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CAMPUS APROVADOS ONTEM, TEMPORÁRIOS HOJE MATERNIDADE PRECOCE NO AMAZONAS Número de mães adolescentes sobe 37% GRAVIDEZ CAMPUS Professores concursados trabalham como provisórios enquanto esperam nomeação Foto: Ricardo Viula MÚSICA ELETRÔNICA NAS RUAS Movimento Soundsystem ganha Brasília CULTURA Foto: Victor Pennington Foto: Amanda Maia EDUCAÇÃO Jornal-laboratório da Faculdade de Comunicação da UnB de 04 a 10 de outubro de 2011, ano 41, edição 368 campus3_FINAL.indd 1 29/9/2011 11:50:53

Campus nº. 368

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Jornal-laboratório da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília (UnB), ano 41, edição 368

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CAMPUS

APROVADOS ONTEM,TEMPORÁRIOS HOJE

MATERNIDADE PRECOCE NO AMAZONAS Número de mães adolescentes sobe 37%

GRAVIDEZ

CAMPUS

Professores concursados trabalham como provisórios enquanto esperam nomeação

Foto: Ricardo Viula

MÚSICA ELETRÔNICA NAS RUASMovimento Soundsystem ganha Brasília

CULTURA

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EDUCAÇÃO

Jornal-laboratório da Faculdade de Comunicação da UnB

de 04 a 10 de outubro de 2011, ano 41, edição 368

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F alta vontade para reformar a política, justamente porque tal reforma é um importante passo em di-reção à democracia de fato, a última coisa que a

maior parte dos políticos quer. As principais mudanças discutidas – financiamento de campanha e sistema elei-toral – são controversas e podem acabar com formas de corrupção enraizadas na política brasileira.

Existem duas opções para o financiamento de campa-nha: o modelo atual, em que a maior parcela do dinhei-ro é doada por empresas diretamente aos partidos ou candidatos; e o financiamento público de campanha, um fundo estatal comum para o qual pessoas físicas e em-presas também poderiam doar. Com o modelo de elei-ções vigente, o candidato que tem mais dinheiro ganha. A atuação parlamentar fica então vinculada ao poder econômico que permitiu a eleição, e o político passa a representar efetivamente interesses do setor econômi-co e não dos eleitores.

O sistema de financiamento público desagrada tan-to o corrupto quanto o corruptor. As empresas que aju-

dam a corromper a política brasileira doando imensas quantias aos candidatos preferem continuar pagando para garantir que seus interesses sejam representa-dos. Afinal, de que adiantaria a uma empreiteira doar R$ 100 mil para o fundo público sem ter certeza de que um deputado faria lobby para contratação em uma obra bilionária?

Outro ponto controverso é o sistema de votação. As opções que dividem os políticos são: o voto distrital – o estado é dividido em distritos e apenas um candidato é eleito por cada um; e o voto em lista partidária – o eleitor vota no partido e são eleitos os candidatos de uma lista pré-ordenada pela legenda. O distrital é terreno fértil para uma política personalista. Já a lista partidária não diz respeito a pessoas, e sim a partidos, ou seja, ideologias. Isso significa que os partidos serão obrigados a criar vínculos ideológicos com os eleito-res, e isso é o que os políticos defensores do interesse de empresas, e não da população, menos querem: se aproximar do povo pelas ideias.

CAMPUS Jornal-laboratório da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília

Editor-chefe Guilherme Alves Secretária de Redação Amanda Martimon Diretora de Arte Bárbara Cabral Editores

Amanda Martimon (p. 8), Emerson Fraga (p. 6 e 7), Guilherme Alves (p. 1 e 2) e Mateus Lara (p. 3,4 e 5)

Diagramadores Livea Chefer e Roberta Pinheiro Fotógrafos Amanda Maia e Ricardo Viula Projeto Gráfico Bárbara Cabral, Dandara Lima, Emerson Fraga e Mariana Pizarro Repórteres

Ana Júlia Melo, Brenda Monteiro, Marcella Fernandes, Paulo Victor Chagas e Victor Pennington

Monitores Alexandre Bastos e Júlia Libório Jornalista José Luiz Silva

Professores Sérgio de Sá e Solano Nascimento ISSN 2237-1850Brasília/DF - Campus Darcy Ribeiro Faculdade de Comunicação - ICC Ala NorteCEP 70.910-900 Telefones 61 3107.6498/6501E-mail [email protected]áfica Palavra ComunicaçãoTiragem 4 mil exemplares

LUZ NO FIM DO TÚNEL

Guilherme Alves

O DF conta hoje com 68 salas distribuídas em 12 cinemas. Com a reforma do Cine Brasília e o fechamento do Cine Academia e do Embracine Casa Park, filmes de arte inédi-tos perderam espaço. As alternativas ao circuito comercial são os festivais e as mostras de filmes. O Espaço Unibanco confirmou a reabertura do cinema no Casa Park até 30 de outubro. As oito novas salas terão filmes 3D, nacionais e de arte, além dos comerciais. O Campus foi saber o que o público acha das opções de cinema na capital.

NA FILA da bilheteria

EDITORIAL

São poucas salas nas cidades sa-télites. Os filmes que existem são limitados, muito mais Hollywood que uma coisa a nível cultural.

A edição 367 do Campus traz questões relevantes, mas que poderiam ser melhor exploradas. Em Maus tratos levam cavalos à morte, faltou emba-

sar a afirmação de que a maior parte dos donos não tem dignidade, detalhar as dificuldades de fiscalização e dar mais espaço para protetores de animais. Se o pro-blema era limite de caracteres, deveriam ter cortado o Por Trás da Reportagem. Não trouxe informação e ficou piegas.

No caso das páginas centrais, o texto perdeu força ao se ancorar no estudo que diz que o DF tem deputado mais caro do país e um dos mais improdutivos e não na argumentação do jornalista. Valeria, por exemplo, com-parar os custos de vida do DF e de MG e mostrr que nem isso justifica os R$ 5 milhões a mais investidos em cada distrital.

Aliás, cadê na matéria como esses R$ 15 milhões anuais podem ser gastos? A quantia foi totalmente usa-da pelos deputados em 2010? Como seria se o repórter dissesse que o cidadão “investe” R$ 1 milhão por dia na

Câmara do DF e quase não vê retorno? Ah, falha gra-víssima: citado como campeão de improdutividade, nem Rôney Nemer nem sua assessoria são ouvidos.

Em Internet traz nova maneira de mobilizar tam-bém faltou sair do senso comum. E ficou confuso ter-minar as aspas de uma pessoa e começar as de Emer-son Masullo sem até então ele ter aparecido no texto. Já o Q? Curiosidades tem boa proposta, mas continua mal executado. Parece um anúncio.

Por fim, Do céu ao inferno na BR-060 é feliz ao tra-zer um olhar diferente: o do motociclista sobre sua ati-vidade. Há mais coisas legais, como a informação de que os registros da polícia rodoviária são precários e detalhes do vocabulário. O texto peca, porém, ao dei-xar os dados da pista para o meio. Mas destaque mes-mo é a última página, que traz fotos e texto cativantes.

FALE MAIS ALTO, POR FAVOR

Raquel Castelo

OMBUDSKIVINNA

EXPEDIENTE

ACESSE O CAMPUS ONLINE WWW.FAC.UNB.BR/CAMPUSONLINE

Amanda Maia

Tiago Esmeraldo, missionário

A oferta está atrativa, o cinema bra-sileiro cresceu e está interessante.

Só precisa melhorar a qualidade das salas pra migrar pra tecnologia do

XD (Extreme Digital Cinema).

2 CAMPUS Jornal-laboratório da Faculdade de Comunicação da UnB Brasília, de 04 a 10 de outubro de 2011

A estrutura e os filmes são bons, mas sem promoção, não vale a pena. Em Brasília, tudo é cartel e a variação de preço é muito pequena.

Murilo Santos, analista de sistemas

Já vi bons filmes ucranianos e franceses na TV, mas no cinema

só tem americanos e agora nacio-nais. Nacional tem mesmo que ser

prioridade.

Leda Santos, servidora pública

Feminino de ombudsman, termo sueco que significa “provedor de justiça”, a ombudskivinna discute a

produção dos jornalistas a partir da perspectiva do leitor.

Pedro Henrique Dutra, publicitário

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EDUCAÇÃO

Maria Soely Sousa trabalha como professora temporária na escola classe da 106 Norte desde o iní-

cio do ano. Já é o quarto colégio no qual dá aula de educação infantil com contra-to temporário desde que se mudou para Brasília, em 2008. Antes, trabalhou na rede pública em Sergipe por cinco anos como concursada permanente.

Soely é uma das 1145 pessoas apro-vadas no concurso realizado pela Secre-taria de Educação em 2010 que esperam por nova convocação. Em janeiro deste ano, a professora foi convocada e em seguida desconvocada e agora aguarda para ocupar sua vaga de funcionária de carreira. Em 20 de dezembro termina seu contrato na escola da 106 Norte. O pra-zo para chamar aprovados em concurso é de dois anos, prorrogável por mais dois, mas a expectativa da professora é de não ter de iniciar outro ano como temporária. “Quero ser chamada e trabalhar com con-trato efetivo o quanto antes.”

A situação de Soely é conseqüência de um problema que começou no ano pas-sado. A Secretaria de Educação realizou concurso para professores de educação básica, e no dia 28 de dezembro foi pu-blicado no Diário Oficial o edital com o nome de 1.545 convocados. Em seguida, 1.145 deles foram desconvocados. A Se-

O grande número de profissionais temporários traz prejuízos pedagógicos aos alunos da rede pública do DF. A constante troca de professores dificulta a formação de vínculo entre educador e aluno

Os ‘não-nomeados’ viram temporários Professores que passaram em concurso para dar aulas em escolas do DF, foram convocados e depois desconvocados, agora são contratados como temporários para fazer o mesmo serviço. Recebem menos do que os efetivos e perdem direitos trabalhistas

cretaria alega ter havido erro. A Lei or-çamentária de 2010 previa apenas 400 contratados. Desses, 346 tomaram posse. Parte dos demais acabaram empregados como temporários.

Segundo a Lei nº 4.266, de 11 de de-zembro de 2008, a contratação de profes-sor temporário está prevista apenas nos casos de exoneração ou demissão, faleci-mento, aposentadoria, afastamento para capacitação ou licença de concessão obri-gatória ao longo do ano letivo, ao contrá-rio do que vem ocorrendo.

O salário dos temporários é calculado de acordo com a hora-aula, que é de R$ 19,03 para graduados. De acordo com o Sindicato dos Professores do Distrito Fe-deral (Sinpro-DF), em um mês cheio, tra-balhando na mesma escola, o temporário chega a ganhar cerca de R$ 2.600,00. Já o salário inicial bruto de profissional de carreira é R$ 4.128,00. A diferença maior, contudo, está nos benefícios trabalhistas. Temporários não têm direito a férias, dé-cimo terceiro, nem abono de cinco dias.

“Tudo que é necessário para um efe-tivo assumir cargo também é cobrado de um temporário”, diz aprovada no concur-so, contratada como temporária, no ensi-no especial, e pede para não ser identifi-cada. “As exigências e responsabilidades são as mesmas, mas os direitos não são.”

Marcella Fernandes

mil professores efetivos. A diferença se dá porque a secretaria só considera carências definitivas (aposentadoria e exoneração), e exclui do cálculo licen-ças e professores cedidos para cargos comissionados e outros órgãos do GDF.

SOLUÇÃO DEMORADAAté o final do ano, a Secretaria de Edu-

cação não pode contratar mais professo-res temporários. O teto de 6.500 contra-tos, estipulado em termo assinado pelo Ministério Público, pelo Tribunal de Con-tas da União e pela Secretaria de Educa-ção, já foi atingido.

Com a falta de profissionais e o limite de contratação de temporários, escolas têm de apelar para soluções alternativas. Na Escola Classe da 106 Norte, a direção se reveza nas salas de aula e a associação de pais e mestres teve de pagar para con-tratar substituto.

Em julho, a Câmara Legislativa aumen-tou de 400 para 1.004 o número de vagas, porém não previu de onde viria a verba para novas contratações. Assim, há auto-rização legislativa, mas não orçamentá-ria. A subsecretária de Gestão de Pessoas, Patrícia Jane, afirma que o secretário de Administração está em negociação com as secretarias de Planejamento e Fazen-da, mas não há previsão para próximas nomeações.

Para a subsecretária, a regularização dos profissionais temporários é dificulta-da por erros dos últimos governos e deve ocorrer até 2014. “Há esforço para garan-tir maior contratação de efetivos para não continuar contrariando a lei, mas esse procedimento não acontece em cinco, seis meses. Foram 12 anos de mazela.”

Antes do governo de José Roberto Ar-ruda, para trabalhar como temporário era necessário apenas prova de título e pré--requisitos. Na gestão passada, o GDF passou a exigir concurso similar ao de professor permanente. Apesar de o pro-cesso seletivo ser simplificado, o conteúdo cobrado é o mesmo.

Além das perdas trabalhistas, os tempo-rários enfrentam dificuldades de adapta-ção por conta da mudança de uma escola para outra. “O sistema é diferente, é uma nova direção, não se cria muito vínculo”, diz Soely. “Cada escola tem seu jeito, ape-sar de ser no mesmo sistema educacional.”

IRREGULARIDADEDos 33.987 educadores da rede pública

do DF, 6.500 são temporários, sendo 2.600 contratados no começo deste ano. A sub-secretária de Gestão de Pessoas da Secre-taria de Educação, Patrícia Jane, reconhe-ce a contratação indevida de temporários, mas declara que a questão esbarra na carência de docentes. “Estamos nos em-penhando para sanar essa situação, que é uma desvirtuação, mas não posso deixar alunos sem professor.”

Segundo a Secretaria de Educação, faltam 468 profissionais, mas os dados do Sinpro-DF diferem. Estudo do início do ano afirma que o déficit era de seis

Vinculação vetadaNo dia 9 de setembro, o governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz, vetou projeto de lei que regulamentaria a con-tratação de professores temporários. De acordo com o PL 174/2011, de autoria do deputado Prof. Israel Batista (PDT), a Secretaria de Educação seria obriga-da a informar, na nomeação do professor temporário, o nome completo do servi-dor substituído, a matrícula funcional e o motivo que o levou ao afastamento. As contratações estariam limitadas à divul-gação desses dados.

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“Eu até quis o primeiro, já o segundo foi uma surpresa.” Surpreendente é a situação de Beatriz*, 15 anos, grávida há seis meses do

segundo rebento. Vive com a sogra e o marido de 21 anos na zona leste de Manaus, no bair-ro Zumbi dos Palmares, periferia. Moça bonita, um pouco tímida, que passa a manhã ajudando a mãe do marido a preparar o almoço e, à tar-de, faz crochê. Às vezes passa o final de semana com a mãe para que ela veja o único neto. Bea-triz tem três irmãos mais velhos, mas é a única com filho.

A situação da adolescente é comum nos bairros carentes da capital amazonense, assim como no resto do estado. Do ano 2000 ao de 2009, o número de meninas de 10 a 14 anos que se tornaram mães cresceu 37,7% no Amazonas, um recorde nacional. Quem anda no Zumbi en-contra na rua, mesmo à noite, várias adolescen-tes grávidas. Em todo o Brasil, o total de partos nessa faixa etária caiu 4%.

Ter um filho nessa idade pode ser devastador para as duas vidas: mãe e bebê. A começar pelo corpo que ainda não está completamente forma-do para suportar o processo, como foi o caso de Beatriz, que teve complicações no parto e ficou em coma dois dias depois do nascimento do fi-lho. A infância ou a adolescência também ficam comprometidas. A responsabilidade de criar uma vida demanda todo o tempo disponível. Brincadeiras são substituídas por atividades de mãe e os estudos comumente são abandonados.

Isabela* tem 24 anos e já consegue falar abertamente sobre a infância. Recupera-se ain-da dos problemas ocasionados pelo primeiro fi-lho, nascido quando tinha 13 anos. “Meu pai era alcoólatra e se afastou da família, eu fui procu-rar abrigo nos meus amigos e na rua.” Lembra da história de dez anos atrás. Ela era “da rua”, bebia e se drogava para suprir a carência da fa-mília ausente. A mãe, com sete filhos para criar, não tinha punho suficiente para conter a índole da criança de nove anos que ia, após o colégio, para igarapés e casas de amigos e voltava tar-de da noite para casa. “Eu usava muita droga, bebia muito e me prostituía”, conta. “Foi nesse meio que conheci o pai do meu primeiro filho.” O namorado, que tinha 35 anos, foi preso, de-nunciado pelo pai de Isabela quando ele desco-

Quando as meninas têm bebêsNúmero de mães com menos de 14 anos cresce mais de 30% no estado do Amazonas, o recorde nacional. Além das óbvias complicações sociais, a gravidez na adolescência pode representar graves perigos à saúde

briu que a filha estava esperando um bebê. Ela tentou esconder a gravidez, comprimia a barri-ga crescente com uma fralda da irmã. Só conse-guiu nos cinco primeiros meses. Foi então que o pai a mandou para a Casa Mamãe Margarida, abrigo para jovens em situação de risco.

Isabela lembra que não queria ter ido para a instituição. Gostava da vida na rua, das drogas e da liberdade que tinha de fazer o que quisesse. Para ela, viver na Casa seria esquecer o mundo incrível que havia conhecido. Após um tempo, passou a aceitar a nova vida.

POR QUE LÁ?De acordo com Margarida Campos, enfermei-

ra sanitarista e pesquisadora de saúde pública no Amazonas, os números crescem mais no es-tado porque “há uma falta de entendimento das políticas públicas quanto às especificidades so-ciais, geográficas e culturais desta região”. Para ela, as políticas de saúde pública têm que ser geridas lá de forma diferente do resto do país. Margarida aponta que o Amazonas tem situação particular pelo clima quente, a miscelânea com culturas indígenas, os espaços entre os municí-pios e a falta de perspectiva dos jovens.

Quando se fala do interior, a situação fica complicada. Há poucas atividades de lazer para

Victor Pennington

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Carolina*, 14 anos, usava drogas durante a gestação. Sua filha nasceu prematura com sete meses, ficou quatro meses na UTI e, apesar de desenganada, sobreviveu e hoje mora na Casa Mamãe Margarida

Foto: Victor Pennington

Beatriz* e seu primeiro filho. Grávida novamente, tem o sonho de voltar aos estudos que abandonou por causa da gestação e arrumar um bom emprego para ter condi-ções de sustentar as crianças

Foto: Victor Pennington

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GRAVIDEZ

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o jovem, e as aulas de educação sexual aconte-cem em frequência ínfima. “Teve umas duas au-las durante o ano sobre isso, que tinha que usar camisinha para evitar doenças e quando fizesse a primeira vez tinha que ir ver o médico”, diz Be-atriz. Ela se esforça para lembrar do período em que ainda estava no colégio. Questionada sobre se foi ao médico após a primeira relação, dá um largo sorriso de ironia.

Para Margarida, o que acontece é a ausên-cia dos serviços de saúde no acompanhamento das comunidades. “As unidades básicas de saú-de não sabem quem é o seu público”, explica. Segundo ela, é necessário um planejamento completo ao longo da vida dos jovens. “Há uma política de doença no sistema de saúde pública, as pessoas só podem ir às unidades se estiverem doentes ou já grávidas”, afirma. Para ela, de-veria haver visitas periódicas às unidades, e as meninas precisariam conversar com um médico ou um psicólogo quando têm a primeira mens-truação. “Chega uma menina porque menstruou pela primeira vez e os funcionários mandam ela para casa sem cerimônia”, explica Margarida.

A RUADos casos recebidos pela Casa Mamãe Mar-

garida, a maioria é de meninas que sofrem al-gum tipo de violência grave ou têm famílias ausentes. Carolina*, 14 anos, ainda fala para as assistentes sociais do abrigo “tia, você não entende, a rua me chama”. Ex-abrigada, a me-nina fugia muito, e na última fuga retornou à prostituição. Fazia uso de drogas, como merla e cocaína. “Para poder pagar, eu me prostituía”, revela. A prostituição é a sina da rua para as crianças, muitas vezes associadas com drogas ou outro tipo de exploração. A rotina é o sono durante o dia, a venda do próprio corpo no fim da tarde e início da noite e o uso de drogas o tempo todo. Contando isso com um sorriso no rosto, Carolina faz uma pausa e fala: “Mas eu me arrependo, viu?” Antes de se preocupar com julgamentos, ela avaliava a rua como liberdade e vida maravilhosa. Veio então a maternidade, por relações com um traficante de 25 anos, que atu-almente se encontra preso. O bebê nasceu pre-

Foto: Victor Pennington

maturo, com sete meses, e passou outros quatro na UTI, debilitado pelo uso de narcóticos pela mãe durante a gestação.

IMPUNIDADE“Há uma situação generalizada de impuni-

dade” explica Valter Calheiros, funcionário do abrigo. Segundo quem trabalha na casa, são exceções os processos criminais contra quem abusa, alicia e explora crianças e adolescentes. A Casa faz denúncias, os melhores resultados delas é o fato de a menina ser protegida, mas há uma grande diferença entre isso e a punição dos culpados. A culpa cai sobre as crianças. São elas, segundo a cultura machista que assola o estado, contam os funcionários da Casa, que “se insinuam” para os homens mais velhos, acima de 20 anos. Homens que afirmam ser vítimas da tentação demoníaca desses seres.

À noite, na Avenida Grande Circular, pode--se vê-las. Sob as estrelas e com um pouco mais de roupas do que dignidade. Flagram-se crian-

POR TRÁS DA REPORTAGEM

O ponto inicial da reportagem foi uma busca por meio do Datasus, banco de dados do Ministério da Saúde, dos nas-cimentos entre 2000 a 2009 de bebês com mães na faixa etária de 10 a 14 anos no Amazonas. Depois foram feitas ligações telefônicas para órgãos volta-dos à assistência de crianças no estado. Por meio disso, foi obtido o contato da Casa Mamãe Margarida, um abrigo que lida com meninas em situação de risco, inclusive adolescentes gestantes, onde seria feita a maioria das entrevistas da matéria. Em Manaus, a amizade e a solidariedade de uma assistente social do abrigo permitiu acesso a zonas de prostituição e áreas carentes da cidade.

ças entrando em carros esportivos com rebolados quase cômicos da infantilidade inerente ao corpo jovem, mas extremamente trágicos por indicarem crimes à infância que se repetirão nas noites que virão. São muitas. E o número está aumentando.

Mariana*, há quatro meses na Mamãe Marga-rida, responde à maioria das perguntas da mesma forma: “Sei lá”. É o mesmo “sei lá” para perguntas como: Quem é o pai do seu filho? O que você gosta de fazer? Quais são suas brincadeiras favoritas? e no meio das perguntas sem respostas ela guarda o laconismo e o segredo da história que ninguém sabe direito qual é. Segundo a assistente social Li-diane Cândido, que trabalha na Casa há cinco anos, Mariana sumia frequentemente. Na última vez, fi-cou dois meses fora e só voltou porque quebrara a perna e ligara para a mãe, que a internou no abrigo. Lidiane afirma que os vizinhos viram a menina em uma casa que aliciava menores e os fazia vender drogas e se prostituírem. Foi uma surpresa a des-coberta da gravidez. As meninas costumam chegar à Casa caladas, vão redescobrindo a própria identi-dade e só quando mais velhas que conseguem falar abertamente sobre o que aconteceu, como é caso de Isabela*.

É complicado generalizar os casos de gravidez na infância. São todas histórias únicas com difi-culdades ímpares. Segundo a Fundação Alfredo da Mata, centro de referência em tratamento de DSTs e testagem do HIV, nos últimos cinco anos há uma média de três meninas com idade de 10 a 14 anos portadoras do vírus HIV grávidas por ano. Ana Cláudia Camillo, enfermeira do instituto, questiona-da sobre quais são os casos mais graves de gravidez infantil, responde: “Os casos mais graves são todos os que não foram evitados”.

*Nomes Fictícios

A responsabilidade de criar um filho demanda das jovens todo o tempo disponível. As meninas largam os estudos e os amigos para tomar conta do bebê

Fonte: Datasus/Ministério da Saúde

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Sempre que tem eventos assim, a gente vem para dançar”, conta a dançarina Ca-rol Monteiro.

A estudante Juliana Pinto acredita que as festas dos sistemas de som são gran-des intervenções urbanas. “Brasília é carente de festa de graça. E os sistemas de som têm usado um espaço marginal na cidade para agregar diferentes esti-los musicais com qualidade”, afirma. As festas a céu aberto começam à tarde e duram até a madrugada, com um públi-co que chega, sai e se renova o tempo todo. Muitos comparecem porque gos-

Foto: Amanda Maia

tam da música, outros por o soundsys-tem ser acessível, outros porque passam pelo local e gostam da movimentação.

BOCA A BOCA VIRTUALApesar do clima descontraído, ques-

tões como falta de banheiros, uso de dro-gas e insegurança estão presentes nas festas do soundsystem. Nem por isso o movimento tem deixado de ganhar adep-tos em Brasília. Tudo por conta da pro-paganda espontânea de quem gosta. A pouca verba para divulgação das festas dos sistemas de som é resolvida com o uso da internet. Os grupos criam páginas dos eventos em redes sociais e, a partir daí, o boca a boca garante a divulgação. “As redes sociais, se usadas positivamen-te, podem agregar muito aos eventos. Eu mesma só fiquei sabendo da festa de hoje por causa da divulgação de amigos pelo Face”, diz a estudante de biologia Maria-na Serpa.

Edgar DBanks, do Megaton Dub, mantém o uso do tradicional toca-disco para produzir batidas dife-rentes. A compra de discos no exterior é comum

S ábado, 18h. Próximo à Estação Gale-ria do metrô, as batidas graves das caixas de som atraem a curiosidade

dos que passam. Aos poucos, as pessoas se aproximam e a praça ganha movimen-to. Com ritmos jamaicanos, quem coman-da a música é Edgar DBanks, selecta* do soundsystem Megaton Dub.

Os sistemas de som, do inglês soun-dsystems, tiveram origem na década de 1950, na Jamaica. O nome designa um conjunto de caixas de som, amplificado-res, toca-discos e geradores usados para fazer festas em espaços abertos. A ideia era levar diversão e música às ruas, para as pessoas que não tinham acesso a apare-lhos de rádio. Muitos improvisavam letras sobre batidas de músicas já conhecidas.

Mais de 60 anos depois, o movimen-to se mantém vivo e cresce o número de adeptos em Brasília. Apesar de a maioria dos sistemas de som - como são chamados os grupos de soundsystem - ter trocado os toca-discos pelos equipamentos digitais computadorizados, a essência do movi-mento é a mesma. “Queremos promover festas acessíveis ao público e com músi-cas que representam o gueto. É a cultura do povo para o povo”, explica Heitor Va-lente, do Dialéto Sound Crew.

Como a produção das festas é indepen-dente, prejuízos são comuns para os orga-nizadores. “Nós continuamos investindo no movimento porque acreditamos poder levar música de qualidade”, diz Heitor Valente. Para Alexandre Smile, há cinco anos no sistema Granja Groove, de São Paulo, o bacana do soundsystem é poder fazer uma nova versão de uma música co-nhecida. “Com o sistema de som é possí-

vel mudar a frequência, um capacitor ou arredondar o grave e dar a sua cara para uma música já existente no vinil”, conta.

O selecta do Dialéto, Rafael Axé, defen-de a mistura de ritmos como reggae, rap, samba, funk para dar um ar brasileiro ao movimento originalmente jamaicano. As-sim como a diversidade musical, as festas na rua permitem a reunião de diferentes representações culturais. Entre skatistas, artistas de rua e grafiteiros, destacam-se na pista os artistas de street dance. “São poucos os lugares que tocam esses tipos de música, o ragga, o reggae, o dancehall.

*GLOSSÁRIO

CULTURA

Soundsystem faz festas ao ar livre no DFCrescem na capital os adeptos ao movimento cultural de origem jamaicana que reúne som potente, diversidade de tribos e gente jovem. O “sistema de som” propõe mistura de ritmos musicais e leva música eletrônica e diversão de graça às ruas

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Selecta ou seletor: É quem seleciona durante

a festa os vinis que vão ser tocados. A sele-

ção é feita de acordo com a pista de dança.

Dub: Hoje considerado um estilo musical

autônomo, o dub surgiu no final da década

de 1960 como uma forma de remix de mú-

sicas de reggae. A valorização dos tons gra-

ves é feita com a retirada de grande parte

dos vocais e exaltação do baixo e da bateria.

Brenda Monteiro

Ricardo Viula

Quando a Fórmula 1 veio a BrasíliaÚnica prova na capital ocorreu no dia 3 de fevereiro de 1974

CURIOSIDADES

?

A corrida da maior categoria do automo-bilismo mundial marcou a inauguração do Autódromo Internacional de Brasília, que depois ficou conhecido pelo nome do tricam-peão Nelson Piquet. O GP foi especial, come-morativo, e não contou pontos para o mundial de Fórmula 1. Do total de 62 competidores inscritos na categoria, apenas 12 disputaram a prova no DF.

Depois de 40 voltas em um circuito de 5.475 metros de extensão, o Grande Prêmio Presidente Médici concedeu o lugar mais alto do pódio a Emerson Fittipaldi, que na-

quele ano conquistaria o bicampeonato da Fórmula 1 pela equipe McLaren.

Euler Ricardo Campos tinha 12 anos quando assistiu à corrida. Hoje proprietário de uma loja de peças e acessórios para corre-dores de kart, ele se diverte ao relembrar a facilidade com que se aproximava dos pilotos durante os treinos.“Juntava os meus ami-gos e íamos de bicicleta para o autódromo, a gente passava praticamente o dia inteiro dentro dos boxes”, conta. “Andava no meio dos pilotos, cumprimentava-os, e eles distri-buíam adesivos e bonés para a garotada.”

Foto: John Millar/Flickr

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Paulo Victor Chagas

POLÍTICA PÚBLICA

Santo Antônio do Descoberto, no Entorno de Brasília, é a primeira cidade a experimentar o acesso à internet, com velocidade de 1 MB e subsídio do governo, por R$ 35 mensais. Lan houses e lojas de informática ainda não sentem o impacto

Foto: Amanda Maia

A cidade de Santo Antônio do Des-coberto (GO), a 46 km da capital federal, é o primeiro município

brasileiro a receber o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL). A partir de con-trato com a empresa Sadnet, a Telebrás fornece desde 23 de agosto conexão de alta velocidade para ser revendida pelas empresas provedoras locais.

Steffany Oliveira Valverde, 16, foi a primeira pessoa do país a utilizar a in-ternet de banda larga do governo. Ela ganhou um computador e a mensalidade grátis por um ano em sorteio promovido pela empresa de internet. A maior dificul-dade da garota, quando não possuía com-putador em casa, era conseguir dinheiro para pagar os acessos. “Na escola, quan-do os professores mandavam trabalho, às vezes eu nem fazia, porque não podia pagar uma lan house pra fazer as pesqui-sas”, lembra.

Atuando em Santo Antônio do Desco-berto há mais de cinco anos, a empresa de internet Sadnet fornecia conexão na velocidade de 1 MB ao preço de R$ 99,90. Com o incentivo do governo, o valor caiu para R$ 35 - sem contar os preços do equipamento (antena, receptor e cabe-amento) e da instalação, que somam R$ 299. Desde o início da comercialização do plano, cerca de 80 clientes assinaram contrato com a empresa para utilizar a banda larga popular.

Paulo Araújo é cliente da Sadnet desde antes do programa do governo. O mora-dor ainda paga o preço de R$ 39,90 pela velocidade de 200 KB. Informado pela reportagem do Campus sobre o novo plano, ele acredita que mais moradores ainda não conhecem a banda larga a pre-ço popular. O propagandista considera a

adesão ao plano baixa e culpa a falta de divulgação. “Eu trabalho com propagan-da, então sei que nenhum carro de som foi contratado para fazer essa divulgação. Também não vi panfletos”, afirma. Mas, de acordo com Luiz Tomaz, diretor ad-ministrativo da Sadnet, a propaganda do PNBL tem sido eficiente. “A empresa uti-lizou publicidade na internet, espaço no Jornal do Entorno e na rádio Comunitária Sad FM para veicular a promoção, além de carros de som e distribuição de panfle-tos”, explica o diretor.

A vendedora Maria Selma Pereira, que

trabalha em uma lanchonete da Feira Co-berta de Santo Antônio do Descoberto, ficou sabendo da internet a baixo custo, mas não tinha ideia de como contratar os serviços. Para se livrar de pagar o uso de lan houses para os três filhos (de 12, 14 e 16 anos), Selma assinou contrato re-centemente, por R$ 49,00 mensais, com outra operadora, para acessar a internet na velocidade de 2 MB . “Em média, dou aos meninos R$ 20,00 por semana, porque eles precisam pesquisar para fazer os tra-balhos de escola”, afirma Selma, que está à espera da instalação dos serviços.

De acordo com comerciantes da cida-de, mesmo após a implantação do Plano Nacional de Banda Larga a venda de com-putadores e de acessos a lan houses tem permanecido a mesma. A maior loja de eletrônicos de Santo Antônio do Descober-to mantém a média de 115 computadores vendidos por mês, e as lan houses continu-am cobrando entre R$ 0,75 e R$ 2,50 por hora utilizada.

“Depois que acabar a promoção, minha mãe vai ter que continuar pagando”, afir-ma Stefanny. A garota se acostumou com as facilidades da internet em casa. “O úni-co site que eu usava mais frequentemente era o Orkut. Agora eu posso assistir a ví-

deos no Youtube, acessar o MSN e fazer trabalhos escolares”, comemora. A mãe, Márcia Cristina de Oliveira, é dona de casa e recebe R$ 130,00 mensais do Bol-sa Família para ajudar a cuidar dos qua-tro filhos. O pai, Juvenil Francisco Júnior, ganha um salário mínimo por mês como servente de obras.

O presidente da Câmara dos Vereado-res do município, João Batista, explica que qualquer impacto no orçamento domésti-co pode significar muito para a população. Segundo ele, a média salarial na cidade, em que 95% por cento da população vive na zona rural, é de R$ 1.000,00. “A renda per capita aqui é baixa. Nós temos um teto salarial de cerca de seis salários mínimos e o fator aquecedor da economia aqui são aposentados e pensionistas.” A internet no Brasil, entretanto, já virou necessidade básica. De acordo com o Ibope, cerca de 20% dos brasileiros se conectam regular-mente à rede, seja de casa ou do trabalho. A proposta do governo federal é ampliar a internet banda larga de 11 milhões para 40 milhões de domicílios. Com o Plano Na-cional de Banda Larga, a meta inicial era implementar o serviço em 1.163 cidades apenas em 2011. A estimativa, no entanto, já caiu para apenas 120 municípios.

O teste da banda larga

Em Santo Antônio do Descoberto (GO), cerca de 80 moradores já aderiram ao PNBL. A cidade de 63 mil habitantes tem maioria da população rural e baixa renda per capita

Entenda o PNBL

No suplemen-to da edição 196, que circulou na 2ª quinzena de 1995, o Campus mostrou a internet como inovação no Brasil. A repórter Geórgia

Moraes explicou didaticamente troca de

e-mails, comunicação em tempo real e a ferramenta “mais moderna”, a World Wide Web, que ficaria conhecida como WWW. Nessa época, porém, a internet ainda não era comercializada nem pública. A conexão se dava por meio de pontos de presença e centros regionais, disponíveis apenas para instituições de pesquisa e ensino. Na épo-ca, a Rede Nacional de Pesquisa, órgão que coordenava o acesso, estava presente em

Com o objetivo de “massificar, até 2014, a oferta de acessos banda larga e promover o crescimento da capacidade de transporte de serviços de telecomu-nicações”, o Plano Nacional de Banda Larga é viabilizado por meio da estatal Telebrás, que fornece a rede de internet às empresas que assinam contrato para redistribuir a conexão aos usuários finais.

O subsídio do governo federal se dá pelo baixo preço que a estatal cobra pelo megabyte oferecido. “A Telebrás, na ver-dade, veio para regular o mercado. Antes as operadoras praticavam cartel, traba-lhavam com valores acima do aceitável e isso nos impedia de trazer um preço mais em conta para o consumidor”, ex-plica Bruno Santana, gerente de infra-estrutura da Sadnet. Segundo Santana, o valor do megabyte reduziu de cerca de R$ 600,00 para menos de R$ 200,00.

MEMÓRIA

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Page 8: Campus nº. 368

Ana Júlia Melo

O mais velho e único paraibano entre qua-tro irmãos, José Carlos veio para Brasília aos dois meses de idade e fez da cidade

uma paixão e, dentro dessa, encontrou outras várias. Da cidade natal, Campina Grande, guar-da pouco, mas não pode negar a origem. O pai, José Vieira, nascido na Paraíba, analfabeto, ins-pira cultura trazida nos versos de repentista que se confundem à fala.

Quando o tema é poesia, a irmã se van-gloria em dizer: “Eu que comecei com isso e depois veio o Zé. Deixei [a poesia], troquei pelo teatro e ele a agarrou”. Carleuza Farias Vieira, um ano mais nova, descreve o irmão como mal-humorado e difícil de se relacionar. “Mas ele é sempre aquele que faz todo mundo rir”. Para ela, Zé é um fingidor como o poeta é para Fernando Pessoa. Os amigos definem sua poesia como sincera, autêntica, verdadeira e original.

Com o tempo, o uísque e o cachimbo per-deram lugar para o vinho e o charuto. Entre os gostos, a boemia. “O bar é um microcosmo social. Sou de uma geração que vai ao bar não para beber, mas para encontrar amigos, con-versar, discutir problemas contemporâneos, discutir futilidades”, conta Zé Carlos. Seduzido pelo romantismo da vida boêmia, encontrou outras paixões: poesia e jornalismo.

O ARTISTAÉ em Taguatinga, cidade onde por muito

tempo morou, que fermenta a sua criatividade literária. É no bar do Didi ou no do Careca que o Zé se encontra, e encontra suas histórias, crô-nicas, contos e conversas que se transformam em poesia.

Casado há 23 anos com a professora Vânia Aparecida, ainda mostra sua alma de poeta

quando deixa bilhetes na parede do quarto ou escondidos dentro da bolsa dela. A mulher afirma que mesmo assim ele é melhor cronista que poeta. “Eu o admiro pela atenção que tem. Ele tem o dom de passar para o papel o que sente e pensa”, elogia Vânia.

Mas a poesia de Zé Carlos não vem de hoje. Nascido em 1960, década do movimento da contracultura, escreveu seu primeiro livro de poesia por volta dos 15 anos, na época da geração mimeógrafo, quando a força de vonta-de era suficiente para lançar um livro. E junto aos amigos Zé Júlio, Davi, Ivo e Eugênio teve também seu próprio Clube da Esquina.

Na década de 80, o som punk, quase oni-presente na juventude de Brasília, tinha voz na banda Detrito Federal, que possuía futuro promissor. Ao menos era o que achava Zé Car-los, que sonhou ficar rico e famoso compondo muitas das letras da banda do irmão.

TRABALHOMesmo imerso em cultura, seu sonho, co-

mum para um menino de 17 anos, era ser jo-gador de futebol. Treinou em times de futsal de Brasília, onde ganhou o apelido de Cascão. Sem largar o futebol, formou-se em Publicidade na Universidade de Brasília, mas nunca trabalhou na área. Com a intimação do pai, “ou traba-

lha ou estuda”, voltou para a UnB. Passou pelo curso de Cinema, Rádio e TV, mas não levou o diploma. Por fim, graduou-se em Jornalismo e o joelho o fez desistir do sonho do futebol.

Ainda universitário, foi professor de portu-guês na Escola Classe 10 de Taguatinga Sul em um programa para alfabetização de adultos. Já na agência Organização Brasília de Notícia, deu a volta ao mundo em um mês, acompanhan-do o então presidente da República, Fernan-do Collor. Espelhou-se em Brecht para beber a vida em grandes goles. E mesmo sem jogar em grandes times europeus como pensava, reali-zou um dos sonhos, o de conhecer o mundo.

Entrou no Correio Braziliense há 20 anos. Por um período, fez dupla jornada trabalhando também na Rádiobras como editor de sinopses. No Correio, escreve há dez anos a coluna de humor Fala Zé. Começou na revisão, passou a redator de Economia e depois Brasil, virou su-beditor, foi para Política, hoje é editor de Cultu-ra, e onde está se sente em casa. Zé Carlos não é o primeiro repórter-cronista, nem o último jornalista-poeta.

O ZÉNão perdeu a poesia, nem o poeta. A mu-

lher garante que o trabalho faz com que es-creva menos, e ele não discorda. Já publicou dez livros, o último de poesias e crônicas, A Alma e o E-mail: Crônicas da Cidade Minha, no qual autografa a frase “a poesia é minha melhor namorada”. Pai de dois filhos, Rodrigo, 21, e João Pedro, 14, tenta ensiná-los o que aprendeu com o seu pai. “A preocupação do meu pai nunca foi do filho se formar e ganhar dinheiro. Ele sempre dizia ‘você vai estudar e se formar como homem’, e passo isso para os meus filhos”, conta José Carlos.

J a r d i m

Fotos: Ricardo ViulaDa esquerda para a direita:

1- Zé não fala;2- O poeta orienta a repórter;

3- Retrato por Luísa Melo (Colaboradora); 4- Relaxando em sua casa no Vicente Pires;

5- Zé, editor de cultura do Correio, avalia jornal concorrente

U m p o e t a , U m a h i s t ó r i a

PERFIL: José Carlos Vieira

“A poesia é minha melhor

namorada”,

declara Zé

8 CAMPUS Jornal-laboratório da Faculdade de Comunicação da UnB Brasília, de 04 a 10 de outubro de 2011

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