Constituição de 1988, em seu art. 18, ao definir a organização político-
administrativa do país, declarou autônomos os Municípios brasileiros.
A autonomia de que cuida o texto constitucional, segundo Rocha97,
consiste na faculdade conferida ou reconhecida a uma entidade de criar as suas
próprias normas. A autonomia das entidades federadas é garantida pela
existência de competências próprias e exclusivas, que podem ser postas ao
lado de outras complementares ou comuns, mas que asseguram um espaço de
criação de Direito por elas. A noção de autonomia vincula-se, portanto, ao
sistema de repartição de competências que determina a eficácia do próprio
princípio federativo. Competência é a medida da capacidade de ação política ou
administrativa, legitimamente conferida a um órgão, agente ou poder, nos
termos juridicamente definidos. A autonomia dos entes da federação, portanto,
está diretamente relacionada ao fato de que estes devem possuir competência
97 ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. República e Federação no Brasil: traços constitucionais da organização política brasileira, Belo Horizonte: Del Rey editora, 1997, p. 180.
68
tributária própria, capaz de fazer frente às responsabilidades a eles atribuídas
pela Constituição Federal.98
Ademais, a autonomia de que se fala está atrelada à descentralização
territorial do poder e à capacidade de gerar receitas próprias, o que permite aos
entes federados definir suas prioridades independentemente das políticas
traçadas pela União, estando a autonomia municipal assentada em cinco
requisitos: a) capacidade de auto-organização; b)capacidade de auto-governo;
c) competência legislativa própria; d) capacidade de auto-administração;
e)autonomia financeira.
A autonomia conferida aos municípios deve possibilitar a construção de
uma relação política equilibrada com os entes da federação, onde a participação
do povo seja efetiva no processo decisório e na formação dos atos de governo,
tendo em vista que em uma sociedade democrática, há que se consentir na
pluralidade de idéias, culturas e etnias, preservando-se os direitos individuais,
políticos e sociais dos cidadãos, e propiciando-lhes os meios necessários ao
seu exercício.
Não é demais relembrar, por outro lado, que o poder municipal foi o
instrumento que conferiu base de legitimação ao constitucionalismo imperial,
berço histórico de nossas instituições. Portanto, pode-se afirmar que a Carta de
1988 ”emprestou natureza federativa incontrastável”99 aos municípios
brasileiros, assegurando-lhes, ainda, os necessários recursos financeiros,
previstos nos arts. 156, 158, e 159, I, “b” e § 3º, todos da Constituição de 1988.
3.3 Federalismo e Pluralismo.
O pluralismo pode ser compreendido sob várias abordagens conceituais,
como, por exemplo, a conservadora, a liberal, a socialista, a social-cristã e a
liberal-democrática.100
No âmbito de um sistema federativo democrático como o brasileiro, o
pluralismo tem a função de promover a dispersão do poder político, 98 RIBEIRO, Ricardo Lodi. Pacto Federativo e Reforma Tributária. Revista de Direito Administrativo, Out-Dez. Rio de Janeiro: Editora. RT, 2000, v. 222, p. 90. 99 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, São Paulo: Malheiros Editores, 13ª edição, 2003, p. 356. 100 ZIMMERMANN, Augusto. Teoria Geral do Federalismo Democrático. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2ª edição, 2005, p. 172/173.
69
contrapondo-se, portanto, ao modelo centralizador de Estado. Nesse sentido,
concorre para estabelecer condições mais favoráveis para a efetividade das
normas, na medida em que permite contemplar os interesses e a participação
dos indivíduos e dos grupos sociais de forma mais abrangente.
A Constituição de 1988 afirma desde seu preâmbulo que o Estado
brasileiro destina-se a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a
liberdade, a segurança, o bem estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça
como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem
preconceitos. Isto equivale a admitir a convivência harmoniosa de diferentes
interesses e opiniões, seja de indivíduos ou de grupos, com base no exercício
da liberdade.
A opção do legislador constituinte por uma sociedade pluralista importa
no reconhecimento do respeito à pessoa humana e sua liberdade,
consubstanciando, ademais, instrumento de construção da democracia.
Segundo Burdeau, a sociedade pluralista conduz à poliarquia, regime
onde a dispersão do poder numa multiplicidade de grupos é tal que o sistema
político não pode funcionar senão através de uma constante negociação entre
seus lideres. Burdeau ainda acrescenta que:
Nesse regime o poder não é uma potência unitária: ele é o resultado de um
equilíbrio incessantemente renovado entre uma pluralidade de forças que são,
a um tempo, rivais e cúmplices. Rivais porque cada uma visa a fazer prevalecer
seus interesses e suas aspirações; cúmplices porque as relações que elas
mantém entre si não vão jamais à ruptura que causaria a paralisia do
sistema.101
O pluralismo político, por conseguinte, se coloca como um princípio do
regime democrático. Não há dúvida de que o constituinte brasileiro optou por
um modelo de democracia representativa, cujos atores principais são os
partidos políticos, embora tenham sido adotados princípios e institutos de
participação direta dos cidadãos no processo decisório governamental,
101 BURDEAU, Georges. Apud, SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 24/25.
70
configurando assim uma democracia participativa realizada pela via
representativa e por via da participação direta do cidadão.
A Constituição de 1988 incorpora princípios da justiça social e do
pluralismo, constituindo um modelo de uma democracia social, participativa e
pluralista.102
Soares ressalta, entretanto, que a democracia é um conceito em
construção e que o princípio participativo integra o conceito de Democracia
Social, estando relacionado à problemática de democratização da sociedade,
cujas formas básicas de participação se traduzem nos seguintes direitos: a)
participação popular semidireta na elaboração legislativa; b) participação
popular direta na elaboração legislativa.103
O problema da democratização da sociedade, por outro lado, está
estreitamente relacionado ao problema da participação política, destacando
Canotilho que “democratizar a democracia através da participação significa, em
termos gerais, intensificar a optimização das participações dos homens no
processo de decisão”.104
A democracia brasileira, qualificada como social, pluralista e
participativa, elevou o princípio democrático à condição de princípio
estruturante e com forte influência sobre o princípio federativo. Essa
circunstância fez com que o legislador constituinte adotasse o bicameralismo
federal. Assim, o bicameralismo constitui elemento formal do princípio da
participação política federal, onde a distribuição do poder entre as duas
câmaras representativas é de competência da Constituição, que estabelece o
papel de cada casa legislativa no âmbito do processo político do Estado.
A democracia, entretanto, não constitui, ela mesma, um valor-fim, mas,
sim, um valoroso instrumento de realização de justiça social, através da
afirmação da vontade popular e da garantia dos direitos fundamentais.
Segundo Zimmermann, a teoria pluralista, baseada na teoria do grupo
desenvolvida Bentley, constitui o ponto de partida para a análise da pluralidade
de relações coletivas existentes em uma mesma sociedade.
102 SILVA, José Afonso da. Ob. cit., p. 150. 103 SOARES, Fabiana de Menezes. Direito Administrativo de Participação: Cidadania, Direito, Estado e Município, Belo Horizonte: Del Rey Editora, 1997, p. 68/69. 104 CANOTILHO, J. J. Gomes.Ob. cit., p. 430.
71
(...) os doutrinários do pluralismo conferem particular relevo, na análise da
sociedade norte-americana da primeira metade do século XX, ao fato de que
os indivíduos se associam em grupos para a satisfação de seus interesses e de
que os grupos assim constituídos, sobrepondo-se, permitam que os vários
interesses se manifestem e se contraponham, sem acabar, no entanto, e,
conflitos destruidores da sociedade em seu conjunto, desde que acima dos
grupos parciais exista e se mantenha um grupo universal em potência cujo
interesse seja o de não permitir que se alterem as regras do jogo. 105
Nesse contexto, é possível falar em pluralismo federativo, cuja principal
característica consiste no reconhecimento de que a produção do direito não é
exclusividade do poder central, sendo indispensável para a manutenção do
sistema federativo, viabilizar o exercício das autonomias dos entes periféricos.
Uma das vantagens mais evidentes deste tipo de pluralismo consiste no
fato de que as diferentes esferas da federação poderão produzir normas mais
adequadas às suas particularidades regionais ou locais. A forma de
descentralização política do poder, neste caso, informará o nível de pluralidade
do Estado, cujo poder deverá assegurar o equilíbrio das forças que integram e
compõem a sociedade. Em outra perspectiva, pode-se dizer que o pluralismo
federativo destina-se a garantir a igualdade e a liberdade dos entes federados,
assim como o respeito aos contrastes naturais e às suas diferenças.106
CAPÍTULO IV - O PROBLEMA DA EFICÁCIA DAS NORMAS AM BIENTAIS
4 Sobre a definição de critérios interpretativos das normas ambientais.
4.1 O Direito como sistema.
Inicia-se este capítulo afirmando-se que, para assegurar a efetividade
das normas no âmbito de um ordenamento jurídico, é necessário desprender-
se da equivocada concepção de que a codificação das leis detém o movimento
do direito.107
105 ZIMMERMANN, Augusto. Ob. cit., p. 174. 106 ZIMMERMANN, Augusto. Ob. cit., p. 181. 107 SOLER, Sebastian. Interpretacion de la Ley. Barcelona: Ediciones Ariel, 1962, p. 111.
72
O processo interpretativo conduz à compreensão de que a idéia de
rigidez da lei é inexata. De acordo com Soler, a partir do momento em que uma
lei é sancionada, ela se incorpora a um sistema jurídico pré-existente, com o
qual deverá passar a funcionar sem contradições. Tal exigência se caracteriza
como um princípio de ordem formal do direito, assemelhando-se a um princípio
lógico, uma vez que, no âmbito de um sistema jurídico, tal exigência caracteriza
um efeito do princípio de vigência. Ademais, uma lei não pode, ao mesmo
tempo, ser vigente e não vigente, vale dizer, ela não pode definir um ato,
simultaneamente, como devido e como indevido. Se as exigências de unidade
sistemática e de coerência interna estão implícitas na mesma idéia de
ordenamento jurídico, é evidente que enquanto inserida em um sistema
determinado, a lei nova estabelece uma vasta gama de relações, ativas e
passivas, com as demais disposições do mesmo sistema. E, nesta perspectiva,
a totalidade de um direito, de uma ordem jurídica, se apresenta como algo
dinâmico e em constante transformação, e não como algo inerte, invariável e
morto. Resta dizer que esta transformação não é impulsionada por
infidelidades interpretativas e por liberdades derrogatórias ou criadoras dos
intérpretes, mas repousa na própria dinâmica interna do conjunto de normas,
unitariamente orgânico.108
A compreensão de unidade do sistema jurídico permitirá ao intérprete
buscar sua harmonia, na medida em que utilizará o processo interpretativo para
afirmar o sentido e a coerência de suas normas, compatibilizando-as com os
princípios e as regras que o integram. Assim, os princípios hermenêuticos
possuem como principais funções a integração e a complementação do
direito.109
Entender o direito como um sistema, um conjunto de normas, um todo
orgânico, é crucial para fazer valer a norma contida no art. 225 da Constituição
de 1988, que assegura a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, ora considerado como direito fundamental, por força da cláusula de
abertura do art. 5º, § 2º, da Carta da República.
108 SOLER, Sebastian. Ob. cit., p. 112/115. 109 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Lisboa: Livraria Almedina, 2007, p. 1034.
73
É sabido, por outro lado, que o ordenamento jurídico brasileiro assegura
a imediata aplicabilidade dos direitos fundamentais, conforme art. 5º, § 1º, do
texto constitucional.
Não obstante a dicção do citado dispositivo, o direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado ou adequado comporta em si uma pretensão
subjetivamente titulada e apta a reclamar uma tutela jurisdicional. Nesse
sentido, pode-se afirmar que a norma de direito fundamental prescinde da
interpositio legislatoris, vale dizer, carece de complementação pelo legislador
ordinário para que possa manifestar sua efetividade.110
Tal fato não descaracteriza a unidade do sistema jurídico, mais
especificamente, a unidade do sistema constitucional, considerando-se que a
unidade do sistema jurídico relaciona-se ao princípio da unidade da
constituição.
A questão que se coloca é saber se no âmbito do sistema constitucional
brasileiro é possível afirmar as competências municipais para legislar sobre
matéria de meio ambiente, bem como a plena efetividade dessas normas com
base nos princípios que o informam. Identificar os limites de atuação dos
municípios, portanto, é o ponto nodal deste estudo.
4.2 Critérios de interpretação.
Savigny foi quem primeiro destacou a existência de quatro critérios
básicos de interpretação das normas jurídicas, a saber: gramatical, lógico,
histórico e sistemático. No entanto, Pesces-Barba salienta que o Código Civil
espanhol alude a uma quinta possibilidade referenciada a realidade social.111
Não constitui objeto do presente estudo, discorrer sobre os vários
métodos e técnicas de interpretação das normas jurídicas. Contudo, entende-
se ser necessário esclarecer os critérios interpretativos que influenciaram o
entendimento defendido neste trabalho, no sentido de afirmar as competências
municipais para legislar sobre meio ambiente, com base na análise do sistema
constitucional brasileiro.
110 SAMPAIO, José Adércio. WOLD, Chris. NARDY Afrânio. Princípios de Direito Ambiental na Dimensão Internacional Comparada. Belo Horizonte: Del Rey Editora, 2003, p. 91. 111 PESCES-BARBA, Gregório.Curso de Derechos Fundamentales.Madrid:Editora, 2007, p. 580.
74
Assim, para efeito deste trabalho tem-se como pano de fundo o
ordenamento jurídico brasileiro, cujas características concorrem para
determinar os pressupostos e as diretrizes interpretativas relacionadas às
competências dos municípios para legislar sobre meio ambiente e à efetividade
das normas municipais, no que concerne ao direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado.
A definição de critérios interpretativos, todavia, encontra limites dentro
do próprio sistema jurídico a que está vinculada a norma, ora entendida como o
conjunto de regras e princípios. Deve-se esclarecer desde já que a distinção
entre regras e princípios é uma distinção entre duas espécies de normas.112
Partindo-se da premissa de que “toda análise sobre a interpretação
jurídica deve começar com o exame da interpretação dos direitos
fundamentais, dos valores e dos princípios”113, chega-se à conclusão de que é
de extrema relevância para este estudo estabelecer que a interpretação das
normas do ordenamento jurídico pátrio deve estar conectada à realização dos
direitos fundamentais.
Nesta perspectiva, reputa-se que um dos aspectos a serem
considerados diz respeito à compreensão do cenário em que se encontra o
intérprete da norma no momento de sua interpretação e aplicação. Assim,
entende-se que identificar o tipo de Estado, bem como os valores e princípios
que o regem são ações relevantes e indispensáveis ao deslinde desse dilema.
Nesse contexto, destaca-se novamente a norma do art. 1º da
Constituição de 1988, que estatui que a República Federativa do Brasil é
formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal,
constituindo-se em Estado Democrático de Direito.
O constituinte originário, portanto, estabeleceu que o contorno jurídico-
político adotado pelo Estado brasileiro corresponde a um modelo político
democrático baseado nos princípios republicano, federalista e da legalidade
além de outros explicitados ao longo do texto constitucional. Eis aqui, portanto,
o que se pode chamar de “garantias gerais do ordenamento jurídico
reconhecidas pela Constituição”114, uma vez que os princípios referenciados no
112 CANOTILHO, J. J. Gomes. Ob. cit., p. 1034. 113 PESCES-BARBA, Gregório. Ob. cit., p. 576. 114 PESCES-BARBA, Gregório. Ob. cit., p. 503/504.
75
citado artigo 1º., além de estabelecerem a forma de organização do Estado
brasileiro asseguram, ainda, a limitação do poder através da submissão ao
império da lei; a aplicação dos princípios da separação de poderes e da
participação política no poder.
Outro critério a ser considerado consiste em reconhecer que o traço
característico do federalismo brasileiro reside na descentralização do poder,
cuja operacionalização se faz por meio da repartição de competências, que
constitui uma exigência para a existência do federalismo. Em conseqüência, é
a própria Constituição que define, desde logo, as atribuições de cada esfera de
Poder, determinando os limites de suas respectivas competências, de forma
que cada ente da federação saiba onde começa e onde termina a sua
competência. 115
Diante dessas considerações, entende-se que, para efeito de
interpretação das normas constitucionais acerca das competências
estabelecidas em favor dos municípios, devem ser considerados os seguintes
critérios interpretativos: i) o desenho do ordenamento federativo brasileiro; ii) os
valores e princípios que informam o sistema constitucional brasileiro; iii) o papel
dos municípios na Constituição de 1988; iv) a realização (efetividade) dos
direitos fundamentais.
4.3 Limites de interpretação dos direitos fundamentais.
O tema da interpretação das normas jurídicas possui como marco
interpretativo o próprio sistema jurídico com as particularidades que lhe são
inerentes, sendo relevante neste momento destacar não a ação de interpretar
em si, mas os resultados do processo interpretativo, em especial no que
concerne à efetividade das normas ambientais oriundas da esfera municipal.
Considerando-se que o direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado ou adequado constitui direito fundamental, pretende-se demonstrar
ao longo deste trabalho, que as normas ambientais municipais são dotadas de
maior efetividade, estando, portanto, mais qualificadas para dar cumprimento à
115 HORTA, Raul Machado. Repartição de Competências na Constituição Federal de 1988. Revista da Faculdade de Direito de Minas Gerais, 1991, v. 33, p. 249.
76
norma constante do 5º., § 1º da Constituição da República, que afirma a
imediata aplicabilidade dos direitos fundamentais.
Esta compreensão é amparada na análise do sistema constitucional
brasileiro. A tarefa de interpretar uma norma envolve a observância do conjunto
de regras e princípios que informam o ordenamento jurídico, devendo ademais
o intérprete manter-se dentro de certos limites, que são fixados pelo próprio
sistema constitucional.
Assim, em primeiro, deve ser ressaltado que a matéria relacionada aos
limites dos direitos fundamentais é tratada por poucos doutrinadores
brasileiros, eis porque se recorre à distinção entre limites de fato e limites
jurídicos mencionada por Pesces-Barba:
En primer lugar conviene indicar que los límites que aqui estamos
considerando son los limites (de derecho) jurídicos que debemos distinguir de
los limites de hecho, que son situaciones sociales o económicas, como el
analfabetismo, o la escasez que “limitan el ejercicio de los derechos”, como por
ejemplo la liberdad de expresión, o el derecho a la cultura para el que no sabe
leer o escribir, o el derecho al trabajo en caso de escasez o de paro. Pero en
estos casos estamos ante problemas de eficácia de los derechos, es decir de
existência o de possibilidad de existência real de esos derechos para algunas
personas que sufren esas consecuencias. (.....) Pero en todo caso esos limites
de hecho, no forman parte de las restricciones de los derechos que se
producen através de los limites jurídicos. En segundo lugar, hay que distinguir
como hace Ignácio de Otto entre limites de los derechos, y situaciones que no
se encuentran incluídas en el supuesto de hecho de la norma reguladora de
um derecho, es decir entre limites y “delimitación conceptual del contenido
mismo del derecho”. Los limites de los derechos se refieren a las situaciones
comprendidas en el supuesto de hecho del derecho y, por consiguiente el
primer paso en este tema, para saber si estamos discutiendo de limites, es
configurar el supuesto de hecho, es decir el haz de derechos y liberdades a los
que abarca el derecho. Fuera de esos supuestos, estamos ante problemas
distintos, aunque a veces se presenten, como en las dos sentencias, como
limites. También pueden ser los limites, materiales y formales. Los primeros
señalan contenidos normativos que limitan, en diversos niveles la produción
normativa, la interpretación y aplicación y el ejercicio del derecho, mientras que
los formales estabelecen competencia a operadores jurídicos, para limitar en
77
determinados supuestos el ejercicio de derechos o incluso para suspenderlos
temporalmente. No serán tampoco idénticos los limites si son establecidos en
una norma principial o en una regra.116
Em segundo, a despeito da importância da distinção entre limites de fato
e limites jurídicos, conforme assinalado por Pesces-Barba, para efeito deste
estudo serão considerados apenas os limites jurídicos, por constituírem os
principais parâmetros para orientar o processo de interpretação dos direitos
fundamentais, notadamente o direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado ou adequado, cuja efetividade se afirma através das normas
ambientais municipais.
4.4 Competências constitucionais em matéria ambiental.
Competência pode ser definida como a medida da capacidade de ação
política ou administrativa legitimamente conferida a um órgão, agente ou poder,
em termos juridicamente desenhados.
O tema da repartição de competências evidencia a conturbada relação
entre os entes federados, haja vista que o Estado brasileiro ainda não
conseguiu construir o federalismo cooperativo desejado pelo constituinte
originário e proclamado pela Carta da República, conforme preceitua a norma
constante do art. 23, parágrafo único, que trata das competências comuns.
A análise das normas sobre competência comum e competência
concorrente em matéria de meio ambiente tem por finalidade demonstrar que
os municípios brasileiros detêm competências constitucionais em matéria
ambiental e que o exercício de tais competências possibilita a realização dos
direitos fundamentais.
4.4.1 Competências Comuns.
A norma do art. 23 da Carta da República que trata das competências
comuns e da instituição de um modelo de cooperação entre as diferentes
esferas de poder, evidencia a intenção do legislador constituinte de estabelecer
116 PESCES-BARBA, Gregório. Ob. cit., p. 588/590.
78
o chamado federalismo cooperativo. Porém, até o momento, nenhuma regra foi
definida pelo legislador infra-constitucional para regulamentar a forma de
cooperação entre os entes federados.
A tese do federalismo cooperativo, entretanto, é ratificada por Bercovici,
que defende a necessidade do desenvolvimento de ações conjuntas, sem que
isto implique no esvaziamento de atribuições das esferas subnacionais.
Esclarece o citado autor que as tensões do federalismo contemporâneo são
resolvidas, basicamente, através da colaboração e da atuação conjunta das
diversas esferas federais, destacando, ainda, que:
A cooperação se faz necessária para que as crescentes necessidades de
homogeneização não desemboquem na centralização. A virtude da
cooperação é a de buscar resultados unitários e uniformizadores sem esvaziar
os poderes e competências dos entes federados em relação à União, mas
ressaltando a sua complementariedade. O grande objetivo do federalismo, na
atualidade, é a busca da cooperação entre União e entes federados,
equilibrando a descentralização federal com os imperativos da integração
econômica nacional.117
A norma contida no aludido art. 23 diz claramente que é dever da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, proteger o meio ambiente e
combater a poluição em qualquer de suas formas, assim como preservar as
florestas, a fauna e a flora. Verifica-se, por conseguinte, que os limites das
competências comuns conferidas à União, aos Estados, ao Distrito Federal e
aos Municípios foram estatuídos de maneira bastante explícita. Trata-se, no
caso, de competência material ou administrativa, destinada a promover a
execução de medidas de natureza administrativa para proteção do meio
ambiente. No entendimento de Machado “na competência comum do art. 23 da
CF está o poder de fazer a gestão ambiental e de implementar políticas
públicas pertinentes”.118
117BERCOVICI, Gilberto. Dilemas do Estado Federal Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2004, p. 58. 118 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Meio Ambiente e Repartição de Competências. Revista Magister de Direito Ambiental e Urbanístico, v. 9, dez./jan. 2007, Porto Alegre: Magister, 2007, p. 10.
79
Consoante afirmado anteriormente, a Constituição da República adotou
a técnica da repartição de competências, significando dizer que não cabe aos
entes federados tomar para si a atribuição de distribuir competências, vez que
esta é uma tarefa da Constituição. Por igual motivo, não pode o legislador infra-
constitucional atuar no sentido de inovar o ordenamento federativo para ampliar
e realizar ações não permitidas pelo sistema constitucional. Isto equivaleria a
desrespeitar os limites estabelecidos pelo ordenamento jurídico. Ao legislador
infra-constitucional restou a tarefa de, nos termos do parágrafo único do citado
art. 23, estabelecer, por meio de lei complementar, normas de cooperação
entre os três entes da federação, visando ao equilíbrio do desenvolvimento e
do bem-estar em âmbito nacional.
Esta previsão normativa repete-se, ainda não foi atendida, pelo fato de
não existir, até o presente momento, normas aptas a determinar a forma de
cooperação entre os entes federados, prevalecendo em muitas situações a
celebração de convênios de cooperação técnica e financeira para a realização
das atividades inseridas no âmbito das competências comuns.
Segundo Krell, mesmo antes da Carta de 1988 muitos municípios
brasileiros já desenvolviam as atividades enumeradas no art. 23, com base em
seu tradicional poder de polícia. Krell destaca que:
Embora inexista um regulamento correspondente ao art. 23 nas Cartas
anteriores, já antes de 1988 a maioria dos municípios brasileiros vinha
desenvolvendo atividades nas áreas ali enumeradas, com base em seu
tradicional poder de polícia. Houve, porém, uma falta de clareza a respeito das
possibilidades de ação da esfera local. Sem dúvida, a Constituição de 1988
teve a intenção de abandonar – pelo menos parcialmente – a estrita separação
administrativa entre os diferentes entes federativos; no entanto, os convênios
administrativos continuaram lícitos sob o novo regime constitucional.119
Apesar de reconhecer que os municípios brasileiros estão autorizados a
celebrar convênios de cooperação, Krell questiona em que medida a
119 KRELL, Andréas J. Discricionariedade Administrativa e Proteção Ambiental: o controle dos conceitos jurídicos indeterminados e a competência dos órgãos ambientais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2004, p. 98.
80
celebração destes convênios é pressuposto obrigatório para que os municípios
possam aplicar e executar normas jurídicas dos entes federados superiores.120
Considerando-se que por leis superiores o autor quer se referir às leis
federais ou estaduais, portanto, originadas da União ou dos Estados, isto
implicaria admitir a existência de uma hierarquia entre as leis e, por
conseguinte, entre as próprias esferas de poder, o que se considera
incompatível com o sistema jurídico constitucional brasileiro e com o
pensamento do autor.
Prosseguindo em seu raciocínio, Krell alude ao fato de que alguns
autores enfatizam e entendem ser vantajoso para os municípios brasileiros, na
execução de medidas protetoras ao meio ambiente, poderem agora recorrer a
normas superiores.121 Acrescenta, ainda, que Meirelles reconhecia que o art.
23 da Constituição da República abriu espaço para que a autoridade policial
comum – inclusive a das prefeituras – por sua própria iniciativa, pudesse
proceder à aplicação das normas estabelecidas no Código Florestal e que
antes da reforma constitucional era necessária a celebração de convênio para
possibilitar ao ente local a execução desta lei.122
A matéria suscita muitas controvérsias, porém, interessa trazer à
colação os fundamentos da doutrina de Krell: i) a aplicação da legislação
superior já constituía um procedimento usual das prefeituras brasileiras; ii) no
Brasil sempre se confundiu competência para legislar com autoridade exclusiva
para executar; iii) o fato de um município estar vinculado a uma lei superior não
significa que tenha obrigação de executar e de implementar esta norma; iv) a
separação entre competências legislativas e competências administrativas não
quer significar que cada esfera política possa executar somente suas próprias
normas; v) os doze incisos do art. 23 da CF seriam simplesmente supérfluos se
esta competência administrativa existisse somente em conexão com os
respectivos poderes de legislar; vi) sob o novo regime jurídico, os municípios
devem atuar também justamente naquelas áreas onde eles não são
competentes para baixar normas legais, em razão de que o art. 24 CF não os
autoriza a tanto; vii) a norma do art. 23 CF não se refere tão somente às tarefas
120 KRELL, Andréas J. Ob. cit., p. 98. 121 KRELL, Andréas J. Ob. cit., p. 98. 122 KRELL, Andréas J. Ob. cit., p. 98.
81
de interesse local que são da competência exclusiva do município, segundo o
art. 30, I, CF, porque, neste caso, o art. 23 não teria nenhum sentido em existir;
viii) o tradicional sistema da separação administrativa foi parcialmente revisado
pela vigente Constituição123.
Fato é que não há unanimidade entre os autores nacionais quanto ao
fato de que a lei complementar prevista no parágrafo único do art. 23 da Carta
da República venha a cumprir a missão a que se destina, vale dizer, definir as
bases de cooperação entre os entes federados.
Mukai, por exemplo, entende que a norma do art. 23 representa a
expressão do desejo dos constituintes de alcançar um federalismo cooperativo
no Brasil.124
Silva, por sua vez, entende que a lei complementar prevista no art. 23,
parágrafo único, do texto constitucional invade a autonomia dos municípios.125
No mesmo sentido é o entendimento de Freitas quando defende que:
(...) discute-se a necessidade de lei complementar para que a dita cooperação
se efetive. Merece apoio a posição de VITTA, para quem “o art. 23 tem eficácia
plena, e não necessita de norma infra-constitucional para regula-lo. A referida
lei complementar, a nosso ver, viria apenas indicar a maneira pela qual se
daria cooperação entre as entidades”. Com efeito, essa é a conclusão mais
coerente, pois, em matéria de interpretação da norma constitucional ambiental,
é importante que se opte pela que mais favorecer o ambiente.126
Com efeito, a celebração de convênios para cooperação
intergovernamental pode configurar um instrumento valioso para a realização
das atividades previstas no art. 23 da Carta da República, todavia, em qualquer
caso deverá ser mantida e preservada a autonomia dos entes federados. Há
que se deixar claro que a cooperação entre os entes federados aqui referida,
não importa em delegar competências, posto que não é disto que se trata e
123 KRELL, Andreas J. Ob. Cit., p. 99. 124 MUKAI, Toshio. As competências dos entes federados na Constituição de 1988. Boletim de Direito Administrativo, São Paulo, dez. 1991, p. 714. 125 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. São Paulo: Malheiros, 7ª edição, 2007, p. 240. 126 FREITAS, Vladimir Passos de. A Constituição Federal e a Efetividade das Normas Ambientais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 3ª. Edição, revista, atualizada e ampliada, 2005, p. 78
82
não é isto que a norma em alusão prevê, nem tão-pouco é permitida pelo
sistema constitucional a delegação de competências de um ente federado para
outro, isto porque no sistema atual esta atribuição é conferida com
exclusividade à Constituição.
Não obstante as divergências manifestadas pelos doutrinadores, é
possível concluir que a Constituição da República modificou o perfil dos
municípios brasileiros, na medida em que ampliou suas atribuições, inclusive
em relação à possibilidade de os entes federados poderem instituir normas
próprias para fazer cumprir adequadamente as atividades previstas no art. 23,
vale dizer, legislar sobre aquelas matérias com a finalidade de atender ao que
foi determinado aos poderes públicos. Esta possibilidade não pode ser
descartada porque deve ser considerado que em um país de dimensões
continentais como é o Brasil, com características tão diversas em suas regiões,
é perfeitamente razoável e defensável que se sustente a necessidade de
legislação para situações específicas, como seria o caso, por exemplo, de um
determinado município definir em sua legislação os níveis de produção de ruído
para efeito de controle da poluição sonora.
4.4.2 Competências Concorrentes.
A análise da competência concorrente prevista no art. 24, inciso VI da
Constituição da República, demonstra que foi estabelecida uma nova forma de
distribuição de competências entre as distintas esferas políticas, mantendo-se,
entretanto, uma acentuada centralização em relação à União.
Em relação à matéria ambiental, observa-se que o art. 24, em seus
incisos VI, VII e VIII preceitua que compete à União, aos Estados e ao Distrito
Federal legislar concorrentemente sobre: VI) florestas, caça, pesca, fauna,
conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do
meio ambiente e controle da poluição; VII) proteção ao patrimônio histórico,
cultural, artístico, turístico e paisagístico; VIII) responsabilidade por dano ao
meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético,
histórico, turístico e paisagístico.
Para este estudo, interessa, em especial, a norma contida no art. 24, VI,
por referir-se mais especificamente ao seu objeto.
83
A leitura mais apressada do citado dispositivo pode conduzir o intérprete
ao equívoco de negar ao Município, competência para legislar sobre matéria
ambiental. Todavia, deve o intérprete buscar a interpretação que melhor
prestigie o conteúdo da norma no âmbito do sistema normativo da Constituição.
Nesse aspecto, merece especial destaque a norma estatuída no art. 30, I, da
Constituição de 1988.
O Município quer considerado ente federativo ou entidade condômina de
exercício de atribuições constitucionais, como o conceitua Castro, possui
autonomia política, auto-organizatória, administrativa e financeira, prescindindo
de autorização externa para promover seu ordenamento. Este entendimento é
fundamentado na norma constante do art. 30, I do texto constitucional, que
dispõe que compete aos municípios legislar sobre assuntos de interesse local.
O conteúdo jurídico da expressão interesse local, segundo Castro, pode
ser traduzida relativamente a todos os assuntos do Município, mesmo naqueles
em que não seja ele o único interessado, mas desde que seja o principal. Em
outras palavras, para que se legitime o interesse do Município é preciso que a
matéria em discussão produza reflexos, diretos ou indiretos, na vida dos
munícipes, para que reste caracterizada a predominância do interesse, tendo
em vista o princípio da descentralização. 127
O modelo de federalismo brasileiro impõe a participação dos poderes
locais no processo político, na medida em que atribui a cada um deles parcela
de competência legislativa e autonomia financeira. A coerência do sistema
político se encontra amparada em dois princípios básicos: o princípio federativo
e o princípio republicano, que, juntos, asseguram a descentralização política do
poder aos entes federados, assim como o direito de participação segundo as
normas vigentes no ordenamento. Este entendimento fundamenta-se na norma
do art. 1º da Constituição de 1988, que estatui o seguinte: “A República
Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios
e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem
como fundamentos:”. Observa-se, portanto, que a repartição de competências
entre os entes federativos é inerente à forma descentralizada do Estado
brasileiro. Não se discute, por conseguinte, a competência da União para
127 CASTRO, José Nilo. Direito Municipal Positivo, Belo Horizonte: Del Rey editora, 3ª ed., 1996, p. 43/44.
84
estabelecer normas gerais em matéria ambiental. Todavia, como resta
explicitado do texto constitucional, a União detém, juntamente com os Estados,
competência comum para atuar na proteção ao meio ambiente e combater à
poluição em qualquer de suas formas. E, concorrentemente, compete à União,
aos Estados e ao Distrito Federal, legislar sobre florestas, caça, pesca, fauna,
conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do
meio ambiente e controle da poluição.
O sistema de distribuição de competências consagrado pela
Constituição da República é consentâneo com o federalismo cooperativo e,
nesta perspectiva, pretende disciplinar as complexas relações de
interdependência entre os entes da federação.
O federalismo cooperativo, na forma em que foi concebido, possui duas
importantes funções, conforme assinalado por Bercovici: i) a de cooperação,
prevista no parágrafo único do art. 23 da CF/1988; ii) a de coordenação,
materializada através das competências concorrentes.
A cooperação configura o maior objetivo do federalismo cooperativo e
consiste na busca de integração entre os entes federados, de forma a equilibrar
a descentralização com os imperativos do desenvolvimento econômico
nacional, visando a implementação de políticas públicas comuns. A
coordenação, por outro lado, constitui forma de procedimento que busca um
resultado comum e de interesse de todos. 128
Considerando-se que compete à União estabelecer normas gerais em
matéria ambiental e que compete aos municípios legislar sobre matéria de
interesse local, cabe indagar se a matéria ambiental que afeta diretamente aos
municípios poderá ou não ser objeto de legislação municipal própria.
Ressalta-se que a expressão interesse local traduz tudo quanto se
relacione diretamente aos assuntos de interesse dos municípios, ou seja, a
todos os fatos e matérias em que predomine seu interesse. Nesse sentido, não
há como negar que a proteção ao meio ambiente afeta diretamente os
interesses da totalidade dos munícipes, impondo-se ao Município pugnar pela
defesa intransigente de tudo quanto possa contribuir para a melhoria da
qualidade de vida de sua população.
128 BERCOVICI, Gilberto. Ob. cit., p. 59.
85
É preciso reconhecer que a Carta da República de 1988 redesenhou o
perfil dos municípios brasileiros, submetendo-os a um novo regime
constitucional.129 É bem verdade que o legislador constituinte não inseriu a
matéria ambiental de forma expressa dentre as competências atribuídas aos
municípios, todavia, isto se justifica em decorrência, exatamente, do novo perfil
constitucional que carrega a expressão interesse local constante do art. 30, I,
do texto constitucional vigente.
Como explica Freitas, a competência comum prevista no art. 23 da
Constituição de 1988 autoriza tão somente a atuação na área da proteção
ambiental. Entretanto, a norma do art. 30 permite a elaboração de lei e, embora
em seu inciso I não conste expressa referência ao meio ambiente, pode-se
concluir que a ele também se aplica, uma vez que atribui poderes aos
municípios para legislar sobre assuntos de interesse local. 130
Não há unanimidade entre os doutrinadores quanto ao conteúdo que
carrega a expressão interesse local, entendendo alguns autores como Ferreira
Filho, Quintanilha e Greco, que a Constituição de 1988 restringiu a autonomia
municipal e, em sentido contrário, podem ser citadas as opiniões de Machado,
Bastos, Meirelles, Cretella Júnior, Castro, Mukay, Ramos e Almeida.131
A afirmação da competência municipal para legislar sobre meio
ambiente fundamenta-se também na norma constante do art. 30, inciso VIII, da
Constituição de 1988, que confere competência aos municípios para promover,
no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e
controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano.
É sabido que a matéria urbanística guarda estreita relação com a questão
ambiental. De regra, os conflitos urbanísticos e os conflitos ambientais se
confundem e se misturam, sendo quase impossível tratá-los de maneira
individualizada. Isto porque o conceito de meio ambiente é amplo e contempla
variadas classificações como meio ambiente natural, artificial, cultural e do
trabalho, por exemplo.
Por outro lado, é inegável que o ordenamento territorial promovido pelo
município produzirá reflexos sobre o ambiente natural. Nesse contexto, coloca-
129 ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Ob. cit., p. 290. 130 FREITAS, Vladimir Passos de. Ob. cit., p. 60. 131 FREITAS, Vladimir Passos de. Ob. cit., p. 61/62.
86
se a seguinte questão: poderá a legislação municipal – Plano Diretor ou Lei de
Uso e Ocupação do Solo ou Código de Meio Ambiente - estabelecer critérios e
limitações diferenciadas daquelas constantes na legislação ambiental federal
ou estadual?
O assunto tem merecido amplo debate. Não há dúvida quanto à
competência dos municípios para dispor sobre o ordenamento territorial, uso e
ocupação do solo do urbano. Contudo, deve a matéria ser apreciada à luz do
regramento constitucional, considerando-se, particularmente, os princípios da
autonomia e da preponderância do interesse.
Segundo Rocha, o princípio da autonomia foi revigorado na Constituição
da República de 1988, disso resulta que as competências dos municípios
brasileiros foram ampliadas e definidas em termos de interesse local. A
caracterização do interesse local afasta a atuação de outro ente federado,
tendo em vista que a competência municipal, nesta hipótese, é exclusiva e
excludente. A atuação da municipalidade se sobrepõe a qualquer outra, em
virtude do princípio da autonomia configurado pela manifestação do interesse
predominantemente local. 132
No mesmo sentido é o entendimento de Meirelles:
A competência executiva do Município para a proteção ambiental está
expressa na Constituição da República, dentre as matérias de interesse
comum a todas as entidades estatais (art. 23,VI). Essa competência em defesa
de sua população e de seus bens já se achava remansada na doutrina e na
jurisprudência. (....) No tocante à proteção ambiental, a ação do Município
limita-se especialmente ao seu território, mas materialmente estende-se a tudo
quanto possa afetar os seus habitantes e particularmente a população urbana.
Para tanto, sua atuação nesse campo deve promover a proteção ambiental nos
seus três aspectos fundamentais: controle da poluição, preservação dos
recursos naturais e restauração dos elementos destruídos. 133
Os municípios exercem ademais, competência supletiva, e, apesar de o
Município não estar incluído no rol dos entes dotados de competência
132 ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Ob. cit., p.292/293. 133 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro, São Paulo: Malheiros Editores, 13ª ed., 2003, p. 549/550.
87
concorrente, a doutrina é assente no sentido de que a competência
suplementar prevista no inciso II, do art. 30, da Constituição de 1988, é
exercida exatamente em relação às matérias previstas no art. 24. Este
entendimento é compartilhado por Antunes, conforme se pode observar em
seguida:
Contudo, os Municípios não estão arrolados entre as pessoas jurídicas de
direito público interno dotadas de competência para legislar sobre meio
ambiente. No entanto, seria incorreto e insensato dizer-se que os Municípios
não têm competência legislativa em matéria ambiental, visto que teriam que
abrir mão de sua autonomia constitucional para cumprir os próprios
mandamentos constitucionais.
Está claro, em minha opinião, que o meio ambiente está incluído dentre o
conjunto de atribuições legislativas e administrativas municipais e, em
realidade, os Municípios formam um elo fundamental na complexa cadeia de
proteção ambiental. A importância dos Municípios é evidente por si mesma,
pois as populações e as autoridades locais reúnem amplas condições de bem
conhecer os problemas e mazelas ambientais de cada localidade, sendo certo
que são as primeiras a localizar e identificar o problema. É através dos
Municípios que se pode implementar o princípio ecológico de agir localmente,
pensar globalmente.134
Reis esclarece que a melhor exegese extraída da Carta Constitucional
indica que a competência suplementar dos municípios alcança tanto a
complementar como a supletiva, ressaltando o citado autor que tal
interpretação vai ao encontro do princípio do federalismo de equilíbrio buscado
pela Lei Maior, impedindo, também qualquer interpretação que possa, de
algum modo, restringir a autonomia municipal.135
Analisando-se a questão sob a ótica do Direito Tributário, Derzi pontifica
que em caso de ausência de lei complementar federal sobre normas gerais,
poderá o município exercer sua competência legislativa plena.136
134 ANTUNES, Paulo de Bessa. Federalismo e Competências Ambientais no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2007, p. 112/113. 135 REIS, Elcio Fonseca. Federalismo Fiscal: competências concorrentes e normas gerais de
Direito Tributário. Belo Horizonte: Livraria Mandamentos Editora, 2000.t., p. 93. 136 DERZI, Misabel de Abreu Machado. Direito Tributário Brasileiro: Rio de Janeiro, Forense, 11ª ed., 1999, p. 46, nota de rodapé.
88
A suplementação, conforme está dito na Constituição, será feita no que
couber. A expressão quer significar que o município, para exercício da
competência suplementar, deverá atender a outro requisito, qual seja, deverá
observar se a matéria em análise (a matéria objeto da suplementação) constitui
assunto de predominante interesse local.
A predominância do interesse é que irá caracterizar o interesse local e,
nesse sentido, o interesse local funcionará como um vetor dos poderes
implícitos conferidos aos municípios seja para suprir ou para criar o novo.137
Em síntese, os municípios brasileiros, de acordo com o novo perfil que lhes foi
traçado pela Carta da República, possuem competência para legislar sobre
matéria ambiental.
4.5 Superposição de normas em matéria ambiental.
O ordenamento federativo brasileiro prevê um sistema de distribuição de
competências orientado para estabelecer a cooperação entre as diferentes
esferas subnacionais nas matérias tratadas no art. 23 da Constituição de 1988.
Contudo, como a lei complementar referida no parágrafo único do aludido art.
23 não foi promulgada até o momento, inúmeras dificuldades surgem para
intérpretes e aplicadores do direito em geral. No que diz respeito à questão
das competências em matéria ambiental, é claramente perceptível a atuação
de diversos órgãos de maneira sobreposta, vale dizer, o órgão municipal, o
órgão estadual e o órgão federal executando atividades administrativas ou
legislando sobre uma mesma matéria. Embora a técnica da repartição de
competências adotada pelo ordenamento jurídico pátrio não admita, pelo
menos em princípio, superposição de atribuições, na prática, o que se constata
é a proliferação de leis e regulamentos sobre uma mesma matéria, causando
prejuízos enormes ao poder público, aos empreendedores e, sobretudo, ao
meio ambiente.
Antunes ressalta que “a desconexão e o desentrosamento entre os
diversos órgãos e níveis de poder encarregados da proteção ambiental têm
137 SILVEIRA, Patrícia Azevedo da. Competência Ambiental, Curitiba: Juruá Editora, 1ª ed., 2003, p. 149.
89
sido constatados com bastante freqüência, muito embora não consigam ser
superados”.138
É preciso considerar que a inclusão do parágrafo único no art. 23 da
Constituição da República possui uma razão lógica de ser. A previsão de que
por meio de lei complementar serão fixadas as regras para a cooperação entre
os entes federados tem por finalidade inibir essa usurpação de competências
que vem sendo observada e que tem trazido resultados prejudiciais para o
Poder Público, para a natureza e para os empreendedores. É enganoso pensar
que o atual Sistema Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA possa solucionar
as intrincadas questões ambientais, isto porque, apesar das inúmeras
alterações sofridas pela Lei nº 6.938/81, que instituiu a Política Nacional de
Meio Ambiente, esse sistema foi construído sob outra realidade, o que tem
contribuído para que seu funcionamento não ocorra de forma adequada.
Segundo Krell, a construção normativa do SISNAMA fundamenta-se em
uma idéia equivocada, como se constata em seguida:
Saliente-se, ainda, que toda a construção normativa do SISNAMA tem como
principal defeito fundar-se na idéia errônea de que uma lei federal possa criar,
de cima para baixo, um sistema completo que defina de maneira nítida e exata
os campos de ação dos diferentes níveis de governo. No Brasil, uma tal
tentativa nunca teve e continua a não ter respaldo legal. (.....) O licenciamento
ambiental no Brasil sempre foi cumulativo, isto é, todas as obras, instalações
ou atividades capazes de afetar negativamente a qualidade do meio ambiente
precisam ser licenciadas, ao mesmo tempo, por órgãos estaduais e municipais,
às vezes também por órgãos federais, se a legislação do respectivo ente
federativo prever tal procedimento. (....) Por isso, não convém falar, por
enquanto, de um “sistema nacional de meio ambiente” na área do
licenciamento ambiental. 139
Embora o texto constitucional tenha definido as competências dos entes
federados, não são raros os casos de conflito de competência envolvendo
matéria de natureza ambiental.
138 ANTUNES, Paulo de Bessa. Ob. cit., p. 105. 139 KRELL, Andréas J. Ob. cit., p. 112/113.
90
4.6 A problemática do licenciamento ambiental.
De acordo com a legislação brasileira, o licenciamento ambiental
constitui um dos instrumentos de controle da Política Nacional de Meio
Ambiente, conforme previsão constante do art. 9º., inciso IV, da Lei no. 6.938,
de 31 de agosto de 1981.
Além de constituir um dos mais importantes instrumentos de controle da
Política Nacional do Meio Ambiente, o licenciamento ambiental é também um
dever imposto ao poder público, a teor do que estabelece o art. 225, § 1º., IV
da Constituição da República:
Art. 225 Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem
de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao
Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para às
presentes e futuras gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente
causadora de significativa degradação ao meio ambiente, estudo prévio de
impacto ambiental a que se dará publicidade.
A norma do art. 225 transcrito acima é clara quando se refere à
obrigação imposta ao poder público, no sentido de dar efetividade a esse
direito. Entende-se que a obrigação é comum à União, aos Estados e aos
Municípios. Desde aí já seria possível afirmar que o licenciamento ambiental
poderá ser realizado pelas três esferas de poder, vale dizer, pela União, pelos
Estados e pelos Municípios. Existem, pelo menos, três fortes argumentos para
que se defenda a possibilidade de os municípios efetuarem o licenciamento
ambiental: i) o art. 23 possui eficácia plena, não necessitando de
regulamentação por meio de norma infraconstitucional, entendendo-se que tal
norma teria por finalidade somente estabelecer a forma de cooperação entre as
distintas esferas de poder; ii) o combate à degradação ambiental prescinde do
reconhecimento de hierarquia administrativa entre os entes federados; iii) a
expressão “poder público” utilizada pelo legislador constituinte alcança todos os
entes federados.
91
Não fossem suficientes estes argumentos, poder-se-ia acrescentar,
ainda, que o meio ambiente ecologicamente equilibrado constitui bem de uso
comum do povo, devendo, por essa razão, ser preservado com o máximo de
efetividade possível para as presentes e futuras gerações, não podendo este
direito sofrer qualquer limitação ou restrição.140
No entanto, existe forte resistência à aceitação do licenciamento
ambiental efetuado pelos municípios. Isto decorre em grande parte da tradição
autoritária e centralizadora do poder central no Brasil e, de outra parte, da
compreensão equivocada do atual sistema constitucional brasileiro, em
especial no que se refere às competências atribuídas aos entes federados em
matéria ambiental.
As mudanças produzidas no ordenamento jurídico brasileiro a partir da
Constituição de 1988, notadamente no tocante à matéria ambiental, não foram
adequadamente assimiladas, prevalecendo para muitos intérpretes a velha e
ultrapassada concepção do federalismo dual, o que conduz ao errôneo
entendimento de que somente a União e os Estados estão autorizados a
proceder ao licenciamento ambiental. Tal fato revela também o
desconhecimento do papel dos municípios brasileiros no atual ordenamento
federativo, em virtude do princípio da autonomia previsto no art. 18 do texto
constitucional. Além da reconhecida autonomia dos municípios brasileiros,
merece ser destacado que em se tratando de interpretação legislativa, dois
pontos relevantes devem ser considerados: i) o tipo de Estado; ii) o respectivo
sistema constitucional desse Estado. Como é sabido, no caso do Estado
brasileiro, o sistema constitucional é composto por um conjunto de normas e
um extenso rol de princípios, explícitos e implícitos, cuja análise deve ser
sopesada em cada caso, uma vez que não há hierarquia entre princípios.
O princípio da autonomia, por exemplo, não autoriza à União ou aos
Estados impor determinada conduta, ativa ou passiva, aos municípios. Isto
equivaleria a ferir o pacto federativo. Nesse particular, revela-se oportuno
discutir a constitucionalidade dos sistemas nacionais criados pela União e que
dizem respeito à disciplina ambiental. Trata-se do Sistema Nacional de
140 MARTINS, Adriano Vidigal. O Licenciamento Ambiental sob a Ótica do Federalismo Cooperativo. Revista de Direito e Política. São Paulo: Letras Jurídicas, v. XII, jan./mar. 2007, p. 188.
92
Unidades de Conservação - SNUC e do Sistema Nacional de Meio Ambiente -
SISNAMA. Ambos foram criados por lei federal, entretanto, não há previsão
constitucional nesse sentido.
Quanto ao primeiro, o SNUC, observa-se que o art. 225, § 1º, III, impõe
ao poder público definir, em todas as unidades da Federação, espaços
territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos. No entanto,
foi instituído um sistema nacional de unidades de conservação, devendo ser
ressaltado que não só as unidades de conservação constituem espaços
territoriais protegidos, também o são os jardins botânicos e as áreas de
preservação permanente, os quais não estão sujeitos ao regime do SNUC.
Quanto ao segundo, salienta-se que o SISNAMA foi criado pela Lei no.
6.938/81, tendo sua estrutura administrativa definida em seu art. 6º. com a
seguinte composição: i) órgão superior, constituído pelo Conselho de Governo,
com a função de assessorar o Presidente da República na formulação da
política nacional e nas diretrizes governamentais para o meio ambiente e os
recursos ambientais; ii) órgão consultivo e deliberativo, constituído pelo
Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), com a finalidade de
assessorar, estudar e propor ao Conselho de Governo, diretrizes de políticas
governamentais para o meio ambiente e os recursos naturais e deliberar, no
âmbito de sua competência, sobre normas e padrões compatíveis com o meio
ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida; iii)
órgão central, constituído pela Secretaria do Meio Ambiente da Presidência da
República, com a finalidade de planejar, coordenar, supervisionar e controlar,
como órgão federal, a política nacional e as diretrizes governamentais fixadas
para o meio ambiente; iv) Órgãos Seccionais, constituídos por órgãos ou
entidades estaduais responsáveis pela execução de programas, projetos e pelo
controle e fiscalização de atividades capazes de provocar a degradação
ambiental; v) Órgãos Seccionais, constituídos por órgãos ou entidades
estaduais responsáveis pela execução de programas, projetos e pelo controle e
fiscalização de atividades capazes de provocar a degradação ambiental; vi)
Órgãos Locais: constituídos por órgãos ou entidades municipais, responsáveis
pelo controle e fiscalização dessas atividades, nas suas respectivas jurisdições.
A Lei no. 6.938/81, anterior à Constituição de 1988, estabelece, ainda,
nos §§ 1º e 2º do citado art. 6º, regras relacionadas às competências dos
93
Estados e dos Municípios. Todavia, não pode uma lei ordinária impor
obrigações ou restrições aos entes federados. Considerando-se que a
Constituição é o elo de ligação entre os diversos elementos que compõem o
sistema jurídico, convém investigar se a interpretação da lei se compatibiliza
com o ordenamento jurídico.
Ressalta-se que a Constituição de 1988 não prevê nem a criação do
Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC, instituído pela Lei
federal nº. 9.985/2000, nem a criação do Sistema Nacional de Meio Ambiente
– SISNAMA, mas autoriza expressamente a União a criar o Sistema Nacional
de Gerenciamento de Recursos Hídricos (art. 21, XIX) e o Sistema Único de
Saúde – SUS (art. 200), conforme adverte Krell.141
A Lei no. 6.938, de 31 de agosto de 1981, que regulamenta a Política
Nacional do Meio Ambiente, tem o mérito de ter introduzido no ordenamento
jurídico pátrio, o disciplinamento da matéria ambiental de forma mais geral e
sistematizada. Contudo, é preciso não perder de vista que sua promulgação
data de antes da Constituição de 1988, o que tem concorrido para gerar
conflitos tais como este relacionado a criação do SISNAMA.
Não obstante a criação de um Sistema Nacional de Meio Ambiente –
SISNAMA verifica-se que, na prática, os órgãos ambientais atuam de forma
isolada e desarticulada, não havendo sintonia entre os órgãos ambientais dos
entes federados. Assim, o sistema nacional a que alude a Lei no. 6.938/81
nada mais é que uma falácia, porque não existe homogeneidade quanto à
atuação desses órgãos, nem tão pouco houve qualquer esforço da União para
integrá-los, razão pela qual vários juristas consideram inconstitucional a
concepção do SISNAMA. Demais disso, ele impõe obrigações aos municípios,
imiscuindo-se no exercício de seu poder de polícia, desconhecendo que as
esferas locais possuem competências normativas exclusivas em matérias
relacionadas à proteção ambiental. Eis porque afirma Krell que não há
possibilidade jurídica de instalação obrigatória do SISNAMA e que continua
valendo a regra segundo a qual as esferas políticas podem executar suas
próprias leis e determinar o funcionamento interno de seus órgãos. Eventuais
141 KRELL, Andréas J. Ob. cit., p. 106.
94
mudanças nesse quadro dependem da lei complementar referida no parágrafo
único do art. 23 do texto constitucional. 142
Essa falta de sintonia entre as esferas de poder acarreta como principais
conseqüências: i) superposição de atribuições entre os órgãos ambientais
(muitas vezes uma mesma infração ambiental é apurada por órgãos ambientais
distintos); ii) o licenciamento ambiental de um mesmo empreendimento é
exigido por mais de um órgão licenciador; iii) desperdício de recurso público,
decorrente da falta de entrosamento entre os órgãos ambientais, que, em
muitos casos, alocam recursos significativos para desenvolver ações idênticas
(por exemplo, balneabilidade das praias de Fortaleza, realizada pelo órgão
municipal e pelo órgão estadual); iv) prejuízo ao interessado na obtenção da
licença ambiental.
Os conflitos institucionais ocorridos entre os órgãos ambientais decorrem
também das regras estatuídas na Resolução nº 237/97 CONAMA, que trata do
licenciamento ambiental e define, ainda, regras de competências para esta
atividade. O maior problema é que esta resolução instituiu um regime de
licenciamento em um único nível, afastando, portanto, a possibilidade de
cooperação entre os entes federados, o que contraria o art. 23, parágrafo único
da Constituição de 1988.
Segundo Vidigal, a incompatibilidade entre a norma constitucional e a
Resolução nº 237 CONAMA é observada, em especial, quanto aos arts. 4º, 5º
e 7º da resolução por criar um único nível de licenciamento.143
É cediço que as normas que fixam os limites das competências de cada
esfera política defluem da Constituição, portanto, as regras estabelecidas pela
Resolução nº. 237 CONAMA devem ser acolhidas com cautela e rejeitadas
quando contrariarem o sistema constitucional.
Este entendimento é sustentado por Machado com base nos seguintes
fundamentos:
Da mesma forma o art. 10, caput, da mencionada lei indica que o licenciamento
será feito pelo “órgão estadual competente”. Sob todos os ângulos em que se
vejam esses quatro artigos, constata-se a invasão de competência e quebra da
142 KRELL, Andréas J. Ob. cit., p. 107/108. 143 MARTINS, Adriano Vidigal. Ob. cit., p. 193.
95
hierarquia administrativa, acarretando o vício de inconstitucionalidade e
ilegalidade dos arts. 4º a 7º da resolução inquinada.144
E, no mesmo sentido se manifesta Krell:
Em face dos problemas descritos, a Resolução nº. 237 do CONAMA, de 1997,
tentou estabelecer um sistema racional de subdivisão das atribuições nas
atividades de licenciamento ambiental entre as três esferas governamentais. O
objetivo desse diploma é evitar a duplicidade de procedimentos, tendo em vista
que há determinados tipos de empreendimentos ou atividades que mais do que
um órgão ambiental quer licenciar (v.g., festas de “carnaval fora de época”),
enquanto há outros que “ninguém se habilita”, por serem politicamente ou
financeiramente pouco interessantes. A referida resolução, no entanto, não é
capaz de alterar a repartição constitucional das competências administrativas,
nem consegue obrigar os órgãos estaduais ou municipais a nada e, por isso,
deve ser considerada pelo menos parcialmente inconstitucional. Assim, não faz
sentido uma norma (lei, decreto ou resolução) federal ou estadual prescrever
aos estados ou municípios que estes somente devem licenciar
empreendimentos e atividades de impacto local ou regional (cf. art. 6º, Res. nº.
237/97 CONAMA).
Ademais dessas questões relacionadas à competência, discute-se a
possibilidade de o licenciamento ambiental ser efetuado em regime de
cooperação ou de forma conjunta. Fala-se, inclusive, em duplicidade de
licenciamento.145
A obrigatoriedade de o licenciamento ambiental ocorrer em um único
nível, conforme previsão constante da Resolução nº 237/97 CONAMA, não
pode prosperar em face de sua flagrante inconstitucionalidade. Contudo, não
se pode negar que a mencionada resolução procurou estabelecer um critério
mais racional para o licenciamento ambiental baseado no raio de influência
ambiental, ou seja, na extensão do impacto causado pela implantação do
empreendimento ou da atividade. Milita ainda em seu favor, o fato de que esta
144 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores, 14ª edição, 2006, p. 109. 145 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Competência comum, concorrente e supletiva em matéria de meio ambiente. Revista de Informação Legislativa, a. 33, nº 131, jul./set. 1996, p. 171.
96
subdivisão de competências também contribui para reduzir a duplicidade de
procedimentos administrativos instaurados por órgãos licenciadores diferentes,
acarretando infindáveis conflitos entre os mesmos e prejuízos para os
empreendedores e para o meio ambiente. À propósito, esclarece Milaré que
mesmo o legislador infraconstitucional não pode delimitar as competências dos
entes federados, haja vista que elas emanam da Constituição, como se
observa a seguir:
Se assim é, se a competência licenciatória dos três níveis de governo dimana
diretamente da Constituição, não pode o legislador ordinário estabelecer limites
ou condições para que qualquer um deles exerça sua competência
implementadora da matéria. Daí a eiva de inconstitucionalidade da Resolução
CONAMA 237/97, que, a pretexto de estabelecer critérios para o exercício da
competência a que se refere o art. 10 da Lei 6.938/81 e conferir o
licenciamento a um único nível de competência, acabou enveredando por
seara que não lhe diz respeito, usurpando à Constituição competência que esta
atribui aos entes federados. Nesse passo, vale, no entanto, ponderar que, se
por um lado é legítimo e constitucional o múltiplo licenciamento, como, aliás, já
reconheceu a 1ª Turma do STJ, por outro não se pode ignorar as
preocupações e perplexidades a assaltar os empreendedores, desorientados
não só pela morosidade que a superposição de funções dos órgãos públicos
pode ensejar ao procedimento, como, e principalmente, com os altos custos a
serem incorridos e pelas possíveis exigências nem sempre harmônicas que
desses órgãos podem emanar.146
Entende-se, todavia, que o licenciamento conjunto é mais racional e
mais consentâneo com a norma do art. 23, parágrafo único da Constituição de
1988, estando mais de acordo com o federalismo cooperativo ali proposto. A
dificuldade consiste em saber em que medida a mencionada lei complementar
prevista no parágrafo único do art. 23 da Carta da República pode definir
regras sobre esse compartilhamento de competências.
Segundo Machado, essa lei deve ter como fundamento a mútua ajuda
aos entes federados, não podendo, no entanto, acarretar a diminuição de suas
146 MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 4ª edição, 2005, p. 542/543.
97
autonomias, ainda que estes não as exerçam. Não poderá esta lei
complementar, por igual, determinar quais licenças devem ser concedidas por
Estados e Municípios, posto que não é atribuição de lei federal estabelecer
prazos ou procedimentos, tendo em vista que tal função é própria de cada
esfera de poder, referindo-se a capacidade de auto-organização. Assim, a lei
complementar mencionada no parágrafo único do art. 23 da Constituição de
1988 deverá dispor sobre a forma como as empresas públicas e privadas
retribuirão as atividades inerentes à fiscalização ambiental. Ademais, o maior
risco acarretado pela simultaneidade de competências para a implementação
das ações ambientais reside no fato de que, embora todos os entes se julguem
competentes para desempenhar tais atividades, ao final nenhum deles assume
a responsabilidade pela melhoria das condições da qualidade da água, do ar
ou do solo, assim como também não se responsabiliza pela conservação das
florestas e da fauna. 147
As críticas ao atual sistema de licenciamento ambiental são abundantes
e razoáveis até certo ponto. O que ocorre é que os problemas relacionados ao
licenciamento ambiental, de regra, envolvem aspectos políticos que
ultrapassam os limites do procedimento administrativo e resvalam na maioria
das vezes para a seara judicial. São litígios que agravam a degradação do
meio ambiente, em prejuízo da vida das espécies em geral e das comunidades
afetadas pelo dano.
Demais disso, a inadequada compreensão do sistema constitucional
criado a partir da Constituição de 1988 contribui para a perenização da idéia de
hierarquia entre os entes federados e a antiquada concepção de que o
município é um ente inferior e que, portanto, deve manter-se submetido à tutela
da União e do Estado.
Essa percepção além de equivocada é inadmissível nos dias atuais
quando o papel desempenhado pelos municípios tem se revelado da maior
importância, inclusive porque permite que a população exerça um melhor
controle social das ações do poder executivo municipal e exija maior
transparência. Essa particularidade por si já demonstra a relevância da
147 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Ob. cit., p. 112/113.
98
municipalidade no cumprimento do princípio do desenvolvimento sustentável,
do qual não pode ser afastada a participação popular.
Entende-se, por fim, que a regulamentação do art. 23 poderá criar
condições mais favoráveis para a implementação do federalismo cooperativo,
porém, não se pode negar que a crise do licenciamento ambiental é também
uma crise de credibilidade das instituições e, em última análise, mais uma crise
da democracia brasileira.
4.7 Possibilidades de regulamentação do licenciamento ambiental.
Muito se tem dito sobre a falta de regulamentação do art. 23 da
Constituição de 1988, restando demonstrado que não há unanimidade entre os
autores sobre a real necessidade da lei complementar mencionada no
parágrafo único do citado art. 23.
Contudo, observa-se que atualmente está em pauta a discussão do
Projeto de Lei Complementar nº 37/2007, atual MSG 37-072201, no âmbito do
programa de Aceleração do Crescimento – PAC, proposto pelo governo
federal. Tal projeto pretende regulamentar o referido dispositivo constitucional,
estabelecendo regras para o licenciamento ambiental. O aludido projeto de lei
fixa normas para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e
os Municípios, nas ações administrativas decorrentes do exercício da
competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à
proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas
formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora, previstas no art. 23,
incisos III, VI e VII, da Constituição.
Além do Projeto de Lei Complementar nº. 37/2007 - MSG 37-072201,
existe, ainda, o Projeto de Lei no. 20/2007, que propõe alterações na Lei no.
10.257/2001, Estatuto da Cidade e a revogação da Lei no. 6766/79, que
regulamenta o parcelamento do solo urbano.
O texto do Projeto de Lei Complementar nº. 37/2007 - MSG 37-072201
e do Projeto de Lei no. 20/2007 encontram-se anexados a este estudo, tendo
em vista que, no momento, interessa somente destacar alguns aspectos da
matéria tratada neste capítulo, mais especificamente relacionadas ao
licenciamento ambiental.
99
4.7.1 PL Complementar 37/2007 - MSG 37-072201/PAC.
Merecem destaque os arts. 2º e 3º do citado projeto de lei, que aludem
aos objetivos fundamentais da União, dos Estados e dos Municípios,
salientando que as ações decorrentes da competência comum dos entes
federados devem observar o critério da predominância do interesse,
preceituando o seguinte:
Art. 2o Constituem objetivos fundamentais da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios, no exercício da competência comum a que se refere
esta Lei Complementar:
I - proteger, defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado;
II - garantir o desenvolvimento ecologicamente sustentável;
III - harmonizar as ações administrativas para evitar a sobreposição de atuação
dos entes federativos;
IV - garantir a unicidade da política ambiental para todo o País, respeitadas as
peculiaridades regionais e locais; e
V - promover a gestão compartilhada, democrática e eficiente.
Art. 3o As ações administrativas decorrentes da competência comum de que
trata esta Lei Complementar deverão observar o critério da predominância do
interesse nacional, regional e local na proteção ambiental.
Parágrafo único. O disposto no caput não afasta a atuação subsidiária dos
demais entes federativos, de acordo com o disposto nesta Lei Complementar.
Verifica-se que, depois de explicitar os objetivos fundamentais da União,
dos Estados e dos Municípios, cuidou-se de eleger o critério que norteará a
atividade do licenciamento ambiental, atividade administrativa comum aos
entes da federação.
De acordo com art. 3º acima citado, o critério utilizado pelo legislador
infraconstitucional será o da “predominância do interesse”, aceito e acolhido
pela maior parte da doutrina nacional. Fica claro, no entanto, que a atuação de
um ente da federação não excluirá a participação de outros.
100
Vale ressaltar que a análise dos dispositivos que seguem, destina-se tão
somente a explicitar os pontos relacionados ao tema do licenciamento
ambiental.
No tocante à União, o art. 6º do projeto de lei em constante alusão
dispõe que:
Art. 6o Para os fins do art. 5o, são ações administrativas da União, dentre
outras:
XV - promover o licenciamento ambiental das atividades ou empreendimentos,
a saber:
a) que causem ou possam causar impacto ambiental direto de âmbito nacional
ou regional;
b) localizados ou desenvolvidas conjuntamente no Brasil e em país limítrofe;
c) localizados na plataforma continental, na zona econômica exclusiva, em
terras indígenas ou em unidades de conservação da União, exceto em Áreas
de Proteção Ambiental - APAs, onde deverá ser observado o critério do
impacto ambiental direto das atividades ou empreendimentos;
d) destinados a pesquisar, lavrar, produzir, beneficiar, transportar, armazenar
e dispor material radioativo, em qualquer estágio, ou que utilizem energia
nuclear em qualquer de suas formas e aplicações, mediante parecer da
Comissão Nacional de Energia Nuclear - CNEN; e
e) empreendimentos e atividades militares que servem a defesa nacional, na
forma da Lei;
Observa-se, de logo, que o legislador ordinário restringiu a atuação do
órgão ambiental federal, conferindo-lhe atribuições para exercer o
licenciamento apenas em três situações, a saber; i) quando o impacto for de
âmbito regional ou nacional; ii) quando se tratar de empreendimentos situados
ou desenvolvidos conjuntamente no Brasil e em país limítrofe; iii) quando se
tratar de empreendimento localizado na plataforma continental, na zona
econômica exclusiva, em terras indígenas ou em unidades de conservação
pertencentes à União, com exceção das APA’s.
101
Quanto às atribuições dos Estados, verifica-se que estas foram
disciplinadas no art. 7º, restando-lhes a possibilidade de proceder ao
licenciamento em duas situações:
Art. 7o Para os fins do art. 5o, são ações administrativas dos Estados e do
Distrito Federal, dentre outras:
I - executar e fazer cumprir, no nível estadual, a Política Nacional de Meio
Ambiente;
XIV - promover o licenciamento ambiental das atividades ou empreendimentos,
a saber:
a) que causem ou possam causar impacto ambiental direto de âmbito
estadual; e
b) localizados em unidades de conservação do Estado ou do Distrito Federal,
exceto em Áreas de Proteção Ambiental - APAs, onde deverá ser observado o
critério do impacto ambiental direto das atividades ou empreendimentos;
Somente nos casos em que os impactos dos empreendimentos
alcançarem o âmbito estadual ou, quando se tratar de unidade de conservação
de sua propriedade, estarão os Estados legitimados a exercer o licenciamento
ambiental. Ficou excluído o licenciamento das Áreas de Proteção Ambiental.
No que concerne aos municípios, observa-se que o legislador ordinário
extrapolou os limites de sua competência normativa, impondo obrigações aos
municípios, em clara violação ao princípio da autonomia, destacando-se o
seguinte:
Art. 8o Para os fins do art. 5o, são ações administrativas dos Municípios, dentre
outras:
I - executar e fazer cumprir, no nível municipal, as Políticas Nacional e
Estadual de Meio Ambiente;
IX - elaborar o zoneamento ambiental de âmbito municipal, em conformidade
com o zoneamento nacional e estadual;
XIV - promover o licenciamento ambiental das atividades ou empreendimentos,
a saber:
102
a) que causem ou possam causar impacto ambiental direto de âmbito local; e
b) localizados em unidades de conservação do Município, exceto em Áreas de
Proteção Ambiental - APAs, onde deverá ser observado o critério do impacto
ambiental direto das atividades ou empreendimentos;
As obrigações impostas pelo art. 8º, incisos I e II, interferem na
autonomia dos municípios, considerando-se que não é dado ao legislador
infraconstitucional exorbitar de suas atribuições e criar competências novas
para os entes federados. Somente a Constituição poderia fazê-lo.
Observa-se, ademais, que a regra do art. 8º, inciso I, é repetida no art.
7º, I, vale dizer, idêntica obrigação foi criada para os Estados.
Outros aspectos merecem ser destacados. Em primeiro, constata-se que
a regra do art. 9º que, dispondo diferentemente da norma estatuída no art. 225,
§ 1º, IV do texto constitucional, exclui a exigência do estudo prévio de impacto
ambiental para a instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de
significativa degradação do meio ambiente, não se fazendo ademais, nenhuma
alusão ao princípio da publicidade ali explicitado. O § 1º do mesmo artigo,
prevê a possibilidade de manifestação dos demais entes federados no
procedimento licenciatório, porém, de maneira não vinculante.
Art. 9o A construção, instalação, operação e ampliação de estabelecimentos e
atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva e
potencialmente poluidores, bem como os capazes, sob qualquer forma, de
causar degradação ambiental dependerão de prévias licenças do ente
federativo responsável por promover o licenciamento ambiental, nos termos
desta Lei Complementar.
§ 1o Os demais entes federativos interessados poderão se manifestar, de
maneira não vinculante, no procedimento de licenciamento ambiental.
A participação de outro órgão ambiental no procedimento de
licenciamento, em caráter não vinculante é exatamente o que ocorre hoje,
acrescentando-se que, de modo concreto, este projeto de lei revela uma
tentativa de simplificação do procedimento consubstanciada na não exigência
103
de EPIA para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de
significativa degradação do meio ambiente, haja vista que, no entendimento da
maioria dos doutrinadores, tais empreendimentos obrigatoriamente estão
sujeitos à elaboração de Estudo de Impacto Ambiental acompanhado do
respectivo Relatório, ou seja, EIA/RIMA.
Entende-se que este projeto de lei está promovendo alterações de forma
indireta no texto constitucional.
Entende-se, também, que a norma constante no art. 225, § 1º, IV da
Constituição de 1988 não impõe ao empreendedor a obrigação de apresentar
EIA/RIMA para toda e qualquer obra ou atividade potencialmente causadora de
significativa degradação do meio ambiente. É que a redação do inciso IV inicia-
se da seguinte forma: “exigir, na forma da lei....”. Ora, exigir na forma da lei
não é o mesmo que exigir sempre. A referência ao estudo prévio de impacto
ambiental não pode ser considerada em sua total literalidade, isto seria uma
incoerência porque existem estudos ambientais mais complexos que o Estudo
Prévio de Impacto Ambiental - EPIA. Por tal razão, defende-se que a indicação
do tipo de estudo ambiental se insere no âmbito da discricionariedade do órgão
ambiental responsável pela concessão da licença, podendo ser
responsabilizado na hipótese de fornecê-la em desacordo com as normas
ambientais. Além disto, como ressalva o próprio texto constitucional, a
exigência do Estudo Prévio de Impacto Ambiental – EPIA deve estar prevista
em lei e, neste caso, tal lei estará vinculada ao órgão responsável pelo
licenciamento: vale dizer que poderá ser uma lei federal, estadual ou municipal.
Mais uma vez o critério da competência é que ditará as regras procedimentais.
Faz-se necessário destacar, ainda, as disposições do art. 10 do PL
Complementar 37/2007 - MSG 37-072201/PAC, que estabelece critérios para
definição da competência para o licenciamento:
Art. 10. Para os efeitos desta Lei, considera-se:
I - impacto ambiental direto de âmbito nacional ou regional: aquele que afete
diretamente, no todo ou em parte, o território de dois ou mais Estados
Federados ou cujos impactos ambientais significativos diretos ultrapassem os
limites territoriais do País;
104
II - impacto ambiental direto de âmbito estadual: aquele que afete diretamente,
no todo ou em parte, o território de dois ou mais Municípios; e
III - impacto ambiental direto de âmbito local: aquele que afete direta, no todo
ou em parte, o território de um município sem ultrapassar o seu limite territorial.
O critério fixado pelo legislador considera a extensão do impacto, ou
seja, o raio de influência do empreendimento, para definição da competência.
Este foi o critério também utilizado pela Resolução nº 237/97 CONAMA, que
regulamenta o art. 10 da Lei nº 6.938/81.
Outro ponto interessante consiste na forma de cooperação a ser
desenvolvida pelos entes federados para a implementação de ações
administrativas subsidiárias:
Art. 11. A ação administrativa subsidiária dos entes federativos dar-se-á, em
caráter geral, por meio de apoio técnico, científico, administrativo ou financeiro,
sem prejuízo de outras formas de cooperação.
Art. 12. As ações administrativas subsidiárias, de que tratam o parágrafo
único do art. 3o desta Lei Complementar, nas hipóteses do art. 7o, incisos XIV,
XV, XVII e XVIII, e do art. 8o, incisos XIV, XV e XVI, dar-se-á da seguinte
forma:
I - inexistindo órgão ambiental no Estado ou no Distrito Federal, a União
desempenhará as ações administrativas estaduais ou distritais até a sua
criação; e
II - inexistindo órgão ambiental no Município, o Estado desempenhará as ações
administrativas municipais até a sua criação.
Não há como negar que o esforço do legislador infra-constitucional
poderá não lograr o sucesso pretendido, tendo em vista que remanescem
vícios de inconstitucionalidade, como nos casos do inciso I dos art. 7º e 8º,
incisos IX e XIV do art. 8º, por exemplo. Demais disso, não ficou esclarecido o
conceito de ação administrativa subsidiária, mas apenas de que forma elas
poderão ocorrer. Como se pode observar, o legislador infra-constitucional
105
perde mais uma vez a oportunidade de tentar, pelo menos, minimizar os
conflitos relacionados ao licenciamento ambiental.
4.7.2 Projeto de Lei no. 20/2007.
O Projeto de Lei no. 20/2007, que dispõe sobre o parcelamento do solo
para fins urbanos e sobre a regularização fundiária sustentável de áreas
urbanas, se aprovado, poderá trazer mudanças significativas para o
licenciamento ambiental. O aludido projeto de lei, em seu art. 36, cria a figura
da licença urbanística e ambiental integrada, que será emitida pelo Município
somente nos casos em que este reúna as condições definidas no art. 3º, inciso
XXVI do mesmo diploma, quando a autoridade licenciadora possuir técnicos
devidamente habilitados em seus quadros.
O referido art. 3º., XXVI estabelece que a gestão plena caracteriza-se
quando o Município reúne simultaneamente os seguintes requisitos: a) plano
diretor, independentemente do número de habitantes, aprovado e atualizado
nos termos da Lei nº. 10.257, de 10 de julho de 2001; b) órgãos colegiados de
controle social nas áreas de política urbana e ambiental, ou, na inexistência
destes, integração com entes colegiados intermunicipais constituídos com esta
mesma finalidade, em ambos os casos garantida na composição a participação
da sociedade civil, bem como assegurado o princípio democrático de escolha
dos representantes e o caráter deliberativo das decisões tomadas em matéria
ambiental e urbanística; c) órgãos executivos específicos nas áreas de política
urbana e ambiental, ou integração com associações ou consórcios
intermunicipais para o planejamento, a gestão e a fiscalização nas referidas
áreas, nos termos da Lei nº. 11.107, de 6 de abril de 2005.
Entende-se que a aprovação deste projeto de lei, nos termos
mencionados acima, deixa claro que o legislador infra-constitucional
extrapolará os limites de suas atribuições, podendo serem citados os seguintes
exemplos: i) no art. 36 são definidas competências para os entes federados; ii)
no art. 37, o citado projeto de lei preceitua que, em caso de omissão do poder
público municipal, ficam definidos prazos para que os municípios aprovem os
106
projetos de parcelamento ou emitam a licença urbanística e ambiental
integrada.
Para arrematar, transcreve-se adiante mais um excesso cometido pelo
legislador ordinário, consubstanciado no art. 22, § 3º., do PL no. 20/2007:
Art. 22, § 3º - Será responsabilidade do Poder Público, ou de seus
concessionários ou permissionários, disponibilizar as redes externas e os seus
respectivos pontos de conexão necessários à implantação, pelo
empreendedor, dos elementos de infra-estrutura básica ou complementar na
área interna do parcelamento, de acordo com legislação e respectivas
regulamentações existentes no setor.
Ora, não pode uma lei nacional criar obrigações de natureza pecuniária
para Estados e Municípios, comprometendo suas receitas e interferindo em
suas autonomias, tendo em vista que o que prescreve o art. 165 da Carta da
República. O mencionado dispositivo estatui que leis de iniciativa do Poder
Executivo estabelecerão: i) o plano plurianual; ii) as diretrizes orçamentárias; iii)
os orçamentos anuais. Os incisos I e II do art. 167, por seu turno, vedam
expressamente: i) o início de programas ou projetos não incluídos na lei
orçamentária anual; ii) a realização de despesas ou a assunção de obrigações
diretas que excedam os créditos orçamentários ou adicionais. Assim, a
obrigação imposta ao Poder Público viola a norma do art. 165 e do art. 167 da
Constituição de 1988, uma vez que somente lei de iniciativa do Chefe do
Executivo poderá estabelecer a destinação dos recursos do respectivo ente
federado.
As dificuldades relacionadas ao licenciamento ambiental, como se pode
verificar, tendem a se agravar. Os projetos de lei em discussão no Congresso
Nacional, se aprovados, acarretarão maiores incertezas e indefinições,
podendo, em certa medida, agravar os conflitos existentes.
107
CAPÍTULO V – PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS RELACIONADO S ÀS
COMPETÊNCIAS DOS MUNICÍPIOS PARA LEGISLAR SOBRE MEI O
AMBIENTE
5 O direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Objetivando conferir efetividade ao direito fundamental ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado ou adequado, a Constituição da República impôs
uma série de deveres ao Poder Público, como se verifica da redação do § 1º,
do art. 225. Tais deveres são comuns às três esferas de poder, contudo, no
território do município é que são observadas as agressões ao meio ambiente,
vale dizer, onde se manifestam concretamente as condutas humanas lesivas
ao equilíbrio ambiental. Tal fato já legitimaria o município a legislar sobre meio
ambiente, haja vista a autonomia e as competências que lhe foram atribuídas
pelo legislador constituinte e, considerando-se, ainda, o modelo de
ordenamento federativo do Estado brasileiro.
Ademais, a análise das normas sobre competência comum e
competência concorrente em matéria de meio ambiente, conforme definidas na
Carta da República, permite estabelecer as diretrizes interpretativas
relacionadas à efetividade do direito ao meio ambiente adequado, mediante a
aplicação dos seguintes princípios: princípio da predominância do interesse;
princípio da subsidiariedade e princípio do desenvolvimento sustentável.
A Constituição de 1988, em seu art. 23, incisos VI e VII, atribui à União,
aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, o dever de proteger o meio
ambiente e combater a poluição sonora em qualquer de suas formas, assim
como de preservar as florestas, a fauna e a flora. Indiscutível, pois, os limites
da competência comum conferida à União, Estados, Distrito Federal e
Municípios.
No que concerne à competência concorrente, o art. 24, inciso VI e VII do
texto constitucional estabelece que compete à União, aos Estados e ao Distrito
Federal legislar concorrentemente sobre florestas, caça, pesca, fauna,
conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do
meio ambiente e controle da poluição, bem como sobre a proteção ao
patrimônio histórico, cultural, artístico, estético, turístico e paisagístico.
108
Adverte-se que em um primeiro momento, não deve o intérprete,
procedendo à leitura apressada dos dispositivos mencionados acima, concluir
equivocadamente que carece ao Município, competência para legislar sobre
matéria ambiental. Os princípios da predominância do interesse, da
subsidiariedade e do desenvolvimento sustentável permitem conclusão em
sentido contrário, vale dizer, no sentido de que a prescrição constante do art.
30, I, da Constituição de 1988 abriga também tal competência. Eis porque deve
o intérprete buscar a interpretação que melhor prestigie o conteúdo da norma
no âmbito do sistema normativo da Constituição.
Em segundo, deve ser considerado, ainda, que o município, quer esteja
qualificado como ente federativo ou entidade condômina de exercício de
atribuições constitucionais, possui autonomia política, auto-organizatória,
administrativa e financeira, prescindindo de autorização externa para promover
seu ordenamento.148 Esta conclusão pode ser aferida a partir da redação do
art. 30, I do texto constitucional.
Salientam, ainda, Fink, Alonso Jr. e Dawalibi, que o princípio da
predominância do interesse deverá orientar a determinação do ente federado
responsável pelo licenciamento.149
Por último, salienta-se que o modelo de federalismo brasileiro impõe a
participação dos poderes locais no processo político, na medida em que atribui
a cada um deles parcela de competência legislativa e autonomia financeira. Por
conseguinte, a coerência do sistema político se encontra amparada em dois
princípios básicos: o princípio republicano e o princípio federativo, que, juntos,
asseguram o direito de participação segundo as normas vigentes no
ordenamento e a descentralização política do poder dos entes federados.
Analisando-se cada um dos princípios mencionados acima, pode-se
concluir que os municípios brasileiros estão habilitados a legislar sobre meio
ambiente e, mais que isto, possuem melhores condições de dar cumprimento à
norma do art. 225, § 1º., da Carta da República.
148 CASTRO, José Nilo de. Direito Municipal Positivo. Belo Horizonte: Del Rey Editora, 3ª edição, 1996, p. 41. 149 FINK, Daniel Roberto. ALONSO JR., Hamilton. DAWALIBI, Marcelo. Aspectos Jurídicos do Licenciamento Ambiental. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 50.
109
5.1 Princípio da predominância do interesse.
No âmbito do federalismo brasileiro, o princípio da predominância do
interesse desempenha papel de alta relevância para efeito de interpretação das
normas constitucionais relacionadas ao tema das competências municipais em
matéria de meio ambiente.
Conforme foi ressaltado anteriormente, o federalismo brasileiro tem
como principal traço característico a descentralização política do poder,
consubstanciada através da repartição de competências, que constitui uma
exigência para a própria existência do federalismo.
Segundo Zimmermann, Constituição formal e federalismo se identificam
porque, antes de tudo, ambos são instituições políticas que visam à delimitação
do Poder.150 Assim, deverá a Constituição estabelecer, desde logo, as
atribuições de cada esfera de poder, determinando os limites de suas
respectivas competências, de forma que cada ente da federação saiba onde
começa e onde termina sua competência.151
O sistema de distribuição de competências adotado pela Carta da
República busca, portanto, alcançar o federalismo de equilíbrio, ou seja,
quando não se verifica tendência acentuada para a centralização ou a
descentralização.
Consoante ensina Mello, há um princípio geral que rege a distribuição de
competências entre os entes que compõem o Estado Federal: o princípio da
predominância do interesse, que permite afirmar a competência dos municípios
em matéria de interesse local. Mello ainda sugere que:
À União devem ser atribuídas as competências que se refiram aos interesses
nacionais; aos Estados-membros, as competências devem ter pertinência com
interesses regionais; aos Municípios, as referentes ao interesse local.152
150 ZIMMERMANN, Augusto. Teoria Geral do Federalismo. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2005, p. 76. 151 HORTA, Raul Machado. Repartição de Competências na Constituição Federal de 1988. Revista da Faculdade de Direito de Minas Gerais, 1991, v. 33, p. 249. 152 MELLO, Rafael Munhoz de. Aspectos Essenciais do Federalismo. Revista de Direito Constitucional e Internacional. Editora Revista dos Tribunais, 2002, v. 41, p. 144.
110
Considere-se, ainda, que o Brasil é um Estado Federal em que a União,
os Estados-Membros, o Distrito Federal e os Municípios ocupam,
juridicamente, o mesmo plano hierárquico, devendo, por essa razão, receber
tratamento jurídico-formal isonômico. Esta igualdade jurídica, segundo Reis,
revela a inexistência de diferença hierárquica entre as Pessoas Jurídicas de
Direito Público Interno, sendo correto afirmar tão-somente diferença nas
competências distintas que receberam da própria Constituição. Decorre daí
que, no federalismo brasileiro não existe diferença hierárquica entre leis
ordinárias federais, estaduais e municipais, mas, sim, diferentes esferas de
competência legislativa.153
Nesse sentido, pode-se concluir que quando se fala de uma estrutura
escalonada das normas jurídicas, significa dizer que uma norma é
hierarquicamente inferior à outra quando aquela retira desta o seu fundamento
de validade. A Constituição de 1988, portanto, representa a fonte de onde
devem irradiar as normas jurídicas e, a partir de onde deve iniciar o processo
de interpretação dessas normas. Assim, todas as regras jurídicas decretadas
encontram seu fundamento de validade na Constituição Federal, não existindo,
nesses termos, subordinação, mas sim diferenciados âmbitos de
competências. 154
Portanto, é inegável que o legislador constituinte teve a preocupação de
fixar limites à atuação dos entes federados. A este respeito ressalta
Zimmermann que:
O conceito federativo de autonomia repousa sobre a garantia constitucional
dos atos praticados pelas partes componentes do Estado federal. A
Constituição é, por isso, a suprema condição delimitadora das atividades
autônomas dos entes federados.
A técnica de repartição de competências utilizada pelo legislador
constituinte tem como finalidade assegurar o exercício das autonomias dos
entes federados, de modo a impedir a usurpação de competências. Assim, não
se permite que uma esfera política invada a seara de outra, haja vista que é o 153 REIS, Elcio Fonseca. Federalismo Fiscal: competência concorrente e normas gerais de Direito Tributário. Belo Horizonte: Editora Mandamentos, 2000, p. 37. 154 REIS, Elcio Fonseca. Ibidem, p. 40.
111
próprio texto constitucional que delimita os poderes dos entes federados, na
medida em que impõe limites de atuação e veda qualquer ingerência legislativa
ou administrativa por parte da ordem central nas ordens parciais. Nisto reside a
autonomia assegurada aos entes federados, conforme art. 18, da Carta da
República, que ao definir a organização político-administrativa do país,
declarou autônomos os Municípios brasileiros.
Entretanto, essa autonomia conferida aos entes federados não é
absoluta. Seu contorno é delimitado pela Constituição, como se observa em
seguida:
Conquanto integrados pela Federação, nenhum ente federativo é dotado de
liberalidade absoluta, porque a autonomia é aqui concebida como uma função
constitucionalmente delimitada; isto é, como uma realidade constitucional que,
estabelecendo decisões fundamentais, está despojada de qualquer controle
operacional. Outrossim, o fundamento da autonomia dos entes federados
repousa sobre a regra objetiva da Constituição Federal, para que, em toda a
sua rigidez, resulte-se a sobrevivência da pluralidade federativa, a garantia da
liberdade das partes e da atividade própria da União, conquanto seja ela a
agente política dos interesses mais genéricos e abstratos. 155
Ao interpretar o texto da Constituição, o intérprete deve procurar fazê-lo
considerando-o como um todo, em sua plenitude, e deverá buscar a
interpretação mais adequada, mais razoável.
Tribe e Dorf lembram que, para Dworkin, o intérprete deve procurar
compreender um conceito constitucional com a visão mais ampla daquilo que
ele considera ser uma boa constituição onde:
Na visão dele, “interpretar” uma prática social ou cultural, ou um texto legal, é
extrair dele a melhor coisa entre aquelas que se acredita que ele seja capaz.
Como Dworkin teria proposto, o intérprete de um poema ou de uma música
procura primeiro compreendê-los da forma que poderiam ser mais bem
tocados ou melhor declamados. E então, ele defende que o intérprete de um
conceito constitucional como o “devido processo legal” ou a “igualdade de
155 ZIMMERMANN, Augusto. Ob. cit., p. 81.
112
proteção perante a lei” deve procurar entender este conceito de acordo com a
visão mais ampla daquilo que deve ser considerado uma boa constituição.156
Em complemento ao que foi dito acima, destaca-se o entendimento de
Hesse acerca da importância da estabilidade e da correta interpretação do
texto constitucional quando afirma que:
A estabilidade constitui condição fundamental da eficácia da Constituição.
Finalmente, a interpretação tem significado decisivo para a consolidação e
preservação da força normativa da Constituição. A interpretação constitucional
está submetida ao princípio da ótima concretização da norma (Gebot optimaler
Verwirklichung der Norm). Evidentemente, esse princípio não pode ser aplicado
com base em meios fornecidos pela subsunção lógica e pela construção
conceitual. Se o direito e, sobretudo, a Constituição, têm a sua eficácia
condicionada pelos fatos concretos da vida, não se afigura possível que a
interpretação faça deles tabula rasa. Ela há de contemplar essas
condicionantes, correlacionando-as com as proposições normativas da
Constituição. A interpretação adequada é aquela que consegue concretizar, de
forma excelente, o sentido (Sinn) da proposição normativa dentro das
condições reais dominantes numa determinada situação.157
É nesse sentido que se defende aqui que a aplicação do princípio da
predominância do interesse constitui fator determinante para afirmar a
competência municipal em matéria de meio ambiente. Não seria razoável
admitir que falece competência ao ente municipal para legislar sobre matéria
ambiental sob pretexto de que o texto constitucional não lhe confere
claramente tal atribuição. Muito ao contrário, entende-se que em matéria de
repartição de competências legislativas ambientais, deve-se privilegiar o
princípio da predominância do interesse, recaindo esta preferentemente em
prol do poder local, com base na norma contida no art. 30, I, c/c art. 24, VI,
ambos da Constituição de 1988.
156 TRIBE. Laurence. DORF, Michel. Hermenêutica Constitucional. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2007, p. 15/16. 157 HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1991, p. 22-23.
113
Para Abelha este entendimento encontra fundamento no fato de que a
técnica legislativa utilizada pelo constituinte brasileiro considerou basicamente
três fatores: i) a eficácia da proteção; ii) o custo; iii) a participação e
comprometimento da sociedade. Abelha acrescenta que a municipalização da
proteção do meio ambiente tornou o princípio da solidariedade menos
burocrático e mais imediato.158
Além destes argumentos, não se pode perder de vista que a autonomia
de que cuida o texto constitucional consiste na faculdade conferida ou
reconhecida a uma entidade de criar as suas próprias normas.159 De
conseguinte, a autonomia das três esferas de poder é garantida pela definição
de competências próprias e exclusivas estatuídas pela Constituição de 1988,
as quais podem ser postas ao lado de outras, denominadas complementares
ou comuns, mas que asseguram um espaço de criação de Direito por elas. O
conteúdo do princípio da autonomia vincula-se, portanto, ao sistema de
repartição de competências que determina a eficácia do próprio princípio
federativo.
Para Ribeiro, competência é a medida da capacidade de ação política ou
administrativa, legitimamente conferida a um órgão, agente ou poder, nos
termos juridicamente definidos. A autonomia dos entes da federação está, pois,
diretamente relacionada ao fato de que estes devem possuir também
competência tributária própria, capaz de fazer frente às responsabilidades a
eles atribuídas pela Constituição.160
O princípio da autonomia e o sistema de distribuição de competências
expressos na Constituição de 1988 atestam a forma descentralizada do Estado
brasileiro e reafirmam a eficácia do princípio federativo. Por conseguinte, não
se discute a competência da União para estabelecer normas gerais em matéria
ambiental. Contudo, conforme explicitado no texto constitucional, a União
detém, juntamente com os Estados, competência comum para atuar na
proteção ao meio ambiente e combater à poluição em qualquer de suas
formas. E, concorrentemente, compete à União, aos Estados e ao Distrito 158 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Elementos de Direito Ambiental. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2ª ed. rev., atual. e ampl., 2005, p. 141-142. 159 ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. República e Federação no Brasil: traços constitucionais da organização política brasileira. Belo Horizonte: Del Rey Editora, 1997, p. 180. 160 RIBEIRO, Ricardo Lodi. Pacto Federativo e Reforma Tributária. Revista de Direito Administrativo. Out-Dez. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2000, v. 222, p. 97.
114
Federal, legislar sobre florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza,
defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle
da poluição.
Ressalta-se mais uma vez, que a expressão interesse local traduz tudo
quanto se relacione diretamente aos assuntos de interesse dos municípios, ou
seja, aos fatos e matérias em que seu interesse se manifeste de forma
predominante. Nessa linha de raciocínio, não se pode negar que a proteção ao
meio ambiente afeta diretamente os interesses da totalidade dos munícipes,
refletindo em tudo quanto possa contribuir para a qualidade de vida da
população. Assim, embora o legislador constituinte não tenha inserido a
matéria ambiental de forma explícita dentre as competências atribuídas aos
municípios, tal atitude se justifica em decorrência, exatamente, do novo perfil
constitucional que carrega a expressão interesse local constante do art. 30, I,
do texto constitucional vigente.
Ademais, o art. 30, inciso VIII, da Constituição de 1988, atribui
competência aos municípios para promover, no que couber, adequado
ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do
parcelamento e da ocupação do solo urbano. É inegável que o
desenvolvimento de tais funções reflete diretamente na questão ambiental.
Por outro lado, não se discute, por igual, que os municípios exercem
competência supletiva, e, apesar de não estarem inseridos no rol dos entes
dotados de competência concorrente, a maioria da doutrina é assente no
sentido de que a competência suplementar prevista no inciso II, do art. 30, da
Constituição de 1988, é exercida exatamente em relação às matérias previstas
no art. 24.
Consoante Reis, a melhor exegese que se pode extrair da Carta
Constitucional revela que a competência suplementar dos Municípios abrange
tanto a complementar como a supletiva. Tal interpretação guarda sintonia com
o princípio do federalismo de equilíbrio buscado pela Lei Maior, impedindo,
também, qualquer interpretação que possa, de algum modo, restringir a
autonomia municipal.161
161 REIS, Elcio Fonseca. Ob. cit., p. 93.
115
Ora, como dispõe o texto constitucional, a suplementação será feita no
que couber. Por conseguinte, é possível concluir que a aludida suplementação,
relativamente aos municípios, corresponde ao exercício da competência
suplementar, devendo estes atender a outro requisito, que é observar se a
matéria em análise (a matéria objeto da suplementação) constitui assunto de
predominante interesse local. Isto porque a predominância do interesse é
caracterizada em face do interesse local e, nesse sentido, o interesse local
funcionará como um vetor dos poderes implícitos conferidos aos Municípios
quer seja para suprir ou para criar o novo.162
Não há como refutar o fato de que a Constituição de 1988 redesenhou o
perfil dos municípios brasileiros, atribuindo-lhes competência para legislar
sobre matéria ambiental.
Assim, a primeira conclusão que se coloca diante do tema relativo às
competências dos municípios para legislar sobre meio ambiente é que a
aplicação do princípio constitucional da predominância do interesse ora
enfocado, permite afirmar que a efetividade do direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, será tanto mais perceptível quanto mais
diretamente abrigar aspectos da realidade política, social e econômica da
população local, resultando daí a importância da norma ambiental municipal.
5.2 Princípio da subsidiariedade: fortalecimento do poder local.
As constantes agressões ao meio ambiente ocasionadas em decorrência
da conduta humana e do desenvolvimento desenfreado, seguindo o modelo do
capitalismo moderno, concorreram para desconstruir o mito do progresso a
todo custo e do crescimento econômico e tecnológico sem limites. A
conscientização da necessidade de mudança nas relações entre o homem e a
natureza resultou na qualificação e no reconhecimento do direito ao meio
ambiente adequado como direito fundamental.
Tais acontecimentos desencadearam uma mudança de paradigma,
deslocando a discussão acerca do uso dos recursos naturais para o âmbito da
legalidade. Desde que o uso racional e responsável dos recursos naturais
162 SILVEIRA, Patrícia Azevedo da. Competência Ambiental. Curitiba: Juruá Editora, 1ª edição, 2003, p. 149.
116
tornou-se uma necessidade mais que uma obrigação, os princípios
internacionais do Direito ambiental foram acolhidos no ordenamento jurídico
pátrio, visando assegurar às presentes e futuras gerações a proteção ao meio
ambiente. Considera-se que tal medida é indispensável à continuidade da vida
no planeta. Igualmente importante é a necessidade de mudança de
mentalidade com relação às práticas adotadas pelo homem, tendo em vista
que o mau uso dos recursos naturais, assim como a apropriação indevida
desses recursos, são identificados como principais focos de grandes conflitos
na atualidade. A valorização de uma melhor qualidade de vida, aliada ao
aumento das necessidades humanas e a demanda crescente por um maior
número de bens, fez com que a convivência social ficasse mais complexa,
tanto em nível local como em nível internacional.163
No contexto dessas relações conflituosas, o princípio da subsidiariedade
apresenta-se como um princípio conformador da sociedade, na medida em que
reconstrói as relações entre ela e o sistema político, no intuito de conferir
autonomia à pessoa em face das estruturas sociais.
Nessa vertente, destaca Torres que o princípio da subsidiariedade pode
e deve ser utilizado como critério constitucional idôneo para o fim de delimitar
as competências entre União, Estados e Municípios.164
Baracho, por sua vez, salienta que as estruturas sociais locais
encontram-se mais preparadas para executar suas atividades, devendo o
Estado, por força do princípio da subsidiariedade, viabilizá-las, ou seja,
reconhecer-lhes sua autonomia, conforme explicado em seguida:
No exercício de suas atribuições, o governo das entidades federativas poderá
promover as ações que devem, pelo menos, mitigar a desigualdade social,
criar condições de desenvolvimento e de qualidade de vida. A administração
pública de qualidade, comprometida com as necessidades sociais e aberta à
participação solidária da sociedade, pode melhorar as entidades federativas e
os municípios. A partir desse nível, caracteriza-se, necessariamente, a
efetivação dos direitos humanos. A descentralização, nesse nível, deverá ser
163 HERRENDORF, Daniel E. e CAMPOS, German J. Bidart. Princípios de Derechos Humanos y Garantias. Buenos Aires: Ediar, 1991, p. 101. 164 TORRES, Silvia Faber. O Princípio da Subsidiariedade no Direito Público Contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 242.
117
estímulo às liberdades, à criatividade, às iniciativas e à vitalidade das diversas
legalidades, impulsionando novo tipo de crescimento e melhorias sociais. As
burocracias centrais, de tendências autoritárias, opõem-se, muitas vezes, às
medidas descentralizadoras, contrariando as atribuições da sociedade e dos
governos locais. O melhor clima das relações entre cidadãos e autoridades
deve iniciar-se nos municípios, tendo em vista o conhecimento recíproco,
facilitando o diagnóstico dos problemas sociais e a participação motivada e
responsável dos grupos sociais na solução dos problemas, gerando confiança
e credibilidade.165
A importância do princípio da subsidiariedade, no âmbito do sistema
constitucional brasileiro, tem sido destacada por autores como Baracho,
Bonavides, Abelha, Machado e outros. Este princípio desempenha função
crucial no federalismo, eis porque tem sido objeto de estudo em várias partes
do mundo.
Consoante afirma Campos, o princípio da subsidiariedade é oriundo da
doutrina social da Igreja, no século XX, que preconizava ser injusto e ilícito
adjudicar a uma sociedade maior o que é ainda capaz de fazer com eficácia
uma sociedade menor: trata-se de princípio de justiça, de liberdade, de
pluralismo e de distribuição de competências, através do qual o Estado não
deve assumir, por si, as atividades que a iniciativa privada e grupos podem
desenvolver por eles próprios, devendo auxiliá-los, estimulá-los e promovê-los.
O Estado só deve supri-las ou substituí-las quando aqueles grupos forem
impotentes e ineficientes para realizar suas tarefas. Objetivando igual eficácia,
deve-se dar preferência à unidade social menor, em lugar da maior, do mesmo
modo privilegiar o nível social inferior, a um nível social superior ou mais
amplo.166
Nesse contexto, o espaço para a aplicação do princípio da
subsidiariedade aumenta sua importância, tendo em vista que a
municipalização da proteção ao meio ambiente induziu a coletividade a
165 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. O Princípio da Subsidiariedade: conceito e evolução. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2000, p. 19. 166 BARRACHO, José Alfredo de Oliveira. Ob. cit., p. 47-48.
118
participar mais ativamente das ações voltadas ao meio ambiente, deixando
transparecer a incidência e a efetividade do princípio da solidariedade.167
Por outro lado, deixar de reconhecer que fatores relacionados ao
desenvolvimento urbano de uma cidade ou de uma região interagem de forma
contínua e determinante com o ordenamento jurídico posto, sendo a própria
Constituição, de regra, o reflexo da realidade política, social e econômica da
sociedade, seria o mesmo que admitir que o Direito é imutável, e ele não é.
Como explica Moreira Neto, a demanda por subsidiariedade surge como
uma conseqüência natural das mudanças enfrentadas pelo Estado, estando
relacionada à demanda por maior eficiência. Portanto,
(...) passa a ser necessário que o atendimento prestado pelo Estado seja
atribuído racionalmente aos entes ou órgãos mais aptos a atuar com
racionalidade, presteza e proximidade, sendo esta desejável sempre que
possível.168
A crescente demanda por eficiência, que é também uma demanda pelo
rápido atendimento das necessidades sociais, coloca o gestor municipal no
centro dos conflitos, sendo-lhe cada vez mais exigida uma postura ativa
relativamente aos problemas que afligem a coletividade. É nesse contexto que
se faz notar a incidência do princípio do desenvolvimento sustentável, que se
realizará mediante a implementação de políticas públicas urbanísticas dotadas
de cunho social, em conformidade com o que estatui a norma do art. 182 da
Constituição de 1988. Assim, o planejamento urbano municipal se apresenta
como ferramenta fundamental para orientar e definir o adequado ordenamento
territorial, que se fará de acordo com as regras estabelecidas no Plano Diretor
da cidade.
Nesta perspectiva, a implementação de políticas públicas voltadas ao
planejamento urbano abrange não só a manutenção do equilíbrio urbano, mas,
sobretudo, aspectos ambientais relevantes. Não é possível separar em
compartimentos estanques o meio urbano (ambiente artificial e cultural) e o
meio natural, ou físico (recursos naturais). Em conseqüência, a necessidade de 167 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Ob. cit., p. 142. 168 MOREIRA NETO, Diodo de Figueiredo. Mutações do Direito Público. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 232.
119
defesa, proteção e preservação do meio natural, como condição essencial à
sadia qualidade de vida para toda população, está implicitamente consagrada
no âmbito das competências municipais.
Outro não é o entendimento de Dias, conforme se observa em seguida:
O art. 182 da Constituição federal é dispositivo que afirma a necessidade de
realização do desenvolvimento urbano, competência primordial do Poder
Público municipal, que há que se efetivar consoante determinados objetivos.
Trata-se de norma com caráter principial, isto é, com grande densidade
principiológica, pois elenca os vetores necessários à realização de políticas
públicas nos espaços locais, a saber: o bem-estar social assim como a garantia
do pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade. O bem-estar social
pressupõe uma vida sadia, em um ambiente físico que apresente estrutura
eficiente e serviços que possam satisfazer às necessidades da população.
Neste sentido, a cidade, enquanto ambiente construído, necessitará de planos
políticos que possibilitem o desenvolvimento de suas funções sociais de forma
a garantir o bem-estar dos habitantes (CF/88, art. 182) paralelamente à defesa
do meio ambiente.169
Por conseguinte, é razoável defender que as regras gerais a que alude
a norma contida no art. 182 da Carta da República ratifica a tese defendida
neste trabalho, no sentido de que a definição do predominante interesse local
abrange questões relacionadas ao planejamento e ao desenvolvimento urbano
e que o princípio da subsidiariedade legitima a atuação dos municípios.
De outra parte, as regras gerais a que alude o mencionado art. 182,
encontram-se expressas no Estatuto da Cidade, Lei nº 10.257/2001. Este
diploma regulamenta a política urbana nacional, fixando as diretrizes gerais
para a execução de políticas urbanas e estabelecendo normas de ordem
pública e interesse social concernentes ao uso da propriedade urbana. Demais
disso, delimita de forma precisa e com contornos claros, o que seja função
social da propriedade, conforme se pode observar através do art. 39.170
A definição, em nível nacional, da expressão função social da
propriedade, vincula os operadores do direito, tendo em vista tratar-se de
169 DIAS, Daniella S. Desenvolvimento Urbano. Curitiba: Juruá Editora, 2002, p. 151-152. 170 DIAS, Daniella S. Op. Cit., p. 143.
120
parâmetro jurídico estabelecido em lei nacional, notadamente quando referido
ao planejamento e ao desenvolvimento do espaço urbano. Assim, entende-se
que o direito de propriedade foi relativizado, uma vez que se encontra
vinculado ao cumprimento de sua função social. É indiscutível, pois, que o
direito de propriedade assumiu desde então nova feição, delineada pelo art. 39
da Lei nº 10.257/2001, que estabelece que a propriedade urbana cumpre sua
função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da
cidade expressas no plano diretor.
Assegurar o atendimento das necessidades dos cidadãos no tocante à
qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento de atividades
econômicas é o desafio imposto pelo Estatuto da Cidade.
Resta claro, portanto, que as diretrizes estabelecidas para uma política
urbana eficiente deverão considerar, necessariamente, aspectos relacionados
ao uso dos recursos naturais, considerando-se que os problemas ambientais e
sociais ocorrem, de regra, na esfera local, para onde convergem mais
imediatamente as carências da população em termos de serviços públicos
como habitação, saúde, educação, saneamento, transporte, assistência à
pobreza, meio ambiente e planejamento urbano.
A segunda conclusão que se coloca é que, para assegurar o exercício
do direito ao meio ambiente adequado, considerado direito fundamental,
essencial à sadia qualidade de vida, ou, com outras palavras, minimamente
condizente com a dignidade da pessoa humana e o próprio direito à vida,
deverá o poder público compor interesses diversos, sob pena de tornar suas
normas ineficazes. Por tais razões, entende-se que o princípio da
subsidiariedade autoriza os municípios brasileiros a legislar sobre meio
ambiente, bem como a exercer atividades de polícia administrativa visando, em
especial, assegurar a efetividade do direito fundamental ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado ou adequado, assim como a proteção dos recursos
naturais.
5.3 Princípio do desenvolvimento sustentável.
A questão da sustentabilidade das cidades está diretamente relacionada
ao direito ao meio ambiente adequado, considerando-se que a sadia qualidade
121
de vida, consoante preceituado no art. 225 da Carta da República, somente
poderá ser efetivamente assegurada se os elementos sociais, urbanísticos e
ambientais da cidade integrarem as políticas públicas municipais.
O princípio do desenvolvimento sustentável, afirmado pela Declaração
sobre o Direito ao Desenvolvimento, datada de 1986, determina que o meio
ambiente e o desenvolvimento sejam enfocados conjuntamente, considerando-
se que estes elementos são indivisíveis e afetos ao interesse comum da
humanidade.171 A afirmação do citado princípio requer, também, que sejam
atendidas necessidades básicas como alimentação, saúde, moradia, educação,
bem como de um meio ambiente sadio, assim como a liberdade e a segurança
das pessoas.172
Ressalta-se que o princípio do desenvolvimento sustentável foi acolhido
pelo legislador constituinte, estando inserido no texto constitucional, conforme
se pode observar através dos artigos 170, 182 e 225, onde sua influência pode
ser claramente notada.
De outra parte, o Estatuto da Cidade, no âmbito da esfera infra-
constitucional, apresenta dentre as diretrizes gerais para o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade, a garantia do
direito à cidades sustentáveis.173 Portanto, mais que uma conquista social, o
direito à cidades sustentáveis possui status de direito fundamental, compatível
que é com a cláusula de abertura constante do § 2º., do art. 5º., da Carta da
República. O conceito de cidade auto-sustentável pode ser sintetizado como
sendo a cidade que coloca à disposição dos seus cidadãos condições para que
estes sobrevivam com dignidade, e onde, principalmente, o município se
desenvolva sem ultrapassar os limites da tolerância ecológica.174
Oportuno destacar que o direito ao meio ambiente adequado como
direito humano possui uma história recente, iniciada em 1968, quando a
Assembléia Geral das Nações Unidas reconheceu que o rápido avanço
tecnológico constituía ameaça aos direitos fundamentais dos seres humanos.
171CANÇADO TRINDADE. Antônio Augusto.Direitos Humanos e Meio Ambiente: Paralelo dos Sistemas de Proteção Internacional. Porto Alegre: Fabris Editor, 1993, p. 165-166. 172CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Ob. cit., p. 178-179. 173DIAS, Daniella S. Ob. cit., p. 117-118. 174 LOSSO, Thais Cercal Dalmina. Apud, SILVA, Bruno Campos (Org.). Direito Ambiental: Enfoques Variados, Princípios da Política Global do Meio Ambiente no Estatuto da Cidade. São Paulo: Lemos & Cruz, 2004, p. 69.
122
Em conseqüência, a Organização das Nações Unidas para a Educação
promoveu, neste mesmo ano, a Conferência Inter-governamental de Peritos
para discutir as Bases Científicas para o Uso Racional e a Conservação dos
Recursos da Biosfera, sendo esta considerada uma das primeiras iniciativas
relacionadas ao nascimento do direito a um meio ambiente adequado.175
Verifica-se, por conseguinte, que o reconhecimento da existência de
uma relação entre direitos humanos e meio ambiente antecede a Declaração
de Estocolmo, firmada em 1972, que reconheceu ao homem o direito
fundamental de viver em um meio que lhe permita vida digna, com bem-estar,
assim como a proteção desse meio para gerações presentes e futuras.176
Conforme explicam Boó e Villar, o direito ao meio ambiente adequado,
desde seu nascedouro, foi introduzido no ordenamento jurídico carregado de
forte apelo social e vinculado aos direitos humanos, sendo então considerado
um direito de terceira geração caracterizado por impor limitações à liberdade
humana e à propriedade:
Como los derechos de tercera generación condicionan el obrar humano (limites
a la libertad, a la autonomia de la libertad, al derecho de propriedad, a la
explotación etc.) podemos decir que el derecho humano al ambiente es
continente y cauce para los demás derechos humanos y, a la vez, es una
garantia de realización de todos los derechos sociales e individuales
(limitándolos a fin de que no degraden el ambiente). Por estas características
afirmamos que es un derecho inseparable de sus valores fundantes: paz y
solidaridad, pero ésta implica hoy uma solidaridad planetaria que debe
trascender las fronteras estatales, dado que pronto deberán superarse las
soberanías si se quiere salvar el mundo (como sinónimo de género humano).177
O direito ao meio ambiente adequado possui, pois, status de direito
fundamental, sendo um direito inseparável do próprio direito à vida, decorrendo
dessa constatação os fundamentos de sua proteção jurídica. A ecologia,
segundo Luño, representa o marco global para um nove enfoque nas relações
175FELGUERAS, Santiago. Derechos Humanos y Médio Ambiente. Buenos Aires: Ad-Hoc SRL, 1996, p. 32-33. 176 SOARES, Evanna. Ação Ambiental Trabalhista. Porto Alegre: Fabris Editor, 2004, p. 61. 177 BOÓ, Daniel. VILLAR, Ariel. El Derecho Humano al Medio Ambiente. Buenos Aires: Editorial Némesis, 1999, p. 34.
123
entre o homem e seu entorno, podendo resultar na utilização racional dos
recursos energéticos e substituir o crescimento desenfreado, ora considerado
em termos meramente quantitativo para conduzir ao uso equilibrado dos
recursos da natureza, tornando possível uma real qualidade de vida. A
incidência imediata da natureza na existência humana, bem como a
contribuição decisiva ao seu desenvolvimento é o que justifica sua inclusão no
âmbito dos direitos fundamentais.178
Observa-se que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado
ou adequado está estreitamente relacionado ao direito ao desenvolvimento,
que também possui idêntica estatura de direito humano. Ademais, o direito ao
desenvolvimento referido ao princípio do desenvolvimento sustentável, impõe
que sejam atendidas às necessidades e aspirações do presente sem
comprometer a habilidade de as gerações futuras atenderem a suas próprias
necessidades, criando-se, portanto, um vínculo entre o direito ao
desenvolvimento e o direito ao meio ambiente sadio.179
Segundo estatuído na Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento
de 1986, oriunda das Nações Unidas, a pessoa humana é reconhecida como o
sujeito central do desenvolvimento e, por isso, deve ser vista como participante
ativa e beneficiária do direito ao desenvolvimento.
No aludido documento, o direito ao desenvolvimento é qualificado como
um direito inalienável de toda pessoa humana e de todos os povos,
possibilitando-lhes participar do desenvolvimento econômico, social, cultural e
político, a ele contribuindo e dele desfrutando, no qual todos os direitos
humanos e liberdades fundamentais possam ser plenamente realizados.180
Fiorillo e Rodrigues destacam a relevância e a necessidade de que o
meio ambiente seja considerado direito humano. Argumentam que o direito à
vida é pressuposto do exercício dos demais direitos do homem, conforme
explicado em seguida:
É pressuposto de exercício lógico dos demais direitos do homem, vez que, em
sendo o direito à vida o objeto do direito ambiental, somente aqueles que
178 LUÑO, Antonio-Enrique Perez. La Tercera Generación de Derechos Humanos. Navarra: Editorial Aranzadi, 2006, p. 30. 179 CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Ob. cit., p. 165. 180 CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Ob. cit., p. 173.
124
possuírem vida, e, mais ainda, vida com qualidade e saúde, é que terão
condições de exercitarem os demais direitos humanos, nestes compreendidos
os direitos sociais, da personalidade e políticos do ser humano.181
Na opinião de Ballesteros, o direito ao meio ambiente não apenas se
comunica com os demais direitos, mas é, na verdade, o direito originário.182
Observa-se, por conseguinte, que o direito ao meio ambiente sadio ou
de qualidade é inerente ao próprio direito à vida, sendo reconhecido nos planos
nacional e internacional como um direito fundamental relacionado ao princípio
da dignidade humana. Seus pressupostos referem-se às três dimensões da
pessoa humana: ser físico, psíquico e social, podendo ser resumidos em: a
vida em sua plenitude máxima; a liberdade ou autonomia da pessoa e, sob a
dimensão social, a liberdade. Esta assertiva é assentada no art. 1º. da
Declaração Universal dos Direitos Humanos, a qual estabelece que todos os
homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos.
De acordo com Russo, os pressupostos referidos acima são absolutos
enquanto princípios, uma vez que sua validade não depende de outros
princípios superiores ou de circunstâncias fáticas a serem verificadas.183
O princípio da dignidade da pessoa humana e o direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, além de estarem intrinsecamente
relacionados, guardam sintonia com as normas que tratam da ordem
econômica, consubstanciadas no art. 170 da Carta da República184.
A norma constante do art. 170 e seu inciso VI realçam a preocupação
com a proteção do meio ambiente ao estabelecer que a ordem econômica,
fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim
assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social,
observando-se, dentre seus princípios, a defesa do meio ambiente, inclusive
mediante tratamento diferenciado de acordo com o impacto ambiental dos
produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação.
181 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco e RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de Direito Ambiental e Legislação Aplicável. São Paulo: Max Limonad, 1999, p. 30-31. 182 BALLESTEROS, Jesús. Apud, BOÓ, Daniel. VILLAR, Ariel. Ob. cit., p. 35. 183 RUSSO, Eduardo Angel. Derechos Humanos y Garantias. Buenos Aires: Editorial Plus Ultra, 1992, p. 29. 184 DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. São Paulo: Editora Max Limonad, 2ª edição, rev. e atual., 2001, p. 257
125
No âmbito do ordenamento jurídico nacional, é possível defender que a
dignidade da pessoa humana constitui fundamento da ordem econômica, na
medida em que esta impõe a observância do princípio da defesa do meio
ambiente. A harmonização deste dispositivo com a norma contida no art. 225
da Constituição de 1988 evidencia que a defesa e a proteção do meio ambiente
atuam como limite ao processo produtivo, tendo em vista que estes elementos
constituem condição essencial à sadia qualidade de vida.
Em geral, as questões ambientais possuem em sua origem motivações
de natureza eminentemente social, retratando a forma de relacionamento entre
o homem e a natureza. Além disto, demonstram a forma como a sociedade
interage com a natureza para construir seu habitat e gerar seu processo
produtivo e reprodutivo, estando relacionada direta e indiretamente com o
modelo de desenvolvimento adotado em um determinado momento.185
Portanto, a incidência do princípio do desenvolvimento sustentável é
inafastável da matéria ambiental. Defende-se, por conseguinte, que este
princípio constitui verdadeiro instrumento para a efetivação do direito ao meio
ambiente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida, a teor do que
preceitua o art. 225 da Carta da República.
Assim, a terceira conclusão que se coloca é que a aplicação do princípio
do desenvolvimento sustentável, conforme expresso no art. 2º. do Estatuto da
Cidade, reafirma a necessidade imperiosa de articulação das políticas públicas
referentes às ações de planejamento urbano e de meio ambiente, visando
assegurar a efetividade do direito a cidades sustentáveis.
Todavia, a construção de cidades sustentáveis depende, basicamente,
da implementação de ações do poder público municipal, as quais devem estar
previstas em legislação própria, eis porque, entende-se que também por esta
razão pode ser afirmada a competência dos municípios para legislar sobre
meio ambiente.
E, para finalizar, traz-se à colação a lição de Canotilho quando diz que a
função ordenadora dos atos normativos não pressupõe apenas uma
hierarquização dos mesmos através de relações de supra-infra-ordenação,
185 GALAFASSI, Guido P. ZARRILLI, Adrián G. Ambiente, Sociedad y Naturaleza: Entre la teoria social y la historia. Buenos Aires: Universidad Nacional de Quilmes Ediciones, 2002, p. 21.
126
mas também uma divisão espacial de competências e que, o princípio da
competência aponta para uma visão plural do ordenamento jurídico, o qual não
se reduz ao ordenamento estadual, pois ao lado dele existem os ordenamentos
regionais, os ordenamentos locais e os ordenamentos institucionais. Ademais,
o princípio da competência não perturba o princípio da hierarquia e a
configuração piramidal da ordem jurídico constitucional (de resto, exigidos pelo
princípio da unidade do Estado).186
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A forma de organização federativa do Estado brasileiro evidencia uma
nítida distribuição de poder entre os entes que compõem a federação, porém,
destaca também um elevado número de atribuições cometidas à União, em
detrimento dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.
A técnica da repartição de competências utilizada pelo legislador
constituinte não foi capaz de promover, até o momento, o federalismo
cooperativo, criando, por outro lado, um federalismo assimétrico, em especial
no que concerne a partilha de receitas tributárias.
Se, de um lado, a federação brasileira reveste caráter inovador pelo fato
de abrigar três distintas esferas de poder – União, Estados e Municípios – por
outro, revela-se extremamente centralizadora, haja vista ter conferido à União
maior parcela de competências, embora ela caracterize a esfera de poder mais
distanciada do controle e participação populares.187
Não obstante a natureza atípica do Estado federal brasileiro, em
decorrência da inserção dos municípios como entes integrantes da federação,
o que lhes assegura o pleno exercício de suas competências e autonomias,
como se verifica através da norma do art. 18 da Constituição de 1988, é
inquestionável a tendência centralizadora da União. Contudo, apesar das
distorções do sistema político brasileiro, o federalismo e a separação de
poderes estabelecem limites ao poder, concorrendo para a criação de
condições mais favoráveis para o exercício das liberdades individuais e da
186 CANOTILHO, J. J. Gomes. Ob. cit., p. 233. 187 ZIMMERMANN, Augusto. Teoria Geral do Federalismo Democrático. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2a. Edição, 2005, p. 357.
127
participação popular. Nesse sentido, pode-se dizer que federalismo e
separação de poderes se completam, na medida em que atuam como fatores
de equilíbrio das tensões do Estado democrático, pelo fato de promoverem a
dispersão do poder político, tanto de forma vertical (federalismo), como
horizontal (separação de poderes). Sobrepondo-se a estas questões está o fato
de que ambos perseguem um objetivo comum que é evitar o exercício abusivo
do poder.
O federalismo busca a eficiência, por isso requer a participação ativa do
cidadão no poder, eis porque a participação popular, mais do que necessária,
se faz indispensável para controlar a transparência dos atos de governo.
Conforme ressalta Zimmerman, o federalismo, à sua peculiar maneira, é o
sistema modelar das instituições políticas descentrais e defensora
constitucional da liberdade e dos direitos das partes.188
Os argumentos expostos aqui traduzem de forma sumária o que foi
explicado nos capítulos anteriores. No Capítulo I observou-se que o Brasil
possui uma tradição municipalista, com tendência à descentralização e que o
poder local desempenhou um papel fundamental na construção do Estado
brasileiro. Em seguida, no Capítulo II, constata-se que o princípio federativo e o
princípio republicano constituem os alicerces do Estado brasileiro e da
democracia e que: a) o Brasil possui uma estrutura federativa atípica; b) os
municípios integram a federação brasileira; c) a técnica de repartição de
competências adotada pelo Constituinte representa, de um lado, uma garantia
aos entes federados do pleno exercício das competências que lhes foram
atribuídas e, de outro, a proibição de usurpação destas mesmas competências
por outros entes da federação; d) a forma de organização federativa do Estado
brasileiro instituída pela Constituição de 1988 possibilita aos municípios o pleno
exercício de suas competências.
Prosseguindo nesta linha de raciocínio, no Capítulo III, procurou-se
estabelecer que a principal característica do pluralismo federativo reside no
reconhecimento de que a produção do Direito não constitui exclusividade da
ordem central e que o exercício das autonomias dos entes periféricos é uma
exigência para a manutenção do sistema federativo. Este entendimento
188 ZIMMERMANN, Augusto. Ob. cit., p.185.
128
autoriza que se conclua que as ordens periféricas podem e devem produzir sua
própria legislação, adequando-as as suas peculiaridades. Esta dispersão do
poder, por outro lado, retrata o grau de pluralidade do Estado, cuja atuação
deve convergir para manter o equilíbrio entre as forças da sociedade, bem
como para garantir a igualdade e a liberdade dos entes federados e a
participação política dos diversos segmentos sociais.
No Capítulo IV coloca-se a discussão acerca das competências
constitucionais dos entes federados para realizar o licenciamento ambiental,
considerado o mais polêmico instrumento de controle em matéria de proteção
ambiental.
O licenciamento ambiental foi inicialmente previsto no art. 9º., inciso IV,
da Lei no. 6.938/81, que regulamenta a Política Nacional do Meio Ambiente.
Contudo, ao longo do tempo, transformou-se no mais importante instrumento
de controle das políticas públicas ambientais, notadamente pelo fato de que o
art. 225, § 1º., inciso IV da Constituição de 1988 determina a exigência de
estudo prévio de impacto ambiental para a instalação de obra ou atividade
potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente.
A norma constitucional mencionada acima manifesta clara preocupação
do legislador constituinte com a questão ambiental. Em geral, o licenciamento é
precedido de estudo ambiental, entretanto, a exigência de estudo prévio de
impacto ambiental, usualmente confundido com o Estudo de Impacto Ambiental
e respectivo Relatório de Impacto sobre o Meio Ambiente – EIA/RIMA – tem
gerado infindáveis questionamentos tanto na esfera administrativa como na
esfera judicial. Isto porque alguns intérpretes mais apressados não atentam
para o conteúdo da norma constante do aludido art. 225, § 1º., inciso IV da
Carta da República, que começa dizendo o seguinte: exigir, na forma da lei,
para a instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de
significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto
ambiental, a que se dará publicidade.
É evidente que a exigência do estudo prévio de impacto ambiental
depende de lei, porém, não existindo lei que o regulamente, a decisão acerca
de sua necessidade ou de outro estudo resta no âmbito da discricionariedade
do órgão ambiental responsável pelo licenciamento.
129
Vale ressaltar, no entanto, que este entendimento não é predominante,
valendo-se os intérpretes, na maior parte das vezes, das regras da Resolução
237/97 CONAMA, que estabelece procedimentos para o licenciamento
ambiental.
Oportuno assinalar também, que problemas de ordem política costumam
estar atrelados ao licenciamento ambiental. Somada a isto, a superposição de
normas e a falta de regulamentação do parágrafo único do art. 23 da Carta da
República contribuem para o agravamento desses litígios.
Entende-se, entretanto, que a norma a que se refere o parágrafo único
do art. 23 da Carta da República, alusiva a cooperação entre os entes
federados, deve se limitar, quando muito, a estabelecer a forma de cooperação
entre os mesmos, tendo em vista que o legislador infra-constitucional não pode
modificar as normas sobre competências fixadas pela Constituição. Eis porque
foi destacada a importância da compreensão do sistema constitucional
brasileiro e da necessidade de serem observados os critérios e os limites
interpretativos das normas objeto de interpretação. O princípio da unidade da
Constituição fundamenta-se no pressuposto de que não podem coexistir mais
de uma ordem jurídica válida e vinculante em um mesmo Estado. Conforme
explica Barroso, ele impõe ao intérprete o dever de harmonizar as tensões e
contradições entre normas.189 Portanto, é inadmissível que se defenda um
sistema de hierarquia entre os entes federados diante das inovações
introduzidas pelo art. 18 da Constituição de 1988, tendo em vista sua
literalidade. A idéia de hierarquia entre os entes federados e a antiquada
concepção de que o município é um ente inferior e que, portanto, deve manter-
se submetido à tutela da União e do Estado devem ser revisitadas pelo
intérprete.
Reafirma-se, portanto, que o papel desempenhado pelos municípios é
fundamental para o equilíbrio do sistema democrático, porque permite que a
população exerça um melhor controle social das ações do poder executivo
municipal e exija maior transparência. Tais razões já seriam suficientes para
justificar a tese ora defendida neste estudo, no sentido de que os municípios
189 BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 181-182.
130
são competentes para legislar sobre meio ambiente, bem como para exercer
atribuições relacionadas à proteção ambiental.
As considerações feitas até agora permitem afirmar, ainda, que o
modelo de federalismo brasileiro impõe a participação dos poderes locais no
processo político, na medida em que atribui a cada um deles parcela de
competência legislativa e autonomia financeira. Resulta daí que para manter a
coerência do sistema político, o legislador constituinte estabeleceu, pelo
menos, dois princípios básicos: o princípio republicano e o princípio federativo,
que, juntos, asseguram o direito de participação e a descentralização política
do poder dos entes federados.
Neste contexto, é possível afirmar que a eficácia da norma concernente
ao direito fundamental ao ambiente adequado reside na própria estrutura do
Estado brasileiro, em virtude da significativa modificação em sua forma de
organização política, configurado através do alargamento da autonomia
conferida aos municípios. É precisamente com base no alargamento da
autonomia dos municípios, que se defende a atribuição de competências para
legislar sobre meio ambiente. Este entendimento fundamenta-se nos princípios
da predominância do interesse, da subsidiariedade de do desenvolvimento
sustentável, que, juntos, viabilizam o cumprimento a norma do art. 225 da
Carta da República, conforme foi explicado no Capítulo V.
A aplicação dos referidos princípios constitucionais concorrem para dar
efetividade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, na medida
em que a norma será tanto mais perceptível quanto mais diretamente abrigar
aspectos da realidade política, social e econômica da população local,
resultando daí a importância da norma ambiental municipal.
Para assegurar o exercício do direito ao meio ambiente adequado,
considerado direito fundamental, essencial à sadia qualidade de vida, vale
dizer, minimamente condizente com a dignidade da pessoa humana e o próprio
direito à vida, deverá o poder público compor interesses diversos, sob pena de
tornar suas normas ineficazes. De conseguinte, os princípios constitucionais
da predominância do interesse, da subsidiariedade e do desenvolvimento
sustentável constituem pressupostos válidos para assegurar aos municípios
brasileiros legitimidade para legislar sobre meio ambiente, bem como a exercer
atividades de polícia administrativa visando, em especial, assegurar a
131
efetividade do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado ou adequado, assim como a proteção dos recursos naturais.
Resumidamente, podem ser arroladas as seguintes conclusões:
1. a relevância da norma ambiental municipal caracteriza-se pelo fato de
que esta será tanto mais eficaz quanto mais diretamente abrigar
aspectos da realidade política, social e econômica da população.
Portanto, a efetividade do direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado encontra-se relacionada a aplicação do princípio da
predominância do interesse, determinante para fixar a competência
municipal para legislar sobre matéria ambiental;
2. as esferas de poder local estão mais habilitadas para atender aos
anseios e as necessidades da comunidade, bem como para compor os
diversos interesses da população, resultando inevitável, no caso, a
aplicação do princípio da subsidiariedade que atuará para assegurar o
exercício do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
como direito fundamental, essencial a sadia qualidade de vida, ou, em
outras palavras, digno à vida;
3. o direito ao meio ambiente adequado exige a aplicação do princípio do
desenvolvimento sustentável, conforme acolhido pelo ordenamento
jurídico nacional, em especial pelos arts. 170, 182 e 225, todos da
Constituição, estando relacionados a sustentabilidade das cidades,
considerando-se que a sadia qualidade de vida referida no aludido art.
225, somente poderá ser assegurada se o planejamento urbano
considerar os elementos sociais, urbanísticos e ambientais da cidade.
Por fim, considerando-se, ainda, o princípio da unidade da Constituição,
sustenta-se que as normas relacionadas às competências municipais devem
ser analisadas em conjunto com a norma do art. 225 da Constituição de 1988,
considerando-se o valor do bem jurídico tutelado, que é o direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, indispensável à sadia qualidade de vida,
o qual se confunde com o direito à vida.
132
A proteção aos recursos naturais deve ser assegurada às presentes e
futuras gerações. Este o pensamento da doutrina moderna, preocupada em
manter o equilíbrio e a harmonia nas relações entre o homem e a natureza.
133
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138
PROJETO DE LEI COMPLEMENTAR
MSG 37-072201
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
Fixa normas para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora, previstas no art. 23, incisos III, VI e VII, da Constituição.
CAPÍTULO I DAS DISPOSIÇÕES PRELIMINARES
Art. 1o Esta Lei Complementar fixa, nos termos do parágrafo único do art. 23 da Constituição, normas para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativa à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora, previstas no art. 23, incisos III, VI e VII, da Constituição Federal.
Art. 2o Constituem objetivos fundamentais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, no exercício da competência comum a que se refere esta Lei Complementar:
I - proteger, defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado;
II - garantir o desenvolvimento ecologicamente sustentável;
III - harmonizar as ações administrativas para evitar a sobreposição de atuação dos entes federativos;
IV - garantir a unicidade da política ambiental para todo o País, respeitadas as peculiaridades regionais e locais; e
V - promover a gestão compartilhada, democrática e eficiente.
Art. 3o As ações administrativas decorrentes da competência comum de que trata esta Lei Complementar deverão observar o critério da predominância do interesse nacional, regional e local na proteção ambiental.
Parágrafo único. O disposto no caput não afasta a atuação subsidiária dos demais entes federativos, de acordo com o disposto nesta Lei Complementar.
CAPÍTULO II DOS INSTRUMENTOS DE COOOPERAÇÃO
139
Art. 4o Os entes federativos poderão valer-se dos seguintes instrumentos com vistas ao compartilhamento das atividades previstas nesta Lei Complementar:
I - Conselhos de Meio Ambiente;
II - consórcios públicos ou convênios de cooperação, nos termos da legislação em vigor, para o exercício das competências fixadas nesta Lei Complementar;
III - convênios, acordos de cooperação técnica e outros instrumentos similares com órgãos e entidades do Poder Público, para auxiliar no desempenho de suas atribuições; e
IV - Fundos de Meio Ambiente.
Parágrafo único. Os instrumentos mencionados no inciso III poderão ser firmados com prazo indeterminado.
CAPÍTULO III DAS AÇÕES DE COOPERAÇÃO
Art. 5o As ações de cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios serão desenvolvidas de modo a harmonizar as políticas governamentais setoriais com a política nacional do meio ambiente.
Art. 6o Para os fins do art. 5o, são ações administrativas da União, dentre outras:
I - formular, executar e fazer cumprir, no nível nacional, a Política Nacional do Meio Ambiente;
II - exercer a gestão dos recursos ambientais, no âmbito de sua competência;
III - promover ações relacionadas à Política Nacional do Meio Ambiente, nos âmbitos nacional e internacional;
IV - promover a integração de programas e ações de órgãos e entidades da Administração Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, relacionados à proteção e à gestão do meio ambiente;
V - articular a cooperação técnica, científica e financeira, em apoio à Política Nacional do Meio Ambiente;
VI - promover o desenvolvimento de estudos e pesquisas direcionados à proteção e à gestão ambiental, divulgando os resultados obtidos;
VII - promover a articulação da Política Nacional do Meio Ambiente com a de Recursos Hídricos;
VIII - organizar e manter, com a colaboração dos órgãos e entidades da Administração Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, o Sistema Nacional de Informações sobre o Meio Ambiente - SINIMA;
140
IX - elaborar o zoneamento ambiental de âmbito nacional e regional;
X - definir espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos;
XI - promover e orientar a educação ambiental;
XII - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;
XIII - exercer o controle e a fiscalização das atividades e empreendimentos cuja competência para licenciar, ambientalmente, for cometida à União;
XIV - exercer o controle e a fiscalização das atividades e empreendimentos cuja competência para autorizar, ambientalmente, for cometida à União;
XV - promover o licenciamento ambiental das atividades ou empreendimentos, a saber:
a) que causem ou possam causar impacto ambiental direto de âmbito nacional ou regional;
b) localizados ou desenvolvidas conjuntamente no Brasil e em país limítrofe;
c) localizados na plataforma continental, na zona econômica exclusiva, em terras indígenas ou em unidades de conservação da União, exceto em Áreas de Proteção Ambiental - APAs, onde deverá ser observado o critério do impacto ambiental direto das atividades ou empreendimentos;
d) destinados a pesquisar, lavrar, produzir, beneficiar, transportar, armazenar e dispor material radioativo, em qualquer estágio, ou que utilizem energia nuclear em qualquer de suas formas e aplicações, mediante parecer da Comissão Nacional de Energia Nuclear - CNEN; e
e) empreendimentos e atividades militares que servem a defesa nacional, na forma da Lei;
XVI - elaborar a relação de espécies raras ou ameaçadas de extinção, da fauna e da flora, no território nacional;
XVII - autorizar a introdução no País de espécies exóticas da fauna e da flora;
XVIII - autorizar a liberação de exemplares de espécie exótica da fauna e da flora em ecossistemas naturais;
XIX - autorizar a exportação de espécimes da flora e fauna brasileiras, partes ou produtos deles derivados; e
141
XX - autorizar a supressão de vegetação e o manejo de florestas e de formações sucessoras em florestas públicas e unidades de conservação da União, bem como em empreendimentos potencialmente causadores de impacto ambiental nacional ou regional, observadas as atribuições dos demais entes federativos previstas nesta Lei Complementar.
Art. 7o Para os fins do art. 5o, são ações administrativas dos Estados e do Distrito Federal, dentre outras:
I - executar e fazer cumprir, no nível estadual, a Política Nacional de Meio Ambiente;
II - exercer a gestão dos recursos ambientais do âmbito de sua competência estadual;
III - formular, executar e fazer cumprir, no nível estadual, a Política Estadual de Meio Ambiente;
IV - promover, no âmbito estadual e distrital, a integração de programas e ações dos órgãos e entidades da Administração Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, relacionados à proteção e à gestão ambiental;
V - articular a cooperação técnica, científica e financeira, em apoio às Políticas Nacional e Estadual de Meio Ambiente;
VI - promover o desenvolvimento de estudos e pesquisas direcionados à proteção e à gestão ambiental, divulgando os resultados obtidos;
VII - organizar e manter, com a colaboração dos órgãos municipais competentes, o Sistema Estadual de Informações sobre Meio Ambiente;
VIII - prestar informações à União para a formação e atualização do Sistema Nacional de Informações sobre Meio Ambiente;
IX - elaborar o zoneamento ambiental de âmbito estadual ou distrital, em conformidade com o zoneamento nacional;
X - definir espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos;
XI - promover e orientar a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a proteção do meio ambiente;
XII - exercer o controle e a fiscalização das atividades e empreendimentos cuja competência para licenciar, ambientalmente, for cometida aos Estados ou ao Distrito Federal;
XIII - exercer o controle e a fiscalização das atividades e empreendimentos cuja competência para autorizar, ambientalmente, for cometida aos Estados ou ao Distrito Federal;
XIV - promover o licenciamento ambiental das atividades ou empreendimentos, a saber:
142
a) que causem ou possam causar impacto ambiental direto de âmbito estadual; e
b) localizados em unidades de conservação do Estado ou do Distrito Federal, exceto em Áreas de Proteção Ambiental - APAs, onde deverá ser observado o critério do impacto ambiental direto das atividades ou empreendimentos;
XV - autorizar a supressão de vegetação e o manejo de florestas e de formações sucessoras incidentes em florestas públicas e unidades de conservação de do Estado e do Distrito Federal, bem como em propriedades rurais, observadas as atribuições dos demais entes federativos prevista nesta Lei Complementar;
XVI - elaborar relação de espécies da fauna e da flora ameaçadas de extinção no respectivo território;
XVII - autorizar a apanha de espécimes da fauna silvestre, ovos e larvas destinadas à implantação de criadouros e a pesquisa científica;
XVIII - autorizar o funcionamento de criadouros da fauna silvestre; e
XIX - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente.
Art. 8o Para os fins do art. 5o, são ações administrativas dos Municípios, dentre outras:
I - executar e fazer cumprir, no nível municipal, as Políticas Nacional e Estadual de Meio Ambiente;
II - exercer a gestão dos recursos ambientais do âmbito de sua jurisdição;
III - formular, executar e fazer cumprir a Política Municipal de Meio Ambiente;
IV - promover, no município, a integração de programas e ações de órgãos e entidades da Administração Pública Federal, Estadual e Municipal, relacionados à proteção e à gestão ambiental;
V - articular a cooperação técnica, científica e financeira, em apoio às Políticas Nacional, Estadual e Municipal de Meio Ambiente;
VI - promover o desenvolvimento de estudos e pesquisas direcionados à proteção e à gestão ambiental, divulgando os resultados obtidos;
VII - organizar e manter o Sistema Municipal de Informações sobre Meio Ambiente;
VIII - prestar informações aos Estados e à União para a formação e atualização dos Sistemas Estadual e Nacional de Informações sobre Meio Ambiente;
143
IX - elaborar o zoneamento ambiental de âmbito municipal, em conformidade com o zoneamento nacional e estadual;
X - definir espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos;
XI - promover e orientar a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a proteção do meio ambiente;
XII - exercer o controle e a fiscalização das atividades e empreendimentos cuja competência para licenciar, ambientalmente, for cometida ao Município;
XIII - exercer o controle e a fiscalização ambiental das atividades e empreendimentos cuja competência para autorizar, ambientalmente, for cometida ao Município;
XIV - promover o licenciamento ambiental das atividades ou empreendimentos, a saber:
a) que causem ou possam causar impacto ambiental direto de âmbito local; e
b) localizados em unidades de conservação do Município, exceto em Áreas de Proteção Ambiental - APAs, onde deverá ser observado o critério do impacto ambiental direto das atividades ou empreendimentos;
XV - autorizar a supressão de vegetação em unidades de conservação do Município e em áreas efetivamente urbanizadas, observadas as atribuições dos demais entes federativos prevista nesta Lei Complementar;
XVI - autorizar o corte seletivo de árvores para utilização no próprio município, observadas as atribuições dos demais entes federativos previstas nesta Lei Complementar; e
XVII - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente.
Art. 9o A construção, instalação, operação e ampliação de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva e potencialmente poluidores, bem como os capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental dependerão de prévias licenças do ente federativo responsável por promover o licenciamento ambiental, nos termos desta Lei Complementar.
§ 1o Os demais entes federativos interessados poderão se manifestar, de maneira não vinculante, no procedimento de licenciamento ambiental.
§ 2o A supressão de vegetação decorrente de licenciamentos ambientais será autorizada pelo ente federativo licenciador.
Art. 10. Para os efeitos desta Lei, considera-se:
144
I - impacto ambiental direto de âmbito nacional ou regional: aquele que afete diretamente, no todo ou em parte, o território de dois ou mais Estados Federados ou cujos impactos ambientais significativos diretos ultrapassem os limites territoriais do País;
II - impacto ambiental direto de âmbito estadual: aquele que afete diretamente, no todo ou em parte, o território de dois ou mais Municípios; e
III - impacto ambiental direto de âmbito local: aquele que afete direta, no todo ou em parte, o território de um município sem ultrapassar o seu limite territorial.
Art. 11. A ação administrativa subsidiária dos entes federativos dar-se-á, em caráter geral, por meio de apoio técnico, científico, administrativo ou financeiro, sem prejuízo de outras formas de cooperação.
Art. 12. As ações administrativas subsidiárias, de que tratam o parágrafo único do art. 3o desta Lei Complementar, nas hipóteses do art. 7o, incisos XIV, XV, XVII e XVIII, e do art. 8o, incisos XIV, XV e XVI, dar-se-á da seguinte forma:
I - inexistindo órgão ambiental no Estado ou no Distrito Federal, a União desempenhará as ações administrativas estaduais ou distritais até a sua criação; e
II - inexistindo órgão ambiental no Município, o Estado desempenhará as ações administrativas municipais até a sua criação.
Art. 13. Nos casos de iminência ou ocorrência de dano ambiental o ente federativo que tiver conhecimento do fato deverá agir para evitar ou cessá-lo.
Parágrafo único. O ente que atuou para evitar ou cessar o dano ambiental comunicará imediatamente o ente federativo responsável, para as providências devidas.
Art. 14. Esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, EM Nº 62/MMA/2006
JUSTIFICATIVA
Brasília, 22 de agosto de 2006.
Excelentíssimo Senhor Presidente da República,
1. Submeto a Vossa Excelência o anexo projeto de lei complementar que fixa normas para a cooperação entre a União, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no que se refere às competências comuns previstas nos termos do art. 23, incisos III, VI e VII e parágrafo único, da Constituição Federal.
145
2. A Constituição, ao criar a Federação, fez com que o poder não fique concentrado nas mãos de uma única pessoa jurídica de direito público, mas que se reparta entre os entes coletivos que a compõem. Ao adotar do federalismo a Constituição brasileira, determina a existência de várias ordens, com autonomia político-administrativa: a União como a ordem nacional, os Estados como ordens regionais e os Municípios como ordens locais.
3. A autonomia federativa caracteriza-se pela existência, em cada ente federado, de órgãos governamentais próprios e posse de competências exclusivas.
4. Essa múltipla composição, conseqüentemente, permite que sobre o mesmo povo e sobre o mesmo território, seja sentida a incidência de diversas ordens estatais, o que só se torna possível em razão da repartição de competências dentre os entes federativos.
5. Assim, dentro de um estado federado, o sistema de repartição de competências é um aspecto fundamental, sendo apontado como um dos principais responsáveis por viabilizar uma atuação pública eficiente.
6. De maneira sintética, é possível dizer que a Constituição Federal separa a competência legislativa (formal) da competência material (administrativa ou de execução).
7. A competência administrativa é aquela relacionada ao desempenho de tarefas, à tomada de providências, à prestação de serviços, enfim, à execução de toda e qualquer atividade, com exceção das legislativas.
8. No que se refere ao tema meio ambiente, a Constituição Federal estabelece uma competência comum à União, aos Estados e aos Municípios para articularem políticas públicas ambientais, ou seja, para exercerem suas competências administrativas e para protegerem o meio ambiente.
9. Manifesta o art. 23 da Constituição Federal:
"Art. 23. É competência comum da União, dos Estados , do Distrito Federal e dos Municípios:
I - zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público;
II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;
III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos; IV - impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural;
V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência;
VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;
146
VII - preservar as florestas, a fauna e a flora;
VIII - fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento alimentar;
IX - promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico;
X - combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos;
XI - registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios;
XII - estabelecer e implantar política de educação para a segurança do trânsito.
Parágrafo único. Lei complementar f ixará normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmb ito nacional." (grifamos)
10. Entende-se que a competência comum é prevista para aquelas matérias em que há a coincidência entre os interesses geral, regional e local, revelando, por isso mesmo, temas de grande relevância social que devem ser amplamente tutelados por todos os entes federativos.
11. A definição do papel da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios é tema de fundamental importância para eficácia das normas de proteção ambiental.
12. Na temática ambiental a ausência de critérios claros na definição das atribuições entre os diversos entes federados vem trazendo uma série conflitos na aplicação de instrumentos da gestão ambiental como a sobreposição ações de entes federados ou mesmo a inexistência destas, causando sérios prejuízos ao meio ambiente.
13. A tradicional centralização das ações administrativas de cunho ambiental na União e nos Estados vem impedindo que os Municípios assumam suas responsabilidades constitucionais na matéria ambiental. Neste sentido, a excessiva carga de atribuições à União e aos Estados impede uma melhor cooperação entre todos os entes federados.
14. A regulamentação do parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal é de fundamental importância para a melhor cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios na defesa do meio ambiente. Ademais, trata-se de elemento fundamental para o fortalecimento do Sistema Nacional do Meio Ambiente-SISNAMA, criado pela Lei no 6.938, de 31 de agosto de 1981, bem como para proporcionar maior controle e melhor qualidade na prestação de serviços à coletividade.
15. A presente minuta de Projeto de Lei Complementar é resultado dos esforços de Grupo de Trabalho formado por representantes do Ministério do Meio Ambiente, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis-IBAMA, Agência Nacional de Águas-ANA, da Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente-ABEMA e da Associação Nacional dos Municípios e Meio Ambiente-ANAMMA.
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16. Considerando que incumbe ao Poder Público assegurar e dar efetividade do direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, e, tendo em vista que o legislador constituinte delimitou uma área de competência comum, relacionadas ao meio ambiente, que deve ser exercida de maneira cooperada entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
17. O texto do Projeto de Lei Complementar busca definir de forma cooperada e racional as atribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para o exercício da gestão ambiental. Tal regulamentação trará inúmeros benefícios à nação tendo em vista harmonizar as relações entre os órgãos integrantes do SISNAMA.
18. Estas, Senhor Presidente, as razões que justificam o encaminhamento do anexo projeto de lei complementar que ora submeto à elevada consideração de Vossa Excelência.
Respeitosamente,
Marina Silva Ministra de Estado do Meio Ambiente
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PROJETO DE LEI Nº ,DE 2007 (Do Sr. Fernando Chucre)
Dispõe sobre o parcelamento do solo para fins urbanos e sobre a regularização fundiária sustentável de áreas urbanas, e dá outras providências.
O Congresso Nacional decreta:
TÍTULO I DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 1º Esta Lei estabelece normas gerais disciplinadoras do parcelamento do solo para fins urbanos e da regularização fundiária sustentável de áreas urbanas e será denominada Lei da Responsabilidade Territorial Urbana. Parágrafo único. A aplicação desta Lei dar-se-á sem prejuízo de outras normas específicas de âmbito federal, estadual, distrital ou municipal que com ela sejam compatíveis, respeitadas as competências constitucionais de cada ente federativo. Art. 2º Na implementação do parcelamento do solo para fins urbanos, e da regularização fundiária em áreas urbanas, deverão ser observadas as diretrizes gerais da política urbana enumeradas no art. 2º da Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, e os seguintes princípios: I – função social da propriedade urbana e da cidade; II – garantia do direito à moradia e ao desenvolvimento sustentável dos assentamentos humanos;2 III – urbanismo como função pública e respeito à ordem urbanística; IV – prevalência do interesse público sobre o interesse privado; V – ocupação prioritária dos vazios urbanos, respeitados os espaços territoriais especialmente protegidos; VI – recuperação pelo Poder Público das mais-valias urbanas decorrentes de suas ações; VII – acesso universal aos bens de uso comum do povo; VIII – garantia do meio ambiente ecologicamente equilibrado como bem de uso comum do povo; IX – defesa do consumidor. Art. 3º Para os efeitos desta Lei, consideram-se: I – área urbana: a parcela do território, contínua ou não, incluída nos perímetros urbanos pelo plano diretor ou lei municipal específica; II – área urbana consolidada: a porção da zona urbana, definida pelo plano diretor ou pela lei municipal que estabelecer o zoneamento urbano, que possua, em um raio de 1.000 (mil) metros a contar de suas divisas, em pelo menos 2/3 (dois terços) de seu contorno, densidade demográfica superior a 50 (cinqüenta) habitantes por hectare e malha viária implantada, e que tenha, no mínimo, dois dos seguintes equipamentos de infra-estrutura urbana implantados: a) sistema de manejo de águas pluviais; b) disposição adequada de esgoto sanitário;
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c) abastecimento de água potável; d) distribuição de energia elétrica; e) coleta de resíduos sólidos;3 III – regularização fundiária sustentável: o conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais, promovidas pelo Poder Público por razões de interesse social ou de interesse específico, que visem a adequar assentamentos informais preexistentes às conformações legais, de modo a garantir o direito social à moradia, o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado; IV – regularização fundiária de interesse social: a regularização fundiária sustentável de assentamentos informais ocupados, predominantemente, por população de baixa renda, nos casos em que existem direitos reais legalmente constituídos, ou quando se tratar de zona especial de interesse social (ZEIS); V – regularização fundiária de interesse específico: a regularização fundiária sustentável de assentamentos informais na qual não se caracteriza o interesse social, na forma do inciso IV deste artigo; VI – gleba: o imóvel que ainda não foi objeto de parcelamento do solo para fins urbanos; VII – lote: a unidade imobiliária resultante de loteamento ou desmembramento; VIII – unidade autônoma: a unidade imobiliária resultante de condomínio urbanístico destinada ao uso privativo; IX – fração ideal: índice da participação abstrata e indivisa de cada condômino nas coisas comuns do condomínio urbanístico, expresso sob forma decimal, ordinária ou percentual; X – loteamento: a divisão de imóvel em lotes destinados à edificação, com abertura de novas vias públicas ou logradouros públicos, ou com prolongamento, modificação ou ampliação das vias públicas ou logradouros públicos existentes; XI – desmembramento: a divisão de imóvel em lotes destinados à edificação, que não implique na abertura de novas vias ou logradouros públicos, ou no prolongamento, modificação ou ampliação dos já existentes;4 XII – condomínio urbanístico: a divisão de imóvel em unidades autônomas destinadas à edificação, às quais correspondem frações ideais das áreas de uso comum dos condôminos, sendo admitida a abertura de vias de domínio privado e vedada a de logradouros públicos internamente ao perímetro do condomínio; XIII – loteamento integrado à edificação: a modalidade de loteamento em que a construção das edificações nos lotes é feita pelo empreendedor, concomitantemente à implantação das obras de urbanização; XIV – desmembramento integrado à edificação: a modalidade de desmembramento em que a construção das edificações nos lotes é feita pelo empreendedor, concomitantemente à implantação das obras de urbanização; XV – condomínio urbanístico integrado à edificação: a modalidade de condomínio em que a construção das edificações é feita pelo empreendedor, concomitantemente à implantação das obras de urbanização; XVI – parcelamento de pequeno porte: o parcelamento de imóvel com área total inferior a 10.000m² (dez mil metros quadrados), ou o desmembramento que não resulte em mais de 5 (cinco) unidades; XVII – áreas destinadas a uso público: aquelas referentes ao sistema viário, à implantação de equipamentos comunitários, aos espaços livres de uso público, às áreas verdes e a outros logradouros públicos; XVIII – áreas destinadas a uso comum dos condôminos: aquelas referentes ao sistema viário interno e as demais áreas integrantes de condomínios urbanísticos que não sejam definidas como unidades autônomas; XIX – equipamentos comunitários: os equipamentos de educação, cultura, saúde, segurança, esporte, lazer e convívio social;
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XX – infra-estrutura básica: os equipamentos de abastecimento de água potável, disposição adequada de esgoto sanitário, distribuição de energia elétrica e sistema de manejo de águas pluviais; XXI – infra-estrutura complementar: iluminação pública, pavimentação, rede de telefonia, rede de fibra ótica e outras redes de5 comunicação, rede de gás canalizado e outros elementos não contemplados na infra-estrutura básica; XXII – autoridade licenciadora: o Poder Executivo municipal responsável pela concessão da licença urbanística e ambiental integrada do parcelamento do solo para fins urbanos ou do plano de regularização fundiária, ou quem eventualmente o substitua no exercício desta competência nos casos expressamente estabelecidos nesta Lei; XXIII – licença urbanística e ambiental integrada: ato administrativo vinculado pelo qual a autoridade licenciadora estabelece as compensações, as condições e as restrições de natureza urbanística e ambiental que devem ser obedecidas pelo empreendedor para implantar, alterar, ampliar ou manter parcelamento do solo para fins urbanos e para proceder à regularização fundiária; XXIV – licença final integrada: ato administrativo vinculado pelo qual a autoridade licenciadora declara que o empreendimento foi fisicamente implantado e executado de forma regular, com atendimento integral das exigências urbanísticas e ambientais estabelecidas pela legislação em vigor e fixadas na licença urbanística e ambiental integrada; XXV – comissão de representantes: colegiado formado pelos compradores de lotes ou unidades autônomas para fiscalizar a implantação do parcelamento do solo para fins urbanos; XXVI – gestão plena: condição do Município que reúna simultaneamente os seguintes requisitos: a) plano diretor, independentemente do número de habitantes, aprovado e atualizado nos termos da Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001; b) órgãos colegiados de controle social nas áreas de política urbana e ambiental, ou, na inexistência destes, integração com entes colegiados intermunicipais constituídos com esta mesma finalidade, em ambos os casos garantida na composição a participação da sociedade civil, bem como assegurado o princípio democrático de escolha dos representantes e o caráter deliberativo das decisões tomadas em matéria ambiental e urbanística;6 c) órgãos executivos específicos nas áreas de política urbana e ambiental, ou integração com associações ou consórcios intermunicipais para o planejamento, a gestão e a fiscalização nas referidas áreas, nos termos da Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005; XXVII – demarcação urbanística: procedimento administrativo pelo qual o Poder Público, no âmbito da regularização fundiária de interesse social, demarca o imóvel, definindo seus limites, área, localização e confrontantes, com a finalidade de identificar seus ocupantes e qualificar a natureza e o tempo das respectivas posses; XXVIII – legitimação de posse: ato do Poder Público destinado a conferir título de reconhecimento de posse de imóvel objeto de demarcação urbanística, com a identificação do ocupante e do tempo e da natureza da posse; XXIX – zona especial de interesse social (ZEIS): área urbana instituída pelo plano diretor ou definida por outra lei municipal, destinada predominantemente à moradia de população de baixa renda e sujeita a regras específicas de parcelamento, uso e ocupação do solo; XXX – assentamentos informais: assentamentos urbanos, localizados em áreas públicas ou privadas, compreendendo as ocupações e os parcelamentos irregulares ou clandestinos, bem como outros processos informais de produção de lotes, ocupados predominantemente para fins de moradia e implantados sem autorização do titular de domínio ou sem aprovação dos órgãos competentes, em desacordo com a licença expedida ou sem o respectivo registro imobiliário;
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XXXI – empreendedor: o proprietário do imóvel a ser parcelado e responsável pela implantação do parcelamento, ou aquele que for admitido como tal pela presente Lei. Parágrafo único. Além do proprietário do imóvel, serão também admitidos como empreendedores: I – o compromissário comprador, cessionário ou promitente cessionário, ou o foreiro, desde que o proprietário expresse sua anuência em relação ao empreendimento e sub-rogue-se nas obrigações do7 compromissário comprador, cessionário ou promitente cessionário, ou do foreiro, em caso de extinção do contrato; II – o ente da Administração Publica direta ou indireta, quando habilitado a promover a desapropriação com a finalidade de implantação de parcelamento habitacional ou de realização de regularização fundiária de interesse social, desde que tenha ocorrido a regular imissão na posse; III – a pessoa física ou jurídica contratada pelo proprietário do imóvel a ser parcelado ou pelo Poder Público para executar o parcelamento ou a regularização fundiária, em forma de parceria, sob regime de obrigação solidária, devendo o contrato ser averbado na matrícula do imóvel no competente Registro de Imóveis; IV – as cooperativas habitacionais, as associações de moradores e as associações de proprietários ou compradores, desde que assumam a responsabilidade pela implantação do parcelamento.
TÍTULO II DO PARCELAMENTO DO SOLO PARA FINS URBANOS
CAPÍTULO I DOS REQUISITOS URBANÍSTICOS E AMBIENTAIS
Seção 1 Das Disposições Preliminares
Art. 4º Os parcelamentos do solo para fins urbanos deverão observar os requisitos urbanísticos e ambientais previstos neste Capítulo e as exigências específicas estabelecidas pela licença urbanística e ambiental integrada do empreendimento, bem como pela licença ambiental estadual, nos termos do § 2º do art. 36 e do art. 41 desta Lei. Art. 5º O parcelamento do solo para fins urbanos poderá ser feito mediante loteamento, desmembramento ou condomínio urbanístico, bem como por suas respectivas modalidades definidas nesta Lei. § 1º Será admissível a utilização, de forma simultânea ou consecutiva, de mais de uma espécie de parcelamento ou de suas8 modalidades, no mesmo imóvel ou em parte dele, desde que sejam atendidos os requisitos desta Lei. § 2º Serão admitidos condomínios urbanísticos integrados à edificação e implantados na forma do art. 8º da Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964, desde que estejam localizados no perímetro urbano definido por lei municipal e observem os requisitos previstos nesta Lei. Art. 6º O parcelamento do solo para fins urbanos apenas será admitido no perímetro urbano definido por lei municipal. Art. 7º Não se admitirá o parcelamento do solo para fins urbanos: I – em áreas alagadiças e sujeitas a inundações, antes de tomadas as providências para assegurar o escoamento das águas; II – em locais considerados contaminados ou fundadamente suspeitos de contaminação por material nocivo ao meio ambiente ou à saúde pública, sem que sejam previamente recuperados;
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III – em áreas sujeitas a deslizamentos de terra ou erosão, antes de tomadas as providências necessárias para garantir a estabilidade geológica e geotécnica; IV – em locais onde a poluição ambiental comprovadamente impeça condições sanitárias adequadas, sem que sejam previamente saneados; V – em áreas que integrem Unidades de Conservação da Natureza, criadas na forma da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, incompatíveis com esse tipo de empreendimento; VI – onde for técnica ou economicamente inviável a implantação de infra-estrutura básica, serviços públicos de transporte coletivo ou equipamentos comunitários; VII – onde houver proibição para esse tipo de empreendimento em virtude de leis e normas de proteção do meio ambiente ou do patrimônio paisagístico, ecológico, turístico, artístico, histórico, cultural, religioso, arqueológico, etnográfico ou espeleológico.9 Parágrafo único. A autoridade licenciadora deverá especificar os estudos técnicos, a serem apresentados pelo empreendedor, que sejam tidos como necessários e indispensáveis à comprovação do pleno atendimento ao disposto neste artigo. Art. 8º Respeitado o disposto no art. 10 da Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, em áreas com declividade superior a 30% (trinta por cento) ou 16,7º (dezesseis vírgula sete graus), admitir-se-á o parcelamento em uma das seguintes hipóteses: I – nas modalidades integradas à edificação; II – se o empreendedor apresentar solução técnica para a implantação das edificações que garanta a segurança contra deslizamentos de terra e erosão. Parágrafo único. Nas áreas com declividade superior a 100% (cem por cento) ou 45º (quarenta e cinco graus) aplicam-se as normas que regulam as Áreas de Preservação Permanente (APP). Art. 9º A autoridade licenciadora deverá manter disponíveis e atualizadas informações completas sobre: I – o plano diretor e a legislação municipal de interesse urbanístico e ambiental; II – as vias urbanas ou rurais, existentes ou projetadas, que compõem o sistema viário do Município; III – a localização dos equipamentos urbanos e comunitários existentes ou projetados; IV – outras informações técnicas necessárias ao projeto de parcelamento. § 1º As informações de que tratam os incisos II e III do caput deste artigo deverão, preferencialmente, conter coordenadas georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro. § 2º Os requisitos urbanísticos, ambientais e outras informações necessárias ao projeto de parcelamento, relacionados aos10 Poderes Públicos estadual e federal, deverão ser mantidos disponíveis e atualizados pelos órgãos estaduais e federais competentes.
Seção 2 Dos Requisitos Urbanísticos
Art. 10. Os parcelamentos deverão atender às normas e diretrizes urbanísticas expressas no plano diretor, quando houver, e nas leis de parcelamento, uso e ocupação do solo urbano, bem como aos seguintes requisitos: I – os lotes ou unidades autônomas deverão ter área mínima de 125m² (cento e vinte e cinco metros quadrados), ressalvadas as modalidades integradas à edificação, que exigirão a área mínima de 100m² (cem metros quadrados);
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II – as áreas destinadas a uso público ou a uso comum dos condôminos deverão ser diretamente proporcionais à densidade de ocupação prevista no Plano Diretor ou em lei municipal específica. III – as vias públicas deverão articular-se com o sistema viário adjacente, existente ou projetado, harmonizar-se com a topografia local e garantir o acesso público aos corpos d’água, às praias e demais áreas de uso comum do povo; IV – a infra-estrutura básica deverá ser implantada. § 1º Os Municípios poderão alterar, por lei municipal, as dimensões mínimas previstas no inciso I do caput deste artigo, no caso de áreas incluídas em zonas especiais de interesse social (ZEIS). § 2º A autoridade licenciadora poderá exigir a reserva de faixa não edificável destinada à implantação de infra-estrutura básica ou complementar. § 3º O parcelamento do solo para fins urbanos na forma de condomínio urbanístico somente será admitido nos Municípios que possuam gestão plena. Art. 11. O percentual de áreas destinadas a uso público nos loteamentos, condomínios urbanísticos e desmembramentos, excluído o sistema viário, deverá ser de, no mínimo, 15% (quinze por cento),11 observada a proporcionalidade prevista no inciso II do caput do art. 10 desta Lei. § 1º As áreas destinadas a uso público em condomínios urbanísticos deverão estar situadas fora do perímetro fechado e poderão, a critério da autoridade licenciadora, situar-se em outro local dentro do perímetro urbano. § 2º Ficarão dispensados da reserva de percentual de áreas destinadas a uso público: I – o parcelamento de pequeno porte, desde que o imóvel não tenha sido, anteriormente, objeto de empreendimento beneficiado com a mesma dispensa; II – o parcelamento implantado em terreno objeto de parcelamento anterior, em que já tenha sido efetuada esta reserva. § 3º Nos desmembramentos, a reserva do percentual de que trata o caput deste artigo apenas poderá ser exigida para a implantação de equipamentos comunitários que não configurem logradouro público e será definida na licença urbanística e ambiental integrada do empreendimento. § 4º No caso de Municípios com gestão plena, lei municipal poderá diminuir a exigência de reserva de áreas destinadas a uso público de que trata o caput deste artigo para parcelamentos implantados em zonas especiais de interesse social (ZEIS), desde que nas proximidades do imóvel já existam equipamentos públicos aptos a atender à nova demanda. Art. 12. Respeitadas as disposições desta Lei, caberá ao plano diretor ou a outra lei municipal definir, para as diferentes zonas em que se divida a área urbana do Município: I – os usos permitidos e os parâmetros urbanísticos de parcelamento e ocupação do solo; II – as modalidades de parcelamento admissíveis; III – as diretrizes para a articulação do parcelamento do solo com o desenho urbano; IV – o sistema de áreas verdes. § 1º Observado o disposto no caput deste artigo, e no § 3º do art. 10 desta Lei, caberá à legislação municipal determinar, em relação à implantação de condomínios urbanísticos:12 I – os locais da área urbana onde serão admitidos condomínios urbanísticos, respeitadas, se houver, as restrições estabelecidas pelo plano diretor; II – a dimensão máxima do empreendimento ou do conjunto de empreendimentos contíguos; III – os parâmetros relativos à contigüidade entre empreendimentos;
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IV – as formas admissíveis de fechamento do perímetro; V – a necessidade ou não de Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança (EIV); VI – os critérios e as responsabilidades em relação à manutenção da infra-estrutura básica e complementar, respeitados os limites da competência municipal; VII – outros requisitos julgados necessários para assegurar a integração com o sistema viário existente ou projetado, a mobilidade urbana e o livre acesso às praias e demais bens de uso comum do povo. § 2º Inexistindo a legislação prevista no § 1º deste artigo, ficará vedada a concessão de licença para a implantação de condomínios urbanísticos.
Seção 3 Dos Requisitos Ambientais
Art. 13. Em parcelamentos do solo para fins urbanos, as Áreas de Preservação Permanente (APP) poderão ser utilizadas como espaços livres de uso público ou de uso comum dos condôminos para implantação de infra-estrutura destinada a esportes, lazer e atividades educacionais e culturais ao ar livre, desde que: I – a vegetação seja preservada ou recomposta, de forma a assegurar o cumprimento integral dos objetivos ecológicos das Áreas de Preservação Permanente (APP); II – a utilização da área não gere degradação ambiental;13 III – seja observado o limite máximo de 10% (dez por cento) de impermeabilização do solo e 15% (quinze por cento) de ajardinamento; IV – haja autorização prévia da autoridade licenciadora. § 1º Nas Áreas de Preservação Permanente (APP) utilizadas como espaços livres de uso público ou de uso comum dos condôminos, na forma do caput deste artigo, ficará vedada a movimentação de terra, a menos que se destine ao controle de cheias, à regularização de vazão, à proteção dos mananciais ou à estabilização de encostas, e que tenha, nestes casos, autorização prévia da autoridade licenciadora. § 2º O disposto no caput deste artigo não se aplicará às áreas com vegetação nativa primária ou secundária em estágio médio ou avançado de regeneração no bioma Mata Atlântica, para as quais devem ser observadas as exigências específicas para o parcelamento do solo e licenciamento ambiental previstas pela legislação. § 3º A Área de Preservação Permanente (APP) não utilizada na forma do caput deste artigo deverá ser deduzida da área total do imóvel para efeito de cálculo do percentual de áreas destinadas a uso público previsto no art. 11 desta Lei. Art. 14. A Área de Preservação Permanente (APP) poderá ser transposta pelo sistema viário ou utilizada para a implantação e manutenção de sistemas de drenagem de águas pluviais, ou para atividades consideradas de utilidade pública, bem como para obras exigidas pelo Poder Público ou por concessionários de serviços públicos, desde que a intervenção seja de baixo impacto ambiental e não a descaracterize na sua totalidade. § 1º A Área de Preservação Permanente (APP) localizada em empreendimentos disciplinados por esta lei, e que não integre lote ou unidade autônoma, poderá ser considerada área pública no loteamento ou desmembramento, ou área de uso comum nos condomínios urbanísticos, devendo a comunidade zelar pela sua proteção e integridade, sem prejuízo das responsabilidades do Poder Público. § 2º A Área de Preservação Permanente (APP) que integre lote ou unidade autônoma deverá ser averbada na matrícula respectiva14 no registro de imóveis como tal, não se admitindo qualquer tipo de intervenção, salvo as de baixo impacto ambiental, e poderá ser computada na área total do referido imóvel para aplicação do coeficiente de aproveitamento e para definição da área máxima de construção.
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Art. 15. Exigir-se-á Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA) para o licenciamento de parcelamento do solo para fins urbanos quando: I – a área for maior ou igual a 1 (um) milhão de metros quadrados; II – a autoridade licenciadora, com base na legislação federal, estadual, distrital ou municipal, considerar o empreendimento potencialmente causador de significativo impacto ambiental. Art. 16. Será exigida no licenciamento, sempre que necessária, a reserva de faixa não edificável vinculada a dutovias e linhas de transmissão, observados critérios e parâmetros que garantam a segurança da população e a proteção do meio ambiente, conforme estabelecido nas normas técnicas pertinentes. Art. 17. A faixa de domínio público das rodovias e ferrovias deverá garantir a segurança da população e a proteção do meio ambiente, conforme estabelecido nas normas técnicas pertinentes, sendo definida no âmbito do respectivo licenciamento ambiental. Art. 18. A supressão da vegetação para fins de parcelamento ou qualquer outra forma de utilização do solo urbano no bioma Mata Atlântica observará o disposto em legislação específica. Art. 19. Os parcelamentos do solo para fins urbanos integrantes de Áreas de Proteção Ambiental criadas na forma da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, deverão observar as regras específicas estabelecidas no plano de manejo da Unidade de Conservação, quando houver. Parágrafo único. Aplicar-se-á também o disposto no caput deste artigo aos parcelamentos implantados na zona de amortecimento de Unidade de Conservação, em qualquer das modalidades previstas pela Lei nº 9.985, de 18 de julho 2000.15 Art. 20. O parcelamento do solo para fins urbanos ou qualquer outra forma de utilização do solo urbano na Zona Costeira deverá assegurar o acesso livre e desimpedido às praias, respeitadas as normas que regulam as áreas de interesse da segurança nacional e as Unidades de Conservação de acesso restrito criadas na forma da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000. Parágrafo único. Além do disposto no caput deste artigo, os parcelamentos situados na Zona Costeira deverão observar, sempre que existirem, as regras específicas estabelecidas pelos planos de gerenciamento costeiro previstos pela Lei nº 7.661, de 16 de maio de 1988.
CAPÍTULO II DAS RESPONSABILIDADES DO EMPREENDEDOR E DO PODER PÚ BLICO
Art. 21. Caberá ao empreendedor: I – a demarcação: a) dos lotes, quadras e áreas destinadas a uso público dos loteamentos; b) das áreas destinadas a equipamentos comunitários dos desmembramentos; c) das unidades autônomas, das áreas destinadas a uso comum dos condôminos e das áreas destinadas a uso público dos condomínios urbanísticos; d) dos limites das Áreas de Preservação Permanente (APP); II – a implantação:
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a) do sistema viário; b) da infra-estrutura básica, com exceção dos sistemas individuais de disposição de esgoto sanitário; c) dos elementos da infra-estrutura complementar que venham a ser exigidos por legislação estadual, distrital ou municipal;16 d) das edificações nas modalidades de parcelamento integradas à edificação; e) das medidas necessárias à recuperação das Áreas de Preservação Permanente (APP), definidas na licença urbanística e ambiental integrada, e na licença ambiental estadual, nos termos do § 2º do art. 36 e do art. 41 desta Lei; III – a manutenção da infra-estrutura básica e complementar e das áreas destinadas a uso público, até a expedição da licença final integrada, ou até o prazo máximo de 90 (noventa) dias, contado a partir da data em que for protocolado o requerimento para a sua expedição, desde que o empreendedor não tenha sido comunicado, ao longo desse período, da existência de vícios ou de irregularidades que devam por ele ser sanados ou corrigidos e respeitado o disposto no § 3º do art. 44 desta Lei; IV – a manutenção do sistema viário, das áreas destinadas a uso comum dos condôminos, das áreas destinadas a uso público e da infra-estrutura básica e complementar interna dos condomínios urbanísticos, até o registro da instituição do condomínio no Registro de Imóveis. § 1º O prazo máximo de 90 (noventa) dias estabelecido no inciso III do caput deste artigo não será alterado, exclusivamente para os fins estabelecidos neste dispositivo, mesmo que, em atendimento ao disposto no caput do art. 44 desta Lei, legislação municipal estabeleça prazo mais dilatado para a emissão da licença final integrada. § 2º Nos casos em que a legislação municipal referida no § 1º deste artigo vier a reduzir o prazo estabelecido no inciso III do caput deste artigo, o prazo máximo para a manutenção da infra-estrutura básica e complementar e das áreas destinadas a uso público pelo empreendedor será o estabelecido pela lei municipal. § 3º A transferência da responsabilidade pela manutenção não exime o empreendedor da obrigação de corrigir eventuais falhas constatadas posteriormente ao prazo de 90 (noventa) dias estabelecido no inciso III do caput.17 Art. 22. Ressalvado o disposto no art. 21 desta Lei, caberá ao Poder Público ou a seus concessionários e permissionários, a partir da expedição da licença final integrada, a operação e manutenção: I – da infra-estrutura básica e das áreas destinadas a uso público em qualquer tipo de parcelamento; II – da infra-estrutura complementar dos loteamentos e desmembramentos. § 1º Caberá aos concessionários ou permissionários de energia elétrica a implantação da rede de distribuição de energia elétrica nos parcelamentos de interesse social inseridos em programas habitacionais de iniciativa do Poder Público ou na regularização fundiária de interesse social. § 2º A implantação, operação e manutenção dos equipamentos comunitários necessários a cargo do Poder Público deverão respeitar as diretrizes das respectivas políticas setoriais, bem como as orientações específicas da licença urbanística e ambiental integrada do empreendimento e da licença ambiental estadual, nos termos do § 2º do art. 36 e do art. 41 desta Lei. § 3º Será responsabilidade do Poder Público, ou de seus concessionários ou permissionários, disponibilizar as redes externas e os seus respectivos pontos de conexão necessários à implantação, pelo empreendedor, dos elementos de infra-estrutura básica ou complementar na área interna do parcelamento, de acordo com legislação e respectivas regulamentações existentes no setor. § 4º A requerimento do empreendedor, a autoridade licenciadora, ouvidos os concessionários ou permissionários de serviços públicos, poderá, nos termos da legislação municipal prevista no art. 12 desta Lei, autorizar, na licença urbanística e
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ambiental integrada do condomíniourbanístico, que a manutenção da infra-estrutura básica fique a cargo dos condôminos. § 5º No caso previsto no § 4º deste artigo, deverá ser firmado contrato entre os condôminos e os concessionários ou permissionários para estabelecer as regras da manutenção, assegurado o desconto, nas taxas18 e tarifas cobradas pela prestação do serviço, dos valores relativos aos custos de manutenção. § 6º Será assegurado o acesso irrestrito do Poder Público ao perímetro interno dos condomínios urbanísticos para o cumprimento de suas obrigações relativas à operação e manutenção da infra-estrutura básica e à coleta de resíduos sólidos. § 7º A servidão de passagem de dutos ou de instalação de outros equipamentos públicos componentes da infra-estrutura básica na área interna do condomínio urbanístico não gerará direito à indenização, se os equipamentos forem destinados a atender o próprio condomínio. § 8º Lei municipal deverá regulamentar a prestação dos serviços de água e esgoto no condomínio urbanístico, garantida a medição individual de água por unidade autônoma. § 9º A medição individual de energia elétrica por unidade autônoma no condomínio urbanístico será regulamentada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). Art. 23. Caberá aos condôminos a manutenção do sistema viário, das áreas destinadas a uso comum dos condôminos e da infra-estrutura complementar interna dos condomínios urbanísticos, a partir do registro da instituição do condomínio no Registro de Imóveis, responsabilizando-se o empreendedor pelos custos relativos às unidades ainda não alienadas. Parágrafo único. A manutenção de que trata o caput deste artigo poderá ser realizada pelo Poder Público ou por seus concessionários, de forma onerosa, mediante prévio contrato celebrado com os condôminos. Art. 24. Admitir-se-á a contratação de parceria público-privada, nos termos da lei, para o cumprimento das exigências previstas neste Capítulo. § 1º Ficará sempre condicionada ao reembolso integral do custo da sua execução, na forma estabelecida no instrumento de parceria público-privada, a transferência para o Poder Público, ou quando for o caso19 para seus concessionários ou permissionários, das obras de sua responsabilidade que tenham sido realizadas pelo empreendedor privado. § 2º No âmbito da parceria prevista no caput deste artigo, deverão ser estabelecidos incentivos específicos para os agentes privados promotores de parcelamento do solo para fins urbanos em zonas especiais de interesse social (ZEIS). Art. 25. Sem prejuízo das obrigações previstas no art. 21 desta lei, a legislação municipal poderá exigir do empreendedor contrapartida conforme o estabelecido nos arts. 28 a 31 da Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001. § 1º A alteração do perímetro urbano de modo a transformar áreas rurais em urbanas, por meio de lei municipal, poderá implicar na exigência de contrapartida, inclusive de natureza ambiental, além das previstas no caput deste artigo; § 2º Além da transferência ao Poder Público municipal de recursos financeiros, a serem aplicados na forma do art. 31 da Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, a contrapartida prevista no caput deste artigo poderá envolver: I – a implantação de equipamento comunitário ou a realização de obra ou serviço de interesse público. II – o pagamento dos emolumentos relativos aos atos de registro necessários à regularização fundiária de interesse social, nos termos do art. 118 desta Lei.
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§ 3º A transferência para o domínio público das áreas destinadas a uso público nos parcelamentos, na conformidade do estabelecido no art. 55 desta Lei, não configura a contrapartida de que trata este artigo. § 4º Lei municipal poderá definir um tratamento diferenciado de cobrança do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU) para as áreas de uso comum em condomínios urbanísticos de interesse social implantados no âmbito de programas promovidos pelo Poder Público e naqueles localizados em zona especial de interesse social (ZEIS).20
CAPÍTULO III DO PROJETO DE PARCELAMENTO E DA LICENÇA URBANÍSTICA E
AMBIENTAL INTEGRADA Seção 1
Da Definição de Diretrizes
Art. 26. Antes da elaboração do projeto de parcelamento, o empreendedor deverá solicitar à autoridade licenciadora que defina, com base no plano diretor e na legislação urbanística municipal, bem como nas normas ambientais, as diretrizes para: I – o uso e a ocupação do solo; II – o traçado do sistema viário; III – a reserva de áreas destinadas a uso público, inclusive quanto à sua localização; IV – a reserva de faixas não-edificáveis; V – as áreas legalmente protegidas. Parágrafo único. A autoridade licenciadora poderá definir, complementarmente, diretrizes relacionadas à forma de implantação das infra-estruturas básica e complementar, exigidas nos termos das alíneas “b” e “c” do inciso II do art. 21 desta Lei. Art. 27. Para a solicitação de diretrizes prevista no art. 26 desta Lei, o empreendedor deverá apresentar à autoridade licenciadora: I – requerimento específico instruído com: a) prova de propriedade do imóvel ou da condição de empreendedor, nos termos do parágrafo único do art. 3º desta Lei; b) certidão atualizada da matrícula do imóvel, expedida pelo Registro de Imóveis competente;21 II – planta do imóvel contendo as informações previstas em legislação municipal. § 1º Não havendo a legislação prevista no inciso II do caput deste artigo, da planta do imóvel deverão constar, no mínimo: I – as divisas do imóvel, com indicação de suas medidas perimetrais e área confrontantes, e das vias lindeiras ao seu perímetro; II – as curvas de nível com espaçamento adequado à finalidade do empreendimento; III – a localização dos cursos d'água, lagos, lagoas, reservatórios e nascentes, das Áreas de Preservação Permanente (APP), de áreas com vegetação arbórea e de construções existentes no imóvel; IV – o tipo de uso predominante a que o parcelamento se destina e uma estimativa do número de unidades habitacionais, no caso de uso residencial. § 2º A planta do imóvel deverá estar preferencialmente georreferenciada. Art. 28. A autoridade licenciadora indeferirá a solicitação de diretrizes, declarando a impossibilidade de implantação do empreendimento, nos casos previstos no art. 7º desta Lei e quando caracterizadas as seguintes situações: I – inadequação do empreendimento ao plano diretor;
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II – situação jurídica do imóvel que possa comprometer a implantação do empreendimento ou prejudicar os adquirentes dos lotes ou unidades autônomas. Art. 29. Deferida a solicitação de diretrizes, a autoridade licenciadora deverá formulá-las, indicando, no mínimo: I – o traçado básico do sistema viário principal, com previsão das vias destinadas à circulação de veículos de transporte coletivo, no caso de loteamento; II – a localização das áreas destinadas a uso público;22 III – a localização das áreas com restrição ao uso e ocupação em função da legislação federal, estadual, distrital ou municipal; IV – as faixas não-edificáveis; V – os usos admissíveis no imóvel, com as respectivas localizações; VI – os requisitos ambientais a serem cumpridos. Parágrafo único. As diretrizes expedidas vigorarão pelo prazo fixado pela autoridade licenciadora, limitado a um mínimo de 1 (um) e um máximo de 2 (dois) anos. Art. 30. Os prazos para a análise da solicitação das diretrizes e da sua formulação pela autoridade licenciadora serão definidos por lei municipal. Parágrafo único. Inexistindo lei municipal que estabeleça os prazos de que trata o caput deste artigo, será fixado o prazo máximo de 90 (noventa) dias, contado da data em que for solicitada pelo empreendedor a formulação das diretrizes. Art. 31. A fase de fixação de diretrizes poderá ser dispensada por lei municipal para parcelamentos de pequeno porte.
Seção 2 Do Conteúdo do Projeto
Art. 32. O projeto de parcelamento deverá ser elaborado com base nas disposições desta Lei e nas diretrizes formuladas pela autoridade licenciadora, sempre considerando: I – a valorização do patrimônio paisagístico, ecológico, turístico, artístico, histórico, cultural, religioso, arqueológico, etnográfico ou espeleológico; II – a previsão da execução das obras necessárias em seqüência que minimize a instauração de processo erosivo e o seu desenvolvimento;23 III – a reposição da camada superficial do solo nas áreas que forem terraplenadas, com plantio de vegetação apropriada, preferencialmente nativa. Art. 33. O projeto de parcelamento incluirá desenhos, memorial descritivo e cronograma físico das obras e serviços. § 1º Os desenhos deverão conter, pelo menos: I – no caso de loteamento: a) o sistema viário com a respectiva hierarquia de vias; b) a divisão das quadras em lotes, com as respectivas dimensões, área e numeração, bem como com a indicação dos usos previstos; c) a indicação das áreas destinadas a uso público; d) a definição das faixas não-edificáveis, das Áreas de Preservação Permanente (APP) e de outras áreas com vegetação a ser preservada, restaurada ou plantada, incluindo o detalhamento das suas respectivas dimensões, área e localização; e) a indicação da localização da infra-estrutura básica e complementar a ser instalada. II – no caso de condomínio urbanístico:
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a) a definição do sistema viário interno, com a respectiva indicação da hierarquia entre as vias; b) a indicação das unidades autônomas, com as respectivas dimensões, área e numeração, bem como dos usos previstos; c) a indicação das áreas destinadas a uso comum dos condôminos e das áreas destinadas a uso público, quando exigidas, localizadas externamente ao perímetro fechado; d) as informações requeridas no inciso I, alíneas “d” e “e”, do § 1º deste artigo.24 III – no caso de desmembramento, a divisão de lotes pretendida, a indicação dos usos previstos e, se houver, a localização dos equipamentos comunitários; IV – no caso de parcelamento integrado à edificação, as informações requeridas nos incisos I, II ou III do § 1º deste artigo, bem como: a) a localização das edificações nos lotes; b) os documentos necessários ao licenciamento das edificações, na forma da legislação municipal; V – no caso de parcelamentos de pequeno porte, a indicação: a) das vias lindeiras à gleba ou ao lote e os parcelamentos contíguos; b) dos usos previstos e sua localização; c) dos lotes ou unidades autônomas, com as respectivas dimensões, área e numeração; d) das faixas não-edificáveis, das Áreas de Preservação Permanente (APP) e de outras áreas com vegetação a ser preservada, restaurada ou plantada, incluindo as respectivas dimensões, área e localização. § 2º Os desenhos deverão estar preferencialmente georreferenciados. § 3º O memorial descritivo deverá conter, pelo menos: I – a indicação da finalidade do parcelamento e dos usos previstos; II – a descrição dos lotes ou unidades autônomas e das áreas destinadas a uso público ou a uso comum dos condôminos, com os elementos necessários à abertura das respectivas matrículas; III – a indicação das áreas a serem transferidas ao domínio do Município, ou do Distrito Federal, quando for o caso;25 IV – a enumeração das obras e serviços previstos para o parcelamento, com a indicação de responsabilidades. § 4º Além do previsto no § 3º deste artigo, o memorial descritivo de condomínio urbanístico deverá conter as condições urbanísticas do empreendimento e as limitações que incidem sobre as unidades autônomas e suas edificações, bem como refletir-se integralmente na convenção de condomínio. § 5º O cronograma físico deverá conter, pelo menos: I – a indicação de todas as obras e serviços a serem executados pelo empreendedor; II – o período e o prazo de execução de cada obra e serviço. § 6º Não se exigirá cronograma físico para parcelamentos de pequeno porte. Art. 34. O projeto, adequado às diretrizes fixadas, deverá ser apresentado à autoridade licenciadora acompanhado: I – da certidão atualizada da matrícula do imóvel; II – da autorização do cônjuge do proprietário e do empreendedor, salvo no caso de terem contraído matrimônio pelo regime de separação de bens e participação final nos aquestos; III – da declaração do proprietário do imóvel dando anuência ao empreendimento e responsabilizando-se, no caso de rescisão de contrato com o empreendedor, pelas obrigações assumidas nos termos do inciso I do parágrafo único do art. 3º desta Lei; IV – da anuência expressa da Secretaria do Patrimônio da União ou do órgão estadual competente, quando o empreendimento for realizado integral ou parcialmente em área, respectivamente, da União ou do Estado;26
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V – da certidão atualizada do registro dos atos constitutivos das entidades referidas no inciso IV do parágrafo único do art. 3º desta Lei; VI – da proposta de instrumento de garantia de execução das obras a cargo do empreendedor; VII – do Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança (EIV), nos casos em que for exigido por lei municipal; VIII – do Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA), nos casos previstos no art. 15 desta Lei. § 1º A proposta do instrumento de garantia de execução das obras a cargo do empreendedor, a ser apresentada na forma do estabelecido no inciso VI do caput deste artigo, poderá ser representado por hipoteca de lotes ou de unidades autônomas do próprio empreendimento, hipoteca de outros imóveis, fiança bancária ou pessoal, depósito ou caução de títulos da dívida pública ou qualquer outra espécie de garantia prevista em lei. § 2º O instrumento de garantia hipotecária de lotes ou de unidades autônomas no próprio empreendimento, previsto no § 1º deste artigo, deverá ser registrado na matrícula dos imóveis dados em garantia. § 3º Desde que exista a concordância da autoridade licenciadora, a garantia poderá ser reduzida na proporção da execução das obras e serviços. Art. 35. Qualquer alteração na situação jurídica do imóvel em processo de licenciamento, nos termos desta Lei, deverá ser comunicada imediatamente à autoridade licenciadora e poderá ensejar a revisão dos atos já efetivados.
Seção 3 Da licença urbanística e ambiental integrada
Art. 36. A implantação de parcelamento do solo para fins urbanos dependerá do atendimento de todas as exigências e condições estabelecidas com base nesta Lei para a aprovação do projeto pela autoridade licenciadora, a ser formalizada pela emissão, em ato único, da licença27 urbanística e ambiental integrada, conforme definido no art. 3º, inciso XXIII, desta Lei. § 1º A licença urbanística e ambiental integrada será emitida pelo Município somente nos casos em que este reúna as condições definidas no art. 3º, inciso XXVI, desta Lei, e em que a autoridade licenciadora disponha de técnicos devidamente habilitados. § 2º Caso não sejam atendidos pelo Município os requisitos estabelecidos no § 1º deste artigo, a competência para a emissão da licença ambiental será do Estado onde se localizará o parcelamento, mantida a competência do Município para a emissão da licença urbanística e observado o disposto no art. 41 desta Lei. § 3º A licença ambiental prevista no § 2º deste artigo considerará as diretrizes urbanísticas formuladas pelo Município, nos termos do art. 26 desta Lei, e deverá ser incorporada à licença integrada a ser emitida pela autoridade licenciadora municipal. § 4º Na motivação da licença urbanística e ambiental integrada emitida pela autoridade municipal licenciadora, serão apresentados e avaliados os impactos urbanísticos e ambientais do empreendimento, bem como explicitadas as respectivas condições e compensações que forem exigidas do empreendedor. Art. 37. Lei municipal definirá o prazo para que um projeto de parcelamento seja rejeitado pela autoridade licenciadora, ou para que seja emitida a respectiva licença urbanística e ambiental integrada. § 1º Nos Municípios em que a legislação for omissa, o prazo máximo para que seja emitida a licença urbanística e ambiental integrada será de 90 (noventa) dias, ressalvado o disposto no § 2º deste artigo.
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§ 2º Em casos de parcelamento de médio ou grande porte, considerando as dificuldades para a realização das avaliações ou estudos técnicos de natureza urbanística ou ambiental necessários à emissão da licença urbanística e ambiental integrada, a autoridade licenciadora, por despacho fundamentado, poderá alterar o prazo estabelecido no § 1º deste artigo para até 180 (cento e oitenta) dias.28 § 3º Os prazos estabelecidos na forma dos §§ 1º e 2º deste artigo serão sempre contados da data do protocolo de encaminhamento do projeto à autoridade licenciadora. § 4º As exigências de complementação oriundas da análise do projeto de parcelamento deverão ser comunicadas pela autoridade licenciadora de uma única vez ao empreendedor, ressalvadas aquelas decorrentes de fatos novos, ou de omissão, culposa ou não, do empreendedor, nos documentos e estudos técnicos que apresentar. § 5º A exigência de complementação de informações, documentos ou estudos feita pela autoridade licenciadora interrompe o prazo de aprovação, que recomeça a fluir após o seu atendimento integral pelo empreendedor. § 6º O decurso dos prazos de que trata este artigo sem a emissão da licença urbanística e ambiental integrada não implicará na sua emissão tácita, nem autorizará o requerente a praticar qualquer ato que dela decorra. Art. 38. Apenas será considerado apto a ser implantado o empreendimento que, nos termos do seu projeto de parcelamento, tenha obtido, respectivamente, a sua licença urbanística e ambiental integrada e, no caso do § 2º do art. 36 e no art. 41 desta Lei, a sua licença ambiental estadual. Art. 39. O projeto aprovado deverá ser executado no prazo constante do cronograma físico de implantação, sob pena de execução do instrumento de garantia previsto no inciso VI do caput do art. 34 desta Lei e da aplicação das medidas estabelecidas no Capítulo VII deste Título. § 1º A critério da autoridade licenciadora, os parcelamentos poderão ser realizados em etapas, à vista do porte do empreendimento, do volume de obras exigido, de situações técnicas desfavoráveis ou, ainda, de situações econômicas justificadas. § 2º No caso do § 1º deste artigo, a licença urbanística e ambiental integrada deverá definir o prazo para a execução de cada uma das etapas do empreendimento.29 § 3º Os prazos referidos no caput e no § 2º deste artigo poderão ser prorrogados, desde que atendidas às condições estabelecidas em lei municipal. Art. 40. As áreas destinadas a uso público indicadas no projeto e no memorial descritivo de parcelamento, uma vez emitida a licença urbanística e ambiental integrada, não poderão ter a sua destinação alterada pelo empreendedor, salvo nas hipóteses de caducidade da licença, de alteração do projeto ou de desistência do empreendedor, devidamente aprovadas pela autoridade licenciadora. Art. 41. Além do disposto no § 2° do art. 36 desta Lei, o Estado onde se localizará o empreendimento emitirá licença ambiental para parcelamentos do solo em áreas: I – maiores ou iguais a 1 (um) milhão de metros quadrados; II – localizadas em mais de um Município; III – cujos impactos ambientais diretos ultrapassem os limites territoriais de um ou mais Municípios, de acordo com a tipificação de impactos supralocais previamente definida por lei estadual ou pelo Conselho Estadual de Meio Ambiente; IV – que abriguem espécies da fauna ou da flora silvestres ameaçadas de extinção, assim declaradas em ato formal pela União ou pelos Estados, em casos em que
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estudo técnico demonstrar que o parcelamento coloca em risco as suas sobrevivências; V – com vegetação secundária em estágio avançado de regeneração do bioma Mata Atlântica, desde que a implantação do parcelamento implique supressão dessa vegetação. Art. 42. Os Conselhos Nacional, Estaduais e Municipais de Meio Ambiente poderão estabelecer diretrizes para o licenciamento ambiental de parcelamento do solo, de acordo com a legislação em vigor.30 Parágrafo único. A inexistência das diretrizes a que se refere o caput deste artigo não obstará a expedição das licenças necessárias pela autoridade licenciadora. Art. 43. A legislação municipal, por meio do plano diretor ou de outra lei própria, poderá estabelecer procedimentos simplificados para a aprovação, o licenciamento urbanístico e a implantação do parcelamento do solo para fins urbanos em zonas especiais de interesse social (ZEIS).
CAPÍTULO IV DA ENTREGA DAS OBRAS E DA LICENÇA FINAL INTEGRADA
Art. 44. Lei municipal definirá o prazo para que as obras do parcelamento executadas pelo empreendedor sejam vistoriadas e recebidas pela autoridade licenciadora, a partir do momento em que for requerida a emissão da licença final integrada. § 1º Após vistoria e avaliação técnica, uma vez atendidas integralmente as exigências e condições urbanísticas e ambientais estabelecidas para o empreendimento, a autoridade receberá as obras realizadas e atestará a regularidade do executado mediante a emissão da licença final integrada. § 2º Nos Municípios cuja legislação for omissa, o prazo máximo para a emissão da licença final integrada pela autoridade licenciadora será de 90 (noventa) dias, contado a partir da data em que for protocolado o respectivo requerimento. § 3º A comunicação pela autoridade licenciadora da existência de vícios ou de irregularidades que devam ser sanados ou corrigidos pelo empreendedor será feita de uma única vez e interromperá a contagem do prazo estabelecido no § 2º deste artigo, de modo a que este volte a fluir, do seu início, apenas a partir do momento em que, em face do atendimento das exigências devidas, for solicitada nova avaliação para emissão da licença final integrada. § 4º O decurso do prazo de 90 (noventa) dias estabelecido no § 2º deste artigo, sem a emissão da licença final integrada ou31 sem a comunicação da existência de vícios ou de irregularidades pela autoridade licenciadora, não implicará em licenciamento tácito do empreendimento, nem eximirá o empreendedor da responsabilidade de sanar e corrigir os vícios e irregularidades existentes para fins da obtenção da licença final integrada. § 5º Nos casos que se enquadram nas disposições dos arts. 36, § 3°, e 41 desta Lei, o Município deverá incorporar a licença ambiental final como condição para a emissão da licença final integrada. Art. 45. Será condição para a emissão da licença final integrada que as quadras, bem como os lotes ou as unidades autônomas do parcelamento, estejam devidamente demarcadas, admitida uma tolerância de 5% (cinco por cento) em relação às medidas lineares previstas no projeto. § 1º Havendo diferenças de medida, mesmo dentro do limite de tolerância, o empreendedor deverá providenciar a devida retificação no Registro de Imóveis, nos
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termos do art. 213 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, sem prejuízo de eventuais conseqüências contratuais. § 2º No caso de a diferença ser superior ao limite de tolerância, a retificação dependerá de anuência da autoridade licenciadora. Art. 46. Quando o parcelamento for realizado em etapas, na conformidade do admitido pelo art. 39, § 1º, desta Lei, as obras e serviços de cada etapa deverão ser objeto de licença final integrada específica. Art. 47. O empreendedor deverá solicitar a averbação da licença final integrada na matrícula em que se acha registrado o parcelamento, no prazo máximo de 15 (quinze) dias da sua expedição. Art. 48. Os órgãos e entidades da Administração Pública direta e indireta municipal, distrital, estadual ou federal, bem como os concessionários ou permissionários de serviços públicos, estarão igualmente subordinados aos prazos e condições estabelecidos no arts. 37 e 44 desta Lei. Art. 49. Desde o registro do seu contrato, os adquirentes de lotes ou unidades autônomas poderão apresentar projetos de construção à autoridade municipal competente, ficando, todavia, condicionada32 a expedição de “habite-se” ou de ato administrativo equivalente, à emissão da licença final integrada.
CAPÍTULO V DO REGISTRO DO PARCELAMENTO
Art. 50. Sob pena de caducidade dos direitos constituídos pela licença urbanística e ambiental integrada, o empreendedor deverá requerer o registro do parcelamento dentro de 180 (cento e oitenta) dias contados da data da sua expedição, apresentando, após regular desentranhamento dos autos em que se processou o licenciamento, os documentos referidos nos incisos I a V do caput do art. 34 desta Lei, bem como os seguintes: I – cópia do projeto aprovado, do qual constem os desenhos, o memorial descritivo e o cronograma físico de execução das obras; II – a licença urbanística e ambiental integrada do parcelamento, e a licença ambiental estadual prevista no § 2º do art. 36 e no art. 41 desta Lei, quando for o caso ; III – as cláusulas padronizadas que regerão os contratos de alienação dos lotes ou unidades autônomas, observadas as disposições da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor); IV – o instrumento de instituição do condomínio urbanístico e a sua respectiva convenção, se for o caso; V – o regimento interno da comissão de representantes; VI – o instrumento de garantia de execução das obras e serviços de responsabilidade do empreendedor, aceito pela autoridade licenciadora; VII – os contratos e outros atos que comprovem a condição de empreendedor na forma do parágrafo único do art. 3º desta Lei; VIII – a certidão de ações penais relativas ao empreendedor, com respeito a crimes contra o patrimônio, a Administração33 Pública, o consumidor, a economia popular, a ordem tributária e econômica, o meio ambiente ou a ordem urbanística, referente aos últimos dez anos. § 1º A existência de eventuais sentenças condenatórias transitadas em julgado contra o empreendedor, relativamente aos delitos referidos no inciso VIII do caput deste artigo, impedirá o registro do parcelamento, observada a reabilitação de que trata o art. 93 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal).
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§ 2º A existência de ações penais condenatórias transitadas em julgado, relativas a crimes de menor potencial ofensivo contra o meio ambiente, não impedirá o registro do parcelamento, desde que seja comprovada a reparação do dano por certidão emitida pelo juízo criminal. § 3º A existência de ações penais relativas aos delitos referidos no inciso VIII do caput deste artigo, desde que não tenham sido objeto de sentença condenatória transitada em julgado, não impedirá o registro do parcelamento, ressalvada a hipótese prevista no art. 52 desta Lei. § 4° A existência de ações civis não impede o regis tro do parcelamento, desde que o empreendedor comprove que estas ações não poderão prejudicar os adquirentes. § 5° A autorização a que se refere o inciso II do a rt. 34 desta Lei não dispensa o consentimento do declarante para os atos de alienação ou promessa de alienação de lotes, ou de direitos a eles relativos, que venham a ser praticados pelo seu cônjuge. Art. 51. Após regular autuação do requerimento, o Oficial do Registro de Imóveis examinará os documentos apresentados pelo empreendedor no prazo máximo de 30 (trinta) dias contado da prenotação, comunicando ao empreendedor, de uma única vez, a existência de eventuais exigências para a efetivação do registro. § 1º Constatada a existência de ações penais ainda nãotransitadas em julgado, na conformidade do disposto no § 3º do art. 50 desta Lei, o Oficial imediatamente cientificará o Ministério Público do ocorrido, para os fins do art. 52 desta Lei.34 § 2º Estando a documentação em ordem, ou atendidas satisfatoriamente as exigências feitas nos termos do caput deste artigo, o Oficial do Registro de Imóveis informará o fato à autoridade licenciadora, providenciando a publicação de edital, que conterá um resumo do pedido de registro do parcelamento e um desenho simplificado da localização do imóvel. § 3º O edital deverá ser publicado por 2 (duas) vezes, dentro do prazo de 30 (trinta) dias, em um jornal de grande circulação local. § 4º No prazo de 15 (quinze) dias contados da última publicação, poderá ser apresentada impugnação do pedido de registro do parcelamento perante o Registro de Imóveis. § 5º Findo o prazo previsto no § 4º deste artigo, sem qualquer impugnação, deverá ser efetuado o registro imobiliário do parcelamento. § 6º Havendo impugnação, o Oficial do Registro de Imóveis dará ciência de seus termos ao empreendedor e encaminhará imediatamente os autos do parcelamento e a respectiva impugnação ao juiz corregedor, perante o qual o empreendedor apresentará defesa no prazo de 15 (quinze) dias. § 7º Na hipótese do § 6º deste artigo, após manifestação do Ministério Público no prazo de 10 (dez) dias, a impugnação deverá ser apreciada pelo juiz corregedor em até 30 (trinta) dias, admitida a interposição de recurso, a ser recebido em ambos os efeitos. § 8º Se do teor da impugnação e da defesa o juiz corregedor concluir que há controvérsia envolvendo direito sobre a propriedade do imóvel, ônus reais ou definição de seus limites, mandará as partes para as vias ordinárias. § 9º Se a controvérsia versar sobre outra matéria e entender o juiz corregedor que há questão a ser resolvida no âmbito jurisdicional, mandará as partes para as vias ordinárias. § 10. Rejeitada a impugnação, os autos deverão ser encaminhados à origem para a efetuação do registro de parcelamento.35 § 11. Registrado o parcelamento, o Oficial do Registro de Imóveis deverá encaminhar à autoridade licenciadora a certidão do registro do parcelamento e das matrículas das áreas públicas existentes. § 12. A prenotação ficará prorrogada até o cumprimento da decisão proferida pelo juiz corregedor.
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§ 13. Nos parcelamentos de pequeno porte, fica dispensada a publicação de editais, desde que o imóvel não tenha sido, anteriormente, objeto de empreendimento beneficiado com a mesma dispensa. Art. 52. Cientificado, na forma do § 1º do art. 51 desta Lei, da existência de ações penais em curso contra o empreendedor, desde que exista sentença condenatória ainda não transitada em julgado e fundado convencimento de que esta será mantida pelas instâncias superiores do Poder Judiciário, uma vez sendo de gravidade inconteste os fatos imputados e exista a real possibilidade de que novos delitos possam vir a ser praticados pelo empreendedor com a obtenção do registro imobiliário requerido, o Ministério Público poderá pedir cautelarmente em juízo a sua sustação, até que seja julgado definitivamente o processo criminal. § 1º Sendo concedida a sustação cautelar do registro, além do Oficial do Registro de Imóveis competente, o juiz que deferir a medida cautelar informará a decisão ao juízo em que tramita a ação penal que a motivou, bem como à autoridade licenciadora e ao empreendedor. § 2º Sendo modificada a sentença condenatória, mesmo que não tenha transitado em julgado a sentença, perderá efeito a medida cautelar concedida. § 3º Havendo confirmação da sentença condenatória, após o seu trânsito em julgado, o requerimento de registro será indeferido com base no § 1º do art. 50 desta Lei. Art. 53. O registro do parcelamento deverá ser feito na matrícula do imóvel, por extrato, e conter, entre outros dados: I – o nome do empreendimento; II – a indicação da licença urbanística e ambiental integrada e da data da sua emissão;36 III – a indicação das áreas, em metros quadrados, destinadas aos lotes ou unidades autônomas, e das áreas destinadas a uso público, a uso comum dos condôminos e, quando for o caso, a indicação das construções a serem edificadas; IV – os nomes dos futuros logradouros públicos que constarem do projeto aprovado; V – as restrições administrativas, convencionais e legais relativas ao parcelamento; VI – o cronograma de execução das obras e serviços; VII – o quadro contendo a identificação de cada lote ou unidade autônoma, com sua quadra, número e o respectivo número de sua matrícula, bem como a identificação das áreas destinadas ao uso público e, quando for o caso, das áreas destinadas ao uso comum dos condôminos. § 1º No registro do parcelamento deverão ser abertas as matrículas correspondentes a cada um dos lotes ou unidades autônomas, cuja descrição deverá conter: I – quanto aos lotes, o seu número e quadra, o nome do logradouro com que faz frente, as medidas perimetrais e área, os lotes confrontantes com os números de suas respectivas matrículas e, quando for o caso, a indicação das construções a serem edificadas; II – quanto às unidades autônomas, o seu número e quadra, as medidas perimetrais e área, a fração ideal da área comum, as unidades confrontantes com o número de suas respectivas matrículas e, quando for o caso, a indicação das construções a serem edificadas. § 2º A descrição dos lotes ou unidades autônomas deverá, preferencialmente, conter a indicação das coordenadas georreferenciadas de seus vértices definidores. § 3º Abertas as matrículas, nelas deverão ser averbadas as áreas mencionadas no art. 33, § 1º, inciso I, alínea “d”, desta Lei.37 § 4º As matrículas das áreas destinadas a uso público serão abertas de ofício, devendo nelas sererm averbadas as respectivas destinações e, se houver, as restrições.
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§ 5º O pagamento das custas e emolumentos referentes à abertura de matrícula de que trata o § 1º deste artigo deverá ser feito quando do registro do contrato de venda e compra de cada lote ou unidade autônoma. Art. 54. Quando o imóvel parcelado estiver situado em mais de uma circunscrição imobiliária, o registro do empreendimento deverá ser requerido simultaneamente em todas elas. § 1º Os Oficiais deverão qualificar o título no âmbito de sua competência, emitindo certidão conjunta acerca de seu resultado. § 2º O registro do empreendimento, na hipótese previstano caput deste artigo, deverá ser efetuado quando alcançada a qualificaçãopositiva do título em todas as circunscrições imobiliárias. § 3º Os emolumentos do registro deverão ser calculados com base na proporção da área do imóvel pertencente a cada uma das circunscrições. § 4º Nenhum lote ou unidade autônoma poderá situar-se em mais de uma circunscrição. § 5º Enquanto não efetuados os registros em todas as circunscrições, o parcelamento será considerado como não registrado para os efeitos desta Lei. Art. 55. Desde a data do registro do parcelamento, as áreas destinadas a uso público constantes do projeto passarão a integrar o domínio do Município, independentemente de qualquer outra formalidade. § 1º O disposto no caput deste artigo aplica-se também aos parcelamentos do solo para fins urbanos efetuados em imóveis de propriedade da União ou do Estado. § 2º Nos imóveis objeto de aforamento, o registro do parcelamento transmitirá ao Município somente o domínio útil das áreas destinadas a uso público.38 Art. 56. Nos títulos apresentados a registro, a identificação do imóvel poderá ser feita mediante menção ao número de sua matrícula, à circunscrição imobiliária a que pertence e ao seu endereço. § 1º Quando a divergência entre a descrição constante do título e aquela da matrícula não gerar dúvida quanto à identidade do imóvel, o registro poderá ser feito mediante requerimento do adquirente para que o ato seja praticado conforme a descrição contida na matrícula. § 2º Quando a divergência decorrer de omissão, imprecisão ou inverdade do registro, deverá ser seguido o disposto no art. 213 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973. § 3º Se comprovadamente o título tiver sido outorgado há mais de 15 (quinze) anos, será suficiente a figuração como outorgante de quaisquer dos proprietários constantes da matrícula. § 4º No caso de o alienante ser pessoa jurídica, transcorrido o prazo decadencial para recolhimento das contribuições sociais previstas em lei, o registro da transmissão da propriedade independerá da apresentação da certidão negativa referente a tais contribuições. Art. 57. Qualquer alteração do parcelamento registrado dependerá da aprovação da autoridade licenciadora e deverá ser averbada no Registro de Imóveis. § 1º Quando houver lotes alienados, a alteração dependerá da anuência dos adquirentes diretamente atingidos pela alteração. § 2º Para os fins do disposto no § 1º deste artigo, todos os adquirentes serão considerados como diretamente atingidos, se a alteração implicar em redução ou
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mudança da destinação das áreas destinadas a uso público ou a uso comum dos condôminos, aumento no número de lotes ou de unidades autônomas, ou ainda alterações nas restrições urbanísticas previstas. § 3º Não se aplicará o disposto no § 2º deste artigo aos casos de alteração da localização das áreas destinadas a uso público ou a uso comum dos condôminos, desde que esta alteração não implique na sua efetiva redução.39 § 4º O requerimento para averbação da alteração deverá ser instruído com o respectivo projeto, devidamente aprovado pela autoridade licenciadora, e com as anuências exigidas nos §§ 1º e 2º deste artigo. Art. 58. O registro do parcelamento só poderá ser cancelado: I – por decisão judicial, ouvida a autoridade licenciadora; II – a requerimento do empreendedor, com anuência da autoridade licenciadora, se não houver lote ou unidade autônoma vendida ou compromissada; III – a requerimento do empreendedor, com anuência de todos os adquirentes de lotes ou unidades autônomas e da autoridade licenciadora; IV – a requerimento da autoridade licenciadora, no caso de parcelamento registrado há mais de 5 (cinco) anos e não implantado. § 1º O registro do parcelamento também poderá ser cancelado para a regularização fundiária de área que já tenha sido objeto de parcelamento anteriormente registrado, desde que não tenha sido executado, ou tenha sido executado em desconformidade com o seu licenciamento. § 2º Em qualquer caso, a autoridade licenciadora somente poderá opor-se ao cancelamento do registro se dele resultar justificado inconveniente para o desenvolvimento urbano ou se já tiver realizado qualquer melhoramento na área parcelada. Art. 59. Nos casos em que o empreendedor não obtiver anuência dos adquirentes para alteração ou cancelamento do registro, deverá notificá-los extrajudicialmente, bem como a comissão de representantes, por meio do Registro de Imóveis ou do Registro de Títulos e Documentos. § 1º O adquirente notificado na forma do caput deste artigo deverá manifestar-se perante o Registro de Imóveis no prazo de 30 (trinta) dias.40 § 2º Na hipótese de os adquirentes notificados não serem encontrados nos endereços disponíveis ou, tendo sido notificados, não apresentarem impugnação no prazo indicado, será considerada incontroversa a alteração do parcelamento ou o cancelamento do registro. Art. 60. Nas hipóteses do art. 57 e do art 58, caput, incisos II a IV, e § 1º, desta Lei, o Oficial do Registro de Imóveis comunicará a apresentação de requerimento de alteração ou o de cancelamento do registro ao Ministério Público, publicará edital com a sua síntese e abrirá prazo de 30 (trinta) dias para a sua respectiva impugnação. § 1º Não havendo impugnação, o Oficial do Registro de Imóveis efetivará a averbação da alteração ou do cancelamento do registro. § 2º Havendo impugnação, o Oficial do Registro de Imóveis dará ciência ao requerente de seus termos e a encaminhará imediatamente ao juiz corregedor, perante o qual o empreendedor apresentará defesa no prazo de 15 (quinze) dias. § 3º Na hipótese do § 2º deste artigo, após manifestação do Ministério Público dentro do prazo de 10 (dez) dias, a impugnação deverá ser apreciada pelo juiz corregedor em até 30 (trinta) dias.
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Art. 61. O desmembramento caracterizado como parcelamento de pequeno porte deverá ser requerido ao Registro de Imóveis pelo empreendedor e instruído com a devida licença urbanística e ambiental integrada, plantas e memoriais descritivos do projeto. Parágrafo único. O procedimento previsto no caput deste artigo somente poderá ser aplicado se o imóvel não tiver sido, anteriormente, objeto de desmembramento de pequeno porte. Art. 62. O Oficial de Registro de Imóveis que efetuar atos registrais em desacordo com as exigências desta Lei ficará sujeito a multa equivalente a 10 (dez) vezes os emolumentos regimentais fixados para o respectivo ato, no valor apurado à época em que for aplicada a penalidade pelo juiz corregedor, sem prejuízo das demais sanções cabíveis, na forma estabelecida em lei.41 Art. 63. Ficará vedado vender ou prometer vender lote ou unidade autônoma de parcelamento do solo para fins urbanos que não tenha sido objeto de registro imobiliário. Art. 64. Aplicar-se-ão ao registro do parcelamento do solo para fins urbanos, de forma suplementar, as disposições da Lei nº 6.015, de 1973.
CAPÍTULO VI DOS CONTRATOS
Art. 65. Nenhum imóvel poderá ser alienado sem antes estar devidamente matriculado no Registro de Imóveis. § 1º Não poderão ser objeto de alienação partes destacadas do imóvel, sem antes ter sido ele devidamente parcelado ou regularizado nos termos desta Lei. § 2º Para a lavratura de qualquer escritura versando sobre direitos reais, o Tabelião de Notas deverá arquivar a certidão atualizada da matrícula do imóvel. § 3º No caso de instrumento particular, a certidão deverá acompanhar o título e dele fazer parte integrante. Art. 66. A alienação de lotes ou unidades autônomas poderá ser contratada por quaisquer das formas previstas em lei, sendo vedada a cláusula de arrependimento nos contratos preliminares, sob pena de considerar-se não escrita, salvo a hipótese prevista no art. 77, § 11, desta Lei. Art. 67. Os contratos, incluindo o preliminar, deverão ser prenotados no Registro de Imóveis no prazo de 180 (cento e oitenta) dias da sua celebração. § 1º Será do empreendedor a obrigação de promover o registro do contrato preliminar, podendo exigir do adquirente o reembolso das despesas, por expressa disposição contratual. § 2º Decorrido o prazo previsto no caput deste artigo, o empreendedor não poderá exigir do adquirente do lote ou unidade autônoma o42 cumprimento de quaisquer das obrigações previstas no contrato antes do seu registro. § 3º O contrato preliminar poderá ser realizado por instrumento particular e, cumpridas as obrigações estipuladas, qualquer das partes poderá exigir a celebração do contrato definitivo. § 4º Na cessão de direitos ou na promessa de cessão feita pelo empreendedor não proprietário, cumpridas as obrigações pelo adquirente, não poderá o proprietário se recusar a outorgar o contrato definitivo de transferência da propriedade.
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§ 5º No caso de contrato preliminar formalizado por instrumento público registrado, a transmissão da propriedade será registrada mediante a apresentação da quitação do preço e do comprovante de pagamento do imposto de transmissão. § 6º Aplicar-se-á o disposto no § 5º deste artigo ao contrato preliminar formalizado por instrumento particular registrado, firmado entre o empreendedor e o primeiro adquirente de lote, desde que relativo a bem de valor igual ou inferior ao previsto no art. 108 do Código Civil, apurado em avaliação fiscal para pagamento do imposto de transmissão. § 7º A prova da quitação será dispensada se já decorrido o prazo de prescrição para a cobrança da última parcela, a contar da data de seu vencimento, desde que apresentada certidão forense comprovando a inexistência de ação de rescisão contratual ou de cobrança em face do promitente comprador. § 8º O disposto no § 6º deste artigo também se aplica aos contratos formalizados por instrumentos particulares antes da vigência desta Lei e levados a registro, desde que apresentada ata notarial que constate a impossibilidade de localização do titular do domínio do imóvel ou sua recusa em outorgar escritura pública de venda e compra. § 9º A cessão e promessa de cessão de direitos decorrentes de compromisso de venda e compra: I – dependerá da comprovação de adimplência do cedente ou promitente cedente;43 II – somente terá validade perante o empreendedor, o cessionário ou o promitente cessionário após o registro. Art. 68. Os contratos de alienação dos lotes ou unidades autônomas serão regidos por disposições específicas a cada contratação e por cláusulas padronizadas. § 1º As disposições específicas, entre outras, deverão conter: I – o nome e a qualificação das partes; II – o número do lote ou unidade autônoma e a quadra, com o respectivo número de sua matrícula; III – o preço, o prazo e a forma de pagamento; IV – a forma de atualização monetária e os juros, se houver. § 2º As cláusulas padronizadas deverão conter, no mínimo: I – a descrição do empreendimento, bem como as restrições administrativas, convencionais e legais; II – o local dos pagamentos; III – a penalidade e os encargos da mora para o empreendedor e o adquirente; IV – a descrição da infra-estrutura a cargo do empreendedor; V – o prazo de entrega do empreendimento; VI – o momento a partir do qual o adquirente assumirá os impostos e os demais encargos incidentes sobre o lote ou unidade autônoma; VII – a solução em caso de divergência quanto às dimensões do lote ou unidade autônoma com aquelas constantes da matrícula;44 VIII – as hipóteses de rescisão e suas conseqüências, no caso de contrato preliminar. § 3º O empreendedor poderá submeter ao Registro de Imóveis mais de um conjunto de cláusulas padronizadas, dependendo da natureza do contrato a ser celebrado. § 4º As alterações introduzidas nas cláusulas padronizadas valerão apenas para os contratos firmados após o seu registro. § 5º Qualquer documento fornecido pelo empreendedor comprovando o recebimento do sinal, ou parte do pagamento, constando a indicação do lote ou unidade autônoma, preço, prazo e forma de pagamento, será considerado como contrato preliminar e regido pelas cláusulas padronizadas, sendo passível de registro, a requerimento do adquirente, como promessa de venda e compra, se o empreendedor for o proprietário, ou promessa de cessão de direitos, caso não o seja. § 6º O contrato deverá fazer menção ao número do registro das cláusulas padronizadas e deverá estar acompanhado de cópia da certidão do seu texto,
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devidamente rubricada pelo adquirente, bem como de um desenho do lote ou unidade autônoma, com todas as suas características, e desenho simplificado de sua localização dentro da quadra. § 7° Ficará vedada a cobrança de valores relacionad os à manutenção do empreendimento a favor do vendedor ou empreendedor. Art. 69. A alienação de imóvel parcelado caracterizar-se- á como uma relação de consumo que, além de submeter-se à Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, sujeita-se às disposições desta lei, observando-se que: I – no caso de divergência quanto aos critérios de reajuste, o adquirente deverá indicar a parte incontroversa e continuar a pagála, no tempo e no modo contratados; II – em qualquer material impresso de divulgação do empreendimento, deverá constar o número da matrícula do parcelamento e o de seu registro;45 III – será vedado ao empreendedor fazer qualquer menção, em material publicitário, de obra de infra-estrutura que não esteja incluída no escopo do seu fornecimento. IV – não cumprida a obrigação, poderá o credor exigir-lhe o cumprimento ou pleitear a rescisão do contrato. Parágrafo único. O não pagamento da parte incontroversa, indicada na forma do inciso I do caput deste artigo implicará em mora do adquirente. Art. 70. Na desapropriação, a imissão na posse, desde que registrada na matrícula do imóvel, constituirá direito real passível de cessão ou de promessa de cessão e, quando outorgado pelo expropriante, mediante termo ou contrato da administração pública, independerá de testemunhas, não se aplicando o disposto no art. 108 do Código Civil. Parágrafo único. O direito real de que trata o caput deste artigo poderá ser dado em garantia nos contratos de financiamentos habitacionais. Art. 71. No caso previsto no art. 3º, parágrafo único, inciso II, desta Lei, será admitida a cessão da posse, por instrumento particular, em que estiverem provisoriamente imitidas a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios, os entes da Administração Indireta e os habilitados a promover a desapropriação, que será, para todos os fins de direito, equiparada à cessão realizada por escritura pública, não se aplicando o disposto no art. 108 do Código Civil. Parágrafo único. Com o pagamento da prévia indenização prevista no art. 5º, inciso XXIV, da Constituição Federal, e o respectivo registro imobiliário da sentença transitada em julgado na ação de desapropriação, a posse referida no caput deste artigo converte-se em propriedade, a caução em hipoteca, a cessão de posse em compromisso ou contrato de venda e compra, ou outra modalidade contratual colimada, conforme haja obrigações a cumprir ou estejam elas cumpridas, circunstâncias que, demonstradas ao Registro de Imóveis, deverão ser averbadas na respectiva matrícula.46 Art. 72. Até a averbação da licença final integrada, todo o empreendimento, ou parte dele, poderá ser transmitido como uma universalidade, mediante ato inter vivos ou por sucessão causa mortis, caso em que o adquirente sucede o transmitente em todos os seus direitos e obrigações, ficando obrigado a respeitar os compromissos de venda e compra ou as promessas de cessão, em todas as suas cláusulas, sendo nula qualquer disposição em contrário, ressalvado o direito do herdeiro ou do legatário de renunciar à herança ou ao legado.
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§ 1º O ato de transmissão deverá ser objeto de registro na matrícula do parcelamento e de averbação em todas as matrículas originadas a partir do parcelamento. § 2º No caso de transmissão do empreendimento por ato inter vivos, o adquirente deverá apresentar as certidões relativas ao seu nome previstas no art. 50, caput, inciso VIII, desta Lei. Art. 73. A sentença declaratória de falência ou de insolvência de qualquer das partes não rescindirá os compromissos de venda e compra ou as promessas de cessão que tenham por objeto o imóvel parcelado, ou lotes ou unidades autônomas resultantes do parcelamento. § 1º Se a falência ou insolvência for do empreendedor, incumbirá ordinariamente ao síndico ou ao administrador dar cumprimento aos referidos contratos. § 2º No caso do § 1º deste artigo, os adquirentes dos lotes ou das unidades autônomas poderão requerer ao juiz que os autorize a gerir o empreendimento por meio da comissão de representantes, caso em que deverão adiantar os recursos necessários à sua continuidade, assegurando-se prioridade na restituição com o produto do empreendimento, sendo o resultado líquido transferido à massa. Art. 74. No caso de falência ou insolvência do adquirente do lote ou unidade autônoma, e não sendo vantajosa para a massa a continuidade do contrato, ou ainda não havendo recursos para o pagamento das prestações, o juiz deverá determinar a imediata venda do imóvel. Parágrafo único. Não sendo possível a venda, poderá o juiz determinar que os direitos do adquirente sejam levados à praça.47 Art. 75. Vencida e não paga a prestação, o contrato será considerado rescindido de pleno direito 30 (trinta) dias após a constituição em mora do adquirente devedor. § 1º Para os fins deste artigo, deverá o empreendedor requerer ao Oficial do Registro de Imóveis a notificação do adquirente devedor para: I – satisfazer as prestações objeto da notificação e as que se vencerem até a data do respectivo pagamento, acrescidas de juros de mora, da multa contratual limitada ao percentual previsto no § 1º do art. 52 da Lei nº 8.078, de 1990, atualização monetária e das despesas de notificação, devendo estes valores constarem expressamente do requerimento e da notificação; II – impugnar o valor, depositando no Registro de Imóveis o montante incontroverso; III – tomar ciência de que a não quitação dos débitos em aberto ensejará a rescisão do contrato e que, neste caso, os valores pagos deverão ser restituídos pelo empreendedor, nos termos do art. 77 desta Lei. § 2º O empreendedor arcará com os custos da notificação referida no § 1º deste artigo, nos casos em que o adquirente possua renda familiar mensal inferior ou igual a 3 (três) salários mínimos mensais, uma única vez durante o período de vigência do contrato, vedado o fracionamento do montante das prestações em atraso, ainda que não consecutivas. § 3º A notificação deverá ser feita pessoalmente, podendo, por solicitação do Oficial do Registro de Imóveis, ser efetivada pelo Registro de Títulos e Documentos da comarca da situação do imóvel ou do domicílio de quem deva recebê-la. § 4º A notificação deverá ser dirigida ao endereço do adquirente constante do Registro de Imóveis ou ao endereço do imóvel objeto do contrato e, caso o adquirente não seja encontrado em nenhum dos dois, poderá, ainda, ser notificado em endereço fornecido pelo empreendedor.48
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§ 5º Se o destinatário recusar-se a dar recibo ou furtar-se ao recebimento, o agente incumbido da diligência deverá informar essa circunstância ao Oficial competente, que a certificará sob sua responsabilidade, sendo considerado notificado o destinatário. § 6º Se for desconhecido o paradeiro do destinatário, a notificação deverá ser feita por edital, publicado uma vez em jornal de grande circulação local ou regional, começando o prazo para pagamento a fluir 10 (dez) dias após a data da publicação. § 7º Purgada a mora, o contrato será mantido na forma pactuada. § 8º Certificada a ausência do pagamento no Registro de Imóveis, o empreendedor poderá requerer o cancelamento do registro do contrato ao Oficial, que o efetivará, em prazo não superior a 15 (quinze) dias, expedindo a respectiva certidão. Art. 76. Se o credor das prestações referidas no art. 75 desta Lei se recusar a recebê-las, ou furtar-se ao seu recebimento, deverá ser constituído em mora mediante notificação do Oficial do Registro de Imóveis para vir receber as importâncias depositadas pelo devedor. § 1º Decorridos 15 (quinze) dias após o recebimento da notificação, considerar-se-á efetuado o pagamento. § 2º Em não comparecendo o credor para receber, a importância será depositada pelo Oficial do Registro de Imóveis em conta bancária especial a favor do credor, remunerada na forma dos depósitos judiciais. Art. 77. Em caso de rescisão contratual por fato exclusivamente imputado ao adquirente, respeitado o disposto no § 12 deste artigo, deverão ser restituídos os valores pagos por ele, com exceção da vantagem econômica auferida com a fruição do imóvel pelo lapso temporal em que este ficou indisponível, contado a partir da emissão da licença final integrada ou da efetiva imissão na posse do imóvel, o que ocorrer por último, respeitado o limite máximo de 0,5% (meio por cento) ao mês do valor do imóvel previsto em contrato, e:49 I – do montante devido por cláusula penal e despesas administrativas, inclusive arras ou sinal, tudo limitado a um desconto máximo de 10% (dez por cento) do valor total das prestações pagas; II – dos juros moratórios relativos às prestações pagas em atraso pelo adquirente; III – dos valores decorrentes do inadimplemento do adquirente relativos ao imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU), contribuições condominiais ou associativas que sejam a estas equiparadas e tarifas vinculadas ao imóvel, bem como de tributos incidentes sobre a restituição, desde que irrecuperáveis ao empreendedor; IV – da corretagem, se tiver sido comprovadamente paga pelo empreendedor, assegurada a oportunidade do adquirente tomar conhecimento prévio de sua existência e de seu respectivo valor. § 1º O valor será devolvido no mesmo número de parcelas pagas pelo adquirente, ou na forma acordada entre as partes, respeitados os índices de correção, os juros e os prazos previstos no contrato, e ressalvadas as seguintes hipóteses: I – a devolução deverá ser efetuada em uma única parcela, caso o valor a ser devolvido represente até 10% (dez por cento) do preço total de venda do lote; II – a devolução deverá ser efetuada em até 12 (doze) parcelas mensais e consecutivas, caso o valor represente até 20% (vinte por cento) do preço total de venda do lote; III – a devolução deverá ser efetuada em até 18 (dezoito) parcelas mensais e consecutivas, caso o valor a ser devolvido represente até 30% (trinta por cento) do preço total de venda do lote. § 2º Para fins da restituição prevista no caput deste artigo, os valores das prestações pagas e dos abatimentos previstos, bem como o valor do imóvel constante do
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contrato, deverão ser atualizados monetariamente, utilizando-se o índice de atualização contratualmente estabelecido.50 § 3º Caso o imóvel seja revendido em número menor de parcelas que aquele do contrato original, a devolução deverá ser feita no prazo mais favorável ao consumidor. § 4º O início da restituição prevista no caput deste artigo deverá ocorrer 5 (cinco) dias úteis após a assinatura, pelas partes, do termo de rescisão contratual, ou por solicitação expressa do adquirente, observado o disposto no art. 75 desta Lei. § 5º Se houver controvérsia, o empreendedor deverá iniciar, no prazo indicado no § 4º deste artigo, a restituição da parte incontroversa. § 6º Caso o empreendedor, injustificadamente, não efetue a devolução ou a protele, o adquirente tem direito a exigi-la de uma única vez. § 7º Em qualquer caso de rescisão por fato imputado exclusivamente ao adquirente, as acessões e benfeitorias por ele levadas a efeito no imóvel deverão ser indenizadas, sendo de nenhum efeito qualquer disposição contratual em contrário. § 8º O pagamento da indenização de que trata o § 7º deste artigo poderá ser realizado a qualquer momento por acordo entre as partes, imediatamente após conclusão de leilão extra-judicial ou por decisão judicial, não podendo ultrapassar o momento da venda do imóvel a terceiro. § 9º Em caso de inadimplência do empreendedor, o ressarcimento deverá ser integral, acrescido de juros e atualização monetária, bem como da cláusula penal prevista contratualmente. § 10. O adquirente terá o direito de obter, junto ao empreendedor, a prestação de contas das despesas a serem descontadas do ressarcimento previsto neste artigo. § 11. Se o adquirente se arrepender da aquisição no prazo de 30 (dias) a contar da assinatura do contrato, terá direito à restituição dos valores pagos, inclusive da comissão de corretagem, sem que haja qualquer direito à retenção de valores pelo empreendedor.51 § 12. Caso o valor a ser restituído pelo empreendedor, mencionado no caput deste artigo, seja fixado em ação judicial, o montante sobre o qual incidirão os abatimentos previstos neste artigo não poderá ser parcelado e deverá ser apurado por meio do cálculo do percentual pago em relação ao preço de venda estabelecido no contrato, aplicado ao valor de mercado do imóvel na data da devolução. § 13. Somente será efetuado registro do contrato de nova venda se for comprovado o início da restituição do valor pago pelo vendedor ao titular do registro cancelado na forma e condições pactuadas no distrato, ficando dispensada tal comprovação nos casos em que o adquirente não for localizado ou não tiver se manifestado, nos termos do art. 75 desta Lei. Art. 78. O registro do compromisso, cessão ou promessa de cessão só poderá ser cancelado: I – por decisão judicial; II – por requerimento das partes contratantes; III – nos casos de rescisão do contrato. Art. 79. A escritura de venda e compra será lavrada no prazo máximo de 30 (trinta) dias após a quitação do contrato preliminar, ressalvado o disposto no § 6º do art. 67 desta Lei. § 1º Se, por inércia do compromissário ou cessionário comprador, não for lavrada a escritura no prazo previsto no caput deste artigo, o empreendedor poderá requerer a averbação do termo de quitação junto ao Registro de Imóveis. § 2º Na hipótese prevista no § 1º deste artigo, o adquirente poderá providenciar a lavratura da escritura de venda e compra, mediante a apresentação de certidão atualizada da matrícula do imóvel ao notário.
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Art. 80. Lavrada a escritura, no prazo máximo de 30 (trinta) dias, o notário, mediante depósito prévio dos emolumentos registrais pelo interessado contratante, a encaminhará para registro.52 Parágrafo único. Será considerada infração disciplinar, punível na conformidade do disposto nos arts. 32 a 36 da Lei nº 8.935, de 21 de novembro de 1994, o desrespeito ao disposto no caput deste artigo. Art. 81. O lançamento de impostos e taxas incidentes sobre o lote ou unidade autônoma será efetuado em relação à pessoa do adquirente, desde que requerido pelo próprio interessado ou pelo empreendedor. Parágrafo único. O requerimento de que trata o caput deste artigo apenas será deferido pelo órgão público competente se for instruído com a certidão atualizada do imóvel expedida pelo Registro de Imóveis. Art. 82. Poderá ser dispensada a escritura pública nos negócios jurídicos translativos de direitos reais sobre imóveis celebrados por pessoas jurídicas de direito público. § 1º Os contratos aperfeiçoados na forma do previsto no caput deste artigo serão lavrados nas entidades públicas interessadas, as quais manterão arquivo cronológico dos seus autógrafos e registro sistemático do seu extrato, aplicando-se a estes, no que couber, o disposto no art. 61 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, inclusive no que diz respeito à necessidade de publicação resumida do seu respectivo instrumento. § 2º Não se aplicarão as restrições do art. 108 do Código Civil à hipótese prevista neste artigo.
CAPÍTULO VII DA INTERVENÇÃO
Art. 83. Sempre que o empreendedor estiver executando o parcelamento em desacordo com o projeto aprovado ou em descumprimento ao seu cronograma físico, a autoridade licenciadora o notificará para que, no prazo e nas condições fixadas, regularize a situação, sem prejuízo da aplicação das devidas sanções administrativas. § 1º Não sendo encontrado o empreendedor ou estando este em lugar incerto e não sabido, a autoridade licenciadora providenciará a53 sua notificação pelo Oficial de Registro de Imóveis, mediante edital publicado em jornal local de grande circulação, por duas vezes, no período de 15 (quinze) dias. § 2º Independentemente da forma pela qual venha a ser consumada a notificação, a autoridade licenciadora dará ciência dos seus termos à comissão de representantes dos adquirentes e ao Ministério Público. Art. 84. Sempre que tomar ciência, de ofício ou por provocação de terceiro, da existência de parcelamento irregular, a autoridade licenciadora tomará as providências cabíveis, na conformidade do estabelecido no art. 83 desta Lei. § 1º Incorrerão em improbidade administrativa os agentes públicos que descumprirem o disposto no caput deste artigo, sem prejuízo de outras sanções cabíveis. § 2º Qualquer pessoa poderá comunicar à autoridade licenciadora e ao Ministério Público a existência de parcelamento irregular para os fins do estabelecido neste artigo.
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Art. 85. Decorrido o prazo estabelecido na notificação de que trata o caput do art. 83 desta Lei sem a necessária regularização do parcelamento, a autoridade licenciadora determinará a intervenção no empreendimento. § 1º A decisão que determinar a intervenção indicará o nome do interventor e será acompanhada de motivação obrigatória, devendo ainda a autoridade licenciadora, de imediato, providenciar a averbação da intervenção na matrícula do imóvel parcelado e comunicar o fato ao Ministério Público. § 2º Estando o empreendimento registrado em mais de um Registro de Imóveis, as averbações deverão ser realizadas em todas as circunscrições competentes. Art. 86. Determinada e averbada a intervenção, na forma do art. 85 desta Lei, os adquirentes serão notificados a imediatamente suspender o pagamento ao empreendedor das prestações contratuais ainda54 remanescentes e a efetuar o seu respectivo depósito junto ao Registro de Imóveis. § 1º A notificação de que trata o caput deste artigo será realizada pelo Registro de Imóveis. § 2º O Registro de Imóveis receberá as quantias encaminhadas pelo adquirente e as depositará em conta de poupança aberta junto a estabelecimento de crédito, respeitado o disposto no art. 666, inciso I, do Código de Processo Civil. § 3º Se as garantias oferecidas pelo empreendedor não forem suficientes, as quantias depositadas na forma do § 2º deste artigo serão utilizadas para o custeio das providências necessárias à regularização do parcelamento ou da execução das obras previstas. Art. 87. Ao interventor serão atribuídos os mesmos poderes de gestão que possui o empreendedor para a execução do parcelamento, sendo a ele ainda facultado levantar os depósitos feitos na forma do § 2º do art. 86 desta Lei, independentemente de prévia autorização judicial, contratar as obras e serviços necessários, alienar os lotes e unidades autônomas disponíveis, bem como executar as garantias oferecidas. Parágrafo único. As quantias auferidas com a alienação dos lotes e unidades autônomas, ou ainda com a execução das garantias, deverão ser depositadas na conta de poupança mencionada no § 2º do art. 86 desta Lei. Art. 88. Durante a intervenção, o empreendedor poderá acompanhar todos os atos do interventor, bem como examinar livros, contas e contratos. Art. 89. O interventor prestará contas de sua gestão, mensalmente, à autoridade licenciadora e à comissão de representantes dos adquirentes, devendo a sua gestão ser pautada pelos mesmos padrões de moralidade e probidade que orientam a atuação dos agentes públicos. § 1º O interventor equiparar-se-á a servidor público no que concerne a seus deveres e responsabilidades, aplicando-se, no que couber, a Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992.55 § 2º O Ministério Público poderá, a qualquer momento, fiscalizar os atos do interventor, bem como examinar livros, contas e contratos. Art. 90. A autoridade licenciadora determinará o fim da intervenção quando o parcelamento estiver em conformidade com o projeto e com os prazos fixados no cronograma físico, desde que seja verificada a capacidade técnica e financeira do empreendedor para reassumir o parcelamento.
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§ 1º Firmada a decisão que encerra a intervenção, a autoridade licenciadora requererá, imediatamente, o cancelamento da averbação realizada na conformidade do disposto nos §§ 1º e 2º do art. 85 desta Lei. § 2º Encerrada a intervenção, o empreendedor assumirá novamente a responsabilidade pela execução do parcelamento, a ele competindo: I – requerer à autoridade judicial autorização para o levantamento do saldo das prestações depositadas, com os respectivos acréscimos; II – notificar os adquirentes dos lotes ou das unidades autônomas, pelo Registro de Imóveis, para que passem a pagar diretamente a ele as prestações restantes, a partir da data em que forem efetivamente notificados. § 3º O deferimento do requerimento referido no inciso I do § 2º deste artigo, pela autoridade judicial, dependerá sempre de prévia manifestação da autoridade licenciadora. Art. 91. A regularização do parcelamento mediante intervenção não obstará a aplicação das devidas sanções penais ou de outras que se impuserem na forma da legislação em vigor, bem como a responsabilização na esfera civil. Art. 92. Aplicar-se-ão também aos parcelamentos executados sem registro, no que couber, as normas relativas a intervenção previstas nesta Lei.56
TÍTULO III DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA SUSTENTÁVEL DE ÁREAS URB ANAS.
CAPÍTULO I DAS DISPOSIÇÕES PRELIMINARES
Art. 93. A política de regularização fundiária sustentável de assentamentos informais urbanos integra a ordem urbanística, visando à efetivação do direito social à moradia e do direito a cidades sustentáveis. § 1º Aos parcelamentos em processo de implantação em desacordo com o projeto aprovado ou com outras irregularidades aplicar-se-ão as regras de intervenção do Capitulo VII do Título II. § 2º As disposições deste Título aplicar-se-ão aos assentamentos informais situados em áreas particulares ou em áreas públicas da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, bem como sobre os assentamentos situados em áreas pertencentes aos entes da administração pública indireta. Art. 94. Além das diretrizes gerais de política urbana estabelecidas na Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, e dos princípios previstos no art. 2º desta Lei, a regularização fundiária sustentável deverá pautar-se pelas seguintes diretrizes: I – ampliação do acesso a terra urbanizada por parte da população de baixa renda; II – prioridade para a permanência da população na área ocupada, assegurados o nível adequado de habitabilidade e a melhoria das condições de sustentabilidade urbanística, social e ambiental da área ocupada; III – observância das determinações do plano diretor; IV – articulação com as políticas setoriais de habitação, saneamento ambiental e mobilidade urbana, nos diferentes níveis de governo; V – controle, fiscalização e repressão, visando a evitar novas ocupações ilegais na área objeto de regularização; VI – articulação com iniciativas públicas e privadas voltadas à integração social e à geração de emprego e renda;57 VII – participação da população interessada, em todas as etapas do processo de regularização;
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VIII – estímulo à resolução extrajudicial de conflitos; IX – preferência de titulação para a mulher. Art. 95. O Poder Público municipal, no plano diretor ou em outra lei municipal apropriada, definirá as condições e os procedimentos para a concepção, formulação e implementação da política municipal de regularização fundiária sustentável, e disciplinará: I – os critérios, as exigências e os procedimentos para a elaboração e a execução dos planos de regularização fundiária, particularizados para os casos de interesse social e de interesse específico; II – os requisitos e os procedimentos simplificados para a aprovação do plano e do licenciamento de regularização fundiária; III – os parâmetros para garantia do livre acesso aos bens de uso comum do povo; IV – os mecanismos de controle social a serem adotados; V – as formas de compensação a serem eventualmente exigidas. Art. 96. A regularização fundiária sustentável efetivada nos termos deste Título não obstará a aplicação das devidas sanções penais ou de outras que se impuserem na forma da legislação em vigor, bem como a responsabilização na esfera civil.
CAPÍTULO II DO PROCEDIMENTO
Art. 97. Além do Poder Público, a iniciativa da regularização fundiária sustentável será facultada aos seus beneficiários, individual ou coletivamente, e ainda: I – às cooperativas habitacionais, associações de moradores ou a outras associações civis; II – ao setor privado, na conformidade do estabelecido pela legislação urbanística municipal;58 III – ao responsável pela implantação do assentamento informal. Art. 98. A regularização fundiária sustentável exigirá a análise dominial da área e a elaboração pelo responsável por sua iniciativa de um plano que, além de outros elementos, deverá indicar e definir: I – as áreas passíveis de consolidação e as parcelas a serem regularizadas ou, quando houver necessidade, relocadas; II – as vias de circulação existentes ou projetadas e, quando possível, as outras áreas destinadas a uso público; III – as medidas necessárias para a garantia da sustentabilidade urbanística, social e ambiental da área ocupada, incluindo as formas de compensação, quando for o caso; IV – as condições para garantia da segurança da população em casos de inundações, erosão e deslizamento de encostas; V – a necessidade de adequação da infra-estrutura básica. § 1º A regularização fundiária sustentável que envolva apenas a regularização jurídica da situação dominial do imóvel dispensará o plano mencionado no caput deste artigo. § 2º A regularização fundiária sustentável poderá ser implementada em etapas, sendo que, neste caso, o plano referido no caput deste artigo poderá abranger apenas a parcela do assentamento informal a ser regularizada em cada etapa respectiva. § 3º O conteúdo do plano de regularização fundiária, no que se refere aos desenhos, ao memorial descritivo e, quando for o caso, ao cronograma de obras e serviços a serem realizados, será definido pela legislação municipal apropriada, na conformidade
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do estabelecido no art. 95 desta Lei, assegurada sempre a indicação e o detalhamento das informações necessárias para o devido registro imobiliário. § 4º Nos Municípios com gestão plena, a ocupação que configure situação irreversível e não se localize em área considerada de risco59 ou protegida, nos termos da legislação ambiental, poderá ser regularizada quadra a quadra. § 5º Para os efeitos do disposto no § 4º deste artigo, considera-se situação irreversível aquela em que o prazo e a natureza da ocupação, bem como as edificações, o sistema viário, a infra-estrutura urbana e os equipamentos comunitários existentes, indiquem grave dano social, reconhecido pelo Poder Público municipal, no caso de eventual reversão da situação possessória já consolidada pelo tempo. § 6º Na regularização fundiária de interesse específico, a regularização quadra a quadra prevista no § 4º deste artigo deverá incluir as formas de compensação referidas no inciso III do caput deste artigo. Art. 99. A implantação da regularização fundiária dependerá da análise e da aprovação do seu plano, bem como da emissão da respectiva licença urbanística e ambiental integrada pela autoridade licenciadora, observado o disposto no inciso II do art. 95 desta Lei. Parágrafo único. Não se exigirá licença urbanística e ambiental integrada da regularização fundiária que envolva apenas a regularização jurídica da situação dominial das áreas ocupadas irregularmente. Art. 100. A regularização jurídica da situação dominial das áreas ocupadas irregularmente poderá ser precedente, concomitante ou superveniente à elaboração ou à implantação do plano de regularização fundiária. Parágrafo único. Nas regularizações fundiárias de interesse social, o fato de não ter sido concluída a regularização jurídica da situação dominial não constitui impedimento à realização de obras de implantação de infra-estrutura básica e de equipamentos comunitários pelo Poder Público. 60
CAPÍTULO III DAS DISPOSIÇÕES ESPECÍFICAS
Seção 1 Da Regularização Fundiária de Interesse Social
Art. 101. Os assentamentos informais objeto de regularização fundiária de interesse social promovida pelo Poder Público deverão integrar zonas especiais de interesse social (ZEIS) definidas no plano diretor ou em outra lei municipal. §1º A regularização fundiária em área inserida em Unidade de Conservação da Natureza ou em sua zona de amortecimento deverá observar as restrições decorrentes da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000. § 2º Não se aplicará o disposto no caput deste artigo aos assentamentos informais em que já tenha se consumado a aquisição do domínio pela ocorrência de prescrição aquisitiva ou a aquisição de direitos reais de uso legalmente constituídos sobre o imóvel. Art. 102. O plano de regularização fundiária de interesse social observará o disposto nesta Lei e na legislação municipal de que trata o art. 95 desta Lei, definirá parâmetros urbanísticos e ambientais específicos, e estabelecerá ainda: I – o tamanho dos lotes ou das unidades autônomas;
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II – o percentual de áreas destinadas a uso público ou a uso comum dos condôminos. § 1º Será admitida a regularização fundiária de interesse social em Áreas de Proteção Permanente (APP), desde que respeitadas às seguintes condições: I – nas margens de cursos d’água e no entorno de lagos, lagoas e reservatórios artificiais de até 50 (cinqüenta) metros de largura, deverá ser respeitada uma faixa mínima de proteção de 15 (quinze) metros; II – nas margens de cursos d’água e no entorno de lagos, lagoas e reservatórios artificiais que possuam mais de 50 (cinqüenta) metros de largura, deverá ser respeitada uma faixa mínima de proteção de 50 (cinqüenta) metros; III – em topos de morros e de montanhas, deverão ser respeitadas as áreas de recarga de aqüíferos;61 IV – em restingas, deverá ser respeitada uma faixa de 150 (cento e cinqüenta) metros a partir da linha de preamar máxima. § 2º Excepcionalmente, por decisão motivada, o órgão ambiental poderá reduzir as restrições dispostas no inciso I e II do § 1º deste artigo, e estabelecer critérios específicos e melhorias ambientais próprias para o plano de regularização fundiária de interesse social, respeitadas as normas e as diretrizes definidas pelo conselho ambiental competente. § 3º Será vedada a regularização de ocupações específicas que, no plano de regularização fundiária de interesse social, sejam identificadas como situadas em áreas sujeitas a inundações, deslizamentos de terra, movimentos de massa rochosa e outras situações de risco. § 4º Quando inseridas em áreas urbanas consolidadas, as iniciativas objeto do plano de regularização fundiária de que trata este artigo, desde que impliquem em melhoria dos padrões de qualidade ambiental, serão consideradas empreendimentos de interesse social para fins da obtenção de autorização para a intervenção ou para a supressão de vegetação em Áreas de Preservação Permanente (APP) ou de proteção de mananciais. § 5º A regularização dos assentamentos informais implantados após a entrada em vigor desta Lei deverá respeitar as Áreas de Preservação Permanente (APP) estabelecidas pela Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, e seus regulamentos, bem como todos os outros requisitos ambientais previstos em legislação federal, estadual, distrital ou municipal. Art. 103. Na regularização fundiária de interesse social caberá ao Poder Público, quando empreendedor, ou a seus concessionários ou permissionários, a implantação: I – do sistema viário; II – da infra-estrutura básica; III – dos equipamentos comunitários definidos no plano. § 1º Os encargos previstos no caput deste artigo poderão ser compartilhados com os beneficiários, a critério da autoridade licenciadora, com base na análise de, pelo menos, dois aspectos:62 I – os investimentos em infra-estrutura e equipamentos comunitários já realizados pelos moradores; II – o poder aquisitivo da população a ser beneficiada. § 2º Regularizado o assentamento, aplicar-se-á, em relação à responsabilidade pela manutenção, o disposto no Capítulo II do Título II desta Lei. § 3º Não se aplicará o disposto no art. 23 desta Lei aos assentamentos objeto de regularização fundiária mediante usucapião especial coletiva para fins de moradia ou concessão de uso especial coletiva para fins de moradia, instituídos na forma de condomínio especial, caso em que a manutenção ficará a cargo do Poder Público ou de seus concessionários ou permissionários.
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Art. 104. Na regularização fundiária de interesse social, a área de uso comum do povo ocupada por assentamentos informais há mais de 5 (cinco) anos poderá ser desafetada pelo uso, mediante certificação do Poder Público municipal. Art. 105. No âmbito de regularização fundiária de interesse social: I – aplicar-se-á a concessão especial para fins de moradia aos terrenos de marinha, sem prejuízo das demais hipóteses de utilização do instrumento; II – a União e os Estados, suas autarquias e fundações, poderão delegar aos Municípios, por convênio, atribuição para outorga de concessão de uso especial para fins de moradia ou de concessão de direito real de uso em áreas de sua titularidade.
Seção 2 Da Regularização Fundiária de Interesse Específico
Art. 106. Os assentamentos informais objeto de regularização fundiária de interesse específico devem observar o art. 7º desta Lei e os requisitos previstos no Capítulo I do Título II, ressalvada a possibilidade de redução, a critério da autoridade licenciadora, do percentual63 estabelecido no art. 11 desta Lei e da área definida no inciso I do art. 10 desta Lei. Parágrafo único. Aplica-se às regularizações de que trata o caput deste artigo o disposto no art. 25 desta Lei. Art. 107. A autoridade licenciadora deverá definir na licença integrada da regularização fundiária de interesse específico as responsabilidades relativas à implantação: I – do sistema viário; II – da infra-estrutura básica; III – dos equipamentos comunitários definidos no plano de regularização fundiária. § 1º A critério da autoridade licenciadora, os encargos previstos no caput deste artigo poderão ser compartilhados com os beneficiários, com base na análise de, pelo menos, dois aspectos: I – os investimentos em infra-estrutura e equipamentos comunitários já realizados pelos moradores; II – o poder aquisitivo da população a ser beneficiada. § 2º Sendo o responsável pela irregularidade identificável, o Poder Público deverá exigir dele as importâncias despendidas para regularizar o parcelamento, podendo, para tanto, promover as medidas necessárias. § 3º Regularizado o assentamento, aplicar-se-á, em relação à responsabilidade pela manutenção, o disposto no Capítulo II do Título II desta Lei.
CAPÍTULO IV DA DEMARCAÇÃO URBANÍSTICA E DA LEGITIMAÇÃO DE POSSE
Art. 108. O Poder Público responsável pela regularização fundiária de interesse social, com base no levantamento da64 situação da área a ser regularizada e no cadastro dos ocupantes, poderá lavrar auto de demarcação urbanística. Parágrafo único. O auto de demarcação urbanística deverá ser instruído com: I – planta e memorial descritivo da área a ser regularizada, dos quais constem a sua descrição, com suas medidas perimetrais, área total, confrontantes, coordenadas preferencialmente georreferenciadas dos vértices definidores de seus limites, bem como seu número de matrícula ou transcrição e proprietário, quando houver;
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II – planta de sobreposição do imóvel demarcado com a situação da área constante do Registro de Imóveis, quando identificada transcrição ou matrícula do imóvel objeto de regularização fundiária; III – cadastro dos ocupantes, do qual conste a natureza, qualidade e tempo da posse exercida, acrescida das dos antecessores, se for o caso; IV – declaração dos ocupantes de não serem possuidores ou proprietários de outro imóvel urbano ou rural; V – certidão da matrícula ou transcrição relativa à área a ser regularizada, emitida pelo Registro de Imóveis da sua situação e das circunscrições imobiliárias anteriormente competentes. Art. 109. Encaminhado o auto de demarcação urbanística ao Registro de Imóveis, o Oficial deverá proceder às buscas para identificação do proprietário da área a ser regularizada e de matrículas ou transcrições que a tenham por objeto. Art. 110. Realizadas as buscas, o Oficial do Registro de Imóveis deverá proceder à notificação pessoal do proprietário da área e a editalícia dos confrontantes, ocupantes e eventuais interessados para que, querendo, apresentem, no prazo de 15 (quinze) dias, impugnação ao registro da demarcação. § 1º Se o proprietário não for localizado nos endereços constantes do Registro de Imóveis ou naqueles fornecidos pelo Poder Público, deverá ser procedida a notificação editalícia do proprietário.65 § 2º Os editais deverão ser publicados, no período de 60 (sessenta) dias, 1 (uma) vez pela imprensa oficial e 2 (duas) vezes em um dos jornais de maior circulação local, constando o prazo de 15 (quinze) dias para impugnação, bem como um desenho simplificado e a descrição da área demarcada. § 3º Decorrido o prazo sem impugnação, a demarcação urbanística deverá ser registrada na matrícula da área a ser regularizada, indicando a origem nas matrículas ou transcrições anteriores, quando houver. § 4º Não havendo matrícula da qual a área seja objeto, esta deverá ser aberta com base na planta e no memorial que instruem o auto de demarcação urbanística. § 5º Havendo impugnação, o Oficial do Registro de Imóveis deverá dar ciência dela ao Poder Público, que terá o prazo de 15 (quinze) dias para se manifestar. § 6º Não havendo acordo entre impugnante e Poder Público, o procedimento deverá ser encaminhado ao juiz corregedor, para decisão em 30 (trinta) dias. § 7º Sendo julgada procedente a impugnação, os autos deverão ser restituídos ao Registro de Imóveis para as anotações necessárias e posterior devolução ao Poder Público. § 8º Julgada improcedente a impugnação, os autos deverão ser encaminhados ao Registro de Imóveis para que o Oficial proceda na forma dos §§ 3° e 4° deste artigo. Art. 111. A partir do registro do auto de demarcação urbanística, o Poder Público deve elaborar plano de regularização fundiária, nos termos do art. 98 desta Lei, a ser licenciado na forma do art. 99 desta Lei, e submetê-lo a registro, na forma do Capítulo V deste Título. Art. 112. A legitimação de posse expedida pelo órgão da administração pública responsável pela regularização fundiária de interesse social, desde que registrada, constituirá direito em favor do detentor da posse direta para fins de moradia, podendo ser dada em garantia real e ser objeto de transferência inter vivos ou causa mortis.66 § 1º A expedição do título de legitimação de posse somente poderá ocorrer a partir da aplicação da demarcação urbanística.
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§ 2º A legitimação de posse não poderá ser procedida em favor daquele que possuir ou for proprietário de outro imóvel urbano ou rural, nem ser outorgada por mais de uma vez ao mesmo beneficiário. § 3º A legitimação de posse somente poderá ser registrada em matrícula de lote ou unidade autônoma. Art. 113. Pelo registro do título de legitimação de posse, o seu detentor constituirá prova antecipada para ação de usucapião. Parágrafo único. Decorridos 5 (cinco) anos do registro do título de legitimação de posse, formalizar-se-á a conversão do direito real de posse em propriedade, por simples requerimento do proprietário neste sentido, apresentado ao Oficial do Registro de Imóveis e instruído com certidões do Distribuidor Cível Estadual e Federal, da qual não constem ações em andamento que versem sobre a posse ou a propriedade do bem.
CAPÍTULO V DO REGISTRO DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA DE INTERESSE SOCIAL
Art. 114. O registro de imóveis realizado no âmbito da regularização fundiária de interesse social em áreas urbanas reger-se-á pelo disposto neste Capítulo, aplicando-se, de maneira suplementar, as disposições constantes do Capitulo V do Título II desta Lei e da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973. Parágrafo único. No caso da regularização fundiária de interesse específico, o registro deverá ser efetivado nos termos do Capitulo V do Título II desta Lei e, de maneira suplementar, da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973. Art. 115. O registro da regularização fundiária de interesse social deverá importar: I – na abertura de matrícula para toda a área objeto de regularização, se não houver;67 II – na abertura de matrícula para cada uma das parcelas resultantes do plano de regularização fundiária. Parágrafo único. Não se aplicará o disposto no inciso II do caput deste artigo à regularização fundiária realizada mediante usucapião especial coletiva para fins de moradia ou concessão de uso especial coletiva para fins de moradia, instituídos na forma de condomínio especial. Art. 116. O responsável pela regularização fundiária deverá requerer seu registro, apresentando os documentos elencados nos incisos I e IV do caput do art. 34 desta Lei, bem como os seguintes: I – os desenhos e documentos exigidos por lei municipal, na forma do § 3º do art. 98 desta Lei; II – licença integrada da regularização fundiária, observado o disposto no parágrafo único do art. 99 desta Lei; III – cláusulas padronizadas que regem os contratos de alienação dos lotes ou das unidades autônomas, se for o caso; IV – instrumento de instituição e convenção de condomínio urbanístico, se for o caso; V – regimento interno da comissão de representantes; VI – instrumento de garantia de execução das obras e serviços a cargo do empreendedor, exigido e aceito pela autoridade licenciadora, no caso de regularização fundiária promovida pelas pessoas físicas ou jurídicas do setor privado;
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VII – no caso das pessoas físicas ou jurídicas relacionadas nos incisos I a III do art. 97 desta Lei, certidão atualizada dos atos constitutivos que demonstrem sua legitimidade para promover a regularização fundiária. Parágrafo único. No caso de regularização fundiária sustentável que envolva apenas a regularização jurídica da situação dominial, exigir-se-ão apenas desenhos e memorial descritivo que identifiquem as parcelas a serem regularizadas e as áreas destinadas a uso público, quando houver, não se aplicando os incisos I a VII do caput deste artigo.68 Art. 117. As matrículas das áreas destinadas a uso público serão abertas de ofício, devendo nelas serem averbadas as respectivas destinações e, se houver, restrições. Art. 118. Os registros da regularização fundiária, do auto de demarcação urbanística e da legitimação de posse, bem como a lavratura de escritura pública e o primeiro registro de direito real constituído em favor de beneficiário de regularização fundiária de interesse social serão realizados independentemente do recolhimento de custas, ficando o pagamento dos emolumentos a cargo do responsável pela regularização fundiária. § 1º Os valores relativos aos emolumentos do registro do primeiro direito real constituído ou da legitimação de posse e os de lavratura de escritura pública referidos no caput deste artigo serão reduzidos em, no mínimo, 20% (vinte por cento) e poderão ser repassados ao beneficiário da regularização fundiária, observada sua capacidade econômica. § 2º Buscando equacionar a gratuidade do valor dos emolumentos referentes aos atos mencionados no caput deste artigo ou negociar a sua forma de pagamento, o responsável pela regularização fundiária poderá celebrar convênio ou termo de parceria com as pessoas físicas ou jurídicas de participação obrigatória ou facultativa no processo de regularização fundiária. § 3º Os registros e a lavratura de escritura pública de que tratam o § 1º deste artigo independerão da comprovação do pagamento de quaisquer tributos, inclusive previdenciários. Art. 119. A averbação das construções residenciais em assentamentos informais objeto de regularização fundiária de interesse social independerá da comprovação do pagamento de quaisquer tributos, inclusive previdenciários. § 1º Para a averbação das construções preexistentes, bastará estarem mencionadas no plano de regularização fundiária ou no título de outorga de direito.69 § 2º A primeira averbação de construção residencial de até 70m² (setenta metros quadrados) de área edificada será feita independentemente do pagamento de custas e emolumentos.
TÍTULO IV DISPOSIÇÕES PENAIS, COMPLEMENTARES E FINAIS
CAPÍTULO I DAS INFRAÇÕES PENAIS, ADMINISTRATIVAS E CIVIS
Art. 120. Dar início, de qualquer modo, ou efetuar parcelamento do solo para fins urbanos, sem licença da autoridade competente, ou em desacordo com as disposições desta Lei ou de outras normas urbanísticas ou ambientais federais, estaduais ou municipais:
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Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, multa e, no caso de o proprietário ser um dos infratores, perdimento do imóvel ilegalmente parcelado, ressalvados os direitos de terceiros de boa-fé. § 1º Incorre nas mesmas penas quem: I – anunciar, vender, prometer vender, ceder direitos, prometer ceder ou manifestar a intenção de alienar imóvel em área rural, por qualquer instrumento público ou particular, mesmo que em forma de reserva, recibo de sinal ou outro documento, em desacordo com a legislação federal que define a área mínima do módulo rural ou em violação das normas urbanísticas ou ambientais federais, estaduais ou municipais; II – anunciar, vender, prometer vender, ceder direitos, prometer ceder ou manifestar a intenção de alienar lote ou unidade autônoma, por qualquer instrumento público ou particular, mesmo que em forma de reserva, recibo de sinal ou outro documento, sem estar o parcelamento para fins urbanos devidamente registrado no Registro de Imóveis competente. § 2º Os crimes definidos neste artigo são qualificados: I – se o parcelamento localizar-se, total ou parcialmente, em área pública ou em espaço territorial especialmente protegido nos termos das normas ambientais federais, estaduais ou municipais; 70 II – se efetivados: a) com inexistência das qualificações exigidas por esta Lei para atuação como empreendedor; b) com omissão fraudulenta, falsa ou enganosa de circunstância relativa ao parcelamento, se o fato não constituir crime mais grave: Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (anos) anos, multa e, no caso de o proprietário ser um dos infratores, perdimento do imóvel ilegalmente parcelado, ressalvados os direitos de terceiros de boa-fé. Art. 121. Registrar parcelamento não licenciado pela autoridade competente, registrar o compromisso de venda e compra, a cessão ou promessa de cessão de direitos, ou efetuar registro de contrato de venda e compra relativo a parcelamento do solo para fins urbanos não registrado: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. Parágrafo único. No caso de Oficial do Registro de Imóveis, além da pena prevista no caput deste artigo, considerar-se-á a conduta infração disciplinar, aplicando-se o disposto nos arts. 32 a 36 da Lei nº 8.935, de 21 de novembro de 1994, e improbidade administrativa, nos termos da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992. Art. 122. Expedir: I – licença integrada sem a observância das disposições desta Lei ou em desacordo com as normas urbanísticas ou ambientais; II – título de legitimação de posse a quem saiba não preencher os requisitos exigidos em lei: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. § 1º Comete também o crime previsto no inciso II do caput deste artigo aquele que, mediante declaração falsa ou outro meio fraudulento ou enganoso, contribui para a expedição indevida do título de legitimação de posse.71 § 2º Sendo o infrator funcionário público, considerar-se-á a conduta infração disciplinar e improbidade administrativa, nos termos Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992. Art. 123. Dar início, de qualquer modo, ou efetuar parcelamento do solo para fins urbanos sem observância das determinações constantes da licença urbanística e ambiental integrada:
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Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. Art. 124. Fazer, ou veicular em proposta, contrato, prospecto, anúncio ou comunicação ao público ou a interessado, informação total ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor sobre o parcelamento do solo: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. § 1º No caso do corretor de imóveis, além da pena prevista no caput deste artigo, considerar-se-á a conduta violação de dever profissional, aplicando-se o disposto no art. 21 da Lei nº 6.530, de 12 de maio de 1978. § 2º Quando a infração prevista no caput deste artigo for praticada por pessoa jurídica que atua na corretagem de imóveis, aplicar-se-á também o disposto no art. 21 da Lei nº 6.530, de 12 de maio de 1978. Art. 125. As penas previstas neste Capítulo deverão ser aumentadas de um a dois terços, quando o parcelamento se der nos locais previstos no art. 7º desta Lei. Art. 126. Sem prejuízo do disposto no art. 125 desta Lei, as penas previstas neste Capítulo deverão ser aumentadas: I – de um terço, se a infração envolver de 100 (cem) a 200 (duzentos) lotes ou unidades autônomas; II – de metade, se a infração envolver de 201 (duzentos e um) a 400 (quatrocentos) lotes ou unidades autônomas; III – de dois terços, se a infração envolver mais de 401 (quatrocentos e um) lotes ou unidades autônomas.72 Art. 127. O imóvel perdido na forma do art. 120, caput e §§ 1º e 2º, desta Lei, passará ao domínio do Município, que procederá à sua regularização fundiária, observadas as normas cabíveis desta Lei. Parágrafo único. Não sendo possível a regularização fundiária, o Município deverá proceder à desconstituição do parcelamento, dando ao imóvel perdido em seu favor uma das seguintes destinações: I – implantação de equipamentos comunitários; II – criação de espaços públicos de lazer e áreas verdes; III – criação de Unidades de Conservação ou de outras áreas de interesse ambiental; IV – proteção de áreas de interesse histórico, cultural ou paisagístico. Art. 128. Sem prejuízo da aplicação de outras sanções cabíveis, o agente público incorrerá em improbidade administrativa, nos termos da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, quando estimular, permitir ou omitir-se em relação a: I – parcelamentos do solo para fins urbanos efetivados em desacordo com as normas urbanísticas ou ambientais federais, estaduais e municipais; II – ocupações informais ou irregulares do solo urbano ou rural. Parágrafo único. Incorrerá igualmente em improbidade administrativa o agente público que deixar de cumprir, injustificadamente, os prazos e outras determinações previstas nesta Lei. Art. 129. A regularização fundiária efetivada nos termos desta Lei, posterior ao parcelamento, ou a celebração de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), não extinguirão, nem afetarão, a punibilidade penal, administrativa e civil.
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Art. 130. A aplicação das sanções previstas neste Capítulo ocorrerão sem prejuízo de outras cabíveis, bem como da obrigação de73 reparar e indenizar, independentemente de existência de culpa, os danos causados à ordem urbanística, ao meio ambiente, aos consumidores, ao patrimônio histórico, paisagístico, turístico, cultural, religioso, arqueológico, etnográfico ou espeleológico, e a terceiros. § 1º No processo civil, qualquer que seja a natureza da decisão condenatória e sem prejuízo do dever de reparar e indenizar eventuais danos causados, o juiz imporá ao réu multa civil, em valor capaz de desestimular nova infração, proporcional ao dano causado. § 2º Além dos critérios de fixação da pena previstos pelo Código Penal, no estabelecimento das penas relativas aos crimes de que trata este Capítulo, o juiz deverá considerar: I – a dimensão da área afetada; II – a importância ambiental, cultural, turística, paisagística ou histórica da área afetada; III – o número de pessoas lesadas. § 3º Os crimes previstos nesta Lei aplicar-se-ão em concurso com aqueles previstos no Código Penal, na Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, e outras leis especiais.
CAPÍTULO II DISPOSIÇÕES COMPLEMENTARES E FINAIS
Art. 131. O uso e a ocupação de imóvel situado fora do perímetro urbano com finalidade diversa da exploração agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativista ou mineral, mesmo que não implique parcelamento do solo, requererá licença urbanística expedida pelo Poder Público municipal, sem prejuízo de outras licenças legalmente exigidas. Art. 132. Aplicar-se-ão ao Distrito Federal todas as competências, atribuições e prerrogativas previstas por esta Lei para os Municípios. Art. 133. Aplicar-se-ão ao parcelamento compulsório previsto no inciso I do § 4º do art. 182 da Constituição Federal todas as normas previstas nesta Lei.74 Art. 134. Os empreendimentos regulados por esta Lei poderão ser constituídos sob regime de patrimônio de afetação, a critério do empreendedor. Art. 135. Os condomínios civis cujos moradores forem proprietários de frações ideais do terreno, mas exercerem posses localizadas, poderão, por decisão de dois terços dos proprietários das frações, transformálas em condomínios urbanísticos, observado o disposto nesta Lei. § 1º Os clubes de campo que, de fato, pelas características de ocupação, sejam parcelamentos do solo para fins urbanos, poderão ser regularizados na forma do caput deste artigo, com a extinção da associação proprietária do terreno e a transferência aos sócios cotistas das frações ideais do terreno. § 2º Os condomínios de que trata este artigo não poderão incorporar como áreas de uso comum dos condôminos os logradouros que já tiverem sido afetados pelo uso público. Art. 136. Nas ações de usucapião de imóveis regularizados nos termos desta Lei, assim como na ação visando à obtenção da concessão de uso especial para fins de moradia, o autor poderá optar pelo procedimento previsto no art. 942, §§ 1º e 2º, da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil).
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Art. 137. A glebas regularmente parceladas para fins urbanos anteriormente a 19 de dezembro de 1979 e que não possuam registro poderão ter sua situação jurídica regularizada, mediante registro do parcelamento, desde que: I – a área possua a infra-estrutura básica prevista nesta Lei; II – todos os lotes originais do parcelamento tenham sido vendidos. Parágrafo único. Para o registro, deverá ser apresentada certificação emitida pelo Poder Público municipal de que a gleba preenche as condições previstas no caput deste artigo e seus incisos, bem como desenhos e documentos com as informações necessárias ao registro. Art. 138. A União, o Estado, o Distrito Federal e o Município poderão desapropriar, por interesse social, áreas urbanas para75 promoção de parcelamentos, inseridos em planos de urbanização, de renovação urbana ou de operações urbanas consorciadas. Art. 139. Nas desapropriações, não serão considerados como parcelados ou parceláveis, para fins de indenização, os lotes ou unidades autônomas ainda não vendidos ou compromissados, objetos de parcelamento não licenciado ou não registrado. Parágrafo único. No valor de indenização, serão descontados os custos em que o Poder Público incorrer para a regularização do parcelamento. Art. 140. O empreendedor, ainda que já tenha vendido todos os lotes ou unidades autônomas, ou os vizinhos, são partes legítimas para promover ação judicial destinada a impedir construção e uso em desacordo com restrições legais ou contratuais, ou promover a demolição da construção desconforme, sem prejuízo das prerrogativas dos legitimados para a propositura da ação civil pública. Art. 141. Se o empreendedor integrar grupo econômico ou financeiro, qualquer pessoa física ou jurídica desse grupo, beneficiária de qualquer forma do parcelamento irregular, será solidariamente responsável pelos prejuízos por ele causados aos adquirentes de lotes ou unidades autônomas e ao Poder Público. § 1º Os proprietários do imóvel objeto de parcelamento não qualificados como empreendedores também serão solidariamente responsáveis, ainda que não tenham anuído com a implantação do parcelamento. § 2º A autoridade judicial poderá decretar a desconsideração da pessoa jurídica e a indisponibilidade dos bens das pessoas referidas no caput e § 1º deste artigo, como medida liminar destinada a garantir a regularização do empreendimento ou o ressarcimento dos danos. Art. 142. As frações ideais obtidas por meio da concessão de uso especial para fins de moradia, da concessão de direito real de uso e da usucapião coletivas poderão ser objeto de garantia real. Art. 143. O foro competente para os procedimentos judiciais previstos nesta lei será sempre o da comarca da situação do imóvel, observado o disposto no art. 107 do Código de Processo Civil.76 Art. 144. Após o prazo de 54 (cinqüenta e quatro) meses da entrada em vigor desta Lei, a aprovação de parcelamentos do solo para fins urbanos em área fechada ou com controle de acesso somente será admitida na forma de condomínio urbanístico.
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§ 1º Considerar-se-á válido o empreendimento que tenha sido licenciado ou implantado na forma de loteamento fechado, com base em lei estadual ou municipal, até a data da entrada em vigor desta Lei, desde que sua implantação tenha respeitado os termos da licença concedida. § 2º O loteamento implantado regularmente e que teve seu perímetro fechado posteriormente à implantação até a data da entrada em vigor desta Lei, com base em lei estadual ou municipal, poderá ser regularizado pelo Poder Público municipal. § 3º O fechamento de perímetro de loteamento realizado sem embasamento em lei estadual ou municipal, até a data da entrada em vigor desta Lei, poderá ser regularizado pelo Poder Público municipal, observado o disposto no caput deste artigo, bem como as condições previstas nesta Lei para a regularização fundiária de interesse específico e as demais exigências legais. § 4º Observadas as disposições desta Lei relativas aos loteamentos, com exceção da restrição ao fechamento do perímetro, durante o período de 54 (cinqüenta e quatro) meses a contar da entrada em vigor desta Lei, admitir-se-á a aprovação pelo Poder Público municipal de novos parcelamentos para fins urbanos na forma de loteamento em área fechada e com controle de acesso, desde que lei estadual ou municipal existente autorize a implantação deste tipo de empreendimento. § 5º Nos casos previstos nos §§ 1º a 4º deste artigo: I – a outorga de permissão ou autorização de uso das vias de circulação e outras áreas destinadas a uso público deverá ser renovada no mínimo a cada 5 (cinco) anos; II – o acesso ao perímetro fechado por não moradores poderá ser controlado, mas não impedido. § 6º No prazo de até 54 (cinqüenta e quatro) meses, os Municípios deverão adaptar suas legislações, de forma a assegurar o cumprimento do disposto no caput deste artigo.77 Art. 145. A Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, passa a vigorar com as seguintes alterações: I – inciso V do art. 4º: “Art. 4º...................................................... V – ............................................................ t) a demarcação urbanística para fins de regularização fundiária; u) a legitimação de posse. (NR)” II – inciso III do art. 12: “Art. 12 ........................................................ “III – como substituto processual, desde que com a autorização expressa dos representados: a) a associação de moradores, regularmente constituída, com personalidade jurídica; b) o Município ou ente público a ele vinculado com atuação na área de desenvolvimento urbano. (NR)” III – art. 35: “Art. 35. .................................................... § 3º O acréscimo e a redução de potencial construtivo derivados da transferência do direito de construir deverão ser, respectivamente, objeto de registro e averbação na matrícula dos respectivos imóveis. (NR)” Art. 146. A Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, passa a vigorar com as seguintes alterações: I – art. 167: “Art. 167. No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos os registros:
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I – das aquisições e das transmissões de bens imóveis, dos direitos reais sobre esses, assim como dos direitos pessoais sobre imóveis registrados que, pela sua natureza, sejam oponíveis a terceiros; II – dos contratos preliminares tendo por objeto direito registrado; III – das alterações do regime jurídico da propriedade decorrentes do parcelamento do solo, da incorporação imobiliária, da instituição de condomínio, da divisão, da atribuição de fração ideal, do Registro Torrens, da instituição de bem de família, ou de outras hipóteses estipuladas em lei;78 IV – das cláusulas padronizadas nos contratos de imóveis parcelados ou incorporados, bem como nos de financiamento imobiliário; V – das convenções antenupciais e dos contratos de regime patrimonial na união estável; VI – das convenções de condomínio; VII – dos contratos de penhor rural, industrial ou comercial e das cédulas de crédito, quando a lei o exigir; VIII – das imissões de posse nas desapropriações, suas cessões ou promessas de cessão; IX – das concessões e autorizações de uso de imóveis públicos ou privados; X – das penhoras, arrestos, seqüestros, medidas judiciais acautelatórias e medidas administrativas previstas em lei; XI – do tombamento, da decretação de utilidade ou necessidade pública ou interesse social e da desafetação do bem público; XII – do acréscimo pela transferência do potencial construtivo e da outorga onerosa do direito de construir; XIII – da regularização fundiária e da notificação do parcelamento, edificação ou utilização compulsórios; XIV – da reserva legal. § 1º Incluir-se-ão entre os direitos pessoais oponíveis a terceiros: I – a posse, quando contratualmente transferida pelo titular do direito real; II – a opção de compra nos contratos de locação e nos de arrendamento residencial ou mercantil; III – a preferência na aquisição; IV – a continuidade da vigência do contrato perante o adquirente. § 2º A alteração da titularidade de direitos registrados decorrente de fusão, incorporação, cisão total ou parcial de sociedades será efetuada por meio de averbação. § 3º A averbação da sub-rogação ou cessão do crédito imobiliário, salvo estipulação diversa, implica na transmissão da garantia pactuada e de todos os direitos e obrigações correspondentes. § 4º Serão objeto de averbação os atos que, de qualquer modo, afetarem os créditos imobiliários objeto de garantias registradas, excetuados os casos de aumento de limite do crédito ou do mútuo,79 quando esses não forem decorrentes do aumento da dívida pela incorporação de correção monetária, juros de mora e outras penalidades constantes do contrato. § 5º As restrições legais, ambientais, administrativas e convencionais ao gozo dos direitos registrados ou à sua disponibilidade serão objeto de averbação. § 6º A notícia do ajuizamento de ações reais, ou pessoais reipersecutórias, ou condenatórias, cujos resultados ou responsabilidade patrimonial possam atingir direitos registrados, após a citação, quando levada ao Registro de Imóveis, será objeto de averbação, podendo os interessados requerer ao juiz da causa o seu cancelamento nos casos de excesso, descabimento, substituição por outro imóvel ou prestação de caução, e, sendo o caso, o reconhecimento de litigância de má fé. § 7° A inscrição, em nome do titular do direito rea l registrado, na dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios ou respectivas autarquias será objeto
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de averbação, mediante requerimento da autoridade competente, quando verificada em procedimento administrativo próprio a inocorrência da hipótese prevista no parágrafo único do art. 185 do Código Tributário Nacional. § 8° Nos negócios jurídicos feitos com a condição r esolutiva ou suspensiva, deverá ser objeto de averbação posterior o implemento ou não da condição. § 9º O registro da imissão de posse nas desapropriações autoriza o expropriante a promover a incorporação, a instituição de condomínio, o parcelamento do solo ou a regularização fundiária. § 10. Para o registro do contrato de locação ou sublocação, bastará a assinatura de qualquer um dos proprietários ou usufrutuários como locador, ou um dos locatários na sublocação. § 11. O direito do devedor fiduciante, caracterizado pela posse direta e pelo aproveitamento econômico do imóvel, é um direito real que se constitui no ato do registro da alienação fiduciária. § 12. Aplicar-se-ão à propriedade residual do imóvel gravado com promessa de compra e venda as mesmas regras dos direitos reais de garantia. § 13. Será objeto de averbação a reaquisição do direito quando da resolução do80 contrato, bem como nos casos de condição resolutiva, retrovenda, reversão da doação, quitação do débito na alienação fiduciária e demais hipóteses previstas em lei. § 14. Os registros das medidas acautelatórias previstas no inciso X do caput deste artigo, bem como as averbações de indisponibilidade e aquelas previstas nos §§ 6° e 7°, perdem a eficácia após 60 (sessenta) meses a co ntar de sua inscrição, ressalvada a prorrogação por igual prazo determinada pela autoridade competente. § 15. Decorrido o prazo de que trata o § 14 deste artigo sem prorrogação, será averbado o cancelamento da inscrição a requerimento do interessado ou de ofício. § 16. O direito de preempção e a redução pela transferência do potencial construtivo serão objeto de averbação. § 17. As hipóteses de registro e averbação relacionadas neste artigo não excluirão outras decorrentes de situações previstas em lei. § 18. Serão considerados atos sem conteúdo econômico exclusivamente os de indisponibilidade, arrolamento fiscal, abertura ou alteração de denominação de vias ou logradouro público, inserção ou alteração de numeração de unidade imobiliária, mudança de denominação de pessoa jurídica, demolição, casamento, alteração de nome por alteração de estado civil, transporte de ônus ou direitos, da rescisão de contratos de venda e compra de imóveis no âmbito do parcelamento do solo para fins urbanos, bem como o ajuizamento de ações reais, pessoais reipersecutórias, condenatórias, cujos resultados ou responsabilidade patrimonial possam atingir direitos registrados, e a inscrição, em nome do titular do direito real registrado, na dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias. (NR)” II – art. 168: “Art. 168. A qualificação dos atos como de registro ou de averbação será feita de acordo com a sua natureza jurídica e de conformidade com o previsto nesta Lei, independentemente da denominação empregada nas leis civis. (NR)” III – art. 172 81 “Art. 172. No Registro de Imóveis serão feitos os registros e averbações de todos os títulos e atos inter vivos ou mortis causa, quer para constituição dos direitos, transmissão e extinção, quer para a sua disponibilidade, quer para sua validade em relação a terceiros, bem como de fatos aos quais se deva dar publicidade, nos termos desta lei. § 1º Presume-se pertencer o direito à pessoa em cujo nome ele se encontra registrado. § 2º Presume-se não pertencer o direito à pessoa se o registro estiver cancelado. § 3º O disposto nos §§ 1º e 2º deste artigo refere-se ao direito que se encontra registrado, não abrangendo os elementos descritivos do imóvel.
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§ 4º Enquanto não registrados o título de transmissão da propriedade ou os direitos a ela relativos, o alienante continua obrigado ao pagamento dos tributos incidentes sobre o imóvel, bem como das despesas condominiais e de outras obrigações propter rem, sendo obrigatória a sua citação nas ações de cobrança. § 5º Quando o contrato, nos termos do art. 104, inciso II, do Código Civil, tratar de objeto a ser determinado, o registro somente poderá ser efetuado após a sua determinação. § 6º Ressalvado o disposto nos arts. 129 e 130 da Lei nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2005, não poderão ser opostos ao terceiro de boa-fé que adquiriu o imóvel a título oneroso fatos ou situações jurídicas não constantes da matrícula. § 7º Uma vez procedidas as averbações de que tratam os §§ 6° e 7° do art. 167 desta Lei, para os fins previstos nos arts. 472 e 593 do Código de Processo Civil, os posteriores adquirentes não serão considerados terceiros de boa fé. § 8° A averbação da existência de ações reais ou pe ssoais reipersecutórias, que tenham como objeto direitos registrados, torna absoluta a presunção de conhecimento por terceiros da litigiosidade da coisa para os efeitos do art. 219 do Código de Processo Civil. § 9° Os imóveis alienados em empreendimentos imobil iários decorrentes de incorporação ou parcelamento do solo, registrados após a apresentação da documentação exigida em lei, não poderão ser objeto de evicção ou de decretação de ineficácia da alienação, ficando subrogados os seus efeitos ao preço ou ao eventual82 crédito imobiliário, sem prejuízo das perdas e danos imputáveis ao incorporador ou parcelador. § 10. Direitos decorrentes do regime matrimonial ou da união estável somente poderão ser opostos a terceiros após a sua averbação na matrícula do imóvel. (NR)” IV – art. 215: “Art. 215. Após a averbação da decretação da falência, o registro da alienação ou oneração dependerá de autorização do juízo da falência. (NR)” V – art. 216: “Art. 216. O registro poderá também ser retificado ou anulado por sentença em processo contencioso, ou por efeito do julgado em ação de anulação ou de declaração de nulidade de ato jurídico. (NR)” VI – art. 222: “Art. 222. Os tabeliães e os juízes exigirão certidão atualizada do imóvel na prática de qualquer ato a ele referente e farão constar o número de sua matrícula ou transcrição nos títulos que emitirem. (NR)” VII – art. 225: “Art. 225. Nos títulos apresentados a registro, a identificação do imóvel poderá ser feita mediante menção ao número de sua matrícula e a circunscrição imobiliária a que pertence, seu endereço ou, se rural, a localização e o nome da propriedade. § 1° O disposto no caput deste artigo aplicarse- á aos instrumentos particulares acompanhados da certidão da matrícula respectiva. § 2° Quando a divergência entre a descrição constan te do título e aquela da matrícula não gerar dúvida quanto à identidade do imóvel, o registro será feito mediante requerimento do adquirente para que o ato seja praticado conforme a descrição contida na matrícula. (NR)” VIII – art. 226: “Art. 226. Tratando-se de usucapião, os requisitos da matrícula deverão constar do mandado judicial, salvo na hipótese do § 1º do art. 942 do83 Código de Processo Civil, quando a sentença declaratória será registrada na própria matrícula do imóvel usucapido. Parágrafo único. No caso de usucapião de parte de um imóvel, o mesmo mandado contendo a descrição da parte usucapida deverá conter, se possível, a descrição do remanescente. (NR)”
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IX – art. 228: “Art. 228. ...................................................... § 1º Nas segregações, divisões, instituições de condomínio e parcelamentos do solo, será obrigatória a abertura da matrícula individualizada de cada imóvel antes de sua alienação ou oneração. § 2º Ocorrerá a segregação quando parte do imóvel for destacada, permanecendo o remanescente na mesma matrícula. (NR)” X – art. 229: “Art. 229. Se o imóvel se encontrar registrado em outra circunscrição, a matrícula será aberta na circunscrição competente com base nos elementos contidos na certidão atualizada daquele registro de imóveis, que ficará arquivada. (NR)” XI – art. 239: “Art. 239. As penhoras, os arrestos, os seqüestros de imóveis ou de direitos reais, as indisponibilidades, a inscrição na dívida ativa do titular do direito real e outras providências acautelatórias judiciais ou administrativas, ainda que decorrentes de ação trabalhista ou execução fiscal, serão registrados ou averbados, independentemente do prévio pagamento de emolumentos e custas, os quais serão devidos pelo interessado no momento de seu cancelamento ou do registro da arrematação ou adjudicação do imóvel, de forma atualizada, sem prejuízo do pagamento dos emolumentos e custas devidos pela prática desses últimos atos. § 1º Os registros e averbações serão feitos em cumprimento de mandado ou determinação administrativa, ou de certidão do escrivão do feito, de que constem, além da identificação do imóvel e seu número de matrícula ou transcrição, os nomes do juiz ou da autoridade competente, do depositário, das partes, a natureza do processo e o valor do crédito, quando for o caso.84 § 2º No caso de ocorrência de irregularidade formal do título ou falta de coincidência da titularidade do direito real com as partes do processo, o Oficial de Registro de Imóveis prenotará o título e informará ao juiz ou à autoridade administrativa as razões da devolução, hipótese em que a validade da prenotação será prorrogada para 180 (cento e oitenta) dias; § 3° O prazo mencionado no § 2° deste artigo poderá ser ainda prorrogado por igual período, pela autoridade competente, em decisão fundamentada. § 4º Na hipótese prevista no § 2º deste artigo, após adotadas pelo interessado as providências necessárias apontadas pelo registrador e, quando for o caso, após a intimação pelo juízo do titular do direito real que não figurava como parte do processo, o juiz decidirá sobre a manutenção ou não da constrição. § 5º Quando da realização da praça ou leilão, além dos editais e intimação dos titulares de direitos reais e dos demais credores com penhoras registradas na matrícula do imóvel, será encaminhada pelo juízo comunicação do fato, por via postal, aos ocupantes do imóvel. § 6º Não poderá ser registrada a arrematação ou a adjudicação sem a comprovação da intimação da praça ou do leilão de todos aqueles que figurem no registro como titulares do direito real ou credores das penhoras registradas. § 7º A indisponibilidade ou constrição anterior não impedirá a alienação forçada do direito real, ficando sub-rogados os direitos dos demais credores ao produto da praça ou do leilão. § 8º Os títulos judiciais poderão, a critério do registrador, ser substituídos por cópias extraídas dos autos. § 9º Para o registro da arrematação ou da adjudicação, serão averbados os cancelamentos das penhoras, arrestos e garantias reais anteriores.”(NR) Art. 147. A Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, passa a vigorar com as seguintes alterações: I – art. 17: “Art. 17. .......................................................85
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VIII – oferecer à penhora área urbana ocupada por terceiros, de forma coletiva, para fins de moradia. (NR)” II – art. 82: “Art. 82. ........................................................ III - nas ações que envolvam litígios coletivos pela posse da terra rural ou urbana e nas demais causas em que há interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte. (NR)” III – art. 690: “Art. 690. ..................................................... § 2º Os moradores de área urbana consolidada utilizada para fins de moradia, objeto de apreensão judicial, terão assegurado, quando não for o caso de usucapião, o direito de preferência sobre os licitantes e os credores para a arrematação da área, pelo preço da avaliação. § 3º No caso previsto no § 2º deste artigo, o preço não incluirá o valor das acessões realizadas pelos moradores e o das obras de infra-estrutura eventualmente realizadas pelo Poder Público. § 4º O credor que arrematar os bens não estará obrigado a exibir o preço, mas se o valor dos bens exceder o seu crédito, depositará, dentro de 3 (três) dias, a diferença, sob pena de desfazer-se a arrematação, caso em que os bens serão levados à praça ou ao leilão à custa do credor. (NR)” IV – art. 942: “Art. 942. ........................................................ § 1º Quando o imóvel estiver matriculado, será facultado ao autor pleitear a usucapião na forma em que se encontra nela descrito e, nesse caso: I – na petição inicial, bastará a indicação da localização do imóvel, o número da matrícula e a circunscrição imobiliária, juntando-se certidão do registro de imóveis expedida a menos de 30 (trinta) dias; II – serão citados somente aqueles que figurarem como proprietários ou titulares de direitos registrados na matrícula; III – não serão apreciadas questões envolvendo demarcação de divisas, podendo o confrontante prejudicado, a qualquer tempo, se valer do procedimento próprio;86 IV – a decisão não fará coisa julgada em face da União, Estado, Município, ou seus órgãos da administração descentralizada; V – transitada em julgado a ação, o imóvel será registrado em nome do autor, assumindo este a responsabilidade por todos os tributos, despesas condominiais e outras obrigações propter rem incidentes sobre o bem. § 2º As ações de usucapião de unidades autônomas em condomínios edilícios ou urbanísticos submeter-se-ão às regras do § 1º deste artigo. (NR)” Art. 148. O Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941, passa a vigorar com as seguintes alterações: I – art. 13-A: “Art. 13-A. A petição inicial deverá conter descrição precisa do imóvel desapropriado com a indicação das coordenadas georreferenciadas dos vértices definidores de seus limites, sob pena de indeferimento e, se a desapropriação for parcial, deverá ser descrito o remanescente do imóvel desapropriado, para fins de posterior averbação e abertura de matrícula no Registro de Imóveis.” II – art. 15: “Art. 15. ...................................................... § 4º A imissão provisória na posse é um direito real sujeito a registro no Registro de Imóveis competente. (NR)” III – art. 29: “Art. 29. A aquisição da propriedade na desapropriação de imóvel ocorrerá:
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I – se houver imissão provisória na posse, quando tornada irreversível a situação pela afetação do bem à finalidade a que se destinou a desapropriação, sendo o título hábil para registro o comprovante da ocorrência desse fato; II – quando não houver imissão de posse, no registro da carta de sentença, a qual será extraída com o trânsito em julgado e após o pagamento da indenização ou expedição do ofício requisitório.(NR)”87 Art. 149. Exclusivamente no que se refere aos limites mínimos das Áreas de Preservação Permanente (APP) ao longo dos corpos de água, ficam convalidadas as licenças municipais ou estaduais outorgadas a parcelamentos do solo para fins urbanos, até a data de entrada em vigor desta Lei, com base na faixa de 15 (quinze) metros prevista no inciso II do art. 4º da Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979. § 1º A partir da data de entrada em vigor desta Lei, devem ser observadas nos parcelamentos do solo em áreas urbanas as faixas de Áreas de Preservação Permanente (APP) ao longo dos corpos de água previstas na Lei nº 4.771, de 15 de setembro, e em seus regulamentos, admitindo-se redução dessas faixas nos casos em que esta Lei explicita essa possibilidade na regularização fundiária sustentável ou nos demais casos previstos nas normas ambientais. § 2º As faixas de Áreas de Preservação Permanente (APP) a serem observadas nos casos de regularização fundiária sustentável observarão os requisitos previstos por esta Lei, pelas normas ambientais específicas que regulam o tema e pela respectiva licença urbanística e ambiental. Art. 150. Os arts. 4º e 9º da Lei nº 4.380, de 21 de agosto de 1964, passam a vigorar com as seguintes alterações: “Art. 4º ................................................... VI – parcelamento de glebas para produção de terrenos urbanizados. (NR)” “Art. 9º Todas as aplicações do sistema terão por objeto, fundamentalmente, a aquisição de: I – edificação para residência do adquirente, sua família e seus dependente; II – terreno urbanizado destinado à construção de edificação para residência do adquirente, sua família e seus dependentes. § 1º ......................................................... § 2º ......................................................... § 3º .......................................................... § 4º Os custos relativos à escrituração e ao registro do imóvel residencial de que trata o caput deste artigo poderão ser incluídos no financiamento.(NR)” Art. 151. O art. 20 da Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990, passa a vigorar com a seguinte alteração:88 “Art. 20. A conta vinculada do trabalhador no FGTS poderá ser movimentada nas seguintes situações: ................................................................... VII – pagamento total ou parcial do preço da aquisição de terreno urbanizado ou de edificação para moradia própria, incluindo os custos relativos à escrituração e ao registro, observadas as seguintes condições: .................................................................. XVII – pagamento dos encargos relativos à implantação de programas de regularização fundiária implementados pelo Poder Público, que lhe forem atribuídos na forma da legislação específica, respeitados os requisitos das alíneas “a” e “b” do inciso VII, deste artigo. (NR)”
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Art. 152. O Capítulo IV da Lei nº 9.492, de 10 de setembro de 1997, passa a vigorar acrescido do seguinte art. 10-A: “Art. 10-A. Tratando-se de condomínios edilícios ou urbanísticos, para a constituição do devedor em mora, a cota condominial inadimplida poderá ser encaminhada a protesto extrajudicial, mediante indicação, sob responsabilidade do síndico ou da administradora e com base em autorização da assembléia geral dos condôminos. Parágrafo único. A indicação a protesto prevista no caput poderá ser efetuada por meio magnético ou de gravação eletrônica de dados, desde que se reproduzam fielmente todas as informações relativas ao débito e se faça referência à autorização da assembléia.” Art. 153. Observadas as disposições específicas desta Lei, aplicar-se-ão às relações jurídicas decorrentes dos parcelamentos do solo para fins urbanos as disposições da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Art. 154. As relações entre os condôminos do condomínio urbanístico regular-se-ão pelas disposições da Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964, e pelo Código Civil Brasileiro. Art. 155. Além dos documentos exigidos nos termos do art. 50, durante o prazo de 1 (um) ano a contar da data de entrada em vigor 89 desta Lei, deverão ser apresentados, pelo empreendedor, para registro do parcelamento do solo para fins urbanos: I - certidões negativas: a) de tributos federais, estaduais e municipais incidentes sobre o imóvel pelo período de 5 (cinco) anos; b) de ações reais referentes ao imóvel, pelo período de 10 (dez) anos; II - certidões: a) dos Cartórios de Protestos de Títulos, em nome do loteador, pelo período de 10 (dez) anos; b) de ações pessoais relativas ao loteador, pelo período de 10 (dez) anos. § 1º A existência de protestos ou de ações pessoais não impedirá o registro do loteamento se o requerente comprovar que esses protestos ou ações não poderão prejudicar os adquirentes dos lotes. § 2º Se o Oficial do Registro de Imóveis julgar insuficiente a comprovação feita, suscitará a dúvida perante o juiz competente. Art. 156. Esta Lei entrará em vigor após decorridos 180 (cento e oitenta) dias de sua publicação oficial. Art. 157. Revogam-se: I – a Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979; II – a Lei nº 10.932, de 3 de agosto de 2004; III – o § 15 do art. 213 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973. 90 JUSTIFICAÇÃO O projeto de lei acima transcreve a última versão do texto elaborado sob a coordenação do Deputado Barbosa Neto como substitutivo ao Projeto de Lei nº 3.057, de 2000, e seus apensos, no âmbito de processo que vai a arquivo devido ao término da legislatura.
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O conteúdo espelha o resultado de intenso trabalho de reflexão e negociação técnica e política, tendo em vista a concepção de uma nova Lei do Parcelamento do Solo Urbano, em substituição à atual Lei nº 6.766, de 1979. Esse trabalho, que teve também como relatores, anteriormente ao Deputado Barbosa Neto, os Deputados João Sampaio e Dr. Evilásio, contou com a participação de representantes de todos os setores interessados no assunto. Foram inúmeras reuniões, ao longo de cinco anos, com a participação do empresariado, dos movimentos populares, do Ministério Público e dos principais órgãos federais que atuam na questão (Ministérios das Cidades, do Meio Ambiente e da Justiça). Sabe-se que alguns aperfeiçoamentos ainda são necessários. Pessoalmente, tenho contribuições que poderiam ser discutidas e, eventualmente, incorporadas à proposta. Optei, no entanto, por transcrever o último texto tornado público pelo então relator do processo, Deputado Barbosa Neto, para que os diferentes atores envolvidos possam, neste ano, retomar os debates exatamente do ponto em que se encontravam ao final de 2006. Minhas contribuições pessoais serão apresentadas ao longo do processo, que ora se reinicia, de elaboração da nova Lei do Parcelamento do Solo Urbano. Se, por um lado ainda existem divergências a serem equacionadas em relação a alguns pontos da proposta, por outro, é consenso que o País precisa do um novo marco legal para regular os inúmeros aspectos associados aos temas parcelamento do solo e regularização fundiária em áreas urbanas. A lei atual, além de se apresentar defasada no que toca à Constituição Federal e a leis como o Estatuto da Cidade e o Código de Defesa do Consumidor, conflita em certos dispositivos com a legislação ambiental e é omissa quanto a aspectos relevantes como a regularização fundiária e os condomínios urbanísticos. As regras que regulam o parcelamento do solo urbano e a regularização fundiária constituem instrumentos essenciais para assegurar 91 que a expansão e a ocupação das áreas urbanas ocorra de forma correta do ponto de vista urbanístico, ambiental e social. O fato de as normas gerais da União sobre o tema estarem defasadas tem contribuído para agravar os casos de ocupações irregulares e os complexos problemas daí decorrentes. Essa situação não pode ser perpetuada. O Poder Legislativo tem o dever de oferecer ao País uma resposta a essa questão, aprovando uma nova Lei do Parcelamento do Solo Urbano, com um conteúdo amplo e consistente, capaz de disciplinar de forma eficaz os inúmeros aspectos associados ao tema. Espera-se que esta proposição venha a contribuir para alavancar, de imediato, o processo de construção dessa nova lei. Sala das Sessões, em de de 2007. Deputado FERNANDO CHUCRE 2007_99_Fernando Chucre_999