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TRÂNSITO PISTA OCUPADA Distrito Federal registra 716 multas diárias por tráfego em faixas exclusivas para ônibus Página 15 CULTURA CADÊ O CACHÊ? Informalidade de contratos na Secretaria de Cultura do DF causa problemas a artistas locais Página 12 HISTÓRIA ANHANGUERA ABANDONADA Caminho trilhado pelos primeiros exploradores do Centro-Oeste sofre com má conservação Página 4 BRASÍLIA, 20 DE MAIO A 2 DE JUNHO Campus A cada dia, mais de um imóvel vai a leilão no DF devido à inadimplência condominial A CASA CAIU Isabela Resende NÚMERO 412 ANO 44 Página 3

Campus - nº 412, ano 44

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Edição 412, ano 44, de Campus, de 20-05 a 02-06 de 2014

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TRÂNSITO

PISTA OCUPADADistrito Federal registra 716 multas diárias por tráfego em faixas exclusivas para ônibusPágina 15

CULTURA

CADÊ O CACHÊ?Informalidade de contratos na Secretaria de Cultura do DF causa problemas a artistas locaisPágina 12

HISTÓRIA

ANHANGUERA ABANDONADACaminho trilhado pelos primeiros exploradores do Centro-Oeste sofre com má conservaçãoPágina 4

BRASÍLIA, 20 DE MAIO A 2 DE JUNHO

Campus

A cada dia, mais de um imóvel vai a leilão no DF

devido à inadimplência condominial

A CASA CAIU

Isabela Resende

NÚMERO 412 ANO 44

Página 3

Campus2 Brasília, 20 de maio a 2 de junho 2014

Jornal-laboratório daFaculdade de Comunicação da

Universidade de Brasília

Editor-chefe: Pedro Alves Secretária de redação: Bruna FurlaniEditores: Bruna Chaves, Iago Garcia, Paula Braga, Raquel Franco e Victor PiresRepórteres: Beatriz Fidelis, Camila Curado, Gustavo Debastiani, Henrique Arcoverde, Janaina Bolonezi, Jéssica Martins, Karla Beatriz, Luana Melody Brasil, Mariana Pedroza, Raila Spindola, Tainá Farfan, Taise Borges, Thomas GonçalvesFotorrepórter: Rômulo AndradeEditora de arte e foto: Isabela ResendeFotógrafos: Fernando Jordão, Laís Sinício, Lara Silvério, Thaís Carneiro e Thomas GonçalvesDiagramadores: Bruna Chaves, Iago Garcia, Paula Braga, Raquel Franco

e Victor PiresProjeto Gráfico: Hermano Araújo, Nadjara Martins, Beatriz Fidelis, Jéssica Martins e Karla BeatrizColaboradores: Bárbara Andrade e Gleydson Lima Professores: Sérgio de Sá Jornalista: José Luiz da SilvaMonitores: Eduardo Barretto e Washington LuizGráfica: Palavra ComunicaçãoTiragem: 4 mil exemplaresContato: 61 3107-6498 / 6501Endereço: Universidade de Brasília, campus universitário Darcy Ribeiro, s/n, Asa Norte, Brasília/DF. Faculdade de Comunicação, Instituto Central de Ciências - Ala Norte CEP: 70 910-900

A matéria de capa desta edição do Campus traz da-dos alarmantes: a cada dia 1,5 imóvel é leiloado no Dis-trito Federal devido à falta de pagamento da taxa de condomínio. Ou seja, a cada mês, 45 famílias são obriga-das a vender a casa própria por preços mais baixos que os de mercado. Tudo para quitar dívidas que corres-pondem a uma fração do valor do imóvel. O texto traz ainda personagens que expressam o sacrifício do sonho do imóvel particular.

Também é alarmante que, diariamente, 716 motoristas sejam multados por invadir as cinco faixas exclusivas de ônibus espalhadas pelo DF. Os condutores afirmam que precisam utilizá-las para che-gar a tempo ou para não ficar horas presos nos engarrafa-mentos das principais vias. Os motoristas de ônibus e au-toridades condenam a infra-ção. No atual caos que vive o

Carta do Editor

trânsito do DF, a única certe-za é que a insatisfação é geral.

Outras pessoas que vi-vem situação difícil são os artistas contratados pela Secretaria de Cultura do Distrito Federal (Secult). Eles realizam apresentações em festivais organizados pelo governo, mas, na hora de receber o cachê, são sur-preendidos. Os artistas ga-nham valores menores que o combinado e não con-seguem respostas quando reivindicam os direitos. O descaso também ocorre em produtoras de eventos que, às vezes, cancelam e não ressarcem os ingressos comprados pelo público.

Este Campus fala ainda sobre história, saúde, eco-nomia, cultura, festas por-tuguesas, e sobre uma “lou-ca” que deixou tudo para cuidar de 245 gatos. Não há desculpa para não ler, tem jornal para todos os gos-tos. Obrigado e boa leitura!

Memória

Pedro Alves

A edição 65 do jornal Campus, de setembro de 1984, trouxe a reportagem Cigarro: império

da fumaça com três matérias escritas por Luiz Carlos Queiroz, Aldalberto Passos e Lêda Sampaio sobre a comercialização da mercadoria retratada pela maior exportadora mundial de fumo naquele ano, Grupo Souza Cruz.

RecorteThaís Carneiro

Ombudskvinna*

Em 24 de maio comemora-se o Dia do Vestibulando. Giovana Duran Gonçalves ,19 anos, dedica-se há três anos ao cursinho pré-vestibular para passar em Medicina. “Estudo normalmente sete horas por dia. Dependendo da matéria, fico até mais tempo"

Antes de iniciar a avaliação da edição 411 do Campus, não custa lembrar da reportagem sobre ore-lhões publicada no último jornal que conquistou as páginas dos no-ticiários na semana passada. Para os iniciantes, a glória do agendamento da mídia é difícil de esquecer. Mas a edição 411 trata de alguns temas de modo tão trivial que, apesar da importância que carregam, passam despercebidos pelos olhos do lei-tor. É o caso de Psicologia longe das

escolas e de Crianças acima do peso. Alguns leitores fizeram crí-

ticas aos títulos das reportagens. Não fosse o projeto editorial que prevê a elaboração de títulos ousados, o apontamento seria pertinente. Mas algumas frases nomeiam bem as matérias que seguem. Fechadas, não para balanço e Medo do que vem depois da curva

têm dados que sustentam bem as histórias contadas. O relato de um assalto na estrada instiga o lei-tor a ir até o final da reportagem.

Para manter o equilíbrio do jornal, as páginas de perfil e fotorreportagem aprovei-taram bem os formatos. Em Sob as pontes que ninguém vê, é notável a melhoria na quali-dade das fotos e das legendas. Já em Trabalho indispensável, os perfis foram bem elabora-dos, mas ficaram pequenos. Às vezes, beneficiar boas histórias com mais espaço não gera culpa. O aspecto qualitativo é muito mais im-portante que o quantitativo.

Vítimas esbarram nas falhas da lei

começa com dados que poderiam esperar um pouco mais para aparecer e dar lugar aos relatos. Os repórteres fizeram uso inte-ligente do quadro ao publicar uma breve entrevista com Ma-ria da Penha. Discussão de gênero também faz bom uso do espaço. No entanto, a escolha aleatória das aspas destacadas na pági-na 12 deixam o leitor confuso.

Pedras no caminho, Comércio

versus arte e Estudantes nas urnas cumpriram bem o papel. A últi-ma matéria — sobre as eleições do DCE — talvez merecesse as pri-meiras páginas. O Campus não é pautado por agendamento político, mas com eleições por perto, existem temas que poderiam ceder lugar.

Jhésycka Vasconcelos

Os textos também destacam a diminuição nos lucros devido à alta nos impostos, queda de mercado do produto e aumento das vendas de cigarros picados.Além disso, uma das matérias ressalta o projeto de lei criado pelo deputado Agostinho Rodrigues que, preocupado com a preservação "da cultura e dos valores nacionais", pediu a obrigatoriedade da colocação de estampas que faziam alusão à história do Brasil nos maços de cigarro.

Campus

*Termo sueco que significa "provedor da justiça", discute a produção dos jornalistas sob a perspectiva do leitor. Jhésycka Vasconcelos é aluna do 7º semestre da FAC.

Brasília, 20 de maio a 2 de junho de 2014 3Campus

Um grupo de pessoas in-teressadas está reunido no Tribunal de Justiça

do Distrito Federal e Territó-rios (TJDFT) para arrematar os imóveis disponíveis em mais um leilão. Somente no último mês de abril, esta cena se repe-tiu pelo menos 24 vezes e o mo-tivo: dívidas com condomínio. De acordo com dados do Sin-dicato dos Condomínios Resi-denciais e Comerciais do Distri-to Federal (Sindicondomínio/DF), no primeiro trimestre de 2014 o índice de inadimplên-cia nos condomínios atingiu a máxima de 14%. O Gama foi a Região Administrativa que apresentou maior índice, se-guida por Cruzeiro, com 12%, e Brasília, 8,5%.

O panorama mostra a re-alidade de muitos brasilienses. Em poucos meses se veem sem a tão sonhada casa própria por causa do acúmulo de dí-vidas e à falta de conhecimento das penalidades trazidas pela inadimplência. “Fiquei sem chão. Não conseguia imaginar que tudo que construí em 21 anos acabou em poucos minu-tos. Me senti frustrada e sem rumo”, diz com a voz embargada a pedagoga Maria Fer-nandes, de 55 anos. Há sete anos, Maria entrou para a estatística que aponta que, em média, 1,5 imóvel por dia vai a leilão no Dis-trito Federal devido a ações movidas por condomínios.

A dificuldade das famí-lias em pagar contas atrasadas apresentou recuo de 6,9% em

abril ante 7,1% em março, segundo Pesquisa de Endi-vidamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), di-vulgada em 29 de abril pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). Apesar disso, o atraso das cotas con-dominiais apresentou cresci-mento e o acúmulo chega ao período médio de 15 meses, aumentando o número de pagamentos que acabam em soluções judiciais.

O aposentado José Lima também perdeu seu imóvel por excesso de dívidas. Após se aposentar, ele se separou, a renda ficou menor e não teve como quitar os débitos. “Na época, ainda tentei pagar alguns meses, mas logo fi-cou inviável. Tentei vender o apartamento, mas não consegui comprador. E um tempo depois, recebi uma notificação judicial falando que meu imóvel ia ser leiloado. Fiquei atônito.”

Segundo o diretor de Co-municação Social do Sindicon-domínio José Nazareno Martins a desorganização financeira afeta diretamente o pagamento das taxas condominiais e a gestão.

“A inadim-plência ocorre principalmen-te nos meses de feriados p r o l o n g a -dos, devido a viagens. As pessoas têm muitas priori-

dades. Elas se endividam, em especial, para adquirir bens du-ráveis, como veículos e rou-pas”, explica.

A síndica Nara Cunha afir-ma que o prédio que adminis-

tra no Guará apresenta 22% de inadimplentes, o que coloca em risco as contas do condomínio. “Equili-brar as contas tem se tor-nado um desafio. Muitas pessoas não sabem das consequências reais des-tes atrasos”, explica. Ela ressalta que outro fator que contribui para o atraso dos pagamentos é a multa de, no máximo, 2% ao mês, com juros de 1%, além da não in-clusão do nome em cadas-tros de devedores. “As pes-soas escolhem pagar contas que dão problemas mais rápidos, como cheque es-pecial, cartão e escola dos filhos”, completa.

Para a advogada Amanda Freitas, as ações na Justiça para cobrança das cotas atra-sadas estão crescendo e não são um caminho rápido. O processo pode durar anos até a data que os inadim-plentes recebem o montan-te do arremate, abatidos os valores devidos e os custos judiciais. “O condomínio postula uma condenação do devedor a pagar seu débito, mas antes oportuniza a qui-tação do montante. Nesta fase de execução, não sendo feito o pagamento, o imóvel irá a leilão”, explica.

Recentemente foram aprovadas na Câmara dos Deputados mudanças no Novo Código Civil que bus-cam acelerar o processo de cobrança na Justiça, inclu-sive na imediata penhora do imóvel após 12 meses de inadimplência. O Código Civi l espera aprovação no Senado e sanção da presi-dente da República.

BATIDO O MARTELO“Tive que encontrar uma

solução rápida para ter um novo lugar para morar. Só recebi o dinheiro dois anos após o lei-lão”, conta Maria Fernandes. Antiga moradora do Guará, ela se mudou para uma casa em-prestada por amigos, em Planal-tina, com quatro filhos.

De acordo com a advoga-da Amanda Freitas, o processo é demorado, mas a desocupa-ção do imóvel é rápida. “Em até 45 dias após o leilão o morador é notificado por um oficial de Justiça sobre a data que o imóvel deve estar desocupado”, explica. Ainda completa que, em casos extremos, é usada força policial para a conclusão desta etapa do processo.

Perder sua referência de lar e não ter dinheiro para recomeçar é o que aflige quem passa por um processo de penhora. “Não podia fazer planos, nem procurar uma nova residência”, declara José

Laís Sinício

A PERDA DE UM SONHOINADIMPLÊNCIA

Karla Beatriz

Falta de pagamento da taxa de condomínio é responsável pelo leilão de mais de um imóvel por dia no Distrito Federal

O TJDFT é o órgão responsável por leiloar os imóveis de moradores inadimplentes. Somente durante o mês de abril, pelo menos 24 imóveis foram leiloados

Lima. Maria complementa: “Só voltei a sorrir quando li o des-pacho informando que o pro-cesso estava concluso. Aquela palavra era minha ‘alforria’ de um pesadelo.”

Após três meses consecutivos sem pagar o condomínio, o síndico

pode fazer um acordo com o morador ou ingressar

com ação na Justiça

O síndico pode ingres-sar com ação de cobrança na Justiça caso o morador não pague os débitos. A decisão judicial esti-pula o prazo de 24 horas para que o devedor pague a dívida. Caso não haja o pagamento, o imóvel é leiloado em menos de um ano. Após o arremate, as dívidas são pagas e a de-volução dos valores res-tantes ao morador pode demorar até dois anos.

PROCESSO

Campus4 Brasília, 20 de maio a 2 de junho 2014

NA TRILHA DO ESQUECIMENTOHISTÓRIA

Estradas reais remanescentes dos primeiros exploradores do Centro-Oeste padecem com a falta de preservação

manescentes da estrada real en-contrados no Parque Nacional.

MUITOS CAMINHOS, UMA DIREÇÃO

Bartolomeu Bueno da Silva herdou do pai o nome, o ape-lido, Anhanguera, e a vontade de desbravar o sertão. Expulso de Minas Gerais após a Guerra dos Emboabas, Bueno da Silva resolveu seguir os passos do pai, que, em 1682, havia des-coberto ouro no rio Verme-lho, afluente do Araguaia.

Bueno da Silva partiu de Santana do Parnaíba em 1722, aproveitando trilhas indíge-nas. E chegou, três anos de-pois, ao rio Vermelho, onde encontrou ouro e fundou a Vila Boa de Goiás. “Quando Anhanguera encontra cinco veios auríferos em rios dife-rentes, passa a ser superin-tendente de minas”, explica o historiador Gustavo Chau-vet. Gradualmente, povoados surgiram na trilha do ouro, como Pirenópolis, Corumbá, Abadiânia e Formosa.

O primeiro caminho de Anhanguera passava por Luzi-ânia e Planaltina, antes de ru-mar a oeste. O trecho de São Paulo tornou-se a SP-330. Nesse caminho foi inaugu-rada a primeira estrada real para escoar ouro de Goiás. Com a che-

gada de pessoas e o cresci-mento da produção, abriu- -se nova estrada real rumo a Salvador, capital da colônia. Essa foi a principal rota en-tre sertão e litoral.

TRILHAS DO PASSADOPercorrer antigos cami-

nhos coloniais não é fácil. Parte do traçado foi inter-rompida ou se perdeu dentro de propriedades rurais. Mes-mo à época, muitos caminhos não passavam de trilhas de terra batida. Para completar, a tradição oral considera mui-ta trilha como “estrada real”. Antolinda Borges, diretora do Museu de Arte Sacra de Goiás Velho, explica não haver con-senso sobre a denominação dessas vias: “Cada um cha-ma de uma coisa – ‘trilha do ouro’, ‘estrada real’, ‘estrada colonial’ etc.”

Trechos das principais estradas do período encon-tram-se asfaltados. É o caso da BR-070 e da BR-040. A tec-nologia permite transpor obs-táculos que, antes, precisavam ser desviados. Assim, as rodo-vias não seguem exatamente o traçado original. Além disso, estradas secundárias ligavam

arraiais a vilas, sen-do que, até recente-

mente, algumas ainda eram a principal via de comunicação de distritos. É o caso de Ale-xânia e Abadiânia, municí-pios próximos ao DF.

Alexânia originou-se no povoado de Santo Antônio do Olho-d’Água. O centro histó-rico bem preservado esconde passado difícil da região. Com a construção de Brasília e a abertura da BR-060, prefeitu-ras mudaram a sede para fica-rem próximas à rodovia – às vezes, sem considerar o im-pacto na população. Armando Neves, professor aposentado da UnB e morador da região, diz que os efeitos da mudança de sede da prefeitura eram vi-síveis. “Quando cheguei, isto era nada, arrancavam telhas de casas para vender. Não ha-via dinheiro, tudo era feito à base de troca.”

Situação semelhante en-contra-se em Abadiânia Ve-lha. Cravada em vale a 18km da prefeitura, o povoado era destino de devotos de Nossa Senhora de Abadia. O descaso com a região antecede a cons-trução da BR-060. A igreja original, razão de existência da vila, foi demolida em iní-cios do século XX. Hoje, há outra no lugar, com estilo arquitetônico moderno que destoa do casario colonial. Neusa Diniz, subprefei-

ta do distrito,

reclama da falta de condições: “Aqui ficou decadente por muitos anos, quase acabou”. A precariedade não se limita a casas de taipa mal conservadas – algumas danificadas por chu-vas recentes. O distrito não tem saneamento básico e os mora-dores dependem de caixa d’água para ter o que beber.

Tanto em Abadiânia Ve-lha quanto em Olhos-d’Água, há consenso: os municípios precisavam aproximar-se da BR-060, que se tornou a principal rota comercial, su-perando a antiga estrada de terra dos bandeirantes. A ma-neira como fizeram, porém, foi errada, abandonando-se o povoado original e quase ex-tinguindo modo tradicional de vida. Em ambas as cidades, não há planos de tombamento nem para a antiga Estrada do Ouro, nem para o conjunto arquitetônico colonial.

ÚLTIMA VIAGEM PRO SERTÃOPela preservação, três ci-

dades da antiga estrada real se destacam: Corumbá, Goi-ás e Pirenópolis.

T rechos esquecidos, omissão pública e muitas lendas. As-

sim encontra-se o Caminho do Anhanguera, traçado por Bartolomeu Bueno da Silva em busca de ouro em Goiás no século XVIII. Neste ano, comemora-se o 120º aniver-sário da Expedição Cruls, iniciativa que determinou as linhas gerais do quadri-látero que delimita Brasília, mas pouco se fala do legado deixado pelos primeiros ex-ploradores do Centro-Oeste depois dos índios.

A estrada real – via pela qual o ouro deveria seguir rumo a Portugal – passava por Brazlândia e Sobradinho. Se-gundo Maria Nigliacio, arque-óloga da superintendência do Instituto do Patrimônio His-tórico e Artístico Nacional do Distrito Federal (Iphan-DF), foram identificados dez sítios arqueológicos relacionados a esses caminhos, porém não há, por ora, iniciativa de tomba-mento. Mas, a partir deste ano, o governo distrital iniciará uma série de projetos para proteger diferentes patrimônios histó-

ricos. Maria alega que a ideia é, eventu-

almente, iniciar proteção dos trechos re-

Thomas Gonçalves (texto, fotos e ilustração)Enviado especial

Brasília, 20 de maio a 2 de junho de 2014 5Campus

Aquecida pelo turismo promovido por habitantes de Brasília, salta à vista a conser-vação de Pirenópolis. Antigo entroncamento de estradas, a cidade foi importante posto comercial. Não à toa, trechos da estrada real na região rece-beram calçamento em pedra. Na fazenda Bonsucesso, parte da via calçada foi preservada. O proprietário, Valdoir Cura-do, alega não receber ajuda da prefeitura para manter a relíquia: “Por enquanto, nin-guém veio falar com a gente”.

Goiás, cidade que mar-cou o início da conquista do Oeste, também guarda mui-to do período colonial. É ali que a estrada real começava e ainda pode ser visto mui-to de seu calçamento origi-nal. Curiosamente, há in-certezas sobre o fundador. Não se sabe ao certo onde Anhanguera foi enterra-do e em que local residiu.

Parte disso deve-se ao perío-do final da vida de Bueno da Silva. Excluído do poder pela administração pombalina, o bandeirante teria morrido pobre e esquecido.

Se não há certeza sobre o túmulo de Anhanguera, o mesmo não se pode dizer de Chico Mineiro. Acredita-se que a personagem de famosa música caipira foi morta em Ouro Fino, antigo povoado da época da corrida do ouro pró-ximo a Goiás. Da aldeia, res-tam apenas ruínas da antiga igreja, em meio ao mato alto, dentro de propriedade à beira da estrada. A região foi alvo de invasão de sem-terra há 17 anos, sendo ocupada por 36 famílias. Muitas prospera-ram, como é o caso de Fran-cisco Ferreira, que tem pick-up Strada vermelha nova e 700 cabeças de gado. “O go-verno tem muito pra melho-rar aqui”, ressalva.

O centro de Olhos-d’Água ainda preserva parte do casario de taipa original

Em Pirenópolis, é possível encontrar trechos de estrada real com calçamento de pedra

Pouco restou do povoado de Ouro Fino, como as ruínas da igreja local

Quem percorre o Caminho do Anhanguera pode en-contrar surpresas. Uma delas é Armando Neves, português admitido como professor de filosofia da UnB pouco após chegar no Rio de Janeiro com sua esposa, a brasileira e tam-bém professora Laís Neves, em 1967. Ambos foram contra-tados após mais de 200 professores da UnB demitirem-se em protesto ao AI-1 . No ano seguinte, Neves testemunhou a invasão militar ao campus.

Como representante do departamento de filosofia no conselho deliberativo, chocou-se ao ver a falta de preocu-pação de seus colegas com a situação da UnB, colocando em pauta temas irrelevantes enquanto tanques ocupavam a universidade e um aluno havia sido alvejado. Inconforma-do, resignou seu cargo de representante de departamento e aproximou-se da resistência estudantil. Compôs comissão de professores para ir ao Congresso reclamar. Não demorou para receber carta de demissão do vice-reitor, José Carlos Azevedo, em 1972.

Neves resolveu então isolar-se com a esposa em Olhos--d’Água, onde havia comprado terreno logo que chegou a Brasília. Sensibilizados pela precariedade do povoado devi-do à mudança da prefeitura, criaram a Feira do Troca, que neste ano chega à sua 84ª edição. A experiência repercutiu tanto que o casal foi personagem de Carlos Drummond de Andrade em crônica do Jornal do Brasil de 21 de janeiro de 1975. Apenas nos anos 1980 Neves foi reintegrado à UnB, mas, desiludido, não ficou muito, e logo se aposentou. Pre-feriu trocar o docência pela tranquilidade do interior.

QUEM SABE FAZ A HORA

Campus6 Brasília, 20 de maio a 2 de junho 2014

Está cada dia mais caro comer no Brasil. “O grupo de alimentação

e bebidas foi o maior re-sponsável pelo aumento da inflação no último mês de abril, causa de 57% da alta do Índice de Preços ao Con-sumidor Amplo-15”, explica o economista Estêvão Pinheiro. Apesar do aumento geral no valor da comida no país, há pessoas que pagam mais caro sempre, independentemente da inflação.

Rosana Castells, que não pode consumir o glúten, sofre com altos preços. “O alimento que eu posso comer é umas três, quatro vezes mais caro que o normal que vende no supermercado”, conta. “Eu pago 40 reais num produto que normalmente se paga uns 10”, relata Mirian Nereci, que não pode ingerir lactose.

A plataforma digital Spe-cialGourmets analisou o im-pacto do valor destes produ-tos. Segundo o estudo, os sem glúten custam em torno de 138% mais caro que os equiva-lentes com glúten. E o Distrito Federal é o terceiro, entre as unidades da federação analisadas, com a maior diferença: 147%.

O preço dos alimentos com restrições pesa no orçamento de alimentação. Suzi Piccolo, consumidora dos produtos tanto sem lactose quanto sem

glúten, diz que teve de se adaptar. “Como fica entre o dobro e o triplo do valor, eu substituí algumas coisas. Ao invés de leite, tomo suco, e da manteiga, uso geleias”, conta.

A maior parte dos produ-tos disponíveis hoje é impor-tado, por isso os altos preços. “Aqui eu vendo um biscoito que é de uma empresa alemã, mas é produzido na Itália, com tecnologia italiana e embalado no Reino Unido. Imagina quanto custa trazer um produto desses pra cá”, explica Maria Eugênia Car-doso, proprietária de uma das lojas de produtos naturais mais antigas de Brasília, a Mel do Sol, há 28 anos na cidade. Os produtos fabricados no

Brasil, alternativa aos impor-tados, não têm a mesma ca-pacidade de armazenamento dos estrangeiros (precisam ser guardados em geladeiras e du-ram em média apenas uma se-mana após abertos) e utilizam matéria-prima importada, o que os encarece.

CARO, MAS DESEJADOApesar da diferença de duas

a quatro vezes a mais no valor de produtos sem glúten e sem lactose em relação aos comuns, esse mercado tem crescido no Brasil. “Esses alimentos vêm apresentando destaque, pela crescente demanda”, pondera Estêvão Pinheiro. Pesquisas mostram que o setor de alimentação saudável

(alimentos e bebidas diet, light, sem glúten, sem lactose, naturais e orgânicos) foi um dos vetores para o crescimento do setor alimentício apresentado pelo país nos últimos dez anos. Segundo a organização Gluten Free Brasil, o segmento cresceu 35% apenas em 2010. A perspectiva é que haja 40% de crescimento este ano.

Cerca de 40% da população brasileira tem intolerância à lactose e uma a cada cem pessoas no mundo é celíaca (tem intolerância ao glúten). No Brasil, são quase 2 milhões de pessoas, de acordo com a Federação Nacional das Associações de Celíacos no Brasil (Fenacelbra). De acordo com a equipe da Elos Nutrição, consultório nutricional, o aumento da disponibilidade de alimentos que contêm glúten e lactose faz as pessoas os consumirem mais cedo e com maior frequência. Isso pode causar rejeição no organismo.

Outro motivo é a busca pela perda de peso e melhor qualidade de vida. De acor-do com a linha da nutrição que defende o tratamento de doenças por meio da mudança do tipo de alimentação, glúten e lactose podem causar proble-mas como desequilíbrio gas-trointestinal e ganho de peso. Para quem não tem sensibili-dade, retirar esses componen-

DIETA PARA O BOLSOECONOMIA

Beatriz Fidelis

Alimentos sem lactose e glúten custam pelo menos o dobro dos comuns e pesam no orçamento do consumidor

Thaís Carneiro

Lojas especializadas da capital oferecem diversos produtos adaptados, mas os preços ainda são mais altos do que os de alimentos comuns

Leite (l)R$ 2,70 a R$ 4R$ 4,50 a R$ 5

Iogurte (un.)R$ 1,70 a R$ 5,50R$ 6,00 a R$ 8

Pão de forma (pct.)R$ 4,00 a R$ 6R$ 14 (média)

tes da dieta pode gerar melho-ras de sintomas como dor de cabeça, fadiga, imunidade baixa, depressão e outros. “Há melhora na digestão, na evacuação e de problemas ligados à artrite, car-diorrespiratórios e de imuni-dade”, informa o nutricionista Júlio Aquino.

Maria Eugênia, da Mel do Sol, explica que em média 60% a 70% das vendas de sua loja são de produtos sem glúten. “Barrou o dietético, barrou o integral, a soja também caiu muito porque é tão alergênica quanto o leite de vaca”, conta a proprietária, que também é celíaca e tem alergia à proteína do leite. O aumento na procura por esse tipo de alimento tam-bém fez com que restaurantes se adaptassem. A pizzaria Baco, por exemplo, tem opções destina-das a celíacos e a creperia Crepe Au Chocolat desenvolveu um cardápio sem lactose.

A popularização é benéfica para quem não pode ingerir essas substâncias. “Aumen-tou muito a variedade. Esses produtos americanos, logo no início não tinha no mercado”, relembra Rosana Castells, diagnosticada com doença celíaca há quatro anos. “Você vê que as pessoas estão consu-mindo mais, até pela questão da saúde”, observa Suzi Piccolo, que cortou o leite há cinco anos e o glúten há três.

Queijo (kg)R$ 25 a R$ 43R$ 78 a R$ 105

Farinha (kg)R$ 3 a R$ 5R$ 4 a R$ 35

Macarrão (pct.)R$ 1,90 a R$ 5,50R$ 9 a R$ 20

Biscoito (pct.)R$ 2 a R$ 3,20R$ 5 a R$ 20

Confira algumas diferenças de preço entre produtos comuns (P.C.) e produtos adaptados, sem glúten ou lactose (P.A.):Bárbara Andrade

P.C.P.A.

Brasília, 20 de maio a 2 de junho de 2014 7Campus

Quando anda pela vizinhança onde mora em Valparaíso de Goiás, Maria de Fátima Ferreira é reconhecida por todos. A figura

de cabelos brancos, roupas velhas e passos lentos pode não parecer chamativa à primeira vista, mas não é Fátima quem atrai olhares e comentários. Carregando sempre um gato diferente nas mãos, a senhora de 62 anos já não se incomoda mais em ser vista como louca. Fátima abriga, hoje, 245 gatos abandonados em casa e vive na esperança de proporcionar uma vida digna a cada um deles.

Na rua onde mora Fátima, um casarão se destaca em meio à simplicidade das outras residências, mas a casa construída por ela e pelo ex-marido já não é mais onde vive. Hoje, um pequeno portão ao lado dá acesso ao barraco de fundo em que reside, onde é inevitável não sentir o cheiro forte de urina. O quintal possui quatro baias que abrigam mais de duas centenas de animais. Apesar de mantido o mais limpo possível, o cheiro já está impregnado no ambiente.

O barraco de quatro cômodos em que Maria de Fátima vive já tem quase todo espaço tomado por remédios, alimentos e outros produtos para gatos. O quarto foi transformado em um berçário para recém-nascidos, enquanto Fátima dorme no sofá da sala e a cama serve como guarda-roupa.

Quem assiste à vida da mulher conhecida como Louca dos Gatos não imagina a história por trás do rótulo. Nascida no interior de Portugal em uma família humilde de oito filhos, Maria de Fátima foi criada pelos avós. Porém, o maior sonho sempre foi vir para o Brasil. “Quando falava isso para o meu avô ele dizia que o Brasil era uma terra sem lei e que eu nem pensasse nisso”, conta.

Sem paciência para aguardar o aniversário de 21 anos – idade mínima para deixar o país na época – Fátima, aos 18 anos, se mudou para Angola, então colônia de Portugal. Viveu cerca de um ano e meio em Luanda, capital do país, e casou-se com um português com o intuito de vir para o Brasil e fugir dos conflitos que aconteciam na luta pela independência de Angola. “Eu não o

ESCAPE DA ROTINA - PERFIL

JÁ NASCEMOS POBRESMulher transforma a própria casa em gatil e passa por dificuldades financeiras

Janaina Bolonezi e Raila Spindola

Brasília, 20 de maio a 02 de junho de 2014

amava, mas vi no casamento uma oportunidade”, explica Fátima. “Foi a melhor decisão. Muitos portugueses foram assassinados e nunca mais conseguimos entrar em contato com os nossos amigos.”

Mesmo com brigas, Fátima viveu com o ex-marido, com quem teve três filhos, por 13 anos. “Quando sentávamos à mesa para as refeições eu dizia para as crianças agradecerem a Deus pelo alimento e ele ria da situação na frente de todos”, narra. “Na separação ele se recusou a me dar qualquer coisa, inclusive parte do valor da casa que ajudei a construir em Valparaíso.”

S e m p r e m u i t o espiritualizada, Fátima se especializou em esoterismo, tarô, astrologia, numerologia etc. Conhecida pelo trabalho, foi convidada a atender em Copacabana, Rio de Janeiro, onde morou por um ano e meio. “Sou apaixonada pelo mar e consegui juntar bastante dinheiro, tive joias caras”, lembra. Durante esse período, os filhos de Fátima moravam com o pai em Valparaíso de Goiás, quando se envolveram com as drogas e o crime, o que tirou a vida de um deles.

O problema familiar a fez sentir a obrigação de regressar à cidade. Voltando a Brasília, Maria de Fátima usou o dinheiro ganho no Rio de Janeiro para ajudar os filhos e alugar uma casa grande no Guará, com espaço para continuar

os atendimentos. Foi nessa época que deu início aos resgates de gatos de rua.

“Chegou a certo ponto que eu tinha 20 gatos e eles ficavam soltos. Já sabia que isso ia dar problema com os vizinhos”, conta Fátima. “Um dia, três deles se reuniram e disseram que não aguentavam mais conviver com os gatos, que ou me livrava deles ou denunciariam para a vigilância sanitária.”

Decidida a não abandonar os animais, Maria de Fátima viu como única opção voltar a viver em Valparaíso de Goiás, mesmo sabendo que perderia a clientela. Mudou-se, então, para um lote cedido pelo ex-marido ao lado do casarão que construíram juntos e que hoje é moradia de seus dois filhos. Nasceu ali o Gatil Luz Violeta.

Desde então, Maria de Fátima dedica a vida exclusivamente aos gatos que resgata e abriga. Sem renda fixa, vive da ajuda financeira do filho mais novo e de doações de poucas pessoas que se sensibilizam com a causa. Segundo ela, a maioria não ajuda por acreditar que gatos não precisam de resgate e que se adaptam bem às ruas. “Até mesmo alguns voluntários acham que eu não deveria aceitar todos os gatos deixados aqui, mas os que estão lá fora não são melhores que os daqui de dentro. O que eu preciso é de recursos e não de parar com os resgates”, argumenta.

Adoentada, dormindo cerca de três horas por dia e sem tempo para cuidar de si, o desejo atual de Fátima é conseguir dinheiro suficiente para continuar reformando o gatil e contratar funcionários. “Quero ficar na área administrativa e descansar, mas aqui, sozinha, dormir por muitas horas é quase a sentença de morte para alguns deles, principalmente os filhotes”, desabafa. “Quero que todos eles consigam um dono. Por mais que eu os ame, qualquer lugar vai ser melhor do que este.”

Para adotar e conhecer o trabalho:facebook.com/gatiluzvioleta

Bárbara Andrade

7

Campus8 Brasília, 20 de maio a 2 de junho 2014

UNIDOS PELA PRESERVAÇÃO CULTURALCIDADES

Moradores e frequentadores do Mercado Sul se articulam para conservar cultura e história locais, além do próprio espaço físicoGustavo Debastiani e Luana Melody Brasil

Beco dos Artistas, no Mercado Sul. Por meio do registro, população pretende preservar as manifestações culturais do local, além de impedir que construtoras desalojem os atuais moradores e artesãos do espaço

As fachadas multicoloridas chamam a atenção de quem chega às

QSB 12 e 13 d e Taguatin-ga. Em meio a uma paisagem – cada ano mais – tomada por altos prédios, a região co-nhecida como Mercado Sul, com seus singelos sobrados, é um oásis na cidade-satélite.

Preocupados com a ver-ticalização imobiliária, mo-radores e frequentadores do Beco dos Artistas, quadra 13 do Mercado Sul, organizam movimento pelo registro do lugar como patrimônio histórico e cultural do Distrito Federal. Para eles, a medida ser-viria como garantia da continuidade das atividades culturais do espaço e, também, da permanência dos moradores que vivem de alu-guel no local.

O Beco é habitado por cer-ca de 50 pessoas ligadas à pro-dução cultural. Ali moram e trabalham músicos, grafiteiros, costureiras, poetas e artesãos. Além disso, o local abriga ba-res e empresas de informática.

Entre as atividades que a comunidade desempenha no Mercado Sul, está a Eco-Feira de artesanatos – uma das fontes de renda e momento de confraternização dos mo-radores e frequentadores, que ocorre em um sábado de cada mês e foi realizada oito vezes.

Na feira, há teatro de ma-mulengos, capoeira, samba de roda, artesanato, dança de coco – importada do folclore pernambucano –, entre outras manifestações culturais desen-volvidas no Beco. Essas ativida-

des servem de estímulo para a preservação do lugar.

“Não diria que estamos ameaçados, mas transformar o beco em patrimônio cultural é um escudo contra a industria-lização e verticalização. O que fazemos aqui é resistência, po-deria ser em outro lugar, mas é aqui que faz sentido”, acre-dita Farid Abdelnour, 33 anos, morador do Beco e dono de empresa de produção audiovi-sual e design de marcas.

A articulação do movimen-to para registrar o Mercado como patrimônio cultural co-meçou após rumores de que o proprietário de mais da me-tade dos 60 imóveis do local estava sendo assediado por grandes empreiteiras. Há o temor de que as construtoras tenham interesse em transfor-mar o local em um complexo de condomínios.

“O dono dos imóveis não vê com bons olhos o movimento artístico, porque tem morado-res que invadiram as casas e nós não nos colocamos contra essas ocupações”, explica a de-signer gráfica Nara Oliveira.

Procurado pelo Campus, o dono majoritário dos imó-veis do Mercado Sul não foi encontrado. Segundo os mo-radores, ele só aparece no lo-cal para recolher o dinheiro dos aluguéis, que variam de R$ 400 a R$ 1 mil ao mês.

Embora sejam poucos, há artistas que conseguiram comprar as lojas onde tra-balham. É o caso de Viviane Monteiro, de 33 anos. Ela está no Mercado há três anos, quando comprou a loja onde mora e cria móveis artesanais feitos de materiais recicláveis, como paletes.

Mesmo sendo favorável à mobilização pelo registro do lugar, Viviane está de mudan-ça, pois quer morar num local

que considera mais tranqüilo. Ela vai dei-xar a loja para ser alugada. “Gosto mui-to daqui, só que o descaso da Adminis-tração de Taguatinga é grande. Não quero que minha filha cres-ça nesse ambiente”,

lamenta a mãe de Beatriz, de dez anos.

A artesã reclama dos gru-pos que frequentam o beco ao lado, quadra 12, onde há con-sumo de drogas. “Quem passa e vê esse pessoal acha que são moradores daqui, então tem bastante preconceito. Desde que vim pra cá já fui várias vezes à administração e até à Procuradoria Geral da Repú-blica, mas a polícia só esteve aqui uma vez, há poucos me-ses. Querem vencer a gente pelo cansaço, já vi muitos co-legas irem embora”, indigna-se.

Em resposta ao Campus, a assessoria da Administra-ção Regional de Taguatinga se limitou a informar que está ciente da reivindicação dos moradores por segurança e preservação do espaço físico do Mercado e “está estudando o melhor para a população”.

Os moradores, contudo,

"Querem vencer a gente pelo cansaço, já vi muitos colegas

irem embora"Viviane Monteiro, artesã no Mercado Sul

Existem duas maneiras de resguardar um patrimônio cultural. Se ele for um prédio ou outro tipo de construção, portanto um bem ma-terial, passa pelo processo de tombamento. Já se for uma manifestação cultural, como uma feira de rua ou uma festa tradicional, é considerado um bem imaterial, logo, passa pelo trâmite de registro. Os processos são iguais. A diferença é que um vai para o livro de tombamentos e o outro para o livro de registros. Mas, para os dois casos deve-se fazer um inventário, mostrando o valor histórico daquele lugar ou manifestação cultural. “O Cine Brasília é tombado, enquanto o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro é registrado”, exemplifica o historiador Luciano Antunes, da Subsecretaria do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural (Suphac), vinculada à Secretaria de Cultura do Distrito Federal. “A maioria dos tombamentos e registros é de comunidades que se reuniram, trouxeram abaixo-assinados, matérias de jornais e outros documentos que comprovam o interesse popular e a importância de preservar o bem, observa Luciano. Ele também esclarece que o registro de bens imateriais resguarda a continuidade da manifestação cultural, impedindo que outros interesses prejudiquem a realização da festa tra-dicional ou da atividade artística, como as que existem no Mercado Sul.

Brasília, 20 de maio a 2 de junho de 2014 9Campus

UNIDOS PELA PRESERVAÇÃO CULTURALMoradores e frequentadores do Mercado Sul se articulam para conservar cultura e história locais, além do próprio espaço físico

Fernando Henrique

Fernando Henrique

Beco dos Artistas, no Mercado Sul. Por meio do registro, população pretende preservar as manifestações culturais do local, além de impedir que construtoras desalojem os atuais moradores e artesãos do espaço

Administração do Templo Budista conseguiu reunir mil assinaturas em petição digital. Entre o envio do pedido de tombamento e a conclusão dos trâmites, podem transcorrer até cinco anos

"Poucos tombamentos e registros foram feitos por iniciativa do governo"

Luciano Antunes, historiador da Secretaria de Cultura do DF

NO TEMPLO BUDISTA, PROCESSO MAIS ADIANTADO

ainda não formalizaram o pe-dido de registro junto à Secre-taria de Cultura do DF, nem ao Instituto do Patrimônio Histó-rico e Artístico Nacional. O motivo é o receio de que, caso aprovado, o registro valorize a região. Isso pode levar ao aumento no valor dos alu-guéis pagos pelos moradores.

“Muitos artistas vivem de aluguel. Então, será que não vai significar o nosso fim? Porque a galera não vai poder continuar aqui se ficar muito caro”, analisa Nara Oliveira, que também é favorável ao registro. Ela ainda destaca que é neces-sário analisar as implicações da política para ela não acar-retar possíveis prejuízos à comunidade.

Esperançosa, Nara acredita que o Beco dos Artistas pode acabar recebendo investi-mento público para preservar a saúde financeira da comu-nidade local e para melho-rias estruturais, se for efe-tivamente registrado como patrimônio cultural.

Completado um ano desde o último re-gistro de bem ima-

terial feito pelo Governo do Distrito Federal, que foi o da centenária Festa do Divino Espírito Santo de Planaltina, a administração do Templo Bu-dista Terra Pura, localizado na quadra 315 Sul, entrou com o pedido – junto à Secretaria de Cultura do DF – de tom-bamento do espaço religioso e registro das manifestações culturais. A solicitação foi feita na primeira quinzena de maio. Luciano Antunes, da

Secretaria de Cultura do DF, pontua que o processo está em análise e acrescenta que não há precedentes de registro e tom-bamento simultâneos.

A medida visa à manuten-ção da arquitetura do Templo e das manifestações culturais realizadas pela administração, caso da quermesse que acon-tece nos finais de semana de agosto, anualmente, desde a década de 1970. Além disso, o tombamento garantiria recur-sos públicos para a preservação do centro religioso, uma réplica dos templos japoneses.

Apesar de já ser dona do terreno onde o templo fun-ciona, que foi doado pelo pre-sidente Juscelino Kubitschek no início da década de 1960, a administração quer garantir também que a área nunca seja retomada pelo GDF.

O projeto de tombamento já conta com o apoio de mil pessoas que assinaram uma petição digital para o tomba-mento do Templo. O processo de tornar o lugar um patrimô-nio histórico e cultural do DF pode levar até cinco anos para ser concluído.

Existem duas maneiras de resguardar um patrimônio cultural. Se ele for um prédio ou outro tipo de construção, portanto um bem ma-terial, passa pelo processo de tombamento. Já se for uma manifestação cultural, como uma feira de rua ou uma festa tradicional, é considerado um bem imaterial, logo, passa pelo trâmite de registro. Os processos são iguais. A diferença é que um vai para o livro de tombamentos e o outro para o livro de registros. Mas, para os dois casos deve-se fazer um inventário, mostrando o valor histórico daquele lugar ou manifestação cultural. “O Cine Brasília é tombado, enquanto o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro é registrado”, exemplifica o historiador Luciano Antunes, da Subsecretaria do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural (Suphac), vinculada à Secretaria de Cultura do Distrito Federal. “A maioria dos tombamentos e registros é de comunidades que se reuniram, trouxeram abaixo-assinados, matérias de jornais e outros documentos que comprovam o interesse popular e a importância de preservar o bem, observa Luciano. Ele também esclarece que o registro de bens imateriais resguarda a continuidade da manifestação cultural, impedindo que outros interesses prejudiquem a realização da festa tra-dicional ou da atividade artística, como as que existem no Mercado Sul.

Campus10 Brasília, 20 de maio a 2 de junho 2014

EMPREGO

CORRETORES INSEGUROSVendedores de planos de saúde sofrem com a falta de legislação trabalhista que regule e normatize a profissão

Camila Curado

Em 1998, foi sancionada a Lei 9.656 e, pela primei-ra vez, o ramo de saúde

privada passou a ser regula-mentado por completo. Dois anos depois, surgiu a Agência Nacional de Saúde Suplemen-tar (ANS) para regular as ope-radoras do setor e, desde en-tão, tem se mostrado cada vez mais atuante na atualização de coberturas por parte das ope-radoras e na aplicação de pe-nalidades em casos de fraudes e descumprimento da lei.

Apesar dos avanços no mer-cado, que buscam atender aos direitos do consumidor, um per-sonagem importante dessa histó-ria ficou esquecido: o corretor de seguro saúde. Tão fundamentais na intermediação da relação entre clientes e operadoras, es-ses vendedores não possuem um amparo legal para exercer a ativi-dade, vigente no mercado desde o primeiro governo de Getúlio Vargas, na década de 1930.

De lá para cá, pouca coisa mudou para o corretor. Esse profissional continua batendo de porta em porta, com uma pasta na qual carrega tabelas de preços dos diferentes planos para as mais variadas idades. A maioria trabalha para todas as operadoras que, em Brasília, são coordenadas por quatro principais por quatro administradoras de benefícios: QualiCorp, Aliança Administradora, PrevQuali e Unifocus. E é preciso gastar muito a sola do sapato para conquistar novos clientes e angariar vendas, pois a profissão não possui um salário fixo.

Reynaldo Donizete, corre-tor há 25 anos, confessa que, mesmo a comissão recebida pelas vendas sendo suficiente,

Segundo Reynaldo Donizete, corretor há mais de 20 anos, o aumento no preço dos planos de saúde e a queda das comissões têm dificultado as vendas

Thaís Carneiro

buscou outro emprego com renda fixa há três anos para ter carteira assinada, previdência social e outros direitos traba-lhistas. No início da carreira, ele ganhava uma porcenta-gem em cima das seis primei-ras parcelas do valor do plano pago pelo cliente. Atualmente, Donizete, assim como a maio-

ria, ganha apenas o montante integral de uma mensalidade por cada plano vendido.

Com essa diminuição, al-guns corretores sentem-se desestimulados. Na área de vendas de planos de saúde há quase 60 anos, Acelino da Silva Soares se queixa da dificuldade em vender atualmente e do

pouco apoio e incentivo finan-ceiro por parte das operado-ras. “Cansei de dar lucro para as empresas e não ver o meu. Não se tem condições de tra-balhar, porque você gasta mais gasolina do que fatura. Eu es-tou parando”, afirma o corre-tor de 76 anos. Na tentativa de aumentar as vendas, Soares começou a panfletar este ano, mas sem conseguir obter o re-sultado esperado.

A queda da comissão se justifica pelos altos custos das seguradoras com as exigências cada vez maiores por parte da ANS e com as diversificadas coberturas dos planos. Segun-do Charles Lindberg, gerente comercial da administradora PrevQuali e corretor de se-guros há 16 anos, de toda a receita arrecadada pelas ope-radoras, 93% são gastos com despesas dos consumidores, e esse resultado era de 70% no passado. “Com isso, a parte sacrificada é a dos corretores. Mas mesmo assim a comissão em saúde é a mais alta no seg-mento de seguros”, compara.

LUCRATIVO, MAS CRUELApesar das dificuldades en-

contradas no cotidiano da pro-fissão, a venda de seguro saúde pode ser atrativa, mas é preciso muita persistência e anos de mercado. Um corretor com alguma experiência, consegue receber até R$ 5 mil em um úni-co dia. Contudo, a falta de regu-lamentação e a não exigência de um curso preparatório ou técnico abrem brechas para fraudes em diversos níveis. Para Lindberg, os principais erros cometidos pelos corretores advêm do des-conhecimento da legislação.

A Superintendência de Se-guros Privados (Susep) nor-matiza e fiscaliza o mercado de seguros de vida, capitalização, previdência e demais ramos, o que não implica saúde. Para essas áreas, o corretor tem a possibilidade de ser habilitado por meio da Escola Nacional de Seguros. Já em relação aos pla-nos de saúde, não há um curso profissionalizante.

Por isso, segundo o presi-dente do Sindicato dos Cor-retores de Seguros (Sincor), Dorival Alves de Sousa, a instituição não tem controle sobre o trabalho desses pro-fissionais. “Quando ele [o corretor] tem a Susep e vende saúde, podemos até verificar o grau de prejuízo diante da reclamação. Mas fica difícil para nós. Eu tenho como jul-gar aqui de forma adminis-trativa e encaminhá-lo para a Susep para aplicação de pe-nalidades administrativas ou pecuniárias através de mul-tas. Mas não existe esse elo de ligação do Sindicato dos Corretores com a ANS. São mundos diferentes”, explica.

A ANS aplica punições às operadoras em casos de infrações ou descumprimento da lei. Con-tudo, a agência deixa claro que não tem nenhuma ingerência sobre o corretor e que não pode interferir nessa área, pois sua re-lação se limita às prestadoras de serviço na defesa dos interesses do consumidor. Para a entidade, cabem à Susep e às próprias ope-radoras as devidas sanções aos corretores. Esse passe de bola de-monstra a fragilidade do merca-do desses profissionais, que não possuem Código de Ética nem regulamentação.

Brasília, 20 de maio a 2 de junho de 2014 11Campus

CIGARRO, NÃO TE QUERO MAISUnidades públicas de saúde promovem terapias em grupo e oferecem medicamentos gratuitos para os que desejam parar de fumar

TABAGISMO

Taise Borges

Gláucia Campos, Maria da Saúde e Cristina Maria Oliveira procuraram a terapia de grupo do HUB para conseguirem abandonar o cigarro

Estudo divulgado pelo Ministério da Saúde em abril deste ano re-

velou redução do número de fumantes: em 2006, 15,7% da população brasileira fumava, enquanto que, em 2013, o índice foi de 11,3%. No Dis-trito Federal, os números são ainda mais expressivos. Há oito anos, 22% dos morado-res fumavam. Hoje, essa por-centagem é de 10,7%. Além da lei antifumo sancionada em 2011 e do aumento da taxa tributária que elevou o preço do cigarro, outra me-dida explica a redução do ín-dice: a ampliação do número de centros na rede pública de saúde que oferecem apoio psicológico aos que desejam parar de fumar.

No DF, existem pouco mais de 70 centros públicos dedicados ao acompanhamen-to psicológico de fumantes e ex-fumantes. Todos possuem médicos aptos a receitar me-dicamentos que a rede pú-blica oferece gratuitamente, como adesivos e pastilhas de goma que repõem nicotina e antidepressivos. Os centros fazem parte do Programa de Controle do Tabagismo do DF. Segundo o coordenador do programa, Celso Antônio Rodrigues da Silva, a razão para a queda da taxa de fu-mantes na capital está no nú-mero de centros de apoio: “A quantidade de centros explica o decréscimo da taxa. Com o tratamento, o paciente aceita que é dependente da nicotina e que deve lutar contra ela”.

O tratamento na maioria dos centros é dividido em qua-tro semanas. Na primeira reu-

nião, os pacientes entendem a origem da dependência pelo cigarro e os efeitos da droga no organismo. No segundo encontro, aprendem a lidar com os efeitos da síndrome de abstinência – insônia, irritabi-lidade, depressão. Lições para vencer os obstáculos e perma-necer abstinente são transmi-tidas na terceira reunião, en-quanto os benefícios da vida sem cigarro são discutidos no quarto e último encontro.

Em 2013, ao todo, 4.783 pessoas começaram o trata-mento das quatro sessões nas unidades de apoio do DF. Na quarta sessão, 3.256 estavam abstinentes, ou seja, 68% não fumavam há um mês. Nelson Pereira espera pertencer à estatística do final deste ano. O taxista começou a fumar aos 12 anos e, hoje, aos 53, iniciou o tratamento em um dos centros de saúde de Ta-

guatinga. “Eu achava bonito ver meus pais enrolarem o fumo na palha. Naquela épo-ca, não sabia a quantidade de problemas que o cigarro ia me trazer”, lembra Nelson, fazendo referência à bron-quite que desenvolveu em decorrência do vício.

REFERÊNCIA NACIONAL

A sala 8 do Anexo II do Hospital Universitário de Brasília (HUB) fica pequena para a quantidade de pacien-tes que a ocupam nas manhãs de quarta-feira. Cerca de 40 pessoas de todo Distrito Fe-deral procuram, toda semana, orientações no Programa de Controle do Tabagismo da unidade. Em um ano, 90% dos fumantes que recorreram ao tratamento no HUB abando-naram o cigarro. O percentual de sucesso tornou o modelo referência nacional segundo

a médica Eliane Duarte, res-ponsável pelo programa.

O diferencial do método desenvolvido no HUB é que não existe uma turma fixa durante o mês, o que evita filas de espera. O tratamen-to também não dura apenas quatro semanas: os pacientes podem frequentar as reuniões pelo tempo que quiserem. O modelo também inclui terapia em grupo que, de acordo com Eliane, corresponde a uma por-centagem entre 80% e 90% do sucesso do tratamento. Duran-te o bate-papo, a médica ana-lisa estatísticas do vício: “Uma cartela tem 20 cigarros. Se uma pessoa fuma, por dois anos, uma cartela por dia, ela fumará 14.600 cigarros. Imaginem em 20 anos”, contabiliza.

Gláucia Campos fre-quenta as reuniões do HUB há doze meses e, em maio de 2014, completa um ano sem

Laís Sinício

fumar. Para abandonar o ví-cio de 30 anos, não foram necessários medicamentos para reposição de nicotina. Bastou a ela frequentar as reuniões no hospital. “Em minha adolescência, era bo-nito fumar. Minhas colegas todas fumavam. A socieda-de impôs que fumássemos e, hoje, impõe que a gente pare”, explica Gláucia.

Maria da Saúde está, desde o início do ano, sem cigarro. Ela mora em Santo Antônio do Descoberto, no Entorno do DF. Todas as quartas, acorda às quatro horas da manhã para chegar ao HUB às oito. Ma-ria começou a fumar aos 15 anos por influência do ma-rido, com quem se casou aos 14. Segundo ela, as reu-niões são momentos para compartilhar truques para diminuir o desejo pelo ci-garro: “Tem gente que come cenoura, semente de abóbo-ra. Também tem quem ape-le para o santo protetor. De qualquer forma, tem que ter muita força de vontade para parar”.

O pneumologista José Ro-drigues Vieira lembra que o tabagismo é considerado pela Organização Mundial de Saú-de a principal causa de morte evitável do planeta e que, no Brasil, 90% das pessoas que desenvolvem câncer de pul-mão – o mais letal do mun-

do – são fumantes. “Dos 10%

restantes, 1/3 são fumantes

passivos, que convivem em

casa ou no trabalho, com

pessoas viciadas em cigarro”, explica o médico. Em todo

mundo, ainda existem 1,2

bilhão de fumantes.

Campus12 Brasília, 20 de maio a 2 de junho 2014

A REALIDADE ATRÁS DOS PALCOSCULTURA

As histórias que rondam os bastidores do cená-rio musical brasiliense

se repetem como um disco furado. O fato é que músi-cos se sentem inseguros ao denunciar abusos por conta da informalidade da carreira profissional, principalmente ao fecharem acordo de tra-balho. Contratos no papel e com rubricas de ambas as partes são raridade em even-tos produzidos pelo Governo do Distrito Federal (GDF). É que tudo acontece por telefo-ne, do convite para tocar em shows na cidade ao acerto do valor do cachê.

Segundo relatos de artistas experientes, há anos o proble-ma do pagamento de cachês se repete. No entanto, desde janeiro de 2014, a Secretaria de Cultura do Distrito Fede-ral adotou um novo sistema, a Siscult, a fim de amenizar estes impasses financeiros. Os músicos que querem par-ticipar de eventos organi-zados pelo GDF devem se registrar no sistema online e enviar toda a documentação que comprove sua experiên-cia profissional. Quanto mais shows feitos fora de Brasília, CDs e DVDs gravados e prê-mios ganhos forem anexados ao cadastro, maior a quanti-dade de pontos do artista na tabela de cachês.

Apesar de o novo sistema ter passado por um período de testes nos últimos quatro meses, houve falhas quanto ao repasse dos cachês prometidos para os músicos. Gabriela Ra-malho (nome fictício) é can-tora profissional há 16 anos e teve problemas com o poder público inúmeras vezes. Em

Jéssica Martins e Mariana Pedroza

Músicos enfrentam problemas com a falta de formalidade ao fechar contratos com a Secretaria de Cultura

O músico, produtor cultural e Delegado de Cultura na II e III Conferência Nacional de Cultura, Cacá Silva questiona a forma que a secretaria escolhe as bandas para eventos da cidade

março deste ano ela fez um show na Torre de TV no dia do encerramento da Semana da Mulher e viveu momentos de dor de cabeça dias depois, quando foi informada sobre o real valor que receberia.

O produtor da cantora foi chamado para pegar a nota de empenho – papel com dados sobre o dia do show e o valor que será pago para o artista – na Secretaria de Cultura e se deparou com o equívoco. Ele procurou pelos responsáveis e exigiu uma explicação para o ocorrido, mas a resposta rece-bida não foi satisfatória. “Fa-laram para o meu produtor que o sistema podia ter so-frido um problema e aí con-fundiram o preço do cachê”, relembra Gabriela.

Na tabela da Siscult – dis-ponível para download no site da Secretaria de Cultura – é possível conferir que o cachê de Gabriela é R$ 8 mil, valor diferente dos R$ 5 mil que ela vai receber. A própria cantora dirigiu-se ao órgão para reivin-dicar seus direitos e procurou pelo funcionário responsável pelo erro, mas “além de não me atenderem e de fugirem do pro-blema, me prometeram que eu faria em breve pequenos shows para cobrir o prejuízo de R$ 3 mil que eu tive. Até hoje não fui chamada para mais nada”. A última tentativa de contato foi feita por e-mail, na espe-rança de receber uma resposta oficial porém, mais uma vez, Gabriela foi ignorada durante uma conversa em que ressal-tava os anos de experiência no meio musical.

De acordo com o presi-dente do Sindicato dos Músi-cos do Distrito Federal, Lourin

Roosevelt, o não cumprimento no pagamento dos cachês se deve ao fato de não existir o há-bito de assinar um contrato de prestação de serviços. Roose-velt comenta ainda que o erro é mais comum do que se imagina porque “99% dos acordos são feitos por telefone. A secretaria não se dispõe a fazer nada por escrito e depois, quando acon-tece um problema desses, é a palavra do músico contra a do governo”. O próprio presidente do sindicato agendou três reu-niões para esclarecer a situação com o alto escalão do órgão, mas nenhum dos encontros aconteceu porque “ou eles es-tavam em outra reunião, ou as secretárias inventavam outra desculpa para a gente”.

Procurado pela reporta-gem para explicar tais pro-blemas, o subsecretário da Unidade Administrativa da Secretaria de Cultura, Alexan-dre Rangel, deixou claro que o novo sistema adotado foi feito para facilitar e valorizar ain-da mais os artistas da cidade. Quando perguntado sobre o

porquê da falha no pagamento do cachê da cantora que con-versou com o Campus, ele ar-gumentou que a proposta feita para ela se apresentar em mais shows não é válida e fere os regulamentos do edital da Sis-cult. Além disso, mesmo sendo informado pela reportagem de que uma artista reinvidicou seus direitos, o subsecretário argumentou que ela deveria ter procurado a secretaria para que eles abrissem um processo investigativo e reouvessem o resto do dinheiro. Não obstan-te, Rangel defendeu que os er-ros financeiros ocorridos antes da adoção do novo sistema são comuns “porque era manual. E tudo que é feito manual a gente erra, né?”.

Segundo o presidente do Sindicato dos Músicos, “a secretaria se esquiva dizen-do que não pode contratar porque ela repassa essas ati-vidades para uma empresa terceirizada e esta empresa não cumpre com o acordado. Como é do interesse deles não assinar esses papéis, a secreta-

ria fecha os olhos para o que acontece”. Do outro lado do cabo de guerra, Rangel explica que o músico recebe a nota de empenho antes da realização de qualquer show, justamente para evitar erros contratuais e que “o artista não deve subir num palco antes de assinar esse termo. Porque aí ele fica sem os direitos dele”.

Apesar da argumentação do subsecretário, Roosevelt deixa claro que a nota de em-penho não é entregue antes do show e que “ela não atende à legislação trabalhista por-que não tem nada a ver com uma contratação. Na verdade a nota de empenho é só um papel burocrático de uso de-les [Secretaria de Cultura] e do governo. E, se a gente for parar para investigar, é aí que podem acontecer os desvios de verba.” Para evitar novos problemas no pagamento dos cachês, o Sindicato dos Músi-cos entrou em contato com o Tribunal Regional do Tra-balho (TRT) e com o Minis-tério do Trabalho para

Laís Sinício

Brasília, 20 de maio a 2 de junho de 2014 13Campus

pedir apoio e “uma fisca-lização rígida contra a falta de contrato e de uma forma-lização do serviço do músi-co”, comenta Roosevelt.

Outro alvo de críticas dos artistas locais é o reveza-mento proposto no Decreto 34.577, publicado no Diário Oficial em agosto de 2013. Ele determina que a Siscult alter-ne os músicos entre os even-tos de acordo com o estilo de música e da relevância de cada um no cenário cultural da cidade. Cacá Silva, funda-dor de uma banda brasiliense, comenta que, mesmo o sor-teio sendo eletrônico, há interferência de terceiros no proces-so porque não justi-fica “alguns artistas na lista da Siscult se apresentarem três vezes segui-das, enquanto outros ainda não fizeram ao menos um show. O decreto que propõe a inclu-são de artistas na verdade está excluindo.”

Em meio à onda de mú-sicos insatisfeitos, Cacá foi além de uma simples reclama-ção na Secretaria de Cultura e resolveu tomar medidas mais severas. Ele entrou com uma ação no Ministério Público do Distrito Federal e Terri-tórios (MPDFT) para obter respostas sobre a forma como o rodízio de artistas era con-duzido. Dentre os questiona-mentos, estava o porquê de alguns músicos serem privile-giados em detrimento do es-quecimento de outros. Apesar

da denúncia feita, o resultado nada satisfatório decepcionou o músico. “Lamento ter a im-pressão de que todos compac-tuam com as ações do atual governo”, queixa-se Cacá.

Durante uma conversa por telefone com um gestor da secretaria, a preocupação da DJ Fabiana (nome fictício) transparece logo na primei-ra pergunta: “Eu não vou ser prejudicada no rodízio?”. A dúvida surgiu enquanto Fa-biana informava que não po-deria tocar no evento para o

qual fora convidada uma hora antes. Em trechos do diálo-go, a DJ afirma que não lhe informaram sobre o local do evento no qual deveria se apresentar e, por isso, teve que perguntar o lugar pelo menos três vezes. O gestor explicou que houve atraso no comunicado pois foi um evento organizado em cima da hora, mas, na verdade, “todos os comunicados são feitos com uma semana de antecedência”.

Na contramão dos proble-mas enfrentados por alguns artistas está a verba que a Secretaria de Cultura recebe todos os anos. O orçamen-to da instituição depende dos recursos repassados pelo

GDF – destinado para eventos como o Carnaval, aniversário de Brasília e réveillon – e pe-las emendas parlamentares, responsável por eventos me-nores. A fim de facilitar o ma-nejo da verba, foram criadas cinco categorias de evento em Brasília que vão desde o show de pequeno porte até os me-gaeventos. Para os shows com menor público, a secretaria estipula um gasto entre R$ 33 mil e R$ 100 mil para cobrir os cachês e a infraestrutura. Já para os maiores eventos,

com expectativa de mais de cem mil pessoas, os valores ficam entre R$ 1 e R$ 3 milhões.

Apesar da alta verba do órgão e do investimento feito na cultura local, o

músico Felipe Portilho fica re-ceoso quando é chamado para tocar em eventos pequenos da cidade. Segundo ele, a pouca divulgação não atrai público e não agrega valor cultural para a região. “Uma vez fiz um show na antiga rodoferroviária e não tinha praticamente ninguém. O dinheiro pra bancar aquilo ali veio dessas emendas parla-mentares e eles gastaram uma nota pra uma coisa sem senti-do”, comenta Portilho. Confir-mando a teoria do músico, Lourin Roosevelt alega, em tom irônico, que a distribui-ção das verbas parlamentares “fica 50% com o próprio par-lamentar, 20% com a secre-taria, 30% com a produtora e o resto com o músico”.

Órgãos de esfera pública não estão sozinhos quando se trata de problemas com verba, no âmbito privado também ocorrem erros semelhantes. Porém, produtoras particulares têm que lidar primeiramente com o público.

Após quase três anos de espera, Rita Frazão tem a oportunidade de ir ao show da banda NX Zero, da qual é fã desde 2006. O anúncio do festival Circuito Brasília - Infinito Em Comum, foi feito dois meses antes da data escolhida para o evento, 10 de maio do ano passado. Com a promessa de ser um evento com shows de bandas da cidade e de outros estados, os ingressos começam a ser vendidos e são feitas publicações em redes sociais para divulgar o acontecimento. Até então, tudo certo para o show acontecer.

Três dias antes da apresentação, uma das bandas lança uma nota de cancelamento do evento devido ao descumprimento do contrato assinado pela produtora RocketRock Produções. No mesmo dia, fãs querem reaver o dinheiro do ingresso, entre elas a estudante Beatriz Sousa, que efetuou a compra junto com uma amiga. “Compramos o ingresso no dia primeiro de abril e depois ficamos ansiosas contando os dias. O nosso bom-dia no colégio era: ‘Faltam x dias’. E assim foi até o dia em que ficamos informadas do cancelamento repentino.”

A produtora anuncia que, apesar do cancelamento com uma das atrações, o festival vai acontecer com os outros artistas anunciados. Um dos representantes da produtora afirma que, após o festival em maio, outro show será produzido para trazer a banda que cancelou a participação. Sendo assim, aqueles que compraram o bilhete de entrada para o evento podem guardá-lo após a primeira apresentação e exibi-lo também na nova data.

Chega o dia 10 de maio e o público ainda está disposto a ir ao evento, mesmo sem uma das bandas. Porém, horas antes do início do show, todo o festival é cancelado. Com isso, quem havia comprado ingresso se manifesta nas redes sociais, entra em contato com representantes da produtora por telefone e e-mail. Logo, são avisados que serão ressarcidos. O que segundo o Código de Defesa do Consumidor, deve ser feito imediatamente e com abatimento proporcional do valor gasto.

Um ano se passou e Luísa Barbosa ainda não recebeu o dinheiro de volta. Entrou em contato por telefone com a produtora e mesmo assim não conseguiu reaver a quantia paga pelo bilhete. Além de telefonar e não ter o ressarcimento, o instrutor de artes orientais Pedro Ferreira entrou no Juizado de Pequenas Causas:“Ele (produtor do evento) não compareceu no dia da audiência”.

A estudante Hellora Fonseca é uma das poucas que conseguiu o dinheiro de volta, mas a quantia não foi devolvida pela produtora do show e sim pela rede de lojas que estava encarregada de vender os ingressos. “Processei a loja”, conta. A reportagem entrou em contato com representantes da produtora, mas não obteve resposta até o fechamento desta edição.

O PÚBLICO TAMBÉM É LESADO NO CENÁRIO MUSICAL DO DF

Há um ano, Pedro Ferreira e Luísa Barbosa aguardam ressarci-mento de ingressos comprados para um festival de música

SETOR PRIVADO

"A secretaria não se dispõe a fazer nada por escrito ”

Lourin RooseveltPresidente do Sindicato dos Músicos

Lara

Silvé

rio

Segundo o Código de Defesa do Consumidor,

o ressarcimento deve ser feito imediatamente e com abatimento proporcional do

valor gasto.

Campus14 Brasília, 20 de maio a 2 de junho 2014

M otoristas dos mi- lhares de carros que passam diariamente

pela rua que liga a W3 Norte à Epia, no Setor de Termi-nais Norte (STN), parecem não perceber o amontoado de ônibus parados ou entrando e saindo de uma área de terra vermelha, ao lado do super-mercado Atacadão. Talvez se incomodem vez ou outra com os gigantes do trânsito parados na pista direita, atra-palhando o fluxo do tráfego. Porém, dificilmente o cidadão comum sabe que naquela área o problema é muito maior. Sem refeitório, água, ban-heiro, piso ou qualquer outra característica que represente estrutura mínima e digna de trabalho, funcionários de três empresas de ônibus de Brasília são obrigados a parar no que hoje é chamado Terminal da Asa Norte (TAN). "Vocês não têm ideia do que a gente passa aqui", diz Nora Ney, cobrado-ra há 18 anos.

Sheldon Pires, cobrador há três anos, conta algumas das dificuldades do dia-a-dia: "Aqui, além de não ter ban-heiro, não tem bebedouro. Tem apenas um garrafão que não sabemos da onde vem a água". A água vem da torneira de um posto e é colocada em um galão "coberto" por lama, não é filtrada e cada fun-cionário tem que ter seu próp-rio copo, porque não há co-pos descartáveis. Já a falta de banheiro prejudica ainda mais as mulheres. "Se não escondo atrás dos ônibus no mato, tenho que ir ao supermerca-do", revela a cobradora Dan-iela Flores. A falta de asfalto é

outro problema: "Quando não é poeira, é chuva e lama."

A única lanchonete do terminal foi improvisada em um trailer por Lúcia Queiroz e o irmão Naldo, pois não há energia, água ou esgoto. "Eu trago tudo pronto de casa e só frito", conta a dona, que vende lanches há oito anos no local. Como assiste de perto os "perrengues" dos funcionários com a falta de estrutura, ela denuncia: "Quando chove, atola e quem paga o guincho são os motoristas. Se quebra retrovisor ou para-brisa, por exemplo, são os motoristas que pagam. E eles têm medo de reclamar porque podem ser demitidos. É um absurdo."

Dos 29 terminais dis-tribuídos entre as cidades do Distrito Federal, este, locali-zado quase em frente à entra-da do novo bairro Noroeste, é o que possui estrutura mais precária. "Eu passo por outros terminais e esse com certeza é o pior", revela o motorista Marco Antônio Nascimento. E o problema não é recente: "Esse terminal é provisório desde que começou a linha W3 Norte", complementa. De acordo com a assessoria de imprensa da Secretaria de Transportes do DF, o Setor de Terminais Norte recebeu esse nome justamente por prever um grande terminal rodo-viário, que integraria várias regiões do Distrito Federal. A princípio, seria construído onde hoje está o Shopping Boulevard, mas a área foi ven-dida ao setor privado em gov-ernos anteriores.

Só de uma das empre-sas que utilizam o terminal,

120 ônibus passam pelo local entre as 7h e 18h50. O fiscal de uma delas, que não quis se identificar, conta que há motoristas que esperam de três a quatro horas no ter-minal entre uma viagem e outra. "O encarregado geral, meu chefe, falou, há mais ou menos 30 dias, que tem pre-visão para melhorar, mas não falou a data", diz. A Secretaria de Transportes declarou que o projeto de construção do TAN está sendo licitado e tem prazo de 18 meses para con-clusão da primeira etapa, após assinatura do contrato.

Trabalho EscravoO governo brasileiro assi-

na convenções da Organiza-ção Nacional do Trabalho que preveem condições estruturais adequadas, além de existirem regras do Ministério do Tra-balho e Emprego que também asseguram essa obrigação. A advogada especialista em di-reito do trabalho Thailine Lus-tosa ressalta que estrutura tra-balhista como essa é análoga ao do trabalho escravo. "O fun-cionário pode procurar um ad-vogado, entrar com represen-tação no Ministério Público do Trabalho e abrir procedimen-to investigatório. Pode, ainda, entrar com danos morais ou contra a própria empresa, porque é licitação pública." De acordo com a advogada, o min-istério não divulga identidade da pessoa que faz a denúncia, ponto importante para esses trabalhadores que temem demissão caso reivindiquem seus direitos. "Trata-se de segurança e saúde do tra-saúde do tra-balhador", conclui.

Lara Silvério

EM ESTADO TERMINALCIDADE

Tainá Farfan

Trabalhadores de empresas de ônibus de Brasília sofrem com condições precárias em garagem da Asa Norte

Nora Ney não esconde o incômodo. ”Dois homens já me viram indo ao banheiro no mato. É difícil esconder, né?”

Os motoristas são obrigados a estacionar os ônibus em chão de terra. Mas antes disso devem desviar do esgoto que passa no meio da garagem

De acordo com a Secreta-ria de Transportes, "enquan-to não houver terminal ro-doviário na região, cabe aos empresários dar a seus fun-cionários um espaço digno".

Funcionários não possuem coleta seletiva e improvisam um lixão no local.

A reportagem tentou entrar em contato com as empresas São José, Marechal e URBI, mas os responsáveis não es-tavam presentes nas empresas para falar sobre o assunto.

Brasília, 20 de maio a 2 de junho de 2014 15Campus

Veículos transitam na faixa da esquerda na EPTG: multa neste caso é considerada grave e custa R$ 127,67 ao bolso do motorista

Em Brasília, dezenove ho-ras. Ao mesmo tempo em que o locutor da Voz

do Brasil cumprimenta o ou-vinte do rádio, 140 mil veículos trafegam na EPTG. O engarra-famento na via é inevitável. A tentação em pegar a faixa livre da esquerda toma conta do motorista. Trata-se, no entan-to, de uma pista exclusiva para ônibus, táxis e escolares, e tra-fegar por ela pode acarretar em multa grave. Muitos motoris-tas, contudo, preferem arriscar. Pelo menos é o que indicam os dados do Detran e do Departa-mento de Estradas e Rodagem (DER): desde que as faixas ex-clusivas começaram a ser inau-guradas, no final de 2011, os órgãos aplicaram uma média de 716 multas diárias a motoristas que transitam de maneira irre-gular nos cinco trechos restri-tos do Distrito federal – EPTG, EPNB, W3 Sul e Norte e Setor Policial.

É o caso do engenheiro agrônomo Victor Oliveira, que, mesmo já tendo sido mul-tado duas vezes, continua a di-rigir nas faixas exclusivas. “Nos horários de pico os engarrafa-mentos são muito grandes. Se não usar, eu demoro mais de duas horas para chegar em casa”. Para o especialista em transportes Paulo Cesar Mar-ques, parte do problema está na mentalidade dos motoris-tas de carros, que por serem maioria acreditam que têm mais direitos do que os outros veículos. “Quando o moto-rista vê uma pista vazia, ele acha um abuso o fato de não poder usar aquele espaço. Então, ele usa mesmo estan-do sujeito a uma penalização."

NEM TÃO EXCLUSIVAS ASSIMTRÂNSITO

Para Victor, outro proble-ma foi a forma como as faixas restritas foram introduzidas. "Ao invés do GDF construir novas faixas para ônibus, usou pistas já existentes, em vias que sempre foram muito congestionadas e transfor-mou em faixas exclusivas, aumentando ainda mais os engarrafamentos." Mas para Murilo Santos, superinten-dente de Trânsito do DER, responsável por fiscalizar a EPNB e a EPTG, a reclamação não justifica a conduta ina-dequada dos motoristas. "A pista exclusiva na EPTG foi construída especificamente para o trânsito de ônibus. Já na EPNB foi efetuada a pintu-ra na faixa já existente, prio-rizando o transporte público sobre o individual, justamente para que ocorra essa migração dos usuários."

Além de criticar o desres-peito das faixas exclusivas, o motorista de ônibus Edvaldo Santos reclama das imprudên-

Henrique Arcoverde

cias dos condutores de carro. "Na hora dos engarrafamentos os carros acham que a pista está vazia e nem olham para ver se está vindo alguém. A gente nunca consegue desenvolver a velocidade da via porque senão causaria um acidente." Para o especialista Paulo Cesar Marques, uma das formas de se reduzir o número de multas em faixas exclusivas é dar mais publicidade a essas ocorrên-cias. "Por não terem visibilida-de na mídia, como as multas por dirigir alcoolizado ou de veloci-dade, o motorista que anda nas pistas restritas acha que vai ficar impune, que a penalidade não vai chegar na sua casa."

Para tentar diminuir os congestionamentos na EPNB e evitar o uso das faixas ex-clusivas por veículos não autorizados, o DER planeja ampliar o número de pistas da via. Segundo o superintenden-te de Trânsito do DER Murilo Santos o processo está em fase de licitação. O especialista Pau-

lo César Marques, no entanto, não acredita que essa seja a melhor solução para resolver o desrespeito às faixas restri-tas. Para ele, o poder público precisa fazer campanhas para mudar o pensamento do mo-torista a respeito da divisão das vias. "O espaço deve ser equitativo à quantidade de pes-soas e não à de veículos. Então, não é justo que o passageiro de ônibus tenha que esperar em um engarrafamento que é cau-sado pelo excesso de carros, e não pelo excesso de ônibus."

Procurado pelo Campus,

o Detran, responsável pela fiscalização das faixas da W3 Sul e Norte e Setor Policial, não disponibilizou nenhum funcionário para dar entre-vista e não respondeu to-das as perguntas feitas pela reportagem. Por meio de sua assessoria de imprensa, informou que, além da fis-calização, realiza ações edu-cativas e de conscientização nas faixas das vias de sua responsabilidade.

Dados de órgãos fiscalizadores mostram que os ônibus raramente estão sozinhos nas faixas destinadas a eles

Fernando Jordão

Horário de funcionamento

Todos os dias e horários, com exceção da EPNB onde a faixa exclusiva é liberada nos fins de semana e feriados.Quem pode utilizar

Ônibus, microônibus, táxi, ônibus fretado, veículo de transporte escolar e ônibus interestadual autorizado pelo DFTransO sistema de multas nas faixas exclusivas

A fiscalização é feita por meio de equipamentos eletrôni-cos (OCRs) e policiamento dos fiscais de trânsito do DER e do Detran. OCR é uma sigla em inglês que significa re-conhecedor ótico de caracteres. Na prática, esse equipa-mento faz uma leitura das placas que circulam pela faixa, e registra aquelas que não condizem com as de veículos autorizados.Tipos de multas

As multas podem variar de acordo com a posição da fai-xa exclusiva. No caso da EPTG, onde a pista restrita fica à esquerda da via, a infração é grave, com multa de R$ 127,67 e cinco pontos na carteira do motorista. Já no caso da EPNB, W3 Sul e Norte e Setor Policial, onde a faixa fica à direita, a violação é leve, com multa de R$ 53,20 e três pontos na carteira. Os ônibus que trafegam fora das pistas exclusivas também podem ser multados por fiscais de trânsito. A infração é considerada média, com multa de R$ 85,13 e quatro pontos na carteira. A exceção é a faixa da EPTG, restrita apenas a ônibus que não fazem paradas dentro da via.

*Colaborou Gustavo

Debastiani

Campus16 Brasília, 20 de maio a 2 de junho 2014

Porto e Coimbra, Portugal – É hora de pegar o canudo e jogar o chapéu para o alto! Mas em Portugal, a forma de comemoração por ter concluído a faculdade é um pouco diferente. Regada a muita cerveja, a Queima das Fitas é um evento com mais de 80 anos de tradição, em que formandos promovem um desfile, chamado de cortejo, pelas ruas das cidades. É um verdadeiro carnaval ao ar livre. Cada cur-so decora um caminhão e os alunos desfilam distribuindo bebidas aos habitantes da cidade, molhando-se uns aos outros e celebrando o tão esperado momento. Vestidos com o traje acadêmico – bem formal, com direito a colete e gravata – os formandos vão em cima do caminhão, os calouros atrás, e os já formados na frente, enquanto familiares aplaudem, tiram fotos e participam da festa.

VAMOS QUEIMAR AS FITAS, O PÁ

A “queima” é o rito de passagem das pastas que os formandos utilizaram no último ano da faculdade para os alunos que irão se formar no ano seguinte. Cada pasta tem uma fita com a cor do curso

Além da decoração festiva, os carros possuem mensagens de protesto relacionadas à política e à área de atuação do curso. Como é um evento social, os estudantes aproveitam o momento para tentar abrir os olhos de governantes e população

Para dar sorte ao novo graduado, amigos e familiares têm o cos-tume de dar três bengaladas na cartola do formando, seguidas de três beijos no rosto. Cada curso tem uma cor diferente no cortejo. Medicina, por exemplo, é amarela

Diversas cidades possuem a própria Queima das Fitas, mas as de Porto e Coimbra são as mais famosas. Neste ano, cerca de 200 mil pessoas participaram dos cinco dias de festa no Porto, segundo a Federação Académica do Porto (FAP)

Rômulo Andrade

Os caminhões são decorados com papel crepom em diversas cores. Cada curso cria um formato diferente. Normalmente utilizam armações de ferro, madeira e arame e, ao final, um júri elege o carro mais criativo e elaborado