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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Cláudia Maria Busato O rosto e a roupa: uma leitura dos outdoors de moda em ambientes urbanos DOUTORADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Comunicação e Semiótica, área de concentração Signo e Significação nas Mídias, sob a orientação do Prof. Doutor Norval Baitello Junior. SÃO PAULO 2008

BUSATO, Claudia Maria. O Rosto e a Roupa

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dissertaçao de mestrado em comunicação - moda e semiótica

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PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO PUC-SP Cludia Maria Busato O rosto e a roupa: uma leitura dos outdoors de moda em ambientes urbanos DOUTORADO EM COMUNICAO E SEMITICA TeseapresentadaBancaExaminadorada PontifciaUniversidadeCatlicadeSoPaulo, comoexignciaparcialpara obteno do ttulode DoutoremComunicaoeSemitica,reade concentrao Signo e Significao nas Mdias, sob a orientao do Prof. Doutor Norval Baitello Junior. SO PAULO 2008 PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO PUC-SP Cludia Maria Busato O rosto e a roupa: uma leitura dos outdoors de moda em ambientes urbanos DOUTORADO EM COMUNICAO E SEMITICA Banca Examinadora ___________________________________ Prof. Dr Norval Baitello Junior Orientador __________________________________ Prof. Dr. Fabio Cypriano __________________________________ Prof. DrMilton Pelegrini __________________________________ Prof. Dr Dimas Knsch __________________________________ Prof. Dra Ktia Castilho So Paulo 2008 Por que sofremos? Porque prerrogativa do homem conquistar a prpria alma.Escrever esta tese no trouxe mais dor. Fez acentuar a coragem por meio de caminhos frgeise,porvezes,dbeiscomooslongosdiasdesilncio,astardesdesolem Braslia, os dilogos com autores at aqui desconhecidos e momentos outros, que por seremfeitosdefragmentos,aosetentaragarr-los,podemsequebrar.Entretanto,a presenaafetivadosamigosfezdasdificuldadesesurpresasumcaminhomenos doloroso. Agradeo... Ao Dr. Leocdio Jos Correia pela presena constante. Ao meu pai, Vasco Carlos Busato, e minha me, Glaidy A. Busato, pela grandeza dos gestos e a limpeza de alma. Sem eles eu no encontraria o sentido de comeo e de fim de tantas viagens. Ao meu orientador professor Doutor Norval Baitello Junior pela sensibilidade e o apoio firme minha vontade de conhecer. A querida amiga Mnica Maria Martins de Souza, que chorou e riu muitas vezes ao meu lado. Perto ou longe. Ao amigo Jos Eugenio O. Menezes pela pacincia e gentileza que lhes so prprias. A Patrcia Lima pelas tardes com caf e poesia. AminhaprimaLilianpelaamizadeeporquenopoupouesforosparalocalizar,em tempo, informaes tcnicas que viabilizaram a concluso deste trabalho. A professora Ida Boing pelo carinho e profissionalismo na reviso desta tese. Aosmeusfamiliares,tiosetias,primaseprimos,avseavs(pstumos)eaos imigrantes italianos, que me ensinaram a pertincia e o riso ante as incertezas que os oceanos revelam ao serem atravessados. Aosamigosdetantospercursos:CeciliaSaito,ClaretBarbosa,MarinaQuevedoe Milton Pelegreni, Beth Leone, Lilian Pachler, Josi Paz, Maria de Ftima Souza, Amlia Perez, Bruno Nalon, Andra Barbi, Vivian Alves Chagas, Cssia Frana Tavares, Paulo Paniago e Srgio de S. Aos examinadores que do alto de sua maturidade intelectual acolheram este ensaio. A CAPES e a PUC-SP pelo incentivo material e humano.

OfereoestetrabalhoaomeuIrmo RogrioLuizBusato,oprimeiroame fazerverpelaslentesdomundoea ouvir com o corao. O hbito faz o monge SUMRIO INTRODUO11 1CAPTULO 1 NAS BORDAS DA IMAGEM: DOS CDIGOS DA CIDADE PARA O OUTDOOR 19 1.1A organizao do corpo-imagem no espao social urbano20 1.2A serialidade: conexes invisveis na cidade22 1.3A analogia dos espelhos: o espao dramatizado24 1.4Nas reentrncias da tecnologia: o fetiche do objeto28 1.5Areordenaodoespaosocialnomundotcnico-cientfico-informacional 29 1.6A codificao das aes pelos sistemas abstratos32 1.7A moda como um sistema abstrato33 1.8Encenao da beleza: a Oscar Freire e o consumo de imagens35 1.9A observao do espao: um olhar metodolgico36 1.10O jeito de ser Oscar Freire: um endereo sofisticado37 1.11A marca-imagem39 1.12Shopping ao ar livre ou rua de comrcio?41 1.13O consumidor-imagem43 1.14O fascnio das semanas de moda46 1.15Moda: um capital simblico47 1.16Publicidade: discurso dos objetos ou metadiscurso?51 1.17Entre telas miditicas: a fora da imagem53 1.18Da origem do cartaz ao outdoor: corredores de imagens55 1.19O cartaz como estratgia publicitria59 1.20Caractersticas do receptor da imagem fixa62 1.21Dficits de sentido: um processo alimentador de imagens65 2CAPTULO 2 DAS IMAGENS DA MODA MQUINA SUBJETIVA DO ROSTO 67 2.1Moda: uma instituio moderna68 2.2O esprito das ruas nos looks de moda71 2.3Roupa: um artifcio vivo75 2.4O leitor das imagens tcnicas: um observador distrado?78 2.5O tipo blas79 2.6A moda como critrio de segmentao dos grupos82 2.7O carter segmentrio da cidade83 2.8O corpo-sensao na modernidade87 2.9Os dispositivos da ateno nos outdoors de moda91 2.10Da rostidade roupaisagem96 2.11Rostos nos outdoors: uma melancolia minimalista103 3CAPTULO 3CAMINHANDO PELAS IMAGENS 105 3.1O percurso metodolgico da pesquisa de campo106 3.2Anlise e interpretao do questionrio aplicado108 3.3Localizadores das respostas e respectivos significados113 4CAPTULO 4 OVALORCOMUNICATIVODOOUTDOORDEMODANO ESPAO URBANO 119 4.1Quadros-sntese das principais categorias120 4.2Da cidade para o sujeito Recorte epistemolgico: a moda 121 4.3Do sujeito para o outdoor Recorte epistemolgico: o rosto 125 CONSIDERAES FINAIS129 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 135 ANEXOS141 1. Matria do site Bluebus sobre a retirada dos outdoors na cidade de So Paulo 142 2. Matria da Folha Online sobre desfile do estilista Jum Nakao144 3. Modelo do questionrio aplicado146 4. Dados brutos da pesquisa 148 LISTA DE FIGURAS 1Interior de loja na Oscar Freire26 2Esquina Oscar Freire e Consolao 37 3Loja Crawford 41 4Fachadas de vidro na Oscar Freire43 5Cartaz: homens observando a ninfa Chrette56 6Cartaz: ninfa Chrette 57 7Banner H. Stern 64 8Outdoor ZOOMP: casal vestindo negro72 9Outdoor: anorexia73 10Outdoors na Avenida Brasil, So Paulo 84 11OutdoorZOOMP: corpos sobrepostos89 12Tela de Edouard Manet: Na Estufa93 13Banner em fachada na rede Vivara de jias94 14OutdoorIntuio: campanha de 200598 15Outdoor M.OFFICER 100 16Outdoor Levis: campanha 2007 103 RESUMO O rosto e a roupa: uma leitura dos outdoors de moda em ambientes urbanos Estapesquisaestudaacomunicaourbanaeseusdispositivosdeateno.Soo objetodestainvestigaoasimagensdamodaestampadasembanners,outdoors, imagens em edifcios e interiores de shoppings. As metrpoles atuais herdam o fato de se organizarem em torno da produo e da seduo h quase duzentos anos. Nelas possvelverificarqueaoladodahistriadoscorposedosobjetosconstri-seuma prticadasaparncias.Paradoxais,elaspromovemodistanciamento,mastambm movimentaessociaisquepropiciamformasdevinculao.Nessehabitatse desenvolveaindstriadacosturaejuntodelaumpblicoexigente,segmentadoe movido pela novidade. tambm nesse palco, encenado pela beleza e o consumo, que aimagempublicitriaexploraseucarterdeapeloaoimediato.Assim,ascidades contemporneastantogeramprodutosfastfashionquantotipossociaisaqui denominadosdeconsumidores-imagem.Deve-seressaltarqueextasiar-sediantede imagens depende da capacidade do indivduo de administrar as informaes recebidas. Nestecontextorevelam-setendnciasdistintasderecepo,ondeunsaceitamna integraasimagensexibidaseoutrosapenasseapropriamdaslinguagenspropostas pelamdia.Ahiptesedestapesquisapropequeasimagensdamodapreenchemo dficitdoindivduopormeiodareconfiguraodeseuselementossimblicos.O primeirosmbolodoindivduosoasimagensqueeleprovisionanamemria.Esses smbolosquesustentamohomemhojesopotencializadospelomercadopublicitrio. Para compreenso desses eventos colocam-se os seguintes objetivos: 1. Identificar de queformaoobservadorseapropriadasimagensdamoda;2.Investigaropotencial comunicativodooutdoordemoda.EstapesquisapercorreasreflexesdeDietmar Kamperquediscuteasimagenstcnicas;HarryProssquetratadosresultados pragmticosdasordenssimblicas,BaudrillardeMiltonSantosqueanalisama mediaodosobjetosnoespaourbano,WalterBenjamineGeorgeSimmelque apontamosreflexosdavidaurbanasobreosindivduos;sodoisoseixosdesta pesquisa, um vertical mediante levantamento bibliogrfico e outro horizontal alcanado por meio de pesquisa de campo. Em ambos avalia-se em que medida se aproximam as imagensdesuperfciedaquelasprimriasarquivadaspeloindivduonamemria.As imagensnosoutdoorsdemodasoobjetosdeolharesparticularizadosecontmna suaestruturaimagticaumdispositivoeficazdeateno:orosto.Nessatroca observador e imagem ficam frente a frente. O binmio rosto-roupa nos outdoors revela-seummecanismodevariao,poisofazerparecer,osimular,pelavestimentase mostraumaformadesairdotdio,demudar,valorizando-seopotencialdoindivduo de transformar estmulos. Sua fora comunicativa repousa na capacidade do indivduo detransformarelementosdamemriaemobjetivosrealizveis.Dessemodo,esta pesquisaconcluiqueoindivduocontemporneocerca-sedeobjetosesentidospara construir uma identidade visual personalizada. Palavras-chave: outdoors de moda, binmio rosto-roupa, indivduo, aparncia.

ABSTRACT The face and the clothes: apprehending fashion billboards in urban environment This inquiry studies urban communication and its devices of attention. The objects of this investigationarethe fashionimagesprintedinbanners,billboards,imagesinbuildings andinteriorsofshoppingcenters.Thecurrentmetropolisesshowoffthefactthatthey have being organized around the production and the seduction for almost two hundred years. In them, it is possible to check that is built a practice of appearances beside the historyofthepersonsandobjects.Paradoxically,themetropolisespracticewaysof removal,atthesametimethatsocialmovementsproduceformsofcloseness.Inthat habitat,itwasdevelopedthesewingindustryandnexttoit,ademandingand segmented public moved by the novelty. It is also in the same stage, played by beauty andconsumption,thattheadvertisementimageexploresitsappealtoanimmediate one.So,contemporarycitiessomuchproducefast-fashionproductsasmuchsocial typesherecalledimage-costumer.Itisnecessarytoemphasizethattobedelighted beforeimages,dependsonthepersonalcapacityoftheindividualinmanagingthe received data. In this context, different tendencies of reception are shown: some accept in the full text the pretentious images and others seize only the languages proposed by the media. The hypothesis of this inquiry proposes that fashion images fill out individual deficitthroughthereconfigurationoftheirsymbolicelements.Thefirstsymbolofthe individual it is the images that he stores in his memory. Since he was born, the individual isenclosedbystimuli,particularlyvisualstimuli.Thesesymbolsthatsupportthe individualnowadaystheyarealsoexploredbyadvertisementmarket.Inorderto understand the dynamic of these events the following objectives are put: 1. to identify in whatwaystheobserverappropriatesthefashionimages;2.toinvestigatethe communicative potential of fashion billboard. The connecting thread of this inquiry goes throughthereflectionsofDietmarKamperwhodiscussesthetechnicalimages;Harry Prosswhotreatsthepragmaticresultsofthesymbolicorders;BaudrillardandMilton Santos, they analyse the mediation of the objects in urban space; Walter Benjamin and GeorgeSimmel,theypointoutthereflexesofurbanlifeontheindividuals.Thereare twotheaxlesofthisinquiry,avertical,whichmeans,abibliographicalliftingand,the other one, horizontal reached through field work. At both, it is valued in which measure they bring near the images of surface of those primary ones filed by the individual in his memory.Theimagesinfashionbillboardsareobjectsofspecifiedglancesandthey containinitsstructureanefficientdeviceofattention:theface.Inthatcontext,the observer and the image are face to face but the binomial face-clothes, in the billboards, reveals a mechanism of variation. Because in making seeming, simulating, by the use of thegarmentbecomesawayforgoingoutfromtheboredom,thechanging,whenthe potential is going up in value of transforming stimuli. The communicative strength of the binomialface-clothesrestsinthecapacityoftheindividualofturningelementsofthe memory into realizable objectives. Since, contemporary individual is enclosed of objects and feelings to build a visual identity. Key words: fashion billboards, binomial face-clothes, individual, appearance. 11 INTRODUO Estapesquisapretendedemonstraraimportnciadaencenaodabeleza comoumadasprticassociaisdaaparnciaqueorientamohomem1modernoe seus cdigos.Paratanto,propeumaleiturasemiticadosoutdoorsdemoda,tratados, aqui, como objetos portadores de sinais faciais e do vesturio. Esses sinais denotam queohomemdilataasuaesferapessoalpovoando-adeobjetoseimagens.A pesquisa pretende observar as imagens da moda luz das teorias da cultura e das mdias.Aspira,tambm,agregaraocampoepistemolgicobasilardacomunicao socialcontribuiesdaetologia,antropologiaculturalefilosofia.Esseolhar investigativosurgedanecessidadedecapturarosindciosdeumparadigmasocial emformao,emqueasimagenssocontinuamenterepostaspelasdiversas mdias. Na fase preliminar de elaborao do projeto optou-se pela forma exploratria depesquisadesenvolvidanoscaptulos1e2porapresentar-seadequada contemporaneidadedoobjetoeporcatalisaraspercepesdosensocomum emaranhadasdequestes.Aordenaodessasindagaesdopresentefaz-se necessriaeexigeconstruometodolgicaprpria,quealicerceopercurso investigativo;ummtodoqueescuteascaractersticasdoobjeto.SANTOS (1994:90)chamaaatenoparaestanecessidadedeposicionamentodiantedos dados do mundo: "sabemos que o permanente no mundo no o porque as vises sucessivas tornadas possveis pelo conhecimento desmancham a nossa construo dascoisas,atmesmodaquelasqueconsidervamoseternas".2Mesmodianteda realidade emprico-fsica se tem a cada momento um novo entendimento.Asimagensdamodaessacomponentepragmticadoimaginrio contemporneo,queevocaasatenesdiriasdosindivduosencenamprticas sociais, dramatizam relaes de gnero e permitem ensaiar estilsticas existenciais. 1 Nesta pesquisa a palavra homem se refere ao ser humano em geral dotado da capacidade de raciocinar e se expressar de modo articulado. Trata-se do indivduo da espcie humana, sujeito. MICHAELIS (2001:447), 2 SANTOS, Milton. Tcnica, espao, tempo: globalizao e meio tcnico-cientfico-informacional. So Paulo: Hucitec, 1994, p. 90. 12 Destinam-seasimagensdamodaaumobservadoratentooudistrado?A pergunta acenapara a possibilidade deresidirnas mentessolitriasdos passantes que circulam no vai-e-vem da malha viria, uma disposio para fazer das imagens abstratas ou tcnicas "paisagens"; certas imagens so pontes entre a materialidade domeiourbano(incluindo-seosoutdoors)easaesdosindivduos,interpelados por esses objetos entre eles os da moda. Uma vez aceito que o cartaz ou outdoor parte do mecanismo social, que integra o cotidiano, deve-se considerar que a carga cognitiva dessas imagens tornou-se, ao longo do tempo e com o uso, um dispositivo de ateno. o grau de envolvimento do observador-consumidor o que determina o estgiodaestimulao.Nesseambientecaracterizadopeloconsumodeimagens exgenasoestmulomaisoumenosretido,segundooenquadramentoda ateno.Emoutraspalavras,estatesenotratadeetiquetanemtampoucodos modosdamoda;seuinteressesevoltaparaoimpactodasimagensdamodano espao social urbano e para a compreenso dos estilos de vida dos indivduos das metrpoles.OtipoblasdescritoporSIMMEL(1973)3,queencenaumestilodevida, prevumnovoregimeparaaorganizaodavidapsquicadoindivduo metropolitano, cuja ateno seletiva e intelectualizada. De acordo com os estudos doautor,parapreservaraintegridadedapersonalidade,oindivduo,exposto excessivaestimulaodomeiourbano,experimentaoembotamentodomundo objetivo.Elepassaalidarcomcoisasepessoascomoseelasfossemformas abstratas; so estratgias, maneirismos e caprichos que remetem a tcnicas sociais dedistanciamentodooutro.Umexemploainateno,aevitaodoolhar,a classificao social em tipos e a conseqente perda do rosto. Como se pode ver no captuloIaartedorefinamentoedasuavizaodasmaneirasdassociedadesde corte da Europa dos sculos XV e XVI, ainda so comuns ao homem metropolitano. Trata-sedeumestilodevidaqueredundanaimpessoalidade,forjadopela necessidadedeanularoucompensarosexcessosdaurbis.Essastcnicasde socializao prprias do modo de vida urbano submetem o indivduo ora ao controle cognitivo ora ao esttico. Faz parte desses estilos de vida encenar as aparncias. Observa-setambmqueamoda,essefenmenoscio-culturaljovem,que 3BlasaexpressocriadaporGeorgSimmelparadefinirumpadrodecomportamentocaractersticodo habitante da metrpole moderna. SIMMEL, Georg. A Metrpole e a Vida Mental. In: VELHO, Otvio G. (Org.)O Fenmeno Urbano.SegundaEdio.Traduode SrgioMarquesdosReis.Rio deJaneiro:Zahar Editores, 1973, p. 11-25. 13 datadofinaldosculoXIXatosdiasatuais4,inseparveldoimaginrioquea sustenta. A ambincia da modernidade compreende, basicamente, a autonomizao dascidades,aindustrializao,asinovaestecnolgicasemqueseinseremas novas mdias, a proliferao das imagens tcnicas e a reestruturao social marcada pela segmentao dos grupos. dentro dessa lgica que o ambiente social urbano encaminhaosestmuloseascondiesquedoformaaocotidiano.Essamalha quearticulaobjetoseaes,desejoeconsumo,constitui,particularmente, inesgotvel fonte para a criao, produo, distribuio e divulgao de produtos de modadaproduodoalgodo,fibrasnaturais,couro,ltexeaindstriatxtil rede de confeces, lojistas, estilistas, vitrinistas, publicitrios e o consumidor final.Aoladodessasempresasedoknowhowprodutivoqueassustentam destacam-seastelasdosoutdoors,osespaossociaisglobalizados(comoos shoppings centers e as ruas que combinam moda, cultura e mdia) e as passarelas de moda em eventos nacionais e internacionais. desde esta atrao operada pela fantasia, a memria cultural e a mimese, que o sujeito urbano torna-se um devorador deimagens5.Ocampodamodaesuaobjetivaopelaprticadasimagens prenunciamumaabordagemdiferenciadadofatourbano,aconstituir-secomoum objetosensvelefluidoqueexigeumacompreensocomplexadocomportamento social contemporneo e das componentes subjetivas da experincia perceptual. Investigar o impacto das imagens dos outdoors de moda sobre o observador eapossibilidadedeleseapropriardessasimagensparaconstruirumaidentidade visual personalizada constitui o objetivo maior deste estudo. A discusso caminha em direo a uma crtica social da ordenao do mundo 4 O nascedouro da moda inegavelmente a Frana; promotora e editora dos maiores eventos e revistas de moda nomundoathoje. Derivadosprivilgios da corteostatus simblicoautnomoda moda. Navisode Pamela Golbin, curadora da exposio de moda Fashion Passion: cem anos de moda na oca, que ocorreu em 2005, na cidadedeSoPaulo,"serprecisoesperaroanode1857paraqueamodamodernaencontreseuprimeiro porta-voznapessoadograndeWorth,precursordaindstriadaaltacostura.CharlesFredericWorthir desenhareleprpriocadamodelo,selecionarostecidose,oqueprimordialparaastransformaesquese iniciam, outorgar-se- a insigne honra deassinar cada uma de suas criaes, como um artista pintor, apondo a griffecomseunomecolocadonointeriordaroupa".(...)EoaprendizdeWorth,PaulPoiret,inventar"o prottipo do costureiro contemporneo que haver de inspirar as geraes futuras. Todo costureiro submetido desdeentomesmaleiimperativa,adaincessanteinovaoafimdepropulsarumaindstriacujarazode ser criar novidade". FASHION PASSION: cem anos de moda na oca/Curadores: Jean-Louis Froment, Florence Mller, Pamela Golbin, Glria Kalil e Regina Guerreiro. So Paulo: Brasil Connects Cultura: 2004. 5 O pesquisador da PUC-SP, Norval Jr, explica que "toda imagem se apropria das imagens precedentes e bebe nelasaomenospartedesuafora.Graasaestemecanismoseconstremaschamadas'sriesculturais'de IurijTynianov,expressandoapresenadeumahistoricidadefundamentalcomolastronouniversoculturaldo homem. A fora de uma imagem provm de seu lastro de referncias a outras tantas imagens. Se pudssemos recorreraumametforaparacompreenderofenmenodaherananouniversodasimagens,estametfora seriaadevorao,umavezquenosepodefalaremgenomasimagticos".BAITELLOJr,Norval.AErada Iconofagia: ensaios de comunicao e cultura. So Paulo: Hacker Editores, 2005, p. 95. 14 pelas imagens seriadas. Entretanto, no possvel orientar-se no mundo sem entrar nojogodasordenssimblicas6.Conheceroespaourbanopormeiodeseus smbolos,especialmenteaquelesqueconstituemacomunicaodistncia constitui o eixo epistemolgico desta pesquisa.Osestudosquebrotamdanecessidadedequestionaraordemcultural erguidaapartirdasrelaesentresujeitoseimagens,entresujeitoseobjetos tcnicoseentremquinasemquinas,tornandoquasetangveisossimulacros7, permitemcompreendermelhorsociedadesmarcadaspelantimaassociaoentre tcnicaeinformao,fundamentodaordemps-industrial.Comoresduosdessa novaordemcultural,asambigidadesin/out(oincluirexcluindo)quealcanama massa de sujeitos consumidores so levantadas, aqui, a partir de seus mecanismos, mais propriamente, o enaltecimento da aparncia ou das imagens.As categorias selecionadas para esse estudo, a saber, as imagens da moda, ooutdoor,orosto,ametrpoleeatcnica,devemfacilitaracompreensodo contextocomunicacionaldasmensagensambientadasnoespaourbano, oferecendo-se como parte da soluo da problemtica do objeto, especialmente por alertaraacademiaeprpriasociedadeparaasconseqnciasdeum hiperdimensionamentodosmeiossobreaorganizaodavidahumana;fatoque vincula esta pesquisa demanda social da rea de Comunicao. DeacordocomoestudiosodaimagemKAMPER(2002),umaimagem substituiumapresena8,umvazioquedissuadeaconscinciaedesencadeia nesta a inflao das imagens. O autor coloca em questo o culto s imagens. Mais recentemente,acrenanospoderesdomercado,ondequasetudoviraobjetoda fantasia, legitima o imperativo das imagens; j a moda, que no se separa da lgica dareproduoindustrial,aquianalisadasobacrticasocialdeBAUDRILLARD (2000)edeANDERS(2003),umaentreoutrasestratgiasdecomunicao recentes,queimpemaohomemaadequaoaosmeiostcnicosesatisfao perenediantedeummundopr-produzidoereduzidoinformao;ovisscio-histricodosestudosdeELIAS(1994)sobreoscdigosdocomportamentono perodo moderno est presente por possibilitar ver o poder simblico das prticas da 6PROSS,Harry.LaViolnciadeLosSmbolosSociales.Trad.VicenteRomano.Barcelona:Editorial Anthropos, 1989. 7Entenda-sesimulacrocomoasaesetcnicasque,aoseapropriamdeimagensepalavras,simulama realidade. 8KAMPER,Dietmar.Immagine.In:Wulf,Christoph(Org.).Cosmo,corpo,cultura:enciclopediaantropologica. Milano: Bruno Mondadori Editori, 2002, p. 595. 15 aparncia;sobreovesturiomaispropriamente,ROCHE(2007)insereoatode vestir-senosistemasocial.Parasubsidiaraanlisedosoutdoorsdemodauma leitura da dinmica funcional das metrpoles contemporneas e a sua relao com o mundotcnico-cientfico-informacionaldesenvolvidaSANTOS(2004);osestudos deMOLES(2004)sobreaimagempermitemcompreenderaeficciacomunicativa docartaz;jBENJAMIN(2006)eSIMMEL(2005)fornecemtipologiasparapensar osnovosmodosdevidadohomemurbanoe,finalmente,umaanlisesobreo significado dos rostos nos outdoors de moda desenvolvida a partir dos estudos de DELEUZE (1996), SPITZ (1979) e CYRULNIK (1999).Empenhadoemproblematizaroatualestadodaquesto,KAMPER(2002) observa que a civilizao somente uma breve, embora devastadora, fase da longa histria do corpo, que deixa para trs o corpo humano9 para, finalmente, reduzi-lo funodecorpo-prtese,deresduonointegrvel,dispostocomomercadoriaou informao, denunciando o dilema moderno do excesso de coisas e a hipertrofia das imagens.Nesta perspectiva, o corpo-imagem torna-se objeto de tcnicas corpreas, damoda,docuidadodesi,dosrituaisdabelezaedospacotestecnolgicosde rejuvenescimento corporal10. Diante dessa pregnncia da aparncia que inclui o sistema da moda, deve-se aindaconsiderarquecomelaseentretmosujeito-devorador(oudevorado)das imagens.Estesujeito,oconsumidormoderno,homemdametrpoleexperimentao abandonodocorpoextasiando-seemimagensmaisvivasdoqueaprpriavida;o indivduo, que flui e coabita nas imagens um sujeito abstrado de si. Espera-se que esse sujeito possa decodificar e vincular-se s efmeras imagos do mundo miditico que,paradoxalmente,simulamomaisarcaicodosdesejoshumanos:osentimento depertena.FOUCAULT(1992),aodestacarocorpo-imagemdapublicidade, observaqueosjogosdaimagemnaspublicidadesexplorameconmicae ideologicamenteaerotizao,desdeosprodutosparabronzearatosfilmes pornogrficos.Comorespostarevoltadocorpo,encontramosumnovo investimentoquenotemmaisaformadecontrole-represso,masdecontrole-estimulao:fiquenu,massejamagro,bonito,bronzeado!"11.Essalutapela 9 KAMPER, D. Ibid. Corpo/Imagine, p. 409-418. 10 PROSS, Harry. La Violnciade Los Smbolos Sociales. Traducin de Vicente Romano. Barcelona: Editorial Anthropos, 1989. 11 FOUCAULT, Michel. Microfsica do Poder. - 10. ed. - Traduo de Roberto Machado. - Rio de Janeiro: Edies Graal, 1992, p. 147. 16 imagem,incitadapelosefeitosdapublicidade,faz-sereconhecernassilhuetasdas passarelasurbanasentrelooksdeveroeinverno,intimistasouretrs,decotados ourecatados.Mas,paraalmdojogodeforasinstitucional,adornarocorpoe tornar-seimagemrevelapadresdesoluosimblicadaculturaquebuscam superar as limitaes da "primeira realidade". 12 Asexperinciaspr-predicativas13deincluso/excluso,dentro/fora,em cima/embaixosooutrosaspectosexploradosnesteestudo.Elaspossibilitam entenderadistnciaentreasimagensprimordiaisvinculadoras(ontognesee filognese)eaquelastcnicas(idealizadas).Humahistriadasimagenspr-histricas, pr-modernas, modernas, ps-modernas e ps-histricas14 que influem sobreapercepo.Imagensquereincidemsobreosprpriossujeitossimulacros-ambulantes. Umaprimeirahipteseapontaparaoseguintepensamento:emprincpio,o habitante das cidades reconhece nas imagens dos outdoors de moda a dialtica do senso-comum,quebuscaacessarummundopossvelpormeiodoprincpioda semelhanaedaafinidade.Essaexperinciaunificadoradomundoencaminhaas paixeseosafetos,dandoformaepesoacadauma.Masoproblemase complexificaquandoamediaodistnciadosoutdoorsredundanasimagens tautolgicas, que retornam sobre si mesmas. Se as imagens tcnicas, que vivem da imannciaimaginriadasprpriasimagens,tomamolugardopathosoriginal presentenaestruturavivadasimagensdomundo,doolharpulsionalquese organizaapartirdossmbolospresentesnasimagens15,elasseaproximamdos gadgets16 que perpetuam a modernidade em processo, alocada em uma espcie de fundamentalismo funcional da ordem do consumo. Umasegundahipteseconsideraqueasimagensdapublicidadeorientadas 12 Os conceitos de primeira e de segunda realidade, cunhados pelo semioticista theco Ivan BYSTRINA, (1995) na edificaodaSemiticadaCultura,significam,respectivamente,naturezaecultura.Aprimeirarealidade abrangeoscdigoshipolinguaiscomastrocasdeinformaesbiolgicaseoscdigoslinguaiscomas linguagens naturais; a segunda realidade contempla os cdigos hiperlinguais ou as leis da cultura. 13 As experincias pr-predicativas foram estudadas pelo comuniclogo alemo Harry PROSS, da Universidade deBerlimOcidental.ParaoautordeEstructurasSimblicasDelPoder,oindivduo,naontognesecomona filognese,temexperinciasprimordiaisqueconstituemabasedasocializao.Soosprimeirosregistros simblicos que permitem a constituio dos vnculos. 14KAMPER,Dietmar.Immagine.In:Wulf,Christoph(Org.).Cosmo,corpo,cultura:enciclopediaantropologica. Milano: Bruno Mondadori Editori, 2002, p. 599. 15 DIDI-HUBERMAN, Georges. O que vemos o que nos olha. Traduo de Paulo Neves. So Paulo: Editora 34, 1998, p. 17. 16SegundoadescriodeJeanBAUDRILLARD,emOSistemadosObjetos,osgadgetssoobjetos autoreerenciais ou metafuncionais, que obedecem apenas necessidadede funcionar. Encantam por seu valor ldicoeporquedoensejoamanipulaeseperformancesilimitadas(soexemploosinmerosmodelose funes dos aparelhos celulares).17 paraamodapreenchemodficitconstitutivodohomempormeiodamaximizao desmbolosarcaicos,culturaiseinstitucionais.Asestratgiasquereduzemessa distncia constituem o foco desta pesquisa. OcaptuloIapresentaaevoluoscio-histricodamodaevidenciandoos vrios modos de apropriao de seus mecanismos pela sociedade atual. Considera ofenmenodamodadesdeasanlisesdeELIAS(1994),destacando-seos conceitosdecivilisationepolitesse17,aspesquisashistricasROCHE18(2007)e LIPOVETSKY(1989)quepermitemcompreenderofuncionamentodainstituio moda,ateoriadocamposimblicodeBOURDIEU(1998),queabordaosnexos existentesentreaestruturamaterialeculturaldeumasociedade,anoode serialidadeeadeobjetostcnicosdeBAUDRILLARD(2000),omundotcnico-cientfico-informacionaldeSANTOS(2004),omodelodossistemasabstratosde GIDDENS(1991) e osestudosde MOLES(2004)sobre aeficciacomunicativado cartaz. OcaptuloIIdiscuteosdiferentesperfiserepertrioscomportamentaisdo homemmetropolitano,otipoderelaoqueestabelececomasperformancesda moda,especialmenteaquelasreferentesapropriaodoslooksdemodanos outdoors.Desenvolveumaleiturasemiticasobreafunodoartifcionomundo naturalcomonacultura.Nestecaptuloso,tambm,objetosdediscussoas tipologiasdohomemurbano.Osestudossobreaexpressividadedorostode BENJAMIN(2006),SIMMEL(2005),DELEUZE(1996)eCYRULNIK(1999) possibilitamumaanlisedopoderdesignificaodasimagensdamodanos outdoors. OcaptuloIIIdescreveametodologiadetrabalhoadotadaapontando resultadosdapesquisadecamporealizadapelapesquisadoraentreosmesesde maroeabrilde2007.Estecaptuloapresentaainterpretaodoscontedos obtidosa partirdaaplicaodoquestionriopropostoemdiferentesgrupossociais queresidentesdasmetrpolesbrasileiras.Mostraqueelasapresentamestrutura 17 Os termos remetem ao processo civilizatrio da Europa verificado no decorrer do perodo moderno. Politesse significa polidez ou suavizao das maneiras da classe alta europia, enquanto que civilisation significa mais do queaauto-expressodacorte:OprocessodecivilizaodoEstado,aConstituio,aeducao,e,por conseguinte,ossegmentosmaisnumerososdapopulao,aeliminaodetudooqueeraaindabrbaroou irracionalnascondiesvigentes,fossemaspenalidadeslegais,asrestriesdeclasseburguesiaouas barreirasqueimpediamodesenvolvimentodocomrcioesteprocessocivilizadordeviaseguir-seao refinamentodemaneirasepacificaointernadopaspelosreis.ELIAS,Norbert.Processo Civilizador.Traduo de Ruy Jungmann. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1994. 2.v., p. 62. 18 Daniel ROCHE pesquisador do departamento de histria da Universidade de Paris I.18 material e simblica semelhantes permitindo a generalizao da pesquisa (emprica) aqualquergrandecentro.Visou-secapturarpormeiodaAnlisedeContedo fragmentosdosdiscursosdosujeitocoletivo19.Comosresultadosquantitativose qualitativos,sepdeavaliarograudeaplicaodosconceitosdesenvolvidosnos captulos I e II e se foram (ou no) confirmados pela percepo desses sujeitos. Finalmente,nocaptuloIV,quadrosesquemticosilustramosresultados observadosnasrespostasaoquestionrioaplicado.Osquadrosapresentam categorias explicativas sobre a relao entre as cidades e os sujeitos e a relao dos sujeitos com os smbolos arcaicos presentes nas imagens. 19LEFEVRE, Fernando. Depoimentos e Discursos: uma propostade anlise empesquisasocial. Braslia:Liber Livro Editora, 2005, p. 21. 19 CAPTULO 1 NAS BORDAS DA IMAGEM: DOS CDIGOS DA CIDADE PARA O OUTDOOR 20 1.1 A organizao do corpo-imagem no espao social urbano Aorganizaodospadresculturaisdamodernidadeobedeceuanovos condicionamentosecdigosdecondutacomoosmodosdesecomportarmesa, osusosdosobjetos,dalinguagemeodavestimentasocialqueevoluiuparaa moda.Aabstraodoscorposreduziu-osaimagem.Ocontextogeradordesses cruzamentosdecdigosacidade(urbes).Falardosambientessociaisda hipermodernidade20 exige recuperar esses pequenos fios de amarrao social. ConformeapontamosestudosdosocilogoalemoNorbertELIAS(1994)21, osambientesdoperodomodernodesenvolveramformasdecontrolesocialque padronizaramoconjuntodasassociaesintersubjetivas.Essainovaono cotidianourbanodeu-seentrejogossociais,noespaamentoeu/outroena apropriaosocialdotempoedoespao.Avigilnciapermanentedaconduta passouaorientarcadaindivduoinseridonocorposocial,assumindoformasque indivduossocialmenteadaptadosnopoderiamdispensar.Essasincronizao socialdemarcouasfronteirasentreomundomedieval(cercadopelanaturezaeo espontanesmodasrelaes)eoracionaldaIdadeModernacaracterizadoporum conjuntodepormenoresprticosessenciaisaodesenvolvimentodecertasartes.A fora coercitiva desse novo padro cultural sobre o homem criou o tipo civilizado22 submetendo o corpo, as paixes e as disputas territoriais administrao do gesto e dapalavrapolitesse(ELIAS,1994).Apartirdaestruturaodacivilitasnas sociedades europias mudaram as estratgias de sobrevivncia. Essacondioaqualsesubmeteramosindivduosdocamponsao aristocrataaliou-secrescentediferenciaodasfunessociaisenovas atividadesqueasinstituiesseempenharamemsincronizar.Segmentaram-seos 20A essafasetardiada modernidadealguns chamam ps-modernidade(termo quenoconsensono mbito acadmico).Maisrecentementeaexpressoinveste-sedoprefixohiperindicandonoasuperaoda modernidade, mas o transbordamentoda mesma eo rearranjo catico sobreos prprios alicerces. O socilogo francs Gilles Lipovetsky empregou o termo hipermodernidade para se referir vivncia paradoxal entre o gosto dasociabilidade,ovoluntariado,aindignaomoral,avalorizaodamoral(...)eocultoindividualidade,o monopliodomercado,osavanosdatecnologiasobeavidaeamorte,atransfiguraodocorpreoem imagens, a constituio paranica da sociedade da hipervigilncia (cmeras, vdeos, grampos telefnicos, etc) e tambmdosexcessos(esportesradicais,drogas,raves,consumodesenfreado,violncia,escndalos, espetacularizaodoreal,bulimias,anorexias,obesidades).Paraaprofundamentoconsultaraobradoautor. LIPOVETSKY, 2004, p. 49-104. 21 ELIAS, N. Processo Civilizador.Trad. Ruy Jungmann. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1994. 1 e 2.v. 22SegundoELIAS,nasociognesedaculturaocidentalohomeminstintivseopeaotipocivilizado.Aose posicionaremasnaesemsituaoeconmicaeintelectualdeinterdependnciasedesenvolveunaEuropa novosmodosdeconvivnciasocialecomportamentos.Asdiferentesnaeseuropiasdesenvolvem 21 grupos e as tarefas nas cidades. Nesses micro-espaos sociais onde se firmaram as sociedadesdecorteeaburguesiaevoluramosofciosdamoda.Desdeento,a modaseconstituiucomo instnciacondutoradecertas aes pautadas namimese social. Aspressesinstitucionaissobreosindivduosrevelaram-seumaao educadora.Essecontroledasaesindividuaiseaburocratizaodasrelaesa vidatornoumenosperigosaeatmenosatraente,noquedizrespeitoaoprazer. Para tudo que faltava na vida diria um substitutivo ideal nos sonhos, livros, pinturas, imagens eram criados como a ninfa Chrrete nos cartazes do sculo XIX tratados no captulo2.Nomundomodernoasvontadesindividuaisforamsublimadasemfavor das exigncias da sociedade constituda e as atenes cooptadas pela publicidade. Fundou-seumaticadasaparncias.Nessemomentohistricoocontatodireto mdiaprimriasubstitudopelaprticadodistanciamentosocialmdia secundria.23 Arelaocomotempooutrondicedasincronizaofuncionalentreas aesdoindivduocomacoletividade.Astarefastornaram-seprogressivamente especializadas,otimizaram-seosresultados.Namalhadensamentepovoadadas cidadesapressocompetitivaafetouoindivduocomum.Oritmocleredos ponteiros dos relgios impulsionou-o. Para cada movimento do corpo social criou-se um dispositivo de controle. Os eixos trabalho, produo, cidade e imagem, consumo, modasincronizaram-se.Nassociedadescivilizadasasdiferenasentreosgrupos sociais se equalizaram e desvaneceram os sentidos originrios das culturas. Recentemente, as metrpoles abrigaram um novo imaginrio construdo pelas imagens miditicas. comportamentossemelhantes:omodopolidodesecomportar,acivilitas.Essamimesesocialprecipitaa civilizao das imagens. 23A mdia primria um tipode mediao de alcance presencial. Emissor e receptortm queestar no mesmo espao e tempo para garantir a transmisso da mensagem. A sincronia dos corpos importante, preciso estar perto.Elatemumpapelcrucialparaaexistnciaeasobrevivnciadaespciehumana.Sapartirdessa mediao(todososodorescorporais,expressesfaciais,oandar,apostura,osexo,etc)pdesurgira socialidade. Os signos corpreos emitem sinais ao outro. A mdia secundria a comunicao da ausncia, ela noexigeapresenadooutro.Ohomemregistraosacontecimentosdiriossobresuperfcies(mscaras, pinturas,imagens,calendrios,pedra,madeira,pele,papel,couro,vesturio).Aosimbolizarpelodesenho, fotografia,gravura,escritaetranscenderotempopelamediaosimblicaohomemtambmcriacultura. PROSS,H..Introduccinalacinciadelacomunicacin.Trad.VicenteRomano.Barcelona:EditorialDel Hombre, 1987, p.158-177. 22 1.2 A serialidade: conexes invisveis na cidade Astcnicassociaisqueinteressamaopresenteestudosoasdasimagens damodaeseusobjetosovesturio.Umaredetcnicaseimpenosgrandes centrosurbanos.Essaredeincluiosobjetosdamodaedosambientes,que sincronizadossoreconhecidosdesdearelaoqueestabelecemcomoseventos que os situam24. Segundo Jean BAUDRILLARD25 (2002), tecem esses ambientes o consumodosobjetoseasimulaodaexperinciapelasnovasmdias.Nos cenrios urbanos os indivduos usam a imagem para se comunicar. Partindo desta linha de raciocnio, o autor analisa a organizao em srie do mobiliriourbanopelaformasocialmoderna.Areordenaodosmveiseobjetos nos espaos retrata o elo da vida moderna com a racionalidade tcnica. Concebidos pelodesignmodernocomobjetivoexpressamentecomunicacionalelesse equiparam,estticaefuncionalmente,aosobjetostcnicos(eletrodomsticos, aparelhoseletrnicos,vesturiosentreoutros),queordenamfuncionalmenteo cotidiano.Osobjetosassimconfiguradosdevemfacilitarotrnsitodosindivduos nos espaos sociais. Deve-se, portanto, reconhecer que prticas um sistema de objetos engendra. O conceito de serialidade fundamental para compreender o porqu de os sistemas abstratoshaveremdominadooespaoexterior,omeiourbano,eporqueseus annimoshabitantes tenhamaeles sevinculado,dceisecativos.Algicaserial- que uniformiza o espao - dispe os objetos e os indivduos linearmente e estes so dimensionadosporsuacapacidadedeidearummundonomaisdado,mas produzido:dominado,inventariadoecontroladoparaldosportesdasfbricas. Nestesentido,osobjetosdispostosserialmentesoobjetos-imagensquevm estabeleceremconjuntocomastcnicasmiditicasumanovatecnologiada percepo. Estesobjetostcnicos,osmveisdesrie,nosoasconfiguraesde sonho,no-comerciais,domobilirioantigoque,porsuaconstituiodurvele receptiva, habita o imaginrio materno do acolhimento. O projeto de uma sociedade tcnicaoquestionamentodaprpriaidiadegnese,aomissodasorigens, 24SANTOS,Milton.AnaturezadoEspao:tcnicaetempo,razoeemoo.-4.ed.-SoPaulo:Editorada Universidade de So Paulo, 2004, p. 95. 23 cujossmbolosconcretosforamosvelhosebonsmveis.Osmveisdesrie,ao contrrio,soobjetosfuncionais,querespondematodososimperativosdavida moderna:biblioteca,bar,rdio,armrio,rouparia,ba,cmoda,fichrio,mesa dissimulvel26,todossecorrespondem.Note-sequeessamesmacircularidadese aplicaaosobjetosdoentornourbanoviasexpressas,automveis,outdoors, transeuntes, vitrinas, shoppings centers que se organizam sistemicamente.Ostecmaouobjetostcnicosanunciamasuperaodoobjeto-funopor umaordemprticadeorganizao.Assim,osvaloressimblicoseosvaloresde usoesfumam-seportrsdosvaloresorganizacionais27erevelamumaordem sistmica de objetos na qual a alma dos mveis clssicos abandonada por um jogo de funes extremamente livres. Essesobjetosdestitudosdeidentidadesoapenastermosdeumarelao abstrata,queseautoproduzemsriesrepetidasouemjogoscombinatrios.Os tecma resultam de um padro cultural que desmobilizou a fora prpria das coisas e asualigaonaturalcomohomem.Ovalorquerecebemnomaisdadopor aquiloquesonasuaforma-identidade,maspelalocalizaoquerecebemna ordem seriada. Historicamente,aomanipularcoisasohomemtraduziudesejoseganhouo espao, inventariou as espcies naturais alm de listar os objetos prticos e tcnicos pelosquaisseachavacercado.Aaoimaginativaerainseparveldosobjetosda realidade.AbrahamMOLES(1972),antroplogo,notaumfervilhardeobjetosna cultura burguesa. O homo faber, diz o estudioso, tornou-se, em larga medida, antes um consumidor de objetos que um fabricante de instrumentos. Na moda se observa essanecessidadedefabularcomaroupaeosacessriosepormeiodelestecer vnculos.Ofato,porm,dequeosmesmosobjetosnosedesprendemdaao humanaintroduzoutraquesto.Oobjetoovetordascomunicaesemqualquer tempo;eletrasladaumamensagemdeumindivduoaooutro.Comoelementode cultura,oobjetoaconcretizaodeumgrandenmerodeaesdohomemna sociedadeeseinscrevenoplanodasmensagensqueomeiosocialenviaao indivduo.28Osobjetosdocotidianoso,elesmesmos,portadoresdemensagens. 25BAUDRILLARD,Jean.OSistemadosObjetos.Trad.ZulmiraRibeiroTavares.4.ed.SoPaulo:Editora Perspetiva, 2000. 26 BAUDRILLARD, J. O Sistema dos Objetos. Trad. Zulmira Ribeiro Tavares. So Paulo: Perspectiva, 2000, p. 26. 27 Ibid., p. 26/7.28 MOLES , Ibid., p. 11/2. 24 Umajia,umaroupa,umautomvelsocondutoresdemensagenssejamelasde carter funcional ou simblico. NaanlisedeMOLES(1972),haspectossignificativosnatrajetriado objetocomomododecomunicao.Oprimeiroaspectoquantosuaformae anatomia;osegundorelativoaosambientesemqueestesseinseremnas cidades os objetos concentram-se nas vias expressas, nos espaos comerciais, nos supermercados,nasfeiraslivresentreoutros;oterceiroaspectodizrespeito materializao de uma mensagem por meio de um artefato. Uma jia, por exemplo, temuma funosimblicaecomunicaumainteno.H umalinguagemdoatode presentear,comojestudadopelosetnlogos;oquartoaspectocolocaoobjeto como mediador do contato humano. Por exemplo, no ato da compra de um produto se forma uma cadeia de relaes intersubjetivas; o quinto e ltimo aspecto a idia de coleo. Estuda-se a massa de objetos perfilados na srie. No caso da coleo, eles fazem sentido pela remisso interna a outros objetos. 1.3. A analogia dos espelhos: o espao dramatizado Nomobilirioclssicoosobjetos-espelhostinhamvalordeconvergncia. Remetiamparaocentrodacasaasatenestornandooambienteprximo,sem vaziosouanonimidades.Naleituracontemporneadoespaourbano,porm,a tendncia atual a multiplicar as aberturas e as paredes dirige-se em sentido inverso, aum fora,aumaexterioridade.O espaourbanomarcadomaispelavisualidade (espelhos, vitrinas, vidros) do que pela visibilidade dos objetos. Ou seja: o signo da transparncia torna patente o sentido do distanciamento. Osespelhos,asvitrinaseovidronasfachadasdosedifciossubstituemo valor da intimidade tornando os espaos descentrados, resfriados, climatizados. Tais elementos criam um tipo de sujeito ou usurio, que se desloca com autonomia entre os objetos-funes (tecmas). O paradigma da visualidade cria o sujeito-imagem. 25 Foioprojetodamodernidadequecolocouohomemnessadireoda impessoalidade,libertando-odospreciosismosdavidadomsticae,aomesmo tempo, prendendo-o nos dispositivos da racionalidade tcnica. De modo anlogo s mudanas nos espaos interiores, os cenrios das cidades no escapam aos apelos imagticosdasmdiaspublicitrias.Aseureboqueosmecanismosprodutivos,os objetos de consumo roteirizados pelo marketing, se autoperpetuam. Nesse momento culturalquetemnecessidadedeforma,deaparncia,aspessoassereconhecem comoimagens.Oconsumidor-imagemaquelequesecomprazcomoqueve quer, tambm, ser objeto do olhar do outro. Esse personagem urbano analisado no item 1.13 desta tese. Esse sujeito capturado pelo espelho ou mdium ou ainda, pelas imagens da moda. O espelho, para Muniz SODR (2002), ,nahistria,aprteseprimitivaquemaisseassemelhaaomedium contemporneo,guardadasasdevidasdiferenas.queoespelho superfciecapazderefletiraradiaoluminosatraduzreflexivamenteo mundo sensvel, fechando em sua rasa superfcie tudo aquilo que reflete. O medium, por sua vez, simula o espelho, mas no jamais puro reflexo, por ser tambm um condicionador ativo daquilo que diz refletir.29 Ascidadesglobalizadasso,tambm,imagens30.Bannerseoutdoors, fachadas,vitrinas, pontosdevendasocomponentesdosespaos dramatizados, encenados,emquesetransformaramasmetrpoles.Esseselementosde visualidadedialogamcomaluminosidadedosshoppingscentersedosespaos hibridadosdecultura, consumo eentretenimento.Na figura1,comosepodever,o espao privado projeta-se para a rua. A imagem substitui a vitrina. 29 SODR, Muniz. Antropolgica do Espelho: uma teoria da comunicao linear e em rede. Petrpolis/RJ: Vozes, 2002, p.21. 30 FERRARA, Lucrecia DAlessio. Design em espaos. So Paulo: Edies Rosari, 2002. 26 Figura 1: Imagem em interior de loja na OSCAR FREIRE Foto: Joo Ciacco (maio, 2004) Arespeitodapregnnciadavisualidadeemdetrimentodavisibilidadedos corposedosobjetos,opesquisadordaPUC-SPNorvalBAITELLOJr(2005) observa que a violncia simblica das imagens tcnicas desmancha na conscincia do indivduo a prpria presena histrica: Asimagensnoforampropriamenteinflacionadaspelareprodutibilidade tcnica,maspelaidolatriaaosdeusesimplacveisqueseescondiamem seus subterrneos, os deuses que comandam, nos bastidores, a assptica primaziadagrandeescalaedaautomao,osmesmosdeuses restauradores da distncia como imperativo (BAITELLO Jr, 2005:41). O imperativo da distncia cada vez mais presente no mundo mediado pela tcnica. Nas publicidades dos outdoors de moda, por exemplo, evidenciam-se sinais destatus,marcasqueacenamparacativossegmentossociaissinalizandoa conquista de efmeros diferenciais. Nessa dinmica se l no apenas a mensagem 27 orientadaparaavendadoproduto,mastambmosistemadevaloresdeuma poca.Noentanto,deacordocomasconsideraesdeGunterANDERS(2003),o meio tcnico algo de secundrio. Para o autor, o objetivo de uma comunicao, a sualivredeterminaoenquantoaoprimeiraemrelaoaosmeios.Nesta perspectiva,nadaquerecebaumamediaosempropsito.Oaspecto participativodacomunicaooverdadeiroobjetodacinciadacomunicao. Comunicar dar curso livre determinao do fim a ser alcanado,31 ou ainda, o caminho percorrido por um sujeito em ao.Pode-sedizerqueapublicidadenoapenasrealocaasmercadoriasem pontosdevendaeasdotadevisibilidade,masofereceaossujeitosmundos possveis.Aolidaremcomasimagenstcnicaseosobjetosdesrierevelam capacidadedeco-produzirestilosdevida.Aformapublicitriaseimpe,hoje,aos passageiros do espao urbano. Estes se deslocam na instantaneidade das imagens tcnicas,quejnascemobsoletas,aparecemedesaparecemcomoosoutros objetosdeconsumo.Essapregnnciadosmodosdeaparecerbalizaasrelaes entre as coisas e os seres. Aanalogiadoespelhocontinuadapelasimbologiadovidro.Ovidro materializa a ambigidade da ambincia. Ora ele proximidade, ora distncia; ora intimidade,orarecusadeintimidade;oracomunicao,orano-comunicao. nessaindistinoentreo dentroeo foraqueseinterpemasvitrinas,asjanelase as paredes dos escritrios das metrpoles. O vidro funda a transparncia, mas no a continuidade:oquesevnosepodetocar.Umavitrinaaumstempo encantamentoefrustrao;oqueametforadovidrofazrevelaraprpria essnciadapublicidade.Avitrinadeixatransparecerapenasosignodeseu contedo e ergue-se, na sua evidncia, como um simulador da experincia. o que ocorre entre a vitrina e a rua: as lojas so espaos homogeneizados, transparentes, quefalamdedentroparafora.Falamparaaruanoslimitesentreopblicoeo privado, como visto na figura 1. 31 PROSS, H. Introduccin de la cincia de la comunicacin. Trad. V. Romano. - Barcelona: Anthropos, 1987, p. 109. 28 1.4 Nas reentrncias da tecnologia: o fetiche do objeto Osobjetostcnicosdemandamnosaaquisiodecompetnciaspara manuse-loscomotambmofeedbackdocorpoeassuassensaes.So exemplosdessasperformancesoscontatosdiriosdoindivduocomoscelulares, computadores e automveis. Isto no significa dizer que a tecnologia desumanize o homem.Arelaoentreonaturaleoartificialsempreexistiu.Historicamente,o homemcerca-sedeobjetoseartifcios.Deacordocomosestudosdaetologia, brincar, imitar, criar e reproduzir aproximou do domnio humano o inspito ambiente. Entretanto,oencantamentopelatcnicaumaarenanointeriordaqual predominam os objetos reificados, os gadgets. Esses objetos tm energia prpria e evocam um imaginrio organizado em torno da metfora da mquina. A automao cotidiana o espectador. A mquina, hoje, faz ver. Pode-se observar esse fenmeno nosinmerosmodelos,formaserecursosdostelefonescelulares,Tvsdeplasma, PCs.SegundoANDERS(2003),ocomeodatragdiahumanaotriunfo prometeico a tcnica. O que demanda ateno, segundo o autor, no o excesso de coisas ou a reiterao entre as mquinas, mas a perda da capacidade do homem de residuar como um velho corpo que, embora obsoleto, responde s limitaes do meio sempre com novas estratgias. Oproblemaseacentuaseavidapassaaserprogramadamaneirado padro serial. Os mesmos iderios sejam eles de beleza, de estilos de vida, polticos ouecolgicossereproduzem nacapacidadeinfinitadas imagensdesereplicarem. As imagens nos outdoors de moda reforam esse padro. Esse emolduramento das imagensexternaspassaaestruturarasimagensdedentro.Todaacomunicao, com seus meios, ou se transferiu para os media imagticos visuais (e sonoros) ou se contaminou profundamente com eles32. Esse sistema de comunicao hipertrofiado, quesaturaomundocomimagens,reduzasestratgiasvinculadorasdamdia primria funo espectadora das mdias secundria e terciria. Aomesmotempo,reconhece-sequeasimagenstmhistriasequeelas dizem muito a respeito da histria dos vnculos humanos. Examinando a histria da experincia humana com os meios pode-se notar que quanto maior a importncia atribudamquinamaisocorpodeixadoparatrs.Essecorpoestse 29 robotizandoaoagregarextensestecnolgicasaoseuentorno.Quantomais extensooprocessodeautomaomaioraquantidadedeobjetosmeta-funcionais;equantomaioraconcentraodeimagenstcnicasnocotidianodas pessoastantomenossoasoportunidadesdeseemocionaremcomasimagens vivas do mundo.

1.5Areordenaodoespaosocialnomundotcnico-cientfico-informacional Nouniversodasinteraessociaisd-seoeloentrenaturezaecultura, invenoeconveno,objetonaturaletcnico.Pensandonamultiplicaodos aparelhosmiditicosenoincrementodacomunicaovisualpossvelobservar que: (...)aolongodotempo,umnovosistemadeobjetosrespondeao surgimentodecadanovosistemadetcnicas.Emcadaperodo,h, tambm,umnovoarranjodeobjetos.Emrealidade,nohapenasnovos objetos, novos padres, mas, igualmente, novas formas de ao. Como um lugar se definecomo um ponto onde se renem feixes de relaes, onovo padro espacial pode dar-se sem que as coisas sejam outras ou mudem de lugar. que cada padro espacial no apenas morfolgico, mas, tambm, funcional33. A idia revela que os sistemas sociais se modificam, bem como, os processos de comunicao e estes so constitutivos das rotinas dirias dos indivduos, alm de subsidiarem a construo (ou no) de vnculos. A fim de compreender as estratgias vinculadoras que permitem a sobrevivncia do homem num mundo constitudo pela tcnica,apresentereflexoproperelerospercursosdaimagemnomundodos objetos tcnicos. Atualmente,corposenredadosentreobjetoseaesqueosorientamno tempo e no espao, exprimem e experimentam ambincias distintas. Os inumerveis objetosdeusoederelaomudamrecodificandoaexperinciaontolgicado mundo.Assimque,detemposemtempos,osobjetosganhammotivaes psicossociaisnovas,tornando-sesmboloscondutoresdeexperinciaspassadas. Elessoorasuportesdaaoedacomunicaohumanas,oraportadoresda 32BAITELLOJr,Norval.Asnpciasentreonadaeamquina:algumasnotassobreaeradaimagem.Revista Cientfica de Informacin y Comunicacin, Sevilha, 2.v. s/p, 2005.33SANTOS,Milton.AnaturezadoEspao:tcnicaetempo,razoeemoo.-4.ed.-SoPaulo:Editorada Universidade de So Paulo, 2004, p. 96. 30 memria da cultura. Umdessesobjetoscondutoresdesignificaoeodemaiorrelevnciapara esta tese o vesturio. Segundo Roland BARTHES (2006), vesturios so conjuntos de objetos "que s alcanam o estatuto de sistemas quando passam pela mediao dalngua,quelhesrecortaossignificanteselhesdenominaossignificados(soba formadeusosourazes)"34.Astextualidadesdasroupasedosornamentostm essepoderdeconotarsentidos.Nosemmotivoqueoindivduometropolitano, seduzido, protagonizado pelas novas tecnologias/meios, se apropria das tcnicas da aparnciafazendo,destas,verdadeirolaboratriodabeleza.Apartirdessatextura narrativa dos objetos pode-se compreender por que a inflao das imagens que em um mesmo espao-tempo se tornam universais. Olcusdessanovaformadeorganizaodohomempelasimagenssoos ambientestcnico-cientfico-informacionais,quedefinemomododeserdas metrpoles: Asimultaneidadeentreoslugaresnomaisapenasadotempofsico, tempo do relgio, mas do tempo social, dos momentos da vida social. Mas otempoqueestemtodososlugaresotempodametrpole,que transmiteatodooterritriootempodoEstadoeotempodas multinacionais e das grandes empresas. (...)Nenhumacidadedispedamesmaquantidadeequalidadede informaes que a metrpole. (...)Estaonovoprincpiodahierarquia,pelahierarquiadas informaes... e um novo obstculo a uma inter-relao mais frutuosa entre aglomeraesdomesmonvele,pois,umanovarealidadedosistema urbano.35

A metrpole est hoje em todo lugar; ela simboliza a simultaneidade da informao. A idia do ajuntamento humano nas cidades meramente em funo da manuteno da subsistncia perde, em parte, o peso. A produo dos objetos no se sustenta na novaeconomiamundialapenasparasuprirdemandaslocais.Anecessidadede escoamentodaproduo,acirculaoeadestinaodessesprodutosaoutros mercados atende o apelo dinmico e globalizado do capital. Em outras palavras, as infra-estruturaspresentes emcadalugarencontram, emgrandeparte, explicaoe justificativaforadolugar.36Oconsumolocaldependedeuma produodistantee assimascondiesdeorganizaolocaistornam-secorrelativasscondies externas. Desse modo, os objetos artificiais esto cada vez mais estranhos ao lugar 34 BARTHES, Roland. Elementos de Semiologia. - 13 ed. - So Paulo: Cultrix, 2006, p. 12. 35SANTOS,Milton.Tcnica,espao,tempo:globalizaoemeiotcnico-cientfico-informacional.SoPaulo: Hucitec, 1994, p.155. 31 easeushabitantes37.Respondemsaestcnicaspadronizadasedistantes. Emboraessaformadeorganizaodoespaonosejaapreendidademaneira idntica nos diversos lugares e regies, a tendncia que se torne uma linguagem universal. Com relao ao carter sistmico do lugar, SANTOS (1994:66) afirma que: Oespaototal,sobretudonospasessubdesenvolvidos,pontuale descontnuo. Levando-se em conta um dado ponto no espao, as variveis soassincrnicas,deumpontodevistagentico,sejaemcomparao com a respectiva idade das variveis no plo, sejaem relaocomoutros pontos no espao. Todavia, em cada lugar o funcionamento das variveis sincrnico.Todasasvariveistrabalhamjuntas,pormeiodasrelaes funcionais. Cada lugar , desse modo, em qualquer momento, um sistema espacial, no importa qual seja a idade dos seus elementos. Essasincronicidadedasaesexigequepedaosdetemposejam submetidosmesmaleihistrica,demodoqueseformemnovariadocampodos objetostcnicossistemasderepresentaescapazesdemuniciarosagentesde informaesprecisasnavelocidadeesperada.Osobjetostcnicosso determinadospelomododefuncionar.Deve-seconsiderarqueosobjetosditos informacionais,tambmchamadosderedesimateriais,habitamomesmoespao. Nesseespao-tempogeradordeintensazonadeinflunciasentreasaeseos objetos tcnicos, o papel da informao ganha dimenso particular. H necessidade de informao para acionar esses objetos, e h informao neles mesmos.A crena na racionalidade tcnica e suas prticas promovem a fetichizao do objeto tcnico, quando este vem a ser o mesmo em toda parte, ou seja, quando tm umvalorsistmicoehistrico.Aautonomiadostecmafazverqueatcnicapode ser, ela mesma, objeto de culto. Como se pode observar: Oautomatismonovemaseraracionalidadetcnica:experimenta-se como que a verdade imaginria do objeto, frente a qual sua estrutura e sua funoconcretanosdeixambastanteindiferentes.(...)Nosomaisos gestos,suaenergia,suasnecessidades,aimagemdeseucorpoqueo homemprojetanosobjetosautomatizados,masaautonomiadesua conscincia, seu poder de controle, sua individualidade prpria38. Por que no seriam, tambm, objetos de culto as imagens tcnicas? A moda eosseusobjetosutilizam-sedessessistemasderepresentaes.Aencenao miditica das griffes brasileiras no SPFW um exemplo disso (ver item 1.14). 36 SANTOS, Ibid., p. 65/6. 37 SANTOS, Ibid., p. 90. 38 BAUDRILLARD, J. O Sistema dos Objetos. Traduo de Zulmira Ribeiro Tavares. 4. ed. So Paulo: Editora Perspectiva, 2000, p. 119/20. 32 DeacordocomSantos(1994),asambinciasurbanasconstroemoprprio sistema comunicacional que, a extremos, gera redundncias e incomunicao. Essa forma social que se sustenta na automao das aes exige dos sujeitos submetidos a essa lgica necessidade de mais e mais saber competente, graas ignorncia a quenosinduzemosobjetosquenoscercam,easaesdequenopodemos escapar39.Emltimaanlise,pode-sedizerqueosvaloresdassociedades tradicionaisforamsubstitudosporumaespciedesolidariedadeorganizacional, cujofundamentoaracionalidadedossistemasabstratosecujocombustvela informao.Mas, no basta reduzir a genealogia do objeto tcnico evoluo da tcnica. Afinal,poucosedizsobreahistriadosobjetos,aquenecessidades,almdas funcionais, atendem e que estruturas mentais fundem-se a eles. Com a pulverizao da praxis tecnolgica no dia-a-dia constituiu-se uma lei geral dos objetos no mundo tcnico-cientfico-informacional.Essesobjetosnoexistemisoladamente,nemso independentesdequemosacionaoucontrola.Atendnciadessemodelode sociedadedesenvolverepromoverhabilidadesnecessriasparaomanuseio eficientedastcnicasemergentes,deixandooindivduodesertoinconsciente delas(SANTOS,1994).medianteessacompetnciaperformticadosindivduos aomanusearemobjetos,aes,dispositivosesaberesentreelesastcnicasda aparncia que a sociedade atual se exprime. 1.6 A codificao das aes pelos sistemas abstratos Ao longo do tempo, os cdigos da cultura evoluram e se complexificaram. No mundocontemporneoapresenadelesnaesferatecnolgicaabrangesetores muitoespecficos.Soexemplosossistemasbancrios,oscartesdecrdito,a aviao,aInternet,osserviosdetelemarketingeasredesmundializadasdo circuitofashion.Arpidadifuso dessessistemas nodia-a-diadaspessoasresulta daincorporaosemprecedentesnahistriadasprxisadotadas.Osocilogo inglsAnthonyGIDDENS(1997)chamaaessaracionalizaodasaesde "sistema abstrato", como se observa a seguir:(...)ascaractersticasdesincorporadasdossistemasabstratossignificam umaconstanteinteraocomos'outrosausentes',ouseja,pessoasque 39 SANTOS, Ibid., p. 92. 33 nuncavimosouencontramos,mascujasaesafetamdiretamente caractersticas da nossa prpria vida40. O significado geral do conceito de sistema abstrato sugere uma relao entre oindivduoesupostasgarantiassimblicasapartirdeaesdistnciamediadas pela tecnologia, servios e o conhecimento dos especialistas. No raro essas aes quesupemaconfiananatcnicasoprocessosinterativossemrosto,entre mquinas. Nocampodamodainmerosexemplosajustam-selgicasistmicados objetos e aes. O know how dos produtores de moda, personals stylists e estilistas sefazemvernoslooksemolduradospelosoutdoors.Essaestticafuncional substituiu a mutualidade da mdia primria que o mundo tradicional oferecia. Assim, as influncias globalizadoras, tanto a mdia secundria como a terciria, se impem aohomemcomoummodelo,universalizando-seasescolhaseopadro comunicativo.Asubmissoaosobjetosdesrie,aabstraodoscorposnas imagenseasgarantiassimblicaspelasaesdistnciadesenharamumnovo ethosodavisualidade.Ossistemasabstratossondicesdatransioda sociedade industrial para o mundo tcnico-cientfico-informacional. 1.7 A moda como um sistema abstrato Chamar a ateno por meio de elementos do vesturio um dos padres de soluosimblicada cultura,mas,comojvisto,aforma-modatorna-setendncia somenteapartirdamodernidade.NoinciodosculoXXelaseinstitucionaliza, surgem os primeiros ateliers de costura, a comercializao em escala dos produtos demodaeaglamurizaodasmarcas.Istonosemrazodaexpansodo processodeindustrializaocomotambmpelainflunciadareproduodas imagensda modapormeio docinema, da publicidade, dasrevistasfemininaseda televiso.Primeiro,aroupafoisinnimodepoderestatusdegrupossociais;depois, comaapropriaoindividualdeinformaessobreamodaestasetornouuma competnciaindivdual administrvel,aquichamadadeidentidade porttil.A artee 40GIDDENS,Anthony;BECK,Ulrich;LASHScott.ModernizaoReflexiva.TraduodeMagdaLopes.-So Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1997, p. 111. 34 a tcnica do vestir aperfeioou-se. Ampliou-se o mercado de trabalho e a distribuio dosprodutosporintermdiodomarketing,doreposicionamentodasmarcas famosas, dos estudos sobre a segmentao do mercado e da leitura de tendncias. Comlogsticaprpriaedetentoradeumsaberespecializado,amodaadquiriuas maisvariadasexpresseseaplicaes.Osistemada modacontemporneacerca-se de profissionais envolvidos, essencialmente, com informao: estilistas, designers demoda,produtoresdemoda,consultoresdeimagem,vitrinistas,jornalistasde moda e outros. Mas, se durante dcadas a moda dominou a cena no varejo, hoje ela busca legitimao intelectual no sagrado mundo acadmico e na imprensa. Por meio dessaredetcnicadeaesossujeitos,informadoseinformatizados,compem umaidentidadevisual.NaInternetounasredesmundiaisdocircuitofashionos consumidoresconfiamnosistemadamodaprt--porter41.Essaconfianano sistemadosespecialistasdamodageraumsaltoparaaf,quesetraduzcomo aes conjuntas, sincronizadas, desses leitores de imagens e consumidores. O sistema da moda ao colocar emparelhados objetos e aes e disponibilizar soluesemrespostaaoclima,ocasiosocial,aoaportepsicolgicodousurio, svriasestticas,trajetriadosprodutos,aomercado,aoapelodas sobreposiesdasimagensqueoreferenciamnoambienteurbano,engendra possibilidades de alterar histrias de vida dado seu apelo sistmico, gramatical e de transformao.inegvelaqualidadecomunicativadamoda,umavezqueela reneumaquantidadedesinaislegveiscomoosgestos,amimeseeosusos variadosdosjogoscombinatriosdovesturio.Nessesentido,amodanoum conjuntoaleatriodeobjetos,masoresultadodamanipulaodemltiplas significaes pelo agenciamento humano local e temporal. ParaSANTOS(2004) amodatambmumprocessonointeriordoqualos objetos j nascem com data certa de morrer (quanto sua apreciao e valor). Um aspecto dos objetos tcnicos atuais que se constituem com a rapidez com que so substitudosouressimbolizados.Porm,ressalve-se:apesardaefemeridade,a modapermanececomoinstnciaprodutoradesentidos.Pelamodaousurio implementaedomina,comrapidez,ossignificantesdamodadesenvolvendo competncias mediante as tcnicas da aparncia e ao implementar significados por meiodavestimenta.Acadamensagemdovesturiofastdamodavose 41Prt--porteraexpressofrancesaparaready-to-wear.Criadanoinciodosanos50indicaaroupa comprada pronta, confeccionada em srie. (CALLAN, 2007, p. 256). 35 organizandoaesousubjetivaespontuais,reduzindo-seodiverso,oimaginrio infinitodamoda,aovesturioconcretoesingularinserido,aomesmotempo,em uma estrutura simblica social42. 1.8Encenaodabeleza:aOscarFreireeoconsumode imagens EstaestruturapodeserobservadanaruaOscarFreire,smbolodocircuito fashiondeSoPaulo.Organizadaemtornodossignoscontemporneosdoluxoe da moda e de seus mecanismos de produo, o espao reflete a prpria percepo daeconomiamundialglobalizada.Algicaquepermeiaessasrelaesado deleitedafantasiasubsumidanoprojetodeconsumo.Conjuntoorganizadode objetos tcnicos, de informaes e de aes, perspectiva a rua entre telas e vitrinas queasfazemexistireseapresentarcomoumgrandetecidoquenteecolorido, repletodeestmulos,entrecruzandopoderososcircuitosdamoda.Aresultante desseprocessoabrangeumitinerrioprodutivocolossal,desdeaproduodo algodo no meio rural, at o parque industrial txtil brasileiro, confeces, lojistas, os estilistasesuascoleeseoconsumidorfinalquequermoda,arte,informaoe culturajuntas.Aruarefletearelaocomosobjetosdamodarespondendoa condies sociais e tcnicas, presentes num momento histrico.Resultadodeumareflexodascondicionantesdaeconomiacapitalista mundialacercadoespaosocialurbano,aruaOscarFreire,aointerligar instantaneamenteoslugares,informatizaaesdocotidiano,ampliacrditos fomentandooconsumosemlimites,internacionalizaprodutoseidias,semoque nosecompreenderiaoconjuntosincronizadodeaesetcnicasquemovee conecta o homem ao meio em que existe. Sob o aspecto representacional, a fim de captarasdiferentesformasdeorganizaodesseespao,estasuamaneirade objetivar-se. 42 DORFLES, Gilo. Modas e Modos. Lisboa: Edies 70: 1996. 36 1.9 A observao do espao: um olhar metodolgico Os procedimentos metodolgicos so: 1) a observao emprica; 2) a anlise tericadoobjeto.Primeiramente,procurou-sepercebercomoaruaapareceao observadorcomseustempos,materialidadeselinguagens.Estaprimeira aproximaodofenmenorevelouquearuaOscarFreire,hoje,umespao comercialglobalizadovoltadoparaamodaeoconsumo.Alugarizaopermite detectarporsuascaractersticasfsicasefuncionaisoperfildeseupblico-consumidor.AruaeocomplexocomercialdobairropaulistanoJardinsadquire aura" de lugar quando muros, paredes, vias, bairros vizinhos e marcos referenciais comoosedifcios,aslojaseasmdiasderuasetornamelementosresponsveis pelaformaodeumaimagemdacidade(aOscarFreireumadessasimagens); freqentemente,esseselementossetornamidentificadoresdeorientaoparaos usurios ou habitantes. Aobservaodaruaapartirdonmero2.616mostrouquearuafazdivisa com a Avenida Dr. Arnaldo tendo a Estao Sumar como seu marco referencial. A primeiraimpressoapontatrsidentidadesoumomentosdaruacomtempos, linguagens e modelizaes distintos. So eles: o bairro Pinheiros, a Av. Rebouas e bairro Jardins e a rua Padre Joo Manoel. AchamadabaixaOscarFreireapresentaritmolento,baixacirculaode carrosepedestresepredominnciadecomrciodeservios.Apresenadeuma academiademusculao,quetemnafachadaumsuperdimensionadopainel abstratorepresentandoaprticadorappeloalpinismodecidade,revelaa personalidademutantedarua.JnotrechoconhecidocomoaltaOscarFreire,se instalaram, nos ltimos 15 anos, as maiores grifes de moda do Brasil e um conjunto significativodemarcasinternacionais.otrechomaisbadaladodarua,ondea mesmaseexpandenassuasadjacncias-AlamedaLorena,MelloAlves, Consolao, Bela Cintra e Haddock Lobo. As fachadas das lojas refletem o cuidado com a imagem do espao. O padro das construes revela, tambm, mudana de status e de poder aquisitivo. Neste trecho se concentra o comrcio de luxo, grifes de modaelojasdeobjetosdedecorao.Observa-seaprticadepreosaltos,bem comoreduzidocontatoentrevendedoreconsumidor.Marcasinternacionaiscomo Diesel,TommyHilfigher,GiorgioArmanientreoutras.Observa-se,tambm,queo 37 ladodireito(nosentidodofluxodoscarros)estdirecionadoparaamodajovem, enquantooladoesquerdoestvoltadoparaumpblicoconsumidorclssico,mais conservador.Otrechofinaldaruaemenosexploradopelamdia,poucose comunicacomossignosdaaltaOscarFreire.DeclinandonaalturadaAlameda Casa Branca, tem comrcio de pouca expresso como os antiqurios, que lembram depsitos ou restos de relquias de um passado portentoso. 1.10 O jeito de ser Oscar Freire: um endereo sofisticado Ocomplexoda moda OscarFreire eadjacncias(verfigura 2),segundo dadoslevantados,vendemaisde60grifesestrangeiras,entreelas,algumas exclusivas no Brasil como Valentino e Balenciaga43, alm das famosas e desejadas Giorgio Armani, Diesel, Kenzo e Louis Vuitton. Figura 2: Esquina Oscar Freire e ConsolaoFoto: Joo Ciacco (maio, 2004) 43 Seminrio Consumo de Luxo. Jornal Valor Econmico AMCHAM (28.05.2003), Endereo sofisticado caro para as grifes, por Mrcia Pereira. Caderno Especial, p. 1- 4. 38 Paraexecutivosdomercadodeluxoalgumasmarcas,especialmenteas clssicas, dispensam a exposio massiva em mdias publicitrias. Ocorre fenmeno inverso:ossignificadosdestatusequalidadequeaseternizaramnomercado garantemaimagemdeprestgioepersonalidadequeconferevalormarca.O complexo Oscar Freire, conhecido como espao da moda, tornou-se, ele mesmo, um espaopublicizadoemboranodispense,emalgunspontosdarua,oapoiode bannerseoutdoors.Nesseespao,osentidocomumdaexpressobaterperna reinterpretado,poisnelecirculamindivduosdispostosagastarotempoentreas vitrines.Curiosamente,antesdeaOscarFreireocuparessacentralidade,arua Augusta era o ponto alto da cidade de So Paulo. Nos anos 60 at metade dos 70, ela foi palco da juventude e das trocas subjetivas, sem deixar de ser referncia das tendncias da poca. Mas, se h uma semelhana entre essas duas ruas , talvez, o fato de que ambas possuem o carisma dos endereos da fama. No entanto, a Oscar Freire no parece cultivar essa capacidade aglutinadora dolugar,ondesedocontatoface-a-face,poisaruadamoda,acadainstante, subtrai o olhar do transeunte para suas fachadas enfeitadas. Trata-se de um espao dramatizadoquerefleteadisposiodaruaemtransmutar-sesempreemoutra coisa. uma rua que fala de si mesma, onde as pessoas representam. Aconcentraodelojasdegrifenaregioumndicedessaavaliao. SegundoaONGBoulevardOscarFreire,quecongregamaisde300empresrios locais e globais, por dia, pelas caladas e ruas do circuito Oscar Freire circulam 6 mil pessoas, e, por seus paraleleppedos, 900 carros por hora. Nessecorredordeluxoobjetosdodesejosoexpostospelasapoteticas marcasinternacionais-doscosmticoseperfumesimportadossjias,carrosde luxo, roupas de grifes famosas e acessrios associados ao estilo esnobe de viver. Trata-sedeumaseletivafatiadomercado,movidapelodesejodestatussocial diferenciado,bemcomopelasaltascifrasquealimentamesseimportanteeixo comercial da cidade. Omercadodeluxosedefineporcertotipodeconsumidorougrupode indivduos, menor que os outros segmentos do mercado, cujos participantes podem estarprocuradeumaespecialcombinaodebenefcioseinteresses44.Defato, lembra o filsofo francs Gilles Lipovetsky (2002), a moda hoje no se restringe ao 44 MOREIRA, Jlio Csar Tavares. Dicionrio de Termos de Marketing. 3.ed So Paulo: Atlas, 1999, p.255. 39 vesturio.Elaregeoutrasesferasdavida,comoocultoaocorpo,oconsumoeo bem-estar.45Nasescolhasdeobjetosebenscomomoradia,vesturio,perfume, jias,viagens,sucessoprofissional,revelam-sedesejosdebem-estarede realizaodeanseios pessoais46.O ideriodo bem-estarajuda compreendero por qu desse espao concentrar e representar, como outras ruas famosas no mundo (a exemplodeMiloouLosAngeles),marcasdesucessointernacional.Oquese consome o jeito de ser Oscar Freire, ou seja, um estilo de viver. Oespaodamodaedoluxoorganiza-seemtornodossmbolos contemporneosdamodaedeseusmecanismosdeproduo.Progressivamente, firma-secomoumcomplexosocialeeconmicodacidadedeSoPaulo.Algica quedetermina taisrelaespermiteentendero espaocomoumsistemasolidrio. Se o significado desse espao ser imagem, essa rede simblica de objetos que o fazexistireaformacomoseapresentamovimentamacriao,produoe expansodenichoscomerciaisdaindstriadamodaedabeleza.Aresultantede todooprocessoabrangeumitinerrioprodutivocolossal,desdeaproduodo algodo,nomeiorural,atoparqueindustrialtxtilbrasileiro,confeces,lojistas, os estilistas e suas colees levando ao consumidor moda, arte, informao, cultura. Nenhumaaoaleatriaesesustentaemumdadomomentohistrico.As determinaesdaeconomiacapitalistamundialsobreoespaourbanointerligam instantaneamentelugares,informatizamaesdocotidianoeampliamcrditos. Fomentam o consumo sem limites e fazem-no com o auxlio de saberes como os da publicidade e do marketing, que regulam as experincias dos consumidores com os respectivosprodutos.Oconjuntosincronizadodessasaesetcnicasmovee conecta o homem ao seu entorno. 1.11 A marca-imagem Apublicidadecriaparaamarcaaimagemdousuriodoproduto,quepode ser real ou idealizado. De acordo com as teorias do marketing47, toda marca constri umaimagemeestapolarizaemtornodesiahistria,osvaloreseas 45 Veja 25 de setembro, 2002; entrevista com Gilles Lipovetsky, por Silvia Rogar, p.11. 46 ALLRES, Danielle. Luxo...: estratgias/marketing. Traduo de Mauro Gama. Rio de Janeiro: FGV, 2000, p. 93. 47 Os autores das teorias do Marketing mais estudados no Brasil so: Philip Kotler, Sal Randazzo, Jos Martins, Mauro Tavares, Marcos Cobra entre outros. 40 representaesque,eventualmente,atornamumsmbolouniversal.Amarcaest associadatantoaoprodutoquepatenteia,produzedistribuiquantoimagemde seuprodutonamentedoconsumidor.Assim,comumexistiremrepresentaes quenoesto,necessariamente,associadasaosbenefciosdiretosdoproduto adquirido,massefixamnoimaginriocoletivoporquecomunicamganhos secundrios. Toda marca possui uma alma ou essncia que a distingue das demais. A grife Louis Vuitton, smbolo de prestgio e luxo. A cobiada linha de produtos exclusivos bas, bolsas e acessrios - tornou-se um fetiche e/ou obsesso para mulheres com poder aquisitivo elevado de todo o mundo48. O produto de luxo, hoje, tem um novo componente: ele se adapta ao mercado consumidordecadapas,oferececondiesdiferenciadasdepagamento,adequa-sesestaes,scorespreferidas.ochamadofastfashion.Aregra,noluxo comonamoda,estudaromercadoeadaptarascoleesscondieslocais, econmicaseculturais.Atualmente,nemsempreomundodamodadiferedo segmentodeluxo.UmexemplorecenteoboomdassandliasHavainasna Europa.Desimplessandliadetirasdeborrachaparaserusadanapraiaouno domniontimopassouaobjetodecultoatingindocotaodeUS$50(oumais)o par no mercado externo. Pode-se verificar a afluncia de segmentos do mercado que no pertenciam a essacategoriacomooscelularesdealtatecnologiaqueentraramparaomercado de luxo. To forte o apelo das marcas que vendem produtos de luxo na mente do consumidor,quearazoparaqueumamarcadeexpressonomercadomundial venhaaabrirumalojanaOscarFreireofatodeque,estarl,podesignificar credibilidade marca.Nafigura3observa-sequeonomedarua reforaacredibilidadedamarca, estabelecendoentreambasumelodecontinuidade.OcomplexoOscarFreire, pode-se dizer, auto-referente. 48RANDAZZO,Sal.Acriaodemitosnapublicidade:comoospublicitriosusamopoderdomitoedo simbolismo para criar marcas de sucesso. Trad. Mario Fondelli. Rio de Janeiro: Rocco, 1996, p. 40. 41 Figura 3: Loja CrawfordFoto: Joo Ciacco (maio, 2004) 1.12 Shopping ao ar livre ou rua de comrcio? Comoruaqueaindaguardaalgunsndicesdopassadoascasinhas geminadas,aescaladaruaeosparaleleppedosnosepodedizerquearua reproduzaomodelofuncionaldosshoppingscenters,queobrigamoconsumidora percorrer todo o circuito de lojas para, eventualmente, dirigir-se a uma s. uma rua semdeclive,queestimulaoolharpelaproximidadeentreosestabelecimentosea comunicaovisualdaslateralidades.Ofereceaopblico-consumidora possibilidade de realizar um percurso rpido ante a sucesso de lojas programadas para atrair atenes sobre o promissor mercado de bens de luxo e moda. A fim de valorizar a imagem da rua, a prefeitura, em parceria com os lojistas, desenvolveuumprojetoderevitalizao,confirmandoavocaodoespaoparao lazer e o consumo. O trecho que sai da rua Mello Alves Augusta estar 50% mais larga (...). Alm disso, os fios ficaro nos subterrneos, as lojas ganharo placas nas fachadascomseusnomesembraileearuareceberumbanheiropblicoe 42 iluminaorasteira.49Aomaquiar-se,aOscarFreirerevelaouniversode representaesquetraduz:opoder,aascensosocial,ocapitalprivado,os investimentosemescalamundialentreoutros.Aruarefleteodesejodeestar integradoaomercadomundial,perpetuadopeloscircuitosinternacionaisde informaoediverso(JAMESON,2004:71).Oprojetopretendeesconderas marcas visuais contrastantes entre ela e as vias menos conhecidas de seu entorno ruas que no tm a moldura das marcas mundiais. Oscircuitosprodutivosreorganizamosespaospreexistentes,isto,ouso doterritrio mudasegundoosfluxosdeinformaoematria.Sabe-sedoaspecto especulativoquenorteouoempreendimentoimobiliriodaVilaAmricanas primeirasdcadasdosculoXX,esquadrinhandoaruaemreduzidosmetros quadrados a preos excessivamente elevados; a valorizao especulativa da regio e sua centralidade, a incorporao da cincia e da tcnica no dia-a-dia das pessoas eocomrcioespecializadotalvezexpliquemosusosquefizeramdaOscarFreire um importante corredor comercial, vinculando marcas nacionais e estrangeiras a um mercadocomum.Aambientaomarcadamentevisualdasfachadasdaslojas reproduz esse efeito de espetculo hollywoodiano. possvel observar, na figura 4, aonipresenadaluzocupandoosespaosdoestabelecimento.Comotrao inegveldamodernidade,aeletricidadeatravessaaopacidadedanoiteeda sombra, afugentando o feio e o envelhecido das paredes dos prdios para abrigar os sonhos,arazoeavisibilidade.Oprocessodeinvasosensorialquetodaessa luminosidadeartificialprovocanatransparnciadosvidrossustentadospelafina estruturademetaltornaetreooambiente.Ascidadescontemporneas,quese distinguempelavisualidadedasformasequeseconstruramsobagideda comunicaodemassa,tmsuamarcavisualnocartersimblicodasfachadas que em vidro, ao e concreto, encobrem o interno, visto que, agora, o que importa oexterno,suaaparnciaquecaracterizaopoderglobaldasmegaempresas financeiras. A objetiva fotogrfica ou videotecnolgica, as mdias externas com suas imagensestticasouemmovimento,substituemoolhoesuacapacidadede recepodeestmulosvisuais.50Aqui,oespaoqueabrigaamatriadensae corprea se metamorfoseia em viso. 49JornalValorEconmicoAMCHAM(28.05.2003),Endereosofisticadocaroparaasgrifes,porMrcia Pereira. Caderno Especial - Consumo de Luxo, p. 1 a 4. 50 FERRARA, Lucrcia DAlessio. Designe em Espaos. So Paulo: Edies Rosari, 2002, p. 124. 43

Figura 4: Fachadas de vidro Foto: Joo Ciacco (maio, 2004) 1.13 O Consumidor-imagem A moda caracterizada pela diferenciao de seu pblico e a volatividade do seuciclodevida.Aaquisiodeprodutosnoestintrinsecamenteligada apreciaodoobjetoemsi,masnecessidadesocialqueaspessoastmde aparecer.Osconsumidoresdosprodutosdeluxodesejamimpressionarpara alcanarougarantirvisibilidadenasociedade.Dessemodo,paraumapessoada classeA, vestirumaroupadegrifesignificacomunicarstatusedefinirum estilo de vida51,issoporqueamodapolarizaduastendncias:sermeiodecomunicaoe instrumentodesegmentaodomercadocombaseemagrupamentossociais.A mediao pela roupa faz caminhar significados e sentimento de pertena. 44 Atualmente, aliberdadede comprarou no determinadoprodutodepende, a cada instante, da renda de que se dispe, e, tambm, da capacidade de administrar asinformaesconstantementerecebidasatravsdamdia.Oconsumotemaver comoshbitos.Asmodificaesdesseshbitosrevelamadisposiodo consumidoremrevisaraescaladeprioridades.Comprar,portanto,umato cognitivo que pe em jogo o passado, o contexto imediato e suas necessidades e o futuro.Nodifcilreconheceresseselementosnasimagensdamodaeda publicidade, uma vez que funcionam como cdigos que orientam estilos de vida. Genericamente,possvelagruparnaOscarFreiretrscategoriasde consumidores-imagens:1)osquejtemnotabilidade;2)osquealmejamsere precisam aparecer; e 3) os que querem consumir informaes/imagens. A categoria 1 inclui os ricos, a elite representada pelos bem vestidos, os bem nascidos, a classe AA. Acategoria2compreende,emgeral,homensemulherescomlimites elevadosnoscartesdecrdito,ascelebridadeseempresriosdesfilandoem carros de luxo. A categoria 3 remete aos curiosos e aos indivduos globalizados que buscam informaessobremoda,tendncias,arte,linguagem,mdiaecomportamento. Conhecimento para este grupo vital. Os elementos do vesturio so ndices sobre os seus estilos de vida. Aestratificaosocialemclassesdistintasumfenmenopresenteem diversas culturas. No meio urbano o anonimato uma prtica comum e pessoas so classificadas como tipos ou imagens. As pessoas praticam o distanciamento social e areproduodosesteretipos.Oscdigosdecomportamentonocontextourbano criam tipificaes, como se observa a seguir: Os humanos que conhecemos so sempre humanos especficos, humanos classificados,humanosdotadosdeatributoscategoriaispelosquaisse podemidentificar.Oespaoentreosplosdeintimidadeeanonimato feitoprecisamentedessasclassesecategorias.(...)Nsnoconhecemos esseshumanos;sabemossobreelesdemaneiraindireta,pelainformao queajuntamossobreascategoriascujosespcimeselesconstituem. Sabemos sobre eles atravsdo processo de especificao como tipos, e no como pessoas (BAUMAN, 1997:171). 51COBRA,Marcos.Sexo&Marketing:reflexesacercadainflunciadosapelosdosexonomarketing 45 Comoimagensoutipososindivduoshojesereconhecememumcenrio comum: o miditico. Freqentemente, o que vem e compram so imagens prontas paraoconsumo.Asimagensidealizadasdamdiarefletembeloscorpos,marcas famosas,riqueza, perfeio.Construdas nojogarda moda,essasimagensenviam oconsumidor-espectadoraestruturasdesignificadosdaculturacontempornea: ruas, shoppings centers, eventos de moda e espaos hibridados de cultura e mdia. Os espaos sociais urbanos interagem com outdoors e banners em publicidades que anunciamaimagemideal.Essesquadrosurbanosalcanamosujeitopsicolgico contemporneo,capturadopelalgicadaexposionoemaranhadodiscursivode telasimaginriasqueditame(e)ditamocotidiano.Apublicidadedemodaparece jogar, em face dessas demandas de satisfao narcisistas, o jogo dos esteretipos e dos sempre novos modos de (se) ver. Ocorrequeportrsdaindstriadoconsumocresceoespritohedonista.A manipulaododesejopelasimagensmiditicasanunciandoabelezaidealou consensual produz seus efeitos. No h limites para o belo e nem para o prazer na culturadopresente.Acontrapartidadetodoesseinvestimentoemimagem, certamente,olucrodosnegciosquemovimentamomercadodeluxoemoda alimentado pela satisfao das expectativas de um consumidor em sintonia com os lanamentos da prxima estao. Projetar-senaeconomiamundialnotarefafcilparaonascente empresariadobrasileironosramosdamodaedaindstriadabeleza.Aacelerada interdependnciaeconmicaglobal,adifusomundialdasnovastecnologias,as redesinformacionaismdiassecundriaeterciriareestruturaramaspolticas mercadolgicascontemporneas.Paramanterumaboaimagemnomercadoa marca precisa de visibilidade. Na esfera local, a funo da Oscar Freire movimentar o mercado de luxo e moda erespectivashierarquiasprodutivas, enaglobal, serimagemdasgrandes marcas para o mundo. A construo imagtica da rua revelou a relao necessria deumaclassedeobjetos,queso:aslojas,osnegciosdamoda,oconsumo,a imagem,odesigneaarquitetura,oslojistas,aprefeituraeoprprioconsumidor. Trata-se de uma lgica comercial atenta s vocaes do presente. contemporneo. So Paulo: Cobra Editora e Marketing, 2002, p. 157. 46 Na ponta desse iceberg est o consumidor globalizado e bem informado que, pelas escolhas que faz, - vesturio, aparelhos celulares, carros, locais que freqenta, liquefaz as fronteiras sociais fazendo da rua o seu espelho. A anlise a seguir trata daespecificidadedoluxoedamodaemeventosquepemladoaladoo consumidor e o mercado. 1.14 O fascnio das semanas de moda OSoPauloFashionWeek,eventodemodaanualresponsvelpela movimentao de bilhes em negcios diretos e indiretos, perpetua o quadro acima explicado. Verdadeira instituio, o SPFW arraigou-se no calendrio oficial da moda brasileiraequetemdesdobramentosemoutrascapitais.Oconsumidorbem informadopodealavancaremaximizarvendas.Oeventoretrataouniverso multimiditicoquegiraemtorno da moda, ondesev,aolongodesete dias, alm dosdesfilesdasgrifesestabelecidasedasqueestoemteste,artesplsticas, fotografia,msicaedesign.H,tambm,umaexplosivacombinaoentre entretenimento (os lounges) e business. Na18ediodoevento,emjaneirode2005,abebidabrasileiradestilada mais famosa, a cachaa, representada pela marca 51, ostentou sofisticados drinks oferecidos aos visitantes, associando uma bebida popular ao universo do glamour. A marca Natura, que desenvolve produtos de beleza e cosmticos, promoveu ainteraoentrenaturezaecultura.Pormeiodasimulaodesonscomoocanto dos pssaros, o rudo dos ventos e das cachoeiras o espao proporcionou sensao deproximidadecomanatureza,ao mesmo tempoemquevendiaumaimagemde preservaodomeioambiente.Oobjetivoerapromoveramarcaeapresentar produtos (souvenirs) especialmente criados para proteger a beleza das modelos do efeito desgastante dos desfiles. Conjugam-se,semdvida,interessesdiversosnesseuniversodesonhos, querevisitapocas,lugares,sensaes,iderios,sentidos;dofabricantedefibras decelulose aostecidos inteligentes desenvolvidosparaaperformancee oconforto individual, da combinao de cores e formas dos looks aos corpos sedutores, tudo, ali, reflete uma elaborada trama de captura do consumidor almejado. 47 No Brasil So Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Braslia compreendem ocircuitodoseventosdemoda.Nessescentroselesapresentamimprensaeao pblicoas novastendncias daestao.A movimentaodeste mercado provocou a proliferao de escolas superiores de moda. Os cursos tcnicos, tecnolgicos e de graduao desenvolvem e estimulam conhecimento orientado para a rea. Na moda esto em jogo um conjunto de funes e informaes que permitem rastrear o tempo de vida de uma roupa, de um produto, de uma idia e at de uma sociedade.Semessaconscincianopossvelvestirouvenderqualquercoisa, aindaquesecomemoremvantagensnopulsardeprodutosdespejadosnas prateleiras.Aroupaqueprimapelodesignatualizadotendeapermanecerno universodasescolhasindividuais.Oconsumidorconscientedo repertriosimblico damodapertencequelaredetcnico-cientfica-informacional.Amoda contemporneafrutodasprticassociaisdaaparnciaedeumcuidadoso planejamento, calculado pelo mercado. 1.15 Moda: um capital simblico H uma dupla estrutura no mundo social. A de primeira ordem funcional, ela referentedistribuiodosrecursosmateriaisedosmeiosdeapropriaodos bens.Adesegundaordemrelativamatrizsimblicadasaeseseapresenta sobaformadeesquemascorporaisementais.Umexemplosoasprticasda aparncia. Afimdeentenderosmecanismossociaisquesustentamaoknowhowda moda,importanteobservarnoapenasasuaestruturamaterial,econmicae tcnica;deve-seestaratento,tambm,aoconjuntodeprticasdovestirquelhes do vitalidade. A anlise sociolgica de Pierre BOURDIEU (1998) uma importante chavedeleituraparacompreenderarelaoentreosrecursosmateriaisdeuma sociedade e a matriz simblica de suas prticas. Segundo o autor, toda prtica social contmumaracionalidadeimanenteaoseusistemahistricoderelaes.Aessa racionalidade prtica o autor chama de habitus. Ela tem a ver com o modo como os indivduosparticipamdaproduoouconstruodoselementosqueadensama estrutura social qual pertencem. Como agentes sociais e polticos, eles, agora em primeiroplano,tmpapelativonaconstruodomeioemquevivem.Ohabitus, 48 tambm,chamadodeesquemadaao,umavezqueremeteacertas predisposies para agir como nas maneiras de andar, nos modos de vestir-se, nas tcnicas corpreas e no manuseio de utenslios. Os esquemas mentais enformam a estrutura social do grupo. Isto significa que a repetio das aes leva o indivduo e ogrupoainteriorizaremasnecessidadesdoambientesocialexplorandomaisou menos conscientemente suas foras. Aeconomiadaroupaentreoutrossistemasrepresentacionaisuma estratgiasocialquemovimentaossignosdisponveisemumadadaestrutura (ROCHE, 2007: 513). Tanto ROCHE (2007) quanto BOURDIEU (1998) deixam claro queessa estruturanosomentea soma dasaes,mas oprpriomeioreflexivo das aes. Alegitimaodoscampossimblicosnamodernidadepassouportrsfases distintas. A primeira foi o surgimento de um pblico. Criaram-se demandas e novos pblicosnointeriordeumacadeiaautoremissivademercadoriasesignificaes, quemantinhamrelativamenteindependentesosvaloresculturaisemercantis. Atualmente,ograudeautonomiadocampodamodaestrepresentadonasua pujana econmica. A segunda fase foi a constituio de um corpo de produtores de bens simblicos que reconheceram os imperativos tcnicos e normativos de acesso profisso(profissionalizaodamoda).Aterceirafasefoiamultiplicaoea diversificaodasinstituiesburguesaslegitimadorasdessasemergentes produesculturais.Foinestecontextosocialquesurgiuocampodiscursivoda modaesuasinstnciasdifusorasrevistasfemininas,sitesdemodaemais recentemente a Academia. Herdeiradasinstituiesburguesas,amodaemergecomouma"esfera autnoma"emrelaoaospoderesdaIgrejaedaAcademia.Ganhandoimpulso com a Revoluo Industrial no sculo XIX, de certa forma ela se identifica com esta. Nasce,nestecontextodevultuosastransformaes,aindstriadacosturaejunto comelaumpblicoexigente,segmentadoemovidopelanovidade.Desdeos sculosXVIeXVIIIosofciosdaindumentriaaprimoram-senaartetxtil,nos engenhodosaviamentos,nocomrciodematria-prima.Entreelesesto:os fabricantes de roupas, os proprietrios de armarinhos, os comerciantes de peles, os fabricantesdemalha,deagulhasealfinetes,asfiandeirasdeouroeprata,os ourives, os cardadores, os linheiros, os plumaceiros, os tintureiros, os fabricantes de roupabranca,osbotoeiros,osfabricantesdefitas,osbordadores,oscinteiros,os 49 chapeleiros,ossapateiros,ascostureiras,oscomerciantesderoupausada,os alfaiates, os luveiros, os perfumistas, os barbeiros, os peruqueiros, os cabeleireiros e as lavadeiras52. Nesses sculos a diversificao dos gostos e a segmentao social foramasresponsveispeloaumentodointeressepelamoda.Assim,ogostodo pblicoincentivaaindstriaeocomrcio,queposteriormentecrescemaindamais comasexportaes.OtecidodaFranaeamodafrancesacaminhamdemos dadas.Ovesturioproduzidoparaamassa(achita,asroupasemalgodo, geralmenteusadas pelacriadagem eos funcionrios)caminha,emparalelo, com o vesturiofeitoparaasclassesnobres(umaproduocaraquedemandavalongas horas de trabalho). Como se v, as prticas da moda operam em um campo de lutas edisputasmanifestasnointeriordeumaamplareadesignificaoqueinclui:a esferasocial,odesenvolvimentotecnolgico,ospadresdeconsumo,arelao entre os criadores da moda, o comrcio e a indstria. Associedadescontemporneas,moldadaspelocapitaleatcnica, pertencemaumsistemadeforasquedisputaumpodersimblico.Amodase institucionalizou;posicionou-seaoladodeoutroscampossimblicos.Elasemove tantonocampodaproduoartsticadoolharestticocriaodaspeasde vesturio por estilistas e designers, os espaos urbanos que hibridam moda, cultura eentretenimentoatovoyerismoinerentesprticasdoconsumo,quanto protagonizaacomplexacadeiadeaesqueintegramaproduomaterial,a circulao,adivulgaoeoconsumoderoupas,calados,acessrios,designes, fotografias de moda, revistas especializadas, prteses de silicone para remodelagem do corpo, fitness, cirurgias plsticas entre outros produtos. Entreasdiversasesferashegemnicascadacamposimblicogeraassuas representaes, como esclarece um pesquisador da Universidade de vora: Umcampoumconjuntoderelaesobjetivashistricasentreposies fundadasemcertasformasdepoder(oudecapital).Estasordensdevida econmica,poltica,religiosa,estticaeintelectualnasquaissedivisaa vida social, cada campo, no moderno capitalismo, prescreve os seus valores particularesepossuiosseusprpriosprincpiosderegulao.Estes princpios definem os limites de um espao socialmente estruturado no qual osagenteslutamemfunodaposioqueocupamnesseespao,seja paraomudar,sejaparalheconservarasfronteiraseaconfigurao (WACQUANT, 1992. http://home.dsoc.uevora/responses.htm). 52ROCHE,D.ACulturadasAparncias:umahistriadaindumentria(XVII-XVIII).SP: SENAC,2007,p.267-286. 50 Aremissodosprocessossimblicosdeumcampossuasbasessociais e/ouideolgicasmostra-setangvel.oquesevnoconjuntodasimagensda moda e nas prticas do vestir. Estas, ao remeterem a significaes concretas, desde a manufatura das peas at a apropriao do vesturio como informao, disputam comoutrasprticasalegitimaodessesaber.Porexemplo:aspessoasque seguemriscaastendnciasdamodabuscamumadiferenciaoestticadentro doseugrupodeconvviosocial.Todocamposimblicofalaapartirdosprprios interesses e estes, ao se confrontarem com interesses de outras esferas, legitimam o prprio campo. O raciocnio de BOURDIEU (1998) permite compreender por que as imagens da moda constituem-se em um campo ideolgico-discursivo indissocivel do sistema tcnico-cientfico-informacional.Asimagensdamodaconsolidaram-seapartirda linguagemdeseduodapublicidade.Assim,semprequeestilistasdeexpresso mundialditamtendnciaseexportamgriffesomercadodasimagensalimentao imaginrio do consumidor. Um dos braos mais importantes desse campo material e simblico so as colees prt--porter disponveis nas lojas. Essas colees fazem uma leitura standard das colees das grandes maisons para o guarda-roupa dirio dos usurios de acordo com as exigncias de cada estao. Mas,nosisso.Nessascondies,opblicoreceptorumalterego contemporneo ou futu