Direito Internacional Público apostila

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DIREITO INTERNACIONAL PBLICOPROF. MARIO DRUMOND

2009

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PRIMEIRA PARTEINTRODUO AO DIREITO INTERNACIONAL PBLICO DESENVOLVIMENTO HISTRICO DO DIREITO INTERNACIONAL PBLICO PERSONALIDADE JURDICA INTERNACIONAL SUJEITOS DO DIREITO INTERNACIONAL PBLICO TEORIAS DO DIREITO INTERNACIONAL PBLICO ________________________________________________________________________________

1. SUJEITOS DE DIRETO INTERNACIONAL PBLICO.Nota explicativa: o Direito Internacional Pblico, em pouqussimas palavras, compreende o estudo do Estado na esfera internacional. H, nesse sentido, dois marcos referenciais fundamentais para a compreenso da disciplina: o prprio Estado e a chamada comunidade internacional (ou sociedade internacional). 1.1. Caractersticas do Estado e caractersticas da comunidade internacional. Caractersticas do Estado: 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. centralizao de poder; organizao vertical; existncia de hierarquia das normas; obedincia obrigatria s leis; jurisdio obrigatria; existncia de representao parlamentar; e subordinao dos sditos ao prprio Estado.

Caractersticas da comunidade internacional: 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. descentralizao de poder; organizao horizontal; inexistncia de hierarquia das normas; obedincia s leis decorre do consentimento; jurisdio facultativa; inexistncia de representao parlamentar; e coordenao/cooperao entre os Estados.

1.2. Carter jurdico do Direito Internacional Pblico. O Direito Internacional Pblico compreende um sistema jurdico autnomo, destinado a disciplinar as relaes entre os Estados, entre as organizaes internacionais e, ainda, entre aqueles e estas. H, nesse sentido, trs combinaes possveis de relaes jurdicas entre os sujeitos de Direito Internacional Pblico: Estado Estado Organizao Internacional Organizao Internacional Estado Organizao Internacional

3 Ademais, o Direito Internacional Pblico deve ser interpretado como fruto do consentimento; ou seja, trata-se de ramo do Direito Pblico que se materializa nica e exclusivamente por meio da vontade dos sujeitos possuidores de personalidade jurdica internacional. PACTA SUNT SERVANDA: A noo de consentimento est fundamentalmente vinculada ao princpio pacta sunt servanda, de inspirao romana, segundo o qual aquilo que foi acordado deve ser cumprido. Trata-se de princpio orientado muito mais por valores ticos abstratos que por normas jurdicas concretas. 1.3. Desenvolvimento histrico do Direito Internacional Pblico. 1o tratado internacional registrado na Histria: Tratado de Paz celebrado entre Hatusil III, rei dos hititas, e Ramss II, fara egpcio da XIXa dinastia (assinado em algum momento entre 1280 e 1272 a.C). O referido tratado ps fim s guerras entre os dois povos, estabelecendo aliana contra inimigos comuns e disciplinando as respectivas relaes de comrcio, migrao e extradio. Os tratados, na origem, fundamentavam-se no costume. As grandes navegaes iniciadas no sc. XV, resultantes da expanso dos imprios europeus (principalmente Espanha e Portugal), tornaram mais complexas as relaes entre os Estados. Por mais ou menos duzentos anos, os tratados celebrados so quase sempre bilaterais. Somente no sc. XVII comeam a surgir os primeiros tratados multilaterais e, no mesmo perodo, verifica-se a constitucionalizao dos Estados europeus, fenmeno que d origem insero dos parlamentos no contexto do Direito Internacional Pblico. Consolida-se, assim, o vnculo formal entre o Direito Internacional Pblico e o Direito Constitucional. 1.4. Cronograma histrico simplificado do Direito Internacional. 12801 0 14942 2006

Notas: (1) Tratado de Paz celebrado entre os hititas e os egpcios. (2) Tratado de Tordesilhas, celebrado entre Espanha e Portugal.

1.5. Teorias do Direito Internacional Pblico. DUALISMO. Conceito: Coexistncia de dois princpios ou posies contrrias, opostas.1 TEORIAS DUALISTAS (Carl Heinrich Triepel, ALEMANHA; Dionisio Anzilotti, ITLIA): a ordem internacional e a ordem interna compreendem sistemas autnomos e distintos, o que significa dizer que a validade e a eficcia de uma lei vigente em determinado Estado no esto condicionadas s regras ou aos costumes adotados pela comunidade internacional. MONISMO. Conceito: Doutrina filosfica segundo a qual o conjunto das coisas pode ser reduzido unidade.2

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Fonte: Dicionrio Aurlio. Fonte: Dicionrio Aurlio.

4 TEORIAS MONISTAS (duas correntes): 1a corrente monista (Hans Kelsen): unidade da ordem jurdica com a supremacia do Direito Internacional Pblico, ficando o ordenamento jurdico de cada Estado numa posio hierrquica inferior s leis internacionais; 2a corrente monista (durante o perodo da Guerra Fria: Unio Sovitica e aliados; atualmente: Bolvia, Coria do Norte, Cuba e Venezuela): unidade da ordem jurdica com a supremacia do ordenamento jurdico de cada Estado, sendo facultativa a adoo das leis internacionais.

2. ESTADOS.Nota explicativa: para efeito didtico, so dois os sujeitos de Direito Internacional Pblico: (1) os Estados; e (2) as organizaes internacionais. Estes sujeitos (entes, entidades, pessoas jurdicas) possuem personalidade jurdica internacional, uma caracterstica que produz trs capacidades, a saber: 1a: capacidade para celebrar tratados; 2a: capacidade para usufruir de privilgios e imunidades; e 3a: capacidade para patrocinar reclamaes internacionais. 2.1. Estado (perspectiva interna). Conceito: realidade poltica construda por fora da combinao dos elementos (a) populao, (b) territrio e (c) governo soberano. Conceito de Thomas HOBBES3: Uma grande multido institui a uma pessoa, mediante pactos recprocos uns com os outros, para em nome de cada um como autora, poder usar a fora e os recursos de todos, da maneira que considerar conveniente, para assegurar a paz e a defesa comum4 (grifei). Conceito de Georg HEGEL5: O Estado, como realidade em ato da vontade substancial, realidade que esta adquire na conscincia particular de si universalizada, o racional em si e para si: esta unidade substancial um fim prprio absoluto, imvel, nele a liberdade obtm o seu valor supremo, e assim este ltimo fim possui um direito soberano perante os indivduos que em serem membros do Estado tm o seu mais elevado dever6 (grifei). 2.2. Estado (perspectiva externa). Conceito: sujeito central do Direito Internacional Pblico, entidade possuidora de personalidade jurdica internacional.

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Conceito instrumental de Estado; em outras palavras, o Estado como meio. HOBBES, Thomas. Leviat ou matria, forma e poder de um estado eclesistico e civil. So Paulo: Martin Claret, 2001, p. 131. 5 Conceito finalstico de Estado; em outras palavras, o Estado como fim. 6 HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Princpios da filosofia do direito. So Paulo: Martins Fontes, 1997, p. 217.

5 Conceito de Francisco REZEK: O Estado, sujeito originrio de direito internacional pblico, ostenta trs elementos conjugados: uma base territorial, uma comunidade humana estabelecida sobre essa rea, e uma forma de governo no-subordinado a qualquer autoridade exterior7 (grifei). 2.3. Territrio. Conceito: rea sobre a qual o Estado exerce sua jurisdio, includos o limite terrestre, o mar territorial (no caso dos Estados banhados pelo mar) e o espao areo. 2.4. Populao. Conceito: total de indivduos domiciliados no territrio do Estado. Conceito de Francisco REZEK: Populao do Estado soberano o conjunto das pessoas instaladas em carter permanente sobre seu territrio: uma vasta maioria de sditos locais, e um contingente minoritrio em nmero proporcional varivel, conforme o pas de estrangeiros residentes.8

3. GOVERNO.Nota explicativa: a idia de governo soberano traduz uma dimenso binria, integrada pela noo de governo e pelo conceito de soberania. Inicialmente, devemos analisar o significado da noo de governo, fundamental para o estudo do Direito Internacional Pblico, especialmente no que diz respeito anlise do tema relacionado ao reconhecimento de Estado e de governo. 3.1. Governo. Conceito: a organizao poltica e administrativa do Estado. Conceito de Herman FINER: O exerccio da autoridade dos homens sobre os homens.9 Ainda de acordo com Herman FINER (Universidade de Chicago, maio de 1949), governo a combinao de dois elementos: (1) elemento poltico e (2) elemento administrativo; no mesmo sentido e vinte anos depois, outro FINER (Samuel, Universidade de Manchester, dezembro de 1969), haveria de confirmar tal entendimento, ao afirmar que o governo, no sentido de processo de governar, se compe de dois elementos escolher uma linha de ao e execut-la.10 Assim, a linha de ao o elemento poltico (contedo da ao: o que fazer) e a correspondente execuo representa o elemento administrativo (forma da ao: como fazer). 3.2. Reconhecimento de Estado e de governo. (1) reconhecimento de Estado: manifestao unilateral (declarao), expressa ou tcita, no sentido de admitir a existncia de outro Estado.7 8

do

Estado

REZEK, Jos Francisco. Direito internacional pblico: curso elementar. So Paulo: Saraiva, 1991, p. 163. REZEK, Jos Francisco. Direito internacional pblico: curso elementar. So Paulo: Saraiva, 1991, p. 179. 9 FINER, Herman. Theory and practice of modern government. New York: Holt, Rinehart and Winston, 1960, p. 04. 10 FINER, Samuel Edward. Governo comparado. Braslia: Editora Universidade de Braslia, 1981, p. 22.

6 (2) reconhecimento de governo: manifestao unilateral do Estado (declarao), expressa ou tcita, no sentido de admitir a legitimidade da ordem poltica vigente em determinado Estado.

4. ORGANIZAES INTERNACIONAIS.Nota explicativa: as organizaes internacionais so, para todos os efeitos, sujeitos de Direito Internacional Pblico. Entretanto, ao contrrio dos Estados, as organizaes internacionais representam um fenmeno recente do Direito Internacional Pblico, na medida em que surgiram no final do sc. 19 (considerada a primeira organizao internacional, a Universal Postal Union UPU, ou Unio Postal Universal, estabelecida em 1874, atualmente integrada por 191 Estados-membros). Entretanto, a doutrina indica 1919 como marco inicial da participao das organizaes internacionais na comunidade internacional, ano de fundao da Sociedade das Naes SDN (tambm conhecida como Liga das Naes), a qual seria extinta de fato em 1939 e extinta de direito em 1946. 4.1. Organizaes internacionais. Conceito: organizaes possuidoras de personalidade jurdica de Direito Internacional Pblico, formadas pela associao de Estados. Conceito de Ian BROWNLIE: Associao permanente de Estados, que prossegue fins lcitos, dotada de rgos prprios.11 4.2. Elementos constitutivos: (1) elemento material (agrupamento de Estados); e (2) elemento formal (personalidade jurdica internacional). 4.3. Caractersticas, estrutura organizacional e processo decisrio no mbito das organizaes internacionais. Caractersticas: (1) (2) (3) (4) (5) (6) competncia para celebrar tratados; personalidade jurdica autnoma e derivada; multiplicidade de membros; durao permanente; estatuto prprio; sede prpria (acordo-sede, tratado bilateral: pas de acolhimento).

Estrutura organizacional: (1) assemblia geral (sempre); (2) secretaria (sempre); (3) conselho permanente (em alguns casos; ex.: Conselho de Segurana da ONU). Processo decisrio:11

BROWNLIE, Ian. Princpios de direito internacional pblico. Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian, 1997, p. 709.

7 (1) (2) (3) (4) 4.4. Outros sujeitos. Indivduo. O indivduo no possui personalidade jurdica de Direito Internacional Pblico. Por outro lado, pode-se afirmar que o individuo destinatrio de normas de Direito Internacional Pblico. Todavia, conforme assinala Fernando Gamboa SERAZZI, j se reconhece ao indivduo a titularidade de certos direitos e obrigaes internacionais e, excepcionalmente e com bastante limitao, capacidade para fazer valer tais direitos12 perante algumas organizaes internacionais. Nas palavras de Carolina Ghinato DAOUD, a classificao da doutrina quanto ao tema, no sculo XX no uniforme; entretanto, possvel dividi-la em dois grandes grupos: os que negam e os que afirma ser o homem sujeito de Direito Internacional.13 Organizaes no-governamentais (ONGs). A sigla ONG corresponde a organizao no-governamental uma expresso que admite muitas interpretaes. A definio textual (ou seja, aquilo que no do governo) to ampla que abrange qualquer organizao de natureza no-estatal. Em mbito mundial, a expresso surgiu pela primeira vez na Organizao das Naes Unidas (ONU) aps a Segunda Guerra Mundial, com o uso da denominao em ingls Non-Governmental Organizations (NGOs) para designar organizaes supranacionais e internacionais que no foram estabelecidas por acordos governamentais. Do ponto de vista formal, uma ONG constituda pela vontade autnoma de mulheres e homens, que se renem com a finalidade de promover objetivos comuns de forma no lucrativa. Nossa legislao prev quatro formatos institucionais para a constituio de uma organizao sem fins lucrativos, com essas caractersticas associao, fundao, organizao religiosa e partido poltico. Por no ter objetivos confessionais ou eleitorais, juridicamente toda ONG uma associao civil ou uma fundao privada. No entanto, nem toda associao civil ou fundao uma ONG. Entre clubes recreativos, hospitais e universidades privadas, asilos, associaes de bairro, creches, fundaes e institutos empresariais, associaes de produtores rurais, associaes comerciais, clubes de futebol, associaes civis de benefcio mtuo, etc. e ONGs, temos objetivos e atuaes bastante distintos, s vezes, at opostos.14 As organizaes no-governamentais (ONGs) no possuem personalidade jurdica de Direito Internacional Pblico, razo pela qual no celebram tratados. Contudo, inegvel a importncia de determinadas ONGs no cenrio internacional, tais como o Greenpeace e a Amnesty International. Empresas transnacionais. As empresas transnacionais (ou empresas multinacionais) so empresas comerciais (possuem finalidade lucrativa) que exercem suas atividades no apenas nos Estados de origem, mas igualmente em territrios estrangeiros. Empresas como a Kodak, Pfizer, Shell, Toshiba, e Adidas, so empresas transnacionais. Assim como as ONGs, as empresas transnacionais no possuem personalidade jurdica de Direito Internacional Pblico. mtodo deliberativo; voto unitrio em assemblia geral; aplicabilidade eventual do princpio majoritrio; atos revestidos de formalidade (ex.: Resolues da ONU).

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SERAZZI, Fernando Gamboa. Tratado de derecho internacional pblico. Santiago de Chile: Lexis Nexis, 2003,p. 303. 13 DAOUD, Carolina Ghinato. In O indivduo como pessoa de Direito Internacional Pblico e a Corte Internacional Penal (http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1637). 14 Fonte: Associao Brasileira de Organizaes No Governamentais ABONG (www.abong.org.br).

8 Casos especiais. (a) Santa S: sediada em Roma, a Santa S (nome oficial: Estado da Cidade do Vaticano) a cpula de governo da Igreja Catlica; a Santa S possui personalidade jurdica de Direito Internacional Pblico (por fora de razes histricas). A Santa S integra mais de 30 organizaes internacionais e mantm relaes diplomticas com mais de 150 Estados. O embaixador da Santa S nos Estados estrangeiros recebe o ttulo de nncio (do latim nuntiu), palavra que significa Embaixador do Papa. A Nunciatura Apostlica (nuntiatus apostolicu) a residncia do nncio; ou seja, a residncia do Embaixador do Papa. (b) Micro-Estados: os micro-Estados possuem personalidade jurdica de Direito Internacional Pblico. Entretanto, parcela das competncias dos micro-Estados transferida a outros Estados soberanos (via de regra um Estado vizinho), tais como a emisso de moeda e a segurana de fronteiras. Alguns exemplos: (1) Mnaco, (2) Liechtenstein, (3) So Marinho e (4) Andorra.

5. PERSONALIDADE JURDICA INTERNACIONAL.Nota explicativa: a maioria dos autores fala em personalidade jurdica internacional (ao invs de apenas personalidade internacional) para descrever o status jurdico inerente aos sujeitos de Direito Internacional Pblico (Estados e organizaes internacionais). 5.1. Personalidade jurdica internacional. Conceito: caracterstica jurdica fundamental dos sujeitos de Direito Internacional Pblico, qualidade que confere aos Estados e s organizaes internacionais (1) capacidade para celebrar tratados; (2) capacidade para usufruir de privilgios e imunidades; e (3) capacidade para patrocinar reclamaes internacionais. A personalidade jurdica internacional original (ou originria), no caso dos Estados; e derivada (ou no-originria), quando falamos das organizaes internacionais. Na primeira hiptese, a personalidade jurdica internacional decorre do prprio surgimento do Estado; na segunda hiptese, a personalidade jurdica internacional emana das organizaes internacionais, as quais no se confundem com os Estados-membros (Estados que se associam para instituir as organizaes internacionais). De acordo com Jorge Bacelar GOUVEIA, a personalidade jurdica internacional deve ser interpretada como um dos trs elementos da subjetividade internacional15: (1) personalidade jurdica internacional: A personalidade jurdica internacional a susceptibilidade para ser destinatrio de normas e princpios de Direito Internacional, dos quais diretamente decorre a oportunidade para a titularidade de direitos (situaes jurdicas ativas) ou para se ficar adstrito a deveres (situaes jurdicas passivas). (2) capacidade jurdica internacional: A capacidade jurdica internacional afere-se pelo conjunto dos direitos e dos deveres que podem estar inscritos na esfera jurdico15

GOUVEIA, Jorge Bacelar. Manual de direito internacional pblico. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 353.

9 internacional da entidade em causa, tambm se diferenciando entre uma dimenso de titularidade e uma dimenso de exerccio dos mesmos. (3) pessoa jurdica internacional: A pessoa jurdica internacional significa que, numa entidade singular ou coletiva, se junta a susceptibilidade para ser titular de direitos e destinatrio de deveres (...).

SEGUNDA PARTE

10 FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL PBLICO O ARTIGO 38 DO ESTATUTO DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIA TRATADOS, COSTUMES E PRINCPIOS GERAIS DE DIREITO JURISPRUDNCIA INTERNACIONAL, DOUTRINA E EQIDADE OUTRAS FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL PBLICO ________________________________________________________________________________

1. FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL PBLICO.Nota explicativa: para efeito de compreenso didtica das fontes do Direito Internacional Pblico, deve-se ter em mente o disposto no artigo 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justia CIJ. H que se ressaltar, no entanto, que as fontes do Direito Internacional Pblico no se limitam quelas citadas no artigo 38. Artigo 38. 1. A Corte, cuja funo decidir em conformidade com o direito internacional as controvrsias que lhe forem submetidas, aplicar: a. As convenes internacionais, quer gerais, quer especiais, que estabeleam regras expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes; b. O costume internacional, como prova de uma prtica geral aceite como direito; c. Os princpios gerais de direito, reconhecidos pelas naes civilizadas; d. Com ressalva das disposies do artigo 59, as decises judiciais e a doutrina dos publicistas mais qualificados das diferentes naes, como meio auxiliar para a determinao das regras de direito. 2. A presente disposio no prejudicar a faculdade da Corte de decidir uma questo ex aequo et bono, se as partes assim convierem. Da leitura do artigo 38, poderamos imaginar a existncia de uma hierarquia das normas internacionais. Em verdade, no h, no domnio do Direito Internacional Pblico, hierarquia normativa de qualquer tipo. Entretanto, a moderna doutrina aponta a supremacia do princpio jus cogens em relao ao conjunto de normas, convencionais ou consuetudinrias, que integram a ordem jurdica internacional. O artigo 38 no taxativo, mas apenas uma referncia indicativa de fontes do Direito Internacional Pblico. O termo decises judiciais se refere jurisprudncia internacional; a infeliz expresso naes civilizadas deve ser compreendida como sinnimo de Estados. Por fim, decidir uma questo ex aequo et bono significa que a CIJ poder valer-se da eqidade em seus julgamentos, desde que haja concordncia das partes em conflito em relao adoo de tal mtodo.

2. TRATADOS.Nota explicativa: o tratado a fonte mais importante do Direito Internacional Pblico. Independentemente da expresso utilizada (tratado, tratado internacional, conveno, protocolo, acordo, constituio, carta, estatuto, concordata), o

11 termo tratado (e todas as demais expresses congneres) se refere quele pacto celebrado por escrito entre sujeitos possuidores de personalidade jurdica internacional (Estados e organizaes internacionais). 2.1. Tratado. Conceito. O tratado designa qualquer acordo concludo entre dois ou mais sujeitos de direito internacional, destinado a produzir efeitos de direito e regulado pelo direito internacional.16 Conceito de Francisco REZEK: Tratado todo acordo formal concludo entre sujeitos de direito internacional pblico, e destinado a produzir efeitos jurdicos.17 Conceito fixado pela CONVENO DE VIENA SOBRE O DIREITO DOS TRATADOS de 1969 (artigo 2o): Um acordo internacional concludo por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, quer conste de um instrumento nico, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominao especfica. 2.2 Caractersticas fundamentais dos tratados. (1) Multiplicidade de partes (duas ou mais partes signatrias): tratados bilaterais (exatamente duas partes signatrias); tratados multilaterais (trs ou mais partes signatrias). (2) Personalidade jurdica de Direito Internacional Pblico dos pactuantes: Estados soberanos; Organizaes internacionais. (3) Formalidade: o tratado um acordo rigorosamente formal. Em outras palavras, todo e qualquer tratado ser necessariamente celebrado por escrito. O tratado, portanto, possui natureza formal e documental. (4) Produo de efeitos jurdicos: todo e qualquer tratado produzir necessariamente efeitos jurdicos para os pactuantes (partes signatrias). Nesse sentido, o tratado possui, tambm, natureza binria: ao mesmo tempo ato jurdico e norma jurdica. (5) Modelo estruturado: Prembulo (sempre): introduo; Dispositivo (sempre): contedo; Anexos (eventualmente): detalhamento. (6) Aplicabilidade do princpio pacta sunt servanda: o tratado , acima de tudo, um pacto. Por isso mesmo, a todo e qualquer tratado aplica-se o princpio pacta sunt servanda (o que foi pactuado dever ser cumprido). O tratado compreende, dessa forma, a combinao de normas jurdicas concretas (direitos e obrigaes das partes signatrias) com valores ticos abstratos (boa-f e expectativa de realizao do acordo).16

DAILLIER, Patrick (Nguyen Quoc Dinh e Alain Pellet). Direito Internacional Pblico. Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian, 2003, p. 120. 17 REZEK, Jos Francisco. Direito internacional pblico: curso elementar. So Paulo: Saraiva, 1991, p. 14.

12 (7) Aplicabilidade do princpio do consentimento: a noo de consentimento (anuncia, aprovao, permisso) essencial a todo e qualquer tratado. absolutamente nulo, por exemplo, o tratado no qual um dos Estados pactuantes tenha sofrido coao por ameaa ou por emprego da fora. (8) Regncia do Direito Internacional Pblico: sendo ao mesmo tempo ato jurdico e norma jurdica, o tratado dever estar amparado por alguma ordem jurdica. Sabendo-se que a jurisdio da sociedade internacional facultativa, e tendo em vista a inaplicabilidade do princpio da subordinao na esfera desta mesma sociedade internacional, o tratado ser sempre regido, por conseqncia, pelo Direito Internacional Pblico. 2.3. Gnese, validade e extino dos tratados. A compreenso da gnese (formao) dos tratados pressupe, como ponto de partida, a idia de que a representatividade exterior destinada negociao e celebrao de tratados caracterstica comum de todo e qualquer sujeito possuidor de personalidade jurdica internacional), razo pela qual importante identificar a titularidade e o limite da representatividade exterior. 2.4. Representatividade exterior. chefe de Estado (mandatrio): representatividade exterior originria e ampla (negociao e celebrao); chefe de governo (mandatrio): representatividade exterior originria e ampla (negociao e celebrao); ministro de Estado responsvel pelas relaes exteriores (plenipotencirio): representatividade exterior derivada e ampla (negociao e celebrao). chefe de misso diplomtica (plenipotencirio): representatividade exterior derivada e limitada (negociao apenas). 2.5. Gnese: negociao bilateral ou multilateral (coletiva). A fase de negociao representa fundamentalmente o incio da gnese dos tratados. nesta fase que os futuros signatrios negociam os termos dos tratados, os quais sero celebrados aps negociaes bilaterais ou multilaterais (coletivas). negociao bilateral: ocorre normalmente no territrio de uma das signatrias. A inexistncia de relacionamento diplomtico permanente entre os pactuantes no impede a celebrao do tratado bilateral. Neste caso, uma das partes enviar para o territrio da outra parte uma delegao ad hoc. negociao multilateral (coletiva): ocorre normalmente na esfera de uma conferncia diplomtica internacional. A convocao deste tipo de conferncia ocorre por iniciativa dos Estados soberanos e das organizaes internacionais e, eventualmente, por iniciativa de algum Estado soberano que, mesmo no sendo um dos signatrios, possui interesse na matria a ser pactuada. 2.6. Validade.

13 A idia de que o tratado um acordo significa que este tipo de pacto produz efeitos jurdicos para as partes signatrias, sendo ao mesmo tempo ato jurdico vlido e norma jurdica igualmente vlida para os pactuantes. So trs as condies fundamentais de validade do tratado: (1a) competncia dos signatrios; (2a) objeto lcito e possvel; e (3a) consentimento obrigatrio. 2.7. Extino. No que diz respeito extino do tratado, importante observar, inicialmente, as espcies de vigncia deste tipo de acordo: (1) tratado esttico (vigncia perptua); e (2) tratado dinmico (vigncia por tempo indeterminado e por tempo determinado). Extino pela vontade comum: d-se o nome de ab-rogao revogao resultante da vontade comum dos pactuantes. A ab-rogao (1) predeterminada (quando o texto do tratado prev o fim da vigncia); ou (2) superveniente (quando a revogao decorre da vontade das partes, mesmo inexistindo previso nesse sentido no texto do tratado vigente). Extino pela vontade unilateral: d-se o nome de denncia (ato unilateral) revogao resultante da vontade de um dos pactuantes em retirar-se do tratado. A comunicao da denncia um ato formal materializado por meio de notificao (carta ou instrumento), independentemente da existncia ou inexistncia de previso expressa no texto do tratado para este tipo de revogao. 2.8. Causas motivadoras da extino. A extino do tratado ocorrer por ab-rogao ou por denncia. importante observar que a extino poder ocorrer em funo de trs hipteses: (1a) fim da vontade de permanecer pactuando; (2a) impossibilidade de execuo do pactuado; (3a) alterao fundamental das circunstncias.

3. COSTUMES.Nota explicativa: o costume a fonte mais antiga do Direito Internacional Pblico, fenmeno jurdico anterior a qualquer noo de acordo internacional celebrado por escrito: trata-se de verdadeira fonte do Direito Internacional Pblico. O costume, a depender do grau de sua aceitao pelos membros da comunidade internacional, muitas vezes consolidado nos textos dos tratados bilaterais e multilaterais. 3.1. Costume internacional. Conceito: Prtica geral aceita como direito (Estatuto da CIJ: art. 38, 1, b). Conceito de Francisco REZEK: A repetio, ao longo do tempo, de um certo modo de proceder ante determinado quadro de fato.18 3.2. Elementos constitutivos do costume internacional. (a) elemento material ( o corpus ): a repetio da conduta (cumpriment o repetido de atos denominados precedentes19);18 19

REZEK, Jos Francisco. Direito internacional pblico: curso elementar. So Paulo: Saraiva, 1991, p. 122. DAILLIER, Patrick (Nguyen Quoc Dinh e Alain Pellet). Direito Internacional Pblico. Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian, 2003, p. 329.

14 (b) elemento psicolgico ( o animus ): a idia de justia (convico dos sujeitos de direito de que o cumprimento de tais atos obrigatrio porque o direito o exige20). 3.3. Abrangncia do costume internacional. (a) universal: costume internacional reconhecido por toda a comunidade internacional; (b) regional: costume internacional reconhecido na esfera especfica de determinadas regies; (c) local: costume internacional reconhecido apenas no mbito de determinadas localidades.

4. PRINCPIOS GERAIS DE DIREITO.Nota explicativa: os princpios gerais de direito representam a fonte mais universal do Direito Internacional Pblico. Para efeito de classificao, podemos posicionar os princpios gerais de direito em trs grandes categorias: (1) princpios gerais de direito especficos do Direito Internacional Pblico; (2) princpios gerais de direito comuns ao Direito Internacional Pblico e aos ordenamentos jurdicos internos; e (3) princpios gerais de direito consagrados pela jurisprudncia internacional. Conceito: princpios que traduzem regras jurdicas universalmente aceitas pelos sujeitos de Direito Internacional Pblico. 4.1. Princpios gerais de direito especficos do Direito Internacional Pblico. princpio da no-agresso; princpio da autodeterminao dos povos; princpio do desarmamento; princpio da soluo pacfica dos litgios entre Estados; princpio da coexistncia pacfica. 4.2. Princpios gerais de direito comuns ao Direito Internacional Pblico e aos ordenamentos jurdicos internos. princpio pacta sunt servanda; princpio lex posterior derogat priori; princpio nemo plus juris.

5. JURISPRUDNCIA INTERNACIONAL, DOUTRINA E EQIDADE.Nota explicativa: a jurisprudncia internacional (decises judiciais) e a doutrina representam um meio auxiliar para a determinao das regras de direito internacional, nos termos do disposto no artigo 38 do Estatuto da CIJ (1, d). Em outras palavras, so instrumentos de interpretao do Direito Internacional Pblico vigente. No20

DAILLIER, Patrick (Nguyen Quoc Dinh e Alain Pellet). Direito Internacional Pblico. Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian, 2003, p. 329.

15 que se refere eqidade, trata-se de um modo de aplicar o sentimento ideal de justia aos casos concretos21 (grifo original). 5.1. Jurisprudncia internacional (decises judiciais). Conceito: conjunto de decises arbitrais proferidas no mbito da sociedade internacional, desde os tempos mais antigos, e decises proferidas pelos tribunais internacionais, tais como as sentenas da CIJ. 5.2. Doutrina. Conceito: opinio (livros, teses, pareceres) dos especialistas em Direito Internacional Pblico. O provimento da prova da substncia do Direito Internacional Pblico uma das principais funes da doutrina, alm da influncia que esta exerce sobre o desenvolvimento qualitativo do ordenamento jurdico internacional. 5.3. Eqidade. Conceito: do latim aequitate, a eqidade um mtodo de raciocnio jurdico, mecanismo de anlise amparado pela combinao da noo de igualdade com a idia de moderao (a eqidade no norma jurdica). Os estudos sobre a eqidade so antigos e encontraram em Aristteles profundas reflexes sobre o tema. Para o filsofo grego, a eqidade deve ser compreendida na perspectiva da proporcionalidade. Trata-se da igualdade proporcional aristotlica: Se as pessoas no forem iguais, elas no tero uma participao igual nas coisas, mas isto a origem de querelas e queixas (quando pessoas iguais tm e recebem quinhes desiguais, ou pessoas desiguais recebem quinhes iguais).22

6. OUTRAS FONTES.Nota explicativa: as fontes do Direito Internacional Pblico no se limitam aos tratados, aos costumes e aos princpios gerais de direito. As normas imperativas de Direito Internacional ( jus cogens ) e os atos unilaterais (atos unilaterais dos Estados e atos unilaterais das organizaes internacionais) so do mesmo modo fontes do Direito Internacional Pblico (independentemente do silncio do artigo 38 do Estatuto da CIJ).

6.1. Normas imperativas de Direito Internacional ( jus cogens ). Conceito de jus cogens: o direito imperativo; o direito que obriga. Na esfera especfica do Direito Internacional Pblico, deve-se interpretar o princpio jus cogens como o conjunto de normas que objetivamente impem direitos e obrigaes aos Estados e21

Andr Gonalves Pereira e Fausto de Quadros, citados por Jorge Miranda (MIRANDA, Jorge. Curso de direito internacional pblico. Estoril: Princpia, 2006. p. 44. 22 ARISTTELES. tica a Nicmacos. 3a ed. Braslia: Universidade de Braslia, 1992, p. 96.

16 s organizaes internacionais. O princpio jus cogens foi disciplinado formalmente em 1969, ano de celebrao da CONVENO DE VIENA SOBRE O DIREITO DOS TRATADOS. O art. 53 do referido tratado determina que: ARTIGO 53. TRATADO EM CONFLITO COM UMA NORMA IMPERATIVA DE DIREITO INTERNACIONAL GERAL (JUS COGENS) nulo um tratado que, no momento de sua concluso, conflite com uma norma imperativa de Direito Internacional geral. Para os fins da presente Conveno, uma norma imperativa de Direito Internacional geral uma norma aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados como um todo, como norma da qual nenhuma derrogao permitida e que s pode ser modificada por norma ulterior de Direito Internacional geral da mesma natureza (grifei). O mesmo princpio foi consolidado no texto da CONVENO DE VIENA SOBRE DIREITOS DOS TRATADOS ENTRE ESTADOS E ORGANIZAES INTERNACIONAIS OU ENTRE ORGANIZAES INTERNACIONAIS (1986). As normas imperativas de Direito Internacional so fundamentalmente normas proibitivas. Alguns exemplos: (1) proibio do genocdio; (2) proibio da escravido; (3) proibio da segregao racial; (4) proibio da tortura. 6.2. Atos unilaterais. Conceito: ato imputvel a um nico sujeito de direito internacional.23 (1) Atos unilaterais dos Estados: (a) notificao; (b) reconhecimento; (c) protesto; (d) renncia; (e) promessa. (2) Atos unilaterais das organizaes internacionais. (a) decises; (b) recomendaes.

TERCEIRA PARTESOBERANIA E JURISDIO PRIVILGIOS E IMUNIDADES DIPLOMTICAS E CONSULARES NACIONALIDADE: ARTIGO 12 DA CONSTITUIO FEDERAL CONDIO JURDICA DO ESTRANGEIRO23

DAILLIER, Patrick (Nguyen Quoc Dinh e Alain Pellet). Direito Internacional Pblico. Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian, 2003, p. 368.

17 ASILO POLTICO ________________________________________________________________________________

1. SOBERANIA E JURISDIO.Nota explicativa: qualquer conceito razovel de Estado pressupe a idia de que o fenmeno estatal uma realidade integrada por trs elementos: (1) territrio; (2) populao; e (3) governo. Surge, porm, no domnio doutrinrio, dvida quanto existncia (ou inexistncia) de um quarto elemento: a soberania. A maioria dos autores interpreta a soberania no como um quarto elemento autnomo, e sim como uma qualificadora do elemento governo (da a expresso governo soberano). A jurisdio, por outro lado, pode ser interpretada como o limite do exerccio da soberania; ou, em termos mais amplos, o poder estatal de proclamar o direito nos limites da sua soberania. 1.1. Soberania. Conceito: o conjunto de poderes que sustentam o Estado. Conceito do Dicionrio de poltica: (...) o poder de mando de ltima instncia numa sociedade poltica; (...) a racionalizao jurdica do poder (...).24 1.2. Perspectivas interna e externa da soberania. (1) perspectiva interna: o supremo poder ( suprema potestas ) do Estado sobre o territrio e a populao. (2) perspectiva externa: a materializao poltica da igualdade, fenmeno que coloca o Estado no mesmo plano (horizontal) dos demais Estados soberanos. 1.3. Soberania internacional. A idia de soberania internacional (decorrente da perspectiva externa do conceito de soberania) fundamental para a compreenso do Estado como sujeito possuidor de personalidade jurdica internacional e, por isso mesmo, sujeito de direitos e deveres na esfera da comunidade internacional. Comum, nesse sentido, a expresso Estado soberano, frmula que enfatiza a soberania do Estado, trao que consagra o princpio basilar da igualdade entre Estados. Nas palavras de Jorge Bacelar GOUVEIA, a soberania internacional produz duas categorias de situaes jurdicas para o Estado: direitos: a no sujeio orgnica dos Estados a outros sujeitos; a presuno de regularidade dos respectivos atos; a sua autonomia constitucional na respectiva organizao poltica; deveres: o respeito pelo Direito Internacional; a proibio de ingerncia em assuntos internos; a proibio do uso da fora, salvo em legtima defesa; o dever de cooperao internacional.25 1.4. Jurisdio estatal.24

BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; Gianfranco PASQUINO. Dicionrio de poltica. Vol. 2, 12a ed. Braslia: Universidade de Braslia, So Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2003, p. 1179. 25 GOUVEIA, Jorge Bacelar. Manual de direito internacional pblico. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 371.

18 Conceito: o poder do Estado relacionado ao cumprimento de suas competncias. Conceito de Fernando Gamboa SERAZZI: A jurisdio um termo que se refere aos poderes que um Estado exerce sobre pessoas, bens ou atos.26 Conceito de Santiago BENADAVA: A administrao da justia civil e criminal pelos tribunais do Estado.27 1.5. Caractersticas da jurisdio estatal. generalidade: o poder do Estado em relao ao cumprimento de suas competncias compreende todas as reas de atuao do poder pblico; exclusividade: o Estado no possui concorrncia de outros Estados soberanos, o que significa dizer que o exerccio das competncias estatais privativo do prprio Estado. 1.6. Imunidade jurisdio estatal. A imunidade jurisdio estatal compreende a idia de que os representantes de determinado Estado soberano junto ao governo de outro Estado soberano no sero submetidos, via de regra, jurisdio deste Estado. A imunidade jurisdio estatal ampla em relao s misses diplomticas e limitada no caso das misses consulares. A imunidade jurisdio estatal essencialmente processual; ou seja, irrelevante, por exemplo, se o embaixador noruegus no Brasil tenha cometido um homicdio ou uma leso corporal, ou se estes crimes deram-se na modalidade culposa ou dolosa. Em ambos os casos, o referido diplomata no ser processado criminalmente junto ao Poder Judicirio brasileiro. 1.7. Renncia imunidade jurisdicional. A renncia imunidade jurisdicional uma prerrogativa do Estado acreditante (Estado de origem dos representantes diplomticos e consulares). Por outro lado, os membros da misso diplomtica e os membros da misso consular no podero, por iniciativa prpria, renunciar imunidade jurisdicional. Trata-se, portanto, de prerrogativa estatal. Entretanto, os representantes estrangeiros devem respeitar as leis vigentes no mbito territorial do Estado acreditado (Estado de destino dos representantes diplomticos e consulares), nos termos do art. 41, 1, da Conveno de Viena sobre Relaes Diplomticas (Decreto no 56.435, de 08.06.65), e do art. 55, 1, da Conveno de Viena sobre Relaes Consulares (Decreto no 61.078, de 26.07.67). Conveno de Viena sobre Relaes Diplomticas Art. 41. 1. Sem prejuzo de seus privilgios e imunidades todas as pessoas que gozem desses privilgios e imunidades devero respeitar as leis e os regulamentos do Estado acreditado. Tm tambm o dever de no se imiscuir nos assuntos internos do referido Estado.26

SERAZZI, Fernando Gamboa. Tratado de derecho internacional pblico. Santiago de Chile: Lexis Nexis, 2003, p. 220. 27 BENADAVA, Santiago. Derecho internacional pblico. Santiago de Chile: Lexis Nexis, 2004, p. 239.

19 Conveno de Viena sobre Relaes Consulares Art. 55. 1. Sem prejuzo de seus privilgios e imunidades todas as pessoas que se beneficiem desses privilgios e imunidades devero respeitar as leis e regulamentos do Estado receptor. Tero igualmente o dever de no se imiscuir nos assuntos internos do referido Estado. 1.8. Servios diplomticos e servios consulares (rgos do Estado nas relaes internacionais). Na esfera das relaes internacionais, caracterizadas essencialmente pela relao estabelecida entre Estados no mbito da comunidade internacional, estes se fazem representar nos territrios estrangeiros por meio de servios diplomticos e de servios consulares. De acordo com Francisco REZEK, o diplomata representa o Estado de origem junto soberania local, e para o trato bilateral dos assuntos de Estado.28 Por outro lado, o cnsul representa o Estado de origem para o fim de cuidar, no territrio onde atue, de interesses privados (...).29 1.9. Convenes de Viena sobre privilgios e imunidades. A questo relacionada aos privilgios e s imunidades foi disciplinada por duas convenes celebradas em Viena (ustria) na dcada de 60. A Conveno de Viena sobre Relaes Diplomticas foi celebrada em 1961 e promulgada no Brasil em 1965 (Decreto no 56.435, de 08 de junho de 1965); a Conveno de Viena sobre Relaes Consulares foi celebrada em 1963 e promulgada no Brasil em 1967 (Decreto no 61.078, de 26 de julho de 1967). Deve-se observar, ainda, que os servios diplomticos e os servios consulares possuem natureza distinta, embora alguns pases tenham unificado as duas carreiras, tal como ocorre no Brasil. 1.10. Privilgios e imunidades diplomticas. Na esfera da misso diplomtica, os membros do quadro diplomtico propriamente dito (ex.: embaixadores) e os membros do quadro administrativo e tcnico (ex.: tradutores e contadores) possuem ampla imunidade penal, civil e tributria. Alm disso, tais indivduos so fisicamente inviolveis e em hiptese alguma sero obrigados a depor como testemunhas. A referida imunidade estende-se aos respectivos familiares, desde que estes sejam dependentes. J os locais da misso diplomtica so igualmente inviolveis, bem como as residncias dos membros do quadro diplomtico e dos membros do quadro administrativo e tcnico. A regra a mesma para os respectivos arquivos e documentos. 1.11. Privilgios e imunidades consulares. Os privilgios e imunidades consulares so muito semelhantes queles inerentes misso diplomtica. Entretanto, tais privilgios e imunidades limitam-se aos atos de ofcio praticados pelos cnsules e pelos funcionrios consulares, razo pela qual os respectivos familiares no havero de possuir quaisquer prerrogativas, inclusive no que se refere inviolabilidade das residncias. Por outro lado, os locais destinados ao servio consular so inviolveis, mas na exata28 29

REZEK, Jos Francisco. Direito internacional pblico: curso elementar. So Paulo: Saraiva, 1991, p. 170. REZEK, Jos Francisco. Direito internacional pblico: curso elementar. So Paulo: Saraiva, 1991, p. 170.

20 medida da utilizao funcional desses espaos (ex.: escritrios de trabalho). Os arquivos e documentos so do mesmo modo inviolveis.

2. NACIONALIDADE: ARTIGO 12 DA CONSTITUIO FEDERAL.Nota explicativa: o conceito de nacionalidade possui grande relevncia para o Direito Internacional Pblico, principalmente no contexto da imensa circulao de indivduos entre pases, um dos fenmenos evidentes do processo de globalizao. No Brasil, a nacionalidade matria constitucional, ao passo que o chamado regime jurdico do estrangeiro foi disciplinado pela Lei dos Estrangeiros (Lei no 6.815, de 19 de agosto de 1980). 2.1. Nacionalidade. Conceito: o elo de ligao entre determinado indivduo e determinado Estado, normalmente definido em funo do pas de nascimento. Conceito de Santiago BENADAVA: vnculo jurdico e poltico que liga uma pessoa a determinado Estado em virtude do qual a pessoa assume perante o Estado obrigaes de lealdade e fidelidade, comprometendo-se o Estado e proteg-la.30 2.2. Estrangeiros. Conceito: aqueles indivduos que no so nacionais de determinado Estado. Conceito do Dicionrio Aurlio: Indivduo que no natural do pas onde mora ou se encontra.31 2.3. Condio jurdica do estrangeiro. Os critrios que determinam a entrada, a permanncia e a sada de estrangeiros do territrio do Estado dependem rigorosamente do poder discricionrio de cada Estado soberano. Desde os tempos das mais antigas civilizaes, a circulao de estrangeiros entre os pases sempre marcou a histria dos povos. No Brasil, o assunto disciplinado pela Lei dos Estrangeiros (Lei no 6.815, de 19 de agosto de 1980). Dispe o art. 1o do mencionado diploma legal: Art. 1o Em tempo de paz, qualquer estrangeiro poder, satisfeitas as condies desta Lei, entrar e permanecer no Brasil e dele sair, resguardados os interesses nacionais. 2.4. Deportao, expulso e extradio. A deportao, a expulso e a extradio so as trs espcies do gnero excluso do estrangeiro do territrio nacional. As trs hipteses esto disciplinadas no texto da Lei no 6.815/80. 2.5. Conceitos.30 31

BENADAVA, Santiago. Derecho internacional pblico. Santiago de Chile: Lexis Nexis, 2004, p. 183. FERREIRA, Aurlio Buarque de Holanda. Dicionrio Aurlio Eletrnico Sculo XXI. Verso 3.0. Lexikon Informtica Ltda., 1999.

21 (1) Deportao32: A deportao a forma de excluso motivada pela entrada irregular ou pela permanncia tambm irregular de estrangeiro em territrio nacional. Exemplo1: chins que entra clandestinamente no Brasil com a finalidade de procurar emprego. Exemplo2: chins que entra no Brasil com visto de turista e, tempos depois, flagrado trabalhando como vendedor ambulante. (2) Expulso33: A expulso a forma de excluso motivada, via de regra, pela prtica de crime doloso em territrio nacional, cujo autor estrangeiro. Exemplo: nigeriano condenado pela prtica do crime de trfico de drogas. (c) Extradio34: Extradio a entrega, por um Estado a outro, e a pedido deste, de indivduo que em seu territrio deva responder a processo penal ou cumprir pena.35 Exemplo: mediante pedido formal do governo da Blgica, cidado belga que figura como ru em processo penal perante algum tribunal de Bruxelas extraditado do Brasil para aquele pas. 2.6. Asilo poltico (direito de asilo). Conceito de asilo poltico: o amparo estatal a estrangeiro perseguido, via de regra, em seu pas de origem. A concesso de asilo poltico constitui um dos princpios pelos quais o Brasil reger-se- nas suas relaes internacionais (CF: artigo 4o, inciso X). O crime poltico, a convico religiosa e o racismo, notadamente o primeiro, so exemplos de causas motivadoras da concesso de asilo poltico. A concesso de asilo poltico, entretanto, exclui aqueles fatos ilcitos (crimes) previstos na legislao penal comum. 2.7. Artigo 14 da Declarao Universal dos Direitos Humanos. Artigo 14. 1. Toda a pessoa sujeita a perseguio tem o direito de procurar e de beneficiar de asilo em outros pases.

32 33 34 35

A deportao ocorre por iniciativa das autoridades locais. A expulso ocorre por iniciativa das autoridades locais. A extradio no ocorre por iniciativa das autoridades locais. REZEK, Jos Francisco. Direito internacional pblico: curso elementar. So Paulo: Saraiva, 1991, p. 200.

22 2. Este direito no pode, porm, ser invocado no caso de processo realmente existente por crime de direito comum ou por atividades contrrias aos fins e aos princpios das Naes Unidas.36 2.8. Convenes Interamericanas de 1954. O artigo I da CONVENO INTERAMERICANA SOBRE ASILO TERRITORIAL (1954) estabelece que todo Estado tem direito, no exerccio de sua soberania, de admitir dentro de seu territrio as pessoas que julgar conveniente, sem que, pelo exerccio desse direito, nenhum outro Estado possa fazer qualquer reclamao.37 Em sentido anlogo, o artigo II da CONVENO INTERAMERICANA SOBRE ASILO DIPLOMTICO (1954) afirma que todo Estado tem o direito de conceder asilo, mas no se acha obrigado a conced-lo, nem a declarar por que o nega. 38 As citadas convenes foram celebradas no mbito da Organizao dos Estados Americanos OEA. So duas as espcies, portanto, de asilo poltico: (1) asilo territorial: concede-o o Estado quele estrangeiro que, havendo cruzado a fronteira, colocou-se no mbito espacial de sua soberania, e a requereu o benefcio.39 (2) asilo diplomtico: essa modalidade significa apenas um estgio provisrio, uma ponte para o asilo territorial, a consumar-se no solo daquele mesmo pas cuja embaixada acolheu o fugitivo, ou eventualmente no solo de um terceiro pas que o aceite.40 2.9. Pressupostos para a concesso do asilo poltico. (1) criminalidade poltica (os crimes imputados ao estrangeiro fugitivo devem possuir natureza poltica); (2) estado de urgncia (a perseguio poltica ao estrangeiro fugitivo deve ser atual); e (3) misso diplomtica como local de destino da fuga (excludos, portanto, os consulados).

QUARTA PARTERESPONSABILIDADE INTERNACIONAL E CONFLITOS INTERNACIONAIS MEIOS PACFICOS DE SOLUO DOS CONFLITOS INTERNACIONAIS DIREITO INTERNACIONAL HUMANITRIO DECLARAO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS36 37

Fonte: < http://www.unhchr.ch/udhr/lang/por.htm >. Fonte: < http://www.oas.org/juridico/portuguese/treaties/A-47.htm >. 38 Fonte: < http://www.oas.org/juridico/portuguese/treaties/A-46.htm >. 39 REZEK, Jos Francisco. Direito internacional pblico: curso elementar. So Paulo: Saraiva, 1991, p. 218. 40 REZEK, Jos Francisco. Direito internacional pblico: curso elementar. So Paulo: Saraiva, 1991, p. 219.

23 ________________________________________________________________________________

1. RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL E CONFLITOS INTERNACIONAIS.Nota explicativa: os Estados e as organizaes internacionais so sujeitos de Direito Internacional Pblico, razo pela qual so possuidores de personalidade jurdica internacional. Eventualmente, atentaro contra a ordem jurdica internacional. A prtica de atos ilcitos no ambiente internacional fenmeno antigo e representa tema fundamental do Direito Internacional Pblico. Importante ressaltar, entretanto, que a idia de ato ilcito tem sentido amplo, abrangendo toda e qualquer ramificao do Direito Internacional Pblico. Assim, quando um Estado (ou at mesmo uma organizao internacional) pratica um ato ilcito, tal ato deve ser entendido como uma violao da ordem jurdica internacional, integrada fundamentalmente por normas jurdicas escritas (tratados) e consuetudinrias (costumes internacionais). Nesse sentido, podemos afirmar que os atos ilcitos internacionais possuem imenso potencial para produzir os chamados conflitos internacionais, embates travados entre os sujeitos de Direito Internacional Pblico. 1.1. Responsabilidade internacional. Conceito: O Estado responsvel pela prtica de um ato ilcito segundo o direito internacional deve ao Estado a que tal ato tenha causado dano uma reparao adequada.41 1.2. Elementos essenciais da responsabilidade internacional. (1o) o ato ilcito: conduta contrria s normas de Direito Internacional Pblico; (2o) a imputabilidade: a responsabilidade pelo ato ilcito s poder ser atribuda aos sujeitos de Direito Internacional Pblico; e (3o) o dano: prejuzo material (econmico) ou imaterial (moral) decorrente da prtica de ato ilcito. 1.3. Conflitos internacionais (litgios internacionais). Conceito: Uma disputa um desacordo sobre uma questo de direito ou de fato, um conflito de pontos de vista legais ou de interesses entre dois sujeitos.42 De acordo com Fernando Gamboa SERAZZI, possvel extrair do conceito supracitado duas espcies43 de conflitos internacionais: conflitos de ordem jurdica: conflitos apoiados num desacordo sobre uma questo de direito (aplicao ou interpretao);41 42

REZEK, Jos Francisco. Direito internacional pblico: curso elementar. So Paulo: Saraiva, 2002, p. 261. Corte Permanente de Justia Internacional, Caso Mavrommatis (The Mavrommatis Palestine Concessions), 1924, Srie A, no 2, p. 11. 43 SERAZZI, Fernando Gamboa. Tratado de derecho internacional pblico. Santiago de Chile: Lexis Nexis, 2003, p. 575.

24 conflitos de ordem poltica: conflitos fundamentados na modificao do direito existente (a pretenso das partes, conseqentemente, no se encontra amparada em argumentos legais). 1.4. Meios pacficos de soluo dos conflitos internacionais. PRIMEIRA HIPTESE. Meios diplomticos: entendimento direto: negociao direta entre os litigantes, sem qualquer tipo de interveno de terceiros; bons ofcios: negociao direta entre as partes em conflito facilitada pela ao amistosa de um terceiro (sujeito de Direito Internacional Pblico), o qual limita-se a aproximar os litigantes, oferecendo aos mesmos um campo neutro de negociao; sistema de consultas: entendimento direto entre as partes previamente programado, sem qualquer tipo de interveno de terceiros (trata-se de previso, via de regra prevista nos tratados, de encontros peridicos entre os sujeitos de Direito Internacional Pblico); mediao: ao de um terceiro no processo de negociao entre as partes em conflito (ao contrrio do que ocorre nos bons ofcios, aqui o terceiro prope uma soluo para o conflito); conciliao: espcie de mediao caracterizada pela pluralidade de conciliadores (comisso de conciliao), os quais apresentam aos litigantes uma soluo para o conflito; SEGUNDA HIPTESE. Meios polticos: A soluo dos litgios internacionais, por meios polticos, ocorre na esfera das organizaes internacionais, tais como a Organizao das Naes Unidas (ONU), a Organizao dos Estados Americanos (OEA) e a Liga dos Estados rabes. A via poltica para a soluo dos conflitos internacionais ocorre na hiptese de conflitos mais graves, normalmente associados a questes compreendendo ameaa paz. TERCEIRA HIPTESE. Meios jurisdicionais: arbitragem (jurisdio provisria): via jurisdicional de soluo pacfica de conflitos internacionais, cabendo s partes a escolha do rbitro, a descrio da matria conflituosa e a delimitao do direito aplicvel. Os litigantes que optarem pela arbitragem devero, preliminarmente, celebrar um compromisso arbitral, tratado no qual as

25 partes comprometem-se a cumprir fielmente a sentena arbitral, sendo esta obrigatria e irrecorrvel; soluo judiciria (jurisdio permanente): via jurisdicional de soluo pacfica de conflitos internacionais, cabendo s partes a deciso de submeterem-se autoridade dos tribunais internacionais. Os acrdos (decises) das cortes internacionais, tais como a Corte Internacional de Justia e a Corte de Justia das Comunidades Europias, so igualmente obrigatrios e irrecorrveis.

2. DIRETO INTERNACIONAL HUMANITRIO DIH.Nota explicativa: o Direito Internacional Humanitrio (DIH) compreende o conjunto de normas internacionais que tem por objetivo proteger as pessoas que no participam ou deixaram de participar das hostilidades e restringir os meios e mtodos de guerra.44 As normas de DIH encontram-se fixadas em diversos tratados. Mediante o processo de adeso, os Estados se comprometem a respeitar e fazer cumprir tais normas. Ademais, o DIH tem origem tambm no costume internacional, fenmeno resultante da repetio de certas condutas, as quais devem ser respeitadas em razo da convico, por parte dos Estados, de que representam comportamentos e procedimentos justos e necessrios manuteno da juridicidade que deve nortear as relaes inerentes ao funcionamento equilibrado da comunidade internacional. 2.1. Direito Internacional Humanitrio DIH. Conceito: o conjunto de normas jurdicas internacionais consuetudinrias) destinadas a disciplinar os conflitos armados. 2.2 Normas essenciais do DIH. (1) Distinguir entre os objetivos militares e os civis. Somente podem ser atacados os objetivos militares; (2) Recolher e dar assistncia aos feridos aos doentes e aos nufragos, sem discriminao alguma; (3) Tratar com humanidade os adversrios que se rendem ou so capturados, assim como os prisioneiros e os detidos, os quais no devem ser atacados ou maltratados; (4) Respeitar os civis e seus bens; (5) No causar sofrimentos ou danos excessivos; (6) No atacar o pessoal mdico ou sanitrio nem suas instalaes e permitir que eles faam seu trabalho; (7) No colocar obstculos ao pessoal da Cruz Vermelha no desempenho de suas funes.45 2.3. Origem e evoluo do DIH.44 45

(convencionais

e

Fonte: www.icrc.org. Fonte: www.icrc.org.

26 O DIH um ramo especifico do Direito Internacional Pblico. A evoluo das normas de DIH tem relao direta com a progressiva complexidade das formas de combate, especialmente no que diz respeito aos efeitos danosos impostos s populaes civis. At 1864, ano de celebrao do primeiro tratado sobre conflitos armados internacionais (Conveno de Genebra para aliviar a sorte dos militares feridos dos exrcitos em campanha), os Estados envolvidos em um determinado conflito limitavam-se a estabelecer acordos destinados a proteger as vtimas de guerra no contexto especfico dos conflitos em curso. Nesse sentido, os acordos pactuados possuam alcance limitado e, por isso mesmo, no ostentavam o trao de universalidade que atualmente caracterizar o DIH. 2.4. Convenes de Genebra. 2.4.1. Conveno de Genebra de 1864 (marco inicial do direito humanitrio). proteo aos mdicos e s pessoas envolvidas nos trabalhos de socorro; tratamento, pelos beligerantes, dos feridos e enfermos; imunidade dos hospitais e dos veculos utilizados no transporte hospitalar contra quaisquer ataques. 2.4.2. Convenes de Genebra de 1949 (quatro convenes sobre o conflito armado internacional): I Conveno de Genebra (proteo aos feridos e doentes das Foras Armadas em campanha); II Conveno de Genebra (proteo aos feridos, doentes e nufragos das Foras Armadas no mar); III Conveno de Genebra (proteo aos prisioneiros de guerra); IV Conveno de Genebra (proteo populao civil). 2.4.3. Protocolos adicionais s Convenes de Genebra de 1977: (a) Protocolo I (reforo proteo das vtimas de conflitos armados internacionais e ampliao da definio dos mesmos s guerras de libertao nacional); (b) Protocolo II (reforo proteo das pessoas afetadas por conflitos armados internos: complemento ao art. 3o comum s quatro Convenes de Genebra). 2.5. Artigo 3o (comum s quatro Convenes de Genebra). Artigo 3o. Em caso de conflito armado de carter no-internacional que ocorra em territrios de uma das Altas Partes Contratantes, cada uma das Partes em conflito dever aplicar, pelo menos, as seguintes disposies: 1. As pessoas que no tomarem parte diretamente nas hostilidades, incluindo os membros das foras armadas que tiverem deposto as armas e

27 as pessoas que ficarem fora de combate por enfermidade, ferimento, deteno ou qualquer outra razo, devem em todas circunstncias ser tratadas com humanidade, sem qualquer discriminao desfavorvel baseada em raa, cor, religio ou crena, sexo, nascimento ou fortuna, ou qualquer outro critrio anlogo. Para esse efeito, so e continuam a ser proibidos, sempre e em toda parte, com relao s pessoas acima mencionadas: a. atentados vida e a integridade fsica, particularmente homicdio sob todas as formas, mutilaes , tratamentos cruis, torturas e suplcios; b. tomadas de refns; c. ofensas dignidade das pessoas, especialmente os tratamentos humilhantes e degradantes; d. condenaes proferidas e execues efetuadas sem julgamento prvio realizado por um tribunal regularmente constitudo, que oferea todas as garantias judiciais reconhecidas como indispensveis pelos povos civilizados. 2. Os feridos e enfermos sero recolhidos e tratados. Um organismo humanitrio imparcial, tal como o Comit Internacional da Cruz Vermelha, poder oferecer seus servios s Partes em conflito. As Partes em conflito devero empenhar-se, por outro lado, em colocar em vigor por meio de acordos especiais todas ou parte das demais disposies da presente Conveno. A aplicao das disposies anteriores no afeta o estatuto jurdico das Partes em conflito.46 2.6. Universalidade do DIH. A validade do DIH reconhecida por virtualmente todos os membros da comunidade internacional. Atualmente, 189 Estados figuram como partes signatrias das Convenes de Genebra. H, nesse sentido, a marca da universalidade como trao essencial do DIH contemporneo, fenmeno que certamente contribui para a prpria legitimao do DIH como elemento fundamental para a consolidao do DIH no universo normativo construdo pelo Direito Internacional Pblico ao longo da histria.

3. DIRETOS HUMANOS.At a fundao da Organizao das Naes Unidas (ONU) em 1945, no havia, na esfera do Direito Internacional Pblico, preocupao consciente e organizada sobre o tema dos direitos humanos.47 O tema recebeu tratamento especial em 1948, com a aprovao da Declarao Universal dos Direitos do Homem no mbito da Assemblia Geral da ONU. Deve-se observar, entretanto, que a referida Declarao no um tratado: trata-se de uma Resoluo da mencionada Assemblia Geral.

46 47

Fonte: www.icrc.org. REZEK, Jos Francisco. Direito internacional pblico: curso elementar. So Paulo: Saraiva, 2002, p. 210.

28 DECLARAO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS Prembulo Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da famlia humana e de seus direitos iguais e inalienveis o fundamento da liberdade, da justia e da paz no mundo, Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos do homem resultaram em atos brbaros que ultrajaram a conscincia da Humanidade e que o advento de um mundo em que os homens gozem de liberdade de palavra, de crena e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspirao do homem comum, Considerando ser essencial que os direitos do homem sejam protegidos pelo imprio da lei, para que o homem no seja compelido, como ltimo recurso, rebelio contra a tirania e a opresso, Considerando ser essencial promover o desenvolvimento de relaes amistosas entre as naes, Considerando que os povos das Naes Unidas reafirmaram, na Carta, sua f nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor de pessoa humana e na igualdade de direitos do homem e da mulher, e que decidiram promover o progresso social e melhores condies de vida em uma liberdade mais ampla, Considerando que os Estados membros se comprometeram a promover, em cooperao com as Naes Unidas, o respeito universal aos direitos e liberdades fundamentais do homem e a observncia desses direitos e liberdades, Considerando que uma compreenso comum desses direitos e liberdades da mais alta importncia para o pleno cumprimento desse compromisso, agora portanto A ASSEMBLIA GERAL proclama A PRESENTE DECLARAO UNIVERSAL DOS DIREITOS DO HOMEM como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as naes, com o objetivo de que cada indivduo e cada rgo da sociedade, tendo sempre em mente esta Declarao, se esforce, atravs do ensino e da educao, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoo de medidas progressivas de carter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observncia universais e efetivos, tanto entre os povos dos prprios Estados Membros, quanto entre os povos dos territrios sob sua jurisdio.

Artigo I. Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. So dotados de razo e conscincia e devem agir em relao uns aos outros com esprito de fraternidade. Artigo II. 1 - Todo homem tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declarao, sem distino de qualquer espcie, seja de raa, cor, sexo, lngua, religio, opinio poltica ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condio.

29 2 - No ser tambm feita nenhuma distino fundada na condio poltica, jurdica ou internacional do pas ou territrio a que pertena uma pessoa, quer se trate de um territrio independente, sob tutela, sem Governo prprio, quer sujeito a qualquer outra limitao de soberania. Artigo III. Todo homem tem direito vida, liberdade e segurana pessoal. Artigo IV. Ningum ser mantido em escravido ou servido; a escravido e o trfico de escravos sero proibidos em todas as suas formas. Artigo V. Ningum ser submetido tortura nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante. Artigo VI. Todo homem tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa perante a lei. Artigo VII. Todos so iguais perante a lei e tm direito, sem qualquer distino, a igual proteo da lei. Todos tm direito a igual proteo contra qualquer discriminao que viole a presente Declarao e contra qualquer incitamento a tal discriminao. Artigo VIII. Todo homem tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remdio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituio ou pela lei. Artigo IX. Ningum ser arbitrariamente preso, detido ou exilado. Artigo X. Todo homem tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pblica audincia por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusao criminal contra ele. Artigo XI. 1. Todo homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente at que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento pblico no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessrias sua defesa. 2. Ningum poder ser culpado por qualquer ao ou omisso que, no momento, no constituam delito perante o direito nacional ou internacional. Tambm no ser imposta pena mais forte do que aquela que, no momento da prtica, era aplicvel ao ato delituoso. Artigo XII. Ningum ser sujeito interferncia na sua vida privada, na sua famlia, no seu lar ou na sua correspondncia, nem a ataque sua honra e reputao. Todo homem tem direito proteo da lei contra tais interferncias ou ataques. Artigo XIII. 1. Todo homem tem direito liberdade de locomoo e residncia dentro das fronteiras de cada Estado. 2. Todo homem tem o direito de deixar qualquer pas, inclusive o prprio, e a este regressar. Artigo XIV.

30 1. Todo homem, vtima de perseguio, tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros pases. 2. Este direito no pode ser invocado em caso de perseguio legitimamente motivada por crimes de direito comum ou por atos contrrios aos objetivos e princpios das Naes Unidas. Artigo XV. 1. Todo homem tem direito a uma nacionalidade. 2. Ningum ser arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade. Artigo XVI. 1. Os homens e mulheres de maior idade, sem qualquer restrio de raa, nacionalidade ou religio, tm o direito de contrair matrimnio e fundar uma famlia. Gozam de iguais direitos em relao ao casamento, sua durao e sua dissoluo. 2. O casamento no ser vlido seno com o livre e pleno consentimento dos nubentes. 3. A famlia o ncleo natural e fundamental da sociedade e tem direito proteo da sociedade e do Estado. Artigo XVII. 1. Todo homem tem direito propriedade, s ou em sociedade com outros. 2. Ningum ser arbitrariamente privado de sua propriedade. Artigo XVIII. Todo homem tem direito liberdade de pensamento, conscincia e religio; este direito inclui a liberdade de mudar de religio ou crena e a liberdade de manifestar essa religio ou crena, pelo ensino, pela prtica, pelo culto e pela observncia, em pblico ou em particular. Artigo XIX. Todo homem tem direito liberdade de opinio e expresso; este direito inclui a liberdade de, sem interferncia, ter opinies e de procurar, receber e transmitir informaes e idias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.

Artigo XX. 1. Todo homem tem direito liberdade de reunio e associao pacfica. 2. Ningum pode ser obrigado a fazer parte de uma associao. Artigo XXI. 1. Todo homem tem o direito de tomar parte no Governo de seu pas diretamente ou por intermdio de representantes livremente escolhidos.

31 2. Todo homem tem igual direito de acesso ao servio pblico do seu pas. 3. A vontade do povo ser a base da autoridade do Governo; esta vontade ser expressa em eleies peridicas e legtimas, por sufrgio universal, por voto secreto ou processo equivalente que assegure a liberdade de voto. Artigo XXII. Todo homem, como membro da sociedade, tem direito segurana social, realizao pelo esforo nacional, pela cooperao internacional e de acordo com a organizao e recursos de cada Estado, dos direitos econmicos, sociais e culturais indispensveis sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade. Artigo XXIII. 1.Todo homem tem direito ao trabalho, livre escolha de emprego, a condies justas e favorveis de trabalho e proteo contra o desemprego. 2. Todo homem, sem qualquer distino, tem direito a igual remunerao por igual trabalho. 3. Todo homem que trabalha tem direito a uma remunerao justa e satisfatria, que lhe assegure, assim como sua famlia, uma existncia compatvel com a dignidade humana, e a que se acrescentaro, se necessrio, outros meios de proteo social. 4. Todo homem tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para proteo de seus interesses. Artigo XXIV. Todo homem tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitao razovel das horas de trabalho e a frias remuneradas peridicas. Artigo XXV. 1. Todo homem tem direito a um padro de vida capaz de assegurar a si e a sua famlia sade e bem-estar, inclusive alimentao, vesturio, habitao, cuidados mdicos e os servios sociais indispensveis, e direito segurana em caso de desemprego, doena, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistncia em circunstncias fora de seu controle. 2. A maternidade e a infncia tm direito a cuidados e assistncia especiais. Todas as crianas, nascidas dentro ou fora do matrimnio gozaro da mesma proteo social.

Artigo XXVI. 1. Todo homem tem direito instruo. A instruo ser gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instruo elementar ser obrigatria. A instruo tcnico-profissional ser acessvel a todos, bem como a instruo superior, esta baseada no mrito. 2. A instruo ser orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos do homem e pelas liberdades fundamentais. A instruo promover a compreenso, a tolerncia e a amizade entre todas as naes e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvar as atividades das Naes Unidas em prol da manuteno da paz.

32 3. Os pais tm prioridade de direito na escolha do gnero de instruo que ser ministrada a seus filhos. Artigo XXVII. 1. Todo homem tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar do progresso cientfico e de seus benefcios. 2. Todo homem tem direito proteo dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produo cientfica literria ou artstica da qual seja autor. Artigo XXVIII. Todo homem tem direito a uma ordem social e internacional em que os direitos e liberdades estabelecidos na presente Declarao possam ser plenamente realizados. Artigo XXIX. 1. Todo homem tem deveres para com a comunidade, na qual o livre e pleno desenvolvimento de sua personalidade possvel. 2. No exerccio de seus direitos e liberdades, todo homem estar sujeito apenas s limitaes determinadas pela lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer as justas exigncias da moral, da ordem pblica e do bem-estar de uma sociedade democrtica. 3. Esses direitos e liberdades no podem, em hiptese alguma, ser exercidos contrariamente aos objetivos e princpios das Naes Unidas. Artigo XXX. Nenhuma disposio da presente Declarao pode ser interpretada como o reconhecimento a qualquer Estado, grupo ou pessoa, do direito de exercer qualquer atividade ou praticar qualquer ato destinado destruio de quaisquer dos direitos e liberdades aqui estabelecidos.

QUINTA PARTEDIREITO INTERNACIONAL DA ECONOMIA SISTEMA MULTILATERAL DE COMRCIO ORGANIZAO MUNDIAL DE COMRCIO DIREITO DE INTEGRAO DIREITO DO MERCOSUL ________________________________________________________________________________

1. DIREITO INTERNACIONAL DA ECONOMIA.

33 Nota explicativa: o Direito Internacional da Economia (ou Direito Econmico Internacional) o ramo do Direito Internacional Pblico que disciplina as atividades de produo e de troca de bens e servios, abrangendo simultaneamente bens e de servios intelectuais.48 O Direito Econmico Internacional um fenmeno antigo, mas passou a encontrar maior rigor acadmico depois da Segunda Guerra Mundial. Superado o conflito armado, vencedores e vencidos se depararam com trs grandes problemas: (1) os desequilbrios impostos pela interrupo dos pagamentos das dvidas externas; (2) a devastao econmica das naes destrudas pela guerra; e (3) a racionalizao das relaes comerciais mediante a celebrao de tratados multilaterais. Nesse contexto, surge em 1947 o GATT (General Agreement on Tariffs and Trade: Acordo Geral de Tarifas e Comrcio), tratado multilateral que deu incio ao processo de liberalizao do comrcio entre pases. O GATT foi o embrio da Organizao Mundial de Comrcio OMC (fundada em 01.01.95), organizao internacional sediada em Genebra e atualmente integrada por 153 pases.49 Os acordos (tratados) celebrados no mbito da OMC englobam bens, servios e propriedade intelectual, estabelecendo os princpios da liberalizao do comrcio, bem como as excees permitidas. Estes acordos materializam os compromissos assumidos pelos membros da organizao, notadamente no que diz respeito reduo de tarifas e outros obstculos ao comrcio e, ainda, abertura dos mercados de servios. 1.1. Funes da OMC. 1. administrar os acordos comerciais; 2. promover negociaes comerciais; 3. resolver disputas comerciais; 4. supervisionar as polticas comerciais nacionais; 5. fornecer assistncia tcnica em matria de comrcio e cursos de formao para os pases em desenvolvimento; 6. estabelecer relaes formais de cooperao com outras organizaes internacionais. 1.2 Sistema multilateral de comrcio: princpios. 1. Comrcio sem discriminaes: (a) clusula da nao mais favorecida: em virtude dos acordos da OMC, os pases no podem estabelecer discriminaes na esfera do sistema multilateral de comrcio. Nesse sentido, se um pas concede a outro pas uma vantagem especial (por exemplo, a reduo de uma tarifa aplicvel a um determinado produto), este mesmo pas dever garantir tal vantagem para todos os demais membros da OMC. Este princpio conhecido como o trato da nao mais favorecida; (b) trato nacional: tratamento igual para mercadorias nacionais e estrangeiras. As mercadorias importadas e as48

DAILLIER, Patrick (Nguyen Quoc Dinh e Alain Pellet). Direito Internacional Pblico. Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian, 2003, p. 1058. 49 Informao atualizada em 31.10.2008.

34 mercadorias produzidas no mercado interno (mercadorias nacionais) devem receber o mesmo tratamento. O mesmo vale para os servios estrangeiros e os servios nacionais, para os direitos autorais e para as patentes, e para as marcas de fbrica e de comrcio. O princpio do trato nacional, em sntese, significa que um pas deve dar s mercadorias estrangeiras o mesmo tratamento dado s mercadorias nacionais. 2. Liberalizao do comrcio: a reduo de obstculos ao comrcio um dos meios mais evidentes para promover a atividade comercial. A liberalizao do comrcio um processo que deve ocorrer de maneira gradual e por intermdio de negociaes. So exemplos de obstculos as tarifas alfandegrias: as proibies de importaes (por tipos de produtos e por quantidades de produtos); a burocracia administrativa; as polticas cambiais. 3. Previsibilidade comercial: muitas vezes, a promessa de no aumentar um obstculo ao comrcio pode ser to ou mais importante que a eliminao de um obstculo preexistente, j que a promessa permite s empresas uma viso mais clara de suas oportunidades futuras. Por meio da previsibilidade, da estabilidade e da transparncia, os investimentos so estimulados, postos de trabalho so criados e os consumidores se beneficiam da competio entre as empresas. 4. Estmulo competio leal: a OMC descrita algumas vezes como uma instituio de livre comrcio, expresso inadequada para explicar a real dinmica da organizao, tendo em vista a possibilidade de aplicao eventual de determinadas restries e protees no mbito do sistema multilateral de comrcio da OMC, mas to-somente em situaes especficas (por exemplo, proteo ao meio ambiente). O sistema da OMC, na verdade, pode ser caracterizado como um modelo que fomenta uma competio livre, leal e sem distores, um padro facilitador de condies eqitativas de comrcio. 5. Promoo do desenvolvimento e da reforma econmica: o sistema da OMC tem por meta contribuir para o desenvolvimento econmico de seus membros. Todavia, para os pases em desenvolvimento, exatamente por motivos de ordem econmica, faz-se imperativa uma flexibilidade quanto ao tempo necessrio para que estes possam efetivamente cumprir os acordos (tratados) do sistema.

2. DIREITO DE INTEGRAO.Nota explicativa: o chamado Direito de Integrao o ramo do Direito Internacional Pblico que disciplina o processo de integrao, o qual deve ser compreendido na perspectiva da noo de integrao regional. Nesse sentido, pode-se definir o processo de integrao como aquele movimento promovido pelos Estados soberanos, mediante a celebrao de tratados, destinado a extinguir os obstculos impeditivos da livre circulao de bens, pessoas, mercadorias e capitais. 2.1. Caractersticas do processo de integrao.

35 (1) integrao motivada primariamente por razes econmicas; (2) pluralidade de Estados soberanos e ampliao como meta; (3) tratados como base jurdica; (4) livre circulao de bens, pessoas, mercadorias e capitais (quatro liberdades); (5) diminuio do grau de soberania dos Estados soberanos (soberania compartilhada); (6) progressividade do processo (construo gradual de etapas). 2.2. Etapas da integrao econmica. (1a) zona de preferncias tarifrias: trata-se de um acordo entre Estados, mediante o qual estes se comprometem a conferir vantagens tarifrias mtuas (tratamento preferencial em comparao ao tratamento dado a terceiros pases) por meio da concesso de descontos tarifrios no mbito do comrcio recproco. A zona preferncias tarifrias representa um grau ainda superficial de integrao, um primeiro passo da integrao, razo pela qual alguns autores no a consideram uma etapa propriamente dita; (2a) zona de livre comrcio: os Estados integrantes do bloco concordam em suprimir as tarifas alfandegrias e outras barreiras ou restries quantitativas ao comrcio recproco de bens e mercadorias, preservando, porm, a autonomia e a independncia no que diz respeito ao comrcio com terceiros. Para se chegar etapa da zona de livre comrcio, os pases fixam prazos, condies e mecanismos de desonerao tarifria. Ainda durante esta etapa, os pases devem criar meios (por exemplo, certificados de origem) para evitar o ingresso de bens e mercadorias de outras origens, evitando-se, assim, a triangulao comercial; (3a) unio aduaneira: processo pelo qual os Estados integrantes do bloco, alm da liberalizao comercial por intermdio da desonerao tarifria, decidem garantir a terceiros pases uma tarifa externa comum por meio de uma poltica tarifria homognea (poltica tarifria comum). Uma unio aduaneira perfeita deve eliminar por completo as tarifas alfandegrias entre os Estados-membros, estabelecer tarifas uniformes sobre as importaes oriundas do exterior do bloco e, ainda, distribuir os ganhos decorrentes dos ingressos alfandegrios de acordo com frmulas previamente acordadas; (4a) mercado comum: nesta etapa, os membros que integram a j formada unio aduaneira podem decidir pela livre circulao de pessoas, servios e capitais sem discriminaes ou restries, estabelecendo-se, por conseguinte, a livre circulao dos fatores produtivos. No mercado comum, no h alfndegas internas e inexistem barreiras tarifarias entre os Estados-membros. Os pases do bloco instituem uma poltica comercial comum, a qual exigir a unificao e a harmonizao das

36 legislaes nacionais. As normas unificadas e harmonizadas devero garantir a supresso das barreiras que impedem o livre exerccio das quatro liberdades, bem como facilitar a coordenao das polticas macroeconmicas e o estabelecimento de regras comuns aplicveis aos Estados-membros e s pessoas fsicas e jurdicas instaladas nos territrios dos pases integrantes do bloco; (5a) unio econmica: a unio econmica se materializa quando os Estados que formaram um mercado comum decidem incorporar a harmonizao das polticas econmicas nacionais, dentre as quais as polticas monetrias, financeiras, fiscais e industriais, com a finalidade de eliminar as discriminaes que possam resultar das disparidades entre as polticas econmicas nacionais dos Estados integrantes do bloco. O ajuste de uma poltica monetria comum, resultado da integrao de todas as atividades econmicas na esfera da unio econmica, impe a criao de um banco central comum e, finalmente, a adoo de uma moeda comum; (6a) integrao econmica completa: esta etapa representa o nvel mais elevado do processo de integrao. A integrao econmica completa se consolida quando os pases que formam o bloco estabelecem uma autoridade supranacional cujas decises vinculam todos os Estados integrantes do bloco. Alguns autores afirmam que esta etapa supera a prpria noo de integrao: surge, assim, uma verdadeira unificao de Estados, fenmeno que sugere o desaparecimento das unidades nacionais.

3. DIREITO DO MERCOSUL.Nota explicativa: o Tratado de Assuno foi celebrado entre a Repblica da Argentina, a Repblica Federativa do Brasil, a Repblica do Paraguai e a Repblica Oriental do Uruguai em 26 de maro de 1991, os quatro pases que deram origem ao MERCOSUL. O citado tratado multilateral foi promulgado no Brasil no mesmo ano (Decreto no 350, de 21 de novembro de 1991). O chamado Direito do MERCOSUL o conjunto normativo (tratados e outras normas) que define a estrutura e que disciplina o funcionamento do bloco latino-americano. Merecem destaque, alm do prprio Tratado de Assuno (1991), o Protocolo de Ouro Preto (1994), o Protocolo de Ushuaia (1998) e o Protocolode Olivos (2002).

3.1. Tratado de Assuno (1991). TRATADO PARA A CONSTITUIO DE UM MERCADO COMUM ENTRE A REPBLICA ARGENTINA, A REPBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, A REPBLICA DO PARAGUAI E A REPBLICA ORIENTAL DO URUGUAI A Repblica Argentina, a Repblica Federativa do Brasil, a Repblica do Paraguai e a Repblica Oriental do Uruguai, doravante denominados Estados Partes.

37Considerando que a ampliao das atuais dimenses de seus mercados nacionais, atravs da integrao constitui condio fundamental para acelerar seus processos de desenvolvimento econmico com justia social; Entendendo que esse objetivo deve ser alcanado mediante o aproveitamento mais eficaz dos recursos disponveis a preservao do meio ambiente, melhoramento das interconexes fsicas a coordenao de polticas macroeconmica da complementao dos diferentes setores da economia, com base nos princpios de gradualidade, flexibilidade e equilbrio. Tendo em conta a evoluo dos acontecimentos internacionais, em especial a consolidao de grandes espaos econmicos e a importncia de lograr uma adequada insero internacional para seus pases; Expressando que este processo de integrao constitui uma resposta adequada a tais acontecimentos; Conscientes de que o presente Tratado deve ser considerado como um novo avano no esforo tendente ao desenvolvimento progressivo da integrao da Amrica Latina, conforme o objetivo do Tratado de Montevidu de 1980; Convencidos da necessidade de promover o desenvolvimento cientfico e tecnolgico dos Estados Partes e de modernizar suas economias para ampliar a oferta e a qualidade dos bens de servios disponveis, a fim de melhorar as condies de vida de seus habitantes; Reafirmando sua vontade poltica de deixar estabelecidas as bases para uma unio cada vez mais estreita entre seus povos, com a finalidade de alcanar os objetivos supramencionados; Acordam: CAPTULO I Propsito, Princpios e Instrumentos ARTIGO 1 Os Estados Partes decidem constituir um Mercado Comum, que dever estar estabelecido a 31 de dezembro de 1994, e que se denominar Mercado Comum do Sul (MERCOSUL). Este Mercado Comum implica: A livre circulao de bens servios e fatores produtivos entre os pases, atravs, entre outros, da eliminao dos direitos alfandegrios e restries no-tarifrias circulao de mercadorias e de qualquer outra medida de efeito equivalente; O estabelecimento de uma tarifa externa comum e a adoo de uma poltica comercial comum em relao a terceiros Estados ou agrupamentos de Estados e a coordenao de posies em foros econmico-comerciais regionais e internacionais; A coordenao de polticas macroeconmicas e setoriais entre os Estados Partes - de comrcio exterior, agrcola, industrial, fiscal, monetria, cambial e de capitais, de servios, alfandegria, de transportes e comunicaes e outras que se acordem, a fim de assegurar condies adequadas de concorrncia entre os Estados Partes; e O compromisso dos Estados Partes de harmonizar suas legislaes, nas reas pertinentes, para lograr o fortalecimento do processo de integrao. ARTIGO 2 O Mercado Comum estar fundado na reciprocidade de direitos e obrigaes entre os Estados Partes. ARTIGO 3

38Durante o perodo de transio, que se estender desde a entrada em vigor do presente Tratado at 31 de dezembro de 1994, e a fim de facilitar a constituio do Mercado Comum, os Estados Partes adotam um Regime Geral de Origem, um Sistema de Soluo de Controvrsias e Clusulas de Salvaguarda, que constam como Anexos II, III e IV ao presente Tratado. ARTIGO 4 Nas relaes com terceiros pases, os Estados Partes asseguraro condies eqitativas de comrcio. Para tal fim, aplicaro suas legislaes nacionais, para inibir importaes cujos preos estejam influenciados por subsdios, dumping qualquer outra prtica desleal. Paralelamente, os Estados Partes coordenaro suas respectivas polticas nacionais com o objetivo de elaborar normas comuns sobre concorrncia comercial. ARTIGO 5 Durante o perodo de transio, os principais instrumentos para a constituio do Mercado Comum so: a) Um Programa de Liberao Comercial, que consistir em reduo tarifrias progressivas, lineares e automticas, acompanhadas das eliminaes de restries no tarifrias ou medidas de efeito equivalente, assim como de outras restries ao comrcio entre os Estados Partes, para chegar a 31 de dezembro de 1994 com tarifa zero, sem barreiras no tarifrias sobre a totalidade do universo tarifrio (Anexo I); b) A coordenao de polticas macroeconmicas que se realizar gradualmente e de forma convergente com os programas de desgravao tarifria e eliminao de restries no tarifrias, indicados na letra anterior; c) Uma tarifa externa comum, que incentiva a competitividade externa dos Estados Partes; d) A adoo de acordos setoriais, com o fim de otimizar a utilizao e mobilidade dos fatores de produo e alcanar escalas operativas eficientes. ARTIGO 6 Os Estados Partes reconhecem diferenas pontuais de ritmo para a Repblica do Paraguai e para a Repblica Oriental do Uruguai, que constam no Programa de Liberao Comercial (Anexo I). ARTIGO 7 Em matria de impostos, taxas e outros gravames internos, os produtos originrios do territrio de um Estado Parte gozaro, nos outros Estados Partes, do mesmo tratamento que se aplique ao produto nacional. ARTIGO 8 Os Estados Partes se comprometem a preservar os compromissos assumidos at a data de celebrao do presente Tratado, inclusive os Acordos firmados no mbito da Associao Latino-Americana de Integrao, e a coordenar suas posies nas negociaes comerciais externas que empreendam durante o perodo de transio. Para tanto: a) Evitaro afetar os interesses dos Estados Partes nas negociaes comerciais que realizem entre si at 31 de dezembro de 1994; b) Evitaro afetar os interesses dos demais Estados Partes ou os objetivos do Mercado Comum nos Acordos que celebrarem com outros pases membros da Associao Latino-Americana de Integrao durante o perodo de transio; c) Realizaro consultas entre si sempre que negociem esquemas amplos de desgravao tarifrias, tendentes formao de zonas de livre comrcio com os demais pases membros da Associao Latino-Americana de Integrao;

39d) Estendero automaticamente aos demais Estados Partes qualquer vantagem, favor, franquia, imunidade ou privilgio que concedam a um produto originrio de ou destinado a terceiros pases no membros da Associao Latino-Americana de Integrao. CAPTULO II Estrutura Orgnica ARTIGO 9 A administrao e execuo do presente Tratado e dos Acordos especficos e decises que se adotem no quadro jurdico que o mesmo estabelece durante o perodo de transio estaro a cargo dos seguintes rgos: a) Conselho do Mercado Comum; b) Grupo do Mercado Comum. ARTIGO 10 O Conselho o rgo superior do Mercado Comum, correspondendo-lhe a conduo poltica do mesmo e a tomada de decises para assegurar o cumprimento dos objetivos e prazos estabelecidos para a constituio definitiva do Mercado Comum. ARTIGO 11 O Conselho estar integrado pelos Ministros de Relaes Exteriores e os Ministros de Economia dos Estados Partes.Reunir-se- quantas vezes estime oportuno, e, pelo menos uma vez ao ano, o far com a participao dos Presidentes dos Estados Partes. ARTIGO 12 A Presidncia do Conselho se exercer por rotao dos Estados Partes e em ordem alfabtica, por perodos de seis meses. As reunies do Conselho sero coordenadas pelos Ministrios de Relaes Exteriores e podero ser convidados a delas participar outros Ministros ou autoridades de nvel Ministerial. ARTIGO 13 O Grupo Mercado Comum o rgo executivo do Mercado Comum e ser coordenado pelos Ministrios das Relaes Exteriores.O Grupo Mercado Comum ter faculdade de iniciativa. Suas funes sero as seguintes: - velar pelo cumprimento do Tratado; - tomar as providncias necessrias ao cumprimento das decises adotadas pelo Conselho; - propor medidas concretas tendentes aplicao do Programa de Liberao Comercial, coordenao de poltica macroeconmica e negociao de Acordos frente a terceiros; - fixar programas de trabalho que assegurem avanos para o estabelecimento do Mercado Comum. O Grupo Mercado Comum poder constituir os Subgrupos de Trabalho que forem necessrios para o cumprimento de seus objetivos. Contar inicialmente com os Subgrupos mencionados no Anexo V. O Grupo Mercado Comum estabelecer; seu regime interno no prazo de 60 dias de sua instalao. ARTIGO 14 O Grupo Mercado Comum estar integrado por quatro membros titulares e quatro membros alternos por pas, que representem os seguintes rgos pblicos:

40- Ministrio das Relaes Exteriores; - Ministrio da Economia coordenaoeconmica); - Banco Central. Ao elaborar e propor medidas concretas no desenvolvimento de seus trabalhos, at 31 de dezembro de 1994, o Grupo Merca