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UNIVERSIDADE PAULISTA Curso de Pós-Graduação “Latu Sensu” em Clínica Médica e Cirúrgica de Felinos CARDIOMIOPATIAS FELINAS Ana Cláudia dos Guimarães Rettore Belo Horizonte 2012

Cardiomiopatias Felinas.pdf

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  • UNIVERSIDADE PAULISTA

    Curso de Ps-Graduao Latu Sensu em Clnica Mdica e Cirrgica de Felinos

    CARDIOMIOPATIAS FELINAS

    Ana Cludia dos Guimares Rettore

    Belo Horizonte

    2012

  • i

    ANA CLUDIA DOS GUIMARES RETTORE

    Aluna do Curso de Especializao Latu Sensu em Clnica Mdica e Cirrgica de

    Felinos

    CARDIOMIOPATIAS FELINAS

    Belo Horizonte

    2012

    Trabalho monogrfico de

    concluso do Curso de Ps-

    Graduao Latu Sensu em Clnica Mdica e Cirrgica de

    Felinos apresentado UNIP como

    requisito parcial para obteno

    de Ttulo de Especialista em

    Clnica Mdica e Cirrgica de

    Felinos sob avaliao do Mestre

    Euler Fraga Silva

  • ii

    CARDIOMIOPATIAS FELINAS

    Elaborado por Ana Cludia dos Guimares Rettore

    Aluna do Curso Clnica Mdica e Cirrgica de Felinos da UNIP

    Foi analisado e aprovado com grau ..................................................

    __________________________________

    Membro

    ___________________________________

    Membro

    _____________________________________

    Orientador

    Belo Horizonte, 01 de Julho de 2012

  • iii

    DEDICATRIA

    Dedico esse trabalho a quem me ensinou a compreender e lidar com carinho e respeito cada

    particularidade do universo dos felinos. Ao meu amigo e companheiro Pawnee que

    compartilhou alegrias e com fidelidade acalentou minha alma em momentos de desafio,

    minha eterna gratido. Devido ao seu amor e sua amizade tive a oportunidade de encontrar

    meu dom e amadurecer emocional e profissionalmente.

    (in memoriam)

  • iv

    AGRADECIMENTOS

    Agradeo ao meu pai o incentivo e apoio em todos os momentos da vida, principalmente

    nesse, pois me ofereceu a oportunidade de concretizar o ttulo e trabalho to sonhados.

    minha me, o carinho, os ensinamentos e por cuidar com tanto zelo da Samira nos

    momentos da minha ausncia.

    Ao meu marido, o companheirismo e incentivo que me ajudaram a chegar ao fim de mais uma

    etapa.

    minha filha querida, o amor e pacincia.

    Ao meu amigo e mentor Euler, o conhecimento e prontido para a realizao desse trabalho.

    Por todos os anos de amizade e convivncia que contriburam para que me tornasse uma

    profissional respeitada, minha profunda gratido.

    Aos amigos, o apoio e carinho, em especial Enid pelas longas horas de procura por artigos,

    Erika pela pacincia e disponibilidade no auxilio das correes, Rubia e Janana por

    ensinarem e viver na plena verdade do caminho vermelho e a todas as gateiras pelos

    momentos de agradvel companhia e verdadeiras amizades que se criaram.

  • v

    RESUMO

    As cardiomiopatias (CM) formam o grupo de doenas cardacas mais importantes e

    frequentes na espcie felina. Elas so responsveis por alteraes patofisiolgicas e estruturais

    no corao que culminam em insuficincia cardaca, geralmente congestiva, e em

    tromboembolismo arterial sistmico. A classificao atual segue normas da Organizao

    Mundial de Sade (OMS) que sugerem quatro categorias principais: a cardiomiopatia

    hipertrfica (CMH), cardiomiopatia dilatada (CMD), cardiomiopatia restritiva (CMR) e

    cardiomiopatia arritmognica do ventrculo direito (CAVD). Casos mal definidos que no se

    enquadram em tais categorias so denominados de cardiomiopatia no classificada (CNC).

    Apesar de as cardiomiopatias apresentarem sintomatologia semelhante elas possuem

    patofisiologias distintas. As opes teraputicas para as CMs se baseam no uso de drogas, tais

    como: diurticos, beta-bloqueadores, drogas antagonistas neuro-hormonais e bloqueadores de

    canal de clcio. No entanto, ainda no h um protocolo padro na utilizao desses frmacos.

    A associao do entendimento da patofisiologia, avaliao clnica criteriosa e anlise de

    exames de imagem (especialmente ecodopplercardiogrfico), possibilita a elaborao de um

    plano teraputico mais adequado. Esse plano deve oferecer um suporte que ao mesmo tempo

    estenda a sobrevida e melhore a qualidade de vida desses pacientes felinos. O presente

    trabalho teve como objetivo trazer uma reviso concernente sintomatologia, patofisiologia e

    os diferentes mtodos de diagnstico aplicados em casos de cardiomiopatia em felinos. Dessa

    forma, possvel avaliar a situao atual de diagnstico e tratamento das CMs, trazendo

    tambm uma discusso mais detalhada sobre perspectivas diagnsticas futuras com

    biomarcadores e ressonncia magntica cardaca na espcie felina.

    Palavras Chaves: Cardiomiopatia, felinos, doena miocrdica, diagnstico.

  • vi

    ABSCTRACT

    Cardiomyopathies (CM) is the most relevant group of heart diseases affecting

    felines. They are responsible for pathophysiological and structural changes in the heart. Such

    changes often lead to cardiac failure (usually congestive) and to systemic arterial

    thromboembolism.The CMs are currently classified according to the World Health

    Organization (WHO). This group of diseases is constituted by four main categories:

    hypertrophic cardiomyopathy (HCM), dilated cardiomyopathy (DCM), restrictive

    cardiomyopathy (RCM) and arrhythmogenic right ventricular cardiomyopathy (ARVC). The

    cases lacking sufficient information to include them in any of these groups are described as

    unclassified cardiomyopathy (UCM). Although the cardiomyopathies (CMs) present very

    similar symptoms, they have distinct pathophysiology. The therapeutic options for the MCs

    are based on the use of drugs such as diuretics, beta blockers, neurohormonal antagonists and

    calcium channel blockers. However, there is no standard protocol determining the prescription

    and use of such drugs on the treatment of feline CMs. It is plausible to discuss that the

    association of a more robust knowledge of the pathophysiology, a more detailed clinical

    evaluation and the analysis of image exams (especially echodopplercardiography) provide

    information for the development of a more appropriate therapeutic plan. This plan should aim

    to extend the survival and improve the life quality of felines submitted to treatment. The

    objective of the present study was to present a review on the symptoms, pathophysiology, and

    different diagnostic methods concerning feline cardiomyopathies. This study highlights the

    current status and procedures used in clinical diagnosis and treatment of feline CMs. It also

    discusses the future perspectives and new promising methods, such as the use of biomarkers,

    genetic triage and cardiac magnetic resonance imaging in felines.

    Keywords: Cardiomyopathy. Felines. Myocardial disease. Diagnosis

  • vii

    SUMRIO 1 INTRODUO ................................................................................................................. 1

    2 REVISO DE LITERATURA ............................................................................................. 3

    2.1 Cardiomiopatia Hipertrfica ......................................................................................... 3

    2.1.1 Definio e Prevalncia ........................................................................................... 3

    2.1.2 Etiologia..................................................................................................................... 3

    2.1.3 Patologia .................................................................................................................... 4

    2.1.4 Patofisiologia ............................................................................................................. 6

    2.2 Cardiomiopatia Dilatada ................................................................................................ 8

    2.2.1 Definio e Prevalncia ............................................................................................ 8

    2.2.2 Etiologia..................................................................................................................... 9

    2.2.3 Patologia .................................................................................................................. 10

    2.2.4 Patofisiologia ........................................................................................................... 11

    2.3 Cardiomiopatia Restritiva ........................................................................................... 13

    2.3.1 Definio e Prevalncia .......................................................................................... 13

    2.3.2 Etiologia................................................................................................................... 14

    2.3.4 Patofisiologia ........................................................................................................... 15

    2.4 Cardiomiopatia Arritmognica do Ventrculo Direito .............................................. 18

    2.4.1 Definio e Prevalncia .......................................................................................... 18

    2.4.2 Etiologia................................................................................................................... 19

    2.4.3 Patologia .................................................................................................................. 20

    2.4.4 Patofisiologia ........................................................................................................... 22

    2.5 Cardiomiopatia No Classificada ................................................................................ 23

    2.5.1 Definio e Prevalncia .......................................................................................... 23

    2.5.2 Patologia .................................................................................................................. 24

    2.5.3 Patofisiologia ........................................................................................................... 24

    2.6 Apresentao Clnica e Achados do Exame Fsico .................................................... 25

    2.7 Diagnstico .................................................................................................................... 28

    2.7.1 Aspectos Laboratoriais .......................................................................................... 28

    2.7.2 Aspectos Radiogrficos .......................................................................................... 30

    2.7.3 Aspectos Eletrocardiogrficos ............................................................................... 36

    2.7.4 Aspectos Angiocardiogrficos ............................................................................... 37

    2.7.5 Aspectos Ecocardiogrficos ................................................................................... 38

  • viii

    2.8 Diagnstico Cardiovascular Avanado ....................................................................... 47

    2.8.1 Biomarcadores ........................................................................................................ 47

    2.8.1.1 Peptdeos Natriurticos ....................................................................................... 47

    2.8.1.2 Troponina Cardaca I ......................................................................................... 49

    2.8.1.3 Endotelina I .......................................................................................................... 50

    2.8.2 Teste de Triagem Gentico .................................................................................... 50

    2.8.3 Ressonncia Magntica Cardaca ......................................................................... 51

    2.8.4 Testes Diagnsticos em Estudo ............................................................................. 52

    2.9 Diagnstico Diferencial ................................................................................................. 54

    2.10 Tratamento .................................................................................................................. 55

    2.11 Prognstico .................................................................................................................. 65

    3 CONCLUSO ...................................................................................................................... 66

    4 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS .............................................................................. 66

  • 1

    1 INTRODUO

    Em 1980, a organizao mundial de sade (OMS) definiu a cardiomiopatia como um

    grupo de doenas do msculo cardaco sem causas definidas nas quais os achados clnicos

    principais eram a cardiomegalia e a insuficincia cardaca. Em 1995, ocorreu a atualizao

    desta definio quando a OMS associou essas doenas do miocrdio disfuno cardaca.

    Foram tambm includos pela primeira vez os tipos cardiomiopatia arritmognica do

    ventrculo direito e cardiomiopatia restritiva (FERASIN, 2009a).

    As cardiomiopatias primrias formam uma classe heterognea de desordens cujas

    caractersticas principais so as anormalidades estruturais e prejuzos funcionais do msculo

    cardaco. Elas representam a principal categoria de doenas cardiovasculares dos felinos. O

    termo cardiomiopatia idioptica tem sido classicamente aplicado para descrever o miocrdio

    como nica fonte de doena cardaca quando a etiologia no pode ser identificada enquanto

    cardiomiopatia secundria tem denotado doena do msculo cardaco resultante de distrbios

    sistmicos, metablicos ou nutricionais identificveis (FOX, 2010).

    Os conceitos de cardiomiopatia na medicina felina tambm seguem as orientaes da

    OMS, mas h uma tendncia de constituir diretrizes numa tentativa de padronizar os

    diagnsticos uma vez que as classificaes comuns como cardiomiopatia hipertrfica (CMH),

    cardiomiopatia dilatada (CMD) e cardiomiopatia restritiva (CMR) exibem certas limitaes.

    Essas classificaes misturam alteraes anatmicas (hipertrfica e dilatada) com funcional

    (restritiva) gerando conflito, pois uma mesma doena pode ser enquadrada em duas categorias

    ao mesmo tempo. Tambm pode ocorrer confuso quanto progresso de doenas

    secundrias a condies valvares, isqumicas e inflamatrias, pois podem apresentar

    alteraes finais compatveis com doena miocrdica primria devido aos mecanismos de

    remodelao e de compensao da falncia cardaca. Outra crtica quanto atual classificao

    da cardiomiopatia quanto incluso da disfuno diastlica e das doenas miocrdicas

    referentes a ritmo e conduo (FERASIN, 2009a). Assim, a Organizao Mundial de Sade

    em associao a Sociedade Internacional e Federao Mundial de Cardiologia juntam esforos

    para classificar 4 tipos de cardiomiopatia: cardiomiopatia hipertrfica, restritiva, dilatada e

    arritmognica do ventrculo direito (tab 1) ( FERASIN, 2009a; FOX, 2010).

  • 2

    TABELA 1 Classificao e definio de cardiomiopatia segundo fora-tarefa da

    OMS/SIFC 1995

    CMH CMR CMD CAVD CNC

    Hipertrofia

    ventricular

    esquerda ou direita,

    geralmente

    assimtrica e

    envolvendo septo

    interventricular.

    Tipicamente o

    volume ventricular

    esquerdo normal

    ou reduzido.

    Enchimento

    restritivo e

    volume diastlico

    diminudo em um

    ou ambos

    ventrculos, com

    funo sistlica

    normal ou

    prxima ao

    normal e paredes

    espessadas.

    Dilatao e

    contrao

    prejudicada do

    ventrculo

    esquerdo ou de

    ambos

    ventrculos.

    Progressiva

    substituio de

    tecido

    fibrogorduroso do

    endocrdio

    ventricular direito.

    Envolvimento do

    ventrculo direito

    inicialmente

    regional e

    posteriormente

    global e com certo

    envolvimento do

    ventrculo

    esquerdo, mas

    poupando

    relativamente o

    septo.

    Casos que no se

    encaixam em

    nenhum grupo.

    OMS/SIFC = Organizao Mundial de Sade/ Sociedade Internacional e Federao de Cardiologia. CMH=

    Cardiomiopatia Hipertrfica, CMR= Cardiomiopatia restritiva, CMD = cardiomiopatia dilatada, CAVD =

    cardiomiopatia arritmognica do ventrculo direito, CNC= cardiomiopatia no classificada.

    Fonte: Modificado de FERASIN (2009a)

    Atualmente, a ecocardiografia usada como parmetro primrio para a classificao e

    o diagnstico das cardiomiopatias, mas devido variabilidade fenotpica das cardiomiopatias

    de grupos distintos ou de um mesmo grupo, a avaliao se torna subjetiva e dependente da

    experincia do ecocardiografista em questo. Uma alternativa para essas lacunas entre

    diagnstico e classificao a histopatologia. Porm, esses dados no so to relevantes

    quando a discusso na direo do tratamento, pois as suas implicaes clnicas prticas so

    menos importantes (FERASIN, 2009a; CT, 2011).

    O objetivo desse trabalho demonstrar que o diagnstico das cardiomiopatias ainda

    apresenta diversas controvrsias devido complexidade da classificao baseada em

    alteraes funcionais e estruturais. Apesar desses desafios, quando houver uma avaliao

    clnica criteriosa associada compreenso dos mecanismos fisiopatolgicos possvel

    selecionar uma linha de tratamento mais adequada oferecendo suporte para aumentar a

    sobrevida com melhoria na qualidade de vida desses pacientes felinos.

  • 3

    2 REVISO DE LITERATURA

    2.1 Cardiomiopatia Hipertrfica

    2.1.1 Definio e Prevalncia

    A cardiomiopatia hipertrfica (CMH) a principal doena cardaca dos felinos

    representando aproximadamente 2/3 dos casos das cardiomiopatias (FERASIN, 2009a).

    caracterizada por hipertrofia ventricular esquerda concntrica simtrica, assimtrica ou focal e

    varia entre grau leve grave (SCHWARTZ, 2003; KITTLESON, 1998b). uma doena

    hereditria que pode se desenvolver em qualquer momento da vida. Os relatos exibem

    animais acometidos com idade entre 3 meses a 17 anos, com maior frequncia entre 4 e 7

    anos. Apesar de no haver um padro de hereditariedade ligado ao sexo, aproximadamente

    dos gatos diagnosticados com cardiomiopatia hipertrfica eram machos castrados (RUSH et

    al., 2002; FERASIN et al., 2003; WAGNER et al., 2010).

    2.1.2 Etiologia

    A causa ainda incerta. Existem estudos sobre a possibilidade de transmisso

    hereditria autossmica dominante com penetrncia incompleta nas raas Plo Curto

    Americano e Persas (SCHWARTZ, 2003) como foi comprovado em Maine Coon e Ragdoll

    (MARIAN, 1995; LEFBOM, 2001; FOX, 2010). As raas British, Bengal, Siberiano (Fox,

    2010), Sphinx e Noroegus da Floresta, tambm foram recentemente colocadas em estudo,

    pois h suspeita de uma mutao gentica similar (FERASIN, 2009a). Em humanos a

    cardiomiopatia hipertrfica foi associada a 400 diferentes mutaes nos genes que codificam

  • 4

    protenas para o miocrdio. Em felinos Maine Coon e Ragdoll afetados foi identificado um

    contedo reduzido de uma protena do sarcmero chamada miomesina responsvel pela

    contrao cardaca (WARE, 2007).

    Uma mutao missense no gene da protena C ligadora de miosina cardaca

    (MYBPC3) tambm foi relacionada a alteraes na conformao dessa protena e,

    consequentemente, a diminuio da funcionalidade do sarcmero (MEURS et al., 2005;

    MCDONALD et al., 2007). Entretanto, a mutao nessas duas raas aparece em pontos

    distintos do mesmo gene (entre C0 e C1 em Maine Coon e C6 em Ragdoll) o que sugere se

    tratar de mutaes diferentes que progridem independentemente. Assim como nos humanos,

    acredita-se que os felinos possuam vrias causas genticas como essas mutaes nos genes

    responsveis pela codificao de protenas contrteis ou reguladoras do miocrdio. Outras

    causas no genticas (FOX, 2010) como aumento da sensibilidade do miocrdio ou produo

    excessiva de catecolaminas, resposta hipertrfica anormal isquemia miocrdica, fibrose ou

    fatores trficos, anormalidade primria de colgeno ou processo anormal de manejo do clcio

    do miocrdio podem estar associadas. Uma investigao em estudo a relao dos distrbios

    genticos ligados a hipertrofia miocrdica que vista em felinos portadores de distrofia

    muscular hipertrfica. Essa distrofia causada por uma deficincia na produo de distrofina

    relacionada a um gene recessivo ligado ao X semelhante distrofia muscular Duchenne em

    humanos. E por fim, a associao de miocardite viral com CMH dos felinos ainda no est

    definida. Em um estudo houve evidncias de miocardite em 55% dos portadores de CMH,

    sendo isolado o vrus da panleucopenia em alguns, porm nada foi cientificamente

    comprovado (MEURS et al.,2000; WARE, 2007).

    2.1.3 Patologia

    As principais alteraes macroscpicas em gatos com CMH so hipertrofia

    ventricular, principalmente do lado esquerdo (fig 1), com espessura entre 8 e 11 mm,

    diminuio de cavidade interna, msculos papilares mais proeminentes e, em certas ocasies,

    dilatao auricular principalmente esquerda (KITTLESON, 1998b). A hipertrofia pode ser

    difusa ou assimtrica com envolvimento tanto do septo interventricular quanto da parede livre

    do ventrculo esquerdo (KITTLESON et al., 1999). Observa-se variado grau de fibrose

  • 5

    endomiocrdica, hipertrofia ou dilatao do ventrculo direito e aumento da relao peso

    cardaco/peso corpreo (SCHWARTZ, 2003). Tambm possvel encontrar trombos tanto na

    aurcula quanto no trio, os quais podem sair de seus stios e alcanar a circulao sistmica.

    Na necropsia, pode-se visualizar trombos aderidos a parede do ventrculo (WARE, 2007) e

    em 20% dos felinos afetados pode-se observar efuso pleural, enquanto que edema pulmonar

    ocorre em 50 % dos casos (FOX, 2003). Os raros casos que progridem para o estgio final da

    cardiomiopatia hipertrfica que so caracterizados por insuficincia miocrdica sistlica

    apresentam dilatao do ventrculo esquerdo e adelgaamento tanto da parede ventricular

    esquerda quanto do septo (CT et al., 2011).

    Figura 1 Macropatologia de um felino da raa Maine Coon com cardiomiopatia hipertrofica grave e sinais de

    insuficincia cardaca congestiva. Observa-se no corte do ventrculo esquerdo a hipertrofia concentrica do septo

    interventricular e da parede livre, dilatao do atrio esquerdo e uma grande regio de fibrose do miocrdio no

    septo interventricular onde o folheto anterior da valva mitral o contacta devido ao movimento anterior sistlico

    da valva mitral.

    Fonte: CT (2011)

    As alteraes histolgicas encontradas so a desorganizao das fibras miocrdicas,

    circulao coronariana alterada (arteriosclerose em 75 % dos gatos com CMH), necrose de

    micitos e substituio de tecido muscular por fibroso (20 a 40 % dos casos) (KITTLESON et

    al., 1999). Os tipos de fibrose observados so a endocrdica focal e a intersticial difusa. As

  • 6

    alteraes nas artrias coronrias levam a mudanas quantitativa e qualitativa da

    microcirculao coronria (SCHWARTZ, 2003). A histopatologia dos pulmes dos animais

    com insuficincia cardaca revela fluido de edema dentro dos alvolos, espessamento e

    ruptura da membrana alveolar (CT et al.,2011).

    2.1.4 Patofisiologia

    Com a expresso da protena sarcomrica mutante ocorre a disgenesia e defeito

    funcional do sarcmero. A m formao constatada pelo desarranjo das miofibrilas. As

    alteraes funcionais mais acentuadas so o aumento da sensibilidade ao on clcio (Ca2+

    ),

    uma menor captao do clcio, o aumento de ciclos da ponte cruzada e o defeito estrutural do

    sarcmero. Todas essas alteraes em conjunto levam a um prejuzo do desempenho dos

    cardiomicitos e ativa a resposta ao estresse celular atravs do aumento da transcrio celular.

    Tal aumento de transcrio associada a fatores ambientais e polimorfismo em genes que

    modificam a expresso fenotpica gera a hipertrofia dos cardiomicitos, aumento da formao

    de colgeno e desarranjo das miofibras criando um fentipo final de hipertrofia concntrica do

    ventrculo esquerdo, fibrose miocrdica e de desarranjo dos micitos (CT et al., 2011).

    Como consequncia da hipertrofia concntrica, o miocrdio se torna mais rgido e com menor

    capacidade de relaxamento determinando a disfuno diastlica. O dimetro da cmara

    tambm alterado se tornando menor devido ao espessamento da parede. Essas alteraes

    culminam na diminuio da ps-carga (KITTLESON, 1998b), do volume sistlico final e do

    dbito cardaco (SCHWARTZ, 2003).

    Um fenmeno chamado de movimento anterior sistlico da valva mitral (MASVM)

    uma anormalidade comumente identificada em gatos com cardiomiopatia hipertrfica atravs

    de exame ecocardiogrfico bidimensional. Estudos demonstraram que esse movimento

    causado por alteraes na geometria dos msculos papilares hipertrofiados e no devido ao

    evento Venturi, como se acreditava antigamente (LEVINE et al., 1995; CT et al, 2011).

    Ocorre um movimento do folheto septal da valva mitral sendo puxado em direo ao trato de

    sada do ventrculo esquerdo durante a sstole gerando duas anormalidades, uma turbulncia

    devido estenose subartica dinmica e a regurgitao mitral por empurrar o folheto septal

    para fora de sua posio normal. A regurgitao a consequncia mais importante, pois

  • 7

    grave o suficiente para contribuir para o desenvolvimento de insuficincia cardaca

    (KITTLESON, 1998b). Essa regurgitao mitral associada dificuldade no esvaziamento

    atrial devido reduo da complacncia ventricular contribui para a dilatao atrial que gera a

    estase sangunea e predispe a arritmias atriais como complexos atriais prematuros,

    taquicardia e fibrilao atrial (SCHWARTZ, 2003).

    O tromboembolismo outra alterao observada em felinos afetados por essa

    cardiomiopatia. Trombos podem se desenvolver no trio ou aurcula esquerda e podem se

    quebrar tornando-se mbolos que so carreados pelo fluxo sanguneo. Tais trombos

    geralmente se alojam na aorta caudal na regio de trifurcao (fig 2). Alm dos trombos

    obstrurem o fluxo sanguneo da aorta, tambm liberam substncias que causam

    vasoconstrio dos vasos colaterais cessando o aporte das pernas causando paresia/ paralisia e

    dor (KITTLESON, 1998b). Os mbolos podem ser carreados para qualquer parte do

    organismo como crebro e rins, levando a sintomas relacionados isquemia como infartos

    renais e acidentes vasculares cerebrais. Caso o ventrculo direito esteja comprometido, o

    tromboembolismo pulmonar pode ocorrer. Estima-se que 20 a 40% dos casos de CMH

    desenvolvam tromboembolismo. No se conhece a fisiopatologia, mas acredita-se que a estase

    associada leso do endocrdio atrial e a tendncia dos felinos agregao plaquetria leve a

    formao de trombos intracardacos (WELLES et al., 1994; LASTE e HARPTERS, 1995;

    SCHWARTZ, 2003).

    Figura 2 Tromboembolismo artico em felino com cardiomiopatia hipertrfica.

    Fonte: JORRO e MANUBENS (2001a)

    Em sntese, os problemas que contribuem para a insuficincia cardaca podem ser

    correlacionados. O espessamento da parede determinar um volume diastlico final menor,

    espessamento da parede e fibrose gerando a rigidez de cmara ventricular esquerda. A

  • 8

    regurgitao mitral, por sua vez, causar aumento de presso atrial esquerda e a diminuio da

    perfuso aumentando secreo de renina e aldosterona resultando na reteno de sdio e gua.

    O resultado final um aumento da presso diastlica de ventrculo esquerdo, aumento do trio

    esquerdo e presso de veia pulmonar que aumentam a presso de capilares pulmonares e da

    pleura visceral podendo enfim resultar em edema pulmonar e algumas vezes efuso pleural

    (KITTLESON, 1998b).

    2.2 Cardiomiopatia Dilatada

    2.2.1 Definio e Prevalncia

    A cardiomiopatia dilatada (CMD) uma patologia ventricular predominantemente do

    lado esquerdo caracterizada por dilatao da cmara e diminuio da funo miocrdica

    sistlica. Antes de 1987, a cardiomiopatia dilatada felina era umas das cardiopatias mais

    frequentes chegando a representar um quarto de todas as cardiomiopatias observadas nessa

    espcie. Porm, depois da associao entre depleo de taurina na dieta e CMD em felinos

    (PION et al., 1987) e a subsequente suplementao em dietas comerciais, houve um

    significativo declnio de casos (SISSON e THOMAS, 1995). Um estudo no final dos anos 90

    relatou uma prevalncia entre 5 e 7 % (FOX et al., 1999). Atualmente, a CMD rara, mas

    ocasionalmente diagnosticada CMD idioptica em gatos que no exibem evidncia de

    deficincia de taurina e que no melhoram com a suplementao desse aminocido. Esses

    casos podem representar um estgio final de algum outro processo patolgico e so

    considerados exceo entre gatos com sinais de insuficincia cardaca (FERASIN et al. 2003;

    CT et al., 2011).

    Estudos demonstram que a CMD ocorre em gatos de todas as idades (SISSON e

    THOMAS, 1995; WARE, 2007). Alguns autores sugerem que a maioria encontra-se entre

    meia-idade a idosos (SISSON e THOMAS, 1995) sendo a mdia em torno de nove anos de

    idade (FERASIN et al., 2003). Ela j foi descrita em Persa, Plo curto e Plo longo

  • 9

    americano, Sagrado da Birmnia e Siams (FERASIN et al., 2003) mas grande nmero

    representado por mestios e sem raa definida (SISSON e THOMAS, 1995). Porm, no h

    publicaes que justifiquem uma significativa predileo quanto raa ou sexo (FERASIN et

    al., 2003).

    2.2.2 Etiologia

    Os gatos so carnvoros obrigatrios e tm requerimento absoluto de taurina. Como

    no havia estudos em nutrio felina, as raes ofertadas antes do final da dcada de 80 no

    garantiam a real necessidade desses animais gerando deficincias graves, sendo uma delas a

    de taurina (PION et al., 1987; WARE, 2007) . Este aminocido desempenha funo

    importante na modulao da osmolaridade intracelular, na concentrao de clcio e fluxo

    transmembranar de ons no corao. Quando a deficincia de taurina foi comprovada como

    principal causa de cardiomiopatia dilatada em felinos, as empresas introduziram esse

    elemento nas dietas comerciais diminuindo consideravelmente a incidncia desta

    cardiomiopatia. Porm, nem todos os gatos alimentados com dietas insuficientes em taurina

    desenvolveram CMD levando os pesquisadores a acreditar que mais fatores estariam

    envolvidos como gentica e uma possvel ligao com a depleo de potssio. Atualmente, os

    poucos casos identificados geralmente no tem relao com deficincia de taurina e pode estar

    relacionado a um estagio final de outro processo patolgico como alterao metablica, txica

    ou infecciosa (WARE, 2007).

    Em humanos e em outras espcies, estudos esto associando miocardite viral com o

    desenvolvimento de cardiomiopatia dilatada. Apesar de terem sido relatados achados

    histopatolgicos e cido nucleico viral compatveis com miocardite, o nmero de felinos

    portadores de cardiomiopatia dilatada identificados com essas alteraes foi pequeno. Mesmo

    assim, a teoria do componente etiolgico infeccioso ainda continua sendo sugerida (MEURS

    et al., 2000; CT et al., 2011).

    A doxorrubicina, um agente quimioterpico usado no tratamento de vrios tipos de

    cncer, causa uma leso miocrdica histolgica caracterstica nos gatos e nos ces. Entretanto

  • 10

    gatos parecem ser mais resistentes insuficincia do miocrdico dilatado. Alguns felinos

    demonstram alteraes ecocardiogrficas consistentes com CMD aps receberem doses

    cumulativas de doxorrubicina (170 240 mg/ m2) (WARE, 2007). A cardiotoxicidade dessa

    droga manifestada como insuficincia miocrdica, arritmias ou ambas. Ela dose-

    dependente e irreversvel. A leso inicial a degenerao vacuolar dos micitos que causada

    pela distenso do retculo sarcoplasmtico. Tal leso compatvel com a teoria atual que a

    doxorrubicina altera permanentemente os canais de clcio do reticulo sarcoplasmtico uma

    vez que a exposio e sensibilizao contnuas determinam uma diminuio do nmero de

    canais de clcio funcionais (OKEEFE et al., 1993).

    2.2.3 Patologia

    Os achados patolgicos macroscpicos em gatos com CMD so similares aos descritos

    em ces (SISSON e THOMAS, 1995; WARE, 2007; KITTLESON, 1998a). Em gatos com

    grau grave, observa-se dilatao moderada a acentuada das quatro cmaras cardacas (fig 3).

    Os msculos papilares podem estar achatados e atrofiados e a relao entre peso do corao/

    peso corporal geralmente est aumentada confirmando a presena de hipertrofia excntrica do

    miocrdio. Muitas vezes, o corao esquerdo parece ser mais afetado que o corao direito. A

    parede dos ventrculos pode parecer fina, mas essa determinao geralmente realizada

    atravs da comparao do espessamento da parede em relao ao tamanho da cmara. Assim

    pode-se ter espessura normal ou realmente fina. Na maioria dos casos, a superfcie de corte do

    miocrdio tem aspecto normal. Ocasionalmente so observadas reas maculosas, brancas e

    irregulares (SISSON e THOMAS, 1995; KITTLESON, 1998a).

  • 11

    Figura 3 Corao de gato adulto com CMD. LA= trio esquerdo, RA= trio direito, LV= ventrculo esquerdo,

    RV= ventrculo direito,

    Fonte: CT (2011)

    Os achados histolgicos podem indicar primariamente uma hipertrofia em vez de

    marcante destruio tecidual. Tal hipertrofia vista principalmente em gatos com deficincia

    de taurina que normalmente no demonstram outras alteraes. Na microscopia eletrnica,

    evidncias de reas focais de miocitlise, fragmentao de miofibrilas, mitocndrias anormais

    e vacuolizao sarcoplasmtica podem ser apontadas. Geralmente essas alteraes so em

    grau leve a moderado e tambm so frequentemente identificadas em outros tipos doenas

    cardacas (CT et al., 2011).

    2.2.4 Patofisiologia

    A principal alterao fisiolgica nos casos de CMD a deficincia na funo

    ventricular sistlica decorrente da diminuio progressiva da contratilidade do miocrdio. Ela

    inicia como uma leve diminuio e pode evoluir por meses a anos at chegar a um grau de

    grave comprometimento da funo contrtil. Essa deficincia gera uma queda na velocidade

    de desenvolvimento da presso ventricular (dp/dt), menores ndices de fase de ejeo e

  • 12

    aumento do volume e do dimetro ao final da sstole. Essas alteraes levam ao aumento da

    presso diastlica final, atrial e venosa e finalmente levam a insuficincia crdica congestiva

    do lado direito ou esquerdo. Como o volume de ejeo ventricular est geralmente diminudo,

    sinais de insuficincia por baixo dbito como fraqueza, intolerncia a exerccios, sncope ou

    choque cardiognicos tambm podem ser observados (WARE, 2007).

    Cronicamente, o corao tenta compensar essa diminuio da funo atravs do

    crescimento de cmaras ventriculares por hipertrofia excntrica. Esse crescimento devido a

    fatores como reteno de gua e sdio pelos rins numa tentativa de aumentar volemia e assim

    aumentar o volume intracardaco que por sua vez estimula os micitos a crescerem e alargar

    as cmaras. Isso resultar num aumento do dimetro diastlico final e do volume diastlico

    final. O aumento da dimenso da cmara permite que o volume de ejeo volte ao normal

    quando a doena est em grau leve a moderado. Em alguns estgios, a falncia do miocrdio

    se torna to grave que essa habilidade do sistema cardiovascular de compensar a doena

    inibida e as cmaras podem crescer sem conseguir alargar. Nesse estgio h o aumento da

    presso diastlica final do ventrculo esquerdo e/ou direito que determinar o aparecimento

    dos sinais de insuficincia cardaca congestiva (edema pulmonar, efuso pleural e ascite)

    (KITTLESON, 1998a; CT et al, 2011).

    Em tal momento, observa-se diminuio do volume de ejeo. Um aumento no tnus

    simptico aumenta a frequncia cardaca, o que ajuda a compensar a diminuio do volume de

    ejeo. Porm, o dbito cardaco tambm diminui. No estgio terminal da doena, o dbito

    cardaco pode diminuir a tal ponto que mesmo com um aumento acentuado da resistncia

    vascular perifrica h uma diminuio da presso arterial sistmica em um nvel clinicamente

    significativo levando o animal ao estado de choque cardiognico (KITTLESON, 1998a).

    A doena do miocrdio causa tanto uma disfuno sistlica quanto diastlica. A

    principal causa que determina um prejuzo clnico da funo diastlica a alterao da

    complacncia do ventrculo esquerdo. Um ventrculo esquerdo enrijecido ou menos

    complacente causa uma presso diastlica alta independente do volume diastlico gerando

    assim mais edema pulmonar em qualquer grau de sobrecarga (KITTLESON, 1998a).

    A insuficincia valvar secundaria dilatao atrial e ventricular, presena de arritmias,

    respostas compensatrias e alteraes sistmicas por queda de desempenho do miocrdio so

    outros fatores que aumentam a disfuno ventricular e os sinais de insuficincia (SISSON e

    THOMAS, 1995). A regurgitao das valvas atrioventriculares em grau leve a moderado se

  • 13

    desenvolvem secundariamente ao aumento das cmaras e atrofia dos msculos papilares

    (WARE, 2007). A insuficincia biventricular associada efuso pleural um achado comum

    em gatos com cardiomiopatia dilatada. Eventualmente h o desenvolvimento de arritmias e

    tromboembolismo (WARE, 2007; CT et al., 2011).

    2.3 Cardiomiopatia Restritiva

    2.3.1 Definio e Prevalncia

    A cardiomiopatia restritiva (CMR) definida como um grupo variado de condies do

    miocrdio caracterizada por funo diastlica anormal e/ou restrio do enchimento

    diastlico. A CMR ocorre quando a complacncia ventricular fica comprometida por fibrose

    endocrdica, subendocrdica ou miocrdica ou por qualquer doena infiltrativa que determine

    um aumento da presso diastlica para qualquer volume diastlico (KIENLE, 1998).

    Nos felinos portadores de cardiomiopatia restritiva, a funo sistlica do ventrculo

    esquerdo geralmente encontra-se dentro dos padres de normalidade ou moderadamente

    reduzido enquanto que a dilatao atrial marcante comum. A avaliao da espessura das

    paredes deve ser cautelosa, pois apesar de se esperar uma espessura da parede do ventrculo

    esquerdo e do septo normais, pode ocorrer uma hipertrofia regional leve a qual no deve ser

    confundida com cardiomiopatia hipertrfica. Alguns gatos apresentam dimenses normais de

    cmara ventricular esquerda ou levemente dilatada enquanto outros apresentam diminuio e

    deformidades. A distoro grave do ventrculo esquerdo com estreitamento mdio-ventricular

    e obstrues tem sido relatada em poucos desses felinos. A regurgitao mitral em grau leve a

    moderado frequente (MILLER, 1997).

    Estudos ecocardiogrficos demonstram que na maioria dos felinos a disfuno

    diastlica mais importante que a sistlica, entretanto, as duas disfunes podem estar

    presentes. Isso pode gerar alguma confuso quanto classificao da cardiomiopatia sendo

    inclusive denominada por alguns autores de cardiomiopatia intermediria. Porm, quando h

  • 14

    comprometimento claro do enchimento ventricular resultante de extensas reas de fibrose

    endomiocrdica, o termo cardiomiopatia restritiva mais adequado (MILLER, 1997; CT

    et al., 2011). Devido a essa baixa capacidade de definio de critrios clnicos e patolgicos

    para o estabelecimento do diagnstico, a prevalncia destas formas deficientemente

    categorizadas de cardiomiopatia ainda no foi estabelecida. Sabe-se que atualmente as formas

    restritivas ou indeterminadas so mais comumente detectadas que cardiomiopatia dilatada

    (Sisson e Thomas, 1995), mas so mais raras que cardiomiopatia hipertrfica (WARE, 2007;

    CT et al., 2011).

    A cardiomiopatia restritiva felina pode atingir animais de diferentes idades, com

    variao etria considervel. Relatos indicam casos de animais com idade entre 8 meses e 19

    anos, porm, a maioria de adultos com idade mdia a avanada. No foram ainda

    estabelecidas predilees evidentes quanto raa e sexo (JORRO e MANUBENS, 2001b),

    mas j foi descrita em Sagrado da Birmnia, Siams, Persa, Plo curto e Plo longo

    Americano (MEURS et al., 2000; FERASIN et al., 2003).

    2.3.2 Etiologia

    A etiologia ainda desconhecida. Provavelmente de cunho multifatorial devido ao

    espectro de achados patofisiolgicos. Ela pode ser a sequela de endomiocardite como tambm

    de doenas imunomediadas ou infecciosas (WARE, 2007). Um estudo associou essa forma de

    cardiomiopatia com doena infecciosa devido presena de evidncias histopatolgicas de

    miocardite e DNA do vrus da panleucopenia em um pequeno grupo de felinos portadores de

    cardiomiopatia restritiva (BONAGURA e FOX, 1995). Em adio, a CMR pode representar

    um estgio final da insuficincia miocrdica e infartos causados por um estgio avanado de

    cardiomiopatia hipertrfica ou outras formas graves de cardiomiopatia (WARE, 2007; CT

    et al., 2011).

    Nos humanos, 50% dos casos de CMR resultam de desordens clnicas especficas

    como sarcoidose, mucopolissacaridose, hemocromatose, diabetes, amiloidose ou transmisso

    hereditria. Os outros 50 % tem origem desconhecida. Alguns humanos desenvolvem a

  • 15

    cardiomiopatia restritiva como um trao familiar e estudos baseados nesses casos

    conseguiram definir algumas mutaes possivelmente responsveis pelas alteraes

    (FERASIN, 2009a). Tais genes humanos at agora identificados com mutaes so o da

    troponina cardaca I, troponina cardaca T e da actina. Porm, a importncia desses dados na

    etiologia da cardiomiopatia restritiva felina ainda no conhecido (CT et al., 2011).

    2.3.3 Patologia

    Um moderado aumento da relao peso cardaco/peso corporal, aumento atrial

    (principalmente do esquerdo), cavidade ventricular aparentemente normal, parede ventricular

    normal a ligeiramente espessada e trombos no trio ou ventrculo esquerdo so achados

    macroscpicos comumente relatados na CMR (JORRO e MANUBENS, 2001b). A alterao

    post-mortem caracterstica desta cardiomiopatia e que usada para a diferenciao entre as

    demais desordens do miocrdio (KIENLE, 1998; JORRO e MANUBENS, 2001b) a

    deposio de tecido fibroso de forma intermesclada ou difusa no endocrdio, subendocrdio

    ou miocrdio. Tal deposio faz com que o endocrdio apresente-se cinza-esbranquiado,

    opaco e espessado. Em alguns gatos, o ventrculo direito tem tamanho e forma quase normais,

    mas est revestido por essa densa camada de tecido fibroso (KIENLE, 1998).

    A fibrose do endocrdio sem eosinofilia a forma mais observada nos gatos,

    contrapondo-se aos relatos em humanos. Adeses fibrticas entre msculos papilares e o

    miocrdio causando distoro e diminuio da cavidade do ventrculo esquerdo, fuso de

    cordas tendneas e de folhetos da valva mitral tambm podem ser notadas. Em casos

    extremos, a cavidade do ventrculo esquerdo pode ser parcialmente obliterada (KIENLE,

    1998) pela formao de uma ponte de tecido fibroso chamada de banda moderadora (fig 4)

    entre a parede do ventrculo esquerdo e o septo (WARE, 2007). Como a maioria das

    cardiomiopatias, o ventrculo esquerdo parece ser mais gravemente afetado, mas as outras

    cmaras cardacas tambm podem exibir achados patolgicos similares (KIENLE, 1998).

  • 16

    Figura 4 Corao de um gato com CMR apresentando banda moderadora (seta) unindo os msculos papilares e

    parede livre do ventrculo esquerdo com a base do septo interventricular. Presena de dilatao atrial esquerda,

    fibrose endomiocrdica grave e difusa, espessamento do endomiocardio e regio cicatricial no ventrculo

    esquerdo. Ao= Aorta, LA= trio esquerdo, LV= ventrculo esquerdo.

    Fonte: Ct ( 2011)

    Os achados histolgicos incluem o intenso espessamento do endocrdio por tecido

    hialino, fibroso e de granulao. A metaplasia condroide ocasionalmente exibida na

    superfcie da camada do tecido hialino. Uma camada de tecido frouxo se encontra abaixo

    desta, com um tecido de granulao adjacente ao miocrdio (KIENLE, 1998) que pode conter

    diferentes clulas mononucleares (SISSON e THOMAS, 1995; MILLER, 1997).

    Arteriosclerose coronariana intramural, micitos hipertrofiados, reas de degenerao

    do miocrdio e, raramente, infiltrado celular endomiocrdico so outras alteraes possveis

    histologia (WARE, 2007; CT et al., 2011).

    Em alguns felinos, a histologia revela aspectos compatveis com cardiomiopatia

    hipertrfica como o desarranjo significativo das fibras do miocrdio, leses das pequenas

    artrias coronrias intramurais e ruptura de fibras especializadas do sistema de conduo.

    Acredita-se que alguns desses gatos apresentem alguma forma de cardiomiopatia hipertrfica

    complicada pela intensa fibrose do miocrdio decorrente da isquemia, porm a causa dessa

    fibrose incerta na maioria dos casos (SISSON e THOMAS, 1995; MILLER, 1997).

  • 17

    2.3.4 Patofisiologia

    A patofisiologia da CMR no se encontra estabelecida (MILLER, 1997; FERASIN,

    2009; COT et al., 2011). A obteno das provas clnicas de fisiologia restritiva (disfuno

    diastlica) complicada, pois requer uma prtica de estudos hemodinmicos que

    infrequentemente realizada. Quando existe cardiomiopatia restritiva, h um preenchimento

    ventricular diastlico precoce numa velocidade normal a acelerada at que as dimenses

    limtrofes do ventrculo no distensvel sejam atingidas, o que geralmente visto na metade

    ou no final da distole. Depois disso, ocorre pouco preenchimento adicional, exceto no

    momento em que h a contrao atrial (SISSON e THOMAS, 1995). Por isso, o

    comprometimento da distensibilidade do miocrdio considerado um fator patofisiolgico

    primrio (MILLER,1997).

    A fibrose endocrdica, subendocrdica e miocrdica alteram a complacncia

    dificultando o enchimento ventricular. A ocorrncia de isquemia do miocrdio, anormalidades

    do relaxamento, arritmias cardacas ou dilatao ventricular comprometem ainda mais a

    disfuno diastlica. Tais desordens elevam a presso diastlica ventricular apesar do volume

    de enchimento ventricular estar normal a diminudo. A elevao da presso diastlica

    ventricular resulta no aumento atrial e formao de edema. A funo sistlica geralmente

    encontra-se preservada. Porm, se houver uma perda funcional do miocrdio, uma disfuno

    sistlica progressiva comea a se desenvolver (KIENLE, 1998).

    A fibrose dos msculos papilares, a distoro do aparelho mitral (valvas e cordoalhas)

    e a mudana na geometria ventricular contribuem para o desenvolvimento da regurgitao da

    valva mitral e da insuficincia cardaca esquerda (KIENLE, 1998). Porm, essa regurgitao

    da valva mitral geralmente em grau leve e no explica o grau de aumento do trio esquerdo

    que em muitas vezes extremamente significativo. Provavelmente o aumento atrial esquerdo

    secundrio ao aumento progressivo da presso necessria para encher o ventrculo esquerdo

    enrijecido. Tal aumento de presso gera uma elevao na presso venosa pulmonar levando

    ao aparecimento de sinais de edema pulmonar. Cronicamente, o aumento da presso venosa

    pulmonar gera uma hipertenso pulmonar persistente e, assim, um alargamento progressivo

    do corao direito com consequente aumento da presso venosa central e sinais de

    insuficincia cardaca direita (MILLER, 1997). As arritmias, a dilatao ventricular, isquemia

  • 18

    ou infarto do miocrdio tambm contribuem para a disfuno diastlica. A estase sangunea,

    especialmente no trio esquerdo alargado predispe a formao de trombos e

    tromboembolismo sistmico (MILLER, 1997; WARE, 2007).

    A banda moderadora que se estende ao longo ou entre a parede do ventrculo esquerdo

    e o septo interventricular vista em alguns gatos, mas a sua responsabilidade sobre o

    desenvolvimento da doena miocrdica e insuficincia cardaca congestiva ainda no est

    esclarecida. Existe a hiptese de ela representar uma anomalia congnita uma vez que so

    identificados em gatos jovens assim como nos velhos, porm no h uma concluso at o

    momento (WARE, 2007).

    Patofisiologia similar da cardiomiopatia restritiva pode ser advinda de outras

    desordens como fibrose pericrdica, doenas infiltrativas, neoplsicas (como o linfoma) e

    inflamatrias do epicrdio ou miocrdio (KIENLE, 1998). Tanto a cardiomiopatia restritiva

    quanto a pericardite restritiva iniciam com um declnio abrupto da presso diastlica

    ventricular que seguido por uma elevao tambm abrupta at a obteno de um patamar, ao

    longo da maior parte da distole. A diferenciao entre as duas patologias feita pela medio

    da presso de preenchimento dos coraes esquerdo e direito, pois na cardiomiopatia restritiva

    essas presses no so iguais. A respirao tambm levada em considerao uma vez que

    no afeta os traados da presso diastlica e nem as velocidades de fluxo transmitral na

    cardiomiopatia restritiva (CT et al., 2011).

    2.4 Cardiomiopatia Arritmognica do Ventrculo Direito

    2.4.1 Definio e Prevalncia

    A cardiomiopatia arritmognica do ventrculo direito uma doena primria do

    miocrdio que geralmente se desenvolve no incio da fase adulta. Ela j foi descrita em

    humanos, ces e gatos. Apesar de algumas alteraes espcie-especificas, caracterizada por

    infiltrao fibrogordurosa no miocrdio do ventrculo direito (HARVEY et al., 2005; CT

  • 19

    et al., 2011) aps a apoptose de cardiomicitos (FOX, 2010). Tal alterao histopatolgica

    gera condies favorveis ao surgimento de arritmias ventriculares com circuito de reentrada,

    uma vez que interrompem a continuidade eltrica das fibras miocrdicas. Devido

    fragmentao da despolarizao ventricular ocorre a produo de potenciais ventriculares

    retardados que so considerados pr-requisitos para essa forma de arritmia (FOX, 2010;

    LARSSON e CHAMAS, 2011).

    Dos quatro tipos de cardiomiopatia na espcie felina, a arritmognica do ventrculo

    direito a mais incomum. No h definio de sua prevalncia, mas estatsticas do hospital de

    referncia de Nova York Animal Medical Center sugere que o nmero esteja entre 2 e 4 % do

    total das cardiomiopatias de felinos (FOX, 2006; CT et al., 2011). Nesse estudo observou-

    se uma variao de idade entre 1 e 20 anos, mas a insuficincia cardaca direita foi detectada

    apenas nos felinos de meia-idade. No foi determinada a predisposio sexual, mas observou-

    se uma maior frequncia em felinos da raa pelo curto americano e birmans (FOX, 2006).

    Outro trabalho recente pesquisou doenas cardacas em felinos aparentemente saudveis e

    demonstrou uma estatstica de 1% de casos de cardiomiopatia arritmognica direita em sua

    populao (PAIGE et al., 2009). Pelo fato de ainda ser pouco identificada, acredita-se que o

    nmero de casos possa ser discretamente mais elevado, assim esforos esto sendo realizados

    na direo da melhoria do diagnstico dessa doena e na tentativa de aperfeioar testes

    diagnsticos, alm de uma melhor sensibilizao dos clnicos (CT et al., 2011).

    2.4.2 Etiologia

    A etiologia da cardiomiopatia arritmognica do ventrculo direito em ces e seres

    humanos tem sido associada a carter hereditrio e na espcie felina continua indeterminada.

    Nos humanos, o locus cromossmico vem sendo mapeado para demonstrar a transmisso

    autossmica dominante dessa doena sendo que duas mutaes j foram relacionadas. Uma

    mutao foi descrita nos genes dos receptores de rianodina 2 (Ryr2), uma classe de receptores

    de canal de clcio, observada em humanos com cardiomiopatia arritmognica do tipo 2 (FOX,

    2006). Os receptores de rianodina so receptores de canal de clcio intracelular que exercem

    papel central no mecanismo de excitao-contrao das fibras cardacas. As alteraes em

  • 20

    suas funes esto diretamente relacionadas ao ciclo anormal de clcio e a consequente

    instabilidade eltrica, o que gera arritmias ventriculares fatais (LARSSON e CHAMAS,

    2011). Outra mutao heterozigota foi recentemente relatada no stio PKP2 que codifica

    placofilina-2. As placofilinas so protenas essenciais do domnio armadillo do desmossoma

    cardaco com grande importncia na juno aderente entre as clulas cardacas (FOX, 2006).

    So os desmossomas que mantm a integridade estrutural e funcional das clulas cardacas

    devido ao adequado acoplamento mecnico e adeso intercelular. Com a mutao gentica,

    acredita-se que as protenas de adeso produzidas so pouco eficientes e geram um

    destacamento dessas clulas ao nvel dos discos intercalados levando a apoptose celular e

    reposio destas por tecido fibrogorduroso (LARSSON e CHAMAS, 2011). Em ces da raa

    boxer, um estudo baseado no pedigree vem demonstrando um padro familiar que sugere que

    as arritmias ventriculares possivelmente ligadas a cardiomiopatia arritmognica do ventrculo

    direito tem traos hereditrios dominantes. Como no existem analises de pedigrees de

    felinos, nem os defeitos genticos especficos nem as protenas codificadas com alteraes

    foram identificadas at o momento (FOX, 2010).

    2.4.3 Patologia

    As alteraes macroscpicas observadas em felinos com cardiomiopatia arritmognica

    do ventrculo direito so compatveis com as descritas em humanos e ces. O achado

    caracterstico a dilatao ventricular direita em grau moderado a grave (fig 5). O

    espessamento da parede ventricular pode ser segmentar ou difuso e estar associado ao aspecto

    achatado das trabculas. As bandas septo-parietais do ventrculo direito geralmente so

    proeminentes. Frequentemente observam-se regies translucidas pequenas ou extensas na

    poro infundibular, subtricspide e apical da parede ventricular direita referente a

    aneurismas. O trio direito tambm acometido por grave dilatao, com adelgaamento

    significativo de segmentos da parede. Trombos murais podem ser encontrados nessa

    cardiomiopatia e geralmente esto no ventrculo direito ou trio esquerdo (FOX et al., 2000;

    FOX, 2006; CT et al., 2011).

  • 21

    Figura 5 Corao de um gato com CAVD apresentando dilatao grave do trio direito e do ventrculo direito.

    Ao= Aorta, LAu= aurcula esquerda, IVS= septo interventricular, LW= parede livre do ventrculo esquerdo,

    RA= trio direito, RV= ventrculo direito, TV= valva tricspide.

    Fonte: FOX (2006).

    A alterao histopatolgica com maior relevncia nessa cardiomiopatia a atrofia do

    miocrdio do ventrculo direito. Devido morte desses cardiomicitos, h uma substituio

    tecidual nos seguintes padres: fibroso (75%), fibrogorduroso e gorduroso (25 %). A atrofia

    miocrdica difusa ou focal da camada epicrdica em direo ao endocrdio associada a tecido

    adiposo e fibrose caracterizam o padro fibroso e fibrogorduroso. J o padro gorduroso

    caracterizado por reas multifocais de infiltrao de clula adiposa dentro da parede do

    ventrculo direito e das trabculas com escassas reas de fibrose intersticial. Independente do

    padro, os cardiomicitos sobreviventes encontram-se difusos entre as reas de fibrose ou

    gordura. No padro fibrogorduroso (fig 6), geralmente, h miocardite focal ou difusa do

    ventrculo direito (FOX, 2006).

    A principal clula inflamatria envolvida neste processo de morte do miocrdio e

    deposio de tecido fibroso em grau leve a grave o linfcito T. Achados similares aos do

    ventrculo direito podem ser observados nas paredes atriais direita e esquerda, assim como na

    parede livre do ventrculo esquerdo e septo interventricular. J a infiltrao gordurosa nunca

    ocorre no septo interventricular, apesar de raramente ser observada na parede livre do

    ventrculo esquerdo. Tambm de baixa ocorrncia, pequenos e anormais vasos intramurais

    com espessamento de parede devido hipertrofia medial (FOX, 2006).

  • 22

    Figura 6 Corte histolgico do corao de um gato com CMAVD da forma fibrogordurosa que apresentava

    taquicardia ventricular.

    Fonte: FOX (2006).

    2.4.4 Patofisiologia

    A atrofia progressiva do miocrdio do ventrculo direito com a substituio por tecido

    fibroso/gorduroso diminui a reserva cardaca e provoca a insuficincia cardaca congestiva do

    lado direito. A dilatao e remodelao do ventrculo direito tambm alteram a geometria e a

    funo do aparato da valva tricspide causando uma insuficincia valvar. (FOX, 2010)

    A apoptose e a miocardite nos gatos, assim como em ces e humanos, tambm altera

    a conduo dos impulsos eltricos o que propicia a formao de arritmias ventriculares.

    (FOX, 2006). Cria-se um circuito de reentrada, uma vez que a continuidade eltrica das fibras

    miocrdicas interrompida. Devido fragmentao da despolarizao ventricular ocorre a

    produo de potenciais ventriculares retardados que so considerados pr-requisitos para essa

    forma de arritmia (FOX, 2010; LARSSON e CHAMAS, 2011).

    Apesar de o foco estar no ventrculo direito, leses de reparao do miocrdio

    similares, porm menos acentuadas, podem ser vistas na parede livre do ventrculo esquerdo

    ou no septo interventricular. Esse processo tambm ocorre em humanos e h teorias que

    justifiquem essa alterao como sendo a progresso em longo prazo da cardiomiopatia

    arritmognica do ventrculo direito envolvendo a cmara esquerda (FOX, 2006). Em ces e

    seres humanos, houve uma recente associao da cardiomiopatia arritmognica do ventrculo

  • 23

    direito com disfuno sistlica do ventrculo esquerdo, mas no h evidncias dessa

    ocorrncia nos felinos (CT et al., 2011).

    Os humanos ou animais afetados por essa patologia podem ser assintomticos ou

    apresentar manifestaes clnicas como sncopes. A morte sbita devido aos eventos

    arrtmicos tambm relatada, principalmente em jovens atletas (FOX, 2010; LARSSON e

    CHAMAS, 2011).

    2.5 Cardiomiopatia No Classificada

    2.5.1 Definio e Prevalncia

    A cardiomiopatia no classificada, assim como em humanos, engloba os casos cujas

    caractersticas no se enquadram em nenhum dos grupos de cardiomiopatias conhecidas

    (FERASIN, 2009a). Como no existe um esquema de classificao clnica, no h

    conhecimento sobre predisposio racial, sexual ou etria em felinos (KIENLE, 1998). O

    nmero de gatos com esse perfil de alteraes cardacas vem crescendo nos ltimos anos.

    Ainda no se sabe se esses casos se referem a uma nica categoria, apesar de dados de alguns

    estudos sugerirem que no. Tambm incerta a coexistncia de uma doena primria, ou

    secundria agravando o quadro ou se ocorre por associao a alguma outra condio. Alm

    disso, existe uma hiptese na qual essas doenas cardacas mal definidas representem um

    estgio de progresso ou regresso de alguma das cardiomiopatias. Porm, no h provas

    cientficas que concluam essa teoria (KIENLE, 1998).

    Estgios finais de remodelao miocrdica, principalmente da cardiomiopatia

    hipertrfica, apresentam um relativo afinamento da parede livre do ventrculo esquerdo e do

    septo interventricular, uma frao de encurtamento diminuda e progridem para insuficincia

    cardaca. Essa remodelao tambm pode ser resultado de uma doena valvular ou pericrdica

    desconhecida ou no diagnosticada. Assim, improvvel que cardiomiopatia no classificada

  • 24

    seja uma entidade patolgica distinta e extrema cautela deve ser tomada ao classificar as

    alteraes cardacas nessa categoria. (FERASIN, 2009a; CT et al., 2011).

    2.5.2 Patologia

    Embora os critrios patolgicos ainda no tenham sido totalmente estabelecidos, um

    aumento biatrial significativo o achado mais comum nos felinos afetados. O ventrculo pode

    estar normal, ou com leve hipertrofia excntrica ou concntrica. Um adelgaamento local da

    parede livre do ventrculo esquerdo entremeado a reas de hipertrofia concntrica tm sido

    descritos em alguns relatos de cardiomiopatia no classificada. Em alguns desses casos

    tambm h a descrio de infarto do miocrdio, sendo que geralmente ocorrem no pice do

    ventrculo esquerdo. Ainda no est comprovado se esses casos de infarto representam uma

    doena arterial coronariana espontnea ou se so secundrios a um processo subjacente.

    Tambm so comuns os relatos de tromboembolismo sistmico e eventualmente podem ser

    encontrados trombos intracardacos (KIENLE, 1998; FERASIN, 2009a).

    2.5.3 Patofisiologia

    A fisiopatologia da cardiomiopatia no classificada ainda no est definida. Pode-se

    observar algum grau de disfuno sistlica do ventrculo esquerdo e insuficincia valvar, mas

    essas alteraes no justificam o aumento atrial intenso e a insuficincia cardaca congestiva.

    Assim, na ausncia da insuficincia miocrdica grave ou de doena valvar grave, a

    diminuio da funo diastlica a nica anormalidade que justifica as alteraes clnicas

    apresentadas. Porm, quando essa disfuno est presente, sua causa tambm desconhecida

    (KIENLE, 1998).

  • 25

    O edema pulmonar e efuso pleural so as manifestaes tpicas da insuficincia

    cardaca congestiva presente em felinos portadores de cardiomiopatia no classificada. Esses

    quadros de efuso pleural e edema pulmonar esto correlacionados elevao da presso das

    veias e capilares pulmonares causadas pelo aumento progressivo da presso diastlica final do

    trio e ventrculo esquerdo. O fluxo sanguneo dentro do trio esquerdo muitas vezes se torna

    anormal e predispe esses pacientes a formao de trombos e ao tromboembolismo sistmico.

    Em menor frequncia, a congesto heptica e, raramente, ascite observada e pode estar

    relacionadas insuficincia cardaca direita que outro ponto no definido na patofisiologia.

    Ainda no est clara a relao da disfuno diastlica ventricular direita e o aumento atrial e

    ventricular direito observado em muitos felinos. Existe uma teoria que associa essa disfuno

    diastlica direita com o aumento crnico da hipertenso atrial esquerda. Acredita-se que a

    hipertenso atrial esquerda crnica leve a uma hipertenso pulmonar crnica e essa ento a

    causa do alargamento do ventrculo direito alm da elevao da presso venosa central

    (KIENLE, 1998).

    2.6 Apresentao Clnica e Achados do Exame Fsico

    Todas as cardiomiopatias geraram tromboembolismo e sinais inespecficos como

    anorexia, depresso, intolerncia a exerccios e sinais respiratrios (FERASIN, 2009a). As

    queixas apresentadas referentes ao aparecimento agudo de paresia/paralisia de membros

    plvicos com demonstrao de dor podem estar associadas instalao do trombo na regio

    de trifurcao da Aorta. O trombo tambm pode caminhar pela via ascendente da aorta, o que

    mais raro, e causar paresia de algum dos membros anteriores ou mesmo alteraes

    neurolgicas quando o embolo vai para o crebro (CT et al., 2011). Alguns animais

    apresentam frequncia cardaca baixa com ou sem hipotermia e quando a doena miocrdica

    obstrutiva, pode-se ter sncope ou episdios de fraqueza (SCHWARTZ, 2003).

    Gatos com CMH grave e insuficincia cardaca moderada a grave so geralmente

    encaminhados para o veterinrio devido a anormalidades respiratrias (SCHWARTZ, 2003),

    assim como os portadores de CMD (WARE, 2007) e CMR (MILLER, 1997). A tosse menos

    comum em gato que no co, e ela pode ser confundida com vmito pelo seu proprietrio. As

  • 26

    anormalidades pulmonares so geralmente secundrias ao edema e efuso pleural. Pelo fato

    de muitos gatos serem sedentrios, essas anormalidades respiratrias podem no ser

    percebidas pelo proprietrio, que s ir reconhecer quando fica realmente evidente. Assim,

    alguns proprietrios podem dizer que a doena de apresentao aguda ou subaguda, mas na

    verdade ela j podia existir a tempos e a insuficincia cardaca provavelmente foi agravando-

    se gradualmente durante meses a anos (KITTLESON, 1998b).

    Alguns felinos com CMH podem ser completamente assintomticos, apresentar sinais

    sutis de insuficincia cardaca ou podem demonstrar insuficincia cardaca moderada a grave

    ou mesmo sinais de tromboembolismo arterial. Os gatos assintomticos podem ter

    espessamento de ventrculo esquerdo leve a grave. Entretanto, nos que desenvolveram

    espessamento significativo geralmente h a progresso para insuficincia cardaca. A

    frequncia respiratria tende a estar aumentada nesses animais que podem ficar taquipnicos

    ou dispnicos se estressados. Gatos com espessamento leve a moderado do miocrdio podem

    nunca desenvolver sinais clnicos referentes sua doena e podem viver uma vida normal,

    porm em outros as complicaes podem se desenvolver (KITTLESON, 1998b; CT et

    al.,2011).

    A morte sbita mesmo na ausncia de sinais clnicos associados insuficincia

    cardaca pode acontecer em felinos com CMH (SCHWARTZ, 2003; KITTLESON, 1998b,

    WARE, 2007) assim como nos felinos (FOX, 2006), nos humanos (principalmente jovens

    atletas) (FILHO et al., 2011) e nos ces da raa boxer com CMAVD (LARSSON e

    CHAMAS, 2011). Nos felinos, a causa ainda no foi determinada, mas em humanos

    consequncia de arritmias e alteraes hemodinmicas. Geralmente a causa hemodinmica

    devido ao agravamento da obstruo do fluxo de sada associado a exerccios extenuantes que

    levam a arritmias. Como os felinos no so forados a exerccios intensos, essa teoria fica

    pouco aplicvel. Porm, uma excitao extrema pode desencadear as alteraes. Entretanto,

    na observao da morte de animais da raa Maine Coon pode-se perceber que o estresse fsico

    tinha pouca correlao. Eles morriam devido a uma taquiarritmia ventricular aguda que

    progredia para fibrilao ventricular (KITTLESON, 1998b).

    Relatos precisos dos sinais clnicos causados por CMR e cardiomiopatia no

    classificada em felinos so difceis devido ao pequeno consenso existente entre os

    cardiologistas veterinrios para casos abrangendo estas classificaes. Os sinais clnicos

    descritos so similares aos das outras formas de cardiomiopatia como dispnia e taquipnia,

  • 27

    estado geral ruim, fraqueza, letargia, sinais de tromboembolismo sistmico e, raramente,

    intolerncia a exerccios e anorexia (MILLER, 1997; KIENLE, 1998; JORRO E

    MANUBENS, 2001b).

    Os achados clnicos da cardiomiopatia arritmognica do ventrculo direito so

    variveis. Geralmente, os sintomas clnicos primrios esto relacionados insuficincia

    cardaca congestiva como distenso de veia jugular, efuso abdominal e

    hepatoesplenomegalia. Existem relatos de sintomas comuns s outras cardiomiopaitas como

    anorexia, letargia e taquipnia. Em casos raros, h sincopes e estas costumam estar

    relacionadas taquicardia ventricular (FOX, 2006; CT et al., 2011). A prevalncia da

    insuficincia cardaca devido cardiomiopatia arritmognica do ventrculo direito em felinos

    incerta, pois acredita-se que o nmero obtido seja superestimado devido seleo de

    pacientes (FOX, 2006).

    Em todas as cardiomiopatias, o paciente que submetido a exame fsico pode estar

    alerta ou deprimido, com padro respiratrio normal ou alterado devido a disfunes

    miocrdicas que geram a insuficincia cardaca congestiva. O choque de ponta geralmente

    forte, exceto na presena de efuso pleural. O pulso arterial pode ser normal ou fraco, mas em

    caso de arritmia ele estar em dficit e ausente em caso de tromboembolismo. A distenso/

    pulsao da veia jugular pode ocorrer nos casos de insuficincia cardaca congestiva direita

    (WARE, 2007) associado ou no distenso abdominal por ascite, hepatomegalia e

    esplenomegalia, porm esses ltimos so mais raros e de aspecto clnico mais discreto que

    visto em ces (MORLN, 2001). A ausncia de pulso femoral deve ser rapidamente

    diagnosticada principalmente se estiver associada paralisia flcida dos membros posteriores

    e dor muscular, pois so alteraes caractersticas de trombose de aorta distal (MILLER,

    1997).

    auscultao, as alteraes de ritmo cardaco, da fonese das bulhas e dos sons

    pulmonares so frequentemente observadas em todas as cardiomiopatias. Os sons pulmonares

    podem estar normais, apresentar estertores em caso de edema pulmonar, sibilos na presena

    de congesto/edema, broncoconstrio ou ausncia de sons pulmonares quando h efuso

    pleural. O sopro holossitlico em foco mitral comumente observado em animais com CMH

    (SCHWARTZ, 2003). Pelo fato de o sopro ser dinmico ele aumenta de intensidade quando o

    gato fica excitado (aumento da contratilidade e frequncia cardaca) e diminui de intensidade

    ou at mesmo desaparece quando o animal se acalma (KITTLESON, 1998b). O ritmo de

  • 28

    galope e terceira ou quarta bulhas tambm podem estar presentes indicando uma disfuno

    diastlica (SCHWARTZ, 2003), mas como a frequncia cardaca alta, extremamente

    difcil distinguir os sons das bulhas (KITTLESON, 1998b). O som de galope tambm

    observado em 80% dos felinos com CMD enquanto que 20 % apresentam murmrio sistlico

    e at 50 % apresentam arritmias (SISSON E THOMAS, 1995). O sopro pan-sistlico

    observado pela auscultao da borda esternal direita compatvel com regurgitao da valva

    tricspide e comum na CMAVD (FOX, 2006; CT et al., 2011 ).

    Cerca de um tero dos gatos com CMD associado a baixas concentraes de taurina

    apresentam degenerao retiniana e at 20 % tm sinais de tromboembolismo arterial

    sistmico. Apenas uma pequena porcentagem dos felinos apresenta ascite e geralmente ela

    no significativa a ponto de ser detectada em exame fsico (KITTLESON, 1998a)

    Os clnicos devem considerar febre, tumores de tireoide, doenas renais, hipertenso

    sistmica e anemia durante a avaliao fsica, pois essas desordens podem complicar ou

    acelerar a insuficincia cardaca congestiva (MILLER, 1997).

    2.7 Diagnstico

    2.7.1 Aspectos Laboratoriais

    Os exames laboratoriais no definem um diagnstico da doena do miocrdio, porm

    uma anlise completa (hemograma, bioqumica, urinlise e eletrlitos) contribui para a

    pesquisa de alteraes metablicas que geram doenas miocrdicas secundrias. importante

    associar a essa pesquisa a mensurao dos nveis sanguneos de hormnios como o tireoidiano

    (JORRO e MANUBENS, 2001a) e a concentrao plasmtica de taurina (MORLN, 2001).

    Os animais com sinais de insuficincia cardaca tendem a apresentar azotemia pr-

    renal leve a moderada como consequncia da diminuio do dbito cardaco, anorexia ou

    vmitos. A azotemia grave ocorrer se o baixo dbito estiver associado desidratao, que

  • 29

    ocorre durante o tratamento com base em diurticos (SCHWAREZ, 2003; FOX, 2010).

    Quando essa alterao for detectada, a dose de diurtico deve ser diminuda ou at mesmo

    suspensa. Entretanto, se a insuficincia cardaca grave e qualquer diminuio da dose de

    diurticos leva ao aparecimento ou exacerbao dos sinais clnicos, a dose de diurticos deve

    ser mantida e os sinais de azotemia devem ser ignorados (contanto que o paciente continue

    comendo e bebendo gua normalmente), pois a azotemia moderada no levar a morte, mas a

    insuficincia cardaca sim (KITTLESON, 1998b).

    As alteraes eletrolticas tambm esto presentes nos pacientes com insuficincia

    cardaca principalmente a hipocalemia e hiponatremia. Em animais que no esto recebendo

    terapia diurtica, a hiponatremia pode estar associada diluio devido intensa secreo de

    ADH resultando em excessiva reteno de gua. Geralmente esse distrbio est associado

    insuficincia cardaca grave e em humanos relacionado a um prognstico ruim, o que pode

    ser extrapolado para os animais (KITTLESON, 1998b). A hipercalemia quando detectada est

    relacionada, geralmente, a casos de sndrome de reperfuso (sinais hematolgicos de

    coagulao intravascular disseminada) (MILLER, 1997; MORLN, 2001).

    As efuses devem ser submetidas a analise qumica e citolgica na tentativa de

    esclarecer se a produo do lquido pleural deve-se insuficincia cardaca congestiva. Nessa

    avaliao possvel encontrar transudato, transudato modificado, pseudoquilo ou quilo

    (WARE, 2007).

    Em caso de tromboembolismo pode-se detectar um aumento de enzimas hepticas

    (TGP-TGO) em 12- 36 horas aps inicio do processo e o aumento de HDL e creatinina

    fosfoquinase (CPK) pouco depois da formao de trombo. Achados como hiperglicemia,

    leucocitose, aumento da desidrogenase lctica e coagulopatias tambm so comuns em

    pacientes com tromboembolismo arterial (CT et al., 2011).

    A baixa concentrao de taurina plasmtica ou sangunea no patognomnico de

    CMD (FERASIN, 2009b). Valores diminudos so encontrados na maioria dos felinos com

    CMD, porm, baixas concentraes tambm so observadas em animais sadios, em jejum ou

    com outras cardiopatias. Entretanto, uma concentrao plasmtica igual ou inferior a 20-30

    mol/l em felino com CMD considerada diagnstico de deficincia de taurina (CT et al.,

    2011). Em animais no anorxicos com nvel plasmtico de taurina inferior a 60 mol/l

    sugere-se suplementao ou substituio da dieta. A concentrao sangunea mais fidedigna

    para avaliao que a plasmtica uma vez que sofre menos alteraes (WARE, 2007). As

  • 30

    plaquetas podem liberar taurina se a amostra do plasma no for separada rapidamente o que

    gera uma elevao falso positiva da concentrao desse aminocido (CT et al., 2011). So

    considerados valores normais quando a concentrao sangunea de taurina est acima de 200

    mol/l e quando se encontra abaixo de 140 mol/l o paciente considerado deficiente

    (WARE, 2007). Outra razo aparente para uma falsa elevao de taurina inclui a necrose de

    msculo esqueltico observada na doena tromboemblica. Portanto, felinos com sinais de

    tromboembolismo devem ter seus resultados sanguneos analisados de forma criteriosa

    (CT et al., 2011).

    2.7.2 Aspectos Radiogrficos

    O exame radiogrfico possui grande relevncia na deteco da cardiomegalia (fig 7)

    (LISTER e BUCHANAN, 2000), efuses e congestes de vasos secundrios insuficincia

    cardaca congestiva e na determinao de padres pulmonares intersticiais e alveolares que

    so alteraes comuns a todas as cardiomiopatias. A observao do aumento cardaco pode

    no ser detectada pela radiografia quando o aumento das cmaras for consideravelmente

    discreto, na ausncia de efuso pericrdica ou quando o profissional possui pouca experincia

    (FERASIN, 2009b).

    A presena de aumento do dimetro da veia cava caudal, ascite, hepatomegalia e

    esplenomegalia sugerem a insuficincia cardaca congestiva direita (JORRO e MANUBENS,

    2001; WARE, 2007; CT et al., 2011). Quando h envolvimento do lado esquerdo na

    insuficincia congestiva, observam-se alteraes na rea pulmonar como congesto pulmonar,

    edema pulmonar intersticial/ alveolar e efuso pleural (SCHWAREZ, 2003). A distribuio

    do infiltrado alveolar consequente de edema pulmonar cardiognico na espcie felina pode ser

    difusa ou focal. O clssico formato de corao dos apaixonadosou corao de So

    Valentim (fig 8) observado nas projees ventro-dorsal ou dorso-ventral era antigamente

    relacionado exclusivamente a CMH. Atualmente sabe-se que pode estar associada a qualquer

    uma das doenas miocrdicas felinas em estgio avanado que cause um grave aumento

    biatrial (FERASIN, 2009b).

  • 31

    Figura 7 Radiografia em projeo latero-lateral direita de felino da raa persa com aproximadamente 7 anos de

    idade. Presena de aumento biatrial evidenciado pelo deslocamento dorsal da traqueia.

    Fonte: Arquivo Due Diagnstico por Imagem (2011).

    Figura 8 Projeo radiogrfica ventro-dorsal do paciente supracitado exibindo o formato de corao de So

    Valentim.

    Fonte: Arquivo Due Diagnstico por Imagem (2011).

  • 32

    A radiografia de um felino com cardiomiopatia hipertrfica pode apresentar padres

    de normalidade ou demonstrar aumento atrial e ventricular esquerdo variveis.

    (SCHWARTZ,2003; WARE, 2007). Tambm existe a possibilidade de cardiomegalia

    generalizada afetando principalmente as aurculas (JORRO e MANUBENS, 2001). Na

    projeo lateral o aspecto geralmente normal e as alteraes principais so mais evidentes

    na projeo dorsoventral ou ventrodorsal, como por exemplo, uma base alargada e pice

    estreito que revela a imagem de corao dos apaixonados ou de So Valentim (JORRO e

    MANUBENS, 2001; WARE, 2007). Tambm so comuns as efuses e edemas pulmonares

    (SCHWAREZ, 2003), alm de alguns tambm apresentarem os sinais de insuficincia

    cardaca direita (JORRO e MANUBENS, 2001). As veias pulmonares alargadas e tortuosas

    indicam um aumento crnico do trio esquerdo e da presso das veias pulmonares (WARE,

    2007).

    Os achados radiogrficos da CMD so comumente inespecficos como a

    cardiomegalia generalizada e o derrame pleural o que dificulta a classificao (CT et al.

    2011). Quando o derrame pleural significativo (fig 9 e 10) pode obscurecer a silhueta

    cardaca, sendo assim necessria a drenagem desse lquido e tratamento com diurticos para

    depois serem avaliadas as cmaras cardacas. Em menor frequncia, so observadas veias

    pulmonares ingurgitadas e edema pulmonar peri-hilar ou maculoso (SISSON e THOMAS,

    1995).

  • 33

    Figura 9 Projeo radiografia latero-lateral direita de um felino sem raa definida com aproximadamente 9

    anos. Silhueta cardaca de difcil visualizao devido grande quantidade de derrame pleural.

    Fonte: Arquivo Due Diagnstico por imagem (2012).

    Figura 10 Projeo radiogrfica ventro-dorsal do paciente supracitado. Presena de diviso da pleura visceral

    e parietal (efuso pleural).

    Fonte: Arquivo Due Diagnstico por imagem (2012).

  • 34

    Na CMR, a radiografia geralmente revela um aumento atrial esquerdo ou biatrial

    (corao de So Valentim) (MILLER, 1997) e um aumento de calibre e tortuosidade de

    trajeto das veias pulmonares (KIENLE, 1998; JORRO e MANUBENS, 2001; WARE, 2007).

    Uma tpica e intensa dilatao da aurcula esquerda tambm bem evidenciada por esse

    exame. Tal dilatao decorrente ao impedimento do enchimento ventricular associado

    regurgitao da valva atrioventricular (FOX, 2004). Tambm so evidenciadas as alteraes

    secundarias a insuficincia cardaca congestiva esquerda e/ou direita (JORRO e

    MANUBENS, 2001b; WARE, 2007). A cardiomegalia generalizada pode estar ampliada pela

    presena de efuso pericrdica (KIENLE, 1998; WARE, 2007).

    Na radiografia torcica de um felino com CAVD, o aumento atrial e ventrcular direito

    so as alteraes mais proeminentes (fig 11). Alguns tambm desenvolvem o aumento do

    ventrculo esquerdo (fig 12). Como nos demais pacientes que desenvolvem insuficincia

    cardaca congestiva direita, observa-se cardiomegalia associada efuso pericrdica,

    hepatoesplenomegalia, efuso pleural e ascite (FOX, 2006).

    Figura 11 Projeo radiografia latero-lateral direita evidenciando aumento cardaco principalmente de cmaras

    direitas em gata da raa persa com trs anos de idade diagnosticada com CAVD.

    Fonte: Arquivo Due Dignstico por Imagem (2011).

  • 35

    Figura 12 Projeo radiogrfica ventro-dorsal da paciente supracitada. Observa-se aumento ventricular

    esquerdo alm do grave comprometimento das cmaras direitas.

    Fonte: Arquivo Due Dignstico por Imagem (2011).

    A avaliao clnica prvia ao exame radiogrfico de fundamental importncia, pois

    gatos dispneicos tm grandes chances de piora do quadro respiratrio quando estressados,

    chegando at mesmo a bito. Os animais desestabilizados no devem ser submetidos a esse

    exame diagnstico, sendo preciso protelar at que o paciente esteja fora de risco (FOX, 2010).

  • 36

    2.7.3 Aspectos Eletrocardiogrficos

    Gatos com doenas miocrdicas apresentam uma grande variedade de anormalidades

    eletrocardiogrficas, incluindo mudanas morfolgicas compatveis com aumento de cmaras,

    arritmias e distrbios de conduo. Em 20 a 30% das cardiomiopatias observado o bloqueio

    fascicular anterior esquerdo. Em todas as cardiomiopatias possvel encontrar arritmias

    ventriculares como taquicardia ventricular paroxstica. Porm, em muitos desses felinos, as

    alteraes eletrocardiogrficas so inexpressivas. Assim, o exame eletrocardiogrfico padro

    considerado essencial para a classificao precisa de distrbios de ritmo e conduo

    (JORRO e MANUBENS, 2001), mas um teste diagnstico pouco sensvel para diagnosticar

    as doenas miocrdicas (FERASIN, 2009b).

    Uma das causas de arritmias o aumento atrial. O aumento atrial esquerdo favorece

    taquiarritmias supraventriculares. J os infartos do miocrdio secundrios aos

    tromboembolismos coronarianos esto relacionados a arritmias ventriculares. A hipertrofia

    ventricular grave vista na cardiomiopatia hipertrfica leva ao surgimento de isquemia, necrose

    miocrdica e fibrose o que tambm predispe ocorrncia de arritmias ventriculares. Tais

    arritmias de origem ventricular e/ou atrial contribuem para a manifestao dos sinais clnicos

    como congesto e baixo dbito cardaco (SCHWAREZ, 2003).

    O traado eletrocardiogrfico obtido de pacientes com cardiomiopatia hipertrfica

    pode estar sem alteraes ou demonstrar somente taquicardia sinusal. Algumas vezes,

    evidencia despolarizaes supraventriculares prematuras, taquicardia supraventricular,

    fibrilao atrial, despolarizaes ventriculares prematuras, taquicardia ventricular paroxstica

    ou sustentada, uniforme ou polimrfica. Pode-se observar aumento de amplitude da onda R

    indicando hipertrofia de ventrculo esquerdo e o aumento da durao e da amplitude das

    ondas P sugerindo aumento atrial. O bloqueio fascicular anterior esquerdo (desvio do eixo de

    despolarizao para a esquerda) comumente achado em gatos com hipertrofia ventricular

    esquerda (SCHWAREZ, 2003). Porm, estudos comparando analises histolgicas de felinos

    com cardiomiopatia hipertrfica e traado eletrocardiogrfico sugestivo de bloqueio fascicular

    no comprovaram alterao real de conduo. Concluiu-se que tal padro representa uma

    dilatao do ventrculo esquerdo (TILLEY E GOODWIN, 2001). J as anormalidades na

  • 37

    conduo atrioventricular, bloqueio atrioventricular completo ou uma bradicardia sinusal so

    raramente encontrados na cardiomiopatia hipertrfica (WARE, 2007).

    Nos gatos com CMD e CMR, comumente so encontradas alteraes pouco

    especficas como ondas P e complexos QRS alargados, onda R com aumento na voltagem em

    DII e avF e anormalidades de segmento S-T e onda T. Distrbios de conduo como bloqueio

    de ramo esquerdo e direito do feixe de His so menos frequentes. Complexos QRS de baixa

    voltagem e desvio do eixo de despolarizao intenso para a esquerda podem sinalizar a

    presena de efuses (KITTLESON, 1998a; JORRO e MANUBENS, 2001). A maioria dos

    gatos com CMD demonstra somente taquicardia sinusal, mas bradicardia sinusal, fibrilao

    atrial, despolarizaes prematuras (atriais ou ventriculares) e dissociao atrioventricular

    isoritmica tambm so possveis ocorrncias (KITTLESON, 1998a; CT et al. 2011). Nos

    pacientes com CMR, uma gama de arritmias ventriculares incluindo as taquiarritmias e

    fibrilaes atriais so frequentes (MILLER, 1997; KIENLE, 1998; COTE e HARPER, 2004).

    A cardiomiopatia arritmognica do ventrculo direito tambm gera uma ampla

    variedade de arritmias. As taquiarritmias supraventriculares, os complexos ventriculares

    ectpicos incluindo taquicardia ventricular, sustentadas ou no, de origem esquerda ou direita

    e condues aberrantes so as arritmias geralmente visualizadas. Porm, apesar do aumento

    severo do trio direito acompanhado pela dilatao do ventrculo direito, no se observa uma

    frequncia cardaca to surpreendente como se esperaria na presena de uma fibrilao atrial

    (FOX, 2006). Silencio atrial, bloqueio de ramo direito, bloqueio trio-ventricular de primeiro

    e terceiro grau tambm so visualizados isolados ou em combinao (CT et al, 2011).

    2.7.4 Aspectos Angiocardiogrficos

    A angiocardiografia usada como mtodo diagnstico, porm invasiva e necessita

    de sedao e aplicao de meio de contraste. Ela est associada a altas taxas de complicaes

    como vmitos com aspirao, arritmias e at mesmo parada cardaca em felinos com funo

    miocrdica diminuda ou insuficincia cardaca congestiva descompensada (KITTLESON,

    1998b; WARE, 2007). Com a disponibilidade da avaliao ecocardiogrfica na atualidade, a

  • 38

    angiocardiografia no est sendo utilizada como ferramenta diagnstica de rotina para as

    doenas miocrdicas dos felinos. Um ponto positivo dessa tcnica o poder de avaliao de

    tromboembolismo, principalmente em regio de aorta distal, onde ocorre frequentemente a

    reteno do trombo. As veias pulmonares tambm podem ser avaliadas por essa tcnica

    (JORRO e MANUBENS, 2001).

    Nos gatos com cardiomiopatia hipertrfica, possvel observar a hipertrofia e a

    diminuio da luz ventricular, principalmente do lado esquerdo, msculos papilares

    proeminentes e a dilatao das aurculas, principalmente esquerda. Nos pacientes com

    cardiomiopatia dilatada observa-se aumento de cmaras, msculos papilares atrofiados,

    dimetro artico diminudo e a circulao lenta. Porm, as complicaes nesses pacientes so

    eminentes, o que inibe a sua utilizao (MORLN, 2001; WARE, 2007). Nos portadores de

    cardiomiopatia restritiva, a angiocardiografia no seletiva permite a visualizao da dilatao

    atrial grave, principalmente esquerda, irregularidades na cavidade ventricular esquerda, que

    em alguns casos pode-se encontrar parcialmente obliterada pelo espessamento endocrdico,

    presena de trombo em trio ou ventrculo esquerdo e veias pulmonares proeminentes e

    tortuosas (JORRO e MANUBENS, 2001).

    2.7.5 Aspectos Ecocardiogrficos

    A ecocardiografia a avaliao mais importante para o diagnstico das doenas

    miocrdicas felinas uma vez que fornece informaes valiosas sobre a funo e a anatomia

    cardaca (tab 2) de forma prtica e no invasiva. A maioria dos felinos submetida ao exame

    sem necessidade de conteno qumica. Em casos de pacientes inquietos ou com taquicardia

    significativa devido ao estresse indica-se sedao com acepromazina ou hidromorfina, pois

    no causam alteraes nas mensuraes do modo M ou bidimensional (FERASIN, 2009b).

    O papel desse exame na avaliao e caracterizao da disfuno diastlica era foco de

    debate tanto em medicina humana quanto veter