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Descrição e pesquisa: reflexões em torno dos arquivos pessoais Lucia Maria Velloso de Oliveira

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eflexões em torno dos arquivos pessoais

Lucia Maria Velloso de Oliveira revela neste livro gran-de senso crítico ao avaliar tentativas de formatação do processo descritivo de arquivos pessoais. A autora se

lança inicialmente a uma perspectiva diacrônica, que parte do século XIX e chega aos dias atuais, contemplando também, des-sa maneira, as normas descritivas de diversos países. Organiza não apenas um panorama em torno dessa complexa questão, mas também abre caminhos de refl exão sobre o lugar ocupado pelos arquivos pessoais e a função importante da pesquisa no engen-dramento dos trabalhos de um arquivista.

Como muito bem destacou a professora Ana Maria Camar-go, apresentadora deste livro, Lucia Maria Velloso de Oliveira “res-ponde a algumas perguntas e defende posições”; “suscita, em contra-partida, instigantes problemas que seus leitores saberão, certamente, identifi car”. Respostas, perguntas e problemas aqui desenvolvidos com grande habilidade e rigor, que, certamente, se tornarão referên-cia inquestionável nos estudos dessa área do conhecimento. Descrição

e pesquisa:reflexões em torno dos arquivos pessoais

Lucia Maria Velloso de Oliveira

Lucia M

aria Vello

so de O

liveira

www.mobileditorial.com.br

ISBN 978-85-64502-10-9

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Descrição e pesquisa:Reflexões em torno

dos arquivos pessoaisLucia Maria Velloso de Oliveira

2012

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Copyright © 2012 Lucia Maria Velloso de Oliveira

Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, em vigor no Brasil desde 2009.

EditorEduardo Coelho

Projeto gráfico e editoraçãoLeandro Collares

Ilustração de capaAndrés Sandoval

Oliveira, Lucia Maria Velloso deDescrição e pesquisa: Refl exões em torno dos arquivos pessoais/ Lucia

Maria Velloso de Oliveira. – Rio de Janeiro : Móbile, 2012.

Bibliografi a

ISBN 9 -78 -85 -64502 -10 -9

1. Arquivística 2. Arquivos pessoais 3. Descrição arquivística I. Título.

12– 02332 CDD – 025.171

Índices para catálogo sistemático:

1. Arquivos pessoais : Descrição arquivística e pesquisa : Arquivologia 025.171

DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)(CÂMARA BRASILEIRA DO LIVRO, SP, BRASIL)

Todos os direitos desta edição reservados àMóbile EditorialR. Senador Dantas, 80 sl. 1305Rio de Janeiro — RJ — 20031 -922Tel.: (21) 2210 [email protected]

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Sumário

À guisa de apresentação ..............................................................................7Ana Maria de Almeida Camargo

1. Introdução .................................................................................................... 13

2. Arquivo pessoal e seu lugar na Arquivologia ....................... 24

2.1. O cenário na França, no Reino Unido, nos Estados Unidos e no Cana-dá [24]; 2.1.1. França [24]; 2.1.2. Reino Unido [27]; 2.1.3. Estados Unidos [29]; 2.1.4. Canadá [30]; 2.2. Os arquivos pessoais como coleções, manus-critos e papéis pessoais [31]; 2.3. Os arquivos pessoais são arquivos [33]

3. A descrição arquivística: uma função de pesquisa ..............41

3.1. A reconstrução do contexto arquivístico [46]; 3.2. A padronização e suas contradições [56]

4. A descrição arquivística e os arquivos pessoais ...................71

5. Em busca de um modelo de descrição arquivística .............94

5.1. Holanda [95]; 5.2. Reino Unido [99]; 5.3. Canadá [112]; 5.4. A propos-ta do Conselho Internacional de Arquivos [117]; 5.5. Estados Unidos [124]; 5.6. A propósito das normas [130]

6. Entre o modelo e sua aplicação: o lugar obscuro do trabalho de pesquisa .................................................................................134

6.1. Manual of Archival Description — MAD (Reino Unido) [134]; 6.2. Rules for

Archival Description — RAD (Canadá) [138]; 6.3. ISAD(G) [140]; 6.4. Descri-

bing Archives: a Content Standard — DACS (Estados Unidos) [142]

7. Conclusão ....................................................................................................145

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8. Referências ................................................................................................. 149

8.1. Fontes arquivísticas [149]; 8.2. Fontes bibliográficas [149]

Anexos .................................................................................................................163

Anexo I [163]; Instrumentos de pesquisa [163]; Anexo II [169]

Sobre a autora ...............................................................................................173

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À guisa de apresentação

Ana Maria de Almeida Camargo1

A consciência de que o acesso universal aos arquivos não pode ser tratado como problema exclusivamente técnico tem se manifestado muito pouco na literatura da área. Tudo se passa como se, à semelhança do que ocorre na biblioteconomia, a chave para um sistema integrado de busca em acervos de instituições arqui-vísticas repousasse sobre a escolha de programas adequados, com base apenas em suas características operacionais; e como se a criação de padrões para tornar possível tal empreendimento não afetasse os conceitos e princípios que dão fun-damento científico à prática da descrição. Afinal, aprendemos nos manuais que os arquivos são extensões das entidades ou pessoas que os acumularam; que por isso mesmo assumem fisionomia própria e exclusiva; e que têm no contexto, e não no conteúdo, o mais importante elemento para sua classificação.

Tendo como lastro sua trajetória acadêmica e profissional, Lucia Maria Velloso de Oliveira dispôs -se a enfrentar o tema. Já havia tratado, em disserta-ção de mestrado defendida, em 2006, junto à Universidade Federal Fluminen-se, das demandas dos usuários e da complexa tarefa de satisfazê -las. A pesquisa como parte inseparável da descrição arquivística foi uma das contribuições im-portantes desse trabalho, que acabou por sinalizar tanto o caráter científico da disciplina quanto a necessidade de um esmerado preparo daqueles que a ela pre-tendem se dedicar. Por outro lado, a convivência com arquivos pessoais custo-diados pela Fundação Casa de Rui Barbosa e a prática cotidiana de organizá -los e torná -los acessíveis deram -lhe condições de fundamentar, com a devida con-sistência, as reflexões que passou a desenvolver sobre alguns dos instrumentos que hoje se dispõem a dar conta da descrição, de forma padronizada.

O resultado aqui está, fruto da tese de doutoramento que defendeu junto à Universidade de São Paulo (e que tive o prazer de acompanhar). Com uma visão crítica das normas vigentes, sobretudo porque as submete ao crivo dos arquivos pessoais — mais complexos e desafiadores que os originários do funcionamento

1 Ana Maria de Almeida Camargo é professora doutora da Universidade de São Paulo — USP.

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de instituições (públicas ou privadas) —, a autora oferece um panorama bastan-te completo das tentativas de formatar o processo descritivo, remontando ao fi-nal do século XIX, com o famoso manual dos holandeses de 1898, e chegando às propostas atuais, encampadas pelos arquivistas de diferentes países. Tal estudo comparativo é precedido de análise sobre o lugar ocupado pelos arquivos pesso-ais na literatura disponível e sobre a descrição como função de pesquisa.

Se, como todo bom trabalho, o livro responde a algumas perguntas e de-fende posições, o fato é que suscita, em contrapartida, instigantes problemas que seus leitores saberão, certamente, identificar. Que a comunidade arquivís-tica brasileira possa apreciá -lo e fazer dele referência para novas e importantes reflexões.

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Sempre, Letícia e Lucas

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1. Introdução

Este livro baseia -se na pesquisa desenvolvida e apresentada como tese de doutorado do Programa de Pós -Graduação em História Social da Uni-versidade de São Paulo, em 2010. Os arquivos utilizados como campo empíri-co para a formulação de reflexões sobre os arquivos pessoais e sua descrição es-tão sob a custódia do Serviço de Arquivo Histórico e Institucional da Fundação Casa de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro.

Ao estudar a utilização dos arquivos e os seus usuários no decorrer da pes-quisa de mestrado em Ciência da Informação a descrição arquivística se tornou uma inquietação, pois identifiquei que este tema vinha sendo tratado pela área de forma restrita ao longo dos últimos vinte e cinco anos. Na ocasião, como des-dobramento das análises sobre os novos usos dos arquivos e sobre o cada vez mais diversificado perfil de usuários que o mundo contemporâneo introduz no cenário arquivístico, o questionamento sobre a relevância da descrição arquivís-tica na equação composta por usuários, utilização dos acervos, acervos, arqui-vistas, descrição, e instrumentos de pesquisa, se configurou como um problema.

Nos anos 1980, a comunidade arquivística iniciou uma discussão em torno da necessidade da padronização de uma das funções mais marcantes do ofício do arquivista: a descrição arquivística. A mobilização de teóricos e profissionais da área nos Estados Unidos, Canadá e Reino Unido leva o Conselho Interna-cional de Arquivos (CIA) a encarar a questão também como uma prioridade.

A discussão foi pautada na preocupação com a inserção de informações so-bre os acervos e respectivos instrumentos de pesquisa em ambiente eletrônico e com as possibilidades que as inovações tecnológicas poderiam oferecer. Além disso, o uso de novas tecnologias e de padronizações na área de biblioteconomia também impulsionou o movimento desses arquivistas.

Nos Estados Unidos, o movimento de padronização foi liderado por ar-quivistas que atuam predominantemente nas universidades e, portanto, estão familiarizados com mecanismos de padronização, como a norma de cataloga-ção Anglo -American Cataloguing Rules (AACR2) e o formato Machine Readable Cataloging

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(MARC). A Library of Congress e a Society of American Archivists têm apoiado ao longo dos anos o desenvolvimento de padrões americanos.

Por sua vez, o Canadá formulou um trabalho cooperativo entre as Asso-ciações Profissionais e os Arquivos Nacionais. Em 1983, o Bureau of Canadian Archivists (BCA) realizou uma análise das práticas canadenses, e o resultado foi publicado em 1985. Após conseguir recursos para a ampliação dos estudos, foi constituído em 1987 o Planning Committee on Descriptive Standards, com-posto por dois representantes de cada uma das associações profissionais, pelo secretário geral do bureau e um observador dos arquivos nacionais.

No Reino Unido, o movimento foi conduzido pela Universidade de Li-verpool sob a coordenação de Michael Cook, com o apoio da associação de ar-quivistas. O seu primeiro resultado foi divulgado em 1986. O trabalho tem con-tinuidade até o ano de 2000, mas o padrão desenhado não chega a impactar a ponto de ser adotado pelos arquivos no restante do país. Dentre as propostas estudadas nesse trabalho essa é a que possui um discurso mais radical e a mais voltada para a fundamentação teórica da área, mas que em sua última versão, de certa forma, adere ao discurso do consenso.

O Conselho Internacional de Arquivos entrou na discussão no final dos anos 1980. Em 1989 uma Comissão ad hoc foi criada com representantes dos se-guintes países: Portugal, Suécia, Espanha, Malásia, Reino Unido, França, Cana-dá e Estados Unidos.

A influência da prática da Biblioteconomia é explícita nos trabalhos de-senvolvidos pelos Estados Unidos, Canadá e CIA. O Reino Unido apresenta um projeto que diverge dessa abordagem. Durante os anos 1990 foi intensa a pro-dução de artigos em periódicos e a realização de encontros científicos da área para discutir a temática da padronização.

Os resultados da proliferação de grupos de profissionais que discutem as perspectivas de padronização da descrição arquivística mostram propostas de nivelamento da prática de elaboração de instrumentos de pesquisa, envolvidas por um discurso de adaptação às novas tecnologias e práticas, e, por fim, colo-cando o caráter científico da descrição arquivística à margem do processo, o que gera o efetivo apagamento do corpus dessa função arquivística. Segundo meu entendimento, as propostas de formatação surgem com o discurso focado na atividade prática de elaboração de instrumentos de pesquisa, ignorando o status científico da descrição arquivística.

O desenvolvimento da pesquisa na descrição arquivística tem como obje-tivos principais tornar aparentes os relacionamentos entre o contexto de pro-dução dos documentos e os próprios documentos, além da compreensão dos

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151. Introdução

arquivos. Essa atividade tipicamente de pesquisa — que envolve o pleno conhe-cimento não somente do contexto de produção dos arquivos, dos vínculos ar-quivísticos, mas também dos contextos social, cultural e político em que o ar-quivo é produzido — extrapola a mera utilização de formatos de instrumentos de pesquisa. A atividade de pesquisa pertinente à descrição arquivística contri-bui para a percepção da arquivologia como campo científico, autorizando e legi-timando o arquivista como pesquisador. De acordo com Galland:

É precisamente porque o arquivista deve saber comprovar flexibilida-de e espírito crítico para analisar em qual momento as normas são necessá-rias e em qual momento deve abstraí -las, que a arquivistica não é meramen-te uma técnica, mas uma ciência.1

A principal questão do meu trabalho é, portanto, analisar a tendência nor-malizadora da descrição arquivística e a importância dessa tendência na com-preensão da descrição como uma função científica. Para que possamos estudar o quadro explorando um conjunto significativo de complexidades, adotamos como campo empírico os arquivos pessoais. A problemática da padronização tem im-pacto nos arquivos como um todo, independentemente de sua natureza. Mas, no âmbito dos arquivos pessoais, os conflitos tornam -se mais contundentes.

Como veremos adiante, a produção dos arquivos das organizações é estru-turada em instrumentos legais, normativos e de controle. No entanto, esse qua-dro não é encontrado quando nos referimos à produção dos arquivos pessoais. Consequentemente, a pesquisa necessária para a compreensão do contexto ar-quivístico é mais complexa e, na maioria dos casos, ambivalente. Assim, acredi-to que a escolha dos arquivos pessoais como campo empírico para esta pesquisa deverá enriquecer seus resultados e ampliar as possibilidades de discussão.

Para avaliarmos a discussão proposta pretendo analisar o lugar que ocupa os arquivos pessoais na arquivologia; identificar as normas de descrição arqui-vística de maior impacto internacional, e o processo de elaboração e implemen-tação dessas normas de descrição; analisar o discurso normalizador da descrição arquivística que acompanha as iniciativas de padronização; analisar individu-almente e comparativamente as principais normas internacionais de descrição

1 GALLAND, Bruno. La normalization au secours de l’archivistique? In SCHOUKENS, Cathy; SERVAIS, Paul (organizadores). L’erreur archivistique: de la compréhension de l’erreur à la perception et à la gestion dês incertitudes. Louvain -La—Neuve: Bruylant -Academia, 2009. p. 226. (Publica-tions des archives de l’Université Catholique de Louvain.) [Tradução da Autora.]

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arquivística, bem como exemplo de suas aplicações para descrição de arquivos pessoais; e verificar os efeitos do discurso que privilegia a normalização em rela-ção ao entendimento da descrição arquivística como função de pesquisa.

O trabalho parte da premissa de que a descrição arquivística é uma re-presentação produzida pelo arquivista, decorrente de um processo de pesquisa, com metodologia e métodos próprios da arquivologia, que objetiva a produção de conhecimento sobre os arquivos e o acesso aos mesmos.

A produção de conhecimento sobre os arquivos, função magna dos arqui-vistas, pressupõe a compreensão do processo de produção desses arquivos, isto é, desde o conhecimento sobre quem foi o produtor do arquivo e seus papéis na sociedade, passando pelos lugares que ocupou na sociedade e suas funções so-ciais, até o consequente entendimento do enredamento entre os registros que produziu e acumulou pertinentes às suas atividades e funções.

A descrição arquivística supõe a existência de um programa descritivo que pode ou não ser específico para cada arquivo. Schellenberg em seu livro Arquivos modernos: princípios e técnicas chama atenção para a prática americana de elaborar instrumentos de pesquisa que relacionam documentos avulsos ou individuais. O autor reconhece a influência biblioteconômica nessa condução e teme que dessa forma se perca a perspectiva do conjunto, e também que os arquivos fi-quem inacessíveis por muito tempo, por causa do tempo necessário para a ela-boração desses instrumentos de pesquisa que arrolam os documentos indivi-dualmente. Para o autor, “os papéis privados devem ser descritos tanto coletiva quanto individualmente”,2 e os documentos somente devem ser descritos sepa-radamente se o seu valor assim o justificar.

Do mesmo modo, segundo o teórico americano, a descrição arquivística deve facilitar o uso dos arquivos, mesmo que isso implique na elaboração de ins-trumentos de pesquisa específicos para determinados perfis de usuários e in-fluencie na decisão quanto à adoção dos modelos de instrumentos de pesquisa. É importante ressaltar que Schellenberg inclui o usuário dentro da discussão da descrição arquivística, na medida em que o sentido do trabalho de descrição é oferecer acesso aos documentos.

Em sua obra, o autor defende a inclusão de instrumentos de pesquisa pro-visórios no programa de descrição para fins de acesso imediato; uma política es-pecífica para concepção de instrumentos de pesquisa mais elaborados que aten-dam às prioridades dos serviços arquivísticos; e a adequação dos formatos dos

2 SCHELLENBERG, T. R. Documentos públicos e privados: arranjo e descrição. Tradução de Nilza Teixeira Soares. 3a edição. Rio de Janeiro: FGV, 2002. p. 314.

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171. Introdução

instrumentos de pesquisa visando facilitar a divulgação do arquivo. Os parâme-tros identificados por Schellenberg na década de 1950 apresentam ainda ele-mentos de importância para o planejamento de um programa descritivo.

À luz das necessidades da sociedade contemporânea e do lugar social que as instituições e os serviços arquivísticos assumiram a partir da década de 1980, a dis-cussão em torno do programa descritivo tem seu espectro ampliado. As questões de ordem política, técnico -científica e operacional passam a ser mais claramen-te consideradas. O usuário e suas demandas de informação tornam -se relevantes.

As questões políticas envolvem o programa de aquisição3 da instituição custodiadora, as prioridades de organização e o acesso aos acervos. Dentro des-se escopo devemos observar:

• a missão da instituição custodiadora dos arquivos;• os objetivos institucionais da unidade organizacional que detém o acervo;• os mecanismos de divulgação dos acervos;• as características individuais dos arquivos quanto à sua natureza e restrições.Por sua vez, os aspectos técnico -científicos se referem às decisões metodo-

lógicas, e os programas de descrição devem contemplar aspectos como:• o contexto de produção do arquivo;• o nível de detalhamento da descrição;• a relação entre a descrição e o arranjo documental;• o potencial informacional do arquivo em estudo;• o perfil do usuário da instituição;• os mecanismos de acesso ao acervo e ao seu conteúdo informacional;• o grau de exaustividade dos instrumentos de pesquisa.As questões operacionais envolvem os projetos e as atividades rotineiras

que são conduzidas visando o cumprimento das metas estabelecidas e de acordo com os parâmetros técnico -científicos.

Além disso, no desenho do programa descritivo, os elementos operacio-nais relacionados aos meios para tornar os acervos conhecidos e acessíveis de-vem ser colocados em pauta com maior clareza, tais como: os recursos humanos, materiais e tecnológicos disponíveis para a elaboração da descrição, a disponibi-lização de seus resultados e o acesso aos documentos.

De acordo com a perspectiva proposta, ao longo do trabalho o termo programa descritivo significará os elementos que norteiam a representação de um arquivo com vistas ao seu conhecimento, controle e acesso. O programa descritivo deve encon-

3 Entende -se aquisição como o processo de entrada (compra, doação ou transferência) de um acervo para custódia em um serviço arquivístico ou instituição arquivística.

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trar o equilíbrio entre as necessidades do usuário, a relevância do arquivo como ob-jeto de análise e as metas e infraestrutura do serviço ou da instituição arquivística.

No caso específico dos arquivos pessoais, devemos dar maior atenção aos possíveis desdobramentos que a pesquisa sobre o reconhecimento do papel so-cial do titular do arquivo pode gerar, como também é necessário estar atento aos desdobramentos da pesquisa sobre as relações sociais que o titular pode ter esta-belecido com seus contemporâneos e com as instituições pelas quais transitou.

A escolha sobre o aprofundamento ou não da pesquisa deve ser compre-endida como estratégica, uma vez que seus resultados permeiam a rede de re-lacionamentos entre os próprios documentos e a compreensão do contexto de produção do arquivo. E depois de definido pelo maior ou menor aprofunda-mento do trabalho de pesquisa sócio -histórica, e do contexto arquivístico em si, é necessário tomar ainda outra decisão estratégica: quais informações levantadas nessa etapa de pesquisa serão disponibilizadas para o usuário, ou em que nível essa disponibilização deverá ocorrer.

As escolhas de que falei são metodológicas e possibilitam um grau maior ou menor de revelação do arquivo e de seu contexto de produção. O terreno dessas escolhas é sensível, já que pode acarretar uma interferência do arquivista no interesse dos usuários pelos acervos, no descortinamento das conexões entre arquivos e nos possíveis usos dos acervos. As opções metodológicas a que chamo atenção devem ser tomadas com base nos princípios arquivísticos.

A existência e até mesmo a importância dessas escolhas muitas vezes são desconhecidas pelo próprio arquivista, que, na maior parte do tempo, não reco-nhece em seu trabalho o exercício dessas opções metodológicas. No momento em que arquivistas perceberem o quanto essas decisões podem contribuir para as pesquisas de outros arquivistas, encontraremos mais registros desses traba-lhos e de suas descobertas metodológicas.

No cerne desse quadro há a discussão sobre a problemática da relação en-tre a política institucional de aquisição de acervos e o tempo de processamento técnico científico desse material para acesso ao público. Greene e Meissner,4 em seu artigo “More product, less process: revamping traditional archival processing”, propõem que os arquivistas revisitem suas práticas no tocante ao processamen-to técnico dos acervos, de modo, principalmente, a tornar os documentos mais rapidamente disponíveis aos usuários.

4 GREENE, Mark A.; MEISSNER, Dennis. More product, less process: revamping traditional archi-val processing. The American Archivist, Chicago, The Society of American Archivists, v. 68, no 2, p. 208 -263, Fall/Winter 2005. [Tradução da Autora.]

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191. Introdução

Para consubstanciar suas considerações e propostas, os autores apresen-tam dados de trabalhos de pesquisas conduzidas pela Association of Resear-ch Libraries (ARL) em 1998, pelo próprio Mark Greene em conjunto com Jeff Suchanek pela The Society of American Archivists em 2003 -2004, realiza-das junto às instituições custodiadoras de acervos nos Estados Unidos, e ou-tras pesquisas realizadas no Reino Unido e no Canadá no período de 2000 a 2005. Os resultados apresentam algo em comum: há grande volume de do-cumentos depositados nas instituições que não se encontram disponíveis por falta de processamento técnico, indicando que mais arquivos são adquiridos do que a capacidade real de processamento pelas equipes das instituições cus-todiadoras.

Os autores defendem que os arquivos devem ser colocados à disposição dos usuários o mais rápido possível e que para tal o arquivista deve rever seus procedimentos quanto ao arranjo, descrição e preservação.

Greene e Meissner5 introduzem um quadro distinto daquele apresentado por Schellenberg no final dos anos 1950. De acordo com os autores contem-porâneos, os arquivistas, em geral, abandonaram a descrição ao nível de item documental e adotaram a prática da elaboração de instrumentos de pesquisa substanciais, em camadas múltiplas e descritivos. Os autores evidentemente es-tão restringindo suas considerações à elaboração dos instrumentos de pesqui-sa e desconsiderando que um programa descritivo adequado e bem -elaborado absorve essas questões e aponta as soluções. Schellenberg sugere a inclusão de práticas de elaboração de instrumentos de pesquisa prévios para que os usuários possam ter acesso aos documentos.

Outros aspectos que considero importantes e que deveriam fazer parte de um programa descritivo envolvem os formatos dos instrumentos de pesquisa e o nível de detalhamento que são obrigados a apresentar. Nessa abordagem são considerados os aspectos que retratam a política editorial ou a política de tec-nologia da informação e comunicação da instituição custodiadora. É relevante saber se a instituição:

• possui em sua política editorial a ação de publicar instrumentos de pesquisa;• preconiza a disponibilização do conteúdo informacional sobre os acer-

vos em bases de dados por meio da internet;• adota a situação híbrida que inclui a publicação de inventários, catálo-

gos, guias e outros simultaneamente à alimentação de bases de dados sobre seus acervos e subsequente disponibilização na internet.

5 Id., ibid., p. 215.

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Há ainda as considerações sobre o quanto de detalhamento ou análise de-vem os instrumentos de pesquisa apresentar. Ou o quanto de expertise sobre ferramentas tecnológicas, domínio de vocabulário especializado em nossa área ou familiaridade com instrumentos de pesquisa e métodos de busca pretende-mos exigir de nossos usuários.

As respostas para essas e outras questões estão com os usuários. Se pre-servamos os arquivos é tão somente para assegurar que sejam acessados. Nada mais, além disso. O usuário deve ser ouvido pelas instituições e por suas uni-dades organizacionais encarregadas pelos arquivos. Os resultados encontra-dos devem ser analisados e considerados nas decisões, como por exemplo: quais acervos devem ser organizados prioritariamente, quais arquivos devem ser mais rapidamente disponibilizados e qual a melhor forma de oferecer o acesso aos acervos.

Outro fator a ser considerado é o quadro de inovação tecnológica e a in-serção da tecnologia em nossa sociedade. Ao longo dos anos, principalmente a partir da década de 1980, o uso da tecnologia ficou mais desmistificado. Os microprocessadores individuais e as tecnologias de rede e digital introduziram no cotidiano daqueles que são usuários dos arquivos novas expectativas e novas competências (tecnológicas e informacionais).

A definição dos elementos identificados na fase de pesquisa que serão uti-lizados como pontos de acesso e da extensão do nível de detalhamento é indis-pensável na elaboração de um programa de descrição. Essa será a chave para o acesso aos arquivos, especialmente para aqueles cujas informações ou instru-mentos de pesquisa encontram -se disponíveis na web.

Este trabalho teve como eixos principais: a revisão de literatura da área so-bre os temas — arquivos pessoais, descrição arquivística e normas de descrição; a análise das principais normas de descrição arquivística; e respectivas aplicações das normas nos arquivos pessoais.

No decorrer do processo de leitura e análise das fontes bibliográficas prio-rizei as obras identificadas como relevantes para: a consolidação da fundamen-tação teórica do trabalho baseada na especificidade dos arquivos pessoais e o seu lugar na arquivologia; a compreensão da descrição arquivística como uma representação resultante de um processo de pesquisa; a elaboração do processo histórico de produção e implementação das normas de descrição arquivística; a análise das normas de descrição do objeto do estudo; e o impacto do processo de padronização para a arquivologia. É importante ressaltar que houve a preo-cupação de verificar no discurso dos autores a existência ou não de referência à cientificidade da função de descrição e em qual grau de aprofundamento.

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211. Introdução

Foram pesquisados textos que demonstram as discussões clássicas e as mais contemporâneas de modo a contribuir para a reflexão teórica da pesqui-sa. Procurei analisar as diferentes tendências da área na medida em que defini a melhor abordagem para consubstanciar o problema. O estudo dos textos per-mitiu verificar no discurso da área as possibilidades de diálogo entre a teoria e o campo empírico quando se trata da elaboração da descrição arquivística. Já nes-sa etapa ficou evidente a complexidade da descrição arquivística quando seu ob-jeto de estudo é o arquivo pessoal.

No decorrer do levantamento de instrumentos de pesquisa publicados no Brasil e em países estrangeiros foram identificados cerca de oitenta e oito exem-plares de instrumentos de pesquisa (inventários, catálogos, guias, bases de da-dos). O levantamento não pretendeu ser exaustivo, mas apresentar um univer-so que fornecesse escolhas para a etapa de análise da aplicabilidade das normas. A prioridade foi identificar inventários publicados, uma vez que apresentam maior estabilidade, mas também foram identificados inventários on -line.

Apesar do foco do estudo proposto estar nos arquivos pessoais, fiz uma exceção no caso dos instrumentos que exemplificam a norma Manual of Archival Description (MAD) que se referem a arquivos privados de empresas, uma vez que estes foram os exemplos que consegui de aplicação da norma.

A opção pelas normas de descrição balizadoras do trabalho foi marcada pela pesquisa na bibliografia, de forma a perceber quais normas são recorrente-mente mencionadas nos textos publicados quando o tema é a descrição arqui-vística, e na análise do papel dos países produtores das primeiras normas de tra-dição na área. A partir do levantamento bibliográfico foi possível estabelecer as normas de descrição de maior impacto dentro do escopo de normalização dessa função arquivística. São portanto objeto de análise crítica desta pesquisa:

• Modelo de descrição publicado em 1898, Manual de arranjo e descrição de ar-quivos, proposto pelos holandeses Muller, Feith e Fruim;

• Manual of Archival Description (MAD). Norma proposta pelo Reino Unido, elaborada em três versões e coordenada por Michael Cook (1986, 1989 e 2000);

• Rules for archival description (RAD). Norma desenvolvida pelo Bureau of Canadian Archivists (versão revisada de 2008);

• ISAD(G): Norma geral internacional de descrição arquivística, elabora-da pelo Conselho Internacional de Arquivos (2003);

• Describing Archives: a Content Standard (DACS). Modelo americano promovi-do pela Society of American Archivists (2008).

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22 Descrição e pesquisa

A análise descritiva dos processos de elaboração e implantação das normas de descrição arquivística — propostas por holandeses em 1898, Reino Unido, Canadá, Conselho Internacional de Arquivos e Estados Unidos — resultan-te dessa etapa retoma as orientações propostas pelos holandeses no século XIX como marco na área e na temática. Ela também delineia o movimento dos pa-íses citados em torno da elaboração de normas de descrição, considerando que esses movimentos estão situados num contexto histórico e político no panora-ma arquivístico internacional. A análise descritiva evidenciou o não lugar da com-preensão da descrição como atividade de pesquisa no discurso das normas ela-boradas.

Por sua vez, a análise comparativa e crítica das normas, separadamente e em conjunto, possibilitou a compreensão dos objetivos e fundamentos específi-cos, e a identificação de seus encontros e desencontros, o que possuem em co-mum e em que divergem. Nesse contexto, também é considerado o cenário que dá origem à necessidade da comunidade de profissionais em buscar um mode-lo para a descrição arquivística. Entretanto, procuramos salientar que, apesar do discurso de inovação, essa necessidade de sistematização já ocorre no século XIX com os arquivistas holandeses, inviabilizando qualquer indicativo de “mar-co zero” no âmbito de descrição arquivística.

Nos capítulos deste livro apresentarei os distintos problemas e as respec-tivas discussões e reflexões decorrentes do processo.

No capítulo “Arquivo pessoal e seu lugar na arquivologia”, identificarei os processos históricos de inserção dos arquivos produzidos no âmbito da vida pri-vada nas instituições arquivísticas de países com tradição na área (França, Reino Unido, Estados Unidos e Canadá) e as ambiguidades existentes na área da ar-quivologia para a plena aceitação desses acervos como arquivos. Nessa etapa do trabalho retomo clássicos como Jenkinson, Lodolini, Muller, Feith e Fruin, além de autores contemporâneos como Thomassen, Eastwood, Bearmen, Hobbs, Camargo, MacNeil e outros, analisando os diferentes posicionamentos diante da questão.

No desenvolvimento do capítulo “A descrição arquivística: uma função de pesquisa”, tentarei dialogar com a literatura da área no que se refere à episte-me da descrição arquivística e à desconexão que ocorre no discurso da padroni-zação entre o caráter científico da descrição e a produção dos instrumentos de pesquisa.

A proposta do capítulo “A descrição arquivística e os arquivos pessoais” é demonstrar que a pesquisa para o conhecimento acurado do contexto arquivís-tico fundamenta a descrição; apresentar a metodologia de compreensão dos ar-

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231. Introdução

quivos pessoais e de recomposição das conexões entre os documentos e o que representam; e comprovar por meio de exemplos empíricos que no decorrer da descrição arquivística é necessário o emprego de métodos científicos tais como o dedutivo, indutivo e indiciário.

No capítulo “Em busca de um modelo de descrição arquivística”, serão apresentados os movimentos que dão origem à elaboração das normas de des-crição arquivística, objeto da minha pesquisa: Manual of Archival Description (MAD), o modelo do Reino Unido; Rules for Archival Description (RAD), modelo do Canadá; ISAD(G): Norma geral internacional de descrição arquivística, modelo do Con-selho Internacional de Arquivos; e Describing Archives: a Content Standard (DACS), o modelo atual americano.

Analisarei como o padrão descritivo canadense é fortalecido e aplicado até os dias atuais; como se dá o processo de elaboração do modelo americano, me atendo à última norma em vigor, publicada em 2004; e qual o processo de elaboração do modelo do Reino Unido que, por sua vez, foi abandonado e de acordo com minhas pesquisas há uma tendência à adoção da norma internacio-nal elaborada pelo Conselho Internacional de Arquivos, mesmo que em apenas alguns níveis de descrição.

Quanto à proposta de padronização do Conselho Internacional de Arqui-vos verifico em que medida se apresenta como marco zero na área e em que me-dida contribui para o fortalecimento da arquivologia como área de conhecimento.

É no capítulo “Entre o modelo e sua aplicação: o lugar obscuro do trabalho de pesquisa” que utilizo os exemplos selecionados de instrumentos de pesqui-sa elaborados seguindo cada um dos modelos estudados. Pretendo, a partir da análise de resultados de aplicação das normas internacionais mais significativas, avaliar se de fato acontece o apagamento da descrição arquivística como ativi-dade científica, e se consequentemente a autoridade do arquivista como agente nesse processo de pesquisa é ignorada.

No último capítulo há uma síntese do trabalho e a reflexão final sobre o problema levantado. Em seguida são apresentadas as referências bibliográficas e arquivísticas utilizadas, e os anexos: levantamento de títulos de instrumentos de pesquisa e quadro comparativo entre as normas de descrição estudadas.

Espero que este livro contribua para o fortalecimento da descrição arqui-vística como uma função de pesquisa e para o reconhecimento do arquivista como pesquisador.

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2. Arquivo pessoal e seu lugar na Arquivologia

Os arquivos pessoais, no campo da Arquivologia, têm ocupado um espaço de discussão teórica pouco privilegiado. Irei analisar, portanto, algumas hipóteses que justifiquem esse cenário, que se refere à produção de conheci-mento sobre arquivos pessoais.

Num primeiro momento, atribuo essa situação ao lugar que os documen-tos produzidos e acumulados pelos indivíduos ocuparam e ainda ocupam no âm-bito das instituições com vocação para a preservação dos registros da sociedade.

A seguir apresento os processos de inserção dos arquivos pessoais como questão na França, no Reino Unido, nos Estados Unidos e no Canadá.

2.1. O cenário na França, no Reino Unido, nos Estados Unidos e no Canadá

2.1.1. França

A arquivista francesa Christine Nougaret, em seu artigo “Les archives privées, élé-ments du patrimoine national?”, afirma que a importância do arquivo privado na França somente foi reconhecida na segunda metade do século XIX, e que a literatura francesa da área, até então, somente se ocupara de questões pertinentes aos arqui-vos públicos. Segundo a autora, a inserção dos arquivos privados no âmbito do ce-nário arquivístico, no século XIX, deveu -se principalmente ao seu interesse histórico.

Naquele país, a identificação do valor dos arquivos privados pessoais está re-lacionada ao entendimento de que estes são constituintes do patrimônio nacional e, portanto, de interesse público. Essa compreensão começou na queda do Antigo Regime, com o sequestro, por parte do novo governo, dos bens do clero, de no-bres e de imigrantes, e o recolhimento dos seus arquivos aos repositórios públicos.

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252. Arquivo pessoal e seu lugar na Arquivologia

O Arquivo Nacional da França, entre os anos de 1804 e 1816, subdividiu o conjunto de arquivos e coleções privadas sob sua custódia em “o domínio dos príncipes (série R), os bens eclesiásticos (série S) e os papéis de famílias (série T)”.1 Ainda segundo a autora, em 1856 o Arquivo Nacional criou uma subsérie de arquivos para incorporar todos os documentos de origem privada que foram recebidos pela instituição por mecanismos distintos2 dos administrativos. Em sua maioria, tratavam -se de documentos públicos que passaram para mãos do cená-rio privado e que retornaram, por meio dessa reintegração, ao âmbito público.

Na verdade, o foco de interesse do Arquivo Nacional era, sem dúvida, a re-cuperação de arquivos e documentos públicos que haviam passado para mãos pri-vadas, e não a aquisição de documentos privados. Sendo assim, no ano de 1856, das cento e setenta e cinco entradas de arquivos por meio de mecanismos outros que não os administrativos tradicionais, somente quinze eram de arquivos privados.

Nathalis de Wailly formulou o princípio da proveniência em 1841. Após quin-ze anos, durante o processo de reintegração, os documentos que eram o objeto desse processo foram inseridos nas séries levando -se em conta sua temática, e não a origem. Esse procedimento indica que o princípio que se consagra como a base da organiza-ção dos arquivos ainda não era amplamente conhecido na França. É em 1891, segun-do Nougaret,3 que os arquivos privados alcançam notoriedade no âmbito público.

Quase ignorados pela Arquivística durante um século, os arquivos privados fazem, em 1891, uma entrada decisiva no cenário público e arqui-vístico graças a duas iniciativas privadas concomitantes, conduzidas fora dos Arquivos Nacionais e no meio dos historiadores.4

Para Nougaret, o papel do historiador Melchior de Vogüé, o marquês de Vogüé, presidente da Sociedade de História da França, foi fundamental para o reconhecimento dos arquivos privados (pessoais ou familiares) como fonte para

1 NOUGARET, Christine. Archives familiales et archives nationales: une relation de deux siècles. p. 19. Disponível em: <http://www.pug.fr/extrait_ouvrage/Earchives.pdf>. Acesso em: 3 dez. 2008. [Tradução da Autora.]

2 Vias extraordinárias: “O UNIVERSITY OF MANCHESTER. John Rylands University Library. Guide to the listing of archives. 1992. 37 p. Outras vias que não as meramente administrativas, o modo nor-mal de crescimento dos arquivos públicos”. Cf. NOUGARET, ibid., p. 20. [Tradução da Autora.]

3 Ibid. Les archives privées, éléments du patrimoine national?: des sequesters révolutionnaires aux en-trées par voies extraordinaires un siècle d´hésitations. p. 737 - 750. Disponível em: <http://www.archiviodistato.firenze.it/nuovosito/fileadmin/template/allgatimedia/libri/150/archivi sto-ria/150 nougaret.pdf>. 745 -746. Acesso em: 15 out. 2008.

4 Id., ibid., p. 745. [Tradução da Autora.]

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a história do país. Seu posicionamento foi publicado no anuário da sociedade, em 1891. O artigo, além de defender a importância dos arquivos familiares para os historiadores, defendia a não dispersão desses arquivos.

O marquês também sugeria que o exemplo do Reino Unido fosse reproduzi-do na França, que deveria empreender um trabalho semelhante ao desenvolvido pela Real Comissão de Manuscritos Históricos. Mais adiante o tema será retomado.

Na França, avançava a questão do espaço que os arquivos privados ocu-pam. Em 1891, é publicado o livro Os arquivos da história da França,5 de autoria de Charles -Victor Langlois6 e Henri Stein, que dedicam um capítulo da obra, “Ar-quivos diversos”, para o assunto dos “arquivos familiares e dos castelos”.7

Os autores realizaram um trabalho de cadastramento dos documentos pri-vados arquivados nos departamentos e nos arquivos departamentais, e também junto aos proprietários de castelos e de outros arquivos. O resultado da pesquisa deu maior visibilidade aos arquivos privados, em especial aos arquivos dos cas-telos e das famílias nobres, e, consequentemente, despertou nos historiadores o interesse por utilizar essa documentação no desenvolvimento de suas pesquisas.

A obra, que objetivava identificar todos os arquivos públicos ou privados relevantes para a história da França, indicava que os materiais considerados his-tóricos, científicos ou literários encontravam -se sob a custódia das bibliotecas.

Apesar dessas duas iniciativas, os resultados, de acordo com a autora, foram tímidos. O Arquivo Nacional recolheu apenas os arquivos de Pagart d’Hermansart, em 1896, e o de Hyde de Neuville no ano seguinte. Foi somente após a Primeira Guerra Mundial que o processo de ingresso desses arquivos privados no âmbito público aconteceu de forma mais intensa. A Primeira Guerra introduziu no cená-rio questões relacionadas à destruição e à evasão dos documentos, reforçadas na Segunda Guerra, não só na França mas também no Reino Unido.

Na França, a partir do reconhecimento, por parte da comunidade de his-toriadores e do governo francês, do interesse histórico dos arquivos pessoais ou familiares, foi possível delinear ações que assegurassem a preservação e o acesso a esses arquivos, bem como sua manutenção em território francês, a saber:

a) os arquivistas do Arquivo Nacional inventariaram os arquivos nas pro-priedades de seus custodiadores ou titulares, de forma que os pesquisadores po-deriam consultar os documentos;

5 Tradução da Autora.6 Diretor do Arquivo Nacional da França entre 1913 e 1929.7 NOUGARET, Les archives privées, éléments du patrimoine national?: des sequesters révolutionnaires aux

entrées par voies extraordinaires un siècle d´hésitations, s.d., p. 748. [Tradução da Autora.]

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272. Arquivo pessoal e seu lugar na Arquivologia

b) a criação em 1932 da modalidade de contrato de depósito, que assegura-va a propriedade dos arquivos aos seus custodiadores e o acesso aos documentos, aos pesquisadores. “Será até os anos 1970 a principal forma de crescimento do Arquivo Nacional no que se refere aos arquivos privados”;8

c) a proteção dos arquivos privados de interesse nacional, considerados monumentos históricos, inclusive de evasão para o estrangeiro por meio do decreto - lei de 17 de junho de 1938;

d) a aplicação aos arquivos privados dos mesmos princípios e métodos aplicados aos arquivos públicos por meio do decreto de agosto de 1945;

e) a criação de um serviço de arquivos econômicos, privados e de micro-filme no Arquivo Nacional. Essa criação ocorre na gestão de Charles Braibant, em 1949. A iniciativa visava à preservação e visibilidade dos arquivos privados de interesse histórico. Com a criação desse serviço foi possível realizar ativida-des de organização, de produção de inventários e mesmo de microfilmagem nas propriedades dos custodiadores dos arquivos; e

f ) a gestão do diretor do Arquivo Nacional Charles Braibant (1948 -1959), que teve uma postura agressiva de recolhimento ao Arquivo Nacional: “145 fun-dos entram no Arquivo Nacional de 1949 a 1956, contra 70 nos cem anos ante-riores (73 arquivos familiares, 64 arquivos de economia e 8 arquivos sociais)”.9

Nesse país, apesar de um processo histórico que envolveu uma grande pre-ocupação com o patrimônio da nação, inclusive relativa à sua permanência em território francês, é apenas com a promulgação da Lei de 3 janeiro de 1979, refe-rente aos arquivos, que ocorre a definição dos arquivos privados — “os arquivos produzidos (organicamente produzidos e recebidos) por pessoa física ou jurídi-ca de direito privado” —10 e se afirma a capacidade dos arquivos públicos de re-colherem os arquivos privados de interesse histórico.

2.1.2. Reino Unido

No Reino Unido, em 2 de abril de 1869 foi constituída a Royal Commission on Historical Manuscripts,11 ou, como ficou conhecida, Historical Manuscripts

8 NOUGARET, Archives familiales et archives nationales: une relation de deux siècles, s.d., p. 26. [Tradução da Autora.]

9 Id., ibid., p. 27. [Tradução da Autora.]10 Id., Les archives privées, éléments du patrimoine national?: des sequesters révolutionnaires aux entrées

par voies extraordinaires un siècle d´hésitations, s.d., p. 738. [Tradução da Autora.]11 Disponível em: <http://www.nationalarchives.gov.uk/policy/warrant.htm>.

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