Direito Internacional Público

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DIREITO INTERNACIONAL PBLICO I A SOCIEDADE INTERNACIONAL E AS RELAES INTERNACIONAIS 1. A sociedade internacional A sociedade internacional consubstancia-se no ambiente em que se desenvolvem as relaes internacionais e, conseqentemente, onde se vislumbra o desenvolvimento do Direito Internacional Pblico. A pluralidade de sujeitos aliada s relaes sociais inerentes potencializa o surgimento de conflitos intersubjetivos, capazes, por si s, de despertar a necessidade de condutas prescritas com o intuito de preservar o bem estar da comunidade internacional. Deve-se destacar que a sociedade internacional, ao contrrio do que sucede com as comunidades nacionais organizadas sob a forma de Estados, revela-se ainda hoje descentralizada e o ser, provavelmente, por muito tempo adiante da nossa poca. Essa sociedade internacional necessita de uma ordem que regule todos os tipos de relaes entre as pessoas, como tais, e na convivncia delas com o meio. No se entende uma sociedade sem um ordenamento jurdico, sem um regulamento que oriente as relaes mtuas entre seus membros. Tais regras na sociedade internacional vo ser encontradas no Direito Internacional. As relaes internacionais, por sua vez, estabelecem-se em diversos campos, quais sejam, poltico, militar, econmico, da cincia, da tcnica, da cultura e do turismo, entre outros. 2. Sociedade internacional e comunidade internacional Tendo em linha de conta que no despicienda a identificao entre sociedade e comunidade, afigura-se essencial questionar se o Direito Internacional se pode apresentar como o Direito da comunidade internacional, o que se constitui como assaz controvertido. A extrema heterogeneidade dos Estados espalhados pelo mundo assume-se como aparentemente incompatvel com a existncia de uma comunidade internacional considerada como comunidade universal, porquanto as diferenas de raa, de cultura, de civilizao separam os povos em vez de uni-los. Ademais, somos levados a admitir que ainda no se possa afirmar a prevalncia de um esprito comunitrio na vida internacional, porque os conflitos ideolgicos ou meramente polticos entre Estados persistem enquanto fatores de diviso. Por outro lado, o desequilbrio crescente dos nveis de desenvolvimento alarga o fosso entre pases ricos e pases pobres, tanto que a expresso Terceiro Mundo demonstra bem essa clivagem no plano mundial. Com efeito, a comunidade e o esprito dela emanante implicam uma forma de vida em que no h dominao, existe cumplicidade, a agregao entre membros espontnea e a convivncia se torna harmnica e participativa. Um vnculo comunitrio s poderia nascer de relaes entre Estados que apresentassem analogias suficientemente profundas para favorecerem a ecloso deste elemento subjetivo - de ndole familiar, cultural e emocional-, tido como necessrio.

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A sociedade tem a sua formao noutra direo: a vontade impele as pessoas a se associarem e sempre com um objetivo, tendo em vista determinada finalidade. No obstante, diversos documentos no campo do Direito Internacional, como resolues da Organizao das Naes Unidas e jurisprudncias de vrios pases reportam-se a uma comunidade internacional. Na verdade, as diferenas entre os povos no excluem o elemento subjetivo necessrio que provm da vontade dos Estados de viverem em comum, apesar daquilo que os separa. A este ttulo, importa ainda dar nfase ao reforo de outras convices comuns: a identidade geral das concepes morais, o sentimento geral de justia, a aspirao geral paz, a interdependncia econmica, a necessidade universalmente reconhecida da luta contra o subdesenvolvimento. Sociedade e comunidade inserem-se no rol, expressivo na cincia jurdica, de conceitos em que a impreciso suscita diferentes abordagens. Sociedade internacional constitui-se por indivduos, que se integram em Estados, empregando-se a expresso ora como o conjunto de uns, ora de outros. Comunidade internacional seria formada pelos Estados, apreciados sob a tica de segmentos iguais no aspecto jurdico e engajados na consecuo de objetivos comuns. No sculo passado, iniciaram-se os primeiros passos numa longa caminhada em direo consolidao da comunidade universal dos seres humanos, como atestam blocos regionais, constituindo-se como paradigma a Unio Europia. O Mercosul apresenta-se tambm como relevante no que diz respeito ao embrio da to almejada comunidade internacional, muito embora ainda no tenha atingido os elevados objetivos a que se encontra adstrito. 3. Caractersticas da sociedade internacional A sociedade internacional tem apresentado caractersticas prprias em diferentes fases da histria. Em face da sua amplitude e diferenas culturais, tnicas, geogrficas e religiosas das populaes integrantes, a sociedade internacional tem muito de heterogeneidade na sua homogeneidade. Alis, os desentendimentos no impedem a sua continuidade e perenidade, prevalecendo a inata disposio gregria. Vista como sociedade, ela universal (abrange todas as pessoas), paritria (igualdade jurdica), interestatal (na sua composio), aberta (ingresso sem necessidade de aceitao pelos demais membros), descentralizada, conta com relativa soberania dos sujeitos, no possui organizao institucional e tem direito prprio. As peculiaridades do ambiente internacional clssico apresentam caractersticas prprias e distintas daquelas que se observam no Direito nacional, conforme ser dissecado seguidamente. 3.1. Inexistncia de autoridade superior O Estado soberano, por natureza, sobre a sua atuao jurisdicional no cabe imposio normativa, no havendo lugar no Direito Internacional clssico para a imposio de regras. A soberania estatal a garantia de que apenas o consentimento do prprio Estado pode ter o condo de criar, para si, um vnculo obrigacional regido pelo DireitoDireito Internacional Pblico Prof. Daniel Martins Vaz

das Gentes. Desta forma, no h lugar para a presena de um ente superior capaz de impor tais normas unilateralmente. 3.2. Organizao horizontal dos Estados Em decorrncia da inexistncia de autoridade superior, sobrevm a premissa de que todos os Estados so juridicamente iguais, podendo atuar em paridade no cenrio internacional, segundo os seus desgnios particulares. Ademais, toda a expresso de vontade suscetvel de engendrar uma nova norma de Direito Internacional deve ser sempre realizada de forma personalssima pelo prprio Estado. 3.3. Normas jurdicas internacionais dependentes de consentimento Somente as normas consentidas se tornam obrigatrias, por isso, considerando que num primeiro momento no existe uma norma de natureza cogente, a sua formao depender sempre da expresso personalssima do consentimento para que a norma internacional se faa vlida e eficaz. 3.4. Inexistncia de hierarquia entre as normas de Direito Internacional No obstante o que sustentam alguns doutrinadores sobre a existncia de hierarquia entre as normas de Direito nacional, no Direito das Gentes as normas devem estar sempre posicionadas no mesmo plano hierrquico. Procura-se evitar que um eventual escalonamento normativo viesse a mitigar o princpio da horizontalidade e igualdade entre os diversos Estados. 3.5. Vigncia do princpio de no-interveno Em sentido poltico, deve-se comear por frisar que o consentimento, enquanto pilar do Direito Internacional, deve ser sempre expresso de maneira autnoma e independente. O sistema jurdico ideal pressupe que perante as interaes nacionais, as decises vinculantes sero sempre tomadas pelos Estados, sem a interferncia da vontade de outro sujeito de Direito Internacional. O que ocorre sob pena de se realizar um consentimento viciado, que traria prejuzos graves para o ordenamento e para a segurana jurdica da sociedade global. 3.6. Estgio intermedirio entre sociedade natural e sociedade de direito A evoluo da sociedade internacional no se apresenta adiantada em termos comparativos com a evoluo da sociedade interna, porquanto as suas caractersticas de anarquia e descentralizao fazem com que ainda se esteja direcionando para a direo de uma sociedade democrtica de Direito, o que ainda levar algum tempo at se concretizar. 3.7. Relao entre sociedade nacional e sociedade internacional Pressupe-se uma relao Estado versus indivduo subordinao (sociedade nacional) e uma relao Estado versus Estado coordenao (sociedade internacional). Enquanto que na sociedade nacional o Estado atua como autoridade superior capaz deDireito Internacional Pblico Prof. Daniel Martins Vaz

atuar jurisdicionalmente de maneira cogente em relao aos indivduos, na sociedade internacional os Estados interagem segundo a dinmica do princpio da horizontalidade. No Direito interno, o Estado subordina a vontade privada por meio do ordenamento jurdico, enquanto no Direito Internacional o ordenamento construdo com base nas manifestaes de vontades coordenadas entre os diversos atores que interagem nas relaes internacionais. 3.8. Precariedade do sistema de sanes O aspecto cogente do Direito reside no fato de existirem previses objetivas para a aplicao de sanes, no entanto em virtude das diferenas reais entre os diversos Estados, a sano, muitas vezes, revela-se ineficiente no mbito da sociedade internacional. Tal circunstancialismo est indelevelmente conotado com a falta de autoridade provida de fora. 3.9. Falta de autoridade central provida de fora A inexistncia de uma autoridade superior legitimamente reconhecida na sociedade internacional acarreta que as sanes sejam aplicadas de forma heterognea por no haver, em tal ambiente, uma estrutura organizada para a finalidade de punio especfica daqueles ilcitos decorrentes da sistemtica jurdica internacional. 4. Ordem jurdica da sociedade internacional Constituindo-se a sociedade internacional como descentralizada, levando em conta a ausncia de um poder monopolizador com fora de coero, insere-se numa estrutura jurdica em que a coordenao o trao caracterstico, ao invs das ordens jurdicas estatais estruturadas em direito de subordinao. Destarte, a sociedade internacional conta com uma ordem jurdica que se vai consolidando, apesar de ainda apresentar limites ao nvel da sano e da fora coercitiva, consubstanciando-se nos costumes e ganhando fora nos tratados. Afigura-se lamentvel que as limitaes desse ordenamento jurdico levem amide aos inconformados extremos da guerra, que se constitui como a negao do prprio Direito. Os bices em torno do estabelecimento de um sistema jurdico eficaz para a sociedade internacional residem na necessidade de composio de opostos, como buscar a paz, quando a tecnologia de destruio se intensifica, e coordenar a fora, quando ela glorificada. Este corpo jurdico necessita operar uma efetiva e satisfatria regulao para os seus sujeitos e, por outro lado, configurar-se como imperativo, seguro, previsvel, justo e que no transite por caminhos que no menosprezem a dignidade e a soberania dos Estados. A pressuposio de que h um ordenamento jurdico na sociedade internacional assume-se como dotada de verossimilhana, sendo o mesmo constitudo por normas especficas, concertadas entre os seus membros, tais como tratados de diferentes formas e contedos, buscando a vivncia pacfica e convergente entre eles.

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5. As relaes internacionais As relaes internacionais tm como objeto especfico de seu conhecimento ocupar-se efetivamente com a relao dos Estados entre si, com o estudo das sociedades internacionais como um todo, seus organismos e instituies prprias, caracterizando-se por sua tendncia sociopoltica e mtodo interdisciplinar, enquanto o Direito Internacional detm, sua natureza eminentemente jurdica. Pode-se afirmar que as relaes internacionais esto para o Direito Internacional como as relaes individuais esto para o Direito em geral. Ademais, as relaes internacionais constituem-se em um campo de estudo prprio, interacionado com o Direito Internacional, mas sem vinculao concreta. Os indcios daquilo que hoje entendemos por relaes internacionais reportamse a uma poca histrica de h mais de cinco mil anos, em registros na Mesopotmia e, sculos depois, na Grcia e em Roma, no perodo anterior ao surgimento do Cristianismo. No sculo Xi, as cruzadas fomentaram o florescimento dessas relaes, com o intercmbio entre o Ocidente e o Oriente, sendo de salientar que os fatores religiosos sempre exerceram importante papel nesse quadro, com a disposio cada vez maior de evangelizao, que desloca o pregador, diversas vezes, para regies distantes e inspitas. O comrcio apresenta-se como outro fator a ter em considerao o comrcio, visto que a necessidade de adquirir as mercadorias e de vender as que se produz acaba por conduzir a um salutar intercmbio propiciador de relaes com outros povos. Alm disso, regras costumeiras surgiram visando facilitar as trocas e proteger os seus agentes, os comerciantes e os produtos negociados. Por seu turno, as descobertas martimas, a partir da ltima dcada do sculo XV impulsionaram as relaes internacionais ampliadas, seguidamente, com o aumento em nmero dos Estados independentes e a necessidade de regulao das relaes entre si. A Paz de Vestflia de 1648 deu importante incentivo s relaes internacionais, constituindo-se como o seu ponto de partida na era moderna. Outros referenciais nessa caminhada so o Tratado de Utrecht de 1713 e o Congresso de Viena de 1815, este ltimo com a proclamao da livre-navegao dos rios internacionais, a proscrio do trfico de escravos e a neutrlidade permanente dos Estados. At ao sculo XIX as relaes internacionais foram interdinsticas, com o advento dos Estados-naes tornaram-se interestataias e, na atualidade, tm sofrido a influncia da opinio pblica sobre os governantes. A instituio da Sociedade das Naes, em 1919 e da Organizao das Naes Unidas que a substituiu- , em 1945intensificaram as relaes internacionais, porquanto essas entidades foram criadas com a finalidade de propiciar o entendimento entre Estados, na busca da paz, da harmonia e bem-estar entre todos os seres humanos. Na contemporaneidade, inmeros fatores explicam e influenciam as relaes internacionais, como os geogrficos, demogrficos, ideolgicos, humanitrios, econmicos, culturais, espirituais e jurdicos. Com efeito, as relaes internacionais incidem sobre os mais diversificados setores poltico, econmico, empresarial, cientfico, cultural, desportivo, sindical eDireito Internacional Pblico Prof. Daniel Martins Vaz

militar- com diversos atores, com destaque para os Estados pelo papel primacial que desempenham. Os Estados promovem e desenvolvem relaes entre si, so eles que criam e suportam as organizaes internacionais pblicas e so eles que permitem que no seu interior sejam exercidas atividades por empresas ou firmas pertencentes a outros Estados. O curso de Relaes Internacionais tem vindo a granjear destaque enquanto campo de investigao novo e distinto do das outras cincias polticas e sociais, estando-lhe reservado papel fundamental junto sociedade mundial. As relaes internacionais tm vindo a ensejar o conhecimento e a pesquisa de disciplinas com elas interligadas, como Economia Poltica, Sociologia, Comrcio Exterior, Histria da Diplomacia, Geografia Poltica, Psicologia das Relaes Internacionais, Direito dos Transportes, Direito da Integrao, Direito Comunitrio, Direito Comparado, Direito Internacional Privado e Direito Internacional Pblico. Tendo em linha de conta que as relaes internacionais podem ser predominantemente pacficas ou conflituosas importa considerar em que mbito se inserem e quais os seus desdobramentos. Relaes pacficas ou amistosas podem ser de reciprocidade relaes consulares, diplomticas clssicas e diplomticas ad hoc-, de cooperao e coordenao poltica, econmica, militar, social e humanitria e cientfica, cultural e tcnica- e de integrao numa federao ou numa organizao supranacional. As relaes conflituosas constituem-se como aquelas que compreendem desacordos econmicos-, diferendos polticos-, litgios diplomticos- e guerras militares. A solidariedade entre os povos, ideal almejado nas relaes internacionais, ainda se encontra distante, como facilmente se depreende do contexto internacional contemporneo, no qual o econmico prevalece sobre o poltico e social. II DEFINIO, CLASSIFICAO, FUNDAMENTAO E DENOMINAO 1. Base conceitual e importncia Em primeiro lugar deve-se frisar que o Direito Internacional Pblico se assume como um Direito de coordenao, por conseguinte, distinto do grande segmento interno do mundo jurdico que se configura como um Direito de subordinao. O Direito Internacional de abrangncia universal, visando regular as relaes entre todos os Estados. Direito Internacional Pblico ou Direito das Gentes- pode ser definido como o conjunto de princpios ou regras destinados a reger os direitos e deveres internacionais, tanto dos Estados, Organizaes Internacionais ou outros organismos anlogos, quanto dos indivduos. No que concerne importncia do Direito Internacional, duas proposies revelam-na de forma inequvoca: -O Direito Internacional Pblico visa alcanar o bem comum da sociedade internacional;

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-A sua relevncia cresce proporcionalmente ao aumento da complexidade das relaes internacionais. Vale ressaltar que o seu campo de ao cada vez mais importante na regulao da sociedade internacional, com o que se pode entender que suas noes, definio ou conceituao tendem a acompanhar a evoluo da disciplina e do meio social em que est engajada e qual lhe cabe ditar as normas de ordenao jurdica. 2. Diviso e classificao O Direito Internacional Pblico pode ser dividido em: -Direito Internacional terico, natural ou racional (funda-se na razo humana e abrange os princpios de justia e equidade que devem orientar as interaes resultantes da sociedade internacional); -Direito Internacional positivo ou prtico (produzido pelo acordo de vontades dos sujeitos de Direito Internacional ou dos fatos jurdicos consagrados por uma prtica constante associada percepo de obrigatoriedade inerente). 3. O Direito Internacional e figuras afins Para uma caracterizao rigorosa do Direito Internacional, torna-se necessrio demarcar a fronteira que o separa de figuras afins. A doutrina tem afirmado a afinidade do Direito Internacional com ordens normativas jurdicas e no jurdicas. Dentro das primeiras destacam-se o Direito Comparado e o Direito Internacional Privado. Entre as segundas salientam-se a Moral Internacional, a Cortesia Internacional e a Poltica Internacional. Comeando pelas primeiras, no oferece qualquer dvida a distino entre o Direito Internacional e o Direito Comparado. Desde logo, porque acima de tudo no denominado Direito Comparado opera-se o mtodo comparativo no estudo do Direito, mtodo esse que aplicado ou a diversas Ordens Jurdicas Estaduais, vista cada uma delas no seu conjunto, ou a ramos especficos do Direito, ou a concretos institutos jurdicos. Direito Internacional Privado apresenta-se como o sistema de normas que em dada ordem jurdica regulam as questes privadas internacionais, atravs da remisso para uma das Ordens Jurdicas locais com que as questes esto conexas. Trata-se, assim, de um Direito interno, de remisso. Portanto, Direito Internacional Pblico e Direito Internacional Privado no so espcies do mesmo gnero, mas termos de duas classificaes diferentes: no Direito Internacional Pblico o que internacional o processo de produo jurdica, o que nada nos diz sobre o objeto da norma; no Direito Internacional Privado o que internacional o objeto da norma (a regulamentao da questo privada internacional), o que nada nos diz sobre o seu processo de produo. Daqui resulta claramente que o Direito Internacional Privado, do ponto de vista das fontes formais, no internacional, mas interno. E tambm no Direito substantivo, porque, pelo menos predominantemente, no disciplina diretamente relaes jurdicas substantivas, j que consiste num conjunto de regras de conflitos que decidem qual a Ordem Jurdica que dever ser aplicada relao substantiva

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controvertida. , pois, essencialmente um Direito adjetivo ou formal, um Direito de remisso. Portanto, no sendo o Direito Internacional Privado espcie do mesmo gnero do Direito Internacional Pblico, torna-se desnecessria a qualificao de pblico atribuda nas lnguas latinas disciplina. Por tudo isso, basta a referncia a Direito Internacional, designao suficiente para exprimir o objeto da disciplina. No que diz respeito s ordens normativas no jurdicas que tambm vigoram na sociedade internacional, um trao de fundo distingue-as, desde logo, do Direito Internacional, desde que se admita a juridicidade deste ramo de Direito: a ausncia de coercibilidade nas normas pertencentes quelas ordens normativas por oposio coercibilidade do Direito Internacional. No que toca Moral Internacional, a sua distino em relao ao Direito Internacional coloca-se, pois, nos mesmos termos que a distino geral entre a norma jurdica e a norma moral, qualquer que seja a posio filosfica que se adote quanto Moral ou Moral Social. Isso no significa que princpios morais no possam ser chamados a enriquecer a Ordem Jurdica Internacional, como o caso dos princpios de lealdade, da boa f, da justia, da moderao, da proporcionalidade, da proibio de excesso, do respeito mtuo, do dever de assistncia, da solidariedade, da humanidade nos conflitos armados, etc. O problema coloca-se nos mesmos moldes quanto s regras de cortesia vigentes na esfera internacional, tradicionalmente designadas por Comitas Gentium. O problema da distino entre a regra jurdica e a da cortesia tambm no apresenta aqui especificidade. O que sucede que no plano prtico e poltico a observncia destas regras ainda mais essencial vida social internacional do que interna, pois tero de, em larga medida, suprir os inconvenientes da escassa estruturao jurdica da sociedade internacional. A coercibilidade do Direito Internacional suficiente para tambm o distinguir desde logo, e claramente, da Poltica Internacional. Mas a distino no acaba a e pode e deve ser aprofundada. certo que as duas ordens mantm estreitas relaes entre si, ainda assim, h que definir com nitidez a fronteira que as separa at porque muitos autores reduzem Poltica toda a normatividade internacional. A Poltica fornece a medida do possvel em dado momento e em determinadas circunstncias, ou seja, faculta regras para a ao num dado contexto temporal e espacial. Apresenta-se-nos, por isso, simultaneamente como cincia poltica do poder e arte do governo e, nessa qualidade, propicia aos governantes de uma comunidade poltica a adoo dos meiuos necessrios em cada momento para a definio e a prossecuo do Bem Comum. Isto quer dizer que a Poltica, por definio, se encontra em mutao constante, por forma a adequar-se, em cada instante, s exigncias da comunidade que serve. De modo diferente, o Direito oferece estabilidade, certeza e segurana, e formula regras que, com respeito pela justia, disciplinem a vida no grupo social a que se destina, regras essas que respondem s opes feitas pela Poltica. Onde a Poltica improvisao o Direito previso.

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Devido ainda fraca estruturao interna e pouco densa elaborao dogmtica do Direito Internacional, e ao fato de ele continuar predominantemente a assentar na soberania individual dos Estados, o Direito Internacional encontra-se fortemente condicionado pela Poltica, ainda mais do que o Direito interno. E, na medida em que a Poltica Internacional no pode deixar de refletir as relaes de poder na sociedade internacional, no admira que os grandes Estados cultivem muito mais, at do ponto de vista didtico, a Poltica Internacional, enquanto que os pequenos Estados s tm vantagem em pautar permanentemente a sua conduta pelo Direito Internacional para poderem beneficiar da certeza e da segurana que s ele (e no a Poltica Internacional) lhes pode proporcionar. 4. Fundamentos do Direito Internacional O Direito Internacional Pblico constitui-se como um ramo especial, sui generis, das cincias jurdicas, no estando albergado pela Ordem Jurdica Interna, fugindo, assim, dos tentculos coercitivos do Direito estatal Quem descumpre uma norma interna encontra-se ao alcance de sanes, podendo ser apanhado pelo rgo policial e submetido justia, sendo impotente para eximir-se da pena que lhe venha a ser imposta, mediante processo competente, enquanto o infrator da norma internacional no tem sobre si o peso de uma polcia ou a possibilidade de ser coagido por uma corte judicial internacional. Em termos de fundamentos do Direito Internacional, podem-se indicar, embora de forma no exaustiva, os seguintes: -Estados Soberanos; -Autodeterminao; -Busca de organizao da sociedade internacional; -Consentimento: criativo e perceptivo; -Pacta Sunt Servanda. Com efeito, o Direito Internacional repousa sobre um fundamento objetivo, ou seja, sobre o sentimento de justia que existe na conscincia humana, que se impe aos homens como regra normativa superior sua vontade. Sentimento de justia que adquirido pelo Homem graas sua razo. O Direito Internacional assim concebido no depende, portanto, da vontade arbitrria dos Estados, tem um fundamento objetivo, que a lei natural, comum a todos os homens. 5. A questo terminolgica A disciplina em apreo aparece nos manuais, obras temticas, artigos acadmicos e estruturas curriculares com uma destas denominaes: Direito Internacional Pblico, Direito Internacional ou Direito das Gentes. Em consonncia com o que foi referenciado anteriormente, a denominao mais apropriada Direito Internacional, que foi dada por Jeremias Bentham em 1789, no livro que o autor intitulou como International Law. Tendo sido adotada nos demais idiomas, padece de crtica quanto ao fato de no se tratar de uma cincia jurdica entre naes, mas entre Estados, devendo-se chamar de acordo com alguns doutrinadores Direito Interestatal.Direito Internacional Pblico Prof. Daniel Martins Vaz

No obstante, a impropriedade apresenta-se apenas como semntica, j que o termo em ingls tem um significado prprio, distinto do que possui em portugus e em outras lnguas latinas, como o francs e o espanhol. Essa crtica deveria estender-se a outras palavras que tm a mesma origem e identificam institutos de nossa cincia, como nacionalidade, que deveria ser estatalidade, Organizao das Naes Unidas, que seria ento Organizao dos Estados Unidos, etc. Na atualidade est consolidada a expresso Direito Internacional Pblico, tendo esta ltima palavra sido acrescentada para distinguir a matria do Direito Internacional Privado, embora tal seja desnecessrio pelos motivos expostos anteriormente, mas est consagrada nos pases latinos. Alis, nos pases de lngua inglesa o Direito Internacional Privado identificado por Conflito de Leis, por isso mesmo nesses pases abdica-se do termo Pblico, utilizando-se simplesmente Direito Internacional. No que tange denominao Direito das Gentes, a sua utilizao habitual, embora a traduo literal do latim Jus Gentium, proveniente do Direito Romano com conceituao prpria e adstrita ao contexto jurdico em que se inseria- no coincida com a moderna identificao da matria. 6. Autonomia A existncia do Direito Internacional Pblico tem sido sujeita a mnimas discordncias entre os estudiosos da temtica, revelando-se sintomtico que os prprios Estados no recorram ao argumento da inexistncia dessa rea jurdica, ao invs, buscando dentro dela as justificativas para as suas aes. No obstante, diversos juristas ainda proclamam e afirmam a inexistncia do Direito Internacional Pblico, baseando-se no prprio Direito. A maior reclamao dos negativistas do Direito Internacional Pblico a falta de leis, de tribunais, de rgos legislativos prprios, todavia no levam em considerao que o Direito no deve a sua existncia lei, alm de j existirem organizaes e cortes internacionais. No que se refere autonomia do Direito Internacional, poucas crticas tm-se feito sentir, considerando que no grande segmento externo do mundo jurdico, em princpio no se encontra outra rea com sujeitos, objetivos e carcatersticas que se lhe oponham, contrariamente ao Direito Interno to amplo, com interdependncias e novos pontos convergentes a cada tempo. 7. Relao com o Direito Interno O Direito Internacional para pressupe a existncia de determinados fatores que os doutrinadores denominam de bases sociolgicas, que podem ser assim sintetizadas: -Pluralidade de Estados Soberanos (devem existir vrios Estados soberanos, porque o Direito Internacional que regula as relaes entre eles. Ressalve-se, entretanto, que um Estado soberano dentro de suas fronteiras, mas fora delas todos os Estados se equivalem); -Comrcio Internacional (havendo comrcio entre vrios Estados so necessrias normas que regulem as relaes existentes);

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-Princpios jurdicos coincidentes (comuns aos Estados, como pacta sunt servanda, porquanto se no existirem valores comuns, no poder existir o Direito Internacional). Tal problemtica insere-se no mbito da possibilidade de conflito entre uma norma internacional e uma norma interna. Importa saber quando isto ocorre, qual das duas normas vai prevalecer. Destarte, algumas constituies tm contemplado as relaes entre o Direito Internacional e o Direito Interno, por conseguinte notrio que tm vindo a sofrer um processo de internacionalizao. Acerca da problemtica em apreo, apresentam-se as seguintes correntes: -Dualismo; -Monismo com primazia do direito Interno; - Monismo com primazia do Direito Internacional. A doutrina dualista considera o Direito Internacional e o Direito Interno como sistemas jurdicos distintos e independentes. O primeiro estudo sistemtico da matria foi feito por Heinrich Triepel criador da doutrina dualista-, em 1899, que partiu do princpio que no existe possvel conflito entre essas duas normas, declarando a sua independncia e dizendo no existir entre elas nenhuma rea comum, por isso que lhes possvel apresentarem-se como tangentes, mas nunca como secantes. A Teoria de Triepel baseia-se nas diferenas entre as duas normas, interna e internacional, que importa apresentar. O jurista italiano Dionsio Anzilotti seguiu esta teoria. A primeira diferena consiste no fato de na ordem internacional o Estado ser o nico sujeito de Direito, enquanto na ordem interna, deve-se acrescentar tambm o indivduo como sujeito de direito. A segunda diferena refere-se s fontes nas duas ordens jurdicas, pois enquanto o Direito Interno o resultado da vontade de um s Estado, o Direito Internacional tem como fonte a vontade coletiva dos Estados. A terceira diferena radica-se na estrutura das duas ordens jurdicas. Enquanto na ordem internacional a estrutura est baseada na coordenao, na ordem interna baseia-se na subordinao. Com efeito, esta concepo conduz-nos intitulada teoria de incorporao, isto , para que uma norma internacional seja aplicada no mbito do Estado, necessrio que se faa primeiro sua "transformao" em direito interno, incorporando-a em seu sistema jurdico. Por serem independentes, no h possibilidade de conflito entre as duas ordens jurdicas.

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Outrossim, o Direito Internacional no vai atingir diretamente a ordem jurdica interna, sobretudo, na medida em que passa a ser uma norma interna, pode ser mudada por outra norma interna. A Teoria Dualista passvel de uma srie de crticas, tal como o fato de negar a condio da personalidade internacional do indivduo, na medida em que s a aceita na ordem interna. Entretanto, o Homem tambm sujeito internacional, considerando que tem direitos e deveres outorgados diretamente pela ordem internacional. Por outro lado, questiona-se o fato de sendo duas ordens independentes, como pode o Estado aparecer nas duas. Outra crtica reconduz-se circunstncia de o Direito no ser produto da vontade nem de um Estado, nem de vrios Estados. Alis, o voluntarioso insuficiente para explicar a obrigatoriedade do costume internacional. Kelsen observou que coordenar subordinar a uma terceira ordem. Assim, a diferena entre as duas normas no de natureza, mas de estrutura, ou seja, uma simples "diferena de grau". Por seu turno, Triepel ensinava serem ordens independentes, que nada tm em comum, contudo, os tratados no podem ficar pairando na ordem internacional, pois tm de ser aplicados na ordem interna. A doutrina monista, por sua vez, entende haver uma unidade, formando o Direito Internacional e o Direito Interno um conjunto de regras jurdicas, integradas em um amplo sistema normativo. Segundo Alfred Verdross, h um monismo radical (toda a norma estatal contrria ao Direito Internacional nula), que no sustentvel, a exemplo da teoria dualista que parece esquecer que a obrigatoriedade de uma lei oposta ao Direito Interno s o para efeitos internos e provisria. A conseqncia disso que o Direito estatal s se pode mover com inteira liberdade dentro dos limites fixados pelo Direito Internacional. Vale ainda salientar que a possibilidade de conflitos entre as normas interna e externa deve ser sempre reconhecida, assim como a advertncia de que tais conflitos no tm carter definitivo e encontram soluo na unidade do sistema. Verdross denomina essa teoria de monismo moderado e que tem primazia do Direito Internacional porque mantm a distino entre o Direito Internacional e o Direito estatal, porm enfatiza, simultaneamente, a sua conexo dentro de um sistema jurdico unitrio baseado na constituio da comunidade jurdica internacional. A violao de uma norma jurdica internacional por norma interna provoca a responsabilidade internacional do Estado. O Monismo com Primazia do Direito Interno parte do princpio que os Estados so absolutamente soberanos. No esto sujeitos a nenhum sistema jurdico que no tenha emanado de sua prpria vontade. Sendo os Estados absolutamente soberanos s se vo submeter s normas internacionais, porque os prprios Estados autolimitam essa soberania para acatar a norma jurdica internacional, de acordo com a teoria da autolimitao.

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A teoria da autolimitao tem recebido inmeras crticas, constituindo-se como a mais importante delas o fato de negar a existncia do prprio Direito Internacional como um Direito autnomo, independente, reduzindo-o a um simples direito estatal. Pode ser tambm classificada como pseudomonista, pois na verdade ela pluralista, tendo em vista a existncia de vrias ordens internas. Importa ainda ressaltar que se a validade dos tratados internacionais repousasse nas normas constitucionais que estabelecem o seu modo de concluso, toda a modificao na ordem constitucional por um processo revolucionrio deveria acarretar a caducidade de todos os tratados concludos na vigncia do regime anterior. Todavia, isso no ocorre, porque em nome da continuidade e permanncia do Estado ele ainda obrigado a cumprir os tratados concludos no regime anterior.Tal explicado dessa forma porque um tratado no pode ser inovado se o Direito Interno muda. O tratado feito pelo Estado e no pelo Governo, pois este muda. Acerca do Monismo com Primazia do Direito Internacional, deve-se destacar que foi desenvolvido principalmente na Escola de Viena (Kelsen, Verdross, Kunz, etc.). De acordo com Kelsen, toda a cincia jurdica tem por objeto a norma jurdica, enquanto tal, ao formular a sua teoria enunciou a clebre pirmide de normas. Concluiu que as normas devem ter sua hierarquia, assim uma norma tem a sua origem e tira sua obrigatoriedade da norma que lhe imediatamente superior. No vrtice da pirmide estava a norma fundamental, a norma base ("Grundnorm"), que era uma hiptese e cada jurista poderia escolher qual seria ela. Inicialmente, Kelsen no se definiu, ensejando a teoria da livre escolha. Posteriormente, influenciado por Verdross, Kelsen elegeu a norma costumeira pacta sunt servanda como norma do Direito Internacional. Trata-se da norma fundamental do Direito Internacional, um princpio ordenador da Ordem jurdica Internacional. Para Kelsen, nenhuma outra norma pode modificar a pacta sunt servanda, no admitindo aqui o conflito entre as duas normas jurdicas. Numa terceira fase, Kelsen continuou a eleger a pacta sunt servanda como norma base, contudo j admitiu o conflito, com primazia da norma internacional. Configura-se como j referenciado monismo moderado, que substituiu o monismo radical de Kelsen na sua fase anterior. A principal crtica dirigida a esta teoria que ela no corresponde Histria, que nos ensina ser o Estado anterior ao Direito Internacional, conquanto os monistas afirmem que a sua teoria "lgica" e no histrica, pois negar a superioridade do Direito Internacional negar a sua existncia, uma vez que os Estados seriam soberanos absolutos e no estariam subordinados a qualquer ordem jurdica que lhes fosse superior. Muito embora seja o Estado sujeito de Direito Interno e de Direito Internacional, trata-se da mesma pessoa e, nessa medida, no se pode conceber que esteja submetido a duas ordens jurdicas em rota de coliso. O Direito, na sua essncia, configura-se como um s e a Ordem Internacional acarreta a responsabilidade do Estado, quando ele viola

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um dos seus princpios e o Estado aceita esta responsabilidade, Por essa razo que ocorre a primazia do Direito Internacional sobre o Direito Interno. De qualquer forma, mais importante do que identificar uma posio como monista ou dualista, devem-se analisar os problemas concretos de relao entre o Direito Internacional e os direitos internos luz das solues tambm concretas que os diferentes ordenamentos jurdicos tm dado, sobretudo na hiptese de conflito entre normas internas e normas internacionais vinculantes para um Estado. A despeito da importncia de harmonizao entre as ordens jurdicas internas, via constituies estatais e o ordenamento internacional, muitos pases continuam a privilegiar suas normas sobre as regras internacionais, o que ocorre no Brasil. Assim, um tratado necessita passar, nesses casos, por um processo de incorporao ao ordenamento do Estado, de internalizao, com participao em alguns casos- dos trs poderes, ou pelo menos, do Legislativo e do Executivo. Em conformidade com parte da doutrina, a ordem jurdica brasileira assume-se como monista com primazia do direito interno, contudo seria prefervel dar prevalncia norma internacional, numa tica de monismo moderado. A tese de Verdross a tese mais empregada nos ordenamentos jurdicos nos tempos atuais, preponderando na maioria dos Estados. Essa Teoria, majoritria, a que maior segurana oferece s relaes internacionais, tendo em vista a garantia de que ela ser cumprida. A Teoria Monista com Primazia do Direito Internacional foi eleita por vrias constituies, tais como a espanhola, a alem, a holandesa, a francesa (esta, sob a reserva de reciprocidade com a outra entidade), entre outras. 8. A codificao do Direito Internacional Os postulados que regulam as relaes entre os Estados, na sua grande maioria, procedem dos usos e costumes, ou esto apenas neles baseados. Em decorrncia dessa pouca formalidade, fortalece-se a importncia da codificao. Apesar dos escolhos e das dificuldades em torno da codificao de todo o Direito Internacional, vem-se tentando lograr obter tal desiderato. Com efeito, atravs de Congressos e Conferncias, mormente, realizados em cidades emblemticas por sua histria e tradio voltadas ao esprito de neutralidade, como Viena, Genebra, Haia, Paris, So Jos da Costa Rica, Berna e Montreal, muitas reas do Direito Internacional encontram-se j codificadas por meio de tratados. A codificao do direito Internacional configura-se como uma tarefa abissal, em face da diversidade de matrias, origens e incertezas de usos e costumes, dificuldade de consenso entre os Estados e as divergncias naturais devidas s peculiaridades dos sujeitos envolvidos. A relevncia de proceder codificao (entendida como organizao de um sistema de normas de forma metdica, em que so estruturados os temas, articuladamente, em um corpo oficial) assaz concreta, considerando que deve servir de ponto de partida para facilitar a vida dos Estados, a soluo das lides e tornar exeqvel o encontro entre paz e justia.

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III DESENVOLVIMENTO HISTRICO DO DIREITO INTERNACIONAL 1. Perodo de formao Em primeiro lugar importa referenciar que entre os povos antigos, a guerra configurava-se como o principal meio de dirimir controvrsias, apresentando-se a paz, ao invs, como exceo. Nos primeiros tempos da histria humana, as normas Direito, a manifestao de esprito de humanidade e solidariedade no eram a tnica dominante, bastando observar a escravido pelos mais fortes, pilhagens freqentes, morte e destruio de propriedades,para alm da crueldade das penas impostas poca. A um tratado estabelecido entre duas cidades sumrias da Mesopotmia, Lagash e Umma, celebrado em cerca de 3100 a.C. -lhe atribudo o condo de se constituir como a mais antiga manifestao de Direito Internacional, no qual foram estabelecidos limites fronteirios entre essas cidades. De acordo com registros histricos, ter-se-ia efetuado a designao de um rbitro, rei de cidade vizinha, de modo a assegurar a eficcia do acordo. Apesar do cenrio de intensa conflitualidade que se observava na Antiguidade, as necessidades econmicas obrigavam diversos Imprios a relacionar-se pacificamente com o mundo exterior, tendo-se estabelecido, j nessa poca, fortes correntes comerciais. Os documentos conhecidos revelam que era atravs do mecanismo do tratado, concludo numa base de igualdade entre as partes, que eram estipulados os compromissos internacionais, sendo j conhecida a regra pacta sunt servanda, garantida por juramentos religiosos prestados pelas partes contratantes quando da concluso da obrigao. Tais tratados tinham por objeto domnios diversos: comrcio, aliana ofensiva e defensiva, delimitao territorial. Um dos tratados mais conhecidos o denominado tratado de prola, concludo em cerca de 1292 a.C. entre Ramss II e o rei dos Hititas, Hatusilis III. Este tratado fixava os princpios de uma aliana, reforada pela cooperao numa base de reciprocidade, mormente em matria de extradio de refugiados polticos. Por outro lado, graas descoberta das cartas de Amarna, sabemos da existncia de uma rede de relaes diplomticas asseguradas por enviados reais que gozavam de privilgios especiais, eles utilizavam uma lngua comum, um idioma babilnico, como lngua diplomtica e uma escrita comum, a escrita cuneiforme dos assrios e dos persas. Outros povos se distinguiram por terem regras sobre relaes com outros povos, como a China inspiradas em Confcio -, na ndia no Cdigo de Manu e na legislao hebraica nos textos bblicos -, entre outras. A Grcia Antiga conheceu largamente estes desgnios, porquanto na Hlade surgiram mecanismos providenciais que estabeleceram uma tradio evidenciada no campo das relaes exteriores. O fato de cada plis ser completamente soberana contribuiu favoravelmente para a gradual construo de um ideal internacionalista entre os gregos.

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Por conseguinte, diversas instituies de Direito das Gentes vo sendo delimitadas graas constncia da beligerncia entre cidades-estado. O estado de guerra acaba viabilizando a celebrao de muitos tratados de paz entre as partes, outrora em conflito. At mesmo uma noo incipiente do princpio latino pacta sunt servanda pode ser percebida tambm pelos gregos. A recorrente expresso cumprirei este acordo e este tratado sem dolo prova disso. O Direito Romano estabeleceu muito cedo a distino entre ius civile e ius gentium. Um e outro, falando em termos modernos eram Direito interno. Mas enquanto o ius civile s disciplinava relaes entre sujeitos que gozavam da cidadania romana (cives), o ius gentium consistia na parte do Direito interno romano que regulava relaes entre cidados romanos e estrangeiros (peregrini), ou apenas entre estes ltimos. No admira que depressa o ius gentium tenha ganho maior maleabilidade do que o ius civile, o que resultava sobretudo da grande liberdade que o praetor peregrinus detinha na sua criao e na sua interpretao, por forma a poder adapt-lo permanentemente s exigncias do comrcio com o exterior. Mas ser exatamente a necessidade de o ajustar s necessidades comuns aos vrios povos que o comrcio ia pondo crescentemente em contato com Roma, acrescida do papel cada vez mais importante da equidade natural na sua interpretao pelo praetor peregrinus, que vai transformar lentamente o ius gentium em Direito humano comum. O ius gentium romano era, assim, um Direito universal, no sentido que possua aceitao generalizada, porque se destinava a satisfazer necessidades comuns a tosos os homens. Foi isso que Gaio quis significar no clebre passo em que definiu o Direito das Gentes como o que a razo natural estabeleceu entre todos os homens e foi tambm isso que Ulpiano pretendeu exprimir quando definiu como Direito que as humanas gentes praticam. No obstante, se era Direito universal, o ius gentium era tambm Direito Privado, porque regulava relaes entre particulares, ainda assim j possua algumas reas sensveis ao Direito Pblico, particularmente no que se referia guerra. Deve-se destacar Ulpiano, que preferia o mtodo da enumerao das matrias, para chegar a uma definio quase exaustiva do ius gentium, a primeira definio que historicamente se aproximava do moderno conceito de Direito Internacional. Assim, o Direito das Gentes para Ulpiano a ocupao do territrio, a construo de edifcios, a defesa, a guerra, a captura de escravos, a servido, as fronteiras,os tratados, a paz e as trguas, o respeito da religio pelos legados, a proibio do casamento entre estrangeiros, por isso vai ser usado entre os povos. Com o advento do Cristianismo, surgiu um novo esprito de civilizao ao mundo, com a valorizao da igualdade e da fraternidade entre os homens, condenandose a lei da fora, por isso certos princpios jurdicos e mesmo instituies foram se impondo e desenvolvendo. Tendo em linha de conta que no existiam Estados, na sua conceituao moderna, durante o perodo medieval, afigura-se assaz complexo imaginar a atuao do Direito Internacional. Os Estados nascentes no possuam fronteiras definidas, que se deslocavam em funo de sucesses dinsticas, partilhas e alienaes, na medida em que tais Estados existiam muito mais em razo dos seus soberanos. Ademais, muitosDireito Internacional Pblico Prof. Daniel Martins Vaz

encontravam-se divididos em feudos, no gozavam de estabilidade, fundiam-se ou se fragmentava com poder entre o rei, os senhores e vassalos, amide suseranos de outros vassalos. Verificava-se uma clara primazia do soberano em detrimento da ptria e da nacionalidade. No obstante, torna-se relevante abordar certas manifestaes concernentes disciplina, configurando-se a atividade da Igreja como determinante no perodo da Idade Mdia, visto que o Papa assumiu gradativamente o papel de rbitro do mundo, ditando normas de convivncia internacional. A excomunho consubstanciava-se num poderoso instrumento, principalmente empregado contra o prncipe desobediente aos ditames da Igreja Catlica, o que acarreta conseqncias nefastas nessa poca. No sculo XI foi decretada a Paz de Deus neutralidade de lugares sagrados e das pessoas de clrigos, peregrinos e mulheres, j que no beligerantes e tambm a Trgua de Deus proibio de hostilidades no Advento, na quaresma e entre a tarde de sbado e a madrugada de segunda-feira -, muitssimo importantes neste quadro. A Trgua de Deus foi substituda pela Quarentena de Deus, no sculo XIII, que se destinava a restringir as guerras privadas. De fato, impunha-se um prazo de quarenta dias entre a injria feita e o incio efetivo das hostilidades, devendo os contendores submeter o conflito a um rbitro nesse perodo. Ademais, a Igreja ainda determinou o conceito de Guerra Justa, que reunia trs condies: ser declarada pelo prncipe, ter uma justa causa um direito violado e ser reta a inteno dos beligerantes. O conflito apenas teria lugar perante uma violao das regras de convivncia entre os pases ou outro motivo justificado, jamais em sede de guerra de conquista. No que concerne s Cruzadas, movimento organizado por prncipes cristos europeus apoiados pelo Papa com o objetivo de retomar Jerusalm dos muulmanos, pode-se dizer que trouxeram insigne contribuio ao Direito Internacional, mormente pela aproximao e intercmbio que ensejaram povos distintos e geograficamente afastados. Por outro lado, o desenvolvimento do comrcio martimo era outro elemento que concorria para a formao de novas regras de Direito Internacional, que se inscreveram em certas colees de leis ou costumes martimos. De entre essas colees, as mais famosas so: -As Leis de Rhodes (supem-se remontarem ao sculo VII); -A Tabula Almafitana (do sculo X ou XI); -As Leis de Olron (do sculo XII); -As Leis de Wisby (do sculo XIII ou XIV); -Consolato Del Mare (elaborado em Barcelona no sculo XIV). Vale ainda ressaltar a constituio de ligas das cidades comerciais, para proteo do comrcio e dos cidados, ligas das quais a mais destacada foi a hansetica, que durou do meio do sculo XIII ao meio do sculo XV.

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A Bula Inter Coetera, do Papa Alexandre VI, em maio de 1493, assumiu uma importncia to grande que praticamente dividiu o mundo a ser descoberto entre portugueses e espanhis, as duas maiores potncias da poca, com a parcela mais substancia destinada a Espanha, pas de origem do ento lder da Cristandade. Tal circunstancialismo demonstra de forma cabal a influncia do Sumo Pontfice. Com a decadncia do regime feudal no ocidente, a noo de Estado tornou-se mais precisa. Os povos foram tomando conscincia da unidade nacional e esta permite o estabelecimento de relaes continuadas entre os Estados. 2. Perodo de desenvolvimento e consolidao A Reforma e a ulterior consolidao do Protestantismo diminuram o poder papal, tendo modificado normas at ento aceitas como incontestveis, o que trouxe conseqncias para o Direito Internacional. O Renascimento fortaleceu as monarquias, redundando na Revoluo Francesa, em 1789, cujos ideais de humanidade e fraternidade forjaram uma nova postura em favor do indivduo. Por seu turno, os prprios descobrimentos martimos tiveram forte impacto para o Direito Internacional, ao colocarem o homem de ento o europeu em contato com civilizaes ainda desconhecidas e em diferentes estgios de desenvolvimento. Outrossim, o direito de navegao ensejou questionamentos, que ocupariam estudiosos e polticos nos tempos que se seguiram. A Idade Moderna v nascer o Direito Internacional tal como o conhecemos hoje. Surgem as noes de Estado nacional e de soberania estatal, conceitos consolidados pela Paz de Vestflia (1648). A partir de ento, os Estados abandonariam o respeito a uma vaga hierarquia internacional baseada na religio e no mais reconheceriam nenhum outro poder acima de si prprios (soberania). A Europa comeou a adotar uma organizao poltica centrada na idia de que a cada nao corresponderia um Estado (Estado-nao). Em 1648, o tratado de Vestflia marca o ponto de partida do direito Internacional moderno, consagrando dois princpios que tiveram influncia em toda a ordem jurdica, mormente o da igualdade religiosa (Estados catlicos e protestantes passaram a gozar das mesmas prerrogativas) e o equilbrio europeu (garantia de surgimento de nobvos Estados). Com a Paz de Vestflia triunfou o princpio da igualdade jurdica entre os Estados. Alm disso, a Sua e a Holanda tornaram-se independentes e a Frana e a Sucia receberam acrscimo de territrios. Relativamente aos acordos de Vestflia, so-lhe consectrios o gradativo surgimento de tratados sobre distintos temas, como a liberdade dos mares, a navegao fluvial, o respeito ao estrangeiro e propriedade privada, o ceremonial diplomtico e a neutralidade. Em termos doutrinrios, Francisco de Vitria e Hugo Grcio foram uns dos principais tericos do Direito Internacional no perodo, baseando-se na teoria do Direito Natural.

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Na Idade Contempornea, inaugurada com a Revoluo Francesa, reforado o conceito de nacionalidade, que viria posteriormente a orientar as unificaes italiana e alem no sculo XIX. O Congresso de Viena (1815), que encerrou a era napolenica, resultou em grande impulso para o Direito Internacional, na medida em que apontou na direo da internacionalizao dos grandes rios europeus (Reno, Mosa, etc.), declarou a neutralidade perptua da Sua e pela primeira vez adotou uma classificao para os agentes diplomticos. Alm disso, o trfico de escravos foi proibido. O sculo XIX assistiu ao florescimento do Direito Internacional moderno, com a proibio do corso, a criao dos primeiros organismos internacionais com vistas a regular assuntos transnacionais, a proclamao da Doutrina Monroe e a primeira das Convenes de Genebra, dentre inmeras outras iniciativas. Ademais, a Conferncia de Berlim de 1885 organizou o neo-imperialismo europeu na frica. Durante o sculo XX, o Direito Internacional moderno foi aprofundado e consolidado com a criao da Sociedade das Naes e, posteriormente, da Organizao das Naes Unidas, o trabalho de codificao do Direito Internacional (por exemplo, a Conveno de Viena sobre Direito dos Tratados e a Conveno sobre Direito do Mar) e a proliferao de tratados nascida na necessidade de acompanhar o intenso intercmbio internacional do mundo contemporneo. IV FONTES DE DIREITO INTERNACIONAL Em sentido amplo, fonte pode significar antigos documentos, a fora criadora do Direito como fato social a natureza humana, o sentimento jurdico -, a autoridade criadora do Direito histrico ou atualmente vigente Estado, povo ou o ato concreto criador do Direito, seja legislao, costume ou deciso judicial. Fonte pode ser entendida como o mecanismo que nos conduz criao do Direito, consubstanciando-se no local em que os postulados abstratos suscetveis de oferecer soluo para os casos concretos que a dinmica da vida social apresenta so buscados. A expresso fontes de Direito assume diversos significados na terminologia jurdica, podendo ser tomada em cinco acepes principais: -Sentido filosfico (como fundamento da validade ou obrigatoriedade do Direito); -Sentido poltico (como rgos criadores do Direito); -Sentido tcnico-jurdico (como modos de formao e de revelao do Direito); -Sentido instrumental (como textos ou diplomas em que o Direito se contm); -Sentido sociolgico (como fatores que representam a causa prxima da gnese e do contedo concreto das normas jurdicas).

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bastante conhecida a distino entre fontes materiais e formais de Direito, podendo-se dizer, em grandes linhas, que as fontes materiais so as razes pelas quais aparece a norma e as fontes formais o seu processo de revelao. Neste estudo, interessa estudar as fontes formais, que representam o Direito positivo, ou seja, importa dar enfoque aos processos de produo jurdica atravs dos quais surgem as normas de Direito Internacional. Ao invs do que ocorre com os demais ramos das cincias jurdicas, que encontram na lei a sua fonte principal, o Direito Internacional vai busc-la, sobretudo, nos tratados, nos costumes e nos princpios gerais do direito. Porque a sociedade internacional no um Estado e porque no tem uma Constituio, no existe um texto com valor universal que determine quais so as fontes de Direito Internacional. No obstante, existe e vigora um texto com valor para-universal, pela sua importncia poltica e pelo nmero de Estados que a ele aderiram: o Estatuto do Tribunal Internacional de Justia. O Estatuto da Corte Internacional de Justia, no seu artigo 38, indica as fontes em que a mesma buscar fundamentos para os seus veredictos, designadamente as convenes internacionais, o costume internacional e os princpios gerais do direito, assim como, sob ressalva, as decises judicirias e a doutrina dos publicistas, como meio auxiliar. O preceito estatutrio referenciado no estipula uma primazia de qualquer das fontes. O artigo 38, que alis constava do Estatuto do Tribunal Permanente de Justia Internacional, dispe: Art. 38. 1 A Corte, cuja funo decidir de acordo com o Direito Internacional as controvrsias que lhe forem submetidas, aplicar: a) as convenes internacionais, quer gerais, quer especiais, que estabeleam regras expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes; b) o costume internacional, como prova de uma prtica geral aceita como sendo o direito; c) os princpios gerais de direito reconhecidos pelas naes civilizadas; d) sob ressalva da disposio ao art. 59, as decises judicirias e a doutrina dos publicistas mais qualificados das diferentes naes, como meio auxiliar para a determinao das regras de direito. 2 - A presente disposio no prejudicar a faculdade da Corte de decidir uma questo ex aequo et bono, se as partes com isto concordarem. Este texto tem sido muito criticado pela doutrina, pela ordem e pela forma como enumera as fontes e pelo fato de no dar delas qualquer definio. Quanto enumeraoDireito Internacional Pblico Prof. Daniel Martins Vaz

das fontes a contida interessa notar que ela meramente exemplificativa, e que o prprio Tribunal tem encontrado normas de Direito Internacional surgidas atravs de processos de criao dificilmente reconduzveis a qualquer das alneas do artigo 38. Tal referncia remete-noa s normas derivadas da ao unilateral dos sujeitos do Direito Internacional, abrangendo os atos unilaterais dos Estados e das Organizaes Internacionais. Em todo o caso, o artigo 38 enumera as fontes classicamente admitidas, e entre as duas que de longe so as mais importantes: o tratado e o costume. Com efeito, a ausncia de um Parlamento Intercontinental, de uma Suprema Corte Global e de uma Polcia Militar do Planeta inviabilizam a existncia de leis com abrangncia em todo o orbe. Assim, os tratados assumem fundamental importncia como fonte de Direito Internacional, podendo ser negociados e concludos em curto espao de tempo, serem seus dispositivos facilmente invocados e a clareza e a preciso do seu contedo. A abordagem das fontes do Direito Internacional que seguir-se- coloca-se na hierarquia mais consentnea com a atualidade: tratados, costumes, princpios gerais do direito, princpios gerais especficos do Direito Internacional, atos unilaterais, jurisprudncia e doutrina. 1. Tratados internacionais 1.1. Aspectos gerais Os tratados configuram-se como a mais importante fonte de Direito Internacional da contemporaneidade, alm do fato de terem tido notvel importncia no plano das relaes entre os povos, acentuando-se a partir do sculo XVI. Basta notar que desde 1500 a.C. at 1860 haviam sido concludos cerca de 8000 Tratados de Paz, enquanto que s desde 1947 at 1984 foram celebrados entre 30 000 a 40 000 tratados, de 1984 at aos dias de hoje um nmero crescente de vrias dezenas de milhares. Os nmeros aventados no surpreendem, principalmente se levarmos em linha de conta que aps a 2 Guerra Mundial, toda a produo de regras internacionais nos domnios do Direito da Paz, da integrao econmica, do reforo e da especializao da cooperao internacional, a criao de inmeras Organizaes Internacionais e a prpria codificao do Direito Internacional tm tido como instrumento o tratado internacional.. A relevncia dos tratados atinge um plano tal que muitos autores se reportam a um Direito Internacional Convencional, sendo de ressaltar que so fontes os tratados celebrados entre Estados ou entre um ou mais desses entes e Organizao Internacional, devendo ingressar no mundo jurdico atravs da sua vigncia. Destarte, o desenvolvimento das relaes internacionais e a interdependncia cada vez maior entre os Estados tm feito com que os Tratados se multipliquem na sociedade internacional. Em 1969 realizou-se em Viena um conclave internacional no qual surgiu a Conveno sobre os Tratados, que entrou em vigor em 1980, quando atingiu o quorum

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de trinta e cinco pases, regulando acordos apenas entre Estados. Em 1986, outra Conveno de Viena regulou os tratados entre Estados e Organizaes Internacionais, ou apenas entre essas associaes. 1.2. Base conceitual e denominao A Conveno sobre o direito dos Tratados concluda em Viena, em 1969, no seu art. 2, 1, alnea a) d a seguinte definio: "tratado significa um acordo internacional concludo entre Estados em forma escrita e regulado pelo Direito Internacional, consubstanciado em um nico instrumento ou em dois ou mais instrumentos conexos qualquer que seja a sua designao especfica". A forma escrita, como se pode verificar, seria obrigatria nos tratados, contudo no se afigura nulo o tratado oral, de acordo com boa parte da doutrina, tal como j adotado por comisso da ONU, por conseguinte, esta definio de tratado em sentido lato, significando que esto abrangidos os acordos em forma simplificada. A forma escrita a mais comum, porm os acordos orais tambm tm obrigatoriedade. Ademais, a Conveno de Viena excluiu de sua regulamentao os Tratados entre Organizaes Internacionais ou outros sujeitos de Direito Internacional. Entretanto, tal no significa que esses tratados percam a sua fora legal e nada impede que as normas desta Conveno se apliquem a tais tratados. Pode-se conceituar tratado como o encontro de posies de dois ou mais sujeitos do direito Internacional, atravs de acordo, no qual prticas costumeiras preexistentes se tornam facilmente fontes de Direito entre eles. Outrossim, desaconselha-se o tratado no-escrito pelas naturais dificuldades geradas em torno da sua interpretao ou busca de efetivao entre as partes, diante da impreciso do contedo. Por outro lado, a terminologia dos Tratados apresenta-se como assaz imprecisa na prtica internacional, isto sem seguir uma razo jurdica. Podem-se identificar as seguintes denominaes: -Tratado ( utilizado para acordos solenes, por exemplo, o tratado de paz); -Conveno ( o tratado que cria normas gerais, codificao, por exemplo, a conveno sobre Mar Territorial); -Declarao ( usada para os acordos que criam princpios jurdicos ou "afirmam uma atitude poltica comum", por exemplo, a Declarao de Paris, de 1856); -Ato (quando estabelece regras de direito, por exemplo, o Ato Geral de Berlim, de 1885); -Pacto ( um ato solene, por exemplo, o Pacto de Renncia Guerra, em 1928); -Acordo ( geralmente usado para os tratados de cunho econmico, financeiro, comercial e cultural); -Concordata (so os assinados pela Santa S, sobre assuntos religiosos, tratando de matria que seja da competncia comum da Igreja e do Estado);

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-Modus vivendi (so acordos temporrios); -Protocolo (ata de conferncia ou complementao de tratado j existente, por exemplo, o Protocolo de Kyoto); - Troca de Notas (quando encobre matria administrativa). A relao de nomes, nunca exaustiva, apresenta ainda Estatuto (acordo coletivo), Compromisso (sobre litgio que iro arbitragem), Carta (instrumento constitutivo de uma organizao internacional ou rol de direitos e deveres) e Convnio (matria cultural ou transporte). Assim sendo, estas so as principais denominaes com sua utilizao mais comum, cabendo lembrar que a prtica internacional no apresenta, neste aspecto, a menor uniformidade. 1.3. Produo do tratado No que concerne s condies de validade dos tratados impe-se o objeto lcito e possvel, a capacidade das partes, a habilitao de seus agentes e o consentimento mtuo. Tm capacidade para concertar tratados os sujeitos de Direito Internacional, especialmente os Estados, e o consentimento maioria de dois teros para os tratados multilaterais no pode sofrer vcio, como erro, dolo, coao ou corrupo. A competncia das partes contratantes depende da capacidade entre as parte e a capacidade de concluir tratados reconhecida aos Estados Soberanos, s Organizaes Internacionais, aos Beligerantes, Santa S e a Outros Entes Internacionais. No que tange aos Estados Soberanos, o artigo 6 da Conveno de Viena determina que todos os Estados soberanos tm capacidade para concluir Tratados. Trata-se da regra geral e, enquanto tal, possui excees. Desta forma, os Estados Dependentes ou os membros de uma Federao tambm podem concluir tratados internacionais em certos casos especiais. Os Estados Vassalos e Protegidos possuem o direito de conveno apenas quando autorizados pelos soberanos ou protetores. A Santa S sempre teve o direito de Conveno, assim os tratados formados pela Santa S so acerca de matria religiosa e denominados concordatas. Por sua vez, as Organizaes Internacionais tm sua capacidade limitada pelos prprios fins para os quais foram criadas. Acerca de se impor objeto lcito e possvel para a validade do tratado, nulo o tratado que violar, que ferir a norma imperativa do Direito Internacional Geral, mesmo que esta norma seja posterior a ele, porque como esta norma aceita e reconhecida pela comunidade internacional, ela s poder ser modificada por outra norma imperativa do Direito Internacional Geral. Esta questo da norma imperativa do Direito Internacional Geral foi colocada na Conveno de Viena, em 1969, por insistncia dos pases subdesenvolvidos, que alegavam pretensa desigualdade dos acordos celebrados sem se atender igualdade jurdica. Em suma, um tratado no poder ter um objeto que contrarie a moral internacional nem o jus cogens, no podendo tambm existir no tratado um objetoDireito Internacional Pblico Prof. Daniel Martins Vaz

impossvel de ser executado, pois se estes casos ocorrerem, a parte poder pr fim ao tratado. Quanto habilitao dos agentes signatrios, os negociadores dos tratados so chamados de plenipotencirios, por gozarem da capacidade de exercer esse elevado mister, atravs de documento, designadamente a carta de plenos poderes, exarado, em nome de seu Estado, pela autoridade competente. Ficam dispensados dos plenos poderes os Chefes de Estado e de Governo, os Ministros das Relaes Exteriores e os chefes de misso diplomtica junto ao Estado em que esto acreditados, bem como os secretriosgerais das organizaes internacionais, importando salientar que com o desenvolvimento das ratificaes os plenos poderes perderam substancial parcela da sua importncia. Com efeito, a habilitao dos agentes signatrios de um Tratado Internacional feita pelos "plenos poderes" que do aos negociadores o "poder de negociar e concluir" o tratado. Desta forma, um ato de pessoa no habilitada, a respeito da concluso do tratado, no tem efeito legal at que o Estado confirme esse mesmo ato. Os "plenos poderes" surgiram da intensificao das relaes internacionais e, em conseqncia, da impossibilidade de os chefes de Estado assinarem todos os tratados, bem como do desejo de se dar "maior liberdade" de ao ao chefe de Estado. Alm disso, procura-se evitar que os tratados obriguem imediatamente os Estados, como ocorreria se o tratado fosse assinado diretamente pelo chefe de Estado, uma vez que estaria dispensada a ratificao. Nos tratados bilaterais os plenos poderes so trocados pelos negociadores, enquanto nos multilaterais a verificao dos instrumentos feita por uma comisso ou pelo Secretariado da ONU. No que diz respeito ao consentimento mtuo, o acordo de vontade entre as partes no deve sofrer nenhum vcio. O erro, o dolo e a coao viciam os Tratados. Quanto ao erro, a maior parte dos autores admite o erro como vcio do consentimento nos tratados internacionais, mas alguns doutrinadores negam o seu reconhecimento pelo Direito Internacional. A orientao de admitir o erro como vcio do consentimento foi adotada pela Conveno de Viena, todavia afigura-se indispensvel delimitar o assunto: a) s anula o Tratado, o erro que tenha atingido a "base essencial do consentimento para se submeter ao Tratado"; b) se o erro de redao, ele no atinge a validade do Tratado e dever ser feita a sua correo; c) o erro de fato que constitui vcio do consentimento. O erro de direito deve ser afastado como vcio; d) o Estado que tenha contribudo para o erro no pode invoc-lo. Quanto ao dolo, vale frisar que a sua ocorrncia d-se sempre que um Estado se utilize de qualquer espcie de manobras ou de artifcios para induzir outro Estado na concluso de um tratado, provocando o erro ou aproveitando o erro existente.Direito Internacional Pblico Prof. Daniel Martins Vaz

Para pressupor a existncia do dolo so necessrios dois requisitos: a) ter sido praticado por um a parte contratante; b) que o erro devido fraude de outrem seja escusvel para a vtima e determinante para o seu consentimento. Ademais, o dolo acarreta a responsabilidade internacional do Estado que o praticou. Por sua vez, a coao manifesta-se de duas maneiras, ou contra a pessoa do representante do Estado ou contra o prprio Estado, com a ameaa ou o emprego da fora. Destarte, a ameaa contra a pessoa do representante do Estado anula o Tratado. A coao contra um Estado pelo uso ou ameaa da fora causa de nulidade do Tratado, uma vez que tal fato viola a Carta da Organizao das Naes Unidas. O Direito Internacional s condena a violncia ilcita, pois do contrrio chegaramos a um contra-senso, pois que no caso de um agressor vencido por uma "fora" da Organizao das Naes Unidas, o "Tratado de Paz" estaria inquinado de nulidade. Vale ressaltar que no poder ser invocada a nulidade se, depois de conhecer o fato, foi aceito o vcio de consentimento. Como evidente, a corrupo do representante do Estado outro vcio do consentimento. O Estado cujo representante foi corrupto pode invocar este fato para invalidar o seu consentimento dado ao Tratado. Os tratados compem-se de duas partes: o prembulo finalidade e identificao das partes e o dispositivo os direitos e deveres dos participantes, em artigos, e algumas vezes em partes, sees ou captulos -, constituindo-se esta como a parte vital do tratado, enquanto tal, devendo ser redigido em linguagem jurdica. Podem ser acompanhados de anexos, a ttulo eventual. Na contemporaneidade, o idioma livremente escolhido pelas partes, normalmente as lnguas oficiais dos estados acordantes. At 1919, quando o tratado de Versalhes foi redigido em francs e ingls, havia apenas uma lngua oficial, o francs, que tinha substitudo o latim, empregado antes do sculo XVIII. O documento assinado no trmino das negociaes considerado como a verso autntica do tratado, enquanto so verses oficiais as cpias que venham a surgir, por iniciativa dos pases, em seus idiomas, a partir da verso autntica. 1.4. Classificao No que se refere classificao, os tratados so bilaterais e multilaterais ou coletivos. Tradicionalmente os tratados eram bilaterais, mesmo quando envolviam vrios Estados, caso em que se produziam uma srie de acordos bilaterais. O primeiro tratado multilateral, redigido num s documento, foi a ata Final de Viena, de 9 de junho de 1815.Direito Internacional Pblico Prof. Daniel Martins Vaz

Habitualmente, os tratados multilaterais contm uma clusula de adeso, sendo enorme a gama de tratados concertados por grande nmero de Estados. Os tratados podem tambm ser classificados de acordo com a matria, o seu objeto geral, segundo o qual o agrupamento pode ser feito em termos culturais, sociais, econmicos, militares, administrativos ou polticos, isto , os tratados podem ter um destes condes. Por isso, temos tratados de proteo ambiental, de paz, de amizade, de segurana, de extradio, transporte areo ou martimo, entre outros temas. Outra classificao a que divide as convenes entre sujeitos de Direito Internacional em tratados-contratos e tratados-leis. Os tratados-contratos so contratos sinalagmticos, realizados por Estados visando a resoluo de problemas entre eles, mormente de paz, extradio, de transporte areo, etc. Normalmente o conclave, do qual resultam esses tratados, ocorre na capital de um dos pases engajados no acordo. O tratado-lei, que um acordo normativo, destina-se a regular uma postura comum das partes contratantes em relao a determinado assunto, em que no existem conflitos. Visa-se a convergncia de atitudes, uma regra geral para a conduta dos contratantes, como as convenes que codificam determinadas reas do Direito Internacional, designadamente tratados, refugiados, asilo diplomtico, letra de cmbio e adoo de menores. Outrossim, as grandes convenes que criaram as organizaes internacionais, como a ONU, a Unio Europia e o Mercosul so tratados-leis, que alguns autores dizem ser constitutivos, pois devem ser considerados especiais. O tratado-lei, por via de regra, surge em alguma cidade conhecida pela sua neutralidade, como Viena, Genebra ou Haia. 1.5. Efeitos Em princpio, os tratados tm os seus efeitos limitados s partes contratantes, estendidos em certos casos a terceiros Estados, que devero, ento, aceit-los Aps ser aprovado pelas partes signatrias e promulgado, passa a ter fora de lei. A sua natureza jurdica dupla, porquanto obriga tanto internamente quanto no plano internacional. Eventuais conflitos sobre tratados so resolvidos por meio de interpretao, que deve guiar-se pelo princpio da boa f, dando-se aos seus termos o sentido comum das palavras. 1.6. Fases e clusulas especiais O Tratado Internacional no seu processo de concluso atravessa diversas fases: - Negociao (Poder Executivo); - Assinatura (autentica o texto); - Ratificao (importncia histrica, mas hoje muitas vezes suprimida pela assinatura); - Registro (evita tratados secretos e os no-registrados na ONU no podem ser invocados perante qualquer rgo da mesma); - Promulgao (o tratado torna-se executvel no plano interno no Brasil por decreto do Executivo);Direito Internacional Pblico Prof. Daniel Martins Vaz

- Publicao (para o decreto ser conhecido). As quatro primeiras fases pertencem fase internacional de concluso de um Tratado, ao passo que as duas ltimas fazem parte da fase interna, sendo que cada uma dessas fases possui normas prprias e caractersticas especficas. A negociao a fase inicial do processo de concluso de um Tratado. Dentro da ordem constitucional do Estado, sua competncia do Poder Executivo. Nesta fase, os representantes do chefe do Estado, ou seja, os negociadores, se renem com a inteno de concluir um tratado. Com efeito, a negociao de um tratado bilateral se desenvolve, na maioria das vezes, entre o Ministro do Exterior ou seu representante e o agente diplomtico estrangeiro que so assessorados por tcnicos nos assuntos em negociao. Deste modo, sero analisados os "plenos poderes" dos representantes no tratado bilateral. Quanto negociao de um tratado multilateral, o seu desenvolvimento processa-se nas grandes conferncias e congressos. Aqui, os negociadores depositam os "plenos direitos" em uma urna, para serem analisados posteriormente por uma comisso. Esta fase termina com a elaborao de um texto escrito, que o Tratado. Quando os negociadores esto munidos dos plenos poderes, ou deles dispensados, o Tratado ento assinado. Se no possuem os plenos poderes, permite-se que os negociadores rubriquem o texto at que estes recebam os plenos poderes e possam assin-lo. O lapso de tempo entre a rubrica e a assinatura, neste caso, de poucas semanas em mdia. Entretanto, nada impede que seja acordado que a rubrica constitua a assinatura do Tratado. A regra estabelecida no art. 9 da Conveno de Viena a adoo do texto por todos os Estados. Caso se trate de um tratado bilateral, aplica-se o 1 que preceitua a adoo do texto por todos os Estados negociadores (neste caso, os dois Estados contratantes). Nos tratados multilaterais, em sede de Conferncia, aplica-se o disposto no 2 que determina seja o texto adotado por 2/3 dos Estados presentes e votantes, a no ser que se determine o contrrio, como aconteceu no caso da Conferncia do Direito do Mar que foi tratado num consenso. Vale ainda ressaltar que, no sendo atingido o nmero exigvel nos Tratados bilaterais, acaba o projeto. No caso do tratado multilateral, atingido o nmero exigvel, os Estados que no adotaram o texto deixam de fazer parte do Tratado, que ento no gerar efeito para eles. Se no alcanar o nmero exigvel, acaba o projeto do Tratado e os Estados favorveis ao Tratado podero marcar nova data para a votao, apenas entre eles. Amide no se chega nem votao, com os Estados chegando a um consenso. A vantagem do consenso a possibilidade de eliminar o confronto entre os Estados. A assinatura a segunda fase de concluso do tratado, logo aps a fase de negociao, com o texto do tratado pronto, este dever ser assinado. Com a assinatura os Estados atestam que esto de acordo com o texto produzido, para a assinatura do tratado os negociadores devero estar munidos dos "plenos poderes" ou deles estarem dispensados.Direito Internacional Pblico Prof. Daniel Martins Vaz

Por regra, a assinatura no torna o tratado obrigatrio, com exceo do acordo executivo. Em suma, a assinatura, autentica o texto do tratado, atesta que os negociadores esto de acordo com o texto do Tratado e tm ou podem ter grande valor poltico, que afirma que uma vez assinado o tratado, o Estado no dever apor nenhuma resistncia sua entrada em vigor. No que tange aos tipos de assinatura, destacam-se: - a assinatura ad-referendum (as demais partes podero deixar que o Poder Executivo negocie o tratado, assine o tratado e o Estado ratificar este tratado. Assim, esta a assinatura que precisa ser confirmada pelo Estado, porque o negociador no estava munido dos plenos poderes quando assinou o texto do tratado); - a assinatura diferida ( a possibilidade oferecida a Estados que no negociaram o tratado, de virem a assin-lo. O efeito que o Estado figura como membro originrio do tratado. Encontra o tratado pronto, assina-o e o manda ao Legislativo. Este aprecia o tratado, que volta ao Executivo, que o ratificar tornando-o vlido na Ordem Internacional. A assinatura diferida pode ou no ter prazo determinado); - a adeso (quando no processo de concluso o Poder Executivo no negociou nem assinou o tratado, de posse deste, o mandar para o Legislativo explicando, na exposio de motivos, que o pas no participou da negociao nem da assinatura, mas que o tratado lhe interessa. O Legislativo ento aprecia o tratado, devolve ao executivo e este adere ao tratado. A adeso substitui a negociao, a assinatura e a ratificao. Ela apenas passa pela apreciao do Legislativo); - a adeso ad-referendum ( sobre a confirmao ou sobre reserva de ratificao. No produz efeitos jurdicos. s manifestao de inteno. O Estado comunica s demais partes contratantes que tem interesse de fazer parte do Tratado, mas o colocar apreciao dos rgos competentes). Assinatura diferida apresenta-se como a possibilidade oferecida ao Estado de assinar o tratado figurando como membro originrio, enquanto na adeso no h assinatura nenhuma e o Estado vai apenas aderir ao tratado. Acerca da ratificao, consubstancia-se no ato que torna o tratado obrigatrio na Ordem Internacional, devendo-se destacar que at ratificao o tratado um mero projeto. A ratificao vai depender da ordem constitucional interna de cada Estado. Normalmente, da competncia do Poder Executivo, exigindo ou no a prvia autorizao do Poder Legislativo. A ratificao pelo Executivo com participao do Legislativo adotada pelo Brasil (art. 84, VIII c/c art. 49, I CF). Neste caso, que o mais comum, a ratificao considerada um ato discricionrio do Poder Executivo, pois este s submeter o tratado aprovao do Legislativo se tiver a inteno de ratific-lo, enquanto tal, a obrigatoriedade surge apenas quando o Congresso no aprova o tratado, pois neste caso o Executivo no poder ratific-lo.Direito Internacional Pblico Prof. Daniel Martins Vaz

Destarte, a ratificao pode levantar, em relao Constituio Federal, problemas de "constitucionalidade extrnseca" e de "constitucionalidade intrnseca". O primeiro caso ocorre quando o tratado ratificado pelo Poder Executivo sem a aprovao do Legislativo, como determina a Constituio. O segundo caso ocorre quando o tratado ratificado pelo Executivo com a aprovao prvia do Legislativo, violando, porm, preceito constitucional do Estado. No que se refere ao registro, a Carta da ONU estabelece em seu art. 102 que todos os tratados concludos devero ser registrados aps entrarem em vigor. A origem do Registro se d com a Revoluo Bolchevista, quando foram publicados uma srie de tratados problemticos. Esse Registro feito no Secretariado da ONU e seu efeito dar publicidade ao Tratado na Ordem Internacional. Sucede que mesmo Estados que no so membros podem registrar tratados, porque h um interesse maior de que todos os tratados sejam reconhecidos. Importa ainda salientar que o tratado sem registro considerado um tratadosecreto, que apesar de no ser reconhecido pelos demais, ser vlido entre as partes contratantes. A nica sano para o tratado no registrado que no poder ser invocado perante qualquer rgo das Naes nicas, como est previsto no 2 do art. 102 da Carta da ONU. Com o Registro termina a fase internacional. J a Promulgao caracteriza-se por ser o ato jurdico de natureza interna, pelo qual o Governo de um Estado afirma ou atesta a existncia de um Tratado por ele celebrado e o preenchimento das formalidades exigidas para sua concluso, ordenando sua execuo dentro dos limites de sua competncia. A razo da existncia da promulgao que o tratado no fonte de Direito interno e sendo assim a promulgao no atinge o tratado no plano internacional, mas apenas sua executoriedade no Direito interno. Apresentam-se como efeitos da promulgao tornar o tratado executrio no plano interno e constatar atravs do Executivo, a existncia de uma norma obrigatria para o Estado. No Brasil, a promulgao feita por Decreto do Presidente da Repblica, onde ordenada a execuo do tratado, cujo texto a figura e publicado no Dirio Oficial. Por fim, a Publicao assume-se como a conduta essencial para o tratado ser aplicado no mbito interno. Atravs de publicao leva ao conhecimento de todos a existncia desta norma internacional. Uma vez publicado no Dirio Oficial pelo Poder Executivo, o tratado ganha executoriedade e eficcia. Podem os tratados multilaterais conter clusulas especiais, sendo as mais conhecidas a da nao mais favorecida (eventual vantagem que venha a ser concedida a terceiro Estado logo reconhecida outra parte), a de adeso (permite a terceiros pases integrarem-se ao tratado), a de salvaguarda (um dos contratantes pode eximir-se de cumprir determinada clusula), a de livre acesso (pessoas de terceiros Estados tm acesso aos tribunais nacionais) e a constitucional (s vale o tratado enquanto no contraria norma da lei maior). Admite-se tambm a reserva, pelo qual uma das partes se ope a determinadas disposies constantes no tratado coletivo, desde que consentnea com os objetivos do mesmo.Direito Internacional Pblico Prof. Daniel Martins Vaz

Ocorre a extino de um tratado pela sua execuo integral, consentimento mtuo, termo, perda do objeto, caducidade (longo tempo sem aplicao), denncia unilateral e guerra (alguns tratados so mantidos, como os de conduta humanitria e neutralidade). 2. O Costume Internacional O costume assume-se como a mais antiga fonte e Direito Internacional e continua a ser importante, embora a sua relevncia seja menor em vista da ascendncia alcanada pelos tratados. O costume o uso constante, uniforme e obrigatrio, fundamentado numa prtica geral no necessariamente revestida, entretanto, de um consentimento uniforme. Dois elementos formam o costume: o uso continuado da norma e a conscincia da sua obrigatoriedade jurdica. A supremacia do costume na formao do Direito Internacional cessou depois da segunda guerra mundial em virtude do surgimento de novos problemas e do aumento no nmero de membros da comunidade internacional desejosos de deixar a sua marca no ordenamento mundial atravs de tratados negociados nos organismos intergovernamentais. O aparecimento de novas situaes, criadas na maioria dos casos pelos avanos da tecnologia, exigiu solues imediatas que no podiam depender de um costume de formao lenta. Em outras palavras, o costume passou a ser um critrio insatisfatrio e lento para acompanhar a evoluo do Direito Internacional moderno. O costume era o fruto de usos tradicionais aceitos durante longo perodo, tanto assim que o fator tempo era tido como um de seus elementos constitutivos. A regra consuetudinria o resultado de atos seguidos que constituem precedentes, com nfase no elemento material "constitudo pela repetio durante um perodo bastante prolongado de certos atos". A Corte Internacional de Justia tambm, em mais de uma oportunidade, teve ensejo de afirmar que a base do costume uma prtica prolongada, mas, em 1969, decidiu que "a passagem de apenas um curto perodo no bice criao de novas regras de Direito Internacional". Com o progresso da cincia e da tecnologia, as modificaes se verificam mais rapidamente, com uma repercusso no conceito de costume. Em outras palavras, o fator tempo exigido para a sua formao perdeu importncia cedendo opinio juris, a tal ponto que surgiu a expresso instant customary international law. A importncia do costume como fonte, contudo, perdura, pois a codificao do Direito Internacional como um todo ainda est longe de se tornar realidade. Tambm necessrio considerar que o direito costumeiro em inmeros campos do Direito Internacional satisfatrio e no precisa ser codificado, ou seja, que seria um erro sacrificar o estudo de alguns problemas que esto a exigir soluo em seu favor. No caso dos tratados multilaterais ocorre que freqentemente os seus dispositivos foram o resultado de compromissos, visto que nem a Comisso de Direito Internacional nem a prpria conferncia codificadora conseguiram adotar uma regra mais precisa. Em tais casos, os costumes e os trabalhos preparatrios desempenham importante papel interpretativo. Afigura-se sintomtico que nas Convenes de codificao firmadas em Viena praxe a adoo no prembulo da seguinte regra: "afirmando que as regras de direito

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internacional consuetudinrio continuaro a reger as questes que no forem reguladas nas disposies da presente Conveno". Como prova do Direito costumeiro, citam-se atualmente os tratados internacionais que ainda no tenham entrado em vigor ou que no foram ratificados por um Estado contra o qual alguma de suas normas tenha sido invocada. O problema complexo, visto que em alguns casos poder ser difcil determinar se um tribunal ao decidir que um tratado reflete o direito internacional consuetudinrio em determinado momento queria dizer que o tratado desde o comeo era declaratrio do direito internacional consuetudinrio ou se o tratado com o correr do tempo e com uma aceitao geral de pases no-partes no mesmo passou a integrar o direito internacional geral. Seja como for, a doutrina, baseada em deciso da Corte Internacional de Justia de 1969, reconhece a importncia das grandes convenes multilaterais no-ratificadas como fonte do Direito costumeiro. 3. Princpios Gerais do Direito Os princpios em apreo so em realidade regras de Direito bastante gerais, abstratas, freqentemente invocadas e aplicadas na prtica para que sua existncia e validade no possam ser questionadas e que so em conseqncia de origem consuetudinria. Os princpios gerais especficos do Direito Internacional mais invocados como fonte so a continuidade do Estado, o esgotamento dos recursos internos, a primazia do tratado internacional sobre a lei interna, a no-intromisso nos assuntos internos do Estado, o respeito pelos direitos elementares da pessoa humana. Atualmente ganha corpo o princpio do patrimnio comum da humanidade. Entre as fontes do Direito Internacional enumeradas no Estatuto da Corte Internacional de Justia, os princpios gerais do direito so os mais vagos, os de mais difcil caracterizao, tanto que alguns autores negam o seu valor, outros julgam que se trata, em ltima anlise, de um aspecto do costume internacional, ao passo que para alguns, como Accioly, so chamados de fonte real, por ser a verdadeira ou fundamental, e a que pode fornecer elementos para a interpretao dos tratados e dos costumes, as duas grandes fontes incontestadas do Direito Internacional positivo, que seriam as fontes, formais ou positivas. Para o Comit de Juristas que elaborou o projeto de Estatuto da Corte Permanente de Justia Internacional, os princpios gerais do direito seriam os princpios aceitos pelos Estados no foro domstico. Por ocasio da Conferncia de So Francisco, a opinio generalizada era de que o artigo 38 do Estatuto da CPJI deveria ser mantido, mas com o acrscimo da frase "decidir de acordo com o Direito Internacional". Felizmente, a idia no foi acolhida, visto que o objetivo da incluso dos princpios gerais do direito foi precisamente ampliar o campo de ao a que o juiz pode recorrer. no direito interno que se nos deparam a quase totalidade dos princpios gerais do direito, sendo que o Direito Internacional pobre a respeito. O Comit de Juristas, ao incluir os princpios gerais do direito dentre as normas a serem aplicadas pela CPJI, tinha em mente que, mesmo se as normas constantes dos tratados e do costume silenciassem a respeito de caso em julgamento, a Corte seria

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obrigada a pronunciar-se, isto , no poderia declarar um non liguet. Alm do mais, o Comit de Juristas era de opinio de que no estava inovando na rnatria, visto que tribunais internacionais e domsticos freqentemente recorriam aos princpios gerais do direito. Afigura-se interessante assinalar que o artigo 4 da Lei de Introduo ao Cdigo Cvil brasileiro espelhava esta orientao: "Quando a lei for omissa, o juiz decidir o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princpios gerais do direito". Oscar Tenrio, ao analisar o citado dispositivo, esclarece que "Qualquer pleito ter do juiz uma sentena mesmo quando na lei no encontrar ele a soluo", e explica: "Realizar o magistrado o processo de integrao do direito, a que se tem chamado de preenchimento das lacunas da lei". A Corte Internacional de Justia, como a Corte Permanente de Justia Internacional anter