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COGNITIO: Revista de Filosofia ISSN 1518-7187 Indexação: The Philosopher`s Index; Citas Latinoamericanas en Ciencias Sociales y Humanidades (CLASE) Banco de Traduções Tradução de artigo publicado no número 3 – novembro de 2002 PEIRCE SOBRE CIÊNCIA E METAFÍSICA: VISÃO GERAL DE UMA VISÃO SINÓPTICA C. F. Delaney Universidade de Notre Dame – EUA Cornelius.F.Delaney.1@ nd.edu Original em inglês. [Tradução para o português de Cassiano Terra Rodrigues [email protected] ] A prioridade explicativa da ciência natural é uma marca distintiva do pragmatismo na tradição de Peirce. Em seu caso, o lugar de destaque concedido à ciência natural referia-se, em primeiro lugar, à ciência concebida concretamente como uma metodologia hipotético-dedutiva constrangida empiricamente em vez de a qualquer instância específica da teorização científica, mas este privilégio alastrou-se para explicações científicas efetivas concebidas como se convergindo, no limite, para uma explicação completa. Da perspectiva de Peirce, contudo, tal privilégio da ciência natural não exclui a especulação metafísica, mas antes, a requer. Entretanto, o tipo de metafísica que a visão de Peirce requer, uma

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COGNITIO: Revista de FilosofiaISSN 1518-7187

Indexação: The Philosopher`s Index; Citas Latinoamericanas en Ciencias Sociales y Humanidades (CLASE)

Banco de TraduçõesTradução de artigo publicado no número 3 – novembro de 2002

PEIRCE SOBRE CIÊNCIA E METAFÍSICA: VISÃO GERAL DE UMA VISÃO SINÓPTICA

C. F. DelaneyUniversidade de Notre Dame –

[email protected]

Original em inglês.[Tradução para o português de

Cassiano Terra Rodrigues [email protected] ]

A prioridade explicativa da ciência natural é uma marca distintiva do pragmatismo

na tradição de Peirce. Em seu caso, o lugar de destaque concedido à ciência natural referia-

se, em primeiro lugar, à ciência concebida concretamente como uma metodologia

hipotético-dedutiva constrangida empiricamente em vez de a qualquer instância específica

da teorização científica, mas este privilégio alastrou-se para explicações científicas efetivas

concebidas como se convergindo, no limite, para uma explicação completa. Da perspectiva

de Peirce, contudo, tal privilégio da ciência natural não exclui a especulação metafísica,

mas antes, a requer. Entretanto, o tipo de metafísica que a visão de Peirce requer, uma

‘metafísica científica’ moderada, é delimitado em estatuto cognitivo e tem vários papéis

distintos no acabamento de sua visão da empresa cognitiva como um todo.

Na tradição de seu mentor espiritual, Immanuel Kant, Peirce distinguiu o estilo de

metafísica que era aceitável do estilo que era inaceitável, embora a linha traçada por ele não

fosse nem extensional, nem intensionalmente equivalente à traçada por Kant. Peirce foi

devastadoramente crítico do que ele chamou de metafísica “ontológica” ou “a priori”. Essa

designação pretendia identificar aquela tradição racionalista na metafísica que se propunha

demonstrar verdades acerca da natureza da realidade a partir de princípios a priori. Foi esta

tradição metafísica que deu origem a comentários tais como “as demonstrações dos

metafísicos são todas fantasias” [C. P. 1.7], e cujas conclusões ele descreveu como

“futilidade metafísica” [C. P. 8.191]. Peirce via essa tradição na metafísica como

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efetivamente eliminada pela máxima pragmática: “ela servirá para mostrar que quase toda

proposição da metafísica ontológica é ou palavrório sem sentido – uma palavra sendo

definida por outras palavras e estas ainda por outras – ou mais, é francamente absurda” [C.

P. 5.423]1.

Peirce, contudo, não era um positivista. O ataque à metafísica ontológica pretendia

ser em nome de uma metafísica purificada no espírito e usando a metodologia de

observação das ciências naturais. Seu primeiro ponto é que a metafísica científica “está

comprometida com a investigação de assuntos de fato, e o único caminho para os assuntos

de fato é o caminho da experiência” [C. P. 8.110]. O segundo ponto é que o único caminho

para investigar a experiência é com ‘uma atitude científica’ e usando ‘o método científico’.

A atitude científica é um lance cognitivo de mente dominado pelo desejo de descobrir a

verdade qualquer que possa ser (em contraste com a ‘atitude de seminário’ que é aquela de

preservar ou defender a verdade a todo custo), e o método científico é uma metodologia

hipotético-dedutiva constrangida empiricamente e socialmente incorporada. Essa

combinação de atitude e metodologia é os tijolos da definição central de ciência de Peirce:

“ciência deve significar para nós um modo de vida cujo único propósito vital seja encontrar

a verdade real, [um modo de vida] que persiga este propósito com um método bem

considerado, fundado sobre uma familiaridade completa com tais resultados científicos já

assegurados por outros conforme possam estar disponíveis, e que busca a cooperação na

esperança de que a verdade possa ser encontrada, se não por qualquer dos investigadores

efetivos, ultimamente por aqueles que vierem depois deles e que deverão fazer uso de seus

resultados” [C. P. 7.54]. Com essa definição de ciência em mente, ele continua a insistir

que a menos que construamos a metafísica como uma tal “ciência de observação,

apliquemos a ela os métodos universais de tal ciência sem dar a mínima para que tipo de

conclusão alcancemos ... , mas apenas sinceramente aplicando a indução e a hipótese, não

poderemos obter fundamento algum para esperar que as disputas e obscuridades do tema

possam por fim desaparecer” [C. P. 6.5]. Seu terceiro ponto, entretanto, é que a despeito

dessas continuidades a metafísica científica seria bem diferente das ciências especiais tanto

quanto à generalidade de suas reivindicações quanto aos tipos de experiências, das quais

extrai, para sustentá-las: “a única diferença essencial entre a metafísica e a meteorologia, a

1 Todas as citações de Peirce no texto são para os Collected Papers of Charles Sanders Peirce, 8 vol(s)., Ed(s).: C. Hartshorne, P. Weiss e A. Burks, Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1931-1958.

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lingüística e a química, é que ela não se vale de microscópios, telescópios, viagens ou

outros meios de adquirir experiências recônditas, mas contenta-se em assegurar tudo o que

pode ser assegurado de uma experiência tal como a que cada homem passa em cada dia e

hora de sua vida” [C. P. 8.110].

Antes de explorar os vários papéis que esta metafísica científica tem na empresa

cognitiva completa de Peirce, em pouco mais deve ser dito metodologicamente sobre os

traços distintivos da metafísica. Em sua arquitetônica das ciências filosóficas (que as

ciências especiais em diferentes sentidos ‘pressupõem’) Peirce situa sua metafísica

científica como a quarta na ordem de prioridade lógica, atrás da matemática, da

fenomenologia e das ciências normativas (inclusive a lógica) e descreve a metafísica como

uma abordagem científica superabrangente dos perfis mais gerais da realidade, ao mesmo

tempo matéria e mente na medida que essa abordagem possa ser sustentada pela observação

ordinária [C. P. 1.186, 1.282].

‘Observação ordinária’ é a noção axial. Ao passo que as observações invocadas nas

ciências especiais são minuciosas, engendradas e recônditas (a noção de ‘um

experimento’), aquelas que guiam a especulação metafísica são “observações tais como

sucedem dentro do âmbito da experiência normal de todo homem ... observações que

escapam ao olho destreinado porque permeiam nossas vidas todas, assim como um homem

que nunca tira seus óculos azuis logo cessa de ver a matiz azul” [C. P. 1.241]. Peirce

sustenta que essas distinções de nosso mundo experienciado são difíceis de discernir por

causa de sua onipresença; não temos contexto de fundo contra o qual observá-las. Assim

como não estamos normalmente conscientes do nosso batimento cardíaco, não estamos

normalmente conscientes das características mais penetrantes do mundo em que vivemos.

Adicionalmente a esses perfis onipresentes da experiência há também “idéias e

crenças do senso comum que a situação de um homem absolutamente força sobre ele” [C.

P. 1.129], idéias e crenças das quais nem duvidamos, nem com as quais assentimos, e que

Peirce conjetura foram consolidadas por seleção natural. Esses dois conjuntos de fatos

cotidianos guiam a construção de um relato descritivo dos traços mais gerais da realidade

que Peirce identifica como ‘metafísica científica’. Além do mais, essa imagem metafísica

do mundo não apenas faz parelha com a imagem do mundo transmitida pelas ciências

especiais, mas suplementa ou mesmo fornece uma base sólida de diversos modos

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importantes: “as ciências especiais são obrigadas a admitir como certo um número das mais

importantes proposições porque seus modos de trabalhar não fornecem meios de submeter

essas proposições ao teste; em suma, elas sempre repousam sobre uma metafísica ... só o

filósofo é equipado com as facilidades para examinar tais ‘axiomas’ e determinar o grau em

que a confiança pode seguramente ser depositada neles” [C. P. 1.129]. De fato, a metafísica

científica de Peirce desempenha uma variedade de papéis fornecendo uma base sólida para

e estendendo sua imagem científica global do mundo.

Em primeiro lugar e antes de tudo está questão do estatuto de nossas crenças

ordinárias acerca do mundo baseadas na percepção face à abordagem científica do mundo.

Parece claro que Peirce é um realista tanto relativamente a entidades quanto relativamente a

leis, no que concerne a teorias científicas: “as coisas que a ciência descobre estão além do

alcance da observação direta; não podemos ver a energia, nem a atração da gravitação, nem

as moléculas voadoras dos gases ... nem as explosões nas células nervosas – são apenas as

premissas da ciência, não as suas conclusões, que são diretamente observadas” [C. P. 6.2].

Em contraste com o empirismo extremo de James, Peirce aceita realisticamente “as

tentativas de explicar elementos dados fenomenalmente como produtos de entidades mais

profundamente enraizadas” [C. P. 8.60]. Já que é a natureza da explicação científica

explicar os perfis do mundo que estão mais diretamente disponíveis a nós em termos de

entidades, estruturas e processos subjacentes, se tais devem ser explicações reais, nós

estamos comprometidos com suas postulações como perfis reais do mundo. Além do mais,

Peirce claramente reconhece que esta imagem científica do mundo pode ser bem diferente

do mundo familiar do senso comum: “a ciência moderna, com seus microscópios e

telescópios, com suas química e eletricidade ... nos colocou em um mundo todo outro,

quase tanto como se tivesse transplantado nossa raça para outro planeta” [C. P. 5.513].

Essa visão realista das leis e entidades científicas afirma uma questão crucial – essa

imagem científica do mundo, constituída pela construção realista de suas entidades,

estruturas e processos postulados, compromete-nos com a falsidade de nossa imagem de

mundo do senso comum que aparentemente envolve traços bem diferentes? As duas tábuas

de Eddington lembram-nos que nossos juízos perceptivos ordinários podem ser bem

diferentes de crenças científicas. Essa questão é particularmente aguda para Peirce, já que

sua demarcação do método científico relativamente a outros métodos de fixar a crença

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depende crucialmente de juízos perceptivos ordinários monitorando o mecanismo de

retroalimentação que guia a autocorreção da ciência. Em conformidade, o método científico

parece depender da confiabilidade, se não da verdade, dos juízos perceptivos ordinários sob

condições padrão. Logo, se nossa imagem científica do mundo colocasse em questão

nossos juízos perceptivos ordinários sobre o mundo, seríamos confrontados com uma

tensão interna que ameaçaria desenredar a visão toda.

Minha sugestão é que este é o primeiro lugar onde a metafísica científica de Peirce

fornece bases para a sua imagem científica do mundo. A relação da concepção ordinária de

mundo constituída pela percepção com a concepção científica do mundo não é aquela da

falsa com a verdadeira, mas antes a da vaga com a precisa. Ambas são confiáveis em seu

próprio nível simultaneamente, em uma maneira que permite a Peirce manter sua

demarcação empírica do método científico relativamente a outros métodos de fixar a

crença, enquanto ao mesmo tempo acolhe uma interpretação realista da teorização

científica.

A habilidade de Peirce para se movimentar entre os extremos de um empirismo e de

um cientificismo redutivos está em sua abordagem da formação dos conceitos, que abrange

tanto a percepção quanto teorias científicas. Em sua abordagem, nossas várias

conceitualizações do mundo não são simplesmente dadas, mas são o resultado de processos

mentais construtivos, processos que têm os mesmos traços formais tanto no caso de crenças

perceptivas normais quanto no de construção de teorias científicas. Em ambos os casos a

questão é pensar um simples predicado (seja ele “vermelho” ou “elétron”) que reduza o

múltiplo da experiência a algum tipo de unidade. Os processos mentais que geram todas as

nossas conceitualizações do mundo, da mais geral a mais precisa, são inferenciais por

natureza e a forma específica da inferência envolvida nesse momento gerativo é a abdução:

“juízos de percepção devem ser considerados como o caso extremo de inferências abdutivas

das quais diferem por estar absolutamente além da crítica” [C. P. 5.181]. É com essas

considerações em mente que Peirce fala de juízos de percepção ordinários e de teorias

científicas como ambos sendo hipotéticos por natureza.

É claro que há enormes diferenças entre o reconhecimento imediato de cores e

formas e abordagens científicas da carga de um elétron ou da estrutura do gen, mas a

diferença não é uma de forma lógica; os processos envolvidos em ambos os julgamentos

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têm a mesma estrutura inferencial abdutiva. Trata-se apenas de que as ‘inferências’ de

percepção são inconscientes, indubitáveis e não estão diretamente sujeitas à crítica

constante.

Como produtos hipotéticos de processos abdutivos ambas as ordens de ‘conceitos’

são obviamente falíveis, mas há um sentido claro para Peirce em que nossos juízos

perceptivos ordinários são indubitáveis e confiáveis. São indubitáveis porque estão abaixo

do nível de reflexão crítica, e são confiáveis porque estão fundados sobre “a totalidade da

experiência cotidiana de muitas gerações de numerosas populações” [C. P. 5.552]. Claro

que não segue do fato de que são indubitáveis que são incorrigíveis (relatos de percepção

posteriores podem entrar em conflito com eles de tal modo em que posso inferir que os

primeiros estavam errados), nem do fato de que são geralmente confiáveis que são

verdadeiros. Não obstante, são indubitáveis e confiáveis e como tais são as pedras de toque

da inquirição.

O estatuto epistêmico positivo desses juízos perceptivos ordinários é circunscrito

por dois fatores: primeiro, que seu papel primário está em guiar nossas interações ordinárias

com nosso meio, e segundo, seu estatuto como “invariavelmente vagos” [C. P. 5.446]. Sua

esfera própria de autoridade epistêmica é com respeito aos mais toscos perfis da vida

ordinária e obscurece conforme perseguimos a especulação esotérica. Por outro lado, se o

estatuto epistêmico de nossos juízos de percepção ordinários é circunscrito por sua

vagueza, aquele de nossos juízos científicos é circunscrito por sua idealidade. Peirce

entende que ‘explicar é simplificar’, e nos insta a ter isso em mente ao formarmos nossas

atitudes para com as conclusões das nossas ciências: “devido à necessidade de fazer teorias

muito mais simples do que os fatos reais somos obrigados a ser cautelosos ao aceitar

quaisquer de suas conseqüências extremas, e também a estar em guarda contra suas

refutações aparentes baseadas em tais conseqüências extremas” [C. P. 7.96]. Dadas essas

advertências, é razoável aceitar juízos de percepção em sua vagueza e ainda acreditar que

nossas teorias científicas, em sua idealidade, nos dão sim acesso às estruturas reais das

coisas.

Como isso é possível? A perspectiva parece ser a de que juízos perceptivos

ordinários em condições normais são guias confiáveis para os perfis gerais do mundo no

qual vivemos. Apesar de toda sua vagueza, “eles respondem aos nossos propósitos gerais”

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[C. P. 6.494] e dentre tais propósitos estão a identificação de dados temas de inquirição

científica e a identificação de âmbitos de fenômenos que possam confirmar ou falsificar

nossas teorias científicas. A teorização científica, entretanto, vai além dessas identificações

vagas em termos tanto de discriminação quanto de precisão. Na teorização, um novo nível

de análise é obtido e as categorizações, para as quais temos boas razões para pensar que são

confiáveis em um nível macroscópico, podem não se aplicar em um nível microscópico,

por exemplo, “é totalmente aberto à dúvida razoável se os movimentos dos elétrons estão

confinados a três dimensões” [C. P. 5.445].

Segundo esta perspectiva, do fato de que a abordagem científica completamente

diferente, porque mais precisa, é verdadeira, não segue, absolutamente, que a

conceitualização original guiada pela percepção seja falsa. Ao contrário: cada uma delas é

verdadeira (ou ao menos confiável) em seu nível, e dado o papel da percepção na origem e

na confirmação das teorias científicas, o sucesso da ciência pareceria depender de o mundo

ter “a característica de poder ser explorado e progressivamente entendido por meio de

idéias vagas, sob somente a condição de que elas possam ser tornadas suficientemente

precisas; nesse sentido a vagueza é uma característica tão patente do mundo objetivo

quanto a precisão” [C. P. 5.552]. Além do mais, é crucial para a ciência que isto seja assim.

A teorização científica desenvolve-se dentro de nossas interações ordinárias com o mundo

guiadas pela percepção, de um modo tal que o estatuto epistêmico de ambas está

inextricavelmente entretecido. Seu papel ao provisionar esta fundação para uma visão

sinótica parece-me ser o modo básico em que a metafísica científica de Peirce sustenta as

condições de possibilidade da ciência.

O segundo ponto em que a metafísica científica de Peirce suporta sua abordagem da

explicação científica é com respeito ao discernimento criativo e com respeito àqueles

princípios regulativos que guiam a seleção abdutiva antecedente da teoria. Peirce distingue

dois momentos da abdução: primeiro, o momento puramente criativo em conexão com a

origem das conjeturas que produzirão a lista das possíveis explicações do âmbito de

fenômenos sob consideração. Esse momento de ‘descoberta’ é basicamente um assunto da

imaginação criativa de algumas pessoas. Alguns indivíduos excepcionais, ao serem

confrontados com uma disposição intrincada de fenômenos, são capazes de imaginar

estruturas tais que os fenômenos em questão tornar-se-iam inteligíveis fossem essas

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estruturas as causas subjacentes. Peirce considera essa habilidade em termos de instinto

natural, e não pensa que ela possa ser reduzida a fórmulas ou regras de procedimento. Mas

se concebermos a abdução como a proposta de uma hipótese explanatória para

consideração séria, há mais na abdução do que ‘descoberta’ estritamente construída. O

segundo momento surge do fato de que podem muito bem emergir diversas hipóteses

sugeridas que igualmente bem ‘expliquem’ os fatos. Se devermos avançar com a tarefa da

ciência, devemos selecionar da lista de possíveis explicações aquelas que devemos

considerar seriamente e então efetuar uma ordenação delas segundo a preferência. Peirce

pensa que este momento do processo abdutivo, o momento da escolha teórica antecedente,

é guiado por princípios e ainda mais especificamente que “é à luz de uma metafísica

própria... que alguém considera quais hipóteses diferentes têm alguma pretensão à

investigação” [C. P. 7.83]. Aqui Peirce propõe seus ‘princípios de economia da pesquisa’, o

primeiro dos quais é o princípio da simplicidade, interpretada não como simplicidade

lógica, mas como simplicidade natural, pela qual ele quer dizer que aquelas hipóteses que

“naturalmente recomendam-se a si mesmas à mente e forçam sobre nós a impressão de

simplicidade – que aqui quer dizer facilidade de compreensão pela mente humana – de

aptidão, de razoabilidade, de bom senso” [C. P. 7.220]. Assim como Peirce considerava o

momento inicial em termos do instinto natural para adivinhar corretamente, ele invoca esta

mesma noção de instinto natural como operativa no momento da seleção teórica

antecedente, com a diferença sendo que, no último caso, esse instinto natural pode ser

posteriormente delineado em termos de princípios dirigidos para a descoberta eficiente da

verdade em longo prazo.

Peirce ‘fundamenta’ tal instinto natural cognitivamente crucial em uma história

metafísica amplamente evolucionária. Dados os instintos de sobrevivência no restante do

reino animal, e dado que a habilidade de adivinhar corretamente têm óbvio valor de

sobrevivência para criaturas cognitivas como nós, o primeiro pensamento de Peirce é que

não seria inconcebível pensar que nossa espécie também teria aqueles instintos necessários

para a continuação efetiva de nosso modo de distintivo de vida e que nós, os sobreviventes,

teríamos essa habilidade de adivinhar corretamente em um grau considerável [C. P. 6.476].

Seu segundo pensamento mais refinado é que essas habilidades cognitivas tornar-se-iam

melhor inteligíveis se suspeitarmos que as disposições da mente inquiridora sejam

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constituídas pelo desenvolvimento evolutivo da natureza: “se o universo conforma-se com

qualquer aproximação à exatidão para certas leis altamente penetrantes, e se a mente do

homem desenvolve-se sob a influência dessas leis, é de se esperar que ele deva ter uma ‘luz

natural’, ou ‘luz da natureza’, ou ‘discernimento instintivo’, ou gênio tendendo a fazê-lo

adivinhar aquelas leis acertadamente ou quase acertadamente” [C. P. 5.604]. Sendo

produtos da natureza, teríamos pronto acesso a seus segredos. Esta visão metafísica total é

recomendada por sua habilidade em tornar inteligível este perfil da inquirição científica.

O terceiro ponto em que a metafísica científica de Peirce fornece as bases de sua

abordagem da inquirição científica diz respeito à questão geral ‘realismo’ em todas as suas

aparências. Peirce sentiu fortemente que a abordagem anti-realista de leis, forças,

disposições e modalidades, proferida por positivistas tais como Pearson e Mill, tornava

ininteligível a estrutura efetiva da explicação nas ciências. Ele mantinha que a prática

científica efetiva exigia a distinção entre generalizações empíricas e leis científicas reais, e

que sem um comprometimento metafísico com a realidade de disposições e modalidades

seria impossível manter uma tal distinção. Ele usa sua própria ilustração precoce da

máxima pragmática (onde ele argumentava que não fazia sentido real chamar de “duro” um

diamante que nunca esteja em uma posição para ser colocado à prova) como um exemplo

de uma disposição mental positivista que não se ajusta bem à prática científica. Sua visão

madura, com respeito a esse caso familiar, é que o diamante ‘resistiria’ à pressão se testado,

e que esta condição contrafatora produzia a conclusão de que “o diamante é duro como um

fato positivo” [C. P. 8.207]. Identificar um certo objeto como um diamante é concebê-lo

como um certo tipo de coisa tendo uma estrutura definida, tendo certas propriedades

essenciais, das quais “acredita-se que a dureza seja inseparável” [C. P. 5.457]. Qualquer

diamante tem de fato uma estrutura que fundamenta propriedades dispositivas reais que,

manifestas ou não, envolvem possibilidades e necessidades objetivas reais no mundo. Estas,

por sua vez, fundamentam leis científicas reais em oposição às meras generalizações

empíricas. A análise proposta pela máxima pragmática não elimina ou reduz disposições,

forças ou modalidades, mas simplesmente nos dá um modo de expressar nossos conceitos

delas de maneira em que possamos diferenciar suas instâncias reais de ficções.

Ele indica um ponto similar com respeito às probabilidades. Dizer que um certo

lance de um dado tem uma certa probabilidade é prescrever ao próprio dado um certo

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‘seria’ que possa ser pensado em analogia com um hábito ou disposição que nós, como

agentes, poderíamos ter. O fato de tal propriedade dispositiva dever ser explicada em

termos de comportamento “não implicará em si mesmo que o ‘seria’ do dado consista em

tal comportamento” [C. P. 2.664]. Assim, as leis da ciência, tanto as necessárias quanto as

probabilísticas, convidam a uma visão metafísica do mundo como não meramente a soma

de particulares, mas como contendo “modalidade real, inclusive necessidade e

possibilidades reais” [C. P. 6.457]. É a metafísica científica de Peirce que explica e suscita

a ocasião para essas noções modais para a nossa imagem enriquecida do mundo natural.

Estes primeiros três pontos em que a metafísica científica de Peirce fornece as bases

para, ou completa, a sua abordagem da investigação científica, podem ser pensados como

se se dirigindo às ‘condições de possibilidade da ciência’, mas se nutríssemos tal

pensamento, teria de ser de uma forma moderada, em comparação ao mais heróico projeto

kantiano. A menos que estejamos tentados a considerar esses postulados metafísicos como

‘condições a priori’ ou ‘pressuposições indispensáveis’, Peirce nos adverte contra uma tal

construção. Elas não são ‘crenças’ plenas, mas antes, esperanças. Filósofos desonrosos de

inclinação transcendental, ele observa: “eu reduzo a indispensabilidade de seus postulados

completamente desde a universalidade até o caso singular que aconteça de aparecer; e

mesmo então, não admito que a indispensabilidade seja algum fundamento de crença” [C.

P. 2.113]. O estatuto desses postulados metafísicos que forneceriam as bases à inquirição

científica, ele compara às assunções relativas à distribuição de cartas feita no jogo de

bridge, em favor de um jogador preparando sua única possibilidade de ganhar a rodada:

‘tudo o que a lógica garante é uma ‘esperança’ e não uma ‘crença’” [C. P. 2.113].

O quarto ponto em que sua metafísica figura em sua visão ampla é muito mais

geral, nomeadamente, como a extensão especulativa da ciência em uma superabrangente

visão de mundo. Ao passo que os três primeiros pontos da reflexão metafísica podem ser

pensados como ‘prévios’ à ciência, este quarto poderia ser visto como ‘posterior’ à ciência

à medida que prioridade ou posteridade sejam consideradas em um sentido lógico, e não

construídas de qualquer maneira rápida e tosca. Peirce descreve este momento de

especulação metafísica como segue:

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Assim brevemente minha filosofia pode ser descrita como a tentativa de um

físico de fazer tal conjetura acerca da constituição do universo quanto os métodos

das ciências possam permitir com a ajuda de tudo o que já foi feito por filósofos

anteriores. Devo sustentar minhas proposições com tais argumentos conforme

possa. Prova demonstrativa não deve ser considerada. As demonstrações dos

filósofos são todas fantasias. O melhor que pode ser feito é fornecer uma hipótese,

não isenta de toda probabilidade, na linha geral de crescimento das idéias

científicas, e capaz de ser verificada ou refutada por observadores futuros [C. P.

1.7].

Sua objeção aqui não é à metafísica, mas à pretensão de demonstrações, e seu propósito é

que a especulação metafísica, no sentido da construção de uma visão de mundo completa,

deveria “tomar nota de todas as idéias de valor em cada ramo da ciência, deveria observar

em que sentido cada uma teve sucesso e onde falhou, de modo que, à luz da completa

familiaridade assim alcançada dos materiais disponíveis para uma teoria filosófica e a

natureza e a força de cada uma, ele possa proceder no estudo de em quê o problema da

filosofia consiste e na maneira apropriada de solucioná-lo” [C. P. 6.9].

Para encontrar sentido em nós mesmos, no universo em que habitamos e no nosso

lugar nele, temos de ir além da ciência para construir uma perspectiva metafísica que

provesse uma tal visão interpretativa. Isso absolutamente não seria contrário à ciência, mas

em vez disso, uma extensão especulativa da ciência, onde a extensão seja guiada pelas

outras dimensões de nossa experiência que estão além do alcance da ciência, mas nas quais

a inquirição científica está embutida. Isto inclui não apenas nosso mundo comum da

percepção, mas também nosso mundo vivido multidimensional, inclusive nossos

sentimentos e aspirações. É importante sublinhar o ponto de que, para Peirce, esta

superabrangente imagem metafísica da realidade não é absolutamente ‘contrária à ciência’,

mas antes uma extrapolação enriquecida a partir da ciência: “a metafísica vale-se de

algumas das mais grandiosas generalizações da física, ou mais freqüentemente da

psicologia, não como um princípio governante, mas como um mero dado para uma ainda

mais vasta generalização” [C. P. 3.428]. Além do mais, não é meramente uma

‘generalização’ a partir da ciência porque alguns dos traços mais gerais da visão metafísica

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de mundo são extraídos da visão do senso comum conceitualmente prévio, mas esses traços

são completados pela inferência a partir da melhor informação científica disponível.

Peirce passou seus últimos anos desenvolvendo exatamente uma tal vasta visão

metafísica de mundo. Em termos os mais gerais, a perspectiva de Peirce é claramente uma

de um processo evolucionário por meio do qual “todo o universo está se aproximando no

futuro infinitamente distante de um estado cujo caráter geral é diferente daquele para o qual

olhamos para trás no passado infinitamente distante” [C. P. 1.362]. Os traços mais gerais

dessa metafísica evolucionária, ele nomeia com os termos ‘tiquismo’, ‘sinequismo’ e

‘agapismo’.

Por “tiquismo”, ele entende simplesmente a visão de que “o acaso absoluto é um

fator no universo” [C. P. 6.201], e ele defende essa caracterização geral do universo contra

várias formas de mecanicismo e determinismo que foram pressupostos ser parte da imagem

científica de mundo estritamente construída. O ponto geral de Peirce é que o caráter de lei

do universo não é um explicativo irredutível, mas ele mesmo algo a ser explicado, e que

simultaneamente o ‘acaso’ ele mesmo não é a explicação da lei, é uma precondição

necessária de uma abordagem evolucionária do desenvolvimento das leis no tempo. Em

busca de um modelo para a noção da formação gradual das leis no tempo, Peirce agarra-se

ao fenômeno psicológico da formação de hábitos em que um padrão de comportamento

previsível gradualmente se solidifica, reduzindo, mas não eliminando a liberdade genuína.

Sobre esse modelo ele constrói o desenvolvimento das leis da natureza como um processo a

partir de uma indeterminação primordial para fixidez, no limite ideal, com o elemento do

puro acaso presente em qualquer tempo dado. Ele “usa o acaso para dar espaço ao

desenvolvimento da lei por meio da lei dos hábitos” [C. P. 6.606]. Ele reforça este

argumento explicativo geral para o tiquismo com a consideração empírica de que todas as

nossas observações do universo em um nível macroscópico sugerem que os eventos do

universo são do feitio da lei apenas em um certo grau de aproximação [C. P. 6.46], uma

conclusão alcançada ainda mais surpreendentemente no nível microscópico, onde temos

boas razões para “a dúvida séria de se as leis fundamentais da mecânica valem para átomos

singulares” [C. P. 6.11]. Finalmente, ele considera que a variedade e a diversidade óbvias

no universo podem ser mais bem explicadas pela hipótese do tiquismo: “por assim admitir a

pura espontaneidade, ou vida, como uma característica do universo, agindo sempre e em

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todo lugar e, embora restringida dentro de fronteiras estreitas pela lei, produzindo saídas

infinitesimais da lei continuamente e saídas grandes com infreqüência infinita, explico toda

a variedade e diversidade no universo no único sentido em que o realmente sui generis e

novo pode ser dito ser explicado” [C. P. 6.59].

O “sinequismo” como uma tese metafísica (também é uma tese metodológica) é

definido como a doutrina segundo a qual “todas as coisas fluem em contínuos” [C. P.

1.171], uma generalização do coração da idéia do cálculo que é “a chave mestra que

destranca os arcanos da filosofia” [C. P. 1.163]. Peirce especifica esta tese metafísica em

termos da continuidade do espaço, da continuidade do tempo, da continuidade da

consciência e finalmente da continuidade de todas as coisas.

A via de acesso de Peirce à continuidade do espaço é por meio dos paradoxos de

Zenão; ele argumenta que os paradoxos surgem de uma concepção inadequada da

continuidade radical do espaço. Dizemos que o espaço é contínuo, mas continuamos a

pensá-lo como um agregado de unidades discretas. Na concepção de Aquiles passando por

uma série determinada de segmentos de linha é presumida uma métrica em cujos termos a

posição de Aquiles é sucessivamente definida. Mas visto que uma métrica é um sistema de

valores discretos, ela introduz a ficção de que há pontos discretos sobre a linha

correspondendo aos seus valores. É essa ficção que gera os paradoxos, já que solicita à

perspectiva segundo a qual o espaço é um contínuo composto de partes últimas: “todos os

argumentos de Zenão dependem de supor que um contínuo tem partes últimas – mas um

contínuo é precisamente que cada parte dele tem partes no mesmo sentido” [C. P. 3.335].

Longe de reduzir ao absurdo a visão de que o espaço é um contínuo, os paradoxos nos

lembram justamente quão radicalmente contínuo é o espaço.

O argumento de Peirce para a continuidade do tempo está no mesmo espírito. Tendo

argumentado que devemos estar imediatamente conscientes do passado, visto que a visão

de que todo o nosso conhecimento do passado é uma questão de uma inferência a partir do

presente que gera um regresso, ele continua a argumentar que a continuidade do temp0o é

uma condição necessária para o fato de que estamos imediatamente conscientes do passado.

Se o tempo fosse composto de instantes discretos, seguir-se-ia que a consciência imediata

de qualquer instante passado envolveria a consciência imediata de todos os instantes

passados, uma capacidade claramente contrária aos fatos. Isso seguiria porque, se o estado

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precedente ao presente, digamos, por meio segundo, estivesse ainda imediatamente

presente ante a mim, então, segundo o mesmo princípio, o estado precedendo-o também

estaria imediatamente presente e assim sucessivamente ad infinitum. Teríamos de ter uma

consciência imediata de cada estado mental que seja passado por algum número finito de

unidades de tempo. O único modo possível de um estado passado não mais estar ipso facto

presente seria para ele ser mais passado do que qualquer número finito de unidades de

tempo. Isso seria possível apenas se o tempo fosse contínuo: “aqui, então, parece-me, temos

uma razão positiva e tremendamente forte para acreditar que o tempo realmente é contínuo”

[C. P. 1.169].

O outro lado da tese da continuidade do tempo é a continuidade da consciência,

visto que o argumento de que o tempo é contínuo é um argumento para o efeito de que

“estamos imediatamente cônscios através de um intervalo infinitesimal de tempo” [C. P.

6.110]. De fato, Peirce sustenta que percebemos diretamente a continuidade da consciência:

“minha noção é que nós percebemos diretamente a continuidade da consciência e se

qualquer um objetar que aquilo que não é realmente contínuo pode ‘parecer’ ser assim, eu

replico ‘mas não poderia parecer assim se não houvesse alguma consciência que assim

seja’” [C. P. 6.182].

Visto que a distinção entre aparência e realidade não pode ser invocada neste caso,

devemos reconhecer que a consciência é contínua. Dada a continuidade do espaço, do

tempo e da consciência, Peirce conclui para o efeito de que “a realidade da continuidade

uma vez admitida, razões há, diversas razões, algumas positivas, outras apenas formais,

embora não desprezíveis, para admitir a continuidade de todas as coisas” [C. P. 1.169].

O “agapismo” é a terceira das visões de metafísica especulativa de Peirce, e ele a

define como “evolução por amor criativo” [C. P. 6.302]. Isso é uma especificação do tipo

de processo evolucionário pelo qual o universo como um todo está passando. Dos três

possíveis modelos para a evolução geral do universo, por exemplo, (1) evolução por

variação fortuita, (2) evolução por necessidade mecânica, e (3) evolução por amor criativo,

Peirce defende a última. Esse modelo de evolução é uma síntese de criatividade e

legibilidade em uma estrutura teleológica geral que sugere um ponto e um objetivo a todo o

processo cósmico.

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Tiquismo, sinequismo e agapismo claramente apontam a direção de algum tipo de

idealismo, e Peirce é descarado ao caracterizar sua perspectiva metafísica total como

‘idealismo objetivo’: “a única teoria inteligível do universo é aquela do idealismo objetivo,

a de que a matéria é mente efetiva, hábitos inveterados tornando-se leis físicas” [C. P.

6.25]. As considerações que motivam o assentimento parecem ser estas: já que o dualismo

corre contra seu princípio de continuidade e ele pensa que a tese do ‘emergentismo’ é

misteriosa, as opções são reduzidas ao materialismo ou ao idealismo. Visto que nosso

acesso ao conceito de ‘material’ se dá por meio de leis, a questão central torna-se a da

redução. O idealismo de Peirce, então, desce à reivindicação de que as leis psíquicas são

primitivas e as leis físicas derivadas, em vez de vice-versa: “ao invés de supor que a mente

é governada pela cega lei mecânica, [o idealismo] supõe que a única lei original é a lei da

mente, da qual as leis da matéria são consideradas como meros resultados especiais” [C. P.

6.277].

Enquanto essa grandiosa visão metafísica é especulativa ao extremo em termos de

seu conteúdo, é ‘modestamente’ especulativa em termos de grau de assentimento. Seu

estatuto é o de uma hipótese explicativa extremamente falível, uma conjetura, um palpite

sobre o enigma da esfinge: “a tentativa de um físico de fazer tal conjetura acerca da

constituição do universo quanto os métodos das ciências possam permitir” [C. P. 1.7]. A

visão considerada de Peirce é que a metafísica, moderada na maneira em que ele delineou,

não pode ser evitada; pode-se apenas comprometer-se com ela, refletidamente e bem, ou

irrefletida e pobremente: “então, ao invés de meramente escarnecer da metafísica como

outros prope2-positivistas, seja com paródias há muito esvaziadas ou de outra maneira, o

pragmatista extrai dela uma essência preciosa que servirá para dar vida e luz à cosmologia e

à física” [C. P. 5.423].

2 N.T.: o prefixo é latino, e pode ser funcionar tanto adjetiva quanto prepositivamente. Em ambos os casos tem o sentido de “próximo, perto de; proximamente; quase”, seja no tempo ou no espaço.